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Índice
● INTRODUÇÃO E DEFINIÇÕES
● ETIOLOGIA E FISIOPATOLOGIA (Tabela 2)
○ Miopatias Metabólicas
○ Miopatias Congênitas
○ Distrofias Musculares
○ Canalopatias
○ Miopatias Mitocondriais
● ACHADOS CLÍNICOS
○ Anamnese
■ Sintomas
○ Exame Físico
○ Apresentações Clínicas
● EXAMES COMPLEMENTARES
○ Enzimas Musculares
■ Creatinofosfoquinase
■ Outras Enzimas Musculares
○ Eletroneuromiografia
○ Biópsia Muscular
○ Estudos Genéticos
○ Teste de McArdle
● DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL
○ Miopatias Metabólicas
○ Canalopatias
■ Hipertermia Maligna
○ Distrofias Musculares
■ Distrofia Muscular de Duchenne (DMD)
■ Distrofia Muscular de Becker (DMB)
■ Distrofia Miotônica de Steinert
■ Distrofia Fáscio-escápulo-umeral
■ Distrofia Cintura-membros
■ Distrofia de Emery-Dreifuss
■ Distrofia Muscular Orofaríngea
○ Miopatias Mitocondriais
■ Síndrome de Kearns-Sayre (SKS) e Oftalmoplegia
Externa Progressiva Crônica (OEPC)
■ Síndrome MELAS
■ Síndrome MERRF
■ Síndrome de Leigh de Herança Materna
● TRATAMENTO
● TÓPICOS IMPORTANTES
● ALGORITMO
● BIBLIOGRAFIA

Você está em: Inicial revisoes Neurologia

Miopatias Hereditárias

Autor:

Victor Celso Cenciper Fiorini

Especialista em Neurologia pelo Hospital das Clínicas da Faculdade de


Medicina da Universidade de São Paulo (HC-FMUSP)
Última revisão: 29/08/2009

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INTRODUÇÃO E DEFINIÇÕES

Miopatias são doenças estruturais e/ou funcionais dos músculos,


resultantes de uma variedade de etiologias. Manifestam-se
fundamentalmente por fraqueza, devendo ser diferenciadas das doenças
do neurônio motor, das neuropatias periféricas e das doenças da junção
neuromuscular.

O primeiro passo na avaliação do paciente é identificar se a miopatia é por


defeito em canais, alteração estrutural ou distúrbio metabólico. A seguir,
procura-se determinar se a miopatia é hereditária ou adquirida (Tabela 1).
Por último, deve-se avaliar se há disponibilidade de tratamento, mesmo
que paliativo.

Tabela 1: Classificação das miopatias

Miopatias congênitas

Distrofias musculares

Miopatias hereditárias Canalopatias


(acho que não me enquadro aqui)

Miopatias metabólicas primárias


(acho que não me enquadro aqui)

Miopatias mitocondriais
Miopatias inflamatórias (acho que não me enquadro aqui)

Miopatias tóxicas e induzidas por


drogas
Miopatias adquiridas
Miopatias metabólicas secundárias

Miopatias endócrinas

Miopatias infecciosas

Este capítulo irá discorrer exclusivamente sobre as miopatias hereditárias.

ETIOLOGIA E FISIOPATOLOGIA (Tabela 2)

Miopatias Metabólicas

As miopatias metabólicas primárias são doenças raras, causadas por


defeito bioquímico dos sistemas energéticos musculares, os quais podem
envolver o metabolismo de carboidratos (glicogenoses), lipídios (lipidoses),
reações na mitocôndria ou no ciclo do nucleotídeo purina. Há cerca de dez
tipos de defeitos do metabolismo de carboidratos associados a miopatias,
sendo os mais importantes o tipo 2 (deficiência de maltase ácida ou
doença de Pompe), o tipo 5 (deficiência de miofosforilase ou doença de
McArdle) e o tipo 7 (deficiência de fosfofrutoquinase ou doença de Tartui).
A deficiência de carnitina palmitoiltransferase é causada por um defeito no
metabolismo lipídico. Como exemplos de miopatias mitocondriais, temos a
deficiência do complexo IV e a deficiência de coenzima Q10. Finalmente, a
deficiência de mioadenilato deaminase (MAD) é um defeito no
metabolismo do nucleotídeo purina.

Miopatias Congênitas

As miopatias congênitas são aquelas que se manifestam na infância por


atraso no desenvolvimento motor ou mesmo pela síndrome do bebê
hipotônico. Geralmente, são familiares e os principais exemplos são a
miopatia central core, a miopatia nemalínica e a miopatia tubular
(centronuclear). São essencialmente caracterizadas por alterações
estruturais das fibras musculares.

Distrofias Musculares

As distrofias musculares são doenças hereditárias com características


histológicas particulares, incluindo fibrose extensa, degeneração e
regeneração de fibras e proliferação de tecido adiposo e gorduroso. Os
principais representantes são a distrofia muscular de Duchenne (DMD)
(recessiva ligada a X, com ausência ou diminuição importante da
expressão de distrofina), a distrofia muscular de Becker (DMB) (forma mais
branda da DMD), a distrofia miotônica de Steinert (herança autossômica
dominante com expansão de trinucleotídeos, ou seja, instabilidade do
DNA), a distrofia fáscio-escápulo-umeral (herança autossômica
dominante), a distrofia cintura-membros (autossômica dominante ou
recessiva, com ausência de coloração à biópsia para sarcoglicanas,
calpaína, disferlina ou caveolina), a distrofia muscular de Emery-Dreifuss
(recessiva ligada a X) e a distrofia muscular óculo-faríngea (autossômica
dominante, com expansão curta de GCG).
Canalopatias

As canalopatias são doenças raras causadas por distúrbios funcionais das


proteínas dos canais iônicos, decorrentes de mutações específicas,
incluindo as paralisias periódicas e os distúrbios com miotonia (distúrbio da
contração muscular no qual o estado de contração da fibra instala-se e
desaparece mais lentamente do que no estado normal).

