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ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA

RMB
Nº 70075872697 (Nº CNJ: 0351384-26.2017.8.21.7000)
2017/CRIME

APELAÇÃO. HOMICÍDIO CULPOSO. NEGLIGÊNCIA


E IMPRUDÊNCIA DE ENGENHEIRO DE
SEGURANÇA NO TRABALHO. INOBSERVÂNCIA
DE REGRA TÉCNICA DA PROFISSÃO.
PRELIMINAR REJEITADA. MÉRITO. CONDENAÇÃO
MANTIDA. PENA CORPORAL REDIMENSIONADA.
Preliminar. A questão relativa à regularidade da
denúncia já foi analisada por ocasião do julgamento do
Habeas Corpus nº 70071806798, decisão que está
abrangida pelo instituto da coisa julgada, não
comportando, pois, rediscussão. Prefacial afastada.
Mérito. O conjunto probatório demonstra a negligência
e a imprudência do engenheiro réu, porque era o
responsável direto pelas medidas necessárias de
precaução para evitar o acidente. Além de não avaliar
de forma concreta os riscos oferecidos pela atividade
desenvolvida pela vítima, não fiscalizou as condições
de segurança no exercício da atividade, tampouco
impôs a utilização de equipamentos de segurança. O
nexo de causalidade entre o óbito e a conduta do
apelante se mostra presente, pois se tivesse obrado
de forma a avaliar os riscos da atividade em altura – a
vítima efetuava trabalho de instalação elétrica de uma
plataforma de 25 (vinte e cinco) metros de distância do
solo –, ou adotado medidas de segurança durante a
realização do trabalho, como utilização de cintos de
segurança, não ocorreria a morte da vítima no
exercício da atividade laboral. A inobservância de
regras técnicas da profissão é verificada a partir do
momento em que a empresa foi notificada pelo
Ministério do Trabalho em torno de seis meses antes
do óbito para que fossem adotados procedimentos
escritos e formalizados das medidas de segurança que
os trabalhadores deveriam seguir durante suas
atividades, e não foi providenciado. Deste modo, é
confirmada a condenação do réu nos termos do §4º do
art. 121 do CP, pois evidenciado o maior juízo de
reprovação das suas condutas e/ou omissões. É
redimensionada a pena-base para o mínimo legal, na
medida em que favoráveis todos os vetores previstos
no art. 59 do CP. Na terceira etapa dosimétrica é
confirmada a incidência da majorante prevista no §4º
do art. 121 do CP no patamar de um terço. A pena
definitiva é redimensionada para um ano e quatro
meses de detenção. Ratificada a substituição da pena
carcerária por restritivas de direitos.

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2017/CRIME

PRELIMINAR REJEITADA. MÉRITO DO RECURSO


PARCIALMENTE PROVIDO.
APELAÇÃO CRIME SEGUNDA CÂMARA CRIMINAL

Nº 70075872697 (Nº CNJ: 0351384- COMARCA DE RIO GRANDE


26.2017.8.21.7000)

MARCIO AURELIO DE CARVALHO APELANTE


LOPES

MINISTERIO PUBLICO APELADO

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos.
Acordam os Desembargadores integrantes da Segunda
Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em
rejeitar a preliminar e, no mérito, dar parcial provimento à apelação
defensiva.
Custas na forma da lei.
Participaram do julgamento, além da signatária, os eminentes
Senhores DES. JOSÉ ANTÔNIO CIDADE PITREZ (PRESIDENTE E
REVISOR) E DES. LUIZ MELLO GUIMARÃES.
Porto Alegre, 12 de abril de 2018.

DES.ª ROSAURA MARQUES BORBA,


Relatora.

RELATÓRIO
DES.ª ROSAURA MARQUES BORBA (RELATORA)
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O Ministério Público ofereceu denúncia contra Márcio Aurélio


de Carvalho Lopes (46 anos) e Daison Cristiano Nascente de Lima (31
anos), como incursos nas sanções do art. 121, §§3º e 4°, do Código Penal,
pela prática dos seguintes fatos delituosos:

“No dia 25 de agosto de 2014, por volta das 16h20min, na


Avenida Maximiano da Fonseca, nº 6361, Bairro Barra, no interior do
Armazém A-9, da empresa Termasa, nesta Cidade, os denunciados
mataram, culposamente, Ajaccio Figueiredo Martins, agindo com
negligência e imprudência, consistente em não cumprir suas
obrigações de fiscalizar as condições de segurança no exercício de
atividade laboral da vítima, inobservando regra técnica de profissão, o
que ocasionou o falecimento de Ajaccio, por conta de politraumatismo
de tórax e abdômen em acidente de trabalho, conforme auto de
necropsia de fls.
Na ocasião, a vítima trabalhava nas instalações elétricas na
passarela superior, no interior do armazém A-9 da empresa, em uma
altura aproximada de 25m (vinte e cinco metros). A vítima caiu em
uma parte da plataforma em que faltava uma parte do piso, e a vítima
não possuía cinto de segurança. Segundo o relatório de análise de
acidente de trabalho de fls., foram fatores que contribuíram para a
ocorrência do acidente: falta de gestão de segurança na empresa
TERMASA, terceirização ilícita de atividades e precarização das
condições de trabalho, falta de análise prévia de risco das atividades,
considerando os riscos de atividade em altura e prevendo medidas de
segurança em atividades em altura, e falta de permissão de trabalho
em altura, falta de supervisão de trabalho em altura, como utilização
de cinto de segurança fixados em pontos de ancoragem, todos
quesitos, estes, que foram negligenciados pelos denunciados.”

A denúncia foi recebida em 12.04.2016 (fl. 147).

Citados (certidões de fls. 152 e 153), os réus ofereceram


respostas à acusação às fls. 154/161 e 192/219.

