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dos algarves revista da ESGHT / UALG

17

EXERCÍCIOS DE ETNOFICÇÃO TURÍSTICA


Figueiredo Santos

As Comunidades Criativas, o Turismo e a Cultura


Alexandra Rodrigues Gonçalves

CLIL: The Potential of Multilingual Education


Geraldine Ludbrook

Metáforas: da Retórica à Terminologia


Maria Manuela Ildefonso Mendonça

Instrumentos de Turismo Sustentável


Práticas Ambientais no Sector Hoteleiro do Algarve
Maria Margarida Arrais Viegas

Responsabilidade Social das Organizações


e Atractividade Organizacional
Joaquim Pinto Contreiras

Estimação de Modelos Lineares Gerais


Mistos utilizando o SAS®
Luís Pereira • Lara Ferreira

TOPONÍMIA DE S. BRÁS DE ALPORTEL


Augusto Vinagre • Alunos da Escola EB2,3 Poeta Bernardo de Passos

PÁGINA DO PORTUGUÊS
Algumas notas sobre a importância do leitor do texto literário-
Filipa Perdigão • Rita Baleiro

ROTAS DO SUL
Natureza e cultura no coração do Barrocal
José António Santos • Margarida Custódio Santos

DOS ALGARVES • REVISTA DA ESCOLA SUPERIOR DE GESTÃO, HOTELARIA E TURISMO • UNIVERSIDADE DO ALGARVE • Nº17 • 2008 • 3,00 EUR. • ISSN:0873-7347
ÍNDICE
Capa: Moinhos em ruinas perto da Feiteira, Serra de Tavira

03 EXERCÍCIOS DE ETNOFICÇÃO TURÍSTICA


Figueiredo Santos

11 As Comunidades Criativas, o Turismo e a Cultura


Alexandra Rodrigues Gonçalves

19 CLIL: The Potential of Multilingual Education


Geraldine Ludbrook

28 Metáforas: da Retórica à Terminologia


Maria Manuela Ildefonso Mendonça

31 Instrumentos de Turismo Sustentável


Práticas Ambientais no Sector Hoteleiro do Algarve
Maria Margarida Arrais Viegas

38 Responsabilidade Social das Organizações


e Atractividade Organizacional
Joaquim Pinto Contreiras

45 Estimação de Modelos Lineares Gerais


Mistos utilizando o SAS®
Luís Pereira • Lara Ferreira

52 TOPONÍMIA DE S. BRÁS DE ALPORTEL


Augusto Vinagre • Alunos da Escola EB2,3 Poeta Bernardo de Passos

59 PÁGINA DO PORTUGUÊS
Algumas notas sobre a importância do leitor do texto literário
Filipa Perdigão • Rita Baleiro

62 ROTAS DO SUL
Natureza e cultura no coração do Barrocal
José António Santos • Margarida Custódio Santos

01 dos algarves
FICHA TÉCNICA
dos algarves

revista da ESGHT / UALG


nº17 · 2008

Directora:
Rita Baleiro

Conselho Editorial:
Filipa Perdigão, Rita Baleiro

Tiragem:
750 exemplares

Propriedade:
ESGHT / UALG
Universidade do Algarve
Campus da Penha
8000 FARO

Tel. 289 800 100


www.ualg.pt/esght/

Concepção Gráfica:
Luís Gregório (camiao@gmail.com)
Pedro Cavaco Leitão (metamorfoses@gmail.com)
Paginação: Luís Gregório
Foto Capa: Pedro Cavaco Leitão
IlustraçÕEs: Pedro Cavaco Leitão/Luis Gregório

Impressão:
Rainho e Neves, Lda. / Santa Maria da Feira

ISSN: 0873-7347
Exercícios de etnoficção turística

Figueiredo Santos – ESGHT

na ante-câmara da viagem comercial. Mais próximo da primavera, lânguidos refúgios na proximidade das
a singela e tocante ingenuidade po- horas de calor.
Sentia-me paradoxalmente excitado pular, traduzida nas Janeiras, em que Às mãos chegara-me uma brochura
com a proximidade da viagem. O In- os convivas entoavam cânticos mais cuja capa exibia imagens românticas
verno ainda não tinha finado no registo ou menos desafinados, já havia sido da natureza e da história intactas,
das minhas memórias. Aquele e todos subtraída a momentos de comunhão onde a silhueta de um casal jovem
por que passei eram frios, desconfor- mágica ímpar. marcava encontro amoroso entre um
táveis e pardacentos. Sempre anuncia- Os encantos primaveris aproxi- manto de fina areia e um mar azul-
vam uma espécie de declínio gradual mavam-se velozes, trazendo consigo turquesa que dispensava honras de
junto da qual uma teoria de conspira- um espécie de trégua anunciada bandeira azul.
ção do tempo esfregava as mãos, num pelas manhãs de céu luminoso que O marketing encarregava-se de ele-
gozo perverso que, inexoravelmente começavam a despontar. A natureza var a natureza à condição de espaço
me empurrava para a velhice do meu parecia renunciar à vida lamacenta, de contemplação estética, fazendo
descontentamento. Aos arrepios que o perfumando-se em meu redor com um com que o meu imaginário turístico
corpo atribuía às baixas temperaturas, odor silvestre. rodopiasse em torno do conceito de
só apaziguados por mesinhas xaropo- No estreito horizonte do meu quin- indivíduo isolado, liberto de todas as
sas, aos dias de chuva ininterruptos, tal convergiam atitudes mentais que ligações naturais e sociais a que a
às desordenadas rajadas de vento que se assemelhavam a laivos antecipados quotidiano o amarra. Bem que Robison
contorciam as varetas do chapéu-de- de ressonância rousseauniana, muito Crusoé podia ser o paradigma desse
chuva, somava-se o melancólico cair próxima da candura do “bom selva- indivíduo que eu teria a possibilidade
das folhas e a anunciada razão do gem”. Apetecia-me acariciar a relva de encarnar por conta de uma coreo-
meu singular desencanto. Chegado com os pés descalços, em contacto grafia que Jean-Didier Urbain montara
a meio do Inverno, a casa, onde os directo com uma impressão de liber- na sua obra Sur la Plage, em alusão ao
bolores amoleciam os livros, começa- dade que só o Verão me trazia, aca- velho Marx.
va a apertar-me entre quatro paredes bando por tornar porosas as fronteiras Também a minha filha parecia
espessas. Sentia-me uma espécie de entre o dentro e o fora. A vegetação, atraída por afinidades electivas com
recluso, condenado a uma prisão sem que ganhava vigor e aroma, tornava- o aperfeiçoamento individual do
grades. De toda a tristeza que podia se frondosa, contaminando o corpo sublime, com o fulgor da vida simples
experimentar, apenas o eco do pregão e alma de quem via sorrir a sua geo- e a projecção de um encontro de
da boa e estaladiça castanha assada, grafia íntima, sem ter uma explicação 3º grau com um príncipe encantado
junta ao odor de um fumo parecido ao plausível para isso. Músculos e ossos da sua imaginação. Na sua inocente
da lareira, me fazia sentir próximo de abandonavam o estado crepuscular a adolescência, estava longe de poder
um Outro distante. que os agasalhos os haviam remetido. pensar que prefigurava a presa fácil
Fruto de uma globalização que des- Começavam a dispensar-se as cores do modo hábil como os organizadores
tronara o presépio, apenas o anafado escuras que retinham o calor dos cor- da brochura a tinham eleito nicho de
velho de barba alva e entrançada, tra- pos, e os seus contornos curvilíneos mercado, numa espécie de insulto à
jando de um vermelho vivo, fazia com retomavam uma espécie de virilidade sua inteligência.
que respirasse um efeito de anestesia ajustada à celebração dos corpos. O Espanto o meu quando a minha
que me punha de bem com o mundo. céu ganhava uma amplitude e uma companheira me dizia, sem dar provas
O espaço público parecia regurgitar de luminosidade que contrastavam com de cepticismo ou de prudência:
sonoridades banalizadas, que falavam a pesada abóbada tingida de cinzento – Podíamos fazer um esforço e
da presença de figuras angélicas que se abatia sobre mim. Aqui e ali, ir para aqui, apontando-me o dedo
entre nós e do muito consumo que descobriam-se espaços que chama- indicador em riste para as ostentado-
iria desaguar num qualquer centro vam a atenção para a sua condição de ras fotografias, por entre um sorriso

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Exercícios de etnoficção turística

angelical que me parecia tão como- te, e um perfume do que deveria ser transferência do nosso olhar soberano
vente quanto ridículo. E insistia: e, na sua essência, significar uma vida sobre as paisagens para esta estranha
– Porquê estás sempre a adiar liberta das imposições do trabalho e que, de todo em todo desconhecíamos.
a realização dos nossos desejos de da luta impiedosa pela sobrevivência, Tudo parecia estar ali à mão dos deli-
libertação da miséria deste mundo? cruzada com a divinização do utilitário ciosos devaneios que o programa Gali-
Afinal, os nossos colegas de trabalho a que alude Vergílio Ferreira em a leu se tinha encarregado de antecipar.
também para lá vão e não ganham “‘Invocação ao Meu Corpo’. Não faltavam descrições fotográficas
tanto como nós. Se eles conseguem, Mais do que a viagem em si de certos ângulos mais privilegiados
por que diabo é que não havemos de mesma, parecia difícil harmonizar do espaço físico, da natureza e de
sair de casa, depois de um ano ininter- estados de alma envoltos numa agi- imagens arquitectónicas magnificentes,
rupto de trabalho? tada relação entre a antecipação da bem como a descrição dos perfis hu-
Céptico, pensava com os meus viagem e a sua realidade. Nela, parecia manos, a essência do povo, necessa-
botões sem que lho dissesse para a estar jogada uma forte tensão entre o riamente hospitaleiro, os seus anseios,
não magoar: vivido e o imaginário que se entretecia costumes e hábitos e tradições, gruda-
– Como é que a intermediação com a ficção própria dos lugares que dos nos pés e no coração.
turística conseguiu incutir esta ideia, dialogam com outras histórias que A brochura tinha caído para segun-
bem do senso comum, que fazer os povoam. Aí, nesses espaços de do plano, perante as sugestões da dili-
turismo é para descansarmos do tra- fronteira entre o Eu e o Outro, tudo gente funcionária que nos aconselhava
balho? Se o motivo é o descanso, por parece ganhar uma monumentalidade uma viagem promocional ao Rio de
que não procuram os indivíduos uma ímpar, paradoxalmente conjugada com Janeiro. A poética do espaço, inscrita
cama, em vez de irreflectidas imagens uma sobranceria etnocêntica. Parece no célebre refrão da letra musicada de
de felicidade projectadas em demora- despontar em nós uma miríade de “Aquele Abraço”, de Gilberto Gil, pare-
das, cansativas viagens que, para além sentimentos aristocráticos, entrecor- cia música para os nossos ouvidos.
de dispendiosas, nos trazem de volta tados, aqui e ali, por um pessimismo Ademais, seria um privilégio
ainda mais cansados que na ida? que assoma à consciência e que, em de reis participar naquele que já é
Nunca pensara que uma simples surdina, nos deixa momentaneamente o terceiro espectáculo mais as-
brochura, convidativa ao regresso hesitantes quanto à possibilidade de sistido do mundo. Em Fevereiro,
nostálgico ao paraíso perdido, pu- poder existir uma diferença substan- nos quatro dias que antecedem a
desse suscitar tamanhas pulsões de tiva entre o modo como imaginamos Quarta-feira de Cinzas, que marca o
desejo, de ilusão de fuga aos cons- o lugar e o modo como ele se nos vai início da Quaresma, o Rio de Janeiro
trangimentos desta vida danada. Tinha apresentar ao chegarmos lá. transforma-se para acolher a colorida
que admitir que ela estava elaborada De certo modo, compreendia- “Disneylândia” do Carnaval carioca.
como se o compositor tivesse pintado as. Estar diante da possibilidade de Aí, não faltaria o erotismo e o exo-
um quadro com um jogo cruzado de realização de um desejo é motivo de tismo da mulher oriental, a Ocidente,
imagens e palavras, numa espécie de maior alegria que tê-lo realizado. Isso encarnado na exuberante e sensual
“estética do visível”, uma forma de re- é claro nesse movimento biunívoco do mulata, que faz as delícias de qualquer
petição da estética naturalista em que “vamos para a festa; vimos da festa”. macho que se preze, ao contrário da
o leitor é subjugado por um desejo Enquanto o primeiro se carrega de racional mulher ocidental, de traços
irresistível de ver. um tom impetuoso e empresta uma masculinos ditados pelas lutas de
Mãe e filha pareciam dominadas expressão de exaltação e de divina emancipação. Prometia-me a mim
pelo ardor de uma vida dominada por embriaguez, o segundo fica possuído mesmo uma noite de lânguido prazer,
uma intensa felicidade, deixando- de um tom melancólico, destituído ao ritmo de um samba bem batucado,
me perplexo quanto à forma como de ânimo, que só o poder do sonho acompanhado de cerveja de barril e
os nossos projectos de vida podem voltará a reacender. dos odores da fervura de robustas
ser inflectidos pelas mais simples e Presos ao desejo intenso da lagostas de um vermelho vivo. Seria
irreflectidas imagens de transbordante viagem, incapazes de contermos o uma festa de arromba, até cair de can-
felicidade. A ocasião não era dada a nosso entusiasmo, fomos à agência saço. De negativo, tinha apenas facto
filosofias. Confesso, no entanto, que de viagens outgoing mais próxima, de ir «fardado», o mesmo seria dizer
apesar de enfastiado com campanhas onde uma simpática jovem se oferecia que levava companhia, circunstân-
de promoção e demais formas de para simplificar a nossa vida, tratando cia que me suspendia a imaginação,
prescrição de lugares para onde ir e de tudo por nós – viagem, transfers, esmagando-me os sonhos de bons e
como devo fazer turismo, sentia-me hotel, guias e locais a visitar. inexcedíveis flirts, que só um par de
dividido entre essa projecção alienan- Patenteava-se, ali, a primeira sensuais ancas me podia proporcionar.
Por outro lado, quiçá, o tempo a euforia da partida um ciclo de trabalho, nem deixámos
não seria para machismos serôdios, entoar um hino intervalar à preguiça,
constituindo uma boa oportunidade Libertávamo-nos, enfim, do nosso entre a pressão do nosso quotidiano
para quebramos o gelo das nossas pequeno apartamento higiénico con- crepuscular e a das longas filas que
relações caseiras, onde já eram raras cebido por projectos de urbanização nos esperavam no tabuleiro da ponte
as palavras que trocávamos, por entre que o produziram como manifestação que nos obrigávamos a atravessar.
olhares desencontrados. Sem confes- do último grito da estética orientada Inquieto, nervoso, comprimo inter-
sar, temia o silêncio que sempre se pelo prêt-à-porter habitacional. mitentemente a buzina, à semelhança
adivinha numa relação que se encon- De moradores, enviados para um de todos os outros companheiros anó-
tra perdida. Na verdade são raros os grande centro como produtores e con- nimos de route, na expectativa de que
momentos em que lidamos bem com sumidores, a turistas, sentíamos que o tempo do percurso nos encurtasse a
ele. Uma viagem turística podia ser a estávamos a um passo dessa certeza chegada ao Algarve. Buzino, gesti-
tábua de salvação de um casamento medular de ter chegado o momento culo, praguejo indignado por todo o
rotineiro, uma forma de atenuar o de rasgar horizontes de contraste com mundo ter resolvido ir em massa para
desconforto dos espaços vazios, tan- essas células habitacionais, onde boa o mesmo local, no mesmo dia e hora
tas vezes preenchidos com as vozes parte da vida se cristaliza em comple- que nós. Perante tamanha agitação,
pasteurizadas do ecrã de televisão que xos densos e bem organizados. dizia-me a mulher, com ar pesado e
ligamos mal entramos em casa. Pela minha parte, não estava segu- sobrancelha carregada:
Se bem que haja quem veja em dis- ro de o conseguir, perturbado com o – Olha que não é agora que vais
ciplinas orientais como o ioga, o tai-chi dilema reconduzido por Torga, dessa recuperar o tempo de que te tens
ou o reiki, o reflexo de uma vontade oscilação própria dos humanos, que privado. Assim não dá. Se saímos de
de escape, de mudança da relação ora vivem “dobrados como cervos” casa para continuarmos com os ner-
connosco próprios e com os outros, ora se mostram “ciosos de indepen- vos em franja, mais vale regressarmos
feitos monges urbanos em busca de dência”. Estado paradoxal esse em enquanto é tempo.
momentos de tranquilidade, estava que aspiração de escape ao controle Grosseiro, pedia à minha compa-
certo que nada ombrearia com essa da bolha ambiental constantemente nheira que se calasse, não obstante
sensação de antecipação, proporcio- definha, recalcada pelo controle da dar-me conta de que o objectivo da
nada pelo turismo. Só uma experiência nossa consciência individual. experiência turística, mesmo que
como essa nos confere a ilusão de Num crescendo de ansiedade e an- inconsciente, é muito mais profundo
queda num espaço em que possamos tes de entrarmos no novo carro, cujo e que a pacificação está longe de ser
ter tempo, coisa que a vida acelerada pagamento a prestações nos deixava uma conquista quando não prepara-
pelo bulício da actividade moderna pouco confortáveis ao fim de cada mos o corpo para não se rebelar.
nos nega de forma iníqua. Nada em mês, quais dandies de classe média, É verdade que a busca de uma
que Baudelaire já não tivesse anotado, fizemos questão em levantar dinheiro silenciosa tranquilidade existe desde
ao afirmar que “a modernidade é o no multibanco. o fundo dos séculos. Que o digam
transitório, o fugidio, o contingente; é Pensávamos ir férias em jeito de todas as grandes religiões que têm
uma metade da arte, sendo a outra o quem vê no turismo um volante da formas de monaquismo. Mas, para um
eterno e o imutável”1. vida orientada e em permanente busca urbano neurótico como eu, a ascese
Se bem que só de pensar em sair de harmonia, de sossego, por entre as para o silêncio gera-me um vómito
me afogava em ansiedade, estava irre- altercações abstrusas de um quotidia- testemunhado por uma realidade
mediavelmente entalado entre a nega- no aleatório e destronado de sentido. quase orgânica.
ção da viagem e o adivinhado silêncio E não fosse dar-se o caso de nas A transcendência provoca-me
de tumba, feito da raiva contida das portagens da auto-estrada não nos náuseas, vertigens e só trajecto pela
minhas parceiras, pelo que teria que aceitarem o Visa eléctron, dirigi-me auto-estrada me permite pôr de bem
me definir pela opção mais sensata. apressado ao aparelho. Inseri o có- comigo próprio, emprestando, sem
Decidimos que partiríamos, de digo e a dita máquina deu-me, muito reservas, todo o vigor à potência dos
armas e bagagens, rumo ao Rio, com solícita, as boas vindas com o slogan 250 cavalos que a máquina comporta.
uns dias breves de passagem pelo publicitário “viaje agora e pague Espécie de tapete mágico simboli-
Algarve, onde combinámos encontro depois”, autorizando-me a levantar a camente estendido a meus pés, ela
com uns amigos ingleses, a quem quantia estipulada, e agradecendo a faz-me renascer, ainda que de forma
tínhamos garantido fazer as honras minha visita. efémera, a afirmação de estatuto
da casa. Sem pestanejarmos, ainda não social e a necessidade de distinção
serenados pela interrupção de mais de todos os demais indivíduos. Por

04 05 dos algarves
Exercícios de etnoficção turística

breves instantes deixo-me perturbar cogitações, e eis-nos chegados ao lam sem que ninguém lá permaneça.
pela consciência de que este enge- aeroporto de Faro, para o acolhi- Por certo que, nesses espaços,
nhoso invento, tornado plástico e mento hospitaleiro aos tais amigos onde as culturas de países inteiros,
frágil, é cada vez mais convidativo ingleses que, em tempos de pândega, empacotadas em celofane, se en-
ao descarte, como latas de conserva conhecera numa viagem de negócios contram prontas a consumir, os ditos
após o uso, ou uma acidental manobra a Londres e a quem garantira que, o amigos não se esqueceriam de me
mal calculada. Algarve, ainda era um dos poucos pa- fazer vibrar com uma lembrança, mais
A vertigem da velocidade, que raísos onde valia a pena passar férias. que não fosse uma garrafa de whisky
levo na conta da voragem do tempo, A minha expectativa era enor- escocês. Até mesmo porque isso
permite-nos apenas uns instantes me. Enquanto os meus afectos não lhes deveria afectar a carteira.
para um café pingado e umas sandes anglo-saxónicos não chegavam, Em Inglaterra, as coisas deveriam ser
no restaurante de uma estação de a imaginação rodopiava, envolta como em Portugal. Comprariam o que
serviço alentejana, agora igual a tantas numa passagem de slides que os quer que fosse, desde que tivessem o
outras, qual planta única que o Estado antecipava eufóricos em direcção às cuidado de guardar a factura junto do
Novo aplicava a escolas ou hospitais, passadeiras rolantes do check-out. cartão Visa para, no regresso, afectar
como expediente para se isentar de Comigo também assim era. Sempre a compra às despesas confidenciais
custos com projectos. que empreendia um voo de férias, de empresa, sem que daí se deduzis-
Mais confortados, regressamos sobrevinham-me emoções difusas que se uma fuga aos impostos, por mais
apressados ao interior da nossa casa deambulavam entre a ansiedade pró- banal que fosse.
volante, que nos confere uma mobili- pria de quem entregava o seu destino O mesmo argumento valeria para
dade inexcedível, digna da entoação de a uma máquina sofisticada e à habili- os perfumes, a joalharia e o vestuário
um louvor ao ritmo do aço. Os cânticos dade do piloto, e uma euforia própria expostos ostensivamente aos olhos
ao progresso da técnica não são mais da partida que tinha um sabor a qual- dos transeuntes em luxuosas montras,
vocais. Transferem-se para o pé que quer coisa de liberatório. Em situação pedindo que os salvem daquela vida
pressiona o místico, mas domestica- idêntica, afora os momentos de pânico jazzística, como garantia de que o
do acelerador, para que sinta bem a de descolagens e aterragens, vivia ins- seu consumo supõe um mecanismo
potência do arranque e os impulsos tantes de uma exaltação intensa, pro- económico de selecção que empresta
das mudanças, por entre as notas porcionados por uma descolagem que bom gosto a qualquer executivo que
batucadas do rádio do carro que, em me sugeria uma subtil evaporação, se preze.
conjunto, parecem querer prolongar a uma leveza no ar e um forte sentido Os meus amigos só poderiam rego-
autonomia dos indivíduos, como se eles de transgressão dos limites espacio- zijar-se com a viagem, fazendo justiça
se tivessem tornado independentes. temporais. Para esse ritual de sepa- à pontualidade britânica da British
No meu íntimo, quase tudo me ração entre o mundo do que partem Airways que, ao contrário de outras,
fazia sentir a libertação do carácter e dos que ficam, em muito contribuía apanhadas na malha das uniões e das
compulsivo de uma sociedade alie- a barreira electrónica da polícia, que fusões, soçobravam, em tempos de
nada de si mesma, com a qual só me quase me obrigava a desnudar-me ao globalização, não só nos atrasos fre-
identificava quando em busca de di- som do alarme provocado pela fivela quentes como no constante extravio
versão. Quase tudo, mas não de todo do cinto, o labirinto de salas encima- das bagagens dos viajantes. Seria tam-
em todo, por me sentir traído pela das por números de portas, as ordens bém provável que, à semelhança de
racionalidade técnica como mecânica de embarque imediatas, dadas no tom outras companhias, pudessem contar
inerente à própria dominação. Com metálico suave de uma extraterrestre com as imperturbáveis, maternais e
efeito, o automóvel, a viagem, o itine- voz feminina. Mas, nesse ritual de sedutoras hospedeiras de bordo, que
rário, o cosmopolitismo e os estilos iniciação, o que mais fazia sentir-me tratando os passageiros como filhos,
de vida que serão supostos encontrar importante eram as vantagens das não admitem reciprocidades afectivas,
noutras paragens, roçam, por momen- compras no mundo dos superpovoa- por conta do seu profissionalismo.
tos, a ideia de que esses elementos dos duty free, esses que Marc Augé Nas asas do Boeing, apesar da fu-
mais não são que um todo coeso chama de “não lugares”, ou, “locais gacidade da viagem, o seu imaginário
próprio da indústria cultural, que de acaso e de encontro onde se pode poderia embevecer-se nos textos lidos
conduziu o turismo a um sistema de sentir fugazmente a contínua possi- apressadamente, ou nas revistas que
produção em série, sacrificando o que bilidade de aventura”2, mundos onde aludem aos grandes hotéis das ca-
fazia a diferença entre a lógica de uma se cruzam, no anonimato, milhares de deias internacionais de acessibilidade
cultura de saída e a do sistema social. itinerários individuais, de passos perdi- proporcionada pelo cartão Visa, onde
Ainda não havia embraiado nestas dos, de espaços por onde todos circu- as imagens se exacerbam, a ponto
de substituírem a própria experiência, pelos meus amigos, pressuporia um facto, encontrado. Nesse caso, eles
destituindo-a de interioridade, memó- processo projectivo de antecipação encontrariam esse espaço como se se
ria, narrativa e tempo. dessa experiência, operada pela tratasse de um (re)conhecimento, em
A viagem, convertida na visão divulgação promocional de imagens geral, mais satisfatório que os confron-
vertiginosa mas impotente das alturas, do local. tos com o desconhecido.
instrumento ascensional sucedâneo Sabendo que a publicidade se limita Se não fossem capazes de promo-
da “escada de mão do chamane”, a conformar o existente, por ser ape- ver a ilusão de ter reencontrado o Al-
transforma-se num meio simbólico nas uma ritualização de ideais sociais garve dos seus sonhos, regressariam
de transcendência que remete para que dificilmente pode “exotizar” um destroçados, como se não tivessem
imagens ornitológicas associadas a um espaço, eu tinha tido a preocupação viajado. O que quer que viessem a
desejo dinâmico de elevação. prévia de lhes enviar literatura e filmes encontrar não estaria investido de
Mas o destino, esse é que contaria que tinham o Algarve como cenário de afecções, não seria o Algarve dos seus
como uma das figuras maiores desse aventuras. Esses, sim, tinham o poder desejos – o mundo das maravilhas,
fluxo turístico – a volúpia de um outro de efabular universos estéticos auto- como o outro lado do espelho.
espaço/tempo por reconhecer. suficientes e autónomos. Finalmente, talvez pudessem dizer
O Algarve, enquanto objecto do Se é certo que as representações que o que mais desejariam era vir ao
campo perceptivo, tornara-se um dos objectos da realidade eram o úni- Algarve, já que o desejo apontava
campo de exagero hiperbólico das co ponto de apoio dos meus amigos para outro lugar – o da sua insaciável
imagens, um lugar simbolicamente para abordarem o desejo de virem repetição. Nesse caso, o que mais
“elevado”, que reflexivamente se ao Algarve, não era menos verdade desejariam não era vir ao Algarve,
produz no agigantamento do turis- que o julgamento que eles faziam das mas continuar a serem sujeitos de
ta, à semelhança do processo que representações e, principalmente, da um enunciado que aponta para algum
Bachelard chamou judiciosamente de sua relação com elas, estaria cheio de objecto real, reconhecido pelo Outro
“«contemplação monárquica» ligada ilusões criadas pelas colisões entre o e que pode representar a reafirmação
ao arquétipo luminoso-visual, por um desejo e o recalque. repetitiva do desejo no campo da rea-
lado, e, por outro, ao arquétipo psicos- Não estava em causa o crivo do seu lidade. O que eles mais pretenderiam
sociológico da dominação soberana”3. bom gosto, mas se eles admitiam que era continuar a ser sujeitos de um
Eu estava apreensivo. Algo me dizia o que mais desejavam era conhecer desejo que pudessem enunciar. Era
que, para os seus amigos, esta viagem o Algarve, apoiados na convicção de ter a falta mas também o significante,
poderia não ser mais uma experiência que a região seria um objecto real e já que o embaraçoso é a falta sem um
do conhecimento e da emoção român- que o seu desejo ecoaria no desejo de significante que lhe corresponda.
tica, mas sim a do reconhecimento e muitas outras pessoas, então incorre- Ao reconhecerem os objectos
da morte das emoções. riam nalgumas ilusões: o que os meus como desejáveis no campo dos códi-
Apesar de tudo, acreditava que o amigos queriam, não era exactamente gos, os meus amigos reafirmariam, de
seu imaginário se plasmava em cons- conhecer a Algarve – o que pressuporia forma narcísica, a sua existência como
telações simbólicas polarizadas em desconhecimento – já que ao verbaliza- pessoas capazes de dar expressão ao
torno da magia heliocêntrica do arqué- rem o Algarve estariam, ainda que in- que também é desejável para o Outro.
tipo da luz. Com um arrojo simplifica- conscientemente, a referir-se a alguma Se a realidade, o desejo e o sujeito
dor, decifrava os fluxos turísticos em coisa que pensavam conhecer suficien- são fundados a partir do recalque que
função de duas modelações essenciais temente para desejar. O desejo aqui acompanha o fracasso do Princípio
do imaginário que estão na base do não seria conhecer um lugar desconhe- do Prazer, importaria especular um
pensamento ocidental – a corrente cido, mas fazer o reconhecimento de pouco sobre a natureza do que é
oriental e a helénica. um objecto das suas representações, recalcado. Uma preocupação que, n’“A
Cioso do Algarve turístico, con- do seu universo simbólico investido de interpretação dos sonhos”, Freud teria
jecturava se, para os meus amigos, afectos apriorísticos. Seria, justamente, apreciado, na linha de o que é prazer
a opulência do litoral algarvio seria porque o Algarve se tinha tornado um para o inconsciente é desprazer para a
superior ao encantamento helénico. objecto da realidade privilegiado no consciência.
É sabido que este encantamento seio dos seus códigos, que ele se havia Talvez o que os meus amigos mais
não é um dado, mas o resultado de destacado aos olhos dos meus amigos. sentiam que desejavam, seria vir ao
uma construção apelativa que se ins- Assim, quanto mais eles “soubes- Algarve, mas este desejo já estaria no
creve como chave de interpretação do sem” sobre o Algarve, mais hipóteses lugar de um Outro, substituindo com
real por parte do turista. Na verdade, a teriam de tirar prazer da visita, se algum êxito aquilo que não se pode
escolha da região como local turístico, aquilo que eles anteciparam fosse, de expressar.

