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TEXTO DOUZINAS, COSTAS. SETE TESES SOBRE OS DIREITOS HUMANOS.

Mais importante, as pessoas seriam salvas em Cristo apenas se aceitarem a fé, uma vez que os não
cristãos não têm lugar no plano providencial. Estas divisão e exclusão radicais fundaram a missão
ecumênica e o proselitismo da Igreja e do Império. A Lei espiritual do amor de Cristo se transformou em
um grito de guerra:

O significado de humanidade após a conquista do “Novo Mundo” foi vigorosamente contestado em um


dos debates públicos mais importantes da história. Em abril de 1550, Carlos V da Espanha convocou um
conselho de estado em Valladolid para discutir a atitude espanhola para com os índios derrotados do
México. O filósofo Ginés de Sepúlveda e o Bispo Bartholomé de Las Casas, duas grandes figuras do
Iluminismo espanhol, debateram em lados opostos. Sepúlveda, que acabara de traduzir A Política de
Aristóteles para o espanhol, argumentou que “os espanhóis governam de pleno direito os bárbaros que,
em prudência, talento, virtude e humanidade são tão inferiores aos espanhóis quanto as crianças aos
adultos, as mulheres aos homens, o selvagem e cruel ao leve e suave, eu poderia dizer o macaco ao
homem”.5 A coroa espanhola não deveria sentir nenhum escrúpulo em lidar com o mal indígena. Os
índios poderiam ser escravizados e tratados como bárbaros e escravos selvagens a fim de serem
civilizados e convertidos.

Las Casas discordou. Entretanto, o universalismo cristão de Las Casas era, como todos os
universalismos, excludente. Repetidamente, condenou “turcos e mouros, os verdadeiros bár- baros
desterrados das nações”, uma vez que não podiam ser vistos como cristãos “involuntários”. O
universalismo “empírico” de superioridade e hierarquia (Sepúlveda) e a normatividade da ver- dade e
do amor (Las Casas) acabam não sen- do muito diferentes um do outro. Como Tzvetan Todorov
comenta sucintamente, há “(...) violência na convicção de que possuem a verdade em si mesmo, ao
passo que isto não é o caso para os outros, e que se deve, além disso, impor esta ver- dade sobre os
outros”.7

As interpretações conflitantes sobre a “huma- nidade” de Sepúlveda e de Las Casas permitem capturar
as ideologias dominantes de impérios ocidentais, imperialismos e colonialismos. Por um lado, o outro
(racial) é desumano ou subumano. O que justifica a escravidão, as atrocidades e até mesmo a
aniquilação como estratégia da missão civilizadora.

Essas duas definições e estratégias de lidar com a alteridade conferem suporte à subjetividade oci-
dental. O desamparo, a passividade e a inferiori- dade dos outros “subdesenvolvidos” são transfor-
mados em nossa narcisista imagem refletida no espelho e potencial duplo. Esses desafortunados são as
crianças da humanidade, são vitimizados e sacrificados por seus próprios malfeitores radi- cais; são
resgatados pelo Ocidente que os ajuda a crescer, a desenvolver e a se tornar a nossa semelhança.
Porque a vítima é a nossa imagem no espelho, nós sabemos qual é o seu interesse e devemos impô-lo
“para seu próprio bem”. Por outro lado, os irracionais, cruéis e vitimizados são projeções do Outro de
nosso inconsciente.
segue por definir esta associação no artigo 3o: “O princípio de toda a soberania reside, essencialmente,
na nação”.

Os direitos “naturais” e eternos são declarados em nome do “homem” universal. No entanto, esses
direitos não preexistem, mas são criados pela Declaração. Um novo tipo de associação po- lítica, a
nação soberana e o estado, bem como um novo tipo de “homem”, o cidadão nacional, nasceram e se
tornaram beneficiários dos direi- tos. Assim, de maneira paradoxal a declaração de princípio universal
estabelece a soberania local. A partir desse ponto, a estatalidade e seu território seguem o princípio
nacional e pertencem a um tempo dual. Se a declaração inaugurou a mo- dernidade, também deu
início ao nacionalismo e suas consequências: genocídios, guerras civis, limpeza étnica, minorias,
refugiados e apátridas. O princípio espacial é evidente: todo estado e ter- ritório deveriam ter sua
nação única e dominante e cada nação ter o seu próprio estado – um catas- trófico desenrolar para a
paz, como mostrou sua aplicação extrema desde 1989.

