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XIII

SEMINÁRIO CAPIXABA

SOBRE O ENSINO DA ARTE

Caminhos

Contemporâneos

da Educação

em Artes Visuais

Vitória - ES
2019
Adriana Magro
Larissa Fabricio Zanin
Maria Auxiliadora Corassa
Maira Pego de Aguiar
Julia Rocha Pinto
Margarete Sacht Goes
Andreia Chiari Lins
Stela Maris Sanmartin
Fernanda Monteiro Barreto
Erick Orloski
Maria Angélica Vago Soares
(ORGS.)

Caminhos Contemporâneos da Educação em Artes Visuais


ANAIS DO XIII SEMINÁRIO CAPIXABA SOBRE O ENSINO DA ARTE

Universidade Federal do Espírito Santo


Centro de Artes
Centro de Educação
Vitória, 2019
CAR/Ufes - Centro de Artes da Ufes CE/Ufes - Centro de Educação da Ufes
Av. Fernando Ferrari, 514 - Goiabeiras Av. Fernando Ferrari, 514 - Goiabeiras
CEP 29075-910 - Vitória - ES, Brasil. CEP 29075-910 - Vitória - ES, Brasil.
Tel: +55 (27) 4009-2582 Tel: +55 (27)4009-7760
http://www.car.ufes.br http://www.ce.ufes.br

Reitor: Reinaldo Centoducatte


Vice-Reitor: Ethel Leonor Noia Maciel
Diretor de Centro de Artes: Paulo Sérgio de Paula Vargas
Diretora do Centro de Educação: Cláudia Maria Mendes Gontijo

Organização:
Adriana Magro
Larissa Fabricio Zanin
Maria Auxiliadora Corassa
Maira Pego de Aguiar
Julia Rocha Pinto
Margarete Sacht Goes
Andreia Chiari Lins
Stela Maris Sanmartin
Fernanda Monteiro Barreto
Erick Orloski
Maria Angélica Vago Soares
Vera Lúcia de Oliveira Simões
Maria Tereza Aigner Menezes

Conselho Editorial:
Adriana Magro
Larissa Fabricio Zanin
Maria Auxiliadora Corassa
Maira Pego de Aguiar
Julia Rocha Pinto
Margarete Sacht Goes
Andreia Chiari Lins
Stela Maris Sanmartin
Fernanda Monteiro Barreto
Erick Orloski
Maria Angélica Vago Soares
Vera Lúcia de Oliveira Simões

Diagramação :
Adriana Magro
Juliana Pimentel Bissoli

Foto da capa:
Maria Tereza Aigner Menezes sobre o trabalho de Thiago Sobreiro dos Santos
Dados Internacionais de Catalogação-na-publicação (CIP)
(Biblioteca Central da Universidade Federal do Espírito Santo, ES, Brasil)

C183 Caminhos Contemporâneos da Educação em Artes Visuais


[recurso eletrônico] : Anais do XIII Seminário Capixaba sobre o
Ensino da Arte / Adriana Magro (orgs.) ... [et al.]. - Dados
eletrônicos. – Vitória, ES : Universidade Federal do Espírito
Santo, Proex, 2020.
355 p. : il.

Inclui bibliografia.
ISSN: 2317-790X
Modo de acesso: < http://www.gepelufes.com >

1. Arte - Estudo e ensino. 2. Arte - Estudo e ensino –


Congressos. 3. Educação. I. Magro, Adriana Rosely, 1973-.

CDU: 37.02:7

Elaborado por Adriana Traspadini – CRB-6 ES-000827/O


SUMÁRIO

APRESENTAÇ ÃO
Adriana Magro, Larissa Zanin e Maria Auxiliadora Corassa
6

COMUNIC AÇÕES
Parte I

HUMANAE, O OLHAR SOBRE SI E SOBRE O OUTRO NO ENSINO DE ARTES


Bruna Wandekoken
8
CAMINHOS CONTEMPORÂNEOS PARA A EDUCAÇÃO EM ARTE: O DIÁLOGO DAS
DIFERENTES LINGUAGENS NOS DOCUMENTOS ORIENTADORES CURRICULARES DO 22
ENSINO FUNDAMENTAL NA REDE ESTADUAL DE EDUCAÇÃO DO ESPÍRITO SANTO
Cláudia Botelho e Iris Maria Negrini Ferreira

A PERFORMANCE DA PIXAÇÃO: UMA REFLEXÃO SOBRE O CORPO EM AÇÃO NO


DOCUMENTÁRIO A FEBRE (2016) E AS PRÁTICAS EDUCATIVAS NAS ARTES VISUAIS 36
Debora Visini e Geovanni Lima da Silva

A LÓGICA FOTOGRÁFICA DE WILLIAM EGGLESTON E A RELAÇÃO COM O


ENSINO DA ARTE 48
Dulcemar da Penha Pereira Uliana e Andreia Lins

A COLABORAÇÃO E A PERSPECTIVA LONGITUDINAL: CONTRIBUIÇÕES METODOLÓGICAS


PARA PESQUISAS EM ARTES E EDUCAÇÃO 60
Fernanda Monteiro Barreto Camargo e Maria Angélica Vago-Soares

EXISTE ESPAÇO PARA A ARTE CONTEMPORÂNEA DENTRO DAS ESCOLAS? UMA ANÁLISE
DOS CONTEÚDOS DE LIVROS DIDÁTICOS PROPOSTOS PARA O ENSINO FUNDAMENTAL 72
Júlia Rocha e Heitor Andrade Amorim

A ARTE E A INTEGRAÇÃO CURRICULAR NA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL DE NÍVEL MÉDIO


Kenia Olympia Fontan Ventorim e Danielle Piontkovsky
87
TEATRO NA ESCOLA: UM EXERCÍCIO DE CRIAÇÃO, SOCIALIZAÇÃO E
DESENVOLVIMENTO HUMANO 100
Leila Patrícia Silva Oliveira

UM DESENHO PARA CADA MÊS DO ANO: ESTUDO LONGITUDINAL DE


DESENHOS DE CRIANÇAS 114
Marcelle Veloso Couto e Stela Maris Sanmartin

CINEMA DE ANIMAÇÃO NA SALA DE AULA: EXPERIÊNCIA, CONCEITOS E CONTEXTOS


Thalyta Botelho Monteiro e Gerda Margit Schwtz-Foerste 127
CONCEPÇÕES ACERCA DE EDUCAÇÃO EM ARTE E CULTURA VISUAL:
INTERCULTURALIDADE, INTERTERRITORIALIDADE E RELAÇÕES COM A LEITURA
DE IMAGENS 138
Uillian Trindade Oliveira

NA ROTA DA CULTURA: O CURSO DE PEDAGOGIA E A VIVÊNCIA EM ARTE


Verônica Devens Costa 150
Parte II

CICATRIZ: APROPRIAÇÃO, MEMÓRIA E RESSIGNIFICAÇÃO NA ARTE CONTEMPORÂNEA


Adriana Magro e Priscila Regina dos Santos Pinheiro 160
CURADORIAS CONTEXTUAIS: BREVE HISTÓRICO
Ananda Carvalho e Michele Medina 175
DESLOCAMENTOS DA ARTE: CACHOEIRO - BRASIL – MUNDO
Andrea Aparecida Della Valentina e Ivana de Macedo Mattos 188
DE CAPELA À GALERIA: RELAÇÕES E ARTICULAÇÕES DA GALERIA DE ARTE E
PESQUISA DA UFES 203
Andrea Aparecida Della Valentina e Moema Martins Rebouças

ESTÊNCIL, LINGUAGEM CONTEMPORÂNEA E CULTURA VISUAL: CATALISADORA DE


NOVOS SABERES 217
Any Karoliny Wutke Souza e Isabela Vieira Martins

UM OLHAR CONTEMPORÂNEO NA PAISAGEM URBANA DE VITÓRIA: CEMITÉRIO DE SANTO


ANTÔNIO, A EDUCAÇÃO PATRIMONIAL, HISTÓRIA E O TURISMO 230
Aparecido José Cirillo e Isis Santana Rodrigues

LINGUAGEM VIDEOGRÁFICA NA DÉCADA DE 1980, EM VITÓRIA/ES


Ernandes Zanon Guimarães 243
O CONGO E O DIÁLOGO COM AS PRÁTICAS ARTÍSTICAS ATRAVÉS DO ENSINO, PESQUISA
E EXTENSÃO 251
Karolline de Oliveira Lourenço

MEDIAÇÃO: PERCALÇOS E PERMANÊNCIAS


Léa Araujo Rodrigues da Silva
261
ARTES VISUAIS – EXTERIORIDADES – FRONTEIRAS – SENSIBILIDADES1
Marcos Antonio Bessa-Oliveira
274
FORMAÇÃO DE PROFESSOR DE ARTE NAS CULTURAS CONTEMPORÂNEAS
Marcos Antônio Bessa-Oliveira
290
ARTE E TECNOLOGIA NA EDUCAÇÃO: ASAS GALERIA VIRTUAL
Mariella Berger Andrade e Anna Maria Saibel Santos 309
PROJETO CORREDOR
Rosana Lúcia Paste e Stela Maris Sanmartin 327
ARTE COMO PESQUISA, NO ESPAÇO EDUCATIVO
Stela Maris Sanmartin 344
LEIS DE INCENTIVO A CULTURA E SEUS DESDOBRAMENTOS
Thaynara Silva Oliveira e Gerda Margit Schutz Foerste 358
APRESENTAÇÃO

A educação é o ponto em que


decidimos se amamos o mundo o bastante
para assumirmos a responsabilidade por ele.
Hannah Arendt

É com alegria que apresentamos mais uma publicação advinda das inúmeras reflexões
manifestadas e tecidas durante os dias 11 a 14 de junho de 2019, data em que se realizou o XIII
Seminário Capixaba sobre o Ensino da Arte.
O XIII Seminário Capixaba sobre o Ensino da Arte assumiu como argumento geral os
"Caminhos Contemporâneos para a educação em Artes", com isso, permitiu que diferentes
esferas do seu ensino e aprendizagem pudessem estabelecer pontos de contato numa ênfase de
crescimento e enfrentamento diante de tantos caminhos e descaminhos que se apresentam na
educação neste momento.
Dos eixos História, teoria e crítica de arte, Educação em Artes Visuais (presencial e a distância)
e Educação em contextos da arte, cultura, saúde e meio ambiente (museus, espaços
comunitários, galerias de arte entre outros), foi possível investigar os limites conceituais e
metodológicos de cada um, mas também, e com maior potência, a inter-relação entre eles e suas
produções de sentido como campo de pesquisa e de criação em arte.
Desse modo, o XIII Seminário Capixaba sobre o Ensino da Arte - Caminhos Contemporâneos
para a educação em Artes, seguiu seu curso como propositor de debates e motivador de lutas
cotidianas, tanto em sala de aula, na defesa da arte e de seu ensino, como também na perspectiva
das políticas sociais que, outrora, não podemos perder de vista.
Desde a concepção da XIII edição até a sua realização, com diferentes e coadunados debates, a
constituição deste volume configurou-se nesse grande mosaico de saberes na perspectiva de
construir caminhos contemporâneos para a educação em artes.

Adriana Magro
Larissa Zanin
Maria Auxiliadora Corassa

6
COMUNICAÇÕES
Parte I
HUMANAE, O OLHAR SOBRE SI E SOBRE O OUTRO NO ENSINO DE ARTES

Bruna Wandekoken

RESUMO

Este artigo discute como a arte através da fotografia, pintura e autorretratos pode ser
ferramenta potente na construção e/ou afirmação de identidade seja individual ou coletiva na
sociedade. Como pelo ensino de arte no ensino fundamental podemos desenvolver
consciência de nossas particularidades, miscigenações e culturas, além de produzir indivíduos
produtores de suas próprias identidades. Detalha ações da metodologia utilizada pelo Instituto
Humanae para o ensino fundamental a ser aplicado nas escolas. Metodologia esta que foi
realizada na EMEF Sebastiao Rodrigues Sobrinho, escola municipal de Cariacica, Espírito
Santo.
Palavras Chave: identidade, artes, humanae, ensino fundamental, etnia.

ABSTRACT

This article discusses how art through photography, painting and self-portraits can be a
powerful tool in the construction and / or affirmation of identity, whether individual or
collective in society. As by teaching art in elementary school, we can develop awareness of
our particularities, miscegenations and cultures, in addition to producing individuals who
produce their own identities. It details actions of the methodology used by the Humanae
Institute for basic education to be applied in schools. This methodology was carried out at
EMEF Sebastiao Rodrigues Sobrinho, municipal school of Cariacica, Espírito Santo.
Keywords: identity, arts, humane, elementary education, ethnicity.

INTRODUÇÃO

O presente artigo traz um recorte da dissertação Cor, Retrato e Identidade: Humanae,


o olhar sobre si e sobre o outro na obra de Angélica Dass, Programa de Pós-Graduação em
Artes – UFES, pesquisa inédita no Brasil sobre a artista que teve como objetivo pensar a
fotografia como instrumento ou ferramenta para descoberta, afirmação ou compreensão da
identidade. Investigar as questões de identidade, miscigenação e cor na arte contemporânea
brasileira a partir de reflexões sobre os processos de criação da artista Angélica Dass.
Levantar questões a respeito dos processos de criação da artista, e suas relações com os temas
convergentes de identidade, etnia, miscigenação e cor. Pelo estudo de caso Projeto Humanae
(work in progress) da fotógrafa Angélica Dass, verificar como o retrato fotográfico pode ser
instrumento potente de transformação, compreensão, e afirmação dos processos identitários.
8
Verificar a utilização da metodologia do Instituto Humanae na sala de aula, etapas de
produção e resultado. Demonstrando como o autorretrato pode ser ferramenta transformadora
numa escola.

A FOTOGRAFIA E A COR

A fotografia vai além de simples ferramenta que envolve arte ou técnica, ela perpassa
conceitos não visíveis, que, pela ausência das palavras, se faz necessário o confronto direto,
espectador e imagem. A fotografia toca, sensibiliza e transmite. Para realizar um bom retrato
não basta apenas técnica, é preciso ter um verdadeiro interesse pelo ser humano e estabelecer
uma relação de empatia com o retratado. Afirmativa visual que nos permite compreender
melhor quem somos nós, de onde viemos e para onde vamos.
O Projeto Humanae i, realizado desde 2012 pela fotografa brasileira Angélica Dass,
é um exemplo de como a fotografia pode servir a diversos propósitos e manifestos que
extrapolam os limites de nacionalidades, idiomas, identidades. Pois pela arte Humanae chama
a atenção sobre uma série de questões como cor, raça, miscigenação e etnicidade. O projeto
consiste na realização de retratos feitos por Angélica Dass, um inventário cromático,
refletindo sobre as cores além das fronteiras de nossos códigos, usando como referência o
sistema de cores Pantoneii. O objetivo final é registrar e catalogar, através de uma medição
metódica, todos os possíveis tons de pele humana, desativando qualquer pretensão de controle
ou de estabelecimento hierárquico, não apenas de raça ou social.
Todos os tipos de crenças, identidades de gênero, ou deficiências físicas, um
recém-nascido ou uma pessoa com doença terminal. Todos juntos
construímos o Humanae, esses retratos nos fazem repensar a forma como
vemos uns aos outros. Quando a ciência moderna questiona o conceito de
raça, o que significa pra nós ser negro, branco, amarelo, vermelho? Será o
olho, o nariz, a boca, o cabelo? Ou será que tem a ver com a nossa origem,
nacionalidade ou conta bancária? (DASS, 2016b)

Posam para o Humanae voluntários que, após conheceram o projeto, decidem dele
participar. Não existe uma seleção prévia dos participantes nem se atende a chamados de
classificações referentes à nacionalidade, gênero, idade, raça, classe social ou religião.
Fotografados através de chamada pública, onde a artista passa em média 03 dias inteiros
fotografando quem aparece, sem fazer escolhas, respeitando a fila e conversando com cada
um deles individualmente, ouvindo suas histórias e buscando compreender o que despertou o
interesse de serem fotografados para o projeto.

9
Angélica Dass nasceu no Rio de Janeiro em 1979, e tem formação acadêmica
eclética, cursou o ensino médio técnico em mecânica CEFET/RJ, fato que a marcou iii, pois
pela sua relação com a matemática viu despertar metodologias como organizar, medir,
analisar. Com uma segunda formação em Estilismo, na busca de uma investigação de
tendências de moda, destaca-se a fotografia como instrumento de grande importância. Em
2006 graduou-se em Belas Artes na UFRJ, especializando-se em indumentária e cenografia.
Após a graduação realizou estágio no Museo del Traje em Madri com o objetivo de
desenvolver uma pesquisa dedicada à produção fotográfica. Cursou mestrado (máster) em
Fotografia Artística na EFTI – Escola de Fotografia em Madri, Espanha. Afirmou-se como
fotografa/artista e passou a expor em diversas galerias, principalmente pelo projeto Humanae
tratado nesse artigo. Vive e trabalha em Madrid, Espanhaiv.

Fig. 2: Angélica Dass, Humanae. Fonte: arquivo pessoal


da artista, montagem realizada para a apresentação do
Fig. 1 Angélica Dass. Humanae, 2016. Foto: Bret TED 2016.
Hartman / TED

A reflexão sobre identidade e a experiência de trazer à tona histórias não ditas,


poucas vezes visitadas por uma história oficial, estão no núcleo da produção da artista e são os
elementos centrais de suas obras. ”Minha ideia é levantar questões relacionadas às raças” v,
diz a artista.
O processo de produção perpassa em criar uma série de retratos, cujo fundo é
preenchido na cor exata extraída de uma amostra de 11x11 pixels do próprio rosto das pessoas
retratadas, mais especificamente da ponta do nariz.
11x11 pixel da ponta do nariz [...] feito de maneira intencional pois é a primeira
parte do corpo que muda quando tomamos sol, quando estamos resfriados, quando
bebemos muito, assim que nem um mesmo tem uma única cor. (DASS, 2013)

Devemos/podemos entender que a construção da identidade se dá na relação com os


outros, trata-se, portanto de um conjunto social em constante processo de construção à medida
10
que se ajusta conforme as relações estabelecidas, dizendo então que essa identidade é um
processo de contínua atualização e que dificilmente cessa, modificando-se constantemente.
Função central na composição da experiência humana onde há vivência, encontramos a
memória, que somada às experiências individuais e coletivas, de um mesmo passado, gera o
arquivo da experiência a ser armazenado. A narração ativa a memória, e a lembrança torna
comunicável a experiência, permitindo para além da vivência a reflexão do acontecimento
descritovi.

Fig. 4: Angélica Dass, Humanae, The August


Fig. 3: Angélica Dass, Humanae, Museo Superior de Wilson Center for African American Culture,
Bellas Artes Evita - Córdoba, Argentina. Fonte: Pittsburgh, Pennsylvania, EUA.
https://www.facebook.com/Humanae - Fonte: http://www.angelicadass.com/press,
353812644698477/timeline, acessado em 14 DEZ 2015. acessado em 14 DEZ 2015.

O último país do mundo a abolir a escravatura é o país onde eu nasci, o Brasil.


Ainda temos que trabalhar muito para abolir a discriminação. Ela ainda é uma
prática comum no mundo todo e não vai desaparecer sozinha. (DASS, 2016b)

Em seu discurso no TED 2016, Angélica Dass traz toda uma reflexão sobre as
questões étnicas, miscigenação e cor, contextualiza e expõe suas histórias individuais e
coletivas, finalizando com importante localização de onde a artista se posiciona ao dizer que
vem do Brasil, e ainda traz a informação que seu país foi o último a cessar o contrabando de
escravos e o último a libertá-los, conclama a fotógrafa a todos para nos envolvermos no
processo de vencer o preconceito.
De que cor era o lápis "cor da pele" na escola? Temos provavelmente em mente um
rosa-damasco, clássico. Há uma "cor da pele" universal? Ou até mesmo uma "cor racial"?
Essas foram as primeiras inquietações ainda na infância, segundo Angélica vii, que deram
origem mais tarde ao Humanae .

11
Humanae é uma busca para destacar os tons sutis-contínua da cor de pele que fazem
mais diferença do que a igualdade... as nossas verdadeiras cores, ao invés do falso
vermelho e amarelo, somos mais do que preto e branco. (DASS, 2012)

Humanae é um projeto em constante construção, na qual Angélica Dass pretende


desenvolver um inventário cromático dos distintos matizes da pele humana. Portanto, sem
maiores alardes e com a admirável naturalidade desta metáfora semântica, Angélica Dass dilui
a falsa superioridade de algumas raças sobre as outras. É o suficiente para um deslocamento
do contexto sociopolítico relacionados aos problemas étnicos, a um meio inofensivo, o uso do
sistema pantone, onde as cores primárias têm exatamente o mesmo valor que as secundárias,
terciárias, enfim das demais nuances.
É uma espécie de jogo de subverter nossos códigos. O objetivo final é provocar a
discussão sobre a identidade étnica, criando imagens que nos levam a identificar uns
aos outros, independentemente de fatores como a origem nacional, status
econômico, idade ou padrões estéticos. (DASS, 2012).
A mãe de uma menina de 11 anos me escreveu: "Uma ferramenta muito boa pra que
eu trabalhe a confiança dela. Na semana que passou, uma das amigas dela brigou
com ela e disse que ela não pertence à Noruega e que não devem deixá-la morar
aqui. Por isso, seu trabalho tem um lugar especial no meu coração e é muito
importante pra mim". (DASS, 2016b).

Devido à disponibilidade do acesso por todo o trabalho estar on-line, a iniciativa tem
repercussão mundial e tem gerado uma onda de impacto muito interessante. Diferentes
reflexões emergiram sobre Humanae e renderam vários usos: no ensino de artes, trabalhos
científicos, pesquisas biológicas e há artistas que se utilizaram como referência para os tons
de pele. E essas experiências não servem apenas de amostragem de uma chamada aleatória de
público, estão disponíveis em diferentes utilizações não apenas nas galerias, mas nas favelas,
ONG’s, organizações da ONU, abrigos para moradores de rua, etc., incluindo Madrid,
Barcelona, Rio de Janeiro, São Paulo, Paris e Chicago.
O Humanae tem realizado outras contribuições ao longo desses anos, desde maio de
2016 está presente no Museonviii, Haia, Holanda como exposição individual, e passou a
integrar a partir de outubro de 2016 a mostra permanente One Planet. O Museon tem como
missão “inspirar os visitantes a explorar o mundo e desenvolver-se. Motivamos nossos
visitantes a tratar nosso planeta com respeito e melhora-lo”ix. Museon está localizado na Zona
Internacional em Haia, junto com as principais instituições internacionais e integra Haia como
a segunda Cidade da ONU, Cidade da Paz e da Justiça. Sob o lema "descobrir o mundo" eles
se aproximam dos tópicos de cultura, natureza e ciência do ponto de vista geográfico, suas
mostras buscam sensibilizar a comunidade internacional sobre a necessidade de uma política
globalizada que tenha compromisso com a viabilidade do planeta, portanto diretamente
12
afetem a paz e justiça no mundo. No Museon, Haia, Holanda, em uma placa se lê a descrição
do museu para Humanae:
Neste cubo você vê diferentes retratos de pessoas de muitos lugares ao redor do
mundo, incluindo, claro, Haia... Mas, a questão é: você vê quem é daqui e quem não
é? Isso é impossível com base na aparência física sozinho. Todo mundo tem
características únicas. Normalmente usamos as cores branca, preta, vermelha ou
amarela para classificar as pessoas, no entanto, as imagens mostram que essas
etiquetas de cores não existem e, na verdade, parece muito absurdo. (DASS,
2016d.T.N.)

Em janeiro de 2017, Angélica Dass foi escolhida junto com outras 40 lideranças
culturais mundiais para integrar a Arts and Culture, World Economic Forum Annual Meeting,
Davos-Klosters, Suíça. O Fórum é uma organização internacional para a cooperação público-
privada que envolve os principais líderes políticos, empresariais e outros da sociedade para
moldar agendas globais, regionais e da indústria. Criado em 1971 como uma fundação sem
fins lucrativos e está sediada em Genebra, na Suíça. Acreditam que o progresso acontece ao
reunir pessoas de todos os setores da vida que têm o impulso e a influência para fazer
mudanças positivasx.
O Humanae pôde ser visto na Reunião Anual do Fórum Económico Mundial de
Davos na entrada principal que dava acesso ao grande salão das conferências, e Angélica teve
a oportunidade de falar sobre seu Projeto aos líderes mundiais com a função prevista pelo
fórum de "dizer a verdade ao poder e inspirar e impressionar as lideranças responsáveis”xi.

Fig. 5 Angélica Dass. Humanae, 2017, Fórum Econômico


Mundial, Davos, Suíça. Fonte: Fig. 6: Angélica Dass, Humanae, UPHO Festival,
https://www.facebook.com/pg/Humanae .project/posts/?re Málaga, Spain, 2016. Fonte:
f=page_internal, acessado em 15 FEV 2017. https://www.facebook.com/humanae.project/,
acessado em 14 JAN 2017.

Ainda em janeiro de 2017, Angélica Dass abriu National Geographic Photography


Seminar em Washington DC, evento que acontece anualmente apenas para convidados. O
13
intuito do Seminário é apresentar a um público mundialmente influente - investidores,
diretores de galerias e museus e autoridades governamentais - os fotógrafos de maior destaque
mundial, esses são convidados a explanar sobre suas produções em diversos campos que as
publicações da National Geographic atua. O que nos leva a refletir que as questões identitárias
são pautas atuais em todo o mundo, e que a cada dia mais precisam ser encaradas por nós,
pois é pelo enfretamento que trazemos o não dito à público, no caso do Humanae nos
utilizando da arte para que isso ocorra. Pela arte temos a possiblidade de tocar pelo sensível,
fazer ver, provocar, discutir e movimentar, possibilitar esse enfrentamento pelo olhar do
outro, pelo olhar do fotógrafo, modificando o nosso olhar para o mundo.
O projeto continua a progredir e a viajar os cinco continentes, atualmente ele já
percorreu mais de 20 países, 40 cidades dos cinco continentes, com um acervo de mais de 7
mil fotografados. Entretanto ele não é apenas o cruzamento de cores entre espécies, e sim uma
viagem de volta pela fronteira da fotografia. Na página do projeto na internet existem
inúmeros testemunhos de como o Humanae possibilitou essas reflexões que apontamos nesse
artigo, reafirmando como a fotografia pode ser ferramenta para que essa identidade se
construa ou se afirme.

EDUCAÇÃO COMO FERRAMENTA

[...] se o meu compromisso é realmente com o homem concreto, com a causa de sua
humanização, de sua libertação, não posso por isso mesmo prescindir da ciência,
nem da tecnologia, com as quais me vou instrumentando para melhor lutar por esta
causa. (FREIRE, 2007, p. 22).

O poder multiplicador do Humanae na educação, através da mediação direta pela


própria artista com as crianças, ou até mesmo na sensibilização e formação junto aos
professores, já apresentam seus frutos. Entendemos que essa é uma ferramenta de suma
importância para que a arte possa desenvolver esse papel. Angélica Dass organiza atualmente
a proposta de uma fundação que nasce com o objetivo de proporcionar aos educadores
materiais e didáticas a serem aplicados e trabalhados na educação, para tal ela criou o Instituto
Humanae.

14
Fig. 7 Angélica Dass, Humanae. 2016. Fonte: Fig. 8 Angélica Dass, Humanae. 2016. Fonte:
http://www.angelicadass.com, acessado em 06 http://www.angelicadass.com, acessado em 06 SET
SET 2016. 2016.

Fig. 9: Angélica Dass, Humanae. 2016. Fonte: Fig. 10: Angélica Dass, Humanae. 2016. Fonte:
http://www.angelicadass.com, acessado em 06 SET http://www.angelicadass.com, acessado em 06
2016. SET 2016.

Você, eu, um sem-número de educadores sabemos todos que a educação não é a


chave das transformações do mundo, mas sabemos também que as mudanças do
mundo são um quefazer educativo em si mesmas. Sabemos que a educação não pode
tudo, mas pode alguma coisa. Sua força reside exatamente na sua fraqueza. Cabe a
nós pôr sua força a serviço de nossos sonhos. (FREIRE, 1991, p. 126)

Sensibilizar crianças ainda durante sua formação de caráter e personalidade, para as


questões ligadas à sua identidade e de como ela pode enxergar o mundo que a cerca,
possibilitará uma melhor e mais ampliada noção de mundo. Se compreendermos que a arte
também pode exercer essa função, o Humanae nos mostra que a arte é sim um instrumento
potente para que a visão se amplie e que as nossas relações com os outros sejam construídas
de maneira mais tranquila e dentro das possibilidades até isenta de maiores preconceitos ou
estereótipos, respeitando as individualidades, mas entendo que fazemos parte da coletividade.

HUMANAE NA EMEF SEBASTIÃO RODRIGUES SOBRINHO

Durante todo o ano de 2018, realizamos inúmeras atividades vinculadas ao Projeto


Institucional Identidade, desenvolvido pela disciplina de artes na qual ministramos.
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Produzimos grafite, teatro, música, poesia, pintura em tela e dentre elas a atividade do
autorretrato do Humanae. Por ter realizado a primeira dissertação de mestrado no Brasil sobre
a artista Angélica Dass, criamos parceria e amizade, o que me possibilitou acesso ao material
ainda naquele período em finalização do educativo a ser utilizado pelo Instituto Humanae. O
material foi desenvolvido para formadores e professores, capacitando os mesmos para a
aplicação do Humanae nas escolas.
Assim produzimos 20 tons de peles distintas e realizamos a metodologia nas 10
turmas que lecionamos artes na EMEF Sebastião Rodrigues Sobrinho, 3 turmas de
fundamental 1 (3º, 4º e 5º anos) e 7 turmas de fundamental 2 (6º, 7º, 8º e 9º) no turno
matutino.

Fig. 11: Humanæ Self-portrait Workshop Fig. 12: Humanæ Self-portrait Workshop

METODOLOGIA

Após realizar 4 aulas sobre cores em todas as turmas, somando 02 aulas teóricas
sobre cores primarias, secundárias, cor luz, cor pigmento, análogas, complementares, uso das
cores na propaganda e outras utilizações, cada turma realizou 02 aulas práticas com produção
de cores através de tinta vinílica fabricada em conjunto. Produzimos as cores primarias e a
partir delas fizemos as secundárias e terciarias, realizando ainda produções e exercícios com
as mesmas. Os grupos eram formados por 5 a 6 alunos por mesa. Pela ausência de sala de
artes na escola, utilizamos o espaço da biblioteca para as aulas práticas e as teóricas que
precisam de recursos audiovisuais.
Para desenvolver a metodologia proposta pelo Humanae, organizamos 4 aulas,
sabendo, 02 aulas teóricas para falar do Projeto, apresentar a artista e sensibilizarmos e
debatermos sobre cor de pele, identidade, preconceito, racismo e afins. E 02 aulas práticas
para realizarmos a produção do autorretrato.

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Após apresentar uma tabela criada por nós contendo 20 tons de pele distintos, os
alunos escolhiam o tom que mais se aproximava do seu. Num papel com gramatura 200g ele
(a) coloria com a tinta vinílica toda a superfície de tamanho A5, após isso identificava com
seu nome e turma atrás da folha. Numa outra aula, ele (a) era convidado a fazer seu
autorretrato na sua folha já colorida por ele (a) previamente.
Após todas as turmas realizarem seus autorretratos, produzimos uma exposição
coletiva dos desenhos de todas 10 turmas. A exposição ocorreu dentro da Mostra Cultural da
EMEF, em outubro de 2018. Além dos autorretratos, trouxemos também material sobre a
artista e sobre o Humane. Na montagem do mural com os desenhos, buscamos misturar, não
só as turmas, mas principalmente as cores, e como as identificações dos autorretratos estavam
no verso da folha, fez com que os alunos de toda a escola pudessem ter contato com os outros
desenhos ao buscar o seu autorretrato, e ao fazê-lo se confrontassem com os dos seus colegas
e consequentemente identifica-los nos desenhos, através de características próprias como
óculos, cabelo, sorriso e outras. Esse confronto foi gerador de muitas discussões que se
seguiram durante as semanas seguintes, onde em sala de aula pudemos aprofundar o debate
sobre o assunto. Notamos que após esses enfretamentos vários alunos começaram a vir com
seus cabelos soltos, andarem pelo pátio com o ar de altivez ao invés de se esconderem pelos
cantos. Ainda recebemos vários depoimentos dos pais e mães sobre como essas crianças
passaram a se gostar depois disso. Cremos que cumprimos nosso objetivo que sempre foi
apenas possibilitar a reflexão e consequentemente a formação e/ou afirmação de uma
identidade.

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18
CONCLUSÃO

Relevante se faz para a formação da identidade as negociações das relações com os


demais, pois “a construção da identidade é um fenômeno que se produz em referência aos
outros, em referência aos critérios de aceitabilidade, de admissibilidade, de credibilidade, e
que se faz por meio da negociação direta com outros”xii, critérios esses que mudam de acordo
com cada sociedade, época, lugar e até mesmo entre pessoas de um mesmo grupo familiar.
A formação e/ou afirmação da identidade vai além da simples relação com a cor de
pele, mas a tantos outros aspectos: culturais, familiares, passando pelas castas, etnias,
fenotípicas e tantas outras que se encontram no campo do não dito. Ninguém pode construir
uma autoimagem isenta de mudança, de negociação, de transformação em função dos
outrosxiii. Esses indivíduos permitiram ser tocados pelo Humanae, emergindo conceitos que
em alguns casos não haviam ainda se dado conta, gerando reflexões e até mesmo mudança de
atitude.
Buscamos realizar nossa pesquisa procurando compreender como pela arte, mais
especificamente pelo retrato fotográfico e autorretrato pelo desenho, podemos levar o
indivíduo a refletir sobre sua identidade, como por eles podemos construir e/ou afirmar quem
somos. Seria pretensão falar em conclusão, até porque não acreditamos que em se tratando de
construção de identidade isso seja possível.
Pela arte somos chamados a ver, pela arte somos convidados a refletir sobre a
sociedade em que vivemos, pela arte somos tocados pelo sensível, pela arte temos a
possibilidade de ampliar nossa relação de mundo, pela arte podemos manifestar nossas
inquietações, frustações, medos, alegrias e com isso levar o outro também a fazê-lo, pois “A

19
arte é social, porque toda obra de arte é um fenômeno de relação entre seres humanos” . O
tempo e a experiência nos fez compreender que é nas relações com os outros que a arte
realmente faz sentido, quando pelo olhar do outro vivenciamos, experienciamos,
transformamos e somos transformados, atravessamos e somos atravessados. Que às vezes é
pelo olhar do outro, quer seja pelo retrato, fotografia, pintura, que nos vemos refletidos, nos
provocando para que possamos nos enxergar, porque enxergar é diferente de ver e dessa
maneira caminhar na construção de uma identidade.
Pelo Humanae somos convidados a refletir sobre quem somos e mais ainda, quem
somos nós em relação ao outro, somos provocados a racionalizar as classificações étnicas,
raciais, políticas e sociais. Conjecturando como cada um de nós realiza essa construção, como
cada qual construiu a sua identidade e como enxergamos o outro, acreditando dessa forma que
arte cumpre a sua função em plenitude na obra de Angélica Dass e que pela arte educação
podemos sim fazer refletir e ampliar nossos olhares e horizontes.

i
DASS, A. Humanæ (work in progress), 2012. Disponível em: <http://www.angelicadass.com/humanae-work-
in-progress/>. Acesso em: 30 abril 2016.
ii
As guias PANTONE são um dos principais sistemas de classificação de cores, sendo representado por um
código alfanumérico, que permite recriar com precisão qualquer cor em qualquer suporte. É um padrão técnico
industrial frequentemente chamado de cor real.
iii
DASS, A. Entrevista. Rio de Janeiro: Mídia digital, v. 115 min, 2016. Entrevistadora: Bruna Wandekoken.
Entrevista concedida em ocasião de visita da artista ao Brasil, com finalidade ao embasamento à dissertação de
mestrado.
iv
Ibid.
v
Ibid.
vi
Walter Benjamin. Magia e Técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. 1994.
vii
Angélica Dass, Entrevista, 2016a.
viii
Museon, Haia, Holanda. https://www.museon.nl/nl
ix
Museon, Haia, Holanda. https://www.museon.nl/nl
x
https://www.weforum.org
xi
Angélica Dass. Where in the world has Humanae been? TED. 2016d
xii
Michael Pollak. Memória e identidade Social, 1992. p.205.
xiii
Michael Pollak. Memória e identidade Social, 1992. p.205.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS

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Escolhidas v. I.
DASS, A. HUMANÆ - WORK IN PROGRESS. Angelica Dass, 2012. Disponivel em:
<http://www.angelicadass.com/humanae-work-in-progress/>. Acesso em: 30 abril 2016.
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<https://youtu.be/IaGjjvYuu2A?list=PLsRNoUx8w3rPZJ9wQZSbB22Bl_Hvuyy1H>. Acesso
em: 07 março 2017.

20
Entrevista.. Foreign Affairs, 2015. Disponivel em: <https://www.foreignaffairs.c
om/interviews/2015-02-16/true-colors>. Acesso em: 08 março 2017.
Entrevista. Rio de Janeiro: Midia digital, v. 115 min, 2016. Entrevistadora: Bruna
Wandekoken. Entrevista concedida em ocasião de visita da artista ao Brasil, com finalidade
ao embasamento à dissertação de mestrado.
Entrevista. Rio de Janeiro: Midia digital, v. 115 min, 2016a. Entrevistadora: Bruna
Wandekoken. Entrevista concedida em ocasião de visita da artista ao Brasil, com finalidade
ao embasamento à dissertação de mestrado.
The beauty of human skin in every color. TED, Vancouver, fevereiro 2016b. Disponivel em:
<http://www.ted.com/talks/angelica_dass_the_beauty_of_human_skin_in_ every_color>.
Acesso em: 28 abril 2016.
Where in the world has Humanae been? TED, 2016d. Disponivel em: <http://b
log.ted.com/where-in-the-world-has-humanae-been/>. Acesso em: 10 JAN 2017.
Entrevista a Antonella Broglia, Humanae viaja a TED. TEDxMadri, Madri, Espanha, outubro
2016c. Disponivel em: <https://www.youtube.com/watch?v=U_aOv lWrI40>. Acesso em: 07
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FREIRE, Paulo. Educação e mudança. 30a ed.; Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2007.
____________ A Educação na Cidade. São Paulo: Cortez; 1991.
IAVELBERG, Rosa. Para Gostar de Aprender Arte: sala de aula e formação de
professores.- Porto Alegre: Artmed, 2003.
POLLAK, M. Memória e identidade Social. Revista Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v.
5, n. 10, p. 200-2012, 1992.

21
CAMINHOS CONTEMPORÂNEOS PARA A EDUCAÇÃO EM ARTE: O DIÁLOGO
DAS DIFERENTES LINGUAGENS NOS DOCUMENTOS ORIENTADORES
CURRICULARES DO ENSINO FUNDAMENTAL NA REDE ESTADUAL DE
EDUCAÇÃO DO ESPÍRITO SANTO

Cláudia Botelho
Iris Maria Negrini Ferreira

RESUMO

O presente texto busca identificar o ensino das diversas linguagens artísticas no componente
curricular Arte através dos documentos curriculares da rede estadual de ensino do Espírito
Santo desde a década de 1990. Para a realização desse estudo, foram revisitados três
documentos orientadores de distintas épocas: 1- Proposta Curricular para o Ensino
Fundamental Educação Artística, de 1990; 2- Currículo Básico Escola Estadual, de 2009 e
Currículo do Espírito Santo, 2018. Em consonância com esse estudo foi revisitada a Lei de
Diretrizes e Bases da Educação, nº9394\96 e suas alterações ao longo dos anos no que tange o
ensino da Arte nas diferentes linguagens. Por meio do estudo buscamos compreender como a
educação em Arte tem passado por essa questão ao longo dos anos, destacando situações e
desafios que vem se colocando pela proposta de ensino nas diferentes linguagens artísticas.
Por fim, se objetiva refletir sobre as propostas contemporâneas de hibridização e integração
das linguagens no ensino da Arte, partindo da aproximação da produção artística com os
educandos.

Palavras Chaves: Currículos de Arte, Ensino da Arte no Espírito Santo, Linguagens artísticas;
Arte híbrida e Artes Integradas.

ABSTRACT

The present text seeks to identify the teaching of the various artistic languages in the
curricular component Art through the curricular documents of the state education network of
Espírito Santo since the 1990s. For the accomplishment of this study, three guiding
documents of different eras were revisited: 1- Curricular Proposal for the Basic Education of
Artistic Education, 1990; 2 - Basic Curriculum State School, 2009 and Curriculum of the
Espírito Santo, 2018. In line with this study was revisited the Law of Guidelines and Bases of
Education, nº 9394/96 and its changes over the years in what concerns the teaching of art in
different languages. Through the study we seek to understand how education in Art has gone
through this question over the years, highlighting situations and challenges that are being
posed by the teaching proposal in the different artistic languages. Finally, we aim to reflect on
the contemporary proposals of hybridization and integration of languages in the teaching of
art, starting from the approximation of the artistic production with the students.

Keyword: Curricula of Art, Teaching of Art in Espírito Santo, Artistic languages; Hybrid Art
and Integrated Arts

22
Estender todas as possibilidades da linguagem é o mesmo que estender nosso
mundo, que então se constitui em inumeráveis perfis perspectivistas ou
'visões' sucessivas e simultâneas. Com efeito, as línguas, em sua diversidade,
são o ato de comunidades diferentes, pertencem a essas comunidades e as
estruturam. (CAUQUELIN, 2005, p. 101)

O direito de expressar-se por diferentes linguagens corporal, visual, sonora e digital e


partilhar informações, experiências, ideias e sentimentos em diferentes contextos produzindo
sentidos que leve a compreensões diversas, pertence a todos os sujeitos. O desenvolvimento
dessa capacidade ampla de comunicação e expressão, pela diversidade da linguagem, se
constitui no grande desafio da Educação em Arte. Ao mesmo tempo em que se sabe da
importância do ensino nas diversas linguagens artísticas: música, dança, teatro e artes visuais,
a efetivação dessa proposta, colocada pelas leis que regem o ensino e por meio dos
documentos oficiais de orientações curriculares, ainda não conseguiu efetivar-se na prática.

Desde 1990 a rede estadual de educação do Espírito Santo traz orientações curriculares
para a disciplina de Arte no ensino fundamental envolvendo conhecimentos nas diversas
linguagens artísticas. No entanto, sabemos que até hoje não alcançamos um ensino da Arte em
todas essas linguagens de forma satisfatória. Com implantação do novo currículo do Espírito
Santo, em 2019, nos perguntamos: - Como de fato esse ensino da Arte, abarcando diferentes
conhecimentos artísticos, poderá chegar às escolas?

A Base Nacional Comum Curricular (BNCC)- Educação Infantil e do Ensino


Fundamental, homologada em 2017, apresenta no componente curricular Arte as quatro
linguagens: Artes Visuais, Música, Teatro e Dança como campos temáticos. A apresentação
dessas linguagens na BNCC suscitou receio do retorno da polivalência no ensino da arte, que
permeou no Brasil entre os anos de 1970 e 1980.

A apresentação dos conteúdos do componente curricular Arte, nas quatro linguagens


gera o temor da volta da Educação Artística, que constituía o ensino da Arte por meio de
experiências nas diversas linguagens. Esse ensino polivalente da arte acabava por gerar uma
pratica educativa superficial, sem adentrar nos conhecimentos específicos de cada linguagem.
A Educação Artística, daqueles anos, levou a uma formação profissional docente de curto
prazo, onde os professores recebiam orientações de trabalho nas diversas linguagens, porém
era uma formação supérflua e insuficiente que acarretou prejuízos no ensino da Arte no
Brasil. Segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais.

23
[...] inúmeros professores deixaram as suas áreas específicas de formação e estudos,
tentando assimilar superficialmente as demais, na ilusão de que as dominariam em seu
conjunto. A tendência passou a ser a diminuição qualitativa dos saberes referentes às
especificidades de cada uma das formas de arte e, no lugar destas, desenvolveu-se a
crença de que bastavam propostas de atividades expressivas espontâneas para que os
alunos conhecessem muito bem música, artes plásticas, cênicas, dança, etc. (BRASIL,
1997, p. 24)

Após anos de lutas dos arte-educadores do Brasil, conseguiu-se garantir a formação


específica em cada licenciatura nas diferentes linguagens artísticas. No entanto, os
documentos curriculares ao tratar das quatro linguagens, suscita a problemática de como cada
professor com formação definida atuará nas diversas linguagens.
Esse assunto não é uma novidade dentro dos documentos curriculares de Arte que existiram
nesses últimos 19 anos na rede estadual de ensino do Espírito Santo. Nesse período foram
elaborados três documentos que abordam o componente curricular Arte. Ao revisitarmos
esses documentos procuramos compreender como se dava as orientações curriculares para se
trabalhar cada uma das diferentes linguagens, percebendo quais são as reais contribuições
para o ensino efetivo da Arte nas escolas estaduais de ensino fundamental, respectivo a cada
momento. Além disso, buscamos observar a legislação vigente que regia o ensino da Arte no
país e sua relação com a escrita dos documentos, em cada período.
A princípio procuramos compreender os marcos legais do ensino da Arte no Brasil e
como as leis foram traduzidas nos documentos curriculares no estado Espírito Santo. Para
esse estudo selecionamos três documentos orientadores do estado: 1- Proposta Curricular
para o Ensino Fundamental Educação Artística, de 1990; 2- Currículo Básico Escola
Estadual, de 2009 e Currículo do Espírito Santo, 2018. A análise dos documentos seleciona
três critérios básicos: a legislação vigente na elaboração do texto (Lei de Diretrizes e Bases da
Educação); o texto introdutório: pressupostos teórico-metodológicos principais e a parte
específica dos conteúdos e objetos de conhecimentos de cada linguagem. Além disso,
consultaremos os documentos orientadores curriculares nacionais que estiveram vigentes
entre o período de 1990 a 2018.

PROPOSTA CURRICULAR PARA O ENSINO FUNDAMENTAL EDUCAÇÃO


ARTÍSTICA

No ano de 1990 a lei que fixava as normas da educação do Brasil era a Lei Nº 5.692,
de 11 de agosto de 1971(Lei de Diretrizes e Bases para o ensino de 1° e 2º graus) e no seu
sétimo artigo direcionava-se ao ensino da arte com o seguinte texto:
24
Art. 7º- Será obrigatória a inclusão de Educação Moral e Cívica, Educação Física,
Educação Artística e Programas de Saúde nos currículos plenos dos estabelecimentos
de lº e 2º graus, observado quanto à primeira o disposto no Decreto-Lei n. 369, de 12
de setembro de 1969 (BRASIL, 1971)

O texto da redação da lei, que fixa as Diretrizes e Bases para o ensino de 1º e 2º graus,
refere-se à Educação Artística de maneira breve sem especificar como se daria o ensino dessa
disciplina e quais eram as linguagens artísticas que ela abrangia.
A proposta da Educação Artística era apresentada em um mesmo parágrafo que
diversos assuntos e programas, incluindo Educação Física e Educação Moral e Cívica e
Programas de Saúde. Assim, a Educação Artística não tinha o mesmo status das demais
disciplinas e era tratada como um projeto especial daquele momento. Todavia, a lei garantia a
obrigatoriedade da Arte nas escolas de 1º e 2º graus, correspondente ao Ensino Fundamental e
Médio. Essa era sua maior qualidade, garantir que o ensino da Arte acontecesse em todas as
escolas do país.
Sem especificar quais eram as linguagens obrigatórias na Educação Artística na
redação da LDB de 1971, nos anos setenta e oitenta viu-se no Brasil a polivalência da Arte na
educação, como já explicamos no início do texto. Todavia, nos anos de 1990, quando a
Proposta Curricular para o Ensino Fundamental Educação Artística foi formulada no Espírito
Santo vivíamos no país um movimento forte de arte-educadores que lutavam por uma
mudança profunda no ensino das artes na educação básica, principalmente uma mudança que
garantisse a Arte como campo de conhecimento próprio.
O texto da Proposta Curricular para o Ensino Fundamental Educação Artística- ES,
1990, elaborado pelos professores da rede estadual junto com Universidade Federal do
Espírito Santo apresentava a nova visão do ensino da Arte que se espalhava pelo país, no final
dos anos de 1980. Existiram nos anos oitenta movimentos de reconceitualização do ensino da
Arte que de acordo com Rodrigues (2013), tinha como objetivo ampliar as discussões sobre a
valorização e o aperfeiçoamento do professor, assim como rever e propor novos percursos à
ação educativa em Artes. Essa mesma necessidade foi sentida no Espírito Santo e o
documento escrito se apresentava como alternativa para resolver alguns problemas que se
colocavam aos professores de Arte (GOVERNO DO ESPÍRITO SANTO, 1990). Assim como
demonstra o documento,

Agora, é mais do que nunca, o momento de viabilizar a nossa preocupação, enquanto


educadores, comprometendo-nos em fazer arte nas escolas, criticamente. Esses
problemas serão amenizados quando o arte-educador define a sua posição frente à
25
importância que a disciplina suscita no envolvimento integral do indivíduo
(GOVERNO DO ESPÍRITO SANTO, p. 17, 1990)

A Proposta Curricular para o Ensino Fundamental Educação Artística- ES, dos anos
noventa, comprova que era urgente uma mudança de postura dos arte-educadores na rede
estadual. Precisava se valorizar a disciplina dentro da escola, fazendo-a respeitada. Para que
isso ocorresse, era preciso também, uma mudança nos conteúdos ensinados na disciplina,
problematizando o que antes vinha sendo trabalhado e elegendo seu conhecimento próprio. O
texto ainda chama atenção para uma mudança da postura do professor, solicitando-o a agir
criticamente.
Na proposta o ensino da Arte se apresenta nas diversas linguagens: Arte Cênicas,
Musicais e Plásticas. O texto se divide em tópicos específicos para cada linguagem, como se
fossem sub orientações curriculares: 1- Orientações Gerais para Artes Plásticas (p.19 a 25); 2-
Fundamentos da Música (p.27 a 28); 3- A área de Artes Cênicas no ensino fundamental (p. 29
a 30).
A apresentação do texto pelo número de páginas caracteriza que a maior parte do
currículo foi destinada para o ensino das Artes Plásticas. Essa nomenclatura nos faz refletir se
ainda as concepções da Proposta Curricular estavam atreladas ao ensino nos ateliês, ou ainda,
deixa em dúvida se o documento não conseguiu englobar as novas produções artísticas que
envolvem multimeios e novas tecnologias.
A concepção do ensino da Arte que vai se apresentando no texto revela a proposta, que
naquele momento ainda era nova no Brasil, da metodologia triangular do ensino da Arte, da
professora e pesquisadora Ana Mae Barbosa. Apesar de ser uma proposta recente no país, os
professores do Espírito Santo já tinham conhecimento desse ensino que dialogava três
aspectos fundamentais do ensino da Arte: apreciação, reflexão e produção.
A aproximação com a metodologia triangular de Ana Mae, pode ter se dado por meio
de uma das autoras do documento curricular, Isabel Helena Oliveira de Souza, professora da
Universidade Federal do Espírito Santo, que havia nos anos oitenta sido aluna e orientanda de
Ana Mae Barbosa. Ainda nos anos noventa, a professora Isabel Helena cria a primeira
especialização em ensino da arte na UFES1.
A redação do texto revela essa aproximação ao dizer que, “[...] Nossa proposta é
acrescentar a reflexão crítica ao fazer, à atividade, ou seja, acrescentar ao fazer, o dialogar, o
pensar, o refletir [...]” (GOVERNO DO ESPÍRITO SANTO, 1990, p. 19).

26
Ao longo de toda redação do texto os conceitos da metodologia triangular vão sendo
explicados. O fazer, a apreciação crítica, a leitura de imagem, incluindo imagens da cultura
visual vão ganhando corpo e se sendo apresentados ao leitor. O texto envolve ainda
explicações sobre o ensino da história da arte e a produção artística.
O texto referente aos Fundamentos da Música é apresentado de forma mais resumida,
em duas páginas. Logo no início chama atenção a escrita da seguinte frase: “[...] Em relação à
disciplina de Música [...]” (GOVERNO DO ESPÍRITO SANTO, 1990, p. 27), causou-nos
estranhamento, pois na década de 1990, uma das autoras deste artigo, cursava o ensino
fundamental em uma escola da rede estadual do Espírito Santo e durante os 8 anos, do ensino
fundamental, nunca teve uma disciplina de música. Tratava-se de uma escola do interior do
estado e por isso surgiu a dúvida: se esse era um padrão de todas as escolas da rede estadual
ou apenas acontecia por ser uma escola do interior. Para sanar essa indagação, foi realizada
uma consulta à Subgerência de Inspeção Escolar, da Secretaria de Estado de Educação para
procurar saber como era organização curricular daqueles anos. A resposta foi que naquele
período as escolas tinham autonomia para planejar suas organizações curriculares, seguindo a
obrigatoriedade das disciplinas de acordo com a lei vigente. No entanto, no caso da disciplina
de música apenas existia nas escolas em que possuía um professor apto a trabalhar música e
instrumentos necessários, sem a exigência de notas e aprovação.
Dessa forma, entendemos que apesar do documento utilizar o termo “disciplina”, a
orientação da Proposta Curricular era direcionada para a disciplina Educação Artística, junto
com as Artes Plásticas e Artes Cênicas.
O texto de Fundamentos da Música apresenta um subitem de Oficina de criação de
música, onde valoriza a experimentação e o processo de criação.
Já a apresentação do texto da área de Artes Cênicas no ensino fundamental traz uma proposta
de mudança ao que se apresentava nos documentos anteriores. “[...] Optou-se por adotar os
termos “jogos dramáticos” e “improvisação” para dar nome a essa prática chamada “teatro
escolar”, buscando evitar equívocos conceituais que poderiam gerar ações antipedagógicas a
priori” (GOVERNO DO ESPÍRITO SANTO, 1990, p. 29). Assim, a proposta das Artes
Cênicas se incomoda com a própria titulação, não considerando adequada, uma vez que o
objetivo com esse ensino é uma experimentação e utilização lúdica dos recursos teatrais e não
há a preocupação em preparar atores e obras completas de teatro.
Em ambos os casos, na Música e nas Artes Cênicas, sentimos a falta do conhecimento
específico dessas duas linguagens e da valorização da apreciação das manifestações artísticas,

27
ficando as propostas voltadas para a experimentação, sem grandes preocupações com a
produção final de produtos.
Na Proposta Curricular para o Ensino Fundamental Educação Artística- ES aparece
ainda, a importância da aproximação do ensino da arte com o contexto local.

Concluindo, queremos deixar bem claro que cada escola, e cada região, organizará seu
programa de ensino da arte de acordo com as condições locais e recursos oferecidos
pelas comunidades onde estão inseridas. Fábricas, oficinas, feiras, centros de
artesanato, ateliers de artistas, gráficas e tantos outros locais onde se projetam e se
produzem artefatos [...] (GOVERNO DO ESPÍRITO SANTO, 1990, p. 31)

Ao colocar o contexto local como parte da proposta curricular, o documento torna-se


mais diverso por aceitar as diferenças de cada localidade. Assim entende-se que o currículo
prescrito não é uma proposta fechada e definitiva, mas se transformará de acordo com cada
realidade.
Poucos anos após a elaboração da Proposta Curricular para o Ensino Fundamental
Educação Artística- ES dá-se a alteração da Lei de Diretrizes e Base da Educação de 1971.
Em 1996, a LDB Nº 9394/96 passa a destinar ao ensino da arte as seguintes orientações. Art.
26 - § 2º- O ensino da arte constituirá componente curricular obrigatório, nos diversos níveis
da educação básica, de forma a promover o desenvolvimento cultural dos alunos. (BRASIL,
1996).
Nesse momento o ensino da Arte é incorporado ao Artigo 26 da lei que trata dos componentes
curriculares obrigatórios e deixa de fazer parte de um parágrafo único que cuidava dos
projetos especiais do currículo, ou seja, a arte recebe o mesmo status de disciplina do que os
demais componentes.
O ensino da Arte continua sendo obrigatório pela nova redação da Lei Nº 9.394/96,
sendo acrescentado que essa obrigatoriedade estende-se aos diversos níveis da educação e tem
como objetivo desenvolvimento cultural dos alunos. Todavia, continua sem especificar em
quais linguagens artísticas esse ensino deveria se dá.
A legislação segue com essa redação até 2008, quando os profissionais licenciados em
música, depois de muitas batalhas, conseguiram que a lei fosse alterada e passa a incluir a
música como conteúdo obrigatório no componente curricular. Com a Lei Nº 11.769, de 18 de
agosto de 2008, a redação torna-se, Art. 26- § 6º- A música deverá ser conteúdo obrigatório,
mas não exclusivo, do componente curricular de que trata o § 2º deste artigo. (Incluído pela
Lei nº 11.769, de 2008). (BRASIL, 2008).

28
Apesar da inclusão da música como linguagem obrigatória no ensino da Arte, a lei não
garantia que essa linguagem se torne uma disciplina autônoma, ficando todo conteúdo em
uma única disciplina, a Arte.
A alteração da lei exige que conteúdos específicos de música sejam ministrados no
componente curricular sem exigir a formação na correspondente a essa área para o professor.
Além disso, esta lei não descreve as condições necessárias para o ensino da música. Sabemos
que apenas ser obrigatório, não garante que as escolas terão disponibilizados os recursos
materiais e humanos necessários para o seu desenvolvimento.
Os conteúdos de música, bem como de demais linguagens, já eram apresentados pelos
Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), lançados em 1997. Na proposta dos PCNs o
ensino da Arte deveria abranger as diversas linguagens artísticas em sua especificidade. O
texto sugere a criação de uma área de Arte que englobasse o conhecimento específico de cada
um dos quatro componentes: Artes Visuais, Música, Dança e Teatro.

[...] A seleção e a ordenação de conteúdos gerais de Arte têm como pressupostos a


clarificação de alguns critérios, que também encaminham a elaboração dos conteúdos
de Artes Visuais, Música, Teatro e Dança e, no conjunto, procuram promover a
formação artística e estética do aprendiz e a sua participação na sociedade. Não estão
definidas aqui as modalidades artísticas a serem trabalhadas a cada ciclo, mas são
oferecidas condições para que as diversas equipes possam definir em suas escolas os
projetos curriculares (ver em Orientações Didáticas deste documento a questão da
organização do espaço e do tempo de trabalho) (PCNs, 1997, p.41).

Os PCNs aprofundam-se na formulação dos conhecimentos necessários para o


desenvolvimento da área de Arte abrangendo a complexidade das quatro linguagens. Em cada
uma delas o texto elege a importância de se trabalhar pelas dimensões da apreciação, reflexão
e criação. Torna-se assim importante levar as em consideração a arte como uma produção
histórica e social. Todavia, o texto do PCN-Arte apresenta incertezas sobre como se organiza
esses conteúdos dentro do componente curricular, elegendo a escola como autora desta
decisão de acordo com suas condições.
Sabemos que para um ensino eficaz de cada uma das linguagens é necessário a
garantia de tempos, espaços, condições estruturais físicas e humanas. Essa organização para o
ensino das diversas linguagens exige a formação dos professores em cada componente, sendo
esse um dos grandes desafios de se implementar um ensino da Arte completo, como foi
trazido pelos PCNs.

29
CURRÍCULO BÁSICO ESCOLA ESTADUAL

Foi à luz dos Parâmetros Curriculares e em concomitância com a alteração de 2008 na


LDB, que a rede estadual de ensino do Espírito Santo lançou em 2009 seu novo documento
orientador, o Currículo Básico Escola Estadual (CBEE), para todos os níveis de ensino
(Ensino Fundamental- Anos Iniciais e Finais e Ensino Médio).
As orientações curriculares de Arte presentes no CBEE são editadas dentro do caderno
de linguagens, criando um documento que se intenta integrar a Arte às demais disciplinas de
comunicação e expressão: Língua Portuguesa e Estrangeira e Educação Física. No entanto, o
conteúdo de Arte é apresentado em um item exclusivo. O texto de Artes traz uma
apresentação geral, com informações do universo da arte e sua contribuição para a formação
humana, os objetivos da disciplina, os eixos da Educação em Artes e as principais alternativas
metodológicas.
A apresentação das diversas linguagens da Arte no CBEE inicia-se pelos objetivos da
disciplina:

Criar condições para articular as diferentes linguagens (visuais, cênicas, musicais e


corporais) compreendendo-as como produção cultural inserida nos diversos espaços e
tempos e em suas múltiplas formas de manifestação. Explorar nas linguagens artísticas
(artes visuais, artes cênicas, música e dança), suas faturas, considerando as
especificidades das técnicas, dos suportes, das materialidades. Proporcionar
espaços/tempos de produções artísticas, individuais e/ou coletivas,nas linguagens
artísticas (artes visuais, artes cênicas, música e dança) para refletir, analisar e
compreender os diversos processos criativos advindos de diferentes suportes e
materialidades. Incentivar a investigação e a vivência das linguagens artísticas (artes
visuais, artes cênicas, música e dança) a partir das relações construídas por seus
elementos formadores na busca pelos sentidos edificados nelas e fruí-la em suas
diversas manifestações. (CBEE, 2009, p. 171 e 172).

Ao longo dos objetivos a redação vai tornando evidente que o ensino das Artes
precisava se concretizar pelas diferentes linguagens: Artes Visuais, Artes Cênicas, Música e
Dança. No entanto, em nenhum momento o texto explica se esses conteúdos serão trabalhados
concomitantes ou separadamente, envolvendo o mesmo professor de Arte ou professores
diferentes, com formação específica em cada linguagem. Além disso, o texto apresenta que
cada uma das linguagens precisam envolver os diferentes eixos: 1- Saberes sensíveis,
estéticos-históricos e culturais; 2- Linguagens artísticas e seus diálogos; 3- Expressão/
conteúdo e 4- Processo de criação. Dessa forma, o currículo de Arte da CBEE propõe que o
ensino se dará de forma ampla e aprofundada, incluindo assim cada linguagem.

30
Lembramos que pela a alteração da LDB, em 2008, apenas o conteúdo de música
torna-se obrigatório, ficando os demais a cargo da escrita dos currículos em estância
estaduais. Todavia, o documento curricular do Espírito Santo mantém nesse momento uma
redação homogênea nas diversas linguagens.
Em 2016 temos uma nova alteração da Lei Nº 9394/96 que torna as quatro linguagens
obrigatórias, tendo ainda, uma nova nomenclatura que retira Artes Cênicas substitui por
Teatro, Art. 26- § 6ª- As artes visuais, a dança, a música e o teatro são as linguagens que
constituirão o componente curricular de que trata o § 2º deste artigo. (Redação dada pela Lei
nº 13.278, de 2016) (BRASIL, 2016).
Com a nova redação da lei as quatro linguagens passam a constituir o componente
curricular, Arte sem, no entanto, terem sido criados novos e distintos componentes. Diante
dessa nova roupagem da lei, em 2017 a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) traz o
componente curricular Arte abrangendo as quatro linguagens em suas especificidades teóricas
e práticas. Além das quatro linguagens, a BNCC trabalha na perspectiva da integração entre
elas e no hibridismo de algumas das produções artísticas tradicionais e contemporâneas.

CURRÍCULO DO ESPÍRITO SANTO

Assim, chegamos à redação do mais novo documento curricular que regerá o ensino da
Arte nas escolas de ensino fundamental da rede estadual do Espírito Santo e de 74 redes
municipais, que assinaram o regime de colaboração, e junto com o estado elaboraram o
Currículo do Espírito Santo.
O Currículo do Espírito Santo foi organizado por servidores estaduais e municipais,
com orientações do Ministério da Educação e a partir de encontros nacionais com professores
e técnicos de cada estado do país. Apesar de ter sido constituído em um curto período de
tempo (entre março e novembro de 2018), a construção do novo documento curricular do ES
contou com a formação de grupos de estudos locais (grande Vitória e interior), com consultas
públicas, inicialmente apenas para professores e no segundo momento para público em geral,
que puderam conhecer e encaminhar contribuições referentes ao documento. O documento
recebeu ainda, na fase de finalização, uma leitura crítica de professores especialistas em cada
componente curricular.
O Currículo do Espírito Santo, escrito à luz da BNCC, traz o ensino da Arte em uma
proposta multicultural que busca aproximar os conteúdos com os contextos sócios- culturais

31
de cada estudante, tendo em vista à descolonização do ensino da Arte e tornando as mais
diversas expressões artísticas como legítimas.
No que se refere ao ensino das Artes Visuais, Música, Dança e Teatro o documento
segue a BNCC e destina conteúdos básicos comuns a cada uma dessas linguagens, além das
Artes integradas.
Os conteúdos são divididos, no novo documento, como objetos do conhecimento e os
objetivos de aprendizagens são apresentados pelas habilidades a serem desenvolvidas para
cada objeto do conhecimento. Esses objetos estão divididos por territórios que se repetem, em
alguns casos, nas diferentes linguagens, como podemos ver no quadro abaixo:

Artes Visuais Dança Música Teatro Artes Integradas

Contextos e Contextos e Contextos e Contextos e _____________


práticas práticas práticas práticas

Elementos da Elementos da Elementos da Elementos da _____________


linguagem linguagem linguagem linguagem

Matrizes estéticas ______________ _____________ _____________ Matrizes estéticas


e culturais e culturais

Materialidades Materialidades

_____________ _____________ Notação e registro _____________ _____________


musical

Processo de Processo de Processo de Processo de Processo de


criação criação criação criação criação

Sistemas de _____________ _____________ _____________ _____________


linguagem

_____________ _____________ _____________ _____________ Patrimônio


Cultural

_____________ _____________ _____________ _____________ Arte e Tecnologia

Como podemos perceber pelo quadro, alguns objetos de conhecimento são comuns nas
quatro linguagens, tais como: Contextos e práticas, Elementos da linguagem e Processo de
criação. Já outros são específicos de cada linguagem: Matrizes estéticas e culturais- Artes
Visuais e Artes Integradas; Materialidades- Artes Visuais e Música; Notação musical: apenas
Música; Sistemas de linguagem: apenas Artes Visuais e Patrimônio cultural e Arte e
tecnologia: apenas nas Artes Integradas. Quanto maior é a especificação dos conhecimentos

32
pelas linguagens maiores são os desafios de implementar a educação em Arte pelo novo
currículo.
Os desafios vão desde a formação de professores até a oferta de materiais, passando
por demanda de infraestrutura e de recursos mínimos para implementação do ensino nas
diversas linguagens. O desafio da formação se torna ainda maior quando nos deparamos com
a situação do ensino da Arte nos anos iniciais, onde na maioria dos casos não há a exigência
do professor especializado, ficando o componente curricular a cargo do professor generalista.
Sabemos que o número de professores com formação em Arte ainda não é suficiente para
todas as escolas do estado, menos ainda nas licenciaturas em Teatro, Dança e Música.
No caso especial do Espírito Santo, temos a oferta dos cursos em licenciatura em Artes
Visuais e Música. Sendo o curso de Artes Visuais o mais antigo, e também, ofertado no
ensino a distância. Por esse motivo temos uma maior quantidade de professores formados em
Artes Visuais nas escolas da rede estadual, com pouquíssimos casos de professores formados
em Música e quase ausência dos professores com licenciaturas em Dança ou Teatro.
Diante desses fatos o novo Currículo do Espírito Santo nos faz pensar se realmente é
possível um ensino de Arte nas diversas linguagens. Refletindo como podemos caminhar para
um ensino e aprendizagem que possa acontecer minimizando os danos e explorando o
máximo das possibilidades existentes.

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES

Inicialmente percebemos que esse não é um desafio novo, que pelo contrário, desde a
alteração da Lei nº 9394/96 a provocação das quatro linguagens já estava posta e que nenhum
documento curricular que antecede o Currículo do Espírito Santo, de 2018, havia a resposta
de como efetivar esse ensino garantido condições estruturais, didáticas e humana necessária
para garantir um ensino de qualidade em cada uma das linguagens.
Concluímos nossa pesquisa, ainda mais conscientes, que essas diversas linguagens:
Artes Visuais, Música, Dança e Teatro, precisam ser contempladas em sua íntegra dentro da
formação dos sujeitos. Em um projeto ideal, deveria existir a oferta de tempo, professores e
materiais para o desenvolvimento de cada uma das linguagens nas escolas, ofertando ao
estudante o contato, a apreciação, a reflexão e a experimentação com todas elas. Em
contrapartida, olhamos para as manifestações artísticas contemporâneas, que realizam o
trânsito entre diversas linguagens de modo natural, não existindo barreiras de pesquisas e

33
experimentação em diferentes linguagens dentro de uma mesma manifestação. Bem como,
produções tradicionais do meio cultural, principalmente aquelas advindas das manifestações
populares, que exploram com naturalidade a integralidade e o hibridismo das linguagens.
O desenho do Currículo do Espírito Santo - Arte propôs lançar linhas que se imbricam
e se atravessam em cada linguagem, em seus campos de conhecimentos, por vias de temas
únicos. Ao reorganizar as habilidades e objetos de conhecimento a redação do novo currículo
destina temas ano a ano, no ensino fundamental, buscando desenvolver em cada ano um
assunto de Arte dentro das quatro linguagens:

A cada ano, os assuntos devem ser trabalhados favorecendo a integração entre as


diferentes linguagens e os diferentes contextos de produção e apreciação, ampliando o
debate sobre as suas influências e interfaces com a produção artística e cultural
realizada mundialmente. Dessa forma, o ensino de Arte espera que os conhecimentos
específicos do componente curricular estejam vinculados à formação integral do
sujeito (GOVERNO DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO , 2018, p.57).

Equiparar os assuntos em Dança, Música, Artes Visuais e Teatro busca aumentar os


pontos de contatos entre elas, criando possíveis diálogos que possam gerar significados de
uma educação em Arte. Ao mesmo tempo, o Currículo- ES- Arte, toma como ponto de partida
a observação do entorno, levando para as salas de aulas aquilo que é vivido no contexto dos
educandos e educadores, tendo como princípio que aquilo com que nos familiarizamos se
torna mais próximos da construção de sentidos. Contudo, almeja-se que o ensino da Arte, que
se inicia desse diálogo próximo das manifestações artísticas e culturais locais com os
educandos se ampliem criando em cada estudante das redes públicas estaduais e municipais
experiências de aprendizados com as mais diversas estéticas nacionais e internacionais.
Os desafios do ensino da Arte continuam existindo e a escrita dos documentos
orientadores tem, ao longo dos anos, pouco contribuído para superá-los. Como afirmou Ana
Mae Barbosa em seu livro Inquietações e Mudanças no Ensino da Arte,

[...] nem a mera obrigatoriedade nem o reconhecimento da necessidade são o


suficientes para garantir a existência da Arte no currículo. Leis tão pouco
garantem um ensino/aprendizagem que torne os estudantes aptos para
entender a Arte ou a imagem na condição pós-moderna contemporânea
(BARBOSA, 2002, p. 14)

Dessa forma, compreendemos que sozinho nenhum documento é capaz de garantir um


ensino que seja de fato eficaz e próspero em cada linguagem. Sabemos que existem inúmeros
outros fatores que determinaram a qualidade desse ensino. Contudo, seguimos acreditando

34
que é direito de todos os educandos desenvolverem-se plenamente nas mais variadas formas
de se comunicar e expressar ao mesmo tempo em que se tornam capazes de perceber e refletir
sobre as realidades que se apresenta, podendo ainda transformá-las.

REFERENCIAIS BIBLIOGRÁFICOS

BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: arte.


Brasília MEC, 1998. 116p.
_______. Ministério da Educação. Secretaria da Educação Básica. Base Nacional Comum
Curricular. Brasília, DF, 2017. Disponível em: <http://basenacionalcomum.mec.gov.br/.
Acesso em: 25 de fevereiro de 2019.
______. Previdência do Brasil. - Lei nº 5.692, de 11 de agosto de 1971 –
https://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/1970-1979/lei-5692-11-agosto-1971-357752-
publicacaooriginal-1-pl.html. Acesso em: 09 de maio de 2019.
_______. Previdência do Brasil. Lei 9394, de 20 de dezembro de 1996: Diretrizes e Bases da
Educação Nacional. Brasília, DF. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm.
Acesso: 10 de maio de 2019.
BARBOSA, Ana Mae (Org.) Inquietações e mudanças no ensino da arte. São Paulo:
Cortez, 2002.
CAUQUELIN, Anne. Teorias da Arte. Tradução Rejanne Janowitzer. São Paulo: Martins,
2005.
ESPÍRITO SANTO. Secretaria de Estado de Educação e Cultura. Departamento de Apoio
Técnico e Pedagógico. Proposta Curricular para o Ensino Fundamental- Educação
Artística. Vitória: IMESP, 1990.
ESTADO DO ESPÍRITO SANTO. Secretaria de Educação. Currículo Básico Escola
Estadual: Linguagens- Ensino Fundamental- Anos Finais. Volume 1. Vitória: SEDU, 2009.
GOVERNO DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO. Secretaria de Educação. Currículo do
Espírito Santo. Vitória: SEDU, 2018.
RODRIGUES, Carla Cunha. Sobre tempos e lugares da arte no currículo escolar brasileiro.
Revista Espaço do Currículo. Rio de Janeiro, v.6, n.1, p.69-80, janeiro a abril de 2013.
Disponível em: http://www.periodicos.ufpb.br/index.php/rec/article/download/15995/9103.
Acesso em: 09 de maio de 2019.

35
A PERFORMANCE DA PIXAÇÃO: UMA REFLEXÃO SOBRE O CORPO EM
AÇÃO NO DOCUMENTÁRIO A FEBRE (2016) E AS PRÁTICAS EDUCATIVAS
NAS ARTES VISUAIS

Debora Visini
Geovanni Lima da Silva

RESUMO

As reflexões propostas pelo artigo estabelecem uma relação entre arte, corpo e cidade para
compreender algumas intervenções urbanas contemporâneas, como a pixação & pichação,
sugerindo que as mesmas são importantes vetores para geração de debates no campo das
práticas educativas nas artes visuais. O registro audiovisual, ferramenta essencial para a
compreensão do fenômeno, como o documentário A febre (2016), que trata das intervenções
no contexto capixaba e que tem a direção de João Oliveira, é utilizado como objeto de análise
por trazer de maneira central a prática artística através da experiência de quem intervém na
cidade cotidianamente. As intervenções urbanas, prática contemporânea das artes visuais,
quando integradas ao campo da educação podem suscitar debates sobre os corpos e as
produções artísticas que são dissidentes e cada vez mais comuns nos centros urbanos
brasileiros.

Palavras chave: intervenções urbanas, pixação, pichação, documentário, arte contemporânea.

ABSTRACT

The reflections proposed by this article establish a relation between art, body and city to
understand some contemporary urban interventions, such as pixação & graffiti, suggesting
that they are important vectors for generating debates in the field of educational practices in
the visual arts. The audiovisual record, an essential tool for understanding the phenomenon,
such as the documentary A febre (2016), which deals with interventions in the context of the
state of Espírito Santo and which has the realization of João Oliveira, is used as the object of
analysis for bringing the practice in a central way through the experience of those who
intervene in the city on a daily life. Urban interventions, a contemporary practice of the visual
arts, when integrated into the field of education, may give rise to debates about bodies and
artistic productions that are dissident and increasingly common in Brazilian urban centers.

Keywords: urban interventions, pixação, graffiti, documentary, contemporary art.

INTRODUÇÃO

Há quem diga que o graffiti só é graffiti quando não é autorizado. Há quem diga que o
graffiti é arte e que a pixação é vandalismo. Há quem diga que o graffiti, expressão nascida
nos EUA, e a pixação, expressão nascida no Brasil, são denominações diferentes para a

36
mesma coisa. E há ainda quem diga que pixação e pichação são coisas completamente
diferentes.
A intenção desse artigo não é criar definições para cada uma dessas interpretações,
rebatê-las ou reiterá-las, mas sim levantar uma discussão sobre as intervenções urbanas
pensando no contexto de ensino das Artes Visuais. Julgamos isso importante, pois, em
primeiro lugar, essas expressões artísticas são muito presentes na vida dos estudantes, mas,
sobretudo quando observadas em sala de aula, têm a potência de se transformarem em um
exercício de alteridade e respeito ao diferente no contexto urbano, marcadamente permeado
por desigualdades.
Os desafios do ensino e da pesquisa relativos às intervenções urbanas são inúmeros,
dado que, para além das contradições elencadas logo no primeiro parágrafo – e também
visíveis nas falas dos diversos entrevistados do documentário A Febre (2016), dirigido por
João Oliveira, e que será objeto de reflexão desse artigo – a arte de rua, internacionalmente
conhecida como street arti, ainda não é totalmente aceita como uma expressão artística válida
para grande parte dos autores/autoras da história, teoria e crítica das artes visuais e nos
círculos acadêmicos relacionado a esse campo.
No contexto brasileiro é possível encontrar pesquisas que se debruçam sobre esse
objeto específico, as intervenções urbanas – que aparecem, também, com denominações como
arte urbana ou arte de rua - nas artes visuais (PAIXÃO, 2013), entretanto, é mais comum se
deparar com a temática em outras áreas, como a antropologia (PEREIRA, 2010), a sociologia
(SANTOS, 2012) e a geografia (SANTOS, 2015).
Para facilitar o percurso, definiremos as intervenções urbanas como um conjunto de
práticas artísticas que acontecem na cidade e que geram trabalhos com expectativa de vida
limitada, agregando o aspecto comunitário e social de exposição, desdobrando-se em
múltiplas possibilidades, assim como o próprio espaço urbano. Ressaltamos que algumas
dessas técnicas, como o graffitiii, a pixação e a pichaçãoiii, o stênciliv, o lambe-lambev, o
crochêvi, entre out’ras, recuperam a potência política das ruas da cidade para permitir ações
sociais profundas:
A arte urbana é vista como um trabalho social, um ramo da produção da cidade,
expondo e materializando suas conflitantes relações sociais [...] a arte urbana é uma
prática social. Suas obras permitem a apreensão das relações e modos diferenciais de
apropriação do espaço urbano, envolvendo em seus propósitos estéticos o trato com
significados sociais que as rodeiam, seus modos de tematização cultural e política
[...] (PALLAMIN, 2000, p. 23-24).

37
Debruçar-se sobre essas intervenções urbanas também é refletir sobre as
potencialidades da cidade, lugar imbuído de relações sociais, políticas e econômicas, e local
privilegiado para a produção de sentidos. Conforme a abordagem de Brígida Campbell
(2015), que ressalta que as intervenções podem ser qualquer procedimento prático, ou ação
que se dá nas estruturas urbanas, em que o artista intervém produzindo ou alterando as
características do local da ação, envolvendo performances, apresentações circenses, projeções
e instalações, como exemplo, os parkletsvii, cozinhas coletivas e as hortas comunitárias, as
intervenções podem se materializar de inúmeras formas.
No entanto, as que serão investigadas por esse artigo e pelo documentário de João
Oliveira, se restringem às práticas que são feitas no espaço público sem autorização prévia e
que deixam uma marca, mesmo que efêmera, na cidade. Esse recorte se justifica pelo interesse
em analisar, ensinar e compreender essas expressões de forma relacional, dado que as mesmas
estão diretamente conexas a formas de subversão das relações de poder na cidade e, em
decorrência disso, são constantemente criminalizadas e perseguidasviii.
A utilização de um material audiovisual para dar suporte à reflexão se justifica na
tradição narrativa que as intervenções urbanas construíram em documentários como Stations
of the elevated (1981), de Manfred Kirchmmeimer, Style Wars (1983), de Tony Silver, Bomb
It (2008), de Jon Reiss, Pixo (2009), de João Weiner, Cola na Veia (2017), de MaicknucleaR,
entre outras produções internacionais e nacionais.
A Febre, o graffiti no ES (2016), de João Oliveira, está inserida nesse fluxo de
produções que se propõem a narrar práticas artísticas através do documentário – de maneira
independente, como a maioria dos que tratam do mesmo assunto – abordando o contexto
capixaba sob o ponto de vista de seus protagonistas, ou seja, os artistas de rua que praticam as
intervenções urbanas. Dessa maneira, é possível ler o documentário em questão sob a luz da
interpretação de Nichols (2005) do modo performático, caracterizado pela ênfase nas
experiências subjetivas de vida e dos relatos e depoimentos, fornecidos através das
entrevistas.
Compreendemos que o modo performático é o que dá vazão para a ação dos sujeitos
em cena e o que nos permitirá refletir sobre a performance do corpo, que executa uma ação no
ambiente urbano, marcando sua presença no espaço através da pixação, localizada na
intersecção entre a transgressão e da arte.

38
A PIXAÇÃO COMO ATIVIDADE PERFORMATIVA

Para que se entenda o corpo na cena urbana performando a ação de pixar, ou seja,
executando a ação de inserir assinaturas, com um alto teor de adrenalina envolvido por tratar-
se de ato passível de punição legal e localizado, na maioria das vezes, em locais de difícil
acesso, relacionamos a pixação com uma manifestação do desejo de transformar o urbano em
um lugar dotado de predicados que gerem relações de pertencimento e/ou denúncia da não-
presença no espaço.
Dessa maneira, pode-se afirmar que o ato de pixar baseia-se em ações performativas: é
o corpo do artista, pela sua ação, que diz de si, e esse “dizer de si” é pautado por um discurso
materializado nas marcas da presença do corpo no espaço com as assinaturas.
Ações similares podem ser vislumbradas em outros tipos de trabalhos no campo das artes
visuais, como, por exemplo, em O vínculo (2015), do artista Mauricio Iânes (SP), performado
durante a exposição Terra Comunal, de Marina Abramovic no Sesc Pompeia em 2015. O
artista, tratando de sua presença e a do expectador-participador, propõe em uma sala com
materiais diversos (palets, painéis de madeira, tintas, sprays, cola, papéis variados e etc.), a
criação de um espaço, onde pelo manejo dos materiais e de seu corpo, o expectador-
participador estabelece a sua presença, importando características singulares para um espaço
em essência coletivo, como mostram as imagens (1 e 2) a seguir.

Imagem 01: Mauricio Iânes, O vínculo, 2016. Terra Comunal, Sesc Pompeia/SP. Print de vídeo.
FONTE: disponível em https://www.youtube.com/watch?v=FnZY-8qicc0. Acesso: 05/2019

39
Imagem 02: Mauricio Iânes, O vínculo, 2016. Terra Comunal, Sesc Pompeia/SP. Print de vídeo.
FONTE: disponível em https://www.youtube.com/watch?v=FnZY-8qicc0. Acesso: 05/2019

A exemplo de Mauricio Iânes, Regina Melim, no livro Performance nas ArtesVisuais


(2008) vê a performance como um conceito geral, mas a relaciona ao corpo, vendo o tempo
como um agente ativo no processo de fazer arte (performance-corpo-tempo), apontando a
possibilidade de ativação do trabalho não somente tendo ocorpo do artista como disparador da
ação, concedendo ao espectador-participadora possibilidade de tornar-se um agente ativo no
processo performativo e logo abarcando todos os aspectos que envolve sua constituição
enquanto sujeito.
Outro campo formal/não-formal que apresenta ações similares as supracitadas é o da
educação em todos os seus níveis. Considerando que o espaço escolar é assaz complexo,
pode-se observar a tentativa por parte de alunos, em diversos estabelecimentos de ensino
(imagem 03), de transformarem os espaços das escolas (salas de aula, refeitórios e etc.) em
lugares em que se reconheçam.
Na maioria das vezes, tanto na pixação e como na pichação, o que é marcado no
espaço, por vezes aparece de forma legível a todos, mas por outras de modo apenas
reconhecível para grupos determinados. Em ambos os casos, tal tentativa tem como meio para
sua realização as intervenções por meio de desenhos, escritas, assinaturas ou frases, grafismos
e etc. e se assemelham ao que acontece nas intervenções vistas no espaço urbano e, também,
nas que são observadas em O vínculo (2015).

40
Imagem 03: Márcia, N/S/M, 2014. Print de imagem
FONTE: disponível em http://esquesiticesdaescolacastroalvesro.blogspot.com/2014/08/as-paredes-estao-um-
lixo.html Acesso: 05/2019
A partir dos exemplos acima apresentados reconhecemos as intervenções urbanas, o
graffiti e a pixação & pichação, mas também os adesivos, stêncils, e etc., como um processo
artístico-educativo, tendo nas ferramentas de artes visuais a possibilidade de realização, seja
pela utilização de materiais ou por se caracterizar como uma variação contida na linguagem
da performance.

A FEBRE (2016)

Considerando o que foi exposto até aqui, somado a impossibilidade de compreender


esse fenômeno sem o uso das ferramentas audiovisuais, especialmente se levarmos em
consideração as práticas educativas nas artes visuais, nos aproximamos de A Febre (2016),
uma vez que o documentário por apresentar a prática artística e o ponto de vista dos sujeitos
praticantes possibilitará que as questões inerentes a pratica sejam abordadas na sala de aula.
As imagens ativam a agência, ou seja, a ação durante a prática artística, entendidas como
performance, a partir de um corpo insubmisso que subverte o espaço urbano de forma
política. Ponto de vista que aparece em diversas falas durante o documentário, demonstrando
que a utilização de um espaço que não foi feito para a intervenção - os muros – possibilitam
que os artistas utilizem a prática artística para relativizar essa função social de segregação que
é imposta pelo espaço. O muro, a parede, o poste, o trem, a marquise, o prédio, tornam-se o
suporte que vai carregar as marcas da performance dos artistas urbanos.
Ao entender uma inscrição, assinatura, frase ou desenho confeccionado sem permissão
no muro da rua, na fachada de um edifício, no viaduto, e etc., como uma manifestação que vai
41
de encontro ao poder público, emerge o seu caráter de instrumento de intervenção e ação
social coletiva no espaço urbano.
Contrariando a formação da cidade sob a ótica da sua organização voltada para
beneficiamento econômico e o encolhimento de espaços comuns para a realização da vida
pública, o documentário compreende as práticas artísticas e o espaço urbano a partir de uma
análise espacial contemporânea, que é marcada pela transformação social, política e cultural
partindo de práticas artísticas que evocam diversas experiências e ações sociais coletivas ou
individuais.
As entrevistas revelam um tipo diferente de conhecimento que pode ser ativado
através das intervenções urbanas, e como uma das falas sugere “com o graffiti eu passei a
conhecer melhor minha cidade”. As imagens da cidade aéreas e em time lapse proporcionam
um mapeamento da cidade a partir das intervenções, uma forma de reconhecimento que gera,
automaticamente, um mapa mental para quem caminha pela cidade e presta atenção nas
intervenções.
Entre os entrevistados, o que fica visível, são seus pontos de vista diferentes em
relação às categorizações de graffiti (de acordo com um dos entrevistados, termo inventado
nos EUA) e de pixação (termo inventado no Brasil), ou ainda a localização da pixação como
pertencente ao graffiti, uma espécie de linguagem mais ampla, segundo outro entrevistado.
Reconhecemos que a tarefa de encontrar definições para os termos não é fácil, e, talvez por
isso, o documentário, ao revelar dissidências orgânicas e inerentes a própria ação de intervir
na cidade, apresenta um ponto de vista interessante de um movimento que é heterogêneo e
rizomático.
Os entrevistados são identificados pelas suas assinaturas, ou tags, no lugar de seus
nomes, o que mantém a característica principal de reconhecimento entre os mesmos. Além
disso, algumas tomadas – inclusive noturnas – apresentam o processo artístico para a
confecção de uma obra e os seus materiais, como rolinhos e sprays, os fundos, linhas de
cobertura, a formação do volume, a pequena parada ao passar um carro suspeito pelo local, e,
enfim, a finalização.
A detenção de um dos artistas por uma viatura policial, as fugas e as atividades de
escalada de prédio noturnas também apresentam uma abordagem frutífera para a compreensão
do fenômeno, já que seria impossível encontrar tal conteúdo em um livro didático ou outro
material educativo, dado que tratar sobre o assunto aparece aos olhos de algumas instituições

42
e editoras como apologia ao crime, o que é parte de um senso comum que é construído
cotidianamente a partir do discurso do poder público (imagem 4).
No entanto, o documentário produz uma inversão de valores oportuna ao apresentar o
ator social Geomerez Guedes, que passou a produzir intervenções para divulgar o seu trabalho
na cidade. A frase “podo árvores” junto ao seu número de telefone, ressalta uma forma de
divulgação que é feita fora da lógica do sistema econômico capitalista e das estratégias de
publicidade e propaganda tradicionais, ou seja, os anúncios pagos. Tal prática de Geomerez se
aproxima muito dos primórdios da intervenção urbana brasileira da década de 1970, marcada
pela frase “Cão Fila K26”, produzida por Antenor Lara Campos para divulgar o seu canil
situado à altura do quilometro 26 de uma estrada localizada na região do ABC, na grande São
Paulo.

Imagem 04: Cartaz de ação integrada envolvendo Polícia Civil, Polícia Militar e prefeitura de Belo Horizonte,
veiculado em 2010.
43
Fonte: http://olhodecorvo.redezero.org/Acesso: 05/2016.
Imagem 05: A febre, 2016. Print de cena que integra documentário.
FONTE: disponível em https://www.youtube.com/watch?v=38KAlsVPy8Y&t=2279s. Acesso: 05/2019

Encontramos, também, as reverberações sobre a ação das intervenções no patrimônio


histórico, como os monumentos (Imagem 5), durante o documentário, o que abre precedentes
para levantar um debate sobre o não reconhecimento de parte da população nessas estruturas
edificadas e que sofrem a ação desses corpos dissidentes que ousam se inscrever no urbano,
adentrando uma zona de risco e passível de punição legal e de violência policial, como
acontece com um dos entrevistados durante A febre.

O documentário de cerca de 50 minutos configura-se como um ótimo material de


apoio para abordar as intervenções urbanas durante as práticas educativas, especialmente por
tratar das expressões artísticas de maneira simples e direta, a partir de entrevistas com os
artistas que estão vinculados ao movimento. Além disso, durante a narrativa, o documentário
apresenta artistas que encabeçaram o início do movimento no contexto capixaba, através de
fotografias e citações dos entrevistados, o que valoriza uma espécie de história oral que existe
dentro dos movimentos de intervenção e que dificilmente aparece nos manuais de história da
arte.

CONSIDERAÇÕES FINAIS.

As reflexões propostas aqui estabeleceram uma relação entre a arte, o corpo e a cidade,
em associação com uma produção audiovisual, como observatório e partiram de uma

44
convicção política de que o espaço da cidade deve ser um espaço de realização da vida
pública e de encontro com o diferente. O acesso ao espaço urbano atualmente é desigual, pois
a produção do espaço e o processo de produção e reprodução do capital caminham juntos
(LEFEBVRE, 2001).
Pensar na dinâmica de constituição do espaço urbano e na possibilidade do mesmo se
tornar um laboratório, ou imenso caderno de caligrafias, via intervenções artísticas, cria
possibilidades para que educação em artes visuais possa contribuir para a construção de uma
sociedade mais justa, na medida em que problematiza tais desigualdades e a validade de quais
expressões artísticas são consideradas legais e ilegais, mas, sobretudo, de quais seres humanos
são considerados ‘artistas’ dentro do sistema da arte e de quais não são.
Observar a performance dos artistas no espaço urbano, através do documentário A
febre (2016), gera possibilidades para refletir e debater sobre a dissidência e o conflito, de
maneira dialógica, afim de compreender os entrevistados, grafiteiros e pixadores, enquanto
sujeitos responsivos de uma esfera discursiva, ou seja, passíveis de produzirem seu próprio
discurso utilizando as paredes da cidade.
A prática educativa que elenca questões como essas oportuniza o pensamento crítico
sobre nossa realidade, e não apenas no sentido de educadores fornecerem reflexões,
informações e conteúdos para educandos, mas sim como uma via de mão dupla, onde
educandos se colocam como produtores de seus discursos por partirem de seus contextos,
vivências e subjetividades, construindo um diálogo que visa a autonomia do pensamento e por
fim, a própria conscientização (FREIRE, 2011).
Muitas perguntas podem ser levantadas durante o processo de ensino-aprendizagem,
como:
- tais sujeitos se entendem enquanto portadores de uma crítica sobre a cidade e sobre as
desigualdades sociais no urbano?
- tais sujeitos identificam diferenças entre graffiti e pixação, ou seja, eles delimitam
características fundamentais que os diferenciam?
- tais sujeitos delimitam contextos de circulação, produção e recepção específicos para as duas
práticas?
- tais sujeitos entendem sua ação no espaço urbano como dispositivos de uma prática artística
ou política?
Essas são apenas sugestões de perguntas, mas julgamos necessário complementar que
não acreditamos em um engessamento das mesmas, é possível transformá-las, recriá-las e

45
inclusive, fazer proposições que envolvam a própria prática artística dentro do ambiente
educacional e que devem ser pensadas em conjunto.
De qualquer maneira ressaltamos que abordar a temática proposta por esse artigo,
mesmo que ela pareça um pouco espinhosa e contraditória, pode ajudar a compreender as
intervenções como ações que produzem uma nova perspectiva sobre o cotidiano,
especialmente por revelarem a cidade como um campo de jogo de forças, por observarem as
intervenções urbanas como expressões artísticas que são ferramentas para a subversão das
relações de poder, e por tratarem da educação, especialmente em artes visuais, como um
campo para a prática da liberdade que pode propiciar uma abordagem das dissidências de
maneira crítica e ética.

i
Não existe um consenso na academia sobre o nome dessas intervenções, podemos encontrar em textos em
língua portuguesa os nomes arte urbana ou arte de rua, bem como na língua inglesa, os nomes street art ou urban
art. No entanto, grande parte da literatura especializada compreende que essas intervenções se encontram sob o
domínio das intervenções urbanas.
ii
O Graffiti se refere à forma de um sujeito se expressar utilizando spray, e em alguns casos outros materiais
como tinta acrílica, látex, etc., em qualquer superfície da cidade (muros, paredes, trens, paradas de ônibus,
postes, asfalto, etc.) e como tal, faz parte de um conjunto de referências estéticas e culturais de um determinado
grupo social urbano, tradicionalmente reconhecido como movimento Hip Hop, um complexo de expressões
artísticas pautadas na música (com o rap), na dança (com o break) e na expressão gráfica/pictórica (com o
graffiti). O Hip Hop se desenvolveu na década de 1970 em Nova York como um movimento de contracultura
encabeçado pelos latinos que viviam no EUA e pelos afro-americanos, e foi responsável por oxigenar de maneira
ímpar as expressões artísticas contemporâneas, espraiando-se para diversos países latino americanos, europeus e
orientais (STAHL, 2009). No Brasil, alguns pesquisadores e artistas enxergam uma diferenciação entre graffiti,
pixação e pichação.
iii
Desde o início do século XXI uma nova cisão acontece no universo que envolve as expressões urbanas, pois
alguns grupos passaram a reivindicar uma diferenciação entre esta prática- a pichação- e a pixação, como é o
caso de Lassala (2010). É possível compreender a pichação conforme sugere Silva (1987 e 2001): uma ação
contestatória, mesmo que amparada em frases de humor, similar aos escritos e palavras de ordem de Maio de 68,
enquanto a prática da pixação pode ser compreendida conforme sugere Lassala (2010): uma ação marcada por
assinaturas, os chamados tags, que se aproximam das raízes do graffiti, como o Wild Style – uma técnica de
escrita com spray, muito utilizada em vagões de trem e que era marcada pela agilidade e a criação de
fonte/tipografia elaborada – desenvolvida dentro do contexto do movimento Hip Hop nos anos 1970 em Nova
York. No entanto, o contexto brasileiro apresenta formas híbridas e podemos encontrar intervenções que
mesclam as duas formas de compreensão na mesma intervenção urbana, como o grapixo.
iv
A técnica se caracteriza pela produção de uma peça que serve de matriz, e a partir da mesma reproduz-se uma
imagem através da aplicação de tinta, geralmente spray, que pode ser propagada mais de uma vez. A matriz
trata-se de uma folha de boa gramatura com área vazada, que fará a composição da imagem.
v
Técnica de fixação com cola de peças gráficas, englobando reproduções em xérox e serigrafia, em folhas únicas
ou em conjuntos de folhas que formam, ao final, uma imagem em larga escala.
vi
Conhecido também como Yarnbombing, é uma técnica que transforma peças tridimensionais, baseadas em
trançados de linhas, geralmente lã, feitas com agulha, em revestimentos de objetos e colagens.
vii
Instalação feita com peças que recriam um espaço confortável com cadeiras, mesas e plantas para descanso ou
reuniões, entre outros, no meio da via pública, geralmente em vagas onde se estacionam carros, e que tem uso e
acesso livres.
viii
Em pesquisa realizada durante o mestrado (VISINI, 2017), foi possível compreender as formas de subversão
que emergiam do embate entre as intervenções urbanas e a propriedade privada, conceito relacionado à produção
do espaço urbano (HARVEY, 2005), considerando o jogo entre legalidade e ilegalidade, o mercado de arte e as
ações de apropriação cultural, uma ferramenta da economia capitalista que é uma extensão da lógica de poder de
mercado associada à produção cultural e que foi observada em casos como WynwoodWalls (galeria de
intervenções urbanas a céu aberto em Miami/ EUA), The Get Down (série de ficção produzida pelo Netflix e que
46
tem como pano de fundo o nascimento da cultura hiphop em Nova York/ EUA) e o Street Art Project
(plataforma virtual do Google Cultural Institute que reúne acervo de fotografias de intervenções urbanas a partir
da simbiose de vários produtos da multinacional Google: Google Glass, Google Maps e Google Street View).

REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS

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2015.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São
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LASSALA, Gustavo. Pichação não é Pixação. São Paulo: Altamira Editorial, 2010.
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(do original: La production de l‟espace. 4e éd. Paris: ÉditionsAnthropos, 2000). Primeira
versão: início - fev.2006.
MCCORMICK, Carlo e BANKSY. Trespass: A History of Unconmmissioned urban art.
New York: Taschen, 2014.
NICHOLS, Bill. Introdução ao documentário. Campinas, SP: Papirus, 2005.
PALLAMIN, Vera Maria. Arte Urbana: São Paulo: Região Central (1945- 1998): Obras
de caráter temporário e permanente. São Paulo: Annablume: Fapesp, 2000.
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São Paulo. São Paulo, 2013. Dissertação de Mestrado (MAC-USP).
PEREIRA, Alexandre Barbosa. As marcas da cidade: a dinâmica da pixação em São
Paulo. Revista Lua Nova [online], 2010, n.79, pp.143-162. Disponível em:
http://www.scielo.br/pdf/ln/n79/a07n79.pdf Acesso: Maio de 2019.
RAMOS, Celia Maria Amaral. Grafite, pichação & CIA. São Paulo: ANNABLUME, 1994.
SANTOS, Juliana. Subversão na paisagem: do canto do graffiti ao grito da pixação. Natal,
2015. Dissertação de Mestrado (CCHLA- UFRN).
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cidade de João Pessoa- PB. João Pessoa, 2012. Dissertação de Mestrado (CCHLA- UFPB).
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Instituto Caro y Cuervo, 1987.
STAHL, J. Street Art. Lisboa: Tandem Verlag, 2009.
VISINI, Débora. A cidade é o suporte: arte urbana, mercado e subversão. João Pessoa,
2017. Dissertação de Mestrado (PPGAV-UFPB).

47
A LÓGICA FOTOGRÁFICA DE WILLIAM EGGLESTON E A RELAÇÃO COM O
ENSINO DA ARTE

Dulcemar da Penha Pereira Uliana


Andreia Lins

RESUMO

Este artigo apresenta a oferta de um curso de extensão a alunos do curso de Artes Visuais na
modalidade a distância da universidade Federal do Espírito Santo. Com uma abordagem
fotográfica do cotidiano, o curso apresenta como referência o trabalho do fotógrafo
estadunidense William Eggleston nas décadas de 1960 e 1970, e visa desenvolver
possibilidades de trabalho, desse novo professor com os estudantes da educação básica, a
partir de um olhar crítico para o seu entorno e para a estética que nele se apresenta. Para
pensar as propostas metodológicas para o ensino da arte estabelecemos diálogos com Maria
Amélia Ferraz e Maria Fusari (2009), para entender a importância e o desenvolvimento do
processo de leitura de imagem recorremos aos primeiros escritos de Ana Mae Barbosa (1995)
e para investigar a prática artística fotográfica no âmbito da Arte Contemporânea vamos
recorrer à Charlotte Cotton (2010), André Rouillé (2009) e Analice Cunha Diniz (2010) em
sua dissertação de mestrado intitulada “Entre a expressão e o imaginário: posturas da
fotografia contemporânea a partir do ensaio Bloco de notas, de Breno Rotatori”.

Palavras chave: Fotografia; Ensino da Arte; Leitura de imagem.

ABSTRACT:

This article presents the offer of an extension course to students of the Visual Arts course in
the distance modality of the Federal University of Espírito Santo. With a photographic
approach to everyday life, the course presents as a reference the work of the American
photographer William Eggleston in the 1960s and 1970s, and aims to develop work
possibilities of this new teacher with students of basic education, from a critical look to its
environment and the aesthetics it presents. In order to understand the methodological
proposals for the teaching of art, we established dialogues with Maria Amélia Ferraz and
Maria Fusari (2009). In order to understand the importance and development of the image
reading process, we used the first writings of Ana Mae Barbosa (1995) and to investigate
(2010), André Rouillé (2009) and Analice Cunha Diniz (2010) in his master's thesis entitled
"Between expression and the imaginary: postures of contemporary photography from of the
essay Notepad, by Breno Rotatori".

Keywords: Photography; Teaching of Art; Image Reading

INTRODUÇÃO

As atuações na educação básica, no ensino superior presencial e na modalidade à


distância desperta o interesse em pensar em modos de trabalhar a imagem na vida dos
estudantes de uma maneira significativa. Pensando no sujeito em formação, que passará de
48
estudante de Artes a professor e na formação continuada dos estudantes egressos da primeira
oferta do curso de Artes Visuais na modalidade à distância da Universidade Federal do
Espírito Santo (UFES), surge o desejo de apresentar o artista William Eggleston possibilitar o
conhecimento do seu trabalho que retratam o cotidiano de uma sociedade no final da década
de 1960 e início da década de 1970, por meio de registros que poderiam ser negligenciados
por causa de seu caráter cotidiano.
A aparente banalidade contida nessas cenas apresentadas por Eggleston revela uma
fotografia que se aproxima da vernácula, aquela que valoriza o momento por meio de um
olhar despretensioso e amador. Ao expor as suas imagens, o fotógrafo William Eggleston
retira delas o anonimato do modo amador, porém mantém a sensação de identificação por
parte do espectador com o retratado. As suas composições despertam o olhar do espectador
para o que está no seu entorno e que na maioria das vezes passa despercebido.
Dessa maneira elegemos os seguintes objetivos específicos: oferecer o curso em
formato de curso de extensão para alunos do curso de artes visuais na modalidade à distância
na UFES; proporcionar aos estudantes o conhecimento da produção artística fotográfica de
William Eggleston; e transpor para sala de aula uma proposta que valorize o meio cultural e o
cotidiano desse aluno por meio do contato com a fotografia de Eggleston.
Em seu livro O instante decisivo publicado em 1952, Henri Cartier-Bresson diz: “Em
fotografia, a menor das coisas pode ser um grande tema [...]. Nós vemos e fazemos ver, numa
espécie de testemunho, o mundo que nos circunda, e é o acontecimento por sua própria função
que provoca o ritmo orgânico das formas. (CARTIER-BRESSON, 2004, p. 20)”.
Mas ao contrário de Cartier-Bresson, Eggleston não está em busca de um momento
decisivo e apesar de iniciar fotografando em preto e branco como era convencionado à
fotografia artística daquela época, passa em pouco tempo a usar as cores em suas fotos, o que
era visto como produção caseira ou publicitária. Em busca por novos olhares, Eggleston
registra as transformações de uma sociedade recém-apresentada aos novos padrões de
consumo: são os carros, shopping centers, grandes propagandas em outdoors, imensos centros
de compras com áreas extensas de estacionamento que atraem o olhar de Eggleston. Em seu
artigo “O fotógrafo Willian Eggleston dessacraliza a América em 170 imagens” Viviane
Pavam (2015) afirma: “[...] seus fotografados nem precisavam ser humanos. Mais do que os
homens, o artista buscava seus indícios”. E ao realizar suas fotos em cores ele inaugura um
novo tempo na história da fotografia.

49
A partir do conhecimento do artista, seu processo criativo e seus trabalhos, buscamos
sensibilizar o olhar dos estudantes para o que os cerca, valorizando o que está próximo, o que
é local e está inserido no seu tempo e espaço e levando-os a pensar em propostas de ensino da
arte que podem ser desenvolvidas em sala de aula. Segundo Maria Heloísa Ferraz e Maria F.
Fusari (2009): “Os educadores, empenhados em uma ação escolar de arte transformadora e de
bases artísticas contemporâneas, procuram conduzir os educandos rumo ao fazer e o entender
as diversas modalidades de arte e a história cultural das mesmas. (FERRAZ; FUSARI, 2009,
p. 142)”.
Com a ideia de desenvolver um fazer e entender arte, as nossas ações priorizaram o
processo reflexivo, cognitivo proposto por Ana Mae Barbosa no início da década de 1980 e
que é tão atual que é a Abordagem Triangular que na ação de contextualizar, ver e fazer um,
tece uma complexidade de saberes e nos convida a perceber as mudanças e também a
diversidade cultural dos diferentes lugares e épocas.
Para o exercício de leitura das imagens nos apoiamos no método
Descritivo/Narrativo/Construtivo, Classificativo, Interpretativo e Recriativo de Abigail
Housen que passa pelas formas que compõem a imagem, a descrição dos elementos que
constituem essa obra e a interpretação que acontece a partir das experiências e vivências do
leitor, ampliam o olhar sobre conhecimento e apropriação de sua própria realidade como nos
diz Barbosa (2008b): “Na verdade, não conseguimos apreender o mundo tal qual ele é,
construímos mediações, filtros, sistemas simbólicos para conhecer o nosso entorno e nos
conhecer.” (BARBOSA, 2008b, p. 73).
A provocação para o conhecimento não só da cultura do outro, mas também da nossa
própria cultura é conduzido mais uma vez pelo pensamento de Barbosa (1995):

A arte na educação como expressão pessoal e como cultura é um importante


instrumento para a identificação cultural e o desenvolvimento. Através das artes é
possível desenvolver a percepção e a imaginação, apreender a realidade do meio
ambiente, desenvolver a capacidade crítica permitindo analisar a realidade percebida
e desenvolver a criatividade de maneira a mudar a realidade que foi analisada.
"Relembrando Fanon", eu diria que a arte capacita um homem ou uma mulher a não
ser um estranho em seu meio ambiente nem estrangeiro no seu próprio país. Ela
supera o estado de despersonalização, inserindo o indivíduo no lugar ao qual
pertence. (BARBOSA, 1995, p. 13)

50
A FOTOGRAFIA ENTRE O DOCUMENTO E A ARTE

Philippe Dubois (1994) apresenta três fases do percurso fotográfico da


verossimilhança em direção ao indicial: a fotografia como espelho do real, um documento fiel
à realidade; a fotografia como transformação do real; e a fotografia como traço do real.
A fotografia como espelho do real, Dubois (1994) fala sobre a reprodução mimética e conclui
dizendo que “a fotografia é concebida como um espelho do mundo, é um ícone.” (DUBOIS,
1994, p.53)
A fotografia como transformação do real: deixa de ser espelho do real deslocando-se
para a ideia de símbolo, representação de algo. A fotografia como traço do real, como aquilo
que foi o testemunho de que algo realmente existiu. E esse “isso foi” traz a força de algo que
provém do real. Nesse caminho Dubois (1994) apresenta a imagem que se relaciona com algo
existente. O autor realiza um percurso e entre vários autores como Roland Barthes (1984) que
apresenta o caráter da fotografia como o princípio do real,
[...] a terceira maneira de abordar a questão do realismo em foto marca um certo
retorno ao referente, mas livre da obsessão do ilusionismo mimético [...] a imagem
foto torna-se inseparável de sua experiência referencial, do ato que a funda. Sua
realidade primordial nada diz além de uma afirmação de existência. (DUBOIS,
1994, p.53)

André Rouillé (2009) em seu livro A Fotografia entre Documento e Arte


Contemporânea conduz a uma reflexão a partir da questão “A fotografia cria o real!” (Rouillé,
2009, p. 7). Segundo o autor, há na década de 1990, uma crise da verdade que atingiu os
princípios da fotografia-documento, apresentando a sua falta de adequação ao real: “O real
mudou e não mais responde à eficácia da fotografia; por isso, a fotografia não pode mais
desempenhar adequadamente seu papel de documento, nem aplicar verdade pertinente, isto é,
operante. (ROUILLÉ, 2009, p.156).
Em sua concepção da fotografia-expressão Rouillé (2009) afirma:
O principal projeto da fotografia dos artistas não é reproduzir o visível, mas tornar
visível alguma coisa do mundo, alguma coisa que não é, necessariamente, da ordem
do visível. Ela não pertence ao domínio da fotografia, mas ao domínio da arte, pois
a arte dos artistas é tão distinta da arte dos fotógrafos quanto a fotografia dos artistas
o é da fotografia dos fotógrafos. (ROUILLÉ, 2009, p. 287)

Em 1976 Szarkowski realiza a exposição do fotógrafo não muito conhecido, William


Eggleston. As cenas cotidianas apresentadas por Eggleston já eram um tema de interesse do
curador, mas um detalhe importante diferencia as imagens de Eggleston dos outros fotógrafos
que já haviam exposto no Museu de Arte Moderna de Nova York (MoMA), elas são
coloridas. Em um tempo em que a fotografia em preto e branco imperava a exposição
intitulada Color Photograph o seu catálogo “The William Eggleston´s Guide apresenta a sua
51
coletânea de fotos tiradas entre 1969 e 1971. As imagens que traziam a cor como elemento
constitutivo da composição apresentavam Memphis, o seu lugar de origem e recebeu muitas
críticas.
Charlotte Cotton em seu livro A Fotografia como Arte Contemporânea apresenta
Eggleston como o “fotógrafo dos fotógrafos” (Cotton, 2010, p. 11), um dos pioneiros da
fotografia artística contemporânea. Ao apresentar em cores as imagens da vida cotidiana da
sua cidade Memphis, em Tennessee nos EUA, em um tempo em que as fotos em preto e
branco detinham a supremacia na arte, Eggleston rompe com a ideia de que a fotografia
colorida é um registro “caseiro”. Por ocasião desta exposição, o Museu de Arte Moderna de
Nova York lança o primeiro livro em que todas as imagens são coloridas, confirmando o
trabalho do artista.

WILLIAM EGGLESTON

Nascido em 1939 na cidade de Memphis, no Tennessee, Eggleston compra a sua


primeira máquina fotográfica da marca Canon em 1957 e em 1958 ele adquire uma Leica,
uma máquina fotográfica portátil que permitia a Eggleston realizar os seus registros com
facilidade e quase sem ser percebido.
Em 1959 ele se encanta ao ler O Momento Decisivo de Henri Cartier-Bresson e o
trabalho American Photographs de Walker Evans. Em 1965 ele começa a experimentar as
fotografias em cores com filme transparente. Em 1967 Eggleston conhece alguns fotógrafos
como Diane Arbus(1923-1971) que retratava pessoas comuns na vida cotidiana e Lee
Friedlander(1934) que retratava paisagens sociais urbanas, nesse mesmo ano ele apresentou o
seu trabalho a John Szarkowski curador do Museu de Arte Moderna de Nova Iorque.
Entre 1965 e 1974 Eggleston completa o seu projeto da série Los Alamos, fruto de
muitas viagens de carro pelo sul dos Estados Unidos. Em 1976, por convite de John
Szarkowski diretor do departamento de fotografia no Museu de Arte Moderna de Nova York
(MoMa), Eggleston realiza a primeira exposição individual de fotografia em cores do MoMa,
intitulada Color Photographs. Simultaneamente foi lançado o primeiro catálogo com fotos
em cores do museu, com o nome William Eggleston’s Guide contendo 48 reproduções das 75
fotos expostas no processo dye-transfer, que é um processo de impressão de tinta sobre o
papel que se assemelha hoje a uma impressão a jato de tinta.

52
Segundo Charlotte Cotton (2010), a importância do trabalho de William Eggleston
como precursor da fotografia artística contemporânea, por fazer uso da cor nas fotos de arte
da década de 60 e 70.
A influência de Eggleston na fotografia artística contemporânea tornou-se
reconhecida como um elemento central, e não somente por sua primeira validação
do uso da cor, nas décadas de 60 e 70. Tido como o “fotógrafo dos fotógrafos”, ele
continua publicando e expondo trabalhos em âmbito internacional, criando um
repertório constantemente reavaliado à luz do perfil em perene expansão da
fotografia contemporânea de arte, ao longo dos últimos trinta anos. (COTTON,
2010, p. 11)

A dissertação de mestrado de Analice Cunha Diniz (2010) intitulada “Entre a


expressão e o imaginário: posturas da fotografia contemporânea a partir do ensaio Bloco de
notas, de Breno Rotatori” realiza uma reflexão sobre a produção fotográfica de William
Eggleston, com um percurso histórico das mudanças no regime de visualidade ao longo dos
séculos.
Com o foco na representação mais comum da vida americana, seu olhar era dirigido
ao registro da vizinhança de Memphis, onde ele morava. Aquilo que todos viam no
dia-a-dia, nas ruas, no seu próprio quintal, ganha importância nos cromos do autor,
que tornou instantâneos domésticos em ‘arte’, exposta nas paredes das galerias e
museus mais renomados. (DINIZ, 2010, p.26)

É no cotidiano que se insere o nosso trabalho e o desenvolvimento de um olhar atento


a partir do conhecimento e observação do olhar de Eggleston em suas imagens fotográficas.

A PROPOSTA DE ENSINO DESENVOLVIDA: ARTExTECNOLOGIAxCOTIDIANO


A proposta de nossa prática busca envolver os estudantes do curso de Artes Visuais na
modalidade à distância da UFES no universo do fotógrafo William Eggleston, com o objetivo
de levá-los a refletir sobre o processo criativo do artista e a relação com o lugar onde ele está
inserido.
O exercício de perceber o que muitas vezes passa despercebido ao nosso olhar será um
dos fios condutores para que os alunos de artes visuais pensem em possíveis práticas
pedagógicas que desenvolvam no estudante um olhar estético sensível para o seu entorno a
partir do uso da tecnologia encontrada na fotografia, como eles puderam experimentar em
uma das disciplinas desenvolvidas na graduação e que apresenta em seu material impresso a
seguinte orientação sobre esse assunto:
A fotografia é uma prática que lida diretamente com a percepção visual, com
variadas formas de olhar o entorno, seja na tomada fotográfica em si, quando fica
mais aparente a escolha feita pelo fotógrafo e seu relacionamento com seu cotidiano
[...] (NAME; CHIARI; DADALTO, 2015, p. 88)

53
O curso foi ofertado ao longo de cinco semanas e discutiu a possibilidade do ensino da
arte e a lógica fotográfica na educação básica a partir da prática artística e do olhar de William
Eggleston nas décadas de 1960 e 1970. Para isso foi apresentado ao aluno alguns trabalhos de
William Eggleston das décadas de 1960/70 para ser realizada leitura e a análise da
possibilidade de registro artístico de uma sociedade por meio da fotografia; a da proposta de
busca por parte dos alunos, de trabalhos de outros fotógrafos que dialoguem com a poética de
William Eggleston, em outro momento foram realizados exercícios fotográficos e após todos
os percursos de conhecimento e experimentações foi concluído com a proposta da
transposição didática do trabalho de tudo o que foi apreendido para o planejamento das aulas
de arte em uma das etapas da educação básica.
O curso foi ofertado entre os dias 10 de setembro a 01 de novembro de 2018,
distribuído em cinco semanas. Na primeira semana foi apresentado o fotógrafo William
Eggleston por meio de sites, vídeos, a proposta de leitura de três imagens significativas do seu
trabalho na década de 1960/70 e a leitura do artigo: “Às cores fotográficas e a William
Eggleston: Breve reverência” de Wanderley Anchieta (2016).

Figura 1: Página inicial do curso de extensão.


Fonte: EAD UFES, 2018

Figura 2: Fórum Leitura de imagem do Triciclo.


Fonte: EAD UFES, 2018

Os enunciados dos Fóruns conduzem o estudante a realizar um percurso de leitura das


imagens por três dos quatro estágios do Método de leitura de imagem de Abigail Housen
54
disponível no página do curso “Observar, descrever, analisar uma obra de Arte - um exercício
cotidiano do docente em Arte”, ofertado pela Professora Doutora Vera Lúcia de Oliveira
Simões no curso de Artes Visuais – UFES - modalidade à distância. Para ajudar na reflexão
sobre a imagem, o Fórum trazia o seguinte enunciado: Leia a imagem, observe os seguintes
passos e descreva: como ela foi construída, qual a sua composição, quais cores são
predominantes, como são as formas? Em que lugar, ano e época a obra foi feita, como era
essa época e o pensamento social vigente nessa sociedade? Quais os materiais e técnicas
foram por ele utilizados? Que sensações ideias e sentimentos essa obra expressa?
Nas respostas dos estudantes nos fóruns propostos, foram percebidos os diversos
níveis do método de leitura de imagem da Abigail Housen (Descritivo/Narrativo/Construtivo,
Classificativo e Interpretativo). Outro Fórum tinha como título uma frase de William
Eggleston: “Estou em guerra com o óbvio.” e apresenta a proposta de reflexão a partir da
leitura do artigo de Wanderley Anchieta (2016), e destaco a reflexão de um dos estudantes
que diz:
William Eggleston é considerado o padrinho da fotografia colorida, inspirando,
portanto, gerações futuras. E a partir da sua intenção pelo ato intencional e
atencional provocado pela fotografia colorida, acrescenta não apenas cor as
fotografia, mais também, expressividade. (Estudante de Domingos Martins)

Esse fragmento do seu pensamento nos remete ao conceito de fotografia como


documento e fotografia como expressão que encontramos em André Rouillé (2009).
Fotografia-documento: O valor documental que, longe de ser fixo ou absoluto, deve
ser apreciado por sua variabilidade no âmbito de um regime de verdade – o regime
documental. O valor documental da imagem baseia-se em seu dispositivo técnico,
mas não é garantido por ele, pois varia em função das condições de recepção da
imagem e das crenças que existem a respeito. Fotografia-expressão: a fotografia em
seu aspecto expressivo, que durante muito tempo, esteve escondido ou foi rejeitado.
(ROUILLÉ, 2009, p. 27-28)

Na terceira semana os participantes foram convidados a realizar exercícios de


fotografar o cotidiano a partir das seguintes orientações: Com uma câmera fotográfica
analógica, digital ou mesmo com uma câmera de celular, observar cuidadosamente os lugares
que você permanece ou passa diariamente, sem buscar nele o extraordinário, mas o comum;
Procurar o ângulo que julgue o mais apropriado para realizar o registro fotográfico,
observando as linhas que formam a composição e as cores, sem desvalorizar nenhum
elemento que compõe a imagem.

55
Figuras 3 e 4: Imagens de alunos.
Fonte: EAD UFES, 2018

Figuras 5 e 6: Imagens de alunos.


Fonte: EAD UFES, 2018

56
Apresentamos a seguir a produção imagética de alguns estudantes:
Abaixo um fragmento do relato da estudante do Polo de Domingos Martins e as
imagens relacionadas à suas narrativas:
Após leitura do texto de um recorte de jornal, proposto pela professora, que tem por
tema "Vista Cansada". Comecei executando o olhar observador, de algo que faz
parte do meu dia a dia, e que muito das vezes, passa por despercebido ou então,
torna-se corriqueiro que nem percebemos mais. E aí que faço menção ao texto
publicado, que a nossa vista torna-se cansada que nem olhamos mais. (Estudante de
Domingos Martins, 2018)

Figura 7: Imagem da estudante de Domingos Martins.


Fonte: EAD UFES, 2018

Com o exercício de olhar, agora o estudante é convidado a propor uma abordagem


pedagógica a partir de tudo o que vivenciaram ao longo do curso.

ALGUNS RESULTADOS OBSERVADOS

A partir do percurso realizado com os estudantes inscritos no curso de extensão, foi


possível perceber que não havia um conhecimento prévio dos participantes da vida William
Eggleston e sua fotografia democrática, com características de fotografia vernácula. A partir
das leituras realizadas os detalhes foram aos poucos desvendados, a complexidade foi
percebida na simplicidade e a partir dos novos olhares provocados pela sua fotografia, novos
olhares puderam ser contemplados nas imagens apresentadas pelos participantes.
A valorização do local, do que aparentemente não merece atenção, do cotidiano que se
torna invisível foi algo que despertou os participantes e pode ser percebido em seus relatos e
nas propostas de intervenção com um planejamento de aula contemplando esses conteúdos. A
proposta de organização uma prática educativa escolar de arte a partir dessas imagens

57
apresentou por parte dos estudantes o conceito de fotografia vernacular, para ser trabalhada
em sala de aula, assim como a presença de outros fotógrafos que dialogam com a poética do
Eggleston, como o fotógrafo brasileiro Tiago Santana, que aborda temas do cotidiano como a
religiosidade, o e a paisagem humana do nordeste brasileiro com um olhar diferenciado.
Exercitar o olhar para perceber a escola, o seu entorno, o bairro, o seu aspecto
histórico, cultural, os seus problemas registrando tudo por meio da fotografia, foi uma das
propostas que deve ser realizada com a câmera do celular, conferindo a esse aparelho, que na
maioria das vezes as apresenta como um problema para o professor devido a indisciplina com
relação ao mau uso em sala de aula, passa a ser um aliado, rumo a aquisição de novos
conhecimentos.
Levar para dentro da sala de aula a possibilidade da criança perceber e mapear o seu
entorno, dedicar ao seu cotidiano um olhar mais atento, utilizar o celular de maneira mais
consciente ao buscar registros fotográficos que são registros de memória e história, valorizar o
que há no seu local, sua escola, seu bairro, os arredores de sua casa, todas essas ações geram a
possibilidade de formar bons leitores do mundo por meio da leitura da linguagem visual.
Leitores reflexivos, inseridos em um mundo simbólico e cientes de que há a possibilidade de
estabelecer com esse mundo uma relação dialógica, assumem uma postura ativa e responsiva
diante do texto imagético, seguros para desenvolver estratégias de leitura que facilite a sua
compreensão crítica a partir da imagem do mundo em que vive.

CONSIDERAÇÕES

Com a proposta de ofertar um curso paralelo à formação no curso de Artes Visuais na


modalidade à distância da UFES, esse trabalho não pretende ter um ponto final, mas que seja
uma proposta para que muitas possam ser implantadas.
A intenção é que não seja ofertado apenas para os alunos em formação, mas que seja
uma ferramenta de formação para os professores que estão atuando como docentes de Arte na
Educação Básica nas escolas públicas municipais, estaduais e federais. Esse seria um ótimo
canal para manter com o profissional um diálogo de formação continuada, onde as
experiências sejam compartilhadas entre instituição de ensino superior (UFES), com os
professores em suas diferentes realidades de atuação em todo o território do Espírito Santo.
A possibilidade de participar de uma formação continuada à distância e de levar para a
sala de aula novas propostas didáticas a partir do compartilhamento de saberes e experiências

58
é enriquecedor para o trabalho docente, para a escola e para os estudantes. Toda a comunidade
educativa ganha com uma rede de compartilhamento de saberes significativos.

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59
A COLABORAÇÃO E A PERSPECTIVA LONGITUDINAL: CONTRIBUIÇÕES
METODOLÓGICAS PARA PESQUISAS EM ARTES E EDUCAÇÃO

Fernanda Monteiro Barreto Camargo


Maria Angélica Vago-Soares

RESUMO

Este artigo tem como tema gerador as contribuições metodológicas nas pesquisas em arte
utilizando como referencial a pesquisa longitudinal e colaborativa. Indaga-se sobre as
mediações pedagógicas do cotidiano escolar e o papel colaborativo do professor-pesquisador
e de todos os envolvidos no contexto da pesquisa, movimentos produzidos pela presença do
professor-pesquisador no campo-objeto de sua investigação. Integra a linha de pesquisa
Educação e Linguagens do Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE-UFES) e parte
de diálogos com o Grupo de Pesquisa Infâncias, Tecnologias e Imagens (GPITI/UFES-ES). O
estudo tem como objetivos: compreender a pesquisa longitudinal e colaborativa e apresentar
reflexões e analisar os conceitos de colaboração e longitudinalidade. As relações em sala de
aula e construção de conhecimentos são tratadas a partir da perspectiva freiriana (1997);
acerca da colaboração com Brandão (2003); conceito longitudinal com Ibiapina (2008); sobre
mediação e afetividade dialoga-se com Vigotski (2007) e conceitos de narrativa e experiência
com Benjamin (2012). Mediações são parte da complexidade das relações afetivas e
caracterizam-se por práticas sociais que geram mudanças e formas concretas de materialidade
decorrente do contexto em que as produziu.

Palavras-chave: Colaboração; Longitudinal; Experiência; Mediação; Afetividade.

ABSTRACT

This article has the generative theme of the methodological contributions in the researches in
art using as reference the longitudinal and collaborative research. It is inquired about the
pedagogical mediations of school daily life and the collaborative role of the teacher-
researcher and all those involved in the research context, movements produced by the
presence of the teacher-researcher in the field-object of his research. It integrates the
Education and Languages research line of the Post-Graduate Program in Education (PPGE-
UFES) and part of dialogues with the Research Group on Children, Technologies and Images
(GPITI / UFES-ES). The objective of the study is to understand the longitudinal and
collaborative research and to present reflections and analyze the concepts of collaboration and
longitudinality. Relationships in the classroom and knowledge construction are dealt with
from the Freirian perspective (1997); about the collaboration with Brandão (2003);
longitudinal concept with Ibiapina (2008); on mediation and affectivity dialogues with
Vigotski (2007) and concepts of narrative and experience with Benjamin (2012). Mediations
are part of the complexity of affective relationships and are characterized by social practices
that generate changes and concrete forms of materiality arising from the context in which they
were produced.

Keywords: Collaboration; Longitudinal; Experience; Mediation; Affectivity.

60
INTRODUÇÃO

Pensar em pesquisa colaborativa como modalidade da pesquisa-ação, que tem como


princípio básico o processo de colaboração e parceria entre os participantes e colaboradores,
cujo propósito é de contribuir com a transformação das escolas em comunidades críticas de
professores que problematizam, pensam e reformulam práticas, tendo em vista a emancipação
profissional. Compreende-se dimensionada a partir de três condições básicas para realização
da pesquisa: 1) é desencadeada a partir de determinada prática social suscetível de melhoria;
2) é realizada levando-se em consideração a espiral de planejamento, ação, observação,
reflexão, nova ação; 3) é desenvolvida, preferencialmente, de forma colaborativa.
Segundo Kemmis (1988), para se trabalhar em uma perspectiva de colaboração faz-se
necessário, planejar e elaborar projetos de pesquisas-ação em que pesquisadores e professores
estudem e aprendam como organizar uma investigação com essas características: elaborar
cronograma de trabalho e organizar ciclos de planejamento, observar e refletir a partir da
ação, e de constantes retroalimentações do processo e da partilha, dialogicamente, os registros
com os colaboradores.
De acordo com Ibiapina (2008), a pesquisa colaborativa se caracteriza pela
contribuição de professores em processos de investigação cujo objeto de estudo é negociado e
passa a ser o foco da análise de todos os partícipes da investigação. Também Brandão (2003,
p. 22) chama a atenção para a compreensão de que: “[...] a educação deve formar pessoas
livres e criativas o bastante para se reconhecerem co-responsáveis pelas suas próprias
escolhas. Inclusive aquelas escolhas que, fruto do diálogo com educadores, sejam diversas ou
mesmo opostas às deles” (BRANDÃO, 2003, p. 22).
Assim, implica-se nesse processo a mediação, que compreendemos como processo em
movimento que ocorre nas interações homem-ambiente pelo uso de signos, que são
construídos pela humanidade ao longo da história, de acordo com cada sociedade, culturas,
modos de ser e ver o mundo (VIGOTSKI, 2007). Logo, é necessário que seja considerado
todo arcabouço social, cultural e afetivo dos colaboradores da pesquisa, considerando assim o
contexto do qual fazem parte, buscando as conexões, a partir das mediações, entre todas as
experiências presentes nas discussões como meio de possibilitar a construção e/ou
reelaboração de conhecimentos.

61
A abordagem é na perspectiva de desenvolver narrativas no âmbito da educação e das
artes, que se aproximem das experiências dos participantes. Para Benjamin (2012) a história
está sempre em processo de acabamento, em processo de transformação, cada história é o
ensejo para uma nova narrativa, que desencadeia outra e outra... A memória é ilimitada, bem
como o imaginário e estão em constante refazer-se. Nesse refazer temos envolvidos: escutas,
percepções, afetividade, escritas, reescritas... o pesquisador, de modo coletivo, desenvolve
seus registros produzindo reflexões e análises, uma pesquisa “à várias mãos” (Brandão, 2003).

PESQUISA LONGITUDINAL E COLABORATIVA: DIÁLOGOS QUE SE


ENTRECRUZAM NO PROCESSO DE PRODUÇÃO

Segundo Ibiapina a matriz conceitual da abordagem sócio histórica demonstra que:

[...] a conduta do homem adulto contemporâneo resulta do produto de dois processos


diferentes do desenvolvimento psíquico: por um lado, o processo de evolução lógica
das espécies animais, que levou ao surgimento do Homo Sapiens. E, por outro, o
processo de desenvolvimento histórico, por meio do qual este Homo Sapiens se
realiza como ser social (IBIAPINA, 2008, p. 30).

Tendo como base esse entendimento, no caso de um processo investigativo os


fenômenos estudados são analisados considerando-se a totalidade, bem como as
especificidades que distinguem determinado fenômeno dos demais, pois “[...] os degraus
antecedentes e inferiores, permitem reproduzir a sua essência, descobrir a sua história [...],
permitem tratar a história real, refletindo, não só sobre o produto em si, mas sobre o seu
processo de evolução” (IBIAPINA; FERREIRA, 2005, p. 29). Assim, ao observar e se dispor
a compreender junto aos professores envolvidos na pesquisa, o lócus investigativo, tendo em
vista essa totalidade e ao mesmo tempo saber que tem singularidades, é uma maneira de
produzir pesquisa que seja imbricada ao processo evolutivo histórico, social e cultural, não
apenas com visão limitadora de chegar a um produto final, mas, tendo em vista que,

[...] a pesquisa científica não deve ser pensada e colocada em prática com um
momento único ou isolado, em nome e a serviço de qualquer interesse de adquirir
poder por meio da ciência [...] ao contrário, deve ser vivida como um momento de
fluxo progressivo de construção e de aperfeiçoamento de dimensões da
conectividade, entre as múltiplas e complexas esferas de realização da compreensão
humana [...] (BRANDÃO, 2003, pp. 17-18).

A gênese da pesquisa colaborativa ocorre a partir da constatação de que é preciso construir


conhecimentos ligados à prática de ensino real, assegurando aos professores a oportunidade

62
de colaborar com a construção do conhecimento científico que contribuam de modo
significativo na sua docência e de seus pares.
O destaque na prática é para o diálogo constante, que consideramos espaço de ensinar e
aprender, pois
[...] não há ensino sem pesquisa e pesquisa sem ensino. Esses que-fazeres se
encontram um no corpo do outro. Enquanto ensino, continuo buscando,
reprocurando. Ensino porque busco, porque indaguei, porque indago e me indago.
Pesquiso para constatar e, constatando, intervenho, intervindo educo e me educo.
Pesquiso para conhecer o que ainda não conheço e comunicar ou anunciar a
novidade (FREIRE, 1997, p. 32).

Nesses movimentos apontados por Freire, todos se formam e contribuem com a


formação do outro, implicando valorizar todas as experiências no processo de ensinar e
aprender e, reiteramos não apenas a produção final, sem privilegiar determinados
conhecimentos em detrimento à outros.
Na formação do professor e na produção do conhecimento científico que os estudos
colaborativos trazem, fez com que em vários países, inclusive no Brasil, a pesquisa
colaborativa crescesse consideravelmente, sobretudo porque possibilita, entre outras
situações, o envolvimento do professor no processo de produção de conhecimento, via
pesquisa científica, via realidade escolar.

COMPARTILHA DE EXPERIÊNCIAS: MEDIAÇÃO E AFETIVIDADE

Pensando pesquisa científica e a realidade escolar, tanto o pesquisador quanto os


partícipes se formam profissionalmente e constroem conhecimentos reflexivamente e, em
colaboração. Nesse sentido, compreendemos a essencialidade e potencialidade da pesquisa
colaborativa que se sustenta no tripé que envolve: a co-construção de conhecimento entre
pesquisador e docente, atividade de produção de conhecimento e de desenvolvimento
profissional (Ibiapina, 2008).
Nesse sentido, a produção do conhecimento relacionado à prática profissional docente,
na perspectiva da pesquisa colaborativa, somente acontece quando se leva em consideração o
contexto da prática escolar. Isto quer dizer que, para que essa produção aconteça de fato,
precisa contemplar teoria e prática, sendo necessário escutar os partícipes quanto às situações
que se deparam no contexto escolar, na tentativa de se aproximar dessa realidade e
compreendê-la, para contribuir de modo efetivo. Não se pode construir pesquisa
compreendendo que ela se reduz à lógicas operacionalizadas e mecanizadas,

63
[...] são campos complexos de interações em que a relação viva e dotada de sentido e
sensibilidade, vale mais do que a norma; em que o acontecimento cotidiano e sua
sempre presente imprevisibilidade, vale mais do que as estrutura formal do
acontecer; em que a trajetória da história social das pessoas de todos os dias vale
tanto ou mais do que a grande e ilusória história política de alguns homens montados
à cavalo [...] (BRANDÃO, 2003, p. 46).

Nessa relação viva, a produção também se aproximará de narrativas do vivido,


envolvidas de afetividade, de emoções, de subjetividades. Logo, além da constatação, por
parte do pesquisador de que a participação e a contribuição de todos são necessárias para a
construção teórica da pesquisa, é necessária também a compreensão do próprio professor e de
todos os colaboradores de que sua participação sustenta a colaboração e a perspectiva
longitudinal.
A pesquisa nesse âmbito, se dimensiona na ideia de que as reflexões e as análises
feitas no decorrer do processo de produção da pesquisa devem levar em consideração a
problematização, de modo a escutar os professores e afinar a proposta, tendo em vista o
desejo do pesquisador se aproximando do desejo dos envolvidos e não uma pesquisa de via
única. Sendo assim, reelaborando a ideia de Freire (1997) pesquisa é processo que se produz
conhecimentos “com” o professor e envolvidos, não representando-os: “sobre” ele.
Ibiapina (2008) propõe três etapas que caracterizam a pesquisa colaborativa. A
primeira é a de co-situação, momento da incorporação dos partícipes na investigação. Esse
momento deve ser construído para que os envolvidos passem a sentir vontade (volição) de
colaborar ao se inserirem no grupo. É nessa etapa em que se dão as negociações e a inserção
em projeto que visa contribuir para a construção de saberes tanto para a comunidade escolar
quanto para a científica. A segunda etapa denominada de co-operação, diz respeito à
apreensão dos dados da pesquisa. É a predisposição do professor em fornecer, por meio das
reflexões, o material que servirá de análise tanto ao pesquisador quanto ao próprio professor.
E, a terceira etapa é de coprodução, também denominada de co-construção. Essa etapa incide
no processo de pesquisa como um todo, desde a organização, até a análise dos dados feita em
colaboração ou não com o professor e outros colaboradores.
Atendendo assim, a necessidade de duas vertentes: de produção de conhecimentos
científicos da academia - com a pesquisa - e a de desenvolvimento profissional - com a
formação do professor e todos os colaboradores. Logo, é fato que,

[...] o verdadeiro conhecimento científico nasce bem mais de integrações do tipo


sujeito/objeto, parte/todo, objetividade/subjetividade, neutralidade/participação do
que de oposições que nos excluem daquilo de que somos parte viva e ativa, como

64
pessoas que sentem e pensam e como cientistas que pensam e sentem [...]
(BRANDÃO, 2003, p. 49).

É necessário destacar que, embora a pesquisa se faça em constante colaboração, não


quer dizer que pesquisador e professor tenham as mesmas responsabilidades no decorrer do
processo investigativo. Ibiapina (2008) sugere que se negocie as atribuições do pesquisador e
do professor, de preferência logo no início da investigação e que essa negociação seja revista
no decorrer do trabalho, sempre que necessário. A autora propõe que: o pesquisador tenha o
papel de mediador ficando responsável por organizar e intercambiar ideias, fortalecendo o
apoio mútuo entre os pares e encorajando os professores e envolvidos a participarem do
processo dialógico. Logo, “Os partícipes compartilham significados e sentidos, questionam
ideias, concordam ou discordam das opiniões de seus companheiros, apresentando suas razões
e opções e aceitando responsabilidades durante todo o percurso do trabalho colaborativo”
(IBIAPINA, 2008, p. 39).
Acatar sugestões, discordar de pensamentos, defender posturas internalizadas e estar
aberto a novas compreensões e conceitos são algumas das situações vivenciadas no processo
da pesquisa colaborativa. A negociação representa harmonia. Contudo, no transcorrer do
trabalho pode haver conflitos de ideias e de opiniões, o que é considerado natural, momento
de estabelecer relações de diálogos, reflexões e pontuações para se chegarem a opinião que se
aproximem.
A pesquisa longitudinal concebe o conflito como parte natural do processo de
desenvolvimento profissional, Ibiapina (2008, p. 40) afirma ainda que, na pesquisa
colaborativa “[...] o conflito se transforma em uma ferramenta produtiva porque dá vida à
colaboração”. A autora, acrescenta que o indivíduo se desenvolve quando dá o salto
qualitativo no nível de consciência daquilo que pensa, faz e sente. A escola é composta por
pessoas, logo é espaço social, lugar de “[...] recriar continuamente comunidades aprendentes
geradoras de saberes e, de maneira crescente e sem limites, aberta ao diálogo [...]”
(BRANDÃO, 2003, p. 18).
A pesquisa na linha colaborativa e longitudinal se apresenta com potencial de criar
condições que favoreça a formação e o desenvolvimento de níveis superiores de consciência
dos envolvidos, inclusive do pesquisador, de modo a considerar a mediação como meio de
articulação das experiências com os conhecimentos, sem deixar de considerar os sentimentos,
as emoções, a afetividade. Warschauer (2004) propõe como metodologia possível para esse
compartilhar, a roda de conversa, como meio de construção própria de cada grupo, onde a
mediação se coloca para conectar as experiências e produzir significados. A mediação então,
65
se estabelece a partir das interações entre os sujeitos, entre eles e os objetos, eles e as
paisagens... enfim, as imagens diversas com as quais estabelecemos relações no dia a dia, seja
na escola ou em outros espaços sociais. O pesquisador e todos os partícipes, mediadores de
todo o processo, são produtores de conhecimentos e nessas produções, de modo singular, nas
interações e negociações, compartilham e fazem de suas narrativas, antes privadas, coletivas.
As experiências se encontram, afinam e desafinam numa busca de narrar o cotidiano vivido,
culturalmente construído, sem que a experiência seja subtraída, tornando-nos pobres em
experiências privadas, em experiências da humanidade em geral (BENJAMIN, 2012). Narrar
a pesquisa, como possiblidade de conectar as experiências e produzir uma pesquisa que se
aproxime da realidade social e cultural dos envolvidos no processo.
Apresenta-se experiências de pesquisa na perspectiva colaborativa-parceira, a partir de
fragmento da pesquisa de doutorado: Imagens e memórias: narrativas vivas nas práticas
educativas em (com)textos de Serra/ES, 2017 (parte do Programa de Pós Graduação em
Educação (PPGE-Ufes), desenvolvida pela pesquisadora Maria Angélica Vago-Soares, sob
orientação da professora Gerda Margit Schütz-Foerste. O primeiro momento com a turma as 34
crianças/adolescentes matriculadas no 6o ano, na Escola Municipal de Ensino Fundamental (EMEF)
Sonia Regina Gomes Rezende Franco, localizada no bairro Serra Dourada I, no município de Serra,
ES, aconteceu em 2015 e já fomos acompanhadas das professoras/parceiras: Maria da Penha
Rodrigues de Assis e Janisse Soares. Apresentamos as propostas e ações do projeto de pesquisa para
elas, produzidas junto às professoras colaboradoras e parceiras.
Conversamos com a turma de estudantes sobre o que é uma pesquisa e qual o papel do
pesquisador no contexto acadêmico. As crianças apresentaram suas perspectivas acadêmicas e
profissionais “Medicina, Engenharia, Arqueologia, Direito”, entre outras citadas por elas. Também
interagiram comentando e perguntando sobre pesquisa e universidade. Todos escutaram com
atenção, perguntamos o que poderíamos acrescentar ou suprimir. Ninguém se manifestou nesse
momento, acreditamos que por ainda não se sentirem protagonistas no âmbito da pesquisa
apresentada. Uma das crianças/adolescentes, no decorrer dos diálogos coletivos, disse que gostaria
de falar com a pesquisadora em particular, e sugeriu que fosse acrescentado ao Projeto um momento
de lazer. Ela sugeriu ir ao cinema e comer uma pizza, contou-nos que rememorou um momento
proporcionado por uma de suas professoras do ensino fundamental I. Comentamos com a turma e
juntos acatamos a sugestão inserindo o momento no final de nosso cronograma.

66
Imagem 1 – Dinâmica da Parceria
Fonte: Diário de Campo da pesquisadora, 2015.
Seguimos com uma dinâmica, para falar a partir do lúdico, sobre a importância da parceria e
colaboração delas na pesquisa. A dinâmica aconteceu da seguinte maneira: Distribuímos uma bala
para cada criança e solicitamos que abrissem com apenas uma mão, sem a ajuda de nenhuma outra
parte do corpo e cronometramos 30 segundos, para as tentativas (Imagem 1). Duas crianças
conseguiram abrir a bala, as demais não conseguiram.
Depois sugerimos a abertura da bala com ajuda de um dos colegas. A partir da dinâmica,
conversamos sobre a importância da colaboração e parceria de cada uma delas na investigação.
Convidamos para serem colaboradoras parceiras no projeto e todas manifestaram o desejo de
colaborar. Disponibilizamos os termos de compromisso para autorização de participação na
pesquisa: uma para elas assinarem e outra para os pais e/ou responsáveis, já que são menores de
idade.
O momento foi muito proveitoso. A professora Penha, nos deu o feedback, desse primeiro
encontro com a turma, através de uma rede social (Imagem 2).

Imagem 2 – Percepções do 1o encontro com a turma, pela professora Penha


Fonte: Texto disponibilizado na rede social Facebook, compartilhado com a pesquisadora.

67
Na escrita da professora Penha, percebemos que o momento foi bastante proveitoso e a cada
novo encontro a participação aumentava. As devolutivas de cada encontro foram feitas para a turma
com a leitura dos diários de campo, apresentação de vídeos gravados e/ou (produzidos com as
fotografais capturados(as) durante o percurso) oportunizando a participação delas para enriquecer as
narrativas e redimensionar os fatos.
Outra experiência da prática da pesquisa colaborativa, está relatado em detalhes na tese
intitulada “Memórias imagéticas revisitando as narrativas infantis em contexto escolar de ensino
fundamental” e desenvolvida na Escola Municipal de Ensino Fundamental Centro de Jacaraipe ,
durante os anos de 2012 e 2013, com 27 crianças com idade de 9 a 11 anos, da 4ª série A e,
aconteceu nas aulas de Arte, com a presença da professora dessa disciplina, como e aulas do ciclo
normal, como na presença da professora regente, como também em outros os espaços/tempos da
escola: pátio durante o recreio, aulas de Educação Física e eventos promovidos ao longo da
pesquisa.
Compreendendo conforme Forquim ( 1993) que a escola transmite valores carregados de
indícios, muitas vezes, contraditórios entre desejo e não desejo, entre senso comum e saber
acadêmico, entre teoria e prática, a pesquisa se organizou também em momentos, de encontros de
descrição, Informações, Confronto e Reconstrução com grupo de 19 docentes. Ao longo do ano de
2013, em que, efetivamente houve o processo colaborativo, formam várias as experiências do
compartilhar, visto as limitações de formação deste trabalho faz-se um recorte da experiência
chamada “Projeto Africaneidades”. Trata-se de um projeto desenvolvido pela professora
regente cujo objetivo era participação das crianças no dia 20 de novembro.
Após a seleção de algumas músicas, entre elas samba, pagode, funk e MPB, levou para
a turma a fim de que eles escutassem e fizessem a eleição. A escolha foi pelo samba-batuque
composto por Ari Barroso em 1936, interpretado por Carmem Miranda, "Tabuleiro da
Baiana":
No tabuleiro da baiana tem...
— Vatapá, o, caruru,
Mungunzá, o, tem umbu... para Ioiô
Se eu pedir você me dá?
—-...lhe dou
—...o seu coração o seu amor de Iaiá?
—No coração da baiana tem...
—Sedução, ô, canjerê, ilusão, o, candomblé
—Para você...
—Juro por Deus, pelo Sinhô do Bonfim
Quero você baianinha, inteirinha para mim...
—Sim, mas depois o que será de nós dois?
Teu amor é tão fugaz, enganador!

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—(Mentirosa, mentirosa, mentirosa) breque
Tudo já fiz, fui até num canjerê
Para ser feliz, meus trapinhos juntei com você...
—Sim, mas depois vai ser mais uma ilusão
Que no amor quem governa é o coração!

Após a compreensão da música os alunos passaram a produção da coreografia


sugerida por eles, neste momento o projeto colaborativo: Fixou-se na sala imagens com obras
de Djanira, Portinari, Viana, nas quais estavam retratados um pouco do cotidiano e da cultura
negra.
As imagens das obras ficaram expostas na sala até o final do projeto. Não tinha como intenção
que os alunos produzissem materialmente uma releitura para aulas de Arte, mas que fossem
apresentados aos artistas e suas produções para identificação ou não com suas narrativas. Os
alunos foram desafiados a buscarem, com seus familiares, relatos de suas vidas e trouxessem
na aula seguinte para que conversássemos em grupo e que buscassem no texto da música
palavras que eles não conheciam e procurassem no dicionário o significado.
Na roda de conversa dialogamos sobre experiências dos familiares, apenas um aluno
não trouxe contribuição, pois disse que não era “preto”.
Minha mãe disse que todo preto que ela conhece quando não caga na entrada, caga na saída.
Perguntei:
—Mas e você que acha que é?
Ao que respondeu
— Branca. Nossa mãe é branca, meu pai é branco
(Diário de campo, 3-8-2012).

A partir deste relato propomos a elaboração do autorretrato, escolhendo um lápis de


cor, que mais se parecesse com seu tom de cor. Planejavam-se as aulas, a cada nova este breve
relato traduz da importância de se discutir o papel colaborativo em sala de aula.

OUTROS POSSÍVEIS DIÁLOGOS: PARA NÃO CONCLUIR

As perspectivas apresentadas e discutidas ao longo do texto se complementam e têm


no centro a questão dialógica, onde a negociação se faz presente durante o processo de
construção dos conhecimentos da pesquisa. A roda de conversa é oportunidade de argumentar
diante da presença física, da troca de olhares, falas, que implica o desenvolvimento das
capacidades relacionais, emoções, saber ouvir e falar, compreender as diferenças, a empatia
(WARCHAUER, 2004).

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A proposta é de se formar e de contribuir na formação de todos os envolvidos durante
esse processo, sem desconsiderar os saberes dos sujeitos participantes. Pois,
[...] cada um deles é uma fonte pessoal e irrepetível de saber [...] é em si mesmo uma
ponte de conexões através da peculiaridade de suas diferenças, quanto ao teor do
tipo de vivências e conhecimentos com que se apresentam diante de um outro ser
humano em um momento de interação (BRANDÃO, 2003, p. 138).

A partir das discussões, compreendemos que a escuta e a possibilidade de fala de


todos os envolvidos são bases para estabelecer relação entre teoria e prática. Momentos de
desconstrução de conceitos preestabelecidos entre os pares e reelaboração de outros que se
aproximam mais da realidade apresentada no campo da pesquisa.
Ao contrário dos determinismos e reducionismos sociais, Vigotski (2007) acredita que
as relações complexas entre o cognitivo e o emotivo estão ligadas à aprendizagem, tecidas
com as normas e os valores culturais dos sujeitos envolvidos. Logo, vivências, narrativas,
afetividades assumem caráter social, diretamente relacionados aqui com as práticas
pedagógicas presentes no ambiente escolar. Tais práticas movimentam-se também pelo
envolvimento de uns com/para outros. Isentar o processo educativo de emoções, acreditando
que o professor deve ser somente produtor de conteúdo, e não amigo, algumas vezes mãe,
psicólogo e confidente, tem sido uma grande lacuna da educação.
Consideramos que contribui para a uma “[...] passagem progressiva de um ensino
centrado no dizer a palavra sabida para uma aprendizagem fundada no buscarmos juntos a
palavra que nos diga algo [...]” (BRANDÃO, 2003, p. 167), que se constitui em momentos de
partilha e consideração dos saberes diversos, emoções e afetividades diversas, oportunizando
protagonismo aos que de observados passam a ser colaboradores ativos e criativos no ensino e
na aprendizagem.
Advoga-se em favor de uma prática pedagógica que evidencie a colaboração entre os
sujeitos no contexto da Educação Básica reinventando narrativas e promovendo
interdisciplinaridade. Não se pode agir de forma individualizada, com nossos próprios
sentidos de informação-formação, as conversas precisam estar articulados entre si por meio da
prática pedagógica colaborativa (Ibiapina, 2008), em que as escolhas dos conteúdos se dão de
forma compartilhada e coletiva. Precisamos estar cientes dos lugares e saberes de cada
pesquisa contudo, no momento da autoavaliação, (re)construir coletivamente os saberes
(Brandão, 2003), sabendo que a força está no coletivo, nos saberes, nas narrativas, nas
colaborações e que, “ninguém solta a mão de ninguém”, na educação.

70
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71
EXISTE ESPAÇO PARA A ARTE CONTEMPORÂNEA DENTRO DAS ESCOLAS?
UMA ANÁLISE DOS CONTEÚDOS DE LIVROS DIDÁTICOS PROPOSTOS PARA
O ENSINO FUNDAMENTAL

Júlia Rocha
Heitor Andrade Amorim

RESUMO
O presente texto apresenta dados de pesquisa de iniciação científica realizada entre 2018 e
2019 com o objetivo de analisar os conteúdos presentes nos livros didáticos de artes,
identificando o espaço que a produção artística contemporânea ocupa nestes materiais, a
maneira como é abordado este conteúdo e que propostas de práticas são lançadas a partir deste
recorte da história da arte. A análise centra-se nos livros da série “Por toda parte”
correspondentes às séries do Ensino Fundamental II. Diante da leitura quantitativa dos artistas
contemporâneos contemplados como conteúdo nos livros, desenvolve-se uma crítica
qualitativa em relação às metodologias que são propostas e às possibilidades de utilização
destes materiais pelos arte/educadores.

Palavras-chave: arte contemporânea; livro didático; artes visuais; conteúdos.

ABSTRACT
This paper presents research data of scientific initiation carried out between 2018 and 2019
with the purpose of analyzing the content in art textbooks, identifying the space that
contemporary art occupies in this material, the way the content is presented and what
practices are proposed from this part of art history. The analysis centered on the book series
“Por toda parte”, corresponding to the final years of elementary school. From the quantitative
analysis of the contemporary artists included as content in the books, a qualitative critique is
developed in relation to the methodologies that are presented and the possibilities of using this
material for art educators.

Keywords: contemporary art; textbook; visual arts; contents.

A produção artística contemporânea apropria-se das mais diferentes linguagens para


discutir aspectos que comunicam-se com problemáticas da vida cotidiana, possibilitando que
a aproximação dos públicos ocorra tanto por conta dos aspectos visuais, plásticos e estéticos
vinculados aos trabalhos de arte, quanto pelas questões que se discutem a partir dos mesmos.
A identificação com a arte contemporânea por parte dos públicos pode, portanto, se dar por
conta da aproximação com aspectos que estão correlacionados com a vivência fora do campo
da arte como, para citar algumas, os embates envolvendo políticas e micropolíticas, as
práticas relacionadas ao meio ambiente, o entrave em prol das discussões do feminismo, das
relações de gênero e etnia, a complexidade do corpo como suporte e temática, a altercação em
72
torno das novas tecnologias, a apropriação de objetos e suportes para além dos
convencionalmente utilizados como matéria e a própria redefinição do que constitui o campo
da arte.
Em contrapartida, indo de encontro a esta aproximação entre arte contemporânea e
vida, muitas vezes identifica-se que este recorte da história da arte não se encontra nos
planejamentos e nos projetos dos arte/educadores, estando a produção artística contemporânea
restrita aos campos de circulação da arte e aos especialistas, não chegando no âmbito escolar.
Recorrentemente, nas formações continuadas de professores e seminários da área do ensino da
arte, identificam-se lacunas entre a formação que é construída nos cursos de graduação da
Universidade com a atuação que se realiza nas escolas. Este lapso, de acordo com professores
egressos do curso de Licenciatura em Artes Visuais, se evidencia sobretudo no que diz
respeito aos conteúdos da Arte, especialmente se tratando da arte contemporânea.
O que se propõe diante deste quadro é uma investigação em torno das possibilidades
de aproximação entre a produção artística contemporânea e o contexto das escolas, pensando
especificamente nesta primeira como conteúdo. O presente texto discute a importância do
conteúdo da arte contemporânea como parte do planejamento dos arte/educadores no âmbito
do Ensino Fundamental, partindo da análise de uma série livros didáticos. O objeto de estudo
é a série “Por toda parte”, mais especificamente os livros do 6º ao 9º ano, volumes que
constituem parte do Programa Nacional do Livro e Material Didático e adotados pelas escolas
básicas de Ensino Fundamental geridas pela Secretaria Municipal de Educação da cidade de
Vitória.
A reflexão é resultado do projeto de Iniciação Científica “O espaço da Arte
Contemporânea no contexto escolar - Análise de livros didáticos do Ensino Fundamental”,
realizada entre agosto de 2018 e julho de 2019, que, por sua vez, é parte integrante do projeto
de pesquisa “Arte+educação: analogias entre objeto e campo de estudo na
contemporaneidade”. O recorte apresentado neste texto se detém mais no estudo em relação
aos conteúdos, partindo de uma análise quantitativa dos artistas e obras de arte contemporânea
que estão presentes nesta série de livros. A escolha pela leitura sistemática e catalográfica
destes livros didáticos se justifica na identificação de que conteúdos os professores de artes
dispõem como recurso para trabalhar com o recorte da história da arte dentro de seus
lanejamentos.
Na medida em que uma das hipóteses da apartação entre arte contemporânea e escola
se perfaz por conta da falta de um distanciamento temporal e pela dificuldade de acesso a

73
materiais que supram esta lacuna, a pesquisa em torno dos conteúdos dos livros didáticos se
constitui como uma potente ferramenta para compreender os desafios que arte/educadores
enfrentam na sua rotina de trabalho, sobretudo nas possibilidades de acesso à fontes de
pesquisa. Para os professores de artes é necessário encontrar meios de ampliar sua formação
ao ponto de que a produção artística seja parte do seu planejamento, articulando-se com as
linguagens das artes visuais e com outros períodos já estudados dentro da história da arte.
Em reflexão anterior em torno do tema, Rocha (2018, p. 212) afirma este
distanciamento entre os arte/educadores e a arte contemporânea:
[…] pode ser justificado por diferentes perspectivas, começando por um receio por
parte dos professores em se aproximar de um espectro da arte que ainda está em
construção, sendo constantemente reelaborado pelos diferentes sujeitos que
compõem o campo da arte, nomeadamente artistas, colecionadores, curadores,
museólogos, educadores e públicos. A inexistência de um limite definido sobre o
que versa a arte contemporânea poderia ser uma primeira justificativa para a
resistência que se impõe sobre a mesma para entrada no espaço escolar.

Neste sentido, a existência de um material de suporte que é amplamente distribuído


gratuitamente para os estudantes e professores, possibilita uma via de acesso a conteúdos de
arte contemporânea que estejam previamente selecionados por especialistas na área e
pensados especificamente para os anos definidos nos materiais. Na medida em que propõem
leituras e práticas, os livros didáticos também se constituem como uma potente forma de
oferecer aos professores materiais para suas aulas.
Importante salientar que este texto não se posiciona em defesa dos livros didáticos,
apontando-os como ferramentas que somente possuem contribuições positivas para o ensino
da arte. Sabe-se das limitações que muitos destes materiais possuem e da possibilidade de
adoção dos seus conteúdos como prescrição, encerrando a pluralidade de discussões a serem
elaboradas construtivamente com os estudantes envolvidos no processo. Ainda que se tenha
consciência das limitações em torno do que envolve a utilização dos livros didáticos, a
discussão neste momento é em prol da existência de materiais e suportes que possibilitem a
entrada da arte contemporânea nas escolas. Mas por que?

POR QUE A PRODUÇÃO CONTEMPORÂNEA É IMPORTANTE COMO


CONTEÚDO DO ENSINO DA ARTE?

Uma questão de partida para a pesquisa, antes mesmo de se deter na análise do objeto
de estudo fonte desta investigação, é compreender por que o recorte da arte contemporânea é
relevante para a formação dos estudantes, sobretudo os que frequentam o Ensino

74
Fundamental. Alicerçados na Base Nacional Comum Curricular (2017, p. 196), documento
elaborado pelo Ministério da Educação e que promulga a definição das competências
específicas a serem adquiridas dentro do ensino da arte, vislumbramos que um dos objetivos
marcados é o de “Pesquisar e conhecer distintas matrizes estéticas e culturais – especialmente
aquelas manifestas na arte e nas culturas que constituem a identidade brasileira –, sua tradição
e manifestações contemporâneas, reelaborando-as nas criações em Arte”. Neste sentido, o
enfoque é de uma amplitude histórica em relação ao conhecimento que envolve as
manifestações artísticas, relacionando tanto a tradição, quanto a contemporaneidade.
A formulação deste objetivo demarca a importância que professores de artes deveriam
dar para uma ampliação dos repertórios visuais e estéticos dos estudantes, ofertando-os a
possibilidade de investigar e apreender variadas manifestações culturais, contemplando
também a produção artística contemporânea. Na medida em que a visualidade é um aspecto
importante da construção destes sujeitos, é preponderante que uma variedade de criações
sejam conhecidas.
A aproximação com questões experienciadas no cotidiano é também uma justificativa
da entrada deste conteúdo no planejamento dos professores. Anteriormente apresentamos
exemplos de problemáticas da vivência contemporânea que são empregadas pelos artistas em
seus trabalhos e este é um fundamento relevante para que contemple-se este conteúdo. A arte
contemporânea possibilita a ampliação das discussões em torno das obras para além dos
limites da visualidade, expandindo-se para outros campos que não se restringem aos
conhecimentos do campo da arte. A porosidade que a produção artística tem hoje é potente
também para que os estudantes tenham uma experiência escolar menos setorizada em
conhecimentos encerrados em disciplinas, percebendo as tangencialidades entre diferentes
matérias escolares e possibilitando que professores proponham projetos interdisciplinares.
Considerando que a arte contemporânea está sendo produzida no cotidiano de vida dos
estudantes, argumenta-se que outra potencialidade de pensá-la como conteúdo diz respeito às
possibilidades de aproximação direta com o objeto de estudo. Neste sentido, tanto pode-se
propor saídas de campo do espaço escolar, encontrando manifestações artísticas nas ruas, nos
ateliês, nas galerias e nos museus, como pode-se promover ações de interlocução para que a
arte contemporânea esteja dentro da escola, com o convite para que artistas promovam ações
no âmbito escolar - questão que não seria possível com artistas do barroco, do renascimento e,
às vezes, nem mesmo do modernismo.

75
Conclui-se, por conseguinte, que um ensino da arte que encerra seus conteúdos de
história da arte no modernismo, cerceia as discussões que poderiam ser elaboradas em torno
de conteúdos que conectam-se com aspectos de outras disciplinas escolares, do próprio campo
da arte e da vida dos estudantes. A abertura do recorte temporal para além da produção
artística da década de 1950 oferece uma interlocução com aspectos possivelmente mais
próximos da vida dos estudantes e professores.
Quando a BNCC institui, para cada um dos ciclos do Ensino Fundamental, as unidades
temáticas, os objetos de conhecimento e as habilidades, há também menção a esta amplitude
temporal, pensando sempre em um delineamento que passa do tradicional para o
contemporâneo. Enquanto para os primeiros anos, do 1º ao 5º, a BNCC (2017, p. 199) institua
que é preciso “Identificar e apreciar formas distintas das artes visuais tradicionais e
contemporâneas, cultivando a percepção, o imaginário, a capacidade de simbolizar e o
repertório imagético”, para os anos finais, do 6º ao 9º ano, se coloca que é esperado saber:
Pesquisar, apreciar e analisar formas distintas das artes visuais tradicionais e
contemporâneas, em obras de artistas brasileiros e estrangeiros de diferentes épocas
e em diferentes matrizes estéticas e culturais, de modo a ampliar a experiência com
diferentes contextos e práticas artístico-visuais e cultivar a percepção, o imaginário,
a capacidade de simbolizar e o repertório imagético.

Os objetivos descritos na BNCC para os dois ciclos provocam professores de artes


para uma abertura dos referenciais utilizados em suas aulas, tanto em termos geográficos -
propondo contemplarem artistas brasileiros e estrangeiros -, como sensoriais - abordando
percepção, imaginário e simbolização -, chegando também a uma ampliação da temporalidade
- mencionando que as manifestações artísticas e culturais de diferentes épocas devem ser
contempladas. Propõe-se, portanto, acrescentar ao repertório de professores e estudantes
também este período, enlaçando tópicos de todos os períodos da história com conteúdos
próprios da produção artística contemporânea.

DO QUE SE FALA POR ARTE CONTEMPORÂNEA?

A identificação deste conceito é complexa, visto que a compreensão da arte


contemporânea não se traduz na definição do tempo em que esta se produz, mas perpassa
questões que estão para além do espectro temporal. Conforme afirma Anne Cauquelin (2005,
p. 11), “não se trata, no caso, de arte contemporânea no sentido estrito do termo - a arte do
agora, a arte que se manifesta no mesmo momento e no momento mesmo em que o público a
observa” e continua (2005, p. 129) dizendo que “É necessário, portanto, distinguir arte

76
contemporânea de arte atual. É atual o conjunto de práticas executadas nesse domínio,
presentemente, sem preocupação com distinção de tendências ou com declarações de
pertencimento de rótulos”.
Também buscando uma definição do que seria a arte contemporânea, Arthur Danto
(2006) define uma distinção entre esta e a produção que a precedeu, a moderna. O autor
posiciona-se em defesa de um fim da arte, definindo que o fim do modernismo da arte institui
a finalização da era da narrativa, dando lugar para outra identificação da produção artística.
Para Danto (2006, p. 5) “podemos pensar em arte depois do fim da arte, como se estivéssemos
emergindo da era da arte para algo diferente, cuja forma e estrutura exatas ainda precisam ser
compreendidas”. Da mesma maneira que Cauquelin, Danto (2006, p. 12), afirma que a
definição do contemporâneo não se restringe ao tempo que se produz, “Da mesma forma que
‘moderno’ não é simplesmente um conceito temporal, significando, digamos, ‘o mais
recente’, tampouco ‘contemporâneo’ é um termo temporal, significando tudo o que esteja
acontecendo no presente momento”.
A reestruturação do campo da arte encontra-se ainda em desenvolvimento, propondo,
conforme supramencionado, uma aproximação com aspectos oriundos de outros campos e
próximos da vida cotidiana. A resposta que os artistas conferem, em seus trabalhos, às
relações que estabelecemos contemporaneamente, é resultado de um complexo jogo de
comunicação - conceito enredado por Cauquelin (2005) - e uma desordem afirmativa - como
coloca Danto (2006, p. 15):
Assim, o contemporâneo é, de determinada perspectiva, um período de desordem
informativa, uma condição de perfeita entropia estética. Mas é também um período
de impecável liberdade estética. Hoje não há mais qualquer limite histórico. Tudo é
permitido. Mas isso torna mais impositivo tentar compreender a transição histórica
da arte moderna para a pós-histórica.
A abertura e a permissividade em relação aos processos artísticos marca essa era da
produção “pós fim da arte”, como define Danto (2006). A perda de limites identificáveis do
que constitui a produção dos artistas contemporâneos é um dos limites que arte/educadores
precisam enfrentar para trabalhar com este conteúdo em suas aulas e em seus planejamentos.
Não existiu uma superação dos movimentos artísticos anteriores, mas uma ampliação e
aglutinação de características demarcadas que tornam turvas as definições do que constitui
este período. “O que encontramos atualmente no domínio da arte seria muito mais uma
mistura de diversos elementos”, afirma Cauquelin (2005, p. 127), que continua “os valores da
arte moderna e os da arte que nós chamamos de contemporânea, sem estarem em conflito

77
aberto, estão lado a lado, trocam suas fórmulas, constituindo então dispositivos complexos,
instáveis, maleáveis, sempre em transformação”.
A definição do que constitui a arte contemporânea passa, portanto, por este
entendimento do que foram os períodos que precederam tal produção, o que se percebe
continuamente nos autores que buscam compreender este recorte, sempre recorrendo a marcos
históricos - de artistas e obras - que definiram sutis mudanças que possibilitaram a ampliação
do campo da arte. O alargamento da definição do que é arte deu aberturas à produção artística,
mas, mais uma vez, gerou desafios para o processo de entendimento do público em geral,
sobretudo o público não familiarizado com o campo. Neste sentido, Michael Archer (2001, p.
IX) coloca:
Por um lado, não parece haver mais nenhum material particular que desfrute do
privilégio de ser imediatamente reconhecível como material da arte: a arte recente
tem utilizado não apenas tinta, metal e pedra, mas também ar, luz, som, palavras,
pessoas, comida e muitas outras coisas. Hoje existem poucas técnicas e métodos de
trabalho, se é que existem, que podem garantir ao objeto acabado a sua aceitação
como arte. Inversamente, parece, com frequência, que pouco se pode fazer para
impedir que mesmo o resultado das atividades mais mundanas seja erroneamente
compreendido como arte.

A perda das certezas do que define a arte e a falta de aspectos facilmente reconhecíveis
foi, inclusive, um dificultador do processo de pesquisa elaborado na análise dos livros
didáticos da série “Por toda parte”. Determinar o número de artistas e obras para cada volume
pressupunha delimitar campos de certeza em relação ao que se definia como arte
contemporânea. Seriam os aspectos temporais, demarcando uma data de início deste período?
Seriam linguagens mais próximas do que se define a partir de Archer (2001), com o uso de
materiais e suportes não convencionais?

DO ESPAÇO AO USO, COMO É TRATADA A ARTE CONTEMPORÂNEA NO


LIVRO DIDÁTICO?

A partir da compreensão do que se entende por arte contemporânea, a pesquisa buscou


compreender o espaço dado à arte contemporânea como conteúdo nos livros da série “Por
toda parte”. Esta série, adotada pela Secretaria Municipal de Educação de Vitória, conta com
4 volumes voltados para os anos finais do Ensino Fundamental. Os livros trabalham com o
componente curricular arte, associando as quatro linguagens do seu ensino, nomeadamente,
Artes Visuais, Dança, Música e Teatro. A polivalência é apresentada nos volumes analisados,
que propõem uma intersecção constante entre os quatro diferentes campos. Durante a leitura

78
dos livros, contudo, foram selecionados somente os artistas contemporâneos compreendidos
dentro do âmbito das Artes Visuais.
Os livros apresentam uma estrutura semelhante entre si, divididos em três unidades
que por sua vez se subdividem em dois capítulos cada. Esta separação atende à elaboração dos
calendários das escolas municipais de Vitória, que divide o ano letivo em três trimestres. A
apresentação dos conteúdos é realizada nos livros por meio de variadas seções, que se repetem
entre os capítulos e em todos os livros. Vem! é sempre um convite de introdução a um novo
tópico que será trabalhado; Temas propõe uma abordagem interdisciplinar e anacrônica de
diferentes assuntos que são apresentados; Mais de perto aprofunda temas e linguagens que são
abordados, apresentando recorrentemente a seção Palavra do artista, quando estes
apresentam relatos sobre suas poéticas; Ampliando é uma divisão destinada à definições,
formando uma espécie de glossário de conceitos-chave trabalhados nos livros; Linguagem da
arte aborda os procedimentos artísticos, tratando dos códigos e procedimentos do campo;
Misturando tudo é uma seção que promove a relação entre as linguagens, tratando de
interdisciplinaridade; Expedição cultural menciona espaços de promoção da arte, instigando
alunos e professores a explorarem saídas de campo utilizando diários de artista; e por fim,
uma Linha do tempo é apresentada recorrentemente nos livros, propondo uma estrutura
temporal dos conteúdos abordados em cada volume.
A formatação dos livros foi explicitada para deixar claro que esta série não segue uma
divisão cronológica das produções e manifestações artísticas, assim como não delimita o
espaço de desenvolvimento dos conteúdos em cada uma das quatro linguagens do campo da
arte. Na análise dos quatro volumes de livros verificou-se também que a arte contemporânea
não se restringe a uma das seções, sendo apresentada periodicamente em distintas colunas
presentes nos livros. No que se refere a quantidade de artistas contemporâneos referidos nos
quatro volumes, temos 17 artistas para o sexto ano, 18 para o sétimo, 30 para o oitavo e 26
para o nono ano. Já o resultado para os trabalhos e obras contemporâneas se mostra maior,
visto a adoção de mais de um trabalho de determinados artistas e até mesmo a citação do
mesmo trabalho em diferentes momentos dos livros, com a investigação aos detalhes e a
transição entre assuntos. Assim, a pesquisa nos retorna que a arte contemporânea é abordada
de forma direta e indiretamente: 30 vezes no livro do sexto ano, 36 vezes no sétimo ano, 67
no oitavo ano e 52 vezes no nono ano.
Para além do levantamento numérico dos artistas e obras contemplados nos livros, a
pesquisa buscou separar-se em categorias que possibilitariam uma leitura qualitativa da forma

79
como a arte contemporânea se apresenta. Algumas formas de uso desta produção artística
foram observadas, dentre elas: utilização de obras de arte contemporânea com o objetivo de
ilustrar temas ou assuntos; apresentação e aprofundamento de discussão sobre conceitos de
determinada linguagem artística ou produção de um artista em específico; aumento do
repertório de trabalhos que envolvam os temas abordados; interlocução entre artes visuais e as
outras três linguagens do componente curricular arte; e, por fim, como disparador de questões
do campo da arte em geral.

Dentre as cinco categorias listadas, a que menos importava como resultado da investigação
era a primeira, tratando da arte contemporânea apenas como ilustração de outra discussão que
estava sendo abordada no capítulo ou seção. Ainda que se compreenda a importância da
recorrência de imagens da arte contemporânea sendo apropriada no livro como possibilidade
de ampliação de um repertório em relação a esta produção, a apresentação vazia, sem
associação com conhecimentos específicos da área não acrescenta para o professor um
domínio desta como conteúdo. A categoria pôde ser identificada na página 122 do livro do
sexto ano, na qual um detalhe da obra Abajur, do artista Cildo Meireles é apresentada como
ilustração para um poema produzido pelos autores para o livro (imagem 1). Observou-se que
no mesmo livro a obra é posteriormente abordada, contudo nesta página ela serve apenas a
fim de ilustração.
A segunda categoria de análise dos livros trata da apresentação e do aprofundamento
de discussão sobre conceitos de determinada linguagem artística ou produção de um artista
em específico. O exemplo selecionado para demonstrar esta categoria é da artista brasileira
Rosana Paulino. Seu trabalho é abordado no capítulo 1 Sementes, da unidade 3, Povos

80
arteiros, nas seções Vem!, Temas e Mais de perto, no livro do sexto ano. Neste volume foram
utilizadas três obras da artista referenciadas em cinco páginas, tanto por textos quanto por
imagens, estas num total de quatro, sendo a última um detalhamento de outra. Ainda, há uma
sexta página com foto e entrevista da artista. Atrelado ao fato, que o capítulo tem por objetivo
discorrer sobre a cultura afrobrasileira presente nas linguagens artísticas, pode-se identificar o
intuito de ampliação de repertório no que refere a produção de Rosana Paulino.

A primeira obra apresentada é uma pintura sobre prato (imagem 2), que ocupa um
espaço considerável da página 168, permitindo observar os detalhes que esta dispõe. Abaixo
da imagem há um pequeno texto com várias perguntas, dentre elas “Um prato pode ser arte?”
UTUARI FERRARI et. al. (2015a, p. 168), funcionando como um disparador para questões
da arte contemporânea, como ampliação dos materiais e suportes.

81
Pensando especificamente nos textos que são apresentados sobre a obra de Rosana
Paulino, tomamos a seção Mais de perto, nas páginas 183 e 184. A primeira parte levanta
questões com intuito de aproximação dos estudantes com a obra, buscando uma mediação
com a fruição destes leitores. Em seguida, o texto comenta sobre os elementos visuais e
prossegue para os aspectos conceituais, questionando sobre as linguagens artísticas presentes
no trabalho e culminando em seu processo de construção e execução (imagens 3 e 4). Para
finalizar este fragmento do livro dedicado à Rosana Paulino - evidenciando a questão do
aprofundamento a que se refere esta categoria -, o livro reserva a página 185 para uma fala da
artista. No texto ela compartilha sobre seu processo de criação, poética pessoal e o uso de
distintas linguagens em sua produção. Há uma foto de Paulino e com a sua escrita o texto
permite uma aproximação do leitor com o processo de criação da artista, uma característica
presente nos trabalhos de arte contemporânea.
A terceira categoria analisada nos resultados de leitura dos livros diz respeito ao
aumento do repertório de trabalhos que envolvam os temas abordados, que neste caso foi
identificada no livro do oitavo ano, com uma diversidade de artistas que contemplam questões
da luz em suas obras. Máximo silêncio em Paris (2007), de Giancarlo Neri; Nuvem (2012), de
Caitilind R. C. Brown e Wayne Garrett; (imagem 5) Cheia de brilho da vida (2014), de Yayoi
Kusama e O projeto tempo, de Olafur Eliasson (imagem 6) são alguns exemplos apresentados
em sequência para discorrer sobre espaços luminosos e a participação dos públicos.

A quarta categoria identificada na análise dos livros diz respeito à interlocução entre
artes visuais e as outras três linguagens do componente curricular arte o que foi bastante
identificado nos diferentes livros. Recorrentemente se percebe que a produção dos artistas
contemporâneos produz a transição com as demais linguagens do ensino da arte, sobretudo
pelo caráter interdisciplinar que algumas obras possuem. Foi o que se identificou no capítulo
1 do livro do sétimo ano, De canto a canto, da unidade 2 Arte, som e palavra, onde podemos
82
visualizar a intersecção com as demais linguagens extraída da arte contemporânea com o uso
da obra Sistema Uniplanetário – In Memorian Galileu Galilei, do artista brasileiro Alex
Flemming. Trata-se de uma instalação que utiliza “50 globos terrestres, desses que
encontramos na escola, e toca-discos. Os globos ficam girando nos toca-discos antigos, como
se fossem vinis” UTUARI FERRARI et. al. (2015b, p. 116). Observamos o uso deste trabalho
em um capítulo voltado para a linguagem da música, fazendo a interlocução entre as
linguagens artísticas através dos elementos visuais e conceituais constituintes da obra.
A obra é trabalhada com duas imagens e texto que se estende por duas páginas
(imagem 7): na página 116 a fotografia contempla uma vista superior exibindo toda a
composição da obra, enquanto na 117 uma vista frontal detalha os elementos e evidencia o
movimento dos globos. O texto é iniciado com uma pergunta e seu desenvolvimento progride
em abordar a obra, o físico Galileu Galilei e as mídias musicais, utilizando de perguntas e
dados históricos para fazer o entrelaçamento entre os assuntos. Nota-se portanto, um diálogo
entre as linguagens da música e artes visuais para explorar fatos históricos. Diferente da
primeira categoria analisada, o livro trata este trabalho com certa autonomia, não estando
presente apenas como ilustração direta.

A quinta categoria trata da arte contemporânea como conteúdo disparador de questões


do campo da arte em geral. Neste sentido, apresentamos a página 15 do livro do nono ano,
que discute a questão “Qual é a época da criação?”, que introduz o livro abordando a arte em
todos os tempos (imagem 8). O texto, por se situar no início do volume, apresenta para os
alunos a possibilidade de pensar a arte como expressividade e comunicação, propondo
questões como “A arte é expressa em linguagens. E que língua é essa que a arte ‘fala’?”

83
UTUARI FERRARI et. al. (2015d, p. 15), ou convocando os estudantes para o diálogo,
propondo questões que emanem o debate dentro da turma, como é o caso da seguinte
provocação: “Objetos de consumo ficam obsoletos. A arte, não. Você concorda com essa
afirmação?” Ibidem (2015d, p. 16).
O fragmento do texto apresentado reflete o nível de discussão que os autores
pretendem propor para o último ano do Ensino Fundamental, pressupondo um
amadurecimento em torno de problemáticas que envolvem o campo da arte. Desta forma, o
texto utiliza-se de imagens da instalação Lápides (2012), novamente de Alex Flemming, sem
precisamente discutir sobre o trabalho do artista. Na presente seção, a obra configura-se como
uma ilustração, porém diferente da situação observada na primeira categoria de análise
estabelecida, visto que neste caso o texto e a discussão versam a respeito da área das artes
visuais. O texto “Qual é a época da criação?” trata de tópicos pertinentes à arte
contemporânea, tais como os sistemas de consumo, a apropriação de objetos e a relação com
as tecnologias, todavia, o foco central do texto é de esmiuçar questões do campo da arte como
um todo, discorrendo sobre o potencial comunicativo da produção artística.

Outras categorias de análise poderiam ser elencadas a partir da leitura dos quatro
volumes analisados na pesquisa de iniciação científica, bem como outros exemplos e
fragmentos poderiam ser utilizados para discorrer sobre cada uma delas. O que se inscreve
neste texto é uma revisão preliminar de dados que ainda serão aprofundados em outras
84
publicações. A demarcação da existência de conteúdos de arte contemporânea nos livros
pesquisados vai de encontro com o problema de partida desta investigação: existe espaço para
este conteúdo nas escolas? Esta primeira averiguação comprova a existência de material para
que arte/educadores contemplem este período da história da arte em suas aulas, resta
questionar agora: por que a arte contemporânea continua não entrando nas escolas?

CONSIDERAÇÕES PARCIAIS

Na medida em que esta pesquisa de iniciação científica encontra-se em processo,


tendo previsão de encerramento em julho de 2019, assume-se que as considerações elaboradas
até então são parciais, conferindo um caráter processual para os dados até então analisados.
Esta primeira apresentação dos dados obtidos permitiu perceber que há muito assunto
pertinente à arte contemporânea a ser tratado nos anos finais do Ensino Fundamental, tanto no
que tange a linguagem artística das artes visuais, quanto na interlocução com outros campos e
tópicos.
O conjunto de livros não só utiliza as obras com diversos propósitos - seja como
ilustração para outros tópicos desenvolvidos, como aprofundamento do próprio campo da arte,
como assunto fim, como interlocução entre temas e áreas ou como meio de discussão da arte
de maneira geral - como apresenta uma ampla variedade de artistas e linguagens
contemplados como conteúdos. A divisão por temas e seções em cada um dos volumes
possibilitou a apresentação de artistas brasileiros e das mais variadas nacionalidades, além de
ter representação de diferentes linguagens das artes visuais, tais como: instalação, desenho,
fotografia, vídeo, relação com a palavra, performance, escultura, objeto de arte, grafite,
pintura, intervenção urbana e litogravura, para citar algumas.
Ao final da análise em torno dos conteúdos presentes nos quatro volumes da série “Por
toda parte”, considera-se que estes se constituem como uma ferramenta de possível uso para
que os arte/educadores se alicercem nas discussões iniciadas nos livros. Ainda que se
compreenda a importância da ampliação das pesquisas por parte dos alunos e professores,
reflexiona-se que o conteúdo presente nos livros possivelmente se apresenta como um ponto
de partida para o acesso à arte contemporânea. Discussões em tornos de temáticas,
linguagens, obras e artistas podem se iniciar a partir do material disposto, que apresenta
interlocução com outros períodos da história da arte.
Assume-se que a ressignificação das práticas dos professores em torno da arte
contemporânea perpassa uma discussão também em torno das metodologias que são
85
utilizadas, buscando ressonâncias das relações produzidas com o objeto do qual se trata. Para
isso, em primeira instância, propõe-se que os professores incorporem em seus planejamentos
e práticas com conteúdos que estejam dentro do escopo e das discussões da arte
contemporânea, para, em paralelo, reconstruírem suas práticas em torno de uma metodologia
que esteja em diálogo com o que a produção artística deste período propõe.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICOS
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2001.
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2017.
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2005.
DANTO, Arthur C. Após o fim da arte: A arte contemporânea e os limites da história. São
Paulo: Odysseys Editora, 2006.
ROCHA, Julia. Ensino (contemporâneo) da arte contemporânea - Similitudes e
enfrentamentos entre metodologia e conteúdo. 27º Encontro da Associação Nacional dos
Pesquisadores em Artes Plásticas: Práticas e contratações; 24 a 28 de setembro de 2018; São
Paulo. São Paulo: ANPAP, 2018.
UTUARI FERRARI, Solange dos Santos; DIMARCH, Bruno Fischer; KATER, Carlos Elias;
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____________. Por toda parte 7º ano. São Paulo: FTD, 2015b.
____________. Por toda parte 8º ano. São Paulo: FTD, 2015c.
____________. Por toda parte 9º ano. São Paulo: FTD, 2015d.

86
A ARTE E A INTEGRAÇÃO CURRICULAR NA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL DE
NÍVEL MÉDIO

Kenia Olympia Fontan Ventorim


Danielle Piontkovsky

RESUMO

Neste artigo, apresentamos a pesquisa em andamento que vem sendo realizada no Programa
de Pós-Graduação em Educação Profissional e Tecnológica (ProfEPT). O estudo inicia-se a
partir da inquietação acerca da fragmentação curricular de conteúdos e disciplinas ainda
presente em muitas escolas, colocando o ensino da Arte como uma possível abordagem de
diálogo entre disciplinas do Curso Técnico em Administração Integrado ao Ensino Médio do
Ifes – Campus Venda Nova do Imigrante, buscando a efetivação da educação integrada.
Abordamos, suscintamente, conceitos fundamentais que subsidiarão esta aproximação, como
integração curricular, educação integrada, omnilateralidade, trabalho como princípio
educativo, politecnia e ensino da Arte. A proposta de pesquisa compreende a integração
curricular como importante ferramenta para a aprendizagem, contribuindo para experiências
educativas que poderão tornar as aulas mais significativas e de acordo com as propostas do
Ensino Médio Integrado – EMI. A metodologia de pesquisa se configura numa abordagem
qualitativa, utilizando instrumentos como análise de documentos, entrevista semiestruturada e
grupos de estudo, perpassados pelos pressupostos da pesquisa com os cotidianos por entender
que as relações acontecem em meio ao que está sendo feito. Desta forma, a pesquisa objetiva,
por meio da construção de um produto educacional, elaborar/propor atividades integradoras
entre a disciplina de Arte e as demais disciplinas que compõem a matriz curricular do EMI.

Palavras-chave: Ensino da Arte; Educação Profissional e Tecnológica, Integração Curricular,


Ensino Médio Integrado.

ABSTRACT

In this article, we present the ongoing research that has been carried out in the Post-
Graduation Program in Professional and Technological Education (ProfEPT). The study starts
from the restlessness about the curricular fragmentation of contents and disciplines still
present in many schools, putting the teaching of the Art as a possible approach of dialogue
between disciplines of the Technical Course in Integrated Administration to High School of
Ifes - Campus Venda Nova do Imigrante, seeking the implementation of integrated education.
We approach, fundamentally, fundamental concepts that will support this approach, such as
curricular integration, integrated education, omnilaterality, work as an educational principle,
polytechnics and Art teaching. The research proposal comprises curricular integration as an
important tool for learning, contributing to educational experiences that may make classes
more meaningful and in accordance with the proposals of the Integrated High School - EMI.
The research methodology is configured in a qualitative approach, using instruments such as
document analysis, semi-structured interview and study groups, perpassed by the
87
presuppositions of the research with the daily ones to understand that the relations happen
amid what is being done. In this way, the objective research, through the construction of an
educational product, develop / propose integrative activities between the discipline of Art and
the other disciplines that make up the curricular matrix of the EMI.

KeyWords: Teaching of Art; Vocational and Technological Education, Curriculum


Integration, Integrated Secondary Education

1 INTRODUÇÃO

Historicamente, a educação básica e profissional no Brasil foi marcada pela divisão


de uma educação propedêutica voltada para a formação dos futuros dirigentes das elites e
outra, de caráter assistencialista, voltada para o ensino das primeiras letras e a iniciação em
ofícios destinados às crianças pobres, órfãos e abandonados, ou seja, pessoas sem condições
sociais adequadas. Nesta vertente podemos identificar a educação profissional no Brasil, pelo
seu primeiro objetivo: “amparar os órfãos e os demais desvalidos da sorte” (RAMOS, 2014,
p. 24).
O ano de 1909 é considerado o marco do ensino profissionalizante no Brasil com a
criação de dezenove ‘Escolas de Aprendizes Artífices’, por meio do Decreto nº 7.566, de 23
de setembro de 1909, do então presidente da República Nilo Peçanha. Neste momento foi
deslocada a preocupação assistencialista de atendimento a menores abandonados e órfãos para
a preparação de operários para o exercício profissional, atendendo às necessidades emergentes
da agricultura e da indústria.
Em 1931, com a reforma educacional implementada por Francisco Campos, o
governo federal compromete-se com o ensino secundário, mantendo o caráter enciclopédico e
perpetuando a característica elitista desse ensino. Os ramos profissionais foram ignorados,
criando-se dois sistemas independentes, deixando clara a hegemonia dominante baseada na
economia capitalista que veio aumentando sua força no Brasil, a partir de 1930. A
Constituição de 1937 responsabilizou as indústrias pela criação de escolas de aprendizes
destinadas aos filhos dos operários que trabalhavam nestes locais.
No ano de 1942, na gestão do Ministro Gustavo Capanema, os Liceus deram lugar às
‘Escolas Industriais e Técnicas’, acentuando a velha tradição do ensino acadêmico,
propedêutico e aristocrático, fortalecendo também o ensino privado e mantendo duas
estruturas educacionais paralelas e independentes. A mudança seguinte ocorreu em 1959, com
as primeiras ‘Escolas Técnicas Federais’, pois o quadro da industrialização exigia maior
qualificação da mão de obra e, consequentemente, nova organização dos estabelecimentos de
88
ensino industriais. O Estado passa a assumir parte da qualificação da mão de obra, de forma
que a partir deste momento a escola passa a ser entendida como instrumento de controle
social. A Lei nº 4.024/61 deu um caráter mais universal ao ensino técnico. A Lei no 5.692, de
11 de agosto de 1971, colocou como compulsória a profissionalização em todo o ensino de 2 o
grau, concebendo uma ligação entre educação e produção capitalista.
Em 1982, através da Lei nº 7.044, é extinta a obrigatoriedade da profissionalização
no ensino de 2º grau, ficando a cargo somente das Escolas Técnicas.
A efetiva transformação das escolas técnicas em CEFETs deu-se mediante decreto
para cada uma delas, após aprovação de um projeto apresentado pela instituição, elaborado
segundo as diretrizes estabelecidas pela Portaria nº. 2.267/1997.
Em 2008, outro marco na história da Educação Profissional no Brasil se deu com a
criação dos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia, a partir da junção dos
CEFETs, Escolas Técnicas e Escolas Agrotécnicas Federais, a partir da Lei nº 11.892, de 29
de dezembro de 2008.
Nessa Lei, no capítulo II, seção III, artigo 7º, são apresentados os objetivos dos
Institutos Federais, prevendo que a educação profissional técnica de nível médio seja ofertada
prioritariamente na forma de cursos integrados. Pela primeira vez exige-se uma formação
integrada em nível de lei.
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, nº 9.394/96, Título V, Capítulo II
– Da Educação Básica, Seção IV-A, resguarda que a oferta da Educação Profissional pode ser
articulada com o ensino médio para aqueles que concluíram o ensino fundamental. Neste
mesmo título, capítulo e seção IV, incluído pela Lei nº 13.415, de 2017, art. 35, tem - se que:
“§ 7o os currículos do ensino médio deverão considerar a formação integral do
aluno, de maneira a adotar um trabalho voltado para a construção de seu projeto de
vida e para sua formação nos aspectos físicos, cognitivos e socioemocionais”
(BRASIL, 2017).

Muitas experiências vivenciadas nas escolas, nos tempos atuais, ainda priorizam um
conhecimento fragmentado, dividido em disciplinas e/ou componentes curriculares, onde
alunos e professores, muitas vezes, não conseguem enxergar a integração, fruto do
positivismo, da ciência moderna e do sistema capitalista que priorizaram a análise das partes
e, por consequência, ramificam cada vez mais o currículo escolar, perdendo a dimensão da
unidade. Ainda devido à burocratização do sistema de ensino, toda esta compartimentalização
é reafirmada como alternativa de trabalho, nos fazendo esquecer que essas especificidades são
parte de um todo coeso e que, inclusive, as disciplinas possuem diversos saberes que se inter-

89
relacionam, podendo ser abordados em sala de aula a partir destas conexões. Este fato
também pode ser acentuado pela negligência de políticas públicas educacionais com relação à
formação docente para os cursos de ensino profissionalizante que, historicamente, conduziu o
ensino técnico a uma posição inferior no sistema educacional e que até hoje sofre com a falta
de investimentos nesta modalidade, além de cortes no orçamento já tão precarizado.
Tendo como foco esta conexão, falar de integração curricular é fundamental, pois diz
respeito não somente a articulação entre a formação geral e profissional, mas numa práxis
sustentada no desenvolvimento do pensamento complexo, na experimentação e no trabalho
como prática educativa, visando a interação entre diversas áreas do conhecimento, sem anular
as especificidades de cada disciplina.
Ao se tratar da educação profissional de nível médio, objetiva-se a formação integral
dos sujeitos, aquela de caráter omnilateral, baseando-se em teorias oriundas do materialismo
histórico-dialético. Ancorado no conceito marxiano de omnilateralidade, Manacorda define
como “desenvolvimento total, completo, multilateral, em todos os sentidos, das faculdades e
das forças produtivas, das necessidades e da capacidade da sua satisfação” (MANACORDA,
2010, p. 94). Nesse processo de formação integral é que o homem se percebe como parte de
um todo, o qual, através do seu trabalho transforma a natureza e se transforma, podendo nas
relações sociais, ser sujeito da história, modificando-a, mas ao mesmo tempo cuidando da
preservação deste local em face às necessidades das gerações futuras. Segundo Duarte (2016),
através dos estudos da estética lukacsiana, a obra de arte segue esta mesma função:
A obra de arte é produto humano e nela está concretizada a característica essencial
do ser humano, qual seja: a capacidade de transformar intencionalmente a natureza e
a si mesmo, de produzir ao longo do processo histórico um mundo social. A arte é,
pois, uma forma da humanidade se colocar diante de si própria como um objeto
externo, é uma possibilidade de vivenciar, de forma condensada e intensificada, os
grandes dramas da história (DUARTE, 2016, p. 211).

Assim, o foco desse trabalho é entender a disciplina de Arte como possibilidade


integradora, de forma a contribuir para a formação profissional e humana dos educandos do
Instituto Federal do Espírito Santo – Campus Venda Nova do Imigrante, buscando romper
com a fragmentação das disciplinas em prol da integração curricular e, consequentemente, da
integração de todas as dimensões da vida no processo educativo. É preciso entender que o
ensino da Arte vai além do desenvolvimento de habilidades e competências, podendo
contribuir significativamente no processo de formação humana, uma vez que propicia, dentre
muitos outros aspectos, a interação com o meio sociocultural, de modo que privar o aluno
dessa formação é negar-lhe o papel de cidadão. Ramos (2014), afirma que reduzir a educação

90
profissional a mera preparação para o mercado de trabalho, opõe-se ao objetivo principal de
formação humana integral, de proporcionar aos educandos a compreensão das dinâmicas que
envolvem o processo sócio produtivo como também habilitá-lo para o exercício autônomo e
crítico das profissões.
Para Ciavatta (2012), o exercício da integração supõe ações coletivas de professores
dispostos a buscar a inovação, ministrando disciplinas de forma mais adequada a esta
integração e considerando a articulação entre arte e ciência como deflagradora de processos
criativos. Nenhuma lei garantirá o exercício da integração se os professores não se
predispuserem a torná-la efetiva. Há que se conscientizar primeiro da obrigatoriedade legal,
depois do entendimento filosófico desta proposta de ensino médio integrado. Esse
entendimento permitirá ver além dos espaços escolares, ao romper com a fragmentação entre
teoria e prática, e compreender o trabalho enquanto processo fundamental ao ser humano.
Defendemos, portanto, a criação de processos que deem maior abertura à integração com
práticas artísticas, estabelecendo um elo mais significativo entre a disciplina em questão com
as demais disciplinas do currículo, objetivando valorizar a Arte como disciplina que também
contribui para a formação humana num patamar de igualdade com as outras áreas de
conhecimento, onde não haja julgamentos de valor. Para Duarte (2008),
Existem aspectos nos quais a vivência estética se assemelha à atividade educativa
como, por exemplo, o fato de que nenhuma delas transforma diretamente a
sociedade, nem mesmo transforma diretamente a vida do indivíduo. Ambas, porém,
podem exercer uma influência decisiva seja na transformação da sociedade seja na
da vida do indivíduo (DUARTE, 2008, p.7).

