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As fases da vida podem ser vistas como um círculo: no princípio, o desafio passa por
aprender a não urinar e defecar nas calças; a missão seguinte, quando já se é um pouco
maior, seria conseguir amigos; passada essa fase, o maior objetivo passa a ser fazer
sexo; resolvido isso, a tarefa seguinte é conseguir dinheiro. Já na meia idade, a
conquista, novamente, é fazer sexo; depois vem a fase de fazer amigos e o derradeiro
desafio da vida de um homem consistiria em não fazer as necessidades nas calças.
Como se vê, as duas pontas da vida são iguais. Nascemos fracos e despreparados, e na
melhor sorte, morremos frágeis e desamparados. Por isso tentamos ao máximo
aproveitar e prolongar o meio, os anos de juventude, nos quais o corpo não é nosso
maior inimigo e a morte paira a uma distância suportável.
O filme O curioso caso de Benjamin Button, baseado num conto de Scott Fitzgerald,
brinca com isso. O protagonista vive ao avesso, nasce velho e morre bebê. Sua vida
ocorre na ordem inversa, mas é só para ressaltar que o período idílico é apenas uma
parte da história, linda e passageira. O caso de Button é uma tocante história de amor,
mas seu grande tema é a velhice. A infância também é uma experiência de amor entre
pais e filhos e, principalmente, de muita esperança. Porém, no caso de Benjamin, foi
velho nas duas pontas.
O recurso fantástico da vida inversa dessa narrativa poderia deixar em nós a idéia de
que só o miolo valeria a pena. Cabelos brancos incomodam, mas idéias amadurecidas
ajudam, não é à toa que se diz que gostaríamos de viver com o corpinho dos vinte e a
sabedoria dos quarenta.
Logo após seu nascimento, o bebê Button é abandonado por seu pai num lar para
idosos. Neste ambiente, a morte é um elemento comum. É tratada de forma tão
corriqueira e banal que chega a incomodar o expectador.
Quando decide sair do asilo e se aventurar por aí, Benjamim deixa de ser um mero
observador e começa e escrever sua própria história. Afinal, ele aprendeu que a vida
tem início, meio e fim.
Não posso estragar o filme para quem ainda não assistiu. Então, vou me limitar a dizer
que adorei a sutileza da mensagem por trás da decisão de Benjamim, quando Daisy está
com pouco mais de 40 anos. Envelhecer não é um fardo! Pode ser um presente.
Tudo depende de como você escreve sua história.
O que mais gosto no filme é da forma como ele valoriza o “cuidar de alguém”. Isso
aparece, das mais variadas formas, nas relações de Benjamim com diversos
personagens: com Queenie, sua mãe adotiva; com Daisy, sua amiga (dentre muitas
coisas); com Thomas, seu pai, e com o Capitão Mike.
Na minha história de vida, quero cuidar e ser cuidada, com empatia e com merecimento.
Tem uma citação, atribuída a Mark Twain, que diz: “Os dias mais importantes da sua
vida são o dia que você nasceu e o dia em que descobre o porquê. ”
Assistir ao filme foi um destes acasos maravilhosos que acontecem com a gente. Me
ajudou a materializar um sentimento que anda muito forte na minha vida. Quero ajudar
a escrever muitas histórias. Especialmente histórias das pessoas que amo, quando elas
não conseguirem mais ter autonomia para fazê-lo.
Porque a vida tem começo, meio e fim. Porque eu descobri que sou feliz em cuidar
de quem cuidou de mim.
Viver a vida ao contrário. Nascer velho e morrer bebê. Viver entre idosos, num asilo,
sofrendo com as doenças próprias desta faixa etária para depois rejuvenescer enquanto
todos os outros caminham na direção contrária. Premissa um tanto quanto anárquica em
suas bases, mas que deu a produção “O Curioso Caso de Benjamin Button”, grande
repercussão internacional tanto entre o público quanto entre a crítica.
