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São Paulo
2018
1
FACULDADE DE SÃO BENTO
BACHARELADO EM TEOLOGIA
TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO
São Paulo
2018
2
DULCINDA CORRETO NAKAZAWA
3
AGRADECIMENTOS
A Santíssima Trindade...
Que se comunicou ao homem o atraindo para oração.
À família...
Aos meus avós maternos pelo testemunho de uma vida de oração.
A minha mãe Esméria (In Memoriam) que me iniciou à vida cristã,
Ao meu esposo Cláudio, pela presença e incentivo durante o curso de Teologia.
Aos professores...
Pela transmissão de seus conhecimentos e motivando sempre a vida acadêmica.
Um agradecimento afetuoso...
À Congregação Escravas do Divino Coração, na qual dediquei-me durantes anos de
minha juventude e pude receber grande contribuição espiritual e intelectual.
4
Tu, porém, quando orares, entra no teu quarto e fechando tua
porta, ora a teu Pai que está, no segredo; que vê no segredo, te
recompensará.
(Mt 6,6)
(Mateus 6, 9-13)
5
RESUMO
Em toda história humana a busca pelo transcendente esteve presente. Essa busca se
manifesta de diversas formas, na qual destacamos a oração como meio do ser humano
encontrar-se com Deus e a partir desse encontro conhecê-lo. Com base na Sagrada
Escritura podemos verificar como se deu esse caminho da Revelação de Deus ao
homem e como nesse caminho se configurou a compreensão da oração como diálogo.
No Antigo Testamento a oração é compreendida a partir da experiência do povo com
Deus, na eleição do povo judeu e o agir de Deus em favor desse povo. Nesse contexto
as orações, como os Salmos expressam uma trajetória histórica dos feitos de Deus a
favor de seu povo escolhido. Essa perspectiva resulta em uma compreensão mais
comunitária, social da oração. No Novo Testamento, a partir de Jesus Cristo a oração é
compreendida de uma forma mais profunda, pois por meio d’Ele o cristão insere-se na
filiação Divina, ao qual pode chamar a Deus de Pai. A oração ensinada por Jesus aos
seus discípulos ressalta essa perspectiva, e vai configurar-se na oração mais comentada
em todo decorrer da história. Com a perspectiva cristocêntrica da oração a partir do
Novo Testamento o período da Patrística reforça as dimensões da oração partir dos
textos neotestamentários. Dentre os escritos da Patrística podemos abordar a
importância da fé na oração, que pode ser entendida como um encontro com Deus,
manifestada tanto na oração pessoal e silenciosa quanto na oração comunitária. Ambas
as dimensões da oração, são contempladas na oração do Pai-nosso. A oração do Pai-
nosso devido a sua importância tornou-se no decorrer da história a oração mais
importante para o cristão. Tornou-se objeto de reflexões e estudos, desde o período da
patrística. A oração, portanto, constitui em um encontro dom Deus que se revela e se
comunica ao ser humano.
6
ABSTRACT
In all human history the search for the transcendent was present. This search manifests
itself in several ways, in which we highlight prayer as the means of the human being to
meet God and from that encounter to know him. Based on Sacred Scripture, we can see
how this path of God's revelation to man took place and how the understanding of
prayer as a dialogue was configured on this path. In the Old Testament prayer is
understood from the experience of the people with God, the election of the Jewish
people and God's action on behalf of these people. In this context the prayers, like the
Psalms, express a historical trajectory of the deeds of God in favor of his chosen people.
This perspective results in a more communal, social understanding of prayer. In the
New Testament, from Jesus Christ prayer is understood in a deeper way, for through it
the Christian inserts himself into the Divine filiation, which he can call God the Father.
The prayer taught by Jesus to his disciples emphasizes this perspective, and will be
configured in the most commented prayer throughout history. With the Christocentric
perspective of prayer from the New Testament, the Patristic period reinforces the
dimensions of prayer from the New Testament texts. Among the writings of Patristics
we can address the importance of faith in prayer, which can be understood as an
encounter with God manifested both in personal and silent prayer and in community
prayer. Both dimensions of prayer are contemplated in the prayer of the Our Father. The
prayer of the Our Father because of its importance became in the course of history the
most important prayer for the Christian. It has become the object of reflections and
studies since the patristic period. Prayer, therefore, constitutes in a meeting God gift that
reveals itself and communicates to the human being.
7
Sumário
INTRODUÇÃO.................................................................................................................... 9
1. FUNDAMENTAÇÃO ESCRITURISTICA ............................................................ 11
1.1 CONCEITUALIZAÇÃO DA ORAÇÃO ............................................................. 11
2.1.1 Agostinho de Hipona: oração como encontro com Deus pela fé. ............ 29
2.1.2 Ambrósio de Milão: oração como encontro com Deus no silêncio. ......... 31
2.1.3 João Crisóstomo: oração como encontro com Deus na comunidade. ..... 33
3.1.6 Perdoai as nossas dívidas como nós perdoamos aos nossos devedores ... 43
8
INTRODUÇÃO
Sob a ótica do cristianismo, Deus quis revelar-se ao ser humano, essa Revelação
de Deus constitui um encontro de Deus com a humanidade e pode ser compreendida por
meio da História da Salvação cuja fundamentação encontramos na Sagrada Escritura.
9
No terceiro capítulo, apresentamos uma reflexão sobre o Pai-nosso,
fundamentando-nos principalmente na obra “Tratado sobre a Oração” uma coleta de
textos de Tertuliano, São Cipriano e Orígenes. A reflexão do Pai-nosso a partir dessa
obra visa reforçar a importância da reflexão patrística e também devido aos inúmeros
escritos sobre o Pai-nosso exigindo-nos delimitar nossa reflexão.
10
1. FUNDAMENTAÇÃO ESCRITURISTICA
A oração desde sua origem, constitui um processo no qual o ser humano busca
respostas para suas realidades. Nessa busca encontra-se a busca de si mesmo, sua
interação com o mundo e, acima de tudo sua capacidade transcendental ao mistério:
A oração se descobre: não é algo que o ser humano possa criar a seu bel-
prazer, quando quer, mas a realidade ou experiência superior que lhe
sobrevém, experiência de ter sido chamado e de ter nascido dessa chamada,
certeza de encontrar-se animado por um mistério que ele não pode controlar,
pois o procede, o faz ser e o supera. Mas, ao mesmo tempo a oração se cria
como experiência que os seres humanos vão criando, caminho que eles
mesmos percorrem, de maneira organizada e surpreendente, na busca de si,
do sentido e da profundidade de sua própria realidade e tarefa sobre o mundo.
