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Diamantina
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AGRADECIMENTOS
Agradeço ao meu orientador, Dr. Olavo Cosme da Silva, pela paciência e auxílio no
desenvolvimento deste trabalho. À minha família por sempre acreditar na minha
capacidade, e aos meus amigos por me apoiarem em todos os momentos. Por fim, sou
imensamente grata ao Nelson por ter me salvado em 2019, e por continuar me
salvando sempre.
10
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(Rupi Kaur)
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13
RESUMO
ABSTRACT
Several technologies often used today, such as Wi-Fi, Bluetooth, and GPS, are the
result of the contribution of many inventors who throughout history have not received
due recognition for their achievements, as is the case with actress and inventor Hedy
Lamarr. Lamarr's career was very eventful, but none of her film performances would
have been more notable than her own life. Her patent on a secret communications
system, developed to throw off Nazi enemies in World War II, was a spread-band
system based on frequency hopping. This system was later applied in wireless internet
technologies and many others. However, the inventor was only recognized during her
lifetime for her beauty and the image she produced for the screen. Therefore, rescuing
the story of Hedy Lamarr is important to encourage the appearance and recognition of
more female figures in the exact sciences, and to give due credit to this character who
contributed so significantly to humanity.
.
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LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 7 - Recorte da matéria que relata, em tradução livre “293, incluindo 83 crianças,
morrem quando o navio é torpedeado” 37
Figura 11 - Sincronização dos saltos de frequência, entre o navio (ship) e o torpedo, com uso
dos mini-rolos 40
Figura 16 - Destaque de um trecho da matéria sobre Hedy Lamarr, nos dizeres da notícia em
tradução livre: “Ela está velha e feia, você não a reconheceria.” 50
Figura 17 - Matéria do The New York Times que traz na chamada, em tradução livre, “Atriz
cria aparelho quente para uso em defesa.” 51
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SUMÁRIO
1 Introdução 21
2 Metodologia 23
3 Revisão da Literatura 25
6 Discussão 48
6.4 Resgate da figura de Hedy Lamarr como precursora para a tecnologia de redes sem fio
52
Conclusão 54
Referências Bibliográficas 56
20
21
1 Introdução
tão ímpar. Buscou-se também uma revisão da literatura a fim de elucidar elementos do
contexto histórico, muito importante para entender os motivos que levaram Hedy Lamarr a
trabalhar no projeto do seu sistema, vivido durante o período da invenção.
Foi feita uma busca pela patente com o objetivo de entender a proposta do sistema de
comunicação desenvolvido por Lamarr, bem como os desdobramentos do seu sistema para
utilização na comunicação sem fio. Por fim abriu-se a discussão, buscando evidências em
documentários, recortes de revistas da época, gravações e artigos, sobre os motivos que
levaram ao negligenciamento de uma invenção que poderia mudar significamente os
resultados do conflito militar da época e, posteriormente serviria como base para uma
ferramenta tão usada nos dias atuais. Mostrou-se também como, infelizmente, a inventora
Hedy Lamarr não foi reconhecida pelos seus feitos durante quase toda a sua vida, mas apenas
pela sua incontestável beleza enquanto atuava nos cinema.
23
2 Metodologia
Este trabalho foi desenvolvido por meio de uma pesquisa qualitativa (LUDKE;
ANDRÉ, 1986), onde foram levantados artigos, recortes de jornais, obras literárias e
documentários que abordassem a vida e as contribuições tecnológicas de Hedy Lamarr.
Houve ainda uma busca por sites na Internet que agregassem informações sobre a trajetória da
inventora, bem como sua carreira profissional. As palavras chaves utilizadas foram “invenção
de Hedy Lamarr”, “mãe do Wi-fi” e “atriz hollywoodiana Hedy Lamarr”.
