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UNIVERSIDADE FEDERAL DOS VALES DO JEQUITINHONHA E MUCURI

Curso de Bacharelado em Ciência e Tecnologia

Jóise Gonçalves dos Santos

AS CONTRIBUIÇÕES E VIDA DA INVENTORA HEDY LAMARR:


o resgate de uma importante figura feminina para a tecnologia

Diamantina

2021
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Jóise Gonçalves dos Santos

AS CONTRIBUIÇÕES E VIDA DA INVENTORA HEDY LAMARR:


o resgate de uma importante figura feminina para a tecnologia

Monografia apresentada ao curso de graduação em


Ciência e Tecnologia da Universidade Federal dos Vales
do Jequitinhonha e Mucuri como requisito parcial para a
obtenção do título de Bacharel em Ciência e Tecnologia.

Orientador: Dr. Olavo Cosme da Silva

Diamantina

2021
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Jóise Gonçalves dos Santos

AS CONTRIBUIÇÕES E VIDA DA INVENTORA HEDY LAMARR:


o resgate de uma importante figura feminina para a tecnologia

Monografia apresentada ao curso de graduação em


Ciência e Tecnologia da Universidade Federal dos Vales
do Jequitinhonha e Mucuri como requisito parcial para a
obtenção do título de Bacharel em Ciência e Tecnologia.

Orientador: Dr. Olavo Cosme da Silva

Data de aprovação 24/01/2022

______________________________________________

Prof. Dr. Olavo Cosme da Silva

Instituto de Ciência e Tecnologia – UFVJM

_________________________________________________

Profa. Dra. Alessandra Mendes Carvalho Vasconcelos

Instituto de Ciência e Tecnologia – UFVJM

_________________________________________________

Profa. Dra. Bethânia Alves De Avelar Freitas

Instituto de Ciência e Tecnologia – UFVJM

Diamantina

2021
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A todos aqueles que acreditam que a ciência não


tem gênero, orientação sexual, raça ou religião.
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AGRADECIMENTOS

Agradeço ao meu orientador, Dr. Olavo Cosme da Silva, pela paciência e auxílio no
desenvolvimento deste trabalho. À minha família por sempre acreditar na minha
capacidade, e aos meus amigos por me apoiarem em todos os momentos. Por fim, sou
imensamente grata ao Nelson por ter me salvado em 2019, e por continuar me
salvando sempre.
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“Quero pedir desculpas a todas as mulheres que


descrevi como bonitas antes de dizer inteligentes
ou corajosas. Fico triste por ter falado como se
algo tão simples, como aquilo que nasceu com
você, fosse seu maior orgulho, quando seu
espírito já despedaçou montanhas. De agora em
diante vou dizer coisas como, “você é forte” ou
“você é incrível!”, não porque eu não te ache
bonita, mas porque você é muito mais do que
isso.’'

(Rupi Kaur)
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13

RESUMO

Diversas tecnologias frequentemente usadas atualmente, como o Wi-fi, Bluetooth e


GPS, são fruto da contribuição de muitos inventores que ao longo da história não
receberam o devido reconhecimento pelos seus feitos, como o caso da atriz e inventora
Hedy Lamarr. A carreira de Lamarr foi muito marcante, mas nenhuma de suas
atuações no cinema teria sido mais notável como na sua própria vida. Sua patente
acerca de um sistema de comunicações secreto, desenvolvido para despistar inimigos
nazistas na Segunda Guerra Mundial, se tratava de um sistema de banda espalhada
baseada em salto de frequência. Tal sistema foi posteriormente aplicado nas
tecnologias de internet sem fio e tantas outras. Contudo, a inventora só foi reconhecida
durante sua vida por sua beleza e pela imagem produzida para as telas. Portanto,
resgatar a história de Hedy Lamarr é importante para incentivar o aparecimento e
reconhecimento de mais figuras femininas nas ciências exatas, além de dar os devidos
créditos a essa personagem que contribuiu de forma tão significativa para a
humanidade.

Palavras-chave: Hedy Lamarr. Wi-Fi. tecnologia.


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ABSTRACT

Several technologies often used today, such as Wi-Fi, Bluetooth, and GPS, are the
result of the contribution of many inventors who throughout history have not received
due recognition for their achievements, as is the case with actress and inventor Hedy
Lamarr. Lamarr's career was very eventful, but none of her film performances would
have been more notable than her own life. Her patent on a secret communications
system, developed to throw off Nazi enemies in World War II, was a spread-band
system based on frequency hopping. This system was later applied in wireless internet
technologies and many others. However, the inventor was only recognized during her
lifetime for her beauty and the image she produced for the screen. Therefore, rescuing
the story of Hedy Lamarr is important to encourage the appearance and recognition of
more female figures in the exact sciences, and to give due credit to this character who
contributed so significantly to humanity.

Keywords: Hedy Lamarr. Wi-Fi. technology.


16

.
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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1- Mapa do Mundo durante a Segunda Guerra Mundial 26

Figura 2 - Torpedo de Whitehead 28

Figura 3 - Propaganda dos Bônus de Guerra 30

Figura 4 - Hedy Lamarr na Turnê dos Bônus 30

Figura 5 - Hedy Lamarr em sua atuação no filme Sansão e Dalila (1949) 33

Figura 6 - Hedy Lamarr em seu laboratório 34

Figura 7 - Recorte da matéria que relata, em tradução livre “293, incluindo 83 crianças,
morrem quando o navio é torpedeado” 37

Figura 8 - Comunicação em uma única frequência 38

Figura 9 - Comunicação em várias frequências 38

Figura 10 - George Antheil 39

Figura 11 - Sincronização dos saltos de frequência, entre o navio (ship) e o torpedo, com uso
dos mini-rolos 40

Figura 12 - Esboço do Mystery Control encontrado nos documentos pessoais de Lamarr 41

Figura 13 - Mystery Control, primeiro controle remoto de rádio sem fio 42

Figura 14 - Patente do Sistema Secreto de Comunicações 43

Figura 15 - Hedy Lamarr no National Inventors Hall Of Fame 49

Figura 16 - Destaque de um trecho da matéria sobre Hedy Lamarr, nos dizeres da notícia em
tradução livre: “Ela está velha e feia, você não a reconheceria.” 50

Figura 17 - Matéria do The New York Times que traz na chamada, em tradução livre, “Atriz
cria aparelho quente para uso em defesa.” 51
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SUMÁRIO

1 Introdução 21

2 Metodologia 23

3 Revisão da Literatura 25

3.1 Contexto historiográfico mundo em 1939 - 1945 historiográfico: 26


3.2 Tecnologia dos torpedos usados na guerra 27

3.3 O papel das estrelas de cinema na Segunda Guerra Mundial 29

4 Elementos Biográficos de Hedy Lamarr 31

4.1 Dados biográficos 31

4.2 “A mulher mais bonita no cinema” 32

4.3 Uma mente linda e brilhante 35

5 Invenção que levou no que hoje chamamos de Wi-fi e outras tecnologias 38

5.1 Gatilho para a ideia 38

5.2 Parceria com George Antheil 40

5.3 Execução da ideia 41

5.3.1 Descrição Simplificada da Patente 46

5.4 Sistema idealizado por Lamarr no desenvolvimento do Wi-Fi e outras tecnologias 47

6 Discussão 48

6.1 Invenção rejeitada 48

6.2 Reconhecimento tardio 49

6.3 Capacidade inventiva ofuscada 50

6.4 Resgate da figura de Hedy Lamarr como precursora para a tecnologia de redes sem fio
52

Conclusão 54

Referências Bibliográficas 56
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1 Introdução

