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LAUDO ANTROPOLÓGICO

OS RIKBAKTSA NO CÓRREGO ESCONDIDO E ADJACÊNCIAS

Perito: JOÃO DAL POZ NETO, Dr.

Processo n. 2002.36.00.003429-4
Classe 1900 – Ação ordinária/outras
Impte: Waldir Antônio da Silva e outro
Impdo: União Federal e FUNAI
Segunda Vara da Justiça Federal
Seção do Estado de Mato Grosso

Juiz de Fora, MG

outubro de 2010
Laudo antropológico – Processo 2002.36.00.003429-4
2ª Vara da Justiça Federal - Mato Grosso

ÍNDICE

INTRODUÇÃO............................................................................4

A OCUPAÇÃO INDÍGENA ........................................................... 18

AS TERRAS INDÍGENAS ERIKPATSA, JAPUÍRA E ESCONDIDO ......... 78

CULTURA E USO DOS RECURSOS NATURAIS ............................... 97

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA .................................................. 127

ANEXOS
DOCUMENTOS ....................................................................... 134
FOTOGRAFIAS ....................................................................... 140

MAPAS
1. CARTA-IMAGEM DA TERRA INDÍGENA ERIKPATSA .......................... 151
2. CARTA-IMAGEM DA TERRA INDÍGENA JAPUÍRA .............................. 152
3. CARTA-IMAGEM DA TERRA INDÍGENA ESCONDIDO ......................... 153
4. OCUPAÇÃO DA TERRA INDÍGENA ESCONDIDO ............................... 154

FIGURAS
Figura 1: Situação da área sub judice ............................................................ 4
Figura 2: Localização dos povos indígenas ...................................................... 7
Figura 3: Aldeias rikbaktsa no rio do Sangue, 1958.......................................... 9
Figura 4: Território dos Rikbaktsa ................................................................19
Figura 5: Rikbaktsa no século XIX ................................................................21
Figura 6: Rikbaktsa e povos vizinhos ............................................................23
Figura 7: Aldeias rikbaktsa em 1962.............................................................24
Figura 8: Expedições no Arinos, 1957 ...........................................................26
Figura 9: Aldeias rikbaktsa no baixo Arinos, 1958...........................................26
Figura 10: Aldeias rikbaktsa no rio do Sangue, 1959 .......................................30
Figura 11: Frente do alto Juruena, 1958........................................................31
Figura 12: Aldeias rikbaktsa na margem esquerda do Juruena, 1959 .................32
Figura 13: Aldeias rikbaktsa no baixo Juruena, 1959.......................................34
Figura 14: Aldeias entre os córregos do Cristóvão e Santarém, 1960 .................40
Figura 15: Postos de assistência ..................................................................43
Figura 16: Localização e planta do posto Escondido, 1962................................47
Figura 17: Habitat rikbaktsa e terras indígenas ..............................................76
Figura 18: Terras indígenas demarcadas .......................................................79
Figura 19: Terra Indígena Erikpatsa..............................................................80
Figura 20: Proposta de interdição, 1971 ........................................................82
Figura 21: Terra Indígena Japuíra ................................................................85
Figura 22: Permuta de área pelo INCRA ........................................................90

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Figura 23: Área excluída da terra indígena Escondido, 1992 .............................93


Figura 24: Terra Indígena Escondido.............................................................95
Figura 25: Estradas e piques de castanha no Escondido................................. 123

TABELAS
Tabela 1: População da aldeia Babaçu, TI Escondido .......................................68
Tabela 2: Coordenadas do caminhamento .....................................................71
Tabela 3: Toponímia hidrográfica rikbaktsa....................................................73
Tabela 4: População Rikbaktsa em 2001 .......................................................74
Tabela 5: Extensão das terras rikbaktsa ........................................................96
Tabela 6: Metades e clãs associados ........................................................... 103
Tabela 7: População Rikbaktsa, 1973.......................................................... 108
Tabela 8: Dados populacionais Rikbaktsa, 1957-2010 ................................... 109
Tabela 9: Dinâmica residencial, 2000.......................................................... 110
Tabela 10: População por terra indígena e aldeia, 2004 ................................. 111
Tabela 11: Atividades sazonais .................................................................. 114
Tabela 12: Espécies animais e comestibilidade ............................................. 116
Tabela 13: Castanha coletada na safra 2005/2006........................................ 125

GRÁFICOS
Gráfico 1: Série demográfica, 1957-2010 .................................................... 108
Gráfico 2: Renda monetária, 2005.............................................................. 125

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INTRODUÇÃO

Este laudo traz os resultados da perícia antropológica realizada por


mandado expedido na Ação Ordinária – Processo 2002.36.00.003429-4, da
2ª Vara da Justiça Federal de Primeiro Grau em Mato Grosso, movida por
WALDIR ANTÔNIO DA SILVA e DARI MARCOS BERGUERAND contra UNIÃO
FEDERAL e FUNDAÇÃO NACIONAL DO ÍNDIO – FUNAI, na qual os autores
requerem “indenização por desapropriação indireta” sobre dois lotes de
terras que adquiriram em 28/09/1994, num total de 7.900 hectares,
situados no município de Cotriguaçu, MT, ora englobados pela terra indígena
Escondido (conforme a petição inicial, às fls. 2-12 dos autos). Identificada
pela FUNAI, nos termos do Despacho 24, de 3/06/1994 e do Parecer
75/DID, de 30/08/1993 (fls. 28-29 dos autos), esta terra indígena foi
declarada de posse permanente dos índios Rikbaktsa pela Portaria 668, do
Ministério de Justiça, em 1/11/1996 (fl. 30 dos autos), e, posteriormente,
homologada por Decreto Presidencial s/n, em 8/09/1998 (fl. 31 dos autos),
perfazendo 168.938 hectares.

Figura 1: Situação da área sub judice

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Foram formulados à perícia antropológica nove quesitos pela União


Federal e FUNAI, às fls. 342-345, ratificados pelo Ministério Público Federal
às fls. 348-349, e nove pelos autores, às fls. 354-356. A audiência para
início dos trabalhos periciais foi marcada para 5 de julho de 2010, às 14:00
horas. Na ocasião, os assistentes técnicos designados pelas partes não
compareceram à Secretaria da 2ª Vara. O prazo estipulado para realização
dos trabalhos foi de 60 dias, ao qual o perito solicitou prorrogação de 45
dias.

Resumidamente, os trabalhos periciais cumpriram as seguintes


etapas:

a) de 6 a 8 de julho, o levantamento de documentação etnológica e


histórica nos arquivos da OPAN - Operação Amazônia Nativa e do CBFJ -
Centro Burnier de Fé e Justiça, ambos com sede em Cuiabá, MT, que
abrigam parte do acervo de relatórios e informes produzidos pela Missão
Anchieta e pelos missionários jesuítas responsáveis pela assistência aos
índios Rikbaktsa nas décadas 50 a 90 do século passado;

b) de 9 a 20 do mesmo mês, a partir da cidade de Juína, na região


noroeste de MT, a viagem de vistoria para visita a aldeias das áreas
Erikpatsa e Japuíra, onde recolhi depoimentos de antigos moradores da
região da margem esquerda do baixo Juruena, o contato com o padre
jesuíta Balduíno Loebens, em Fontanillas, e o reconhecimento da área
Escondido, no município de Cotriguaçu, através de incursões pelos arredores
da área sub judice e entrevistas com moradores da aldeia Babaçu ali
situada;

c) de 21 a 24 do mesmo mês, de retorno a Cuiabá, prossegui o


levantamento documental, quando foram acessados os arquivos do CIMI/MT
- Conselho Indigenista Missionário e da FUNAI/MT - Fundação Nacional do
Índio;

d) em 16 de agosto, o levantamento de documentos administrativos


da área indígena Escondido, arquivados no Serviço de Arquivo e na
Documentação da Diretoria de Proteção Territorial da FUNAI, em Brasília,
DF; e,

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e) em 20 do mesmo mês, o levantamento dos arquivos do Serviço de


Proteção aos Índios, abrigados no Museu do Índio, no Rio de Janeiro, RJ.

Para a realização dos trabalhos de campo, agradeço o apoio ali


prestado por diversas pessoas, dentre as quais Paulo Henrique Skiripi,
presidente da ASIRIK, Juarez Paimy, que me serviu de guia e intérprete,
Francisco Pokze, cacique da aldeia Pé de Mutum e piloto de barco, Antônio
Carlos Ferreira de Aquino, chefe do Núcleo de Apoio da FUNAI em Juína e os
motoristas Edinho e Milton. Da mesma maneira, o agrônomo João Manoel
de Souza Perez, técnico que apoia o Projeto Integrado da Castanha, e
minha auxiliar de pesquisa Paula Wolthers de Lorena Pires, que colaborou
no levantamento documental e nas entrevistas em campo.

Convém ainda, nesta introdução, ressaltar as principais fontes


históricas e etnográficas e seus respectivos autores, dos quais obtivemos as
informações sobre os Rikbaktsa aqui utilizadas. Estes índios foram também
apelidados pelos seringueiros de “Canoeiros”, ou “Canoeiros do Juruena”,
por sua habilidade no manejo de canoas de casca de jatobá (Dornstauder,
1975, p. 15; Moura, 1975, p. 7; Tolksdorf, 1996, p. 8), e de “Orelhas-de-
Pau”, devido aos discos auriculares que os homens portavam (Dornstauder,
1975, p. 30; Hugo, 1959, p. 263; Athila, 2006, p. 67). A denominação
“Rikbaktsa”, igualmente anotada como “Erigpactsa” (Christinat, 1963),
“Erigpagtsá” (Schultz, 1964a) e “Rikbakca” (Hanh, 1976), designa-os
propriamente como “seres humanos” (rik, pessoa humana; bak, partícula de
reforço, “verdadeiros”; tsa, forma plural), quando o termo aparece
flexionado no masculino plural (Arruda, 1992a, p. 218). “Rikbakta”
corresponde ao masculino singular, “rikbaktatsa” ao feminino singular e
“rikbakza” ou “rikbakykyry” ao feminino plural (Athila, 2006: 67-68).

Grosso modo, a documentação histórica para os séculos XVIII e XIX,


dos bandeirantes, exploradores, missionários, naturalistas e outros viajantes
que ali passaram, prestam poucos esclarecimentos acerca da configuração
das populações indígenas que habitavam aquela região do alto e médio rio
Juruena e seus afluentes. A notícia mais remota trouxe o aventureiro
Antônio Pires de Campos que, no ano de 1727, atravessou a chapada dos
Parecis (Campos, 1862). Tendo atingido o rio Juruena, fronteira oeste do

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que chamou “Reino dos Parecis”, defrontou-se com a “nação” dos “Cavihis”
que, por sua localização e os dados etnográficos fornecidos por Pires de
Campos, talvez fossem os ancestrais dos Rikbaktsa, ou então de algum dos
povos Tupi-Mondé hoje situados mais a oeste.

Figura 2: Localização dos povos indígenas

No período do Brasil Colônia, houve diversas tentativas de se


estabelecer a comunicação fluvial entre Mato Grosso e Pará através dos rios
Arinos, Juruena e Tapajós; porém, somente em 1812 o itinerário passou a
ser navegado em ambos os sentidos, ainda que o tráfego comercial então
iniciado não perdurasse (Rondon, 1916, p. 235). Poucos anos depois, a
expedição científica do barão Langsdorff, médico alemão e cônsul-geral da
Rússia, que desceu estes mesmos rios em 1828, documentou a existência
de aldeias dos Apiakas na margem direita do Juruena, desde a foz do Arinos
até as proximidades do salto Augusto (Florence, 1977, p. 227-250;
Langsdorff, 1997, p. 257-276).

Segundo o antropólogo Rinaldo Arruda, cuja tese de doutorado


abordou justamente a expansão da sociedade nacional naquela região e as
dinâmicas de reordenação sócio-cultural desenvolvidas pelos Rikbkatsa, os

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eventuais viajantes “mantinham-se sempre nas proximidades dos rios


principais” e apenas dispunham de informações de “segunda mão” sobre os
moradores das zonas mais distantes, obtidas de grupos indígenas já
“pacificados”, a exemplo dos Apiakas (Arruda, 1992a: 144-145). Isto
explicaria a quase ausência de notícias acerca dos Rikbaktsa antes do século
XX, pois estes habitavam locais “afastados dos cursos dos rios principais, no
interior da mata”, e assim passaram despercebidos ou foram confundidos
com outros povos indígenas (idem, p. 148).

Mesmo os experientes expedicionários da Comissão Rondon, que em


1915 depararam com uma numerosa aldeia dos Rikbaktsa no curso inferior
do rio do Sangue, abaixo da foz do rio Cravari, não conseguiram distingui-
los dos demais povos com os quais já estavam em contato. O tenente
Vicente de Paula Vasconcellos, chefe da turma de levantamento topográfico
do rio do Sangue, pensou que eram Nambiquaras; todavia, o coronel
Cândido Rondon, referindo-se ao relatório dos trabalhos topográficos então
realizados, rejeitou tal suposição, “por não (se) ter ouvido, daqueles índios,
nenhuma palavra do vocabulário nambiquara, como também, e
principalmente, pela constatação de possuírem os indígenas em questão
práticas e usos que absolutamente se não coadunam com os dos nossos
conhecidos habitantes da zona compreendida entre o Juruena, o
Comemoração de Floriano e as cabeceiras do Roosevelt” (Rondon, 1916:
233-234). As diferenças mais evidentes estariam nas flechas, com penas
diretrizes dispostas em hélice, no uso de redes de dormir e na prática de
navegação. Os Nambiquaras dormiam no chão e usavam bóias para
atravessar os cursos d’água, enquanto os moradores do rio do Sangue
dormiam em redes e construíam ubás (canoas). Para Rondon, embora não
fosse possível determinar “a tribo de que eles se teriam destacado, nem a
época em que isso se deu”, eles pertenceriam ao grupo dos Tupis, que
considerava “possuidores de uma civilização mais adiantada...” (idem,
ibidem).

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Figura 3: Aldeias rikbaktsa no rio do Sangue, 1958


(Dornstauder, 1975, p. 152)

Não resta dúvida, porém, de que se tratava de uma fração dos índios
Rikbaktsa: mais de quarenta anos depois ali ainda restavam as capoeiras
dessa antiga aldeia, na margem direita do rio do Sangue, logo abaixo do
córrego Antônio Correa, justamente nas imediações onde o padre jesuíta
João Dornstauder, em 1958, encontrou a aldeia do “capitão Tabobocta”
(Dornstaurder, 1975, p. 139, 157), conforme o mapa acima. Embora os
índios tenham rechaçado todas as tentativas de aproximação, os
expedicionários conseguiram registrar alguns de seus traços mais salientes,
assim consignados no relatório do tenente Vasconcellos:

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“Os sinais de índios [...] foram se tornando mais frequentes e menos


antigos, notando-se em todos eles o emprego das nossas ferramentas. No
dia 19, bivacamos na margem direita, em um grande e não muito antigo
acampamento deles e onde naturalmente passaram algum tempo ocupados
em caçadas e pescarias [...]
Não estávamos de fato longe dos silvícolas [...]
Havíamos feito 12 kilômetros de levantamento, quando a canoa da mira foi
advertida por gritos e risadas dos índios, que mais abaixo se estavam
divertindo no banho [...]
Assim que ouviram o primeiro grito, naturalmente avistaram as nossas
canoas, e fizeram absoluto silêncio. Não fosse a fumaça que saía da maloca
e que se elevava por cima da mata, e ainda mais a cobertura de palha do
rancho, que somente de longe se avistava por entre a copa do arvoredo,
ninguém que por lá passasse naquele momento suporia que talvez debaixo
de cada árvore vibrasse um coração humano [...]
Havíamos descido, pouco mais ou menos, cento e cinqüenta metros, quando
avistamos a flor d’água, e encostada à margem direita, em pequeno porto,
uma ubá que se achava alagada. Para lá nos dirigimos, a fim de examinar
com mais atenção esta primitiva embarcação usada pelos índios, e que
consiste em grande casca de árvore, tendo as extremidades dobradas, a
guisa de popa e de proa; alguns roletes de pau atravessado no sentido da
largura, a fim de impedir a casca de dobrar-se, e nada mais” (apud Rondon,
1916, p. 227-228).

A cada tentativa dos expedicionários, os Rikbaktsa respondiam com


flechadas:

“Ainda desta vez não fomos bem recebidos; ao nos avizinharmos do porto,
partiram outras duas flechas, disparadas sobre nós. Felizmente, como as
primeiras, erraram o alvo [...] Instantes depois deste nosso segundo
malogro, os índios deixaram-se finalmente ver em vários pontos da
margem, ricamente enfeitados, com as suas vestimentas de penas
multicores, entre as quais predominavam as de araras, armados de arcos,
maços de flechas e dando gritos [...] , arremedando-nos perfeitamente [...]
Enquanto isto, ouvia-se na maloca um canto fanhoso de muitas vozes, com
batidos cadenciados de pés e acompanhamento de sons de algum
instrumento rudimentar. De todo este aparato, e tendo em vista os
acontecimentos anteriores, concluímos que aquilo era um canto de guerra
[...] ” (idem, p. 229).

De fato, na madrugada do dia seguinte deu-se um ataque ardiloso


contra o acampamento dos expedicionários, à margem esquerda do rio:

“Durante a noite transportaram-se eles para o nosso lado, servindo-se para


isso da ubá, e cercaram-nos completamente, ficando a espera de que
rompesse o dia, para nos dar o assalto [...] Como de costume, às 5 horas
pusemo-nos em movimento [...] mandamos servir o café. Nesse momento,
eis que nos cai de todos os lados uma verdadeira saraivada de flechas,
acompanhadas do ruído forte das vozes e do tropel dos índios aproximando-
se e apertando-nos rapidamente com os seus tiros certeiros [...] . Ato
contínuo saí do toldo, tendo antes apanhado uma arma de caça, que
possuíamos, ordenando-lhes que não corressem e que atirassem para o ar.
Eu mesmo dei o primeiro tiro, e foi o que nos valeu [...] Com o disparo, os

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índios amedrontaram-se e correram, a calma entre nós restabeleceu-se,


mais ou menos” (idem, p. 231-232).

Do confronto, saíram feridos dois membros da expedição. O tenente


Vasconcellos, sem perda de tempo, houve por bem ordenar a retirada,
prosseguindo-se então a expedição rio abaixo.

Notícias acerca dos Rikbaktsa ganhariam intensidade a partir dos


anos 1940, quando um novo ciclo de exploração dos seringais nativos
alcançou a bacia do Juruena, como parte do esforço brasileiro na Segunda
Guerra Mundial para atender a demanda de borracha dos países aliados. Em
razão das hostilidades que logo indispuseram índios e seringueiros, nos rios
Arinos, Sangue e Juruena, e recrudesceram ano a ano, os missionários
jesuítas da Prelazia de Diamantino encarregaram-se da campanha de
“pacificação” da região, que se estendeu de 1956 a 1962, protagonizada
pelo padre João Evangelista Dornstauder:

“Os seringueiros contam que são frequentemente atacados por índios


desconhecidos, de pequeno porte e com um enorme disco de madeira no
lóbulo das orelhas” (Christinat, 1963, p. 3).

“Até então, os Rikbaktsa eram, na fala dos seringueiros, como que


fantasmas hediondos e cruéis, que infestavam traiçoeiramente as colocações
dos seringueiros, roubando seus pertences e, vez por outra, matando seus
ocupantes, cujos troncos eram encontrados sem membros e sem cabeça, o
que fazia supor que, além de tudo, eram antropófagos. Por sua vez, [...] os
seringueiros atiravam para matar assim que avistavam índios, ou mesmo se
só escutassem ruídos suspeitos. Expedições armadas foram feitas, aldeias
queimadas e destruídas e seus habitantes eram mortos, se encontrados no
local” (Arruda, 1992a, p. 161).

Austríaco, nascido em 1904, Dornstauder veio ao Brasil e entrou para


a Companhia de Jesus em 1925; lecionou por algum tempo em Nova
Friburgo, RJ, e em 1946 tornou-se missionário na Prelazia de Diamantino,
no norte de Mato Grosso. Inicialmente, ali atendeu os Nambiquaras, Paresis
e Iranxes, e realizou a atração dos Kayabis do rio dos Peixes em 1955. Seu
livro, Como pacifiquei os Rikbáktsa, publicado em 1975, reuniu as
ocorrências da “guerra rikbaktsa” contra os seringueiros no Arinos, Sangue
e Juruena, bem como a estratégia da “ação pacificadora” e as expedições a
aldeias e acampamentos rikbaktsa que realizou entre 1956 e 1962. Os
diários de campo, os relatórios e as notas esparsas, que embasaram a

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publicação do livro, acham-se hoje arquivados no Centro Burnier de Fé e


Justiça, entidade dos jesuítas com sede em Cuiabá, MT, onde foram
cuidadosamente examinados pelo perito judicial, conforme se disse acima.

Grosso modo, as operações da campanha pacificadora buscaram


alcançar cinco zonas mais ou menos delimitadas, cada uma delas
abrangendo um conjunto de aldeias e acampamentos em que então se
distribuíam os Rikbaktsa (abaixo, alguns dos líderes de grupos locais citados
por Dornstauder, 1964; 1975; e Tolksdorf, s/d; 1996):

Na margem direita do rio Juruena:


1) no baixo Arinos, as “turmas” (grupos locais) de Ixo, Aico.e e Amoa;
2) no rio do Sangue, as “turmas” de Tabobocta, Muipa e Eritkabui;
3) no alto Juruena, acima da foz do rio do Sangue, as “turmas” de Muitsoc,
Maitendi, Meipo e Tapema;
Na margem esquerda do Juruena:
4) desde a foz do rio do Sangue, passando pela cachoeira do Desastre, até
as imediações do córrego Água Branca, as “turmas” de Icoteti, Mayomuitsa,
Iocondi, Voco, Icoma, Matereocutipa, Intsima, Tsegta e Uatzu;
5) entre o córrego Cristóvão e o salto Augusto (nesta zona estão a terra
indígena Escondido e, no seu interior, a área sub judice), as “turmas” de
Waigma, Vutamo, Moikxau, Pacai, Iamari, Ericata, Totsima, Aone e
Mapadati.

Como esclareceu o missionário jesuíta, todos estes índios do Juruena,


do Sangue e do Arinos pertenciam a um mesmo grupo étnico:

“Do mundo de informações do momento, incorporados aos estudos já feitos,


saltei para uma conclusão importante: tinha a intuição mesmo de que uma
só nação indígena atacava no Juruena, se mostrava no Sangue, repontava
no Arinos. No entanto, não parecia que as guerrilhas obedecessem a um
plano único. Essa hipótese de trabalho sempre foi confirmada. Os fatos
demonstraram que eu achara bem cedo a chave para a pacificação,
facilitando-me a compreensão da tribo e de seu território” (Dornstauder,
1975, p. 33).

“Uma hipótese triunfante facilitou o andamento da pacificação: era que os


índios conflagrados pertenciam a um mesmo grupo, se bem, que
distinguidos por facções em pontos distantes no vale do Juruena. Essa
hipótese, confirmada sempre, facilitou a unidade do trabalho pacificador e
por fim proporcionou o nascimento de um ideal pacificador entre os próprios
Rikbáktsa pacificados” (Moura, 1975, p. 8).

Nos primeiros anos, os recursos financeiros e o apoio logístico para a


ação pacificadora de Dornstauder vieram de seringalistas, como Benedito

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Bruno Ferreira Lemes (prefeito de Diamantino em dois mandatos), do Banco


de Crédito da Amazônia (“Banco da Borracha”) e da CONOMALI (Cia.
Colonizadora Noroeste Mato-grossense), dirigida por Wilhelm Mayer
(Arruda, 1992a; Pacini, 1999). Misto de firma seringalista e colonizadora da
região do Arinos (a “Gleba Arinos”), a CONOMALI trouxe famílias de
agricultores do Sul que, em 1957, deram origem ao povoado de Porto dos
Gaúchos. Aos poucos, todavia, a Missão de Diamantino (depois “Missão
Anchieta”) tomaria a si a maior parte dos gastos da pacificação e da
assistência aos Rikbaktsa (Dornstauder, 1962). O apoio de autoridades e
órgãos, em particular o Serviço de Proteção aos Índios, efetivou-se somente
bem mais tarde - em abril de 1963, o jesuíta João Dornstauder foi
designado para a função de “delegado do SPI”, com “competência da
autoridade” para as regiões dos rios Arinos, Sangue e Juruena, através de
ato assinado pelo chefe da IR6, José Baptista Ferreira Filho, (SPI, 1963).

De 1963 em diante, paulatinamente, a assistência missionária aos


Rikbaktsa passou ao comando do padre Edgar Jacob Schmidt, afastando-se
o padre Dornstauder para outras funções1. De acordo com Hanh (1981, p.
94), Schmidt dedicou-se firmemente ao projeto de ampliar e consolidar a
estrutura existente no posto Barranco Vermelho (também, “Eremetsauquê”
ou “posto Santo Inácio”), localizado na margem direita do rio Juruena, na
atual terra indígena Erikpatsa, com o objetivo de ali congregar todas as
famílias rikbaktsa ainda residentes no baixo Juruena, para facilitar os
cuidados à saúde e a aculturação religiosa. Nascido em 1914, o padre Edgar
chegou a Diamantino em 1953, no cargo de superior religioso dos jesuítas
da Prelazia de Diamantino. Nos arquivos do Centro Burnier, foram
consultados os relatórios que redigiu sobre os serviços e os planos da
Missão Anchieta para a “aculturação” dos índios, alguns direcionados à
FUNAI - neste caso, sob a condição de “delegado dos Rikbaktsa”, autorizado
pela presidência do órgão em agosto de 1968 (Schmidt & Oliveira, 1971;
Pacini, 2001, p. 24, nota 53). O padre Edgar faleceu em 1972, num
acidente de automóvel (Pacini, 1999, p. 157).

1
Até 1989, o padre João Dornstauder atendeu aos Kayabis do posto Tatuí, no rio
dos Peixes. Faleceu em 1994, em Belo Horizonte, MG.

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A partir de 1973 o padre Balduino Loebens assumiria a assistência


aos Rikbaktsa no posto Barranco Vermelho; coube-lhe então prosseguir a
transferência dos remanescentes do baixo Juruena, moradores do posto
Escondido e de aldeias próximas, para a “Reserva da FUNAI” (a terra
indígena Erikpatsa, decretada oficialmente em 8 de outubro de 1968).
Desde 1990, o padre Loebens está residindo na vila de Fontanillas, à
margem esquerda do rio Juruena, donde continua a prestar serviços
assistenciais aos Rikbaktsa. Por ocasião dos trabalhos periciais, além de me
conceder uma entrevista em sua residência, em Fontanillas, permitiu
gentilmente que fotocopiasse relatórios e diários de suas expedições à
região do Escondido (em particular, Loebens, 1974; 1978-1984).

Fritz Tolksdorf, alemão, nascido em 1912, chegou ao Brasil em 1936.


Mudou-se em 1956 para a Gleba Arinos, nos primórdios da colonização, e ali
conheceu os Kayabis do rio dos Peixes e o padre Dornstauder. Por dois
anos, de 1959 a 1961, colaborou ativamente com o missionário jesuíta,
participando das expedições e como encarregado do posto Santa Rosa, no
rio Arinos. Entre setembro de 1961 e novembro de 1962, assumiu a chefia
do posto Escondido da Missão Luterana, fundado pelo pastor Friedrich
Richter2 no baixo Juruena. Anos depois, fez visitas esporádicas aos
Rikbaktsa do Escondido. E, por muitos anos, prestou serviços à FUNAI junto
aos Nambikwara e aos Cinta-Larga. Tolksdorf faleceu em 1992, em Cuiabá,
MT. Os diários de campo de Tolksdorf, respectivamente, Diários de viagem
(s/d) e Entre seringueiros, índios... (19963), escritos em alemão e
traduzidos postumamente, recobrem suas atividades indigenistas de 1954 a
1970, interessando-nos sobremaneira os fatos relacionados aos Rikbaktsa
do Escondido.

Um primeiro esboço etnográfico dos Rikbaktsa deve-se a Jean-Louis


Christinat (1963), etnólogo suíço que esteve no posto dos luteranos na foz
do córrego Escondido, na estação chuvosa de 1962, por recomendação do

2
A denominação “Escondido” refere-se ao córrego que deságua no Juruena, cuja
foz não se avista ao longe por quem desce o rio (Pacini, 1999, p. 115, nota 101).
3
A tradução dos Diários de Tolksdorf, que consultei nos arquivos da OPAN, está
com a data de 1996, enquanto Pacini (1999, p. 236) indica uma versão de 1997.

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Laudo antropológico – Processo 2002.36.00.003429-4
2ª Vara da Justiça Federal - Mato Grosso

Conselho Nacional de Proteção aos Índios. Suas anotações, de uma curta


estadia de dois meses, tratam de vários itens, tais como: tipo humano,
habitação, transporte, agricultura, caça e pesca; alimentação e higiene;
adornos, artefatos, armas e instrumentos musicais; organização social e
política; rituais, crenças e antropofagia.

Harald Schultz, etnólogo do Museu Paulista que, na estação seca do


mesmo ano (de junho a outubro), percorreu três aldeias (as “malocas” dos
líderes Mapadati, Barari e Ipatoto) na mesma região do Escondido, criticou a
Christinat as informações superficiais ou inexatas, porque colhidas no posto
da missão evangélica alemã, entre “grupos esporádicos de índios”
precariamente hospedados (Schultz, 1964b, p. 416), “índios vindos de
diversas malocas situadas em regiões diferentes” (idem, p. 420). Schultz
(1964a) traçou um quadro bem mais consistente da vida aldeã, enfocando a
distribuição geográfica dos grupos rikbaktsa e sua mobilidade pelo território
tribal - além da guerra, os deslocamentos tinham por motivo a visita a
parentes, festas e atividades de caça e coleta, através das trilhas que
interligavam as aldeias umas às outras.

De maior fôlego, a pesquisa de campo do antropólogo norte-


americano Robert Alfred Hahn estendeu-se de 1970 e 1973, quando visitou
os agrupamentos do Escondido por dois meses. Sua tese de doutorado,
apresentada na Harvard University, analisou o sistema terminológico de
parentesco rikbaktsa (Hahn, 1976), e um de seus artigos avaliou as
mudanças sociais provocadas pela ação missionária (Hahn, 1981). Na parte
introdutória de sua tese, ao lado da reconstituição de todo o processo de
pacificação, Hahn contemplou um amplo panorama da vida social rikbaktsa:
os arranjos espaciais, os ciclos sazonais, as formas de organização social, as
regras de casamento e de residência e a distribuição demográfica à época
(Hanh, 1976, p. 24-103).

Por sua vez, Rinaldo Arruda, da Pontifícia Universidade Católica de


São Paulo, produziu uma série de relatórios de avaliação dos impactos da
implantação do Programa Polonoroeste sobre a população indígena, entre
1983 e 1988. Este antropólogo coordenou os Grupos de Trabalho da FUNAI
que subsidiaram a proposta de identificação e delimitação das terras

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Laudo antropológico – Processo 2002.36.00.003429-4
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indígenas Japuíra (Arruda, 1985) e Escondido (Arruda, 1993). Sua tese de


doutorado examinou a expansão da sociedade nacional na região do
Juruena, sua influência no processo de “pacificação” e a resistência dos
Rikbaktsa, ensaiando uma reflexão sobre a dinâmica interna da sociedade
rikbaktsa, onde sobressaem a visão de mundo, a organização social e a
reelaboração de sua identidade (Arruda, 1992a).

Jesuíta e antropólogo, Aloir Pacini retomou em sua dissertação de


mestrado o processo de “pacificação” dos Rikbaktsa, levado a cabo pela
Missão Anchieta, sopesando cuidadosamente os principais episódios que ali
se desenrolaram, seus personagens e suas motivações. Lançando mão de
informações inéditas, coligidas na extensa documentação produzida pelos
jesuítas, em particular Dornstauder e Schmidt (hoje arquivada no Centro
Burnier, em Cuiabá, MT), e nos diários de Tolksdorf, Pacini (1999) desvela o
processo de re-territorialização e confinamento dos Rikbaktsa, ”trazidos dos
diversos postos e malocas e aglutinados em torno do posto de assistência
indígena Barranco Vermelho”: a organização e as atividades dos postos de
assistência indígena (Santa Rosa, Regis, Barranco Vermelho e Escondido); o
recrutamento de crianças indígenas para o Internato de Utiariti; as medidas
para atendimento à saúde, face às epidemias que então dizimaram quase a
metade da população rikbaktsa. Na condição de perito antropológico, Pacini
respondeu pela vistoria judicial requerida na ação que a Cotriguaçu
Colonizadora do Aripuanã S/A move contra a União Federal e outros
(Processo 1998.36.00.006843, Segunda Vara da Justiça Federal, Seção
Judiciária de Mato Grosso); juntado aos presentes autos, seu laudo
antropológico encontra-se às fls. 69-241 (Pacini, 2001).

Trabalho recente e de envergadura analítica, a tese de doutorado de


Adriana Romano Athila (2006), defendida na Universidade Federal do Rio de
Janeiro, trata da corporalidade e da sócio-cosmologia rikbaktsa, buscando
assim evidenciar, segundo a autora, uma teoria complexa de socialidade,
“que concerne à interação, geração, produção e destruição de corpos e
pessoas em um mundo povoado por sujeitos que abrangem o que se
costuma compartimentalizar em diferentes reinos, espaços e posições”
(Athila, 2006).

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Laudo antropológico – Processo 2002.36.00.003429-4
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Quanto à filiação lingüística dos Rikbaktsa, embora muitas vezes


assinalada às línguas Macro-Jê, restam dúvidas ainda a esclarecer. Dados
colhidos por Joan Boswood, entre 1967 e 1970, identificaram características
atribuídas tanto a línguas Jê quanto a Tupi (Boswood 1971). De acordo com
Athila (2006, p. 21-22):

“Algumas evidências que a aproximariam dos Tupi eram a posição


geográfica desta tribo, em meio a vários grupos de língua Tupi, assim como
alguns aspectos culturais, entre outros, a presença de canibalismo e,
evidentemente, semelhanças lingüísticas. Ao lado destas razões, contudo,
apresenta-nos uma série de outras que situariam a língua como aparentada
das línguas Jê. A autora produz o similar lingüístico do que seria a própria
ambigüidade etnográfica, se consideramos como pré-determinados e
excludentes os modelos antropológicos que mais tarde viriam
gradativamente a consolidar-se para a análise dos Jê (Da Matta 1976;
Carneiro da Cunha 1978; Melatti 1970) e dos Tupi (Viveiros de Castro 1986)
[...] Em termos fonológicos, Boswood atesta uma série de equivalências
entre o Rikbaktsa tanto em relação às línguas Tupi, quanto às Jê. Se a
morfologia Rikbaktsa assemelhava-se mais às línguas Tupi do que às Jê, a
lista de vocabulários demonstrava haver claramente uma ascendência Proto-
Jê, o que afirma um ano mais tarde em outro trabalho (Boswood 1972).”

Para facilitar a leitura das respostas aos quesitos, procurei reuni-los


em três tópicos maiores, de maneira a ordenar didaticamente o conjunto de
informações necessárias para deslindá-los. O primeiro, com base nos
estudos e dados históricos disponíveis sobre o povo Rikbaktsa, discute as
formas e a dinâmica da ocupação indígena na bacia do Juruena. O segundo
apresenta o processo administrativo de identificação e demarcação da terra
indígena Escondido, na qual estão inseridos os lotes em litígio. E, o último, o
modo de vida rikbaktsa e o uso que fazem dos recursos naturais de seu
território.

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Laudo antropológico – Processo 2002.36.00.003429-4
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A OCUPAÇÃO INDÍGENA

Quesitos dos Autores


2. É possível confirmar a presença fixa de indígenas da etnia RIKBAKTSA,
especificamente, dentro do perímetro da área tida como de propriedade dos
autores?
3. Se afirmativa a resposta do quesito anterior, é possível determinar a data
inicial desta presença indígena dentro do perímetro da área tida como de
propriedade dos autores?
4. Caso os referidos indígenas estejam presentes na região da Reserva
Indígena Escondido, mas não dentro do perímetro da área de propriedade
dos autores, qual a distância que eles teriam de percorrer para adentrar
nesta área?
9. Qual a distância do aldeamento principal da etnia Erikbaktsa, na margem
do Juruena, até a área tida como de propriedade dos autores?

Quesitos da União Federal e da FUNAI


3. Qual ou quais os grupos de origem ameríndia que habitam essas terras?
4. De quando data essa ocupação?
5. Quais os fatores históricos que consubstanciam a ocupação desses índios
naquelas terras?
8. As tradições indígenas são reveladas através do processo de oralidade,
transmitida de geração em geração. Desse modo, como pode ser hoje
definido o território indígena em estudo com relação a sua ocupação como
forma de habitat daquele povo indígena, bem como a sua importância para a
perpetuação desses saberes às novas gerações?
9. Se a Terra Indígena Escondido, em face das respostas aos quesitos
anteriores, pode ser considerada de ocupação tradicional e permanente
indígena?

Reconhecendo aos índios os “direitos originários sobre as terras que


tradicionalmente ocupam”, a Constituição Federal de 1988 caracterizou-as
como “as por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas
atividades produtivas, as imprescritíveis à preservação dos recursos
ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução
física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições” (artigo 231,
parágrafo 1º). A fórmula encontrada pelos legisladores, que confirma e
especifica em termos inequívocos a natureza e a abrangência da “posse
indígena”, cujo amparo constitucional remonta às Constituições de 1934 e
subseqüentes, tem entre outros méritos o de guardar uma notável
semelhança com o conceito antropológico de habitat indígena,
compreendida nos termos de uma relação cultural e historicamente
constituída entre uma sociedade e um dado espaço geográfico.

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Laudo antropológico – Processo 2002.36.00.003429-4
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O habitat ou território indígena, portanto, não se pode confundir com


outras modalidades de posse ou propriedade também sancionadas pela
legislação brasileira. Ensinava o jurista João Mendes Júnior, ainda no
alvorecer do século XX, que o indigenato designa um “título congênito”, um
“domínio a reconhecer e direito originário e preliminarmente reservado”
(Mendes Júnior, 1912: 58-59).