Designada audiência de instrução, foram ouvidas as


testemunhas e, por fim, interrogados os acusados (mídias às fls. 302 e 321).

Substituídos os debates orais por memoriais, foram


apresentados pelo Ministério Público, às fls. 324/328 e pelas defesas, às fls.
330/342 e 360/362.
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Em 15.05.2017, sobreveio sentença julgando parcialmente


procedente a denúncia para absolver o acusado Daison Cristiano
Nascente de Lima e condenar o réu Márcio Aurélio de Carvalho Lopes à
pena de 01 (um) ano e 08 (oito) meses de detenção, em regime aberto, por
incurso nas sanções do art. 121, §§3° e 4°, do Código Penal. A pena
privativa de liberdade foi substituída por duas restritivas de direitos,
consistentes em prestação de serviços à comunidade e pecuniária (fls.
363/375).

Irresignada, a defesa de Márcio Aurélio apelou da decisão (fls.


384). Nas razões de fls. 389/409, argui a inépcia da denúncia por ter sido
relatada de forma vaga e genérica. No mérito, evidencia que a conduta do
engenheiro não foi negligente, pois o fato que teria originado o presente
processo não tem relação com fatos anteriores que foram levados em conta
na sentença de primeiro grau. Refere que o réu não descumpriu nenhuma
norma técnica, e que no local a ser desempenhado o serviço não havia risco
de queda. Afirma que havia orientação no local para que o trabalhador
atuasse dentro da passarela que era segura, que a vítima teria agido por
conta própria e que foi encontrado álcool em seu sangue. Alega que o réu
não tinha conhecimento da atividade que iria ser realizada e por tal motivo
não estaria na posição de garantidor, inexistindo, assim, nexo causal entre
seus atos e o acidente. Assegura que a sentença recaiu em bis in idem, pois
a inobservância de regra técnica se apresenta ao mesmo tempo como
núcleo do tipo e aumento de pena. Frisa a necessidade de aplicação da
atenuante prevista no art. 66 do Código Penal. Aponta a possibilidade de
suspensão condicional do processo. Ao final, pede o provimento do recurso,
com a declaração de nulidade do feito ou de absolvição do réu.
Subsidiariamente, requer o afastamento da qualificadora; o reconhecimento

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da atenuante do art. 66 do Código Penal; a fixação da pena no mínimo legal


e a suspensão condicional do processo.

Contrarrazões às fls. 411/422.

Nesta instância, a douta Procuradoria de Justiça, através da


Dra. Jacqueline Fagundes Rosenfeld, opinou pela rejeição da preliminar e,
no mérito, pelo desprovimento do recurso defensivo (fls. 425/431).

Vieram os autos conclusos.

É o relatório.

VOTOS
DES.ª ROSAURA MARQUES BORBA (RELATORA)

Trata-se de apelação interposta pela defesa de Márcio Aurélio


de Carvalho Lopes contra a decisão da 1ª Vara Criminal da Comarca de
Rio Grande, que o condenou pela prática do delito previsto no art. 121, §§ 3º
e 4º, do Código Penal, à pena de 01 (um) ano e 08 (oito) meses de
detenção, em regime inicialmente aberto, substituída por duas restritivas de
direitos, consistentes em prestação de serviços à comunidade e pecuniária.

Em suma, a defesa alega, preliminarmente, a inépcia da


denúncia. No mérito, reclama a ausência de prova apta a ensejar um juízo
condenatório. Frisa que foram cumpridas as normas de segurança e que o
acidente se deu por culpa exclusiva da vítima. Sustenta a ausência de nexo
de causalidade entre a atuação do denunciado e o evento morte. Impugna a
qualificadora descrita no §4º do art. 121 do Código Penal, defende a
minoração da pena-base, a incidência da atenuante do art. 66 do mesmo
diploma legal e a suspensão condicional da pena.

Pois bem.

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Impõe-se, de plano, o afastamento da preambular deduzida


pela defesa, na medida em que a questão relativa à regularidade da
denúncia foi analisada por ocasião do julgamento do Habeas Corpus nº
70071806798, assim ementado:

HABEAS CORPUS PREVENTIVO. HOMICÍDIO CULPOSO.


TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. REJEIÇÃO DA DENÚNCIA.
JUSTA CAUSA. Paciente acusado pela prática do crime previsto no
art. 121, §§ 3º e 4º, do Código Penal. Paciente era engenheiro de
segurança na empresa T., local onde ocorreu o acidente que vitimou
o sr. A.F.M., que faleceu em virtude das lesões decorrentes de uma
queda. Magistrada de origem recebeu a denúncia ofertada contra o
paciente em 12/04/16. Pedidos das defesas, sob os mesmos
fundamentos, foram enfrentados pela autoridade judiciária em
19/09/16. Inviável o trancamento da ação penal, sob o fundamento de
ausência das condições de procedibilidade, considerando a presença
de indícios suficientes de autoria e da materialidade do fato.
Denúncia descreve adequadamente as circunstâncias e a autoria
dos fatos, com base em elementos colhidos no inquérito policial.
Provas produzidas permitem o enquadramento das condutas dos
indiciados no tipo penal descrito na peça acusatória. Questões
suscitadas pela defesa, no tocante a ausência de provas, devem ser
analisadas no momento processual oportuno. ORDEM DENEGADA.
(Habeas Corpus Nº 70071806798, Segunda Câmara Criminal,
Tribunal de Justiça do RS, Relator: Rosaura Marques Borba, Julgado
em 15/12/2016) – grifei.

O remédio constitucional mencionado está abrangido pelo


instituto da coisa julgada, não comportando, pois, rediscussão da matéria
arguida em preliminar neste recurso de apelação, razão pela qual vai
desacolhida a alegação primeira.