O crescente desenvolvimento tecnológico fez com que tecnologias como o Wi-Fi se


estabelecessem como ferramentas de uso popular entre as pessoas ao longo dos tempos, sendo
incluso no cotidiano de diversos ambientes como casas, escritórios, universidades, lojas
comerciais, tornando-se até mesmo indispensáveis em diversas atividades do indivíduo
atualmente. (SANTIAGO, 2008, p. 8). A necessidade de transferir arquivos, estar conectado a
uma rede de internet sem fio ou fazer uma ligação, são mostras de como esses sistemas são
importantes e imprescindíveis.
Com isso, é válido ressaltar que foi necessário um longo caminho composto das
contribuições de diferentes inventores para chegar a um sistema desse tipo como se conhece
hoje. Alguns nomes são destacados e muito reconhecidos como precursores da comunicação
sem fio como James Clerck Maxwell, por seu trabalho na área de eletromagnetismo, Heinrich
Rudolf Hertz que demonstrou a existência da radiação eletromagnética, Nikola Tesla com
estudos e invenções sobre energia elétrica sem fio e Gluglielmo Marconi inventor do primeiro
sistema prático de telegrafia sem fios, todos no século XIX (ESTES, 2018).
Todos esses inventores supracitados fizeram parte da história da criação dessa
ferramenta e subverteram o modo como vivemos nos dias de hoje, porém nem todos os
personagens que fizeram parte da história da tecnologia do Wi-Fi, ganharam o mesmo
reconhecimento ao longo dos anos. Na verdade, pode-se considerar que o desenvolvimento
das bases para a tecnologia da conexão sem fio teve uma grande contribuição no período da
Segunda Guerra Mundial, a partir de uma necessidade militar, com o intuito de transferir
informações via rádio de modo que o inimigo não interferisse na comunicação ou
interceptasse a mensagem. (ZEIDIN et. al., 2008, p. 8).
O nome da personagem tão importante para o desenvolvimento dessa tecnologia é o de
Hedwig Eva Maria Kiesler, a Hedy Lamarr, que desenvolveu durante a Segunda Guerra
Mundial um sistema de comunicação que, mais tarde, serviu de base para a criação dessa
ferramenta. Além de ser uma inventora, sem grande reconhecimento na comunidade
científica, ela foi ainda uma brilhante atriz, e enquanto escrevia sua história nas artes
contribuiu significativamente para as ciências exatas. (Bombshell, 2017)
Neste trabalho, foram levantados dados bibliográficos sobre a vida dessa inventora
que foi tão importante para o desenvolvimento dessa e de outras tecnologias tão necessárias
no cotidiano do ser humano atualmente, com o propósito de dar destaque a essa personagem
22

tão ímpar. Buscou-se também uma revisão da literatura a fim de elucidar elementos do
contexto histórico, muito importante para entender os motivos que levaram Hedy Lamarr a
trabalhar no projeto do seu sistema, vivido durante o período da invenção.
Foi feita uma busca pela patente com o objetivo de entender a proposta do sistema de
comunicação desenvolvido por Lamarr, bem como os desdobramentos do seu sistema para
utilização na comunicação sem fio. Por fim abriu-se a discussão, buscando evidências em
documentários, recortes de revistas da época, gravações e artigos, sobre os motivos que
levaram ao negligenciamento de uma invenção que poderia mudar significamente os
resultados do conflito militar da época e, posteriormente serviria como base para uma
ferramenta tão usada nos dias atuais. Mostrou-se também como, infelizmente, a inventora
Hedy Lamarr não foi reconhecida pelos seus feitos durante quase toda a sua vida, mas apenas
pela sua incontestável beleza enquanto atuava nos cinema.
23

2 Metodologia

Este trabalho foi desenvolvido por meio de uma pesquisa qualitativa (LUDKE;
ANDRÉ, 1986), onde foram levantados artigos, recortes de jornais, obras literárias e
documentários que abordassem a vida e as contribuições tecnológicas de Hedy Lamarr.
Houve ainda uma busca por sites na Internet que agregassem informações sobre a trajetória da
inventora, bem como sua carreira profissional. As palavras chaves utilizadas foram “invenção
de Hedy Lamarr”, “mãe do Wi-fi” e “atriz hollywoodiana Hedy Lamarr”.
De acordo com Silva (2012, p. 41, apud CONNELLY; CLANDININ, 1995), para a
produção de dados podem ser utilizadas diversas ferramentas, “tais como registros em diário,
entrevistas, cartas, escritos autobiográficos e biográficos, documentos, fotografias, entre
outros”. Nesse sentido, foi utilizado também o documentário Bombshell: The Hedy Lamarr
History (2017), que explora a vida de Hedy Lamarr e aborda precisamente sua faceta de
inventora trazendo um vasto material, o qual foi muito precioso para a construção deste
trabalho. Nele estão contidos documentos próprios da inventora, como a patente de sua
invenção, recortes de jornais com matérias a seu respeito, entrevistas com familiares e amigos
da atriz, além de gravações com a própria inventora que enriqueceram de forma singular a
construção de um bom resultado a respeito do tema.
Inicialmente buscou-se os dados bibliográficos de Hedwig Eva Maria Kiesler (Hedy
Lamarr), nesse sentido focou-se nos elementos que caracterizaram sua trajetória como atriz e
inventora. Em seguida, foram levantados dados que pudessem explicar o contexto em que ela
vivia, bem como tópicos que auxiliaram na compreensão do sistema de comunicação
desenvolvido por ela, o qual foi utilizado posteriormente como base para a tecnologia do Wi-
fi, Bluetooth e GPS.
Buscou-se também pelos trabalhos da atriz em plataformas digitais para complementar
a sua trajetória na história do cinema, uma vez que como atriz ela realizou uma série de
trabalhos que foram importantes para transportá-la a um patamar de reconhecimento. E ainda,
foram realizados encontros semanais com o orientador a fim de obter um melhor desempenho
acompanhado, visando otimizações na construção deste trabalho.
Houve inicialmente uma breve dificuldade em encontrar referências mais completas,
uma vez que Hedy Lamarr não recebeu, durante a maior parte de sua vida, um
reconhecimento por sua invenção do sistema secreto de comunicações. Desse modo, foram
coletadas evidências que ilustram os possíveis motivos que levaram à negligência de uma
24

patente tão importante para o avanço tecnológico militar da época. Buscou-se discutir não
somente esse aspecto, mas também, demonstrar como tal contribuição foi de importante para
o desenvolvimento da tecnologia do Wi-fi, tão indispensável atualmente na vida das pessoas,
inclusive na continuidade da educação de forma remota, por exemplo.
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3 Revisão da Literatura

Buscando conduzir o pleno entendimento das contribuições da inventora Hedy


Lamarr, bem como sua trajetória na história da sétima arte durante a Segunda Guerra
Mundial, foram abordados nesta revisão da literatura alguns tópicos que buscam elucidar os
acontecimentos que levaram ao desenvolvimento do sistema de alternância de frequências de
rádio para ser usado em torpedos, o qual serviu como base para o desenvolvimento do Wi-fi.
Dessa forma, nesse caminho de fatos abordou-se inicialmente o contexto histórico dos
anos 1939 à 1945, na época em que ocorreu a Segunda Guerra Mundial e, segundo
Marasciulo (2020), Hedy Lamarr se decidiu por assumir a missão de tornar a ofensiva contra
o partido nazista mais eficaz. E, abordando ainda o contexto da guerra, foi essencial buscar
informações da tecnologia dos torpedos, armas comumente utilizadas durante o conflito, os
quais despertaram o interesse de Lamarr em busca da sua otimização e, por consequência,
melhor desempenho na guerra.
Nesse mesmo cenário, foi delineada também a vivência dos artistas, investigou-se
portanto como era a rotina dessas pessoas durante a guerra, uma vez que isso influenciou a
negligência da invenção de uma atriz que, com sua invenção, poderia ter mudado
profundamente os rumos do conflito.

3.1 Contexto historiográfico mundo em 1939 - 1945

Durante os anos de 1939 a 1945, o mundo enfrentou o que teria sido, segundo
apontado por Coggiola (2015, p. 5), “o conflito militar mais sangrento de todos os tempos”. A
Segunda Guerra Mundial como ficou conhecida posteriormente, ainda em concordância com
o mesmo autor, envolveu a maioria das nações do mundo e estimativas apontam para cerca de
40 milhões de mortes durante o conflito, sem contar mortes por fome, epidemias e doenças
causadas indiretamente pela guerra.
A guerra foi travada pelo bloco dos Aliados que teve como potências o Reino Unido,
União Soviética, Estados Unidos e China, e o Eixo com Alemanha, Japão e Itália. E, como
evidenciado por Gilbert (2019, p. 5), foram 2.114 dias de conflito, o qual teve início com a
invasão da Polônia pela Alemanha, em setembro de 1939, e teve seu fim em agosto de 1945
com a rendição do Japão. A Figura 1 ilustra o mapa do mundo após a entrada dos EUA na
Segunda Guerra Mundial, em dezembro de 1941, onde a legenda aponta para as potências
26

do Eixo na cor azul, e nas cores verde claro e verde escuro os Estados ou dependências em
guerra com as potências do Eixo europeu.