Neste aspecto podemos dizer que são eles a sua própria oração, entendida
como palavra e experiência de comunicação. (PIKAZA, 2009, p.414)
Todo homem possui dentro de si uma profundidade que é seu mistério íntimo
e pessoal. Como todas as coisas essenciais é invisível; esconde-se por detrás
de atos, comportamentos, palavras e gestos. Tudo isso vela e desvela, cobre e
descobre a interioridade humana. Na oração e na festa ela, porém se revela de
modo particularmente profundo. Porque se abre para o mistério de Deus,
experimentado como o que há de mais íntimo dentro de nossa vida e ao
mesmo tempo com o totalmente outro. (BOFF, 1971, p. 9)
Na medida em que o ser humano se abre para a oração, ou seja, nessa busca de
comunicar-se com o Ser – Transcendente simultaneamente vai dando sentido para sua
vida, ao passo que dessa comunicação brota uma orientação prática que orienta sua vida
ética e moral.
Podemos para fins deste trabalho, nos referirmos ao Ser – Transcendente como
Deus, de forma que posteriormente a abordagem sobre a oração será feita a partir da
Sagrada Escritura, onde Deus se revela, comunicando-se ao homem. Retomando a
reflexão do parágrafo anterior, podemos então afirmar, que na experiência do ser
humano com Deus, pela oração, vão se configurando exigências éticas e morais que
conduzem sua vida, segundo Schlesinger e Porto (1995. p.1929) “O homem ora para
compreender a vontade de Deus, a fim de que possa distinguir entre o que deve e o que
não; a afim de que possa saber o que esperar e o que Deus espera dele (não o que ele
espera de Deus); a fim de que ele possa perceber o propósito divino e servi-lo. ”
Essa orientação de vida que o ser humano vai adquirindo à medida em que se
coloca em relação com Deus constitui um conhecimento de si mesmo, de sua
interioridade e que o orienta, mas que também vai ganhar sua representação coletiva:
A oração supõe que o ser humano não está feito, não se encontra acabado a
partir de fora de si mesmo, definido por um tipo de lei que dita lá de cima o
que ele é e o que faz. Não está feito, deve fazer-se; não sabe aonde ir, mas
que deve buscar a meta e descobrir o caminho que a ela conduz. Pois bem, no
intenso caminho de seu ser e de seu tornar-se humano, não está sozinho: pode
dialogar e dialoga com o mistério da realidade que nele habita, o divino,
dialogando ao mesmo tempo consigo mesmo e com os outros” (PIKASA,
2009, p. 414)
12
Em sua representação coletiva a oração pode ser abordada a partir do campo
social, porém sempre levando em conta aquela representação pessoal e convicção
interior de cada indivíduo pois “por meio da eleição e da aliança, Iahweh se tornou o
salvador de Israel e da cada israelita individualmente” (MCKENZIE, 2015, p.613). Não
podemos cair no rico de julgar que a oração, por se tratar de uma comunicação do ser
humano com Deus, em sua busca e abertura ao mistério, deva encerrar-se na
interioridade de cada indivíduo, sendo preciso salientar que:
13
sentimento religioso parece ser um impulso que brota do mais profundo da
nossa natureza, ou seja, é uma atividade fundamental. As suas variações estão
quase sempre ligadas às das outras atividades básicas – o senso moral, o
caráter e, por vezes, o sentimento do belo. (CARREL, 1999, p.53)
1
Cf. Ef 1,9
2
Cf. Ef 2,18; 2Pd 1,4
3
Cf. Cl 1,15; 1Tm 1,17
4
Cf. Ex 33,11; Jo 15, 14-15
14
5,
com eles para os convidar e admitir participarem da sua comunhão. ( DEI
VERBUM , n.2)
Essa comunicação de Deus ao povo de Israel é marcada por sua ação salvífica
em favor desse povo, o povo conhece a Deus que se revelou a Moisés como “Iahweh o
Deus de vossos pais, o Deus de Abraão, o Deus de Isaac e o Deus de Jacó” (Êxodo 3,
15) Deus ama esse povo, e está atento às suas orações:
Iahweh disse: “Eu vi, eu vi a miséria do meu povo que está no Egito. Ouvi
seu grito por causa dos seus opressores; pois eu conheço suas angústias. Por
isso desci a fim de libertá-lo da mão dos egípcios, e para fazê-lo subir desta
terra para uma terra boa e vasta, terra que mana leite e mel, o lugar dos
cananeus, dos heteus, dos amorreus, dos ferezeus, dos heveus e dos jebuseus.
Agora, o grito dos israelitas chegou até mim, e também vejo a opressão com
que os egípcios os estão oprimindo. (Êxodo 3, 9)
5
Cf, Br 3,38
15
Este povo por meio da literatura, e por inspiração divina, vai transmitir sua
experiência com Deus; surgem então os textos sagrados nos quais podemos
compreender a interação do povo com Deus. Podemos verificar a partir da Sagrada
Escritura que a fonte da oração está na criação:
Assim que Deus o chama, Abraão parte, “como lhe disse o Senhor” 12 , seu
coração se mostra “submisso à Palavra”, ele obedece. A escuta do coração
que se decide segundo Deus é essencial à oração; as palavras lhe são
relativas. Mas a oração de Abraão se exprime primeiro por atos: como
homem de silêncio, ele constrói a cada etapa, um altar ao Senhor. Soment e
mais tarde aparece sua primeira oração com palavras: uma queixa velada que
lembra a Deus suas promessas que parecem não se realizar. Desde o começo
aparece assim um dos aspectos do drama da oração: a provação da fé na
fidelidade de Deus. (CATECISMO DA IGREJA CATOLICA, n. 2570)
6
Cf. Gn 4,4
7
Cf. Gn 4,26
8
Cf. Gn 5,24
9
Cf. Gn 8, 20; 9,17
10
Cf. Gn 6,10
11
Cf. Gn 9, 8-16
12
Cf. Gn 12,4
16
A oração do ponto de vista judaico, é a “conversa do homem com Deus,
acerca das duas esperanças”. É também, “a forma pela qual o homem
descobre cada dia que a vida tem sentido”. A oração é o processo pelo qual o
homem atinge o que há de melhor em si mesmo”. E finalmente: “a oração é
uma forma de fé”. (SCHLESINGER e PORTO 1995. P. 1929)
17
O pleno desenvolvimento, porém, da rica literatura de orações deve ser
atribuído ao culto de Deus no templo. Na época pré-exílica e ainda mais
depois, foram, no templo, proferidas e cantadas orações que expressavam as
múltiplas facetas da religiosidade de um povo em festa e, dentro dele, de cada
um. (BAUER, 2004, p. 292).
