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4º MÓDULO – COMUNIDADES QUILOMBOLAS EM MINAS GERAIS

As Comunidades Quilombolas de Minas Gerais resistem e lutam para se


manterem vivas, reconquistar os seus territórios e terem uma vida digna e cidadã,
onde o respeito e a valorização de sua identidade sejam naturalizados.

Minas Gerais recebeu um grande contingente negro no século XVIII e XIX


quando foi palco de um grande movimento econômico, político e social com as
descobertas de ouro, diamante e outras minérios. Todo este movimento fez com que
diversos grupos afro-brasileiros se organizassem em torno de um território, de um
modo de vida e de trabalho ou de uma organização religiosa. Várias comunidades
negras surgiram (escravos fugidos e de forros) nestes dois séculos.

Foto: Jornal Correio da Cidade de Belo Vale. Único museu do escravo da América Latina, situado
em Belo Vale – MG.

Findada a escravidão em 1888, a população afro-brasileira foi alijada do


trabalho, das terras (a lei de terras de 1850 foi totalmente excludente para a
população negra), da educação e tiveram que resistir de forma autônoma para
sobreviver e exercer sua alteridade perante a sociedade que impunha uma ordem
outra que não reconhecia este grupo no novo imaginário republicano, que se
pretendia homogêneo espelhado nas sociedades europeias. O racismo e o preconceito
para com toda a comunidade afro-brasileira são acirrados de forma perversa.

Até o ano 2000 eram conhecidas 66 comunidades negras de origem quilombola


no Estado de Minas Gerais. Em todo o território Brasileiro, até esta data, a organização

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política e identitária destes grupos ainda eram muito incipientes. Houve no início dos
anos 2000 várias iniciativas de ONGs, Universidades e do próprio poder público
(marcos legais e nova legislação) de promoção dos conceitos e direitos das
comunidades negras.

A semântica da palavra quilombo carrega consigo a força da resistência e da


cultura afro-brasileira. O conceito quilombo vai muito além dos antigos grupos
descendentes de escravos fugidos dos períodos colonial e imperial. Ele também
engloba, além das comunidades rurais, grupos urbanos que se auto definem como
comunidades negras e pedem o registro de seu espaço como “território negro”.

Esta população negra, iniciou um processo de identidade e de organização que


culminou em número superior a aproximadamente quinhentas comunidades que se
reconhecem como quilombolas. Este movimento e articulação política se deu com um
grande apoio do Projeto Quilombos Gerais, realizado pelo Centro de Documentação
Eloy Ferreira da Silva – CEDEFES em articulação com outras entidades e com o próprio
movimento de base. Esta população quilombola que vive em Minas Gerais é em
grande parte oriunda do povo banto que habita as regiões Sul e Sudeste do continente
africano. Prova disso é que os dialetos documentados em Minas Gerais são de matriz
africana, como é o caso de comunidades em Diamantina, Serro e no município de Bom
Despacho onde foram encontradas raízes linguísticas de origem banto.

Há no Estado de Minas Gerais diversos campos negros, ou seja, regiões de


grande concentração de comunidades quilombolas, como no Médio Jequitinhonha, no
Vale do São Francisco, nas antigas regiões mineradoras do Estado, entre outras. Outros
campos negros foram formados à medida que a população migrava para os centros
urbanos e outras áreas de pungência econômica. A distribuição das comunidades
quilombolas mostra grande concentração nas regiões Norte de Minas, Jequitinhonha e
Metropolitana de Belo Horizonte, onde se encontram mais de 70% do seu total.

A realidade das comunidades quilombolas de Minas Gerais não difere da de


outros Estados do Brasil. A falta de fomento de políticas públicas ou o
desconhecimento pelos quilombolas dos projetos de governo que podem beneficiá-los
impedem e travam a sustentabilidade desses grupos em seus locais tradicionais. A
violência em relação à disputa pela terra é o principal problema das comunidades
quilombolas do estado.

A maioria dessas comunidades perdeu seus territórios históricos por grilagens


que datam aproximadamente da década de 60, 70 e 80 do século XX. Há também
vários casos conflituosos relacionados a construções de hidrelétricas, instalações de
grandes mineradoras, criação de parques ou reservas biológicas, implantação de
siderúrgicas de eucalipto, entre outros exemplos – todos agentes explícitos que

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comprometem a sobrevivência dos quilombolas e de outros grupos e populações da
área rural.

A conjuntura atual dificultou o acesso ao direito ao território tradicional pelas


comunidades. O marco legal ainda é muito frágil, há o artigo 68 da Constituição
Federal, o Decreto 4.887, de 2003; a Convenção 169 da Organização Internacional do
Trabalho (OIT), onde o Brasil é signatário e institui a autodeclaração das comunidades
como quilombola e a consulta sobre qualquer intervenção no território; o Decreto
6.040, de 2007 que institui a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável de
Povos e Comunidades Tradicionais; entre outras legislações correlatas.

