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n Pôr do Sol no Cais Palafítico da Carrasqueira, Alcácer do Sal.

Experimentem ir ao Google e pesquisar um dos locais mais


fotografados em Portugal: “cais palafítico da Carrasqueira”. E
vejam se lá encontram uma imagem destas. A coragem de
arriscar resulta muitas vezes em imagens inesperadas e, neste
caso em particular, muitas picadelas de mosquitos e melgas
também ?

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INSPIRAÇÃO

PAISAGENS
INTERIORES
O que se esconde por detrás de uma paisagem? Mais do que foto-
grafias de lugares de sonho, as imagens que captamos com as nos-
sas câmaras dizem muito sobre o sentir do fotógrafo. Seja uma mon-
tanha ou um cenário costeiro, há sempre uma imensidão de emo-
ções que podemos aplicar nas nossas fotografias.

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PAISAGENS INTERIORES

n Alentejo. Demorou, mas os minutos passados debaixo das estrelas n Lago di Braies, Dolomitas, Itália. Se tivesse de escrever uma carta
passam a voar. Via láctea alinhada com a eólica, numa fotografia ao silêncio era aqui que a mandava entregar.
metafórica em que, na minha visão, parece que aceitamos e
abraçamos tudo o que existe e não vemos, os mistérios do universo.

DO VER AO SENTIR por isso. Mas há um outro tipo de assi- técnica trazia-me um problema. não me
Cada fotografia é um retrato do fotógra- natura muito mais indelével que prece- dava liberdade criativa. Liberdade essa
fo. E é um retrato fiel. Um observador de esta. Podemos chamar-lhe, para já, que eu tanto preciso sentir, para poder
atento encontra em cada fotografia que uma assinatura emocional. concretizar o que vejo numa única ima-
tem diante de si um pouco da história E, por isso, para mim fotografar paisa- gem.
deste, da sua experiência, crenças e gem é mais do que “é assim que se vê”. Perante esta limitação comecei, pouco a
valores que fizeram ou fazem (ainda) Para mim “é assim que se sente”… Mas pouco, a desafiar o que tinha aprendido
parte do seu caminho. Essa bagagem chegar aqui não é fácil. Do Ver ao Sentir e o meu estilo fotográfico foi-se tornan-
emocional fica registada em cada foto- há todo um mundo de distância com do mais prático e dei por mim a reduzir
grafia que nós, enquanto fotógrafos, muitas dúvidas e questões pelo meio. drasticamente o nível de tecnicismo (a
criamos. no meu caso posso partilhar convosco quantidade de equipamento também!) e
As nossas fotografias são o espelho do que foi necessário desaprender algumas a ser mais intuitiva no processo criativo.
nosso estado de alma, quem na realida- coisas para voltar a aprender outras, Desta forma, sinto-me mais livre das
de somos e como nos sentimos. E essa embora de uma outra perspetiva. rígidas amarras da regras e da técnica
é a nossa assinatura. Podemos ter um Inicialmente recorria muito à técnica, ao outrora aprendidas e tudo flui com mais
determinado estilo a editar e pós-produ- equipamento e às regras, muito fruto da naturalidade e torna-se mais fácil foto-
zir e as nossas fotografias serem auto- aprendizagem que tinha através de grafar as coisas tal como as vejo e sinto.
maticamente associadas ao nosso nome livros e revistas da especialidade. Mas a Algures no tempo todos teremos os

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INSPIRAÇÃO

n Braveheart é o nome desta fotografia que se assemelha a um


coração nas águas agrestes de Rio Tinto, o rio vermelho, em
Espanha.

nossos desafios (este foi o meu) e ultra- rá nas vossas imagens. é a tal assinatura Pessoalmente sou mais fã desta segun-
passá-los torna-se tão mais fácil quanto de que vos falava anteriormente. da opção. Imagino na minha mente os
é o nosso autoconhecimento. Um dos Igualmente importante a saber quais são cenários e depois sigo em busca deles.
métodos que podemos utilizar para isso os vossos valores é saber o que eles Às vezes espero dias, meses, anos,
é fazer uma lista dos nossos valores significam para vocês. Porque todos horas, dias, segundos… Mas há uma
pessoais. somos diferentes, um valor como a coisa que aprendi e que a paisagem
os nossos valores são como um farol liberdade pode ter um significado dife- sempre me ensinou: qualquer visão é
que ilumina o nosso caminho. Eles estão rente para mim e para si. Então o meu concretizável havendo tempo, disponibi-
na base das nossas decisões, das nos- conselho é que, além de listar os seus lidade e oportunidade.
sas crenças, das pessoas com quem nos valores, descreva como os vai aplicar no
relacionamos e, neste contexto, na seu processo criativo. FLEXIBILIDADE - CONTROLAR O
forma como fotografamos. São eles que Partilho convosco alguns dos meus que INCONTROLÁVEL
nos guiam no nosso dia-a-dia a um nível ainda hoje, mais do que nunca, são é impossível controlar o incontrolável. A
inconsciente e tornam-se muito mais transversais à minha forma de fotografar natureza é um estúdio natural. não há
poderosos quando os conhecemos e os e não apenas à fotografia de paisagem. botões para ligar e desligar luzes e
sabemos utilizar. Conheçam-nos e pas- mudar os projetores para fazer a luz
sarão a ter a vossa própria luz interior VISÃO - CRER PARA VER incidir onde nós queremos!
que (quer acreditem quer não!) aparece- Há o ver para crer e há o crer para ver. não adianta ir para o campo com ideias