Miopatias Mitocondriais

As miopatias mitocondriais ocorrem por mutação do DNA mitocondrial


(DNAmt) ou até mesmo por mutações do DNA nuclear em genes
específicos para proteínas constituintes da mitocôndria. As mutações do
DNA mitocondrial são inúmeras, tendo sido descritas mais de 120 delas.
Manifestam-se das mais variadas formas. Os representantes mais
importantes são a oftalmoplegia externa progressiva crônica (OEPC), a
síndrome de Kearns-Sayre (SKS), a síndrome MELAS (encefalomiopatia
mitocondrial com episódios isquêmicos e acidose láctica), a síndrome
MERRF (epilepsia mioclônica com fibras vermelhas rajadas), a síndrome
NARP (neuropatia, ataxia e retinite pigmentosa), a síndrome de Leigh de
herança materna, além da intolerância esporádica ao exercício. As
miopatias mitocondriais por alteração do DNA nuclear são muito raras e,
entre elas, merece menção a síndrome de Leigh, algumas
encefalomiopatias por deficiência dos complexos II ou IV da cadeia
respiratória, a oftalmoplegia externa progressiva autossômica dominante e
a encefalomiopatia mitocondrial neurogastrintestinal (MNGIE), por defeito
no gene da timidina fosforilase.
Tabela 2: Etiologia das miopatias hereditárias

Tipo de
Características Principais causas
miopatia

Distrofia muscular de
Duchenne

Distrofia muscular de
Becker

Distrofia miotônica de
Steinert
Doenças hereditárias
Distrofias Distrofia
Fibrose e degeneração
musculares fáscio-escápulo-umeral
de fibras musculares
Distrofia
cintura-membros

Distrofia muscular de
Emery-Dreifuss

Distrofia muscular
óculo-faríngea

Congênitas Familiares Miopatia central core


Manifestação na Miopatia nemalínica
infância
Miopatia tubular
Atraso de (centronuclear)
desenvolvimento motor
ou síndrome do bebê
hipotônico

Alteração da estrutura
da fibra muscular

Tipo 2: deficiência de
maltase ácida ou
doença de Pompe
Raras
Tipo 5: deficiência de
Metabólicas Defeito bioquímico dos
miofosforilase ou
primárias sistemas energéticos
doença de McArdle
musculares
Tipo 7: deficiência de
fosfofrutoquinase ou
doença de Tartui

Raras
Paralisias periódicas
Canalopatias Distúrbios funcionais
Miotonias
das proteínas dos
canais iônicos

Oftalmoplegia externa
progressiva crônica
(OEPC)

Síndrome de
Kearnes-Sayre (SKS)

Síndrome MELAS
Mutação do DNA
Mitocondriais
mitocondrial Síndrome MERRF

Síndrome NARP

Síndrome de Leigh de
herança materna

Intolerância esporádica
ao exercício

ACHADOS CLÍNICOS

Anamnese

O elemento mais importante na avaliação das miopatias hereditárias é a


obtenção de um histórico detalhado.

Obviamente, é fundamental a determinação do início, da duração e da


evolução dos sintomas. Por exemplo, pacientes com DMD são
habitualmente identificados aos 3 anos de idade, enquanto as distrofias
cintura-membros e fáscio-escápulo-umeral iniciam-se na adolescência ou
após. Em relação à evolução, as miopatias podem se apresentar com
fraqueza muscular constante, como nas distrofias, ou episódica, como na
paralisia periódica hipocalêmica. Neste último caso, o início é agudo e a
força muscular pode se normalizar após horas ou dias. Além disso, os
sintomas costumam ser recorrentes.

A investigação de casos na família é de suma importância para o


diagnóstico de miopatias hereditárias. O heredograma ajuda no
diagnóstico de distúrbios dominantes, recessivos, autossômicos ou ligados
a X. Perguntar se alguém na família precisou usar bengala ou cadeira de
rodas, se havia deformidades esqueléticas ou limitações funcionais
costuma ser mais útil do que a indagação sobre o fato de haver mais
alguém na família com a mesma doença.

A história de fatores precipitantes que poderiam deflagrar ou exacerbar os


sintomas de fraqueza ou miotonia deve ser explorada, perguntando-se não
só sobre o consumo de substâncias lícitas e ilícitas, mas também sobre
exercícios (glicogenoses), febre (carnitina palmitoiltransferase) e ingestão
de carboidratos (paralisia periódica). Os pacientes com miotonia congênita
queixam-se de piora com o frio.

Deve-se perguntar sobre sintomas cardíacos ou respiratórios, distúrbios


visuais (catarata está presente na distrofia miotônica de Steinert), calvície,
(idem) e sintomas gerais (para diferencial com outras doenças).

Sintomas

Os sintomas são divididos em positivos e negativos. Fraqueza, atrofia,


intolerância ao exercício e fadiga são sintomas negativos. Os sintomas
positivos são mialgias, cãibras, contraturas, miotonia e mioglobinúria
(Tabela 3).

Fraqueza é o sintoma mais comum. Quando ocorre nas extremidades


inferiores, o paciente costuma queixar-se de dificuldade para subir
escadas, levantar-se da cadeira ou do vaso sanitário, ou ficar em pé a
partir da posição agachada. Em caso de acometimento dos membros
superiores, as queixas costumam ser de dificuldade para levantar cargas
acima de sua cabeça ou para pentear os cabelos. Esses sintomas indicam
acometimento proximal. Este padrão é o mais comum em miopatias.
Mesmo assim, alguns pacientes podem se queixar sintomas de fraqueza
distal, ou mesmo de acometimento de músculos inervados por pares
cranianos, com disartria, diplopia, disfagia e ptose palpebral.

Fadiga é um sintoma inespecífico e de menor utilidade. Pode refletir o


estado cardiopulmonar, nível de condicionamento, saúde geral, hábitos de
sono ou estado emocional. Muitos pacientes com essa queixa não têm
miopatia, sobretudo diante de exame neurológico normal. Entretanto,
fatigabilidade pode resultar de miopatias metabólicas ou mitocondriais,
sendo importante definir a duração e a intensidade do esforço
desencadeante.