Tudo começa com a contratação de um famoso relojoeiro para construir o novo relógio
para a estação de trem de Nova Orleans, durante os anos da Primeira Grande Guerra,
quando o filho deste prestigiado especialista é mandado para os campos de batalha no
front europeu.
A notícia da perda do filho, abatido durante os combates, e o retorno de seu corpo para
os Estados Unidos não modificam o rumo dos acontecimentos e a encomenda do relógio
da estação continua a ser cumprida, dentro dos prazos previstos para sua solene
inauguração. Abatido, mas perseverante em sua ação, o relojoeiro consegue terminar
sua obra e, durante o evento em que seu trabalho é mostrado ao público pelas
autoridades, revela os rumos de sua tristeza através do relógio…
Obra magnífica em sua concepção visual e funcionamento, o relógio foi fabricado para
girar ao contrário, ou seja, voltando as horas e não contando-as para a frente, como
deveria. O sonho do relojoeiro era que tudo pudesse voltar no tempo e que seu filho,
assim como todos os combatentes enviados para a guerra, pudesse não partir, tendo suas
vidas preservado. Desolado, o relojoeiro sai de cena, mas o relógio, inédito e portentoso
símbolo da não conformidade quanto a acontecimentos que gostaríamos de evitar a
qualquer custo, é mantido na estação de trem de Nova Orleans…
Nesta mesma época nasce Benjamin, cuja mãe falece no parto e o pai, rico e destacado
industrial de Nova Orleans, diante da imagem pouco provável de um bebê envelhecido,
num surto de loucura, abandona o menino em frente a um asilo, para que sua história ali
termine ou se inicie, se o mesmo lograsse sobreviver. Surge então Queenie, sua
verdadeira mãe, aquela que o abraça como um presente dos deuses e resolve criá-lo
apesar de sua tão distinta aparência.
Entre idas e vindas, o bebê cresce, se torna um menino velho, um jovem com cabelos
brancos e atinge a idade adulta, na plenitude de sua saúde, em escala ascendente
enquanto todos os demais adultos – idosos ou não – com os quais tem contato,
envelhecem e morrem, e as crianças que conhece, entre as quais a bela Daisy, por quem
desde o primeiro contato nutre real paixão, crescem e florescem ao mesmo tempo que
ele na juventude…
“O curioso caso de Benjamin Button” não é apenas curioso, como denota o título da
produção e da história original de F. Scott Fitzgerald. A produção do diretor David
Fincher é sensível, bela, até mesmo poética em alguns momentos e, principalmente, nos
enseja a repensar a vida, a aceitar o que é a princípio inaceitável, a desenvolver
tolerância, a valorizar nossas existências, minuto a minuto…
Para Refletir
1. O tempo é uma das principais temáticas surgidas do filme “O curioso
caso de Benjamin Button”. O que é o tempo? Ele de fato existe ou é uma
criação humana? Qual o intuito de contarmos as horas, minutos e
segundos? Já parou para pensar nisso? Talvez isso se relacione ao fato de
sermos finitos, de termos conosco, ao abrirmos os olhos, um relógio a
registrar o tempo que temos, diminuindo a cada vez que os ponteiros
avançam, ainda que por segundos. O homem, a partir do momento em que
percebe o alcance de sua existência passa não apenas a medir os ciclos da
natureza e, com isso, entender o valor que cada minuto tem para as
realizações pessoais e coletivas. Entender o tique-taque do relógio e não
apenas observá-lo passivamente pode ser um ótimo exercício de reflexão
filosófica e sociológica, que tal?
O filme "O Curioso Caso de Benjamin Button" dirigido por David Fincher e estrelado
por Brad Pitt e Cate Blanchett é analisado esta semana. Este filme fala sobre a história
de Benjamin Button, que é abandonado por seu pai as portas de um asilo ao ver que o
bebe tinha aparencia de um idoso de 80 anos ou mais. Este bebe-idoso é criado neste
asilo e durante seu desenvolvimento ele vai rejuvenescendo. O filme foi indicado a 13
Oscar's e ganhou 3, de melhor Efeitos Especiais, Melhor Direção e Melhor Maquiagem.
