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LAUDO ANTROPOLÓGICO

OS RIKBAKTSA E A TERRA INDÍGENA ESCONDIDO

Perito: JOÃO DAL POZ NETO, Dr.

Processo n. 2006.36.00.003067-5
Classe 1900 – Ação ordinária/outras
Impte: Walmor José Bianchi
Impdo: União Federal e FUNAI
Segunda Vara da Justiça Federal
Seção do Estado de Mato Grosso

Juiz de Fora, MG

fevereiro de 2011
Laudo antropológico – Processo 2006.36.00.003067-5
2ª Vara da Justiça Federal - Mato Grosso

ÍNDICE

INTRODUÇÃO ...........................................................................4

I. UM ESBOÇO ETNOGRÁFICO.....................................................8

II. HISTÓRIA E TERRITÓRIO ...................................................... 50

III. A DEMARCAÇÃO DAS TERRAS INDÍGENAS ........................... 105

IV. RESPOSTAS AOS QUESITOS ............................................... 124

Quesitos da Autora .................................................................124

Quesitos da União Federal e da FUNAI .......................................143

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA .................................................. 152

ANEXOS

DOCUMENTOS ...................................................................... 159


1. Ofício 046/PRES/DPI/FUNAI à Cotriguaçu Colonizadora .................................................... 160
2. Despacho 24, De 3/06/1994, E Parecer 75/DID, de 30/08/1993 (DOU, 06/06/1994)............. 161
3. Portaria MJ-668, De 1/11/1996 (DOU, 04/11/1996) .............................................................. 163
4. Decreto Presidencial S/N, de 8/09/1998 (DOU, 09/09/1998................................................... 164

FOTOGRAFIAS ...................................................................... 165

MAPAS
1. Carta-imagem da terra indígena Erikpatsa .............................................................................. 198
2. Carta-imagem da terra indígena Japuíra ................................................................................. 199
3. Carta-imagem da terra indígena Escondido ............................................................................ 200
4. Ocupação indígena na região do Escondido ........................................................................... 201

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FIGURAS
Figura 1: Situação da área sub judice ............................................................. 5
Figura 2: Localização dos povos indígenas........................................................ 9
Figura 3: Aldeias no rio do Sangue, 1958 ........................................................11
Figura 4: Piques de castanha no Escondido .....................................................46
Figura 5: Rikbaktsa no século XIX .................................................................50
Figura 6: Território dos Rikbaktsa .................................................................51
Figura 7: Rikbaktsa e povos vizinhos..............................................................53
Figura 8: Aldeias rikbaktsa em 1962 ..............................................................54
Figura 9: Expedições no Arinos, 1957.............................................................56
Figura 10: Aldeias no baixo Arinos, 1958 ........................................................56
Figura 11: Aldeias no rio do Sangue, 1959 ......................................................60
Figura 12: Frente do alto Juruena, 1958.........................................................61
Figura 13: Aldeias na margem esquerda do Juruena, 1959 ................................62
Figura 14: Aldeias no baixo Juruena, 1959 .....................................................64
Figura 15: Aldeias na região do Escondido, 1960 ..............................................70
Figura 16: Postos de assistência....................................................................73
Figura 17: Localização e planta do posto Escondido, 1962..................................77
Figura 18: Habitat rikbaktsa e terras indígenas.............................................. 104
Figura 19: Terras indígenas demarcadas....................................................... 105
Figura 20: Terra Indígena Erikpatsa............................................................. 107
Figura 21: Proposta de interdição, 1971........................................................ 108
Figura 22: Terra Indígena Japuíra ............................................................... 111
Figura 23: Permuta de área pelo INCRA ........................................................ 116
Figura 24: Área excluída da Terra Indígena Escondido, 1992 ............................ 119
Figura 25: Terra Indígena Escondido............................................................ 123

TABELAS
Tabela 1: Metades e clãs associados...............................................................22
Tabela 2: População Rikbaktsa, 1973 .............................................................27
Tabela 3: Dados populacionais, 1957-2010 .....................................................29
Tabela 4: Dinâmica residencial, 2000 .............................................................30
Tabela 5: População Rikbaktsa em 2001 .........................................................31
Tabela 6: População Rikbaktsa, 2004 .............................................................32
Tabela 7: Atividades sazonais .......................................................................37
Tabela 8: Espécies animais comestíveis ..........................................................40
Tabela 9: Safra de castanha 2005/2006 .........................................................48
Tabela 10: Nascidos na região do Escondido ....................................................88
Tabela 11: População da aldeia Babaçu, TI Escondido .......................................94
Tabela 12: Coordenadas do caminhamento ................................................... 102
Tabela 13: Extensão das terras rikbaktsa...................................................... 122
Tabela 14: Toponímia hidrográfica rikbaktsa ................................................. 126

GRÁFICOS
Gráfico 1: Série demográfica .........................................................................28
Gráfico 2: Renda monetária ..........................................................................49

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INTRODUÇÃO

Este laudo traz os resultados da perícia antropológica realizada no


cumprimento do mandado expedido na Ação Ordinária – Processo
2006.36.00.003067-5, da 2ª Vara da Justiça Federal de Primeiro Grau em
Mato Grosso, movida pela firma individual de WALMOR JOSÉ BIANCHI contra
UNIÃO FEDERAL e FUNDAÇÃO NACIONAL DO ÍNDIO – FUNAI, na qual a
autora requer “indenização por desapropriação indireta” sobre um lote de terras
que adquiriu em 23/12/1992, num total de cinco mil hectares, situado no
município de Cotriguaçu, MT, ora englobado pela Terra Indígena Escondido
(conforme a petição inicial, às fls. 2-8 dos autos). Identificada pela FUNAI, nos
termos do Despacho 24, de 3/06/1994 e do Parecer 75/DID, de 30/08/1993,
esta terra indígena foi declarada de posse permanente dos índios Rikbaktsa
pela Portaria 668, do Ministério de Justiça, em 1/11/1996, e, posteriormente,
homologada por Decreto Presidencial s/n, em 8/09/1998, perfazendo 168.938
hectares.

Foram formulados à perícia antropológica oito quesitos pela parte


autora, às fls. 786-787, e onze quesitos pela União Federal e FUNAI, às fls.
790-791. A audiência para início dos trabalhos periciais realizou-se em 6 de
dezembro de 2010, às 16:00 horas, à qual compareceram o perito
antropológico nomeado por este Juízo, o advogado dr. José Henrique C.
Abrahão e a assistente técnica geógrafa Marilza Rodrigues da Silva, ambos
pela parte autora. Na ocasião, ficou estabelecido o cronograma preliminar para
a vistoria pericial na área sub judice. O prazo estipulado para realização dos
trabalhos foi de 60 dias, ao qual o perito requereu prorrogação por mais 45
dias. Resumidamente, os trabalhos periciais cumpriram as seguintes etapas:

a) de 6 a 7 de dezembro de 2010, levantamento de documentação


etnológica e histórica nos arquivos da OPAN - Operação Amazônia Nativa e do
CBFJ - Centro Burnier de Fé e Justiça, ambos com sede em Cuiabá, MT, que
abrigam parte do acervo de relatórios e informes produzidos pela Missão
Anchieta e pelos missionários jesuítas responsáveis pela assistência aos índios
Rikbaktsa nas décadas 50 a 90 do século passado;

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b) de 8 a 13 do mesmo mês, a partir da cidade de Juína, na região


noroeste de MT, viagem de vistoria à Terra Indígena Escondido, no município
de Cotriguaçu, através de incursões pelos arredores da área sub judice e
entrevistas com moradores da aldeia Babaçu ali situada; para estas atividades,
o perito e a assistente técnica estavam acompanhados por Gílson de Araújo,
ex-funcionário da parte autora, Luiz Carlos da Silva Júnior, funcionário da
FUNAI, e Egídio Bahi Rikbaktsa, intérprete;

c) de 14 a 16 do mesmo mês, de retorno a Cuiabá, continuação do


levantamento documental;

d) de 10 a 18 de janeiro de 2011, seleção e fichamento da documentação


relativa aos Rikbaktsa e à Terra Indígena Escondido, inclusive os documentos
administrativos arquivados no Serviço de Arquivo e na Documentação da
Diretoria de Proteção Territorial da FUNAI, em Brasília, DF, e nos arquivos do
Serviço de Proteção aos Índios, abrigados no Museu do Índio, no Rio de
Janeiro, RJ;

e) de 19 de janeiro a 6 de fevereiro, redação do laudo e elaboração de


mapas e anexos.

Figura 1: Situação da área sub judice

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Para a realização dos trabalhos de campo, agradeço o apoio ali prestado


por diversas pessoas, dentre as quais Paulo Henrique Skiripi, presidente da
ASIRIK, Egídio Bahi Rikbaktsa, que me serviu de guia e intérprete, Dokta
Rikbaktsa, cacique da aldeia Babaçu, Antônio Carlos Ferreira de Aquino,
coordenador Regional da FUNAI em Juína, Luiz Carlos da Silva Júnior,
funcionário da FUNAI que acompanhou os trabalhos periciais, e Gílson de
Araújo, ex-funcionário da firma Walmor José Bianchi, cujas informações sobre
as atividades de extração de madeira na área sub judice se mostraram
imprescindíveis. Da mesma maneira, João Manoel de Souza Perez, engenheiro
agrônomo que dá apoio técnico ao Projeto Integrado da Castanha.

A par da vistoria in loco, concorreu para a execução deste laudo um


conjunto de fontes históricas e etnográficas, donde foram extraídas
informações valiosas sobre os Rikbaktsa - compulsadas nos acervos
documentais da Operação Amazônia Nativa (OPAN) e do Centro Burnier de Fé
e Justiça (CBFJ), ambos em Cuiabá, MT; no Serviço de Arquivo e na
Documentação da Diretoria de Proteção Territorial da FUNAI, em Brasília, DF;
e no Museu do Índio, no Rio de Janeiro, RJ, onde estão os arquivos do Serviço
de Proteção aos Índios. Em parte, utilizo aqui os documentos (cfe. Bibliografia
Consultada) recolhidos por ocasião dos trabalhos periciais efetivados entre
julho e outubro de 2010, no âmbito do Processo 2002.36.00.003429-4,
impetrado por Waldir Antônio da Silva e Dari Marcos Berguerand contra União
Federal e FUNAI, nesta mesma vara judicial (Dal Poz, 2010). Sirvo-me
também, tanto quanto possível, de depoimentos de velhos Rikbatsa, antigos
moradores da região da margem esquerda do baixo Juruena, que hoje residem
em aldeias das áreas Erikpatsa e Japuíra, e da entrevista com o padre jesuíta
Balduíno Loebens, em Fontanillas, obtidos para a mesma finalidade.

O laudo está composto por quatro tópicos: no primeiro, um esboço


etnográfico dos Rikbaktsa, com a descrição sucinta do seu modo de vida e o
uso que fazem dos recursos naturais existentes em seu território; no segundo,
as formas e a dinâmica da ocupação indígena na bacia do Juruena; no
terceiro, o processo administrativo de identificação e demarcação da Terra
Indígena Escondido, na qual está inserido o lote ora em litígio; no quarto,
então, são examinados os quesitos direcionados à perícia, à luz dos estudos e

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dados históricos disponíveis sobre o povo Rikbaktsa, convenientemente


sumarizados nos tópicos anteriores. Em anexo, por fim, os documentos
administrativos relativos à Terra Indígena Escondido, as fotografias tomadas
durante a vistoria in loco, as cartas-imagens das TIs Erikpatsa, Japuíra e
Escondido e um mapa ilustrativo da ocupação indígena daquela da região.

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I. UM ESBOÇO ETNOGRÁFICO

Os Rikbaktsa foram apelidados pelos seringueiros, desde logo, de


“Canoeiros”, ou “Canoeiros do Juruena”, por sua habilidade no manejo de
canoas de casca de jatobá (Dornstauder, 1975, p. 15; Moura, 1975, p. 7;
Tolksdorf, 1996, p. 8), e de “Orelhas-de-Pau”, devido aos discos auriculares que
os homens portavam (Dornstauder, 1975, p. 30; Hugo, 1959, p. 263; Athila,
2006, p. 67). A denominação “Rikbaktsa”, igualmente anotada como
“Erigpactsa” (Christinat, 1963), “Erigpagtsá” (Schultz, 1964a) e “Rikbakca”
(Hahn, 1976), designa-os propriamente como “seres humanos” (rik, pessoa
humana; bak, partícula de reforço, “verdadeiros”; tsa, forma plural), quando o
termo aparece flexionado no masculino plural (Arruda, 1992a, p. 218).
“Rikbakta” corresponde ao masculino singular, “rikbaktatsa” ao feminino
singular e “rikbakza” ou “rikbakykyry” ao feminino plural (Athila, 2006, p. 67-
68).

Os bandeirantes, exploradores, missionários, naturalistas e outros


viajantes que atravessaram aquela região do alto e médio rio Juruena e seus
afluentes, nos séculos XVIII e XIX, contudo, foram pouco precisos acerca da
configuração das populações indígenas que ali habitavam. A notícia mais
remota trouxe o aventureiro Antônio Pires de Campos que, no ano de 1727,
atravessou a chapada dos Parecis (Campos, 1862). Chegando ao rio Juruena,
fronteira oeste do que chamou “Reino dos Parecis”, ali encontrou a “nação” dos
“Cavihis” que, por sua localização e os traços etnográficos descritos por Pires
de Campos, seriam talvez os ancestrais dos Rikbaktsa, ou então de algum dos
povos Tupi-Mondé hoje situados mais a oeste.

No período do Brasil Colônia, deram-se várias tentativas fracassadas de


estabelecer a comunicação fluvial entre Mato Grosso e Pará através dos rios
Arinos, Juruena e Tapajós. Apenas em 1812 o itinerário passou a ser
navegado em ambos os sentidos, mas o tráfego comercial não perdurou
(Rondon, 1916, p. 235). Em 1828 a expedição científica do barão Langsdorff,
médico alemão e cônsul-geral da Rússia, documentou a existência de aldeias
dos Apiakas na margem direita do Juruena, desde a foz do Arinos até as

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proximidades do salto Augusto (Florence, 1977, p. 227-250; Langsdorff, 1997,


p. 257-276).

Figura 2: Localização dos povos indígenas

De fato, assinalou o antropólogo Rinaldo Arruda, os eventuais viajantes


“mantinham-se sempre nas proximidades dos rios principais” e apenas
dispunham de informações de “segunda mão” sobre os moradores das zonas
mais distantes, obtidas de grupos indígenas já “pacificados”, a exemplo dos
Apiakas (Arruda, 1992a, p. 144-145, 148). Os Rikbaktsa habitavam locais
“afastados dos cursos dos rios principais, no interior da mata”, e assim
passaram despercebidos ou foram confundidos com outros povos indígenas.

Mesmo os experientes expedicionários da Comissão Rondon, que em


1915 se chocaram com uma numerosa aldeia dos Rikbaktsa no curso inferior
do rio do Sangue, abaixo da foz do rio Cravari, não foram capazes de distingui-
los dos demais povos com os quais já estavam em contato. O tenente Vicente
de Paula Vasconcellos, chefe da turma de levantamento topográfico do rio do
Sangue, acreditou serem Nambikwaras; todavia, o coronel Cândido Rondon, ao
tomar ciência do relatório dos trabalhos topográficos então realizados, rejeitou
tal suposição, “por não (se) ter ouvido, daqueles índios, nenhuma palavra do

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vocabulário nambiquara, como também, e principalmente, pela constatação de


possuírem os indígenas em questão práticas e usos que absolutamente se não
coadunam com os dos nossos conhecidos habitantes da zona compreendida
entre o Juruena, o Comemoração de Floriano e as cabeceiras do Roosevelt”
(Rondon, 1916, p. 233-234). As diferenças mais evidentes estariam nas
flechas, com penas diretrizes dispostas em hélice, no uso de redes de dormir e
na prática de navegação. Os Nambikwaras dormiam no chão e usavam bóias
para atravessar os cursos d’água, enquanto os moradores do rio do Sangue
dormiam em redes e construíam ubás (canoas). Para Rondon, embora não
fosse possível determinar “a tribo de que eles se teriam destacado, nem a época
em que isso se deu”, eles pertenceriam ao grupo dos Tupis, que considerava
“possuidores de uma civilização mais adiantada...” (idem, ibidem).

Tratava-se, na verdade, de uma fração dos Rikbaktsa, de língua Macro-


Jê: mais de quarenta anos depois ali ainda restavam as capoeiras dessa antiga
aldeia, na margem direita do rio do Sangue, logo abaixo do córrego Antônio
Correa, justamente nas imediações onde o padre jesuíta João Dornstauder, em
1958, encontrou a aldeia do “capitão Tabobocta” (Dornstaurder, 1975, p. 139,
157), conforme o mapa abaixo. Embora rechaçados em suas tentativas de
aproximação, os expedicionários observaram alguns de seus traços mais
salientes, que o tenente Vasconcellos anotou no relatório apresentado ao
coronel Rondon:

“Os sinais de índios [...] foram se tornando mais frequentes e menos antigos,
notando-se em todos eles o emprego das nossas ferramentas. No dia 19,
bivacamos na margem direita, em um grande e não muito antigo acampamento
deles e onde naturalmente passaram algum tempo ocupados em caçadas e
pescarias [...]
Não estávamos de fato longe dos silvícolas [...]
Havíamos feito 12 kilômetros de levantamento, quando a canoa da mira foi
advertida por gritos e risadas dos índios, que mais abaixo se estavam
divertindo no banho [...]
Assim que ouviram o primeiro grito, naturalmente avistaram as nossas canoas,
e fizeram absoluto silêncio. Não fosse a fumaça que saía da maloca e que se
elevava por cima da mata, e ainda mais a cobertura de palha do rancho, que
somente de longe se avistava por entre a copa do arvoredo, ninguém que por lá
passasse naquele momento suporia que talvez debaixo de cada árvore vibrasse
um coração humano [...]
Havíamos descido, pouco mais ou menos, cento e cinqüenta metros, quando
avistamos a flor d’água, e encostada à margem direita, em pequeno porto, uma
ubá que se achava alagada. Para lá nos dirigimos, a fim de examinar com mais
atenção esta primitiva embarcação usada pelos índios, e que consiste em

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grande casca de árvore, tendo as extremidades dobradas, a guisa de popa e de


proa; alguns roletes de pau atravessado no sentido da largura, a fim de
impedir a casca de dobrar-se, e nada mais” (apud Rondon, 1916, p. 227-228).

Figura 3: Aldeias no rio do Sangue, 1958


(Dornstauder, 1975, p. 152)

A cada tentativa dos expedicionários, os Rikbaktsa respondiam com


flechadas:

“Ainda desta vez não fomos bem recebidos; ao nos avizinharmos do porto,
partiram outras duas flechas, disparadas sobre nós. Felizmente, como as
primeiras, erraram o alvo [...] Instantes depois deste nosso segundo malogro,
os índios deixaram-se finalmente ver em vários pontos da margem, ricamente
enfeitados, com as suas vestimentas de penas multicores, entre as quais

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predominavam as de araras, armados de arcos, maços de flechas e dando


gritos [...], arremedando-nos perfeitamente [...]
Enquanto isto, ouvia-se na maloca um canto fanhoso de muitas vozes, com
batidos cadenciados de pés e acompanhamento de sons de algum instrumento
rudimentar. De todo este aparato, e tendo em vista os acontecimentos
anteriores, concluímos que aquilo era um canto de guerra [...]” (idem, p. 229).

Na madrugada do dia seguinte, deu-se então um ataque ardiloso contra


o acampamento dos expedicionários, na margem esquerda do rio:

“Durante a noite transportaram-se eles para o nosso lado, servindo-se para


isso da ubá, e cercaram-nos completamente, ficando a espera de que rompesse
o dia, para nos dar o assalto [...] Como de costume, às 5 horas pusemo-nos em
movimento [...] mandamos servir o café. Nesse momento, eis que nos cai de
todos os lados uma verdadeira saraivada de flechas, acompanhadas do ruído
forte das vozes e do tropel dos índios aproximando-se e apertando-nos
rapidamente com os seus tiros certeiros [...]. Ato contínuo saí do toldo, tendo
antes apanhado uma arma de caça, que possuíamos, ordenando-lhes que não
corressem e que atirassem para o ar. Eu mesmo dei o primeiro tiro, e foi o que
nos valeu [...] Com o disparo, os índios amedrontaram-se e correram, a calma
entre nós restabeleceu-se, mais ou menos” (idem, p. 231-232).

Do confronto saíram feridos dois membros da expedição; e o tenente


Vasconcellos, sem perda de tempo, ordenou a retirada, prosseguindo então a
expedição rio abaixo.

A partir dos anos 1940 as notícias sobre os Rikbaktsa ganharam uma


intensidade inusitada, quando um novo ciclo de exploração dos seringais
nativos alcançou a bacia do Juruena, parte do esforço brasileiro na Segunda
Guerra Mundial para atender a demanda de borracha dos países aliados. Em
razão das hostilidades que logo indispuseram índios e seringueiros, nos rios
Arinos, Sangue e Juruena, e recrudesceram ano a ano, os missionários
jesuítas da Prelazia de Diamantino encarregaram-se da campanha de
“pacificação” da região, que se estendeu de 1956 a 1962, protagonizada pelo
padre João Evangelista Dornstauder:

“Os seringueiros contam que são frequentemente atacados por índios


desconhecidos, de pequeno porte e com um enorme disco de madeira no lóbulo
das orelhas” (Christinat, 1963, p. 3).

“Até então, os Rikbaktsa eram, na fala dos seringueiros, como que fantasmas
hediondos e cruéis, que infestavam traiçoeiramente as colocações dos
seringueiros, roubando seus pertences e, vez por outra, matando seus
ocupantes, cujos troncos eram encontrados sem membros e sem cabeça, o que
fazia supor que, além de tudo, eram antropófagos. Por sua vez, [...] os
seringueiros atiravam para matar assim que avistavam índios, ou mesmo se só

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escutassem ruídos suspeitos. Expedições armadas foram feitas, aldeias


queimadas e destruídas e seus habitantes eram mortos, se encontrados no
local” (Arruda, 1992a, p. 161).

Austríaco, nascido em 1904, Dornstauder veio ao Brasil e entrou para a


Companhia de Jesus em 1925; lecionou por algum tempo em Nova Friburgo,
RJ, e em 1946 tornou-se missionário na Prelazia de Diamantino, no norte de
Mato Grosso. Inicialmente ali atendeu os Nambikwaras, Paresis e Iranxes, e
realizou a atração dos Kayabis do rio dos Peixes em 1955. No seu livro Como
pacifiquei os Rikbáktsa, publicado em 1975, o jesuíta reuniu as principais
ocorrências da “guerra rikbaktsa” contra os seringueiros no Arinos, Sangue e
Juruena, bem como a estratégia da “ação pacificadora” e as expedições a
aldeias e acampamentos rikbaktsa que realizou entre 1956 e 1962. Os diários
de campo, os relatórios e as notas esparsas, que embasaram a publicação,
acham-se agora arquivados no Centro Burnier de Fé e Justiça, entidade com
sede em Cuiabá, MT.

Grosso modo, as operações da campanha pacificadora buscaram


alcançar cinco zonas mais ou menos delimitadas, cada uma delas abrangendo
um conjunto de aldeias e acampamentos onde habitavam os Rikbaktsa
Abaixo, alguns dos líderes de grupos locais citados por Dornstauder(1964;
1975) e Tolksdorf (s/d; 1996):

Na margem direita do rio Juruena:


1) no baixo Arinos, as “turmas” (grupos locais) de Ixo, Aico’e e Amoa;
2) no rio do Sangue, as “turmas” de Tabobocta, Muipa e Eritkabui;
3) no alto Juruena, acima da foz do rio do Sangue, as “turmas” de Muitsoc,
Maitendi, Meipo e Tapema;
Na margem esquerda do Juruena:
4) desde a foz do rio do Sangue, passando pela cachoeira do Desastre, até as
imediações do córrego Água Branca, as “turmas” de Icoteti, Mayomuitsa,
Iocondi, Voco, Icoma, Matereocutipa, Intsima, Tsegta e Uatzu;
5) entre o córrego Cristóvão e o salto Augusto (nesta zona estão a Terra
Indígena Escondido e, no seu interior, a área sub judice), as “turmas” de
Waigma, Vutamo, Moikxau, Pacai, Iamari, Ericata, Totsima, Aone e Mapadati.

Como veio a constatar o missionário jesuíta, todos estes índios do


Juruena, do Sangue e do Arinos pertenciam a um mesmo grupo étnico-
cultural:

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“Do mundo de informações do momento, incorporados aos estudos já feitos,


saltei para uma conclusão importante: tinha a intuição mesmo de que uma só
nação indígena atacava no Juruena, se mostrava no Sangue, repontava no
Arinos. No entanto, não parecia que as guerrilhas obedecessem a um plano
único. Essa hipótese de trabalho sempre foi confirmada. Os fatos
demonstraram que eu achara bem cedo a chave para a pacificação, facilitando-
me a compreensão da tribo e de seu território” (Dornstauder, 1975, p. 33).

“Uma hipótese triunfante facilitou o andamento da pacificação: era que os


índios conflagrados pertenciam a um mesmo grupo, se bem, que distinguidos
por facções em pontos distantes no vale do Juruena. Essa hipótese,
confirmada sempre, facilitou a unidade do trabalho pacificador e por fim
proporcionou o nascimento de um ideal pacificador entre os próprios
Rikbáktsa pacificados” (Moura, 1975, p. 8).

Num primeiro momento, os recursos financeiros e o apoio logístico para


a ação pacificadora de Dornstauder vieram de seringalistas, como Benedito
Bruno Ferreira Lemes (prefeito de Diamantino em dois mandatos), do Banco
de Crédito da Amazônia (“Banco da Borracha”) e da CONOMALI (Cia.
Colonizadora Noroeste Mato-grossense), dirigida por Wilhelm Mayer (Arruda,
1992a; Pacini, 1999). Misto de firma seringalista e colonizadora da região do
Arinos (a “Gleba Arinos”), a CONOMALI trouxe famílias de agricultores do Sul
que, em 1957, deram origem ao povoado de Porto dos Gaúchos. Aos poucos,
todavia, a Missão de Diamantino (depois “Missão Anchieta”) tomaria a si a
maior parte dos gastos da pacificação e da assistência aos Rikbaktsa
(Dornstauder, 1962). O apoio de autoridades e órgãos públicos, em particular
o Serviço de Proteção aos Índios, efetivou-se somente bem mais tarde - em
abril de 1963, o jesuíta João Dornstauder foi designado para a função de
“delegado do SPI”, com “competência da autoridade” para as regiões dos rios
Arinos, Sangue e Juruena, através de ato assinado pelo chefe da IR6, José
Baptista Ferreira Filho, (SPI, 1963).

De 1963 em diante, paulatinamente, a assistência missionária aos


Rikbaktsa passou ao comando do padre Edgar Jacob Schmidt, e o padre
Dornstauder assumiu outras funções1. De acordo com Hahn (1981, p. 94),
Schmidt dedicar-se-ia firmemente ao projeto de ampliar e consolidar a
estrutura existente no posto Barranco Vermelho (também, “Eremetsauquê” ou

1 Até 1989, o padre João Dornstauder atendeu aos Kayabis do posto Tatuí, no rio dos Peixes. Faleceu em 1994, em
Belo Horizonte, MG.

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Laudo antropológico – Processo 2006.36.00.003067-5
2ª Vara da Justiça Federal - Mato Grosso

“posto Santo Inácio”), localizado na margem direita do rio Juruena, na atual


Terra Indígena Erikpatsa, com o objetivo de ali congregar também as famílias
rikbaktsa que residiam no baixo Juruena, para facilitar os cuidados à saúde e
a aculturação religiosa. Nascido em 1914, o padre Edgar chegou a Diamantino
em 1953, no cargo de superior religioso dos jesuítas da Prelazia de
Diamantino. Nos arquivos do Centro Burnier, encontram-se os relatórios que
redigiu sobre os serviços e os planos da Missão Anchieta para a “aculturação”
dos índios, alguns direcionados à FUNAI - neste caso, sob a condição de
“delegado dos Rikbaktsa”, autorizado pela presidência do órgão em agosto de
1968 (Schmidt & Oliveira, 1971; Pacini, 2001, p. 24, nota 53). O padre Edgar
faleceu em 1972, num acidente de automóvel (Pacini, 1999, p. 157).

A partir de 1973 o padre Balduino Loebens assumiria a assistência aos


Rikbaktsa no posto Barranco Vermelho, cabendo-lhe então prosseguir a
transferência dos remanescentes do baixo Juruena, moradores do posto
Escondido e de aldeias próximas, para a “Reserva da FUNAI” (a Terra Indígena
Erikpatsa, decretada oficialmente em 8 de outubro de 1968). Desde 1990, o
padre Loebens reside na vila de Fontanillas, à margem esquerda do rio
Juruena, donde continua a prestar serviços assistenciais aos Rikbaktsa. Por
ocasião de trabalhos periciais anteriores, ele me concedeu uma entrevista em
sua residência, em Fontanillas, e permitiu gentilmente que fotocopiasse
relatórios e diários de suas expedições à região do Escondido (em particular,
Loebens, 1974; 1978-1984).

Fritz Tolksdorf, alemão, nascido em 1912, chegou ao Brasil em 1936.


Em 1956, nos primórdios da colonização da Gleba Arinos, no norte de Mato
Grosso, ele conheceu os Kayabis do rio dos Peixes e o padre Dornstauder. Por
dois anos, de 1959 a 1961, então, colaborou ativamente com o missionário
jesuíta, participando das expedições e como encarregado do posto Santa Rosa,
no rio Arinos. Entre setembro de 1961 e novembro de 1962, assumiu a chefia
do posto Escondido2 da Missão Luterana, fundado pelo pastor Friedrich
Richter no baixo Juruena. Anos depois, realizou visitas esporádicas aos

2 A denominação “Escondido” refere-se ao córrego que deságua no Juruena, cuja foz não se avista ao longe por
quem desce o rio (Pacini, 1999, p. 115, nota 101).

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Laudo antropológico – Processo 2006.36.00.003067-5
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Rikbaktsa do Escondido. E, por muitos anos, prestou serviços à FUNAI junto


aos Nambikwaras e aos Cintas-Largas. Tolksdorf faleceu em 1992, em Cuiabá,
MT. Seus diários de campo, respectivamente, Diários de viagem (s/d) e Entre
seringueiros, índios... (19963), escritos em alemão e traduzidos postumamente,
recobrem suas atividades indigenistas de 1954 a 1970, interessando-nos
sobremaneira os fatos relacionados aos Rikbaktsa do Escondido.

Um primeiro esboço etnográfico dos Rikbaktsa deve-se a Jean-Louis


Christinat (1963), etnólogo suíço que na estação chuvosa de 1962 esteve no
posto dos luteranos na foz do córrego Escondido, por recomendação do
Conselho Nacional de Proteção aos Índios. Suas anotações, resultado de uma
curta estadia de dois meses, versam sobre vários itens, tais como: tipo
humano, habitação, transporte, agricultura, caça e pesca; alimentação e
higiene; adornos, artefatos, armas e instrumentos musicais; organização social
e política; rituais, crenças e antropofagia.

Harald Schultz, etnólogo do Museu Paulista que, na estação seca do


mesmo ano (de junho a outubro), percorreu três aldeias (as “malocas” dos
líderes Mapadati, Barari e Ipatoto) na mesma região do Escondido, criticou a
Christinat as informações superficiais ou inexatas, porque colhidas no posto
da missão evangélica alemã, entre “grupos esporádicos de índios”
precariamente hospedados (Schultz, 1964b, p. 416), “índios vindos de diversas
malocas situadas em regiões diferentes” (idem, p. 420). Schultz (1964a) traçou
um quadro bem mais consistente da vida aldeã, enfocando a distribuição
geográfica dos grupos rikbaktsa e sua mobilidade pelo território tribal - além
da guerra, os deslocamentos tinham por motivo a visita a parentes, festas e
atividades de caça e coleta, através das trilhas que interligavam as aldeias
umas às outras.

De maior fôlego, a pesquisa de campo do antropólogo norte-americano


Robert Alfred Hahn estendeu-se de 1970 e 1973, quando visitou os
agrupamentos do Escondido por dois meses. Sua tese de doutorado, para a
Harvard University, analisou o sistema terminológico de parentesco rikbaktsa

3 A tradução dos Diários de Tolksdorf, que consultei nos arquivos da OPAN, tem a data de 1996, enquanto Pacini
(1999, p. 236) indica uma versão de 1997.

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Laudo antropológico – Processo 2006.36.00.003067-5
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(Hahn, 1976), e um de seus artigos discutiu as mudanças sociais provocadas


pela ação missionária (Hahn, 1981). A parte introdutória da tese traz uma
reconstituição histórica do processo de pacificação e um amplo panorama da
vida social rikbaktsa: os arranjos espaciais, os ciclos sazonais, as formas de
organização social, as regras de casamento e de residência e a distribuição
demográfica à época (Hahn, 1976, p. 24-103).

Por sua vez, Rinaldo Arruda, da Pontifícia Universidade Católica de São


Paulo, produziu uma série de relatórios de avaliação dos impactos da
implantação do Programa Polonoroeste sobre a população indígena, entre 1983
e 1988. O antropólogo também coordenou os Grupos de Trabalho da FUNAI
que subsidiaram a proposta de identificação e delimitação das terras indígenas
Japuíra (Arruda, 1985) e Escondido (Arruda, 1993). Sua tese de doutorado
examinou a expansão da sociedade nacional na região do Juruena, sua
influência no processo de “pacificação” e a resistência dos Rikbaktsa,
ensaiando uma reflexão sobre a dinâmica interna da sociedade rikbaktsa,
onde sobressai sua visão de mundo, a organização social e a reelaboração de
sua identidade (Arruda, 1992a).

Jesuíta e antropólogo, Aloir Pacini retomou em sua dissertação de


mestrado a “pacificação” dos Rikbaktsa, levada a cabo pela Missão Anchieta,
sopesando cuidadosamente os principais episódios que ali se desenrolaram,
seus personagens e suas motivações. Lançando mão de informações inéditas,
coligidas na extensa documentação produzida pelos jesuítas, sobretudo
Dornstauder e Schmidt (hoje arquivada no Centro Burnier, em Cuiabá, MT), e
nos diários de Tolksdorf, Pacini (1999) desvela o processo de re-
territorialização e confinamento dos Rikbaktsa, ”trazidos dos diversos postos e
malocas e aglutinados em torno do posto de assistência indígena Barranco
Vermelho”: a organização e as atividades dos postos de assistência indígena
(Santa Rosa, Regis, Barranco Vermelho e Escondido); o recrutamento de
crianças indígenas para o Internato de Utiariti; as medidas para atendimento à
saúde, face às epidemias que então dizimaram quase a metade da população
rikbaktsa. Na condição de perito judicial, Pacini também elaborou um extenso
laudo antropológico relativo à ocupação indígena na Terra Indígena Escondido,
requerido na ação que a Cotriguaçu Colonizadora do Aripuanã S/A move

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Laudo antropológico – Processo 2006.36.00.003067-5
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contra a União Federal e outros (Processo 1998.36.00.006843, Segunda Vara


da Justiça Federal, Seção Judiciária de Mato Grosso), que foi juntado aos
presentes autos às fls. 526-750 (Pacini, 2001).

Trabalho de envergadura analítica, a recente tese de doutorado de


Adriana Romano Athila (2006), defendida na Universidade Federal do Rio de
Janeiro, trata da corporalidade e da sócio-cosmologia rikbaktsa, buscando
assim evidenciar, segundo a autora, uma teoria complexa de socialidade, “que
concerne à interação, geração, produção e destruição de corpos e pessoas em um
mundo povoado por sujeitos que abrangem o que se costuma compartimentalizar
em diferentes reinos, espaços e posições” (Athila, 2006).

Quanto à filiação lingüística dos Rikbaktsa, embora muitas vezes


assinalada às línguas Macro-Jê, restam dúvidas ainda a esclarecer. Dados
colhidos entre 1967 e 1972 por Joan Boswood, do SIL – Summer Institute of
Linguistics, identificaram características atribuídas tanto a línguas Jê quanto
a Tupi (Boswood 1971). De acordo com Athila (2006, p. 21-22):

“Algumas evidências que a aproximariam dos Tupi eram a posição geográfica


desta tribo, em meio a vários grupos de língua Tupi, assim como alguns
aspectos culturais, entre outros, a presença de canibalismo e, evidentemente,
semelhanças lingüísticas. Ao lado destas razões, contudo, apresenta-nos uma
série de outras que situariam a língua como aparentada das línguas Jê. A
autora produz o similar lingüístico do que seria a própria ambigüidade
etnográfica, se consideramos como pré-determinados e excludentes os modelos
antropológicos que mais tarde viriam gradativamente a consolidar-se para a
análise dos Jê (Da Matta 1976; Carneiro da Cunha 1978; Melatti 1970) e dos
Tupi (Viveiros de Castro 1986) [...] Em termos fonológicos, Boswood atesta uma
série de equivalências entre o Rikbaktsa tanto em relação às línguas Tupi,
quanto às Jê. Se a morfologia Rikbaktsa assemelhava-se mais às línguas Tupi
do que às Jê, a lista de vocabulários demonstrava haver claramente uma
ascendência Proto-Jê, o que afirma um ano mais tarde em outro trabalho
(Boswood 1972).”

Passemos agora aos aspectos etnográficos que possam contribuir para


um panorama mais geral da organização social rikbaktsa, para em seguida
destacar a dinâmica demográfica, a distribuição geográfica e as principais
atividades indispensáveis à sua subsistência e à sua reprodução sócio-
cultural.

Antes da “pacificação”, a maioria de suas aldeias e acampamentos


situava-se nas cabeceiras e nos cursos médios dos córregos que servem o rio

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Juruena e seus afluentes Arinos, Sangue e Papagaio - nas palavras de Arruda


(1992a, p. 246) “localizavam-se no interior da mata, em pequenas elevações e na
proximidade de alguma fonte de água”. A configuração atual das aldeias,
muitas delas às margens dos rios maiores, resultou propriamente da
estratégia de “pacificação” colocada em prática por jesuítas e luteranos, que os
conduziram ou induziram seu deslocamento para os postos de assistência
Santa Rosa, Regis, Barranco Vermelho, Japuíra e Escondido, às margens dos
rios maiores, onde se aglutinaram os sobreviventes das inúmeras epidemias
que dizimaram mais da metade de sua população. Antes, as ubás de casca de
jatobá (depois substituídas por canoas lavradas em madeira, com a aquisição
de machados de aço e enxós) serviam notadamente para a travessia entre as
margens dos grandes rios que dividem seu habitat tradicional (Pacini, 2001, p.
129),4 para deslocamentos a longa distância e, em alguma medida, para as
atividades pesqueiras.5 Explicou assim o sertanista Tolksdorf:

“Não são índios de rio, como o nome ‘Canoeiro’ pode sugerir. Contudo,
constroem barcos apenas aqueles grupos que habitam o território sul, entre o
Arinos e o Rio do Sangue. Barcos de cortiça, feitos da casca do jatobá e do
cajueiro [...] Suas aldeias estão situadas no interior e distam do rio uns dois ou
três dias de viagem, talvez por causa dos mosquitos ou de outros bichos [...] Os
índios também só vêm ao rio, no tempo seco, para pescar com arco e flecha”
(Tolksdorf, s/d, p. 9-10).

O antropólogo Schultz (1964c, p. 738), que lá esteve em 1962, também


anotou que algumas de suas aldeias não possuíam canoas à época, e apenas
dispunham de trilhas como via de transporte, em ambas as margens do
Juruena. Alguns velhos Rikbaktsa que entrevistei, por ocasião de trabalhos
periciais em julho de 2010, asseguraram que essas picadas ligavam todas as
aldeias, sobretudo as da margem esquerda, e subsistiram ao menos até a
década de 1970. Ainda hoje, é verdade, uma intricada teia de caminhos que
cortam e recortam parcelas daquele espaço geográfico tradicional,

4 Numa de suas primeiras expedições, subindo o rio Juruena, o padre Dornstauder (1975, p. 55) registrou em seu
diário, em novembro de 1956: “Às 11 hs. cortamos um largo poço e um travessão com manchas de pedra e damos
com uma canoa nova de Rikbaktsa, amarrada na margem com cipó. Não era de casca, mas de madeira talhada a
machado. Parece lugar de travessia dos Rikbaktsa. Grande descoberta saber que os Rikbaktsa aqui atravessam
para a margem esquerda do Juruena [...] Deixo um brinde na canoa rikbaktsa.”
5 A pesca nos rios maiores ganhou importância, entre os Rikbaktsa, após a introdução dos apetrechos

industrializados, o anzol e as linhas de nylon.

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Laudo antropológico – Processo 2006.36.00.003067-5
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singularizam-no assim enquanto habitat indígena genuíno. Como observou o


antropólogo Rinaldo Arruda, cujos trabalhos de campo aconteceram em
meados dos anos 1980:

“Movimentam-se pelas trilhas que recortam seu território em todas as direções,


umas mais ‘batidas’ (de uso mais freqüente) que outras. Algumas ligam as
aldeias entre si, outras são trilhas de caça cujo traçado obedece à localização
de fruteiras, barreiros (locais onde os animais vão lamber o barro para ingerir
sais minerais necessários a seu metabolismo), trilhas de anta, de veados ou
outros animais, cabeceiras de córregos (onde na seca as antas se refugiam das
mutucas, que só aparecem em quantidade nessa estação) e inúmeros outros
recursos exploráveis pelos Rikbaktsa.
Há as trilhas que levam às roças, as que levam a bons pontos de pescaria
(fruteiras na margem dos cursos d’água), e as trilhas para tirar borracha (indo
de uma seringueira a outra). Elas se entrelaçam muitas vezes e seu uso é
sempre múltiplo, isto é, levam de um lugar a outro, mas todo seu trajeto
guarda importância localizada, seja para a caça, pesca, coleta; como pontos de
referência geográficos para a memorização de acontecimentos marcantes,
históricos ou míticos, quase sempre lembrados na passagem; ou como
referência para indicar aos outros a localização de acontecimentos recentes”
(Arruda, 1992a, p. 221).

Ainda que se admita, com Marshall Sahlins (1972, p. 32), que a


Antropologia precisaria reavaliar suas concepções acerca da realidade e das
limitações da “economia dos povos caçadores e coletores”,6 mesmo assim não
seria plausível caracterizar os Rikbaktsa exclusivamente por suas atividades
de caça e coleta, posto que parte substantiva de sua alimentação advém de
cultivos diversificados que, ontem como hoje, circundam todos os seus
aldeamentos (o que se pode comprovar pelas fotografias em anexo, de Harald
Schultz na região do Escondido em 1962, publicadas na National Geographic
Magazine; Schultz, 1964b). Numa de suas primeiras expedições, em novembro
de 1956, nas cabeceiras do córrego Grande (hoje, “Barreirão”), afluente da
margem direita do Juruena, por exemplo, Dornstauder (1975, p. 57) observou
a “aldeia do Milho”, assim denominada devido ao paiol abarrotado de milho já
colhido e, na roça, mais milho, banana, batata-doce, mandioca e “algumas
mudas de cana”. Em julho de 1957, na mesma região, a “aldeia da Galinha”

6 Para Sahlins, o “esquema cultural” estaria sempre a improvisar uma “dialética em suas relações com a natureza”.
Assim, dirigindo-se à economia dos povos caçadores e coletores, diz o antropólogo norte-americano: “A cultura,
sem escapar aos constrangimentos ecológicos, pode negá-los, de forma que, a um só tempo, o sistema traz a
marca das condições naturais e a originalidade de uma resposta social - em sua pobreza, abundância” (Sahlins,
1972, p. 32-33).

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onde, ao lado das casas incendiadas, Dornstauder (idem, p. 88) encontrou


uma roça com “abundância [de] batatas, carás, bananeiras, mandioca braba. As
ramas de mandioca braba e mansa se entrelaçam no ar. Não falta algodão,
urucum, principal artigo do armarinho indígena”.

De fato, antes como agora, em todas as aldeias Rikbaktsa são


encontrados cultivos anuais e, em muitas delas, também pomares com plantas
perenes. Aliás, em mais uma tentativa de reestabelecer residência na região do
Escondido, eles abriram em 1985 justamente um grande roçado que foz do
córrego Canoeiro. No mesmo sentido, as capoeiras de antigas plantações na
Terra Indígena Escondido, onde ainda remanescem espécimes de bananeiras,
vistoriadas por ocasião dos trabalhos periciais, bastariam para testemunhar os
seus pendores agrícolas.

Não lhes cabe, ademais, o rótulo de “nômades”, porque desvirtuaria o


significado próprio que, no seu estilo de vida, os Rikbaktsa atribuem aos
deslocamentos entre nichos ecológicos desiguais e espaços sociais
diferenciados. O nomadismo, soi-disant, fenômeno pouco freqüente entre os
povos indígenas das terras baixas sul-americanas, pressupõe um grau elevado
de desapego ou de indeterminação a respeito de um espaço geográfico vital
específico. Ora, não é o que sucede com os Rikbaktsa, cujos agrupamentos
surgem, invariavelmente, arraigados a zonas territoriais bem definidas, onde
residiram seus ancestrais e se localizam cemitérios, onde aproveitam recursos
naturais conhecidos, fruteiras e outros plantios mais duradouros e
excursionam seguidamente, para caçar, pescar e coletar, e onde reassentam
suas habitações a intervalos pouco dilatados. É o caso, por exemplo, da atual
aldeia Babaçu, situada numa zona juncada de antigas capoeiras, onde os
parentes do cacique Dokta habitavam nos anos 1960 - e alguns de seus
antepassados foram enterrados (Pacini, 2001, p. 40). Ademais, como afirmou o
perito antropológico Aloir Pacini, no seu laudo ajuntado aos autos, a toponímia
corrente entre os Rikbaktsa serve de “referencial inequívoco do conhecimento e
sentimento de posse dos locais percorridos por eles, e de sua relação específica
com a natureza: nomes de rios e córregos, observação de animais e plantas da
região com [...] seus nomes tradicionais indicam que são ocupantes históricos do
local” (idem, p. 8).