De acordo com Silva (2012, p. 41, apud CONNELLY; CLANDININ, 1995), para a
produção de dados podem ser utilizadas diversas ferramentas, “tais como registros em diário,
entrevistas, cartas, escritos autobiográficos e biográficos, documentos, fotografias, entre
outros”. Nesse sentido, foi utilizado também o documentário Bombshell: The Hedy Lamarr
History (2017), que explora a vida de Hedy Lamarr e aborda precisamente sua faceta de
inventora trazendo um vasto material, o qual foi muito precioso para a construção deste
trabalho. Nele estão contidos documentos próprios da inventora, como a patente de sua
invenção, recortes de jornais com matérias a seu respeito, entrevistas com familiares e amigos
da atriz, além de gravações com a própria inventora que enriqueceram de forma singular a
construção de um bom resultado a respeito do tema.
Inicialmente buscou-se os dados bibliográficos de Hedwig Eva Maria Kiesler (Hedy
Lamarr), nesse sentido focou-se nos elementos que caracterizaram sua trajetória como atriz e
inventora. Em seguida, foram levantados dados que pudessem explicar o contexto em que ela
vivia, bem como tópicos que auxiliaram na compreensão do sistema de comunicação
desenvolvido por ela, o qual foi utilizado posteriormente como base para a tecnologia do Wi-
fi, Bluetooth e GPS.
Buscou-se também pelos trabalhos da atriz em plataformas digitais para complementar
a sua trajetória na história do cinema, uma vez que como atriz ela realizou uma série de
trabalhos que foram importantes para transportá-la a um patamar de reconhecimento. E ainda,
foram realizados encontros semanais com o orientador a fim de obter um melhor desempenho
acompanhado, visando otimizações na construção deste trabalho.
Houve inicialmente uma breve dificuldade em encontrar referências mais completas,
uma vez que Hedy Lamarr não recebeu, durante a maior parte de sua vida, um
reconhecimento por sua invenção do sistema secreto de comunicações. Desse modo, foram
coletadas evidências que ilustram os possíveis motivos que levaram à negligência de uma
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patente tão importante para o avanço tecnológico militar da época. Buscou-se discutir não
somente esse aspecto, mas também, demonstrar como tal contribuição foi de importante para
o desenvolvimento da tecnologia do Wi-fi, tão indispensável atualmente na vida das pessoas,
inclusive na continuidade da educação de forma remota, por exemplo.
25
3 Revisão da Literatura
Durante os anos de 1939 a 1945, o mundo enfrentou o que teria sido, segundo
apontado por Coggiola (2015, p. 5), “o conflito militar mais sangrento de todos os tempos”. A
Segunda Guerra Mundial como ficou conhecida posteriormente, ainda em concordância com
o mesmo autor, envolveu a maioria das nações do mundo e estimativas apontam para cerca de
40 milhões de mortes durante o conflito, sem contar mortes por fome, epidemias e doenças
causadas indiretamente pela guerra.
A guerra foi travada pelo bloco dos Aliados que teve como potências o Reino Unido,
União Soviética, Estados Unidos e China, e o Eixo com Alemanha, Japão e Itália. E, como
evidenciado por Gilbert (2019, p. 5), foram 2.114 dias de conflito, o qual teve início com a
invasão da Polônia pela Alemanha, em setembro de 1939, e teve seu fim em agosto de 1945
com a rendição do Japão. A Figura 1 ilustra o mapa do mundo após a entrada dos EUA na
Segunda Guerra Mundial, em dezembro de 1941, onde a legenda aponta para as potências
26
do Eixo na cor azul, e nas cores verde claro e verde escuro os Estados ou dependências em
guerra com as potências do Eixo europeu.
Para Coggiola (2015, p. 6), o resultado da dilação da resolução dos conflitos que ascenderam
a Primeira Guerra Mundial e, da revolução socialista que nela se originou, foram em suas
palavras
[…] cenários de degradação humana nunca vistos na história, nos campos de
concentração nazistas, nas câmaras de gás, nas políticas de “extermínio
total” de judeus, ciganos, homossexuais, deficientes mentais e outros, nos
massacres em massa na Europa oriental, nos bombardeios de muitas cidades
europeias, no ataque nuclear contra duas cidades japonesas.’’ (COGGIOLA,
2015, p. 6)
27
Nesse contexto, uma das causas da guerra teria sido a expansão do nazismo na
Alemanha, regime totalitário liderado por Adolf Hitler que foi, de acordo com Neto (2018, p.
