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Características históricas do conservadorismo na Região de

Colonização Italiana da Serra Gaúcha (1875 - 1945)


Ricardo Cechin Bergamaschi

No último século, a Serra Gaúcha se consolidou como uma das regiões do Brasil com
maior penetração de ideias voltadas ao espectro da direita política e de forte predominância do
conservadorismo. Isso ficou ainda mais destacado na última década, com a ascensão da
extrema-direita que culminou no fenômeno do bolsonarismo.
No senso comum de direita, isso é visto por um viés que carrega um aspecto racista
(por vezes velado, por vezes aberto), que apregoa uma suposta superioridade dos imigrantes
europeus, associando o pensamento conservador ao desenvolvimento econômico da região, que
seria fruto de uma cultura de trabalho duro e disciplina que faltaria a outras populações do
Brasil, especialmente aos negros e nordestinos, segundo esta visão racista.
Já no senso comum de esquerda, isso é associado a um racismo, arrogância e
subserviência à ordem que seriam inerentes ao imigrante europeu. Uma visão um pouco menos
problemática, mas que por sua superficialidade não ajuda a elucidar o porquê desse predomínio
do conservadorismo entre a população da região.
Analisando alguns estudos que tratam sobre a história da Região de Colonização
Italiana (RCI) e sua população, em especial no período compreendido entre o início da
colonização e o fim da segunda guerra mundial (1875 a 1945), é possível encontrar certos
aspectos sociais, culturais, políticos e econômicos que indicam porque a região chega na
atualidade com estas características. Através de uma análise materialista do processo histórico
de formação da região, é possível desconstruir a mistificação ufanista e racista sustentada pelas
elites locais e ir além de explicações superficiais e deterministas.

Os primeiros imigrantes e a religiosidade


Hoje diversas pesquisas mostram que uma variedade de etnias e pessoas de distintas
origens sociais migraram para a região da encosta da serra no bojo das políticas imperial,
provincial e republicana de migração e colonização. No entanto, a predominância de
camponeses pobres de províncias do norte da Itália foi determinante para o desenvolvimento
de importantes características sociais e ideológicas da população da região.
A Itália, à época, estava estremecida pelos agitos políticos da recente unificação,
processo que foi encabeçado principalmente pela burguesia da Itália setentrional e no qual as
massas populares, apesar de usadas como massa de manobra, não tiveram suas necessidades
contempladas pelo Estado-nação que acabava de nascer.
A industrialização italiana que começava a se consolidar abalou a configuração
econômica anterior, provocando grandes deslocamentos populacionais, mudanças no mercado
de trabalho e na organização produtiva. Segundo Núncia Constantino, “O processo de
acumulação decorrente do desenvolvimento industrial italiano ocasionou a desintegração
econômica e social do campo, caracterizada em muitas áreas pela miséria rural, pela
desocupação, pela redução do consumo a limites insuportáveis”.1
A imigração surge como uma válvula de escape, impulsionada por uma grande rede
de agentes financiados por países americanos, entre os quais o Império do Brasil, e incentivados
pelo governo italiano. Essa rede é digna de comparação com os atuais coiotes e atravessadores
de imigrantes, pois lucravam grandes somas explorando os imigrantes durante sua jornada,
cobrando preços exorbitantes pelo transporte, alojamento, alimentação e por vezes até mesmo
aplicando golpes nos migrantes.2
Os agentes que recrutavam imigrantes faziam uma propaganda extremamente
distorcida para convencer os camponeses de que a migração para a América seria a solução
para uma vida de fartura e felicidade. E diante da situação de opressão e miséria dos
camponeses em sua terra natal, a propaganda era bastante eficaz.
A desilusão já começava na viagem, repleta de dificuldades, fome, más condições
sanitárias e mortandade. Ao chegar em sua “terra prometida”, novas decepções: os que vieram
para o Rio Grande do Sul foram assentados em lotes de terra em um ambiente de floresta
virgem, isolados de qualquer centro urbano ou estradas, providos pela comissão de terras de
poucas ferramentas e mantimentos com os quais deveriam se virar até a chegada da primeira
colheita.
De Boni e Costa (1984) ressaltam o caráter traumático da migração, processo pelo
qual milhares de pessoas deixaram para trás todo seu antigo modo de viver, suas relações
sociais e laços comunitários e culturais para enfrentar dificuldades e perigos. Com a esperança
de alcançar uma vida melhor, muitas vezes em vão.
Talvez se possa afirmar que isso foi um trauma coletivo dos imigrantes, talvez não.
De qualquer forma, pouco sobrou de seu velho universo cultural, e a única forma de recriá-lo
na colônia foi através da religião, característica que sempre foi muito forte e que unificava

