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Os fenômenos obscuros e quase patológicos do pano de fundo da psique fascinam de algum

modo o interesse. Mas é difícil explicar como algo que foi rejeitado pelas épocas precedentes
possa tornar-se, de repente, tão interessante. Não se pode negar, porém, que há um interesse
geral nessas questões, apesar da aparente incompatibilidade com o bom gosto. Quando me
refiro ao interesse psicológico, não entendo apenas o interesse pela ciência psicológica, ou o
interesse ainda mais restrito pela psicanálise de Freud, mas o crescente interesse pelos
fenômenos psíquicos mais amplos como o espiritismo, a astrologia, a teosofia, a
parapsicologia etc. O mundo não viu mais nada semelhante desde o final do século XVI e
XVII. Só podemos compará-la com o apogeu da gnose dos séculos I e II d.C. As correntes
espirituais de hoje têm realmente profundas semelhanças com o gnosticismo. Mais ainda: até
existe hoje uma Igreja gnóstica da França e conheço, na Alemanha, duas escolas gnósticas
que se declaram abertamente como tais. Numericamente, o movimento mais importante é sem
dúvida a teosofia, como sua irmã continental, a antroposofia. Pode-se dizer que são água do
mais puro gnosticismo, com roupagem indiana. Ao lado delas, o interesse pela psicologia
científica é insignificante. Mas os sistemas gnósticos também se baseiam exclusivamente em
fenômenos inconscientes e seus ensinamentos morais penetram na obscuridade profunda
como, por exemplo, a versão europeia da yoga kundalini hindu. O mesmo acontece com os
fenômenos da parapsicologia. Os que os conhecem podem confirmá-lo. [170] O apaixonado
interesse por esses fenômenos brota certamente da energia psíquica que reflui das formas
obsoletas de religião. Por esta razão, esses movimentos apresentam um caráter genuinamente
religioso, apesar de sua pretensão científica: é o caso de Rudolf Steiner que chama sua
antroposofia de a “ciência espiritual”. As tentativas de esconder esse caráter mostram que a
religião está atualmente desacreditada, tanto quanto a política e a reforma do mundo. [171]
Não seria ir longe demais dizer que a consciência moderna, ao contrário da consciência do
século XIX, voltou suas esperanças mais íntimas e mais profundas para a psique, não no
sentido de uma confissão religiosa tradicional, mas no sentido gnóstico. O fato de todos esses
movimentos se revestirem de uma aparência científica não é simplesmente uma caricatura ou
intenção de ocultar sua verdadeira natureza, mas sinal positivo de que estão realmente
buscando ciência, isto é, conhecimento em estrita oposição à essência das formas ocidentais
de religião, ou seja, à fé. A consciência moderna abomina a fé e consequentemente as
religiões que nela se baseiam. Só as admite na medida em que o conteúdo de seu
conhecimento estiver aparentemente de acordo com fenômenos experimentados no pano de
fundo psíquico. Ela quer saber, isto é, experimentar originalmente por si mesma

CARL JUNG
Civilização em transição 

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