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 EDITORIAL

EDIÇÃO DIGITAL 03 / JANEIRO - FEVEREIRO 2017


REVISTA
BICICLETA NA

E
la vendeu tudo que podia vender, fechou WEB
a conta no banco, desfez contratos,
cancelou plano de telefone, entregou revistabicicleta.com.br
todos os trabalhos... Foi ficando cada vez
mais leve e livre. Era a hora de ter a coragem de digital.revistabicicleta.com.br
fazer o que realmente queria fazer, ir em busca
de significados para sua pergunta: “o que é
que eu quero saber de verdade?” Esta é Juliana
Hirata, bióloga brasileira que está na estrada revista.bicicleta
com o projeto Entre Extremos das Américas.
Viajando sozinha de bicicleta, ela quer conhecer
as Américas e os americanos, visitar importantes
unidades de conservação e estudar a relação
revistabicicleta
das pessoas com essas áreas. No artigo de capa
desta edição, Juli conta sobre suas aprendizagens
nessa experiência de imersão pela América. E
você, o que quer saber de verdade? Temos muitas
revibicicleta
inspirações, nesta edição, para encorajá-lo a ir
em busca de suas próprias respostas. Aproveite a
leitura.
+revistabicicleta
Viva Bicicleta!

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EXPEDIENTE
Revista Bicicleta, com periodicidade mensal, é
publicada pela Ecco Editora

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Rio do Campo - SC -89198-000
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Foto Capa bicicleta@revistabicicleta.com.br
Fone: (47) 3564-0001 - Fax: (47) 3564-1212
Juliana Hirata
Diretor de Redação Anderson Ricardo Schörner
Jornalistas / Repórteres / Redatores e
Colaboradores Álvaro Perazzoli / Antônio Olinto /
Carlos Menezes / Cláudia Franco / Eduardo Sens dos
Santos / Lima Junior / Paulo de Tarso / Pedro Cury /
Roberto Furtado / Ronaldo Huhm / Valter F. Bustos
Correspondente na Europa Fábio Zander
Editor Executivo Therbio Felipe M. Cezar
Os artigos fornecidos e autorizados por colaboradores e terceiros são de responsabilidade dos mesmos, Revisão R. O. Petris
bem como os anúncios de patrocinadores. Os conceitos e sugestões de tais artigos e anúncios não Depto. de Arte / Web Alex C. Serafini
necessariamente refletem o editorial da Revista. Não é permitido reproduzir matérias e/ou fotos da revista Depto. de Assinaturas Adriano dos Santos
sem autorização da mesma. Revista Bicicleta se manterá política e religiosamente neutra. Editor E. B. Petris
Os ícones utilizados nesta edição foram fornecidos por flaticon.com
SUMÁRIO
DIGITAL 03 JANEIRO/FEVEREIRO 2017

38
26 O MANIFESTO CYCLE CHIC
34 PLANEJAMENTO X TEMPO
38 INSPIRADO PELA FÉ
Aos 39 anos, Marcelo Graciano tem se tornado uma
inspiração a mais para milhares de jovens que estão pelas
pistas de ciclismo de todo o país.

46 KEVLAR - A SUPER FIBRA


50 FERNANDO DE NORONHA

56 REGRAS DE CONDUTA EM UM
PELOTÃO DE CICLISMO

60 DIVULGANDO AS BICICLETAS
E TRICICLOS DE CARGA
DO RIO PARA O MUNDO
62 LANTERNE ROUGE
O último dos melhores do mundo.

72
68 SPECIALIZED CONSTRÓI SUPER
TRILHA DE MTB NO BRASIL

72 NA IMENSIDÃO
DOS OLHARES DE
JULIANA HIRATA
88 PEDALA CORINTHIANS
O primeiro Grupo de Pedal brasileiro vinculado a um clube.

96 SERRAS E MONTANHAS
DE TIRAR O FÔLEGO

96
Qual delas você encararia?

106 WS CRUISER
A “Harley-Davidson” brasileira movida a pedal

110 PEDALANDO RUMO


A UMA VIDA MELHOR
Juntos, população e governo do Brasil podem economizar
cerca de R$ 88 bilhões por ano investindo em ciclismo.

118 AS BICICLETAS E A PRESENÇA


FEMININA
122 DOS BEM-VINDOS CONFRONTOS
Expedição com quase dois mil quilômetros pela Indochina.
PELOTÃO

EDIÇÃO DIGITAL 03 / JANEIRO - FEVEREIRO 2017

ANDERSON THERBIO ANTONIO OLINTO


RICARDO SCHÖRNER FELIPE M. CEZAR
Cicloturista renomado, formado em
DIRETOR DE REDAÇÃO EDITOR EXECUTIVO
direito e conferencista.
Ciclista urbano e entusiasta da bicicleta. Professor universitário, conferencista antonioolinto@gmail.com
anderson@revistabicicleta.com.br internacional e cicloturista.
therbio@revistabicicleta.com.br

ERNESTO STOCK CARLOS MENEZES PAULO DE TARSO


Fotógrafo, cicloviajante e ativista. Biólogo, fitter, atleta de MTB e Cicloturista, arquiteto e um dos
cicloturista. criadores do Sampa Bikers.
oratoriofilmes@gmail.com
biocicleta@carlosmenezes.com.br paulinho@sampabikers.com.br

EDUARDO SENS RICARDO NOGARE TRANSPORTE ATIVO


DOS SANTOS
Bancário em Londres e, em paralelo, embaixador da UCI, atuando Instituição carioca de desenvolvimento
Ciclista amador, entusiasta da história como membro da comissão de ciclismo para todos da União de projetos de mobilidade urbana com
do ciclismo e co-idealizador do Desafio Ciclística Internacional. É ex-ciclista integrante da seleção reconhecimento internacional.
Desbravadores. brasileira Junior, ex-campeão brasileiro Junior e Sub-30.
/transporteativo
eduardo_sens@yahoo.com ricardonogare@btinternet.com
ROLÊ

40%

© DIVULGAÇÃO
Dos ciclistas que participam de grupos
de pedal, também utilizam a bicicleta
como meio de transporte, segundo
pesquisa realizada pela Ciclocidade,
Bike é Legal e Sesc Santo André, com
997 respostas on-line.

20 MIL
Bicicletas, em média, caem todo ano

NA SOLA
nos canais de Amsterdã e precisam
ser pescadas com um barco com
uma garra hidráulica que efetua esse
serviço desde 1960.

DO PÉ
A espanhola Luck, especializada em
sapatos de ciclismo personalizados
2,6 MIL
Cadastros em apenas três meses de
sob encomenda, desenvolveu um novo operação foi o número alcançado pelo
sistema de potenciômetro integrado Bike Kids, projeto de compartilhamento
no sapado para medir a potência da de bicicletas infantis em Santos – SP.
pedalada e otimizar o desempenho do
ciclista. Conectado através de vários
chips no sapato, o computador de
bordo registra com precisão milimétrica
a cadência, velocidade, frequência
US$ 1
cardíaca e a potência em watts gerados
em cada pedalada. A transmissão dos BILHÃO
É a cifra prometida para investimentos
dados é feita via Bluetooth. A imagem
em infraestrutura cicloviária pelo
do sapato com o solado aberto e cheio
recém-eleito prefeito de Londres,
de chips é realmente impressionante! Sadiq Khan, nos próximos cinco anos.
O investimento, que equivale a US$ 22
por pessoa ao ano, é comparável ao
que investe Amsterdam e Copenhague.

012 REVISTA BICICLETA


ROLÊ

CERVEJA
© DIVULGAÇÃO “REPOSITORA”
PARA CICLISTAS
A cervejaria holandesa “à Bloc” apresentou
recentemente uma grata novidade: a Superprestige
Bicycle Beer, uma cerveja pensada para o público
ciclista que, aliás, é grande na Holanda. Semi-
artesanal, a Superprestige é uma cerveja blond ale
não filtrada, com 4,9% de teor alcoólico, e seu principal
diferencial é possuir minerais alpinos com excelentes
características de hidratação e recuperação pós-treino.
Rica em proteínas, sais minerais e vitamina B, esta é
uma boa maneira de revigorar após o pedal!

PORTAL DA PREFEITURA DE SÃO PAULO


TEM CANAL PARA SOLICITAÇÕES
RELACIONADAS ÀS CICLOVIAS
Desde dezembro de 2016, quem usa as ciclovias de São
Paulo tem como solicitar on-line alguns serviços, como
manutenção de ciclovias/ciclofaixas, implantação de
estacionamento de bicicletas na via, avaliação de ciclovias
e solicitação de estudo para implantação de ciclovias/
ciclofaixas. Estes e outros serviços de diversas áreas
podem ser solicitados através do Portal 156, da Prefeitura
de São Paulo. As solicitações referentes às ciclovias estão
no link “Trânsito”, assunto “Ciclovias, ciclofaixas e outros”.
Acesse em sp156.prefeitura.sp.gov.br
ROLÊ

A GRANDE
VOLTA
A segunda edição da ultramaratona A Grande Volta
acontecerá entre os dias 18 a 29 de julho de 2017.
São 1.078 km em 11 dias consecutivos de pedal e
mais de 20 mil metros de ascensão, serpenteando
as fascinantes serras da região sudeste brasileira.
A organização considera esta ultramaratona como
“o maior desafio radical de MTB das Américas, um
pedal para quem não tem juízo”. A largada acontece em
Búzios (RJ), pequena península com mais de 20 praias de
águas cristalinas. Depois, os ciclistas entram em Minas Gerais,
rumo às montanhas de Ibitipoca. De origem tupi-guarani, Ibitipoca – junção dos
termos ybytyra (pedra) e pok (explode) - significa montanha que explode. O grande
afloramento de quartzito na região atrai tempestades elétricas, o que rendeu o nome
ao local. Por fim, depois de uma passagem também pelo estado de São Paulo, os
ciclistas retornam ao Rio de Janeiro, finalizando a ultramaratona em Paraty, cidade
que encanta por sua beleza, marcada pelo encontro do azul-turquesa do Oceano
Atlântico com o verde da Mata Atlântica intocada, e por sua história, traduzida
em inúmeras estradas velhas do caminho do ouro. Além da alta quilometragem e
altimetria, A Grande Volta possui um percurso fascinante e desafiante para o MTB.

Ficou com vontade de participar? Então, acesse:


revistabicicleta.com.br/rb/d8r

018 REVISTA BICICLETA


ROLÊ
© DIVULGAÇÃO

PARA
BRINCAR E
APRENDER
A companhia norte-americana
Fisher-Price, especializada
em brinquedos para crianças,
anunciou o lançamento de uma
bicicleta ergométrica inteligente
com uma proposta bastante
tecnológica e interessante.
Enquanto a criança se exercita,
quatro diferentes aplicativos sincronizados
com a velocidade de pedalada e focados em
educação são mostrados na tela de um tablet,
smartphone ou televisão, conectados via Bluetooth.
Indicada para crianças de três a seis anos, a Think & Learn Smart Cycle foi
desenvolvida com a ideia de oferecer à criança um tempo de tela sem culpa, e
os pais podem monitorar o tempo que a criança se exercitou e sobre o que ela
aprendeu. Com lançamento previsto para o segundo semestre de 2017, o preço
deve ficar em torno de US$ 150, e os aplicativos serão vendidos a US$ 5.

INSCRIÇÕES ABERTA PARA O “PRÊMIO MONUMENTO


MÁRCIA PRADO: AOS CICLISTAS INVISÍVEIS”
Com o intuito de promover a reflexão acerca da violência que atinge quem se locomove
de bicicleta pela cidade; relembrar e homenagear as vítimas desta violência; premiar o
monumento em sua homenagem e estimular a produção artística, o Instituto CicloBR
lança o “Prêmio Monumento Márcia Prado: Aos Ciclistas Invisíveis”. Os interessados
poderão encaminhar seus trabalhos até o dia 15 de fevereiro através de formulário
disponível na página www.ciclistasinvisiveis.com.br, conforme especificações contidas
em edital para download neste mesmo endereço.
O Prêmio foi inspirado em Márcia Prado, ciclista que em 2009 teve sua vida interrompida
por uma ocorrência fatal, enquanto pedalava pela Avenida Paulista. O processo seletivo
do melhor trabalho será dividido em duas partes: a primeira etapa será a seleção por
júri composto por especialistas convidados pelo instituto CicloBr e a segunda etapa por
votação popular. As avaliações devem considerar a qualidade estética, a originalidade, o
apelo simbólico e a relação do projeto com o espaço do entorno da Praça do Ciclista.

020 REVISTA BICICLETA


ROLÊ

© ROBERTO FURTADO
ROTA
DOS
FARÓIS
Está para financiamento coletivo no site Vakinha.com.br
a produção fotográfica da “Rota dos Faróis”, que abrange
todo o litoral gaúcho, de Torres ao Chuí. A rota de mais
de 600 km será executada em aproximadamente 10 a 14
dias em bicicleta, registrando os faróis e o meio ambiente,
contribuindo também para a geração de consciência
ecológica. Quem está à frente desta empreitada é o
fotojornalista Roberto Furtado, também conhecido
como Andarilho, autor do blog bikesdoandarilho.
com e colaborador da Revista Bicicleta. Com vasta
experiência em coberturas fotojornalísticas no mundo da
bicicleta, incluindo desde eventos de longa distância até
importantes feiras de negócio do mercado em questão,
Furtado é antes de tudo um apaixonado pela bicicleta e
pelas conexões que ela é capaz de proporcionar.
“Acredito no potencial deste roteiro”, diz Furtado, “desde
que era criança eu sonhava caminhar em direção ao sul
no litoral. Não sei bem de onde nasceu isto, mas eu sonhei
muitas vezes com este trajeto e depois de adulto visitei
diversos trechos e constatei que há lugares diferentes e
bonitos para serem explorados. Há histórias... há cultura
local, há riqueza natural, fauna, flora, endêmicas! Traçar
um caminho para aqueles que também desejam viajar por
belas paisagens... como na maior praia do mundo, não
seria pra lá de especial? Falamos de dezenas de faróis,
naufrágios, parques naturais, etc. Conto com a ajuda
de todos para conseguir materializar este projeto que
objetiva conscientizar as pessoas sobre este belo litoral
com potencial turístico e que deve ser protegido. Eu vou
mostrar muito... não perde!”
Para contribuir com o projeto, acesse
revistabicicleta.com.br/rb/d8s.
ROLÊ

CHAOYANG BRASIL ENDURO


SERIES ANUNCIA NOVIDADES
PARA A TEMPORADA DE 2017
Após seu terceiro ano de realização, o Brasil Enduro Series renovou com a Chaoyang
Tires como principal patrocinador para 2017. Outra boa notícia é que a última
etapa do campeonato de 2017, que acontecerá em Urubici – SC, será válida como
classificatória para o Enduro World Series 2018.
A primeira etapa do Chaoyang Brasil Enduro Series 2017 será em Santo Antônio do
Pinhal, pequeno município serrano do estado de São Paulo, na região metropolitana
do Vale da Paraíba, próximo a Campos do Jordão. Considerado uma das principais
estâncias climáticas do estado, o município fica a 1.080 m de altitude e tem um
pouco menos de 10.000 habitantes. Santo Antonio conta com turismo forte, com
muitas pousadas e restaurantes e o charme de um vilarejo de montanha. Além disso,
possui várias trilhas catalogadas e movimento de bikers durante todo o ano. “A
região é propícia para a prática do Enduro. Teremos um QG praticamente no centro
da cidade e alguns estágios de fácil acesso, que poderão ser acompanhados de
perto por familiares e apoiadores”, comentou Théo Duarte, um dos organizadores do
evento.
Saiba mais em www.brasilenduroseries.com.br

PRIMEIRA VITÓRIA DE UMA BIKE


COM FREIOS A DISCO NUMA
PROVA DE ESTRADA UCI
Em 2017, a União Ciclística Internacional (UCI) retomou os testes com bicicletas de
estrada equipadas com freios a disco. E o belga Tom Boonen, na segunda etapa do
Tour de San Juan, na Argentina, fez história ao vencer, pela primeira vez na história,
uma prova UCI com uma bike deste modelo, a Specialized S-Works Venge Vias disc.
Vale lembrar que em 2016 as speeds com freio a disco já estavam autorizadas a
participar, em caráter de teste, nas provas da UCI, mas depois que o ciclista Fran
Ventoso afirmou ter se ferido ao cair sobre um disco na Paris-Roubaix 2016, esta
tecnologia foi suspensa das provas.

024 REVISTA BICICLETA


CYCLE CHIC © MONKEY BUSINESS IMAGES / DEPOSITPHOTOS

026 REVISTA BICICLETA


O MANIFESTO
CYCLE CHIC
O termo Cycle Chic foi cunhado meio por acaso por Mikael Colville-
Andersen, ao criar o blog Copenhagen Cycle Chic. Quando a expressão
popularizou, Mikael quis destacar o que ela significava. Foi assim
que surgiu o Manifesto Cycle Chic, como sempre, com uma pitada
de seriedade, um toque de poesia e um pouco de diversão. Por isso:
inspire-se, mas não leve muito a sério...

 Eu escolho pedalar chique e, sempre  Irei, contudo, considerar minha


que puder, escolherei Estilo em vez de bicicleta como meio de transporte e como
Velocidade. um mero complemento do meu estilo
pessoal. Permitir que minha bike chame
 Eu assumo minha responsabilidade mais a atenção do que eu é inaceitável.
em contribuir visualmente para uma
paisagem urbana esteticamente mais  Eu irei garantir que o valor total de
minhas roupas sempre seja superior ao
agradável.
valor total de minha bicicleta.
 Estou ciente de que minha mera
 Colocarei acessórios de acordo com
presença na paisagem urbana irá inspirar
os padrões de uma cultura ciclística e
outros sem que eu seja rotulado como comprarei, quando possível, um protetor
"cicloativista". de corrente, pedestal, guarda-saia,
paralamas, campainha e cesta.
 Pedalarei com graça, elegância e
dignidade.  Respeitarei as leis de trânsito.

 Escolherei uma bicicleta que reflita  Recusarei usar e possuir qualquer


minha personalidade e estilo. forma de "roupas de ciclismo". ␣

EDIÇÃO DIGITAL 03 JANEIRO - FEVEREIRO 2017 027


PLAYLIST

Fotos Reprodução

VOLTA
E MEIOS
O documentário Volta & Meios apresenta seis pessoas que, nos últimos 20 anos,
decidiram partir do Brasil, através de cinco meios de transporte diferentes, com
um desejo: dar a volta ao mundo. De veleiro, carro, moto, bicicleta ou carona, eles
retornaram meses ou anos depois com fortes experiências e ensinamentos na
bagagem. O cicloturista Antonio Olinto é um dos entrevistados neste documentário
independente, que pode ser acessado em revistabicicleta.com.br/rb/d8m

FEITO
A MÃO
Zé Mário, da Sem Raça Definida, oferece
neste vídeo uma pequena amostra do dia a
dia da produção handmade das peças SRD.
Os produtos em couro são a essência da
marca de Zé, que é uma das referências em
acessórios feitos a mão para ciclistas no
Brasil.

