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Os Sábios
do Talmud

Ben Azai
Dois aforismos do mestre Ben Azai

Mishnaiot 4:3 e 4:3 do Pikê Avót


A Ética do Sinai, Irving M. Bunim
Editora Sêfer
BEN AZAI
Shimon ben Azai foi colega de Ben Zomá e, como ele,
ocupou lugar na categoria de discípulos notáveis, com um
nível equivalente aos mestres mais velhos - “Um aluno que
tinha o direito de julgar de maneira independente em as-
suntos de matéria religiosa.” Os sábios que o conheceram
pareciam venerá-lo, antes de mais nada, pela sua chassidut,
sua piedade e bondade. Por isto ensinavam: ‘Quem vir Ben
Azai em sonho pode esperar obter a nobreza de sua chassi-
dut.” Hilel ensinou o preceito bíblico de “Amar a teu pró-
ximo como a ti mesmo” (Levítico 19:18) como o manda-
mento central da Torá Escrita, um ponto do qual o Rabi
Akiva fez eco. Contudo, Ben Azai ensinou que um princí-
pio ainda mais grandioso da relação entre os seres humanos
é: “Este é o livro das gerações de Adão. No dia em que Deus
criou o homem, à semelhança de Deus o fez” (Gênesis 5:1).
Como consequência, o objetivo fundamental da Torá é en-
sinar-nos a tratar os seres humanos com o mesmo respeito e
consideração que devemos à Divindade.
Tão forte era a sua sede pelo estudo da Torá, que não
encontrou tempo para casar-se, e assim deixou para os de-
mais o cumprimento do primeiro mandamento da Torá,
que assegura a continuidade da população no mundo. Di-
zem nossos sábios: “Ao morrer Ben Azai, a ânsia (pelo estu-
do da Torá) deixou de existir.”
Ben Azai dizia:
Apressa-te a cumprir tanto um preceito fácil
como um difícil,
e foge da transgressão,
pois uma boa ação atrai outra boa ação
e uma transgressão atrai outra transgressão;
a recompensa de uma boa ação está na boa ação
e a consequência de uma transgressão
é outra transgressão.
A verdadeira força, diz Ben Zomá na primeira Mishná do capí-
tulo 4, reside em sobrepujar suas próprias más inclinações. Ben Azai
(cujo nome hebraico pode derivar da palavra que significa força)
desenvolve este tema, indicando como vencer o ietser hará.
O ietser não é somente uma inclinação. Ele pode ser tentador
e persuasivo. Pois, quando você deseja cumprir uma mitsvá, quem
o impede senão a má inclinação, dizendo: “Não vá, está choven-
do; você está cansado após um longo dia de trabalho. Não visite os
doentes; eles preferem ficar sozinhos” e assim por diante. Quando
uma mitsvá acena, o ietser hará coloca diante de você um obstácu-
lo, algo que o detém. Quando se trata de uma oportunidade para
transgredir ou pecar, contudo, a má inclinação se põe atrás de você,
empurrando, por assim dizer, incitando-o com persuasão e ímpeto a
agir. É por isto que, em nossa oração noturna, dizemos: “Remove o
Satã da nossa frente e das nossas costas.”
Ben Azai aconselha que, quando tiver oportunidade de fazer
uma mitsvá, preste atenção: se proceder de modo letárgico, como
num passeio, nunca vencerá o ietser hará à sua frente. Corra até a
mitsvá! Junte entusiasmo e velocidade e arremeta contra o obstáculo;
salte sobre a barreira criada pelo mal. Por outro lado, se uma oportu-
nidade de pecar parecer convidativa, fuja; pois, permanecendo imó-
vel ou hesitante, o ietser hará irá atirá-lo aos braços da iniquidade.
Mantendo a iniciativa, você poderá ter o controle. Seja decidido:
corra para a mitsvá e fuja da averá.
Na formação do caráter americano existe um conceito: “sempre
encare os problemas e as dificuldades”; fugir é deplorável e covarde.
Deixemos bem claro que fugir do pecado não é anti-heróico.
A vitória sobre o ietser hará é frequentemente obtida não por um
choque frontal, mas flanqueando-o. Em assuntos espirituais, é um
desatino exercitar nossos músculos psíquicos desnecessariamente e
pôr à prova a nossa moral. O rei David certa vez estava tão confiante
que pediu ao Todo-Poderoso: “Testa-me, ó Eterno, e tenta-me.”25
Sua prece foi atendida e ele foi reprovado no teste.26 O verdadeiro
herói espiritual não tem medo de fugir do pecado, combatendo só
onde e quando necessário.
Há algo mais a ser aprendido do nosso texto em hebraico. O
verbo borêach (fugir) também significa um lugar de refúgio. O en-
sinamento de Ben Azai sugere que não basta fugir apavorada, cega
e desgovernadamente do pecado, mas que deve haver uma meta,
um lugar seguro, um refúgio, para onde fugir da averá. O Talmud
diz: “Quando você encontrar a má inclinação, arraste-a até a casa
de estudo.”27 A Torá é o antídoto mais eficaz contra o chamado do
ietser hará: ela neutraliza a tentação maligna e a torna inofensiva.
Fuja, então, em direção à casa da Torá, à sinagoga, ao seu ambiente