1
CONSTANTINO, 2007, p. 397.
2
CONSTANTINO, 2007. DE BONI e COSTA, 1984.
esses camponeses, já que muitas vezes não vinham da mesma província e nem falavam o
mesmo dialeto.
O campesinato italiano era fortemente influenciado pela Igreja Católica há séculos. E
na colônia, isolados na mata e tendo como seus poucos vizinhos os colonos que foram
contemplados com um lote de terra na mesma légua ou linha, agarrar-se à sua religiosidade
católica foi a única forma de manter vivo um universo cultural e mesmo relações sociais
sistemáticas. Isso colocou a religião em um patamar de ainda maior importância para estes
colonos.
Nos primeiros anos da colonização, a vida social dos imigrantes é baseada em se reunir
com sua pequena comunidade de vizinhos nos domingos e feriados e exercer suas cerimônias
religiosas. Essas cerimônias adquiriram tamanha importância nas comunidades de imigrantes
que passaram a ser um fator que mobiliza a comunidade, inclusive porque junto dos primeiros
imigrantes não vieram padres ou nenhum outro agente do clero para conduzir a estruturação da
Igreja na nova região colonial. Houve um fenômeno de mobilização espontânea das
comunidades para a construção de capelas, que após poucos anos se contavam às centenas.
Mesmo a ausência de padres não impediu os imigrantes de celebrarem as missas, batizados e
casamentos, que eram ministradas por membros mais cultos da comunidade, que ocupavam a
posição de “padres-leigos”.3
Apesar de tudo isso ser realizado pelas comunidades sem o aval oficial da Igreja
Católica, sendo uma espécie de catolicismo auto-organizado, esse papel predominante da
religiosidade na vida cultural vai facilitar para que a Igreja Católica, assim que começar a se
fazer presente na região, tenha grande influência e autoridade entre os colonos.
Sobre os grupos minoritários, cabe apontar que entre os contemplados pelas comissões
de terras houveram também imigrantes de outros países da europa e até mesmo brasileiros
natos, mas que por sua pouca presença numérica tiveram um impacto social reduzido.
Houve também a presença de brasileiros, tanto brancos como negros, habitantes dos
Campos de Cima da Serra, que circulavam pela RCI para comercializar com os imigrantes, ou
trabalhadores de outras regiões que vinham trabalhar na abertura de estradas. Pelo que apontam
as fontes, tinham boas relações com os italianos.4
O grupo minoritário que parece ter causado maior “agito” na vida colonial foram
aqueles que também vinham da Itália, porém de condições sociais diversas. Embora em menor

3
DE BONI e COSTA, 1984.
4
CAREGNATO, 2010.
número, também migraram ao Rio Grande do Sul artesãos, operários e pessoas que viviam em
áreas urbanas.5 Estes, pela dinâmica de seu modo de vida, tiveram contato com outras formas
de pensar, e boa parte haviam sido ligados aos carbonários, à maçonaria6 ou até mesmo a
movimentos sociais e grevistas, como é o caso dos imigrantes operários que se estabeleceram
na localidade de Galópolis.7