Figura 4: Território dos Rikbaktsa


(Dornstauder, apud Pacini, p. 48)

Destarte, no processo de identificação e caracterização de um


território indígena, há de se averiguar as formas singulares de uso dos
recursos naturais ali existentes pela população respectiva, a organização
social e a distribuição espacial dos seus contingentes demográficos, os
vínculos morais e mitológicos que mantém com certo conjunto de acidentes
geográficos, a percepção histórica de sua continuidade nos mesmos locais
onde viveram e morreram seus antepassados, uma convicção genuína de
um porvir enquanto sociedade culturalmente distinta.

No caso dos Rikbaktsa, sobre os quais versa a presente perícia, tal


questão deve ser deslindada considerando-se, ao menos, as seguintes

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Laudo antropológico – Processo 2002.36.00.003429-4
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variáveis: a) a maneira como compreendem suas origens e seu


enraizamento territorial; b) o modelo social que ordena a distribuição
territorial dos grupos locais e suas relações internas; c) a localização de
suas aldeias atuais e pretéritas, e os seus reordenamentos espaciais, tanto
em razão da exaustão dos recursos naturais nas proximidades como a
emergência de novas alianças ou conflitos internos ou com agências e
segmentos da sociedade nacional; d) as técnicas e as práticas que utilizam
na exploração dos recursos naturais, em particular as atividades agrícolas,
de caça, de pesca, de coleta e, modernamente, de extração comercial de
produtos florestais.

Tendo presente que tais características definem, em termos bastante


objetivos, a territorialidade rikbaktsa, impõe-se a conclusão de que os lotes
sub judice devem ser reconhecidos enquanto parcela das terras
tradicionalmente ocupadas pelos índios Rikbaktsa. Na verdade, a ocupação
indígena na área Escondido reputa-se imemorial, na medida em que a
presença dos agrupamentos Rikbaktsa no rio Juruena e seus afluentes
remete a uma época anterior à documentação porventura existente para a
região circunvizinha. Vejamos, a seguir, os elementos que sustentam esta
afirmação, de maneira a destacar, tanto quanto possível, os eventos
associados aos grupos Rikbaktsa da região do Escondido.

De acordo com Hahn (1976, p. 26-27), frente às evidências de sua


habitação prolongada na região em foco, onde se conservavam os vários
agrupamentos que missionários e pesquisadores conheceram nas décadas
de 1950 a 1970, tudo indica que o interflúvio dos rios Juruena e Aripuanã
seja uma espécie de “centro de dispersão” dos Rikbaktsa, donde se
expandiram desde os primórdios do século XIX, até alcançar o alto Juruena,
conforme ilustra o mapa abaixo. É justamente essa a região em que se
encontra demarcada a atual terra indígena Escondido:

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Laudo antropológico – Processo 2002.36.00.003429-4
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Figura 5: Rikbaktsa no século XIX


(Hahn, 1976, p. 28)

De todo modo, quando irromperam as hostilidades com os


seringueiros, por volta dos anos 1940, os Rikbaktsa dominavam
extensamente o vale do Juruena e seus afluentes: o baixo curso dos rios
Arinos, Sangue e Papagaio; na margem direita do rio Juruena, desde a foz
do Papagaio até a foz do Arinos; e na margem esquerda do Juruena, desde
a foz do rio do Sangue até pouco abaixo do salto Augusto. Na apresentação
que faz ao livro de Dornstauder, o padre Moura e Silva (1975, p. 2) delineou
em traços largos o território por eles então ocupado:

“Os Rikbaktsa ocupavam uma extensa área, orçada em 50.000 km2, se


contado o território residencial e mais o de correrias [expedições de ataque],
pois além de percorrerem largamente o município de Aripuanã, onde tinham
algumas aldeias, também habitavam o baixo curso do Arinos, do Sangue, do
Papagaio, com menos chão de correrias. Pode-se dizer que o território de
movimentação habitual se restringisse a 12.000 km2. Do Papagaio até a
altura da barra do Arinos, ocupavam quase exclusivamente a margem

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direita do Juruena, mas, da altura da barra do Arinos para baixo, moravam


na margem esquerda e vagueavam largamente pelas duas margens. Seu
território ficava compreendido pelos paralelos 9° e 12° Lat. Sul e os
meridianos 56° e 59° Long. W. Gr.”

No afã de adquirir os cobiçados instrumentos de metal (facões e


machados, em sua maioria; Hahn, 1976, p. 31), turmas de guerreiros
Rikbaktsa percorriam largas distâncias a oeste, para atacar feitorias de
seringueiros nos rios Aripuanã e Guariba (Dornstauder, 1975, p. 28-29;
Hugo, 1959, p. 263). Segundo o ex-seringueiro Raimundo Santos, então
com 71 anos, que entrevistei em 1991 na ponte do rio Guariba, os “Orelhas-
de-Pau” eram “índios perigosos” que por lá andavam, antes de serem
eliminados (Dal Poz, 1995, p. 71). Sobre a presença dos Rikbaktsa no rio
Guariba, também anotou o aventureiro Eduardo Prado (1959, p. 64-57):

“Estes orelhas de pau se caracterizam e tomaram seu nome por levar


pendentes nas orelhas uns adminículos de madeira em forma cônica que
lhes atravessa o lóbulo. Com o tempo e por obra de seu peso, chegam em
adultos até quase tocar os ombros [...] ”

A veracidade destes fatos, porquanto, esclarece um dos traços


essenciais da cultura e da vida social destes índios, a sua notável mobilidade
espacial, como anotou Hahn (1976, p. 29):

“Além das regiões de residência, os Rikbaktsa viajam através de enormes


distâncias. A maioria das trilhas descritas parte rumo leste, noroeste e
sudoeste do Juruena, e ocasionalmente para baixo e para cima na margem
oeste. Luis (aproximadamente 45 anos de idade) descreveu a incursão que
participou quando jovem contra uma colocação de ‘brancos’ alguns dias
abaixo do salto Augusto no Juruena: um dos moradores foi ferido, e os
atacantes pegaram panelas, facas e outros utensílios [...] Maniha (uma
mulher, 45 anos) relatou uma viagem de vários meses que seu pai fez a
noroeste através de uma região de formigas de ferrão, cruzando um rio
muito largo”.

Para Arruda (1992a, p. 153), igualmente, não restaria dúvida que os


Rikbaktsa habitavam a bacia do Juruena e áreas limítrofes “desde um
período bem remoto, dado o extenso e detalhado conhecimento que têm de
seu território e de regiões ao redor”. Ademais, eles eram conhecidos “por
todos os grupos vizinhos, com os quais, sem exceção, sempre mantiveram
relações hostis”: os Iranxes, os Mundurucus, os Kayabis, os Nambiquaras,

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os Tapayunas, os Paresis e os Cintas-Largas (também, Hahn, 1976, p. 29-


31; Athila, 2006, p. 71-76, 113).

Figura 6: Rikbaktsa e povos vizinhos

O sertanista Fritz Tolksdorf, que colaborou ativamente nas expedições


de Dornstauder, delimitou desta maneira, por volta de 1959, o território
tradicional dos Rikbaktsa:

“O território de caça e moradia destes índios estende-se, grosso modo, do


córrego Jacutinga, afluente da margem esquerda do Arinos, para o norte,
até ao rio Juruena, continuando-se pela margem esquerda deste rio, para
baixo, até quase a divisa de Mato Grosso - Amazonas. Do Jacutinga, pouco
mais ou menos, na direção oeste, até ao rio do Sangue; deste, para baixo
até ao Juruena e, depois, até, aproximadamente, ao Juína-Mirim, na
margem esquerda do Juruena. Daqui, até perto da nascente do rio Aripuanã

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Laudo antropológico – Processo 2002.36.00.003429-4
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e, depois, na direção norte, também até próximo da divisa do Amazonas”


(Tolksdorf, s/d, p. 8-9).

Figura 7: Aldeias rikbaktsa em 1962


(Dornstauder, 1975, p. 29)

O padre João Dornstauder, com base nos dados coletados em sua


campanha pacificadora (no total, foram noventa expedições desde outubro
de 1956), elaborou mapas muito precisos da localização de aldeias e
acampamentos; algumas versões foram esboçadas em campo, no decorrer
das expedições (hoje arquivadas no Centro Burnier, em Cuiabá, MT; v.
Pacini, 1999, p. 14). De acordo com Pacini (1999, p. 7, nota 21), entre
1957 e 1962 o missionário encontrou cinqüenta e dois locais de moradias

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rikbkatsa, dos quais quinze ainda ativos em 1962, disseminados por todo o
vale do médio Juruena. Para Hahn (1976, p. 33), contudo, o padre Schmidt
dissera que, pessoalmente, Dornstauder visitou quarenta e dois desses
locais. Em suma, todos esses dados nos permitem circunscrever o habitat
tradicional dos Rikbaktsa entre os seguintes limites: no sentido leste-oeste,
desde a margem direita do rio Aripuanã à margem direita do rio Juruena; e
no sentido norte-sul, desde o salto Augusto aos rios Arinos, Sangue e
Papagaio. Para o que interessa a este laudo, merece atenção, no mapa de
Dornstauder acima, as dez aldeias plotadas justamente na região do córrego
Escondido e seu entorno, além do posto da Missão Luterana.

Por volta de 1956, várias expedições repressivas dos seringueiros


haviam destruído roças e malocas dos Rikbaktsa e assassinado muitos de
seus moradores. A ocupação seringueira já alcançava parcelas extensas do
habitat indígena; turmas de medição, agrimensores e colonizadoras
traçavam picadas demarcatórias por toda a região (Tolksdorf, 1996, p. 44).
Segundo Dornstauder (1975, p. 30), foi nesse contexto que a reação dos
Rikbaktsa generalizou-se, “envolvendo, aos poucos, todo o território e todos
os grupos rikbaktsa”. A gravidade das hostilidades de parte a parte, uma
verdadeira “guerra”, convenceu seringalistas e firmas, finalmente, a apoiar
a intervenção pacificadora proposta pelo padre Dornstauder. Ele começou
pelo rio Arinos, deixando brindes e fazendo o reconhecimento da região
(idem, p. 43). Nove meses de tentativas e sete expedições, com guias
Kayabis e um Iranxe, facilitaram um primeiro encontro pacífico, em julho de
1957, assim narrado por Dornstauder (idem, p. 88-89):

“Dia 30 de julho de 1957. Marchamos cedo. Metemo-nos agora pelo caminho


novo descoberto na véspera. Vou à frente, a senha de pacificação no peito.
A mata exala ainda umidade de chuva.
Com meia hora de marcha, de repente, percebo um movimento por entre
ramos e folhas, manchas de cor dançando. São Rikbaktsa a tirar embira de
um pau. Quero ver melhor. Assoma alguém. [...] Empunha arco e flecha.
Mais tarde iria saber que era homem, o índio Pome.”

Pome hoje reside na aldeia Beira Rio, na área Erikpatsa, onde o


conheci por ocasião dos trabalhos periciais. No mapa abaixo, os trajetos
dessas primeiras expedições na região do baixo Arinos, e as aldeias
visitadas no ano de 1957 por Dornstauder:

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Laudo antropológico – Processo 2002.36.00.003429-4
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Figura 8: Expedições no Arinos, 1957


(Dornstauder, 1975, p.70)

Figura 9: Aldeias rikbaktsa no baixo Arinos, 1958


(CBFJ/MIA, Acervo Dornstauder, Fasc. 21)

No ano de 1958, seguiram-se novos contatos na mesma região, onde


havia um conjunto de quatro aldeias (dos líderes Ixo, Aiko.e, Pudai e

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Tapema), conforme os croquis acima, que ocupavam o divisor Arinos e


Juruena e partilhavam festas, caça, pesca e incursões guerreiras (Pacini,
1999, p. 41).

Em março, Dornstauder promoveu uma primeira confraternização


com os seringueiros, conduzindo dois Rikbaktsa (Nicolau Aundo e Zacarias
Tamatze) ao barracão de José Rosa, na margem esquerda do rio Arinos
(idem, p. 126-127). Na oportunidade, inaugurou no mesmo local a sede da
“turma volante de pacificação”, o posto Santa Rosa (idem, p. 129-130).
Concluída essa primeira etapa da pacificação, o missionário traçou planos
para a zona do rio do Sangue, onde havia sete feitorias de seringueiros
“assentadas em chão residencial rikbaktsa”. Logo, obteve alguns “encontros
fugazes”, como este de junho de 1958:

“O trilho, num brejo preto e pegajoso, parece amassado por pisadas de


homens, mulheres e crianças. Por fim, uma casa rikbaktsa de palha nova
bem amarela. Nenhum movimento, nenhum ruído. A lenha ainda fumega
dentro da casa quase vazia [...] Os Rikbaktsa acabam de sair às pressas.
Vamos encontrando, mais na frente, cestos largados [...] Reparamos que
batemos um pique feito no momento.
Yuroni [guia Kayabi] encontra alguns Rikbaktsa e convida para que venham.
Fazem sinal que não [...] De repente, homens, mulheres, crianças somem.
Não tocamos em nada. Colocamos brindes [...] Os brindes, numa
circunstância dessas, falam e calam na alma dos Rikbaktsa [...]
Dia 11. Voltamos à aldeia rikbaktsa. Yuroni encontra novamente um grupo
de 10 a 12 homens. Não dão fala e não hostilizam. No terreiro, os Rikbaktsa
tinham retirado os brindes [...] Deixamos-lhes, então, o rei dos brindes, um
bom machado, pintado de vermelho.
Entramos novamente um pouco abaixo, pela boca da lagoa. Um caminho
bem trilhado desce acompanhando o rio. Leva a outra aldeia. Não vamos
atrás dos índios. Tinham aceitado os brindes, mas não a fala. Não convém
aperrear os Rikbaktsa” (idem, p. 141).

Em julho de 1958, o primeiro surto de gripe entre os Rikbaktsa,


trazida pelos que visitaram o posto Santa Rosa, disseminou-se na região do
baixo Arinos, e logo em todas as demais aldeias, alarmando os missionários
e exigindo drástica mudança de planos:

“Na aldeia do Milho, penúria de alimentação. Não há caça e as mulheres,


doentes, não colhem castanha nem fazem mingau de milho. Atendo a Íxo,
sua mulher e Nipói.
De uma aldeia de cima, chega Uaigma, cantando uma mensagem em tom
reto: morreram dois índios, um deles Xemta, o moço tão cheio de vida, que
me tinha acompanhado ao Posto Santa Rosa” (Dornstauder, 1975, p. 147).

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Pacini (1999, p. 15) considera que as epidemias interpuseram-se


como um dos fatores fundamentais no processo de pacificação: os
missionários, em particular Dornstauder, passaram a agir como “uma
espécie de pronto-socorro com recursos escassos”. Espalhando-se desde os
grupos já em contato com missionários e seringueiros, as epidemias
acompanharam, e em muitos casos até precederam, as próprias expedições
pacificadoras (idem, ibidem, p. 46-47). O movimento incessante de pessoas
e famílias pelas trilhas que interligavam as aldeias umas às outras, de fato,
possibilitou que as epidemias alcançassem até mesmo os grupos mais
distantes do baixo Juruena. A “corrida para tentar salvar a vida dos
doentes” (Arruda, 1992a, p. 166), no entanto, não se mostrou suficiente
para estancar a mortalidade avassaladora.

“Padre Edgar me disse [a Alfred Hahn] que durante as epidemias ele andou
junto com padre João por semanas através de aldeias com muitos doentes e
mortos; eles recolheram crianças que consideravam órfãs. Os padres
levaram muitos Rikbakca primeiro para Santa Rosa, um posto missionário no
Arinos, e depois para seu centro missionário em Utiariti, anteriormente um
posto da linha telegráfica de Rondon, logo acima de uma queda d’água de
oitenta metros no rio Papagaio [afluente da margem direita do Juruena]”
(Hahn, 1976, p. 34).

Na opinião de Tolksdorf (s/d, p. 8), sem as epidemias, contra as quais


os índios não dispunham de recursos terapêuticos, “teria sido necessário
muito mais tempo para estabelecer contato com eles” - por exemplo, na
visita à aldeia de Ixo em agosto de 1958, para tratamento dos doentes,
Dornstauder (1975, p. 149-150) ali conheceu Icoteti e outros Rikbaktsa
moradores da margem esquerda do Juruena. Ademais, os próprios
Rikbaktsa já contatados colaboravam ativamente, como porta-vozes para
persuadir os demais a aceitar a convivência pacífica com missionários e
seringueiros. A motivação pacificadora sobrepunha-se, até mesmo, às
desavenças eventualmente existentes entre as diversas facções:

“Pretendo subir o rio do Sangue, a fim de tentar a pacificação ali. Vejo, no


entanto, que a turma do rio do Sangue não é amiga da turma do Arinos.
Começo a movimentar as razões e motivos, a ver se consigo companheiros.
Procuro desfazer possíveis temores das famílias que ficam, dizendo eu que
vamos encontrar roças durante a viagem. Também faço valer minhas idas e
vindas, meus curativos e remédios. Proponho que venham ver a minha casa
em Utiariti” (idem, p. 153).

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Laudo antropológico – Processo 2002.36.00.003429-4
2ª Vara da Justiça Federal - Mato Grosso

Nessa viagem, os expedicionários foram acompanhados pelos


Rikbaktsa Umoa e Uagadema. De Utiariti, rumaram para o rio do Sangue
onde, nos primeiros dias de outubro de 1958, encontraram o chefe
Tabobocta, acampado à beira do rio, e os moradores da aldeia do córrego
Antonio Correa (idem, p. 155-157). A partir de então, o processo de
pacificação dar-se-ia na “forma de reação em cadeia”; nas palavras de
Dornstauder:

“Neste outubro de 1958, a pacificação entra numa nova fase histórica. Até
aqui, empenhei-me, tomando a iniciativa de cada movimento pacificador,
indo sempre à frente. Os bons frutos dos encontros tidos com os Rikbaktsa
amadureceram. Os Rikbaktsa interessam-se fundamente pela pacificação, e
encontros se dão por iniciativa deles. E dois movimentos acontecem, um em
direção a mim e outro em direção aos seringueiros. Daqui acontecerá a
euforia dos seringueiros de verem os índios, sem minha presença. Acham-se
também pacificadores.
Minha atividade se desdobra, atendendo às necessidades dos Rikbaktsa nas
doenças no Arinos, no Juruena, pela região da barra do Arinos, no Sangue,
no Juruena, pela região da barra do Papagaio.
Também o Pe. Edgar Schmidt, continuando meu trabalho em extensão para
o Juruena, tanto em cima como depois embaixo, ampliará o campo de ação,
reforçando ao mesmo tempo as bases de atendimento” (idem, p. 159).

Em novembro do mesmo ano, registraram-se vários óbitos entre as


aldeias do baixo Arinos - capitão Ixo, Maguedati, Uaima, Nipoi e outros
(Dornstauder, s/d, p. 199-200). No dia 19 desse mês, no posto Santa Rosa,
Dornstauder (1975, p. 160) recebeu a visita de Mazei (Matsi), dos Rikbaktsa
cujas aldeias estavam abaixo da de Icoteti, na margem esquerda do
Juruena. Nos primeiros meses de 1959, um segundo surto de gripe, no
posto Santa Rosa e nas aldeias próximas (Pacini, 1999, p. 48) - e nove
índios mortos, de acordo com Tolksdorf (1996, p. 70).

Em abril de 1959, numa feitoria de seringueiros no rio do Sangue,


Dornstauder (1975, p. 162) apresentou-se ao legendário chefe Muitsoc e a
novas turmas de Rikbaktsa:

“Na conversa, cinco nomes de chefes são passados de boca em boca e


comentados fartamente: Tabobocta, em cuja maloca [no córrego Antonio
Correa] deixamos os primeiros brindes no Sangue e com quem primeiro
falamos; Eritcabui, chefe da maloca situada logo abaixo de Tabobocta;
Muitsoc, respeitado pela turma do rio do Sangue, mas com domínios para as
bandas do Juruena; Paraita, morador da margem oposta. Pelo visto, esses
chefes e seus grupos se dão entre si muito bem” (idem, p. 163).

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Figura 10: Aldeias rikbaktsa no rio do Sangue, 1959


(Dornstauder, 1975, p. 170)

A fundação do posto Regis, na margem esquerda do baixo rio


Sangue, ocorreu em agosto do mesmo ano (Pacini, 1999, p. 48); no local
escolhido, uma antiga aldeia, estava o barracão Santo Antônio. Dornstauder
deixou-o ao encargo de Maurício Tupsi, Iranxe, um de seus auxiliares mais
dedicados.

Encerrada essa etapa da campanha pacificadora, as próximas


expedições buscaram alcançar então as aldeias situadas na margem
esquerda do Juruena, o “último reduto” dos Rikbaktsa tidos por “brabos”.
São os episódios relativos a esta etapa que, sobremaneira, interessam ao

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Laudo antropológico – Processo 2002.36.00.003429-4
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presente laudo pericial, na medida em que eles permitem esclarecer a


ocupação tradicional dos Rikbaktsa no setor norte de seu território, o
córrego Escondido e seu entorno.

Figura 11: Frente do alto Juruena, 1958


(Dornstauder, apud Pacini, 1999, p. 142)

O missionário organizou então uma expedição à aldeia de Mamuitsa,


acima da cachoeira ou travessão do Desastre, a quatro horas de marcha a
oeste do Juruena, junto com os Rikbaktsa Waigma, Auca e Hicpadati.
Mamuitsa já mantinha relações com os seringueiros Benedito Siqueira e
Lucas Pereira, suspeitos de abusar das mulheres daquela aldeia:

“Sabemos que lidamos com uma turma resistente à pacificação. Todos os


moradores rikbaktsa, nesta margem esquerda do Juruena, daqui para baixo,
são tidos por refratários. Mamuitsa acolhe-nos reservado, mas cordial”
(Dornstauder, 1975, p. 172-173).

Tempos depois, a turma de Mamuitsa, num total de doze pessoas,


deslocar-se-ia para o posto Santa Rosa (idem, ibidem). Em seguida,
setembro de 1959, em sua trigésima expedição, Dornstauder partiu rumo à
aldeia de Icoma, o “chefe mais falado da resistência no Juruena”. Para isso,
favoreceu-o a iniciativa diplomática de Aico.e, que lhe tomou a dianteira. Ao

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lado de Fritz Tolksdorf e do proeiro Simão Kayabi, marchavam os Rikbaktsa


Matereocutipa e Waigma, “à frente [...] a fim de preparar os ânimos dos
Rikbaktsa desconhecidos”; no caminho, cruzaram os acampamentos de
Icoteti e de Voco, então a coletar castanhas, e assim chegaram ao
acampamento de Voco, ao lado de uma grande roça (idem, p. 174):

“Gente nova, movimenta-se rápida e decidida. Tudo de cara fechada.


Coletam castanhas, neste acampamento. Por isso, encontramos
castanheiras de área limpa e queimada [...]
Os Rikbaktsa que vêm comigo, tratam os outros de Kütsa. O fato
surpreende-me, pois conto com a designação de Megütsato [...] Todos,
cheios de curiosidade, desejam brindes. Ali tinham falecido alguns índios. Há
doentes. A assistência aos doentes compensa o trabalho de carregar a
farmaciazinha.
Pousamos ao lado da maloquinha, ao ar livre. Contamos 12 Rikbaktsa de
Voco. Alguns usam urucum nos cabelos. Encontramos o casal novo Aundo e
Uobatau.u. Aundo é irmão de Hatsabui. O pai deles foi morto por um
seringueiro do Aripuanã e o pai da mulher, por outro Rikbaktsa” (idem, p.
174-175).

Figura 12: Aldeias rikbaktsa na margem esquerda do Juruena, 1959


(Dornstauder, 1975, p. 172)

De lá, a expedição seguiu para a aldeia de Iocondi, algumas horas de


caminhada a oeste. Dada a sua importância para elucidar as questões
submetidas a esta perícia, transcrevo abaixo trechos mais extensos do livro

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Laudo antropológico – Processo 2002.36.00.003429-4
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de Dornstauder, nos quais descreveu suas viagens às aldeias na região em


tela, identificando seus moradores, seu habitat, sua condição de vida à
época e os efeitos trágicos das epidemias que então grassavam:

“Dia 11. Descemos à aldeia de locoindi. Hatsabui abre a marcha com arco e
flecha na mão. Fazemos fila indiana. Marcha pelo mato de ar abafado, os
córregos secos.
Às 14 hs., chegamos a uma verdadeira aldeia: duas grandes casas e a casa
dos homens, servidas por caminhos largos e limpos, mata alta, muito
babaçu. Aldeia de locoindi vazia. Entendi, depois dos comentários, que fugira
para o Aripuanã, ao poente, de medo, para se unir aos Rikbaktsa de
Pignobitsa [no rio Aripuanã]. É um dos nove que mataram o seringueiro
Suarez.
Hatsabui, Uaigma e Matereocutipa passam a uma outra aldeia que está
perto. No dia seguinte seguirão até a maloca do pai de Matereocutipa, num
dia bem puxado de marcha. Os mais ficamos. Fritz tem uma enorme bolha
num calcanhar, Cangauvi uma ferida, Ricoteti sente-se abatido. Comida
escassa. Felizmente, no caminho, Aundo sobe numa castanheira e derruba
castanhas verdes. De noite vento forte.
Dia 12. Fritz permanece na aldeia abandonada. Aundo e sua mulher nos
guiam. Apesar da temperatura fresca de friagem, suamos bastante, com
sete córregos secos e apenas um com água. Afinal, chegamos a uma roça
ainda fumegando. Uobatau.u, que até aqui veio à frente, guiando, fica atrás
de todos. Um caminho reto rasga um maravilhoso anajazal, a mata alta. Por
fim, um amarelo de palha, de nítidos contornos, se destaca do fundo escuro,
em parte fechado pelo mato. Aldeia maior que a anterior: três casas grandes
e uma casa dos homens. Tudo abandonado, com sepulturas novas.
Após conselho breve dos índios, voltamos um tanto do caminho e
enveredamos por outra trilha batida, que nos leva a uma pracinha com seis
ranchos. Matereocutipa nos espera. Seu pai falecera e não sente
necessidade de ir logo à distante aldeia.
Primeiro me apresentam a Tsapako [pai de Marinho Manita, a quem
entrevistei na aldeia Pé de Mutum, em julho de 2010, por ocasião dos
trabalhos periciais] [...] Dou-lhe remédio. Depois vem Icoma, o chefe desse
grupo e a alma da resistência ao avanço dos civilizados, cabelo comprido,
estatura pequena, porte de homem no vigor da idade e do mando. No grupo
conto três homens e duas mulheres [...]
Reunimo-nos umas 30 pessoas. Os nomes mais falados são: Icoma,
Tsapako, Uatama. Iogmaba [...] Dou remédios a todos. Icoma faz questão
de que sua criança receba uma injeção.
De tarde, chegam em fila indiana, silenciosos, quatro caçadores, de uma
excursão pela região do baixo curso do Juruena. Gastaram três a quatro
meses. Matsin [Geraldino Matsi, também entrevistado por mim na aldeia Pé
de Mutum, em julho de 2010], o mais avantajado entre eles, vem tossindo.
Comida farta na aldeia: carne moqueada, batata, mingaus de batata doce e
milho semi-azedados. Tenho a impressão de ser bem acolhido e aceito,
quase com expectativa de algo extraordinário. Mostram curiosidade e
admiração mal disfarçada. Reparo que muitos examinam de perto e tocam
pela primeira vez um civilizado.
Os hóspedes pousamos ao ar livre. Noite fria e de forte vento. Ricoteti, entre
dois fogos, a toda hora sopra tições.
Dia 13. Voltamos à aldeia de locoindi. Fritz não perde a ocasião de
demonstrar a boa pontaria e destreza no tiro. Obtém, por troca, objetos
indígenas, já que os índios se mostram interessados. Não aprovo, porque

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Laudo antropológico – Processo 2002.36.00.003429-4
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infringe a combinação feita expressamente. Nessa pacificação e nos


primeiros contatos, não é para trocar nada: é minha técnica aqui declarada.
Negociações, só depois.
Voltando para o posto Santa Rosa, acompanham-me Auntoma com sua
mulher Txumarrik, carregada com um xire enorme, pencas de colares e mais
uma criança na faixa. A outra criança, já maiorzinha, reveza entre andar e
ser carregada pela mãe ou pelo pai. À saída dizem que vão aos Kütsabo.
Entendo que falam de nós, os civilizados. Ricoteti, doente, com 38,8° de
febre, exige e se queixa, centro da atenção de todos.
Dia 14. Falhamos, por causa de Ricoteti. A febre passa de 39°. Chegam três
moços: Tsavata, irmão de Uaigma, Maia e Oridsa, pintados na cara e no
corpo, tanga nova e bem arrumada. Nesses três índios, como em geral em
quase todos, leio a admiração indisfarçada e desejos de conhecer os
civilizados, tudo deixando transparecer certo medo e vergonha. Afirmo e
insisto que os seringueiros do Juruena são bons. A maioria são colonos da
CONOMALI e Geraldo é pessoa correta.
Tiro uma série de informações sobre as principais malocas. Dizem que
aldeias grandes são as de locoindi, Icoma e Bobai. Indicam outras pequenas.
Mas afirmam que não adianta procurar as aldeias grandes, porque os
Rikbaktsa delas são brabos e fugirão de medo.
Combino viagem a fim de visitar mais tarde as outras aldeias” (Dornstauder,
1975, p. 175-176; grifos meus).

Figura 13: Aldeias rikbaktsa no baixo Juruena, 1959


(CBFJ/MIA, Acervo João Dornstauder)

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Dornstauder recolheu informações preciosas sobre os confrontos


entre aqueles Rikbaktsa e os seringueiros, e destacou a existência, na
região do córrego Escondido, de recursos naturais essenciais, a taquara
para haste e a taboca jurupará para ponta de flecha:
“Reina uma geral animosidade contra alguns Rikbaktsa matadores de gente
da própria tribo, mas não podem perdoar aos seringueiros. Matsin e os
Rikbaktsa recém-chegados contam como agem. Matsin participou de roubos
em feitorias. Os índios flecham e os seringueiros correm. Dizem que os
seringueiros do Aripuanã têm tudo. De lá trouxeram galinhas, que criam por
causa das penas. Também as correrias da margem direita do Juruena ficam
para a responsabilidade dos Rikbaktsa de baixo. Matsin diz que os
seringueiros do Aripuanã são brabos e, assim, as investidas de roubo dos
Rikbaktsa não dão quase resultado nenhum. Nessas correrias pelo baixo
curso do Juruena, recolhem também taquaras e tabocas para flechas” (idem,
p. 176-177; grifos meus).

O regresso ao posto Santa Rosa serviu para Dornstauder planejar


uma nova investida aos Rikbaktsa da margem esquerda do Juruena - onde
uma epidemia de gripe já se havia alastrado:

“Dias depois, torno aos Kütsa, para consolidar os primeiros encontros


amistosos. Levo remédios para atender à gripe dos índios. Fritz Tolksdorf
prontifica-se a responder pelo Santa Rosa, durante minha ausência.
Acompanham-me Uaigma, Auntoma, Aido, Suamuitsa e os tripulantes. O
guia é Auntoma.
Não encontramos ninguém no barracão do Geraldo. Um pouco abaixo, o
seringueiro Generoso me informa de que, poucos dias atrás, tinham passado
cinco Rikbaktsa por sua feitoria e saíram satisfeitos.
Chegados ao porto de Icoma, faço um pequeno reconhecimento do rio
Juruena, águas abaixo. Passamos a barra do Icoma, também chamado
córrego Água Branca e mais o Urugudatsik. Por este córrego acima se
encontram Rikbaktsa. Mais para baixo averiguamos a existência de uma
estrada de seringa colada, mas não encanecada ainda.
Dia 6 de outubro. Frido Manduca leva o motor de volta ao Santa Rosa.
Mando recado ao Geraldo a respeito dos índios. Entramos terra a dentro,
chegando até à maloca de Moitsiguidi, família de quatro pessoas.
Dia 7. O acampamento e a aldeia de Icoma estão abandonados.
Morreram Icoma, Aundo e Meri, mulher idosa. Por toda parte jazem cacos de
potes e arcos, quebrados, bordunas jogadas fora. O resto da turma
encontramos acampado mais adiante. Conto vinte e duas pessoas. Dou com
gente de Moitsiguidi, Bobai, Patsek, Uatsu e mais algumas turmas de mais
abaixo.
Uma parte dos índios pretende ir ao Santa Rosa. O resto, indeciso [...]
Dia 12. Chegamos ao porto e acampamos. Enquanto esperamos a chegada
de mais índios, vou conhecer a turma de Uatsu, pai de Poigma. Vou com
Uaigma, Auntoma, Moitsiguidi, Tipoa, Tsiuamuitsa. No caminho, à beira do
rio, associam-se a nós Geraldo e o Parazinho. Os dois suspeitam de que os
índios que vamos visitar, aparecem nas feitorias próximas. Caminhamos
coisa de uma légua. Ao chegarmos perto da aldeia, os Rikbaktsa que vão
conosco, tiram a camisa, empunham arco e flecha e correm para o rancho
em frente, gritando e falando sem parar.

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Laudo antropológico – Processo 2002.36.00.003429-4
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Sai um índio, já idoso, também com arco e flecha, mas, quando vê gente
sua, sossega e manda-nos chegar. Esse costume de sair de arma preparada
vem do medo dos Rikbaktsa tidos como brabos, que matam gente.
Aqui encontramos o velho e uma mulher com um bebê. No caminho de
volta, encontramos ainda Iadogmuitsa com mulher e criança. A turma toda
conta com dez a doze pessoas.
Dia 15. Chega a segunda turma de onze Rikbaktsa. Atravessamos parte da
turma para o outro lado do rio, quase defronte do barracão. Essa turma
segue mais tarde o córrego Bambu, também chamado Oignatsik e depois se
dirige ao Japoíra. Dez índios sobem comigo ao posto Santa Rosa.
Dia 17. No posto Santa Rosa faço as contas e vejo que são 47 os índios
encontrados nesta expedição.
E os Megütsato? Pensava ser a turma que mora mais para diante, mais
abaixo, que não dão confiança. Ora, as últimas turmas visitadas se tratam
de Kütsa, gente, nossa gente. Começo a entender que Megütsato não é um
grupo determinado, mas simplesmente outra gente” (idem, p. 177-178).

É nessa ocasião, justamente, que Dornstauder obteve informações


precisas sobre as aldeias mais ao norte, cuja localização esboçou no croquis
abaixo:

O contato com Icoma, que imaginava seria o fecho da pacificação, não é


senão a porta para nova série de aldeias. Uaigma, Tsavata e Matereocutipa
dizem que encontrarei aldeias ligadas entre si por trilhos até o Salto Augusto
e ao interior do Aripuanã. Têm interesse de irem até esses índios. O chefe
mais falado por Uaigma é Vutamo. Teria de visitar Moikxau” (idem, p. 178-
179; grifos meus).

Todavia, apenas em maio de 1960 conseguiu Dornstauder planejar a


quadragésima quarta expedição, em busca da aldeia de Moicxau, no córrego
hoje chamado “do Cristóvão” (ou “do Noca”; cfe. Dornstauder, 1964, p. 3,
também, córrego “das Missões”; os Rikbaktsa designam de
Tsaytsabohokotá; é o limite leste da terra indígena Escondido), confirmando
na ocasião a existência de diversas aldeias na região do córrego Escondido e
seu entorno:

“3 de maio de 1960. Fritz novamente se prontifica a responder pelo Santa


Rosa.
No barracão encontro Oscar e Abel [...] No barracão sou surpreendido por
uma nova: corre o boato do meu falecimento. Segundo informação de
Oscar, Intsima e Matsim tinham vindo ao barracão do Geraldo, perguntando
pelo padre. Receberam a resposta dos seringueiros:
- ‘O padre morreu!’
- ‘Padre poini, padre poini!’ - foi a voz espalhada, entre os Rikbaktsa.
Pediram machado, facão e prato.
Pousamos abaixo do porto de Poigma.
Dia 5. Faço ligeira exploração do córrego Amolar, pois Tsavata diz que, para
cima deste córrego, moram índios. O Paraíba e Anésio· têm a feitoria na ilha
perto da barra do Amolar.

