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enjamin Button

Sobre as fases da vida

As fases da vida podem ser vistas como um círculo: no princípio, o desafio passa por
aprender a não urinar e defecar nas calças; a missão seguinte, quando já se é um pouco
maior, seria conseguir amigos; passada essa fase, o maior objetivo passa a ser fazer
sexo; resolvido isso, a tarefa seguinte é conseguir dinheiro. Já na meia idade, a
conquista, novamente, é fazer sexo; depois vem a fase de fazer amigos e o derradeiro
desafio da vida de um homem consistiria em não fazer as necessidades nas calças.

Como se vê, as duas pontas da vida são iguais. Nascemos fracos e despreparados, e na
melhor sorte, morremos frágeis e desamparados. Por isso tentamos ao máximo
aproveitar e prolongar o meio, os anos de juventude, nos quais o corpo não é nosso
maior inimigo e a morte paira a uma distância suportável. 

O filme O curioso caso de Benjamin Button, baseado num conto de Scott Fitzgerald,
brinca com isso. O protagonista vive ao avesso, nasce velho e morre bebê. Sua vida
ocorre na ordem inversa, mas é só para ressaltar que o período idílico é apenas uma
parte da história, linda e passageira. O caso de Button é uma tocante história de amor,
mas seu grande tema é a velhice. A infância também é uma experiência de amor entre
pais e filhos e, principalmente, de muita esperança. Porém, no caso de Benjamin, foi
velho nas duas pontas.

O recurso fantástico da vida inversa dessa narrativa poderia deixar em nós a idéia de
que só o miolo valeria a pena. Cabelos brancos incomodam, mas idéias amadurecidas
ajudam, não é à toa que se diz que gostaríamos de viver com o corpinho dos vinte e a
sabedoria dos quarenta.

A infância é um presente impregnado de futuro, enquanto na velhice somos encharcados


de passado. O acúmulo de experiências, o cheiro ranço das memórias que torna os
idosos ao mesmo tempo interessantes e difíceis de suportar, está ausente em Button:
quando nasce como um bebê enrugado e encarquilhado assemelha-se a um inválido e a
infância que lhe chega posteriormente traz junto uma demência senil. Do filme pode
restar a dura conclusão de que a velhice é simplesmente a falência do corpo. É isso, mas
muito mais, é o processo de balanço de uma vida e a existência entre nós daqueles que
têm a inevitável consciência da morte. O convívio com os velhos torna os jovens menos
onipotentes. Benjamin Button tinha como lar um asilo, nessa casa aprendeu que os laços
afetivos são a grande herança, eis algo que os idosos têm para ensinar.

O filme “O Curioso Caso de Benjamim Button”1 começa mencionando a história do Sr.


Gateau, um relojoeiro cego que, ao perder seu único filho na guerra, resolve fazer um
relógio que “inverte o sentido do tempo” para tentar voltar ao passado e evitar a trágica
morte de seu filho.

As primeiras badaladas do relógio feito pelo Sr. Gateau, marcam o nascimento de


Benjamim Button: um bebê que nasce com o corpo semelhante ao de um senhor
fisicamente debilitado e que rejuvenesce a cada dia, desafiando o sentido do tempo e
seguindo no que poderíamos chamar de contramão da vida.
A vida de Benjamim e sua interação com as demais personagens nos convida a pensar
nossa relação com o tempo de diferentes maneiras.

Vida e Morte: o tempo como início, meio e fim

Logo após seu nascimento, o bebê Button é abandonado por seu pai num lar para
idosos. Neste ambiente, a morte é um elemento comum. É tratada de forma tão
corriqueira e banal que chega a incomodar o expectador.

Para Benjamim, no entanto, a morte de seus amigos idosos representa a aceitação da


finitude da vida. No asilo, ele aprende que a morte chega para todos e que é parte
natural da vida. Ele aprende, também, que todo mundo carrega uma história de
vida, seja ela curta ou longa.

Quando decide sair do asilo e se aventurar por aí, Benjamim deixa de ser um mero
observador e começa e escrever sua própria história. Afinal, ele aprendeu que a vida
tem início, meio e fim.

Experiência e Inocência: o tempo como professor

Apesar de nascer em um corpo que carrega as marcas do tempo, Benjamim Button,


nasce inocente como uma criança. Tem um ar sabido e experiente, mas precisa do
tempo. Só o tempo é capaz de ensinar como amadurecer. A transformação de
inocência em experiência é lindamente apresentada na sua relação com a personagem
Daisy Fuller ainda criança.

Juventude e Velhice: o tempo como obstáculo

Na medida que o tempo passa para as personagens Benjamim e Daisy, o antagonismo


entre juventude e velhice começa a ganhar força na narrativa.

Não posso estragar o filme para quem ainda não assistiu. Então, vou me limitar a dizer
que adorei a sutileza da mensagem por trás da decisão de Benjamim, quando Daisy está
com pouco mais de 40 anos. Envelhecer não é um fardo! Pode ser um presente.
Tudo depende de como você escreve sua história.

Cuidar e Ser Cuidado: o tempo como continuidade

O que mais gosto no filme é da forma como ele valoriza o “cuidar de alguém”. Isso
aparece, das mais variadas formas, nas relações de Benjamim com diversos
personagens: com Queenie, sua mãe adotiva; com Daisy, sua amiga (dentre muitas
coisas); com Thomas, seu pai, e com o Capitão Mike.

Na minha história de vida, quero cuidar e ser cuidada, com empatia e com merecimento.
Tem uma citação, atribuída a Mark Twain, que diz: “Os dias mais importantes da sua
vida são o dia que você nasceu e o dia em que descobre o porquê. ”

No filme, me parece que o porquê de cada personagem está relacionado ao doar um


pouco de si para cuidar de alguém, criando um círculo de cuidados: um “círculo da
vida”.
Quando comecei a escrever este texto, eu queria escrever algo sobre a importância de
cuidar de um ente querido, de cuidar dos idosos que cuidaram de alguém e começaram a
escrever a história deste alguém, quando ele ainda não tinha autonomia para fazê-lo.

