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CONSTRUÇÃO CIVIL / A vida por um fio/Trabalho em alturas [cont.

ESPECIAL

Incidência maior

Pesquisa quantifica maior número de quedas no setor da construção civil


Cosmo Palasio de Moraes Junior *

É na construção civil que os acidentes de trabalho em altura encontram sua face mais dramática. A fatia
de acidentes por quedas neste setor está apontada em pesquisa realizada pelo engenheiro Marcelo
Costella. Para seu trabalho de mestrado em Engenharia Civil na Escola de Engenharia da Universidade
Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Costella realizou relatório dos acidentes do trabalho ocorridos
na construção civil gaúcha nos anos de 1996 e 1997. Neste objetivo, trabalhou com as Comunicação de
Acidentes de Trabalho (CATs) encontradas na DRT/RS, selecionando 3.070 dentre as 45.206 existentes.
Ao levantar os acidentes na construção civil, Costella constatou que 44,3% atingiu serventes, 21,7%
pedreiros e 21% a carpinteiros, ficando os 13% restantes com profissionais de outras atividades. As
maiores incidências por idade estão nas faixas de 35/49 anos (14,6%); 40/44 (13,3%); 25/29 (13%); 20/24
(12,4%); 30/34 (11,9%). Isso revela que o problema não se concentra em uma faixa etária, porque se dá
de forma equilibrada em todas, com maior número de trabalhadores na construção civil. Porém,
comparando com dados do IBGE sobre população empregada no setor, Costella identificou que nas
faixas de menor idade, o percentual de vítimas de acidentes é ligeiramente menor do que os acidentados
até os 34 anos. Após esta idade, cresce a incidência de “peões” que sofreram acidentes.

Tamanho – A pesquisa de Costella não deixa dúvida de que as ações para evitar acidentes na
construção civil devem enfocar especialmente as pequenas e micro empresas. Basta verificar a
distribuição dos acidentes segundo o porte da empresa.

TABELA I

Não foi detectada grande diferença entre o total de acidentes considerando o dia da semana, embora
tenha sido observado percentual menor nas sextas-feiras (15,7%) e maior em segundas (21,7%) e
terças-feiras (21%). Quanto ao horário do acidente, a hora de maior perigo é às 10 da manhã, com 14,5%
das ocorrências, sendo forte também a fatia de acidentes às 9h (11,9%) e 11h (11%). No turno da tarde
há menos problemas, com exceção das 16h, quando se concentraram 11,4% dos acidentes levantados.
Mas o trabalhador deve ter cuidado especial com as primeiras horas de trabalho nas manhãs de
segunda-feira. Elas apresentam índices muito elevados de ocorrências. Costella atribui isto a uma
descontinuidade do trabalho devido ao descanso de final de semana. “O trabalhador tem que se adaptar
ao trabalho novamente, até que na terça-feira ele atinge o pico de produtividade”, argumenta.

Segunda – Ao se debruçar sobre a distribuição dos acidentes de acordo com a sua natureza, Costella
detectou que as quedas com diferença de nível estão apenas abaixo dos acidentes por impacto sofrido.

TABELA II

Especificamente sobre as quedas de diferença de nível, relacionadas com trabalho em altura, estas
significaram 14,1% dos acidentes em serventes, chegando a 25,5% das ocorrências com pedreiros e a
17,4% das CATs envolvendo carpinteiros. Elas tiveram a segunda maior incidência em relação aos
pedreiros e serventes, ficando atrás apenas dos impactos sofridos. Entre os carpinteiros, são a terceira
maior causa de acidentes, atrás de impactos sofridos e impactos contra.
Quanto aos agentes de lesão na construção de civil, segundo a pesquisa de Costella, o maior perigo está
em um ítem relacionado ao trabalho em altura. Lidera lista de risco de acidentes o andaime ou similar,
com 10% das ocorrências.

TABELA III

A pesquisa mostra que as conseqüências normalmente são mais graves nas quedas com diferenças de
nível em relação às demais naturezas de acidentes na construção civil. Dos acidentes em que não foi
necessário o afastamento do operário, apenas 2,6% resultaram de queda por trabalho em altura. Mas
nada menos do que 27,8% dos acidentes graves foram de queda com diferença de nível.
Isto se torna ainda mais dramático quando se observam os percentuais de mortes causadas pelos
acidentes. Nada menos do que 46,7% dos casos fatais tiveram como causa a queda com diferença de
nível, seguindo-se choques elétricos e prensagem ou aprisionamento, ambos com 20%. As quedas com
diferença de nível, aponta Costella, ocorrem principalmente com pedreiros, em andaimes e escadas. Os
agentes para os serventes e carpinteiros são semelhantes, sendo que os serventes têm um número
elevado de quedas em vãos livres e os carpinteiros em telhados e formas de madeira. O quadro ilustra
suas constatações.

TABELA IV

Assinala Costella que as mortes ocorreram em sua maioria com pedreiros e por queda de diferença de
nível. Em um total de 15 mortes, nos 2.839 acidentes analisados, nenhuma foi de carpinteiro,
diferentemente de outras pesquisas, em que estes eram os profissionais da construção civil com maior
número de casos fatais.