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Pouco abaixo do barracão, a feitoria do Raimundo. Encontro acampada com


ele a turma de exploração de borracha. O chefe é Douglas, vulgo Gaúcho.
Peço informação sobre o córrego Amolar. Ninguém sabe de tal córrego. [...]
Dia 6. Rio largo e majestoso. Ilhas caprichosas, em especial a ilha do
Mastro. As 9 hs. e 30 min. encontramos o córrego, com a ilhazinha,
procurada desde cedo por Tsavata. Aqui é a passagem dos Rikbaktsa para
buscar flechas e agredir os seringueiros no São Tomé e no São Manoel, em
correrias periódicas.
A barra dá boa entrada. Mais para diante, alarga-se muito, sendo difícil
encontrar canal de passagem. Às 15 hs. encontramos o rancho de pouso de
Tsavata. Aqui parou dois meses com Pacai e Vutamo, comendo matrinxã e
mel tuma. Mais para cima, um porto. Desse porto sai um caminho, descendo
para Ricata, e outro, terra a dentro, buscando o poente, leva a Vutamo.
Matereocutipa arma um bonito rancho, para abrigar o material da expedição.
Na conversa à noite, depois de aparecerem muitos nomes de chefes, surge a
idéia de convidarmos esses chefes para uma reunião e assim podermos
conferenciar com eles. Marcamos que o local seria a Pedra Bonita, e a
convenção daqui a um mês. Os Rikbaktsa presentes declaram que, nos
ataques a seringueiros, conseguem facões, panelas, machados.
Dia 7. O Kayabí Moiã mata um porco perto do nosso acampamento. Tsavata
sai a explorar o caminho para Moikxau.
Dia 9. Nas proximidades da aldeia de Moikxau [no córrego hoje denominado
“do Cristóvão”], certa tensão se apodera de todos nós. As 10 hs., Tsavata
tira a roupa, coloca os colares e avança sozinho. Não demora muito, vem
Moikxau receber-nos amigavelmente. Faz cara de quem diz: Venham, é
claro!
Casa comprida, com o lugar reservado aos homens, numa das
extremidades. Apesar de não haver casa separada para os homens, o lugar
deles é guardado ciosamente, como o das famílias. Quatro homens caçaram
uma anta. Agora estão todos ocupados em servi-la bem e depressa. São-nos
apresentados blocos quase cúbicos de carne extraordinariamente macia.
De tarde visitamos Pácai. Vutamo tinha viajado para cima.
Uaigma fala de Vutamo como notável Rikbaktsa. Entendo que é o mestre
instrutor e orientador dos jovens.
Aparece lamari, cuja maloca não se encontra longe. Se entendo bem, ali
moram a mãe de Tsavata e Uaigma. Uaigma tinha-se ausentado, fazia anos,
indo para cima. Diz que a razão do afastamento era zanga. Lamentam
Mondogua, irmão mais velho de Uaigma, falecido poucas semanas. Ao furar
um mel, no alto dum pau, Mondogua cortou o pé, caiu e lastimou-se,
vivendo depois disso ainda dois ou três dias.
Pousamos perto da maloca de Moikxau, no outro lado do córrego [do
Cristóvão]. Nosso costume de acampar ao ar livre, em separado,
obstinadamente, se motiva nos cuidados higiênicos, de não facilitarmos
possíveis contágios. Não observo que os Rikbaktsa passam fome ou sintam
falta do necessário. Sentem a míngua de coisas úteis. Mesmo sem dizerem
nada, só por nos ver, descobrem em nós objetos que vão satisfazer certas
necessidades na vida arredia.
Dia 10. Ainda de madrugada, vêm os hospedeiros com comida, para nos
fazerem companhia. Querem ver tudo o que temos. Vem um grupo de
mulheres e crianças da maloca de Pacai. Uma mãe carrega às costas uma
menina paralítica desde pequena, agora com 14 ou 15 anos. A menina-moça
chora. Vêm lmari e Tsapatao.
Tsavata procura seu cunhado Valiuta ou Adivaliuta, apelidado de civilizado.
Trazem a cabeça do seringueiro assassinado faz poucos meses por Mãrok no
Paranatinga ou São ManoeI. Mostram o crânio dentro de uma cestinha e
comentam:

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- ‘Seringueiro não presta, não tem nada: só facão velho e um anzol grande
rabichado com cera!’
Dizem que comeram o miolo. Os seringueiros e o encarregado do barracão,
François, confirmam essa morte. O crânio do seringueiro, a faca e o anzol
foram enviados para o Museu da Faculdade de Filosofia Nossa Senhora
Medianeira, em São Paulo.
O grupo de Moikxau totaliza 15 pessoas. O mais velho é Paravari. As duas
filhas de Paravari estão casadas com os dois irmãos Moikxau e Mãroc. Aqui
está também Aigba e sua irmã ou prima. O pai de Aigba, faz pouco, foi
morto por Uoigbe, matador de gente, morador não longe daqui. Com Pacai
está sua mulher e a enteada Anoindu, depois chamada também Luzia, e
mais a viúva do irmão de Uaigma, com a paralítica. Também estão lamari,
Tsapatao, Adivaliuta, cada um com a família. A mulher falecida de
Adivaliuta, que era irmã de Uaigma e Tsavata, chamava-se Nema e tinha
deixado uma filhinha Moha, depois chamada também Beatriz” (idem, p. 179-
181; grifos meus).

E mais uma vez, a tragédia da gripe:

“Passo os doentes: gripes em todos os estágios. Não tenho medicamento


suficiente. Por sinal, as causas dos últimos óbitos, afora a gripe, que por
aqui já passou e pelos grupos vizinhos: oito mortes violentas,
envenenamento de cobra, quedas e traumatismos, intoxicação de banana
verde, esforço demasiado em transporte de carga, sangue vivo lançado pela
boca.
Dia 11. Resolvem ir ao porto comigo o grupo de Moikxau, Tsapatao e lamari.
Ficam na maloca Tsavata e Adivaliuta. Tsavata encarrega-se de convidar os
principais chefes para a reunião definitivamente combinada para a próxima
lua cheia. Com Uaigma alguns doentes resolvem ir ao posto Santa Rosa.
Vejo vantagem e aprovo, pela facilidade de assistência no posto e pela
libertação de ambiente infeccionado.
Dia 12. Em marcha lenta, rumamos para o porto. As mulheres são as que
regulam o ritmo da progressão, as paradas.
Dia 13. Aplico os últimos medicamentos, atendendo aos casos mais graves.
À noite, melhora geral notável. As mulheres melhoraram o rancho, para se
defenderem contra os piuns. Por felicidade, os caçadores não voltam de
mãos vazias. [...]
À noite, conversamos de índios, muitos deles desconhecidos para mim.
Falam de numerosas malocas. Anoto os nomes de chefes: Arobitsato,
Totsima, Uaino, logodati, Ricata, Deigma, Uacari, Mapedatik, Aune e os do
Aripuanã. Uoigbe do Juruena e Uoxiron mais Tsanamuitsa do Aripuanã têm
fama de brabos.
Percebo que entre os grupos se alastram rixas e rivalidades, assim como
entre os Rikbaktsa e os seringueiros. Notei menos animosidade entre os
Rikbaktsa de cima. Contam que todas as malocas estão ligadas entre si, por
caminhos e rios. Insisto na reunião da lua cheia na Pedra Bonita. Confirmo-
me ser vantajosa a reunião, bom estratagema, para lidar facilmente com
chefes de tantas dispersões e distâncias.
Quanto aos seringueiros, oriento os Rikbaktsa para não se unirem a eles.
Cada qual deve morar no lugar de origem. Explico que nem todos os
seringueiros são bons. [...]
Dia 15. Chegada ao Santa Rosa. Verifico que os índios da Água Branca
transitam pelo barracão. Esboça-se a fase de aproximação pacífica aos
civilizados [...] .

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Laudo antropológico – Processo 2002.36.00.003429-4
2ª Vara da Justiça Federal - Mato Grosso

De 21 de maio a 14 de junho de 1960, procuro medicamentos em Juína


Mirim, no Juruena, para os postos e informo sobre as doenças dos
Rikbaktsa. O rádio de Juína Mirim não funciona. Deixo por escrito uma
mensagem, para o dia em que funcionar.
Já com atraso de três ou quatro dias, parto para a confederação da Pedra
Bonita, deixando de atender a outras necessidades dos Rikbaktsa e dos
seringueiros. Saio do posto Santa Rosa.
No barracão do Geraldo, informam que já apareceram três ou quatro
turminhas de Rikbaktsa pedindo ferramenta, entre eles Intsima e Matsin.
[...]
Na ilhinha da Água Branca, o seringueiro Abel acaba de baldear uma
turminha de Rikbaktsa para sua feitoria. Sente-se todo feliz e preocupado.
Tento persuadi-lo da conveniência de seguir o regulamento de nossa turma
de pacificação. Levo os índios novamente para a margem esquerda do rio.
Dizem-se ligados a Iyama e Patsec. Matereocutipa e Tsapatao me
acompanham só até o porto de Intsima, pois desejam falar com Intsima,
Tsanamuitsa e Voco. Para sugerir a paz e para noivar.
Dia 16. Às 17 hs., encontro-me com Poigma e Patsec na feitoria de José
Alagoano, numa pequena ilha. José Alagoano anda em relações amistosas
com os Rikbaktsa. Dá-lhes do que tem. Dorme em tarimba, porque cedeu
rede e mosquiteiro para os índios. Defronte à sua ilha, fica o porto de
Poigma.
Tsavata tinha trazido uma turma de índios até a Pedra Bonita e de lá
Geraldo os trouxe de lancha, até o porto de Poigma. Na Pedra Branca
morreram cinco índios, entre eles Poigma, na maloca de Poigma e Mãrãmo,
da turma de Arobitsapo, no porto. José Alagoano tratou de Mãrãmo na
própria feitoria e depois no mato, olhando todos os dias por ele. Numa raiz
de árvore, sentado, Mãrãmo dizia:
- ‘Padre João não vem. Vamos embora!’
Fico pensando. Pousamos em terra firme. Não longe, no ranchinho de palha,
o Rikbaktsa morto, já quase seco.
Outro dia, entro terra a dentro, em marcha acelerada. Já tarde, passamos
pela maloca de Bebeu e Pudata e logo pela de Uatamo abandonadas. No
outro dia, encontramos a turma acampada no mato. Um misterioso alívio se
espalha com a minha chegada, como de um parente, de muito tempo
esperado. Vutamo sente-se fraco, com os pés inchados e nevralgias
toráxicas. Petsama tem uma ferida infeccionada no pé. Vutamo desabafa:
- ‘Tudo era bom. Faz tempo não havia doença. Agora, os Kütsa apertam por
todos os lados.’
Dia 18 de junho. Saio a buscar mais medicamentos em Santa Rosa. Poigma
me acompanha. Uaigma, já prático, permanece e dá as injeções restantes.
4 de julho. Estou novamente no porto de Poigma. Acompanham-me
Iagdomuitsa e Pubarata.
Dia 6. Ainda cedo, passamos pelo desvio da Pedra Bonita. O acampamento
fica perto. De longe meus companheiros percebem fogo e se aproximam
com cautela. Encontramos duas crianças. Não fogem. Somos esperados com
ansiedade, mas poucas palavras e isenção de expressão. Uma breve vista
revela tudo: muitas cabeças rapadas e muitas crianças juntas [...] Morreram
Uutamo, Uoiguedem, Petsama. Ao entrar, oferecem bananas verdes cozidas.
Reparto com as crianças.
A rede de Uaigma ocupa o centro, ao lado da viúva de Uutamo, tendo ao
lado a rede da mãe. A mãe e os outros membros do clã endossam o
casamento de Uaigma e da viúva recente: assisto ao jogo caprichoso da
morte e da vida” ((idem, p. 181-183).

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Laudo antropológico – Processo 2002.36.00.003429-4
2ª Vara da Justiça Federal - Mato Grosso

Figura 14: Aldeias entre os córregos do Cristóvão e Santarém, 1960


(CBFJ/MIA, Acervo João Dornstauder)

De acordo com Pacini (1999, p. 49, 59), concluída mais essa etapa,
os jesuítas dedicaram-se aos postos de assistência às margens dos rios
Arinos, Sangue e Juruena, e as expedições perderam sua importância
estratégica. Epidemias de gripe, catapora, varíola e sarampo, que
dizimaram parte das aldeias e deixaram inúmeros órfãos e viúvos, por sua
vez, serviram de justificativa para as medidas de transferência massiva dos
remanescentes para os espaços sociais sob o controle dos missionários, uma
forma de “neutralizar a dispersão” dos Rikbaktsa por seu imenso território
tradicional. Na opinião do antropólogo, o tratamento dos doentes nos postos
tornou-se “um fator decisivo da adesão dos Rikbaktsa à pacificação”; apesar
das condições precárias e a freqüente troca de encarregados, os postos

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Laudo antropológico – Processo 2002.36.00.003429-4
2ª Vara da Justiça Federal - Mato Grosso

permitiriam “certa continuidade” da assistência (idem, p. 66). Via de regra,


no entanto, o destino da maioria das crianças órfãs foi o Internato de
Utiariti, mantido pelos jesuítas à margem esquerda do rio Papagaio: no final
de 1960, ali já estavam 44 crianças e 4 adultos (Pacini, 1999, p. 50); e em
1966, cerca de 70 rikbaktsa (Dornstauder, 1966).

Nessa mesma expedição acima relatada, com efeito, Dornstauder


chegou a remover dezenas de Rikbaktsa do baixo Juruena para o posto
montado às margens do rio do Sangue:

“De volta ao posto Régis, vem comigo uma turma de adultos e crianças
semi-órfãs, na esperança de uma vida melhor. Uaigma chefia a turma. Ainda
no porto, atarefado, recebo um recado do seringueiro do córrego Amolar,
Paraíba, dizendo que espera por mim na sua feitoria, com uma turma
grande de índios. Não posso atender ao Paraíba, ocupado com a
transferência dos 40 índios que tinha reunido aos poucos, trazendo-os em
dois grupos, etapa por etapa, ao posto Régis” (Dornstauder, 1975, p. 183).

O posto Santa Rosa, na margem esquerda do rio Arinos, fora


montado quase um ano depois dos primeiros contatos na região. Rikbaktsa
e Kayabis para lá acorreram, em caravanas sucessivas - de março de 1958
a maio de 1961, Dornstauder contabilizou 53 caravanas de Rikbaktsa
(Pacini, 1999, p. 73, nota 8). Depois que o sertanista Fritz Tolksdorf aceitou
colocar-se a serviço do pastor luterano Richter, no posto Escondido,
Dornstauder decidiu encerrar as atividades do posto Santa Rosa, e em 1962
removeu seus moradores para os postos Regis e Barranco Vermelho, este
na margem esquerda do rio Juruena, pouco acima das Águas Bravas (idem,
p. 68).

De todo modo, a assistência prestada no posto Santa Rosa oferecia


um exemplo concreto, aos olhos do Rikbaktsa, dos objetivos de
Dornstauder. Como notou Pacini (idem, p. 64, nota 75), as relações dos
missionários com os Rikbaktsa foram sempre “assimétricas”: ora sob a
imagem do “patrão”, que organizava as expedições e os postos e
remunerava os que trabalhavam, ora a figura paterna, “dono” dos postos,
“que trazia benefícios em situações de extrema carência”. Em Utiariti, da
mesma maneira, as crianças “adotadas” eram educadas no “respeito aos
padres como pais e como chefes”.

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Laudo antropológico – Processo 2002.36.00.003429-4
2ª Vara da Justiça Federal - Mato Grosso

O posto Regis foi inaugurado em agosto de 1959, para a assistência


dos Rikbaktsa do rio do Sangue, com a vantagem de sua proximidade com o
Internato de Utiariti. Acompanhado de umas duas dezenas de pessoas,
então, o chefe Muitsoc ali se estabeleceu, construindo casa e plantando
roça. Problemas de saúde (malária, gripe, disenteria etc.) atingiram
igualmente o posto e as aldeias; em setembro de 1960, contava-se já 14
óbitos (Pacini, 1999, p. 108). Desacertos com os encarregados (entre eles,
índios Irantxes, Kayabis, Paresis, Nambiquaras e também Rikbaktsa, que
serviam de auxiliares assalariados), abuso e violência de seringueiros e
conflitos entre os próprios Rikbaktsa causaram a decadência do posto Regis,
e seus moradores, afinal, procuraram abrigo junto ao posto Barranco
Vermelho.

O posto Japuíra figurou como local intermediário, “entreposto”


(Dornstauder, 1963b, p. 2) ou “aldeia de transição” (Schmidt & Oliveira,
1971, p. 3), onde houvera uma antiga aldeia rikbaktsa, na margem direita
do Juruena, entre a foz do córrego Cajueiro e a do córrego Grande (hoje,
“Barreirão”), utilizado pelos jesuítas para “atrair, acolher e introduzir [...] na
vida cristã e civilizada” os Rikbaktsa que antes residiam mais abaixo, na
margem esquerda do Juruena. Em setembro de 1962, ali se instalou o
grupo liderado por Intsimy, que se afastou das imediações da cachoeira do
Desastre por causa de choques com seringueiros (Pacini, 1999, p. 137); em
1963, uma nova leva de egressos do baixo Juruena “diretamente do posto
de baixo (Escondido)”, as famílias de Tonobibita (Amawi), Maya, Tocta
(Dokta), Beo (Meo), Matsi (Geraldino) e Okodoby (Uguduba, Salvador)
(Dornstauder, 1963d, p. 78, 83, 94; Schmidt, 1965).

Em 1967 o posto Japuíra passou à direção do padre Edgar Schmidt,


lotado no posto Barranco Vermelho, a cem quilômetros dali rio acima
(Schmidt, 1968). O auxiliar Oscar Belarmino Ferreira (“Paraibinha”), que ali
continuou residindo, faleceu em fins de 1968. O fato acresceu as pressões
para a transferência de seus moradores para o posto Barranco Vermelho,
sobretudo depois da criação da Reserva Erikpatsa em 1968, um triângulo
compreendido entre os rios Juruena e Sangue, no setor sul do território
tradicional rikbaktsa.

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Laudo antropológico – Processo 2002.36.00.003429-4
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Figura 15: Postos de assistência


(Hahn, 1976, p. 36)

De acordo com o padre Schmidt (1972e, p. 3-4), em fins de março de


1972 “apareceu no Japuíra o dono daquela área, à procura do responsável,
para discutir o início imediato dos trabalhos de implantação da
agropecuária”, e colocar “em andamento diversos serviços de
levantamento”, o que teria precipitado os planos de remoção para a Reserva
Erikpatsa. No mês seguinte, as famílias Rikbaktsa que ali residiam subiram
para a Reserva, e ali fundaram a assim chamada aldeia Nova. Em
contrapartida à entrega da área, o jesuíta firmou um “Recibo e declaração”,
datada de 9 de abril daquele ano, em favor de “Francisco Barbosa Lima e

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Laudo antropológico – Processo 2002.36.00.003429-4
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outros proprietários de uma gleba de terras de cerca de sessenta mil


hectares”, dando-lhes quitação de “auxílio à Missão Anchieta” para a
remoção dos “Canoeiros” remanescentes, no valor de dez mil cruzeiros e, na
condição de “responsável pela tribo” (pois investido da função de “delegado
dos Erikbatsa” pela FUNAI), No documento, Schmidt atestava a cessão aos
proprietários daquela posse indígena do Japuíra, “de longa data [...] sem
solução de continuidade”, bem como as benfeitorias existentes (Schmidt,
1972d; ver tb., Hahn, 1976, p. 35; Pacini, 1999, p. 139 nota 164).

O posto Barranco Vermelho, ou “Santo Inácio”, funcionou até os anos


1980 como centro administrativo, médico, educacional e religioso da missão
jesuíta junto aos Rikbaktsa: a estrutura física (ao lado do arruamento com
as casas dos moradores indígenas, a casa das irmãs, a casa dos padres,
duas enfermarias, farmácia, gerador de energia, rádio transmissor,
garagem, oficina, escola e campo de pouso), os recursos materiais mais
generosos e a presença mais ativa de padres e freiras possibilitaram atrair e
lá aglutinar, ainda que por uns poucos anos, a maior parte da população
Rikbaktsa sobrevivente das epidemias, em substituição aos demais postos
missionários (Hahn, 1976, p. 35; Arruda, 1992a, p. 168; Pacini, 1999, p.
69). De acordo com Arruda (1999, p. 169), “no contexto de enormes
pressões sobre suas terras, de extrema desestruturação social e debilidade
física, o Barranco Vermelho, com seu atendimento à saúde, aparecia aos
Rikbaktsa quase como a única alternativa ao desaparecimento, argumento
insistentemente usado pelos missionários para convencê-los a irem para lá”.
E, uma vez ali, foram submetidos ao mesmo esquema do Internato de
Utiariti: calendário semanal de trabalho agrícola e descanso e oração nos
fins de semana; a caça e a pesca somente permitidas aos sábados.

O posto Escondido, cuja denominação advém do córrego que deságua


no Juruena, cuja foz se oculta aos navegantes desatentos, foi criado em
1960 pelo missionário alemão Friedrich Richter, da Missão Luterana, com o
apoio velado da CONOMALI. Situado cerca de quarenta quilômetros acima
do salto Augusto, foi o único posto instalado na margem esquerda do
Juruena. Nessa região ao norte, até meados da década de 1970,
persistiriam grupos Rikbaktsa isolados, tidos como mais “brabos” ou
arredios. Todavia, por falta de pessoas qualificadas e de recursos e

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Laudo antropológico – Processo 2002.36.00.003429-4
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desavenças com os índios, em 1969 os luteranos recorreriam à FUNAI e,


depois, aos jesuítas para assumir o posto e a assistência aos Rikbaktsa do
Escondido. A Missão Anchieta, com isso, estabeleceu um plano de médio
prazo para transferir os remanescentes para o posto Barranco Vermelho,
organizando expedições que se sucederam até janeiro de 1974 (Pacini,
1999, p. 69), mencionadas abaixo.

Em agosto de 1961, o sertanista Tolksdorf (1996) havia se colocado a


serviço do pastor, e com o auxílio de Oscar Belarmino Ferreira
(“Paraibinha”), construiu novas instalações, preparou plantações e se
dedicou ao atendimento dos doentes - além dos que ali moravam e os que
vinham das aldeias próximas em busca de remédios, também os
seringueiros e garimpeiros em trânsito. Na mesma época, associadas à
missão evangélica. duas missionárias-lingüistas do Summer Institute of
Linguistics (SIL), Sheila Tremaine e Valéria (?), foram residir no posto
Escondido para estudar a língua rikbaktsa (Pacini, 1999, p. 128, nota 136).
A permanência dos índios no posto, todavia, revelou-se bastante instável,
com idas e vindas das aldeias nas imediações - nos diários de Tolksdorf
(1996) encontramos indicadas as aldeias de Mapadati, Aone, Maya, Tapiama
e Ipatoto (Hipatot); e no posto, alguns auxiliares mais constantes, como
Dokta (Tocta), Mutipama, Yogbibui e Sykmy (Txama).

As pesquisadoras do SIL, seis meses depois de sua chegada,


romperam com o pastor e se mudaram para um local mais ao sul, próximo à
foz do rio Arinos; porém, retornaram ao posto Escondido quando Ritcher
finalmente se afastou (Pacini, 1999, p. 128). De maneira análoga,
desentendimentos com o pastor fizeram Tolksdorf abandonar o posto
Escondido em 1963, quando instou o padre Dornstauder que “buscasse os
índios antes de que se estragassem totalmente” - o jesuíta teria enviado
Matereocutipa e outros com a missão de buscá-los; alguns vieram, mas
“outros voltaram ao mato” (Tolksdorf, 1996, p. 222). O sertanista então
iniciou um novo posto pouco abaixo do travessão do Desastre, com o apoio
da Igreja Luterana, onde passou alguns meses (Pacini, 2001, p. 21); porém,
convencido do apoio de líderes da Igreja, retomou o trabalho no antigo
posto, pondo-se a abrir uma pista de pouso no local. Adoentado, porém,
Tolksdorf retirou-se para tratamento na Alemanha, deixando o posto

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Laudo antropológico – Processo 2002.36.00.003429-4
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Escondido aos cuidados de Germano Falk; este sairia em 1968, atritado com
o pastor Silvio Krahl; Arnildo F. Wiedemann o substituiu na função.

Nesse ínterim, a Missão Anchieta encetou novas tentativas para trazer


os Rikbaktsa do baixo Juruena, com pouco sucesso, como anotou o
sertanista:

“Antes o pe. João encostou no Posto para levar índios, especialmente


crianças para o posto deles, mas o Germano não deixou e o padre diz [que],
se não vai desta vez nesta maneira, ele encontra outra. Mandou outra vez
índios para atrapalhar a nossa vida, mas os nossos índios não querem sair
do posto. O padre prometeu [a] estes índios muita coisa e eles tinham medo
de voltar sem levar índios. Eles ainda queriam ficar conosco mas eu não
deixei - até índios Kajabis querem ficar conosco” (Tolksdorf, 1996, p. 223).

Em fins de 1969, a falta de pessoal e de recursos levaria a Igreja


Luterana - IECLB a procurar os representantes da Missão Anchieta, desejosa
de transferir-lhe a responsabilidade pelo posto Escondido. Para isso, as
entidades firmaram um protocolo onde alegavam, entre outros motivos, a
recomendação para “reunir os grupos esparsos dos índios Erigbaktsa” no
interior da Reserva demarcada no ano anterior, em razão da distância que
impossibilitava “intercâmbio regular dos índios” e “dificuldade do seu
atendimento” (Schneider & Schwade, 1969).

À época, a FUNAI intentava assumir o controle direto do posto


Escondido. No ano anterior, todavia, segundo o padre Schmidt (1970, p. 1),
no afã de contatar grupos Rikbaktsa ainda arredios na região do Escondido,
o sertanista João Américo Peret produziria uma tragédia: “com índios
mansos, e na frente deles, de arma em punho penetrou na aldeia, fazendo-
os fugir”; alcançados pelos índios da expedição, estes os convenceram a
voltar, e dezesseis deles seguiram para o posto Escondido; contudo, Peret
viajou, deixando o posto desprovido de medicamentos e de atendentes; dos
recém chegados, oito morreram de gripe e sete abandonaram o posto,
largando uma menina para trás.

Embora a insistência da 5a. Delegacia Regional da FUNAI, com sede


em Cuiabá, MT, então dirigida por Helio Jorge Bucher, que indicou Tolksdorf
e, depois, Antônio Sousa Campinas (“Parazinho”) como encarregados,
prevaleceu afinal o acordo pelo qual os luteranos cederam aos jesuítas a
administração do posto Escondido. A partir daí, com anuência ou por

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negligência do órgão indigenista, a Missão Anchieta iria colocar em prática


seu “plano de trabalho” para a transferência dos Rikbaktsa do posto
Escondido e seu entorno, de modo a assentá-los nos postos Japuíra e
Barranco Vermelho, conforme descrito a seguir.

No final de 1961, o Pe. Dornstauder havia listado os grupos Rikbaktsa


que “ainda viviam nas matas, especialmente na região do Escondido”:

“1. Uma ou duas famílias vivem encostadas no barracão do Geraldo


[seringueiro, na margem direita do Juruena, pouco abaixo da foz do Arinos];
2. Aldeia de Petsama e Mabpadatic; 3. Moicxau (Eroxtatsc) e outros; 4.
Linha marginal; 5. Em baixo: Aubitsen; 6. Uma turma em águas do Aripuanã
(em baixo); 7. Duas ou três turmas em águas do Aripuanã (em cima): uma
ainda bravos e outros estavam com medo; 8. Turma de Intsimy (na
cachoeira do Desastre, isto é, Oignatixic). [...] 9. Turma de Tonobibita e
seus vizinhos: Hairacapipocta e Abnatsic” (Dornstauder, 1961, in “Diário do
Posto Santa Rosa”, p. 56-57, apud Pacini, 1999, p. 101)

No inicio de 1962, o etnólogo suíço Jean-Louis Christinat, que


permaneceu por dois meses no posto Escondido, esboçou em linhas gerais o
modo de vida e certos aspectos culturais dos Rikbaktsa. Lá encontrou cerca
de quinze índios, em quatro moradias familiares e uma casa de solteiros
(ver croquis abaixo); ao longo de sua visita, entre moradores e visitantes, o
etnólogo relacionou trinta e cinco indivíduos (Christinat, 1963, p. 5, 28).

Figura 16: Localização e planta do posto Escondido, 1962


(Christinat, 1963, p. 34)

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De junho a outubro de 1962, por sua vez, o etnólogo Harald Schultz,


do Museu Paulista, esteve entre os Rikbaktsa da região do Escondido. Na
estação seca, porém, advertiu o etnólogo, as aldeias estavam quase
desabitadas, porque “os índios Erigpagtsa costumam ausentar-se de suas
malocas, marchando através da selva para os altos rios, em busca de hastes
para flechas” - que não existiam, acrescentou o etnólogo, nas proximidades
do Juruena. Essas excursões podiam durar três a quatro meses (Schultz,
1964a, p. 213, 215, 227); certa ocasião, Schultz presenciou o retorno dos
moradores da aldeia de Ipatoto:

“Diário de viagem, pág. 119, 25 de agôsto de 1962:


Estávamos na feitoria do Jerônimo, pelas dezesseis horas, quando
escutamos gritos vindos da margem oposta. Era a turma de Ipatoto, que
voltava da viagem: quatro homens, três mulheres, um rapaz e cinco
crianças. O rapaz chegou vestido à moda dos seringueiros: calça, camisa e
boné com véu-de-rosto, preso na borda. Os homens vestiam camisa velha e
suja por cima da tanga de entrecasca, além de seus colares e as mulheres
ricamente adornadas com colares, que lhes cobrem toda a frente do corpo.
Dois dos homens vinham curvados ao peso de feixes de hastes para flecha,
medindo aproximadamente meio metro de diâmetro. Uma das mulheres traz
um bebê na tipóia de tecido de algodão, de confecção indígena. Uma criança
de ano e meio, aproximadamente, está sentada às costas da mãe, sobre o
enorme cesto, cheio de petrechos, preso à fronte.
Outras mulheres trazem crianças, e uma menina duns dez anos carregava
um pombo juriti, apertado contra o peito. As mulheres ainda possuíam
muitos dos enfeites originais de dentes, e também colares de dentes de
macaco e de coluna vertebral de aves. Predominavam os colares de
sementes diversas, escuras e claras, aos quais acrescentavam penduricalhos
de tampa de matéria plástica e latinhas, botões, etc.
Atravessamos os índios na lancha Santa Rosa. Pernoitaram na mata,
pretendendo voltar à maloca no dia seguinte. As mulheres ataram as redes
nas árvores.
Chegou-nos, então, a notícia, de que também Mapatati [Mapadati], com seu
pessoal, estava de volta da excursão anual em busca de hastes para flechas.
Desde então, amiudaram-se as visitas; índios que não tinham participado da
viagem e outros de malocas longínquas do interior da selva vinham pedir
hastes que eram distribuídas generosamente.
Também por outros motivos, grupos de índios iam e vinham em constantes
visitas de alguns dias” (Schultz, 1964a, p. 228-229).

Em sua maior parte, os dados de Schultz foram obtidos em três


aldeias (“malocas”) que visitou nas proximidades da margem esquerda do
Juruena, entre o rio Arinos e o salto Augusto, situadas entre quinhentos a
três mil metros do rio: a de Bararari, com oito moradores; a de Mapadati,
com vinte; e a de Ipatoto, entre doze a quinze (idem, p. 235).

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Laudo antropológico – Processo 2002.36.00.003429-4
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Em 1963, o padre Dornstauder observou que muitos “Canoeiros de


Baixo” haviam morrido. No posto restavam poucos, e outros sobreviviam
em pequenos núcleos: o primeiro, não longe da antiga aldeia de Mapadati
(Mapadatic); o segundo, no córrego Taquara (chamado também de
“Missões” ou “do Noca”, hoje córrego do Cristóvão); o terceiro, no “Córrego
do Posto”, ou seja, o córrego Escondido (Dornstauder, 1963a, p. 20); havia
ainda notícias dos “brabos” Baricatsa e de índios “pigmeus” nas cabeceiras
do igarapé Matrinxã (afluente da margem direita do Juruena, próximo ao
salto Augusto). Destacou ainda o missionário a excursão do seringueiro
“Paraíba Doido”, na companhia de Mapadati e índios do Córrego das Missões
(córrego Cristóvão), que alcançou a primeira feitoria do rio Aripuanã e, no
percurso, cruzou por “12 ou 13 malocas”. Em julho de 1963, dando curso à
estratégia de aglutinação de todos os Rikbaktsa num mesmo local,
Dornstauder preparou uma primeira caravana, liderada por Tubarata (ou
Pubarata), que trouxe dezoito pessoas do baixo Juruena para residir no
posto Japuíra. (Dornstauder, 1963d, p. 78; Pacini, 1999, p. 145).

O antropólogo Robert Hahn, em 1971, esteve por dois meses na


região do Escondido, “com um grupo de Rikbakca que resistiu muito a
residir com as missões” (Hahn, 1976, p. 49). Na ocasião, Hahn conheceu os
acampamentos de verão dos últimos grupos que se apresentaram aos
missionários, o primeiro com vinte e seis integrantes e, a meio dia de
caminhada, o segundo com nove - alguns deles então ausentes, em visita à
Reserva no alto Juruena (idem, p. 56-58). Quanto ao posto Escondido,
consistia então de duas ou três casas ocupadas, num total de quatorze
residentes (idem, 88):

“Este posto operava menos na base do calendário semanal que os outros,


exceto quando estavam presentes os religiosos. O trabalho agrícola era
menor, e se dedicavam mais ativamente a coleta, caça e pesca. Os
residentes deste posto faziam visitas ocasionais ao garimpo rio abaixo para
comércio. Ou ocasionalmente iam comprar no armazém da firma seringalista
sediada em Porto dos Gaúchos” (idem, p. 89).

Segundo o antropólogo, os jesuítas esforçaram-se para persuadir os


moradores deste posto a mudar para a área da Reserva Erigpatsa recém
oficializada, por causa dos custos e a dificuldade de manter a assistência
àquela distância; mas o que finalmente convenceu os Rikbaktsa teria sido a

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invasão do posto por garimpeiros em 1973, em busca de mulheres e comida


(idem, p. 37). De todo modo, a ação deliberada dos jesuítas cumpriu um
planejamento minucioso de expedições, de recursos financeiros e materiais,
de pessoal de apoio e, sobretudo, de proselitismo insistente
(“mentalização”), que resultaria no deslocamento rio acima (embora
temporário, é verdade, como veremos abaixo) de todos os agrupamentos
Rikbaktsa remanescentes conhecidos da margem esquerda do baixo
Juruena, em particular os moradores dos córregos do Cristóvão, do Dico
(Canoeiro) e Escondido e suas imediações - ou seja, a atual terra indígena
Escondido.

Em maio de 1970, na sua primeira visita ao Escondido como


“delegado dos Erikbatsa” (conforme autorização exarada em 21 de agosto
de 1968 pelo primeiro presidente da FUNAI, José de Queiroz Campos), o
padre Edgar Schmidt (1970, p. 1) tencionava, nas suas palavras, “tomar
contato, ganhar a confiança, explicar a finalidade da reserva com suas
vantagens, conhecer o campo de trabalho, e colher os dados para um plano
de trabalho a longo prazo, a fim de atingir também os diversos grupos ainda
sediados pelos matos, que em boa parte já estiveram em postos, mas não
querem neles morar, por medo de doenças”. Durante sua estadia no posto,
contudo, o padre confrontou-se com o enviado da FUNAI, Antonio
Campinas, que atendia determinação do representante do órgão em Cuiabá,
Hélio Bucker, para verificar se os índios queriam ou não subir para a
“reserva” no alto Juruena atendida pela Missão Anchieta.

Estavam então no posto Escondido trinta e seis Rikbaktsa, e havia


notícias de mais três grupos “no mato” (Schmidt, 1970, p. 2): a noroeste do
Bararati, “com o qual nem falam, nem guerreiam”; na margem esquerda do
Aripuanã, “que por vezes os hostiliza, apesar de laços de parentesco”; e
outros, “pertencentes a eles” - uns cinqüenta no Bararati, uns quarenta no
córrego Cristóvão e, mais ao sul, uns vinte no Água Branca e um grupo
menor no Pedras. No retorno, doze pessoas subiram junto com o
missionário (Hadkabui e Barie, com suas famílias, três moços e um
menino), mudando-se para o posto Japuíra. No posto Escondido
permaneceram as famílias de “Bobo” (Iogpore), Aone e “Pelado”
(Pikupybawa), além do “capitão aleijado” (Bubuima) (idem, p. 4).

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Laudo antropológico – Processo 2002.36.00.003429-4
2ª Vara da Justiça Federal - Mato Grosso

Em agosto de 1971, uma nova expedição organizada por Schmidt


trouxe mais dezessete pessoas de “um grupo arredio” da margem esquerda
do Juruena. De acordo com o padre, nessa mesma ocasião, Rikbaktsa
residentes no Japuíra desceram em três canoas para “buscar ponta de
flecha, recolher penas para enfeites e flechas, principalmente de mutum
carijó, e conversar com os índios do Escondido e explicar como é a vida na
reserva” (Schmidt, 1971b, p. 1).

“Assim que, no dia 10 de agosto próximo passado, foram recolhidos 17


índios arredios da tribo Rikbaktsa, que, com espontaneidade,
acompanharam os seus patrícios, conhecidos de outrora e, há alguns anos,
residentes na reserva [Erikpatsa]. Ainda ficaram alguns índios que não
tinham podido vir até o ponto combinado; por isso os recém vindos pediram
que, na lua cheia de setembro próximo, houvesse outra viagem para buscar
os restantes do grupo.
Estes índios foram estabelecidos, provisoriamente, no posto ou aldeia
Japoíra, situada fora da reserva. Este local, sendo antigo habitat dos
Rikbaktsa, oferece ótimas condições para ser um local de transição entre as
aldeias e a reserva, pois ali há casas disponíveis, roças com abundância de
milho, mandioca, batata e banana.
Enquanto existe esta fixação provisória dos índios recém vindos ou arredios
na aldeia Japoíra, os índios já sediados na reserva estão fazendo roças para
que, quanto antes, eles possam ser transferidos para a mesma.
Outro núcleo arredio está nas cabeceiras do córrego Bararati. Também por
iniciativa dos índios Rikbaktsa sediados no posto Escondido, já foi iniciado
um contato com eles; nada se sabe do resultado, pois a expedição ainda não
havia voltado quando o pe. Edgar Schmidt lá esteve no início de agosto”
(Schmidt & Oliveira, 1971).

Em setembro de 1971, outra expedição organizada pelo padre


Schmidt, com apoio dos Rikbaktsa, removeu mais uma turma da margem
esquerda do Juruena, das imediações do córrego Água Branca, num total de
oito pessoas, lideradas por Eribudo (Maxpo) (Schmidt, 1971c).

No posto Escondido permaneciam as famílias de Aone, Tawama,


Sykmy, Xibagtsamo (Moreno), Folia e Iogpore (Bobo) (Schmidt, 1971d).
Entre maio e agosto de 1971, o auxiliar do posto, Arnildo Wiedemann,
acompanhado de Folia e Sykmy e suas famílias, procedeu a um amplo
reconhecimento das aldeias Rikbaktsa remanescentes na região do
Escondido, conforme relatou a Schmidt:

“Arnildo já voltara dia 16 de agosto. Em sua viagem percorreu as cabeceiras


do Cristóvão, do Dico, do Bararati e fora até as cabeceiras que dão
diretamente no Aripuanã, parecendo tratar-se do Morero [rio Moreru]. Saíra
dia 16 de maio. Exatamente 3 meses. na volta, com toda a caravana, ele

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Laudo antropológico – Processo 2002.36.00.003429-4
2ª Vara da Justiça Federal - Mato Grosso

andou 39 dias, até alcançar o Escondido. Quem chefiara propriamente a


expedição foi Folia, um homem moço, mas muito influente. Levara sua
família. Também outro homem do posto, Chogma, ou Xama [Sykmy] levara
toda a família, para desta forma logo indicar que vieram a passeio e não
para brigar.
Os índios do Morero estavam bem desanimados. Diversas pessoas tinham
morrido ultimamente e eles já estavam resolvendo mudar-se para as águas
do Juruena. Mas antes de sair, queriam fazer alguns ataques aos
seringueiros e caçadores da região, para conseguir facão, machado e panela.
Os mensageiros os demoveram deste propósito, prometendo-lhes estes
objetos no posto, caso resolvessem ir até lá.
Arnildo informa que Folia era incansável, em os animar, e devido a ação
dele, os índios não desanimaram a meio caminho, quando já viviam só da
caça e do mel. Castanha não tinha caído no ano anterior. Enfim, alcançaram
as cabeceiras do córrego do Dico [córrego Canoeiro], a 5 dias do Escondido.
Aí Folia os deixou, numa roça velha dele, em que havia ainda batata,
mandioca e banana e até cana. Arnildo seguiu com seu grupo, levando
apenas 4 moços para ‘conhecer’ o Escondido” (1971c, p. 1).

