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A HISTORIA SEM FIM. MICHAEL ENDE.

Um livro bem escrito e que desperta muitas luzes na sua cabeça. Se eu fosse definir em
poucas palavras o livro A história sem fim de Michael Ende, poderia ser assim.

Confesso que esse era um livro que eu, há tempos, desejava ler. Ano passado (2013) ele
foi distribuído para as escolhas estaduais aqui de São Paulo e na época eu até queria
ganhar um, mas infelizmente a diretoria não tinha exemplares pra todos, aí sobrei. Aí a
esposa do meu irmão comentou que há um projeto para refilmar o longa inspirado no
filme (de 1984), e comentei que eu nunca havia lido o livro, e ela pegou o exemplar do
filho dela e me emprestou.

Comi o livro, como há tempos eu não fazia. Muito louco, meu! Estava com saudades da
época em que eu fazia isso com livros inteiros, de filosofia e história! A leitura é
agradável e fácil de localizar: quando a narrativa trata o mundo real, os caracteres são
vermelhos. Quando trata de Fantasia, são verdes. Fica fácil entender a narrativa assim!

Well... chega de devaneios de um homem de meia idade já meio ensandecido – como


vários de meus amigos! – e vamos ao que interessa: as minhas impressões do livro.

A história se divide em três partes desiguais. Na primeira parte, o jovem Bastian mata
aula na escola - que absurdo! – e se abriga da chuva em um sebo de livros, um
alfarrabista. OK, se você é um viciado em smartphones e tablets, passa o tempo
paquerando via WhatsApp ao invés do jeito certo (ao vivo e a cores), talvez tenha
dificuldade de entender o fascínio que o pequeno Bastian sente ao adentrar a loja: pilhas
e mais pilhas de livros velhos, e no fundo o dono a folhear embevecido uma nova
aquisição. O garoto rouba o livro que o velho lia e se esconde no sótão da escola.

O livro que Bastian rouba intitula-se A História sem fim, e conta como o Reino de
Fantasia está sendo tomado pelo Nada, que como o nome diz, não há como se definir
mas atrai as criaturas fantásticas do Reino inexoravelmente para sua própria destruição.
Nesse Reino a Imperatriz-Criança, governante maior do Reino, nomeia um guerreiro,
Atreiú, para partir em busca de um Salvador para impedir a destruição de Fantasia.
Atreiú recebe da Imperatriz o medalhão Aurin que o nomeia seu emissário.

Começava aqui uma jornada digna dos mitos de Joseph Campbell e Mircea Eliade: o
Reino de Fantasia não tem limites, e somente sua coragem e vontade levam você para
onde você quer! Entre bruxas, lobos assassinos e dragões voadores, Atreiú descobre que
o salvador de Fantasia é o menino Bastian, leitor do livro. E, num ato de puro desejo,
ele é transportado para dentro do livro e, ao renomear a Imperatriz-Criança, salva
Fantasia. O filme de 1984 termina aqui, mas nem chegamos na metade do livro!

A partir daqui Bastian torna-se o emissário da Imperatriz e, de posse do medalhão Aurin


recebe a missão de contar histórias para reconstruir o Reino. Ele logo descobre que
qualquer desejo seu torna-se realidade em Fantasia e até mesmo sua própria aparência é

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modificada. Mas aqui está a contradição que lhe será fatal: quanto mais ele realiza
desejos em Fantasia menos ele se lembra de sua condição humana, mas é justamente sua
humanidade que lhe permite formular novos desejos. Quanto mais Bastian se sente
inebriado com seus poderes e sua fama, mais egoísta e mesquinho ele se torna, a ponto
de se afastar de seus antigos companheiros e de Atreiú.

Sob o pretexto de voltar ao mundo real, Bastian busca voltar a encontrar a Imperatriz.
Ele está agora sob o aconselhamento de uma bruxa má, Xayíde, verdadeira má
consciência do garoto que o faz elaborar o plano de se tornar o novo Imperador de
Fantasia. Quando ele finalmente retorna ao castelo, descobre que a Imperatriz-Criança
desapareceu e uma guerra civil eclodiu sob o comando de Atreiú, que termina no duelo
entre os dois e a derrota de Atreiú. Ao partir em busca do ex-amigo ferido, Bastian se dá
conta que pode ficar preso e desmemoriado para sempre em Fantasia. Aqui ele passa a
buscar desesperadamente voltar ao mundo real, o que só se mostra possível se ele se
desapegar do medalhão Aurin e demonstrar sincero afeto por alguém que ele já
esqueceu – no caso seu pai.

