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AULA 5

DISCIPLINA:

A LUTA DOS AFRO-


BRASILEIROS E DOS POVOS
INDÍGENAS NO BRASIL

Prof. Yuri Berri Afonso


CONVERSA INICIAL
Nesta aula, vamos conhecer um pouco mais sobre as comunidades
quilombolas, como se formaram e resistem ao longo do tempo. Começaremos
discutindo as questões conceituais e normativas que definem esses grupos. Em
seguida, descrevemos um pouco sobre a relação desses grupos com o meio
ambiente e áreas de preservação ambiental, para então abordar a questão dos
serviços públicos e das práticas desenvolvidas nessas comunidades em relação
à educação. Após, destacaremos a participação das mulheres na comunidade
quilombola e sua relação com as práticas de cura. Por último, descreveremos a
formação dos movimentos negros no Brasil sob uma perspectiva histórica.
CONTEXTUALIZANDO
Os povos negros não são originários do continente americano. Eles foram
trazidos da África para servirem de mão de obra escrava e produzirem riquezas
aos colonizadores. No entanto, esse número foi muito elevado, o que
consequentemente levou a uma grande população que, atualmente, habita todas
as Américas.
Em virtude de como ocorreu a história, esses povos sempre foram tratados
como inferiores, incapazes e até como uma ameaça ao desenvolvimento nacional.
As leis e regras que pretendiam garantir a liberdade aos escravos serviram,
na verdade, como argumento para que essas “pessoas de cor” fossem
sistematicamente excluídas do convívio social.
No entanto, essa exclusão não foi suficiente para que esses povos
deixassem de manifestar suas culturas e suas crenças. Pelo contrário, esses
grupos desenvolveram suas próprias estratégias para resistir às ameaças que os
cercavam.
Atualmente, a atuação política dos povos negros tem conquistado diversos
avanços em relação à diminuição da discriminação racial. Contudo, esse é um
processo ainda em andamento.
TEMA 1 – QUILOMBOS NO BRASIL: QUESTÕES CONCEITUAIS E
NORMATIVAS
Os quilombos surgiram como as primeiras resistências dos povos negros
no Brasil contra o escravismo, a partir da fuga de negros de propriedades
dominadas por europeus. Esses fugitivos se encontravam nas matas e formavam
suas próprias comunidades independentes, que foram chamadas de quilombos.