reverenciado. Quando a tentação encontra a Torá, ela é obrigada a ir
embora. Pois, como diz o Talmud, em seguida: “se ela for pedra, será
dissolvida; se for ferro, será despedaçado.”27
Pode parecer estranho que a Mishná não trate das grandes vir-
tudes ou ideais, tais como dedicação ao estudo da Torá ou participa-
ção na vida da sinagoga. Ela trata de “uma mitsvá”, um pequeno ato
específico de bondade, ou de “uma averá”, um ato de maldade em
particular – coisas aparentemente pequenas.
Será, então, a mitsvá individual a nossa principal preocupação?
De fato, é. Há um ditado: “Uma jornada de mil quilômetros
começa com o primeiro passo.”28 Podemos meditar sobre nossos
modelos de vida passada e futura por um mês, um ano, uma déca-
da – até mesmo a vida inteira. Contudo, a vida tem de começar por
algum lugar – por um ato, o primeiro de uma série. Este ato pode ser
uma mitsvá ou uma averá, a partir de onde uma reação em cadeia,
de consequências irrevogáveis, evoluirá. Os sábios do Talmud já di-
ziam: “No início, a má inclinação é como a teia de uma aranha, mas
termina como a corda de uma carroça.”29 Um ato pequeno como um
filete pode tornar-se uma corda robusta.
Tenha cuidado na escolha de sua pequena ação, suplica Ben
Azai. Seja ela uma mitsvá ou uma transgressão, induzirá a outras
ações que, com ou sem o seu conhecimento, fabricarão a corda que
poderá arrastá-lo ao céu ou ao inferno.
Uma mitsvá conduz a outra; um ato tolo traz outro em seu
bojo. Escolha cuidadosamente seus “pequenos atos”, pois eles for-
mam as cordas que manipulam sua vida.
Mas estará Ben Azai dizendo que devemos viver à mercê da
vida, reagindo às oportunidades que aparecem, como um jogador
de baseball esperando passivamente o arremesso, ou um rapaz con-
tratado que põe a cabeça no painel, para servir de alvo de arremesso?
O rei David disse ao seu Criador: “No caminho de Teus man-
damentos, eu correrei.”30 As oportunidades de cumprir mitsvót não
surgem por acaso; não podem ser encontradas em toda parte com
a mesma facilidade. Existem certos caminhos da vida pelos quais
elas aparecem com facilidade. Em certas áreas da vida, as mitsvót
“crescem” pronta e profusamente; para onde você for, existe uma
nova mitsvá esperando por você. Já outros caminhos revelam novas
transgressões e males, cada uma pior e mais vil do que a outra. Da-
vid sabia a resposta e seria bom aprender com ele: correr somente
na direção das mitsvót, para as direções da vida em que as mitsvót
existam em abundância.
Lembre-se de que, pelo simples fato de correr para cumprir
uma mitsvá, já sobra mais tempo para fazer outras boas ações. E a
recíproca é igualmente válida. Se você perder um trem, terá de es-
perar por outro, talvez até o dia seguinte. Assim, um minuto pode
causar uma perda de 1.440 minutos. Assim como você correria para
alcançar o trem, apresse-se em direção aos bons atos, com amor,
devoção e entusiasmo.
Acima de tudo, não protele. Existe um versículo na Escritura:
“É tempo de cumprir os mandamentos do Eterno, senão eles anula-
rão Sua Torá.”31 Há pessoas que insistem que “há muito tempo para
fazer esta mitsvá; não é preciso se apressar; iremos fazê-la depois” ou
“seremos religiosos quando nos aposentarmos”. Aqueles que dizem
“há tempo para fazer o que nos ordena o Eterno” – estes estão anu-
lando a Torá.
A Mishná, assim como a Escritura, é tradicionalmente escri-
ta sem uma pontuação que determine as pausas na frase. Portanto,
nosso texto pode ser reescrito assim:
Heve rats lemitsvá calá uvorêach min haverá shemitsvá goreret.
“Corra para cumprir uma mitsvá menor e fuja da transgressão
que a mitsvá traz em seu bojo.”
Este é um pensamento intrigante, mas digno de ponderação.
As mitsvót e as transgressões nem sempre estão separadas por com-
partimentos estanques. “O caminho para o inferno está pavimenta-
do de boas intenções.” Ben Azai nos alerta a fugir da transgressão,
ainda que essa se insinue mascarando-se de bondade e piedade, por-
que a mitsvá proveniente de uma averá não tem valor algum, como
o Talmud nos indica com clareza.32
O Rúach Chayim assinala, com perspicácia, que a palavra mi-
tsvá, aqui, não é usada no sentido vago, mas como um termo exato.
A motivação é inerente à palavra. Por associação e pelo uso, “mitsvá”
passou a significar boa ação, um ato elogiável. Mas no sentido es-
trito, derivado do verbo vu, ela significa mandamento, algo que o
Criador nos solicita a fazer. Para “hábitos e cerimônias”, “usos e cos-
tumes”, não há porque correr. Mas em se tratando de uma mitsvá, o
que poderia ter maior valor e benefício do que correr para cumprir
o desejo Divino, com cada fibra de nosso ser?

