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Avaliação genética da raça ovina Churra do Campo

(2003-2019)

José Pedro Pestana Fragoso de Almeida

Prof. Coordenador

Dezembro 2020
Índice
1. Introdução e objectivos ................................................................................................................................ 1

2. Caracteres estudados e metologia de análise .............................................................................................. 2

3. Resultados ..................................................................................................................................................... 6

3.1. Parâmetros genéticos estimados .................................................................................... 6


3.2. Análise global da avaliação genética .............................................................................. 7
3.3. Avaliação genética individual .......................................................................................... 9
4. Referências bibliográficas ........................................................................................................................... 10

Anexo ............................................................................................................................................................... 11

Nota autor: texto escrito em conformidade com o antigo acordo ortográfico.


Avaliação genética da raça Ovina Churra do Campo

1. INTRODUÇÃO E OBJECTIVOS

A raça ovina Churra do Campo foi descrita em 1987 (Sobral et al., 1987) como sendo
originária da região raiana da Beira Baixa. Esses animais foram caracterizadose
distinguidos pela lã churra, pelopequeno formato e pela extrema rusticidade (Sobral et
al., 1987). As suas características permitiam-lhes subsistir em zonas de pastagens muito
pobres e fracos recursos forrageiros, condicionados por um clima mediterrânico rigoroso,
com frios intensos durante o Inverno e secura extrema durante o verão. Nessa altura o
efectivo foi estimado em cerca de 60000 cabeças (Sobral et al., 1987), que viria a reduzir-
se continua e drasticamente nos anos seguintes até ser considerada extinta em 2004
(INIAP, 2004). Porém, em 2006, através doProjecto Transfronteiriço,INTERREG III – Rotas
da Transumância, a Câmara Municipal de Penamacor (CMP) em parceria com a Escola
Superior Agrária de Castelo Branco (ESACB) conseguiram reunir ainda 90
animais,dispersosem rebanhos na região de origem. A partir desse núcleo, foi
implementado um programa de recuperação e conservação e em 2007 instituido o Livro
Genealógico (LG) da raça Churra do Campo (Andrade, 2012). Actualmente, o efectivo tem
597 fêmeas e 36 machos adultos inscritos no LG (Andrade, 2019). O trabalho de
conservação tem incidido em várias medidas, sendo de salientar o controlo das
paternidades e a assistência à programação dos emparelhamentos, com o objectivo de
evitar o aumento da consanguinidade (F) e a erosão genética da população que daí
advém. A “erosão genética” é aqui considerada como a diminuição da variabilidade
genética induzida pelo fenómeno de “deriva genética”, que consiste na perda de alelos
numa população (Howard et al., 2017), resultante sobretudo do emparelhamento de
animais aparentados em pequenas populações(Gama, 2002).

Devido à sua história, esta raça é um caso muito particular do património genético
animal Português. Na fase actual, de recuperação e conservação, devem colocar-se
algumas questões sobre a avaliação genética das características pertinentes de produção
(caracteres), bem como da utilização que será dada a essa informação produzida.
Relativamente à primeira questão, a avaliação genética permite quantificar o efeito da
depressão consangínea nos caracteres de produção e a evolução da variabilidade

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J. P. F. Almeida (2020)

genética (através dos EBV – “estimated breeding values”) ao longo dos anos. Esta
informação, é importante para monitorizar a evolução genética da população: uma
eventual tendência no sentido decrescente dos EBV corresponderá a uma perda de
variabilidade, explicada pelo valor da depressão de F, secalculada em simultâneo no
modelo de estimativa. Relativamente à segunda questão, o uso a dar esta informação, os
valores de EBV devem ser usados numa segunda faseda programação dos
emparelhamentos: inicialmente devem ser definidos os grupos de reprodução com
valores inferiores de parentesco macho-fémeas; dentro destes, de seguida, deverão ser
usados os EBV no sentido contrário à redução que for observada no conjunto da
população. Assim, neste caso, a avaliação genética deverá ser usada para contrariar a
redução da variabilidade genética. Esta avaliação tem alguns limites de estimativa,
impostos pelo número de animais, pelo número de registos válidos e pela ocorrência dos
animais “fundadores” (animais sem genealogia conhecida, pertencentes ao grupo inicial).

