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2 FOLHE TIM NOVEMBRO DE 1999

Prezado A Prensa Hidráulica na Sala de Aula:


Colega , DE ONDE VÊM
Aproxima-se o fim do ano e
nosso objetivo inicial, de trans-
formar o Folhetim em um espaço
OS NOVE?
U
ma pesquisa que realiza- uma consciência crítica pelo papa-
aberto e útil para o cotidiano de
todos nós, professores de Física mos recentemente, em gueamento do mestre.
do ensino médio, parece estar vários livros textos de Fí- Para retratar este quadro, de
cada vez mais consolidado. sica do ensino médio, a respeito uma forma presumivelmente diver-
Essa “aventura”, ou se pre- das formas como são veiculados o tida, construímos aqui uma espé-
ferirem, “loucura” de dois auto- princípio de Pascal e o estudo da cie de caricatura de uma situação
res e mais um grupo de amigos, prensa hidráulica, levou-nos a con- real, na forma de uma conversa fic-
só foi possível por dois motivos. siderar os modos, por vezes pa- tícia, travada entre um professor de
Em primeiro lugar, pela empol- dronizados, como esses conteúdos Física hipotético, Simplicius, e seus
gação (e muito trabalho) de pes-
são rotineiramente lecionados nas dois alunos imaginários Expertus
soas como o Ovídio, a Sandra, o
Pamplona (que vocês “conhece- aulas de Física, apelando-se a-cri- e Perguntus. A forma, proposita-
ram” por entrevistas anteriores), ticamente para a simples memoriza- damente irônica da “conversa”
o Thiago e o Fernando, que ape- ção, sem significado, de conceitos está, evidentemente inspirada no
sar de “não serem da área” - ou e formulações. Assunto tido, geral- modo de argumentação de Galileu.
seja, não são como nós, Luiz, Mar- mente, como muito fácil, quando A propósito, é sempre bom lembrar
celo e Mauro, professores de Físi- visto apenas pelo lado aplicativo de que Galileu não foi apenas um gran-
ca - abraçaram o projeto com a problemas padronizados que pe- de cientista, mas igualmente um fino
maior dedicação, curtindo-o tan- dem simplesmente os cálculos de escritor, dotado de uma aguçada ca-
to, ou até mais, do que nós. valores de áreas e de forças, o es- racterística sarcástica nos seus escri-
Em segundo lugar, pelo retor-
no que muitos de vocês nos de- tudo da prensa hidráulica pode re- tos, podendo seus livros serem lidos
ram, seja através de colabora- velar aspectos inusitados, numa quer como obras de ciência, quer
ções, cartas, ou até mesmo pelo análise mais acurada. como exemplos de peças literári-
simples ato de se cadastrarem Considerações energéticas, en- as. Recentemente, seu estilo, em
para receber o jornalzinho. volvendo a prensa hidráulica, ra- forma de trilogia, foi adotado, por
Como imaginamos ao lançar ramente são desenvolvidas em sa- exemplo, por Capra em seu livro
o primeiro número, estamos che- las de aula. Ao invés disso, um tra- “O Ponto de Mutação”, cujo fil-
gando ao número 10, o último tamento matemático bem simples me, baseado no romance, foi diri-
previsto para este ano. O primeiro e acessível é normalmente dispen- gido pelo seu irmão. Enquanto
(março/99) com 8 páginas (lem-
bram?) e este já tem 20!!! sado ao assunto, que é apresenta- Galileu caricaturou os Aristotélicos
Apesar de todas as dificulda- do, deste modo, como um mero com o seu personagem Simplicius,
des (entre elas os eternos proble- exercício de aplicação do princí- a um leigo inteligente e culto, com
mas de tempo e dinheiro - pois pio de Pascal. Nenhuma dificulda- o nome de seu amigo Sagredo e a
até o momento estamos sem ne- de parece haver em tão elementar si mesmo com o nome de Salvatius,
nhum patrocínio), prevemos assunto, tal a pouca importância Capra adotou uma formulação
para o próximo ano: mais pique que é dada à sua complexidade. trilogística na qual uma física, um
e muitas novidades. Torçam Essa trivialização do conteúdo tem, político e um poeta debatiam so-
conosco e, se conhecerem algum certamente, conseqüências dano- bre ciência e sobre o futuro da hu-
maluco idealista (assim como
sas para a formação dos nossos manidade.