O novo princípio temporal substituiu a escato- logia religiosa por uma teleologia histórica, que promete
o futuro pela sutura da humanidade e da nação. Esta teleologia tem duas variantes possíveis: ou a nação
impõe seu domínio sobre a humanidade ou o universalismo sobrepõe-se às divisões e identidades
paroquiais.

Abriu-se a lacuna entre o “homem” universal, o princípio ontológico da modernida- de, e o cidadão
nacional, com sua instanciação política e real beneficiário dos direitos. O Estado- nação veio à
existência pela exclusão de outros povos e nações. O sujeito moderno atinge sua humanidade ao
adquirir direitos políticos de ci- dadania, que garantem sua admissão à natureza humana universal ao
excluir desse status os ou- tros. O estrangeiro como um não cidadão é o bár- baro moderno.

Apesar das diferenças de conteúdo, o colonialis- mo e o movimento dos direitos humanos formam um
contínuo, são episódios do mesmo drama, que começou com as grandes descobertas do novo mundo e
agora é realizado nas ruas do Iraque e do Afeganistão: levar a civilização aos bárbaros. O clamor por
espalhar Razão e Cristianismo deu aos impérios ocidentais seu senso de superioridade e ímpeto por
universalização. O impulso ainda está

aqui; as ideias foram redefinidas

TEXTO VITORINO DIVERSIDADE CULTURAL E O DIREITO À AUTODETERMINAÇÃO


DOS POVOS INDÍGENAS

O modelo integracionista ou assimilacionista3 é monocultural e etnocêntrico, e foi implementado de


maneira mais contundente quando do reconhecimento da independência dos Estados, sobretudo com o
fim do colonialismo na América Lati- na. Todavia, cumpre observar que, mesmo depois da
independência dos Estados, o colonialismo continuou de outras formas, a exemplo do colonialismo
interno, que manteve (ou ainda mantém) os grupos indígenas sob o domínio do grupo cultural
majoritário (SOUSA SANTOS, 2007, p. 27)4.

Os últimos documentos, ratificados por dezenas de Estados, asseguram já nos seus primeiros artigos
que todos os povos têm direito à autodeterminação. Isso implica o direito à livre determinação política e
ao livre desenvolvimento econômico, social e cultural. O direito à autodeterminação dos povos é
essencial para a constituição da soberania estatal, de modo que quaisquer intervenções por poderes
externos são, a princípio, ilegítimas e ilícitas18. Desde a Paz de Vestfália de 1648, são reconhecidos
como elementos constitutivos do Estado o povo, o território e a soberania.

Discute-se, todavia, se e em que medida a autodeterminação prevista nesses instrumentos se aplicaria


aos povos localizados dentro do território de um Estado soberano. Em especial, discute-se qual a
condição jurídica dos povos indígenas em um Estado soberano

O Comitê ainda enfatizou que não apoia qualquer ação que possa resultar em ruptura da integridade
política ou territorial de Estados23, que o direito internacional não reconhece um direito geral dos
povos a declararem unilateralmente secessão de um Estado, e que a fragmentação dos Estados pode
ser prejudicial à proteção dos direitos humanos e à preservação da paz e segurança, o que não impediria
novos arranjos feitos a partir de livres acordos entre as partes envolvidas (§6o)

O reconhecimento da autodeterminação é feito, sobretudo, para assegurar que os povos indígenas


possam governar suas comunidades de modo autônomo, isto é, o direito de exercer atividades
administrativas e normativas. Não se trata, portanto, de autodeterminação no sentido pleno do artigo
1o do Pacto Internacional sobre Direi- tos Civis e Políticos, a independência para constituir novo Estado,
mas sim o direito à autonomia e autogoverno sob o domínio do Estado soberano (MUSAFIRI, 2012, p.
504). A expressão de Hurst Hannum (1996, p. 469) descreve adequadamente esse conceito: trata-se
da “‘menos-que-soberana, autodeterminação”.