Logo em seguida, sob a liderança de Folia, os moradores do posto


Escondido enviaram mensageiros para convidar as aldeias próximas para
uma grande festa; ali compareceram as famílias de Barodadik (Tsotorigma),
Aduboba (Bereramo), Boatema (Teo), Puauta, Marixi e Skepadada, além da
viúva Amaboa (Schmidt, 1972a), num total de trinta e quatro pessoas -
vinham da aldeia nas cabeceiras do Moreru, embora anteriormente já
tivessem residido nos córregos que vertem para Juruena (Schmidt, 1972c).
Acrescentou então o missionário:

“Na seca irão procurar suas roças antigas. Alguns talvez fiquem morando em
suas aldeias primitivas. Outros querem fixar-se em definitivo no Escondido.
Com isto torna-se muito difícil pensar em uma transferência, nos próximos
tempos. Primeiro nós deveremos pensar em mentalizar acerca da
transferência para a reserva.
Haverá um modo que talvez apresse este processo. Que o capitão Tapema,
com mais alguns homens influentes os vá procurar, esteja com eles o tempo
necessário, e os convença. Mas para isto eles deveriam dispor do tempo,
que é totalmente tomado pelas derrubadas, extração de borracha, etc.
Deveria haver um fundo que os mantivesse durante este tempo, pois se
trata de um trabalho importante” (Schmidt, 1972a).

Terminada a festa, o padre Schmidt retornou conduzindo Tawama e


família, Folia e Moreno para conhecer o “capitão grande, Tapema”, aos
cuidados de quem foram entregues tão-logo aportaram no Barranco
Vermelho: “Ele deveria percorrer com eles todas as aldeias, e ver diversos
pontos, que se prestam muito bem para aldeias novas” (Schmidt, 1971c, p.
2-3). Acerca das medidas futuras, assim se pronunciou Schmidt:

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Laudo antropológico – Processo 2002.36.00.003429-4
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“E quero apresentar em termos gerais um plano de transferência dos índios


restantes do Japuíra e do Escondido para a reserva. Pelo fim das chuvas,
subiria um grupo do Escondido e do Japuíra. Depois de escolhido em
definitivo o local, vão fazer uma derrubada, de acordo com as possibilidades
de cada grupo. Terminada esta, em fim de maio, serão levados de volta ao
Japuíra e Escondido, e terão tempo para buscar taquara e ponta de flecha no
Matrinchã e no Pedras. Pelo fim da seca serão levados novamente para fazer
a queimada e plantar a roça. Quando a roça já estiver produzindo milho,
batata, mandioca, algumas famílias farão suas casas.
Pelo fim destas chuvas seguintes, virá o mais possível de gente, para fazer
derrubada para valer, retornando em seguida ao Escondido e Japuíra. No fim
desta segunda seca subirão para queimar, plantar e possivelmente fazer
suas casas, procedendo-se gradativamente a transferência dos grupos
interessados. Creio que desta forma, em dois anos, a transferência para a
reserva estará indo para a fase final. Mas contanto que não sobrevenha
algum contratempo, e que eu possa atender a eles em seu desejo de
ferramenta, utensílios domésticos, roupa e medicamentos” (idem, p. 3).

No posto Escondido, os moradores mais antigos formavam então


cinco famílias, num total de dezenove pessoas, e foram assim
caracterizados por Schmidt:

“Estão muito apegados ao lugar. As razões que aduzem são: O mato é


limpo. Caça e pesca abundante. Castanha em abundância. A construção das
casas é fácil com babaçu. Facilidade de coleta de penas e taquara. Ao pium4
estão acostumados. Tem boa amizade com a população envolvente. Nas
peles [de animais] tem um meio fácil de sempre ter em mãos dinheiro.
Motivos que Balduíno [Loebens, jesuíta] e eu vemos: Joana [Joan Boswood,
lingüista] está ligada afetivamente ao grupo. Enquanto ela não se mexer vai
ser bastante difícil. Viveram sempre em grande fartura. Há ainda o problema
de grupos de família, clãs, com questões muito antigas. Não acreditam na
vinda do civilizado em massa e na conseqüente diminuição de caça e pesca,
e restrição de liberdade de as mulheres poderem andar a vontade sozinhas
pelos matos em procura de contas, frutas, etc. (Schmidt, 1972e, p. 1).

Sem condições imediatas de transferir os moradores do posto


Escondido e os “arredios” das imediações para a área da Reserva Erikpatsa,
o missionário encarregou a “Paraíba Doido” (Manoel Tavares da Costa) de
lhes ensinar a extrair borracha, de modo a compreenderem que a “borracha
é dinheiro mais certo que pele de gato [do mato]” (idem, p. 2). Quanto às
etapas necessárias em vista da transferência, previa que em dois anos o
posto estaria extinto: “Em 1975 não haverá mais o posto Escondido”,
vaticinou Schmidt no relatório de maio de 1972 (idem, p. 2).

4
Inseto hematófago de tipo simulídeo.

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Laudo antropológico – Processo 2002.36.00.003429-4
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A partir de 1973, devido ao falecimento do padre Edgar Schmidt em


acidente automobilístico, o jesuíta Balduíno Loebens assumiria a
continuidade do plano de transferência dos Rikbaktsa do Escondido para a
Reserva Erikpatsa, consumada em seis expedições. Na primeira, em
fevereiro de 1973, apenas o velho Aone e sua família estavam no posto, os
demais haviam saído para buscar taquara e ponta de flecha. Aone se
recusou a subir para a Reserva, pois queria colher sua roça de milho e cará
(Loebens, 1974, p. 2). Os expedicionários, então, retornaram levando
somente umas poucas cabeças de gado. A segunda expedição, de 23 de
abril a 6 de maio do mesmo ano, também não resultou proveitosa:

“Foi nesta expedição que senti a dificuldade crucial da transferência. Os


índios me declararam enfaticamente que não queriam subir, pois estavam
esperando as lingüistas do SIL. Parecia tudo azarado e a viagem inútil.
Carregamos algum material depositado e partimos de volta no dia 29/4, sem
conseguir absolutamente nada do que se queria” (idem, ibidem).

Na terceira expedição, de 21 de agosto a 7 de setembro do mesmo


ano, Loebens se dirigiu aos “índios novos, pois via dificuldades insuperáveis
na subida dos antigos”, tendo por tripulação Paraíba Doido, Dokta (que
desejava rever sua mãe), Tawama, Pedro Paulo e outros Rikbaktsa que
foram “tirar flechas ou melhor, pontas de flechas”. Nessa ocasião, depois de
um dia de caminhada, os expedicionários chegaram a uma roça nova, de
uma aldeia situada “a beira do córrego do Dico” (ou córrego Canoeiro),
formada por duas famílias (uma de “índios novos” e outra de antigos
moradores do posto Escondido), num total de dez pessoas. Embora
manifestassem disposição de subir para a Reserva, o missionário percebeu
certo receio e decidiu deixar a responsabilidade nas mãos dos líderes
Rikbaktsa. Dokta prosseguiu adiante para visitar sua mãe, e retornou seis
dias depois, trazendo um “enviado especial que iria ver como era a Reserva”
(idem, ibidem). Somente na quarta expedição, de 21 de outubro a 3 de
novembro, o jesuíta obteve sucesso:

“Foram comigo o capitão Tapema, o capitão Intxima, Xama, Pakai e mais o


enviado especial, que viera na expedição anterior. Ele estava voltando para
buscar a mulher e sogra, pois se agradara muito da Reserva.
Um dia antes da saída, tivemos uma notícia muito desagradável: as
lingüistas do SIL haviam descido ao posto, apesar do meu aviso de que não
fossem. Fiquei arrasado.

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Laudo antropológico – Processo 2002.36.00.003429-4
2ª Vara da Justiça Federal - Mato Grosso

Na descida tivemos muito trabalho com o motor. Desmontamo-lo três vezes.


Depois de 5 (cinco) dias chegamos.
O encontro com as lingüistas foi muito frio. Disseram elas que os índios não
queriam subir, especialmente o velho One [Aone] e parentela.
O capitão Intxima, por própria conta partiu no mesmo dia para o mato. As
lingüistas, quando souberam do fato; se assustaram estranhamente. O
capitão Tapema. por sua vez, foi falar com o velho One [...]
Na noite do dia 24, Tapema me trouxe a notícia de que o velho One ia subir,
pois estava chateado com os garimpeiros que haviam roubado a banana,
mandioca e o cará. As lingüistas acharam impossível que o velho mudasse
tão rapidamente das idéias. Era o golpe mortal para a resistência à
transferência.
No dia seguinte Intxima voltou dizendo que todos os índios novos estavam
vindo, com exceção de uma família. Os índios novos nos iriam esperar na
barra do córrego Dico [Canoeiro].
No dia 27 de outubro embarcamos as mudanças de 5 (cinco) famílias, num
total de 19 pessoas. Os restantes nos iriam esperar para daí a três semanas.
A viagem de volta correu sem incidentes. Levamos seis dias até
Eremetsauquê [Barranco Vermelho]” (idem, p. 3).

Na quinta expedição, de 12 a 21 de novembro, os índios já estavam


esperando no posto, e foram mais três famílias, somando dezoito pessoas.
Faltava apenas uma família, então excursionando pelas “bandas do
Aripuanã”. Esta família, com nove pessoas, foi transladada na sexta e última
expedição, encerrada em 7 de janeiro de 1974. Ao todo, as expedições de
Loebens removeram sessenta e uma pessoas da região do Escondido para a
Reserva (idem, ibidem).

Nos anos seguintes, todavia, o jesuíta coordenaria novas expedições


à região do Escondido, sempre acompanhado de guias Rikbaktsa, com o
objetivo de verificar informações sobre a presença de “índios isolados” nas
margens do rios Moreru e Pacutinga, ambos afluentes do Aripuanã, e nas
cabeceiras dos córregos Dico (Canoeiro), Escondido e Cristóvão. Na primeira
expedição, em julho e agosto de 1978, junto com os Rikbaktsa Tapema,
Intsimy, Sykmy e Dokta, conforme o diário da expedição (Loebens, 1978-
1984), Loebens entrevistou o Apiaka Dico, que então residia a meia hora do
antigo posto Escondido, na laje da Capivara - mesmo abandonado fazia
cinco anos, o local ainda abrigava muitas fruteiras. Este comentou sobre os
“vestígios de índios, neste córrego do Dico e no córrego do Cristóvão,
também chamado Corregão”. Da foz do Dico, os expedicionários seguiram
para a “antiga roça de Abiktsamy”, distante duas horas e meia de
caminhada córrego acima. Daí, passaram para o córrego do Cristóvão,
encontrando nas cabeceiras deste o “maior número de vestígios”.

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Laudo antropológico – Processo 2002.36.00.003429-4
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Na segunda expedição, em setembro de 1979, Loebens se fez


acompanhar de Sykmy, Intsima, Folia, Moreno, Amawi (Donobibita),
Tawama, Utupyry, Tsodopaha e Petsamytsa, apetrechados em um barco de
alumínio e três canoas. Subiram então o córrego do Cristóvão (limite sul
atual terra indígena Escondido), e no terceiro dia deram com “muitos sinais
à beira do córrego e mais para dentro”, na altura do porto da Castanheira
(aberto pelo sertanista Peret em fins da década de 1960, quando trabalhou
no posto Escondido):

Os índios estão andando mesmo. Devem ter andado matando peixe. Muitos
pauzinhos quebrados que não deixam dúvida. Também vimos um caminho
(pauzinho quebrado) indo rumo ao córrego do Santarém [limite norte da
atual terra indígena Escondido], em cujas cabeceiras os Rikbaktsa acham
que os Iakarawata [como denominam estes índios isolados] se encontram
[...] ” (Loebens, 1978-1984).

Nessa mesma expedição, os Rikbaktsa aproveitaram para buscar


taboca para ponta de flecha (jurupará) nas cabeceiras do córrego
Escondido, demorando-se por lá uma semana: “Encontraram muita ponta e
voltaram alegres. A volta por lá foi muito boa. Mataram bastante mutum e
até uma anta”, anotou Loebens (idem, ibidem).

Na terceira expedição, em julho de 1980, junto com Sykmy, Moreno e


Amawi (Donobibita), Loebens explorou o córrego Santarém - em sua foz
estava a feitoria de Pedro e Doca Apiaka (filha de Dico). Lá os
expedicionários acharam sinais recentes de presença de índios, indicando
ser uma área de pesca e caça deles. A quarta expedição, bem mais
portentosa, teve início em setembro de 1980 com a participação de Sykmy,
Amawi, sua esposa Apute, Haroldo, Adalberto, Pudai, Paeta, Hodkobyi,
Matsi e família, Kikpadati e família, Salvador e família, Tsikdi e família,
Chico e família e Bibidata e família, num total de trinta e seis pessoas, em
uma “voadeira” (canoa de alumínio com motor de popa) e oito canoas. No
córrego Cristóvão, na altura do porto Castanheira, novamente vestígios
muito recentes dos índios, de caça e pesca. Dentre os objetivos da
excursão, os Rikbaktsa incluíram a busca de pontas de flecha nas cabeceiras
do córrego Escondido: para lá seguiram onze homens, demorando-se de 4 a
10 de outubro. No retorno, as canoas despenderiam três a quatro semanas
até a Reserva.

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Laudo antropológico – Processo 2002.36.00.003429-4
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Novas expedições deram-se nos anos seguintes, duas a três cada


ano, percorrendo repetidas vezes os córregos Cristóvão, Escondido e
Santarém - a despeito dos vestígios aqui e ali, inclusive roças velhas, os
índios não foram avistados (idem, ibidem; Valdez, 1985). Entretanto, as
dezessete expedições do padre Balduíno Loebens, realizadas entre julho de
1978 e maio de 1984, proporcionaram aos Rikbaktsa, aos guias e suas
famílias, as condições para obter as indispensáveis tabocas para fabricação
de ponta de flecha5 e, da mesma maneira, aproveitar os demais recursos de
coleta (castanha, mel etc.), caça e pesca existentes naquele habitat, bem
como frutas e outros produtos em capoeiras do posto e de antigas aldeias.

Desta forma, na opinião de Arruda (1992a, p. 197), os Rikbaktsa


demonstravam recusar-se àquela situação de “confinamento na Reserva”,
tanto quanto a ênfase excessiva na agricultura que lhes dificultava as
atividades venatórias e pesqueiras tradicionais, constrangidos a “produzir
excedentes para comercializar com a crescente demanda de bens
industrializados”. Há de se destacar também, acima de tudo, de acordo com
Rinaldo Arruda, o fato de que “grande parte da população [...] sobrevivente
da época do contato nasceu e cresceu nas áreas do Japuíra e do Escondido,
onde se localizam vários cemitérios e locais de acontecimentos míticos”
(idem, p. 199-200). Por isto, mesmo após a transferência para os postos da
Missão Anchieta, observou o antropólogo, que participou em julho de 1985
de uma expedição Juruena abaixo, os Rikbaktsa “continuaram a utilizar
estas áreas, principalmente na época da seca (maio a setembro), quando
tradicionalmente espalham-se pelo território e, estabelecidos em aldeias
provisórias ou acampamentos, exploram seus recursos”. Nestas excursões
anuais à região do Escondido, em pequenos grupos, os Rikbaktsa coletavam
“taquara para pontas de flecha e outros recursos importantes” (idem, 206).

5
De acordo com Athila (2006, p. 107, nota 66), a ponta de flecha jurupará (zayta)
é “um artefato extremamente valorizado pelos Rikbaktsa”, uma “questão de
status”. É o que os leva a excursionar na estação seca para o baixo Juruena, “em
direção ao Escondido, pois dizem só existir nesta região”, salientou a
antropóloga.

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Laudo antropológico – Processo 2002.36.00.003429-4
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A rigor, as excursões ao baixo Juruena jamais cessaram, como


constatou a antropóloga Adriana Athila, em sua primeira visita às aldeias
Rikbaktsa na estação seca de 2002:

“A maioria dos velhos de todas as 32 aldeias e suas famílias estavam


excursionando ao Escondido, para coletar taquaras de flecha (orobiktsa),
pontas de flecha jurupará (zayta), fruta patauá (hutsatatsa) para chichas,
‘remédios-do-mato’ (okyry) e conchas (tutãra) para enfeites de casamento
no rio Arinos. Como de costume, caçam muito; macacos, antas, mutuns e
outras aves para consumo e para a aquisição de penas para enfeites que
serão usados em ocasiões festivas. Partiram naquele ano em canoas, e pelo
caminho iam parando e revendo o lugar de origem de muitos deles, antigas
ocupações, fazendo furação de penas das aves caçadas (...). À sua volta
pude perceber a atmosfera diferente da aldeia: mulheres, juntas, na
quebração, furação e lixação de cocos para contas de colares, quebrando
conchas e lixando-as em forma de peixes; os homens velhos e jovens
fazendo flechas, peneiras, aparando penas e trançando algodão para
artefatos de plumária, tudo isso regado a muita chicha de “patauá”. Muitos
aparentados de outras aldeias, juntavam-se na mesma aldeia, participando
destas atividades. Enfim, tudo aquilo que pode acontecer cotidianamente,
mas ao mesmo tempo e em proporções maiores” (Athila (2006, p. 127, nota
86).

De igual teor, a declaração do jesuíta Balduíno Loebens (69 anos),


entrevistado por ocasião destes trabalhos periciais, sobre as sucessivas
excursões dos Rikbaktsa ao Escondido:

“Mesmo depois da desativação do posto Escondido, em 1973, anualmente os


Rikbaktsa continuaram a freqüentar a área, nunca desocuparam.
Acompanhei diversas vezes. Continuamente viajando, de caça, pesca,
material de artesanato, de pontas de flecha (zayta), remédios que só têm lá
[...] Também as castanheiras próprias, das quais se faziam mingau com as
cabeças dos inimigos, nas guerras. Debaixo das castanheiras, (o terreno)
era bem limpo” (Fontanillas, entrevista em 12/07/2010).

Foi nesse contexto que, poucos anos adiante, fermentou entre os


Rikbaktsa um amplo movimento de retomada de parcelas de seu território
tradicional. Em 1984 eles abriram roças e estradas de seringa na antiga
área Japuíra, e se apossaram das sedes de fazendas lá instaladas - o
processo de demarcação das terras indígenas Erikpatsa, Japuíra e Escondido
será apresentado no próximo tópico. Da mesma maneira, no ano seguinte,
eles abriram uma roça grande próximo à foz do córrego Canoeiro (do Dico),

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Laudo antropológico – Processo 2002.36.00.003429-4
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perto da colocação de Severino Apiaka,6 e afixaram placas na barra de todos


os córregos em que assinalavam a área como terra indígena (Arruda,
1992a, p. 203).

Na verdade, ainda que sazonal, jamais cessou a ocupação pelos


Rikbaktsa do córrego Escondido e suas imediações. Alguns recursos naturais
de que necessitam só os encontram ali e, por isso, mesmo moradores de
aldeias mais distantes das terras indígenas Erikpatsa e Japuíra, a centenas
de quilômetros, continuam ainda hoje a freqüentar e explorar a região do
baixo Juruena, conforme testemunhou o antropólogo Pacini em 16 de
agosto 2001, quando ali realizou perícia judicial (seu laudo foi juntado ao
presente processo, às fls. 69-241). Abaixo da Pedra Bonita, descendo o rio
Juruena, encontrou então seis canoas e duas voadeiras cheias de Rikbaktsa,
vindos justamente do Escondido. Segundo lhe disseram, lá apanharam
pontas de flecha jurupará; caçaram e pescaram; ajuntaram penas de aves,
sobretudo de mutum carijó, que só existe no baixo Juruena; colheram
palhas para peneira; e retiraram madeiras de cerne, para buzina, pilão e
colher (Pacini, 2001, p. 31-32, às fls. 100-101 destes autos).

Convém notar que, de sua parte, sob todos os aspectos e detalhes


relevantes para a elucidação dos quesitos trazidos ao perito, os
depoimentos dos próprios Rikbaktsa, ouvidos em julho de 2010 por ocasião
da vistoria pericial (inclusive de alguns participantes dos eventos acima
relatados, nascidos no posto Escondido e nas aldeias das imediações ou
seus antigos moradores), tais como Sykmy, Matsi (Geraldino), Dokta, Pudai

6
Por ocasião da perícia que realizou em 2001, o antropólogo Aloir Pacini (2001, p.
34-35) vistoriou a laje da Capivara, na ponta da ilha do Escondido. No cemitério,
encontrou cinco túmulos, um deles de Severino Apiaka, morto em setembro de
1988 por garimpeiros - o que motivou a fuga dos Apiakas (Raimundo e sua
esposa Santina; Doca, seu marido Pedro e seus filhos) que ali residiam para a
área do Japuíra. Raimundo, Severino e Doca eram filhos de Dico Apiaka, e este
irmão de Noca Apiaka. Um dos filhos de Doca, Chico, casado com Maria
Auxiliadora (Rikbaktsa) fez uma roça na foz do córrego Santarém em 1995.
Permaneceram ali até 2001, quando a morte de um filho e um conflito conjugal
os separou; mudaram-se então com os demais Apiaka para o município de Juara.

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(Ozeias), Amawi (Donobibita)7 e outros, demonstraram uma notável


coerência com as informações acerca da ocupação indígena na região da
margem esquerda do baixo Juruena, acima comentadas, extraídas das mais
diversas fontes, documentos históricos, relatórios, diários e estudos
antropológicos. De modo a cumprir o que foi requisitado à peritagem,
realizei estas entrevistas nas aldeias Pé de Mutum e Cerejeira, na terra
indígena Japuíra, e na aldeia Beira Rio, na terra indígena Erikpatsa, nos dias
11 e 12 de julho de 2010. De modo geral, as respostas vieram na própria
língua rikbaktsa, e foram imediatamente traduzidas por Juarez Paimy,
professor, morador da aldeia da Curva, na terra indígena Erikpatsa, que me
serviu de guia e intérprete, de acordo com as transcrições a seguir:

1. MARINHO MANITA, aprox. 68 anos (Aldeia Pé de Mutum, TI Japuíra,


11/07/2010):
JDP: Nome, onde nasceu, nome do pai... Mudou-se de uma aldeia pra outra?
Marinho: Nasci na região do córrego Cristóvão, dentro da área Escondido.
Tem um capoeirão lá. Tem córrego maior, nele caem vários córguinhos...
JDP: Nome da aldeia? Quem era o chefe da aldeia onde você nasceu?
Marinho: Aldeia de Mapadati. Meu pai se chamava Tsapako [v. visita de
Dornstauder, 1975, p. 175].
JDP: Você cresceu nessa aldeia?
Marinho: Cresci no posto Escondido Velho. Depois, adulto, mudei para cá, na
aldeia Japuíra. Vim com padre João, o motorista que trouxe era o Calixto.
JDP: Quem veio junto?
Marinho: Vieram junto nessa viagem Yoteboj, ele já é falecido; e Sykmy (pai
de Juarez), que está vivo, hoje mora na aldeia Beira Rio, era da região de lá,
da mesma aldeia. Subimos (o rio Juruena) os três.
JDP: Havia outras aldeias na região do Escondido?
Marinho: Vizinho da aldeia estava o “posto velho”, onde morava a família de
Tebe (Neuza Tebe, hoje moradora da aldeia Pé de Mutum). No córrego
Branco tinha duas aldeias vizinhas, aquela onde morou Xaimy (pai do Darci,
cacique do Barranco Vermelho) e a de Radiokybei. Outra aldeia, de nome
Hahaiope, Pedra Bonita, aldeia onde morava Rita (que hoje mora na aldeia
Seringal). Também a aldeia de Maria Elisa (esposa de Albano, que mora na
área Rikbaktsa), filha de Kaowa.
JDP: Onde vocês caçavam?
Marinho: Morava nesse córrego Cristóvão, andava toda essa região (aponta
no mapa), até as cabeceiras, onde colhia ponta de jurupará (taboca para
fabricação de ponta de flecha), na cabeceira do córrego Canoeiro...
JDP: Onde vocês coletam hoje a taboca para ponta de flecha?
Juarez: Ainda aqui, perto da aldeia Babaçu, na área Escondido.

7
As famílias de Sykmy e Dokta, junto com as de Folia e Moreno, estavam entre as
últimas a se transferir para o alto Juruena, em 1973. Apenas Dokta voltou a
residir no Escondido, onde fundou a aldeia Babaçu, visitada na ocasião desta
perícia. Folia sofreu um acidente fatal com sua canoa (Athila, 2006, p. 156, nota
109). Sykmy reside na aldeia Beira Rio, onde o entrevistei, e Moreno na aldeia
Areia Branca.

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Laudo antropológico – Processo 2002.36.00.003429-4
2ª Vara da Justiça Federal - Mato Grosso

JDP: Depois que vocês vieram morar no Japuíra, continuaram a visitar a


área Escondido?
Marinho: Íamos de canoinha, do Japuíra até lá, subia o córrego e depois
ficava andando, caçando, pegando ponta de flecha, fazendo roças...
JDP: Colocavam roças?
Juarez: Nesses lugares aqui foram feitas as picadas (de demarcação; Juarez
trabalhou na equipe que acompanhou a demarcação da terra indígena
Escondido), as aldeias velhas. Hoje ainda tem vestígios das aldeias, o
bananal sobrou, alguma coisa. Seria interessante ir lá, subindo a barra do
Cristóvão, lá tem uns restos de aldeia, tanto aqui como no posto Velho...
JDP: Quantos dias levavam remando, pra baixo?
Marinho: Dois dias, baixando. Subindo, três dias. Demorava quase um
mês...
Juarez: Iam caçando, pescando, pode demorar mais, até chegar lá...
JDP: Vocês foram os primeiros a subir pro Japuíra?
Marinho: Fomos os primeiros a vir lá do Escondido pro Japuíra. Nas outras
viagens vieram a turma do Tawama e a de Aone. Na viagem depois de nós,
veio o Mapa (pai de Ozeias Pudai), o Zapari e o finado Paulinho Maitatai. Na
última viagem veio o Folia, o Tohora. O Paraiba Doido era o motorista.

2. GERALDINO MATSI: aprox. 79 anos (Aldeia Pé de Mutum, TI Japuíra,


11/07/2010):
Geraldino: Nasci na aldeia perto de Juina, meu pai (chamava) Tsapako. O
Salvador Okodoby é meu irmão. Com cerca de 7 ou 8 anos mudamos para o
Escondido, no córrego Branco, a aldeia de meu pai Tsapako. Ficamos por
uns 5 ou 6 anos ali. Depois, descemos mais pra baixo, para outra aldeia do
meu pai. Minha mãe faleceu lá, tem o cemitério dela.
JDP: Essa aldeia era perto do posto Escondido?
Geraldino: Mais para cima do Escondido, entre o córrego Branco e o córrego
Escondido. Lá cresci, criei lá, lá foi a festa de furação de orelha.
Juarez: Na fase de adolescente, uns 18 ou 20 anos...
JDP: Você já era casado?
Geraldino: Antes de casar. Subimos de novo o córrego Branco e fizemos
uma nova aldeia nas cabeceiras, onde me casei. Meu irmão Salvador ficou
na primeira aldeia. Com meu pai, fizemos a aldeia nas cabeceiras do córrego
Branco.
JDP: Nesta aldeia você se casou?
Geraldino: Casei nessa aldeia. O primeiro casamento foi com Oidio, a mãe
do Chico (cacique da aldeia). Ela depois morreu no Barranco Vermelho,
quando viemos para cima. Fomos transferidos para o Barranco (na área
Erikpatsa), trazidos lá de baixo pelo padre João. Foi lá que ela faleceu. Do
Barranco Vermelho, voltei para o Japuíra.
JDP: Alguma coisa mais?
Geraldino: Quando morava no Japuíra, andava muito no Escondido, descia
de canoa até o córrego Branco para visitar os parentes que ficaram morando
lá. Ia pelo outro lado do rio (margem esquerda), atravessava aqui e ia por
um caminho, uma trilha até o Escondido. Passava um tempo lá, depois
voltava pro Japuíra. Passava mais um tempo, depois voltava lá. Também, ali
pegávamos flecha, taquara, no córrego Tucanã, na margem esquerda.
JDP: Aonde?
Juarez: Córrego Tucanã, na margem esquerda do Juruena.
Geraldino: Tinha uma aldeia na margem esquerda, era o ponto de referência
por onde passava para ir nas aldeias das cabeceiras dos córregos. Ia por
trilha até sair nessa aldeia. O lugar não era muito bom, num morro, à
margem do rio. Servia como ponto de referência. Se queria ir para outra
aldeia, saía ali, passava ali um dia ou uma noite, dali ia para outra aldeia, no

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córrego Branco, no córrego Escondido. Os córregos maiores que tem na área


Escondido eram tudo aldeados pelos Rikbaktsa, até as cabeceiras, na beira
do rio [...] Já perto do contato, da pacificação, daquele trabalho que o padre
João fez, ali foram fazendo as aldeias mais beirando o rio Juruena.
JDP: Onde é a cidade de Cotriguaçu, havia aldeia?
Geraldino: Antes de ter a cidade de Cotriguaçu, ali havia uma aldeia, um
grande centro de aldeias. Ali fizeram uma grande festa, numa aldeia grande,
onde viveram uns dez anos. No meio da festa, a panela do mingau quebrou,
virou no chão. Daí as aldeias começaram a desmembrar. Na nossa cultura,
não pode ficar mais quando acontece um fato assim, numa cerimônia. Daí
esparramou, cada um fazendo novas aldeias, nos córregos.
Juarez: Quando eles passam nos córregos, nos marcos, dentro de
Cotriguaçu os velhos falam: aqui era aldeia, aqui aconteceu isso... Acharam
cerâmica, tem tudo... Qualquer lugar, nas fazendas, na cidade mesmo.
Aquelas máquinas, foi mexendo terra e achou vários pedaços de cerâmica,
de panela de barro, machadinho de pedra...
JDP: Quando morre, enterra as coisas do morto?
Geraldino: Panela, pratinho, rede... coisas pessoais. Inteiro mesmo, não
quebra. Enterra na sepultura.
JDP: Algo mais?
Geraldino: Nessa aldeia grande da nascente do córrego Branco, foi onde o
padre João fez o primeiro contato, onde ele chegou. Nós assustamos quando
ele chegou pela primeira vez. Então esparramamos de novo, formou outras
aldeias.
JDP: O padre João chegou com quem?
Geraldino: Ele veio junto com Waigma e Tsikbama, eles foram os tradutores.
Eles fizeram o primeiro contato. Eles moravam na região do Escondido,
numa outra aldeia, onde o padre João fez o primeiro contato com eles. Eles
serviram de guia: tem mais aldeia pra cá, tem mais aldeia pra cá... Eles
acompanhavam as expedições.
JDP: O que vocês acharam do padre João, o padre Edgar e o padre Balduíno
trazer vocês para cima, para cá?
Geraldino: Padre João, o pastor Fritz junto... Junto com Waigma, foram
amansando nós. Na época, viemos inocentes. O padre João fez o contato e
disse: vamos para cima, facilita o tratamento de saúde, facilita outras
coisas... Temos meninos que passaram pelo Internato. Viemos pra Japuíra e
Barranco Vermelho. Depois foi que percebemos: aqui não é nosso lugar de
origem, nosso lugar é pra lá. Muitos começaram a retornar para o
Escondido. Aí formou o posto do Escondido, onde morou Fritz, morou... Esse
foi o período de trabalho do padre João. Ele não deu continuidade, vieram
outros padres. Demarcou a área Erikpatsa, ficou pequeno, vieram para o
Japuíra... Só depois saiu o Escondido. Aí já tinha essa colonização da
Cotriguaçu.
JDP: A área ficou maior ou menor que o território que vocês ocupavam?
Geraldino: Ficou menos. Antes, onde é a cidade de Cotriguaçu era o centro
da nossa área, fazia divisa lá no córrego Santarém... Era muito mais grande
nossa área, mais que mostra hoje a demarcação. Mas vamos ficar com esse,
nós queremos só o que é nosso. Contentamos onde ficou a demarcação,
onde tem a ponta, a flecha, as frutas, madeira que usa para fazer a
buzina... Espécies de frutas que aqui não tem.
Juarez: A pupunha nativa de lá é bem grandona; só aqui é que dá miudinha.

3. OZÉIAS PUDAI, aprox. 69 anos (Aldeia Pé de Mutum, TI Japuíra,


11/07/2010):
JDP: Onde você nasceu?

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Laudo antropológico – Processo 2002.36.00.003429-4
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Ozeias: Nasci no córrego Branco, para baixo, perto do rio Juruena. Depois
mudamos para aldeia mais lá para cima. Já crescido, na faixa de 17 anos,
voltamos para a aldeia onde nasci.
JDP: Como chama seu pai?
Ozeias: Mapa.
JDP: Vocês vieram juntos aqui para cima (Japuíra)?
Ozeias: Vim só. Meu pai ficou lá na outra aldeia, no córrego Branco, na área
Escondido. De lá, desceu, e foi para o posto Escondido.
JDP: Com quem seu pai veio para cima?
Ozeias: Veio com Folia, para o Barranco Vermelho.
JDP: Seu pai veio na última viagem?
Ozeias: Trazido pelo Paraíba Doido. Veio de canoa, remando.
JDP: Canoa de casca?
Ozeias: Já era canoa de seringueiro, canoa feita de táboa.
JDP: Por que chamaram vocês de “canoeiros”?
Juarez: Segundo as informações, durante esse processo de contato, eles (os
seringueiros) avistavam muito os Rikbaktsa andando de canoa,
atravessando o rio, pescando. Aí eles falavam: Olha lá o “canoeiro” ali...
Desde ali pra cá, colocou-se o nome... Adaptou-se... Mesmo nos córregos
maiores, andavam de canoa, pescando...
JDP: Havia aldeias na beira do rio Juruena?
Juarez: Tinha aldeias também na margem do rio Juruena. Esse lugar, do
córrego Branco; o posto Escondido, no barranco do rio; bem lá para baixo,
duas aldeias na beira do rio... A margem do rio era cheio de aldeias, e mais
no fundo também tinha aldeias...
JDP: Depois que mudaram para cima (Japuíra e Barranco Vermelho),
retornaram para o Escondido? Quando?
Ozeias: Anualmente. Nessa viagem anual, ficávamos seis meses (na área do
Escondido), no período do verão, passava o verão todinho lá, caçando,
fazendo roça, fazendo coleta de material... Depois voltava pro Japuíra. Todo
ano fazia isso. Depois, os outros foram mudando, abrindo novas aldeias...
JDP: Até quando fizeram isso? Quando parou?
Ozeias: Quando passava um tempo que não ia visitar, no máximo ficava dois
anos sem visitar... Quando tinha condições, canoas boas, era todo ano.
JDP: Retornaram lá continuamente?
Juarez: Caçando, pescando, olhando... Inclusive roça, tem lá.
Ozeias: Não deixamos de ir pra lá, porque é o lugar de nossa origem,
sempre fomos, todo ano vamos pra lá.
Juarez: Logo após uma reunião que vamos ter, eles estão planejando descer
para o Escondido.
JDP: Alguma coisa mais que queira dizer?
Ozeias: A área (Escondido) contém muitas coisas que aqui (Japuíra) e na
área de cima não tem. Por isso precisam ir todo ano lá para colher, buscar
lá. Todo ano, no período do verão, descemos para lá. Esse ano a viagem já
está programada, descendo o Juruena até o Escondido.
JDP: Quando tempo demora, de motor de popa?
Juarez: Demora umas quatro horas...

4. SALVADOR OKODOBY, aprox. 72 anos, morador da aldeia Jatobá (Aldeia


Pé de Mutum, TI Japuíra, 11/07/2010):
JDP: Que tamanho você tinha quando o padre João foi na sua aldeia, a
primeira vez?
Salvador: Já era rapazinho... (compara com menino que estava jogando
bola).
JDP: Uns nove anos... Você estava em qual aldeia?
Salvador: Na aldeia do Córrego Branco.

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JDP: Você ficou lá até que idade?


Salvador: Até uns vinte anos fiquei lá, nessa aldeia.
JDP: Fez a furação da orelha aonde?
Salvador: Na aldeia no córrego Cristóvão, uma festa grande.
JDP: Quando faz a furação, juntam todos os rapazes?
Juarez: Junta uns dez, quinze. Daí furam as orelhas e fica na aldeia (da
festa) até passar, sarar o lóbulo perfurado. É tipo um teste que faz nos
rapazes. Passa cacau, mata caça, pesca, tudo isso. Ali eles ficam por mais...
Salvador: Passam três anos ali...
JDP: Você casou aonde?
Salvador: Numa das aldeias que está na beira do rio Juruena, na aldeia
Maloquinha, pra baixo de Japuíra.
JDP: Como chama sua esposa?
Salvador: A mãe do Davi, minha primeira esposa, chamava Atopi. O pai
dela, Pypó, meu sogro, também era das aldeias de baixo. Depois de
crescido, veio fazer a aldeia Maloquinha. Ele faleceu na Maloquinha.
JDP: Você veio para cima junto com Geraldino (irmão de Salvador)?
Salvador: Ele foi me buscar, para subirmos. Eu estava no córrego do
Cristóvão. De lá, viemos para Maloquinha, depois pro Japuíra. Veio uma
turma por terra, pela trilha, e outra turma de canoa.
JDP: Quando vocês vieram para cá, havia pessoas morrendo?
Salvador: Estavam morrendo. Os primeiros, do contato. A margem do
Juruena estava sendo ocupada por muitos seringueiros. Quando chegavam
na aldeia, uma gripe, um sarampo, deixavam a epidemia. Catapora também.
Muitos morreram.
JDP: Alguma coisa mais?
Salvador: A convivência era assim. Havia muitas aldeias. Não concentrava
só na sua aldeia. Fazia muitas visitas às outras aldeias. Passava dois anos
ali. Quando era período de festa, ficava ali, depois ia para outra aldeia.
Aldeias maiores. Passava seis meses, até um ano visitando outra aldeia, até
voltar.
JDP: Você e o Geraldino são irmãos, de mesmo pai e mesma mãe?
Salvador: O pai é o mesmo, Tsapako. A mãe é outra. Depois minha mãe
morreu.