Também o Templo, lugar privilegiado do culto a Iahweh pelo povo judeu, está
inserido no contexto da Revelação e da Aliança:
Embora a oração para o povo judeu no Antigo Testamento tenha seu caráter
mais fortemente comunitário, é importante ressaltar a dimensão da interioridade que
Deus exige de cada israelita. Deus exige uma oração que brote de uma verdadeira
conversão: “O senhor disse: Visto que este povo se chega junto a mim com palavras e
me glorifica com os lábios, mas o seu coração está longe de mim” (Isaías 29, 13).
O Templo devia ser para o povo de Deus o lugar de sua educação à oração: as
peregrinações, as festas, os sacrifícios, a oferenda da tarde, o incenso, os pães
da “proposição”, todos esses sinais da Santidade e da Glória de Deus,
Altíssimo e tão próximo, eram apelos e caminhos da oração. Mas o ritualismo
arrastava muitas vezes o povo para um culto por demais exterior. Faltava a
educação da fé, a conversão do coração. Foi a missão dos profetas antes e
depois do Exílio. (CATECISMO DA IGREJA CATOLICA, n. 2581).
A abordagem sobre a oração feita até este ponto, nos remete a uma compreensão
básica da oração no Antigo Testamento, da experiência tanto individual quanto
comunitária que caracterizou a Revelação de Deus ao povo judeu, e as expressões dessa
comunicação principalmente pelo culto coletivo prestado no Templo.
18
séculos. A oração conserva no Antigo Testamento estreita relação com o
plano salvífico de Iahweh sobre Israel, o povo escolhido através de Abraão e
libertado da escravidão por meio de Moisés. Neste plano divino o
acontecimento culminante é, sem lugar para dúvidas, a aliança: “Passarei em
meio de vós, e serei para vós Deus, e vós sereis para mim um povo’
(Lv26,12) Deste modo Israel foi descobrindo, cada vez com maior clareza,
um Deus diferente e em toso os aspectos superior aos deuses dos povos
vizinhos. Iahweh se lhe apresenta, efetivamente como Deus pessoal e
vivente, cioso e providente, uno e único, paciente, compassivo e fidelíssimo,
e, ao mesmo tempo, poderoso, majestático e santo: imanente e transcendente
simultaneamente. A lado desta imagem de Deus caminha paralela uma forma
de oração que, com o tempo se vai delineando e aperfeiçoando: expressa
reconhecimento e admiração, gratidão e aceitação do plano de salvação que
lhe é oferecido, petição e perdão e confiante súplica no momento das
necessidades, lamento e louvor. O ponto de referência na oração será sempre
a aliança: “Por teu nome não nos rejeites... não rompas tua aliança conosco”
(Jr 14,20-21). (GAMARRA, 1988, p.625)
Uma última contribuição para essa compreensão até aqui apresentada, e que
não podemos deixar de apresentar, é a oração dos Salmos dentro da vivência oracional
do povo judeu. De forma sucinta podemos dizer que: “Os salmos foram pouco a pouco
reunidos numa coletânea de cinco livros: os Salmos (ou “Louvores”), obra-prima da
oração do Antigo Testamento. ” (CATECISMO DA IGREJA CATOLICA. n. 2585).
19
e de meditação. Oração teológica, ou mais exatamente teologal, não no
sentido de fórmulas dogmáticas, abstratas, mas de uma fé existencial, a fé de
um povo que procura a Deus, pelas rotas de Abraão, de uma experiência
espiritual que conhece as intuições místicas. (HAMMAN, 1976, p.10)
20
1.3 ORAÇÃO NO NOVO TESTAMENTO
13
Santo dos Santos ou Santíssimo Lugar era uma sala do Tabernáculo, e mais tarde, se transformou em
uma sala do Templo de Salomão de 10 cúbitos x 10 cúbitos (5m x 5m) onde ficava guardada a Arca da
Aliança. Era aqui que se realizava anualmente uma cerimónia de sacrifício expiatório de um cordeiro sem
mácula (Ex. 12:5) pelos pecados do povo (Lev 4:35). Esta sala ficava separada do templo por uma cortina
de linho. Em caso de estar em pecado ao entrar, o sacerdote morria. E como o lugar era santíssimo, outros
não poderiam entrar, somente ele. (Wikpédia)
14
Segundo o livro do Êxodo, a montagem da Arca da Aliança foi orientada por Moisés, que por
instruções divinas indicou seu tamanho e forma. Nela foram guardadas as duas tábuas da lei; a vara
de Aarão; e um vaso do maná. Estas três coisas representavam a aliança de Deus com o povo de Israel.
Para judeus e prosélitos a Arca não era só uma representação, mas a própria presen ça de Deus.
(Wikpedia)
21
e a vara de Aarão; era o lugar mais sagrado para os israelitas. A Arca da Aliança
representava o próprio Deus em meio ao seu povo:
Ele, estando na forma de Deus não usou de seu direito de ser tratado como
um deus, mas se despojou, tomando a forma de escravo. Tornando -se
semelhante aos homens e reconhecido em seu aspecto como um homem
abaixou-se tornando-se obediente até a morte, à morte sobre uma cruz.
(Filipenses 2, 6-8)
Depois de ter falado muitas vezes e de muitos modos pelos profetas, falou -
nos Deus ultimamente, nestes nossos dias, por meio de seu Filho (Hb 1, 1-2)
Enviou o seu Filho, isto é, o Verbo eterno, que ilumina todos os homens para
habitar entre os homens e explicar-lhes os segredos de Deus. Jesus Cristo,
Verbo feito carne, enviado “como homem aos homens”, “fala”, portanto “as
palavras de Deus” e consuma a obra de salvação que o Pai lhe mandou
realizar. Por isso ele, vendo o qual se vê também o Pai, com toda a presença e
manifestação da sua pessoa, com palavras e obras, sinais e milagres, e
sobretudo com a sua morte e gloriosa ressurreição dentre os mortos, enfim
com o envio do Espírito de verdade, aperfeiçoa a Revelação completando -a, e
confirma com um testemunho divino: o de termos Deus conosco para nos
libertar das trevas do pecado e da morte, e para nos ressuscitar para a vida
eterna. (DEI VERBUM , n. 4)
22
com Deus, porque: “Vede que manifestação de amor nos deu o Pai: sermos chamados
filhos de Deus, E nós o somos! ” (1Jo 3,1). Em Jesus Cristo, todo ser humano pode
encontrar-se com Deus.