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Laudo antropológico – Processo 2006.36.00.003067-5
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Ao mesmo tempo em que favorece a interligação entre os diversos


agrupamentos disseminados em todo seu habitat tradicional, em prol da
coesão e a identidade das várias “turmas” Rikbaktsa (cfe. Dornstauder, 1975,
p. 33), a mobilidade de indivíduos e famílias encontra motivos expressivos na
própria ordem social que ali vigora - casamentos, óbitos, visitas, festas,
expedições de caça, pesca e coleta.

Como as demais sociedades de língua Jê, os Rikbaktsa dividem-se em


duas seções opostas e complementares, segundo um princípio dualista que
lhes serve para a vida cerimonial e social, e como uma chave de classificação
para todos os seres do universo. De acordo com Mendes dos Santos (2000, p.
6-8), uma das metades rikbaktsa está referida à arara amarela ou canindé,
“Makwaraktsa” (Ara ararauna), enquanto a outra à espécie vermelha conhecida
como arara cabeçuda, “Hazobiktsa” (Ara chloroptera). Cada metade se compõe
de seis clãs, de filiação patrilinear, identificados a espécies vegetais e animais.

Dentre as funções da organização dualista rikbaktsa, destaca-se a


regulamentação das alianças matrimoniais, que impede casamentos dentro de
uma mesma metade - a infração à regra exogâmica constitui motivo de muita
vergonha para os cônjuges e suas famílias. Com efeito, dos cento e vinte e um
casais recenseados por Mendes dos Santos em 2000, 72% deles era de
cônjuges pertencentes a metades opostas (idem, p. 8).

METADES CLÃS ASSOCIAÇÃO


Makwaraktsa Arara amarela (amarelo "legítimo", "puro")
Tsikbaktsa Arara vermelha
Bitsitsiktsa Ibirici (fruto silvestre)
MAKWARAKTSA Mybaiknytsa Macaco coatá
Dururuktsa Animal feroz parecido com onça
Wohiyktsa "Laranjinha do mato" (fruto silvestre)
Hazobiktsa Arara cabeçuda
Umahãtsa Figueira (planta silvestre)
Tsãrãtsa Macuquinho (pássaro)
HAZOBIKTSA Tsawaratsa Inajá (palmácea)
Boroktsa Maboro (árvore utilizada para construção)
Zeõhõ pyrytsa Jenipapo

Tabela 1: Metades e clãs associados


(Mendes dos Santos, 2000, p. 7)

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Laudo antropológico – Processo 2006.36.00.003067-5
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São os eventos cerimoniais as ocasiões privilegiadas em que se


manifestam tais divisões, quando os indivíduos se pintam com seus traços
distintivos - tanto nos rituais dedicados ao ciclo agrícola (as festas "da
derrubada" no tempo da seca, "da chuva" e "do milho novo"), quanto os
relacionados ao reino animal (os pequenos ritos, limitados quase ao grupo
doméstico, a furação dos lóbulos e do septo nasal, a furação de dentes de
animais, de penas de gavião e de sementes, a nominação etc.) (idem, p. 12-13).
Num e noutro caso, os clãs são diferenciados pelos papéis que ali exercem:
além das pinturas corporais e adornos distintivos, os membros dos clãs
cumprem funções de busca, preparo e oferta de alimentos, que garantem a
realização das cerimônias.7 De um modo geral, os da metade Hazobiktsa
exercem o papel de "festeiros", servem os alimentos e fabricam e afinam as
flautas - que, por sua vez, são experimentadas pelos representantes da metade
Makwaraktsa:

“Sempre insistem em dizer que makwaraktsa, tsikbaktsatsa e hazobiktsa são


os segmentos mais importantes. E esta classificação refere-se essencialmente a
questões cerimoniais. A participação e a organização de festas (e toda a
socialidade que elas envolvem) é algo privilegiado na classificação de clãs e
metades, uma expressão fundamental da lógica que os articula. Ouve-se
bastante, de homens e mulheres makwaraktsa, que os hazobiktsa são mais
importantes, porque nas festas vêm à frente e dão sempre início às tarefas,
como rachar lenha, por exemplo” (Athila, 2006, p. 275-276).

Para as alianças matrimoniais, segundo Hahn (1976, p. 60-61), casam-


se na metade oposta, sem qualquer prescrição ou escolha preferencial, apenas
evitando pessoas “genealogicamente próximas de sua própria mãe”. Por sua vez,
a regra de residência uxorilocal (ou matrilocal), que os Rikbaktsa
compartilham com outros povos Jê, implica no deslocamento do genro, que se
separa de seu grupo doméstico para se pôr a serviço do sogro. Após o
casamento, o marido vai morar com a esposa e os parentes consangüíneos
dela - seja sob o mesmo teto ou uma nova moradia na aldeia do sogro. A
uxorilocalidade, desta maneira, funciona como um mecanismo que leva à
dispersão dos parentes masculinos pelas diferentes aldeias onde contraíram
matrimônio - temos aqui, portanto, um motivo a mais para que se amiúdem as
visitas que as famílias trocam entre si.

7
Para uma etnografia dos rituais, ver Arruda, 1992a, p.315-353.

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Laudo antropológico – Processo 2006.36.00.003067-5
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Num sentido diverso, também os óbitos resultavam, muitas vezes, em


deslocamento e dispersão das parentelas (Tolksdorf, 1996, p. 111; Pacini,
2001, p. 48): no passado, após os ritos funerários, que consistiam na
destruição de todos os pertences do morto e no sepultamento de seu corpo no
chão da casa, eles queimavam-na e buscavam novo local de moradia:

“No alto Juruena pude observar ainda, o seguinte: se morre ali, um índio, na
sua cabana, é enterrado na mesma e a cabana é, então, queimada.
Finalmente, os índios restantes abandonam o lugar e constroem nova cabana,
a alguma distância da que foi queimada” (Tolksdorf, s/d, p. 28-29).

Em seus aspectos gerais, são estas mesmas práticas funerárias com


que, nos dias de hoje, os Rikbaktsa lastimam seus mortos, como descreveu
Arruda (1992a, p. 347-348):

“Quando uma pessoa morre todas as suas coisas pessoais devem ser
queimadas e ela é enterrada em cemitério nas proximidades de sua aldeia.
Certos bens de procedência civilizada como machados, armas de fogo, rádios e
relógios escapam da destruição, sendo apropriados pelos parentes próximos do
morto. Porém, as roupas, colares, adereços e outros objetos de uso pessoal são
destruídos.
Antigamente, diziam que o morto era enterrado no chão da maloca, a qual
também devia ser queimada. Por isso, havia o costume de construir uma
maloca menor para abrigar uma pessoa muito doente, preservando a maloca
de moradia de uma destruição precoce.
Os parentes do morto com os quais ele vivia raspam a cabeça e, depois dos
ritos funerários, mudam de casa e de aldeia, passando uma temporada numa
aldeia mais distante. Só voltam quando os cabelos estiverem crescidos de
novo. Algumas vezes, abandonam definitivamente a aldeia. Há um temor
generalizado de que o morto retorne à aldeia em que vivia, reencarnado num
animal feroz, à procura de vingança contra os parentes vivos”.

Na opinião de Schultz (1964a, p. 235), as antigas aldeias rikbaktsa


comportariam uma moradia (wahoro) e, às vezes, uma casa de solteiros. Para
Hahn (idem, p. 63), os dados não pareciam conclusivos: parte delas
comportaria uma única casa coberta de palha (“maloca”), enquanto outras,
duas ou mais, além de uma casa dos solteiros (chamada makyry, que os
Rikbaktsa traduzem por “rodeio”). Em cada casa, uma família extensa: o dono
da casa, sua esposa, filhos e filhas solteiros, filhas casadas, genros, netos e,
eventualmente, algum outro parente (Arruda, 1992a, p. 2445). Nos postos
missionários, contudo, as residências passariam a comportar apenas famílias
nucleares.

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Laudo antropológico – Processo 2006.36.00.003067-5
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Nos apontamentos concisos de Dornstauder (1975) a respeito dos


aldeamentos que visitou entre 1956 e 1962, de fato, encontramos essas
mesmas variações, de um modelo mínimo com moradia única, que também
incluía um espaço estritamente masculino,8 a aldeias maiores, com duas a
três casas, ou mais, além da casa dos solteiros separada. Em novembro de
1956, na margem direita do Juruena, o missionário avistou um “acampamento
velho de 7 a 8 ranchos” (p. 51). Poucos dias depois, já no córrego Grande (hoje,
“Barreirão”), a “aldeia Velha”: “roças, uma casa grande e um rancho ao lado”, e
algumas sepulturas, “3 ou 4 elevações fracamente abobadadas com folhas e
alguns paus pesados em cima” (p. 52). Nas cabeceiras do mesmo córrego, a
aldeia do Milho, “duas casas grandes desabitadas” e um paiol abarrotado, e,
pouco adiante, a aldeia da Galinha, “outra aldeia desabitada”, com roça de
batata e banana (p. 57). Em julho de 1957, na mesma região do divisor Arinos-
Juruena, uma aldeia com “um grande tapiri no meio do mato, com um
terreirozinho na frente”, e dentro nove redes (p. 89). Em janeiro de 1958, nas
cabeceiras do córrego Sararé (hoje, “Tucunaré”), afluente da margem esquerda
do rio Arinos, uma aldeia com “quatro casas menores do que as comuns e mais
um rancho aberto” (na primeira casa, “três redes esticadas, quatro enroladas”), e
bem perto, “uma grande casa nova com o rancho aberto em frente” e uma “casa
dos homens” (p. 107, 109; v. mapa, p. 149). Em setembro de 1959, a aldeia de
Iocondi, na margem esquerda do rio Juruena, “uma verdadeira aldeia: duas
grandes casas e a casa dos homens, servidas por caminhos largos e limpos,
mata alta, muito babaçu” (p. 175). Pouco mais ao norte, uma aldeia ainda
maior: “três casas grandes e uma casa dos homens” abandonadas, “com
sepulturas novas”; e nas imediações, o acampamento de Icoma, “uma pracinha
com seis ranchos” (p. 175). E, em maio de 1960, na margem esquerda do baixo
Juruena, a aldeia de Moikxau (Myksõ), “uma casa comprida, com o lugar
reservado aos homens, numa das extremidades” (p. 180).

Quanto ao que se passava no interior da “maloca”, diz Schultz (1964a,


p. 237):

8 O “recinto dos homens”, que Schultz (1964a, p. 266) observou nas “malocas” de Ipatoto e Barari.

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Laudo antropológico – Processo 2006.36.00.003067-5
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“A maloca é o centro da vida do Canoeiro. Aqui sente-se abrigado e protegido


dos insetos hematófagos. A criança sai raras vezes da sua escuridão em busca
de lenha e água, para a roça e coletar frutas na selva; pouco brinca lá fora [...]
O número de famílias que vivem na maloca é assinalado pelo número de
fogueiras acesas. Ao lado das fogueiras atam as redes, nas quais as mulheres
passam a maior parte do dia sentadas, assando e cozinhando, fiando ou
executando outros trabalhos manuais. [...] Todos dormem em redes enodadas,
de fios de algodão [...]. Os membros das famílias biológicas juntam suas redes
atando-as em fileira. Os pequenos dormem ao lado dos pais, e, os lactentes
com a mãe [...] As redes dos rapazes estavam colocadas separadamente num
canto retangular dentro da maloca. Lá também se reuniam exclusivamente
homens, recebiam e alojavam os visitantes, preparavam assados,
confeccionavam flechas e outros artefatos e passavam a maior parte do dia”
(idem, p. 237).

Dornstauder teria visitado quarenta e dois acampamentos e aldeias


(Hahn, 1976, p. 33); destes, cerca de quinze ainda ativos em 1962,
disseminados por todo o vale do médio Juruena (Pacini, 1999, p. 7, nota 21). A
população dos aldeamentos, então, anotou Dornstauder (1975), variava entre
três faixas: os menores, de cinco a nove pessoas (a “aldeia da Fala”, no divisor
Juruena-Arinos, com nove habitantes, p. 89); os médios, de dez a quinze (a
aldeia de Ricoteti, no córrego Aguaçu, afluente da margem esquerda do rio
Juruena, com treze habitantes, p. 119); e os maiores, de vinte a vinte e cinco
(a aldeia de Icoma, no baixo Juruena, com vinte e dois habitantes, p. 178).

O contingente populacional pré-contato, todavia, tem merecido


estimativas controversas. Levando em conta o que lhe disseram os Rikbaktsa
no início da década de 1970 e as notícias sobre a letalidade das epidemias,
Hahn (1981, p. 86) estimou em cerca de mil pessoas a população Rikbaktsa
original. Na opinião de Arruda (1987b, p. 313), cujas pesquisas deram-se na
década seguinte, as epidemias “durante e logo após a pacificação dizimaram
75% dos cerca de 1.280 sobreviventes da guerra contra os seringueiros”.

Mais realista, talvez, porque embasado na própria experiência pessoal e


nas anotações de seus diários de campo, o jesuíta Dornstauder (1975, p. 28)
calculou a população rikbaktsa em “400 a 500 pessoas”. Assim também o
padre Moura (1975, p. 7), aceitando que nos primeiros anos da “pacificação” o
contingente populacional reduzira-se à metade:

“com aproximadamente 500 índios, antes da guerra seringueira, [o grupo


Rikbaktsa] agora aprisionado na confluência dos rios Sangue e Juruena, em
apertado espaço, tendo de confrontar-se com facções litigiosas internas, antes
separadas por largos vazios demográficos. Ainda fervem as inconsistências

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Laudo antropológico – Processo 2006.36.00.003067-5
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políticas internas, se bem que dominadas, na Reserva, pelo experimentado


Tapema [um dos líderes mais influentes], auxiliado pelos missionários jesuítas
[...] sabendo-se também que até hoje [1975] o grupo Rikbaktsa na Reserva vive
às voltas com problemas de saúde, se bem que a dizimação foi sustada a duras
penas. Reduzidos a 250 indivíduos, agora cresce a população rikbaktsa.”

Para o ano de 1973, o antropólogo Hahn apresentou um quadro


completo com a distribuição censitária dos Rikbaktsa, transcrita abaixo:

Área Agrupamento População

RESERVA Barranco Vermelho 60


Primeira 65
Segunda 30
Aldeia Nova 43
Acampamento 1 6
Acampamento 3 6
Acampamento 4 5
Acampamento 5 4
Acampamento 8 8
Acampamento 9 5
ESCONDIDO Posto 14
Isolados 1 23
Isolados 2 8
FORA DE ÁREA Fazendas 8
TOTAL 285
Tabela 2: População Rikbaktsa, 1973
(Hahn, 1976, p. 77)

A partir da década de 1980, melhorias no atendimento à saúde (a


enfermaria no Barranco Vermelho, a vacinação preventiva e a disponibilidade
de hospital em Diamantino; Arruda, 1992a, p. 243-244), propiciaram a
recuperação demográfica em taxas elevadas: de 1989 e 1998, entre 5,3 a 5,5%
de crescimento ao ano; e de 1999 a 2010, cerca de 3,3% ao ano. Os dados
demográficos, recolhidos em diferentes fontes, encontram-se consolidados no
gráfico e na tabela a seguir.

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Laudo antropológico – Processo 2006.36.00.003067-5
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1600

1400
Série demográfica Rikbaktsa
1200

1000

800

600
População

400

200

0
1959

1962

1965

1968

1971

1974

1977

1980

1983

1986

1989

1992

1995

1998

2001

2004

2007

2010
Gráfico 1: Série demográfica

Concomitante ao aumento demográfico, o número de aldeias também


cresceu, embora este não fosse o único fator para a dispersação da população
Rikbaktsa, constrangida a se aglutinar em torno aos postos missionários nos
primeiros anos do contato. Já em 1965, por exemplo, separando-se do posto
Barranco Vermelho, formou-se a aldeia da Segunda (Cachoeira) sob a
liderança de Naik, e em 1968, Geraldino Matsi, seu irmão Salvador Okodoby e
Amawi fundaram a aldeia da Primeira, ambas no trecho encachoeirado do rio
Juruena, conhecido por “Águas Bravas” (Pacini, 2001, p. 47-48).

Com a retomada da área do posto Japuíra, em 1985, as aldeias maiores


desmembraram-se ainda mais, em busca de áreas distantes com maior
disponibilidade de caça, pesca e demais recursos florestais. Então, cada
família extensa tratou de estabelecer seu próprio “barraco de seringa”, distante
da aldeia: uma “maloca”, utilizada para curtas temporadas, especialmente na
seca, nos moldes da excursão anual que antes praticavam - além da estrada
de seringa, ali plantavam uma pequena roça.

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Ano População Fonte

1957 500 Dornstauder, 1975, p. 28


1964 300 Schwade (MIA), 1964
1969 300 MIA/SIL (apud Arruda, 1992a, p. 244)
1970 254 Schmidt, 1971b; 1971d
1972 282 Schmidt, 1972f
1973 285 Hahn, 1976, p. 77
1979 380 MIA (apud Arruda, 1992a, p. 244)
1981 411 B. Meliá (MIA; apud Pacini, 1999, p. 190)
1984 466 Loebens (MIA), 1984
1985 511 MIA (apud Arruda, 1992a, p. 244)
1986 514 MIA (apud Arruda, 1992a, p. 244)
1987 520 MIA (apud Arruda, 1992a, p. 244)
1989 564 Bettio (MIA), 1989
1993 700 MIA (apud Arruda, 1998)
1998 909 Arruda, 1998
2001 933 Athila, 2006, Anexo 3, p. 478
2003 1060 PACA (apud Mendes dos Santos, 2004)
2005 1088 FUNASA (apud Pires, 2009, p. 23)
2006 1137 FUNASA (apud Pires, 2009, p. 23)
2007 1178 FUNASA (apud Pires, 2009, p. 23)
2008 1231 FUNASA (apud Pires, 2009, p. 23)
2009 1322 FUNASA, 2010
2010 1338 FUNASA, 2010

Tabela 3: Dados populacionais, 1957-2010

Em fins dos anos 1980, muitos desses locais se converteram nas atuais
aldeias. Sob novas condições, então, os Rikbaktsa puderam recompor algo de
sua própria dinâmica sócio-política (Arruda, 1992a, p. 251-254). A
configuração espacial retomaria seus contornos tradicionais, com a
fragmentação de postos e aldeias: “as aldeias maiores desmembraram-se em
vários aldeamentos menores, mais espalhados e localizados em áreas mais
distantes em busca de mais caça, pesca e outros recursos, reproduzindo a
dinâmica tradicional de ocupação do espaço, inclusive no tamanho e composição
das aldeias”.

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ALDEIA FUNDAÇÃO POPULAÇÃO FAMÍLIAS CHEFE

Barranco Vermelho 1958 32 6


Boa Esperança 1992 29 6
Tarcísio
Cabeceirinha 1950 26 4
Divisa 1947 30 6
Primavera 1969 50 12
Primavera d'Oeste 1992 8 1
Pedregal 1997 8 2 Haroldo
União 1996 13 2
Laranjal 1978 21 3
Curva 1972 52 10
Rafael
Curvinha 1975 11 3
Segurança 1968 7 12
Daniel
Segunda 1965 - -
Beira Rio I 1973 60 11
Novo Paraíso 1980 14 2
Sykmy
Pantanal 1998 10 1
Beira Rio II - - -
Areia Branca 1996 10 3 Pakai
Nova 1972 61 12
João Tsaputai
Velha 1971 23 3
Pedra Bonita 1993 26 6 -
Seringal I 1975 8 2
Seringal II - 7 1
Raimundo
Santa Rita 1985 32 5
"Álvaro" - 8 1
Rio do Sangue
1988 32 6 Sebastião
(Escolinha)
Três Irmãos 1985 11 2
Ivan
Jatobá 1989 34 7
Pé-de-Mutum 1985 87 16 Francisco
Cerejeira 1987 75 9
Amauri
Japuíra 1962 16 3
Arinos (São Vicente) - 13 3 Vicente
Babaçu (Escondido) 1998 12 2 Dokta
Tabela 4: Dinâmica residencial, 2000
(Mendes dos Santos, 2000, p. 4-5; Pacini, 2001, p. 50-51)

Das trinta e quatro aldeias existentes em 2004, poucas possuíam mais


de 40 habitantes. A menor, "Pantanal", contava com apenas duas pessoas; a
maior, "Pé de Mutum", com 85 pessoas, com 17 grupos familiares (marido,
mulher e filhos solteiros). Se a longevidade dessas aldeias é variável, o retorno
às regiões de Japuíra e Escondido, contudo, possibilitou aos Rikbaktsa
rearticular um padrão próprio de assentamento e ocupação territorial. As
aldeias mais antigas são da década de 1940, e as mais recentes de 1998
(Mendes dos Santos, 2000, p. 3):

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TERRA
ALDEIA RIO MUNICÍPIO hab.
INDÍGENA
Japuíra Castanhal Arinos Juara 11
Japuíra São Vicente Arinos Juara 7
Japuíra Japuíra Juruena Juara 20
Japuíra Cerejeira Juruena Juara 51
Japuíra Pé-de-Mutum Juruena Juara 81
Japuíra Jatobá Juruena Juara 41
Japuíra Divisa Marcolino Sangue Juara 20
Erikpatsa Escolinha Sangue Brasnorte 24
Erikpatsa Barranco Vermelho Juruena Brasnorte 35
Erikpatsa Boa Esperança Juruena Brasnorte 25
Erikpatsa Palmeira do Norte Juruena Brasnorte 10
Erikpatsa Divisa Juruena Brasnorte 35
Erikpatsa Cabeceirinha Juruena Brasnorte 27
Erikpatsa Primavera Juruena Brasnorte 71
Erikpatsa Primavera do Oeste Juruena Brasnorte 8
Erikpatsa Pedregal Juruena Brasnorte 15
Erikpatsa União Juruena Brasnorte 10
Erikpatsa Novo Paraíso Juruena Brasnorte 7
Erikpatsa Curva Juruena Brasnorte 60
Erikpatsa Curvinha Juruena Brasnorte 18
Erikpatsa Segunda Juruena Brasnorte 60
Erikpatsa Nova Segurança Juruena Brasnorte 13
Erikpatsa Beira Rio Juruena Brasnorte 49
Erikpatsa Laranjal Juruena Brasnorte 19
Erikpatsa Santa Rita Juruena Brasnorte 36
Erikpatsa Santa Fé Juruena Brasnorte 9
Erikpatsa Seringal II Juruena Brasnorte 13
Erikpatsa Pedra Bonita Juruena Brasnorte 26
Areia
Erikpatsa Juruena Brasnorte 14
Branca/Bananal
Erikpatsa Nova Juruena Brasnorte 47
Erikpatsa Velha Juruena Brasnorte 24
Escondido Babaçu Juruena Cotriguaçu 20
Fora Desaldeados 27
TOTAL 933

Tabela 5: População Rikbaktsa em 2001


(Athila, 2006, Anexo 3, p. 478)

No censo que realizou em 2001, a antropóloga Adriana Romano Athila


contabilizou trinta e duas aldeias, nas quais a população variava entre o
mínimo de sete habitantes (São Vicente, no rio Arinos, e Novo Paraíso, no rio
Juruena) e oitenta e um habitantes (Pé-de-Mutum, no rio Juruena),
perfazendo uma média de 28,3 habitantes por aldeia, conforme a tabela acima.
Ou seja, o menor agrupamento equivale a um terço da população média,
enquanto o maior possui apenas três vezes mais.

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Terra Indígena Conglomerado Aldeia População

Barranco Vermelho 60
Boa Esperança 28
Barranco Vermelho Cabeceirinha 28
(189 pessoas) Divisa 36
Escolinha (Rio do Sangue) 37
Primavera 84
Laranjal 38
Primavera Primavera d’Oeste 11
(170 pessoas) União 10
Vale do Sol 8
Pedregal 9
ERIKPATSA Miguel 10
(771 pessoas) Curva 53
Curvinha 17
Curva Segunda 78
(226 pessoas) Segurança 15
Novo Paraíso 15
Beira Rio 48
Pedra Bonita 31
Pedra Bonita Seringal I 17
(99 pessoas) Seringal II 9
Santa Rita 42
Nova 44
Nova
Velha 27
(87 pessoas)
Areia Branca 16
Pé-de-Mutum 85
Pé-de-Mutum Jussara 6
(162 pessoas) Divisa Marcolino 19
JAPUÍRA Jatobá 52
(204 pessoas) Japuíra 17
Japuíra Castanhal 16
(42 pessoas) Pantanal 2
São Vicente - Arinos 7
Escondido
ESCONDIDO Babaçu 42
(42 pessoas)
TOTAL 1017

Tabela 6: População Rikbaktsa, 2004


(Mendes dos Santos, 2004, p. 19)

Grosso modo, o sistema de representação política ("cacique", "chefe" ou


"capitão") ultrapassa as fronteiras das aldeias, ainda que preservando a
importância do representante local. Assim, uma aldeia está associada a
outras, com as quais forma uma unidade mais extensa, com força política e
territorial. Os grupos locais existentes no ano de 2000 compunham quinze
agrupamentos ou conglomerados. Em geral, as chamadas “aldeias-polo” são as
mais antigas, com maior contingente populacional e infra-estrutura -
farmácia, escola, gerador de energia, etc. (Mendes dos Santos, 2000, p. 3-4) -
acima, o quadro demográfico por aldeia e conglomerado, para o ano 2004.

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Ainda na esfera política, mudanças significativas vêm ocorrendo nas


últimas décadas, por exemplo, a criação em 1986 de um Conselho de
Representantes dos Rikbaktsa, para encaminhar suas reivindicações a
autoridades e órgãos públicos:

“Quanto à MIA [Missão Anchieta], viu-se relativamente enfraquecida em sua


posição frente aos índios, dadas as dificuldades que encontrou para
equacionar adequadamente os problemas de saúde. Além disso, a luta pela
terra ampliou o leque de contatos e alianças dos Rikbaktsa, quebrando de
certa forma o monopólio da intermediação. Novas lideranças emergiram,
passando a exigir e a assumir cada vez mais as funções antes exclusivas dos
missionários; foi o caso do grupo de professores e o do Conselho de
Representantes do povo Rikbaktsa. Este último, rebatizado no final de 1989
como ‘Conselho Jurídico do Povo Rikbaktsa’, ficou encarregado de todas as
relações externas. Tensões, conflitos, negociações, ambigüidades mas,
principalmente, reavaliações permanentes marcaram o período que se seguiria”
(Arruda, 1992a, p. 215).

Em 1995, eles fundaram a Associação Indígena Rikbaktsa - ASIRIK,


através da qual pretendiam viabilizar alternativas econômicas ao modelo de
ocupação regional marcado pelo desmatamento extensivo. Como primeira
iniciativa, a recém-criada Associação, em parceria com o Instituto de Apoio ao
Desenvolvimento Humano e do Meio Ambiente (TRÓPICOS), firmou contrato
com o Programa de Apoio Direto as Iniciativas Comunitárias
(PADIC/PRODEAGRO) para a instalação de uma fábrica de processamento e
comercialização do palmito - além da fabricação industrial do produto, o
projeto abrangia: a) implantação de viveiros para produção de palmáceas; b)
reflorestamento de áreas desmatadas; c) realização de cursos de formação para
manejo e beneficiamento; d) organização institucional e administração da
ASIRIK (Mendes dos Santos, 2004, p. 21).

O processo de escolarização, por sua vez, teve início ainda no Internato


de Utiariti, onde muitos Rikbaktsa viveram parte de sua infância e juventude
até seu fechamento em 1970. No posto Barranco Vermelho, a escola das
freiras, que funcionou até 1979, ensinava matemática, português, geografia,
história e ciências. Em 1981, a escola foi reaberta, com a contratação de
professores leigos, dedicados à formação de jovens e adultos - estes, a partir
daí, ministrariam a educação escolar às crianças, centrada na alfabetização e
no ensino da matemática. Aos poucos, formou-se um corpo de professores
indígenas, que hoje atende as escolas de ensino fundamental instaladas em

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quase todas as aldeias Rikbaktsa. Muitos professores Rikbaktsa foram


formados em Magistério de Segundo Grau, graças ao Projeto Tucum do
Governo do Estado, com o respaldo institucional do Conselho de Educação
Escolar Indígena de Mato Grosso; outros, ainda, cursaram ou estão cursando
Licenciatura específica, de nível superior, na UNEMAT - Universidade Estadual
de Mato Grosso.

O modo de vida Rikbaktsa, na opinião Hahn (1976, p. 27),


compreenderia uma distinção saliente entre “a região de residência, incluindo
as casas da aldeia e suas imediações, num raio de não mais que poucos dias de
caminhada, onde normalmente acontece a caça e a coleta, e uma vasta região de
usufruto que os Rikbaktsa percorrem durante a estação seca (abril a novembro),
geralmente com o propósito expresso de coletar taquara para flecha e caçar aves
grandes para obter penas de flecha”. De modo que, continua o antropólogo
(idem, p. 50-51), os padrões tradicionais de subsistência e de residência
sobrepunham-se ao calendário do clima (estio e chuva), às variações
estacionais da flora e da fauna e ao ciclo agrícola. Na seca (de maio a
novembro), os acampamentos menores, a derrubada e queimada para as
novas roças, a pesca com timbó e arco e flecha, a busca de ponta de flecha e
taquara, as festa da derrubada; na estação chuvosa (de dezembro a abril), a
vida nas aldeias, a coleta de castanha, a colheita do milho e as festas
eventuais (idem, p. 52).

Entre maio e junho, cessadas as chuvas, os homens limpavam as


capoeiras ou derrubavam novos trechos de floresta. Ao fim da derrubada, uma
celebração, que o antropólogo assim descreveu:

“os seis homens que viviam na aldeia foram caçar no dia anterior, enquanto
todas as mulheres começaram a cozinhar na casa do homem mais velho, um
líder cuja roça estava sendo preparada. No dia seguinte, os homens gastaram a
manhã derrubando árvores maiores que restavam, tocavam uma corneta
quando as árvores caíam, enquanto as mulheres terminavam de preparar a
comida. Então todos os petiscos preparados [...] foram trazidos ao makyry (a
casa de todos os rapazes solteiros, e local de encontro de todos os homens
[hoje, conhecida também por “rodeio”]) onde foram redistribuídos às diferentes
famílias. Mais foi deixado no makyry do que distribuído. A festa prosseguiu,
mas sem as danças que acompanham as demais cerimônias” (Hahn, 1976, p.
53).

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Terminada a derrubada, a maior parte das famílias saía a excursionar


durante dois ou três meses, “buscando pontas e canas de flecha, penas de
pássaros para seus enfeites, castanha, colhendo mel, frutos silvestres,
tubérculos, ervas medicinais, ovos de tracajá, caçando, pescando e explorando o
território” - na aldeia, ficavam apenas os mais velhos e os doentes (Arruda,
1992a, p. 279-280):

“Nesta marcha através da selva vão as famílias inteiras. Cada um leva sua rede
de dormir, seu arco e flechas e paus ignígenos. As mulheres carregam cestos
cheios de utensílio de cozinha, e víveres para os primeiros dias. Por cima dos
cestos, as mães levam seus filhos pequenos, e os lactentes na tipóia” (Schultz,
1964a, p. 253).

Na volta, a queimada, a coivara e, com as primeiras chuvas, a


semeadura. De acordo com Schultz (1964a, p. 253), os Rikbaktsa faziam
anualmente um novo roçado, próximo da aldeia, mas continuavam a colher
batata e bananas nas roças antigas. Ao que parece, o sistema agrícola não se
alterou significativamente, afora a introdução de novas espécies como o arroz e
o feijão; e nos pomares, abacaxi, limão, laranja, mexerica, manga, pupunha e
várias outras fruteiras:

“Os Rikbaktsa plantam produtos nativos, de tradição própria, como o cará, a


mandioca, uma espécie de feijão fava, bananas do tipo roxo, prata, ourinho e
um tipo de banana da terra. Dizem [...] que o canavial para fazer garapa e
melado também é tradicional e muito usado, já que a coleta de mel fica cada
vez mais escassa. A plantação de milho fofo, tradicionalmente cultivado pelos
Rikbaktsa, é fundamental para as festas, principalmente na época da chuva,
quando fazem a festa do milho verde [...]. Os vários tipos de batata-doce
nativos são mais importantes para as festas na seca” (Pacini, 2001, p. 59).

Em dezembro de 2010, durante os trabalhos periciais, visitamos um dos


roçados novos que circundam a aldeia Babaçu, duzentos metros a leste, onde
se destacavam os seguintes cultivos: milho, mandioca, cará, abacaxi,
amendoim e batata-doce. A despeito de sua extensão e fartura (ver fotografias),
o cacique Dokta considerou-o acanhado: em razão do acidente que sofrera, as
tarefas agrícolas neste ano ficaram a cargo de seus filhos e genros.

Além dos atuais roçados, na mesma ocasião, verificamos a existência de


várias capoeiras de antigas aldeias e roças na região das cabeceiras do córrego
Canoeiro (Dico). Uma delas, a quinhentos e oitenta metros da aldeia Babaçu,
rumo sul, portanto já fora da divisa da terra indígena, a antiga aldeia

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comandada por Myktsõ (Môikxau, segundo Dornstauder, 1975, p. 178): o solo


escuro (a chamada “terra preta de índio”), a vegetação secundária e as
bananeiras tipo prata, que ali ainda resistem, são sinais evidentes da
ocupação humana pretérita. De acordo com o cacique Dokta, o líder Myktsõ
morreu pouco depois dos primeiros contatos, e foi enterrado no local. Ademais,
há uma grande castanheira, de cerca de um metro de diâmetro, que produz
castanhas graúdas - conforme o guia Egidio Bahi, os Rikbaktsa plantavam
estas castanheiras nas antigas aldeias, porque delas faziam mingaus especiais
para as festas.

A cerca de mil e duzentos metros a noroeste da aldeia atual, avistamos


uma segunda capoeira onde rebrotaram bananeiras prata e roxa e alguns
espécimes da planta tokotsa, de cujas sementes fazem colares, e os esteios de
velhas “malocas” (ver Fotografias, em anexo) – vestígios que restaram da aldeia
de Amawe (pai de Maurina Tawy, que mora na aldeia Segunda); segundo o
cacique Dokta, ele foi assassinado por volta de 1972, nas proximidades do
córrego Canoeiro. Além destas, localizei na vistoria pericial realizada em julho
de 2010 uma terceira capoeira, a cerca de sete mil metros da aldeia Babaçu,
desta feita um largo trecho tomado pela vegetação secundária - portanto, no
setor norte da área ora sub judice (ver mapa “Ocupação indígena na região do
Escondido”).

A caça é uma atividade masculina, por excelência. Embora muitos


tenham agora cartucheiras e rifles calibre 22, todos os homens e rapazes
possuem e sabem manejar arco e flecha, sobretudo os mais velhos:

“Mestres na arte de detecção, aproximação e dissimulação, acabam sendo


melhor sucedidos com a flecha que, silenciosa e certeira, abate o animal sem
que os outros [animais] sejam alertados e fujam, como ocorre no caso das
armas de fogo” (Arruda, 1992a, p. 289).

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MESES
Nov Dez Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out
início da estação
estação chuvosa estação seca final da estação seca
chuvosa
maior permanência pesca de peneira em poços plantações de milho fofo e
engorda de macacos
na aldeia dos córregos esvaziados outros cultivares
danças ocasionais que homem planta a batata-
coleta de castanha, redundam na festa de doce (zodo e zodospu) - a
derrubada de roças
inajá e pequi fechamento da estação mulher colhe, mas o
chuvosa homem pode ajudar
homem planta o milho-fofo
colheita de milho e
coleta de castanha e festa de derrubada (wanatsitsa), mas a
outros cultivares
outros produtos mulher pode plantar se ele
(dez. e jan.)
estiver viajando
festa do milho fofo flores de angelim de saia queima de roças coleta de patauá, bacaba,
(dez. e jan.) (tsorõrõ) buriti
expedições em busca de
pesca (veneno
pesca (veneno (ximbua pontas de flechas, penas,
(ximbua batsitsak),
batsitsak), arco e flecha, conchas e animais para piracema
arco e flecha,
linhada) criação (no passado,
linhada)
inimigos)
caça (arco e flecha, caça (arco e flecha, arma caça (arco e flecha, arma
coleta
arma de fogo) de fogo) de fogo)
nominação, furação de
orelha e nariz, caça (arco e flecha, arma
escarificações e de fogo)
tatuagens

Tabela 7: Atividades sazonais


(Athila, 2006, p. 476)

Caçador e provedor da família, o prestígio dos homens depende da caça,


de sua generosidade e seu bom humor: “Um homem nervoso, impaciente,
mesquinho, invejoso nunca é um bom caçador, provedor e guerreiro, sendo fonte
permanente de tensão social”, adverte Arruda (idem, ibidem). Ao lado dos
conhecimentos minuciosos sobre os hábitos e as características dos animais,
suas fontes de alimentação, formas de locomoção, etc., os caçadores precisam
de sentidos apurados para distinguir sons, cheiros e rastros enquanto
percorrem, normalmente em duplas, as trilhas habituais de caça que partem
da aldeia e seguem em várias direções, chegando a alcançar dez quilômetros
ou mais. Dentre as técnicas usuais, imitam filhotes ou presas típicas, fazem
esconderijos, “cevas”, esperas etc. (idem, p. 290-293).

Abaixo, a tabela de comestibilidade das diferentes espécies animais,


organizada pela antropóloga Adriana Athila (2006):

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ESPÉCIES ANIMAIS COMESTÍVEL?


MAMÍFEROS
Tapiridae
- anta (Tapirus terrestres) Sim. Comestibilidade diferenciada por idades e partes da anta. Gordura
(piku) interdita para meninos a partir de 12 anos. Mulheres em amamentação
não devem comer ipewy (barrigueira dela), pois o leite fica “preso”. Ijapok
(rabo dela) e itõrõ (vagina) só velhos comem. Irikdo (seu pênis) outros
homens cortam e jogam fora. Ipirik (parte do pescoço com parte do osso
da coluna) mulher grávida não pode comer, “a criança só sobe, demora a
nascer”, e nem homem que esteja com mulher grávida.
Tayassuidae
- queixada (Tayassu peccari) Sim. Gordura interdita para meninos a partir de 12 anos.
(parahaze)
- caetetu (Tayassu tajacu) Sim. Restrições da gordura para rapazes e moças.
(pyrikto)
Cervidae
- veado vermelho (Mazama sp.) Não com exceções. Dificilmente comem.
(hozipyryk tsaririta)
- veado cinzento (Mazama sp.) Não.
(hozipyryk iywywyta)
- veado branco (Mazama sp.) Sim.
(hozippyryk ibarazata)
Hydrochaeridae
- capivara (Hydrochaeris Não. Tsitoskarẽta. “Fedido”.
hydrochaeris) (wẽre)
Agoutidae Sim. Exceção entre os animais “noturnos”.
- paca (Agouti paca) (wotyk)
Dasyproctidae
- cotia (Dasyprocta) (sokoro) Sim.
Erethizontidae
- ouriço-cacheiro (Coendu sp.) Sim com exceções. Não é usual, “dá medo”.
(irizik/ “macaco ouriço”)
Muridae, Echymidae
- ratão (tohorazi) Não.
- rato (toho) Não.
Sciuridae
- caxinguelê (Sciuridae sp.) Sim.
Cebidae
- guariba/bugio (Alouatta) Sim.
(dirik/diriny)
- macaco-prego (Cebus) (boa) Sim.
- macaco-coatá (Ateles) (ereme) Sim.
- cuxiu (Chriropotes) (Fuita) Sim.
- macaco-de-cheiro (Saimiri Não. Tsitoskarẽta. “Fedido”
Sciureus) (bisik)
- macaco paraguaçú (Pithecia Sim.
monachus) (boaza)
- macaco barrigudo (Lagothrix Sim.
lagotricha) (eremeza)
- macaco-da-noite (akwany / Não.
unoboatsa /tsidik)
Callitrichidae
- japuçá ou macaco zogue- Sim.
zogue” (tobopyry)
Procyonidae
- quati (Nasua nasua) (afwi) Sim. Identificado a macacos.
Canidae
- cachorro-do-mato (Atelocynus Não. Caçam para tirar e furar os dentes.
microtis) e outro tipo (não
identificado) (tsomykmy e
parini pazeze)

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ESPÉCIES ANIMAIS COMESTÍVEL?


Mustelidae
- irara (Eira barbara)(ozo) Não. Caçam para tirar e furar os dentes.
- ariranha (Pteronura Não. Caçam para tirar e furar os dentes.
brasiliensis) (wyãkara)
- lontra (Lutra sp.) (izikny) Não.
Felidae
- onça pintada (Panthera onca) Não. Caçam para tirar e furar os dentes.
(parini ipydydykta ou
zubakata)
- onça preta (var. melânica) Não. Caçam para tirar e furar os dentes.
(parini nioktsĩzita)
- onça parda/suçuarana (Felis Não. Caçam para tirar e furar os dentes.
concolor) (parini tsaririta) e
(parini tsaririta põrotsakta/
“com lombo preto”)
- jaguatirica (Felis Não. Caçam para tirar e furar os dentes.
pardalis)(parini iharatoata)
- jaguarundi (parini iharatoata Não. Caçam para tirar e furar os dentes.
bisikborotsa)
Myrmecophagidae
- tamanduá-bandeira Não comem nenhuma espécie de tamanduá. Batsisapy “feio, inadequado”.
(Myrmecophaga tridactyla) “Amigo de onça”.
(zono)
- tamanduá-mirim (Tamandua Idem.
tetradactyla)
Bradypodidae
- preguiça (Bradipus sp.) Não, com exceções. Tem “espinhos”. “Avô dos Rikbaktsa”.
(zarakuruk / diri)
Dasypodidae
- tatu canastra (Priodontes Não. “Batsisapy”. “Feio, inadequado”. Muzuza.
maximus) (tsamydoho)
- tatu-quinze-quilos (Dasypus Sim. Gordura interdita para meninos a partir de 12 anos.
kapplen) (piu babatu)
- tatu-galinha (Dasypus Sim.
novemcinctus)(piu pyry)
- tatu pequenininho (não Sim.
identificado) (kĩu kĩu)
Didelphidae
- gambá (Didelphis sp.) Não comem. Mijo fedido, tsitoskarẽta. Se encontrar tem que matar.
(Harãmy pehok) Muzuza
- gambá-de-rabo-liso/pelo duro Não. Batsisapy, “feio, inadequado”, tsitoskarẽta, “fedido”.
(Didelphis sp.) (Tsapik ou
Harãmy zihydik)
Noctilionidae
- morcego (byrizuk) Não. Fazem okyry do pênis, para pessoa ficar louca.
- morcego grande, hematófago Idem.
(kokotai)
RÉPTEIS
- jacarés Não comem nenhum jacaré.
Jacaré (apoheryk) muzuza “agoura”, batsisapy “feio, inadequado”. Não se
pode nem matar. Se come o filho fica “murcho”, não engorda.
Têm desprezo alimentar por calangos e afins, comentando sempre sobre a
alimentação dos Nambikwara.
Citam puzeze (jacaré-d’água); tsiktsarabobo (lagarto d’água,
camaleão[imitado nas festas] ); zamo (lagartixa); tsikaworyk (lagarto
grande, gosta de ovo de galinha); awyri (lagartixa pequena); wamo (jacaré
grande); kyryiryk ou apoheryk tsibik (jacaré pequeno e “brabo”, é
sparitsa, fica na lama mole no fundo do córrego, só com a cabeça para
fora. Tsitoskarẽta, “fedido”. Itsikmanamai (papavento riscasdinho)
- cobras Não comem nenhuma cobra. myhyrikoso (assombração), todas são
batsisapy (feia, inadequado).
Se encontram e, principalmente, se mordem a pessoa, têm que matar.
Deve-se também enterrar bem, para que seu “osso” não machuque
ninguém (é como se ele permanecesse “ativo”). Citam um homem que
morreu por isso; o “osso” finca no pé e atinge toda a perna.
Se tomam chicha de “criança nova” (feita pela mãe da criança) e depois

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que “esquecem”, vão ao mato, há uma cobra (wanupapyry”punho de


rede”) que “desconta” (tsapusarik), enrola na perna da pessoa.
Citam myha (cobra relacionada, especialmente, a aviso de morte [pretas,
morte de branco, vermelhas, de rikbaktsa], esta é o único tipo de cobra
que não se pode matar, senão a pessoa morre), Tõhikyri (cobra cipó,
comida de urubu), boipeva (pyryhykza), biotsa (cobra verde); zodik(cobra
pintadinha), uno (cobra preta), hyritãtã (cobra coral) e, evidentemente,
urototok (sucuri), ser myhyrikoso.
- quelônios Quelônios. wiktsabo (jaboti), comem a carne. Jovens não podem comer
ovos, nem os da barriga do bicho e nem os encontrados pelo mato, e nem
crianças podem brincar com eles (os ovos). Dá ferida.
Wiktsabohai (tracajá) comem a carne e os ovos. Não comem o “rabo”:
“peida feio”.
Wiktsabohaiza (pescoço torto) não comem, batsisapy. A carne dá ferida.
Só comem os ovos.
Hyta (jabotizinho do mato), não comem. Caso comam, o pescoço dói. O
mesmo acontece se pegar ou brincar com ele. muzuza (agoura). Cantam
quando chove muito.
ESPÉCIES ANIMAIS COMESTÍVEL?
ANFÍBIOS Não comem nenhum tipo. Muitos sapos são imitados na festa da chuva.
Há relato de criança que “assustou” e adoeceu (ficou fraco, magro) com a
imitação da worõworõktsaje (mãe do sapo).
Citam worõwõrõktsa (sapo que “canta nas enchentes”), porõporõ (sapão,
andam na chuva), myrikpui (perereca), rikbateo (comida de gavião
[tsikwohorek]), woresopõrõ (sapo do oco do pau, ensinou a mulher a bater
ximbua para matar peixes; copulou com a mulher do vizinho em um
mito), hyreke (há hyreke okyry, para criança nascer sem cabeça), waria
(sapinho amarelo).
AVES Comem uma infinidade de aves, e até pequenos pássaros, como pombas
e o beija-flor (ikyrik).Comem babari (urutau, mãe-da-luagigante), arõn tõn
tõn (urutau, mãe-da-lua), ãzi (urutau). Comem todos os papagaios,
tucanos, mutuns, periquitinhos e araras (contanto que não sejam de
criação). [recolhi mais de 120 tipos de pássaros comidos].
Não comem:
“gaivota” (tsidi; usam a penugem); alguns “gaviões” (wohorektsa); urubus;
sazo (urutau-pequeno /sparitsa karara [criação de sparitsa]), toruk
(corujão) [alguns comem, mas não é usual; parẽtsikzo (corujão, muzuza
[agoura]), harãmytsitõrõrõ (corujinha), não comem, batsisapy “feio,
inadequado”; ciganinha (ene), é fedido, tsitoskarẽta, mas usam as penas);
tere tere (chapéu-velho, imitam na festa); pabopabo (passarinho de olho
comprido; criado a partir dos olhos de um ser metafísico)
PEIXES Comem muitos tipos de peixes, de variados tamanhos. Comem também
crustáceos, como caranguejinhos (haraky) e pequenos camarões (patsa).
Não comem: peixe-agulha (zeobek); causa “dor de espinhaço”;
roaisopykyta (peixe-boi[?]).
INSETOS Madedetsa (içá ou tanajura); comem os alados, nos últimos meses do ano.
Matsiriktsa (formigas carregadoras), comem. Elas ensinaram os
Rikbaktsa a plantar sementes. Deram-lhes as sementes, antes não
sabiam. Comiam só cogumelos e frutas
Sisintsa (tocandira) comem.
Ikuntsa (mangava) não comem. Dá ferida.
Pasik(tucura verde); não comem, batsisapy, “feio, inadequado”
Aintsa (tucura carijó); comem.
Ibazadata (tucura branca); comem.
Hoksoik (tucura de asa roxa); comem.
Pitsi wyinyputsa (coró de castanheira) comem
Myripepetsa wyinyputsa (coró de caju) comem.
Tapõrõtsa wyinyputsa (coró de seringa) antigamente comiam.
Irariktsa wyinyputsa (coró de coco) comem.
Pikuruk wyinyputsa (coró cabeludo) não comem.