5. PAULO TSIKIDI, aprox. 59 anos (Aldeia Pé de Mutum, TI Japuíra,


11/07/2010):
JDP: Você nasceu aonde?
Paulo: Onde hoje é a cidade de Cotriguaçu, na aldeia de nome Watsanatsa.
Juarez: É o nome de uma árvore. Embaixo dessa árvore eles formaram a
aldeia, e ficou com esse nome.
Paulo: O cacique chamava Popota, meu pai.
JDP: Você viveu até quando nessa aldeia?
Paulo: Nasci ali e morei até os doze anos. Fomos passear nas aldeias
situadas nas cabeceiras do córrego Cristóvão (que passa pela cidade de
Cotriguaçu), por uns dois anos. Voltamos para nossa aldeia, onde furei a
orelha. Demorei ali até meu pai (Popota, cacique) falecer.
JDP: Quantos anos você tinha quando seu pai faleceu?
Paulo: Tinha uns quinze anos. Desci então para a aldeia situada na beira do
rio Juruena, abaixo da barra do córrego Cristóvão.
JDP: Onde você casou?
Paulo: Casei nessa aldeia para onde mudei. Minha mãe faleceu lá, o
cemitério dela está lá. O cacique da aldeia onde fomos morar chamava-se
Porare, era irmão mais velho do meu pai, meu padrasto, pai adotivo.
JDP: Então sua mãe faleceu na aldeia de Porare?

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Laudo antropológico – Processo 2002.36.00.003429-4
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Paulo: Porare também faleceu lá, antes do contato. Várias outras pessoas
também faleceram lá.
JDP: No local dessa aldeia, o que tem agora?
Paulo: A aldeia ficou fora da demarcação?... Não, está dentro da reserva
(Escondido). O córrego Cristóvão é a divisa, uma margem é área e a outra
margem é fazenda. A aldeia (do pai), estava na margem direita, subindo o
córrego... Está dentro.
Juarez: Descendo o córrego, é na margem esquerda...
JDP: Depois que o Porare morreu, acabou a aldeia? Vocês mudaram?
Paulo: Mudamos para outra aldeia, mais próximo à barra do Cristóvão. Lá
tinha sete aldeias. A aldeia Ipasisikta, a árvore angelim. Em baixo dela
formou a aldeia.
JDP: Ficou muito tempo nessa aldeia?
Paulo: Uns três anos. Depois descemos para outra aldeia, chamada
Otokosoiriky, aldeia do cacique Waigma, o pai da Dasia (Dazia ou Dasa). Eu
ainda era solteiro.
JDP: Onde você se casou?
Paulo: Casei-me aqui, no Japuíra. Nós subimos junto com Bernardino, um
seringueiro. Cristóvão era um seringueiro também, que morava na barra do
córrego (que por isso tem seu nome). Decidimos vir até Japuíra, depois,
porque, visitando as outras aldeias, os outros comentaram sobre o contato
que o padre João fazia. Dissemos então: vamos ver a outra aldeia, na beira
do rio Juruena. Descemos pro rio Juruena. Quando chegamos na margem, o
primeiro seringueiro que encontramos informou que o padre João, e vários
seringueiros em companhia dele, estavam fazendo a pacificação dos
Rikbaktsa. Nisso, ele já tinha criado o posto Escondido lá mais para baixo.
Aí, esse seringueiro de nome Bernardino, nos levou para o posto Escondido,
de barquinho, com dois seringueiros. Como não puderam ir todos numa
viagem, levaram uns poucos e os outros ficaram esperando. Lá no posto
Escondido já estavam o Tawama, o Sykmy, o Aone, já estavam morando
nessa aldeia (do posto Escondido). Lá encontramos a estrutura que o padre
João tinha feito, onde morou o Fritz, Arnildo, Joana... Passamos a viver com
eles lá, bastante tempo, até quando todos os outros que moravam mais nas
cabeceiras vieram para a aldeia do posto Escondido. Quando o padre João
chegou lá, já nos encontrou morando no posto. Nas viagens dele, foi
trazendo para o Japuíra. Eu ainda não era casado, era solteiro quando
cheguei no Japuíra, no Barranco Vermelho.
JDP: Como era a vida no posto Escondido? O que vocês faziam?
Paulo: Permanecemos lá, com esse pessoal, o Sykmy, a Joana, o Fritz, por
dois anos e meio - depois subi para o Barranco. Lá era assim, preparava a
roça, assim nesse ambiente que estamos hoje... De lá o padre João falou:
vamos pro Barranco, vamos pra Utiariti. Fomos sendo puxados,
transportados de lá, no barco, dez a doze de cada vez. De lá, levava
semanas pra chegar. Uns vinham de canoa. Eu fui um dos que veio de
canoa, gastava mais tempo. O padre Balduíno tem material sobre isso, da
língua, as expedições...
JDP: Você continuou visitando o Escondido?
Paulo: Ainda continuo, sempre.

6. RAIMUNDO TSAPAI (Raimundinho), aprox. 59 anos (Aldeia Cerejeira, TI


Japuíra, 11/07/2010):
Raimundo: Meu pai chama Aptõ. Nasci na aldeia Howoiktã, no médio córrego
Escondido. O cacique chamava Bebeo. Furei a orelha nessa aldeia. Ali morei
até os dezoito anos. Meu pai morreu de doença do contato; minha mãe
também morreu. Depois, vim para barra do Escondido; já tinha posto,
estavam Sheila, Fritz, Joana.

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JDP: Quem mais morava no posto Escondido?


Raimundo: Morava Aone, Tawama, Sykmy (a irmã de Raimundo é a segunda
esposa de Sykmy, pai de Juarez), Paulo Tsikidi, Moreno.
JDP: Vocês vieram por útimo?
Raimundo: Um dos últimos a sair do mato foi o finado Totsima (era da
turma de Raimundo, morava no posto Escondido).
JDP: Desde quando você veio para cá, quantas vezes voltou ao Escondido?
Raimundo: Desci uma seis vezes, para buscar pessoas.

7. JORGE AMAWI (Donobibita; Padrasto), aprox. 72 anos (Aldeia Cerejeira,


TI Japuíra, 11/07/2010)
Amawi: Meu pai morreu quando eu era pequeno, não conheci meu pai.
Minha mãe arrumou um padrasto. O padrasto falou para ficarmos lá, com
outros parentes, e vieram morar para cá. Fui criado pela família de Onopyk.
Morávamos na aldeia Maritsakotso, nas cabeceiras do córrego Escondido,
quase a última aldeia no alto. Muitsoc e outros eram mais de cima, da região
do Arinos, até lá no Papagaio. Quando fizeram o contato, o padre João fez
primeiro nessa região, estava mais próximo de Utiariti. Aí esses informavam
a expedição mais pra baixo, aí o padre João veio pra baixo, pro Escondido.
Quando fizeram o contato, eles puxaram o pessoal de baixo lá para cima.
Alguns foram para Utiariti também. Quando fizeram isso, a área do
Escondido ficou sem habitação, foi quando o colonizador aproveitou...
JDP: Quantos anos você tinha quando veio morar no posto Escondido?
Amawi: Vinte e seis anos. Já estava casado quando fui morar no Escondido.
Passamos oito anos no posto Escondido, aí subimos para o Japuíra. Viemos
de canoa desde o posto Escondido. Enquanto isso, o padre João tinha vindo
fazer uma viagem para outro grupo, na barra do Arinos. Ele demorou. Por
isso, resolvemos vir de canoa, pra ver se encontrava o padre João. Fomos
até o Japuíra; uns então desistiram de subir mais pra frente. Aí eles
desceram para morar no Escondido de novo (Inácio, Mareoreokuba). Outros
subiram até o Barranco Vermelho. Quando chegamos em Japuíra, ficamos
um ano por ali. Depois, continuamos a viagem até o Barranco Vermelho, a
canoa. Bem mais pra cima tem a Água Brava, a canoa era de casca de pau,
bateu numa pedra, e a canoa abriu, desmanchou. Logo pra baixo da Água
Brava tinha um seringueiro que arrumou pregos e arrumamos nossa canoa.
E chegamos até o Barranco Vermelho. Ficamos uns três meses no Barranco,
depois descemos e formamos a aldeia Primavera (perto da atual
Fontanillas). Ficamos morando lá dezoito anos; então descemos para a
aldeia Cerejeira. Mesmo que tenha sido trazido para cá, todo ano sempre ia
buscar ponta de flecha, subir o córrego, olhar a roça lá onde morava antes.
Pegava fruta e ponta de flecha. Passava seis meses, e então voltava.
Juarez: Logo depois do contato, passaram a fazer canoa de madeira. O
padre João, o padre Edgar compravam aquelas enxós para fazer canoa...
Juarez: Nós vamos passar lá (na área Escondido) por uma aldeia antiga, a
estrada passou no meio. Era a aldeia do Mapõ. Meu pai, Sykmy, foi lá
naquela aldeia para buscar os outros que estavam lá. Ele saiu em agosto e
voltou pra beira do rio (Juruena) só em novembro, dezembro.
JDP: Qual o nome dela (esposa de Amawi)?
Juarez: Anarõ (Genezia). O pai dela, Kokota, era da turma do Arinos.
Anarõ: Mudamos para a área do Escondido, antes do contato.

8. SYKMY, aprox. 86 anos (Aldeia Beira Rio, TI Erikpatsa, 12/07/2010):


Sykmy: Nasci na área do Escondido, num córrego chamado Branco, que cai
no córrego Escondido. Não o córrego Branco, afluente do rio Juruena. Um
córrego menor. Nasci na aldeia de Erikapa, meu pai, uma liderança forte na
região. Nasci e me criei nessa aldeia, até uns vinte e cinco anos. Depois

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mudamos para outra aldeia, mais para as cabeceiras, subindo o mesmo


córrego, mais na nascente dele. Mais no centro da área. Ficamos uns dez
anos nessa aldeia chamada Zopoktsahaky. Daqui mudamos mais para baixo,
mais perto do rio Juruena, abaixo da aldeia antiga, num córrego. Ali meu pai
veio a falecer, lá está o cemitério do meu pai. Esta aldeia chamava
Omyhaopoki (figueira). Nesta aldeia, moramos mais sete anos. De lá, fomos
para o posto Escondido, o “posto velho”, onde teve contato com Sheila,
Fritz, padre João...
JDP: Onde você morava quando aconteceu o contato com padre João?
Sykmy: Morava na segunda aldeia (Zopoktsahaky), bem no centro da área,
mais perto da cabeceira. Ali escutei os comentários dos outros índios, de que
o padre João fez os primeiros contatos. Quando visitávamos outras aldeias,
lá comentavam sobre o padre João. Fomos por isso descendo, porque as
expedições do padre João eram mais beirando o rio Juruena. Teve duas
visitas do padre João. Ele foi até a barra do córrego onde eu morava, e daí
ele subiu. Deixou o barco e foi pela trilha até chegar na aldeia.
Voltei a morar nessa aldeia, eu não queria ser amansado pelo padre João...
Daqui fui direto para o posto Escondido, onde estava a turma da missão
(luterana) fazendo frente de contato, Sheila, Fritz...
JDP: Quanto tempo morou de novo nessa aldeia?
Sykmy: Voltei a morar na segunda aldeia, passei mais uns quatro anos... Aí
na outra, de lá fomos para o posto Escondido, o posto velho. Aqui
(apontando no mapa) havia mais aldeias vizinhas, nas cabeceiras do córrego
Escondido: a aldeia do Mapõ; a aldeia do Erikdi; a aldeia do Oiakitsi (ele
faleceu na aldeia); a aldeia de Awei. Esse pessoal veio também para o posto
Escondido. Do Escondido, fomos transferidos para o Japuíra.
JDP: Quantos anos morou no Escondido?
Sykmy: Uns doze anos. Depois subi para Japuíra.
JDP: Onde vocês pegavam ponta de flecha?
Sykmy: Por aqui (apontando no mapa), no córrego Escondido. Tem um
córrego maiorzinho que sobe, vai dividindo os vários braços, nessa região.
Cada bracinho desse aqui tem ponta de flecha.
Juarez: Ele (Pomi, que chegou no momento, hoje morador da aldeia Beira
Rio) foi o primeiro índio contatado pelo padre João, na região do Santa Rosa.

Com o objetivo de levantar a situação atual da terra indígena


Escondido, vistoriei a aldeia Babaçu e as imediações do lote sub judice entre
os dias 17 a 19 de julho de 2010 (cfe. mapa anexo “Ocupação da terra
indígena Escondido”). Antigo morador de aldeias que existiram nas
cabeceiras dos córregos do Cristóvão (do Noca), Canoeiro (do Dico),
Escondido e Santarém até a década de 1970, o cacique Dokta retornou a
essa região em 1998, tão-logo se assegurou da demarcação da terra
indígena Escondido. Com seus familiares e agregados, fixou-se a pouca
distância da divisa sul, onde fundou a aldeia Babaçu (S 9º 40’ 14,2” e W 58º
43’ 14,6”), hoje formada por várias casas, farmácia, escola, banheiros e
lavanderias (construídas recentemente pela FUNASA), fruteiras, roças etc. -
ver fotografias em anexo. Além das roças, a caça, a pesca e a coleta mais
cotidiana, os Rikbaktsa desta área participam do projeto de comercialização

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Laudo antropológico – Processo 2002.36.00.003429-4
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de castanha, promovido pelo PNUD e FEMA/MT - voltarei a este ponto no


terceiro tópico. Nas imediações estão as capoeiras de antigas aldeias que
antes ocupavam as cabeceiras do córrego Canoeiro (Dico): uma, a
quatrocentos metros ao sul, onde resistem bananeiras de variadas espécies;
e outra, ao norte, cerca de mil e duzentos metros, onde também
rebrotaram bananeiras e se avistam os esteios de velhas “malocas” (ver
fotografias em anexo).

A população recenseada na aldeia Babaçu em 2010, pela FUNASA,


somou trinta pessoas, distribuídas em sete famílias, conforme abaixo:

RES NOME SEXO NASCM. MÃE PAI

135 Adélcio Wariuta M 31/01/1984 Zenilda Burik Dokta


Marinilda Tsakta F 15/05/1988 Marlene Pidao
Maickson Wade M 09/09/2007 Marinilda Tsakta Adélcio Wariuta
184 Inacio Baziu M 12/06/1950
Sandra Muchagas F 12/06/1955
236 Maxi M 14/03/1953
Marlene Pidao F 07/04/1947
Vanildo M 24/04/1990 Marlene Pidao Maxi
Julieta Ikzatsu F 23/06/1977 Marlene Pidao Maxi
Neilton M 03/05/1996 Julieta Ikzatsu
Keila Carolina F 12/11/2009 Julieta Ikzatsu
Taisa F 18/02/2000 Julieta Ikzatsu
241 Dokta M 19/06/1950 Barari
Marcia Dubeo F 12/06/1970 Tykdada Naik
Adriana Zawa F 24/08/1985 Marcia Dubeo Dokta
Lindomar Eduk M 13/05/1995 Marcia Dubeo Dokta
Marciani Mandi F 10/07/1997 Marcia Dubeo Dokta
Anabela Aboo F 08/10/1999 Marcia Dubeo Dokta
Marinita Mapewy F 12/06/1982 Zenilda Burik Dokta
Eliezio M 18/04/2002 Marinita Vicente
Raimundo Iamonxi
242 M
Pareci
Vani Atsoo F 24/06/1993 Marcia Dubeo Dokta
Raimundo Iamonxi
Breno Atsok Iamonxi M 25/06/2008 Vani Atso
Pareci
251 Vicente Iogoby M 28/08/1955 Sakpakita
271 Iraci Okba F 25/05/1970 Sandra Muchagas Inacio Baziu
Rodrigo Patsw M 08/09/1994 Iraci Okba Joaquim Zikata
Bruno Mezenga M 10/02/1997 Iraci Okba Joaquim Zikata
Anderson Wyaziya M 13/09/2000 Iraci Okba Joaquim Zikata
Raimerson Okbaneris M 24/06/2008 Iraci Okba Raimundo Neris Fo. Apiaka
Diemerso Okba Neriz
M 22/09/2009 Iraci Okba
Apiaka

Tabela 1: População da aldeia Babaçu, TI Escondido


(Fonte: FUNASA, 2010

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Entrevistei alguns dos Rikbaktsa ali presentes, Dokta, Inacio e


Vicente, buscando enfocar suas trajetórias de vida, bem como o retorno às
terras tradicionais; a destacar, como se vê abaixo, a ênfase com que
denunciaram o caráter forçoso que marcou o processo de transferência da
região do Escondido para os postos Japuíra e Barranco Vermelho:

9. DOKTA (cacique, aprox. 65 anos), VICENTE OIKBY (primo de Dokta, filho


do irmão do pai) e INÁCIO BAZIU (apelido “Pajé) (Aldeia Babaçu, TI
Escondido, 17/07/2010):
Dokta: A demarcação foi feita em 1998. Nós viemos aqui porque, sempre
rodando esse pedaço de nossa área aqui... estava diferente. Estávamos para
cima, na aldeia Nova. Nós abandonamos primeiro por causa da Missão
(Anchieta), esse negócio de padre. Nós abandonamos nosso Escondido
velho, subimos com o padre Balduíno. Aí roubando nossa área, ele (os
proprietários, autores da ação) primeiro não existia. Existia nosso avô, nosso
bisavô... Nossos pais. Nossa área, desde o começo, só Canoeiro. Agora
voltamos a mexer, desde 1998. Essa ponta de área, conheço quase tudo,
desde as cabeceiras do Santarém. Andava com padre Balduíno, na
expedição...
JDP: Você nasceu aonde?
Dokta: Nasci no Juruena (próximo à atual cidade de Juruena), passei pela
Serra Morena e depois vim para cá. Tinha muito pessoal morando aqui.
JDP: A aldeia do seu pai era perto desta aqui (Babaçu)?
Dokta: Com meu pai, andava esse pedaço tudo. E com o pai dele (Vicente
Oikby), esse é meu primo. Ele é filho do irmão do meu pai. O pai dele
(Vicente) chamava Sakpakita, irmão mais velho. Meu pai chamava Barari.
JDP: Você cresceu aqui?
Dokta: Na Serra Morena (um paredão que se avista na estrada de Juína a
Aripuanã). Quando fiquei adulto, viemos para cá.
Inácio: Eu também fui criado, desde pequeno, na Serra Morena. Depois que
eu perdi meus pais, eu vim para cá. Quando o finado padre João veio, nós
fomos... eu tinha uns nove a dez anos. Aí nós ficamos aqui, Ele aqui
(Dokta), eu fui criado junto com ele... o finado Tapema. Depois que voltei de
Utiariti, que estudei um pouco, comecei viver no Barranco Vermelho. Mas
essa área aqui Escondido, desde muito tempo, desde nossos tataravôs, eles
criavam aqui. Não é de hoje. De muito tempo, de nossos tataravôs, esses
mais velhos, foram criados aqui.
JDP: Quando você viveu aqui, como chamava a aldeia?
Inácio: Eu não posso dizer, porque eu era pequeno. Aqui em baixo, eles
falam Salto Augusto, Itapijwaka, igual ponta de flecha, abaixo do Escondido
velho, onde está agora a divisa da nossa terra, a barra do córrego
Santarém. O córrego Santarém chama Omahaopokiboatsa. O córrego
Escondido, onde tinha muita banana, onde foi plantada muita banana. O
córrego do Dico, Howioktehy. O córrego do Noca (Cristóvão),
Tsaytsabohokota, onde nós comíamos mais peixe.
Se você quer saber toda a história da nossa terra, de fato, onde nossos
avôs, nossos tataravôs andavam, daqui até Cuiabá. Para cá, até a barra do
Papagaio. Aqui, até Juína. Essa área aqui era tudo nossa. Não tinha um de
vocês, não tinha. Era só nós mesmos, só Rikbaktsa. Então hoje quem pensa
que viveu, que comprou, porque invadiu a nossa terra. Fomos obrigados,
tivemos que afastar um pouco para conseguir uma terra para nós vivermos.
Essa aqui é a melhor área que nós temos, aqui o Escondido. Nós queremos

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Laudo antropológico – Processo 2002.36.00.003429-4
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essa terra para nós vivermos. Nós temos que segurar porque é de nossos
antigos, nossos tataravôs.
JDP: Vocês subiram com o padre João?
Inácio: Eu subi com o padre João. Fui sozinho, com nove ou dez anos...
JDP: Por que você foi com ele?
Inácio: Eu achava que era uma vantagem... Porque, antigamente, nós não
entendíamos como hoje. Agora sabemos falar português, como vocês. A
gente achava que aquilo que ele falava para nós era coisa mais importante
para nós, entendeu? Aí nós fomos, fui criança. Porque criança qualquer bala
doce, uma coisa, a criança acompanha... Eu fiquei um ano lá no Japuíra. De
Japuíra fui para Utiariti (Internato), onde fiquei oito anos no meio dos
padres. Aí voltei para dentro de nossa área. Quando a idade vai chegando, a
gente fica meio variado... Aí eu fui andando para cima e para baixo... Fui
para o Tatuí (aldeia dos Kayabis), fiquei um ano lá, voltei de novo para o
Barranco Vermelho. Do Barranco fui para casa da minha madrinha,
Bernadete, fiquei dois anos... Achei que não dava certo, fui trabalhar fora,
fiquei vinte e dois anos fora trabalhando. Depois de 1991 voltei para cá, e
estou até hoje.
JDP: Em 1991 você veio para o Escondido?
Inácio: Para cá eu vim em 2000.
JDP: E você, não subiu logo com o padre João?
Dokta: Não. Primeiro morava perto de Juruena. Veio para cá. A família do
Juarez também, passamos dois anos no Escondido velho. A Missão, o finado
padre João, levaram para lá. Tinha outros, Joana, Sheila... Convidaram nós
para acompanhar ela, levaram nós. Mandaram nós subir, para estudar com
elas. Então nós subimos para aldeia Segunda. Nós subimos, o pai do Juarez
também subiu. No Escondido não ficou ninguém... Depois, começaram a
falar, o pai do Juarez, que lembra da área do Escondido, (diziam) área do
Escondido é melhor do que aqui. Porque lá para cima não tem ponta de
flecha. Aí começamos a descer...
JDP: Quando você estava para cima, você veio visitar aqui?
Dokta: Anda muito. Eu subi, mas não fiquei de uma vez, não. Sempre
voltando aqui no Escondido. Sempre apanhando ponta (de flecha), voltava,
passava um mês, voltava, apanhava outra vez. Já andei por lá no Escondido
velho, andei até na cabeceira do Santarém, apanhando ponta de flecha. No
caminho do Japuíra tem um bambuzal, numa fazenda. Tem aqui na barra do
córrego do Dico, tem na cabeceira do Escondido... Andava muito.

Para a vistoria dos lotes sub judice e suas imediações, planejei tomar
a estrada que fora aberta por madeireiros, possivelmente na década de
1990, das cabeceiras do córrego Canoeiro rumo noroeste, atravessando a
terra indígena Escondido. A despeito da manutenção que o PIC - Programa
Integrado da Castanha (PNUD/FEMA) realizou anos atrás, para extração,
transporte e estocagem da castanha - inclusive a construção de um
barracão para servir de Centro de Apoio, já nas águas do córrego Escondido
-, o trânsito pela estrada tornou-se agora quase inviável, face à queda de
árvores e ao estado precário de bueiros e pinguelas (ver fotografias da
estrada em anexo). Mesmo assim, com o apoio do cacique Dokta e seus
liderados, efetivou-se o caminhamento em duas etapas: no dia 18 de julho,

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com motosserra, foices e facões, foi possível desobstruir parcialmente a


estrada para a passagem da camionete, cerca de cinco quilômetros; no dia
seguinte, com Juarez Paimy e Inácio Baziu, a pé, partimos deste ponto e
percorremos quase dez quilômetros, das 8:00 horas da manhã até as 13:30
horas. No começo da tarde, quando faltavam talvez dois quilômetros para
atingirmos a divisa sul da área sub judice, percebemos através da leitura do
GPS que a estrada desviava-se no sentido oeste, afastando-se mais e mais
do rumo pretendido, o que nos obrigou a retornar para chegar à aldeia
antes do anoitecer.

DISTÂNCIA
PONTOS COORDENADAS
(metros)
Divisa sul da TI Escondido S 9º 40’ 26.4”; W 58º 43’ 10.1”
Aldeia Babaçu 417 S 9º 40’ 14.2”; W 58º 43’ 14.6”
Capoeira de aldeia antiga 1607 S 9º 39’ 50.1”; W 58º 43’ 46.0”
Córrego das Táboas 5957 S 9º 37’ 36.1”; W 58º 44’ 29.8”
Capoeira de aldeia antiga 7757 S 9º 36’ 40.3”; W 58º 44’ 46.4”
Córrego das Pontas (de Flecha) 8539 S 9º 36’ 16.0”; W 58º 44’ 53.1”
Touceiras de taboca jurupará 10059 S 9º 35’ 31.8”; W 58º 45’ 15.1”
Ponto final - caminhamento 12349 S 9º 35’ 14.1”; W 58º 46’ 28.1”
Lote - divisa sul 14749 S 9º 33’ 56.5”; W 58º 46’ 27.4”

Tabela 2: Coordenadas do caminhamento

De todo modo, a vistoria cumpriu plenamente os objetivos de


reconhecimento da ocupação pretérita e atual pelos Rikbaktsa da referida
área e suas imediações. Além das capoeiras de aldeias e roças antigas já
referidas, localizamos uma terceira capoeira a cerca de sete mil metros da
aldeia Babaçu, desta feita um largo trecho tomado pela vegetação
secundária. Também identificamos no caminho dois nichos de tabocas
jurupará (utilizadas para as pontas de flecha; ver fotografias em anexo),
respectivamente a oito mil metros e a nove mil e quinhentos metros da
aldeia Babaçu. Daquele ponto, conforme explicaram os guias Inacio e
Juarez, a zona de incidência da taboca jurupará, regularmente coletada
pelos Rikbaktsa, estende-se bastante ao norte, entre as cabeceiras dos
córregos Canoeiro e Escondido, abrangendo portanto os referidos lotes ora
sub judice (ver mapa “Ocupação da Terra Indígena Escondido”, em anexo).
Da mesma maneira, comprovamos a profusão de castanheiras ao longo de

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toda a extensão percorrida, um recurso assaz valioso tanto na pauta


alimentar quanto para fins comerciais, inclusive a área demandada nestes
autos (em anexo, a “Carta-Imagem da Terra Indígena Escondido” com o
mapeamento da incidência de castanhais e demais recursos naturais ali
existentes). Ademais, foi possível constatar a existência de trilhas de caça,
que cruzam de um lado a outro toda aquela zona ecológica, utilizadas
habitualmente pelos moradores da aldeia Babaçu. Observei ainda vestígios
deixados pelos pescadores Rikbaktsa, que periodicamente recorrem os
córregos Canoeiro e Escondido e seus afluentes.

Esta longa exposição dos eventos históricos e da situação atual,


efetivamente, consolida uma resposta afirmativa aos quesitos acerca da
ocupação tradicional dos Rikbaktsa, também conhecidos localmente por
“Canoeiros”, na região definida pelos córregos Santarém, Escondido,
Canoeiro (do Dico) e Cristóvão (do Noca), afluentes da margem esquerda
do Juruena, parcialmente incluída na terra indígena Escondido. O acervo
documental, exarado a partir dos primórdios do século XX, as narrativas
indígenas bem como os vestígios pretéritos e atuais averiguados sustentam
a plena convicção de que ali se configura um habitat indígena etnográfica e
historicamente constituído.

Para Hahn (1976, p. 26-27), com efeito, a área de ocupação mais


remota dos Rikbaktsa estava, justamente, nesse interflúvio dos rios Juruena
e Aripuanã, donde se expandiram e vieram a alcançar o alto Juruena ainda
no século XIX. Neste sentido, os informantes Rikbaktsa mais velhos
assinalaram que, até a década de 1970 ao menos, havia picadas ligando
todas as suas aldeias, em particular, as que se situavam na margem
esquerda do Juruena - o que, entre outras coisas, permitiu ao padre João
Dornstauder, o “pacificador” dos Rikbaktsa, visitar em pouco tempo dezenas
de aldeias, sendo conduzido por guias indígenas.

O conhecimento detalhado que os Rikbaktsa expressam daquela


geografia regional, por sua vez, serve-nos igualmente como evidência da
antigüidade de sua presença ali. Vejamos tão-somente a toponímia que
descreve os principais cursos daquela hidrografia:

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português rikbaktsa
salto Augusto Itapijwaka
córrego Santarém Omahaopokiboatsa
córrego Escondido Hahyktsapetsa
córrego Canoeiro (do Dico) Hozoktehy
Tsaytsabohokota (“onde
córrego do Cristóvão (do Noca)
comemos mais peixe”)
córrego Água Branca Mutsaihokbokta
córrego Amolar Porotsi

Tabela 3: Toponímia hidrográfica rikbaktsa

Até meados do século vinte, quando irromperam as hostilidades com


os seringueiros, os Rikbaktsa dominavam amplamente o vale do Juruena e
seus afluentes, desde o baixo curso dos rios Arinos, Sangue e Papagaio,
afluentes da margem direita do rio Juruena, até pouco abaixo do salto
Augusto, na margem esquerda. Em geral, suas aldeias e acampamentos
situavam-se então nas cabeceiras e nos cursos médios dos córregos que
servem aqueles rios - “localizavam-se no interior da mata, em pequenas
elevações e na proximidade de alguma fonte de água” (Arruda, 1992a, p.
246). A configuração atual das aldeias, muitas delas às margens dos
grandes rios, deve-se à estratégia de “pacificação” adotada por jesuítas e
luteranos, com o auxílio dos seringalistas e o beneplácito oficial dos órgãos
públicos (SPI e FUNAI), e sobretudo aos esforços persistentes dos
missionários para conduzir e aglutinar nos postos de assistência (Santa
Rosa, Regis, Barranco Vermelho, Japuíra e Escondido) os Rikbaktsa que
conseguiram sobreviver às inúmeras epidemias - estima-se que, então,
metade de sua população se extinguiu.

Com a delimitação da terra indígena Japuíra, em 1985, todavia, a


configuração espacial retomaria alguns de seus contornos tradicionais, com
a fragmentação de postos e aldeias: “as aldeias maiores desmembraram-se
em vários aldeamentos menores, mais espalhados e localizados em áreas
mais distantes em busca de mais caça, pesca e outros recursos,
reproduzindo a dinâmica tradicional de ocupação do espaço, inclusive no
tamanho e composição das aldeias” (idem, p. 251).

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TERRA
ALDEIA RIO MUNICÍPIO hab.
INDÍGENA
Japuíra Castanhal Arinos Juara 11
Japuíra São Vicente Arinos Juara 7
Japuíra Japuíra Juruena Juara 20
Japuíra Cerejeira Juruena Juara 51
Japuíra Pé de Mutum Juruena Juara 81
Japuíra Jatobá Juruena Juara 41
Japuíra Divisa Marcolino Sangue Juara 20
Erikpatsa Escolinha Sangue Brasnorte 24
Erikpatsa Barranco Vermelho Juruena Brasnorte 35
Erikpatsa Boa Esperança Juruena Brasnorte 25
Erikpatsa Palmeira do Norte Juruena Brasnorte 10
Erikpatsa Divisa Juruena Brasnorte 35
Erikpatsa Cabeceirinha Juruena Brasnorte 27
Erikpatsa Primavera Juruena Brasnorte 71
Erikpatsa Primavera do Oeste Juruena Brasnorte 8
Erikpatsa Pedregal Juruena Brasnorte 15
Erikpatsa União Juruena Brasnorte 10
Erikpatsa Novo Paraíso Juruena Brasnorte 7
Erikpatsa Curva Juruena Brasnorte 60
Erikpatsa Curvinha Juruena Brasnorte 18
Erikpatsa Segunda Juruena Brasnorte 60
Erikpatsa Nova Segurança Juruena Brasnorte 13
Erikpatsa Beira Rio Juruena Brasnorte 49
Erikpatsa Laranjal Juruena Brasnorte 19
Erikpatsa Santa Rita Juruena Brasnorte 36
Erikpatsa Santa Fé Juruena Brasnorte 9
Erikpatsa Seringal II Juruena Brasnorte 13
Erikpatsa Pedra Bonita Juruena Brasnorte 26
Areia
Erikpatsa Juruena Brasnorte 14
Branca/Bananal
Erikpatsa Nova Juruena Brasnorte 47
Erikpatsa Velha Juruena Brasnorte 24
Escondido Babaçu Juruena Cotriguaçu 20
Fora Desaldeados 27
TOTAL 933

Tabela 4: População Rikbaktsa em 2001


(Athila, 2006, Anexo 3, p. 478)

De modo que, nos termos em que se apresenta a atual configuração


espacial e demográfica dos Rikbaktsa, não parece haver uma resposta
adequada ao quesito dos autores acerca da “distância do aldeamento
principal da etnia Erikbaktsa, na margem do Juruena, até a área tida como
de propriedade dos autores”. No censo que realizou em 2001, a antropóloga
Adriana Romano Athila contabilizou trinta e duas aldeias, nas quais a
população variava entre o mínimo de sete habitantes (São Vicente, no rio
Arinos, e Novo Paraíso, no rio Juruena) e oitenta e um habitantes (Pé de
Mutum, no rio Juruena), perfazendo uma média de 28,3 habitantes por

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aldeia, conforme a tabela acima. Ou seja, o menor agrupamento equivale a


um terço da população média, enquanto o maior possui apenas três vezes
mais. Todavia, para atender tão-somente à questão do posicionamento
geográfico das aldeias Rikbaktsa, e de modo aproximado, pode-se dizer que
as aldeias mais distantes (a aldeia Barranco Vermelho, por exemplo) estão a
mais de duzentos quilômetros, e a mais próxima, (a aldeia Babaçu, no
caso), a pouco mais de dez quilômetros dos lotes ora em demanda.

Convém notar, por outro lado, que jamais cessaram as excursões


sazonais dos Rikbaktsa ao córrego Escondido e suas imediações (o que
inclui, evidentemente, os lotes ora sub judice), em busca dos recursos
naturais de que necessitam para seus artefatos, com maior destaque para a
taboca de jurupará para fabricação de pontas de flecha. Acerca desta
questão, missionários, pesquisadores e índios mostram-se unânimes; por
exemplo, as inúmeras referências nos diários do sertanista Fritz Tolksdorf
(1997) às excursões para coleta de taboca jurupará e de seriva, a palmeira
de que se fazem os arcos. Também Schultz, que lá esteve em 1962, afirmou
peremptoriamente:

“Todos os anos [...] os moradores da maioria das malocas, homens,


mulheres e crianças, em grupo, atravessam a selva até os altos rios, para
coletar hastes para flechas. Partem no princípio do estio, isto é, o mês de
maio, voltando em agosto, aproximadamente, pouco antes da chuvas de
inverno” (Schultz, 1964a, p. 227).

Como se pode verificar no mapa “Ocupação da terra indígena


Escondido”, em anexo, os lotes ora em demanda estão colocados no interior
do perímetro da terra indígena Escondido, mais precisamente nas
cabeceiras do córrego Escondido. Com base no caminhamento realizado por
ocasião dos trabalhos periciais, tendo obtido as coordenadas geográficas por
meio de aparelho GPS, estima-se a distância entre a aldeia Babaçu e os
referidos lotes, em linha reta, em treze mil metros, distância habitualmente
percorrida pelos Rikbaktsa em suas atividades de caça, pesca e coleta, com
destaque para a taboca jurupará para pontas de flecha, a seriva para arcos
e a castanha-do-Brasil para alimentação e comercialização.

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Figura 17: Habitat rikbaktsa e terras indígenas


(Arruda,1987b, p. 314)

A ocupação pelos Rikbaktsa da terra indígena Escondido, sob todos os


aspectos, possui caráter verdadeiramente imemorial, isto é, a sua presença
em toda a região do alto e do baixo Juruena remete a um tempo anterior a
qualquer documentação porventura existente para as terras circunvizinhas.
Os embates com as chamadas “frentes pioneiras” da sociedade brasileira, a
partir de meados do século XX, decisivamente, servem de marcos históricos

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no tocante à ocupação indígena e, por conseguinte, trazem maior precisão


ao reconhecimento das fronteiras territoriais do povo em questão. Desta
perspectiva, a cronologia acima pretendeu circunstanciar as relações entre
os Rikbaktsa e a sociedade nacional e, sobretudo, evidenciar a extensão do
habitat indígena tradicional.

De modo que, em resposta aos quesitos reunidos neste tópico, o


acervo documental disponível, bem como as evidências acima apresentadas,
permitem afirmar, com plena convicção, que os lotes ora sub judice, de
acordo com as coordenadas oferecidas no processo em tela, representam
habitat indígena tradicional, indispensável à reprodução física e cultural dos
Rikbaktsa, de acordo com os critérios constitucionais que definem as terras
indígenas.

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AS TERRAS INDÍGENAS ERIKPATSA, JAPUÍRA E ESCONDIDO

Quesitos dos Autores


1. A área desapropriada pelo Decreto Presidencial n. 1775 de 08/06/1998,
publicado no Diário Oficial da União n. 172 de 09/09/1998, na pág. 12 da
Seção 1, que homologou a demarcação administrativa da suposta Terra
Indígena ESCONDIDO, localizada no Município de Cotriguaçu - MT, engloba a
área tida como de propriedade dos autores e objeto desta lide?

Quesitos da União Federal e da FUNAI:


1. Se as terras sub judice encontram-se inseridas total ou parcialmente nos
limites da área indígena Escondido?
2. Se a área indígena em questão encontra-se devidamente demarcada e
regularizada?