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Existem diversos conceitos sobre o que é um quilombo. Para alguns
estudiosos, o modelo de quilombo encontrado no Brasil é uma cópia do modelo
criado por povos africanos que eram escravizados em seu continente. Quilombo
também se refere ao local em que os povos negros reproduzem sua cultura
tradicional, e no qual se organizam defensivamente para evitar o inimigo que os
pretende escravizar. Existem também conceitos pejorativos que consideram os
quilombos “lugares de confusão” ou “lugares de casas de prostituição”. Os
moradores dessas comunidades são chamados de quilombolas.
A resistência dos povos negros reaparece em 1930, com a Frente Negra
Brasileira, e ganha força na década de 1970, com a redemocratização do país.
Os quilombos, portanto, são elementos fortes e permanentes que representam a
luta dos povos negros no Brasil, tema que segue com grande importância diante
das novas medidas públicas. Os quilombos representam, no cenário nacional, luta
política e uma reflexão científica em processo de construção.
É comum fazer a relação entre a demarcação de terras indígenas e a
titulação dos territórios quilombolas. Porém, essas duas lutas têm em comum
apenas os desafios para a sua aceitação, tendo em vista que o conceito formador
dessas comunidades e a forma com que ocuparam o território nacional se deram
de formas diferentes. Enquanto o indígena já habitava essas terras antes da
chegada dos europeus, o negro foi trazido da África como mão de obra escrava.
As fronteiras étnico-culturais do Brasil sempre estiveram relacionadas com
as invasões do período colonial, e remontam a lutas e disputas por território.
Nas últimas duas décadas, alguns descendentes de africanos se
organizaram em comunidades quilombolas e passaram a reivindicar seus direitos
sobre as terras, assim como a preservação de sua cultura, costumes e tradições.
Em diversas situações, negros e índios lutaram juntos contra a opressão
dos povos europeus, durante a ocupação e exploração do continente. Porém,
diferente dos povos indígenas, que são considerados “da terra”, os povos negros
sofreram diversos questionamentos sobre a legitimidade de ocupar um espaço
para o desenvolvimento de suas práticas culturais e produção de subsistência.
Atualmente, pelos estudos de história e sociologia, é possível ver exemplos
de discriminação racial ao constatar o uso de forças da polícia para invadir e
interromper atividades em terreiros de candomblé, assim como o uso de violência
nos bairros da periferia das grandes cidades, que esses povos costumam habitar.
A segregação social dos povos negros se dá por meio de medidas de
mobilidade social, e não é apenas algo que faz parte do imaginário da sociedade.
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Os dados do censo atuais apontam para a desigualdade e seu crescimento em
todo território nacional. Desde a abolição da escravatura, em 1888, o negro tem
sido desqualificado e seus territórios ignorados pelo poder público, que beneficia
grupos que tenham “maior” legitimidade perante o estado.
O usufruto, a posse e a propriedade dos recursos naturais tornaram-se, ao
longo do processo de formação social brasileira, cada vez mais moeda de troca,
configurando um sistema disfarçadamente hierarquizado pela cor da pele, a qual
passou a instruir níveis de acesso (principalmente à escola e à compreensão do
valor da terra). Passou mesmo a ser valor “embutido” no “negócio”. Processos de
expropriação reforçaram a desigualdade desses “negócios”, de modo a ser
possível hoje identificar nitidamente quem foram os ganhadores e perdedores e
quem, ao longo desse processo, exerceu e controlou as regras que definem quem
tem o direito de se apropriar (Lovell, 1991).
A primeira Lei de Terras (1850) implementada no Brasil não classifica os
africanos e seus descendentes como brasileiros. Eles são colocados em uma
categoria à parte chamada de “libertos”. Desde então, os povos negros foram
sistematicamente removidos de seus territórios, mesmo quando essas
propriedades eram compradas, ou herdadas, e tinham reconhecimento legal em
cartório.
Com a constituição do 1988, passa-se a considerar o reconhecimento
oficial de terras quilombolas. Com isso, a política brasileira ganha um novo
cenário. A luta dos povos negros não fica restrita à reinvindicação de terras, mas
se estende à valorização de sua cultura, excluindo, assim, o cunho folclórico que
era dado aos conhecimentos dos povos negros.
Os quilombos passam a ser compreendidos como uma forma de
organização social e de luta política. Com essas novas noções de quilombos,
passa-se a reorganizar a questão política, e os cientistas passam a fazer um
estudo para tentar compreender o que são os quilombos e quem são os
quilombolas.
A regulamentação dos quilombos e suas propriedades enfrentam diversas
questões que levam a uma reflexão mais profunda de quem deveria ser
beneficiado por tais medidas. Uma das questões é: como definir quem de fato é
um quilombola? Como definir quais povos foram discriminados no período de
escravidão? Algumas questões ficam claras no artigo 68 da Constituição, em que
o direito da propriedade dos quilombolas está relacionado ao grupo (o coletivo) e
não a um indivíduo.
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Em um país com uma diversidade étnica e cultural tão vasta e miscigenada,
os problemas novamente parecem ter sido resolvidos com regras que beneficiam
aqueles que as estabelecem, e apesar dos avanços das ações afirmativas e das
políticas públicas, muitas medidas são tomadas contra esses povos tradicionais e
a favor da propriedade privada.

Figura 1 – Número de comunidades remanescentes de quilombos por estado

Fonte: Instituto Palmares (2016).