Figura 1: Mapa do Mundo durante a Segunda Guerra Mundial

Fonte: Wikimedia Commons Adaptado. Disponível em:


<https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Map_of_participants_in_World_War_II.png>. Acesso em 15 de out.
de 2021.

Para Coggiola (2015, p. 6), o resultado da dilação da resolução dos conflitos que ascenderam
a Primeira Guerra Mundial e, da revolução socialista que nela se originou, foram em suas
palavras
[…] cenários de degradação humana nunca vistos na história, nos campos de
concentração nazistas, nas câmaras de gás, nas políticas de “extermínio
total” de judeus, ciganos, homossexuais, deficientes mentais e outros, nos
massacres em massa na Europa oriental, nos bombardeios de muitas cidades
europeias, no ataque nuclear contra duas cidades japonesas.’’ (COGGIOLA,
2015, p. 6)
27

Nesse contexto, uma das causas da guerra teria sido a expansão do nazismo na
Alemanha, regime totalitário liderado por Adolf Hitler que foi, de acordo com Neto (2018, p.
193, apud EVANS, 2013):
“uma ditadura com características muito específicas, baseadas em uma utopia racial
que seria concretizada por meio da guerra e do genocídio. Para o nazismo, o motor da
história era a “luta de raças”, contínua e vital para o projeto de hegemonia mundial da
Alemanha de Hitler.” (NETO, 2018, p. 193, apud EVANS, 2013)
Com isso, o projeto geral do nazismo para a Europa Oriental e a União das Repúblicas
Socialistas Soviéticas previa a morte de dezenas de milhares de constituintes das “raças
inferiores”, inclusive o extermínio total dos judeus. (COGGIOLA, 2015, p. 6)
O resultado da ascenção do nazismo foi o Holocausto, a matança generalizada de
cerca de seis milhões de judeus. De acordo com Coggiola (2015, p. 89, apud EVANS, 2013):
“O extermínio de judeus foi visto, às vezes, como uma linha de montagem de
assassinato em massa industrializado; essa imagem contém algum elemento de
verdade. Nenhum outro genocídio na história foi levado a cabo por meios mecânicos
- exposição a gases letais - em instalações especialmente construídas (mas) essas
instalações não operaram de modo eficiente ou efetivo e, se a impressão causada por
chamá-las de industrializadas é de que eram automatizadas ou impessoais, trata-se
então de algo falso.’’ (COGGIOLA, 2015, p. 89, apud EVANS, 2013)
Todos os horrores da guerra foram vividos e sentidos pelas pessoas contemporâneas àquele
momento, era de fato impossível não estar envolvido com a gama de destruição que esse
momento histórico causou.

3.2 Tecnologia dos torpedos usados na guerra

No decorrer das Guerras Mundiais, as quais deixaram um enorme rastro de sofrimento


e carnificina, houve uma grande aplicação dos mais diversos armamentos de alto grau
tecnológico e elevado poder destrutivo. A grande maioria das baixas ocorreu derivadas de
confrontos entre forças terrestres e bombardeios aéreos a populações civis, contudo a guerra
no mar contribuiu de forma significativa para o número de mortes. Nesse sentido, dentre os
principais armamentos utilizados nos conflitos o torpedo ganha um destaque devido seu grau
de letalidade. (DE MAR, 2017, p.38).
O torpedo é um projétil explosivo autopropulsado que pode ser lançado de
submarinos, navios, helicópteros e aviões, acima ou abaixo da superfície da água. Segundo De
28

Mar (2017, p.39), desde sua idealização pelos mulçulmanos no século VII, o torpedo, que tem
por objetivo alcançar a embarcação inimiga e explodir, não foi desenvolvido devido ao fato
de ter sido considerado um armamento com dificuldade para se fazer mira. Contudo, no início
do século XX, a sua associação com o advento do submarino fez com que o torpedo
alcançasse uma notável eficácia.
Os primeiros protótipos de torpedos autopropulsados foram concebidos pelo
engenheiro Giovanni Luppis, que veio a mostrar seus trabalhos ao engenheiro inglês Robert
Whitehead, o qual era gerente de uma firma que tinha como cliente a Marinha da Áustria. Na
Figura 2 é possível observar a imagem do torpedo de Whitehead. Por meio de uma parceria,
os dois puderam transformar o torpedo em um armamento mais eficaz por volta de 1866
(VAN LOON, 2016, p.18). A arma foi aperfeiçoada ao longo dos anos e Whitehead comprou
os direitos do giroscópio em 1890 para melhorar a direção dos torpedos. Durante a Segunda
Guerra Mundial houveram grandes esforços para aperfeiçoar tal armamento.

Figura 2: Torpedo de Whitehead

Fonte: WJ SEARS, Tenente, Marinha dos EUA. Disponível em


<https://www.history.navy.mil/research/library/online-reading-room/title-list-alphabetically/g/general-
description-of-the-whitehead-torpedo.html>. Acesso em 15 de nov. de 2021

Ainda de acordo com De Mar (2017, p.39), em 05 de setembro de 1914, esse


armamento foi responsável por afundar pela primeira vez um navio de superfície, o Cruzador
HMS Pathfinder, o qual foi lançado pelo submarino alemão U-21, resultando na morte de 261
pessoas. Além disso, o torpedo foi o armamento que mais aniquilou cruzadores no século XX,
e sua atuação como armamento naval mais letal só não foi considerado para o caso de sua
ação contra encouraçados, perdendo para o fogo naval e o ataque aéreo.
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3.3 O papel das estrelas de cinema na Segunda Guerra Mundial

Em concordância com Loureiro (2008, p.138), a produção cinematográfica comercial


antes mesmo do final da Primeira Guerra Mundial estava dominada pelos EUA, que era
responsável pela produção de 85% dos filmes de todo o mundo, tornando Hollywood
referência do cinema norte-americano. No decorrer da Segunda Guerra Mundial, o cinema foi
usado, de modo geral, para propaganda de guerra pelos países envolvidos no conflito, sendo
assim, os EUA utilizaram essa ferramenta como uma forte aliada. (apud TURNER, 1997)
Quando os EUA se uniram aos Aliados na Segunda Guerra Mundial, após um ataque
da aviação japonesa, em 7 de dezembro de 1941, contra Pearl Harbor (base naval do país no
Havaí), a produção cinematográfica ficou mais evidentemente voltada para propaganda contra
os inimigos da nação: a Alemanha e nos meses finais da guerra, mais notadamente, o Japão. É
relevante dizer ainda que a maioria dos filmes premiados, na cerimônia do Oscar de 1943,
estavam de algum modo relacionados à Guerra (SOUZA, 2014, p. 32).
Os esforços de guerra da indústria cinematográfica de um modo geral foram
claramente notados. O papel das estrelas de cinema não estava restrito somente ao
entretenimento para o público, muitos nomes importantes de Hollywood, entre diretores e
atores, ingressaram nas Forças Armadas. Outros cineastas hollywoodianos foram responsáveis
por participar da guerra junto à Marinha filmando operações militares, e ainda nomes
importantes como Henry Fonda, Clark Gable, James Stewart, Bette Davis e Lana Turner se
envolveram por meio de alistamento militar ou de espetáculos para arrecadação de donativos
(SOUZA, 2014, p. 32, apud FRIEDRICH, 1998, p. 113-117).
Outro artifício usado pelo governo dos EUA para financiar o conflito foi o chamado
Bônus de Guerra, o qual pode ser definido como:
“(...) títulos públicos representativos de um empréstimo feito pelo governo
à população, sob a forma de subscrição compulsória e/ou voluntária, com a
finalidade principal e econômica, de financiar o custo com o aparelhamento,
recrutamento e treinamento de tropas para um conflito armado e controlar a inflação
advinda por este, e secundária e política, de sensibilizar a população para algum
objetivo político a ser alcançado pelo governo.” (DOS SANTOS, 2010, p. 3)
Nesse sentido, o cinema foi uma das grandes ferramentas para fazer propaganda e se obter
subscritores para os bônus de guerra junto com outros recursos promovidos em meios de
comunicação em massa, na Figura 3 é possível observar uma dessas propagandas onde um
30

soldado incentiva a população a adquirir esses títulos enquanto não é possível eles se
encontrarem devido a guerra.
Figura 3: Propaganda dos Bônus de Guerra