Tabela 8: Espécies animais comestíveis


(Athila, 2006, p. 495-497)

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Na área Escondido, durante o caminhamento para a vistoria pericial,


constatamos a existência de inúmeras trilhas de caça, que cruzam em todas
as direções aquela zona ecológica, em particular no lote ora sub judice,
utilizadas cotidianamente pelos Rikbaktsa da aldeia Babaçu. De acordo com
os Rikbaktsa (Psibatsibata, 1992; tb. Loebens, 1978-1984), algumas espécies
animais não se encontram senão nessa região do baixo Juruena: mutum carijó
(as penas são utilizadas na confecção do cocar myhara e braceletes); gavião
real (as penas das asas são as melhores para emplumar as flechas; usada
também em cocares); macaco mouro, ou barrigudo (não atravessam para a
margem direita do Juruena); tawi, papagaio de cabeça amarela; e tuktara,
caramujo grande (para confeccionar colar matrimonial).

Embora praticada o ano inteiro, a pesca é menos produtiva no período


chuvoso, quando os córregos transbordam e inundam a floresta, e os peixes se
dispersam pelas extensas lagoas que então se formam. Dentre os apetrechos e
técnicas de pesca, destacam-se: flechas de três pontas e dentadas; linhadas e
anzóis, com iscas variadas; timbó e peneiras, na estação seca, em pequenas
lagoas estanques; e, mais recente, arpões e máscaras de mergulho (Arruda,
1992a, p. 284-288). Por ocasião da vistoria pericial, fomos informados que os
pescadores da aldeia Babaçu inspecionam, periodicamente, os córregos
Canoeiro e Escondido e seus afluentes e, mais raramente, em razão da
distância, o rio Juruena – ali procuram as espécies típicas da região
amazônica, a saber: matrinxã, surubim, pintado, pacu, curimbatá, mandi,
tucunaré, piau, traíra, jaú, pirarara, piraíba e inúmeros outros.

De acordo com Arruda (1992a, p. 282), a adoção do machado de metal,


em meados do século passado, levou os Rikbaktsa a intensificar a coleta do
mel, da castanha e de outros produtos silvestres. Eles extraem mel das
abelhas mandaguari, manduri, jati e europa, os mais apreciados para beber
com água (hidromel), ou adoçar mingau de banana, milho, cará, batata e
frutas como açaí, buriti, patauá e bacava (Pacini, 2001, p. 67). Alimentam-se
também de larvas e lagartas (conhecidas por “coró”), da castanheira e de
diversos cocos, das formigas içás (ou tanajuras), quando voam no início da
estação chuvosa, e das tucuras, espécie de gafanhoto que serve de
alimentação e isca (Arruda, 1992a, p. 294; Pacini, 2001, p. 67, 137).

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Aproveitam ainda os fungos ykyirik, um cogumelo pequeno e rosado, e hokspi,


a orelha-de-pau (Athila, 2006, p. 497).

Em geral, como anotou Arruda (1992a, p. 281), a coleta realiza-se como


uma atividade diária, praticada por homens mulheres e crianças nas
imediações da aldeia, a providenciar uma série de matérias primas
indispensáveis: enviras para cordas e amarrações, lenha para o fogo, palhas
para embalagem e cobertura, madeiras diversas, fitoterápicos etc. Ao lado
disso, a pauta alimentar contempla uma extensa variedade de frutas
silvestres, de caráter sazonal. Destas, a castanha-do-Brasil ocupa posição
destacada na alimentação e, cada vez mais, como artigo de valor comercial -
adiante, incluí uns poucos dados sobre a produção de castanha nas terras
indígenas rikbaktsa. Ao longo do caminhamento da vistoria pericial, em
dezembro de 2010, avistamos uma profusão de castanhais mais ou menos
densos, que se estendem por toda aquela zona das cabeceiras dos córregos
Canoero e Escondido, e abrangem a área demandada nos presentes autos (em
anexo, na “Carta-Imagem da Terra Indígena Escondido”, o mapeamento da
incidência de castanhais e demais recursos naturais ali existentes).

A Terra Indígena Escondido, basicamente, delimita-se pela triangulação


do rio Juruena e seus dois pequenos afluentes, os rios Santarém e Cristóvão
(ou do Noca), interligados por uma linha seca na altura de suas nascentes.
Região tipicamente amazônica, ali predomina a vegetação primária de floresta
tropical. A terra indígena abriga, ainda, a maior parte da hidrografia
ramificada dos córregos Escondido e Canoeiro (ou do Dico). Ali também se
encontram duas estradas, que foram abertas nos anos noventa para a
exploração de madeira - uma delas, conforme se esclarecerá adiante, a mando
da parte autora (ver croquis abaixo).

Nesta terra indígena, próximo ao limite sul, localiza-se hoje uma única
aldeia (conhecida como Babaçu, ou Babaçuzal; no seu laudo pericial, Pacini
confundiu-se ao designá-la “aldeia Jatobá” na p. 39, corrigindo-se para “aldeia
Babaçu” na p. 97, cfe. Pacini, 2001). Em julho de 2010 ali residiam sete
famílias, totalizando uma população de trinta e uma pessoas. A infra-
estrutura da aldeia consiste basicamente de casas residenciais, banheiros e
lavanderias, poço artesiano com motor, escola, pequeno posto de saúde, casa

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para visitantes e a base do SIVAM; a comunidade é atendida, no momento, por


uma camionete Toyota, modelo Bandeirantes.

A estrada vicinal, a partir de Cotriguaçu, segue paralela à divisa sul da


terra indígena, rumo noroeste, até os assentamentos do INCRA. De acordo
com as informações prestadas por Gilson de Araújo, morador de Cotriguaçu,
ex-funcionário da parte autora (por ocasião da vistoria pericial, ele
acompanhou a assistente técnica Marilza Rodrigues), essa estrada foi aberta
nos anos noventa por Treitinger Ind. Com. Madeiras (CNPJ 82.935.479/0001-
12, então administrada por Werner Treitinger), que desde então vem
explorando um Projeto de Manejo Florestal nas imediações da terra indígena.
Além do transporte madeireiro, que deterioram as condições de tráfego, e seu
quase abandono no período das chuvas, essa estrada serve ainda aos
assentados nos projetos de colonização à oeste da terra indígena. Grosso
modo, o entorno da terra indígena vem se modificando aceleradamente, sob o
impacto das atividades madeireiras e, em expansão, da criação de gado em
grandes fazendas. O Projeto de Assentamento Nova Cotriguaçu divide-se em
três núcleos principais, Nova Esperança, Ouro Verde e Nova União, nos quais
já foram assentadas mais de mil e duzentas famílias, em lotes que variam de
50 a 1.000 hectares cada. Ali, as principais atividades econômicas são a
pecuária, a agricultura de subsistência (café, arroz, feijão, milho e frutíferas
tropicais como a pupunha) e a extração da madeira.

Na oportunidade dos trabalhos periciais, é preciso notar, não se


encontrou quaisquer atividades de “brancos” ou outros no interior da Terra
Indígena Escondido, exceto dos próprios Rikbaktsa e seus eventuais
colaboradores (funcionários da FUNAI, agentes de saúde, assessores técnicos
etc.). Restam, contudo, os vestígios da ação pretérita de madeireiros, como
carreadores e estradas tomadas pela vegetação e toras apodrecidas em uma ou
outra esplanada,9 aspectos estes que foram registrados no percurso do
caminhamento para a vistoria do lote sub judice (ver Fotografias, em anexo).

9 “Esplanada” é um local desbastado para a operação de máquinas e caminhões, onde são empilhadas as toras
para transporte.

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Nas cartas-imagem das terras indígenas Erikpatsa, Japuíra e


Escondido, em anexo, estão plotadas as aldeias e a distribuição de diversos
recursos naturais comumente explorados pelos Rikbaktsa. Dizem eles,
ademais, que toda a extensão da Terra Indígena Escondido é extremamente
rica em animais de caça, bem como produtos florestais, como frutos,
sementes, essências e óleos. Dentre estes, destacam-se a castanha-do-Brasil,
com copiosos e densos castanhais, de sementes superiores em tamanho e
qualidade, e a taboca jurupará, indispensável à fabricação de pontas de flecha.

No ofício encaminhado à FUNAI em abril de 1992, dando anuência à


delimitação da Terra Indígena Escondido, os líderes Rikbaktsa apresentaram
uma lista das “riquezas” de que se abastecem regularmente na Terra Indígena
Escondido: seriva ou pupunha, para arcos bordunas e hastes de flecha;
purawy, madeira dura para a corneta (buzina) que tocam nas festas e nas
derrubadas; spioki, madeira leve para o batoque auricular; boho, madeira para
cabo de machado; tuhara, resina vegetal de uma árvore amazônica; palmeira
babaçu, as palhas para cobertura e a amêndoa para beiju; hahaik, pedra
plana que serve de bandeja para assar beiju; e pedras para amolar
ferramentas. Além das matérias primas citadas, valorizam sobremaneira a
taboca jurupará, selecionada “por sua capacidade de corte, resistência e
durabilidade”, que utilizam na confecção de pontas de flecha (Psibatsibata et
alii, 1992; Pacini, 2001, p. 134-135). Tal espécie vegetal subsiste,
particularmente, na zona ecológica que inclui a área sub judice, conforme
esclareceu o antropólogo Arruda:

“O mesmo ocorre com a taquara adequada para se fazer as pontas de flecha


(jurupará) usadas para matar animais terrestres (anta, veado, caititu, porco do
mato e outros) ou na guerra. Só são encontradas bem mais ao norte, nas
cabeceiras do córrego do Escondido, em área tradicional que reivindicam”
(Arruda, 1992a, p. 225)

De fato, no caminhamento das vistorias periciais, em julho e em


dezembro de 2010, foram assinalados nichos de taboca jurupará (ver
fotografias em anexo), entre as cabeceiras dos córregos Canoeiro e Escondido.
De acordo com os guias indígenas, sua zona de incidência se espraia até mais
ao norte, abrangendo o referido lote ora sub judice (ver mapa “Ocupação
indígena na região do Escondido”, em anexo), onde é coletada por todos os

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Rikbaktsa, tanto os moradores do Escondido quanto os de Japuíra e


Erikpatsa.

Nas últimas décadas, os Rikbaktsa foram beneficiados por diversos


projetos de investimento. Ainda sob a tutela da Missão Anchieta, nos anos
1980, formou-se uma cooperativa para comercialização de produtos agrícolas e
de coleta - conduzida pelos missionários, com os índios como coadjuvantes.
Depois de um período de inatividade, a cooperativa renasceu, com aportes de
OXFAM, uma agência internacional de apoio, para a comercialização de
borracha, mas a queda do preço no mercado nacional levou ao seu
fechamento.

Em 1994, o Instituto de Pesquisas Ambientais e o Centro de Trabalho


Indigenista procederam ao levantamento de “Alternativas de Desenvolvimento”
para a sociedade Rikbaktsa, com financiamento da Comunidade Econômica
Européia, mas os estudos não foram além da fase inicial, que investigou a
dinâmica do desmatamento na região do entorno e no interior das terras
indígenas e produziu um diagnóstico das tipologias da cobertura florestal da
região em foco (Mendes dos Santos, 2004, p. 20-21).

Pouco depois, em parceria com o Instituto de Apoio ao Desenvolvimento


Humano e do Meio Ambiente (TRÓPICOS), a ASIRIK firmaria um contrato no
âmbito do PADIC/PRODEAGRO para o aproveitamento do palmito (Pacini,
2001, p. 146-148). Todavia, a carência de técnicos efetivos, a falta de
participação da FUNAI no empreendimento, a fragilidade institucional da
ASIRIK e a resistência de muitos Rikbaktsa inviabilizou a continuidade do
projeto.

Embora as pressões regionais para a exploração da madeira e do


garimpo, os Rikbaktsa têm resistido a franquear suas terras a esses
empreendimentos. Ao lado das atividades tradicionais, na agricultura, na
pesca, na caça e na coleta, muitos deles auferem rendimentos como
prestadores de serviços nas áreas de saúde e educação (como agentes
indígenas de saúde e professores da rede pública); outras fontes de ingresso
são as aposentadorias e a venda ocasional de mão-de-obra nas fazendas.
Complementam sua renda financeira, ainda, com a venda de pescado, de
palmito, de sementes de espécies nativas (mogno, caxeta, cerejeira, cedro,

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cumbaru), de produtos agrícolas (principalmente arroz e banana) e de


artesanato (quase todos, artigos de plumária), atividades que envolvem quase
todos os membros das famílias.

Contudo, o principal produto hoje explorado e comercializado pelos


Rikbaktsa no mercado regional é a castanha-do-Brasil, de ampla ocorrência
em seu território e grande volume. Anualmente, a partir de novembro, toda a
população se envolve na sua coleta e armazenamento. Fonte de recursos
financeiros, a castanha constitui antes de tudo um ingrediente importante da
culinária rikbaktsa, consumida durante quase o ano inteiro in natura ou
adicionada a outros alimentos (Mendes dos Santos, 2004, p. 22).

Figura 4: Piques de castanha no Escondido


(Mendes dos Santos et alii, 2004, p. 18)

O “Projeto de Gestão Ambiental Integrada” (PGAI/PPG-7, FEMA-MT e


FUNAI), iniciado em 2000, tratou da implantação de “sistemas agroflorestais e
desenvolvimento sustentável na região” noroeste de Mato Grosso, focado no
incentivo à coleta da castanha-do-Brasil. A partir de 2003, seguiu-se o
“Programa Integrado da Castanha”, com o objetivo de consolidar o sistema de
coleta e seleção da castanha, apontando para sua comercialização, sob
responsabilidade do Núcleo de Pesquisas Natureza e Cultura (GERA) da UFMT,
financiado pelo GEF/FEMA, em parceria com a ASIRIK e a FUNAI, com as
seguintes metas: 1) elaboração de um plano emergencial de gestão e controle

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da Terra Indígena Escondido; 2) mapeamento, a partir de cartas-imagens, dos


castanhais existentes nas três terras indígenas; 3) levantamento da estimativa
de produção dos castanhais; 4) construção de mesas de seleção e secagem de
castanha e de barracões para armazenamento do produto, por conglomerados
de aldeias; 5) levantamento do mercado regional para a comercialização da
castanha; 6) viagem para troca de experiências junto aos projetos com
castanha ndo Estado do Acre; 7) cursos sobre manejo dos castanhais e
gerenciamento de projetos sustentáveis (Mendes dos Santos, 2004, p. 20-24).

Somente na safra 2002/2003 as famílias da aldeia Babaçu


comercializaram 1.800 quilos de castanha através da ASIRIK. A capacidade de
“produção” da área é bem maior, mas a disponibilidade de mão-de-obra é
ainda reduzida, e difícil o acesso aos castanhais através das estradas que
antes serviram à exploração de madeireiros (croquis acima). Uma delas,
percorrida em dezembro de 2010 no interesse da presente perícia, foi
recentemente patrolada e recuperada, com apoio da Prefeitura Municipal de
Cotriguaçu.

Na primeira etapa do Programa Integrado da Castanha, de acordo com


os relatórios técnicos (Mendes dos Santos, 2004; Mendes dos Santos et alii
2004; Coelho et alii, 2006), os Rikbaktsa do Escondido concretizaram os
seguintes objetivos: limpeza dos piques de castanha já explorados pela
comunidade, nas imediações da aldeia Babaçu; limpeza da principal via
utilizada para a coleta da castanha (ponto 1), que parte da aldeia na direção
noroeste. No ponto extremo da estrada foi então construído um barracão
(“centro de apoio”) com recursos da PGAI e FUNAI (ponto 2); reabertura da
estrada (também construída em anos anteriores por madeireiros) na parte sul
da terra indígena, que adentra esta numa extensão de dez quilômetros em
direção ao rio Juruena (ponto 4); aquisição de material e equipamento para a
limpeza dos piques e estradas (facões, foices, limas, calçados, sabre e corrente
para moto-serra etc.); construção de um barracão (armazém) na aldeia com
capacidade para quatro toneladas de castanha; construção de uma mesa para
seleção da castanha coletada.

Na safra de novembro de 2005 a janeiro de 2006, formaram-se três


grupos de coleta de castanha e abertura de novos piques na Terra Indígena

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Escondido - o segundo deles, justamente, onde se localiza o lote sub judice. O


primeiro grupo realizou a reabertura de carreadores de madeireiros e de
piques de castanha na região do córrego Canoeiro. O acampamento foi feito a
cerca de oito quilômetros da aldeia Babaçu, e a partir dali a equipe de seis
pessoas alcançou as castanheiras na direção do rio Juruena, coletando 1.500
quilos, em cerca de duzentas castanheiras. O segundo grupo também
trabalhou nos carreadores a noroeste, do córrego Escondido, acampado cerca
de dez quilômetros da aldeia Babaçu, usando o mesmo procedimento de
abertura e coleta acima descrito; a equipe era formada por oito pessoas e
obtiveram 3.500 quilos de castanha. O terceiro grupo realizou a atividade de
abertura de piques e coleta de castanha em três estradas mestres, onde há
mais castanheiras. As linhas mestras têm cerca de oito quilômetros de
extensão, rumo ao centro da terra indígena, onde há carreadores/piques de
acesso às castanheiras. Participaram dessas atividades oito famílias, que
coletaram um total de 6.400 quilos.

Conglomerado Castanha coletada (ton)


Escondido 17,0
Japuíra 9,2
Santa Rita 1,0
Primavera 6,5
Barranco 6,5
Vermelho
TOTAL 50,2
Tabela 9: Safra de castanha 2005/2006
(Coelho et alii, 2006, p. 8)

De acordo com as informações levantadas pela equipe técnica do


Programa Integrado da Castanha, temos acima a distribuição de coleta na
safra 2005/2006 nos cinco conglomerados. Com relação à TI Escondido,
destarte, acentua-se a relevância desta zona ecológica para a vida econômica
dos Rikbaktsa, não apenas em razão da incidência da taboca jurupará para
confecção de flechas, mas também pelos castanhais nativos que ali existem.

No gráfico abaixo, podemos comparar as diferentes fontes de renda


monetária dos Rikbaktsa em 2005. As duas principais, respectivamente
artesanato e peixe, sofreram redução substantiva ao longo dos anos. No caso
do artesanato, em razão da proibição e fiscalização sobre o comércio de

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plumária e de garras e dentes de animais. Da mesma maneira o pescado,


devido ao controle ambiental na região noroeste de Mato Grosso. As rendas
obtidas através de salários de agente, de professor, da coleta de castanha e de
serviços prestados nas fazendas da região, por sua vez, sofreram aumento em
seu valor nominal e em sua participação sobre o total gerado:

Gráfico 2: Renda monetária


(Coelho et alii, 2006, p. 36)

A renda obtida através da prestação de serviços sazonais nas fazendas


apresentou um aumento de 40% entre os anos de 2003 e 2005. Já a renda do
comércio de castanha vem apresentando elevações significativas desde 2003,
em boa parte devido ao aumento do preço do produto. A participação da
castanha também aumentou em relação à renda monetária total, passando de
3,5% em 2003 para 14% em 2005. Na média, a renda anual obtida com a
castanha pelas famílias apresentou uma elevação de R$ 396,00 para R$
622,00 nesse período – o que revela a viabilidade econômica da produção de
castanha nas terras indígenas do noroeste de Mato Grosso, que a implantação
do Programa Integrado da Castanha entre os Rikbaktsa veio demonstrar
(Coelho et alii, 2006, p. 35-36).

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II. HISTÓRIA E TERRITÓRIO

O interflúvio dos rios Juruena e Aripuanã, onde se conservavam os


vários agrupamentos que missionários e pesquisadores conheceram nas
décadas de 1950 a 1970, para o etnólogo Hahn (1976, p. 26-27), seria o
verdadeiro “centro de dispersão” dos Rikbaktsa, donde teriam se expandido
desde os primórdios do século XIX até alcançar o alto Juruena, conforme
ilustra o mapa abaixo. É justamente onde hoje se encontra demarcada a Terra
Indígena Escondido.

Figura 5: Rikbaktsa no século XIX


(Hahn, 1976, p. 28)

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Quando irromperam as hostilidades com os seringueiros, por volta dos


anos 1940, os Rikbaktsa dominavam extensamente o vale do Juruena e seus
afluentes: o baixo curso dos rios Arinos, Sangue e Papagaio; na margem
direita do rio Juruena, desde a foz do Papagaio até a foz do Arinos; e na
margem esquerda do Juruena, desde a foz do rio do Sangue até pouco abaixo
do salto Augusto. Na apresentação que fez ao livro de Dornstauder, o padre
Moura e Silva (1975, p. 2) delineou em traços largos o território por eles então
ocupado:

“Os Rikbaktsa ocupavam uma extensa área, orçada em 50.000 km2, se


contado o território residencial e mais o de correrias [expedições de ataque],
pois além de percorrerem largamente o município de Aripuanã, onde tinham
algumas aldeias, também habitavam o baixo curso do Arinos, do Sangue, do
Papagaio, com menos chão de correrias. Pode-se dizer que o território de
movimentação habitual se restringisse a 12.000 km2. Do Papagaio até a altura
da barra do Arinos, ocupavam quase exclusivamente a margem direita do
Juruena, mas, da altura da barra do Arinos para baixo, moravam na margem
esquerda e vagueavam largamente pelas duas margens. Seu território ficava
compreendido pelos paralelos 9° e 12° Lat. Sul e os meridianos 56° e 59° Long.
W. Gr.”

Figura 6: Território dos Rikbaktsa


(Dornstauder, apud Pacini, p. 48)

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No afã de adquirir os cobiçados instrumentos de metal (facões e


machados, em sua maioria; Hahn, 1976, p. 31), turmas de guerreiros
Rikbaktsa então percorriam largas distâncias a oeste, para atacar feitorias de
seringueiros nos rios Aripuanã e Guariba (Dornstauder, 1975, p. 28-29; Hugo,
1959, p. 263). Segundo o ex-seringueiro Raimundo Santos, então com 71
anos, que entrevistei em 1991 na ponte do rio Guariba, os “Orelhas-de-Pau”
eram “índios perigosos” que também por lá andavam, antes de serem
eliminados (Dal Poz, 1995, p. 71). Sobre a presença dos Rikbaktsa no rio
Guariba, também anotou o aventureiro Eduardo Prado (1959, p. 64-57):

“Estes orelhas de pau se caracterizam e tomaram seu nome por levar


pendentes nas orelhas uns adminículos de madeira em forma cônica que lhes
atravessa o lóbulo. Com o tempo e por obra de seu peso, chegam em adultos
até quase tocar os ombros [...] ”

A veracidade destes fatos, porquanto, esclarece um dos traços


essenciais da cultura e da vida social destes índios, a sua notável mobilidade
espacial, como assinalou Hahn (1976, p. 29):

“Além das regiões de residência, os Rikbaktsa viajam através de enormes


distâncias. A maioria das trilhas descritas parte rumo leste, noroeste e
sudoeste do Juruena, e ocasionalmente para baixo e para cima na margem
oeste. Luis (aproximadamente 45 anos de idade) descreveu a incursão que
participou quando jovem contra uma colocação de ‘brancos’ alguns dias abaixo
do salto Augusto no Juruena: um dos moradores foi ferido, e os atacantes
pegaram panelas, facas e outros utensílios [...] Maniha (uma mulher, 45 anos)
relatou uma viagem de vários meses que seu pai fez a noroeste através de uma
região de formigas de ferrão, cruzando um rio muito largo”.

Para Arruda (1992a, p. 153), igualmente, não restaria dúvida que os


Rikbaktsa habitavam a bacia do Juruena e áreas limítrofes “desde um período
bem remoto, dado o extenso e detalhado conhecimento que têm de seu território e
de regiões ao redor”. Ademais, eles eram conhecidos “por todos os grupos
vizinhos, com os quais, sem exceção, sempre mantiveram relações hostis”: os
Iranxes, os Mundurucus, os Kayabis, os Nambikwaras, os Tapayunas, os
Paresis e os Cintas-Largas (também, Hahn, 1976, p. 29-31; Athila, 2006, p.
71-76, 113).

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Figura 7: Rikbaktsa e povos vizinhos

O sertanista Fritz Tolksdorf, que colaborou ativamente nas expedições


de Dornstauder, delimitou desta maneira o território tradicional dos
Rikbaktsa, por volta de 1959:

“O território de caça e moradia destes índios estende-se, grosso modo, do


córrego Jacutinga, afluente da margem esquerda do Arinos, para o norte, até
ao rio Juruena, continuando-se pela margem esquerda deste rio, para baixo,
até quase a divisa de Mato Grosso - Amazonas. Do Jacutinga, pouco mais ou
menos, na direção oeste, até ao rio do Sangue; deste, para baixo até ao
Juruena e, depois, até, aproximadamente, ao Juína-Mirim, na margem
esquerda do Juruena. Daqui, até perto da nascente do rio Aripuanã e, depois,
na direção norte, também até próximo da divisa do Amazonas” (Tolksdorf, s/d,
p. 8-9).

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Figura 8: Aldeias rikbaktsa em 1962


(Dornstauder, 1975, p. 29)

O padre João Dornstauder, com base nos dados coletados em sua


campanha pacificadora (no total, foram noventa expedições desde outubro de
1956), elaborou mapas muito precisos da localização de aldeias e
acampamentos; algumas versões foram esboçadas em campo, no decorrer das
expedições (hoje arquivados no Centro Burnier, em Cuiabá, MT; v. Pacini,
1999, p. 14). De acordo com Pacini (1999, p. 7, nota 21), entre 1957 e 1962 o
missionário encontrou cinqüenta e dois locais de moradias rikbkatsa, dos
quais quinze ainda ativos em 1962, disseminados por todo o vale do médio
Juruena (ver mapa acima); já o padre Schmidt teria informado a Hahn (1976,
p. 33) que, pessoalmente, Dornstauder visitara quarenta e dois desses locais.

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Laudo antropológico – Processo 2006.36.00.003067-5
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Com base nesses os dados, podemos afirmar que o habitat tradicional dos
Rikbaktsa inscrevia-se entre os seguintes limites: no sentido leste-oeste, desde
a margem direita do rio Aripuanã à margem direita do rio Juruena; e no
sentido norte-sul, desde o salto Augusto aos rios Arinos, Sangue e Papagaio.
Para o que interessa a este laudo, merece atenção, no mapa de Dornstauder
acima, as dez aldeias plotadas justamente na região do córrego Escondido e
seu entorno, bem como o próprio posto da Missão luterana que então assistia
àquela região.

Em meados dos anos 1950, expedições repressivas dos seringueiros já


haviam destruído várias roças e malocas dos Rikbaktsa, assassinando muitos
de seus moradores. A ocupação seringueira já alcançava parcelas extensas do
habitat indígena; turmas de medição, agrimensores e colonizadoras traçavam
picadas demarcatórias por toda a região (Tolksdorf, 1996, p. 44). Segundo
Dornstauder (1975, p. 30), foi nesse contexto que a reação dos Rikbaktsa
generalizou-se, “envolvendo, aos poucos, todo o território e todos os grupos
rikbaktsa”. A gravidade das hostilidades de parte a parte, uma verdadeira
“guerra”, convenceu seringalistas e firmas, finalmente, a apoiar a intervenção
pacificadora proposta pelo padre Dornstauder. Ele começou pelo rio Arinos,
deixando brindes e fazendo o reconhecimento da região (idem, p. 43). Nove
meses de tentativas e sete expedições, com guias Kayabis e um Iranxe,
facilitaram um primeiro encontro pacífico, em julho de 1957, assim narrado
por Dornstauder (idem, p. 88-89):

“Dia 30 de julho de 1957. Marchamos cedo. Metemo-nos agora pelo caminho


novo descoberto na véspera. Vou à frente, a senha de pacificação no peito. A
mata exala ainda umidade de chuva.
Com meia hora de marcha, de repente, percebo um movimento por entre
ramos e folhas, manchas de cor dançando. São Rikbaktsa a tirar embira de um
pau. Quero ver melhor. Assoma alguém. [...] Empunha arco e flecha. Mais
tarde iria saber que era homem, o índio Pome.”

Pome hoje reside na aldeia Beira Rio, na área Erikpatsa, onde o conheci
em julho de 2010, quando dos trabalhos periciais requeridos em outra ação
judicial. No mapa abaixo, os trajetos dessas primeiras expedições na região do
baixo Arinos, e as aldeias visitadas no ano de 1957 por Dornstauder:

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Figura 9: Expedições no Arinos, 1957


(Dornstauder, 1975, p.70)

Figura 10: Aldeias no baixo Arinos, 1958


(CBFJ/MIA, Acervo Dornstauder, Fasc. 21)

No ano de 1958, seguiram-se novos contatos na mesma região, onde


havia um conjunto de quatro aldeias (dos líderes Ixo, Aiko’e, Pudai e Tapema)

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que ocupavam o divisor Arinos e Juruena, conforme os croquis acima, onde


partilhavam festas, caça, pesca e incursões guerreiras (Pacini, 1999, p. 41).

Em março, Dornstauder promoveu uma primeira confraternização com


os seringueiros, conduzindo dois Rikbaktsa (Nicolau Aundo e Zacarias
Tamatze) ao barracão de José Rosa, na margem esquerda do rio Arinos (idem,
p. 126-127). Na oportunidade, inaugurou no mesmo local a sede da “turma
volante de pacificação”, o posto Santa Rosa (idem, p. 129-130). Concluída essa
primeira etapa da pacificação, o missionário traçou planos para a zona do rio
do Sangue, onde havia sete feitorias de seringueiros “assentadas em chão
residencial rikbaktsa”. Logo, obteve alguns “encontros fugazes”, como este de
junho de 1958:

“O trilho, num brejo preto e pegajoso, parece amassado por pisadas de


homens, mulheres e crianças. Por fim, uma casa rikbaktsa de palha nova bem
amarela. Nenhum movimento, nenhum ruído. A lenha ainda fumega dentro da
casa quase vazia [...] Os Rikbaktsa acabam de sair às pressas. Vamos
encontrando, mais na frente, cestos largados [...] Reparamos que batemos um
pique feito no momento.
Yuroni [guia Kayabi] encontra alguns Rikbaktsa e convida para que venham.
Fazem sinal que não [...] De repente, homens, mulheres, crianças somem. Não
tocamos em nada. Colocamos brindes [...] Os brindes, numa circunstância
dessas, falam e calam na alma dos Rikbaktsa [...]
Dia 11. Voltamos à aldeia rikbaktsa. Yuroni encontra novamente um grupo de
10 a 12 homens. Não dão fala e não hostilizam. No terreiro, os Rikbaktsa
tinham retirado os brindes [...] Deixamos-lhes, então, o rei dos brindes, um
bom machado, pintado de vermelho.
Entramos novamente um pouco abaixo, pela boca da lagoa. Um caminho bem
trilhado desce acompanhando o rio. Leva a outra aldeia. Não vamos atrás dos
índios. Tinham aceitado os brindes, mas não a fala. Não convém aperrear os
Rikbaktsa” (idem, p. 141).

Em julho de 1958, o primeiro surto de gripe entre os Rikbaktsa, trazida


pelos que visitaram o posto Santa Rosa, disseminou-se na região do baixo
Arinos, e logo em todas as demais aldeias, alarmando os missionários e
exigindo drástica mudança de planos:

“Na aldeia do Milho, penúria de alimentação. Não há caça e as mulheres,


doentes, não colhem castanha nem fazem mingau de milho. Atendo a Íxo, sua
mulher e Nipói.
De uma aldeia de cima, chega Uaigma, cantando uma mensagem em tom reto:
morreram dois índios, um deles Xemta, o moço tão cheio de vida, que me tinha
acompanhado ao Posto Santa Rosa” (Dornstauder, 1975, p. 147).

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Pacini (1999, p. 15) considera que as epidemias interpuseram-se como


um dos fatores fundamentais no processo de pacificação: os missionários, em
particular Dornstauder, passaram a agir como “uma espécie de pronto-socorro
com recursos escassos”. Espalhando-se desde os grupos já em contato com
missionários e seringueiros, as epidemias acompanharam, e em muitos casos
até precederam, as próprias expedições pacificadoras (idem, ibidem, p. 46-47).
O movimento incessante de pessoas e famílias pelas trilhas que interligavam
as aldeias umas às outras, de fato, possibilitou que as epidemias alcançassem
grupos mais distantes do baixo Juruena. A “corrida para tentar salvar a vida
dos doentes” (Arruda, 1992a, p. 166), no entanto, não se mostrou suficiente
para estancar a mortalidade avassaladora.

“Padre Edgar me disse [a Alfred Hahn] que durante as epidemias ele andou
junto com padre João por semanas através de aldeias com muitos doentes e
mortos; eles recolheram crianças que consideravam órfãs. Os padres levaram
muitos Rikbakca primeiro para Santa Rosa, um posto missionário no Arinos, e
depois para seu centro missionário em Utiariti, anteriormente um posto da
linha telegráfica de Rondon, logo acima de uma queda d’água de oitenta
metros no rio Papagaio [afluente da margem direita do Juruena]” (Hahn, 1976,
p. 34).

Na opinião de Tolksdorf (s/d, p. 8), sem as epidemias, contra as quais


os índios não dispunham de recursos terapêuticos, “teria sido necessário muito
mais tempo para estabelecer contato com eles” - por exemplo, na visita à aldeia
de Ixo em agosto de 1958, para tratamento dos doentes, Dornstauder (1975, p.
149-150) ali conheceu Icoteti e outros Rikbaktsa moradores da margem
esquerda do Juruena. Ademais, os próprios Rikbaktsa já contatados
colaboravam ativamente, como porta-vozes para persuadir os demais a aceitar
a convivência pacífica com missionários e seringueiros. A motivação
pacificadora sobrepunha-se, até mesmo, às desavenças eventualmente
existentes entre as diversas facções:

“Pretendo subir o rio do Sangue, a fim de tentar a pacificação ali. Vejo, no


entanto, que a turma do rio do Sangue não é amiga da turma do Arinos.
Começo a movimentar as razões e motivos, a ver se consigo companheiros.
Procuro desfazer possíveis temores das famílias que ficam, dizendo eu que
vamos encontrar roças durante a viagem. Também faço valer minhas idas e
vindas, meus curativos e remédios. Proponho que venham ver a minha casa
em Utiariti” (idem, p. 153).

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Os expedicionários foram acompanhados nessa viagem pelos Rikbaktsa


Umoa e Uagadema. De Utiariti, rumaram para o rio do Sangue onde, nos
primeiros dias de outubro de 1958, encontraram o chefe Tabobocta, acampado
à beira do rio, e os moradores da aldeia do córrego Antonio Correa (idem, p.
155-157). A partir de então, o processo de pacificação dar-se-ia na “forma de
reação em cadeia”; nas palavras de Dornstauder:

“Neste outubro de 1958, a pacificação entra numa nova fase histórica. Até
aqui, empenhei-me, tomando a iniciativa de cada movimento pacificador, indo
sempre à frente. Os bons frutos dos encontros tidos com os Rikbaktsa
amadureceram. Os Rikbaktsa interessam-se fundamente pela pacificação, e
encontros se dão por iniciativa deles. E dois movimentos acontecem, um em
direção a mim e outro em direção aos seringueiros. Daqui acontecerá a euforia
dos seringueiros de verem os índios, sem minha presença. Acham-se também
pacificadores.
Minha atividade se desdobra, atendendo às necessidades dos Rikbaktsa nas
doenças no Arinos, no Juruena, pela região da barra do Arinos, no Sangue, no
Juruena, pela região da barra do Papagaio.
Também o Pe. Edgar Schmidt, continuando meu trabalho em extensão para o
Juruena, tanto em cima como depois embaixo, ampliará o campo de ação,
reforçando ao mesmo tempo as bases de atendimento” (idem, p. 159).

Em novembro do mesmo ano, registraram-se vários óbitos nas aldeias


do baixo Arinos - capitão Ixo, Maguedati, Uaima, Nipoi e outros (Dornstauder,
s/d, p. 199-200). No dia 19 desse mês, no posto Santa Rosa, Dornstauder
(1975, p. 160) recebeu a visita de Matsem, dos Rikbaktsa cujas aldeias
estavam abaixo da de Icoteti, na margem esquerda do Juruena. Nos primeiros
meses de 1959, um segundo surto de gripe, no posto Santa Rosa e nas aldeias
próximas (Pacini, 1999, p. 48) - e nove índios mortos, de acordo com Tolksdorf
(1996, p. 70).

Em abril de 1959, numa feitoria de seringueiros no rio do Sangue,


Dornstauder (1975, p. 162) apresentou-se ao legendário chefe Muitsoc e a
novas turmas de Rikbaktsa:

“Na conversa, cinco nomes de chefes são passados de boca em boca e


comentados fartamente: Tabobocta, em cuja maloca [no córrego Antonio
Correa] deixamos os primeiros brindes no Sangue e com quem primeiro
falamos; Eritcabui, chefe da maloca situada logo abaixo de Tabobocta;
Muitsoc, respeitado pela turma do rio do Sangue, mas com domínios para as
bandas do Juruena; Paraita, morador da margem oposta. Pelo visto, esses
chefes e seus grupos se dão entre si muito bem” (idem, p. 163).

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A fundação do posto Regis, na margem esquerda do baixo rio Sangue,


ocorreu em agosto do mesmo ano (Pacini, 1999, p. 48); no local escolhido, uma
antiga aldeia, estava o barracão Santo Antônio. Dornstauder deixou-o ao
encargo de Maurício Tupsi, Iranxe, um de seus auxiliares mais dedicados.

Figura 11: Aldeias no rio do Sangue, 1959


(Dornstauder, 1975, p. 170)

Encerrada essa etapa da campanha pacificadora, as próximas


expedições buscaram alcançar então as aldeias situadas na margem esquerda
do Juruena, o “último reduto” dos Rikbaktsa tidos por “brabos”. São os
episódios relativos a esta etapa que, sobremaneira, interessam ao presente

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laudo pericial, na medida em que eles permitem esclarecer a ocupação


tradicional dos Rikbaktsa no setor norte de seu território, o córrego Escondido
e seu entorno.

Figura 12: Frente do alto Juruena, 1958


(Dornstauder, apud Pacini, 1999, p. 142)

O missionário organizara uma expedição à aldeia de Mamuitsa, acima


da cachoeira ou travessão do Desastre, a quatro horas de marcha a oeste do
Juruena, junto com os Rikbaktsa Waigma, Auca e Hicpadati. Mamuitsa já
mantinha relações com os seringueiros Benedito Siqueira e Lucas Pereira,
suspeitos de abusar das mulheres daquela aldeia:

“Sabemos que lidamos com uma turma resistente à pacificação. Todos os


moradores rikbaktsa, nesta margem esquerda do Juruena, daqui para baixo,
são tidos por refratários. Mamuitsa acolhe-nos reservado, mas cordial”
(Dornstauder, 1975, p. 172-173).

Tempos depois, a turma de Mamuitsa, num total de doze pessoas,


deslocar-se-ia para o posto Santa Rosa (idem, ibidem). Em seguida, setembro
de 1959, em sua trigésima expedição, Dornstauder partiu rumo à aldeia de
Icoma, o “chefe mais falado da resistência no Juruena”. Para isso, favoreceu-o a

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iniciativa diplomática de Aico’e, que lhe tomou a dianteira. Ao lado de Fritz


Tolksdorf e do proeiro Simão Kayabi, marchavam os Rikbaktsa Matereocutipa
e Waigma, “à frente [...] a fim de preparar os ânimos dos Rikbaktsa
desconhecidos”; no caminho, cruzaram os acampamentos de Icoteti e de Voco,
então a coletar castanhas, e assim chegaram ao acampamento deste último,
ao lado de uma grande roça (idem, p. 174):

“Gente nova, movimenta-se rápida e decidida. Tudo de cara fechada. Coletam


castanhas, neste acampamento. Por isso, encontramos castanheiras de área
limpa e queimada [...]
Os Rikbaktsa que vêm comigo, tratam os outros de Kütsa. O fato surpreende-
me, pois conto com a designação de Megütsato [...] Todos, cheios de
curiosidade, desejam brindes. Ali tinham falecido alguns índios. Há doentes. A
assistência aos doentes compensa o trabalho de carregar a farmaciazinha.
Pousamos ao lado da maloquinha, ao ar livre. Contamos 12 Rikbaktsa de Voco.
Alguns usam urucum nos cabelos. Encontramos o casal novo Aundo e
Uobatau’u. Aundo é irmão de Hatsabui. O pai deles foi morto por um
seringueiro do Aripuanã e o pai da mulher, por outro Rikbaktsa” (idem, p. 174-
175).