Os lotes ora sub judice, de acordo com os documentos e croquis


ajuntados aos autos, encontram-se totalmente inseridos nos limites da terra
indígena Escondido. Delimitada nos termos do Despacho 24, de 3 de junho
de 1994 (DOU, 06/06/1994), a terra indígena Escondido foi declarada de
“posse permanente dos índios” pela Portaria MJ-668, de 1 de novembro de
1996 (DOU, 04/11/1996), e sua demarcação administrativa homologada
pelo Decreto Presidencial s/n, de 8 de setembro de 1998 (DOU,
09/09/1998), com a superfície de 168.938,468 hectares - ver cópias destes
atos, em anexo.

Temos abaixo a disposição das três áreas administrativas


reconhecidas pelo Poder Público como de domínio dos Rikbaktsa: Erikpatsa,
Japuíra e Escondido. Os lotes em demanda colocam-se no interior do
perímetro da área Escondido, mais precisamente em sua área central, nas
cabeceiras do córrego Escondido (ver mapa “Ocupação da terra indígena
Escondido”, em anexo). A demarcação administrativa dessas áreas
indígenas, embora um processo moroso, resguardou apenas parcelas
menores do território tradicionalmente ocupado pelos Rikbaktsa.

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Laudo antropológico – Processo 2002.36.00.003429-4
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Figura 18: Terras indígenas demarcadas

O reconhecimento oficial da ocupação indígena nessas áreas teve


início ainda na década de 1960; contudo, apenas chegou a seu termo na
década de 1990. Para responder aos quesitos deste tópico, foi preciso coligir
uma série de documentos oficiais e dados cartográficos, provenientes de
diversas fontes, em relação aos quais é possível avaliar a pertinência dos
trâmites administrativos que levaram à identificação e à demarcação das
terras indígenas Erikpatsa, Japuíra e Escondido.

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Figura 19: Terra Indígena Erikpatsa

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A primeira delas, a “Reserva Erikpatsa”, no setor sul do território


tradicional dos Rikbaktsa, foi instituída pelo Decreto 63.368, de 8 de
outubro de 1968 (ver mapa acima), compreendendo uma extensão de
79.935 hectares entre os rios do Sangue e Juruena - em parte, sob pressão
dos missionários jesuítas, no intuito de consolidar o posto Barranco
Vermelho como centro de assistência e catequese, com um “programa nítido
de aculturação” (Schmidt, 1969). Com efeito, os jesuítas entenderam, nas
palavras do padre Schmidt, que o Decreto prescrevia “a entrada de todos os
elementos da tribo na Reserva, dentro de um prazo razoável”; e, face à
“responsabilidade exclusiva sobre a tribo” que cabia à Missão Anchieta,
estariam “trabalhando ativamente, mentalizando os índios, procurando
vencer o seu desânimo, diante do fato de serem suas terras
inexoravelmente ocupadas” (Schmidt, 1971e). Contudo, o trabalho de
“aproximação e transferência” de todos os Rikbaktsa para a área reservada
em 1968 nunca se completou; em meados da década de 1970, ainda
remanesciam várias aldeias dispersas pelo território tradicional, sobretudo
no baixo Juruena, na região do Escondido e seu entorno (Arruda, 1985, p.
5).

Com efeito, valendo-se da “autorização” que a FUNAI lhe entregara


(em 21 de agosto de 1968), o padre Edgar Schmidt anunciou em 1971 a
interdição da área onde estava a aldeia Japuíra, “não permitindo nela
nenhuma penetração” (Schmidt & Oliveira, 1971, p. 3; ver mapa a seguir).
Tratava-se de uma “medida de segurança” provisória, com o objetivo de
resguardar a “aldeia de transição” para onde estavam sendo conduzidos os
grupos Rikbaktsa do baixo Juruena, conforme salientou o missionário:

“Prevemos que em poucos anos poderemos dar por encerrada a fase de


atração dos grupinhos restantes da tribo. Então toda essa área estará
liberada para investimentos agro-pecuários” (idem, ibidem).

Ao mesmo tempo, Schmidt encarregou-se de declarar a “interdição


temporária” da área do Escondido, onde estava “em andamento a
transferência destes índios [do Escondido] para a reserva [decretada em
1968] e boa parte deles já foi transferida”. Os moradores do posto
Escondido, porém, de acordo com o missionário, não queriam sair de lá

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Laudo antropológico – Processo 2002.36.00.003429-4
2ª Vara da Justiça Federal - Mato Grosso

“enquanto não conseguirem trazer seus parentes ainda arredios”. A situação


do baixo Juruena exigia atenção, acrescentou, uma vez que a mera
“interdição” pelo responsável do posto carecia de força “para conter a ânsia
de busca de minérios, que está levando cada vez mais gente e companhias
para aquelas paragens” (idem, p. 4). Schmidt postulou a interdição da área
do Escondido (ver mapa a seguir) com os seguintes limites:

“Partindo do posto Escondido, na margem esquerda do rio Juruena,


descendo por este até a barra do córrego Santarém. Subindo por este até
sua cabeceira principal. Desta, em linha reta até a cabeceira do córrego do
Dico [Canoeiro], sempre em linha mais ou menos rumo sul. Da cabeceira do
córrego do Dico descendo por este até sua barra, descendo em seguida pela
margem esquerda do rio Juruena até o posto Escondido, numa distância de
cerca de 2 léguas” (Idem, ibidem).

Figura 20: Proposta de interdição, 1971


(Schmidt & Oliveira, 1971)

Apesar das medidas anunciadas por Schmidt, a Agropecuária São


Marcos, de Luiz Tavares, alegando a propriedade da área do posto Japuíra,
obteve em fins de março de 1972 do missionário o compromisso para

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Laudo antropológico – Processo 2002.36.00.003429-4
2ª Vara da Justiça Federal - Mato Grosso

acelerar a remoção de seus moradores para a Reserva Erikpatsa - uma vez


lá, eles fundaram a chamada aldeia Nova (Schmidt, 1972e, p. 3-4; Hahn,
1976, p. 35; Pacini, 1999, p. 139, nota 164).

Entretanto, os dados sobre fundação e composição de novas aldeias,


entretanto, de acordo com Athila (2006, p. 160-161), sugerem uma
tendência à separação dos segmentos divergentes, compactados
territorialmente por circunstâncias diversas, que se manifestou desde os
primeiros tempos da Reserva. Para muitos Rikbaktsa, na verdade, a estadia
no posto Barranco Vermelho possuía motivações tão-somente eventuais:
visita a parentes, alguma necessidade particular e, principalmente,
atendimento à saúde. Da mesma maneira, os moradores do Barranco
Vermelho continuaram a usufruir de suas antigas zonas de caça, pesca e
coleta, fora da Reserva decretada, para obtenção de produtos necessários
ao seu modo de vida:

“A caça e a pesca, ainda vitais para sua subsistência, escasseiam na Reserva


e a seu redor, em virtude do confinamento do grupo na mesma área e da
ocupação crescente da região. A castanha, seu principal produto de coleta se
concentra em áreas fora da Reserva. As roças, devido ao tipo de nicho
ecológico [...] devem ser constantemente mudadas de lugar e o território da
Reserva, pequeno para as necessidades de todo o grupo, acaba sendo uma
barreira” (Arruda, 1985, p. 20).

Em poucos anos, os Rikbaktsa ensejariam um firme movimento de


retomada de algumas áreas tradicionais. Em 1984, abriram roças e estradas
de seringa em Japuíra, quando se apossaram da sede fazenda São Marcos.
E, no ano seguinte, abriram uma roça na área Escondido, na foz do córrego
Canoeiro (do Dico), e colocaram placas de advertência na barra dos demais
córregos (Arruda, 1992a, p. 203).

Em outubro de 1984, o assessor de saúde da FUNAI, o médico


Oswaldo Cid Nunes da Cunha, realizou um levantamento geral da situação
dos Rikbaktsa. Após percorrer a maior parte de suas aldeias, advertiu o
órgão indigenista que a Reserva dispunha de espaço físico “ínfimo”, e que o
povo Rikbaktsa poderia ser levado, “devido esta compulsão ecológica, [...] a
uma marginalidade sócio-psicológica e a uma condição precária de
sobrevivência biológica”. E justificou:

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Laudo antropológico – Processo 2002.36.00.003429-4
2ª Vara da Justiça Federal - Mato Grosso

“Vivem atualmente de uma economia primária [...] , quando passaram a


produzir borracha através do corte da árvore de seringa e que hoje é a
principal fonte de recurso econômico para conseguirem material para esta
economia primária [...] ; são coletores de castanha do Pará, de frutas
silvestres e plantas medicinais; riquíssimo trabalho artesanal, principalmente
com plumagem; bom estado nutricional, constando da alimentação: carne
de caça, peixe, beiju, mandioca, banana, batata-doce, frutas silvestres, etc.;
o crescimento populacional está acima de 6%, com baixa mortalidade e uma
medicina indígena de alta eficiência [...] Portanto, hoje o povo Rikbaktsa
mantém uma economia primária, dependente dos produtos da economia
exógena, e que esta, antes não fazia parte de seus hábitos e costumes, mas
que, a partir principalmente de 1974, com o inicio da produção de borracha,
passou a ser incorporada e necessária à subsistência deste povo, ao ponto
de afetar a sua estruturação social e econômica, justamente no momento
em que começaram a sentir os efeitos do confinamento na Reserva que lhes
foi imposta por uma transferência compulsória que sofreram em 1972”
Nunes da Cunha, 1985a, p. 1-2).

Observou então Nunes da Cunha (idem, p. 2) que, semanalmente,


várias canoas desciam o rio Juruena, no sentido norte, até as regiões de
Japuíra e Escondido, em “busca de locais de caça, pesca, material para
artesanato, barro apropriado para cerâmica, árvores de seringa para corte,
castanha do Pará, plumas de pássaros”.

Enquanto a região do Japuíra passava por um processo de


repovoamento, a região do Escondido recebia à época “incursões
intermitentes [dos Rikbkatsa], e só não o fazendo com mais freqüência,
devido a distância longa” (idem, p. 4). De fato, no antigo posto Japuíra o
médico encontrou sessenta e oito Rikbaktsa ali residindo, e mais vinte e
sete outros acampados para extrair seringa, caçar, pescar e coletar material
de artesanato. Segundo Nunes da Cunha (idem, p. 3), “todos eles nasceram
nesta região e foram transferidos compulsoriamente em 1972 para a atual
Reserva, pela Missão Anchieta, sob o comando do padre Edgar Schmidt,
sem entenderem na época o porquê dessa transferência”. Dois dias de
canoa de popa Juruena abaixo, o assessor encontrou um grupo de cinco
Rikbaktsa - dos quais, dois “originários da região do igarapé do posto
Escondido” - acampados, caçando e pescando pouco acima do salto Augusto
(no relatório, erroneamente designado de “cachoeira de São Luis”).

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Laudo antropológico – Processo 2002.36.00.003429-4
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Figura 21: Terra Indígena Japuíra

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Laudo antropológico – Processo 2002.36.00.003429-4
2ª Vara da Justiça Federal - Mato Grosso

Ciente da manifestação do assessor Nunes da Cunha acerca da


presença de índios na região, o presidente da FUNAI, Nelson Marabuto
Domingues, indeferiu a “Certidão negativa de presença ou aldeamento
indígena” requisitada pela Cotriguaçu Colonizadora do Aripuanã S/A, para
uma área de um milhão de hectares que incluía o córrego Escondido e seu
entorno, decisão comunicada à empresa através do Ofício 046/PRES/DPI de
7 de fevereiro de 1985 (Domingues, 1985; ver “Ofício” em anexo).

No mesmo ano, a FUNAI constituiu um Grupo de Trabalho (Portaria


FUNAI 1859/E, de 18 de abril de 1985), coordenado pelo antropólogo
Rinaldo Arruda e integrado por representantes dos órgãos FUNAI, INCRA,
INTERMAT e Missão Anchieta, para a identificação das áreas Japuíra e
Escondido. A equipe encontrou no antigo posto Escondido “uma maloca
ainda de pé, atestando ter sido construída depois da desocupação oficial da
área pelos índios”, além de escombros de outras “malocas” e muitas árvores
frutíferas. Quatro famílias Apiaka residiam então às margens do Juruena, a
de Severino Néris, na barra do córrego do Dico (Canoeiro), a de seu irmão
Raimundo Néris Filho, na barra do córrego Santarém, a do pai de ambos
Dico (Raimundo Néris) e a de sua filha Doca e o genro Pedro, nas
imediações da ilha grande do Escondido (Arruda et alii, 1985, p. 2). Após o
sobrevôo das áreas identificadas, o GT apresentou os seguintes limites a
serem demarcados:

“1) Área do Japuíra: toda a região identificada a partir da barra do córrego


Sujo (também conhecido por Marcolino), na margem direita do rio do
Sangue, em frente a atual Reserva. Seguindo por este (Sujo) pela sua
margem direita até a cabeceira. Desta uma linha seca até a cabeceira do
córrego Sararé, seguindo por este na sua margem esquerda até sua barra
no rio Arinos. Descendo por este, na sua margem esquerda até encontrar o
rio Juruena subindo por este até a barra do rio do Sangue, onde encontra a
Reserva atual. Além disso, [os Rikbaktsa] reivindicam a posse das ilhas,
tanto do Juruena como do Arinos.

2) Área do Escondido: toda a região identificada a partir da barra do córrego


Cristóvão [do Noca], seguindo por este até sua cabeceira, pela margem
esquerda. Continuam seus limites por uma linha seca da cabeceira do
córrego Cristóvão até a cabeceira do córrego do Dico, desta até a cabeceira
do córrego Escondido, deste até a cabeceira do córrego Santarém. Segue
por este até sua barra com o Juruena (pela margem direita do Santarém).
Em seguida, continua pela esquerda do rio Juruena, a montante, até chegar
ao ponto inicial, a barra do córrego Cristóvão. [Os Rikbaktsa] Reivindicam
também a posse de todas as ilhas situadas neste trecho do rio Juruena.”

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Laudo antropológico – Processo 2002.36.00.003429-4
2ª Vara da Justiça Federal - Mato Grosso

Enquanto ainda tramitava a proposta de definição da área Japuíra, os


Rikbaktsa foram dali escorraçados por uma verdadeira “operação de guerra”
- quarenta e sete soldados armados com fuzis e metralhadoras, sob o
comando do tenente Altair Magalhães, especialista em combate à guerrilha
na selva -, a mando da Secretaria de Segurança do Estado do Mato Grosso,
para satisfazer fazendeiros insatisfeitos com a demarcação da área
indígena, com a cumplicidade de setores da FUNAI, a exemplo do
funcionário Célio Horst (Arruda, 1987b; Loebens, 1985; Pacini, 1999, p.
140-141). Em novembro, através do Decreto 92.011, de 28 de novembro de
1985, o governo federal finalmente reconheceu a posse indígena sobre a
terra indígena Japuíra (ver mapa acima). Um mandato de segurança,
expedido pelo Supremo Tribunal Federal, contudo, adiou por alguns meses o
retorno dos Rikbaktsa.

Mesmo assim, os Rikbaktsa levaram adiante um processo acelerado


de repovoamento da área. Em janeiro de 1987, já estavam lá vinte famílias
estabelecidas: duas na ex-sede da fazenda São Marcos, quatro no retiro da
fazenda, cinco na barra do rio Vermelho, cinco no rio do Sangue e quatro na
foz do córrego Marcolino (Arruda, 1987a, p. 6-7). Em junho de 1990, seis
das vinte aldeias Rikbaktsa então existentes residiam na terra indígena
Japuíra, observou o antropólogo Rinaldo Arruda:

“Sem que se extinguissem os aldeamentos da reserva antiga (a parte de seu


território demarcada em 1968), novas aldeias surgiram na área Japuíra, ao
longo de seu perímetro, como forma de impedir novas invasões. No rio do
Sangue está a maloca do Luis, a mais próxima dos atuais invasores. Ivã e
sua família ergueram outro aldeamento no rio Juruena, pouco abaixo de sua
confluência com o rio do Sangue. Geraldino, seu irmão Salvador e outros
parentes fundaram a aldeia do Mutum, mais abaixo no rio Juruena. Mais
abaixo ainda, encontra-se o local aberto pelo pessoal da aldeia da Curva,
Ernesto, Rafael e outros, onde será erguida mais uma aldeia. No retiro da
ex-fazenda São Marcos, local de antiga aldeia Rikbaktsa, foi construída a
aldeia do Japuíra, onde moram Nicolau, Gregório, Tomás, Utupê e suas
famílias. No local onde era a sede da fazenda do invasor Luis Tavares,
ergue-se a aldeia do João, Dokma, Gaspar e famílias. Por fim, no rio Arinos,
próximo à foz do córrego Sararé, que faz o limite sul da área, Pedro Paulo,
Vendelino e Vicente fundaram outra aldeia. Em janeiro de 1989 a área do
Japuíra já abrigava seis, das vinte aldeias Rikbaktsa, sem contar as malocas
construídas para, por enquanto, serem usadas apenas na estação da seca.
Em outubro de 1988, seus moradores surpreenderam quatro garimpeiros,
originários da cidade de Juara, que realizavam perfurações à procura de
ouro. Foram imediatamente retirados pelos Rikbaktsa e não voltaram até
hoje.

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Laudo antropológico – Processo 2002.36.00.003429-4
2ª Vara da Justiça Federal - Mato Grosso

O reconhecimento oficial da área do Japuíra, com a conseqüente ampliação


de seu território, gerou uma retomada de suas formas tradicionais de
ocupação, com aldeias menores formadas por grupos de parentesco,
erodindo gradativamente os aldeamentos ‘artificiais’, forçados pela sua
transferência a uma reserva que lhes concedia apenas 10% de seu território
tradicional. Nas novas aldeias reina o otimismo. Fizeram grandes roças, a
caça é farta e a pesca melhor do que na reserva antiga, já bastante cercada
por empreendimentos agropecuários, madeireiras e seu corolário de
destruição ambiental e conflitos sociais.
No período da seca deste ano, várias outras famílias planejam abrir roças e
iniciar a construção de malocas no Japuíra. Planejam também ir à área do
Escondido, como sempre fizeram, para apanhar pontas de flecha, caçar o
gavião carijó, coletar ervas medicinais e iniciar lá também a abertura de
roças, concretizando a posse de mais uma parcela de seu território.
Pretendem com isso forçar uma ação da Funai, persistentemente omissa, de
quem dependem para o reconhecimento legal de seu território” (Arruda,
1991, p. 455).

Concluída a demarcação física, a terra indígena Japuíra foi


homologada pelo Decreto 386, de 24 de dezembro de 1991, com a
superfície de 152.509 hectares.

Há de se observar que o Grupo de Trabalho constituído pela Portaria


FUNAI 1859/E, de 18 de abril de 1985, acima referido, respondeu
igualmente pela proposta de identificação e delimitação da área Escondido,
com a extensão de 275.100 hectares. No entanto, os trâmites
administrativos não tiveram seguimento nos anos seguintes. Mesmo assim,
os Rikbaktsa abriram uma roça grande, próxima à foz do córrego Canoeiro
e, afixaram placas de advertência nos demais córregos.

Contra a presença indígena na região do Escondido insurgiram-se os


administradores da Colonizadora Cotriguaçu, seja mobilizando o apoio de
autoridades estaduais e federais, seja desincumbindo-se ostensivamente da
“vigilância” da área. Ao mesmo tempo, a Colonizadora solicitou da FUNAI
“medidas de ordem legal” visando coibir o que considerava ”invasão na área
em fase de colonização e assentamento de colonos” (cfe. “Ofício” da
Cotriguaçu Colonizadora do Aripuanã S/A, ao presidente da FUNAI, Gerson
da Silva Alves, datado de 13 de junho de 1985, Processo
FUNAI/BSB/2013/85, fls. 46-50). Às manifestações da empresa e das
autoridades federais e estaduais, porém, o presidente da FUNAI respondeu
que, por se tratar de “território imemorial Rikbaktsa”, a Cotriguaçu S/A já
tivera a solicitação de “certidão negativa” negada em 1984, de modo que a

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FUNAI “não reconhece[ia] como sendo invasão de propriedade privada a


presença dos Rikbaktsa e funcionários do órgão tutor nas áreas indígenas
Japuíra e Escondido”, ambas então em processo de demarcação (cfe. Ofício
802/PRES/DPI/85, do presidente da FUNAI, Gerson da Silva Alves, ao
governador do Estado de Mato Grosso, Julio José de Campos, datado de 2
de agosto de 1985, Processo FUNAI/BSB/2013/85, fls. 173-175).

Contrariando a manifestação expressa do órgão indigenista, a


colonizadora prosseguiu nos trabalhos de infra-estrutura viária e
topográficos iniciados em abril de 1984, com o objetivo de instalar a
agrovila nas cabeceiras do córrego do Cristóvão (hoje a sede do município
de Cotriguaçu) e possibilitar a venda de fazendas e lotes rurais a colonos
sulistas que, não por acaso, incidiam na terra indígena que o GT da FUNAI
delimitara em 1985. Em 1988, ao desmembrar do município de Aripuanã o
município de Juruena, o legislativo estadual criou neste o distrito de
Cotriguaçu; e em 1991, elevou-o à condição de município. E, em vista de
acelerar o processo de colonização daquela região, a empresa Cotriguaçu
alienou ao INCRA uma área de cem mil hectares, igualmente encravada na
terra indígena Escondido. Notificado pela Procuradoria Geral da República, o
INCRA permutou por uma área a oeste, fora dos limites da terra indígena
Escondido (Arruda, 1992b, p.5).

Preocupados com a perda iminente de seu território tradicional, os


principais líderes rikbaktsa, através de carta circular datada de 20 de agosto
de 1991, endereçada às autoridades e à população local, denunciaram a
invasão da terra indígena Escondido por “madeireiros e colonizadores”,
entre os quais o grupo Junqueira Villela e a Cotriguaçu Colonizadora: esta,
“negando que as terras do Escondido pertencem aos Rikbaktsa usando para
tanto meios repressivos”, aquela, “que vem praticando extração ilegal de
madeira em grande quantidade”, sublinharam eles (Mutzie et alii, 1991). Em
correspondência enviada à FUNAI, datada de 26 de abril de 1992 (Processo
FUNAI/BSB/0935/92, fls. 101-103), os líderes Paulo Henrique, Matias
Psibatsibata, Antonio Penuta e Butamy Tarcísio reiteraram as acusações ao
grupo Junqueira Villela, que continuava a extração ilegal de madeira, e à
Cotriguaçu, o seu projeto de colonização (Psibatsibata et alii, 1992).

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2ª Vara da Justiça Federal - Mato Grosso

Figura 22: Permuta de área pelo INCRA


(Anexo ao Ofício INCRA/SR-13/G/638/92,
de 30/06/1992 - Proc. FUNAI 0935/92, fl. 109)

Em fins de 1992, em resposta à insatisfação dos Rikbaktsa e às


ameaças de confronto armado, a FUNAI constituiu um novo Grupo de
Trabalho (Portaria 1759/92, de 20 de novembro de 1992, no âmbito do
Processo FUNAI/BSB/2315/92) para atualizar as informações fundiárias e,
sobretudo, face à invasão já consumada, definir uma nova proposta para a
terra indígena Escondido. Coordenado pelo antropólogo Rinaldo Arruda, o
GT constatou in loco a extensão da invasão promovida pela Cotriguaçu
Colonizadora e seus associados, conforme as informações preliminares
registradas no relatório de viagem:

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Laudo antropológico – Processo 2002.36.00.003429-4
2ª Vara da Justiça Federal - Mato Grosso

“As versões apresentadas eram alarmantes e pareciam indicar que a


ocupação se estendia da área colonizada pela empresa Juruena
Empreendimentos de Colonização Ltda até depois do picadão que marca
seus limites com o restante da área da Cotriguaçu Colonizadora do Aripuanã
Ltda. Segundo estas versões a invasão abrangeria uma área das cabeceiras
até o meio curso do córrego Cristóvão (limite sul da área do Escondido), das
cabeceiras até o meio curso do córrego do Dito, atingindo as cabeceiras do
córrego do Escondido e ultrapassando-as [...]
Em cerca de duas horas e meia de vôo fizemos todo o perímetro da área,
cruzamos o picadão nos dois sentidos, localizamos o curso dos córregos que
cortam a área e constatamos que a ocupação real [pelos colonos e
fazendeiros] se limita à área ao sul do picadão já citado [...] Concentra-se
na altura das cabeceiras do córrego Cristóvão até sua meia altura,
estendendo-se numa faixa que alcança as cabeceiras do córrego do Dico,
onde já perde densidade extinguindo-se abruptamente. Da Vila Cotriguaçu
sai uma estrada em direção ao picadão e às cabeceiras do córrego do Dico,
subdividindo-se noutra que avança quase até as cabeceiras do córrego
Escondido. Entretanto, essa segunda vertente constitui-se mais num
carreador por onde os construtores da estrada retiram a madeira com a qual
seu trabalho é pago, não apresentando ocupação humana em seu trajeto,
que se segue totalmente sob a densa mata atravessada por ela.
Em resumo, somente a área ao sul do picadão se encontrava ocupada e
mesmo assim não totalmente, desmentindo em parte as informações verbais
que havíamos obtido” (Arruda, 1992b, p. 6, 8-9)

Em seu relatório técnico, o antropólogo acrescentou:

“Todo o restante da área indígena se encontra desocupado pela colonização,


ainda que a empresa alegue já ter vendido inúmeros lotes abrangendo a
maior parte da área. Estes lotes, entretanto, não estão ocupados e as matas
continuam preservadas, conforme constatou a vistoria realizada pelo Grupo
de Trabalho em dezembro de 1992” (Arruda, 1993, p. 22; grifos meus).

Entre os lotes então “vendidos” a terceiros pela Cotriguaçu


Colonizadora, ao que tudo indica, achavam-se os dois ora sub judice,
situados no interior da terra indígena Escondido - o primeiro deles adquirido
por Egon Pudell e sua esposa, em 6 de agosto de 1992, e o segundo por
Paulo Sérgio Pudell, em 6 de novembro de 1992, e repassados
posteriormente aos autores da presente Ação (fls. 2-4 dos autos).

Da ocupação indígena, propriamente, o GT encontrou vestígios


antigos e recentes:

- 4 malocas semi-destruídas e um cemitério com três tumbas nas


proximidades da laje da Capivara, a cerca de 8 kms. da barra do córrego
Santarém. No mesmo local encontramos muitas árvores frutíferas (limão,
laranja, manga, mamão, etc. evidenciando ocupação indígena prolongada e
permanente até a poucos anos atrás.

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Laudo antropológico – Processo 2002.36.00.003429-4
2ª Vara da Justiça Federal - Mato Grosso

- Na barra do córrego Santarém encontramos um grande descampado e os


restos da maloca de Raimundo Apiaca, com o respectivo pomar e roça
abandonada.
- No córrego do Escondido encontramos os escombros de malocas, inúmeras
mangueiras, muitos pés de limão, laranja, mexerica, etc. Encontramos
também o local onde se situava o posto indígena do Escondido e um campo
de pouso abandonado pelo Summer Institute of Linguistics em 1977.
- No córrego do Dico vimos os restos da maloca de Severino Apiaca,
assassinado em 1988, com as respectivas fruteiras e sinais de habitação de
poucos anos atrás. Lá se identificava também o local, já transformado em
capoeira, da roça aberta pelos Rikbaktsa em 1985” (Arruda, 1993, 22-23).

Por ocasião da viagem do GT, segundo o relatório antropológico, o


administrador da Cotriguaçu, José da Luz Uchoa, propôs aos Rikbaktsa uma
compensação pela extensão já colonizada, cedendo áreas adjacentes. A
proposta foi discutida nas aldeias, quando os Rikbaktsa avaliaram o
“problema social que adviria da remoção da população já assentada na área
indígena e, em vista da devastação promovida pela colonização (há 18
madeireiras na área [...])”. Todavia, por ocasião da reunião na Secretaria da
Agricultura, em 18 de janeiro de 1993, ainda segundo o relatório
antropológico, a empresa retirou a proposta de compensação, levando a
negociação a um impasse (Arruda, 1993, p. 24-25).

Para a equipe do GT, independente das invasões e da destruição já


ocorridas, “os índios Rikbaktsa tem o direito legal sobre toda a área
identificada e delimitada em 1985”, o que implicaria na remoção dos
habitantes da vila de Cotriguaçu e dos ocupantes das propriedades rurais já
instaladas, com enormes custos políticos, sociais e econômicos (idem, p.
26). Entretanto, reconhecendo o “potencial de conflitos quase permanentes
que adviriam de tal encaminhamento”, donde a eventual protelação da
demarcação da terra indígena Escondido, os próprios Rikbaktsa
concordaram em “dispensar a parte já colonizada da área delimitada, ao sul
do picadão” (idem, ibidem).

A proposta conciliadora, porém, não proporcionou maior agilidade ao


processo demarcatório. Enquanto se aguardava o pronunciamento dos
órgãos oficiais, empresas madeireiras puseram-se a retirar madeira nobre
da área do Escondido; para isso, romperam uma estrada rumo noroeste,
das cabeceiras do córrego Canoeiro (Dico) ao córrego Santarém, além de
carreadores e esplanadas (locais onde são empilhadas as toras para

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Laudo antropológico – Processo 2002.36.00.003429-4
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transporte) - conforme verifiquei por ocasião do trabalho de campo (ver tb.,


Pacini, 2001, p.40, à fl. 40 destes autos).

Figura 23: Área excluída da terra indígena Escondido, 1992


(Arruda, 1992b)

Afinal, através do Despacho 24, de 3 de junho de 1994 (DOU,


06/06/1994), a FUNAI excluiu o setor sul açambarcado pela colonizadora
Cotriguaçu e delimitou a terra indígena Escondido da seguinte maneira:

“Partindo do ponto 1 localizado na confluência do Igarapé Santarém com o


Rio Juruena de coordenadas geográficas aproximadas Latitude 9º 11’ 14” S
e Longitude 58º 40’ 19” WGr.; daí, segue pelo referido Rio a montante até
encontrar o ponto 2 localizado na confluência do Igarapé do Noca com o Rio
Juruena de coordenadas geográficas aproximadas Latitude 9° 27’ 43” S e
Longitude 58° 24’ 39” WGr.; daí, segue pelo referido Igarapé a montante
até encontrar o ponto 3 localizado na confluência de um Igarapé sem

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Laudo antropológico – Processo 2002.36.00.003429-4
2ª Vara da Justiça Federal - Mato Grosso

denominação com o Igarapé do Noca de coordenadas geográficas


aproximadas Latitude 9° 40’ 30” S e Longitude 58° 27’ 56” WGr.; daí, segue
por uma linha seca com distância e azimute aproximados de 40.700,00
metros e 270° 00’ 00” até encontrar o ponto 4 de coordenadas geográficas
aproximadas Latitude 9° 40’ 24” S e Longitude 58° 50’ 11” WGr.; daí, segue
por uma linha seca com distância e azimute aproximados de 9.000,00
metros e 318° 21’ 59” até encontrar o ponto 5 localizado na cabeceira do
igarapé Porto Escondido de coordenadas geográficas aproximadas Latitude
9° 36’ 43” S e Longitude 58° 53’ 26” WGr.; daí, segue por uma linha seca
com distância e azimute aproximados de 13.600,00 metros e 14° 26’ 38”
até encontrar o ponto 6 localizado na cabeceira do Igarapé Santarém de
coordenadas geográficas aproximadas Latitude 9° 29’ 34” S e Longitude 38°
51’ 33” WGr.; daí, segue pelo referido Igarapé a jusante até encontrar o
Ponto 1, ponto inicial da descrição deste perímetro. OBS.: Fazem parte da
área em questão as Ilhas do Bernardo, do Mastro e Porto Escondido.
localizadas no Rio Juruena” (DOU, 06/06/1994).

Cabe destacar, do mesmo modo, os argumentos que


consubstanciaram o reconhecimento da ocupação indígena do córrego
Escondido e suas adjacências, assim resumidos no Parecer 75/DID/FUNAI,
de 30 de agosto de 1993, de autoria da antropóloga Rosane Cossich Furtado
(DOU, 06/06/1994):

“Na região entre os rios Aripuanã e o rio Juruena está localizada a Área
Indígena Escondido. Afirmam os Erikbaktsa que ‘só na área do Escondido é
que a mata é completa’, isto é, é o único local onde os índios encontram
taquaras, pontas de flechas, penas de gavião real, várias espécies de
animais, plantas e raízes silvestres (utilizadas na medicina indígena) e
também pescam, ou seja, é apenas nessa região que eles encontram a
totalidade dos recursos naturais necessários a sua vida sócio-cultural. Então,
todos os anos, durante os meses de agosto e setembro, um grande grupo de
índios, acompanhados de mulheres e crianças, deslocam-se em direção à
Área Indígena Escondido, estabelecendo-se provisoriamente em aldeias ou
acampamentos, época em que exploram seus recursos, como atestam os
índios Apiaka (habitantes desde 1962 da Área Indígena Escondido), os
seringueiros (moradores das barrancas do rio Juruena) e a Missão Anchieta.
Além de economicamente necessária, essa área é ainda mais significativa
por ser o local de nascimento de grande parte do grupo, de abrigar
cemitérios e outros locais sagrados.”

A terra indígena Escondido foi declarada de “posse permanente dos


índios” pela Portaria MJ-668, de 1 de novembro de 1996 (DOU,
04/11/1996). A demarcação física coube à firma Aquarius Serviços
Topográficos, e contou com o acompanhamento de auxiliares de campo
Rikbaktsa. Por fim, a terra indígena Escondido foi homologada pelo Decreto
Presidencial s/n, de 8 de setembro de 1998 (DOU, 09/09/1998), com a
superfície de 168.938,468 hectares - ver cópias destes atos, em anexo.

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Figura 24: Terra Indígena Escondido

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Laudo antropológico – Processo 2002.36.00.003429-4
2ª Vara da Justiça Federal - Mato Grosso

Com a demarcação das terras indígenas Erikpatsa, Japuíra e


Escondido, ficaram resguardados para usufruto exclusivo dos Rikbaktsa
pouco mais de quatrocentos mil hectares, o que representa, tão-somente,
menos de 10% do território tradicional que eles dominavam em meados do
século XX.

Terras indígenas Extensão


(ha)
Erikpatsa 79.935
Japuíra 152.509
Escondido 168.938
TOTAL 401.382
Tabela 5: Extensão das terras rikbaktsa

Em resumo, considerando as informações acima, restou comprovado


que os lotes sub judice não apenas constituem parte integrante do território
rikbaktsa, mas se encontram totalmente englobados pela terra indígena
Escondido, delimitada pela Portaria MJ-668, de 1 de novembro de 1996
(DOU, 04/11/1996), demarcada fisicamente e homologada pelo Decreto
Presidencial s/n, de 8 de setembro de 1998 (DOU, 09/09/1998).

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Laudo antropológico – Processo 2002.36.00.003429-4
2ª Vara da Justiça Federal - Mato Grosso

CULTURA E USO DOS RECURSOS NATURAIS

Quesitos dos autores


5. A população indígena presente na região, particularmente a etnia dos
RIKBAKTSA, possui características de caçadores e coletores?
6. São eles indígenas de grande mobilidade ou possuem características
nômades? Por que os RIKBAKTSA são conhecidos índios “Canoeiros”?
7. Na área tida como de propriedade dos autores, encontram-se pessoas ou
grupos de “brancos” dentro de seu perímetro? Caso positivo, a que título?
8. Ainda em relação ao quesito anterior, há dentro da área tida como de
propriedade dos autores a realização de alguma atividade de natureza
econômica, seja a título de extração (mineral ou vegetal), comercial ou
industrial? Caso positivo, quem as patrocinam?

Quesitos da União Federal e da FUNAI


6. Se o grupo em estudo ocupa toda a área definida como indígena para
apropriação dos meios indispensáveis à sobrevivência física e cultural?
7. Na hipótese de ser afirmativo o quesito anterior, quais as atividades
desenvolvidas pelo grupo a necessitar dos recursos naturais existentes no
interior daquela área, bem como as técnicas de manejo de solo adequadas à
confecção da cultura material (atividades da ação humana), considerando,
ainda, as plantas medicinais, comestíveis e utilitárias, as formas zoológicas
destinadas à alimentação, não desprezando a entomologia?

Informações variadas sobre o modo de vida, a cultura e os usos que


os Rikbaktsa fazem dos recursos naturais já pontuaram os tópicos acima.
Neste, portanto, trata-se de retomá-las e, se necessário, agregar novos
elementos para atender os quesitos das partes. De início, apresento um
panorama geral da organização social rikbaktsa, seu contingente
demográfico, a situação das aldeias atuais e, ao fim, as principais atividades
indispensáveis à sua reprodução sócio-cultural e à sua subsistência.

