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1. INTRODUÇÃO
O presente relatório é fruto do trabalho desenvolvido enquanto bolsista CNPq/PIBIC, sob
orientação do professor Rafael Soares Gonçalves, coordenador do Laboratório de Estudos
Urbanos e Socioambientais (LEUS). A ideia central da pesquisa mais ampla do orientador se
expressa na compreensão a respeito do desenvolvimento dos bairros informais no período entre
1945 e 1964, em especial das favelas cariocas, debruçando-se, mais especificamente, nas
formas de controle e administração estatal direcionada a esses territórios. Porém, neste relatório,
buscaremos realizar um recorte e apresentar reflexões acerca da forma que se deu a intervenção
da Fundação Leão XIII na favela da Praia do Pinto nas décadas de 1940 e 1950.
Em meados da década de 1940, observa-se a consolidação do processo de industrialização
e urbanização, que acarretou em um importante fluxo de migração para a cidade do Rio de
Janeiro. A insuficiência de moradias para atender a demanda crescente da população migrante
na cidade conduz o Estado Novo a elaborar um plano para construção de habitações populares,
o que reforçou a popularidade de Getúlio Vargas. Após a destituição de Vargas e a eleição de
Dutra, as políticas federais e municipais de habitação no Rio de Janeiro se estruturam em torno
dos Institutos de Aposentadoria e Pensões, da Fundação da Casa Popular e do Departamento de
Habitação Popular.
O esforço em responder às demandas de habitação popular se concentrava também no
esforço de limitar a influência do Partido Comunista, que obteve expressivas vitórias eleitorais
nas eleições de 1945 e 1947. O cenário das eleições no Rio de Janeiro despertou para a
necessidade de contrapor a influência do partido, especialmente nas favelas do Distrito Federal.
Dentre as alternativas criadas para solucionar o “problema das favelas” no contexto da
“ameaça” comunista, foi criada a Fundação Leão XIII com o objetivo de prestar assistência
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social e “recuperar” a população das favelas. A lógica da época afirmava que a condição
precária material e de princípios morais era motivo para se tornarem reduto eleitoral do Partido
Comunista (Iamamoto e Carvalho, 2014).
O presente projeto de pesquisa se debruça sobre o estudo das fichas registradas pelo
Serviço Social da Fundação Leão XIII. Essas fichas foram deixadas no Salão Paroquial da
Paróquia Santos Anjos e se referem às famílias da favela da Praia do Pinto reassentadas no
conjunto construído pela Cruzada São Sebastião no bairro do Leblon. Os registros são como
narrativas do cotidiano da população dessas favelas, situada à beira da Lagoa Rodrigo de
Freitas.1
Através da ótica das profissionais de Serviço Social da Fundação, é possível observar a
intenção por detrás das visitas domiciliares, bem como os atores presentes, aspectos históricos,
políticos, culturais e o processo social da formação e consolidação da favela. Em vista disso, o
estudo das fichas se constitui em uma rica fonte de dados descritivos, sendo de extrema
relevância para compreensão do cotidiano da população favelada carioca em um período que
se buscava modernizar a cidade, excluindo as favelas desse processo.
2. OBJETIVOS
3. METODOLOGIA
Na primeira parte da pesquisa, foi realizado um levantamento bibliográfico com assuntos
relacionados a Fundação Leão XIII, Cruzada São Sebastião e habitação popular no período de
1946 a 1962, assim como movimentos sociais de favela e o Serviço Social tradicional. Também
foi realizado um recorte de revistas e periódicos da época através da Hemeroteca Digital da
Biblioteca Nacional. O tratamento das 1.000 fichas de acompanhamento familiar encontradas
1
A grande maioria das fichas são de famílias da Praia do Pinto, mas há um pequeno número de fichas sobre
famílias das favelas Areinha, Ilha das Dragas, Pedra do Bahiano ou Catacumba.
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4. RESULTADOS E DISCUSSÃO
assistente social Maria Hortência do Nascimento e Silva, demonstrando que o Serviço Social
participou ativamente nesse processo. (Valladares, 2000) Nesse sentido que diversos atores
sociais passam a buscar contribuir com a questão das favelas, buscando adentrar para conhecer
e apontar meios de intervenção.