Figura 13: Aldeias na margem esquerda do Juruena, 1959


(Dornstauder, 1975, p. 172)

De lá, a expedição seguiu para a aldeia de Iocondi, algumas horas de


caminhada a oeste. Dada a sua importância para elucidar as questões

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submetidas a esta perícia, transcrevo abaixo trechos mais extensos do livro de


Dornstauder, nos quais descreveu suas viagens às aldeias na região em tela,
identificando seus moradores, seu habitat, suas condições de vida à época e os
efeitos trágicos das epidemias que então grassavam:

“Dia 11. Descemos à aldeia de locoindi. Hatsabui abre a marcha com arco e
flecha na mão. Fazemos fila indiana. Marcha pelo mato de ar abafado, os
córregos secos.
Às 14 hs., chegamos a uma verdadeira aldeia: duas grandes casas e a casa dos
homens, servidas por caminhos largos e limpos, mata alta, muito babaçu.
Aldeia de locoindi vazia. Entendi, depois dos comentários, que fugira para o
Aripuanã, ao poente, de medo, para se unir aos Rikbaktsa de Pignobitsa [no rio
Aripuanã]. É um dos nove que mataram o seringueiro Suarez.
Hatsabui, Uaigma e Matereocutipa passam a uma outra aldeia que está perto.
No dia seguinte seguirão até a maloca do pai de Matereocutipa, num dia bem
puxado de marcha. Os mais ficamos. Fritz tem uma enorme bolha num
calcanhar, Cangauvi uma ferida, Ricoteti sente-se abatido. Comida escassa.
Felizmente, no caminho, Aundo sobe numa castanheira e derruba castanhas
verdes. De noite vento forte.
Dia 12. Fritz permanece na aldeia abandonada. Aundo e sua mulher nos
guiam. Apesar da temperatura fresca de friagem, suamos bastante, com sete
córregos secos e apenas um com água. Afinal, chegamos a uma roça ainda
fumegando. Uobatau’u, que até aqui veio à frente, guiando, fica atrás de todos.
Um caminho reto rasga um maravilhoso anajazal, a mata alta. Por fim, um
amarelo de palha, de nítidos contornos, se destaca do fundo escuro, em parte
fechado pelo mato. Aldeia maior que a anterior: três casas grandes e uma casa
dos homens. Tudo abandonado, com sepulturas novas.
Após conselho breve dos índios, voltamos um tanto do caminho e enveredamos
por outra trilha batida, que nos leva a uma pracinha com seis ranchos.
Matereocutipa nos espera. Seu pai falecera e não sente necessidade de ir logo à
distante aldeia.
Primeiro me apresentam a Tsapako10 [...] Dou-lhe remédio. Depois vem Icoma,
o chefe desse grupo e a alma da resistência ao avanço dos civilizados, cabelo
comprido, estatura pequena, porte de homem no vigor da idade e do mando.
No grupo conto três homens e duas mulheres [...]
Reunimo-nos umas 30 pessoas. Os nomes mais falados são: Icoma, Tsapako,
Uatama. Iogmaba [...] Dou remédios a todos. Icoma faz questão de que sua
criança receba uma injeção.
De tarde, chegam em fila indiana, silenciosos, quatro caçadores, de uma
excursão pela região do baixo curso do Juruena. Gastaram três a quatro
meses. Matsin [Geraldino Matsi], o mais avantajado entre eles, vem tossindo.
Comida farta na aldeia: carne moqueada, batata, mingaus de batata doce e
milho semi-azedados. Tenho a impressão de ser bem acolhido e aceito, quase
com expectativa de algo extraordinário. Mostram curiosidade e admiração mal
disfarçada. Reparo que muitos examinam de perto e tocam pela primeira vez
um civilizado.
Os hóspedes pousamos ao ar livre. Noite fria e de forte vento. Ricoteti, entre
dois fogos, a toda hora sopra tições.
Dia 13. Voltamos à aldeia de locoindi. Fritz não perde a ocasião de demonstrar
a boa pontaria e destreza no tiro. Obtém, por troca, objetos indígenas, já que

10 Pai de Geraldino Matsi e Salvador Okodoby, os quais entrevistei em julho de 2010 na aldeia Pé-de-Mutum

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os índios se mostram interessados. Não aprovo, porque infringe a combinação


feita expressamente. Nessa pacificação e nos primeiros contatos, não é para
trocar nada: é minha técnica aqui declarada. Negociações, só depois.
Voltando para o posto Santa Rosa, acompanham-me Auntoma com sua mulher
Txumarrik, carregada com um xire enorme, pencas de colares e mais uma
criança na faixa. A outra criança, já maiorzinha, reveza entre andar e ser
carregada pela mãe ou pelo pai. À saída dizem que vão aos Kütsabo. Entendo
que falam de nós, os civilizados. Ricoteti, doente, com 38,8° de febre, exige e se
queixa, centro da atenção de todos.
Dia 14. Falhamos, por causa de Ricoteti. A febre passa de 39°. Chegam três
moços: Tsavata, irmão de Uaigma, Maia e Oridsa, pintados na cara e no corpo,
tanga nova e bem arrumada. Nesses três índios, como em geral em quase
todos, leio a admiração indisfarçada e desejos de conhecer os civilizados, tudo
deixando transparecer certo medo e vergonha. Afirmo e insisto que os
seringueiros do Juruena são bons. A maioria são colonos da CONOMALI e
Geraldo é pessoa correta.
Tiro uma série de informações sobre as principais malocas. Dizem que aldeias
grandes são as de locoindi, Icoma e Bobai. Indicam outras pequenas. Mas
afirmam que não adianta procurar as aldeias grandes, porque os Rikbaktsa
delas são brabos e fugirão de medo.
Combino viagem a fim de visitar mais tarde as outras aldeias” (Dornstauder,
1975, p. 175-176; grifos meus).

Figura 14: Aldeias no baixo Juruena, 1959


(CBFJ/MIA, Acervo João Dornstauder)

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Dornstauder recolheu informações preciosas sobre os confrontos entre


aqueles Rikbaktsa e os seringueiros, e destacou a existência, na região do
córrego Escondido, de recursos naturais essenciais, a taquara para haste e a
taboca jurupará para ponta de flecha:

“Reina uma geral animosidade contra alguns Rikbaktsa matadores de gente da


própria tribo, mas não podem perdoar aos seringueiros. Matsin e os Rikbaktsa
recém-chegados contam como agem. Matsin participou de roubos em feitorias.
Os índios flecham e os seringueiros correm. Dizem que os seringueiros do
Aripuanã têm tudo. De lá trouxeram galinhas, que criam por causa das penas.
Também as correrias da margem direita do Juruena ficam para a
responsabilidade dos Rikbaktsa de baixo. Matsin diz que os seringueiros do
Aripuanã são brabos e, assim, as investidas de roubo dos Rikbaktsa não dão
quase resultado nenhum. Nessas correrias pelo baixo curso do Juruena,
recolhem também taquaras e tabocas para flechas” (idem, p. 176-177; grifos
meus).

O regresso ao posto Santa Rosa serviu para Dornstauder planejar uma


nova investida aos Rikbaktsa da margem esquerda do Juruena - onde uma
epidemia de gripe já se havia alastrado:

“Dias depois, torno aos Kütsa, para consolidar os primeiros encontros


amistosos. Levo remédios para atender à gripe dos índios. Fritz Tolksdorf
prontifica-se a responder pelo Santa Rosa, durante minha ausência.
Acompanham-me Uaigma, Auntoma, Aido, Suamuitsa e os tripulantes. O guia
é Auntoma.
Não encontramos ninguém no barracão do Geraldo. Um pouco abaixo, o
seringueiro Generoso me informa de que, poucos dias atrás, tinham passado
cinco Rikbaktsa por sua feitoria e saíram satisfeitos.
Chegados ao porto de Icoma, faço um pequeno reconhecimento do rio Juruena,
águas abaixo. Passamos a barra do Icoma, também chamado córrego Água
Branca e mais o Urugudatsik. Por este córrego acima se encontram Rikbaktsa.
Mais para baixo averiguamos a existência de uma estrada de seringa colada,
mas não encanecada ainda.
Dia 6 de outubro. Frido Manduca leva o motor de volta ao Santa Rosa. Mando
recado ao Geraldo a respeito dos índios. Entramos terra a dentro, chegando até
à maloca de Moitsiguidi, família de quatro pessoas.
Dia 7. O acampamento e a aldeia de Icoma estão abandonados.
Morreram Icoma, Aundo e Meri, mulher idosa. Por toda parte jazem cacos de
potes e arcos, quebrados, bordunas jogadas fora. O resto da turma
encontramos acampado mais adiante. Conto vinte e duas pessoas. Dou com
gente de Moitsiguidi, Bobai, Patsek, Uatsu e mais algumas turmas de mais
abaixo.
Uma parte dos índios pretende ir ao Santa Rosa. O resto, indeciso [...]
Dia 12. Chegamos ao porto e acampamos. Enquanto esperamos a chegada de
mais índios, vou conhecer a turma de Uatsu, pai de Poigma. Vou com Uaigma,
Auntoma, Moitsiguidi, Tipoa, Tsiuamuitsa. No caminho, à beira do rio,
associam-se a nós Geraldo e o Parazinho. Os dois suspeitam de que os índios
que vamos visitar, aparecem nas feitorias próximas. Caminhamos coisa de
uma légua. Ao chegarmos perto da aldeia, os Rikbaktsa que vão conosco, tiram

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a camisa, empunham arco e flecha e correm para o rancho em frente, gritando


e falando sem parar.
Sai um índio, já idoso, também com arco e flecha, mas, quando vê gente sua,
sossega e manda-nos chegar. Esse costume de sair de arma preparada vem do
medo dos Rikbaktsa tidos como brabos, que matam gente.
Aqui encontramos o velho e uma mulher com um bebê. No caminho de volta,
encontramos ainda Iadogmuitsa com mulher e criança. A turma toda conta
com dez a doze pessoas.
Dia 15. Chega a segunda turma de onze Rikbaktsa. Atravessamos parte da
turma para o outro lado do rio, quase defronte do barracão. Essa turma segue
mais tarde o córrego Bambu, também chamado Oignatsik e depois se dirige ao
Japoíra. Dez índios sobem comigo ao posto Santa Rosa.
Dia 17. No posto Santa Rosa faço as contas e vejo que são 47 os índios
encontrados nesta expedição.
E os Megütsato? Pensava ser a turma que mora mais para diante, mais abaixo,
que não dão confiança. Ora, as últimas turmas visitadas se tratam de Kütsa,
gente, nossa gente. Começo a entender que Megütsato não é um grupo
determinado, mas simplesmente outra gente” (idem, p. 177-178).

É nessa ocasião, justamente, que Dornstauder obteve informações


precisas sobre as aldeias mais ao norte, cuja localização esboçou no croquis
abaixo:

O contato com Icoma, que imaginava seria o fecho da pacificação, não é senão
a porta para nova série de aldeias. Uaigma, Tsavata e Matereocutipa dizem que
encontrarei aldeias ligadas entre si por trilhos até o Salto Augusto e ao interior
do Aripuanã. Têm interesse de irem até esses índios. O chefe mais falado por
Uaigma é Vutamo. Teria de visitar Moikxau” (idem, p. 178-179; grifos meus).

Todavia, apenas em maio de 1960 conseguiu Dornstauder planejar a


quadragésima quarta expedição, em busca da aldeia de Môikxau (Myktsõ), no
córrego hoje chamado “do Cristóvão” (ou “do Noca”; cfe. Dornstauder, 1964, p.
3, também, córrego “das Missões”; os Rikbaktsa designam de
Tsaytsabohokotá; é o limite leste da TI Escondido), confirmando na ocasião a
existência de diversas aldeias na região do córrego Escondido e seu entorno:

“3 de maio de 1960. Fritz novamente se prontifica a responder pelo Santa


Rosa.
No barracão encontro Oscar e Abel [...] No barracão sou surpreendido por uma
nova: corre o boato do meu falecimento. Segundo informação de Oscar,
Intsima e Matsim tinham vindo ao barracão do Geraldo, perguntando pelo
padre. Receberam a resposta dos seringueiros:
- ‘O padre morreu!’
- ‘Padre poini, padre poini!’ - foi a voz espalhada, entre os Rikbaktsa. Pediram
machado, facão e prato.
Pousamos abaixo do porto de Poigma.
Dia 5. Faço ligeira exploração do córrego Amolar, pois Tsavata diz que, para
cima deste córrego, moram índios. O Paraíba e Anésio· têm a feitoria na ilha
perto da barra do Amolar.

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Pouco abaixo do barracão, a feitoria do Raimundo. Encontro acampada com


ele a turma de exploração de borracha. O chefe é Douglas, vulgo Gaúcho. Peço
informação sobre o córrego Amolar. Ninguém sabe de tal córrego. [...]
Dia 6. Rio largo e majestoso. Ilhas caprichosas, em especial a ilha do Mastro.
As 9 hs. e 30 min. encontramos o córrego, com a ilhazinha, procurada desde
cedo por Tsavata. Aqui é a passagem dos Rikbaktsa para buscar flechas e
agredir os seringueiros no São Tomé e no São Manoel, em correrias periódicas.
A barra dá boa entrada. Mais para diante, alarga-se muito, sendo difícil
encontrar canal de passagem. Às 15 hs. encontramos o rancho de pouso de
Tsavata. Aqui parou dois meses com Pacai e Vutamo, comendo matrinxã e mel
tuma. Mais para cima, um porto. Desse porto sai um caminho, descendo para
Ricata, e outro, terra a dentro, buscando o poente, leva a Vutamo.
Matereocutipa arma um bonito rancho, para abrigar o material da expedição.
Na conversa à noite, depois de aparecerem muitos nomes de chefes, surge a
idéia de convidarmos esses chefes para uma reunião e assim podermos
conferenciar com eles. Marcamos que o local seria a Pedra Bonita, e a
convenção daqui a um mês. Os Rikbaktsa presentes declaram que, nos
ataques a seringueiros, conseguem facões, panelas, machados.
Dia 7. O Kayabí Moiã mata um porco perto do nosso acampamento. Tsavata
sai a explorar o caminho para Moikxau.
Dia 9. Nas proximidades da aldeia de Moikxau [no córrego hoje denominado
“do Cristóvão”], certa tensão se apodera de todos nós. As 10 hs., Tsavata tira a
roupa, coloca os colares e avança sozinho. Não demora muito, vem Moikxau
receber-nos amigavelmente. Faz cara de quem diz: Venham, é claro!
Casa comprida, com o lugar reservado aos homens, numa das extremidades.
Apesar de não haver casa separada para os homens, o lugar deles é guardado
ciosamente, como o das famílias. Quatro homens caçaram uma anta. Agora
estão todos ocupados em servi-la bem e depressa. São-nos apresentados
blocos quase cúbicos de carne extraordinariamente macia.
De tarde visitamos Pácai. Vutamo tinha viajado para cima.
Uaigma fala de Vutamo como notável Rikbaktsa. Entendo que é o mestre
instrutor e orientador dos jovens.
Aparece lamari, cuja maloca não se encontra longe. Se entendo bem, ali
moram a mãe de Tsavata e Uaigma. Uaigma tinha-se ausentado, fazia anos,
indo para cima. Diz que a razão do afastamento era zanga. Lamentam
Mondogua, irmão mais velho de Uaigma, falecido poucas semanas. Ao furar
um mel, no alto dum pau, Mondogua cortou o pé, caiu e lastimou-se, vivendo
depois disso ainda dois ou três dias.
Pousamos perto da maloca de Moikxau, no outro lado do córrego [do
Cristóvão]. Nosso costume de acampar ao ar livre, em separado,
obstinadamente, se motiva nos cuidados higiênicos, de não facilitarmos
possíveis contágios. Não observo que os Rikbaktsa passam fome ou sintam
falta do necessário. Sentem a míngua de coisas úteis. Mesmo sem dizerem
nada, só por nos ver, descobrem em nós objetos que vão satisfazer certas
necessidades na vida arredia.
Dia 10. Ainda de madrugada, vêm os hospedeiros com comida, para nos
fazerem companhia. Querem ver tudo o que temos. Vem um grupo de
mulheres e crianças da maloca de Pacai. Uma mãe carrega às costas uma
menina paralítica desde pequena, agora com 14 ou 15 anos. A menina-moça
chora. Vêm lmari e Tsapatao.
Tsavata procura seu cunhado Valiuta ou Adivaliuta, apelidado de civilizado.
Trazem a cabeça do seringueiro assassinado faz poucos meses por Mãrok no
Paranatinga ou São ManoeI. Mostram o crânio dentro de uma cestinha e
comentam:

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- ‘Seringueiro não presta, não tem nada: só facão velho e um anzol grande
rabichado com cera!’
Dizem que comeram o miolo. Os seringueiros e o encarregado do barracão,
François, confirmam essa morte. O crânio do seringueiro, a faca e o anzol
foram enviados para o Museu da Faculdade de Filosofia Nossa Senhora
Medianeira, em São Paulo.
O grupo de Moikxau totaliza 15 pessoas. O mais velho é Paravari. As duas
filhas de Paravari estão casadas com os dois irmãos Moikxau e Mãroc. Aqui
está também Aigba e sua irmã ou prima. O pai de Aigba, faz pouco, foi morto
por Uoigbe, matador de gente, morador não longe daqui. Com Pacai está sua
mulher e a enteada Anoindu, depois chamada também Luzia, e mais a viúva
do irmão de Uaigma, com a paralítica. Também estão lamari, Tsapatao,
Adivaliuta, cada um com a família. A mulher falecida de Adivaliuta, que era
irmã de Uaigma e Tsavata, chamava-se Nema e tinha deixado uma filhinha
Moha, depois chamada também Beatriz” (idem, p. 179-181; grifos meus).

E mais uma vez, a tragédia da gripe:

“Passo os doentes: gripes em todos os estágios. Não tenho medicamento


suficiente. Por sinal, as causas dos últimos óbitos, afora a gripe, que por aqui
já passou e pelos grupos vizinhos: oito mortes violentas, envenenamento de
cobra, quedas e traumatismos, intoxicação de banana verde, esforço
demasiado em transporte de carga, sangue vivo lançado pela boca.
Dia 11. Resolvem ir ao porto comigo o grupo de Moikxau, Tsapatao e lamari.
Ficam na maloca Tsavata e Adivaliuta. Tsavata encarrega-se de convidar os
principais chefes para a reunião definitivamente combinada para a próxima
lua cheia. Com Uaigma alguns doentes resolvem ir ao posto Santa Rosa. Vejo
vantagem e aprovo, pela facilidade de assistência no posto e pela libertação de
ambiente infeccionado.
Dia 12. Em marcha lenta, rumamos para o porto. As mulheres são as que
regulam o ritmo da progressão, as paradas.
Dia 13. Aplico os últimos medicamentos, atendendo aos casos mais graves. À
noite, melhora geral notável. As mulheres melhoraram o rancho, para se
defenderem contra os piuns. Por felicidade, os caçadores não voltam de mãos
vazias. [...]
À noite, conversamos de índios, muitos deles desconhecidos para mim. Falam
de numerosas malocas. Anoto os nomes de chefes: Arobitsato, Totsima, Uaino,
logodati, Ricata, Deigma, Uacari, Mapedatik, Aune e os do Aripuanã. Uoigbe do
Juruena e Uoxiron mais Tsanamuitsa do Aripuanã têm fama de brabos.
Percebo que entre os grupos se alastram rixas e rivalidades, assim como entre
os Rikbaktsa e os seringueiros. Notei menos animosidade entre os Rikbaktsa
de cima. Contam que todas as malocas estão ligadas entre si, por caminhos e
rios. Insisto na reunião da lua cheia na Pedra Bonita. Confirmo-me ser
vantajosa a reunião, bom estratagema, para lidar facilmente com chefes de
tantas dispersões e distâncias.
Quanto aos seringueiros, oriento os Rikbaktsa para não se unirem a eles. Cada
qual deve morar no lugar de origem. Explico que nem todos os seringueiros são
bons. [...]
Dia 15. Chegada ao Santa Rosa. Verifico que os índios da Água Branca
transitam pelo barracão. Esboça-se a fase de aproximação pacífica aos
civilizados [...].
De 21 de maio a 14 de junho de 1960, procuro medicamentos em Juína Mirim,
no Juruena, para os postos e informo sobre as doenças dos Rikbaktsa. O rádio

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de Juína Mirim não funciona. Deixo por escrito uma mensagem, para o dia em
que funcionar.
Já com atraso de três ou quatro dias, parto para a confederação da Pedra
Bonita, deixando de atender a outras necessidades dos Rikbaktsa e dos
seringueiros. Saio do posto Santa Rosa.
No barracão do Geraldo, informam que já apareceram três ou quatro
turminhas de Rikbaktsa pedindo ferramenta, entre eles Intsima e Matsin. [...]
Na ilhinha da Água Branca, o seringueiro Abel acaba de baldear uma turminha
de Rikbaktsa para sua feitoria. Sente-se todo feliz e preocupado. Tento
persuadi-lo da conveniência de seguir o regulamento de nossa turma de
pacificação. Levo os índios novamente para a margem esquerda do rio. Dizem-
se ligados a Iyama e Patsec. Matereocutipa e Tsapatao me acompanham só até
o porto de Intsima, pois desejam falar com Intsima, Tsanamuitsa e Voco. Para
sugerir a paz e para noivar.
Dia 16. Às 17 hs., encontro-me com Poigma e Patsec na feitoria de José
Alagoano, numa pequena ilha. José Alagoano anda em relações amistosas com
os Rikbaktsa. Dá-lhes do que tem. Dorme em tarimba, porque cedeu rede e
mosquiteiro para os índios. Defronte à sua ilha, fica o porto de Poigma.
Tsavata tinha trazido uma turma de índios até a Pedra Bonita e de lá Geraldo
os trouxe de lancha, até o porto de Poigma. Na Pedra Branca morreram cinco
índios, entre eles Poigma, na maloca de Poigma e Mãrãmo, da turma de
Arobitsapo, no porto. José Alagoano tratou de Mãrãmo na própria feitoria e
depois no mato, olhando todos os dias por ele. Numa raiz de árvore, sentado,
Mãrãmo dizia:
- ‘Padre João não vem. Vamos embora!’
Fico pensando. Pousamos em terra firme. Não longe, no ranchinho de palha, o
Rikbaktsa morto, já quase seco.
Outro dia, entro terra a dentro, em marcha acelerada. Já tarde, passamos pela
maloca de Bebeu e Pudata e logo pela de Uatamo abandonadas. No outro dia,
encontramos a turma acampada no mato. Um misterioso alívio se espalha com
a minha chegada, como de um parente, de muito tempo esperado. Vutamo
sente-se fraco, com os pés inchados e nevralgias toráxicas. Petsama tem uma
ferida infeccionada no pé. Vutamo desabafa:
- ‘Tudo era bom. Faz tempo não havia doença. Agora, os Kütsa apertam por
todos os lados.’
Dia 18 de junho. Saio a buscar mais medicamentos em Santa Rosa. Poigma me
acompanha. Uaigma, já prático, permanece e dá as injeções restantes.
4 de julho. Estou novamente no porto de Poigma. Acompanham-me
Iagdomuitsa e Pubarata.
Dia 6. Ainda cedo, passamos pelo desvio da Pedra Bonita. O acampamento fica
perto. De longe meus companheiros percebem fogo e se aproximam com
cautela. Encontramos duas crianças. Não fogem. Somos esperados com
ansiedade, mas poucas palavras e isenção de expressão. Uma breve vista
revela tudo: muitas cabeças rapadas e muitas crianças juntas [...] Morreram
Uutamo, Uoiguedem, Petsama. Ao entrar, oferecem bananas verdes cozidas.
Reparto com as crianças.
A rede de Uaigma ocupa o centro, ao lado da viúva de Uutamo, tendo ao lado a
rede da mãe. A mãe e os outros membros do clã endossam o casamento de
Uaigma e da viúva recente: assisto ao jogo caprichoso da morte e da vida”
((idem, p. 181-183).

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Figura 15: Aldeias na região do Escondido, 1960


(CBFJ/MIA, Acervo João Dornstauder)

De acordo com Pacini (1999, p. 49, 59), concluída mais essa etapa, os
jesuítas dedicaram-se aos postos de assistência às margens dos rios Arinos,
Sangue e Juruena, e as expedições perderam sua importância estratégica.
Epidemias de gripe, catapora, varíola e sarampo, que dizimaram parte das
aldeias e deixaram inúmeros órfãos e viúvos, por sua vez, serviram de
justificativa para as medidas de transferência massiva dos remanescentes
para os espaços sociais sob o controle dos missionários, uma forma de
“neutralizar a dispersão” dos Rikbaktsa por seu imenso território tradicional.
Na opinião do antropólogo, o tratamento dos doentes nos postos tornou-se “um
fator decisivo da adesão dos Rikbaktsa à pacificação”; apesar das condições
precárias e a freqüente substituição de encarregados, os postos permitiram

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“certa continuidade” da assistência (idem, p. 66). Via de regra, no entanto, o


destino da maioria das crianças órfãs foi o Internato de Utiariti, mantido pelos
jesuítas à margem esquerda do rio Papagaio: no final de 1960, ali já estavam
44 crianças e 4 adultos (Pacini, 1999, p. 50); e em 1966, cerca de 70 rikbaktsa
(Dornstauder, 1966).

Nessa mesma expedição acima relatada, com efeito, Dornstauder


chegou a remover dezenas de Rikbaktsa do baixo Juruena para o posto
montado às margens do rio do Sangue:

“De volta ao posto Régis, vem comigo uma turma de adultos e crianças semi-
órfãs, na esperança de uma vida melhor. Uaigma chefia a turma. Ainda no
porto, atarefado, recebo um recado do seringueiro do córrego Amolar, Paraíba,
dizendo que espera por mim na sua feitoria, com uma turma grande de índios.
Não posso atender ao Paraíba, ocupado com a transferência dos 40 índios que
tinha reunido aos poucos, trazendo-os em dois grupos, etapa por etapa, ao
posto Régis” (Dornstauder, 1975, p. 183).

O posto Santa Rosa, na margem esquerda do rio Arinos, fora montado


quase um ano depois dos primeiros contatos na região. Rikbaktsa e Kayabis
para lá acorreram, em caravanas sucessivas - de março de 1958 a maio de
1961, Dornstauder contabilizou 53 caravanas de Rikbaktsa (Pacini, 1999, p.
73, nota 8). Depois que o sertanista Fritz Tolksdorf aceitou colocar-se a serviço
do pastor luterano Richter, no posto Escondido, Dornstauder decidiu encerrar
as atividades do posto Santa Rosa, e em 1962 removeu seus moradores para
os postos Regis e Barranco Vermelho, este na margem esquerda do rio
Juruena, pouco acima das Águas Bravas (idem, p. 68).

De todo modo, a assistência prestada no posto Santa Rosa oferecia um


exemplo concreto, aos olhos do Rikbaktsa, dos objetivos de Dornstauder.
Como notou Pacini (idem, p. 64, nota 75), as relações dos missionários com os
Rikbaktsa foram sempre “assimétricas”: ora sob a imagem do “patrão”, que
organizava as expedições e os postos e remunerava os que trabalhavam, ora a
figura paterna, “dono” dos postos, “que trazia benefícios em situações de
extrema carência”. Em Utiariti, da mesma maneira, as crianças “adotadas”
eram educadas no “respeito aos padres como pais e como chefes”.

O posto Regis foi inaugurado em agosto de 1959, para a assistência dos


Rikbaktsa do rio do Sangue, com a vantagem de sua proximidade com o

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Internato de Utiariti. Acompanhado de umas duas dezenas de pessoas, então,


o chefe Muitsoc ali se estabeleceu, construindo casa e plantando roça.
Problemas de saúde (malária, gripe, disenteria etc.) atingiram igualmente o
posto e as aldeias; em setembro de 1960, contava-se já 14 óbitos (Pacini,
1999, p. 108). Desacertos com os encarregados (entre eles, índios Irantxes,
Kayabis, Paresis, Nambikwaras e também Rikbaktsa, que serviam de
auxiliares assalariados), abuso e violência de seringueiros e conflitos entre os
próprios Rikbaktsa causaram a decadência do posto Regis, e seus moradores,
afinal, procuraram abrigo junto ao posto Barranco Vermelho.

O posto Japuíra figurou como local intermediário, “entreposto”


(Dornstauder, 1963b, p. 2) ou “aldeia de transição” (Schmidt & Oliveira, 1971,
p. 3), onde houvera uma antiga aldeia rikbaktsa, na margem direita do
Juruena, entre a foz do córrego Cajueiro e a do córrego Grande (hoje,
“Barreirão”), utilizado pelos jesuítas para “atrair, acolher e introduzir [...] na vida
cristã e civilizada” os Rikbaktsa que antes residiam mais abaixo, na margem
esquerda do Juruena. Em setembro de 1962, ali se instalou o grupo liderado
por Intsimy, que se afastou das imediações da cachoeira do Desastre por
causa de choques com seringueiros (Pacini, 1999, p. 137); em 1963, uma nova
leva de egressos do baixo Juruena “diretamente do posto de baixo” [Escondido],
as famílias de Tonobibita (Amawi11), Maya, Tocta (Tokta), Beo (Meo), Matsi
(Geraldino) e Uguduba (Okodoby, Salvador) (Dornstauder, 1963d, p. 78, 83,
94; Schmidt, 1965).

Em 1967 o posto Japuíra passou à direção do padre Edgar Schmidt,


lotado no posto Barranco Vermelho, a cem quilômetros rio acima (Schmidt,
1968). O auxiliar Oscar Belarmino Ferreira (“Paraibinha”), que ali continuou
residindo, faleceu em fins de 1968. O fato acresceu as pressões para a
transferência de seus moradores para o posto Barranco Vermelho, sobretudo
depois da criação da Reserva Erikpatsa em 1968, um triângulo compreendido
entre os rios Juruena e Sangue, no setor sul do território tradicional
rikbaktsa.

11 Amawi (Tonobibita; Padrasto) mora hoje na aldeia Jatobá, onde o entrevistei em julho de 2010 – ver adiante.

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Figura 16: Postos de assistência


(Hahn, 1976, p. 36)

De acordo com o padre Schmidt (1972e, p. 3-4), em fins de março de


1972 “apareceu no Japuíra o dono daquela área, à procura do responsável, para
discutir o início imediato dos trabalhos de implantação da agropecuária”, e
colocar “em andamento diversos serviços de levantamento”, o que teria
precipitado os planos de remoção de seus moradores para a Reserva
Erikpatsa. No mês seguinte, as famílias Rikbaktsa que ali residiam subiram
para a Reserva, e fundaram a chamada aldeia Nova. Em contrapartida à
entrega da área, o jesuíta firmou um “Recibo e declaração”, datado de 9 de
abril daquele ano, em favor de “Francisco Barbosa Lima e outros proprietários de

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uma gleba de terras de cerca de sessenta mil hectares”, dando-lhes quitação de


“auxílio à Missão Anchieta” para a remoção dos “Canoeiros” remanescentes, no
valor de dez mil cruzeiros. Intitulando-se “responsável pela tribo” (pois
investido da função de “delegado dos Erikbatsa” pela FUNAI), Schmidt atestava
no documento a cessão aos proprietários daquela posse indígena do Japuíra,
“de longa data [...] sem solução de continuidade”, bem como as benfeitorias
existentes (Schmidt, 1972d; ver tb., Hahn, 1976, p. 35; Pacini, 1999, p. 139
nota 164).

O posto Barranco Vermelho, ou “Santo Inácio”, funcionou até os anos


1980 como centro administrativo, médico, educacional e religioso da Missão
jesuíta junto aos Rikbaktsa: a estrutura física (ao lado do arruamento com as
casas dos moradores indígenas, a casa das irmãs, a casa dos padres, duas
enfermarias, farmácia, gerador de energia, rádio transmissor, garagem,
oficina, escola e campo de pouso), os recursos materiais mais generosos e a
presença mais ativa de padres e freiras possibilitaram atrair e lá aglutinar,
ainda que por uns poucos anos, a maior parte da população Rikbaktsa
sobrevivente das epidemias, em substituição aos demais postos missionários
(Hahn, 1976, p. 35; Arruda, 1992a, p. 168; Pacini, 1999, p. 69). De acordo
com Arruda (1999, p. 169), “no contexto de enormes pressões sobre suas terras,
de extrema desestruturação social e debilidade física, o Barranco Vermelho, com
seu atendimento à saúde, aparecia aos Rikbaktsa quase como a única alternativa
ao desaparecimento, argumento insistentemente usado pelos missionários para
convencê-los a irem para lá”. E, uma vez ali, foram submetidos ao mesmo
esquema do Internato de Utiariti: calendário semanal de trabalho agrícola e
descanso e oração nos fins de semana; a caça e a pesca somente permitidas
aos sábados.

Por sua vez, o posto Escondido, cuja denominação advém do córrego


que deságua no Juruena, cuja foz se oculta aos navegantes desatentos, foi
criado em 1960 pelo missionário alemão Friedrich Richter, da Missão luterana,
com o apoio velado da CONOMALI. Único posto instalado na margem esquerda
do Juruena, ao norte, cerca de quarenta quilômetros acima do salto Augusto,
onde persistiriam grupos Rikbaktsa isolados, tidos como mais “brabos” ou
arredios até meados da década de 1970. Todavia, por falta de pessoas

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qualificadas e de recursos e. inclusive, desavenças com os índios, em 1969 os


luteranos demandaram a FUNAI e, depois, os jesuítas para assumir o posto e a
assistência aos Rikbaktsa do Escondido. A Missão Anchieta, com isso,
elaborou um plano, de médio prazo, para a transferência dos remanescentes
para o posto Barranco Vermelho, através de expedições que se sucederam até
janeiro de 1974 (Pacini, 1999, p. 69), mencionadas abaixo.

Em agosto de 1961, a serviço do pastor Richter, o sertanista Tolksdorf


(1996) e o auxiliar Oscar Belarmino Ferreira (“Paraibinha”) ali construiram
novas instalações, prepararam plantações e se dedicaram ao atendimento dos
doentes - além dos que ali moravam e os que vinham das aldeias próximas em
busca de remédios, ajudavam também seringueiros e garimpeiros em trânsito.
Na mesma época, associadas à missão evangélica, duas missionárias-
lingüistas do Summer Institute of Linguistics (SIL), Sheila Tremaine e Valerie
Mitchell, foram residir no posto Escondido para estudar a língua rikbaktsa e
nela traduzir a Bíblia cristã (Pacini, 1999, p. 128, nota 136). A permanência
dos índios no posto, todavia, revelava-se bastante instável, com idas e vindas
das aldeias nas imediações - nos diários de Tolksdorf (1996) encontramos
indicadas as aldeias de Mapadati, Aone, Maya, Tapiama e Ipatoto (Hipatot); e
no posto, alguns auxiliares mais constantes, como Dokta12 (Docta), Mutipama,
Yogbibui e Sykmy (Txama).

As pesquisadoras do SIL, seis meses depois de sua chegada, romperam


com o pastor e se mudaram para um local mais ao sul, próximo à foz do rio
Arinos; porém, retornaram ao posto Escondido quando Ritcher finalmente se
afastou (Pacini, 1999, p. 128). De maneira análoga, desentendimentos com o
pastor fizeram Tolksdorf abandonar o posto Escondido em 1963, quando
instou o padre Dornstauder que “buscasse os índios antes de que se
estragassem totalmente” - o jesuíta teria enviado Matereocutipa e outros com a
missão de trazê-los; alguns vieram, mas “outros voltaram ao mato” (Tolksdorf,
1996, p. 222). Tolksdorf então iniciou um novo posto pouco abaixo do
travessão do Desastre, onde passou alguns meses (Pacini, 2001, p. 21); porém,
com o apoio da Igreja Luterana - IECLB, retomou o trabalho no antigo posto,

12 Dokta é, hoje, cacique da aldeia Babaçu, na TI Escondido – ver adiante.

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pondo-se a abrir uma pista de pouso no local. Adoentado, porém, Tolksdorf


retirou-se para tratamento na Alemanha, deixando o posto Escondido aos
cuidados de Germano Falk; este sairia em 1968, atritado com o pastor Silvio
Krahl; e Arnildo F. Wiedemann o substituiu na função.

Nesse ínterim, a Missão Anchieta encetou novas tentativas para


arrebanhar os Rikbaktsa do baixo Juruena, com pouco sucesso, como anotou
o sertanista:

“Antes o pe. João encostou no Posto para levar índios, especialmente crianças
para o posto deles, mas o Germano não deixou e o padre diz [que], se não vai
desta vez nesta maneira, ele encontra outra. Mandou outra vez índios para
atrapalhar a nossa vida, mas os nossos índios não querem sair do posto. O
padre prometeu [a] estes índios muita coisa e eles tinham medo de voltar sem
levar índios. Eles ainda queriam ficar conosco mas eu não deixei - até índios
Kajabis querem ficar conosco” (Tolksdorf, 1996, p. 223).

Em fins de 1969, a falta de pessoal e de recursos levaria a Igreja


Luterana a procurar os representantes da Missão Anchieta, no intuito de lhes
transferir a responsabilidade pelo posto Escondido. Para isso, as entidades
firmaram um protocolo onde alegavam, entre outros motivos, a recomendação
para “reunir os grupos esparsos dos índios Erigbaktsa” no interior da Reserva
demarcada no ano anterior, em razão da distância que impossibilitava
“intercâmbio regular dos índios” e “dificuldade do seu atendimento” (Schneider &
Schwade, 1969).

Em desacordo com os missionários à época, a FUNAI pretendeu assumir


o controle direto do posto Escondido. No afã de contatar grupos Rikbaktsa
ainda arredios na região do Escondido, o sertanista João Américo Peret,
designado pelo órgão indigenista, produziu uma triste tragédia, como relatou o
padre Schmidt (1970, p. 1): “com índios mansos, e na frente deles, de arma em
punho penetrou na aldeia, fazendo-os fugir”; alcançados pelos índios da
expedição, estes os convenceram a voltar, e dezesseis deles seguiram para o
posto Escondido; mas logo Peret viajou, deixando o posto desprovido de
medicamentos e de atendentes, e dos recém chegados, oito morreram de gripe
e sete abandonaram o posto, largando uma menina para trás.

Sob a direção de Helio Jorge Bucher, a 5a. Delegacia Regional da


FUNAI, sediada em Cuiabá, MT, tentou ainda a indicação de Fritz Tolksdorf e,

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Laudo antropológico – Processo 2006.36.00.003067-5
2ª Vara da Justiça Federal - Mato Grosso

depois, Antônio Sousa Campinas (“Parazinho”) como encarregados. Contudo,


ao fim, prevaleceu o acordo pelo qual os luteranos cederam aos jesuítas a
administração do posto Escondido. A partir daí, com a anuência ou por
negligência do órgão indigenista, a Missão Anchieta levou à prática seu “plano
de trabalho” de transferência dos Rikbaktsa do posto Escondido e seu entorno,
para assentá-los nos postos Japuíra e Barranco Vermelho, conforme descrito a
seguir.

No final de 1961, o padre Dornstauder havia listado os grupos


Rikbaktsa que “ainda viviam nas matas, especialmente na região do Escondido”:

“1. Uma ou duas famílias vivem encostadas no barracão do Geraldo


[seringueiro, na margem direita do Juruena, pouco abaixo da foz do Arinos]; 2.
Aldeia de Petsama e Mabpadatic; 3. Moicxau (Eroxtatsc) e outros; 4. Linha
marginal; 5. Em baixo: Aubitsen; 6. Uma turma em águas do Aripuanã (em
baixo); 7. Duas ou três turmas em águas do Aripuanã (em cima): uma ainda
bravos e outros estavam com medo; 8. Turma de Intsimy (na cachoeira do
Desastre, isto é, Oignatixic). [...] 9. Turma de Tonobibita e seus vizinhos:
Hairacapipocta e Abnatsic” (Dornstauder, 1961, in “Diário do Posto Santa
Rosa”, p. 56-57, apud Pacini, 1999, p. 101)

Figura 17: Localização e planta do posto Escondido, 1962


(Christinat, 1963, p. 34)

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No inicio de 1962, o etnólogo suíço Jean-Louis Christinat, que


permaneceu por dois meses no posto Escondido, esboçou em linhas gerais o
modo de vida e aspectos culturais dos Rikbaktsa. Lá encontrou cerca de
quinze índios, em quatro moradias familiares e uma casa de solteiros (ver
croquis acina); ao longo de sua visita, entre moradores e visitantes, o etnólogo
relacionou trinta e cinco indivíduos (Christinat, 1963, p. 5, 28).

De junho a outubro de 1962, por sua vez, o etnólogo Harald Schultz, do


Museu Paulista, esteve entre os Rikbaktsa da região do Escondido. Na estação
seca, porém, advertiu o etnólogo, as aldeias estavam quase desabitadas,
porque “os índios Erigpagtsa costumam ausentar-se de suas malocas,
marchando através da selva para os altos rios, em busca de hastes para flechas”
- que não existiam, acrescentou o etnólogo, nas proximidades do Juruena.
Essas excursões podiam durar três a quatro meses (Schultz, 1964a, p. 213,
215, 227); certa ocasião, Schultz presenciou o retorno dos moradores da aldeia
de Ipatoto:

“Diário de viagem, pág. 119, 25 de agôsto de 1962:


Estávamos na feitoria do Jerônimo, pelas dezesseis horas, quando escutamos
gritos vindos da margem oposta. Era a turma de Ipatoto, que voltava da
viagem: quatro homens, três mulheres, um rapaz e cinco crianças. O rapaz
chegou vestido à moda dos seringueiros: calça, camisa e boné com véu-de-
rosto, preso na borda. Os homens vestiam camisa velha e suja por cima da
tanga de entrecasca, além de seus colares e as mulheres ricamente adornadas
com colares, que lhes cobrem toda a frente do corpo. Dois dos homens vinham
curvados ao peso de feixes de hastes para flecha, medindo aproximadamente
meio metro de diâmetro. Uma das mulheres traz um bebê na tipóia de tecido
de algodão, de confecção indígena. Uma criança de ano e meio,
aproximadamente, está sentada às costas da mãe, sobre o enorme cesto, cheio
de petrechos, preso à fronte.
Outras mulheres trazem crianças, e uma menina duns dez anos carregava um
pombo juriti, apertado contra o peito. As mulheres ainda possuíam muitos dos
enfeites originais de dentes, e também colares de dentes de macaco e de
coluna vertebral de aves. Predominavam os colares de sementes diversas,
escuras e claras, aos quais acrescentavam penduricalhos de tampa de matéria
plástica e latinhas, botões, etc.
Atravessamos os índios na lancha Santa Rosa. Pernoitaram na mata,
pretendendo voltar à maloca no dia seguinte. As mulheres ataram as redes nas
árvores.
Chegou-nos, então, a notícia, de que também Mapatati [Mapadati], com seu
pessoal, estava de volta da excursão anual em busca de hastes para flechas.
Desde então, amiudaram-se as visitas; índios que não tinham participado da
viagem e outros de malocas longínquas do interior da selva vinham pedir
hastes que eram distribuídas generosamente.
Também por outros motivos, grupos de índios iam e vinham em constantes
visitas de alguns dias” (Schultz, 1964a, p. 228-229).

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Laudo antropológico – Processo 2006.36.00.003067-5
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Em sua maior parte, os dados de Schultz foram obtidos em três aldeias


(“malocas”) que visitou nas proximidades da margem esquerda do Juruena,
entre o rio Arinos e o salto Augusto, situadas entre quinhentos a três mil
metros do rio: a de Bararari, com oito moradores; a de Mapadati, com vinte; e
a de Ipatoto, entre doze a quinze (idem, p. 235).

Em 1963, o padre Dornstauder observou que muitos “Canoeiros de


Baixo” haviam morrido. No posto restavam poucos, e os demais sobreviviam
em pequenos núcleos: o primeiro, não longe da antiga aldeia de Mapadati
(Mapadatic); o segundo, no córrego Taquara (chamado também de “Missões”
ou “do Noca”, hoje córrego do Cristóvão); o terceiro, no “Córrego do Posto”, ou
seja, o córrego Escondido (Dornstauder, 1963a, p. 20); havia ainda notícias
dos “brabos” Baricatsa e de índios “pigmeus” nas cabeceiras do igarapé
Matrinxã (afluente da margem direita do Juruena, próximo ao salto Augusto).
Destacou ainda o missionário a excursão do seringueiro “Paraíba Doido”, na
companhia de Mapadati e índios do Córrego das Missões (córrego Cristóvão),
que alcançou a primeira feitoria do rio Aripuanã e, no percurso, cruzou por
“12 ou 13 malocas”. Em julho de 1963, dando curso à estratégia de
aglutinação de todos os Rikbaktsa num mesmo local, Dornstauder preparou
uma primeira caravana, liderada por Tubarata (ou Pubarata), que trouxe
dezoito pessoas do baixo Juruena para residir no posto Japuíra. (Dornstauder,
1963d, p. 78; Pacini, 1999, p. 145).

O antropólogo Robert Hahn esteve em 1971 na região do Escondido, por


dois meses, “com um grupo de Rikbakca que resistiu muito a residir com as
missões” (Hahn, 1976, p. 49). Na ocasião, Hahn conheceu os acampamentos
de verão dos últimos grupos que se apresentaram aos missionários, o primeiro
com vinte e seis integrantes e, a meio dia de caminhada, o segundo com nove -
alguns deles então ausentes, em visita à Reserva no alto Juruena (idem, p. 56-
58). Quanto ao posto Escondido, consistia então de duas ou três casas
ocupadas, num total de quatorze residentes (idem, 88):

“Este posto operava menos na base do calendário semanal que os outros,


exceto quando estavam presentes os religiosos. O trabalho agrícola era menor,
e se dedicavam mais ativamente a coleta, caça e pesca. Os residentes deste
posto faziam visitas ocasionais ao garimpo rio abaixo para comércio. Ou
ocasionalmente iam comprar no armazém da firma seringalista sediada em
Porto dos Gaúchos” (idem, p. 89).

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Segundo o antropólogo, os jesuítas esforçaram-se para persuadir os


moradores deste posto a mudar para a área da Reserva Erikpatsa recém
oficializada, por causa dos custos e a dificuldade de manter a assistência
àquela distância; mas, teria sido a invasão do posto por garimpeiros em 1973,
em busca de mulheres e comida, que finalmente convenceu os Rikbaktsa
(idem, p. 37). De todo modo, a ação deliberada dos jesuítas cumpriu um
minucioso planejamento de expedições, de recursos financeiros e materiais, de
pessoal de apoio e, sobretudo, de proselitismo insistente (“mentalização”), que
resultaria no deslocamento rio acima (embora temporário, é verdade, como
veremos abaixo) de todos os agrupamentos Rikbaktsa remanescentes
conhecidos da margem esquerda do baixo Juruena, em particular os
moradores dos córregos do Cristóvão, Canoeiro (do Dico) e Escondido e suas
imediações - ou seja, da atual TI Escondido.

Em maio de 1970, na sua primeira visita ao Escondido como “delegado


dos Erikbatsa” (conforme autorização exarada em 21 de agosto de 1968 pelo
primeiro presidente da FUNAI, José de Queiroz Campos), o padre Edgar
Schmidt (1970, p. 1) tencionava, nas suas palavras, “tomar contato, ganhar a
confiança, explicar a finalidade da reserva com suas vantagens, conhecer o
campo de trabalho, e colher os dados para um plano de trabalho a longo prazo, a
fim de atingir também os diversos grupos ainda sediados pelos matos, que em
boa parte já estiveram em postos, mas não querem neles morar, por medo de
doenças”. Durante sua estadia no posto, contudo, o padre confrontou-se com o
enviado da FUNAI, Antonio Campinas, que atendia determinação do
representante do órgão em Cuiabá, Hélio Bucker, para verificar se os índios
queriam ou não subir para a “reserva” no alto Juruena atendida pela Missão
Anchieta.

Estavam então no posto Escondido trinta e seis Rikbaktsa, e havia


notícias de mais três grupos “no mato” (Schmidt, 1970, p. 2): a noroeste do
Bararati, “com o qual nem falam, nem guerreiam”; na margem esquerda do
Aripuanã, “que por vezes os hostiliza, apesar de laços de parentesco”; e outros,
“pertencentes a eles” - uns cinqüenta no Bararati, uns quarenta no córrego
Cristóvão e, mais ao sul, uns vinte no Água Branca e um grupo menor no
Pedras. No retorno, doze pessoas subiram junto com o missionário (Hadkabui

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e Barie, com suas famílias, três moços e um menino), mudando-se para o


posto Japuíra. No posto Escondido permaneceram as famílias de “Bobo”
(Iogpore), Aone e “Pelado” (Pikupybawa), além do “capitão aleijado” (Bubuima)
(idem, p. 4).