Assistir ao filme foi um destes acasos maravilhosos que acontecem com a gente. Me
ajudou a materializar um sentimento que anda muito forte na minha vida. Quero ajudar
a escrever muitas histórias. Especialmente histórias das pessoas que amo, quando elas
não conseguirem mais ter autonomia para fazê-lo.

Porque a vida tem começo, meio e fim. Porque eu descobri que sou feliz em cuidar
de quem cuidou de mim.

Antes de terminar, olhe para a imagem no topo do texto e reflita:

Viver a vida ao contrário. Nascer velho e morrer bebê. Viver entre idosos, num asilo,
sofrendo com as doenças próprias desta faixa etária para depois rejuvenescer enquanto
todos os outros caminham na direção contrária. Premissa um tanto quanto anárquica em
suas bases, mas que deu a produção “O Curioso Caso de Benjamin Button”, grande
repercussão internacional tanto entre o público quanto entre a crítica.

Também, pudera, baseado em conto de F. Scott Fitzgerald, um dos grandes nomes da


literatura mundial no século XX, e estrelado por Brad Pitt e Cate Blanchett, o filme
emociona e intriga a todos, contando com elementos que certamente compõem a base
do sucesso para muitas produções.

Tudo começa com a contratação de um famoso relojoeiro para construir o novo relógio
para a estação de trem de Nova Orleans, durante os anos da Primeira Grande Guerra,
quando o filho deste prestigiado especialista é mandado para os campos de batalha no
front europeu.

A notícia da perda do filho, abatido durante os combates, e o retorno de seu corpo para
os Estados Unidos não modificam o rumo dos acontecimentos e a encomenda do relógio
da estação continua a ser cumprida, dentro dos prazos previstos para sua solene
inauguração. Abatido, mas perseverante em sua ação, o relojoeiro consegue terminar
sua obra e, durante o evento em que seu trabalho é mostrado ao público pelas
autoridades, revela os rumos de sua tristeza através do relógio…

Obra magnífica em sua concepção visual e funcionamento, o relógio foi fabricado para
girar ao contrário, ou seja, voltando as horas e não contando-as para a frente, como
deveria. O sonho do relojoeiro era que tudo pudesse voltar no tempo e que seu filho,
assim como todos os combatentes enviados para a guerra, pudesse não partir, tendo suas
vidas preservado. Desolado, o relojoeiro sai de cena, mas o relógio, inédito e portentoso
símbolo da não conformidade quanto a acontecimentos que gostaríamos de evitar a
qualquer custo, é mantido na estação de trem de Nova Orleans…
Nesta mesma época nasce Benjamin, cuja mãe falece no parto e o pai, rico e destacado
industrial de Nova Orleans, diante da imagem pouco provável de um bebê envelhecido,
num surto de loucura, abandona o menino em frente a um asilo, para que sua história ali
termine ou se inicie, se o mesmo lograsse sobreviver. Surge então Queenie, sua
verdadeira mãe, aquela que o abraça como um presente dos deuses e resolve criá-lo
apesar de sua tão distinta aparência.

Entre idas e vindas, o bebê cresce, se torna um menino velho, um jovem com cabelos
brancos e atinge a idade adulta, na plenitude de sua saúde, em escala ascendente
enquanto todos os demais adultos – idosos ou não – com os quais tem contato,
envelhecem e morrem, e as crianças que conhece, entre as quais a bela Daisy, por quem
desde o primeiro contato nutre real paixão, crescem e florescem ao mesmo tempo que
ele na juventude…

“O curioso caso de Benjamin Button” não é apenas curioso, como denota o título da
produção e da história original de F. Scott Fitzgerald. A produção do diretor David
Fincher é sensível, bela, até mesmo poética em alguns momentos e, principalmente, nos
enseja a repensar a vida, a aceitar o que é a princípio inaceitável, a desenvolver
tolerância, a valorizar nossas existências, minuto a minuto…
Para Refletir
1. O tempo é uma das principais temáticas surgidas do filme “O curioso
caso de Benjamin Button”. O que é o tempo? Ele de fato existe ou é uma
criação humana? Qual o intuito de contarmos as horas, minutos e
segundos? Já parou para pensar nisso? Talvez isso se relacione ao fato de
sermos finitos, de termos conosco, ao abrirmos os olhos, um relógio a
registrar o tempo que temos, diminuindo a cada vez que os ponteiros
avançam, ainda que por segundos. O homem, a partir do momento em que
percebe o alcance de sua existência passa não apenas a medir os ciclos da
natureza e, com isso, entender o valor que cada minuto tem para as
realizações pessoais e coletivas. Entender o tique-taque do relógio e não
apenas observá-lo passivamente pode ser um ótimo exercício de reflexão
filosófica e sociológica, que tal?

2. Biologicamente o que significa envelhecer? Sabemos que o corpo sofre


transformações diversas ao longo da existência humana, inclusive que a
partir dos 65 anos entramos na 3ª idade, ou seja, na velhice. Fala-se sobre
isso na escola, de forma sutil, subliminar, como se envelhecer fosse algo
distante ou, pior, em alguns casos, como se fosse algum tipo de doença a
que todos estamos fadados. Não é. Trata-se de uma fase em que há evidente
desgaste físico, proporcionado pelos anos de uso dos diferentes
componentes de nossos corpos, também emocional e com algumas perdas
em termos da capacidade de aprendizagem, no entanto, é o momento em
que a experiência está exponenciada, ou seja, no qual há muito a ser
compartilhado. As escolas precisam apreciar melhor este momento da vida,
valorizar os idosos, aproximar os membros da “melhor idade” das salas de
aula com o intuito de dividir o que viveram, aprenderam e que, certamente,
pode ser muito valioso para as crianças e adolescentes. E, acima de tudo,
explicar o que significa envelhecer a partir do ponto de vista da ciência.