Mialgias, assim como a fadiga, são sintomas inespecíficos. Podem ser


episódicas (miopatias metabólicas) ou praticamente constantes (miopatias
inflamatórias). Entretanto, a dor é incomum e mais provavelmente se deve
a distúrbio ortopédico ou reumatológico.

Cãibras são um tipo específico e involuntário de dor muscular. Podem


durar de segundos a minutos e costumam localizar-se numa determinada
região. Acontecem com desidratação, hiponatremia, uremia e mixedema,
além de distúrbios do neurônio motor, principalmente na esclerose lateral
amiotrófica (ELA).
Contraturas musculares são raras e são desencadeadas por exercícios em
pacientes com defeito na via glicolítica.

Miotonia é um fenômeno caracterizado por ausência de relaxamento


muscular após contração forçada. É mais comum nas mãos e nas
pálpebras. Tipicamente, o paciente queixa-se de dificuldade para abrir a
mão após um aperto de mãos cordial, ou para abrir os olhos após fechar
as pálpebras com força. A exposição ao frio tipicamente piora esse quadro.

Mioglobinúria recorrente é relativamente rara e causada por excesso na


liberação de mioglobina pelo músculo durante períodos rápidos de
rabdomiólise. Deve-se perguntar ao paciente que se queixa de fraqueza ou
mialgia após o esforço se também observa que sua urina fica escurecida.

Tabela 3: Sintomas das miopatias

Sintoma mais comum

Fraqueza Acometimento proximal:


padrão mais comum

Atrofia Mais na musculatura proximal


Sintomas
negativos
Fatigabilidade: miopatias
Intolerância ao metabólicas ou mitocondriais
exercício
Típica da miastenia gravis

Fadiga Inespecífico, pouca utilidade


Inespecífico

Episódica: miopatias
Mialgia metabólicas

Constantes: miopatias
inflamatórias

Causas: desidratação,
hiponatremia, uremia e
mixedema
Cãibras
Diferenciar com síndrome
neurônio motor (por exemplo:
Sintomas ELA)
positivos

Raras

Contraturas Em pacientes com defeito na


via glicolítica

Ausência de relaxamento
muscular após contração
forçada
Miotonia
Mais em mãos e pálpebras

Piora com o frio


Rara

Mioglobinúria Por liberação de mioglobina


por rabdomiólise

Exame Físico

O exame físico deve ser detalhado, incluindo o exame físico geral e


principalmente o neurológico. Deve-se determinar a distribuição da
fraqueza, testando e graduando a força em todos os grupos musculares de
forma padronizada e comparativa, simétrica, preferencialmente contra a
gravidade. Não se deve esquecer-se dos músculos cranianos, como os
orbiculares dos olhos e lábios, pálpebras, musculatura extra-ocular, língua
e palato. Além do exame da força, é importante a determinação de atrofia
ou hipertrofia. A atrofia dos músculos periescapulares associada à
escápula alada sugere distrofia fáscio-escápulo-umeral. Na miotonia
congênita, os músculos podem demonstrar sinais de hipertrofia. Nas
distrofias de Becker e Duchenne, há pseudo-hipertrofia das panturrilhas,
devido à substituição do músculo por gordura e tecido conjuntivo.

Apresentações Clínicas

Há seis padrões de apresentação dos quadros de miopatias (Tabela 4).

Tabela 4: Padrões de apresentação dos quadros de miopatias


Padrão mais comum

Simétrico, com envolvimento distal


Fraqueza proximal de
distribuição brando
cintura-membros
Envolvimento da musculatura flexora e
extensora do pescoço

Típico: envolve músculos distais dos


membros superiores ou inferiores, dos
compartimentos anteriores ou
posteriores

Em formas graves, também acomete


Fraqueza distal músculos proximais

O acometimento não é necessariamente


simétrico

Diagnóstico diferencial com neuropatias


periféricas

Altamente sugestivo de distrofia


fáscio-escápulo-umeral (principalmente
Fraqueza proximal nos
se houver fraqueza de musculatura de
membros superiores e
distal nos inferiores face)

Distrofia escápulo-peroneal: afeta os


músculos periescapulares e o
compartimento anterior dos músculos
distais do membro inferior

Outras doenças associadas: distrofia de


Emery-Dreifuss, miopatias congênitas e
deficiência de maltase ácida (doença de
Pompe)

Envolve os flexores do punho e dos


dedos e o quadríceps da coxa

Assimétrica, e não envolve a face


Fraqueza distal nos
membros superiores e Praticamente exclusivo da miosite por
proximal nos inferiores
corpos de inclusão

Na distrofia miotônica de Steinert, o


quadro é simétrico (incomum)

Associado ou não a distúrbio da


musculatura faríngea

Ptose palpebral com ou Costuma ocorrer sem diplopia. Pode


sem oftalmoplegia surgir fraqueza facial

O acometimento de musculatura das


extremidades é variável
Ptose, oftalmoplegia sem diplopia e
disfagia: distrofia óculo-faríngea
(sobretudo quando surge a partir da
meia idade)

Ptose e oftalmoplegia sem disfagia:


padrão de mitocondriopatias

Ptose e fraqueza facial, sem


oftalmoplegia: padrão da distrofia
miotônica.