No Antigo Testamento, Deus fez a aliança com o povo de Israel, como seu povo
escolhido; no Novo Testamento Jesus Cristo, institui uma Nova Aliança de valor
universal, todos aqueles que forem batizados em seu nome constituem o povo de Deus:
Em qualquer tempo e nação, é aceito por Deus todo aquele que o teme e
pratica a justiça (At 10,35). Aprouve, no entanto, a Deus santificar e salvar os
homens, não individualmente, excluindo toda a relação entre os mesmos, mas
formando com ele um povo, que o conhecesse na verdade e o servisse em
santidade. E assim escolheu Israel para seu povo, estabeleceu com ele uma
aliança, e o foi instruindo gradualmente, manifestando, na própria história do
povo, a si mesmo e os desígnios de sua vontade e santificando -o para si.
Tudo isto aconteceu como preparação e figura daquela aliança nova e
perfeita, que haveria de ser selada em Cristo, e da revelação mais plena que
havia de ser comunicada pelo próprio Verbo de Deus, feito carne. (LUMEN
GENTIUM, n.9)
15
Cf. Jo 2, 13-22
16
Cf. Lc 4,16-22
17
Cf. Mt 14,23
23
confrontação crítica. O fato de ele haver adotado costumes do seu povo, não
nos deve levar a esquecer a mudança radical que ele vinha introduzir nas
tradições recebidas. Reivindicando plena autoridade e autonomia, insufla -
lhes espírito novo. Critica abertamente as formas ostentatórias da oração
sinagogal (Mt 6,5), porá haverem perdido seu significado orig inal de diálogo
com Deus. (SCHLESINGER e PORTO 1995. p. 1929)
No campo da oração, podemos dizer que Jesus rompeu com toda hipocrisia de
um culto vazio e sem frutos, criticou duramente os fariseus por colocarem fardos
pesados sobre o povo18 . A compreensão da proximidade com Deus estava na
observância da Lei, que os judeus mantiveram como sustentáculo de sua fé em Iahweh,
do Deus Poderoso que os livrou do Egito, porém Jesus vem revelar Deus como Pai, isso
transforma profundamente a compreensão da oração e de como cada ser humano pode
encontrar-se com Deus:
Jesus tem plena consciência das misteriosas relações que o unem a seu Pai.
Esta consciência de uma união íntima com Deus vai aumentando desde sua
infância, porque existia desde que o Verbo de Deus tomou posse de sua alma
humana [...] Esta comunhão pessoal com o céu que o situa no mundo de Deus
como em seu próprio, exprime-se na expressão: Meu Pai, em que Cristo
sempre distingue sua relação de Filho, daquela dos discípulos. [...] a oração
situa Jesus no coração desta intimidade única, a mais íntima possível, a mais
pessoal também. (HAMMAN,1976, p.33)
A confiança em Iahweh na religião judaica que tem por fundamento sua ação
salvífica em meio ao povo, passa a ser transformada em uma confiança interior,
transmitida pelo próprio Filho de Deus, que ensina a chamar a Deus de Pai. Em Jesus o
caminho de encontro com Deus e da oração está centrado na interioridade de cada ser
humano, não excluindo por isso o culto exterior, mas valorizando – o por meio de uma
sincera interioridade e conversão pessoal:
18
Cf. Mt 23,1-12
24
Aqueles que oram a partir de Cristo e com Cristo, mergulham em uma
experiência pessoal e interior, movidos pela fé:
E quando orardes, não sejais como hipócritas, porque eles gostam de fazer
oração pondo-se em pé nas sinagogas e nas esquinas, a fim de serem vistos
pelos homens. Em verdade vos digo: já receberam sua recompensa. Tu,
porém, quando orares, entra no teu quarto e fechando tua porta, ora a teu Pai
que está, no segredo; que vê no segredo, te recompensará. (Mt 6,1-4)
25
Também nos afirma, que a confiança em Deus, em sua bondade de Pai nos
concede o quanto necessitarmos se o pedirmos:
Pedi e vos será dado, buscai e achareis; batei e vos será aberto; pois todo o
que pede recebe; o que busca acha e ao que bate se lhe abrirá. Quem dentre
vós dará uma pedra a seu filho, se este lhe pedir pão? Ou lhe dará uma cobra
se este lhe pedir peixe? Ora, se vós que sois maus sabei dar boas dádivas aos
vossos filhos, quanto mais vosso Pai que está nos céus dará coisas boas aos
que lhe pedem! (Mt 7,7-11)
Essas e outras passagens dos Evangelhos nos confirmam que “Jesus ensina que o
cristão deve orar com plena confiança de que a sua oração será atendida; o Pai trata
conosco como um pai trata seus filhos” (MCKENZIE, 2015, p.614).
Os evangelhos nos narram que Jesus se retirava para orar a sós, essa atitude de
Jesus está presente desde o início de seu ministério: desde quando esteve no deserto e
foi tentado pelo diabo19 , aos momentos finais antes de sua morte na cruz20 . Em Jesus, a
oração tem profunda dimensão interior, por isso, onde quer que o cristão esteja ele pode
elevar seu coração a Deus e num diálogo pela fé, une-se em comunhão com Deus. Logo
a oração constitui um encontro do cristão com Deus, em seu íntimo, pois Deus faz
morada em seu coração, segundo Pikasa:
Essa dimensão interior, não exclui a dimensão exterior da oração, pois Jesus em
todo seu ministério salientou a necessidade de orar. A oração do Pai Nosso ensinada por
Jesus nos coloca diante também da dimensão comunitária da oração. A dimensão
comunitária já presente nos evangelhos será mais fortemente apresentada após sua
19
Mt 4,1-3
20
Mt 26,3646.
26
ressurreição, a partir das primeiras comunidades cristãs. O próprio livro dos Atos dos
Apóstolos nos afirma: “ Todos estes, unânimes perseveravam na oração com algumas
mulheres, entre as quais Maria, a mãe de Jesus, com os seus irmãos” (At 1,14).