A recompensa de uma boa ação (mitsvá) é outra boa ação


e a de uma transgressão (averá) é outra transgressão.

Qual é o valor intrínseco do cumprimento de um decreto Di-


vino? Qual é seu benefício final e duradouro? Exatamente este: a mi-
tsvá, a virtude é, ao mesmo tempo, sua própria recompensa. Existe
uma gratificação nítida, uma satisfação intrínseca ao saber que cum-
priu com seu dever, obedeceu a seu Criador e atuou corretamente.
E a recíproca também é válida. O que vem depois do pecado, como
recompensa por um ato indecente? Culpa e remorso são as conse-
quências inevitáveis; a própria consciência de ter feito a transgressão
é o seu castigo.
Para muitas mitsvót, dizem os sábios, há dois níveis de recom-
pensa: os “dividendos” resultantes, que são consumidos neste mun-
do; e o “capital principal” fica depositado para o ser humano como
sua recompensa no mundo vindouro.33 Do modo com o Rambam
(Maimônides)34 as entendeu, recompensa e punição não são pro-
cedimentos extrínsecos aplicados àqueles com superávit de méritos
ou pecados, e sim consequências naturais do que fazemos. Ou seja,
talvez não exista nenhum anjo esperando com pirulitos, se nossas
boas ações pesarem mais que as más, e tampouco algum com chi-
cotes flamejantes, se a balança pender para o lado oposto. O que
realmente ocorre é que cada ato seu deixa um efeito residual e dura-
douro em nossa alma e psique; cada um de nossos atos incrementa
ou destrói, dentro de nós, o potencial de atingir a imortalidade e a
nossa capacidade de compartilhar o mundo vindouro. Dentro de
nós encontra-se o nosso próprio potencial de recompensa e castigo,
como consequências naturais, em potencial, de nossos atos bons e
maus. A verdadeira recompensa de uma mitsvá encontra-se na pró-
pria mitsvá.
As palavras hebraicas ainda permitem outra interpretação: “O
preço ou o custo de uma mitsvá é em si mesmo uma mitsvá.” O
alto preço que você paga a cada ano por um etrog (sidra) em Sucót
também é considerado parte de sua boa ação. Se, porém, você for
tolo ou iludível a ponto de cometer um pecado que lhe custe tem-
po, dinheiro e energia, será responsável tanto pelo ato pecaminoso
como pelo desperdício destes preciosos recursos. Gastá-los em vão
também é um pecado.
Outro ponto admirável: geralmente obtemos certos prazeres
e satisfações de cada ato que escolhemos fazer. Se você desfruta de
paz e tranquilidade ao observar o Shabat como um dia santificado
de descanso, o deleite espiritual que sente é, por si, uma mitsvá, algo
bom aprovado pelo céu. Mas se obtiver prazer de um ato pecamino-
so, isto é, por si, uma perversidade adicional. Quando você difama
alguém e, com cada nova “revelação” caluniosa, há um brilho no
olhar, alegria no coração, uma sensação de “triunfo” na maledicência
compartilhada – tal regozijo é um pecado vil e repulsivo ante o Céu,
pois este prazer é fundamental para possibilitar a maldade.
Mas talvez o significado fundamental do nosso texto seja aque-
le sugerido pelo Rambam35: Faça uma mitsvá e o Céu o ajudará,
através de meios que você nem pode imaginar, a fazer mais; cometa
uma transgressão e porá em marcha poderes que irão “pavimentar a
estrada” para que você cometa atos ainda piores.
Notas