Saviani (2003) ressalta sobre a importância que a educação pela Arte pode ter na
educação integral, fazendo relações com outras disciplinas do currículo, pois
[...] É uma educação de caráter desinteressado que, além do conhecimento da
natureza e da cultura envolve as formas estéticas, a apreciação das coisas e das
pessoas pelo que elas são em si mesmas, sem outro objetivo senão o de relacionar-se
com elas. Abre-se aqui todo um campo para a educação artística que, portanto, deve
integrar o currículo das escolas. E, nesse âmbito, sobreleva, em meu entender, a
educação musical. Com efeito, a música é um tipo de arte com imenso potencial
educativo já que, a par de manifestação estética por excelência, explicitamente ela se
vincula a conhecimentos científicos ligados à física e à matemática além de exigir
habilidade motora e destreza manual que a colocam, sem dúvida, como um dos
recursos mais eficazes na direção de uma educação voltada para o objetivo de se
atingir o desenvolvimento integral do ser humano (SAVIANI, 2003, p. 328).

Nesse contexto de busca pela garantia de uma formação integrada, torna-se


importante também a retomada do conceito de politecnia, pois apesar dos conflitos
conceituais deste termo, Saviani (2003) declara que essa construção de conceitos se dá em
torno do trabalho enquanto princípio educativo, da superação da dicotomia entre instrução

91
profissional e geral, do domínio dos fundamentos científicos de diferentes técnicas,
permitindo compreender o seu funcionamento para além da concepção burguesa de educação,
aquela fragmentada, já citada anteriormente.
Politecnia significa, aqui, especialização como domínio dos fundamentos científicos
das diferentes técnicas utilizadas na produção moderna. Nessa perspectiva, a
educação de nível médio tratará de concentrar-se nas modalidades fundamentais que
dão base à multiplicidade de processos e técnicas de produção existentes (SAVIANI,
2007, p. 161).

Assim, com a realização dessa pesquisa, buscamos enfatizar que não é possível
conceber a ciência sem criação, sem arte, sem conhecimentos. Para Duarte (2016), não se
trata de contrapor ciência e arte a partir de concepções dicotômicas que separam razão e
emoção, reduzindo a ciência a uma visão reducionista da razão e a arte a uma visão
igualmente reducionista da sensibilidade afetiva. Afirmar que a ciência lida apenas com a
racionalidade é negar e unilateralizar a relação sujeito e objeto. Tanto a ciência quanto a arte
conclamam os aspectos afetivos e cognitivos dos indivíduos. Todos esses aspectos fazem
parte da construção humana e, nesse contexto, o ensino da Arte envolve um conjunto de
inúmeros conhecimentos que possibilitam esta integração, estabelecendo relação com
diversos conteúdos de outras áreas, cada qual com seus saberes, mas objetivando a unidade,
rompendo com a fragmentação das práticas em prol da formação integrada do sujeito
omnilateral.

2 APROXIMAÇÕES TEÓRICAS

Alguns temas/conceitos que serão abordados nesse estudo – como integração


curricular, educação integrada, omnilateralidade, politecnia, trabalho como princípio
educativo – por inúmeras vezes já foram abordados por autores que, com base nos
fundamentos do materialismo histórico-dialético, os apontam como um possível caminho para
o reconhecimento e a superação da dicotomia entre trabalho intelectual e manual, entre teoria
e prática. Destacam ainda que no currículo escolar, de certa forma, esta dicotomia se mantém
com a divisão das disciplinas em núcleo de formação geral/comum e de formação
especial/profissionalizante, conforme afirma Kuenzer (1992). A opção pelos fundamentos do
materialismo histórico-dialético se justifica por considerarmos que estes podem contribuir
para uma análise histórica e dialética da realidade, podendo alcançar, a partir de
conhecimentos iniciais, sínteses que visam à transformação do meio no qual o sujeito está
inserido.

92
Nesse contexto, e no caso específico dessa pesquisa junto ao Curso Técnico em
Administração Integrado ao Ensino Médio do Ifes – Campus Venda Nova do Imigrante,
percebemos a oferta das disciplinas de forma fragmentada, onde o caráter academicista ainda
se sobrepõe. Para Ciavatta (2012), no caso da formação integrada ou do ensino médio
integrado ao ensino técnico, é necessário que:
“[...] a educação geral se torne parte inseparável da educação profissional em todos
os campos onde se dá a preparação para o trabalho: seja nos processos produtivos,
seja nos processos educativos, como a formação inicial, como o ensino técnico,
tecnológico ou superior”. (CIAVATTA, 2012, p. 84).

A Lei nº 9.394/96 traz em seu Artigo 35, entre as finalidades do Ensino Médio, a
preparação básica para o trabalho e a cidadania do educando, a compreensão dos fundamentos
científico-tecnológicos, além da relação entre teoria e prática em cada disciplina.
Complementando, temos as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio e as
Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Profissional Técnica de Nível Médio que
são norteadas pela dimensão ontológica do conceito de trabalho, em que trabalho, ciência,
tecnologia e cultura são entendidos como dimensões indissociáveis da formação humana.
A partir dessas primeiras considerações, formação teórica e prática não podem ser
vistas como blocos distintos, o que se aplica concomitantemente à Base Nacional Comum e à
Parte Diversificada dos cursos técnicos integrados, pois segundo o Parecer do CNE/CEB nº
5/2011, que trata das Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio, é a articulação
de ambas no currículo que prezam pela formação integral do cidadão, perpassando os
interesses mais amplos. A integração curricular objetiva, no processo ensino-aprendizagem,
que os conceitos sejam apreendidos como um sistema de relações de uma totalidade concreta,
cada qual de seu lugar, mas construindo permanentemente relações um com o outro. Os
professores que compõem o núcleo básico não somente como professores da formação geral,
mas também da formação profissional, na medida em que concebam o processo de produção
das respectivas áreas profissionais na perspectiva da totalidade e na sua historicidade
(RAMOS, 2014). É pertinente ressaltarmos que para a efetivação da integração curricular não
há “receita pronta”, mas uma construção dialética, partindo do pressuposto que “não há
conhecimento desintegrado, mas formas e metodologias de ensino desintegradas que
dificultam a integração” (SOBRINHO, 2017, p. 123). É a partir da integração curricular que
se pode garantir concretamente a metodologia responsável por promover a politecnia, a
formação integral e a omnilateralidade.

93
Assim, a disciplina de Arte é proposta nesse trabalho como integradora, buscando
romper com a fragmentação e defendendo a possibilidade de integração curricular. Barbosa
(2009), nessa perspectiva, considera a Arte uma disciplina aguçadora dos sentidos com
saberes específicos, do comportamento exploratório que não ensinados por nenhuma outra
disciplina, que instiga o desejo pela aprendizagem, desenvolve a criticidade, objetivando
analisar a realidade ao entorno e uma possível mudança criativa desse local.
A arte, assim como todas as formas de atividade humana nas sociedades marcadas
pela luta de classes, está subordinada aos processos alienantes, contudo ela pode
incidir indiretamente sobre a base das relações sociais de produção, na medida em
que se volta a desfetichização da realidade humana refletida na consciência dos
indivíduos que atuam na prática social (DUARTE, 2016, p. 215).

Na perspectiva de envolvimento do discente com o contexto no qual está inserida, a


Arte também tem sua função potencializadora, possibilitando que os alunos percebam a
importância da Arte na sua vida, conforme afirmado por Rebouças e Corassa (2009). O ensino
da Arte alicerçado sobre a formação estética e o desenvolvimento cultural, possibilita aos
alunos um olhar diferenciado, sensível e crítico para o seu meio, conforme também afirma
Barbosa (2002), pois por meio da Arte é possível desenvolver a percepção e a imaginação,
apreender a realidade do ambiente, desenvolver a capacidade crítica e criativa, permitindo ao
sujeito analisar o contexto e transformá-lo, como já dito. Nesse sentido, a Abordagem
Triangular proposta por Ana Mae Barbosa, na década de 1980, vem contribuindo para o
ensino da Arte, pois favorece a ampliação de fronteiras culturais e interdisciplinares para o
estudo dessa área.
A terminologia adotada inicialmente no Brasil – metodologia Triangular – foi
cunhada pela Professora Ana Mae Barbosa (a qual modificou posteriormente esta
nomenclatura para Proposta Triangular e para Abordagem Triangular), dialoga com
os fundamentos da proposta difundida nos Estados Unidos com o nome de DBAE –
Discipline-Based Art Education [...]. O termo triangular refere-se aos três aspectos
contemplados por esta proposta – fazer artístico, leitura da imagem e história da arte.
O fazer artístico propicia a auto-expressão, estimulando o pensamento pela criação
visual e desenvolvendo maior força expressiva na produção das formas, [...] está
contextualizado pela história da arte e interpretada pela leitura de imagens. A leitura
de imagens propicia o desenvolvimento de habilidades de ver, interpretar e julgar as
obras de arte e seus elementos, com flexibilidade, devido à pluralidade de propostas
de leitura existentes [...] (REBOUÇAS E CORASSA, 2009, p. 20-21).

No apontamento que fazemos da disciplina de Arte enquanto mediadora no contexto


de fragmentação curricular, Sobrinho (2017) reafirma a importância de se pensar
metodologias nos cursos técnicos integrados ao Ensino Médio que se proponham superar o
ensino conteudista e disciplinar, sendo este o principal desafio da Educação Profissional e
Tecnológica (EPT) a partir dessa nova estrutura, ou seja, dos cursos integrados. Nesse
contexto, o espaço de relações será modificado e assim como todo o currículo, a Arte poderá
94
deslocar o pensamento hegemônico arraigado para inquietações, provocações e mudanças na
EPT.
A Arte na Educação como expressão pessoal e como cultura é um importante
instrumento para a identificação cultural e o desenvolvimento individual. [...] Outro
aspecto importante da Arte na escola em nossos dias é o fato de reconhecer que o
conhecimento da imagem é de fundamental importância não só para o
desenvolvimento da subjetividade, mas também para o desenvolvimento profissional
(BARBOSA, 2002, p.18).

Vale considerar que a integração curricular, fundamentada nas dimensões do


trabalho, ciência e cultura, pressupõe que todos os conhecimentos aprendidos façam parte de
uma totalidade concreta, levando o aluno a um processo de autonomia com relação aos
objetos do saber (BEZERRA, 2013): o trabalho sendo compreendido no seu sentido
ontológico, de realização inerente ao ser humano e também como prática econômica no seu
sentido histórico; a ciência entendida através dos conhecimentos produzidos pela humanidade
que permite o avanço das forças produtivas; e a cultura aos valores éticos e estéticos que
orientam as normas de conduta da sociedade. Para Ramos (2014),
uma formação integrada, portanto, não somente possibilita o acesso a conhecimentos
científicos, mas também promove a reflexão crítica sobre os padrões culturais que se
constituem normas de conduta de um grupo social, assim como a apropriação de
referências e tendências estéticas que se manifestam em tempos e espaços históricos,
os quais expressam concepções, problemas, crises e potenciais de uma sociedade,
que se vê traduzida e/ou questionada nas manifestações e obras artísticas. [...] Sob a
perspectiva da integração entre trabalho, ciência e cultura, a profissionalização se
opõe à redução da formação para o mercado de trabalho. Antes, ela incorpora
valores ético-políticos e conteúdos históricos e científicos que caracterizam a práxis
humana (RAMOS, 2014, p. 90).

Melo e Silva (2017) também nos auxiliam na defesa da integração quando afirmam
que trabalhar a integralidade no currículo não se limita apenas à junção de duas ou mais
disciplinas, sendo importante uma tentativa constante de interação entre as áreas de
conhecimento, como nesse trabalho especificamente.
Sobre a superação desta dualidade estrutural, Frigotto, Ciavatta e Ramos (2012)
também apontam a educação integral como necessidade social e histórica e como uma
possibilidade singular do filho da classe trabalhadora ter acesso à formação integral. Ramos
(2014) complementa que a premissa que orienta o projeto de educação integrada é a de
centralizar e aprofundar o caráter humanista do ato de educar, desconstruindo o parâmetro
colonialista e dual que caracteriza a relação entre educação básica e profissional.

3 PRESSUPOSTOS METODOLÓGICOS

95
A metodologia utilizada nesse trabalho apresenta uma abordagem qualitativa por se
tratar de uma pesquisa que pressupõe a participação dos sujeitos e o contato direto do
pesquisador com o espaço investigado e com esses sujeitos. Por isso também a utilização dos
pressupostos da pesquisa com os cotidianos, por entender que a pesquisa em educação
acontece no percurso, nas relações entre os sujeitos dos contextos cotidianos, buscando uma
aproximação com os conhecimentos criados nesses contextos. Com isto e para a elaboração
de um produto educacional, serão utilizados como instrumentos de investigação análise de
documentos, entrevista semiestruturada e grupos de trabalho, buscando proporcionar a
interação constante entre o pesquisador e o campo de pesquisa.
A pesquisa será realizada no Ifes – Campus Venda Nova do Imigrante, no Curso
Técnico em Administração Integrado ao Ensino Médio, envolvendo os alunos dos primeiros
anos, como também o professor de Arte e os professores que ministram os demais
componentes curriculares deste mesmo curso. A escolha da turma está relacionada à matriz
curricular adotada neste Campi que contempla a disciplina de Arte nas turmas dos primeiros
anos do Ensino Médio Integrado ao Curso Técnico, propiciando que no início da formação os
alunos vivenciem o diálogo da Arte com outras disciplinas do curso, contribuindo para sua
formação integral, seu processo de humanização. A escolha pelo no Curso Técnico em
Administração Integrado ao Ensino Médio se justifica por ser ofertado na maioria dos Campi
do Ifes, incluindo o Campus de Venda Nova do Imigrante.
O trabalho iniciou-se com uma pesquisa bibliográfica, objetivando ampliar conceitos
de integração curricular, educação integrada, trabalho como princípio educativo,
omnilateralidade, politecnia e ensino da Arte, além de legislações que regulamentam a
educação profissional e média, como a LDB (Lei nº 9.394/96), as Diretrizes Curriculares
Nacionais para o Ensino Médio e as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação
Profissional Técnica de Nível Médio. Concomitantemente, realizamos análises e produção de
dados a partir do Projeto Pedagógico do Curso Técnico em Administração Integrado ao
Ensino Médio, de modo a encontrar possibilidades de integração curricular entre a Arte e os
demais componentes curriculares.
Com os professores, a princípio, faremos uma entrevista semiestruturada para a
sondagem de possibilidades na integração dos conhecimentos e após, grupos de trabalho para
reflexão sobre como as práticas artísticas se inter-relacionam com os conteúdos abordados por
eles, a fim de propor a superação da fragmentação desses conteúdos através de atividades
integradoras, elaborando coletivamente as estratégias acadêmico-científicas de integração.

96
Em seguida à atividade com os grupos de trabalho, pretendemos elaborar um
“caderno de atividades didáticas”, a partir do diálogo estabelecido entre a disciplina de Arte e
as demais disciplinas do Curso Técnico em Administração Integrado ao Ensino Médio. O
material educativo em formato de “cadernos didáticos” e fundamentado pela Proposta
Triangular no ensino da Arte, poderá vir acompanhado de pranchas, cartões com imagens,
CD/DVD, textos e outros materiais que se fizerem necessários no momento da elaboração.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conclui-se que essa pesquisa, ainda em fase de elaboração e partindo do estudo de


conceitos/temáticas como integração curricular, educação integrada, omnilateralidade,
trabalho como princípio educativo, politecnia e ensino da Arte, possibilitará uma
aproximação, de forma sutil e processual, de diversas disciplinas de um curso técnico
profissionalizante integrado ao Ensino Médio em que se busque a concretização da formação
humana integral, conforme objetivam as legislações e os objetivos que abarcam esta
modalidade de ensino.
A partir desse estudo, trabalhos futuros poderão apresentar outras propostas de
integração curricular entre as disciplinas do Ensino Médio Integrado, buscando ações que
ultrapassem a fragmentação, a valorização do saber intelectual sobre o manual e da teoria
sobre a prática, entre outros binarismos, para assim obter uma maior aproximação da
educação integrada como possibilidade de formação de um sujeito completo, de modo a
convergir para a superação da dualidade estrutural imposta pela economia capitalista.

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99
TEATRO NA ESCOLA: UM EXERCÍCIO DE CRIAÇÃO, SOCIALIZAÇÃO E
DESENVOLVIMENTO HUMANO

Leila Patrícia Silva Oliveira

RESUMO
Trata este texto de uma pesquisa realizada durante a participação da EMEF Álvaro de Castro
Mattos, da rede municipal de Educação de Vitória - ES, no Programa Municipal de Iniciação
Científica Junior (PIBIC Jr.) do Fundo de Apoio à Ciência e Tecnologia do Município de
Vitória (Facitec), no ano de 2014. Na ocasião, a escola desenvolvia havia quatro anos o
projeto de teatro “ACM em Cena”. Em paralelo, outra EMEF do mesmo município, Adilson
da Silva Castro, desenvolvia um projeto de teatro com o grupo “Reticências”. O objetivo do
estudo foi acompanhar e comparar, em um estudo de caso, os grupos de alunos atuais e ex-
alunos participantes de projetos de teatro, com os grupos de controle, a fim de analisar a arte
teatral como elemento formador das relações socioculturais, contribuindo para o processo de
criação como um sistema vivo de autoprodução para o desenvolvimento humano. O estudo
teve abordagem qualitativa e exploratória, adotando a modalidade Estudo de Caso. Os jovens
pesquisadores vivenciaram experiências de pesquisa ao ter contato com toda a comunidade
escolar de ambas as escolas, aplicando questionários e realizando entrevistas. A pesquisa
reforça a valorização das artes e sua contribuição na formação de um ser humano crítico e
criativo, capaz de participar ativamente da sociedade.

Palavras-chave: Teatro-educação. Arte. Processo criativo. Cultura.

ABSTRACT

This text describe a research carried out during the participation of the Municipal School of
Basic Education (EMEF) Álvaro de Castro Mattos, from Municipal Education Nework of
Vitória – ES, in the Júnior Municipal Program of Scientific Initiation (PIBIC Jr.) of the
Support Fund for Science and Technology of the Vitoria city (Facitec), in the year 2014.
Over the past four years the schcool was developing a theater Project named “ACM em
cena”. At the same time, another Municipal School in the same city, was developing a theater
Project with the “Reticencias” group. The purpose of the study was to follow up and compare,
from a case study, the current students and x-students who have participated of theater project
with the control group, aimed to analize the theatrical art as an element of development of the
socio-cultural relations, contributing to the creation process as a living system of self-
production for human development. The study had qualitative and exploratory approach,
adopting the case study as modality. The young researchers experienced the research by
contacting with entire school community of both schools, applying questionnaires and
conducting interviews. The research reinforces the valorization of the arts and their
contribution in the formation of a critical and creative people, capable of actively participate
of the society.

100
Keyword: Theater-education. Art. Creative process. Culture.

1 INTRODUÇÃO

Não se sabe ao certo como ou quando surgiu o teatro, no entanto essa linguagem faz parte da
vida do homem há muito tempo, quando este já sentia a necessidade do jogo e, no espírito
lúdico, aparecia a incontida ânsia de “ser o outro”. O jogo teatral e a ação de representação
nascem essencialmente vinculados ao ritual mágico e religioso primitivo. Assim, o teatro
surgiu a partir do desenvolvimento do próprio homem que, a partir de suas necessidades,
expressava seus sentimentos por meio dessa linguagem, contando histórias e louvando seus
deuses.

Tendo em vista a importância que o teatro exerce no desenvolvimento humano desde tempos
mais remotos, é importante compreendermos a sua relevância no processo educacional, uma
vez que essa arte proporciona uma experiência que emerge “energia do coletivo quase
esquecida, pouco utilizada e compreendida, muitas vezes depreciada” (SPOLIN, 2008, p. 21).

Nesse sentido, a experiência com o teatro na escola, tema desta pesquisa, amplia a capacidade
de dialogar, de negociar, de tolerar e de conviver com a ambiguidade. No processo de
construção dessa linguagem, a criança e o jovem adolescente estabelecem com seus pares
uma relação de trabalho combinado à sua imaginação criadora com a prática e a consciência
na observação de regras através dos jogos teatrais, nos quais o aluno deve tocar a realidade e
contá-la segundo sua experiência e história pessoal vivida. Esse movimento de jogar é
exercido livremente e com naturalidade, pois o que impera no jogo é a improvisação e a
espontaneidade.

Este estudo leva em consideração todos esses elementos e dialoga com estudiosos como
Spolin (2008) e Reverbel (1989, 2009), que discutem a importância do jogo teatral; Ostrower
(1987), que explana sobre o processo criativo; Kastrup (1999), que contribui com pesquisas
sobre cognição e subjetividade. Esses diálogos, entrelaçados aos relatos e à produção de dados
por parte dos alunos e dos pesquisadores, possibilitam discutir sobre a pergunta cerne deste
estudo: Qual a contribuição da linguagem cênica na construção de conhecimentos e no
desenvolvimento humano de alunos participantes em projetos de teatro na escola?

101
Para isso, este estudo analisa a relevância do desenvolvimento de projetos de teatros em
escolas do Ensino Fundamental, partindo de dois exemplos de projetos desenvolvidos nas
EMEFs da Prefeitura Municipal de Vitória, Álvaro de Castro Mattos, com o “Grupo Teatral
“ACM em Cena”, e Adilson da Silva Castro, com o grupo “Reticências...”.

Durante a participação no Programa Municipal de Iniciação Científica Junior (PIBIC Jr.) do


Fundo de Apoio à Ciência e Tecnologia do Município de Vitória (Facitec), em 2014, dez
alunos do “Grupo Teatral ACM em Cena”, contemplados com bolsa do programa, puderam
exercer a experiência de alunos pesquisadores. O objetivo do estudo foi acompanhar e
comparar, em um estudo de caso, os grupos de alunos (à época) e ex-alunos participantes de
projetos de teatro, com os grupos de controle e fazer a análise comparativa da arte teatral
desenvolvida nessas duas escolas, na condição de elemento formador que contribui para o
processo de criação como um sistema vivo de autoprodução permanente para o
desenvolvimento humano integrado.

Diante da pertinência deste tema, compreende-se que, mesmo se tratando de uma experiência
vivenciada há cinco anos, é relevante de ser compartilhada no XIII Seminário Capixaba sobre
o Ensino da Arte, uma vez que fomenta uma discussão ainda atual sobre a importância da
linguagem cênica no processo de ensino, aprendizagem e desenvolvimento humano, que
instiga a trilhar cada vez mais caminhos contemporâneos para educação em Arte.

2 ASPECTOS METODOLÓGICOS: UM CAMINHO INVESTIGATIVO

A pesquisa teve abordagem qualitativa e exploratória, adotando a modalidade estudo


de caso. Foi desenvolvida a partir dos relatos de experiência dos alunos participantes do
projeto “grupo teatral acm”, totalizando 16 integrantes com faixa etária entre 12 e 16 anos, da
emef “álvaro de castro mattos”, da prefeitura municipal de vitória. Houve intercâmbio com a
escola convidada para a pesquisa, emef adilson da silva castro, com o grupo de teatro
“reticências...", composto por 17 alunos com faixa etária entre 11 e 14 anos, também do
município de vitória.

102
Desse grupo, foram analisados na pesquisa os relatos de 6 alunos do Grupo Teatral
“ACM em Cena”, uma vez que os outros dez eram bolsistas do PIBIC Jr., e esses participaram
como pesquisadores; e 17 do grupo de teatro “Reticências...", totalizando 23 alunos, além da
participação de 23 ex-integrantes dos dois grupos de teatro.
Convém esclarecer que o grupo Reticências pertence a um projeto de teatro iniciado
desde 2009, na EMEF Adilson de Castro Matos, idealizado e coordenado por um professor de
Arte do turno vespertino. O intercâmbio com o grupo ACM em Cena visou propiciar aos
alunos uma vivência prazerosa e significativa com a linguagem cênica, a fim de contribuir
com a expansão do universo cultural dos educandos, enriquecendo a forma como viam e
interpretavam o mundo, bem como a maneira como se relacionavam consigo mesmos e com
os outros.

2.1 GRUPO CONTROLE

O grupo controle foi composto por duas equipes de 23 alunos (um grupo que estudava
na escola e outro de ex-alunos). Em ambos, havia alunos, em igual proporção, que passaram
pelo projeto de teatro e outros que não vivenciaram essa experiência. O objetivo foi realizar
uma análise comparativa entre esses dois casos.

2.2 ESTRATÉGIAS DE INTERAÇÃO/SOCIALIZAÇÃO COM A ESCOLA E


MATERIAL UTILIZADO NA COLETA DE DADOS

Foram analisados quatro grupos: 1) alunos que tiveram experiência com o projeto de
teatro; 2) alunos que não vivenciaram o projeto de teatro; 3) ex-alunos que tiveram
experiência com o projeto de teatro; 4) ex-alunos que não vivenciaram o projeto de teatro. Os
alunos bolsistas, em pesquisa de campo nas EMEFs “ACM” e “ASC”, aplicaram
questionários elaborados no grupo de estudo, além de entrevistarem a comunidade escolar.
Esse contato em campo possibilitou acessar informações referentes ao desempenho desses
alunos da escola participante do projeto de teatro e do grupo controle; também possibilitou
observar o comportamento e o processo de aprendizagem dos alunos nas aulas (disciplinas do
núcleo comum).
Os questionários e as entrevistas abordaram questões sobre comportamento,
dificuldade de relacionamento, comunicação, aprendizagem, a fim de compreender a relação
humana desenvolvida por esses estudantes na escola e no ambiente sociocultural. Esse

103
levantamento possibilitou a elaboração de relatórios sobre os dois grupos de 23 alunos do
projeto de teatro. A aplicação desses questionários e entrevistas aconteceu no início e no final
da pesquisa, possibilitando uma análise comparativa sobre a influência do ensino de teatro na
formação dos alunos participantes e dos que atuaram no projeto anteriormente.
Assim, a coleta de dados reuniu a documentação desses materiais em uma
apresentação comparativa entre os grupos e seus grupos de controle.
Com relação aos 23 ex-alunos, a análise do questionário e das entrevistas considerou a
repercussão que os conhecimentos e a experiência com o teatro teve na sua vida durante e
após a saída do grupo, por estarem terminando o Ensino Fundamental e ingressando no
Ensino Médio. A tabulação dos dados culminou numa análise qualitativa sobre a importância
do contato com o teatro na vida desses jovens que desenvolveram os trabalhos no Grupo
Teatral ACM em Cena e no “Grupo Reticências...”.
Os alunos bolsistas da EMEF ACM fizeram um intercâmbio no grupo Reticências para
desempenhar seus estudos em campo e interagir com a comunidade escolar, que incluiu
alunos, diretor, coordenador, pedagogo e professores. Isso possibilitou a troca de experiências
e o enriquecimento em relação à linguagem cênica, que foram explanados posteriormente em
forma de relatos de experiência.

3 ANÁLISE TEÓRICO METODOLÓGICA DE PESQUISA A PARTIR DOS DADOS


COLETADOS

O estudo de caso como instrumento de investigação é uma modalidade de pesquisa


que pode ser aplicada em diversas áreas do conhecimento. Descrevê-lo pode ser uma tarefa
complexa, uma vez que ele é empregado de modo diferente com abordagens quantitativas e
qualitativas, não só na prática educacional, mas em muitos campos do conhecimento.

Na abordagem qualitativa da pesquisa, as características consideradas fundamentais


são: a interpretação dos dados feita no contexto; a busca constante de novas respostas e
indagações; a retratação completa e profunda da realidade e a revelação dos diferentes pontos
de vista sobre o objeto de estudo. Convém registrar que não é intenção desta pesquisa
apresentar resultados fechados, uma vez que os benefícios do teatro para a aprendizagem dos
alunos e sua contribuição como formação humana não podem e não devem ser mensurados

104
apenas de uma breve pesquisa de alguns meses; muitos dos resultados mais significativos se
apresentam em longo prazo.
No entender de Costa (2007), os achados e resultados de pesquisa são parciais e
provisórios, não temos que ter a pretensão de contar a verdade total e definitiva. Segundo a
autora, em Uma Agenda para Jovens Pesquisadores, a cartografia total de uma ideia ou
problema vem se mostrando impossível, pois parece não ser possível mapear todas as
alternativas de configuração de um campo. Nesse contexto, não houve a intenção de
desenvolver uma pesquisa quantitativa a partir de um rigor científico objetivo, mas utilizar
dados estatísticos para fundamentar uma análise qualitativa dos fatos de forma subjetiva.
SPINK (2000, p. 63), sobre as abordagens qualitativa e quantitativa, analisa “[...] os
argumentos utilizados pelos pesquisadores que advogam o uso do método qualitativo, sem,
contudo, refutar a utilidade do quantitativo”, apontando a pesquisa como “uma prática social
que assume papel de destaque” (p. 63), reconhecendo que esse tipo de postura pode fazer com
que o pesquisador tenha responsabilidade durante todo o processo da pesquisa e não somente
na apresentação de um produto.
“[...] pesquisas qualitativas passam a buscar sua identidade no confronto entre
métodos, no conjunto sempre crescente de opções metodológicas e no debate
metodológico mais amplo sobre a objetividade. A busca de elementos comuns põe
em evidência o caráter processual da pesquisa – numa aceitação plena do
dinamismo, historicidade e contextualidade implícita do nosso conhecimento sobre o
mundo” (SPINK, 2000, p. 63).

Os resultados mensurados do quantitativo obtido das questões sobre o comportamento,


que revelaram as expectativas dos alunos em relação ao projeto de teatro, foram consideráveis
para a análise do objeto em estudo. Em um trabalho de pesquisa científica, a necessidade de
definir o objeto de estudo e posteriormente construir um processo de investigação é muito
relevante.
Quanto às observações realizadas, essas consideravam diferentes aspectos, que
variavam de acordo com a ocasião, o espaço e a proposta. Quando os alunos atuavam na peça,
não era possível que eles fizessem análises, mas podiam observar o contexto da produção: os
ensaios, as atividades realizadas nas oficinas, as experiências vivenciadas na preparação do
texto, as leituras dramáticas, a construção dos personagens além dos momentos de reflexões
que aconteciam sempre ao final de cada oficina de teatro. Esses momentos finais aconteciam
nas oficinas do projeto de teatro do ACM, e eram muito importantes para os alunos
pesquisadores, porque representavam uma oportunidade de observarem como cada um dos
colegas faziam suas análises, avaliações e autoavaliações sobre as vivências na oficina de

105
teatro naquele dia, levando em consideração vários aspectos como o comportamento, o
desenvolvimento nas atividades, a capacidade de arguição, a desenvoltura, a técnica, dentre
outros aspectos.
A mesma forma de observação era feita também nas oficinas do Grupo Teatral
“Reticências”, levando em consideração que, nesse caso, os alunos pesquisadores podiam
entender suas investigações até a apresentação das peças, então podiam fazer um comparativo
em relação à aplicação do que fora realizado a partir dos ensaios.
Os objetivos da pesquisa foram atingidos a partir do momento em que os dados
quantitativos foram comparados, o que fomentou a análise qualitativa através dos relatórios
produzidos das observações em campo.

4 O DESENVOLVIMENTO HUMANO INTEGRADO NA ESCOLA: UM DIÁLOGO


TEÓRICO COM O TEATRO

A reflexão sobre a importância do teatro na escola conjectura em sua essência


discussões pertinentes para se entender as relações humanas e o processo de humanização no
ambiente escolar.
Atualmente, a tecnologia produz complexidades que afetam a forma de seres humanos
viverem e estarem no mundo. A fragmentação de conhecimentos especializados contribui
progressivamente para construção de relações humanas cada vez mais indidividualizadas e
sem conexão com o todo. Para Ostrower (1987), essa exigência de indivíduos especializados
pouco tem de imaginativo.
De modo geral restringe-se, praticamente em todos os setores de trabalho, a processos
de adestramento técnico, ingnorando no indivíduo a sensibilidade e a inteligência espontânea
do seu fazer. Isso, absolutamente, não corresponde ao ser criativo (OSTROWER, 1987, p.
38).
A autora afirma que a imaginação e o pensamento criativo “não podem ser
confundidos com a mentalidade mecânica e unilateral da superespecialização”(OSTROWER,
1987, p. 38). A partir dessa explanação, ela reintera a importância das formas de
relacionamentos afetivos que ultrapassam o modelo fragmentado da superespecialização.
FISCHER (1987) considera o problema da fragmentação ainda maior: quando está
ligada à mecanização e à especialização do mundo moderno, segundo ele, é produzida pela
“força opressora de suas máquinas anônimas, com o fato de a maior parte de nós ser forçada a
106
se empenhar” (FISCHER, 1987, p. 108). Com isso, constituem-se em atividades fragmentadas
que nos impedem do desenvolvimento global. Para o autor, nesse contexto do trabalho
fragmentado, a imaginação é bombardeada por uma massa de detalhes que impede uma visão
total. Contudo, entende-se que, desse modo, a sociedade caminha para um desmembramento
que produz indivíduos desintegrados de uma totalidade, tendo como consequência um
esfriamento e distanciamento das relações afetivas.
Para Ostrower (1987), esse processo de desintegração como ser social produz no
indivíduo uma alienação de si, “do seu trabalho, de suas possibilidades de criar e de realizar
em sua vida conteúdos mais humanos”(p. 6). A autora entende que só é possível o processo de
criação num sentido global: “[...] como um agir integrado em um viver humano (...) criar e ver
se interligam”(p. 5).
Portanto, a escola não está devinculada desse contexto social, uma vez que se espera
dela a produção de indivíduos ajustados à sociedade moderna. Um reflexo desse pensamento
ideológico de fragmentação está presente, por exemplo, na construção do próprio currículo,
cuja organização fragmentada hierarquiza o conhecimento e racionaliza o processo de ensino
e aprendizagem, desconectando o cognitivo do desenvolvimento expressivo muitas vezes
depreciado pela própria escola. Outro exemplo de hieraquização é a distribuição da carga
horária para cada disciplina, atribuindo-se tempo menor para as linguagens artísticas, seja
artes visuais, música, teatro ou dança.
Nessa corrente, Reverbel (1989) questiona que o ensino em nossas escolas seja
tradicionalmente voltado para os aspectos cognitivos. Embora reconheça que existe uma
literatura no campo da educação que procura valorizar os aspectos afetivos e psicomotores, a
autora aponta que extiste um distanciamento entre teoria e prática. Ela destaca, por exemplo,
o fato de alunos que possuem alto nível intectual, que dominam os contéudos do currículo,
mas apresentam dificuldade para “expressar tais conhecimentos através de simples gesto ou
discurso espontâneo” (REBERVEL, 1989, p. 34). Nesse sentido, a autora reintera o quanto o
ensino de teatro é fundamental, uma vez que estimula, pelos jogos de imitação e criação, o
desenvolvimento da aprendizagem não somente da arte, mas das demais disciplinas.
Feitas essas premissas, retoma-se que a presente pesquisa tem como uma das propostas
dicutir e investigar os benefícios de se desenvolver projetos de teatro na escola. Com isso, um
dos pontos a serem ressaltados é a interdiciplinariedade que essa linguagem artística pode ter
com outras áreas dos conhecimento, promovendo principalmente um desenvolvimento
expressivo e integrado a partir da experiência criativa.

107
Spolin e Amos (1979), com relação à experiência criativa, possibilitam uma
interlocução com o que já foi esplanado em relação à integração do congnitivo e o
conhecimento expressivo; eles reconhecem que “experenciar é penetrar no ambiente, é
envolver-se total e organicamente com ele. Isso significa envolvimento em todos os níveis:
intelectual, físico e intuitivo” (p. 3).
Contudo, cumpre frisar que as atividades de arte na escola não visam formar artistas,
mas desenvolver seres espontâneos capazes de se expressar de forma critiva, tornando-se
seres sociais sensíveis e imaginativos, “aptos a construir gradualmente sua própria escala de
valores e desenvolver seu senso estético” (REVERBEL, 1989, p. 36).
Reverbel (2009), ao apresentar as atividades globais de expressão nos jogos teatrais,
destaca a importância que o relacionamento, a espontaneidade, a imaginação, a observação e
a percepção exercem no desenvolvimento expressivo humano de forma integrada. Essas
atividades de expressão se correlacionam com os resultados desta pesquisa quanto ao
exercício de criação, socialização e desenvolvimento humano através da experiência dos
projetos de teatro realizados nas EMEFs Álvaro de Castro Mattos com e Adilson da Silva
Castro. Por isso, será abordado de forma sintetizada cada conjunto de expressão explandado
por Reverbel (2009).
O relacionamento é apontado pela autora como um dos conjuntos que deve ser
considerado prioritário, pois a partir deste os demais se correlacionarão; uma uma vez que há
uma relação social construída, segundo Reverbel (2009), “[...] os alunos se tornam mais
espontâneos e juntos podem imaginar situações com novas linguagens; nesta etapa passam
a observar o mundo e os outros, e procuram perceber tudo em seu menores detalhes” (p. 23).
Anteriormente, foi explanado como uma ideologia de fragmentação instituída em
nossa sociedade moderna pode refletir nas relações sociais humanas. Não cabe neste texto
abordar negativamente o uso da tecnologia moderna, o que seria arbitrário, uma vez que esta
gerou importantes avanços para a ciência, principalmente no campo da medicina. Porém, é
importante ressaltar que a experiência formativa vem sendo comprometida, uma vez que
causa um empobrecimento das relações humanas, que estão mais frias e distantes,
principalmente em tempos em que as redes sociais gradativamente substituem o encontro
presencial por relações vituais cada vez mais efêmeras e sem substâncias.
O ensino do teatro, nesse contexto, se torna de extrema importância enquanto
ferramenta pedagógica que, na contramão desse pensamento moderno, contribui com um
processo de aproximação humana. Ao contrário de uma experiência somente virtual,

108
proporciona uma experiência espontânea, natural e intuitiva. Para Spolin e Amos (1979), a
intuição é vital para a aprendizagem, mesmo sendo negligenciada por ser considerada
equivocadamente como mera dotação. Esta gera dádivas quanto à espontaneidade, que para
os autores é o momento de descoberta, de experiência e expressão criativa. “A
espontaneidade é um momento de liberdade pessoal quando estamos frente a frente com a
realidade e a vemos, exploramos e agimos em conformidade com ela. Nessa realidade, as
nossas mínimas partes funcionam como um todo orgânico” (SPOLIN; AMOS, 1979, p. 4).
Novamente, vale ressaltar a relevância do teatro enquanto linguagem artística que
promove o funcionamento do todo orgânico. Spolin (2008) afirma, sobre o intuitivo, que este
“só pode ser sentido no momento da espontaneidade, (...) somos libertos para nos
relacionarmos e argirmos, envolvendo-nos com o mundo em constante movimento e
transformação à nossa volta” (p. 31).
A imaginação, assim como a criação já mencionada, de acordo com Reverbel (2009),
está relacionada à observação, à percepção e à memória. Para Ostrower (1987), as
associações que provindas de áreas inconscientes do nosso ser, ou talvez pré-conscientes,
compõem a essência do nosso mundo imaginativo.
As associações nos levam para o mundo da fantasia (não necessariamente a ser
identificado com devaneios ou com o fantástico). Geram nosso mundo de imaginação. Geram
um mundo experimental, de um pensar e agir em hipóteses – do que seria possível, se nem
sempre provável. O que dá amplitude à imaginação é essa nossa capacidade de perfazer uma
série de atuações, associar objetos e eventos, poder manipulá-los, tudo mentalmente, sem
precisar de sua presença física (OSTROWER, 1987, p. 20).
Sobre o ser consciente-sensível-cultural, Ostrower (1987) ressalta que, na integração
do consciente, do sensível e do cultural se baseiam os comportamentos criativos do homem.
Somente ante o ato intencional, isto é, ante a ação de ser consciente, faz sentido falar de
criação.
Sobre a imaginação dramática, Koudela (2009), reconhece sua importância como
“parte fundamental no processo de desenvolvimento da ineligência” (p. 28). A autora destaca
que ela deve ser cultivada por todos procedimentos modernos de educação.
Os resultados da pesquisa evidenciam o quanto se faz necessário um projeto de teatro
como os que aconteceram nas EMEF’s. Pode-se conferir relatos que demonstram a
importância que o projeto de teatro representou para os alunos e familiares, comprovando

109
relevância do teatro como atividade que contribuiu para o desenvolvimento de seus
participantes:
Para quem gosta de falar muito rápido e contar até nos mínimos detalhes, o teatro, a
princípio, veio como uma válvula de escape para minha filha Beatriz, pois nas aulas ela pode
expressar toda essa vontade de comunicar. Ao passar do tempo, percebi que com as aulas, ela
melhorou bastante em relacionamento com as pessoas, passou a ter mais concentração nas
suas obrigações escolares, e também muita responsabilidade com o texto (Sheila, 2014 – mãe
de Beatriz, integrante do Grupo Teatral ACM em Cena).
É evidente o quanto o contato com o teatro influenciou a vida dos alunos participantes
do projeto: “Pra mim o teatro foi tudo na minha vida. Quando comecei a fazer teatro, eu
comecei a perder minha timidez, porque eu era uma menina muito quieta e tímida, tinha muita
vergonha de apresentar trabalhos ao público, até para meus amigos de sala” (Larissa – fala de
integrante do Grupo Teatral ACM em cena).
Assim, a pesquisa, além de ser uma via para a construção de conhecimento e
informações, é base para o progresso humano no mundo científico, tecnológico e cultural.
Cabe, neste estudo, ressaltar a importância que esses jovens pesquisadores do
Programa Municipal de Iniciação Científica Junior da Facitec exerceram na pesquisa e a
experiência adquirida ao longo de todo o processo, pois puderam vivenciar experiências
diversas de pesquisa ao ter contato com toda a comunidade escolar de ambas as escolas. Isso
gerou uma riqueza de dados que fomentou as análises e os resultados, além de possibilitar o
acesso dos jovens pesquisadores a lugares que eles desconheciam.
O ato de improvisar, proposto nos jogos teatrais observados nas oficinas,
possibilitaram a invenção de problemas permanentes: bifurcação, perturbação (breakedown),
desestabilização e criação de caminhos divergentes sem previsibilidade no processo de
criação.
A partir do estudo das teorias de Kastrup (1999), foi possível compreender que
acompanhar a vivência dos alunos no momento de criação e construção de problemáticas, por
meio de observação, é uma experiência enriquecedora e ao mesmo tempo essencial para a
pesquisa, além de oportunizar conhecer o ambiente onde se está inserido e familiarizar-se com
seus conflitos.
Assim, fazer pesquisa implica defender uma ideia, fundamentando-a com bibliografias
e dados do mundo real e ou das páginas que são espelhos de mundo. É fazer consultas a
questionários, entrevistas realizadas e relatórios; é também buscar novas informações e se

110
reinventar no percurso com ousadia de um pesquisador que também é capaz de criar e não
meramente constatar os dados. Como afirma Costa (2007, p. 149), “[...] É olhar para o objeto
e possibilitar as interrogações sobre ele”. É ver o mundo todo cheio de possibilidades e
descobertas. “O mundo continua mudando. Não cristalize seu pensamento. Ponha suas ideias
em discussão, dialogue, critique, exponha-se. [...]. Há muitas e várias formas de compreender,
explicar e conceber as coisas do mundo e da vida” (p. 149).
À vista disso, é basilar reconhecer a importância da pesquisa como um instrumento
realizado pelo aluno na construção do conhecimento e o despertar para sua formação como
leitor e pesquisador. Por isso, é necessário um professor, sempre que possível, para ser
mediador e incentivador da construção da aprendizagem e da autonomia do estudante.
Segundo Demo (2007), pesquisar implica tanto cultivar a consciência crítica, quanto
saber intervir na realidade; trata-se de ler a realidade de modo questionador e construí-la
como sujeito competente. Para o autor, o aluno não é objeto de ensino, é sujeito do processo,
parceiro de trabalho. Nesse sentido, ele acredita que a característica emancipatória da
educação exige a pesquisa como método formativo. Não se faz antes pesquisa, depois
educação, ou vice-versa, mas no mesmo processo, educação por intermédio da pesquisa.
Sendo a pesquisa uma produção de conhecimento, não implica copiar ou reproduzir,
mas produzir. E ter a oportunidade de vivenciar essa experiência ainda no ensino fundamental
é algo muito gratificante não só para os alunos participantes, mas para o professor orientador,
mediador e principalmente incentivador, por acreditar no poder do pesquisar, que educa e
forma. Por conseguinte, os alunos críticos e questionadores se tornam mais capazes de refletir
e entender sobre principalmente questões das relações humanas.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em meio à crise referencial em que as diferenças reclamam os seus espaços e o


homem é chamado a se reinventar diante dos novos desafios e das adversidades, a arte
reaparece no cenário como elemento de abertura ao novo, à formação crítica.
O ser humano está fragmentado em uma cultura na qual o individualismo é cultuado.
O indivíduo não encontra seu espaço no todo, não se encontra. Logo, tentando se expressar, o
homem se fragmenta em modelos padronizados de como deve fazer/ser e onde a soma das
diferenças não é possível, pelo contrário, é repulsiva. A contrapor essa forma de expressão, a
arte teatral o instiga a (re) pensar possibilidades de integrar as diferenças.

111
O teatro desperta o interesse das pessoas porque apresenta elementos que abrem
possibilidades de visualizar universos diferentes, vivenciar outras realidades e, de forma
sensível, tocar essa realidade, (re) significando através do ato de criar e representar. Na
escola, o teatro exerce função importantíssima, pois as atividades do jogo teatral possibilitam
autoconhecimento e conhecimento do outro.
Como processos intuitivos, os processos de criação se interligam intimamente com o
nosso ser sensível. Mesmo no âmbito conceitual ou intelectual, a criação se articula
principalmente por meio da sensibilidade.
Portanto, a iniciativa de fazer uma pesquisa com estudo em uma linguagem tão
importante como o teatro representa um avanço na concepção e valorização das artes e sua
contribuição na formação de um ser humano crítico e criativo, capaz de participar ativamente
da sociedade.
É fato que um único projeto de teatro na escola não pode ser visto como uma tábua de
salvação, mas como um colaborador no desenvolvimento da aprendizagem. Não existe na
educação projeto educativo que ofereça uma receita milagrosa para resolver os problemas
existentes na escola, como defasagem, reprovação ou indisciplina, principalmente em um
espaço de tempo tão curto, pelo contrário. Muitos dos resultados positivos são obtidos em
longo prazo, com a maturidade muitas vezes formada em meio a projetos educativos dos quais
os jovens participem ao longo da vida escolar. Nos resultados obtidos neste estudo sobre os
projetos de teatros, foi observado o quanto os alunos participantes se desenvolveram e se
tornaram capazes de refletir e atuar criticamente enquanto indivíduos socioculturais.
Os dados por meio do questionário apontam uma mudança significativa com relação
ao desenvolvimento dos alunos nos projetos de teatro: 62% dos entrevistados reconheceram
que desempenharam uma boa participação nas aulas regulares, resultado diferente da pesquisa
inicial, que teve 47,3% nas respostas, então em uma média de dois meses houve uma
evolução de 14,7% no resultado anterior. Com unanimidade, 100% dos alunos reconheceram
que todos os seus objetivos foram atingidos em relação à participação no projeto de teatro da
escola.
Cinco anos se passaram com relação ao desenvolvimento desta pesquisa. O grupo
“Reticências...” continua com suas atividades coordenadas pelo mesmo professor idealizador
do projeto. No entanto, o Grupo Teatral “ACM em Cena” foi desativado devido ao
afastamento da professora de Arte, coordenadora e idealizadora do projeto, por motivo de
estudos. Atualmente, essa mesma professora continua suas atividades com outro projeto de

112
teatro, nesse caso com participação em atendimento Educacional Especializado (AEE)/Altas
Habilidades e Superdotação em sua escola, EMEF Álvaro de Castro Mattos.
Os anos se passaram, todavia a relevância deste estudo o torna ainda aplicável a
situações atuais, motivo pelo qual esta discussão é resgatada no XIII Seminário Capixaba
sobre o Ensino da Arte. Por meio dos projetos de teatro realizados nas respectivas EMEF’s
ACM e ASC, houve a viabilização do desenvolvimento criativo dos alunos, não somente no
sentido da produção concreta de um trabalho concluído/finalizado (como as apresentações de
peças finalizadas), desconsiderando o percurso, mas uma invenção de si e do mundo
carregada de uma subjetividade construída ao longo de um processo.

REFERÊNCIAIS BIBLIOGRÁFICOS

COSTA, M. V. Uma agenda para jovens pesquisadores. In: _____. Caminhos Investigativos
II: outros modos de pensar e fazer pesquisa em educação. 2 ed. Rio de Janeiro: Lamparina
Editora, 2007. Cap. 7, p. 143-156.
DEMO, Pedro. Educar Pela Pesquisa. 8 ed. Campinas: Autores Associados, 2007.
KASTRUP, Virgínia. A invenção de si e do mundo: Uma introdução do tempo e do coletivo
no estudo de cognição. Campinas: Papirus, 1999.
KOUDELA, I. D. Jogos Teatrais. São Paulo: Perspectiva, 2009.
OSTROWER, Fayga. Criatividade e Processos de Criação. 19 ed. Petrópolis: Vozes, 1987
REVERBEL, Olga. Jogos Teatrais na Escola: atividades globais de expressão. São Paulo:
Scipione, 2009.
_____. Um caminho do Teatro na Escola. Série: Pensamento e Ação no Magistério. São
Paulo: Scipione, 1989.
SPINK, M. J.; MENEGAN, V. M. A pesquisa com prática discursiva: superando os horrores
metodológicos. In: SPINK, M. J. (org.). Práticas Discursivas e produção de sentidos no
cotidiano: aproximações teóricas e metodológicas, São Paulo: Cortez Editora, 2000.
SPOLIN, V.; AMOS, E. J. A. Improvisação para o teatro. São Paulo: Perspectiva, 1979.
SPOLIN, Viola. Jogos teatrais na sala de aula: um manual para o professor. São Paulo:
Editora Perspectiva, 2008.

113
UM DESENHO PARA CADA MÊS DO ANO: ESTUDO LONGITUDINAL DE
DESENHOS DE CRIANÇAS

Marcelle Veloso Couto


Stela Maris Sanmartin

RESUMO
Neste artigo apresentamos os principais autores que investigaram o desenho da criança para
explicitar a mudança de abordagem do desenho espontâneo para o desenho informado pela
cultura que marca o desenvolvimento artístico e estético no percurso de criação pessoal. Ao
assumir como parâmetros para as aulas de Arte na Educação Infantil as orientações
contemporâneas para o Ensino do Desenho, oportunizamos experiências de aprendizagem que
consideraram o plano expressivo e construtivo, o processo criador e orientações técnicas,
influências da cultura para ação autoral. Neste contexto de Ensino de Arte é que apresentamos
neste artigo um estudo de campo, em que se realizou análise longitudinal da produção gráfica
de crianças de Educação Infantil, objetivando refletir sobre a transformação dos desenhos das
crianças ao longo de um ano.

Palavras-chave: desenho, educação infantil, desenvolvimento gráfico.

RESUMEN
En este artículo presentamos los principales autores que investigaron el diseño del niño para
explicitar el cambio de enfoque del diseño espontáneo para aquél informado por la cultura que
marca en desarrollo artístico y estético en el camino de creación personal. Al asumir como
parámetros para las clases de Arte en la Educación Infantil las orientaciones contemporáneas
para la enseñanza del diseño, proponemos experiencias de aprendizaje que incluyen el plano
expresivo y constructivo, el proceso creador y orientaciones técnicas, influencias de la cultura
para la creación de autor. En este contexto de enseñanza del arte és que presentamos en este
artículo un estudio de campo, en que se hizo los análisis longitudinales de la producción
gráfica de niños de la Educación Infantil, con el fin de reflejar sobre la transformación de los
diseños de niños a lo largo del año.

Palabras-clave: diseño, educación infantil; desarrollo gráfico.

SOBRE O DESENHO DA CRIANÇA

Para apresentarmos a mudança de enfoque do desenho espontâneo às abordagens


mais contemporâneas, ou seja, das orientações da livre expressão à incorporação da cultura no
ensino do desenho, destacaremos os principais autores que pesquisaram o desenho da criança
em uma perspectiva histórica. (Iavelberg, 2006).

114
George-Henri Luquet (1913) estudou os desenhos de sua filha Simone e denominou
estágios descrevendo os procedimentos que os definem. Considera o desenho um jogo com
função lúdica e o realismo como tendência natural da representação gráfica. O autor ordena,
nomeia e caracteriza quatro diferentes fases no desenho da criança. A primeira, Realismo
fortuito se caracteriza pela ação que vai do gesto involuntário ao gesto premeditado. Na
segunda, denominada Realismo fracassado, Luquet diz que a criança quer ser realista, mas
não consegue, pois enfrenta duas ordens de obstáculos, uma física (deficiência na execução) e
outra psíquica (caráter descontínuo da atenção ou incapacidade sintética), quando a criança
percebe o geral dos detalhes, mas não consegue executar. Na terceira definida como Realismo
intelectual, a criança supera a incapacidade sintética e o desenho passa a ser realista, com
detalhes, desta maneira a criança desenha o que sabe sobre as coisas. Na quarta fase,
denominada como Realismo visual, consolida-se o realismo com a representação em
perspectiva e daí só a habilidade técnica estabelecerá as diferenças individuais.

Vicktor Lowenfeld (1947), austríaco, pintor, filósofo e educador, migrou da Europa


para os EUA em 1939, após ter trabalhado em Viena, na Áustria com crianças cegas. Em
1947, influenciado pelas teorias de Freud, publica o livro Desenvolvimento da Capacidade
Criadora. Aluno dissidente de Cizek considerava que ele trazia muitos modelos da arte adulta
para as crianças. Assim, Lowenfeld centra seus objetivos no desenvolvimento da criança e
situa a ação pedagógica como incentivo ao desenvolvimento do potencial criador, que
exercitado com a arte, pode estender-se a vida do aluno.
Lowenfeld pensa a arte da criança como um mundo próprio, que não dialoga com a
arte do adulto, afirmando a individualidade da criança, depois de tanto tempo de opressão, em
contraposição a escola tradicional. A modernidade acentua a expressão individual, por isso
acredita que se aprende fazendo, enfatiza a experiência sensorial e aceita os indivíduos como
são. Para Lowenfeld a arte é um meio de expressão, de auto expressão, portanto retira o
modelo para que a criança dê reposta autêntica e não estereotipada. Acredita que o professor
de arte deve partir do interesse da criança e não precisa ter formação em arte, nem ser artista
ou vivenciar processos criadores. Seu papel está em deixar a criança fazer o que quiser,
exprimir o que vem de dentro. O treino de habilidades não entra em sua proposta, desta forma,
não há orientações técnicas. A criança não pode copiar, deve fazer do seu jeito, como se o
diálogo gráfico não pudesse existir. A criança que copia está se submetendo a poética do
outro, portanto, não está desenvolvendo a sua. Pensa que a atividade criadora ou a arte é um
meio de compreender o desenvolvimento e que a arte está vinculada a representação e a forma
115
é uma emergência expressiva e não uma construção.
O que Lowenfeld tem de contemporâneo é acreditar que a criança não precisa de
prêmio para aprender (nota) e sim de vontade. Também o que a criança conhece em arte
poderá aplicar na vida. Defende o desenvolvimento espontâneo através de fases vinculadas às
faixas etárias. As Garatujas, ou rabiscos, em sua perspectiva são característicos das crianças
entre 2 a 4 anos e se dividiriam em Garatuja desordenada (rabiscos aleatórios), Garatuja
controlada (há controle motor que ordena os rabiscos) e Garatuja com atribuição de nomes
(quando a crianças cria uma narrativa a partir do próprio desenho). Na fase Pré esquemática,
dos 4 a 7 anos, a criança desenha sem se preocupar com o espaço, as formas flutuam no
campo do papel. Na fase Esquemática, dos 7 a 9 anos, a criança posiciona o desenho na linha
do horizonte posicionando os elementos no chão e no céu e para apresentar o espaço utiliza o
plano deitado, espelhamento, transparência conhecido como desenho raio X.
No começo do Realismo, dos 9 a 12 anos, o esquema já não é mais adequado, a
expressão generalizada não é suficiente e a criança se encaminha para outra forma de
expressão mais ligada a natureza. A etapa Pseudo-Naturalista, dos 12 aos 14 anos, marca o
fim do desenho espontâneo para o começo de um período de pensamento em que o
adolescente é cada vez mais crítico de si mesmo e buscam um maior naturalismo e
profundidade de campo, mas também é comum o desenho de caricaturas. No período da
Decisão, dos 14 aos 17 anos, a arte se converte em produto de ação consciente, um período de
aprendizagem voluntária.
Florence de Mèredieu (1944) descreve a ação que a criança tem sobre seu desenho
com estágios similares aos descritos por Lowenfeld, mas avança no sentido de apontar a
necessidade de verificar os elementos que geram a sua transformação.
Rhoda Kellogg (1969), por sua vez, pesquisou 300 mil desenhos na faixa de 2 e 4
anos e 10 mil desenhos de crianças de 4 a 8 anos. A autora em seu trabalho de análise
transcende a fragmentação em fases e observa constâncias ao longo do desenvolvimento,
sistematizando aspectos que ainda não haviam sido documentados.

[...] Para Kellogg, os rabiscos constituem movimentos espontâneos fruto da ação


natural da criança, que são realizados com ou sem controle da visão. Seu modelo
compreende a arte da criança em dois momentos: um momento de arte autodidata e
outro de arte espontânea. O primeiro prevê a criança passando pelo estágio dos
padrões (rabiscos básicos e padrões de disposição) e pelo estágio das figuras
(diagramas nascentes e diagramas). O segundo, pelo estágio do desenho
(combinados e agregados – tipos de diagrama e mandalas, sóis e radiais) e pelo
estágio das expressões pictóricas (figura humana, casa, plantas e outras temáticas)
[...] (Iavelberg, 2006, p.49).
116
Vemos até esta altura, que todos os autores mencionados tem como parâmetro o
desenho como ação espontânea e natural, que se transforma de acordo com a idade. Esta
concepção começa a mudar quando Brent e Marjorie Wilson reconhecem no desenho um
processo de aprender e fazer signos configuracionais. A partir de suas pesquisas analisam
desenhos de crianças de culturas diferentes revelando que existe uma tradição infantil regional
e também histórica na construção dos desenhos. Consideram, portanto, que a cultura interage
com as forças naturais do indivíduo e que a influência externa ocorre sem comprometer o
desenvolvimento individual da criança.

[...] Os Wilson definem cinco fatores importantes que determinam o


desenvolvimento do desenho:

1. Todos os seres humanos nasceram com uma tendência para desenhar


objetos tão simples quanto possível, para cobrir formas, para captar coisas de pontos
de vista característicos e ordenar linhas e formas em ângulos corretos.
2. O desenvolvimento em desenho deve estar relacionado ao processo de
crescimento orgânico quando de tempos em tempos uma nova imagem emerge
lentamente de uma anterior, e outras vezes imagens mudam abruptamente por
intermédio de uma oportunidade descoberta nas linhas acidentais e formas que
alguém desenha.
3. O desenvolvimento do desenho depende de empréstimo e uso de imagens da
arte e da cultura
4. A realização do desenho depende de habilidades individuais e peculiares
incluindo o desejo de desenhar, memória visual, habilidades de observação e
motoras, imaginação, inventividade e preferências estéticas.
5. Finalmente, como alguém que desenha é afetado por oportunidades para
aprender e aplicar habilidades desenhistas, pela quantidade de encorajamento para
desenhar e o tipo de instrução que cada um recebe [...] (Wilson apud Iavelberg,
2006, p.55)

Também nesta perspectiva Iavelberg (1993) desenvolve o conceito ‘desenho


cultivado’ ao enfatizar que o desenvolvimento na linguagem do desenho se dá
proporcionalmente as oportunidades para desenhar sistematicamente e que uma orientação
adequada, a interlocução com a cultura e apresentação de arte, pode ajudar o aluno a avançar,
da mesma forma que uma orientação equivocada pode estagnar o processo.
A partir de sua pesquisa, nomina quatro momentos conceituais que independem da
idade: Desenho ação, Desenho Imaginação I e II, Apropriação e Proposição. Para a autora o
conhecimento técnico e o fazer expressivo caminham juntos, inicialmente os desenhos são
pré-simbólicos e vão constituindo-se como símbolos. No desenho de ação (física e reflexiva)
a criança desenha algo para ser visto. Com o tempo os rabiscos geram figuras desenhadas
separadamente no suporte, desarticuladas entre si, momento conceitual que denomina
Imaginação I. Aos poucos a criança articula os símbolos para desenhar coisas que existem e

117
coisas que não existem e para representar o espaço usa o plano deitado, rebatimento e
transparência. Neste caminho de descobertas a criança começa a perceber que o desenho
existe para representar as coisas e que há maneiras eficazes para desenhar.
Assim manifesta o desejo de dominá-las. Este momento conceitual denominado
Apropriação é crucial no desenvolvimento gráfico, pois a falta de orientação didática
adequada como o ensino de técnicas de desenho, por exemplo, pode desestimular a
continuidade e empenho no desenvolvimento desta linguagem. Ultrapassados estes desafios,
no momento conceitual seguinte, o da Proposição, o desenhista percebe que pode desenhar o
que quiser (ideias, sentimentos, situações) e sua produção pode constituir-se como autoral.
Sob as perspectivas que observam o desenvolvimento do desenho alimentado pela
arte, por procedimentos construtivos, pela solução de problemas e incentivo para a produção
autoral propomos o projeto “Um desenho para cada mês do ano”.

APRESENTAÇÃO DO PROJETO

Vale destacar que o projeto foi desenvolvido por um professor especialista em arte, o
que não é comum na Educação Infantil, assim, assumimos como parâmetros para as aulas de
Arte as orientações contemporâneas para o Ensino do Desenho, oportunizando experiências
de aprendizagem que consideraram o plano expressivo e construtivo, o processo criador e
orientações técnicas, influencias da cultura para ação autoral.
É neste contexto de Ensino de Arte e por reconhecer o valor do desenho no período
da Educação Infantil que foi desenvolvido o projeto “Um desenho para cada mês do ano” com
todas as turmas de uma escola particular de Vitória – ES.

Tivemos como objetivo acompanhar a produção de desenho das crianças da Educação


Infantil, com o propósito de verificar a transformação dos desenhos ao longo de um ano.
Pretendíamos averiguar se o desenho apresenta características similares para todas as
crianças da mesma idade, como apontado por Luquet, Lowenfeld, Merediéu ou se o
desenho apresenta diferenças significativas de criança para criança, de acordo com seu
repertório, com as influências que recebe da família, na escola, a partir das oportunidades
de desenhar e das orientações didáticas que recebe (ver os trabalhos dos colegas, conhecer
obras dos artistas, conversar sobre os desenhos produzidos, solucionar problemas artísticos
e estéticos, entre outras).
Do universo de quatro turmas, do 1º ao 4º período da Educação Infantil, fizemos um
118
recorte e escolhemos a turma de terceiro período para análise. Para este artigo,
apresentaremos a análise detalhada dos desenhos de duas crianças que estiveram presentes na
maioria dos dias que a proposta foi realizada.
A criança que denominaremos AL estava com 4 anos e 4 meses e a criança G com 4
anos e 8 meses. Assim poderemos observar as características dos desenhos de cada mês
destacando a transformação do desenho de cada uma e também comparar as semelhanças e
diferenças das produções entre as duas crianças da mesma idade, que estão recebendo as
mesmas orientações didáticas. Para a realização dos desenhos, fornecemos um caderno com
uma folha A4 que identificava cada mês do ano. Para as crianças de 4 anos foram propostos
diferentes temas como dinossauros, natureza, princesas, castelos, animais, entre outros
desenvolvidos nos projetos com a professora de sala e de materiais como lápis de cor, caneta
hidrográfica colorida, caneta piloto preta ou giz de cera escolar.
Por se tratar de um acompanhamento longitudinal da transformação da linguagem do
desenho pensamos que seriam parâmetros para realizar a análise, sem deixar, no entanto, de
abrir espaço para a manifestação da imaginação, para o uso de seu potencial, de sua própria
poética, de seu próprio repertório imagético e da aprendizagem construída até o momento em
que é solicitado o desenho.

Imagem de processo 20018 (foto do acervo das autoras)

ANÁLISE COMPARATIVA DOS DESENHOS

No primeiro momento observamos os desenhos dos primeiros meses do ano, logo


após o retorno do recesso escolar.

119
Criança AL (à esquerda) e da criança G (à direita) ano de 2018 (imagens do acervo das autoras)

A criança AL não realizou o desenho do mês de fevereiro. Optamos em não pedir


para que desenhasse em outro momento, para manter o espaçamento temporal entre um
desenho e o outro e não interferir no resultado. A criança G, à direita, apresenta em seu
desenho rabiscos controlados, linhas paralelas verticais e círculos combinados para a
composição. Observamos três diferentes formas, duas composições com círculos e linhas
paralelas com uso e combinação de cores. Rabiscos utilizados para preencher as formas e um
“boneco rudimentar” com cabeça, tronco e duas linhas radiais que saem da cabeça.
No mês de março é possível observar que a criança AL apresenta rabiscos
controlados de onde emergem formas circulares. A criança G desenha duas linhas verticais
azuis que contém dois “bonecos” (girinos) com cabeça e olhos, agrega um rabisco controlado
em vermelho na linha de horizonte.

Mês de abril e maio da criança AL (à esquerda) e da criança G (à direita) ano de 2018 – Acervo Pessoal

A criança AL do mês de março para o mês de abril salta do rabisco para a


120
representação da figura humana elaborada com cabeça, tronco e membros. AL desenha
cabeças detalhadas com olhos, boca, diferentes tipos de cabelo e ainda organiza as figuras no
espaço com diferentes tamanhos e disposições que indicam certa profundidade. Usa rabiscos
para representar o céu e demarcar o chão. A criança G, no mesmo período do ano, explora
padrões de coloração (na folha inteira) com blocos de rabiscos coloridos, utilizando por vezes
lápis de cor e em outros momentos giz de cera. Deixa no canto superior esquerdo uma área em
branco que parece compor a imagem com mais uma cor.
No mês de maio a criança AL apresenta uma figura humana feminina detalhada com
cabeça, tronco, membros e detalhamento de rosto e roupas. Também desenha céu, chão e flor.
Em maio a criança G apresenta uma composição com linhas verticais, rabiscos horizontais
para preencher o espaço e linhas pretas irregulares que produzem uma forma orgânica.
Observa-se que a criança considerou a informação de linhas e palavra da folha, pintando um
retângulo em preto, a palavra maio em verde e na sequencia registra seu nome.

Mês de junho e julho da criança AL (à esquerda) e da criança G (à direita) ano de 2018 – Acervo Pessoal

A criança AL no mês de junho apresenta um desenho com noções de profundidade


de campo e planos deitados, detalha os elementos da cena: montanhas ao fundo, sol, chuva,
personagens sentados e deitados, um abrigo ou casa. No mês correspondente a criança G
representa uma figura humana com cabeça, troco e membros, desenha a linha do horizonte e
com os rabiscos indica nuvens no céu e um sol.
Para o mês de julho AL volta ao esquema de representação da figura feminina com
riquezas de detalhes: vestido bem elaborado e cílios nos olhos, além da estrutura de corpo,
cabeça e membro já apresentada nos meses anteriores. Também aproveita as margens do
papel para fazer uma “moldura” colorida. A criança G retorna a pesquisa da composição com
formas geométricas centralizada no suporte, com rabiscos controlados e traços fortes com
121
cores vibrantes.

Mês de agosto e setembro da criança AL (à esquerda) e da criança G (à direita) ano de 2018 – Acervo Pessoal

No mês de agosto observamos que ambos os desenhos apresentam um bicho com


detalhes similares em verde, um na cabeça e no outro nas costas, talvez tenham atendido ao
tema proposto para o desenho ou talvez seja um dinossauro, tema desenvolvido no projeto da
turma. A criança AL posiciona a figura inventada no centro da composição e preenche o
fundo com rabiscos azuis e verdes, com um pequeno sol amarelo no canto superior direito e,
mais uma vez, parece preencher a margem preta da folha. Já no mesmo mês a criança G
mescla suas formas geométricas com uma figura de bicho do lado direito da folha, com corpo,
cabeça, pernas e pés. A criança experimenta o efeito do material e formas de manipulá-lo,
como pressionar mais ou menos o lápis para conseguir variados tons de cores como também
pressionar o marcador com força para fazer pontinhos.
No mês de setembro a criança AL retoma a figura humana e desenha 07 personagens,
não tão elaborados, mas de mãos dadas. Os cabelos dos desenhos femininos remetem ao
padrão anterior (de lado) já explorado pela criança e os masculinos mais curtos. Apresenta
noções de tamanhos, usa o espaço todo da folha e mais uma vez se utiliza da margem para
indicar o céu colorido e o bloco de texto para colorir e indicar o chão. Em setembro a criança
G parece explorar todo o repertório adquirido ao longo dos meses, na combinação de
elementos diferentes, linhas, rabiscos, formas, cores.

122
Mês de outubro e novembro da criança AL (à esquerda) e da criança G (à direita) ano de 2018 – Acervo Pessoal

A criança AL em outubro elabora os personagens com roupas e de rostos detalhados.


Desenha um tipo diferente de nariz e ganha novos elementos, dois corações soltos na página.
Repete as noções de chão, céu, sol e pinta novamente a “moldura”. Já a criança G volta ao
desenho da figura humana com cabeça, membros, corpo, olhos, boca e mãos em formatos de
bolas e cabelo em linhas espiraladas. Um dos bonecos segura algo em suas mãos.
No mês de novembro, embora os padrões se repitam no formato do cabelo e olhos, o
desenho da criança AL parece ter sido feito de modo rápido para cumprir a tarefa proposta. A
criança G desenha dois personagens, um bem detalhado com cabeça, corpo e membros,
destacando os braços abertos e as mãos, o segundo menos detalhado, apenas com cabeça,
troco pequeno e pernas palitos longas e um terceiro elemento como uma bola pintada de
preto. Preenche o fundo de azul e o chão em amarelo.

Mês de dezembro da criança AL (à esquerda) e da criança G (à direita) ano de 2018 – Acervo Pessoal

123
No mês de dezembro AL compõe uma cena com personagens com tamanhos
diferentes e bem elaborados, os cabelos dos personagens femininos que até agora eram
representados somente por um risco ganham volume e cores diferentes. Introduz a casa
(prédio) com formas geométricas representando janelas e porta e mais uma vez, incorpora a
moldura do papel em seu desenho. A criança G parece mudar o momento conceitual chegando
a um esquema de figura feminina e masculina posicionados na linha do horizonte e com céu
bem definido na margem do papel. As roupas e os cabelos ganham novos modos de
representação e são diferenciados por cor e tamanho.

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES

Aprender arte envolve ações em distintos eixos de aprendizagem, o fazer, apreciar e


contextualização histórica. Dessa maneira, o professor pesquisador, fascinado por arte,
mobilizado para a aprendizagem contínua em sua vida pessoal e profissional, saberá explorar
estes eixos com seus estudantes, estimulando a vontade de aprender arte e a autonomia
criadora.
Nesta análise vimos como dos rabiscos descontrolados, emergiram linhas circulares,
formas combinadas que originaram as figuras humanas e outros elementos que, a princípio,
ficam soltos no espaço e posteriormente situam-se no espaço. Em ritmos diferentes as
crianças passam dos elementos pré-simbólicos ao símbolo, que permite registrar no papel algo
que seja reconhecido pelos outros.
Fomos surpreendidas com a criança AL que, do primeiro para o segundo desenho,
salta de rabiscos controlados para o esquema da figura humana elaborado com detalhes e
posicionado no espaço com chão e céu. Se nos apoiarmos nos momentos conceituais
propostos por Iavelberg, diríamos que do Desenho de Ação AL pula para Imaginação II. A
criança ao longo do ano pesquisa seu esquema e inventa bichos, cria cenas.
A criança G, gasta mais tempo na pesquisa das linhas, das formas e cores no suporte.
O que nos permite acompanhar o nascimento da figura humana constitui-se por um círculo de
onde sai um traço representando o tronco, depois este tronco ganha volume e membros, riscos
para os braços e pernas. Depois, a figura humana ganha cada vez mais detalhes, até chegar ao
esquema.
Observamos que as margens e indicação dos meses nas folhas do caderno de
desenho, não passaram despercebidas pelas crianças. A margem interferiu na produção de
124
ambas as crianças que, em vários desenhos, pintaram o espaço entre as linhas, se apropriaram
delas como moldura, ou pintaram as palavras. Em uma próxima pesquisa eliminaremos as
informações, a não ser que queiramos verificar como as crianças agem, a partir do estímulo
visual proposto. Também fez falta anotar, em cada mês, a consigna, para que pudéssemos
partir desta informação para avaliar os resultados, como também de um diário de bordo com
observações sobre os processos de cada um.
Embora tenhamos analisado crianças de uma mesma turma da Educação Infantil foi
possível observar que os percursos e resultados foram distintos. Pudemos perceber que de um
mês para o outro havia mudança e ganho de repertório imagético. Observamos que, apesar de
as crianças terem aproximadamente a mesma idade, tanto os processos como os resultados
foram absolutamente singulares. Realizaram diferentes pesquisas e construíram esquemas
diferentes da figura humana. O desenho é um dos meios que possibilita à criança dialogar
com o mundo, uma linguagem que se desenvolve na medida em que a criança tem
oportunidade de desenhar. As crianças aprendem por intermédio de sua interação consigo
mesma, com as outras crianças e com a ambiência da qual fazem parte. O desenho cultivado
propõe o desenvolvimento de percursos de criação pessoal, informados pela cultura que marca
o desenvolvimento artístico e estético, assim o desenho congrega o plano expressivo,
construtivo, imaginativo, as orientações técnicas no percurso criador originando os desenhos
autorais.
Acreditamos que as experiências de aprendizagem em sala de aula ampliam as
oportunidades de desenvolver a linguagem do desenho e esse processo é de extremo valor,
pois permite que a criança observe o próprio desenho, os dos colegas, de outros artistas e se
desenvolva graficamente criando traços, composições e representações cada vez mais
complexas.
Arte é uma disciplina obrigatória nas escolas, conforme determinação da LDB
9394/96, portanto cabe a nós educadores desenvolvermos um trabalho qualificado para que as
crianças gostem de aprender arte. A arte promove o desenvolvimento de competências,
habilidades e conhecimentos necessários a diversas áreas de estudos; entretanto não é isso que
justifica sua inserção no currículo escolar, mas seu valor intrínseco como construção humana,
como patrimônio comum a ser apropriado por todos. Quem conhece arte amplia sua
participação como cidadão e aprende a desfrutar das criações artísticas e estéticas, cabendo à
escola garantir a educação em arte para que seu estudo não fique reduzido apenas à
experiência cotidiana.

125
REFERÊNCIAIS BIBLIOGRÁFICOS

BARBOSA, Ana Mae. Lowenfeld, uma entrevista encontrada por Ana Mae Barbosa
Lowenfeld: Tudo começou em 1922.
FUSARI, Maria F. de R.FERRAZ, Maria Heloisa C. de T. Arte na Educação Escolar. São
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professores.Porto Alegre: Artmed, 2003.
O desenho cultivado da criança: prática e formação de educadores. Porto
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LUQUET, George-Henri. O desenho infantil. Barcelona: Porto Civilização, 1969.
MEREDIEU, Florence. O desenho infantil. São Paulo: Cultrix, 2006.

126
CINEMA DE ANIMAÇÃO NA SALA DE AULA: EXPERIÊNCIA, CONCEITOS E
CONTEXTOS

Thalyta Botelho Monteiro


Gerda Margit Schwtz-Foerste

RESUMO

A pesquisa sobre Cinema de Animação na sala de aula ou em contextos educativos surgiu em


2005 a partir de curiosidades quanto seu funcionamento. Em 2007, para a graduação foi
apresentado uma experiência com estudantes de uma organização não governamental.
Posteriormente, em 2013 a defesa de mestrado abordando a temática em um contexto
campesino, vinculada ao Grupo de Pesquisa Imagens, Tecnologias e Infâncias, contempla as
manifestações de experiência e narrativa da criança na produção de animação, também
nomeado de desenho animado. Os estudos tiveram como base a disciplina de Arte de uma
escola campesina da região Serrana do Estado do Espírito Santo e reporta como as
experiências e as narrativas das crianças se manifestaram no percurso da produção de
desenhos animados como espectadores e como autores de animações. O diálogo composto se
instaura a partir de Walter Benjamin com o conceito de experiência e memória, Vigotski e
suas referencias sobre imaginação e mediação; com a sociologia da infância nas concepções
de Sarmento. Metodologicamente, optou-se pelo método qualitativo através de uma pesquisa
de cunho colaborativo, pois a troca, a partilha e as experiências permeiam a educação. Nessa
perspectiva, em 2017, ao ingressar no doutorado a temática de animação persiste a partir dos
questionamentos sobre o Trabalho Docente. Profissionais que mensuram a animação como
ação educativa capaz de aproximar-se ao cotidiano dos estudantes, sendo mediador de
conhecimento. Aqui, a apropriação textual, consiste na pesquisa de mestrado e nos primeiros
apontamentos da tese de doutorado, em andamento.

Palavras-chaves: Cinema de animação; Ensino de Arte; Arte-educação; Infância.

ABSTRACT

The research on Animation Cinema in the classroom or in educational contexts arose in 2005
from curiosities about how it works. In 2007, for undergraduate students an experience with a
non-governmental organization was presented. Subsequently in 2013 the mastery defense
addressing the theme in a peasant context, linked to the Research Group Images,
Technologies and Infants, contemplates the manifestations of experience and narrative of the
child in the production of animation, also named cartoon. The studies were based on the Art
discipline of a peasant school in the Serrana region of the State of Espírito Santo and reports
on how the experiences and narratives of children have manifested themselves in the
production of cartoons as spectators and as authors of animations. Composite dialogue is
established from Walter Benjamin with the concept of experience and memory, Vygotsky and
his references on imagination and mediation; with the sociology of childhood in the
conceptions of Sarmento. Methodologically, the qualitative method was chosen through
collaborative research, since exchange, sharing and experiences permeate education. In this
perspective, in 2017, when entering the doctorate the theme of animation persists from the
127
questions about Teaching Work. Professionals who measure animation as an educational
action capable of approaching students' daily life, being a mediator of knowledge. Here, the
textual appropriation consists of the master's research and the first notes of the doctoral thesis,
in progress.

Keywords: Cinema animation; Art Teaching; Art-education; Childhood.

INTRODUÇÃO

A pesquisa sobre Cinema de Animação na sala de aula ou em contextos educativos


surgiu em 2005 a partir de curiosidades quanto seu funcionamento. Em 2007, para a
graduação foi apresentado uma experiência com estudantes de uma organização não
governamental. Posteriormente em 2013 a defesa de mestrado abordando a temática em um
contexto campesino, vinculada ao Grupo de Pesquisa Imagens, Tecnologias e Infâncias,
contempla as manifestações de experiência e narrativa da criança na produção de animação,
também nomeado de desenho animado. Os estudos tiveram como base a disciplina de Arte de
uma escola campesina da região Serrana do Estado do Espírito Santo e reporta como as
experiências e as narrativas das crianças se manifestaram no percurso da produção de
desenhos animados como espectadores e como autores de animações. O diálogo composto se
instaura a partir de Walter Benjamin com o conceito de experiência e memória, Vigotski e
suas referencias sobre imaginação e mediação; com a sociologia da infância nas concepções
de Sarmento. Metodologicamente, optou-se pelo método qualitativo através de uma pesquisa
de cunho colaborativo, pois a troca, a partilha e as experiências permeiam a educação.
Nesse contexto, em um mundo rodeado de informações que podem ser acessadas na
palma da mão por meio de celulares e tablets, crianças nascem e crescem e nós adultos, por
muitas vezes temos ou teremos dificuldades com esses aparelhos, no entanto, a criança
contemporânea apropria-se enquanto os adultos adaptam-se.

Nessa perspectiva, em 2017, ao ingressar no doutorado a temática de animação


persiste a partir dos questionamentos sobre o Trabalho Docente. Profissionais que mensuram
a animação como ação educativa capaz de aproximar-se ao cotidiano dos estudantes, sendo
mediador de conhecimento. Aqui, a apropriação textual, consiste na pesquisa de mestrado e
nos primeiros apontamentos da tese de doutorado, em andamento.

128
ANIMAÇÃO NA SALA DE AULA: EXPERIÊNCIAS E NARRATIVAS EM
DOMINGOS MARTINS

Os sujeitos oriundos da pesquisa de mestrado foram crianças do segundo ano (2º ano)
do ensino fundamental da turma de 2012 da EMEF “Santa Isabel”, escola campesina do
município de Domingos Martins. Estas crianças tiveram embasamento dos processos de
criação do cinema como criação de roteiro, de storyboard, ângulo de câmera, animação de
imagens, brinquedos ópticos, produção de fotografia e edição de imagens.
Tanto as crianças quanto os professores colaboradores demonstraram o gosto pelos desenhos
animados a partir de questionários, em momentos de exibição e na produção de animações.
Esses momentos foram freqüentes no ano letivo de 2012 e permitiram conhecer, analisar e
produzir, além de proporcionar autonomia às crianças quanto às imagens em movimento.
As análises apontam que as experiências e as vivências estão ligadas diretamente ao
meio histórico-sócio-cultural e que o processo imaginário-criativo ocorre pelo acumulo dessas
experiências. Vigotski compreende que a criança está imersa no meio social e cria a partir da
ampliação de suas experiências que a permitem imaginar:
Ela (imaginação) transforma-se em meio de ampliação da experiência de um
indivíduo porque, tendo por base a narração ou a descrição de outrem, ele pode
imaginar o que não viu, o que não vivenciou, diretamente em sua experiência
pessoal [...] (VIGOTSK, 2009, p. 25).

A imaginação também é aguçada por meio dos brinquedos, aqui representados pelos
brinquedos ópticos mecânicos, dispositivos que representam a imagem em movimento. Os
brinquedos ópticos são mecanismos elaborados em função da pesquisa sobre persistência
retiniana, no século XIX, que se tornaram populares pela facilidade do manuseio e do
movimento criado. O seu processo de produção auxiliou na inserção da temática e no
entendimento sobre o conceito de animação para assim ampliarmos as informações que
tangem o campo das tecnologias digitais.
O aumento do uso das tecnologias na contemporaneidade e sua acessibilidade por
meio de celulares, a popularização dos computadores, filmes 3D entre outros mecanismos
tecnológicos fazem com que a escola e seus professores tenham que se inserir e buscar
formação continuada. No ensino da Arte, essa formação também é necessária, pois
contribuímos ativamente com a formação humana dos sujeitos dentro de sala de aula.

129
ENSINO DE ARTE E ANIMAÇÃO

O ensino da Artei encerra grandes discussões sobre o fazer artístico e sua compreensão
como conhecimento (geralmente o entendimento deturpado da importância do ensino da arte
surgem ações sem reflexão e sem motivos que a sustentem). Discutir a animação de imagens,
não se baseia apenas para a obtenção de resultados, mas para o conhecimento que o aluno já
traz consigo por meio de sua cultura e história.
A animação atrai muito as crianças e não são poucos os adolescentes e adultos que
também se sentem encantados com essa forma de produção artística cada vez mais presente
em nosso dia-a-dia. Muitos educadores utilizam o cinema de animação pela exibição e não
com a produção que é grande mediador ao processo de conhecimento.
Concordamos com Benjamin em suas reflexões acerca do brinquedo quando menciona
que “nada é mais ocioso que a tentativa febril de produzir objetos supostamente apropriados
às crianças” (BENJAMIN, 1994, p. 237), de modo que não temos que ficar na
reprodutibilidade de objetos, mas precisamos dar autonomia para que assim usufruam e
retirem das atividades aquilo que é essencial a elas. Tanto para Benjamin (1994) quanto para
Vigotski (2009) a criança ressignifica suas ações, ela não imita o adulto, constroem uma
relação nova e original e reconhecem-se como seres ativos/participativos ao serem mediados
com autonomia.
O processo de criação das animações compôs a elaboração de roteiros, personagens e
cenários. A modelagem fez com que as crianças se tornassem autônomas, criando suas
histórias e dando vida a elas. Mediadas, ouviam as explicações e compartilhavam suas
experiências, a fim de elaborarem um trabalho que de fato os representassem. Críticos faziam
e refaziam seus personagens; analisavam suas proporções quanto a tamanho de objetos, o que
foi percebido e aflorada na captura das imagens.
O período de captura das imagens foi o mais aguardado em função da utilização dos
recursos tecnológicos, como computadores e câmeras, os quais foram criados três animações:
Viagem dos Amigos, Escola e Skatistas. Os grupos de produção das animações possuíam
algumas especificidades observadas no decorrer do processo. O grupo da Viagem tinha por
habito debater e discutir suas tarefas de modo que juntos tomassem suas decisões sendo estas
melhores para o desenvolvimento da proposta. Já o grupo dos Skatistas caracterizou-se por
serem agitados e de rápida execução, além de não terem tanta preocupação estética com as

130
formas, no entanto, mostrava-se apto a ajudar os colegas com dificuldade na elaboração do
trabalho. Responsáveis pela animação da Escola, este grupo identificava-se pela liderança de
duas meninas ocasionando conflitos pelas decisões. Conflitos estes que necessitavam da
intervenção das professoras. As pequenas divergências ocasionaram o atraso na produção das
animações. Motivo que fez com que o grupo parasse para analisar suas ações e reiniciasse os
trabalhos tendo como ênfase a equipe como um todo.
A pesquisa nos apresenta como a criança interage na coletividade. Suas vivências
pessoais no âmbito sócio-histórico-cultural influenciam diretamente nas relações. Benjamin
(1994, p. 197) ressalta que a experiência que passa de pessoa a pessoa é a fonte que
recorreram todos os narradores e são cada vez mais raras as pessoas que sabem narrar
devidamente.
Vimos no decorrer desta etapa que as crianças sentiam necessidade de saber os termos
corretos e assim os expressarem. E, ao os dominarem faziam questão de usá-los dentre suas
especificidades. Exemplo que pode ser dado em conversa com Felipe e kaiki (MONTEIRO,
2013, p. 135):
Sentados a beira do computador:
Professora Thalyta: - Felipe você já fotografou as imagens?
Felipe: - Que?
Professora Thalyta: - As imagens Felipe, você já fotografou?
Com olhar parado para a professora Felipe fica sem responder. Quando Kayky entra
na conversa:
Kaiki: - Ele já capturou as imagens sim, Tia Thalyta!
Felipe: - Capturei sim!

A intervenção de Kaiki fez com que o uso do termo fosse conduzido de forma
apropriada. As crianças entendiam o ato de fotografar como a obtenção de uma única imagem
estática, sendo o termo capturar utilizado no cinema, aprendizado dado em aulas anteriores.
Uma vez que as crianças aprendem a usar efetivamente a função planejadora de sua
linguagem, o seu campo psicológico muda radicalmente. Uma visão do futuro é,
agora, parte integrante de suas abordagens ao ambiente imediato [...]. Assim, com a
ajuda da fala, as crianças adquirem a capacidade de ser tanto sujeito como objeto de
seu próprio comportamento (VIGOTSKI, 2010, p. 29).

Certos de que os procedimentos de cinema de animação ressaltam a ampliam as


experiências coletivas das crianças, onde a Erfahrung manifesta-se mais que a Erlebnis de
modo que esta criança deixa de ser um indivíduo solitária e compartilha seu aprendizado e
também esta disposto a redimensionar seus conhecimentos tanto com os colegas em sala de
aula quanto com a família.
Com o acúmulo de experiências obtidas pelas etapas de produção para a animação
junto às experiências anteriores, as crianças ampliaram sua percepção e logo seu processo

131
imaginativo. Estes alunos inovaram, criaram e recriam sobre elementos que antes eram
considerados rotineiros.
As animações realizadas pelas crianças apresentam claramente a ampliação das
experiências promovendo assim a imaginação e o ato criador. Essas, narram suas ações,
dificuldade e conduzem resoluções para possíveis problemas quanto à realização da animação
de imagens. Preocupam-se com questões estéticas e visam a demonstração de seus desejos,
além de reconhecerem-se nas imagens como personagens e na exibição dos créditos.
Assumem o lugar de autores e passam também a serem críticos e reflexivos sobre suas
produções.
Para Vigotski (2009), a imaginação constitui-se pelo acumulo de experiências e suas
correlações corroboram para novos conhecimentos e ampliação do ato criador. Nesses
aspectos estas crianças narram que sabem fazer cinema de animação ao serem indagadas ao
término do processo. Ampliaram sua percepção ao analisarem as imagens construídas,
discutiram a respeito das etapas e opinaram pelas decisões que favoreciam ao grupo ou ao que
queriam apresentar. Aprenderam a deliberar e a decidirem por meio de opiniões,
argumentações e a aceitarem decisões dadas pela maioria. Perceberam ainda que obtinham o
poder de alterar as imagens por meio de efeitos especiais ou softwares tendo em vista a
coletividade, pois tinham em mente o compartilhamento das ações e das relações. Estes
adquiriram vivências e experiências, algumas possíveis de ser narradas e outras que ficarão
apenas em suas memórias, mas a segunda com maior ênfase, de modo que contribuíram uns
com os outros aprendendo e ensinando, como relatado nas narrativas:
Vinícius: - “Deu muito trabalho, mas foi muito legal!
Thaynara: - “Bastante trabalho!”
Bruno: - ‘Eu gostei da parte de fazer os bonequinhos mexerem e de tirar as fotos. Eu
pensei que a gente só ia fazer o trabalho com massinha e depois a gente mexeu co
computador. Eu não sabia que a gente ia fazer um filme. No começo eu não sabia de
nada. E depois você me colocou num grupo e a Maria Victória me falou o que era e
depois a gente fez os bonequinhos o cenário. Eu tirei foto, a Maria mexeu, depois eu
mexi e outro tirou foto.
Reinan: - “Eu gostei mais de mexer no computador”
Joilson: - “Eu gostei de tudo, mas a parte que eu mais gostei foi a de modelar”
Joilson: - “Foi rápido, mas demorou. O nosso é pequeno. Se fosse grande hein!?
Paulo: - “Foi muito legal quando a gente fez os bonequinhos”
Carlos Eduardo: - “Eu gostei de ajudar os outros grupos”
Kamily: - “Eu gostei de ficar tirando as fotos”
Vinícius: - “Quando eu precisar fazer uma coisa de massinha eu já sei fazer. Eu
aprendi bastante fazendo esse trabalho. Foi legal”
Kaiki: - “Eu gostei de gravar. E tinha que olhar na tela pra ver se não tinha nenhuma
mão, uma sombra”
Thaynara: - “Tudo que eu aprendi eu posso mostrar pras outras pessoas”
Vinícius: -“É um ensinamento que vou levar pra sempre!” (MONTEIRO, 2013, p.
154).

132
Dialogar com as crianças sobre o processo mostrou-nos que essa experiência com a
produção de cinema de animação perpassou o aprendizado em artes e transformou-se em
vivências. Participaram coletivamente, mas adquiriram potencialidades individuais e ao
compartilharem ampliam suas culturas e estreitam suas relações.
[...] O cinema ainda não compreendeu seu verdadeiro sentido, suas verdadeiras
possibilidades... Seu sentido está na sua faculdade característica de exprimir, por
meios naturais e com uma incorporável força de persuasão, a dimensão do
fantástico, do miraculoso e do sobrenatural (BENJAMIN, 1994, 178).
Em meio às narrativas dispostas na dissertação, a respeito de suas produções, os
alunos mencionam o desejo de visualizá-la na tela do cinema e na TV. Motivadas por esta
vontade oportunizamos a exibição da animação junto ao Cinemetrópolis. No entanto, antes do
convite para a exibição, rememoramos.
Por meio dessas lembranças questionamos as crianças sobre o local que gostariam que suas
produções fossem exibidas.
- Na internet; diz Kaiki
- Na TV; comenta Thacila
- Vocês falaram de um outro lugar também. Relata Thalyta.
- No Cinema! Resposta de várias crianças.
Em meio a flash, fotografia e filmagem estas crianças assentaram-se para assistirem a
sua produção. Na penumbra, a projeção de sua animação composta a choro de mães e
professoras, sorrisos das crianças que cantavam baixinho sua trilha sonora. Ao término muitos
aplausos. E, a pedido da professora Gerda (orientadora da pesquisa) levantaram-se e
receberam mais aplausos. Cada um pode apresentar-se. Dos autores estavam Adrielli, Kaiki,
Kamilly, Maria Victória, Letícia, Eduardo, Vinicius, Carlos Eduarlo, Carlos Felipe e Joilson
todos acompanhados por algum responsável, sendo que Kaiki convidou ainda a madrinha que
é residente em Vitória. No momento da apresentação das crianças, Gerda passou
desapercebida por uma das crianças, Joilson levantou-se e identificou-se também como autor
da animação. Já Thainara lembrou da autoria de outros colegas que naquele momento não
encontravam-se ali por não estarem estudando mais juntos ou por não terem comparecido.

À GUISA DE CONCLUSÃO

A pesquisa proporcionou uma interação entre as tecnologias de animação de imagens,


aqui retratadas pelo cinema de animação e a educação. A interação desses elementos acontece
através do diálogo com a utilização da animação no Ensino da Arte junto às narrativas das
crianças participantes, o qual o objetivo era a reflexão e análise sobre suas experiências e
vivências como autoras e não apenas espectadoras de desenhos animados.

133
As crianças trazem suas experiências, sendo elas simples, compartilham e as
ressignificam; Fazem questão de utilizarem termos técnicos corretos; criam suas relações de
autonomia sem saberem seu real significado; Narram com clareza suas ações e as
transformam dentro de suas possibilidades práticas; Observam com atenção tudo que a elas é
passado em uma sala de aula, mesmo na conversa paralela; Criam sem a preocupação com a
estética, e ao mesmo tempo busca o aprimoramento da técnica; Se utiliza de instrumentos
prontos para recriar e ressignificar as ações e não as entende como cópia e imitação. Sobre
este assunto, a imitação, estas crianças as fazem colocando suas especificidades, sua
expressão e também suas impressões. Em suas produções encontramos claramente seus
elementos culturais e principalmente suas vontades e desejos.
Cada criança absorveu a experiência com a produção de cinema de animação dentro de
sua especificidade social e cultural. Maria Victória trazendo seus conhecimentos tecnológicos
dados pelo irmão e pelo pai que manuseiam e possuem diversos recursos juntamente as
experiências de Reinam residente no campo compartilhou suas narrativas sobre as
brincadeiras ao ar livre e o cuidado que temos que ter com o ambiente. Kaiki com sua
afetividade a flor da pele com o carinho quieto de Adriely. A quietude de Daniela e Felipe que
pareciam desatentos, porém narravam exatamente as atividades sugeridas. Kamily com sua
destreza em manusear os equipamentos pela simples observação e atenção nas explicações,
sem possuí-los em casa. Joilson e Letícia com suas perguntas e argüições sobre os temas:
questionamentos sobre a ida ao cinema, reflexões dos planos de imagens, do roteiro e da
animação relacionando-o com seu cotidiano e suas histórias. Thaynara e Thacila com espírito
de liderança que aprenderam a deliberar e a otimizar o tempo valorizando também o trabalho
em equipe. Já Bruno, nos apresentou sua ânsia em participar e sentir-se útil e pertencente.
Este chegou na metade do processo e ativamente fomentou seu conhecimento. Não sabendo
exatamente o que teríamos ao final esta criança deixou sua marca ao analisar criticamente as
imagens produzidas. Paulo e Eduardo com sua quietude, no entanto, a concentração na
modelagem e na captura das imagens tornaram esse trabalho possível junto a Dudu e Vinícius
com suas personalidades distintas narraram essa história.
Apropriaram-se da Erlebinis (experiência individual) e também da Erfrahung.
Ampliam a Erlebinis por meio da Erfrahung e socializam o que querem e fazem. Narram a
necessidade do fazer para aprender, função que analisamos ao conceito de apropriação dado
por Vigotski. Consideramos que a utilização com os recursos tecnológicos permeia a
Erlebinis, as experiências individuais, visto que o modo como esta criança relaciona-se com

134
este meio é único para cada uma delas. No entanto o cinema de animação possibilitou a
ampliação da Erfrahung, experiência coletiva. Com ela compartilharam os inúmeros
aprendizados, vivências, diferenças sociais e culturais que correlacionou-se e continuara a
correlacionar-se a medida que continuemos a ressignificar e dar possibilidades de novas
experiências.
A atividade criadora dessas crianças foi ressignificada por meio de novas invenções e
também pela reprodução de outras permitidas pela infância. Os infantis não vêem a
reprodução como repetição, mas sempre diferente, pois muda-se os espaços, os ambientes, os
colegas e as relações com a obra utilizando-se de elementos do real presentes nas experiências
anteriores, pois quanto mais rica é a experiência, mais rica é a imaginação. Assim, mesmo
essas experiências sendo do real a imaginação é irreal, porém vinculada a ações sociais.
Ao exibirmos a animação produzida por elas queriam ver de novo e de novo e ao
dialogarmos com nossos referenciais percebemos que quando é potencial para o infante este
repete ações, gestos e falas e segundo Benjamin (1994), fazer de novo é fazer diferente, dando
ao brinquedo a sua necessidade, o seu interesse. Nossos estudos mostram que os inventos são
fruto de um tempo e que o desejo impulsiona a criação.
As manifestações das experiências coletivas e individuais da criança compreendem os
conceitos de Erfahrung e Erlebnis, que auxiliam na imaginação e no ato criador que estão
ligados diretamente ao contexto histórico-socio-cultural, o qual a criança é parte integrante. O
cinema de animação propicia além do aprendizado de técnicas cinematográficas a busca pela
ampliação da imaginação e logo das vivências e experiências por meio das relações entre os
pares e da mediação realizada tanto pelo adulto quanto pelos objetos e imagens.
A composição das pesquisas em animação oportunizou organização em formação
específica a esta temática na educação, participação em eventos e ainda a produção de uma
animação selecionada para o festival Anima Mundi e a tese de doutorado em andamento que
mensura a animação no trabalho docente e suas concepções quanto à técnica e a criação o que
tange novos estudos. Nesse viés, as pesquisas apontam para a construção de um trabalho
docente colaborativo/participativo. A discussão parte da experiência com a animação na
educação e da pesquisa que tange tanto os “nós’ no sentido de teia, entrelaçamento e/ou
obstáculo, mas também os “nós” de parcerias, de coletividade e colaboração, o que permite
essa abordagem no ensino. O debate mensura as mediações e implicações da animação no
trabalho docente com o uso da animação., que estão imbricadas nos projetos escolares, nas
provas, nas reuniões, nos currículos, nas relações, ou seja, em meio a todas as complexidades

135
do docente. O objetivo se estabelece em discutir tanto as possibilidades educativas quanto as
questões da técnica e da criação no cinema de animação. Nessa perspectiva há uma diferença
importante entre o trabalho do animador profissional e o professor/animador, esse último com
pouca estrutura e suas responsabilidades em função da prática pedagógica elege a animação
como fator diferencial ao conhecimento e por meio dela reitera regras, valores, ludicidade,
arte e autonomia.
O trabalho com animação na educação exige parcerias e mediações com outros
sujeitos e outros contextos, para que de fato a produção ocorra, pois dentro da sala de aula o
docente precisa garantir os conteúdos curriculares, a disciplina, as formalizações do ensino
quanto a avaliações trimestrais e de larga escala e índices o que o limita para a criação de um
trabalho individual. Com crianças, a relação animação e docência é ainda mais complexas, as
mediações são ainda mais necessárias, pois conhecem os meios digitais, mas não os dominam,
até porque esses em muitos casos não são liberados pelas instituições nessa fase escolar. Já
que,
[...] O uso de meios artificiais – a transição para a atividade mediada – muda,
fundamentalmente, todas as operações psicológicas, assim como o uso de
instrumentos amplia de forma ilimitada a gama de atividades em cujo interior as
novas funções psicológicas podem operar. Nesse contexto, podemos usar a lógica
superior, ou comportamento superior com referência à combinação entre o
instrumento e o signo na atividade psicológica (VIGOTSKI, 1998, p. 730).