Fonte: HIRSCH, Joseph et al. (1942)

De acordo com o documentário Bombshell (2017), durante a Segunda Guerra Mundial


a atriz hollywoodiana Hedy Lamarr foi encorajada, pela Marinha, a contribuir nos esforços do
conflito apenas vendendo Bônus de Guerra. Dessa forma, a atriz relata que trabalhou para o
governo na turnê dos bônus, aparecendo em eventos para entreter as tropas (Figura 4), dar
autógrafos e vender os bônus de guerra. Ainda segundo a obra, Lamarr foi responsável por
vender cerca de 25 milhões de dólares em bônus de guerra. Dentro das possibilidades que
dispunha, era lamentável que ela fosse aconselhada a contribuir somente dessa maneira.
Figura 4: Hedy Lamarr na Turnê dos Bônus

Fonte: Documentário BOMBSHELL: The Hedy Lamarr History (2017)


31

4 Elementos Biográficos de Hedy Lamarr


Para contemplar o entendimento da trajetória de Hedy Lamarr como atriz e precursora
para a criação de tecnologias militares, Wi-fi, Bluetooth, GPS, dentre outros, optou-se por
fragmentar os elementos biográficos da inventora em alguns tópicos. Estes tratam
inicialmente dos dados biográficos, no qual é possível identificar elementos importantes da
vida de Lamarr como filiação, nascimento e morte. Abordou-se ainda a trajetória da atriz,
evidenciando aspectos que influenciaram na sua invenção. Seguindo para a explanação de
suas diversas invenções, inclusive do sistema secreto de comunicação que serviu de base para
a criação das tecnologias supracitadas.

4.1 Dados biográficos

Hedwig Eva Maria Kiesler conhecida pelo nome artístico Hedy Lamarr, nasceu em
Viena, na Áustria, em 9 de novembro de 1914 e sua morte data de 19 de janeiro de 2000 em
Altamonte Springs, Flórida. Foi a filha única dos judeus Gertrud Lichtwitz Kiesler, uma
pianista vinda de classe média, e Emil Kiesler, um gerente financeiro de um grande banco de
Viena. Além de ter sido uma talentosa atriz, Hedy foi uma brilhante inventora que fez
consideráveis contribuições no campo das ciências exatas para as redes sem fio dos dias
atuais. Durante sua vida Hedy foi casada seis vezes e teve três filhos, sendo um deles adotado.
(RAMOS, 2013)
Como apresentado na obra Bombshell - The Hedy Lamarr Story, Hedy demonstrou
desde cedo ter uma mente curiosa e um grande anseio em saber como as coisas funcionavam.
Nesse sentido, seu pai foi peça chave na construção da sua faceta de inventora, pois apesar do
seu ofício ele tinha grande interesse pela tecnologia e em seus passeios com Lamarr a
explicava o funcionamento de bondes, vagões elétricos, bem como outras máquinas. Na sua
vida, o ato de inventar foi sempre associado ao seu pai, o qual Hedy admirava muito.
(BOMBSHELL, 2017)
Ainda de acordo com Bombshell (2017), o contato de Lammar com as artes veio
também desde a infância sob influência dos seus pais, os quais eram cultos e levavam a filha à
ópera e ao teatro. Toda a família era ligada ao mundo das artes e da tecnologia e, para os pais
de Hedy, oferecer a ela uma educação excepcional era uma questão de necessidade. Então,
32

segundo Gnipper (2018), Lamarr estudou piano até a idade de 10 anos e, mais tarde,
teria sido descoberta por um diretor que orientou seus estudos no campo da atuação.

4.2 “A mulher mais bonita no cinema”

Como evidenciado em Bombshell (2017), apesar da sua faceta inventora, Hedy


Lamarr sempre foi conhecida pela sua beleza, tanto que aos 16 anos se apresentou em um
estúdio de cinema em Viena e a partir daí já conseguiu papéis como figurante. Mas, nenhuma
atuação de Lamarr teria sido mais necessária para que ela entrasse na consciência do coletivo
do que a sua em Êxtase, uma produção tcheca de 1933, filmada em Praga. Em tal trabalho,
Hedy Lamarr simula o que seria a primeira cena de orgasmo feminino retratada na história do
cinema. Devido a toda polêmica envolvendo o filme, ela ganhou fama mundial e o trabalho
foi denunciado pelo Papa, e Hitler se recusou a exibi-lo porque a protagonista era judia.
Ainda segundo o documentário Bombshell (2017), foi nessa época, em que Lamarr
estava com os olhares todos para si, que ela conheceu o poderoso traficante austríaco de
munições Fritz Mandl, com o qual foi casada por 4 anos com o intuito de proteger sua família.
Por ser fabricante de armas ele se tornou aliado dos nazistas, e Hedy o acompanhou durante
anos nos jantares que organizava acerca das tecnologias militares. Segundo Marasciulo
(2020), a função de Hedy nesses eventos era, além de organizar, entreter os convidados, para
que boas relações se refletissem em boas transações. Ademais, Mandl era muito controlador e
abusivo, e a mantinha trancada em sua mansão. O que fez com que, em 1937, Hedy fugisse do
casamento e do crescente anti-semitismo indo para Londres, levando todas as suas jóias e
começando uma nova vida longe da situação ao qual ela se encontrava.
Foi em Londres que a sorte de Hedy Lamarr começou a mudar, quando Louis B.
Mayer, co-fundador da Metro Goldwyn Mayer Studios, foi à Europa para contratar todos os
atores e atrizes que estavam fugindo dos nazistas. A intenção de Mayer era levar para
Hollywood essas pessoas e contratá-las com baixos salários. Entretanto, a atriz se recusou a
aceitar a oferta inicial pois acreditava que seu trabalho valia muito mais, isso fez com que,
após um novo acordo, ela fosse contratada com o salário mais alto para uma novata até então.
Chegou a Hollywood com um contrato de US$ 550 semanais com ajustes usuais, e passou a
ser a Hedy Lamarr, um novo nome mais amigável aos americanos (Bombshell, 2017).
Contudo, em concordância com Marasciulo (2020), na nova trajetória da atriz ela precisou se
33

apegar à mentira de que não era judia, visto que os americanos não tolerariam judeus na tela
segundo Mayer.
34

Em uma época que somente nas artes as mulheres poderiam ter alguma liberdade,
Hedy pôde relaxar em sua nova vida. De acordo com Bombshell (2017), ao atuar no filme
Argélia, em 1938, ela recebeu um destaque sendo estampada em todas as revistas de cinema.
Várias mulheres em Hollywood passaram a pintar seu cabelo e até mesmo mudar a
maquiagem para ficarem parecidas com Lamarr. Após isso, Hedy atuou no filme Fruto
proibido em 1940, trabalho que garantiu a carreira da atriz. E, nesse mesmo ano, Lamarr se
viu trabalhando em filmes como Comrade X, Come Live with Me e A vida é um teatro.
Entretanto, o que mais chamava a atenção em Hedy era o fato de que após longas
jornadas de trabalho no set ela não ia para a cama em sua casa muito menos socializava, ela
trabalhava em suas invenções. Mas o que se seguiu, após a sua invenção do sistema secreto de
comunicações, foi que Louis B. Mayer lhe ofereceu um papel no filme Demônio do Congo
para entreter os soldados em 1942. A mulher que havia tentado mudar a guerra se via
participando de filmes para entreter tropas (BOMBSHELL, 2017). Foi quando Hedy Lamarr
decidiu produzir seu próprio filme em 1946 intitulado A Estranha Mulher. No ano seguinte
ela produziu ainda Mulher Caluniada. Em 1949, Hedy Lamarr estrelou ainda no filme Sansão
e Dalila, como visto na Figura 5, o qual foi a segunda maior bilheteria da década.