06 07 dos algarves
Exercícios de etnoficção turística

O caminho de satisfação alucina- tina esclarecedora do movimento cada um. Começava a dar-me conta
tória é recalcado não só porque fra- dos aviões assinalavam, de for- de que, nos contrafortes dos meus
cassa, enquanto possibilidade de sa- ma intermitente, a chegada do esforços aglutinadores, emergia uma
tisfazer o aspecto orgânico da pulsão, voo proveniente de Londres. subtil colonização do seu imaginário
mas por ser uma cadeia associativa Avisto o corredor onde tomam turístico. Afinal, os trampolins dos
que leva à pior das angústias, ao grau posição, na excitação de uma saída seus sonhos marcavam fronteiras mui-
zero do desejo, espécie de fantasia apressada, os passageiros perfila- to precisas, nutridas por universos de
primária da fusão com o objecto total dos com malas e mochilas, como se viagem em que os percursos de cada
e o fim das perturbações vitais. se tratasse de grupos de colegiais. um já estavam cobertos por desejos
Se o recalque interdita o acesso da Ao fundo, já era possível vislumbrar de recenseamento de impressões
consciência ao “objecto perdido” ima- os sorrisos rasgados que os nossos diametralmente opostas.
ginário, ele é, por sua vez, insuficiente amigos nos dirigiam. Chegados junto Charley, enfatizava a viagem em si
para desviar o curso da libido desse de nós, Charley, Margaret, Julian e mesma, a itinerância, o zapping, a des-
investimento cujo caminho persiste Elisabeth, cumprimentaram-nos coberta de lugares recônditos que não
no inconsciente. Para acalmar essa efusivamente, distribuindo abraços fizessem parte dos guias turísticos,
situação só haveria um recurso eficaz entusiásticos. nem dos estilizados postais ilustrados.
– o prazer, algum prazer. É a realidade, – Estão, finalmente, no Algarve, À semelhança da figura emblemática
com os seus pobres objectos parciais, exclamava eu com um ar triunfante, de Phileás Fogg de Júlio Verney, fazia
que pode oferecer aos indivíduos dando notas de uma hospitalidade questão em distanciar-se dos espaços
possibilidades de prazer substitutas quase teatral, própria de quem tomava que já possuíssem tal rótulo, glorifi-
do prazer alucinatório e impedir que o o grupo por um Ulisses colectivo, cando a deambulação por entre o in-
campo do desejo seja inundado pela projectado como sereia nos mares da vulgar, a diferença. Desejava efectuar
pulsão da morte e os seus “equivalen- navegação aérea. Ia ter a oportuni- percursos por conta própria, alugando
tes em vida”. Daí que a realidade tenha dade de lhes mostrar lugares que só um carro ou talvez um jipe, enfim,
um certo poder de salvar o ego da Pul- tinham existência por força da carga meios de transporte mais adequados
são da Morte. Um certo poder que per- emocional da euforia, do prazer das ao seu desejo de investir no sentido
mite à realidade oferecer gratificações cores, da inversão do quotidiano que explorador de uma aventura inusitada.
capazes de sustentar os investimentos lhes prometera. Pouco lhe importavam as distâncias a
feitos numa determinada direcção. Naquele dia de calor intenso, sen- percorrer, desde que lhe permitissem
Lembrava-me, por fim, que o desejo támo-nos ali mesmo, no bar da gare flutuar num estado de espírito de per-
nunca se conforma totalmente com o do aeroporto, para um primeiro brinde da de gravidade em relação ao mundo,
Princípio de Realidade. Eu sabia que o à metáfora do paraíso balnear. Alegre, de aproximação aventureira às desco-
“desejo da realidade” não se dissocia espontâneo, disposto a conduzi-los bertas que têm como centro a viagem.
de um mínimo de satisfação alucina- como se de um guia turístico se tra- Margaret, possuída de uma
tória. O que seria do prazer obtido no tasse, sugeri, de forma efusiva: sensibilidade romântica, propunha
“real” se até mesmo a sua fruição mais – Vamos já para Vilamoura, que é o demarcar-se do carácter frívolo
palpável e mais adaptada aos critérios lugar turístico mais in do Algarve. Con- do turismo de massas, essa forma
dos códigos sociais não comunicasse fiem em mim, que vou proporcionar- autista que, a seu ver, caracteriza
com o onírico? O que seria desse real vos as melhores holidays que alguma o espírito das férias modernas.
desnudado, se não fosse dotado de vez pensaram ter. – A praia? Mas que praia? Aquela
um poder de sonho fugidio, capaz de Cedo me confrontaria com as suas nesga de areia onde, para relaxares ao
incrementar esse prazer e imprimir-lhe reservas de sentido, relativamente às sol, precisas de pedir licença aos indi-
as marcas do gozo? É nesse poder de razões invocadas para uma deambu- víduos que te consomem com o olhar?
sonhar, feito reconhecimento do dese- lação conjunta pelo encantamento A praia é “um lugar de futilidades
jo, que os indivíduos sempre perse- preservado do seu itinerário de férias. essenciais. Na praia passa-se o tempo
guem e constantemente lhes foge, que A minha frustração aprofundava-se, ao e o tempo passado não é senão o
radica a condição que lhes permite verificar que, quase todos negligencia- logro de praia”4, afirmava, categórica,
continuar como seres desejantes. vam o meu convite, indiferentes aos reproduzindo textualmente Marc Augé.
obséquios dispensados, demolindo o Queria conhecer os locais marca-
Segmentações do desejo meu bom gosto. dos pela história da região, escutar
Tinha sido imprudente ao subesti- os murmúrios das ruínas, por entre
Na gare do aeroporto de Faro, mar a variedade das formas de viagem séculos de horizontes fantásticos, que
os televisores acomodados à ro- inscritas nos desejos mais íntimos de supunha confrontarem-na com ecos
do passado na forma de mitos e len- em que não teria que gastar a sua proporcionar um corpo escultural,
das dos espaços. Associava a viagem imaginação produtiva, inventando-se mesmo no seu reduto mais narcísico
ao naturalismo estético reflectido no em novos espaços. Desdenhava dos e afrodisíaco (ou do corpo adorável),
gosto cénico das paisagens e das tra- turistas aventureiros, possuídos da contaminado por um espaço de trans-
dições populares que traziam de volta mania de que o afastamento do domi- bordante sensualidade?
períodos intensos que davam a conhe- cílio habitual transforma sedentários Julian, o mais jovem do grupo, para
cer as turbulências e os sobressaltos em nómadas. quem a praia ficara tediosa e incom-
do velho homem que ainda pode vir Iria reger-se por regras de iguali- patível com um turismo mais radical,
a morar em nós. Dizia-se farta da im- tarismo e de convivialidade, próximas sentia um desejo imenso de vaguear
pessoalização das relações humanas e de uma espreguiçadeira que detesta o por complexos turísticos «artificiais».
da atomização social perpetrada pela isolamento físico ou psicológico, agra- Tinha em mente viver experiências im-
vida moderna. decendo que as decisões sobre a sua pulsionadas pelas emoções, deslocan-
Na sua imaginação pairavam os estada fossem tomadas por peritos na do-se a parques de diversões, onde a
mitos da origem, da fundação, a construção de universos fechados das veracidade das formas e das figuras,
sensação de transfiguração sublime férias organizadas. Pretendia centrar a que transcendem a própria realidade,
dos indivíduos face à experiência sua experiência no ócio dos espaços conhecem um sucesso sem preceden-
turística, o regresso a um familiar paradisíacos anunciados como praias, tes. Excitado no seu fascínio, anteci-
“Outro”, baseado numa hospitali- na recreação segura oferecida por pava as possibilidades oferecidas por
dade espontânea, como forma de essas voluptuosidades da natureza, no esses hiperespaços que, no dizer de
manutenção de inter-subjectividades êxtase da comodidade, nos rompi- Jameson, no seu Postmodernism or
nostálgicas, em forma de regresso mentos com os constrangimentos the Culture Logic of Late Capitalism,
a uma comunidade primária, onde do trabalho que só o farniente lhe transpiram de populismo do livre
os discursos turísticos ainda não se proporcionaria. mercado em que as classes médias se
haviam apoderado do pitoresco. Tinha pouca propensão para se encerram, forçando o desenvolvimen-
Margaret deixava transparecer a sujeitar à incerteza e ao desconforto, to do sistema sensorial e físico dos
atracção pela experiência do êxtase, pelo que se sentia pouco atraída por indivíduos.
pela dominante estética da paisagem, uma viagem independente. Tampouco Julian deseja a coisa verdadeira e
pela regeneração, pelo ar puro, pela manifestava propensão para se expor “para atingi-la deve realizar o falso
sensibilidade cromática de tons e às diferenças culturais. O seu desejo absoluto; e onde as fronteiras entre o
formas. Queria saborear a individua- consumava-se nas exigências que jogo e a ilusão se confundem, o mu-
lidade e a auto-descoberta, a auto- deixam filtrar um modelo de praia defi- seu de arte é contaminado pela tenda
programação das férias, sem um guia nido como areia fina, dourada e mole, das maravilhas, e a mentira é saborea-
turístico a vergar-lhe o dorso com águas calmas e doces, a ausência de da numa situação de pleno, de horror
viagens programadas ao dia, à hora, ao ventos que molestem o turista, enfim, vacui”6, numa experiência bem interes-
minuto, impondo-lhe que visse o que aqueles requisitos que fazem da praia sante, descrita por Umberto Eco, na
seria dado a um turista ver. Fazia ques- um espaço projectado como constru- Viagem Na Irrealidade Quotidiana.
tão em esquecer o relógio, acordar ao ção “natural” separada da natureza. Assumia uma adoração muito espe-
canto do galo, andar e ver como, quan- Como qualquer turista ávido de sol, cial pelos espaços de simulação, toma-
do e o quê quisesse, sem o peso dos nela convergia a ideia vincada de que dos como autêntica forma de supe-
estatutos e papéis sociais, convenções era fundamental aproveitar ao máximo ração da realidade, concebidos como
ou interdições que lhe impedissem a a absorção de qualidades, a alquimia uma versão aperfeiçoada dos espaços
fruição de gratificações intrínsecas. simbólica, onde a beleza funciona que imitam. Nesses espaços, onde o
Apenas Elisabeth parecia alinhar na como reflexo dessa metamorfose “era uma vez” ganha sentido, poderia
minha sugestão. Abria-se ao sentido racial, inscrita na aquisição do «mais investir num encontro com paisagens
que aprofunda a separação entre a belo tom matizado africano»”, que não e personagens, castelos e palácios
viagem e o destino, sentindo-se domi- passava indiferente a Michelet, no dos contos de fadas, de histórias de
nada pelo que Jean Viard designaria século XIX. banda desenhada, enfim uma miríade
de “psicologia de instalação e não A minha amiga estava enamorada de imagens que foram entretecendo a
de trânsito”5. Parecia apostada em de uma mística heliofílica, que prevale- intimidade do nosso imaginário.
apreciar os momentos de suspen- cia nela como símbolo mais pujante da Julian estava nessa. Queria viver
são da vida, de declínio da aventura. sua desejada robinsonada balnear. uma experiência em que visse repro-
Interessava-lhe o recurso a uma E a quem seria legítimo vedar-lhe duzidas cópias de assalto à imagina-
experiência convencional e previsível, a ideia de que a praia lhe poderia ção, num mundo que globalizou os

08 09 dos algarves
Exercícios de etnoficção turística

contos de fadas na floresta do nosso e atribuições de sentido díspares, Toda a experiência supostamente
imaginário. sem prejuízo de todas convergirem no objectiva, material e social do espaço
O ideal seria conhecer um Algarve turismo. Face às interrogações susci- é também, desde o seu começo, ima-
que lhe garantisse reviver todos os tadas pelo confronto com visões tão ginária, viva, e infinitamente complexa.
momentos com a maior das emoções, polissémicas, nos múltiplos eixos de
centrando-se em programas de anima- significação que a percorriam, entendi
ção e magia de um mundo fantástico, por bem renunciar a uma visão super-
onde a realidade e o que ela não é ficial do turismo, prometendo, a mim 1 Charles Baudelaire, O pintor da vida
coabitassem na dissimulação. mesmo, ficar desperto para diferentes Moderna, p. 21.
E eu, apesar de confuso, começava formas de apreensão do seu sentido e 2 Marc Augé , Não-Lugares, Introdução
a aperceber-me de um fenómeno novo inteligibilidade. a uma Antropologia da Sobremodernidade,
que encontrava tradução nos discur- Foi do confronto com estas experi- p. 10.
sos multifacetados que se abatiam ências que, em boa parte, resultou um 3 Gilbert Durand, As Estruturas An-
sobre o Algarve turístico. Era forçoso dos pontos de partida para o caminho tropológicas do Imaginário, Introdução à
admitir que, da forma como os meus que se abriu a estas páginas incom- Arquetipologia Geral , p. 96.
amigos estruturavam as místicas de pletas, trazendo-me à memória La risa 4 Marc Augé, L’Impossible Voyage, Le
relação ao mundo, do modo como no del espacio, onde Nogueira põe em tourisme et ses images, p. 49.
turismo se estruturam o imaginário e evidência a ideia, tão simples quanto 5 Jean Viard, Réinventer les vacances :
os objectos simbólicos, assim despon- agradável, de que não há espaço al- La nouvelle galaxie du tourisme, p. 65.
tavam transformações possíveis dessa gum cuja realidade ontológica, estética 6 Umberto Eco, Viagem Na Irrealidade
experiência. ou psicológica não se constitua, trame Cotidiana, p.13.
Reconhecia que, daquelas percep- e se deixe contaminar por cruzamen-
ções do espaço, sobressaíam desejos tos entre visibilidades e discursos.

Referências Bibliográficas

AUGÉ, Marc (1994), Não-Lugares: Introdução a uma Antropologia da


Sobremodernidade, Bertrand, Lisboa.
AUGÉ, Marc (1997), L’Impossible Voyage, Le tourisme et ses Images, Éditions Payot
& Rivages, Paris.
BAUDELAIRE, Charles (1993), O Pintor da Vida Moderna, (trad. e posfácio de Teresa
Cruz), 1ª edição, Editorial Vega, Lisboa.
DURAND, Gilbert (1989), As Estruturas Antropológicas do Imaginário, Introdução
à Arquetipologia Geral, (tradução de Helder Godinho), 1ª edição, Editorial
Presença, Lisboa.
ECO, Umberto (1984), Viagem Na Irrealidade Cotidiana, 9ª edição, Editora Nova
Fronteira, Rio de Janeiro.
JAMESON, Fredric (1984), «Postmodernism, or the Cultural Logic of Late
Capitalism», New Left Review, n.º 146.
VIARD, Jean (1998), Réinventer les Vacances :, La Nouvelle Galaxie du Tourisme,
Secrétariat d’État au Tourisme, Direction du Tourisme, Paris.Press, Chapel Hill:
374-402.
As Comunidades Criativas,
o Turismo e a Cultura
Os paradigmas do turismo dos anos 80 estão ultrapassados
perante a emergência daquilo que se designou por «Turismo
Criativo». As novas estratégias de regeneração urbana apontam
para uma ligação e cooperação entre as ‘indústrias criativas’e
o turismo. O novo turista procura experiências autênticas, que
proporcionem desenvolvimento pessoal e aprendizagem. A
existência de recursos culturais e de património histórico não
são condições obrigatórias ao desenvolvimento deste tipo de
turismo, e estabelecem a fronteira com o turismo cultural.
A cooperação entre o turismo e as indústrias criativas nem
sempre é fácil, dado que apresentam abordagens distintas e
por vezes conflituantes dos mesmos recursos. As principais
estratégias de desenvolvimento das comunidades criativas são
aqui apresentadas, assim como, as fórmulas mais utilizadas
para o desenvolvimento do «Turismo Criativo».

Alexandra Rodrigues Gonçalves – ESGHT

Introdução as políticas culturais de regenera- taxa de crescimento superior à média


ção urbana e de turismo de várias do turismo mundial. Associado a este
No presente artigo estabeleceu-se comunidades e países, onde já se crescimento encontra-se uma maior
como principal objectivo sistematizar adoptaram as estratégias que de se- frequência das áreas urbanas e dos
os desenvolvimentos mais recentes guida passaremos a expor. Alguns dos monumentos.
e descrever os resultados disponíveis estudos de caso referidos resultam de A cultura é desde tempos imemo-
sobre a investigação em turismo cultu- pesquisa on-line, em páginas electróni- riais uma motivação principal para via-
rali, e em particular, sobre o «Turismo cas que incluem a promoção e a venda jar, sendo no entanto, a viagem cultural
Criativo». Os elementos apresentados de produtos que vão ao encontro do associada à «Grand Tour» do século
resultam fundamentalmente de uma nosso objecto de estudo (alguns dos XVI, que marca o desenvolvimento do
leitura crítica de artigos científicos quais surgem referenciados nos artigos que hoje se designa por turismo cultu-
publicados desde o ano 2000, sobre as científicos recolhidos). ral e patrimonial (Patin, 1997). Por sua
indústrias culturais e criativas, as novas Num breve enquadramento concep- vez, as atracções culturais assumem
abordagens de gestão para os espaços tual, gostaríamos de começar por re- um papel de crescente importância no
históricos e culturais (mais centradas conhecer a importância que o turismo turismo e tornaram-se locais obrigató-
na experiência e no visitante), mas cultural assumiu a nível internacional, rios de visita (MacCannell, 1976).
também sobre as motivações de visita constituindo-se na actualidade como Uma análise atenta das estatísti-
do turista cultural e as novas atracções um dos segmentos que apresenta um cas do turismo demonstra uma clara
turísticas e culturais emergentes. maior e mais rápido crescimento no tendência para permanências mais
Como fontes principais foram turismo global (OMT, 2001). De acordo curtas do turista e para uma maior
utilizados vários documentos oficiais com a Organização Mundial de Turismo fragmentação das férias. Têm vindo a
internacionais onde se apresentam este segmento apresenta mesmo uma ser desenvolvidos vários instrumen-

10 11 dos algarves
As Comunidades Criativas, o Turismo e a Cultura

tos para gerir os fluxos turísticos nos vidas, incluindo a apresentação e conceito organizativo para promover
locais patrimoniais com o objectivo interpretação da cultura nas suas formas de actuação conjuntas (Dredge,
de controlar, influenciar e mitigar os diferentes formas de expressão. 2005). Porter (1990) foi o principal pre-
impactes dos visitantes. Em casos Generalização de um comporta- conizador da ideia que as redes ou os
extremos, como é o caso das grutas de mento internacional oposto à soli- “clusters”2 de interesses que formam
Altamira em Espanha foi colocada uma dariedade, que se baseia num maior coligações de acção colectiva, que se
reprodução no local para permitir uma individualismo, com os indivíduos a constituem como pré-condições para
visita turística massificada. desejar exercer maior controlo sobre a inovação e para a capacidade de
À medida que a cultura é utilizada as decisões que lhes dizem respeito. construção da comunidade.
pelas cidades como forma de de- Combinação do aumento de expe- A cultura, o património e o turismo
senvolvimento económico e social, a riência de viagem com o aumento da assumiram-se neste repensar das
proliferação de produtos de turismo idade, o que implica que o público que estruturas sociais e económicas
cultural ameaça a transformação hoje viaja tem uma maior consciência como instrumentos preponderan-
deste tipo de turismo num merca- dos padrões de qualidade e desejam tes da regeneração e revitalização
do massificado. Numa tentativa de em simultâneo ter opções de escolha de centros urbanos mas também
sensibilizar os agentes locais, a OMT e/ou combinações entre “novo” e do meio rural, e emergem de forma
aponta a necessidade de uma melhor “velho”, tradicional e moderno, activo e crescente como factores de desen-
segmentação da oferta turística e passivo, produtos e serviços autênti- volvimento económico e social.
a de gerar uma maior variedade de cos, mas também derivados.
produtos de turismo cultural, assim Maior número de “escapes” (mais Desenvolvimento
como, o controlo da pressão naqueles frequentes e mais diversos) à rotina cultural e comunidades
locais patrimoniais mais visitados. diária. Redução do período de estadia, criativas
A promoção de uma conservação o que implica que a intensidade de
integrada dos monumentos, museus e viagem tende a aumentar, os locais A diferenciação hoje não se
outros locais visitados pelos turistas, culturais e patrimoniais têm que ser consegue apenas pela cultura e pelo
nomeadamente pela proposta de visitados mais rapidamente e de forma património cultural que se detém. Se
reforço de parcerias entre o público e o mais eficiente. verificarmos com alguma atenção,
privado são algumas dessas propostas. Com frequência também aconte- quase todas as cidades europeias pos-
Alguns consumidores cansados de ce que o mesmo visitante combina suem monumentos e museus; todas
encontrar a reprodução em série de experiências mais intensas de viagem reconhecem que o seu património
museus e monumentos em diferentes com experiências mais “repousadas”, histórico e cultural deve ser conser-
destinos começaram a procurar alter- regra geral associadas com actividades vado e preservado e todas apostaram
nativas. O aumento do consumo es- relacionadas com a saúde (wellness). em estratégias de regeneração urbana
pecializado e a ênfase colocada sobre As forças combinadas do cresci- (total ou parcial, no último caso dos
o desenvolvimento de capital cultural mento do individualismo, fortalecidas bairros históricos e culturais) que, mui-
individualizado e da espiritualidade, na pelas experiências de férias e viagens tas vezes, associam esse património
sociedade pós moderna, apontaram nacionais e internacionais, e pela ao turismo, como motores principais
para um desenvolvimento de turismo saturação cultural, conduziram a que de desenvolvimento local.
criativo como sucessor do turismo grande parte dos viajantes desejam ter A cultura e as «indústrias criativas»
cultural (Richards e Wilson, 2006). férias, ou experiências de viagem, que têm sido determinantes para a (re)
Weiermair e Peter (2002) apontam sejam em simultâneo personalizadas e produção e (re)criação dos espaços
os seguintes elementos principais percebidas como “autênticas”. urbanos; podemos mesmo afirmar que
como grandes determinantes do com- Em muitos destinos as relações for- alguns locais foram reconstruídos ou
portamento do «novo» consumidor: mais e informais entre os governantes até concebidos propositadamente para
Multiculturização: aceitação e locais e a indústria possuem um efeito o turismo e para o lazer.
consumo de outras culturas con- considerável sobre a capacidade de É hoje relativamente comum
duzindo a alterações na “cultura atracção e de inovação do destino. A assentar as estratégias de regenera-
quotidiana”, incluindo a absorção alteração dos processos governativos, ção na construção de novos espaços
de outras dimensões culturais onde a responsabilidade de desen- temáticos ou no (re)desenvolvimento
sobre a forma de aculturação. volvimento das políticas é cada vez de antigos locais (ex. da EXPO 98). A
Introdução das novas tecnolo- mais partilhada entre o sector público arte pública também tem assumido
gias de comunicação e informa- e o sector privado, promovem um um papel interessante na regeneração
ção em muitas esferas das nossas interesse crescente nas redes como urbana, sobretudo em antigos espaços
industriais desactivados (vide Figura hands-on cultural experience outside of da autenticidade. Aparentemente, as
I). Existem em Inglaterra, 6.500 milhas the normal sightseing opportunities» cidades de sucesso conseguiram a sua
de ciclo via a fazer a ligação entre os (http://creativecity.ca, 2003). Assim afirmação pela identificação e fortale-
centros urbanos e o meio rural, onde sendo, o elemento-chave deste tipo de cimento dos seus factores de diferen-
se incluem centenas de exemplos de turismo diz respeito à participação ciação em relação a outros locais, pelo
arte pública ao longo da via (Mosedale, activa do indivíduo naquilo que se que não é imitável. Cada comunidade
2006). A arte pública funciona, funda- designa por experiência turística, e o deve encontrar o seu caminho para o
mentalmente, como catalizador de um abandono da “bolha turística” que sucesso (Bulick et al., 2003b).
processo de regeneração urbana mais mantinha o turista numa realidade O capital criativo – a inovação e as
abrangente, estimulando a criatividade artificial à parte, distante da comunida- novas ideias, os novos designs, os no-
e melhorando a imagem da cidade e de receptora e numa atitude contem- vos processos produtivos e de lazer - é
pode incluir desde mobiliário urbano, a plativa (Urry, 1990). para Bulick et al. (2003b) o combustível
projectos comunitários, a instalações A viagem emerge como uma opor- para o motor económico do século XXI.
temporárias ou até exposições. tunidade para desenvolver experiên- As estratégias tradicionais de desen-
cias pessoais, de auto-aprendizagem volvimento económico regional, de que
a partir de uma descoberta do mundo. são exemplo, a disponibilização de ter-
Assim, o turismo criativo tem por renos, a construção de infra-estruturas,
base a criação de experiências que a oferta de incentivos fiscais para atrair
pressupõem uma participação activa e empresas e criar emprego, devem ser
o envolvimento do consumidor na sua suplantadas ou potenciadas por novas
produção. estratégias para atrair e reter indivíduos
O que tem esta forma de turismo talentosos e as suas empresas.
em comum com o modelo tradicional Efectivamente, os modelos que
de turismo baseado no “sol e praia” estiveram subjacentes à construção
que ficou conhecido como fordismo ou de muitas cidades foram estritamente
fig 1: Graffiti como arte pública, Glasgow
Fonte: http://www.geografiasdohiphop.blogspot.com/ modelo dos 3 S’s (Sun, Sea and Sand)? centrados nos aspectos económicos
Quase nada! e arquitectónicos, esquecendo-se de
A necessidade das cidades e das O advento do turismo criativo resul- considerar os aspectos da dimensão
regiões de serem criativas, pelo ta de uma sociedade contemporânea cultural. Isto conduziu-nos a cidades
desenvolvimento de novos produtos mais instruída, mais exigente, mais ex- com densidades de construção muito
esteve na origem de novas estratégias periente, mais independente. Algumas elevadas e por isso também muito
de regeneração e de dinamização do atracções culturais já reorientaram a populosas, o que por sua vez, tem
seu tecido económico e social. No sua oferta para estes “novos” públicos resultado em problemas de conflitos e
decurso desta abordagem desenvol- (ou para estas novas motivações e exclusão social (e também de desorde-
veu-se o conceito de Turismo comportamentos), oferecendo oportu- namento, poluição visual e falta de sus-
Criativo (Creative Tourism), constituin- nidades de lazer associadas à escrita tentabilidade). A cultura pode assumir-
do-se como aquele tipo de turismo que criativa, à produção de artesanato se como um elemento de equilíbrio.
oferece aos visitantes a oportunidade local, aos workshops de música, aos Quer o turismo, quer a cultura
de desenvolver o seu potencial criativo ateliers pedagógicos, etc. desempenham um papel fundamental
através da participação activa em expe- Tem-se verificado nos Estados no processo de criação da imagem,
riências de aprendizagem que são Unidos da América um movimento nomeadamente no que concerne à es-
características do destino de férias generalizado por parte dos líderes da tetitização das paisagens, assim como,
onde são levadas a cabo (tradução nos- sociedade civil para encontrar novas na adequação do ambiente para dar
sa a partir de Richards, 2001:65). Na estratégias de desenvolvimento econó- resposta às necessidades dos consu-
verdade o turismo cultural por si só mico com vista a construir “capital midores (Richards e Wilson, 2005).
nem sempre consegue criar estas criativo”, e muitos centram a sua aten- A imagem das cidades e das regiões
oportunidades, oferecendo uma ção na forma como o desenvolvimento baseia-se em elementos físicos, mas
experiência muito passiva e de cultural contribui para comunidades também se desenvolve a partir das
contemplação, pelo que se afasta de autênticas, vivas, criativas e com su- experiências construídas em torno
um novo turismo que procura «a cesso económico (Bulick et al., 2003b). desses elementos, que geralmente se
variation on traditional models of Um dos elementos que se consi- estendem à “cultura viva” e à atmos-
tourism, which appeals to tourists dera mais relevante na discussão das fera dos locais (Wilson 2002, cit in.
seeking the opportunity to have a “comunidades criativas” é a questão Richards e Wilson, 2005).