25. Salmos 26:2.


26. Vide T. B. San’hedrin 107a e Midrash Tehilím 26, 3 (ed. Buber, e notas 8 e
9, lá), depois disto ocorreu o incidente com Betsabá.
27. T. B. Sucá 52b, Kidushin 30a.
28. Outras versões: o começo é metade de tudo (Platão, Aristóteles, et al.); A
distância é nada; é somente o primeiro passo que custa (Mme. du Defand, Let-
ter to d’Alembert, 7 de julho de 1763).
29. T. B. Sucá 52a.
30. Salmos 119:32.
31. Salmos 119:126.
32. T. B. Sucá 30a.
33. Mishná peá i 1
34. Vide, por exemplo, Iad haChazacá, Hilchot Teshuva, 8-9; Comentário à
Mishná, San’hedrin 10, introdução.
35. Comentário à Mishná, loc. cit
Ben Azai dizia:
Não desprezes homem nenhum e não desdenhes
coisa alguma, pois não há homem que não tenha
a sua hora, nem coisa que não tenha o seu lugar.
Esta Mishná prossegue com os ensinamentos de Ben Azai;
e estas palavras também podem ser entendidas como uma con-
tinuação e desenvolvimento das frases de Ben Zomá no começo
deste capítulo.
“Quem é honrado?” – pergunta Ben Zomá, e responde:
“Aquele que honra seus semelhantes”. Quão cuidadosos devermos
ser então para não ofender ou desprezar ninguém! Assim como para
sermos ricos devemos contentar-nos com a parte que nos toca, é
necessário que percebamos que nada neste mundo é desprovido de
valor e significado.
Mas se refletirmos acerca de nosso texto, surge uma pergunta:
Como observar o preceito “Não desprezes homem nenhum” se, às
vezes, encontramos pessoas que aparentemente não tem mérito ne-
nhum? A reposta pode provir de nossos sábios: eles possuem uma
fé inabalável, um otimismo à toda prova acerca do potencial futuro
do ser humano, pois sabem que uma pessoa tem, durante toda a sua
vida, capacidade de adaptação e liberdade. Nossos sábios não predi-
cavam esta fé por meio de sermões; eles a concretizaram no Talmud:
se um homem contrai núpcias com uma mulher com as palavras
“Eis que me és consagradas com a condição de que eu seja uma
pessoa totalmente virtuosa”, os sábios estabelecem que o casamento
deve ser considerado válido mesmo que o indivíduo seja um canalha
consumado, pois não importa quão mau tenha sido até aquele mo-
mento, é perfeitamente possível que ele sofra uma mudança repenti-
na, de modo que, ao contrair matrimônio, já seja alguém totalmente
virtuoso.36
Portanto, diz Ben Azai, “Não desprezes homem nenhum”, seja
o que for que conheças sobre seu passado, “pois não há homem
que não tenha a sua hora”. Não existe ninguém no mundo que não
tenha seu momento de arrependimento, sua ocasião de anseio por
fazer o bem. O caminho para o futuro está aberto para nós.
As palavras de Ben Azai são precisas e claramente definidas:
não podemos excluir nenhuma destas considerações de cortesia e
estima devidas ao ser humano, nem para com o mais flagrante viola-
dor dos preceitos mais sagrados da Torá.
Eis outra passagem que confirma a frase de Ben Azai:
As Escrituras dizem: “Se vires o asno de teu inimigo caído sob
sua carga, não te recusarás a ajudá-lo; certamente o ajudarás a levan-
tá-lo.”37 Mas o Talmud pergunta: “a que classe de inimigo a Torá se
refere?” Afinal, não devemos ter inimigos pessoais, pois as Escrituras
ensinam: “Não odiarás teu irmão em teu coração.”38 E o Talmud
conclui que isto refere-se ao homem que você sabe de primeira mão
que violou a Torá.39 Este é o inimigo odioso que a Torá nos ordena
ajudar; devemos ser gentis com ele. Insultá-lo ou perturbá-lo não
levará a nada; ele só ficará mais afastado do judaísmo e da decência.
Se ele estiver com dificuldades e precisar de ajuda urgente, mostre-
lhe por quais valores o homem de fé vive. Mostre-lhe que onde a
religião existe, a ajuda humana sempre pode ser esperada, consegui-
da de imediato. Ajude-o, e você poderá trazê-lo de volta. Pois não
há homem que não tenha a sua hora; e sua gentileza pode fazer com
que a hora daquele homem seja agora.

Pois não há homem que não tenha a sua hora,


nem coisa que não tenha o seu lugar.