Em agosto de 1971, uma nova expedição organizada por Schmidt trouxe


mais dezessete pessoas de “um grupo arredio” da margem esquerda do
Juruena. De acordo com o padre, nessa mesma ocasião, Rikbaktsa residentes
no Japuíra desceram em três canoas para “buscar ponta de flecha, recolher
penas para enfeites e flechas, principalmente de mutum carijó, e conversar com
os índios do Escondido e explicar como é a vida na reserva” (Schmidt, 1971b, p.
1).

“Assim que, no dia 10 de agosto próximo passado, foram recolhidos 17 índios


arredios da tribo Rikbaktsa, que, com espontaneidade, acompanharam os seus
patrícios, conhecidos de outrora e, há alguns anos, residentes na reserva
[Erikpatsa]. Ainda ficaram alguns índios que não tinham podido vir até o ponto
combinado; por isso os recém vindos pediram que, na lua cheia de setembro
próximo, houvesse outra viagem para buscar os restantes do grupo.
Estes índios foram estabelecidos, provisoriamente, no posto ou aldeia Japoíra,
situada fora da reserva. Este local, sendo antigo habitat dos Rikbaktsa, oferece
ótimas condições para ser um local de transição entre as aldeias e a reserva,
pois ali há casas disponíveis, roças com abundância de milho, mandioca,
batata e banana.
Enquanto existe esta fixação provisória dos índios recém vindos ou arredios na
aldeia Japoíra, os índios já sediados na reserva estão fazendo roças para que,
quanto antes, eles possam ser transferidos para a mesma.
Outro núcleo arredio está nas cabeceiras do córrego Bararati. Também por
iniciativa dos índios Rikbaktsa sediados no posto Escondido, já foi iniciado um
contato com eles; nada se sabe do resultado, pois a expedição ainda não havia
voltado quando o pe. Edgar Schmidt lá esteve no início de agosto” (Schmidt &
Oliveira, 1971).

Em setembro de 1971, outra expedição organizada pelo padre Schmidt,


com apoio dos Rikbaktsa, removeu mais uma turma da margem esquerda do
Juruena, das imediações do córrego Água Branca, num total de oito pessoas,
lideradas por Eribudo (Maxpo) (Schmidt, 1971c).

No posto Escondido permaneciam as famílias de Aone, Tawama, Sykmy,


Xibagtsamo (Moreno), Folia e Iogpore (Bobo) (Schmidt, 1971d). Entre maio e
agosto de 1971, o auxiliar do posto, Arnildo Wiedemann, acompanhado de
Folia e Sykmy e suas famílias, procedeu a um amplo reconhecimento das

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aldeias Rikbaktsa remanescentes na região do Escondido, conforme relatou a


Schmidt:

“Arnildo já voltara dia 16 de agosto. Em sua viagem percorreu as cabeceiras do


Cristóvão, do Dico, do Bararati e fora até as cabeceiras que dão diretamente no
Aripuanã, parecendo tratar-se do Morero [rio Moreru]. Saíra dia 16 de maio.
Exatamente 3 meses. na volta, com toda a caravana, ele andou 39 dias, até
alcançar o Escondido. Quem chefiara propriamente a expedição foi Folia, um
homem moço, mas muito influente. Levara sua família. Também outro homem
do posto, Chogma, ou Xama [Sykmy] levara toda a família, para desta forma
logo indicar que vieram a passeio e não para brigar.
Os índios do Morero estavam bem desanimados. Diversas pessoas tinham
morrido ultimamente e eles já estavam resolvendo mudar-se para as águas do
Juruena. Mas antes de sair, queriam fazer alguns ataques aos seringueiros e
caçadores da região, para conseguir facão, machado e panela. Os mensageiros
os demoveram deste propósito, prometendo-lhes estes objetos no posto, caso
resolvessem ir até lá.
Arnildo informa que Folia era incansável, em os animar, e devido a ação dele,
os índios não desanimaram a meio caminho, quando já viviam só da caça e do
mel. Castanha não tinha caído no ano anterior. Enfim, alcançaram as
cabeceiras do córrego do Dico [córrego Canoeiro], a 5 dias do Escondido. Aí
Folia os deixou, numa roça velha dele, em que havia ainda batata, mandioca e
banana e até cana. Arnildo seguiu com seu grupo, levando apenas 4 moços
para ‘conhecer’ o Escondido” (Schmidt, 1971c, p. 1).

Logo em seguida, sob a liderança de Folia, os moradores do posto


Escondido enviaram mensageiros para convidar as aldeias próximas para uma
grande festa; ali compareceram as famílias de Barodadik (Tsotorigma),
Aduboba (Bereramo), Boatema (Teo), Puauta, Marixi e Skepadada, além da
viúva Amaboa (Schmidt, 1972a), num total de trinta e quatro pessoas -
vinham da aldeia nas cabeceiras do Moreru, embora anteriormente já tivessem
residido nos córregos que vertem para o Juruena (Schmidt, 1972c).
Acrescentou então o missionário:

“Na seca irão procurar suas roças antigas. Alguns talvez fiquem morando em
suas aldeias primitivas. Outros querem fixar-se em definitivo no Escondido.
Com isto torna-se muito difícil pensar em uma transferência, nos próximos
tempos. Primeiro nós deveremos pensar em mentalizar acerca da transferência
para a reserva.
Haverá um modo que talvez apresse este processo. Que o capitão Tapema, com
mais alguns homens influentes os vá procurar, esteja com eles o tempo
necessário, e os convença. Mas para isto eles deveriam dispor do tempo, que é
totalmente tomado pelas derrubadas, extração de borracha, etc. Deveria haver
um fundo que os mantivesse durante este tempo, pois se trata de um trabalho
importante” (Schmidt, 1972a).

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Laudo antropológico – Processo 2006.36.00.003067-5
2ª Vara da Justiça Federal - Mato Grosso

Terminada a festa, o padre Schmidt retornou conduzindo Tawama e


família, Folia e Moreno para conhecer o “capitão grande, Tapema”, aos
cuidados de quem foram entregues tão-logo aportaram no Barranco Vermelho:
“Ele deveria percorrer com eles todas as aldeias, e ver diversos pontos, que se
prestam muito bem para aldeias novas” (Schmidt, 1971c, p. 2-3). Acerca das
medidas futuras, assim se pronunciou Schmidt:

“E quero apresentar em termos gerais um plano de transferência dos índios


restantes do Japuíra e do Escondido para a reserva. Pelo fim das chuvas,
subiria um grupo do Escondido e do Japuíra. Depois de escolhido em definitivo
o local, vão fazer uma derrubada, de acordo com as possibilidades de cada
grupo. Terminada esta, em fim de maio, serão levados de volta ao Japuíra e
Escondido, e terão tempo para buscar taquara e ponta de flecha no Matrinchã
e no Pedras. Pelo fim da seca serão levados novamente para fazer a queimada e
plantar a roça. Quando a roça já estiver produzindo milho, batata, mandioca,
algumas famílias farão suas casas.
Pelo fim destas chuvas seguintes, virá o mais possível de gente, para fazer
derrubada para valer, retornando em seguida ao Escondido e Japuíra. No fim
desta segunda seca subirão para queimar, plantar e possivelmente fazer suas
casas, procedendo-se gradativamente a transferência dos grupos interessados.
Creio que desta forma, em dois anos, a transferência para a reserva estará
indo para a fase final. Mas contanto que não sobrevenha algum contratempo, e
que eu possa atender a eles em seu desejo de ferramenta, utensílios
domésticos, roupa e medicamentos” (idem, p. 3).

No posto Escondido, os moradores mais antigos formavam então cinco


famílias, num total de dezenove pessoas, e foram assim caracterizados por
Schmidt:

“Estão muito apegados ao lugar. As razões que aduzem são: O mato é limpo.
Caça e pesca abundante. Castanha em abundância. A construção das casas é
fácil com babaçu. Facilidade de coleta de penas e taquara. Ao pium13 estão
acostumados. Tem boa amizade com a população envolvente. Nas peles [de
animais] tem um meio fácil de sempre ter em mãos dinheiro. Motivos que
Balduíno [Loebens, jesuíta] e eu vemos: Joana [Joan Boswood, lingüista] está
ligada afetivamente ao grupo. Enquanto ela não se mexer vai ser bastante
difícil. Viveram sempre em grande fartura. Há ainda o problema de grupos de
família, clãs, com questões muito antigas. Não acreditam na vinda do civilizado
em massa e na conseqüente diminuição de caça e pesca, e restrição de
liberdade de as mulheres poderem andar a vontade sozinhas pelos matos em
procura de contas, frutas, etc. (Schmidt, 1972e, p. 1).

Sem condições imediatas de transferir os moradores do posto Escondido


e os “arredios” das imediações para a área da Reserva Erikpatsa, o missionário

13 Inseto hematófago de tipo simulídeo.

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Laudo antropológico – Processo 2006.36.00.003067-5
2ª Vara da Justiça Federal - Mato Grosso

encarregou a “Paraíba Doido” (Manoel Tavares da Costa) de lhes ensinar a


extrair borracha, de modo a compreenderem que a “borracha é dinheiro mais
certo que pele de gato [do mato]” (idem, p. 2). Quanto às etapas necessárias em
vista da transferência, previa que em dois anos o posto estaria extinto: “Em
1975 não haverá mais o posto Escondido”, vaticinou Schmidt no relatório de
maio de 1972 (idem, p. 2).

A partir de 1973, devido ao falecimento do padre Edgar Schmidt em


acidente automobilístico, o jesuíta Balduíno Loebens assumiria a continuidade
do plano de transferência dos Rikbaktsa do Escondido para a Reserva
Erikpatsa, consumada em seis expedições. Na primeira, em fevereiro de 1973,
apenas o velho Aone e sua família estavam no posto, os demais haviam saído
para buscar taquara e ponta de flecha. Aone se recusou a subir para a
Reserva, pois queria colher sua roça de milho e cará (Loebens, 1974, p. 2). Os
expedicionários, então, retornaram levando somente umas poucas cabeças de
gado. A segunda expedição, de 23 de abril a 6 de maio do mesmo ano, também
não resultou proveitosa:

“Foi nesta expedição que senti a dificuldade crucial da transferência. Os índios


me declararam enfaticamente que não queriam subir, pois estavam esperando
as lingüistas do SIL. Parecia tudo azarado e a viagem inútil. Carregamos algum
material depositado e partimos de volta no dia 29/4, sem conseguir
absolutamente nada do que se queria” (idem, ibidem).

Na terceira expedição, de 21 de agosto a 7 de setembro do mesmo ano,


Loebens se dirigiu aos “índios novos, pois via dificuldades insuperáveis na
subida dos antigos”, tendo por tripulação Paraíba Doido, Dokta (o atual
cacique da aldeia Babaçu, na TI Escondido), que desejava rever sua mãe,
Tawama, Pedro Paulo e outros Rikbaktsa que foram “tirar flechas ou melhor,
pontas de flechas”. Nessa ocasião, depois de um dia de caminhada, os
expedicionários chegaram a uma roça nova, de uma aldeia situada “a beira do
córrego do Dico” (ou córrego Canoeiro), formada por duas famílias (uma de
“índios novos” e outra de antigos moradores do posto Escondido), num total de
dez pessoas. Embora manifestassem disposição de subir para a Reserva, o
missionário percebeu certo receio e decidiu deixar a responsabilidade nas
mãos dos líderes Rikbaktsa. Dokta prosseguiu adiante para visitar sua mãe, e
retornou seis dias depois, trazendo um “enviado especial que iria ver como era a

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Laudo antropológico – Processo 2006.36.00.003067-5
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Reserva” (idem, ibidem). Somente na quarta expedição, de 21 de outubro a 3


de novembro, o jesuíta obteve sucesso:

“Foram comigo o capitão Tapema, o capitão Intxima, Xama, Pakai e mais o


enviado especial, que viera na expedição anterior. Ele estava voltando para
buscar a mulher e sogra, pois se agradara muito da Reserva.
Um dia antes da saída, tivemos uma notícia muito desagradável: as lingüistas
do SIL haviam descido ao posto, apesar do meu aviso de que não fossem.
Fiquei arrasado.
Na descida tivemos muito trabalho com o motor. Desmontamo-lo três vezes.
Depois de 5 (cinco) dias chegamos.
O encontro com as lingüistas foi muito frio. Disseram elas que os índios não
queriam subir, especialmente o velho One [Aone] e parentela.
O capitão Intxima, por própria conta partiu no mesmo dia para o mato. As
lingüistas, quando souberam do fato; se assustaram estranhamente. O capitão
Tapema. por sua vez, foi falar com o velho One [...]
Na noite do dia 24, Tapema me trouxe a notícia de que o velho One ia subir,
pois estava chateado com os garimpeiros que haviam roubado a banana,
mandioca e o cará. As lingüistas acharam impossível que o velho mudasse tão
rapidamente das idéias. Era o golpe mortal para a resistência à transferência.
No dia seguinte Intxima voltou dizendo que todos os índios novos estavam
vindo, com exceção de uma família. Os índios novos nos iriam esperar na barra
do córrego Dico [Canoeiro].
No dia 27 de outubro embarcamos as mudanças de 5 (cinco) famílias, num
total de 19 pessoas. Os restantes nos iriam esperar para daí a três semanas.
A viagem de volta correu sem incidentes. Levamos seis dias até Eremetsauquê
[Barranco Vermelho]” (idem, p. 3).

Na quinta expedição, de 12 a 21 de novembro, os índios já estavam


esperando no posto, e foram mais três famílias, somando dezoito pessoas.
Faltava apenas uma família, então excursionando pelas “bandas do Aripuanã”.
Esta família, com nove pessoas, foi transladada na sexta e última expedição,
encerrada em 7 de janeiro de 1974. Ao todo, as expedições de Loebens
removeram sessenta e uma pessoas da região do Escondido para a Reserva
(idem, ibidem).

Nos anos seguintes, todavia, o jesuíta coordenaria novas expedições à


região do Escondido, sempre acompanhado de guias Rikbaktsa, com o objetivo
de verificar informações sobre a presença de “índios isolados” nas margens do
rios Moreru e Pacutinga, ambos afluentes do Aripuanã, e nas cabeceiras dos
córregos Dico (Canoeiro), Escondido e Cristóvão. Na primeira expedição, em
julho e agosto de 1978, junto com os Rikbaktsa Tapema, Intsimy, Sykmy e
Dokta, conforme o diário da expedição (Loebens, 1978-1984), Loebens
entrevistou Dico Apiaka (Raimundo Neris da Silva), que então residia a meia
hora do antigo posto Escondido, na laje da Capivara - mesmo abandonado

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Laudo antropológico – Processo 2006.36.00.003067-5
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fazia cinco anos, o local ainda abrigava muitas fruteiras. Este comentou sobre
os “vestígios de índios, neste córrego do Dico e no córrego do Cristóvão, também
chamado Corregão”. Da foz do córrego Dico, os expedicionários seguiram para
a “antiga roça de Abiktsamy”, distante duas horas e meia de caminhada
córrego acima. Daí, passaram para o córrego do Cristóvão, encontrando nas
cabeceiras deste o “maior número de vestígios”.

Na segunda expedição, em setembro de 1979, Loebens se fez


acompanhar de Sykmy, Intsima, Folia, Moreno, Amawi (Donobibita), Tawama,
Utupyry, Tsodopaha e Petsamytsa, apetrechados em um barco de alumínio e
três canoas. Subiram o córrego do Cristóvão (limite leste da atual Terra
Indígena Escondido), e no terceiro dia deram com “muitos sinais à beira do
córrego e mais para dentro”, na altura do porto da Castanheira (que o
sertanista Peret abriu em fins da década de 1960):

Os índios estão andando mesmo. Devem ter andado matando peixe. Muitos
pauzinhos quebrados que não deixam dúvida. Também vimos um caminho
(pauzinho quebrado) indo rumo ao córrego do Santarém [limite norte da atual
Terra Indígena Escondido], em cujas cabeceiras os Rikbaktsa acham que os
Iakarawata [como denominam estes índios isolados] se encontram [...]”
(Loebens, 1978-1984).

Nessa mesma expedição, os Rikbaktsa aproveitaram para buscar taboca


para ponta de flecha (jurupará) nas cabeceiras do córrego Escondido,
demorando-se por lá uma semana: “Encontraram muita ponta e voltaram
alegres. A volta por lá foi muito boa. Mataram bastante mutum e até uma anta”,
anotou Loebens (idem, ibidem).

Na terceira expedição, em julho de 1980, junto com Sykmy, Moreno e


Amawi (Donobibita), Loebens explorou o córrego Santarém - em sua foz estava
a feitoria de Pedro e Doca Apiaka (Maria de Fátima, filha de Dico Apiaka). Lá
os expedicionários acharam sinais recentes de presença de índios, indicando
ser uma área de pesca e caça deles. A quarta expedição, bem mais portentosa,
teve início em setembro de 1980 com a participação de Sykmy, Amawi, sua
esposa Apute, Haroldo, Adalberto, Pudai, Paeta, Hodkobyi, Matsi e família,
Kikpadati e família, Salvador e família, Tsikdi e família, Chico e família e
Bibidata e família, num total de trinta e seis pessoas, em uma “voadeira”
(canoa de alumínio com motor de popa) e oito canoas. No córrego Cristóvão, na

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altura do porto Castanheira, novamente vestígios muito recentes dos índios,


de caça e pesca. Dentre os objetivos da excursão, os Rikbaktsa incluíram a
busca de pontas de flecha nas cabeceiras do córrego Escondido: para lá
seguiram onze homens, demorando-se seis dias. No retorno, as canoas
demoraram três a quatro semanas até a Reserva.

Novas expedições deram-se nos anos seguintes, duas a três cada ano,
percorrendo repetidas vezes os córregos Cristóvão, Escondido e Santarém - a
despeito de vestígios aqui e ali, inclusive roças velhas, os índios “arredios” não
mais foram avistados (idem, ibidem; Valdez, 1985). De todo modo, as dezessete
expedições do padre Balduíno Loebens à região do Escondido, entre julho de
1978 e maio de 1984, proporcionaram aos Rikbaktsa, aos guias e suas
famílias, condições para a obtenção das valiosas tabocas para fabricação de
ponta de flecha14 e, da mesma maneira, para aproveitar os demais recursos de
coleta (castanha, mel etc.), caça e pesca existentes naquele habitat, bem como
frutas e outros produtos em capoeiras do posto e de antigas aldeias.

De certa forma, na opinião de Arruda (1992a, p. 197), os Rikbaktsa


demonstravam recusar-se à situação de “confinamento na Reserva”, bem como
a ênfase excessiva na agricultura - constrangidos a “produzir excedentes para
comercializar com a crescente demanda de bens industrializados” -, pois lhes
dificultava as atividades venatórias e pesqueiras tradicionais. Há de se
destacar também, acima de tudo, de acordo com Rinaldo Arruda, o fato de que
“grande parte da população [...] sobrevivente da época do contato nasceu e
cresceu nas áreas do Japuíra e do Escondido, onde se localizam vários
cemitérios e locais de acontecimentos míticos” (idem, p. 199-200). Com efeito,
um recenseamento parcial das aldeias da Terra Indígena Escondido, realizado
em outubro e dezembro de 2002 (Mendes dos Santos, 2002, apud Lorena
Pires, 2009), de um total de 638 indivíduos consultados, identificou 38 que
nasceram em antigas aldeias situadas na região do Escondido, com idades
então variando entre 28 e 72 anos, listados na tabela abaixo.

14De acordo com Athila (2006, p. 107, nota 66), a ponta de flecha jurupará (zayta) é “um artefato extremamente
valorizado pelos Rikbaktsa”, uma “questão de status”. É o que os leva a excursionar na estação seca para o baixo
Juruena, “em direção ao Escondido, pois dizem só existir nesta região”, salientou a antropóloga.

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Laudo antropológico – Processo 2006.36.00.003067-5
2ª Vara da Justiça Federal - Mato Grosso

ALDEIA ONDE
NOME SEXO NASCM. PAI MÃE
RESIDE (2002)
Raimundo Aikba M 1930 Ruwai Myktape Cabeceirinha
Raí Iribudu M 1933 Iokzari Mabe Segunda
Jovelino Otope M 1936 Hazotok Sturiu Beira Rio
Abelardo Awi M 1943 Ewbadik Primavera
Tokta M 1945 Zõrõ Muma Velha
Marlene Tikdaba F 1947 Pedra Bonita
Ana Maria Pikzare F 1948 Bokok Segunda
Luzia Wauhomy F 1950 Zeohõta Isturio Rikabktatsa Nova
Lúcia Aritsó F 1950 Totsimy Mybaza Beira Rio
Vitor Tabta M 1952 Tabta Myma Primavera
Rafael Tsady M 1952 Wowoi Mãwa Curva
Ricarda Dama F 1952 Pentsa Curva
Tomas Apana M 1952 Victor Tyawytak Diana Perawy Divisa
Zezão Tãbok M 1953 Mõzõze Seringal
Maurina Tawy F 1953 Amawe Pikdau Segunda
Sérgio Etedemy M 1954 Bezazik Zada Nova
Myitsikzi
Arlindo Pudata M 1955 Primavera
(seringueiro)
Nicolau Apytsae M 1955 Pudata Apute Pedra Bonita
Ângelo Koi M 1956 Primavera
Cláudio Abamy M 1957 Materokutipa Pikzare Pedra Bonita
Pedrina Kanawa
Agda Waikna F 1960 Divisa
Manihã
Miguel Iokdomutsa M 1960 Bezazik Zada Nova
José Peteca Wowoi M 1961 Wowoi Mikmawa Nova
Daniel Waikyi M 1962 Pedro Paulo Adudaba Mykzabyi Segunda
Judite Mytaikmy F 1962 Pedro Paulo Adudaba Francisca Tiksou Segunda
Zenilda Burik F 1962 Aone Tebe Velha
Vanda Tsutsuba F 1963 Raí Mapõ Pikdamy Segunda
José Augusto
M 1963 Pedro Paulo Adudaba Francisca Tiksou Segunda
Boemy
João Tsaputai M 1965 Sykmy Luzia Wauhomy Velha
Barranco
Darci Bararik M 1966 Bararik Tabay
Vermelho
Alberto Jobomy M 1968 Abelardo Awi Isaura Myitsikwy Primavera
Juarez Paimy M 1968 Sykmy Luzia Neidy Curva
José Pelado
Jucelino Izikmõ M 1970 Tereza Makbui Cabeceirinha
Pikupybawy
Valter Mykbema M 1972 Frederico Tsodopa Dázia Zazilta Segunda
Edite Mõma F 1972 Sykmy Luzia Tapada Laranjal
Cássia Anipá F 1972 Boatemy Zada Nova
Nestor Zikmy M 1973 Bwadare Eunice Tykdawy Curvinha
Daniela Mãnãe F 1974 Pedro Paulo Adudaba Francisca Tiksou Segunda

Tabela 10: Nascidos na região do Escondido


(Mendes dos Santos, 2002)

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Laudo antropológico – Processo 2006.36.00.003067-5
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Os laços territoriais com a região do Escondido, na verdade, jamais


cessaram completamente, mesmo após a transferência forçosa para os postos
da Missão Anchieta. Como observou Rinaldo Arruda, ao participar em julho de
1985 de uma expedição Juruena abaixo, os Rikbaktsa “continuaram a utilizar
estas áreas, principalmente na época da seca (maio a setembro), quando
tradicionalmente espalham-se pelo território e, estabelecidos em aldeias
provisórias ou acampamentos, exploram seus recursos”. Nestas excursões
anuais à região do Escondido, em pequenos grupos, os Rikbaktsa coletavam
“taquara para pontas de flecha e outros recursos importantes” (idem, 206).

Essas excursões ao baixo Juruena repetiam-se periodicamente, como


constatou a antropóloga Adriana Athila, em sua primeira visita às aldeias
Rikbaktsa na estação seca de 2002:

“A maioria dos velhos de todas as 32 aldeias e suas famílias estavam


excursionando ao Escondido, para coletar taquaras de flecha (orobiktsa),
pontas de flecha jurupará (zayta), fruta patauá (hutsatatsa) para chichas,
‘remédios-do-mato’ (okyry) e conchas (tutãra) para enfeites de casamento no rio
Arinos. Como de costume, caçam muito; macacos, antas, mutuns e outras
aves para consumo e para a aquisição de penas para enfeites que serão usados
em ocasiões festivas. Partiram naquele ano em canoas, e pelo caminho iam
parando e revendo o lugar de origem de muitos deles, antigas ocupações,
fazendo furação de penas das aves caçadas (...). À sua volta pude perceber a
atmosfera diferente da aldeia: mulheres, juntas, na quebração, furação e
lixação de cocos para contas de colares, quebrando conchas e lixando-as em
forma de peixes; os homens velhos e jovens fazendo flechas, peneiras,
aparando penas e trançando algodão para artefatos de plumária, tudo isso
regado a muita chicha de “patauá”. Muitos aparentados de outras aldeias,
juntavam-se na mesma aldeia, participando destas atividades. Enfim, tudo
aquilo que pode acontecer cotidianamente, mas ao mesmo tempo e em
proporções maiores” (Athila (2006, p. 127, nota 86).

De igual teor, a declaração do jesuíta Balduíno Loebens (69 anos),


entrevistado por ocasião dos trabalhos periciais que realizei em julho de 2010,
sobre as sucessivas excursões dos Rikbaktsa ao Escondido:

“Mesmo depois da desativação do posto Escondido, em 1973, anualmente os


Rikbaktsa continuaram a freqüentar a área, nunca desocuparam. Acompanhei
diversas vezes. Continuamente viajando, de caça, pesca, material de
artesanato, de pontas de flecha (zayta), remédios que só têm lá [...] Também as
castanheiras próprias, das quais se faziam mingau com as cabeças dos
inimigos, nas guerras. Debaixo das castanheiras, (o terreno) era bem limpo”
(Fontanillas, entrevista em 12/07/2010).

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Laudo antropológico – Processo 2006.36.00.003067-5
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Foi nesse contexto que, poucos anos adiante, fermentou entre os


Rikbaktsa um amplo movimento de retomada de parcelas de seu território
tradicional. Em 1984 eles abriram roças e estradas de seringa na antiga área
Japuíra, e se apossaram das sedes de fazendas lá instaladas - o processo de
demarcação das terras indígenas Erikpatsa, Japuíra e Escondido será
apresentado no próximo tópico. Da mesma maneira, no ano seguinte, eles
abriram uma roça grande próximo à foz do córrego Canoeiro (do Dico), perto
da colocação de Severino Apiaka,15 e afixaram placas na barra de todos os
córregos em que assinalavam a área Escondido como terra indígena (Arruda,
1992a, p. 203).

Por ocasião da vistoria pericial para fins do Processo


2002.36.00.003429-4, que tramita na Segunda Vara da Justiça Federal de
Mato Grosso, recolhi vários depoimentos de informantes Rikbaktsa mais
idosos, alguns deles participantes dos eventos acima relatados, nascidos no
posto Escondido ou nas suas imediações, como Sykmy, Matsi (Geraldino),
Dokta, Pudai (Ozeias), Amawi (Donobibita)16 e outros. As informações que
então prestaram demonstram notável coerência com as diversas fontes, os
documentos históricos, os relatórios, os diários e os estudos antropológicos,
acima comentados. As entrevistas aconteceram nas aldeias Pé-de-Mutum e
Cerejeira, na terra indígena Japuíra, e na aldeia Beira Rio, na terra indígena
Erikpatsa, nos dias 11 e 12 de julho de 2010. . Em sua maior parte, as
respostas vieram na própria língua rikbaktsa, e foram imediatamente
traduzidas por Juarez Paimy, professor, morador da aldeia da Curva, na TI
Erikpatsa, que então me serviu de guia e intérprete. Os breves resumos, a
seguir, trazem os dados mais relevantes:

15 Por ocasião da perícia que realizou em 2001, o antropólogo Aloir Pacini (2001, p. 34-35) vistoriou a laje da
Capivara, na ponta da ilha do Escondido. No cemitério, encontrou cinco túmulos, um deles de Severino Apiaka,
morto em setembro de 1988 por garimpeiros - o que motivou a fuga dos Apiakas (Raimundo e sua esposa Santina;
Doca, seu marido Pedro e seus filhos) que ali residiam para a área do Japuíra. Raimundo, Severino e Doca eram
filhos de Dico Apiaka, e este irmão de Noca Apiaka. Um dos filhos de Doca, Chico, casado com Maria Auxiliadora
(Rikbaktsa) fez uma roça na foz do córrego Santarém em 1995. Permaneceram ali até 2001, quando a morte de
um filho e um conflito conjugal os separou; mudaram-se então com os demais Apiaka para o município de Juara.
16 As famílias de Sykmy e Dokta, junto com as de Folia e Moreno, estavam entre as últimas a se transferir para o

alto Juruena, em 1973. Apenas Dokta voltou a residir no Escondido, onde fundou a aldeia Babaçu, visitada na
ocasião desta perícia. Folia sofreu um acidente fatal com sua canoa (Athila, 2006, p. 156, nota 109). Sykmy reside
na aldeia Beira Rio, onde o entrevistei, e Moreno na aldeia Areia Branca.

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Laudo antropológico – Processo 2006.36.00.003067-5
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1. MARINHO MANITA, aprox. 68 anos (Aldeia Pé-de-Mutum, TI Japuíra):


Nasceu na região do córrego Cristóvão, dentro da área Escondido, na aldeia de
de Mapadati. Seu pai se chamava Tsapatao. Cresceu no posto Escondido velho,
e depois, quando adulto, mudou-se para o posto Japuíra, trazido pelo padre
João Dornstauder. Foram os primeiros a deslocar-se para o Japuíra; nas
viagens seguintes vieram Mapa (pai de Ozeias Pudai), Zapari e Paulinho
Maitatai; depois a turma do Tawama e a de Aone; na última, Folia e Tohora.

2. GERALDINO MATSI: aprox. 79 anos (Aldeia Pé-de-Mutum, TI Japuíra):


Nasceu na aldeia perto de Juina, seu pai chamava-se Tsapako. Com cerca de 7
ou 8 anos mudaram para o Escondido, no córrego Branco, onde ficaram por 5
ou 6 anos. Depois, desceram para outra aldeia, onde a mãe faleceu. Lá
aconteceu a festa de furação de orelha, quando adolescente. Casou-se numa
nova aldeia, nas cabeceiras do córrego Branco, com Oidio, a mãe do Chico
(cacique da aldeia Pé-de-Mutum). A primeira esposa morreu no Barranco
Vermelho, onde vieram trazidos pelo padre João Dornstauder. Do Barranco
Vermelho, voltou para o Japuíra. Seguidamente, visitava seus parentes que
ficaram morando na região do córrego Branco e Escondido, tomando a trilha
que seguia pela margem esquerda do rio Juruena.

3. OZÉIAS PUDAI, aprox. 69 anos (Aldeia Pé-de-Mutum, TI Japuíra):


Nasceu no córrego Branco, para baixo, perto do rio Juruena. Depois, a família
mudou-se para uma aldeia mais para cima. Já crescido, na faixa de 17 anos,
voltaram para a aldeia do córrego Branco. Subiu para o posto Japuíra, mas
seu pai continuou na aldeia no córrego Branco, na região do Escondido; foi um
dos últimos a deslocar-se para o posto Barranco Vermelho. Ao Escondido,
retornavam anualmente, em estadias prolongadas de até seis meses no período
do verão: caçavam, pescavam, faziam roça, coletavam matérias primas: “Não
deixamos de ir pra lá, porque é o lugar de nossa origem, sempre fomos, todo ano
vamos pra lá”.

4. SALVADOR OKODOBY, aprox. 72 anos (Aldeia Jatobá, TI Japuíra):


Ele tinha nove anos quando o padre João Dornstauder visitou sua aldeia no
córrego Branco. Sua orelha foi furada na aldeia do córrego Cristóvão, e casou-
se na aldeia Maloquinha, abaixo de Japuíra. Sua primeira esposa chamava
Atopi, o pai dela, Pypó, também era das aldeias de baixo. Foi seu irmão
Geraldino Matsi que o buscou no córrego Cristóvão, para subirem para
Maloquinha, e depois para Japuíra; uns vieram pela trilha, outros de canoa.
Veio uma turma por terra, pela trilha, e outra turma de canoa. “Havia muitas
aldeias. Não concentrava só na sua aldeia. Fazia muitas visitas às outras
aldeias. Passava dois anos ali. Quando era período de festa, ficava ali, depois ia
para outra aldeia. Aldeias maiores. Passava seis meses, até um ano visitando
outra aldeia, até voltar”.

5. PAULO TSIKIDI, aprox. 59 anos (Aldeia Pé-de-Mutum, TI Japuíra):


Nasceu na aldeia Watsanatsa, chefiada por seu pai Popota, então situada onde
hoje está o núcleo urbano de Cotriguaçu. Ali residiu até seus quinze anos,
quando seu pai faleceu. Desceu para a aldeia situada na beira do rio Juruena,
abaixo do córrego Cristóvão, chefiada por Porare, irmão mais velho de seu pai,
e ali se casou. Ali faleceram sua mãe e seu tio. Mudou-se então para a aldeia
Ipasisikta (angelim), próximo à foz do córrego Cristóvão; de lá, passou para a
aldeia Otokosoiriky, liderada por Waigma. “Visitando as outras aldeias,
comentaram sobre o contato que o padre João fazia. Dissemos então: vamos ver a
outra aldeia, na beira do rio Juruena. Descemos pro rio Juruena. Quando
chegamos na margem, o primeiro seringueiro que encontramos informou que o

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padre João, e vários seringueiros em companhia dele, estavam fazendo a


pacificação dos Rikbaktsa. Nisso, ele já tinha criado o posto Escondido lá mais
para baixo. Aí, esse seringueiro de nome Bernardino, nos levou para o posto
Escondido, de barquinho, com dois seringueiros. Como não puderam ir todos
numa viagem, levaram uns poucos e os outros ficaram esperando. Lá no posto
Escondido já estavam o Tawama, o Sykmy, o Aone, já estavam morando nessa
aldeia (do posto Escondido). Lá encontramos a estrutura que o padre João tinha
feito, onde morou o Fritz, Arnildo, Joana... Passamos a viver com eles lá, bastante
tempo, até quando todos os outros que moravam mais nas cabeceiras vieram
para a aldeia do posto Escondido. Quando o padre João chegou lá, já nos
encontrou morando no posto. Nas viagens dele, foi trazendo para o Japuíra. Eu
ainda não era casado, era solteiro quando cheguei no Japuíra, no Barranco
Vermelho. Permanecemos lá, com esse pessoal, o Sykmy, a Joana, o Fritz, por
dois anos e meio - depois subi para o Barranco. Lá era assim, preparava a roça,
assim nesse ambiente que estamos hoje... De lá o padre João falou: vamos pro
Barranco, vamos pra Utiariti. Fomos sendo puxados, transportados de lá, no
barco, dez a doze de cada vez. De lá, levava semanas pra chegar. Uns vinham
de canoa. Eu fui um dos que veio de canoa, gastava mais tempo”.

6. RAIMUNDO TSAPAI (Raimundinho), aprox. 59 anos (Aldeia Cerejeira, TI


Japuíra):
Seu pai se chamava Aptõ. Nasceu na aldeia Howoiktã, no médio córrego
Escondido, do cacique Bebeo, onde furou a orelha e morou até os dezoito anos.
Seu pai morreu de doença do contato; a mãe também morreu. Veio então para
a foz do córrego do Escondido, no posto onde estavam Sheila, Fritz, Joana. Ali
moravam Aone, Tawama, Sykmy (a irmã de Raimundo é a segunda esposa de
Sykmy, pai de Juarez), Paulo Tsikidi, Moreno. “Um dos últimos a sair do mato
foi o finado Totsima (era da turma de Raimundo, morava no posto Escondido)”.
Ao Escondido retornou “umas seis vezes, para buscar pessoas”.

7. JORGE AMAWI (Donobibita; Padrasto), aprox. 72 anos (Aldeia Cerejeira, TI


Japuíra)
Seu pai morreu quando era pequeno, e sua mãe arrumou um “padrasto”.
Ficou então morando com a família de Onopyk, na aldeia Maritsakotso, nas
cabeceiras do córrego Escondido, talvez a última aldeia no alto. “Quando
fizeram o contato, o padre João fez primeiro nessa região, estava mais próximo
de Utiariti. Aí esses informavam a expedição mais pra baixo, aí o padre João veio
pra baixo, pro Escondido. Quando fizeram o contato, eles puxaram o pessoal de
baixo lá para cima. Alguns foram para Utiariti também. Quando fizeram isso, a
área do Escondido ficou sem habitação, foi quando o colonizador aproveitou...”
Tinha uns vinte e seis anos, já casado, quando se mudou para o posto
Escondido, onde esteve por oito anos. De lá, subiu para o posto Japuíra.
“Quando chegamos em Japuíra, ficamos um ano por ali. Depois, continuamos a
viagem até o Barranco Vermelho, a canoa. Ficamos uns três meses no Barranco,
depois descemos e formamos a aldeia Primavera (perto da atual Fontanillas).
Ficamos morando lá dezoito anos; então descemos para a aldeia Cerejeira.
Mesmo que tenha sido trazido para cá, todo ano sempre ia buscar ponta de
flecha, subir o córrego, olhar a roça lá onde morava antes. Pegava fruta e ponta
de flecha. Passava seis meses, e então voltava”.

8. SYKMY, aprox. 86 anos (Aldeia Beira Rio, TI Erikpatsa):


Nasceu na aldeia de Erikapa, seu pai, na área do Escondido, num córrego
chamado Branco, que cai no córrego Escondido. Ali permaneceu até uns vinte
e cinco anos. Depois, mudou-se para as cabeceiras do córrego, mais no centro
da área, ficando uns dez anos na aldeia Zopoktsahaky. Dali desceu para perto

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do rio Juruena, na aldeia Omyhaopoki (figueira), onde seu meu pai faleceu. Ali
morou por mais sete anos; seguiu então para o posto Escondido, onde
encontrou com Sheila, Fritz, padre João... Na época do contato, morava na
aldeia Zopoktsahaky: “Ali escutei os comentários dos outros Rikbaktsa, de que o
padre João fez os primeiros contatos. Quando visitávamos outras aldeias, lá
comentavam sobre o padre João. Fomos por isso descendo, porque as expedições
do padre João eram mais beirando o rio Juruena. Teve duas visitas do padre
João. Ele foi até a barra do córrego onde eu morava, e daí ele subiu. Deixou o
barco e foi pela trilha até chegar na aldeia. Voltei a morar nessa aldeia, eu não
queria ser amansado pelo padre João... Daqui fui direto para o posto Escondido,
onde estava a turma da missão (luterana) fazendo frente de contato, Sheila,
Fritz... Voltei a morar na segunda aldeia, passei mais uns quatro anos... Aí na
outra, de lá fomos para o posto Escondido, o posto velho. Aqui (apontando no
mapa) havia mais aldeias vizinhas, nas cabeceiras do córrego Escondido: a
aldeia do Mapõ; a aldeia do Erikdi; a aldeia do Oiakitsi (ele faleceu na aldeia); a
aldeia de Awei. Esse pessoal veio também para o posto Escondido. Do
Escondido, fomos transferidos para o Japuíra”.

Para os fins da presente perícia antropológica na Terra Indígena


Escondido, vistoriamos a aldeia Babaçu e as imediações do lote sub judice nos
dias 9 a 11 de dezembro de 2010 (cfe. mapa anexo “Ocupação indígena na
região do Escondido”). Antigo morador de aldeias que existiram nas cabeceiras
dos córregos do Cristóvão (do Noca), Canoeiro (do Dico), Escondido e Santarém
até a década de 1970, o cacique Dokta retornou a essa região em 1998, tão-
logo se assegurou da demarcação da TI Escondido. Com seus familiares e
agregados, fixou-se a pouca distância da divisa sul, onde fundou a aldeia
Babaçu (S 9º 40’ 14,2” e W 58º 43’ 14,6”), hoje formada por várias casas,
farmácia, escola, banheiros e lavanderias (construídas recentemente pela
FUNASA), fruteiras, roças etc. - ver Fotografias, em anexo.

A população recenseada na aldeia Babaçu pela FUNASA, em 2010,


somou trinta e uma pessoas, distribuídas em sete famílias, conforme tabela
abaixo. Além das roças, a caça, a pesca e a coleta mais cotidiana, os Rikbaktsa
desta aldeia participam do projeto de comercialização de castanha, promovido
pelo PNUD e FEMA/MT – conforme descrevi acima. Próximo à aldeia Babaçu
estão as capoeiras de antigas aldeias que antes ocupavam as cabeceiras do
córrego Canoeiro: uma, a quatrocentos metros ao sul, onde resistem
bananeiras de variadas espécies; e outra, ao norte, cerca de mil e duzentos
metros, onde também rebrotaram bananeiras e se avistam os esteios de velhas
“malocas” (ver Fotografias, em anexo).

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RES NOME SEXO NASCM. MÃE PAI

1 Adelcio Wariuta M 1984 Zenilda Burik Tokta


Marinilda Tsakta F 1988 Marlene Pikdao
Maickson Wade M 2007 Marinilda Tsakta Adélcio Wariuta
2 Inacio Watsu M 1950
Sandra Musakazi F 1955
3 Maxi M 1953
Marlene Pikdao F 1947
Vanildo M 1990 Marlene Pikdao Folia
Julieta Ikzatsu F 1977 Marlene Pikdao Folia
Neilton M 1996 Julieta Ikzatsu
Taisa F 2000 Julieta Ikzatsu
Keila Carolina F 2009 Julieta Ikzatsu
4 Dokta M 1950 Berari
Marcia Rubeo F 1970 Tykdada Naik
Adriana Zawa F 1985 Marcia Rubeo Dokta
Lindomar Eduk M 1995 Marcia Rubeo Dokta
Marciani Mandi F 1997 Marcia Rubeo Dokta
Anabela Aboo F 1999 Marcia Rubeo Dokta
Raimundo Iamonxi
5 M
Pareci
Vani Atsoo F 1993 Marcia Rubeo Dokta
Raimundo Iamonxi
Breno Atsok Iamonxi M 2008 Vani Atso
Pareci
6 Vicente Iogoby M 1955 Sakpakita
Marinita Mapewy F 1982 Marcia Rubeo Dokta
Eliezio M 2002 Marinita Vicente
7 Raimundo Neris F Apiaka
o. M 1962
Iraci Okba F 1970 Sandra Musakazi Baziu
Rodrigo Patsw M 1994 Iraci Okba Joaquim Zikata
Bruno Mezenga M 1997 Iraci Okba Joaquim Zikata
Anderson Wyaziya M 2000 Iraci Okba Joaquim Zikata
Raimerson Okba Neris M 2008 Iraci Okba Raimundo Neris Fo. Apiaka
Diemerso Okba Neris M 2009 Iraci Okba Raimundo Neris Fo. Apiaka

Tabela 11: População da aldeia Babaçu, TI Escondido


(Fonte: FUNASA, 2010

Entrevistamos o cacique Dokta e o Apiaka Raimundo Neris Filho na


aldeia Babaçu, no dia 11/12/2011, buscando enfocar suas trajetórias de vida,
bem como o retorno às terras tradicionais; a destacar, como se vê abaixo, a
ênfase no caráter forçoso que marcou o processo de transferência da região do
Escondido para os postos Japuíra e Barranco Vermelho. O cacique Dokta
(aproximadamente, sessenta anos), residia no posto Escondido, até sua
transferência, no início da década de 1970, para a então recém delimitada
“Reserva Erikpatsa”:

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1. DOKTA RIKBAKTSA (cacique), aprox. 60 anos (Aldeia Babaçu, TI


Escondido):
JDP: Você nasceu aonde?
Dokta: Nasci aqui no Juruena, onde é a cidade de Juruena (hoje).
JDP: Como é o nome de seu pai?
Dokta: Meu pai tinha muitos nomes. Nome de meu pai era Berari.
JDP: Você tem outros irmãos, vivos?
Dokta: Tem o Miguel, mora na aldeia Nova (TI Erikpatsa).
JDP: Vocês mudaram do Juruena para onde?
Dokta: Para o lado de Serra Morena; e depois viemos para cá.
JDP: Quando você veio para cá, quantos anos tinha?
Dokta: Na base de vinte e poucos anos. Solteiro. Demorei para casar.
JDP: Qual a primeira aldeia que você morou quando veio para cá?
Dokta: No Escondido velho, perto da laje do Capivara (na beira do Juruena,
próximo à foz do córrego Escondido).
JDP: Os missionários já estavam lá?
Dokta: Tinha a missão.
JDP: Quem você encontrou lá?
Dokta: O finado padre Edgar, e depois o padre Balduíno. Sheila, Joana,
estudei com elas. Sheila está em Cuiabá. Ela é da Inglaterra.
JDP: Quanto tempo você ficou no Escondido?
Dokta: Na base de quatro anos... Estudei negócio de linguagem com Sheila.
Estudei com ela, no posto Escondido. Depois, subi para cima, para o posto em
frente a Fontanillas... Morava na aldeia Nova, primeiro.
JDP: Que ano vocês subiram?
Dokta: Em 1972. Fiquei na aldeia Nova até 1988, quando mudei para aldeia
Pedra Bonita. De 1990, comecei a abrir aquele lugar de novo. Não gostei dessa
região, por causa do mato sujo, muita taboca. Cresci nesta região [Escondido],
costumei com mato limpo, não esqueci disso aqui. A cada ano, (vinha) apanhar
ponta de flecha [no Escondido], a cada ano, via que era limpo.
JDP: Onde vocês apanhavam ponta de flecha?
Dokta: No córrego do Noca [Cristóvão].
JDP: O córrego que faz a divisa leste, afluente do Juruena. Você ficou na Pedra
Bonita até quando?
Dokta: Até 1998. Quando começou a abrir aqui, eu voltei de novo, para cá.
JDP: Por que vocês foram lá para cima, por que saíram do Escondido?
Dokta: Para estudar. Subi lá para cima porque convidaram nós para estudar.
O padre Balduíno achava aqui muito longe, só de avião mesmo. Lá para cima a
viagem era mais curta. Ele [padre Balduíno] cuidava de nós...
JDP: Quem convidou?
Dokta: Quem convidou foi o finado padre Edgar [jesuíta, da Missão Anchieta].
JDP: Nesse tempo em que você morava lá para cima, você veio visitar o
Escondido aqui?
Dokta: A cada dois em dois anos eu vinha visitar. Para apanhar ponta de
flecha, porque lá em cima não existe. Ficava um mês no mato, depois voltava.
JDP: Quantas vezes você veio visitar aqui, enquanto morava lá em cima?
Dokta: Oito vezes.
JDP: E você vinha aqui perto [onde hoje está a aldeia]?
Dokta: Passava nesse aqui, com Balduíno (Loebens), procurando índio isolado.
Andamos até a cabeceira do [rio] Mureru. Fomos até cabeceira do [córrego]
Santarém. Mais para lá ainda...
JDP: Qual o último ano que você veio visitar aqui?
Dokta: Em 1983.