Figura 5: Hedy Lamarr em sua atuação no filme Sansão e Dalila (1949)

Fonte: Site Flickr. Disponível em: <https://www.flickr.com/photos/cantaraville/2586760642994>. Acesso em:


17 de nov. de 2021.
35

Hedy Lamarr ainda produziu em 1954 o filme Amores das Três Rainhas, no qual interpretou
os 3 principais papéis. Quando o acabou, ela não encontrou distribuidor nos Estados Unidos
da América, e se viu sem dinheiro por ter gasto milhões na produção. Segundo Cunha (2015),
ela atuou ainda, na mesma década, em A Cigana Me Enganou (1951), A Mulher Sem Nome
(1950) e Naufrágio de uma Ilusão (1958), este sendo seu último trabalho no cinema.

4.3 Uma mente linda e brilhante

Desde muito cedo Hedy Lamarr se mostrou interessada pela maneira como as coisas
funcionavam e, aos 5 anos de idade, a menina foi encontrada desmontando e remontando sua
caixinha de música para entender como ela operava. Contudo, apesar de ter seguido a carreira
artística, o que mais chamava a atenção em Hedy era o fato de que após longas jornadas de
trabalho no set ela não ia para a cama em sua casa muito menos socializava, ela trabalhava em
suas invenções. Lamarr viveu uma vida de grandes feitos e sua maior atuação sem dúvidas foi
no campo da ciência e tecnologia (BOMBSHELL, 2017).
Ainda de acordo com Bombshell (2017), Hedy conheceu o grande projetista de aviões
Howard Hughes, o qual queria desenvolver os aviões mais velozes do mundo e vendê-los para
a Força Aérea. A inventora era fascinada tanto pela mente como pelas fábricas de Hughes. Ela
teve a oportunidade de conhecer e ter a sua disposição todos os cientistas com os quais o
projetista trabalhava, além de receber um equipamento de laboratório do próprio, (Figura 6),
para desenvolver seus estudos. Como o projetista confiava em Lamarr, ela decidiu que os
aviões eram lentos demais e, a partir de estudos sobre a morfologia dos peixes e dos pássaros
mais rápidos, pôde esboçar um modelo aperfeiçoando o formato da asa dos aviões.
Figura 6: Hedy Lamarr em seu laboratório

Fonte: Site da BBC News


36

Nesse período, Lamarr também teve a ideia de inventar um tablete que efervescia para
virar refrigerante, usando dois produtos químicos que Hughes a deu para esse fim. Sua ideia
se deu pelo fato de que durante a Segunda Guerra ninguém possuía Coca-Cola, logo o que ela
queria era comprimir a substância em um cubo para que ao colocá-lo em água as pessoas
obtivessem o refrigerante. A ideia não deu certo, porém, para Hedy o ato de inventar nunca
foi algo difícil. Até mesmo quando começou a fazer plásticas por volta dos 40 anos, ela teve
ideias inovadoras no meio cirúrgico, opinando em como poderiam ser feitas as intervenções.
Muitos dos procedimentos feitos em Lamarr nunca haviam sido realizados antes
(BOMBSHELL, 2017).
Como evidenciado por Marasciulo (2020), enquanto Hedy esteve em Hollywood sua
maior preocupação era a situação de sua terra natal devido à guerra iminente e o fato de sua
mãe ter permanecido na Áustria. Ao mesmo tempo que lidava com burocracias para levar sua
mãe aos Estados Unidos da América, Lamarr decidiu que precisava fazer algo para tornar
mais eficazes as investidas dos Aliados contra as tropas nazistas. Ainda segundo Marasciulo,
por conta de suas experiências, enquanto foi casada com Mandl, nas reuniões sobre
tecnologias militares, Hedy sabia que dos armamentos produzidos, os torpedos eram aqueles
que apresentam os maiores problemas devido a imprecisão e a possibilidade de sofrerem uma
interceptação no sinal pelos navios inimigos.
Foi então que ao lado do compositor George Antheil, o qual a atriz conheceu em em
um jantar em 1940 e se tornou amiga, surgiu em Hedy a ideia de criar um sistema de
comunicação que pudesse despistar os radares nazistas. Tal sistema serviria para guiar
torpedos para seus alvos na guerra sem serem interceptados pelos inimigos. A tecnologia foi
apresentada à Marinha e, na época, eles decidiram apostar no antigo modelo de torpedos, o
que fez com que a ideia só fosse usada anos depois na Crise dos Mísseis em 1942. A
tecnologia deixou de ser de monopólio militar e tornou-se base para várias tecnologias atuais
como o wi-fi (MARASCIULO, 2020).
37
38

5 Invenção que levou no que hoje chamamos de Wi-fi e outras tecnologias


Este capítulo trata dos componentes que constroem o discernimento da invenção de
Hedy Lamarr e sua co-patente com George Antheil. Inicialmente é pontuado o acontecimento
que serviu de estopim para a ideia da inventora. Em seguida, o texto aborda elementos da
vida do seu companheiro de patente e de que forma seus conhecimentos foram úteis no
momento de implementação da patente. É abordado também a forma como se deu a execução
da ideia pelos inventores. Por fim, foi relacionado o sistema secreto de comunicação como
base para o desenvolvimento das tecnologias conhecidas como Wi-Fi, Bluetooth e GPS.

5.1 Gatilho para a ideia


De acordo com Bombshell (2017), no verão de 1940, um ataque naval alemão foi
responsável pela morte de 293 pessoas britânicas. No navio torpedeado estavam presentes
cerca de 83 crianças, como é mostrado no recorte da matéria na Figura 7, retirada do
documentário que trata da vida da inventora. Os U-boats alemães, termo usado pela Marinha
Alemã para designar seus submarinos, batiam de forma eficiente os obsoletos torpedeiros
britânicos e pareciam ser indestrutíveis. Foi baseada nessa situação que Hedy Lamarr teve a
ideia de pensar em algo que equilibrasse as coisas para os britânicos.

Figura 7: Recorte da matéria que relata, em tradução livre “293, incluindo 83 crianças, morrem quando
o navio é torpedeado”

Fonte: Documentário BOMBSHELL: The Hedy Lamarr History (2017)


39

Assim, como explicado pelo historiador Guy Livingston, no documentário Bombshell


(2017), muitas vezes é necessário redirecionar um torpedo lançado em uma trajetória
qualquer. Contudo, para que esta nova trajetória aconteça é necessário a comunicação entre o
transmissor e o receptor, isto é, o ideal é que o navio torpedeiro esteja se comunicando com o
torpedo. No entanto, a grande questão envolvida com esta estratégia de batalha consiste nas
comunicações via rádio que não podiam ser controladas, portanto não eram seguras. Logo,
caso o inimigo conseguisse localizar a frequência de comunicação com o torpedo, este
poderia congestioná-la.
Assim a ideia de Lamarr, segundo Bombshell (2017), era que ao invés do navio
torpedeiro se comunicar apenas por uma única frequência, como mostra a situação na Figura
8, mudar a frequência constantemente de forma sincronizada entre o transmissor e o receptor
como ilustrado na figura 9.
Figura 8: Comunicação em uma única frequência

Fonte: Documentário BOMBSHELL: The Hedy Lamarr History (2017)

Figura 9: Comunicação em várias frequências

Fonte: Documentário BOMBSHELL: The Hedy Lamarr History (2017)


40

Este conceito assegurava que as comunicações via rádio seriam seguras pois, dessa
forma, não seria possível congestionar só uma fração de segundo de uma única frequência. A
ideia dos saltos de frequência de Lamarr era profundamente brilhante, e com certeza mostrou
a força que algumas pessoas podem ter diante dos mais diversos tipos de adversidades.