Como esclareci na introdução a este laudo, os Rikbaktsa designam-se,


em sua língua, como “seres humanos” (rik, pessoa humana; bak, partícula
de reforço, “verdadeiros”; tsa, forma plural). Foram apelidados pelos
seringueiros de “Canoeiros”, ou “Canoeiros do Juruena”, por sua habilidade
no manejo de canoas de casca de jatobá (Dornstauder, 1975, p. 15; Moura,
1975, p. 7; Tolksdorf, 1996, p. 8), e também de “Orelhas-de-Pau”, devido
aos discos auriculares que os homens portavam (Dornstauder, 1975, p. 30;
Athila, 2006, p. 67). Todavia, antes da “pacificação”, a maioria de suas
aldeias e acampamentos situava-se nas cabeceiras e nos cursos médios dos
córregos que servem o rio Juruena e seus afluentes Arinos, Sangue e

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2ª Vara da Justiça Federal - Mato Grosso

Papagaio - nas palavras de Arruda (1992a, p. 246) “localizavam-se no


interior da mata, em pequenas elevações e na proximidade de alguma fonte
de água”. A configuração atual das aldeias, muitas delas às margens dos
rios maiores, resultou da estratégia de “pacificação” colocada em prática por
jesuítas e luteranos, que os conduziram aos postos de assistência Santa
Rosa, Regis, Barranco Vermelho, Japuíra e Escondido, às margens dos rios
maiores, e ali aglutinaram os sobreviventes das tantas epidemias que
dizimaram mais da metade de sua população. Antigamente, portanto, as
ubás de casca de jatobá (com a aquisição de machados de aço e enxós,
foram substituídas por canoas lavradas em madeira), sobretudo, serviam
para travessia entre as margens dos grandes rios que dividem seu habitat
tradicional (Pacini, 2001, p. 129),8 para deslocamentos a longa distância e,
em alguma medida, para as atividades pesqueiras9 - de fato, observou em
1962 o antropólogo Schultz (1964c, p. 738), algumas de suas aldeias então
sequer possuíam canoas, dispondo como via de transporte apenas das
trilhas que uniam as aldeias umas às outras, em ambas as margens do
Juruena. De acordo com os informantes rikbaktsa mais velhos, até a década
de 1970, ao menos, subsistiram as picadas que ligavam todas as aldeias,
em particular, as da margem esquerda. Sobre este ponto, comentou o
antropólogo Rinaldo Arruda, cujos trabalhos de campo aconteceram em
meados dos anos 1980:

“Movimentam-se pelas trilhas que recortam seu território em todas as


direções, umas mais ‘batidas’ (de uso mais freqüente) que outras. Algumas
ligam as aldeias entre si, outras são trilhas de caça cujo traçado obedece à
localização de fruteiras, barreiros (locais onde os animais vão lamber o barro
para ingerir sais minerais necessários a seu metabolismo), trilhas de anta,
de veados ou outros animais, cabeceiras de córregos (onde na seca as antas
se refugiam das mutucas, que só aparecem em quantidade nessa estação) e
inúmeros outros recursos exploráveis pelos Rikbaktsa.

8
Numa de suas primeiras expedições, subindo o rio Juruena, o padre Dornstauder
(1975, p. 55) registrou em seu diário, em novembro de 1956: “Às 11 hs.
cortamos um largo poço e um travessão com manchas de pedra e damos com
uma canoa nova de Rikbaktsa, amarrada na margem com cipó. Não era de casca,
mas de madeira talhada a machado. Parece lugar de travessia dos Rikbaktsa.
Grande descoberta saber que os Rikbaktsa aqui atravessam para a margem
esquerda do Juruena [...] Deixo um brinde na canoa rikbaktsa.”
9
A pesca nos rios maiores ganhou importância, entre os Rikbaktsa, após a
introdução dos apetrechos industrializados, o anzol e as linhas de nylon.

98
Laudo antropológico – Processo 2002.36.00.003429-4
2ª Vara da Justiça Federal - Mato Grosso

Há as trilhas que levam às roças, as que levam a bons pontos de pescaria


(fruteiras na margem dos cursos d’água), e as trilhas para tirar borracha
(indo de uma seringueira a outra). Elas se entrelaçam muitas vezes e seu
uso é sempre múltiplo, isto é, levam de um lugar a outro, mas todo seu
trajeto guarda importância localizada, seja para a caça, pesca, coleta; como
pontos de referência geográficos para a memorização de acontecimentos
marcantes, históricos ou míticos, quase sempre lembrados na passagem; ou
como referência para indicar aos outros a localização de acontecimentos
recentes” (Arruda, 1992a, p. 221).

Ainda que se admita, com Marshall Sahlins (1972, p. 32), que a


Antropologia precisaria reavaliar as suas concepções acerca da realidade e
das limitações da “economia dos povos caçadores e coletores”,10 mesmo
assim não seria plausível caracterizar os Rikbaktsa tão-somente por suas
atividades de caça e coleta, posto que parte substantiva de sua alimentação
advém de cultivos diversificados que, ontem como hoje, circundam todos os
seus aldeamentos (o que se pode comprovar pelas fotografias em anexo, de
Harald Schultz na região do Escondido em 1962, publicadas na National
Geographic Magazine; Schultz, 1964b). Numa de suas primeiras expedições,
em novembro de 1956, nas cabeceiras do córrego Grande (hoje,
“Barreirão”), afluente da margem direita do Juruena, por exemplo,
Dornstauder (1975, p. 57) observou a “aldeia do Milho”, assim denominada
devido ao paiol abarrotado de milho já colhido e, na roça, mais milho,
banana, batata-doce, mandioca e “algumas mudas de cana”. Em julho de
1957, na mesma região, a “aldeia da Galinha” onde, ao lado das casas
incendiadas, Dornstauder (idem, p. 88) encontrou uma roça com
“abundância [de] batatas, carás, bananeiras, mandioca braba. As ramas de
mandioca braba e mansa se entrelaçam no ar. Não falta algodão, urucum,
principal artigo do armarinho indígena”.

De fato, antes como agora, em todas as aldeias Rikbaktsa são


encontrados cultivos anuais e, em muitas delas, também pomares com
plantas perenes. Aliás, como vimos acima, a primeira providência ao

10
Para Sahlins, o “esquema cultural” estaria sempre a improvisar uma “dialética
em suas relações com a natureza”. Assim, dirigindo-se à economia dos povos
caçadores e coletores, diz o antropólogo norte-americano: “A cultura, sem
escapar aos constrangimentos ecológicos, pode negá-los, de forma que, a um só
tempo, o sistema traz a marca das condições naturais e a originalidade de uma
resposta social - em sua pobreza, abundância” (Sahlins, 1972, p. 32-33).

99
Laudo antropológico – Processo 2002.36.00.003429-4
2ª Vara da Justiça Federal - Mato Grosso

retornarem ao Escondido em 1985, justamente, foi um grande roçado que


eles abriram na foz do córrego Canoeiro (ou do Dico). No mesmo sentido, as
capoeiras de antigas plantações na terra indígena Escondido, onde ainda
remanescem espécimes de bananeiras e ramas de carás, vistoriadas por
ocasião dos trabalhos periciais, bastariam para testemunhar os seus
pendores agrícolas.

Não lhes cabe, ademais, o rótulo de “nômades”, porque desvirtuaria o


significado próprio que, no estilo de vida dos Rikbaktsa, atribuem aos
deslocamentos entre nichos ecológicos desiguais e espaços sociais
diferenciados. O nomadismo, soi-disant, fenômeno pouco freqüente entre os
povos indígenas das terras baixas sul-americanas, pressupõe um grau
elevado de desapego ou de indeterminação pelo respectivo povo a respeito
de um espaço geográfico vital específico. Ora, não é o que sucede com os
Rikbaktsa, cujos agrupamentos surgem, invariavelmente, arraigados a
zonas territoriais bem definidas, onde residiram seus ancestrais e se
localizam cemitérios, onde aproveitam recursos naturais conhecidos,
fruteiras e outros plantios mais duradouros e excursionam seguidamente,
para caçar, pescar e coletar, e onde reassentam suas habitações a
intervalos pouco dilatados. É o caso, por exemplo, da atual aldeia Babaçu,
situada numa zona juncada de antigas capoeiras, onde os parentes do
cacique Dokta habitavam nos anos 1960 - e alguns de seus antepassados
foram enterrados (Pacini, 2001, p. 40; v. fl. 109 destes autos). Ademais,
como afirmou o perito antropológico Aloir Pacini, no seu laudo ajuntado aos
autos, a toponímia corrente entre os Rikbaktsa serve de “referencial
inequívoco do conhecimento e sentimento de posse dos locais percorridos
por eles, e de sua relação específica com a natureza: nomes de rios e
córregos, observação de animais e plantas da região com [...] seus nomes
tradicionais indicam que são ocupantes históricos do local” (idem, p. 8; v. fl.
77 dos autos).

Ao mesmo tempo em que favorece a interligação entre os diversos


agrupamentos disseminados em todo seu habitat tradicional, favorecendo a
coesão e a identidade das várias “turmas” Rikbaktsa (cfe. Dornstauder,
1975, p. 33), a mobilidade de indivíduos e famílias encontra motivos

100
Laudo antropológico – Processo 2002.36.00.003429-4
2ª Vara da Justiça Federal - Mato Grosso

expressivos na própria ordem social que ali vigora - casamentos, óbitos,


visitas, festas, expedições de caça, pesca e coleta.

A terra indígena Escondido, basicamente, delimita-se pela


triangulação do rio Juruena e seus dois pequenos afluentes, os rios
Santarém e Cristóvão (ou do Noca), interligados por uma linha seca na
altura de suas nascentes. Região tipicamente amazônica, ali predomina a
vegetação primária de floresta tropical. No interior da terra indígena
nascem, ainda, dois córregos, o Escondido e o Canoeiro (ou do Dico), e aí
também aparecem duas estradas, abertas anteriormente para a exploração
de madeira, nos anos oitenta ou noventa (ver croquis abaixo).

Nesta terra indígena localiza-se, atualmente, uma única aldeia


(conhecida como Babaçu, ou Babaçuzal; no laudo pericial realizado em
agosto de 2001, Pacini a denomina “aldeia Jatobá”, cfe. Pacini, 2001, p. 39,
à fl. 108 dos presentes autos, mas adiante se refere à “aldeia Babaçu”,
idem, p. 97, à, fl. 166), próximo ao limite sul. Aí hoje residem sete famílias,
totalizando uma população de trinta e uma pessoas. A infra-estrutura da
aldeia consiste basicamente de casas residenciais, banheiros e lavanderias,
poço artesiano com motor, escola, pequeno posto de saúde, casa para
visitantes e a base do SIVAM; a comunidade é servida por um veículo
próprio (Toyota, modelo Bandeirantes).

A estrada de acesso, a partir de Cotriguaçu, que foi aberta no


passado por madeireiros, segue paralela à divisa sul da terra indígena, rumo
noroeste, até os assentamentos do INCRA. Ainda hoje, em grande medida,
serve à extração de madeira no entorno da da terra indígena, o que resulta
em péssimas condições de tráfego, e seu “abandono” no período das
chuvas. No entorno da terra indígena predomina a atividade madeireira e,
em menor escala, mas em expansão, a criação de gado. A noroeste da terra
indígena está o Projeto de Assentamento Nova Cotriguaçu, dividido em três
núcleos (Nova Esperança, Ouro Verde e Nova União), onde já foram
assentadas mais de mil e duzentas famílias, em lotes de área de 50 e 1000
hectares cada. As principais atividades econômicas são a pecuária, a
agricultura de subsistência (café, arroz, feijão, milho e frutíferas tropicais
como a pupunha) e a extração da madeira.

101
Laudo antropológico – Processo 2002.36.00.003429-4
2ª Vara da Justiça Federal - Mato Grosso

Na oportunidade dos trabalhos periciais, em julho de 2010, devo


notar, não encontrei no interior da terra indígena Escondido quaisquer
atividades de “brancos” ou outros, exceto dos próprios Rikbaktsa e seus
eventuais colaboradores (funcionários da FUNAI, agentes de saúde,
assessores técnicos etc.). Restam, contudo, certos vestígios da ação
pretérita de madeireiros, carreadores e estradas tomadas pela vegetação e
toras apodrecidas em uma ou outra esplanada que registrei no percurso do
caminhamento para a vistoria dos lotes sub judice (ver fotografias em
anexo). Muito provavelmente, temos ali as evidências da invasão de
“fazendeiros e madeireiros” denunciada por lideranças Rikbaktsa à FUNAI,
em março de 1998. Conduzida pelo funcionário Francisco Cavalcante, do
Núcleo de Apoio da FUNAI em Juína, a operação de fiscalização comprovou
a presença nas terras indígenas da madeireira “Berneck” e das fazendas
“Junqueira Vilella”, “Fabrize e “Jaime Laine”:

“Sabendo-se que se tratava de área indígena e não fazendas [...] [membros


da comunidade da gleba Nova União declararam que] a reserva [Escondido]
estava cheia de esplanadas de mogno e cerejeira, e [...] já tinha estrada
aberta pelos madeireiros de Cotriguaçu, que só esperavam a estiagem das
chuvas para fazerem a retirada. Nos informaram ainda que em dias
anteriores vários caminhões carregados de mogno e cerejeira pertencentes à
Madeireira Berneck e outras saíram do interior da reserva. [...]. Ao
chegarmos in loco, concluímos a veracidade das denúncias, com várias toras
de mogno e cerejeira prontas para serem retiradas” (Cavalcante, Francisco
das C. e lideranças Rikbaktsa, “Relatório de vigilância e fiscalização - Área
Indígena Escondido”, Núcleo de Apoio de Juína/FUNAI, março de 1998).

Nas cartas-imagem das terras indígenas Erikpatsa, Japuíra e


Escondido, em anexo, estão plotadas as aldeias e a distribuição de diversos
recursos naturais comumente explorados pelos Rikbaktsa. Dizem eles,
ademais, que toda a extensão da terra indígena Escondido é extremamente
rica em animais de caça, bem como de produtos florestais, como frutos,
sementes, essências e óleos. Dentre estes recursos destacam-se a
castanha-do-Brasil, com copiosos e densos castanhais, de sementes
superiores em tamanho e qualidade, e a taboca jurupará, indispensável à
fabricação de pontas de flecha.

Como as demais sociedades de língua Jê, os Rikbaktsa dividem-se em


duas seções opostas e complementares, segundo um princípio dualista que
lhes serve para a vida cerimonial e social, e como uma chave de

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Laudo antropológico – Processo 2002.36.00.003429-4
2ª Vara da Justiça Federal - Mato Grosso

classificação para todos os seres do universo. De acordo com Mendes dos


Santos (2000, p. 6-8), uma das metades rikbaktsa está referida à arara
amarela ou canindé, “Makwaraktsa” (Ara ararauna), enquanto a outra à
espécie vermelha conhecida como arara cabeçuda, “Hazobiktsa” (Ara
chloroptera). Cada metade se compõe de seis clãs, de filiação patrilinear,
identificados a espécies vegetais e animais.

Dentre as funções da organização dualista rikbaktsa, destaca-se a


regulamentação das alianças matrimoniais, que impede casamentos dentro
de uma mesma metade - a infração à regra exogâmica constitui motivo de
muita vergonha para os cônjuges e suas famílias. Com efeito, dos cento e
vinte e um casais recenseados por Mendes dos Santos em 2000, 72% deles
era cônjuges pertencentes a metades opostas (idem, p. 8).

METADES CLÃS ASSOCIAÇÃO


Makwaraktsa Arara amarela (amarelo "legítimo", "puro")
Tsikbaktsa Arara vermelha
Bitsitsiktsa Ibirici (fruto silvestre)
MAKWARAKTSA Mybaiknytsa Macaco coatá
Dururuktsa Animal feroz parecido com onça
Wohiyktsa "Laranjinha do mato" (fruto silvestre)
Hazobiktsa Arara cabeçuda
Umahãtsa Figueira (planta silvestre)
Tsãrãtsa Macuquinho (pássaro)
HAZOBIKTSA Tsawaratsa Inajá (palmácea)
Boroktsa Maboro (árvore utilizada para construção)
Zeõhõ pyrytsa Jenipapo

Tabela 6: Metades e clãs associados


(Mendes dos Santos, 2000, p. 7)

Os eventos cerimoniais são ocasiões privilegiadas para a


manifestação dessas divisões, quando os indivíduos se pintam com seus
traços distintivos - tanto nos rituais dedicados ao ciclo agrícola (as festas
"da derrubada" no tempo da seca, "da chuva" e "do milho novo"), quanto os
relacionados ao reino animal (os pequenos ritos, limitados quase ao grupo
doméstico, a furação dos lóbulos e do septo nasal, a furação de dentes de
animais, de penas de gavião e de sementes, a nominação etc.) (idem, p.
12-13). Num e noutro caso, os clãs são diferenciados pelos papéis que ali
exercem: além das pinturas corporais e adornos distintivos, os membros
dos clãs cumprem funções de busca, preparo e oferta de alimentos, que

103
Laudo antropológico – Processo 2002.36.00.003429-4
2ª Vara da Justiça Federal - Mato Grosso

garantem a realização das cerimônias.11 De um modo geral, os da metade


Hazobiktsa exercem o papel de "festeiros", servem os alimentos e fabricam
e afinam as flautas - que, por sua vez, são experimentadas pelos
representantes da metade Makwaraktsa:

“Sempre insistem em dizer que makwaraktsa, tsikbaktsatsa e hazobiktsa


são os segmentos mais importantes. E esta classificação refere-se
essencialmente a questões cerimoniais. A participação e a organização de
festas (e toda a socialidade que elas envolvem) é algo privilegiado na
classificação de clãs e metades, uma expressão fundamental da lógica que
os articula. Ouve-se bastante, de homens e mulheres makwaraktsa, que os
hazobiktsa são mais importantes, porque nas festas vêm à frente e dão
sempre início às tarefas, como rachar lenha, por exemplo” (Athila, 2006, p.
275-276).

Para as alianças matrimoniais, segundo Hahn (1976, p. 60-61),


casam-se na metade oposta, sem qualquer prescrição ou escolha
preferencial, apenas evitando pessoas “genealogicamente próximas de sua
própria mãe”. Por sua vez, a regra de residência uxorilocal (ou matrilocal),
que os Rikbaktsa compartilham com outros povos Jê, implica no
deslocamento do genro, separado de seu grupo doméstico e posto a serviço
de seu sogro. Após o casamento, o marido vai morar com a esposa e os
parentes consangüíneos dela - seja sob o mesmo teto ou uma nova moradia
na aldeia do sogro. A uxorilocalidade, desta maneira, funciona como um
mecanismo que leva à dispersão dos parentes masculinos pelas diferentes
aldeias onde contraíram matrimônio - temos aqui, portanto, um motivo a
mais para que se amiúdem as visitas que as famílias trocam entre si.

Num outro sentido, também os óbitos forçavam o deslocamento das


parentelas (Tolksdorf, 1996, p. 111; Pacini, 2001, p. 48): nos ritos
funerários, costumavam no passado destruir os pertences do morto,
enterrar seu corpo no chão da casa e queimá-la, para depois buscar outro
local de moradia:

“Quando uma pessoa morre todas as suas coisas pessoais devem ser
queimadas e ela é enterrada [hoje] em cemitério nas proximidades de sua
aldeia. Certos bens de procedência civilizada como machados, armas de
fogo, rádios e relógios escapam da destruição, sendo apropriados pelos

11
Para uma etnografia dos rituais, ver Arruda, 1992a, p.315-353.

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Laudo antropológico – Processo 2002.36.00.003429-4
2ª Vara da Justiça Federal - Mato Grosso

parentes próximos do morto. Porém, as roupas, colares, adereços e outros


objetos de uso pessoal são destruídos.
Antigamente, diziam que o morto era enterrado no chão da maloca, a qual
também devia ser queimada. Por isso, havia o costume de construir uma
maloca menor para abrigar uma pessoa muito doente, preservando a maloca
de moradia de uma destruição precoce.
Os parentes do morto com os quais ele vivia raspam a cabeça e, depois dos
ritos funerários, mudam de casa e de aldeia, passando uma temporada
numa aldeia mais distante. Só voltam quando os cabelos estiverem
crescidos de novo. Algumas vezes, abandonam definitivamente a aldeia. Há
um temor generalizado de que o morto retorne à aldeia em que vivia,
reencarnado num animal feroz, à procura de vingança contra os parentes
vivos” (Arruda, 1992a, p. 347-348)

Na opinião de Schultz (1964a, p. 235), as antigas aldeias rikbaktsa


comportariam uma única moradia (wahoro) e, às vezes, uma casa de
solteiros. Para Hahn (idem, p. 63), os dados não pareciam conclusivos:
parte delas comportaria uma única casa coberta de palha (“maloca”),
enquanto outras, duas ou mais, além de uma casa dos solteiros (chamada
makyry, que os Rikbaktsa traduzem por “rodeio”). Em cada casa, uma
família extensa: o dono da casa, sua esposa, filhos e filhas solteiros, filhas
casadas, genros, netos e, eventualmente, algum outro parente (Arruda,
1992a, p. 2445). Nos postos missionários, contudo, as residências vieram a
abrigar apenas as famílias nucleares.

Nos apontamentos concisos de Dornstauder (1975) a respeito dos


aldeamentos que visitou entre 1956 e 1963, de fato, verificamos essas
mesmas variações, de um modelo mínimo com moradia única, que também
abrigava um espaço estritamente masculino,12 a aldeias maiores, com três
casas e a casa dos solteiros separada. Em novembro de 1956, na margem
direita do Juruena, o missionário encontrou um “acampamento velho de 7 a
8 ranchos” (p. 51). Poucos dias depois, já no córrego Grande (hoje,
“Barreirão”), a “aldeia Velha”: “roças, uma casa grande e um rancho ao
lado”, e algumas sepulturas, “3 ou 4 elevações fracamente abobadadas com
folhas e alguns paus pesados em cima” (p. 52). Nas cabeceiras do mesmo
córrego, a aldeia do Milho, “duas casas grandes desabitadas” e um paiol
abarrotado, e, pouco adiante, a aldeia da Galinha, “outra aldeia desabitada”,

12
O “recinto dos homens”, que Schultz (1964a, p. 266) observou nas “malocas” de
Ipatoto e Barari.

105
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com roça de batata e banana (p. 57). Em julho de 1957, na mesma região
do divisor Arinos-Juruena, uma aldeia com “um grande tapiri no meio do
mato, com um terreirozinho na frente”, dentro do qual nove redes (p. 89;
ver Figuras 8 e 9 acima). Em janeiro de 1958, nas cabeceiras do córrego
Sararé (hoje, “Tucunaré”), afluente da margem esquerda do rio Arinos, uma
aldeia com “quatro casas menores do que as comuns e mais um rancho
aberto” (na primeira casa, “três redes esticadas, quatro enroladas”), e bem
perto, “uma grande casa nova com o rancho aberto em frente” e uma “casa
dos homens” (p. 107, 109; v. mapa, p. 149). Em setembro de 1959, a
aldeia de Iocondi, na margem esquerda do rio Juruena, “uma verdadeira
aldeia: duas grandes casas e a casa dos homens, servidas por caminhos
largos e limpos, mata alta, muito babaçu” (p. 175). Pouco mais ao norte,
uma aldeia ainda maior: “três casas grandes e uma casa dos homens”
abandonadas, “com sepulturas novas”; e nas imediações, o acampamento
de Icoma, “uma pracinha com seis ranchos” (p. 175). E, em maio de 1960,
na margem esquerda do baixo Juruena, a aldeia de Moikxau, “uma casa
comprida, com o lugar reservado aos homens, numa das extremidades” (p.
180).

Quanto ao que se passava no interior da “maloca”, diz Schultz


(1964a, p. 237):

“A maloca é o centro da vida do Canoeiro. Aqui sente-se abrigado e


protegido dos insetos hematófagos. A criança sai raras vezes da sua
escuridão em busca de lenha e água, para a roça e coletar frutas na selva;
pouco brinca lá fora [...] O número de famílias que vivem na maloca é
assinalado pelo número de fogueiras acesas. Ao lado das fogueiras atam as
redes, nas quais as mulheres passam a maior parte do dia sentadas,
assando e cozinhando, fiando ou executando outros trabalhos manuais. [...]
Todos dormem em redes enodadas, de fios de algodão [...] . Os membros
das famílias biológicas juntam suas redes atando-as em fileira. Os pequenos
dormem ao lado dos pais, e, os lactentes com a mãe [...] As redes dos
rapazes estavam colocadas separadamente num canto retangular dentro da
maloca. Lá também se reuniam exclusivamente homens, recebiam e
alojavam os visitantes, preparavam assados, confeccionavam flechas e
outros artefatos e passavam a maior parte do dia” (idem, p. 237).

Dornstauder teria visitado quarenta e dois acampamentos e aldeias


(Hahn, 1976, p. 33); destes, cerca de quinze ainda ativos em 1962,
disseminados por todo o vale do médio Juruena (Pacini, 1999, p. 7, nota
21). A população dos aldeamentos, então, anotou Dornstauder (1975),

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Laudo antropológico – Processo 2002.36.00.003429-4
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variava entre três faixas: os menores, de cinco a nove pessoas (a “aldeia da


Fala”, no divisor Juruena-Arinos, com nove habitantes, p. 89); os médios,
de dez a quinze (a aldeia de Ricoteti, no córrego Aguaçu, afluente da
margem esquerda do rio Juruena, com treze habitantes, p. 119); e os
maiores, de vinte a vinte e cinco (a aldeia de Icoma, no baixo Juruena, com
vinte e dois habitantes, p. 178).

O contingente populacional pré-contato, igualmente, tem merecido


avaliações controversas. Levando em conta o que lhe disseram os Rikbaktsa
no início da década de 1970 e as notícias sobre a letalidade das epidemias,
Hahn (1981, p. 86) estimou em cerca de mil pessoas a população Rikbaktsa
original. Na opinião de Arruda (1987b, p. 313), cujas pesquisas deram-se
na década seguinte, as epidemias “durante e logo após a pacificação
dizimaram 75% dos cerca de 1.280 sobreviventes da guerra contra os
seringueiros”.

Mais realista, talvez, porque embasado na própria experiência pessoal


e nas anotações de seus diários de campo, o jesuíta Dornstauder (1975, p.
28) calculou a população rikbaktsa em “400 a 500 pessoas”. Assim também
o padre Moura (1975, p. 7), uma confirmação de que nos primeiros anos da
“pacificação” o contingente populacional se reduziu à metade:

“com aproximadamente 500 índios, antes da guerra seringueira, [o grupo


Rikbaktsa] agora aprisionado na confluência dos rios Sangue e Juruena, em
apertado espaço, tendo de confrontar-se com facções litigiosas internas,
antes separadas por largos vazios demográficos. Ainda fervem as
inconsistências políticas internas, se bem que dominadas, na Reserva, pelo
experimentado Tapema [um dos líderes mais influentes], auxiliado pelos
missionários jesuítas [...] sabendo-se também que até hoje [1975] o grupo
Rikbaktsa na Reserva vive às voltas com problemas de saúde, se bem que a
dizimação foi sustada a duras penas. Reduzidos a 250 indivíduos, agora
cresce a população rikbaktsa.”

Para o ano de 1973, o antropólogo Hahn apresentou um quadro com


a distribuição censitária dos Rikbaktsa, aqui resumida:

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Área Agrupamento População

RESERVA Barranco Vermelho 60


Primeira 65
Segunda 30
Aldeia Nova 43
Acampamento 1 6
Acampamento 3 6
Acampamento 4 5
Acampamento 5 4
Acampamento 8 8
Acampamento 9 5
ESCONDIDO Posto 14
Isolados 1 23
Isolados 2 8
FORA DE ÁREA Fazendas 8
TOTAL 285
Tabela 7: População Rikbaktsa, 1973
(Hahn, 1976, p. 77)

A partir da década de 1980, melhorias no atendimento à saúde (a


enfermaria no Barranco Vermelho, a vacinação preventiva e a
disponibilidade de hospital em Diamantino; Arruda, 1992a, p. 243-244),
propiciaram a recuperação demográfica em taxas elevadas: de 1989 e
1998, entre 5,3 a 5,5% de crescimento ao ano; e de 1999 a 2010, cerca de
3,3% ao ano. Os dados demográficos, recolhidos em diferentes fontes,
encontram-se consolidados no gráfico e na tabela a seguir.

1600

1400
Série demográfica Rikbaktsa
1200

1000

800

600
População

400

200

0
1959

1962

1965

1968

1971

1974

1977

1980

1983

1986

1989

1992

1995

1998

2001

2004

2007

2010

Gráfico 1: Série demográfica, 1957-2010

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Ano População Fonte

1957 500 Dornstauder, 1975, p. 28


1964 300 Schwade (MIA), 1964
1969 300 MIA/SIL (apud Arruda, 1992a, p. 244)
1970 254 Schmidt, 1971b; 1971d
1972 282 Schmidt, 1972f
1973 285 Hahn, 1976, p. 77
1979 380 MIA (apud Arruda, 1992a, p. 244)
1981 411 B. Meliá (MIA; apud Pacini, 1999, p. 190)
1984 466 Loebens (MIA), 1984
1985 511 MIA (apud Arruda, 1992a, p. 244)
1986 514 MIA (apud Arruda, 1992a, p. 244)
1987 520 MIA (apud Arruda, 1992a, p. 244)
1989 564 Bettio (MIA), 1989
1993 700 MIA (apud Arruda, 1998)
1998 909 Arruda, 1998
2001 933 Athila, 2006, Anexo 3, p. 478
2003 1060 PACA (apud Mendes dos Santos, 2004)
2005 1088 FUNASA (apud Pires, 2009, p. 23)
2006 1137 FUNASA (apud Pires, 2009, p. 23)
2007 1178 FUNASA (apud Pires, 2009, p. 23)
2008 1231 FUNASA (apud Pires, 2009, p. 23)
2009 1322 FUNASA, 2010
2010 1338 FUNASA, 2010

Tabela 8: Dados populacionais Rikbaktsa, 1957-2010

Concomitante ao aumento demográfico, o número de aldeias também


cresceu, muito embora não seja este o único motivo para não perdurar a
aglutinação forçada da população Rikbaktsa em torno aos postos
missionários. Já em 1965, por exemplo, havia se formado a aldeia da
Segunda (Cachoeira) sob a liderança de Naik, e em 1968, Geraldino Matsi,
seu irmão Salvador Okodoby e Amawi fundaram a aldeia da Primeira,
ambas no trecho encachoeirado do rio Juruena, conhecido por “Águas
Bravas” (Pacini, 2001, p. 47-48).

Com a retomada de Japuíra, as aldeias maiores desmembraram-se,


em busca de áreas mais distantes, com caça, pesca e demais recursos
florestais mais abundantes. De início, cada família extensa tratou de
estabelecer seu próprio “barraco de seringa”, distante da aldeia: uma
“maloca”, utilizada para curtas temporadas, especialmente na seca, nos
moldes da excursão anual que antes praticavam - além da estrada de

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seringa, ali plantavam uma pequena roça. Em fins dos anos 1980, muitos
desses locais se converteriam nas atuais aldeias. Ainda que sob novas
condições, a partir de então os Rikbaktsa conseguiram recompor algo de
sua própria dinâmica sócio-política (Arruda, 1992a, p. 251-254).

Das trinta e quatro aldeias existentes em 2004, poucas possuíam


mais de 40 habitantes. A menor, "Pantanal", contava com apenas duas
pessoas; a maior, "Pé de Mutum", com 85 pessoas, organizadas em 17
grupos familiares (marido, mulher e filhos solteiros). Se a longevidade das
aldeias demonstra-se muito variável, o retorno às regiões de Japuíra e
Escondido possibilitou aos Rikbaktsa rearticular um padrão próprio de
assentamento. As aldeias mais antigas são da década de 1940, e as mais
recentes de 1998 (Mendes dos Santos, 2000, p. 3):

ALDEIA FUNDAÇÃO POPULAÇÃO FAMÍLIAS CHEFE

Barranco Vermelho 1958 32 6


Boa Esperança 1992 29 6
Tarcísio
Cabeceirinha 1950 26 4
Divisa 1947 30 6
Primavera 1969 50 12
Primavera d'Oeste 1992 8 1
Pedregal 1997 8 2 Haroldo
União 1996 13 2
Laranjal 1978 21 3
Curva 1972 52 10
Rafael
Curvinha 1975 11 3
Segurança 1968 7 12
Daniel
Segunda 1965 - -
Beira Rio I 1973 60 11
Novo Paraíso 1980 14 2
Sykmy
Pantanal 1998 10 1
Beira Rio II - - -
Areia Branca 1996 10 3 Pakai
Nova 1972 61 12
João Tsaputai
Velha 1971 23 3
Pedra Bonita 1993 26 6 -
Seringal I 1975 8 2
Seringal II - 7 1
Raimundo
Santa Rita 1985 32 5
"Álvaro" - 8 1
Rio do Sangue
1988 32 6 Sebastião
(Escolinha)
Três Irmãos 1985 11 2
Ivan
Jatobá 1989 34 7
Pé de Mutum 1985 87 16 Francisco
Cerejeira 1987 75 9
Amauri
Japuíra 1962 16 3
Arinos (São Vicente) - 13 3 Vicente
Babaçu (Escondido) 1998 12 2 Dokta
Tabela 9: Dinâmica residencial, 2000
(Mendes dos Santos, 2000, p. 4-5; Pacini, 2001, p. 50-51)

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Grosso modo, o sistema de representação política ("cacique", "chefe"


ou "capitão") não se restringe ao grupo local, mas sem ofuscar a figura do
representante da aldeia. Assim, uma aldeia está associada a outras,
formando uma unidade maior, política e territorial. Os grupos locais
existentes em 2000 compunham quinze agrupamentos ou conglomerados.
Em geral, as “aldeias-polo” são as mais antigas, com maior contingente
populacional e infra-estrutura - farmácia, escola, gerador de energia, etc.
(Mendes dos Santos, 2000, p. 3-4). A seguir, o quadro demográfico por
aldeia e conglomerado, para o ano 2004:

Terra Indígena Conglomerado Aldeia População

Barranco Vermelho 60
Boa Esperança 28
Barranco Vermelho Cabeceirinha 28
(189 pessoas) Divisa 36
Escolinha (Rio do Sangue) 37
Primavera 84
Laranjal 38
Primavera Primavera d’Oeste 11
(170 pessoas) União 10
Vale do Sol 8
Pedregal 9
ERIKPATSA Miguel 10
(771 pessoas) Curva 53
Curvinha 17
Curva Segunda 78
(226 pessoas) Segurança 15
Novo Paraíso 15
Beira Rio 48
Pedra Bonita 31
Pedra Bonita Seringal I 17
(99 pessoas) Seringal II 9
Santa Rita 42
Nova 44
Nova
Velha 27
(87 pessoas)
Areia Branca 16
Pé-de-Mutum 85
Pé-de-Mutum Jussara 6
(162 pessoas) Divisa Marcolino 19
JAPUÍRA Jatobá 52
(204 pessoas) Japuíra 17
Japuíra Castanhal 16
(42 pessoas) Pantanal 2
São Vicente - Arinos 7
Escondido
ESCONDIDO Babaçu 42
(42 pessoas)
TOTAL 1017

Tabela 10: População por terra indígena e aldeia, 2004


(Mendes dos Santos, 2004, p. 19)

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Também na esfera política, significativas mudanças aconteceram nas


últimas décadas. Em 1986, os Rikbaktsa criaram um Conselho de
Representantes para levar suas reivindicações a autoridades e órgãos
públicos:

“Quanto à MIA [Missão Anchieta], viu-se relativamente enfraquecida em sua


posição frente aos índios, dadas as dificuldades que encontrou para
equacionar adequadamente os problemas de saúde. Além disso, a luta pela
terra ampliou o leque de contatos e alianças dos Rikbaktsa, quebrando de
certa forma o monopólio da intermediação. Novas lideranças emergiram,
passando a exigir e a assumir cada vez mais as funções antes exclusivas dos
missionários; foi o caso do grupo de professores e o do Conselho de
Representantes do povo Rikbaktsa. Este último, rebatizado no final de 1989
como ‘Conselho Jurídico do Povo Rikbaktsa’, ficou encarregado de todas as
relações externas. Tensões, conflitos, negociações, ambigüidades mas,
principalmente, reavaliações permanentes marcaram o período que se
seguiria” (Arruda, 1992a, p. 215).

Em 1995, eles fundaram a Associação Indígena Rikbaktsa - ASIRIK,


através da qual pretendiam viabilizar alternativas econômicas ao modelo de
ocupação regional marcado pelo desmatamento extensivo. Como primeira
iniciativa, a recém-criada Associação, em parceria com o Instituto de Apoio
ao Desenvolvimento Humano e do Meio Ambiente (TRÓPICOS), firmou
contrato com o Programa de Apoio Direto as Iniciativas Comunitárias
(PADIC/PRODEAGRO) para a instalação de uma fábrica de processamento e
comercialização do palmito - além da fabricação industrial do produto, o
projeto abrangia: a) implantação de viveiros para produção de palmáceas;
b) reflorestamento de áreas desmatadas; c) realização de cursos de
formação para manejo e beneficiamento; d) organização institucional e
administração da ASIRIK (Mendes dos Santos, p. 21).

O processo de escolarização, por sua vez, teve início ainda no


Internato de Utiariti, onde muitos Rikbaktsa viveram parte de sua infância e
juventude até seu fechamento em 1970. No posto Barranco Vermelho, a
escola das freiras, que funcionou até 1979, ensinava matemática,
português, geografia, história e ciências. Em 1981, a escola foi reaberta,
com a contratação de professores leigos, dedicados à formação de jovens e
adultos - estes, a partir daí, ministrariam a educação escolar às crianças,
centrada na alfabetização e no ensino da matemática. Aos poucos, formou-

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se um corpo de professores indígenas, que hoje atende as escolas de ensino


fundamental instaladas em, praticamente, todas as aldeias Rikbaktsa.
Muitos professores Rikbaktsa são hoje formados em Magistério de Segundo
Grau, graças ao Projeto Tucum do Governo do Estado, com o respaldo
institucional do Conselho de Educação Escolar Indígena de Mato Grosso;
outros, ainda, cursaram ou estão cursando Licenciatura específica, de nível
superior, na UNEMAT - Universidade Estadual do Mato Grosso.

De um ponto de vista mais geral, de acordo com Hahn (1976, p. 27),


o modo de vida Rikbaktsa compreenderia uma distinção relevante entre “a
região de residência, incluindo as casas da aldeia e suas imediações, num
raio de não mais que poucos dias de caminhada, onde normalmente
acontece a caça e a coleta, e uma vasta região de usufruto que os Rikbaktsa
percorrem durante a estação seca (abril a novembro), geralmente com o
propósito expresso de coletar taquara para flecha e caçar aves grandes para
obter penas de flecha”. De modo que, continua o antropólogo (idem, p. 50-
51), os padrões tradicionais de subsistência e de residência sobrepunham-se
ao calendário do clima (estio e chuva), às variações estacionais da flora e da
fauna e ao ciclo agrícola. Na seca (de maio a novembro), os acampamentos
menores, a derrubada e queimada para as novas roças, a pesca com timbó
e arco e flecha, a busca de ponta de flecha e taquara, as festa da
derrubada; na estação chuvosa (de dezembro a abril), a vida nas aldeias, a
coleta de castanha, a colheita do milho e as festas eventuais (idem, p. 52).