TEMA 2 – COMUNIDADES QUILOMBOLAS E A POLÍTICA AMBIENTAL E


TERRITORIAL NA MATA ATLÂNTICA
Existem muitas comunidades quilombolas lutando pelo direito de registro
de suas terras e sua titulação. No entanto, existem diversas questões que são
obstáculos rumo a essas conquistas. Esses obstáculos se constituem pela
lentidão na aplicação das políticas públicas, formulação de novas ações
afirmativas para negros no Brasil e a própria discriminação que existe na
mentalidade da sociedade.
Outro problema recorrente tanto em comunidades indígenas quanto em
comunidades quilombolas é o fato de essas comunidades se instalarem em áreas
de preservação ambiental ou de interesse de desenvolvimento econômico do
país.

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Não é novidade que a Mata Atlântica foi devastada pelo modelo de
desenvolvimento nacional. Atualmente, estima-se que existem apenas 7,5% de
fragmentos de florestas ao longo da costa do Atlântico.
Algumas comunidades indígenas e quilombolas habitam as faixas de Mata
Atlântica. Nesses casos, além de todas as dificuldades legais para obtenção dos
títulos e direitos às suas terras, esses povos ainda enfrentam a questão ambiental.
Dessa forma, esses grupos acabam entrando em confronto com outro grupo, que
historicamente, era seu aliado, os ambientalistas.
O que é preciso verificar nessas situações é a interação desses povos com
o meio ambiente. E devemos levantar a seguinte questão: as terras habitadas por
povos indígenas e negros estão sendo devastadas? Quanto?
Na verdade, o processo de ocupação da Mata Atlântica pelos povos negros
não é um mero acaso. Durante a colonização e escravidão, esses povos eram
marginalizados e precisavam se afastar da sociedade dominante, por isso
encontraram abrigos em áreas remotas e de difícil acesso.
A Mata Atlântica não é apenas um bioma natural de grande significância,
mas também conta a história do desenvolvimento do país por meio da visível
devastação que foi promovida. No entanto, as comunidades tradicionais que nela
habitam prezam pelo desenvolvimento sustentável, e muitas vezes são as
verdadeiras responsáveis pela preservação daquelas áreas.
A ideia simplista de que a interação do homem com a natureza representa
devastação não respeita o modo de vida de comunidades tradicionais que
mantêm outras relações com o meio ambiente.
Existem comunidades quilombolas que habitam essas regiões e registram
seus lamentos em relação ao avanço da monocultura da cana-de-açúcar em seus
territórios. Áreas, que antes eram usadas como roças para o plantio da agricultura
familiar, hoje dão lugares aos “verdes mares” das plantações de cana. Isso força
essas comunidades a sobreviverem com o extrativismo, que também é
ameaçado, pois as áreas de rios e mangues em que essas comunidades
costumavam caçar e se alimentar de moluscos também estão sendo invadidas
pela agricultura latifundiária. Algumas dessas comunidades já foram legalmente
reconhecidas, mas aguardam o registro do Incra para que possam ter direitos
sobre a sua terra.
Além do desenvolvimento de grandes latifúndios que invadem as terras
quilombolas e a Mata Atlântica, ainda existem as leis ambientais, que
desfavorecem o desenvolvimento da agricultura familiar e o extrativismo, que é de
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grande importância para essas comunidades. Além disso, há a relação cultural e
espiritual desses grupos com o ambiente que habitam.
Outra questão importante é que nessas áreas povoadas por quilombolas a
floresta não apenas se preserva, mas também enriquece, tendo em vista que o
ser humano é uma espécie responsável pela formação de novas vegetações e
biomas. Afinal, o ser humano não altera a natureza apenas para o seu
desenvolvimento econômico. Ele também é responsável pela migração de
diversas espécies de fauna e flora que compõem os biomas ao redor do planeta.
O que fica evidente é que as técnicas de manejo do meio ambiente
desenvolvida pelos povos indígenas e negros não agridem o ambiente, mas
interagem com ele a fim de proporcionar um ciclo de desenvolvimento sustentável.
Além das técnicas de manejo da terra e seus recursos, outras características
importantes, relacionadas à preservação ambiental, encontram-se em seus mitos
e lendas, nos quais relatam a interação com outras espécies em um tipo de
ambiente de negociação, e não de usurpação.
Ou seja, suas histórias e mitos estão fortemente relacionadas com a
preservação do meio ambiente. Esse fator também é considerado por estudiosos
que se dedicam ao estudo de etnobiologia e etnoecologia. Não são apenas as
técnicas que estão relacionadas com o enriquecimento da biodiversidade, mas
sua mentalidade e espiritualidade, que depende dos recursos naturais para
reprodução cultural daquele povo.
Atualmente, nossa justiça é falha e acaba sobrepondo interesses com base
em suas regras. Porém, devemos também avaliar quais tipos de contribuição
essas populações têm proporcionado para o meio ambiente.