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JDP: E depois, só voltou quando veio morar? Ou veio antes?


Dokta: Antes, quando começou a abrir a cidade de Cotriguaçu, eu vim três
vezes...
JDP: Que ano foi?
Dokta: Em 1991, primeiro vim aqui. Aí em 1993, vim de novo, vim com Rinaldo
[Arruda]. Depois, em 1996, passamos com Rinaldo.
JDP: Rinaldo Arruda é quem fez a identificação da área?
Dokta: Também Moacir [da FUNAI], o Arnauld (Luyten). Ele que fez o mapa,
passando um pouco para baixo de Nova União. Viemos na reunião. Passando
Nova Esperança, é Nova União... Chegando da reunião [em Nova União], nós
descemos mais para baixo.
JDP: A reunião era para quê?
Dokta: Para ver onde era o ponto certo da área, nós pesquisamos, nós
andamos, onde ia medir a área. A fiscalização foi isso aí, onde era a área. Pegar
na cabeceira do Pacutinga ou... Depois de nós, lá virou tudo invasão, tudo
cidade. Não tem jeito de puxar mais para lá. Então nós pegamos, diminuímos,
mais para a beira do rio, onde tem mato mais fechado. Pegamos esse limite da
área, pegamos só metade. Ia pegar mais por cima dessa Cotriguaçu, mas não
tinha jeito, estava começando virar cidade. Pegamos onde tem mato fechado,
onde não tem derrubada grande.
JDP: Aqui vocês chegaram a ver o pessoal tirando madeira?
Dokta: Foi tirado madeira, começou em 1990, 1992.
JDP: Mas vocês chegaram a ver?
Dokta: Antes não. Depois disso, nós estivemos aqui. Primeiro, quando
passamos aqui, não tinha nem tirado madeira. Quando andava aqui, ninguém
mexia com madeira. Só tinha picadinhas... Desde o começo, que eu vim três
vezes, começou a aparecer picadinha. Primeiro, quando eu vim com o finado
pai desse aqui [Vanildo], não tinha nem sinal.
JDP: Como chamava o pai dele? Tinha outros irmãos?
Dokta: Folia. Ele morava nessa região. Moreno [irmão de Folia], mora na aldeia
Areia Branca, perto do córrego Água Branca.
JDP: Por que vocês fizeram a aldeia aqui em 1998?
Dokta: Porque não dava para chegar até na beira do rio, não tem nem estrada,
é ruim para baldear as coisas. Então nós paramos aqui, onde tem estrada, nós
paramos aqui.
JDP: O que vocês viram quando chegaram? Você veio com quem?
Dokta: Viemos junto com o pessoal da demarcação. Aí começamos a aldeia. O
pessoal da FUNAI estava junto, o Cavalcante. Ele perguntou para nós como
íamos fazer, se íamos morar mais para dentro. Eu disse: é aqui, para segurar
mais fácil, perto da divisa, o picadão.
JDP: O que vocês encontraram aqui quando chegaram?
Dokta: Esse pessoal que estava começando a entrar na área. Tinha maquinário
dentro, fazendo carreador novo para puxar madeira.
JDP: Encontraram maquinário aqui?
Dokta: Retirou [máquina] de dentro do mato, tirou fora. Tinha algumas
esplanadas, começando a juntar [toras], ficou para trás. Essa estrada, nesse
carreador até o Centro de Apoio. Chegando lá, puxa mais para o lado de Nova
Esperança. O madeireiro chegou primeiro, antes da demarcação, retirou todas
as máquinas, recolhido de noite. A máquina estava lá em cima.
JDP: Era máquina do Walmor [Bianchi, da parte autora]?
Dokta: Não sei, não sei quem estava tirando essa madeira. Cada madeireiro vai
tirando madeira... o tal do Treitinger...
JDP: Tiraram o maquinário, e depois?

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Dokta: Nós aproveitamos para fazer a roçada, para derrubar, plantar roça.
Fazer casa tradicional, primeiro. Começou a fazer casas, em 1998, ficamos de
vez. Não volto mais para lá.
JDP: Alguém veio para falar para vocês saírem daqui?
Dokta: Não. Não tem jeito de mandar... Só esse pessoal do Berneck [firma
madeireira da região] que veio aqui, falando que era dono, que nós estávamos
tirando madeira... Não sei se queriam roubar mais madeira... Agora nós
estamos na nossa área, esse negócio de roubar madeira acabou. Tem que
respeitar um ao outro. Se nós formos roubar de vocês lá, não vão gostar.
Mesma coisa que vocês pensam. Tem que respeitar um ao outro. Essa
demarcação que foi feita, agora vai começar... roubar mais madeira? O cara
ficou quieto. Passou de noite, oito horas da noite... Nunca veio mais.
Marilza (assistente técnica): No futuro, essas pessoas que nasceram aqui e
moram em outros lugares, vão vir para cá?
Dokta: Muitas pessoas que nasceram nesta região, existem ainda, estão para
cima. Tem Rafael, Paulo, João Pequeno, a mulher do Darci... Quando veio aqui
falou: “Esse pé de castanha, eu apanhei, pequena, com doze anos, apanhei
castanha, subi nesse pé de castanha, apanhei...” Agora está aposentada
também. Tem outra mulher que veio ano retrasado: “Lá córrego nós
apanhávamos peixe aqui...” O pessoal lembra ainda. Tem um homem, que veio
esse ano, o pai do Marcelo, que está casado com minha sobrinha, ele contou
tudo, nesse pé de açaí, conheceu tudinho. Ele gostava de matar peixe na
flecha, nesse córrego; morou muitos anos aqui. Esse pedaço, onde está a
derrubada velha, ele mostra tudo aqui. Onde o pessoal fazia festa, na beira do
córrego Canoeiro, ele contou. Tem uma roça velha, que é mais para dentro,
onde fomos ontem, adiante do córrego das Táboas, tem uma derrubada velha.
Lá também, ele contou que o pessoal fez festa uma vez...
JDP: Lá era aldeia de quem?
Dokta: Aldeia do avô de Adelcio, chamava Aone.17 Adelcio está morando... O
pai do Adelcio chamava Tokta. Ele ficava na aldeia Nova, não anda... Está lá.
JDP: Parece seu nome?
Dokta: Meu nome é Dokta, e ele é Tokta.

2. RAIMUNDO NERIS FILHO (Apiaka), 48 anos (Aldeia Babaçu, TI Escondido):


JDP: Você tem quantos anos? É filho de quem?
Raimundo: Eu sou de 1962. Sou filho de Raimundo Neris da Silva, tratavam
ele de Dico.
JDP: Quem são seus irmãos?
Raimundo: Nós éramos dois irmãos, um faleceu, Severino. Ele está enterrado
lá na Capivara. O mais velho, eu sou o mais novo. Irmãs eu tenho três. Tem
uma em Cotriguaçu, chama Doca, a Maria de Fátima. Tem outra lá na Juara,
onde eu morava, em Porto dos Gaúchos. Ela é professora, chama Maria da
Conceição. E tem uma Francisca, mora nas bandas de cá, Colniza.
JDP: Quando vocês vieram morar na beira do Juruena?
Raimundo: Quando viemos morar, eu era pequeno. Minha mãe falou para mim
que eu estava com três meses de idade... Nós somos [índios] Apiaka... Eu vim
com meu tio, irmão da minha mãe. Ele morava no Pará, chamava Severino.
Nós morávamos na nossa aldeia [Apiaka], todo tempo nós mexíamos com
seringa. O seringal lá parou, abriu falência a produção de seringa. Estavam
aqueles projetos de seringueiro para cá. Lá na aldeia meu pai aprendeu, tinha
uma escola de corte de seringa. Naquele tempo não era todo mundo que sabia

17Tebe (aprox. 80 anos), a viúva do cacique Aone, está hoje morando na aldeia Pé-de-Mutum (informação pessoal,
Adriana Athila, 2011).

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abrir o corte. Meu pai lá era chamado para abrir corte de seringa, para os
outros trabalharem. O pessoal aqui falou que estava precisando de gente para
abrir corte. Meu pai tinha feito diploma, naquele tempo, fez curso. Aí viemos
para cá. Veio abaixo assinado de lá, que meu pai estudou... Não queriam
qualquer um, só quem mandasse uma carta, para apresentar quem que você
é... Um vinha trabalhar, outro... Naquele tempo, de muita bandidagem, 1962.
Mandaram então uma carta, dizendo qual era a profissão do meu pai.
Chegamos ali na Capivara, a laje da Capivara.
JDP: Perto da foz do córrego do Escondido?
Raimundo: Lá onde era a maloca dos meninos [índios] lá. Fica mais ou menos
no meio, o Santarém é mais em baixo. Nós chegamos nessa laje, que é uma
pedreira grande, bonita. Nós viemos do Pará com meu tio, tinha um
motorzinho daqueles 10/12, puxado na fieira. Tinha umas cachoeiras brabas,
vinha com ele. Chegamos naquela laje. Aí chegou lá um cara que andava por
lá, finado Boeira, faleceu há muito tempo. Ele trabalhava na administração
dessa seringa. Meu pai mostrou a carta que tinham mandado.
JDP: O Boeira trabalhava para quem?
Raimundo: Trabalhava para a CONOMALI, era encarregado de comprar
borracha, vender, limpar estrada, trazer seringueiro. Meu pai mostrou a carta,
ele disse que estavam precisando, tem muita gente aí, mas não sabe abrir
corte. Fomos então na CONOMALI, o finado Willy era o chefe, tinha outro,
Walter Erbach, que está até hoje, o irmão dele [Willy]. Meu pai então começou
a trabalhar. Fui indo, me entendi de gente, e nós ficamos lá trabalhando. Foi o
tempo em que o padre João começou a navegar aí. Tinha esses índios bravos,
esses Canoeiros, esses Erikbaktsa que ainda estavam brabos.
JDP: Eles não atacavam vocês?
Raimundo: Nunca atacou. Eles eram acostumados ver meu pai trabalhando lá
no Pará... Eles navegavam daqui ao Pará. Falavam que era perigoso. Meu pai
dizia: “Não, estou acostumado com eles, não são perigosos”. Quando eu peguei
idade, cinco ou seis anos, eu ia com meu pai [cortar seringa]. Ia com picuá de
caneco nas costas, meu pai vinha com a faquinha abrindo. Eu ia só pondo os
copos. Chegava naqueles lugares, a estrada fechada, eu queria abrir com meu
facãozinho. Meu dizia: “Não, deixa que foram os colegas [índios] que fecharam”.
Arrodeava e ia embora.
JDP: Como fechava?
Raimundo: Quebrava ramo, dobrava assim. Ou amarrava cipó, um ramo no
outro, nas picadinhas. Às vezes emborcavam o copo, e a seringa ficava
pingando. Eu ficava com bastante medo, começava a chorar. Não, dizia meu
pai, eles não mexem. Ele não falava que era índio, dizia que era um passarinho
que emborcava... Nunca nos atacaram. Depois o padre João começou a ir por
lá, deixava as coisas para nós deixarmos para eles, facão, bolacha, doce. De
início, eles não pegavam. Depois começaram a pegar. E começaram também a
navegar com o padre João, deixaram... Foi indo, eles saíram nesse lugar, lá no
Escondido, onde eles tinham a maloca. Tem a boca do córrego, mais para cima
tem um lajeiro, tipo uma cachoeira. O seringueiro andando por lá, viu eles
tomando banho nas pedras. Aí foram amansando, e fizeram o barracão lá, para
amansar eles. Aí ficou o barracão, até agora. Passou o tempo, eles amansaram,
aí começaram a espalhar, para Fontanillas, para o Barranco. Andávamos pelo
Juruena, o padre João e eles que davam mais condição para nós. Daí, toda
vida, ficamos no meio deles.
JDP: Você chegou a conhecer o posto dos evangélicos, o Fritz...
Raimundo: Conheci demais. O Fritz, aquele Arnildo... Esses caras, uns ainda
estão no Porto dos Gaúchos, velhinhos... Navegaram, nesse tempo. Tem o
Leopoldo, esse era rapazinho, tem uma oficina grande agora lá. Depois que
faleceu o Boeira, entrou um tal de Gustavo, por último, o derradeiro

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comprador de borracha que entrou foi o Azuino. Ele tem uma fazenda hoje. A
firma não quis mais mexer, tinha muita despesa, e a borracha desvalorizou.
JDP: Vocês ficaram morando?
Raimundo: Ficamos morando nessas condições, no tempo em que cortava
seringa, e junto com os meninos [índios]. Depois parou a borracha, e nós
ficamos que nem os meninos [índios], no meio deles, e dando assistência, esse
padre Edgar, padre João, sempre dava assistência para nós, mais saúde. No
tempo do padre Edgar, no tempo da Sheila... Tinha outras, que já faleceram, a
irmã Helvécia, que estava na nossa aldeia. Eles comandavam lá. Naquele
tempo era difícil esse negócio de saúde, nós fizemos um campo lá no
Escondido, só de traçador, machado e foice. Para um caso de emergência, o
avião descer.
JDP: Vocês moravam todos juntos, na laje da Capivara?
Raimundo: Tudo junto. Foi o entrevado que eles saíram, eles andavam por
aqui, mas não estavam mais morando, aí nós ficamos.
JDP: Quando o padre Balduíno fez as expedições, levando o pessoal para
cima?
Raimundo: Foi. Nós ficamos tomando conta da área. Eles [os índios] sempre
iam lá, e tal... Foi o tempo em que estavam os garimpeiros lá no Juruena, que
é bem pertinho. Nós fazíamos roça, vendia, mas ficamos sem assistência de
saúde. Só de comida mesmo, nós fazíamos roça, fazíamos farinha, vendia
galinha, vendia porco, tinha muita roça. Aí começou lá um piseiro, puseram os
garimpeiros para fora, entrou uma firma, uma companhia, aí começou a
ameaçar nós. Tinha pouquinha gente nessa aldeia aí. Naquele tempo nós
éramos muito obedecidos. Meu pai falou: Vamos embora. Aconteceu esse
entrevado, para a gente se desgostar. Mataram meu irmão lá, para roubar.
Garimpeiros. Meu pai ficou desgostoso. Está fazendo mais de vinte e cinco
anos que aconteceu isso, trinta anos. Meu pai se desgostou e falou para irmos
embora. Acabamos com tudo, vendemos tudo e viemos. Nesse entrevado, me
ajuntei com uma mulher aí, tinha três crianças com ela. Ela não era índia, era
branca. Nós viemos, ficamos ali no Arinos, no Castanhal (aldeia). Eles (os
Rikbaktsa) queriam nós bem demais, mas já com minha esposa não queriam...
Eu era índio, ela não, para largar não tinha jeito. Peguei e saí. Fomos lá para
nossa aldeia no rio dos Peixes. Lá se tornava melhor, era nossa. Também lá
ficou a mesma coisa, me queriam bem mas não queriam minha esposa. Meu
pai falou: Vamos sair para cidade, que nós ficamos tranqüilos. Mas aí meu pai
já não agüentava mais, vivia doente, sofreu derrame duas vezes e acabou
falecendo. No Porto dos Gaúchos, onde está enterrada minha mãe também.
Meu pai faleceu. Chegaram os pais da minha mulher, que moravam em Barra
do Bugres. Fomos para lá passear, eu não conhecia. Lá ela achou que não
queria mais me acompanhar, ficou com pai e mãe. Vou fazer o quê? Você vive
sua vida, eu vivo a minha, o mundo é grande. Deixei ela lá, vendi a casa que
nós tínhamos, dei o dinheiro para ela. Fiquei sozinho, trabalhando.
JDP: E as crianças?
Raimundo: As crianças ficaram com ela. Eu fiquei dando assistência aos
meninos, agora estão todos grandes, casaram. Já tenho até neto. Fiquei
sozinho, trabalhando lá. Nessa época de final de ano, essa irmã mais velha
estava para cá. Meu pai tinha deixado lá uma casona (Porto dos Gaúchos) de
herança nossa, eu não podia vender porque não tinha nome de ninguém. E
estava sem contato com essa irmã mais velha, Doca (Maria de Fátima) que
mora em Cotriguaçu... Telefonei para ela, convidou para vir passear... Lá perto
da rodoviária (de Porto dos Gaúchos), tem um tio meu, Cândido [Morimã], que
pilotava os barcos para a CONOMALI. Está velhinho. O filho dele que está
tomando de conta da Rodoviária. Ele tomou conta da Rodoviária, aposentou,
entregou para o filho dele. Segunda-feira cedo sai para cá. Nem sabia que eles

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Laudo antropológico – Processo 2006.36.00.003067-5
2ª Vara da Justiça Federal - Mato Grosso

(os índios) tinham ganhado essa área [Escondido]. Cheguei em Cotriguaçu,


topei minha irmã. Ela falou, que eles ganharam a área que nós morávamos.
Fiquei ansioso, porque de lá para cá não tem quase mato... Ela já se tinha
dado muito com o cacique (Dokta). Naquele tempo, eu via o cacique, mas era
muita gente e também eu era pequeno. Eles paravam sempre na casa da
minha irmã. Eles chegaram lá, e falaram que se eu quisesse, podia dar uma
volta, porque morei muito tempo com eles... Peguei e vim para cá. Fiquei uns
dias, tinha esse negócio de castanha, trabalhei quebrando castanha. Acabou o
negócio da castanha, fui para Cotriguaçu. Arrumaram um serviço para mim,
trabalhei quinta, sexta e sábado, o cara queira vir embora - bem pertinho da
cidade, de moto. Trabalhei só uns dias... Ficar sozinho... eu vou junto! Tinha a
casa da minha irmã pra ficar, e eu estava alugando uma casa do meu
sobrinho, bem pertinho, pra não incomodar ela... Era umas três horas da
tarde, sábado, antes de chegar em Cotriguaçu me derrubou da moto, quebrei
meu pé... Estou sofrendo até hoje. Não agüento trabalhar muito...
Marilza: Você trabalha de diária, trabalha de quê?
Raimundo: Antes de entrar na área deles, na cidade, trabalhava de empreita,
por dia... Antes, quando eu morava em Juara...
JDP: Aí você conheceu a filha do Inácio, aqui?
Raimundo: Sêo Inácio [Pajé] mexe com negócio de remédio do mato, medicina
do mato. Ele disse: Vamos para lá... Mas será, sêo Inácio, que eu saro? Estava
ele e o cacique. Cheguei aqui, melhorando com o remédio dele. Estava essa
menina, mas já não queira morar com o marido, tinha dado problema. Mas
aí... fica chato... Ficamos nesse dia, no outro dia fui lá na roça, com eles... Aí
falei, falei a verdade para ele. Brigar comigo, ele não ia brigar. Ele (Inácio) ficou
meio brabo, a velha também... Aí o cacique chegou também. Falei com ele
também. E estamos até hoje.
JDP: Quando vocês saíram da laje da Capivara, quantos anos você tinha?
Raimundo: Dezenove anos.
JDP: Você tinha andado no interior desta área?
Raimundo: Tudo, tudo, por todo canto, por água, cortando seringa... Tudo,
caminhamos aqui. Eu morava na boca do Santarém, tinha um barraco na boca
do córrego. Eu morava lá, fiz roça lá, cortei muita seringa.
JDP: E aqui para cima, nas cabeceiras? E aqui, você já tinha vindo?
Raimundo: Tinha vindo, por lá, pelas cabeceiras do Córgão (Cristóvão). Passei
aqui, mas andava mais nas cabeceiras desse córrego. Andava explorando a
seringa. Para ver se dava condições de trabalhar. Tem lugar que dá mais. E se
a distância compensa, para carregar. Naquele tempo o pessoal só queria coisa
fácil, madeira grossa...
JDP: Você viu muitas capoeiras de aldeia?
Raimundo: Tinha. Eles eram moradores daí. Nós vínhamos e ficávamos com
eles. Nessas aldeias que o cacique falou, nós andávamos tudo aí. Não lembro
os nomes dos caciques, era muita gente, tinha bastante. E eles falavam mais
na língua deles... Eu não aprendi. Quando era menino, andava com meu pai.

Para a vistoria do lote sub judice e suas imediações, participaram do


caminhamento a assistente técnica Marilza Rodrigues, o ex-funcionário da
parte autora Gilson de Araújo, o funcionário da FUNAI Luiz Carlos da Silva
Júnior, o guia e intérprete Egídio Bahi e o cacique Dokta Rikbaktsa. Na
primeira etapa, no dia 10 de dezembro de 2010, tomamos a estrada aberta na
década de 1990 que atravessa a Terra Indígena Escondido no rumo noroeste, a

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partir das cabeceiras do córrego Canoeiro. Segundo o ex-funcionário Gilson de


Araújo, a estrada de acesso foi construída pela própria parte autora no ano de
1993, sendo logo utilizada para a elaboração e a execução do Projeto de
Manejo Florestal no lote sub judice – alguns documentos deste Projeto foram
carreados aos autos, às fls. 144 e seguintes. Recentemente, a Prefeitura
Municipal de Cotriguaçu colaborou na recuperação na estrada, patrolando seu
leito e refazendo pontes e bueiros para viabilizar as condições de tráfego até o
Centro de Apoio do PIC - Programa Integrado da Castanha (PNUD/FEMA). Em
julho de 2010, quando da perícia anterior, as condições precárias da estrada
não permitiram percorrê-la senão cinco quilômetros de camionete, outros dez
quilômetros foram a pé – suficientes, porém, para detectar nichos de taboca
jurupará, trilhas de caça, locais de pesca, estradas de seringa, castanhais e
antigas capoeiras em toda sua extensão (Dal Poz, 2010).

Desta vez, a partir da aldeia Babaçu, em duas camionetes, fizemos


cerca de seis quilômetros até as proximidades da divisa norte do lote sub
judice, seguindo as orientações do ex-funcionário Gilson de Araújo. A duzentos
metros deste ponto, a oeste da estrada, avistamos uma tora abandonada de
mogno ocada, que teria sido derrubada por volta de 1993, no início da
exploração madeireira; adiante, um toco de ipê cortado a motosserra e logo,
outro de cerejeira. Segundo Gilson de Araújo, o Projeto de Manejo da firma
Walmor J. Bianchi, em sua primeira fase, objetivou a retirada de madeiras
consideradas “nobres” (mogno, cerejeira, ipê, louro frejó, cedro rosa), de maior
valor comercial à época, situadas próximo ao eixo da estrada, adentrando aos
poucos o lote sub judice. No local, o cacique Dokta assinalou uma árvore
“ximboa” (em português, tamboril), da qual os Rikbaktsa utilizam a casca
como veneno de pesca.

Para a execução do Projeto de Manejo Florestal, explicou o ex-


funcionário, a parte autora traçou vários carreadores no sentido leste-oeste,
distanciados cinqüenta metros um do outro, dividindo assim os talhões que
iria explorar. Ao encontrarmos um desses carreadores principais, de uns dez
metros de largura, seguimos nele cerca de oitocentos metros a oeste,
observando e fotografando inúmeros tocos de árvores cortadas a motosserra,
que testemunham a exploração madeireira que ali ocorreu entre 1993 e 1997.

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Igualmente, por toda parte, reconhecemos castanheiras nas quais os


Rikbaktsa coletaram ouriços e várias trilhas e outros vestígios de caça
recentes e antigas (sobretudo, galhos e arbustos dobrados ou cortados). Ao
retornar nas camionetes, registramos as coordenadas da ponte sobre o córrego
das Táboas, um dos cursos fluviais que serve de pesqueiro aos Rikbkatsa.
Perto dali, o cacique Dokta indicou a existência de touceiras de taboca
jurupará. Da mesma maneira, as coordenadas de uma esplanada, onde estão
toras empilhadas, abandonadas durante a safra de 1997, a cerca de mil e
quinhentos metros da aldeia (ver Fotografias, em anexo). De acordo com
Gilson de Araújo, próximo desta esplanada estava fixado o ponto inicial da
picada demarcatória do lote ora sub judice (ver mapa “Ocupação indígena na
região do Escondido”, em anexo).

No dia seguinte, 11 de dezembro de 2010, visitamos primeiramente a


capoeira da antiga aldeia de Myktsõ (Môikxau, cfe. Dornstauder, 1975, p. 178),
quinhentos e oitenta metros ao sul da aldeia atual, que restou excluída da
demarcação da TI Escondido efetivada em 1998. Dos vestígios que
encontramos, destacam-se: o solo escuro (a chamada “terra preta de índio”), a
vegetação secundária e as bananeiras tipo prata, que ali ainda resistem. De
acordo com o cacique Dokta, o líder Myktsõ morreu pouco depois dos
primeiros contatos, e foi enterrado no local. Ademais, examinamos uma
grande castanheira, de cerca de um metro de diâmetro, provavelmente
plantada pelos antigos moradores, cujas castanhas graúdas eram preferidas
para os mingaus especiais das festas, explicou o guia Egidio Bahi.

DISTÂNCIA DA
PONTOS ALDEIA BABAÇU COORDENADAS
(metros)
Divisa sul 397,0 S 9º 40’ 23,1”; W 58º 43’ 12,3”
Aldeia Babaçu S 9º 40’ 14,4”; W 58º 43’ 15,2”
Roça nova 196,1 S 9º 40’ 11,7”; W 58º 43’ 9,5”
Esplanada (ponto inicial do lote
1478,0 S 9º 39’ 37,6”; W 58º 43’ 46,4”
sub judice)
Estrada de seringa/castanha 1569,5 S 9º 39’ 35,1”; W 58º 43’ 47,9”
Córrego das Táboas 5389,3 S 9º 37’ 35,2”; W 58º 44’ 29,4”
Carreador 5589,2 S 9º 37’ 39,4”; W 58º 44’ 50,6”
Cruzamento carreador/estrada 5695,5 S 9º 37’ 29,9”; W 58º 44’ 33,6”
Ponto final do caminhamento 5985,6 S 9º 37’ 17,4”; W 58º 44’ 37,2”
Capoeira da aldeia de Mõktsy 577,3 S 9º 40’ 33,1”; W 58º 43’ 13,5”
Capoeira da aldeia de Amawe 1192,0 S 9º 39’ 54,3”; W 58º 43’ 46,0”

Tabela 12: Coordenadas do caminhamento

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Em seguida, visitamos a noroeste da aldeia atual, cerca de mil e


duzentos metros, a capoeira da antiga aldeia de Amawe, onde identificamos
bananeiras prata e roxa, espécimes da planta tokotsa, de cujas sementes
fazem colares, e os esteios de velhas “malocas” (ver Fotografias, em anexo).
Segundo o cacique Dokta, a filha de Amawe, Maurina Tawy, de
aproximadamente 60 anos, mora hoje na aldeia Segunda, na TI Erikpatsa.

Por fim, encerrando a fase de vistoria, estivemos numa das roças novas,
a duzentos metros a leste, onde verificamos culturas consorciadas de milho,
mandioca, amendoim, cará, abacaxi e batata-doce (ver Fotografias, em anexo).

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Figura 18: Habitat rikbaktsa e terras indígenas


(Arruda, 1987b, p. 314)

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III. A DEMARCAÇÃO DAS TERRAS INDÍGENAS

Três áreas administrativas foram reconhecidas pelo Poder Público, como


de domínio dos Rikbaktsa, são elas: a TI Erikpatsa, a TI Japuíra e a TI
Escondido. O lote em demanda coloca-se no interior do perímetro da área
Escondido, mais precisamente próximo à divisa sul, entre as cabeceiras dos
córregos Escondido e Canoeiro (ver mapa “Ocupação indígena na região do
Escondido”, em anexo). Devo notar, a bem da verdade, que a demarcação
administrativa dessas áreas indígenas, ao longo de um processo moroso e, por
vezes, algo tumultuado, não resguardou mais que parcelas menores do
território tradicionalmente ocupado pelos Rikbaktsa.

Figura 19: Terras indígenas demarcadas

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O reconhecimento oficial da ocupação indígena nessas áreas teve início


ainda na década de 1960; contudo, apenas chegou a seu termo quarenta anos
depois. Coligida de diversas fontes, a série de documentos oficiais e dados
cartográficos comentados neste tópico permitirá avaliar, com maior acuidade,
a pertinência dos trâmites administrativos que levaram à identificação e à
demarcação dessas terras indígenas, sobretudo a TI Escondido que nos
interessa neste laudo.

A “Reserva Erikpatsa”, no setor sul do território tradicional dos


Rikbaktsa, foi instituída pelo Decreto 63.368, de 8 de outubro de 1968,
compreendendo uma extensão de 79.935 hectares entre os rios do Sangue e
Juruena - em parte, sob pressão dos missionários jesuítas, no intuito de
consolidar o posto Barranco Vermelho como centro de assistência e catequese,
com um “programa nítido de aculturação” (Schmidt, 1969). Com efeito, os
jesuítas entenderam, nas palavras do padre Schmidt, que o Decreto prescrevia
“a entrada de todos os elementos da tribo na Reserva, dentro de um prazo
razoável”; e, face à “responsabilidade exclusiva sobre a tribo” que cabia à
Missão Anchieta, estariam “trabalhando ativamente, mentalizando os índios,
procurando vencer o seu desânimo, diante do fato de serem suas terras
inexoravelmente ocupadas” (Schmidt, 1971e). Contudo, o trabalho de
“aproximação e transferência” de todos os Rikbaktsa para a área reservada em
1968 nunca se completou; em meados da década de 1970, ainda remanesciam
várias aldeias dispersas pelo território tradicional, sobretudo no baixo
Juruena, na região do Escondido e seu entorno (Arruda, 1985, p. 5).

Legitimado pela “autorização” que a FUNAI lhe entregara em 21 de


agosto de 1968, o padre Edgar Schmidt anunciou em 1971 a interdição da
área onde estava a aldeia Japuíra, “não permitindo nela nenhuma penetração”
(Schmidt & Oliveira, 1971, p. 3; ver mapa a seguir). Tratava-se de uma
“medida de segurança” provisória, com o objetivo de resguardar a “aldeia de
transição” para onde estavam sendo conduzidos os grupos Rikbaktsa do baixo
Juruena, conforme salientou o missionário:

“Prevemos que em poucos anos poderemos dar por encerrada a fase de atração
dos grupinhos restantes da tribo. Então toda essa área estará liberada para
investimentos agro-pecuários” (idem, ibidem).

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Figura 20: Terra Indígena Erikpatsa

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Ao mesmo tempo, Schmidt encarregou-se de declarar a “interdição


temporária” da área do Escondido, onde estava “em andamento a transferência
destes índios [do Escondido] para a reserva [decretada em 1968] e boa parte
deles já foi transferida”. Os moradores do posto Escondido, porém, de acordo
com o missionário, não queriam sair de lá “enquanto não conseguirem trazer
seus parentes ainda arredios”. A situação do baixo Juruena exigia atenção,
acrescentou, uma vez que a mera “interdição” pelo responsável do posto
carecia de força “para conter a ânsia de busca de minérios, que está levando
cada vez mais gente e companhias para aquelas paragens” (idem, p. 4). Schmidt
postulou a interdição da área do Escondido (ver mapa a seguir) com os
seguintes limites:

“Partindo do posto Escondido, na margem esquerda do rio Juruena, descendo


por este até a barra do córrego Santarém. Subindo por este até sua cabeceira
principal. Desta, em linha reta até a cabeceira do córrego do Dico [Canoeiro],
sempre em linha mais ou menos rumo sul. Da cabeceira do córrego do Dico
descendo por este até sua barra, descendo em seguida pela margem esquerda
do rio Juruena até o posto Escondido, numa distância de cerca de 2 léguas”
(Idem, ibidem).

Figura 21: Proposta de interdição, 1971


(Schmidt & Oliveira, 1971)

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As “interdições” anunciadas, todavia, não foram respeitadas. Em fins de


março de 1972, a Agropecuária São Marcos, de Luiz Tavares, alegando a
propriedade da área do posto Japuíra, obteve do mesmo padre Schmidt o
compromisso de acelerar a remoção de seus moradores para a Reserva
Erikpatsa - uma vez lá, eles fundariam a chamada aldeia Nova (Schmidt,
1972e, p. 3-4; Hahn, 1976, p. 35; Pacini, 1999, p. 139, nota 164).

A contituição de novas aldeias, de acordo com Athila (2006, p. 160-161),


com efeito, indica uma tendência à separação de segmentos divergentes, que
se manifestou desde os primeiros tempos da Reserva, quando compactados
territorialmente por circunstâncias diversas. Para muitos Rikbaktsa, na
verdade, a estadia no posto Barranco Vermelho possuía motivações apenas
eventuais: visita a parentes, alguma necessidade particular e, principalmente,
atendimento à saúde. Sobremaneira, eles continuaram a usufruir de suas
antigas zonas de caça, pesca e coleta, situadas fora da Reserva decretada,
para obtenção de produtos necessários ao seu modo de vida:

“A caça e a pesca, ainda vitais para sua subsistência, escasseiam na Reserva e


a seu redor, em virtude do confinamento do grupo na mesma área e da
ocupação crescente da região. A castanha, seu principal produto de coleta se
concentra em áreas fora da Reserva. As roças, devido ao tipo de nicho ecológico
[...] devem ser constantemente mudadas de lugar e o território da Reserva,
pequeno para as necessidades de todo o grupo, acaba sendo uma barreira”
(Arruda, 1985, p. 20).

Em poucos anos, os Rikbaktsa ensejariam um firme movimento de


retomada de algumas áreas tradicionais. Em 1984, abriram roças e estradas
de seringa no antigo posto Japuíra, quando se apossaram da sede fazenda São
Marcos que ali se instalara. E, no ano seguinte, abriram uma roça na área
Escondido, na foz do córrego Canoeiro (do Dico), quando colocaram placas de
advertência na barra dos demais córregos (Arruda, 1992a, p. 203).

Em outubro de 1984, o assessor de saúde da FUNAI, o médico Oswaldo


Cid Nunes da Cunha, procedeu a um levantamento geral da situação dos
Rikbaktsa. Após percorrer a maior parte de suas aldeias, advertiu o órgão
indigenista que a Reserva dispunha de espaço físico “ínfimo”, e que o povo
Rikbaktsa poderia ser levado, “devido esta compulsão ecológica, [...] a uma

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marginalidade sócio-psicológica e a uma condição precária de sobrevivência


biológica”. E justificou:

“Vivem atualmente de uma economia primária [...]passaram a produzir


borracha através do corte da árvore de seringa e que hoje é a principal fonte de
recurso econômico para conseguirem material para esta economia primária [...]
; são coletores de castanha do Pará, de frutas silvestres e plantas medicinais;
riquíssimo trabalho artesanal, principalmente com plumagem; bom estado
nutricional, constando da alimentação: carne de caça, peixe, beiju, mandioca,
banana, batata-doce, frutas silvestres, etc.; o crescimento populacional está
acima de 6%, com baixa mortalidade e uma medicina indígena de alta
eficiência [...] Portanto, hoje o povo Rikbaktsa mantém uma economia
primária, dependente dos produtos da economia exógena, e que esta, antes
não fazia parte de seus hábitos e costumes, mas que, a partir principalmente
de 1974, com o inicio da produção de borracha, passou a ser incorporada e
necessária à subsistência deste povo, ao ponto de afetar a sua estruturação
social e econômica, justamente no momento em que começaram a sentir os
efeitos do confinamento na Reserva que lhes foi imposta por uma transferência
compulsória que sofreram em 1972” Nunes da Cunha, 1985a, p. 1-2).

Observou então Nunes da Cunha (idem, p. 2) que, semanalmente,


várias canoas desciam o rio Juruena, no sentido norte, até as regiões de
Japuíra e Escondido, em “busca de locais de caça, pesca, material para
artesanato, barro apropriado para cerâmica, árvores de seringa para corte,
castanha do Pará, plumas de pássaros”.

Enquanto a área do Japuíra passava por um processo de repovoamento,


a região do Escondido recebia à época “incursões intermitentes [dos Rikbkatsa],
e só não o fazendo com mais freqüência, devido a distância longa” (idem, p. 4).
De fato, no antigo posto Japuíra o médico encontrou sessenta e oito Rikbaktsa
ali residindo, e mais vinte e sete outros acampados para extrair seringa, caçar,
pescar e coletar material de artesanato. Segundo Nunes da Cunha (idem, p. 3),
“todos eles nasceram nesta região e foram transferidos compulsoriamente em
1972 para a atual Reserva, pela Missão Anchieta, sob o comando do padre Edgar
Schmidt, sem entenderem na época o porquê dessa transferência”. Dois dias de
canoa de popa Juruena abaixo, o assessor encontrou um grupo de cinco
Rikbaktsa - dos quais, dois “originários da região do igarapé do posto
Escondido” - acampados, caçando e pescando pouco acima do salto Augusto
(no relatório, erroneamente designado de “cachoeira de São Luis”).

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Figura 22: Terra Indígena Japuíra

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Ao tomar conhecimento da presença continuada de índios na região, o


presidente da FUNAI, Nelson Marabuto Domingues, decidiu então pelo
indeferimento da “Certidão negativa de presença ou aldeamento indígena” que
havia sido requisitada pela Cotriguaçu Colonizadora do Aripuanã S/A,
abrangendo uma área de um milhão de hectares que incluía o córrego
Escondido e seu entorno. A decisão foi comunicada à empresa através do
Ofício 046/PRES/DPI de 7 de fevereiro de 1985 (Domingues, 1985; ver “Ofício”
em anexo).

No mesmo ano, a seguir, a FUNAI constituiu um Grupo de Trabalho


(Portaria FUNAI 1859/E, de 18 de abril de 1985), coordenado pelo antropólogo
Rinaldo Arruda e integrado por representantes dos órgãos FUNAI, INCRA,
INTERMAT e Missão Anchieta, para a identificação daquelas áreas Japuíra e
Escondido. Na ocasião, a equipe encontrou no antigo posto Escondido “uma
maloca ainda de pé, atestando ter sido construída depois da desocupação oficial
da área pelos índios”, além de escombros de outras “malocas” e muitas árvores
frutíferas. Quatro famílias Apiaka residiam então às margens do Juruena, a de
Severino Néris, na barra do córrego do Dico (Canoeiro), a de seu irmão
Raimundo Néris Filho (ver entrevista acima), na barra do córrego Santarém, a
do pai de ambos Dico (Raimundo Néris) e a de sua filha Doca e o genro Pedro,
nas imediações da ilha grande do Escondido (Arruda et alii, 1985, p. 2). Após o
sobrevôo das áreas identificadas, o GT apresentou os seguintes limites a serem
demarcados:

“1) Área do Japuíra: toda a região identificada a partir da barra do córrego Sujo
(também conhecido por Marcolino), na margem direita do rio do Sangue, em
frente a atual Reserva. Seguindo por este (Sujo) pela sua margem direita até a
cabeceira. Desta uma linha seca até a cabeceira do córrego Sararé, seguindo
por este na sua margem esquerda até sua barra no rio Arinos. Descendo por
este, na sua margem esquerda até encontrar o rio Juruena subindo por este
até a barra do rio do Sangue, onde encontra a Reserva atual. Além disso, [os
Rikbaktsa] reivindicam a posse das ilhas, tanto do Juruena como do Arinos.

2) Área do Escondido: toda a região identificada a partir da barra do córrego


Cristóvão [do Noca], seguindo por este até sua cabeceira, pela margem
esquerda. Continuam seus limites por uma linha seca da cabeceira do córrego
Cristóvão até a cabeceira do córrego do Dico, desta até a cabeceira do córrego
Escondido, deste até a cabeceira do córrego Santarém. Segue por este até sua
barra com o Juruena (pela margem direita do Santarém). Em seguida,
continua pela esquerda do rio Juruena, a montante, até chegar ao ponto

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inicial, a barra do córrego Cristóvão. [Os Rikbaktsa] Reivindicam também a


posse de todas as ilhas situadas neste trecho do rio Juruena.”

Entretanto, enquanto tramitava a proposta de definição da área


Japuíra, os Rikbaktsa foram dali escorraçados por uma verdadeira “operação
de guerra” - quarenta e sete soldados armados com fuzis e metralhadoras, sob
o comando do tenente Altair Magalhães, especialista em combate à guerrilha
na selva -, a mando da Secretaria de Segurança do Estado do Mato Grosso e a
cumplicidade de setores da FUNAI, a exemplo do funcionário Célio Horst, que
atendiam fazendeiros insatisfeitos com a demarcação da área indígena,
(Arruda, 1987b; Loebens, 1985; Pacini, 1999, p. 140-141). Não obstante, o
governo federal finalmente reconheceu a posse indígena sobre a terra indígena
Japuíra (ver mapa acima), através do Decreto 92.011, de 28 de novembro de
1985 – embora o retorno dos Rikbaktsa tenha sido adiado por alguns meses,
em razão de mandato de segurança expedido pelo Supremo Tribunal Federal.

Logo, os Rikbaktsa levariam adiante um processo acelerado de


repovoamento da área. Em janeiro de 1987, já estavam lá vinte famílias
estabelecidas: duas na ex-sede da fazenda São Marcos, quatro no retiro da
fazenda, cinco na barra do rio Vermelho, cinco no rio do Sangue e quatro na
foz do córrego Marcolino (Arruda, 1987a, p. 6-7). Em junho de 1990, seis das
vinte aldeias Rikbaktsa então existentes situavam-se na terra indígena
Japuíra, observou o antropólogo Rinaldo Arruda:

“Sem que se extinguissem os aldeamentos da reserva antiga (a parte de seu


território demarcada em 1968), novas aldeias surgiram na área Japuíra, ao
longo de seu perímetro, como forma de impedir novas invasões. No rio do
Sangue está a maloca do Luis, a mais próxima dos atuais invasores. Ivã e sua
família ergueram outro aldeamento no rio Juruena, pouco abaixo de sua
confluência com o rio do Sangue. Geraldino, seu irmão Salvador e outros
parentes fundaram a aldeia do Mutum, mais abaixo no rio Juruena. Mais
abaixo ainda, encontra-se o local aberto pelo pessoal da aldeia da Curva,
Ernesto, Rafael e outros, onde será erguida mais uma aldeia. No retiro da ex-
fazenda São Marcos, local de antiga aldeia Rikbaktsa, foi construída a aldeia
do Japuíra, onde moram Nicolau, Gregório, Tomás, Utupê e suas famílias. No
local onde era a sede da fazenda do invasor Luis Tavares, ergue-se a aldeia do
João, Dokma, Gaspar e famílias. Por fim, no rio Arinos, próximo à foz do
córrego Sararé, que faz o limite sul da área, Pedro Paulo, Vendelino e Vicente
fundaram outra aldeia. Em janeiro de 1989 a área do Japuíra já abrigava seis,
das vinte aldeias Rikbaktsa, sem contar as malocas construídas para, por
enquanto, serem usadas apenas na estação da seca. Em outubro de 1988,
seus moradores surpreenderam quatro garimpeiros, originários da cidade de

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Laudo antropológico – Processo 2006.36.00.003067-5
2ª Vara da Justiça Federal - Mato Grosso

Juara, que realizavam perfurações à procura de ouro. Foram imediatamente


retirados pelos Rikbaktsa e não voltaram até hoje.
O reconhecimento oficial da área do Japuíra, com a conseqüente ampliação de
seu território, gerou uma retomada de suas formas tradicionais de ocupação,
com aldeias menores formadas por grupos de parentesco, erodindo
gradativamente os aldeamentos ‘artificiais’, forçados pela sua transferência a
uma reserva que lhes concedia apenas 10% de seu território tradicional. Nas
novas aldeias reina o otimismo. Fizeram grandes roças, a caça é farta e a pesca
melhor do que na reserva antiga, já bastante cercada por empreendimentos
agropecuários, madeireiras e seu corolário de destruição ambiental e conflitos
sociais.
No período da seca deste ano, várias outras famílias planejam abrir roças e
iniciar a construção de malocas no Japuíra. Planejam também ir à área do
Escondido, como sempre fizeram, para apanhar pontas de flecha, caçar o
gavião carijó, coletar ervas medicinais e iniciar lá também a abertura de roças,
concretizando a posse de mais uma parcela de seu território. Pretendem com
isso forçar uma ação da Funai, persistentemente omissa, de quem dependem
para o reconhecimento legal de seu território” (Arruda, 1991, p. 455).

Concluída a demarcação física, a TI Japuíra foi homologada pelo


Decreto 386, de 24 de dezembro de 1991, com a superfície de 152.509
hectares.