12 13 dos algarves
As Comunidades Criativas, o Turismo e a Cultura

Existem vantagens reconhecidas a e promovem workshops interactivos de emprego para que aí se fixem); tec-
este tipo de oferta de experiências, em entre o museu e os seus visitantes. nologias (as cidades devem ter uma
que o turista se assume como actor (a Esta opção, conforme refere, não é alta capacidade de inovação tecnológi-
partir de Richards, 2001): fácil para as atracções culturais e para ca e a presença de universidades que
- a criatividade possui maior poten- os destinos, pois pressupõe a escolha promovam o conhecimento e que pela
cial para criar valor pela sua escassez; de narrativas e interpretações a partir investigação, disponibilizem transferên-
- a criatividade permite aos destinos dos visitantes, e não somente a partir cia de capital para as empresas e origi-
inovar e conceber novos produtos com de dados históricos e científicos. nem iniciativas de empreendedorismo);
maior rapidez, conseguindo estabele- Aquilo que se acusou o turismo de tolerância (o talento é atraído para
cer vantagens competitivas em relação estar a fazer à cultura e ao património locais que sejam cosmopolitas, inclusi-
a outros locais; cultural – pelo processo de transforma- vos, abertos de espírito e culturalmente
- a criatividade é um processo, pelo ção em mercadorias estandardizadas criativos). Neste último elemento, Flori-
que, os recursos criativos são mais (commodification) – deu lugar a expe- da (2002) propõe 3 índices para avaliar
sustentáveis e infinitamente renováveis riências turísticas únicas e individua- a tolerância da comunidade: “boémios”,
(veja-se o crescimento de festivais lizadas. Numa economia de experiên- “gay” e “emigrantes”.
culturais e de arte por toda a Europa); cias 3, o consumo passivo dos serviços Os exemplos mais paradigmáticos
- a criatividade é móvel, podendo culturais tenderá a modificar-se e a destas estratégias criativas apontam
inclusive ser produzidos nalguns casos assumir-se de forma crescente como para as cidades inglesas pós-desindus-
de forma virtual em qualquer local, um tipo de consumo mais participativo, trialização: Sheffield, Birmingham, Glas-
sem que tenha que coexistir um núme- envolvendo interacção, aprendizagem gow, são as referências mais comuns.
ro concentrado de recursos culturais e e execução (vide Figura II onde procu- Podemos referir também Barcelona ou
patrimoniais. rámos sistematizar esta mutação). Bilbao. No entanto, este movimento
O turista quer experimentar os O sucesso e emergência destas está em crescendo e em 2003, no Es-
cheiros, os sabores, os sons, o toque iniciativas estão associadas ao desen- tado de Ontário (Canada) foi concebido

os
lizad
cia
pe
dumazedier, 1967 s es
u mo - inovação
o ns
sc
do - novas ideias
to
men - Produtos
lazer/recreação turismo cultural
e sci novo e experiências
cr turismo
turismo
criativo
Poon, 1993 - Partipação activa
Procura de descanço; desenvolvimento Pessoal; richards, 2001
relaxar novos conhecimentos; - desenvolvimento
aptidões e competências de aptidões
e conhecimentos

produtos experiência
Fonte: elaboração própria

fig 2: A emergência do «Turismo Criativo»

de uma cultura. Quem é que lhe irá volvimento de estratégias de desenvol- um projecto intitulado “Creative City
fornecer estas experiências? Algumas vimento local que tornem as regiões Network of Canada” (2004-2006) e
atracções culturais começam a orien- atractivas à criação e fixação das indús- que tem por base uma organização de
tar-se para os seus visitantes. Richards trias culturais. R. Florida (2002) aponta pessoas que trabalham nas entidades
(2001:66) refere a título de exemplo, três factores principais: talento (têm municipais de 6 cidades do Canada nos
os museus que se assumem cada vez que existir pessoas relacionadas com domínios da cultura, do património,
mais como «fábricas de significados» as actividades criativas e oportunidades das artes em geral, mas também no
planeamento, no desenvolvimento e Raymond promove através da sua 4. Relações sócio-espaciais do turis-
no apoio, e que têm a responsabilidade empresa alguns workshops criativos mo, do lazer e da criatividade
de desenvolver e promover experiên- para os visitantes da Nova Zelândia que 5. Políticas culturais das cidades
cias associadas a estes domínios, das incluem: «Maori culture and traditions»; 6. Turismo, políticas de lazer e
quais podemos referir como exemplo, «New Zealand Art and Crafts»; «New criatividade
os workshops para fazer artesanato Zealand fibre and woolcraft»; «New 7. Teoria das políticas urbanas e,
local (cestaria) ou para aprender os Zealand flora and fauna»; «New Zealand políticas de turismo e lazer
segredos da cozinha regional (http:// Cuisine». Possui para este efeito uma 8.Turismo criativo e locais de lazer
creativecity.ca, 2003). equipa de pessoal com uma formação - festivais, espectáculos, centros des-
Já em 1999 a entidade responsável abrangente nos domínios das artes, da portivos, galerias de arte, museus
pelo TWA (Tourism Western Austra- cultura, do património, da geografia e 9. Criatividade, turismo e lazer,
lia) promovia testes aos níveis de da gastronomia (Raymond, 2006). Um exclusão e marginalização
interesse dos turistas que visitavam dos lemas deste criador é: «I hear and 10. Espaços urbanos, criatividade
a Austrália, em relação a propostas I forget, I see and I remember»; os es- individual, turismo e lazer
de viver experiências relaciona- tudos de marketing revelam ainda que 11. Lazer e criatividade em geral
das com a cultura Aborígene. a retenção de informação e a criação Alguma discussão também tem
Nos EUA, os exemplos de cidades de memórias é ainda maior quando existido em relação ao que se deve
que adoptaram as artes e a cultura se executa, quando se experimenta considerar como englobado no concei-
para se reinventarem e revitalizarem as a actividade. Verificamos assim que to de «indústrias criativas», bem como,
suas economias multiplicam-se. Pode- hoje, aquilo que os nossos antepas- em relação aos instrumentos a utilizar
mos referir o exemplo de Philadelphia sados faziam para subsistirem, como para a quantificação e a medição do
que, na década de 90, apresentava por exemplo, imigrarem para ir um peso que as indústrias culturais e
índices de estagnação e de enve- Verão apanhar lúpulo para a Inglaterra criativas possuem sobre a economia
lhecimento na população, e de fuga e serem remunerados para o efeito, (idem, ibidem). Segundo Richards
para outros locais da população mais pode constituir-se como uma experiên- (2006) as indústrias criativas incluem a
jovem, associados a taxas de emprego cia turística pela qual este turista está moda, o design, o cinema, o multi-
inferiores à da região. Determinaram a disposto a pagar um bom preço. média em geral e o entretenimento,
cultura como elemento principal para a Em Outubro de 2006 realizou-se em propondo para o conceito de «Turismo
revitalização das áreas abandonadas e Santa Fé, no México “The Creative Ci- Criativo» a inclusão do turismo cultural
criaram para o efeito a Cultural Allian- ties Planning Summit”, com o objectivo e patrimonial em geral, das artes, e dos
ce, que congrega um conjunto de 270 de definir estratégias conjuntas para estilos de vida (costumes e tradições,
organizações sem fins lucrativos com o revitalizar a economia turística e de- gastronomia, folclore, etc.).
objectivo de aumentar a notoriedade, senvolver o conceito de «turismo criati- Paul Jeffcutt (cit. in Mosedale,
a participação e o suporte às artes e à vo» (http://www.freenewmexican.com/ 2006) reconhece que as dinâmicas das
cultura na região, e assume a respon- news/ 51274.html, 2006). A presidente «indústrias criativas» são complexas
sabilidade do planeamento da cultura e da autarquia local em declarações à e representam um desafio considerá-
das artes na região da Philadelphia. imprensa referiu que este tipo de turis- vel para os investigadores e para os
Em 2003 na Nova Zelândia, pelas mo pressupõe o envolvimento com a responsáveis políticos sobretudo na
mãos de um dos “pais” do conceito de comunidade local, uma aprendizagem conceptualização e operacionalização
«Turismo Criativo» nasceu a organi- da cultura de forma experimental. do seu desenvolvimento. As inter-
zação «Creative Tourism» (Raymond, relações que este tipo de estratégia
2006). C. Raymond e G. Richards pers- Debates Correntes envolve numa região são inúmeras e
pectivam o turismo criativo como um englobam agentes de diferentes sen-
desenvolvimento do turismo cultural, Os debates actuais associados ao sibilidades que nem sempre são fáceis
reconhecendo que o turista da actuali- turismo, à criatividade e às cidades de consensualizar. Como aspecto mais
dade procura um envolvimento activo têm-se centrado nos seguintes pontos positivo desta relação apontamos o
com as populações locais e os seus principais (Mosedale, 2006): reconhecimento unânime, pelos inves-
costumes e tradições, procuram tam- 1. Teorias da criatividade tigadores e estudiosos do fenómeno
bém «learning by doing». O novo turista 2. Indicadores de desempenho e turístico, da cultura e do património
é alguém que procura a sua realização espaços como matérias principais na gestão e
pessoal pelo desenvolvimento de 3. Aspectos culturais, sociais e planeamento do turismo (Costa, 2005;
novas aptidões e que deseja interagir económicos do turismo criativo e dos Gonçalves, 2003; Gunn, 1994; Inskeep,
com as populações locais. espaços de lazer 1991; entre outros).

14 15 dos algarves
As Comunidades Criativas, o Turismo e a Cultura

Estratégias associadas às • Clusters criativos uma atracção principal, oferecendo-se


«indústrias criativas» • Classe criativa - «Novos boémios» após uma visita guiada ao mercado “La
e ao turismo • Mercados de Arte e comercializa- Boqueria”, a oportunidade de cozinhar
ção de artefactos culturais com um professor famoso e, com a
As cidades para criar uma imagem • Vantagens comparativas ajuda do grupo, dois pratos e uma
diferenciada e atrair turistas têm-se • Cidade do design sobremesa típicas da cozinha regional
centrado em quatro grandes opções De salientar que Evans (2007:10) Catalã (Richards e Wilson, 2005).
estratégicas de regeneração associa- aponta também para a necessidade de Também na Irlanda do Norte, já se dis-
das às indústrias criativas e ao turismo estratégias de marketing individualiza- ponibilizam experiências criativas aos
(a partir de Richards e Wilson (2005): das e para novas formas de coopera- turistas associadas a visitas a castelos,
Criação de Estruturas/Equipa- ção baseadas em projectos. a aventuras fotográficas e a trilhos de
mentos Ícone: criação de ícones Por sua vez, Richard e Wilson (2005) descoberta do património (http://www.
arquitectónicos para atrair visitantes identificam três formas de reconversão creativetourism.net, 2006).
(ex. Museu Guggenheim em Bilbao). do turismo cultural tendo em vista a R. Florida (2002) identificou a emer-
Mega Eventos: promoção de gran- criatividade: gência de uma classe criativa e aponta
des eventos como os Jogos Olímpicos 1. A promoção de «espectáculos como um dos grandes responsáveis
ou as Capitais Europeias da Cultura. criativos»- actividades criativas que pelo consumo criativo a necessida-
Tematização: criar um tema como servem de base a experiências turísti- de de auto desenvolvimento e daí a
base para uma narrativa (Idade Média; cas mais passivas. procura de experiências que proporcio-
Ordens Religiosas; Ano de Mozart). 2. O desenvolvimento de «espa- nem aprendizagem.
“Exploração” do Património ços criativos»- espaços demarca- Estes “produtos” dão resposta ao
Cultural : utilização dos vestígios do dos povoados por indivíduos que se desejo de inovar, criando propostas
passado para desenvolver o turismo dedicam a actividades criativas, que distintas que vão ao encontro de ne-
(Pompeia; Bruges; Évora). num primeiro momento informalmen- cessidades específicas dos consumido-
Pode-se igualmente constatar que te conseguem atrair visitantes. Estes res (ou melhor, dos turistas). Segundo,
o modelo de desenvolvimento urbano espaços tornam-se atractivos quer Richards e Wilson (2005) estas ofertas
de algumas cidades (pelo seu sucesso) emocionalmente quer visualmente parecem servir como antídoto para
esteve na origem de um movimento sedutores e, regra geral, atraem quer uma reprodução em série que tem sido
internacional de imitação: Baltimore turistas culturais, quer turistas de fim- desenvolvida pelos destinos turísticos
(desenvolvimento da Frente Ribeiri- de-semana. e emerge como uma nova forma de
nha); Bilbao (desenvolvimento a partir 3. A participação dos turistas em envolvimento por parte do turista.
do museu-ícone); York (exploração «actividades criativas interacti- Por sua vez, o «Turismo Criativo»
do passado); Barcelona (estratégia de vas» - quando os turistas eles próprios depende largamente de um envol-
regeneração conduzida pelos eventos); participam nas actividades criativas, vimento activo dos turistas já que
são algumas das referências citadas envolvendo-se em experiências pressupõe uma interacção reflexiva da
por Richards e Wilson (2005). turísticas criativas. Pode resultar da sua parte. Richards e Wilson (2005:3)
Estas estratégias têm, no entanto, convergência entre os espectáculos e referem como fundamental para o
gerado algum criticismo pelos custos os espaços criativos. desenvolvimento do «Turismo Cria-
que envolvem e por serem imitação de Os espaços criativos são normal- tivo», conseguir-se proporcionar um
outras, pelo que será necessário criar mente vazios de ideias/temas fixos, contexto em que a experiência não só
modelos alternativos. pois são espaços multi-funcionais e se torna um espaço de aprendizagem,
Evans (2007) numa abordagem podem ser flexíveis às narrativas par- mas também se traduz numa transfor-
crítica à emergência deste novo pa- ticulares. Em cidades como Roterdão, mação do “eu”.
radigma procurou sistematizar aquilo Manchester e Barcelona estes espaços No conceito de «Turismo Criativo»
que identifica como caracterizador das reúnem um conjunto de residentes o mais importante para os responsá-
comunidades criativas, estabelecen- permanentes associados ao desen- veis pela gestão é que a criatividade
do desta forma as fronteiras com as volvimento de determinados clusters. deve ser um atributo do processo de
comunidades/cidades culturais. Assim, Em várias zonas rurais houve também produção, assim como do processo
segundo este autor, a comunidade tentativas de desenvolvimento de de consumo. Por outro lado, também
criativa reunirá uma ou mais das se- clusters criativos a partir de designers é desejável que a criatividade local
guintes características (idem, ibidem): e produtores de artesanato que têm esteja associada aos mercados glo-
• Cultura cosmopolita estado na origem de fluxos de turismo bais, por exemplo, através de ícones
• Consumo e produção criativa cultural. Em Barcelona, a cozinha é e temas globais (Richards, 2006) (e.g.
Descobrimentos, em Portugal; Gaudí, de na nossa comunidade e, por outro forma cooperativa e activa. Devem ser
em Barcelona). lado, acreditamos que existem claras desenvolvidos programas de sensibi-
Uma das medidas a concretizar vantagens competitivas na região para lização da comunidade para educar o
para que estas “cidades criativas” a afirmação de uma estratégia baseada público acerca dos benefícios do turis-
promovam o desenvolvimento de clus- nestes elementos. Não será este o mo- mo e como podem eles efectivamente
ters associados ao turismo e à cultura mento de renovar a estratégia de de- participar nos programas turísticos,
e para que sejam uma realidade em senvolvimento regional a partir destes assim como, a sua responsabilidade
Portugal tem que ver com «o desenvol- vectores: Turismo, Criatividade e Cultu- como receptores de turismo.
vimento de sistemas organizacionais ra (no seu sentido mais abrangente)?
que tragam as organizações culturais A nível internacional este movimen-
para o centro do processo de tomada to, que se começa a generalizar - de
de decisões (…)» (Costa, 2005:294), no desenvolvimento de estratégias cria- 1 Sobre a definição de turismo cultural e
que ao turismo diz respeito. tivas de regeneração dos tecidos eco- a discussão em torno do conceito (e porque
nómicos e sociais, a partir da cultura não se estabeleceu como um objectivo do
Conclusão e do turismo -, poderá ter raízes, num presente artigo), remetemos para a nossa
Estado menos interventor, em políticas obra publicada Gonçalves, M.ª Alexandra
A relação entre a criatividade e o mais liberais, no incentivo ao empre- (2003) O património cultural nas cidades
turismo ainda está a dar os primeiros endedorismo e ao auto emprego, para como oferta complementar ao produto ‘sol
passos, mas possui na nossa perspecti- além de outros fenómenos sociais, que e praia’ no Algarve, colecção «Temas de Tu-
va, um grande potencial de desenvolvi- deverão ser identificados por investi- rismo», Instituto de Financiamento e Apoio
mento em face da emergência de novas gação científica a promover. Também ao Turismo/GEPE/Ministério da Economia.
necessidades de lazer, da crescente terão contribuído as iniciativas como 2 Termo utilizado para se referir a con-
necessidade de reinvenção das econo- as Capitais Europeias da Cultura e glomerados ou concentrações geográficas
mias, dos novos consumos, das novas a necessidade de recuperação das de empresas interligadas que actuam num
tendências de regeneração urbana. cidades pós industriais, associados a mesmo sector de fornecedores especializa-
Subsiste-nos uma questão prin- um aumento dos níveis de educação dos, provedores de serviços e instituições
cipal: Porque continuamos a recusar da população e da percentagem de associadas, tendo em comum, além da
estratégias para o desenvolvimento do empregos associados às artes e à localização, a contribuição para o desen-
turismo assentes nas dinâmicas cultu- cultura. volvimento de produtos dessa região. São
rais e patrimoniais? O que esperam os Para que este tipo de turismo possa norteadas por princípios como a coope-
agentes culturais para cooperar com ser uma realidade é fundamental que a ração, a complementaridade, o senso de
os do turismo no sentido de tornar o sociedade civil e os agentes responsá- comunidade e a competição.
Algarve uma região criativa? veis pelas políticas de desenvolvimento 3 B. Pine e J. Gilmore (1999), The Expe-
Por um lado, parece-nos que já do destino turístico estabeleçam uma rience Economy. Harvard University Press,
reunimos algumas das condições política de turismo cultural e envol- Boston.
apontadas para construir a criativida- vam todas as partes interessadas, de

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the International Conference on Heritage, New Technologies and Local Develop-
ment, OMT, Madrid (doc. policopiado).
Ik weet het hoe Ich kann
te om het Nederlands Deutsches
te spreken! sprechen!

CLIL: The Potential !


Yo sé hablar Io so parlare
italiano!
espanôl!
of Multilingual Education
CLIL (Content and Language Integrated Learning) is an educa-
tional approach to language learning promoted by the EU Com-
mission to develop multilingual European citizens. The approach
has rapidly spread in different forms throughout Europe, mainly
as a teacher-led phenomenon. The CLIL approach is also being
introduced into Higher Education to meet the needs of rapid
internationalisation in European universities. This article pro-
vides a brief overview of how CLIL is being implemented, and
discusses some of the issues that are currently the subject of
debate, focussing mainly on the questions surrounding the CLIL
teacher. It concludes with a description of a project for CLIL
teacher qualification being developed at the University
of Venice.

Geraldine Ludbrook - University of Venice, Italy

Introduction EU consumers need to be able to which an additional (second/foreign)


read product packaging in different language is used for the teaching and
In its Framework Strategy on Mul- languages so as to be able to «choose learning of subjects other than the
tilingualism (2005), in response to the from a wide variety of products from language itself» (Marsh et al, 2005: 5).
2002 EU Heads of State meeting in Bar- all Member States» [COM (2005) 596: CLIL may be used in short thematic
celona, the EU Commission adopted 9-10]. The document also discusses the modules using the L2 for relatively
the long-term objective of increasing i2010 initiative to encourage multilin- little time within a curriculum, or it may
«individual multilingualism until every gualism «to foster growth and jobs involve much greater percentages of
citizen has practical skills in at least in the information society» and the the curriculum, as in International Bac-
two languages in addition to his or her professional needs of the language calaureate schools or schools which
mother tongue» [COM (2005) 596, part industry in Europe. offer half the curriculum in L2. CLIL is a
II.1.1] for the aim of promoting «unity in One of the proposed key areas for very European-oriented approach and,
diversity: diversity of cultures, customs action in education systems and prac- even though it has developed differ-
and beliefs – and of languages» (part tices resulting from these new needs ently in different European countries,
I.1). In the section on the Multilingual for multilingualism is CLIL (Content the pan-European networks that have
Economy, the European Commission and Language Integrated Learning), been set up give the approach a single
is clear on the rationale underlying EU an educational practice that is rapidly educational framework. The most
language needs: «There is some evi- moving into mainstream education in frequently used languages in CLIL are
dence that European companies lose Europe. The term CLIL was adopted in English and French, followed closely
business because they cannot speak 1994 as a generic «umbrella» term to by German. The content subjects most
their customers’ languages»; «For refer to «diverse methodologies which commonly taught are History, Geogra-
the Single Market to be effective, the lead to dual-focussed education where phy and Social Sciences; Mathematics
Union needs a more mobile workforce. attention is given both to topic and and Biology are also taught in some
Skills in several languages increase language of instruction. It is used to countries.
opportunities on the labour market»; describe any educational situation in The CLIL movement has devel-

18 19 dos algarves
CLIL: The Potential of Multilingual Education

oped throughout schools in Europe European sections where students are in schools throughout the country.
with differing rates of application, and given two years’ intensive training in More recent educational reforms in-
various models of CLIL have developed the foreign language before it is used tend to introduce compulsory teaching
in different countries to meet quite to teach a content subject. In Austria, of a subject in English in the final year
different needs. In northern Europe, in English has for many years been used of secondary school throughout Italy.
Finland and Sweden in particular, CLIL to teach subjects in technical schools A more detailed overview of the
has been part of mainstream education within the Englisch als Arbeitssprache various forms of bilingual education,
since the late 1980s/early 1990s and project, in addition to the bilingual edu- including CLIL, can be found in Coonan,
has particular focus on the professional cation used in border areas. Curiously, 2002, Marsh, 2002, and Wolff, 2005.
sector. In Finland, since 1991, teach- although Belgium is officially a trilingual Since the Bologna Agreement,
ers in state schools can use a foreign country, government policy has been and the introduction of the European
language (mainly English) to teach any to avoid the issue of bilingual educa- Credit Transfer System, as well as the
school subject. In Sweden there are tion except in the case of children of Erasmus and Socrates exchange pro-
two different forms of CLIL: the first in- immigrants for whom a kind of immer- grammes for students and teachers,
troduces the foreign language gradually, sion programme is in place. the EU policy on language learning and
beginning with one subject and then In southern Europe, whereas some CLIL has also been extended to Higher
extending it to others, while the second countries – such as Portugal and Education. Over the past 20 years,
approach begins immediately with a full Greece – have introduced little or no the presence of increasing numbers of
immersion in the foreign language. CLIL, others have widely introduced international students and faculty staff,
Not all northern European coun- the approach. In Spain in particular a as well as the dominance of English
tries, however, have such an interest in working paper published in 2005 (Qual- as a lingua franca in the international
introducing CLIL. In England, for exam- ity Education For All and Between All: academic world, have brought about
ple, there seems to be no widespread Proposals for Debate) set out govern- important language policy changes in
interest except in elite settings such as ment policy to see students fluent in most universities throughout Europe.
European Colleges, although the Con- two languages by the end of secondary Although EU policy explicitly states that
tent and Language Integration Project school, on top of Castilian and, in some the aim is for all EU citizens to have
(CLIP), hosted by the National Centre regions, the official language of that re- two foreign languages in addition to
for Languages (CILT), is monitoring a gion (Catalan or Basque, for example). their mother tongue, and the school
number of foreign language projects A pilot CLIL programme introduced system, to a degree, attempts to main-
aimed at ages 7 to 16, which include almost ten years ago, in partnership tain a multilingual approach, English is
the integration of French in the primary with the British Council, is now being by far the most widely used language
curriculum. The University of Notting- extended to bilingual centres within at university level. In some countries,
ham and Leeds Metropolitan University state schools to provide the teaching Turkey for example, English medium
carry out research into CLIL and offer of a series of subjects and primary and universities have existed for decades.
CLIL teacher training and development secondary level in a foreign (English) In others, two different models tend
courses, as does the Norwich Institute language (Kessler, 2005). to be followed. In the first – which is
for Language Education. In recent years, CLIL in Italy has mainly used in Finland and The Neth-
In Central Europe not only are there grown to promote local minority erlands – a percentage of a certain
a great number of border areas in (heritage) languages, especially in the course is taught consistently in English
which two languages are used within three autonomous border regions: throughout; in the second, widely used
the education system, there also is a Valle d’Aosta, Trentino Alto Adige, in countries where secondary educa-
much higher interest in the new op- Friuli Venezia Giulia, which have, for tion is not yet able to provide sufficient
portunity to bring multilingualism into historical reasons, maintained strong English proficiency, the amount of
mainstream education. In Germany, linguistic ties with the German, French English used increases over time as the
for example, there is a tradition of and Slovene languages, respectively. course programme continues.
bilingual French-German education Increasingly, since the introduction in In 2002, the Academic Co-operation
that began with an agreement between 2000 of a ministerial project (Progetto Association produced a report on Eng-
the two countries signed in 1963. Lingue 2000) for the development of lish-taught programmes in European
and, since the mid 1990s, bilingual foreign language education, module- universities (English Language-Taught
programmes in many other language based CLIL instruction in English, Degree Programmes in European
have been introduced. In France, German French and Spanish has been Higher Education, Maiworm & Wächter,
besides this bilateral agreement, since developed within various European 2002). The survey revealed that most
1991 many schools have introduced projects and is currently being piloted of the English-medium teaching takes
place in northern Europe, a certain at CLIL experiences, some reserva- nor is expected to exist. At its most
amount in the central European tions come from the parents of young dominant, several subjects may be
countries, such as Hungary, and little learners who fear that too much taught to large groups of students over
or none in southern Europe (however, exposure to a second language may a period of several years, as is the case
this situation is changing rapidly). The lead to neglect of the child’s first lan- in some schools in Finland. However,
three countries that most use English guage; other doubts concern whether nearly all CLIL teaching is organised
in higher education are Finland, The learning a subject through another on a modular basis, in which certain
Netherlands and Germany. In The Neth- language might slow down or impair specific subjects are taught in L2 for
erlands, Maastricht University decided the learning of the main content. CLIL a very limited number of hours over a
as early as 1996 to become a bilingual experts reassure that the natural use restricted period of time.
university to cater for foreign students, of a second language in the classroom, The level of L2 proficiency the
providing courses in both Dutch and «learning by using the language», can learners’ are expected to achieve
English; yet the «bilingual» nature only have a positive impact on a child’s will therefore also vary considerably.
of this programme has been altered thinking processes (Marsh, 2000), and Although the aim of bilingual instruc-
as certain faculties, economics for research on early immersion bilingual tion is native-like competence, findings
example, now offer instruction only in programmes has shown that not only have shown that the receptive skills
English (Ritzen, 2004). In Finland, some do these problems generally not arise, of early immersion students reach
short university courses began to be but through a dual focus on language native-speaker level and later immer-
offered in English in the late 1980s, awareness and subject content sion students consistently surpass
both to train Finnish students for work learners actually acquire a greater comparison groups who have received
in an international environment and understanding of their own language foreign language instruction. As CLIL
also to meet the needs of international (Lambert 1990: 216). In addition, in learners share some characteristics of
students; today about 5 to 10% of uni- relation to achievement in academic late immersion students (they are often
versity courses are taught in English, domains (mathematics, science and young adult learners with some foreign
the biggest portion in higher education social studies), research has shown language experience who gradu-
in Europe outside English-speaking that in bilingual programmes students ally move into a more extensive L2
countries. Meanwhile, the polytechnics «generally achieve the same levels of learning environment), they might be
in Finland have been teaching most of competence as comparable students expected to achieve similar high levels
their courses entirely in English since in (first language) programs» (Genesee, of proficiency. And yet the 2004-2006
the early 1990s (Lehikoinen, 2004). In 2003 cited in Marsh, 2002:77). Action Plan (2003: 8) specifically states
Germany, the 16 Länder each have The presence of two languages in that «native-speaker» fluency is not the
considerable autonomy in terms of the educational setting does neverthe- objective of CLIL instruction; what is
language policy, so no single national less complicate the already complex aimed at is to develop «effective com-
policy exists. German universities have interaction between students and municative abilities» focusing on active
a decades-long policy of co-operation teachers. In educational settings that skills rather than passive knowledge,
with developing countries and to cater promote bilingual education, a certain aiming at «appropriate levels of skill in
for the needs of the international balance in the use of both languages reading, listening, writing and speak-
students who choose to study in Ger- is implied: «True bilingual education ing in two foreign languages» - yet no
many, a model of decreasing English requires the full use of both languages definition of «effective communicative
instruction is commonly used, where as vehicles of culture and instruction» abilities» or «appropriate level» is pro-
students can start their studies using (Titone, 1979: 39). This is the case, for vided. Thus the level of L2 proficiency
English, but are expected to master example, in national schools operating CLIL learners are expected to reach is
sufficient German to complete their on foreign soil that seek certification explicitly below native-speaker compe-
studies in this language after a couple in both in the host country and in the tence – communication skills com-
of years in Germany (Nastansky, 2004). home country. Or in schools operating bined with academic language skills –
in bi- or tri-lingual settings in border matching much more closely the skills
CLIL: Some current issues areas, where L2 (or L3) of the dominant acquired by FL or SL learners.
culture is balanced with the L1 of the mi- Possibly one of the most essential
CLIL learners nority language group (see Leung, 2005, distinctions between «traditional» forms
As CLIL gathers momentum, various for the example of the trilingual schools of bilingualism and the CLIL approach is
issues are emerging that are the focus in the Ladin Valleys in South Tyrol). that in CLIL, the use of two languages
of debate and research. Although In the CLIL classroom, such a bal- takes place in a single contact area:
families generally express satisfaction ance between L1 and L2 neither exists the CLIL classroom. The CLIL learner