A campanha iniciada pelo então jornalista Carlos Lacerda, no Correio da Manhã em
1948, denominada “A Batalha do Rio” buscava travar uma guerra às favelas, porém não aos
favelados. Em uma matéria do mesmo periódico e referido ano, afirma que a batalha era contra
o egoísmo e a inércia, sendo essas características fundantes das favelas, assumindo que a
“solução” era trabalhar pela “reabilitação” das “criaturas das favelas”. 2
Carlos Lacerda utiliza do mecanismo de disseminar informação para conclamar a ajuda
do governo para a batalha, porém buscando se colocar contrário a medidas coercitivas e
punitivas de fiscalização, afirmando que a solução inteligente seria a prefeitura realizar um
recenseamento das favelas, pois a batalha não era contra os favelados e sim a favor deles.3
Dentre as instituições que buscam colaborar com a famosa “Batalha do Rio”, encontra-se a
Fundação Leão XIII.
A Fundação Leão XIII (FLXIII) foi a primeira grande instituição de cunho assistencial,
oficializada pelo Decreto Municipal nº 8.797 de 1947, uma parceria entre a Prefeitura do
Distrito Federal, Ação Social Arquidiocesana e Fundação Cristo Redentor. A instituição é
arquitetada para atuar com os moradores das maiores favelas cariocas, com a implantação de
Centros de Ação Social (CAS), dispondo de serviços de saúde, serviço social e educação
popular. (Costa, 2015, Pereira, 2007, Iamamoto & Carvalho, 2014)
De acordo com matéria do periódico “A Cruz: Órgão da Parochia de S. João Baptista (RJ)
- Edição 00004, no ano de 1947, a Fundação atuava por seus “centros de ação social” e custeado
por “subvenções do governo da União” e de donativos particulares, com o evidente discurso de
“arrancar do coração da cidade” as famílias que “secularmente” ali residiam e utilizar um
“Serviço Social” da Prefeitura do Distrito Federal para reassentar a população de favela para o
“cinturão rural semi abandonado ” da cidade.
2
LACERDA, Carlos. Na Tribuna da Imprensa: Política de vida e não de morte, Correio da Manhã, Rio de
Janeiro, 15 de Maio de 1948, Edição 16918.
3
LACERDA, Carlos. Na Tribuna da Imprensa: O que pretendemos do Governo?, Correio da Manhã, Rio de
Janeiro, 26 de Maio de 1948, Edição 16922.
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“Por haver perdido esse domínio, o sublime magistério sente fugir a sua autoridade no
terreno espiritual, sobre as nações. Assim é que vemos em países, outrora tidos como
católicos, crescer a onda comunista. Sem assistência e abandonado á miséria pelo
regime capitalista, o operariado se deixa arrastar pela demagogia de falsos profetas e
começa a ver no clero que só lhe fala de coisas espirituais, uma peça do regime opressor.
Ensina Santo Tomás, que até para se ter fé, faz-se preciso um mínimo de conforto. E
os operários nos países capitalistas não tem esse mínimo indispensável.” (Fundação
Leão XIII. Jornal A Cruz: Órgão da Parochia de S. João Baptista (RJ), Rio de
Janeiro, 26 de Jun. de 1949. Edição 00026.)
Previamente a reflexão das fichas familiares do Serviço Social da Fundação Leão XIII, é
necessário abordar questões referentes ao Serviço Social nestas décadas, mais especificamente
da sua orientação e características fundantes para intervenção, buscando evidenciar sua
colaboração na atuação da Fundação com as favelas.
De acordo com a pesquisa de jornais, a Fundação Leão XIII tinha o objetivo de combater
a condição de miséria excessiva, a falta de higiene e a ignorância das famílias que residiam nas
favelas. A preocupação inicial após instalar um centro de ação social nas favelas era de criar
um Serviço Social, uma escola, um lactário e um ambulatório. O Serviço Social era a forma de
realizar contato com os moradores da favela, para “desabrochar sua inteligência”, seu “espírito
de solidariedade humana e para compreenderem os “problemas próprios e do próximo.”4
4
De Favela a bairro operário. A solução prática e imediata através da ação da Fundação Leão XIII, Correio da
Manhã, Rio de Janeiro, 26 de maio de 1948. Edição 16927.