Particularidades da ação da Igreja Católica na RCI


Apesar da inicial ausência da Igreja Católica nos primeiros anos da colonização, não
tardou para que se começasse a afluir clérigos católicos para a região para devolver à Igreja seu
lugar como guia espiritual (e política) daquela numerosa e devota população. Eram clérigos
vindos diretamente da Europa, em sua maioria italianos, muitos ligados a ordens religiosas.
Mas o estabelecimento da Igreja na região não visava meramente ocupar aquele
espaço. A necessidade de assistência religiosa aos colonos foi aproveitada pelo Vaticano para
executar um movimento de seu jogo político. Segundo Giron (2017), no momento da imigração
a Igreja passava por mudanças visando se adequar a nova ordem republicana e burguesa que
passava a tomar conta da maior parte dos países ocidentais, impondo a separação da Igreja e
do Estado.
O Vaticano considerava necessária uma reorientação no clero brasileiro, que estaria
sofrendo influência do positivismo e do liberalismo que ganhavam terreno no fim do século
XIX. Essa reorientação partiria de um afastamento do clero de qualquer função política e sua
concentração em sua função cultural e religiosa, possivelmente para “blindar” o clero de
influências externas.
Apesar da orientação oficial ser de recuo das atividades políticas, isso vai provocar
um efeito contraditório na RCI. Como já mencionado, a religião era a base da vida cultural e
elemento que unia os colonos católicos, isso conferiu à Igreja grande autoridade entre os
colonos. Somado a isso, a ausência do Estado brasileiro na região fez com que a Igreja suprisse
a demanda de serviços básicos como assistência social e educação. Por parte das décadas de
1880-90, a Igreja ocupou o lugar do Estado em algumas funções na RCI, e tinha o monopólio
da vida cultural e social da região. Assim, qualquer atividade política da região não tinha como
passar ao largo da Igreja.

5
DE BONI e COSTA, 1984.
6
GIRON, 2017.
7
MILANO, 2010. FERRI, 2018.
Essas circunstâncias apontam relevantes características do clero na RCI: 1) eram
clérigos profundamente alinhados com o Vaticano na missão de preservar a Igreja e seus fiéis
contra as influências liberais e positivistas, logo, fervorosamente conservadores; 2) ocuparam
a posição de grandes autoridades perante parte da população da região, no âmbito religioso,
moral, social e político.

A política da região entre os fatores materiais e ideológicos


Foi determinante o fato dos habitantes da RCI serem majoritariamente estrangeiros
vivendo em uma região de difícil acesso. Isso fez com que durante os primeiros anos da
colonização as atividades políticas regionais fossem fortemente marcadas pelas concepções e
rivalidades trazidas da Itália, especialmente as polêmicas decorrentes da unificação italiana.
O processo de unificação da Itália, constituindo uma monarquia constitucional,
representou imensas perdas para o Vaticano, tanto em influência política como perdas
diretamente econômicas. Com o novo regime constitucional, a influência da Igreja sobre a
política da península se tornou limitada, além disso os Estados Papais tiveram a maior parte do
seu território anexado pelo novo Estado italiano. Isso botou a igreja em oposição ferrenha aos
que impulsionaram a unificação, identificados com um ideário liberal-burguês e constitucional
e muitos ligados à maçonaria e à carbonária.
Aqueles imigrantes de origem campesina, que já vieram da Itália sob forte influência
da Igreja, não tinham tanto entusiasmo com as ideias liberais que impulsionam a unificação,
viam o Vaticano com imensa simpatia e suas reações ao novo Reino da Itália iam da indiferença
ao desprezo. Os imigrantes ligados à maçonaria seriam o outro polo político. A partir do
momento que a Igreja se faz presente na RCI, continua a fazer suas pregações contra os maçons,
que também se fazem politicamente ativos.
A relação dos colonos com a política estadual, pela dificuldade de transportes e
comunicações, era limitada. Apesar de limitada, foi extremamente relevante e inclusive se
alimentou das antigas rivalidades.
Em menos de 20 anos do início da imigração, a província foi atravessada pela guerra
civil entre federalistas e republicanos, e a RCI não ficou a salvo. Incursões tanto federalistas
como republicanas trouxeram a violência para a região, e alguns moradores locais se engajaram
ativamente em um lado ou outro.
Os imigrantes ligados à maçonaria encontraram mais facilidade em se integrar à
política estadual, pois logo estabeleceram ligações com a elite regional entre a qual a maçonaria
também tinha peso. No conflito iniciado em 1893, se alinharam aos republicanos de ideal
positivista e modernizante. Do outro lado, por seu rechaço à maçonaria e ao republicanismo, o
clero da região se opôs ao governo de Júlio de Castilhos, se alinhando aos federalistas e
8
influenciando seus numerosos seguidores nesse sentido. Em geral, a região era vista como
mais pró-federalista.9
Ainda que no cenário político estadual o conflito entre federalistas republicanos
tivesse quase nenhuma relação com a oposição entre catolicismo e maçonaria, era dessa forma
que era percebida pela maioria dos colonos italianos. Esses alinhamentos vão se repetir, em
menor medida, no conflito de 1923 entre borgistas e assissistas.
Essa confluência de rivalidades vai fazer da última década do século XIX um período
conturbado na RCI, com atentados de ambos os lados contra seus rivais e até contra intendentes
regionais. Figura destacada nessa conjuntura foi o Padre Pietro Nosadini, vindo da Itália, que
organizou comitês católicos por toda região com o propósito de combater a influência da
maçonaria. Houveram tanto acusações do Padre que disse ter sido expulso da diocese por
maçons a mando do intendente regional, assim como foi acusado pelo intendente José Cândido
de Campos Júnior de ter ordenado seu assassinato. Em carta ao Delegado de Polícia Ernesto
Marsiaj, Campo Júnior acusa Nosadini até mesmo de querer “um novo canudos, (...) ou de uma
nova seita de muchers, sob a capa da nossa santa religião.”10
Vale pontuar que os distúrbios na região não foram apenas ligados à Igreja versus
maçonaria ou federalistas versus republicanos, houveram também algumas revoltas motivadas
pelas condições materiais dos colonos, direcionadas contra a comissão de terras, cobradores de
impostos e agentes do governo.11