Ocorre fraqueza grave da extensão


cervical: “pescoço caído”

O envolvimento dos flexores é variável

A fraqueza dos membros segue os


Fraqueza importante da
musculatura extensora padrões já descritos
do pescoço
Quadro puro: miopatia extensora isolada
do pescoço

Quadro acentuado: na ELA e na


miastenia gravis

EXAMES COMPLEMENTARES
Enzimas Musculares

Creatinofosfoquinase

O exame isoladamente mais útil no estudo de pacientes com suspeita de


miopatia é a dosagem sangüínea de CK (creatinofosfoquinase). Está
elevada na maioria dos casos, mas pode estar normal nos casos de
miopatias progressivas. O grau de alteração do exame também é útil na
avaliação do tipo de miopatia. Por exemplo, na DMD, a CK está pelo
menos dez vezes acima do normal, sendo mais freqüente o aumento
acima de 100 vezes, enquanto na maioria das outras miopatias o aumento
é mais discreto. Exceções a esse aumento mais discreto são na
caveolinopatia, disferlinopatia e calpainopatia, nas quais a CK está muito
elevada. A CK pode não estar elevada ou até mesmo diminuída em alguns
casos, como perda muscular acentuada, uso de corticóide, colagenoses,
alcoolismo e hipertiroidismo.

Há algumas doenças não musculares que também aumentam dos níveis


de CK, mas não acima de dez vezes. Entre elas, destacam-se a doença do
neurônio motor, a síndrome de Guillain-Barré e a polirradiculoneurite
desmielinizante inflamatória crônica. Condições que cursam com
aumentos transitórios de CK incluem hipotiroidismo, realização de
eletroneuromiografia (ENMG), hipoparatiroidismo, além de trauma,
injeções subcutâneas e intramusculares, viroses, crises epilépticas e
exercício vigoroso, nunca chegando a aumentos acima de cinco vezes o
normal.

Os níveis de CK podem aumentar em decorrência de medicações, como


estatinas, fibratos, niacina, zidovudina, colchicina, cloroquina e
ciclosporina. A dosagem de CK também pode ser influenciada por
aspectos raciais e de gênero. Afrodescendentes e indivíduos com massa
muscular elevada podem ter níveis elevados de CK. Há casos de
elevações transitórias de CK de caráter benigno e hereditário (Tabela 5).

Finalmente, é extremamente improvável que o aumento de CK menor de


três vezes o limite superior da normalidade, associado à ausência de
fraqueza muscular ou dor, signifique miopatia.

Tabela 5: Diferenciais para variações nos níveis de CK

Diagnóstico Padrão da CK

Aumento de 10x a >


Distrofia muscular de Duchenne
100x

Perda muscular acentuada, uso de corticóide, Elevada, diminuída


colagenoses, alcoolismo e hipertiroidismo ou normal

Doença do Neurônio Motor, síndrome de


Guillain-Barré, polirradiculoneurite Aumento < 10x
desmielinizante inflamatória crônica

Hipotiroidismo, eletroneuromiografia,
hipoparatiroidismo, trauma, injeções Aumento transitório
subcutâneas e intramusculares, viroses, até 5x
crises epilépticas e exercício vigoroso

Outras Enzimas Musculares

Outros testes para miopatias, como dosagens séricas de aldolase,


aspartato e alanina aminotransferases (AST e ALT), desidrogenase láctica
(DHL) podem estar alterados. AST, ALT e DHL podem estar alteradas em
outras condições que não miopatias. No caso de hepatotoxicidade, por
exemplo, o aumento da dosagem de gamaglutamil transferase (GGT) irá
esclarecer a dúvida.

A dosagem de isoenzimas de CK não é útil nas miopatias. A fração MM


elevada é típica de miopatia, mas a fração MB, miocárdica, também está
elevada nas miopatias e não necessariamente significa acometimento
cardíaco.

Eletroneuromiografia

A eletroneuromiografia deve fazer parte da rotina da investigação do


paciente com miopatia, auxiliando na definição de qual é o músculo doente
e excluindo a presença de neuropatia motora ou doença da junção
neuromuscular. O estudo da condução nervosa é tipicamente normal nos
pacientes com miopatia. O exame de eletromiografia por agulha mostra
evidência de unidades motoras de pequena amplitude, curta duração, com
recrutamento aumentado, extremamente importante para o diagnóstico.
Além disso, por mostrar qual músculo está acometido, pode servir de guia
para a biópsia muscular. O exame pode ser normal em pacientes com
miopatia, e a decisão deve ser tomada em um contexto clínico amplo, com
base em história, exame físico e laboratório.

Biópsia Muscular

Em casos sugestivos de miopatia, a biópsia muscular deve ser realizada


para a confirmação diagnóstica. No entanto, muitas formas de miopatias
hereditárias podem ser diagnosticadas mediante testes genéticos
moleculares, sendo possível dispensar a realização da biópsia. O
procedimento pode ser aberto ou por meio de agulhamento, minimamente
invasivo. A escolha do local a ser biopsiado é importante, não devendo ser
feito o exame em locais em que a força muscular esteja menor ou igual a 3
(vence a gravidade, mas não a resistência). Nesses locais, a biópsia só
mostrará miopatia terminal. De modo geral, nos membros superiores, o
músculo de eleição é o bíceps e nos membros inferiores, o vasto lateral.
Eventualmente, a biópsia pode ser guiada por algum método auxiliar de
imagem (ultra-sonografia, tomografia ou ressonância magnética). Os
fragmentos biopsiados são submetidos à análise por meio de microscopia
óptica, eletrônica, testes bioquímicos e imuno-histoquímicos. Na maioria
das vezes, apenas a microscopia óptica já é suficiente para o diagnóstico.
No entanto, em distrofias musculares, por exemplo, para a etiologia, é
necessário o estudo imuno-histoquímico, como a coloração para distrofina
nas distrofias de Duchenne e Becker. A microscopia eletrônica é útil na
investigação de algumas miopatias congênitas e nas doenças
mitocondriais. O fragmento muscular pode ser processado para análise
bioquímica com a finalidade de determinar uma anormalidade enzimática
específica, por exemplo.

Estudos Genéticos

Estudos genéticos moleculares já estão disponíveis comercialmente e


podem ser feitos com análise do sangue periférico. Esses testes podem
substituir a realização da biópsia muscular. Têm importância não só no
diagnóstico, mas também na identificação de portadores assintomáticos e
aconselhamento genético.
Teste de McArdle

Alguns outros testes específicos podem ser úteis na avaliação de


determinadas doenças musculares. No caso das miopatias hereditárias,
exame de urina com pesquisa de mioglobinúria e o teste de McArdle, além
dos testes para diagnóstico de causas de miopatias adquiridas.

