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Universidade Federal Fluminense

Trabalho de antropologia cultural


“Juliana Blasi Cunha: Negociações e conflitos em jogo no processo de
implementação de políticas se uma favela da cidade do Rio de Janeiro”

2023
Integrantes;
Ana Clara Rocha
Anna Beatriz Magdalão
Brenda Lima
Gabriel Alves Viana
Isabella Reis
Julia Possodelli
Julio Mota Monteiro
Lais Thomaz
Lara Costa
Lucas Matos
Theo Soares
Desde o surgimento das primeiras favelas no Rio de Janeiro, no início do século
XX, várias representações sociais têm influenciado as decisões governamentais
em relação a essas comunidades. Inicialmente, as favelas eram vistas como um
problema estético e de saúde pública, o que levou as autoridades a tentarem
removê-las da cidade nas décadas de 1960 e 1970. Muitos moradores foram
realocados para conjuntos habitacionais financiados pelo Banco Nacional de
Habitação (BNH) e vendidos pela COHAB.
No entanto, na década de 1980, houve uma mudança na abordagem em relação
às favelas, abandonando a ideia da remoção em massa como solução. Surgiu a
perspectiva de melhorar as condições de vida e promover a urbanização das
favelas, exemplificada pelo programa "Cada família, um lote" do governador
Leonel Brizola. O Complexo Pavão-Pavãozinho-Cantagalo se tornou um local
onde políticas públicas de integração foram implementadas. Apesar dos avanços
nesse sentido, ainda existem questões a serem discutidas em relação ao
Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e aos conflitos resultantes
nesse complexo. O PAC é um programa do governo federal que visa integrar
essa favela à cidade formal por meio de obras de infraestrutura e renovação
urbana. Pesquisas de campo com moradores antigos descrevem e analisam
como as pessoas se organizam e vivem ao longo do tempo, revelando relações
de hostilidade, rivalidade e competição entre moradores de diferentes áreas,
refletidas em blocos de carnaval, times de futebol e até mesmo no tráfico de
drogas. Essas questões também influenciam a forma como os moradores se
articulam politicamente para defender seus interesses.
Além disso, a diferenciação social entre os moradores com base na antiguidade
e na coesão social é um aspecto relevante nessa dinâmica. O Cantagalo é
acessado pelo bairro de Ipanema, enquanto o Pavão-Pavãozinho é acessado
pelo bairro vizinho de Copacabana. Embora sejam categorizados como um
complexo, as duas favelas são distintas e estão fisicamente interligadas devido
à expansão ao longo do tempo. A ocupação começou no Cantagalo por volta de
1920 e posteriormente se estendeu para o Pavão-Pavãozinho a partir de 1940.
No Pavão-Pavãozinho, houve uma migração nordestina que se fixou
principalmente nessa favela, enquanto o Cantagalo permaneceu ocupado em
sua maioria por famílias negras de Minas Gerais. Embora haja uma variedade
de situações, a maioria dos moradores pertence à classe trabalhadora urbana
de baixa renda.
As condições habitacionais e de urbanização geralmente são precárias nas duas
favelas, com casas de pau a pique e barracos de madeira, mas também existem
casas bem construídas de dois ou mais andares. Apesar dessas semelhanças,
os moradores se diferenciam e se sentem membros de dois grupos distintos,
cada um com sua identidade e reivindicações. Os moradores do Cantagalo se
autodenominam "cria do morro" ou "raiz" e reivindicam o título de pioneiros na
ocupação da encosta. A rivalidade entre os antigos moradores do Cantagalo e
do Pavão-Pavãozinho evoluiu ao longo do tempo. Os moradores do Cantagalo
se auto representam como os verdadeiros "cria do -+-morro", pois suas famílias
permaneceram em sua maioria e se estabeleceram ali desde o início. Enquanto
isso, no Pavão-Pavãozinho, as famílias antigas se tornaram minoria em meio
aos nordestinos, sendo chamadas pejorativamente de "reduto dos paraíbas".
O fato de terem sido os primeiros a chegar e de manterem a favela ocupada
pelas mesmas famílias confere aos moradores do Cantagalo um sentimento de
diferenciação e superioridade nas relações de poder local. Esses moradores,
devido ao seu tempo de convivência e conhecimento mútuo, possuem uma
melhor articulação política e conseguem alcançar seus objetivos com mais
facilidade. Como resultado dessa união e engajamento, o Cantagalo está mais
avançado em termos de urbanização e desenvolvimento do que o Pavão-
Pavãozinho. No entanto, é importante ressaltar que essa divisão não se restringe
apenas aos aspectos físicos e urbanísticos, mas também está presente nas
relações sociais e identidades dos moradores.
A presença do tráfico de drogas também desempenha um papel significativo na
dinâmica das favelas. Com o surgimento dos pontos de venda de drogas, a
rivalidade entre as favelas precisou ser imposta de forma diferente e intencional,
e a violência se instaurou quando foi necessário dividir explicitamente o território
com base na potência criminal das vendas. No entanto, é importante destacar
que o domínio do Comando Vermelho sobre as favelas trouxe uma espécie de
unificação entre elas. Apesar disso, devido à antiga rivalidade, os moradores
ainda não ultrapassam o espaço um do outro, mantendo uma certa separação
física e social.
Atualmente, a relação entre as duas favelas parece ser pautada em um respeito
mútuo, baseado no histórico de uma vida associativa em comum que, por meio
das disputas, se complementavam. No entanto, em relação aos nordestinos,
permanece a indiferença ou a falta de relação. Independentemente disso, com
ou sem nordestinos, os moradores das duas favelas, assim como no passado,
ainda não se percebem como um único território. O processo de formação das
comunidades não foi simultâneo, o que faz existirem regiões com moradores
mais antigos e outras com moradores mais novos. Isso diferencia a percepção
do espaço entre os moradores dos dois morros e, consequentemente, influencia
a diferenciação das demandas.
Diante desse contexto complexo, é fundamental reconhecer a importância de
incluir os fatores etnográficos no planejamento e na implementação de políticas
públicas voltadas para o Complexo Pavão-Pavãozinho-Cantagalo. Compreender
as dinâmicas sociais, históricas e culturais dessas comunidades é essencial para
evitar conflitos e garantir uma abordagem mais inclusiva e participativa. A criação
de espaços de diálogo e de empoderamento dos moradores pode contribuir para
promover a integração social, o desenvolvimento sustentável e a melhoria das
condições de vida nas favelas do Rio de Janeiro.

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