Modernização da política: os grandes temas políticos mundiais


chegam à RCI
Durante as primeiras décadas de existência da RCI, a tônica da política local era a
rivalidade entre Igreja e maçonaria, duas facções conservadoras em maior ou menor grau. Isso
só passa a mudar em meados dos anos 1920, quando a região passa a crescer, se industrializar
e a se integrar mais na economia e na política estadual, nacional e internacional, trazendo novas
pautas para a discussão política da região.

8
GIRON, 2017.
9
CONSTANTINO, 2007.
10
ADAMI, 1962, p. 89.
11
GIRON, 2017. WÜNSCH e VELASCO, 2018.
O primeiro impulso da industrialização da região é durante a Primeira Guerra
Mundial, quando a escassez de produtos industriais importados abriu espaço ao
desenvolvimento da indústria local, que já contava com numerosos estabelecimentos de caráter
artesanal e considerável acúmulo de capital por parte de alguns empresários e comerciantes.
Isso integra a região à economia capitalista, possibilitando a formação de uma burguesia
regional ligada ao comércio e à indústria, assim como de uma expressiva classe operária
industrial nas fábricas e oficinas da cidade.12 Nesse período ocorrem as primeiras greves e
movimentos reivindicatórios de caráter operário da região.13
Além dessas mudanças em nível local, fatores políticos de um cenário mais amplo
afetaram a região. A partir da Revolução Russa de 1917, o anticomunismo toma um impulso
mundial promovido pelos críticos da revolução, aí incluída a Igreja Católica, que vai usar seu
peso social na RCI para promover uma feroz e permanente campanha anticomunista na região
que durou décadas, incluindo episódios de violência aberta.14 Durante boa parte do século XX,
as mais notórias lideranças do anticomunismo na cidade de Caxias do Sul eram membros do
clero, como os padres Eugênio Giordani, Ângelo Tronca e Dom José Barea.15
Além do anticomunismo, e tão relevante quanto, a ascensão do fascismo na Itália
impactou profundamente a região. Esse impacto ocorreu especialmente pela mudança de
postura do governo italiano quanto aos imigrantes e seus descendentes, uma característica da
política de relações exteriores do fascismo italiano.

A sombra do fascismo toma conta da região


Antes de 1922, o governo italiano fazia apenas um acompanhamento formal dos
imigrantes, emitindo relatórios consulares e intercedendo junto ao governo da província em
casos pontuais. O fascismo no governo italiano passa a ver nos imigrantes uma utilidade para
suas ambições políticas a nível internacional. E alguns fatores vão colaborar para a penetração
do fascismo na região.
Os principais promotores do fascismo na região são agentes que Giron (2017) chama
de “imigrantes tutelados”, que vão chegar na região vindos da Itália entre 1922 até mais ou
menos 1929. Esses agentes fascistas vinham com uma dupla função. Sua vinda partia da
necessidade de suprir a demanda de mão de obra qualificada na região, já que a indústria se