Acesse em revistabicicleta.com.br/rb/d8n

028 REVISTA BICICLETA


PLAYLIST

Fotos Reprodução

2º PEDAL
FREE
FORCE
No dia 11 de dezembro de
2016, aconteceu a segunda
edição do Pedal Free Force.
Foi um dia muito especial,
em que cerca de 1.500
ciclistas pedalaram juntos
CICLOS
por Pomerode – SC e O curta-metragem Ciclos, documentário
confraternizaram com outras lançado recentemente, acompanha a
1.500 pessoas depois do rotina de um grupo de ciclistas em São
evento. O vídeo desta festa do
ciclismo pode ser visualizado Paulo. Produzido pela Vice em parceria
em com o Itaú, Ciclos mostra como o simples
revistabicicleta.com.br/rb/d8q uso da bicicleta mudou a vida de três
paulistanos: a advogada Lorena Garrido, a
empresária Carolina Ikeda e o professor e
ativista Eduardo Magrão. O documentário
completo está disponível gratuitamente
no canal do Itaú no Youtube, em
revistabicicleta.com.br/rb/d8p

30 REVISTA BICICLETA
CICLOTURISMO

Texto e Fotos
Antônio Olinto

PLANEJAMENTO
TEMPO
Apaixonado por cicloturismo que sou, costumo enfatizar as vantagens de
uma viagem de bicicleta. Entretanto, devo reconhecer que, viajando em uma
velocidade natural, ou seja, numa velocidade em que temos a possibilidade de
absorver todas as nuances do mundo ao nosso redor, necessitamos de mais
tempo do que quando utilizamos um veículo automotor.

Q
uanto mais restrito o tempo, o perfil altimétrico do caminho, pavimen-
maior a necessidade de planejar. to, pontos de abastecimento, etc. Tantas
O cicloturista só pode planejar informações geralmente só podem ser
bem sua viagem com informação de encontradas em guias de cicloturismo
qualidade, o que é raro. especializados, ou em alguns circuitos
consagrados de cicloturismo.
Mais que saber quantos quilômetros
existem entre uma cidade e outra, é im- Quem pretende viajar de bicicleta deve
portante saber suas capacidades físicas, treinar antes utilizando um odômetro

34 REVISTA BICICLETA
bem calibrado, pois só assim saberá, cavalo que trabalha no campo neces-
com certeza, suas capacidades diárias sita de folga a cada quatro ou cinco
de deslocamento. de trabalho duro. Mesmo que leve em
equilíbrio seu pedalar, e que não esteja
Caso não tenha informação de qualida- assim tão cansado, o dia de folga serve
de sobre o percurso que pretende fazer, para ser preenchido pelo imprevisto que,
planeje com folga: guarde energia para o a rigor, deve acontecer em uma viagem
final do dia e para o dia seguinte, carre- de bicicleta.
gue água e comida sobressalente.
Em minha volta ao mundo nunca tive
Pense sempre que seu treinamento diá- informações de qualidade; de toda for-
rio geralmente ocorre em condições ide- ma, seguia um planejamento anual, pois
ais, que não correspondem à realidade sabia que deveria evitar ser pego pelo in-
de uma viagem com todo o equipamento verno em grandes altitudes ou latitudes,
sobre a bike. Em viagens mais longas, ou chegar a uma região no começo da
quando a empolgação dos primeiros temporada das chuvas. Havia também
dias passa, e enquanto não chega a em- um planejamento mensal onde pesava
polgação pela concretização da viagem, muito as datas de visto dos países em
bate um desânimo que pode ser facil- que estava, e dos que iria entrar e/ou
mente curado com um dia de descanso. onde poderia consegui-las. Meu cálculo
de deslocamento rondava os 2.000 km
Em viagens de mais de uma semana, por mês, dependendo do relevo da região
conte pelo menos um dia de folga para e das atrações que desejava ver. Desta
cada cinco de pedal, afinal, mesmo um forma, deixava o dia a dia bastante flexí- 


Estrada Real,
Minas Gerais.

Encontro com
viajante japonês no
meio do deserto.


EDIÇÃO DIGITAL 03 JANEIRO - FEVEREIRO 2017 35


"NEM SEMPRE O
vel para absorver as IMPREVISTO É
inúmeras variantes
implanejáveis que
NEGATIVO..."
vão além do perfil
altimétrico e dados técnicos: chuva, neve, vento,
problemas mecânicos ou simplesmente o desâ-
nimo próprio de uma manhã, após uma noite mal
dormida.

Quando digo que o imprevisto deve acontecer, não


 Peregrino Indú - Índia é somente uma probabilidade real de fatalismos,
pois nem sempre o imprevisto é negativo.

Imagine um dia ideal... Caminho reconhecidamen-


te plano, com asfalto bom, temperatura agradável,
vento a favor. Você acorda disposto e o plane-
jamento para o dia é fazer uns 100 km em sete
horas, a 15 km/h, passando pelas cidades A, B e
C. Assim, pedala por mais de uma hora até fazer
sua primeira parada de descanso. Ao seu lado
senta um senhor simpático, que começa a contar
belas e interessantes histórias da região. Depois
de cinco minutos, você deveria seguir pedalando
para cumprir seu cronograma ou continuar a con-
 Amigos Sicks - Índia versa? Qual o objetivo de uma viagem? Onde está
o objetivo: chegar na cidade C ou viver, conviver e
aprender com a região?

Sempre que falo de planejamento em cicloturis-


mo, enfatizo que tudo é muito simples apesar de
não ser fácil. O cicloturista pode usar sua energia
para viver a viagem e não simplesmente executar
um plano de viagem. Esta flexibilidade só é pos-
sível com tempo. Todos nós temos 24 horas de
tempo por dia, e mesmo assim, o tempo tem sido
considerado o bem mais caro do homem moder-
no. Por isto, quando planejar uma viagem de bici-
cleta, seja generoso consigo mesmo e entregue a
você mesmo aquilo que já é seu – o tempo neces-
 Sul do Chile
sário para viver a intensidade de uma viagem de
bicicleta. ␣

36 REVISTA BICICLETA
SUPERAÇÃO

© ALEXANDRE_CAPPI
Therbio Felipe entrevista Marcelo Graciano

38 REVISTA BICICLETA
INSPIRADO
PELA FÉ!
Aos 39 anos, Marcelo Graciano tem se tornado uma
inspiração a mais para milhares de jovens que estão
pelas pistas de ciclismo de todo o país.

N
atural de São José dos Durante a recuperação e até mesmo
Campos-SP, Marcelo Graciano, nos dias de hoje, uma série de pessoas
comerciante residente em São perguntam sobre o caso, e ele, com
Francisco Xavier-SP, passou por um muita sinceridade, diz que nunca parou
momento bastante crítico que acarretou para pensar tanto a respeito, pois
em uma mudança de vida absoluta em percebeu que as pessoas que estavam
1998. Ao colidir de moto frontalmente à sua volta dando apoio ajudaram
com um automóvel, Marcelo teve imensamente para que ele nem mesmo
um trauma grave no braço. Após 25 se desse por conta de que estava
dias internado no hospital tentando deficiente.
recuperar as condições do braço, veio a
notícia que ninguém gostaria de receber: Ele nos conta: “entendo que se Deus
seu braço seria amputado. escolhe determinadas pessoas para
viver com uma dificuldade ou deficiência
Marcelo comenta que esta mudança é por que somos capacitados para
radical de vida está bem assimilada. passar alguma motivação adiante para

EDIÇÃO DIGITAL 03 JANEIRO - FEVEREIRO 2017 39


outras pessoas. E se ele quis, o que km, mas acabou por ir no passeio de 20
eu vou fazer? Me trancar no quarto e km.
ter vergonha de mim mesmo? Não!
Agradeço por ser como sou hoje. É Sua primeira participação na categoria
possível que se eu estivesse com os PNE (Portadores de Necessidades
dois braços não faria metade do que Especiais) aconteceu na última etapa
faço com um só, e com certeza você não do Big Biker na cidade de Santo Antônio
estaria lendo esta matéria sobre mim do Pinhal, percorrendo os 45 km de
agora (risos)”. um traçado duro em quase seis horas,
sendo o último a chegar ficando na
Em 2010, sua irmã e cunhado quarta colocação. Ele comenta que
compraram bicicletas para eles. Isto fez valeu muito o sofrimento, porque desta
com que Marcelo acabasse comprando forma acabou vendo o carinho e apoio
um bike para ele também. Começou dos outros bikers durante o perrengue,
a dar umas voltas por São Francisco isso que leva a não desistir nunca
Xavier na companhia do cunhado e durante uma competição.
com um amigo, Luís Henrique, que
participava de corridas de aventura. Marcelo complementa dizendo que, “por
conta disso, hoje a bike faz parte 100%
Marcelo e Luís começaram a andar da minha vida e não pretendo parar tão
juntos, tendo o amigo como incentivador cedo”.
e dando dicas. Até que chegou o dia
Perguntamos quais são as suas maiores
em que o Luís disse que para evoluir
referências e inspirações na vida,
mais, Marcelo teria de encontrar um
além das suas maiores referências
treinador. Sendo assim, em novembro de
e inspirações no MTB? De imediato,
2010, foram em uma prova na cidade de
Marcelo diz que “na vida, Deus, tudo
Pindamonhangaba, onde correram em
que fizer em sua vida coloque Deus
dupla.
como fonte de inspiração, assim terás o
E como diz o Marcelo: “daí o que era sucesso”. E no MTB, diz que tem várias
bom ficou melhor!”. referências, mas que não pode deixar
de falar especialmente do grande Alá (o
Marcelo voltou a correr formando dupla atleta Alarico Moura).
com o Claudio Rodolfo, em 10 de abril
de 2011, alcançando a 4ª colocação na A preparação física de Marcelo durante
Copa São Paulo. Deste ponto em diante, a semana depende do seu horário de
a vontade de ir em outras competições trabalho (7 h às 18 h), portanto, só
era ainda maior. consegue treinar ou antes ou após.
Ainda assim, treina de terça a quinta e
Vieram uma prova atrás da outra em ainda nos finais de semana. Marcelo
2011, como o Big Biker de Taubaté. argumenta que acredita que se você
Porém, nesta prova Marcelo não está bem consigo mesmo, confiante e
competiu por conta da distância de 65 faz o que gosta, já é um grande passo 

40 REVISTA BICICLETA
"HOJE A BIKE FAZ PARTE
100% DA MINHA VIDA E
NÃO PRETENDO PARAR
TÃO CEDO."

© GUSTAVO EPIFANIO

EDIÇÃO DIGITAL 03 JANEIRO - FEVEREIRO 2017 41


para a vitória”. cinco mil seguidores na redes
sociais, e em sua grande maioria são
Temos acompanhado que Marcelo
companheiros nossos de MTB pelo
vem atingindo várias marcas pessoais
nestes dois últimos anos. Perguntamos Brasil. Perguntamos o que significava
que provas mais mexeram com ele e em para ele ter se tornado uma referência
quais alcançou destaque? Ele respondeu como atleta para tanta gente. Marcelo
dizendo que “todas as competições responde dizendo que “quando você se
mexem com o emocional da gente, torna referência para outras pessoas,
sempre há uma nova experiência, por sem dúvida é muito gratificante. Sempre
isso digo que cada prova é um desafio que estou em uma prova e alguém
e uma superação diferente. Desde que
fala que é meu fã ou que está ali por
iniciei no MTB em 2010 já foram mais
minha causa, por me ver superando
de 90 competições. No ano de 2015,
finalizei um total de 26 competições. meus limites, isso mostra ainda mais
Entre elas, fui campeão do Big Biker, que nunca devemos desistir, devemos
4SeasonsMTB, GP Ravelli, Iron Biker, manter a cabeça erguida e ir sempre à
JambaCross, RealMTB. Foram 13 frente”.
primeiros lugares, seis segundos
lugares, quatro terceiros lugares e três Para encerrar, Marcelo Graciano deixa
quartos lugares. O ano de 2015 foi um sua mensagem: “gostaria de agradecer
ano de muitas conquistas e uma das a todos pelo apoio, força e incentivo
mais importantes foi participar do filme que têm me dado até agora, e no que
do Strava, o Ride With Us. Dentre tantos depender de mim estaremos juntos
atletas brasileiros, ser escolhido me
nas trilhas por muito tempo. Também
deixa sem palavras”.
gostaria de deixar meu muito obrigado
Atualmente, Marcelo tem quase ao meus patrocinadores e apoiadores. 
ENTENDA MELHOR

Texto Pietro Battisti Petris

KEVLAR
A SUPER FIBRA
Já ouviu falar em Kevlar? Talvez não. Mas já ouviu falar em
colete à prova de bala, certo? Então, de certa forma, você
ouviu falar em Kevlar. Como não é qualquer fibra que aguenta
um tiro, sem dúvida essa é uma fibra especial da qual se tem
feito coisas incríveis.

46 REVISTA BICICLETA
F
ibras! Fibras fazem e hoje é uma das empresas mais
maravilhas. Ou, no caso de admiradas do setor químico. Nylon,
Kevlar, o ser humano faz Lycra, Teflon e Nomex são outras
maravilhas com as fibras. marcas registradas da DuPont.
Já falamos algumas vezes a palavra
fibra, então é melhor termos um Acreditamos que o ponto mais legal da
conceito básico do que é uma fibra. história do Kevlar foi quem o inventou:
você provavelmente espera o nome de
As fibras são materiais muito finos e um químico famoso, mas não foi esse
alongados, que podem ser fiadas para o caso do Kevlar. Quem o inventou
se transformarem em fios e cordas, ou foi uma química, a estadunidense de
dispostas em mantas para produzirem origem polonesa Stephanie Kwolek!
coisas como papel ou tecidos. As Ela nasceu em 31 de julho de 1923
bicicletas de fibra de carbono, por e acabou na indústria química ‘por
exemplo, são feitas com fibras acaso’. Seu objetivo era ser médica, e
trançadas. para conseguir dinheiro suficiente para
se matricular na escola de medicina,
Podem ser retiradas diretamente
entrou num trabalho ‘temporário’ na
da natureza, podem ser artificiais –
indústria química.
usando matéria-prima natural – ou
sintéticas, usando produtos químicos Stephanie descobriu o Kevlar em 1965,
como matéria-prima. A fibra em aos 42 anos de idade, e ao longo da
questão, o poderoso Kevlar, é uma sua carreira ganhou vários prêmios por
fibra sintética. seu trabalho em química de polímeros.
Em 1994 entrou para o Salão da Fama
ORIGEM de Inventores (National Inventors Hall
O Kevlar é uma marca registrada da of Fame). Infelizmente, em 18 de junho
DuPont, uma empresa americana de 2014, Stephanie faleceu aos 90
que foi fundada em julho de 1802 anos de idade.
(isso mesmo, experiência é o que
não falta!) pelo francês Eleuthère APLICAÇÃO
Irénée du Pont (aposto que você leu O Kevlar é uma fibra sintética muito
fazendo biquinho). Originalmente era leve e resistente – inclusive ao calor,
uma fábrica de pólvora, mas acabou sete vezes mais resistente que o aço.
conhecida por liderança no campo O uso do Kevlar é amplo: vai de linhas
de pesquisa em ciência e tecnologia de pesca até coletes à prova de bala. 

EDIÇÃO DIGITAL 03 JANEIRO - FEVEREIRO 2017 47


© MAXXIS REPRODUÇÃO

É importante lembrar que existem


variações do Kevlar: o Kevlar original
é maleável e se assemelha muito a
um tecido emborrachado. Versões
posteriores do Kevlar, como o Kevlar
29, é mais resistente, usado para
coletes e produtos que precisam
de resistência ao calor. Existe
uma variante do Kevlar chamada
Nomex, que é usada nas roupas dos
bombeiros, muito resistente ao calor. Outras aplicações do Kevlar incluem
Esse material só queima após pelo cintos de segurança, construções
menos oito segundos exposto a uma aeronáuticas, mangueiras de
temperatura de mais de 1.000° C! bombeiros, alto-falantes e até mesmo
roupas casuais.
Versões ainda mais recentes, como
o Kevlar 49, são usadas em produtos
rígidos, como tanques de combustível O KEVLAR NAS
de carros de Fórmula 1. Nesse caso, BICICLETAS
o Kevlar evita que o tanque rompa em Bicicletas também se beneficiam
um acidente, o que não seria muito do Kevlar! Uma das aplicações mais
agradável. Cascos de barcos também comuns é nos pneus. Isso não quer
se beneficiam dele. dizer que seu pneu será à prova de
bala, mas deixará ele mais leve e
É claro que o Kevlar não faz milagre. dobrável. O Kevlar não é usado no
Seu ponto forte é a resistência ao composto do pneu, mas sim no lugar
ataque químico, ao tempo e ao fogo. do arame que firma o pneu no aro. Isso
As primeiras versões do Kevlar não o torna muito mais fácil de instalar/
podiam fazer nada diante de uma remover e transportar. E ele pode pesar
simples faca. Já versões posteriores até 20% menos que um pneu comum.
possuem resistência aprimorada a E a facilidade de colocá-lo no aro... é
cortes e impactos, mas com menos incrível!
maleabilidade. E mesmo assim, um
colete de Kevlar pode deter balas de Quadros fabricados com uma mistura
pequeno e até médio calibre, mas não de Kevlar e carbono são recentes, mas
pode fazer nada contra um tiro de rifle podem ganhar espaço por terem baixo
de grosso calibre. peso e redução de vibração. A empresa

48 REVISTA BICICLETA
 Stephanie Kwolek. © DUPONT / REPRODUÇÃO JALOPNIK.COM

americana Razik criou um quadro


de Kevlar com carbono que possui
estrutura complexa, e não simples
tubos. Eles não só podem deixar
o quadro mais leve, mas também
aumentar a resistência e aumentar a
absorção de vibrações.