TEXTO MEU E DA MESTRANDA

Élida Lauris destaca:

A estratégia de acumulação converte o direito e a justiça em duas faces de uma mesma moeda que
partilham uma única fonte de legitimidade, o Estado. Numa espiral sem fim, o discurso do acesso à
justiça debate-se entre a exposição das fraquezas e dos obstáculos do sistema de justiça e a discussão
de respostas para o seu fortalecimento. [...] quem mais sofre o impacto da repressão do direito é
quem menos aproveita da promoção do direito como bem-estar, falar de acesso à justiça e de
igualdade perante a lei é afirmar os termos da sua negação.

O Direito moderno foi construído baseado na projeção de um saber científico e legítimo sobre justiça,
identificado com o direito do Estado e das Constituições escritas. No mesmo passo, vê-se a
racialização e subalternização dos conhecimentos e modos de vida dos indígenas postas em tempo
retrógrado. Esse é o risco de compelir os indígenas a atuarem dentro de um sistema de justiça que
enuncia os direitos positivados e construídos sem qualquer legitimação sobre seus próprios modos de
organização social e de legitimidade do poder.

A convenção 169, com o cuidado de evitar que o sentido da autodeterminação culminasse na


relativização das soberanias dos estados nacionais, ressalvou que o emprego do termo “povo” na
convenção não tinha o significado que lhe dá o direito internacional.

O Estado soberano é formado por um povo, território e soberania. Como elucida o pensamento
decolonial, a formação dos Estados nacionais à custa dos processos de colonização e instituição do
sistema mundo moderno, capitalista, eurocêntrico e patriarcal se deu sobre a retirada das soberanias
indígenas, incapacitados, outrificados e colocados como povos anteriores na direção unilinear
percorrida pelas constituições dos Estados. A modernidade que culminou entre outras “revoluções”
na criação dos Estados modernos, e do Estado moderno d(e) Direito, caminhou ao lado da
universalização da experiência local europeia.

a Europa passa a se posicionar como centro do mundo e de enunciação do conhecimento e a definir as


noções de povos, direito, e estado, através da unidade territorial. Os povos: os europeus civilizados; o
direito, o do estado; o território, o nacional. Assim é que, na lógica internacional, a autodeterminação
dos povos significa autodeterminação dos Estados nacionais.

A formulação do conceito da autodeterminação continua sendo construída e o presente artigo não


pretende se ater à questão das soberanias. Na guia do fortalecimento dos movimentos de resistência
indígenas e no movimento do plurinacionalismo que aflora desde a América Latina, disposto a
revisitarem as relações entre Estado e nação, o pluralismo jurídico emerge como via alternativa para a
questão dos povos indígenas no acesso à justiça.

El Estado deja de ser la única fuente de derecho y reconoce que existe un “derecho que nace del
pueblo” (De la Torre R., 1986) y que debe ser “elevado” en virtud de su soberanía y
autodeterminación.

Assim, entre o acesso e a construção de formas alternativas de justiça indígena, é de se reconhecer os


povos indígenas como os enunciadores das soluções que lhes digam respeito. Essas possibilidades, na
via do diálogo intercultural e do reconhecimento da manutenção das estruturas coloniais de opressão,
requer a reversão dos processos históricos de silenciamento. Os povos indígenas têm o direito de
enunciar e determinar os rumos de sua existência, e, no exercício de sua alteridade, de influenciarem
com seus saberes e práticas na construção da justiça, Estatal ou não. A autodeterminação se relaciona
intimamente, portanto, com o sentido da escuta, com o reconhecimento de que os povos indígenas são
capazes de enunciar por si.

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