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ISSN: 2525-8761
DOI:10.34117/bjdv8n1-092
RESUMO
Partindo da premissa que são escassas as informações, pesquisas e mesmo representações
culturais sobre o período escravagista na região cacaueira do sul da Bahia, propomos
discutir essa construção do esquecimento ou apagamento da escravidão à luz do conceito
de violência considerando a concepção de trauma. Realizamos o percurso metodológico
pela pesquisa bibliográfica em obras literárias e também de comentadores. Outro ponto
de destaque é o papel da literatura na naturalização da ausência de homens e mulheres
negras não só como força principal do trabalho, mas também como componentes
importantes no estabelecimento econômico da cacauicultora. Enfim, acreditamos que o
desmentido dessa circunstância representa uma modalidade de violência, bastante ativa
no sentido do apagamento da contribuição do trabalho escravo na sustentação econômica
da região para os grandes latifundiários.
ABSTRACT
Based on the premise that information, research and even cultural representations about
the slavery period in the cocoa region of southern Bahia are scarce, we propose to discuss
this construction of the oblivion or erasure of slavery in the light of the concept of
violence considering the concept of trauma. We carried out the methodological path
through bibliographical research in literary works and also by commentators. Another
highlight is the role of literature in the naturalization of the absence of black men and
women not only as the main force of work, but also as important components in the
economic establishment of the cocoa plantation. Finally, we believe that the denial of this
circumstance represents a form of violence, quite active in the sense of erasing the
contribution of slave labor to the economic support of the region for the large landowners.
1 APRESENTAÇÃO
O sul do Estado da Bahia, área dos primeiros avanços na conquista do território
tupiniquim pelos portugueses, importante região da cadeia agrícola do Brasil, é conhecido
atualmente pela força do turismo, balneários, belas praias, resorts e pelas enormes
manchas de remanescentes da Mata Atlântica. Ainda guarda - na arquitetura, na história,
na agricultura e na política local - traços que remetem ao período colonial.
Ressalte-se que há, em termos geográficos, pequenas discordâncias entre
estudiosos e romancistas no tocante a essa área. Na porção sul do Estado da Bahia as
paisagens são, há muito tempo, marcadas por grandes latifúndios inseridos diretamente
no fluxo agrícola internacional e pequenas propriedades dedicadas à agricultura familiar,
mas também atividades como a pesca, a extração de madeira, criação de gado etc. Nos
municípios em que suas economias se tornaram dependentes do plantio, comércio local e
exportação do cacau, criou-se uma cultura do cacau. Esse conjunto de arraiais, vilas,
pequenas e médias cidades formam a região cacaueira, que se em muito se confunde com
os limites da própria região sul, podemos dizer que não há correspondência total
(SANTOS, 1957; ANDRADE, 1973).
Do mesmo modo, ponto central para entendermos a região cacaueira, a cidade de
Ilhéus é lembrada por seu passado como sede de uma das quinze capitanias hereditárias
(primeiro modelo de divisão administrativa do território brasileiro), a Capitania de São
Jorge dos Ilhéus. Em 1761 é anexada à capitania da Bahia, com sede em Salvador,
tornando-se assim comarca e dividida em freguesias, segundo a estrutura administrativa
da coroa portuguesa (GONÇALVES, 2014). É desse espaço geográfico que escritores
como Jorge Amado, Jorge Medauar e Adonias Filho se apropriam para escrever contos,
poesias e, no caso dos dois primeiros, uma literatura de costumes denominada de
romances do cacau.
Esses romances também se apropriam daquilo que Milton Santos (1957), em seu
estudo acerca do espaço brasileiro, vai chamar de tipos humanos que podem ser
tempo, que pode ser observado até hoje nas paisagens de roças mais antigas nas quais os
cacaueiros centenários são testemunhas.
Infelizmente, aquilo que trataremos como construção de esquecimento não é uma
situação exclusiva das terras do cacau. Naquelas áreas onde a escravidão era mais
evidente por números absolutos e pela maior necessidade de mão de obra, nas fazendas
cafeicultoras do Sudeste, mais especificamente no Vale do Paraíba, esse apagamento
concentrou-se no período do pós-abolição, principalmente no que concerne à identidade
negra, posse de terra e festividades. É o que mostram Abreu e Mattos em Festas,
patrimônio cultural e identidade negra (2013, p. 3) quando tratam do desprestígio pelas
“festas em torno da escravidão”.