Superada, então, a prefacial, passo ao exame do mérito do


recurso.

Cumpre lembrar que a conduta imputada ao réu na denúncia é


de negligência e imprudência, pois, na condição de engenheiro, inobservou
regra técnica de profissão ao deixar de cumprir as suas obrigações de
fiscalizar as condições de segurança no exercício de atividade laboral da
vítima.
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A julgadora a quo, Dra. Cristina Régio dos Santos, condenou o


ora recorrente, assim analisando as provas, oral e pericial:

“DA PROVA ORAL: (Cd fls. 302 e 321)


Ronaldo Corrêa Marquetotti, técnico em segurança do trabalho,
relatou os fatos da seguinte maneira: não era o técnico de segurança
responsável no momento do acidente. Soube que a vítima caiu de
cima de uma esteira enquanto fazia um trabalho de manutenção. Não
presenciou o momento da queda, só soube depois que a vítima havia
caído. Não tinha conhecimento acerca do trabalho que a vítima iria
desempenhar. Para que fosse realizada a atividade, deveria ser feita
uma PT (permissão para trabalho) junto com a equipe elétrica, que
destinou o serviço à vítima, e a integração de segurança já deveria ter
sido feita na entrada da obra, que cabe à empresa em que ele foi
trabalhar, a qual deveria lhe prestar, na hora em que entrou para
trabalhar. Seriam os critérios de segurança que a vítima teria que
observar. A responsável por isso, a princípio, era a empresa
TERGRASA e o técnico de segurança deles, cuja pessoa o depoente
não sabe quem é. Afirmou que no local onde a vítima estava não era
necessário o uso de cinto de segurança. Após o acidente, o
engenheiro lhe mostrou que estava faltando um pedaço da proteção
da esteira. A vítima estava instalando um suporte de emergência na
esteira e esta atividade poderia ser feita dentro da área de proteção.
Em relação à parte que faltava do piso, disse que deveria estar
sinalizado. Não conhecia o local onde a vítima estava trabalhando,
nunca havia subido, só olhou de baixo. De onde olhava, dava para
ver que tinha guarda-corpo e que o piso da passarela onde a
atividade seria desenvolvida estava inteiro. Somente na parte de
proteção dos equipamentos é que estava faltando a complementação.
Não tem como dizer o que foi passado para a vítima na integração de
segurança, mas ele deveria ter sido orientado que não poderia sair da
passarela, se saísse deveria usar o cinto de segurança. Dentro da
passarela é seguro para executar a tarefa, não sendo necessário o
uso do cinto de segurança. O serviço prestado ali era HH
(homem/hora), pela empresa do réu Daison, que cedia o funcionário
homem/hora. Disse que o réu Daison não possuía nenhum controle
sobre quais tarefas seriam desempenhadas pelos funcionários. Os
equipamentos de proteção coletivo estavam adequados na passarela
e também foi fornecido equipamento de proteção individual à vítima.
Acredita que se a vítima tivesse desempenhado a atividade somente
dentro da passarela não teria ocorrido o acidente.
Gabriel Rodrigues Martins, eletricista, filho da vítima, ouvido
como informante, estava trabalhando com seu pai no momento do
acidente, colocando uns cabos de aço nas chaves de emergência.
Estavam trabalhando no local e, quando o depoente foi se deslocar
para pegar uma ferramente, a vítima caiu. Não conseguiu ver
exatamente como seu pai caiu, mas afirmou que a vítima caiu no vão,
no pedaço do piso que estava faltando na passarela. Estavam
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trabalhando no local mais fácil para prestar aquele tipo de serviço.


Antes de executarem a tarefa, foi avisado para terem cuidado, porque
havia alguns locais sem piso na passarela. Nada falaram sobre o uso
de cintos de segurança. Receberam essas orientações do
encarregado, Sr. Fanor. Os réus não estavam no local na hora do
acidente. Afirmou que o réu Márcio é o engenheiro de segurança da
TERGRASA e o acusado Daison era o dono da empresa terceirizada.
Não havia ninguém no momento fiscalizando o trabalho que estava
sendo realizado. Possuíam os equipamentos de proteção. Relatou
que, além do piso, faltava o guarda-corpo no local onde estavam.
Também não havia nenhuma sinalização indicando a ausência do
piso. Daria de trabalhar com o cinto. Acredita que o técnico de
segurança deveria estar presente, mas em nenhum momento este
apareceu, nem PTP foi feito (ordem de serviço para trabalhar em
lugar perigoso), que é quando o técnico de segurança vai no local e
avalia onde estão os riscos. Só mandaram os dois irem realizar o
serviço. Quando foram realizar a atividade o encarregado não
entregou cintos para eles. Existiam duas passarelas: uma para
trafegar e a outra de serviço. Seu pai caiu justamente no momento
em que se abaixou para pegar uma ferramenta, então não tem como
afirmar se a vítima passou para a outra passarela. A orientação
recebida do Sr. Fanor foi de que eles tinham que realizar aquele
serviço. “Qual a forma? Como tinha duas passarelas a pessoa
sempre pode trabalhar com o lugar que é mais simples, mais fácil de
trabalho. Se tem uma passarela com grade por dentro, acho que a
pessoa pode trabalhar ali, se é uma passarela pra trabalho, pra ter
mais acesso pra pessoa trabalhar, eu acho que a passarela é apta
para usar”. Sobre o laudo toxicológico da vítima, disse que seu pai
não era de beber e não lembra de tê-lo visto beber no dia. No
momento em que estavam executando a tarefa, o mais adequado era
colocar os cabos por dentro da passarela, porque tinha os “guarda-
corpo” e “a maioria onde eram fixados esses cabos tinha uma
travessa na frente que não tinha como ter acesso neles, para poder
colocar o cabo de aço tinha que projetar o corpo para dentro do
guarda-corpo”. A altura média do guarda-corpo é de 1m60cm. Não
tem conhecimento, com certeza, se o trabalho realizado dentro de
uma passarela é considerado trabalho em altura. Antes de executar o
serviço, o depoente viu as falhas no piso da plataforma, mas não
sabe dizer se a vítima também viu. O depoente foi quem acompanhou
o encarregado e recebeu as ordens, estava trabalhando já há alguns
dias nesse setor. No dia do fato, o encarregado mandou o depoente
mostrar ao seu pai os lugares onde havia falhas. Mostrou alguma
coisa, mas o local era escuro e não possuía iluminação. Não havia
poeira no armazém no dia do fato. A vítima tinha treinamento para
trabalhar em altura. Se houvesse risco na atividade, acredita que
deveriam usar o cinto de proteção. Disse que realizaram o trabalho
pela forma mais fácil e que não tinham orientação para realizar pela
forma mais segura. Só foi passado o serviço para eles realizarem. Os
supervisores sabiam que estava sem grade, mas o réu Daison não
sabia sobre a inexistência de grade no local. As ordens vinham da
empresa e não do réu Daison. As ordens vinham da empresa, o