Convém observar que o Grupo de Trabalho constituído pela Portaria


FUNAI 1859/E, de 18 de abril de 1985, acima mencionado, respondeu
igualmente pela proposta de identificação e delimitação da área Escondido,
com a extensão de 275.100 hectares, mas os trâmites administrativos não
prosseguiram. Mesmo assim, os Rikbaktsa abriram uma grande roça, próximo
à foz do córrego Canoeiro, e afixaram placas de advertência nos demais
córregos.

Contra a presença indígena na região do Escondido, todavia,


insurgiram-se os então administradores da Colonizadora Cotriguaçu, seja
mobilizando o apoio de autoridades estaduais e federais, seja desincumbindo-
se ostensivamente da “vigilância” da área. A Colonizadora solicitou da FUNAI
“medidas de ordem legal” visando coibir o que considerava ”invasão na área em
fase de colonização e assentamento de colonos” (cfe. “Ofício” da Cotriguaçu
Colonizadora do Aripuanã S/A, ao presidente da FUNAI, Gerson da Silva
Alves, datado de 13 de junho de 1985, Processo FUNAI/BSB/2013/85, fls. 46-
50). Às manifestações da empresa e de autoridades federais e estaduais,
porém, o presidente da FUNAI respondeu expressamente que a Cotriguaçu
S/A tivera a solicitação de “certidão negativa” negada em 1984 porque se

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Laudo antropológico – Processo 2006.36.00.003067-5
2ª Vara da Justiça Federal - Mato Grosso

tratava de “território imemorial Rikbaktsa”, de modo que a FUNAI “não


reconhece[ia] como sendo invasão de propriedade privada a presença dos
Rikbaktsa e funcionários do órgão tutor nas áreas indígenas Japuíra e
Escondido”, e que ambas estavam em processo de demarcação (cfe. Ofício
802/PRES/DPI/85, do presidente da FUNAI, Gerson da Silva Alves, ao
governador do Estado de Mato Grosso, Julio José de Campos, datado de 2 de
agosto de 1985, Processo FUNAI/BSB/2013/85, fls. 173-175).

A despeito da manifestação expressa do órgão indigenista, a


colonizadora prosseguiu os trabalhos topográficos e de infra-estrutura viária
iniciados em abril de 1984, com o objetivo de instalar a agrovila nas cabeceiras
do córrego do Cristóvão (hoje a sede do município de Cotriguaçu) e possibilitar
a venda de fazendas e lotes rurais a colonos sulistas que, não por acaso,
incidiam na terra indígena que o GT da FUNAI delimitara em 1985. Em 1988,
o legislativo estadual desmembrou do município de Aripuanã o município de
Juruena, e neste criou o distrito de Cotriguaçu que, em 1991, foi elevado à
condição de município. E, em vista de acelerar o processo de colonização
daquela região, a empresa Cotriguaçu alienou ao INCRA uma área de cem mil
hectares, igualmente encravada na Terra Indígena Escondido. Notificado pela
Procuradoria Geral da República, o INCRA permutou-a por uma área a oeste,
fora dos limites da Terra Indígena Escondido (Arruda, 1992b, p.5).

Preocupados com a perda iminente de seu território tradicional, os


principais líderes rikbaktsa, através de carta circular datada de 20 de agosto
de 1991, endereçada às autoridades e à população local, denunciaram a
invasão da Terra Indígena Escondido por “madeireiros e colonizadores”, entre
os quais o grupo Junqueira Villela e a Cotriguaçu Colonizadora: esta,
“negando que as terras do Escondido pertencem aos Rikbaktsa usando para
tanto meios repressivos”, aquela, “que vem praticando extração ilegal de madeira
em grande quantidade”, sublinharam eles (Mutzie et alii, 1991). Em
correspondência enviada à FUNAI, datada de 26 de abril de 1992 (Processo
FUNAI/BSB/0935/92, fls. 101-103), os líderes Paulo Henrique, Matias
Psibatsibata, Antonio Penuta e Butamy Tarcísio reiteraram as acusações ao
grupo Junqueira Villela, que continuava a extração ilegal de madeira, e à
Cotriguaçu, o seu projeto de colonização (Psibatsibata et alii, 1992).

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Laudo antropológico – Processo 2006.36.00.003067-5
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Figura 23: Permuta de área pelo INCRA


(Anexo ao Ofício INCRA/SR-13/G/638/92,
de 30/06/1992 - Proc. FUNAI 0935/92, fl. 109)

Em fins de 1992, em resposta à insatisfação dos Rikbaktsa e às


ameaças de confronto armado, a FUNAI constituiu um novo Grupo de
Trabalho (Portaria 1759/92, de 20 de novembro de 1992, no âmbito do
Processo FUNAI/BSB/2315/92) para atualizar as informações fundiárias e,
sobretudo, face à invasão já consumada, definir uma nova proposta para a
Terra Indígena Escondido. Coordenado pelo antropólogo Rinaldo Arruda, o GT
constatou in loco a extensão da invasão promovida pela Cotriguaçu
Colonizadora e seus associados, conforme as informações preliminares
registradas no relatório de viagem:

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Laudo antropológico – Processo 2006.36.00.003067-5
2ª Vara da Justiça Federal - Mato Grosso

“As versões apresentadas eram alarmantes e pareciam indicar que a ocupação


se estendia da área colonizada pela empresa Juruena Empreendimentos de
Colonização Ltda até depois do picadão que marca seus limites com o restante
da área da Cotriguaçu Colonizadora do Aripuanã Ltda. Segundo estas versões
a invasão abrangeria uma área das cabeceiras até o meio curso do córrego
Cristóvão (limite sul da área do Escondido), das cabeceiras até o meio curso do
córrego do Dito, atingindo as cabeceiras do córrego do Escondido e
ultrapassando-as [...]
Em cerca de duas horas e meia de vôo fizemos todo o perímetro da área,
cruzamos o picadão nos dois sentidos, localizamos o curso dos córregos que
cortam a área e constatamos que a ocupação real [pelos colonos e fazendeiros]
se limita à área ao sul do picadão já citado [...] Concentra-se na altura das
cabeceiras do córrego Cristóvão até sua meia altura, estendendo-se numa faixa
que alcança as cabeceiras do córrego do Dico, onde já perde densidade
extinguindo-se abruptamente. Da Vila Cotriguaçu sai uma estrada em direção
ao picadão e às cabeceiras do córrego do Dico, subdividindo-se noutra que
avança quase até as cabeceiras do córrego Escondido. Entretanto, essa
segunda vertente constitui-se mais num carreador por onde os construtores da
estrada retiram a madeira com a qual seu trabalho é pago, não apresentando
ocupação humana em seu trajeto, que se segue totalmente sob a densa mata
atravessada por ela.
Em resumo, somente a área ao sul do picadão se encontrava ocupada e mesmo
assim não totalmente, desmentindo em parte as informações verbais que
havíamos obtido” (Arruda, 1992b, p. 6, 8-9)

Em seu relatório técnico, o antropólogo acrescentou:

“Todo o restante da área indígena se encontra desocupado pela colonização,


ainda que a empresa alegue já ter vendido inúmeros lotes abrangendo a maior
parte da área. Estes lotes, entretanto, não estão ocupados e as matas
continuam preservadas, conforme constatou a vistoria realizada pelo Grupo de
Trabalho em dezembro de 1992” (Arruda, 1993, p. 22).

Dentre os lotes então “vendidos” a terceiros pela Cotriguaçu


Colonizadora, ao que tudo indica, achava-se o ora sub judice, uma área de
cinco mil hectares no interior da Terra Indígena Escondido - adquirido à
Cotriguaçu Colonizadora por Waldomiro Bussolaro (CPF 059.868.429-87), em
7 de julho de 1992, pelo valor de 4,5 milhões de cruzeiros, que o transmitiu à
parte autora (Walmor José Bianchi - Firma Individual, CNPJ
00.186.742/0001-53), em 23 de dezembro do mesmo ano, apenas seis meses
depois, portanto, por um valor dez vezes maior, de 45 milhões de cruzeiros (fls.
39 e 39v dos autos).

Da ocupação indígena, propriamente, o GT encontrou diversos vestígios


antigos e recentes:

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Laudo antropológico – Processo 2006.36.00.003067-5
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- 4 malocas semi-destruídas e um cemitério com três tumbas nas


proximidades da laje da Capivara, a cerca de 8 kms. da barra do córrego
Santarém. No mesmo local encontramos muitas árvores frutíferas (limão,
laranja, manga, mamão, etc. evidenciando ocupação indígena prolongada e
permanente até a poucos anos atrás.
- Na barra do córrego Santarém encontramos um grande descampado e os
restos da maloca de Raimundo Apiaca, com o respectivo pomar e roça
abandonada.
- No córrego do Escondido encontramos os escombros de malocas, inúmeras
mangueiras, muitos pés de limão, laranja, mexerica, etc. Encontramos também
o local onde se situava o posto indígena do Escondido e um campo de pouso
abandonado pelo Summer Institute of Linguistics em 1977.
- No córrego do Dico vimos os restos da maloca de Severino Apiaca,
assassinado em 1988, com as respectivas fruteiras e sinais de habitação de
poucos anos atrás. Lá se identificava também o local, já transformado em
capoeira, da roça aberta pelos Rikbaktsa em 1985” (Arruda, 1993, 22-23).

Por ocasião da viagem do GT, informou o relatório antropológico, o


administrador da Cotriguaçu, José da Luz Uchoa, teria proposto aos
Rikbaktsa uma compensação pela extensão já colonizada, cedendo-lhes áreas
adjacentes. A proposta foi discutida nas aldeias, quando os Rikbaktsa
avaliaram o “problema social que adviria da remoção da população já assentada
na área indígena e, em vista da devastação promovida pela colonização (há 18
madeireiras na área [...])”. Todavia, por ocasião da reunião na Secretaria da
Agricultura, em 18 de janeiro de 1993, ainda segundo o relatório
antropológico, a empresa retirou a proposta de compensação, o que levou a
negociação a um impasse (Arruda, 1993, p. 24-25).

Para a equipe do GT, independente das invasões e da destruição já


ocorridas, os Rikbaktsa teriam “o direito legal sobre toda a área identificada e
delimitada em 1985”, o que demandaria a remoção dos habitantes da vila de
Cotriguaçu e dos ocupantes das propriedades rurais já instaladas, com
enormes custos políticos, sociais e econômicos (idem, p. 26). Entretanto,
reconhecendo o “potencial de conflitos quase permanentes que adviriam de tal
encaminhamento”, donde a eventual protelação da demarcação da Terra
Indígena Escondido, os próprios Rikbaktsa concordaram em “dispensar a parte
já colonizada da área delimitada, ao sul do picadão” (idem, ibidem).

A proposta conciliadora, porém, não facilitou um desfecho amigável ao


processo demarcatório: antes que os órgãos oficiais concluíssem o exame da
questão, as empresas madeireiras, às quais a Cotriguaçu apressadamente
alienou parcelas na área identificada, puseram-se em marcha para a retirada

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Laudo antropológico – Processo 2006.36.00.003067-5
2ª Vara da Justiça Federal - Mato Grosso

da madeira nobre ali abundante – dentre elas, Walmor José Bianchi - Firma
Individual, a parte autora. Para este fim, rompeu-se uma estrada rumo
sudeste, partindo do córrego Santarém às cabeceiras do córrego Canoeiro
(Dico), além de carreadores e esplanadas – sobre estes fatos, as observações
em campo foram acrescidas, proveitosamente, de informações e explicações
oferecidas por Gilson de Araújo, ex-funcionário da parte autora (ver tb., Pacini,
2001, p.40).

Figura 24: Área excluída da Terra Indígena Escondido, 1992


(Arruda, 1992b)

O ex-funcionário esclareceu que a estrada principal, que agora


atravessa a TI Escondido, fora construída em sessenta dias pela firma de

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Walmor J. Bianchi, no ano de 1993: seus encarregados partiram das


proximidades do assentamento Nova União, adentrando a oeste, e seguiram
rumo sul até alcançar a ligação com a estrada da firma Treitinger, na gleba
contígua. Nesse mesmo ano, a autora contratou a firma Maplan para elaborar
o Projeto de Manejo Florestal, dando então início à extração de madeira do
respectivo lote (cfe. “Termo de compromisso – Declaração”, Walmor José
Bianchi, 9/02/1994, às fls, 418-419 dos autos), atividade que ali executou até
1997.

A extração madeireira realizada pela parte autora, e também por outros


confrontantes (notadamente, Waldomiro Bussolaro, Vilson Bussolaro e
Gilberto Allievi, de acordo com o “Laudo de vistoria”, assinado pela técnica
responsável pelo Projeto de Manejo, engenheira florestal Sandra Regina Leão,
em 27/06/1994, fls, 480-483 dos autos), inclusive, suscitou a denúncia das
lideranças Rikbaktsa, encaminhada à FUNAI em março de 1998, sobre a
invasão da terra indígena por “fazendeiros e madeireiros”. A operação de
fiscalização, conduzida pelo funcionário Francisco Cavalcante, do Núcleo de
Apoio da FUNAI em Juína, identificou a presença nas terras indígenas da
madeireira “Berneck” e das fazendas “Junqueira Vilella”, “Fabrize e “Jaime
Laine”:

“Sabendo-se que se tratava de área indígena e não fazendas [...] [membros da


comunidade da gleba Nova União declararam que] a reserva [Escondido] estava
cheia de esplanadas de mogno e cerejeira, e [...] já tinha estrada aberta pelos
madeireiros de Cotriguaçu, que só esperavam a estiagem das chuvas para
fazerem a retirada. Nos informaram ainda que em dias anteriores vários
caminhões carregados de mogno e cerejeira pertencentes à Madeireira Berneck
e outras saíram do interior da reserva. [...]. Ao chegarmos in loco, concluímos a
veracidade das denúncias, com várias toras de mogno e cerejeira prontas para
serem retiradas” (Cavalcante, Francisco das C. e lideranças Rikbaktsa,
“Relatório de vigilância e fiscalização - Área Indígena Escondido”, Núcleo de
Apoio de Juína/FUNAI, março de 1998).

De fato, parece implausível a alegação de desconhecimento do interesse


indígena sobre a área em questão. Através do Despacho 24, de 3 de junho de
1994 (publicado no DOU, de 6/06/1994), a FUNAI havia anunciado a
delimitação da Terra Indígena Escondido, excluindo o setor sul, conforme o
acordo anteriormente firmado com a Colonizadora Cotriguaçu:

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Laudo antropológico – Processo 2006.36.00.003067-5
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“Partindo do ponto 1 localizado na confluência do Igarapé Santarém com o Rio


Juruena de coordenadas geográficas aproximadas Latitude 9º 11’ 14” S e
Longitude 58º 40’ 19” WGr.; daí, segue pelo referido Rio a montante até
encontrar o ponto 2 localizado na confluência do Igarapé do Noca com o Rio
Juruena de coordenadas geográficas aproximadas Latitude 9° 27’ 43” S e
Longitude 58° 24’ 39” WGr.; daí, segue pelo referido Igarapé a montante até
encontrar o ponto 3 localizado na confluência de um Igarapé sem denominação
com o Igarapé do Noca de coordenadas geográficas aproximadas Latitude 9°
40’ 30” S e Longitude 58° 27’ 56” WGr.; daí, segue por uma linha seca com
distância e azimute aproximados de 40.700,00 metros e 270° 00’ 00” até
encontrar o ponto 4 de coordenadas geográficas aproximadas Latitude 9° 40’
24” S e Longitude 58° 50’ 11” WGr.; daí, segue por uma linha seca com
distância e azimute aproximados de 9.000,00 metros e 318° 21’ 59” até
encontrar o ponto 5 localizado na cabeceira do igarapé Porto Escondido de
coordenadas geográficas aproximadas Latitude 9° 36’ 43” S e Longitude 58° 53’
26” WGr.; daí, segue por uma linha seca com distância e azimute aproximados
de 13.600,00 metros e 14° 26’ 38” até encontrar o ponto 6 localizado na
cabeceira do Igarapé Santarém de coordenadas geográficas aproximadas
Latitude 9° 29’ 34” S e Longitude 38° 51’ 33” WGr.; daí, segue pelo referido
Igarapé a jusante até encontrar o Ponto 1, ponto inicial da descrição deste
perímetro. OBS.: Fazem parte da área em questão as Ilhas do Bernardo, do
Mastro e Porto Escondido, localizadas no Rio Juruena” (DOU, 06/06/1994).

Cabe destacar, do mesmo modo, os argumentos que consubstanciaram


o reconhecimento da ocupação indígena do córrego Escondido e suas
adjacências, assim resumidos no Parecer 75/DID/FUNAI, de 30 de agosto de
1993, de autoria da antropóloga Rosane Cossich Furtado (DOU, 06/06/1994):

“Na região entre os rios Aripuanã e o rio Juruena está localizada a Área
Indígena Escondido. Afirmam os Erikbaktsa que ‘só na área do Escondido é
que a mata é completa’, isto é, é o único local onde os índios encontram
taquaras, pontas de flechas, penas de gavião real, várias espécies de animais,
plantas e raízes silvestres (utilizadas na medicina indígena) e também pescam,
ou seja, é apenas nessa região que eles encontram a totalidade dos recursos
naturais necessários a sua vida sócio-cultural. Então, todos os anos, durante
os meses de agosto e setembro, um grande grupo de índios, acompanhados de
mulheres e crianças, deslocam-se em direção à Área Indígena Escondido,
estabelecendo-se provisoriamente em aldeias ou acampamentos, época em que
exploram seus recursos, como atestam os índios Apiaka (habitantes desde
1962 da Área Indígena Escondido), os seringueiros (moradores das barrancas
do rio Juruena) e a Missão Anchieta. Além de economicamente necessária,
essa área é ainda mais significativa por ser o local de nascimento de grande
parte do grupo, de abrigar cemitérios e outros locais sagrados.”

A Terra Indígena Escondido foi declarada de “posse permanente dos


índios” pela Portaria MJ-668, de 1 de novembro de 1996 (DOU, 04/11/1996).
A demarcação física coube à firma Aquarius Serviços Topográficos, e contou
com o acompanhamento de auxiliares de campo Rikbaktsa. Por fim, a TI
Escondido foi homologada pelo Decreto Presidencial s/n, de 8 de setembro de

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1998 (DOU, 09/09/1998), com a superfície de 168.938,468 hectares - ver


cópias destes atos, em anexo.

Com a demarcação das terras indígenas Erikpatsa, Japuíra e


Escondido, ficaram resguardados para usufruto exclusivo dos Rikbaktsa
pouco mais de quatrocentos mil hectares, o que representa, tão-somente,
menos de 10% do território tradicional que eles dominavam em meados do
século XX.

Terras indígenas Extensão


(ha)
Erikpatsa 79.935
Japuíra 152.509
Escondido 168.938
TOTAL 401.382
Tabela 13: Extensão das terras rikbaktsa

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Laudo antropológico – Processo 2006.36.00.003067-5
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Figura 25: Terra Indígena Escondido

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2ª Vara da Justiça Federal - Mato Grosso

IV. RESPOSTAS AOS QUESITOS

Neste tópico são examinados os quesitos direcionados a esta perícia


antropológica, à luz dos conceitos, das fórmulas legais, das informações
coligidas sobre o povo Rikbaktsa e dos resultados da vistoria in loco. De
maneira sucinta, assim, as respostas retomam estudos etnográficos, dados
históricos e observações de campo já apresentados e discutidos extensamente
nos tópicos anteriores.

QUESITOS DA AUTORA

1. Partindo-se do início da cadeia de transferência de domínio da área


objeto do presente processo, havia a existência de índios nas referidas
áreas de forma permanente?

A investigação acerca da “existência de índios” em certo trato de terras,


antes de tudo, exige que se esclareça a noção de habitat indígena, que
fundamentou a elaboração do presente laudo, como também os termos de sua
expressão legal. Isto porque o habitat ou território indígena, propriamente, não
se confunde com outras modalidades de posse ou propriedade também
sancionadas pela legislação brasileira. Assim entendeu, por exemplo, o célebre
jurista João Mendes Júnior, ainda na Primeira República, ao distinguir o
indigenato como um “título congênito”, um “domínio a reconhecer e direito
originário e preliminarmente reservado” (Mendes Júnior, 1912: 58-59). A
fórmula encontrada pelos legisladores, que confirma e especifica em termos
inequívocos a natureza e a abrangência da “posse indígena”, cujo amparo
constitucional remonta às Constituições de 1934 e subseqüentes, tem entre
outros méritos o de guardar uma notável semelhança com a noção
antropológica de habitat indígena, compreendida nos termos de uma relação
cultural e historicamente constituída entre uma dada sociedade e certo espaço
geográfico.

Da mesma maneira a Constituição Federal de 1988, ao atribuir aos


índios os “direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam”,
caracterizando-as como “as por eles habitadas em caráter permanente, as

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utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescritíveis à preservação dos


recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua
reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições” (artigo
231, parágrafo 1º).

Destarte, no processo de identificação e caracterização de um habitat


indígena, há de se averiguar as formas singulares de uso dos recursos
naturais ali existentes pela população respectiva, a organização social e a
distribuição espacial dos seus contingentes demográficos, os vínculos morais e
mitológicos que mantém com certo conjunto de acidentes geográficos, a
percepção histórica de sua continuidade nos mesmos locais onde viveram e
morreram seus antepassados, uma convicção genuína de um porvir enquanto
sociedade culturalmente distinta.

No caso dos Rikbaktsa, sobre os quais versa a presente perícia, tal


questão deve ser deslindada considerando-se, ao menos, as seguintes
variáveis: a) a maneira como compreendem suas origens e seu enraizamento
territorial; b) o modelo social que ordena a distribuição territorial dos grupos
locais e suas relações internas; c) a localização de suas aldeias atuais e
pretéritas, e os seus reordenamentos espaciais, tanto em razão da exaustão
dos recursos naturais nas proximidades como a emergência de novas alianças
ou conflitos internos ou com agências e segmentos da sociedade nacional; d)
as técnicas e as práticas que utilizam na exploração dos recursos naturais, em
particular as atividades agrícolas, de caça, de pesca, de coleta e,
modernamente, de extração comercial de produtos florestais.

Tendo presente que tais características definem, em termos bastante


objetivos, a territorialidade rikbaktsa, impõe-se a conclusão de que o lote sub
judice deve ser reconhecido enquanto parcela das terras tradicionalmente
ocupadas pelos índios Rikbaktsa. A ocupação indígena na área Escondido
reputa-se imemorial, na medida em que a presença de seus agrupamentos
remete a uma época anterior à documentação porventura existente para a
região circunvizinha. Os elementos que sustentam esta afirmação foram
apresentados acima, destacando tanto quanto possível os eventos históricos,
sociais e econômicos associados aos grupos Rikbaktsa da região do Escondido.

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2ª Vara da Justiça Federal - Mato Grosso

O conhecimento detalhado que os Rikbaktsa expressam daquela


geografia regional serve-nos, igualmente, como evidência da antigüidade de
sua presença ali. Vejamos tão-somente a toponímia que descreve os principais
cursos daquela hidrografia:

português rikbaktsa
salto Augusto Itapijwaka
córrego Santarém Omahaopokiboatsa
córrego Escondido Hahyktsapetsa

córrego Canoeiro (do Dico) Hozoktehy

Tsaytsabohokota (“onde
córrego do Cristóvão (do Noca)
comemos mais peixe”)
córrego Água Branca Mutsaihokbokta
córrego Amolar Porotsi

Tabela 14: Toponímia hidrográfica rikbaktsa

Para Hahn (1976, p. 26-27), com efeito, a área de ocupação mais remota
dos Rikbaktsa estava, justamente, nesse interflúvio dos rios Juruena e
Aripuanã, donde se expandiram e vieram a alcançar o alto Juruena ainda no
século XIX. Neste sentido, os informantes Rikbaktsa mais velhos assinalaram
que, até a década de 1970 ao menos, havia picadas ligando todas as suas
aldeias, em particular as que se situavam na margem esquerda do Juruena - o
que, entre outras coisas, permitiu ao padre João Dornstauder, o “pacificador”
dos Rikbaktsa, visitar em pouco tempo dezenas de aldeias, conduzido pelos
guias indígenas.

Uma vez concluída a etapa de “pacificação”, os jesuítas dedicaram-se


aos postos de assistência às margens dos rios Arinos, Sangue e Juruena.
Epidemias de gripe, catapora, varíola e sarampo dizimaram parte das aldeias e
deixaram inúmeros órfãos e viúvos. Ao mesmo tempo, a assistência à saúde
serviu de justificativa para atrair os remanescentes para os espaços sociais
sob o controle dos missionários (jesuítas e luteranos), aglutinando-os a
princípio em torno aos postos localizados às margens de grandes cursos
fluviais - Santa Rosa, Regis, Barranco Vermelho, Japuíra e Escondido. Na
opinião de Pacini (1999, p. 66), o tratamento dos doentes nos postos tornou-se
“um fator decisivo da adesão dos Rikbaktsa à pacificação” - apesar das

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Laudo antropológico – Processo 2006.36.00.003067-5
2ª Vara da Justiça Federal - Mato Grosso

condições precárias e a freqüente substituição de encarregados, os postos


permitiram “certa continuidade” da assistência. Via de regra, no entanto, o
destino da maioria das crianças órfãs foi o Internato de Utiariti, mantido pelos
jesuítas à margem esquerda do rio Papagaio.

No tocante ao posto Escondido, que interessa sobremodo a esta perícia,


os jesuítas aplicaram esforços sistemáticos para persuadir seus moradores e
das demais aldeias da margem esquerda do Juruena a migrarem para a área
da Reserva Erikpatsa instituída em 1968, alegando custos elevados e
dificuldades para manter a assistência a tamanha distância. A ação deliberada
dos jesuítas, com efeito, cumpriu um minucioso planejamento de expedições,
de recursos financeiros e materiais, de pessoal de apoio e, sobretudo, de
proselitismo insistente, que resultou no deslocamento forçoso rio acima, ainda
que temporário, de todos os agrupamentos Rikbaktsa remanescentes
conhecidos do baixo Juruena, em particular os moradores dos córregos do
Cristóvão, Canoeiro (do Dico) e Escondido e suas imediações - ou seja, da
atual TI Escondido.

Não obstante, jamais cessou a freqüentação do córrego Escondido e


suas imediações pelos Rikbaktsa, sobretudo na forma de excursões sazonais
ao córrego Escondido e suas imediações (o que inclui, evidentemente, o lote
ora sub judice), em busca dos recursos naturais de que necessitam para seus
artefatos, a exemplo da taboca de jurupará para fabricação de pontas de
flecha. Os laços territoriais dos Rikbaktsa com a região do Escondido, na
verdade, reforçaram-se incessantemente, mesmo após a transferência para os
postos da Missão Anchieta nas décadas de 1960 e 1970. Como observou
Rinaldo Arruda (1992, p. 206), ao participar em julho de 1985 de uma
expedição Juruena abaixo, os Rikbaktsa “continuaram a utilizar estas áreas,
principalmente na época da seca (maio a setembro), quando tradicionalmente
espalham-se pelo território e, estabelecidos em aldeias provisórias ou
acampamentos, exploram seus recursos”. Nestas excursões anuais à região do
Escondido, em pequenos grupos, os Rikbaktsa coletavam “taquara para pontas
de flecha e outros recursos importantes”.

A partir dos anos 1980, em reação ao confinamento a eles imposto,


tomou corpo entre os Rikbaktsa um amplo movimento de retomada de

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Laudo antropológico – Processo 2006.36.00.003067-5
2ª Vara da Justiça Federal - Mato Grosso

parcelas de seu território tradicional. Em 1984 eles abriram roças e estradas


de seringa na antiga área Japuíra, e se apossaram das sedes de fazendas lá
instaladas e, no ano seguinte, abriram uma roça grande próximo à foz do
córrego Canoeiro (do Dico), perto da colocação de Severino Apiaka, e afixaram
placas na barra de todos os córregos em que sinalizavam a área Escondido
enquanto terra indígena.

A pertinência da ocupação indígena na região do Escondido, e também


em áreas circunvizinhas, profusamente conhecida das autoridades e da
opinião pública, não impediu que o Governo do Estado de Mato Grosso,
contudo, desencadeasse um amplo processo de alienação do que considerava
“terras devolutas” no então município de Aripuanã. Através da Lei Estadual
3.307, de 18 de dezembro de 1972, o Estado transferiu à CODEMAT – Cia. de
Desenvolvimento do Estado dois milhões de hectares, a serem depois licitados
a empresas de colonização ou para projetos agropecuários aprovados e com
incentivos fiscais da SUDAM. Com a autorização concedida pelo Senado
Federal através da Resolução n. 3, de 5 de abril de 1973, “incontinente”, a
CODEMAT colocou-os à venda, divididos em dez grandes glebas de 200 mil
hectares cada, resultando ao cabo dessa licitação: 400 mil hectares para
Colniza Ltda, do grupo Lunardelli; um milhão de hectares para a empresa
suiça Rendanyl S/A; 200 mil hectares para Juruena Empreendimentos S/A,
de João Carlos de Souza Meirelles; e 400 mil hectares para a colonizadora
INDECO, de Ariosto da Riva (Arnaud & Cortez, 1976, p. 13). Inusitada, a
operação de alienação das terras públicas de Aripuanã foi objeto de
investigação pela “Comissão Parlamentar de Inquérito do Sistema Fundiário”,
a CPI da Terra, realizada pela Câmara dos Deputados em 1977, tendo sido
denunciada como o “maior escândalo imobiliário de Mato Grosso” (cfe. Relatório
da CPI, publicado no Diário do Congresso Nacional, 28/09/1979, Seção I, p.
24).

Convém notar que, à época da alienação daquelas “terras devolutas”


pelo Estado de Mato Grosso, por intermédio da CODEMAT, vários núcleos
residenciais dos Rikbaktsa e Apiakas resistiam na área do Escondido -
conforme os dados históricos acima elencados, as últimas famílias Rikbaktsa
de lá foram removidas apenas em 1974, ao passo que as famílias Apiakas

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Laudo antropológico – Processo 2006.36.00.003067-5
2ª Vara da Justiça Federal - Mato Grosso

somente a abandonaram em 1988, por força da violência que então sofreram.


Desta ocupação anterior, obtivemos evidências comprobatórias no decorrer
dos trabalhos periciais. A primeira, a capoeira da antiga aldeia de Myktsõ, a
quinhentos e oitenta metros ao sul da atual aldeia Babaçu, que restou
excluída da demarcação da TI Escondido efetivada em 1998, onde
encontramos a chamada “terra preta de índio” (solo escuro, com muita matéria
orgânica decomposta), a vegetação secundária e as bananeiras tipo prata, que
ainda resistem, e uma grande castanheira, de cerca de um metro de diâmetro,
plantada pelos antigos moradores. A segunda, a noroeste da aldeia atual,
cerca de mil e duzentos metros, a capoeira da antiga aldeia de Amawe, onde
identificamos bananeiras prata e roxa, espécimes da planta tokotsa, de cujas
sementes fazem colares, e os esteios de velhas “malocas”. Além destas, há uma
terceira capoeira a cerca de sete mil metros, com um largo trecho tomado pela
vegetação secundária que sinaliza a ocupação pretérita pelos Rikbaktsa.

Tendo adquirido a área de um milhão de hectares, entretanto, a


Rendanyl S/A logo passou-a às mãos da Otsar Empreendimentos Ltda., antes
mesmo de se concretizar a venda e os trâmites para a emissão da escritura
definitiva - segundo o jornalista José Calixto (Movimento, 21-27/07/1980), na
verdade, a Rendanyl “nunca demonstrou o menor interesse em colonizá-la”. E,
após uma nova reviravolta, faltando apenas quatro meses para se esgotar o
prazo contratual de cinco anos para execução do projeto de colonização, a área
foi transacionada com a Cotriguaçu Colonizadora do Aripuanã S/A,
componente da Cooperativa dos Triticultores de São Miguel do Iguaçu, do
Paraná.

Mesmo assim, apenas em 1984 a Colonizadora Cotriguaçu iniciaria os


trabalhos topográficos e de infra-estrutura viária, com o objetivo de instalar a
agrovila nas cabeceiras do córrego do Cristóvão (hoje a sede do município de
Cotriguaçu) e possibilitar a venda de fazendas e lotes rurais a colonos sulistas.

Pressionada pelos Rikbaktsa, preocupados com a perda iminente de seu


território tradicional, em 1985 a FUNAI constituiu um Grupo de Trabalho
(Portaria FUNAI 1859/E, de 18 de abril de 1985), coordenado pelo antropólogo
Rinaldo Arruda e integrado por representantes dos órgãos FUNAI, INCRA,
INTERMAT e Missão Anchieta, para a identificação das terras indígenas

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Laudo antropológico – Processo 2006.36.00.003067-5
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Japuíra e Escondido. Ao mesmo tempo, a FUNAI posicionou-se pelo


indeferimento da “Certidão negativa de presença ou aldeamento indígena”,
requisitada pela Cotriguaçu Colonizadora do Aripuanã S/A para a área de um
milhão de hectares, que incluía o córrego Escondido e seu entorno. A decisão
foi comunicada à empresa através do Ofício 046/PRES/DPI de 7 de fevereiro
de 1985 (ver “Ofício” em anexo).

Contra a presença indígena na região do Escondido, todavia,


insurgiram-se os administradores da Colonizadora Cotriguaçu, seja
mobilizando o apoio de autoridades estaduais e federais, seja desincumbindo-
se ostensivamente da “vigilância” da área. O presidente da FUNAI respondeu
expressamente que a Cotriguaçu S/A tivera a solicitação de “certidão negativa”
negada em 1984 porque se tratava de “território imemorial Rikbaktsa”, de modo
que a FUNAI “não reconhece[ia] como sendo invasão de propriedade privada a
presença dos Rikbaktsa e funcionários do órgão tutor nas áreas indígenas
Japuíra e Escondido”, e que ambas estavam em processo de demarcação (cfe.
Ofício 802/PRES/DPI/85, do presidente da FUNAI, Gerson da Silva Alves, ao
governador do Estado de Mato Grosso, Julio José de Campos, datado de 2 de
agosto de 1985, Processo FUNAI/BSB/2013/85, fls. 173-175).

Não obstante os esclarecimentos do órgão indigenista, a Cotriguaçu


Colonizadora encetou a transferência a terceiros de parcelas dessas terras de
interesse indígena na região do Escondido. Em meio aos lotes que foram
alienados pela Colonizadora, contabiliza-se o ora sub judice, uma área de cinco
mil hectares no interior da atual TI Escondido - adquirido à Cotriguaçu
Colonizadora por Waldomiro Bussolaro (CPF 059.868.429-87), em 7 de julho
de 1992, pelo valor de 4,5 milhões de cruzeiros, que o transmitiu à parte
autora (Walmor José Bianchi - Firma Individual, CNPJ 00.186.742/0001-53),
em 23 de dezembro do mesmo ano, apenas seis meses depois, portanto, por
um valor dez vezes maior, de 45 milhões de cruzeiros (fls. 39 e 39v dos autos).

Em fins de 1992, em resposta à insatisfação dos Rikbaktsa e às


ameaças de confronto armado, a FUNAI constituiu um novo Grupo de
Trabalho (Portaria 1759/92, de 20 de novembro de 1992, Processo
FUNAI/BSB/2315/92) para atualizar as informações fundiárias e, sobretudo,
face à invasão já consumada, definir uma nova proposta para a TI Escondido.

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Laudo antropológico – Processo 2006.36.00.003067-5
2ª Vara da Justiça Federal - Mato Grosso

Coordenado pelo antropólogo Rinaldo Arruda, o GT constatou in loco a


extensão da invasão promovida pela Cotriguaçu Colonizadora e seus
associados. Ainda que, para o GT, os Rikbaktsa tivessem “o direito legal sobre
toda a área identificada e delimitada em 1985”, o que demandaria remover os
habitantes da vila de Cotriguaçu e os ocupantes das propriedades rurais já
instaladas, os Rikbaktsa concordaram em “dispensar a parte já colonizada da
área delimitada, ao sul do picadão” traçado pela Colonizadora.

A Terra Indígena Escondido foi declarada de “posse permanente dos


índios” pela Portaria MJ-668, de 1 de novembro de 1996 (DOU, 04/11/1996).
A demarcação física coube à firma Aquarius Serviços Topográficos, e contou
com o acompanhamento de auxiliares de campo Rikbaktsa. Por fim, a TI
Escondido foi homologada pelo Decreto Presidencial s/n, de 8 de setembro de
1998 (DOU, 09/09/1998), com a superfície de 168.938,468 hectares - ver
cópias destes atos, em anexo. Ainda em 1998, tão-logo se assegurou da
demarcação da TI Escondido, o cacique Dokta, antigo morador de aldeias que
existiram nas cabeceiras dos córregos do Cristóvão (do Noca), Canoeiro (do
Dico), Escondido e Santarém, fundou a aldeia Babaçu, a pouca distância da
divisa sul, em companhia de seus familiares e agregados – a aldeia hoje conta
com várias casas, farmácia, escola, banheiros e lavanderias, fruteiras, roças
etc. Além dos castanhais explorados regularmente pelos Rikbaktsa,
encontram-se trilhas de caça, que cruzam de um lado a outro toda aquela
zona ecológica, utilizadas habitualmente pelos moradores da aldeia Babaçu,
bem como locais de pesca nos córregos Canoeiro e Escondido e seus afluentes.

Em suma, a ocupação pelos Rikbaktsa da TI Escondido, notadamente o


lote ora em litígio, sob todos os aspectos, possui caráter verdadeiramente
imemorial, isto é, a sua presença ali remete a um tempo anterior a qualquer
documentação porventura existente para as terras circunvizinhas.

2. Se a área sempre teve exploração regular pelos antigos proprietários,


até a aquisição pela autora?

Conforme ficou assentado na resposta ao Quesito anterior, jamais


cessou a ocupação pelos Rikbaktsa do córrego Escondido e suas imediações.

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Laudo antropológico – Processo 2006.36.00.003067-5
2ª Vara da Justiça Federal - Mato Grosso

Apesar da transferência compulsória dos moradores do baixo Juruena para os


postos Japuíra e Barranco Vermelho, sob controle da Missão Anchieta, os
Rikbaktsa dos vários agrupamentos continuaram a excursionar pela área
Escondido, em busca dos recursos naturais de que necessitam para seus
artefatos, a exemplo da taboca de jurupará para fabricação de pontas de
flecha, cujo nicho ecológico abrange o lote ora sub judice, e da castanha-do-
Brasil, ali amplamente disseminada. Nestes termos, a exploração efetiva que
se verificou naquela área, até sua “aquisição pela autora”, foi levada adiante
pelos próprios Rikbaktsa, como testemunharam seus representantes e demais
observadores.

De sua parte, a Colonizadora Cotriguaçu não realizou quaisquer


atividades de exploração econômica ou outra na área em tela, afora aquelas
estritamente topográficas, como um picadão no sentido leste-oeste (ver mapa
“Ocupação indígena na região do Escondido”). De fato, até fins de 1992,
quando a FUNAI constituiu um novo Grupo de Trabalho (Portaria 1759/92, de
20 de novembro de 1992) para atualizar as informações e a proposta de
delimitação da Terra Indígena Escondido, a situação fundiária da região ainda
não comportava alterações significativas, como observou o antropólogo Rinaldo
Arruda:

“Em cerca de duas horas e meia de vôo fizemos todo o perímetro da área,
cruzamos o picadão [da Colonizadora Cotriguaçu] nos dois sentidos,
localizamos o curso dos córregos que cortam a área e constatamos que a
ocupação real [pelos colonos e fazendeiros] se limita à área ao sul do picadão já
citado [...] Concentra-se na altura das cabeceiras do córrego Cristóvão até sua
meia altura, estendendo-se numa faixa que alcança as cabeceiras do córrego
do Dico, onde já perde densidade extinguindo-se abruptamente. Da Vila
Cotriguaçu sai uma estrada em direção ao picadão e às cabeceiras do córrego
do Dico, subdividindo-se noutra que avança quase até as cabeceiras do córrego
Escondido. Entretanto, essa segunda vertente constitui-se mais num carreador
por onde os construtores da estrada retiram a madeira com a qual seu
trabalho é pago, não apresentando ocupação humana em seu trajeto, que se
segue totalmente sob a densa mata atravessada por ela.
Em resumo, somente a área ao sul do picadão se encontrava ocupada e mesmo
assim não totalmente, desmentindo em parte as informações verbais que
havíamos obtido” (Arruda, 1992b, p. 6, 8-9)

E em seu relatório técnico, para que não restassem dúvidas, o


antropólogo ressaltou:

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“Todo o restante da área indígena se encontra desocupado pela colonização,


ainda que a empresa alegue já ter vendido inúmeros lotes abrangendo a maior
parte da área. Estes lotes, entretanto, não estão ocupados e as matas
continuam preservadas, conforme constatou a vistoria realizada pelo Grupo de
Trabalho em dezembro de 1992” (Arruda, 1993, p. 22).

Portanto, até que a parte autora viesse a adquirir o referido lote de


Waldomiro Bussolaro, em 23 de dezembro de 1992, devemos concluir das
informações obtidas das mais diversas fontes, no decorrer dos trabalhos
periciais, que não havia, verdadeiramente, qualquer “exploração regular” ou
ocupação da área sub judice, exceto pelos próprios Rikbaktsa e eventuais
seringueiros.

3. Se a autora explorou a área regularmente?

Os documentos relativos ao Projeto de Manejo Florestal e as notas de


compra e venda, devidamente carreados aos autos, procuram comprovar a
exploração madeireira no lote sub judice pela parte autora, adquirido a
Waldomiro Bussolaro em dezembro de 1992. Da mesma maneira, embora não
identificadas sequer quanto a local ou a data em que foram tiradas, as
fotografias registram etapas da construção e funcionamento da serraria da
firma Walmor J. Bianchi, provavelmente na vila de Cotriguaçu, e ilustram
algumas tarefas de retirada de toras da mata atribuídas à execução do
respectivo Projeto de Manejo Florestal. Por sua vez, o ex-funcionário da parte
autora, Gilson de Araújo, morador de Cotriguaçu, que acompanhou a
assistente técnica Marilza Rodrigues por ocasião da vistoria pericial,
acrescentou informações precisas sobre a exploração madeireira na área em
litígio, que ocorreu entre 1993 e 1997.

A TI Escondido, basicamente, delimita-se pela triangulação do rio


Juruena e seus dois pequenos afluentes, os rios Santarém e Cristóvão (ou do
Noca), interligados por uma linha seca na altura de suas nascentes, abrigando
a maior parte da hidrografia ramificada dos córregos Escondido e Canoeiro (ou
do Dico). Ali se encontram duas estradas, abertas nos anos noventa para a
exploração de madeira - uma delas, a mando da parte autora.

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Laudo antropológico – Processo 2006.36.00.003067-5
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De Cotriguaçu, toma-se a estrada vicinal a noroeste, que adiante segue


paralela à divisa sul da Terra Indígena, e depois por um ramal ortogonal a ela,
chega-se afinal à aldeia Babaçu. Segundo Gilson de Araújo, a estrada vicinal
teria sido aberta nos anos noventa por Treitinger Ind. Com. Madeiras, que
desde então vem explorando um Projeto de Manejo Florestal nas imediações da
Terra Indígena.

Já a estrada no setor oeste da TI Escondido, esta foi construída em


sessenta dias pela firma de Walmor J. Bianchi, no ano de 1993: seus
encarregados partiram das proximidades do assentamento Nova União,
adentrando a oeste, pelo córrego Santarém, e seguiram rumo sul até as
cabeceiras do córrego Canoeiro (Dico), onde alcançaram a ligação com a
estrada da firma Treitinger. Ao mesmo tempo, a autora contratou a firma
Maplan para elaborar o Projeto de Manejo Florestal, dando então início à
extração de madeira do respectivo lote (cfe. “Termo de compromisso –
Declaração”, Walmor José Bianchi, 9/02/1994, às fls, 418-419 dos autos),
atividade que ali executou até 1997.

Atendendo ao Projeto de Manejo Florestal, explicou o ex-funcionário


Gilson de Araújo, foram traçados vários carreadores no sentido leste-oeste,
distanciados cinqüenta metros um do outro, dividindo assim os talhões que
iriam explorar. Por ocasião da vistoria pericial, percorremos parcialmente um
desses carreadores principais, de uns dez metros de largura, observando e
fotografando tocos de árvores cortadas a motosserra que testemunham a
exploração madeireira que ali ocorreu. Na mesma oportunidade, tomamos as
coordenadas de uma esplanada, onde estão toras empilhadas, abandonadas
durante a safra de 1997, a cerca de mil e quinhentos metros da aldeia. De
acordo com o ex-funcionário, próximo desta esplanada estava fixado o ponto
inicial da picada demarcatória do lote ora sub judice.

Segundo Gilson de Araújo, o Projeto de Manejo da firma Walmor J.


Bianchi, em sua primeira fase, objetivou a retirada de madeiras consideradas
“nobres” (mogno, cerejeira, ipê, louro frejó, cedro rosa), de maior valor
comercial à época, situadas próximo ao eixo da estrada, adentrando aos
poucos o lote sub judice. A extração madeireira realizada pela parte autora, e
também por outros confrontantes (notadamente, Waldomiro Bussolaro, Vilson

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Laudo antropológico – Processo 2006.36.00.003067-5
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Bussolaro e Gilberto Allievi, de acordo com o “Laudo de vistoria”, assinado pela


técnica responsável pelo Projeto de Manejo, engenheira florestal Sandra Regina
Leão, em 27/06/1994, fls, 480-483 dos autos), inclusive, suscitou a denúncia
das lideranças Rikbaktsa, encaminhada à FUNAI em março de 1998, sobre a
invasão da terra indígena por “fazendeiros e madeireiros”.