20 21 dos algarves
CLIL: The Potential of Multilingual Education

has no regular contact with L1 users alike, even for organisation and disci- The CLIL teacher
of the language s/he is working in (see pline. Whereas in the EFL classroom and teacher training
Mackey, 2000: 34-5 for a description students tended to use Finnish for The development and introduction
of some of the areas of contact and off-record discourse, in the CLIL class- of CLIL over the past 10 to 15 years
pressure – economic, historical, cultural room students constantly used English has lead to a rapidly-growing «grass-
etc. – normally associated with bilin- when working together in small group roots» movement in which teachers
gualism). Language use within a single and pair work. Finnish was used most have played an active part in experi-
domain deprives the language user of a often only momentarily to clarify the menting with the new methodology.
whole series of role-relations and situa- meanings of individual concepts. As a direct result of the policy for the
tions that make up language behaviour A further interesting aspect of the development of multilingual European
in multilingual settings (see Fishman, CLIL classroom dynamics, compared citizens, the European Commission’s
2000). It would thus seem that the L2 in to those of the FL/SL classroom, is recent Action Plans, in the section
the CLIL learning setting firmly remains the degree of student involvement in devoted to Life-long Learning, have
a foreign language, making research the language setting and how they provided funding for trans-national
into foreign language acquisition also themselves use the L2. Butzkamm projects for the development of CLIL
seem relevant to this field. (1998) noticed in his CLIL classroom methodologies. Schools have received
Yet, there are some definite observation that turn-taking gener- funding to introduce CLIL, teachers
advantages to be had from the CLIL ally tended to be teacher-initiation, have been involved in exchanges for
classroom environment. Both teachers student-response, teacher-feedback, foreign language development, numer-
and students are non-native speak- typical of teacher-student dialogue ous projects have been set up for the
ers of the foreign language used for in FL situations. Rarely did students development of new materials, involv-
instruction and share their native initiate interaction, nor did they tend to ing both subject and foreign language
language, so teachers have a clear use L2 amongst themselves. In other teachers. The European Eurydice Unit
notion of their learners’ weaknesses. words, the classroom discourse tended and Network has been launched to
In addition, CLIL learning is clearly towards detachment rather than gather and disseminate information
confined to the educational domain; it involvement. (It must be added, at this on the availability of CLIL in Euro-
does not carry the same implications point, that Butzkamm’s study is limited pean education and training systems
for identity as the more traditional to the observation of only one lesson.) (COM (2003) 449, part I, 2.5-7), as the
examples of bilingualism we have ex- Quite different are the findings Commission invites Member States
amined above. The common language reported by Nikula (2005), whose «to implement the Conclusions of the
status of teachers and students may more extensive study of CLIL class- Luxembourg Presidency concerning
therefore aid the co-construction of rooms in Finland showed clearer signs CLIL, including raising awareness of the
meanings and contexts through joint of student involvement. In these benefits of this approach, exchanging
participation in the CLIL classroom. classrooms, students voluntarily use information and scientific evidence on
It may be interesting at this point to English even in non-curricular activi- good CLIL practice and specific training
look at the study carried out by Nikula ties; more importantly they seem to for teachers» (part II.3). The sitography
comparing the use of L1 and L2 in EFL engage more also in instructional at the end of this paper provides links
and CLIL classrooms (Nikula, 2005). talk. This may be explained by various to some of the pan-European projects.
In the EFL classroom, she found that aspects: the CLIL classroom activities For teachers and administrators, the
the teachers invariably switched to observed by Nikula tended to be more most pressing issues to be dealt with
Finnish when teaching grammar, even student-centred group or pair work, or are related to the implementation of
if they had previously been teach- practical activities such as experiments the CLIL approach. An initial problem
ing in English, and that Finnish was in science lessons. Yet she found that is that of the development of suitable
extensively used as the language of also in teacher-fronted situations CLIL teaching materials. One of the main
classroom management. Teachers students more readily asked questions claims of the CLIL approach is that
used English instead for talk relating to or initiated participation. She suggests it makes authentic use of authentic
teaching materials (textbook chapters, that student feedback shows that the materials to carry out authentic tasks.
completing exercises and dealing with absence of explicit monitoring of lan- However, as most CLIL programmes
listening comprehension tasks). In CLIL guage skills in the CLIL classroom may have to follow national curriculum
classrooms, on the other hand, the have a «liberating» effect, although the requirements, this leaves the responsi-
situation was «dramatically different»: fact that CLIL education tends to at- bility for the development of teaching
the one-language policy was strictly tract more talented students also may materials with suitable content largely
adhered to by teachers and students play a part. up to the individual teacher, who must
take into consideration a series of language without substituting their L1, countries are brought into the class-
features: the level of the language, the teachers tend to be native speakers of room of the host country where their
subject content and how to provide the language of instruction. Dalton- lack of knowledge of the education
suitable language support to aid Puffer (2002:11) gives the example system and curriculum is offset by their
comprehension, as well as the design of Canada, where 58% of immersion «native speaker status» and their addi-
of activities able to assimilate concepts teachers are native speakers of French, tional knowledge of the cultures of the
and develop competences. Co- 34% are native English speakers and target language. Or the content subject
operation between subject and foreign 3% are bilingual. teacher and the foreign language
language teachers is essential, but it is In less elite settings, however, teacher work together to produce
time-consuming and requires consider- teachers may not have sufficient materials and to team-teach in the
able commitment. The development of language skills to achieve proficiency classroom. (See Langé, 2001, for an
national and pan-European networks, in academic language in both L1 and overview of the types of CLIL teacher.)
in particular the Comenius project, L2. Waldschmidt, for example, finds The one aspect that seems common
have played an important role in aiding that many Spanish/English bilinguals to all CLIL teaching is that, with very
teachers in this aspect of CLIL, as have working within two-way bilingual pro- few exceptions, the CLIL teacher uses
projects of teacher exchange in which grammes in the US have themselves a foreign language as the language of
teachers have visited and job-shad- «been educated through a subtrac- instruction, to learners with whom they
owed colleagues in other countries. tive form of schooling - denied the share their first language in a kind of
The demands on CLIL teachers are opportunity to become fully bilingual/ simulated L1 classroom setting.
nonetheless onerous. bicultural» (Waldschmidt, 2002), thus
A second, and much more complex relegating the L2 (in the US mostly The CLIL teacher
issue is that of the role of CLIL teachers Spanish) to a minority power status. and CLIL methodology
and their training. It is already clear The shortage of bilingual teachers may As there are so many different kinds
from the above discussion that the also lead to recruitment of teachers of CLIL being implemented, it is under-
CLIL teacher plays a fundamental part without qualifications in the founda- standable that there does not seem to
in this largely teacher-led movement. tions of bilingual education, a great be one single CLIL methodology. The
And it is precisely in the role of the disadvantage as «teachers play the approach does, however, seem to draw
teacher that the essential difference most important part in determining heavily on strategies taken from mod-
between CLIL and other «traditional» what is taught, how it is taught, and in els of content-centred teaching.
forms of bilingualism lies. what language it is taught» (Quezada, The content-centred language
Teachers in privileged bilingual 1992: 1, cited in Gold,1999). teaching approach uses teaching ma-
educational settings are generally The type of teacher implementing terials, learning tasks and classroom
bilingual or multilingual. In European CLIL in different European countries techniques from the academic domain
Schools, for example, which operate in is as diverse as the models of CLIL as the vehicle for developing language,
Europe to meet the needs generally of themselves. In some countries, such as content, cognitive and study skills. The
the children of EU officials or expatriate Germany, where school teachers have teacher is usually a foreign language
communities, all teachers are native qualifications in more than one subject, teacher or a team of language and
speakers of the languages they use as CLIL teachers may be trained in both subject teachers.
the language of instruction; in addition the content subject and the foreign The sheltered approach to subject
all teachers must be bilingual and language. Although this is the «ideal» matter teaching involves adapting the
know at least one of the three working CLIL teacher (see Marsh, 2002: 13), it language of texts or tasks and using
languages of the European School not legally possible in other countries methods such as visuals, graphic
(English, French, German). Few teach- where teachers cannot have more than organisers (graphs, tables, maps, flow
ers have been trained in multilingual one subject specialization. Other CLIL charts etc.) or co-operative work to
teaching but most «learn how to teach teachers may be classroom teachers make instruction more accessible
multilingual groups of non-native pupils using an additional language, to some to students of different levels of L2
while on the job and in the in-service degree, as the medium of instruction, proficiency. The teacher in this ap-
training programs organised by the prevalently in primary school contexts. proach is usually a content teacher or
schools» (Housen, 2002: 5-6). In other situations, foreign language a foreign language teacher with special
In immersion programmes, devel- teachers teach non-language subject expertise in another academic area.
oped in North America and Canada content, drawing on their general See Brinton, Snow & Wesche, 1989,
and intended generally for Anglophone culture. Within the various European for a more detailed discussion of the
students who wish to add a second projects, exchange teachers from other content-based approach.

22 23 dos algarves
CLIL: The Potential of Multilingual Education

The task-based teaching method (L2) language competence is a little training for subject teachers, materials
is also a resource that is drawn on researched area., despite the fact that production and course and curricu-
in CLIL methodology. In this method, it is considered an essential feature lum management, as well as training
teachers «interactionally support task of the success of CLIL: «One crucial in other EU countries. Comenius has
performance in such a way as to trig- aspect of CLIL should also be spelled also provided individual scholarships
ger processes such as the negotiation out: how good should CLIL teachers’ for in-service teachers to develop
of meaning and content, the compre- proficiency in the language of instruc- CLIL competences, both linguistic and
hension of rich input, the production tion be and how could that level be methodological. An on-line database –
of output and focus on form, which reliably checked?» (Takala, 2002). There GOLD – has also been set up to collect
are believed to be central to (second) is no agreement, for example, on the and disseminate examples of good
language learning» (Van Avermaet, P. minimum L2 competence considered practice in the Italian school system,
et al., 2006: 175). In task-based learn- necessary for effective CLIL teaching, which also include the many teacher-
ing classrooms, the teacher tends to although it is generally recognised that led experiences in the CLIL approach.
ignore language errors and focus more the CLIL teacher does not always need Teacher training in Italy is currently
on the real aim of the task. In this to have native speaker L2 proficiency provided by two-year postgraduate
way the teacher «puts the initiative when teaching lower level learners: programmes delivered through the
for solving comprehension problems, «Teachers do not need to have native SSIS (Scuole di Specializzazione
running the conversation and initiating or near-native competence in the tar- all’Insegnamento Secondario), autono-
the topic into the hands of the learner» get language for all forms of delivery, mous institutions that share some staff
(Van Avermaet, P. et al., 2006: 175). although naturally they need a high with universities. At the SSIS Veneto,
Two-way tasks force the actors, in level of fluency» (Marsh, 2002: 11). closely linked to the University of
this case the teacher and learner, both Some argue that an A2 level is suf- Venice, courses specialise in second-
non-native L2 speakers, to negotiate ficient to teach individual subject mod- ary education, and train language
for meaning. This is defined as «the ules (Serragiotto 2003: 62). This claim teachers to teach English, Russian,
process in which, in an effort to com- is hotly disputed by others who see na- French, German and Spanish. Courses
municate, learners and competent tive speaker skills as being a necessary in CLIL methodology are also offered
speakers provide and interpret signals pre-requisite to avoid the risk of em- for foreign language teachers, mainly
of their own and their interlocutor’s ploying «teachers whose English does based on team teaching and materials
perceived comprehension, thus pro- not allow them to respond to questions preparation projects to be carried out
voking adjustments to linguistic form, beyond the lesson plan they have care- with with subject teachers.
conversational structure, message fully prepared the day before» (Smith As CLIL moves progressively more
content … until an acceptable level of 2005). The Finnish Board of Education into mainstream education also in
understanding is achieved» (Long, 1996: requires a C2 level of L2 proficiency, a Italy, the need for more pre-service
418). This conventional form of simpli- UK-based teacher-training course for training and qualification of specialised
fied speech is also often referred to primary school teachers of CLIL states CLIL teachers is becoming crucial to
as motherese, or foreigner talk. Some «Teachers should have a language ensure the highest possible quality of
of the language devices used in this competence equivalent to the Council teaching. There are, however, several
process of negotiation are repetitions, of Europe B2 level» (Bell Centres 2006), difficulties in implementing a specific
recasts, confirmations, reformulations, whereas an Italian project for teaching pre-service training of CLIL teachers
comprehension checks, confirmation Mathematics in English suggests that in Italy. The main obstacles are that
checks, clarification requests etc. a B1 level is the minimum requirement the Italian education system does not
It is clear from this very brief (Bernardini & Campanale, 2002). permit qualification in both foreign
outline how these methods and languages and a content subject, and
strategies are relevant to the CLIL Towards CLIL teacher the current system does not allow for
classroom approach. The ques- qualification the specific certification of language
tion remains as to what level of L2 proficiency necessary for CLIL teachers
proficiency the CLIL teacher must In Italy, the Comenius projects (Coonan, 2006).
reach in order to be able to effectively within the Socrates action programme, Despite these hurdles, a project is
implement the CLIL methodology. have provided much teacher training in being developed by a team of research-
the CLIL approach. In-service teachers ers in the Department of Language
The CLIL teacher in particular have received funding for Sciences at the University of Venice,
and L2 proficiency the introduction of CLIL into schools, home to some of the country’s most
The whole issue of CLIL teachers’ which has included foreign language advanced research into the approach,
to design a test to certify both the L2 foreign language proficiency, subject- linking teachers’ L2 proficiency to the
competence of CLIL teachers and their specific language, and the language of CEFR.
knowledge of CLIL methodology. This classroom interaction contribute to the The project plans to meet the need
test is the first attempt, not only in Italy construction of CLIL science class- to provide a scientific framework for
but in Europe, to identify the language room discourse, and what minimum L2 good practice in the CLIL approach,
features needed for teachers in CLIL language proficiency is required of the considered not only as a cost-effective,
classrooms together with the mini- CLIL teacher to effectively handle the practical and sustainable solution to
mum foreign language competence methodology needed to put into prac- attaining the EU Commission aim of
needed for their implementation. The tice this approach. Once designed and training plurilingual citizens, but an
pilot test will be focussed on English thoroughly piloted, the test will later important means of increasing inter-
in the science classroom, the most be linked to the Common European cultural knowledge, understanding and
common subject taught within the Framework of Reference (Council of skills, promoting internationalisation
CLIL approach. Research will therefore Europe, 2003), again the first project to and enhancing multilingual education.
look at how the interplay of general date aimed at examining the issue of

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GOLD http://gold.indire.it

26 27 dos algarves
Metáforas: da Retórica
à Terminologia
Neste artigo procedemos a uma reflexão teórica sobre a evo-
lução do conceito de metáfora desde a Antiguidade até aos
nossos dias e a sua relação com a Terminologia. Neste périplo
definimos o conceito de metáfora, fazemos referência à sua na-
tureza, descrevemos as suas dimensões linguística e cognitiva e
identificamos as suas funções quer no discurso literário quer no
discurso de especialidade.

Maria Manuela Ildefonso Mendonça – ESGHT

INTRODUÇÃO Bobes (2004: 39), o século XVIII não tico que integra a metonímia e a siné-
marca uma ruptura entre um período e doque, «A metáfora é a transferência
As metáforas são a expressão de o outro. Se novas concepções que alte- de uma palavra que pertence a outra
uma competência retórica que aproxi- ram a perspectiva de uso das metáfo- coisa, ou do género para a espécie ou
ma duas realidades distintas, uma não ras são intentadas, a matriz herdada da espécie para o género ou de uma
verbal e outra verbal, ambas sujeitas à de Aristóteles persiste e medeia a espécie para outra ou por analogia».
interferência humana, isto é, às opções criação de novas abordagens. Embora não dedique à metáfora
linguísticas que o homem subscreve um estudo directo, em qualquer das
quando verbaliza a realidade não ver- DIMENSÃO LINGUÍSTICA suas obras, na Retórica (Aristóteles,
bal que apreende e interpreta. 1998: 196) apresenta a metáfora como
A metáfora tem-se baseado, recor- um artefacto estilístico ao serviço da
PERSPECTIVA DIACRÓNICA DO rentemente, em três tipos de relações: arte de seduzir, de bem dizer e, de
CONCEITO DE METÁFORA semelhança ou analogia, conexão maneira incipiente, atribui-lhe uma
e correspondência, submetidas aos função não só heurística, mas também
A reflexão sobre o conceito de conceitos lógicos de extensão e com- pedagógica, «Que seja o seguinte o
metáfora tem-se estendido ao longo preensão. Estas relações envolvem o nosso pressuposto: uma aprendiza-
de vinte e dois séculos e, grosso modo, significante; o respectivo significado li- gem fácil é, por natureza, agradável
pode ser dividida em dois períodos, um teral, definido pela sua filiação histórica para todos; por seu turno, as palavras
período que se estendeu até ao final do e pela referência à “coisa” designada e têm determinado significado, de tal
século XVIII, marcado essencialmente denotada; e um significado novo. forma que as mais agradáveis são
por Aristóteles, embora tivesse contado Um vínculo de proximidade todas as palavras que nos propor-
com os contributos de filósofos como relacional baseada na contiguidade cionam também conhecimento.»
Cícero e Quintiliano e outro período, ou na correlação, com alargamen- Quintiliano (in Fromilhague,1995:
desde o século XIX até aos nossos dias. to ou redução da compreensão do 10) introduz os conceitos de figurae
No primeiro período eram valoriza- significado novo em relação ao grau sententiarum (figuras de pensamento
dos os factores objectivos da relação zero subentende uma metonímia, e de palavras), cujo significado, numa
entre o homem, a sua criação e o a semelhança ou analogia, próxi- perspectiva de retórica, se mantém,
universo, no segundo, são exaltados os ma ou longínqua, uma metáfora. em grande parte, até hoje.
factores subjectivos que decorrem dos Aristóteles (2004: 83) não atribui à Não desejando reproduzir as teorias
sentidos, da intuição e da imaginação. metonímia ou à sinédoque um estatuto retóricas que se sucederam umas após
Considerado um ponto de transição independente, o que subscrevemos, as outras, não podemos deixar de
por muitos autores, nomeadamente por isso, metáfora é um conceito holís- mencionar Dumarsais e Fontanier, com
os quais identificamos, respectivamen- As metáforas profundamente en- esquemáticos. Estes conceitos pos-
te, tropo, do grego trepô, que significa raizadas e acomodadas nos discursos suem uma estrutura interna coerente
mudar, mudar de direcção ou de signi- do quotidiano, às quais alguns autores e podem ser individuais ou categorias,
ficado, e figura de discurso, a categoria chamam mortas, constituem as elas próprias constituídas por objectos
que reúne os tropos. A Dumarsais se fundações onde se alicerçam muitos e acções de nível básico.
deve também a noção de significado conceitos abstractos ou complexos
dependente do contexto, isto é, o que o desenvolvimento científico e METÁFORAS E TERMINOLOGIA
significado é inerente ao sistema, o tecnológico tem feito surgir. Por con-
sentido, quer seja literal, quer figurado, seguinte, as metáforas lexicalizadas, Com o desenvolvimento da linguís-
é construído em discurso. embora tenham perdido relevância es- tica cognitiva também se começou
A retórica associa as metáforas à tética, são, segundo Ungerer e Schmidt a tomar consciência da necessidade
construção do discurso eficaz, em que (1996: 119), essenciais ao processo de de reavaliar o papel das metáforas no
o bem dizer é adaptado ao público e à conceptualização da realidade. âmbito do discurso de especialidade.
causa a defender, mas o uso de metá- Para Lakoff e Johnson (1984), a Durante muito tempo, as metáfo-
foras foi-se transformando em estilo, metáfora é um mecanismo fundamen- ras, foram consideradas inadequadas
em ornamento ao serviço da literatura. tal para a compreensão das diversas ao discurso utilizado pelas comuni-
A metáfora, enquanto recurso experiências humanas, para estes dades sociorretóricas1 para partilhar
estilístico, apresenta três característi- autores a metáfora é omnipresente, o conhecimento sobre o seu domínio
cas principais que a tornam singular: não apenas na língua, mas também em de actividade, por escaparem ao rigor
originalidade, ambiguidade e surpresa, todo o sistema conceptual. teórico e retórico das formulações
isto é, a metáfora dá matiz ao estilo de A metáfora é uma estrutura sis- científicas ou técnico-científicas que
um autor, induz o leitor em várias inter- temática que permite organizar um pretendiam representar a realidade
pretações e permite criar um conjunto modelo cognitivo a partir de outro, com precisão.
de relações inusitadas. bem assimilado e aceite, isto é, permi- No âmbito da Terminologia, primeiro
As metáforas literárias encontram te reconstruir uma vivência, à imagem reconheceu-se o valor designativo das
justificação não só na necessidade que ou semelhança de outra e, por isso, se metáforas justificado pela necessidade
o locutor tem de traduzir por palavras pode afirmar que é inerente ao pensa- de denominar os objectos “novos”,
a apreensão de um universo interior e mento científico. Quando o especialista que começaram a surgir, cada vez em
exterior, que transcende a lógica e a de um domínio se apropria de termos maior número, nas ciências e nas tec-
língua, mas também na necessidade de outros domínios ou de unidades nologias. De um valor linguístico confir-
de suscitar o interesse do alocutário da língua geral, não é apenas por eles mado, as metáforas passaram também
através de um discurso, cuja ambigui- terem um poder evocativo acentuado a ter um valor pedagógico e heurístico,
dade permite várias interpretações. e, portanto, facilitarem a comunicação, pois eram consideradas instrumentos
As metáforas literárias, adversas mas porque são também instrumentos facilitadores de descoberta e apren-
à codificação e à convenção, junta- que agilizam o processo de conceptu- dizagem, recursos retóricos de ensino
mente com outros recursos dão forma alização e apropriação / interpretação prescindíveis e a ser substituídos logo
a estilos literários pessoais. O factor, da realidade. As metáforas importam que o alocutário atingisse o nível de
surpresa é introduzido, justamente, dos conceitos de origem, as caracterís- conhecimento desejado.
pela infracção ao código lógico- ticas relevantes que concorrem para a Para concluir, sublinhamos o papel
linguístico e à convenção. Porque organização do novo conceito. Impor- designativo que as metáforas desem-
é causa de polivalência semântica, tam, simultaneamente, a coerência da penham no discurso especializado e
as metáforas admitem a criação sua estrutura interna, necessária à sua que decorre do desequilíbrio existente
de novos sentidos exofóricos, isto própria coerência e implantação. entre os conceitos que surgem, inin-
é, não confinados textualmente. Parte do sistema conceptual, onde terruptamente, em todos os domínios
se alicerça o pensamento e a acção, do conhecimento e áreas de actividade
DIMENSÃO COGNITIVA está estruturado metaforicamente, e as entidades linguísticas para os
conceitos abstractos ou complexos nomear, pese embora o elevado poder
As metáforas não são apenas a são percebidos, através de correlações combinatório destas unidades.
expressão de uma competência retóri- sistemáticas que estabelecem com Consideramos que as metáforas,
ca, no âmbito das ciências cognitivas, outros conceitos, directamente relacio- no âmbito do discurso especiali-
várias investigações fazem surgir uma nados com experiências e interacções zado, são a expressão da compe-
nova perspectiva designada por metá- do quotidiano, conceitos de origem tência retórica e pedagógica de
foras cognitivas. que geralmente são básicos ou imago- uma comunidade sociorretórica.

28 29 dos algarves
Metáforas: da Retórica à Terminologia

A participação das metáforas na do transportadas de um domínio para


construção e explicação de teorias e outro ou entre domínios não perdem 1 Os membros de uma comunidade
formulação de hipóteses, pelo menos todas as características do conceito sociorretórica partilham objectivos de
numa fase embrionária, tem sido, de origem, elas fazem-se acompanhar estudo ou de trabalho, metodologias de
sucessivamente, reiterada pelas comu- por uma característica ou um conjunto investigação, convenções e pugnam pela
nidades sociorretóricas, pelo que lhes de características que, muitas vezes, oportunidade e frequência de comunicação,
reconhecemos uma função heurística. ganham evidência participando na que sabem ser essencial à preservação da
Reafirmamos o papel das metáforas estruturação do novo conceito. comunidade.
como estruturas cognitivas, pois, quan-

Referências Bibliográficas

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Alberto; Alberto do Nascimento Pena. Lisboa: Imprensa Nacional – Casa da
Moeda. Col. Clássicos de Filosofia.
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Instrumentos de Turismo Sustentável
Práticas Ambientais no Sector
Hoteleiro do Algarve
O Turismo foi considerado, durante muito tempo, uma ac-
tividade económica limpa e não poluente, a então designada
“indústria sem chaminés”. No entanto, à medida que cresceram
as preocupações ambientais e que se desenvolveu o conceito
de sustentabilidade, foram-se evidenciando as consequên-
cias ambientais negativas do desenvolvimento turístico. O
sector hoteleiro, enquanto principal componente do produto
turístico, interage directamente com o ambiente e da sua
actividade decorrem impactos negativos relevantes pelo que,
a partir dos anos noventa, o sector começa a adoptar várias
iniciativas voluntárias no sentido de melhorar o seu com-
portamento ambiental. De entre os instrumentos de turismo
sustentável aplicados voluntariamente pelos hotéis, os mais
comuns são os códigos de conduta, as boas práticas ambien-
tais, as eco-etiquetas, os sistemas de gestão ambiental (SGAs)
e os indicadores ambientais. Com este trabalho pretende-
se analisar a experiência com as boas práticas ambientais
nos hotéis do Algarve e assim avaliar da sua contribuição
para o desenvolvimento turístico sustentável da região.