193, apud EVANS, 2013):
“uma ditadura com características muito específicas, baseadas em uma utopia racial
que seria concretizada por meio da guerra e do genocídio. Para o nazismo, o motor da
história era a “luta de raças”, contínua e vital para o projeto de hegemonia mundial da
Alemanha de Hitler.” (NETO, 2018, p. 193, apud EVANS, 2013)
Com isso, o projeto geral do nazismo para a Europa Oriental e a União das Repúblicas
Socialistas Soviéticas previa a morte de dezenas de milhares de constituintes das “raças
inferiores”, inclusive o extermínio total dos judeus. (COGGIOLA, 2015, p. 6)
O resultado da ascenção do nazismo foi o Holocausto, a matança generalizada de
cerca de seis milhões de judeus. De acordo com Coggiola (2015, p. 89, apud EVANS, 2013):
“O extermínio de judeus foi visto, às vezes, como uma linha de montagem de
assassinato em massa industrializado; essa imagem contém algum elemento de
verdade. Nenhum outro genocídio na história foi levado a cabo por meios mecânicos
- exposição a gases letais - em instalações especialmente construídas (mas) essas
instalações não operaram de modo eficiente ou efetivo e, se a impressão causada por
chamá-las de industrializadas é de que eram automatizadas ou impessoais, trata-se
então de algo falso.’’ (COGGIOLA, 2015, p. 89, apud EVANS, 2013)
Todos os horrores da guerra foram vividos e sentidos pelas pessoas contemporâneas àquele
momento, era de fato impossível não estar envolvido com a gama de destruição que esse
momento histórico causou.
Mar (2017, p.39), desde sua idealização pelos mulçulmanos no século VII, o torpedo, que tem
por objetivo alcançar a embarcação inimiga e explodir, não foi desenvolvido devido ao fato
de ter sido considerado um armamento com dificuldade para se fazer mira. Contudo, no início
do século XX, a sua associação com o advento do submarino fez com que o torpedo
alcançasse uma notável eficácia.
Os primeiros protótipos de torpedos autopropulsados foram concebidos pelo
engenheiro Giovanni Luppis, que veio a mostrar seus trabalhos ao engenheiro inglês Robert
Whitehead, o qual era gerente de uma firma que tinha como cliente a Marinha da Áustria. Na
Figura 2 é possível observar a imagem do torpedo de Whitehead. Por meio de uma parceria,
os dois puderam transformar o torpedo em um armamento mais eficaz por volta de 1866
(VAN LOON, 2016, p.18). A arma foi aperfeiçoada ao longo dos anos e Whitehead comprou
os direitos do giroscópio em 1890 para melhorar a direção dos torpedos. Durante a Segunda
Guerra Mundial houveram grandes esforços para aperfeiçoar tal armamento.
soldado incentiva a população a adquirir esses títulos enquanto não é possível eles se
encontrarem devido a guerra.
Figura 3: Propaganda dos Bônus de Guerra
Hedwig Eva Maria Kiesler conhecida pelo nome artístico Hedy Lamarr, nasceu em
Viena, na Áustria, em 9 de novembro de 1914 e sua morte data de 19 de janeiro de 2000 em
Altamonte Springs, Flórida. Foi a filha única dos judeus Gertrud Lichtwitz Kiesler, uma
pianista vinda de classe média, e Emil Kiesler, um gerente financeiro de um grande banco de
Viena. Além de ter sido uma talentosa atriz, Hedy foi uma brilhante inventora que fez
consideráveis contribuições no campo das ciências exatas para as redes sem fio dos dias
atuais. Durante sua vida Hedy foi casada seis vezes e teve três filhos, sendo um deles adotado.
(RAMOS, 2013)
Como apresentado na obra Bombshell - The Hedy Lamarr Story, Hedy demonstrou
desde cedo ter uma mente curiosa e um grande anseio em saber como as coisas funcionavam.