Este trabalho teve como objectivo realizar a avaliação genética individual dos
seguintes caracteresprodutivos dos animais inscritos no LG da raça ovina Churra do
Campo: Intervalo entre partos consecutivos (IP) e pesos ao nascimento (PN), 30 (P30) e
70 (P70) dias de idade. Por avaliação genética, entendemos a diferença individual para a
média da população dos valores genéticos aditivos (EBV). Foram utilizados modelos BLUP,
tendo sido determinados os efeitos ambientais e da consanguinidade, nos carcateres
referidos.

2. CARACTERES ESTUDADOS E METOLOGIA DE ANÁLISE

Foram usados todos os registos da base de dados doLG da raça ovina Churra do
Campo para avaliação dos caracteres já referidos anteriormente. A gestão desta base de
dados é realizada através do software Genpro-online (Ruralbit, 2006-2021). Optou-se por
não incluir na análise caracteres morfológicos, uma vez que no estado actual da raça, este
tipo de avaliação constituiria um risco, pois se fosse usada como motivo de
refugo/seleção poderia, eventualmente, induzir perda da variabilidade genética em
caracteres correlacionados. Assim, no quadro seguinte (Quadro 1), podem ser
observados o número de registos usados nas análises.

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Avaliação genética da raça Ovina Churra do Campo

Os pesos aos 30 e 70 dias de idade foram estimados por interpolação, de pesagens


consecutivas efectuadas pelo LG.
LG

Quadro 1 Carateres produtivos e número de registos usados para as estimativas de avaliação genética

Caracter Nª animais Nº Registos

Intervalo entre Partos 778 2529

Peso ao nascimento 2333 2333

Peso aos 30 dias idade 2034 2034

Peso aos 70 dias idade 806 806

As componentes da variância fenotípica ((σ2p), variâncias genética aditiva ((σ2a),


ambiental permanente (σ2pe), residual (σ2e) e a heritabilidade (h2) foram estimados
através da modificação do método da Máxima Verossimilhança Restrita (Restricted
Maximum Likelihood – REML) de I.Misztal,S.Tsuruta,T.Druet e M.Duangjinda(Duangjinda
M.Duangjinda
et al., 2006; Duangjinda et al.,
al 2007), denominada AIREMLF90.

O valor genético
tico foi estimado pelo modelo animal, através do método BLUPF90
desenvolvido por Misztal (Duangjinda et al., 2006; Duangjinda et al.,., 2007). As precisões
das estimativas BLUP foram calculadas através do método ACCF90 desenvolvido por
Strabel e Misztal (Duangjinda
ngjinda et al., 2006; Duangjinda et al., 2007).

As estimativas do valor genético do IP basearam-se


basearam se no modelo animal com registos
repetidos (re), segundo Duangjinda et al. (2007):

Onde,

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J. P. F. Almeida (2020)

y =vetor de resposta

β =vetor dos efeitos fixos

a =vetor dos efeitos genéticos aditivos aleatórios

p=vetor dos efeitos ambientais permanentes

ε =vetordos resíduos aleatórios

X e WZ =matrizes de incidência relacionadas com os efeitos fixos e


aleatórios

A = numerador da matriz de parentesco

σ2a = variância genética aditiva

σ2p =variância fenotípica

σ2e =variância residual

Os efeitos ambientais considerados, tipo e o número de efeitos, podem ser


observados no quadro seguinte (Quadro 2).

Quadro 2 Efeitos ambientais, tipo e número de níveis, considerados na estimativa BLUP para o IP.

Tipo Efeitos Nº níveis considerados

Criador 12

Ano Nascimento 16
Fixos
Mês de Nascimento 12

Número do Parto 12

Idade ao parto 1
Covariáveis
Consanguinidade (F) 1

As estimativas do valor genético dos pesos (PN, P30 e P70)basearam-se no modelo


animal, segundo Duangjinda et al. (2006):

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Avaliação genética da raça Ovina Churra do Campo

Onde,

y =vetor de resposta

β = vetor dos efeitos fixos


fix

ε =vetordos
dos resíduos aleatórios

X, Z =matrizes de incidência relacionadas com os efeitos fixos e


aleatórios

A = numerador da matriz de parentesco

σ2a =variância genética aditiva

σ2e =variância residual

Oss efeitos ambientais considerados constam do Quadro 3.