nós) e cheio da grana (o que não
é o nosso caso), não se acanhem, estudantes, que acostumam-se a A pretensão, aqui, é bem mais
nos apresentem! Pelo menos para aprender Física como se esta fos- humilde. Trata-se apenas de carica-
pagar o chope!!! se um cântico a ser repetido, subs- turar uma certa postura dogmática
AXÉ! tituindo a necessária formação de no ensino da Física para melhor
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criticá-la. O meu personagem Sim- Como vocês podem ver, a prensa Perguntus: Mas o que isso tem a
plicius não é o mesmo Simplicius hidráulica tem dois ramos cilíndricos ver com os 9?
de Galileu, aquele um Aristotélico com êmbolos de áreas bem diferen- Expertus: Professor, ele não en-
convicto, cheio de certezas. O meu tes entre si, A1 e A2. Dêem uma olha- tendeu mesmo.
Simplicius é tão somente um pro- da na figura do livro. Pois bem, devi- Perguntus: E tu que entendeu, diz
fessor de Física comum, atual, não do ao princípio de Pascal, visto na de onde vêm os nove!
um Aristotélico como o personagem aula anterior, a pressão exercida so- Expertus: O professor já expli-
galileano, mas como aquele, tam- bre o líquido se transmite por igual cou, animal. Presta atenção.
bém, com muitas certezas e poucas em todas as direções. Olhando para Simplicius: Calma pessoal. Eu vou
dúvidas. Como nos filmes america- a figura vocês podem ver que isso repetir tudo de novo. Preste aten-
nos, porém, cabe ressaltar, que qual- nos garante que: F1/A1 = F2/A2 . E ção. O princípio de Pascal não diz
quer semelhança com personagens sendo A2 = nA1, teremos: F1/A1 = que a pressão no líquido vai ser a
reais, é uma mera coincidência. F2/nA1. Logo: F2 = nF1. Se, por mesma dos dois lados? Lembra
O conteúdo dessa conversa re- exemplo, F1 fosse igual a 1 newton e daquele experimento que eu fiz o
trata as observações, de muitos a área A1 igual a 1m2, enquanto a área desenho na aula passada?
anos de ensino, da prática docente A2 fosse igual a 10m2, então a força Perguntus: Qual, professor?
de vários colegas. Neste sentido, F2 deveria ser igual a 10 newtons. Simplicius: Aquele que a gente ti-
os personagens são fictícios, mas Nós conseguimos, assim, multiplicar nha um vaso com vários furos ta-
o tipo de acontecimento retratado, o valor da força, daí a utilidade da pados com rolhas e então a gente
certamente, não é. prensa hidráulica. Ela é usada, por colocava líquido dentro, até à boca,
De Onde Vêm os Nove? exemplo, nos freios de automóvel e e empurrava a tampa. O que é que
A cena passa-se numa sala de aula nos lava-jatos dos postos de gasoli- acontecia?
comum onde o professor Simplicius na, para elevar os carros.
inicia a sua aula sobre a prensa hi- Perguntus: Professor, de onde
dráulica. Os alunos Expertus e Per- vêm os nove?
guntus escutam atentamente. Simplicius: Que nove?
Simplicius: O que vimos na aula Perguntus: Os nove, professor.
passada? Não era 1 e não passou para 10?
