A finalidade deste encontro é apresentar publicamente um roteiro da obra pública de
Ferreira da Silva e um documentário sobre o artista e a sua obra. Ambas as iniciativas tiveram o apoio ou mesmo o impulso dos pelouros que nos últimos mandatos couberam ao vereador Dr. Hugo Oliveira, motivo pelo qual esta sessão decorre no novo espaço do turismo da cidade. Agradeço ao Sr. Vereador o convite para aqui deixar algumas palavras a propósito de Ferreira da Silva, Agradeço-lhe igualmente a concordância incondicional com que aceitou integrar estes dois contributos para o conhecimento da obra de Ferreira da Silva nas Caldas da Rainha no programa “Caldas Cidade Cerâmica”. Devo sublinhar que estudar, divulgar, valorizar a obra de Ferreira da Silva sempre constituiu uma trave mestra deste programa. Recordar-se-ão de que na edição da “Festa da Cerâmica de 2009” realizámos uma grande Exposição de trabalhos novos do artista, sob o título “Ofélia II”, e editámos um livro denominado “Colecção Municipal Ferreira da Silva: Primeiras Aquisições”, contendo uma biografa e uma bibliografia extensas e documentação fotográfica relevante. A Câmara anunciou então o propósito de prestar a maior atenção à preservação da obra de Ferreira da Silva e de patrocinar novas criações do artista. Foi igualmente mencionado o projecto de constituir um “Centro de Documentação” dedicado aos seus trabalhos e, genericamente, à história da cerâmica caldense no século XX. Na mesma altura, um primeiro passo foi dado, com a realização de um “Encontro sobre Ferreira da Silva”, no qual foram recolhidos mais de uma dezena de depoimentos sobre o ceramista. Vamos agora prosseguir este trabalho, com meios mais consistentes e um enquadramento institucional reforçado. Ainda este ano publicaremos o 2º volume da “Colecção Municipal Ferreira da Silva” dedicado à sua obra em espaço público e editaremos o DVD com as gravações do Encontro de 2009. O Centro de Documentação está a funcionar na sede da Associação PH e esperamos que todos aqueles que disponham de elementos sobre a sua obra, bem como da de outros ceramistas caldenses dos séculos XX-XXI, nos cedam esses elementos ou permitam que deles façamos registo digital. Gostaríamos de em breve poder organizar uma mostra dos cartazes que elaborou para diversas organizações da cidade e da região. Ferreira da Silva, recordamo-lo hoje com emoção, foi operário fabril e essa condição marcou todo o seu modo de fazer ao longo da vida. Não por acaso, foi sempre em contexto fabril (no Cencal e na Molde) – e não de ateliê - que produziu a obra artística. Aplica-se-lhe inteiramente a afirmação de Picasso: “Como não sei bem o que seja a inspiração, pelo sim pelo não vou trabalhando”. Ferreira da Silva trabalhou intensamente, lamentando-se sempre e só quando se achava sem o desafio e a pressão de realizar novos projectos. Dez trabalhos estão assinalados no presente roteiro. Foram desenvolvidos em cerca de duas décadas, entre 1989 e 2010, no Cencal ou na Molde ou em ambos. Formam instalações de grandes dimensões, por onde perpassa a dimensão escultórica, painéis azulejares, por vezes com recursos a diferentes materiais, como o ferro e o vidro. Combinam fragmentos cerâmicos resultantes da actividade regular de produção cerâmica, azulejaria de forte coloração e frequente alusão a temas da mitologia clássica, da poesia e da história da ciência. O feminino é presença frequente, sendo especialmente assinalada a figura da rainha Leonor, fundadora das Caldas moderna. Poucas serão as cidades no mundo que ostentem uma tão profusa obra plástica em espaço de acesso público. As Caldas da Rainha tem uma marca profunda deixada pelo artista. Não seria a mesma cidade sem essa presença forte e desafiadora, podemos afirmá-lo. De facto, estas obras de Ferreira da Silva introduziram nas Caldas, em permanência, a arte contemporânea em espaço de acesso público. O propósito da arte contemporânea é distinto das anteriores manifestações artísticas em espaço público. Enquanto estas cultivavam a distância, do alto de pedestais, aquela arrisca a proximidade aos cidadãos. Estas eram consagratórias, e aquela é interpelante. Estas eram legitimadoras, aquela quer surpreender, por vezes questionar, ou mesmo inquietar. Artista da inquietude, poderíamos assim identificar Ferreira da Silva. Trazer a inquietude para o meio de nós, para os locais onde nos cruzamos, onde protestamos ou aplaudimos, onde choramos ou rimos, onde exprimimos indignação, mas também onde nos abraçamos – o espaço público - constituiu um dos mais extraordinários projectos de intervenção urbana do nosso tempo. O espaço público é por definição o nexo estruturador da cidade, o ponto de encontro transversal às gerações, aos estratos sócio-económicos e às proveniências culturais. Não deixará de ser um dos traços mais fortes da identidade das Caldas da Rainha na transição do século XX para o século XXI.