Maria Margarida Arrais Viegas – ESGHT

introdução paradigma, conhecido como desen- e países receptores. Assim, a partir da


volvimento sustentável, surge no início popularização deste conceito nasce
A procura por um modelo mais da década de 70 do século XX e traz o de turismo sustentável, primeiro
sustentável de sociedade tem-se consigo uma humanização do conceito como oposição ao turismo de massas
transformado, ao longo das últimas de desenvolvimento, passando a incluir e mais tarde como objectivo desejável
décadas, numa verdadeira vaga a preocupação com a preservação para todos os tipos de turismo, agora
de fundo à escala internacional. A dos recursos para as gerações futuras. entendidos como uma actividade
emergência de graves problemas Esta nova perspectiva depressa se es- económica ao serviço da satisfação
socio-ambientais, na segunda metade tende à actividade turística, não fosse das necessidades ambientais e sociais
do século passado, à escala global, fez o turismo um importante factor de indispensáveis à vida humana.
eclodir uma intensa mobilização no desenvolvimento económico, detentor Como facilmente se intui, o concei-
sentido de encontrar um novo modelo dum enorme potencial para promover to de sustentabilidade é um conceito
de desenvolvimento que permitisse melhorias sociais e ambientais e, atra- complexo e constituído por diversas
compatibilizar os aspectos económi- vés delas, contribuir para o desenvol- vertentes, sendo uma delas a vertente
cos, sociais e ambientais. Esse novo vimento sustentável das comunidades ambiental. Assim, um dos caminhos

30 31 dos algarves
Instrumentos de Turismo Sustentável Práticas Ambientais no Sector Hoteleiro do Algarve

possíveis pelos quais a indústria turís- analisadas na bibliografia consultada. escala tipo-Lickert de 5 pontos, em
tica poderá dar o seu contributo para A avaliação dos itens incluídos na que 1 traduz a inexistência dessas
a construção dum desenvolvimento checklist desenvolvida é feita através práticas e 5 a sua total implemen-
mais sustentável será o da aposta na duma escala tipo-Lickert, ultrapassan- tação. Sendo esta questão a mais
qualidade ambiental do seu produto do-se assim a medição dicotómica, importante neste trabalho, foi
ou serviço. Sendo o Algarve a principal normalmente utilizada, em função da avaliada a sua consistência interna
região turística de Portugal e o turismo verificação ou não de determinado através do coeficiente Cronbach’s
o principal motor de crescimento item ambiental. A utilização desta es- Alpha que apresenta o valor de 0.94,
da economia algarvia, pretende-se cala permitirá ainda a criação de uma indicando uma forte consistência.
com este estudo averiguar como são série de indicadores, que se designa- Estas práticas encontram-se cate-
incorporados os aspectos ambientais ram como indicadores de desenvolvi- gorizadas nas seguintes áreas:
na gestão empresarial das unidades mento ambiental, que em função desta - Minimização de resíduos, reutiliza-
hoteleiras do Algarve e assim avaliar e ponderando o diferente número de ção e reciclagem (Questão 9A);
o seu contributo para um desenvolvi- itens que constituem cada uma das - Conservação, eficiência e gestão
mento turístico que se pretende cada suas áreas, possibilitarão graduar o de energia (Questão 9B);
vez mais sustentável. A pergunta de nível de desenvolvimento ambiental - Gestão de Águas (Questão 9C);
investigação subjacente pode colocar- do sector. Assim, através da checklist - Substâncias e Resíduos Perigosos
se da seguinte forma: “Contribui o sec- e dos indicadores desenvolvidos, qual- (Questão 9D);
tor hoteleiro do Algarve, através das quer unidade hoteleira, em qualquer - Ruídos e Vibrações (Questão 9E);
suas boas práticas ambientais, para o momento e sem recurso a qualquer - Transportes (Questão 9F);
desenvolvimento turístico sustentável cálculo mais complicado do que uma - Organização e Recursos Humanos
da região?” simples soma, poderá auto-avaliar o (Questão 9G);
seu estágio de desenvolvimento em - Informação e Sensibilização aos
Metodologia relação às várias áreas ambientais. Clientes (Questão 9H);
- Envolvimento com a comunidade
O actual state-of-the-art das Design da investigação local (Questão 9I).
metodologias de avaliação da gestão A investigação realizada neste Os questionários foram imple-
ambiental em unidades turísticas trabalho teve por base um design mentados através de entrevistas e
assenta essencialmente na aplicação ex-post-facto, descritivo, utilizando- via e-mail. Os dados recolhidos foram
de checklists, nas quais é verificada a se como método de recolha de verificados individualmente e analisa-
existência, ou não, de comportamen- dados primários um inquérito por dos através do programa informático
tos ou equipamentos de minimização sondagem. O questionário utilizado SPSS vs.13.0.
dos impactos ambientais. Apesar da foi elaborado especificamente para
Agenda 21 para a Indústria de Viagens o estudo em causa e as questões Especificação da amostra
e Turismo identificar dez áreas prioritá- nele colocadas resultaram quer da A população-alvo deste estudo foi
rias de acção para as empresas turís- investigação bibliográfica e consulta definida como todos os hotéis de 2, 3,
ticas, a grande maioria das checklists de estudos similares1, quer da opinião 4 e 5 estrelas do Algarve, utilizando-se
desenvolvidas incide essencialmente de alguns especialistasi2 na matéria. como base de amostragem a lista-
sobre três destas áreas, sendo estas Identificam-se no questionário gem do Portugal Hotel Guide 3. Foram
as que se relacionam com a gestão de dois blocos de questões: um primeiro inicialmente contactados todos os 88
água, energia e resíduos. relativo à caracterização da unidade hotéis da população e a administra-
Nas práticas de gestão ambiental hoteleira e um segundo relativo às ção dos questionários realizou-se de
consideradas no presente traba- respectivas práticas ambientais: acordo com as preferências por eles
lho, incluem-se as três áreas acima • A caracterização do hotel refere- manifestadas: correio, internet ou
referidas mas consideram-se também se a atributos como a localização, an- entrevista pessoal. Nesta primeira fase
outros critérios que se prendem com a tiguidade, número de quartos, número obtiveram-se 37 respostas, correspon-
própria estrutura organizativa, com o de colaboradores efectivos, taxa média dendo a uma taxa de resposta de 42%.
envolvimento dos trabalhadores e com anual de ocupação, nacionalidade dos Numa segunda ronda, de contactos
a sensibilização aos cliente, pretenden- clientes, prática de Benchmarking, telefónicos e pessoais, conseguiram-se
do-se assim chegar a uma checklist existência de um Sistema de Gestão mais 13 respostas obtendo-se assim
que resulte da conciliação das áreas Ambiental e de certificação ambiental. uma amostra final de 50 unidades, a
prioritárias identificadas na Agenda • Para avaliar as práticas ambien- que corresponde uma taxa de resposta
21 com as áreas mais frequentemente tais utilizou-se, como já referido, uma de cerca de 57%.
Composição prevista Composição da amostra mente significativos são a categoria do
Categorias
(n = 88) (n = 50)
hotel, a prática de benchmarking e a
***** 15% 16% existência de SGA.
Os hotéis de 4 e 5 estrelas distin-
**** 46% 52% guem-se, pela positiva, relativamente
*** 26% 18%
aos hotéis de 2 e 3 estrelas, em 19 das
21 práticas ambientais que apresentam
** 13% 14% diferenças estatisticamente signifi-
cativas entre eles, excepção feita à
fig 1: Composição da amostra
existência de painéis solares suficien-
tes para aquecer a água e à divulgação
O método de amostragem utilizado ambientais consideradas estarão bem dos acessos em transportes colecti-
foi não probabilístico, concretamente a implementadas 4 no sector hoteleiro vos, aspectos em que são os hotéis
amostragem por quotas, sendo estas algarvio, especialmente as relativas à de mais baixa categoria a diferencia-
definidas em relação à categoria das gestão de águas e energia” (áreas mais rem-se com uma média superior. A
unidades hoteleiras. “ A definição de representativas em termos de gastos explicação prende-se com o facto de
quotas é um esforço deliberado para de funcionamento). serem estes hotéis de menor dimen-
obter representatividade, seleccionan- H4: “A maioria das unidades são, sendo portanto mais exequível
do os elementos para a amostra de hoteleiras classificar-se-á num nível o aquecimento por painéis solares e
forma a que a proporção de indivíduos, de desenvolvimento global elevado também com o facto de serem mais
possuindo determinada característica, e num nível de desenvolvimento concentrados em centros urbanos, o
seja aproximadamente igual à da popu- médio-elevado em todas as áreas que dá mais relevância ao aspecto dos
lação” (Kerlinger, 1986:129). específicas” (patamar que se conside- transportes colectivos.
Apesar das diferenças entre os ra mínimo, se de facto os objectivos Quanto à prática de benchmarking,
valores previstos e os obtidos poderem da Agenda 21 para a Indústria de as unidades hoteleiras diferenciam-se
ser consideradas irrelevantes, note-se Viagens & Turismo se encontrarem num menor número de aspectos am-
que a maior discrepância da amostra maioritariamente cumpridos). bientais (13), na sua maioria relativos
face ao universo ocorre nas unidades H5: “A existência de SGA estará di- a práticas de conservação, eficiência
de 3*, o que resulta do facto de ser rectamente relacionada com todos os e gestão de energia, destacando-se
nesta categoria que se registou a indicadores de desenvolvimento” (uma sempre pela positiva, e como seria de
maior taxa de não-resposta (61%). vez que só enquadradas neste Sistema esperar, os hotéis que praticam ben-
é que as práticas ambientais poderão chmarking, ou seja, novamente os de
Hipóteses de investigação ser verdadeiramente eficazes). categoria superior pois são estes que
H1: “A maioria das unidades hote- esmagadoramente (83%) o praticam.
leiras possuirá um Sistema de Gestão Apresentação A variável SGA é sem dúvida a variá-
Ambiental e praticará Benchmarking” de resultados vel explicativa mais transversal a todas
(condições que se consideram fun- as práticas, sendo responsável por 43
damentais para o cumprimento dos Das várias variáveis testadas como diferenças detectadas e incidindo so-
objectivos específicos definidos na explicativas 5 para as diferenças entre bre todas as áreas ambientais conside-
Agenda 21 para a Indústria de Viagens os valores médios registados pelas radas no questionário. Distingue-se em
& Turismo). diversas práticas ambientais, as únicas relação às duas variáveis explicativas
H2: “A existência de SGA e de que apresentam valores estatistica- anteriores principalmente nas dimen-
certificação, assim como, a prática de
Benchmarking estarão associadas à Indicador do nível de desenvolvimento ambiental
Global
categoria do hotel” (considerando-se
que será provavelmente nos hotéis de 437 ≤ IAGlob. ≤ 545 Desenvolvimento elevado 4%
categoria superior que se encontrarão
328 ≤ IAGlob. ≤ 436 Desenvolvimento médio 48%
os quadros com maior nível de forma-
ção/sensibilização para estas temáti- 219 ≤ IAGlob. ≤ 327 Desenvolvimento reduzido 42%
cas e também que será maior
109≤ IAGlob. ≤ 218 Desenvolvimento nulo 6%
o nível de exigência ambiental dos
seus clientes).
fig 2: Classificação dos hotéis inquiridos de acordo com o IDAGLOB.
H3: “Globalmente, as práticas

32 33 dos algarves
Instrumentos de Turismo Sustentável Práticas Ambientais no Sector Hoteleiro do Algarve

sões A e G, relativas respectivamente, energia” (80%), “Substâncias perigo- Com o objectivo de averiguar quais
à minimização de resíduos e à orga- sas” (57%), “Ruído e vibrações” (70%), e as práticas ambientais mais aplica-
nização e recursos humanos, áreas “Transportes” (76%). das no sector hoteleiro do Algarve e
em que, quer o benchmarking quer a H5. Confirmada para os seguintes distinguir os diferentes níveis de aplica-
categoria, pouco ou nada diferenciam. indicadores: global, resíduos, águas, ção em que estas se encontram, foi
Considerando as 109 práticas am- substâncias perigosas, organização e elaborado um questionário com uma
bientais no seu conjunto, foi construí- recursos humanos, clientes e comuni- checklist ambiental definida segundo
do o que se designou como indicador dade7; os princípios da Agenda 21. No seu
global de desenvolvimento ambiental Refutada para os indicadores refe- conjunto, esta checklist apresenta um
que, assumindo valores entre 109 e rentes a energia, ruídos e transportes. valor médio de 3.17 (numa escala de 1
545, permite classificar as unidades a 5) o que revela que, duma forma ge-
hoteleiras em quatro diferentes níveis Conclusões ral, a adopção de práticas ambientais
de desenvolvimento (ver fig. 2). pelo sector não é ainda uma realidade
Quanto às hipóteses inicialmente A indústria turística, para além do significativa.
formuladas os resultados obtidos con- enorme peso que detém na economia Face a este valor médio global,
duzem às seguintes conclusões: de diversos países e regiões, como é podem, no entanto, distinguir-se áreas
H1. Refutada: a maioria das unida- o caso de Portugal e particularmente ambientais com um maior nível de
des hoteleiras inquiridas não possui um do Algarve, envolve uma especial implementação face a outras de apli-
SGA (66%), assim como não pratica ben- relação entre consumidores (turistas), cação ainda muito incipiente:
chmarking (53%). Com base nestes re-
sultados, e sem esquecer a precaução Áreas menos implementadas Áreas mais implementadas
que a natureza da amostra nos exige,
podemos inferir, com uma probabilidade Organização e Recursos Humanos Conservação, eficiência e gestão
(XG=2.63) de energia (XB=3.49)
de 95%, que a proporção de unidades
hoteleiras do Algarve com SGA não al- Envolvimento com a comunidade
Transportes (XF=3.45)
local (X1=3.00)
cança os 50% (situar-se-á entre os 21%
e os 47%), enquanto que em relação Informação e Sensibilização aos
Ruídos e Vibrações (XE=3.41)
ao benchmarking esse valor poderá Clientes (XH=3.02)
encontrar-se entre os 33% e os 61%.
Gestão de Águas (XC=3.09) Substâncias Perigosas (XD=3.22)
H2. Refutada para os primeiros
dois casos: a existência de SGA e de Minimização de resíduos, reutilização
e reciclagem (XA=3.19)
certificação não está relacionada com
a categoria do hotel;
fig 3: Níveis médios de implementação das áreas ambientais
Confirmada para o caso do ben-
chmarking: apesar da associação ser
fraca, verifica-se que são os hotéis de comunidades locais e ambiente, tendo Ao avaliar as práticas ambientais
categoria superior (4 e 5*) que mais portanto a possibilidade de dar um que se situam acima da média é per-
recorrem a esta prática 6. valioso contributo para um desenvol- ceptível que estas estão directamente
H3. Refutada quer a nível global, vimento mais sustentável. Para isso, relacionadas com questões de carácter
onde as práticas ambientais não se po- uma das opções ao seu alcance é a legal (ex.: HACCP), enquanto que todas
dem considerar bem implementadas, aposta na qualidade ambiental do as temáticas ambientais relacionadas
apresentando uma média de 3.17, quer produto ou serviço turístico. E esta é directamente com a questão social
a nível da gestão de águas, que regista uma aposta em que o sector hote- se revelam as menos implementadas,
uma média de 3.09; leiro tem um papel preponderante talvez por não serem alvo de legisla-
Confirmada em relação à gestão já que da sua actividade decorrem ção específica e dependerem apenas
de energia, área ambiental que regista impactos negativos importantes para das directrizes primárias que sejam
a melhor média (3.5). a envolvente natural em que se insere incutidas na gestão e funcionamento
H4. Refutada relativamente ao e da qual, em última análise, depen- das unidades hoteleiras. De realçar
desenvolvimento global: apenas 4% de. Neste contexto é imprescindível ainda o facto da “Gestão de Águas”
das unidades se classificam no nível que se considerem, na gestão das ser uma área ainda pouco cuidada, o
elevado; empresas hoteleiras, uma série de que não deixa de ser surpreendente
Confirmada apenas para as áreas: práticas ambientais que permitam sabendo-se que a água representa,
“Conservação, eficiência e gestão de controlar e minimizar esses impactos. tal como a energia, um dos gastos de
funcionamento principais num hotel, hotéis de desenvolvimento reduzido ou independentes da existência de um
podendo chegar a representar 15% dos nulo, existem apenas 2 com SGA e um SGA;
gastos correntes. Para além disso seria único certificado. “E - Ruídos e vibrações” estabelece
de esperar que, num quadro climaté- Relativamente aos indicadores de unicamente relação com a categoria
rico de aquecimento global, a gestão desenvolvimento específicos, na sua do hotel, o que se poderá explicar pelo
de águas fosse um dos principais alvos grande maioria, manifestam valores de facto de grande parte das práticas
das medidas ambientais. associação mais fortes na sua relação incluídas nesta área se relacionarem
É notório que as unidades que com a existência de SGA. É o caso dos mais fortemente com opções do âmbi-
mais estão despertas para as práticas relativos às áreas: “G - Organização e to da construção física do edifício, que
ambientais são hotéis de categoria recursos humanos” ,“C - Gestão de provavelmente serão mais orçamen-
superior (4 e 5 estrelas), quer pelo águas”, “I - Envolvimento com a tadas no caso dos investimentos em
facto da esperada qualidade dos seus comunidade local”, e “H - Informação e hotéis de categoria superior.
serviços, quer pela crescente exigência sensibilização aos clientes”; ou seja, Obviamente, isto não significa que a
dos seus clientes. Acresce ainda que, áreas que se revelaram as menos existência dum SGA não contribua para
no caso da amostra inquirida, os hotéis implementadas nos hotéis inquiridos. uma melhor gestão destas últimas
desta categoria se situam maioritaria- Parece assim claro que a melhoria do áreas que, de facto, apesar de serem
mente no barlavento, zona que regista desempenho ambiental do sector as melhores classificadas na nossa
como principal mercado o alemão, que hoteleiro, ao nível destas áreas e amostra, estão longe de se posicionar
se sabe particularmente exigente no consequentemente a nível global, maioritariamente em níveis de desen-
que concerne às questões ambientais. passará pela adopção de Sistemas de volvimento elevados.
A localização destas unidades (88% na Gestão Ambiental. Fora da tipologia acima descrita
orla costeira), exercerá também uma Analogamente, as áreas ambientais encontram-se as áreas “A - Minimiza-
forte influência na adopção destas prá- onde as unidades inquiridas demons- ção de resíduos, reutilização e reci-
ticas, uma vez que a legislação é mais tram melhores resultados, são aquelas clagem” e “D - Substâncias e Resíduos
exigente com estabelecimentos locali- cujos indicadores de desenvolvimento perigosos”. Estas áreas podem incluir-
zados na faixa litoral. Por esta mesma não manifestam qualquer relação, se ainda no grupo das que apresentam
ordem de razões não será surpreen- estatisticamente significativa, com melhores resultados e simultaneamen-
dente que sejam precisamente os ho- a existência de SGA. O facto destas te os seus níveis de desenvolvimento
téis desta categoria que mais apostam áreas serem as melhores classificadas, apresentam associações consideráveis
na implementação de Sistemas de independentemente de existir ou não com a existência de Sistemas de Ges-
Gestão Ambiental (das 17 unidades um sistema implementado, pode even- tão Ambiental, aparentando assim que
inquiridas que os possuem, 13 são de tualmente prender-se com a ordem de os sistemas implementados estarão
categoria superior) e na respectiva razões a seguir expostas: a contribuir para um melhor nível de
certificação (dos 12 hotéis certificados, “B - Conservação, eficiência e desenvolvimento especialmente no
9 são também desta categoria). Apesar gestão de energia”, é a área ambiental que concerne à gestão dos resíduos e
de não ter sido detectada relação es- que se revelou mais implementada, das substâncias perigosas.
tatisticamente significativa entre estas talvez por ser aquela que pode Sabendo que um sistema de gestão
duas variáveis (SGA e Certificação) e a proporcionar uma redução de custos ambiental é um sistema global que
categoria do hotel, esta última revelou- mais imediata e visível, o que também atravessa transversalmente todas
se associada com o nível de desenvol- explicaria o facto do seu indicador de as áreas ambientais estudadas, este
vimento global, não sendo de estra- desenvolvimento apresentar a única resultado não poderá deixar de causar
nhar que sejam os hotéis de categoria relação detectada com a prática de alguma estranheza e de levantar a
superior os que melhor se classificam benchmarking (0.44), indicando, por seguinte questão: saberão os nossos
face a este indicador: das 26 unidades parte dos hoteleiros e independente- inquiridos – e recordemos que em
classificadas no nível médio-elevado, mente da existência de um SGA, uma apenas 10% dos casos foram os res-
73% são de 4 e 5*. preocupação com as práticas de ponsáveis ambientais a responder ao
Por sua vez, o nível de desenvolvi- gestão energética; inquérito - o que é um Sistema de Ges-
mento global registou uma associação “F - Transportes” não apresenta tão Ambiental ou será que o resumem
considerável com as variáveis SGA e relação com a variável SGA, nem com a gestão de resíduos e substâncias
Certificação, verificando-se que de qualquer outra, talvez pelo facto de perigosas? Ou, terão declarado possuir
entre os 26 hotéis de nível médio- quase todas as práticas aqui incluídas Sistemas de Gestão Ambiental quando
elevado, 15 possuem um SGA e 11 se puderem considerar de pequena estes se encontram ainda, e apenas,
são certificados, enquanto que nos 24 gestão e simples aplicação e portanto em fase de implementação?

34 35 dos algarves
A Estrutura de Capital das Empresas Familiares Portuguesas à luz da Teoria da Agência

No caso desta segunda possibili- melhor desempenho ambiental, como ambientais que lhe permitam contri-
dade, estamos perante uma limitação é o caso do benchmarking, é ainda buir de forma mais significativa para a
deste estudo, que será a má formu- reduzido e essencialmente vocacio- sustentabilidade turística da região.
lação desta questão que, em vez de nado para as medidas de redução
considerar apenas como possibilidades energética; as unidades hoteleiras com
de resposta o “sim” (tem SGA imple- Sistemas de Gestão Ambiental são cla- 1 Destaque-se o estudo realizado, na
mentado), e o “não” (não tem SGA ramente minoritários e os seus efeitos província de Huelva, por Vargas, A.; Vaca,
implementado), deveria contemplar positivos mais visíveis concentram-se M.; García, E. (2003).
ainda a alternativa “SGA em fase de na gestão de resíduos e substâncias 2 Nomeadamente o Dr. Henrique
implementação”. perigosas e quanto à certificação, esta Rodrigues, professor universitário e director
Por sua vez, a primeira questão é apenas o apanágio de meia dúzia de hoteleiro e o Dr. Nuno Correia, responsável
sugere uma futura possibilidade de visionários. ambiental do hotel Vila Vita Park.
investigação no sentido de averiguar Quanto ao nível de desenvolvi- 3 Disponível no site www.maisturismo.
como percepcionam os empresários mento ambiental global manifestado pt/cgi-bin/phgquery.pl > 18 Janeiro 2004.
hoteleiros algarvios os Sistemas de pelas unidades hoteleiras inquiridas, 4 Consideram-se práticas bem imple-
Gestão Ambiental, o que se poderia a classificação obtida não sendo mentadas as que registam valores médios
incluir, sugere-se, num estudo sobre a dramática, também não será brilhan- iguais ou superiores a 3.5 (escala de 1 a 5).
percepção de turismo sustentável por te: os hotéis inquiridos repartem- 5 Testes t para amostras independentes
parte destes empresários. se quase igualmente entre o nível com nível de significância de 5%
Dos resultados expostos será con- reduzido (42%) e médio (48%), com 6 Pearson´s ≤2 = 4.59, p = 0.032.
sensual que a situação ambiental do apenas 4% classificados no nível 7 Com os valores, respectivamente: Crá
sector hoteleiro estudado está ainda elevado. Este resultado que de uma mer=.56/.55/.50/.42/.76/.45/.46; p=.002/.002/.
muito longe do ideal e que a resposta à perspectiva meramente aritmética 002/.032/.000/.018/.006
questão de investigação, inicialmente se pode considerar mediano, num
colocada, terá de ser negativa: a esma- contexto de sustentabilidade e tendo
gadora maioria das práticas ambientais em vista os objectivos da Agenda 21,
consideradas estão ainda deficitaria- é manifestamente pobre, indicando
mente implementadas; o recurso a que o sector tem de apostar mais, e
técnicas que podem contribuir para um melhor, na implementação de acções

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36 37 dos algarves
Responsabilidade Social das
Organizações e Atractividade
Organizacional
O conceito de Responsabilidade Social das Organizações (RSO)
encontra-se inegavelmente na ordem do dia. Várias disciplinas
têm procurado investigar pormenorizadamente, em diversos
campos de estudo, os potenciais benefícios que a adopção de
práticas de gestão socialmente responsáveis pode acarretar
para o sucesso e sustentabilidade das mais diversas organiza-
ções. Estudos recentes sugerem que a percepção do envolvi-
mento da organização em práticas de Responsabilidade Social
(RS) influencia positivamente a adesão das pessoas, não só
daquelas que já trabalham nas organizações, mas também de
futuros trabalhadores.

Joaquim Pinto Contreiras – ESGHT

Conceito de pensadores das organizações em vá- ser encarado segundo 3 perspectivas


Responsabilidade Social rios contextos nacionais, contribuindo essenciais: enquanto obrigação social;
das Organizações para a importância que hoje a RS tem enquanto reacção social; enquanto
nas decisões estratégicas de médio e sensibilidade social. Estas 3 perspec-
Esta liderança das organizações longo prazo nas organizações. tivas traduzem por si só 3 atitudes
e busca da verdade estão hoje muito Na perspectiva ética as organiza- fundamentais das organizações sobre
associadas a uma postura positiva em ções devem essencialmente respeitar esta problemática: uma atitude ma-
relação à participação individual nas princípios sociais e ambientais que nietada pelo cumprimento legal; uma
organizações e investimento contínuo vão para além de uma perspectiva atitude reactiva perante problemas
na inovação e aperfeiçoamento dos meramente económica e mercanti- que põem em causa a qualidade de
processos produtivos e de gestão, lista (Kopperi, 2004), ou, ainda como vida na sociedade onde se inserem;
tarefa sempre inacabada, mas em que Aristóteles defendia, cumprir o espírito uma atitude proactiva e de compro-
a valorização da participação individual da lei por forma a respeitar os direitos misso com questões importantes para
assenta nas competências, capacidade individuais das pessoas e manter a a melhoria da qualidade de vida nas
criadora e empreendedora, formação paz e harmonia social. Pode-se assim organizações e na sociedade onde
contínua e valorização da participação assumir que um código de ética orga- estas estão envolvidas.
na tomada de decisão e resolução de nizacional tem essencialmente uma É comum no entanto valorizar-se
problemas nas organizações. Como utilidade estratégica, que implica que a ideia de que a RSO provém de uma
Kant sublinhava, as pessoas devem a organização faça o que diz e diz o atitude voluntária, independente e
ser tratadas como fins em si próprias que faz, principalmente em relação aos positiva em relação a questões de pro-
e não como objectos para atingir um seus mais importantes stakeholders. tecção ambiental, Gestão de Recursos
determinado fim. O conceito de RSO decorre portanto Humanos (GRH), Segurança, Higiene e
Este assunto tem captado a do conceito de ética organizacional, e Saúde no Trabalho (SHST), relação com
atenção de inúmeros investigadores e pode segundo Jones & George (2003) as comunidades locais, com fornece-
dores e clientes, é uma perspectiva estratégias futuras das organizações, sendo os seus instrumentos transitó-
bastante valorizada por possíveis e no seu sentido voluntário. Tem sido rios; a globalização reforça a neces-
investidores e clientes, principalmente assim a UE dinamizadora de projec- sidade de regras nesta matéria; e a
em relações de médio e longo prazo e tos que promovam o contributo das RSO deve ser integrada num quadro
em que o investimento económico e organizações para o progresso social legislativo ou contratual.
humano é avultado. e ambiental, para além das obrigações - As ONG defendem que as empre-
A RSO surge portanto como um legais de base. sas devem assumir compromissos de
tema abordado por inúmeros investiga- Um exemplo desta estratégia foi RSO verificáveis, baseados em normas
dores, assim como gestores e empre- o fórum europeu multilateral sobre a internacionais objectivas, aplicadas à
sários, pela sua actualidade e influên- responsabilidade social das empresas, escala mundial; os sistemas de RSO
cia crescente nas opções estratégicas que se realizou em Outubro de 2002 e exigem a participação de todos; e a
que são tomadas para o crescimento dinamizou consensos entre os vários RSO precisa de regulamentação para
das organizações. Como também intervenientes sobre a RSO e as prá- controlar as acções das empresas.
referem Castelo Branco & Rodrigues ticas que lhe estão associadas. Deste O trabalho desenvolvido pela Co-
(2006) as empresas envolvem-se na fórum resultaram algumas conclusões: missão Europeia pretende estabelecer
problemática da RSO porque conside- - As empresas insistem no ca- acordos sobre códigos de conduta,
ram que retiram benefícios competiti- rácter voluntário e orientado para a rótulos e formatos de relatórios quanto
vos se tomarem decisões socialmente empresa da RSO; preferem soluções aos progressos da RSO na UE, exemplo
responsáveis. Estes benefícios têm globais; alegam que a normalização disso é a recente (2006) comunicação
essencialmente a ver com o desenvol- excessiva seria contraproducente; e da Comissão ao Parlamento Europeu,
vimento de novos recursos, competên- lembram as responsabilidades dos ao Conselho, e ao Comité Económico e
cias e conhecimentos que reforçam a governos e organizações multilaterais, Social Europeu, sobre a “implementa-
cultura organizacional. Esta visão mais em especial fora da Europa. ção da parceria para o crescimento e o
materialista da RS, em que se valori- - Os sindicatos defendem que a emprego: tornar a Europa um pólo de
zam as vantagens práticas da adopção RSO não substitui a regulamentação, excelência em termos RSO”.
de uma estratégia clara de RSO é
também complementada pela ideia de O Que Deve Ser Sustentável O Que Deve Ser Desenvolvido
missão social das organizações.
Como afirmam Bigné et al (2005) Natureza Pessoas
às empresas do século XXI é pedido
Terra Infância
uma integração na sociedade que vai
para além da mera produção de bens Biodiversidade Expectativa de vida
e serviços, através de uma contínua
Ecossistemas Educação
pressão social, atenta a inúmeros
sinais da sua actividade empresarial, Equidade
para além dos indicadores económicos
Igualdade
e financeiros, como indicadores de
performance ambiental, social e ética.
Apoio à Vida Economia
Também a União Europeia (UE) se
tem preocupado ao longo dos anos Ecossistemas Riqueza

com este tema, exemplo disso é o Li-


Recursos Sectores Produtivos
vro Verde para a RSO, de Julho de 2001,
que define RSO como um conceito em Ambiente Consumo

que as organizações, numa dinâmica


Comunidade Sociedade
voluntária, integram preocupações
ambientais e sociais na sua activi- Culturas Instituições
dade e na interacção com os seus
Grupos Capital social
stakeholders (empregados, clientes,
fornecedores, vizinhos, Organizações Lugares Estados
Não Governamentais (ONG), autori-
Regiões
dades públicas…), valorizando este
conceito o aspecto ambiental e social,
tabela 1: Definições de Desenvolvimento Sustentável
a integração da RSO na actividade e

38 39 dos algarves
Responsabilidade Social das Organizações e Atractividade Organizacional

Sustentabilidade e de Estocolmo sobre o ambiente e o é um exemplo (Garcia et al, 2005),