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INTRODUÇÃO
Durante o seu desenvolvimento o indivíduo vai sofrendo mudanças de acordo com o tempo e
o ambiente em que está inserido. Segundo Scheneider e Irrigaray (2006), as idades
cronológica, biológica, social e psicológica não obedecem a uma regra.
Atualmente são valorizados padrões de estética, disposição ou idade produtiva que muitas
vezes não correspondem à realidade; é preciso compreender que os aspectos do
envelhecimento e os seres humanos não seguem um determinado padrão, deixar esses falsos
limitadores e acolher um indivíduo ativo, cheio de expectativas, de vida e produtividade, que
pode contribuir nos relacionamentos e na sociedade.
Devido à necessidade de serem sempre produtivos e o aumento da longevidade,
consequentemente, pessoas com mais de 60 anos, terão a oportunidade de continuarem ou
retornarem a qualidade social de “ser produtivo” segundo KHOURY (et al., 2010), ainda
comentado por ela em seu trabalho, fatores correlatos tais como, posição do idoso na
sociedade econômica, seu papel de chefe de família e provedor torna vantajoso ao
empregador a sua contratação; podendo mudar a condição de idoso em um futuro próximo.
Ainda no trabalho de KHOURY (et al., 2010), ela menciona o principio Marxicista de que os
humanos só se tornaram o que são por causa do trabalho, logo ele é elemento fundamental na
constituição da identidade humana, e é por meio do trabalho que o homem cria, transforma,
se exprime, e imprime sua marca no mundo. O trabalho é a principal ferramenta para evitar a
marginalização social, há um vinculo entre o homem e o trabalho. Em algumas situações o
trabalho representa poder, pois traz status, e o poder por ele representado antecede a
obtenção de dinheiro.
O tema está dado logo no início do texto e concerne à
experiência clínica
da autora no tratamento de pacientes regredidos. A questão
psicanalítica que
orienta sua análise de O estranho caso de Benjamin Button é
enunciada: “De
que forma a regressão, como uma organização defensiva
contra angústias
insuportáveis, relaciona-se com a pulsão de morte?” Para
responder a essa
questão, Fenster recorre particularmente a Klein, Balint e
outros autores pós-
kleinianos, destacando de forma breve algumas concepções
teóricas
relacionadas ao fenômeno da regressão. A caracterização do
método adotado
para analisar o filme de David Fincher é apresentada em
seguida:
Eu utilizo a abordagem da psicanálise aplicada em minha análise de O
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Ao elucidar o método da psicanálise aplicada, a autora oferece
ao leitor
um claro delineamento dos parâmetros que serão utilizados em
sua
interpretação do filme. Ela indica, por exemplo, sua
preocupação com os
riscos dessa abordagem. De um lado, o risco de simplificar a
obra de arte a
ponto de torná-la um objeto saturado de especulações teóricas.
E de outro, o
risco de assumir a narrativa como uma reprodução de fatos
históricos, o que
teria como efeito o entendimento das personagens como
pessoas reais e o
uso da psicanálise para descrever uma suposta psicopatologia
do
protagonista. Seu intuito é utilizar as interpretações
psicanalíticas para
facilitar o entendimento do filme, o que requer a constante
atenção ao modo
como constrói sua análise para assegurar a consistência do
método.
Outro ponto interessante é seu entendimento do filme como
mobilizador
de emoções, lembranças e reflexões que remetem a autora a
situações
transferenciais experimentadas no atendimento de pacientes
regredidos.