Uma aplicação recente e curiosa do


Kevlar no mundo do ciclismo é nos
raios da roda. Raios de Kevlar são
leves, resistentes e ainda tem uma
FUTURO DAS
característica interessante: possuem
SUPER FIBRAS
certa maleabilidade! Assim ajudam
Existem muitas super fibras com
a absorver os impactos da roda.
utilidades incríveis, mas a maioria
Parece estranho, mas os raios não são
delas possui um preço muito alto, o
totalmente rígidos. Porém, quando
que limita seu uso. É claro que com o
estão todos tensionados, o conjunto
tempo são descobertos processos e
fica rígido.
matérias-primas que barateiam essas
Outras áreas que poderiam se fibras. O kevlar já é mais barato hoje
do que há um tempo atrás, e tem sido
beneficiar do Kevlar são mangueiras
usado em cada vez mais produtos.
hidráulicas, pastilhas de freio,
Outro fator importante é sua demanda,
protetores de quadros, roupas de
que pode levar à produção em grande
ciclismo, proteções como joelheiras e
escala, ajudando a diminuir o preço.
cotoveleiras, capacetes e outros.
Além disso, ainda há muito o que
Infelizmente, o preço do Kevlar impede
descobrir. Fibras sintéticas ainda mais
que ele se torne mais popular. A
fortes e versáteis podem estar para
fabricação necessita de processos
roubar a cena e baratear outras fibras.
químicos e alta temperatura, que por
sua vez exige dinheiro. Kevlar não Em breve talvez poderemos contar
pode ser fabricado usando matéria- com peças e acessórios mais
prima natural. Utiliza produtos resistentes e mais duráveis, graças a
químicos que por si só, já podem ser esforços de pessoas dedicadas, como
muito caros. os de Stephanie Kwolek! ␣

EDIÇÃO DIGITAL 03 JANEIRO - FEVEREIRO 2017 49


CICLOTURISMO

Texto e Fotos
Paulo de Tarso / Sampa Bikers

50 REVISTA BICICLETA
FERNANDO
DE NORONHA
Arquipélago de Fernando de Noronha pertence ao estado brasileiro de
Pernambuco e é formado por 21 ilhas, numa extensão de 26 km², tendo uma
principal - a maior de todas - também chamada "Fernando de Noronha"
-, como única ilha habitada. As demais estão contidas na área do Parque
Nacional Marinho e são desabitadas, só podendo ser visitadas com licença
oficial do Ibama. Em 2002, recebeu o título de Patrimônio Mundial da
Humanidade, concedido pela Unesco. 

EDIÇÃO DIGITAL 03 JANEIRO - FEVEREIRO 2017 51


A
ilha é pequena, tem ape- Vila dos Remédios concentra todo o
nas 17 km² e fica a 545 movimento turístico, além das interes-
km da costa, onde vive santes formações rochosas como Dois
uma população de ape- Irmãos, cartão postal da ilha.
nas 3.012 habitantes e o
turismo é desenvolvido de forma susten- No mar, com até 50 m de visibilidade, os
tável, criando oportunidade do encontro golfinhos, os peixes e os navios naufra-
equilibrado do homem com a natureza gados convidam a um mergulho neste
em um dos santuários ecológicos mais mundo colorido e fascinante.
importantes do mundo.
Como a ilha não possui rios e lagos, toda
A mais famosa ilha brasileira, obviamen- água consumida é coletada das chuvas
te galgou essa honra à custa de suas ou vem do continente. Se chove pouco,
belezas naturais, mas em muito contri- o líquido falta e a administração põe em
buiu o isolamento que a manteve proi- operação uma campanha de raciona-
bida para os turistas até o começo dos mento. Mesmo cercada pelo mar, a ilha
anos 70, quando chegaram os primeiros sofre com a seca.
visitantes e, em poucos anos, o número
Noronha, porém, sobreviveu a tudo isso.
de pousadas estourou. Em quatro dé-
Simplesmente porque seu encanto maior
cadas, Noronha mudou mais do que em
está no mar: são 16 praias, cada qual
quatro séculos.
com atrações diferentes. De um lado
Descoberta em 1503 por Américo Ves- está o Brasil. É o “mar de dentro”, com
púcio, Noronha caiu nas mãos dos um mar tranquilo a maior parte do ano e
invasores holandeses e franceses, vi- protegido dos ventos. Do outro, a Áfri-
rou ilha-presídio e até base do Exército ca. É o “mar de fora”, com um mar mais
americano durante a Segunda Guerra. agitado, acalmado um pouco em alguns
Esse currículo criou uma série de lendas pontos pelos arrecifes que retém o mar
entre os moradores da ilha e até mesmo entre as pedras.
interferiu nas fascinantes paisagens. Por
Ir até Noronha requer no mínimo cinco
exemplo: quase não há árvores no local,
dias, para usufruir dos inúmeros atra-
muitas arrancadas para que os presos
tivos naturais e vivenciar um pouco da
não fizessem barcos para tentar fugir
história da sua colonização. São inúme-
para o continente.
ras as opções de atividades e passeios,
Em terra, na ilha de Fernando de Noro- que atendem a todos os públicos e ofe-
nha, há trilhas, fortalezas antigas, vege- recem ao visitante a chance de ver todas
tação exuberante e morros. A agitada as belezas das ilhas. Tem caminhada, 

52 REVISTA BICICLETA
EDIÇÃO DIGITAL 03 JANEIRO - FEVEREIRO 2017 53
 COMO CHEGAR
Duas companhias aéreas (Azul e Gol) têm
voos regulares saindo de Recife (1 h 20 min
de viagem) e Natal (55 minutos de viagem).
Para quem gosta do mar, há a opção dos
cruzeiros marítimos e embarcações parti-
culares.

 VIAGEM
Todos os voos para a ilha saem exclusiva-
mente de Recife ou de Natal. Se você está
em outro estado ou país, terá que pegar
um avião para uma dessas cidades e de-
pois pegar outro para Noronha.

 QUANDO IR
Há duas estações predominantes: a seca,
que vai de setembro a fevereiro, e a chu-
vosa, com precipitações ocasionais, de
março a agosto. A temperatura tem pouca
variação durante o ano, mantendo uma
média de 28°C, com muito sol e uma brisa
refrescante.

TAXA DE
PRESERVAÇÃO AMBIENTAL
Além de ser uma das viagens mais caras,
o governo de Pernambuco ainda cobra
taxa de permanência na ilha. Esta taxa foi
criada em 1989 pelo governo do estado de
Pernambuco, e deve ser paga por todos os
visitantes que chegam à ilha. Do valor arre-
cadado, 50% é investido em recolhimento,
reciclagem e envio do lixo ao continente -
cerca de 70% do lixo de Noronha é produzi-
do em função da atividade turística. Os ou-
tros 50% são investidos, obrigatoriamente,
em Noronha com implantação e melhoria
da infraestrutura da ilha. Menores de cinco
anos não pagam. No entanto, se, por aca-
so, você sair antes do período programado
e já tenha pago, terá direito à restituição
da diferença antes de embarcar para o
continente. Da mesma forma, se resolver
prolongar a visita, o valor referente aos
dias a mais será cobrado no dia do embar-
que. E o pagamento pode ser feito à vista,
cheque, cartões de crédito, dólar etc.

O valor da taxa é R$ 51,40 por dia e deve


ser pago no aeroporto no momento do
desembarque ou pela internet. Existe tam-
bém uma taxa de preservação que deve
ser paga para fazer as trilhas e custa em
média R$ 10,00.

 INFORMAÇÕES
www.ilhadenoronha.com.br

54 REVISTA BICICLETA
observação de golfinhos, surf, passeios bicicletas para todos os ilhéus.
de barco, de bugue... e agora de bike!
Estive lá no lançamento desse projeto
Mas o que não pode ficar de fora do
roteiro de jeito nenhum é um mergulho juntamente com a amiga Renata Falzoni
de cilindro, pois estamos falando de um e tivemos a oportunidade de pedalar um
dos melhores lugares do mundo para a pouco pela ilha e conhecer de bicicleta
prática desse esporte. Mas prepare seu as maravilhas desse paraíso. De bicicle-
bolso, tudo lá é muito, mas muito caro. ta pedalamos na parte histórica da ilha,
na Vila de Nossa Senhora dos Remédios,
Parte da ilha é cortada pela menor BR do passando pelo Palácio de São Miguel,
Brasil, a 363, com apenas 7 km. Onde, ruínas dos antigos presídios e Igreja de
pelo tamanho da ilha, em minha opinião, Nossa Senhora dos Remédios, passando
atualmente circulam muitos carros. Mas depois por três belas praias. Pedalamos
felizmente isso pode começar a mudar também até a Praia do Sancho, que cos-
com um projeto patrocinado pelo Itaú tuma frequentar a lista de praias mais
e apoiado pelo governo do estado de bonitas do país. Percorremos a Praia
Pernambuco, com a implantação de bici- do Leão, a Praia do Atalaia, Cacimba do
cletas para empréstimo para os turistas. Padre, e na Baía dos Porcos curtimos
Isso mesmo! Empréstimo, sem custo as piscinas naturais que se formam
algum. São bicicletas mountain bikes, entre as pedras. E para encerrar com
perfeitas para a ilha, porque subida é o chave de ouro curtimos um belo pôr do
que não falta lá, e na maioria das praias sol na Praia da Conceição. Tudo isso de
o acesso é por trilhas, algumas técnicas, bicicleta! Lembrando que os golfinhos
somente para quem está acostumado fazem o show na Baía dos Golfinhos.
a pedalar e estradinhas de terra com
muitas pedras entre subidas e descidas. Os problemas sociais não são muito
Nesse primeiro instante serão dois pon- diferentes de seus irmãos nordestinos.
tos para pegar as bikes. É só chegar e Mas os noronhenses vivem felizes. Tal-
pegar as bicicletas que estiverem dispo- vez porque não há violência e nem de-
níveis e depois devolver. E em um futuro semprego. Mas talvez seja porque vivem
bem próximo será realizada a doação de em Fernando de Noronha. 
SPEED

Texto Carlos Menezes

REGRAS DE
CONDUTA
EM UM PELOTÃO
DE CICLISMO

R
ecordo-me de certa A um primeiro olhar,
vez estar assistindo realmente pode parecer que
a uma prova do Pro seja assim. O que poucos
Tour e um parente me sabem é que ciclismo é um
questionar: “como você pode esporte coletivo, onde as
gostar de assistir a isso. É equipes traçam estratégias
muito sem graça. Um ciclista para superar os adversários
passa todo o tempo na frente e que dificilmente um atleta
e no último minuto aparece vence uma prova sem a
um lá do fundo que não andou participação da equipe.
na frente em momento algum
e vence. Emocionante mesmo A melhor definição que já ouvi
é futebol”. é que ciclismo é um jogo de

56 REVISTA BICICLETA
© DANIEL GEIGER / MERIDA DIVULGAÇÃO


DICAS
Algumas dicas ainda podem ser dadas  Nunca utilize fones de ouvido dentro do
para contribuir para a segurança de todos pelotão.
aqueles que pedalam em grupo.
 Não fique tirando fotos dentro do
 Seja responsável por aquele que vem pelotão.
logo atrás de você. Sinalize buracos,
pessoas, carros estacionando, animais  Em dias de chuva, periodicamente,
na pista, sujeira e qualquer coisa que seja pressione levemente os freios para que a
necessário desviar ou transpor. sapata de freio encoste levemente sobre o
aro, mantendo-o livre de água, óleo e areia.
 Nunca faça movimentos bruscos do
tipo: frear, mudar de direção ou acelerar  Em velódromos, normalmente os
bruscamente. revezamentos acontecem com aberturas
pelo lado direito, e a ultrapassagem é feita
 Cuidado ao pedalar de pé. O simples fato pelo lado esquerdo.
de ficar de pé faz com que sua bicicleta
diminua a velocidade fazendo com que  Na estrada, isso varia de acordo
quem venha atrás toque na sua roda. com a direção do vento. Em treinos, é
Sempre que for pedalar de pé, aumente sua importante lembrar que as ultrapassagens
velocidade, evitando que a bike corra para respeitam a ordem de circulação de vias,
trás. ultrapassagens pela esquerda e abrir
passagem pela direita.
 Ao invés de utilizar os freios, abra para
a lateral do pelotão expondo-se ao vento,  Procure respeitar o ritmo do grupo. Nas
pare de pedalar e levante o corpo. A própria descidas e subidas, aumente a velocidade
resistência do ar irá frear sua bike. gradualmente para não abrir demais o
grupo. Lembre-se de que todos revezando
 Nunca mude repentinamente de faixa. andam mais que alguns fazendo força.

 Quando for se alimentar ou beber água,  Uma boa distância entre sua roda
vá para as bordas ou para o fundo do dianteira e a roda traseira do ciclista da
pelotão. frente é entre 25 e 50 cm, sendo que 25
cm é a distância mínima de segurança
 Levante a mão e se afaste do pelotão em para uma rápida reação a um possível
caso de problemas mecânicos, movimento brusco do ciclista “que está
puxando”, e 50 cm é normalmente o limite
 Evite deixar que a sua roda dianteira fique máximo para o “vácuo” eficiente.
paralela à roda traseira do ciclista à frente.
Nesse caso, se você se assustar com algo  E por fim explore os sentidos: ouça, fale,
e por reflexo desviar rapidamente, vai cair e converse, sinalize, grite, incentive, espere,
provocar um “strike no pelotão”. reveze.

58 REVISTA BICICLETA
Acesse revistabicicleta.com.br/rb/bg9 cercado de ciclistas por todos os lados.
e assista ao vídeo, que elucida algumas
É fascinante a adrenalina da velocidade
técnicas para pedalar em grupo vencendo
a resistência do vento e proporcionando e raciocínio que precisamos ter.
um ganho de velocidade com o menor
esforço possível. É como se cada um fosse Para se ter uma noção, o ciclista da
a engrenagem de uma grande máquina frente é o que rompe o vento, e o simples
chamada pelotão.
fato de estar colado na sua roda traseira
proporciona uma economia de energia
de até 30%, mas o preço que se paga por
isso é a falta de visibilidade do que vem
xadrez em alta velocidade. pela frente. Assim é necessário confiar
completamente nos sinais daquele que
Só quem já andou dentro de um pelotão pedala na sua frente, sendo que esses
sabe bem a emoção que é. Mas não vá gestos são repetidos de um a um até
pensando que é fácil estar a 40, 50, 60 chegar ao último ciclista do pelotão.
e às vezes até a 70 km/h a menos de
15 cm da roda do ciclista da frente e Boas pedaladas. 
© DANIEL GEIGER / MERIDA DIVULGAÇÃO
TRANSPORTE ATIVO

Texto / Fotos Jonas Hagen

DIVULGANDO AS BICICLETAS
E TRICICLOS DE CARGA DO
RIO PARA O MUNDO

A
Transporte Ativo esteve com a participação de especialistas de
presente no Congresso do TRB transporte do mundo inteiro.
(Transportation Research Board),
o maior congresso da pesquisa de As bicicletas e triciclos de carga
têm uma longa tradição no Rio de
transporte mundial, que aconteceu de 8
Janeiro. Em 1935, um artigo do Jornal
a 11 de janeiro em Washington DC. Os
de Esportes reportou que o C.R.
dados sobre as bicicletas e triciclos de
Flamengo organizou a “Prova Popular
carga do Rio de Janeiro, recolhidos em de Tricycles,” que contou com a
2014 e 2015 num projeto da Transporte participação de dezenas de empresas
Ativo em parceria com o ITDP e 73 concorrentes. Um artigo publicado
Brasil, foram a base para o trabalho 35 anos depois no Jornal do Brasil
apresentado no congresso, que conta falou sobre o uso dos triciclos no Rio

Acesse o PDF
sobre o Estudo.
goo.gl/Oohui1

60 REVISTA BICICLETA
de Janeiro, diz que as empresas
conseguiam reduzir os seus custos
de entrega em até 80% com estes
veículos.

A pesquisa recolheu dados sobre


o uso da bicicleta para entrega de
bens em nove centros comerciais
do Rio: Santa Cruz, Campo Grande,
Bangu, Madureira, Ilha do Governador,
Centro, Copacabana, Tijuca e
Taquara. O trabalho mostra que as
bicicletas e triciclos de carga têm
uma forte participação na logística
local, sobretudo nos bairros cariocas
de Copacabana, Tijuca e Centro.
Segundo a pesquisa, estas três áreas
concentraram 89% das empresas que
utilizam bicicletas e triciclos para
entrega de bens, com 58%, 21%, e 10%
dessas empresas, respectivamente.

Além disso, houve um grande número


de trabalhos no congresso TRB sobre
bicicletas. A quantidade de trabalhos
sobre este modal cresceu muito nos
últimos anos, mostrando que há cada
vez mais interesse na bicicleta ao
redor do mundo. 
HISTÓRIAS DA BICICLETA

O último dos melhores do mundo.