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depoente pertencia à TERGRASA e a vítima era terceirizada,


trabalhava para o réu Daison.
Maurício Gomides Escobar, eletrotécnico, não estava no local
no momento do acidente, mas tem conhecimento da área. Tinha uma
passarela com guarda-corpo onde era possível realizar as atividades
ali de dentro. Quando trabalhava como eletricista fazia trabalhos
semelhantes. Disse ser obrigatório o uso de cinto de segurança. O
réu Daison não tinha gerenciamento sobre os funcionários, isso ficava
a cargo da TERGRASA. Relatou que o correto é todos os dias fazer a
Permissão de Serviço. O réu Daison fornecia os equipamentos de
segurança. O depoente disse que se a vítima estivesse realizando a
tarefa fora da área de guarda-corpo, corria risco de acidente, por isso
seria obrigatório o uso do cinto de segurança. O depoente relatou já
ter trabalhado dentro da passarela e afirmou que ali não era
necessário o uso de cinto. Um dia antes do acidente subiu na
passarela e viu onde estava faltando piso. Ninguém lhe comunicou
que estava faltando uma parte do piso, nem havia sinalização. A troca
dos cabos se dava bem próximo ao corrimão. O serviço não é
passado pela empresa do réu Daison, e sim pela TERGRASA. Quem
ficava responsável pelo serviço era o pessoal da TERGRASA. Pela
informação que tem, não foi feito no dia, nem quando o depoente
esteve na passarela, Proteção de Serviço.
Fanor Luiz Buffet, relatou que a vítima começou a fazer um
serviço que o depoente já havia começado a realizar antes, pois já
estava trabalhando no armazém há alguns dias. O serviço era pra ser
realizado dentro da passarela, consistia em terminar umas
emergências que “estavam instalando na correia”. Como foi passado
para outro serviço, coube à vítima terminar aquele serviço. Era uma
atividade normal dentro da passarela, não era perigosa. Não havia
necessidade de cinto nas atividades realizadas dentro da passarela.
A vítima foi orientada pelo depoente que a atividade era para ser
realizada dentro da passarela. O depoente acredita que o engenheiro
de segurança, réu Márcio, não tinha conhecimento da atividade que
estava sendo realizada, pois não era um serviço perigoso. As
passarelas são todas iguais, de chapa vazada. O engenheiro de
segurança é responsável por cerca de 500 funcionários na empresa,
o que torna impossível o acompanhamento das atividades
desempenhadas por cada um deles. Não presenciou o momento do
acidente. Afirmou que não tem como cair de dentro da passarela. A
vítima já havia realizado outros trabalhos dentro da empresa e o
mesmo era experiente. O técnico de segurança do trabalho só é
acionado em atividades perigosas e, no dia, este não foi acionado
porque a atividade não era um tipo de serviço perigoso. A empresa
fornece os equipamentos de segurança, mas a atividade
desempenhada pela vítima não requeria. A vítima não almoçou no
refeitório da empresa, provavelmente, fez a refeição nos locais
existentes ali pela frente. Ouviu falar que vendem bebidas alcoólicas
nesses lugares. Dentro da passarela não é necessário usar o cinto de
segurança. Cabe ao técnico de segurança verificar as atividades de
risco, mas a desempenhada no momento, pela vítima, não era

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perigosa, mesmo sendo a cinco metros de altura dentro de uma