3. Nossos atos e ações podem ser revertidos? A premissa inicial do filme


“O Curioso Caso de Benjamin Button”, relacionada ao relojoeiro e a
vontade de fazer o tempo voltar, para que impedisse seu filho de embarcar
rumo à guerra, onde perdeu a vida, demonstra um pouco daquilo que é o
arrependimento humano no que se refere as nossas ações ou omissões. Há o
que fazer em relação ao que já aconteceu devido à nossa inação ou
realizações já concretizadas? A resposta é bastante clara, ou seja, o que
fizemos constitui a história, a jornada, o caminho percorrido por cada um
de nós e teremos que conviver com seus resultados. Por isso mesmo é
preciso pensar muito sobre as escolhas feitas em relação as trilhas presentes
e futuras que iremos construir. O maior erro que cometemos é agir de
forma afoita, sem perceber as consequências, por instinto, sem qualquer
tipo de reflexão quanto ao que receberemos no futuro como paga pelo que
fizemos. Isso se refere tanto ao que não deve ser feito por ser errado de
fato, socialmente condenado, juridicamente passível de punição, quanto a
aquilo que é moralmente é incorreto. Mas como tomar as decisões da forma
mais justa, equilibrada e correta? Essa é uma discussão que, certamente,
precisa ser levada para as salas de aula tanto quanto para as conversas em
família...

O filme "O Curioso Caso de Benjamin Button" dirigido por David Fincher e estrelado
por Brad Pitt e Cate Blanchett é analisado esta semana. Este filme fala sobre a história
de Benjamin Button, que é abandonado por seu pai as portas de um asilo ao ver que o
bebe tinha aparencia de um idoso de 80 anos ou mais. Este bebe-idoso é criado neste
asilo e durante seu desenvolvimento ele vai rejuvenescendo. O filme foi indicado a 13
Oscar's e ganhou 3, de melhor Efeitos Especiais, Melhor Direção e Melhor Maquiagem.

A análise abaixo é realizada pela psicóloga Natália

O filme abaixo me remeteu a natureza humana. Winnicott disse:


“O desenvolvimento prossegue com o passar do tempo, e gradualmente a criança se
transforma no homem ou na mulher nem cedo, nem tarde demais. A meia-idade chega
na época certa, com outras mudanças igualmente adequadas, e finalmente a velhice vem
desacelerar os vários funcionamentos até que a morte natural surge como a derradeira
marca de saúde”.
No filme, Benjamin vive ao contrário, nasce velho e morre bebê, transcendendo a lei da
vida e nos levando ao paralelo e a reflexão sobre o ditado “as coisas são como são”.
Se a saúde psíquica é avaliada em termos de crescimento emocional (um de seus
fatores) tendo em vista a sua idade no momento, refere, assim, ao ser humano uma
responsabilidade perante o ambiente.
“As coisas são como são”, a natureza humana nos propõe que nasceremos no período de
dependência absoluta aprendendo e absorvendo do ambiente. Na adolescência, fase de
rompimento dos pais heróis para a contestação e afirmação no mundo, na vida adulta
que nos força a responder pelo ambiente. A velhice, a fase da colheita e da ceia.
Todas as fases da vida tem o mel e o fel, a busca da maturidade, a busca pela natureza
humana.
No filme Benjamin tinha um corpo de velho, mas quem habitava era um menino. Vendo
o filme podemos entender o simbolismo do ditado popular “Quando velho, retornamos a
infância, o velho fica criança”.
O filme também nos mostra o mais justo resgate da criança que habita em nós e que
grita de vez em quando querendo brincar com a vida.
Como é válido carregar conosco a curiosidade da criança, a ousadia de um adolescente,
a perspicácia de um adulto e o saudosismo do velho.

A natureza é o sentido da realidade, o sentido da vida.


Ainda no filme, a personagem de Cate Blanchett pergunta "como é ser você?" (ou algo assim) e
ele responde que não sabe, não reconhece quem ele ve no espelho. Nós aceitamos o nosso
envelhecimento e criamos a nossa própria imagem já ele, Benjamin, vive mentindo a todos
sobre a idade e tenta moldar os comportamentos para se adequar ao fisico dele atual. Em vez
dele se estabelecer como um homem que tem suas convições ele é obrigado a fazer coisas que
não quer.
Ele quando jovem tem ações de velho e quando era velho tinha ações de jovem. Isso deve ser
muito perturbador.
Psicologia do Desenvolvimento
1338 palavras 6 páginas

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INTRODUÇÃO

Durante o seu desenvolvimento o indivíduo vai sofrendo mudanças de acordo com o tempo e
o ambiente em que está inserido. Segundo Scheneider e Irrigaray (2006), as idades
cronológica, biológica, social e psicológica não obedecem a uma regra.
Atualmente são valorizados padrões de estética, disposição ou idade produtiva que muitas
vezes não correspondem à realidade; é preciso compreender que os aspectos do
envelhecimento e os seres humanos não seguem um determinado padrão, deixar esses falsos
limitadores e acolher um indivíduo ativo, cheio de expectativas, de vida e produtividade, que
pode contribuir nos relacionamentos e na sociedade.
Devido à necessidade de serem sempre produtivos e o aumento da longevidade,
consequentemente, pessoas com mais de 60 anos, terão a oportunidade de continuarem ou
retornarem a qualidade social de “ser produtivo” segundo KHOURY (et al., 2010), ainda
comentado por ela em seu trabalho, fatores correlatos tais como, posição do idoso na
sociedade econômica, seu papel de chefe de família e provedor torna vantajoso ao
empregador a sua contratação; podendo mudar a condição de idoso em um futuro próximo.
Ainda no trabalho de KHOURY (et al., 2010), ela menciona o principio Marxicista de que os
humanos só se tornaram o que são por causa do trabalho, logo ele é elemento fundamental na
constituição da identidade humana, e é por meio do trabalho que o homem cria, transforma,
se exprime, e imprime sua marca no mundo. O trabalho é a principal ferramenta para evitar a
marginalização social, há um vinculo entre o homem e o trabalho. Em algumas situações o
trabalho representa poder, pois traz status, e o poder por ele representado antecede a
obtenção de dinheiro.
O tema está dado logo no início do texto e concerne à
experiência clínica
da autora no tratamento de pacientes regredidos. A questão
psicanalítica que
orienta sua análise de O estranho caso de Benjamin Button é
enunciada: “De
que forma a regressão, como uma organização defensiva
contra angústias
insuportáveis, relaciona-se com a pulsão de morte?” Para
responder a essa
questão, Fenster recorre particularmente a Klein, Balint e
outros autores pós-
kleinianos, destacando de forma breve algumas concepções
teóricas
relacionadas ao fenômeno da regressão. A caracterização do
método adotado
para analisar o filme de David Fincher é apresentada em
seguida:
Eu utilizo a abordagem da psicanálise aplicada em minha análise de O

curioso caso de Benjamin Button. Embora não seja uma abordagem


tão usual
como o método semiótico lacaniano... a psicanálise aplicada
possibilita uma
visão mais aprofundada dos ‘textos, subtextos, temas e personagens’
[citando
Gabbard & Gabbard, 1999, p. 202]. (Fenster, 2010)
11 PhD, Psicanalista membro do Psychoanalytic Center of California.