Benjamin Button (Brad Pitt) desperta a atenção da analista e a
instiga a uma
relação imaginária com a personagem. Quando recém nascido,
Benjamin tem a
aparência de um homem muito velho. Pouco a pouco ele
rejuvenesce até
assumir as feições de um homem jovem, um adolescente, uma
criança,
retornando ao berço e finalmente ao gérmen da vida.
À medida que [a vida de Benjamin era apresentada] no sentido
contrário
do tempo, minha contratransferência foi despertada e comecei a
refletir sobre
partes de sua experiência [da personagem]. Achei que o filme
reproduzia de
forma apropriada as minhas ideias clínicas sobre certos aspectos da
regressão:
idealização na transferência, o equacionamento simbólico da analista
com a
mãe, e a pressão para que a analista reencene uma relação objetal
infantil.
(Fenster, 2010)
Esse segundo esclarecimento feito pela autora mais uma vez
enquadra a
análise do filme em um contexto específico, tomando os
cuidados necessários
para preservar as diferenças reais entre a vida de seus
pacientes e a vida
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fictícia de Benjamin Button. Aqui vemos também o
entendimento da autora
de que o filme lhe proporcionou insights sobre a situação
transferencial
experimentada na clínica. Mas é na contratransferência que
ela encontra os
elementos de ligação que fazem a ponte entre sua experiência
de
espectadora e os pensamentos originados da análise de
pacientes regredidos.
Fenster (2010) explica que o exercício de psicanálise aplicada
realizado no
artigo é fruto de seus devaneios como espectadora e “deve ser
entendido
com um espírito investigativo. [Ela escuta] as angústias,
defesas e fantasias
de Benjamin com a intenção de examinar [suas próprias] ideias
e aprofundar a
compreensão analítica dos fenômenos de regressão”.
O curioso caso de Benjamin Button pode ser interpretado
como uma
representação das fantasias inconscientes de reversão do
envelhecimento,
encenadas na narrativa da história da personagem principal.
Ao contrário de
todas as personagens que vivem e são afetadas pelo tempo
cronológico,
Benjamin vive no sentido anti-horário (Figura 9), o que torna
seus momentos
de aproximação, apaixonamento e abandono ainda mais
arrebatadores, pela
brevidade dos encontros. Questões como perdas, saudades e,
consequentemente, o luto pelos objetos amados que vão
embora são centrais
na angústia revelada pelo protagonista em interação com as
demais
personagens (Fenster, 2010).
Figura 9. A r ev er são do envelhec imento. Cenas do filme O c ur ios o c aso d e
Benjam in Button (Fincher , 2008).
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Fenster (2012) utiliza teorias de Melanie Klein, Hanna Segal,
Michael
Balint, Herbert Rosenfeld, André Green e Christopher Bollas
para caracterizar
o quadro clínico da regressão patológica, que constitui o tema
central das
questões psicanalíticas pesquisadas pela autora. Mas ao
contrário da
psicanálise aplicada tradicionalmente entendida como
sobreposição de
elementos da teoria à obra de arte, em que esta é submetida
ao escrutínio do
autor para explicar e justificar suas hipóteses, a análise de
Fenster separa
notadamente a cogitação metapsicológica da elaboração de
sua versão
pessoal do texto fílmico. Nesse sentido, a análise do filme é
textualmente
inserida entre a discussão dos conceitos de regressão e
manejo clínico,
utilizados por Fenster em seus atendimentos, e a recapitulação
desses
mesmos conceitos após sua interpretação de O curioso caso
de Benjamin
Button. Embora as teorias kleinianas e pós-kleinianas façam
parte do conjunto
de seu artigo, estas não são utilizadas diretamente como
explicações para a
história de Benjamin, mas estão implicadas em sua escuta da
narrativa fílmica
e na experiência estética proporcionada pela obra de David
Fincher.