Nesse sentido, seu pai foi peça chave na construção da sua faceta de inventora, pois apesar do
seu ofício ele tinha grande interesse pela tecnologia e em seus passeios com Lamarr a
explicava o funcionamento de bondes, vagões elétricos, bem como outras máquinas. Na sua
vida, o ato de inventar foi sempre associado ao seu pai, o qual Hedy admirava muito.
(BOMBSHELL, 2017)
Ainda de acordo com Bombshell (2017), o contato de Lammar com as artes veio
também desde a infância sob influência dos seus pais, os quais eram cultos e levavam a filha à
ópera e ao teatro. Toda a família era ligada ao mundo das artes e da tecnologia e, para os pais
de Hedy, oferecer a ela uma educação excepcional era uma questão de necessidade. Então,
32
segundo Gnipper (2018), Lamarr estudou piano até a idade de 10 anos e, mais tarde,
teria sido descoberta por um diretor que orientou seus estudos no campo da atuação.
apegar à mentira de que não era judia, visto que os americanos não tolerariam judeus na tela
segundo Mayer.
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Em uma época que somente nas artes as mulheres poderiam ter alguma liberdade,
Hedy pôde relaxar em sua nova vida. De acordo com Bombshell (2017), ao atuar no filme
Argélia, em 1938, ela recebeu um destaque sendo estampada em todas as revistas de cinema.
Várias mulheres em Hollywood passaram a pintar seu cabelo e até mesmo mudar a
maquiagem para ficarem parecidas com Lamarr. Após isso, Hedy atuou no filme Fruto
proibido em 1940, trabalho que garantiu a carreira da atriz. E, nesse mesmo ano, Lamarr se
viu trabalhando em filmes como Comrade X, Come Live with Me e A vida é um teatro.
Entretanto, o que mais chamava a atenção em Hedy era o fato de que após longas
jornadas de trabalho no set ela não ia para a cama em sua casa muito menos socializava, ela
trabalhava em suas invenções. Mas o que se seguiu, após a sua invenção do sistema secreto de
comunicações, foi que Louis B. Mayer lhe ofereceu um papel no filme Demônio do Congo
para entreter os soldados em 1942. A mulher que havia tentado mudar a guerra se via
participando de filmes para entreter tropas (BOMBSHELL, 2017). Foi quando Hedy Lamarr
decidiu produzir seu próprio filme em 1946 intitulado A Estranha Mulher. No ano seguinte
ela produziu ainda Mulher Caluniada. Em 1949, Hedy Lamarr estrelou ainda no filme Sansão
e Dalila, como visto na Figura 5, o qual foi a segunda maior bilheteria da década.
Hedy Lamarr ainda produziu em 1954 o filme Amores das Três Rainhas, no qual interpretou
os 3 principais papéis. Quando o acabou, ela não encontrou distribuidor nos Estados Unidos
da América, e se viu sem dinheiro por ter gasto milhões na produção. Segundo Cunha (2015),
ela atuou ainda, na mesma década, em A Cigana Me Enganou (1951), A Mulher Sem Nome
(1950) e Naufrágio de uma Ilusão (1958), este sendo seu último trabalho no cinema.
Desde muito cedo Hedy Lamarr se mostrou interessada pela maneira como as coisas
funcionavam e, aos 5 anos de idade, a menina foi encontrada desmontando e remontando sua
caixinha de música para entender como ela operava. Contudo, apesar de ter seguido a carreira
artística, o que mais chamava a atenção em Hedy era o fato de que após longas jornadas de
trabalho no set ela não ia para a cama em sua casa muito menos socializava, ela trabalhava em
suas invenções. Lamarr viveu uma vida de grandes feitos e sua maior atuação sem dúvidas foi
no campo da ciência e tecnologia (BOMBSHELL, 2017).