TEMA 3 – EDUCAÇÃO QUILOMBOLA: ORIENTAÇÕES E AÇÕES PARA A


EDUCAÇÃO DAS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS
A educação é um bem social, no entanto, pode ser vista também como uma
ferramenta de desenvolvimento humano. O ambiente educacional é um espaço
de trato pedagógico do conhecimento e da cultura. Uma característica paradoxal
da educação em relação a diferentes culturas mostra que o ensino, ao ser
promovido de forma igual para todos, acaba por gerar mais discriminação. O
pensamento que homogeneíza o currículo escolar tende a ignorar as diferenças e
pluralidades encontradas em nossa sociedade.

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Ao identificarmos os conceitos e processos educacionais no contexto dos
povos negros e sua relação com os espaços sociais, faz-se necessária uma
perspectiva que valoriza a diversidade e tem como desafio a revitalização da
cultura desses povos.
De forma geral, a educação dos povos negros se manifesta o tempo todo,
em diversos espaços, e foi de grande importância para manterem vivas as
memórias, a cultura, a tradição, mesmo nos períodos em que foram retirados de
sua terra natal, para realizarem a mão de obra escrava na construção de riquezas
do nosso país.
No século XVI, quando desembarcaram no Brasil, as populações negras
foram distribuídas ao longo da costa brasileira, com maior concentração nas
regiões Sudeste e Nordeste, que eram os grandes centros de produção de cana-
de-açúcar. Enquanto os senhores de engenho e latifundiários criavam um grande
patrimônio, coube ao povo negro desenvolver suas estratégias para preservar
seus rituais, reverenciar seus ancestrais, manter sua cultura e, principalmente,
sua resistência.
Em 1888, quando foi estabelecida a Lei Áurea, os povos negros tiveram
poucos direitos reconhecidos em diversos documentos oficiais. Porém, as
barreiras encontradas naquele período não impediram esses povos de dar
continuidade à sua cultura e à sua cosmovisão.
Seja na senzala, nos quilombos, ou nos terreiros, a identidade dos povos
negros foi assegurada como patrimônio da educação de afro-brasileiros. Apesar
das condições de vida precárias, esses povos continuaram a se relacionar com
sua ancestralidade, sua religião e o valores nelas representados, o que inclui o
senso de coletividade. Esse sentimento permitiu o processo de sobrevivência das
comunidades tradicionais.
As leis que pretendiam dar mais liberdade aos povos negros, na verdade,
não surtiram os efeitos desejados. As leis do Ventre Livre (1871), dos
Sexagenários (1885) e a Áurea (1888) propunham devolver a liberdade aos povos
negros, mas isso não significa que a sociedade da época tenha dado as mesmas
oportunidades para esses povos. Pelo contrário, essas medidas legais se
tornaram motivos para que os europeus assegurassem suas superioridades em
detrimento dos povos negros, que eram constantemente excluídos do convívio
social.
Durante todo o século XX, pouco foi feito no sentido de garantir direitos e
acesso à cidadania aos povos negros. Foi apenas em 1951 que a discriminação
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racial passou a figurar como uma contravenção penal. Somente a partir da
segunda metade do século é que a Academia começou a contrapor as ideias de
que a presença do negro e da miscigenação era algo que pesava de forma
negativa para o desenvolvimento da cultura brasileira.
No contexto global, na década de 1940, começaram a surgir organizações
internacionais que pretendiam a equidade entre os povos e nações. Em 1945,
surgiu a ONU, e, em 1948, a Declaração Universal dos Direitos Humanos. A partir
daí, ganhou força o movimento negro no cenário nacional. Esses movimentos
conquistaram alguns direitos e a adoção de algumas medidas internacionais,
como as convenções da Organização Internacional do Trabalho. Na educação,
porém, a grande mudança ocorreu apenas em 2003, já no século XXI. A Lei n.