Em 1998 foi a primeira vez que o termo quilombola aparece na legislação de


forma positiva. Somente em 2003, com o Decreto 4887 é que o artigo 68 do Ato das
Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição é regulamentado, mas mesmo
assim, o Decreto ainda é questionado por parlamentares que não concordam com o
acesso dos quilombolas ao território tradicional.

A única comunidade que teve o território/terra delimitado e regularizada como


território quilombola é a Comunidade de Porto Coris. A comunidade, localizada no
município de Leme do Prado, no médio Jequitinhonha, apesar de ser a única do Estado
a possuir o título coletivo de remanescente de quilombos, teve seus moradores
deslocados das margens do rio Jequitinhonha para o alto de uma chapada, pois a área
tradicional do quilombo foi alagada pelo lago do empreendimento hidrelétrico de
Irapé.

Há atualmente mais de cem processos em andamento no INCRA, que é o órgão


responsável para a demarcação fundiária dos territórios quilombolas. A burocracia e a
lentidão do andamento de todos os processos fazem com que o direito ao território
das comunidades quilombolas de Minas Gerais não seja efetivado e assim, os conflitos
tendem a se acirrar a disputa destes espaços.

Existe uma correlação de força desigual no cenário político, onde um grupo que
detém uma força institucional e econômica que impede que as terras sejam tituladas,
pois assim ela se torna inalienável e coletivas, saindo do mercado formal de terras. Há
uma grande disputa econômica para instituir latifúndios agropecuários, plantações de
monocultura, atividades minerárias e de geração de energia. Nas áreas urbanas e peri
urbanas há ainda a especulação imobiliária. A pressão nestes territórios é muito
grande, pois, mesmo em terras diminutas, o que resistiu da grilagem, que foram
regiões entre fazendas, nas terras mais distantes e de difícil acesso e nas periferias dos
centros urbanos, são locais que pelo uso tradicional da terra, ainda possui
biodiversidade, água, terras férteis

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Há diversos processos já bem encaminhados, como os dos dois grandes
quilombos do Norte de MG, os Gurutubanos e o Brejo dos Crioulos. Estas duas grandes
comunidades tiveram seus territórios recortados por fazendas e empreendimento. São
lutas históricas que tem um grande significado para todo o movimento. Estes dois
grandes grupos resistem em seus territórios e no entorno dele, visando a reparação
histórica dos territórios tradicionais. Há diversos casos emblemáticos como os
quilombos do Serro e de Paracatu que lutam contra a sana da mineração que polui o
entorno e destrói todo o meio e a terra ancestral, onde a cultura e o modo de vida das
comunidades foram construídos. A especulação imobiliária também pressiona de uma
forma violenta as comunidades quilombolas que se encontram nas regiões urbanas.
Em Belo Horizonte, a luta dos Luízes, de Mangueiras, do Manzo Ngunzo Kaiango e Vila
Teixeira, são icônicas e significativas na história política recente das lutas sociais em
Minas Gerais.

O grande problema das comunidades quilombolas é a questão fundiária que


não se resolve e a efetivação do direito ao território, que adormece no cipoal
burocrático.

A questão cultural das comunidades quilombolas também sofre um grande


abalo com esta desestruturação social que a falta de terras e de geração de renda
acarreta. Minas Gerais é um estado riquíssimo em diversidade cultural entre os
quilombolas. A religiosidade, a música, as danças, o dialeto de matriz africana, o
artesanato, o trabalho de mutirão, entre outras expressões são a base da existência
desses grupos diferenciados etnicamente.

As igrejas neopentecostais também exercem grande influência na cultura


quilombola, uma vez que impõem valores que não se encaixam com o viver dessas
populações. Nas comunidades do Baú e do Ausente, no município de Serro, a igreja
proibiu os adeptos de frequentarem as festas de Santo, de participarem da Guarda de
Catopés e de conversarem em um dialeto de origem Bantu.

A questão da degradação ambiental influi bastante na vida de todas as pessoas,


e dos quilombolas também. Práticas comuns como a pesca, a caça, a cata de raízes e
frutos, entre outras atividades que transitam nas esferas da cultura, da subsistência e
da sociedade, ficam comprometidas. A inexistência de uma legislação estadual sobre
as terras quilombolas ajuda na morosidade para resolver este problema. A
problemática da terra origina-se na demanda pelos territórios quilombolas, seja por
pressão imobiliária, por agricultores, por empresas, por barragens, como o caso da
Usina de Irapé, que não (re) conhecem o valor étnico histórico das áreas dos
quilombos e nem mesmo a cultura desses povos, que trazem consigo o som de

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tambores e a arte de danças tradicionais dos povos de origem Bantu, Nagô, entre
outros originários do continente africano.