Texto Eduardo Sens dos Santos

62 REVISTA BICICLETA
Gerhard Schönbacher entrega a lanterna
vermelha para Bernard Hinault.

© ARQUIVO HISTÓRICO / TOUR DE FRANCE

EDIÇÃO DIGITAL 03 JANEIRO - FEVEREIRO 2017 63


ntrar no Tour France. Está atento? Posso começar?
de France, você
deve imaginar, Muito bem. Vamos lá!
não é nada
Além da classificação por tempo,
fácil. Não basta
por pontos e por equipes, há uma
ser um ciclista
classificação informal e extra-oficial
excepcional. É
no Tour de France, a lanterne rouge.
preciso que sua
A expressão indica a luz vermelha
equipe esteja no
que no começo do século passado
topo do ranking
era pendurada no último vagão dos
da União Ciclística
trens, algo como a atual lanterna
Internacional
traseira dos veículos. Servia para que,
(UCI). Não há eliminatórias regionais
durante a noite ou dentro de túneis
como na Copa do Mundo. Ou você
longos, um maquinista não avançasse
está numa equipe de altíssimo nível ou
inadvertidamente sobre outro trem,
nada feito. Algumas exceções existem.
o que significaria uma tragédia sem
Geralmente, além das dezoito equipes
tamanho. No ciclismo, a expressão
do topo do ranking da UCI, quatro
passou a designar o último ciclista de
equipes são convidadas. São times
cada etapa, o que fechava o pelotão, o
que se encaixam na política da Amaury retardatário, o lanterninha.
Sports Organisation, o que significa
por vezes ter um bom patrocinador ou Mas o que era apenas uma brincadeira
estar numa área do planeta considerada do pelotão acabou tomando o gosto
estratégica para o esporte. Foi o que do público e, como bons vendedores
aconteceu em 2015: para turbinar que são, os jornalistas acabaram
as transmissões na Alemanha, e aproveitando o tema para liberar
considerando um grande cheque da a imaginação e deixar fluir textos
emissora ARD, os organizadores do Tour fantásticos a respeito do último
convidaram o time alemão Bora-Argon colocado. Afinal de contas, era preciso
18. E para tentar incentivar o ciclismo informar aos espectadores quem tinha
na África, a equipe MTNB-Qhubeka, da sido o pior classificado, quais as razões
África do Sul, foi outra das convidadas. do baixo rendimento, e principalmente
se ali estava um grande nome ou não.
É claro também que para ser Muitas vezes o fato de ser o último
selecionado dentre os nove ciclistas de significava uma grande vitória pessoal,
cada equipe é preciso gana de vencer. quando, por exemplo, acidentes
E muita. Individualmente ou por equipe, ocorriam ou as condições do tempo
o trabalho de cada ciclista é fazer o se mostravam desfavoráveis. O último
time campeão brilhar. Mas como na era então aquele que, tendo tudo para
história do Tour de France nem tudo desistir, manteve-se firme no pelotão.
ocorre como previsto, há mais uma boa Uma glória!
história para se contar, a história de
um duelo pelo último lugar no Tour de O fato é que o lanterninha passou 

64 REVISTA BICICLETA
Vim Vansevenant segura uma
lanterna vermelha.
© NATHALIE MAGNIEZ / AFP

EDIÇÃO DIGITAL 03 JANEIRO - FEVEREIRO 2017 65


Philippi Tesnière

a receber tanta atenção que os pública de que não


patrocinadores viram uma chance de havia incentivo
monetizar com a exposição. Basta nem prêmio ao
imaginar um anunciante qualquer último colocado
comparando o tempo de mídia de sua foi publicada,
marca na camisa do primeiro colocado mas não surtiu
- e o custo que isso lhe gerava - com efeito algum.
o tempo de exposição que o lanterne Ao contrário,
rouge acabava tendo - com custo muito só atiçou mais
menor. Qualquer um preferiria investir a imprensa.
no último colocado. A medida
seguinte foi
A organização, é claro, não gostou nada desclassificar
da novidade. O Tour de France, que o último
deveria servir para cultuar os melhores colocado.
do pelotão, agora destinava espaço Mas os
demais para longas entrevistas com os interessados passaram
últimos colocados. Nem a organização então a disputar o penúltimo lugar.
e nem os patrocinadores acharam Surgiu por fim a ideia de instituir
engraçadas as entrevistas, mas não uma diferença de tempo de corte. Os
há como negar que a ideia era muito ciclistas com tempo superior em mais
interessante. de 20% do tempo do vencedor seriam
excluídos da corrida. Mas nem isso foi
Os ciclistas, que corriam não apenas suficiente, porque agora os lanterninhas
por amor ao esporte, mas pelas calculavam e acompanhavam
grandes recompensas financeiras meticulosamente o tempo provável
que recebiam, encontraram aí um, do primeiro colocado para serem os
digamos, nicho mercadológico muito últimos dentro dos 20% mais rápidos.
conveniente. Sem ter que se submeter
ao esforço descomunal de vencer um O fanatismo - quase um culto - pelo
contrarrelógio ou uma escalada no lanterne rouge tomou tamanho corpo
Tourmalet, a receita era relativamente que em 1979 os ciclistas Gerhard
interessante, principalmente se Schönbacher e Philippe Tesnière
considerados os contratos para disputaram minuto a minuto a última
participar de criteriuns durante o resto classificação. Tesnière já havia sido o
do ano na Europa. E então chegar em lanterinha em 1978 e gostou tanto da
último passou a ser algo desejado e até fama e dinheiro recebidos que no ano
mesmo planejado em minúcias. seguinte tinha a meta bem clara em
seus planos.
É que a organização logo tratou de
criar barreiras para evitar a perda do A 21ª etapa de 1979 era um
foco. Inicialmente, uma declaração contrarrelógio. Bernard Hinault, o

66 REVISTA BICICLETA
© REPRODUÇÃO DELCAMPE.NET

campeão, destruiu os oponentes todas as etapas, até a última, quando


impondo um ritmo de 42,5 km/h. reduziu ainda mais a marcha e chegou
Para os 48 km da etapa, com 1 em último mesmo, dentro das regras,
hora, 8 minutos e 53 segundos. para delírio da torcida.
Tesnière e Schönbacher fizeram seus
cálculos e largaram, cada um a seu O feito - se é que se pode usar esta
tempo. Schönbacher fez o percurso expressão - de Gerhard Schönbacher
propositadamente mais lento do que no lanterne rouge só foi superado pelo
podia, em 1 hora, 21 minutos e 52 belga Wim Vansevenant em 2006, 2007
segundos. A tensão se instaurou entre e 2008, que dedicou grande esforço
os fãs da lanterne rouge. Tesnière pessoal para o recorde. Afinal de contas,
conseguiria chegar tão próximo não é fácil conseguir ser o último no
sem se desclassificar? As parciais Tour de France três vezes consecutivas!
indicavam que sim, e um Schönbacher
As palavras de Max Leonard, autor
germanicamente impassível aguardava
do único livro conhecido sobre os
sereno. Mas, com o tempo de 1 hora,
lanterninhas do Tour, cabem bem: "Se
23 minutos e 32 segundos, a resposta
há algo mais na vida que vencer, esse
foi não! Tesnière ultrapassou a margem
algo deve estar contido em algum lugar
de 20% do tempo de Hinault e voltou
no Tour de France. Porque o Tour é
para casa mais cedo, eliminado, sem a
mais que uma corrida: é um bastião
desejada última posição.
da França e da cultura francesa, uma
Em 1980, Gerhard Schönbacher queria lição de três semanas sobre a geografia
novamente o último lugar e a mídia e a história do país; é um drama de
inteira agora o acompanhava, com ética e emoção; uma tragicomédia
entrevistas diárias: "Eu era muito em que duzentas pessoas desejam a
popular com a torcida e passei a repetir mesma coisa, ainda que só um de fato a
para todos que na verdade eu gostava alcance e muitos não sejam nem sequer
de ser o último. Os organizadores capazes para tanto; um melodrama de
informaram que eu estava zombando do (falsas) esperanças e (condenados)
Tour de France". A saída da comissão esforços, desespero e desesperança,
técnica foi criar outra regra: aquele otimismo e desilusão; um zoológico
que ficasse por mais de uma etapa na humano e a vida num microcosmo".
última posição seria eliminado. Mas,
Vive le Tour! ␣
ainda assim,
Schönbacher,
que adorava
ser o centro
das piadas,
conseguiu
acabar em
penúltimo em

EDIÇÃO DIGITAL 03 JANEIRO - FEVEREIRO 2017 67


MTB

Texto / Fotos
Specialized / Divulgação

SPECIALIZED
CONSTRÓI SUPER TRILHA
DE MTB NO BRASIL
A Specialized inaugurou sua primeira trilha no Zoom Bike Park em
Campos do Jordão – SP. Há alguns meses, Ned Overend, atleta
Specialized que é considerado um dos maiores mountain bikers de
todos os tempos, e que participa de competições desde a década de
1980, veio ao Brasil e se apaixonou pelo Zoom Bike Park.

68 REVISTA BICICLETA
A
Specialized inaugurou sua de uma montanha e segue até a parte
primeira trilha no Zoom mais baixa da propriedade, e tem como
Bike Park em Campos do missão ser a trilha mais desafiadora,
Jordão – SP. Há alguns mais longa e divertida do Brasil.
meses, Ned Overend, atleta Specialized
que é considerado um dos maiores A inauguração foi feita aproveitando
mountain bikers de todos os tempos, o Training Camp Specialized 2017,
e que participa de competições desde evento exclusivo para o treinamento e
a década de 1980, veio ao Brasil e se divulgação dos atletas e embaixadores
apaixonou pelo Zoom Bike Park. que representarão a marca neste ano.

O relacionamento criado com o Ao todo são 2,9 km de puro singletrack,


parque despertou em todos da equipe com rampas, duplos, curvas off-
Specialized uma vontade antiga de cambers e de madeira, trechos de alta
investir na infraestrutura e oferecer aos velocidade e muita técnica. No início
ciclistas uma trilha desafiadora e ao da trilha há um portal que batiza a
mesmo tempo segura para a prática trilha de “NED TRAIL”, um tributo feito
mais intensa do MTB. Com alguns ao atleta Specialized que escreveu
meses de projeto e muito trabalho em seu nome no Hall Of Fame do esporte.
segredo, a trilha foi iniciada do topo Deste ponto em diante, em meio a 

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curvas e duplos, ela te leva ao centro de este modelo que Ned “The Captain”
uma floresta, onde está uma ponte de Overend se tornou o primeiro Campeão
madeira suspensa - ou seja, totalmente Mundial de Cross-Country de todos os
sustentada por cabos de aço - com um tempos.
visual incrível e aproximadamente 7 m
de altura em relação ao solo. Ao passar As curvas se mesclam com a história
por ela a sensação é de que você está da marca e do próprio parque. Segundo
flutuando em um barco, trecho que Marta, umas das proprietárias, seu avô
coincidiu perfeitamente com um dos tinha uma paixão enorme pela fazenda
apelidos de Ned Overend: “O capitão”. e sonhava em transformá-la em uma
Ao passar pela ponte você encontrará área de convivência para a família e
um pergaminho contendo um pouco da amigos, desde uma época onde não
história do atleta e da Specialized. havia energia elétrica na região e só
era possível chegar até lá montando a
A trilha continua pela extensão do cavalo.
parque com um trecho mais natural e
mais técnico, com raízes, pedras, curvas O Zoom Bike Park já era conhecido
de terra e madeira, e saltos longos. Um por ser uma das referências para a
trecho de alta velocidade que coloca prática do mountain bike aqui no Brasil,
à prova a habilidade até mesmo dos e agora conta uma das histórias mais
pilotos mais experientes. Neste ponto famosas de progresso e vitórias do
há uma referência à “StumpJumper” nosso esporte, entregando uma trilha
– a primeira bicicleta de montanha altamente técnica e bem construída,
produzida em série no mundo, e que a para que nossa comunidade continue
Specialized produz até hoje. Foi sobre evoluindo e gerando mais ciclistas. ␣

70 REVISTA BICICLETA
ENTREVISTA

Therbio Felipe entrevista Juliana Hirata


Fotos Juliana Hirata

72 REVISTA BICICLETA
NA
IMENSIDÃO
DOS
OLHARES
DE JULIANA
HIRATA
Integrada ao ambiente que estuda, defende e promove, ela vai sem medo. Uma
observadora atenta do mundo, da vida e dos personagens. Em meio a posts
relevantes nas mídias sociais, Juli sorri como um sol, tanto referência quanto
reverência à cultura de origem. Ela produz um dos conteúdos de ciclonautas
mais celebrados pela Internet, e mais que tudo, entrega inferências de um
olhar observador, estudioso e propositivo. Nós temos seguido, ainda que no
sentido virtual, seu cotidiano. Sobram aprendizagens quando paramos alguns
minutos diante daquilo que compartilha conosco. E ela vai, silenciosamente,
polinizando saberes nos Extremos das Américas! Não perseguimos seus passos
e pedaladas, apenas, seguimos. Ousamos não falar de roteiros, mas de uma
experiência em perspectiva. Como somos colegas de área do conhecimento,
foi muito interessante interagir e aprender com ela. A seguir, transcrevemos na
íntegra nosso diálogo com Juliana Hirata. 

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T A vida é um constante conceito que projeto tive que pesquisar bastante para
você, enquanto bióloga, ecóloga e mestre escolher os parques que eu iria visitar
em conservação da biodiversidade vegetal, e antes de chegar a um lugar, busco
está profundamente envolvida há muito ler sobre programas de conservação
tempo. Que relevantes aprendizagens a locais e também sobre questões de
troca da vida acadêmica e da docência por desenvolvimento urbano, especialmente
uma experiência de imersão em universos sobre políticas de mobilidade urbana.
culturais tão diversos lhe trouxe?
Outro aspecto que tenho praticado é dividir
J Quando decidi fazer a viagem achei o espaço por ecorregiões (é uma área
que fosse me afastar da educação e da definida ecológica e geograficamente,
pesquisa por um tempo, mas o que tenho menor que uma ecozona, mas maior
percebido é o oposto. Educar é uma troca que um ecossistema) e não por divisas
constante e é exatamente isso que tem políticas (como municípios e estados). Isso
sido minha rotina, uma constante de facilita muito na busca por bioindicadores,
trocas. Além da estrada, as redes sociais como por exemplo, na divisa dos desertos
têm me proporcionado experiências de Mojave e Colorado (na Califórnia - USA)
fantásticas nesse sentido. Alguns dos as “joshua tree” ou árvores de Josué
meus ex-alunos têm me acompanhado (Yucca brevifolia) e cactos Cholla prateada
e é lindo vê-los pesquisando sobre as (Opuntia echinocarpa) desaparecem
coisas que posto e sobre meu trajeto, indicando que você está em outro deserto,
espontaneamente. onde as condições ambientais são
diferentes.
Alguns professores têm usado meus textos
e posts na sala de aula e nesse segundo No Canadá, aprendi a identificar uma
semestre pude interagir via Skype com plantinha de áreas alpinas, conhecida
duas turmas. As perguntas que surgiram como raiz-de-urso ou batata-indiana
foram as mais variadas, desde fisiologia do (Hedysarum alpinum), a princípio, era para
esporte até geografia e ecologia, passando poder comê-la, já que é rica em carboidrato
por planejamento e motivação. Para alguns (razão pela qual é tão apreciada pelos
estudantes (e muitos adultos) ver no mapa ursos), mas depois fui notando que elas
meu trajeto e ler as descrições de fauna, só apareciam a partir de uma determinada
flora e condições abióticas (como clima e altitude. Comecei a checar no altímetro do
horas de luz do dia) é o pontapé inicial para meu relógio e batata! Ela só surge depois
entender mais sobre um local. Tenho me dos 1.200 m de altitude e não passa dos
divertido muito com essa nova forma de 1.700 m. Aprendi a identificar ambientes
contribuir na educação! alpinos com essa planta! A velocidade da
viagem com a bicicleta nos permite sentir
Quanto à pesquisa, a característica as sutilezas dos ambientes nesse nível.
mais marcante de um pesquisador é a
curiosidade, e neste sentido a viagem A diversidade cultural e ambiental que
tem sido um alimento para o meu estou imersa é o pano de fundo de toda
lado pesquisadora. Antes de iniciar o essa experiência. Como bióloga (e ser 

74 REVISTA BICICLETA
EDIÇÃO DIGITAL 03 JANEIRO - FEVEREIRO 2017 75
76 REVISTA BICICLETA
humano) eu não poderia estar mais Busco entender nossa identidade como
imersa na ideia de vida como propriedade latino-americanos, mas também como
emergente! uma única América. Até aqui, tenho mais
perguntas do que respostas, e por isso
T Sua pergunta essencial foi “que eu continuo perguntando, perguntando e
quero saber de verdade? ”, antes de partir. ouvindo, ouvindo. De novo a bike é o
E, possivelmente, este foi o seu ponto transporte perfeito para isso.
de partida pessoal que descreveu as
possíveis trajetórias para ir ao encontro T As unidades de conservação têm uma
das possíveis respostas. Vamos a um série de papéis em relação à proteção
dos elementos fundamentais do seu da biodiversidade local e do seu entorno
projeto Extremos das Américas: conhecer ainda pouco reconhecido pelo senso
a América e os americanos. Poderia, comum. De fato, quais as principais
por favor, falar das descobertas neste diferenças e semelhanças que você
aspecto? encontrou visitando e estudando estas
áreas protegidas? Quantas e quais foram
J Estou vivendo o final da primeira até o momento?
etapa do projeto, a América do Norte. O
México está sendo o contraponto latino- J Estou saindo da área das unidades de
americano dos últimos dois países que conservação mais antigas do mundo. O
passei, o Canadá e os Estados Unidos. parque Yellowstone, criado em 1872, até
Acho que será a partir daqui que vou hoje enfrenta desafios para a conservação
experimentar diferenças maiores. de espécies e conflito com atividades
Toda nossa história como povo latino- humanas na borda do parque.
americano se diferencia sensivelmente da
do Canadá e Estados Unidos. Basicamente, o modelo de áreas
protegidas dos Estados Unidos foi
Ainda estou em um estado de fronteira, a referência na criação de unidades de
Baixa Califórnia, mas já estou surpresa em conservação do mundo todo e o Canadá
conhecer um pouco da história da fronteira copiou o modelo em quase todos os
entre Estados Unidos e México, que desde aspectos (inclusive pelas semelhanças
sempre se mostrou conflituosa. Em 1836, culturais e geográficas). O montante
depois de um longo período de conflitos, o investido em unidades de conservação
Texas foi incorporado aos Estados Unidos. nos Estados Unidos é algo invejável e o
Dez anos depois, ou seja, em 1846, teve investimento é realmente convertido em
início a guerra entre os dois países que melhorias consistentes no sistema de
culminou com o México cedendo uma conservação das áreas protegidas.
grande parte do seu território no Norte,
onde hoje são os estados da Califórnia, A maior parte do dinheiro investido vai
Nevada, Utah, Novo México e parte do para melhorias de infraestrutura, o que
Arizona, Colorado e Wyoming. Nosso torna os parques acessíveis a qualquer
desconhecimento sobre essa história é tipo de usuário. Assim, de famílias a
vergonhoso. aventureiros, os parques são um espaço 

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que qualquer pessoa pode
visitar. Em segundo lugar, os ALASKA
investimentos vêm em pesquisa. Gates of the Artic National Park and Preserve ○␣
É incrível a quantidade de Denali National Park and Preserve ○
pesquisas que são realizadas Tanana Valley State Forest ○␣
dentro das áreas protegidas Tetlin National Preserve ○
e como essas pesquisas
rapidamente se transformam CANADÁ
em benefícios diretos para o
Kluane National Park and Preserve ○
parque, na forma de indicadores
Sugarbowl Grizzly Den Protected Area ○␣
de qualidade ou na qualidade da
West Twin Protected Area ○␣
informação fornecida ao visitante.
Ancient Forest Provincial Forest ○
Comunicação e educação são
Mt Robson Provincial Park ○
pontos fortíssimos nas unidades
de conservação dos Estados Jasper National Park ○
Unidos. Banff National Park ○
Yoko National Park ○␣
Os parques que visitei no Canadá Kootenay National Park ○
têm claramente uma vocação
voltada ao turismo e às pesquisas ESTADOS UNIDOS
com espécies endêmicas Flathead National Forest ○␣
ameaçadas de extinção, além de Glaciar National Park ○
estudos de mudanças climáticas, Helena National Forest ○␣
são conduzidas por centros de Yellowstone National Park ○
pesquisa do mundo todo.
John D. Rockefeller Jr. Memorial Parkway ○
Aqui no México, infelizmente, Grand Tetons National Park ○
ainda não visitei nenhum parque National Elk Refuge ○␣
e alguns dos que pretendo visitar Caribou-Targhee National Forest ○␣
não possuem centro de visitantes Fish Lake National Forest ○␣
na própria área, então, imagino Bryce Canyon National Park ○␣
que eu terei um pouco mais de Dixie National Forest ○
dificuldade para conversar com os Zion National Park ○
técnicos locais. Red Cliffs Desert Reserve ○␣
Sloan Canyon National Conservation Area ○␣
Estive, ao todo, em 31 áreas
Mojave National Preserve ○
protegidas, sendo que em 16
Cleghorn Lakes Wilderness Area ○␣
delas tive a oportunidade de
Joshua Tree National Park ○
visitar, estudar e conversar com
Big Morongo Canyon Preserve ○␣
técnicos locais.