Ainda de acordo com Bombshell (2017), Hedy conheceu o grande projetista de aviões
Howard Hughes, o qual queria desenvolver os aviões mais velozes do mundo e vendê-los para
a Força Aérea. A inventora era fascinada tanto pela mente como pelas fábricas de Hughes. Ela
teve a oportunidade de conhecer e ter a sua disposição todos os cientistas com os quais o
projetista trabalhava, além de receber um equipamento de laboratório do próprio, (Figura 6),
para desenvolver seus estudos. Como o projetista confiava em Lamarr, ela decidiu que os
aviões eram lentos demais e, a partir de estudos sobre a morfologia dos peixes e dos pássaros
mais rápidos, pôde esboçar um modelo aperfeiçoando o formato da asa dos aviões.
Figura 6: Hedy Lamarr em seu laboratório
Nesse período, Lamarr também teve a ideia de inventar um tablete que efervescia para
virar refrigerante, usando dois produtos químicos que Hughes a deu para esse fim. Sua ideia
se deu pelo fato de que durante a Segunda Guerra ninguém possuía Coca-Cola, logo o que ela
queria era comprimir a substância em um cubo para que ao colocá-lo em água as pessoas
obtivessem o refrigerante. A ideia não deu certo, porém, para Hedy o ato de inventar nunca
foi algo difícil. Até mesmo quando começou a fazer plásticas por volta dos 40 anos, ela teve
ideias inovadoras no meio cirúrgico, opinando em como poderiam ser feitas as intervenções.
Muitos dos procedimentos feitos em Lamarr nunca haviam sido realizados antes
(BOMBSHELL, 2017).
Como evidenciado por Marasciulo (2020), enquanto Hedy esteve em Hollywood sua
maior preocupação era a situação de sua terra natal devido à guerra iminente e o fato de sua
mãe ter permanecido na Áustria. Ao mesmo tempo que lidava com burocracias para levar sua
mãe aos Estados Unidos da América, Lamarr decidiu que precisava fazer algo para tornar
mais eficazes as investidas dos Aliados contra as tropas nazistas. Ainda segundo Marasciulo,
por conta de suas experiências, enquanto foi casada com Mandl, nas reuniões sobre
tecnologias militares, Hedy sabia que dos armamentos produzidos, os torpedos eram aqueles
que apresentam os maiores problemas devido a imprecisão e a possibilidade de sofrerem uma
interceptação no sinal pelos navios inimigos.
Foi então que ao lado do compositor George Antheil, o qual a atriz conheceu em em
um jantar em 1940 e se tornou amiga, surgiu em Hedy a ideia de criar um sistema de
comunicação que pudesse despistar os radares nazistas. Tal sistema serviria para guiar
torpedos para seus alvos na guerra sem serem interceptados pelos inimigos. A tecnologia foi
apresentada à Marinha e, na época, eles decidiram apostar no antigo modelo de torpedos, o
que fez com que a ideia só fosse usada anos depois na Crise dos Mísseis em 1942. A
tecnologia deixou de ser de monopólio militar e tornou-se base para várias tecnologias atuais
como o wi-fi (MARASCIULO, 2020).
37
38
Figura 7: Recorte da matéria que relata, em tradução livre “293, incluindo 83 crianças, morrem quando
o navio é torpedeado”
Este conceito assegurava que as comunicações via rádio seriam seguras pois, dessa
forma, não seria possível congestionar só uma fração de segundo de uma única frequência. A
ideia dos saltos de frequência de Lamarr era profundamente brilhante, e com certeza mostrou
a força que algumas pessoas podem ter diante dos mais diversos tipos de adversidades.
Apesar de Hedy Lamarr ter tido a ideia, ela não sabia como viabilizá-la pois não tinha
o conhecimento necessário para fazê-lo. Foi então que ela contatou seu amigo George
Antheil, Figura 10, responsável por ajudar Lamarr a implementar o sistema. Nascido Georg
Johann Carl Antheil (1900 - 1959), ele foi um compositor de vanguarda, pianista, autor e
inventor americano.
Figura 10: George Antheil
De acordo com Bombshell (2017), apesar de Antheil não ser formado em engenharia,
ele executava bem a sincronização de pianos mecânicos, fato que ajudou no projeto de
implementação da invenção de Lamarr. A composição mais notável de Antheil teria sido para
o filme Ballet Mécanique (1924), produzido pelo artista Fernand Léger e o diretor de
fotografia Dudley Murphy. A orquestração inicial da composição de mesmo nome do filme
exigia três xilofones, quatro bumbos, um conjunto de sinos elétricos, três hélices de avião, um
tam-tam, uma sirena, dois pianistas além de 16 pianolas sincronizadas (LEHRMAN, 2008, p.