A mediação é uma gama de relações complexas, o qual chamamos de múltiplas


mediações sociais, o que envolve os diferentes sujeitos, suas culturas, questões econômicas e
históricas, algo concreto, dentro da práxis humana. As relações que envolvem os processos
mediadores precisam ser compreendidas à luz de uma problemática político-social e
econômica, na qual suas lutas e contradições estão imersas também no contexto do trabalho,
fazendo com que o homem não tenha satisfação e sim que contemple a partir das necessidades
externas, o que o torna alienado. Então o trabalho precisa ser de caráter livre, tendo o
envolvimento dos pares e dos instrumentos que permitam uma interação e não apenas uma
mecanicidade. Acreditamos que a animação no trabalho docente tem caráter de inovação,
autonomia e de parcerias que promovem a inserção pessoal, humana e reflexiva, mas também
a tecnológica.

i
A Arte no decorrer da história do pensamento humano, está relacionada a três dimensões tradicionais: arte como
expressão, arte como fazer e arte como conhecimento. Estas três vias de reflexão estética são apontadas por
Luigi Pareyson ao abordar: Os Problemas da Estética (1997). Segundo este autor, em distintos momentos da
história tem se dado acento diferenciado a cada uma dessas três dimensões, que no conjunto possibilitam uma
aproximação do conceito de arte. (FOERSTE, 2001, p. 09).

136
REFERÊNCIAIS BIBLIOGRÁFICOS

BENJAMIN, W. Obras Escolhidas: Magia e Técnica, Arte e Política. São Paulo:


Brasiliense, 1994.
MONTEIRO, T. B. Cinema de animação no ensino de arte: experiências e narrativas na
formação da criança em contexto campesino. 2013. Dissertação (Mestrado em Cursos de
Mestrado e Doutorado em Educação) - Universidade Federal do Espírito Santo, Orientador:
Gerda Margit Schütz-Foerste.
VIGOTSKI, L. Imaginação e Criação na Infância. São Paulo: Ática, 2009.
VIGOTSKI. L. Psicologia Pedagógica. São Paulo: Martins Fontes, 2010.

137
CONCEPÇÕES ACERCA DE EDUCAÇÃO EM ARTE E CULTURA VISUAL:
INTERCULTURALIDADE, INTERTERRITORIALIDADE E RELAÇÕES COM A
LEITURA DE IMAGENS

Uillian Trindade Oliveira

RESUMO

O presente artigo reflete sobre as concepções teóricas acerca da arte-educação, abordando


aspectos tais como cultura visual, interculturalidade, interterritorialidade e leitura de imagens.
Uma vez que na contemporaneidade experimentamos a era do “inter”, com vivências também
no ambiente virtual, torna-se necessário pensar uma educação em arte que possibilite a
compreensão dos códigos culturais que atravessam o cotidiano das relações sociais, como
questões de gênero, etnia, cultura, religião e sexualidade, para rearticular uma visão crítica do
mundo. O diálogo sobre essa temática com Hernandez (2000), Amaral (2008), Barbosa (2008)
e Richter (2008), entre outros, mostra que educação intercultural por meio da arte se constitui
em um cruzamento de fronteiras que, antes de ver a diversidade de códigos como problema,
reconhece-a como potência para o aprendizado sobre si e sobre o outro.

Palavras-chave: Cultura visual, interculturalidade, leitura de imagens.

ABSTRACT

The present article reflects on the theoretical approaches about art-education, addressing
issues such as visual culture, interculturality, inter-territoriality and image reading. Since in
the contemporaneity we live the “inter” era, with experiences also in the virtual environment,
it has become necessary to think an education in art that enables the comprehension of the
cultural codes that cross the social relations of daily life, such as gender, ethnicity, culture,
religion and sexuality, to rearticulate a critical vision of the world. The dialog about this
theme with Hernandez (2000), Amaral (2008), Barbosa (2008) and Richter (2008), among
others, shows that intercultural education through art sets a crossing of borders that, before
seeing the diversity of codes as a problem, recognizes it as power for the learning about
oneself and about others.

Keywords: Visual Culture, interculturality, image reading.

INTRODUÇÃO

Questões de identidades nacional, cultural e individual estão presentes no cotidiano de


pessoas de variadas etnias, territórios, idades, gêneros e classes sociais. Pensar as concepções
teóricas acerca de arte e cultura, hoje, perpassa questões multiculturais, na tentativa de se
promover a equidade por meio da análise crítica da sociedade. A preocupação não pode
situar-se apenas na forma das produções artísticas, direcionando-se, também, ao seu conteúdo
conceitual, para abarcar essa multiculturalidade.
138
A arte, como bem cultural, social e histórico e com seus códigos formados por
imbricações, tem sofrido rompimentos de fronteiras e territórios. Barbosa (2008) afirma que a
arte contemporânea busca se interdisciplinarizar por meio de diálogos entre as diversas
competências, meios e territórios, para rearticular uma visão crítica do mundo.
É evidente que estamos vivendo a era do “inter”, tanto no mundo digital, com a
internet, como na cultura e na educação, o que exige a reavaliação das práticas educativas.
Estas precisam ser delineadas para uma sociedade com menos fronteiras, dando lugar a
interconexões e sincretismos, criando valores culturais mais democráticos, inclusive pelo uso
das novas tecnologias de informação e comunicação.
Desse modo, a interculturalidade é necessária e urgente para o ensino das artes visuais
na atualidade. Richter (2008) afirma que o ensino intercultural em arte busca uma educação
inclusiva em sentido amplo, respeitando as subjetividades e características dos atores na
escola. Objetiva, ainda, à preservação de códigos culturais, por meio da compreensão de
contextos macroculturais. Isso porque as relações de alteridade são vistas como forças
potentes para promover a tolerância e o cruzamento cultural das fronteiras entre grupos. Com
a educação intercultural, ao apropriar-se da sua cultura e de outras culturas, o educando dá
significado à sua existência.
Em tal perspectiva, a arte contemporânea possibilita a valorização de diferentes grupos
étnico-raciais. O aprendizado intercultural funciona quando as experiências pessoais e os
sentimentos são compartilhados. Para tanto, é necessário, primeiro, que o educando
compreenda suas concepções de mundo, arte, gênero, etnicidade, para promover o chamado
cross-cultural, ou seja, a troca intercultural. Com a arte, portanto, ele poderá aprender ou
vivenciar as relações interculturais, a fim de conhecer e respeitar, usufruir as relações
culturais na alteridade.
Para reforçar a necessidade de compreendermos as diferentes interconexões culturais e
étnicas, reportamo-nos a Conduru (2007), que sublinha a existência de dúvidas em relação ao
que seja arte africana, arte brasileira e arte-afro-brasileira. Quando se tenta sintetizar uma
definição, se diz que ela constituiria qualquer manifestação plástica visual que retorne, de um
lado, à estética e a religiosidade africanas tradicionais, e, de outro, ao cenário sociocultural do
negro no Brasil.
Dessa maneira, a arte afro-brasileira constitui-se como um campo plural, composto por
objetos e práticas bastante diversificados e que sofrem tensões e cruzamentos estéticos. A
título de ilustração, proponho uma leitura de uma obra de Rugendas (Figura 1).

139
A cena compõe-se por diversas pessoas: negros e brancos, senhores e escravos, sendo
estes em maior número e agrupados. Está bem iluminada, com aspecto romântico, apesar de
retratar a monstruosa situação da escravidão: humanos sendo vendidos como coisas,
mercadorias. Na paisagem, vemos a presença forte da Igreja Católica, por meio de uma cruz
no alto da torre sineira. Dentro do mercado, sobre o arco, na entrada, também está presente a
imagem da Virgem Maria com o menino Jesus, talvez, para amenizar a dor dos escravos,
provocada pelos mesmos homens que puseram a imagem religiosa ali.

Figura 1 – Johann Moriz Rugendas, “Mercado de negros, Voyage Pitoresque dans le Brésil”, litografia, 1835.
Disponível em: <https://br.pinterest.com/pin/737183032727591444/ >. Acesso em: 20 jan. 2019.

Os cativos agem de diferentes maneiras enquanto ocorrem as negociações para


comercializá-los. Em torno do fogo, um grupo de mulheres com crianças; na outra parte,
alguns homens deitados em esteiras; três conversam com uma vendedora negra que está
sentada logo à porta, atrás da qual um escravo está debruçado sobre meia-parede, parecendo
contemplar a beleza da paisagem ou, talvez, calculando uma fuga, ou imaginando como seria
viver livre no novo lugar ou, ainda, o banzo da sua terra de origem.
Todavia, ao discorrermos sobre o contexto intercultural da arte, o que chama a atenção
na imagem são os dois negros voltados para a parede. Um a utiliza para desenhar,
compenetrado, criando suas representações, talvez, promovendo imbricações da cultura nativa
africana com os novos modos de vida no Brasil, enquanto alguns o observam atentamente.
Observamos, a partir disso, que Rugendas quis comunicar a humanidade da arte, ainda que em
meio a uma situação tão hostil, sublinhando que ela está presente em todas as culturas, sendo
um refúgio, principalmente quando à nossa realidade se interpõem adversidades.
Outro exemplo são as obras do Mestre Didi, que, por sua vez, mostram as
possibilidades de interconexões artístico-culturais preservando valores religiosos. No

140
envolvimento de artistas que lutam contra o preconceito e discriminações raciais, podemos
destacar também as ações do político, artista plástico e escritor Abdias do Nascimento.
Na educação em arte baseada na interculturalidade, a articulação entre cultura e gênero
também precisa ser realizada. Fernández Cao (2008) sublinha a necessidade de pensarmos
para além de um único gênero na história da arte, o masculino, ocidental, burguês, patriarcal.
Para superar a individualidade criativa e a primazia dos territórios geográficos e econômicos
(Europa), é preciso a busca por uma maneira de entender o mundo e de expressá-lo. Isso
requer revisar a história e a representação da mulher no seu transcorrer; estudar os símbolos
icônicos; reconhecer clichês na figura feminina; encontrar e fazer aparecer criações femininas,
promovendo uma leitura de imagens que aprecie os gêneros, pois muitas produções foram
criadas com a cooperação de artistas mulheres.

Ainda sobre questões de gênero, Dias (2005) destaca que os estudos sobre gênero e
sexualidade, principalmente a representação do masculino, por meio da teoria Queer,
surgiram na década de 1990, constituindo uma nova discussão à época. Esse campo teórico
abstrato tenta desconstruir aspectos de normalidade, singularidade e estabilidade então e ainda
hoje associados à identidade.

O termo Queer foi utilizado de maneira pejorativa contra aqueles que vivenciavam
sexualidade diferente da imposta pelos padrões conservadores. Assim, a partir dos anos 1980,
essa alcunha foi apropriada e adotada como expressão de honra pelos homossexuais na luta
por suas causas.

Nas artes, o pensamento Queer considera e contesta a identidade transcultural no


contexto pós-moderno. São trabalhos artísticos com imagens produzidas com temáticas que, a
partir dos anos 1980, retratam a homossexualidade, articuladas com questões que surgiram do
gênero e da política de identidade. Há a tentativa de se apresentar uma simples definição da
Queer Art como sendo a arte produzida por artistas homossexuais, a qual não dá conta de
explicar um conceito que é mais amplo.

Muitos críticos buscam retratar a arte Queer meramente como arte homoerótica.
Porém, em sua maioria, os trabalhos dessa vertente são marcados por um contexto político
engajado, abordando questões referentes à discriminação e à homofobia, bem como legislação
que proteja os direitos de pessoas homossexuais. É comum aparecer nesses trabalhos a
utilização de excreções humanas, símbolos eróticos, objetos inusitados, que provocam dor e

141
tortura psicológica. Outros trabalhos possuem forte conotação homoerótica, com cenas ou
situações sensuais, explícitas ou sutis.

Ao abordar a educação multicultural e as Black Arts, um movimento político de


artistas negros no Reino Unido, Mason (2001) traz questões étnico-raciais e
interculturalidade, dialogando com a poética da diferença, que presume que todos têm o
direito de se reconhecer por suas próprias identidades e que a distinção de grupos culturais em
particular também deve ser reconhecida.
O diálogo entre interculturalidade, religião e alteridade está presente na obra de Frans
Krajcberg. O fato de o artista plástico ter fixado residência no Estado da Bahia – lugar que
muitos consideram ser um pedaço ou extensão de ações culturais do continente africano no
Brasil – e ali ter convivido com o candomblé talvez o tenha inspirado a produzir, no fim da
década de 1980, uma série de esculturas chamada “Africana”.
Com a proposta dessa série, Krajcberg avançou ainda mais em sua plástica escultórica.
O artista incorporou aos troncos de palmeiras outros materiais, como cipó, gravetos e caules
de outras árvores, calcinados, na sua maioria. Desde quando o conheci, nunca percebi um
discurso religioso em sua fala. Mas Krajcberg vai buscar nos ritos africanos fontes para
potencializar seu processo criativo com os elementos da natureza. Mesmo não sendo
religioso, suas esculturas vão ter um aspecto xamanista e inegável relação com as vestes
usadas em muitos rituais de magia de origem africana.
A proposta da série é fazer uma relação com as máscaras africanas, as quais, vale
ressaltar, não dizem respeito apenas ao objeto que cobre a face, mas, também, a enfeites para
outras partes do corpo. Em muitos países da África, elas estão associadas a rituais religiosos,
agrários e funerários. Neles, a máscara também é utilizada para afirmar o domínio do homem
sobre a mulher, por exemplo.
Assim, se na série “As palmeiras” suas esculturas eram femininas, em “Africana”,
Krajcberg deslocou elementos que, na África, pertenciam apenas ao ornamento dos corpos
masculinos para embelezar a feminilidade das palmeiras brasileiras. Muitas parecem mães de
santo vestidas com suas saias rodadas em rituais sagrados do candomblé (Figura 2).

142
Figura 2 – Frans Krajcberg, esculturas da série “Africana”, fim dos anos 1980. Disponível em:
<http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa10730/frans-krajcberg>. Acesso em: 20 jan. 2019.

Outro artista que imprimiu à sua poética plástica características da arte afro-brasileira foi
Rubem Valentim, a partir da segunda metade do século XX, o que ele próprio expressa no seu
“Manifesto ainda que tardio”, escrito em 1976, no qual assim expõe:
minha linguagem plástico-visual-signográfica está ligada aos valores místicos
profundos de uma cultura afro-brasileira (mestiça-animista-fetichista). [...] Intuindo
o meu caminho entre o popular e o erudito, a fonte e o refinamento – e depois de
haver feito algumas composições, já bastante disciplinadas, com ex-votos, passei a
ver nos paxorôs, nos oxês, um tipo de “fala”, uma poética visual brasileira capaz de
configurar e sintetizar adequadamente todo o núcleo de meu interesse como artista.
O que eu queria e continuo querendo é estabelecer um design (RISCADURA
BRASILEIRA), uma estrutura apta a revelar a nossa realidade – a minha, pelo
menos – em termos de ordem sensível (VALENTIN, 1988, p. 294).

Tais características podem ser observadas na serigrafia mostrada na Figura 3.

Figura 3 – Rubem Valentim, sem título, 1989, serigrafia, 77 x 140 cm. Disponível em:
<http://www.espacoarte.com.br/obras/8893-rubem-valentim>. Acesso em: 22 jan. 2019.
143
As obras de Valentim não buscam uma fidelidade realista figurativa, mas recriam, por
meio de formas geométricas, o universo da cultura afro-brasileira. Em análise desta imagem
pela ótica formal, notamos que o artista lança mão de tons terrosos, talvez para representar a
terra, de onde, ao mesmo tempo, se originam recursos para a manutenção da vida (por
exemplo, a alimentação), sendo também o lugar que recebe os mortos.
Observamos, ainda, que o artista usa figuras geométricas estruturadas, simbolizando,
de maneira sobreposta, o design dos instrumentos utilizados nos cultos de candomblé, tais
como o leque espelhado (abebê), um cajado (opaxarô), a lança (seta). No centro da imagem,
percebemos uma espécie de escada, que aponta em direção a uma figura circular, parecendo
simbolizar um destino, um objetivo, um mestre, uma cabeça; um ori, enfim, uma divindade
que deve ser alcançada. Neste ponto da imagem, notamos a representação de duas figuras
humanas, frente a frente, um encontro entre o eu e o outro, a relação que permite ao humano
conhecer a si mesmo, porque o outro se constitui nosso espelho na relação de alteridade, não
porque seja a repetição do que somos ou porque seja algo a ser imitado; como menciona
Leitão (acesso em 3 abr. 2019), é espelho justamente por ser diferente, o que nos remete ao
olhar para nós mesmos, sem o que não há o olhar, a alteridade e o respeito ao outro e ao
mundo.

LEITURA DE IMAGENS E PROTAGONISMO JUVENIL

Na contemporaneidade, processos de leituras de imagens no contexto da significação


possibilitam olhar, refletir, fruir e compreender a diversidade cultural e visual. Hernandez
(2000) propõe o conceito de cultura visual como mudança educativa para se relacionar com o
mundo imagético que se apresenta a nós. Para o autor, a partir da arte e suas
representatividades visuais nas diferentes culturas a educação promove mudanças,
influenciando na construção social. Nessa perspectiva, educar pela cultura visual recupera a
narrativa e a singularidade em sua construção, gerando leituras e significados de mundo.
Por exemplo, a necessidade de leituras de imagens no campo publicitário, com o qual
estamos constantemente em contato, mostra claramente que há um enunciador que usa um
discurso persuasivo para conquistar seus clientes, por meio de um contrato de veridicação,
para fazer crer o contrato fiduciário. A tomada de consciência em relação a essa dinâmica é
fundamental.

144
Nesta linha de pensamento, Oliveira (2005) pontua que, com base na semiótica, é
possível descrever a significação na construção de um texto, seja ele verbal, seja visual,
possibilitando apreender como ela se constitui. Em especial, a autora analisa o percurso
gerador de sentido proposto pelo semioticista lituano Algirdas Julien Greimas. Considerado o
teórico da significação, ele busca descrever os arranjos da linguagem pelos seus diferentes
significados. A aplicação de sua proposta à leitura das imagens que perpassam o nosso
cotidiano permite o entendimento de sua sintaxe e semântica.
Ler imagens no contexto da significação torna o repertório de sentidos e cognição
mais amplo, para desvelar novos conhecimentos no plano do conteúdo e da expressão da
imagem e na relação entre seus elementos. Assim, é possível uma reeducação do olhar a partir
da decomposição do texto visual, buscando melhor conhecê-lo e apreendê-lo, identificando
suas articulações e sua significação. Quando uma imagem estética tem uma significação,
temos uma imagem artística.
Para chegar ao sentido ou plano do conteúdo de uma imagem, o leitor precisa estar
com um repertório de sentidos imagéticos e capacidade cognitiva para desvelar novos
conhecimentos, transitando entre os componentes do texto visual. Oliveira (2005) entende que
há diversas possibilidades perpassando o visual do trabalho artístico (plano de expressão) e,
ao mesmo tempo, tecendo sua significação (plano do conteúdo). Fica sublinhada, portanto, a
necessidade de uma educação em arte que examine minuciosamente os pontos relevantes de
um texto estético.
Um exemplo da falta de repertório para leituras de imagens destacado por Oliveira
(2005) refere-se à apresentação de “Guernica”, obra de Picasso produzida nos anos 1930. À
época, o público a recebeu com intolerância, disparando críticas ácidas, por falta de
compreensão dos novos paradigmas estéticos da arte moderna requeridos para sua leitura.
Todo texto estético é um grande gerador de sentidos: o leitor, sendo estudante, artista
ou leigo, usará estratégias para reconstruir essa imagem, acionando sua cognição, mediada por
seus sentidos, por suas diversas maneiras de olhar, decompondo os elementos da imagem e
articulando-os para compreender o todo.
As imagens são eloquentes, querem falar a todo o momento. Possuem formas que se
articulam para criar significados. Eis, então, a importância de estarmos preparados para
compreender o que elas estão comunicando, a partir de uma leitura que permite entendê-las
em seus contextos sociopolítico e cultural, pois seus discursos são transmitidos por um
sistema de códigos e signos estabelecidos culturalmente.

145
As artes visuais fazem parte do conteúdo social dos jovens, pois um bombardeio de
imagens os convida ao protagonismo. Barbosa (2016) sublinha que o pesquisador norte-
americano James Caterrall defende a potência das artes visuais para promover nesse grupo
etário o desenvolvimento da cognição, raciocínio e leitura sofisticada do mundo. Para a
autora, as artes visuais são a disciplina escolar à qual coube a tarefa de preparar para a leitura
de imagens.
O jovem está rodeado de imagens, principalmente as digitais, as quais vendem
produtos, conceitos, comportamentos e slogans políticos. Uma educação que privilegie o
pensamento crítico e a leitura de mundo dos conceitos visuais, sociais e históricos educa os
sujeitos para uma postura crítica e participativa na sociedade, o que se pode promover, por
exemplo, estimulando a frequência de jovens pobres a museus, galerias de artes e espaços
expositivos, geralmente mais acessíveis às elites.
Ao longo da história, houve mudança significativa na relação do homem com os
trabalhos artísticos. Na contemporaneidade, essa relação passa a ser mediada por disciplinas
que tentam defini-la cientificamente. Tais mediações possibilitaram a inclusão de novos
saberes e fazeres esteticamente valorados pelos padrões sociais vigentes, denotando que os
meios mediam as experiências com a arte.
Hernandez (2000) apresenta o conceito de cultura visual como mudança educativa que
permite aos jovens compreender e interpretar o contexto imagético em que estão inseridos.
Isso posto, a educação em arte deve considerar em seu currículo aspectos como a
interculturalidade, a interdisciplinaridade, seus territórios e a integração das artes com seus
modos de produção, de sentido e significação, para que o jovem tenha uma visão articulada
em relação ao mundo que o cerca.
Amaral (2008) sugere que uma forma de atingir a interterritorialidade da arte é a
ocupação do espaço urbano pelos atores sociais e suas memórias, em um fenômeno
construído social e individualmente, sujeito a constantes transformações, que intensifica os
sentimentos de pertencimento de sua identidade e do grupo ao qual está integrado.
Ocupar esses lugares propõe percorrer memórias, lançar mão das histórias oral,
audiovisual e corporal. Fazer esse percurso é propor encontros do eu com o outro, compondo
e recompondo as paisagens urbanas, com seus fragmentos de experiências híbridas e
transitórias.
À medida que a vida social vai se tornando mediada pelo mercado globalizado de
estilos, fazeres e maneiras de ser e estar, estimulados, principalmente, pelas mídias digitais, as

146
identidades tornam-se desterritorializadas de suas raízes, tonando-se líquidas, fluidas, em
liberdade constante. Em cenário assim caracterizado, o ensino interterritorial em arte
potencializa-se com o ensino intercultural, construindo pontes entre lugares de produção de
cultura, a partir de vivências cotidianas, poesias em grafites-murais, televisão, cinema, teatro,
dança e música.

ÚLTIMAS CONSIDERAÇÕES

Pensar as artes visuais na percepção dos jovens é considerá-la como potência de


apropriação da linguagem social e cultural em sua narrativa e singularidade. Os jovens fora da
escola estão em contato com meios de comunicação e, consequentemente, com uma variedade
riquíssima de imagens e tecnologias.
A articulação entre educação, artes visuais e a cultura dos jovens permite-nos pensar
uma educação mais atrativa, resultado de uma ação pedagógica que se constitui em um ato
político e que, portanto, sinaliza para uma educação em artes visuais que estabelece e
aprofunda o olhar sobre as relações sociais, com a vivência, a reflexão, o respeito às
diferenças e à autonomia. Nesse sentido, a expressão “cultura visual” cunhada por Hernandez
(2000) auxilia na compreensão do protagonismo juvenil a partir de seu contexto imagético.
Esse termo surge de uma necessidade de mudanças culturais relacionadas ao olhar, para o
mundo e para si mesmo.
Na contemporaneidade, o conceito de arte fugiu da esfera da técnica e da
contemplação; estudar, produzir e fruir arte envolve reflexão, valorização da imagem como
campo de conhecimento, reconhecimento e valorização das diferentes culturas e mídias, em
diferentes contextos. Por isso, é preciso, também, valorizar as relações com o espaço da
comunidade, assim como entender a potência das tecnologias contemporâneas, a fim de
escapar da hegemonia historicista de estilos, escolas e cânones consagrados, explorando a
variedade de temas que perpassam a cultura visual, imagética.
A educação para a cultura visual é amplamente crítica, posicionando o jovem com
autonomia frente a qualquer imagem, visual, verbal ou sonora. A educação seguirá por
semelhante trajeto quando se aproximar dos lugares onde os jovens estão, contribuindo para
que estabeleçam relações e delineiem suas opiniões e subjetividades, o que se faz no conflito
de gerações e identidades.
A educação do século XXI clama por um currículo que interponha a
interculturalidade, a interterritorialidade, a interdisciplinaridade, as artes, sua produção e
147
abertura de caminhos para uma visão articuladora do aluno em relação ao mundo e a si
mesmo. Para alcançar tal intuito, se faz necessária a ocupação do espaço urbano pelos sujeitos
e memórias, construindo, de forma, ao mesmo tempo, coletiva e individual, o sentimento de
identidade.
Dialogar com a cultura visual dos jovens é interpretá-los e ampliar seus processos de
interação com o mundo, uma vez que a arte possibilita ao ser humano repensar suas certezas e
reinventar seu cotidiano, atribuindo sentido à leitura do mundo e humanizando-se no interior
da cultura que ele produz.
A educação intercultural em arte pretende a preservação da cultura e da harmonia pelo
desenvolvimento de competências em muitos sistemas culturais. É o envolvimento em
conhecer e ter competência para lidar com os códigos culturais de outras culturas, bem como
conhecer também os códigos da sua própria cultura.
Segundo Barbosa (2005), a principal característica da educação intercultural é o
reconhecimento da diversidade como potência, ao invés de ser vista como um problema, do
que decorre a pretensão de se homogeneizar a todos. Reconhece a similaridade entre grupos,
em lugar de levantar as diferenças. Propõe o cruzamento cultural das fronteiras, levando o ser
humano a aprender a ser competente na sua cultura, dialogando, todavia, com outras.
O aluno que vê sua cultura salientada, estudada e valorizada percebe-se ator do mundo
em que vive, do que resultam pessoas mais conscientes, críticas, principalmente a respeito de
valores estéticos de diferentes grupos sociais e étnicos.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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BARBOSA, Ana MAE; AMARAL, Lilian. (orgs.). Interterritorialidade: mídias, contextos
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BARBOSA, Ana Mae. "A arte ajuda a criar um ensino ativo", diz arte-educadora pioneira.
Gauchazh, Porto Alegre, 29 out. 2016. Entrevista concedida a Carlos André Moreira.
Disponível em: <https://gauchazh.clicrbs.com.br/porto-alegre/noticia/2016/10/a-arte-ajuda-a-
criar-um-ensino-ativo-diz-arte-educadora-pioneira-8046706.html>. Acesso em: 3 mar. 2019.
BARBOSA, Ana MAE. Interterritorialidade na arte/educação e na arte. In: BARBOSA, Ana
MAE; AMARAL, Lilian. (orgs.). Interterritorialidade: mídias, contextos e educação. São
Paulo: Senac, 2008. p. 23-44.
CONDURU, Roberto. Arte afro-brasileira. Belo Horizonte: C/Arte, 2007.
DIAS, Belidson. Entre arte/educação multicultural, cultura visual e teoria Queer. In:
BARBOSA, Ana Mae (org.). Arte/educação contemporânea: consonâncias internacionais.
São Paulo: Cortez, 2005. p. 277-291.
148
FERNÁNDEZ-CAO, Marián López. Educar o olhar, conspirar pelo poder: gênero e criação
artística. In: BARBOSA, Ana MAE; AMARAL, Lilian. (orgs.). Interterritorialidade:
mídias, contextos e educação. São Paulo: Senac, 2008. p. 69-85.
HERNANDEZ, Fernando. Cultura visual mudança educativa e projeto de trabalho. Porto
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LEITÃO, Débora Krischke. Arte de sensibilizar o olhar ou por que ensinar antropologia?
Disponível em:
<https://www.academia.edu/33407072/A_Arte_de_Sensibilizar_o_Olhar?auto=download>.
Acesso em: 3 abr. 2019.
MASON, Rachel. Por uma arte-educação multicultural: uma visão pessoal. Campinas:
Mercado das Letras, 2001.
OLIVEIRA, Sandra Ramalho e. Imagem também se lê. São Paulo: Edições Rosari, 2005.
RICHTER, Ivone Mendes. Arte e interculturalidade: possibilidades na educação
contemporânea. In: BARBOSA, Ana MAE; AMARAL, Lilian. (orgs). Interterritorialidade:
mídias, contextos e educação. São Paulo: Senac, 2008. p. 105-111.
VALENTIM, Rubem. Manifesto ainda que tardio. In: ARAÚJO, Emanoel. (org.). A mão
afro-brasileira: significado da contribuição artística e histórica. São Paulo: Tenenge, 1988. p.
294-295.

149
NA ROTA DA CULTURA: O CURSO DE PEDAGOGIA E A VIVÊNCIA EM ARTE

Verônica Devens Costa

RESUMO

Nesse artigo apresento uma ação desenvolvida com alunos do curso de Pedagogia da
Faculdades DOCTUM de Serra/ES. Essa ação vem de encontro ao exercício da lei 9394/96
quando diz que: “O ensino da arte constituirá componente curricular obrigatório, nos diversos
níveis da educação básica, de forma a promover o desenvolvimento cultural dos alunos. ”
Dessa forma, foi realizada com a turma do curso de Pedagogia, uma viagem de estudos à
região sul do Espírito Santo, onde pudemos vivenciar a cultura local, visitando e conhecendo
museus e espaços formativos de cada município. Oportunizamos às alunas e alunos um novo
olhar sobre o ensino da arte, preservando as memórias culturais e as relações existentes entre
o homem e a arte. Para fundamentar essa prática, dialogo com autores que discutem o ensino
da arte e a pedagogia dentre outros que defendem as várias possibilidades metodológicas para
um significativo saber da arte.

Palavras-Chave: Ensino da Arte. Formação do professor. Curso de Pedagogia.

ABSTRACT

In this article is presented an act developed with students of the Pedagogy course of
DOCTUM college from Serra/ES. This act comes across presented at the law number 9394/96
as it says: “The art teaching will constitute obligatory curricular component, at many levels of
basic education, in order to promote the cultural development of the students”. So, was
performed with the Pedagogy course’s class, a study trip to the southern region of Espírito
Santo, where we could live along the local culture, visiting and experiencing museums and
formative places of each town. Was given the opportunity to the students a new sight about
the art teaching, preserving the cultural memories and the existing relationships between the
man and the art. To ground this practice, I talk to authors who discuss the art teaching and
pedagogy among others that defend the many methodological possibilities to a significant art
knowledge.

KeyWords: Art teaching. Teacher training. Pedagogy Course.

INTRODUÇÃO

Apresento nesse artigo uma prática realizada com os/as alunos/as do curso de
Pedagogia da Rede de Ensino DOCTUM do Município de Serra/ES. Diálogo com eles/as, na
disciplina de Metodologia do Ensino da arte, as propostas que são pertinentes a essa

150
disciplina que foi inserida no currículo do curso de Pedagogia a partir da diretriz aprovada
em 2006. Essa diretriz foi uma conquista, uma vez que o futuro pedagogo ou professor, terá
acesso às fundamentações que a disciplina de arte tem em todo o contexto escolar, e assim
poderá orientar de forma eficaz os processos criativos dos alunos, além de oportunizá-los
para que possam exercitar sua expressividade, associar e vivenciar suas experiências, e assim
poder revelar sua identidade emocional, social e cultural.
O artigo 26 parágrafo 2º diz que: “O ensino da Arte constituirá componente curricular
obrigatório, nos diversos níveis da educação básica, de forma a promover o desenvolvimento
cultural dos alunos”. Amparados nessa legislação, percebemos a dimensão do ensino da Arte
para a criança e para o jovem. Até porque ela oferece vivências ao aluno, o qual, certamente,
carregará por toda sua vida como uma experiência que fundamentou algum conhecimento.
Essa legislação deverá ser apropriada também pelo aluno do curso de pedagogia, uma vez
que ele também é responsável, pela formação artística do aluno quando assume a sala de aula
enquanto professor ou a gestão pedagógica, esse, junto com o professor de arte.
Nessa perspectiva e preocupada com a educação na contemporaneidade, para a
formação do aluno crítico, participativo e observador, é nosso papel enquanto professores de
arte oferecer práticas cada mais eficazes para contemplar tal legislação. Nesse sentido,
oferecemos aos alunos/as do curso de Pedagogia, uma viagem cultural a três municípios do
interior do Espírito Santo, intitulamos de “Três Santas”, e que tem como característica
cultural marcante, a imigração. Nessa viagem conhecemos a imigração italiana no município
de Santa Teresa, a pomerana em Santa maria de Jetibá e a alemã em Santa Leopoldina, e,
consequentemente suas reverberações, explorando as várias possibilidades de busca e
inclusão de fatos, objetos, situações e todo o acervo disponibilizado que permite a apreensão
de conhecimentos.
Pudemos perceber que, através da monitoria dos espaços visitados o reconhecimento
do cidadão como parte integrante desse lugar é agente de ações sociais e culturais que
preserva o patrimônio histórico e cultural, priorizando as tradições, valores, história e
costumes, como nos fala Fioravanti (2014, p.117):
Pela mediação cultural é possível despertar, contaminar e provocar o público, seja
no museu, na sala de aula ou no seu entorno para o universo do patrimônio
cultural. Visto como um dos territórios da mediação cultural, pensado como algo
vivo e dinâmico, como nos diz Bezerra de Menezes, citado por Rodrigues (1994),
permite acesso e reflexão sobre o que nos foi deixado por outras pessoas em
tempos passados ou mais recentes.

Em uma situação real podemos visualizar o ambiente, perguntar, observar materiais e

151
objetos como realmente são, e, consequentemente, aproximarmo-nos de determinada
realidade. A proposta nos permite ampliar o conteúdo pensado, visualizar a arte e suas redes
de modo a abrir possibilidades para conhecermos tal conteúdo em suas mais diferentes
formas de se apresentar, dando um sentido amplo e consistente ao assunto estudado.
Segundo Libâneo (1994), o processo de ensino se caracteriza pela combinação de
atividades do professor e dos alunos, isto é, à medida que o professor dirige o estudo das
matérias, os alunos atingem, progressivamente, o desenvolvimento de suas capacidades
mentais.
A visita foi planejada seguindo a proposta de que o estudante deve perceber as
especificidades dos temas que são estudados. Além dos diálogos que surgem em sala de
aula, esses temas poderão ter com as outras disciplinas diferentes abordagens, além de ter
sido apropriado de maneira prazerosa, interativa e enriquecedora, uma vez que todo o grupo
participou ativamente de todos os momentos e discussões sugeridas. Ao explorarmos os
diversos espaços formativos os alunos podem visualizar as diversas possibilidades de
conhecimento e apropriação do que foi proposto.
A educação através da arte é na verdade um movimento educativo e cultural que
busca a constituição de um ser humano, completo, total, dentro dos moldes do
pensamento idealista e democrático. Valorizando no ser humano os aspectos
intelectuais, morais e estéticos, procura despertar sua consciência individual,
harmonizada ao grupo social a qual pertence (FERRAZ e FUSARI, 1997, p. 15).

Uma atitude que também se destaca nessa ação é a interação do grupo,


principalmente entre professores e alunos, que, comunicando-se e interagindo, constroem
saberes, além de fazerem do convívio social uma prática metodológica. Nessa experiência,
os diálogos que surgem são outras possibilidades de visualizar um mesmo fato.

DESENVOLVIMENTO

Apesar desses municípios estarem muito próximos ao município de Serra – onde todos
moram – percebemos que nenhum deles conheciam esses lugares. Organizamos um roteiro
onde pudemos visitar todos os espaços. Iniciamos pelo Vale do Canaã, de grande beleza,
encontra-se a 2 km do centro de Santa Teresa, que foi um dos lugares onde teve início a
imigração italiana. A palavra Canaã significa terra fértil, lugar prometido e esperado, meta de
sonhos e ambições. A obra literária “Canaã” (1902), de Graça Aranha, é ambientada nessa
região. Nesse romance são abordados os desafios encontrados pela convivência de várias
pessoas com culturas diferentes que sofrem pela colonização. Um obelisco (Figura 1) no local

152
é o marco registrado em homenagem ao escrito.

Figura 1 – O obelisco
Fonte: Disponível em: < http://www.terracapixaba.com/2010/10/mirante-vale-do-canaa-santa-teresa.html>.
Acesso em 01 de maio de 2019.

Continuamos nosso trajeto visitando a Casa Lambert (Figura 2), que é uma das
primeiras casas de imigrantes italianos construída em Santa Teresa em 1876. Atualmente é
um museu que guarda em seus objetos e fotos a história da família Lambert, imigrantes
italianos.

Figura 2 – Um dos cômodo da Casa Lambert


Fonte: Disponível em: < https://santateresa.es.gov.br/site/espaco_cultural/casa_lambert/1>.
Acesso em 01 de maio de 2019.

A próxima parada foi no Museu melo Leitão (Figura 3), fundado em 1949, pelo
agrônomo, ecologista e naturalista capixaba Augusto Ruschi, que interessou-se pelo estudo de
plantas e animais, desde a infância, permitiu-se conhecer a fundo diversos ramos da biologia,
tornando-se respeitado especialista em beija-flores e orquídeas do Brasil.

153
O museu está vinculado ao Instituto Brasileiro de Museus. É responsável por
desenvolver importantes pesquisas botânicas, faz coletas de materiais zoológicos,
desenvolve um programa de educação ambiental e atua na preservação da memória do seu
criador. Outro espaço muito visitado são os animais empalhados, que reúne animais de
várias espécies. Possui um acervo científico de mais de 65 mil itens pesquisados, com isso
atrai pesquisadores de toda a parte do mundo.

Figura 3 – Museu Melo Leitão – Santa Teresa – ES.


Fonte: Arquivo pessoal.

Ainda no circuito conhecemos o museu da Imigração Pomerana, localizado em Santa


Maria do Jetibá, foi inaugurado em 1991, e está instalado em uma casa (Figura 4) que segue
as características da arquitetura pomerana. Seu acervo conta a história da vinda dos
imigrantes pomeranos para o Brasil, no século XIX, e é composto de vestuário, objetos,
móveis, mapas, utensílios domésticos, médicos dentre outros.

Figura 4 - Museu da Imigração Pomerana – Santa Maria de Jetibá – ES.


Fonte: Arquivo pessoal.

154
A última parada foi no Museu do Colono (Figura 5), localizado em Santa Leopoldina,
cidade banhada pelo Rio Santa Maria. Fizemos um tour pela cidade, e conhecemos a
arquitetura local, que é formada por belas casas em estilo europeu e os casarios são
tombados pelo Conselho Estadual de Cultura. Foi inaugurado em 1969, e retrata a época
áurea do porto e suas transações comerciais da época. Em seu acervo traz mobílias, fotos,
instrumentos musicais, objetos pessoais e artísticos. Retrata os costumes das famílias do final
do século XIX e início do século XX.

Figura 5 - Museu do Colono – Santa Leopoldina ES.


Fonte: Arquivo pessoal.

Assim terminamos nosso dia, cheios de experiências e novas possibilidades.


Conhecimento que reverbera em ações concisas e correntes em sala de aula e possibilidades
de oferecer ao aluno da educação básica uma aprendizagem significativa em arte.
A partir da necessidade de uma formação que contemple as demandas
contemporâneas, as alunas perceberam, por meio da visita às “Três Santas”, um meio de
complementar seus estudos e de estabelecer relações com o outro e com o mundo. Propomos
um diálogo com os alunos para conhecer as reais impressões acerca da viagem pedagógica e
obtivemos os seguintes relatos:
[...] foi minha melhor experiência dentro da faculdade, eu nunca tinha ido em
nenhum dos três lugares citados, nunca frequentei museus, entretanto, nessa viagem
pude realizar tudo em um dia. Vivemos em um mundo muito alienado, onde as
pessoas não conhecem sua própria cultura, nessas vivências tive a oportunidade de
conhecer a diversidade da nossa cultura, tive a oportunidade de conhecer vários
campos artísticos e isso despertou em mim uma curiosidade maior sobre esses
aspectos tanto do nosso Estado, quanto fora também. [...]. Essas viagens e
aprendizados só nos enriquece, como pessoa e como futura Pedagoga, depois
dessas experiências, e aprendizados, terei a oportunidade de ensinar e também levar
meus alunos para conhecer nossa cultura.

(M. J. R. S.)
155
Viver somente na comunidade em que habitamos sem buscar conhecer outros
costumes, em geral, nos torna cidadãos limitados no contexto cultural, diversidade
e seus conhecimentos. Em minha formação acadêmica desde o primeiro período
percebi o quão frágil foi o meu ensino básico, e levando para o contexto cultural,
histórico, geográfico e artístico, comecei a notar importância do educador
transmitir de forma construtiva tanto a teoria quanto prática no ensino
aprendizagem, na medida do possível, para melhor compreensões e aprendizado de
seus alunos. [...]

Uma das vibrantes aulas de campo que tive em minha graduação foi a visita às
“Três Santas”, [...] devemos transmitir aos nossos alunos afim que seja
significativo e prazeroso, qual a importância da cultura da arte na formação de
nossos educandos, que a arte não é somente pintar desenhar, misturar cores,
recortar, a arte tem todo um contexto histórico e consequentemente é proveniente
de uma evolução humana.

(H. D. P.)

Nas oportunidades ofertadas pela instituição de aulas em campo, tive a


oportunidade de conhecer e aprender um pouco mais da cultura capixaba. Sem
orientação e coordenação, estas visitas, não teriam o peso, o significado que
tiveram, tendo a professora como idealizadora deste projeto, as visitas técnicas
oportunizam um grande aprendizado, um leque de conhecimentos.

A visita realizada com o título “As Três Santas”, tive a oportunidade de conhecer
um pouco da cultura de Santa Teresa, Santa Maria de Jeribá e Santa Leopoldina,
onde fiquei encantada com as maravilhas e cultura destas cidades, que aguçou a
curiosidade minha e de minhas amigas da faculdade que retornamos a uma destas
cidades para contemplar a beleza que conhecemos no dia da visita.

(L. O. L.)

A partir dos comentários, percebemos a importância dessa ação na formação das


alunas quanto ao envolvimento com as práticas educativas a serem desenvolvidas, além da
complementação dos estudos das teorias que preconizam o ensino da Arte, no curso de
Pedagogia. São proposições significativas que futuramente reverberarão nas práticas
pedagógicas.
Assim, o futuro pedagogo/professor atuará como mediador ou provocador capaz e
com habilidades para identificar as possíveis atitudes em realizar um trabalho que contemple
o seu objetivo, que é desenvolver a curiosidade, a atenção, a imaginação, a criatividade e a
percepção de seus alunos “Mediação é a troca de informações e experiências entre educador
e educando, pois o estudo, as visitas periódicas a eventos e exposições afetam a ambos,
provocando reflexão através da experiência” (MARTINS, 2005, p. 44). Sendo assim, é
imperativo afirmar que um professor envolvido em suas ações cotidianas colabora para a
construção de conhecimento de seus alunos, fazendo com que aquilo que esteja sendo
passado para eles tenha sentido significativo, aguçando-lhes a curiosidade e, paralelamente,
o prazer em conhecer o desconhecido.

156
CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com essa prática pudemos perceber que a disciplina de Arte é fundamental a


educação em uma dimensão ampla, e que abarca as mais variadas formas de ensino. Não é
simplesmente um mero fazer, corroboramos com Varela, apud Ferraz e Fuzari (1997, p.17)
quando diz que a arte: “É território que pede presença de muitos, tem sentido profundo,
desempenha papel integrador, plural e interdisciplinar no processo formal e não formal da
educação”.
Vemos no curso de Pedagogia, um lugar para impulsionar a efetiva prática da arte na
escola. Quando possibilitamos que os alunos participem de práticas ou vivências, permitimos
que ele tenha outra forma de ver e entender a arte. A partir da disciplina de Metodologia do
Ensino da Arte, o aluno da Pedagogia é provocado a ir além das simples atividades, do fazer
mecanizado e dos questionamentos negativos acerca de sua produção estética. À sua
produção ele agrega valores e sentimentos, qualificações que em uma prática modernista não
estava presente. Com essa prática, fortalecemos a presença da disciplina no Curso de
Pedagogia, uma vez que, o futuro professor destinará ao seu aluno um olhar sensível e
direcionado à valorização de sua expressão.
Mobilizamos discussões e reflexões acerca da formação do professor com a prática
realizada, percebemos que ser professor implica desafios, pois cada aluno traz sua cultura e
sua singularidade. E que estarão presentes nas produções. É preciso que o aluno se reconheça
como autor de suas produções e para que isso aconteça é importante que o professor, leve-o
a valorizar o seu trabalho e tenha confiança em suas representações.
Na rede de significações do mundo da arte, seus produtores e fruidores, o educador
se encontra “com uma rédea no criativo, uma rédea no técnico, uma rédea no
estético, uma rédea no processo de vida, uma rédea no futuro e outra no passado,
todas elas puxadas ao mesmo tempo (LOUIZ apud PICOSQUE, 2012, p. 129).

Concordamos com o autor pois entendemos que, enquanto professores de arte,


encontramos situações que nos limitam a agregar esse conjunto de atitudes. Porém a
dimensão da docência em arte nos dá flexibilidade de construir verdadeiros laboratórios,
onde o professor poderá atuar como propositor, estimulando seus alunos a exercitarem a
criação e a sua expressão, possibilitando o conhecimento de forma significativa. Ao
articularmos os olhares e fazeres, estamos nos aproximando das propostas da arte de forma
abrangente e significativa. São experiências que nos proporciona conhecer conteúdos com
profundidade. Ao transversalizarmos esses conteúdos estaremos relacionando-os com outras
áreas do conhecimento e também fazendo aproximações com o nosso contexto, seja ele

157
social, cultural, cognitivo, emocional.
Dessa forma, vimos que o futuro professor é agente transformador no processo
ensino aprendizagem em arte. Pois quando atua no 1º e 2º ciclos do ensino fundamental,
poderá desenvolver tarefas contextualizadas com outras áreas do conhecimento valorizando
as singularidades culturais, sociais emocionais de cada aluno. E enquanto gestor pedagógico
poderá articular de forma significativa com o professor especialista em arte a promover o
conhecimento, desenvolver habilidades e apresentar ao aluno as interfaces da arte.

REFERÊNCIAIS BIBLIOGRÁFICOS
FERRAZ, M. H. C. de T; FUSARI, M. F. R. Arte na Educação Escolar. São Paulo, Cortez,
1997.

FERRAZ, M. H. C. de T; FUSARI, M. F. R. Metodologia do Ensino da Arte. São Paulo,


Cortez, 1993.

FIORAVANTI, M. L. B. Mediação Cultural e patrimônio. In: MARTINS, C. M. [ORG.].


Pensar juntos mediação cultural: [entre]laçando experiências e conceitos. São Paulo:
Terracota Editora, 2014.
LIBÂNEO, J. C. Didática. 13. ed. São Paulo: Cortez, 1994.
MARTINS, M. C. Mediação: provocações estéticas. Art Color, São Paulo, v. 1, n. 1, 2005.

MARTINS, M. C.; PICOSQUE, G. Mediação cultural para professores andarilhos na


cultura. São Paulo: Intermeios, 2012.

158
COMUNICAÇÕES
Parte II
CICATRIZ: APROPRIAÇÃO, MEMÓRIA E RESSIGNIFICAÇÃO NA ARTE
CONTEMPORÂNEA

Adriana Magro
Priscila Regina dos Santos Pinheiro

RESUMO

Esse trabalho procura apresentar a série Cicatriz (2003) da artista plástica Rosângela Rennó, e
desvelar os efeitos de sentidos ali postos. A artista foi escolhida pela sua relevância na
apropriação e ressignificação em suas obras, trabalhando com a memória de temas políticos e
sociais, funcionando como resposta estética as mazelas da sociedade brasileira. Sua obra
multifacetada expõe o apagamento da identidade de sujeitos considerados a margem da
sociedade, a artista ao recuperar essas fotografias dos detentos do Museu Penitenciário
Paulista e associá–las há um outro arquivo anônimo, potencializa e humaniza a subjetividade
desses arquivos, os atualizando como fotografia, tatuagem e objeto artístico trabalhando em
uma área de recalque onde anti-protagonistas também fazem parte de uma memória nacional
obliterada.

Palavras-chave: Apropriação, ressignificação, memória, tatuagem, estigma.

ABSTRACT

This work seeks to present the series Cicatriz (2003) by the artist Rosângela Rennó, and to
unveil the effects of meanings placed there. The artist was chosen for its relevance in the
appropriation and resignification in her works, working with the memory of political and
social themes, working as an aesthetic response to the ills of Brazilian society. Her
multifaceted work exposes the erasure of the identity of subjects considered to be on the
margins of society, the artist retrieving these photographs from the prisoners of the Paulista
Penitentiary Museum and associating them with another anonymous archive, enhancing and
humanizing the subjectivity of these archives, updating them as photographs. , tattoo and
artistic object working in a repression area where anti-protagonists are also part of an
obliterated national memory.

Keywords: Appropriation, resignification, memory, tattoo, stigma.

INTRODUÇÃO

Rennó tem uma vertente arquivista, questiona o excesso de informação visual, seu
acúmulo e posterior descarte no cotidiano, tem como principal suporte de produção a
fotografia, se nega a fotografar, acredita que o mundo está estagnado de imagens, se
apropria de diferentes “matérias primas/ arquivos” destinadas ao esquecimento para a
produção de suas Obras. Na série Cicatriz utiliza a intertextualidade de dois acervos: o

160
primeiro se trata de uma obra da artista, um arquivo que é constantemente alimentado com
recortes do noticiário, sem fotos, somente os textos, sem nome, data ou local, o mesmo foi
intitulado; o Arquivo Universal (1992), e o segundo as fotografias de tatuagens e cicatrizes
dos detentos pertencentes ao acervo do Museu Penitenciário Paulista.
A série foi concebida inicialmente como Instalação em uma exposição do Museum
Of Comtemporany Art of Los Angeles (MOCA) em 1996, foram expostas 18 fotografias em
grandes dimensões em papel resinado e 12 textos em baixo relevo esculpidos nas paredes em
gesso acartonado. Em 1997 a série foi adaptada em um formato de Livro homônimo para essa
edição foram selecionadas 34 reproduções fotográficas do arquivo penitenciário e 32 textos
do Arquivo Universal, a alegoria da pele está presente no fundo das páginas de papel
pergaminho como um simulacro do suporte epitelial. Em 2003 publica um catálogo intitulado
Rosângela Rennó – O Arquivo Universal e outros Arquivos, onde além de outras imagens
advindas da exposição realizada no Centro Cultural Banco do Brasil do Rio de janeiro (2003);
traz mais uma edição da série Cicatriz agora com 23 reproduções fotográficas do arquivo
penitenciário e 16 textos do Arquivo Universal, a artista participou de todo processo
conceitual e autoral da edição o que torna a publicação um objeto artístico.
O objetivo dessa pesquisa foi desvelar os efeitos de sentido dos intertextos presentes
no recorte de quatro dípticos do acervo penitenciário e reproduções do arquivo universal
disponíveis na publicação de 2003, expostos de forma singular.
Na produção da série Cicatriz (1996 – 2003) Rosangela Rennó embarca em uma
viagem pelos porões do passado carcerário nacional ao se debruçar nos Arquivos da
Penitenciária do Estado de São Paulo. São Arquivos Institucionais que formam um estagnado
conjunto de estigmas oficiais e grupais do pathos icarcerário nacional. A obra é fruto do
diálogo Visual entre as fotografias do acervo do hoje Museu Penitenciário Paulista e textos de
um projeto de autoria de Rennó intitulado Arquivo Universalii. A artista parte do princípio da
pele como suporte para expor os dois acervos, nos Arquivos do Museu Penitenciário emergiu
no que estava desenhado na pele dos detentos, suas tatuagens, já os textos do Arquivo
Universal não são acompanhados de sua fotografia referencial, são textos anônimos, não há
nenhuma informação ou referência direta, porém estão acima de um fundo de pele, não parece
se tratar da mesma epiderme presente no negativo do Museu Penitenciário, mas de um
requinte equivalente, elas convergem.
Tanto nas imagens do arquivo penitenciário, quanto os textos do Arquivo Universal
tem a pele como suporte, é na significação desse Corpus marginal que mora a metamorfose de

161
signos que buscamos desvelar. Da penitenciária do Estado o registro desse corpo migrou para
as Artes Visuais, é nessa ressignificação, no potencial interpretativo coletivo e individual que
se atém nossa investigação.

BREVE HISTÓRIA DA TATUAGEM NO BRASIL

No Brasil, a historiadora Silvana Jehaiii, em um depoimento no documentário Do


Porto a Pele: a história da tatuagem profissional no Brasil (2016)iv, afirma que a tatuagem não
chegou no Brasil, ela já existia, na atualidade catalogou cerca de 15 a 20 tribos que se tatuam,
não só se pintam, como em diversos outros relatos, mas se tatuam.
No século XVIII, é importante ressaltar a presença dos escravos negros, oriundos de
uma cultura ondes as marcas no corpo identificam a sua nação, seu pertencimento.
Vamos então dar um salto e chegar ao final do século XIX e início do século XX. A
tatuagem no Brasil nesse período está intimamente ligada à marginalidade e as classes mais
baixas da sociedade; marinheiros, operários, carroceiros, carregadores, prostitutas, engraxates,
jornaleiros, sapateiros, negros, mestiços, imigrantes que tinha ocupações braçais, e claro a
população carcerária.
Quando se fala em tatuagem no Brasil, todos se lembram do Dinamarquês Knud
Harald Lucky Gregersen (1983), mas conhecido como Lucky tattoo o precursor da máquina
de tatuar elétrica nos país. Porém Lucky, só chegou ao Brasil em 1959. As tatuagens da série
Cicatriz 2003, são datadas entre os anos 20 até os anos 40. Ou seja, foram tatuadas de forma
rudimentar, artesanal, pois não existe nem um registro anterior ao de Lucky com tatuagens
com maquinário elétrico.
A tatuagem anterior à chegada de Lucky era feita de forma artesanal, exigia coragem,
o processo era doloroso e demorado. Para que os desenhos se destacassem era necessária
muita técnica, não só no desenhar, mas em como as marchetadas alcançavam a derme e como
a tinta era empregada.
Para compreender melhor a significância das imagens das tatuagens produzidas na
penitenciária do estado no início do século XX em São Paulo, é indispensável compreender a
estrutura social da época e como a tatuagem reverberava na sociedade brasileira; vamos então
cruzar dois fragmentos de periódicos da época; o primeiro com a matéria: “As tatuagens dos
marítimov” – (a publicação não menciona o nome autor) do jornal O paíz de 1923 no Rio de
Janeiro e a Segunda matéria do Folhetim Correio Paulistano “Presidio do Carandiruvi”; por
Honorio de Sylus, em 1927. Logo, também contemporâneas às narrativas do conto de João do
162
Rio “Os Tatuadores”, e Memórias do Cárcere de Graciliano Ramos, ambas inseridas no
contexto prisional, que acreditamos ser o mais similar possível aos detentos da Penitenciária
do Estado no Carandiru e suas Cicatrizes desenhadas na derme selecionadas por Rosangela
Rennó para a série Cicatriz – 2003.
A penitenciária do Estado de São Paulo, por duas décadas também foi conhecida
como “Casa de Regeneração”, foi considerada modelo, diversas personalidades do mundo
vieram conhecer o sistema prisional adotado em São Paulo. A prisão era autossuficiente, os
apenados trabalhavam e estudavam, e sua horta abastecia quase em 100% o consumo da
penitenciária, o que garantia uma imagem de excelente política pública. Pesquisando os fatos,
alguns juristas apontam que o que acontecia na época era a seleção das informações que o
Estado permitia que se externasse para a população, Sylus, no periódico Paulistano enaltece a
direção da penitenciária, sua estrutura, seu funcionamento.
Logo ao adentrar a penitenciaria o detento ganha o seu número de matrícula, a partir
desse momento seu nome é obliterado e não será mais utilizado, agora o detento sempre que
chamado irá escutar o seu número de matrícula, como consta nas regras do presidio, seu nome
de batismo estará arquivado em seu prontuário, mas não será dito até sua pena findar, ganha
então o corte de cabelo padrão, e tem a barba raspada, posteriormente é fotografado conforme
protocolo criminal.
Sobre algumas especificidades de cada detento, pode-se notar apenas na ficha de
saúde do mesmo. Segundo Sylos “o prontuário do Carandiru é simples e modernovii. Nesses
prontuários algumas especificidades serão estudadas, como suas marcas, cicatrizes, e
tatuagens com seus diferentes processos de produção, que não passam despercebidos no
departamento de criminologia, foi catalogado e numerado: o método mais utilizados nas
tatuagens dos sujeitos do Carandiru é o primeiro da lista do DR Corrêa de Toledo; por picada
ou punção, que por coincidência, podemos atribuir de acordo com as características, ser o
método mais representado nas tatuagens penitenciárias escolhidas para a série de Rennó.
Esse método foi amplamente utilizado nas penitenciárias de todo o mundo, onde os
presos eram tatuados por seus pares ou o próprio convicto se marcava, o processo é silencioso
não chamando atenção dos carcereiros e da direção prisional. Algumas tatuagens eram
impostas, um grande exemplo citado anteriormente são as insígnias atribuídas a
homossexualidade passiva, que difere da imposição sofrida pelos judeus prisioneiros de
Auschwitz, que eram tatuados com seus números de identificação.

163
Em abril de 1995, após o contato da artista com o arquivo, a artista se interessou
particularmente pelas fotos das tatuagens visando incorporar algumas delas em seu arquivo
por meio de reproduções. O que impressiona é a quantidade de negativos, milhares dessas
imagens foram reproduzidas em volumes encadernados em couro com o título “Penitenciária
do Estado de São Paulo, Serviço de Biotipologia Criminal – Arquivo de Tatuagens”, contendo
informações como nome, idade, cor, estado civil, religião, quando foi feita a tatuagem, por
quem, nacionalidade, profissão, crime, reincidência, onde foi feita, que cor tem, localização e
classificação; Étnica – política - criminal – ornamental - amorosa – obscena.
A urgência em recuperar uma parte da história penitenciária do país fez com que
Rennó elaborasse um projeto de higienização e recondicionamento do arquivo. Com a
parceria artista e Estado, o projeto viria a ser um ponto de partida de um verdadeiro Museu
Penitenciário Paulista. Rennó embarcou em uma empreitada de nove meses até conseguir
autorização para realizar o projeto. Nas palavras da artista “Compreendi que a intervenção no
Museu Penitenciário, cuja finalidade se baseava em princípios de ordem estética, era também
uma ação política” (RENNÓ, p. 18, 2015).
A artista discorreu em entrevista para Horácio Fernández, historiador espanhol,
durante o III Fórum Latino-Americano de Fotografia de São Pauloviii que ocorreu em 2015,
sobre o reflexo do descaso do Estado com o sistema prisional no estado de conservação do
acervo penitenciário, transcrito abaixo:
(...) A partir de um acervo abandonado, ou praticamente com algumas pessoas
tentando juntar em uma sala só, você aprende sobre uma coisa muito maior, então
assim, questões como identidade, violência estava em tudo ali, eu fiquei muito
sensibilizada de na época, em 95, está fazendo quase 20 anos isso, de ver um
arquivo destinado ao abandono. Fazer um levantamento histórico, de informação,
descobrir como é difícil conseguir... e isso te faz pensar... em um estudo de caso. Por
que que o sistema penitenciário está como está? Por que tivemos o massacre do
Carandiru? Não é à toa. Porque aquilo que eu vi, ligado a um acervo criado dentro
da Penitenciária do Estado de São Paulo, o Estado dele refletia justamente a penúria
que é todo o sistema carcerário e todo o sistema de administração da época.
(RENNÓ, 2015).

Como podemos notar o processo não foi fácil, a artista teve duas respostas negativas
da Assessoria Jurídica da Secretaria de Administração. O acesso de Rennó ao arquivo só foi
possível sob a condição de não retirar o material das dependências da ACADEPEN, a artista
então deslocou seu laboratório até a penitenciária. Como aponta Vander Melo Miranda, “o
mais terrível das imagens de Cicatriz é nos fazer ver que o sequestro das identidades que
exibe não é efeito provisório de um regime – político ou discursivo – de exceção”
(MIRANDA, p. 188, 2000).

164
A artista então organizou e reproduziu esses negativos e elaborou a série “Cicatriz -
1996” deslocando os arquivos do Museu penitenciário brasileiro para o Museu Art de Los
Angeles nos EUA, posteriormente em 2003, “Uma produção em livro dessa obra reproduz os
textos em páginas que parecem pele humana aproximando ainda mais os componentes
escritos ás imagens complementares dos sujeitos tatuados” (Harrison, p. 49, 2007).
Em Cicatriz; Rennó nos põe de fronte a um acervo escamoteado onde segundo
Herkenhoff a artista passa a construir “ a extensão do olho fotográfico como a própria
extensão do olhar do Estado”. É nesta extensão que mora o maior conflito da relação do
indivíduo privado de liberdade com o próprio corpo e as relações de poder do olhar arbitrário
do Estado que vem por com mecanismos de repressão e a tentativa de obliteração da
subjetividade desse indivíduo. Herkenhoff pontua:
“Já não se vigia o lugar onde está o corpo do prisioneiro, mas todos os lugares do
corpo do prisioneiro(...) A lente da câmera há muito já passara a constitui- se numa
espécie de olho todo poderoso, como a torre central do pan-óptico nas
penitenciárias. Como no caso da polícia técnica, Rennó passa a ler o próprio corpo
do suspeito, no caso já não mais o preso, mas a própria fotografia com o seu déficit
social. ” (HERKENHOFF, pág39, 1996)

As fotografias dos presos foram justapostas com histórias de outro acervo, o


“Arquivo Universal”, que não possuem uma conexão real com o convicto. Demonstram afeto,
até mesmo quando retratam a violência e o descaso com certa camada da população em
diferentes contextos sociais. É um verdadeiro jogo de mestre, pois Rennó reaviva diversas
histórias, ora cotidianas, ora catastróficas como no díptico acima, abrindo assim um leque de
possibilidades; “Quando exponho o texto, obrigo o espectador a ler. Ele compreende o
conteúdo e constrói sua própria imagem. De certa maneira ele destrói o texto que acabou de
ler no momento em que constrói uma imagem mental”. (RENNÓ 2003, pág. 11).
Harrison atribui os textos de “Cicatriz” “... a obsessão geral da artista inerente ao
tema fotografia, ao permitir que a palavra escrita amplie os parâmetros do campo visual da
câmera” (HARRISON, p. 50-51, 2007), Harrison faz um paradoxo comparativo; enquanto as
fotografias enfocam de perto as tatuagens, o segmento textual tem efeito contrário; pois o que
está exposto é um contexto social geral, amplificando as repercussões das ações humanas em
uma escala global.
Em 1996 elas ressuscitaram em uma instalação no Museum of Art Los Angeles
(MOCA), em 1997 a série foi adaptada em formato de Livro homônimo, em 2003 é publicada
um catálogo onde traz mais uma edição da série Cicatriz, ou seja, as imagens foram

165
reinseridas em um novo circuito, em diferentes formatos o que amplia e pluraliza o dito “ciclo
de vida” da fotografia.
Em Cicatriz, Rennó deu voz a sujeitos apagados por uma força bestial de abandono,
imagens renegadas ao esquecimento ganharam visibilidade, se descolocaram do âmbito
institucional para objeto artístico e ganharam novo fôlego, uma nova força, um novo status
social. Rennó reaviva a voz de anti – protagonistas que fazem parte de uma historicidade que
o país não faz questão de lembrar.
Segundo Herrison “O trabalho de Rennó cobra do observador a tarefa moral e
arqueológica de lembrar de feições humanas e, através das imagens desumanizadas. ” Vale
enfatizar que a poética de Rennó não faz uma relação direta com o massacre do Carandiru.
Mas o trabalho não perde sua vertente social, política e ativista e acaba por nos rememorar o
massacre dos 111. Herrison ainda afirma:
Apesar de uma peça como Cicatriz não ter sido projetada para retratar diretamente a
chacina do Carandiru, por exemplo (como faz o tour de force cinemática de
Bebenco), o espectador é convidado a buscar correlações conceitualmente, ao
separar da obra de arte as formas das quais ela expõe tangencialmente a persistência
da injustiça e devastação humanas manifestadas no dia-a-dia. (...) O título em si,
Cicatriz, sugere ferimento e mutilação, elementos aparentemente incongruentes com
a ressonância visual das fotografias em si. Enquanto que as tatuagens, conforme
representadas por Rennó, podem ser consideradas formas inextinguíveis de arte, as
cicatrizes referenciadas no título despontam para enfrentar as formas enraizadas de
discriminação e abuso social expressadas pela obra de arte como um todo (Harrison,
p. 15, 2007).

Berger afirma “os eixos de poder condenam o ser humano ao esquecimento” diversos
trabalhos artísticos além da Obra Cicatriz de Rennó, em diferentes vertentes trabalharam em
contrapartida dessa corrente de obliteração e reavivaram a memória desses indivíduos da anti-
cultura nacional.

ANALISE DAS IMAGENS – “CICATRIZ”.

Abaixo temos a figura de duas mãos negras, uma prostrada para outra unindo os
polegares, em cada mão um único ponto solitário localizado próximo à junta entre o
trapezoide e o trapézio, entre o dedo polegar e o indicador. A fotografia tem suas bordas
esfumadas, entre as mãos, um vão sombreado. Dentre os entremuros prisionais pequenos
“pontos” em determinadas localidades corporais da derme podem criar um novo vocábulo
marginal em que segundo Silva e Paredes, só os prisioneiros tinham fluência.

166
Fonte: O Arquivo Universal e outros arquivos, Rosângela Rennó. 2003, pág. 292,293.

De acordo com os estudos de Silva e Paredes; um único ponto nas mãos se trata de
um indivíduo punguista, dois pontos traz o pior estigma penal sinônimo de repulsa, o estupro,
três pontos em forma piramidal sinalizariam tráfico, cinco pontos furto; porém essas mesmas
insígnias assumem outra significância nas crônicas de João do Rio:
Quase todos os rufistas e rufiãs do Rio têm na mão direita entre o polegar e o
indicador, cinco sinais que significam as chagas. Não há nenhum que não acredite
derrubar o adversário dando lhe uma bofetada com a mão assim marcada (RIO, p.
19, 1997).

As chagas traziam força e a certeza do convicto em derrubar seu oponente com


destreza. Nos estudos, Paredes e Silva; dez pontos posicionados em forma de Cruz assinala
um homicida ou um chefe de quadrilha, um único ponto involuntário talhado na face marca o
sujeito homossexual passivo, indivíduo que carrega um estigma perigoso sujeito às
atrocidades nos intramuros, além da sua numeração codificada dentro do sistema prisional,
seu corpo fora talhado com o código homofóbico marginal no qual o apenado é novamente
condenado e castigado pelo simples fato de não ser heteronormativo.
Na figura acima, o indivíduo tem um ponto grafado em cada mão, de acordo com a
dissertação de Sousa, a cartilha de Silva, e a monografia de Paredes, não é possível precisar
sua significância, pode se tratar de um sujeito punguista, batedor de carteira, ou de um
indivíduo que cometeu o crime de estupro, a composição da imagem chega a ser terna, a
posição das mãos, o fundo monocromático, se não fossem os pontos, e as significâncias
atribuídas a essas marcas na pesquisa, e a intencionalidade de registra-los, poderíamos atribuir
à pose das mãos a fé, a oração, a reza, a composição tem uma beleza diferenciada, beira até
certo sentimentalismo, suas unhas pontiagudas, descuidadas, poderíamos até supor que suas
167
mãos são ásperas, calejadas.
À esquerda temos outra imagem completando o primeiro díptico aqui apresentado.
Um fundo epitelial humano em tom sépia preenche a página, sobre ele uma fonte embaçada
narra um fragmento do Arquivo Universal, narrativa emocionante da odisseia de um fotógrafo
que sofre um acidente de helicóptero, fotografa todos os seus percalços até a aeronave se
deparar com a areia da praia, infelizmente tem o filme inutilizado assim que entra em contato
com a areia, relata à imprensa, inconformado, ter sido essa sua maior decepção, são
fragmentos distintos, mas as mãos em prece poderiam facilmente ser associadas a odisseia do
fotografo narrada ao lado.

Fonte: O Arquivo Universal e outros arquivos, Rosângela Rennó. 2003, pág. 256,257.

Acima temos outro conjunto de imagens, a esquerda no centro de uma folha em


branco encontramos uma fotografia centralizada medindo 09 cm x 13 cm. A direita um fundo
de pele ocupa a totalidade da página com escala de 26,5 cm x 18,5 cm, acima dos poros e
pelugens uma escrita preta opaca, faz com o que o espectador force o olhar para decodificar o
que o texto revela.
No braço esquerdo a representação de uma figura lendária das Fábulas, uma sereia,
figura híbrida metade mulher e metade peixe, famosa por encantar os homens e depois levá-
los a ruína. No braço direito novamente é retratada uma figura feminina a Estátua da
Liberdade, símbolo da Independência dos EUA. É um misto de representações; o
encantamento, sedução, mistério, fetiches, ruína, disciplina, lei, poder e o desejo de liberdade.
No presídio a tatuagem é um índice de legitimação da individualidade do sujeito, evidência
sua identidade, pertencimento, sua história, família, hierarquias, diferenças e afinidades com
os demais.
168
As sereias são figuras recorrentes em tatuagens difundidas pelos marinheiros e
piratas que se deslumbravam com as narrativas e fábulas contadas nos mares. Figuras envoltas
em mistério, sedução, criaturas selvagens, livres. Além de todos esses signos, no presídio ela
pode ganhar outra alcunha dependendo da localização corpórea. Tatuada na perna direita,
reterritorializa sua significância, agora a sereia é atribuída a sujeitos condenados por estupro,
o preso que carrega esse estigma é hostilizado e punido pelos demais. A mesma figura traçada
nos braços, ombros e tórax está associada ao crime atentado violento ao pudor ou a
homossexualidade passiva, nessa metamorfose o significado da sereia assume estigmas
homofóbicos e hostis.
Os crimes contra os costumes ganham a repulsa dentre todos os outros pelos demais
infratores. Assim como as imagens dos detentos, sem rosto, sem nome, os textos do arquivo
universal também carregam esse anonimato e faz com o que o espectador involuntariamente
busque em sua memória signos familiares e crie a sua própria junção e narrativa para os
intertextos. Assim como a tatuagem é constituída pelo olhar do outro, a obra de Rennó só
funciona com as possíveis relações que o espectador faz. Na figura ora apresentada,
novamente acima de fundo epitelial anônimo, a artista nos apresenta a “datilografia”
embaçada o seguinte texto;
O senado aprovou ontem por ampla maioria, a lei mais restritiva a fotografia
jornalística de todo o continente, provocando protestos generalizados na imprensa.
De acordo com o texto, cujo objetivo expresso é proteger os cidadãos flagrados em
cenas humilhantes. Não poderão ser fotografados suspeitos algemados ou cenas de
crimes que atentem contra a dignidade das vítimas (RENNÓ, p. 257, 2003).

A artista, ao relatar os dramas humanos dos textos do Arquivo Universal, entra em


sintonia com as imagens dos fragmentos dos corpos tatuados, corpos anônimos, que carregam
consigo a imposição da pose fotográfica e acabam por potencializar suas particularidades para
fora do arquivo obliterado dando uma dimensão ampliada, as incorporando em uma vasta
estrutura social. Esse fragmento que resguarda a integridade do indivíduo perpassa a fronteira
do Arquivo Universal e entra no caminho percorrido por Rennó, para a realização da série, a
artista fez um acordo com o Museu Penitenciário, no qual concordou em não mostrar os
rostos dos presidiários, mesmo acreditando que a maioria já tenha falecido, em respeito ao
preso, a família e aos seus descendentes. A artista ainda afirma:
Não associar a imagem do acervo do Museu Penitenciário a qualquer texto de
caráter ensaístico, mas sim a uma outra narrativa independente significa a
justaposição de histórias particulares: as que ocultam no desenho das tatuagens e as
que são reveladas nos textos do Arquivo Universal. Ambas são poderosas do ponto
de vista imagético e se completam tanto na afinidade da essência quanto no
contraste da aparência’’ (RENNÓ, p. 02, 2004).

169
Fonte: O Arquivo Universal e outros arquivos, Rosângela Rennó. 2003, pág. 270,271.

Um indivíduo retratado na imagem acima, franzino com o tórax exposto, com letras
tatuadas formando uma elipse invertida, “AMÉRICA” não comtempla a leitura do Outro, fora
tatuada voltada para a face do dono do corpo que a carrega, poderíamos atribuir a autoria da
tatuagem ao próprio sujeito que a carrega na derme. Seu mamilo fora circundado por diversas
pintas, poderia ser uma constelação na qual o encarcerado se guiaria para chegar ao seu
destino desejado, acimas dela um grande contorno circular ocupa o vão deixado entre a
“América” e os diversos pontos, mapeando seu peitoral. Assim como a estátua da liberdade,
presente na imagem da direita, novamente temos uma alusão a cultura norte americana,
poderia estar envolto na promessa de felicidade e ascensão econômica que muitos sonhavam
na época, ou poderia ter a nacionalidade americana e ter o desejo de retornar a sua pátria.
Ao lado a artista não trouxe um fragmento do Arquivo Universal e sim um detento de
costas, pelas feições podemos deduzir que se trata do mesmo detento só que agora de costas,
sujeito magro, com a pele manchada, são diversas sardas, melasmas que compõe um realce
com o Cristo crucificado grafado, só que esse Cristo só tem cabeça, sua cruz está incompleta
assim como o seu corpo, seus braços, seu tronco, suas pernas não foram tatuadas, somente o
seu rosto, o único rosto exposto do díptico, a única identidade que punge a face nos quadros
“JESUS”, porque o Cristo fora representado decapitado? Seria a representação de outro
estigma ou o responsável pela execução do símbolo fora compelido a não concluir tal
representação?
O jornalista e escritor João Paulo Alberto Coelho Barreto – que utilizava o
pseudônimo “João do Rio”, em suas crônicas em um fragmento de “Os tatuadores” nos
170
apresenta um marinheiro chamado Joaquim, o mesmo tem o Senhor Crucificado no peito e
uma cruz negra nas costas. “Mandou fazer esse símbolo por esperteza. Quando sofre castigos,
os guardiões sentem se apavorados e sem coragem de sova-lo. ___ Parece que estão dando em
Jesus!” (RIO, p. 19, 1997), a mesma tática utilizada pelo marinheiro safo, poderia talvez ter a
mesma valia na Penitenciária do Estado, o detento poderia almejar proteção, religiosidade,
redenção, a tatuagem fora tatuada em suas costas, assim como o marinheiro, fora feita para
estar à vista do olhar do Outro, se o mesmo o tatuou por esperteza ou religiosidade é uma
incógnita. As imagens grafadas poderiam externar as escolhas que o apenado fez, seriam dois
valores? Um a “América” e o outro a Cristo? Sousa, narra que os detentos acreditam que ter o
Cristo tatuado é segundo eles: “lembrar – se do criador, traz alguma proteção e algum tipo de
conforto espiritual” (Sousa, p. 94, 2009).

Fonte: O Arquivo Universal e outros arquivos, Rosângela Rennó. 2003, pág.272,273.

Na imagem acima novamente temos a simbologia da Cruz presente, um sujeito


negro, sua veste contrasta em dois tons, o detento usa duas camisas, na época os detentos
utilizavam um uniforme caqui dentro da dependência do presídio e utilizavam um uniforme
claro listrado quando trabalhavam na plantação externa prisional, os presos eram camaleões;
assim como o lagarto muda a tonalidade da sua pele para se camuflar em determinados
ambientes, os internos trocavam sua veste de acordo com o ambiente e atividade que iriam
executar.
Com as duas mãos o detento puxa suas duas vestes, abrindo a camisa contemplando a
visão da parte superior do seu peitoral, agora o que fica evidente é a sua pele, em cada peitoral
uma pequena cruz, ambas na mesma localização, o plano vislumbra suas tatuagens, mas
podemos visualizar o seu pescoço, seu maxilar e os seus lábios, já seus olhos, seu nariz, foram
cortados no plano, vislumbramos apenas suas vestes e sua derme tatuada.

171
Na figura, o recorte do arquivo Universal faz menção à chacina da candelária, narra
um episódio onde um Coral, 12 dias antes da matança canta de improviso para um grupo de
crianças que brincavam diante da igreja da Candelária, a fotografia descrita, narra um grupo
de meninos ouvindo atentos a peça do Folclore Brasileiro Que lindos olhos tem você. Uma
canção alegre de ciranda, uma cantiga de roda, que nos rememora o que deveria ser uma
infância saudável, é lúdica.
O episódio mundialmente conhecido como Chacina da Candelária, estampou
manchetes de jornais por todo o globo, 08 jovens em situação de rua foram mortos pela
polícia militar, 06 menores de idade, 02 maiores, com idades entre 11 e 19 anos. No jardim
da Igreja, um monumento foi erguido em homenagem à memória dos jovens mortos, na
composição do monumento, novamente uma Cruz, porém essa Cruz ultrapassa a fronteira
epitelial, fora confeccionada em madeira, está na vertical, abaixo dela uma placa de concreto,
no qual os nomes dos meninos foram inscritos em sua memória. As cruzes da imagem
poderiam fazer alusão a aquelas cruzes anônimas à beira de estrada, marcam a morte de
alguém, mas não se sabe quem, assim como a invisibilidade desses sujeitos à margem da
sociedade mortos, enxergamos essas cruzes o tempo todo carregadas de dor, descaso e
anonimato.
O sujeito da Penitenciária do Estado, não tem nome, não sabemos a sua história, há
uma névoa em cima da história desses indivíduos reduzidos a estatísticas e números, mas
certamente muitos indivíduos com o passado parecido com o de Sandro, talvez não tão
trágico, ou pior, habitam esse corpus coletivo das prisões brasileiras.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Rosangela Rennó sempre discutiu os códigos, padrões e conceitos da fotografia, a


partir da própria história dela. A artista investiga a exaustão da imagem, o excesso dela em
demasia na atualidade. A artista desistiu de fotografar, nas palavras de Rennó “O mundo vai
ter sempre fotografias demais... Acho que devemos reaprender a ver, passar por uma espécie
de reencantamento”. Em entrevista ao Fórum Latino Americano de Fotografia 2005, a artista
afirma que não é contra a fotografia, só não precisa fotografar, prefere ser econômica. A
artista prefere discutir os métodos de enxergar e mostrar a fotografia, Rennó ainda pontua: ”eu
sou totalmente fiel à fotografia, porque eu acredito nela” (RENNÓ, 2015).
A artista trabalha com o que Melendi chama de as “sobras da cultura”, arquivos
descartados de álbuns de família esquecidos, lembranças de viagens, fotos ¾, fotos para
172
jornal, acervo penitenciário, fotografia criminal, policial. Rennó afirma gostar de trabalhar
com as classes mais baixas da fotografia, as mais singelas são as que sempre interessaram a
artista. “(...) haveria uma sombra de Boltansky (Paris, 1944) pairando sobre Rosangela Rennó.
De fato, ambos cultivam os temas da morte e o gosto por relíquias arrumadas em
compilações; e ambos se interessam pela “história dos vencidos” (LAGNADO, pág.2. 2004).
Já nas palavras de Rennó “...Kaddish, do Boltanski, produz em mim um encantamento muito
maior do que as fotos de vivências cotidianas dos artistas, muito comuns dentro do contexto
das práticas artísticas contemporâneas” (RENNÓ 2003, pág.14).
Em sua pesquisa incessante na estagnação da fotografia a artista aponta que assim
como as pessoas tem um “ciclo de vida a foto também tem. Ela nasce cumpre sua função
depois morre”. (RENNÓ, 2003, pág.02). As fotografias do Carandiru foram produzidas e
destinadas a ficar dentro do sistema penitenciário. Não há registro escrito do uso ulterior
dessas imagens. Esses sujeitos tinham agora a sua imagem registrada também condenada a
obliteração. A artista começou a fazer algumas perguntas: qual o destino de uma imagem
produzida? O que seria o ciclo de vida dessa imagem? Como circula? Quando ela ‘caduca’ ou
perde a validade? Qual é o circuito onde está inserida? Que papel ela cumpre dentro desse
circuito? (RENNÓ, p. 08, 2003). Décadas depois essas mesmas imagens foram “salvas e
reavivadas”, com um outro ciclo de vida, inseridas em um outro contexto, em um outro
circuito.
O que foi possível depreender dos sentidos postos nas imagens escolhidas para
análise foram aspectos que atravessam tanto as questões próprias da linguagem tatuada no
sistema prisional brasileiro, a busca autônoma da imagem tatuada pelo próprio sujeito privado
de liberdade e o contexto sócio cultural que habita esse sujeito, tanto pelos temas presentes
nas tatuagens como na qualidade artística e estética presentes nas mesmas.

i
Pathos; deriva de uma palavra grega: πάθος, 'sofrimento' ou 'experiência'; o termo é utilizado por René Decartes
(1953 – 1960). O pathos carcerário seria o que deriva da experiência humana no sistema penal nacional.
ii
Arquivo Universal nas palavras da artista: “Se você lê uma referência textual sobre fotografia, não precisa dela
ao lado, basta um comentário para refazer a imagem mentalmente. Aí está a base do meu projeto Arquivo
Universal, um work in progress iniciado em 1992 que sigo ainda alimentando até hoje. Comecei a gostar e a
entender a mecânica da imagem jornalística, e em contrapartida, do potencial imagético oferecido pelo texto
jornalístico. Já era colecionadora de fotografias originais em papel, negativos e negativos de vidro e me tornei
uma colecionadora de recortes de jornal.” (RENNÓ, p. 09, 2003)
iii
Pós-doutoranda no Programa de Teoria Psicanalítica do Instituto de Psicologia da UFRJ. Pós-doutorado em história na
UNIFESP (2012). Doutora em História pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (2011. Disponível em:
https://www.escavador.com/sobre/449588/silvana-cassab-jeha
iv
Do Porto a Pele: a história da tatuagem profissional no Brasil (2016). Produção, roteiro e edição: Thiago
Ghizoni; Trabalho de conclusão de curso; Centro de Comunicação e Expressão; Departamento de jornalismo;
Universidade Federal de Santa Catarina. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=3RnrVt3YmP4
v
Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/docreader.aspx?bib=178691_05&PagFis=12836

173
vi
Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=090972_07&PagFis=26958
vii
Tão moderno que trazia informações como: classificação, caracteres cromáticos, marcas particulares,
cicatrizes, tatuagens, impressões digitais; parentes, nomes, grau de parentesco, domicílio, se vive com a família?
– Contribui para o seu sustento? – Mantem relações com ela? Onde tem residido? Anexo a esse prontuário
também estava à análise das Tatuagens dos detentos, um misto entre o campo da psiquiatria e criminologia. Nela
haviam os seguintes campos: Nome, idade, cor, estado civil, religião, quando foi feita a tatuagem, por quem,
nacionalidade, profissão, crime, reincidência, onde foi feita, que cor tem, localização e classificação. Disponível
em: http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader. aspx?bib=090972_07&PagFis=26958
viii
Entrevista concedida a Horacio Fernandez, Fórum Latino Americano de Fotografia de São Paulo, 22 de
outubro de 2013. Disponível em:<http://www.forumfoto.org.br/rosangela-renno-e-as-imagens-que-nao-
existem/>. Acesso em: 10 nov. 2018.

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SYLUS, Honorio de. Presídio Carandiru para Notas de um Repórter. Correio Paulistano,
São Paulo, 05 ago. 1927. p. 07.
174
CURADORIAS CONTEXTUAIS: BREVE HISTÓRICO

Ananda Carvalho
Michele Medina

RESUMO
Este artigo divide-se em duas partes para refletir sobre proposições curatoriais contextuais em
ambientes não convencionais, compreendendo as especificidades dos procedimentos
curatoriais nestes tipos de espaços. Na primeira parte, considera a perspectiva das práticas site
specific a partir dos autores Miwon Kwon, Raquel Garbelotti e Jorge Menna Barreto para
desenvolver uma breve revisão da História das Exposições sobre o tema. Na segunda parte,
apresenta cinco mostras contextuais realizadas na cidade de Vitória (ES) nas duas últimas
décadas. A análise de Intervenção no Edifício das Fundações, Ateliê Ocupação, 8o Salão
Bienal do Mar, 11º Vitória em Arte e Estudos de recepção – arte contemporânea em
ambientes domésticos permite observar a diversidade das exposições e curadorias contextuais
capixabas, discutindo a relação entre obras e espaço expositivo.

Palavras-chave: Arte contemporânea. Curadoria. Curadorias contextuais. Site specific.

ABSTRACT
This article is divided in two parts to reflect about contextual curatorial propositions in non-
conventional environments, including the specificities of curatorial procedures in these types
of spaces. In the first part, it considers the perspective of site specific practices by the authors
Miwon Kwon, Raquel Garbelotti and Jorge Menna Barreto to develop a brief review of the
History of Exhibitions about the theme. In the second part, it presents five contextual
exhibitions at the city of Vitória (ES) in the last two decades. The analysis of Intervenção no
Edifício das Fundações, Ateliê Ocupação, 8º Salão Bienal do Mar, 11º Vitória em Arte and
Estudos de recepção – arte contemporânea em ambientes domésticos allows to observe the
diversity of exhibitions and contextual curatorships at the city of Vitória, discussing the
relationship between works and exhibition space.

Keywords: Contemporary art. Curatorship. Specificity curating. Site specific

Introdução

No campo da arte contemporânea, observa-se, principalmente desde os anos 1960,


uma produção artística que procura desconstruir os espaços tradicionais de exibição e que
busca por outros locais não convencionais. A produção dessas práticas engloba relações de

175
especificidade dos locais escolhidos, considerando que, muitas vezes, “se uma obra fosse
criada para um determinado lugar, ela só existiria neste local, como é o caso da polêmica
sobre Tilted arc” do artista Richard Serra (CARVALHO, 2014, p. 124). Proposições como as
de Serra são observadas como site specific.
[...] os trabalhos site specific costumavam ser obstinados com a “presença”, mesmo
que fossem materialmente efêmeros e inflexíveis quanto à imobilidade, mesmo em
face do desaparecimento ou destruição. Fosse dentro do cubo branco ou no deserto de
Nevada, orientada para a arquitetura ou para a paisagem, a arte site specific
inicialmente tomou o “site” como localidade real, realidade tangível, com identidade
composta por singular combinação de elementos físicos constitutivos: comprimento,
profundidade, altura, textura e formato das paredes e salas; escala e proporção de
praças, edifícios ou parques; condições existentes de iluminação, ventilação, padrões
de trânsito; características topográficas particulares (KWON, 2009, p. 167).

Ao longo da segunda metade do Século XX, essa abordagem física (ou


“fenomenológica”, como nomeia Kwon) do site specific foi ampliada por outras
interpretações, considerando também os aspectos “social/institucional e discursivo” (KWON,
2009). “Com o passar dos anos, cada vez mais os trabalhos artísticos passaram a ocupar o
espaço urbano. Também tornou-se recorrente exposições em prédios antigos abandonados,
igrejas e outros locais inusitados” (CARVALHO, 2014, p. 124). Essas curadorias apresentadas
em espaços não convencionais são nomeadas como contextuais, de acordo com Bettina Rup.
“É através das características do lugar que se dará a inserção artística, criada para e no local”
(RUP apud CARVALHO, 2014, p. 124). Ou seja, o termo curadorias contextuais inspira-se
nas práticas site specific como as desenvolvidas pelos artistas Richard Serra e Robert Morris
nos anos 1960.

Para pensar a diversidade dessas possibilidades de proposições, o presente artigo


aborda exposições e curadoriais contextuais em que os trabalhos artísticos-curatoriais utilizam
a ideia de site specific. Inicialmente, apresenta-se uma breve revisão das Histórias das
Exposições com algumas mostras que consideraram as especificidades de seus locais para as
suas produções. Na sequência, mapeia-se e analisa-se proposições capixabas das duas últimas
décadas. Esse mapeamento partiu de conversas com diferentes agentes culturais da cidade
para selecionar os objetos de estudo. Em seguida, desenvolveu-se pesquisa por catálogos,
registros diversos e entrevistas com as curadoras Neusa Mendes e Clara Sampaio da Cunha.

Algumas curadorias contextuais na História das Exposições

Ao longo da História da Curadoria e das Exposições, observa-se algumas tentativas de


176
repensar os modelos tradicionais de exibição de arte, ampliando-as para práticas de
experimentação em espaços não convencionais, que não são nem em museus, nem em
galerias. No final na década de 1960, o espaço público passa a ser um campo de
possibilidades de experimentação curatorial e a cidade começa a ser tratada como uma
extensão dos espaços institucionais, tornando-se “suporte” da arte produzida e espaço
importante para democratizar a relação da arte com o público.
Exemplo dessa perspectiva curatorial, são as exposições realizadas pela curadora
norte-americana Lucy Lippard: 557.087 (Seattle, 1969) e 955.000 (Vancouver, 1970)
realizadas no Seattle Art Museum Pavilion e na Vancouver Art Gallery e simultaneamente nos
espaços públicos das respectivas cidades; 2.972.453 realizada no Centro de Arte y
Comunicacion (CAYC) na cidade de Buenos Aires (1971) e c.7.500 (1973-74) no California
Institute of the Arts (CalArts) em Valencia (Califórnia), e, que posteriormente, se tornou uma
exposição itinerante, passando pelos Estados Unidos e Reino Unido. Ao ocupar diferentes
espaços da cidade, a curadora promoveu uma ampliação do acesso do público as obras, não
limitando-as ao espaço neutro da galeria e do museu, permitindo que as propostas artísticas
pudessem também ser afetadas pelo meio. Buscava-se uma maior experimentação e fruição
dos trabalhos, além de alcançar pessoas que segundo Lippard (2014) “[…] não entrariam nem
mortas em um museu”. Por esse motivo, os nomes das exposições traziam a relação com o
número aproximado da população de cada cidade, reportando a possibilidade de público para
a exposição, e também buscando uma neutralidade, algo partilhado com os títulos dados pelos
artistas nas obras produzidas na época.
Para a organização da curadoria, Lippard convidou os artistas a enviar “instruções de
uma proposta de trabalho que ela ou seus colaboradores realizariam nas exposições, já que
não havia orçamento para levar os artistas para montar os seus próprios trabalhos nestas
cidades” (CARVALHO, 2014, p. 163). Segundo Lippard (2014), nem sempre as obras
pareciam com o projeto enviado pelo artista, seja por “ou o artista mudou de ideia ou o
trabalho era fora de escala ou proporção com o tempo e dinheiro disponíveis”. As obras
propostas, além da fácil montagem, que era realizada pela curadora e colaboradores (que
envolvia moradores das cidades), também deveriam ser de fácil locomoção.
Em São Paulo, nos anos 1990, a cidade aparece como suporte e como tema na
proposta de Arte/Cidade, curada por Nelson Brissac. O projeto trazia “[…] intervenções
capazes de transcender sua localização imediata […]” (BRISSAC, 2006, p. 85), interferindo
na percepção do sujeito sobre a cidade com propostas artísticas intermitentes, procurando

177
ocupar espaços “esquecidos” da cidade de São Paulo, em diferentes contextos urbanos
(SOUZA, 2006, p. 78). O projeto contou com quatro exposições: A cidade sem janelas
(1994), que ocupou um prédio abandonado; A cidade e seus fluxos (1994), que utilizou o
centro da cidade como suporte de suas intervenções; A cidade e suas histórias (1997), que
ocorreu em uma antiga estrada ferroviária da cidade; e Arte/cidade Zona Leste que apresentou
intervenções urbanas em grande escala na região do Sesc Belenzinho. A seguir, detalha-se as
duas primeiras edições devido à especificidade de seus procedimentos, na medida em que as
duas últimas seguem a mesma visada de A cidade e seus fluxos com propostas de intervenções
urbanas em diferentes locais.
Em sua primeira edição, a proposta de Cidade sem janelas ocupava um espaço onde
havia funcionado o antigo Matadouro Municipal na região de Vila Mariana e estava
desocupado e abandonado. Segundo Souza (2006),
A edificação já era por si extremamente expressiva: um espaço estagnado, desprovido
de seu uso original, fisicamente degradado, espacialmente cerrado e opaco ao
exterior, que mesclava impressões de estranhamento, indefinição, desagregação e
confinamento.

Nesse cenário, que se ajustou bem a ideia curatorial, quinze artistas, de diferentes
poéticas, instalaram obras que dialogavam com o espaço, mas não tinham uma
obrigatoriedade de dialogarem entre si. As criações se deram através das características do
local, como o trabalho da artista Carmela Gross que “escavou o chão de uma sala sem janelas,
criando uma malha regular de buracos irregulares – tentativas de ‘fuga’” (SOUZA, 2006, p.
89).
Na proposta da segunda edição, A cidade e seus fluxos (1994), o “seu ponto de
partida é a metrópole contemporânea enquanto espaço complexo e dinâmico, em permanente
mutação […]” (BRISSAC, 2006, p. 85). Realizadas na região do Vale do Anhangabaú, as
intervenções se dão no espaço urbano e nos últimos andares de três edifícios da região
(Edifício Guanabara, Edifício Eletropaulo e a antiga sede do Banco do Brasil). O fluxo urbano
é incorporado pelas obras propostas dos vinte e dois artistas participantes, exemplo disso, é a
obra Detector de ausências do artista Rubens Mano, onde feixes de luz de projetores
instalados nas torres do Viaduto do Chá, recortavam a silhueta dos transeuntes que ali
passavam. O trabalho trazia as questões do anonimato do fluxo de pessoas no meio urbano, a
desterritorialização do espaço e a fugacidade da experiência urbana. A arte levada ao espaço
urbano buscava impactar as relações entre o sujeito e a espaço, retirando o passante de sua
mera condição de observador e o levando para uma experimentação da cidade.