Para além das divisões do trabalho, nas quais pesa que a pior parte ficava
evidentemente para os escravos, a importância destes para o estabelecimento do cacau
como lavoura e motor econômico brasileiro se insere também nas redes de comércio
locais e como instrumento de compensação no precário sistema financeiro do século XIX.
Quer dizer, era comum no Brasil oitocentista que o acesso ao crédito bancário fosse
demasiadamente dificultado para agricultores de áreas periféricas, de modo que a peleja
pelo capital necessário à expansão da atividade agrícola era piorada quanto mais isolada
fosse a fazenda. Quanto mais escondidas nos sertões do continental território brasileiro.
Pequenos e médios proprietários passaram a utilizar a mais eficiente forma de penhor
daquela condição de desfavorecer o financiamento e grandes trocas comerciais: o escravo.
Encontrar um comprador para uma fazenda executada judicialmente após penhora e
moratória era muito difícil em áreas remotas. Para a compra de escravos não. Podiam ser
transportados (MAHONY, 2001).
Eis outro sentido do ser humano como mercadoria ao qual Mbembe (2016, p. 132)
se refere ao falar sobre a negação à elementaridade do corpo negro:
A vida do escravo, para o senhor, não é possível sem o sentido de posse, do lucro,
do negócio, enfim, dos arranjos econômicos. Exemplo dessa ideia poderia ser encontrada
facilmente no pacato tecido urbano da Ilhéus do século XIX, onde ser escravo, na cidade,
significava maiores possibilidades de conexões na rede de contatos necessária à conquista
alemães por dois anos” (RIBEIRO, 2005, p. 30). Dois objetivos seriam atingidos:
substituição da mão de obra e o branqueamento da população. Distanciar-se das
representações construídas pela própria elite em torno do negro é mais um motivo para
negar e apagar a contribuição de homens e mulheres escravizadas.
Sem embargo, margeando o risco de um certo determinismo geográfico,
acreditamos que características peculiares da região e das próprias lavouras de cacau
impediram a fixação mais volumosa de imigrantes. Plantações na modalidade cabruca,
ou seja, que utilizam o sombreamento de grandes árvores para proteger os cacaueiros,
faziam das lavouras verdadeiras florestas que intercalavam grandes exemplares na Mata
Atlântica e variedades de cacaueiros de médio e pequeno porte. Algumas dessas fazendas
ainda tinham matas não exploradas (reservas para futuras expansões), associadas ao
clima úmido das florestas tropicais aumentavam o nível de insalubridade.
Do mesmo modo, a configuração espacial de “grandes impérios” do cacau com
impressionantes extensões territoriais imporia distância considerável das instalações de
moradia para qualquer infraestrutura como estradas, ferrovias, urbanização e comércio.
A produção do cacau transportada em cangalhas e lombos de muares nas comitivas de
tropeiros. Outra hipótese que podemos levantar é o próprio desenho político-estratégico
privilegiando outras regiões administrativas que não a atual região Nordeste.
A substituição de mão de obra escrava por assalariados europeus teria sido
direcionada para os centros do Sudeste e Sul, ainda que colônias de migrantes estivessem
presentes em outras regiões, inclusive no Nordeste, é flagrante que a porção sulista do
país teve mais assentamentos.
Ainda podemos pensar que trabalhadores negros, mesmo após a libertação, não
dispunham do mesmo poder de negociação que os imigrantes europeus. Exigia-se menos.
Infelizmente passou a ser uma mão de obra que servia para regular a oferta de empregos
e salários ao mesmo tempo que sustentava a produção de cacau (CRUZ, 2012). A elite do
cacau poderia manter assim seu status social, o senhorio.
Contudo não podemos perder de vista houve a tentativa de descarte de um povo
explorado e depois “abandonado pelas elites” pela busca de imigrantes “com um passado
para contrapor o mérito de um e outro”. Além do passado, deixando clara a “socialização
familiar distinta nos negros” – a família nuclear no mesmo local era considerada um
benefício que poderia ser revogado com a venda ou punição de escravos (miséria material,
moral e simbólica fabricada pela máquina de moer gente escravagista em contraponto aos
europeus que, mesmo não estando no mesmo patamar social das elites, gozavam de
“segurança existencial de quem é gente”). (SOUZA, 2017, p. 33).