O interessante é que cada parque, ○ VISITOU ○␣ PASSOU


principalmente nos Estados
Unidos, abraça sua vocação. 

78 REVISTA BICICLETA
EDIÇÃO DIGITAL 03 JANEIRO - FEVEREIRO 2017 79
Por exemplo, no Joshua Tree, se tem única visita. É feito em cada contato. Os
informações, técnicos (especialistas) e parques nacionais dos Estados Unidos,
livros voltados para o deserto e a evolução durante a temporada, têm uma extensa
dos ambientes ao longo do tempo. No lista de atividades para todos os públicos e
Parque Yellowstone cada núcleo tem todos, sem exceção, possuem um auditório
uma vocação própria, o Mammoth é mais ao ar livre onde palestras são ministradas
voltado para fauna e história do parque e pelos guarda-parques (que também são
o Old Faithfull é voltado para a geologia. pesquisadores). Uma noite, assisti uma
No Canadá, essa identidade não é tão das palestras no Yellowstone sobre a
marcante e nos parques brasileiros que história da reintrodução e monitoramento
conheci, também não. das matilhas de lobos dentro do parque.
No final, enquanto conversava com a
T Das unidades de conservação que você guarda parque (que é bióloga e especialista
veio a conhecer até agora, qual delas você em canídeos), vi várias pessoas enxugando
destacaria positivamente no tocante à as lágrimas, de emoção.
relação com as comunidades do entorno?
Que políticas encontrou que tenham como O maior exemplo, na minha opinião,
objetivo formar o sujeito ecológico e qual é o Yellowstone. Os conflitos com a
o contributo delas para a conservação da comunidade do entorno (uma área também
biodiversidade vegetal, especificamente? chamada de Grande Yellowstone) são
tão intensos e envolvem tantas questões
J Nos Estados Unidos e Canadá, as culturais, políticas, religiosas e econômicas
unidades de conservação formam que historicamente atraiu muitos
importantes polos turísticos. No geral, pesquisadores. O volume e qualidade das
as comunidades do entorno têm uma pesquisas surtiram efeitos benéficos para
porcentagem relevante da economia todos. Hoje, duas grandes instituições de
diretamente ligada aos parques. pesquisa, a Greater Yellowstone Coalition
e a Yellowstone Association Institute,
O trabalho voluntário é também uma via promovem e organizam pesquisa e cursos
de mão dupla. Os parques dependem dentro e sobre o parque.
de voluntários para trabalhos diversos e
os voluntários, por sua vez, são agentes Os conflitos existem, mas o conhecimento
importantes na disseminação do respeito traz maturidade e, no caso do Yellowstone,
e cultura dentro dos parques. Conheci um todos os atores já se conhecem e estão
voluntário no Glaciar National Park que habituados a isso, daí a tarefa de se
trabalha há 27 verões no parque! Essa sentar e pensar em soluções de maneira
conexão não é nada desprezível. democrática é mais tranquila.

A disseminação da cultura de preservação T Dos locais por onde cruzou,


é feita pessoa a pessoa e exige muito amor Juliana, onde você percebeu que as
e entendimento sobre a importância das problemáticas sociais graves impactam
áreas protegidas. O sujeito ecológico não mais negativamente a conservação dos
se forma de um dia para o outro, em uma ecossistemas não-urbanos? 

80 REVISTA BICICLETA
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J Quando converso com um técnico maior protagonismo indígena que visitei
dentro dos parques faço duas perguntas até o momento e o centro de visitantes
principais: “o que, na sua opinião, faz dessa mistura conhecimento tradicional com o
unidade de conservação um sucesso?”, e, científico de maneira muito harmônica e
“qual é o maior problema dessa unidade de complementar. É um exemplo a ser seguido
conservação?”. No Canadá e nos Estados por toda a América, na minha opinião.
Unidos, nenhum dos técnicos apontou
problemas com grupos sociais. T Você pertence a um pequeno, porém,
corajoso grupo de mulheres brasileiras
Eles apontam, em geral, problemas que estão pelas estradas do mundo com
menores com caçadores e acidentes suas bikes, sendo a diferença neste
com fogo, mas nada significativo. Porém, mundo antigo aonde ainda vivem maiorias
quando você olha o todo, o tamanho, machistas. No tocante a sentir-se segura
fragmentação e isolamento das áreas e não ser alvo para violência de qualquer
protegidas naturais é alarmante. Os últimos natureza, a América do Norte trouxe que
30 anos foram especialmente drásticos. percepções?
A fauna e flora estão ficando cada vez
mais confinadas às ilhas e geneticamente J Não me sinto corajosa, mas sei que
isso não é sustentável. Populações mais estar na estrada sozinha é um tipo de
sensíveis, como de caribous, nas Rochosas resistência. Não é comum ainda mas
Canadenses, e muitas aves migratórias está ficando cada vez mais comum. Uma
vistas no Alasca, já estão declinando a pesquisa do Ministério do Turismo do
olhos vistos. Brasil, no segundo semestre desse ano,
mostra que uma em cada sete mulheres
T Há uma forma muito peculiar entre as pretende viajar sozinha nos próximos seis
metodologias de unidades de conservação meses.
na América do Norte. Você poderia dar
destaque para alguma experiência que teve Ouço muitos questionamentos sobre
no Canadá, por exemplo, que você tenha estar sozinha na estrada e algumas vezes
ficado satisfeita enquanto pesquisadora? me culpabilizam por um eventual crime
que aconteça comigo (“você sabe que
J As pesquisas com glaciares e está se colocando em demasiado risco,
mudanças climáticas no Kluane National não sabe?”), e apesar de, no geral, ter me
Park são referência no mundo inteiro. São sentido bem segura em todos os sentidos
as maiores geleiras fora dos polos e são até aqui, foi no Canadá que, por ser mulher,
um importante indicador das mudanças me senti mais ameaçada.
climáticas. As pesquisas são prioridade
nessa área e ao mesmo tempo os estudos A Estrada 16, entre Prince Rupert e Prince
com comunidades indígenas seguem George, no Canadá, é conhecida também
muito consistentes. Cada vez mais se como Highway of Tears (ou estrada das
valoriza o conhecimento indígena e a lágrimas). Nessa estrada, dezenas de
cultura desses povos sem fazer disso mulheres foram assassinadas e uma
uma caricatura estanque. Foi a área com outra dezena está desaparecida. Os 

82 REVISTA BICICLETA
SAIBA MAIS
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EDIÇÃO DIGITAL 03 JANEIRO - FEVEREIRO 2017 83


números não são precisos, mas desde não sentia fome, não sentia sede e no final
1969, mulheres, principalmente de origem do dia mesmo com o sol alto (o pôr-do-sol
indígena, desaparecem na estrada, que é acontecia por volta das 22 h 30 min) eu,
um dos trechos mais isolados da América mesmo cansada, não conseguia dormir.
do Norte (mais informações no site www.
highwayoftears.ca ou no meu blog www. Tem um trecho do meu blog que expressa
julihirata.com). Escrevi diversos posts muito bem os 10 dias que vivi em Dalton:
sobre essa estrada e adaptei meu trajeto
"Eu precisava me alimentar e me hidratar!
para evitar o trecho mais isolado. Ainda
Tirei uma lata de sopa e comecei a
assim, peguei um trecho da estrada, de
aquecê-la em banho-maria. Aproveitei
Prince George a Jasper.
para esquentar um pouco de neve para
No meu primeiro dia pedalando pela beber. Olhei a lata aberta e o cheiro da
estrada, uma pick-up vermelha com o sopa de queijo me alertou imediatamente!
vidro traseiro quebrado passou por mim Pensei: onde está meu spray anti-urso?
várias vezes, em ambos os sentidos. Como Olhei assustada ao redor, como se um urso
o homem carregava toras de madeira na estivesse só esperando eu me dar conta de
caçamba supus que fosse um trabalhador que ele existia para se materializar ao meu
local. À tarde, uma tempestade estava se lado. Estava completamente nublado, tudo
formando no céu e resolvi parar o pedal do branco. Eu não conseguia distinguir o chão
dia em uma área de descanso, na beira da do ar. Parecia que eu estava em uma folha
de papel branco. Se um urso polar (três
estrada. Minutos depois, a mesma pick-
dias antes, em Deadhorse havia tido um
up vermelha parou e o homem veio falar
alerta de urso polar na área) branquinho
comigo. Nossa conversa, que durou alguns
andasse na minha direção, eu só o veria,
minutos, foi estranhíssima e me senti
provavelmente, quando este estivesse
bem ameaçada. O homem me perguntou
já bem perto de mim. Fiquei paranoica.
se eu sabia dos crimes que aconteciam
Girei duas vezes o corpo, olhando 360
naquela estrada e que estar sozinha, ali,
graus com atenção. Olhei para a panela
era praticamente pedir para morrer. Não foi
com a lata de sopa. Coloquei a água
uma boa noite, aquela.
na caramanhola, fechei a panela com a
T Você fez a travessia da Dalton Highway lata dentro, coloquei dentro do alforje e
sob neve e muito frio. O medo ocupou que voltei a pedalar. Foi quando eu me senti
papel diante da incerteza? Poderias nos pequena. Muito pequena. Olhei tudo ao
dar a sua particular visão a respeito? meu redor, parei. Ouvi o silêncio e senti. O
que eu estava fazendo? Onde eu estava?
J A Dalton Highway foi o melhor começo Eu estava tremendo de novo. Bebi um
que eu poderia ter tido. Foi um choque de pouco de água morna. Que delícia! Tirei a
realidade. A estrada é difícil, isolada, gelada máscara e me permiti respirar o ar gelado.
e selvagem. Senti coisas que nunca havia Era quase como respirar algo sólido. Se
sentido e, literalmente, senti que se não o frio continuasse me assustando e me
ficasse atenta, poderia facilmente morrer impedindo de pensar daquele jeito, eu
ali. O frio é um anestésico poderoso. Eu certamente teria problemas, talvez sérios, 

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logo. Foi aí que me dei conta, eu havia minutos, eu tinha três agentes em volta
escolhido estar ali! Era exatamente aquilo de mim me mostrando mapas de Baja
que eu queria viver. Em todo o mundo, era Califórnia com as melhores rotas e lugares
ali, o lugar que eu queria estar! (Link para o de descanso.
post completo aqui: revistabicicleta.com.
br/rb/d8t ) Estou em uma área bem turística ainda,
e sei das distorções que áreas assim
Tive medo de não conseguir, medo do frio, promovem, mas estou feliz de estar aqui.
medo dos ursos, mas sinto saudades e vira As pessoas param os seus trabalhos, ao
e mexe lembro da Dalton enquanto estou me verem passar, para acenar e desejar
pedalando. Quero voltar lá um dia. bom dia. Ganhei frutas, água e bênçãos
todos os dias que estou aqui.
T Juli, no momento em que você nos
cede esta entrevista, o México é a sua A religiosidade é outra marca. Não consigo
casa. Então, você deixa para trás um deixar de notar a função da fé na vida
conjunto de sistemas socioeconômicos desse povo e tem sido muito interessante
e socioambientais diferenciados para aprender tanto sobre uma história que eu
entrar no universo latino-americano. sei tão pouco.
Pode nos contar, até o momento, o que
mais lhe chamou a atenção no campo T Gostaríamos de deixar este espaço para
socioambiental no México? você dedicar uma mensagem às nossas
leitoras e leitores.
J Amei os Estados Unidos e Canadá.
Foi o início do projeto e a generosidade J Eu quero agradecer a qualidade dessa
das pessoas é incrível. Fiz bons amigos entrevista! Sou uma fã da revista e sei da
e ganhei um namorado, mas eu estava qualidade do material que vocês produzem.
ansiosa para entrar no México. Não sabia Aos leitores, os convido para acessar
direito por que, mas, ainda na fronteira, em as redes sociais a fim de acompanhar a
Tijuana, um agente alfandegário, muito viagem e se quiserem deixar um recadinho,
mal-encarado, sisudo, mão na arma e é sempre motivador receber mensagens.
camisa meio aberta veio falar comigo.
No dia 16 de janeiro, lancei a websérie
Parecia uma abordagem de fronteira,
Extremos das Américas, lá no canal “Juli
assim como eu tinha vivido na entrada dos
Hirata”, no Youtube. É uma websérie
Estados Unidos. Lá nos Estados Unidos,
documental, ou seja, conta a história da
o agente perguntou se eu tinha medo de
minha viagem desde o comecinho lá no
cachorro e eu respondi que não, então,
Alasca. Vou ficar muito feliz se vocês
ele trouxe um pastor alemão enorme para
puderem acompanhar.
farejar minha bagagem e sem dizer nada
se afastou. O agente mexicano chegou e E ela continua sua saga em direção aos
começou a me fazer perguntas, de onde interiores americanos, brilhando como um
eu era, de onde eu vinha, para onde eu ia, sol. Vai, Juli. Nós iremos contigo.
quanto a bike pesava e quanto de comida
eu estava carregando. Depois de alguns Viva a bicicleta, sempre. ␣

86 REVISTA BICICLETA
GRUPO DE PEDAL

PEDALA
CORINTHIANS
O PRIMEIRO GRUPO DE PEDAL BRASILEIRO
VINCULADO A UM CLUBE

Fundado em 2013, o Pedala Corinthians surgiu como uma proposta, na época, de fazer um
evento ciclístico com os associados. Desde sua origem, sempre foi voltado ao ciclismo de
inclusão, passeios por São Paulo e cicloviagens, sendo o primeiro grupo de ciclismo do Brasil
vinculado a um clube. No dia 17 de setembro de 2016, o Pedala Corinthians inaugurou seu
espaço nas dependências da agremiação que dispensa apresentações, é um dos clubes de
maior torcida, com um histórico inquestionável de conquistas, e com todo o peso e influência
a nível nacional que possui, demonstra a relevância atual da bicicleta abrindo espaço para o
ciclismo de uma maneira não competitiva.

Para conhecer mais sobre o trabalho do grupo, conversamos com Fábio Rente, assessor do
departamento que cuida da monitoria do grupo, desenvolvimento de eventos, prospecção e
desenvolvimento de novos apoiadores.

Anderson Ricardo Schörner entrevista Fábio Rente, assessor do grupo.


Fotos Arquivo do Grupo

88 REVISTA BICICLETA
Quando e como surgiu o grupo Pedala nosso intuito é que nunca precisemos
Corinthians? A proposta da fundação de recursos oriundos do clube. O
vinculada ao clube veio do próprio Departamento Social é muito solícito
Corinthians? e parceiro, e sempre que precisamos
de algo interno é lá que encontramos
f O Pedala Corinthians foi fundado em colaboração, sendo na liberação de
14 de julho de 2013, com a iniciativa transportes, na divulgação de eventos
de um conselheiro do clube, Marco ou no desenvolvimento de novas ideias.
de Paula Souza, defendendo junto ao Só temos a agradecer ao Diretor do
departamento de esportes terrestres Social.
que seria muito interessante a criação
de um departamento de ciclismo dentro Quais são as principais ações do grupo?
do clube. A aprovação foi batalhada e E quais são os objetivos do Pedala
muitas vezes questionada. Depois de Corinthians ao realizar tais ações?
várias defesas, finalmente foi aprovada
a criação deste, e para conduzir o f Nosso principal foco é iniciar, incluir
departamento foi indicado um sócio que e passar os principais fundamentos
tinha mais de 20 anos com o ciclismo, da prática esportiva, não só voltado
Eduardo Caggiano. Este, por sua vez, para o aprimoramento, mas também
necessitaria de um par, pois “tocar” como atividade física. Ou seja, educar
o negócio sozinho seria difícil. Sendo os associados e os participantes a
assim, foi convidado a participar do como utilizar a bicicleta nas ruas, com
departamento o sócio e ciclista Carlos segurança e respeito, sempre levando
Ikeda, com experiência de 15 anos no em consideração o condicionamento
ciclismo, para assim dar sequência aos físico de cada um.
eventos.
Nosso objetivo sempre será a inclusão,
Após um ano de existência e pelas mobilidade, segurança, atenção total
proporções que o departamento ao ciclista, preservação do meio
tomou, foi necessário que o quadro ambiente, despertar em todos o trabalho
de assessores aumentasse, e diante em equipe, buscar sempre a ética e a
dos fatos, eu, Fábio Rente, juntamente transparência.
com o sócio Marcelo Romero, fomos
convidados a integrar o departamento. Além das ações diretas com nossos
Já se foram três anos e atualmente ciclistas, também desenvolvemos ações
este departamento é vinculado ao que visam a solidariedade, buscando
Departamento Social. sempre participar de campanhas de
agasalho, arrecadação de alimentos,
O Pedala Corinthians é campanhas de natal etc. Este
autossustentável, ou seja, todos os seus departamento já chegou a arrecadar em
recursos e verbas para eventos vêm torno de 2.000 agasalhos, quase 1.000
de parcerias e patrocinadores que nós, brinquedos e 1.500 kg de alimentos, que
assessores, buscamos externamente, e são distribuídos em asilos, associações 