5.2 Parceria com George Antheil

Apesar de Hedy Lamarr ter tido a ideia, ela não sabia como viabilizá-la pois não tinha
o conhecimento necessário para fazê-lo. Foi então que ela contatou seu amigo George
Antheil, Figura 10, responsável por ajudar Lamarr a implementar o sistema. Nascido Georg
Johann Carl Antheil (1900 - 1959), ele foi um compositor de vanguarda, pianista, autor e
inventor americano.
Figura 10: George Antheil

Fonte: Site antheil.org. Disponível em: https://antheil.org/photos_hires/Antheil1927.jpg. Acesso em: 14 de jan.


de 2022.

De acordo com Bombshell (2017), apesar de Antheil não ser formado em engenharia,
ele executava bem a sincronização de pianos mecânicos, fato que ajudou no projeto de
implementação da invenção de Lamarr. A composição mais notável de Antheil teria sido para
o filme Ballet Mécanique (1924), produzido pelo artista Fernand Léger e o diretor de
fotografia Dudley Murphy. A orquestração inicial da composição de mesmo nome do filme
exigia três xilofones, quatro bumbos, um conjunto de sinos elétricos, três hélices de avião, um
tam-tam, uma sirena, dois pianistas além de 16 pianolas sincronizadas (LEHRMAN, 2008, p.
13-18).
O compositor era considerado o “Bad Boy of Music”, nome que dá título a sua
autobiografia de 1945, e seus trabalhos ultra modernistas eram responsáveis por causar brigas
41

e tumultos em concertos, segundo Lehrman (2008). Ainda de acordo com o mesmo autor,
Ballet Mécanique foi a composição mais ultrajante de George Antheil e muito a frente do seu
tempo já que naquela época não existia a tecnologia necessária para executar a obra como foi
formulada inicialmente, o que fez com que ela passasse por algumas adaptações.

5.3 Execução da ideia

Para implementar a ideia de Hedy Lamarr, o lampejo que George Antheil teve foi
relacionado ao funcionamento de uma pianola, a qual foi, de acordo com Machado (2002),
“[...] inventada em meados do século XIX como um recurso industrial para
automatizar a execução musical e dispensar a performance ao vivo. Graças a uma fita
de papel cujas perfurações “memorizavam” as posições e os tempos das teclas
pressionadas durante uma única execução, o piano mecânico podia reproduzir essa
mesma execução quantas vezes fossem necessárias e sem necessidade da intervenção
de um intérprete. [...] As perfurações de uma fita podiam ser ainda copiadas para
outra fita e assim uma única apresentação se multiplicava em infinitas outras, dando
início ao projeto de reprodutibilidade em escala que, um pouco mais tarde, com a
invenção do fonógrafo, desembocaria na poderosa indústria fonográfica.”
(MACHADO, 2002, p. 21-22)
Dessa forma, já que os rolos de papel eram capazes de ativar as teclas de piano através
de suas perfurações, Antheil concluiu que aqueles mesmos rolos poderiam ser utilizados para
ativar as frequências de rádio tanto no navio como no torpedo. Então, para executar a ideia de
Lamarr, ele colocaria mini-rolos com 88 fileiras de perfurações dispostas aleatoriamente no
transmissor para controlar o salto de 88 frequências de rádio. Um rolo idêntico seria colocado
no receptor, como mostra na ilustração da Figura 11, e assim os dois estariam sincronizados.
(BOMBSHELL, 2017)

Figura 11: Sincronização dos saltos de frequência, entre o navio (ship) e o torpedo, com uso dos mini-
rolos.

Fonte: Documentário BOMBSHELL: The Hedy Lamarr History (2017)


42

O intuito de Hedy Lamarr e George Antheil era que o navio e o torpedo se


comunicassem em 88 frequências diferentes, não coincidentemente esse número corresponde
à quantidade de teclas de um piano, como em um sistema de criptografia que não pode ser
decifrado. E ainda, como discutido por Rothman (2019) e evidenciado em Bombshell (2017),
de acordo com anotações dos inventores, retratadas na Figura 12, eles poderiam ter sido
inspirados por uma tecnologia da época, um lançamento da Philco Radio Company de 1939, o
Mystery Control. Tal dispositivo foi o primeiro controle remoto sem fio para rádio.

Figura 12: Esboço do Mystery Control encontrado nos documentos pessoais de Lamarr.

Fonte: Documentário BOMBSHELL: The Hedy Lamarr History (2017)

Em concordância com Rider (1938), como mostra a Figura 13, o Mystery Control
possuía um dial principal com 10 orifícios para os dedos, correspondentes a 8 estações pré-
definidas e duas funções de controle de volume (alto e suave), parecido com o mecanismo de
discagem do telefone antigo. Sendo o receptor ligado manualmente e o interruptor de banda
definido para remoto, para sintonizar uma estação era necessário apenas girar até parar, como
em uma discagem telefônica, e em seguida soltá-lo. O receptor, em 15 segundos, voltaria a
sincronizar-se na estação discada. Lamarr pensou então que se as frequências fossem alteradas
a todo momento, da mesma forma que se fazia no discador, era possível se comunicar
totalmente em segredo. (BOMBSHELL, 2017)
43

Figura 13: Mystery Control, primeiro controle remoto de rádio sem fio.

Fonte: Banco de dados da Philco, disponível em: <https://www.philcorepairbench.com/philco-mystery-control/>.


Acesso em: 31 de dez. de 2021.

Segundo Bombshell (2017), após trabalharem em sua invenção, Lamarr e Antheil


apresentaram sua ideia ao Conselho de Inventores em 1941, o qual contava com inúmeros
engenheiros, incluindo Charles Franklin Kettering1, vice-presidente da General Electric2.
Com ajuda do conselho, Hedy e George conseguiram contato com o especialista em eletrônica
Samuel Stuart Mackeown, um engenheiro do Instituto de Tecnologia da Califórnia. Então, de
acordo com Rothman (2019), é provável que devido a familiaridade de Mackeown com
convenções de patentes e termos técnicos de eletrônica, ele tenha escrito a patente em si a
partir das ideias e esboços aos quais lhe foi apresentado.
Então, em 11 de agosto de 1942, Hedy Lamarr e George Antheil receberam a patente
US 2.292.387 que foi registrada como um “sistema secreto de comunicações”. A patente,
Figura 14, foi emitida no nome de casada de Lamarr, Hedy Kiesler Markey. (ROTHMAN,
2019, p. 48).

1
De acordo com Simmons (2016), Charles Franklin Kettering foi um inventor bastante conhecido, responsável
por ganhar 186 patentes nos Estados Unidos. Ele liderou o Conselho Nacional de Inventores e a Comissão
Nacional de Planejamento de Patentes. Sua invenção mais memorável foi o arranque elétrico, o qual pôs fim à
difícil e perigosa prática da manivela manual.
2
The General Electric Company (GE) é uma empresa multinacional americana fundada por Thomas A. Edison
em 1889. A GE é conhecida atualmente por seu trabalho nas indústrias de energia, energia renovável, aviação e
saúde. (GENERAL ELECTRIC, 2022)
44

Figura 14: Patente do Sistema Secreto de Comunicações


45

Fonte: Google Patentes. Disponível em: <https://patents.google.com/patent/US2292387A/en>. Acesso em: 08 de