178
Entre diversas outras exposições, a perspectiva das interações artísticas-curatoriais
também pode ser observada no espaço privado. Em 1994, Hans Ulrich Obrist realizou uma
exposição na cozinha de sua casa em St. Gallen (Suíça). Chamada de The Kitchen Show
(World Soup), englobava propostas artísticas relacionadas ao ambiente. Nessa proposição,
segundo Obrist (2014, p. 108), “[…] os artistas ajudaram em todas as tarefas realizadas
relacionadas às minhas exposições, não só em seus trabalhos individuais: Richard Wentworth
a chamou de World Soup [Sopa Mundial], enquanto Fischli e Weiss tiraram fotos dela”. Essa
característica de interação entre artista/ambiente/curador é importante para que as exposições
tenham “[…] vida própria, mais como uma conversa entre curador e artista, do que como um
arranjo de trabalhos para se adequar a uma ideia preexistente” (OBRIST, 2014, p. 110).

Curadorias contextuais e a expansão do termo site specific

Continuando a estudar a dimensão site specific para as exposições, encontra-se em


Jorge Menna Barreto e Raquel Garbelotti (2008) uma revisão do termo e das discussões de
Miwon Kwon para um contexto brasileiro. De acordo com os autores, “aspectos sociológicos,
antropológicos, históricos, físicos, geográficos, filosóficos, artísticos e outros mais parecem
intersectar-se na discussão sobre local, lugar ou localidade” (BARRETO; GARBELOTTI,
2008, p. 124). Para desenvolver sua argumentação, os autores retomam a exposição Do Corpo
À Terra, organizada por Frederico de Morais, e que será melhor apresentada na sequência,
onde os artistas transpassam as questões da especificidade do lugar. “É na relação com o seu
contexto que a obra começa a formar o seu significado e a sua complexidade. É nas relações
com o seu entorno que o objeto ou instalação artística detona a sua potencialidade”
(BARRETO; GARBELOTTI, 2008, p. 124).
Frederico Morais realizou curadorias com a ideia de ampliar o público da arte ao
explorar e experimentar outros ambientes além de galerias e museus. Em 1970, desenvolveu
duas exposições simultâneas em Belo Horizonte: Objeto e Participação, realizada no Palácio
das Artes, e a exposição Do Corpo À Terra, que ocupou o espaço do Parque Municipal,
expandindo o espaço institucional para o seu entorno, utilizando a cidade como suporte de
arte e campo de discussão de ideias sobre questões políticas, da arte e da vida.
Na região do Parque Municipal, os trabalhos foram criados diretamente no local, os
artistas convidados desenvolveram obras que dialogavam com a realidade política de um país
que atravessava o endurecimento do regime civil-militar. Exemplo disso são as obras

179
Tiradentes: Totem-monumento ao Preso Político (1970) de Cildo Meireles e as Trouxas
Ensanguentadas (1969) de Artur Barrio, que fizeram a exposição assumir “[…] o tom
sombrio de uma situação limite. […] Os trabalhos que fizeram em Belo Horizonte
ultrapassaram na verdade a simples polêmica estética […] — para adquirir a feição de luta
pela vida de todo um povo” (BITTENCOURT apud BARRETO; GARBELOTTI, 2008, p.
125). As obras apresentadas eram temporárias, e permaneciam “[…] em seus locais até sua
destruição, acentuando o caráter efêmero e deliberadamente precário de boa parte da criação
artística” (MORAIS, 2013, p. 348) da época.
No texto curatorial escrito em forma de manifesto (mimeografado e distribuído aos
visitantes), o curador ressaltava a importância da arte para a promoção da cidadania e cobrava
maior comprometimento do Governo com a liberdade artística
A afirmação pode ser temerária. Mas tenho para mim que não existe ideia de nação
sem que ela inclua automaticamente a ideia de arte. A arte é parte de qualquer projeto
de nação, integra a consciência nacional. […]
Necessidade vital do homem, a arte é por isso mesmo uma necessidade social. É mais
que um fato coletivo — é parte integrante da sociedade. […]
A repressão ao instinto lúdico do homem é uma ameaça à própria vitalidade social.
Cabe ao governo, portanto, criar condições efetivas para que o “desejo estético do
corpo social” se realize plenamente. (MORAIS, 1970, p.5)

No mesmo texto-manifesto, Morais (1970) afirma que “a arte […] é o exercício


experimental da liberdade” e defende que o museu se estenda e se integre ao seu redor. Ao
não limitar as obras aos espaços neutros das galerias e museus, nem limitá-las as
especificidades do local escolhido, o curador amplificava as possibilidades da arte através da
aproximação com a experiência social e cotidiana.
Apesar de não ser citada no artigo de Barreto e Garbelotti, é importante fazer
referência aqui a proposta Arte no Aterro – um mês de arte pública, realizada por Frederico
Morais no mês de julho de 1968 na região do Aterro do Flamengo, onde está localizado o
Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro. Neste projeto, Morais (2013) também levou a arte
à rua, em um processo de “democratização e/ou dessacralização da arte”. No espaço, o
curador organizou não só exposições semanais de arte, como também explorou o potencial
criativo do público, organizando várias oficinas (desenho, gravura, etc) e aulas de História da
Arte.
Segundo Campomizzi (2015), a Arte no Aterro era uma proposta que “expandia o
campo de ação e as possibilidades do Museu, configurado como um espaço aberto para a
participação do público, para sua aproximação com o artista e com os espaços públicos da
cidade”. Em pleno regime civil-militar, onde o controle do espaço público era “[…] regido

180
por uma lógica de desmobilização política da sociedade como garantia da ‘paz social’”
(NAPOLITANO apud DELLAMORE, 2014, p. 114) levar a arte de encontro as pessoas era
uma forma de ocupar o espaço público de maneira questionadora e reflexiva. Sob esse viés,
pode-se retomar Barreto e Garbelotti (2008, p. 124) para afirmar que ambas as curadorias de
Frederico Morais exemplificam que “no momento em que afirmamos especificidades,
estamos apontando o que esse lugar tem de diferente em relação a outros. Ao trabalharmos
especificidade, produzimos diferença e particularidade”.

Exposições contextuais em Vitória

Nas propostas artístico-curatoriais na cidade de Vitória (ES), encontra-se exemplos


de exposições que buscam explorar uma maior relação entre produção artística, espaço e
público. Ao ativar espaços não convencionais, essas propostas saem do “espaço asséptico da
galeria ‘cubo branco’, puro e descontaminado” e são substituídos “[…] pelo espaço impuro e
contaminado da vida real” (CARTAXO, 2009, p. 3), normalmente, incorporando-o nas obras
ou permitindo que as obras sejam incorporadas por ele.
Em 2004, o Coletivo Maruípe (formado por Elaine Pinheiro, Meng Guimarães,
Rafael Corrêa, Silfarlem Junior, Vinicius Gonzalez) foi convidado pela Galeria Homero
Massena, localizada no Centro da cidade e vinculada a Secretaria do Estado da Cultura do
Espírito Santo, para realizar uma exposição no local. Sua proposta foi além e expandiu o
espaço expositivo ao Edifício das Fundações (anexo a Galeria), tratando o prédio como um
todo, e, articulando-se assim, com o espaço urbano ao redor. A curadora Neusa Mendes que
era Secretária da Cultura na época relembra que:
O trabalho dos meninos veio em um momento em que estávamos ressignificando
àquele espaço ali, não só da Galeria Homero Massena, mas do prédio [Edifício das
Fundações]. [...] Eles praticamente mapearam o prédio todo, foram descendo com os
entulhos, que eles encontraram, e, a exposição foi feita desses resíduos (MENDES,
2019).

Com o foco no processo (documentado por fotografias, croquis, anotações, etc), o


Maruípe realizou, primeiramente, um mapeamento do Edifício, que havia sofrido invasões,
saques e deterioração dado o seu estado de abandono. Na Intervenção no Edifício das
Fundações, a criação das obras, de caráter efêmero, se deu a partir de materiais encontrados
no local (TEIXEIRA, 2009, p. 152).

181
COLETIVO MARUÍPE. Intervenção no Edifício das Fundações, 2004 – Fonte: Acervo Galeria
Homero Massena.

Através de proposições artísticas que dialogavam entre si e com o prédio, parte


desse material foi “exposto” no espaço da Galeria. Ao ser convidado para uma exploração da
Galeria Homero Massena além do que é conhecido, adentrando suas entranhas, o público foi
envolvido no processo de integração entre espaço e materiais. Desse modo, traspassava-se a
ideia de um espectador que é meramente um observador, mas também um ativador do espaço
expositivo.
A relação com o público também é um procedimento fundamental para discutir a
dissolução da autoria na criação e a ressignificação do espaço expositivo na proposição da
Célula HnA, apresentada na mesma galeria entre os meses de dezembro de 2008 e abril de
2009, no projeto Ateliê Ocupação. Este projeto foi viabilizado por meio do edital Bolsa-Ateliê
da SECULT-ES que originalmente enfocava propostas de ateliê de pintura e oferecia a
realização de residências artísticas no espaço anexo a Galeria Homero Massena. Formado
inicialmente pelos artistas Victor Monteiro, Gabriel Borém, Ludmila Cayres, Gabriel Sampaio
e Thaís Apolinário, o coletivo não era restrito apenas a seus integrantes, sendo aberto a
participação de diferentes artistas.
Na experiência de ocupação da Galeria, a HnA não se deteve à ideia de um ateliê de
pintura tradicional, realizando também trabalhos em vídeo, instalações, desenhos e
fotografias. Com a proposta de ser uma “célula multiplicadora de arte”, convidou outros
artistas para fazer uso do espaço para experimentações e atravessamentos de poéticas,
incluindo a participação do público na convivência e criação artística. Os artistas registraram
esse processo no texto do catálogo do projeto:
O ateliê […] deixou de ser um local para se pintar, simplesmente, e cada vez mais
ganha as características de um local espesso, rico em sentidos e dotado de
generosidade acolhedora e com quem chega aqui para visitar, […], conviver e propor
situações/ideias (APOLINÁRIO, BORÉM, CARDOSO e CAYRES, 2010, p. 158).
182
Assim, o público pode fazer parte do processo criativo, ocupando e interagindo com o
espaço e com os artistas, tornando-se também criador.

CÉLULA HnA. Ateliê Ocupação [convite], 2004 – Fonte: Acervo pessoal Gabriel Borém.

Tendo em vista as relações entre o cotidiano da cidade e o público, o 8º Salão Bienal


do Mar (dezembro de 2008 a fevereiro de 2009) buscou colocar os cidadãos em interação com
a arte ao levar obras do seu tradicional espaço expositivo, a Casa Porto das Artes Plásticas,
para a Avenida Beira Mar, uma das principais vias públicas da capital. Neusa Mendes (2019),
que fez parte da equipe curatorial, comenta que a ideia de uma Bienal do Mar dentro de um
espaço expositivo era uma inquietação: “com uma vista dessas, tinha que ir pra rua”.
Com proposições artísticas temporárias ou efêmeras, as instalações/intervenções
dialogavam e interagiam com o fluxo intenso de passantes, buscando renovar a percepção do
cotidiano. A curadoria foi desenvolvida por uma equipe com sete pessoas que se dividiam em
comissões de coordenação, curadoria e especial de curadoria. Intervenções como ATENÇÃO:
ARTE do artista Jo Name, que ao espalhar placas de sinalização provocativas e, até mesmo,
bem-humoradas, buscava se sobrepor aos vários discursos do espaço público e chamar
atenção para o corriqueiro da cidade, como “sinalizar” espaço de artistas de rua, de assaltos ou
de carros com músicas em volume alto. O artista não apenas interveio e interagiu com o fluxo
183
urbano, mas também com a realidade do local. O 8º Salão Bienal do Mar apresentava trabalho
de 12 artistas brasileiros e um artista estrangeiro convidado: Coletivo Maruípe, Piatan Lube,
Fabrício Carvalho, Heraldo Pereira, Herbert Pablo, Melina Almada, Lucimar Bello, Laerte
Ramos, Marcelo Gandini, Oriana Duarte, João Wesley em parceria com Sandro Souza, Jo
Name e o francês Jean-Blaise Picheral.
Buscar sair dos espaços tradicionais e levar arte para a rua também foi a proposta do
11º Vitória em Arte, organizado pelo Sindicato dos Artistas Plásticos Profissionais do Espírito
Santo (Sindiappes). Tradicionalmente, realizado nos principais espaços expositivos da capital
(Sesc Glória e Casa Porto das Artes Plásticas), na edição do ano de 2015, com curadoria de
Clara Sampaio da Cunha, artistas criaram obras que compartilhavam a cidade com seus
transeuntes e traziam reflexões, como a performance Bonecas de Louça das artistas Lilian
Casotti e Roberta Portela, que questionava o papel das mulheres na sociedade do século XXI.
Ao propor “[…] que artistas externos [ao Sindicato] pudessem se inscrever […]” e
“[…] que os trabalhos não tivessem formato específico […]” (CUNHA, 2019), o Vitória em
Arte possibilitou aos interessados enviar propostas que dialogassem com o espaço público.
Desse modo, a mostra tradicional abriu possibilidades para maior interesse de artistas jovens e
suas poéticas que exploram ambientes não convencionais. A curadora Clara Sampaio da
Cunha (2019) relata sobre esta exposição:
Eu queria envolver o Centro como contexto para os trabalhos e pensar em outras site
specific. Antigamente tínhamos a Bienal do Mar que fazia justamente isso. Então foi
meio que uma pequena lembrança desse ótimo projeto que já tivemos e uma forma
de mostrar que parcerias entre a iniciativa pública e privada podem sim serem
proveitosas. Foi difícil, foi. Não sei dizer se muita gente viu os trabalhos, mas tenho
certeza que criou algum ruído no cotidiano ali da Praça Costa Pereira.

Ao viabilizar um novo formato de exposição, o tradicional Vitória em Arte abriu


possibilidades para maior interesse de artistas jovens, como o Coletivo ZIN (formado por
Renato Ren e Jean Pereira), Lourdes Alves, Lilian Casotti e Roberta Portela, com suas
poéticas que exploram ambientes não convencionais.
Não só o espaço urbano ou institucional são de interesse para explorar as
possibilidades de curadorias contextuais, o ambiente doméstico também pode ser desafiador
para pensar uma exposição. Em 2015, na proposta curatorial Estudos de recepção – arte
contemporânea em ambientes domésticos, realizada nas cidades de Vitória e Vila Velha, os
artistas Raquel Garbelotti, Mariana Antonio, Elton Pinheiro e Julio Tigre, foram convidados
pelos curadores Clara Sampaio da Cunha e Gabriel Menotti a criar em quatro domicílios

184
diferentes, partindo da proposta de “casamento entre a história dos anfitriões e suas casas”
(CUNHA, 2016, p. 103).
Os trabalhos (todos inéditos e site specific) foram criados para aquele contexto
doméstico e serviram como “disparadores para as relações que aconteceram ali, para os
encontros, para as pessoas que visitaram e conheceram as coleções de coisas mais diversas
que as pessoas têm em casa” (CUNHA, 2019). Em proposições como Sons, de Elton Pinheiro
realizada na residência de Erly Vieira Jr e Waldir, o artista articulou o gosto por música dos
residentes como seu ponto de partida para a obra. Segundo Pinheiro (apud CUNHA, 2016, p.
102), ele “[…] partiria da gravação de ruídos de seu cotidiano, em sua própria residência e
nos arredores, para trabalhar a matéria do álbum apresentado no contexto da casa […]”. Em
propostas como as citadas, segundo Cartaxo (2009), “a adoção destes espaços da vida
cotidiana revela a vontade de reaproximação entre o sujeito e o mundo”. Aproximar o público
da arte contemporânea produzida, não limitando-a aos locais convencionais, pode estabelecer
novos meios de fruição da produção artística.

Considerações finais

Neste breve relato de exposições contextuais ocorridas na cidade de Vitória, pode-se


observar alguns procedimentos recorrentes. Intervenção no Edifício das Fundações e Ateliê
Ocupação são iniciativas decorrente de convite, no primeiro caso, e edital, no segundo caso,
em um mesmo espaço que pertence a Galeria Homero Massena. Em ambos os casos, a
perspectiva site specific ou o caráter contextual das exposições ocorre por meio do processo
de trabalho dos artistas participantes destes projetos e não por uma indicação da curadoria ou
dos profissionais da equipe de gestão da Galeria. Também é importante pontuar que estes
projetos caracterizam-se como espécies de residências artísticas na qual os artistas convivem
um certo tempo, permitindo que a vivência do espaço desperte questões para o trabalho.
Constata-se que o Edifício das Fundações emerge como disparador de proposições que são
ativadas de forma efêmera e coletiva.
Na leitura dessas ações pode-se tecer aproximações com a própria história do local,
lembrando-se que o Edifício passou um tempo abandonado e das diversas consequências
dessa situação. Ou seja, “ser específico em relação a esse local [..], portanto é decodificar e/ou
recodificar as convenções institucionais de forma a expor suas operações ocultas mesmo que
apoiadas (KWON, 2009, p. 169). Apenas por este viés, que considera uma visada socio-

185
política, é possível pensar aproximações com os projetos Do Corpo À Terra e Arte no Aterro –
um mês de arte pública, propostos por Frederico Morais. Também é possível tecer relações
entre as proposições ocorridas no Edifício das Fundações com a primeira edição do
Arte/Cidade, A cidade sem janelas, a partir do fato dos dois prédios estarem abandonados
antes da realização das exposições.
Nas exposições 8o Salão Bienal do Mar e 11º Vitória em Arte há um trabalho de
curadoria que inclui a seleção das obras em diferentes locais do espaço urbano. Por essa
perspectiva, remetem aos exemplos históricos das exposições propostas por Lucy Lippard
(lembrando-se que suas curadorias estabeleciam procedimentos de montagem por instruções
que são muito diferentes do que ocorreram em Vitória) e ao projeto do Arte/Cidade
(excluindo-se a primeira edição). Por fim, Estudos de recepção – arte contemporânea em
ambientes domésticos aborda as especificidades do espaço privado da residência de alguns
dos artistas convidados. Neste caso, encontra-se referências na exposição The Kitchen Show,
que Hans Ulrich Obrist realizou na cozinha de sua própria casa.
Ao mapear estas exposições, este artigo procurou apresentar a diversidade das
exposições e curadorias contextuais. Observa-se que as relações dos trabalhos artísticos com
as especificidades dos locais de suas exibições variam de acordo com o formato, objetivos e
orçamento de cada projeto. Por esse viés, é possível relembrar da proposição de Barreto e
Garbelotti para compreender que tais especificidades não se restringem a características
físicas de um determinado espaço, mas também a contextos históricos, sociais, culturais,
econômicos e políticos.

Referências

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187
DESLOCAMENTOS DA ARTE: CACHOEIRO - BRASIL – MUNDO

Andrea Aparecida Della Valentina


Ivana de Macedo Mattos

RESUMO

O artigo tem como objetivo a análise do material educativo: DESLOCAMENTOS DA ARTE:


Cachoeiro-Brasil-Mundo e a sua inserção em um curso de formação de professores do ensino
básico. Proposto pelo grupo de pesquisa GEPEL - Grupo de Pesquisa de Processos
Educativos em Arte, e integrante da pesquisa em andamento “O lugar do discurso na Arte e na
Docência: entrelaçamentos e articulações tecidas em contextos educativos”, o material
educativo elege o município de Cachoeiro de Itapemirim como ponto de partida do
deslocamento, e a Coleção de Arte da Universidade Federal do Espírito Santo como elemento
unificador, pois as obras reproduzidas no material pertencem a essa coleção. Como aporte
teórico, utiliza a semiótica de linha francesa, em especial o percurso narrativo em que os
valores e os sujeitos envolvidos e as suas transformações são analisados. Apresenta e descreve
os modos como os princípios pressupostos neste material educativo norteou um curso de
formação de professores do ensino básico no município de Cachoeiro de Itapemirim em 2018.

Palavras chave: material educativo em arte, formação de professores, semiótica discursiva.

ABSTRACT

This article aims the teaching material analysis: DISPLACEMENTS OF ART: Cachoeiro-
Brasil-Mundo and its work in a primary school teachers training course. It is proposed by the
research group GEPEL – Art Educational Processes Research Group, and it is part of the
ongoing research “ The Discourse Placement in Art and in Teaching: interweaves and
articulations woven in educational contexts”, the starting point is the educational and
teaching material of the municipality of Cachoeiro de Itapemirim, ES , as well as UFES –
Espirito Santo State Federal University collection of Art as unifying element, where the
produced works belong to. It uses the French semiotic methodology, mainly the narrative
course in which values and reference numbers and their transformations are analyzed. It
presents and describes the ways in which the principles assumed in this educational material
guided a training course for primary school teachers in the municipality of Cachoeiro de
Itapemirim in 2018.

KeyWords: educational material in art, teacher training, discursive semiotics.

Apresentação
Este artigo tem como objetivo analisar o material educativo “Deslocamentos Da Arte:
Cachoeiro-Brasil-Mundo”, elaborado pelo Grupo de Pesquisa GEPEL1 com financiamento do
CNPq e da FAPES. Para a organização deste, foi escolhido o município de Cachoeiro de

188
Itapemirim – ES, como ponto de partida do deslocamento, e a Coleção de Arte da
Universidade Federal do Espírito Santo como elemento unificador, utilizando-se de parte das
obras da Coleção de Arte da Universidade Federal do Espírito Santo, que fazem parte da sua
reserva técnica, e não se encontram à disposição dos observadores.
Este material, produzido pelo GEPEL, advém da pesquisa em andamento: “O lugar
do discurso na Arte e na Docência: entrelaçamentos e articulações tecidas em contextos
educativos”, que objetiva a oferecer subsídios teóricos e metodológicos a professores e
professoras de Arte e demais docentes da educação básica, no intuito de eles pensarem suas
práticas entrelaçadas e articuladas com a disciplina Arte.
Nessa perspectiva, ele apresenta uma proposta de leitura e de apropriação de obras de
arte, na intenção de disponibilizar ao leitor/a professor/a, processos de leitura com vistas à
compreensão de sentidos do texto verbal-visual, preparando-o para uma abordagem mais
crítica, criativa e consistente das imagens do mundo contemporâneo.
Na primeira parte deste artigo, descreveremos e analisaremos o material educativo,
tendo como aporte teórico, a narratividade presente nele, de acordo com a semiótica francesa.
Na segunda parte, apresentaremos uma formação para os Professores da Rede Municipal de
Ensino de Cachoeiro, em que o material foi apresentado, as repercussões advindas dessa
formação e, por fim, teceremos as conclusões.

1 O MATERIAL – DESLOCAMENTOS DA ARTE: CACHOEIRO-BRASIL-MUNDO

O material é composto por 26 pranchas de papel couchê com gramatura de 150


gramas, em tamanho formato A3, constando em cada uma delas: a capa, a apresentação do
material; um texto direcionado ao destinador do material que é o professor, uma descrição da
organização do material (Plano de viagem/deslocamentos); uma prancha com a metodologia
(Ações de deslocamento para leitura), outra prancha manifestando boas aulas; 18 pranchas,
sendo 3 para cada um dos 6 artistas contendo: em uma delas, a foto do(a) artista e uma
sintética contextualização de vida e de produção artística; nas outras duas e, em cada uma
delas, a reprodução de uma obra, seguida da respectiva legenda . As duas últimas pranchas
contêm as referências bibliográficas e uma linha de vida de todos os artistas contemplados no
material educativo proposto.
A escolha dos seis artistas considera o fato de todos terem nascido em Cachoeiro de
Itapemirim. Se considerarmos uma cronologia de nascimento, temos a seguinte linha de
tempo: artista Isabel Braga (1914-1987); artista Ângela Gomes (1953); artista Augusto Emilio

189
Estellita Herkenhoff (1965); seguidos dos professores e também artistas: Cesar Cola (1956);
Valdelino Gonçalves dos Santos Filho, mais conhecido como Didico (1959) e Lincoln
Guimarães Dias (1962). É importante ressaltar que as pranchas que compõem este material
são soltas, e não há um sumário direcionando uma sequência de uso, à exceção da prancha em
que consta a cronologia de nascimento, portanto, o destinador deste material é quem escolhe
qual ordem de apresentação dos artistas quer fazer em suas aulas.
Além do fato de terem nascido em Cachoeiro de Itapemirim, outro critério de escolha
e que une todos os artistas é o de terem, pelo menos, uma das obras selecionadas e
apresentadas neste material, pertencentes à Coleção de Arte da UFES, à exceção de 02 (duas)
obras, produzidas pelas artistas Isabel Braga e Ângela Gomes, respectivamente, que
pertencem ao acervo da Galeria Homero Massena, localizada na capital Vitória, e a um acervo
particular.
Na apresentação, intitulada “DESLOCAMENTOS DA ARTE: Cachoeiro-Brasil-
Mundo”, a ênfase da narrativa é a de incluir o município de Cachoeiro de Itapemirim como
um local, dentre outros, que abriga produtores de Arte no Brasil. A noção adotada para esses
artistas e sua produção não é a de regionalizá-los, mas situá-los em um determinado
espaço/tempo, incluindo-os numa produção de Arte, que tem, ela mesma, os seus
deslocamentos. Destacamos uma destas marcas deixadas no texto: “Não é uma Arte
Cachoeirense, Capixaba ou Brasileira, mas de como artistas nascidos no mesmo município do
estado do Espírito Santo em ações de deslocamentos que inscrevem suas produções em outros
locais, como o de uma Coleção de Arte Universitária.” (p. 2, 2018).
Ao negar as restrições e fronteiras, a narrativa exalta o fato de que distintos
deslocamentos convergiram para um mesmo ponto, uma Coleção de Arte Universitária. Desse
modo, o material educativo é composto de uma narrativa que usa um argumento persuasivo,
que quer em seu fazer-fazer ao destinador do material, o professor, apontar tanto a existência
de um espaço de abrigo de obras dentro do estado do Espírito Santo, como de uma
metodologia de leitura e apropriação de obras que tem como aporte a compreensão de
sentidos dos textos verbo-visuais.
Na prancha dedicada ao professor, os destinadores do material desenvolvem uma
narrativa em que, além de instalar o professor como destinatário, coloca-o como centro de um
processo que tem o conceito de leitura, tal como proposto pela teoria semiótica, como
encadeador e provocador das ações de apropriação das obras de arte, e a compreensão da

190
imagem da arte (e qualquer outra imagem), como um texto disponível para leitura.
Ressaltamos um trecho que confirma os nossos argumentos:
“A leitura de um livro, de uma imagem ou de um audiovisual exigem um
deslocamento daquele que lê. Marca a passagem de um estado de não saber que é
desconhecer e ignorar, para o de saber, conhecer e compreender. A leitura poderá ir
ainda mais longe e propiciar além do conhecer a apropriação desse conhecimento,
tomando-o como referência para outras ações.” (p. 3, 2018).

Outro destaque neste texto destinado ao professor está no reconhecimento da


autonomia desse profissional e, de certa maneira, na ausência de critérios diretivos no próprio
material. Ao invés de um dever-fazer, a modalidade mais explorada é a do poder-fazer,
conforme destacado: “A seguir organizamos uma proposta de exploração destas obras que
pode ser apropriada, modificada e ampliada de acordo com as suas demandas e interesses”. (p.
3, 2018)
Na prancha intitulada PLANO DE VIAGEM/DESLOCAMENTOS, consta a
justificativa e critérios de escolha dos artistas, a organização e composição do material e os
modos de apresentação dos artistas e das obras. Uma primeira apropriação das obras é
indicada no texto pelos destinadores aos seus destinatários, os professores: a do uso e da
exploração das legendas.
As legendas de obras são como referências de livros, nelas constam o nome do
artista, o título da obra, o ano de sua produção, a técnica empregada, as dimensões e o local de
sua guarda. Portanto, pode ser bastante explorada pelos professores, em suas aulas, e é o que
propõe o material educativo.
Este material educativo descreve a existência de 12 obras: seis pinturas, sendo duas
delas feitas a óleo sobre tela, e outras quatro acrílicas. Destaca, ainda, que quatro obras são
elaboradas em técnica mista, sendo uma em vinílica e colagem sobre tela; outra obra em
acrílica e vinílica sobre tela. Há, ainda, uma pintura e desenho, e outra, não identificada.
Consta, também, uma obra em fotomontagem, e outra, elaborada em pastel.
Se, por um lado, o material elege um único município como ponto de partida, a
narratividade das obras aponta para a diversidade de técnicas presentes, persuadindo o/a
professor/a, a explorar essas técnicas e estilos na preparação e organização de suas aulas.
Na prancha AÇÕES E DESLOCAMENTOS PARA LEITURA, o diálogo é travado
diretamente com o destinatário, o professor, tal como recortamos do material a seguir:
“Explore as doze obras. Você as conhecia? Conhecia os artistas?” (p. 5, 2018). Em análise a
esses questionamentos/proposições, e utilizando a gramática da semiótica francesa, em
relação à análise da narratividade do texto, trazemos Fiorin (2013, p. 29) que diz: “Uma
191
narrativa estrutura-se numa sequência canônica, que compreende quatro fases: a manipulação,
a competência, a performance e a sanção”. Nesse sentido, o autor destaca que, na fase da
manipulação, um sujeito age sobre o outro para levá-lo a querer e/ou dever fazer alguma
coisa. A manipulação pode acontecer por diversos tipos, sendo mais comuns: manipulação
por tentação, por intimidação, por sedução e manipulação por provocação.
Nessa perspectiva de análise, percebemos que o destinador nesse caso, os
propositores do material se colocam, como destinadores-manipuladores, responsáveis pelos
valores em jogo e capazes de levar o destinatário-sujeito, nesse caso o professor, a um querer
ou dever fazer. Amparadas também por Barros (2002), nessa análise, destacamos que o
destinatário caso aceite o convite para interagir com o material, será manipulado cognitiva e
pragmaticamente pelo destinador para realizar um fazer interpretativo, em resposta a um fazer
persuasivo do destinador. Como decorrência, temos o crer e fazer como instauradores de uma
mudança de estado desses sujeitos em interação. Nesse diálogo persuasivo entre destinador e
destinatário, percebemos uma manipulação por provocação, em que os propositores exprimem
um juízo persuasivo em relação a competência do destinatário, levando-o a se questionar,
nesse caso como se dissesse: “[...] se você ainda não conhece esses artistas e obras, poderá
interagir com eles? ”, nesse sentido, instiga o professor a praticar a ação, isto é, a explorar o
material educativo e a conhecer os artistas e as obras.
A seguir o destinador apresenta a metodologia de leitura, tendo como estrutura
quatro tópicos:
Quadro 1: Proposta de ações e deslocamentos para a leitura

Ler = deter, identificar, conhecer, O primeiro contato com a obra. Observe os detalhes. Cada
reconhecer, percorrer, examinar. detalhe. Faça uma primeira descrição do que você vê.

Relacionar = comparar, confrontar, Aprofundar a leitura e buscar as relações internas entre os


inventariar, descrever interna e elementos que compõem a obra e o contexto externo de
externamente. sua produção que envolve o estético, o artístico e o
sociohistórico. Uma obra com a outra. A obra o faz
pensar... narra uma história... que diferenças e
semelhanças você identifica…
Dialogar = conversar. Expandir as relações com outras áreas do conhecimento.
Deslocar-se no tempo e no espaço, por outros territórios.

Provocar = para outras produções. Elaborar projetos de exploração a partir das obras e viver
suas próprias experiências. Criar projetos a partir das
referidas obras... que objetos podem ser produzidos... que
intervenções elas inspiram.

Fonte: Elaborado pelos autores

192
Para essa análise desses quatro tópicos apresentados, citamos a pesquisadora Moema
Rebouças (2006, p. 104) que compara conceitos de leitura de dois teóricos distintos a que
considera em conformidade, que são o educador Paulo Freire e o semioticista Algirdas
Greimas. A pesquisadora destaca que, para Freire (1982) [...] aprender a ler e a escrever é,
antes de tudo, aprender a ler o mundo e a compreender o seu contexto; que a leitura de mundo
precede a leitura da palavra, daí que a leitura não pode prescindir daquela, e que, para se
lerem imagens, é necessário adentrar nos textos, compreendendo-os na sua relação dialética
com os seus contextos. Nesse sentido, Rebouças afirma: “[...] a proposta de Freire é dinâmica
e processual, pois exige um movimento constante entre espacialidades, temporalidades em
que se encontram os sujeitos, o produtor e o leitor”.
Por esse prisma, o semioticista Greimas se aproxima de Freire no tocante ao conceito
de intertextualidade, isto é, um texto ou discurso ressoa outro texto ou discurso, ou seja, sob a
“voz” de um enunciador, ressoa a do outro. Greimas (1975, p. 13) argumenta: “[...] o
conceito de leitura é que abrange ao mesmo tempo o objetivo, o encaminhamento e o seu
fazer semiótico [...] definido pela práxis científica, como um ir-e-vir entre a teoria e prática,
entre o construído e o observável”.
Dessa forma, ao ser proposta uma leitura na perspectiva de se “ler, relacionar,
dialogar e provocar”, o destinador envolve o destinatário professor, a um fazer semiótico, isto
é, movido pelo processo de construção, estabelecendo relações como o texto lido (obras) e
seus autores (artistas), em uma leitura dinâmica, estabelecendo conexões com as obras, em
um tecer de reconhecimento, interpretação e aprofundamento, pelo exercício de leitura
significativa que envolve não somente o olhar, mas outras experiências sensíveis.
Outro ponto a ser destacado na metodologia é a ausência de direcionamento e de um
roteiro pré-estabelecido, ao qual o professor assumiria o papel de mero reprodutor, como a de
uma “aplicação” de uma receita.
Na prancha BOAS LEITURAS!, novamente os destinadores manifestam uma
aproximação com os destinatários, por meio da manifestação do prazer na concepção do
material, “[...] foi um exercício exploratório animador e provocante para nós” (p. 6, 2018),
como no uso dos pronomes pessoais “nosso”, e aposta neste destinador como competência
para cumprir este programa narrativo, em que a performance será a da utilização do material
educativo em suas aulas, “Esperamos que vocês possam, junto aos seus alunos, explorar este
material [...]”.(p. 6, 2018)

193
Outro destaque é de aproximação do destinador com os leitores, destinatários deste
material, finalizando com a identificação dos produtores no texto, o que mostra a
intencionalidade subjetiva presente neste texto, ao propor uma conversa, tal qual um convite
entre “eu” e “você”.
As pranchas a seguir, como podemos observar na figura 1 possibilitam ao leitor
visualizar o material educativo e algumas das pranchas que o compõem:

Figura 1: Apresentação do material “Deslocamentos da Arte: Cachoeiro- Brasil-Mundo”

Fonte: Acervo dos autores

No quadro, a seguir, podem ser apreciados os artistas e as obras que pertencem ao


material:
Quadro 2: Apresentação dos artistas e obras pertencentes ao material educativo
ARTISTA OBRAS

ISABEL BRAGA Visita a Nossa Senhora do Pescador do Itapemirim (1977)


Rosário (1977)

194
AUGUSTO Espaço Democratização (1994) Caminhante da meia-noite
HERKENHOFF (1988)

CESAR COLA Sem título (1999) Sem título (s/d)

LINCOLN DIAS Sem título (1994) Sem título (1988)

195
DIDICO O Sol (1993) Sem título (2005)

ÂNGELA GOMES A ética e a consolidação da O Frade e a Freira - ES (2002)


democracia (1994)
Fonte: Elaborado pelos autores

Cada artista, dentre as dezoito pranchas, é contemplado com três: em uma delas,
consta uma foto, e, à esquerda, uma sintética contextualização de sua vida e de sua produção
artística. Nas outras duas pranchas e, em cada uma delas, uma reprodução de uma obra,
seguida da legenda. A foto do artista possibilita, como numa carteira de identidade e num
percurso narrativo, fazer-se presente e possibilitar ao outro a sua identificação. A
contextualização de vida não deixa dúvidas da origem cachoeirense, e a produção demarca os
deslocamentos que cada um dos artistas fez com a sua obra.
Tal qual na leitura de um livro, de uma imagem ou de um audiovisual, este material
exige um deslocamento daquele que lê. Marca a passagem de um estado de não saber, que é

196
desconhecer e ignorar, para o de saber, conhecer e compreender. A leitura poderá ir ainda
mais longe e oportunizar, além do conhecimento, a apropriação desse conhecimento,
tomando-o como referência para outras ações. Apropriar é tomar posse, é apreender.
Nesse sentido, o material propõe uma leitura com esse movimento de deslocamento
de quem lê. Será então um processo inverso ao dos artistas reunidos neste material, pois, se
eles, no ato de deslocamento, traçaram rotas de distanciamento geográfico, na busca da
inserção em um território universal que é o da Arte, o processo de leitura é o de aproximação
do objeto lido.

2 FORMAÇÃO PARA OS PROFESSORES DA REDE MUNICIPAL DE ENSINO DE


CACHOEIRO

O Município de Cachoeiro de Itapemirim localiza-se ao Sul do estado do Espírito


Santo, distante 140 km da capital Vitória, com população em torno de 700.000 habitantes.
Possui instituições de ensino superior e, aqui, destacamos, entre elas, duas que são públicas,
sendo o Polo Municipal da UAB2 de Cachoeiro de Itapemirim, além de um Campus do
Instituto Federal do Espírito Santo – Ifes, que mantém parcerias de longa data, ofertando
cursos de formação para os professores da rede municipal de ensino do Município de
Cachoeiro.
Na edição de 2018, a formação cuja temática foi “A Arte pela Arte” contou, em sua
abertura, no dia 22 de março, com a palestra intitulada “Leitura da Arte como Leitura de
Mundo”, ministrada pela professora Drª Moema Martins Rebouças, docente do PPGE/UFES e
coordenadora do grupo de pesquisa GEPEL/UFES. Nessa palestra, a professora Moema
Rebouças apresentou o material educativo, em exclusivo caráter de estreia: “Deslocamentos
da Arte: Cachoeiro- Brasil- Mundo”, e contou com a presença da coordenadora do Polo UAB
de Cachoeiro, Joelma Cellin.
Desde o início do mês, o material foi disponibilizado para a Prefeitura de Cachoeiro
de Itapemirim, a fim de que pudesse ser reproduzido para os professores participantes desta
palestra composta de uma primeira etapa expositiva, e a uma segunda etapa que envolveu
todos os participantes. Estavam presentes, nessa ocasião, os alunos do curso de Licenciatura
em Artes Visuais do Polo de Cachoeiro, e os professores da rede municipal, um público
aproximado de 50 participantes. Em depoimento para este artigo, a Professora Moema destaca
o fato do desconhecimento dos participantes acerca dos artistas constantes do material, à
exceção de Cesar Pereira Cola e de Lincoln Guimarães, que foram professores no curso de

197
Licenciatura citado e da artista naif Ângela Gomes. Os outros três artistas: Isabel Braga,
Augusto Herkenhoff e Didico, eles não conheciam. Surpreende o fato, pois a artista e
professora Isabel Braga tem um papel de destaque na educação em Arte naquele município, e
em nosso país. Ela foi a criadora de uma das poucas Escolinhas de Arte do Brasil. Essas
escolas foram criadas nos fins da década de 40, do século passado, a partir do movimento do
mesmo nome e com a participação e proposição de intelectuais nacionais tais como os artistas
Augusto Rodrigues e Noemia Varela, a psicóloga Nise da Silveira, entre outros.
A seguir, podem ser apreciadas fotografias dessa formação.

Figura 2- Palestra com a professora Drª Moema Rebouças. 22 de março de 2018. Cachoeiro de Itapemirim

Fonte: Disponível em< http://www.cachoeiro.es.gov.br/polouab/>Acesso 15 abril 2019

Figura 3 - Estudantes do curso Licenciatura Artes Visuais UAB. Gardênia, Rosa, Débora, Fagner. Tendo em
mãos o Material Educativo: Deslocamentos da Arte: Cachoeiro-Brasil-Mundo

Fonte: Disponível em <http://www.cachoeiro.es.gov.br/polouab/> Acesso 15 abril 2019

198
O curso de formação “A Arte pela arte”, para além da palestra de abertura e
apresentação do Material Pedagógico, teve, como desdobramentos, oficinas de arte,
organizadas e ministradas pelos alunos do curso de Artes Visuais UAB, que foram as
seguintes: "Leitura de Imagem", "Mosaico", "Laboratório de fabricação de tintas", "Desenho
da Contemporaneidade" e "Teatro", e teve a participação dos professores da rede municipal,
com forma de apropriação, conhecimento e entendimento sobre as Artes em seu contexto
mais amplo. Destacamos, no quadro abaixo, a organização das oficinas.

Quadro 3: Oficinas realizadas a partir do material educativo


OFICINAS REALIZADAS A PARTIR DO MATERIAL EDUCATIVO
DESLOCAMENTOS DA ARTE: CACHOEIRO- BRASILMUNDO
Organizadores das Oficinas -
Oficina realizada Realização estudantes do curso Artes Visuais
UAB/UFES
1 Leitura de imagem 05 de abril
2 Mosaico 19 de abril Fagner Souza, Gardenia Silva,
3 Laboratório de Fabricação de Tintas 26 de abril Rosa Angela, Camila Reis,
4 Desenho Contemporâneo 03 de maio Suelen Furlan, Vera Macedo,
5 Teatro 05 de maio Débora Fagundes, Erlane Ribeiro
e Rodrigo Abras

EXPOSIÇÃO DOS TRABALHOS REALIZADOS NAS OFICINAS


Exposição Data da Local
abertura
Encerramento das Oficinas de Artes para os Professores da 18 maio Polo UAB/
Rede Municipal de Ensino de Cachoeiro de Itapemirim, CECAPEB -
com Exposição Coletiva. Hall
Encerramento para os alunos do Curso de Artes Visuais Museu
UAB - EXPOSIÇÃO COLETIVA "A ARTE DE 06 junho Ferroviário
TRABALHAR A ARTE” - Exposição Coletiva Domingos Lage
Fonte: Elaborado pelos autores.
Dados disponíveis em: <www.cachoeiro.es.gov.br/polouab> Acesso em 10 abril 2019.

199
3.1 REGISTROS FOTOGRÁFICOS DAS OFICINAS REALIZADAS

Figura 6- Oficina de Desenho Contemporâneo

Fonte: Foto disponível em <http://www.cachoeiro.es.gov.br/polouab/>Acesso 15 abril 2019

Figura 7- Oficina de Leitura de Imagens

Fonte: Foto disponível em< http://www.cachoeiro.es.gov.br/polouab/> Acesso 15 abril 2019

Figura 9 - Oficina de Mosaico

Fonte: Foto disponível em <http://www.cachoeiro.es.gov.br/polouab/ >Acesso 15 abril 2019

200
Figura 10 - Oficina de fabricação de tintas

Fonte: Foto disponível em <http://www.cachoeiro.es.gov.br/polouab/> Acesso 15 abril 2019

Figura 11- Exposição Final dos Trabalhos

Fonte: Foto disponível em <http://www.cachoeiro.es.gov.br/polouab/>Acesso 15 abril 2019

3 CONSIDERAÇÕES

Pesquisar esses artistas e reuni-los para apresentá-los em um material educativo foi


um exercício exploratório animador e provocante para nós do grupo GEPEL. Nosso intuito foi
dar visibilidade às obras pertencentes à coleção de Arte da UFES, e encontrar esse elo com o
município de Cachoeiro de Itapemirim. Este estudo poderá fomentar outras explorações e
permitir outros novos e possíveis deslocamentos.
Muito também nos alegrou ver que o material “Deslocamentos Da Arte: Cachoeiro-
Brasil-Mundo” foi apresentado em uma formação de professores, explorado e apropriado por
meio de leituras em diferentes linguagens da arte.
Nessa perspectiva, efetiva-se a premissa do grupo de pesquisa GEPEL em oferecer
subsídios teóricos e metodológicos para os professores de Arte da educação básica, de modo
que eles possam pensar as suas docências entrelaçadas e articuladas com a Arte.
201
iOs pesquisadores propositores deste material são: Moema Martins Rebouças (coordenadora), Andrea Della
Valentina, Ivana de Macedo Mattos e José Henrique Rodrigues de Souza (Bolsista CNPq).
iiO Polo da UAB de Cachoeiro foi credenciado pelo MEC no ano de 2007 e criado através da Lei Municipal Nº
6393, de 29 de dez de 2009. Sendo mantido pela prefeitura municipal. Disponível em
<http://www.cachoeiro.es.gov.br/polouab/institucional.html> Acesso 4 Jan 2019.

REFERENCIAIS BIBLIOGRÁFICOS

BARROS. Diana L.P.de. Teoria do discurso: fundamentos semióticos. 3ª ed. São Saulo:
Humanitas: FFLCH/USP, 2001.
DESLOCAMENTOS DA ARTE: Cachoeiro-Brasil-Mundo / Grupo de pesquisa
GEPEL/CNPq/FAPES – Vitória – Grupo de pesquisa GEPEL, 2018.
FIORIN, J. L. Elementos de análise do discurso. 15ª ed. São Paulo: Contexto, EDUSP,
2013.
GREIMAS, A. J. Sobre o sentido. São Paulo. Vozes, 1975.
REBOUÇAS, Moema M; DADALTO, Gorete (Org.). Modos de ser Professor de Arte na
contemporaneidade. Vitória: EDUFES, 2017.
REBOUÇAS, Moema Martins. Uma leitura de textos visuais. In: Cadernos de Pesquisa em
Educação. PPGE. UFES, 2006.

202
DE CAPELA À GALERIA: RELAÇÕES E ARTICULAÇÕES DA GALERIA DE
ARTE E PESQUISA DA UFES

Andrea Aparecida Della Valentina


Moema Martins Rebouças

RESUMO

Este artigo tem como objeto a atuação da GAP da UFES de 1976 até 1994i. Criada pelo
Centro de Artes integrou a arte com a formação de artistas e professores por meio de
exposições de artistas locais e nacionais, ofertando palestras e cursos destinados aos
estudantes e artistas. Além destas ações a GAP, por meio de doação dos expositores formou
uma Coleção de Arte. Neste período a galeria ocupou a Capela Sta Luzia distante dez km da
UFES. Este artigo irá reconstituir as relações entre o contexto histórico, religioso e artístico da
formação da GAP e, dialogar com estudos sobre galerias e museus universitários, tais como
Adriana Almeida (2001), Ana Paula de Andrade (2012) e Magna Rosa (2015).

Palavras-chave: Galeria de Arte Universitária; Formação Educativa; Formação artística;


Ensino de Arte universitário.

ABSTRACT
This research article intends to bring up issues on UFES – ES State Federal University´s Art
and Research Gallery (GAP) creation, by its performance and its connection to courses
offered by UFES Arts Center, especially concerning professors, artists, and university
students activities from the artistic exhibitions promoted by the university, which came down
to its Art Collection formation. This project focuses on the displacements studies, especially
from 1976 to 1994, when GAP was temporarily located inside Santa Luzia Chapel, located in
the downtown area of Vitória, state capital city. This study wants to understand the building
uses and functions in hosting the University Art Gallery, since it was built for religious
purposes. Teachers, artists, and students were allowed to travel from artistic to educational
territories during this period. Furthermore, it is a historical and descriptive qualitative
research, since it needs to articulate the past and present in order to fulfil the proposed
objectives. It selects documents such as regiments, official documents, catalogs, and
interviews with those involved in the creation and administration of GAP/UFES, as well as
newspaper documents of the time as investigative corpus, Adriana Almeida (2001), Ana Paula
de Andrade (2012) e Magna Rosa (2015).
Keywords: University Art Gallery; Educational Training; Artistic training; University Art
Teaching.

203
1. INTRODUÇÃO
O interesse sobre o patrimônio edificado de Vitória – ES, vem acompanhando tanto a
vida profissional no contexto das experiências educacionais nas aulas de artes em turmas do
ensino fundamental, como a de pesquisadora. No mestrado em Artes da UFES (2009), com o
título, “Crônica de uma dispersão anunciada: As imagens da Capela da Ordem Terceira da
Penitência e da Igreja Conventual de São Francisco de Vitória”, o contato com os arquivos da
cidade, uniu duas áreas: a Arte e o Patrimônio Cultural, temas que integrados possibilitaram
discutir a formação da cidade em seu contexto mais antigo, no século XVI. O recorte se deu a
partir das igrejas que despontaram, contornando a (inicialmente chamada), Ilha de Santo
Antônio, em seus pontos mais singulares. Levantadas nas terras do seu primeiro donatário,
Duarte Lemos, que, como não podia deixar de ser diferente das demais cidades brasileiras
(colonizadas por portugueses), teve como sua primeira construção uma igreja, no caso da
cidade de Vitória, uma Capela, dedicada a Santa Luzia. Esta capela acumula histórias que
ultrapassam sua inicial função religiosa, pois, com a passagem dos anos, devido a falta de uso
da edificação, como conseqüência, por diversas vezes ficou abandonada. Atualmente, mesmo
fechada, esta capela ocupa uma posição geográfica privilegiada, fazendo parte da construção
da primeira identidade visual urbana da pequena vila que se integra à estética católica
marcante da produção artístico-arquitetônica do Brasil colonial (MONTEIRO, 2008, p. 81).
Constituída sua construção em contornos do barroco tardio, a Capela de Santa Luzia
abrigou a Irmandade de Nossa Senhora dos Remédios no século XVIII. Em 1912, sua
desapropriação e venda foi oferecida pela Igreja ao Estado que aceitou o negócio. Nas
palavras do bispo diocesanoii, “[...] pelo seu estado de má conservação e construcção, que
impede o alinhamento da rua”. Em resposta, a Nunciatura Apostólica autorizou a negociação
e o destino do dinheiro da sua venda deveria ser aplicado “[...] no concerto da Egreja
Cathedral desta cidade, na qual levantar-se-há um altar dedicado a Santa Luzia”, altar este,
que nunca existiu. Mesmo desapropriada, Elmo Elton (2014) escreve que até 1919 nela
celebravam-se missas com regularidade. Em 1939, o governo designou o local para funcionar
o Museu Capixaba. Estando a edificação em estado precário de conservação, no ano de 1943,
a Capela foi restaurada aos cuidados de André Carloniiii.
A esse respeito, a Capela de Santa Luzia de acordo com Salvalaio (2008), teve seu
tombamento em caráter ex-ofício, no dia 1º de agosto de 1946, ou seja, feito no interesse da
administração pública, com prevalência sobre qualquer interesse particular. Além de
preservada em sua materialidade, com o tombamento a capela assumiu seu caráter enquanto
204
bem cultural, demarcando um novo tempo, ganhou “novo fôlego” em meio a sua preservação,
pois, eram frequentes as justificativas que se baseavam na ameaça de sua perda iminente, seja
ela pelo estado de ruína ou pela urbanização crescente no Centro Histórico de Vitória. E, em
meio aos seus diferentes usos e funções, passou a receber doações de objetos sacros,
incentivadas pelo então interventor federal no Espírito Santo, João Punaro Bley, que instalou
em suas dependências o Museu de Arte Sacra (ou Museu de Arte Religiosa) que lá funcionou
até 1975, data que teve seu acervo transferido para o Museu Solar Monjardim localizado em
Jucutuquara, outro bairro de Vitória (ELTON, 1987). Novamente desativada, a Capelinha
ganhou novas reformas e nova ocupação no ano seguinte, como vamos mostrar.
Pois, como afirma Tirapeli (2005, p. 8), acerca da formação das cidades brasileiras,
tais edificações são portadoras de sentidos, associadas às questões sociais e principalmente
por meio das Artes, mesmo que a sacra, motivando sua construção. Cumprido seu papel no
período colonial a Capela de Santa Luzia irradia o Centro Histórico de Vitória com sua
presença e permanência desde o século XVI, sendo merecedora de cuidados. Constatamos que
a edificação se adequou à vivência urbana como espaço do passado e através das suas
diferentes formas de apropriação, adquiriu diferentes configurações através do tempo,
tornando-se um lugar constituído de história e memória. Não é de nosso interesse, discorrer
sobre a importância ou instâncias do tombamento da Capela de Santa Luzia, concordamos que
seja meritória sua salvaguarda, evitando o dano. Importa-nos que seja unânime entre os
escritores, que o tombamento por si só, não é capaz de resguardar a integridade e a
continuidade de um patrimônio, como defende Ferreira (2012), sendo preciso, para isso, que
exista um reconhecimento por parte da sociedade, que nele atue, preserve-o, não o deixando
cair no esquecimento.
Além de função religiosa, ao explorarmos os agentes constituintes do seu tempo
histórico, encontramos no ano de 1976, a nova ocupação da Capelinha, revestida de vida,
apresentando-a, como Galeria de Arte e Pesquisa da UFES – GAP/UFES, atrelada ao ensino e
pesquisa universitária do curso de Artes, ampliando seu sentido de lugar. Este processo não
foi breve, e para isso, nos reportamos à professora Jerusa Gueiros Samú do Centro de Artes da
UFES, quando relata em 2015 no documentário “Museu Aberto”, que, com o apoio dos
professores do Centro de Artes, e do então Diretor Paulo Magalhães, em meados de 1975,
consultou o SPHAN (O SPHAN foi fundado em 1937, atual IPHAN – Instituto do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional), acerca do empréstimo da Capela de Santa Luzia, para nela

205
funcionar uma Galeria de Arte Universitária, intitulada como Galeria de Arte e Pesquisa –
GAP, como dissemos antes.
Nossa hipótese é de que, professores artistas da UFES não foram movidos
despretensiosamente em suas investidas, quando imprimiram neste espaço, uma continuidade
do Centro de Artes, localizada há dez quilômetros de distância do campus da UFES,
utilizando-a como Sede da GAP, durante dezoito anos (1976 a 1994). Como nos indica
Halbwachs (2006, p. 160), “[...] acontecimentos causam mudanças, pois, um grupo pode
modificar um lugar”, desta forma reiteramos que as exposições artísticas ocorridas nas
dependências da Capela, deixaram calorosas lembranças na vida pessoal e profissional dos
professores e artistas que naquele momento lá atuaram. Para o autor, acontecimentos
marcantes, trazem consigo uma mudança nas relações do grupo com o lugar, desta forma, a
Capela de Santa Luzia, enquanto espaço constituído de memória e permanência na cidade de
Vitória exprime interrogações referentes aos seus usos e suas diferentes apropriações, que
pretendemos elucidar.
Em especial, destacamos que a apropriação dos seus 60m² que abrigou exposições e
instalações de arte, tornou-se “território” extensivo do curso de Artes da UFES, provocando e
oportunizando aos professores, estudantes e aos transeuntes do Centro Histórico da Capital
Vitória, uma série de Mostras Artísticas, tornando-se, à seu tempo, referência no que dizia
respeito à Arte Moderna naquele período, favorecendo o encontro entre gerações que residiam
no Centro Histórico com a juventude universitária, estando à frente deste movimento
moderno, os professores e artistas da UFES. Momentos estes, que são observados na origem
da formação das cidades. O historiador Le Goff (1998, p. 25), quando escreve sobre “A
cidade inovadora, palco de igualdade e festa da troca”, nos ensina que,

A cidade contemporânea, apesar de grandes transformações, está mais próxima da


cidade medieval do que esta última da cidade antiga. A cidade da Idade Média é
uma sociedade abundante, concentrada em um pequeno espaço, um lugar de
produção e de trocas em que se mesclam o artesanato e o comércio alimentados por
uma economia monetária. (LE GOFF, 1998, p. 25).

O autor destaca que na cidade há valores que nasceram da prática do trabalho e


consequentemente do dinheiro e nos lembra que “[...]a cidade concentra também os prazeres,
os da festa, os dos diálogos na rua, nas tabernas, nas escolas e nas igrejas”. É também na
cidade, nos recorda o historiador Le Goff (1998, p. 25), “[...] o local de uma concentração de
criatividade de que é testemunha a jovem universidade que adquire rapidamente poder e
prestígio”.
206
De fato, a predileção conquistada pelos professores e artistas que deram início aos
trabalhos artísticos da Galeria de Arte e Pesquisa Universitária do Espírito Santo, mobilizou o
Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, concedendo-lhes o empréstimo por
dezoito anos dessa Capela. Edificação esta, citada no Catálogo Patrimônio Cultural do
Espírito Santo, feito pela Secretaria de Cultura, (2009, p. 412), “como nas mais primitivas
construções religiosas, Santa Luzia é uma pequena ‘caixa de pedra’, destacada pela branca
continuidade dos muros de alvenaria de pedra [...]”. A Capelinha “[...] é composta por um
altar-mor orientado para o lado nascente”, que se encontra preservado, e foi utilizado como
suporte em exposições. Delicada e simbólica culturalmente, serviu de território da Arte,
oportunizando à GAP colocar o Espírito Santo no cenário Artístico moderno brasileiro, numa
ambiguidade entre a história/memória e a Arte, o Patrimônio e a Arte Contemporânea, ambos
dividindo o mesmo espaço. Constituiu ainda um Acervo de Obras de Arte, obtido por doação
dos artistas expositores, que fez da GAP/UFES além dos valores citados, um espaço que
possibilitou perenizá-la e inscrevê-la com a função desempenhada por um museu, qual seja a
de guardar e cuidar de uma coleção de Arte, neste caso de uma Coleção de Arte Universitária.
O diálogo com estudos e pesquisas deste e de outros espaços de arte universitários serão
discutidos na segunda parte deste artigo.

2. O DESAFIO DE PESQUISAR GALERIAS E MUSEUS UNIVERSITÁRIOS DE


ARTE

A Galeria de Arte e Pesquisa da UFES, fundada em 1976iv, sob os cuidados do Centro


de Artes, teve à sua frente a professora Jerusa Margarida Gueiros Samúv, como sua primeira
diretora até o ano de 1985, e contou com a colaboração de outros dois profissionais da UFES,
os professores Júlio Cesar Grandi Ribeiro e Maria Cecília Jahel Nascif. A inauguração da
GAP aconteceu no dia 25 de junho de 1976, com uma Exposição Coletiva dos professores e
artistas da UFES, que contou com a presença de autoridades da universidade, do estado e do
município devido a importância desta iniciativa.

207
Fig 1. Capela de Santa Luzia. 1940. Localizada no Centro Histórico de Vitória - ES. Disponível em
<www.morrodomoreno.com>. Acesso em 5 junho de 2017.

Em seus quarenta e três anos de existência, a Galeria de Arte Pesquisa acumula uma
série de Mostras de Arte, construiu seu acervo a partir da doação de uma obra feita por cada
expositor convidado, e, de acordo com o Catálogo Acervo da Galeria de Arte Espaço
Universitário–EU, lançado do ano de 2007vi, conta com cerca de mais de mil obras de arte,
distribuídas entre pinturas, esculturas, gravuras, fotografias e desenhos, fazendo parte de sua
reserva técnica.

Para Rebouças (2016), as obras de arte são portadoras de um discurso que traz um
tempo, um espaço e uma autoria que pode provocar, naqueles que com elas interagem, outras
ações a partir de suas leituras possíveis. E, para que estas leituras aconteçam de fato, torna-se
essencial o acesso ao público à esta Coleção cujo acervo vai do Moderno ao Contemporâneo.

Nessa trajetória de formação dos acervos, de coleções, de exposições, e da


constituição de galerias e museus ao longo da história, encontramos pesquisadores que se
desdobram em estudá-los, e, partindo do tema a que nos propomos, saímos em busca destes
trabalhos acadêmicos.

As pesquisas sobre Galerias de Arte Universitárias ou Museus de Arte Universitários,


diferentemente de países da Europa, são recentes no Brasil. Tais estudos contribuem tanto
para o estabelecimento de conhecimento histórico, cultural, social e artístico, expressos nas
obras e nos movimentos artísticos dos Estados em que estão localizadas como também, para o

208
ensino de Arte universitário. O acesso às Coleções de Arte, expressam a imersão da cultura e
de seus agentes formadores, tornando-se Bens Patrimoniais com valor artístico e monetário.
Por fazerem parte da esfera pública, necessitam ser inventariados, estudados e
disponibilizados ao público, além disso, precisam ter questionados seus modelos
institucionais, seu funcionamento, e analisadas suas políticas culturais enquanto salvaguarda
deste referido Acervo de Obras de Arte.

Em um levantamento no banco de teses e dissertações da Coordenação de


Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), observamos que há uma grande
concentração de trabalhos sobre Arte, e em meio aos trabalhos encontrados, destacamos de
nosso interesse, a tese elaborada no ano de 2012 por Ana Paula de Andrade: “MUnA e seu
acervo: lugar de memória e esquecimento”, que destaca quatro obras que compõe a Coleção
do acervo do Museu Universitário de Arte de Uberlândia, que, diante do restante da coleção,
não possui a mesma visibilidade para a autora. Nesta trajetória de formação do museu de Arte
Universitário, Andrade relata que no dia 04 de novembro de 1985 a Galeria de Arte da
Universidade Federal de Uberlândia foi inaugurada, tendo como sua primeira mostra,
trabalhos dos professores do Departamento de Artes. E aqui, lembramos que, nove anos antes
desta data, a Galeria de Arte e Pesquisa da UFES, já havia sido inaugurada com exposição dos
professores artistas. Não sabemos se esta prática era comum entre as universidades do país, ou
seja, a necessidade de um espaço, independente de ser ou não uma galeria, para servir como
extensão das práticas artísticas, parece-se nos ser essencial para o curso de Artes, levando-nos
à maior investigação.

Destacamos a dissertação, “Coleção Yolanda Mohalvy - O Moderno e o


contemporâneo no acervo do MAC USP”, defendida em 2006, por Maria Antunes Farinha,
que nos apresenta, a partir da doação de obras do espólio de Yolanda Mohalvy, os percursos
de organização de um acervo sobre arte contemporânea. Pesquisa que amplia o assunto
Coleção, destacando a importância dos parâmetros adotados nos processos de doação e
aquisição de obras de arte em acervos públicos. Maria Antunes escreve que esta Coleção
particular, que motivou seus estudos, fora doada ao MAC USP, no ano de 1979. É-nos
importante destacar que neste mesmo ano, a Galeria de Arte e Pesquisa da UFES já
acumulava em sua existência, dois anos de Exposições, mesmo não tendo sido instituída
mediante uma Coleção específica, a GAP da UFES, já havia realizado nesta curta trajetória
dezesseis Exposições. Encontramos este levantamento na dissertação de mestrado da Magna
Silva Rosa, com o título “A criação e atuação da Galeria de Arte e Pesquisa da Universidade
209
Federal do Espírito Santo e sua proposta de atualização das linguagens das artes plásticas
(1976-1980)”, realizada em 2015, para o PPGA da UFES.

A autora traz parte da trajetória de formação da Coleção de Arte da UFES, desde o ano
de 1976, descrevendo as exposições realizadas durante quatro anos de funcionamento da
GAP, ou seja, até 1980. Trazendo em seu escopo as contribuições para a ampliação do
repertório das artes plásticas capixabas, Rosa faz análise do panorama socioeconômico e
cultural espírito-santense, antes da federalização e após a formação da UFES, apontando a
renovação ocorrida no cenário artístico capixaba daquele período. A autora destaca obras
específicas da coleção e seus respectivos artistas, apresentando-nos documentos relativos à
Galeria de Arte e Pesquisa até o ano de 1980. Esta pesquisadora dá continuidade aos estudos
de sua orientadora a professora Almerinda da Silva Lopes (CAR-UFES), autora do livro
“Artes Plásticas no Espírito Santo 1940 – 1969, ensino, instituição, produção e crítica (2012),
que antecede a escrita da Magna Rosa. Nossa intenção é estender esta pesquisa até o ano,
como dissemos anteriormente, de 1994, quando a GAP encerra suas atividades na Capela de
Santa Luzia, instalando-se um dos prédios do Campus de Goiabeiras em Vitória, alterando
novamente seu “território” de atuação, depois de dezoito anos de existência.

Continuando nossa busca, nos deparamos com a tese de Adriana Mortara Almeida,
“Museus e Coleções Universitários. Por que museus de arte na Universidade de São Paulo”,
escrita em 2001, apresentada à Escola de Comunicação e Artes da USP, traz em seus cinco
capítulos, uma extensa escrita a partir da vivência da autora, em um Museu Universitário. A
pesquisadora pesquisou diversos museus universitários brasileiros e estrangeiros buscando
suas formas de funcionamento, bem como suas relações com a comunidade universitária. Em
meio a sua busca, encontramos inseridos neste contexto, referencia à Galeria de Arte da
UFES, pois, a autora, dedica um capítulo aos museus de Arte universitária, ao destacar
dezessete deles, escreve que, “[...] os mais recentes, principalmente as Galerias da UNICAMP
e da UFES, tem acervo formado por doações de artistas locais e apresentam basicamente
exposições temporárias” (ALMEIDA, 2001, p. 143). Com relação à GAP/UFES, de acordo
com nosso levantamento, mesmo que em fase inicial, somente entre os anos 1976 até 1987, há
registros de mais de 138 obras doadas por expositores, locais e nacionais, formando um
acervo Universitário com obras de renome nacional, como Remina Katz, Maria Tomanelli
Cirne Lima, Rubens Gerchman, Rubem C., Dionísio Del Santo, Fayga Ostrower, Marília
Krans, Daniel Valença Lins, Paulo E. Herkenhoff, Ligia Pape, Antonio Henrique Amaral,
Abelardo Zaluar e Carlos Scliar, conforme o Relatório Setor de Galerias de 1987, se
210
estendermos a busca para 1994, ampliar-se-á certamente este Acervo de Obras de Arte da
UFES.

Ao nos aproximarmos do artigo de Claudia Porcellis Aristimunha e Ligia Ketzer


Fagundes, escrito no ano de 2010 com o título “Museu da UFGRS, Trajetória e identidade de
um museu universitário” para a revista Patrimônio e Memória da UNESP, é-nos importante
por relatar a proposta deste museu em atuar como um laboratório de estudo, pesquisa e campo
de ação para estudantes da universidade, servindo como estudo de caso, realização de projetos
de extensão, estágios de observação e atuação, realização de trabalhos práticos entre outras
ações. A Galeria de Arte da UFES evidencia em sua trajetória ações similares as descritas
pelas autoras acerca do Museu da UFGRS, e entendemos a força com que a pequena Galeria
da UFES surgiu na metade do século XX, e precisamos verificar se esta atuação prossegue no
século XXI.

Este levantamento intenta reportar à Coleção de Arte de Galerias ou Museus


Universitários, na expectativa de um possível diálogo com a GAP/UFES. Sendo assim,
buscamos entre os resultados encontrados fazer a leitura daqueles que discorrem os processos
formativos de museus, coleções e acervos, descrevendo a importância do seu acervo e
preservação como guarda da memória coletiva, que possui peculiaridades, pois estamos
imersos em um contexto que é ao mesmo tempo, universitário e artístico. Na medida em que
se transforma o paradigma da obra de arte, também se modifica o perfil do museu que
pretende abrigá-la (BASBAUM, 2011). Dito isto, traçamos os aspectos que se relacionam
com as questões locais da nossa investigação, por vezes, fazendo relações com alguns
importantes museus nacionais, trazendo-os para nossa realidade.

O estudo feito em 2004 por Alice Lucas Semedo e descrito no artigo “Estratégias
museológicas e consensos gerais”, traz-nos indicações e rupturas acerca dos museus em
Portugal, do ano de 1974 até a data da referida publicação, difundindo os modos de vida e
suas relações com os valores culturais de cada época. Especialmente no ano de 1978 a
preservação do patrimônio começa a ser uma preocupação constante, relacionando-se com a
identidade nacional portuguesa. Para Semedo, abordar a identidade nacional proporciona um
sentimento de segurança em meio ao desgaste do nosso sentido de lugar. Buscando nos situar,
frente a este lugar que nos colocamos e ao seu tempo, concluímos nosso levantamento,
reportando-nos à Lucilia de Almeida Neves Delgado em sua conferência de abertura no VI

211
Encontro Nacional de História Oral (ABHO), em 2003 com o título “História oral e narrativa:
tempo, memória e identidades”.

Para a autora, tempo, memória, espaço e história caminham juntos. Sendo que o tempo
dentre outros aspectos “[...] é um movimento de múltiplas faces, características e ritmos, que
inserido à vida humana, implica em durações, rupturas, convenções, representações coletivas
e simultaneidades”. Mais que isso, o tempo, como observamos nas pesquisas aqui
relacionadas, faz parte, a nosso ver, em meio às palavras de Lucilia, em “[...] um processo em
eterno curso e em permanente devir” (2003, p. 10). As leituras feitas orientam perspectivas
que almejamos em nossa pesquisa, trazendo-nos visões sobre o passado, oportunizando-nos
traçar avaliações sobre o presente e o mais importante, nos apontam as projeções sobre o
futuro da tese que nos propomos escrever, atentos à missão da Galeria da UFES.

Temos conhecimento de que, acervos em qualquer dimensão são dispendiosos, e a


GAP da UFES, esteve a frente do seu tempo, com ousadia, formou ao longo de seus quarenta
anos de existência, uma reserva técnica com mais de mil obras de arte, de acordo com o
Catálogo da GAEU (2007, p. 3), como dissemos antes. Visão e comportamento avançado dos
professores que estiveram à sua frente, desde 1976, a exemplo das professoras Jerusa
Margarida Gueiros Samú e Tereza Norma. E, também, pelo fato do Espírito Santo ser um
estado isolado na região sudeste, fora dos circuitos das Artes que regiam o país, como São
Paulo e Rio de Janeiro. Abaixo, segue a lista de Galerias e Museus de Arte em Universidades
Federais e Estaduais, distribuídas ao longo do Brasil.

Tabela 1- Relação de museus e galerias de Arte. Fonte: Almeida, 2001, com atualizações.

MUSEUS/GALERIAS DE ARTE EM UNIVERSIDADES FEDERAIS – BRASIL

Nome do Museu/Galeria Universidade Área Ano de Localização


criação

1 Museu de arte sacra da UFBA Arte Sacra 1959 Salvador


Bahia
Bahia

2 Museu de Arte da UFC UFC Arte Contemporânea 1961 Fortaleza

Ceará

3 Galeria de Arte e Pesquisa - UFES Arte Moderna e 1976 Vitória ES


GAP
Arte universitária

212
4 Galeria de Arte Espaço UFES Arte Contemporânea 1979 Vitória ES
Universitário- GAEU

5 Galeria Brasiliana UFMG Arte 1967 Belo Horizonte

MG

6 Museu de Arte e de Cultura UFMT Arte Contemporânea 1974 Cuiabá


Popular da UFMT Cultura Popular
MT

7 Museu da Cultura Popular UFPB Cultura Popular 1980 João Pessoa

Paraíba

8 Museu de Arte Popular UFPB Arte Local 1978 João Pessoa

Paraíba

9 Pinacoteca UFPB Arte Local 1987 João Pessoa

Paraíba

10 Museu de Arte Leopoldo UFPel Arte 1996 Pelotas


Gotuzzo
RS

11 Museu D. João VI UFRJ Arte 1979 Cidade Univ

RJ

12 Museu do Seridó UFRN Arte Sacra, História 1968 Caicó RN

13 Museu de Imagem e Som UFU Fotografia, Música 1996 Uberlândia

MG

MUSEUS/GALERIAS DE ARTE DE UNIVERSIDADES ESTADUAIS – BRASIL

Nome do Museu/Galeria Universidade Área Ano de Localização


Criação

1 Museu Regional de Arte UEFS/BA Arte 1967/ 1985 Feira de


para UEFS Santana Bahia

2 Museu de Arte Assis UEPB Arte 1967 Campina


Chateaubriand – MAAC Grande PB

3 Coleção de Artes Visuais do IEB (USP) Arte 1962 Cidade


Instituto de Estudos Universitária
Brasileiros SP

4 Museu de Arte MAC USP Arte 1963 São Paulo


Contemporânea – MAC Contemporânea

5 Galeria de Arte UNICAMP UNICAMP/ Arte 1984 Campinas


CAMPINAS
SP

213
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Concluímos inicialmente, que a criação da GAP ocorreu a partir da necessidade dos


professores, artistas e estudantes do curso de Artes da UFES, que ansiavam por um local para
realizar suas Exposições de Arte, espaço este, que favoreceu o encontro deste grupo com
interesse comum, que teve a professora Jerusa Margarida Gueiros Samú à sua frente. As
formas de apropriação e a produção de sentidos que configuraram a Capela de Santa Luzia em
sede da Galeria de Arte e Pesquisa da UFES entre os anos de 1976 a 1994, atendeu a duas
funções: Artística e Educativa. Este grupo de artistas não mediu esforços em ocupar a antiga
Capela de Santa Luzia.

Edificação configurada da sacralidade de um determinado período, dotada de


significado histórico, transitou do religioso ao cultural, digno das Casas de Memória, Galerias
e Museus existentes pelo país, e na medida em que a pesquisa avançar, buscaremos
aprofundar o estudo das especificidades que se fizerem necessárias, afinal, a preservação da
Coleção de Arte da Universidade Federal do Espírito Santo é dotada de uma continuidade
única, onde seus principais protagonistas – artistas e professores deixaram suas marcas.

Quando dirigimos nosso olhar para a entrevista concedida em 2015 para o


documentário “Museu Aberto”, da primeira diretora da GAP, Jerusa Margarida Gueiros
Samú, percebemos sua ansiedade: “Queríamos um espaço que fosse constante, seguro para
em qualquer dia, qualquer hora poder visitar uma obra de arte[...]” . De fato, como pudemos
constatar, esta conquista se realizou. Jerusa Margarida Gueiros Samú, na mesma entrevista,
informa que a Pesquisa através da GAP, sob sua direção, funcionou de 1976 a 1988, com
parceria da Funarte (Fundação Nacional para Arte e Pesquisa) e administrada diretamente
pelo Centro de Artes, iniciou a construção da Coleção de Arte da UFES, como dissemos
anteriormente. Jerusa ainda destaca que “[...] a Galeria de Arte e Pesquisa foi um dos marcos
da integração universidade e comunidade, preenchendo uma lacuna que até então era marcada
por eventos descontínuos no campo das Artes Plásticas no estado” (SAMÚ citada por
REBOUÇAS, 2016), como pudemos resumidamente descrever.

Também acreditamos que a Capela, singela em todos os olhares, conferiu à Galeria de


Arte Universitária, um status, uma configuração diferenciada dos demais locais utilizados
para Mostras de Arte em universidades do país no século XX, inclusive, por não ter sido
idealizada a partir de uma Coleção de Arte específica, doada ou comprada, como pudemos
verificar nos trabalhos pesquisados. O Acervo da GAP se iniciou e cresceu juntamente com a
214
experiência artística dos estudantes do Centro de Artes da UFES, amparados pelos seus
professores artistas e artistas convidados de renome nacional, construindo uma reserva técnica
considerável, em estilo moderno, de mais de mil obras de arte, que pretendemos nos
aproximar, a partir deste projeto de pesquisa.

i
Integra a pesquisa realizada pelo GEPEL do Cnpq (Grupo de Pesquisa de Processos Educativos em Arte),
financiada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico-Cnpq e FAPES.
ii
Os motivos da desapropriação são: Não havia “[...] nenhuma utilidade da dita Capella para o Culto Divino; tem
mau estado de conservação e desleixo da Irmandade que ali existte, na conservação da Capella, visto que seus
membros, nem siquer, dão contas alguma de seus actos á auctoridade diocesana”. 1912. Arquivo Cúria de
Vitória.
iii
André Carloni nasceu na Itália e chegou ao Brasil em 1890. Artista autodidata, atuava como projetista e
construtor. Elaborou diversos projetos na cidade de Vitória, a exemplo do Teatro Carlos Gomes em 1925 no
local do antigo Theatro Melpômene (1895) que pegou fogo. Foi o primeiro representante do SPHAN (Serviço do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) em Vitória. Morreu em 1976 aos 93 anos.
iv
Ofício de nº314/75CAR/UFES. Portaria nº025/75-CAR/UFES. Como diretor do Centro de Artes estava Paulo
Cesar Simões Magalhães e, Manuel Ceciliano Abel de Almeida era o reitor universitário.
v
A Portaria nº45/80 de 18 de maio de 1976, declara a professora Jerusa Margarida Gueiros Samú responsável
pela Coordenação Geral da GAP/UFES.
vi
Alguns artistas citados no Catálogo: Hélio Coelho, Cesar Cola, Paulo Fernandes, José Antônio Gomes, Georgia
Uchôa, Fatima Nader, Luiz Natal, João Calixto, Regina Chulan, Marian Rabelo, Cacá Miled, Orlando da Rosa
Farya, Nelma Guimarães, Renato Caseira, Nice, Kleber Galvêas, Loio Pérsio, Dan Ferreira Mendonça, Atílio
Colnago, Mario Azevedo, Tomie Otake, Rubens Gerchman, Fayga Ostrower, Rubem Grillo, Elpio Malaquias,
Jerusa Samú, Carlos Scliar, Lygia Pape, Dionizio Del Santo, Angela Gomes, Jeveaux, Freda Jardim, Fernando
Baril, Mirtes Moreira, Rosindo Torres, Hilal Sami Hilal, Edson Arcanjo, Aldo Garcia, Lenise Magi, Jessé Santos,
Luiz Natal, Joyce Brandão, Moema Rebouças, Dante Veloni, Wanda Ribeiro, Nortton Dantas, Lincoln Guimarães.

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TIRAPELLI, Percival. Arte Sacra Colonial. São Paulo: Ed. UNESP, 2005.

216
ESTÊNCIL, LINGUAGEM CONTEMPORÂNEA E CULTURA VISUAL:
CATALISADORA DE NOVOS SABERES

Any Karoliny Wutke Souza


Isabela Vieira Martins

RESUMO

Este texto tem como proposta analisar a potencialidade de diálogo do conteúdo e da


metodologia, utilizados nas práticas cotidianas das aulas de Arte com a vivência dos alunos,
com o propósito de que essas duas áreas se tangenciem e viabilizem a criação de sentido na
aprendizagem dos estudantes e professores. Assim, adotamos uma linguagem contemporânea,
o estêncil, e a metodologia de Cultura visual de Hernández, para integrar os estudantes ao
ensino contemporâneo, aproximando-os de um ensino de Arte que faça sentido. Trata-se de
uma observação e análise do processo de criação do estêncil e da relação que os alunos
criaram com o mesmo, trazendo para suas práticas, questionamentos e preferências pessoais.

Palavras-chave: Aprendizagem. Cultura Visual. Estêncil.

ABSTRACT

This text aims to analyze the potential for dialogue of content and methodology, used in the
daily practices of art classes with the students 'experience, with the purpose that these two
areas tangent and enable the creation of meaning in students' learning and teachers. Thus, we
adopt a contemporary language, the stencil, and Hernández's methodology of visual culture,
to integrate students into contemporary teaching, bringing them closer to a meaningful
teaching of art. It is an observation and analysis of the stencil creation process and the
relationship that students created with it, bringing to their practices, questions and personal
preferences.

KeyWords: Learning. Visual Culture. Stencil.

O presente texto se constrói a partir da reflexão de uma experiência de estágio


supervisionado no Ensino Fundamental, desenvolvida em uma turma de 7° ano e
compreendida como parte da formação no curso de Licenciatura em Artes Visuais. O estágio
217
foi desenvolvido na Escola Municipal de Ensino Fundamental Experimental de Vitória,
localizada no campus da Universidade Federal do Espírito Santo, no bairro de Goiabeiras. No
período entre 21 de agosto a 13 de novembro realizamos observações das aulas da professora
de artes e, a partir deste mapeamento, desenvolvemos um projeto construído no âmbito da
disciplina de Estágio, realizada no segundo semestre de 2018.

Ao entrarmos nas aulas de artes dentro deste contexto, por muitas vezes encontramos
as mesmas metodologias perpetuadas no ensino da arte e que não se fazem refletidas por
muitos professores, mantendo a mesma como um método. É comum, também, encontrarmos
os mesmos artistas sendo citados, a mesma perspectiva e uma recusa do ensino da arte
contemporânea, seja por receio de um desconhecimento do conteúdo, seja por julgar ser um
conteúdo que não pode ser desenvolvido com crianças e adolescentes.

Esse artigo sugere, portanto, uma análise da prática do estágio, a partir do período de
observação em uma turma de 7° ano, da Escola Experimental de Vitória e propõe a reflexão
de como criar um diálogo entre conteúdo e metodologia, a fim de que os mesmos se
atravessem e criem sentido para estudantes e professores.

Durante o período de mapeamento do estágio observamos práticas que se


distanciavam do interesse dos alunos em seu próprio aprendizado. Identificamos durante a
observação que havia um distanciamento entre a professora e os alunos, dificultando as aulas
e a relação entre eles. Um principal aspecto desta relação se percebia pelo fato da professora
não conceder abertura para a inclusão de conteúdos que fizessem parte do universo dos
alunos, ignorando seus repertórios e interesses nas aulas.

A professora de artes da escola Experimental de Vitória criou seu planejamento para


a turma conforme seu repertório pessoal, baseado em suas próprias experiências artísticas e
selecionando conteúdos que não dialogavam com os alunos. Para além da escolha das
temáticas trabalhadas em sala, percebeu-se que a professora valorizava uma aprendizagem
que priorizava a técnica e o resultado, não dando espaço para os processos. Esse ensino se
restringia às práticas de atividades que se se delimitavam na releitura e reprodução de imagem
e o foco permanecia na produção de um objeto final, voltado para um valor estético.

Na observação das aulas da professora percebemos também que havia o recorte de


um período histórico único; para além de um ensino baseado em uma metodologia
modernista, o conteúdo igualmente se limitava ao moderno, não havendo espaço para o ensino

218
da arte contemporânea. Fernando Hernandéz (2007, p. 13) diz a respeito de uma narrativa
única:

Essa narrativa projeta-se na seleção de alguns conhecimentos escolares na qual o


‘outro’ (aquele que não faz parte de ‘nós’ hegemônico) é apresentado em posição de
subordinação - pela qual há de ser civilizado e, portanto, justificadamente explorado
e despojado de seus saberes.

No entanto, a imposição da professora em relação ao seu plano de ensino não


favoreceu a identificação dos estudantes com os conteúdos e atividades que eram propostos
em aula, pois trazia atividades com estampa e cores, ou fazendo releituras da imagem “O
touro”, de Tarsila do Amaral, sem relacionar com o universo dos alunos, nem contextualizar
as obras. Em resposta, os estudantes não criavam um sentido e experiência com as atividades
propostas o que, consequentemente, impossibilitava o envolvimento da turma com as aulas e
o fomento de uma análise crítica.

O modo tradicional de atuação da docente assume uma postura de autoridade e


detentora do saber e faz com que os alunos não tenham um lugar de fala na sua própria
aprendizagem, mantendo uma relação unilateral, onde os mesmos não desenvolvem gosto por
conhecimento artístico. A metodologia parecia se aproximar da abordagem triangular de Ana
Mae Barbosa, que perpassa três pontos: leitura de imagem, produção e reflexão, no entanto a
leitura era vaga, passando apenas pela estética, sem contextualizar a imagem e não havia um
momento de reflexão do que foi produzido.

Outra evidência da inadequação do plano de ensino com a realidade dos estudantes


dizia respeito ao conteúdo de imagens que eram apresentadas em sala. Enquanto nos arredores
da escola, no campus da UFES, observa-se que há inúmeras produções de imagens tais como
grafite, estêncil e lambe-lambei, a professora continuava apresentando exclusivamente
imagens consagradas pela história da arte e distantes da realidade cotidiana destes
adolescentes.

Percebeu-se, durante o período de observação, que os estudantes haviam tido uma


aproximação com o grafite, pois a professora mencionou que houve um projeto na escola no
ano anterior, onde elaboraram um grafite considerando características dos alunos criando
personagens caricatos dos mesmos, com Gil Dias, estudante do curso de Artes Visuais na
UFES, que fazia sua pesquisa de campo na escola no período de 2017/2. Contudo, os alunos
não haviam experienciado o estêncil.
219
Nessa perspectiva, diante dos aspectos observados durante o mapeamento, pensamos
em reunir todas essas e outras informações, como por exemplo, a falta de contato dos alunos
com a arte contemporânea, a possibilidade de uma abordagem diferente de ensino, a
priorização de trabalhar algo que está próximo dos estudantes - que não tinham acesso por
conta da seleção de conteúdo da professora - e idealizamos o projeto de estágio. Ao mesmo
tempo em que tínhamos estes três pontos, não queríamos que o projeto se afastasse das
práticas que os estudantes haviam vivido com a professora. Em razão disso, chegamos a um
tema para o projeto de estágio, o estêncil.

A primeira razão para a escolha desta temática se deu porque apesar do estêncil estar
nas proximidades da escola, impresso em muitas paredes da Universidade e de muros no
caminho até a escola, percebemos que os alunos desconheciam suas características. Sendo
assim, trabalhar essa linguagem como meio, visando tratar de aspectos da arte contemporânea,
criaria um espaço de contato que nos possibilitaria uma aproximação de seus repertórios,
tentando suprir minimamente essa necessidade identificada na entrada na escola.

Outra motivação na escolha da temática ocorreu por conta da possibilidade de


diálogo com o trabalho que a professora vinha desenvolvendo. O estêncil é uma linguagem
contemporânea, no entanto não é desconexo com o que era visto em sala, por ainda conter
desenho, tinta, bidimensionalidade. Logo, a entrada deste novo projeto não causaria um
estranhamento por parte dos alunos nas aulas, mas ainda assim abordaria propriedades da arte
contemporânea que ainda não eram perceptíveis para eles.

Consideramos, diante da faixa etária com que estávamos trabalhando neste projeto,
em torno de 12 anos, e em consonância com discussões elaboradas durante as aulas de
estágio, que havia uma necessidade de desenvolver conteúdos de arte contemporânea com a
turma. Portanto, consideramos trabalhar com as características da não linearidade, utilização
de materiais e suportes de origens diversas, transitoriedade, efemeridade, virtualidade,
participação do outro na e para a realização da obra/ação, interfaces com outras áreas e
presença de um corpo híbrido, mencionadas por Julia Rocha (2018, p. 7) para pensar a
aproximação entre a mesma e o ensino da arte, visando refletir especificamente como o
estêncil poderia ser desenvolvido em sala de aula.

Isto posto, analisamos quais pontos deste trecho do texto se relacionam com as
características do estêncil e dos artistas que referenciamos em sala de aula. A partir das
discussões do texto sobre um ensino contemporâneo da arte contemporânea, pensamos na
220
cultura visual como metodologia para o projeto, pretendendo trabalhar o estêncil de um ponto
de vista subjetivo e elaborando sentido para sua representação.

O primeiro ponto abordado no texto é a não linearidade, o estêncil se aproxima da


gravura como processo e se assemelha com a serigrafia, no entanto a gravura não antecede o
surgimento do estêncil como linguagem artística, sendo assim, não sequencial. Apesar de
serem próximas, as duas linguagens são usadas em contextos distintos.

Para a produção do estêncil pode-se usar tanto um acetato, ou qualquer placa


plastificada para ser utilizada como máscara, a tinta pode ir desde um guache até uma tinta
spray. O material pode ser diverso, não está preso a um tipo específico de chapa ou tinta, nem
mesmo a um só suporte. Este aspecto múltiplo do estêncil acaba reforçando a potencialidade
da linguagem no âmbito escolar, uma vez que reforça a variedade de materiais e suportes de
origens diversas abordadas por Rocha (2018).

Outro ponto que podemos incluir é a virtualidade, fazendo uso também de recursos
digitais, como photoshop, para pensar a imagem e quantas máscaras será preciso para compor
o que se deseja, sendo cada cor uma máscara, dando outros resultados.

No contexto de arte urbana, o estêncil também se faz efêmero, pois está exposto a
qualquer manifestação, e isso não é um problema para os artistas que utilizam essa linguagem
em suas produções, pelo contrário, se apropriam dessa efemeridade, criando uma
potencialidade no seu discurso. O estêncil está nas ruas, onde pode ser apagado
posteriormente.

Discutimos o estêncil em sala de aula com a pretensão de se chegar a


contextualização dos mesmos, pensando para além da imagem, refletindo o contexto cultural
em que está inserido, para isso trouxemos artistas como Blek le Rat, Banksy e Mônica Nador
para ilustrar múltiplas formas de utilizar a técnica em contextos diferentes.

Blek le Rat desenvolve produções que se caracterizam por um discurso crítico à


humanidade relacionado com suas imagens. A temática de mais sucesso são os estênceis
icônicos de rato que fazem alusão à resistência, pois são animais selvagens que sobrevivem na
cidade. O artista assume uma postura crítica, se manifestando sobre problemáticas sociais. Foi
considerando o fato de que algumas dessas obras fazem menção a uma reflexão e a uma
consciência, que se tornou fundamental apresentar e mostrar que o estêncil pode ter

221
significado satírico, político, mas também pode refletir o desejo ou o medo, o imaginário ou o
literal. Permite a representação do sujeito a sua própria existência.

Blek le Rat, Violonist and Crooner / Violoniste et le Crooner; Dubai 2016

https://blekleratoriginal.com/fr/portfolio/annees-2010/nggallery/page/3

Outro artista adotado como referência no projeto de estágio foi Banksy, que intercala
uso de estêncil e grafite em suas imagens. As produções de Banksy se assemelham com as de
Blek le Rat, visto que ambos usam o estêncil como meio para fazer críticas sociais e políticas.
Banksy faz referências a vários trabalhos de Blek le Rat, principalmente a seus ratos. Apesar
do grande reconhecimento mundial, Banksy permanece no anonimatoii, que, para além da
relevância de suas obras, se torna mais um dos motivos para seu reconhecimento.

Atualmente, suas obras são retiradas do meio urbano por colecionadores e


transportadas a leilões, sendo vendidas por milhares de dólares sem que haja o consentimento
do artista, indo inclusive contra os ideais que parecem agregados às imagens e
descontextualizando as obras, retirando-as do seu local de produção. Por conta dessa
descontextualização e pelas discussões que podem ser elaboradas a partir de suas produções,
levamos para a sala de aula imagens das obras em seu lugar de origem e em exposição, para
que os alunos refletissem essa problemática.

222
Banksy, sem título, s/d.

<http://www.banksy.co.uk/out.asp>

A última referência visual adotada no projeto de estágio foi a produção da artista


brasileira Mônica Nador. As obras de Mônica Nador, apesar de utilizarem a mesma
linguagem que Blek le Rat e Banksy, se aproximam mais de uma obra/ação. A artista iniciou
um projeto em bairros periféricos, Paredes Pinturas, no qual visava aproximar o contato da
arte com as comunidades. Porém sentia a necessidade de envolver os moradores no processo
artístico, modificando seu trabalho de espaços públicos, como a praça central dos bairros, para
a moradia dessas pessoas, as quais são inseridas na produção dos estênceis. Nador constata a
necessidade de um coletivo para lhes dar a autoria da participação na obra, criando o coletivo
JAMACiii. Nessa participação, estes sujeitos se tornam artistas, pois têm autonomia dentro do
processo, escolhendo as formas e cores.

JAMAC, sem título, s/d.

<https://www.ufrgs.br/arteversal/?p=735>

223
Durante as aulas realizadas no estágio, apresentamos primeiro as imagens dos
artistas, sem dar a identificação de cada um ou indicar muitas informações, provocando-os a
lerem as imagens. Neste processo, ouvimos os alunos a fim de compreender sua aproximação
com as obras, partindo de suas respectivas realidades, para, somente depois, identificarmos e
contextualizarmos cada imagem.

Neste processo, confirmamos que o estêncil passa por diferentes propriedades da arte
contemporânea, ora pela técnica, ora pela proposta do artista. Por sua vez, entendemos que o
ensino da arte se faz flexível (conteúdo e prática se atravessam), tudo pode ser questionado e
estão sempre passíveis a mudanças e interpretações.

Para trabalhar o estêncil a partir desse ponto de vista, que engloba o contexto da obra
e o repertório dos alunos, e com referência no texto de Rocha (2018, p. 2) que visa produzir
“um espaço de encontro entre conteúdo e metodologia”, nos aproximamos da metodologia de
cultura visual, proposta por Hernández (2007), pensando, sobretudo na necessidade de se
trazer a bagagem visual dos alunos e pensando em cultura visual para além de imagem,
incorporando a técnica e a linguagem ao modo de realizar, associando, portanto, conteúdo e
metodologia.

Segundo Dikoviskaya (2005, p. 1) a cultura visual é um campo em que se estuda a


“construção do visual nas artes, na mídia e na vida cotidiana” (apud HERNÁNDEZ, 2007, p.
21), pretende-se dessa forma investigar e analisar as práticas culturais da atualidade e suas
representações e interpretações da vida contemporânea a fim de que essa temática seja
estudada em sala de aula.

As imagens visuais – termo assim denominado pela metodologia de cultura visual –


são produzidas por contextos sociais em que o sujeito está inserido. Elas são novas formas de
linguagens, de comunicação e expressão (do mundo pós-globalizado) que constroem um
campo de visualidade, ou seja, um “ver” interpretativo; um olhar que se atenta para os
significados e interpretações que uma imagem pode apresentar. As imagens nesse contexto
interessam-se sempre pelas atuais questões sociais, políticas, culturais e midiáticas. “(...) a
dimensão cultural transforma o ver em visualidade” (2007, p. 30).

A relação entre imagem e linguagem se estabelece a partir dos critérios


construcionistas da linguagem. As pessoas constroem o sentido usando sistemas de

224
representação – conceitos, sinais e signos. E dessa forma, usamos esses sistemas para criar
uma consciência reflexiva, e para simbolizar os conhecimentos e as práticas socioculturais.

No estágio um dos alunos produziu um estêncil representando a bandeira do Brasil.


No processo de impressão ele usou as cores da bandeira e por fim respingou a cor vermelha
sobre a mesma. Ao indagarmos o menino (aluno A) sobre o que representava a produção, ele
respondeu que a escolha da bandeira reflete o período em que estamos vivendo, segundo turno
das eleições, e que a cor vermelha respingada simboliza o sangue dos brasileiros,
relacionando com os crimes políticos que vinham sendo noticiados. Essa alusão do aluno
demonstra uma consciência reflexiva da época em que estava vivendo.

Produção do aluno A, sem título, 23/10/2018.

Fonte: foto do celular da Any Karoliny.

Relacionados a toda abordagem da cultura visual, estão os jovens e o ensino de


arte/educação. Os jovens, pois esses são frutos de um contexto espaço-temporal, pertencem a
realidades sociais e culturais de uma época. Ressalta-se que a atual conjuntura cotidiana passa
por variabilidades tecnológicas, multiplicidade de informação, de conhecimento e de
comunicação. Da mesma forma que o jovem se confere à atualidade de cada época, os meios
de ensino de arte/educação também deveriam ser mutáveis. Com a finalidade de se obter
experiências diferentes com o passar dos anos, e se dedicar com situações atuais de cada
tempo e contexto.

Como já mencionado antes, a professora da escola utiliza uma metodologia de ensino


que não estabelece uma relação com o cenário atual relativo à difusão de informação, às
inovações tecnológicas, e à contextualização com a cultura popular. Com o objetivo de
aproximar a metodologia às práticas sociais atuais, é relevante apresentar para os alunos algo

225
que corresponde à espacialidade e temporalidade deles. Assume-se a finalidade de incluir o
aluno a sua própria aprendizagem, algo que abrange a vida concreta deles.

Ao final da prática no estágio, perguntamos aos alunos o que acharam sobre o


estêncil, o processo das aulas e a nossa prática em sala de aula, e pedimos as respostas por
escrito, a partir de alguns depoimentos constatamos a necessidade dos alunos de se sentirem
incluídos em seu processo:

Aluno B: “Nesse caso achei uma experiência totalmente nova e impressionante


ainda mais o fato de nós mesmos fizemos nós mesmos com que nós queremos”.
Aluno C: “Achei legal, uma aula criativa e diferente das outras que todos podiam
fazer do jeito que bem quiser com sua criatividade.”

As subjetividades dos alunos se configuram a partir das relações sociais, e devem ser
trabalhadas em sala de aula, com o intuito de trazer ao âmbito escolar um debate sobre o
entendimento e compreensão do mundo e de si mesmo. O professor de arte-educação deve
propiciar a análise junto com os estudantes, pois a subjetividade dos mesmos não se separa
das vivências e experiências adquiridas das práticas culturais.

(...) quando os alunos realizam as atividades capazes de despertar sentidos plenos


para eles, e isso ocorre quando se identificam com a proposta de trabalho e se
reconhecem como autores, quando constatam que podem criar algo novo por meio
de sua ação (...). (ALMEIDA, 2001, p. 19).

No ensino da arte é necessário que se aproprie de novos saberes e abordagens


metodológicas que permitem a interpretação da realidade. Em virtude das mudanças das
práticas e linguagens artísticas, é compreensível reconceitualizar as práticas de ensino na
escola, pois serão essas mudanças e novos saberes que darão sentido ao aprendizado dos
alunos. Almeida diz:

Mas, para que o passado possa fazer sentido para os alunos, é necessário romper o
ensino fundado em classificações assentadas em espaços e tempos estanques e
privilegiados em detrimento de outros; é preciso romper com concepções elitistas,
como a que se apoia em uma História da Arte (no singular e com letras maiúsculas,
porque calcada numa visão europeia, masculina e branca), que se pressupõe
universal e que abarca apenas a estética do século XIX, raramente ultrapassando o
primeiro quarto do século XX. (ALMEIDA, 2001, p.16).