As apropriações do espaço original mediante a inserção de atividades


econômicas, gradativamente, tendem a ocasionar a redução das terras das
comunidades quilombolas acarretando a ausência de autoestima, a migração e a falta
de espaço para produção. Ainda assim, muitas comunidades estão se organizando,
reconhecendo a sua diferença étnica e valorizando a sua cultura e forma de viver.

A Federação Quilombola de Minas Gerais – N`Golo

Mesmo após 131 anos de abolição da escravidão as comunidades negras ainda


convivem com a exclusão social e política. A invisibilidade social do movimento
quilombola, como ator social, foi agravada pela luta desarticulada em contextos locais.

No entanto, em 2005, Minas Gerais passou por um momento histórico


protagonizado por representantes de diversas comunidades quilombolas. A Federação
Quilombola de Minas Gerais foi criada, que tem como objetivo agregar e organizar as
comunidades para o enfrentamento de seus problemas sociais, econômicos e
culturais. A organização para criar a Federação começou em 2003, com várias
atividades que proporcionaram a discussão e mobilização dessas comunidades por
entidades sociais e lideranças quilombolas. A partir dessa mobilização, acompanhada
de uma discussão sobre a identidade quilombola e seus direitos, ocorreu, em
novembro de 2004, o I Encontro de Comunidades Negras e Quilombolas de Minas
Gerais, como territórios culturais, e o Seminário de Identificação e Diagnóstico para o
Etnodesenvolvimento, em novembro de 2004, em Belo Horizonte. Esse evento, que
reuniu representantes de 78 comunidades quilombolas do Estado, proporcionou o
encontro das lideranças das comunidades quilombolas com autoridades
governamentais da esfera federal (Fundação Cultural Palmares, Ministério do
Desenvolvimento Social, Incra), estadual (Conselho Nacional de Segurança Alimentar e
Nutricional – Consea/MG, Instituto de Desenvolvimento do Norte e Nordeste de Minas
Gerais – Idene), municipal (Prefeitura Municipal de Belo Horizonte) e organizações
não-governamentais (Cedefes, Instituto Fala Negra, Sindicatos de Trabalhadores
Rurais).

Por meio das atividades durante o encontro, revelaram-se várias violações aos
direitos básicos vividos por essas comunidades, sendo um dos grandes problemas
apontados a disputa pela terra. Foram relatados pelas lideranças quilombolas
presentes inúmeras questões que perpassaram desde a problemática da sobreposição
de territórios com a criação de unidades de conservação em áreas de comunidades

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tradicionais, a invasão dos territórios tradicionais pelo avanço desenvolvimentista até
a perda gradativa da identidade e a ausência de informações quanto aos seus direitos.

Como resultado, as 78 comunidades quilombolas presentes no I Encontro


Estadual decidiram pela construção de uma organização que as represente e para isso
foi constituída uma Comissão Quilombola Provisória com pessoas eleitas por região.

Com o apoio do Consea-MG, do Cedefes e de outras entidades, esse grupo


realizou duas reuniões onde ficou definido que a organização a ser criada para
representá-los deveria ser uma Federação de Comunidades Quilombolas e a criação
desta se daria em uma Assembleia que possibilitasse a ampliação da participação de
outros representantes. A Assembleia se deu nos dias 17, 18 e 19 de junho, na Escola
Sindical 7 de Outubro, Belo Horizonte. Durante os três dias, a Comissão Provisória da
Federação Quilombola reuniu representantes de 76 comunidades quilombolas do
Estado de Minas Gerais, totalizando aproximadamente 170 participantes.

No dia 17 de junho, a Comissão Provisória abriu a Assembleia relatando a


história da organização dos quilombolas em Federação. Diversos representantes de
comunidades quilombolas expuseram a situação atual como vivem: A grilagem das
terras, a parcimônia de políticas públicas, a falta de fontes de geração de renda nos
locais, entre outros.

No último dia, os grupos expuseram os planejamentos de ações e houve a


eleição por aclamação por haver uma chapa única. A Federação Quilombola será uma
entidade civil que representará política e juridicamente as comunidades
remanescentes de quilombos mineiros em prol do desenvolvimento sustentável e do
fomento ao funcionamento das Associações Quilombolas locais. Além disso, a
formação de uma rede de comunidades através da Federação fortalecerá a
reconstrução da identidade deste movimento, dará visibilidade social à existência
desse grupo étnico que possui características e contextos históricos particulares que
devem ser considerados quanto à implementação de políticas públicas diferenciadas.