A chegada dos substitutos merecedores de terem a cessão da força de trabalho
renumerada, configurou-se em mais uma violência e contribuiu para o processo de
apagamento da memória escrava na região cacaueira. Pois, podemos entender que existe
um povo com direito à memória. A rememorar seus feitos, seu nome, seus lugares, o
pertencimento à uma terra; e outro onde a memória só é possível se ligada aos signos de
resistências.
No massacre do qual a linguagem também faz parte, o escravo recebia todo tipo
de impropérios. Era em sua direção que os olhares, os gestos e as palavras pareciam
constituídos de rugosidades, dotados de aspereza.
Na precariedade de sua existência o escravo precisa manter o mínimo dos laços
sociais para manter distância do sentido de inferioridade, construído para quebrar sua
dignidade. Nos exemplos já citados de inserção do negro como instrumento ou
mercadoria, o comércio que o explorava em forma de ativo, seja na legalidade ou no
tráfico ilegal, o transforma em lucro, a partir do qual desfaziam-se laços sociais com
família, amigos e aliados importantes a própria sobrevivência, estabelecimento de
sanidade mental e esperança de superação da condição de ser humano escravizado.
Minava-se a resistência por meio dos aparatos jurídico-econômico-estatais.
No caso da escravidão, a violência objetiva sistêmica dá tranquilidade operacional
aos agentes de Estado, às elites, aos comerciantes, ao agricultor etc haja vista que aqueles
que não têm sua liberdade questionada apresentam elementos em comum para se
distanciar, o negro escravizado, conforme aponta Souza (2017) em A elite do atraso: da
escravidão à lava jato. Há um lastro mínimo que o cidadão, mesmo que não tenha
escravo, será beneficiário.
O sistema escravocrata possibilita que todo brasileiro não-negro, livre, tenha ao
menos um estamento social abaixo do seu. É bem verdade que a violência não é um
fenômeno exclusivo de uma única época, pois faz parte da “construção da sociedade
humana desde as suas comunidades primitivas” (HILDEBRAND e SALZTRAGER,
2019, p. 168). Porém, há exemplos de resistências e reações violentas por parte de
escravos. Mas no contexto sistêmico da violência objetiva no período da escravidão no
Brasil as ações de apagamento do legado da escravidão ,na região cacaueira, é um
esquecimento operacionalizado.
Nesse sistema produtor de violências cotidianas como normalidades, as elites
forjam a necessidade desse apagamento que causa, para determinados grupos sociais,
desenraizamento e obstrução dos caminhos concernentes às suas histórias.
Não obstante, esse apagamento como violência também se evidencia em grupos
em situação de vulnerabilidade. Porém a escravidão vai além, ou seja, ultrapassa a
precariedade ou vida vulnerável, utilizando-se da estrutura econômica colonial, por
arranjos políticos e jurídicos para negação mesmo da vida, da humanidade.
É preocupado com semelhantes questões sobre a colonialidade que Fanon se
refere a um mundo compartimentado “quando se observa, em sua imediatidade, o
contexto do mundo colonial, verifica-se que o que retalha o mundo é antes de mais nada
o fato de pertencer ou não a tal espécie, a tal raça” (FANON, 1968, p. 29). No mundo
colonial, a violência por parte dos grupos hegemônicos, nem sempre é direta, embora
abundem os relatos de violência subjetiva. Mas vai se instalando e avançando no
cotidiano.
Contudo, a violência, na experiência humana, de um modo geral, produz
vestígios que podem transformar-se em memória. Principalmente porque os eventos
violentos têm potencial criador para atenuar uma força contida nas bases da memória que
é o próprio esquecimento. Por outro lado, a violência também “produz descontinuidades”
que se devem, provavelmente, a um outro caráter: a produção de experiências traumáticas.
Que em seu turno pode, o trauma, ser entendido como “furos que acometem as teias da
memória” (FARIAS, 2014, p. 35; 2016, p. 201).