O teste de McArdle é feito com exercícios isométricos do antebraço com


auxílio de um dinamômetro. Colhem-se amostras de sangue para
dosagem de amônia e lactato antes do início do teste, para a determinação
basal dessas substâncias. Há quem o faça com auxílio de manguito de
pressão, insuflando-o com pressão 20 mmHg acima da pressão sistólica,
para promover isquemia. O paciente, então, inicia rapidamente exercícios
com esse membro, como apertar uma bola de borracha, até a exaustão. O
manguito é esvaziado e o sangue é colhido após 1, 3, 5, 10 e 15 minutos
do teste. O aumento de três vezes no nível de lactato representa o normal.
O teste é normal nas lipidoses, em alguns distúrbios glicolíticos com
fraqueza muscular fixa, como na doença de Pompe. O nível de lactato
aumenta patologicamente nos casos de deficiência de fosfofrutoquinase e
miofosforilase, e é reduzido na de fosfoglicerato mutase.

DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL

Miopatias Metabólicas

As miopatias metabólicas são caracterizadas por intolerância ao exercício,


fraqueza muscular, fatigabilidade, mialgias, cãibras musculares e
mioglobinúria. Manifestam-se durante atividades que necessitam de
aumento do consumo de energia. São raras e já foram mencionadas.
Canalopatias

As canalopatias também são doenças raras e devem ser consideradas em


pacientes com episódios recorrentes de fraqueza ou miotonia.
Tipicamente, há um fator precipitante. A paralisia periódica hipocalêmica é
um distúrbio autossômico dominante dos canais de cálcio (tipo 1) ou dos
canais de sódio (tipo 2). Manifesta-se da puberdade à terceira década de
vida, com ataques episódicos de fraqueza muscular com discreta elevação
de CK e alterações à ENMG e anatomopatológicas detectáveis apenas
durante as crises. Os eventos costumam ser desencadeados por ingestão
de carboidratos (tipicamente aos domingos e segundas-feiras, após o
consumo de massas), após exercício, gravidez, estresse emocional e frio.
Os músculos da face, respiração e esfíncteres são geralmente poupados.
Os primeiros músculos a ficarem fracos são geralmente os que melhoram
primeiro também. Os níveis de K+ costumam estar abaixo de 3,0. O
fósforo também costuma estar diminuído. Outras canalopatias são bem
mais raras e incluem a paralisia hipercalêmica, a paramiotonia congênita, a
miotonia congênita de Thomsen e a miotonia generalizada de Becker.

Hipertermia Maligna

A hipertermia maligna é uma condição rara, mas grave, autossômica


dominante, por alteração dos canais de cálcio, com aumento importante de
CK, desencadeada por procedimentos anestésicos, sobretudo agentes
inalatórios, como o halotano, sevoflurano e fenflurano, além de relaxantes
musculares como a succinilcolina. Ocorre entre 1:5.000 a 1:100.000
anestesias, mas a prevalência da mutação genética é maior que 1:3.000
indivíduos. Os sinais clássicos são hipertermia grave, taquicardia,
taquipnéia, hipercapnia, aumento no consumo de oxigênio, acidemia,
rigidez muscular e rabdomiólise, todos decorrentes de hipermetabolismo.
Em virtude de um defeito nos receptores de rianodina, há aumento
incontrolável do cálcio mioplasmático, o qual ativa processos bioquímicos
relacionados à ativação muscular. É fatal se não for tratada. Testes in vitro
da resposta do músculo biopsiado ao halotano, cafeína e outras drogas
podem ser feitos para o diagnóstico. A mortalidade há 30 anos era de
80%; atualmente, caiu para 5%.

Distrofias Musculares

As distrofias musculares congênitas devem ser separadas em dois grupos:


associadas ou não a retardo mental. As que se não se associam a retardo
mental são a deficiência de merosina, a proteinopatia relacionada a
fukutina e a doença de Ullrich. A doença de Fukuyama, a distrofia
músculo-olho-cérebro e a síndrome de Walker-Warburg são associadas a
desenvolvimento cerebral anormal e retardo mental.

As distrofinopatias (Duchenne e Becker) são miopatias progressivas,


recessivas ligadas ao X. A DMD é a forma mais comum de distrofia
muscular. Ocorre em 1:3.300 nascidos do sexo masculino e tem
prevalência de 3 em 100.000 habitantes. A DMB ocorre em 1:18.000 a
1:31.000 nascidos dos sexo masculino. Há ainda uma terceira forma, com
manifestações leves de DMD ou graves de DMB. Todas são resultantes de
mutações no gene da distrofina, proteína componente do citoesqueleto da
membrana da célula muscular. A diferenciação entre as formas se dá pela
idade com que se confina a cadeira de rodas: 13 anos para DMD, 16 anos
para DMB, e 13 a 16 anos para os com fenótipos intermediários.
Distrofia Muscular de Duchenne (DMD)