10.639/2003 tornou obrigatório que os conteúdos referentes à história e cultura
afro-brasileira sejam ministrados no âmbito de todo o currículo escolar da
Educação Básica.
Porém, antes da consolidação de leis que regulamentassem o ensino de
história e cultura africana, os movimentos negros já faziam algo pela melhoria das
condições de educação proporcionadas aos povos negros. A Frente Negra
Brasileira (FNB) foi considerada o primeiro movimento de massa que reivindicava
a participação dos povos negros na política brasileira. Além disso, a FNB realizou
ações concretas, construindo diversas salas de aula para alfabetização e
educação de trabalhadores e trabalhadoras negras.
Antes da Lei n. 10.639/2003, a educação seguia uma perspectiva
eurocêntrica, que relatava a história e o ponto de vista dos povos europeus sobre
a colonização das Américas. Essa visão eurocêntrica foi considerada uma das
razões principais para o fracasso dos negros no processo escolar, já que os
materiais didáticos não os levavam a uma identificação com os conteúdos
apresentados.
A discriminação racial ainda é uma realidade no nosso país, porém, o
estado brasileiro tem demonstrado certa preocupação com relação a isso. Essa
luta contra a discriminação racial tem se mostrado na criação de ações afirmativas
que pretendem reparar injustiças históricas contra esses povos. As leis de
valorização de cultura africana dentro do processo escolar também têm servido
como forma de valorização e identidade da cultura negra. No entanto, na prática,
ainda existem muitas coisas que devem ser pensadas e implementadas para que
essas novas regras tenham valor, desde a pesquisa e interação com comunidades

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quilombolas até a produção de materiais didáticos que contemplem o que é
previsto na lei.

TEMA 4 – O LUGAR DAS MULHERES NOS SABERES DAS TRADIÇÕES


QUILOMBOLAS: PRÁTICAS DE CURA E REINVENÇÃO DAS TRADIÇÕES
As comunidades quilombolas, por séculos, se afastaram do convívio
urbano. Esse afastamento se deu como mecanismo de defesa dos povos que
queriam escravizá-los. Nessas comunidades o conhecimento é transmitido por
intermédio da oralidade, ou seja, um conhecimento de transmissão
intergeracional. Para conhecermos melhor a cultura e ciência desses povos,
precisamos recorrer às narrativas dos anciões, que são as pessoas que melhor
representam os conhecimentos tradicionais transmitidos dentro da comunidade.
Por meio da oralidade são transmitidos conceitos e valores daquela
sociedade, suas características culturais, religiosas e de produção. Portanto,
devemos reconhecer nas práticas de cura desses povos um ambiente de
produção de conhecimento. Esses povos, ao se isolarem da urbanização,
desenvolveram novas relações entre si e o meio ambiente.
Nesse sentido, reconhecemos que esses povos fazem uso de ervas e
raízes de seu ambiente, e que muitas vezes esses conhecimentos não estão
relacionados à medicina oficial. O poder público e os órgãos responsáveis pela
gestão da saúde em nosso país sempre ignoraram as necessidades e o
conhecimento que esses povos desenvolveram.
De acordo com relatos orais da história dos quilombolas, percebe-se a
figura da rezadeira e da benzedeira, que atuavam dentro da sua comunidade e
comunidades vizinhas. Isso leva ao respeito que tais figuras têm dentro de suas
comunidades. As mulheres mais velhas têm status, por serem conhecedoras das
plantas e das curas.
Ao longo de milhares de anos, o homem encontrou na natureza todos os
elementos que se apresentavam como ameaças e também os elementos que
agiam em seu favor, separando-os. Para gerar as explicações sobre esses
elementos, o ser humano atribuiu-lhes valores religiosos que o orientavam na
construção de seu conhecimento.
Em relação à doença, muitos povos, ao longo da história, recorreram ao
simbolismo, como amuletos, orações e conversas com feiticeiros. Apesar dos