Responsabilidade Social desenvolvimento humano, em 1972. podem contribuir para uma gestão
das Organizações Ainda segundo a Academia Nacional mais integrada e comprometida com
de Ciências dos Estados Unidos da políticas e estratégias eficazes ao
Actualmente a RSO é por isso América, é possível identificar 3 nível da RS e do desenvolvimento
inserida num contexto mais amplo valores principais em termos de sus- sustentável das organizações.
(Neves, 2005), que é o de desenvolvi- tentabilidade, que se dividem noutros Também neste sentido, Jayne &
mento sustentável e, que segundo a que se podem considerar como inter- Skerratt (2003) referem a importância
definição da WCED World Comission mediários (tabela 1). dada por instituições e fundos finan-
on Economic Development (WCED), é A RSO pretende desta forma dar ceiros do Reino Unido, na sua análise
o desenvolvimento que dá resposta às respostas a estes desafios ao possibili- de riscos, ao estudo que fazem sobre
necessidades do presente sem com- tar (Castelo Branco & Rodrigues, 2006) as boas práticas das organizações que
prometer a capacidade das gerações que as organizações tenham benefí- procuram financiamentos ou sistemas
futuras encontrarem respostas para cios internos e ou externos quando se privados de saúde e pensões em ma-
as suas necessidades. Este princípio desenvolvem novos recursos e com- térias como: acontecimentos passa-
pode ser alcançado se as organizações petências, principalmente ao nível dos dos com impactos negativos sobre o
se comprometerem com práticas que Recursos Humanos (RH). As organiza- meio ambiente; políticas actuais sobre
respeitem a melhoria contínua dos re- ções que respeitam estes valores têm segurança, higiene e saúde no trabalho
sultados em termos de SHST, qualidade a possibilidade de atrair os melhores e ambiente; políticas sociais. Ou seja,
ambiental e, informação ao público em RH ao construírem e posteriormente procuram investir ou ser parceiros de
geral sobre as suas actividades, para beneficiarem de uma reputação organi- empresas com políticas que garantam
além de empregados e clientes. zacional forte e positiva. a sua sustentabilidade a médio e longo
Também Lyon (2004) e Schaefer Ainda em relação à importância prazo, e que se identifiquem com as
(2004) argumentam que melhorias con- crescente da temática do desenvol- suas práticas de investimento social-
tínuas na performance das organiza- vimento sustentado e da captação mente responsável.
ções em aspectos ambientais e sociais de recursos valiosos, Oskarsson & Mas nada disto se consegue de
a longo prazo só são possíveis numa Malmborg (2005) estudaram a forma uma forma descoordenada dos res-
cultura organizacional que suporte a como as organizações conseguem tantes objectivos das organizações
RS em aspectos como: políticas sobre passar de um sistema de gestão em (Neves, 2005), exigindo-se às organiza-
remunerações e reconhecimento; que trabalham de costas voltadas ções políticas objectivas em termos de
aprendizagem; gestão da mudança; en- para o ambiente, para a integração RS, que permitam resultados bastante
volvimento e cooperação; flexibilidade. de políticas de gestão que adoptem o visíveis e com repercussões positi-
Na verdade, a actividade económica crescimento sustentável como ponto vas e efeitos a médio e longo prazo,
actual, numa perspectiva de sistema de partida para a sua competitividade. assentes em estratégias claras e com
aberto, implica uma posição responsá- Concluiu que para além de factores objectivos definidos, em comparação
vel e proactiva de reposição constante económicos, sociais e ambientais, tam- com os resultados de medidas avulsas,
no ambiente dos recursos retirados bém questões ligadas com a qualidade incoerentes e sem ligação a uma políti-
pelas mais variadas actividades eco- de serviços e produtos, valores éticos ca de RS contínua.
nómicas, evitando-se desta forma a e capacidade de prever o futuro serão Rosenthal & Masarech (2003) ao
tendência natural que os ecossistemas essenciais para o desenvolvimento estudarem culturas organizacionais
têm de esgotamento e, garantindo às sustentável das organizações e, que de elevada performance chamam à
gerações futuras, a possibilidade de estas, terão que trabalhar apoiadas atenção para a importância de valores
usufruírem dos mais variados recursos em sistemas que não sejam tão rígidos como: Focagem no cliente; respeito
pelo menos nas mesmas condições como os sistemas de gestão ambien- pelas pessoas (trabalhadores, clientes,
que o fazem as gerações actuais. tal, de segurança e qualidade (ISO parceiros); integridade; comunicação
Esta noção de desenvolvimento 14001, 18000 e 9001), mas que lhes séria e transparente; valorização do
sustentável está bem patente no permitam desenvolver políticas mais trabalho em equipa; iniciativa e amor
esforço em conciliar as exigências integradas, proactivas e eficazes na ao trabalho, para o sucesso de inú-
de desenvolvimento das sociedades gestão dos seus recursos. meras empresas líderes de mercado,
modernas com a necessidade de Sendo assim, o surgimento de assim como para a importância da in-
proteger o meio ambiente (Leiserowitz sistemas de normas específicas para terpretação e aplicação pelos gestores
et al, 2006), que teve um dos primeiros a certificação externa da Gestão desses valores e, para a forma como a
debates a nível mundial na conferencia de RH, dos quais a norma SA 8000 cultura organizacional os assimila.
Sustentabilidade rando os seus erros, envolvendo-os e chegaram à conclusão que a reputação
Organizacional comprometendo-os com as organiza- e imagem organizacional e a forma
e Capacidade de Retenção ções, aumentando a sua auto estima e como são divulgadas, para além das
e Captação dos Melhores confiança nas organizações. técnicas de recrutamento aplicadas
Talentos E ainda segundo Martel que a (maior ou menor envolvimento organi-
divulgação destas práticas é também zacional), podem ter efeitos directos na
Ainda sobre a temática da sustenta- a melhor estratégia de criar uma quantidade e qualidade dos candi-
bilidade das organizações, a capaci- reputação organizacional que facilite datos recrutados. Em organizações
dade de as organizações reterem e o recrutamento de trabalhadores de pouco conhecidas, ou com uma fraca
captarem trabalhadores de elevado elevada performance. imagem organizacional, têm melhores
potencial tem sido um assunto ampla- No mesmo sentido Koblenz (2003) resultados estratégias discretas de
mente discutido por vários autores. refere-se às melhores práticas de orga- recrutamento, em organizações com
Segundo Herrera (2001) a rotatividade nizações que se preocupam, identifi- maior reputação e imagem organiza-
externa indesejada é um problema cando 10 características fundamentais cional obtêm-se melhores resultados
sério para a maioria das organizações, na aplicação dessas práticas: de recrutamento quando as estratégias
assim como a dificuldade em atraírem 1-Sustentam um ambiente de traba- são mais notórias e implicam um maior
os melhores candidatos. A maioria das lho baseado na dignidade e no respeito envolvimento organizacional através
organizações investe recursos consi- por todos os empregados; de uma clara estratégia de comunica-
deráveis na tentativa de manterem e 2-Fazem com que os empregados ção com o exterior e aproveitamento
recrutarem os melhores empregados sintam que os seus empregos são da sua reputação organizacional.
ao seu serviço, mas falham na tenta- importantes; As organizações parecem por isso
tiva de lhes oferecer e comunicarem 3-Encorajam o total desenvolvimen- ter bastantes vantagens quando são
aquilo que mais desejam: to dos seus empregados; conhecidas por serem bons locais para
- Um trabalho interessante e com 4-Encorajam os seus empregados a trabalhar, principalmente pela maior
desafios credíveis; encontrarem um equilíbrio entre a sua facilidade em as pessoas se apresen-
- Um bom ambiente de trabalho com vida pessoal e profissional; tarem como candidatas aos postos
efectiva comunicação bidireccional; 5-Favorecem a qualidade de vida de trabalho disponíveis, podendo-se
- Oportunidades credíveis para o seu dos seus empregados e das suas então formar listas de candidatos com
desenvolvimento pessoal e profissional; famílias através de práticas compensa- maior abrangência e que possibilitam
- Um conjunto de benefícios e salá- tórias e de outros benefícios; uma escolha mais alargada, e a selec-
rios atractivos e competitivos. 6-Desenvolvem técnicas e formas ção dos candidatos com as melhores
Martel (2003) Chama à atenção para excepcionais nos resultados obtidos características pessoais, competências
as boas práticas de 25 organizações com a liderança das pessoas; e experiência profissional. Para que
de topo na sua área de actividade na 7-Apreciam e reconhecem o traba- isso aconteça, a reputação organiza-
procura e retenção de trabalhadores lho das pessoas; cional parece ser para muitos autores
de elevada performance, salientando 8-Estabelecem e comunicam bastante importante, sendo facilmente
que estes profissionais são aqueles standards importantes em termos de ligada a uma cultura organizacional
que estão na origem e na manutenção comportamento ético e íntegro; forte, ao reconhecimento dos pares e
de organizações altamente competi- 9-Envolvem-se em actividades em da comunidade onde está inserida, da
tivas. Sublinha que a maioria destas prol da comunidade em que estão qualidade percebida, da consciência
empresas caracterizam-se por: inseridas; social percebida pelo exterior.
- Possuírem estratégias de RH coe- 10-Equacionam as necessidades Também Roberson et al (2005)
rentes com as estratégias das organi- humanas quando tomam decisões apresentam um estudo em que
zações e os seus principais objectivos estratégicas para o seu negócio analisam a importância da construção
organizacionais; E conclui que estas práticas da mensagem para a atracção inicial
- Que os trabalhadores acreditam colocam as empresas numa posição de candidatos para um determinado
que o seu trabalho é importante para privilegiada para recrutar os melhores recrutamento. Concluem a partir de
as organizações, assim como a sua empregados, num mercado laboral uma população de 171 estudantes
contribuição é valorizada para a reali- cada vez mais curto e deficitário de potencialmente candidatos a emprego
zação do trabalho; trabalhadores competentes, empreen- que a mensagem detalhada intensifica
- Atribuição de autonomia aos dedores e responsáveis. as percepções sobre os atributos das
trabalhadores, permitindo-lhes que Collins & Han (2004), através de um organizações (políticas de formação,
tomem riscos e ao mesmo tempo tole- estudo realizado em 99 organizações, políticas de remuneração e possibili-

40 41 dos algarves
Responsabilidade Social das Organizações e Atractividade Organizacional

dades de progressão na carreira) e a Conclusão 2003), que possam trazer para as


existência de uma identificação dos organizações uma mais valia signifi-
seus atributos com os interesses dos Surge assim a ideia de que a RSO cativa para o seu esforço competitivo
possíveis candidatos. não deve surgir dissociada das estraté- em relação ao ambiente em que estão
Burns (2006) estudou também gias de desenvolvimento e sustentabi- inseridas e aos seus mais directos
a importância das intenções no lidade organizacional a médio e longo concorrentes.
comportamento dos indivíduos, prazo, mas para tal, será importante Equaciona-se assim que a cap-
assim como o que está na origem das clarificar até que ponto a adopção de tação e retenção bem sucedida
intenções individuais, tendo concluído estratégias de RS é uma mais valia na destes RH qualificados acima da média
que quanto mais fortes forem essas imagem e reputação destas organiza- está ligada, não só a estratégias de
intenções maior possibilidade existe ções e, principalmente, na capacidade recrutamento e selecção desen-
de o comportamento ocorrer num de- de atraírem Candidatos de Elevado volvidas e aplicadas por técnicos e
terminado sentido (Weber & Gillespie, Potencial (CEP). A sustentabilidade a com técnicas com provas dadas no
1998). As intenções dos indivíduos são médio e longo prazo das organizações terreno, mas também pela percepção,
constituídas por duas componentes; está muito ligada a estratégias claras pelos possíveis candidatos, de que as
individual e social. A componente de obtenção e rentabilização de recur- organizações em causa aplicam uma
individual está essencialmente ligada sos com qualidade reconhecida e, que estratégia clara e reconhecida de RS,
às influências éticas a que o indivíduo pelas suas características distintivas, e que retirarão benefícios pessoais
está sujeito, a componente social à tendem a ser escassos. importantes dessas estratégias se
política e estratégias de intervenção Para além disso as organizações colaborarem profissionalmente com as
das organizações no mercado. estão inseridas num ambiente em que organizações hoteleiras identificadas
Burns pretendeu estudar as a competição pela obtenção desses no nosso estudo.
intenções de futuros empregados da recursos é elevada e globalizada, A possibilidade de atrair candidatos
indústria retalhista enquanto seguido- influenciada pelas Tecnologias de a emprego aumenta de valor quando
res de práticas de compras que podem Informação e Comunicação (TIC) e pelo estes possíveis trabalhadores se perfi-
ser eticamente questionáveis. Chegou acesso cada vez mais massivo a meios lam como sendo de elevado potencial
à conclusão que as intenções dos de transporte rápidos e eficazes, que (Martel, 2003), ou seja, aqueles que
estudantes finalistas em gestão em colocam esses recursos, no caso, os à partida são mais requisitados pelas
se envolverem em práticas profissio- humanos de elevado potencial, em organizações com maior peso no
nais eticamente questionáveis estão regiões progressivamente mais acessí- mercado, e às quais podem dar um
essencialmente relacionadas com os veis, mais competitivas em termos de contributo qualitativamente diferencia-
princípios filosóficos e éticos que de- salários oferecidos, aquisição e melho- dor e mais duradouro.
fendem e, que do ponto de vista social, ria contínua de qualificações profis- Num mercado cada vez mais globa-
só algumas práticas das organizações sionais e perspectivas de carreira, ou lizado, em mudança constante, em que
são consideradas eticamente, podendo seja, em regiões mais atractivas. a principal característica diferenciado-
por isso, influenciar positiva ou nega- Desta forma, considera-se que a ca- ra das organizações será a sua capaci-
tivamente as suas intenções enquanto pacidade de as organizações compe- dade de rápida adaptação à mudança
futuros trabalhadores. tirem neste ambiente continuamente e, poderem elas próprias influenciar os
Outros estudos (Davis & Rothstein, em transformação está dependente de processos de mudança, essencialmen-
2006) debruçaram-se sobre as percep- múltiplos factores, como os tecnológi- te com uma eficiente utilização dos
ções dos indivíduos sobre os com- cos, os económicos, os políticos, assim recursos disponíveis, a capacidade que
portamentos quer das organizações, como os de natureza social e ambien- têm de atrair e captar os recursos mais
quer dos gestores e outros dirigentes, tal e, que o controlo sobre estes fac- valiosos, competindo também neste
tendo concluído que a percepção de tores, pode ser optimizado se estiver campo com os seus mais directos
comportamentos de integridade (“… assente em estratégias organizacionais concorrentes, será uma vantagem
compromisso justificável com valores proactivas, visíveis e reconhecidas pela diferenciadora muito importante.
e princípios morais…” (Becker, 1998, sociedade como garantes da sustenta-
p.157)) facilita comportamentos posi- bilidade a médio e longo prazo.
tivos e de adesão, principalmente por Os CEP surgem assim associa-
parte dos trabalhadores das organiza- dos à importância das organizações
ções e de possíveis candidatos. garantirem um crescimento sustentado
a médio e longo prazo, com base na
aquisição de recursos valiosos (Martel,
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Palavras Chave

Gestão Ética; Responsabilidade Social das Organizações; Factores de Atracção;


Candidatos de Elevado Potencial; Notoriedade Sustentável das Organizações.
Estimação de Modelos Lineares
Gerais Mistos utilizando o SAS®

O Modelo Linear Geral Misto (MLGM) enquadra-se numa classe


de modelos que tem sido tradicionalmente analisada através
de procedimentos de análise de variância. Nos MLGM exis-
tem três aspectos fundamentais: estimação e significância
dos efeitos fixos, predição dos efeitos aleatórios e estimação
das componentes de variância. Na análise de MLGM desbal-
anceados, a estimação das componentes de variância tem
importância extrema e depende da estrutura de covariância
e dos métodos de estimação utilizados. Este artigo pretende
apresentar os principais métodos de estimação do MLGM com
estruturas gerais de covariância dos efeitos aleatórios, dis-
poníveis no procedimento “proc mixed” do Statistical Analysis
System (SAS).

Luís Pereira – ESGHT


Lara Ferreira – ESGHT1

INTRODUÇÃO efeitos aleatórios como a estimação Patterson e Thompson (1971). Todos


dos efeitos fixos dependem da estima- estes métodos estão disponíveis no
Os MLGM são utilizados para ção das componentes de variância. procedimento “proc mixed” do SAS.
descrever um conjunto de dados cuja Segundo Scheffé (1959), o MLGM foi Searle et al. (1992) apresentaram
estrutura de tratamentos envolve amplamente estudado por Fisher em uma ampla discussão sobre estimação
alguns factores que são fixos e outros 1918, com grande repercussão nos es- de componentes de variância e análise
que são aleatórios, ou seja, modelos tudos de genética quantitativa. Tal mo- de modelos mistos, ilustrando-os por
lineares que contêm efeitos fixos e delo foi denominado pelo autor como meio de exemplos. Richardson e Welsh
aleatórios, independentemente da modelo de componentes de variância. (1995) apresentaram duas definições
média e do erro. Consequentemente, a Diversos métodos têm sido pro- de máxima verosimilhança robusta
análise de um modelo misto envol- postos para estimar as componentes e máxima verosimilhança restrita
ve duas partes: uma análise para a de variância, destacando-se o método robusta, e apresentaram também, por
parte aleatória e outra para a parte da máxima verosimilhança (Maximum meio de simulação, um estudo para
fixa. Nos MLGM a análise da parte Likelihood: ML) da autoria de a Hartley investigar as propriedades assimptó-
aleatória consiste na predição dos e Rao (1967), o método da estimação ticas e as vantagens de utilizar esses
efeitos aleatórios e na estimação das quadrática não enviesada de variância métodos robustos. Gilmour et al. (1995)
componentes de variância. A análise mínima (Minimum Variance Quadratic descreveram e aplicaram o algoritmo
da parte fixa consiste na estimação e Unbiased Estimation: MIVQUE) descrito Average Information (AI), na estimação
na realização de testes de hipóteses em Rao (1971) e o método da máxima de componentes de variância pelo
sobre funções estimáveis dos efeitos verosimilhança restrita (Restricted Ma- método da REML, em modelos mistos
fixos. Em geral, tanto a predição dos ximum Likelihood: REML) descrito por com erros correlacionados.

44 45 dos algarves
Estimação de Modelos Lineares Gerais Mistos utilizando o SAS®

Para além destes métodos, têm Em geral, a matriz de variâncias e guinte: dado o vector de dados y, como
sido utilizados no passado recente covariâncias de y é uma função linear é que se pode predizer os valores dos
outros métodos para a estimação das de parâmetros desconhecidos a serem efeitos aleatórios que poderiam a ele
componentes de variância no contexto estimados. Assim, quanto mais ade- estar associados, ou seja, qual é “um”
do MLGM. Destaca-se o método de quada for a matriz G, escolhida a priori, estimador da média condicional E(u|y)
ajustamento de constantes (Hender- mais os resultados das estimativas de ? No caso do MLGM (1) tem-se que
son, 1953; Fuller e Battese, 1973). β e u se aproximarão de soluções BLUE o melhor preditor linear de u sob a
Existe, no entanto, evidência empí- (Best Linear Unbiased Estimator) e normalidade é dado por:
~
rica (Swallow e Monaham, 1984) que BLUP (Best Linear Unbiased Predictor), U=E(u|y)=GZ' V-1(y-Xβ). (4)
favorece a utilização dos métodos de respectivamente. Combinando os conceitos de
verosimilhança. O principal obstáculo predição e de melhor estimador linear
à sua utilização reside no grande peso Estimação dos efeitos fixos não enviesado, tem-se que o melhor
computacional que poderá impedir a Na análise do MLGM tem-se, em ge- preditor linear não enviesado, ou seja,
convergência ao trabalhar com conjun- ral, interesse na estimação e testes de o BLUP de u, é dado por:
~ ^
tos de dados de grande dimensão. hipóteses dos efeitos fixos. Entretan- u=GZ' V-1(y-Xβ). (5)
Este trabalho tem como objectivos to, para a estimativa de uma função Quando os parâmetros de θ são
^
apresentar métodos de estimação das estimável dos parâmetros de efeitos conhecidos, β é o melhor estimador
componentes de variância disponíveis fixos é necessário o conhecimento linear centrado de β e û é o melhor
no procedimento “proc mixed” do das estimativas das componentes de preditor linear centrado de u (a este
sistema computacional SAS versão 9.0 variância. Assim, as estimativas dos respeito ver Searle, 1971; Harville,
e ilustrar a utilização desse procedi- parâmetros de efeitos fixos dependem 1990; Robinson, 1991, McLean, Sanders
mento na estimação de MLGM com dos métodos utilizados na obtenção e Stroup, 1991). Quando as componen-
dois factores desbalanceados. das estimativas das componentes tes de variância são conhecidas, o
de variância. O Método dos Mínimos cálculo do BLUP de u não apresenta
METODOLOGIA Quadrados Generalizados (MMQG), dificuldades e pode ser obtido através
que minimiza , das conhecidas equações normais
Considerações iniciais (y-Xβ)'V-1 (y-Xβ) fornece o sistema (Henderson, 1984):
Neste estudo adopta-se a forma de equações normais generalizadas . X'X' X'Y β X'y K'y~N(φ,K
matricial para apresentar o MLGM, X'V-1 Xβ=X'V-1y Assim, para o Z'XZ'Z+σ2G -1 u Z'y . (6)
descrita em Searle (1987), Searle et al. modelo (1) tem-se que o BLUE de β é Resolvendo-se esse sistema de
(1992), Littell et al. (2006), entre outros: dado por: equações, obtêm-se as soluções
~
y = Xβ + Zu + ε, (1) β(θ)=(X'V-1(θ)X) - X'V-1(θ)y, (2) para os efeitos fixos β , e as predições
~
onde y é o vector das observações onde θ é um vector de parâmetros for- para os efeitos aleatórios, u. Para o
da variável dependente de dimensão mado pelas componentes de variância desenvolvimento precedente, assume-
(nx1); X é a matriz não estocástica de e (X'V-1X) - é uma qualquer matriz in- se que V é conhecida. Quando não é
n valores de p variáveis explicativas, versa generalizada de X'V-1X (Searle, esse o caso, então essas variâncias
de dimensão (nxp); β é o vector dos 1971). Desse modo, as componentes devem ser estimadas utilizando-se um
efeitos fixos, desconhecido, de dimen- de variância são consideradas nas esti- dos métodos disponíveis na literatura,
são (px1); Z é a matriz de desenho mativas dos efeitos fixos. Contudo, nas como por exemplo o método da ML ou
^
dos efeitos aleatórios, conhecida, de aplicações práticas, as componentes da REML. Então, substituindo V por V,
dimensão (nxq); u é o vector de efeitos de variância são desconhecidas. Nes- tem-se que as soluções das equações
aleatórios, desconhecido, de dimensão ses casos, uma estratégia interessante normais são dadas por:
^ ^ ^
(qx1) e ε é o vector de erros aleatórios e conveniente consiste em obter esti- β (X'V-1) -X'V-1y
~ ^ ^ -1 ^
não observáveis, de dimensão (nx1). mativas das componentes de variân- u GZ'V (y-X β) . (7)
Assim, para o modelo misto (1), as- cia, as quais são utilizadas em vez das Assim, utilizando-se a expres-
sumindo que os efeitos aleatórios u e componentes em V. Substituindo θ por são (7) obtém-se as estimativas dos
ε têm distribuição normal, com média θ na expressão (2) tem-se que: efeitos fixos e as predições dos efeitos
^ ^ ^ ^ ~ ~
zero, e matrizes de variâncias e cova- β(θ)=(X'V-1 (θ) X) - X'V-1 (θ) y . (3) aleatórios, β e u, respectivamente. Um
riâncias G e R = σ 2 I respectivamente, aspecto interessante das equações
o vector y terá distribuição normal mul- Predição dos efeitos aleatórios normais é que elas podem ser utiliza-
tivariada, com média Xβ e matriz de No MLGM (1) o vector u é um vector das em procedimentos iterativos para
variâncias e covariâncias V = ZGZ + σ 2 I, de variáveis aleatórias. Uma questão os cálculos das estimativas ML e REML
ou seja, y ~ N (Xβ,V). que se coloca frequentemente é a se- das componentes de variância. Alguns
detalhes do relacionamento entre A expressão (12) é a função ob- verosimilhança de cada parte.
essas equações e as estimativas ML jectivo para a ML utilizada pelo “proc O método REML tem sido conside-
e REML são apresentados em Harville mixed” do SAS. Minimizando-se essa rado o método preferido para estimar
(1977) e Searle et al. (1992). função sobre todos os parâmetros componentes de variância de dados
desconhecidos, obtém-se um sistema desbalanceados (Harville, 1977; Hen-
Estimação das componentes de equações cuja solução fornece as derson, 1984; Searle et al., 1992, entre
de variância estimativas ML. Essas equações são outros). As razões para essa preferên-
Para a obtenção do BLUE de β e do não lineares e são resolvidas numeri- cia são justificadas pelas propriedades
BLUP de u, exige-se o conhecimento camente, em geral por processos itera- desses estimadores. O método REML
das estimativas dos componentes de tivos como o algoritmo de Newton-Ra- supõe a normalidade dos dados, é
variância. Um problema relacionado phson. O processo é repetido até que iterativo e fornece sempre estimati-
com a estimação das componentes de o critério de convergência adoptado vas não negativas das componentes
variância para dados desbalanceados seja satisfeito. Assim, o método da de variância, como o método ML. No
assenta na dificuldade de escolher um ML supõe normalidade dos dados, é entanto, considera a perda de graus
método de estimação entre os muitos iterativo e fornece sempre estimativas de liberdade devido aos efeitos fixos,
métodos de estimação disponíveis. não negativas de componentes de fornecendo estimadores não enviesa-
Apresentam-se de seguida alguns mé- variância, mas estas são enviesadas, dos e de variância mínima para dados
todos de estimação das componentes pois o método não considera a perda balanceados. A principal diferença
de variância disponíveis no procedi- de graus de liberdade resultante da entre os métodos ML e REML é que
mento “proc mixed” do SAS: ML, REML, estimação dos efeitos fixos do modelo. o ML usa a função de verosimilhança
MIVQUE0. de K'y ou o logaritmo desta função,
Método da Máxima Verosimilhança enquanto o REML adopta a função de
Método da Máxima Verosimilhança Restrita (REML) verosimilhança de , o qual é um vector
(ML) Patterson e Thompson (1971) propu- de combinações lineares das observa-
Hartley e Rao (1967) aplicaram o seram uma modificação do método da ções (com média nula), que representa
método da ML ao MLGM. Este método ML para MLGM. Os estimadores REML efectivamente as observações ajusta-
consiste em maximizar a função de maximizam a função de verosimi- das para os efeitos fixos.
K'VK) verosimilhança, em relação aos efeitos lhança de um vector de combinações
fixos e às componentes de variância. lineares das observações que são Método de Estimação Quadrática
Assim, para o MLGM (1), assumindo invariantes a Xβ. Seja K'y esse vector. Não Enviesada de Variância Míni-
y ~ N (Xβ,V) com V=ZGZ'+σ2 I, a função Então K'y=K'Xβ+K'Zu+K'ε é invariante ma (MIVQUE)
de verosimilhança é dada por: a Xβ se e somente se K'X=φ . Com Rao (1971; 1972) propôs um método
n 1 y~N(Xβ,V), tem-se que para K'X=φ de estimação que é derivado de modo
L = (2π) 2 V 2 exp - 1
- -
(y-x β)'V-1 (y-x β)
2 , , K'y~N(φ,K'VK). As equações REML que o estimador seja uma forma
(8) também podem ser deduzidas das quadrática das observações, não
onde |V| é o determinante de V. O equações ML substituindo-se: y por enviesado e de variância mínima. O
logaritmo da função de verosimilhança K'y, X por K'X=0, Z por K'Z e V por K'VK. seu desenvolvimento envolve álgebra
é dado por: O procedimento “proc mixed” do SAS extensiva e o seu conceito utiliza
-2 logL= nlog(2π)+log V +(y-Xa)'V
^ -1
(y-X a^ ), (9) implementa o método REML cons- valores escolhidos, a priori, para as
O “proc mixed” implementa o método truindo a função -2 log da função de componentes de variância a estimar.
ML através da construção de uma verosimilhança restrita, dada por: Assim, diferentes valores a priori po-
função objectivo para ML minimizando ~ ~
-2logL R=(n-k)log(2π)+log|V|+(y-Xβ)'V-1(y-Xβ)+log|X'V-1X| dem levar a diferentes estimativas para
-2l, ou seja, minimizando: , (13) um mesmo conjunto de dados. Obtém-
-2 logL= nlog(2π)+log V +(y-X β)'V-1 (y-X β) onde k é a característica da matriz X e se portanto “um” estimador MIVQUE e
~ ~ ~
. (10) β=(X'V-1X) -X'V-1y, com e a repre- não “o” estimador MIVQUE.
Minimizando a expressão (10) relati- sentar as estimativas REML de β e V, Swallow e Monahan (1984) utiliza-
vamente a β obtém-se: respectivamente. ram o procedimento MIVQUE com a
~ ~ ~
β=(X'V-1X) -X'V-1y , (11) No método REML a função de vero- hipótese a priori de que a matriz de
~ ~
onde β e V representam as estima- similhança é dividida em duas partes variâncias e covariâncias é a matriz
tivas ML de β e V, respectivamente. independentes, uma referente aos identidade, MIVQUE0.
~
Substituindo β na expressão (10), efeitos fixos e outra aos aleatórios, de Sob normalidade, a estimação
tem-se que: maneira que a função de verosimilhan- das componentes de variância pelo
~ ~ ~ ~
-2logL nlog(2π)+log V +(y-x β)'V-1 (y-x β) . (12) ça é dada pela soma das funções de método MIVQUE0 é feita com base na

46 47 dos algarves
Estimação de Modelos Lineares Gerais Mistos utilizando o SAS®

Factor A
Factor B = Local de residência bém as suas variâncias e covariâncias.
Género Para além disso, este procedimento
Urbano (j=1) Semiurbano (j=2) Rural (j=3)
permite uma especificação geral da
176 153 207 matriz de variâncias e covariâncias dos
erros e que as componentes de erro
229 173 177
Masculino sejam correlacionados e oferece, ain-
197 189 185
(i=1) da, várias opções para a estrutura de
212 195 220
variâncias e covariâncias dos efeitos
190 - - aleatórios, sendo que essas podem ser
235 220 230
estimadas, por exemplo, através dos
métodos MIVQUE0, ML e REML.
266 252 249
Feminino
280 - 199
(i=2) ESTUDO EMPÍRICO
293 - -