passarela. A vítima estava instalando um cabo de aço, no momento,
e, para isso, estava sobre a passarela.
O réu MÁRCIO AURÉLIO DE CARVALHO LOPES, atendido o
art. 186 e seu parágrafo único, do Código de Processo Penal, ao ser
interrogado, na forma do art. 187, § § 1º e 2º, CPP, negou a acusação
que lhe foi imposta na denúncia. Ficou sabendo do acidente somente
após a sua ocorrência. Ao chegar no local, providenciou o isolamento
e acompanhou a perícia médica no provável local da queda. Esteve
sobre a passarela após o acidente e também acompanhou a equipe
de prevenção de acidente. No dia posterior ao acidente, houve a
comunicação ao Ministério do Trabalho. Subiu na passarela com os
dois auditores. A partir daí e durante a investigação é que ficou
sabendo a forma de realização da atividade, até então não possuía
conhecimento. O réu coordenava os dois técnicos de segurança do
trabalho. Essa passarela era fechada, possuía guarda-corpo e
corrimão. Os trabalhadores circulavam ali normalmente sem risco de
queda porque existem as proteções. O Ministério do Trabalho não
interditou o Armazém, a empresa que teve por bem fechar o
armazém. Para cair a pessoa teria que transpor o guarda-corpo. Ao
lado dessa passarela de trabalho é que circula a correia
transportadora. Entre a correia e a passarela de trabalho existia outra
passarela, chamada de passarela de manutenção, a qual estava sem
piso, justamente porque estava em manutenção. Nessa passarela
sim, existia risco de queda, então nessa passarela não era possível
trabalhar sem a Permissão de Trabalho. Quem libera esse trabalho
não é o engenheiro de segurança e sim o encarregado da frente do
serviço, seja qual for a atividade. Ele é treinado para isso, seja qual
for o procedimento para definir as condições de trabalho e, se for o
caso, chamar o técnico de segurança do trabalho para auxiliar a
tomar as medidas corretivas. Na passarela de trabalho não havia
esse risco, não havia problema de iluminação, o armazém estava
parado. A passarela era segura. A vítima caiu porque transpôs o
guarda-corpo indo para a outra passarela, em desacordo com as
orientações dadas. Ele tinha que executar a tarefa na passarela de
trabalho, só que ele pulou de uma passarela para a outra. O guarda-
corpo tem duas finalidades: proteger o trabalhador eliminando o risco
de queda e proteger o trabalhador da própria correia, para que ele
não tenha exposição aos rolos da correia e não venha a sofrer um
acidente com esta correia. O armazém estava todo parado porque
eles estavam justamente trabalhando para colocar uma chave de
emergência, que é um equipamento eletrônico acionado por um cabo
de aço fino, leve, não exige esforço. Eles só tinham que furar uma
parte do guarda-corpo e passar o cabo por este suporte e ligá-lo na
chave, era esse o trabalho deles. Não sabe dizer porque a vítima
ultrapassou o guarda-corpo, já que não havia necessidade. A vítima
tinha livre e fácil deslocamento pela passarela de trabalho, não teria
porque transpor o guarda-corpo. Ir para a outra passarela não
facilitaria em nada o trabalho a ser realizado. Cabia à equipe de
elétrica orientar o trabalho da vítima, que estava a cargo do Sr. Fanor,
ele era o encarregado da parte elétrica na época, e também o Sr.
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Vanderlei, que era o supervisor de elétrica. Esse trabalho que a vítima


estava realizando estava a cargo do Sr. Fanor, a quem cabia orientar
e fiscalizar as atividades. A vítima era pessoa experiente na área. Os
funcionários das terceirizadas, tal como a vítima, não almoçam no
refeitório da empresa.
O réu DAISON CRISTIANO NASCENTE DE LIMA, atendido o
art. 186 e seu parágrafo único, do Código de Processo Penal, ao ser
interrogado, na forma do art. 187, § § 1º e 2º, CPP, negou a acusação
que lhe foi imposta na denúncia. Sua função é de administrador,
prestador de serviços elétricos. Estava na empresa no momento do
acidente, no intervalo da tarde, quando lhe ligaram avisando sobre o
acidente. A vítima era recém contratada, não tinha seis meses de
trabalho na empresa, mas conhecia a vítima há muito tempo e já
conhecia o seu trabalho, pois era pessoa de muita experiência.
Existiam duas modalidades de trabalho: 1) uma é um contrato HH
(homem/hora), na qual se dispõe uma mão-de-obra para o cliente e, a
partir dai, diariamente, são distribuídas as atividades via cliente, com
suas ferramentas de segurança, para orientar cada atividade, fica a
cargo do cliente; 2) a outra modalidade é a empreitada, onde o
depoente dispõe de toda sua equipe de supervisão, o técnico de
segurança fica na obra, embora assim como está dentro da unidade
do cliente, também há, via ferramenta de orientação, é também
passado, por estar dentro da unidade. O serviço que estava sendo
realizado era de contrato, fica à disposição uma certa quantidade de
eletricistas, para realizar as atividades necessárias, de acordo com a
demanda de trabalho. Cabia ao depoente fornecer os EPIS e os
materiais, tais como cinto de segurança, capacete,
independentemente de serem usados ou não. Quando da entrega, o
técnico de segurança do depoente vai fazer a inspeção e permanece
no local de trabalho. No momento do acidente, a vítima usava os
EPIS, mas estava sem cinto de segurança, mas para o depoente foi
passado que, nesse tipo de atividade - instalação de chave de cabo
de emergência - é feita dentro de uma passarela. Como a passarela
estava de acordo com as normas, não é necessário o uso de cinto de
segurança. Os equipamentos, inclusive o cinto, estavam lá à
disposição do funcionário, mas a vítima não usou porque não era
necessário.

DA PROVA TÉCNICA:
O laudo técnico formulado pelo Ministério do Trabalho e
Emprego, fls. 17/23, apontou diversas irregularidades na empresa
TERMASA. O acidente ocorreu no interior de um de seus armazéns,
enquanto a vítima e outro empregado faziam adequações nas
instalações elétricas numa passarela superior, onde estava localizada
a correia transportadora, a uma altura aproximada de vinte e cinco
metros.
Para melhor compreensão da questão, transcrevo parte do
laudo apresentado:

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RMB
Nº 70075872697 (Nº CNJ: 0351384-26.2017.8.21.7000)
2017/CRIME