jan de 2022
46

5.3.1 Descrição Simplificada da Patente

De acordo com Markey e Antheil (1942), a invenção se refere a um sistema de


comunicações secreto que opera com o uso de portadores de diferentes frequências e é útil no
controle remoto de objetos dirigíveis, como os torpedos. O objetivo é prover um sistema de
comunicação simples e confiável mas difícil de decifrar.
Em resumo, o sistema é adaptado para controle de rádio de uma nave remota,
empregando um par de registros síncronos, um na estação transmissora e um na estação
receptora, que mudam a sintonia do transmissor e receptor de tempos em tempo. Dessa forma,
sem acesso aos registros, o inimigo seria incapaz de precisar em que frequência um impulso
de controle seria enviado. Para isso, foi contemplado o emprego de registros do tipo usado em
pianos de mesa, os quais consistem em longos rolos de papéis com perfurações, permitindo
nesse caso o uso de 88 frequências portadoras diferentes, das quais tanto na estação
transmissora quanto na receptora seriam alteradas em intervalos de tempos. (MARKEY e
ANTHEIL, 1942)
Ainda segundo Markey e Antheil (1942), para sincronizar os dois registros seria
necessário acioná-los com motores de mola de velocidade constante calibrados com precisão,
tal como empregados para acionamento de relógios e cronômetros. Contudo, estaria previsto a
correção periódica da posição do registro na estação receptora, transmitindo impulsos
síncronos da estação transmissora. Usando assim impulsos de sincronização para corrigir a
relação de fases de aparelhos rotativos em uma estação receptora.
Outros objetos e especificidades da invenção, conforme a relação das figuras presente
na patente, estão descritas na patente US 2.292.387 da seguinte maneira:
“a Fig. 1 é um diagrama esquemático do aparelho em uma estação de
transmissão;
A Fig. 2 é um diagrama esquemático do aparelho em uma estação receptora;
A Fig. 3 é um diagrama esquemático que ilustra um circuito de partida para
iniciar os motores nas estações de transmissão e recepção simultaneamente;
A Fig. 4 é uma vista plana de uma seção de uma tira de gravação que pode
ser utilizada;
A Fig. 5 é uma seção transversal detalhada através de um mecanismo de
comutação de resposta a registos utilizado na invenção;
A Fig. 6 é uma vista em corte perpendicular à vista da Fig. 5 e tirada
substancialmente no plano VI-VI da Fig. 5, mas mostrando a tira de
gravação numa posição longitudinal diferente; e
47

A Fig. 7 é um diagrama em planta que ilustra como o curso de um


torpedo pode ser alterado de acordo com a invenção.” (MARKEY e
ANTHEIL, 1942)

5.4 Sistema idealizado por Lamarr no desenvolvimento do Wi-fi e outras tecnologias

Conforme mencionado por Fernandes (2002), a Segunda Guerra Mundial trouxe


consigo uma necessidade indeclinável da utilização de sistemas de comunicações seguros, em
que o sigilo fosse mantido em detrimento da presença de interferências inimigas. Portanto, o
pedido de patente, em 1942, de co-autoria de Hedy Lamarr e George Antheil, abordava a ideia
da transmissão de mensagens com troca de frequência da portadora em uma sequência
conhecida somente pelo transmissor e o receptor. Dessa forma, quando as mensagens fossem
captadas por antenas inimigas, existiria somente o ruído. Essa abordagem inicial se tratava
portanto de um sistema de banda espalhada (Spread Spectrum-SS) baseada em salto de
frequência (Frequency Hopping Spread Spectrum-FHSS).
Os sistemas de comunicação de banda espalhada (Spread Spectrum-SS) são aqueles
que possuem a banda do espectro bem maior do que a necessária para transmitir a informação
desejada. A intenção do sistema era espalhar a energia do sinal em uma larga banda de
frequências e reconstruir o sinal original no receptor, por meio da recuperação de todas as
componentes de frequências. Desse modo, caso houvesse interferência destrutiva em uma
parte da banda emitida, em outras regiões do espectro a interferência seria construtiva, o que
possibilitaria a recuperação da informação emitida com uma distorção mínima.
(FERNANDES, 2002, p. 13)
Ainda de acordo com Fernandes (2002), como o desenvolvimento dos sistemas de
banda espalhada se deram no âmbito militar, seu uso foi apenas para fins bélicos por muito
tempo. Apenas em 1985, quando o órgão regulador de comunicações americanas, Federal
Communication Commission (FCC), liberou o uso dessa tecnologia para aplicações
comerciais que as aplicações civis dos sistemas SS começaram a ocorrer. Logo, a tecnologia
foi aplicada em equipamentos de comunicação de dados, telefonia ponto a ponto, internet sem
fio (Wi-Fi), tecnologia Bluetooth (pequenas distâncias), além do GPS (Global Positioning
System).
48

6 Discussão
Como evidenciado por Rothman (2019), muitos nomes estão envolvidos no percurso
de criação das tecnologias como o Wi-fi, Bluetooth e o GPS, os relatos populares nem sempre
são tão generosos e inclusivos. Dar todos os créditos a Hedy Lamarr seria tão injusto quanto
não reconhecer seu brilhante intelecto e sua vontade de, por meio da ciência, dar novos rumos
a uma guerra tão destrutiva com impactos de escala global. Nesta seção, portanto, serão
discutidos os motivos que levaram à patente de Antheil-Lamarr ter sido mantida guardada e
inoperante por um longo tempo. E ainda, dada a importância da tecnologia do Wi-fi, tão
presente nos dias atuais, serão debatidas as causas que levaram o nome de Hedy Lamarr ao
esquecimento na comunidade científica, com o intuito de resgatar essa figura feminina tão
importante para as ciências exatas, a qual teve sua faceta inventiva ofuscada.

6.1 Invenção rejeitada

Em concordância com Marasciulo (2020), o uso da invenção de Hedy Lamarr foi


recomendado, em 1941, à Marinha dos Estados Unidos pelo vice-presidente do Conselho
Nacional de Inventores, Charles Kettering. A recomendação era que a Marinha considerasse
usar o sistema em seus torpedos. Pouco tempo depois da submissão da invenção ao Conselho,
a base de Pearl Harbor, no Havaí, foi bombardeada em 7 de dezembro de 1941, colocando os
EUA de vez na guerra. Os torpedos americanos se mostraram falhos, justamente devido à sua
imprecisão, acendendo uma chama de esperança nos inventores que aguardavam uma resposta
da Marinha.
Quando a resposta quanto ao uso do sistema chegou, no entanto, veio a surpresa: os
militares optaram por apostar no funcionamento dos antigos torpedos. De acordo com
Marasciulo (2020), o preconceito acerca de uma invenção de autoria feminina, e ainda por
cima famosa, foi determinante para que a ideia do uso do sistema fosse descartada. Para
Benedict (apud MARASCIULO, 2020), a história de Lamarr é semelhante a um conto de
reprimenda sobre as consequências de se subestimar mulheres. E, quando consideramos a
contribuição das mulheres tanto no passado quanto no presente, devemos analisar quantas
histórias teriam sido diferentes se suas ideias fossem levadas a sério.
Entretanto, segundo Rothman (2019), outro possível motivo para o armazenamento da
patente dos inventores teria sido o fato de que apesar da novidade da abordagem do sistema
secreto de comunicação, o mecanismo pneumático da pianola tornava o sistema pesado e
49

inapropriado para o uso em batalha. Mas o autor também chama atenção para o fato de que é
preciso estar atento aos papéis históricos de gênero e a forma como a patente desenvolvida
por Lamarr pode ter sido recebida. Por sua vez, de acordo com o próprio George, a Marinha
concluiu que Antheil queria adicionar um piano mecânico a um torpedo, e aconselhou Hedy a
deixar a tecnologia com quem entendia e participar da batalha apenas vendendo bônus de
guerra e entretendo tropas com a sua beleza (BOMBSHELL, 2017).
Como explicitado em Bombshell (2017), após ter a invenção rejeitada pela Marinha,
Lamarr queria continuar a desenvolvê-la mas George não quis. A patente, como havia sido
submetida aos militares, foi guardada em um cofre e o sistema idealizado por Lamarr só foi de
fato utilizado em 1962, vinte anos mais tarde, na Crise dos Mísseis Cubano. Ao longo dos
anos a invenção perdeu o monopólio militar e passou a ser utilizada como base para várias
tecnologias atuais como o Wi-Fi e o GPS (MARASCIULO, 2020).

6.2 Reconhecimento tardio

Como a patente de Hedy Lamarr e George Antheil expirou antes de sua


implementação generalizada, ela não recebeu nenhuma bonificação pelo sistema secreto de
comunicações, o qual estaria estimado em um valor de $30 bilhões. Foi apenas em 1997 que
seu trabalho ganhou o devido reconhecimento quando recebeu uma homenagem com o
Pioneer Award, prêmio concedido a pessoas que fizeram contribuições significativas para
capacitação de indivíduos no uso de computadores, da Electronic Frontier Foundation
(GEORGE, 2019).
Além disso, segundo Marasciulo (2020), em 2014, Lamarr entrou para o hall da fama
dos inventores dos EUA, como é mostrado na Figura 15 retirada do site da National Inventors
Hall Of Fame, organização sem fins lucrativos caracterizada por reconhecer, honrar e
encorajar invenções e espíritos criativos.
50

Figura 15: Hedy Lamarr no National Inventors Hall Of Fame

Fonte: National Inventors Hall Of Fame. Disponível em: <https://www.invent.org/inductees/hedy-lamarr>.