Expertus: O princípio de Pascal. Simplicius: Do que você está fa-
Simplicius: Muito bem! O que ele lando?
dizia? Perguntus: A força que aumen-
Expertus: Que um líquido com- tou, professor, de onde vem?
primido transmite a pressão exer- Simplicius: É uma conseqüência
cida sobre ele da mesma forma, por imediata, como vimos, do princí-
igual, em todas as direções. pio de Pascal. Você não entendeu
Simplicius: Muito bem! Hoje nós a explicação? Veja lá, você se lem-
vamos estudar um tópico bem sim- bra da aula passada, do princípio
ples, mas muito importante, do de Pascal? Acabamos de falar nele.
ponto de vista das suas aplicações: Perguntus: Hum!
a prensa hidráulica. Vejamos o se- Simplicius: Hum, o que? Lembra
guinte desenho, ele representa uma ou não lembra?
prensa hidráulica: Perguntus: Lembro!
Simplicius: Então, o que ele diz?
Perguntus: É aquele negócio da
pressão que ... Sei não, me lembro
não!
Expertus: Professor, eu sei. Dei-
xa eu dizer. É que a pressão se
transmite por igual nos líquidos.
Simplicius: Isso!
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Perguntus: O senhor falou que as sor. Não presta atenção no que o estudante. Sua tentativa de reduzir
rolhas pulavam todas ao mesmo senhor fala. a questão levantada a uma mera
tempo. Perguntus: Vou te dar um murro conseqüência do princípio de Pas-
Simplicius: Isso. Pois bem, a Fí- lá fora. cal, conduziu a aula a uma circulari-
sica é uma ciência experimental. Expertus: Vem, vem! dade. Suas frases sobre ser a Físi-
Como nós vimos, no desenho da- Simplicius: Epa!, lá fora vocês se ca uma ciência experimental, não
quele experimento, as rolhas pula- acertam, mas aqui eu quero calma. parecem passar de um jogo de
vam todas ao mesmo tempo. Isso Como é, você entendeu, agora? palavras. Seu tratamento do con-
é o princípio de Pascal. A prensa Perguntus: Não! teúdo é essencialmente livresco.
hidráulica é apenas uma aplicação Simplicius: Como não? Qual a Refere-se aos desenhos dos expe-
dele. OK? dúvida? Eu não acabei de explicar, rimentos, como se estivesse refe-
Expertus: Ele num tá entendendo de novo? rindo-se aos experimentos em si
não, professor. Deixa que eu ex- Perguntus: Professor, eu não en- mesmos. Por outro lado, sua ten-
plico a ele. tendo de onde vêm os nove. tativa final de escamotear a ques-
Simplicius: Não. Deixe que eu Simplicius: Mas você não falou tão, afirmando que os experimen-
mesmo explico. Veja, o princípio que estava certo? tos mostram que as coisas aconte-
de Pascal não diz que a pressão Perguntus: Professor, eu entendi cem desse modo, é uma mera ten-
vai ser a mesma dos dois lados da as contas, né? Mas, o que eu que- tativa de esconder o fato de não
prensa? Que a pressão feita na área ro saber é de onde vêm os nove. ter, ele mesmo, compreendido a
A1 vai ser transmitida por inteiro à Simplicius: Então você não com- profundidade e a seriedade da
área A2? preendeu o princípio de Pascal. questão. Essa postura empirista, do
Perguntus: Diz! Não tem nenhum nove. As pres- nosso professor hipotético, serve-
Simplicius: Então! sões são iguais e pronto. O aumen- lhe de refúgio nas horas mais difí-
Perguntus: Então, o que? to da força é uma conseqüência ceis, nas quais a sua fragilidade te-
Expertus: Professor, ele num tem matemática, elementar, do princí- órica é a sua principal companheira.