Por fim, após um ato pleno de amor filial, Bastian consegue voltar ao mundo real e se
reconciliar com seu pai.

Ende escreveu seu livro na Alemanha de 1979, e esse dado já acendeu muitas luzes na
minha cabeça. Eram os anos das discussões sobre a modernidade e pós-modernidade. O
livro de Marshall Berman “Tudo que é sólido se desmancha no ar” seria publicado
pouco depois, em 1981. Creio que diversas coisas que estavam – e ainda estão – no ar
aparecem sob forma alegórica no livro de Ende.

O Nada

O Reino de Fantasia é assombrado pela destruição causada pelo Nada, que é quando
partes do Reino desaparecem, deixando manchas negras no lugar. O Nada atrai e fascina
os seres que chegam a cometer suicídio pulando dentro dele, mesmo sabendo que é
mortal! No livro é explicado que o Nada surge do desinteresse dos seres humanos em
conhecerem Fantasia, ou seja, quanto mais os homens deixarem de sonhar, mais o Nada
destrói Fantasia.

Aqui fica claro que Ende referia-se ao desencanto provocado pela modernidade que
tornou o ser humano um materialista cínico sem perspectivas metafísicas. Muito mais
que o niilismo de Ivan Turgueniev (Pais e filhos) o Nada é a constatação de que não
existe sentido em viver se não nos abrimos para a beleza das coisas, o extraordinário, o
sobrenatural em ultimo caso. Logicamente aqui Ende não estava a fazer profissão de fé
em nenhuma religião em particular. O nada de Ende lembra também aquela frase de
Jean Paul Sartre: “O homem é uma paixão inútil”. Sem uma motivação que o faça sair
de si mesmo, o homem para de sonhar, preso a rotina.

A crise moral de Bastian

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Uma vez no Reino de Fantasia, Bastian torna-se tudo o que sempre sonhou: fica forte e
magro, atrai a atenção e a estima de todos, vê que as histórias que ele inventava tornam-
se referencia aos seres do Reino, ganha a confiança da Imperatriz-Criança, é idolatrado
por todos. Mas aí começa sua decadência: ele vai lentamente se tornando egoísta e
agressivo, o oposto do que ele originalmente era. Não causa espanto o gradual
esquecimento de sua vida anterior, afinal agora ele é o que sonhava ser. Bastian vai se
tornando o tirano de Fantasia, a ponto de sofrer uma “revolução” para que seja
derrubado do trono e volte ao mundo real, chegando a duelar com seus melhores
amigos.

Aqui Ende nos dá o segundo alerta: se viver sem sonhar é ruim, só viver de sonhos pode
ser mortal. No primeiro caso, o prejuízo é coletivo; no segundo é individual, pois o que
ocorre é uma falta de amadurecimento nas pessoas, que se deixam levar pela tendência a
não encarar a realidade de forma construtiva.

A importância da leitura

Percorrendo o livro percebe-se a importância que a leitura tem para Michael Ende:
Bastian é um leitor voraz de livros; é através de um sebo que Bastian chega a História
sem fim e ao Reino de Fantasia; os habitantes de Fantasia ficam extasiados ao verem as
histórias de Bastian convertidas em livros; no final do livro é revelado que dependendo
de como a pessoa lê o livro outros portais para Fantasia são abertos.

Para Ende o livro é elemento chave para o nosso mundo. Aqui a alegoria do autor
parece que está se concretizando: num mundo como o nosso onde as pessoas lêem cada
vez menos, e a opinião é baseada em imagens e sons e não em fatos (como na Idade
Média, ora vejam só!), as pessoas estão cada vez mais cínicas e brutalizadas. Não há
sonho, nem sentimentos. Apenas o eu, sempre o eu. A leitura é capaz não só de abrir
caminhos para Fantasia, mas permite amadurecer as reflexões de uma pessoa. Mas aqui,
como no livro, o Nada está tomando conta de tudo, e estamos fascinados por ele!

Conclusão

A História sem fim é aquele tipo de livro que agrada a todos: jovens e menos jovens
(como eu!), pois permite sonhar e refletir. Olhem o meu caso: rapidamente escrevi três
paginas aqui no micro! Buscar o equilíbrio entre o sonho e a realidade, eis a mensagem
final do livro.

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