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avanços tecnológicos em relação à medicina, atualmente, muitos ainda recorrem
ao poder espiritual para combater doenças.
Essa prática segue viva nos dias de hoje por dois motivos. Um deles seria
a negligência do serviço público em relação aos serviços de saúde prestados a
essas comunidades. O outro motivo está relacionado à construção de uma
tradição histórica, que promove em seus seguidores a crença e a fé nos métodos
tradicionais.
Apesar dos diferentes motivos que levam as pessoas a recorrerem aos
métodos tradicionais, em geral, essas pessoas relatam que as rezas e orações
servem para curar a alma e devolver-lhes o ânimo no dia a dia. Os mais idosos
costumam relatar que o descaso do poder público leva os métodos tradicionais a
se perpetuarem.
As mulheres, geralmente conhecedoras das ervas e plantas curativas, além
de desempenharem o papel de benzedeiras, que também são responsáveis pelos
partos, ganham status de líderes comunitários e adquirem grande respeito dos
demais membros da comunidade.
Nos terreiros (casas de reza), além de se cultivar as plantas utilizadas para
os adornos, também são cultivadas as plantas de cura: “pinhão roxo” “arruda” e
“capim santo” são algumas delas. Cada planta e antídoto desenvolvidos servem
para enfermidades específicas.
Além da cura dos seres humanos, as rezadeiras também curam os animais.
Ainda, relatam que não são apenas as pessoas pobres que recorrem aos seus
métodos: fazendeiros, pessoas da rua e gente rica também visitam as
comunidades para receberem as orações e rezas dessas mulheres.
No entanto, a maioria da elite intelectualizada trata as benzedeiras como
pessoas místicas que não deve ser levadas em consideração no processo de
cura. Vale lembrar que, na Idade Média, essas mulheres que tinham
conhecimento de botânica aprimorada também eram discriminadas; nesse caso,
elas eram queimadas em fogueiras como bruxas. No entanto, há algo em comum
entre a discriminação sofrida na Idade Média e a discriminação sofrida
atualmente. As elites intelectuais nunca deram ouvidos às bruxas ou benzedeiras,
e nunca se comprometeram em validar os conhecimentos que foram
desenvolvidos por elas; pelo contrário, simplesmente os ignoram.
Outra situação que essas comunidades passam atualmente é a chegada
de serviços públicos próximos às suas comunidades. Alguns relatos mostram que
existe uma diminuição no cultivo de ervas medicinais e o aumento do cultivo de
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ervas de adornos. Isso porque muitos quilombolas têm recorrido ao uso da
medicina moderna e acabam abandonando as tradições, os conhecimentos
antigos. No entanto, outros relatam que, apesar da chegada dos “remédios em
caixa”, não abandonam o tratamento tradicional com as benzedeiras.
Outro problema relatado em relação à prestação de serviços públicos
nessas comunidades é a falta de atenção dos médicos para com esses povos,
que são constantemente discriminados pelo seu linguajar simples e sua cultura
“pobre”. Ao que parece, os médicos que atendem a essas comunidades não
atingem o grau de interação com a comunidade, enquanto as benzedeiras
conhecem o dia a dia dos membros da comunidade e os atendem de forma
respeitosa.
Podemos constatar que a proximidade dos serviços públicos está
colaborando para a diluição do conhecimento tradicional, no entanto, os membros
dessas comunidades ainda têm resistência em relação aos métodos impessoais
desenvolvidos pela medicina ocidental e continuam a recorrer aos serviços da
medicina baseada em conhecimentos tradicionais.

