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O Tribunal da Relaçã o do Porto foi recentemente chamado a pronunciar-se sobre

a possibilidade de visualizaçã o, em sede de Audiência de Discussã o e


Julgamento e no â mbito de Acçã o de Impugnaçã o Judicial da Regularidade e
Ilicitude do Despedimento, de imagens captadas por sistema de videovigilâ ncia,
enquanto meio de prova utilizado pelo empregador, no â mbito de processo
disciplinar.
No dia 9 de Maio de 2011, confirmando a sentença proferida em primeira
instâ ncia, o Tribunal da Relaçã o do Porto decidiu que o empregador nã o pode,
em processo laboral e como meio de prova, recorrer à utilizaçã o de imagens
captadas por sistema de videovigilâ ncia para fundamentar o exercício da acçã o
disciplinar, ainda que a infracçã o disciplinar possa, simultaneamente,
constituir ilícito penal.
Para a exacta compreensã o do cará cter absolutamente restritivo do referido
entendimento quanto à admissã o daquele meio como prova em sede
disciplinar, importa evidenciar que a conduta imputada ao trabalhador
no caso em apreço era susceptível de enquadrar a prá tica de crime contra
o patrimó nio do empregador (mais concretamente o crime de burla) e que
a instalaçã o das câ maras através das quais as imagens foram captadas tinha
sido autorizada pela Comissã o Nacional Protecçã o de Dados (CNPD), com a
finalidade de protecçã o de pessoas e bens.

O essencial da fundamentaçã o apresentada pelo Tribunal da Relaçã o do


Porto pode ser sintetizado nos seguintes argumentos:

(i) A legislaçã o aplicá vel nã o contempla a hipó tese de as

imagens recolhidas por sistema de videovigilâ ncia poderem ser

utilizadas pelo empregador para efeitos disciplinares (nem mesmo

quando a instalaçã o do sistema vise, tã o-só , o propó sito de protecçã o de

pessoas e bens);

(ii) A utilizaçã o de imagens captadas por sistema de videovigilâ ncia para


efeitos disciplinares redundaria sempre no controlo do desempenho profissional
do trabalhador, fossem as imagens fruto de uma recolha direccionada (câ maras
directamente direccionadas sobre o trabalhador) ou fruto de uma recolha
meramente incidental (em que, nã o obstante o equipamento ter sido colocado
para protecçã o de pessoas e bens em relaçã o ao pú blico em geral que frequenta o
estabelecimento, permite todavia a captaçã o de imagem em relaçã o a actividade
desempenhada pelo trabalhador), controlo esse vedado, designadamente pelo
art. 20º, n.º 1 do Có digo do Trabalho;

(iii) As imagens captadas por sistema de videovigilâ ncia instalado pelo


empregador apenas poderã o ser utilizadas em sede ou no â mbito de investigaçã o
criminal e de harmonia com a legislaçã o penal e
processual penal, e nã o no â mbito
do procedimento disciplinar;

(iv) Para além das autoridades judiciá rias ou ó rgã o de polícia criminal, o
responsá vel pela recolha das imagens captadas pelo sistema de videovigilâ ncia
(no caso pertencente à empresa de segurança) deverá ser a ú nica pessoa com
acesso à s mesmas, nã o estando o empregador, ou qualquer outro seu
trabalhador, autorizado a aceder ao seu conteú do, pelo que, também por isto,
nã o podia o empregador utilizar tais imagens para fundamentar ilícitos
disciplinares;

(v) A utilizaçã o das imagens captadas para fins disciplinares extravasa a


finalidade e objecto da autorizaçã o de tratamento de dados pessoais que tinha
sido concedida pela CNPD ao empregador, na qual se referia expressamente que
os dados só podiam ser utilizados nos termos da lei processual penal.
O Tribunal da Relaçã o do Porto alicerçou-se, também, em anterior orientaçã o
jurisprudencial, que recusou o recurso, em sede disciplinar, a imagens captadas
por sistemas de videovigilâ ncia, sustentando que, independentemente da
autorizaçã o da CNPD e das condutas em causa consubstanciarem a prá tica de
ilícito criminal, tal utilizaçã o redundaria sempre num controlo da actividade
profissional dos trabalhadores, restringindo, assim, ao domínio do processo
penal a sua eventual utilizaçã o. O entendimento vertido neste Acó rdã o
inviabiliza, em absoluto e em quaisquer circunstâ ncias, a utilizaçã o, em sede
disciplinar, de imagens captadas por sistemas de videovigilâ ncia, relegando uma
tal utilizaçã o para o â mbito do processo penal.
Menos restritivo tem sido o entendimento vertido noutros arestos de Tribunais
Superiores, bem como aquele seguido por diversos Autores, no sentido de,
dentro de apertados requisitos, designadamente uma vez cumpridos todos os
imperativos legais relativos à instalaçã o de sistemas de videovigilâ ncia em locais
de trabalho e ao tratamento dos dados captados (imagens), o empregador poder
utilizar as imagens para a instruçã o de processo disciplinar que evidenciem
comportamentos imputá veis ao trabalhador e indiciadores da prá tica de actos
lesivos da segurança de pessoas e bens, cuja protecçã o mereceu expressa
consagraçã o legal (cfr. art. 20º, nº 2 do Có digo do Trabalho).

EM SUMA: trata-se de um questã o claramente controversa. Contudo, caso se


venha a afirmar a orientaçã o jurisprudencial agora vertida no Acó rdã o do
Tribunal da Relaçã o do Porto, o empregador que tenha ao seu serviço (i) um
trabalhador que adopte comportamento susceptível de consubstanciar a prá tica
de um crime contra si ou contra o seu patrimó nio, (ii) relativamente ao qual
queira, por essa razã o, agir disciplinarmente, mormente com vista ao seu
despedimento com justa causa, (iii) mas que disponha (apenas), como meio de
prova da infracçã o praticada, de imagens captadas por sistema de
videovigilâ ncia, poderá , eventualmente, apresentar queixa crime contra o
trabalhador, documentada com as ditas imagens, mas ficar-lhe-á vedada a
possibilidade de reagir disciplinarmente, sob pena de tal decisã o poder vir a
comportar uma dimensã o de risco dificilmente gerível.

Apelaçã o 379/10.6TTBCL-A.P1 - 4ª Sec.


Data - 09/05/2011

CAPTAÇÃ O DE IMAGEM

SISTEMA DE VIDEOVIGILÂ NCIA

MEIOS DE PROVA

PROCESSO DISCIPLINAR

Sumá rio

O empregador nã o pode, em processo laboral e como meio de prova, recorrer à


utilizaçã o de imagens captadas por sistema de videovigilâ ncia para fundamentar
o exercício da acçã o disciplinar, ainda que a infracçã o disciplinar possa,
simultaneamente, constituir ilícito penal.

Procº nº 379/10.6TTBCL-A.P1 Apelaçã o

Relator: Paula Leal de Carvalho (Reg. nº 403)

Adjuntos: Des. Antó nio Ramos

Des. Eduardo Petersen Silva

http://www.trp.pt/jurisprudenciasocial/social_379/10.6ttbcl-a.p1.html

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