12
GIRON e BERGAMASCHI, 2001.
13
WÜNSCH e VELASCO, 2018.
14
DUARTE, 2017
15
SANTOS, 2008
desenvolvia e a população crescia, enquanto a escolarização na região era deficiente e a
formação técnica e superior era praticamente inexistente. Eram engenheiros, arquitetos,
médicos, agrônomos e técnicos em geral. Mas também tinham a missão de fazer propaganda
do regime fascista, da imagem do duce e da identidade italiana.
Eram recebidos de braços abertos pela burguesia local, com a qual muitas vezes
tinham relações de parentesco ou amizade, além da relação econômica que iriam estabelecer
nas empresas dessa elite local. Logo se engajaram na vida social e política da elite regional,
atuando nas Sociedades Italianas e fazendo propaganda do regime de Mussolini. Em pouco
tempo surgem fasci nas principais cidades da região, que contam com ampla adesão da elite
local de origem italiana.
O fascio de Caxias do Sul, por exemplo, concentrava as figuras mais proeminentes da
elite econômica, política e intelectual da cidade, como Aristides Germani (empresário,
fundador do Moinho Germani), Dom José Barea (bispo) e Celeste Gobbato (prefeito). Hoje,
todos dão nomes a ruas e até escolas.
O movimento fascista na região contou também com o apoio da Igreja Católica, que
acabava de celebrar bons termos com o governo fascista na Itália após o Pacto de Latrão (1929),
que pôs fim ao contencioso diplomático entre a Santa Sé e o Estado Italiano.16 Isso também
acalmou os ânimos do clero, que finalmente baixou o tom contra a maçonaria. Na RCI, o clero
usou toda sua autoridade e influência para fazer propaganda do regime fascista. Nesse
momento, inclusive controlavam a maioria dos jornais locais.
A propaganda fascista promovida pela elite local e pela Igreja atingiu amplamente a
população, e em pouco tempo a maioria da população de origem italiana era mais ou menos
simpática à Itália e ao regime fascista italiano.
Um dos principais eixos dessa propaganda era exaltar a “identidade italiana” ou a
“italianidade” da região, característica que nunca foi forte apesar da origem da maioria dos
imigrantes, já que a Itália recém unificada era uma colcha de retalhos cultural, na qual às vezes
dentro da mesma província se falavam dialetos de difícil compreensão entre si. Os imigrantes
que vieram tinham pouca identificação nacional com a Itália (muitos desprezavam sua terra
natal) e muito menos seus filhos, que já estavam em um processo de integração e naturalização
no Brasil.
Mas a propaganda fascista veiculada nas igrejas, escolas, jornais e no debate público
em geral logrou construir essa noção de “italianidade” que desde então marcou a região. Para

16
GIRON, 2017.
a diplomacia fascista, não havia imigrantes, as pessoas que saíram da Itália para viverem suas
vidas em outros lugares eram “italianos no exterior”, e essa noção foi injetada nas cidades
riograndenses colonizadas por italianos. Isso possivelmente exerceu grande influência no forte
componente racista que o conservadorismo tem na região.
A identificação e simpatia da região com a Itália cresceu nesse contexto, as notícias
da Itália fascista veiculadas diariamente na mídia local. Por ocasião da invasão italiana na
Etiópia, houveram grandes celebrações na região.17
Apesar dessa simpatia generalizada pelo fascismo, o movimento fascista regional em
si era marcadamente um movimento de elite. Não engajou ativamente nem camadas médias e
muito menos camadas baixas da população, e sequer tinha um ativismo político disruptivo
como teve o Integralismo (que também teve presença na região, especialmente entre camadas
médias, jovens e de origem não italiana).
Era um movimento estruturado de fora para dentro e de cima para baixo, sendo
coordenado inicialmente pelos agentes consulares italianos, que tentavam criar um soft power
da Itália fascista no Brasil através da inserção na RCI. Segundo Giron, as áreas de atuação do
fascismo na região podem ser definidas da seguinte forma: “a propaganda do movimento,
através da imprensa e da própria Igreja católica, a propagação de ideias fascistas através do
ensino e da educação dos filhos dos imigrantes e a área técnica, estabelecendo seus técnicos
em movimento cooperativista e sindical, especialmente no setor vinícola.”18
Até perto do início da Segunda Guerra Mundial, a oposição à influência do fascismo
na região foi protagonizada principalmente por elementos nacionalistas, que viam como nociva
a influência estrangeira em território brasileiro. No entanto, essa resistência à influência do
fascismo era mais motivada por questões patrióticas do que de rechaço ao significado político
do fascismo.
Por parte dos governos federal e estadual, não houve nenhuma objeção à influência
do fascismo até a declaração de guerra do Brasil contra o eixo. Pelo contrário, os industriais
fascistas da região eram vistos com bons olhos por sua “contribuição” à economia nacional.
A influência do fascismo na região só é dissipada pela entrada do Brasil na guerra ao
lado dos Aliados em 1942, quando o governo Vargas toma diversas medidas para combater a
“influência do inimigo” em território brasileiro.