“(...) No dia do acidente, dois integrantes da equipe que


realizavam a atividade (Fanor e Maurício) foram deslocados para
realização de outra atividade, permanecendo no local o auxiliar
Gabriel Rodrigues Martins, empregado da empresa TERGRASA (do
mesmo grupo econômico da empresa TERMASA). Para ajudar o
empregado Gabriel, foi designado o trabalhador Ajaccio, empregado
da empresa DAISON, prestadora de serviço. Ressalte-se que Gabriel
já vinha realizando junto com outros dois trabalhadores citados
atividade no local. No dia do acidente, o trabalhador Ajaccio não
participou das atividades de DDS (diálogo de segurança), pois foi
deslocado da empresa TERGRASA para prestar serviço na empresa
TERMASA. Era o primeiro dia de atividades do trabalhador nas
instalações da TERMASA. Os trabalhadores realizaram as atividades
durante toda a manhã em um dos lados da plataforma, no caso, o
lado voltado para o canal. Após o almoço, retornaram para realizar as
atividades no outro lado da correia. Durante a instalação do cordão de
segurança, ambos os trabalhadores, segundo relato do trabalhador
Gabriel, saíram da plataforma e acessaram uma segunda plataforma,
localizada entre a plataforma de circulação de trabalhadores e a
correia transportadora (plataforma esta com altura um pouco inferior
da plataforma de circulação e possivelmente utilizada para
manutenção).
A empresa TERMASA considerou que a atividade poderia ser
realizada com os trabalhadores no interior da plataforma, sem risco
de queda. Sendo assim, não adotou medidas para avaliar os riscos e
evitar quedas, ou minimizar os riscos. Não realizou a análise de risco
das atividades, considerando os riscos, tampouco emitiu permissão
de trabalho. Não havia supervisão e os empregados não utilizavam
proteção individual contra queda no momento em que saíram da
plataforma. Não havia também ordem de serviço, prevista para
atividades elétricas. Não havia procedimento de trabalho formalizado
descrevendo as atividades a serem realizadas. Não havia
formalmente nenhuma ordem da empresa para os trabalhadores
não saírem da plataforma. Ocorre que, diferentemente do que a
empresa afirma estar previsto, conforme relato do próprio trabalhador
que prestava serviço no local, Gabriel, ambos trabalhadores, Gabriel
e Ajaccio, saíram da plataforma de trabalho e acessaram a segunda
plataforma. Tal conduta se deu em função de facilitar as atividades
que vinham realizando (instalação do cordão de segurança). Durante
a realização das tarefas da tarde, o trabalhador Ajaccio saiu da
plataforma principal e enquanto instalava o cordão de segurança, caiu
desta plataforma, falecendo em função do politraumatismo no tórax e
abdômen. Foi constatado que esta segunda plataforma não possuía
piso em toda a sua extensão. Faltava uma parte do piso e justamente
neste local o trabalhador Ajáccio caiu. O trabalhador também não
possuía cinto de segurança. Importante salientar que ambos
trabalhadores possuíam treinamento para trabalho em altura e
aptidão física para realização das atividades, conforme Atestado de
Saúde Ocupacional (ASO). (…)
Ainda, consta como informações adicionais no laudo:

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2017/CRIME

“(...) Da mesma forma como no acidente ocorrido no dia


1º/05/2014, quando o trabalhador Leonardo da Matta Garcia perdeu a
mão esquerda, no acidente ocorrido com o trabalhador AJÁCCIO
FIGUEIREDO MARTINS, ocorrido em 25/08/2014, também não havia
procedimentos escritos das atividades a serem realizadas. Em ambos
os acidentes não foram adotadas medidas de segurança prevista nas
normas regulamentadoras para evitar riscos existentes. Houve falha
na identificação dos riscos e, consequentemente, na adoção de
medidas para evitar acidentes. (...)”
Sobre os fatores que contribuíram para a ocorrência do
acidente, assim foi constatado:
• falta de gestão de segurança na empresa TERMASA;
• terceirização ilícita de atividades, com precarização das
condições de trabalho;
• falta de análise prévia de risco das atividades, considerando
os riscos de atividade em altura e prevendo medidas de segurança
em atividades em altura;
• falta de permissão de trabalho em altura;
• falta de supervisão de trabalho em altura;
• falta de adoção de medidas de segurança para trabalho em
altura, como utilização de cinto de segurança fixados em pontos de
ancoragem.”

A partir da análise do acervo probatório colacionado, assim


como de todos os documentos acostados à ação penal, não vislumbro a
possibilidade de trilhar conclusão diversa daquela trazida na origem a
respeito do édito condenatório; senão vejamos:

Os autos, efetivamente, comprovam que o acusado,


engenheiro de segurança do trabalho da empresa Termasa, inobservou as
regras técnicas de sua profissão. Referida empresa contratou terceirizada,
pertencente ao coacusado Daison (absolvido na decisão da origem),
utilizando um contrato homem/hora para a realização de um serviço de
adequação das instalações elétricas na passarela superior, a uma altura de
aproximadamente 25 (vinte e cinco) metros, trabalho esse que deveria ser
realizado pela vítima Ajáccio.

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Na verdade, o serviço já havia sido iniciado por Gabriel,


juntamente com Fanor, acerca de 12 (doze) dias antes, sendo que este
último foi substituído pelo ofendido, para que desse continuidade às
instalações elétricas; o acidente ocorreu no primeiro dia em que Ajáccio
trabalhava no armazém A-9.

Fanor Luiz Buffet, eletricista, afirmou que a atividade a ser


desempenhada deveria ser realizada dentro de uma passarela, considerada
normal – não perigosa, não havendo necessidade de utilização de cinto de
segurança, tampouco a realização de PTP (ordem de serviço para trabalhar
em lugar perigoso). Pontuou, outrossim, que chegou a orientar a vítima e
Gabriel de que a atividade era para ser realizada dentro da passarela.