27
2. FUNDAMENTAÇÃO PATRÍSTICA
Com base na definição dada por Siniscalco (2010), podemos verificar a grande
relevância do período da Patrística para o pensamento teológico, pois neste período
configurou-se as bases da doutrina da Igreja, e seus pensamentos dão continuidade ao
anúncio da Boa Nova inaugurada por Cristo. Sua proximidade histórica com aqueles
acontecimentos narrados nos evangelhos constitui um fator primordial para construção
do pensamento teológico cristão, pois:
É um fato que ao longo dos séculos e até hoje a Igreja e as Igrejas precisaram
confrontar-se com os Padres e com os escritores eclesiásticos antigos. Para
cada geração cristã o ponto dirimente foi o de encontrar o cristianismo na sua
plenitude. Mas como encontrá-lo senão retornando às suas fontes? Como
encontrar o significado de tanta vida, de tantas doutrinas e de tantas
instituições, a nãos ser procurando colher nas fontes aquele pensamento
criador do qual foram testemunhas? Mas retornar às fontes significa remontar
aos primeiros séculos da era cristã. (SINISCALCO, 2010, p. 1345)
28
Retornar ás fontes, nos coloca diante de uma vasta literatura sobre oração, os
escritos dos Padres da Igreja abordam a oração em diferentes perspectivas a partir dos
evangelhos, sobretudo da oração do Pai-Nosso ensinado por Jesus, como nos afirma
Hamman (2002) “os dois primeiros séculos de experiência espiritual prepararam a idade
área do Padres e elaboraram a oração cristã, a partir do evangelho, sobretudo da Oração
do Senhor”.
Dentre os escritos sobre a oração do período da patrística, podemos refletir sobre
algumas dimensões importantes da oração como encontro com Deus a partir de alguns
textos redigidos nessa época, nos quais ressaltamos a fé, a oração silenciosa e a oração
comunitária como um encontro com Deus.
Podemos refletir de forma sucinta estes três aspectos da oração: a fé, oração
pessoal e a oração comunitária. Ambas como expressão do encontro do homem com
Deus.
2.1.1 Agostinho de Hipona: oração como encontro com Deus pela fé.
29
pelagianos, arianos e pagãos” (MANZANARES, 1995, p. 13). Suas obras são
numerosíssimas e abrange diversas áreas do conhecimento, dentro o qual podemos
destacar sua teologia:
O Apóstolo adverte que o início da fé é também dom de Deus, pelo que quis
dizer na carta aos colossenses: Perseverai na oração, vigilantes, com ação d e
graças, orando por nós também ao mesmo tempo, para que Deus nos abra
uma porta à Palavra, para falarmos do mistério de Cristo, pelo qual estou
prisioneiro, a fim de que eu dele fale como devo (Cl 4,2-4). E como se abre a
porta à Palavra, se não é abrindo-se o sentido do ouvinte para crer e, dado o
início da fé, acolha o que é anunciado e exposto para edificar a doutrina da
salvação, e não aconteça que, fechado o coração pela infidelidade, desaprove
ou rechace o que se prega.
Com base na afirmação o apóstolo Paulo, Agostinho nos demonstra que o cristão
para acolher a palavra deve estar com as portas abertas, referindo-se aos sentidos, de
modo que pela pregação este possa chegar ao conhecimento de Deus. Essa abertura,
esse início da fé, nos diz Agostinho que é também dom de Deus que quer comunicar-se
e ter o encontro com o homem.
30
Mas voltemos à abertura da porta, símbolo do início da fé nos ouvintes. O
que significa: Orando também por nós ao mesmo tempo para que Deus nos
abra uma porta à Palavra, senão uma demonstração claríssima de que o
próprio início da fé é dom de Deus? Pois, não se suplicaria a Deus pela
oração, se não se acreditasse vir dele a concessão. Este dom da graça celeste
descera sobre a
negociante de púrpura, à qual, como diz a Escritura nos Atos dos Ap óstolos:
O Senhor lhe abriu o coração, de sorte que ela aderiu às palavras de Paulo (At
16,14). Era assim chamada para que tivesse fé, pois Deus atua como quer nos
corações humanos ou ajudando ou julgando, com a finalidade de executar por
meio deles o que em seu poder e em sua sabedoria havia predestinado
realizar (At 4,28).
Ambrósio de Milão nasceu em Tréveris no ano de 337 ou 339, quanto aos seus
escritos podemos dizer que:
Dentro de seus escritos, encontramos uma reflexão que nos situa diante da
perspectiva da oração pessoal. Sua reflexão sobre a importância do silêncio na oração,
parte da mensagem evangélica na qual Cristo afirmou. “Quando orares, entra no teu
quarto, fecha a porta e ora ao teu Pai em segredo; e teu Pai, que vê num lugar oculto
recompensar-te-á.” (Mateus 6,6), sobre esta perícope evangélica Ambrósio nos afirma:
31
Tu, quando rezas, entra em teu cubículo. Ele diz bem: entra, para que não
rezes como os judeus aos quais foi dito: “Este povo me honra com os lábios,
mas o seu coração está longe de mim” (Is 9,13; Mt 15,8). Que tua oração,
portanto, não saia apenas dos teus lábios. Põe toda atenção do teu ânimo,
entra no íntimo do teu peito, e entra aí todo inteiro. Qu e aquele a quem
desejas agradar não te
encontre negligente. Que ele veja que rezas de coração, para que, rezando de
coração, ele se digne ouvir-te. 14. Tu, porém, quando orares, entra em teu
quarto. Encontras isso em outro lugar: “Vai, meu povo, entra em teu recesso,
esconde-te um pouco, até que passe a ira do Senhor” (Is 26,20). O Senhor
disse
isso por meio do profeta. No Evangelho, porém, ele diz: “Tu, quando rezares,
entra em teu quarto e, fechada a porta, reza ao teu Pai”. (AMBROSIO DE
MILÃO, VI Livro, p.72)
Esta reflexão de Ambrósio nos revela que a oração possui um caráter interior,
pois deve partir do íntimo do peito, de um recolhimento interior dirigindo-se para
aquele que se deseja agradar. O encontro com Deus dá-se no interior do cristão que
movido pela fé dirige-se para dentro de si mesmo ao encontro com Deus, Ambrósio nos
ressalta essa dimensão com as seguintes palavras:
O que significa porta fechada? Que porta temos nós? Sabe que tens uma
porta que deves fechar quando rezas. Deus queira que as mulheres ouçam! Tu
já ouviste, quando o santo Davi te ensinou, dizendo: “Senhor, põe uma
guarda em minha boca e uma porta em torno dos meus lábios” (Sl 140,3). Há
também uma porta da qual fala o apóstolo Paulo: “Para que abra para mim a
porta da palavra, a fim de falar do mistério de Cristo” (Cl 4,3), isto é: quando
rezas, não fiques gritando, não espalhe a tua oração, nem te vanglories no
meio das pessoas: reza secretamente em ti mesmo, seguro de que aquele que
tudo vê e tudo ouve, pode te ouvir em segredo, e “reza então ao teu Pai
escondidamente”.
De fato, “aquele que vê o que está escondido” (Mt 6,6), ouve a tua oração.