TEMA 5 – MOVIMENTOS NEGROS NO BRASIL


Segundo Ilse Scherer-Warren e Paulo Krischke (1987), podemos
caracterizar um movimento social como: “grupo mais ou menos organizado, sob
uma liderança determinada ou não; possuindo programa, objetivos ou plano
comum; baseando-se numa mesma doutrina, princípios valorativos ou ideologia;
visando um fim específico ou uma mudança social”. (Scherer-Warren; Krischke,
1987, p. 13).
Existem movimentos sociais que atuam em diversas causas na sociedade,
como: os movimentos feministas, os movimentos dos povos negros, os
movimentos étnicos e o movimento LGBT.
A maioria dos problemas de discriminação está relacionada com fatores
sociais (artificiais) e não com fatores biológicos (naturais), por isso devem ser
combatidos por meio de ações políticas que revisem alguns conceitos da
sociedade.
Além das comunidades quilombolas, que se formaram durante o período
do colonialismo e imperialismo, a primeira fase dos movimentos negros no Brasil
ocorreu logo após a Proclamação da República, em 1889. Nessa época,

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formaram-se dezenas de grupos, clubes e agremiações independentes em
diversos estados do país.
Esses grupos tinham caráter assistencialista, de lazer ou cultural, e
conseguiram atrair um número expressivo de afro-descendentes. Além disso
existiam grupos formados por profissionais de diversas áreas, como: portuários,
agricultores, ferroviários, que também tinham caráter sindical. Outros grupos
foram criados especificamente para mulheres negras.
Na mesma época começou a surgir o que é chamado de imprensa negra,
que eram jornais elaborados e publicados por negros para tratar de assuntos
comuns. Esses jornais serviam para que tais populações tivessem acesso a
informações que não poderiam obter em nenhum outro lugar da imprensa comum.
Geralmente, esses jornais eram os grandes responsáveis por combater o
“preconceito de cor”, como era chamado na época.
Em 1930, o movimento negro teve um grande avanço com a formação da
Frente Negra Brasileira (FNB), em São Paulo. A FNB foi o primeiro movimento de
massa com intenções políticas deliberadas. Esse movimento fundou filiais
homônimas em diversos estados do país. A FNB foi responsável por produzir
serviços de escola, departamento judicial, centros culturais, assistência médica e
odontológica, além da publicação de um jornal, chamado “A voz da raça”.
A FNB tentou concorrer como partido político nas eleições e teve grande
influência em medidas antirracistas no poder público, como a aceitação do
alistamento de negros para guarda municipal para a cidade de São Paulo.

Curiosidade
O principal líder da FNB, Arlindo Veiga dos Santos, elogiava publicamente o
modelo de governo de Benitto Mussolini, na Itália, e de Adolf Hitler, na Alemanha.
É importante destacar que, nessa época (1930), a Alemanha e a Itália ainda não
haviam desferido seu ódio contra outras nações, e eram apenas modelos de
desenvolvimento político e econômico. Inclusive, a FNB foi extinta antes que
esses países começassem a disseminar suas ideologias racistas, pois em 1937
foi instaurada a ditadura do “Estado Novo”, que extinguiu todos os movimentos
políticos no Brasil.

