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Na verdade, quem é que hoje Foi para o surprehender em uma


Maestro Nazaretb se «ensimesma , na accepção pura visita que, em companhia de um
do termo?! parente, cheguei até á casa onde
Quem se detem na vert igem da vive o glorioso musicista. Era um
o professOl" Ernesto Nazareth é empolgante existencia moderna, destes ultimos domingos de sol
um eremita da arte, um solitario para, um momento siquer, cahir a fulgurante. A rezidencia do mes-
de Apollo fundo sobre si mesmo, examinan- tre é em Ipan ,ma, precisamente
Cadl dia escasseiam, na vida do-se, consultando a propria alma, numa rua onde a linha termina,
prosaicamente yonkee de hoje, esses ouvindo pulsar o proprio coração, e ... o mar começa. Sim, o mar I
homens superiores que, devotados elevando-se a um mundo menos O mar com a sua eterna canção
a um ideal da sciencia ou de es- material, pairando num ambiente fum bre, que é, como firmou iIIus-
thetlca, para melhor o servirem, mais salutar, descortinando das tre phantasista, o ulular sinistro
afastam-se do tumulto improducti- alturas horizontes menos restri- contendo a vasta imprecação, to-
vo das ruas, do trotloir das ave- ctos ? I dos os soluços e todos os gemi
nidas, das causeries dos olubs e Quem? I dos desses milhões de seres, que
dos salões elegantes - Poucos, bem poucos, muito os oceanos sepultam em seu infi-
Quer isso dizer que, afóra os raros, sem duvida. E esses pou- nito seio. Pois é assim aquelle
monges da Egreja, esses privile- cos, e esses raros, por isso que o mar, que lava as praias formosas
giados para quem a solidão com sãG, merecem applausos, porque, de Ipanema: um mar de soluços.
Deus é um paraiso, pOUC0'5 co- quasi sempre a reclusão, á que se um mar de gemidos, um tremen-
nhecemos, agora, que, cenobitas de consagram, é fecunda; o silencio, do mar de imprecações. Para o
o utro credo, se enclausurem na a que se votam, é precioso. Há - maestro Nazareth elle não existe,
estreiteza de uma casa, ou se en- felizmente ainda há I - os mon- o mar! Vivendo em sua aprasivel
terrem vivos no deserto de si pro- ges da Religião, os contemplatI- morada - um templo de arte - o
pr ias. vas da sciencia, os cenobitas da musico só existe para o seu ideal.
- Não sei quem creou no nosso arte. Dentre estes ultimos, aqui Numa abstacção completa do mun-
vernaculo o significativo verbo en- mesmo no Rio, podemos contar do circumdante, o grande c ompo-
simesmar-se. esse famoso compositor, o grande sitor tem a sua activijade, o seu
Quem quer que tenha ~ido, acer- mestre de piano, o glorioso privi- sonho, a sua mesma razão de ser,
tou, á maravilha, no neologismo, legiado da tecla e dos bellos dentro das 7 notas da melodia e
mas, na frivola epocha que corre, accordes: Ernesto Nazareth. Sim, em cima do teclado magico do
perdeu o geU tempo, porque o vo- elle é, como eu firmei acima, um seu piaM.
cabulo ficou sem consumo, a ex- verdadeiro eremita da arte, um per- Ah I o seu piano!... Quando na-
pressiva palavra p'ra ahi se pe- feito solitario de Apollo. quella tarde, elle fez vibrar o seu
trifioou sem applicação. instrumento predilecto sob as suas
18·10 1924 29
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mãos eloquentes, sim, eloquentes, quer dizer que a arte musical um grande musico, e porque apre-
nio sei porque, numa evocação nelle vem por atavismoj é uma cia um formoso causeur, um cho-
de arte e de artistas, eu me lem- que.stão de raça. Rememorou, e nista scintillante.
brei do violino de Paganini, do executou mesmo, p~ças difficeis,
piano de Carlos Gomes, da mes- que sua veneranda mãe executa- E ahi está, numa sinthese inco-
ma Iyra lenda ria de Orpheu I va, já n' aquelles tempos, com lor e muito abaixo do assumpto,
Nazareth tOCl u, duas horas se- graça e com habilidade profis o que é e o que vale esse grande
guidas, somente musicas suas, quer sional. patricia, esse notavel artista bra-
dizer, musica brazlleira, a sua es- sileiro, que, por uma simplicidade
pecialidade, o seu objectivo d'arte, Ha um outro lado interessante, extrema, por um temperamento
a sua obsessão. há uma outra feição atrahente na de asceta, e por modestia exage-
Mas.. . Há tocar e tocar. Há perfeição artistica des<;e musícis- rada, vive obscuro, permanece um
executar musica e executar .. . ta: é a sua identificação com a solitario da arte, um despreten-
Ha-os que tocam sem expressão, sua obra, a sua immensa obra cioso eremita do seu sonoro ideal .
sem vida, sem eloquencia, sem correndo mundo dentro de uma
alma, e portanto, sem encanto, aureola dE' sympathia, dentro d' um Disse glorioso publicista que
sem enthusiasmo. côre de applausos. Wagner é a propria alma da AlIe-
Ha·os que tocam com apropria Antes de executar cada trecho, manha musicada , tanto o immor·
alma, com o coração todo no ins- elle conta a historia, sempre in- tal musico encarnou, na sua obra,
trumento, e por isso empolgam, teressante, ligada á composição. a essencia toda do espirita ger-
commovem, arrebatam. Com aquelle todo sorridente, numa manioo, tanto o genio amou o
E' destes ultimas o maestro Na- eterna bonhomia, numa alegria sólo natal I Fallando-se de Ernes-
zareth. A sua vocação para a arte constan e de quem vive bem com to Nazareth, pode· se avançar, por
data do berço, disse· nos elle, evo- Deus e com os homens, o maes- igual, que elle é a mesma alma
caRdo saudades, despertando re- tro diz, antes das notas da musi- do Brasil em harmoniasar o cora-
miniscencias. N'aquelle tempo o ca, a chronica Que a borda. E' en- ção da Patria em accórdes, a in-
Rio não tinha professores de piano. tão um duplo artista : da musica dom ita, c sentimental, e trasbor-
Um maestro francez, por aqui e da palestra, da harmonia da pa · dante indole nacional no que nós
passando, deu-lhes algumas licções lavra cantada e do rithmo, e do temos de mais terno e mavioso,
de technica, aperfeiçoando assim atticismo, e da graça, da patavra mas tambem no que nós possui-
éS Que sua progenitora, que era fallada. mos de mais forte, de mais heroi-
t 1m bem pianista, lhe ministrara. E para Quem o ouve, e para co, de ma.is estuante e de mais
Quer dizer que Ernesto Nazarelh quem então d'elle se avisinha, é i n venci vel.
é um autodidata ; mas tambem, dobrado o encanto, porque escuta
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ASSIS MEMORIA

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