Essa dimensão interior, da oração feita no silêncio nos revela que o encontro
com Deus se realiza a partir da fé e do desejo mais profundo de cada cristão com um
gesto de humildade e recolhimento, Ambrósio critica o exibicionismo da oração, como
meio exterior de vangloriar-se, e reafirma as palavras evangélicas de que Deus vê
coração do homem e aquilo que ele deseja revelar-se no segredo do seu interior.
Na oração feita a partir de seu interior, no silêncio o homem faz seu encontro
com Deus, que vê e conhece seu interior. Mas é importante salientar que essa dimensão
da oração não exclui a forma litúrgica da oração, ou seja, sua dimensão comunitária.
Quando reunidos em comunidade, pertencente a um só corpo que é a Igreja, a oração
comunitária tem sua expressão interior revelada no culto prestado a Deus. Além da
dimensão pessoal, interior, secreta da oração, o encontro com Deus dá-se também na
dimensão comunitária.
32
2.1.3 João Crisóstomo: oração como encontro com Deus na comunidade.
João Crisóstomo nasceu entre 344 e 354 em Antioquia, de família nobre e rica.
Ao referir-se às suas obras Manzanares nos afirma:
Se a oração da Igreja foi tão útil a Pedro e tirou da prisão esta coluna, dize -
me como tu podes menosprezar sua eficácia, e que defesa terás? Escuta o
próprio Deus a afirmar que ele se torna propício quando o povo o invoca de
boa mente. Aconteceu isso quando ele se defendia das queixas de Jonas, por
33
causa da planta da mamona, nesses termos: “Tu tens pena da mamona, que
não te custou trabalho e que não fizeste crescer. E eu não terei pena de
Nínive, a grande cidade, onde há mais de cento e vinte mil homens? ”. De
propósito ele destaca o número dos habitantes, para que saibas que a oração
de muitas vozes unidas tem grande poder. Quero mostrá-lo igualmente por
um exemplo da história humana geral. (JOÃO CRISÓSTOMO, Terceira
Homilia, p. 64)
O encontro com Deus pela oração dá-se também em sua dimensão comunitária,
nesse contexto a liturgia ganha seu grande relevo. Tanto a dimensão comunitária quanto
a dimensão pessoal, interior, da oração são encontradas na oração do Pai-nosso.
34
3. A ORAÇÃO DO PAI-NOSSO.
35
A oração do Pai-nosso deve, portanto, ao ser pronunciada, ser movida pela fé,
numa experiência com Jesus pelo qual nos tornamos Filhos com Ele, e por estarmos
inseridos em seu corpo que é a Igreja.
O Pai manifestou-se no ágape que tem por nome Salvador, Jesus. Não
podemos experimentar esse ágape a não ser na comunhão fraterna
estabelecida na fé e na esperança. Esta verdade fundamental tem imensas
repercussões na vida das comunidades religiosas, ele é a caridade que as
fundamenta, o sinal que prova sua autenticidade. (HAMMAN, 1976, p.40)
21
Cf. Lc 4, 42-44; v. 42.
22
Cf. Lc 5, 15-16; v. 15.
36
serem curados de suas enfermidades.23 Ele, porém, permanecia retirado em lugares
desertos e orava. Enquanto o leproso curado testemunhava a ação de Jesus, este se retira
para revigorar suas forças no encontro com Deus Pai.
Antes da escolha dos doze,24 Ele foi à montanha para orar e passou a noite
inteira em oração a Deus.25 Depois que amanheceu, chamou os discípulos e dentre eles
escolheu doze, aos quais deu o nome de apóstolos que formaram o núcleo da
comunidade nova que ele veio criar e ensinar como falar com o Pai. Na transfiguração, 26
tomando consigo Pedro, João e Tiago, Ele subiu a montanha para orar. 27 Enquanto
orava o aspecto de seu rosto se alterou, suas vestes se tornaram de fulgurante brancura.
Os evangelhos, sobretudo Lucas, apresenta Jesus rezando continuamente. Foi esse
cotidiano orante28 de Jesus que despertou nos seus, a vontade de fazer o que ele fazia.
Lucas narra que um dos discípulos interrogou Jesus sobre a oração enquanto o
Senhor estava orando, o qual ao terminar, lhe deu a resposta:
Embora "Abba" não fosse exclusivo das crianças, sempre denotava carinho e
proximidade com o progenitor. Por meio desta preciosa palavra Jesus abria uma brecha
no mistério de Deus. A partir de agora, Deus ficava essencialmente orientado para o
homem na linha da ternura. Esta experiência do Mestre passou para os seus amados
discípulos. Paulo o atesta cheio de admiração: "Deus enviou aos nossos corações o
Espírito de seu Filho, que clama: Abba, Pai!" (Gl 4,6).
23
Cf. Lc 5, 15-16; v. 16.
24
Cf. Lc 6, 12-13; v. 12.
25
Cf. Lc 6, 12-13; v. 13.
26
Cf. Lc 9, 28-29; v. 28.
27
Cf. Lc 9, 28-29; v. 29.
28
Cf. mc 1,35; Lc 11,1;6,12; Jo 17,1.
29
Cf. Lc 11, 1-4; v. 2.
30
Cf. Lc 11, 1-4; v. 3.
31
Cf. Lc 11, 1-4; v. 3.
37
nos ensina como e porque devemos rezar, ao mesmo tempo nos diz como devemos ser e
viver. A oração pode ser coletiva ou individual, basta que não haja exagero na forma,
pois o Senhor nos diz: “Não façais como os hipócritas que brandam alto pelas esquinas
e sinagogas; se queres falar com o Pai, entra no teu quarto, fecha a porta, do teu coração
da tua própria vida e fala ao teu Senhor”32 . Se não sabemos rezar nos distanciamos da
essência do Evangelho. E para evitar esse distanciamento, o senhor nos ensinou como
se deve orar.
Na Sagrada Escritura não são raras passagens que o próprio Jesus nos confirma
que Deus é Pai.33 Foi ele mesmo que ordenou a não chamarmos quem quer que seja na
terra de Pai34 senão o único que habita o céu. Portanto, o Pai-nosso não só é oração,
como também é cumprimento de uma ordem.
32
Cf. Mt 6,5-9).
33
Cf. Mt 23,9; Mc 11,26; Jo 20,16-17; 1Jo 3, 1-2; Gl 4,6
34
Cf. Mt 23,9
38
meu Pai, e ninguém conhece o Filho senão o Pai, e ninguém conhece o Pai senão o
Filho e aquele a quem o Filho o quiser revelar" (Mt 11,27)
A palavra Pai revela a intimidade e a proximidade de Deus, sua ternura para com
o homem e seu cuidado. "Olhai as aves do céu: não semeiam, nem colhem, nem
ajuntam em celeiros. E, no entanto, vosso Pai Celeste as alimenta. Não valeis muito
mais do que elas?" (Mt 6,26).
