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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA


ESCOLA DE ADMINISTRAÇÃO
MESTRADO EM DESENVOLVIMENTO E GESTÃO SOCIAL

RESENHA CRÍTICA

O Brasil e seus caminhos: a visão do Ministro da Economia Paulo Guedes

Wellington Barros1

GUEDES, Paulo Roberto Nunes. EXPERT XP 2019. Youtube, Julho de 2019. Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=zSNmd-ifSDg

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Mestrando em Desenvolvimento e Gestão Social pelo CIAGS/UFBA. Escola de Administração. Graduado em
Gestão Pública pela Universidade Federal da Bahia.
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Apresentação:

Este resumo apresenta as principais ideias presentes na fala do atual ministro


da economia Paulo Guedes Nunes em evento ocorrido em julho de 2019 quando do
alcance do centésimo dia de governo do presidente Jair Messias Bolsonaro. No
evento, promovido por um grupo de investidores do mercado financeiro, o ministro
discorreu sobre os principais problemas atuais e históricos da nação (sem incluir, é
claro, o fenômeno da pandemia da Sars-cov 19 que se estabeleceu no pais meses
depois), e também sobre as estratégias definidas pelo atual governo para superação
dessas dificuldades. O ministro ainda pôde delinear alguns conceitos teóricos acerca
do papel do estado, das dinâmicas políticas que fizeram parte da recente história do
pais, da macroeconomia, da globalização e dos rumos do capitalismo, tudo em
síntese.

O mito da desregulamentação

Segundo o ministro o pais necessita de reformas estruturantes para que


possa realizar a “abertura econômica” do país, sem, contudo, aprofundar quais
seriam as estratégias dessa abertura. Mesmo tendo abordado questões como o
investimento privado na infraestrutura nacional, e também as privatizações como
forma de gradual abertura, não deixou claro como o pais enfrentaria o grande
desafio do atraso tecnológico frente às grandes economias mundiais. Entretanto, o
mesmo deixou claro que um dos grandes objetivos do governo atual é o da
desregulamentação da economia, passando pelo fortalecimento da autonomia do
Banco Central, até a regulamentação tardia de segmentos econômicos já
constituídos.

Neste quesito é importante fazer referência à falácia da não intervenção


estatal na economia, quando se sabe, há tempos, do aporte financeiro dos estados
para que o mercado se recupere das suas constantes crises, a exemplo do Plano
Marshall, para reconstrução dos países afetados pela Segunda Guerra Mundial, ou
mesmo o aporte de U$$ 250bi para recuperação dos bancos afetados pela crise
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econômica de 2008, causada justamente pela desregulamentação, ao que Paul


Krugman, vencedor do prêmio Nobel de Economia em 2008 afirmou que "Não
vamos nos converter em Karl Marx, mas vamos redescobrir coisas que Franklin
Roosevelt descobriu há 75 anos"2. O prêmio Nobel referia-se à inevitável
participação do Estado na Economia, e aos desastres econômicos decorrentes da
auto-regulamentação do mercado. Em outras palavras: "deixar que os mercados se
acertassem foi desastroso nos anos 30, e nos levou de novo à beira do desastre"
(Krugman, 2008).

O mito das reformas.

De todas as prioridades estabelecidas pelo novo governo, nenhuma obteve


mais ênfase do que a reforma previdenciária, ao qual o ministro recomendou como
prioridades um, dois e três, sem a qual o planejamento de abertura da economia não
surtiria o efeito desejado. A outra reforma fundamental, do ponto de vista da gestão
dos recursos do estado, diz respeito à estrutura administrativa e ao encolhimento do
quadro de postos de trabalho.

Porém, nenhuma análise a respeito da reforma previdenciária pode ser


realizada sem que se faça as devidas correlações com a reforma trabalhista, que
mesmo tendo sido aprovada no governo anterior, são ambas partes de um mesmo
conjunto de medidas que afetam significativamente e definitivamente a vida de
milhões de trabalhadores.

As duas medidas juntas realizam uma supressão de direitos jamais


concebida, tanto no presente quanto no futuro. No presente, por que as
flexibilizações das relações trabalhistas tendem a prejudicar o emprego formal e as
garantias constitucionais do empregado, e no futuro, posto que, além da ampliação
dos prazos para acesso à aposentadoria, haverá um fluxo incomensurável de
pessoas que não acessaram o emprego formal e que dependerão de alguma forma
de socorro estatal para obterem o mínimo de dignidade financeira. Ou seja, serão
afetados duplamente, primeiro pela ausência de emprego formal que garanta um

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Entrevista realizada pelo canal estadunidense CNBC em 13 de outubro de 2008.
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mínimo razoável de renda na aposentadoria, e segundo pela ampliação dos prazos e


dificuldades de acesso aos benefícios previdenciários.