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PAISAGENS INTERIORES

n Dolomitas, Itália. Às vezes acontece isto... É “só” esperar que o vento pare de soprar por um segundo. Um segundo é o tempo que têm para
fazer a imagem que trazem na vossa cabeça: o lago espelhado, sem neblina.

pré concebidas, a menos que o nosso liberdade de expressão. Ver o que os do que os outros vão pensar das nossas
objetivo seja a frustração. o que imagi- outros não veem e ter a coragem de imagens. E também não é ir contra cor-
námos pode ou não acontecer. romper correntes. Ver o detalhe rente, é fazer uma corrente nossa. fazer
Devemos ter a flexibilidade para nos enquanto os outros veem o plano maior. o que mais ninguém faz. Isso sim, é
ajustarmos ao que a paisagem nos ofe- Quando comecei a fotografar só via os ousadia. Desafiar o comum, o ordinário e
rece naquele momento. grandes planos. Ao longo do tempo fui- torná-lo extraordinário.
me focando cada vez mais nos detalhes.
DICA Essa foi a evolução natural do meu per- SILÊNCIO - INTERIOR. PARAR A MENTE
Como praticar a flexibilidade? curso. POR UNS SEGUNDOS.
Recusar-se a ir para casa sem uma Uma das coisas que mais aprecio quan-
única fotografia. Levem pelo menos uma CORAGEM - DE FAZER DIFERENTE do vou fotografar paisagem é o silêncio.
de que gostem. Quantos de nós já excederam aquilo Adoro cada momento em que a mente
que achavam ser capazes de fazer em para por uns breves instantes e simples-
prol de uma boa imagem? é dessa cora- mente está ali. Só isso... A preparar o
LIBERDADE - VER O QUE OS OUTROS gem de que falo. o ser capaz de ir mais coração para sentir. Quando estes dois
NÃO VEEM além e superar as nossas próprias expe- se alinham está feita a fotografia. Para
4 fotógrafos entram à vez dentro de 1 tativas. no final são essas que verdadei- mim há dois tipos de silêncio: o meu e o
metro quadrado para tirar uma fotogra- ramente importam. da paisagem. o último dá-me a calma
fia. o que muda? E não falo apenas de ir a lugares arrisca- necessária para observar o que quero
tUDo. Cada um tem em si um conjunto dos. falo de assumir composições dife- fotografar e o meu silêncio interior con-
de experiências que altera a sua perce- rentes. Ir aos mesmos lugares e ter a duz a abordagem criativa ao cenário.
ção sobre o todo e a isso eu chamo coragem de fazer diferente, sem medo

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INSPIRAÇÃO

n CIMA Seljalandsfoss, Islândia. E a minha visão para esta imagem é


que queria que ela fosse diferente de um sítio que já foi fotografado
milhões de vezes, sem perder a sua essência. Assim optei por deixar
em primeiro plano aquela rocha para deixar à imaginação do obser-
vador como seria lá estar.

n DIREITA EM CIMA Islândia


DIREITA Portugal

RESPEITO - NÃO HÁ CERTOS NEM talvez até vão com aquela fotografia DICA: Conheçam a vossa câmara.
ERRADOS feita na vossa cabeça e talvez tenha tapem o visor LCD, desliguem os viso-
Seguindo tudo o que vos falei atrás, chegado o tempo de documentá-la res eletrónicos das câmaras e tirem
descobri que a fotografia de natureza fotograficamente. Mas será que a natu- fotografias sem apoio visual e as simula-
também me ensinou a respeitar-me reza não terá uma diferente e mais inte- ções de exposição. Aprendam a ser rápi-
mais como pessoa e como fotógrafa. ressante para vos dar? Se repararem, dos.
Intrinsecamente isto fez com que o quando estão a respeitar a natureza, de
mesmo acontecesse ao meu redor. alguma forma estão a respeitar-se a AVENTURA - IR PARA FORA CÁ DEN-
Passei a aceitar mais as diferenças entre vocês mesmos e o retorno é sempre TRO (DE NÓS!)
uns e outros e a compreender que o positivo. Ir mais longe. Ir mais além. Manter a
que cada um retira da paisagem é mente distraída em novos projetos. Em
somente aquilo de que necessita ou TEMPO E LUGAR - RITMO, CALMA E novos locais. novas viagens. Espairecer
consegue interpretar. não há certos. VELOCIDADE o olhar noutro tipo de paisagens. o difícil
não há errados. Há visões. E essas são Para tudo há um tempo, um lugar e há será escolher a geografia física, começar
únicas tal como o ser que as concretiza que gerir expetativas. o fotógrafo de a incluir a humana ou ambas?
numa imagem. natureza e paisagem torna-se um exce- Ultimamente já escolho ambas, o
lente guarda-redes das fintas que ela melhor de dois mundos.
DICA: Quando chegam a um local não o nos faz. Há que respeitar os ritmos, a
“violem”. Antes de retirarem o equipa- calma e a velocidade. Saber sentir a
mento da mochila e se começarem a calma e a tranquilidade e estar prepara- SÓNIA GUERREIRO
preparar… observem! Demorem tempo a dos para entrar em ação quando menos info@soniaguerreiro.com
perceber o que é que a paisagem vos se espera. https://500px.com/sonia_guerreiro
está a dizer. Podem ficar surpreendidos.

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