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Diagnóstico e tratamento da

neurossífilis
Cláudia Silva, Dilemas no Diagnóstico
e Tratamento da Neurossífilis: sete
questões, sete discussões. Revista
Portuguesa de Doenças Infecciosas
2011;7(3):103-11

17 de Abril de 2012

Sessão Clínica do Serviço de Medicina


Centro Hospitalar do Barlavento
Algarvio

Francisco Vilaça Lopes


Interno do Ano Comum

http://ilovebacteria.com/treponema.htm
A Sífilis

Doença infecciosa
sistémica, crónica,
causada pelo Treponema
pallidum sp. pallidum.

Períodos de actividade
e de latência

Transmissão:
− Sexual
− Vertical
− Transfusional /
Transplante
− Punção com instrumentos
contaminados
http://ilovebacteria.com/treponema.htm
 Notifications of infectious syphilis in selected EU countries and Norway.

Fenton K A , Lowndes C M Sex Transm Infect 2004;80:255-263

©2004 by BMJ Publishing Group Ltd


Sífilis: Classificação

Congénita

Adquirida
− Recente

Se infecção há menos de 1 (European
Centers for Disease Control and
Prevention) ou
2 anos (Organização Mundial de Saúde)

formas 1.ária, 2.ária, e latente precoce
− Tardia

Se infecção há mais de 1 ou 2 anos

formas latente tardia e 3.ária
História Natural

Incubação de 14-
21 dias (3-90)

Sífilis Primária /
Cancro Duro
– Lesão
mucocutânea
genito-anal ou
oral, indolor
– Linfadenopatia
regional

http://reocities.com/Athens/Atlantis/1248/mdst.htm
Sífilis
Secundária


2-8 semanas após o
aparecimento
do cancro duro.

Eritema maculo-
-papular polimórfico,
não vesicular, com
atingimento palmo-
plantar, documentado
em 50-80% dos
doentes.

Fotografia gentilmente cedido pela Dr.ª Domitília, S. Medicina-CHBA


Fotografia gentilmente
cedido pela Dr.ª Domitília, S.
Medicina-CHBA
Fotografia gentilmente cedido pela Dr.ª Domitília, S. Medicina-CHBA
Sífilis Secundária

Lesões cutâneas necróticas (lues maligna)

Condylomata lata em regiões intertriginosas

Linfadenopatia generalizada

Sintomas constitucionais:
– Odinofagia, febre, perda ponderal, mal-
estar, anorexia, cefaleia, meningismo

Meningite aguda

Glomerulonefrite mediada por IC's

Hepatite, gastrite, proctite, artrite, periostite...
Sífilis Latente

Doente assintomático (não-tratado)

Testes serológicos +vos

LCR normal

Espiroquetémias transitórias
Sífilis Terciária
Lesões progressivas:

– Gumma: lesões
granulomatosas
mucocutâneas,
esqueléticas e
parenquimatosas
– Cardiovasculares: aortite,
aneurisma aórtico, insuf. http://www.dailymail.co.uk/sciencetech/articl
e-1323533/Christopher-Columbus-cleared-
importing-syphilis-Americas-Europe.html

aórtica, calcif. aorta asc.


– Neurosífilis tardia:
tabes dorsalis,
paresis sifilítica
Neurosífilis
 Neurotropismo do Treponema
– Lipoproteínas semelhantes às Vsp-OspC da
Borrelia
 Nas fases 1ária e 2ária ocorre espiroquetémia
importante, com invasão inicial do SNC em 40%
dos doentes, habitualmente com resolução
espontânea
– Neurosífilis precoce (meningite sifilítica de
resolução espontânea)
– 1/3 evolui para Neurosífilis tardia (sífilis
terciária com alterações meningo-vasculares e
parenquimatosas)
Neurosífilis
 Meningite sifilítica
– Cefaleia, náusea, vómitos, rigidez
cervical, envolv. pares craneanos,
convulsões, alt. estado de consciência
– Uveíte, irite, hipoacúsia
 Sífilis Meningo-vascular:
– Pródromo encefalítico – cefaleia,
vertigens, insónia, e alt. psicol.
– AVC (ACM; adulto jovem)
Neurosífilis
Paresis sifilítica:
– Alt. da Personalidade
– Alt. dos Afectos
– Reflexos hiperactivos
– (Eye) Pupilas de Argyll-Robertson
– Sensorium (ilusões, halucinações,
delírios)
– Declínio Cognitivo e Intelectual
– (Speech) Alt. do Discurso
Neurosífilis
Tabes dorsalis
– Desmielinização dos cordões post. da medula,
raízes dorsais e gânglios dos nn. Raq.
– Perda da sens. posicional e termo-álgica
– Marcha atáxica, de base alargada e pé
pendente
– Parestesias
– Alt. da micção
– Impotência sexual
– Arreflexia
Atrofia do n. óptico
No doente com VIH
Maior frequência de meningite sifilítica aguda
nos estados iniciais
Incidência aumentada de doença ocular
Progressão mais precoce para fase 3ária
>50% têm neurosífilis no 1º ano após a infecção
Fact.s preditivos de evolução para neurosífilis:
• sexo masculino
• Linfocitos TCD4+ < 350 céls/μL aqd. do dx.
• RPR ou VDRL ≥ 1:32
Infecção por T.p. assoc. a aum. da carga vírica
TARVc reduz risco de progressão para neurosíf.
Testes Laboratoriais
Inoculação em ratos
Microscopia de campo-escuro
Imunofluorescência,
imunohistoquímica,
colorações com prata
Testes serológicos
– Não-treponémicos e
Treponémicos
Biologia molecular