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Nesse contexto, buscamos estudar as fichas do Serviço Social, datadas e preenchidas por
visitadoras sociais da Fundação Leão XIII, pessoas que realizavam visitas domiciliares e
descreviam o cotidiano das famílias atendidas. Atentamos que as “visitadoras sociais” foi um
termo encontrado em um periódico do Correio da Manhã (RJ)5, ainda que acreditemos que as
profissionais eram Assistentes Sociais por atuarem junto ao Centro de Serviço Social da
Fundação, procuramos demonstrar o cuidado em não afirmar sem comprovação, apenas
ressaltando que as fichas pertenciam ao Serviço Social da Fundação.
Como demonstra as imagens abaixo (Figura 4 e 5), as informações registradas nas fichas
atendiam uma divisão em três setores: I. características individuais, II. características da família
e III. características da habitação. Assim sendo possível recolher informações dos moradores
de favelas.
5
Como se fixam no Rio os retirantes do interior, Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 19 de fev. de 1948. Edição
16347.
6
Registro Nº 242 da Fundação Leão XIII – Datada 19/08/1948.
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7
No Código Civil de 1916 (Lei 3.071/1916) consta em seu Art. 233 que “o marido é chefe da sociedade conjugal,
função que exerce com colaboração da mulher, no interesse comum do casal de dos filhos.” Antes da revogação,
em 1962, o “chefe” era o homem, então responsável por prover a manutenção familiar, pela representação legal
da família, administração de bens comuns e particulares da mulher. Tinha o direito de autorizar a profissão da
mulher e sua moradia fora do teto
conjugal.<https://legislacao.presidencia.gov.br/atos/?tipo=LEI&numero=3071&ano=1916&ato=c160zYE1UNn
RVTa37>
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Nessa última parte, foi identificado que as fichas da Fundação possuíam um modelo de
questionário para preenchimento, sendo dividido em 7 questões referentes: i)a presença do
chefe da casa no momento da visitação, ii)motivo da ausência, iii)se possuía terreno,
iv)possibilidade de comprar terreno ou se mudar para outro território, v)local de trabalho,
vi)ambição da família e vii)melhorias das condições da habitação, como falta de saneamento
básico, condições de higiene e falta de água.
8
Registro Nº 242 da Fundação Leão XIII. Data 19/08/1948.
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É possível verificar que contavam com a sindicância de vizinhos para apurar a verdade.
Também é possível observar a função de vigilância e de controle sobre a habitação, através das
solicitações de obras, reparos e ampliação dos barracos. Vide trechos de comentários destacados
na tabela 1 a seguir:
“N. está noiva de um “Fomos fazer contra “Fomos hoje mais uma vez
rapaz chamado N., inquérito e vimos que a visitar a família e não
residente aqui na favela situação da família é encontramos ninguém. Os
e diz trabalhar em completamente diferente. Ele vizinhos informaram que
Sindicância e contra padaria. Aconselhamos é casado e separado da todas as noites tem rendez-
inquérito para fazer uma esposa, mais por infidelidade vous.14 Procuramos saber
sindicância pois ele não dela.”13 os nomes dos
consta na ficha e se for frequentadores.”15
apelido e o nome for A.
ele não recomenda
muito, é necessário ver
se ele realmente
trabalha lá”12
9
Registro 18 Fundação Leão XIII. Data 09/11/1949
10
Registro 153 Fundação Leão XIII. Data 05/10/1948
11
Registro 41 Fundação Leão XIII. Data 04/10/1949
12
Registro 8b Fundação Leão XIII. Data 02/05/1951
13
Registro 10 Fundação Leão XIII. Data 30/08/1950
14
Local destinado a prostituição. Disponível em:<https://www.dicio.com.br/randevu/>
15
Registro 179 Fundação Leão XIII. Data 09/11/1952
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“Passando pelo local “Veio a nossa agência Dona “Esteve na agência Dona L.
vimos que o sr. J. estava E., depois Sr. A., pedir e solicitou licença para o
consertando o telhado, licença para consertar seu conserto do barraco.
porém não tinha a barraco, fomos ao local Imediatamente
devida licença, alegou- vimos o estado do mesmo, de providenciamos.