Entre maio e junho, cessadas as chuvas, os homens limpavam as


capoeiras ou derrubavam novos trechos de floresta. Ao fim da derrubada,
uma celebração, que o antropólogo assim descreveu:

“os seis homens que viviam na aldeia foram caçar no dia anterior, enquanto
todas as mulheres começaram a cozinhar na casa do homem mais velho, um
líder cuja roça estava sendo preparada. No dia seguinte, os homens
gastaram a manhã derrubando árvores maiores que restavam, tocavam uma
corneta quando as árvores caíam, enquanto as mulheres terminavam de
preparar a comida. Então todos os petiscos preparados [...] foram trazidos
ao makyry (a casa de todos os rapazes solteiros, e local de encontro de
todos os homens [hoje, conhecida também por “rodeio”]) onde foram
redistribuídos às diferentes famílias. Mais foi deixado no makyry do que
distribuído. A festa prosseguiu, mas sem as danças que acompanham as
demais cerimônias” (Hahn, 1976, p. 53).

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MESES

Nov Dez Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out
início da estação
estação chuvosa estação seca final da estação seca
chuvosa
pesca de peneira em
maior permanência plantações de milho fofo
engorda de macacos poços dos córregos
na aldeia e outros cultivares
esvaziados
danças ocasionais que homem planta a batata-
coleta de castanha, redundam na festa de doce (zodo e zodospu) - a
derrubada de roças
inajá e pequi fechamento da estação mulher colhe, mas o
chuvosa homem pode ajudar
homem planta o milho-
colheita de milho e
coleta de castanha e festa de derrubada fofo (wanatsitsa), mas a
outros cultivares
outros produtos mulher pode plantar se
(dez. e jan.)
ele estiver viajando
festa do milho fofo flores de angelim de queima de roças coleta de patauá, bacaba,
(dez. e jan.) saia (tsorõrõ) buriti
expedições em busca de
pesca (veneno
pesca (veneno (ximbua pontas de flechas, penas,
(ximbua batsitsak),
batsitsak), arco e conchas e animais para piracema
arco e flecha,
flecha, linhada) criação (no passado,
linhada)
inimigos)
caça (arco e flecha, caça (arco e flecha, caça (arco e flecha, arma
coleta
arma de fogo) arma de fogo) de fogo)
nominação, furação de
orelha e nariz, caça (arco e flecha, arma
escarificações e de fogo)
tatuagens

Tabela 11: Atividades sazonais


(Athila, 2006, p. 476)

Terminada a derrubada, a maior parte das famílias saía a excursionar


durante dois ou três meses, “buscando pontas e canas de flecha, penas de
pássaros para seus enfeites, castanha, colhendo mel, frutos silvestres,
tubérculos, ervas medicinais, ovos de tracajá, caçando, pescando e
explorando o território” - na aldeia, ficavam apenas os mais velhos e os
doentes (Arruda, 1992a, p. 279-280):

“Nesta marcha através da selva vão as famílias inteiras. Cada um leva sua
rede de dormir, seu arco e flechas e paus ignígenos. As mulheres carregam
cestos cheios de utensílio de cozinha, e víveres para os primeiros dias. Por
cima dos cestos, as mães levam seus filhos pequenos, e os lactentes na
tipóia” (Schultz, 1964a, p. 253).

Na volta, a queimada, a coivara e, com as primeiras chuvas, a


semeadura. De acordo com Schultz (1964a, p. 253), os Rikbaktsa faziam
anualmente um novo roçado, próximo da aldeia, mas continuavam a colher
batata e bananas nas roças antigas. Ao que parece, o sistema agrícola não
se alterou significativamente, afora a introdução de novas espécies, como o

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arroz e o feijão; e nos pomares, abacaxi, limão, laranja, mexerica, manga,


pupunha e várias outras fruteiras:

“Os Rikbaktsa plantam produtos nativos, de tradição própria, como o cará, a


mandioca, uma espécie de feijão fava, bananas do tipo roxo, prata, ourinho
e um tipo de banana da terra. Dizem [...] que o canavial para fazer garapa e
melado também é tradicional e muito usado, já que a coleta de mel fica cada
vez mais escassa. A plantação de milho fofo, tradicionalmente cultivado
pelos Rikbaktsa, é fundamental para as festas, principalmente na época da
chuva, quando fazem a festa do milho verde [...]. Os vários tipos de batata-
doce nativos são mais importantes para as festas na seca” (Pacini, 2001, p.
59).

Como esclareci acima, por ocasião dos trabalhos periciais, além dos
roçados que circundam a aldeia Babaçu, verifiquei nas cabeceiras do
córrego Canoeiro (Dico) a existência de capoeiras de antigas aldeias e
roças: uma, a quatrocentos metros ao sul, onde resistem bananeiras de
variadas espécies; e outra, ao norte, cerca de mil e duzentos metros, onde
também rebrotaram bananeiras e se avistam os esteios de velhas “malocas”
(ver fotografias em anexo). Além destas, localizei uma terceira capoeira a
cerca de sete mil metros da aldeia Babaçu, desta feita um largo trecho
tomado pela vegetação secundária - portanto, nas imediações da área ora
sub judice.

A caça é uma atividade masculina, por excelência. Embora muitos


tenham cartucheiras e rifles calibre 22, todos os homens e rapazes possuem
e sabem usar arco e flecha, sobretudo os mais velhos:

“Mestres na arte de detecção, aproximação e dissimulação, acabam sendo


melhor sucedidos com a flecha que, silenciosa e certeira, abate o animal
sem que os outros [animais] sejam alertados e fujam, como ocorre no caso
das armas de fogo” (Arruda, 1992a, p. 289).

Caçador e provedor da família, o prestígio dos homens depende da


caça, de sua generosidade e seu bom humor: “Um homem nervoso,
impaciente, mesquinho, invejoso nunca é um bom caçador, provedor e
guerreiro, sendo fonte permanente de tensão social”, adverte Arruda (idem,
ibidem). Ao lado dos conhecimentos minuciosos sobre os hábitos e as
características dos animais, suas fontes de alimentação, formas de
locomoção, etc., os caçadores precisam de sentidos apurados para distinguir
sons, cheiros e rastros enquanto percorrem, normalmente em duplas, as

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trilhas habituais de caça que partem da aldeia e seguem em várias direções.


Dentre as técnicas usuais, imitam filhotes ou presas típicas, fazem
esconderijos, fazem “cevas”, esperas etc. (idem, p. 290-293). Abaixo, a
tabela de comestibilidade das diferentes espécies animais, organizada pela
antropóloga Adriana Athila (2006).

ESPÉCIES ANIMAIS COMESTÍVEL?


MAMÍFEROS
Tapiridae
- anta (Tapirus terrestres) (piku) Sim. Comestibilidade diferenciada por idades e partes da anta. Gordura interdita para meninos a partir de
12 anos. Mulheres em amamentação não devem comer ipewy (barrigueira dela), pois o leite fica “preso”.
Ijapok (rabo dela) e itõrõ (vagina) só velhos comem. Irikdo (seu pênis) outros homens cortam e jogam fora.
Ipirik (parte do pescoço com parte do osso da coluna) mulher grávida não pode comer, “a criança só sobe,
demora a nascer”, e nem homem que esteja com mulher grávida.
Tayassuidae
- queixada (Tayassu peccari) Sim. Gordura interdita para meninos a partir de 12 anos.
(parahaze)
- caetetu (Tayassu tajacu) (pyrikto) Sim. Restrições da gordura para rapazes e moças.
Cervidae
- veado vermelho (Mazama sp.) Não com exceções. Dificilmente comem.
(hozipyryk tsaririta)
- veado cinzento (Mazama sp.) Não.
(hozipyryk iywywyta)
- veado branco (Mazama sp.) Sim.
(hozippyryk ibarazata)
Hydrochaeridae
- capivara (Hydrochaeris Não. Tsitoskarẽta. “Fedido”.
hydrochaeris) (wẽre)
Agoutidae Sim. Exceção entre os animais “noturnos”.
- paca (Agouti paca) (wotyk)
Dasyproctidae
- cotia (Dasyprocta) (sokoro) Sim.
Erethizontidae
- ouriço-cacheiro (Coendu sp.) Sim com exceções. Não é usual, “dá medo”.
(irizik/ “macaco ouriço”)
Muridae, Echymidae
- ratão (tohorazi) Não.
- rato (toho) Não.
Sciuridae
- caxinguelê (Sciuridae sp.) Sim.
Cebidae
- guariba/bugio (Alouatta) Sim.
(dirik/diriny)
- macaco-prego (Cebus) (boa) Sim.
- macaco-coatá (Ateles) (ereme) Sim.
- cuxiu (Chriropotes) (Fuita) Sim.
- macaco-de-cheiro (Saimiri Não. Tsitoskarẽta. “Fedido”
Sciureus) (bisik)
- macaco paraguaçú (Pithecia Sim.
monachus) (boaza)
- macaco barrigudo (Lagothrix Sim.
lagotricha) (eremeza)
- macaco-da-noite (akwany / Não.
unoboatsa /tsidik)
Callitrichidae
- japuçá ou macaco zogue-zogue” Sim.
(tobopyry)
Procyonidae
- quati (Nasua nasua) (afwi) Sim. Identificado a macacos.
Canidae
- cachorro-do-mato (Atelocynus Não. Caçam para tirar e furar os dentes.
microtis) e outro tipo (não
identificado) (tsomykmy e parini
pazeze)

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ESPÉCIES ANIMAIS COMESTÍVEL?


Mustelidae
- irara (Eira barbara)(ozo) Não. Caçam para tirar e furar os dentes.
- ariranha (Pteronura brasiliensis) Não. Caçam para tirar e furar os dentes.
(wyãkara)
- lontra (Lutra sp.) (izikny) Não.
Felidae
- onça pintada (Panthera onca) Não. Caçam para tirar e furar os dentes.
(parini ipydydykta ou zubakata)
- onça preta (var. melânica) (parini Não. Caçam para tirar e furar os dentes.
nioktsĩzita)
- onça parda/suçuarana (Felis Não. Caçam para tirar e furar os dentes.
concolor) (parini tsaririta) e (parini
tsaririta põrotsakta/ “com lombo
preto”)
- jaguatirica (Felis pardalis)(parini Não. Caçam para tirar e furar os dentes.
iharatoata)
- jaguarundi (parini iharatoata Não. Caçam para tirar e furar os dentes.
bisikborotsa)
Myrmecophagidae
- tamanduá-bandeira Não comem nenhuma espécie de tamanduá. Batsisapy “feio, inadequado”. “Amigo de onça”.
(Myrmecophaga tridactyla) (zono)
- tamanduá-mirim (Tamandua Idem.
tetradactyla)
Bradypodidae
- preguiça (Bradipus sp.) Não, com exceções. Tem “espinhos”. “Avô dos Rikbaktsa”.
(zarakuruk / diri)
Dasypodidae
- tatu canastra (Priodontes Não. “Batsisapy”. “Feio, inadequado”. Muzuza.
maximus) (tsamydoho)
- tatu-quinze-quilos (Dasypus Sim. Gordura interdita para meninos a partir de 12 anos.
kapplen) (piu babatu)
- tatu-galinha (Dasypus Sim.
novemcinctus)(piu pyry)
- tatu pequenininho (não Sim.
identificado) (kĩu kĩu)
Didelphidae
- gambá (Didelphis sp.) (Harãmy Não comem. Mijo fedido, tsitoskarẽta. Se encontrar tem que matar. Muzuza
pehok)
- gambá-de-rabo-liso/pelo duro Não. Batsisapy, “feio, inadequado”, tsitoskarẽta, “fedido”.
(Didelphis sp.) (Tsapik ou Harãmy
zihydik)
Noctilionidae
- morcego (byrizuk) Não. Fazem okyry do pênis, para pessoa ficar louca.
- morcego grande, hematófago Idem.
(kokotai)
RÉPTEIS
- jacarés Não comem nenhum jacaré.
Jacaré (apoheryk) muzuza “agoura”, batsisapy “feio, inadequado”. Não se pode nem matar. Se come o
filho fica “murcho”, não engorda.
Têm desprezo alimentar por calangos e afins, comentando sempre sobre a alimentação dos Nambikwara.
Citam puzeze (jacaré-d’água); tsiktsarabobo (lagarto d’água, camaleão[imitado nas festas] ); zamo
(lagartixa); tsikaworyk (lagarto grande, gosta de ovo de galinha); awyri (lagartixa pequena); wamo (jacaré
grande); kyryiryk ou apoheryk tsibik (jacaré pequeno e “brabo”, é sparitsa, fica na lama mole no fundo do
córrego, só com a cabeça para fora. Tsitoskarẽta, “fedido”. Itsikmanamai (papavento riscasdinho)
- cobras Não comem nenhuma cobra. myhyrikoso (assombração), todas são batsisapy (feia, inadequado).
Se encontram e, principalmente, se mordem a pessoa, têm que matar. Deve-se também enterrar bem,
para que seu “osso” não machuque ninguém (é como se ele permanecesse “ativo”). Citam um homem que
morreu por isso; o “osso” finca no pé e atinge toda a perna.
Se tomam chicha de “criança nova” (feita pela mãe da criança) e depois que “esquecem”, vão ao mato, há
uma cobra (wanupapyry”punho de rede”) que “desconta” (tsapusarik), enrola na perna da pessoa.
Citam myha (cobra relacionada, especialmente, a aviso de morte [pretas, morte de branco, vermelhas, de
rikbaktsa], esta é o único tipo de cobra que não se pode matar, senão a pessoa morre), Tõhikyri (cobra
cipó, comida de urubu), boipeva (pyryhykza), biotsa (cobra verde); zodik(cobra pintadinha), uno (cobra
preta), hyritãtã (cobra coral) e, evidentemente, urototok (sucuri), ser myhyrikoso.
- quelônios Quelônios. wiktsabo (jaboti), comem a carne. Jovens não podem comer ovos, nem os da barriga do bicho
e nem os encontrados pelo mato, e nem crianças podem brincar com eles (os ovos). Dá ferida.
Wiktsabohai (tracajá) comem a carne e os ovos. Não comem o “rabo”: “peida feio”.
Wiktsabohaiza (pescoço torto) não comem, batsisapy. A carne dá ferida. Só comem os ovos.
Hyta (jabotizinho do mato), não comem. Caso comam, o pescoço dói. O mesmo acontece se pegar ou
brincar com ele. muzuza (agoura). Cantam quando chove muito.

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ESPÉCIES ANIMAIS COMESTÍVEL?


ANFÍBIOS Não comem nenhum tipo. Muitos sapos são imitados na festa da chuva. Há relato de criança que
“assustou” e adoeceu (ficou fraco, magro) com a imitação da worõworõktsaje (mãe do sapo).
Citam worõwõrõktsa (sapo que “canta nas enchentes”), porõporõ (sapão, andam na chuva), myrikpui
(perereca), rikbateo (comida de gavião [tsikwohorek]), woresopõrõ (sapo do oco do pau, ensinou a mulher
a bater ximbua para matar peixes; copulou com a mulher do vizinho em um mito), hyreke (há hyreke okyry,
para criança nascer sem cabeça), waria (sapinho amarelo).
AVES Comem uma infinidade de aves, e até pequenos pássaros, como pombas e o beija-flor (ikyrik).Comem
babari (urutau, mãe-da-luagigante), arõn tõn tõn (urutau, mãe-da-lua), ãzi (urutau). Comem todos os
papagaios, tucanos, mutuns, periquitinhos e araras (contanto que não sejam de criação). [recolhi mais de
120 tipos de pássaros comidos].
Não comem:
“gaivota” (tsidi; usam a penugem); alguns “gaviões” (wohorektsa); urubus; sazo (urutau-pequeno /sparitsa
karara [criação de sparitsa]), toruk (corujão) [alguns comem, mas não é usual; parẽtsikzo (corujão,
muzuza [agoura]), harãmytsitõrõrõ (corujinha), não comem, batsisapy “feio, inadequado”; ciganinha (ene),
é fedido, tsitoskarẽta, mas usam as penas); tere tere (chapéu-velho, imitam na festa); pabopabo
(passarinho de olho comprido; criado a partir dos olhos de um ser metafísico)
PEIXES Comem muitos tipos de peixes, de variados tamanhos. Comem também crustáceos, como caranguejinhos
(haraky) e pequenos camarões (patsa).
Não comem: peixe-agulha (zeobek); causa “dor de espinhaço”; roaisopykyta (peixe-boi[?]).
INSETOS Madedetsa (içá ou tanajura); comem os alados, nos últimos meses do ano.
Matsiriktsa (formigas carregadoras), comem. Elas ensinaram os Rikbaktsa a plantar sementes. Deram-lhes
as sementes, antes não sabiam. Comiam só cogumelos e frutas
Sisintsa (tocandira) comem.
Ikuntsa (mangava) não comem. Dá ferida.
Pasik(tucura verde); não comem, batsisapy, “feio, inadequado”
Aintsa (tucura carijó); comem.
Ibazadata (tucura branca); comem.
Hoksoik (tucura de asa roxa); comem.
Pitsi wyinyputsa (coró de castanheira) comem
Myripepetsa wyinyputsa (coró de caju) comem.
Tapõrõtsa wyinyputsa (coró de seringa) antigamente comiam.
Irariktsa wyinyputsa (coró de coco) comem.
Pikuruk wyinyputsa (coró cabeludo) não comem.

Tabela 12: Espécies animais e comestibilidade


(Athila, 2006, p. 495-497)

Na área Escondido, durante o caminhamento para a vistoria pericial,


constatei a existência de inúmeras trilhas de caça, que cruzam em todas as
direções aquela zona ecológica, inclusive alcançando os lotes ora sub judice,
sempre utilizadas exclusivamente pelos Rikbaktsa da aldeia Babaçu.
Segundo os próprios Rikbaktsa, algumas espécies animais somente são
encontradas nessa região do baixo Juruena: mutum carijó (as penas são
utilizadas na confecção do cocar myhara e braceletes); gavião real (as
penas das asas são as melhores para emplumar as flechas; usada também
em cocares); macaco mouro, ou barrigudo (não atravessam para a margem
direita do Juruena); tawi, papagaio de cabeça amarela; e tuktara, caramujo
grande (para confeccionar colar matrimonial).

Embora praticada o ano inteiro, a pesca é menos produtiva no


período chuvoso, quando os córregos transbordam e inundam a floresta; os
peixes dispersam-se pelas extensas lagoas que então se formam. Dentre os

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apetrechos e técnicas de pesca, destacam-se: flechas de três pontas e


dentadas; linhadas e anzóis, com iscas variadas; timbó e peneiras, na
estação seca, em pequenas lagoas estanques; e, mais recente, arpões e
máscaras de mergulho (Arruda, 1992a, p. 284-288). Por ocasião da vistoria
pericial, observei os vestígios deixados pelos pescadores da aldeia Babaçu,
que periodicamente inspecionam os córregos Canoeiro e Escondido e seus
afluentes e, mais raramente, em razão da distância, o rio Juruena. Nestes
cursos fluviais e suas lagoas encontram-se as espécies típicas da região
amazônica, a saber: matrinxã, surubim, pintado, pacu, curimbatá, mandi,
tucunaré, piau, traíra, jaú, pirarara, piraíba e inúmeros outros.

De acordo com Arruda (1992a, p. 282), a adoção do machado de


metal, em meados do século passado, levou os Rikbaktsa a intensificar a
coleta do mel, da castanha e de outros produtos silvestres. Eles extraem
mel das abelhas mandaguari, manduri, jati e europa, os mais apreciados
para beber com água (hidromel), ou adoçar mingau de banana, milho, cará,
batata e frutas como açaí, buriti, patauá e bacava (Pacini, 2001, p. 67).
Alimentam-se também de larvas e lagartas (conhecidas por “coró”), da
castanheira e de diversos cocos, e aproveitam as formigas içás (ou
tanajuras), quando voam no início da estação chuvosa, e as tucuras,
espécie de gafanhoto que serve de alimentação e isca (Arruda, 1992a, p.
294; Pacini, 2001, p. 67, 137). Aproveitam ainda os fungos ykyirik, um
cogumelo pequeno e rosado, e hokspi, a orelha-de-pau (Athila, 2006, p.
497).

De um modo geral, como observou Arruda (1992a, p. 281), a coleta é


antes de tudo uma atividade diária, praticada por homens mulheres e
crianças nas imediações da aldeia, de modo a providenciar uma série de
matérias primas indispensáveis: enviras para cordas e amarrações, lenha
para o fogo, palhas para embalagem e cobertura, madeiras diversas,
fitoterápicos etc. Ao lado disso, aproveitam uma extensa variedade de
frutas silvestres, de caráter sazonal. Destas, a castanha-do-Brasil ocupa
posição destacada na pauta alimentar e, cada vez mais, por seu valor
comercial - adiante, alguns dados sobre a atual produção de castanha nas
terras indígenas rikbaktsa. Ao longo do caminhamento da vistoria pericial,
em julho de 2010, avistei uma profusão de castanhais mais ou menos

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densos, que se estendem por toda aquela zona das cabeceiras dos córregos
Canoero e Escondido, que abrange a área demandada nos presentes autos
(em anexo, na “Carta-Imagem da Terra Indígena Escondido”, o
mapeamento da incidência de castanhais e demais recursos naturais ali
existentes).

No ofício encaminhado à FUNAI em abril de 1992, dando anuência à


delimitação da terra indígena Escondido, os líderes Rikbaktsa apresentaram
uma lista de algumas “riquezas” de que se abastecem, regularmente, na
terra indígena Escondido: seriva ou pupunha, para arcos bordunas e hastes
de flecha; purawy, madeira dura para a corneta (buzina) que tocam nas
festas e nas derrubadas; spioki, madeira leve para o batoque auricular;
boho, madeira para cabo de machado; tuhara, resina vegetal de uma árvore
amazônica; palmeira babaçu, as palhas para cobertura e a amêndoa para
beiju; hahaik, pedra plana que serve de bandeja para assar beiju; e pedras
para amolar ferramentas. Além das matérias primas citadas, valorizam
sobremaneira a taboca jurupará, selecionada “por sua capacidade de corte,
resistência e durabilidade”, que utilizam na confecção de pontas de flecha
(Psibatsibata, 1992; Pacini, 2001, p. 134-135). Tal espécie vegetal subsiste,
particularmente, na zona ecológica onde está localizada a área sub judice,
conforme esclareceu o antropólogo Arruda:

“O mesmo ocorre com a taquara adequada para se fazer as pontas de flecha


(jurupará) usadas para matar animais terrestres (anta, veado, caititu, porco
do mato e outros) ou na guerra. Só são encontradas bem mais ao norte, nas
cabeceiras do córrego do Escondido, em área tradicional que reivindicam”
(Arruda, 1992a, p. 225)

De fato, no caminhamento da vistoria pericial, foram identificados


dois nichos de taboca jurupará (ver fotografias em anexo), respectivamente
a oito mil metros e a nove mil e quinhentos metros da aldeia Babaçu, entre
as cabeceiras dos córregos Canoeiro e Escondido. De acordo com os os
guias indígenas Inacio e Juarez, a partir dali se espraia a zona de incidência
da taboca jurupará, regularmente coletada por todos os Rikbaktsa (tanto os
moradores do Escondido quanto os de Japuíra e Erikpatsa) até mais ao
norte, abrangendo consequentemente os referidos lotes ora sub judice (ver
mapa “Ocupação da Terra Indígena Escondido”, em anexo).

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Nas últimas décadas, os Rikbaktsa foram beneficiados por diversos


projetos de investimento. Ainda sob a tutela da Missão Anchieta, nos anos
1980, formou-se uma cooperativa para comercialização de produtos
agrícolas e de coleta - conduzida pelos missionários, com os índios como
coadjuvantes. Depois de um período de inatividade, a cooperativa renasceu,
com aportes de OXFAM, uma agência internacional de apoio, para a
comercialização de borracha, mas a queda do preço no mercado nacional
levou ao seu fechamento.

Em 1994, o Instituto de Pesquisas Ambientais e o Centro de Trabalho


Indigenista procederam ao levantamento de “Alternativas de
Desenvolvimento” para a sociedade Rikbaktsa, com financiamento da
Comunidade Econômica Européia, mas os estudos não foram além da fase
inicial – a dinâmica do desmatamento na região do entorno e no interior das
terras indígenas e um diagnóstico das tipologias da cobertura florestal da
região em foco (Mendes dos Santos, 2004, p. 20-21).

A recém-criada ASIRIK, em parceria com o Instituto de Apoio ao


Desenvolvimento Humano e do Meio Ambiente (TRÓPICOS), pouco depois,
firmou um contrato no âmbito do PADIC/PRODEAGRO para o
aproveitamento do palmito (Pacini, 2001, p. 146-148). Todavia, a carência
de técnicos efetivos, a falta de participação da FUNAI no empreendimento, a
fragilidade institucional da ASIRIK e a resistência de muitos Rikbaktsa
inviabilizou a continuidade do projeto.

Embora as pressões regionais para a exploração da madeira e do


garimpo, os Rikbaktsa têm resistido a franquear as terras indígenas a esses
empreendimentos. Ao lado das atividades tradicionais, na agricultura, na
pesca, na caça e na coleta, muitos deles auferem rendimentos como
prestadores de serviços nas áreas de saúde e educação (como agentes
indígenas de saúde e professores da rede pública); outras fontes de
ingresso são as aposentadorias e a venda ocasional de mão-de-obra nas
fazendas. Complementam sua renda financeira, ainda, a venda de pescado,
de palmito, de sementes de espécies nativas (mogno, caxeta, cerejeira,
cedro, cumbaru), de produtos agrícolas (principalmente arroz e banana) e

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de artesanato (quase todos, artigos de plumária), atividades que envolvem


quase todos os membros das famílias.

Contudo, o principal produto hoje explorado e comercializado pelos


Rikbaktsa no mercado regional é a castanha-do-Brasil. de ampla ocorrência
em seu território e grande volume. Anualmente, a partir de novembro, toda
a população se envolve na sua coleta e armazenamento. Fonte de recursos
financeiros, a castanha constitui antes de tudo um ingrediente importante
da culinária rikbaktsa, consumida durante quase o ano inteiro in natura ou
adicionada a outros alimentos (idem, p. 22).

O “Projeto de Gestão Ambiental Integrada” (PGAI/PPG-7, FEMA-MT e


FUNAI), iniciado em 2000, tratou da implantação de “sistemas agroflorestais
e desenvolvimento sustentável na região” noroeste de Mato Grosso, focado
no incentivo à coleta da castanha-do-Brasil. A partir de 2003, seguiu-se o
“Programa Integrado da Castanha”, com o objetivo de consolidar o sistema
de coleta e seleção da castanha, apontando para sua comercialização, sob
responsabilidade do Núcleo de Pesquisas Natureza e Cultura (GERA) da
UFMT, financiado pelo GEF/FEMA, em parceria com a ASIRIK e a FUNAI,
com as seguintes metas: 1) elaboração de um plano emergencial de gestão
e controle da terra indígena Escondido; 2) mapeamento, a partir de cartas-
imagens, dos castanhais existentes nas três terras indígenas; 3)
levantamento da estimativa de produção dos castanhais; 4) construção de
mesas de seleção e secagem de castanha e de barracões para
armazenamento do produto, por conglomerados de aldeias; 5)
levantamento do mercado regional para a comercialização da castanha; 6)
viagem para troca de experiências junto aos projetos com castanha nas
cidades do Estado do Acre; 7) cursos sobre manejo dos castanhais e
gerenciamento de projetos sustentáveis (Mendes dos Santos, 2004, p. 20-
24).

Somente na safra 2002/2003 as famílias da aldeia Babaçu


comercializaram 1.800 quilos de castanha através da ASIRIK. A capacidade
de “produção” da área é bem maior, mas a disponibilidade de mão-de-obra
ainda é reduzida. No mesmo sentido, o acesso difícil aos castanhais, através
de estradas que serviram à invasão exploração madeireira (conferir croquis,

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abaixo). Essa estrada, que foi percorrida parte de camionete e parte a pé


por ocasião do caminhamento que realizamos em julho de 2010, no
interesse da presente perícia, não oferece boas condições de trânsito para
veículos, devido à queda de árvores e ao estado precário de bueiros e
pinguelas.

Figura 25: Estradas e piques de castanha no Escondido


(Mendes dos Santos et alii, 2004, p. 18)

Na primeira etapa do Programa Integrado da Castanha, de acordo


com os relatórios técnicos (Mendes dos Santos, 2004; Mendes dos Santos et
alii 2004; Coelho et alii, 2006), os Rikbaktsa do Escondido concretizaram os
seguintes objetivos: limpeza dos piques de castanha já explorados pela
comunidade, nas imediações da aldeia Babaçu; limpeza da principal via
utilizada para a coleta da castanha (ponto 1), que parte da aldeia na direção
noroeste (trata-se da estrada com cerca de vinte quilômetros, aberta por
madeireiros, recuperada com recursos do PGAI no ano de 2000, mas
atualmente sem condições de tráfego de veículos, como disse acima). No
ponto extremo da estrada foi então construído um barracão (“centro de
apoio”) com recursos da PGAI e FUNAI (ponto 2); reabertura da estrada
(também construída em anos anteriores por madeireiros) na parte sul da
terra indígena, que adentra esta numa extensão de dez quilômetros em
direção ao rio Juruena (ponto 4); aquisição de material e equipamento para
a limpeza dos piques e estradas (facões, foices, limas, calçados, sabre e

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corrente para moto-serra etc.); construção de um barracão (armazém) na


aldeia com capacidade para quatro toneladas de castanha; construção de
uma mesa para seleção da castanha coletada.

Na safra de novembro de 2005 a janeiro de 2006, formaram-se três


grupos de coleta de castanha e abertura de novos piques na terra indígena
Escondido - o segundo deles, justamente, onde se localizam os lotes sub
judice. O primeiro grupo realizou a reabertura de carreadores de
madeireiros e de piques de castanha na região do córrego Canoeiro. O
acampamento foi feito a cerca de oito quilômetros da aldeia Babaçu, e a
partir dali a equipe de seis pessoas alcançou as castanheiras na direção do
rio Juruena, coletando 1.500 quilos, em cerca de duzentas castanheiras. O
segundo grupo, também realizou a reabertura de carreadores, acampado
cerca de dez quilômetros da aldeia Babaçu, usando o mesmo procedimento
de abertura e coleta acima descrito, procurando a área a noroeste, do
córrego Escondido; a equipe era formada por oito pessoas e coletaram
3.500 quilos de castanha. O terceiro grupo realizou a atividade de abertura
de piques e coleta de castanha em três estradas mestres, onde há mais
castanheiras. As linhas mestras têm cerca de oito quilômetros de extensão,
rumo ao centro da terra indígena, onde há carreadores/piques de acesso às
castanheiras. Participaram dessas atividades oito famílias, que coletaram
um total de 6.400 quilos

Para o que interessa à solução dos quesitos reunidos neste tópico,


cabe observar a relevância acentuada da zona ecológica onde se situam os
lotes sub judice para a vida econômica dos Rikbaktsa, não apenas em razão
da incidência da taboca jurupará para confecção de flechas, mas também
pelos castanhais nativos que ali existem. De acordo com as informações
levantadas pela equipe técnica do Programa Integrado da Castanha, temos
a distribuição de coleta na safra 2005/2006 nos cinco conglomerados:

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Conglomerado Castanha coletada (ton)


Escondido 17,0
Japuíra 9,2
Santa Rita 1,0
Primavera 6,5
Barranco Vermelho 6,5
TOTAL 50,2
Tabela 13: Castanha coletada na safra 2005/2006
(Coelho et alii, 2006, p. 8)

No gráfico abaixo, podemos comparar as diferentes fontes de renda


monetária dos Rikbaktsa em 2005. As duas principais fontes de renda (peixe
e artesanato) vêm perdendo importância ao longo dos anos. No caso do
artesanato, em razão da proibição e fiscalização sobre o comércio de
plumária e de garras e dentes de animais. Da mesma maneira, o pescado,
devido ao controle ambiental na região noroeste de Mato Grosso. As rendas
obtidas através de salários de agente, de professor, da coleta de castanha e
de serviços prestados nas fazendas da região, por sua vez, sofreram
aumento em seu valor nominal e em sua participação sobre o total gerado:

Gráfico 2: Renda monetária, 2005


(Coelho et alii, 2006, p. 36)

A renda obtida através da prestação de serviços sazonais nas


fazendas apresentou um aumento de 40% entre os anos de 2003 e 2005. Já
a renda do comércio de castanha vem apresentando elevações substanciais
desde 2003, em boa parte devido ao aumento do preço do produto. A
participação da renda oriunda da castanha também aumentou sua
participação sobre a renda monetária total, passando de 3,5% em 2003

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para 14% em 2005. Na média, a renda anual obtida com a castanha pelas
famílias apresentou uma elevação de R$ 396,00 para R$ 622,00 nesse
período. Este dado revela a importância que a produção de castanha vem
adquirindo após a implantação do Programa Integrado da Castanha entre os
Rikbaktsa (Coelho et alii, 2006, p. 35-36).

Para concluir, ao cabo de uma apuração minuciosa dos dados que


foram obtidos na vistoria pericial in loco, nas entrevistas dos informantes,
na leitura dos estudos científicos e na documentação histórica e
administrativa coligida, tendo por base os parâmetros antropológicos
apontados ao longo do texto, este laudo pericial constatou que os índios
Rikbaktsa utilizam integralmente a terra indígena Escondido - inclusive a
área dos lotes ora sub judice -, donde obtêm os meios indispensáveis à sua
subsistência, às suas expressões culturais e à reprodução de sua ordem
social, segundo os usos, costumes e tradições que os singularizam.

Cuiabá, outubro de 2010

João Dal Poz Neto


perito antropológico

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BIBLIOGRAFIA CONSULTADA

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__________. Processo FUNAI/BSB/2013/85. Identificação da área indígena
Escondido. (Documentação da Diretoria de Proteção Territorial/FUNAI/Brasília).

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2ª Vara da Justiça Federal - Mato Grosso

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132
Laudo antropológico – Processo 2002.36.00.003429-4
2ª Vara da Justiça Federal - Mato Grosso

ANEXOS

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Laudo antropológico – Processo 2002.36.00.003429-4
2ª Vara da Justiça Federal - Mato Grosso

DOCUMENTOS

1. OFÍCIO 046/PRES/DPI/FUNAI À COTRIGUAÇU COLONIZADORA, DE 7/02/1985 (PROCESSO


FUNAI/BSB/1787/80) - INDEFERIMENTO DE CERTIDÃO NEGATIVA

2. DESPACHO 24, DE 3/06/1994, E PARECER 75/DID, DE 30/08/1993 (DOU, 06/06/1994)


- DELIMITAÇÃO DA TERRA INDÍGENA ESCONDIDO

3. PORTARIA MJ-668, DE 1/11/1996 (DOU, 04/11/1996) - DECLARAÇÃO DE POSSE INDÍGENA


DA TERRA INDÍGENA ESCONDIDO

4. DECRETO PRESIDENCIAL S/N, DE 8/09/1998 (DOU, 09/09/1998) - HOMOLOGAÇÃO DA


TERRA INDÍGENA ESCONDIDO

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Laudo antropológico – Processo 2002.36.00.003429-4
2ª Vara da Justiça Federal - Mato Grosso

1. OFÍCIO 046/PRES/DPI/FUNAI À COTRIGUAÇU COLONIZADORA, DE 7/02/1985 (PROCESSO


FUNAI/BSB/1787/80) - INDEFERIMENTO DE CERTIDÃO NEGATIVA

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2. DESPACHO 24, DE 3/06/1994, E PARECER 75/DID, DE 30/08/1993 (DOU, 06/06/1994)


- DELIMITAÇÃO DA TERRA INDÍGENA ESCONDIDO

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3. PORTARIA MJ-668, DE 1/11/1996 (DOU, 04/11/1996) - DECLARAÇÃO DE POSSE INDÍGENA


DA TERRA INDÍGENA ESCONDIDO

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4. DECRETO PRESIDENCIAL S/N, DE 8/09/1998 (DOU, 09/09/1998) - HOMOLOGAÇÃO DA


TERRA INDÍGENA ESCONDIDO

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FOTOGRAFIAS

01 - Mulher com bastão de cavar (Schultz, 1964)


02 - Homem plantando maniva (Schultz, 1964)
03 - Fruteiras na aldeia Cerejeira

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04 - Aldeia Cerejeira (TI Japuíra)


05 - A auxiliar de pesquisa Paula Wolthers com mulheres (aldeia Pé de Mutum, TI Japuíra)
06 - O intérprete Juarez Paimy com entrevistados (aldeia Pé de Mutum, TI Japuíra)

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07 - Geraldino Matsi (Aldeia Pé de Mutum, TI Japuíra)


08 - Pudai, Manita e Tsikidi (Aldeia Pé de Mutum, TI Japuíra)
09 - Pudai e Juarez (Aldeia Pé de Mutum, TI Japuíra)

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10 - Amawi e esposa (Aldeia Cerejeira, TI Japuíra)


11 - Sykmy e Pomy (Aldeia Beira Rio, TI Erikpatsa)
12 - Chico, padre Balduíno e Juarez (Fontanillas)

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13 - Aldeia Babaçu (TI Escondido)


14 - Aldeia Babaçu (TI Escondido)
15 - Placa na divisa sul da TI Escondido

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16 - Esteios e capoeira de antiga aldeia (TI Escondido)


17 - Limpeza da estrada para vistoria pericial (TI
Escondido)
18 - Cacique Dokta (Aldeia Babaçu, TI Escondido)

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19 - Limpeza da estrada (TI Escondido)


20 - Limpeza da estrada (TI Escondido)
21 - Ponte danificada (TI Escondido)

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22 - Esplanada com toras abandonadas (TI Escondido)


23 - Touceiras de taboca jurupará, nas imediações
dos lotes sub judice (TI Escondido)
24 - O guia Inacio Baziu

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25 - Touceiras de taboca jurupará, nas imediações dos lotes sub judice (TI Escondido)
26 - Pontas de flecha confeccionadas com jurupará
27 - Salvador Okodoby confeccionando flechas (Aldeia Pé de Mutum, TI Japuíra)

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28 a 31 - Dança na aldeia Pé de Mutum (TI Japuíra)

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MAPAS

1. CARTA-IMAGEM DA TERRA INDÍGENA ERIKPATSA

2. CARTA-IMAGEM DA TERRA INDÍGENA JAPUÍRA

3. CARTA-IMAGEM DA TERRA INDÍGENA ESCONDIDO

4. OCUPAÇÃO DA TERRA INDÍGENA ESCONDIDO

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