A DMD começa a se manifestar por volta de 2 a 3 anos de idade, com


quase todos os pacientes sintomáticos por volta dos 5 anos. A criança
começa inicialmente com quadro de dificuldade para correr, pular e subir
escadas. Nota-se marcha característica, anserina, com lordose lombar e
hipertrofia das panturrilhas. A fraqueza muscular é simétrica e afeta
inicialmente os músculos proximais e dos membros inferiores. A corrida e
os saltos vão ficando cada vez mais difíceis e os meninos começam a usar
as mãos para se levantarem do chão (sinal de Gowers). Há acometimento
cardíaco e cognitivo (memória de trabalho e disfunção executiva). Ao
exame, observa-se hipertrofia das panturrilhas, lordose lombar acentuada,
marcha em gingado, encurtamento do tendão de Aquiles e hipo ou
arreflexia. Entre os 3 a 6 anos, ocorre melhora (fase de lua-de-mel),
evoluindo após com piora, até a necessidade de cadeira de rodas, por
volta dos 13 anos. Posteriormente, desenvolvem-se contratura e escoliose,
evoluindo para deterioração pulmonar. Os níveis de CK aumentam até 100
vezes o normal nos primeiros 3 anos, podendo cair, mas não ficando
abaixo de 10 vezes o limite superior da normalidade. A
eletroneuromiografia mostra padrão miopático e a biópsia muscular mostra
alterações distróficas. O diagnóstico genético é feito pela pesquisa da
mutação no gene da distrofina ou pela diminuição ou ausência de
distrofina no fragmento de tecido muscular. Noventa por cento dos
pacientes desenvolvem alterações eletrocardiográficas por miocardiopatia,
desde sinais de sobrecarga ventricular até de condução atrial. Essas
anormalidades estão presentes em um terço dos pacientes aos 14 anos e
em todos aos 18 anos. A maioria dos doentes permanece assintomática do
ponto de vista cardíaco até próximo à fase final da doença, provavelmente
devido ao baixo grau de atividade física. Na etapa terminal, evoluem com
insuficiência cardíaca congestiva e arritmias. Complicações gastrintestinais
podem surgir, sobretudo devido a distúrbios de motilidade. A maioria dos
pacientes morre aos 3,9 +/- 20 anos, de insuficiência respiratória ou
cardíaca. A ventilação mecânica assistida pode prolongar a vida do
paciente.

Distrofia Muscular de Becker (DMB)

A idade de início dos sintomas na DMB é entre 5 e 15 anos (média aos


12). O acometimento é mais brando, o comprometimento cardíaco e
cognitivo está ausente ou é bem mais leve do que na DMD e não há
manifestações gastrintestinais. Os pacientes perdem a capacidade de
deambulação a cerca dos 16 anos e vivem além dos 30 anos, com óbito
de insuficiência ventilatória/cor pulmonale aos 30-60 anos. O primeiro
sintoma costuma ser fraqueza nos membros inferiores, e dor na panturrilha
é o sintoma inicial em 25%. Os níveis de CK não ultrapassam cinco vezes
o limite superior da normalidade.

Distrofia Miotônica de Steinert

A distrofia miotônica de Steinert é a forma mais prevalente de distrofia


muscular em adultos. Existe correlação direta entre o número de
repetições de trinucleotídeos com a idade de início e a gravidade da
doença. A doença pode se iniciar desde o período neonatal até a vida
adulta. Ocorre fraqueza lenta e progressiva da musculatura facial e do
esternocleidomastóideo, associando-se a calvície frontal e ptose, com as
feições acentuadas. Fraqueza bulbar e cervical está presente com
freqüência. Os pacientes desenvolvem tipicamente fraqueza nas mãos e
pé caído. O fenômeno miotônico é característico e pode ser observado
durante a percussão dos músculos tenares ou da língua. Observa-se uma
contração involuntária sustentada. A maioria dos pacientes tem
envolvimento cardíaco (bloqueio de ramo e miocardiopatia), o que eleva o
risco de morte súbita. Pode ocorrer fraqueza diafragmática e intercostal,
resistência à insulina, catarata e hipogonadismo. É comum haver
sonolência excessiva. Como resultado de esvaziamento gástrico precoce,
podem ocorrer náuseas, vômitos e saciedade precoce. Do ponto de vista
laboratorial, observam-se aumento de CK, alterações ao ECG,
eletromiografia com descargas miotônicas e padrão miopático,
hiperglicemia e catarata ao exame de “lâmpada de fenda”.

Distrofia Fáscio-escápulo-umeral

A distrofia fáscio-escápulo-umeral é uma afecção lentamente progressiva e


de gravidade variável. Inicia-se na infância ou adolescência, mas pode
surgir até na quinta década. A fraqueza tem predomínio facial e da cintura
escapular. Os doentes são incapazes de assoviar, sorrir ou mesmo fechar
completamente os olhos, podendo inclusive adormecer com os olhos
abertos. Não costuma acometer a musculatura extra-ocular. É comum
haver escápula alada, a qual fica mais evidente quando o paciente eleva
os membros superiores lateralmente. Em 20% dos casos, há
acometimento da cintura pélvica, sobretudo do compartimento anterior
(variedade escápulo-peroneal). Os pacientes costumam ter expectativa de
vida normal, uma vez que é raro que ocorra insuficiência respiratória. O
diagnóstico é feito por teste genético.

Distrofia Cintura-membros

O termo distrofia cintura-membros é reservado para distrofias musculares


não-congênitas, com fraqueza proximal progressiva e ausência de
deficiência de distrofina. Esses distúrbios são causados por deficiência de
diferentes proteínas, como sarcoglicanas, calpaína, disferlina e caveolina.
Os sintomas iniciam-se no começo da infância ou vida adulta. A
progressão e a distribuição são igualmente variáveis entre os pacientes e
os subtipos genéticos. O mais freqüente é o quadro progressivo de
fraqueza de cinturas, às vezes associado a miocardiopatia. A hipertrofia de
panturrilhas é freqüente, mas não a regra. Há considerável sobreposição
com o quadro de distrofinopatias. Os níveis de CK costumam ser mais
elevados nas disferlinopatias. A coloração da biópsia muscular para
sarcoglicana, disferlina, calpaína e caveolina costuma ajudar na distinção
entre as doenças.

Distrofia de Emery-Dreifuss

É durante a infância precoce ou adolescência que tipicamente se


apresenta o quadro de distrofia muscular de Emery-Dreifuss. A tríade
clássica de sintomas consiste de contraturas precoces (cotovelos, joelhos,
tornozelos e coluna), fraqueza e atrofia da musculatura umeral e peroneal,
além de distúrbio de condução cardíaca que pode levar a síncope ou
morte súbita. Os níveis de CK podem estar aumentados e a biópsia
muscular mostrar alterações distróficas inespecíficas. A análise do DNA ou
do produto do gene (emerina) é necessária para confirmar o diagnóstico. É
freqüente que o paciente precise de marca-passo cardíaco.