Por sua vez, Gabriel Rodrigues Martins aduziu que a única


orientação repassada por Fanor foi para que, no momento da prestação dos
serviços, tomassem cuidado, porque havia uma passarela que estava
faltando “a grade no chão”. Pontuou que naquele momento não havia
ninguém fiscalizando o trabalho, muito embora tivessem sido
disponibilizados alguns equipamentos de segurança. Disse que tinha partes
da passarela que estava sem guarda-corpo e não havia nenhuma
sinalização. Referiu que lhe pediram para mostrar para seu pai os locais
onde estava sem grades, o que foi feito, mas o local estava escuro.
Asseverou, por fim, que a vítima tinha experiência no ramo da instalação
elétrica e era capacitada para trabalho em altura.

A partir daí exsurgem a negligência e a imperícia do recorrente.

Soa evidente que no momento da contratação da vítima, a qual


foi submetida a um trabalho a 25 (vinte e cinco) metros de altura, no mínimo
deveria ter sido aberto uma ordem de serviço, segurança e saúde no
trabalho para avaliação das atividades que seriam desenvolvidas, dos riscos,

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das medidas preventivas, assim como para repasse das orientações de


segurança do trabalho. A testemunha Ronaldo Corrêa Marquetotti, técnico
em segurança do trabalho, confirmou que para realização da atividade uma
PT (permissão para trabalho) deveria ser realizada junto com a equipe
elétrica, no qual estariam dispostos os critérios de segurança que a vítima
teria que observar.

A despeito, ainda, tem-se que muito embora o réu


considerasse que a vítima não poderia sair da plataforma, não havia uma
ordem de serviço ou um procedimento de trabalho que estabelecesse essa
obrigatoriedade; sequer foi repassado aos trabalhadores informação
específica em qual passarela deveria se dar a execução do serviço. E na
prática, o ofendido tomou por bem acessar o local em que se deu a queda,
por ser necessário ou por facilitar o seu trabalho. A testemunha Maurício
Gomes Escobar contou que o serviço executado pela vítima era
extremamente próximo da área em que ausente parte do piso na passarela
de manutenção e, por isso, se o trabalho fosse dali realizado era necessário
o uso do cinto de segurança.

No local não havia a presença de técnico em segurança ou


engenheiro, inexistindo, assim, qualquer tipo de supervisão ao labor
desenvolvido em uma plataforma de 25 (vinte e cinco) metros de altura, por
entender o réu que a atividade não oferecia riscos. Mas o que se tem, é
justamente o contrário, o modus operandi do trabalho era extremamente
perigoso, já que a vítima não utilizava cinto de segurança, mesmo
desenvolvendo o serviço em uma plataforma alta, que lhe faltava parte do
piso, não sinalizada, e em precárias condições de iluminação.

Ademais, como bem fez constar a decisão singular, a empresa


Termasa já havia sido notificada pelo Ministério do Trabalho, antes do óbito,
por conta de um acidente ocorrido em 07.05.2014 e, como alega a defesa, a
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situação anterior é diferente da analisada neste feito criminal, porém,


evidencia que a empresa manteve-se omissa na adoção de medidas
cautelares de segurança, concorrendo o responsável para ocorrência do
acidente fatal.

A questão trazida em sede apelativa, de que procedimentos


dependem de elevados investimentos e quem tem o poder de gerir a
empresa e definir a realização de adequações são de cargos
hierarquicamente superiores ao do engenheiro de segurança, diz com
questão interna da empresa e não exime o réu da sua responsabilização,
que tem exatamente o papel de coordenar e efetuar a análise de projetos a
serem implementados, em conjunto com as áreas técnicas, recomendando
alterações, visando eliminar ou minimizar os riscos de acidentes.

A negligência corresponde exatamente à inatividade, à


ausência de precaução, à inércia de quem podendo agir, para não causar ou
evitar o evento danoso, não o fez por desídia, desleixo ou desatenção. A
imprudência tem a ver com algo mais do que a mera falta de atenção ou
cuidado. Ambas as modalidades se aplicam a conduta/omissão ora posta
sob julgamento.

Desse modo, o conjunto probatório demonstra a negligência e


a imprudência do engenheiro de segurança no trabalho, porque era o
responsável direto pelas medidas necessárias de precaução para evitar o
acidente. Além de não avaliar de forma concreta os riscos oferecidos pela
atividade desenvolvida pela vítima, não fiscalizou as condições de
segurança no exercício da atividade laboral da vítima, tampouco impôs a
utilização de equipamentos de segurança.

O nexo de causalidade entre o óbito e a conduta do engenheiro


se mostra presente, pois se tivesse obrado de forma a avaliar os riscos da

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atividade em altura – repiso, a vítima efetuava trabalho de instalação elétrica


de uma plataforma de 25 (vinte e cinco) metros de distância do solo –, ou
adotado medidas de segurança durante a realização do trabalho, como
utilização de cintos de segurança fixado em ponto de ancoragem, não
ocorreria a morte da vítima no exercício da atividade laboral.

O ponto crucial de inobservância de regras técnicas da


profissão pode ser verificado no momento em que a empresa foi notificada
pelo Ministério do Trabalho, aproximadamente 06 (seis) meses antes do
óbito, para que fossem adotados procedimentos escritos e formalizados das
medidas de segurança que os trabalhadores deveriam seguir durante suas
atividades, ao que não foi providenciado, desconsiderando, pois, que a
atividade da vítima apontava para necessidade de avaliação do risco de
queda e de implementação das medidas de segurança.

Deve ser confirmada, nesse passo, a condenação do réu nos


termos dos §§3º e 4º, do art. 121 do Código Penal; a incidência desse último
parágrafo justifica um maior juízo de reprovação de sua conduta e/ou
omissão e impõe uma sanção mais rigorosa.