Quadro 3 Efeitos ambientais, tipo e número de níveis considerados nas estimativas BLUP para o peso ao
nascimento (PN), peso aos 30 (P30) e peso aos 70 (P70) dias de idade.

Tipo Efeitos PN P30 P70

Criador 12 12 12

Ano Nascimento 16 16 16

Época deNascimento
Nascimento 3 3 3
Fixos
Sexo 2 2 2

Tipo de Parto 3 3 3

Número do Parto 13 13 13

Covariável Consanguinidade (F)


( 1 - -

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J. P. F. Almeida (2020)

A consanguinidade individual (Fx) foi calculada pelo método de Wright (1931)através


do software “Endog v4.8” (Gutiérrez e Goyache, 2005):

1
=Σ × (1 + )
2

Onde,

n = número de gerações entre os progenitores do


indivíduo x e o ascendente comum,

Fa = coeficiente de consanguinidade do ascendente


comum.

Foram usadas as genealogias completas e incompletas (pelo menos um ascendente)


de 3301 animais.

3. RESULTADOS

3.1. Parâmetros genéticos estimados

No quadro seguinte apresentam-se os valores dos parâmetros fenotípicos e genéticos,


calculados.

Quadro 4 Parâmetros fenotípicos e genéticos estimados para o intervalo entre partos consecutivos (IP),
pesos ao nascimento (PN), 30 (P30) e 70 (P70) dias de idade. nd – não determinado. Número de registos
usados é referido no quadro 1.

Parâmetros IP PN P 30 P 70
Variância genética aditiva σ2a 623.76 0.0582 0.0674 0.0081
Variância ambiental permanente σ2pe 877.60 0.0145 0.1246 0.6465
Variância residual σ2e 28761 0.2252 1.1884 3.4206
Variância fenotípica σ2p 30263 0.2979 1.1884 4.0752
0.021 ± 0.196 ± 0.048± 0.02 ±
Heritabilidade h2
0.03 0.019 0.017 0.004
0.029 ± 0.049 ± 0.09 ± 0.158 ±
Efeitos ambientais permanentes c2
0.026 0.03 0.028 0.054
Repetibilidade efeitos diretos re 0.05 0.245 0.138 0.178
Depressão consanguínea
+0.4133 -0.005 nd nd
unidades/1%F

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Avaliação genética da raça Ovina Churra do Campo

Média 432.3 2.3 6.3 11.0


Desvio padrão 216.1 0.8 1.6 2.9
De referir os valores reduzidos da h2 no IP, embora associado a uma σ2a razoável, o
que é normal em outras raças, mesmo com efectivos de grande tamanho. Porém, o valor
da depressão sanguínea é significativo, pois implica um aumento de 0.41 dias por cada 1%
da F.

Quanto aos parâmetros referentes aos pesos, é de referir os valores baixos da σ2a,
acompanhados de uma h2 baixa nos P30 e P70. Estes parâmetros poderão estar afectados
pelo número baixo de registos em análise. Apesar disso, também é de referir que o valor
médio da F, embora baixo (5.87%), pode estar subvalorizado pelo baixo conhecimento de
genealogias completas. Se assim for, então estes parâmetros podem estar a ser afectados
por um valor de F, significativamente mais elevado. Assim, no futuro, deve ser reforçado
o esforço, tanto no conhecimento das genealogias para um cálculo correcto de F, como
um planeamento dos emparelhamentos rigoroso.

3.2. Análise global da avaliação genética

Na figura 1, estão representadas as distribuições dos EBV calculados.

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J. P. F. Almeida (2020)

Intervalo entre partos Peso ao nascimento


200 600

500
150
400
Count

Count
100 300

200
50
100

0 0
-20 -10 0 10 20 30 -0,4 -0,2 0,0 0,2 0,4

Peso 30 dias idade Peso aos 70 dias idade


500 600

500
400

400
300
Count

Count

300

200
200

100
100

0 0
-0,3 -0,2 -0,1 0,0 0,1 0,2 0,3 -40 -20 0 20 40

Figura 1 Distribuição dos EBV calculados

Como se pode observar, os gráficos denotam uma variabilidade reduzida,


principalmente no IP, no PN e no P30.