Dois conceitos são citados neste texto – as duas qualidades ou


dimensões que limitam e determinam a existência: o tempo e o es-
paço. Tudo na criação existe dentro destes limites. Este é o plano
Divino, a intenção do Criador: que todo ser vivente, todo objeto
existente, tenha seu tempo e lugar designados.
Portanto, se tudo e todos tem tempo e espaço por ordem Divi-
na, num universo governado pela Sua vontade, a cada pessoa, cria-
tura e objeto é automaticamente devido certo respeito e reverência.
Tudo que existe foi considerado digno pelo Todo-Poderoso de ser
dotado de existência, tempo e espaço, com sua hora e lugar particu-
lares; não permita que nada seja desprezado ou recusado.
O Midrash descreve o patriarca Abrahão dando de comer a via-
jantes famintos. Quando se dispuseram a pagar pela sua gentileza,
ele só pediu uma recompensa: que abençoassem o grande Provedor,
que criou o Céu e a Terra. 40 Certa vez, conta a tradição, Abrahão
abrigou em sua casa um viajante de setenta anos. Ao terminar a re-
feição, o ancião negou-se firmemente a agradecer com uma bênção
porque adorava seus próprios ídolos. Irritado por sua impertinência
e impiedade, Abrahão o expulsou iradamente de sua casa. Então o
Todo-Poderoso apareceu a nosso patriarca e disse: “Eu tolerei a ido-
latria deste homem durante setenta anos; não pudeste tolerá-lo nem
cinco minutos?” 41
Abrahão tem sido caraterizado com a virtude de chéssed: ele foi
o modelo de benevolência para com o próximo. Mas a tolerância e
benevolência do Santíssimo, bendito seja, ia muito além disto. En-
quanto para Abrahão o homem não merecia mais que cinco minutos
de sua hospitalidade, para o Todo-Poderoso ele merecia setenta anos
ou mais. Ele obviamente tinha algum valor ou significado na contí-
nua trama da existência humana.
“Assim como eu preciso das árvores que dão frutos, preciso das
árvores improdutivas.” 42 Conforme nossos sábios, o Céu necessita do
virtuoso e do malvado, do bom e do mau. Podemos estar convencidos
de que a existência de alguém é uma maldição, um desastre supurando
sobre a Terra. Contudo, se a Providência lhe deu um espaço e tempo
nos quais existir, ele serve a algum propósito, no plano Divino final.
Portanto, merece, pelo menos, um mínimo de respeito e estima.
E não é só para com as pessoas que se deve ter respeito.
O Midrash relata que, certa vez, o rei David viu uma aranha
devorando uma vespa quando veio um louco com um bastão na
mão e a afugentou. David disse então a Deus: “Ó Senhor do Univer-
so, que benefício obténs destas criaturas que puseste no mundo? A
vespa come o mel e destrói, e não há proveito dela; a aranha tece (sua
teia) o ano todo e não pode vestir a si mesma; o louco, irracional,
ofende às pessoas e não reconhece Tua Unicidade nem Tua majesta-
de; dele não se obtém nenhum benefício.”
O Eterno lhe respondeu: “David, és muito depreciativo com
Minhas criaturas. Chegará o dia em que necessitarás e então saberás
por que foram criadas.”
No Midrash sobre os Salmos, lemos: “Quantas são tuas obras,
ó Eterno! Com sabedoria as fizeste!”43 “Tudo o que o Santíssimo,
bendito seja, faz pelo mundo – pensou David – o faz bem; e o me-
lhor de tudo é a sabedoria. Exceto este assunto da insanidade... Ó
Senhor do Universo, que benefício obtém o mundo da insanidade?
Um louco anda pela rua e as crianças o perseguem e dele se riem.”44
E o Santíssimo, bendito seja, respondeu-lhe: “Te queixas de aberra-
ção mental? Um dia, dela necessitarás! Sofrerás e rogarás por ela até
que Eu a conceda a ti.”
Pouco tempo depois, durante sua fuga do rei Saul, David soli-
citou refúgio ao rei Aquís (Achish), dos filisteus, na cidade de Gat.45
Até o Todo-Poderoso admirou-se com a temeridade de David: “Da-
vid, realmente irás ver Aquís? Ontem mataste Golias e hoje irás ver
Aquís com a espada em tua mão... Os irmãos de Golias são os guar-
da-costas do rei e seu sangue ainda não foi absorvido pela terra – e
ainda assim, irás?!”
Quando David foi percebido, o cunhado dos guarda-costas in-
formou-lhes: “Eis aqui David, que matou a vosso irmão, veio ver
Aquís”. De imediato, solicitaram ao rei: “Deixe-nos matar a quem
eliminou nosso irmão.” Aquís respondeu: “Não o matou em luta
limpa? Se vosso irmão o houvesse matado, também teria sido em
luta limpa... Este foi o desafio de vosso irmão: Se ele puder lutar co-
migo, e me vencer...”46 Neste momento, responderam mordazmente
os irmãos: “Desce do trono, porque este reino é de David... e nós
somos seus servos (pois esta havia sido a condição do combate).”46
Deste modo derrotaram ao rei com palavras (e ele teve de aceitar a
sua petição).
Quando David viu como se apresentavam os fatos, ficou com
medo e começou a rezar: “No dia em que temo, confio em Ti...47 Ó
Senhor do Universo, responde-me!” O Santíssimo, bendito seja, res-
pondeu: “David, que desejas?” E ele disse: “Outorga-me um pouco
da insanidade que criaste.” Disse então o Eterno: “Acaso não te dei
a entender que quem menosprezar qualquer coisa sofrerá por ela? 48
Agora tu procuras a insanidade. Muito bem, então...”
David parecia haver se convertido em um lunático, cujo juízo
estava totalmente alterado... e começou a escrever nas portas de en-
trada: “Aquís, o rei de Gat, me deve 100.000 e sua esposa 500.000.”
A esposa e a filha de Aquís eram totalmente desequilibradas.
Lamentavam-se e mantinham-se no interior, enquanto David pro-
feria lamentos demenciais no exterior. Assim que foi trazido ante
o rei filisteu, este recriminou a seus guardas: “Pretendeis rir-vos de
mim? Faltam-me loucos para que hajais trazido a este louco diante
de mim?” 49
David foi posto em liberdade e fugiu para um local seguro; sen-
tiu então uma grande alegria... e compôs um hino, iniciando as ora-