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Ao elucidar o método da psicanálise aplicada, a autora oferece
ao leitor
um claro delineamento dos parâmetros que serão utilizados em
sua
interpretação do filme. Ela indica, por exemplo, sua
preocupação com os
riscos dessa abordagem. De um lado, o risco de simplificar a
obra de arte a
ponto de torná-la um objeto saturado de especulações teóricas.
E de outro, o
risco de assumir a narrativa como uma reprodução de fatos
históricos, o que
teria como efeito o entendimento das personagens como
pessoas reais e o
uso da psicanálise para descrever uma suposta psicopatologia
do
protagonista. Seu intuito é utilizar as interpretações
psicanalíticas para
facilitar o entendimento do filme, o que requer a constante
atenção ao modo
como constrói sua análise para assegurar a consistência do
método.
Outro ponto interessante é seu entendimento do filme como
mobilizador
de emoções, lembranças e reflexões que remetem a autora a
situações
transferenciais experimentadas no atendimento de pacientes
regredidos.
Benjamin Button (Brad Pitt) desperta a atenção da analista e a
instiga a uma
relação imaginária com a personagem. Quando recém nascido,
Benjamin tem a
aparência de um homem muito velho. Pouco a pouco ele
rejuvenesce até
assumir as feições de um homem jovem, um adolescente, uma
criança,
retornando ao berço e finalmente ao gérmen da vida.
À medida que [a vida de Benjamin era apresentada] no sentido
contrário
do tempo, minha contratransferência foi despertada e comecei a
refletir sobre
partes de sua experiência [da personagem]. Achei que o filme
reproduzia de
forma apropriada as minhas ideias clínicas sobre certos aspectos da
regressão:
idealização na transferência, o equacionamento simbólico da analista
com a
mãe, e a pressão para que a analista reencene uma relação objetal
infantil.
(Fenster, 2010)
Esse segundo esclarecimento feito pela autora mais uma vez
enquadra a
análise do filme em um contexto específico, tomando os
cuidados necessários
para preservar as diferenças reais entre a vida de seus
pacientes e a vida

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fictícia de Benjamin Button. Aqui vemos também o
entendimento da autora
de que o filme lhe proporcionou insights sobre a situação
transferencial
experimentada na clínica. Mas é na contratransferência que
ela encontra os
elementos de ligação que fazem a ponte entre sua experiência
de
espectadora e os pensamentos originados da análise de
pacientes regredidos.
Fenster (2010) explica que o exercício de psicanálise aplicada
realizado no
artigo é fruto de seus devaneios como espectadora e “deve ser
entendido
com um espírito investigativo. [Ela escuta] as angústias,
defesas e fantasias
de Benjamin com a intenção de examinar [suas próprias] ideias
e aprofundar a
compreensão analítica dos fenômenos de regressão”.
O curioso caso de Benjamin Button pode ser interpretado
como uma
representação das fantasias inconscientes de reversão do
envelhecimento,
encenadas na narrativa da história da personagem principal.
Ao contrário de
todas as personagens que vivem e são afetadas pelo tempo
cronológico,
Benjamin vive no sentido anti-horário (Figura 9), o que torna
seus momentos
de aproximação, apaixonamento e abandono ainda mais
arrebatadores, pela
brevidade dos encontros. Questões como perdas, saudades e,
consequentemente, o luto pelos objetos amados que vão
embora são centrais
na angústia revelada pelo protagonista em interação com as
demais
personagens (Fenster, 2010).
Figura 9. A r ev er são do envelhec imento. Cenas do filme O c ur ios o c aso d e
Benjam in Button (Fincher , 2008).

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Fenster (2012) utiliza teorias de Melanie Klein, Hanna Segal,
Michael
Balint, Herbert Rosenfeld, André Green e Christopher Bollas
para caracterizar
o quadro clínico da regressão patológica, que constitui o tema
central das
questões psicanalíticas pesquisadas pela autora. Mas ao
contrário da
psicanálise aplicada tradicionalmente entendida como
sobreposição de
elementos da teoria à obra de arte, em que esta é submetida
ao escrutínio do
autor para explicar e justificar suas hipóteses, a análise de
Fenster separa
notadamente a cogitação metapsicológica da elaboração de
sua versão
pessoal do texto fílmico. Nesse sentido, a análise do filme é
textualmente
inserida entre a discussão dos conceitos de regressão e
manejo clínico,
utilizados por Fenster em seus atendimentos, e a recapitulação
desses
mesmos conceitos após sua interpretação de O curioso caso
de Benjamin
Button. Embora as teorias kleinianas e pós-kleinianas façam
parte do conjunto
de seu artigo, estas não são utilizadas diretamente como
explicações para a
história de Benjamin, mas estão implicadas em sua escuta da
narrativa fílmica
e na experiência estética proporcionada pela obra de David
Fincher.
A análise de Fenster (2010) contribui para o entendimento do
filme, na
medida em que este é utilizado como metáfora para os
fenômenos de
regressão característicos de certos casos clínicos. O filme não
é analisado em
suas qualidades estéticas, como vimos, por exemplo, no
tratamento dado por
Cintra (2011) ao filme Ilha do Medo, de Martin Scorcese. Ao
transformar o
filme em uma narrativa orientada pelas questões clínicas que
tem em mente,
Fenster produz uma interpretação intencionalmente enviesada
que, no
entanto, é consistente com sua proposta e com o método da
psicanálise
aplicada anunciados na contextualização de seu trabalho.
Nascido com 70 anos

Em O curioso caso de Benjamin Button, publicado originalmente em 1921,


acompanhamos a vida peculiar do personagem principal: ele nasce em 1860 com o
corpo e a inteligência de um senhor de 70 anos! Ele vem ao mundo com 1 metro e 73
de altura, tem barba e cabelos brancos, e nasce falando: em uma de suas primeiras
frases, ele pede para o pai — que aparenta ser bem mais jovem que ele — comprar uma
bengala.