No campo de Estudos de Cultura Visual as linguagens da arte contemporânea podem


ser uma ideia de subjetivação do sujeito, a fim de corporificar o seu sentido de “ser”
(subjetividade) que foi construída pelas relações intrapessoal e social, ou seja, a manifestação
de identidade e linguagem artística do sujeito. Em contraponto com o que foi observado no
estágio, que não permite que o aluno tenha seu lugar de fala, ou sequer autonomia em seu
processo educativo. Essa subjetividade, identidade e linguagem se relacionam com as práticas
226
culturais (o que ainda está acontecendo), e fortalece as construções de sentido do mundo
contemporâneo, isto é, suas representações visuais.

Os jovens da escola Experimental de Vitória se relacionam com os novos meios de


expressão e são neles que esses adolescentes têm construído suas subjetividades. Desse modo,
eles vivenciam as transições de valores estéticos instituídos pelos meios de comunicação.
Sendo assim, essa possibilidade de acesso aos novos saberes (tecnológico, midiáticos,
virtuais) e aos valores estéticos procede na criação/apropriação/ressignificação de imagens.
Essas técnicas estão imersas no sistema de mercado de consumo, portanto, ligam-se aos
valores socioculturais, e que, porventura, deveriam ser analisadas, debatidas em sala de aula.

A aluna D escolheu para sua produção de estêncil a sigla “DD11”, a proposta da


criação do estêncil era para que se representassem na produção, trazendo símbolos de seu
universo, que gostava ou se interessava, a sigla que a aluna trouxe representa um canal do
youtube, “Depois das Onze”, exibindo parte de seu repertório e identificação com o mesmo.

Produção do aluna D, sem título, 30/10/2018.

Fonte: foto do celular da Any Karoliny.

Os Estudos de Cultura Visual oportunizam a dedicação aos meios socioculturais da


atualidade, com o intuito de se reconstruir os parâmetros culturais disseminados nas escolas.
Hernández (2007) diz que essa iniciativa tem a ver com a própria função da escola, pois é essa
que faz mediação das novas informações e dos conteúdos para serem apreendidos pelos
estudantes.

Decidimos, portanto, trabalhar com a metodologia da cultura visual pensando a


linguagem contemporânea do estêncil, visto que consideramos o estêncil a partir do entorno
da escola (UFES) e bagagem visual dos alunos. A proposta dialogou com essa linguagem,
227
através do contexto sociocultural que o estêncil carrega, sendo assim um ponto de encontro
entre as obras dos artistas que escolhemos. Durante o desenvolvimento do estágio todos
trouxeram questões pessoais em suas obras (seja por meio da significação dos símbolos
representados) ou por compartilhar signos de seu universo recontextualizando o stencil. Desse
modo, transmite-se um sentido diferente, que os artistas apresentados, Mônica Nador, Blek le
Rat e Banksy, carregam em suas obras.

As criações dos estênceis dos alunos envolveram a cultura e os meios de


comunicação que eles se relacionam, apontando direções de caminhos que podemos construir
em conjunto, trabalhando conteúdos de arte somando com suas vivências. Nesse sentido,
Hernández (2007, p.32) aponta a divergência entre dois conceitos de pedagogia, a cultural e a
escolar e a importância da escola não ignorar as vivências dos alunos externas a ela, e sim
aproximar para criar vínculo com os mesmos.

(...) ‘pedagogia cultural’ (que tem a ver com o papel que desempenham as
representações e as manifestações da cultura popular com a qual crianças e jovens
entram em contato fora da Escola - que têm um importante papel na constituição das
suas subjetividades) e a ‘pedagogia escolar’ (o que se pressupõe que a escola ensine
e os valores que pretende transmitir por meio de sua proposta pedagógica).

Diante dessa conjuntura, no período da prática de estágio, levamos em consideração


trazer para as aulas de artes uma abordagem metodológica que dialogasse com o conteúdo que
ao mesmo tempo se relacionasse com a construção de novos saberes. Almejávamos obter uma
identificação por parte dos alunos com as aulas e criar um espaço que propicie a
interatividade, em que tivessem um diálogo permanente, um lugar de fala.

Dentro dessas perspectivas, obtivemos um exercício partilhado entre todos, no qual


aproximamos as práticas e ensinos em arte-educação à arte contemporânea. Conseguimos
explorar suportes e materiais, que naquele contexto não eram convencionais, possibilitando a
ampliação de seus conhecimentos práticos de manuseio de materiais e que potencializa seus
processos artísticos.

i
Lambe-lambe são pôsters artísticos que são colados em espaços públicos.
ii
Há inúmeras especulações sobre a identidade do artista, muitos acreditam que se trata de um coletivo, ou um
membro da banda Massive Attack, também tem origem na Inglaterra.
iii
O JAMAC (Jardim Miriam Arte e Clube) é uma associação sem fins lucrativos, formada por artistas e
moradores do bairro de periferia Jardim Miriam, zona sul de São Paulo, foi fundada em 2004 a partir do projeto
Paredes Pinturas.

228
REFERENCIAIS BIBLIOGRÁFICOS

ALMEIDA, Célia Maria de Castro. Concepções e práticas artísticas na escola. In: FERREIRA,
Sueli. O ensino das Artes: construindo caminhos. Campinas/SP: Editora Papirus, 2001.
HERNÁNDEZ, Fernando. Catadores da cultura visual: transformando fragmentos em nova
narrativa educacional. Porto Alegre: Mediação, 2007.
ROCHA, Julia. O ensino (contemporâneo) da arte contemporânea: similitudes e
enfrentamentos entre metodologia e conteúdo.

229
UM OLHAR CONTEMPORÂNEO NA PAISAGEM URBANA DE VITÓRIA:
CEMITÉRIO DE SANTO ANTÔNIO, A EDUCAÇÃO PATRIMONIAL, HISTÓRIA E
O TURISMO

Aparecido José Cirillo


Isis Santana Rodrigues

RESUMO
O presente artigo baseou-se na pesquisa exploratória que foi realizada através do projeto de
iniciação cientifica (UFES), trabalho de graduação em artes (UFES) e por fim foi dado
continuidade ao universo da arte cemiterial também no mestrado em artes (UFES), no qual todo
o processo está sendo coordenado e supervisionado pelo professor Dr. Aparecido José Cirilo
até o presente momento. O cemitério de Santo Antônio em Vitória, ES, foi escolhido devido a
grande quantidade de esculturas que possuem no local, e que lamentavelmente está se perdendo
devido a ação do tempo, depredações e furtos, incidindo na preservação das mesmas. Propõe-
se nesse artigo salientar a incontestável importância na obtenção de um sistema de educação
patrimonial regido pela Prefeitura Municipal de Vitória, seja com as Universidades, Empresas
particulares, ou órgãos públicos. A vista disso, foi abordado a identificação do cemitério de
Santo Antônio como parte integrante da paisagem urbana de Vitória, sendo apresentados
programas realizados no Brasil e no mundo com o intuito de preservar os monumentos ali
presentes, promovendo ações educativas, junto a escolas e programas turísticos, assim,
ensinando a história cultural do local e das famílias ali enterradas, a partir da utilização das
potencialidades históricas, artísticas, culturais, religiosas e identitárias.

Palavras chave: Arte Cemiterial. Esculturas. Conservação. Turismo. História.

ABSTRACT

The present article was based on the exploratory research that was carried out through the
UFES, undergraduate work in the arts (UFES) and finally the universe of cemetery art was also
continued in the Master of Arts (UFES) in which the whole process is being coordinated and
supervised by professor Dr. Aparecido José Cirilo until the present moment. The cemetery of
Santo Antônio in Vitória, ES, was chosen because of the large number of sculptures that they
have in the place, and that unfortunately is being lost due to the action of the time, depredations
and thefts, focusing on the preservation of the same. It is proposed in this article to emphasize
the incontestable importance in obtaining a patrimonial education system governed by the
Municipality of Vitória, be it with universities, private companies, or public agencies. In view of
this, the identification of the Santo Antônio cemetery as an integral part of the urban landscape
of Vitória was approached, with programs presented in Brazil and in the world being presented
with the intention of preserving the monuments present, promoting educational actions, together
with schools and tourist programs , thus teaching the cultural history of the place and the
families buried there, based on the use of historical, artistic, cultural, religious and identity
potentialities
Keywords: Cemiterial Art. Sculptures. Conservation. Tourism. Story

230
1 INTRODUÇÃO

O presente artigo é pertinente ao projeto de mestrado, junto ao Programa de Pós-


Graduação em Artes (PPGA) da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), orientado e
supervisionado pelo Prof. Dr. Aparecido José Cirillo, com apoio da CAPES e da FAPES.
Investigamos como a educação patrimonial pode auxiliar no processo de preservação da
memória cultural e visual de uma sociedade, em particular no que se refere à produção
escultórica dos espaços de morte, o que podemos definir como arte cemiterial. Especificamente,
entendemos os processos educativos em arte como um meio eficaz para desconstruir o descaso
com os bens culturais, bem como para fomentar a preservação patrimonial e memorial, o que,
de certo modo, pode permitir que a história das famílias que repousam nesses campos urbanos,
os restos mortais dessas pessoas e seu papel social, ilustres ou não, possam contribuir de alguma
forma para a história do nosso estado e a possibilitar a inclusão do turismo a partir das obras do
acervo artístico do maior cemitério tradicional da Grande Vitória: Cemitério de Santo Antônio,
em Vitória/ES.
Os cemitérios fazem parte de um contexto polêmico, no qual a fronteira entre o natural
e o sobrenatural é guiada por uma série de dúvidas em nosso meio social. É também um tabu,
pois, embora a morte seja algo que ser humano algum poderá evitar, a sociedade cada vez mais
tem se afastado de rituais funerários. Esse apressamento e encurtamento dos rituais é um hábito
mundial, talvez pelo medo do desconhecido. Nestas circunstâncias, partimos do pressuposto de
que os cemitérios tradicionais são testemunhas materiais que nos permitem refletir sobre as
intuições, as esperanças e as representações humanas. Seus inúmeros elementos relatam dados
significativos da cultura material, do simbólico e da habilidade humana em erguer tais
monumentos.
Diante disso, em um primeiro momento, este estudo pretende construir a ideia de que
os espaços de morte podem ser entendidos como espaços de paisagem urbana e, como tal,
promotores e mantenedores de uma ideia de patrimônio cultural e imagético que conta sobre
determinadas camadas do tempo de uma cidade, permitindo entender suas dimensões estéticas,
sociais, históricas e culturais. Assim, acreditamos que o estudo do Cemitério de Santo Antônio
e de suas esculturas como parte integrante da paisagem urbana de Vitória pode promover a
percepção da necessidade da educação patrimonial por meio do aspecto visual da arte, para a
preservação desses espaços e dos valores sociais e estéticos que eles contêm, em especial esse
cemitério que é um dos mais antigos do estado.
231
No entanto, percebemos que, em meio aos múltiplos eventos envolvendo o descaso
público e o vandalismo nas centenas de esculturas presentes no local, seu papel social está sendo
apagado. Ademais, este estudo, entendendo o valor social, cultural e memorial desses espaços
de morte, pretende explorar enfoques contemporâneos da reconfiguração dos espaços urbanos,
entre os quais o turismo cemiterial e seus aspectos positivos e negativos, a partir da importância
em retratar e ensinar a história do lugar e os costumes culturais de uma época cujo cenário foi
se modificando ao longo dos anos até a chegada dos cemitérios do tipo parques, jardins e
cemitérios verticais.
Nessas circunstâncias, o texto tem como objetivo abordar e analisar a possibilidade de
um sistema turístico no cemitério de Santo Antônio, a partir da utilização das potencialidades
históricas, artísticas, culturais, religiosas e identitárias. Assim, serão apresentadas experiências
dessa modalidade de turismo no Brasil e no mundo. Por esse ângulo, as necrópoles e “[...] todas
as suas estruturas e monumentos mortuários compreendem um expressivo, dinâmico e
complexo mosaico cultural” (FIGUEIREDO, 2010, p. 10).

2 PAISAGEM URBANA: CEMITÉRIO DE SANTO ANTÔNIO

Para Denis Edmund Cosgrove (apud BLOOMFIELD, 2008), paisagem configura-se


como “[...] fruto de apropriações, estruturações socioculturais e disputas desde o século XV,
momento da história em que surgiu no Ocidente [...]. Ela é, de fato, um modo de ver o mundo.
[...]”.

Se um lugar pode se definir como identitário, relacional e histórico, um espaço que


não pode se definir nem como identitário, nem como relacional, nem como histórico
definirá um não-lugar. A hipótese aqui defendida é a de que a supermodernidade é
produtora de não-lugares, isto é, de espaços que não são em si lugares antropológicos
e que, contrariamente à modernidade baudelairiana, não integram os lugares antigos:
estes, repertoriados, classificados e promovidos a “lugares de memória”, ocupam aí
um lugar circunscrito e específico. [...] O lugar e o não-lugar são, antes, polaridades
fugidias: o primeiro nunca é completamente apagado e o segundo nunca se realiza
totalmente – palimpsestos em que se reinscreve, sem cessar, o jogo embaralhado da
identidade e da relação (AUGÉ, 1994, p. 73-74).

A vida contemporânea nas metrópoles, estruturada pelos avanços tecnológicos e pelo


processo de globalização, alterou a experiência e o entendimento das pessoas, transformando
localizações pouco prováveis de serem lugares ou mesmo não lugares de anos atrás em lugares.
Sendo assim, o espaço de pesquisa etnográfica deste trabalho foi o cemitério municipal
de Santo Antônio (Figura 1), localizado no bairro Santo Antônio, na cidade de Vitória, capital
do estado do Espírito Santo.

232
Figura 1 – Entrada do Cemitério de Santo Antônio
Fonte: Cemitérios... (acesso em 11 nov. 2018).

“O bairro Santo Antônio em Vitória foi escolhido no final do século XIX para
localização de vários cemitérios” (CEMITÉRIOS, acesso em 12 abr. 2018). “O Cemitério de
Santo Antônio foi construído no século XIX com a proibição de enterros em igrejas, mas
ganhou mais importância no século XX” (CEMITÉRIOS, acesso em 12 abr, 2018). “O nome
dado ao cemitério relaciona-se ao fato de o bairro se chamar Santo Antônio, o qual tem esse
nome porque foi localizado por povoadores no dia 13 de junho, dia desse santo católico”
(CEMITÉRIOS, acesso em 12 abr. 2018).
No dia 1° de maio de 1912, o cemitério municipal Santo Antônio foi aberto pela
Prefeitura de Vitória. “Os enterros aconteciam por meio do uso do bonde (Figura 2), ou seja, de
um carro que levava o caixão e as pessoas até o portão do cemitério” (CEMITÉRIOS, acesso em
12 abr. 2018). “Nesse contexto, foi criado o bonde funerário, que possuía um carro principal, que
levava os parentes e amigos do falecido, e um reboque, que levava o corpo do morto. A
população denominava essa situação de “enterro de bonde” (CEMITÉRIOS, acesso em 12 abr.
2018).

233
Figura 2 – Bonde de transporte funerário.
Fonte: CEMITÉRIO... (acesso em 19 maio 2019). Nota: Bonde fúnebre, Vitória, iniciado em 1911.

O Cemitério de Santo Antônio é um cemitério municipal destinado ao enterro de todas


as pessoas falecidas em Vitória e de todos os moradores do município, mesmo que faleçam fora
da cidade.
Por conta de ser um cemitério público, cabe aos familiares a obrigação de realizar a
conservação e a manutenção das sepulturas, pois diferentemente de um cemitério particular, a
Prefeitura Municipal de Vitória (PMV) não cobra taxa anual de manutenção de túmulos.
Quando alguma parede está quebrada, com matos ou árvores que danifiquem as sepulturas
(Figuras 3 e 4), elas são consideradas abandonadas. As obras em um jazigo podem ser realizadas
de acordo com o proprietário do perpétuo, através de edital e exumação dos ossos.

Figura 3 – Túmulo quebrado Figura 4 – Nichos com ossada exposta

Fonte: Elaboração própria (2018). Fonte: Elaboração própria (2018).

234
3 EDUCAÇÃO PATRIMONIAL, HISTÓRIA E TURISMO

Na presente pesquisa, foi realizado o preenchimento de sessenta fichas com


metodologia empregada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN),
com registro de imagens da produção escultórica do Cemitério de Santo Antônio desde a sua
inauguração em 1912 até 1960, sendo realizada a identificação do bem, classificação por tipo
de material, estado de preservação e conservação, abordando uma análise sobre o tema de cada
escultura no final de cada ficha, de forma a permitir consultas futuras aos dados obtidos.
Nas inúmeras idas ao cemitério, também foi analisada a questão da conservação e da
preservação dessas obras, onde foi possível constatar a perda desse patrimônio, seja por conta
de roubos e vandalismo, seja pela questão das intempéries, da falta de treinamento dos
funcionários no que concerne aos estudos em restauração e conservação, do uso de produtos
inadequados e até mesmo da ausência de uma política de conscientização das famílias sobre a
conservação desses bens.
Para fazer a manutenção correta do monumento, segundo Carvalho, citada por Golenia
(2016), o ideal seria ter um profissional da conservação e restauração, o que também agrega
custo. Por conta do custo para manutenção, muitas vezes ocorre o abandono de túmulo. Para tal
serviço, muitas vezes os familiares pagam à parte os prestadores de serviço de limpeza no
cemitério, que acabam muitas vezes não utilizando o produto adequado para determinado
material.
Em visita para mais uma coleta fotográfica, estava uma funcionária da limpeza a dar
manutenção em um dos monumentos. Ao interpelar sobre o produto utilizado nas esculturas,
foi informado que nas esculturas escuras é feito o uso de Cera Ingleza (Figuras 5 e 6).

Figura 5 – Cera Ingleza Figura 6 – Funcionária aplicando produto em escultura

Fonte: Elaboração própria (2018). Fonte: Elaboração própria (2018).

235
Figura 7 – Jesus misericordioso (1)
Fonte: Elaboração própria.
Nota: Escultura fotografada após um dia de chuva, onde é possível notar que o produto aplicado não é adequado
para o monumento em bronze.

Figura 8 – Jesus misericordioso (2)


Fonte: Elaboração própria (2018).
Nota: Foto tirada em período de estiagem. Imagem coberta com produto inadequado que altera a cor original da
obra.

Em contrapartida, existem túmulos que estão extremamente bem preservados, não só


pela qualidade do material, mas devido à manutenção realizada por algumas famílias que
contratam serviços de limpeza, para que o jazigo seja mantido em perfeitas condições. Um
exemplo do bom estado de conservação desses túmulos pode ser visto nas Figuras 9 e 10.

236
Figura 9 – Santa Terezinha Figura 10 – Menino sentado sob capela

Fonte: Elaboração própria (2018). Fonte: Elaboração própria (2018).

De acordo com Thompson (2014) e Bellomo (2008), no passado, lembrar a vida e a


alma do ente falecido nas idas aos cemitérios era algo mais rotineiro e aceitável pela sociedade
e assim preservavam as lembranças dos que se foram. No entanto, nos dias de hoje isso não
ocorre. “Concluo que essa geração atual não valoriza os mortos como antigamente”, declara
uma pessoa entrevistada pela reportagem do jornal Folha de São Paulo (PARA ATRAIR...,
acesso em 17 out. 2018).
O que é assistido desse lado, no cotidiano dos cemitérios e crematórios, é uma pressa
gigantesca na realização das cerimônias e a vontade de não realizar rituais como o velório. O
apressamento e o encurtamento dos rituais é um hábito mundial. As pessoas estão matando a
morte. Talvez seja preciso ressignificar os rituais e considerar o chorar o luto do ente querido.
Percebe-se a necessidade de estabelecer convênios com grupos interessados na
preservação e na conservação dessas obras de arte. Como exemplo desse tipo de trabalho,
podemos citar o caso da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e o Serviço Funerário
do Município de São Paulo, que firmaram o convênio Memória & Vida, que consistiu em um
curso de conservação de Arte Tumular, ministrado aos servidores dos três principais cemitérios
históricos da cidade (Consolação, Araçá e São Paulo) pelo Grupo de Estudos em Arte e
Arquitetura Cemiteriais (GEAAC). O curso, ministrado em julho de 2016, abordou, do ponto
de vista dos pesquisadores, aulas sobre Educação Patrimonial, Artes Tumulares e os principais
materiais presentes nos cemitérios históricos paulistanos que se pretendem conservar: rochas
ornamentais, argamassas históricas e metais.
A sugestão de um futuro convênio com a Prefeitura de Vitória, seja com as
Universidades, Empresas particulares, seja com órgãos públicos voltados para a preservação da
237
memória artística e cultural, deve abordar a importância do Acervo, bem como as necessidades

de técnicas adequadas para a boa conservação das obras. Ao final, deve avaliar a possibilidade
de tombamento de alguns túmulos nesse espaço, como já ocorre em cemitérios de outras
capitais, ressaltando-se que, além do peso dos ilustres ali sepultados, também é importante
preservar a riqueza artística das esculturas tumulares, verdadeiras obras de arte, executadas por
artistas responsáveis pela beleza das esculturas.
Os cemitérios fazem parte de um contexto polêmico por excelência. Esses locais de
respeitabilidade e de memória aos que já faleceram são envoltos em uma aura de mistério.
Fascínio ou repúdio, tais locais são responsáveis por despertar diversos sentimentos, atitudes,
opiniões, ideias, imagens, representações conflitantes e complementares. “As pesquisas em
torno da estética cemiterial cresceram muito nos últimos anos, seja por tentar refletir mais sobre
a morte ou por tentar conhecer o passado através destas fontes” (ISMÉRIO, 2017, p. 113).
Ainda continua o pesquisador: “E atualmente existe a compreensão de que os cemitérios são
museus a céu aberto, que possuem acervos de valor inestimável e revelam um universo de
beleza e múltiplos significados” (ISMÉRIO, 2017, 113).
A Arte Funerária está imbuída de forte carga simbólica, pois nada é incorporado ao
conjunto de modo aleatório. “Diante do monumento funerário, podemos detectar seu
significado artístico, religioso e moral; podemos tocá-lo, sentir sua textura, verificar o brilho
dos cristais do mármore, reconhecer sua forma, sua função e, sobretudo emocionarmos”
(BORGES, 2004, p.7).
No silêncio, os símbolos presentes nos túmulos, produzidos com certo gosto artístico,
despertam em seus visitantes os mais profundos e significativos sentimentos (BORGES, 1997).
“A arte funerária apresenta um universo cultural próprio: é intemporal, foi feita no passado e
sobrevive ao presente, é transmissora de significados peculiares, pois reflete a cultura
emocional da época” (BORGES, 2004, p.7).
Segundo Thompson (2014), mesmo que a arte contemporânea, em certos momentos,
negue a morte de forma abrupta, muitas pessoas precisam preservar a memória do falecido,
sendo por esculturas ou por objetos deixados nos túmulos. Isso pode ser visto nas Figuras 11 e
12.

238
Figura 11 – Túmulo de criança no Cemitério Santo Antônio com colocação de oferendas

Fonte: Elaboração própria (2018).

Figura 12 – O Barco (túmulo de Wilson Freitas)

Fonte: Elaboração própria (2018).

A partir do que foi dito, sugere-se ainda a ocupação cidadã dos cemitérios, tornando
seus espaços percebidos e fruídos pela população como um parque de memórias,
desmistificando-os de sua aura fúnebre. Propomos uma reflexão sobre as pesquisas, as ações,
os passeios e os eventos culturais que possibilitam ver a Arte Cemiterial com “outros olhos”.
Existem costumes presentes em cemitérios no exterior e no Brasil, como o turismo ao
túmulo de Evita Perón, por exemplo, no cemitério de La Recoleta, em Buenos Aires, Argentina,
que recebe multidões de pessoas de diferentes países, tornando-se uma referência turística e de
extrema importância para a localidade. Isso propicia que o governo auxilie na conservação e na
preservação do patrimônio público. “O lazer e o turismo nesses locais também são uma forma

239
de contribuição para sua preservação. Embora tímida no Brasil, essa inserção dos cemitérios

como atrativos turísticos começa a despontar, voluntária ou involuntariamente” (OSMAN, 2007,


p.12).
No sul do Rio de Janeiro, em Resende, já existem projetos em escolas da rede pública
e privada, que visitam o cemitério da região, Alto dos Passos. Os alunos estão estudando sobre
a arte das esculturas e a história cultural de Resende com passeios entre os túmulos. Os relatos
dos alunos sobre essa experiência diferente e exótica é bem positiva, além de ficarem muita
mais atentos às aulas e se divertirem com esse novo formato de estudo.
O turismo, entendido como um fenômeno social, auxilia na visibilidade de diversos
espaços e lugares, e os mantém como recursos ativos nos dias atuais. Desde a sua concepção,
os cemitérios do contexto higienista tiveram como objetivo propiciar um local para
sepultamento, conjugando ideais sanitaristas, e para prática de lazer e recreação, constituindo-
se, ao mesmo tempo, em um parque e em um campo nostálgico que emana diversas memórias
e identidade de trajetórias individuais e coletivas.
Para estabelecer e consolidar essa modalidade no Brasil, é preciso maior investimento
e divulgação, assim como parcerias entre as esferas públicas e privadas, entre os cemitérios e a
sociedade em geral. É necessário haver informatização e catalogação de monumentos, túmulos
e esculturas tumulares das necrópoles, bem como criação de panfletos com mapas, fotos e dados
sobre a localização de tais túmulos, com as informações a respeito das personalidades
sepultadas. Propõem-se, da mesma forma, programas de capacitação de guias especializados
nesse turismo cemiterial. Se manejado corretamente, o turismo torna-se um valioso instrumento
para que os cemitérios não sejam esquecidos.
Enquanto os cemitérios europeus já são referências para o turismo, os cemitérios
brasileiros estão aparecendo, aos poucos, nos roteiros turísticos das cidades. É o caso de cidades
como São Paulo e Rio de Janeiro, que têm programas específicos com visitas guiadas a
cemitérios importantes do seu patrimônio. Os recursos de atração são os mesmos dos cemitérios
já consolidados como referenciais turísticos, ou seja, as obras de arte, as personalidades ali
sepultadas e a tranquilidade que se pode usufruir dentro do ambiente urbano.
Osman (2007, p. 12) salienta a incontestável importância desses “[...] espaços
carregados de história e memória [..]” e admite que o lazer e o turismo nesses locais podem
significar uma forma de contribuição para a sua preservação.

240
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os cemitérios já são oficialmente reconhecidos como espaços importantes para a


construção da memória face ao tombamento, em nível nacional, de vários cemitérios brasileiros.
Acontece que o tombamento é apenas um ato administrativo, um instrumento que, se não vem
acompanhado de políticas públicas em prol da conservação desses monumentos, não impede o
completo estado de abandono em que se encontram muitos cemitérios brasileiros, como é o
caso do cemitério de Santo Antônio em Vitória, ES.
É com esse olhar sobre o que acontece nesses lugares que fica a sugestão de tal
transformação em relação ao cemitério de Santo Antônio, a fim de que sejam ampliadas as
oportunidades de aprendizagem com esse território e de construção de identidade com o lugar
onde se vive. Dessa forma, promove-se o incentivo à produção artística e cultural, individual e
coletiva do público jovem ou adulto, como possibilidade de reconhecimento e recriação
estética de si e do mundo, bem como da valorização às questões do patrimônio material e
imaterial, produzido historicamente pela humanidade, no sentido de garantir processos de
pertencimento ao local e à sua história.

REFERENCIAIS BIBLIOGRÁFICOS
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Papirus, 1994.
BELLOMO, Harry Rodrigues. Cemitérios do Rio Grande do Sul: arte, sociedade, ideologia.2.
ed. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2008.
BLOOMFIELD, T. B. Paisagens urbanas e lugares: uma abordagem de geografia cultural
para a intervenção urbana polaroides (in)visíveis, de Tom Lisboa, em Curitiba. In:
ENCONTRO NACIONAL DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PESQUISADORES EM
ARTES PLÁSTICAS PANORAMA DA PESQUISA EM ARTES VISUAIS, 17., 2008,
Florianópolis. Anais... Florianópolis, 2008.
BORGES, Maria Elizia. A estatuária funerária no Brasil: representação iconográfica da morte
burguesa. São Luís In: ABANNE, GT Antropologia da Emoção, 7., 2004, São Luís. Anais
eletrônicos..., São Luís: GREM, p.7, 2004, CD-ROM.
BORGES, Maria Elizia. Arte Funerária: apropriação de Pietá pelos marmoristas e escultores
contemporâneos. Estudos Ibero-Americanos, Porto Alegre, v. 13, n. 2, p. 25, 1997.
CEMITÉRIO de Santo Antônio e o Bonde. In: Morro do Moreno. Disponível em:
http://www.morrodomoreno.com.br/materias/cemiterio-de-santo-antonio-e-o-bonde.html.
Acesso em: 19 maio 2019.

241
CEMITÉRIOS de Vitória recebem melhorias para acolher visitantes no Dia das Mães.
In: VITÓRIA (ES). Prefeitura de Vitória. Disponível em:
http://vitoria.es.gov.br/noticias/noticia-11160. Acesso em 11 nov. 2018.
CEMITÉRIOS. In: VITÓRIA (ES). Prefeitura de Vitória. Disponível em:
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Cemitério dos Ingleses na urbe carioca. Monografia (Graduação em Geografia) –
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GOLENIA, Carolina. Arte funerária vem sendo abandonada e perde espaço para
crematórios. Texto disponibilizado em 19 maio 2016. In: UFGRS Ciência, 2016.
Disponível em: http://www.ufrgs.br/secom/ciencia/arte-funeraria-vem-sendo-abandonada-
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ISMÉRIO, Clarisse. Um olhar sobre os cemitérios: refletindo a arte cemiterial sob a
perspectiva das pesquisas, ações, passeios e eventos culturais. Revista de teoria da
história, Goiânia, v. 18, n. 2, p. 102-113, 2017.
OSMAN, Samira Adel. Arte, história, turismo e lazer nos cemitérios da cidade de São
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PARA ATRAIR jovens aos cemitérios setor funerário cria campanha e eventos. Disponível
em: https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2015/11/1701007-para-atrair-jovens-aos-
cemiterios-setor-funerario-cria-campanha-e-eventos.shtml. Acesso em: 17 out. 2018.
THOMPSON, Barbara. Memória e exaltação da vida no cemitério monumental. Revista
Sociais e Humanas, Santa Maria, v.27, n. 3. p.102, 2014.

242
LINGUAGEM VIDEOGRÁFICA NA DÉCADA DE 1980, EM VITÓRIA/ES

Ernandes Zanon Guimarães

RESUMO

O artigo traz um relato sobre o surgimento do vídeo como uma nova linguagem nos anos
1980, em Vitória, relacionando isso as significativas mudanças ocorridas no campo da
produção audiovisual capixaba. Além disso, neste momento a ascensão das novas mídias
estava no centro do debate da arte contemporânea.

Palavras-chave: Pioneirismo; ciclo videográfico; linguagem videográfica

ABSTRACT

The article presents an account of the emergence of video as a new language in the 1980s, in
Vitoria, related to the significant changes in the field of audiovisual production in the state of
Espírito Santo. Moreover, at this time the rise of new media was at the center of the
contemporary art debate.

Keywords: Pioneering; videographic cycle; videographic language

I. INTRODUÇÃO

Em 1986, inicia-se o primeiro ciclo videográfico, em Vitória, com as primeiras


experiências com a linguagem videográfica, tendo a Universidade Federal do Espírito Santo –
UFES como polo irradiador desse movimento, que provocou a retomada da produção
audiovisual no Estado do Espírito Santo.
O campo da arte contemporânea é cada vez mais associado ao uso de linguagens
multimídia como novos meios de expressão. O escritor e curador Michael Rush (2006), em
Novas mídias na arte contemporânea, transita numa linha do tempo, sinalizando para as
novas tendências nas práticas artísticas que cada vez mais incorporam as tecnologias digitais.
A instantaneidade da imagem eletrônica chegou como um furacão em 1985, varrendo
a impavidez reinante na UFES, levantando a poeira e mobilizando uma geração de jovens
universitários que queriam experimentar algo novo, que pudesse encantá-los novamente,
mesmo estando dentro de uma instituição antiquada e avessa a novidade. O campus de

243
Goiabeiras, em Vitória, era um reflexo da cidade provinciana e distante do que acontecia pelo
mundo.
Os movimentos do vídeo ocorridos no Brasil, vindos dos anos 1970 que desaguaram
como uma nova força criativa nos anos 1980, em Vitória, exemplificam os gestos precursores
de uma geração que se apropriou do equipamento de vídeo (videocassete e câmeras). Alheios
as grandes redes de comunicação que mantinham um rígido padrão industrial e comercial, e
questionando as formas e maneiras dessa produção imagética vigente, fizeram emergir uma
nova produção audiovisual independente.
Para compreendermos a presença da linguagem videográfica, em Vitória, nos anos
1980, devemos identificá-la como um movimento miscigenado, hibridizado e recheado de
significações. Precisamente tendo a UFES como referência e polo irradiador, o vídeo vai dar
as caras, na virada da primeira metade da década, e numa dessas coincidências do destino, foi
na disciplina de Televisão, do curso de Comunicação/Jornalismo, que começam as primeiras
experimentações videográficas no Estado.
O final da primeira metade da década foi marcado como um momento de grandes
transformações na UFES. A chegada da Nova República em 1985, advinda do fim da ditadura
militar, deixou a universidade viúva, já que ali era um espaço físico, comportamental e
imaginário totalmente dominado pela ideologia repressora dos anos de chumbo.
Prenunciando o que estaria por vir, o Balão faz os primeiros registros de vídeo na
Universidade, em 1984 com Balão Mágico: Ligação total. Com muita ironia e deboche,
estratégias utilizadas para desmontar a sisudez e a dureza da postura disciplinar ditatorial que
imperava entre professores, o vídeo mescla performance, entrevistas e cenas do cotidiano da
Universidade, transformando-se numa espécie de diário da turma, que ali revelava o jeito e a
forma de encarar aquele embate diário da relação professor/aluno.
Em 1986, no Centro de Estudos Gerais, estudantes de Comunicação matriculados na
disciplina Impresso I, resolvem fazer uma manifestação na Reitoria. Máquinas de escrever
velhas foram retiradas das salas de aula, levadas para a Reitoria, como protesto pela falta de
equipamentos indispensáveis para o aprendizado prático. Com esta ação, que foi exitosa, junto
com as novas máquinas de escrever, veio uma câmera Betamax da Sony, e com ela começou a
ser operada, de forma sutil, e quase clandestina, uma revolução imagética na UFES. O
movimento Balão Mágico, por meio dos estudantes de Comunicação que faziam a disciplina
de Televisão, rapidamente começaram a utilizar a câmera e produzir vídeos.

244
Rapidamente a beta se transformou numa espécie de dispositivo de captura da
realidade. Com a mobilidade e a facilidade de manuseio que essa câmera trazia
buscávamos registrar tudo ao nosso redor. E exibíamos tudo a todos”. [...] foi a
tecnologia eletrônica do vídeo que nos permitiu ingressar efetivamente no universo
audiovisual dos bens simbólicos e estabelecer um modo de produção que alguns vão
chamar de independente, outros de alternativo, outros ainda de amador. Prefiro
imaginar uma filosofia mais próxima do movimento punk que explodiu no final dos
anos 70 e início dos 80, o do you it yourself (CARMINATI, 2007, p. 109).

O professor do curso de Comunicação da UFES, Erly Vieira Júnior, relata na revista


Plano Geral – Panorama histórico do cinema no Espírito Santo (2015), que o ciclo
videográfico que se iniciou em 1980 também trouxe novos questionamentos, especialmente
por parte do Balão Mágico, sobre quem detém o poder da imagem – em uma prévia do que
seria então, uma pós-modernidade capixaba.

II. A RETOMADA DA PRODUÇÃO AUDIOVISUAL CAPIXABA

Os movimentos do vídeo que ocorriam no Brasil nos anos 1980, desaguaram como
uma nova força criativa, em Vitória, dando início ao primeiro ciclo videográfico, que acabou
provocando a retomada da produção audiovisual no Estado. Essa retomada, teve como marco
pioneiro o vídeo-filme Refluxo (1986).

Carregando o estigma imposto em decorrência de sua “imagem precária”, “aquém”


da “qualidade técnica” exigida pelas emissoras de TV e pouco dada à “impressão de
realidade” tão cara à imagem cinematográfica, o movimento vídeo na UFES
conseguiu realizar alguns experimentos que entraram para a história do audiovisual
no Espírito Santo. Isto dentro da proposta do vídeo como obra acabada, nos moldes
do cinema e da televisão. É o caso de Refluxo (1986), tido como o primeiro vídeo de
ficção do Estado. Com argumento e direção de Sergio de Medeiros, pode ser
considerado como uma típica produção coletiva do vídeo dos anos 1980, onde os
limites e as funções de cada participante não eram definidos claramente. Imperava a
máxima do fazer aprendendo e do aprender fazendo; e todos colaboravam de alguma
forma (CARMINATI, 2010).

A ação do vídeo, se passa entre o futuro - após a destruição da civilização pela guerra
nuclear, e o passado - onde estaria a salvação da humanidade. Mesclando som eletrônico com
punk rock e diálogos captados diretamente com o microfone da câmera, a personagem Agente
Z, num analógico e precário corte seco, é enviado do ano de 2010 para 1986, numa espécie de
túnel do tempo, caindo em plena Praça Costa Pereira, no Centro de Vitória.

245
Figura 1 – Personagem Agente Z, vídeo-filme Refluxo.
Foto: Mauro Paste.

O processo produtivo foi se intensificando e a linguagem videográfica começou a ser


desenhada por esta primeira geração pioneira. O vídeo experimental Formólia (1986), de
Ricardo Néspoli e Paulo Sérgio Socó, exibe imagens cruas e realistas, como nos primeiros
vídeos experimentais dos coletivos americanos dos anos 1960. Em big closes a câmera vai
abstraindo e acentuando texturas de superfícies diversas, e com planos abertos monta com
andaimes que projetam sombras nas paredes estruturas tridimensionais que remetem as
pinturas neoconcretas.

Figura 2 - Frame de Formólia. 1986.


Fonte: Arquivo Pessoal

A Companhia Neo-Iaô de Dança Contemporânea, desenvolveu uma pesquisa


inovadora no Brasil, com a junção do vídeo com a dança, com Via Sacra (1988), gravado nas
ruínas de Tiwanaku em La Paz/Bolívia; em Ouro Preto, nas igrejas do Pilar e São Francisco; e
na Catedral de Brasília.
246
Figura 3 - Reportagem sobre o vídeo dança Via Sacra. 1988.
Foto: Marcelo Ferreira

Em 1988, uma nova experiência com a adaptação literária de Diga Adeus a Lorna
Love, livro de contos do escritor capixaba Francisco Grijó. O vídeo-filme de média-metragem
produzido já no formato SuperVHS, tinha uma equipe fixa, mais experiente, que fazia a
coordenação de produção, direção, roteiro, câmera, fotografia de cena, com atores que tinham
experiência no teatro. Um dos personagens era o do escritor, interpretado por Cleber
Carminati, que na época atuava no Grupo teatral Éden Dionisíaco do Brasil. Os outros dois
personagens de destaque eram interpretados por Darcy Werneck e Jane Ferregueti, ele
repórter e ela apresentadora do telejornal de maior audiência da Tv Gazeta na época, o que
provocou um grande impacto quando foi exibido em rede estadual pela Televisão Educativa
do Espírito Santo. Com qualidade técnica superior e finalização em ilha de edição
profissional, Diga Adeus a Lorna Love, foi o primeiro vídeo do ciclo exibido por uma rede de
televisão capixaba.

247
Figura 4 – Cartaz do vídeo-filme Diga Adeus a Lorna Love.
Fonte: Acervo pessoal. 1988.

No campo da experimentação visual, a partir de uma intervenção na praia do Rio


Negro, em Fundão. o artista plástico Ronaldo Barbosa em parceria com o videoartista Ricardo
Néspoli, realiza o videoarte Graúna barroca (1989), finalizando a década como uma
produção elaborada e produzida com equipamentos profissionais de TV, recebendo prêmios
em festivais dentro e fora do Brasil, incluindo o de Melhor Videoarte no 33º Festival de
Cinema e TV de Nova Iorque, em 1991.

Figura 5 - videoarte Graúna Barroca, 1989.

248
Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=1ZsMjjFn_lg
Esse breve mapeamento do primeiro ciclo videográfico nos anos 1980, nos leva a
questões fundamentais. Não há fronteiras e não há impossibilidades que não possam ser
transpostas. “arte e mídias são palavras que experimentam diferentes experiências culturais,
são palavras que exprimem diferentes sujeitos sociais. Juntar essas duas palavras é
problemático, mas também é muito interessante, pois nós vivemos em uma sociedade em que
a mídia opera”, pontuou Arlindo Machado (MACHADO, 2003).
Mas a linguagem videográfica que se desenvolveu em Vitória, a partir dos anos
1980, não foi feita somente dos defeitos da imagem analógica, ela é muito mais, e por isso
sobreviveu as variadas composições da imagem eletrônica e digital, convivendo com as novas
condições de produção e circulação artísticas impostas pelas tecnologias digitais, que
provocou uma hibridização e modificação nas artes com a ascensão dessas novas-mídias, que
levaram a linguagem videográfica a seguir um novo caminho, expandido e mais livre, como
em Bill Viola, que se lançou no campo das narrativas, mas sem deixar de lado as
experimentações e ambiguidades características de sua trajetória de videoartista.
Os pioneiros do primeiro ciclo videográfico, ao desenvolver uma linguagem
hibridizada, tiveram a capacidade de se lançar ao risco da experiência estética. Machado
(1997), enfatiza esse hibridismo claramente, quando relata que muitos filmes foram
produzidos nos últimos anos nessa linha, e esse hibridismo se tornou fundamental no
audiovisual contemporâneo, ao mesclar formatos e suportes, tirando partido da diferença de
texturas, entre imagens de natureza fotoquímica, e imagens eletrônicas.
[...] progressos consideráveis já foram feitos no sentido de avançar na síntese do
cinema com o vídeo, numa primeira etapa, e do cinema com a informática, numa
etapa posterior. Uma boa demonstração do estágio de maturidade a que já chegou
essa síntese é o aparecimento recente de filmes que integram magistralmente as
imagens eletrônicas às imagens fotoquímicas convencionais, como é o caso de
Prospero’s books ( A última tempestade /1991), obra de um diretor (Peter
Greenaway) que já teve uma passagem inovadora pelos universos do vídeo e da
televisão e que aqui experimenta as possibilidades gráficas da paleta eletrônica de
alta resolução (MACHADO, 1997, p. 170).

O que fica desse processo, é o reconhecimento que este período de criação e intensa
produção artística, teve a capacidade de abrir espaços e de lançar novamente o futuro ao risco
da experiência estética, capaz de reconfigurar o nosso campo de possibilidades, dando a arte
produzida no Estado um caráter expansivo e um novo campo multimidiático.
Sob essa lógica, compreende-se a produção do primeiro ciclo videográfico, que
propiciou experiências inéditas até então à produção audiovisual capixaba. Não se trata
apenas do uso de um meio, pois, revelou também uma nova linguagem: o vídeo. Linguagem,

249
essa que se impôs inicialmente, como tecnicamente precária, seja pelo uso inevitável do
equipamento analógico; seja pelo tratamento dado à edição dos vídeos; ou ainda, pelo
comportamento transgressor dos realizadores pioneiros, que como verdadeiros criadores de
qualquer história, gravaram, regravaram, cortaram, e sintonizaram a produção artística
capixaba com a pós-modernidade

III. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CARMINATI, Cleber. Rumo ao audiovisual: os anos 80 entre o cinema e o vídeo. In:


OSÓRIO, Carla (Org.). Catálogo de filmes: 81 anos de cinema no Espírito Santo. Vitória:
ABD&C/ES, 2007.
MACHADO, Arlindo. A arte do vídeo. São Paulo: Brasiliense, 1988.
______Pré-cinemas e Pós-cinemas. Campinas/SP: Papirus, 1997.
______Videoarte: uma poética aberta. In: MACHADO, Arlindo (org.). Made in Brasil: três
décadas do vídeo brasileiro. São Paulo: Itaú Cultural, pp. 51-59. 2003.
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São Paulo: Martins Fontes, 2006.
SESC. Centro Cultural Sesc Glória. Plano Geral — Panorama histórico do cinema no
Espírito Santo. 1. ed. Vitória, 2015. Disponível em:
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ZANON, E. Frames do vídeo Formólia. Fonte: Acervo pessoal, 1986.
_____Vídeo Refluxo. Foto: Mauro Paste. Fonte: Acervo pessoal, 1986.
_____ Vídeo Via Sacra. Foto: Marcelo Ferreira. Fonte: Acervo pessoal, 1987.
_____ Cartaz do Vídeo-filme Diga adeus a Lorna Love, 1988.

250
O CONGO E O DIÁLOGO COM AS PRÁTICAS ARTÍSTICAS ATRAVÉS DO
ENSINO, PESQUISA E EXTENSÃO

Karolline de Oliveira Lourenço

RESUMO

O presente trabalho versa sobre práticas artísticas e o congo nos espaços de ensino não-formal
e a pesquisa, potencializando a importância dos trabalhos nas comunidades através da
Universidade. O congo é o Patrimônio Imaterial Cultural do Espírito Santo, sendo uma prática
de diversas comunidades tradicionais, do litoral a zonas rurais do estado, a partir do
conhecimento e envolvimento com a cultura, expandiu-se a possibilidade de desenvolver uma
pesquisa sobre a comunidade de Araçatiba, dialogando com as práticas artísticas e o congo. A
partir de pesquisas realizadas durante a graduação de Artes e a participação em Programas da
Universidade que prezam o ensino, pesquisa e extensão, possibilitou o desenvolvimento ações
de ensino de Arte e o Patrimônio Cultural Imaterial, realizando uma pesquisa interdisciplinar, e
vivenciando o papel de Arte-educador e seu potencial de ensino. Após as ações de ensino,
nomeadas como oficinas de arte para crianças da comunidade, tencionou a pesquisa para o
Trabalho de Conclusão de Curso e projeto de Pós-graduação sobre a banda de congo Mãe
Petronilha.

Palavra-chave: Arte, Cultura, Ensino, Pesquisa e Extensão.

ABSTRACT

The present work deals with artistic practices and the congo in the spaces of non-formal
teaching and research, enhancing the importance of the work in the communities through the
University. Congo is the Intangible Cultural Heritage of Espírito Santo, being a practice of
several traditional communities, from the coast to rural areas of the state, from the knowledge
and involvement with culture, the possibility of developing a research on the community of
Araçatiba, dialoguing with artistic practices and the congo. Based on research carried out
during the graduation of the Arts and participation in University Programs that promote
teaching, research and extension, it enabled the development of Art teaching and Intangible
Cultural Heritage actions, conducting an interdisciplinary research, and experiencing the role
of Art-educator and his teaching potential. After the teaching actions, named as art workshops
for children of the community, he intended the research for the Work of Completion of
Course and project of Postgraduate on the band of congo Mãe Petronilha.
Keywords: Art, Culture, Teaching, Research, University Extension Project.

INTRODUÇÃO

O Congo é um Patrimônio Cultural Imaterial do Espírito Santo registrado no ano de


2014, sendo prática cultural que está em diversos dos festejos tradicionais nas comunidades

251
do ES, sendo o Patrimônio Cultural mais conhecido do estado, junto com a panela de barro de
Goiabeiras e o Jongo. O congo é uma prática religiosa, que tem como características seus
festejos, batuques e as rodas que embalam o povo. As bandas são grupos de pessoas que trazem
na tradição a devoção aos santos São Benedito, São Sebastião e Nossa Senhora da Penha,
sendo um grupo composto por mestres, rainhas, princesas, músicos ou batedores e dançarinas.
Além desse polo cultural que é as bandas, temos a parte educacional que permeia essa tradição,
como o desenvolvimento das práticas de confeccionar instrumentos, o ensino musical,
perpetuação da memória coletiva dos grupos e a compreensão da prática do congo como
patrimônio de um grupo e da vivência de todos. A partir desse contexto, buscou se trabalhar
através das práticas artísticas o diálogo com patrimônio em espaços de ensino, partindo de
oficinas de artes na comunidade de Araçatiba, no município de Viana, ES.
A pesquisa que inicio durante a graduação em Artes no ano de 2013 na comunidade de
Araçatiba, e permanece atualmente na pós-graduação. Pesquisa essa que foi possível com os
trabalhos de ensino, pesquisa e extensão com a Universidade Federal do Espírito Santo.
Durante esse processo de imersão na comunidade, iniciei a pesquisa com a Banda de
Congo Mãe Petronilha, que faz parte de uma comunidade que está dividida entre o rural e
urbano do município de Viana, mas que ainda guarda seu ar bucólico de região rural, tendo
como referência a igreja de Nossa Senhora Dájuda e a paisagem de fundo o Morro de
Araçatiba.
Os integrantes da banda de congo são moradores dessa localidade, que participam
dessa prática desde crianças e através dos seus familiares continuam perpetuando o congo
entre suas famílias, passando cultura de geração em geração.

O PAPEL EMANCIPADOR DA UNIVERSIDADE

A pesquisa e as práticas de Ensino das Artes, tiveram início a partir dos pilares da
Universidade que envolve o Ensino, Pesquisa e Extensão, possibilitando o desenvolvimento
de trabalhos de alunos da UFES com comunidades distantes da zona urbana de Vitória/ ES.
Propondo o conhecimento de várias realidades sociais e culturais em um mesmo estado, onde
visibiliza seus agentes e os estudos de pesquisas de vários grupos que compõem a diversidade
do Patrimônio Cultural Estadual.
No ano de 2012 iniciei o curso de Artes Plásticas e tinha uma vivência com congo do
município de Cariacica, pois durante sete anos fui participante ativa da Banda de Congo São

252
Sebastião do Taquaruçu, que tem sede na região de Roda D’água, sendo um indício para
futuros trabalhos durante a graduação e o diálogo com a cultura imaterial. Em 2013, conheci o
Programa de Educação Tutorial, PET CULTURA, que estava localizado no Centro de Artes
no Laboratório de Pesquisa em Artes LEENA, onde desenvolviam uma pesquisa na
comunidade remanescente de quilombo chamada Araçatiba, e o grupo interdisciplinar
composto por alunos de diversos cursos da universidade como: Letras, História, Geografia,
Pedagogia, Artes Plásticas e Visuais, propondo assim um conhecimento vasto da pesquisa e o
diálogo com outras áreas do conhecimento.
Nesse mesmo ano, participei do processo seletivo para bolsista nesse programa,
iniciando assim, as práticas artísticas e a pesquisa na comunidade.
Enquanto ensino continuo buscando, reprocurando. Ensino porque busco, porque
indaguei, porque indago e me indago. Pesquiso para constatar, constatando, intervenho,
intervindo, educo e me educo. (FREIRE. Paulo, p.15)
No primeiro momento com o grupo, foi a presentado a comunidade por meio de
trabalhos desenvolvido pelo grupo e as práticas da região, compreendendo o contexto
histórico e social da localidade e seus agentes, entendendo que a comunidade é antiga,
localizada em um território que fez parte da sede da Fazenda Jesuítica no Espírito Santo, a
antiga Fazenda de Araçatiba, e ao longo de sua história foi uma propriedade escravista
com grande cultivo de cana de açúcar e cereais, sendo fonte de abastecimento do Antigo
Colégio de Santiago, atualmente Palácio Anchieta, sede administrativa do governo do estado.
Após leituras sobre a comunidade, pontuo como início da pesquisa, o surgimento do
interesse em desenvolver um trabalho com a Banda de Congo Mãe Petronilha, e
possibilitando assim a extensão com as práticas artísticas.

OFICINAS ARTÍSTICAS

Após o conhecimento histórico da comunidade, iniciei o processo de elaboração de um


projeto de oficina artística no Programa de Educação Tutorial, que tinha como público alvo,
pessoas de todas as idades da comunidade de Araçatiba, e aconteceria em uma sala de
catequese da igreja católica de Nossa Senhora Dájuda disponibilizada pela comunidade. Na
elaboração do projeto de oficina, foi proposto como linguagem a escultura com porcelana fria,
levando como temática da criação plástica a cultura da comunidade como: instrumentos da
banda de congo e a auto representação. A proposta do desenvolvimento da oficina, foi

253
pensado de acordo com a proposta triangular de Ana Mae Barbosa (2010), mas partindo do
ponto da identidade dos indivíduos envolvidos.
A oficina foi divulgada na comunidade e na escola de ensino fundamental da região, as
aulas de artes aconteceriam aos sábados pela manhã, e todos estavam convidados a
participarem da ação. Após a divulgação durante a semana, iniciamos os trabalhos, saindo da
Universidade todos os sábados, com destino ao desenvolvimento de ações de Pesquisa e
Extensão em Araçatiba.
No desenvolvimento das oficinas, contava com a ajuda de mais duas bolsistas, do curso
de Geografia e Letras para auxiliar no projeto, e antes de participarem das ações na
comunidade aprenderam a prática de modelagem no laboratório, para auxiliar no
desenvolvimento da atividade. No dia marcado, para surpresa de todos não havia nenhum
interessado ali presente para o acontecimento da oficina, e que de acordo com Cordeiro (2015,
p.21) o ensino precisa de objetivo e propósito, e foi o que tínhamos desenvolvido com o
projeto propondo a aprendizagem, mas sem alunos não seria possível, para nossa surpresa.
Diante da realidade, avistamos duas crianças na rua brincando, e assim partimos para a
abordagem, uma intervenção educativa, sem saber como seria o processo após a abordagem,
de aceitação ou negativa, mas os argumentos e a possibilidade de novos conhecimentos
despertaram a atenção dessas crianças.
Após o convite, iniciamos a oficina com apenas duas crianças, naquele primeiro
momento. Eu como a arte-educadora em fase de aprendizado, ministrando os trabalhos e
apresentando o material proposto, no caso, a porcelana fria e tintas para a coloração dessa
massa. Durante o processo, iniciamos o diálogo com essas crianças, sobre o ensino escolar,
família e amigos, procurando para conhecer melhor a realidade desses, pois, a proposta era
partir da cultura dos envolvidos desenvolverem um trabalho de Arte, almejando a apreciação
da linguagem artística a partir da cultura da região entre esses. Acreditando que se
partíssemos para um tema da história da arte, talvez não iriamos despertar o envolvimento do
público, pois o início do trabalho da oficina, foi falarmos sobre os símbolos das bandas de
congo.
Nesse momento, disse que também participava do congo, explicitando a minha
condição de congueira, a partir desses fatores, demonstrei que compartilhava dos mesmos
rituais e conhecia os instrumentos e cantigas do congo. Mesmo sabendo que algumas
características das bandas de congo são semelhantes, não quer dizer que todas são iguais, pois
cada grupo tem sua particularidade na sua tradição, mas através da similaridade, construímos

254
o primeiro vínculo de trocas de saberes. A partir dessa característica, possibilitou assim pensar
em um campo do intercultural, que para Mae fala em seu texto sobre a Arte, Educação e
Cultura, em que educação para alcançar o objetivo necessário, é preciso conhecer a cultura
local, e a cultura de vários grupos, portanto a partir desse contexto, iniciou-se o processo de
modelagem de pequenos instrumentos, que estão inseridos na composição da Banda Mãe
Petronilha, e que é de conhecimento e domínio das crianças, como: casacas e tambores.
As oficinas foram divididas em processos e a cada sábado, tínhamos um relatório, pois
assim podíamos pensar e compreender o método de ensino, dando sequência ao trabalho,
sendo também um caderno de campo, que faz parte da pesquisa etnográfica e um diário de
atividade em um espaço de ensino não-formal. Nesse primeiro processo, focamos na
apresentação do material (massa de modelagem e tintas para a coloração), iniciação a
escultura, os instrumentos utilizados e o acabamento.
[...]o que importa não é o produto final obtido; não é a produção de boas obras de arte.
Antes, a atenção deve recair sobre o processo de criação. O processo pelo qual o educando
deve elaborar seus próprios sentidos em relação ao mundo à sua volta. (DUARTE JUNIOR,
João Francisco. p.73, 1991)

A cada sábado era concluído uma parte desse processo, e a partir do envolvimento da
oficina com os alunos, a pesquisa etnográfica foi ganhando forma, porque através do
envolvimento com as crianças da comunidade de Araçatiba, foi possível conhecer cada vez
mais o patrimônio imaterial da localidade e suas características, da cultura aos seus
detentores, e despertando outras nuances no trabalho acadêmico.

IDENTIDADE CULTURAL E EDUCAÇÃO

Com o desenvolvimento das oficinas, as crianças foram compartilhando entre a


comunidade a experiência, e assim, mais crianças tiveram o interesse de participar, e os
sábados tornaram-se importante para esses de Araçatiba, e para nós universitários. Durante os
dias da semana, as crianças entre a faixa etária de 6 a 10 anos de idade, estavam na escola de
Ensino Fundamental de Araçatiba, localizada na comunidade, e nos finais de semana,
brincavam nas ruas com as suas brincadeiras tradicionais e coletivas como: bola, bicicleta,
pião, bolinha de gude e outras, e a partir da intervenção do grupo PET com as oficinas, as
manhãs de sábado, também compôs esse papel de aprender brincando.
Com fortalecimento dos vínculos com a comunidade, e principalmente com as

255
crianças, notou-se que o congo é uma identidade cultural dos moradores da parte mais alta da
comunidade, e através desses envolvidos a banda de congo é ativa na localidade a mais de
oitenta anos, preservando esse patrimônio imaterial no cotidiano de Araçatiba e dos
congueiros e moradores do morro da Igreja de Nossa Senhora Dájuda.
Nos dias de festividades a banda se apresenta com cortejos na pequena comunidade,
atravessando as ruas e quintais, como no dia 8 de setembro na festa da Santa e padroeira da
comunidade e os festejos de São Benedito, que se dividem entre a fincada do mastro no mês de
dezembro e a retirada do mastro, podendo ser em janeiro ou fevereiro, entre os festejos de São
Sebastião e Nossa Senhora das Candeias .A banda de congo de Araçatiba é como um grupo
familiar, composta por dois mestres, Alício Machado e Ademir Gonçalves Gomes, que
também conta com a participação da matriarca da comunidade Dona Emiliana Coutinho, que
apesar de não ser mestre da banda, é uma liderança e detentora da memória da banda de
Araçatiba.
No caso da família do mestre Alício Machado, observamos como a cultura é permeada
entre esse núcleo, pois o mestre é neto da Petronilha Maria da Conceição, antiga rainha e
organizadora do congo na região quando a banda era chamada de Banda de Congo de
Araçatiba, e com sua morte, a banda homenageou essa mulher detentora dos saberes
tradicionais, mas a sua quarta geração continua presente ativa na banda que agora tem seu
nome.
Durante as oficinas os netos do mestre Alício participaram e compartilharam a
experiência do congo, e quais eram os instrumentos que gostavam de tocar nas rodas, e assim
modelavam os instrumentos, em outros momentos das oficinas, eles compartilhavam as
cantigas do congo conosco.
Stuart Hall no seu livro sobre a Identidade e a diferença nos fala sobre a subjetividade
e a identidade, e assim pude compreender a relação tanto das crianças quanto dos adultos com
a cultura, identificando o congo como prática de identidade cultura negra de um grupo nessa
comunidade. Para o autor (2014, p.56), a subjetividade está no nosso íntimo envolvendo o
sentimento, mas estamos em um contexto social, e a linguagem e a cultura dão os significados
das nossas experiências, e assim adotamos uma identidade.
Como a prática cultural é perpetuada entre as famílias nessa comunidade, e as crianças
e adolescentes de diversas idades participam das rodas de congo e vivenciam a prática, a
identidade cultural vai se fortalecendo entre eles, e assim fortificando a identidade desses com
a tradição, por isso que conseguiram desenvolver e falar sobre o congo com o conhecimento, e

256
identificação desses com a cultura, possibilitando a produção de uma linguagem artística a
partir do conhecimento da tradição de um povo.
Portanto, a função de arte educadora era de ensinar a prática de modelagem, a
apresentação de diversos materiais e a metodologia de ensino apresentada para a confecção
das peças, mas o conhecimento sobre a cultura também partiu dos envolvidos na ação,
possibilitando que o ensino de Arte, torna-se uma troca de saberes e o entrelace das relações de
uma pesquisa, das práticas artísticas e o envolvimento com a comunidade. De acordo com
Freire (1996, p.12), “ quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender”,
tornando o ato de ensinar recíproco, pois ambos envolvidos fazem parte do processo, e através
das oficinas de arte no espaço não-formal, foi compreendido essa percepção de aprendizagem
e abordagem da arte, durante a formação discente.
Nos anos de 2013 e 2014, o grupo PET CULTURA, além de promover essas oficinas
na comunidade, também participou de outras ações como: fórum, festividades, entrevistas e o
desenvolvimento da semana de Arte na Escola de Ensino Fundamental de Araçatiba, única
escola do bairro. Com essas participações, toda comunidade soube da presença dos
pesquisadores da universidade, ali presentes, possibilitando participar daquele cotidiano nos
sábados, e outros dias da semana.
Outra abordagem que surgiu na Semana de Arte na escola, foi o desenvolvimento de
diversas atividades ao longo da semana, desde oficinas de Arte para os alunos e atividades
para os professores. Em meio a essa ação, desenvolvemos uma oficina do congo na escola,
que o qual ministrei, e desenvolvi com o auxílio da Banda de Congo Mãe Petronilha, pois os
mestres emprestaram os instrumentos durante a semana para que a oficina fosse realizada.
Fizemos uma roda na quadra da escola, e cada criança de acordo com sua experiência ou
desejo de conhecer os instrumentos, escolhiam e tocavam, interagindo com cantigas e a
dança.
Os alunos que sabiam tocar os instrumentos por participarem da banda, ensinavam os
outros, e eu auxiliava tocando e cantando. Com essa ação na escola foi possível a interação do
congo no espaço escolar, a partir da intervenção da semana de Arte.
Alunos e professores participaram também de outras interações artísticas como:
desenho, pinturas e contação de história, possibilitando o enriquecendo o espaço escolar, junto
a extensão universitária.

257
DESDOBRAMENTO DA ARTE E A PESQUISA

Após as oficinas de Arte, que duraram dois anos no mesmo espaço na comunidade de
Araçatiba, iniciei uma pesquisa de campo, e as oficinas continuaram com outros bolsistas,
dando sequência a diversas linguagens artísticas. O trabalho de campo foi possível através de
um edital do Programa da Pró Reitoria de Extensão – Proext- Espaço Cultural quilombola:
Mapeamento físico e cultural do território da fazenda de Araçatiba, no ano de 2015,
possibilitando o conhecimento das comunidades do entorno da comunidade de fazenda,
analisando e a compreendendo o vasto território cultural dessa fazenda.
A pesquisa provocou uma necessidade ampla de conhecimento, principalmente do
trabalho de campo, pois foi necessário o uso de registros fotográficos, pesquisa de fontes
históricas e recolhimento de entrevistas com os moradores, para potencializar a pesquisa e a
compreensão do objeto. Partindo para a utilização métodos da História Oral e análises de
entrevistas, pós trabalho de campo, analisando as epistemologias dos saberes do território que
está entre o rural e o urbano, que preserva algumas práticas do passado e conserva sua história
nas memórias desses agentes.
Para Gondar (2005, p.12) a memória social é polissêmica, e é construída através de
uma variedade de signos, podendo ser simbólico, icônico e indiciais, sendo assim, a pesquisa
nos proporcionou indicar e analisar, quais são esses indícios, a partir dos signos do passado e
no presente da região de Araçatiba, e também nas vivências dos detentores da memória.
Diante das inquietações da pesquisa, observei que necessitava almejar um trabalho que
pudesse compreender as identidades e as práticas culturais dos moradores desse território,
possibilitando assim, o diálogo interdisciplinar com outras áreas de ensino como: história,
antropologia e o patrimônio.
Após a escolha do objeto de pesquisa, que tive no primeiro momento de atividade na
comunidade de Araçatiba, de trabalhar com a banda de congo Mãe Petronilha, conheci
durante a pesquisa de campo outras duas bandas de congo na região, tendo acesso a partir dos
detentores dos saberes as suas memórias, os festejos e a devoção desses, que também
compõem a tradição desse território cultural.
Com a riqueza de material histórico sobre a Antiga Fazenda de Araçatiba, a pesquisa
possibilitou observar o diálogo entre as fontes históricas e os relatos de moradores das
regiões, dando ênfase as memórias dos moradores desse território, que boa parte de sua
história é oral, mantendo uma característica das comunidades afro- brasileiras, e iniciando
assim o projeto de trabalho de conclusão de curso.
258
A partir dessa identificação, compreendi a importância do trabalho de pesquisa e
extensão para os universitários, pois através da imersão com o campo de pesquisa na
comunidade, foi possível selecionar um objeto de trabalho e dialogar com o ensino, e
transforma-los em trabalhos acadêmicos, e proporcionar também as trocas de saberes entre
universidade e comunidades.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esse artigo pretendeu-se apresentar resultados de pesquisa que se iniciou com uma
oficina de ensino não-formal de e Arte, que possibilitou o diálogo com a relação entre o
ensino e a cultura do congo em uma comunidade tradicional. Expondo assim, algumas
possibilidades que surgiram durante o ensino e a pesquisa, a partir dos trabalhos com os
programas de extensão, Pet Cultura e Proext UFES, que possibilitaram o trabalho entre a
universidade e a comunidade tradicional de Araçatiba, Viana, ES.
A pesquisa sobre o Patrimônio Cultural Imaterial do Espírito Santo, especificamente o
congo, permanece, iniciada em 2013 em Araçatiba, e tendo como um dos objetivos a
experiência do processo de criação das crianças envolvidas nas oficinas de Arte, e o
desdobramento da prática cultural em uma linguagem artística, produzida em uma atividade
de ensino não-formal.
Portanto, a pesquisa e as realizações obtidas, foram possíveis a partir da inserção nos
programas de pesquisa e extensão desenvolvidos na Universidade Federal do Espírito Santo,
pois é através desses espaços de conhecimento e trocas de saberes, que os discentes conhecem
e promovem ações em comunidades tradicionais distantes da capital e de suas realidades.
Após a pesquisa sobre a banda de congo Mãe Petronilha, elaborei o Trabalho de
Conclusão de Curso de Artes Visuais no ano de 2018, e tive oportunidade no mesmo ano, de
apresentar os relatos de experiência para alunos da graduação no Núcleo de Artes Visuais e
Educação do Espírito Santo- NAVEES, colaborando com a troca de saberes acadêmicos, a
divulgação da pesquisa e o patrimônio cultural da comunidade de Araçatiba.
Todavia, as questões apresentadas nesse artigo sobre as experiências com a pesquisa,
ainda são pequenas diante de informações que seguem desde o ano de 2013, por isso, percebi a
necessidade de continuação do trabalho, pois diante de um rico material histórico e cultural
que Araçatiba possui, e a colaboração de toda comunidade com a pesquisa, pretendeu-se um
desdobramento, que o qual desafiei e fui desafiada, para um projeto de mestrado no Programa
259
de Pós-graduação em Artes UFES, iniciando um novo percurso e continuação da batalha e dos
desafios de um pesquisador no ano de 2019, mas com a expectativa de proporcionar um
trabalho que colabore com futuras pesquisas de Artes, sobre a história do Patrimônio Imaterial
Cultural do estado.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BARBOSA, Ana Mae e CUNHA, Fernanda Pereira da (Orgs.). Abordagem Triangular no


Ensino das Artes e Culturas Visuais. São Paulo: Cortez, 2010.
Arte, Educação e
Cultura.http/www.dominiopublico.gov.br/dowload/texto/mre000079
DUARTE JUNIOR, João Francisco. Por que arte-educação? - 6ªed. - Campinas: Papirus,
1991.
CORDEIRO, Jaime. Didática. 2 ed, 3º reimpressão. - São Paulo: Contexto, 2015.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. São
Paulo: Paz e Terra, 1996.
GONDAR, Jô. Quatro proposições sobre a memória social. O que é memória social? Jô Gondar e
Vera Dodebei (orgs), Contra Capa Livraria/ Programa de Pós-graduação em Memória Social da
Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, 2005.
STUART, Hall. Identidade e diferença: a perspectiva dos estudos culturais/ Tomaz Tadeu
da Silva (org) -15 ed.-Petropólis, RJ: Vozes, 2014.

260
MEDIAÇÃO: PERCALÇOS E PERMANÊNCIAS

Léa Araujo Rodrigues da Silva

RESUMO

Mediação, a palavra por si só vem carregada de significados. Nos últimos anos o termo
mediação, e a pessoa que ela exerce, o mediador, passaram a ser amplamente utilizadas no
Brasil, nos mais diversos contextos. Um destes aspectos, que vem a ser o investigado neste
presente artigo, é a mediação cultural. A mediação em espaços culturais, museológicos,
espaços expositivos, espaços dedicados a arte, exercida, ou exercitada pelo sujeito mediador.
Apesar da maior incidência de pesquisas relativas à mediação, ainda há um vasto caminho a
ser percorrido e investigado. Este artigo procura abordar as mudanças ocorridas na arte e seus
espaços dedicados nas últimas décadas, assim como as mudanças na arte educação, e na
educação não-formal, o surgimento da mediação e sua prevalência atual mediante outras
formas de interação entre sujeito e obra nos espaços de arte, assim como o constante e
desafiador trabalho de quem exerce a função de mediar arte. Assim como a mediação este
artigo pretende iniciar reflexões e continuar a desenvolver-se com o passar do tempo.
Palavras chave: Arte educação, Educação não-formal, Mediação, mediador.

ABSTRACT

Mediation, the word itself come full of meanings. In the last years the term mediation, and the
person reponsable for it, the mediator, are widely utilized in the most diverse aspects in
Brasil. One of those aspects, its what it comes to investigation in this article, the cultural
mediation. The mediation in cultural spaces, museums, expositive spaces, spaces dedicates to
art, exercised, for the mediator. Besides the increased amount of researches about mediation,
there is still a long way to go into investigations about it. The article approaches the changes
in art, and spaces dedicated to it in the last decades, such as changes in art education, and non-
formal education, the beggining of modeation and prevalence of it through other forms of
interaction between art and people at an art space, as the constant and Challenger work of who
does the function of mediate art. So as a mediation itself this article intends to iniciate
reflexions that continues to develop with time.
Keywords: Art education, Non-formal education, Mediation, Mediator.

INTRODUÇÃO

Os debates sobre mediação e suas estratégias em espaços culturais, museus e galerias


de artes se consolidou como uma importante pauta em desenvolvimento no Brasil nos últimos

261
anos. Grupos de estudo, encontros nacionais, e produções acadêmicas voltadas ao tema vêm
crescido exponencialmente após a década de noventa. Em um artigo para a revista da
Universidade Federal de Santa Catarina, como resultado de um projeto de iniciação cientifica
orientado pela Professora Consuelo Alcioni Schlichta no ano de 2015, foi constatado que
quatrocentos e noventa e cinco artigos haviam sido submetidos aos encontros nacionais da
Associação Nacional de Pesquisadores em Artes Plásticas (ANPAP), sob a categoria
“mediação”, a tabela informativa, demonstrada no artigo, ainda aponta para o ano de 2007
como um ano em que maiores números de artigos começam a se estabelecer dentre as
pesquisas, com vinte e um artigos no décimo sexto encontro nacional da ANPAP, e chegou a
atingir trinta e um artigos no vigésimo encontro realizado no Rio de Janeiro no ano de 2011.
Pode-se constatar que mesmo com tal crescimento a mediação no Brasil ainda é um assunto
recente, que desperta curiosidade e interesse tanto de pesquisadores quanto de estudantes que
cada vez mais se enveredam nesta profissão. As possibilidades, temas e subjetividades da
mediação ainda são uma vasta fonte de exploração tanto para pesquisas quanto para debates e
aprofundamento no fazer e pensar mediação.

O termo mediador por si só evoca a figura de um sujeito intermediário, que por sua
vez exerce função semelhante à de um elo entre duas extremidades, o tal mediador deveria vir
a ser arbitrário mediante uma polarização, seja ela física ou situacional. A popularização do
termo mediador como um fenômeno emergente para grande parcela da população brasileira,
advém principalmente do âmbito judiciário. Já que a partir do novo Código de Processo
Civil, Lei 13.105 de março de 2015 a mediação se torna obrigatória, a valorização de métodos
de resolução pacífica de conflitos, tratando de maneira mais diligente o consenso em tais
soluções. Neste sentido o papel do mediador é intermediar um conflito de forma neutra e
imparcial, facilitando o diálogo entre duas partes, de forma que a melhor solução comum seja
alcançada.

MEDIADOR OU MONITOR?

A partir deste diferente aspecto de um exercer de função denominado igualmente, mas


que exige uma série de competências outras, pois já não se trata de uma ciência específica que
se pauta em leis, e ações que podem ser fundamentadas em algum tipo de codificação, e sim
em uma decodificação da arte e do sujeito. Ao denominar tal função de mediar, o mediador de
arte automaticamente se despe dos conceitos, ações e funções antes determinadas ao monitor.
262
O mediador já não se encontra mais na antiga função de monitor, ou pelo menos não deveria,
mesmo que a confusão de nomenclatura ocorra frequentemente. Devo aqui frisar não me cabe
desvalorizar o papel do monitor em prol de uma nova abordagem em espaços expositivos,
apenas mencionar que a função de um monitor vem a ser, um tanto quanto, menos subjetiva
que a do mediador.

O termo monitor, anteriormente utilizado pelos espaços destinados a arte, a Bienal


Mercosul, por exemplo, recorreu a tal nomenclatura em suas primeiras três edições, alterando-
a posteriormente para mediador. Ao nos referirmos a uma função de monitor, quase que de
modo automático, somos levados a uma função carregada pelo aspecto da vigilância, que
pode também nos remeter a uma equiparação maquinaria. Neste caso então, o monitor se
configura como um observador atento, não de forma subjetiva, mas de forma que toda essa
atenção mecânica pode levar ao sujeito observado algum tipo de punição. Este sujeito monitor
pode ser encontrado em ambiente escolar, como aquele que conhece todo o espaço num
permanente estado de vigilância, mas também como aquele que exerce a função de um
professor adjunto, num sistema tradicional de educação, aquele que detém maior
conhecimento, equiparado com os outros estudantes, de forma a reforçar a desigualdade entre
o detentor do saber e os subjugados a ele.

Sua função num ambiente não-escolar então se desdobra em papéis de organizadores


de grupos, que impõe regras e supervisionam os visitantes sob o regimento interno do local,
que conhecem os caminhos e formas de leitura “corretas” da exposição ou acervo em questão,
que detém todas explicações e falas previamente decoradas sobre o que está exposto,
fornecendo dados, histórias e até alguma curiosidade, dando o espaço de escuta ao visitante e
para o mais atento ainda a possibilidade de reprodução de informações para algum terceiro.
Uma metodologia semelhante ao modo imposto numa educação tradicional, contestada por
muitos pensadores pós-modernos. Ocasionando consequentemente um afastamento de
indivíduos que passam a se sentir não pertencentes, o não-artista, não-curador, não-estudante
de arte, do ambiente expositivo.

MUDANÇAS E NOVAS CONFIGURAÇÕES

Sabe-se que, assim como a sociedade e suas estruturas, a arte e seus espaços
destinados passaram, e continuam a passar, por uma enorme gama de transições, exigindo dos

263
espectadores um pensamento crítico que se estende para muito além da estimada característica
intelectual e perceptiva de “fruição”.

Os desafios de uma arte pós-moderna se intensificaram, principalmente no campo da


arte educação. Um novo fazer, uma nova forma de fazer e uma infinitude de possibilidades do
fazer, por muitas das vezes acabam desaproximando o público da arte. De forma simplória,
sem aprofundamentos em densos textos, como por exemplo, o livro de Cristina Freire,
podemos citar a Arte Conceitual como um paradigma que se encaixa nesse afastamento, a arte
que passou a valorizar o processo artístico como estrutura ou ideia além de considerações
perceptuais ou formais. Neste caso observa-se no conceitualismo, britânico e norte americano,
a eliminação do objeto como resultado artístico, e a valorização da ideia e do processo do
artista, questionando a sua comercialização. Ocasionam em um novo desafio na “apreciação”
da arte em espaços expositivos.

Dentro do sistema de ensino escolar a Arte Contemporânea, se tornou uma grande


questão, por diversas justificativas nota-se sua ausência na disciplina escolar de artes.
Tratando especificamente de arte como disciplina em escolas brasileiras, é notado por vezes
um despreparo e falta de compreensão dos ministrantes da disciplina que se justifica por uma
exagerada quantidade de professores de arte sem formação específica no campo da
licenciatura em artes, não é uma situação incomum professores com formação em outros
campos da arte como música, dança ou teatro serem responsáveis por conteúdo que não
tiveram formação acadêmica. Por vezes também professores em desvios de função são
“jogados” para ministrar aulas de arte, em grande parte pela falta de seriedade e
comprometimento que o sistema de ensino tem com a arte, comumente associado a função de
preparar belos cartazes escolares e ornamentação para escola em festas e comemorações
tradicionais.

Comumente currículos escolares resumem seu ensino de arte com as obras dos grandes
mestres, e um reforço de uma mitificação do artista enquanto gênio abolida por artistas e
pensadores ainda no início do século XX. Explorando alguns pintores modernos e a
famigerada semana de 22 isto quando a arte brasileira é levada em consideração. Dificilmente
nos deparamos com alunos em fase escolar, seja ensino infantil, fundamental ou médio, que
desenvolve um contato com, como por exemplo, as experimentações de John Cage, nas aulas
de arte ou até mesmo de música, dos Happenings de Kaprow ou no vasto trabalho envolvendo
multiplicidade de meios como performance, vídeos, objetos, ações e até pensamentos críticos

264
do Fluxus. Ou seja, algum tipo de arte que o aluno possa se sentir mais próximo e pertencente,
com possibilidades de reflexões e questionamentos, instigando no aluno uma amplitude e
curiosidade nas descobertas do que é, ou pode vir a ser arte. Ironicamente nos exemplos, me
referi à artistas da década de cinquenta. Quando poderia também me referir a trabalhos que
englobam arte e tecnologia, num mundo onde a aproximação se daria de forma muito mais
efetiva do que com a apreciação do slide da foto, da foto, da reprodução da Monalisa.

Ressalto que não pretendo expor tais lacunas no ensino de arte no ambiente escolar no
Brasil, como uma experiência comum a todos os estudantes e escolas, com a incerteza de que
talvez não tenha deixado este posicionamento bastante claro anteriormente. Assim como
considero o percurso exploratório desde os primórdios artísticos decisivos para o melhor
trabalho do educador e compreensão do estudante.

De fronte aos paradigmas contemporâneos, pensadores e educadores propuseram


alternativas no ensino de arte e elucidaram questões que surgiram consequentemente a
mudanças do mundo e da arte. Na década de 20 pensadores como John Dewey já iniciavam
exercício de elucidação de tais questões. Dewey por sua vez, identifica a arte como forma de
linguagem, assim como a identifica como experiência, e faz situar a arte no âmbito das
práticas sociais, como confrontamento a questões do dom, que aproximavam artistas de uma
esfera divina. Para Dewey a arte pertence aos domínios do homem comum.

No Brasil podemos citar a conceituada e conhecida abordagem triangular, proposta por


Ana Mae Barbosa, uma das pioneiras da sistematização do ensino de arte também em museus.
De modo extremamente reduzido podemos tecer tal abordagem em três, a contextualização
histórica da arte, a apreciação artística e o fazer artístico. A leitura de obra, adjunto com o
contexto de obra somado ao fazer artístico, acreditando que, para realizar arte-educação deve
desenvolver a relação de públicos diversos com a arte, num diálogo em que um deve estar
inserido no outro.

A arte é um campo do conhecimento onde se colocam e resolvem problemas, é o


lugar onde se pode especular sobre temas e relações que não são possíveis noutras
áreas do conhecimento. A comunicação é um ato responsável, no qual o
comunicador compartilha estes temas com outras pessoas. E o público não é um só;
há uma multiplicidade de públicos. (CAMNITIZER, 2011, p. 1).

O artista professor e curador pedagógico Luis Camntizer, além de um outro exemplo,


cito também como um respaldo para pensamentos sobre arte educação, principalmente
quando nos voltamos para arte educação em espaços que excedem o espaço da escolar. Muitas
vezes denominada educação informal.
265
A educação informal, pode poder lidar com outra lógica espaço-temporal, por não
necessitar se submeter a um currículo definido a priori [...] por dar espaço para
receber temas, assuntos variedades que interessem ou sejam válidos para um público
específico naquele determinado momento e que esteja participando de propostas,
programas e projetos nesse campo, faz com que cada trabalho e experimentação
sejam únicos. E, por envolver profissionais e frequentadores que podem exercitar e
experimentar um outro papel social que não representado na escola formal (como
professores e alunos por exemplo), contribui com uma nova maneira de lidar com o
cotidiano, com os saberes com a natureza e com a coletividade. (VON SIMSON;
PARK; FERNANDES, 2007, p. 14).

A partir desta pequena perspectiva de possibilidades dentro da amplitude da educação


não formal, podemos constatar que um grande papel dessa compressão se encontra na
comunicação e nas maneiras de comunicar. Sendo assim, retomemos a Camntizer, que
discursa diretamente com a comunicação, instituindo-a como um ato responsável e salienta
também que o artista deve então estar consciente, para que possa calibrar sua comunicação
com o público. Encontrando o artista num papel de comunicador aprendiz, e o público em
fase de aprendizado na construção de conexões, em seu mais notório trabalho “O museu é
uma escola” (2009-) frase que já esteve em mais de 15 museus espalhados pelo mundo. O que
começou como uma questão a respeito de seu trabalho como curador pedagógico, e a
importância de tais implementações, acabou sendo incorporada como afirmativa assertiva a
essa nova configuração de espaços dedicados a arte.

GALERIA, MUSEU, CENTRO CULTURAL. ESPAÇOS EXPOSITIVOS E SUAS


TRANSFORMAÇÕES

Mudanças na arte exigiram mudanças nos ambientes destinados a visitação e vivências


artísticas, trato especificamente de museus, galerias, centros culturais, espaços expositivos em
geral. Deve ser mencionada a figura do curador no Brasil, que surgiu e permaneceu diante
dessas “novas” necessidades artísticas. Antes o que era realizado ou ditado por críticos de
arte, se tornou um novo fazer artístico, implicando em diversas mudanças no processo de
construção de uma exposição de arte. De acordo com Maria Helena Carvalhaes “Marca-se o
período da década de 80 no Brasil o despontamento do curador como figura central no
universo artístico, responsável por organizar conceitos a partir dos quais a produção
contemporânea possa ser lida. ” (CARVALHAES, 2008, p. 485)

Cabe ao curador diversas funções primordiais na construção e realização de uma


exposição de arte. Toda leitura realizada pelo visitante é decidida pela curadoria. Mais
especificamente, sua função abrange o recorte das obras expostas, seleção feita sob algum

266
argumento decidido previamente, sendo uma exposição individual ou coletiva os argumentos
da curadoria trazem a narrativa, podendo ela ser linear ou não ao visitante. Ou seja, um dos
encargos do curador ou curadores vem a ser, o modo como essa leitura será realizada, a
reflexão sobre sua disposição no espaço em que será exposto, ou espaços caso seja uma
exposição itinerante. Por muitas vezes curadores acompanham a realização dos trabalhos e
dialogam diretamente com o artista, são ou se tornam pesquisadores do assunto, e a partir de
todo este trabalho intelectual o curador também apresenta o que se tornou uma prática
comum, o texto curatorial, para visitantes, aquele texto que muitas das vezes pode ser
encontrado em formado de plotagem na parede, logo no início da exposição, onde “algo” será
elucidado ao espectador que opta por realizar tal leitura ou não. Por “algo” quero dizer que
todas as explicações certamente não estarão esquematizadas em uma plotagem na parede, em
um catálogo ou até mesmo um folder, mas certamente a imersão no espaço expositivo se
transforma após tais leituras.

Mudanças na arte caminham juntas com mudanças sociais e históricas, logo, deve-se
também ter em mente, as cidades e os espaços dedicados a exposições e mostras de arte, sabe-
se que no contexto atual, a arte não se encontra apenas dentro da galeria ou do museu local. A
expansão das cidades caminha com a expansão da arte nas cidades, dos percursos e ocupações
artísticas dentro delas. Sendo este um assunto de extrema importância e delicadeza, a qual se
estendem dezenas de artigos. Mesmo assim, cabe lembrar que com o crescimento das cidades,
da mobilidade e da tecnologia, a integração da arte com o sujeito se faz dos mais diversos
modos em múltiplos espaços.

O ENTORNO DO MEDIAR

Antes que cheguemos na ação mediadora propriamente dita, momento o qual a tríade
obra-mediador-sujeito interage no espaço, é precedido e sucedido de uma contínua formação
educativa do mediador, que por sua vez se estende as esferas externas do mediador. Antes da
ação educativa, existe uma formação educativa. Em alguns casos a formação ocorre
especificamente para mediadores da exposição ou acervo em questão, algumas possibilitam a
integração de mediadores em geral, integrantes da equipe em questão somados aos de outros
espaços. Outra possibilidade de formação, são as que ocorrem para arte educadores que atuam
no sistema formal. Os encontros pertencentes as formações, são comumente orientados por
um arte educador responsável. Neste período formativo além da troca de experiência e

267
diálogo, há espaço para um aprofundamento em pesquisas, contextos, embasamentos teóricos
e proposições.

No caso de exposições temporárias, a formação de mediadores pode possibilitar a


construção do material educativo. Advindo de estudo, pesquisa e diálogos, quando há
disponibilidade, com artistas e curadores e sob o olhar cuidadoso do arte educador, o material
é construído de forma não padronizada, podendo conter ações, propostas, textos, reflexões em
diversos formatos como de livro, materiais impressos ou digitais auxiliam não só mediadores
e educadores como visitantes e interessados.

As formações para arte educadores do sistema formal de ensino, segue por sua vez
uma diferente trilha, que possibilita a integração destes interessados nos contextos que serão a
eles apresentados no espaço expositivo, grande é a importância dos docentes terem um
contato prévio com o contexto exposto, para que possam usufruir da melhor maneira tanto a
pré quanto a pós visitação. Se Ana Mae Barbosa sugere uma abordagem que inclui
contextualização, visitação e ação, cabe ao educador em questão o aproveitamento total da
visita, contando que o tempo dos estudantes com o mediador no espaço é um tempo pré
definido e relativamente curto mediante as possibilidades de aproveitamento, o professor
torna-se um grande aliado para que toda experiência seja absorvida por todos da melhor
forma, com a troca entre o professor, seus alunos que já possuem um vínculo anterior, o
mediador e a obra.

Se uma das capacidades que mediadores devem desenvolver, e continuar


desenvolvendo por toda trajetória, é a da atenção somada ao senso crítico, estes dois
“sentidos” não devem ser usados apenas no ato de mediar, mas também nas formações onde
pequenas armadilhas podem ocorrer. Tais como a imposição da visão de determinada pessoa
ou a repetição de determinado discurso, que impossibilitam o pleno desenvolvimento tanto do
mediador quanto do professor. O grau de dificuldade de uma formação equivale ao seu grau
de importância, a autonomia crítica de cada educador envolvido é um importante ponto para o
exercício de flexibilidade mediante a diversidade que será recebida. A consciência crítica
permeará o trabalho não apenas com o público, mas também com a instituição que o mediador
se encontra e suas políticas. É preciso estar ciente que a formação não tem início ou fim com
data e horário, sendo relevante a bagagem de cada indivíduo, a voz e a escuta de cada um
envolvido. A troca de experiências e informações, assim como a pesquisa, não devem cessar

268
no tempo de permanência, os encontros entre a equipe educativa são determinantes para o
desenvolvimento e atuação de cada ser humano atrelado ao cenário.

A partir de novembro de 2004, foi implantada de acordo com o decreto nº5.264


através de leis de incentivo à cultura, a ação educativa nos museus brasileiros, estabelecendo
através de museus projetos de ação social e inclusão. A ação se dá por um conjunto de
medidas tomadas pelas instituições de arte e cultura, para promoção do interesse e contato
artístico voltado a um público que por sua vez abrangeria além de ambientes escolares,
garantindo um acesso inclusivo a diferentes públicos através da educação não-formal, ou seja,
levando em conta a fala, o olhar e as experiências de cada pessoa envolvida, e a inclusão com
finalidades diversas, que por muita das vezes se moldam através do público em questão, sem
conteúdos rígidos ou normatizados a serem passados com obrigatoriedade.

A ação então deve ser constituída de boas propostas, mas não apenas delas. Na ação
educativa leva-se em conta também a integração já citada acima, de profissionais somados a
seus materiais educativos, seus objetos propositores, pautados em uma formação elucidativa e
aberta, deve-se entender o trabalho delicado, corpóreo e reflexivo de um profissional atuando
com indivíduos em grandes ou pequenos grupos que se assemelham em pouquíssimas coisas.
Mesmo o modo de fala e postura corporal modificam a experiência da mediação, a delicadeza
da compreensão que nasce num acolhimento, por vezes até mesmo no momento do
agendamento, alteram a receptividade das pessoas que os mediadores estarão lidando.

O TAL DO MEDIADOR

É construída a partir de cada passo da jornada, anterior e posterior ao processo de


formação e autoconsciência de integrar o espaço expositivo, a função que julgo caber ainda
mais na palavra ação, de mediar. Ser e estar presente, estabelecendo “superfícies de contato
entre obras de arte, projetos curatoriais e pessoas, de criar várias formas de se comunicar
sobre e a partir da arte” (LIND, 2013 p.180) a mediação exige do profissional competências
que jamais serão aprendidas em sua total potencialidade somente a partir de uma ou mais
formações, sendo uma espécie de ofício que a cada momento estando presente nele,
realizando, observando outras mediações, cada momento de contentamento ou frustação
constituem em um pequeno passo na extensa jornada do mediador. Uma espécie de
meditação, onde as primeiras vezes é inacreditável que possa chegar a algum lugar além do
que se ocupa, aos poucos o mediador se percebe como uma das formas que ocupa o espaço,

269
sendo cada pequena ação realizada pelo corpo do mediador um elemento importante. Mas de
certa forma distante da meditação, pois a comunicação é o elemento primordial de todas essas
questões.

Sempre estar entre muitos, desde o princípio com o contato do mediador e o arte
educador, a palavra do curador, o ou os artistas em questão, a instituição para qual trabalha,
não se deve alterar a consciência de quem é este ser mediador. Obviamente por mais aberto
que possa e deva ser o mediador, só se pode entrar em contato com a arte através do seu
próprio olhar. De acordo com Bourriaud “O artista e o filósofo devem, portanto, renovar
constantemente seu esforço para ‘diagnosticar os atuais possíveis’ para criar sentido em
relação “a sua própria atualidade” (BOURRIAUD, 2009, p. 27). Sendo assim não há de ser
dissemelhante com o sujeito que entra em contato com a obra, devendo ser respeitada sua
compreensão que advém de conceitos e contextos. Esta complexidade que exige a fluidez nas
nunca findadas reflexões, leva o mediador a extremos de sua profissão.

A mediação cultural não é uma ação fácil, pois ao mesmo tempo em que exige um
olhar do mediador atento às obras e ao que já foi escrito sobre elas, determina um
olhar sobre os leitores com seus repertórios, subjetividades e contextos particulares,
mesmo que sejam da mesma faixa etária, alunos de uma mesma escola. (MARTINS,
2011, p. 315).

Como já dito, cada pequena particularidade influencia diretamente na realização da


mediação, o que a torna sempre uma nova experiência, e por vezes um choque ao realizar
trabalhos completamente distintos com, como por exemplo, turmas da mesma escola e mesmo
turno. O contexto social dos alunos não é o que determina a mediação, penso que a mediação
começa antes mesmo do momento do acolhimento do mediador, a mediação é o percurso, a
cidade, os caminhos, o tempo. Cada um desses aspectos certamente influencia diretamente
não só em alunos, mas nos educadores que os acompanham, funcionando da mesma forma
com visitantes espontâneos.

Menciono tempo, pois a relação de tempo e mediação é uma relação conturbada,


mesmo que o tempo acima possa ser lido como tempo de translado, ou condição climática, o
mediador deve estar ciente do tempo, não como um psicólogo olhando para o relógio, que a
ação de mediar por muitas vezes não terá um ponto final ou uma retomada do grupo ao
espaço. Em cada espaço o tempo será determinado diferentemente, não podemos calcular o
tempo que se leva em museu, uma pequena galeria ou uma bienal, mas o cálculo desse tempo
gera incerteza, frustação ou alívio. Alguns profissionais da educação formal, acostumados
com o conteúdo por aula, esperam que uma mediação tenha um fim, mas é certo de que, se

270
tudo ocorrer de uma maneira sem maiores imprevistos, ela não terá. A mediação não é feita
para que acabe, para que respostas sejam dadas, para que debates não sejam feitos, para que o
sujeito retorne para o ambiente de que veio sem nenhum pequeno conflito ou pensamento
crítico. Por vezes este ideal não ocorre, e é aprendizado, difícil é pensar que nada foi
aprendizado. O tempo de duração de uma mediação não cabe a ser pré-estipulado, por
tamanho da exposição ou da turma, infelizmente, tratando-se de instituições, a maioria das
vezes este tempo é. Mas novamente só o tempo pode ajudar o mediador a lidar com ele.

Após mais de quatro anos de pesquisa, passando pelas mais diversas formações em
distintos ambientes, construção de materiais, textos, trocas de experiências, observação
cuidadosa e principalmente vivências, deparei-me com várias competências listadas do que
um mediador precisaria para realizar a sua ação mediadora, e percebi que a palavra
“diferentes” se encontrava em quase todas elas. Diferentes: modos de construção de
conhecimento, abordagem, leitura, criações, contextos, comunicações, públicos, modos.
Sendo que talvez a palavra individuais inserida no contexto coletivo possa ressignificar todas
essas postas diferenças. Após frustações e realizações, em constante estado de alerta
perceptivo e consciente de que a comunicação e o conhecimento podem se traduzir e
desdobrar das mais variadas formas, devo retomar alguns pontos, para destacar o que
considero primordial para o primeiro objetivo, o não afastamento do espaço de arte.

A prática de embrutecimento evidencia a superioridade do mestre e a incapacidade do


outro, de acordo com Rancière em seu “Espectador Emancipado” o mestre deve pôr-se em
igualdade, e para isso dissociar o saber que possui do ensino que pratica. A aprendizagem é
gerada após a tomada de consciência que, neste caso em questão, o mediador com a sua
capacidade de escuta, assim como o visitante com sua voz respeitada estariam em pé de
igualdade para que, um possa aprender e ressignificação com o outro. A persuasão perde
espaço para um engajamento ativo, que não vem a ser por obrigação compensatório, não estão
em questão as informações explicativas, tal método está diretamente atrelado ao afastamento.
As distâncias a serem reconhecidas no ensino, para Rancière, são entre “matéria ensinada e o
sujeito a instruir” e “aprender e compreender” sendo assim só a partir do reconhecimento a
distância pode ser abolida, e o mediador contaminará na mesma medida em que será
contaminado. Confusões e conflitos, não devem (e não vão) deixar de existir. O que deixará, é
a ideia de uma pressuposta deficiência do público em relação ao que são apresentados.

271
Recorrendo ao mediador advogado que só consegue trabalhar caso as duas partes
estejam dispostas, a mediação em arte está em polo oposto, não existe o intuito de forçar uma
aproximação por bombardeamento de informações sobre o que está sendo visto, e a
disponibilidade para questionar e por vezes sair com ainda mais questões é uma
probabilidade, para ambas as partes, desta vez se distanciando do mediador conciliador que
irá gerar soluções, o que poderá sair de uma mediação é o conflito, o questionamento ou
questionamentos.

A PROBLEMÁTICA CONSIDERAÇÃO FINAL

Antes de encerrar, deve-se também encarar, assim como já repetido por diversas vezes
com consciência crítica, cada aspecto do texto em questão. Não existe uma fórmula pronta
com competências do mediador ou o que terá de ser “enfrentado” em uma mediação, trata-se
de arte, de seres humanos e de encontros, não se pode encaixar pessoas em tipos de
personalidade, como também já mencionado cada aspecto do ser humano faz parte da
mediação, tanto quanto, cada aspecto da arte que está posta diante dele.

Tendo posto todos os argumentos e problemáticas, existe o perigo da mediação posta


em um pedestal ou em uma fórmula de física, os mediadores são seres humanos e complexos
assim como o público, a mediação pode ser um ato frustrante, alunos podem não ter vontade
de estar naquele espaço, mediadores podem enfrentar situações muito distantes do que se
passam por sua cabeça, professores podem não cooperar, infinitos fatores podem tornar essa
aura mítica da educação não-formal um verdadeiro desastre. Mas como também foi
mencionado, o maior problema é encarar como um não-aprendizado.