jeito mesmo. Deixe pra lá. Conti- pio de Pascal. O que mais você O comportamento igualmente
nue a matéria. O senhor tá perden- quer entender? Os experimentos caricaturado do outro aluno,
do tempo. mostram que é assim. A Física é Expertus, é um retrato do quanto
Perguntus: Cala a boca, chato. uma ciência experimental. É um se pode ser bem sucedido e ao
Deixa o professor explicar. problema muito simples. Não en- mesmo tempo mal formado dentro
Simplicius: Pois é, como a pres- tendeu as contas? dos padrões de um ensino tradici-
são é a mesma dos dois lados, pelo Perguntus: As contas eu entendi. onal que não incentiva o questiona-
princípio de Pascal, teremos que Eu não entendi é de onde vêm os mento, mas sim a repetição des-
F1/A1 = F2/A2 . Como F1 é igual a nove. provida da crítica. A adesão incon-
1 newton e A1 é igual a 1 m2, a Reflexões sobre a aula teste de Expertus às explicações
pressão do primeiro lado é 1N/m2, Certamente a estória apresen- dadas pelo professor Simplicius e
certo? tada acima é uma simples carica- a sua recusa em aceitar, de bom
Perguntus: Certo! tura do que acontece verdadeira- grado, o valor do questionamento
Simplicius: Então! Do outro lado mente em sala de aula, mas como mais radical de Perguntus, são li-
a pressão tem que ser 1 também. toda caricatura ela procura ressal- ções da mais pura subserviência à
Como ela é igual a F2/A2 e A2 é tar os traços a serem criticados. E palavra do mestre.
10m2, qual deve ser o valor de F2 o ponto central, é o pouco caso que Mas, afinal, o que poderia estar
para que dividido por 10 dê igual a é feito das considerações energé- por trás da questão levantada por
1? 10, certo? ticas envolvidas na concepção da Perguntus? Por que a sua estra-
Perguntus: Certo! prensa hidráulica. Retomemos, por nheza em relação à mudança no
Simplicius: Olhe aí, eu não disse exemplo, a dúvida do estudante valor da força? Por que a simples
que era fácil? Física é fácil, é só Perguntus: de onde vêm os nove? explicação matemática de Simpli-
prestar atenção e repetir como uma Na estória que apresentamos cius não o satisfez?
canção. As contas nesse caso são acima o professor Simplicius não Perguntus parece ter compre-
facílimas, não têm no que errar. parece ter entendido, ou mesmo le- endido, paradoxalmente, os passos
Expertus: Ele é voador, profes- vado muito a sério, a dúvida do seu matemáticos, sem dúvida muito
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simples, dados pelo professor, e mesmo êmbolo d1. No outro ramo sobre o trabalho realizado na pren-
mesmo assim, ter continuado com da prensa, uma área maior A2 re- sa hidráulica. Toda a exposição é
a sua dúvida. Na verdade, o tipo cebe uma força igualmente maior centrada nas relações entre as áre-
de dúvida por ele suscitada é mui- F2 às custas da realização do mes- as e na conseqüência, devido ao
to freqüente nas aulas de Física, mo trabalho: F1 x d1 = F2 x d2. princípio de Pascal, do aumento do
mas nem sempre devidamente va- Assim sendo, há uma compensação valor da força. Não é observado,
lorizado. do aumento do valor da força com por exemplo, que a obediência ao
O que parece conferir um senti- uma conseqüente e idêntica redu- princípio de Pascal dá-se a um cus-
do ao questionamento do nosso hi- ção no deslocamento do segundo to energético a ser pago: onde a for-
potético estudante é uma expecta- êmbolo. Desta forma, apesar de F2 ça é maior, o deslocamento do êm-
tiva da existência de uma certa “si- ser igual a nF1, a mesma relação exis- bolo é proporcionalmente menor.
metria” na situação em causa. A in- tente entre as áreas (A2 = nA1), o Por outro lado, a simplicidade
quietação parece provir de uma ex- deslocamento d2 será d1/n. da matemática que é utilizada nas
pectativa de que houvesse algo Esta questão está ilustrada nu- apresentações tradicionais da pren-
como uma “conservação da força”. ma animação da prensa hidráulica sa hidráulica é enganosa, não de-
Ainda que o nosso personagem que anexamos ao presente texto e vendo ser confundida com a sim-
Perguntus não tenha demonstrado está disponível no site deste Folhe- plicidade do conteúdo em si mes-
a possibilidade de explicitar sua tim na Internet. Ela não se preten- mo. É uma simplicidade que decor-
dúvida nesses termos, parece ter de solução para coisa nenhuma, re essencialmente de uma triviali-
sido a idéia de um princípio de con- mas é oferecida apenas como uma zação deste conteúdo.