Como não poderia deixar de ser, a vida de Benjamin Button é repleta de situações
absurdas. Na “infância”, por exemplo, mesmo sendo um senhor de idade, ele ganha
brinquedos e é obrigado a usar roupas de criança. Com o passar dos anos, Button tem
uma surpresa: ele percebe que, ao invés de envelhecer cada vez mais, está
rejuvenescendo.

O curioso caso de Benjamin Button é muito engraçado na maior parte do tempo, mas
também tem sua dose de melancolia. Nos momentos bons e ruins de sua vida, o
protagonista está sempre deslocado no tempo em que vive e no próprio corpo.
Fitzgerald parece dizer que, independentemente da forma como você envelhece, o
tempo sempre vai deixar marcas e causar conflitos entre as gerações. O desfecho do
conto, com a “velhice inversa” do personagem, é narrado com muita delicadeza e é de
partir o coração.

A história de O curioso caso de Benjamin Button foi levada aos cinemas pelo diretor
David Fincher em 2008. O filme foi protagonizado pelo Brad Pitt e tem Cate
Blanchett no elenco, mas tomou várias liberdades em relação ao conto original.

Era do Jazz

A outra narrativa presente no livro é Bernice corta o cabelo, publicada em 1920. No


conto, a jovem protagonista vai passar férias na casa da prima, a descolada e fútil
Marjorie. Elas passam a maior parte do tempo preocupadas com bailes e paqueras, mas
logo surge um atrito entre elas: Marjorie considera Bernice muito chata e sem graça, e
conclui que sua presença poderia atrapalhar sua reputação com os rapazes. Ainda assim,
ela dá algumas dicas pra que Bernice se torne mais popular, mas sente ciúmes quando a
prima começa a fazer sucesso com os garotos.

Sim, eu sei o que você deve estar pensando: essa poderia ser a sinopse de alguma
temporada de Malhação ou de algum filme da Sessão da Tarde, mas Bernice corta o
cabelo é muito bom. Fitzgerald escreveu o conto com uma linguagem despretensiosa e
muita energia, e fica fácil entender porque o autor era adorado pela juventude da “Era
do Jazz”. Assim foi chamado o período extravagante e hedonista, com grandes
mudanças na moda e no comportamento dos jovens norte-americanos, que durou do fim
da Primeira Guerra Mundial, em 1918, até a quebra da Bolsa de Valores de Nova
York, em 1929.

F. Scott Fitzgerald, autor de romances como o maravilhoso O grande Gatsby, também


foi um excelente escritor de narrativas curtas. As duas histórias reunidas nesse livrinho
são ótimas pra quem quer começar a conhecer seu talento como contista.
O filme O Curioso Caso de Benjamin Button, lançado nos Estados Unidos em 2008, fez
sucesso sob a direção de David Fincher, arrebatando, no Oscar de 2009, os prêmios de
Melhores Efeitos Especiais, Melhor Direção de Arte e Melhor Maquiagem. Fazem parte
do elenco Brad Pitt e Cate Blanchett, dando vida a Benjamin Button e Daisy,
personagens adaptados do conto de Francis Scott Fitzgerald, no qual o filme é inspirado.

Lançado em 1921, o conto faz parte da compilação Contos da Era do Jazz e trata de
uma interessante inversão na vida de Benjamin Button, homem que nasce velho e
rejuvenesce ao longo da vida, até morrer com a idade de um bebê. O conto revela um
recém-nascido extremamente inteligente, que fala e age como adulto, tendo inclusive o
tamanho de um adulto real. Quando Benjamin chega perto do fim de sua vida, passa a
não lembrar-se de seus tempos de faculdade e trabalho, passa a ter sonhos tranquilos e
despreocupados e diverte-se mais com brinquedos do que em qualquer outro momento
de sua vida. Diminuindo de tamanho paulatinamente durante o processo de
envelhecimento, ele vive os últimos anos em constante regresso, rumo à restrita
consciência que um bebê tem do que o cerca, até simplesmente desaparecer.

Quem quiser comparar filme e livro verá que pouco eles têm em comum. Ambas as
versões tratam da trajetória de Button, de sua condição diferenciada, de seu casamento;
mas a forma como esses elementos são mostrados no filme diverge da versão original.
Inicialmente, algumas adaptações tiveram de ser feitas a fim de tornar o filme mais
próximo da realidade. No conto, por exemplo, Benjamin nasce não só com a idade de
um homem de 70 anos, mas com o tamanho de um homem adulto. No filme, o
personagem é mostrado ao nascer com o tamanho de um recém-nascido; no entanto um
trabalho incrível de maquiagem se encarrega de proporcionar a sensação da idade
avançada. Adaptações como estas são justificáveis ao passo que o conto possui uma
maior carga simbólica e metafórica, enquanto o filme se preocupa com a realidade,
apesar de tratar da ficção. Haveria, é claro uma impossibilidade física quanto a uma
criança de um metro e meio sair do ventre da mãe. Essas adaptações são escolhas que de
forma alguma ameaçam a qualidade do filme de Fincher.

O filme trata também, de forma muito mais romântica que o conto, do casamento de
Benjamin Button e Daisy – esta, na versão literária, recebe o nome de Hildegard
Moncrief. Benjamin conhece Daisy quando ela ainda é uma criança, interpretada por
Elle Fanning, enquanto ele tem a idade real correspondente a dela, mas aparenta ser um
senhor bastante idoso. Na versão original, de Fitzgerald, Benjamin conhece Hildegard
quando ela já está na faixa dos vinte anos e ele, aparentando cerca de cinquenta. O
encontro se dá de maneira menos romanceada e o casamento rapidamente acontece. O
leitor acompanha o sentimento de perda de admiração do marido pela mulher, devido a
vida difícil que o casal leva, ao passo que um envelhece e o outro fica cada dia mais
jovem.
Benjamin, que no início do casamento tivera tanto orgulho de sua esposa, passa a
manifestar estranhamento frente à mulher que é contraposta ao seu constante
rejuvenescimento. Benjamin passa a admirar-se cada vez mais enquanto perde o desejo
por sua esposa. Pouca atenção é dada ao momento em que os dois têm a mesma idade,
em contrapartida ao filme, que explora fortemente o romance entre os dois neste período
e faz de Benjamin e Daisy um casal eternamente apaixonado.