Ilustração Portugueza, No. 685, Abril 7 1919 - 26


http://revistaantigaportuguesa.blogspot.pt/2010/10/ilustracao-
portugueza-no-685-abril-7_19.html
Títulos baixos e
não persistentes
Testes serológicos Falsos +vos:

Testes não-treponémicos - infecções por outras


espiroquetas
– RPR Rapid Plasma Reagin - d. auto-imunes
– VDRL Venereal Disease Research Laboratory - hipergamaglobulinémia
– IgG e IgM contra complexos antigénicos policlonal (infecção VIH)
cardiolipina-lecitina-colesterol - idade avançada
– Pico durante Fase 2ária e diminuem - gravidez
gradualmente
• podendo negativar em 20-25% dos Falsos - vos:
doentes c/ síf. lat. tardia não-tratada
- fenómeno
– Títulos ≥ 1:32 → doença activa prozona

– < 1:32 não exclui infecção activa - sífilis tardia

– podem persistir indefinidamente ≤ 1:8 -infecção VIH

– Teste n.-t. repetidamente –vo exclui neurosífilis


Testes serológicos
Testes treponémicos Falsos +vos:

- d. auto-imunes
– TPHA T. pallidum Haemagglutination Assay
- gravidez
– FTA-abs Fluorescent Treponemal Antibody
absorption - infecção VIH

– EIA Enzyme Immunoassy - subst. ilícitas e.v.

• detecta IgG e IgM totais anti-Treponema


• automático
• igualmente sensível e mais específico
que o TPHA e o FTA-abs Falsos - vos:

- período janela
– Persistem +vos durante toda a vida (2-4 semanas)
– Nos doentes com VIH, os títulos
descem mais lentamente
Rastreio da Sífilis
International Union against Sexually Transmitted
Diseases (IUSTI 2008)
Em países de baixa prevalência:
– Teste treponémico inicial (EIA ou TPHA)
• Se +vo:
– Outro teste treponémico, seguido da
– Determinação do título de teste não-
treponémico na mesma amostra.
Punção Lombar
Indicada na presença de manifestações clínicas de
envolvimento neurológico:
– Disfunção de pares craneanos
Independentemente
– Meningite aguda ou crónica do título sérico de
RPR / VDRL
– Enfarte
– Pert. do comportamento de instalação aguda ou
crónica
– Disfunção cognitiva
– Alteração da sensibilidade vibratória
Ou oftalmológico:
– Irite, uveite, retinite, nevrite óptica
Ou na presença de doença 3ária noutras localizações
(aortite; gomas)
Punção Lombar (2)
Sempre que o título RPR/VDRL seja ≥ 1:32
(pela maior associação com doença no SNC)
PL nos estadios iniciais, antes do tratamento
– Se alterações do LCR:
• Repetição aos 6 meses e comparar
PL 6 meses depois da txa dos estádios iniciais
No doente com VIH:
– PL em todas as sífilis latentes ou de duração
indeterminada ?
Fxs associados à progressão no SNC:
– RPR/VDRL ≥ 1:32; TCD4+ < 350 céls/μL
Critérios diagnósticos de
Neurosífilis
LCR
– Contagem diferencial de células
– Testes treponémicos e não-treponémicos
– Albumina e Imunoglobulinas
– Não traumática
Critérios diagnósticos de
Neurosífilis
Testes não-treponémicos no LCR
– RPR idêntico ao VDRL
– Não há correlação entre o título sérico e no LCR
– Especificidade próxima de 100%
– +vos fazem o diagnóstico
– Sensibilidade 30-75%
– Se -vos:
• Testes treponémicos
• Estudo citoquímico
• Produção intratecal de imunoglobulinas
Critérios diagnósticos de
Neurosífilis
Testes treponémicos no LCR
– Alta sensibilidade
– TPHA > 1:320 muito sugestivo do dx
Citoquímica do LCR
– Pleocitose à custa de céls. mononucleadas
• Leucocitose 10-100 céls/μL (pred. Linfocitos)
– Hiperproteinorraquia 50-100 mg/dL
– Lig. dim. glicose
– Mais aum. nas meningite e meningovasculite sifilíticas
– Normais na neurosífilis tardia sequelar, com
predomínio de ating. parenquimatoso (tabes dorsalis)
Critérios diagnósticos de
Neurosífilis
Citoquímica do LCR (cont.)
– VIH per se pode causar pleocitose e hiperproteinorraquia
• ≥20 céls/μL e ≥50mg/dL → infecção treponémica
– Avaliação qualitativa das proteínas:
• 50-100% dos d. há síntese intratecal de Acs (IgG)
• Após exclusão de alterações da BHE (quociente alb.)
• Índices de:
– IgG
– IgM
– ITPA (Intrathecal T. pallidum Antibody Index)
– TPHA
Sensibilidade
& especificidade
98-100%