nos que não sabia e fato está em ruínas, mas Aproveitamos a
prontificou-se em vir negamos esta licença para oportunidade e falamos-lhe
Vigilância e buscá-la. Ele disse-nos consertar seu barraco fomos sobre o congresso
controle de obras que tem promessa de ao local vimos o estado do paroquial e a Nossa senhora
uma casa no Parque e mesmo, de fato está em das graças, que está
que de lá virá um ruínas, mas negamos esta visitando os lares
parente aqui. licença dando apenas organizados, sendo a
Avisamos-lhe que não permissão para consertar a assistida, senhora viúva e
será permitido.”19 calha e algumas goteiras. religiosa propomos a visita
Aconselhamos a compra de da Nossa senhora, assim
um terreno, pois sua situação que o barraco fique
financeira não é das pronto.” 21
piores.”20
observações médicas sociais, orçamento familiar para o Serviço Social realizasse o diagnóstico
social22 e estudar o caso social23 para apresentar a “solução humana”.24
De acordo com o referido periódico, os moradores do primeiro grupo são casos de polícia,
devendo ser retirados de imediato das favelas. O grupo b são os contribuintes, aqueles que
devem ser encaminhados ao Instituto ou Caixa para retirarem seus benefícios. Os moradores do
grupo c são orientados a regressarem ao campo por mediação do Ministério da Agricultura,
porém o Inquérito reconhece ser uma proposta inacessível, tendo em vista que buscaram uma
vida melhor na cidade e o retorno apenas seria possível após uma reforma rural, que lhes
proporcionasse uma vida digna. Já o grupo d são famílias sem chefe, inválidos e idosos, estes
são “problema de assistência”.
22
Da Costa (2017) afirma que a prática do Diagnóstico social é realizada após uma investigação empírica. Essa
prática é proveniente da produção teórica positivista do Serviço Social defendida por Mary Richmond, pioneira
do Serviço Social profissional.
23
A mesma autora supramencionada defende que o Serviço Social de Casos individuais foi a base que orientou a
produção teórica na área. Além disso, ressalta que a influência desse pensamento no Brasil foi presente a partir
da década de 1940.
24
Um Retrato da favela da barreira do Vasco num inquérito da Fundação Leão XIII, Correio da Manhã, Rio de
Janeiro, 25 de maio de 1948. Edição 16926.
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Observamos como era realizado o ajustamento moral das pessoas ao padrão da sociedade
vigente, evidenciando a estratégia de controle da massa trabalhadora para evitar conflitos. Dessa
forma, ao invés da repressão e remoção de favelas com a força do braço armado do Estado, foi
iniciado um movimento de negociação e persuasão para estabelecer um controle ideológico
direcionado a população de favelas. O Serviço Social corroborava com essa intenção, através
de orientações, investigações e na sindicância da vida das pessoas, impondo princípios morais
e conceitos de ordem da habitação estabelecidos pela classe dominante. (Slob, 2002)
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante do exposto, o estudo das fichas da Fundação Leão XIII proporcionou reflexões a
respeito da urbanização e do projeto societário para a cidade do Rio de Janeiro, assim como da
história e os estigmas relacionados às favelas e sua população e, por fim, sobre a atuação
tradicional do Serviço Social, baseada nos princípios morais da época.
REFERÊNCIAS
[1] BARROCO, Maria Lucia Silva; TERRA, Helena Sylvia. Código de ética do (a)
assistente social comentado. Cortez Editora, 2014.
[6] GONÇALVES, Rafael Soares; SIMÕES, Soraya Silveira; DE LUNA FREIRE, Leticia.
A contribuição da Igreja Católica na transformação da habitação popular em problema
público na França e no Brasil. Cuadernos de antropología social, n. 31, p. 97-120, 2010.
[8] IAMAMOTO, Marilda Villela. CARVALHO, Raul de. Relações sociais e serviço
social no Brasil: esboço de uma interpretação histórico-metodológica – 41. Ed. – São
Paulo: Cortez, 2014.
[9] PASSOS, Rachel Gouveia. Entre o assistir e o cuidar: tendências teóricas no Serviço
Social brasileiro. Between assisting and caring: theoretical tendencies in Brazilian
Social Work. Revista Em Pauta: teoria social e realidade contemporânea, v. 15, n. 40,
2017.
[10] PEREIRA, Cristiane de Barros; Fonseca, Denise Pini Rosalem da. Assistência Social
em territórios estigmatizados: um estudo da atuação da Fundação Leão XIII em Vila
Ipiranga, Niterói. Rio de Janeiro, 2007. 86 p. Dissertação de Mestrado – Departamento
de Serviço Social, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.
[11] ROBAINA, Igor Martins Medeiros. Assistência social ou controle sócio-espacial: uma
análise das espacialidades políticas da Fundação Leão XII sobre as favelas cariocas
(1947-1962). Revista Espacialidades [online], v. 6, n. 5, p. 1984-817x, 2013.
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