- - - Em seguida, apresenta-se uma


aplicação prática com o objectivo de
tabela 1: Valores dos níveis de colesterol de 22 pacientes com diagnóstico clínico de acidente vascular ilustrar a utilização do procedimento
cerebral isquémico permanente
“proc mixed” no ajuste de modelos
mistos desbalanceados com dois fac-
tores (A fixo e B aleatório) e interacção.
Os dados apresentados na tabela 1,
referem-se aos valores dos níveis de
colesterol de 22 pacientes com diag-
nóstico clínico de acidente vascular
cerebral isquémico permanente, com
idade superior ou igual a 60 anos, ob-
servados no Hospital Distrital de Faro e
classificados de acordo com o género
e o local de residência.
O modelo utilizado para descrever
fig 1: Código SAS necessário para ajustar o modelo (15) aos dados da tabela 1
os dados da tabela 1 é o modelo misto
desbalanceado com dois factores (gé-
equação: Neste estudo, decidiu-se adoptar nero fixo e local aleatório) e interacção,
^ ^
{tr(PV i PV i)}S={SPV i Py i}, (14) R=σ 2I e as seguintes estruturas de caracterizado por:
^
onde V é o vector de soluções das G: componentes de variância (VC), Y ijk=μ+α i+β+Y j+ε ijk , com i=1, 2; j=1,
componentes de variância diagonal (TOEP(1)), simetria composta 2, 3 e k=1, 2, ...,nij (15)
e P=I-X(X'X) -1X'. (diagonal mais covariância comum: CS) onde Y ijk é o nível de colesterol do
e Huynh-Feldt (HF). k-ésimo indivíduo do j-ésimo local e
Estruturas gerais de covariância do género i; μ é a média global; α i é o
Conforme referido acima, a análise Procedimento “proc mixed” do SAS efeito do género;β j é o efeito do local
de modelos mistos envolve duas par- O “proc mixed” é o procedimento com β j~N(0;σβ2) e independentes; Y ij
tes: a análise da parte fixa e da parte do SAS apropriado para a análise de é o efeito cruzado do local e género,
aleatória. Tanto a estimação dos efei- modelos mistos desbalanceados, pois com Y ij~N(0;σ y2) e independentes; ε ijk é
tos fixos como a predição dos efeitos distingue claramente os efeitos fixos o erro aleatório, com ε ijk ~N(0;σ 2) e in-
aleatórios depende da estimação das dos efeitos aleatórios (Littell et al., dependentes. Admite-se também que ,
componentes de variância. A estima- 2006). Este procedimento utilizado β j, Y ij e ε ijk são independentes. Assim:
ção dessas componentes depende da para ajuste de MLGM permite uma σβ2Ij φ
estrutura da matriz G e do método de especificação geral da matriz de vari- y~N(Xβ,ZGZ' +σ 2I) onde φ σ Y2IG .
estimação utilizado. Várias estruturas âncias e covariâncias e ajusta o MLGM Na figura 1 são apresentados os
de covariância podem ser especifica- através do método dos MMQG. programas utilizando o “proc mixed”
das para a matriz G (a este respeito O “proc mixed” ajusta o MLGM (1) do SAS para ajustar os dados da tabela
ver Searle et al., 1992; Wolfinger, 1993, com a flexibilidade de modelar não so- 1. Observa-se que os efeitos fixos
1996; Littell et al., 2006; entre outros). mente as médias dos dados, mas tam- são especificados no “model”, e os
aleatórios no “random”. A estrutura de dimento é VC. As outras estruturas de para os efeitos fixos. Na tabela 2 são
G é definida no “random”, por meio da G consideradas neste trabalho são: CS, apresentadas algumas informações
opção “type”. TOEP(1) e HF. sobre o modelo misto ajustado pelo
No “proc mixed” o método REML é Com o “proc mixed” estimam-se “proc mixed” do SAS.
o método de estimação utilizado por as componentes de variância para os Na figura 2 são apresentados os
resultados obtidos por meio do “proc
Descrição Interpretação mixed” utilizando a estrutura de
componentes de variância para G e
-2 vezes o valor máximo do logaritmo neperiano o método REML para estimação das
-2 Log verosimilhança restrita
da verosimilhança restrita (-2l). componentes de variância. Observa-se
que o processo numérico para obter as
O critério AIC pode ser usado para comparar modelos
com os mesmos efeitos fixos, mas diferentes estruturas estimativas REML convergiu na terceira
Critério de Informação
de variância. O modelo com menor AIC é considerado o iteração, fornecendo as estimativas
de Akaike (AIC)
melhor. AIC=-2(l-q), onde q é o número de parâmetros de
covariância existentes em G e R. das componentes de variância.
Assim, as estimativas pelo método
O modelo com menor AICC é considerado o melhor.
Critério de Informação AICC= -2l+q[ln(n*)+1), onde n*=n para ML e n*=n-p
REML, quando G=VC são as seguintes:
Consistente de Akaike (AICC) para REML, q é o número de parâmetros de covariância σ^ 2local=118,05 , σ^ género*local=80,93 e
e p a ordem de X.
σ^ 2=469,81 . Portanto, a estimativa de
O modelo com menor BIC é considerado o melhor.
G é dada por:
Critério Bayesiano
BIC=-2l+qln(n*), onde n*=n para ML e n*=n-p para REML, q é 118,05I 3 φ
de Schwarz (BIC)
o número de parâmetros de covariância e p a ordem de X. φ 80,93I 6
.As funções estimáveis dos tipos I
tabela 2: Algumas informações sobre o ajuste do MLGM fornecidas pelo “proc mixed”
e III são iguais (Iemma, 1997), e assim,
a hipótese que está sendo testada
para o factor fixo, sexo, é dada por H 0
: α1-α 2=0. Observa-se na figura 2, que
foram estimados três componentes
de variância. Os resultados obtidos
por meio do “proc mixed” utilizando
as outras estruturas de G e os outros
métodos são análogos aos da figura 2
e não são apresentados neste artigo.
Segundo Wolfinger (1993) um dos
procedimentos utilizado na selecção
da estrutura de variâncias e covariân-
cias é o critério AIC, no qual menores
valores sugerem uma estrutura melhor.
Os resultados do critério AIC e dos
testes de hipóteses para o factor de
efeitos fixos, o género, de acordo com
as estruturas adoptadas para a matriz
G e os métodos de estimação utiliza-
dos, estão resumidos na tabela 3.
Quando se comparam as estruturas
fig 2: Resultados obtidos no SAS quando se ajusta o modelo (15) utilizando o método REML, de G, observa-se que para os três méto-
a opção E3 e G=VC
dos a “melhor”, no sentido de menor
valor AIC, é a TOEP(1) e a “pior” é a es-
defeito para se estimar as componen- efeitos aleatórios do modelo de acordo trutura HF. No entanto, a escolha da es-
tes de variância. No “proc mixed” é com o método especificado, bem trutura de G mais apropriada, não deve
possível especificar várias estruturas como as funções estimáveis dos tipos I ser exclusivamente baseada nestes
para a matriz de variâncias e covariân- e III conforme as opções E e E3 especi- critérios, devem-se também e principal-
cias dos efeitos aleatórios. A estrutura ficadas no “model” e o teste F usando mente considerar a natureza dos dados
de G utilizada por defeito neste proce- as somas de quadrados dos tipos I e III e a experiência do investigador.

48 49 dos algarves
Estimação de Modelos Lineares Gerais Mistos utilizando o SAS®

Valor do REML, o teste F foi significativo para


Método Estrutura de G F tipo III Pr > F
AIC
a estrutura de G=VC, e não signifi-
VC 194,0 19,37 0,0479 cativo para as demais estruturas.

CS 194,0 17,87 0,0517


REML CONCLUSÕES
TOEP(1) 192,0 17,87 0,0517

HF 210,0 17,87 0,0517 O SAS apresenta grande flexibilida-


VC 210,5 30,35 0,0314 de no ajuste de MLGM, destacando-se
a excelente performance do procedi-
CS (*) (*) (*)
ML mento “proc mixed”.
TOEP(1) 208,6 23,76 0,0396
O “proc mixed” é o procedimento
HF (*) (*) (*)
do SAS apropriado para análise de mo-
VC 194,0 22,69 0,0414 delos mistos, pois permite uma espe-
CS 194,0 17,33 0,0531
cificação geral da matriz de variâncias
MIVQUE0 e covariâncias dos efeitos aleatórios,
TOEP(1) 192,0 17,33 0,0531
G, e dos resíduos. A estrutura de G é
HF 218,5 1,00 0,4229
definida na opção “type” da declaração
(*) O Processo numérico para obter as estimativas ML não convergiu. “random”. A “melhor” estrutura de G,
de entre as utilizadas, no sentido de
tabela 3: Resultados do AIC e dos testes para o factor de efeitos fixos, obtidos pelo “proc mixed”
maior valor AIC, foi G=TOEP(1), para os
três métodos de estimação: MIVQUE0,
O critério AIC não é adequado para dados desbalanceados. ML e REML.
comparar os métodos: MIVQUE0, ML Os testes de hipóteses sobre os O nível nominal dos testes de
e REML, e, a menos que se conheça a efeitos fixos dependem da estrutura hipóteses do tipo III para o factor de
matriz de variâncias e covariâncias da da matriz G e do método de estima- efeitos fixos, género, foram semelhan-
população, torna-se pouco confortá- ção utilizado. Comparando-se os tes quando G=VC. No que se refere
vel para o investigador afirmar qual é testes F, ao nível de significância de às demais estruturas utilizadas neste
o melhor método. Uma comparação 5%, de acordo com as estruturas de estudo, apenas a estrutura G=HF alte-
analítica torna-se viável para dados G, para cada método separadamen- rou sensivelmente o nível nominal, em
balanceados e mesmo assim deve ser te, tem-se: para o MIVQUE0, o teste relação às demais.
feita com cautela, considerando-se F foi significativo para G=VC, sendo
cada modelo em particular. Conforme a estrutura G=HF a mais discrepan-
visto anteriormente, o método REML te de todas; para o ML, o teste F 1 Investigadora do Centro de Estudos e
tem sido considerado o preferido para foi significativo para as estruturas Investigação em Saúde da Universidade de
estimar componentes de variância de de G iguais a VC e TOEP(1); para o Coimbra (CEISUC)

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50 51 dos algarves
TOPONÍMIA DE S. BRÁS DE ALPORTEL
O presente artigo resulta de um trabalho de investigação elabo-
rado por alunos dos 7º e 9º anos de escolaridade da Escola EB
2,3 Poeta Bernardo de Passos de S. Brás de Alportel que teve
como objectivo traçar o esboço toponímico do concelho de
S. Brás de Alportel.

Augusto Vinagre – Docente de História do 3º Ciclo


Alunos da Escola EB2,3 Poeta Bernardo de Passos, S.Brás de Alportel

57
45
13
38
35
8
29
50
4
49
11
40 43
32
18 21
12
3 59 16
44 5 1 27 31
60 46 10
19 36
29 52 15 61
58 17 28 33
2 55 51 54 41
64 24 9
14 26 34 6
37 42
7 22
20 53
56
25 47 63
62 30
39 48

tabela 1: Mapa do Concelho de S. Brás de Alportel com a localização aproximada dos sítios/topónimos referidos no texto.
O nº54 assinala a sede do concelho, S. Brás de Alportel.

O esboço toponímico do concelho realizaram vários trabalhos sobre a Os topónimos foram fichados e ano-
de S. Brás de Alportel1 que aqui se região e fizeram o levantamento dos tados a partir de bibliografia presente
apresenta, resultou de dois momen- topónimos de São Brás registados nas bibliotecas escolar, municipal e da
tos distintos. O primeiro momento de como sítios no «Censo da população associação local In loco.
trabalho envolveu os alunos do 9ºC 2 e dos sítios da freguesia desde há quási Um segundo momento envolveu
desenvolveu-se no âmbito do Projecto dois séculos» presentes no Livro de alunos das turmas de História do 7º
Curricular de Turma, intitulado «Vamos Alportel do investigador/estudioso Ano 3, os quais recolheram os testemu-
conhecer a nossa terra!». Os alunos local Estanco Louro, escrito em 1929. nhos orais (lendas, histórias, memó-
rias) sobre as terras recenseadas por referentes «a resposta que o prior de S. vez na região de Almargem do Bispo.
Estanco Louro e referenciadas toponi- Brás, em 1757, mandou ao interrogató- Pedro de Azevedo na obra Re-
micamente pelos alunos do 9º C. rio que, por ordem do Governo, depois guengos da Estremadura na 1ª Dinastia
No sentido de conseguirem fazer do terramoto de 1755, lhe fôra enviado, transcreve almargem no ano de 1255.
uma recolha eficaz destes testemu- bem como aos outros párocos do país, Em 1757, está grafado Almarges.
nhos orais, os alunos foram sensibiliza- para organização do Diccionário Geo- Ameixeira (4) - Do latim myxila ,
dos para1 recolher informações sobre a gráfio do Padre Luís Cardoso» (Louro, espécie de ameixeira.
origem ou designação do seu local de 1996:22). O prior de S. Brás era na altu- Escreve-se Ameyxieira, em 1757.
residência2 e fazer a recolha individu- ra o Padre António Pereira da Silva. O pároco Silva diz ser serra agra […]
almente junto de familiares (sobretudo perseguida de lobos.
pais e avós) e de vizinhos, por serem Alportel (5) - De al + portel ;
estes os informantes mais próximos do Glossário toponímico do latim portellu , diminuitivo de
território, dos alunos e da escola. portu- porto. Também pode sig-
A recolha teve lugar no território do A nificar portão ou a porta. O al-, é
concelho de S. Brás de Alportel, entre Alcaria (1) - Do árabe al-quariâ, de origem árabe e significa «o».
Janeiro e Junho de 2006. Não foram aldeia, vila. Topónimo frequente Alportel como sítio é mais antigo
elaboradas perguntas-tipo e, como noAlgarve. Também casa campestre que São Brás.
tal, os alunos inquiriram os entrevista- para guardar instrumentos de lavoura. Antigamente, dizem, era considera-
dos de forma livre e apresentaram os Tem uso limitado como nome co- do como um portal para a serra, pois
testemunhos recolhidos sob a forma mum. Na região aparece associado a tinha a estrada principal. Com o tempo
de texto. Tesoureiro:Alcaria-Tesoureiro. tiraram o hífen de al-portel e ficou
Neste trabalho os topónimos foram No séc. XIII, alcaria aparece em Alportel, sustenta o povo.
elencados alfabeticamente e não documentos de Afonso de Leão. Existe também o topónimo Sêrro de
pela ordem apresentada no «Censo Segundo o povo os árabes insta- Alportel.
da população dos sítios da freguesia laram-se num sítio chamado Alcaria, O Padre Silva (1757) diz que os mais
desde há quási dois séculos». A sua por causa da muita fertilidade da sua dos moradores he gente pobre, que
explicação está conforme os dados terra e abundância de água, a qual vive de carretar carvão para a cidade
recolhidos em ficheiro pelos alunos. O era considerada como um tesouro. de Faro. E informa que neste sitio há
número atribuído aos sítios, no artigo Quando partiram para Silves eles húa fonte chamada Ferrenha.
que se apresenta, corresponde à sua disseram «Adeus Alcaria, adeus
localização aproximada no mapa4 (ver meu tesouro» e a Alcaria passou B
Fig. 1). a chamar-se Alcaria -Tesoureiro. Barrabéis (6) - Nas informações
Atente-se no facto de fazermos É terra fresca, lavrou o pároco Silva, (1757) do pároco encontramos no sitio
constar hipóteses e/ou ono-étimos em 1757. dos Barrabeis, húa fazenda chamada
diferenciados do topónimo local Aldeia dos Ratos (2) - Aldeia: Sancho com sua fonte e tanque e va-
como, por exemplo em Chaveca, onde pequena povoação, povoação rústica; riedade de frutas das melhores, que se
colocamos também Chavelha: timão campo. conhecem nestes paizes que vieram de
do arado. Esta nossa opção deve-se ao Rato: Pequeno mamífero. J. Piel ad- fora para Recreyo. Segundo as mesmas
facto de os nomes dos lugares sofre- mite a possibilidade de Ratos se dever informações existe no sitio um lugar
rem evoluções e corruptelas e também a Raptus, este do gótico Rafts. onde chamão a Cova do Lobo com
por terem sido os alunos a investigar Diz-nos o prior de S. Brás, em 1757: moinho de água.
com o objectivo de descodificarem a Aldeia dos Ratos, a que certo curio- Barracha (7) - A origem da palavra
sua região, numa atitude cientifica e so quis mudar o nome pondo-lhe o é considerada obscura.
pedagógica, pelo que não seria legíti- de Boa Vista, por se descobrir delle Barrachal: oficial militar, não
mo eliminar essa hipótese. dilatada esphera athe ao mar, e outras combatente, que andava em busca de
Nos topónimos aparecem referên- partes. desertores.
cias cronologicas, 1595, 1607 e 1757, Almargens (3) - Do árabe al-marj, Barracha, em 757.
as quais correspondem a documentos pradaria, campo. Também prado Barranco da Figueira (8) - Do
antigos referidos por Estanco Louro. As natural, pasto, pastagem. Na Grande baixo latim barrancus. Barranco: lugar
duas primeiras datas, associam-se a Enciclopédia Luso-Brasileira, almargem cavado por enxurradas ou por outra
autos (de Loulé ou Faro), sendo a data é o conjunto de camadas representa- causa; escavação natural; escavação
de 1757 associada a importantes ele- das principalmente por grés e argila, provocada pelo Homem; quebrada
mentos constantes no Livro de Alportel sendo assim definido pela primeira de terreno alta e de forte pendente;

52 53 dos algarves
TOPONÍMIA DE S. BRÁS DE ALPORTEL

precipício; obstáculo. pedra. sagem certa de burros, os quais mar-


Figueira: De figo+eira. Árvore produ- Em 1757 nascia no sitio hú cano cavam a sua presença ruidosamente,
tora de figos comestíveis ou não. comu, que sahe para fora lançando vindo do tempo desses episódios o
A forma ficaria aparece em docu- agoa que he excellente, onde vay muita sítio chamar-se corotelo, diz o povo.
mentos latinos; em 842 lê-se num do- gente do povo buscalla para seu uso. Escreve-se Corotelo em 1757.
cumento do período astur, com suas Campina (15) - De campo + ina. Cova da Muda (21) - São duas
figarias; em 967 temos figueiras. Campina ou campo; planície extensa, as versões populares que podemos
Sitio que estâ situado em terra sem árvores; planura; chão descampa- recolher sobre a origem deste nome.
montuosa (1757). do; várzea. Alguns populares dizem que o local
Bengado (9) - Para o povo o sítio Em Portugal, no séc. XIII, temos situa-se numa cova, num barranco e
tem este nome porque antigamente Campya. que nesse local existia uma senhora
havia muito e bom gado. Informação de 1757 diz que tem muda, e assim ficou Cova da Muda; ou-
Referido em 1595 como bemgado. uma dilatada campina. tros dizem ter morrido aí uma mulher
Em 1757: Bengado. Chaveca (16) - No séc. XVI, lê-se muda, a qual foi enterrada no local, e
Bicalto (10) - O local também é em documento antigo: Vya a tua carta daí Cova da Muda.
conhecido por Bico alto. Bico: extremi- ás cínco chavecas da oitava luã do
dade aguçada ou delgada. Alto: grande anno. D
extensão vertical. Do espanhol chaveca? Desbarato (22) - Derrota; destro-
No interrogatório de 1757, a referên- Chavelha: timão do arado. ço; destruição; dissipação; ruína.
cia é feita ao sitio do Bicalto, que fica Chavelhão: barra de ferro que se Rui de Pina escreveu hum logar
em hú alto. atrela à segunda junta de bois num onde chamão o desbaratto contra a
Boiça (11) – Bouça: terreno em carro ou arado puxado por quatro serra. No local teve lugar um recontro
que se cria matos, pinheiros, etc. animais. militar entre cristãos e mouros, com
Pereira da Silva (1757) chama-lhe o Chibeira (17) – Chibeiro: pastor vitória dos primeiros.
sitio da Bouça. de chibos ; cortador ou vendedor de Em auto de 1595 lemos no primçipio
Bravas (12) - Bravio, inculto. carne de chibo. das terras do desbarato domde esta
Existe a associação Corgas- Chibo: vocabulário que primitiva- húa fonte por marquo.
Bravas. mente serviria para chamar o animal.
A Chibeira é em húa dilatada compi- F
C na escreveu o pároco Silva (1757). Farrobo (23) - Este topónimo
Cabeça do Velho (13) – Cabe- Corgas (18) - Corgas aparece as- associa-se a Portela: Farrobo-Portela
ça: parte superior ou extremidade sociado ao topónimo Bravas: Corgas- Farrobo: talvez porco ou javali; tam-
saliente arredondada; capa que cobre Bravas. bém aparece como borrego. Farroba:
a cabeça; abertura superior da túnica; Corga: regueiro; sulco; canal aberto planta da família das leguminosas , su-
parte do arado. Velho: antiquo / antigo; pelas águas; caminho estreito entre bespontânea e cultivada em Portugal,
Homem de idade avançada. montes. também conhecida por parda.
De uma forma simples as gentes Corgo ou córrego: caminho aperta- Em 1607 num auto da vila de Loulé
locais atribuem o topónimo à presença do entre montes. No mapa do Livro de podemos ler em este campo de ferobo.
de um velho que tinha muitos terrenos, Alportel está grafado Córregas. Em 1757 Pereira da Silva diz sobre
os quais faziam lembrar uma cabeça. O sitio das Corgas Bravas , em 1757, Farrobo ser terra áspera com muitas
Quando o velho morreu passaram a tem montados de sovereiros, abundan- arvores, bastantes vinhas, figueiras,
chamar ao sítio cabeça do velho. te de cassa, as vezes se descobrem azinheiras, que dão fruto para manti-
A informação recolhida em 1757 é algús javalis e alguns corsos, tem tam- mento dos porcos, razão porque são
de que o sítio fica nas alturas daquella bem seus hortejos que se regão com boas as carnes deste género e que
montanha. as agoas que dentro lhe nascem. defronte em bayxo tem húa campina.
Calçada (14) - Do latim calciãta, Corte (19) - Topónimo frequente Fonte do Mouro (24)– Fonte:
como estrada cujo calcetamento foi sobretudo no sul de Portugal. Aparece nascente de água. Do latim fons,
reforçado com pedra; rua ou caminho simples e em formas compostas. fontis. Mouro: mourisco, relativo ou
pavimentado com pedras. Topónimo ligado ao mundo rural. pertencente aos Mouros; indivíduo da
Topónimo frequente em Portugal e Corutelo (20) - No séc. XIV aplica- Mauritânia; sarraceno.
na Galiza (calzada). va-se à mulher a expressão curutela. Conta a lenda que havia uma moura
Para as populações o nome deve-se Antigamente o sítio chamava-se que amava um lindo príncipe. Certo
ao facto de haver no sítio caminhos de Coro de telo porque era local de pas- dia essa moura estava à espera do
príncipe , mas ele não apareceu. Então, G nos a pronunciar javaril , como está
a moura começou a chorar e com as Garcia (31) - Aparece associado a registado por Pereira da Silva (1757):
suas lágrimas encheu a fonte. Conta- Chaveca: Garcia e Chaveca Javaril.
se, ainda, que o príncipe não apareceu Garcia é nome próprio. Juncais (36) - Juncal: terreno húmi-
ou caiu no poço da fonte. Segundo descreve Silva (1757), do onde crescem juncos.
É sitio que goza de muitas agoas, estão estes sítios em húa grande mon- Junco: planta de hastes e folhas
aponta Silva (1757). tanha com matta […] he sitio de muita cilíndricas flexíveis.
Fonte da Murta (25) - Nascente cassa de perdizes e coelhos […] junto O topónimo aparece referenciado
de água; bica. Murta: nome de planta. delle passa húa ribeira onde há hú no interrogatório de 1757 como sitio
A descrição do Padre Silva (1757) dos melhores moinhos, que tem estes dos juncais e sendo em hú valle fresco.
situa-a em terra montanhosa, empina- distritos chamado o Curral de Pedra.
da com seus rochedos. Gavião (32) - Ave de rapina diurna. L
Fonte Santa (26) - Nascente de Nome de origem germânica. Ladeiras (37) – Subidas.
água. Em 1220, já existia uma terra por- Topónimo frequente em Portugal e
Santa: mulher canonizada; mulher tuguesa com o nome de S. Jacebo de Galiza sobretudo em Pontevedra.
virtuosa, bondosa, inocente. No Gaviam. No interrogatório de 1757, o pároco
caso, ligado a S. Brás, pois segundo Gralheira (33) - Local onde as depois de descrever Vale Carvalho e
informação do prior de S. Brás (1757) o gralhas formam bandos. Fonte da Murta, diz que: Vem-se des-
sítio chamado Fonte Santa tomou este Gralha: ave da família dos cendo para o sítio das Ladeiras (…) em
nome pela tradição de ali aparecer a corvídeos. que se divisão suas asperezas.
imagem de S. Braz, em cuja memoria Era um sítio onde as gralhas se Lajas (38) – Laje: pedra lisa.
ainda hoje se caya húa lapa que estâ juntavam e de seguida faziam muito Surge como apelido e topónimo.
em hú grande penedro, que se firma barulho, confirma assim o povo a Em 1757, o sitio das Lages […] he
por cima da fonte. origem do local. serra muito áspera.
Fonte da Silva (27) - Topónimo Existe a Rocha da Gralheira. A
que aparece associado a Pêgo: Fonte descrição feita em 1757 do sitio da M
da Silva-Pêgo. O pároco de S. Brás, Garalheira enquadra-se nessa desig- Machados (39) – Machado: instru-
nas informações de 1757, menciona os nação: fica junto a húa rocha que sobe mento cortante, formado de uma es-
sítios da Fonte da Sylva e Pego aonde por huma montanha. pécie de cunha afiada e fixa num cabo
se vêem hortejos amenos. de madeira; apelido frequente desde
Fonte: lugar de onde brota água. H 1147 e que se deve a quem nessa data
Silva: planta da família das rosáceas. Hortas e Moinhos (34) – Hor- arrombou as portas de Santarém com
Fonte do Touro (28) – Touro: boi ta: terreno plantado de hortaliças machados.
não castrado. e legumes. Em 1757 nesse Sitio Segundo os locais terá dado origem
O Pároco Silva (1757) diz que o sitio chamado=Hortas, e moinhos […] se ao nome Machados, uma guerra que
é cuberto de muitas arvores e he sitio admiram nelle vários pumares que deixou a terra cheia dessas armas.
fresco, ameno, apprazivel com suas estão por aqueles bayxos. Talvez se refiram ao achamento de
ágoas. Moinho: engenho composto de machados de pedra pré-históricos, que
Fronteira (29) - Limite de um duas mós sobrepostas e giratórias, são recolhidos como «amuletos» ou
território , que determina a sua exten- movidas pelo vento, por queda-d'água, «pedras das sorte».
são; limite que separa ou marca dois animais ou motor e destinado a moer Manta (40) - De manto. Grande
territórios. cereais. pano de lã do feitio de um cobertor.
No sitio há húa grande ribeyra onde Talvez seja referência ao solo.
se ajuntão as agoas daquellas alturas J Na descrição do pároco, em 1757,
no tempo do inverno (1757). Javali (35) - Animal mamífero suini- lemos: com a estrada que vay para
Funchais (30) - Quantidade mais forme; porco montês. A mais conheci- Alentejo e Corte de Lisboa onde estâ o
ou menos considerável de funchos. da e a principal das espécies de porcos sitio da Menta.
Existe em 1757. selvagens. Manta aparece em texto português
Para o povo antigamente existia no de 1009.
local muitos javalis, os quais proporcio- Mealhas (41) - Mealha: moeda
navam boa caça, pois eram de muita antiga.
quantidade e boa qualidade. O sotaque O povo diz que o topónimo Mealhas
serrenho dos seus habitantes levam- vem do apelido de uma família que