A segunda fase do movimento negro aconteceu após a ditadura “varguista”


(1945) e ganhou novo impulso com o surgimento de grupos mais complexos, que
aumentaram o seu raio de atuação. Nessa época, um dos principais grupos de
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atuação era a União dos Homens de Cor, ou UHC. Esse grupo também criou filiais
em todo o país e atuou de forma assistencialista na educação, saúde, cultura e
em questões jurídicas.
Outro grupo que teve importância no período foi o Teatro Experimental do
Negro, o TEN. Esse grupo surgiu com o propósito de criar um grupo teatral
composto apenas por atores negros. No entanto, ele ganhou forte representação
política e passou a se manifestar em outras áreas políticas da luta contra a
discriminação racial, com a publicação de um jornal que discutia o tema com a
sociedade. Nessa época também aconteceu a expansão da imprensa negra, com
o surgimento de diversos jornais que apelavam por essa causa.
Mais uma vez, o movimento negro foi diluído com o surgimento da ditadura
militar de 1964, que também extinguiu outros movimentos sociais.
A terceira fase dos movimentos raciais aconteceu de 1978 até o ano 2000.
Nela, o movimento ganha mais contundência, pois o movimento negro passa a
ser influenciado por diferentes níveis de ideologia, valorizando o termo negro,
como também a cultura e religiosidade africana.
No ambiente internacional, os movimentos negros se aproximavam da
esquerda comunista baseando suas ideias no marxismo, além de relacionar a
escravidão com o sistema capitalista, e se encontravam com outros grupos que
sofriam discriminação.
Nessa época, não apenas as medidas políticas estavam em jogo, mas
também medidas de valorização da cultura africana. Os movimentos negros da
época incentivavam seus membros a abandonar o cristianismo e a se
manifestarem religiosamente por meio dos cultos ancestrais da África.
A partir do ano 2000, começou a ter uma mudança na perspectiva das
políticas públicas brasileiras. Os movimentos negros continuam a desempenhar
um papel fundamental na luta contra o racismo, mas o estado parece ter
despertado para a questão da desigualdade e começou a lançar ações afirmativas
para reparar as mazelas dessa população, além de atualizações na lei para
combater a discriminação racial.

FINALIZANDO
As comunidades quilombolas resistem ao tempo. Esses povos fugiram da
escravidão e opressão que sofriam na sociedade e desenvolveram suas próprias
formas de se relacionar com o meio ambiente em que vivem. Essas culturas ainda

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remetem à cultura africana, cultuam seus deuses e reproduzem sua própria
cultura.
Assim como os povos indígenas, os quilombolas ficaram por vários séculos
sem o amparo do poder público, que poderia ajudar com que suas situações
fossem reparadas diante de uma história que provocou, e provoca, várias
mazelas.
O governo brasileiro vive um período de transição em relação à diversidade
étnica do país. Deixou o caráter “assimilacionista” que dominava as interações
entre europeus, indígenas e negros, e passou a adotar o interacionismo, que
respeita as diferenças.
Apesar disso, a discriminação racial continua sendo um problema a ser
enfrentado na sociedade brasileira. As oportunidades não são dadas de forma
igual a negros e brancos. Além disso, as estatísticas apontam para uma exclusão
vinculada à cor da pele.
Muitos avanços foram conquistados, principalmente a partir do ano 2000.
No entanto, eles refletem um atraso da nossa sociedade em relação às medidas
similares adotadas em outros países para combater o racismo.
O processo de melhoria das condições da população negra tem ganhado
uma nova dinâmica nas últimas décadas, porém, os resultados de tais medidas
só serão reconhecidos em longo prazo.

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REFERÊNCIAS

BRASIL. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação. Plano


Nacional de Implementação das Diretrizes Curriculares Nacionais para
Educação das Relações Étnico-Raciais e para o ensino de História e Cultura
Afro-Brasileira e Africana. Brasília, 2009.

DOMINGUES, P. Movimento negro brasileiro: alguns apontamentos históricos.


Tempo, Niterói, v. 12, n. 23, 2007. Disponível em:
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