O trauma, disparado por atos violentos, poderá provocar confusão mental uma
vez que a pessoa lesada estará sujeita às percepções recorrentes, “modos como o corpo
recorda, involuntariamente, eventos de particular intensidade e dificuldade emocional”
(ORTEGA, 2011, p. 4), ou seja, uma imagem pregnante, fazendo real e assombra o sujeito
visto se referir a uma desagradável do passado mantida no presente. (FARIAS, 2012), na
condição de evento traumático que, segundo Ortega (2011, p. 6), seria “uma excitação
excessiva do mundo externo” que se repete de forma, causando para a pessoa um estado
de confusão quanto ao tempo. Um evento do passado que involuntariamente está no
presente.
Uma dificuldade de “assimilação” devido o caráter “repentino” do ato.
Provavelmente algo que interfere na sua relação com os outros. Mas como se dá a situação
de trauma em um contexto em que a consciência de lugar no mundo estará viciada por
uma estrutura opressora que faz uso de diversos tipos de violência? O que se pode dizer
de atos violentos experienciados por mais de uma pessoa, por um grupo, por uma
comunidade? Quando as violências potencialmente geradoras não são superadas, mas
transformadas, incrementadas, o trauma também se aprofunda?
A escravidão foi uma experiência violenta para milhares de pessoas e que se
mantém presente na memória da coletividade uma vez que a população negra descendente
de africanos que migraram forçadamente ainda é alvo do aparato estrutural que tenta
manter o desenho social que justifica a elite econômica em posição superior. Neste
sentido, tentando traçar um paralelo entre apagamento, violência e o trauma, nos
apoiamos em Gondar (2012) quando afirma, em sua leitura de Ferenczi que o trauma está
no campo da comoção psíquica e não se configura no momento do ato violento em si.
Ou seja, há “um o sentimento de estar seguro de si”, uma “confiança em si” e no
mundo a sua volta como uma espécie de “preparação”, anterior ao evento que decepciona.
Que rompe com esta confiança e alimenta a decepção (FERENCZI, 1992, p. 109).
Contudo, dizer que a violência tem potencial gerador de trauma não significa afirmar que
haverá trauma em todas as vezes que existirem atos de violência. É aí que se destaca a
originalidade de Ferenczi.
Como se dará a vivência da vítima após sofrer a violência é importante para que
se configure o trauma especialmente no momento quando alguém ao relatar violência
sofrida a alguém de sua confiança, passa por uma punição ou descrédito, ocasionado uma
angústia da “comoção psíquica” irá se somar ao sentimento de injustiça: o trauma se
torna patogênico justamente nessa situação de “negação, o desmentido” (Ibid., p.79).
É importante o papel da alteridade, do outro, do entorno da vítima para que se
configure o trauma. O que se tem então é uma memória que pode ficar adormecida
inacessível ou indisponível (RICOEUR, 2007). É, ao ter sua dor reduzida a um
desmentido, que a vítima vê-se em situação de desamparo, punida uma segunda vez e
fragilizada, tendo que lidar com a presença forçada das imagens que não cessarão de
retornar. No contexto de negação, sobretudo de não reconhecimento, é que se dá o
desmentido e se configura o trauma.
Portanto, não se trata do instante mesmo em que acontece o evento potencial de
violência, mas de um segundo momento, em que poderá se dar ou não. “O trauma se
completaria na “não-validação” dos eventos sofridos, “no descrédito” (ORTEGA, 2011;
GONDAR, 2012, p.196). Desse modo, ainda que o trauma não descarte a violência, não
corresponderá à ideia instantânea, “ação de cunho agressivo que muda um organismo pela
produção de dano” (FARIAS, 2016, p.188). O entendimento sobre o trauma pode ser
tomado, portanto, a partir de outra escala, diferente daquela comumente estudada a partir
do ser humano.
Podemos fazer um movimento inverso. Observar o fenômeno como coletivo, ou
melhor, nas relações entre as pessoas como trauma social. Conjunturas sociais, situações
que assolam a vivência em grupos, também podem gerar consequências individuais. Nos
tempos atuais aceita-se a ideia de “medo e ansiedade” podem ter “origem nas causas
sociais” (ORTEGA, 2011, p. 8).
Já no início o livro nos mostra “uma das práticas dos grandes coronéis durante a
conquista de terras no sul da Bahia no século XX: a tocaia” (SANTOS, 2017, p. 16). Na
história, uma propriedade rural evolui para povoado até chegar à condição de município
em meio a episódios de violência (as emboscadas) para eliminação de inimigos, o que se
adequa perfeitamente ao tema dessa reflexão que abarca um recorte temporal importante
ao mesmo tempo que realista para a operacionalidade da mesma: última década do século
XIX (período de conquista e expansão de terras) até primeira metade do século XX (auge
do cacau).