54 55 dos algarves
TOPONÍMIA DE S. BRÁS DE ALPORTEL

viveu no local há imensos anos, a qual O Poços Ferreiros (51) - Poço será do
dedicou muito tempo e muito trabalho Outeiro (44) - Do latim altariu, latim puteu : buraco, fossa, poço de
da sua vida ao sítio. No seu início o altar. Vocábulo que em Portugal data mina; chaminé, poço. Poço: cavidade
local apenas tinha uma pequena barra- de 961. profunda, aberta no solo de forma a
ca, onde vivia a família Mealhas. Essa Pequeno monte. atingir um lençol de água. Em 973 per
família era constituída por uma bondo- A informação do Padre Silva (1757) illo pozo
sa mulher, respectivo marido e filho de ressalta que em hú alto se vê situado o Ferreiro: artesão que trabalha o
ambos, o qual após o falecimento dos sitio do Outeiro. ferro. Ferreiro, surge em escrito de
pais emigrou. 1220, Ferrarius.
Em 1757 o sitio estendese the onde P O povo atribui o nome ao local
chamão Fonte Velha por ser antiga Parises (45) - Do latim Parisii: povo porque antigamente havia muitos
com boa agoa. da Gália céltica. ferreiros, os quais precisavam de
Mesquita (42) - Lugar de culto da Topónimo já referido em 1757 e água para arrefecer o ferro depois de
religião muçulmana. como dos mais alegres sítios que tem trabalhado, bem como para os animais
Para os habitantes locais o nome do a terra. que ali acorriam. Na zona habitavam
local foi atribuído a partir de vestígios Pego (46) - A parte mais funda de três ou quatro ferreiros e todos eles
de uma mesquita que os mouros um rio; lago; poço. usavam a água de um poço que nunca
tinham construído, referindo que foram No auto do termo da vila de Loulé secava, dando nome ao sítio.
encontrados pratos e outros vestígios de 1607 refere-se os moinhos do pego. Silva (1757) chama-lhe Posso dos
mouros. Penedo Gordo (47) - Penedo: Ferreiros […] junto á estrada que vay
Num auto de 1595 lemos misquitta. grande rocha, fraga ou rochedo. Gordo: para Lisboa, e Alentejo.
São vários os topónimos desdo- untado. Portela (52) - Do lat. portella.
brados a partir de Mesquita: Mes- Mencionado em 1757: sitio chama- Portal: ponto em que um caminho
quita Alta, Mesquita Baixa, Sêrro da do Penedo Gordo, he terra que mais ou uma estrada forma ângulo ou coto-
Mesquita, Ribeira da Mesquita e Fonte merece ter o nome de pedras do que velo; passagem estreita entre montes;
da Mesquita. O povo diz que foi João de terra. desfiladeiro.
Cavaleiro a dar o nome à fonte, no séc. Peral (48) - De pêra, para pomar de
XVI. pereiras; terreno plantado de pereiras. R
De auto de 1595 retiramos as Topónimo frequente. Também apelido. Ribeira (53) - Do lat riparia. Porção
menções de um caminho do Chamso a Em 1030 aparece Perales. de terreno banhado por um rio; regada;
dar no Ribeiro da Mesquita […] e dahi De forma muito simples as pessoas terra marginal; lugar junto ao rio. Ribei-
vai a partisão pelo ribeiro da fonte da locais atribuem a origem do nome a ro: pequeno rio, regato.
mesquita que he muito antiga. uma fama de pêras muito boas, dando Segundo o pároco Silva (1757) o sitio
Nas informações de 1757, o prior continuidade há ideia transmitida pelo é chamado Ribeyra, por lhe passar esta
de S. Brás, Pereira da Silva, menciona pároco (1757) de que o sitio parece se que corre de Alportel, defronte.
todas essas designações e esclarece a chama Peral por haver nelle muitas
origem de algumas: a fonte era vulgar- pereyras de varias castas. S
mente chamada da Mesquita; o sitio da Pêro de Amigos (49) - Os índios S. Brás (54) - Diz-se correntemente
Ribeiro da Mesquita, Chamase ribeiro designavam os portugueses por pêro São Brás de Alportel
da Mesquita por mediar entre estes (Pedro). S. Brás tem sido identificada com
dois sítios [Peral e Mesquita] hú ribeiro, Amigo: simpático, acolhedor. o povoado muçulmano, referido nas
onde escoam as agoas da vargem do Em distância de meia legoa é serra crónicas como Sanbras (Xanbras).
grão e das alturas que o circundão; tudo continuada. Na opinião de Silva Em auto de 1607 existe uma refe-
o Serro da Mesquitta que está em hu (1757) os seus pêssegos e marmelos rência à fregezia de Sam brás dallpor-
alto, onde se descobre hú moinho de são excelentes. tell termo da sidade de Faro.
vento. Pêro Sancho (50) - Pêro Sancho A lenda transporta o santo arménio,
Muda (43) -Local de mudança. ou Pedro Sancho. do séc. IV, Blasius, e sua fama de
Mulher que, por ser organicamente Sancho, pessoa esperta, indivíduo curandeiro para o local de S. Brás de
defeituosa, não tem o dom da fala. matreiro. Alportel dizendo que era uma vez um
Em 1757 o prior anotou que pelo Quem lá fosse em 1757 se admira santo chamado S. Brás que vinha de
sítio atravessa a estrada que vai de que naquellas alturas se mostre tão ad- Alportel. Era um santo protector das
Moncarapacho para Lisboa. miravel assento de terra e tão frutífera. doenças de garganta. Um dia uma
mulher, levou o filho ao médico porque
tinha uma espinha na garganta, ou O topónimo é atribuído pelos locais porque se situa num vale que já se
osso, a qual o médico não tirou . a uma senhora chamada Teresa que chamou Vale inhos .
Levou então o filho ao S. Brás. O santo vivia no local. O local também deu nome a Horta
pôs o dedo na garganta do miúdo e Tesoureiro (60) - Do latim Thesau- dos Vilarinhos, grafado Horta dos Vala-
conseguiu curá-lo. Por isso chamaram- rãriu , guarda de tesouro, tesoureiro. rinhos em 1757.
no S. Brás de Alportel. Para alguns No testamento de Afonso II, em
diz-se que este feito foi realizado perto 1214, aparece tesoureiro de Bragáá.
do posto da GNR de S. Brás , do qual Para o povo, no geral, chama-se 1 S. Brás de Alportel ganhou o estatuto
surgiu o nome da localidade. tesoureiro porque aí enterraram um de concelho em 1 de Junho de 1914. O seu
S. Romão (55) – Pereira da Silva tesouro que nunca ninguém encon- concelho ocupa uma área de 150,05 Km2,
(1757) descreve o sítio assim: hú plano trou. Para algumas pessoas o tesouro com uma população de 11 205 habitantes,
onde esta a Ermida de S. Romão, Sanc- é a abundância de água. recenseados em 2004. Juntamente com ou-
to advogado dos feridos de cães da- tros quatro municípios tem a singularidade
nados, onde concorre gente de varias V de ser um concelho com uma única fregue-
partes em romaria principalmente no Vale (61) - Depressão alongada sia, S. Brás de Alportel. Tem por concelhos
seu próprio dia que he a 9 de Agosto. entre montanhas, montes e colinas. limítrofes Tavira, Olhão, Faro e Loulé.
Sêrro Botelho (56) – Serro: con- Escreveu o pároco em 1757 que o 2 Alunos envolvidos no projecto - 9º
junto de serras, serrania. Valle, que fica em hú bayxo, he vistoso Ano (2004/05): Alexandre Batista, Ana
Botelho: garrafa, frasco; pequena pelas muitas arvores que o povoão. Rocha, Andreia Viegas, Angélica Segurado,
medida antiga; saco da máquina, nos Vale Carvalho (62) – Carvalho, Cristophe Guerreiro, Fábio Francisco, Irina
moinhos de cereais. Também planta para José Pedro Machado segundo Gonçalves, Joana Gregório, Kevin Carneiro,
aquática, segundo Pêro Vaz de Cami- parece é de origem pré-romana. Lisá Guerreiro, Magna Costa, Marta Nor-
nha (in: Carta a Dom Manuel). Carvalho: designação comum a berto, Miguel Horta, Nádia Martins, Pedro
No interrogatório de 1757 lemos várias árvores da família das fogáceas; Rodrigues, Rosa Fonseca, Sandra Rodrigues,
que o Serro do Botelho [está] empi- grande árvore que produz bolotas; Solange Rosário, Sónia Cavaco, Tânia Barras
nado com muitas pedras e outras de roble. e Tiago Brito.
qualidade branda da cor da cal, que Em 1160 aparece carvalha, et per 3 Alunos envolvidos no projecto - 7º
chamão vulgarmente calisso, que carvalias. Ano (2005/06): Afonso Cruz, Ana Gonçalves,
serve para obras de alvenaria. No auto de 1607 temos vall de Ana Ponte, André Martins, André Silvestre,
Sêrro da Ursa (57) - Urso: animal Carvalho. António Cantante, Arnaldo Vaz, Beatriz Men-
carnívero, de pêlo denso e comprido. O sitio de Vale de Carvalho é onde doza, Beatriz Viegas, Bruna Silvério, Bruno,
Para nascente da Cabeça do Velho há alguns carvalhos (1757). Catarina Ramos, Daniela Mendonça, David
fica o chamado Serro da Ursa […] estâ Vale de Galega (63) – Galego: do Viegas, Diogo Gomes, Fábio Ramires, George
no mais iminente alto, que tem a fre- latim gallaecu, da «Galécia»; os habi- Gergi, Inês Mendonça, Ivo Pires, Ivo Silva,
guezia de S. Braz de Alportel, anotou tantes da Galécia, segundo Plínio. João Barriga, João Gaspar, João Neves, Lois
Silva (1757). Galega é nome comum de algumas Correia, Marina Caiado, Marta Pinto, Nadine
Soalheira (58) - Lugar exposto variedades de plantas cultivadas em Martins, Odair, Sandra Mendonça, Sara
à acção do Sol; lugar exposto ao Portugal como a oliveira, a couve, a Eusébio, Sophia Meleiro, Susana Conceição,
Sol; calor do Sol. Terreno na aba das videira. Tatiana Ferreira e Vasco Amaro.
serras, oposto ao avesso e exposto ao Em 887 temos ad Gallegos , em 4 Um agradecimento particular ao Dr.
nascente. Santiago de Compostela. Afonso Cunha que nos ajudou nalgumas
Em 1757 foi descrito como um sítio Aparece em 1595 em auto de de- localizações.
onde aqueles moradores por todo o marcação como sitio de Valdegalega e 5 Esses inquéritos ou interrogatório(s),
dia se vêem assistidos das luzes do sol; também como Val de Galega. como prefere Estanco Louro, foram feitos
fica em hú alto cercado de asperezas. Em 1757: Vale de Galega. pelos párocos nas suas freguesias no
Vilarinhos (64) - Será um vilar sentido de apurar a situação dos sítios
T pequeno? após o terramoto de 1755. Hoje constituem
Tareja (59) - Topónimo antigo de Os locais dizem saber que o nome importante fonte de informação sobre as
S. Brás escrito Taregias que em 1250, derivou de um homem que se chamava freguesias e seus sítios, daí se chamar a es-
alude a proprietárias locais, uma ou vá- Rodrigues Álvares Vilarinhos, o qual ses interrogatórios «Memórias Paroquiais».
rias das quais com o nome Teresa. Em para o povo fez muitas coisas boas em
1757, o pároco refere-se ao chamado Vilarinhos. Outros testemunhos orais
sitio da Tareja. dizem que o local se chama assim

56 57 dos algarves
TOPONÍMIA DE S. BRÁS DE ALPORTEL

Referências Bibliográficas

AMARAL, João Ferreira do & AMARAL, Augusto Ferreira (1997). Povos Antigos em
Portugal - Paleoetnologia do território hoje português. Lisboa: Quetzal Editores.
Dicionário da Academia de Ciências.
Dicionário da Língua Portuguesa, Porto Editora: Porto.
FIGUEIREDO, Cândido . Grande Dicionário da Língua Portuguesa,
Grande Enciclopédia Luso-Brasileira
LOURO, Estanco (1996), O Livro de Alportel. S. Brás de Alportel: Câmara Municipal
de S. B. de Alportel, 3ª edição [texto publicado pela primeira vez em Abril de
1929, como separata do Boletim do Ministério da Agricultura]
MACHADO, José Pedro (1993), Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa, 3 vols,
5ª ed. Lisboa: Livros Horizonte.
MACHADO, José Pedro (1993). Dicionário Onomástico e Etimológico da Língua
Portuguesa, 3 vols, 2ª ed. Lisboa: Livros Horizonte.
Página do Português
Algumas notas sobre a importância do
leitor do texto literário

Filipa Perdigão - ESGHT


Rita Baleiro - ESGHT

Muitos homens iniciaram uma nova fase da sua vida escrevera. A origem do significado do texto encontrava-se
a partir da leitura de um livro. no autor.
Henry Thoreau
O texto é a chave
Já muito se escreveu sobre o tema da leitura literária: Porém, nas primeiras décadas do século XX, quando
desde textos sobre os diferentes tipos e técnicas de leitura, começou a ser evidente que o acesso à verdadeira intenção
a ensaios críticos, a textos e relatórios sobre os hábitos de do autor era uma limitação tremenda à interpretação (no-
leitura literária até reflexões filosóficas, históricas, socioló- meadamente quando o autor já não estava entre os vivos),
gicas, entre outras, que exploram as múltiplas facetas do o enfoque é colocado quer no texto – como argumentava o
fenómeno da leitura literária. Foram igualmente diversos os movimento da Nova Crítica norte-americana – quer no leitor
escritores e teóricos que lhe dedicaram páginas e páginas – como defendia o fenomenologista polaco Roman Ingarden.
analisando-a sob os seus diferentes prismas - Jorge Luís Bor- Os novos críticos (new critics) – cujas figuras centrais
ges, Marcel Proust, Umberto Eco, Miguel de Unamuno, Henry foram os teóricos William Wimsatt e Monroe Beardsley
Thoreau, Roland Barthes, Wolfgang Iser, Michel Foucault, só – centravam a crítica literária única e exclusivamente no
para mencionar alguns. texto, afirmando, peremptoriamente, a morte da intenção
Tendo em conta a amplitude do tema e a vastidão de tex- autoral. No seu famoso ensaio «The Intentional Fallacy»
tos que sobre ele se escreveram, o objectivo desta «página (1954) defendiam que os processos psicológicos do autor
do português» é tão somente (dada a limitação do espaço estão inacessíveis ao intérprete, logo, se o leitor está fora
e a complexidade do tema) referir alguns dos aspectos as- da mente do autor e só tem acesso ao texto, deve ser este
sociados à leitura literária, nomeadamente, como e quando o objecto de análise e não o autor 2. Em conclusão, o que é
surgiu este tema associado à importância do papel desem- importante para o movimento da Nova Crítica é o contexto
penhado pelo leitor, uma vez que desde o aparecimento da verbal tal como se apresenta no momento e nunca o efeito
palavra impressa no século XV até às primeiras décadas do que o texto tem no leitor.
século XX, a crítica literária centrava-se essencialmente no
autor e no texto, negligenciando a função criadora do tercei- O significado resulta da interacção entre o texto
ro elemento do trio: o leitor. Até ao início do século passado e o leitor
a relação autor/leitor permaneceu, essencialmente, imutá- Todavia, nem todos os teóricos do início do século XX
vel, presumindo-se que o primeiro escrevia uma obra cuja partilhavam do ponto de vista da Nova Crítica, nomeada-
mensagem seria, à partida, por ele construída e a função mente, I.A. Richards (Practical Criticism, 1924), Louise M.
do leitor era então a de ler o texto num processo de leitura Rosenblatt (Literature as Exploration, 1938) e mais tarde
linear e substancialmente passivo. Perante este quadro, a Hans-Georg Gadamer (Truth and Method, 1975)– um dos
distância entre o autor e o leitor era não só ampla como alunos de Heidegger – opunham-se a aceitar o texto como
desigual – de um lado estava o criador da obra de arte, do a única fonte do significado. Como tal ao mesmo tempo
outro o visitante dessa obra de arte1. Simultaneamente, que se afastavam do autor como fonte do significado de
supunha-se a existência de uma transparência e estabilida- um texto literário, centravam a construção do verdadeiro
de no significado das palavras e dos textos que permitiam significado da obra de arte literária na intersecção entre
ao leitor descodificá-los, ao mesmo tempo que procurava o leitor e o texto. Por outras palavras, acreditavam que o
decifrar as intenções do autor. Nesta perspectiva, o leitor intérprete traz para o texto as suas próprias pressuposições
definia-se como um participante manipulável cuja função e convicções e como tal a sua mente não age como um
era contribuir para a produção do significado que o autor espelho que reflecte exactamente aquilo que está no texto.

58 59 dos algarves
Página do Português: Algumas notas sobre a importância do leitor do texto literário

Na perspectiva destes teóricos, a compreensão de um texto Assim sendo, a discussão tomou um outro rumo. Uma
implica a fusão entre o horizonte do nosso mundo (ou seja, o direcção que nos faz recordar o que Stanley Fish afirmou
mundo do leitor) e o mundo do texto, não se negando assim na década de oitenta do século XX, ou seja, que a leitura é
o sentido original do texto dentro do seu contexto original, determinada por convenções de interpretação literária defi-
mas acreditando-se que se vai incorporar este sentido origi- nidas dentro de cada «comunidade interpretativa», na qual
nal no contexto do leitor. Segundo as palavras de Rosenblatt, os leitores “concordam” em ler de modo semelhante: «[…]
ler é um processo de interacção que se põe em marcha a there is no single way of reading that is correct or natural,
partir do momento que nos deparamos com um texto: «The only “ways of reading” that are extensions of community
reader brings to the work personality traits, memories of perspectives»(Fish 1980:16). Consequentemente, no início
past events, present needs and preoccupations, a particular do século XXI já não faz sentido continuar a questionar o
mood of the moment, and a particular physical condition. papel do leitor - que se sabe fundamental e inequívoco na
These and many other elements in a never-to-be-duplicated construção do significado do texto literário - e, como tal, a
combination determine his response to the peculiar contri- tendência é para focar e descrever o modo como determi-
bution of the text.»(Rosenblatt [1938]1995:30-31). nados grupos dentro de uma comunidade usam os textos.
Exemplares deste novo rumo tomado pelos descendentes
Nos anos 60 o protagonista é o leitor da reader-response criticism são os estudos sobre as mulhe-
A partir da ideia de que os novos significados resultam res, os queer studies ou outros estudos que se centram em
da fusão criadora ou dialéctica entre o leitor e o texto surge, minorias sociais.
nos Estados Unidos e na Alemanha do final dos anos ses- Sobre a evolução das teorias da recepção do texto
senta do século XX, um conjunto de fundamentos teóricos literário mais haveria a dizer, mas o espaço é de momento
que se afastava tanto do autor como da obra e se dedica à limitado. Assim sendo, optámos por terminar esta «página
compreensão do texto literário a partir do ponto de vista do do português» com a carta d’ «Os Direitos Inalienáveis do
leitor. A esta nova perspectiva teórica atribuiu-se, nos Esta- Leitor» da autoria de Daniel Pennac:
dos Unidos, a designação de reader-response criticism, e na 1. O Direito de Não Ler
Alemanha a de estética da recepção. Na realidade, nenhum 2. O Direito de Saltar Páginas
dos anteriores movimentos de crítica literária reivindicara 3. O Direito de Não Acabar um Livro
este protagonismo para o leitor no acto da leitura e na in- 4. O Direito de Reler
terpretação de textos. Apesar de haver diferenças no modo 5. O Direito de Ler não Importa o Quê
como classificam e descrevem a função do leitor na criação 6. O Direito de Amar os “Heróis” dos Romances
do significado do texto literário, partilham a convicção da 7. O Direito de Ler Não Importa Onde
importância do papel desempenhado por este elemento 8. O Direito de Saltar de Livro para Livro
do trio autor-texto-leitor 3.No entanto, apesar de aspectos 9. O Direito de Ler em Voz Alta
divergentes, quer os teóricos da estética da recepção quer 10. O Direito de Não Falar do Que se Leu
os da reader-response criticism acreditam que qualquer que
seja o texto literário que se está a ler, existe permanente-
mente o convite do próprio texto para construir hipóteses 1 Tal como recorda Jay David Bolter a este propósito: «Printing
sobre o seu significado, para fazer conexões implícitas, para tended to magnify the distance between the author and the reader,
preencher espaços em branco ou para confirmar suspeitas. as the author became a monumental figure, the reader only a visitor
Na terminologia deste vasto grupo de teóricos, cabe ao leitor in the author’s cathedral.»(Bolter 1991:3).
«concretizar» o trabalho literário, uma vez que sem a sua 2 «The design or intention of the author is neither available nor
participação activa e contínua, o texto literário seria apenas desirable as a standard for judging the success of a work of literary
um conjunto de marcas pretas impressas em páginas. Tal art.» (Wimsatt e Beardsley 1954: 194).
como prenunciara, em 1936, Walter Benjamin, o abismo en- 3 «They all have in common the conviction that the audience
tre o autor e o leitor esbate-se e o «leitor está sempre pronto plays a vitally important role in shaping the literary experience and
a tornar-se escritor» ([1936]1992: 97) e em 1994, na criação the desire to help to explain that role. But their interpretations of that
neologística de Landow, surge uma nova figura – o wreader role and their definitions of the literary experience vary […]»(Richter
(Landow 1994:9,14) - a súmula de writer e reader - reveladora 1998:917).
do poder criador do acto de leitura.

As «comunidades interpretativas» do século XXI


Actualmente e, nomeadamente, na área dos estudos cul-
turais, já não se questiona a função do leitor como produtor
de significado, aliás, tal noção já se tornou um lugar-comum.
Referências Bibliográficas

BENJAMIN, Walter [1936](1992), «A obra de arte na era da sua


reprodutibilidade técnica» in Sobre Arte, Técnica, Lingua-
gem e Política. Trad. Maria Luz Moita, Maria Amélia Cruz e
Manuel Alberto, Ed. Relógio d’Água, Lisboa: 70-113.
BOLTER, Jay David (1991), Writing Space: the Computer,
Hypertext, and the History of Writing, L. Erlbaum Associa-
tes, Hillsdale, NJ.
FISH, Stanley (1980), Is There a Text in this Class?, Harvard
University Press, Cambridge.
HARKIN, Patricia e James J. Sosnoski (2003), «Whatever
Happened to Reader-Response Criticism?» in Margue-
rite Helmers (ed.) Reading Pedagogy in College Writing
Classrooms, Lawrence Erlbaum Associates, New Jersey:
101-122.
LANDOW, George (ed.) (1994), Hyper/Text/Theory, John Ho-
pkins University Press, Baltimore.
PENNAC, Daniel (1993), Como um Romance, Edições Asa,
Porto.
RICHARDS, I.A. [1924] (2001), A Practical Criticism: a Study of
Literary Judgement, Routlege, Londres.
RICHTER, David H. (ed.) (1998), The Critical Tradition: Classic
Texts and Contemporary Trends, 2ª ed., Bedford Books,
Boston.
ROSENBLATT, Louise M. [1938] (1995), Literature as Explo-
ration, 2ª ed, The Modern Language Association, Nova
Iorque.
WIMSATT, W.K e Monroe Beardsley (1954), «The Intentional
Fallacy» in The Verbal Icon: Studies in the Meaning of
Poetry, University of Kentucky Press, Lexington.

60 61 dos algarves
Rotas do sul
Natureza e cultura no coração
do Barrocal

José António Santos - ESGHT


Margarida Custódio Santos - ESGHT

Para os amantes da natureza e apreciadores das paisa- cada vez mais variada e condizia com o que tínhamos lido
gens culturais do barrocal algarvio, o percurso da Rocha da antes, ou seja, que existem nesta zona algumas centenas
Pena oferece um passeio inesquecível. Esta é a conclusão de espécies de plantas, algumas de rara beleza, como as
a que chegámos depois de realizarmos o percurso na sua orquídeas selvagens.
totalidade. Contudo este nosso passeio começou mal. Ao A fauna é igualmente diversificada e destaca-se a pre-
chegarmos ao início do trilho, que se situa no sítio da Rocha sença de aves de rapina, nomeadamente, a águia de Bonelli
da Pena, estacionámos a viatura junto à Fonte dos Amoa- e a águia de asa redonda. Com alguma sorte é possível
dos [sic]. Nesse preciso momento, ao avistar um café com avistar algumas destas aves em voo planado à procura das
esplanada e um grande anúncio da Olá, o Diogo lembrou- suas presas habituais e ainda pequenos mamíferos como a
se que estava com sede e que naquele dia lhe tínhamos gineta, o saca-rabos, os coelhos e os ouriços. Ao longo do
prometido comprar um gelado. Só então verificámos que nosso percurso tivemos a companhia de alguns coelhos e
apenas dispúnhamos de alguns cartões, ou seja, de dinheiro detectámos vestígios de javalis.
de plástico, o que, naquele local, não nos servia de muito. Sem darmos por isso tínhamos atingido o planalto e
Para cúmulo, achámos que todos tínhamos sede e que a seguimos pela direita em direcção a uma escarpa para
culpa do esquecimento era do outro. Desta forma, iniciámos desfrutar da paisagem deslumbrante. Algumas centenas
o percurso amuados, o que, de certa forma condizia com o de metros mais abaixo, estendia-se um vale verdejante e à
nome da fonte. nossa frente o barrocal algarvio a perder de vista até ao mar.
À nossa frente apresentava-se um caminho serpenteado Aqui e ali, no meio do verde, destacava-se, ao longe, alguma
e os penhascos escarpados na vertical, com cinquenta me- aldeia branca. Este é, sem dúvida, um dos cenários paisagís-
tros de altura, tinham o aspecto de uma muralha inacessível. ticos mais deslumbrantes de todo o Algarve.
Surpreendentemente o trilho não era tão exigente como Dali seguimos o trilho do planalto em direcção a norte
parecia inicialmente e a beleza da paisagem tornava-se de onde, algumas centenas de metros mais adiante, se abria
tal forma envolvente que, progressivamente, fomos esque- uma nova escarpa e se avistava o lado norte com a paisa-
cendo a sede e ganhando boa disposição. A flora tornava-se gem típica da serra. Regressámos pelo mesmo caminho e
loulé
Albufeira

faro

continuámos em direcção a oeste pelo trilho ao longo do regadio com o sequeiro numa difícil mas harmoniosa ligação
planalto de 2 km a uma altitude de cerca de 450 metros. entre o Homem e a Natureza. Assim foi, assim é, oxalá assim
A próxima surpresa surgiu na forma de dois amuralhados de continue a ser no futuro.
pedra, que a literatura por nós consultada diz terem sido edi- E assim regressámos ao ponto de partida, à outra fonte,
ficados na Idade do Ferro e que terão sido utilizados como com uma disposição bem diferente daquela com que
estratégia de defesa. Assim sendo, à incrível beleza natural e tínhamos iniciado o percurso. E, sobretudo, com a agradável
paisagística do local juntam-se estes vestígios culturais, úni- sensação de termos partilhado momentos singulares que só
cos na região do Algarve. Logo mais adiante, pode ver-se a a magia de um local muito especial pode proporcionar. Esse
entrada da gruta que é conhecida como o Algar dos Mouros, local é único e chama-se Rocha da Pena.
pois pensa-se que terá sido aí que estes se terão refugiado Notas finais: Crianças com mais de seis anos poderão
aquando da reconquista de Salir por D. Paio Peres Correia. fazer este percurso, desde que acompanhadas. Por exemplo
No regresso, que se faz pela parte oeste da Rocha da o Diogo tem sete anos e não teve qualquer dificuldade, para
Penha, passámos por uma bonita aldeia, chamada Penina além da sede. Para este trilho de cerca de 5 km aconselha-
e situada num vale, onde nos aguardava a surpresa mais se calçado adequado, binóculos e máquina fotográfica. E,
agradável de todo o percurso: a fonte pública, com uma claro, alguns trocos para um gelado ou, pelo menos, uma
água fresca, pura, saborosa e reconfortante. Possivelmente garrafa de água.
água canalizada da rede, mas não importa. Depois de uma
caminhada de três horas, iniciada com sede, pareceu-nos
deveras excelente.
À saída da aldeia encontrámos uma nora antiga, vestígio
de um passado que, tal como o presente, foi marcado por
uma agricultura de subsistência, onde coexiste o pequeno

62 63 dos algarves
Formato das Colaborações:

1. Os artigos não devem ultrapassar as 12 páginas, com


espaçamento simples, sem recuo de parágrafo e alinhado à
esquerda, sem duplo entrelinhamento entre parágrafos.
2. Os textos são redigidos em Times New Roman 12.
3. As 12 páginas incluem resumo, texto, notas, tabelas, gráfi-
cos, figuras e bibliografia.
4. As tabelas, gráficos e figuras são sempre apresentadas a
preto e branco.
5. Na primeira página do artigo deve constar, pela seguinte
ordem: título do artigo, nome do(s) autor(es) e resumo.
6. O título do artigo não pode ultrapassar as 5 palavras.
7. O resumo não pode ultrapassar as cem palavras.
8. As referências bibliográficas devem ser apresentadas de
acordo com o sistema AUTOR-DATA: (Eco, 2001: 10).
9. As notas bibliográficas seguem o mesmo sistema para
livros: ECO, Umberto (2001), Sobre a Literatura, Difel,
Lisboa; e para artigos: AYVERT, W. (1975), «Eurogroups,
clientela and the E.C.», in International Organizations,
vol.29, n.º 4: 949-971.
10. As citações são apresentadas entre aspas duplas «...».
11. As citações com 5 linhas ou mais devem ser apresenta-
das num parágrafo separado do texto por linha dupla, tanto
do texto imediatamente anterior, como do texto subsequen-
te, e não devem ser limitadas por aspas.
12. As notas são de fim de documento e não de fim de pági-
na, e são precedidas de numeração romana.
12. Os artigos podem ser escritos nas seguintes línguas:
português, espanhol, francês e inglês.

As propostas de publicação devem fazer-se acompanhar dos


seguintes elementos:
I. Nome, contacto telefónico, endereço electrónico e nome
da instituição onde trabalha.
II. As propostas devem ser submetidas em papel e disquete
ou em papel e correio electrónico devidamente identificadas
para os seguintes endereços:
fperdig@ualg.pt
rbaleiro@ualg.pt

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