Pouco rigor, muitas mortes

Operário despreparado vai para desafio de sobreviver

Vez por outra surgem no Brasil campanhas sobre os mais variados assuntos. Quase sempre estas
campanhas estão associadas a problemas de saúde, como é o caso da excelente campanha de
prevenção ao câncer de colo do útero. Não podemos deixar de citar as constantes campanhas de
prevenção de acidentes no trânsito. Uma sociedade deve se preocupar sempre com as principais causas
que adoecem e matam seus integrantes. As quedas em trabalhos de altura representam, sem dúvida
alguma, a maior causa de mortalidade por acidentes não apenas no Brasil, mas com certeza em todo o
mundo. Apesar disto, pouco ou quase nada é feito para diminuir os números assustadores deste tipo de
acidente. Assim como cabe aos especialistas em saúde orientar ao estado e à sociedade, a partir dos
dados obtidos pela vivência profissional, para a necessidade de campanhas de prevenção e ações sobre
doenças, bem como aos especialistas em trânsito, nas mesmas bases, propostas de prevenção de
acidentes com veículos automotores, em especial por serem conhecedores do assunto, com certeza
cabe a nós, profissionais de Segurança, agir para que algo seja feito com relação a mortalidade por
acidentes com quedas. Trata-se de um desafio, de fazermos com que nossas vozes, dados estatísticos e
conhecimento, cheguem até a sociedade, alertando para uma questão muito grave.
Nós, profissionais de Segurança do Trabalho, não devemos ficar apenas restritos ao cumprimento e
aplicação da lei. Antes, como técnicos, devemos ousar e propor. A partir de nossas constatações,
devemos difundir o que aprendemos e assim cooperar estritamente para o desenvolvimento do conceito
prevencionista dentro do contexto mais amplo. Nós, que somos os especialistas no assunto, detemos
sobre o tema um número de informações com as quais podemos e devemos auxiliar de forma ampla na
elaboração de normas mais adequadas, aplicáveis e que atinjam os objetivos esperados. Com certeza
toda a sociedade deseja encontrar os meios para evitar tragédias com acidentes fatais e se deixarmos de
nos preocupar apenas com nossos cotidianos, somos sem sombra de dúvida as pessoas mais indicadas
para propor os meios que atenderão estes anseios.

Identificação das causas – Com certeza, a melhor forma de evitar acidentes sempre será conhecida pela
identificação das causas imediatas e causas básicas. Isto é clássico em prevenção de acidentes.
Lamentavelmente, por mais óbvio que pareça, na maioria das empresas brasileiras ainda não é este o
procedimento adotado. Investigação e análise de acidentes com resultados pré-definidos é uma
ferramenta com grau de eficácia sofrível. No entanto, por quase toda parte reinam ainda os velhos
conceitos de ato e condição insegura, que remetem os envolvidos na ocorrência a ‘culpas’ que raramente
têm qualquer sentido lógico e jamais levam a qualquer conclusão concreta.
Investigar acidentes, embora pareça tarefa simples, é algo por demais complexo quando se deseja de
fato tomar algum tipo de ação que seja tecnicamente sensata e honesta. Investigar acidentes implica em
tentar entender razões muito inerentes à pessoa humana e, para qualquer pessoa um pouco mais
sensata, fica claro que não se trata mesmo de algo que possa ser feito em dois minutos e apenas
assinalando este ou aquele ítem. É muito mais do que estúpido concluir que um empregado caiu de 30
metros de altura e morreu simplesmente por indisciplina, porque se recusou a usar o cinto. Mais sensato
talvez seja supor que não tinha de fato noção dos riscos que corria. Ou talvez que tivesse pressa em
concluir o trabalho devido ao desconforto que tal posto ou atividade implica. Ou ainda que o EPI, mais do
que garantir segurança, criava dificuldades. Mais honesto seria supor que a pressa, o temor reverencial
diante do supervisor que exige resultados, o tenham feito agir daquela forma e a situação ter o citado
desfecho. Não podemos investigar acidentes a partir de nossos pressupostos de compreensão e valores.
Este procedimento sempre culminará em conclusões irreais.
Muitos de nós sabem que, para um acidente ocorrer, muitos são os fatores desencadeantes. Outros, no
entanto, insistem em acreditar que um trabalhador pura e simplesmente introduz sua mão em um ponto
de operação da máquina apenas por um motivo fútil. Com certeza fútil é o processo de investigação
destes profissionais que, apesar de agirem desta forma, vivem reclamando que não conseguem atingir
taxas de freqüência melhores.
Na verdade, analisando a questão com clareza, encontraremos uma série de fatores, em especial no
caso das quedas, entre eles:
lGrau de compreensão dos trabalhadores (não entendem instruções mais complexas);
lValores e cultura dos trabalhadores (não visualizam o risco, são oriundos de regiões agrícolas, são
psicologicamente inaptos a este tipo de trabalho);
lProblemas de saúde dos trabalhadores que os tornam inaptos a este tipo de trabalho (epilepsia,
dependência química, hipertensão, diabetes, labirintite, etc.);
lSituação sócio-econômica dos trabalhadores (se obrigam ao trabalho desta natureza pela necessidade);
lEquipamentos individuais de segurança incômodos (pesados, difíceis de montar, etc.);
lEquipamentos de fixação dos EPIs mal dimensionados e que dificultam o trabalho (mal instalados,
faltando partes, inexistentes nos pontos de passagem e transferência);
lFalta de qualificação dos empregados (geralmente ajudantes gerais, com dificulda- des para trabalhos
rotineiros em nível de piso);
lFalta de qualificação da supervisão (feitores, sem conhecimentos de tipos de superfície, telhas,
passagem de cabos, primeiros socorros, retiradas de emergência, etc.);
lQuestão ergonômica (excesso de jornada de trabalho que exige esforço físico, concentração e constante
preocupação – fadiga que induz a erros de apreciação e falhas);
lProjetos e cronogramas de obras incompatíveis com a natureza de riscos inerentes (prazos curtos
demais para trabalhos que devem ser feitos com cuidado e meticulosidade, nos quais muitas vezes não
foi previsto tempo e nem mesmo é possível instalar cabos guias).