O período pós-abolição carregou por muito tempo os “fantasmas” da escravidão.
A sociedade ilheense, por exemplo, classificava negros por suas características físicas
com termos que aludiam a escravidão. Por isso, é de se estranhar que uma literatura de
costumes que se utiliza deste espaço geográfico como cenário não aborde temas tão
presentes. Por outro lado, essa situação de vulnerabilidade social compartilhada por
pessoas na mesma condição de negação, desmentidos, pode ter fortalecido laços de
solidariedade dentro das comunidades, acendido focos de resistência, estabelecido
quilombos e coiteiros, propiciado a compra de cartas de alforria (GONÇALVES, 2014).
Em verdade, nesse ponto a ficção de Jorge Amado em Tocaia Grande se aproxima
muito da realidade: um novo sítio incrustrado no meio das roças e matas da região
cacaueira. Ponto de confluência de estradas. Local de passagem para vários tipos de
personagens. Em sua grande maioria representações de elementos marginalizados e/ou
sob forte pressão social. Mulheres vítimas de violência doméstica, imigrantes, famílias
expulsas de suas terras, trabalhadores assalariados de baixa qualificação, tropeiros,
fugitivos, andarilhos solitários etc. Pessoas que encontram no povoado laços de
solidariedade e igualdade devido a situação de precariedade comum, se não a todos, à
maioria. Talvez “para corrigir a sua negligência da miséria dos negros na escravidão” é
que se identifica uma originalidade em Tocaia Grande: a primeira vez em que há uma
tentativa, ainda que tangencial, de discutir escravidão. Infelizmente esta narrativa em
específico não se desenrola pelos territórios do cacau (XING, 2014, p. 57). Trata-se da
introdução do personagem Castor Abduim ou, seguindo alcunha baseada em sua
ocupação de ferreiro, Tição Aceso.
Tal qual a moderna temática dos jogos de videogame, neste romance, Jorge
Amado (2008, p.51) vai “desbloqueando” personagens, revelando-os ao leitor e
acrescentando importantes peças ao cenário do povoamento onde se situa a história. É
deste modo que nos apresenta Castor Abduim da Assunção com grande destaque para
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A realização do trabalho aponta que houve um processo de apagamento da
escravidão na região cacaueira do sul da Bahia.
Este processo se dá no âmbito da violência sistêmica que é a própria escravidão.
Ao mesmo tempo que se revela um trauma social persistente no tempo, uma vez
que a construção deste apagamento tem inclusive na literatura o expediente de negação,
um desmentido, o qual também se estende para o campo dos valores morais e tradições
transmitidas há mais de um século, depois da abolição da escravidão.
Há um apagamento. Esse apagamento pode ser entendido como violência. A
violência tem potencial para gerar trauma, à medida que se traduz em uma espécie de não
reconhecimento da condição humana dos povos negros, bem como do legado que
deixaram a partir de sua força de trabalho.
Além do não reconhecimento há também uma espécie de desenraizamento pelo
fato de não admitir a questão da origem desses povos com relação aos países do
continenete africano.
A violência com certa magnitude, especialmente quando incide sobre um povo a
partir de critérios discriminatórios e segregacionistas, como no caso dos povos negros que
foram considerados pelos povos brancos, inferiores pela cor da pele, pode causar um
trauma coletivo, social, se nos atentarmos principalmente o artificio utilizado para negar
a violência praticada como uma modalidade de violência, ou seja, o arsenal de práticas
de humilhação e aviltamento que incidiu sobre os povos negros, foi e ainda é, até certo
ponto, naturalizada, constituindo-se assim um modalidade de desmentido que apresenta
todas as prerrogativa de se converter em um trauma.
Essa negação é um descrédito da vítima, um desmentido.
De resto, podemos seguramente admitir que o não reconhecimento da condição
humana dos povos negros, bem com o silenciamento sobre o legado produzido pela força
de trabalho são condições que se apresentam na rubrica de um desmentido e, por isso,
violência em cicatrizes abertas em função das questões concernentes à distribuição
desigual da precariedade orientada por critérios racistas, entre outros.
REFERÊNCIAS