servação, de fato não existente, simples ilustração a mais para sub- Não é de se estranhar, portan-
que estava por trás desse tipo de sidiar a insubstituível discussão a ser to, que muitos alunos não compre-
questionamento. desenvolvida pelos nossos colegas endam a natureza mais íntima do
Se por um lado, não existe real- professores de Física em suas sa- seu funcionamento, a forma apa-
mente uma conservação da força, las de aula. rentemente “mágica” de multiplicar
por outro lado, a forma como a No geral, há, efetivamente, uma o valor da força. A argumentação
força evolui espacialmente, ou seja, relação de simetria sendo obser- do nosso professor hipotético so-
o trabalho que realiza, define, efe- vada, relação esta diretamente li- bre o que mais haveria a compre-
tivamente, uma relação de simetria gada a um princípio de conserva- ender, uma vez tendo-se acom-
do tipo esperado. Ou seja, a ener- ção. A distinção entre força e ener- panhado o desenvolvimento mate-
gia mecânica posta em jogo de um gia, no entanto, não é algo trivial, mático, encerra uma questão de
lado da prensa hidráulica deve ser como possa, à primeira vista, pa- grande importância no ensino da Fí-
a mesma que é transferida para o recer. A tortuosa história da cons- sica. Ela lembra um acontecimento
outro ramo do instrumento. Isso, trução do conceito de energia mos- narrado por Heisenberg, um dos
baseado no pressuposto de que o tra que ainda nos trabalhos de maiores físicos de todos os tem-
líquido seja, de fato, incompres- Helmholtz, na metade do século pos, a respeito da sua dificuldade,
sível, para que não ocorra perda XIX, a idéia de energia, enquanto quando ainda estudante, de com-
de energia. Pascal tinha essa ques- uma grandeza física nova e de alto preender a teoria da relatividade.
tão do pressuposto da incompres- poder generalizador, aparecia ain- Numa conversa com o seu colega
sibilidade muito clara em sua men- da com o nome de “kraft”, que em Wolfgang Pauli, Heisenberg retra-
te, ao introduzir a idéia dos “des- alemão pode significar, igualmen- ta, de forma brilhante, a questão,
locamentos virtuais”, que seriam te, força (Harman, 1985, p. 41). aqui levantada, da aparência enga-
posteriormente reformulados na Uma parcela dos professores de nosa do raciocínio matemático em
Física como “trabalhos virtuais”. Física não chama a atenção destes relação ao conteúdo por ele repre-
A questão energética, posterior aspectos ligados à conservação da sentado.
a Pascal, mas no fundo, latente em energia quando discutindo conteú- “Wolfgang perguntou-me -
sua formulação do problema, pode dos de hidrostática. O testemunho creio ter sido à noite, numa hos-
ser colocada da seguinte forma. O maior da pouca importância dada pedaria de Grainau - se eu ha-
trabalho realizado sobre o êmbolo a este assunto pode ser encontra- via finalmente compreendido a
de área A1 é igual ao produto da do, por exemplo, na ausência de teoria da relatividade, de
força F1 pelo deslocamento deste referências claras às discussões Einstein, que desempenhava um
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papel tão importante no seminá- ao menos percebidas, mas que po- University Press, 1985
rio de Sommerfeld. Só pude di- dem ser problematizadas à luz de - Heisenberg, W. A Parte e o Todo.
zer que eu não sabia realmente o uma cuidadosa análise histórico- Rio de Janeiro: Contraponto, 1996
que significava ‘compreender’ conceitual. - Hewitt, P. Conceptual Physics.
em nossa ciência natural. O apa- Conclusão Boston: Scott, Foresman and
rato matemático da teoria da re- Incursões históricas sobre a for- Company, 1989
latividade não me causava ne- mulação original de Pascal e sobre
- Mach, E. The Science of Me-
nhuma dificuldade, mas isso não o problema da prensa hidráulica,
chanics. La Salle, Illinois: Open
significava, necessariamente, assim como sobre outros assuntos
Court Classics, 1989.