Pode ser usado


como critério dx
isolado
Sensibilidade
& especificidade
98-100%

Pode ser usado


como critério dx
isolado
Métodos não convencionais?
Experimentais
Quando a suspeita é forte e os outros méts. são -vos
Polymerase Chain Reaction
– “Raspados” da lesão 1ária
– Aplicação no LCR?
– Não distingue organismos viáveis de não viáveis
– No doente com VIH: +vo → é razoável tratar
– Mantem-se +vo durante anos
• Não deve ser usada no controlo póst-tratamento
Métodos não convencionais?
Proteína tau τ
– Marcador de degeneração neuronal / dano axonal
– >300 pg/mL sensibilidade 83% & especificidade 94%
– Falsos +vos:
• Doença de Alzheimer > 300 pg/mL
• AVC agudo
• Encefalite e doença de Creutzfeldt-Jakob
Tratamento da Neurosífilis
Penicilina G benzatínica não atinge concentrações
treponemicidas no SNC
1ª Linha:
– Penicilina G aquosa cristalina,18-24 MU/dia; 3-4 MU de
4/4h ou infusão contínua, IV; 10-14 dias
– penicilina G aquosa cristalina, 12-24 MU/dia; 3-4 MU de
4/4h, IV; 18-21 dias
– penicilina G procaínica, 1,2-2,4 MU/dia, intramuscular
assoc. a probenecid 500 mg de 6/6h, via oral;10-17 dias
• No entanto, a interacção entre probenecid e penicilina,
pode resultar na acumulação de penicilina no
parênquima cerebral.
Tratamento da Neurosífilis
Esquema alternativo:
– Ceftriaxona, 2g /dia, IV/IM, durante 10-14 dias
• Mais falências em casos VIH
Esquema em doentes alérgicos à penicilina/β-lactâmicos
– Doxicilina, 200mg de 12/12H PO, durante 28 dias
– Dessensibilização à penicilina
Esquema em grávidas:
– Benzilpenicilina
– Alergia: dessensibilização em internamento
Tratamento da Neurosífilis
Reacções adversas ao tto com penicilina:
– Reacção de Jarisch-Herxheimer
• Quadro febril agudo, com cefaleia, mialgia e calafrio,
entre 2 a 24h após início de terapêutica
• + freq. na síf. precoce e em VIHs
• + grave no envolvimento neuro/oftalmológico e na
gravidez
– Reacção procaínica
• Mania ou psicose com halucinações
• na sequência de penicilina procaínica e.v.
• duração inferior a 20 minutos
– Choque anafilático
Seguimento após o
Tratamento da Neurosífilis
 Estudo periódico do LCR
– Normalização dos parâmetros ao fim de 2 anos
– Reversão da pleocitose no LCR
– Reversão da hiperproteinorraquia
• Mais lenta e por vezes incompleta
– Periodicidade?
• 6/6 meses até desaparecimento da pleocitose
• 1 a 2 anos depois do tratamento
 Estudo periódico do título sérico do teste não-treponémico
– Estádios precoces: após 3, 6 e 12 meses
– Estádios tardios: após 6, 12 e 24 meses
– VIH+vo: intervalos mais curtos e avaliação mais prolongada
Falência do Tratamento
15-20% dos doentes
Mas
• Na neurosífilis tardia com
título de RPR/VDRL sérico
baixo, não há
seroconversão
VIH:
– 30%
– Normalização do VDRL no
LCR está comprometida
• TCD4 ≤ 200/μL Ilustração Portugueza, No. 484, 31 Maio 1915 – contra-capa
http://revistaantigaportuguesa.blogspot.pt/2010/06/ilustracao
-portugueza-no-484-maio-31_4022.html
• Não-TARVc
Conclusões
A decisão de realizar PL baseia-se na presença de factores
associados a maior probabilidade de invasão e progressão
da doença no SNC
A educação para os comportamentos
sexuais de risco continua
infrutífera à escala global,
como demonstra o aumento
da incidência da infecção
por VIH, na última década.
Necessários mais
estudos sobre a neurosífilis,
especialmente em doentes
com VIH.
http://in2eastafrica.net/hiv-prevention-efforts-need-more-diligence/
Bibliografia
Cláudia Silva, Dilemas no Diagnóstico e Tratamento da Neurossífilis: sete questões, sete
discussões. Revista Portuguesa de Doenças Infecciosas 2011;7(3):103-11.

Recent trends in the epidemiology of sexually transmitted infections in the European Union. K A
Fenton, C M Lowndes, the European Surveillance of Sexually Transmitted Infections (ESSTI)
Network. Sex Transm Infect 2004;80:255–263. doi: 10.1136/sti.2004.009415

Chapter 169. Syphilis, in Harrison's Principles of Internal Medicine, 18th ed., McGraw-Hill 2012

http://ocaocomeuolivro.blogspot.pt/2008/08/assalto-biblioteca.html

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