A análise de Fenster (2010) contribui para o entendimento do
filme, na
medida em que este é utilizado como metáfora para os
fenômenos de
regressão característicos de certos casos clínicos. O filme não
é analisado em
suas qualidades estéticas, como vimos, por exemplo, no
tratamento dado por
Cintra (2011) ao filme Ilha do Medo, de Martin Scorcese. Ao
transformar o
filme em uma narrativa orientada pelas questões clínicas que
tem em mente,
Fenster produz uma interpretação intencionalmente enviesada
que, no
entanto, é consistente com sua proposta e com o método da
psicanálise
aplicada anunciados na contextualização de seu trabalho.
Nascido com 70 anos
Como não poderia deixar de ser, a vida de Benjamin Button é repleta de situações
absurdas. Na “infância”, por exemplo, mesmo sendo um senhor de idade, ele ganha
brinquedos e é obrigado a usar roupas de criança. Com o passar dos anos, Button tem
uma surpresa: ele percebe que, ao invés de envelhecer cada vez mais, está
rejuvenescendo.
O curioso caso de Benjamin Button é muito engraçado na maior parte do tempo, mas
também tem sua dose de melancolia. Nos momentos bons e ruins de sua vida, o
protagonista está sempre deslocado no tempo em que vive e no próprio corpo.
Fitzgerald parece dizer que, independentemente da forma como você envelhece, o
tempo sempre vai deixar marcas e causar conflitos entre as gerações. O desfecho do
conto, com a “velhice inversa” do personagem, é narrado com muita delicadeza e é de
partir o coração.
A história de O curioso caso de Benjamin Button foi levada aos cinemas pelo diretor
David Fincher em 2008. O filme foi protagonizado pelo Brad Pitt e tem Cate
Blanchett no elenco, mas tomou várias liberdades em relação ao conto original.
Era do Jazz
Sim, eu sei o que você deve estar pensando: essa poderia ser a sinopse de alguma
temporada de Malhação ou de algum filme da Sessão da Tarde, mas Bernice corta o
cabelo é muito bom. Fitzgerald escreveu o conto com uma linguagem despretensiosa e
muita energia, e fica fácil entender porque o autor era adorado pela juventude da “Era
do Jazz”. Assim foi chamado o período extravagante e hedonista, com grandes
mudanças na moda e no comportamento dos jovens norte-americanos, que durou do fim
da Primeira Guerra Mundial, em 1918, até a quebra da Bolsa de Valores de Nova
York, em 1929.
Lançado em 1921, o conto faz parte da compilação Contos da Era do Jazz e trata de
uma interessante inversão na vida de Benjamin Button, homem que nasce velho e
rejuvenesce ao longo da vida, até morrer com a idade de um bebê. O conto revela um
recém-nascido extremamente inteligente, que fala e age como adulto, tendo inclusive o
tamanho de um adulto real. Quando Benjamin chega perto do fim de sua vida, passa a
não lembrar-se de seus tempos de faculdade e trabalho, passa a ter sonhos tranquilos e
despreocupados e diverte-se mais com brinquedos do que em qualquer outro momento
de sua vida. Diminuindo de tamanho paulatinamente durante o processo de
envelhecimento, ele vive os últimos anos em constante regresso, rumo à restrita
consciência que um bebê tem do que o cerca, até simplesmente desaparecer.
Quem quiser comparar filme e livro verá que pouco eles têm em comum. Ambas as
versões tratam da trajetória de Button, de sua condição diferenciada, de seu casamento;
mas a forma como esses elementos são mostrados no filme diverge da versão original.
Inicialmente, algumas adaptações tiveram de ser feitas a fim de tornar o filme mais
próximo da realidade. No conto, por exemplo, Benjamin nasce não só com a idade de
um homem de 70 anos, mas com o tamanho de um homem adulto. No filme, o
personagem é mostrado ao nascer com o tamanho de um recém-nascido; no entanto um
trabalho incrível de maquiagem se encarrega de proporcionar a sensação da idade
avançada. Adaptações como estas são justificáveis ao passo que o conto possui uma
maior carga simbólica e metafórica, enquanto o filme se preocupa com a realidade,
apesar de tratar da ficção. Haveria, é claro uma impossibilidade física quanto a uma
criança de um metro e meio sair do ventre da mãe. Essas adaptações são escolhas que de
forma alguma ameaçam a qualidade do filme de Fincher.