São Cipriano afirma que o Deus invocado como Pai na oração ensinada por
Jesus é “Pai daqueles que creem, daqueles que foram santificados por Ele e que
reparados pelo nascimento da graça espiritual, começaram a ser filhos de Deus” (S.
CIPRIANO, 2001, p. 55). O possessivo “nosso” de Mateus nos introduz neste mistério
de filiação, participada por todos os batizados. O próprio Cristo no fim dos tempos se
identificará com cada um dos seus (Mt 25, 31-46). "Todos vós sois filhos de Deus pela
fé em Cristo Jesus", escreve São Paulo (Gl 3, 26). Fato que foi previsto pelo Pai:
Escolhendo-nos de antemão para sermos seus filhos adotivos por meio de Jesus Cristo"
(Ef 1,5).
O epíteto - que estais no céu - recorda ao cristão que, embora Deus se tenha
aproximado tanto do homem, isto não significa que não continue sendo o Outro, o
Transcendente, o Mistério. Orígenes ensina que “quando se diz o Pai dos santos está no
céu, não devemos imaginar que ele tenha forma corporal e habite no céu [...]. Ao
contrário, devemos crer que é ele,na inefável potência da sua divindade, que
compreende tudo e a tudo contém”. (ORÍGENES, 2001, P. 149). Deus é totalmente o
Outro, é Transcendente, espírito (cf. Jo 4,24).
39
3.1.2 Santificado seja o vosso nome
Na oração do Pai Nosso, além do significado do nome de Deus, Jesus ensina que
o mesmo deve ser santificado. A tradição bíblica entende por santidade uma qualidade
exclusiva da divindade que pode ser participada pela criatura. Neste sentido, santificar
uma coisa equivale a tirá-la de seu uso profano e orientá-la e reservá-la para a
divindade. Portanto, a finalidade deste pedido não é de um ganho material que nos
beneficia, mas é bendizer a Deus, conforme ensinou o Padre da Igreja:
Pedimos que esse nome seja santificado. Não que caiba aos homens desejar o
bem a Deus, como se alguém lhe possa dar qualquer coisa. Ou que Deus
passe necessidade, sem os nossos votos. Mas é muito conveniente que Deus
seja bendito em todo tempo e lugar pelo homem. Com efeito, todos os
homens devem se lembrar, sem cessar, dos benefícios divinos [...] Quando,
alias, deixa o nome de Deus de ser santo e santificado por si mesmo? Não é ,
acaso, por meio dele, que os outros são santificados? Os anjos em torno de
Deus não cessam de dizer: santo, santo, santo! da mesma forma, também nós,
destinados a viver em companhia dos anjos, se o merecermos, aprendemos o
que faremos no futuro, na glória (TERTULIANO, S. CIPRIANO,
ORÍGENES, 2001, p. 16-17).
Ao dizermos santificado seja o teu nome, pedimos que em nossa vida Deus seja
santificado ininterruptamente e seja igualmente santificado naquelas que não se abriram
à sua graça. Portanto, nessa petição oramos por nós e pelos outros que o próprio Jesus
chamou de ovelhas que estão fora do redil. 35 E “orando por todos, observamos
igualmente um outro preceito evangélico, que é rezar por todos, mesmo os nossos
35
Cf. Jo 10,16
40
inimigos (cf. Mt 5,44)” (TERTULIANO, S. CIPRIANO, ORÍGENES, 2001, p. 17).
Assim o nome de Deus será santificado não apenas em nós, mas em todos.
O Reino se acha em tensão, pois já está presente, mas ainda não se manifestou
em todo o seu esplendor. "Venha o teu Reino", "Venha a nós o vosso Reino", é a súplica
de quem pede que o que Deus começou a manifestar em Jesus se consume, e a petição
do próprio Jesus de que Deus, ou melhor, o Pai prossiga com seu plano, levando-o
adiante, que se manifeste a todos como Pai. E de acordo com São Cipriano, ao dizermos
“Venha a nós o vosso reino”, “pedimos também que o Reino de Deus se torne presente
a nós, como havíamos pedido que o seu nome fosse santificado em nós [...] pedimos o
Reino de Deus, isto é, o Reino celeste, pois há também um reino terrestre”. (SÃO
CIPRIANO, 2001, p. 59).
A Doutrina da Igreja nos ensina que “esta petição é o “Marana Tha", o grito do
Espírito e da Esposa: “Vem, Senhor Jesus" (Ap 22, 20) (…). Na oração do Senhor trata-
se principalmente da vinda final do Reino de Deus por meio da volta de Cristo ( Tt 2,
13)” (Catecismo, 2817-2818). O "maranatha"(1Cor 16,22) é o grito de fé e anseio de
esperança. Somente com esta volta de Jesus se implantará de verdade o reinado de
Deus, porque unicamente ele poderá reinar quando for tudo em todos (1Cor 15,28).
Para aceitar este reinado de Deus, precisamos fazer-nos como crianças (Mc
10,15), nascendo de novo e do alto (Jo 3,3). Não nos esqueçamos de que Jesus começou
a sua oração afirmando que Deus é Pai, o que significa que só aceitará agradecido as
súplicas daqueles que dirigem a ele como tal, isto é, orando com atitude de filhos. Com
esta confiança que equivale a proclamá-lo Abba.
41
Mas qual é a vontade de Deus, ou melhor, em que consiste? Respondendo a esta
pergunta, São Cipriano nos diz:
Pedimos a nosso Pai que una nossa vontade à de Seu Filho para cumprir Sua vontade,
Seu desígnio de salvação para a vida do mundo. Nós somos radicalmente impotentes
para isso, mas unidos a Jesus e com o poder de Seu Espírito Santo, podemos colocar em
Suas mãos nossa vontade e decidir escolher o que Seu Filho sempre tem escolhido :
fazer o que agrada ao Pai (cf. Jo 8, 29) (CATECISMO DA IGREJA CATOLICA, n.
2825).
Por outro lado, ensina São Cipriano que esta é igualmente uma petição de
discernimento diante das seduções mundanas. Ao recitarmos esta parte, pedimos que
42
“se faça a vontade de Deus quando somos atormentados pelo diabo, impedindo-nos de
seguir fielmente a Deus. Nos recorremos a Deus porque “ninguém é forte por suas
próprias forças, mas graças à indulgência e misericórdia de Deus (SÃO CIPRIANO,
2001, p. 59).