17
Idem.
18
Idem, p. 145.
Diante desse novo cenário, a elite local profundamente identificada com o fascismo
põe o pragmatismo burguês acima da ideologia. A região é tomada por declarações efusivas de
lealdade ao governo brasileiro e à pátria, a burguesia varre para debaixo do tapete seu histórico
fascista. Os fascistas não encontram dificuldades para serem rapidamente perdoados pelo
governo Vargas, já que os industriais da região passam de fascistas a heróis nacionais por sua
participação no esforço de guerra produzindo insumos para o front.
As medidas repressivas do governo Vargas contra os italianos e os “fascistas”
atingiram muitas pessoas na região, menos os verdadeiros fascistas. As leis que proibiam o
idioma italiano e qualquer referência cultural à Itália atingiram principalmente os colonos
pobres que não tinham nada a ver com o movimento fascista, mas que muitas vezes pela falta
de acesso à educação sequer tinham conseguido aprender a língua portuguesa. Muitos sofreram
com prisões, confisco de propriedades e isolamento, especialmente agricultores pobres.

Considerações finais
A elite local que foi simpática ao fascismo continuou a dominar politicamente a
região. Constituiu uma hegemonia política e social na região, tendo uma imagem positiva
perante boa parte da população, legitimados pelo discurso de “empreendedores” e “imigrantes
que trabalharam duro e tiveram sucesso”. O “sucesso” da elite local é um discurso apologético
que esconde o real motivo de sua ascensão social, que só foi possível pelo regime minifundiário
da colonização, que favoreceu o desenvolvimento de uma indústria e mercado consumidor
locais; assim como pelo acúmulo de capital comercial em base à exploração do excedente
agrícola da maioria dos colonos, que após algumas décadas se viram empobrecidos e
proletarizados.
A legitimidade dessa elite extremamente reacionária e conservadora foi perpetuada
por sua hegemonia social nas instituições locais, como a Igreja Católica, a imprensa e o sistema
educacional.
O estudo do processo histórico da formação da Região de Colonização Italiana da
Serra Gaúcha ajuda a entender porque o conservadorismo se torna um fator político dominante
na região, fortalecendo a posição das facções da direita política ao longo das décadas.
Nesse processo, os pontos fundamentais parecem ser: 1) a profunda religiosidade dos
primeiros colonos, que possibilitou uma enorme influência e autoridade da Igreja Católica; 2)
uma significativa influência direta e intencional do fascismo italiano durante duas décadas, que
penetrou na região com um discurso de culto à Itália, à “italianidade” e à autoridade; 3) uma
legitimação da elite local em base a um discurso apologético que se utilizou das condições
econômicas particulares da região.

Referências Bibliográficas
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Caxias do Sul, 1962.
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de Caxias do Sul - 1875 a 1950. Métis (UCS) , v. 9, p. 201-215, 2010.
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DE BONI, Luís. COSTA, Rovílio. Os Italianos do Rio Grande do Sul. EST; Correio
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DUARTE, Mariana. “A uva e a engrenagem de bronze" : Uma leitura da arte
numismática de Bruno Segalla. Tese (Doutorado em Letras) - Universidade de Caxias do Sul
em associação ampla UniRitter, 2017.
FERRI, Marlos Rodrigo. Tecendo uma história : a Cooperativa Têxtil Galópolis.
Dissertação (Mestrado em História) - Universidade de Caxias do Sul, 2018.
GIRON, Loraine Slomp. As Sombras do Littorio: o Fascismo no Rio Grande do Sul.
Educs. Caxias do Sul, 2017.
GIRON, Loraine Slomp ; BERGAMASCHI, Heloisa Delia Eberle . Casas de negócio:
125 anos de imigração italiana e o comércio regional. Caxias do Sul. Educs, 2001.
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(1906-1941). Dissertação (Mestrado em História) - Pontifícia Universidade Católica do Rio
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SANTOS, Carla Xavier dos. “Nossa Senhora de Medianeira Rogai Por Nós”. A
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Sul (1937-1945). Dissertação (Mestrado em História) Porto Alegre, 2008.
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