A forma como os outros veem a condição de Benjamin também é bem diferente nos
dois casos. Em oposição ao filme, na versão de Fitzgerald, predomina o estranhamento e
a crueldade dos personagens secundários para com Button. Logo no início, seu pai
apresenta uma rejeição incontestável em relação ao filho. Durante seu crescimento ele é
afastado por todos, que o culpam por sua condição julgando ser algo que o próprio
Benjamin pode controlar mas não o faz por preguiça ou graça. Benjamin só consegue
aceitação quando atinge a meia idade, em que é um homem bem sucedido
financeiramente, casado e com filho. Já na terceira idade recomeça seu sofrimento,
tendo também contra ele seu filho, que se envergonha do pai e mantém sua condição e
relação de parentesco em segredo daqueles que o cercam.

Scott Fitzgerald tem uma linguagem leve e despretensiosa que mantém o leitor preso a
sua literatura do início ao fim. Seus contos têm ritmo consistente – um dos segredos do
bom escritor – transmitem simplicidade, mas o conteúdo é sempre intrigante e
inteligente. Neste estilo “escrever é muito fácil”, Fitzgerald abre O Curioso Caso de
Benjamin Button despertando curiosidade, mantém-no cativante durante seu desenrolar
e cria um desfecho metafórico, coerente com o restante da obra, cheio de sensibilidade.
Caminhando lentamente para a finalização, Fitzgerald o faz com calma – ele devia saber
que a pior coisa para o público é ter a sensação de que o autor estava com pressa de
terminar o livro – e despede-se de seu leitor, deixando-lhe uma sensação saborosa em
mãos.

É a leitura de uma carta póstuma de Benjamin Button (Brad Pitt) em uma viagem que
fez à Índia, e que está sendo lida por sua filha, num quarto de hospital onde está sua
mãe, Daisy (Cate Blanchett). Momentos antes desta cena a filha está no mesmo quarto
vendo fotos e textos onde o pai fala de como gostaria de ter feito sua filha crescer.
Então, nesta cena, a voz passa para a de Benjamin Button e ele fala coisas que gostaria
de ter falado à sua filha caso estivesse ali, ensinamentos de pai para filha sobre a vida,
as escolhas e os caminhos que tomamos.

“Se quer saber, nunca é tarde demais para ser quem você quiser ser; não há limite de
tempo, comece quando você quiser. Você pode mudar ou ficar como está, não há regras
para esse tipo de coisa. Podemos encarar a vida de forma positiva ou negativa, espero
que encare de forma positiva; espero que veja coisas que surpreendam você; espero que
sinta coisas que nunca sentiu antes; espero que conheça pessoas com ponto de vista
diferente; espero que tenha uma vida da qual você se orgulhe. E se você descobrir que
não tem, espero que tenha forças para conseguir começar de novo”.
~ Eric Roth, roteirista do filme “O Curioso Caso de Benjamin Button” (Carta para
Caroline), adaptação do conto de F. Scott Fitzgerald

Estamos ligados ao tempo: nascemos, envelhecemos,


morremos. Entretanto, a
forma com que o ser humano lida com essa transição varia. No
cinema não é
diferente. Ali a passagem do tempo é abordada sob diferentes
enfoques. Tanto nas
telas quanto na vida real, para alguns, envelhecer é doloroso e
parece incomodar;
para outros, nem tanto. Rejuvenescer seria a solução? E se
isso, de fato, fosse
possível? Como seria a passagem temporal?
O filme O Curioso Caso de Benjamin Button, de David Fincher
(2008) aborda
justamente essa temática: O tempo e o rejuvenescimento. O
protagonista Benjamin
Button nasce velho e rejuvenesce ao longo da vida. A
passagem do tempo é
apresentada sob diversos formatos na trama. O longa-
metragem apresenta uma
série de quadros narrativos e de linguagem para demarcar a
passagem cronológica
durante a narrativa.
O problema central desse trabalho almeja compreender como a
passagem do
tempo é abordada no filme O Curioso Caso de Benjamin Button
(2008). Para
responder a essa pergunta, como objetivo geral,
identificaremos quadros narrativos
e de linguagem cinematográfica utilizados no longa-metragem
de David Fincher que
descrevem a transição do tempo na trama. O primeiro objetivo
específico se dispõe
a verificar quais os principais recursos cinematográficos
utilizados pelo diretor na
descrição da passagem do tempo do enredo fílmico. O
segundo objetivo específico
pretende identificar metáforas e/ou analogias desenvolvidas
por David Fincher
durante sua descrição da passagem temporal em O Curioso
Caso de Benjamin
Button.
Pesquisar sobre como a passagem do tempo é abordada em
um filme
contemporâneo não é comum, mas relevante, visto que o
espectador - sobretudo
hollywoodiano – está acostumado a comprar a ideia de que
para alcançar a plena
felicidade precisa possuir amplo poder aquisitivo e manter-se
sempre jovem. O
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personagem Benjamin Button preenche esses dois requisitos:


tem considerável
poder aquisitivo e rejuvenesce com o passar dos anos. No
entanto, a passagem do
tempo é o próprio anti-herói da história, que contribui para a
separação dos
protagonistas causando solidão e infelicidade.
O Curioso Caso de Benjamin Button possui referências
temporais bem
construídas. Os eventos principais da trama estão diretamente
relacionados com
sua transição temporal. Impossível refletirsobre o filme, sem
nos depararmos com a
questão “tempo”. Compreender como a passagem do tempo é
abordada no longa-
metragem não significa limitar-se a questões cronológicas, mas
pensar o quê, de
fato, Fincher (2008) considera mais elementar a ser retratado
em uma história em
que o passar das horas é o próprio vilão da narrativa.
O trabalho foi dividido em três capítulos: o primeiro denominado
“O Cinema e o
Tempo”, parte mais teórica que retoma conceitos dos principais
pensadores do
cinema sobre a passagem do tempo, o segundo chama-se “O
Curioso caso de
Benjamin Button” e discorre sobre o objeto de estudo a ser
pesquisado e o último
capítulo intitulado “A passagem do tempo de Benjamin Button”
justifica-se para
responder as questões centrais do presente estudo.
No primeiro capítulo “Cinema e o Tempo”, existem subcapítulos
divididos
respectivamente em “Como o Cinema constitui a passagem do
tempo”,“A
montagem”, “A Elipse” e “O Flashback”. No primeiro
subcapítulo “Como o Cinema
constitui a passagem do tempo” iremos verificar quais os
principais elementos que
são retratados dentro do cinema para representar o tempo. O
estudo será embasado
nos trabalhos de Carlos Gerbase, Betina Goetjen, Jacques
Aumont, Francisco
Araújo da Costa, Patrice Pavis, Bruna Christófaro e Michel
Chion. No subcapítulo “A
Montagem”, iremos expor as definições teóricas mais
relevantes sobre o termo.
Pretendemos resgatar a importância da Escola Soviética para
seu desenvolvimento
e confrontar as vertentes ideológico-filosóficas bazinianas
versus eisensteinianas.
Utilizaremos o aporte teórico de Sergei Eisenstein, Vsevolod
Pudovkin, Ismail
Xavier, Marcel Martin, Jacques Aumont, Robert Edgard-Hunt,
John Marland, Steven
Rawle, André Bazin, Marcelo Félix Moraes e Robert Stam. No
subcapítulo “A Elipse”
iremos expor a definição do termo e considerações teóricas
sobre elipse e
apresentar um exemplo clássico. Já no último subcapítulo “O
Flashback”, também

O curioso caso de Benjamin Button , o famoso conto de F. Scott Fitzgerald (1896-


1940), que inspirou o filme homônimo dirigido por David Fincher e estrelado por Brad
Pitt e Cate Blachett e que conquistou 3 estatuetas do Oscar em 2009 , é uma das
envolventes narrativas deste livro, que chega às livrarias em nova edição. Trata-se da
fantástica história de um homem que nasce velho e vai rejuvenescendo ao longo da
vida. Seu desenvolvimento se dá de maneira contrária ao normal: tendo nascido com
aparência de um septuagenário, ao completar dezoito anos, Benjamin era ereto como um
homem de cinqüenta; tinha mais cabelos (...), o passo era firme, e a voz perdera o tom
tremido e rachado (...) . Na tentativa de adaptação às roupas e brinquedos, na escola e
universidade, no seu amor pela bela garota que vira nele um homem maduro e cujas
idades vão-se aproximando até se inverterem, acompanhamos a estranha vida deste
homem especial, personagem maestralmente criado por Fitzgerald e que agora se torna
ainda mais conhecido do grande público a partir do cinema. O curioso caso de Benjamin
Button e outras histórias da Era do Jazz, escrito em 1922 e publicado com o título de
Seis contos da Era do Jazz e outras histórias, reúne os mais emblemáticos contos do
consagrado escritor norte-americano, na tradução de Brenno Silveira, que assina, ainda,
o estudo introdutório. Era do Jazz , o nome dado por F. Scott Fitzgerald ao momento de
frenesi vivido nos EUA, principalmente, e também na Europa pós-Primeira Guerra,
significava muito mais que música. Toda uma geração aturdida pelas lembranças e
dificuldades dos anos anteriores parecia querer aproveitar cada momento como se fosse
o último e mal sabiam que toda a euforia da década acabaria com a crise de 1929. Nos
anos de 1920, a rigidez dos costumes se flexibilizava, as mulheres chegavam ao
mercado de trabalho e tornavam-se mais independentes, anunciava-se uma época de
modernidade, velocidade, com seus automóveis e, ao som de jazz, intelectuais
produziam em meio a intermináveis festas, com uma criatividade que transformaria o
panorama mundial das artes. Seja na fantasiosa história de Benjamin Button, seja nos
outros contos, verossímeis, o autor expõe não apenas essa intensidade que marcou sua
época, sua vida e sua literatura: narra as vidas de seus personagens homens bem-
sucedidos, boas-vidas, maridos e mulheres insatisfeitos, os então recentes estudos de
psicanálise com cuidado de historiador e talento de ficcionista, consagrado por seus
romances O grande Gatsby e Suave é a noite. A vida e a obra do autor misturam-se, não
raro encontraremos traços do próprio Fitzgerald, da esposa Zelda e dos amigos nas
histórias. É que, como disse o próprio: Todos os meus personagens são Scott Fitzgerald,
até as mulheres são Scott Fitzgerald. Além de O curioso caso de Benjamin Button , o
livro traz O boa-vida , As costas do camelo , Tarquínio de Cheapside , Ó feiticeira
ruiva! , O resíduo da felicidade , O conciliador , Sangue ardente, sangue-frio e A soneca
de Gretchen .

Não é usual que seja o fator tempo o aspeto privilegiado pelos psicanalistas para
abordar a paixão. O objeto, a relação, as vicissitudes são constantemente
considerados. No entanto, a duração da paixão tem merecido pouca ou quase
nenhuma atenção nesses estudos.

A perspectiva deste trabalho é introduzir o papel do tempo no desenrolar da paixão.

Nosso enfoque será a paixão romântica e, para ilustrá-lo, vamos nos reportar a um
escritor americano admirável. Scott Fritzgerald criou sua ficção com maestria e
extrema sensibilidade. Cheio de metáforas deu origem a um filme-poema, “O
curioso caso de Benjamin Button”, tradução semiótica do conto do mesmo nome.

O primeiro aspecto significativo da história é o fato da angústia existencial ser


expressa como a tentativa de controlar o tempo, retendo-o ou fazendo-o recuar. A
alegoria se apresenta na confissão do relojoeiro cego que constrói o relógio cujos
ponteiros andam ao contrário no intuito de fazer voltar o tempo e reaver o filho
morto na guerra.