Nos últimos dois anos, as ações e mobilizações desenvolvidas confirmaram que


Minas Gerais possui uma presença expressiva de comunidades Quilombolas invisíveis à
ação oficial. O contexto do ano de 2005 para as comunidades quilombolas de Minas
Gerais foi positivo no sentido da articulação e organização dessas populações no
intuito de reivindicar seus direitos. Mas, em termos de conquistas políticas e sociais, a
realidade de pobreza, de abandono do poder público e do racismo que os quilombolas
sofrem, não houve avanço nenhum. A morosidade do governo em regularizar e titular
as terras ainda é o grande empecilho para o avanço e o reconhecimento dos direitos
quilombolas.

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Após fundada e organizada a Federação das Comunidades Quilombolas de
Minas Gerais realizou outros diversos Encontros que envolveram e articularam com
outros órgãos governamentais, não governamentais e outra gama de comunidades
quilombolas que ainda não estavam envolvidas neste processo político. Os Encontros
aconteceram em Belo Horizonte e em cidades no interior do Estado próximo às
comunidades, como em São João da Ponte e Itabira. Cada Encontro pautava as ações
da Federação Quilombola e das lideranças comunitárias durante determinados
períodos. Hoje, em 2019, a Federação Quilombola se tornou uma referência para a
luta quilombola. Hoje há as Comissões Regionais da Federação divididas por regiões. O
CEDEFES continua dando apoio a articulação política e organizacional da Federação
através do Projeto Quilombos Gerais.

A conjuntura política atual vive um momento muito desfavorável em relação a


efetivação das políticas públicas em relação aos quilombolas. Por isto a organização e
articulação é muito importante nestes períodos de ameaça e ruptura de direitos. Há
uma grande demanda social, estética, política e humanitária represada no que tange
aos direitos das comunidades quilombolas no Brasil e em Minas Gerais.

Bibliografia: Comunidades quilombolas de Minas Gerais no séc. XXI: história e resistência. Belo
Horizonte: CEDEFES, 2008.

Fonte: CAMARGO, Pablo Matos. Comunidades Quilombolas em Minas Gerais – Resiliência, luta e
Assertividade de um Povo. CEDEFES – Centro de Documentação Eloy Ferreira da Silva. [S.I.]. 2019.
Disponível em https://www.cedefes.org.br/comunidades-quilombolas-em-minas-gerais-resiliencia-luta-
e-assertividade-de-um-povo/. Acesso em 13 Abr. 2021.

O MUSEU DO ESCRAVO

O Museu do Escravo situado em Belo Vale-MG é uma instituição única no país.


Foi criado em Congonhas-MG nas dependências da Basílica do Senhor Bom Jesus pelo
padre Dr. José Luciano Jacques Penido, natural de Belo Vale. Em 1975 o Museu foi
oficializado como Museu Municipal através do Decreto Municipal de Nº 504 de 09 de
maio de 1975 onde em 1977 fora transferido para a fazenda da Boa Esperança na
cidade de Belo Vale, fazenda esta, construída no último quartel do século XVIII em
1790 e que pertenceu ao Sr. Romualdo José Monteiro de Barros -Barão do Paraopeba.

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Em 13 de maio de 1988, em comemoração ao centenário da abolição da
escravatura brasileira, o museu foi transferido para o centro da cidade de Belo Vale,
onde fora inaugurado em suas atuais dependências, um prédio em estilo colonial
projetado por Ivan Pavle Boujanic.

O Museu é composto por seis salas em seu pavimento superior, onde é possível
contemplar peças e utensílios ligados a “Casa Grande” que eram de uso e posse dos
senhores da época. No pavimento inferior, observa-se um grande pátio e ao centro a
estátua de um escravo sendo açoitado no pelourinho, ladeando esse pátio observa-se
senzalas que no seu interior resguardam peças ligadas ao período da escravidão, trata-
se de peças de trabalho e castigos que eram aplicados contra os escravos e demais
artefatos ligados aos índios (primeiros escravizados do país) e quilombolas. No total,
Museu conserva mais de quatro mil peças que traduzem o período da escravidão
vivido em nosso país ao longo de 358 anos.

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Encontrada em 2004, no Sítio dos Paivas, próximo a uma estrada de terra que
liga Belo Vale, Jeceaba e Entre Rios de Minas, a urna funerária arqueológica de
cerâmica Aratu-Sapucaí passou por um longo processo de estudo e restauração, sendo
agora devolvida para a cidade de Belo Vale, tornando-se parte do acervo do Museu do
Escravo.

Fonte: Prefeitura de Belo Vale. Museu do Escravo. Belo Vale. Disponível em


<http://www.belovale.mg.gov.br/pagina/10377/Museu%20do%20Escravo>. Acesso em 13 Abr. 2021.

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