REFERÊNCIAIS BIBLIOGRÁFICOS

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272
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273
ARTES VISUAIS – EXTERIORIDADES – FRONTEIRAS – SENSIBILIDADES1

Marcos Antonio Bessa-Oliveira

RESUMO

Qualquer investigação mais apressada sobre as práticas culturais brasileiras argumentaria que a
língua, em relação à América Latina, é o maior impedimento das aproximações entre
experiências de fronteiras nessas práticas culturais. Contrárias às ideias de fronteira como
espaço de exclusão, as discussões neste trabalho tratam o entre-fronteiras latino-americanos
como lóci de exterioridades e construções de saberes outros ex-ternos à interioridade dos
projetos hegemônicos. Para tanto, tomar-se-á das discussões descoloniais e crítico-culturais
sobre biogeografias fronteiriças (AUTOR SUPRIDO, 2016), a partir de produções artístico-
visuais de lugares latinos, para ressaltar que a exterioridade a que fomos (im)postos corroborou
a emergência de in(ex)terioridades culturais locais (saberes outros) que as interioridades
modernas e pós-modernas (Europa e Estados Unidos), migradas como epistemologias viajantes
ou pela crítica que viajou, nunca deram conta de extrapolar à imagem de comparação
superficial como estereóti posdenós daqueles. Essas in(ex)terioridades fizeram emergir
histórias locais em contraposição à historiografia global reforçada na América Latina como
única forma de pensar as práticas culturais desses lugares de exclusão. Tais discussões
evidenciarão que as práticas culturais das biogeografias dessas fronteiras só não se aproximam
mais porque artistas, teorias e teóricos insistem em subscrever-nos/nas em lugares/discursos
dos quais nunca pudemos/quisemos estar/participar.

Palavras Chave: Artes Visuais; Estudos de Culturas; Biogeografias.

RESUMEN

Cualquier investigación más apurada sobre las prácticas culturales brasileñas argumentaría que
la lengua, en relación a América Latina, es el mayor impedimento de las aproximaciones entre
experiencias de fronteras en esas prácticas culturales. En contraste con las ideas de frontera
como espacio de exclusión, las discusiones en este trabajo tratan el entre-fronteras
latinoamericanas como lóci de exterioridades y construcciones de saber otros ex-tiernos a la
interioridad de los proyectos hegemónicos. Para ello, se tomará de las discusiones
descoloniales y crítico-culturales sobre biogeografías fronterizas (AUTOR SUPRIDO, 2016), a
partir de producciones artístico-visual de lugares latinos, para resaltar que la exterioridad a la
que fuimos (im)puestos corroboró la emergencia de in(ex)terioridades culturas locales (saberes
otros) que las interioridades modernas y posmodernas (Europa y Estados Unidos), migradas
como epistemologías viajeros o por la crítica que ha viajado, nunca han dado cuenta de
extrapolar a la imagen de comparación superficial como estereotipos de nosotros de aquellos.
Estas in(ex)terioridades hicieron emerger historias locales en contraposición a la historiografía
global reforzada en América Latina como única forma de pensar las prácticas culturales de
esos lugares de exclusión. Tales discusiones evidenciarán que las prácticas culturales de las
biogeografías de esas fronteras sólo no se aproximan más porque artistas, teorías y teóricos
insisten en suscribirlos/las en lugares/discursos de los que nunca hemos podido/deseamos
ser/participar.
274
Palabras Clave: Artes Visuales; Estudios de Culturas; Biogeografías.

INTRODUÇÃO – IN(EX)TERIORIDADES CULTURAIS LOCAIS ENTRE-


FRONTEIRAS

“Há alguns anos, o fim das fronteiras foi pressagiado. Houve quem
celebrou seu inexorável “apagamento” com o advento da
globalização.” (MIGNOLO, 2015, p. 12)

As fronteiras na contemporaneidade estão situadas em todos os lugares. De um tempo


para cá, a emergência dessas fronteiras, no caso do Brasil, estabeleceram-se com maior
evidência/brutalidade graças à recente situação política do País. Assim, pensando dessa questão
bastante situada no contexto das Artes, mais precisamente das Visuais, mas não podemos
pensar isoladamente esta, haja vista que todo fazer artístico está intrínseco ao corpo 2, pensar na
assertiva de Mignolo de que “Há alguns anos, o fim das fronteiras foi pressagiado. Houve
quem celebrou seu inexorável “apagamento” com o advento da globalização” (MIGNOLO,
2015, p. 12) é, de certo modo, rememorar a bem recente história do Brasil contemporâneo.
Quer dizer, até bem pouco tempo tínhamos uma abertura às diferenças enquanto possibilidade
de existência do diferente em contexto social. Mas, nos últimos dias, temos assistido
derrocadas de projetos e pré-projetos que situavam essas diferenças no contexto colonial
interno do Brasil em situação de re-existência. Portanto, o presságio do fim das fronteiras é, na
verdade, no campo da Arte, a situação crítica de barreiras que querem impedir até a simples
manifestação de opiniões contrárias às da situação posta. Desta forma, penso que talvez seja
necessário o revigorar de uma arte cada vez mais política e politizada para fazer manter e fazer
valer direitos conquistados.3
No âmbito da America Latina questões linguísticas atravancam, de algum modo, para
alguns críticos, as relações (artísticas e teóricas, igualmente políticas) entre os países do Sul;
isso também já fora discutido no Brasil por volta das décadas de 1990/2000. Em nível nacional,
a problemática ainda se refere em localizar as produções, especialmente artísticas,no domínio
do local e/ou global, regional e/ou universal, entre tradição/tradições4. Portanto, discutir essa
relação que é dual por natureza histórica, geográfica e cultural impostas ainda é importante
porque quase toda nossa produção cultural também é avaliada, pensada e praticada de maneira
dualista a partir dos discursos modernos. Ainda insistimos na emergência de fronteiras entre
ser ou não ser, pensando desfazê-las. Dessa forma, é contra a noção de estética moderna, que

275
torna binário o mundo, que faço o exercício de repensar neste trabalho as nossas produções
artísticas enquanto prática artístico-cultural ou como produções de conhecimentos a partir de
suas situações biogeográficas. Pois, tenho como parâmetro que é a estética moderna que
antecede qualquer noção conceitual no contexto historiográfico contemporâneo mundial:
Ocidente X Oriente; Centro X Periferia; Arte X Não-Arte, Mundo X Fim do Mundo, Homem
X Mulher, Gente X Não-gente, Ciência X Subjetividade etc.
A condição da nossa colonização sociocultural, crítica e artística, seja histórica, seja
contemporânea, é o que me interessa agora, e, por conseguinte, deve ser pensada levando em
conta nossa relação com a América Latina. Mesmo que essa relação tenha problemas em
ocorrer dadas às diferenças sociolinguísticas. Também interesso na atual situação da produção
brasileira em relação à subalternização e às questões de colonialidades do poder, externas e
internas, seja ou não por causa da língua, de nossas práticas artístico-culturais e teóricas em
Artes Visuais serem emblemáticas e estarem tão exiladas neste contexto. Mas também tomo a
espacialização geográfica como problemática para o âmbito nacional da discussão já que
dentro do país não impera a problemática da língua. Tendo sempre a noção estética moderna
como suporte histórico principal dessa condição, se, por um lado, a produção crítica pós-
colonial latina – no cômputo espanhol – não nos serve completamente porque têm função
social e política – é imprescindível a produção dessa noção pós-colonial ((bio)descolonial) com
“sotaque” brasileiro para tal.5 Por outro lado, as produções europeias e estadunidenses não
podem ser vistas como melhores para nós já que a visada colonizadora e estetizante delas são
imperantes como matrizes para nós. Do mesmo jeito em domínio nacional – nominada por
Walter Mignolo de colonialidade do poder ao se referir aos centros hegemônicos dentro de um
mesmo território nacional – Estado nenhum pode ser o detentor do saber e da “inovação”
artística, se considerado nossa diversalidade interna (MIGNOLO):
Nesta esfera, se trata da desocidentalização mais que da descolonização da estética.
Estas são duas opções que estão hoje surgindo no mundo não-europeu. Na Europa,
Okwui Enzezor introduziu — a partir da Documenta 11 — a dimensão pós-colonial
no museu e no discurso curatorial. (Enzewezor, 2010). No entanto, a versão pós-
colonial da estética, no âmbito europeu (Enzezor escreveu o primeiro artigo para o
catálogo da Tate Trienal de 2009, curada por Nicolas Bourriaud), encontrou seus
críticos no campo das práticas artísticas e discursivas sobre a arte. Entre estas
críticas nos encontramos com a versão descolonial da estética. Isto é, a opção
descolonial frente a reprodução eurocentrada da estética (automodernidade), a opção
desocidentalizadora (Yuko Hasegawa), a opção pós-colonial (Enwerzor) e a opção
descolonial (Wemega-Kwawu) (MIGNOLO, 2012, p. 27). (Tradução livre minha) 6

A passagem de Mignolo é assim sintomática das proposições que venho fazer.


Primeiro, pensar que o contexto das línguas diferentes não nos impede da relação com a
276
imigração hospitalidade dos saberes europeus e/ou estadunidenses sem a mínima hostilidade
derridaina, mas barram a entrada dos saberes de línguas espanholas e indígenas dos sistemas
das artes latino-americanos. Igualmente a passagem reforça a ideia tardia de que estética
relaciona-se puro e simplesmente ao belo, ao prazeroso, ao perfeitamente definido por uma
cultura estabelecida em um tempo histórico e em um lugar geográfico, ao apontar saberes
sensíveis outros com e através da arte emergindo em lugares e por sujeitos postos em condição
de fronteira, por conseguinte, de exterioridades àqueles projetos/imaginários europeu e
estadunidense, respectivamente dos séculos XIV e XX.
De modo análogo ao que foi proposto por Walter Mignolo, da emergência de saberes
sensíveis descoloniais, exponho a importância de manifestação de lugares múltiplos como
produtores de arte, cultura e conhecimentos. Quer sejam lugares internos aos projetos
hegemônicos de arte, cultura e conhecimentos, sejam ainda dos vários lugares exilados entre-
fronteiras nas exterioridades dos saberes como subalternos e fronteiriços. Logo, neste sentido,
é possível ressaltar que arte, cultura e conhecimentos tomam outros prismas de abordagem para
discussões que, sem nenhuma sombra de dúvida, colocarão questões fundacionais das línguas,
culturas, saberes e fazeres artísticos latino-americanos, agora em evidência como próprios das
culturas de exterioridades, em xeque. Explico: as ideias de que nossas produções devem
alguma explicação/crédito às culturas hegemônicas – europeia e estadunidense – pela simples
conformidade de que fomos “descobertos” por aqueles no passado ou na contemporaneidade.
O que, de modo lógico, seria, entender-nos entre-fronteiras, desprivilegiar nossas próprias
histórias locais em detrimento daquela noção colonial de narrativa universal. Assim,
A maioria desconhece a importância de se refletir sobre os lugares enunciativos e de
assinalar até que ponto o discurso crítico privilegia espaços institucionais e exclui
outros. A primeira indagação diz respeito ao fato de estarem os intelectuais latino-
americanos radicados na América do Norte produzindo saberes que respondem a
interesses institucionais de outra dimensão cultural, [...], por desconhecerem o que
se produz nos países de origem. Torna-se contundente a desconfiança em relação aos
lugares regionais de enunciação, uma vez que esse discurso, contraditoriamente,
estaria reiterando modelos universalizantes e autoritários (SOUZA, 2002, p. 166).

Portanto, retomando a questão da diferença linguística da América Latina, a crítica e a


produção artística brasileiras dispõem de uma prática artística nacional que busca dialogar com
a produção e práticas teóricas internacionais. Do mesmo jeito, o discurso crítico produzido no
exterior – por latinos ou estrangeiros – profetiza nossas produções como

277
reflexões daqueles conhecimentos produzidos fora sem (re)conhecer os seus loci
enunciativos culturais. É nesse sentido que esta reflexão aqui formulada, de base
epistemológica crítico- biogeográfica fronteiriça, acerca de uma estética bugresca de
paisagens biográficas como aiesthesis (bio)descolonial (como opção de apreciação outra das
produções artístico-culturais em relação à nossa ideia de estética moderna) vem contribuir
para o desenlace dessa relação dual entre centro e periferia, passado e futuro, de situação
entre-fronteiras e exterioridades.

EPISTEMOLOGIAS FRONTEIRIÇAS BIOGEOGRÁFICAS

Da analogia entre “crítica biográfica” (SOUZA, 2002) que engendra os discursos


críticos perpassados pelo sujeito biográfico, vinculada a uma “estética descolonial”
(MIGNOLO, 2008) que articula discurso crítico outro, tomado aqui para as articulações
propostas, pode-se compreender e evidenciar possibilidades outras do ser, do saber e do
sentir a partir das produções em Artes Visuais de lugares periféricos ou, como tenho
preferido, pensar tais produções sem nenhuma possibilidade de sentido binário com ranço
moderno. Como aponta Eneida de Souza que, ao lado de Walter Mignolo, situa a ideia de
disputar lugar em detrimento de somente questionar espaço na esfera colonial moderna,
“[...] ao apontar os limites de uma paisagem utópica. Trata-se de uma temporalidade
povoada de agoras, na qual a força do instante é captada na sua fugacidade e revelação
criadora” (SOUZA, 2002, p. 137), reforça, se posso dizer, também a minha ideia de
biogeografia como única forma de fazer evidenciar a disputa dessas paisagens outras
produzidas pela arte de Mato Grosso do Sul destituídas pela estética moderna.
A partir de produções artísticas como sensibilidades individuais outras e lugares
enunciativos migrantes possíveis – “temporalidade povoada de agoras” (SOUZA) –, lugares
geoistóricos pós-coloniais como Mato Grosso do Sul podem e devem ser tomados como e a
partir de referencial teórico/artístico outro para embasar a discussão sobre a produção
artística local (crítica ou plástica) que não se quer como regionalista. Logo, penso na ideia,
ainda que utópica, de tornar outros loci enunciativos como lugares produtores de arte e
saberes. Neste caso, Mato Grosso do Sul se tomado como um lócus geográfico de
enunciação, a partir da noção de existência de um sujeito biogeográfico na crítica ou plástica
da produção artística, esse lugar geográfico (artístico ou teórico), como pano de fundo para
pensar essas produções, que vislumbra perspectivas crítica transdisciplinares, terá outros

278
discursos críticos e também artísticos como a leitura analítica pós-colonial e crítico-
biogeográfica que faço das produções locais.
Do mesmo modo, a noção de uma opção crítica que emerge dos lugares enunciativos,
seja de língua espanhola, seja do Brasil, ou seja até dos lugares enunciativos postos na
Europa ou nos Estados Unidos, desde que sejam todos para pensar seus contextos a partir de
si próprios, não mais para pensar o outro, faz sentido tendo em vista que melhor falam por si
os próprios sujeitos. Nesse sentido, entender os lugares como lugares enunciativos
geográficos (Mignolo), igualmente perceber-se enquanto sujeito biográfico (Souza), é
compreender a ancoragem epistemológica da biogeografia pensada para construção de
conhecimento a partir da arte produzida em Mato Grosso do Sul. Portanto, há aqui a
emergência do lócus, sem nenhum provincianismo e/ou bairrismo e nacionalismo, como
produtor dos seus saberes sobres os seus fazeres. Assim, reforçam esta ideia Walter D.
Mignolo e Eneida Maria de Souza em passagens respectivas que seguem:
Não estou supondo que só pessoas originárias de tal ou qual lugar poderiam fazer
X. Permitam-me insistir em que não estou vazando o argumento em termos
deterministas, mas no campo aberto das possibilidades lógicas, das circunstâncias
históricas e das sensibilidades individuais. Estou sugerindo que aqueles para
quem as heranças coloniais são reais (ou seja, aqueles a quem elas prejudicam)
são mais inclinados (lógica, histórica e emocionalmente) que outros a teorizar o
passado em termos da colonialidade (MIGNOLO, 2003, p. 165-166). (Grifos
meus).

E, desta noção, têm condição de melhor falar das suas exterioridades porque estão
envoltas as sensibilidades biográficas desses sujeitos. Reforça-nos então Eneida na mesma
direção:
É preciso contar com a formulação de um locus de enunciação migrante, na
medida em que a identidade já se reveste como híbrida, ao falar e responder a
partir de dois ou mais lugares, não conduzindo, portanto, a sínteses, fusões ou
identidades estáveis (SOUZA, 2002, p. 13). (Grifos meus).

Ou seja, para propor uma análise das produções artísticas em Mato Grosso do Sul,
papel relegado obrigatoriamente à crítica local, é preciso levar em consideração a existência
de um lócus enunciativo migrante específico, pensado aqui como geografia específica, bem
como um sujeito biográfico para assim alcançar as especificidades dessas práticas artísticas
(teórica, crítica, artística ou pedagógica). Assim, então, emerge a argumentação
biogeográfica como proposta epistêmica para pensar sujeitos, espaços e narrativas dos
lugares de exterioridades situados no Brasil. Portanto, é preciso edificar sujeitos, lugares e

279
narrativas – biogeografias – outros para poder fazer, saber, ser, sentir as práticas culturais
desses lugares moventes. No entanto, não é a postura adotada pela crítica de arte,
especialmente, sul-mato-grossense regional, mas também em grande evidencia na crítica
nacional brasileira. No caso do local, essa crítica, avalizada por um poder público elitista,
prioriza as relações externas da produção artística local – de língua, de geografia e de
história alheias – e simplesmente desconsidera as possibilidades, ou especificidades como
quis Mignolo, dos limites e fronteiras do lócus onde dá mato até no nome.

ARTE DA EXTERIORIDADE COMO EPISTEME

Os lugares na América Latina produzem arte, cultura e conhecimentos


desconsiderados, menos ainda como saberes, pelos projetos homogeneizadores das culturas
aquém de suas interioridades. As especificidades, das práticas culturais e sujeitos e de
lugares, estão nas suas diferenças coloniais ou nas colonialidades dos poderes emergindo
dentro desses lugares: de constituição histórica ou contemporânea – que cada um desses
muitos lugares e sujeitos enfrenta e que, por conseguinte, fazem emergir, através das suas
produções em práticas inexistentes e re-existentes, arte, cultura e conhecimentos, ou como
epistemologias biogeográficas. “A diferença colonial é o espaço onde emerge a
colonialidade do poder. A diferença colonial é o espaço onde as histórias locais que estão
inventando e implementando os projetos encontram aquelas histórias locais que os recebem”
(MIGNOLO, 2003, p. 10).
Essas práticas, desta ótica, emergem como desobediências epistêmica e política aos
pensamentos históricos de localização hegemônicos. E, assim, desobedecer aos sistemas
coloniais – históricos e contemporâneos – (im)postos de arte, cultura e conhecimentos é uma
rearticulação de projetos globais na perspectiva das histórias locais. Transcende às
narrativas contínuas e a suposição de narrativa histórico-cultural que contempla ou
contemplou as diferenças coloniais. Pois, são os discursos de universalidade que (re)forçam
as exterioridades desses fazeres com a arte e das teorias locais como práticas epistêmicas e
culturais de sujeitos “em” estado “de” fronteira. “As fronteiras instalam no imaginário do
sistema mundial colonial/moderno uma outra lógica, uma lógica que não é territorial,
baseada num centro, semiperiferias e periferias” (MIGNOLO, 2003, p. 64). Na lógica
moderna a fronteira é exclusão do exótico e/ou ex-centro baseada em geo(historio)grafia
única. E a exterioridade tem dois lados: um, de desobediência epistêmica e política como
desordem dos discursos impostos, e o outro, de obediência aos sistemas epistêmicos e
políticos, mas que desobedece aos poderes coloniais instalados na/da cultura local para
280
produção cultural: é pôr- se em ordem aos mandos e desmandos opressivos. Logo,
desobediência descolonial ou obediência colonial estão para/em relação aos projetos de
colonização.
Para um a exterioridade desses sujeitos, lugares e narrativas subalternos –
biogeografias – estão para a exclusão (inferiorização desses) em relação à hegemonia que
insistem em excluir tudo que está (por) fora do seu sistema moderno-colonial. Assim, a
exterioridade é desconsiderar as práticas culturais e as produções de conhecimentos de
lugares excêntricos/exóticos (culturas, não-heterossexuais, não-cristãos, não-brancos,
artesanatos, não-corpos, não-ciência), ao projeto moderno, ilustrado no século XVI, ao
projeto de globalização do século XX da “boa intenção”. Nesta ordem de exclusão, porque
não correspondem ou se submetem àqueles colonizadores, estão as práticas culturais
biogeográficas de desobediências, epistêmica e política, aos que impõem a homogeneização
ao diferente. Esses fazeres com a arte, por exemplo, como produtores de conhecimentos,
evidenciam o que Walter Mignolo lembra ser uma desobediência descolonial: aprendizado
do aprender a desaprender o “ensinado” por mais de 10 séculos de colonização e
globalização desses sujeitos, lugares e narrativas de exterioridades latinas com histórias
coloniais.
As produções subalternizadas provocam, a partir da desobediência, um
descontinuísmo identitário, cultural e epistêmico, artístico e teórico, das teorias, em relação à
historiografia e a arte coloniais de línguas estrangeiras: aqueles discursos de centros
emanados às periferias na/da fronteira. Ou seja, além de lugar também epistêmico (científico,
filosófico, social, político, econômico e cultural) para si, moderno e/ou pós-moderno
coloniais, os pensamentos hegemônicos constituíram-se como únicas formas de
compreensão de sujeitos, lugares e fazeres a partir de si mesmos, por conseguinte, das suas
histórias e memórias, assim os lugares exteriores, aos privilegiados, são sempre tomados
como continuidades daqueles (o presente apenas existe porque o passado os constitui na
atualidade). A ideia, portanto, de desobedecer a esses pensamentos hegemônicos (histórico e
geográfico específicos) faz, de forma imperiosa e distinta, a constituição de saberes outros –
de arte e de teoria – e igualmente de culturas e conhecimentos subalternos que desordenam
aquela obediência e hegemonia Ocidental histórica por eles estabelecidas e (re)ordenam a
contemporaneidade artístico-cultural dos lugares também subalternos.
Tal ordem, no caso das artes visuais, faz erigir práticas artísticas específicas (outras)
e múltiplas, logo: práticas não inscritas em movimentos históricos e estilos tecnicistas

281
tomados como únicos modelos edificados pelos artistas e amparados em leituras críticas
da/de arte que viveram no passado, sempre alheios aos ágoras, ainda reforçados na
contemporaneidade. Igual, teorias que estão constituindo suas argumentações a partir desses
lugares externos ao à historiografia colonial, além de escapulirem à ideia de análise
estrutural, vislumbram argumentar a partir da epistemologia como biogeografias – porque
conceito também é uma tendência moderna e/ou pós-moderna (estou argumentando aqui na
perspectiva das fronteiras externas do sistema mundial colonial/moderno) –, por
reconhecimentos, como faço nas práticas culturais vistas por esta ótica, das relações dessas
com o bios dos sujeitos, as geografias dos lugares e as narrativas das culturas emergentes.
Essas (re)verificações teóricas não buscam relacioná-las (práticas artísticas) com
passado/lugar históricos altivos, descontextualizados dos locais.

Assim, da ideia de desobediência epistêmica e política (consciente ou imaginada)


como modos de produção de arte – práticas, teóricas ou de ensinar Artes Visuais – temos que
absorver a desobediência (o desobedecer) como consciência da condição colonial imposta e
não como aceitação (obediência) da situação de sujeitos e práticas colonizados e
subalternizados.7 Tomada dessa consciência no bios os fazeres com a arte, as produções
culturais, locais – de Mato Grosso do Sul –, igualmente nacionais e/ou latino-americanas
poderão ser consideradas para além dos estereótipos temporais, geográficos e
historiográficos europeu e/ou estadunidense. Do contrário, concordamos com a
(incon)ciência moderna e continuaremos sendo simplificações de arte, sem cultura e sem
conhecimentos a partir das imposições artísticas, culturais e científicas que nesses lugares
da-fronteira aportaram. Pois, baseado em Walter Mignolo, na grande maioria dos lugares
latinos, ainda (re)produz-se mais do mesmo! E:
Todas essas são variações dentro de uma mesma partitura: a estética moderna,
invenção europeia do século XVIII, um discurso que colonizou a aesthesis, o
sentimento, as sensações e as regulou nos princípios do belo e do sublime. Assim,
a estética moderna, pós-moderna e altermoderna8 são a metade da história,
embora pretenda ser universal e global. A outra metade é a resposta que vem de
80% do mundo não europeu cujas expressões culturais foram reduzidas a
folclore, música popular, literatura popular, artesanato, nativismo, etc., [que são]
reguladas e controladas pela decisão europeia sobre o que deveria ser considerado
belo e como fazê-lo. Por essa razão, a estética descolonial (isto é, o discurso
descolonial do discurso moderno-filosófico) não surgiu na Europa, mas no
Terceiro Mundo9 (MIGNOLO, 2015, p. 437). (Tradução livre minha)

Igualmente, atentados à consciência das diferenças coloniais dos lugares, conscientes


da condição colonial imposta por projetos de mundo, ou ainda, assumindo a colonialidade do

282
poder dos lugares subalternos ex-posta na contemporaneidade, que edificam fronteiras nas
culturas de exterioridade; entendo que seja, tomados dessas consciências, a única forma de
emergência de práticas artísticas e produções culturais de sujeitos, lugares e narrativas –
biogeografias múltiplas – serem compreendidos como produtores de arte, cultura e
conhecimentos externos ao que foi, é ou será de ordem da História da Arte da Europa ou dos
Estados Unidos. Dessa forma, confronta-se epistemes de arte e teoria que não se
complementam, e não completam: entre uma prática artística desobediente em Artes Visuais,
dos lugares subalternos e/ou subalternizados, com uma epistemologia colonial de lugares
privilegiados por tempo e histórias “sagrados”. São comparações incomparáveis. São estas
práticas das exterioridades (Terceiro-mundista) que fazem emergir uma representação de
identidade cultural não-moderna, não-pós-moderna ou mesmo altermoderna.

OBEDIÊNCIAS – ARTÍSTICAS – DESEPISTEMOLOGIAS

Algumas práticas são produções de “novos” conhecimentos e/ou de conhecimentos


outros, na perspectiva descolonial de discussão, de histórias e mudanças de/em seus tempos.
Já outras práticas (de arte, teóricas e culturais) reproduzem conhecimentos de tempos e
lugares alheios aos lugares onde emergem essas práticas na atualidade que (re)produzem
conhecimentos através de técnicas, estilos e temas passados. Estas estariam no que
considerei antes como o outro lado da questão da desobediência epistêmica e política. Logo,
são práticas culturais que exercem uma obediência aos sistemas (coloniais históricos e de
poderes contemporâneos), para manterem-se em evidência no “sistema regional de arte”,
mas que desobedecem às especificidades e diferenças instaladas na/da cultura local para suas
produções dita culturais: é pôr-se em ordem no sistema colonial moderno e pós-moderno –
mesmo ainda que localizado na fronteira onde esses devessem mais ser
desconsiderados/desordenados e desobedecidos; sistemas que insistem na história mundial
universal de produção artística privilegiada por raça, gênero e classe heteronormativo. Por
isso, tanto a desobediência descolonial ou esta obediência à colonialidade têm relação com
os projetos de universalização cultural. E ambas as desobediências são carentes de
discussões epistêmicas em MS, mas não apenas, pois também devemos isso ao Brasil e boa
parte dos lugares da América Latina.
Igualmente todos os lugares (re)produzem ou produzem arte, cultura e
conhecimentos: seja ou não através da arte! Pois, se as produções em artes plásticas
desenham e redesenham lugares, sujeitos, histórias e memórias como narrativas visuais,

283
desde os períodos mais remotos da presença humana em chão terrestre, aquelas também
tornam essas visualizações, construídas por diferentes artifícios técnicos e artísticos,
produções e reproduções de conhecimentos sobre esses sujeitos, lugares, memórias,
histórias, etc, diferentes. Tal evidencia torna-se importante aqui ser feita para lembrar que
todos os lugares nacionais e/ou latino-americanos apresentam traços artístico-culturais
humanos, assim como os lóci consagrados pelos discursos da historiografia “mundial”.
Portanto, se os discursos sobre as produções hegemônicas ancoram-se em classificações de
raça, gênero e classe específicos é porque há uma predileção de si próprios para contar os
fatos históricos. E esta eleição dos lugares e tempos não está circunscrita aos lugares
subalternos. Os lugares relegados a situ-ação de fronteiras! Mas que, na ordem estabelecida
na esfera global, fazem antes de todos a predileção pela história e lugar daqueles.
Todavia, como em todo lugar subalterno, em desequilíbrio ao exposto antes,
desobedecendo às desobediências epistêmica e política, que fariam promulgar uma
especificidade da arte local, também em Mato Grosso do Sul, meu exemplo e lugar
enunciativo, a produção artística visual, na sua grande maioria, para não dizer quase toda,
continua inscrevendo a exterioridade artística e cultural desse lugar de fronteira (geográfica
que já caracteriza essa situação “de” e “à” margem) na interioridade do pensamento
hegemônico europeu e à sombra do projeto de globalização estadunidense. E, igualmente
ou o que é inda pior, a crítica local, que se valendo das teorias migrantes dos lugares
homogeneizadores, induzindo as leituras analíticas nos moldes mais modernos sobre essas
práticas, reforça a obediência artística e cultural (na prática, na teoria e no ensino de arte) de
lugares subalternizados como Mato Grosso do Sul em relação à Europa e aos Estados
Unidos.10 Portanto, caracteriza ai, uma “comparação” diferente da que aqui, até então,
deveria ser privilegiada – em que os sujeitos de lugares subalternos produzissem
diferentemente do que a historiografia colonial insiste/persiste em reconhecer como
produção artística –, quando os lugares à margem insistem em continuar produzindo (arte e
teorização) ancorados nos discursos hegemônicos coloniais em contraposição às suas
verdadeiras condições e diferenças coloniais: suas interioridades, vamos dizer assim. Do
mesmo modo, o teórico, o artista e o professor e historiador subalternos submetem-se em
dobro às ideias de desobedecer ao contrário

[...]: começando e a partir da metáfora do sistema mundial moderno e


introduzindo expressões paralelas como modernidade/colonialidade, sistema
mundial colonial/moderno e colonialidade, pretendo, no conjunto, destacar que
não existe modernidade sem colonialidade, que a colonialidade do poder subjaz à
construção da nação tanto nas histórias locais das nações que conceberam e
284
implementaram projetos globais como nas histórias locais de nações que tiveram
de se acomodar a projeto globais que lhes diziam respeito, mas sem sua
participação direta (MIGNOLO, 2003, p. 74).

Logo, subjaz nos contextos subalternos múltiplos uma matriz colonial – histórica
e/ou contemporânea – que concebe por onde essas histórias locais devem circunstanciar (no
caso aqui sempre tomando da prática de artes visuais como ponto de ilustração, mas
abarcando o imaginário de arte, cultura e conhecimentos locais vários): sejam nas práticas e
produções que desobedecem ao sistema colonial (político, econômico, social e cultural), pior
ainda o é nas produções artísticas, culturais e de manutenção de conhecimentos históricos
que estejam em plena obediência a essa matriz da colonização. Pois, neste último caso, as
práticas e produções de todas as naturezas, que são sustentadas por um “sistema de arte
regional”, em detrimento de um contexto local epistêmico fronteiriço das e de diferenças,
acabam por privar-se e se embebedarem da colonialidade do poder local: sejam esses
comercial, político, social e mesmo cultural que sustentam os discursos desses a partir de
características estilísticas e/ou de movimentos artísticos coloniais modernos ou pós-
modernos. No caso de MS impera o Agronegócio!
Inscreve-se ainda nesta problemática de obediência às epistemologias europeias e/ou
estadunidenses, relacionadas às práticas artístico-culturais locais, um fazer artístico que
pactua mais ainda da episteme como política de manutenção da colonialidade do poder
instituída em Mato Grosso do Sul. Do mesmo modo, há uma política de manutenção dos
artistas que pactuam dessa obediência e das políticas de colonialidade de poder e do Estado-
nação, promovidos pelas teorias e críticos regionais sul-mato-grossenses, que exercem a
função de internalizar-nos aos projetos modernos e pós-modernos – europeu e estadunidense,
respectivamente, tornando essas práticas artísticas (musical, literária, visual-plástica e cênica,
entre outras) obedientes e exteriores às colonialidades globais. Dessa confusão babélica,
portanto, a posteriori, cabe dizer que a produção artístico-visual e as práticas teóricas e
críticas em Mato Grosso do Sul, em muitos casos também de ensino, na sua grande maioria,
têm homogeneidade moderna ou pós-moderna nos fazeres como desobedecidas nas
discussões descoloniais anteriores: contradição, obedecem achando que desobedecem aos
sistemas. Portanto, resultam, cada vez mais, em práticas e produções artístico-culturais de
natureza exuberante, recortes do natural, exóticas e retratos de uma realidade inventada,
sempre as relacionando às disciplinas da era (ciência) moderna para sustentar a precariedade
desses fazeres que, aí sim, tornam-se difíceis de serem inscritos fora (na exterioridade
descolonial) ao o que deveria ser considerado belo e como deve fazê-lo: impostos pelo

285
sistema moderno e pós-moderno de produção de arte, cultura e conhecimentos.

PRODUZIR EM-FRONTEIRAS - CONSIDERAÇÕES FINAIS

Para finalizar previamente as questões aqui expostas argumento em favor de


epistemologias de arte e teoria outras como únicas saídas, tendo a consciência de que findá-
las (as discussões obviamente) está longe de que seja uma realidade possível, benéfica ou
maléfica; pois ainda insistem em (re)produzir artes, culturas e conhecimentos nos lugares
subalternos a partir das relações de “parentescos” inventadas para continuísmos históricos e
geográficos consagrados/comparados aos/nos lugares excluídos. Ainda que seja um parente
distante, mas consanguíneo e carnívoro, construído como se fosse uma nova versão de
Frankenstein, mas sem emoção. Porquanto, não vejo as construções de relação horizontal
entre os lugares em-fronteira com a Europa e os Estados Unidos (como antropofagismos,
rupturas, inspirações, aspirações, cópias ou modelos) faz muito tempo. Entendo que apenas
“práticas” culturais (artísticas e/ou teóricas) outras, vistas pela ótica de desobediências
epistêmica e política, são capazes de promover confrontos aos processos homogeneizadores
– coloniais históricos ou contemporâneos – a partir das suas diferenças coloniais apagadas
pelos projetos de universalização das produções de arte, das culturas e dos conhecimentos
daqueles. As histórias locais desses lugares exteriorizados pelos projetos globais – lóci
nominados de fronteiriços, marginais “com” sentido metafórico, excluídos, à margem, etc –
nunca estiveram com a vez de contar suas próprias memórias e/ou histórias como narrativas
que contribuíssem com a suposta ideia das “narrativas universais”. Pois nem esse papel nos
foi dado o direito: de contribuição, apenas fomos manutenção daquela narrativa imposta.
Dessa forma, trato Biogeografias crítico-fronteiriças (AUTOR SUPRIDO, 2016) como
exterioridades descoloniais às histórias e lugares, porque ao contrário, como mais uma
episteme que insere as práticas culturais, por conseguinte as histórias locais, dos lugares
excluídos, à interioridade das narrativas hegemônicas, as epistemologias historiográficas
modernas e pós-modernas, migrantes ou não, que estiveram reinando nesses lugares, sempre
o fizeram a seu bel-prazer. Desde as ideias de antropofágicas, passando por “afirmativas” de
rupturas, ou que aqueles eram apenas tomados como inspirações, modelos ou mesmo que os
copiávamos descaradamente sem aspirações de sê-los, nunca nos deu nosso lugar de
produtores de arte, cultura e conhecimentos de devido direito do saber-fazer. Nunca
estivemos, como agora, com a bola da vez:

286
Pensar em uma história mundial ou na história universal é hoje uma tarefa
impossível. Ou talvez sejam ambas possíveis, mas sem credibilidade. As histórias
universais dos últimos quinhentos anos foram imbricadas em projetos globais.
Hoje, as histórias locais estão assumindo o primeiro plano e, da mesma forma,
revelando as histórias locais das quais emergem os projetos globais com seu
ímpeto universal. Do projeto do Orbis universalis christianum, aos padrões de
civilização na virada do século 20, até o projeto atual de globalização (mercado
global), os projetos globais têm sido o projeto hegemônico para o gerenciamento
do planeta. Esse projeto mudou várias vezes de mãos e de nomes, mas as vezes e
os nomes não estão enterrados no passado. Pelo contrário, permanecem vivos no
presente, mesmo que a tendência mais visível seja transformar o planeta em um
mercado global. (MIGNOLO, 2003, p. 46-47).

Corpos “estranhos” que se edificam externos aos corpos modelos modernos,


transversalidades e diversalidades descontinuando até mesmo as noções de sexo imperantes
na atualidade, discursos, vozes, balbucios, gritos emanados de diferentes lugares e por
múltiplos sujeitos, são questões que ilustram a ideia de que hoje, as histórias locais estão
assumindo o primeiro plano e, da mesma forma, revelando as histórias locais das quais
emergem os projetos globais com seu ímpeto universal. Não a partir de uma perspectiva de
regional. Quer dizer, agora até os discursos dos excluídos que foram rebaixados às
exterioridades e fronteiras dos sistemas modernos e pós-modernos têm sua vez de Ser.

Concordamos então que se agora é a Era que a História da Arte não dá mais conta
da Arte! É a hora, por conseguinte, dessa historiografia prestar conta com as múltiplas
artes que foram e estão sendo produzidas e reproduzidas nas mais variadas biogeografias
locais na atualidade!

Pensar a partir da fronteira precisa de sua própria genealogia e história, o que, por
sua vez, surge ao colocar o pensamento em prática a partir da fronteira. Sem isso,
pensar a partir da fronteira permaneceria um simples apêndice à epistemologia
imperial do Ocidente moderno e às variantes da história canônica da civilização
ocidental – que foi contada a partir da perspectiva do Império (do Renascimento a
Hegel e Marx) – ou permaneceria como um simples objeto das ciências sociais
(como foi a mente selvagem para os primeiros antropólogos). 11 (MIGNOLO;
TLOSTANOVA, 2009, p. 12) (Tradução livre minha)

Não pensem vocês que estou pensando apenas em fronteira geográfica! A fronteira
está dentro de cada um de nós!

________________________________________________________________________________
1 Este texto está vinculado a um Projeto de Pesquisa Maior em desenvolvimento como Pesquisa de Pós-
Doutoramento na FAALC-UFMS que investiga uma perspectiva outra da História da Arte Latino-Americana.
Aquele Projeto está vinculado à pesquisa maior em desenvolvimento desde 2006 intitulada “Arte e Cultura
na Frontera: “Paisagens” Artísticas em Cena nas “Práticas Culturais” Sul-Mato-Grossenses” cadastrada na
287
PROPP/UMES.
2 A referência ao corpo neste trabalho está em um corpo epistemológico pensado como um espaço de
enunciação bio-geo- gráfico – um corpo que constrói sua identidade, espaços e narrativas de acordo com suas
necessidades intrínsecas ao próprio corpo. Assim, este corpo de que falo nunca está posta para a ideia
exclusivista de corpo físico dotado de técnicas – artísticas, pedagógicas e de experiências artísticas históricas
alheias tomadas como suas. Sobre isso, ver especialmente sobre esta discussão do corpo epistêmico em
AUTOR SUPRIDO, 2019. “O corpo das artes (cênicas) latinas ainda é razão e emoção!” (texto no prelo).
3 A discussão sobre arte política nunca foi uma questão que me valesse discutição. Haja vista que nunca
pensei a arte, ou nenhum fazer com e de arte, sem vínculo com política. Logo, porque sempre compreendi esta
relação em dois óbvios sentidos no contexto brasileiro: uma versão de política partidária; artistas, críticos e
até professores cooptados por um estado para produção. Segundo porque via em alguns casos uma política em
arte que desconsiderou os sistemas da arte para produção e que, também por isso, estiveram fora desse sistema
de politicagem com arte. Mas agora, estou pensando em uma aproximação com a noção de “corpo-política” e
“identidade em política” de Walter Mignolo que, se der tempo, ainda abarco neste texto. Mas caso não
consiga, vale a leitura de MIGNOLO, 2008; 2015.
4 A discussão acerca de “tradição/tradições” se coloca para entender que na perspectiva moderna ambos os
termos tomam olhares e traduções diferentes: o primeiro refere-se à tradição universal dos textos artístico e
que, por isso, são considerados cânones universais. Já do segundo, tradição, está para as culturas periféricas,
que têm práticas “reconhecidas” pelas culturas hegemônicas que não são cânones, mas são práticas
populares/folclóricas/tradicionais realizadas por essas culturas que as mantêm como diferentes em relação
àquelas.
5 Por um momento este ponto parece dúbio, especialmente na discussão entre um regional ou um universal
tradicionais. Mas, de certo modo, estou pensando em uma produção em arte (seja através de práticas artísticas,
ou seja através de práticas teóricas e/ou pedagógicas em arte) que esteja situada bio-geo-graficamente no
contexto latino-americano brasileiro, minimamente. Mas se penso nesta possibilidade situada melhor
geograficamente falando, é possível pensarmos em emergência de fazeres com arte situados nos múltiplos
lugares enunciativo brasileiros, a exemplo do que proponho a partir de Mato Grosso do Sul enquanto um lugar
de construção de conhecimento da lógica da sua especificidade.
6 “En esta esfera, se trata de la desoccidentalización más que de la descolonización de la estética. Estas son
dos opciones que están hoy surgiendo en el mundo no-europeo. En Europa, Okwui Enzezor introdujo —desde
Documenta 11— la dimensión postcolonial en el museo y en el discurso curatorial. (Enzewezor, 2010). Sin
embargo, la versión postcolonial de la estética, en el ámbito Europeo (Enzezor escribió el primer artículo para
el catálogo de la Tate Trienal de 2009, curada por Nicolas Bourriaud), ha encontrado sus críticos en el ámbito
de las prácticas artísticas y discursivas sobre el arte. Entre estas críticas nos encontramos con la versión
decolonial de la estética. Esto es, la opción decolonial frente a la reproducción eurocentrada de la estética
(altermodernidad), la opción desoccidentalizadora (Yuko Hasegawa), la opión postcolonial (Enwezor) y la
opción decolonial ( Wemega-Kwawu)” (MIGNOLO, 2012, p. 27).
7 O sujeito é subalternizado, não nasce subalterno!
8 O conceito de estética altermoderna (em espanhol) de Walter Mignolo, na minha tradução livre, aproxima-
se ao conceito de Hipermodernidade amplamente usado por alguns críticos, artistas e historiadores da arte
para ilustrarem um suposto momento histórico posteriori à modernidade pós-clássica europeia. Ainda
mantendo a ideia de cronologia temporal defendida pelo pensamento hegemônico europeu. Portanto, para
efeito do que espero que seja compreendido a partir da citação, mantenho o termo “não traduzido” assim
como se encontra na publicação de Mignolo da qual faço referência. MIGNOLO, Walter D.. Habitar La
frontera: sentir y pensar la descolonialidad (Antología, 1999-2014).
9 “Todas estas son variaciones dentro de la misma partitura: la estética moderna, invención europea del siglo
xviii, un discurso que colonizó la aesthesis, el sentir, las sensaciones y las reguló en los principios de lo bello
y lo sublime. Así, la estética moderna, posmoderna y altermoderna son la mitad de la historia aunque
pretendan ser universales y globales. La otra mitad es la respuesta que proviene del 80% del mundo no
europeo cuyas expresiones culturales fueron reducidas a folklore, música popular, literatura popular,
artesanías, nativismo, etc., reguladas y controladas por la decisión europea sobre qué es ló que debe
considerarse bello y cómo hacerlo. Por eso, las estéticas descoloniales (esto es, el discurso descolonial del
discurso moderno-filosófico) no surgieron en Europa, sino en el Tercer Mundo.” (MIGNOLO, 2015, p. 437)
10 Esta questão é o ponto alto da pesquisa de Pós-doutoramento que será desenvolvida a partir destas
reflexões. Pois, sem presunção de identificar ou mesmo conceituar o que é arte descolonial, pretendo discutir
porque estas questões de “desobediência” e “obediência” em arte sul-mato-grossense, brasileira, latina e em
outras culturas marginais ainda persistem. 11 “El pensamiento desde el borde necesita de su propia genealogía
e historia, la cual a su vez surge al poner en práctica el pensamiento desde el borde. Sin esto, el pensamiento
desde el borde quedaría como un simple apéndice de la epistemología imperial del Occidente moderno y de
las variantes de la historia canónica de la civilización occidental – que ha sido contada desde la perspectiva
288
del Imperio (desde el Renacimiento hasta Hegel y Marx)- o quedaría como un simple objeto de las ciencias
sociales (como fue la mente salvaje para los primeros antropólogos).” (MIGNOLO; TLOSTANOVA, 2009, p.
1)

REFERÊNCIAIS BIBLIOGRÁFICOS

AUTOR SUPRIDO, Autor suprido. “BIOgeografias Ocidentais/Orientais:


(i)migrações do bios e das epistemologias artísticas no front”. In: Cadernos de Estudos
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18 de jul. 2017.
SOUZA, Eneida Maria de. Crítica cult. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2002.
(Humanitas).

289
FORMAÇÃO DE PROFESSOR DE ARTE NAS CULTURAS CONTEMPORÂNEAS

Marcos Antônio Bessa-Oliveira

RESUMO

O artigo situa-se no campo epistêmico descolonial fronteiriço como método investigativo


contramoderno, tomando dos Estudos de Culturas que privilegiam discutir arte, cultura e
produção de conhecimento usando de epistemologias de diferentes geo-histórias, para
compreender práticas culturais e a educação de MS como lugar bio-geo-gráfico. Lendo as
Teorias Modernas e Contemporâneas ancoradas à Crítica Biogeográfica Fronteiriça, os
Estudos de Culturas podem tornar o lócus epistêmico produtor de arte, cultura e saberes
específicos: nem melhor ou pior, mas diferente; substantivo de diversalidade, de
especificidades bio-geo-gráficas. Objetiva-se com a reflexão ampliar as epistemes
descoloniais para a Formação de Professores de Artes, pois, atualmente, ainda “formamos”
professores mentalizados no final do século XVIII.

Palavras-Chave: Formação; Epistemologia; Biogeografia; Arte; Cultura.

RESUMEN

El artículo se sitúa en el campo epistémico descolonial fronterizo como método investigativo


contramoderno, tomando de los Estudios de Culturas que privilegian discutir arte, cultura y
producción de conocimiento usando de epistemologías de diferentes geo-historias, para
comprender prácticas culturales y la educación de MS como lugar bio-geo-gráfico. Leyendo
las Teorías Modernas y Contemporáneas ancladas a la Crítica Biogeográfica Fronteriza, los
Estudios de Culturas pueden hacer el locus epistémico productor de arte, cultura y saberes
específicos: ni mejor o peor, pero diferente; sustantivo de diversalidad, de especificidades
bio-geo-gráficas. Se objetiva con la reflexión ampliar las epistemias descoloniales para la
Formación de Profesores de Artes, pues, actualmente, todavía "formamos" profesores
mentalizados a finales del siglo XVIII.

Palabras clave: Formación; Epistemología; Biogeografía; Arte; Cultura.

INTRODUÇÃO – (RE)VERIFICANDO PONTOS (CON)(DI)VERGENTES

A escola e a educação são, na mentalidade neoliberal, cada vez mais “ineficientes”


porque os esforços devem ser colocados [na argumentação] e no aumento do PIB e
não da aprendizagem e formação de pessoas que contribuam para a vida comunitária
e plena. A pedagogia descolonial não pode estar a serviço da eficiência, nem tão
pouco à limitada tarefa de educar cidadãos para o Estado-nação (educação liberal),
nem apenas na formação de pessoas de fé (educação teológica), mas na busca,
através do amor descolonial, daquela plena humanidade que Franz Fanon
ambicionou quando terminou de escrever Os condenados da terra, no leito de
morte e inundado pela violência da colonialidade, na Argélia e no Terceiro Mundo
(MIGNOLO, 2014, p. 9).

290
A humanidade espera alguma coisa de nós que não seja essa imitação caricatural e
em geral indecorosa. Se queremos transformar a África numa nova Europa, a
América numa nova Europa, confiemos, então, aos europeus os destinos dos nossos
países. Saberão fazê-lo melhor que os mais dotados de nós. Mas se queremos que a
humanidade avance com audácia, se queremos elevá-la a um nível diferente do que
foi imposto pela Europa, então é necessário inventar e descobrir. Se queremos
responder à esperança dos nossos povos, não devemos fixar-nos apenas na Europa
(FANON, 1965, p. 171).

A discussão acerca da “Formação de professor de Arte nas culturas contemporâneas”


está diretamente relacionada à hipótese de edificar um pensamento epistêmico outro sobre
arte, cultura e conhecimentos (entenda-se, por conseguinte, educação) em que se circunscreve
a ideia de tomar a arte, nas suas possibilidades práticas, de pesquisas e pedagógicas como
promotoras de conhecimentos; de pensar as culturas, indistintamente de lugares e tempos,
como promotoras de práticas artísticas e culturas transmissoras de seus conhecimentos; e,
igualmente, em pensar a educação e/ou os conhecimentos nas diferentes culturas através das
diferentes práticas artísticas praticadas por diferentes sujeitos, por conseguinte, em diferentes
lugares e tempos históricos. Nesse sentido, pensamentos solidificados sobre aqueles na
cultura contemporânea devem necessariamente ser (re)verificados: a discussão toma da noção
de formação (docente) com/através da Arte (humana). Igualmente teremos que rever nossos
próprios conceitos de Arte, Cultura e Educação na cultura contemporânea, o que temos postos
nas diferentes disciplinas e/ou contextos socioculturais, para pensarmos em proposições
outras na/para a Formação Docente através desses. Para essas articulações, portanto, tomo de
epistemologias descoloniais crítico-biográfico-fronteiriças – biogeografias, a saber: bio-
sujeito, geo-espaço, grafias-narrativas – como método contramoderno para articular a partir
desse lugar, nunca sobre. Pois, da perspectiva moderna que ainda temos imperante quase
sempre na educação, nas formulações teóricas e/ou de práticas metodológicas e de formação
de professores, desprivilegiam-se as diferenças coloniais, as interculturalidades culturais
(CANDAU, 2008), as biogeografias e as diferentes histórias e geografias, que o pensamento
moderno (cientificista) edificado a partir do século XIV desconsiderou, por uma ótica que
promove mais a (de)formação desses.
Num primeiro caso, então, estamos obrigados a compreender a Arte, a Cultura e o
Conhecimento desvinculados de lugares e tempos históricos – geoistóricos privilegiados –
diferentes das compreensões que temos impostas na consciência colonial brasileira, mas
também latino-americana e quem sabe igual até europeias e estadunidenses, de que somente
esses últimos – por volta dos séculos XIV ou XIX, respectivamente – foram capazes de
consolidar Arte, Cultura e Conhecimentos como reconhecemos. Já num segundo caso nisto

291
imposto temos que compreender a arte na educação – (como práticas artísticas, na pesquisa
em arte ou no ensino de arte) – como promotora de conhecimentos, indistintamente da cultura
que emerge e do/no seu tempo histórico2. Nesta ordem, as práticas do corpo nas suas
múltiplas expressões, as expressões artísticas das linguagens e/ou mensagens, igualmente as
infinitas biográficas (sujeitos promotores desses) deverão ser compreendidos através da arte3.
Pois, nesta perspectiva que se quer emergente os pensamentos sobre arte(s), cultura(s) e
conhecimento(s), conceitos binários de gêneros, classes ou raças de sujeitos como únicos
promotores, fazem emergir compreensões equivocadas como soberanas nas culturas de
exterioridades, Modernas e Pós-modernas, de Arte, Cultura e Educação.
[...] entendo que o discurso crítico fronteiriço, ou melhor, a epistemologia
fronteiriça, antes de ser tomada como um campo de estudo, deve ser compreendida
como um lócus de enunciação fronteiriço crítico por excelência. Por conseguinte, ao
invés de continuar a reproduzir à exaustão a velha prática de importação de teorias
dos centros desenvolvidos do país e do mundo e simplesmente repeti-las nas bordas
periféricas do país, deve[mos] tomar o lócus fronteiriço como um campo gerador de
saberes e de um discurso crítico específico que se ancora em uma epistemologia da
fronteira. (NOLASCO, 2017, p. 70-71).

Inscreve-se nesta perspectiva epistemológica que a noção de Moderno é o pensamento


hegemônico edificado pela Europa de que apenas poderia ser tomada como Arte a noção
constituída pelo Renascimento artístico, nascido na Itália, consolidado pelo Cristianismo
Católico Cristão e praticado pelo homem branco fálico. Ou seja, toda a ideia de arte, cultura e
conhecimento que não estivesse inscrita na perspectiva hoje tomada como clássica ou como
tradição e universal – de homogeneização do mundo pela ideia de modernização
(renascimento) do mundo – era e ainda o é vista como não arte, sem cultura e que não
produzia ou produz conhecimentos a partir de seus próprios corpos. A passagem posta na
contumaz epígrafe do texto de Frantz Fanon já ilustrou a necessidade de realocação
(geográfica e temporal) da nossa história, arte, cultura e educação. Quer dizer, portanto, que o
pensamento moderno europeu solidificou na consciência dos sujeitos periféricos inumanos
que nós não produzimos arte, mas apenas artesanato, que não somos sujeitos dotados de
cultura, pois somos devedores de empréstimos das culturas deles e que não produzimos,
apenas reproduzimos os conhecimentos que deles migram de tempos em tempos para analisar
todas as nossas práticas culturais4. Igualmente, o pensamento moderno europeu instituiu a
perspectiva geoistórica de que o único lugar produtor de conhecimento é a Europa, o homem
branco e fálico, bem como a única história dotada de tempo histórico é as deles.
Contribui e vem contribuindo também para o desmerecimento das práticas artístico-
culturais de sujeitos, lugares e conhecimentos tomados como marginais, a noção de

292
globalização consolidada pelo pensamento pós-moderno estadunidense. Assim como o
pensamento moderno europeu engendrou um mundo unificado pelo gênero, raça e classe, os
americanos do norte têm trabalhado insistentemente na consolidação do pensamento de que
todos têm acesso a tudo. Tal conspiração nada escondida faz permanecer, por exemplo, a
sensação blasé de que um brasileiro – “latino-americano, sem dinheiro no bolso, sem lenço e
sem documento” – é tão oportunizado pelo capitalismo norte-americano como aqueles o são.
Um exemplo disso é, pois, a falsa noção de que um lançamento eletrônico realizado naquele
país é tão acessível aqui no dia seguinte quanto é lá: sendo que as redes tecnológicas e
sistemas comerciais brasileiros nunca darão os mesmos suportes que se têm lá. Igualmente é
falsa a ideia de que as tecnologias midiáticas aproximam de todos as mesmas experiências de
mundos diferentes e divergentes dos nossos. Nessa condição pós-moderna estadunidense ou
naquela imposição moderna europeia, o fato é que sempre fomos tomados como sujeitos
periféricos e marginais sem arte, cultura e sem conhecimentos.

Nesta perspectiva, a escola é concebida como um centro cultural em que diferentes


linguagens e expressões culturais estão presentes e são produzidas. Não se trata
simplesmente de introduzir na escola as novas tecnologias de informação e
comunicação e sim de dialogar com os processos de mudança cultural, presentes em
toda a população, tendo no entanto maior incidência entre os jovens e as crianças,
configurando suas identidades. (CANDAU, 2013, p. 34).

Tudo isso conjura favorecendo a manutenção de uma educação ancorada em “políticas


públicas” assistencialistas que, por exemplo, em Campo Grande-MS, as escolas iniciam todos
os anos letivos cercadas de material escolar, uniformes, materiais didáticos, tecnologias, entre
outras coisas, “ofertadas” pelo Estado-nação, parecendo objetos promocionais com
logomarcas de uma empresa em franca circulação/promoção. Penso não ser essa uma
característica privilegiada das cidades de Mato Grosso do Sul, pois todos os estados
brasileiros são trabalhados na ideia de que as Prefeituras e/ou Governos Estaduais devem
atender às demandas escolares dos alunos da Rede Pública Municipal e Estadual nos
quesitos básicos para frequentar às aulas. No fundo, tal assistencialismo favorece a deturpação
da empregabilidade das finanças destinadas pelo Governo Federal, por exemplo, quando
ocorrem, à rede da Educação Pública brasileira, já que o trâmite/trânsito/tráfico de mão em
mão do dinheiro público, faz chegar quase nada ao seu objetivo final: às escolas.
Dessa forma, tanto a ideia de que a Educação “salva” a qualquer sujeito, como
apontado por Walter Mignolo na outra epígrafe deste texto, ou assentado na noção de Fanon
de que precisamos tirar das mãos do europeu – e na minha concepção das mãos também dos

293
norte-americanos – a ciência de denominação, do que é da ordem da nossa arte, cultura e
conhecimentos, corroboram a necessidade de aprimoramento na formação docente brasileira,
especialmente de Arte, através de epistemologias outras que priorizam a cultura brasileira de
um ótica fronteiriça5. Portanto, torna-se evidente e emergencial na cultura nacional não
trabalharmos mais em cursos de graduação e pós-graduação – ambos formam docentes para
atuação na educação básica – baseados exclusivamente em doutrinas teórico-críticas
modernas exclusivistas e migradas da Europa ou dos Estados Unidos, empregadas a “cabo e
rabo” na arte, na cultura e nos conhecimentos produzidos deste lado do planeta que
(de)formam. Precisamos, evidentemente, de epistemologias que privilegiem o fazer, o saber e
o ser das especificidades das culturas latino-americanas no agora.

Isto é, da mesma maneira que a formação não se pode dissociar da produção de


saber, também não se pode alhear de uma intervenção no terreno profissional. As
escolas não podem mudar sem o empenhamento dos professores; e estes não podem
mudar sem uma transformação das instituições em que trabalham. O
desenvolvimento profissional dos professores tem que estar articulado com as
escolas e os seus projectos. (NÓVOA, s/d, s/p).

Inscreve-se aí então, a partir dessas noções apresentadas, perspectivas outras que


tomam a Arte, Cultura e a Educação, bem como a ideia de Formação Docente, por prismas
que se ancoram exatamente nos sujeitos como produtores desses, nos lugares como capazes
de edificarem as três coisas e nas práticas artísticas como narrativas não imperantes de noções
e pensamentos duais, por exemplo: se determinada coisa é ou não arte, se alguma sociedade
tem ou não cultura ou se alguma atividade é ou não promotora de conhecimentos. Pois, para
constituir esse pensamento epistêmico de arte, cultura e conhecimentos entendidos nas suas
diferenças, valho-me do que tenho nominado agora de Estudos de Culturas que permitem
consolidar uma epistemologia biogeográfica fronteiriça. Quer seja, bio = sujeitos biográficos,
geo = espaços, grafia = narrativas – como um pensamento epistêmico que emerge da
fronteira. Portanto, biogeografia fronteiriça está para a ideia de que todo sujeito, espaço e
narrativas são produtores de arte, cultura e conhecimentos e que esses se solidificam
indistintamente de categorias europeias e/ou estadunidenses de gênero, raça ou classe, mas
que são as diferenças coloniais que essas biogeografias têm que as fazem produtoras de arte,
cultura e conhecimentos não hegemônicos, mas específicos e diversos com sentido de
diversalidade.
Portanto, para compreender um pouco melhor disso tudo anunciado, vai nos ser
importante entender e nos habituarmos a lidar com os termos basilares das discussões:

294
diferença como valor do que é da ordem do diferente e não com sentido empírico na nossa
noção e consciência do que é de pertencimento ao divergente. Do mesmo modo entender
diverso a partir de diversalidade, não de diversidade; inter e multiculturalidade ancorados
nas perspectivas transculturais e/ou transdisciplinares, já que ambos priorizam diferentes e
diversos, nunca comparativos entre desemelhanças; sensibilidades ao invés de estética, ainda
que esta última no plural como tem sido grafado por alguns estudiosos pós-modernos, como
parâmetros para pensar a arte; e arte para além da ideia de obra de arte moderna posta; cultura
como um termo que ilustra determinada sociedade ou grupo de indivíduos ou simplesmente
uma pessoa que pertence a algum conhecimento; e conhecimento como algo que se transmite
de geração em geração ao invés de algo localizado em um tempo e espaço e sujeitos
específicos nominado pelo cogito cartesiano de portador da ciência.

ESTUDOS DE CULTURAS – DIFERENTE – ESTUDOS CULTURAIS

Estudos da relação entre o Ensino de Artes X os Estudos Culturais vem sendo objeto
de investigação nas minhas práticas artísticas, nas pesquisas teóricas e como metodologias de
ensino de artes têm cerca dez anos. Diferente do possível entendimento de oposição entre
disciplinas (caso do “X” em questão), estabeleço relações a fim de melhorar as minhas
práticas, igualmente dos acadêmicos e professores (leitores), no trabalho com Artes. A
proposição primeira da sistematização feita no decorrer de quatro anos – de 2006 a 2009 – foi
promover apontamentos de possíveis relações entre o Ensino de Artes no Brasil (desde 1500
até aqueles dias) e os Estudos Culturais que vinham migrando para terras latinas desde a
Inglaterra de finais do século XX.7 Mais tarde publicada em livro – Ensino de Artes X
Estudos Culturais: para além dos muros da escola (2010) – a discussão e contribuições de
Artes e Estudos Culturais como “disciplinas”, e as minhas ali (im)postas de ambos tomados
como “indisciplinas”, evidenciam possibilidades epistêmicas para o Ensino de Arte e para a
Formação de Professores de Artes e, igual, para o Trabalho Docente em Arte no Brasil.
Minhas discussões tomaram do Ensino de Arte no Brasil – discutindo desde a rubrica
Arte no singular, passando pelas “pedagogias” que tivemos no ensino de arte, até a
abordagem triangular proposta por Ana Mae Barbosa acerca de 1980. Fazendo apontamentos
dos problemas que tivemos estabelecidos aqui de sempre termos um ensino pautado em
aprendizados vindos de fora, fossem pelo método de aprendizado da técnica ou do modelo de
escolas trazidos por importações, fossem ainda por necessidades de dar finalidades
empreendedoras à própria arte, argumentei a favor das contribuições que um estudo como os

295
Estudos Culturais, que se pautava na reformulação dos cânones, pudessem promover ao
Ensino de Artes no Brasil; ali também já grafando a disciplina e pensando as práticas com as
Artes no plural. Pois, até ali não tínhamos estabelecidas as resoluções das problemáticas do
ensino de Artes ainda ter que lidar com as quatro linguagens na mesma sala de aula com o
mesmo professor; do reconhecimento da importância do conteúdo de Artes pela escola, pelos
colegas professores e pelos próprios alunos; e da dificuldade do professor em relacionar
culturas específicas com currículo que reforça a História da Arte europeia. Ainda hoje as
mesmas problemáticas e outras (BNCC) surgem a fim de decretar o fim da disciplina como
conteúdo obrigatório nas escolas de ensino formal brasileiras.
Dos Estudos Culturais, pensados lá fora para Escolas de Jovens e Adultos –
semelhantes ao nosso AJA – e para investigar as práticas culturais das classes menos
favorecidas – trabalhadores rurais e de minas, bem como o feminino e outras –, suas
epistemologias vieram migrando/mudando de lugar para lugar: da Europa para os Estados
Unidos, desse último para a América Latina e desses até o Brasil quase simultaneamente8.
Não necessariamente nesta ordem ou mesmo sem tomar de outros lugares, os Estudos
Culturais provocaram a constituição de outros saberes. Foi dessa perspectiva que os primeiros
estudos realizados para estabelecer a relação entre o Ensino de Artes e os Estudos Culturais
aconteceram naquela pesquisa publicada em 2010; até ali não tinha conhecimento de
empreitada igual. Uma ideia de retroalimentação de epistemologias entre os saberes (de Artes
e de Culturas) que situassem a disciplina de Arte no lugar de “indisciplina” como ocupava os
Estudos Culturais, mas como saberes epistêmicos outros desconhecidos pelo saber disciplinar
Moderno e Pós-moderno imperantes.
Portanto, de um tempo para cá, mas na tentativa de sistematizar melhor as ideias,
retomo aquela pesquisa, e a fim de propor uma (re)verificação de ambos, do atual cenário do
Ensino de Artes10, bem como da ideia de estudos que abarcam a cultura, quero estabelecer
uma relação entre esse mesmo Ensino de Artes, mas versus Estudos de Culturas: pretendendo
ampliar aqueles apontamentos a partir de uma discussão primeiro bibliográfica que percorra
dos atuais Estudos Culturais, mas também se estendam à Desconstrução, aos Estudos Pós-
Coloniais e nos Estudos Subalternos e Fronteiriços — todos já tomados de perspectivas
latino-americanas e/ou nacionais — tendo em vista os processos de transformações
epistêmicas, culturais, sociais, políticas e econômicas no Brasil11. Mas, a posteriori, a
pesquisa tomará de práticas no ensino, nas pesquisas teóricas e nas práticas artísticas como
escopos investigativos e práticos como alternativas ao Ensino de Artes12.

296
Esta (re)verificação toma do princípio de promoção de caminhos epistemológicos
outros (metodologias, práticas, pedagogias, de teorias das artes, ser-pesquisador, ser-professor
e do ser-artista) com Artes no Brasil. Mas também considera-se tais (re)verificações para a
promoção de alternativas outras para a Formação de Professores e ao Trabalho Docente nas
Escolas; falo a partir do meu trabalho docente das Artes Visuais. Mas também das minhas
práticas em Artes (pictórica e pesquisa) para contribuição/construções dessas (re)verificações
do atual cenário artístico-acadêmico em que nos encontramos, além do agenciamento e da
difusão dos Estudos de Culturas como proposta epistêmica em Artes como promoção de
conhecimentos através da arte, das culturas e dos conhecimentos empíricos aos sujeitos. Por
conseguinte, (re)verificar aquelas formulações expostas em 2010 faz-se necessário tendo em
vista que agora, ancorado nos Estudos de Culturas – epistemologias que tomam das diferenças
culturais e coloniais – não é o mesmo que tratar de teorias importadas para a confirmação ou
não de saberes e práticas e é ainda tratar de uma problemática para o Ensino, a Formação e o
Trabalho Docente em Artes assola o Brasil desde 1500 do dia do “Descobrimento”.
Eu acredito que uma das características centrais do debate educacional –
particularmente o interior das instituições educacionais nacionais e globais - é a
crença compartilhada de que o peso ou fator social da educação é tão grande que
pode modificar todas as estruturas sociais circundantes. Embora a educação tenha
sido um dos fatores para maior mobilidade social durante o século XX, também foi
um dos melhores instrumentos utilizados para manter as desigualdades e assimetrias
sociais não somente na América Latina, mas também em sociedades “Ocidentais” e
“Primeiro Mundistas”. [...]. É por isso que, quando se fala de interculturalidade,
quase imediatamente pensa em um tipo de relacionamento mediado pela educação (e
quase sempre com uma intenção civilizadora) (QUINTERO, 2014, p. 42-43).

Deste modo, Ensino de Artes X Estudos de Culturas: para além das fronteiras não está
circunscrita exclusivamente na noção simplista de resignificação daquelas ideias. Mas, de
modo bastante amplo, quer-se priorizar a (re)verificação dos próprios Estudos Culturais que
migraram para o Brasil que, mal interpretados pela grande maioria das disciplinas que os
institucionalizaram (na adoção de ideias simplistas dos conceitos de multis e
interculturalidades), se transformaram consideravelmente ao entrar em contato com lugares
periféricos no Brasil que ainda se entende como Sede de Corte, porque insistem em reproduzir
artes, culturas e conhecimentos alheios. Por conseguinte, a ideia de Estudos de Culturas é
mais abrangente do que a noção primeira (2010) de Estudos Culturais. Pois como advirto aos
meus alunos, as aberturas e recepções epistêmicas diversas no Ocidente permitiram a difusão
também no Brasil dos Estudos da Desconstrução (Derrida), Pós-coloniais (Mignolo) e dos
Estudos Subalternos (Grupo de Subalternistas Indianos e Latino-americanos), além das
construções filosóficas, sociológicas e antropológicas latinas, que ilustrarão melhor as

297
discussões sobre esses lugares, sujeitos e práticas de Artes, Culturas e Conhecimentos outros
que sempre estiveram e foram colocados como arte, culturas e conhecimentos não-eruditos
pela cultura do fazer, pensar e saber europeias que situaram essas culturas não-civilizadas às
margens dos saberes e práticas e também dos confins dos conhecimentos projetados pelo
modelo Moderno.

ENTRE ESTUDAR CULTURA OU PRATICAR ESTUDOS DE CULTURAS

A emergência de tomar de uma noção de Estudos de Culturas, não mais apenas


Estudos Culturais, coaduna, por exemplo, com a necessidade de resignificar as culturas que
sempre foram negadas (SANTOMÉ, 1995) ou desconsideradas, especialmente nos currículos
escolares, e que até hoje ainda o são. Ou seja, a ideia de tomar as culturas indígenas ou afro-
brasileiras, ilustrativamente, em datas comemorativas, um dia único ou mesmo por uma
semana, a partir das noções de práticas didáticas de interculturalidade ou multiculturalidade
(mal entendidos) como vem defendendo o currículo escolar ao longo de muitos anos, ou de
hibridismo mais atualmente como vem tentando resignificar as relações entre culturas
diferentes nas práticas em Artes o currículo, esboçadas num primeiro entendimento
equivocado dos Estudos Culturais, não sustentam mais a ideia de tratar, respeitar e ressaltar
nas aulas de Artes as diferenças culturais e menos ainda as diferenças coloniais.
Do mesmo jeito é emergencial esta discussão pelo fato do currículo ainda trazer a
distinção das diferenças classificadas por gêneros, classes ou raças – já há muito o é
problemática tal divisão, mas absurdamente ainda mais ameaçadas agora diante da
implementação de “Lei da Mordaça” ou do “Direito de ensino de dogmas religiosos” em
escolas públicas, também em instituições privadas os resultados dessas normas nunca foram
promissores –, considerando que as divisões em grupos restritos já não contemplam, por
exemplo, os LGBTT+++, pobres, não religiosos, os filhos de famílias não ancoradas na
relação heterossexual de um homem e uma mulher, entre muitos outros sujeitos diferentes
presentes na cultura identitária contemporânea e que frequentam nossas escolas. Portanto, são
questões com essa natureza que fazem dos Estudos de Culturas epistemes, que emergiram
com o advento dos Estudos Culturais, necessárias para pensar o ensino de Artes, a Formação
de Professores de Artes e igualmente o Trabalho Docente de Artes, tendo em vista que são
esses sujeitos heterogêneos que levam para as salas de aula a compreensão melhor das
diferenças culturais e coloniais a serem trabalhadas nos currículos das aulas de Artes.

298
Desde a constituição dos Estudos Culturais ingleses – Richard Hoggart, Stuart Hall, E.
P. Thompson e Raymond Williams (nos finais da década de 1960) – já ficou subentendido
que estudar culturas não é o mesmo que praticar Estudos Culturais! Portanto, tomar da
História da Arte, de dias festivos, de características isoladas, comparando-as entre culturas
diferentes, de culturas marcadas espelhadas em datas, lugares e línguas distintos, quase
sempre europeus, não é uma prática culturalista a partir da perspectiva epistêmica dos Estudos
Culturais como esses foram pensados em Birmigham na Inglaterra. Nem o pode ser entendido
também como prática dos atuais Estudos Culturais americanos – ancorados em Cary Nelson,
Paula A. Treichler e Lawrence Grossberg quando em “Estudos Culturais: uma introdução”
(1995) – e muito menos ainda são tomados como práticas políticas dos Estudos Culturais de
perspectiva mais marginal como aqueles Estudos Culturais disseminados amplamente na
América Latina com os diversos teóricos brasileiros e os latino-americanos de língua
espanhola.
[...] os estudos culturais começaram como um empreendimento marginal, e
começaram não porque este ou aquele intelectual os inventou, mas a partir da
necessidade política de estabelecer uma educação democrática para os que tinham
sido privados dessa oportunidade. Além de terem escritos grandes livros, Hoggart,
Thompson e Williams foram professores da Worker’s Educational Association
(WEA), uma organização de esquerda para a educação de trabalhadores. Ensinar
nesse tipo de instituição era mais uma intervenção política do que uma profissão.
(CEVASCO, apud BESSA-OLIVEIRA, 2010, p. 37).

A atuação política dos Estudos Culturais na América Latina foi e ainda o é necessária,
mais agora na perspectiva de Estudos de Culturas que quer tomar de culturas apagadas para
fazê-lo, já que a marginalidade de nossas culturas tornou-se ainda maior em vistas do seu
sentido minimamente duplo: primeiro de que somos excluídos pelos discursos dos centros por
não sermos sequer considerados gentes, no segundo caso porque também somos situados
dentro de múltiplas fronteiras de exclusão (discursivas), dentro dos próprios contextos
diversos da América Latina. Ser latino-americano é estar localizado constantemente em
situação cultural e geográfica (artística e de produção de conhecimento) de fronteiras
discursivas estabelecidas por poderes hegemônicos instituídos histórico ou
contemporaneamente: exclusões política, econômica, social, cultural de produção de
conhecimento que emergem fronteiras na arte, na produção de discursos e fronteiras que
barram a dissolução/circulação das práticas culturais dos lugares periféricos como produtores
de conhecimentos.
A constituição de fronteiras na arte, nas culturas e na produção de conhecimentos
latino-americanos, mais ainda na situação geográfica como a de Mato Grosso do Sul

299
(literalmente de fronteira e/ou de margem) faz evidenciar e manter a mesma constituição
hegemônica de mundo moderno: dual. Ou seja, continuamos não produzindo arte, não sendo
cultura e menos ainda formulando conhecimentos porque não somos ao menos tomados como
indivíduos que ocupam outros lugares, se não o da exclusão. A fronteira, na perspectiva
moderna de compreensão de mundo, toma apenas da ideia de separação, criação de
distanciamentos. Enquanto que na perspectiva cultural e mais ainda ancorada na condição
pós-colonial, fronteira é tomada como lugar que separa e ao mesmo tempo aproxima, mas que
produz um conhecimento cerzido no interior (intervalar) do espaço que é “entre” que o
pensamento hegemônico europeu nunca vai alcançar para compreender as práticas artísticas
ali produzidas como arte, cultura e menos provavelmente ainda como produtoras de
conhecimentos de conhecimentos que emergem desse lugar do intervalo: que se situa no lugar
até onde o pensamento (fronteira) moderno europeu dual alcança e está para além da ideia do
que está separando alguma coisa, quando na verdade junta as diferenças.
Igualmente se na constituição, expansão e ampliação dos Estudos Culturais esses
foram tomados equivocadamente ao serem “institucionalizados” como disciplina (limites)
sem teoria, diferentemente agora a ideia de Estudos de Culturas, e mesmo os Estudos
Culturais, que nunca foram sem teoria, ambos estão ancorados em epistemes de múltiplas
áreas de produção de conhecimentos (indisciplinados) para tomar de maneira melhor as
práticas culturais e para a produção e transmissão de conhecimentos mais amplamente porque
são emergentes nos lugares marginais. Diferente da ideia tradicional de conhecimentos que
migram de outros lugares para pensar os sujeitos das margens; da ideia de conhecimentos que
têm muita força e que por isso rompem as fronteiras, agora, portanto, as reflexões filosóficas
da Desconstrução, os Estudos Pós-coloniais e os Estudos Subalternos Latino-americanos –
que estão ancorados em pensamentos epistêmicos que estão ressignificando a América Latina
especialmente a partir de teóricos e disciplinas que pensam a/da própria América Latina com
sua condição de lugar pós-colonial, e os Estudos Fronteiriços, a partir do Projeto Moderno de
Mundo Ocidental – são tomados como epistemologias para, no sentido aqui pensado,
promover a produção e transmissão do conhecimento no Ensino de Artes, na Formação de
Professores de Artes e no Trabalho Docente em Artes e, ainda, através das próprias produções
artísticas: práticas, pesquisas e ensino com/em Artes que emergem dessas fronteiras.

Diferentemente da antropologia tradicional, entretanto, [...] [os Estudos Culturais] se


desenvolvem a partir de análises das sociedades industriais modernas. Eles são
tipicamente do humanismo tradicional, eles rejeitam a equação exclusiva de cultura
com alta cultura e argumentam que todas as formas de produção cultural precisam
300
ser estudadas em relação a outras práticas culturais e às estruturas sociais e
históricas. Os Estudos Culturais estão, assim, comprometidos com o estudo de todas
as artes, crenças, instituições e práticas comunicativas de uma sociedade (NELSON;
TREICHLER; GROSSBERG, apud BESSA-OLIVEIRA, 1995, p. 35).

Pois, se na ideia dos Estudos Culturais as práticas não reconhecidas – desenvolvidas


por comunidades excluídas do contexto europeu elitista, as práticas femininas, indígenas e
afro-brasileiras, no caso do Brasil, entre outras – passam a ter reconhecimentos, já por
epistemologias de culturas como a desconstrutivista, pós-colonial, subalternista ou fronteiriça,
essas devem ser tomadas como culturas produtoras de arte e/ou conhecimentos. Dessas
epistemologias de cultura, toda e qualquer cultura, prática ou sujeito têm reconhecidos os seus
direitos antes cerceados pelo pensamento moderno de serem produtores de arte, o de serem
vistas como culturas e especialmente conhecidos como sujeitos produtores de conhecimentos
a partir de seus próprios conhecimentos. Portanto, para os Estudos de Culturas aqui em
debate, não só obrigatoriamente temos que resignificar a ideia de cultura – debatida entre
noções de baixa ou alta culturas –, mas pensar que toda cultura produz conhecimento
indistintamente de qualquer relação de dependência, fonte, influência, cópia, dívida ou noção
de tradição, cânone ou modelo a partir de seus próprios conhecimentos produzidos em seus
próprios contextos históricos, lugares e/ou línguas, igualmente de suas crenças, etnias ou
geografias e histórias.

DIFERENÇA É DIFERENTE DE DIVERGÊNCIA PARA OS ESTUDOS DE


CULTURAS

A maior altercação entre as propostas de Ensino de Artes X Estudos Culturais para


Ensino de Artes X Estudos de Culturas – sem propor oposição entre as disciplinas, ainda que
sejam entendidas como indisciplinas – está na única compreensão permissível e vista como
correta e ressalta a importância do termo “diferenças” em relação aos sujeitos, culturas,
conhecimentos e lugares. Ou seja, da perspectiva que foram apreendidos os Estudos Culturais
quando aportaram no Brasil, igualmente o conceito de diferença passa a ser tomado das
articulações de metodologias de ensino e de educação multicultural e/ou interdisciplinares.
Em finais dos anos 1980 e meados de 1990, na educação em Arte, de modo quase geral,
tomam da ideia de diferença tratada a partir de comparações. Por exemplo, as culturas
indígenas, afro-brasileiras e mesmo as culturas asiáticas que migram para o Brasil acabam
figurando nos currículos escolares, mas não apenas nesses, como também já disse, de modo
comparado das suas práticas artístico-culturais às práticas artísticas e culturais europeias.

301
Entretanto, o que se observa na atualidade é que o fato de tratar as culturas a partir dos
conceitos de multiculturalidade ou interdisciplinarmente, já que fizeram o tempo todo
comparações entre as diferenças, não mudou em nada a condição desses sujeitos.

Somente nos últimos anos – como efeito das ações das políticas estaduais em
relação às comunidades nativas – existe um ingresso visível de jovens provenientes
desses grupos [pelos mais humildes com a expectativa de atingir um status no grupo
social mais alto; no caso do Brasil pensemos nos indígenas e afro-brasileiros,
inclusive nos vindos de outros países periféricos]; no entanto, as estratégias de
contenção passam por sua transculturação; isto é, adotar e modificar suas lógicas
para aqueles do padrão dominante; a universidade não muda, devem mudar os
sujeitos que aspiram a fazer parte dela (PALERMO, 2014, p. 46).

Os povos não-europeus têm suas práticas – sua arte, cultura e conhecimentos – a partir
das abordagens: multicultural e intercultural entendidas apenas da perspectiva que faz
comparação entre as diferenças que ambas expressam em relação à cultura letrada, do centro,
branca e heterossexual fálica europeia. Na prática, os professores, via os currículos escolares,
tratam dessas culturas ilustradas com imagens e textos estereotipados em modelos
estabelecidos pelos mesmos sujeitos que as colonizaram. O indígena só existe pelado e com
pele cor de jambo, estereótipo ilustrado pela Iracema “lábios de mel”, mas reprodutor de
práticas rupestres porque não tem condições de aprender. Já o negro, visto como saudável,
limpo e até bem vestido, mas sempre escravo e servo dos senhores brancos dos engenhos.
Como se tudo isso fosse naturalmente comum, os conceitos de multiculturalidade e de
interculturalidade são equivocadamente tratados como práticas de Ensino, Formação e
Trabalho Docente em Artes – ressaltando as diferenças culturais em datas comemorativas
como se fossem troféus – faz muito tempo na Educação Brasileira.

É certamente necessário mudar os conteúdos, as línguas, os termos da conversa, mas


também transformar a disposição do poder, isto é da colonialidade. É por isso que é
essencial pôr em prática um tipo de educação libertadora que pode contribuir para
permitir essas transformações, tal como concebido pelo posicionamento intercultural
se estiver inserido nas culturas em jogo (QUINTERO, 2014, p. 45)

Do mesmo jeito, com a virada do século (XX para XXI), momento em que prevíamos
a tomada de consciência das diferenças como fator preponderante, não apenas na educação,
mas nas relações socioculturais, políticas e econômicas, uma vez que acabamos por ver a
instituição do conceito de hibridismo para compreender os trânsitos entre as culturas, fizemos
a mistura das diferenças reforçando o DNA, nessa mistura, das culturas brancas, letradas e
falocêntricas. O currículo acaba por tomar do conceito de hibridismo, hibridação, hibridismo
cultural, termos diversos como tem figurado nas várias vezes que vemos sê-lo citado, fazendo

302
a observação das misturas através de contatos entre as culturas diferentes levando em
consideração que muitas dessas culturas hibridizadas apenas produzem arte, cultura e
conhecimentos diversos, mas simplesmente porque sempre ficam em dívida com a cultura
maior que empresta, que serve como modelo, tem tradição, que detêm os cânones ou que
produziram as obras que têm mais história, as que emergiram em determinados lugares ou as
que são “escritas” em línguas específicas.
O hibridismo, portanto, acaba por implantar uma dívida das ditas culturas periféricas
em favor das altas culturas que “emprestaram” sua arte, cultura e conhecimentos, por
conseguinte sua raça, gênero, classes, história e memórias com longo tempo para os incultos
que não produzem e são, não diferentemente, sem histórias e sem memórias próprias. Por isso
usamos até hoje a história e memória alheias como se fossem nossas. E nesta ordem, os
conceitos de multiculturalidade, interculturalidade e de hibridismo vêm reforçando a nossa
precariedade em produzir arte, cultura e conhecimentos porque são equivocadamente
empregados nas escolas, instituições de arte, nos discursos dos sujeitos da arte (professor,
pesquisador e artista) que defendem esse lugar menor das nossas práticas artístico-culturais
faz mais de quinhentos anos sempre em comparação àquelas. Como se nós devêssemos pagar
por uma conta que nos fora imposta e não foi por nós conquistada, a colonização artística,
cultural, política e econômica implantada nas culturas latinas desde a instituição do Projeto
Moderno Europeu de expansão do mundo e reforçado pelo Projeto de Globalização norte-
americano, cobra essa dívida e vêm encontrando força na atualidade cada vez mais. Pois as
diferenças têm sido cotidianamente usadas como armas de divergências para repressão às
artes, às culturas e aos conhecimentos produzidos diferentes desses tomados como melhores,
maiores, modelos, padrões etc.

[...] a educação historicamente demonstrou que seu desempenho não é linearmente


canalizado para equiparar estratos ou grupos sociais, mas na maioria dos casos serve
para exacerbar as diferenças. Não me refiro à educação como um processo
cognitivo, mas sim como uma instituição moderna/colonial encarregada de
“educar”, e neste sentido [...] também é comprometida com a subjugação e a
retenção (QUINTERO, 2014, p. 44).

Portanto, se os conceitos de multiculturalidade e interculturalidade há muito tempo já


não nos contemplavam por entendimentos errados, o conceito de hibridismo passa a ser
problemático porque, seguindo a mesma toada dos bois, o professor, o pesquisador e o artista
latino-americano – mais especificamente o brasileiro – estão levando-o para o brejo
igualmente. Ou seja, utilizando da sua ideia de hibridação entre as culturas divergentes,
acometida voluntária ou involuntariamente, difundida por Néstor García Canclini, por
303
exemplo, como forma de transmutação entre as culturas, os produtores de arte, cultura e
conhecimentos que sempre estiveram à margem continuam reforçando a herança das nossas
práticas em relação àquelas produzidas na Europa ou nos Estados Unidos. Na tentativa de
reforçar nossas produções artístico-culturais, nossas culturas e nossos conhecimentos
multíplices aqui produzidos, os que mais deveriam priorizar nossas práticas como próprias,
reforçam-nas apenas como produções que emergem em nosso contexto (fronteiriço) porque
estão em dívidas com aquelas (culturas dos centros). A cultura de produção artístico-cultural
nacional esteve e ainda está muito atrelada à produção vinda de fora: na teoria como recorreu
com todas as reflexões que aqui aportaram como moda; na produção artística que emana os
movimentos e estilos a serem seguidos desde o século XV e na produção artística que
reconhece na relação “híbrida”; primeiro quem produziu antes ou porque está posto em
situação de lugares geográficos quando ancorados no Velho Mundo ou no Mundo do
Capitalismo.

CONSIDERAÇÕES – DIFERENÇA É DIVERSALIDADE

A título de conclusão, trato agora da ideia em construção (em construção porque o


espaço deste artigo não conclui as formulações) de (re)verificação daquelas questões expostas
em 2010, “Ensino de Artes X Estudos Culturais”, para pensá-las como “Ensino de Artes X
Estudos de Culturas” depois de toda esta desordem epistêmica apresentada, como já grafaram
alguns dos autores que tenho me valido para pensar as reflexões aqui postas. Porque agora
surgem as possibilidades de tratar as práticas de lugares em condição de exclusão de uma
perspectiva outra que não se inscreve como mais uma tendência teórica que migrou para o
Sul. Diferente das ideias antes apresentadas, as formulações teóricas Pós- coloniais, da
Subalternidade ou Fronteiriças como condição, como os nomes já grafam – a primeira pensa
as biogeografias de ex-colônias; já a teoria da Subalternidade entende que todos os não-
europeus e/ou não-estadunidenses são vistos por aqueles como indivíduos que não têm direito
à voz; e a epistemologia Fronteiriça como método que é uma opção de vida (Nolasco, 2017 )
–, ambos discutem a diferença colonial a partir da condição, e não como situação, de
colonização e subalternização por que passamos desde o século XV e que ainda temos
impostas na contemporaneidade. Por conseguinte, tomados da perspectiva de condição
colonial, os latinos que são na grande maioria ex-colônias europeias, têm nas suas
biogeografias a demanda de abordagens das suas múltiplas relações multiculturais distantes

304
das ideias de herança, dívida, modelo ou com a noção de tradição europeia e/ou norte-
americana.
Os sujeitos, lugares e narrativas latino-americanos abordados pela ótica da condição
de ex-colônias evidencia a não existência da dívida, por exemplo, que o pensamento moderno
europeu semeou pelo mundo. Pelo contrário, implantam a consciência de que tivemos as
memórias, histórias, culturas, produções artísticas e conhecimentos aqui produzidos em
tempos até mais remotos que dos europeus, apagados pelos discursos de dominação política,
econômica e cultura que impera desde o século XV e mantido com a noção de Globalização
do Planeta. Do mesmo jeito, essas produções tomam vozes para refletir, produzir e pensar a
partir de e as suas próprias práticas livres da relação de continuísmos, cronologias e/ou
línguas específicas que imperam a partir das hegemonias. Por uma questão prática, sujeitos,
lugares e narrativas – que demandam argumentações epistêmicas outras – dos lugares
excluídos passam a reverberar conhecimentos a partir dos próprios conhecimentos desses
sujeitos, lugares e narrativas biogeográficas compreendidas pela ótica epistêmica dos Estudos
de Culturas que vê o mundo das diferenças através da diversalidade.

Assim, as as experiências alcançadas pelas comunidades indígenas abriram


diferentes caminhos relevantes para suas formas específicas de vida, o que não
implica uma escolha (hegemônica) de procedimentos. Os grupos afrodescendentes
também são diferentes, e em locais diferentes da cartografia latino-americana eles
também se reapropriam da memória enterrada e soterrada por milênios. No entanto,
existe um certo denominador comum neles: o exercício consciente e deliberado de
uma atitude de pesquisa comunitária que tende a reinstalar e fortalecer a própria
memória para, a partir dela, gerar processos que consolidem o conhecimento
adquirido dessa memória; trata-se da ativação das formas de diálogo comunitário,
bem como da maneira inter-comunitária para os processos interculturais. Esses
processos, que emergem de comunidades claramente excluídas e, portanto,
[des]reconhecidos pelo aparato do Estado, assumem dimensões particulares e criam
uma situação diferente em relação ao que acontece na sociedade “crioula”, educados
para não notar a diferença colonial em que é subsumida. É aí que a questão que nos
interessa agoniza [a diferença colonial] e que abordaremos mais diretamente
(MIGNOLO, 2014, p. 15-16).

Por fim, o que de fato precisa ser abordado, seja dos aparatos didático-metodológicos
no Ensino de Artes, seja na Formação de Professores, ou seja no Trabalho Docente do
professor de Artes, antes de concentrar os problemas na escola, de perspectiva conceitual
multicultural ou intercultural, ou considerando as culturas como híbridas, são as diferenças
coloniais que emergiram nos últimos anos do século XX e que estão emergindo cada vez com
mais vigor nestes anos iniciais do século XXI. Não conseguimos mais na escola (lê-se
educação, formação ou trabalho de professores nas Artes) apenas falar em culturas como as
indígenas e as afro-brasileiras ou as asiáticas que aqui estavam, migram a favor ou contra as
suas vontades – dessas faz muito tempo os reconhecimentos das suas diferenças são alvos de
305
grupos variados em seu favor. Temos que obrigatoriamente reconhecer as diferenças coloniais
dos sujeitos (registra-se que não falo em grupos, bem antes aqui já dissera que as discussões
por grupos também não sustentam reconhecimentos de diferenças) que ocupam
obrigatoriamente os lugares das múltiplas exterioridades/estereotipagens que foram
constituídas nos últimos anos.

_____________________________________________________________________________________

1 Este trabalho é parte de uma pesquisa maior que o autor vem desenvolvendo desde 2006 que está vinculada a
um novo Projeto de Pesquisa intitulado “Arte e Cultura na Frontera: “Paisagens” Artísticas em Cena nas
“Práticas Culturais” Sul-Mato-Grossenses” a ser cadastrado na PROPP/UMES ainda em 2017.
2 Estas afirmativas estão para a ideia conceitual de Biogeografia que vem sendo desenvolvida. (BESSA-
OLIVEIRA, 2016).

3 A referência ao corpo neste trabalho está em um corpo epistemológico, nunca na ideia exclusivista de corpo
físico dotado de técnicas – artísticas, pedagógicas e experiências artísticas históricas. Ver especialmente sobre
esta discussão do corpo epistêmico em BESSA-OLIVEIRA, 2019. “O corpo das artes (cênicas) latinas ainda é
razão e emoção!” (texto no prelo).
4 Sobre isso dois conceitos discutidos por Jacques Derrida, abordados por Carlos Skliar na obra Derrida e a
Educação (2008), ilustram bem a questão: são eles hospitalidade e hostilidade. Do primeiro, para Derrida, dá-se
quando o hospedeiro hospeda o viajante e assim recebe dele com muito boas vindas toda a influência cultural
consigo trazida. Do segundo, que está diretamente relacionado ao primeiro, o hospede recebe o mesmo viajante –
aqui gostaria desta relação atribuída às experiências e teorias com a educação migradas de fora da América
Latina, mais precisamente no caso da Arte, mas não apenas –, mas hostiliza sua chegada traduzindo-o, por mais
que a tradução seja uma tarefa impossível na totalidade (Benjamin; Derrida), para assim não reproduzir o todo
do aprendido com o viajante; por ora deve-se ao menos “adaptá-lo” – traduzindo-o culturalmente – ao contexto
da nova cultura hospedeira o que demonstra hostilidade com o que chega.
5 Parece ter ficado óbvio que a noção de fronteira nesta discussão também não está posta única e exclusivamente
em marco geográficos, mas é tratada por uma ótica epistemológica de se-paração das diferenças coloniais que
“circulam” nos “lados” das fronteiras culturais, sociais, políticas, econômicas e/ou dos conhecimentos por
imposição de poderes sobre poderes menores. Fronteira então não é territorialidade geográfica. Apesar de o ser
também, mas já levamos em conta que fronteira se situa epistemologicamente em “lugares” enunciativos
exteriorizados pelos/dos projetos moderno e pós-moderno ainda hoje na contemporaneidade através de objeitos
físicos e também conceituais.
6 Diversalidade é um conceito que amplia o entendimento de diverso e de diferença. Pois são compreendidos
por uma visão de horizontalização de ambos, não no entendimento de verticalidade que ainda impera na cultura
contemporânea do conceito de diversidade. Da mesma forma, diversalidade está para uma ótica mais ampla de
entendimento das diferenças, logo porque sua reflexão ancora-se na diferença colonial que se entende para além
da diferença cultural.
7 Um novo Projeto de Pesquisa de Pós-Doutoramento que está em fase de desenvolvimento inicial – intitulado
“Arte, Cultura e História da Arte Latinas na Frontera: “Paisagens”, Silêncios e Apagamentos em Cena nas
“Práticas Culturais” Sul-Mato-Grossenses”, que pretende investigar a Arte, Cultura e História da Arte Latino-
americanas, cadastrado na PROPP/UEMS e PROPP/UFMS, junto ao NAV(r)E, priorizará Projetos de
ENSINO/EXTENSÃO/PESQUISA dos e aos alunos do 1º ano da graduação em Artes Cênicas – Licenciatura da
UEMS nas disciplinas de “História da Arte” e “Artes Visuais” por mim ministradas, explicará melhor esse
contexto histórico do qual emerge os Estudos Culturais Ingleses que migram para os Estados Unidos e depois
disseminam-se pela América Latina.
8 Os Estudos Culturais, como quase todo saber constituído fora do Brasil, migraram para os países latinos e para
todos os outros lugares que tenham alcançado, a partir da investida de intelectuais desses muitos lugares às suas
práticas e epistemologias adquiridas em situação de estudos em alguns países da Europa ou dos Estados Unidos.
9 A ideia conceitual de retroalimentação entre disciplinas foi posta (2017) em uma discussão das linguagens
Teatro e Dança realizada no TCC – Trabalho de Conclusão de Curso – do curso de Artes Cênicas e Dança pela
acadêmica Rafaela Cardoso de Oliveira sob minha orientação.
306
10 Desde a realização daquela pesquisa, como sinalizei antes, estabeleci uma discussão que tomava da defesa da
nomenclatura da disciplina no plural (Artes e não Arte), e venho acreditando cada vez mais nisso. Tendo em
vista, especialmente, que as discussões para separar as linguagens se sustentaram na ideia de singularidade na
área até a “entrada” de um Governo que desacreditasse na área. Por conseguinte, a destituição da disciplina agora
tem mostrado que o melhor seria que não tivéssemos nunca brigado pela separação. Já que esta acabou
mostrando fraqueza disciplinar da área de Arte, ainda que presente no currículo. Tal discussão lá (2010) e aqui
também não passa pela defesa ou recusa da ideia de Polivalência. Mas sobre esse primeiro fato, vale a leitura do
trabalho: BESSA-OLIVEIRA: “Sensibilidade BIOgeográfica: expandindo o SERartista, SERprofessor,
SERpesquisador para um processo de ensino e aprendizagem de Artes Visuais no curso de Artes Cênicas-
Licenciatura da UEMS” apresentado no evento em Vitória no Espírito Santo no primeiro semestre de 2017.
11 Nesta perspectiva de abordagem epistemológica já tenho desenvolvido um trabalho no PROFEDUC/UEMS –
Mestrado Profissional em Educação onde atuo como Professor-Orientador do quadro permanente – na disciplina
de Itinerários Culturais fazendo abordagens da Educação por perspectivas epistemológicas contemporâneas: dos
Estudos Culturais aos Estudos Fronteiriços tenho discutidos aspectos outros para a Formação Docente no
Programa. Igualmente tenho realizado na Graduação em Artes Cênicas na mesma universidade na disciplina de
Arte Educação desde a minha entrada ali (2014).
12 Não somente de problemas acerca da situação brasileira da educação “ser atrasada 100 anos em relação
ao contexto” contemporâneo vive o Ensino de Artes. Atualmente a área enfrenta um dos seus maiores
retrocessos com a implementação da BNCC – Base Nacional Comum Curricular (2017) – que tem como
proposta retirar o lugar duramente conquistado pela disciplina de Área de Conhecimento no currículo para
conteúdo programático não-obrigatório dentro da grande área de Humanidades. Mas sobre a BNCC tenho
produzidos outros trabalhos que podem ser consultados (2018; 2019).