Fazer o tempo recuar ou simplesmente pará-lo é uma das maiores expectativas dos
amantes. Do mesmo modo que voltar ao estágio inicial da vida, período
imaginariamente repleto de felicidade, é a aspiração constante de todo ser humano
em várias etapas da vida.

Dentre as várias metáforas do filme é a paixão a que vai nos merecer maiores
considerações. A paixão é a tentativa de controlar o tempo e, no entanto,
representa a materialização da certeza de que nada é mais limitado pelo tempo que
a paixão.

A única certeza que se tem da paixão é que ela não pode durar muito, embora a
proposta da paixão seja a de tornar-se eterna.

No diário escrito por um homem chamado Benjamin Button, que uma filha lê para a
mãe, a pedido desta, no leito de morte, conhecemos a história de uma paixão. A
história de um homem que consegue realizar a inacessível façanha de dominar o
tempo e fazê-lo andar ao contrário – nascer velho e morrer após rejuvenescer. Ao
inverter a ordem natural da vida fica evidente o objetivo de voltar aos primeiros
tempos, às primeiras vivências – ao paraíso perdido e à onipotência do narcisismo
primário.

O nome “Button” é outra metáfora. Botões são objetos que fecham e abrem a um
só tempo – têm dupla função nos dois sentidos. Não há botões para abrir e outros
para fechar. Botões têm sempre as duas funções.

O menino-velho, de óculos de lentes grossas, anda de cadeira de rodas e vive num


asilo de velhos, em cuja escada o pai o abandonara, revoltado, por considerar que
ele fora o motivo da morte da mãe ao nascer.

Num dia de Ação de Graças, Benjamin conhece alguém que mudará sua vida para
sempre – a neta de uma senhora que morava no abrigo – Daisy. O comentário de
Ben não deixa dúvidas: “Nunca esqueci aqueles olhos azuis”. Benjamin encontrava
o seu objeto de desejo.

Fisgado e enredado nas malhas da paixão, Ben viaja mundo afora, mas não se
esquece de mandar, de cada lugar que conhece, um postal para Daisy.

Assim é a paixão: pretende eliminar quaisquer diferenças, romper quaisquer


barreiras ou proibições e nunca estar em contato com a dor de ser só.

A paixão é o resultado do entrelaçamento do sujeito na história de seu desejo


infantil. O narcisismo é a mola propulsora deste vínculo. Os sentimentos de vazio, o
desamparo e os sofrimentos do sujeito o fazem pretender denegá-los.

Ao falar da paixão amorosa, Freud relacionou-a com a re-atualização da relação


arcaica do sujeito, um encontro que vai em busca da vivência de fazer uno com um
outro.

O contraponto estabelecido entre Daisy e Ben é curiosamente bem colocado.


Enquanto um avança para a velhice e a maturidade, o outro parte para o auge da
juventude. Na verdade as duas caminhadas desencontradas têm o mesmo ponto de
chegada, mas se desencontram em seus caminhos.

Ambas as situações finais serão de desvalimento, de pressões, de sofrimento


inevitável. O mesmo caminho sem volta, constatação da nossa impotência,
repetição da castração. Prova irrefutável de que o homem não é o dono de seu
destino e é impotente perante o tempo e a morte, tipificando a angústia existencial.

A primeira vez que se apercebe da morte, Benjamin a compreende na frase da


senhora que lhe cortara os cabelos e lhe ensinara a tocar piano: “Você está ficando
cada dia mais moço”. Para ele isso significa o começo do fim.
Desse modo, reflete: “Crescer é uma coisa engraçada – você não se apercebe e de
repente aí está...”

Fritzgerald capta a ilusória luta do homem contra o tempo que, indo para a frente
ou para trás, vai chegar sempre na morte, do mesmo jeito, sem perceber, sem
aceitar, dependente, fragilizado e só.

O espelho é a testemunha muda de perene acusação, o tempo inteiro, não importa


para onde o homem se volte.

Considerando que o narcisismo tem dois aspectos – um criativo e propulsor da


auto-estima e outro mortífero, tendendo à repetição, que mantém o sujeito nas
artimanhas do gozo incestuoso e, portanto, um campo mortífero –, somente as
contingências poderão determinar a que tipo de narcisismo será o sujeito
submetido, e um destes destinos seria a paixão que induz à morte.

Zeferino Rocha tratou da paixão amorosa comentando a tradução da expressão:


Die Verliebtheit. Lieben é o verbo amar em alemão e Rocha chama a atenção
para o prefixo Ver anteposto aos verbos e substantivos no vocabulário da
psicanálise, implicando em desvios da significação. Assim, enquadra o amor Liebe
como Verliebe – paixão numa “perversão do amor”.

Imprensada entre o normal e o anormal a paixão pode ser lida como sintoma no
qual a expressão do narcisismo se propõe a encobrir a falta e confundir a castração.
Deste modo, a paixão se situaria no campo do impossível, do impasse.

O romance impossível que os dois teimam em manter eclode no desencontro


inevitável. A paixão vivida com intensidade e sofreguidão vai sendo dizimada pela
consciência do impedimento que o tempo impõe lançando cada um no seu caminho,
um para diante, o outro para trás.

É nesse momento que Benjamin oscila entre o desejo da fusão simbiótica primitiva
e o temor do aniquilamento que ela poderia operar, e o desejo de separação para
evitar o perigo de destruição.

O drama de Benjamin Button o atormenta de maneira atroz quando decide partir


para não permitir a inevitável separação instituída pelo destino – quer partir antes
que a filha se lembre dele e conclui que Daisy não suportaria cuidar de duas
crianças.

A vitória do tempo se evidencia na frustrada tentativa de apreender o inapreensível


da paixão que, como o próprio tempo, nos escapa sempre e decide que quer nos
submetamos. Quer procuremos iludi-la ou ludibriá-la seus desígnios e caminhos nos
levarão, queríamos ou não, para os mesmos destinos.

Benjamin nasce e morre no desamparo, abandono e dependência extrema,


recolhido de um orfanato por Daisy em estado de alheamento e demenciação.
Recolhido mais uma vez a um asilo onde havia começado sua vida, só que agora
um asilo para crianças abandonadas.

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