Acesso em: 09 de jan. de 2022.

Foi a partir de 2014 que Hedy Lamarr passou a ser mais conhecida pelo público geral,
tendo o documentário Bombshell: The Hedy Lamarr History produzido em 2017 pela diretora
Alexandra Dian, o qual retrata a vida da inventora nos cinemas e reúne depoimentos, artigos,
entrevistas e documentos sobre o sistema de comunicação secreto idealizado por Lamarr
(MARASCIULO, 2020). Em 2015, o Google produziu também um doodle, que é uma
alteração temporária na logo do Google para celebrar eventos e datas comemorativas, em
homenagem ao aniversário de 101 anos da atriz de Hollywood e inventora Hedy Lamarr
(YOUTUBE, 2015).

6.3 Capacidade inventiva ofuscada

Apesar de ter entrado na consciência do coletivo e ter sua face estampada na capa de
várias revistas, a atriz e inventora Hedy Lamarr acreditava nunca ter sido conhecida de
verdade. Ela fez algo para o bem da humanidade e queria ter sido valorizada pelo seu
brilhante intelecto, realidade que não viveu. O discurso da inventora, em uma das entrevistas
apresentadas no documentário Bombshell - The Hedy Lamarr Story (2017), demonstra o
51

quanto ela acreditava que as pessoas eram muito além do alcançado no campo visual:
“acho que o cérebro das pessoas é mais interessante do que a aparência.”
Ainda, em uma de suas entrevistas apresentada no documentário supracitado, Hedy
Lamarr é questionada pelo apresentador se sua autobiografia, Êxtase and Me, teve um
impacto negativo na sua imagem em Hollywood, ao qual ela rebate que não fala do filme
(Êxtase) no livro, e pergunta como seria esse retrato que se tem dela. Logo, a resposta que ela
obteve demonstra como sua face foi cravada: “[...] uma estrela internacional, linda, famosa e
glamourosa. Que anda em limusines, tem jóias belíssimas e que não esfrega o chão da
cozinha". Lamarr rebate dizendo que não gosta daquilo e que nunca foi assim.
Durante sua trajetória, desde a entrada nos cinemas, Hedy Lamarr foi vista apenas
como um símbolo de beleza e glamour, sua imagem foi por diversas vezes altamente
sexualizada. Mas essa circunstância não podia se sustentar para sempre, uma vez que ela não
continuaria com os mesmos traços de sua juventude, fato que a condenou. De acordo com
Bombshell (2017), após os 40 anos, quando Lamarr começou a fazer cirurgias plásticas, a
mídia passou a tratá-la de forma cruel, sempre apontando o fato de ela não ser mais a mesma
que um dia estampou as telas com sua beleza deslumbrante. Tal condição pode ser percebida
na Figura 16, onde o trecho em destaque de uma matéria da época ressalta o aspecto físico de
Lamarr diante de seu envelhecimento.

Figura 16: Destaque de um trecho da matéria sobre Hedy Lamarr, nos dizeres da
notícia em tradução livre: “Ela está velha e feia, você não a reconheceria.”

Fonte: Documentário BOMBSHELL: The Hedy Lamarr History (2017)

Lamarr passou por vários procedimentos estéticos ruins no fim de sua vida, e nos
últimos anos passou a viver reclusa, não aparecendo mais em público. Ela veio a óbito em
janeiro de 2000 aos 85 anos de idade. Porém, mesmo no final de sua vida Hedy estava
52

inventando coisas: uma coleira fluorescente, modificações para o avião supersônico Concorde
e um novo tipo de semáforo (GEORGE, 2019). Sem dúvidas Lamarr gostaria de ter sido
lembrada por suas contribuições.

6.4 Resgate da figura de Hedy Lamarr como precursora para a tecnologia de redes sem
fio

O fato de Lamarr ter sido reconhecida apenas por sua beleza durante toda sua vida
retoma padrões incutidos na sociedade, onde os valores da mulher estão voltados para seus
aspectos físicos e de comportamento. É infeliz o fato de que, dispondo de todas as
possibilidades para ajudar significativamente nos rumos da Segunda Guerra Mundial, a
inventora tenha sido encorajada a contribuir apenas vendendo bônus de guerra, dando
autógrafos e entretendo tropas. Hedy Lamarr merecia que seu trabalho fosse levado a sério e
que as pessoas a reconhecessem por isso.
É importante retomar histórias como a de Hedy Lamarr para que mais mentes
brilhantes não sejam ignoradas. Como uma figura feminina nas ciências exatas, a inventora
abriu caminhos para as bases de tecnologias tão importantes no uso cotidiano de casas,
universidades, escritórios e tantos outros ambientes. Mesmo o nome de Lamarr tendo sido
vinculado à sua invenção na mídia da época, como mostra a Figura 17, ela não foi sequer
entrevistada acerca disso durante muitos anos de sua vida, o mundo não quis conhecer sua
mente de verdade (BOMBSHELL, 2017).

Figura 17: Matéria do The New York Times que traz na chamada em tradução livre “Atriz cria aparelho quente
para uso em defesa.”
53

Fonte: Derivando a Matemática. Disponível em: <http://www.ime.unicamp.br/~apmat/hedy-lamarr/>. Acesso


em: 10 de jan. de 2022.
George Antheil revela em sua autobiografia Bad Boy of Music, de 1945, uma visão
mais fiel de quem teria sido sua parceira de patente. Em suas palavras ele declara:
“Devo, no entanto, manter aqui um breve relato para Hedy, que ela muito
ricamente merece. A Hedy que conhecemos não é a Hedy que você conhece.
Você sabe algo que o departamento de publicidade MGM tem, com toda sua
astúcia, inventada. Não existe tal Hedy. Eles há muito tempo decidiram que,
para dar a ela sex appeal suficiente, eles a tornaram apenas um pouco
estúpida. Mas Hedy é muito, muito inteligente. Comparada com a maioria
das atrizes de Hollywood que conhecemos, Hedy é uma gigante intelectual.
Eu sei que estou pegando carona nos atos do departamento de publicidade,
mas é verdade. Hedy não está muito interessada em atuar, em uma carreira
de atriz. Ela é uma boa atriz, mas ela simplesmente não está interessada. Ela
é, como nós, uma sonhadora. Ela também é sensível, maravilhosa, pessoa
humana, a quem amamos muito, como você também o faria, se realmente a
conhecesse!” (ANTHEIL, 1947, p. 258)
Com certeza, é dessa maneira que Hedy Lamarr merece ser lembrada, como alguém com um
intelecto brilhante, dotada de uma imensa capacidade de resistir a situações de adversidade,
que abriu caminhos para a inovação e hoje está presente no cotidiano do ser humano devido a
suas importantes contribuições. Um verdadeiro exemplo de força e coragem escondido por
muito tempo atrás de uma imagem fabricada para as telas de cinema.
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Conclusão

Apesar do Wi-Fi ser hoje uma tecnologia indispensável no uso cotidiano das pessoas,
muitas não têm conhecimento da contribuição de uma atriz de cinema que se revelou muito
importante para humanidade por abrir caminhos para o desenvolvimento das redes sem fio.
Nem mesmo durante quase toda sua vida Lamarr foi reconhecida pelas suas contribuições
para a tecnologia militar, isso se deve ao fato da sua figura ter sido limitada apenas à sua
aparência e sua capacidade intelectual ter sido ofuscada.
Por muitas vezes ao longo da história mulheres foram desestimuladas a ocuparem
papéis de inovação, liderança e desenvolvimento intelectual. É extremamente necessário
resgatar a imagem de Lamarr, não pelos seus atributos físicos, mas sim, como uma figura
feminina importante para as ciências exatas. E dessa forma, estimular o aparecimento e
reconhecimento de tantos outros nomes femininos, para que a própria ciência não seja afetada
pelos paradigmas que erroneamente a sociedade costumava adotar.
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