EDIÇÃO DIGITAL 03 JANEIRO - FEVEREIRO 2017 89


beneficentes e locais mais carentes. São Paulo a Sorocaba: 115 km
São Paulo a Itu: 110 km
Como são os passeios realizados pelo São Paulo a Aparecida do Norte: 180 km
grupo? São Paulo a Santa Isabel, retornando a
São Paulo: 105 km
f Nossos passeios são realizados
São Paulo a Salesópolis: 100 km
sempre às terças, na parte da noite, e
São Paulo a Guararema: 95 km
neste caso busca o aprimoramento e
São Paulo a Ilhabela: 205 km
melhoria do condicionamento físico de
seus participantes, pois percorremos Temos participantes que fazem
trajetos em torno de 50 km, com médias cicloviagens individuais, por uma
de 20 a 25 km/h. Este dia é voltado questão de desafio pessoal. Tivemos um
somente para aqueles que já estão participante que fez São Paulo ao Rio
condicionados a acompanhar o ritmo. de Janeiro, cortando todo o litoral norte
Lógico que nunca deixamos nenhum de São Paulo e seguindo pelo litoral
participante sozinho ou para trás, pois carioca até o Cristo Redentor, no total
além de termos o líder (guia), temos de 520 km. Outra dupla, um casal, já fez
monitores que acompanham o pelotão inúmeras cicloviagens internacionais,
no meio e monitores que fecham o sempre representando o Pedala
grupo. Corinthians por onde vão: a última foi de
Londres a Paris, ida e volta, pela Avenue
Além das terças, mensalmente e
Verte, totalizando 830 km.
sempre aos domingos fazemos o que
chamamos de “Pedala Família”, onde Qual é o perfil de quem participa do
todos são convidados a participar, ou grupo? E quantas pessoas fazem parte
seja, iniciantes, experientes, crianças, do Pedala Corinthians, atualmente?
casais etc. Neste trajeto normalmente
buscamos locais com pouca ou f No último levantamento que fizemos,
nenhuma subida, com pontos de em julho de 2016, o perfil de nossos
hidratação específicos e distância em membros e participantes foi o seguinte:
torno de 25 a 30 km, no máximo, sempre
com um ritmo bem tranquilo. Por idade: Entre 65 e 55 anos: 3%
Entre 54 e 45 anos: 19%
Organizamos também, periodicamente, Entre 44 e 35 anos: 56,5%
cicloviagens com o intuito de conhecer Entre 34 e 25 anos: 4,7%
novos lugares e paisagens que vemos Entre 24 e 15 anos: 5,17%
somente quando estamos na bicicleta. Abaixo de 14 anos: 1,7%
Normalmente, estas cicloviagens Por sexo: Masculino: 68,97% / Feminino:
têm quilometragem bem superior aos 31,03%
passeios feitos na cidade. Por exemplo:
Atualmente, temos 1.845 participantes
São Paulo a Bertioga: 96 km cadastrados como membros do grupo.
São Paulo ao Pico do Jaraguá: 85 km Na comunidade do Pedala Corinthians 

EDIÇÃO DIGITAL 03 JANEIRO - FEVEREIRO 2017 91


no Facebook, são mais de 2.500 recursos para o atleta e podemos
curtidores. disponibilizar estrutura para sua
preparação física, estamos analisando
Essa vinculação ao clube Corinthians: alguns ciclistas e só está faltando o tiro
como isto impacta o grupo? Qual é o certo.
retorno que o clube tem com o grupo?
Sabemos que no sul existe um clube de
f Por ser um dos maiores clubes do futebol que tem uma equipe de ciclismo,
Brasil, sempre vai existir os que amam e vai muito bem, porém, é a única que
e os que odeiam. Felizmente, nunca
temos conhecimento. Infelizmente, o
tivemos nenhum problema com as
futebol é ainda a paixão nacional, mas
outras torcidas, mesmo porque nosso
aos poucos conseguiremos mudar essa
grupo é bem eclético e temos vários
visão e, quem sabe, conquistar uma fatia
participantes torcedores de outras
deste público.
agremiações.
Conte como foi a inauguração da sede
Por outro lado, em todas as nossas
do grupo.
pedaladas, seja pela cidade, seja nas
estradas e até em outras cidades, f O Pedala Corinthians inaugurou
sempre escutamos o tradicional “Vai no dia 17 de setembro de 2016, nas
Corinthians”, com pessoas acenando dependências do clube, sua sede e
positivamente e até solicitando fotos! bicicletário. No evento também foi
O retorno é este... É esse amor, essa feita a apresentação e entrega da nova
simpatia com a nossa bandeira, com a camisa de ciclismo. A inauguração
nossa camisa. Nossas cicloviagens são
contou com a presença do Diretor
divulgadas no site do clube e sempre
Social Ronaldo Perella, do Diretor
teve um retorno muito positivo.
Administrativo e um dos responsáveis
Existe alguma possibilidade, na sua pela retomada do departamento
opinião, de vermos clubes tradicionais Eduardo Caggiano, dos assessores do
como o Corinthians ter equipes de departamento Carlos Ikeda, Marcelo
ciclismo profissionais, para as principais Romero e eu, além de convidados e
competições do país? amigos.

f O Pedala Corinthians é o primeiro Contamos também com a presença


departamento de ciclismo no Brasil ilustre do Sr. Angelo Codicasa, fundador
dentro de um clube. Já fomos sondados da primeira equipe de ciclismo do
por outros clubes para auxiliar no Corinthians, nos idos de 1970, e do Sr.
desenvolvimento de um modelo Claudio Barbosa, filho do conhecido
parecido com o nosso, mas só ficou e grande ciclista Claudio Barbosa.
na conversa. Temos muito interesse Graças à determinação e empenho de
em criar uma equipe ou ter um atleta seus assessores, este departamento
individual que leve nosso nome. Já conseguiu fechar parcerias e patrocínio
batemos na trave! Temos todos os da empresa Embrase e Algoo Power

92 REVISTA BICICLETA
Sports. Além de proporcionar uma
grande festa, sorteamos vários brindes e PARA SABER MAIS
uma bike top.
Veja o vídeo da inauguração da sede
Como não temos fins lucrativos e do Pedala Corinthians.
revistabicicleta.com.br/rb/cph
buscamos sempre efetuar alguma ação
filantrópica, neste evento a exigência
para a entrega da nova camisa era a
doação de itens de higiene pessoal que se fazer, como já dito. As pessoas
e produtos de limpeza. No dia 25 precisam se conscientizar que há
de setembro de 2016, estivemos no espaço para todos e que a harmonia
Instituto Pró+Vida São Sebastião para entre ciclistas, motoristas e pedestres
efetuar a doação dos itens arrecadados pode existir.
na inauguração.
Por fim, deixe uma mensagem aos
Como você tem visto o crescimento leitores.
do uso da bicicleta em São Paulo e no
Brasil todo? f A bicicleta representa tudo aquilo
que buscamos em uma vida plena:
f Com muito bons olhos. Quando liberdade, saúde, locomoção, interação,
começamos a pedalar pelas ruas de amizade, sociabilidade. Uma vez escrevi
São Paulo, quase não se via grupos um texto no Pedala Corinthians que
pedalando. Com o passar dos anos, isso representa bem o que é ser ciclista,
foi tomando uma proporção enorme. o que é andar de bicicleta por aí:
Hoje, tranquilamente roda por São viajar é válido de qualquer forma, mas
Paulo, somente às terças, em torno de quando se vai de bike, a experiência é
25 grupos. E se for contar a semana totalmente inovadora. Os preparativos,
toda, podemos dizer que em torno de 75 a expectativa, a ansiedade do momento
grupos. tomam conta. Você viaja muito antes
de ter saído para o seu destino. Vá
O avanço da bicicleta em São
Paulo teve um fundamental apoio acompanhado, em grupo com mais
da prefeitura. Nos seus 416 km de dois ou três, mas o desafio é pessoal
ciclovias, há trechos muito bons, mas e isso te dará forças para enfrentar
também existem locais sem qualquer aquela subida interminável, as curvas
planejamento, que levam o ciclista do de uma serra, as retas que se perdem
nada a lugar nenhum, com locais ermos, no horizonte e por fim o destino que
sem segurança e sinalização. Mas foi aparece à sua frente. Pedale para você,
um começo e pode melhorar ainda mais. pois seu ritmo e sua determinação farão
Há muito o que se fazer. com que você aproveite cada minuto,
cada trecho e cada paisagem, que ficará
No geral, o Brasil está crescendo registrada em sua memória. Todo trajeto
ciclisticamente e temos muitas cidades de uma viagem é o que vale... O destino
com ótimas ciclovias, mas há muito o é somente a consequência! ␣

EDIÇÃO DIGITAL 03 JANEIRO - FEVEREIRO 2017 93


NAS LENTES

SERRAS E
MONTANHAS
DE TIRAR O FÔLEGO
Serras e montanhas são uma preferência quase unânime entre os ciclistas. Se não para
encarar o desafio de bicicleta, ao menos, para curtir o visual caprichosamente desenhado
pela natureza – com uma mãozinha humana para a construção dos caminhos. Conheça
estradas incríveis em montanhas e serras de tirar o fôlego! Qual delas você encararia?

Texto Anderson Ricardo Schörner

96 REVISTA BICICLETA
© JONATHA JUNGE

Na década de 1980, um desafio à


engenharia de Santa Catarina foi lançado:
pavimentar uma antiga picada de tropeiros
que cortava um grande cânion e torná-la
melhor transitável para carros, ônibus e
SERRA DO RIO DO RASTRO caminhões. Para garantir aderência aos
pneus em caso de gelo, a pista teria que ser
ENTRE LAURO MÜLLER E BOM JARDIM DA SERRA – SANTA CATARINA construída em concreto de cimento, não
em asfalto. Sobre o leito de chão batido,
foram colocadas 2.160 placas de concreto

12 284 1.220 m
de ganho altimétrico (Sai de 220
de 6 m x 3 m, com 30 cm de espessura e
fissuras iguais às de pistas de aeroportos.
A construção durou dois anos, de novembro
km curvas m e vai até 1.420 m de altitude) de 1984 a novembro de 1986.

EDIÇÃO DIGITAL 03 JANEIRO - FEVEREIRO 2017 97


© IMPALASTOCK / DEPOSITPHOTOS
AMÉRICA

CAMINHO DOS YUNGAS, A


ESTRADA DA MORTE
ENTRE LA PAZ E COROICO – BOLÍVIA

Em 1995, o Banco Interamericano de Desenvolvimento


considerou o Caminho dos Yungas como a estrada mais
perigosa do mundo. Com uma média de 209 acidentes
e 96 mortes ao ano, a estrada tem cachoeiras que
deságuam no percurso, pista estreita, de três metros em
alguns trechos, rotineiramente neblina, e apenas 20 km
asfaltados, o restante de terra e cascalho, tudo isto à beira
de um precipício sem guard-rail. Boa parte da Estrada da
Morte, como ficou conhecido o caminho, foi construída
por prisioneiros paraguaios durante a Guerra do Chaco, na
década de 1930. Os carros circulam em mão invertida, para
que quem sobe tenha melhor visualização. Em 2007, o
governo boliviano inaugurou um caminho alternativo.

3.500 m
de ganho altimétrico 64
(Sai de 1.000 m até 4.600 m) km

CENTENAS de curvas

+ NA AMÉRICA

CUESTA JUNCAL, A ESTRADA LOS CARACOLES, CHILE


A Ruta CH-60 corta a Cordilheira dos Andes e leva de Santiago (Chile) a Mendoza
(Argentina). A Cuesta Juncal, conhecida como “Caracoles”, é um trecho chileno
desta Ruta que antecede a fronteira. São quase 30 curvas bem fechadas em pouco
mais de 10 km e um desnível de 600 metros.
+ NA CHINA
ESTRADA TÚNEL EM
GUOLIANG, MONTANHA
ÁSIA
TAIHANG, CHINA
ESTRADA DE TIAN MEN SHAN Isolada, a Vila de Guoliang
precisava de uma ligação
com resto do país. Então, um
PROVÍNCIA DE HUNAN, CHINA
grupo de 13 aldeões decidiu
colocar a mão na massa e, em

10 99
1972, construir uma estrada
1.100 m
de ganho altimétrico
com picaretas e o manuseio
rudimentar de explosivos. O
resultado é o incrível túnel
km curvas (Sai de 200 m e vai até 1.300 m) escavado na montanha Taihang,
à beira de um penhasco de 120
metros de altura, com 1,2 km de
Na província de Hunan, na China, está uma das estradas mais sinuosas do comprimento, cinco metros de
mundo, conhecida também como Tongtian Avenue, ou Avenida para o Céu. altura e quatro metros de largura.
A Estrada de Tian Men Shan leva às escadas de Tian Men Mountain, com
999 degraus. A montanha tem um enorme buraco no meio e o único modo + NA ÁSIA
de chegar até lá é através da escadaria... Ou através do maior teleférico do
mundo, com 7.455 metros! ESTRADA
IROHA-ZAKA, JAPÃO
I-ro-ha são os três primeiros
caracteres das 48 sílabas do
antigo alfabeto japonês. Zaka
significa inclinação. Eis a
Estrada Iroha-Zaka, que sobe
as montanhas da Província de
Tochigi, na região de Nikko, no
Japão, com 48 curvas, cada uma
nomeada com uma das sílabas
desse alfabeto.

© TVORECXTRA / DEPOSITPHOTOS

BÔNUS
PASSO DE
KHARDUNG-LA
CAXEMIRA, ÍNDIA
Esta é a estrada transitável para
veículos mais alta do mundo,
tendo como ponto mais alto
incríveis 5.682 metros de altitude.
© LONGTAILDOG / DEPOSITPHOTOS
ÁFRICA

GARGANTA DO DADES
MARROCOS

30 km
O Vale (ou Garganta) do Dades situa-se no Alto Atlas, nas
maiores altitudes do norte da África. A rodovia que leva até o
vale é conhecida como a Estrada de Mil Kasbahs, com muitas
curvas fechadas, acompanhando o Rio Dades e serpenteando
aldeias e paisagens desérticas a cerca de 2.000 m de altitude.
Kasbahs são construções rústicas feitas com barro, varas e
troncos, parecidas com castelos e que, surpreendentemente,
resistem ao tempo e sobrevivem por milhares de anos. Essas
fortalezas eram construídas em lugares estratégicos do deserto,
nas rotas comerciais que as caravanas percorriam.
EUROPA

PASSO DELLO STELVIO


ITÁLIA

24,3
km (desde Prato)
75
curvas
1.808 m
de ganho altimétrico
(Sai de 950 m e vai até 2.758 m)

Uma das estradas mais altas a cruzar os Alpes Italianos, perto da


fronteira com a Suíça, o Passo dello Stelvio foi construído entre 1820 e
1825. Esta é uma das principais montanhas do Giro d’Italia. A estrada
só fica aberta durante o verão, e dependendo da época, paredes de gelo
se acumulam em suas laterais. No Giro d’Italia 2014, etapa 16, houve
uma confusão na descida do Passo dello Stelvio, pois algumas equipes
entenderam que o trecho seria neutralizado em virtude das condições
perigosas da pista com neve. Nairo Quintana manteve o ritmo forte,
assumiu a liderança e venceu a competição.
+ NA EUROPA
3 SUBIDAS DO GIRO
D’ITALIA
Passo di Gavia
16,5 km
1.320 m de ganho altimétrico
(de 1.298 até 2.618 m)

Cima Grappa
19,3 km
1.538 m de ganho altimétrico
(de 174 m até 1.712 m)

Monte Zoncolan
10,1 km
1.203 m de ganho altimétrico
(de 527 m até 1.730 m)

3 SUBIDAS DO
TOUR DE FRANCE
Col du Tourmalet
19 km
1.404 m de ganho altimétrico
( de 711 m a 2.115 m)

Mt Ventoux
21,8 km
1.598 m de ganho altimétrico
(de 314 m a 1.912 m)

Alpe d’Huez
13,8 km
1.127 m de ganho altimétrico
(de 723 m a 1.850 m)

3 SUBIDAS DA
VUELTA A ESPAÑA
Alto de l’Angliru
12,5 km
1.266 m de ganho altimétrico
(de 307 m a 1.573 m)

Alto Els Cortals


d’Encamp
15,8 km
1.080 m de ganho altimétrico
(de 1.020 m a 2.100 m)

Alto Campoo, fuente


del Chivo
21 km
1.060 m de ganho altimétrico
(de 930 a 1990 m)

© LUKASZ JANYST / DEPOSITPHOTOS


© RAFAEL BEN-ARI / CHAMELEONS EYE / DEPOSITPHOTOS

OCEANIA

SKIPPERS ROAD
NOVA ZELÂNDIA

22 km
Skippers Road fica ao lado de Skippers Canyon, que tem
uma queda vertical para o Rio Shotover, já conhecido
como “o rio mais rico do mundo”. As locadoras de carro
não permitem que seus veículos transitem nessa via
estreita e sem acostamento, à beira de precipícios de mais
de 180 metros. A via foi construída durante a corrida do
ouro, quando uma trilha precária era o único acesso para
a cidade de Skippers e os garimpos de Upper Shotover.
Construída entre 1883 e 1890, a Skippers Road foi
considerada uma grande obra de engenharia na época.
Um trecho de 3 km da via envolveu perfuração manual e
explosão de rochas para criar uma plataforma que fica 183
metros acima do Rio Shotover. Essa tarefa desafiadora
exigiu operários para suspender cordas acima do rio. A
estrada tem vista das Richardson Mountains a oeste e das
Harris Mountains a leste. 
CONCEITO

Texto Anderson Ricardo Schörner


Fotos WS Cruiser/Divulgação

WS CRUISER
A “HARLEY-DAVIDSON”
BRASILEIRA MOVIDA A PEDAL
Já pensou poder escolher uma bicicleta no estilo Cruiser, com o layout e as
cores que mais lhe agradam, ou até criar um projeto personalizado de bicicle-
ta naquele estilão retrô super exclusivo? É exatamente esta a proposta da WS
Cruiser, empresa catarinense que, desde 2012, produz praticamente de maneira
artesanal bicicletas com e sem auxílio elétrico e motorizadas.

106 REVISTA BICICLETA


É
impossível rodar com uma delas sem ser
notado. Até quem não curte muito pedalar
fica com vontade de ter uma dessas. Inspi-
radas em motos clássicas, as bicicletas da
WS Cruiser têm um estilo inconfundível e
apaixonante que alia beleza, conforto e ergonomia.

Foi em 2012 que o jovem casal gaúcho Leandro e


Taina resolveu tentar fazer algo diferente, que esti-
vesse mais em sintonia com os seus próprios gos-
tos e estilos. Leandro era projetista mecânico. Sua
esposa Taina era responsável pela administração da
empresa em que trabalhavam. Estabelecidos em São
João do Sul – SC, na divisa com o Rio Grande do Sul,
eles começaram a criar os primeiros modelos des-
sas super bikes.

“Sempre fomos fanáticos por motos e bicicletas


antigas”, diz Leandro, “e o que primeiro era apenas
um simples projeto de construir bicicletas para nós
mesmos, virou nosso negócio quando despertamos
o desejo de outras pessoas, que gostaram do nosso
design retrô moderno”.

Em novembro de 2012, com o negócio próprio já


formalizado, foram comercializadas as primeiras
unidades da WS1, a primeira arte desenvolvida pela
WS Cruiser. Atualmente, são fabricadas em média 15
a 25 bikes por mês, atendendo o Brasil inteiro e até
outros países.