Prosseguindo, preciso pontuar, a partir da situação delicada


trazida a lume, que, por óbvio, não desconheço que o engenheiro réu e
qualquer outro profissional, de diversas áreas, como todo ser humano, é
dotado de falibilidade, podendo cometer erros no exercício da profissão.
Contudo, quando o erro externa-se através de uma conduta negligente e
imprudente, como a que se depara nos autos, há nexo causal, o profissional
deve ser punido, desde que sua ação constitua um fato típico e antijurídico,
e que tenha havido culpabilidade, analisada em todos os seus elementos.

Na hipótese, há um resultado de dano definido em lei, qual seja


a morte comprovada do trabalhador; a previsibilidade deste resultado, uma

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vez que a conduta omissa do recorrente foi responsável pela queda da


vítima da plataforma, estando caracterizada a inobservância das regras
técnicas da profissão e, por último, comprovada a relação causal entre o
resultado morte e o comportamento negativo do réu.

Neste ínterim, considerando que o tipo culposo é o resultado


de dano produzido por conduta lesiva ao cuidado objetivo exigido na vida
social, e estando presentes todos os elementos do fato típico, tenho que a
confirmação da condenação é mesmo impositiva.

Ressalte-se, ademais, tal como apontado pela Procuradora de


Justiça, que “não prospera o argumento de culpa exclusiva da vítima, uma vez que
não se pode presumir que o falecido sabia que não poderia passar para outra
passarela e nem sobre a queda do piso da passarela. Não existiam avisos no local,
especificações em qual passarela trabalhar, ou qualquer notificação de alerta a
respeito dos cuidados necessários. É evidente que a vítima não desejava a própria
morte, bem como não há nenhuma prova neste sentido. De outra banda, mesmo se
houvesse uma parcela de culpa da vítima [seja porque ingeriu bebida alcoólica
ou transpôs o guarda-corpo], o que não foi provado, cabe salientar que esta não
elidiria a culpa do réu, uma vez que no direito penal não há a compensação de
culpas” (fl. 430v).

Passo, por conseguinte, à análise da reprimenda fixada origem.

Na primeira fase de individualização da pena a Julgadora a


quo, ao analisar as circunstâncias previstas no art. 59 do Código Penal,
julgou desfavoráveis ao réu a culpabilidade, os motivos e as consequências
do crime, elevando a basilar em 03 (três) meses de detenção, o que se
mostrou excessivo para a espécie delitiva.

O argumento trazido na origem de que a culpabilidade


excedeu ao ordinário, encontra-se na inobservância de regra técnica de
profissão, o que, muito embora demonstre que o comportamento do agente
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merece uma maior censurabilidade, não se pode utilizar do mesmo fato


para, a um só tempo, tipificar a conduta e, ainda, fazer incidir o aumento da
sanção, sob pena de se recair em indesejável bis in idem, devendo, pois, ser
avaliada em outra etapa de fixação da reprimenda. Neutralizo, pois, a
vetorial.

De igual modo, os motivos fulcrados “na negligência no


acompanhamento do trabalho que estava sendo realizado no interior da
empresa”, não foge daquela justificativa considerada na própria tipificação
legal e, não havendo razões outras, inviável a sua negativação.

Ainda, diferentemente do que fez constar a magistrada


singular, o vetor consequências do delito não merece ser valorado como
causa apta a justificar a elevação da pena-base, na medida em que a morte
da vítima constitui efeito comum ao delito de homicídio (seja na modalidade
culposa ou dolosa).

Com efeito, a basilar merece alteração. Inexistindo vetorial


desfavorável ao acusado, deve ser imposta a pena no mínimo legal, qual
seja, 01 (um) ano de detenção.

Na segunda fase dosimétrica não foram observadas


circunstâncias agravantes. Ainda, inaplicável a atenuante prevista no art. 66
do Código Penal, pois não comprovado que o fato de ter sido encontrado
álcool etílico no sangue da vítima tenha contribuído para a ocorrência de sua
morte, mas a negligência e imperícia do acusado no exercício da profissão.

Na terceira etapa da conta penal, incide, como acima


fundamentado, a majorante prevista no §4º do art. 121 do Código Penal, no
patamar de 1/3 (um terço), de modo que o quantum final se debruça em 01
(um) ano e 04 (quatro) meses de detenção, e é tornado definitivo diante da
ausência de outras causas modificadoras da reprimenda.

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A pena privativa de liberdade foi substituída por duas penas


restritivas de direitos, consistentes em prestação de serviço à comunidade a
razão de 01 (uma) hora de tarefa por dia de condenação, e prestação
pecuniária, esta fixada em 06 (seis) salários mínimos nacionais, em favor
dos familiares da vítima, o que é mantido, no todo. Esta última condição é
confirmada apenas em face da ausência da insurgência do Ministério
Público, pois ínfima.

Por derradeiro, aplicada a substituição da pena, o que inclusive


se deu de forma muito favorável ao réu, incabível o sursis, nos termos do art.
77, inciso III, do Código Penal.

Frente ao exposto, voto por rejeitar a preliminar e, no


mérito, dar parcial provimento à apelação defensiva tão somente para
redimensionar a sanção carcerária para 01 (um) ano e 04 (quatro) meses de
detenção, mantendo, no mais, as cominações da origem.

DES. JOSÉ ANTÔNIO CIDADE PITREZ (PRESIDENTE E REVISOR) - De acordo com o(a)
Relator(a).

DES. LUIZ MELLO GUIMARÃES - De acordo com o(a) Relator(a).

DES. JOSÉ ANTÔNIO CIDADE PITREZ - Presidente - Apelação Crime nº 70075872697,


Comarca de Rio Grande: "À UNANIMIDADE, REJEITARAM A PRELIMINAR E, NO MÉRITO,
DERAM PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO."

Julgador(a) de 1º Grau: CRISTINA REGIO DOS SANTOS

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