que eu houvesse ‘compreendido’ da Física, poderiam ser extrema-
porque um observador em mo- mente interessantes de serem dis- - Taylor, L. Physics: The Pioneer
vimento, ao usar a palavra ‘tem- ponibilizadas aos nossos professo- Science. New York: Dover, 1959.
po’, referia-se a algo diferente de res. Principalmente se aliadas a
um observador em repouso. considerações filosóficas, educaci-
Aquilo me intrigava e me pare- onais e experimentais. Elas pode-
cia incompreensível. riam revelar aos nossos mestres
- Mas, havendo compreendi- certos detalhes essenciais da for-
do o arcabouço matemático - mação dos conceitos envolvidos
contestou Wolfgang -, com cer- que, com certeza, poderiam ser de
teza você pode prever o que um grande valia na compreensão das
observador em repouso e um ob- dificuldades de construção daque-
servador em movimento têm que
observar ou medir. Temos boas
razões para supor que um expe-
rimento real confirme essas pre-
le conhecimento e das possíveis
origens das dúvidas dos seus
próprios alunos. O espaço dispo-
nível de um artigo, no entanto, não
“ O ensino de Física tem-se
realizado freqüentemente me-
diante a apresentação de con-
ceitos, leis e fórmulas, de for-
visões. O que mais você quer? comporta mais que uma provoca- ma desarticulada, distancia-
- Eis aí o meu problema - re- ção analítica, como a aqui ofereci- dos do mundo vivido pelos
truquei. - Não sei o que mais pode da. Um tratamento mais pormeno- alunos e professores e não só,
ser exigido. Sinto-me meio ludi- rizado da questão demandaria, cer- mas também por isso, vazios
briado pela lógica implícita no tamente, um texto muito mais lon- de significado. Privilegia a
arcabouço matemático. Talvez go, não condizente com o objetivo teoria e a abstração, desde o
você possa até dizer que aprendi aqui estabelecido. Infelizmente, primeiro momento, em detri-
a teoria com o cérebro, mas não uma literatura deste tipo não pare- mento de um desenvolvimen-
ainda com o coração” (Heisen- ce, ainda, ser do interesse da mai- to gradual da abstração que,
berg, 1996, pp. 41-42). oria dos editores, ao menos em lín- pelo menos, parta da prática
Esse sentimento de ter sido “tra- gua portuguesa. e de exemplos concretos. En-
ído” pelo raciocínio matemático, é fatiza a utilização de fórmu-
Alexandre Medeiros, PhD
algo que parece estar na base de las, em situações artificiais,
(med@hotlink.com.br) desvinculando a linguagem
boa parte das dificuldades manifes- Programa de Pós-Graduação em
tas por alguns estudantes de Físi- matemática que essas fórmu-
Educação nas Ciências - Departa- las representam de seu signi-
ca; justamente os mais questiona- mento de Física e Matemática - ficado físico efetivo. Insiste na
dores, mas não necessariamente os Universidade Federal Rural de solução de exercícios repetiti-
mais bem sucedidos nesse modelo Pernambuco vos, pretendendo que o apren-
formalista e repetitivo de educação. dizado ocorra pela automati-
A questão da prensa hidráulica, le- Referências Bibliográficas
zação ou memorização e não
vantada neste artigo, é apenas um - Dugas, R. A History of Me- “
pela construção do conheci-
exemplo, dentre tantos outros pos- chanics. New York: Dover, 1988. mento através das competên-
síveis, nos quais um aparato mate- - Harman, P. Energy, Forces and cias adquiridas.
mático extremamente simples, en- Matter: The Conceptual Deve-
cerra armadilhas conceituais nem lopment of Nineteenth-Century MEC, Parâmetros Curriculares
sempre seriamente confrontadas ou Physics. Cambridge: Cambridge Nacionais (Ensino Médio).

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