O estilo Cruiser remete às motocicletas clássicas,


como as famosas Harley-Davidson e Indian. Elas se
tornaram símbolo do chamado “sonho americano”,
representando o ideal de liberdade, sucesso e felici-
dade, com um quê de rebeldia. Elas são caracteriza-
das pelo estilo de pilotagem em que o condutor fica
com os pés mais para a frente e as mãos mais para
cima, no almejo de uma posição mais ereta e confor-
tável para o deslocamento de grandes distâncias.

“Optamos por trabalhar com modelos Cruiser pois


queríamos fazer bicicletas confortáveis para o dia
a dia, para pessoas que não são ciclistas profissio-
nais, e sim para aqueles que desejam um meio de
transporte e lazer com grande estilo, juntamente
com conforto”, afirma o casal. 
Taina e Leandro, no Prêmio
Design DCatarina 2014

As bicicletas da WS Cruiser são feitas sob en- de marchas Nexus, pneus 3.0 e custa cerca de
comenda, do jeito que o cliente quer. Segundo R$ 6.300,00.
Leandro, “dessa forma o cliente consegue algo
exclusivo, com o qual ele se identifica. É algo E a crise? Mais ajuda do que atrapalha, segundo
memorável para a vida toda”. A produção de o casal: “o aumento dos combustíveis fez com
uma bicicleta exige mão-de-obra em engenharia, que a procura por um meio de transporte mais
solda, pintura, montagem e embalagem, e quase econômico aumentasse, e acredito que isto refle-
tudo é feito de maneira artesanal. te para todo o mercado da bicicleta. Esperamos
que a crise que ainda deve permear todo o ano
Os projetos têm um custo, em média, de R$ de 2016 e talvez mais, traga a consciência de
1.500,00 a R$ 5.000,00 para as bicicletas con-
que a bicicleta é a melhor forma de economia
vencionais; de R$ 5.500,00 a R$ 15.000,00 para
e de bem-estar com o meio ambiente. Sendo
as bicicletas elétricas; e de R$ 6.000,00 a R$
assim, o mercado da bicicleta deve se manter
12.000,00 para as bicicletas motorizadas ou
mais firme que muitas outras áreas. Além da
réplicas de motos antigas, que fazem de 50 a 80
km por litro. “O mercado de bicicletas customi- crise momentânea que o Brasil atravessa, nosso
zadas no Brasil ainda é bem restrito e pouco co- pensamento com relação ao ciclismo é trabalhar
nhecido, mas tem crescido ano após ano”, revela com sustentabilidade, é plantar um presente que
Leandro, “e as pessoas que nos procuram geral- garanta a subsistência das novas gerações, num
mente são amantes de motocicletas, harleiros e planeta que pede socorro. Gostamos de pensar
pessoas que procuram um meio de transporte que semeamos a consciência para evitarmos
econômico sem perder o status. A vantagem de essa crise eminente e muito mais abrangente”.
realizar um projeto customizado é ter um produ-
to com o qual o cliente interage com a fábrica e Este poderia ser o novo “sonho”, protagonizado,
tem a certeza de que fica do jeito que se quer ou quem sabe, com um pouco de brasiliedade. ␣
precisa, com mais qualidade e melhor estetica-
mente do que os milhares de modelos iguais que
estão nas lojas”.
CONTATO
O modelo mais cobiçado atualmente é a WS WS Cruiser
Rock 350W, bicicleta elétrica com bateria de íon www.wscruiser.com.br
lítio que alcança cerca de 100 km de autonomia. wscruiser@wscruiser.com
O modelo possui suspensão dianteira, farol, cubo WhatsApp: 54 91869774

108 REVISTA BICICLETA


MOBILIDADE

Texto por Ricardo Nogare

PEDALANDO
RUMO A UMA
VIDA MELHOR
Juntos, população e governo do Brasil podem
economizar cerca de R$ 88 bilhões por ano investindo
em ciclismo como meio de transporte e atividade
esportiva. E para cada R$ 1 investido no ciclismo existe
uma economia de R$ 4 no sistema de saúde, de acordo
com pesquisas científicas realizadas na Europa. 

110 REVISTA BICICLETA


© MARCELLO CASAL JR / AGÊNCIA BRASIL / FOTOS PÚBLICAS (23/03/2016)

EDIÇÃO DIGITAL 03 JANEIRO - FEVEREIRO 2017 111


O
s relatórios econômicos milhões de habitantes, o potencial
projetam um cenário benefício financeiro em redução de
bastante desafiador para custos de congestionamentos, tráfegos
os próximos anos no Brasil. de carros, redução de poluição e custos
O brasileiro está pagando de trabalho por pessoas afastadas por
a gasolina e o diesel mais caros do motivos de doenças cardíacas e de
mundo, 32% e 45% respectivamente obesidade no Brasil pode girar em torno
acima do praticado no mercado de R$ 7,5 bilhões por ano. Porém, é
internacional. Tem muitos motoristas muito difícil ter um valor preciso, pois o
que já pensam seriamente em utilizar a valor investido na saúde no Reino Unido
bicicleta como meio de transporte para bem como o custo de vida e média
os trajetos urbanos. de salário usado para o cálculo de
ausência do trabalho é bem superior ao
Como se não bastasse, o PIB negativo do Brasil, mas a grosso modo é possível
em 2015 ficou na casa dos 3,8%, concluir que o investimento no ciclismo
praticamente a mesma projeção para como meio de transporte e como
2016, e como consequência cerca de atividade física pode trazer um benefício
8,4 milhões de pessoas sem emprego financeiro somente na área de saúde na
ao final de 2016. A corrupção do país casa dos bilhões de reais no Brasil.
suga cerca de 200 bilhões e os juros
da dívida pública consomem mais A Universidade de Cambridge em
aproximadamente 500 bilhões ao ano. parceria com o NHS (National Health
Resumindo, é preciso literalmente Service) do Reino Unido, equivalente
pedalar muito para sair da crise. ao SUS no Brasil, ressaltou que para
cada 1 libra investida no ciclismo como
REDUÇÃO NOS CUSTOS atividade física ou meio de transporte
DO SISTEMA DE SAÚDE DO é gerada uma economia no sistema
GOVERNO de saúde de 4 libras com doenças
relacionadas a obesidade e diabete. Se
No Brasil ainda não existe uma pesquisa
o Brasil usar a mesma estratégia de
científica específica para quantificar os
investimento, a redução de custos do
benefícios gerados por investimento no
sistema de saúde seria quatro vezes
ciclismo. No entanto, diversas pesquisas
maior do que a investida no ciclismo.
realizadas no Reino Unido e Europa
Ou seja, para cada R$ 1 investido no
apontam o investimento no ciclismo
ciclismo existe uma economia de R$ 4
como um dos investimentos com maior
no sistema de saúde.
retorno no sistema de saúde. Utilizando
as projeções de benefícios financeiros PEDALADAS CONTRA A CRISE
de pesquisas realizadas no Reino Unido,
que tem uma população em torno de 64 O uso da bicicleta como meio de
milhões de habitantes e comparando transporte ou como atividade esportiva
com a população do Brasil de 205 acaba sendo uma boa alternativa em

112 REVISTA BICICLETA


© OSWALDO CORNETI / FOTOS PÚBLICAS (23/03/2016)

tempos de crise; é como unir o útil utilizando a bicicleta como meio de


ao agradável. A grande maioria da transporte para trajetos urbanos de
população, em algum momento da vida, até 10 km é possível ter uma economia
já teve algum contato com a bicicleta. de cerca de R$ 2.000 por ano por
Desde crianças, temos na memória pessoa. O valor pode variar bastante
um dos presentes mais marcantes dependendo de cada caso, do consumo
da infância, a primeira bicicleta, e em de combustível e o fato de que muitos
consequência a sensação de liberdade, vão continuar tendo as despesas fixas
o vento no rosto, os cabelos voando e o do carro para utilizá-lo em percursos
prazer de usufruir do nosso direito de ir mais longos que 10 km, como viagens
e vir movidos por nossa própria energia ou onde a locomoção para o trabalho
e corpo. é superior a 10 km. O valor pode ser
muito superior a isto se realmente
Com base em pesquisas científicas existir uma mudança radical, existindo
realizadas em países da Europa e a uma eventual venda do carro, usando
nível mundial pela UCI (União Ciclística apenas a bicicleta para trajetos urbanos
Internacional), pode-se concluir que e transporte público, táxi e outros meios 

EDIÇÃO DIGITAL 03 JANEIRO - FEVEREIRO 2017 113


de transporte para trajetos superiores a que a potencial redução de custos no
10 km. Além disto, se for excluído outros Brasil seria em torno de 750 bilhões de
gastos como academia, o valor da dólares (aproximadamente 3 trilhões de
redução de custos pode ser pelo menos reais até 2050, ou 88 bilhões de reais
R$ 5.000 ao ano por pessoa. Pesquisas por ano). Obviamente o valor pode variar
a nível mundial estimam que mais de de acordo com o investimento alocado
50% de todas as locomoções feitas para estas áreas em cada país, porém,
nas grandes cidades de carro são para de uma forma simplista, este seria um
percursos de até 10 km. valor estimado de redução de custos no
Brasil.
COMO O BRASIL (POPULAÇÃO
E GOVERNO) JUNTOS PODEM De acordo com a pesquisa, esta
ECONOMIZAR CERCA DE R$ 88 economia financeira inclui também a
BILHÕES POR ANO INVESTINDO redução de custos com combustível de
EM CICLISMO COMO MEIO DE cada pessoa, infraestrutura, despesas
TRANSPORTE E ATIVIDADE de manutenção de infraestrutura urbana
ESPORTIVA? e nas rodovias, redução de custos de
transportes públicos etc. A pesquisa
Um recente estudo realizado e também explica que um carro precisa de
patrocinado pela UCI, entidade máxima sete vezes mais espaço que uma bike,
no ciclismo a nível mundial, em parceria e que também a velocidade da bicicleta
com “the European Cyclists’ Federation é muito menor e mais segura que a de
and the Bicycle Product Suppliers um carro, além dos demais benefícios
Association in commissioning the na saúde da população que vai se
project, written by the University of tornar mais fisicamente ativa usando a
California, Davis and the Institute for bicicleta como meio de transporte.
Transportation and Development Policy”
conclui que existe um enorme potencial O estudo recomenda uma série de
de desenvolvimento do ciclismo como ações para as cidades com o objetivo
meio de transporte. de mudar a cultura de carro para a
bicicleta, tais como o investimento
Usando a bicicleta como meio de em infraestrutura em larga escala
transporte ao invés de carro pode-se nas grandes cidades, revisão de leis
reduzir até 10% do total de emissão de proteção aos ciclistas, encorajar
de dióxido de carbono e cerca de a população a usar a bicicleta como
25 trilhões de dólares em custos de meio de transporte e como atividade
infraestrutura a nível global até 2050. Se física e investir parte dos impostos de
analisarmos o tamanho da população combustíveis e pedágio em sistemas de
global de 7 bilhões de habitantes transporte alternativo como a bicicleta.
em comparação ao Brasil com 205
milhões de habitantes (cerca de 3% da Resumindo, o Brasil tem um grande
população global) podemos concluir potencial de crescimento no ciclismo 

114 REVISTA BICICLETA


© OSWALDO CORNETI / FOTOS PÚBLICAS (23/03/2016)

"RESUMINDO, O
BRASIL TEM UM
GRANDE POTENCIAL
DE CRESCIMENTO NO
CICLISMO COMO MEIO
DE TRANSPORTE E
ATIVIDADE FÍSICA."

EDIÇÃO DIGITAL 03 JANEIRO - FEVEREIRO 2017 115


como meio de transporte e de deslocamento, além de
atividade física. Morando em gerar um impacto positivo na
Londres desde 2008, e viajando saúde pública, no respeito aos
mundo afora por mais de 20 pedestres e ciclistas, e deixam
anos, tenho acompanhado um legado econômico positivo
atentamente a evolução do para diversos setores da
uso da bicicleta em suas sociedade.
mais diversas formas, em
várias partes do mundo. Em Em Londres, por exemplo,
países desenvolvidos e em eventos nesse estilo chegam a
grandes cidades do Velho reunir mais de 100 mil pessoas
Continente – como Amsterdam, em um fim de semana nas
Copenhague, Paris e Londres Ricardo Nogare ruas do centro da cidade.
atualmente Outros eventos, como a Cape
–, onde a infraestrutura para é bancário
o uso de bicicletas como Town Cycle Tour, na África
em Londres
meio de transporte iniciou- e em paralelo do Sul, reúnem cerca de 50
se há décadas, a bicicleta faz embaixador da mil ciclistas anualmente e
parte da rotina da população. UCI – atuando o número de participantes
como membro cresce a cada edição. Na
Também pode-se dizer que, da comissão
como esporte, o ciclismo está Franca, o governo paga cerca
de ciclismo
entre os cinco favoritos dos para todos da de R$ 1 por quilômetro rodado
europeus. União Ciclística para pessoas que utilizam a
Internacional, bicicleta para ir e voltar ao
Em Copenhague, onde o é ex-ciclista trabalho; no Reino Unido, as
integrante
trabalho de criação de bicicletas compradas através
da seleção
infraestrutura e apoio ao uso brasileira junior, de um programa do governo,
das bicicletas iniciou-se ainda ex-campeão diretamente pelas empresas em
na década de 1960, hoje mais brasileiro junior que os funcionários concordam
de 50% da população utiliza e sub-30. em usar a bicicleta como meio
a bicicleta como meio de de transporte, geram uma
transporte. Naquela época, isenção de impostos de até
a cidade era extremamente 40% para o contribuinte. O uso
poluída e o volume de carros da bicicleta em suas diversas
nas ruas criava um verdadeiro formas melhora a qualidade de
caos. Grandes eventos ao estilo vida da população, é um meio
da São Silvestre, mas com de transporte barato, agradável,
bicicletas, misturam atletas saudável, ecologicamente
de elite com a população e correto, e ajuda a eliminar
têm um papel fundamental o atual caos do sistema de
para criar uma cultura de transporte das cidades do
respeito a diferentes modais Brasil. ␣

116 REVISTA BICICLETA


118
Texto
MULHER

Therbio Felipe M. Cezar

REVISTA BICICLETA
AS

EA

FEMININA
PRESENÇA
BICICLETAS

© VADYM DROBOT / DEPOSITPHOTOS © AREMAFOTO / DEPOSITPHOTOS © GPOINTSTUDIO / DEPOSITPHOTOS


A inda que nos reste pouco a dizer de novo sobre elas, há motivos de sobra para
fazê-lo, pois,

S ão constantes em nossas vidas e inerentes à felicidade que nos proporcionam.

B elas, todas são, porque beleza é um predicado que aprisionam em seu ser,

Independente da origem, carregando em si, antagonismos. São fortes e delicadas ao


mesmo tempo,

C éleres e serenas, suaves e enérgicas, guerreiras e pacificadoras, doces e nem tanto.

Incluem a nós em seus universos, brindando-nos às ruas, às paisagens, às


experiências mais fantásticas que a vida encerra.

C ostumam nos lembrar da brevidade do tempo e como é importante vivê-lo em


plenitude.

L eves, transitam por seus próprios caminhos com secretos movimentos irretocáveis,
e estes

E ncantos fazem desprender, em sua passagem, como pétalas levadas pelo vento, o
bem e o Bom da vida.

T êm lugar privilegiado em nossas mentes e cotidianos, uma vez que conseguimos

A prender a observar suas naturezas que exprimem a mais clara

S implicidade presente na complexidade.

E como não permanecer hipnotizados por sua relevante presença?

A os mais desavisados, um alerta: não há como viver sem elas. 

EDIÇÃO DIGITAL 03 JANEIRO - FEVEREIRO 2017 119


P edem passagem à frente do tempo, inventando novas maneiras de encantar as

R uas, as avenidas e os caminhos de terra.

E stabelecem o que de bom há na arte de descobrir e revelar, enquanto se permitem ser

S infonias feitas para os melhores momentos.

E nquanto transformam as paisagens transformam o que lhes rodeia

N ão havendo como manter-se inerte ou blindado a seus encantos. Não há nada que se
assemelhe a estas magníficas cria

Ç ões, de um lado, da natureza, e de outro, da criatividade humana.

A canção que nunca compus, possivelmente, encontrará nelas os mais valorosos


motivos de existir.

F aço por onde, por fim, refletir que as bicicletas somente poderiam ser substantivos
femininos,

E que jamais poderíamos nos furtar de aprender com toda gama de saberes que as

M ulheres aportam para o dia a dia do ciclismo,

Independente de como nele atuem.

N os aproximam das melhores fragrâncias que a natureza dispõe,

Incrementando nossa dura tarefa que nos cabe, de buscar ser melhores, pouco a pouco.