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Avaliação genética da raça Ovina Churra do Campo

4 0,04
Intervalo entre Partos Peso ao Nascimento
0,02
3
0,00

2 -0,02
EBV

EBV
-0,04
1 -0,06

-0,08
0
-0,10

-1 -0,12
2008 2010 2012 2014 2016 2004 2006 2008 2010 2012 2014 2016 2018

Ano Nascimento Ano Nascimento

0,01 0,0015
Peso aos 30 dias idade Peso aos 70 dias idade
0,00
0,0010
-0,01

-0,02 0,0005
EBV

EBV
-0,03

-0,04 0,0000

-0,05
-0,0005
-0,06

-0,07 -0,0010
2004 2006 2008 2010 2012 2014 2016 2018 2004 2006 2008 2010 2012 2014 2016 2018
Ano Nascimento Ano Nascimento

Figura 2 Evolução dos EBV médios, ao longo dos anos de nascimento

Quanto à evolução dos EBV ao longo dos anos de nascimento (figura 2), pode-se
observar uma tendência para um aumento dos Intervalos entre partos e uma diminuição
nos pesos ao nascimento e aos 30 dias de idade.

Considerando que até momento não houve qualquer seleção dos animais, esta
evolução será,eventualmente, consequência da deriva genética, que pode ter sido
causada pelo emparelhamento entre animais aparentados, pelo reduzido tamanho da
população e número diminuto de animais fundadores. Reforçamos assim a necessidade
de um grande rigor no planeamento dos emparelhamentos e na escolha dos animais, de
acordo com os EBV agora calculado, para contrariar esta tendência.

3.3. Avaliação genética individual

No anexo, apresenta o layout do GENPRO online, das fichas individuais e dos valores
de EBV para cada animal, relativos aos caracteres estudados

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J. P. F. Almeida (2020)

4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Andrade, C.S.C.R. 2012. RAÇA OVINA “CHURRA DO CAMPO”. Ed. IPCB-ESA.

Andrade, C.S.C.R. 2019. ANÁLISE DEMOGRÁFICA DA RAÇA OVINA CHURRA DO CAMPO.


Programa de Desenvolvimento Rural 2014-2020.

Duangjinda, M, Misztal, I.& Tsuruta, S. (2007). BLUPF90-DairyPAK 3.0. Animal and Dairy
Science. University of Georgia. Disponível em https://ag2.kku.ac.th/monchai/blup/
(acedido em 1/01/2018).

Duangjinda, M., Misztal, I. & Tsuruta, S. (2006). BlupF90 BeefPAKversão 2.5. Animal and
Dairy Science, University of Georgia. Disponível em
https://ag2.kku.ac.th/monchai/blup/ (acedido em 1/01/2018).

Gama, L. T. (2002). Melhoramento genético animal. Escolar Editora, Lisboa, 306 pp.

Gutiérrez, J.P. andGoyache, F. (2005) A note on ENDOG: a computerprogram for analysing


pedigree information. Journal of Animal Breeding and Genetics, 122: 172-176.

Howard, J.T., Pryce, J.E., Baes, C. and Malteca, C. (2017). Inbreeding in the genomics era:
Inbreeding, inbreeding depression and management of genomic variability. J.
DairySci. 100: 6009-6024.

INIAP - Instituto Nacional de Investigação Agrária e Pescas, 2004. Recursos Genéticos


Animais em Portugal - Relatório Nacional.

Ruralbit (2006-2021). Genpro-online. Gestão de Livros Genealógicos.

Sobral, M., Antero, C., Borrego, D. e Domingos, N., 1987. “Recursos Genéticos. Raças
Autóctones Ovina e Caprina.” Direcção Geral da Pecuária. Lisboa.

Wright S, 1931. Evolution in mendelianpopulations. Genetics 16: 97-159.

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Avaliação genética da raça Ovina Churra do Campo

ANEXO

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