13-18).
O compositor era considerado o “Bad Boy of Music”, nome que dá título a sua
autobiografia de 1945, e seus trabalhos ultra modernistas eram responsáveis por causar brigas
41
e tumultos em concertos, segundo Lehrman (2008). Ainda de acordo com o mesmo autor,
Ballet Mécanique foi a composição mais ultrajante de George Antheil e muito a frente do seu
tempo já que naquela época não existia a tecnologia necessária para executar a obra como foi
formulada inicialmente, o que fez com que ela passasse por algumas adaptações.
Para implementar a ideia de Hedy Lamarr, o lampejo que George Antheil teve foi
relacionado ao funcionamento de uma pianola, a qual foi, de acordo com Machado (2002),
“[...] inventada em meados do século XIX como um recurso industrial para
automatizar a execução musical e dispensar a performance ao vivo. Graças a uma fita
de papel cujas perfurações “memorizavam” as posições e os tempos das teclas
pressionadas durante uma única execução, o piano mecânico podia reproduzir essa
mesma execução quantas vezes fossem necessárias e sem necessidade da intervenção
de um intérprete. [...] As perfurações de uma fita podiam ser ainda copiadas para
outra fita e assim uma única apresentação se multiplicava em infinitas outras, dando
início ao projeto de reprodutibilidade em escala que, um pouco mais tarde, com a
invenção do fonógrafo, desembocaria na poderosa indústria fonográfica.”
(MACHADO, 2002, p. 21-22)
Dessa forma, já que os rolos de papel eram capazes de ativar as teclas de piano através
de suas perfurações, Antheil concluiu que aqueles mesmos rolos poderiam ser utilizados para
ativar as frequências de rádio tanto no navio como no torpedo. Então, para executar a ideia de
Lamarr, ele colocaria mini-rolos com 88 fileiras de perfurações dispostas aleatoriamente no
transmissor para controlar o salto de 88 frequências de rádio. Um rolo idêntico seria colocado
no receptor, como mostra na ilustração da Figura 11, e assim os dois estariam sincronizados.
(BOMBSHELL, 2017)
Figura 11: Sincronização dos saltos de frequência, entre o navio (ship) e o torpedo, com uso dos mini-
rolos.
Figura 12: Esboço do Mystery Control encontrado nos documentos pessoais de Lamarr.
Em concordância com Rider (1938), como mostra a Figura 13, o Mystery Control
possuía um dial principal com 10 orifícios para os dedos, correspondentes a 8 estações pré-
definidas e duas funções de controle de volume (alto e suave), parecido com o mecanismo de
discagem do telefone antigo. Sendo o receptor ligado manualmente e o interruptor de banda
definido para remoto, para sintonizar uma estação era necessário apenas girar até parar, como
em uma discagem telefônica, e em seguida soltá-lo. O receptor, em 15 segundos, voltaria a
sincronizar-se na estação discada. Lamarr pensou então que se as frequências fossem alteradas
a todo momento, da mesma forma que se fazia no discador, era possível se comunicar
totalmente em segredo. (BOMBSHELL, 2017)
43
Figura 13: Mystery Control, primeiro controle remoto de rádio sem fio.
1
De acordo com Simmons (2016), Charles Franklin Kettering foi um inventor bastante conhecido, responsável
por ganhar 186 patentes nos Estados Unidos. Ele liderou o Conselho Nacional de Inventores e a Comissão
Nacional de Planejamento de Patentes. Sua invenção mais memorável foi o arranque elétrico, o qual pôs fim à
difícil e perigosa prática da manivela manual.