N o campo das ideias ou na crueza do concreto cotidiano, elas estão aí, tornando nossa
existência mais linda,

m A is fácil e menos solitária. ␣

120 REVISTA BICICLETA


EXPEDIÇÃO

Texto e Fotos Ernesto Stock

DOS
BEM-VINDOS
CONFRONTOS

C
ompramos as bicicletas em e fascinantes. A China ao norte e a Índia,
Hanoi, a cidade mais intensa a oeste. Sudeste asiático. E não poderia
do mundo. Daquele privilégio ser diferente. A força destas referências,
que é “ame ou odeie”. misturadas, garante a exuberância e a
Privilégio. O que talvez excentricidade, quando do alto da nossa
fosse bicicleta um dia, hoje são milhões arrogância ocidental, juramos ser o
de pequenas motos e scooters que centro.
trafegam sem nenhuma regra, como um
enxame enfurecido de abelhas. Nenhum Nosso plano era partir da cidade de
acidente. Talvez as regras não fossem Sapa, norte do Vietnã e seguir para
tão óbvias quanto as nossas. Ou mais. oeste, beirando as montanhas de uma
Nossa lógica, inquestionável, posta em escarpa sudeste do Himalaia, Hoang
cheque na primeira rua. Negociamos Lien, atravessar o Laos e terminar
os preços escrevendo os números em em Chiang Mai, norte da Tailândia. A
um pedaço de papel. Duas bicicletas região que escolhemos pra começar
chinesas, com relações Shimino. nossa travessia já valia uma vida
inteira. Uma profusão inacreditável de
A Indochina é uma península que se cores e minorias éticas espalhadas
espreme entre dois universos poderosos pelas serras. Passamos cinco dias na

122 REVISTA BICICLETA


ESTAVA CLARO QUE O MAIOR DESAFIO
DAQUELA TRAVESSIA NÃO SERIA
FÍSICO, EMBORA O SOBE E DESCE
DAS MONTANHAS IMPRESSIONASSE.
QUASE DOIS MIL QUILÔMETROS
ATRAVESSANDO TRÊS PAÍSES DE
LÍNGUAS E CULTURAS TÃO DIFERENTES
DA NOSSA QUE COMPREENDER TODA
AQUELA COMPLEXIDADE, TENTANDO
SE ESQUIVAR DOS PRECONCEITOS QUE
TRAZÍAMOS DO OCIDENTE, DEMANDAVA
UMA ENERGIA BEM MAIOR DO QUE
A QUE QUEIMÁVAMOS NAS PERNAS.
cidade com a conveniente desculpa de seu corpo. Uma marca roxa saliente, do
preparação e, se não fosse a imensa tamanho de uma bola de tênis de mesa,
vontade de pedalar, poderíamos ficar ali a acompanhou por mais de dez dias. A
alguns meses sem nunca parar de se dor de cabeça desapareceu.
surpreender.
Na manhã da nossa partida, as crianças
Era ano novo chinês, Têt. Ano 4712. ganharam sapatos novos da avó,
Ano da cabra. Vermelho e dourado. que morava há alguns quilômetros.
Muita festa, comida e álcool de arroz. Calçados e vestidos impecavelmente
Happy Water, segundo tradução livre. com as roupas da tribo, seguiram para
O primeiro jantar do ano foi na casa da agradecer o presente. Em pouco tempo
Tsú, uma mulher Hmong de cerca de o cuidado com os sapatos sucumbiu
30 anos, três filhos, 1,40 m de altura, à lama. Como deve ser. O pneu das
doce demais e forte como um touro. bicicletas afundava em companhia.
Carregava dezenas de quilos de lenha Era dia 28 de fevereiro e aproveitamos
nas costas, além dos filhos. Bebia e o cortejo para, finalmente, começar.
trabalhava mais do que o marido e o Pelo meio. A dor de cabeça, que agora
sogro. Tinha as mãos marcadas de azul. era minha, desapareceu na primeira
Sempre. Do mesmo tom das roupas, subida. Vinte e cinco quilômetros morro
tingidas com folhas de Índigo. acima, até a conveniente “cachoeira
dos amores”. Suava álcool de arroz.
Preparou a comida em uma fogueira no Aproveitamos para fazer uma pequena
meio da sala e espalhou um banquete trilha de uma hora e pouco até uma
em pequenos potes de cerâmica. A queda maior dentro do parque nacional
família toda se reunia em volta da do Fanzirpan, maior pico da região.
mesa. Consequência das festanças
Descida. E como a esmola era demais,
milenares e do “arroz”, a Dreza sofria
logo nos primeiros quilômetros de
de dor de cabeça. Mesmo tentando
mais de 20, comecei a ter problemas
disfarçar o desconforto, foi descoberta.
com o meu freio, que, obviamente, não
Tsu tinha uma solução infalível para
funcionava direito naquela inclinação e
aquele conhecido mal-estar. Um chifre
com todo aquele peso. Shimino. Parei
oco de cabra, um pouco de carvão
algumas vezes para ajustar, regular e
em brasa e um cuspe garantiram a
apertar sem muito resultado. Acabamos
pressão crescente que aumentava à
levando para descer o mesmo que
medida que o artefato fora grudado na
gastamos para subir.
testa da Dreza, que agora mais parecia
um unicórnio. Vinte minutos seriam Invadido pelos japoneses, franceses,
suficientes para que a dor estancasse. dividido em dois na Guerra Fria e
Passados dez minutos, arranquei o reunificado com a derrota das tropas
chifre que se prendia tão fortemente à americanas em 1975, sob o comando
cabeça dela que parecia fazer parte do de Ho Chi Mihn, o Vietnã conta hoje
com um território de mais de trezentos senhora de uns 80 anos nos acena e,
mil quilômetros quadrados e uma com as mãos, nos convida para entrar.
população de mais de noventa milhões Aceitamos o convite. Fora os sorrisos
de habitantes. Um país comunista, e algumas mímicas, não trocamos uma
conhecido dos ocidentais por conta palavra. Nos mostrou as fotografias
das agressões impostas pelos norte- da família, em molduras coloridas,
americanos, que não são mexicanos posadas, que decoravam as paredes de
e canadenses, tão distorcidas e madeira. Tecidos coloridos. Uma típica
romantizadas nos filmes de Hollywood. árvore decorada para o ano novo, com
As cicatrizes estão em toda parte. As galhos secos, pequenas flores rosas e
marcas da guerra podem ser percebidas luzes piscando. Ofereceu chá e comida.
em todos os cantos. Crianças ainda Alguns doces que recolhia debaixo da
sofrem os efeitos do agente laranja. árvore. Antes de partirmos, nos deu
Homens mutilados exibem marcas do três pacotes de arroz caramelizado,
confronto para turistas vestidos de embrulhados em papel de presente. A
soldados. delicadeza era dos gestos e não dos
excessos. Era da prática. A vida exigia
As cidades se sucedem misturando a dureza do corpo. A história esculpia.
a vivacidade e o colorido dos O sorriso derretia toda aquela fortaleza.
mercados com a apatia de algumas Assim como o Vietnã.
quase desertas, novas, com grandes
e imponentes prédios do governo. DOS LIMITES SEM SENTIDO
Bandeiras do país e do partido
comunista ocupam ruas e estradas. E Atravessamos a fronteira com o
caminhões chineses. O vermelho e o Laos partindo da cidade de Dien Bien
amarelo estão por toda parte. Todos com destino a Tay Trang. Atravessar
nos saudavam, riam da minha barba fronteiras de bicicleta faz com que os
e da minha bermuda de ciclista e nos limites pareçam bem mais ridículos.
desejavam força. Alguns pediam para Os vistos podem ser obtidos no posto
tirar uma foto. Nenhuma dificuldade de fronteira distante 40 km da última
equivalente às subidas. Aprimoramos cidade do Vietnã. Sem burocracias.
as mímicas. Quase 500 km, grande O comunismo e a influência chinesa
parte deles percorridos às margens do continuam presentes nas cores e
Rio Da. Três hidroelétricas chinesas nos caminhões. Os sorrisos brotam
em construção e um rio lindo à beira com a mesma facilidade do visto.
da morte. Os pescadores, que há muito Oitenta porcento da população vive
sabiam pescar, já não podem mais. A na zona rural. A aparente pobreza de
geladeira parece mais importante do bens de consumo perde o sentido
que o peixe fresco. quando confrontada a um modo de
vida sustentável e familiar, onde as
Última parada antes da fronteira. Uma tarefas são distribuídas de maneira 
natural e sem culpa. Os teares estão em geralmente com mais de 10% de
toda parte. Bichos da seda. Mulheres angulação, empurrava a bicicleta. O
colhem palhas e plantas das matas que calor castigava. O excesso de confiança
margeiam a estrada. Fibras. fez com que não repusesse um pneu
sobressalente que precisou ser usado.
A República Democrática Popular do Não estouraria outra vez e se, seria
Laos é um pequeno país de sete milhões
fácil encontrar algum pelo caminho.
de habitantes e, essencialmente,
Todos andavam de bicicleta. Andavam,
multiétnico. Dezenas de etnias e
não andam mais. E o óbvio aconteceu.
culturas convivem em uma área de um
No meio do nada, meu pneu explode.
pouco mais de duzentos mil quilômetros
Faço um remendo com restos de
quadrados, menor do que o estado de
uma câmara e silver tape. Perfeito.
São Paulo. Obteve sua independência
Resiste, no máximo, cinco quilômetros.
da França em 1948. A excessão de
Empurramos as bicicletas quase um
Vientiene, capital administrativa, e
dia inteiro até a cidade de Muang Khua.
Luang Prabang, capital religiosa e
Nada de pneu. As bicicletas que ainda
principal destino turístico do país,
sobraram por aqui são aro 24.
impossível encontrar vinhos, queijos
ou qualquer excesso de certezas nas Aproveitando a justificativa, decidimos
casas construídas essencialmente de seguir de barco até Luang Prabang,
bambu, madeira e palha. Pelas vilas fora do nosso roteiro original.
e comunidades do caminho, armas
Digressão. Descemos o Rio Nan Ou até
artesanais, pantalonas enormes e
a improvável vila de Muong Ngoi, um
coloridas, cachimbos de ópio e uma
paraíso acessível somente pela água.
hospitalidade proporcional à beleza.
Alugamos uma cabana de frente para
Atravessamos o país no sentido leste o rio por alguns dólares. Os moradores
oeste, sempre pelo norte e margeando se banhavam nas margens todo final de
a fronteira com a China. Estabelecemos tarde. Acompanhávamos a construção
um ritmo constante, pedalando pela de uma imensa canoa de madeira. Lenta
manhã e depois das duas da tarde, e cuidadosamente elaborada. Como a
comendo e descansando. Era difícil vida que seguia sem nenhuma pressa.
encontrar alguma coisa pra comer Uma noite que se transformou em três
na beira da estrada. Os pequenos ou até que todo nosso dinheiro acabou
mercados vendiam apenas bolachas, completamente.
salgadinhos industrializados e doces
pra crianças. Sempre que podia a gente Como não podia mais, seguimos de
completava nosso estoque de frutas, barco à procura de um caixa ATM e um
sementes e pão. pneu. Conseguimos encontrar ambos,
sem muito esforço que não o muito
O freio continuava me dando problemas. dispendido para chegar até lá, em Luang
Em descidas muito inclinadas, Prabang, a mais visitada cidade do

126 REVISTA BICICLETA


país. Um fluxo constante de turistas mais macio. O barulho dos caminhões
de todo mundo garante uma oferta desapareceu e foi sendo substituído
diferenciada de produtos e serviços. pelas saudações entusiasmadas e a
Sotaques franceses nos queijos e gritaria das crianças que nos cercavam
nos restaurantes. A cidade conta com assim que parávamos as bicicletas.
dezenas de templos incríveis e durante Em Luang Nantha, aproveitamos para
todas as manhãs, antes do sol nascer visitar as tribos Akha, povo que vive
às margens do Mekong, centenas de nas montanhas e é conhecido pelo
monges vestidos de laranja caminham artesanato em metal, prata, pelos
pela rua em busca de doações de tecidos e pelo consumo do ópio. Apesar
comida. Procissão. Os moradores de proibido, mesmo nas comunidades
e turistas esperam nas calçadas e tradicionais, o derivado mais charmoso
oferecem arroz e frutas. Acompanhamos da papoula ainda é bastante popular.
o ritual três vezes, dos sete dias em que Assim como grande parte dos
ficamos na cidade. problemas por aqui, o comércio e uso
recreativo da droga passou a significar
Apesar de linda e imperdível, Luang um problema quando os Estados Unidos
Prabang é uma ilha, diferente de da América do Norte (que não são os
todo o resto do país. Algumas vezes, mexicanos e os canadenses) passou
cenográfica demais. Pneus substituídos a incentivar a plantação e o consumo
e de sobra, voltamos para o ponto onde em larga escala para abastecer seus
nosso pneu tinha furado e seguimos em soldados na guerra do Vietnã. Caos
frente sentido Tailândia. Muitas estradas instaurado, a guerra terminada e, de
em reforma, especialmente ao redor de sobra, o excesso e a proibição. E outros
Undomxai, principal cruzamento das crimes que não os da guerra.
estradas que vem do sul com as que
atravessam o país vindo do leste. Uma Atravessamos o parque nacional de
pequena rede de comércios e oficinas foi Nan Ha (lar dos últimos tigres livres
montada para atender aos caminhões, do Laos) e chegamos em Huax Xai, na
sobretudo chineses. Algumas boates margem do rio Mekong. Do outro lado,
suspeitas cobrariam caro por um a Tailândia. Da janela do quarto, outro
quarto vazio. Dormir sozinho ou chegar país. O Mekong e toda sua mística.
acompanhado não parecia uma ideia Do lado oposto, um templo no alto de
corriqueira. uma escadaria. Budista. Comunista.
Aspirantes a monges, de túnicas
Quanto mais nos afastávamos do laranjas, varriam as folhas da entrada.
cruzamento, mais o verdadeiro Laos Não lembrava a dureza dos templos
reaparecia nas casas e na simplicidade. chineses, Confúcio. Era leve, cheio de
A terra fazia aquele monte de concreto e desenhos coloridos nas paredes. Fiquei
cimento chinês ficar ainda mais feio. Os um tempo sentado na escada. Um dos
sorrisos voltavam plenos. Tudo parecia meninos puxou conversa. Precisava 

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treinar o inglês. Tinha quinze anos. Há no poder na história moderna, assumiu
três vivia no mosteiro. Sonhava fazer o trono em 1946, ainda aparece nas
administração em Vientane, capital. E fotos jovem, fotografando, cuidando
conhecer Nova Iorque. Conversamos dos cachorros ou praticando algum
durante uma hora. Contei sobre o Brasil. esporte. Intercalando as poses reais,
Ele sobre seus sonhos. Nova Iorque os templos coloridos e exuberantes do
nunca pareceu tão sem graça. Não Budismo Theravata, a mais antiga das
merecia aqueles olhos. escolas budistas, religião oficial do país.
As mesmas cores do rei. É inacreditável
A OUTRA MARGEM a quantidade de templos e mosteiros
Já não se pode mais atravessar a espalhados por todos os lugares.
fronteira entre os dois países pelo
A Tailândia é o mais rico dos países
rio, como há algum tempo atrás.
da península, de acordo com as regras
Uma ponte fora construída há alguns
um tanto quanto controversas da ONU.
quilômetros da cidade e centralizava
Há alguns meses atrás, Bangkok tinha
os trâmites burocráticos. Brasileiros
sido nossa porta de entrada no oriente.
não precisam de visto para entrar
Ficamos mais de uma semana na cidade
na Tailândia. O concreto dava suas
tentando entender aquele emaranhado
caras em todos os seus significados.
Não pudemos atravessar a ponte de de cheiros e sons que ocupava todas as
bicicleta. Precisamos desmontar tudo e ruas. Só no último dia percebi o senhor
colocar dentro de um ônibus pago, que que arrumava relógios na calçada em
percorria menos de dois quilômetros até frente ao nosso albergue. Trabalhava
a imigração do outro lado do rio. Insisti com uma lupa. Precisão em meio ao
demais para seguir pedalando e quase caos aparente. E essa tinha sido a
acabei preso. minha primeira impressão. Muitas
camadas.
As estradas da Tailândia são
bem diferentes do vizinho, largas, Meses depois, as primeiras camadas já
acostamento e mãos no sentido não me impressionavam tanto quanto
contrário. Apesar de ser o único as que eu sabia existir por baixo daquele
país da Indochina que nunca fora excesso. Já não me impressionava
colonizado, sofre grande influência o fato de um dos maiores ídolos do
da cultura inglesa. As bandeiras do país, um lutador de Muay Thay, ser
partido comunista são substituídas, uma lutadora e antigo monge budista.
proporcionalmente, por grandes O norte era muito diferente do sul,
propagandas do Rei Bhumibol bem mais calma. Algumas vezes me
Adulyadej, nascido nos Estados Unidos lembrava algumas cidades do litoral
e cujo nome tem o emblemático brasileiro, embora no lugar do mar, rio.
significado de Força do Incomparável A simpatia parecia concorrer com a do
Poder da Terra. Monarca a mais tempo país vizinho. 

128 REVISTA BICICLETA


DESAPEGO. ENTENDER QUE TUDO
AQUILO QUE VIVEMOS NÃO PODERIA SER
TRANSPORTADO EM NENHUM ALFORJE.
QUE A VIDA ERA TÃO IMENSA QUE NÃO
CABIA. QUE O MUNDO, GIGANTE, ERA
POSSÍVEL E DESEJADO COM UMA FORÇA
MAIOR QUE A QUE NOS LEVARIA DE VOLTA.
Como era planejado, seguimos em que ficasse totalmente murcho e depois
direção a Chiang Mai. Quinhentos empurramos as bicicletas com a roda
quilômetros em seis dias. Eu já não arrastando no chão até encontrarmos
tinha mais freios. Nunca foram meu um lugar para dormir. Definitivamente
forte. Minhas sandálias se romperam chegar não tinha, nem de longe, a
de tanto atrito com o asfalto para tentar mesma graça do caminho. Arrastamos.
parar.
Um pequeno hotel chinês no centro da
Nossa última noite foi em um pequeno cidade. Um monte de turistas, novos
chalé de madeira na beira de um lago. hippies e restaurantes. Um americano
Anexo, um aconchegante restaurante. barbudo que vivia há 40 anos na
Pad Thai, tradicional macarrão tailandês Dinamarca roncava em um sofá que
com legumes e carne. Passamos a noite ficava no mezanino. Antes mesmo de
bebendo cerveja e jogando baralho. pagar os quatro dias que pretendíamos
Não queria dormir. Qualquer silêncio ficar no quarto, vendemos as duas
me comovia. A verdade é que tudo bicicletas pela metade do preço que eu
era como um livro bom, que você quer tinha pago.
chegar ao final sem que ele termine.
Não consegui descolar os adesivos
Montamos as bicicletas pela última vez.
e bandeiras que se acumularam nos
Penúltima. Prontos para partir, notamos
quadros durante todo aquele imenso
que o pneu da bicicleta da Dreza
e tão pouco tempo que dividimos
estava furado. Pela primeira vez em
toda a viagem. O meu furara dezenas. nosso caminho. Se pudesse, as
Desmontei tudo e coloquei uma câmara levaria de volta comigo para o Brasil.
nova. Remendar aquele estrago me Vendê-las era um exercício e um
parecia desnecessário àquela altura aprendizado. Desapego. Entender
do campeonato. Subimos e descemos que tudo aquilo que vivemos não
muito até completar os 65 km que poderia ser transportado em nenhum
terminavam em Chiang Mai. Devagar. alforje. Que a vida era tão imensa
Paramos para comprar morangos. O sol que não cabia. Que o mundo, gigante,
parecia querer derreter tudo que estava era possível e desejado com uma
ao seu alcance, inclusive ciclistas. força maior que a que nos levaria de
volta. Era preciso que se chegasse
O sol já não incomodava mais quando
chegamos. Passional confesso e ao fim para recomeçar. Mesmo que
irremediável, chorava sem parar. O o fim e o começo não façam o menor
sol se escondia vermelho, como só sentido por aqui. Tudo parte de uma
se vê no oriente. A cidade fervia. Dois mesma história. Todos os fins e todos
quilômetros antes do centro, o pneu da os começos. E a nossa, agora, era
Dreza fura outra vez. Esperamos até enorme. ␣

130 REVISTA BICICLETA

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