ções com as letras do alfabeto hebraico. Disse então ao Santíssimo,
bendito seja: “Quão boa é a insanidade! Abençoarei ao Eterno todo
o tempo; Seu louvor estará sempre em minha boca50 – em tempos de
sanidade e em tempos de loucura.”51
Assim, David chegou a entender que até mesmo a demência tem
seu “lugar” na complexidade da vida, e pode servir ao ser humano.
Mas faltavam duas lições para David aprender: uma sobre a
aranha; a outra, acerca da vespa. Lemos mais adiante, no Midrash:
Certa vez, David ocultou-se numa caverna para escapar do rei
Saul.52 (O rei estava rente a seus calcanhares e só precisava vistoriar a
caverna para descobrir o fugitivo e matá-lo. Mas o Santíssimo, ben-
dito seja, enviou uma aranha, que teceu uma teia (milagrosamente,
em pouco tempo) que cobriu toda a entrada da caverna, fechando-a.
Quando Saul chegou lá, viu a enorme teia e disse: “Por certo, nin-
guém entrou aqui, pois senão teria destruído a teia.” E prosseguiu
seu caminho sem revistar seu interior. Quando David saiu, viu a
aranha e a beijou: “Bendito seja teu Criador” – exclamou poetica-
mente. “E bendito sejas tu, ó Eterno, Rei do Universo! Quem pode
reproduzir Teus atos e Tuas proezas de majestade?53 Todas Tuas cria-
ções são gloriosas!”
Certa tarde, David encontrou Saul dormindo em seu acampa-
mento, enquanto que seu general, Abner, dormia numa posição pro-
tetora, com a cabeça em uma entrada da tenda de campanha e os pés
na outra. Mas as pernas estavam estendidas e muito separadas entre
si. David entrou com grande cautela para tomar o frasco de água.54
Quando estava voltando, Abner moveu suas pernas e David ficou
preso entre elas, com se fossem duas grandes vigas. David implorou
misericórdia ao Eterno: “Senhor, por que me abandonaste?” 55
Neste exato instante, uma vespa picou as pernas de Abner, de
modo que ele as retirou, e David pode ir-se para agradecer o Santís-
simo, bendito seja.56
Cada homem tem “sua hora” de significado. Cada coisa, cada
objeto tem “seu lugar” de valor e utilidade. Quão inconsciente e im-
prudente é tratar com desdém grosseiro a alguém que pode ser seu
superior amanhã, com poder total sobre você. Nossos sábios relatam
acerca do guardador de porcos romano Diocleciano, que viva em
Tiberíades. Sempre que ele se aproximava do bêt midrash, a casa de
estudo de Iehudá Hanassí (o segundo), as crianças corriam e batiam
nele (para rir e escarnecer). Com o tempo, ele se tornou governador
(sob o domínio romano), após o que estabeleceu-se em Banias.57
(Recordando seus sofrimentos anteriores) enviou documentos ofi-
ciais a Tiberíades, ordenando que “os proeminentes rabinos judeus
se apresentem a mim na noite após a finalização do sábado.”58 E
instruiu seu mensageiro a não entregar a carta antes do início do
pôr-do-sol de sexta-feira (para não haver tempo de fazer a viagem
sem violar o Shabat ).
O Rabi Shemuel ben Nachman se dirigia a seu banho (ritual,
devido ao sábado) quando viu Rabi Iehudá Hanassí diante do bêt
midrash, com o rosto com aparência transtornada. “Por que estás
com este semblante? – perguntou-lhe. A resposta foi: “Recebi um
documento assim e assim, do governador Diocleciano.” O Rabi She-
muel permaneceu animado: “Vem banhar-te, porque nosso Criador
certamente haverá de operar um milagre por ti.”
Os sábios relatam que eles receberam uma ajuda superior à
normal e no sábado à noite foram transportados instantaneamen-
te a Banias. Diocleciano pôs obstáculos intransponíveis em seu ca-
minho, mas a ajuda extraordinária continuou, até que, finalmente,
chegaram diante do governador. Este lhes disse: “Por saberdes que
vosso Deus opera milagres em vosso favor é que zombais de vosso
soberano?” Eles responderam humildemente: “Zombamos de Dio-
cleciano, o guardador de porcos, mas a Diocleciano, o governador,
nós estamos subordinados.” “Não obstante” – veio a dura resposta
– “vós não deveis menosprezar a um insignificante romano nem a
um escravo inferior!”59 E isto porque nunca podereis afirmar que
não ascenderão ao poder, talvez com lembranças agudas e amargas.”
De fato, quem sabe que rumo teria tomado a história se a besta
selvagem do Hitler não tivesse tido experiências desafortunadas em
sua juventude com pessoas que caçoavam dele – experiências de es-
cárnio que afetaram, aparentemente, toda sua visão das coisas. É ver-
dade que, para começar, ele tinha de ser alguém bastante perturbado
para que tais experiências, por mais traumatizantes e insensibilizan-
tes que fossem para a sua psique, o levassem a contrapor, com fanáti-
ca dedicação, um programa de assassinato em massa. Mas podemos
ficar pensando se ele teria sido tão intenso e ido tão longe se seus
primeiros e impressionáveis anos tivessem sido melhores para ele. Os
elos da cadeia de causalidade humana são tão complexos e imprevi-
síveis que faríamos bem em não ofender nem desprezar nenhum ser
humano, porque, quando chegar a sua hora, ele se lembrará.
Um pensamento semelhante pode estar contido nas palavras Al
tehi maflig lechol davar, posto que, literalmente, significam: “Não te
separes nem trates com desdém nenhuma palavra (tua)”. Se pedirem
sua opinião sobre alguém, não jogue precipitadamente palavras que
poderá ter de lamentar mais tarde, ainda que considere suas afirma-
ções de pouca importância. “Não se apresse em dizer coisas das quais
possa querer se desligar mais tarde. Nenhuma afirmação é insignifi-
cante. ‘Não há palavra (davar) que não tenha seu lugar.” No adágio
de nossos sábios: “Cada palavra vale um sêla (moeda), mas o silêncio
vale dois.”60 ou “Falar é prata, silêncio é ouro.”61
Uma vez expressa, a ideia pode transformar-se em compromis-
so. Seja cuidadoso e responsável; e pense duas vezes antes de deixar
que seus pensamentos encontrem eco. Recorde estas linhas de Lon-
gfellow:

“Disparei uma flecha ao ar,


acertei no coração, não soube onde;
pois tão rápida voou, que a vista
não pode segui-la em seu voo.
Exalei um canto ao ar,
acertei no coração, não soube onde;
pois quem tem uma vista tão aguda e forte
que possa seguir o voo do canto?
Muito tempo depois, em um carvalho,
encontrei a flecha ainda intacta;
e do princípio ao fim do canto, de novo
o achei no coração de um amigo.”62

Se você tiver de falar, que suas palavras sejam prazerosas e har-


moniosas como um canto.
Outra interpretação: a palavra antiga maflig provém da raiz pa-
lag, repartir ou desfazer em pedaços. Na mesma raiz, aparentemente,
se origina a palavra pelugta, utilizada frequentemente no Talmud
para designar diversidade de opiniões, controvérsia, discordância.
Então, a sugestão de Ben Azai seria: “Não geres dissensão a respeito
de cada palavra.” Não sejas um destes sofistas impertinentes que se
sentem impelidos aos debates intermináveis e argumentos fúteis em
cada assunto, grande ou pequeno, importante ou trivial. Este tipo
de pessoa pode sempre ser notado nas reuniões e assembleias com
suas eternas perguntas e questões de ordem, que anunciam tediosos
discursos e contestações.
A dissensão inteligente pode e deve, sem dúvida alguma, ori-
ginar-se na integridade e na coragem. Mas o ensinamento de Ben
Azai sugere que não discordemos apenas para sermos diferentes e
demonstrar o que supomos ser uma atitude heroica. Quando a ou-
tra pessoa tiver razão, admita-o. Se o tema em discussão for trivial,
esqueça-o. Quando sua sugestão não for melhor, mas apenas tão boa
quanto a já existente, reserve-a para outra ocasião, quando realmen-
te valha a pena. Não gere uma pelugtá por cada palavra. O silencio
judicioso assenta o caminho para a maturidade.
Outro comentário a respeito das palavras “Não desprezes ho-
mem nenhum” sugere uma interpretação reflexiva: “Não se menos-
preze por causa de homem algum.” Não se rebaixe diante de nin-
guém, pois um mínimo absoluto de amor próprio e autorrespeito é
essencial.
Uma qualidade que nossos sábios viam com aprovação é makir
et mecomo, a consciência que cada um tem de seu próprio lugar.63
O ser humano deve conservar certo grau de discernimento em suas
relações com os demais, baseado na consciência de seu justo lugar e
posição na comunidade. Seu cargo ou a sua erudição podem dotá-lo
de certa dignidade fundamental e um padrão de conduta que você
deve manter. Seja humilde e aja com deferência perante os anciãos,
o enfermo, o douto e o santo, mas não diante do indigno.
Pois não há homem que não tenha a sua hora...