2
The General Electric Company (GE) é uma empresa multinacional americana fundada por Thomas A. Edison
em 1889. A GE é conhecida atualmente por seu trabalho nas indústrias de energia, energia renovável, aviação e
saúde. (GENERAL ELECTRIC, 2022)
44
6 Discussão
Como evidenciado por Rothman (2019), muitos nomes estão envolvidos no percurso
de criação das tecnologias como o Wi-fi, Bluetooth e o GPS, os relatos populares nem sempre
são tão generosos e inclusivos. Dar todos os créditos a Hedy Lamarr seria tão injusto quanto
não reconhecer seu brilhante intelecto e sua vontade de, por meio da ciência, dar novos rumos
a uma guerra tão destrutiva com impactos de escala global. Nesta seção, portanto, serão
discutidos os motivos que levaram à patente de Antheil-Lamarr ter sido mantida guardada e
inoperante por um longo tempo. E ainda, dada a importância da tecnologia do Wi-fi, tão
presente nos dias atuais, serão debatidas as causas que levaram o nome de Hedy Lamarr ao
esquecimento na comunidade científica, com o intuito de resgatar essa figura feminina tão
importante para as ciências exatas, a qual teve sua faceta inventiva ofuscada.
inapropriado para o uso em batalha. Mas o autor também chama atenção para o fato de que é
preciso estar atento aos papéis históricos de gênero e a forma como a patente desenvolvida
por Lamarr pode ter sido recebida. Por sua vez, de acordo com o próprio George, a Marinha
concluiu que Antheil queria adicionar um piano mecânico a um torpedo, e aconselhou Hedy a
deixar a tecnologia com quem entendia e participar da batalha apenas vendendo bônus de
guerra e entretendo tropas com a sua beleza (BOMBSHELL, 2017).
Como explicitado em Bombshell (2017), após ter a invenção rejeitada pela Marinha,
Lamarr queria continuar a desenvolvê-la mas George não quis. A patente, como havia sido
submetida aos militares, foi guardada em um cofre e o sistema idealizado por Lamarr só foi de
fato utilizado em 1962, vinte anos mais tarde, na Crise dos Mísseis Cubano. Ao longo dos
anos a invenção perdeu o monopólio militar e passou a ser utilizada como base para várias
tecnologias atuais como o Wi-Fi e o GPS (MARASCIULO, 2020).
Foi a partir de 2014 que Hedy Lamarr passou a ser mais conhecida pelo público geral,
tendo o documentário Bombshell: The Hedy Lamarr History produzido em 2017 pela diretora
Alexandra Dian, o qual retrata a vida da inventora nos cinemas e reúne depoimentos, artigos,
entrevistas e documentos sobre o sistema de comunicação secreto idealizado por Lamarr
(MARASCIULO, 2020). Em 2015, o Google produziu também um doodle, que é uma
alteração temporária na logo do Google para celebrar eventos e datas comemorativas, em
homenagem ao aniversário de 101 anos da atriz de Hollywood e inventora Hedy Lamarr
(YOUTUBE, 2015).
Apesar de ter entrado na consciência do coletivo e ter sua face estampada na capa de
várias revistas, a atriz e inventora Hedy Lamarr acreditava nunca ter sido conhecida de
verdade. Ela fez algo para o bem da humanidade e queria ter sido valorizada pelo seu
brilhante intelecto, realidade que não viveu. O discurso da inventora, em uma das entrevistas
apresentadas no documentário Bombshell - The Hedy Lamarr Story (2017), demonstra o
51
quanto ela acreditava que as pessoas eram muito além do alcançado no campo visual:
“acho que o cérebro das pessoas é mais interessante do que a aparência.”
Ainda, em uma de suas entrevistas apresentada no documentário supracitado, Hedy
Lamarr é questionada pelo apresentador se sua autobiografia, Êxtase and Me, teve um
impacto negativo na sua imagem em Hollywood, ao qual ela rebate que não fala do filme
(Êxtase) no livro, e pergunta como seria esse retrato que se tem dela. Logo, a resposta que ela
obteve demonstra como sua face foi cravada: “[...] uma estrela internacional, linda, famosa e
glamourosa. Que anda em limusines, tem jóias belíssimas e que não esfrega o chão da
cozinha". Lamarr rebate dizendo que não gosta daquilo e que nunca foi assim.