Sobrevivência – Não é preciso ser especialista em segurança para saber que no Brasil qualquer pessoa
realiza trabalhos em altura, sem que seja observado qualquer critério. E expor vidas humanas a situações
de trabalho e risco em tais condições é pelo menos uma inconseqüência, cujos resultados são
conhecidos. Antes de mais nada é preciso ficar claro que as pessoas não desejam e nem mesmo se
precipitam de alturas pelo mero desejo de cair. Se os trabalhadores caem, as causas são conhecidas e
comuns. Mas quase nada tem sido feito para que isto seja evitado, além dos verdadeiros tratados de
transferência de responsabilidade que operários, muitas vezes semi-alfabetizados, são obrigados a
assinar antes de subirem para verdadeiros desafios de sobrevivência.
Os trabalhadores morrem pela total indiferença com que este tipo de atividade é tratada, sendo ela ainda
muito perigosa mesmo quando merecedora de todos os cuidados. Indiferença nossa, profissionais de
segurança, que ao longo dos anos ficamos passivos diante dos meios possíveis e pouco ou quase nada
fizemos para obter meios mais seguros. Indiferença das empresas que contratam serviços de outras
empresas sem atentarem para qualquer critério que demonstre ao menos um mínimo de preparo para o
trabalho perigoso. Indiferença de patrões que apenas pensam em lucros, impingindo à sociedade o
pagamento das mazelas que os acidentes de seu negócio propiciam. Indiferença governamental, quando
em juízo aceita como prova de treinamento, zelo e vigilância, papéis assinados por pessoas que
evidentemente não tiveram e teriam meios para ao menos ler, quanto mais compreender o que ali está
contido e, mais ainda, pela ausência de legislação específica mais rigorosa, justamente para a atividade
que mais mata. Indiferença das escolas profissionalizantes, das próprias representações dos
empregados, que nada fazem para a qualificação, pelo menos mínima, de trabalhadores que realizam
este tipo de atividade.

Norma específica – De imediato, a questão do trabalho em altura deve ser objeto de atenção prioritária.
Em nosso entendimento, há mesmo necessidade de criar, como um meio de assegurar um mínimo de
padronização e possibilidade de se atribuir responsabilidades com mais clareza, uma norma
regulamentadora específica para o assunto, visto que, embora seja razão para a maioria dos acidentes
fatais, é tratado na legislação em apenas alguns poucos itens das NRs, e, mesmo assim, de forma
genérica, enquanto outras situações de menor complexidade são tratadas detalhadamente.
Estamos falando aqui de vidas humanas e não apenas de conceitos técnicos pura e simplesmente
(destes que alguns adoram discutir e criar comissões para tratar) e para que elas não se percam
devemos ser claros quanto as ações a serem tomadas. Muito do problema seria minimizado através de:
lExigência e criação de treinamento padrão para trabalhos em altura, mantidos por centros de
treinamento ou escolas reconhecidas, de curta duração, para não inviabilizar sua realização;
lExigência de um conjunto de exames médicos específicos para a função, com apoio especial da rede
pública;
lImplantação de um comitê técnico de discussão tripartite sobre meios individuais e coletivos de proteção
para trabalhos em altura;
lExigência e criação de treinamento padrão para formar monitores de trabalho em altura, obrigatório aos
responsáveis técnicos de empresas e encarregados envolvidos que realizam trabalhos desta natureza;
lExigência do PSTA – Programa de Segurança para Trabalhos em Altura, ou seja, uma análise prévia de
riscos específica para este tipo de trabalho, com detalhamento quanto ao método, duração da jornada,
equipamentos a serem utilizados, etc. É essencial que o PSTA assegure que em todas as fases da obra
existam meios para fixação do cinto.

* Cosmo Palasio de Moraes Junior


Técnico de Segurança do Trabalho

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