De acordo como Catecismo da Igreja Católica o Pai nos dá o pão por sua
iniciativa. Trata-se de uma dádiva gratuita. “O Pai que nos dá a vida não pode deixar de
nos dar o alimento necessário para ela, todos os bens convenientes, materiais e
espirituais” (CATECISMO DA IGREJA CATOLICA, n. 2830). Para São Cipriano,
“podemos tomar este pedido tanto no sentido espiritual como no literal, pois um e outro
modo de entender aproveitam, com utilidade divina, para a nossa salvação. Pois o Cristo
é o pão da vida, e este pão não é de todos, mas nosso” (SÃO CIPRIANO, 2001, p. 62).
Além do pão material, ou melhor, junto com ele, ao mesmo tempo, se pede o
espiritual, o Reino que vem, a palavra de Deus e corpo de Cristo. Este é o pão
necessário. Se só pedisse o material, poder-se-ia contradizer o próprio Senhor, que nos
diz que não é só dele que vive o homem (Mt 4,4; Lc 4,4); se se pedisse só o espiritual,
haveria motivo para pensar que o Pai não se importa com a vida terrena de seus filhos.
3.1.6 Perdoai as nossas dívidas como nós perdoamos aos nossos devedore s
43
começa com uma “confissão" na qual afirmamos, ao mesmo tempo, nossa miséria e Sua
Misericórdia” (CATECISMO DA IGREJA CATOLICA, n. 2839).
O pecado consiste em não se haver deixado guiar sempre pelo espírito das bem-
aventuranças, que são a lei evangélica. O constante convite à conversão deixa entrever
que o cristão se acha no autêntico combate espiritual, do qual nem sempre sai vitoriosos
como seria de esperar. Também a parábola do filho pródigo manifesta de modo óbvio
esta realidade. Estar em dívida com Deus significa não manter sempre a atitude de filho,
nem se comportar de acordo com a experiência do Abba, nem o haver imitado "como
filhos caríssimos" (Ef 5,1-2).
Vale ressaltar que todo processo de conversão se inicia com um ato de contrição
e com a confissão de nossos pecados. De acordo com Tertuliano, “pedir perdão já é
confissão, pois quem pede perdão, confessa ter pecado. Assim, a penitência se revela
agradável a Deus, porque ele prefere à morte do pecador (cf. Ez 18,21-23)
(TERTULIANO, 2001, p. 21). O cristão quando suplica perdão nesta petição em
análise, se reconhece e se confessa pecador, imperfeito. E de fato, conforme as
Escrituras, todos somos pecadores. “Se dissermos que não temos pecado, enganamo-nos
a nós mesmos e a verdade não está conosco. Se porém confessarmos os nossos pecados,
o Senhor é fiel e justo para perdoá-los” (1 Jo 1,8-9).
Que quer dizer "assim como nós perdoamos"? Será uma condição que, uma vez
cumprida, exigiria o perdão de Deus? Quase todos os comentadores levantam esta
pergunta e resolvem negativamente a questão. Não se trata de condição desvinculada da
ação divina. Esta condição o próprio Deus a coloca no homem, ajudando-o com o
auxílio de sua graça para que se abra a seu irmão e o acolha. O Evangelho insiste com
muita frequência neste perdão com frases muito semelhantes a esta que comentamos.
Com isso, ensina-se que o discípulo que se atreve a pedir perdão ao Pai para si, deve,
por sua vez ter entranhas de misericórdia para com seu irmão; em outros termos, há de
mostrar para com o outro a mesma atitude que gostaria que o Pai tivesse para com ele.
44
deixa a tua oferta ali diante do altar e vai primeiro reconciliar-te com o teu irmão; e
depois virás apresentar a tua oferta" (Mt 5, 23-24).
O cristão sabe que satanás não descansa: "Simão, Simão! Eis que satanás pediu
intensamente para vos peneirar como trigo"(Lc 22,21); não ignora que Satanás vive
rodeando-os, procurando a quem devorar - encontramos escrito em Pedro (5,8).
Portanto, quando o Senhor nos exorta a pedir que Deus não nos deixe cair na tentação,
mostra que o adversário está derrotado. Suas armadilhas serão em vão porque “nada
45
pode contra nós sem a permissão de Deus” (SÃO CIPRIANO, 2001, p.69). De todas
estas tentações pede que o faça sair vitorioso.
Este inciso final é exclusivo de Mateus. Sua última palavra, "mal", pode ser
traduzida também - e assim o fazem grande número de exegetas - por maligno. Não
poucas vezes no Novo Testamento. Satanás é designado com este termo. Devido à sua
presença nas tentações do Senhor que se acham no fundo desta passagem, inclinamo-
nos a pensar que a palavra “maligno” se refere ao diabo como ser pessoal (livrai-nos de
maligno). O maligno “é aquele que “se atravessa" no desígnio de Deus e sua obra de
salvação cumprida em Cristo» (CATECISMO DA IGREJA CATOLICA, n. 2851)
Para terminar a nossa análise, urge frisar que oração do Pai Nosso não alcança
sua eficácia se praticada com palavras ou sem palavras. Queira a recitemos ou
cantemos, a expressemos em silenciosa meditação ou em coral de vozes, ela será rezada
com dignidade se tivermos consciência de todas as suas implicações ocultas em cada
petição. Além da consciência do significado profundo de cada petição, a oração do Pai
Nosso terá êxitos for feita com fé e amor. Pois o simples fato de recitá-la como que a
um poema não leva a um resultado positivo. Mas vale ressaltar que o Pai-Nosso é uma
oração que estabelece um relacionamento entre nós e aquele a quem nos dirigimos na
oração.
46
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O estudo realizado neste trabalho nos demonstra que Deus quis revelar-se ao
homem, e a resposta do homem constitui esse caminho de oração. A oração, portanto,
permite ao ser humano comunicar-se com Deus, movido por sua fé. A abordagem
bíblica nos possibilitou compreender como foi se construindo a oração a partir da
Revelação de Deus, que teve sua plenitude em Jesus Cristo que ensinou aos seus
discípulos a oração do Pai-nosso.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
BOFF, Leonardo et al. A oração no mundo secular. Petrópolis RJ: Vozes, 1971
CARREL, Alexis, A oração, seu poder e efeitos, São Paulo, Texto Novo, 1999.
GAMARRA, José et al. Dicionário Teológico - O Deus Cristão: Oração. São Paulo:
Paulus, 1988.
HAMMAN, A. A oração do Antigo ao Novo Testamento. In: CERFAUX, L. et al.
(Org.). A oração . 2. ed. São Paulo: Paulinas, 1976. cap. 1, p. 9-45.
PIKASA, Xavier et al. Novo Dicionário de Teologia: Oração. São Paulo: Paulus,
2009.
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