Distrofia Muscular Orofaríngea

A distrofia muscular óculo-faríngea manifesta-se na quarta a sexta


décadas de vida. Caracteriza-se clinicamente por ptose, disfagia e
fraqueza muscular proximal leve. De modo variável, pode ocorrer
acometimento da musculatura extra-ocular, devendo-se distinguir a doença
da miastenia grave e da oftalmoplegia externa progressiva. A CK pode
estar normal ou levemente aumentada. A eletromiografia mostra padrão
miopático. A biópsia mostra vacúolos cercados e filamentos tubulares
anucleados.

Miopatias Mitocondriais

Síndrome de Kearns-Sayre (SKS) e Oftalmoplegia Externa


Progressiva Crônica (OEPC)

Ptose e oftalmoparesia são aspectos centrais da SKS e da OEPC. A


OEPC é uma miopatia pura com fraqueza extra-ocular que se manifesta
por ptose e oftalmoparesia. Outros músculos podem estar afetados,
causando fraqueza da face, orofaringe e membros. Ao contrário, a SKS é
uma doença de múltiplos sistemas, de início na juventude ou idade adulta,
que produz oftalmoparesia, degeneração pigmentar da retina, e
combinações variáveis de bloqueio de condução cardíaca e
hiperproteinorraquia (> 100 mg/dL), além de ataxia cerebelar. Esses
pacientes podem ainda ter baixa estatura e diabete melito,
hipoparatiroidismo, miocárdio e nefropatia. A biópsia muscular identifica
fibras vermelhas rajadas e o defeito molecular.

Síndrome MELAS

A síndrome MELAS caracteriza-se por episódios de isquemia cortical na


idade jovem (< 40 anos), encefalopatia (crises epilépticas, demência ou
ambas) e disfunção mitocondrial, caracterizada por acidose láctica, fibras
vermelhas rajadas ou ambas. A prevalência da mutação mais comum é de
1,4 a 16,3 casos por 100.000 pessoas. Chama a atenção o fato de o
desenvolvimento infantil ser normal e haver cefaléia recorrente, ou vômitos
cíclicos. É possível o achado de fraqueza muscular miopática, intolerância
ao exercício, mioclonias, ataxia, baixa estatura e perda auditiva. É raro que
mais de um membro da família tenha a síndrome completa. A maioria é
oligo ou assintomática. O padrão de imagem dos eventos isquêmicos é
típico: lesões corticais que não respeitam território vascular. Sempre que
um paciente com MELAS apresenta um episódio de acidente vascular
cerebral (AVC), o diagnóstico diferencial inclui outras causas de AVC em
jovem: doença das artérias carótidas ou vertebrais, anemia falciforme,
vasculopatias, distúrbios das lipoproteínas, câncer, trombose venosa,
doença de Moyamoya, enxaqueca complicada e homocistinúria.

Síndrome MERRF

A ocorrência de epilepsia, mioclonias, ataxia e biópsia muscular mostrando


fibras vermelhas rajadas define o diagnóstico de MERRF. Também pode
ocorrer perda auditiva, demência, neuropatia periférica, baixa estatura,
intolerância ao exercício, lipomas e acidose láctica. O diagnóstico é
confirmado pela pesquisa da mutação genética. O diagnóstico diferencial
inclui outras causas de epilepsias mioclônicas progressivas, como
síndrome de Unverricht-Lundborg, doença dos corpos de Lafora,
lipofuscinose ceróide neuronal e sialidose.

Síndrome de Leigh de Herança Materna


Pacientes com mutação maior que 90% da subunidade 6 do complexo V
da cadeia respiratória desenvolverão um quadro devastador de
encefalomiopatia, caracterizada por regressão do desenvolvimento
psicomotor, crises convulsivas, acidose láctica e lesões necrotizantes
subagudas nos gânglios da base e outras estruturas da substância
cinzenta, na linha média do cérebro e tronco. Isso caracteriza a síndrome
de Leigh de herança materna (MILS). A ressonância magnética mostra
lesões características da região periaquedutal do mesencéfalo e ponte, e
no bulbo, adjacente ao quarto ventrículo. Podem afetar outras estruturas
do sistema nervoso central e periférico. O diagnóstico diferencial inclui a
doença de Refsum, a abetalipoproteinemia e outras doenças
mitocondriais.

TRATAMENTO

Entre as miopatias metabólicas, o tratamento é experimental e consiste na


reposição da enzima deficiente. Ainda em fase experimental, alguns
resultados são promissores.

O quadro de paralisia periódica hipocalêmica deve ser familiar ao


emergencista. O tratamento é feito com a prevenção de desencadeantes,
e reposição de potássio. Prescreve-se a dose de 20 a 40 mEq de KCl de
liberação lenta via oral ao deitar, mas o tratamento de primeira escolha
deve ser feito com acetazolamida 125 mg uma a duas vezes ao dia,
inicialmente, até o máximo de 1.500 mg/dia. Nos pacientes refratários,
pode-se prescrever espironolactona 25 a 100 mg/dia. As crises agudas
devem ser tratadas com KCl via oral 0,25 mEq/kg a cada 30 minutos até a
melhora da fraqueza.