Durante sua trajetória, desde a entrada nos cinemas, Hedy Lamarr foi vista apenas
como um símbolo de beleza e glamour, sua imagem foi por diversas vezes altamente
sexualizada. Mas essa circunstância não podia se sustentar para sempre, uma vez que ela não
continuaria com os mesmos traços de sua juventude, fato que a condenou. De acordo com
Bombshell (2017), após os 40 anos, quando Lamarr começou a fazer cirurgias plásticas, a
mídia passou a tratá-la de forma cruel, sempre apontando o fato de ela não ser mais a mesma
que um dia estampou as telas com sua beleza deslumbrante. Tal condição pode ser percebida
na Figura 16, onde o trecho em destaque de uma matéria da época ressalta o aspecto físico de
Lamarr diante de seu envelhecimento.
Figura 16: Destaque de um trecho da matéria sobre Hedy Lamarr, nos dizeres da
notícia em tradução livre: “Ela está velha e feia, você não a reconheceria.”
Lamarr passou por vários procedimentos estéticos ruins no fim de sua vida, e nos
últimos anos passou a viver reclusa, não aparecendo mais em público. Ela veio a óbito em
janeiro de 2000 aos 85 anos de idade. Porém, mesmo no final de sua vida Hedy estava
52
inventando coisas: uma coleira fluorescente, modificações para o avião supersônico Concorde
e um novo tipo de semáforo (GEORGE, 2019). Sem dúvidas Lamarr gostaria de ter sido
lembrada por suas contribuições.
6.4 Resgate da figura de Hedy Lamarr como precursora para a tecnologia de redes sem
fio
O fato de Lamarr ter sido reconhecida apenas por sua beleza durante toda sua vida
retoma padrões incutidos na sociedade, onde os valores da mulher estão voltados para seus
aspectos físicos e de comportamento. É infeliz o fato de que, dispondo de todas as
possibilidades para ajudar significativamente nos rumos da Segunda Guerra Mundial, a
inventora tenha sido encorajada a contribuir apenas vendendo bônus de guerra, dando
autógrafos e entretendo tropas. Hedy Lamarr merecia que seu trabalho fosse levado a sério e
que as pessoas a reconhecessem por isso.
É importante retomar histórias como a de Hedy Lamarr para que mais mentes
brilhantes não sejam ignoradas. Como uma figura feminina nas ciências exatas, a inventora
abriu caminhos para as bases de tecnologias tão importantes no uso cotidiano de casas,
universidades, escritórios e tantos outros ambientes. Mesmo o nome de Lamarr tendo sido
vinculado à sua invenção na mídia da época, como mostra a Figura 17, ela não foi sequer
entrevistada acerca disso durante muitos anos de sua vida, o mundo não quis conhecer sua
mente de verdade (BOMBSHELL, 2017).
Figura 17: Matéria do The New York Times que traz na chamada em tradução livre “Atriz cria aparelho quente
para uso em defesa.”
53
Conclusão
Apesar do Wi-Fi ser hoje uma tecnologia indispensável no uso cotidiano das pessoas,
muitas não têm conhecimento da contribuição de uma atriz de cinema que se revelou muito
importante para humanidade por abrir caminhos para o desenvolvimento das redes sem fio.
Nem mesmo durante quase toda sua vida Lamarr foi reconhecida pelas suas contribuições
para a tecnologia militar, isso se deve ao fato da sua figura ter sido limitada apenas à sua
aparência e sua capacidade intelectual ter sido ofuscada.
Por muitas vezes ao longo da história mulheres foram desestimuladas a ocuparem
papéis de inovação, liderança e desenvolvimento intelectual. É extremamente necessário
resgatar a imagem de Lamarr, não pelos seus atributos físicos, mas sim, como uma figura
feminina importante para as ciências exatas. E dessa forma, estimular o aparecimento e
reconhecimento de tantos outros nomes femininos, para que a própria ciência não seja afetada
pelos paradigmas que erroneamente a sociedade costumava adotar.
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