Ainda segundo o ex-funcionário, por volta do mês de agosto de 1997 os


trabalhadores da firma Walmor J. Bianchi foram deslocados para retirar
madeira em outra área. Quando o ex-funcionário retornou em 1998, para
colocar placas sinalizando os talhões, deparou-se então com a equipe de
demarcação da firma Aquarius, a serviço da FUNAI, acompanhada de vários
índios Rikbaktsa; em suas palavras:

“No começo da seca [de 1997] a gente saiu para tirar madeira em outro lugar,
em outra área. Não posso afirmar o mês. Trabalhamos no começo da seca.
Provavelmente junho, julho, até agosto, tiramos [madeira] aqui. Fomos então
trabalhar em outra área. Nós saímos então [em 1997]. Quando voltei aqui, em
1998, foi para colocar umas placas no Manejo. Umas placas, indicando o início
do manejo... Eu vim para colocar umas placas num talhão, e daí o picadão [da
terra indígena] já tinha passado aí. Numa certa região aqui eu cheguei entrar
para dentro, com a camionete. Já tinha um pessoal dos índios, acampado, e
daí não deixaram chegar lá. Foi a última vez que eu vim” (Gilson de Araújo,
entrevista em 10/12/2010, aldeia Babaçu, TI Escondido).

Desta maneira, portanto, é possível atestar que a parte autora


efetivamente explorou entre 1993 e 1997 um Projeto de Manejo Florestal,
plotado diretamente no lote sub judice, e para isso comandou a abertura de
uma estrada de acesso e de carreadores, para a movimentação de homens e
máquinas e a retirada de madeira nobre.

4. O laudo elaborado em 2001 e juntado pelos réus, espelha a realidade da


área em tempo anterior ao desapossamento e, em especial à época de
aquisição da área pela autora?

O laudo juntado aos presentes autos, às fls. 526-750, foi elaborado pelo
antropólogo Aloir Pacini, nomeado perito judicial no âmbito da ação que a
Cotriguaçu Colonizadora do Aripuanã S/A move contra a União Federal e
outros (Processo 1998.36.00.006843, Segunda Vara da Justiça Federal, Seção

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Laudo antropológico – Processo 2006.36.00.003067-5
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Judiciária de Mato Grosso), relativamente à demarcação da TI Escondido em


favor dos Rikbaktsa.

Bastante minucioso e informativo, apoiando-se na extensa


documentação produzida pelos jesuítas, sobretudo Dornstauder e Schmidt, e
nos diários de Tolksdorf, o laudo de Pacini (2001) desvela o processo de
transferência e confinamento dos Rikbaktsa, trazidos de diversos pontos de
seu território tradicional e aglutinados pelos missionários no posto de
assistência indígena Barranco Vermelho, na TI Erikpatsa.

Notadamente, no que tange à ocupação indígena na região do


Escondido, as informações coligidas e os resultados alcançados pela presente
perícia antropológica encontram-se perfeitamente corroborados pelas
conclusões a que chegou Pacini em seu laudo. De um lado, Pacini salienta que
a ocupação pelos Rikbaktsa da TI Escondido possui caráter imemorial, porque
sua presença remete a um tempo anterior a qualquer documentação
porventura existente para as terras circunvizinhas, como testemunha a guerra
contra os seringueiros em meados do século XX, cujos episódios servem de
marcos históricos para as fronteiras territoriais do povo em questão. Por outro
lado, Pacini observa que ao retomarem a área em 1998, com o apoio da FUNAI,
de alguma forma, os Rikbaktsa procuravam garantir a continuidade de formas
anteriores de ocupação, uma vez que jamais interromperam suas excursões de
caça, pesca e coleta na região do córrego Escondido e suas imediações.

5. Os índios hoje existentes foram remanejados de que área?

Os “indios hoje existentes” na TI Escondido, a que se refere a autora


neste Quesito, a bem da verdade, não “foram remanejados” de qualquer outra
área, mas sim regressaram a suas terras de ocupação tradicional. Assim que a
demarcação da área pelo órgão indigenista, em 1998, assegurou condições
mais propícias, o cacique Dokta, seus familiares e agregados retomaram a
residência na TI Escondido, fixando-se então a pouca distância da divisa sul,
na aldeia Babaçu - hoje formada por várias casas, farmácia, escola, banheiros
e lavanderias, fruteiras, roças, trilhas de caça, locais de pesca e zonas de
coleta de castanha e outros recursos florestais.

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Laudo antropológico – Processo 2006.36.00.003067-5
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Convém notar que muitos outros antigos moradores da região da


margem esquerda do baixo Juruena, parte deles nascidos no posto Escondido
ou em aldeias que existiram nas cabeceiras dos córregos do Cristóvão (do
Noca), Canoeiro (do Dico), Escondido e Santarém, até a década de 1970, hoje
estão espalhados por diversas localidades da TI Erikpatsa e TI Japuíra (ver
Tabela 10, acima). Destes, destacaria alguns informantes Rikbaktsa mais
idosos, que entrevistei em julho de 2010 nas aldeias Pé-de-Mutum, Jatobá,
Cerejeira e Beira Rio, participantes ativos dos eventos relatados nos tópicos
acima – entre eles, Geraldino Matsi, Marinho Mamita, Salvador Okodoby,
Paulo Tsikidi, Raimundo Tsapai, Ozeias Pudai, Amawi (Donobibita) e Sykmy.
As informações que então prestaram demonstram notável coerência com as
diversas fontes, os documentos históricos, os relatórios, os diários e os
estudos antropológicos.

Deste ponto de vista, os atuais moradores da aldeia Babaçu não foram


“remanejados” para lá, mas apenas retomaram sua residência na área
Escondido, reafirmando assim os vínculos territoriais tradicionais que os
Rikbaktsa ali mantiveram, evidenciados tanto pela sua freqüentação
incessante como pela existência de capoeiras de antigas aldeias e roças nas
cabeceiras do córrego Canoeiro (Dico). Numa delas, a quinhentos e oitenta
metros da aldeia Babaçu, rumo sul, já fora da divisa da terra indígena, estava
a antiga aldeia comandada por Myktsõ (que morreu pouco depois dos
primeiros contatos, e foi enterrado no local), onde verificamos o solo escuro da
“terra preta de índio”, a vegetação secundária e as bananeiras prata que ali
ainda resistem, bem como uma grande castanheira plantada. Na segunda
capoeira, que guarda ainda os esteios de velhas “malocas” da aldeia de Amawe
(pai de Maurina Tawy, que mora na aldeia Segunda), a cerca de mil e duzentos
metros a noroeste, rebrotaram bananeiras prata e roxa e alguns espécimes da
planta tokotsa. E na terceira capoeira, mais distante, a cerca de sete mil
metros, observa-se um largo trecho tomado pela vegetação secundária que
ocupa o setor norte do lote ora sub judice. No entorno da aldeia Babaçu
encontram-se diversos vestígios arqueológicos de uma ocupação bastante
longeva, a exemplo de bacias de polimento, nos afloramentos rochosos na
margem do córrego, e artefatos líticos, como um machado de pedra achado no
roçado (ver Fotografias, em anexo).

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Laudo antropológico – Processo 2006.36.00.003067-5
2ª Vara da Justiça Federal - Mato Grosso

Após a etapa de “pacificação” dos Rikbaktsa, concluída em meados dos


anos 1960, como vimos nos relatos comentados nos tópicos acima, a
assistência à saúde teria servido de justificativa para atrair os remanescentes
para os espaços sociais sob o controle dos missionários (jesuítas e luteranos),
aglutinando-os a princípio em torno aos postos localizados às margens de
grandes cursos fluviais - Santa Rosa, Regis, Barranco Vermelho, Japuíra e
Escondido. De fato, as epidemias dizimaram parte das aldeias e deixaram
inúmeros órfãos e viúvos - o destino da maioria das crianças, então, foi o
Internato de Utiariti, mantido pelos jesuítas à margem esquerda do rio
Papagaio.

Incumbidos também do posto Escondido, por volta de 1969, os jesuítas


aplicaram esforços sistemáticos para persuadir seus moradores e das demais
aldeias da margem esquerda do Juruena a se deslocarem para a área da
Reserva Erikpatsa recém constituída, alegando custos elevados e dificuldades
para manter a assistência à tão larga distância. Expedições, recursos
financeiros e materiais e, sobretudo, proselitismo insistente, resultaram no
translado rio acima, ainda que temporário, de todos os agrupamentos
Rikbaktsa remanescentes conhecidos do baixo Juruena, em particular os
moradores dos córregos do Cristóvão, Canoeiro (do Dico) e Escondido e suas
imediações - ou seja, da atual TI Escondido.

Em sua primeira visita ao Escondido como “delegado dos Erikbatsa”, em


maio de 1970, o padre Edgar Schmidt (1970, p. 1) encontrou no posto trinta e
seis Rikbaktsa, e havia notícias de mais três grupos “no mato” (idem, p. 2): a
noroeste do Bararati, “com o qual nem falam, nem guerreiam”; na margem
esquerda do Aripuanã, “que por vezes os hostiliza, apesar de laços de
parentesco”; e outros, “pertencentes a eles” - uns cinqüenta no Bararati, uns
quarenta no córrego Cristóvão e, mais ao sul, uns vinte no Água Branca e um
grupo menor no Pedras. Em seu retorno, doze pessoas acompanharam o
missionário, mudando-se para o posto Japuíra. Em agosto de 1971, uma nova
expedição organizada por Schmidt trouxe mais dezessete pessoas de “um grupo
arredio” da margem esquerda do Juruena. Em setembro de 1971, outra
expedição organizada pelo padre Schmidt, com apoio dos Rikbaktsa, removeu
mais uma turma da margem esquerda do Juruena, das imediações do córrego

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Laudo antropológico – Processo 2006.36.00.003067-5
2ª Vara da Justiça Federal - Mato Grosso

Água Branca, num total de oito pessoas, lideradas por Eribudo (Maxpo)
(Schmidt, 1971c).

Com o falecimento do padre Edgar Schmidt, o jesuíta Balduíno Loebens


assumiu o plano de transferência dos Rikbaktsa do Escondido para a Reserva
Erikpatsa, consumada em seis expedições entre fevereiro de 1973 e janeiro de
1974. Na primeira, o velho Aone e sua família estavam no posto, mas se
recusaram a subir para a Reserva, pois queriam colher sua roça de milho e
cará (Loebens, 1974, p. 2). A segunda expedição também não resultou
proveitosa. Na terceira expedição, Loebens se dirigiu aos “índios novos, pois via
dificuldades insuperáveis na subida dos antigos”; depois de um dia de
caminhada, os expedicionários chegaram a uma roça nova, de uma aldeia
situada “a beira do córrego do Dico” (ou córrego Canoeiro), formada por duas
famílias (uma de “índios novos” e outra de antigos moradores do posto
Escondido), num total de dez pessoas. Somente na quarta expedição, o jesuíta
obteve sucesso, quando embarcaram a mudança de cinco famílias, num total
de 19 pessoas. Na quinta expedição, os índios já estavam esperando no posto,
e foram mais três famílias, somando dezoito pessoas. Apenas uma família,
então excursionando pelas “bandas do Aripuanã”, com nove pessoas, foi
recolhida na sexta e última expedição. Ao todo, as expedições de Loebens
removeram sessenta e uma pessoas da região do Escondido para a Reserva
(idem, ibidem).

Não obstante, jamais cessaram as excursões sazonais dos Rikbaktsa ao


córrego Escondido e suas imediações (o que inclui, evidentemente, o lote ora
sub judice), renovando continuamente os laços territoriais com a região.
Nessas excursões ao Escondido, em pequenos grupos, os Rikbaktsa coletavam
recursos naturais que só ali encontram (como a taboca de jurupará para
fabricação de pontas de flecha) e, também por isso, mesmo moradores de
aldeias mais distantes das terras indígenas Erikpatsa e Japuíra, a centenas de
quilômetros, continuaram a se deslocar periodicamente para a região do baixo
Juruena.

A partir dos anos 1980, em reação ao confinamento a eles imposto,


tomou corpo entre os Rikbaktsa um amplo movimento de retomada de
parcelas de seu território tradicional. Em 1984 eles abriram roças e estradas

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Laudo antropológico – Processo 2006.36.00.003067-5
2ª Vara da Justiça Federal - Mato Grosso

de seringa na antiga área Japuíra, e se apossaram das sedes de fazendas lá


instaladas e, no ano seguinte, abriram uma roça grande próximo à foz do
córrego Canoeiro (do Dico) e afixaram placas na barra de todos os córregos em
que sinalizavam a área Escondido enquanto terra indígena.

Com o mesmo intuito, tão-logo efetivada a demarcação física da TI


Escondido, em 1998, o cacique Dokta, seus familiares e agregados retornaram
às cabeceiras do córrego Canoeiro, sob a condição inequívoca de antigos
moradores da região, e estabeleceram a nova aldeia Babaçu a pouca distância
da divisa sul, justamente onde se situa o lote ora sub judice.

6. O laudo juntado pelos réus confirmam a assertiva da autora de que os


índios que hoje habitam a área, somente lá estão a partir de 1998?

Esta questão já está respondida nos Quesitos 4 e 5 acima. A ocupação


pelos Rikbaktsa da região do Escondido tem caráter imemorial, na medida em
que sua presença remete a um tempo anterior a qualquer documentação
porventura existente para as terras circunvizinhas. Ao retomarem a residência
na TI Escondido em 1998, a partir de sua demarcação efetivada pela FUNAI,
os Rikbaktsa tão-somente asseguraram a continuidade de formas de ocupação
anteriores, uma vez que jamais se interromperam as excursões sazonais dos
Rikbaktsa ao córrego Escondido e suas imediações.

As conclusões expostas por Aloir Pacini em seu laudo, ajuntado aos


presentes autos, portanto, não confirmam a “assertiva da autora”, mas
sustentam com clareza que a atual ocupação da TI Escondido pelos Rikbaktsa
é a reprodução de um modus vivendi solidamente enraizado, que os distingue
cultural e socialmente; em suas próprias palavras:

“Depois de transferidos os Rikbaktsa [para o alto Juruena], as saudades do


Escondido são mencionadas com freqüência, por isso, freqüentemente
voltavam para lá. A vontade de voltar a viver e morrer naquelas terras nunca
deixou os Rikbaktsa acomodados. Tão logo foi possível certa segurança no
local, com a demarcação, voltaram a viver mais definitivamente no Escondido”
(Pacini, 2001, p. 96).

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Laudo antropológico – Processo 2006.36.00.003067-5
2ª Vara da Justiça Federal - Mato Grosso

7. Se houve ocupação permanente de alguma tribo indígena na área objeto


da presente ação ou se a área sempre foi ocupada pelos proprietários que
constam da cadeia dominial?

Retoma-se aqui, quase literalmente, os pontos que já foram respondidos


nos Quesitos 1, 2, 3 e 5 acima. Em resumo, a ocupação pelos Rikbaktsa da
região do Escondido, incluindo o lote ora sub judice, possui caráter imemorial,
na medida em que sua presença remete a um tempo anterior a qualquer
documentação porventura existente para as terras circunvizinhas. Os laços
territoriais com a região do Escondido, mesmo após o deslocamento forçoso de
seus moradores para os postos da Missão Anchieta, nunca se dissolveram. Em
particular, jamais cessaram as excursões sazonais dos Rikbaktsa ao córrego
Escondido e suas imediações (o que inclui, evidentemente, o lote ora sub
judice), em busca dos recursos naturais de que necessitam para seus
artefatos, com maior destaque para a taboca de jurupará para fabricação de
pontas de flecha.

Ainda em 1998, tão-logo se asseguraram da demarcação da TI


Escondido, o cacique Dokta, antigo morador de aldeias que existiram nas
cabeceiras dos córregos do Cristóvão (do Noca), Canoeiro (do Dico), Escondido
e Santarém, acompanhado de seus familiares e agregados, fundaram a aldeia
Babaçu, a pouca distância da divisa sul, situada numa zona juncada de
antigas capoeiras, onde os parentes do cacique Dokta habitavam nos anos
1960 - e alguns de seus antepassados foram enterrados. A aldeia hoje conta
com várias casas, farmácia, escola, banheiros e lavanderias, fruteiras, roças
etc. Por ocasião da presente vistorial pericial, foi possível reconhecer os sinais
da ocupação pelos Rikbaktsa da região em foco, pretérita e recente. Além das
capoeiras de aldeias e roças antigas de Myksõ e de Amawe, a poucas centenas
de metros da atual aldeia Babaçu, há uma terceira capoeira a cerca de sete mil
metros, assinalada por um largo trecho tomado pela vegetação secundária.

Nos dias de hoje, destacam-se os castanhais explorados regularmente


pelos Rikbaktsa, as trilhas de caça que cruzam de um lado a outro toda aquela
zona ecológica, utilizadas habitualmente pelos moradores da aldeia Babaçu, e
os locais de pesca nos córregos Canoeiro e Escondido e seus afluentes.

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Laudo antropológico – Processo 2006.36.00.003067-5
2ª Vara da Justiça Federal - Mato Grosso

Por fim, é preciso dizer que os Rikbaktsa ocupam integralmente a TI


Escondido, posto que não se avistou quaisquer atividades de “brancos” ou
terceiros no interior da TI Escondido por ocasião dos trabalhos periciais,
exceto dos próprios Rikbaktsa e seus eventuais colaboradores (funcionários da
FUNAI, agentes de saúde, assessores técnicos etc.).

8. Qual grupo indígena habita a área?

A TI Escondido corresponde a uma parcela do território tradicional dos


índios que se denominam Rikbaktsa. Eles foram apelidados pelos seringueiros
de “Canoeiros”, ou “Canoeiros do Juruena”, por sua habilidade no manejo de
canoas de casca de jatobá, e de “Orelhas-de-Pau”, devido aos discos
auriculares que os homens portavam. A denominação “Rikbaktsa”, igualmente
anotada como “Erigpactsa”, “Erigpagtsá” e “Rikbakca”, designa-os propriamente
como “seres humanos” (rik, pessoa humana; bak, partícula de reforço,
“verdadeiros”; tsa, forma plural), quando o termo aparece flexionado no
masculino plural. “Rikbakta” corresponde ao masculino singular, “rikbaktatsa”
ao feminino singular e “rikbakza” ou “rikbakykyry” ao feminino plural.

Na TI Escondido, próximo ao seu limite sul, localiza-se hoje uma única


aldeia, denominada Babaçu. Em julho de 2010 ali residiam sete famílias,
totalizando uma população de trinta e uma pessoas, distribuídas em sete
famílias. A infra-estrutura da aldeia consiste basicamente de casas
residenciais, banheiros e lavanderias, poço artesiano com motor, escola,
pequeno posto de saúde, casa para visitantes e a base do SIVAM; a
comunidade é atendida, no momento, por uma camionete Toyota, modelo
Bandeirantes. Além das roças, a caça, a pesca e a coleta mais cotidiana, os
Rikbaktsa desta aldeia participam do projeto de comercialização de castanha,
promovido pelo PNUD e FEMA/MT.

Em dezembro de 2010, durante os trabalhos periciais, visitamos um dos


roçados novos que circundam a aldeia Babaçu, duzentos metros a leste, onde
se destacavam os seguintes cultivos: milho, mandioca, cará, abacaxi,
amendoim e batata-doce. Além dos castanhais explorados regularmente pelos
Rikbaktsa, muitas trilhas de caça cruzam de um lado a outro, utilizadas

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Laudo antropológico – Processo 2006.36.00.003067-5
2ª Vara da Justiça Federal - Mato Grosso

habitualmente pelos moradores da aldeia Babaçu, bem como locais de pesca


nos córregos Canoeiro e Escondido e seus afluentes e vários nichos ecológicos
onde coletam taboca de jurupará e outros recursos florestais.

QUESITOS DA UNIÃO FEDERAL E DA FUNAI:

1. A Terra Indígena Escondido encontra-se demarcada e homologada por


ato do Presidente da República, como se área de ocupação tradicional e
permanente indígena?

A Terra Indígena Escondido foi delimitada nos termos do Despacho 24,


de 3 de junho de 1994 (DOU, 06/06/1994), e declarada de “posse permanente
dos índios” pela Portaria MJ-668, de 1 de novembro de 1996 (DOU,
04/11/1996). A demarcação administrativa foi homologada pelo Decreto
Presidencial s/n, de 8 de setembro de 1998 (DOU, 09/09/1998), com a
superfície de 168.938,468 hectares - ver cópias destes atos, em anexo.

2. Caso positivo o quesito anterior, a área sub judice encontra-se total ou


parcialmente inserida nos limites demarcados da área reservada aos
silvícolas?

O lote ora sub judice, de acordo com os documentos ajuntados aos


autos, bem como as informações circunstanciadas que prestou Gilson de
Araújo, ex-funcionário da parte autora que acompanhou a assistente técnica
Marilza Rodrigues nos trabalhos periciais, encontra-se totalmente inserido nos
limites da TI Escondido – mais precisamente, como se pode ver no mapa
“Ocupação indígena na região do Escondido”, em anexo, entre as cabeceiras
dos córregos Escondido e Canoeiro.

3. Quais os indivíduos de origem ameríndia que habitam a Terra Indígena


Escondido?

Este ponto já se encontra respondido no Quesito 8, da autora.

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Laudo antropológico – Processo 2006.36.00.003067-5
2ª Vara da Justiça Federal - Mato Grosso

4. De quando remonta a ocupação dos indígenas na Terra Indígena


Escondido?

A ocupação indígena da TI Escondido, bem como da região do entorno,


incluindo o lote ora sub judice, possui caráter verdadeiramente imemorial, na
medida em que a presença dos Rikbaktsa ali remete a um tempo anterior a
qualquer documentação porventura existente para as terras circunvizinhas,
como já foi esclarecido nos Quesitos 1, 2, 3, 5 e 7 da autora.

Mesmo com o deslocamento compulsório de seus moradores para os


postos da Missão Anchieta, nas décadas de 1960 e 1970, nunca se
dissolveram os laços territoriais dos Rikbaktsa com a região do Escondido –
sobretudo, porque eles empregaram-se em sucessivas excursões sazonais à
região.

Certos recursos naturais de que necessitam só os encontram ali e, por


isso, mesmo moradores de aldeias mais distantes das terras indígenas
Erikpatsa e Japuíra, a centenas de quilômetros, continuaram a explorar a
região do baixo Juruena, conforme testemunhou o antropólogo Pacini em 16
de agosto 2001, quando ali realizou a perícia judicial cujo laudo foi ajuntado
aos presentes autos: abaixo da Pedra Bonita, descendo o rio Juruena,
encontrou seis canoas e duas voadeiras cheias de Rikbaktsa, vindos
justamente do Escondido. Segundo lhe disseram, lá apanharam pontas de
flecha jurupará; caçaram e pescaram; ajuntaram penas de aves, sobretudo de
mutum carijó, que só existe no baixo Juruena; colheram palhas para peneira;
e retiraram madeiras de cerne, para buzina, pilão e colher (Pacini, 2001, p. 31-
32).

De modo que, tão-logo se asseguraram da demarcação da TI Escondido,


ainda em 1998 o cacique Dokta, antigo morador de aldeias que existiram nas
cabeceiras dos córregos do Cristóvão (do Noca), Canoeiro (do Dico), Escondido
e Santarém, com seus familiares e agregados, fundaram a aldeia Babaçu, a
pouca distância da divisa sul, situada numa zona juncada de antigas
capoeiras, onde seus ancestrais antes habitavam.

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Laudo antropológico – Processo 2006.36.00.003067-5
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5. Os índios utilizam a área sub judice para apropriação dos meios


indispensáveis à sua sobrevivência física e cultural e de que forma?

Ao cabo de uma apuração minuciosa dos dados que foram obtidos na


vistoria pericial in loco, nas entrevistas dos informantes, na leitura dos estudos
científicos e na documentação histórica e administrativa coligida, tendo por
base os parâmetros antropológicos apontados ao longo do texto, constatou-se
que os índios Rikbaktsa utilizam integralmente a TI Escondido - inclusive a
área do lote ora sub judice -, donde obtêm os meios indispensáveis à sua
subsistência, às suas expressões culturais e à reprodução de sua ordem
social, segundo os usos, costumes e tradições que os singularizam – ver mapa
“Ocupação indígena na região do Escondido”, em anexo.

6. A Terra Indígena Escondido é importante para a sobrevivência física e


dos grupos indígenas e seus respectivos subgrupos?

Segundo disseram os Rikbaktsa, tanto quanto registraram os relatórios


antropológicos, toda a extensão da TI Escondido é extremamente rica em
animais de caça, bem como produtos florestais, como frutos, sementes,
essências e óleos. Dentre estes, destacam-se a castanha-do-Brasil, com
copiosos e densos castanhais, de sementes superiores em tamanho e
qualidade, valiosas tanto na pauta alimentar quanto para fins comerciais, e a
taboca jurupará, indispensável à fabricação de pontas de flecha. Conforme
explicaram os informantes indígenas, a taboca jurupará subsiste apenas na
região da margem esquerda do baixo Juruena, onde é regularmente coletada
por todos os Rikbaktsa, tanto os moradores do Escondido quanto os de
Japuíra e Erikpatsa. Sua zona de incidência estende-se entre as cabeceiras
dos córregos Canoeiro e Escondido, que abrange a área sub judice (ver mapa
“Ocupação indígena na região do Escondido”, em anexo).

No ofício à FUNAI em abril de 1992 (Psibatsibata et alii, 1992; Pacini,


2001, p. 134-135), dando anuência à delimitação da Terra Indígena
Escondido, os líderes Rikbaktsa apresentaram uma lista das “riquezas” de que
ali se abastecem regularmente. Além castanha-do-Brasil e da taboca jurupará,
selecionada “por sua capacidade de corte, resistência e durabilidade”, que
utilizam na confecção de pontas de flecha, eles valorizam sobremaneira as

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Laudo antropológico – Processo 2006.36.00.003067-5
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seguintes matérias primas: seriva ou pupunha, para arcos bordunas e hastes


de flecha; purawy, madeira dura para a corneta (buzina) que tocam nas festas
e nas derrubadas; spioki, madeira leve para o batoque auricular; boho,
madeira para cabo de machado; tuhara, resina vegetal de uma árvore
amazônica; palmeira babaçu, as palhas para cobertura e a amêndoa para
beiju; hahaik, pedra plana que serve de bandeja para assar beiju; e pedras
para amolar ferramentas.

Ao lado das roças, a caça, a pesca e a coleta mais cotidiana, a vida


econômica dos Rikbaktsa da aldeia Babaçu, na TI Escondido, inclui sua
participação no projeto de comercialização de castanha, promovido pelo PNUD
e FEMA/MT. A este respeito, de acordo com a equipe técnica do Programa
Integrado da Castanha, verifica-se que, nos últimos anos, tem crescido a
importância econômica da TI Escondido, não apenas em razão da incidência
da taboca jurupará para confecção de flechas, mas também pelos castanhais
nativos que os Rikbaktsa agora exploram comercialmente.

Enfim, o acervo documental disponível, bem como as evidências acima


apresentadas, permitem afirmar, com plena convicção, que a TI Escondido, em
particular o lote ora sub judice, representam habitat indígena tradicional,
indispensável à reprodução física e cultural dos Rikbaktsa, de acordo com os
critérios constitucionais que definem as terras indígenas.

7. Quando da implantação dos projetos agropecuários no interior da Terra


Indígena Escondido, os índios habitavam e/ou se utilizavam de toda a
extensão da área sub judice?

Este ponto já se encontra respondido nos Quesitos 2 e 7 da autora.

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Laudo antropológico – Processo 2006.36.00.003067-5
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8. Quais os problemas advindos aos índios na implantação dos projetos na


Terra Indígena Escondido?

9. Os projetos implantados na Terra Indígena Escondido primaram pelo


respeito à posse dos índios no seu interior?

10. Caso positivo descrever as ações, da mesma forma, caso negativo,


descrever os prejuízos sentidos pela comunidade indígena?

Para ser breve, na resposta a seguir são tratados conjuntamente os


pontos suscitados pelos Quesitos 8 a 10, da União Federal e FUNAI.

A ocupação indígena na região do Escondido, e também em áreas


circunvizinhas, não impediu que o Governo do Estado de Mato Grosso
desencadeasse um amplo processo de alienação do que considerava “terras
devolutas” no então município de Aripuanã, transferindo à CODEMAT – Cia.
de Desenvolvimento do Estado dois milhões de hectares (nos quais inclui-se a
TI Escondido), posteriormente licitados a empresas de colonização ou para
projetos agropecuários apoiados com incentivos fiscais da SUDAM. A
CODEMAT colocou-os à venda, divididos em dez grandes glebas de 200 mil
hectares cada, resultando ao cabo dessa licitação: 400 mil hectares para
Colniza Ltda, do grupo Lunardelli; um milhão de hectares para a empresa
suiça Rendanyl S/A; 200 mil hectares para Juruena Empreendimentos S/A,
de João Carlos de Souza Meirelles; e 400 mil hectares para a colonizadora
INDECO, de Ariosto da Riva. À época da alienação daquelas “terras devolutas”
pelo Estado de Mato Grosso, por intermédio da CODEMAT, vários núcleos
residenciais dos Rikbaktsa e Apiakas resistiam na área do Escondido - as
últimas famílias Rikbaktsa de lá foram removidas apenas em 1974, ao passo
que as famílias Apiakas somente a abandonaram em 1988, por força da
violência que então sofreram.

Tendo adquirido a área de um milhão de hectares, entretanto, a


Rendanyl S/A logo passou-a às mãos da Otsar Empreendimentos Ltda., antes
mesmo de se concretizar a venda e os trâmites para a emissão da escritura
definitiva”. Em seguida, a apenas quatro meses do prazo contratual de cinco
anos para execução do projeto de colonização, a área foi transacionada com a

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Laudo antropológico – Processo 2006.36.00.003067-5
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Cotriguaçu Colonizadora do Aripuanã S/A, componente da Cooperativa dos


Triticultores de São Miguel do Iguaçu, do Paraná.

Em 1984 a Colonizadora Cotriguaçu iniciaria os trabalhos topográficos


e de infra-estrutura viária, com o objetivo de instalar a agrovila nas cabeceiras
do córrego do Cristóvão (hoje a sede do município de Cotriguaçu) e possibilitar
a venda de fazendas e lotes rurais a colonos sulistas.

Pressionada pelos Rikbaktsa, preocupados com a perda iminente de seu


território tradicional, em 1985 a FUNAI constituiu um Grupo de Trabalho,
para a identificação das terras indígenas Japuíra e Escondido. A FUNAI
posicionou-se também pelo indeferimento da “Certidão negativa de presença ou
aldeamento indígena”, requisitada pela Cotriguaçu Colonizadora do Aripuanã
S/A para a área de um milhão de hectares, que incluía o córrego Escondido e
seu entorno.

Todavia, os administradores da Colonizadora Cotriguaçu insurgiram-se


contra a decisão da FUNAI, seja mobilizando o apoio de autoridades estaduais
e federais, seja desincumbindo-se ostensivamente da “vigilância” da área. Não
obstante os esclarecimentos do órgão indigenista, a Cotriguaçu Colonizadora
encetou a transferência a terceiros de parcelas dessas terras de interesse
indígena na região do Escondido. Em meio aos lotes que foram alienados pela
Colonizadora, contabiliza-se o ora sub judice, uma área de cinco mil hectares
no interior da atual TI Escondido - adquirido à Cotriguaçu Colonizadora por
Waldomiro Bussolaro em 7 de julho de 1992, que o transmitiu à parte autora
(Walmor José Bianchi - Firma Individual) em 23 de dezembro do mesmo ano.

Em fins de 1992, em resposta à insatisfação dos Rikbaktsa e às


ameaças de confronto armado, a FUNAI constituiu um novo Grupo de
Trabalho para atualizar as informações fundiárias e, sobretudo, face à
invasão já consumada, definir uma nova proposta para a Terra Indígena
Escondido. O GT constatou in loco a extensão da invasão promovida pela
Cotriguaçu Colonizadora e seus associados na área que havia sido identificada
e delimitada em 1985. Não restou aos Rikbaktsa, uma vez consumada a
invasão de suas terras tradicionais, senão aceitar a exclusão da “parte já
colonizada da área delimitada, ao sul do picadão”, evitando desta forma a

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Laudo antropológico – Processo 2006.36.00.003067-5
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remoção dos habitantes da vila de Cotriguaçu e dos ocupantes das


propriedades rurais já instaladas.

A proposta conciliadora, porém, não trouxe um desfecho amigável ao


processo demarcatório: as empresas madeireiras, às quais a Cotriguaçu
apressadamente alienou parcelas da área identificada pela FUNAI, puseram-se
em marcha para a retirada da madeira nobre ali abundante – dentre elas,
Walmor José Bianchi - Firma Individual, a parte autora. Para este fim,
rompeu-se uma estrada rumo sudeste, partindo do córrego Santarém às
cabeceiras do córrego Canoeiro (Dico), além de carreadores e esplanadas. A
extração madeireira realizada pela parte autora, e também por outros
confrontantes (notadamente, Waldomiro Bussolaro, Vilson Bussolaro e
Gilberto Allievi), inclusive, suscitou a denúncia das lideranças Rikbaktsa,
encaminhada à FUNAI em março de 1998, sobre a invasão da terra indígena
por “fazendeiros e madeireiros”.

Atendendo ao Projeto de Manejo Florestal, a autora traçou vários


carreadores no sentido leste-oeste, distanciados cinqüenta metros um do
outro, dividindo assim os talhões que iria explorar. Por ocasião da vistoria
pericial, percorremos parcialmente um desses carreadores principais, de uns
dez metros de largura, onde remanesciam tocos de árvores cortadas a
motosserra a testemunhar a exploração madeireira que ali ocorreu. Na mesma
oportunidade, tomamos as coordenadas de uma esplanada, onde estão toras
empilhadas, abandonadas durante a safra de 1997, a cerca de mil e
quinhentos metros da aldeia.

O Projeto de Manejo da firma Walmor J. Bianchi, em sua primeira fase,


de 1993 a 1997, objetivou a retirada de madeiras consideradas “nobres”
(mogno, cerejeira, ipê, louro frejó, cedro rosa), de maior valor comercial à
época, situadas próximo ao eixo da estrada, adentrando aos poucos o lote sub
judice.

A retirada abusiva de madeira da TI Escondido somente veio a cessar


em 1998, quando os Rikbaktsa retomaram residência na área. Liderados pelo
cacique Dokta, seus familiares e agregados fundaram a aldeia Babaçu, situada
estrategicamente a pouca distância da divisa sul da TI Escondido, de modo a
prevenir eventuais invasões. Restam, contudo, os vestígios da ação pretérita de

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Laudo antropológico – Processo 2006.36.00.003067-5
2ª Vara da Justiça Federal - Mato Grosso

madeireiros, como carreadores e estradas tomadas pela vegetação e toras


apodrecidas em uma ou outra esplanada, aspectos estes que foram registrados
no percurso do caminhamento para a vistoria do lote sub judice.

11. Em face das respostas aos quesitos anteriores, é possível afirmar que
o território delimitado como sendo a Terra Indígena Escondido são terras
tradicionalmente ocupadas por indígenas, em especial as áreas rurais sub
judice?

A Terra Indígena Escondido foi declarada de “posse permanente dos


índios” pela Portaria MJ-668, de 1 de novembro de 1996 (DOU, 04/11/1996).
A demarcação física coube à firma Aquarius Serviços Topográficos, e contou
com o acompanhamento de auxiliares de campo Rikbaktsa. Por fim, a TI
Escondido foi homologada pelo Decreto Presidencial s/n, de 8 de setembro de
1998 (DOU, 09/09/1998), com a superfície de 168.938,468 hectares.

Não obstante a ação deliberada dos jesuítas nas décadas de 1960 e


1970, que resultou no deslocamento compulsório rio acima, ainda que
temporário, de todos os agrupamentos Rikbaktsa remanescentes conhecidos
do baixo Juruena. Todavia, jamais cessou completamente sua freqüentação
pelos Rikbaktsa, sobretudo na forma de excursões sazonais ao córrego
Escondido e suas imediações (o que inclui, evidentemente, o lote ora sub
judice).

Em 1998, com efeito, tão-logo iniciados os trabalhos de demarcação da


TI Escondido, o cacique Dokta, seus familiares e agregados regressaram à
região e fundaram a aldeia Babaçu, a pouca distância da divisa sul – a aldeia
hoje conta com várias casas, farmácia, escola, banheiros e lavanderias,
fruteiras, roças etc. Além dos castanhais explorados regularmente pelos
Rikbaktsa, ali se encontram trilhas de caça, que cruzam de um lado a outro
toda aquela zona ecológica, utilizadas habitualmente pelos moradores da
aldeia Babaçu, bem como locais de pesca nos córregos Canoeiro e Escondido e
seus afluentes.

A longa exposição dos eventos históricos e da situação atual nos tópicos


acima, em suma, consolidou efetivamente uma resposta afirmativa acerca da
ocupação tradicional dos índios Rikbaktsa, na região definida pelos córregos

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Laudo antropológico – Processo 2006.36.00.003067-5
2ª Vara da Justiça Federal - Mato Grosso

Santarém, Escondido, Canoeiro (do Dico) e Cristóvão (do Noca), afluentes da


margem esquerda do Juruena, parcialmente incluída na TI Escondido, no
interior da qual foi plotado o lote ora sub judice. O acervo documental, exarado
a partir dos primórdios do século XX, as narrativas indígenas bem como os
vestígios pretéritos e atuais averiguados, enfim, sustentam a plena convicção
de que ali se configura um habitat indígena etnográfica e historicamente
constituído.

Juiz de Fora, fevereiro de 2011

João Dal Poz Neto


perito antropológico

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Laudo antropológico – Processo 2006.36.00.003067-5
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suisse des Américanistes (SSA). Genève, Suisse, mars 1963, pgs. 3-33, 28 figuras fora do texto).
Revista do Museu Paulista, v. 15, p. 416-422.
__________. 1964c. "Indians of The Amazon Darkness". National Geographic Magazine,
vol. 125, n. 5: 736-758.
SCHWADE, Egídio. 1964. Carta ao padre Arnaldo Bruxel. Diamantino, 8 de abril.
Mimeo., 3 p. (Arquivos MIA/CBFJ, Acervo E. Schwade, Pasta 219 Fasc. 01).
SERVIÇO DE PROTEÇÃO AOS ÍNDIOS. 1963. Delegação de competência, pelo chefe da
6a. IR, José Baptista Ferreira Filho. Mimeo., 1 p. (Arquivos MIA/CBFJ, Acervo João
Dornstauder, Fasc. 26).
MUTZIE, Albano et alii. 1991. Carta do povo Rikbaktsa. Área Rikbkatsa, ms., 5 p.
TOLKSDORF, Fritz. 1996. Entre seringueiros, índios e agrimensores, colonos e
garimpeiros do Mato Grosso (Tradução dos diários em alemão, por Peter von Werden). Mimeo.
(Arquivos OPAN).
__________. s/d. Diário de viagem: resumo de meus apontamentos do Diário de minha
vida entre os Canoeiros (Ericbactca), no rio Juruena - Mato Grosso, 1959-1966. (Tradução do
alemão: Maria Magdalena R. M. Prieto da Silva). FUNAI: Mimeo., 64 p. (Arquivos CIMI/MT).
VALDEZ, Manoel. 1985. Ofício a Ezequias Heringuer Filho (AESP/FUNAI) sobre
existência de índios arredios às margens dos rios Muriru e Pacutinga e as cabeceiras dos
igarapés Dico, Escondido e Corregão (mapas anexos). Porto Velho: Equipe de Pastoral
Indigenista da Diocese de Ji-Paraná, 6 de janeiro. Mimeo., 5 p. (Arquivos do pe. Balduíno
Loebens).
ZWETSCH, Roberto E. 1993. Com as melhores intenções: trajetórias missionárias
luteranas diante do desafio das comunidades indígenas - 1960-1990. (Dissertação de mestrado).
São Paulo: Faculdade de Teologia Nossa Senhora da Assunção, 563 p.

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ANEXOS

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DOCUMENTOS

1. OFÍCIO 046/PRES/DPI/FUNAI À COTRIGUAÇU COLONIZADORA, DE 7/02/1985


(PROCESSO FUNAI/BSB/1787/80) - INDEFERIMENTO DE CERTIDÃO NEGATIVA

2. DESPACHO 24, DE 3/06/1994, E PARECER 75/DID, DE 30/08/1993 (DOU,


06/06/1994) - DELIMITAÇÃO DA TERRA INDÍGENA ESCONDIDO

3. PORTARIA MJ-668, DE 1/11/1996 (DOU, 04/11/1996) - DECLARAÇÃO DE POSSE


INDÍGENA DATERRA INDÍGENA ESCONDIDO

4. DECRETO PRESIDENCIAL S/N, DE 8/09/1998 (DOU, 09/09/1998) - HOMOLOGAÇÃO DA


TERRA INDÍGENA ESCONDIDO

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1. OFÍCIO 046/PRES/DPI/FUNAI À COTRIGUAÇU COLONIZADORA, DE 7/02/1985


(PROCESSO FUNAI/BSB/1787/80) - INDEFERIMENTO DE CERTIDÃO NEGATIVA

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2. DESPACHO 24, DE 3/06/1994, E PARECER 75/DID, DE 30/08/1993 (DOU,


06/06/1994) - DELIMITAÇÃO DA TERRA INDÍGENA ESCONDIDO

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3. PORTARIA MJ-668, DE 1/11/1996 (DOU, 04/11/1996) - DECLARAÇÃO DE POSSE


INDÍGENA DATERRA INDÍGENA ESCONDIDO

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4. DECRETO PRESIDENCIAL S/N, DE 8/09/1998 (DOU, 09/09/1998) - HOMOLOGAÇÃO DA


TERRA INDÍGENA ESCONDIDO

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FOTOGRAFIAS

01 - Mulher com bastão de cavar (Schultz, 1964)


02 - Homem plantando maniva (Schultz, 1964)
03- Primeiros contatos (MIA, 1959)

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04 – Primeiros contatos (MIA, 1959)


05 – Entrevista com Pudai, Manita, Tsikidi, Matsi e o intérprete Juarez Paimy (Aldeia
Pé-de-Mutum, TI Japuíra, jul/2010)

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06 – Amawi e esposa (Aldeia Cerejeira, TI Japuíra, jul/2010)


07 - Sykmy e Pomy (Aldeia Beira Rio, TI Erikpatsa, jul/2010)

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08 - Placa na divisa sul da TI Escondido


09 - Aldeia Babaçu (TI Escondido, jul/2010)

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10 e 11 - Aldeia Babaçu (TI Escondido)

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12 e 13 - Aldeia Babaçu (TI Escondido)

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14 e 15 - Aldeia Babaçu (TI Escondido)

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16 e 17 – Instalações do SIVAM (Aldeia Babaçu, TI Escondido)

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18 e 19 - Aldeia Babaçu (TI Escondido)

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20 - Aldeia Babaçu (TI Escondido)


21 – Estoque de carás e inhames

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22 - Crianças (Aldeia Babaçu, TI Escondido)


23 – Filhote de mutum (Aldeia Babaçu, TI Escondido)

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24 – Armazem do Projeto de Castanha - PIC (Aldeia Babaçu, TI Escondido)


25 – Pilões (Aldeia Babaçu, TI Escondido)

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26 – Flechas (Aldeia Babaçu, TI


Escondido)
27 – Pontas de flecha
confeccionadas com jurupará
(Aldeia Pé-de-Mutum, TI Japuíra)

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28 - Touceiras de taboca jurupará, nas imediações do lote sub judice (TI Escondido,
jul/2010)
29 - Salvador Okodoby confeccionando flechas (Aldeia Pé-de-Mutum, TI Japuíra
jul/2010)

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30 – Dokta (cacique) na roça (TI Escondido)


31 – Mandioca (TI Escondido)

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32 – Amendoim (TI Escondido)


33 – Batata-doce (TI Escondido)

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34 – Bananeiras (TI Escondido)


35 – Abacaxizal (TI Escondido)

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36 – Milharal (TI Escondido)


37 – Palmeira babaçu (TI Escondido)

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38 – Castanheira (TI Escondido)


39 – Bananeira na capoeira de
Myktsõ (TI Escondido)

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40 – Castanha graúda na capoeira de


Myktsõ (TI Escondido)
41 – Bananeira na capoeira de
Amawe (TI Escondido)

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42 e 43 – Esteios de maloca na
capoeira de Amawe (TI Escondido)

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44 – Urucum na capoeira de Amawe


(TI Escondido)
45 – Semente de tokotsa (TI Escondido)

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46 – Solo de “terra preta de índio”, na capoeira de Amawe (TI Escondido)


47 – Exemplar de machado de pedra (TI Escondido)

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48 – Bacia de polimento de artefatos líticos (TI Escondido)


49 – Pescadores (TI Escondido)

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50 – Pesqueiro no córrego das Táboas (TI Escondido)


51 – Trilha de caça (TI Escondido)

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52 – Estrada de seringa (TI Escondido)


53 – Tronco remanescente de ipê, do Projeto de Manejo da autora (TI Escondido)

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54 – Tronco remanescente, do Projeto


de Manejo da autora (TI Escondido)
55 – Tronco ocado de mogno, do Projeto
de Manejo da autora (TI Escondido)

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56 e 57 – Carreador do do Projeto de
Manejo da autora (TI Escondido)

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58 e 59 – Espanada abandonada em 1997 (TI Escondido)

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60 – Gilson de Araújo, ex-funcionário da autora


61 – Luiz Carlos da S. Junior (FUNAI) e Egidio Bahi (guia e intérprete)

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62 – Junior (FUNAI) e Dokta (cacique)


63 – Marilza Rodrigues (assistente
técnica)

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64 – Raimundo Apiaka
65 – Dokta Rikbaktsa (cacique)

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MAPAS

1. CARTA-IMAGEM DA TERRA INDÍGENA ERIKPATSA

2. CARTA-IMAGEM DA TERRA INDÍGENA JAPUÍRA

3. CARTA-IMAGEM DA TERRA INDÍGENA ESCONDIDO

4. OCUPAÇÃO INDÍGENA NA REGIÃO DO ESCONDIDO

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