O tratamento da hipertermia maligna é feito em quatro etapas: suspender


imediatamente a administração do agente inalatório ou da succinilcolina,
aumentar o volume-minuto para diminuir a ETCO2, pedir ajuda e
administrar dantrolene, nessa ordem. A dose inicial é de 2,5 mg/kg,
máximo sugerido de 10 mg/kg, titulando-se pela freqüência cardíaca e taxa
de extração de gás carbônico (ETCO2). Depois, procede-se ao
resfriamento do doente, com pacotes de gelo nas axilas e virilhas, lavado
gástrico com solução gelada e medidas mais agressivas, se necessário. O
objetivo é atingir a temperatura de 38,5°C. As arritmias não devem ser
tratadas com bloqueadores de canais de cálcio, e os distúrbios
tóxico-metabólicos investigados periodicamente e corrigidos. O dantrolene
deve ser mantido a 1 mg/kg a cada 4 a 8 horas por 24 a 48 horas. Deve-se
assegurar uma diurese de 2 ml/kg/h com manitol, furosemida ou fluidos, se
necessário. Avaliar se há necessidade de monitorização invasiva e
ventilação mecânica contínua. O paciente deve ser mantido na unidade de
terapia intensiva por 36 horas. O paciente deve ser encaminhado a centro
de referência, com oferta a ele e à sua família do teste para a mutação
genética. Além disso, medidas de prevenção devem ser feitas, incluindo-se
evitar o uso de agentes inalatórios em pacientes com miopatias
hereditárias. Uma vez conhecido o diagnóstico de hipertermia maligna, o
paciente só pode ser submetido a anestesia local ou regional, e, se
necessitar de anestesia geral, os agentes voláteis e a succinilcolina não
podem ser usados.

As distrofinopatias (DMD e DMB) devem ser tratadas com uso de


corticosteróides. Prednisona 0,75 mg/kg/dia é capaz de produzir melhora
significativa na força muscular e prolongar o tempo de deambulação dos
pacientes em cerca de três anos. Na presença de efeitos colaterais, a
dosagem pode ser diminuída para até 0,3 mg/kg/dia, ainda capaz de
produzir resultado satisfatório. Com menos efeitos colaterais, o deflazacort
na dose de 0,9 mg/kg/dia pode ser prescrito, com o mesmo perfil de
sucesso. Além disso, estão indicadas fisioterapia, órteses, cirurgia
ortopédica, dependendo do caso.
Não há tratamento específico para a distrofia miotônica. Podem ser
prescritos dispositivos ortopédicos e fenitoína, 300 mg/dia, para suprimir a
miotonia. A fenitoína é a droga de escolha para essa finalidade em
detrimento de quinidina e procainamida por menor índice de efeitos
colaterais sobre a condução cardíaca. Eventualmente, os pacientes podem
necessitar do implante de um marca-passo.

O tratamento das outras distrofias e das miopatias congênitas é fisioterapia


e sintomáticos, não havendo tratamento específico.

O tratamento da SKS e OECP é sintomático. Eventualmente, pode ser


necessário o implante de marca-passo cardíaco. A função mitocondrial
pode melhorar com o uso de coenzima Q10, na dose de 50 a 200 mg, três
vezes ao dia, e L-carnitina, 300 a 1.000 mg, três vezes ao dia.
Antioxidantes como vitaminas A, C, E, betacaroteno, ácido alfalipóico não
têm evidência de melhora. Muitos pacientes usam vitaminas do complexo
B, que são co-fatores de várias enzimas mitocondriais.

No caso da síndrome MELAS, há relatos anedóticos de que os corticóides


seriam benéficos nos AVCs agudos. As crises respondem com a maioria
dos anticonvulsivantes, e muitos evitam o uso de valproato pelo risco de
causar deficiência de carnitina. Implantes cocleares podem ser usados
para o tratamento da disfunção auditiva. Os pacientes também fazem a
suplementação tradicional padrão para SKS e EOPC. O tratamento da
síndrome MERRF obedece ao mesmo padrão.

TÓPICOS IMPORTANTES

Miopatias são doenças estruturais e/ou funcionais dos


músculos, cuja manifestação fundamental é fraqueza muscular.
Fazem diagnóstico diferencial com doenças do neurônio motor,
com neuropatias periféricas e com doenças da junção
neuromuscular.

São divididas em hereditárias e adquiridas.

As formas hereditárias são divididas em: miopatias congênitas,


distrofias musculares, canalopatias, miopatias metabólicas
primárias e miopatias mitocondriais.

É necessário realizar uma anamnese detalhada com


informações sobre o padrão evolutivo da fraqueza, seus fatores
desencadeantes e quanto à presença de casos na família.

Os sintomas positivos das miopatias são mialgias, cãibras,


contraturas, miotonia e mioglobinúria.

Os sintomas negativos das miopatias são fraqueza, atrofia,


intolerância ao exercício (fatigabilidade) e fadiga.

No exame físico deve-se detalhar a distribuição da fraqueza,


lembrando dos músculos cranianos, além de avaliar se há atrofia
ou hipertrofia de músculos.

Há seis padrões de apresentação clínica dos quadros de


miopatias (Tabela 4).

O padrão mais comum é a fraqueza proximal de distribuição


cintura-membros.
O exame isoladamente mais útil no estudo de pacientes com
suspeita de miopatia é a dosagem sangüínea de CK. A dosagem
de suas isoenzimas não é útil nesses casos.

A eletroneuromiografia faz parte da abordagem diagnóstica,


sendo o estudo da condução nervosa tipicamente normal nos
pacientes com miopatia. É capaz de delimitar o músculo
acometido, guiando biópsias.

A biópsia muscular é o exame que define o diagnóstico em boa


parte dos casos. Não deve ser feito em músculos com força de
grau menor ou igual a 3. De modo geral, nos membros
superiores, o músculo de eleição é o bíceps, e nos membros
inferiores, o vasto lateral.

Estudos genéticos moleculares (exames em sangue periférico)


podem substituir a biópsia para o diagnóstico de muitas miopatias
hereditárias.

O teste de McArdle é feito com exercícios isométricos do


antebraço com auxílio de um dinamômetro. Colhem-se amostras
de sangue para dosagem de amônia e lactato antes e após os
exercícios. É útil em diagnóstico de miopatias metabólicas: o nível
de lactato aumenta patologicamente nos casos de deficiência de
fosfofrutoquinase e miofosforilase, e é reduzido na de
fosfoglicerato mutase.
ALGORITMO

Algoritmo 1: Guia para diagnóstico e tratamento das miopatias


hereditárias.

Clique na imagem para ampliar


BIBLIOGRAFIA

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critical appraisal. Muscle Nerve 2007;36:424-435.

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