Ben Azai é enfático: Cada pessoa tem sua hora boa e radiante,
seu momento de significância. Mas observemos que pode ser apenas
uma hora ou um breve momento. Em outros instantes, a pessoa
pode ter momentos de tolice. Se você vir alguém pecando ou fazen-
do alguma coisa absurda, não o despreze nem o julgue apressada-
mente. Pois cada ser humano é vulnerável; todos podem ter seu mo-
mento de fraqueza, desespero ou mesquinharia. Pode ser que aquela
pessoa tenha acabado de sofrer um revés nos negócios ou problemas
domésticos e isto o deprimiu e enervou. Lembre-se: ele terá sua boa
hora também. Seja generoso em seu julgamento e ponderado em
suas conclusões.

Nem há coisa que não tenha o seu (macom) lugar.

Foi observado que macom também pode designar o próprio


Todo-Poderoso, em sua qualidade de Onipresente, a presença en-
volvente e metafísica na qual existem o universo e seu espaço. Em
nosso caso, este sentido dá margem a uma interpretação surpreen-
dente: não despreze coisa alguma deste mundo, pois tudo o que exis-
te pertence e faz parte do sistema Divino. “Não há lugar desprovido
d’Ele.”64 Todas as coisas são santificadas por Sua imanência. Não
despreze, repudie ou zombe de nada.
Notas
36. T. B. Kedushín 49b.
37. Êxodo 23:5.
38. L evítico 19:17.
39. T.B. Pessachim 113b.
40. T. B. Sotá 10b; Midrash Rabá, Gênesis 49,4 e 54,6; Tanchuma Lech Lecha
12; Midrash Tanchumá 110 1.
41. Um conto folclórico (ou baseado em um) impresso como An Ethical
Parable, em Ierushaláyim Habenuiá I, Zolkewe 1844, pág 72-73, incluído em
J. B. Lewner, Col Agadot Yisrael I, pág. 98-91.
42. Midrash Rabá, Êxodo 7,4. Duas declarações no Zohar também são dignas
de nota: “Não existe no mundo uma única pessoa má a quem o Santíssimo,
bendito seja, não examine para ver se este ente não deixará talvez um filho justo
e digno, ou não salvará a algum judeu de morte não natural, ou se não fará bem
a alguém e nasce só por esta razão. (Zohar 1, 118a); “Não existe pessoa malvada
do povo de Israel que não tenha a seu favor algumas boas ações, que o elevem
para o mais além no dia do Shabat...” (Zohar Chadash sobre Gênesis17).
43. Salmos 104:24.
44. Estando privado dos sentidos.
45. I Samuel 21:11.
46. Ibid 17:9.
47. Salmos 56:4.
48. Provérbios 13:13.
49. I Samuel 21:16.
50. Salmos 34:2.
51. Alfa beta de Ben Sira, ed. Steinschneider, Berlim 1858, pág 24 a-b, reim-
presso em J. D. Eisenstein, Otsar Midrashim I, pág. 47b; Midrash Tehilim 34,
1; Ialcut Shimoni II (I Samuel) 1 131.
52. Vide I Samuel 23:14-25.
53. Esta expressão é bíblica. Vide Deuteronômio 3:24. Há uma breve referência
a esta tradição do Midrash no Targum sobre Salmos 57:3, que parafraseia o ver-
sículo citado: “Clamarei ao Altíssimo. Ele enviará a aranha para terminar uma
teia na caverna, a fim de proteger-me.”
54. Para provar subseqüentemente que estava em condições de matar a Saul e
não o fez, porque não tinha ódio algum dele. Esta passagem tem aparentemente
ligação com I Samuel 26, embora difira em alguns detalhes.
55. Salmos 22:2.
56. Alfa beta de Ben Sira, loc. cit. (nota 51)
57. Caesarea Philippi, a atual Banias, cidade situada ao norte de Israel (Jastrow),
enquanto Tibérias fica ao sul do Lago Kineret (Tiberíades).
58. É assim que consta no Talmud de Jerusalém, enquanto o Midrash Rabá diz:
“domingo de manhã.” Mas a questão é a mesma: a distância era grande demais
para o tempo concedido.
59. Midrash Rabá, Gênesis 63:8; Ialcut Shimoni I, 110; T. J. Terumot 8, fim
(46b-c).
60. T. B. Meguilá 18a; Midrash Rabá Eclesiastes 5:3.
61. Provérbio suíço citado por Thomas Carlyle, Sartor resartus, 3:3.
62. Henry Wadsworth Longfellow, The arrow and the song.
63. Avot 6:6; T. B. San’hedrin 37a; Sêder Eliahu Zuta 17.

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