O mito do tamanho do estado.

A reforma Administrativa também figura como componente importante para a


política macroeconômica do atual governo, que, segundo o ministro, representa um
percentual significativo das despesas governamentais, em torno de 11% do PIB.
Ocorre que, segundos dados do IPEA o custo com a manutenção da máquina estatal
manteve-se estável, em torno de 10% do PIB nos últimos 10 anos (ano de referência
2007).

Ano Gastos com servidores públicos (em relação ao PIB)


2006 9,77%
2007 9,53%
2008 9,63%
2009 10,17%
2010 9,74%
2011 9,5%
2012 9,57%
2013 9,83%
2014 9,91%
2015 10,28%
2016 10,4%
2017 10,74%
IPEA 2017

Ainda com relação ao percentual de funcionários públicos em relação ao


quantitativo populacional, o Brasil figura em uma das últimas posições entre todas as
nações do mundo, demonstrando que a ideia de uma “nação inchada” do ponto de
vista do peso da máquina pública no orçamento, carece de uma reavaliação.

O Brasil, segundo dados da OECD e IBGE emprega apenas 1,6% de usa


mão de obra no setor público, enquanto nações desenvolvidas como a Noruega,
Dinamarca e Suécia empregam em média 28% da mão de obra nacional a serviço
do estado. Em nota publicada pelo Centro de Pesquisa em macroeconomia das
desigualdades, o analista Matias Cardomingo refere-se a esse erro cognitivo acerca
da interpretação desses dados orçamentários. Segundo ele, a “razão pela alta
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despesa com servidores em relação ao PIB está mais no denominador (número alto
de habitantes) do que no numerador (valor investido)”.

O mito das privatizações.

O ministro ainda discorre pontualmente sobre questões macroeconômicas e


aposta na desestatização de setores da economia para transpor a ineficiência do
estado. Ele apresenta uma série de iniciativas de competência da união visando
expandir a oferta de papeis das empresas tuteladas pelo governo para uma abrupta
passagem para o setor privado. Ora, além da flagrante irresponsabilidade do ato
(visto que é necessário aprofundar o tema à luz de outros impactos que não só o
econômico) o processo de desestatização da economia tende a impactar todo o
sistema monetário brasileiro, levando o pais a um verdadeiro caos econômico. Isso
por que, apesar de não ser de conhecimento da maior parte da sociedade, o lastro
econômico do Real é garantido pelo valor do papel das estatais no mercado
internacional, ou seja, quanto mais as empresas estatais são valorizadas, mais o
real se valoriza frente às outras moedas do mundo.
Em entrevista realizada pela Folha de São Paulo em 2 de março de 1994,
quando da implementação da nova moeda, o então ministro Fernando Henrique
Cardoso explicou a formação do lastro financeiro do Real, atribuindo forte peso ao
valor de mercado das estatais:

“Pelas regras de emissão, o Banco Central, ao colocar em circulação


os reais, especificará a quantidade de reservas em moeda forte e em ações de
estatais que garantirá o valor (o lastro) da nova moeda brasileira. Essa parte
das reservas ficará consignada - ou aplicada nos mercados internacionais "de
forma prudente", diz a EM3. E só poderá ser desbloqueada se for eliminada de
circulação quantidade equivalente de reais. SARDENBERG (1994)4.

3
Exposição de Motivos (EM) que introduz a Medida Provisória 434.
4
Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/fsp/1994/3/02/brasil/38.html
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Nesse sentido, não há como falar apenas dos “trilhões” que serão apurados
com as privatizações sem definir como se dará o processo de reconstrução das
reservas monetárias que sofrerão enorme impacto com o processo.

A superação dos mitos.

Em sua explanação, o ministro oferece um leque enorme de soluções para os


principais problemas econômicos do pais, entretanto há uma completa ausência no
que diz respeito aos demais processos necessários para que o estado brasileiro
possa superar seu atraso histórico. Temas como a educação, saneamento,
habitação, segurança pública, passam ao largo, exatamente por que são áreas em
que se espera algum grau de investimento público.
Também é nítido o atropelo com que as ações estão se delineando, sem o
devido cuidado, com um horizonte curto de análise acerca das repercussões das
medidas.
O estado brasileiro carece de um novo olhar, que supere a lógica da falácia
neoliberal. Uma economia autorregulada apenas tende a se concentrar em seus
próprios mecanismos, deixando de lado desafios sociais históricos. Faz-se
necessário a adoção de processos endógenos, que dialoguem em certa medida com
o processo de globalização, mas que reflitam a realidade sobre a qual a política e
economia estão alicerçadas.

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