O filme trata também, de forma muito mais romântica que o conto, do casamento de
Benjamin Button e Daisy – esta, na versão literária, recebe o nome de Hildegard
Moncrief. Benjamin conhece Daisy quando ela ainda é uma criança, interpretada por
Elle Fanning, enquanto ele tem a idade real correspondente a dela, mas aparenta ser um
senhor bastante idoso. Na versão original, de Fitzgerald, Benjamin conhece Hildegard
quando ela já está na faixa dos vinte anos e ele, aparentando cerca de cinquenta. O
encontro se dá de maneira menos romanceada e o casamento rapidamente acontece. O
leitor acompanha o sentimento de perda de admiração do marido pela mulher, devido a
vida difícil que o casal leva, ao passo que um envelhece e o outro fica cada dia mais
jovem.
Benjamin, que no início do casamento tivera tanto orgulho de sua esposa, passa a
manifestar estranhamento frente à mulher que é contraposta ao seu constante
rejuvenescimento. Benjamin passa a admirar-se cada vez mais enquanto perde o desejo
por sua esposa. Pouca atenção é dada ao momento em que os dois têm a mesma idade,
em contrapartida ao filme, que explora fortemente o romance entre os dois neste período
e faz de Benjamin e Daisy um casal eternamente apaixonado.
A forma como os outros veem a condição de Benjamin também é bem diferente nos
dois casos. Em oposição ao filme, na versão de Fitzgerald, predomina o estranhamento e
a crueldade dos personagens secundários para com Button. Logo no início, seu pai
apresenta uma rejeição incontestável em relação ao filho. Durante seu crescimento ele é
afastado por todos, que o culpam por sua condição julgando ser algo que o próprio
Benjamin pode controlar mas não o faz por preguiça ou graça. Benjamin só consegue
aceitação quando atinge a meia idade, em que é um homem bem sucedido
financeiramente, casado e com filho. Já na terceira idade recomeça seu sofrimento,
tendo também contra ele seu filho, que se envergonha do pai e mantém sua condição e
relação de parentesco em segredo daqueles que o cercam.
Scott Fitzgerald tem uma linguagem leve e despretensiosa que mantém o leitor preso a
sua literatura do início ao fim. Seus contos têm ritmo consistente – um dos segredos do
bom escritor – transmitem simplicidade, mas o conteúdo é sempre intrigante e
inteligente. Neste estilo “escrever é muito fácil”, Fitzgerald abre O Curioso Caso de
Benjamin Button despertando curiosidade, mantém-no cativante durante seu desenrolar
e cria um desfecho metafórico, coerente com o restante da obra, cheio de sensibilidade.
Caminhando lentamente para a finalização, Fitzgerald o faz com calma – ele devia saber
que a pior coisa para o público é ter a sensação de que o autor estava com pressa de
terminar o livro – e despede-se de seu leitor, deixando-lhe uma sensação saborosa em
mãos.
É a leitura de uma carta póstuma de Benjamin Button (Brad Pitt) em uma viagem que
fez à Índia, e que está sendo lida por sua filha, num quarto de hospital onde está sua
mãe, Daisy (Cate Blanchett). Momentos antes desta cena a filha está no mesmo quarto
vendo fotos e textos onde o pai fala de como gostaria de ter feito sua filha crescer.
Então, nesta cena, a voz passa para a de Benjamin Button e ele fala coisas que gostaria
de ter falado à sua filha caso estivesse ali, ensinamentos de pai para filha sobre a vida,
as escolhas e os caminhos que tomamos.
“Se quer saber, nunca é tarde demais para ser quem você quiser ser; não há limite de
tempo, comece quando você quiser. Você pode mudar ou ficar como está, não há regras
para esse tipo de coisa. Podemos encarar a vida de forma positiva ou negativa, espero
que encare de forma positiva; espero que veja coisas que surpreendam você; espero que
sinta coisas que nunca sentiu antes; espero que conheça pessoas com ponto de vista
diferente; espero que tenha uma vida da qual você se orgulhe. E se você descobrir que
não tem, espero que tenha forças para conseguir começar de novo”.
~ Eric Roth, roteirista do filme “O Curioso Caso de Benjamin Button” (Carta para
Caroline), adaptação do conto de F. Scott Fitzgerald
Não é usual que seja o fator tempo o aspeto privilegiado pelos psicanalistas para
abordar a paixão. O objeto, a relação, as vicissitudes são constantemente
considerados. No entanto, a duração da paixão tem merecido pouca ou quase
nenhuma atenção nesses estudos.
Nosso enfoque será a paixão romântica e, para ilustrá-lo, vamos nos reportar a um
escritor americano admirável. Scott Fritzgerald criou sua ficção com maestria e
extrema sensibilidade. Cheio de metáforas deu origem a um filme-poema, “O
curioso caso de Benjamin Button”, tradução semiótica do conto do mesmo nome.
Fazer o tempo recuar ou simplesmente pará-lo é uma das maiores expectativas dos
amantes. Do mesmo modo que voltar ao estágio inicial da vida, período
imaginariamente repleto de felicidade, é a aspiração constante de todo ser humano
em várias etapas da vida.
Dentre as várias metáforas do filme é a paixão a que vai nos merecer maiores
considerações. A paixão é a tentativa de controlar o tempo e, no entanto,
representa a materialização da certeza de que nada é mais limitado pelo tempo que
a paixão.
A única certeza que se tem da paixão é que ela não pode durar muito, embora a
proposta da paixão seja a de tornar-se eterna.
No diário escrito por um homem chamado Benjamin Button, que uma filha lê para a
mãe, a pedido desta, no leito de morte, conhecemos a história de uma paixão. A
história de um homem que consegue realizar a inacessível façanha de dominar o
tempo e fazê-lo andar ao contrário – nascer velho e morrer após rejuvenescer. Ao
inverter a ordem natural da vida fica evidente o objetivo de voltar aos primeiros
tempos, às primeiras vivências – ao paraíso perdido e à onipotência do narcisismo
primário.
O nome “Button” é outra metáfora. Botões são objetos que fecham e abrem a um
só tempo – têm dupla função nos dois sentidos. Não há botões para abrir e outros
para fechar. Botões têm sempre as duas funções.
Num dia de Ação de Graças, Benjamin conhece alguém que mudará sua vida para
sempre – a neta de uma senhora que morava no abrigo – Daisy. O comentário de
Ben não deixa dúvidas: “Nunca esqueci aqueles olhos azuis”. Benjamin encontrava
o seu objeto de desejo.
Fisgado e enredado nas malhas da paixão, Ben viaja mundo afora, mas não se
esquece de mandar, de cada lugar que conhece, um postal para Daisy.
Fritzgerald capta a ilusória luta do homem contra o tempo que, indo para a frente
ou para trás, vai chegar sempre na morte, do mesmo jeito, sem perceber, sem
aceitar, dependente, fragilizado e só.
Imprensada entre o normal e o anormal a paixão pode ser lida como sintoma no
qual a expressão do narcisismo se propõe a encobrir a falta e confundir a castração.
Deste modo, a paixão se situaria no campo do impossível, do impasse.
É nesse momento que Benjamin oscila entre o desejo da fusão simbiótica primitiva
e o temor do aniquilamento que ela poderia operar, e o desejo de separação para
evitar o perigo de destruição.