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308
ARTE E TECNOLOGIA NA EDUCAÇÃO: ASAS GALERIA VIRTUAL

Mariella Berger Andrade


Anna Maria Saibel Santos

RESUMO

Arte e Tecnologia na Educação: ASAS Galeria Virtual tem como objetivo promover a
aprendizagem na disciplina de Arte por meio da tecnologia via o produto educacional ASAS
Galeria Virtual (ferramenta que possibilita uma prática pedagógica que incentiva a autonomia
dos educandos nas pesquisas de obras e de artistas, além de compartilhar as produções
artísticas dos estudantes). O processo de ensino aprendizagem em arte é consolidado com a
ASAS Galeria Virtual e a criação artística.

Palavras-chave: Arte, Educação, Tecnologia, Autonomia.

ABSTRACT

Art and technology in education: WINGS Virtual Gallery aims to promote learning in the arts
discipline by means of technology via the educational product Virtual Gallery WINGS (tool
that allows a pedagogical practice that encourages autonomy of the students in the research of
works and artists, besides sharing the artistic productions of the students). The teaching-
learning process is consolidated with the WINGS art Virtual gallery and artistic creation. vitae
rutrum sem. Duis varius dignissim velit, id porttitor libero gravida vel. Ut lacus mi, t vel urna
pulvinar varius. Praesent laoreet venenatis risus. Quisque quis ullamcorper erat. Fusce tempus
rhoncus augue ut molestie.

Keywords: Art, Education, Tecnology, Autonomy.

1. INTRODUÇÃO

Com as novas possibilidades tecnológicas, os acessos a imagens, obras de artes,


museus, exposições e notícias culturais tornaram-se mais frequentes. As interconexões são
possíveis devido a praticidade gerada pela internet, pois os espaços de artes, antes somente
físicos, podem ser apreciados através de um simples acesso no ciberespaço.
A cultura que antes estava “restrita” a uma localidade, se abre através de um “clique”
para o mundo, propagando a sabedoria do conhecimento artístico e cultural aos mais diversos
cantos do mundo. Como afirma (LEVY, 1999, p.17):
O ciberespaço (que também chamarei de “rede”) é o novo meio de comunicação que
surge da interconexão mundial dos computadores. O termo especifica não apenas a
infraestrutura material da comunicação digital, mas também o universo oceânico de
informações que ela abriga, assim como os seres humanos que navegam e
alimentam esse universo. Quanto ao neologismo “cibercultura”, especifica aqui o
conjunto de técnicas (materiais e intelectuais), de práticas, de atitudes, de modos de
309
pensamento e de valores que se desenvolvem juntamente com o crescimento do
ciberespaço.
Segundo (NUNES, 2012, p.143):
Cada lugar, percebido para além do espaço geográfico, pode trazer a noção da
espacialidade num âmbito maior, o qual burla o tempo e o espaço. Assim, podemos
perceber o lugar como não lugar e/ou como lugares virtuais que possibilitam que
estejamos em diferentes lugares ao mesmo tempo(...). Nessa direção levando em
conta o conhecimento e a tecnologia que dia após dia se amplia, as fronteiras da arte
e seu ensino se expandem sendo inevitável, que a máquina se alie cada vez mais ao
homem e a arte é reflexo de uma sociedade tecnológica.

Neste contexto desenvolver o uso das Tecnologias de Informação e Comunicação


(TIC) nas instituições da educação básica e promover a interdisciplinaridade entre Arte e
Tecnologia, permite impulsionar o conhecimento dos educandos e ampliar as fronteiras do
saber. A Arte está presente atravessa as fronteiras mundiais sendo uma linguagem universal,
promove a interculturalidade no momento em que à arte agrega para além do tecnicismo, e se
apresenta democrática a todos que a acessarem, gera dessa forma novos valores de
aprendizagem e percepção, possibilita mudanças sócio culturais, étnicas. De acordo com a
doutora em arte educação Ana Mae Barbosa:
A interdisciplinaridade é a condição epistemológica da pós-modernidade, e a
interculturalidade, a condição política da democracia. A aliança entre essas duas
condições basilares da vida, contemporânea às tecnologias flexíveis e
multiplicadoras, garantirá um humanismo em constante construção para responder
às imponderáveis e permanentes mudanças sociais.

A realização da interdisciplinaridade da Arte com às novas tecnologias na sala de aula,


torna-se necessário para fluir o ensinar, a praticar e o conhecimento da Arte e tecnologia
durante o processo de aprendizagem dos educandos. Assim o aprender ao fazer artisticamente
com o uso da tecnologia auxiliar e fixa o saber, para a construção de valores da arte, da
tecnologia, do fazer com as mãos, Maker, da memória permanente.
Sendo assim, a educação possibilita a construção de um caminho que contempla os
valores da arte e da tecnologia, e insere o estudante em um contexto não somente
contemplativo, mas produtor criativo do fazer artístico. Segundo o Programa de
Desenvolvimento Institucional - PDI (2017) da escola Centro de Atividades José Tarquínio da
Silva: “A instituição espera, dentre outros aspectos, que o educando ao final do Ensino
fundamental saiba utilizar diferentes fontes de informação e recursos tecnológicos para
adquirir e construir conhecimento“. Assim, ao utilizarmos ferramentas digitais, ampliam-se as
possibilidades de comunicação e de expressão artística e, por conseguinte, de conhecimento, o
saber.

310
ASAS Galeria Virtual é um espaço permanente das atividades artísticas, culturais, de
conscientização e de valorização vivenciadas por estudantes, familiares, corpo docente, no
ciberespaço. A Galeria Virtual possibilita a disciplina de arte ampliar suas fronteiras, ao
desenvolver o olhar crítico dos alunos em relação à própria produção artística e disponibilizar
a criação de arte produzida pelos educandos para a família, amigos, comunidade escolar, para
o mundo.

2. REFERENCIAL TEÓRICO

Arte e Tecnologia na Educação: ASAS Galeria Virtual viabiliza uma interlocução da


Arte com a Tecnologia, de maneira a assegurar à prática educacional com um novo olhar
através das ações de tecnológicas no âmbito de sala de aula. A respeito de Tecnologia no
âmbito educacional, (GABRIEL, 2013, P.199) apresenta a evolução das tecnologias digitais e
ressalta a importância do professor como catalisador de ações com os educandos:
Essa transformação do ambiente escolar para um cenário criativo será realizado
pelas tecnologias digitais, (...). Em 2012 ainda temos uma centralização na sala de
aula em função do modelo físico escolar predominante. Ao mesmo tempo,
comparativamente, nos ambientes virtuais ocorre a descentralização em função da
mobilidade e vemos a gamificação e abertura de a informação florescer. À medida
que as salas de aulas se digitalizam e emergem com os ambientes digitais, os
estudantes se tornam livres para colaborar globalmente.

É importante destacar que as novas tecnologias permitem ao criador artístico interagir


com o mundo, via a linguagem contemporânea virtual latente devido ao acesso constante dos
nativos digitais. Cabe ao educador conciliar como instrumento educativo a Arte e a
Tecnologia, viabilizando a aproximação de uma linguagem universal - que é a arte, da
tecnologia. Por isso, a instituição escolar deve se renovar e se estruturar para fazer o uso das
TIC como ferramentas pedagógicas no cotidiano escolar, abrangendo os conteúdos, as
vivências e as experiências tecnológicas dos educandos com o objetivo de relacionar e
ressignificar o aprender. Em processo constante de transformação, “é preciso que a escola seja
um lugar onde se aprende por meio de ação, e não da passividade, onde os conteúdos se
relacionam, sempre que possível, com situações vividas pelos jovens e pelas crianças [...]”
(MOSÉ, 2013, p. 56).
As metodologias de ensino, começaram a serem revistas, e atualmente surge as
“metodologias ativas”, que como cita Mosé, envolve atividades cada vez mais complexas,
para os educandos experimentarem inúmeras ações ativas, com possibilidades para
demonstrarem suas iniciativas, para avançar a reflexão, reelaboração de novas práticas,

311
integração cognitiva e com a sociedade. Juntamente com a tecnologia promove a interação da
sociedade com os espaços de informação, permite o ensinar e o aprender entre o mundo físico
e mundo digital.
Na instituição escolar, na qual o projeto Arte e Tecnologia em educação: ASAS galeria
virtual se desenvolve, faz o uso da base teórica: do ensino híbrido mesclar dois modos de
ensino: o on-line e o off-line, e a educação Maker, que propõe uma inovação, das ações
educativas, retira os estudantes da passividade, para a ação, o Maker, “o fazer com as mãos”.
O projeto ao realizar ações educativas via Maker, empodera os estudantes não apenas para
serem passivos, mas como protagonistas, tornam-se aliados, para serem capazes de agir,
serem agentes transformadores, transferindo o conhecimento adquirido para a comunidade:
escolar, local, virtual; a família e a sociedade.
Portanto (BELLONI,2001, p.61), diz que o professor deve“[...] problematizar o saber,
contextualizar os conhecimentos, colocá-los em perspectiva, para que os aprendentes possam
aprimorar-se deles e utilizá-los em outras situações ”. Neste mesmo contexto, (BLANDIN,
1990, p.90) diz que os professores devem “[...] codificar as mensagens pedagógicas,
traduzindo-as sob diversas formas, segundo o meio técnico escolhido, [...]”. Percebe-se como
o projeto ASAS galeria virtual via a tecnologia e arte agrega valores, aprimora o
conhecimento dos aprendentes no âmbito escolar para que possam decodificarem algumas
linguagens: tecnológicas, artísticas e pedagógica.

2.1. ARTE E TECNOLOGIA

Desde os primórdios a arte codifica elementos em símbolos através de desenhos,


imagens, para comunicar um acontecimento, um saber. Assim a arte é uma via expressão do
homem que acompanha o tempo, se desenvolve e se renova, cria-se novas possibilidades de
mudança no entorno, gera transformações significativas, impulsiona o ser humano, aprimorar
as técnicas o fazer manual genuíno, cria novas linguagens, novos códigos, novas
decodificações. Hoje os códigos adentram ao mundo, a imagem, tem muito a dizer, a
comunicar.
A arte alcança experiências, vivências dentro da prática social, de reconhecer,
produzir, debater via imagens artísticas, ações correlacionadas para construir saberes junto
com o tecnológico, para oportunizar um sujeito social e criativo, dentro da nossa sociedade.

312
Os recursos tecnológicos, desenvolvem, aprimoram consolidam o saber, via uma
aprendizagem que desmistifica a construção do saber somente de forma passiva, para um
aprender ativo, no qual o educando é protagonista, atua diretamente com o fazer com as
próprias mãos, a educação Maker.
A educação Maker é uma prática educativa na qual, o saber se desenvolve em uma
aprendizagem ativa, na qual o estudante durante o percurso do processo criativo, pode fazer
usou da tecnologia digital, mas o fazer manual, a criatividade, prevalece; para o educando ser
o protagonista da ação educativa. A tecnologia e a arte somam para aprimorar e ativa o
aprendizado dos educandos e dos educadores dentro da instituição escolar.
Os estudos a respeito da tecnologia, diante da visão de pesquisadores, permitem
reconhecer que parte do universo tecnológico existente está na cibercultura. O uso da
cibercultura dentro de uma instituição escolar possibilita o avanço, da divulgação, interação
da cultura na web, consolida a integração dos conteúdos significativos. Assim como afirma
(LEVY, 1999, p.17): Quanto ao neologismo “cibercultura”, especifica aqui o conjunto de
técnicas (materiais e intelectuais), de práticas, de atitudes, de modos de pensamento e de
valores que se desenvolvem juntamente com o crescimento do ciberespaço (é um meio de
comunicação da interconexão dos computadores, com um universo de informações
compartilhadas). O saber sai de dentro da sala de aula, ultrapassa os limites das paredes da
escola, consolida o conhecimento, a informação é compartilhada.
Ao compartilhar na mídia: site ASAS galeria virtual, a facilitadora de arte permite
perpetuar o valor artístico, pois através das imagens dos processos artísticos (a pesquisa, o
conhecer a técnica, o fazer com as mãos) até o produto final: a obra de arte se faz presente. As
ações arte educativas validam a criatividade artística singular e significativa de cada
estudante, e chega até aos participantes passivos (responsáveis, comunidade escolar, entre
outros), quando esses acessarem via web a galeria virtual, acontece uma interconexão de
informações, contida na cibercultura.
De acordo com (LEVY, 1999, p.112)
Por outro lado, o significado último da rede ou o valor contido na cibercultura é
precisamente a universalidade. Essa mídia tende à interconexão geral das
informações, das máquinas e dos homens. E, portanto, se, como afirmava McLuhan,
"a mídia é a mensagem" [...] a mensagem dessa mídia é o universal, ou a
sistematicidade transparente e ilimitada. Acrescentemos que esse traço corresponde
efetivamente aos projetos de seus criadores e às expectativas de seus usuários.

O projeto realiza a interação da arte com a tecnologia desenvolve a curiosidade e o


interesse do educando, e esse passa a ficar mais engajado, curioso, realiza pesquisas on-line,

313
conecta com a cibercultura, ou seja, seu saber dentro da sala de aula aumenta e o aprendizado
é potencializado. Quando educador, ao conectar os estudantes para o desenvolvimento do
saber contextual, criativo, artístico via a web, a cibercultura, criar uma conexão interativa do
educando com o mundo. Segundo (LEVY, 1999, p.126): “Para a cibercultura, a conexão é
sempre preferível ao isolamento. A conexão é um bem em si. ”
O educador ao propor a educação Maker com educados, sensibiliza e destaca a
importância do “fazer com as mãos” aliado a tecnologia no âmbito escolar. E propõe segundo
(BNCC, 2017, p.191): “A sensibilidade, a intuição, o pensamento, as emoções e as
subjetividades se manifestam como formas de expressão no processo de aprendizagem em
Arte”.
O projeto Arte e Tecnologia na educação: Asas Galeria Virtual, propõe uma mudança
no saber. Uma proposta inovadora dentro do âmbito escolar, que surgiu durante os estudos na
Pós-Graduação Lato Sensu: Tecnologias Educacionais – Tecedu, IFES. O projeto citado
desenvolve o aprender e o saber através do processo da vivência artística, que é
posteriormente compartilhado no produto educativo, ASAS galeria virtual, criado pela
educadora de arte, para compartilhar o valor da pesquisa, do fazer, da visita as exposições de
arte e da criação artística, a obra de arte dos estudantes. Segundo o BNCC (2017, p.191): ”A
aprendizagem de Arte precisa alcançar a experiência e a vivência artísticas como prática
social, permitindo que os alunos sejam protagonistas e criadores”.

3. METODOLOGIA

O Projeto Arte e Tecnologia na Educação: ASAS Galeria Virtual foi realizado com
estudantes do 4º ano Ensino Fundamental I da instituição de ensino Centro de Atividades José
Tarquínio da Silva, uma instituição privada de Educação Básica situada à Rua Tupinambás, nº
240, bairro Jardim da Penha, na cidade de Vitória/ES, CEP 29.068-210.
A metodologia utilizada é uma pesquisa-ação, intervenção, investigação realizada pela
educadora de artes a partir das mediações arte educativas com os educandos, os quais
pesquisam, produzem criativamente, fazem manualmente, trocam informações, compartilham,
visitam exposições de artes via a conexão com a tecnologia.
A aprendizagem dos estudantes perpassa durante todo percurso educativo por
intervenções e investigações, para um melhor saber, dialogando com a arte e a tecnologia, via

314
o acesso a ASAS Galeria Virtual, juntamente com os ambientes virtuais (galerias de artes
internacionais, instituto histórico) e externos a escola (exposição FILE).
O processo de aprendizagem do Projeto Arte e Tecnologia na educação é baseado no
despertar da curiosidade, da investigação, da pesquisa, de descobrir novos conhecimentos, do
fazer manual, de expressar seu sentimento através da produção artística, de compartilhar o
conhecimento, de construir o saber, as competências e habilidades cognitivas, habilidades
socioemocionais dos estudantes. As práticas pedagógicas têm como referência a Base
Nacional Comum Curricular e a educação Maker (fazer com as mãos).
No decorrer da pesquisa, foi realizada a divulgação e o acesso da ASAS Galeria
Virtual para os educandos do 4° ano, os responsáveis e a comunidade escolar. O processo das
práticas educativas foi coletado durante o percurso didático, através de fotos e diário de
bordo. Para posteriormente, digitalizar o conteúdo e compartilhar na galeria virtual.
Ao final, a pesquisa é avaliada através de um questionário online, disponibilizado na
ASAS galeria virtual, respondido pelos educandos do 4° do Ensino Fundamental e pelos
responsáveis.

3.1. PRODUTO EDUCACIONAL

A pesquisa foi realizada na sala de tecnologia que possui 20 computadores (uma


máquina para cada dois educandos), com internet a cabo, data show e lousa digital. A
digitalização das imagens e as atualizações da ASAS Galeria Virtual ocorre via Notebook na
localidade domiciliar da educadora da instituição de ensino. A ferramenta utilizada para a
criar e realizar a manutenção do produto educacional foi o criador de site gratuito Wix. A
ASAS Galeria Virtual está disponível no endereço
http://asasgaleriavirtual.wixsite.com/meusite (Figura 1).

Figura 1: Produto ducacional ASAS


Fonte: http://asasgaleriavirtual.wixsite.com/meusite

315
3.2. A PRÁTICA EDUCACIONAL

A prática educacional foi realizada via as ações arte educativa aplicada na instituição
de ensino (sala de aula e tecnologia), no ambiente externo no SESI Arte Galeria, ou em
qualquer local com Wi-Fi disponível pelo acesso do site da Asas galeria virtual. A sequência
das ações arte educativas mediadas:
 Uso do livro de arte
 Galeria Google Arts & Culture
 Exposição File
 Oficina de Cerâmica
 IPHAN – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
 Oficina de desenho
 Exposição #CONECTADOS
 Galeria Google Arts & Culture
 Oficina de Pintura
 ASAS Galeria Virtual
 Questionário online

Uso do Livro de Arte


A educadora, inicialmente, media a aula com o livro de arte adotado pela instituição,
na sala de aula, comum, sem recursos didáticos tecnológicos digitais disponíveis. Apresenta o
conteúdo a ser estudado “Colagens e relevos” (através da visualização das “imagens
impressas” no livro das obras dos artistas: George Braque, Pablo Picasso, Robert
Rauschenberg), faz a leitura do contexto biográfico, do movimento artístico da época e das
técnicas utilizadas. Dentro do conteúdo “Artistas e artes” são estudados os artistas acima
citados, com questionário anexo (discursivas) referentes às obras apresentadas (Figura 2).
Logo após a finalização da escrita dos estudantes, as respostas são corrigidas no quadro
branco.

316
Figura 2: livro didático da instituição (fotografia das autoras).

Galeria Google Arts & Culture


O uso da Galeria Google Arts & Culture, é realizado para fixar o aprendizado da
semana anterior. A aula de arte é mediada com recursos tecnológicos digitais, na sala de
tecnologia. A educadora, em conjunto com o professor de tecnologia, acessa o site Google
Arts & Culture para os educandos. Começa a demonstrar na lousa digital, como usar as
ferramentas disponíveis no site (a lupa para pesquisar o artista, o Zoom + para aproximar, e
apreciar a riqueza dos detalhes das obras, as setas nas laterais para acessar a diversidade de
obras e técnicas realizadas pelo artista) e auxilia o uso durante todo o processo de
aprendizagem de pesquisas via web na Galeria Google Arts & Culture
<https://www.google.com/culturalinstitute/beta/category/artist> (o estudante terá o acesso na
escola ou em qualquer outro ambiente no qual tiver acesso à internet). É notório perceber o
diferencial do contato com as obras em um ambiente virtual, principalmente no aspecto das
cores, da visibilidade do material, da técnica usada, que se perde devido a impressão no papel,
no livro. Interessante é a disponibilidade do conteúdo, que pode ser acessado a qualquer
momento, via computador, notebook ou smartphone. (Figura 3).

Figura 3: Acesso da galeria Google Arts & Culture (fotografia das autoras).

317
Exposição FILE
Dentro do contexto do projeto de Arte e Tecnologia surge a oportunidade de participar
da principal mostra de arte e tecnologia da América Latina – FILE – Festival Internacional de
Linguagem Eletrônica : Toque aqui de 18 de abril a 11 de junho de 2017, (no espaço
expositivo inaugurado, SESI Arte Galeria, que faz parte do ambiente externo da própria
organização institucional) o acesso as obras foram feitos via exposição no espaço SESI Arte
Galeria e/ou via web pelo site: http://file.org.br/vitoria/?lang=pt. Para todos os educandos
terem acesso as novas tecnologias digitais, ao visitarem a exposição FILE - Festival
Internacional de Linguagem Eletrônica Vitória 2017 no SESI Arte Galeria, a educadora
enviou um convite (Anexo A) para o domicílio dos educandos para em sábado não letivo,
acompanhados com os familiares, participarem da mostra de arte, com o objetivo de
enriquecer o saber. Todos estudantes e familiars que adentraram na experiência da FILE,
vivenciaram através das obras expostas in loco, uma experimentação única, e compartilharam
junto a família, para posteriormente em um futuro próspero também criar um público para
apreciar as exposições de arte (Figura¨6).
Durante a semana anterior a visita a exposição FILE, a educadora apresentou aos
educandos a versão do catálogo do Festival impressa e a virtual. Os educandos puderam
visualizar a obra impressa no papel e a digital via celular na sala de aula (Figura 4). E,
posteriormente, na sala de tecnologia na lousa digital, quando a educadora acessou a
exposição no site: http://file.org.br/vitoria/?lang=pt (Figura 5)

Figura 4: Exposição FILE catálogo impresso e virtual (fotografia das autoras).

318
Figura 5: Exposição FILE, catálogo virtual, na lousa digital (fotografia das autoras).

Figura 6: visita a exposição FILE, Sesi, educandos e a família (fotografia das autoras).

Oficina de Cerâmica
No decorrer das aulas, com o livro de arte, estudamos em “Artistas e artes”, a escrita
feita pelos sumérios, cuneiformes, escrita em forma de cunha” em placas de argila, após a
leitura do texto e responder o questionário; para promover um maior conhecimento, a
educadora, promoveu a produção na prática da escrita cuneiforme, através da produção de
uma placa de argila, na qual cada estudante produziu um desenho da escrita cuneiforme.
(Figura 7).

Figura 7: Produção Maker com argila, escrita cuneiforme (fotografia das autoras).

319
Após o diálogo dos educandos com a educadora, concluíram que a escrita evoluiu,
porém, a imagem permanece de maneira a constituir uma representação, da sociedade, que
evolui, se atualiza de acordo o tempo, a escrita antes cuneiforme, hieróglifos agora transmite
sentimentos via imagens de expressões do emoji. Assim de maneira lúdica, reelaboramos a
escrita atual, ao criar “emoji autorretrato”, criação feita pelos educandos, com forma de emoji,
mas com características pessoais de cada um, tornando, o emoji personalizado, no papel
comum e no papel magic. Correlacionamos o processo criativo do emoji com a escrita antiga.
(Figura 8)

Figura 8: Autorretrato emoji e a escrita cuneiforme (fotografia das autoras).

Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional e Oficina de desenho


O estudo do patrimônio cultural constitui uma competência específica de arte para o
ensino fundamental, na BNCC: “9. Analisar e valorizar o patrimônio artístico nacional e
internacional, material e imaterial [...]” e” (EF15AR25) Conhecer e valorizar o patrimônio
cultural, material,[...]” Para desenvolvê-la a educadora apresentou ao educandos na sala de
tecnologia, o Instituto do Patrimônio Histórico Artístico Nacional – IPHAN, para
conhecerem e pesquisarem os bens materiais e imateriais capixabas via o site
http://portal.iphan.gov.br/es para promover a contemplação, o conhecimento, o
reconhecimento de alguns patrimônios capixabas. (Figuras 9)

Figura 9: Conhecer bens materiais capixabas via o site do Iphan ES.

320
Exposição #CONECTADOS
Conforme a BNCC de artes, p.195, 2017,
[...]as artes integradas, devem explorar as relações e articulações entre as diferentes
linguagens e suas práticas, inclusive aquelas que possibilita, o uso das novas
tecnologias de informação e inovação. Os educandos devem expandir seu repertório
e ampliar sua autonomia nas práticas artísticas, por meio da reflexão sensível,
imaginativa e crítica sobre o conteúdo artístico [...] as experiências de pesquisas,
invenção e criação.

Para desenvolver o olhar crítico, artístico, imaginativo, a invenção, a criação dos


estudantes, a educadora propôs que a criação de uma obra de arte, como uma das técnicas
estudadas, para expor na Asas galeria virtual. Assim o estudante cria, inventa uma composição
criativa artística, e o mesmo avalia criticamente se a qualidade estética da construção plástica
está interessante para expor sua obra de arte para os amigos, os familiares, as pessoas que
acessarem a galeria virtual. O zelo para garantir o respeito e a autoria das produções artísticas
realizadas pelos estudantes foi registrado via ação da educadora, ao entregar a comunicação
de AUTORIZAÇÃO DE PUBLICAÇÃO ASAS GALERIA VIRTUAL, direcionada aos
responsáveis para permitirem ou não, mediante a assinatura de confirmação, a publicação da
obra. Após o retorno dos responsáveis, referente ao pedido, a professora verifica as
autorizações que permitiram expor na galeria virtual, as produções artísticas são digitalizadas
e compartilhadas “algumas foram enviadas por e-mail, criação da obra foi realizada pela
criança no Paint, no computador” (Figura 10), e publicadas no site:
asasgaleriavirtual.wixsite/meu site.

Figura 10: Produção artística, no Paint, publicadas no site.


Fonte: asasgaleriavirtual.wixsite/meu site (2017).

Após a publicação é o momento dos estudantes, apreciarem, reconhecerem,


compartilharem suas obras, acessando o site Asas galeria virtual, no computador da sala de

321
tecnologia e no celular. E a educadora de artes media a ação (na aula sequencial) da escolha
de um nome para a exposição, dentre alguns nomes citados pelos educandos surge a escolha
via votação de “#CONECTADOS”.

Oficina de Pintura
A oficina de pintura é um desdobramento do estudo das “ Cores Vibrantes”. Após o
conteúdo mediado via o livro de artes com as imagens impressas e a visita virtual da galeria
Arts & Cultute, os educandos puderam antepor qual o artista gostaria de representar
plasticamente com lápis de cor e caneta hidrocor. A educadora sugere algumas técnicas
artísticas. A primeira seria a produção plástica, releitura da obra do artista Andy Warhol,
articula uma proposta de intervenção artística com a técnica de pintura com lápis de cor sobre
a imagem (fotocópia preto e branca) de alguma celebridade atual, a qual o estudante admira
(Figura 11). Ou realizar através da técnica usada pelo artista Cláudio Tozzi, o pontilhismo, de
maneira inovadora apropriação da obra “Passagens”, com caneta hidrocor e lápis de cor.

Figura 11: Releitura da obra do artista Andy Warhol (fotografia das autoras).

Asas Galeria Virtual


Após as ações educativas realizadas, todo o processo arte educativo foi
adequadamente reavaliado, para ser descrito, digitalizado, ilustrado, e para enfim publicar no
site ASAS Galeria Virtual, e apresentar na sala de tecnologia para as crianças do 4° ano do
Ensino Fundamental, avaliarem o produto educacional. Através da ASAS Galeria Virtual a
educadora promoveu via as realizações arte educativas na sala de aula e tecnologia, aulas
compatíveis com as competências específicas de arte para o Ensino Fundamental (BNCC,
2017, p. 156) podemos assim citar:

322
 “4. Experienciar a ludicidade, a percepção, a expressividade e a imaginação,
ressignificando espaços da escola e de fora dela no âmbito da Arte.” Ao propor a visita no
ambiente externo, SESI Galeria de Arte com os educandos e família .
 “5. Mobilizar recursos tecnológicos como formas de registro de pesquisa, e criação
artística”. Ao promover o acesso a pesquisa de artistas na Google Arts & Culture, e estimular a
criação artística com recursos tecnológicos junto ao “ fazer com as mãos” (maker), estimular a
produção de uma obra de arte, via ferramenta digital ou com materiais plásticos.
 “6.Estabelecer relações entre arte, mídia, mercado e consumo, compreendendo, de
forma crítica e problematizadora, modos de produção e de circulação da arte na sociedade. ”
 “8. Desenvolver a autonomia, a crítica, a autoria e o trabalho coletivo e colaborativo
nas artes. ” Os educandos livremente, de forma autônoma, em casa desenvolveram um
trabalho colaborativo de pintura.
 “9. Analisar e valorizar o patrimônio artístico nacional e internacional, material e
imaterial, com suas histórias e diferentes visões de mundo. ” Produção artística, via desenho do
patrimônio.

A ASAS Galeria Virtual, abrange várias competências, ao gerar o movimento de


divulgar, compartilha as criações artísticas, e todas as ações arte educativas promovidas.

Questionário online
A criação do questionário online, é decorrente de diagnosticar as ações e práticas arte
educativas realizadas no percurso do Projeto Arte e Tecnologia na educação: ASAS Galeria
Virtual. (Figura 55). Para obter um resultado de forma mais precisa, foram convidados os
educandos (que responderam o questionário na sala de tecnologia, ou de forma domiciliar), e
os responsáveis (em seus domicílios via computador ou celular). Os educandos, após
concluírem o questionário compartilham a informação para os responsáveis. E os pais
receberam um comunicado, via agenda, com todo o processo passo a passo para acessar o
questionário on-line.
O resultado valida o projeto da galeria virtual pela aceitação e admiração que os
educandos e responsáveis ao responder de forma afirmativa, 75% Sim e 25% Não, esses
correspondem aos pais. É uma nova prática educativa que se inicia para prosseguir, e a cada
ano em uma série é contemplada, com ações da educação Maker, inovar para transmitir e
compartilhar a arte, o saber. Registro de depoimentos:“sim, porque eu já exponho”, “sim
amo, mas já tao espostos na galeria os desenhos”, “sim, mas as do meu filho”, “atualmente
não estou criando nada, mas se estivesse pintando adoraria. ”, “eu não, mas tenho um não,
mas minha filha certamente”.

323
4. ASPECTOS CONCLUSIVOS

No projeto Arte e tecnologia na educação, o produto educacional ASAS galeria


virtual, é gerado pela educadora de artes Anna Saibel via coleta de dados através de pesquisas
bibliográficas (educação Maker, metodologias ativas, ensino híbrido, entre outros), cursos on-
line (Aprendendo com arte), visitas a galerias virtuais (FILE.org.br, google Art & culture,
IPHAN, entre outros) e exposições em espaço expositivo da grande Vitória (File, exposição
027) ,para criar um processo permanente de desenvolvimento, de compartilhar ações
artísticas. e o contínuo aprendizado diário com os educandos com a disciplina de arte.
A permanência do projeto gera o despertar do saber, que é essencial com a prática in
loco, o conhecimento se faz com contato direto com o objeto de estudo: como na proposta da
visita a exposição File, na qual o experimentar o contato com a obra de arte, e principalmente
ao trocar informações via monitoria e apreciação, com a família, criando um elo
socioemocional (o saber aliado ao educando e a família, é de extremo valor dentro das novas
teorias educacionais), em consequência poderá surgir um novo público para a apreciação da
arte. E com a prática do Maker “fazer com as mãos”, da produção artística na sala de aula,
consolida, o aprendizado acontece com significado.
Podemos concluir que o percurso do projeto é a integração e a troca de saberes mútuos
entre o educando, educadora, família e o ciberespaço. ASAS Galeria virtual, é uma ferramenta
tecnológica para demonstrar os processos realizados, entre outros saberes da cultura e
sociedade, e principalmente destacar e compartilhar a obra de arte dos educandos, para que os
mesmos realizem as dimensões do conhecimento abordadas pela BCNN: a criação (elaborar a
obra de arte), a crítica ( escolher qual obra publicar), a estesia (perceber a percepção na
criação artística, como forma de conhecer a si mesmo), a expressão (exteriorizar a expressão
artística subjetiva, tanto no meio individual quanto no coletivo), a fruição (prazer,
estranhamento, abertura para sensibilizar a prática cultural, artística) e a reflexão (construção
de argumentos referente ao processo criativo: perceber, analisar, interpretar a obra de arte
produzida, seja como um criador ou um apreciador).A galeria permite transpor os muros da
escola, promove o acesso a um diálogo via web com a família, a comunidade, a sociedade,
com o mundo. Como sugere a Base Nacional Curricular Comum (2017, p.196): “Estabelecer
relações entre arte, mídia, mercado e consumo, compreendendo, de forma crítica e
problematizadora, modos de produção e de circulação da arte na sociedade. ” O projeto
consegue resultados inovadores, comprovados, por ações educativas realizadas in loco, por

324
relatos e pelo questionário preenchido por educandos e responsáveis familiares. Arte e
tecnologia na educação: ASAS galeria virtual alia a educação, a arte , a família no cenário
tecnológico, de forma continua, faz o estudante interagir, agir, criar, compartilhar, elaborar
críticas, estimular as habilidades, o fazer com as mãos, educação Maker, para que possa
perpetuar seus registros criativos, gerados ao ativar o saber criativo, inventivo, artístico,
único, para desenvolver o processo constante da transformação pela interdisciplinaridade,
para uma aprendizagem significativa, para o presente e o futuro.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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http://info.geekie.com.br/educar-na-curiosidade/
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BLANDIN, B. Formateurs et Formation Multimédia. LÉditions d’Organisation.Paris,
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Vol. II] Carlos Alberto de Souza e Ofelia Elisa Torres Morales (orgs.). PG: Foca Foto-
PROEX/UEPG, 2015.
MOSE, Viviane. A escola e os desafios contemporâneos. 3ªed. Rio de Janeiro: Civilização

325
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RAMOS, Stella. Artes Híbridas. São Paulo: Aprendendo com arte. 2017.
TAMASSIA, Silvana. O que significa ser um aluno no século XXI?. 2017. Disponível em:<
http://info.geekie.com.br/aluno-seculo-xxi/>
ZANETTI, Humberto. A Cultura Maker na educação. 2014. Disponível em:
<http://blog.fazedores.com/cultura-maker-na-educa

326
PROJETO CORREDOR

Rosana Lúcia Paste


Stela Maris Sanmartin

RESUMO

Este artigo apresenta o Projeto Corredor desenvolvido no Departamento de Artes Visuais do


Centro de Artes da Universidade Federal do Espírito Santo com alunos e professores dos
cursos de Licenciatura em Artes Visuais e Bacharelado em Artes Plásticas. Tivemos como
objetivo integrar os diferentes sujeitos implicados no processo educativo para ampliar as
situações de aprendizagem em arte e promover a melhoria do ambiente universitário. O
referido projeto está em andamento, portanto esta reflexão trata das ações realizadas no
período de julho de 2017 a dezembro de 2018. Apresentaremos as estratégias metodológicas
desenvolvidas durante um ano e meio de trabalho, os desafios e os resultados alcançados neste
período.

Palavras Chave: Ensino Superior; Artes Visuais; Ensino de Arte; Prática Pedagógica.

RESUMEN

Este artículo presenta el Projecto Corredor desarrollado en el Departamento de Artes Visuales


del Centro de Artes de la Universidad Federal de Espírito Santo con alumnos y profesores de
los cursos de Licenciatura en Artes Visuales y Bachillerato, en Artes Plásticas. Tuvimos como
objetivo integrar los diferentes sujetos implicados en el proceso educativo para ampliar las
situaciones de aprendizaje en el arte y promover una mejora del ambiente universitario. El
referido projecto está en andamiento, por lo tanto esta reflección trata sobre las actividades
que se realizadas de julio de 2017 a diciembre de 2018. Se presentarán estrategias
metodológicas desarrolladas durante un año y médio de trabajo, los desafíos y los resultados
logrados em este período.

Palabras Claves: Enseñanza Superior; Artes Visuales; Enseñanza de Arte; Práctica


Pedagógica

INTRODUÇÃO

O Departamento de Artes Visuais do Centro de Artes da Universidade Federal do


Espírito Santo tem incentivado ações extraclasse para integrar os diferentes sujeitos

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implicados no processo educativo, ampliar as situações de aprendizagem em arte e promover
a melhoria do ambiente universitário.
Sabemos que toda produção em arte advém de sistematização, da rotina que abre
brechas à intuição e disciplina diária de trabalho para chegar à criação. Se uma escola
contemporânea de arte estabelece esses critérios é evidente que a formação no curso superior
ganha contornos de desenvolvimento criativo e pesquisa produtiva. As inquietações e dúvidas
conceituais serão aprofundadas e consequentemente os estudantes poderão constituir sua
linguagem poética e um modo particular de dialogar com o mundo.

Nesse sentido é que nos reunimos em julho de 2017 para compreender como o
ambiente do Departamento de Artes Visuais (Cemuni II) estava sendo utilizado. Se, para além
da sala de aula, o ambiente universitário promovia espaço de pensamento, trocas e atividades
que dessem visibilidade aos processos e pensamentos em construção na formação dos alunos.

Verificamos, naquele momento, que a dinâmica de sala de aula seguia um fluxo de


trabalho, mas os corredores traduziam um ambiente desrespeitoso, que pouco ou nada
contribuía para estimular a produção, apresentação e reflexão sobre os processos e produção
dos alunos. As paredes continham camadas de pinturas e textos configurando uma visualidade
caótica. Dessa maneira, o ambiente que poderia acolher, ser espaço de permanência e
compartilhamento de ideias e aprendizagens, estava sempre vazio ou subutilizado. Os
professores estavam aprisionados em sala e, de certa forma, os alunos também não
permaneciam no espaço do corredor para além dos horários de aula.

Era nítida a insatisfação por parte de alunos e professores e também havia clara
percepção de que aquele ambiente não gestava o que uma escola de arte deveria promover: a
prática artística por meio das linguagens e seus processos criadores, a leitura e apreciação dos
trabalhos, aprofundamento nos conhecimentos históricos da arte, exercício de crítica, entre
outros objetivos educativos como respeito às diferentes ideias e produções, a multiplicidade
de pesquisas e propostas artísticas. Não perdemos de vista que a formação geral dos
estudantes, para além dos conteúdos específicos também prevê objetivos educacionais mais
amplos na constituição de valores, relação dialógica que oportuniza o exercício democrático
de uso do espaço coletivo, público, que deve ser mantido limpo e cuidado para promover
relações afetivas que emergem do encontro e seus desdobramentos em projetos futuros. Bem
como afirma Moreira (2017, p.36), "a criatividade só pode aflorar em lugares onde existe de

328
fato uma cultura organizacional estimuladora, bem como clima adequado para sua
manifestação".

As instâncias e complexidade que envolve uma Escola Superior de Arte são inúmeras,
visto que trabalhamos com a capacidade de promover autonomia, autoria, ética e
comprometimento de emancipação. Portanto, a escuta dos sujeitos presentes no espaço foi
fundamental para nortear a tomada de decisão, atitudes e desenvolvimento de ações que
iniciassem o processo de mudança. Para tanto, convidamos alunos e professores para
diagnosticar as necessidades e demandas para então pensar em estratégias que permitissem
instaurar um lugar interativo e mais comprometido com um ambiente de formação acadêmica,
pois "o ápice da ação criadora ocorre quando são dadas as oportunidades para participarem
como "autores de suas ideias e seus projetos" garantindo a sustentabilidade da organização".
(Sanmartin, 2012, p.38).

Neste sentido, apresentaremos os fundamentos conceituais e metodológicos que


ampararam as práticas desenvolvidas e faremos um breve relato sobre as atividades chaves
que nos permitiram alcançar alguns resultados no Projeto Corredor.

CONCEPÇÕES TEÓRICO-METODOLÓGICAS

A expressão espaço educativo pode designar os espaços ampliados


da educação em que ocorrem as relações interativas que
caracterizam os processos de ensino e de aprendizagem de maneira
intencional e sistematizada, mas particularmente vinculada a esta
expressão está a qualidade do encontro entre professor, aluno objeto
de conhecimento, destacadas as orientações didáticas que as
situações de aprendizagem significativas demandam.
(SANMARTIN, 2013, p.14)

Em consonância com o proposto na legislação brasileira, pretendemos contribuir para


a formação de sujeitos com capacidade reflexiva, crítica e criadora. Assim orientamos nossos
trabalhos de formação em arte, acreditando que estes são princípios importantes para aqueles
que pretendem ser criativos em suas práticas artísticas e/ou educativas.

Estamos apoiados na práxis educativa que compreende a indissociabilidade entre a


teoria e a prática. Consideramos que a prática pode estar fundamentada por uma teoria e que a
relação entre teoria e prática pode acontecer de forma orgânica, no sentido de que concepções

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e métodos se alimentem reciprocamente. Como indica Pimenta e Lima (2008, p.47) também
concebemos o professor como um “intelectual em processo de formação e a educação como
um processo dialético de desenvolvimento do homem historicamente situado” que participa
da construção da cultura de seu tempo, quando impulsionado para a criação de novos
conhecimentos artísticos, culturais e educativos que atendam as demandas sociais.

O caráter pedagógico que sustenta nossa ação educativa está pautado em princípios e
formas de atuação para dar sentido à atividade de ensinar e aprender comprometido com a
criatividade e com o conhecimento que emancipa o sujeito a agir com autonomia, criar seus
projetos pessoais dimensionados em valores éticos perante a sociedade da qual faz parte.
Desenvolvemos a ideia de que a arte é uma das áreas do conhecimento humano, patrimônio
cultural a ser conhecido e partilhado; tem conhecimento específico a oferecer e que
paulatinamente conquista lugar na sociedade.

A arte é uma das poucas disciplinas do currículo escolar que permite e dá


oportunidade de expressar emoções e usar a imaginação, que encoraja o estudante a colocar
sua visão pessoal e assinatura em seus trabalhos. Triste perspectiva, pois não só a arte, mas
todas as outras disciplinas deveriam considerar o potencial criador dos alunos e incorporar
esta perspectiva em seus modos de ensinar e aprender.

É certo que também a arte pode tornar-se conteúdo sem vida, mecânico, se tomada
pelo modelo tradicional, que centra sua metodologia nos conteúdos da aprendizagem, na
cópia e memorização, ou tender ao extremo oposto, ao encerrar-se nas necessidades
expressivas, interesses e desenvolvimento do sujeito, esvaziando-se de conteúdos. Estas
tensões colocam de um lado o currículo, de outro o aluno, de um lado o lógico, de outro o
psicológico, de um lado o professor que controla, de outro aquele que cultiva a liberdade e
espera que o estudante tenha iniciativa. Os pressupostos assumidos pela Escola Nova para
“corrigir” os excessos da Escola Tradicional também exageram na cautela em não interferir
nos processos criativos dos alunos, em não apresentar a arte para não “dar modelos” e focar a
autoexpressão com atividades centradas no fazer artístico e apenas no interesse do aluno.

Na tese defendida na Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo em 2013


tratamos sobre a concepção Arte como pesquisa, no espaço educativo experiência vivida pela
autora na Secretaria de Estado do Menor do Estado de São Paulo.

A concepção Arte como pesquisa, no espaço educativo apresenta um modo de ver a


arte na educação, com um projeto pedagógico em arte comprometido com a

330
experimentação, descoberta, invenção e processos criadores das crianças,
adolescentes e jovens, como também dos professores. Arte no espaço educativo
indica orientações didáticas para o trabalho em arte que enfatiza um espaço/tempo
privilegiado para os menores desenvolverem ação criadora e trabalhos nas
linguagens artísticas e, às equipes profissionais, a práxis educativa. (SANMARTIN,
2013, p.10)

Arte no espaço educativo significa, portanto, aproximar a arte do estudante. A arte no


espaço universitário, em cursos de graduação, ordena e articula atividades com clara intenção
educacional, sem perder de vista os conteúdos da aprendizagem em suas dimensões
conceituais, procedimentais e atitudinais.

A concepção para o trabalho com arte no espaço educativo não polariza o tempo
interno do aluno como um tempo predeterminado pelo outro, permite que o movimento da
criação seja sincronizado pelos movimentos pessoais e a aprendizagem ritmada pela interação
estimulante, divergente, enriquecedora entre professor e aluno. A dimensão do tempo
considerada como chave para configurar as oportunidades de ensinar e aprender de maneira
significativa implica respeitar os ritmos individuais dos estudantes nos seus processos de
pesquisa, experimentação e criação nas linguagens da arte.

Na perspectiva de ampliar a reflexão, pensaremos neste Espaço Educativo também


como um sistema constituído por professores, alunos e conhecimentos específicos em arte,
que passa pelo viés pedagógico e respeita orientações didáticas específicas para o Ensino
Superior.

Neste projeto piloto desenvolvemos atividades com alunos e professores com o


objetivo inicial de valorizar a identidade da escola de arte e desenvolver por meio deste
projeto pedagógico específico conteúdos e metodologia adequada as reais necessidades dos
alunos.

Esta concepção metodológica estruturou caminhos para ensinar arte com respeito à
diversidade cultural e as realidades de todos os sujeitos que fazem parte da comunidade
acadêmica. Considerou as dificuldades e potenciais dos alunos, seus processos de
organização, anseios e necessidades, para acompanhar o percurso de formação com uma
diretriz pedagógica que valorizasse os diferentes saberes, espaços e realidade de vida.

Contamos com formação específica em Artes Visuais das docentes envolvidas no projeto
e experiências anteriores, mas também com a interlocução com os seus pares em um trabalho

331
idealizado, planejado e executado conjuntamente, sistematizado em encontros para reflexão
sobre as práticas docentes, desenvolvimento dos alunos e criação de novas estratégias dando
curso ao movimento da práxis educativa.

PROPOSTAS DE AÇÃO

Dirigimos nossa ação pedagógica em consonância com a proposição de Pimenta e


Lima (2008, p. 42) que muito contribue para a reflexão que instauramos “as atividades que os
professores realizam no coletivo escolar supondo o desenvolvimento de certas atividades
materiais orientadas e estruturadas. Tais atividades têm por finalidade a efetivação do ensino e
da aprendizagem, é composto de conteúdos educativos, habilidades e posturas científicas,
sociais, afetivas, humanas; enfim, utiliza-se de mediações pedagógicas específicas.”
Percebemos resistências explícitas por parte de alguns alunos e tácitas de alguns
professores, mas persistimos em nossos propósitos e acreditávamos que os corredores podiam
ser um lugar de aprendizagem, espaço aberto para todos os alunos e não permanecer restrito
para expressão de um grupo restrito. Fomos apoiados por muitos alunos e professores, ambos
insatisfeitos declaravam que o ambiente, da maneira como se apresentava, não proporcionava
um espaço de vivência, de mostra dos processos, das aprendizagens nas disciplinas e para
além delas.

Vista geral do Cemuni II em julho de 2017 já com o pátio limpo (foto do arquivo das autoras)

332
Professores e alunos queriam sim revitalizar o espaço e democratizar seu uso, por
meio de diálogos e projetos que pudessem ter início meio e fim. Havia o desejo de que todos
respeitassem e fossem respeitados, que todos os alunos tivessem oportunidades de acesso em
utilizar os corredores para mostrar sua produção, conviver com a multiplicidade de
concepções, heterogeneidade de propostas, independente do gosto pessoal. Nesse ambiente
potencialmente educativo, de formação, a fruição da arte poderia ser regada de significações,
pois nada substitui a experiência, a percepção direta com o original.

Detalhe parede Cemuni II (foto do arquivo das autoras)

EXPOSIÇÕES

O projeto Corredor constituiu-se, portanto, de quatro frentes específicas: Exposições


Coletivas; Exposições Didáticas; Exposições de Turma e Exposições individuais na Galeria
Dadá. Assim iniciamos o projeto de revitalização do corredor do DAV e da Galeria Dadá no
Cemuni II do Centro de Artes da UFES.

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Encontro diagnóstico com alunos e professores do DAV 2017 (foto do arquivo das autoras)

Iniciamos as ações com uma exposição coletiva na galeria Dadá com os alunos que
aderiram o convite, turma de 1º período, com a produção realizada antes do ingresso na
universidade. A galeria, naquele momento, era o único espaço possível de apresentar os
trabalhos.

Abertura da primeira exposição na Galeria Dadá 2017.2 (foto do arquivo das autoras)

A partir daí fomos somando a adesão de mais alunos interessados em criar um vínculo
afetivo com o lugar, motivados em revitalizar o Cemuni II. Passamos a cuidar do espaço
físico com mutirão de limpeza, pintura e muita conversa.

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Trabalho coletivo de professores e alunos para limpeza do jardim e pátio interno do Cemuni II (foto do arquivo
das autoras)

Preparação das paredes para montagem dos trabalhos com acompanhamento da Profª Bruna Wanderkoken

(foto do arquivo das autoras)

Até então a pintura era realizada por alunos do curso, coordenada por professores do
departamento, mas no início de 2018 obtivemos apoio da direção do Centro de Artes para
pintar os corredores com profissionais, o que permitiu melhorar as condições do prédio e
efetivar mudança contundente do espaço, vindo ao encontro dos objetivos do Projeto
Corredor.

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Servidor trabalhando na pintura do corredor do CEMUNI II (foto do arquivo das autoras)

Jardim interno do Cemuni II revitalizado pelos próprios alunos (foto do arquivo das autoras)

EXPOSIÇÕES COLETIVAS

As exposições coletivas no corredor, com participação espontânea, sempre se


iniciavam a partir de um convite aberto aos alunos dos cursos de Licenciatura em Artes
Visuais e Bacharelado em Artes Plásticas. Propúnhamos um dia e hora para um encontro com
todos os expositores e solicitávamos que levassem todos os trabalhos que pretendiam
apresentar. A atividade previa uma apresentação dos alunos presentes, uma conversa sobre o
projeto e orientações para organizar a exposição. A seleção das obras era feita coletivamente,

336
criávamos a expografia, e só então partíamos para a montagem, também com ação
colaborativa.

Encontro para seleção e organização da montagem da exposição com Profª Stela Maris (foto do arquivo das
autoras)

Montagem professora Rosana Paste e alunos (foto do arquivo das autoras)

337
Vista de uma das exposições (foto do arquivo das autoras)

EXPOSIÇÕES DIDÁTICAS

Realizamos também algumas exposições denominadas didáticas, pois configuravam-se


como mostras específicas da produção resultante das disciplinas que compõe a estrutura
curricular dos cursos, com a participação dos professores do Departamento. Sugeríamos que
os professores, em conjunto com os alunos, escolhessem exercícios que pudessem
exemplificar os conteúdos trabalhados em aula e que cada professor redigisse um texto
explicativo sobre a proposta para contextualizar o conjunto dos trabalhos. Nessas exposições
ficaram evidentes as experimentações, os processos desenvolvidos e os resultados alcançados
nas diferentes disciplinas dos cursos, permitindo uma visão de conjunto muito interessante.

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Montagem dos trabalhos de Pintura I do Prof. Lincoln Dias (foto do arquivo das autoras)

Exposição didática montada (foto do arquivo das autoras)

EXPOSIÇÕES DE TURMA

Decidimos abrir espaço para mostrar a produção de turma, porque percebemos que os
alunos da noite não podiam participar das atividades que estávamos desenvolvendo durante o
dia. Em geral, os alunos da noite trabalham, assim fizemos o encontro, seleção e montagem

339
dos trabalhos no período em que todos pudessem comparecer. A imagem abaixo expressa um
momento de confraternização organizada pelos próprios estudantes para a abertura da
exposição de uma turma de Licenciatura em Artes Visuais noturno.

Abertura da exposição de uma turma do curso de Licenciatura em Artes Visuais noturno (foto do arquivo das
autoras)

Outra exposição de turma realizada foi com o 1º período da turma de Bacharelado em


Artes Visuais, ingressantes em 2019. Pensamos que seria muito interessante conhecer a
produção pregressa de nossos alunos, pois o conjunto de imagens representa o repertório
visual que trazem com o contato com a cidade, com o que aprenderam na escola, com o gosto
e interesse pessoal.

EXPOSIÇÕES INDIVIDUAIS

Formamos uma comissão de alunos coordenada por uma professora para organizar o
cronograma de ocupação do espaço da Galeria Dadá com as exposições individuais. Para
realizar uma exposição na galeria, bastava o aluno declarar que possuía um volume de
produção que justificasse uma exposição individual. Imprimiu-se a seguinte dinâmica, a
montagem de segunda a quarta feira, abertura da exposição sempre às quintas feiras às 17h30
e duração de 15 dias. Ficava livre a possibilidade de o aluno convidar um aluno ou professor

340
para fazer a curadoria e escrever o texto de abertura. Também incluímos a elaboração de
material de divulgação impresso e para a web.

Exposição individual na Galeria Dadá do Coletivo Sacada (foto do arquivo das autoras)

Todas as exposições foram nomeadas, receberam um texto de abertura e foram registradas no


livro de presença. Percebemos que os alunos passaram a convidar amigos e familiares para a
abertura das exposições ou para ver os trabalhos que estavam expondo.

CONSIDERAÇÕES:

A complexidade que envolve a formação numa escola de arte deve considerar a


abrangência de atuação em diferentes campos da arte. Entendemos que a teoria e prática
artística são fundamentos para todas as possibilidades de atuação profissional e acreditamos
que a escola é um lugar especial para formação de profissionais criativos e criadores
comprometidos com a prática autoral e responsável.

Tanto nas salas de aula, ateliês, como nos corredores e Galeria Dadá há lugar para
criar e refletir sobre arte, acolher, apresentar, dar visibilidade aos projetos, processos e
produção dos nossos alunos, portanto um espaço aberto às diferentes propostas e organizado
conjuntamente para viabilizá-las.

341
As mostras tem se configurado como mais uma oportunidade de aprendizagem,
possibilidade de dar visibilidade a produção de sala de aula, mas sem dúvida amplia seu papel
ao proporcionar novas formas de experiência com a produção visual dos colegas, ao instalar o
trabalho em um espaço de circulação pública e assim poder interagir, dialogar sobre os
exercícios realizados em cada etapa de sua formação.
Repertório é fundamental para dar liberdade à criação, assim consideramos os
exercícios de desenvolvidos no Projeto Corredor desde a seleção de trabalhos, expografia,
montagem, elaboração de textos de artista e conceituais, apreciação, avaliação, conteúdos que
devem integrar a formação do estudante de arte.
Apresentar trabalhos que antecedem a entrada do aluno na graduação em arte,
exercícios de sala de aula, até os trabalhos dos alunos finalistas, demonstram a coerência da
concepção de ensino de arte com a prática pedagógica das autoras, que consideram que o
repertório que os alunos já possuem ao ingressar na universidade pode ser ampliado e
sistematizado com as teorias e práticas no seu processo de formação acadêmica.
Entendemos que ao oportunizar ao expor a produção, ela pode ser questionada,
avaliada e promover mudanças, caso seja necessário. Ao proporcionar a esses sujeitos a
experiência multidimensional da criatividade em suas dimensões pessoa, processos, resultados
e ambiente criativo, cremos estar cumprindo com as responsabilidades de uma escola de arte.

Aproximar nossos alunos do conhecimento arte com propriedade, profundidade e


consequência significa fornecer elementos para que os mesmos, futuros profissionais, ajam
com liberdade de criação e responsabilidade ética como professor, artista, teórico, curador e
todas as possibilidades de atuação em arte.

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Internacional de Criatividade Aplicada Total, Universidade de Santiago, Santiago de
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TORRE, Saturnino de la. Dialogando com a criatividade. São Paulo: Madras, 2005.

343
ARTE COMO PESQUISA, NO ESPAÇO EDUCATIVO

Stela Maris Sanmartin

RESUMO

A tese intitulada “Arte no espaço educativo: práxis criadora de professores e alunos”


defendida na Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo em 2013 analisa uma
ação educativa em arte, que nasceu de uma política pública em espaços não formais de
educação e que se configurou durante o período de existência da Secretaria de Estado do
Menor (1987/1994). Neste artigo, apresentamos o documento “Arte no Espaço Educativo”
formulado pelo Grupo de Trabalho Arte-Educação a partir do levantamento das práticas em
arte desenvolvidas nas unidades de atendimento e especificamente analisamos os princípios
da concepção “Arte como pesquisa, no espaço educativo”, pois encontramos nessa
experiência os princípios das práticas contemporâneas para o ensino e aprendizagem da arte.

Palavras-Chave: Ensino de Arte; Educação não formal; Arte como pesquisa; Pesquisa em
Arte.

ABSTRACT

The thesis titled "Art in the Educational Space: Creative Praxis of Teachers and Students"
defended at the Faculty of Education of the University of São Paulo in 2013 analyzes an
educational action in Art, which was born out of a public policy in non-formal educational
spaces and it was established during the period of existence of the Secretary of State for
Children (1987/1994). In this article, we present the document "Art in the Educational Space"
formulated by the Art-Education Working Group, based on the survey of the Art practices
developed in the service units. We specifically analyzed the conception "Art as research, in
educational space" because it was found, through this experience, the principles of
contemporary practices for the teaching and learning of Art.

Keywords: Art Education; Non-formal education; Art as research; Research in Art.

INTRODUÇÃO

A Secretaria Estadual do Menor1, criada para atender crianças e jovens do Estado de


São Paulo, posteriormente denominada Secretaria da Criança, Família e Bem-Estar Social,
desenvolveu durante duas gestões de governo um trabalho pedagógico que oportunizou aos
técnicos da Coordenadoria das Unidades e Serviços de Atendimento Complementar à Família

344
e à Escola, antes de sua extinção, configurar uma concepção para o trabalho com arte em
espaços de educação não formal.

Em 1994 o Grupo de Trabalho Arte-Educação2, o qual será abreviado como GT Arte-


Educação, teve como atribuição reconceituar o atendimento aos menores e subsidiar as
decisões da Coordenação, contribuindo para a nova identidade da Secretaria. O objetivo
específico do Grupo foi sistematizar os trabalhos desenvolvidos com arte nas unidades nos
Programas Enturmando3, Clube da Turma4, A Turma Faz Arte, Esporte e Lazer na Rua5 e
Casa Aberta Leide das Neves6.

Considerados os sete anos de existência da Secretaria, naquele momento, o GT Arte-


Educação elaborou uma proposta de trabalho por intermédio de uma metodologia que
privilegiou o resgate histórico das práticas internas em arte, compreendendo coleta de dados,
análise de conteúdos, diagnóstico e síntese; contato com instituições públicas e privadas que
trabalhavam com arte, crianças, adolescentes e jovens para estabelecer semelhanças e
diferenças que pudessem referenciar as ações; sistematização dos conteúdos, para apresentar
uma proposta pedagógica para o trabalho com arte, nestes espaços não formais de educação.

Propomos, neste artigo, apresentar essa ação educativa em arte, que nasceu de uma
política pública em espaços não formais de educação, com foco no projeto em arte que se
configurou durante o período de existência da Secretaria (1987/1994), sintetizado e registrado
no documento intitulado “Arte no espaço educativo: análise e conceituação” que apresenta a
concepção denominada “Arte como pesquisa, no espaço educativo”.

Levantamos a hipótese de que as práticas pedagógicas com arte desenvolvidas na


Secretaria da Criança, Família e Bem-Estar Social especificamente a concepção “Arte como
pesquisa, no espaço educativo”, elaborada pelos técnicos do GT Arte-Educação, operou uma
proposta ainda atual para o Ensino de Arte na contemporaneidade e que o Programa
Enturmando configurou um espaço educativo adequado para produzir, fazer e pensar arte,
comprometido com a pesquisa em arte por meio da experimentação, descoberta, invenção e
processos criadores dos menores e professores, já no final dos anos 1980.

ARTE NO ESPAÇO EDUCATIVO: ANÁLISE E CONCEITUAÇÃO

O texto se inicia com a citação literal do capítulo IV – Do Direito à Educação, à


Cultura, ao Esporte e ao Lazer, do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº. 8.069, de 13

345
de julho de 1990: 36-37) 7. E, a partir de respaldo legal, justifica o trabalho desenvolvido pela
Secretaria para atuar no âmbito não formal de educação, com foco nas programações culturais
e criações artísticas, atividades esportivas e de lazer, para crianças de 7 a jovens de 17 anos e
11 meses.

O documento “Arte no espaço educativo: análise e conceituação” foi estruturado com


uma introdução, cinco capítulos (Histórico, Metodologia, Diagnóstico, Concepção de Arte-
Educação e Recomendações), bibliografia e possui cadernos anexos com os instrumentais da
pesquisa, além dos registros do processo de trabalho.

A Introdução apresenta em linhas gerais o trabalho desenvolvido pela Secretaria da


Criança, Família e Bem-Estar Social, objetivos gerais e específicos do documento, e a
metodologia de trabalho que permitiu elaborar a proposta com Arte que “possibilita à criança
e ao adolescente o acesso às práticas culturais e artísticas, objetivando a pesquisa e criação,
voltadas para sua formação integral, a produção de conhecimento e construção da cidadania.”
(SÃO PAULO, 1994a, p. 2)

O Histórico contextualiza o trabalho realizado durante os anos de existência da


Secretaria e ressalta que a criação dos Programas Enturmando, Clube da Turma, Turma Faz
Arte, Esporte e Lazer na Rua e Casa Aberta Leide das Neves tiveram caráter preventivo e
estavam voltados para uma educação por meio da arte.

Ao ser criada a Secretaria não propôs diretrizes específicas para o trabalho com arte e
ao priorizar os objetivos e conteúdos educativos como socialização e autoestima, entre outros,
adota inicialmente a arte como meio para educar, relegando ao segundo plano os conteúdos
específicos das linguagens artísticas. No entanto, por mais que estivesse presente a orientação
da educação por meio da arte, ao não oferecer orientações houve abertura para diferentes
práticas e concepções.

Estas “outras concepções” foram pontuadas, consideradas e analisadas pelo GT Arte-


Educação e originaram a concepção denominada Arte como pesquisa, no espaço educativo. O
histórico do referido documento (SÃO PAULO, 1994a, p. 4) aponta que, conforme as
unidades foram sendo criadas e o atendimento, ampliado, uma estrutura em rede foi se
estabelecendo e aumentando a necessidade de configurar a área de Arte.

No sentido de fundamentar teoricamente os educadores, houveram várias iniciativas


de promover encontros de formação e atualização que, a princípio, eram realizados pelo

346
próprio diretor da Complementação Escolar. No entanto, com o aumento da demanda de
trabalho no processo de expansão da rede, a atribuição de pensar em programas de
capacitação para os educadores das unidades foi delegada a outros profissionais da pasta.

O GT Arte-Educação teve como missão, portanto, reconceituar o trabalho em arte dos


Programas de Complementação Escolar e pretendia, como consequência desta primeira fase,
dar a devolutiva aos profissionais por meio de projetos de capacitação mais abrangentes, que
não puderam efetivar-se devido à extinção paulatina das unidades e consequente extinção dos
Programas da Secretaria da Criança, Família e Bem-Estar Social. O Grupo Pretendia oferecer
princípios sobre os quais os educadores pudessem criar sua metodologia de trabalho
considerando a realidade das comunidades nas quais estivessem inseridos.

O presente nos revela a preocupação com a busca de uma identidade de Arte-Educação que
possa referendar as práticas existentes enquanto pesquisa, trazendo fundamentações e
referenciais comuns, formando uma mesma base conceitual e proporcionando uma mesma
contextualização, que possibilita o seu caráter integral e ao mesmo tempo diversificador.
Esta característica e abrangência de concepção de Arte como pesquisa garantem a
necessária flexibilidade e abertura para a manutenção de espaços dinâmicos, onde caibam a
diversidade e o novo. Esta maneira de trabalhar traz ainda movimento à linha de
continuidade histórica de implantação dos Programas ao longo do tempo e revela a sua
vocação de referência para outras experiências. (SÃO PAULO, 1994a, p. 5)

GRUPO DE TRABALHO ARTE-EDUCAÇÃO E SUA METODOLOGIA

A metodologia do GT Arte-Educação para chegar à concepção Arte como pesquisa, no


Espaço Educativo e apontar caminhos para a reconceituação do ensino de arte nos Programas
de Complementação Escolar, explicita que a primeira fase da pesquisa foi exploratória, a
segunda, descritiva, na terceira levantaram-se categorias denominadas conceitos de fatores
analíticos para organização dos dados e, depois de realizada a tabulação, os resultados foram
traduzidos qualitativamente para proporcionar dimensão aos fatores.

Vale identificar que o universo da pesquisa que originou a concepção Arte como
pesquisa, no espaço educativo consistiu no número total de cada programa, sendo nove
unidades do Programa Enturmando, seis unidades do Clube da Turma, duas unidades da Casa
Leide das Neves e 14 unidades do A Turma Faz Arte, totalizando 31 unidades. Os dados
obtidos apontaram para dois encaminhamentos no trabalho com arte, denominados arte como
meio e arte como pesquisa, caracterizados no quadro do Caderno de Pesquisa.

347
Arte-Educação como meio: Arte-Educação como pesquisa:

1. Desconsidera os conteúdos 1. Considera os conteúdos específicos das linguagens.


específicos das linguagens. 2. Articulação do pensamento enquanto percepção
2. Prioriza o desenvolvimento do através da vivência das linguagens.
cognitivo (da inteligência, do
emocional, do intelectual) e do 3. Possibilidade de escolha, instrumentalizando o
social. indivíduo para uma melhoria de vida.
3. Não possibilita escolha –
construção mecânica. 4. Compartilha com o espaço educativo através do
aumento de repertório e da produção de
conhecimento.
4. Não compartilha com o espaço 5. Complexidade cada vez mais crescente através da
educativo oferecendo propostas prática, da invenção e da descoberta.
fechadas. 6. As técnicas são compreendidas como apenas um dos
5. Exclui a invenção e a descoberta, elementos da aprendizagem.
pois as propostas já vêm prontas.
6. Dá ênfase às técnicas. 7. Possui visão dinâmica (concepção dialética).
8. Não se pauta pela divisão unicamente das faixas e,
sim, dá ênfase ao desenvolvimento da criança.
7. Possui visão estática. 9. Através da vivência, possibilita aprendizagem e
8. Pauta-se pela rígida divisão etária revisão crítica de modelos.
relacionada a distintas etapas 10. Produz a transformação, desenvolvendo o senso
educativas. crítico, a capacidade de leitura do mundo e a
9. Envolve modelos enquanto consciência do ser cidadão.
aprendizado e resultados. 11. Arte no espaço educativo.
10. Produz a conservação.

11. Educação através da Arte.

Concepção de Arte-Educação. Caderno de pesquisa. São Paulo: 1994c

Concordamos com as oposições apontadas, mas devemos observar que no segundo


tópico do quadro, na medida em que a cognição já contempla os aspectos intelectuais e da
inteligência, poderiam ser considerados, além dos aspectos cognitivos, os afetivos e sociais,
ampliados com a dimensão vivencial da experiência nas linguagens. Da mesma forma, no
tópico 11 também substituiríamos a expressão “Educação através da Arte” para “Educação
que usa a arte”, enfatizando a concepção que os técnicos da Secretaria denominaram “Arte
como meio”.

348
Apesar de terem sido diagnosticadas duas linhas de atuação nas unidades dos
Programas de Complementação Escolar prevaleceu à orientação “arte como pesquisa” em
unidades que mostravam entendimento sobre o trabalho educativo com arte.

No diagnóstico realizado constata-se que a criança percebia a diferença entre o


trabalho realizado nas unidades da Secretaria e na escola, como também percebia que ali era:
“espaço da criatividade; espaço do imaginário, espaço do aprender brincando, espaço para
fazer Arte e Festa” (SÃO PAULO, 1994a, p.7). Constata-se também que a comunidade
observava mudanças comportamentais como autoestima, senso crítico e melhoria no
aprendizado das crianças e dos jovens. Reconhecia o caráter educativo do trabalho com arte
desenvolvido: “reconhecimento do trabalho nas suas características educativas, lúdicas,
artísticas e de lazer” (op. cit., p. 7). O planejamento era adotado, em grande parte das
unidades, no entanto de forma assistemática verificando-se equívocos com relação aos
objetivos gerais, específicos, conteúdos, metodologias e critérios para avaliação. Era
significativa a preocupação em se fazer avaliação, tanto profissional como do
desenvolvimento da criança, do adolescente e do jovem nas unidades dos Programas, e a
idade das crianças era considerada para organização das turmas, com exceção do Programa
realizado em meio aberto, A Turma Faz Arte. A maioria das unidades cita referências teóricas
de apoio ao trabalho, no que compete às linguagens, e, com exceção do circo e aquelas que se
utilizavam de referencial teórico, grande parte exercia práxis educativa.

Para completar o diagnóstico, os técnicos da Secretaria analisaram outras instituições


públicas e privadas que desenvolviam trabalhos com arte, crianças, adolescentes e jovens em
1994, objetivando levantar semelhanças e diferenças no atendimento. Foram visitados na
época o Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo – MAC/USP; Museu
Lasar Segall – MLS; Serviço Social do Comércio de São Paulo – SESC-SP por intermédio do
Projeto Curumim; Secretaria Estadual da Cultura – SEC, através das Oficinas Culturais;
Escola Municipal de Iniciação Artística – EMIA; Escola de Música e de Bailados da
Secretaria Municipal de Cultura. Para orientar as visitas foram eleitos os seguintes itens:
público-alvo, faixas etárias, concepção de arte-educação, metodologia de trabalho, dinâmica
de atendimento, pré-requisitos para inscrição e periodicidade de frequentação.

Quanto ao público-alvo, perceberam diversidade de critérios considerando os objetivos


das instituições: por exemplo, no caso do MAC o trabalho era direcionado a grupos de
instituições como escolas ou outras entidades; o SESC, através do projeto Curumim, atendia

349
crianças filhas de comerciários e usuários. A Secretaria da Cultura, por meio das Oficinas
Culturais, atendia público mais diversificado, mas, em função da localização das Oficinas, tal
público ficava circunscrito à região onde a unidade estava implantada. Já os Programas da
Secretaria da Criança, Família e Bem-Estar Social, por estarem localizadas em regiões
periféricas, tiveram como público-alvo a predominância dos filhos das famílias de baixa
renda.

No que diz respeito à faixa etária, a maioria das instituições avaliadas atendiam de 7 a
14 anos, enquanto os programas de Complementação Escolar da Secretaria atendiam de 7 a 17
anos e 11 meses, abrangendo, também, o trabalho com a família. O Programa A Turma Faz
Arte, por ser realizado a céu aberto, recebia crianças menores. Quanto à concepção de Arte:

A Escola Municipal de Iniciação Artística e o Museu de Arte Contemporânea – USP


adotam os mesmos princípios de trabalho em Arte no espaço educativo, de forma a
propiciar ao seu público-alvo acesso às vivências das linguagens e à produção artística com
caráter educativo. Por outro lado constatamos que a maioria das instituições volta-se para a
educação através da Arte, ou seja, trabalham vários conteúdos utilizando-se das linguagens,
descaracterizando-as daquilo que é intrínseco a sua natureza. O exemplo mais flagrante
dessa forma de trabalho é o projeto Curumim do SESC. (SÃO PAULO, 1994a, p. 9)

As metodologias eram coerentes com os objetivos das diferentes instituições, mas o


diferencial da Secretaria estava na continuidade do atendimento que permitia planejar as aulas
e avaliar o desenvolvimento e aprendizagem das crianças e dos jovens enquanto eles
permanecessem nas unidades dos Programas. Com relação à periodicidade, verificou-se que
as ofertas das instituições apresentam-se ora de forma fragmentada através de cursos curtos
(Secretaria da Cultura, Museus de Arte Contemporânea e Lasar Segall), ora de forma contínua
(SESC, Escolas da Secretaria Municipal de Cultura e Secretaria da Criança, Família e Bem-
Estar Social).

Para a admissão dos interessados as instituições apresentavam diferentes critérios, por


exemplo: A Escola de Música e a Escola de Bailados da Secretaria Municipal da Cultura
realizavam exames rígidos de seleção; a Escola de Iniciação Artística, da mesma Secretaria,
sorteava vagas, enquanto a Secretaria da Criança, Família e Bem-Estar Social propunha
apenas que as crianças, adolescentes e os jovens estivessem matriculados na escola, caso
contrário os educadores de rua visitavam seus familiares, verificavam porque não estavam
frequentando a escola e, na medida do possível, solucionavam o problema de forma a não
excluir os interessados.

350
Podemos verificar que o atendimento prestado pela Secretaria diferenciava-se daqueles
oferecidos por outras instituições naquele momento, trazendo características inovadoras e de
qualidade.

ARTE COMO PESQUISA, NO ESPAÇO EDUCATIVO

Finalmente, a concepção “Arte como pesquisa, no espaço educativo” ao apresentar


princípios (teoria) e indicar ações (orientações metodológicas), configurou-se como “um
projeto pedagógico com uma prática em Arte” (SÃO PAULO, 1994a, p.13) a ser assumido
pela Secretaria para suas unidades de atendimento.

A concepção é iniciada com a citação de Barbosa (1996, p.6) “Precisamos levar a arte,
que hoje está circunscrita a um mundo socialmente limitado, a se expandir, tornando-se
patrimônio cultural da maioria e elevando o nível de qualidade de vida da população”.
Proposição que indica a mesma direção que a ação da Secretaria tomou: levar a arte para
crianças e jovens menos favorecidos propiciando-lhes, a partir do contato com ela e de
orientações específicas, experiência estética e uma significativa ação criadora com as
linguagens artísticas. Em seguida, explicita as perspectivas que assume sobre as concepções
de cultura, educação e arte no sentido de dar fundamentos ao projeto.

O documento Arte no Espaço Educativo: análise e conceituação reconhece a cultura


como “Toda e qualquer produção das sociedades e as maneiras de conceber e organizar a vida
social.” (SÃO PAULO, 1994a, p. 10) Assim, respeita valores, particularidades dos contextos
e considera que os processos culturais permanecem em transformação, ampliando a
compreensão e as possibilidades de ação para a fruição e produção de conhecimentos.
Assume uma concepção de cultura que “não enfatiza a dicotomia entre cultura popular e
cultura erudita, mas privilegia o surgimento da cultura viva, da cultura vivida.” (SÃO
PAULO, 1994a, p. 11)

Sobre a concepção de educação, nega “o caráter utilitário, a função instrucional, a


transmissão de um saber universal, o treino de habilidades, o acúmulo de conhecimentos, a
dicotomia entre teoria e prática e entre razão e percepção, ou seja, toda a fragmentação ou
compartimentalização da vivência e do conhecimento.” (Ibidem, p. 11) para compreendê-la
“como transformadora, de forma atuante no sentido de reformular e criar novas práticas e
novos saberes leva a construção e exercício da consciência e do crescimento do indivíduo,

351
sujeito social.” (Ibidem, p. 12) Similar ao conceito ampliado de educação, a concepção propõe
que a arte está presente na vida, pois é produção cultural do homem e constitui-se em um
saber construído historicamente contendo, em si, todo um universo de componentes
pedagógicos. Como afirma Lanier, “a experiência estética em geral, incluindo aqui um de
seus aspectos particulares, a experiência estética visual, já é desfrutada pelo indivíduo antes
dele entrar para a escola.” (LANIER apud BARBOSA, 1999, p. 46)

Um programa educativo que traz a arte como proposta valoriza a criança, o


adolescente e o jovem, com suas possibilidades de autocompreensão e relação com o outro, a
identificação com o que eles produzem, reconhecendo-se como produtores e participantes da
cultura de seu tempo.

A Arte no espaço educativo vem colaborar com o rompimento do pensamento lógico


quando o processo de cognição se dá, também, através dos sentidos. [...] A vivência com a
Arte possibilita: um trabalho com a diferença, o exercício da imaginação, da descoberta e
da invenção; a autoexpressão; novas experiências perceptivas, a experimentação da
pluralidade, multiplicidade e diversidade de valores, sentidos, intenções propostas e
pesquisas, revelando a sua relação com o pensamento contemporâneo. (SÃO PAULO,
1994a, p. 12)

O trabalho educativo com arte proposto no documento indica procedimentos e se


caracteriza como “se constituindo a partir da pesquisa, invenção e descoberta sem com isto
perder de vista as suas possibilidades educativas, dando ênfase assim a um sentido da vivência
enquanto experimentação.” (SÃO PAULO, 1994a, p. 04)

Esse sentido da vivência enquanto experimentação poderia ser entendido inicialmente


como ações exploratórias, investigativas, mas também de descobertas, de proposições, de
solução de problemas artísticos e estéticos, que em seu conjunto configuram as experiências
com a arte. Para Coutinho,

Ter uma experiência é uma ação reflexiva do sujeito no mundo que se situa no
próprio ato da experimentação quanto no efeito de experimentar-se. Ou seja, tanto o
sujeito quanto o objeto da ação se modificam no decurso da experiência.
(COUTINHO, 2004, p. 153)

Para John Dewey (2010) a experiência está presente no próprio ato de viver e muitas
das nossas experiências são interrompidas e se dispersam ao longo da vida. No entanto, diz
que também vivemos experiências diferenciadas que “ganham nome”, aquelas que tratamos
como uma experiência, singular, que tem unidade e qualidade estética. Experiências que

352
indicam um percurso iniciado e consumado, algo que se desloca para um desfecho e chega ao
seu fim.

O trabalho pedagógico com arte propõe organizar situações didáticas em que os


menores não só experimentem materiais, elementos da linguagem na produção de seus
trabalhos, como a si mesmos, na eleição dos conteúdos a serem expressos. Elaborar trabalhos
artísticos, exercitar a apreciação, dialogar com referências da arte e refletir sobre as questões
evocadas por suas próprias produções constituem experiências significativas com arte.

O acesso às práticas culturais e artísticas objetivando a pesquisa e criação permite que


as crianças e jovens se eduquem para o exercício criador e fruam do que é produzido em seu
tempo, sua época, como também entrem em contato com a visão de mundo de outros tempos,
por meio da produção sócio-histórica. A produção artística permite ao sujeito imaginar,
apresentar sua perspectiva de mundo para os outros, assim como manifestar as transformações
que deseja comunicar.

Arte como pesquisa no espaço educativo indica experimentação de materiais, de


procedimentos, pesquisa como prática e invenção. Ação que produz aprendizado tanto para
professores como para os alunos, mas necessita ser enriquecida com conteúdos e reflexão. “A
prática gera aprendizado e saberes, mas não pode ser apenas autorreferenciada, necessita de
conteúdos e formas de desenvolvimento teóricos específicos.” (FERNANDES, 2007, p. 29)

A reflexão sobre as práticas é alimentada pelas teorias para gerar novas práticas, assim
se configurou a práxis8 dos educadores, permitindo-lhes atuar de maneira crítica e
transformadora.

O trabalho com arte no espaço educativo remete-nos a linguagens específicas, que


configuram os conteúdos e suas ações. Ao produzir formas artísticas no teatro, nas artes
plásticas, na música, na dança, no circo e na literatura, incorporam-se os processos de
pensamento, os processos emocionais e de percepção da criança, numa síntese entre a
razão, a percepção e ação. O contato com as linguagens possibilitará o experienciar com os
recursos expressivos e conteúdos específicos de cada uma, a utilização de materiais e
técnicas, bem como a sua descoberta. Além disso, proporciona o desenvolvimento da
capacidade criadora. Nesse trabalho um enfoque relevante diz respeito aos elementos
triádicos: projeto-processo-resultado, sem que se dê a preponderância de um sobre o outro,
considerando que os resultados geram novos processos. [...] Outro aspecto a ser
considerado nesta proposta educacional é a vertente lúdica nas perspectivas: como produto
e como processo, como conteúdo e forma. Além disso, compreendemos o lúdico como
parte integrante do universo da cultura e do ser criança. (SÃO PAULO, 1994a, p. 12-13)

353
CONCLUSÕES

Arte no espaço educativo significa, portanto, aproximar a arte da criança, do


adolescente e do jovem, organizando um ambiente onde se ordenam e se articulam atividades
com clara intenção educacional, sem perder de vista os conteúdos da aprendizagem em suas
dimensões conceituais, procedimentais e atitudinais9.

A concepção Arte como pesquisa, no espaço educativo considera que é da natureza


humana construir arte e cultura e que essa construção é um processo que está em constante
transformação, um saber historicamente construído. Os professores de arte desses espaços
educativos não formais optaram em não repetir as fórmulas herdadas da tradição, fundando-se
no pensamento criativo e em sua capacidade reflexiva. Assim, a práxis educativa é
configurada e exercitada no dia a dia da sala de aula.

Os arte-educadores da Secretaria do Menor foram reunidos em equipes para iniciar


com liberdade o trabalho de ateliê, com crianças, adolescentes e jovens, e puderam
experimentar o ideal, dentro das possibilidades existentes. Assim, como em um laboratório,
trilharam vários caminhos, sempre orientados pela reflexão sobre o trabalho da criança e
sobre as suas próprias práticas. A postura adotada pelos professores pesquisadores evidencia
as transformações que as concepções e ações docentes sofreram ao longo do trabalho: da livre
expressão ao ateliê de percurso.

Desenvolveram a ideia de que a arte tem conhecimento específico a oferecer, algo


inerente a esta área do conhecimento que permite e dá oportunidade de expressar emoções e
usar a imaginação, que encoraja o estudante a colocar sua visão pessoal e assinatura em seus
trabalhos.

Práxis criadora de professores e alunos foi a experiência construída pelos técnicos da


Secretaria do Menor e a concepção formulada ainda pode referendar o Ensino de Arte e/ou
Formação de Professores na contemporaneidade. Os professores de arte que escolhem como
princípio ser criativos em suas práticas educativas e organizam espaços e tempos para que
seus alunos também sejam criadores podem assumir a pesquisa em arte como orientação
metodológica para o fazer criador de seus alunos.

A Secretaria da Criança, Família e Bem Estar Social do Estado de São Paulo foi um
lugar de experimentação e de aprendizagem, um lugar especial de formação de professores de

354
arte que, sem dúvida, hoje estão atuando e aproximando crianças e jovens da arte com
propriedade e consequência.

Notas
1
Em 1987, o governo do Estado de São Paulo cria a Secretaria do Menor pelo decreto de n° 26.906, de 15 de
março. “Primeira e única no País, ela nasceu para definir, coordenar e desenvolver políticas públicas e a ação
do Estado em relação a essas crianças.” (SÃO PAULO, 1989, p. 1). A Secretaria do Menor foi uma secretaria
especial, que iniciou seu atendimento com programas destinados aos menores em situação de rua, mas ampliou
sua atuação com os Programas de Complementação Escolar para oferecer arte e cultura à população com
menor acesso e menos favorecida economicamente.
2
O GT Arte-Educação foi criado pela coordenadora das Unidades e Serviços de Atendimento Complementar à
Família e a Escola, Zilah Daijó Kuroki, quando Terezinha Fran era titular da Secretaria Estadual da Criança,
Família e Bem-Estar Social e constituído por Artur Cole; Maria Cândida Nunes de Godoy; Moisés Benjamin
Miastkwosky; Mônica Colucci; Raimundo Matos de Leão, Stela Maris Sanmartin e Vanice Pedrazzini Gentil.
3
O Enturmando, Programa de Complementação Escolar da Secretaria Estadual do Menor, também conhecido
como circo escola era uma unidade que atendia crianças de 7 anos a jovens de 17 anos e 11 meses. Oferecia as
linguagens de Artes Plásticas, Teatro e Circo.
4
Clube da Turma, Programa de Complementação Escolar da Secretaria Estadual do Menor que possuía a
estrutura de um clube com piscinas, quadras, campos de futebol, além de oferecer aulas nas linguagens da arte
para crianças e jovens.
5
O Turma Faz Arte, Esporte e Lazer na Rua, Programa de Complementação Escolar da Secretaria Estadual do
Menor, não possuía espaço físico próprio e utilizava a estrutura que a comunidades oferecesse para o trabalho
com as crianças como salão de igreja, centro da juventude, centro comunitário, entre outros. Desenvolvia
trabalhos com linguagens das Artes Plásticas, Teatro e Educação Física para crianças e jovens.
6
A Casa Leide das Neves era outro Programa de Complementação Escolar da Secretaria do Menor que
oferecia aulas em todas as linguagens da arte: Artes Plásticas, Teatro, Dança, Música e Literatura para
crianças, adolescentes e jovens.
7
Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 – Estatuto da Criança e do Adolescente. Disponível em:
<http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/participacao_parceria/conselhos/cmdca/legislacao/>.
Acesso em: 22 de outubro de 2012.
8
A práxis era definida como: “Isto é, conseguem se apropriar destes conhecimentos para a construção de suas
práticas” (SÃO PAULO, 1994a, p. 8). Nesse mesmo documento, no item V.1 – Glossário consta um
detalhamento sobre o conceito práxis: “Atividade prática, ação, exercício. Prática fundamentada por uma
teoria. Relação entre teoria e prática de forma orgânica no sentido de que as concepções e métodos se
alimentam reciprocamente.” (p. 17)
9
ZABALA, 1998. Ver tipologias de aprendizagem.

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357
LEIS DE INCENTIVO A CULTURA E SEUS DESDOBRAMENTOS

Thaynara Silva Oliveira


Gerda Margit Schutz Foerste

RESUMO

Diante da rica diversidade cultural encontrada no Brasil e da importância que a cultura tem
para sociedade e para formação dos sujeitos, o presente artigo traz uma breve reflexão sobre
as leis brasileiras de Incentivo a Cultura, apresentando breve histórico sobre o incentivo a
cultura no país, sua abrangência, e seus impactos na sociedade e educação, destacando a Lei
João Bananeira, do município de Cariacica. Para fundamentar as discussões sobre a formação
do homem através da sua bagagem cultural, o texto dialoga com o livro Educação e
Emancipação de Theodor Adorno. Para ponderar acerca daquilo que é considerado Arte e/ou
Cultura na sociedade contemporânea são utilizados os livros As Ideias Estéticas de Marx, de
Vazquez, e A Distinção de Bourdier.

Palavras chave: Leis de Incentivo a Cultura; Cultura; Sociedade.

ABSTRACT

In view of the rich cultural diversity found in Brazil and the importance that culture has for
society and for the formation of the human being, this article brings a brief reflection on the
Brazilian Laws of Incentive to Culture, presenting a brief history on the incentive to culture in
the country , Its scope, and its impacts on society, highlighting the João Bananeira Law, in the
city of Cariacica. To substantiate the discussions about the formation of man through his
cultural baggage, the text dialogues with the book Education and Emancipation of Theodor
Adorno. In order to think about what is considered Art and / or Culture in contemporary
society are used the books The Aesthetic Ideas of Marx, by Vazquez, and The Distinction of
Bourdier.

Keywords: Cultural Incentive Laws; Culture; Society.

INTRODUÇÃO

Incentivar as práticas, e manifestações culturais através de políticas que possibilitem


investimentos nessa área, atualmente é uma preocupação de diversos países do mundo. A
cultura é de extrema importância não só para o crescimento humano, para também para a
economia de um país.

358
No Brasil, que possui vasta diversidade e riqueza cultural, ano a ano, são abertos
editais municipais, estaduais ou federais, para a submissão de projetos culturais nas chamadas
Leis de Incentivo a Cultura. Essas leis ou medidas de incentivo permitem que as empresas
privadas apliquem o valor do seu imposto de renda em projetos culturais, sendo assim o
governo abre mão de parte do valor que a empresa deve na forma de impostos em nome do
financiamento do projeto que apoia.

Diante da existência destas Leis de Incentivo, federais, estaduais ou municipais,


considerando suas diferenças, este artigo reflete sobre quais tipos de projetos têm sido
aprovados por esses editais, e como isso reflete na sociedade, que também é formada a partir
de sua constituição cultural.

BREVE HISTÓRICO SOBRE O INCENTIVO A CULTURA NO PAÍS

No país, a partir de 1930 são implantadas as primeiras políticas públicas voltadas para
a cultura, umas das primeiras medidas que surgiram com a intenção de institucionalizar o
setor cultural, foi à criação do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
(SPHAN), que tinha o objetivo de preservar as cidades históricas brasileiras.

Em 1953 é criado o Ministério da Educação e da Cultura (MEC), que tratava das duas
temáticas de forma unificada, e somente em 1985, através do DECRETO N.º 91.144, foi
então criado um ministério especificamente para tratar as questões da cultura.

Sobre a criação de dois ministérios autônomos, o decreto de DECRETO N.º 91.144, de


15 de Março de 1985 diz que:

CONSIDERANDO que a transformação substancial ocorrida nas últimas décadas,


tanto com os assuntos educacionais quanto com os assuntos culturais, tem suscitado,
em relação às duas áreas, a necessidade de métodos, técnicas e instrumentos
diversificados de reflexão e administração, e tem exigido políticas específicas bem
caracterizadas, a reclamarem o desmembramento da atual estrutura unitária em dois
ministérios autônomos;” (Publicado no Diário Oficial da União no dia 15/03/1985,
Página 4773, Coluna 2)

Desta maneira, os assuntos culturais passaram a ser tratados por um ministério


específico e autônomo, o Ministério da Cultura (MEC), responsável pelas Letras, Arte,
Folclore, os patrimônios históricos e toda manifestação cultural brasileira, sem desconsiderar
entretanto, a ligação existente entre cultura e educação. Seria impossível pensar em educação
e formação do sujeito, sem considerar sua cultura, suas relações com meio onde está inserido.

359
No livro A ideia de Cultura (2005), Terry Eagleton propõe algumas questões que nos
permitem refletir sobre a constituição da ideia que temos de cultura e como isso se modifica.
O escritor britânico trabalha o conceito de cultura levando em consideração uma série de
fatores que envolvem temporalidade e historicidade, a fim de mostrar como o significado da
palavra cultura e aquilo que de fato é considerado como cultural se modifica com o tempo,
fator que nos ajuda a compreender o que hoje é legitimado como cultura, e o que é
invisibilizado como tal.
Segundo o autor, esta definição é considerada uma das mais complexas da nossa
língua, carregada de significados, marcas temporais, que mapeiam as mudanças históricas e
sociológicas da humanidade.
O conceito de cultura é derivado do de natureza, ligado a lavoura e ao cultivo, partindo
do radical latino colere, que tem entre seus significados cultivar, adorar, proteger e habitar.
Sobre a associação entre cultura e cultivo, Eagleton afirma:
Se cultura originalmente significa lavoura, cultivo agrícola, ela sugere tanto
regulação como crescimento espontâneo. O cultural é o que podemos mudar, mas o
material a ser alterado tem sua própria existência autônoma, a qual lhe empresta algo
com recalcitrância da natureza (EAGLETON, 2005, p. 13).

Logo, aquilo que é considerado como cultura pode se estabelecer de forma


independente, autorrenovando-se, ou pode ser modificado, dentro da dialética entre o artificial
e natural, não podendo ser considerada como algo totalmente aleatório e nem totalmente
determinado.
Dentro desta perspectiva, cabe refletir sobre aquilo que tem se estabelecido pela e na
sociedade como cultura, e como se estabelece. Para entender melhor a relação da cultura e
sociedade, Eagleton destaca o papel do Estado, que utiliza a cultura como uma ferramenta de
cidadania política, para tornar as pessoas aptas para a cidadania. Sendo assim, o Estado
encarna a cultura que dá corpo a nossa humanidade comum. Portanto, antes de ser um
cidadão, o indivíduo é um ser cultural, que organiza e modela, e ao mesmo tempo é
organizado e modelado por aquilo que é considerado hegemônico

Sobre a relação da arte e educação na formação do sujeito, Theodor Adorno, no livro


Educação e Emancipação, traz uma discussão interessante sobre a constituição do adulto a
partir de sua formação cultural, evidenciando a influência da televisão nesse processo.
Segundo o autor, a televisão trabalha a serviço de uma construção cultural e por seu
intermédio se objetivam fins pedagógicos, tendo uma função formativa ou deformativa (pág,
76).

360
Quando a educação apenas reproduz uma ideologia dominante, ela se assemelha com a
“Industria Cultural”, outro conceito muito importante tratado por Adorno, impondo assim as
pessoas, costumes, crenças e valores pré- estabelecidos. Desta Maneira, a educação está
ligação a formação cultural do sujeito, que recebe diariamente diversas influências, inclusive
dos meios de comunicação de massa.

Retomando a trajetória das Leis de incentivo à Cultura no Brasil, após a separação dos
Ministérios, com a criação de um Ministério voltado apenas para as questões da cultura, suas
ações foram aperfeiçoadas e tiveram extrema importância no incentivo, patrocínio e
desenvolvimento de diversos projetos culturais pelo país.

A primeira Lei de Incentivo à Cultura, foi proposta por Jose Sarney (Lei Sarney), no
ano de 1982, entretanto só entrou em vigor no ano em 1986. Essa lei permitia incentivo,
através de doações e patrocínio a projetos culturais, abatendo das empresas o valor investido,
no imposto de renda.

Em 1990, entretanto, segundo o portal do governo , cultura.gov.br, por meio da Lei


8.028 de 12 de abril daquele ano, o Ministério da Cultura foi transformado em Secretaria da
Cultura, diretamente vinculada à Presidência da República . Essa situação foi revertida pouco
mais de dois anos depois, pela Lei 8.490, neste período entre 1990 e 1991 a “Lei Sarney” é
revogada, e o secretário da cultura de época, Sérgio Paulo Rouanet, reformula a política de
incentivo a cultura através da conhecida Lei Rouanet.

Segundo Faria (2000), as leis de incentivo à cultura foram criadas na década de 1990
para estimular a iniciativa privada a investir em cultura num momento em que o Estado
brasileiro fechava os órgãos culturais mais representativos, reduzia seu orçamento e começava
a construir um Estado mínimo e um mercado máximo. Sendo assim, o autor aponta a criação
dessas leis como uma estratégia para realizar manifestações culturais com dinheiro público,
mas se utilizando da esfera privada, que crescia no país naquele momento.

As leis de incentivo visam aumentar o investimento no setor cultural, abrindo espaço


para o investimento da esfera privada, não dependendo apenas do orçamento federal ou de
doações. Atualmente, uma das principais formas de sustentação da política cultural brasileira
são os recursos captados pelas leis de incentivo.

A lei federal de incentivo à cultura de maior proporção hoje é a Lei Rouanet (nº 8.313
de 23 de dezembro de 1991). Essa lei institui o programa Nacional de Apoio à cultura, o

361
PRONAC, que segundo o Ministério da Cultura, tem como finalidade a captação de recursos
para diversos setores culturais.

O PRONAC, segundo o caderno de orientações básicas, organizado pelo MinC tem


por finalidade então

Facilitar a população o acesso à cultura, estimular a produção e a difusão cultural e


artística regional, apoiar os criadores e suas obras, proteger as diferentes expressões
culturais da sociedade brasileira, preservar o patrimônio cultural e histórico
brasileiro, desenvolver a consciência e o respeito a valores culturais nacionais e
internacionais, estimular a produção e difusão de bens culturais de valor universal,
dar prioridade ao produto cultural brasileiro(pg. 3).

Desta maneira, acredita se que através do PRONAC, projetos culturais serão


viabilizados por meio de um investimento financeiro. Estes projetos são enviados ao
Ministério da Cultura, e analisados por técnicos pareceristas, e da Comissão Nacional de
Incentivo a Cultura (CNIC), sendo assim se trata de um processo que envolve o Ministério da
Cultura, a sociedade, a iniciativa privada e os produtores culturais.

Além da lei Federal, os estados brasileiros contam hoje com as Leis municipais e
estaduais de incentivo a Cultura, cada lei tem sua particularidades e no caso das Municipais,
existem uma relação ainda mais direta com a realidade em que a lei está inserida. Essas leis
variam de local para local, no Espirito Santo, os municípios de Vitória, Vila Velha, Serra,
Linhares, Cachoeiro de Itapemirim e Cariacica contam com suas próprias leis de incentivo.

No município de Cariacica, o financiamento da cultura é regido pela Lei nº


5.477/2015, uma reformulação da Lei nº 4.368/2005, deixando de ter caráter de incentivo
fiscal, passando a compreender incentivo financeiro.

Mais conhecida como Lei João Bananeira, devido ao personagem característico da


popular festa do Congo, que acontece anualmente no município e hoje representa a cultura
local popular, a lei consiste em um incentivo financeiro concedido a artistas e produtores
culturais residentes apenas no município.

Segundo a lei Nº. 5.477, artigo cinco, podem ser contempladas e incentivadas as
seguintes áreas abrangidas

“§ 1º - Projetos Especiais, que correspondem aos projetos de interesse direto do


Município, abrangendo seu patrimônio histórico, cultural, artístico e seus espaços e
equipamentos culturais.

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§ 2º - Projeto de Incentivo às Artes, que correspondem aos projetos elaborados e
apresentados por produtores culturais relacionados às áreas e as atividades de artes
musicais, artes cênicas (dança, teatro, circo, ópera e afins), audiovisuais (cinema,
vídeo e afins), artes visuais (colagens, gravuras, fotografia, moda, paisagismo,
decoração, charges, quadrinhos e afins) artes literárias, artes plásticas, cultura
popular (carnaval, folclore, capoeira e artesanato e afins), arte contemporânea (novas
mídias, performance, instalação, manipulação digital e afins)”.

Podendo assim ser incentivados, não somente os projetos de interesse direto do


município, que promovem a cultura local, mas também projetos de Arte em geral, como
circulação de espetáculos, publicação de livros ou abertura de exposições com artistas que
morem em Cariacica.
Para definir e avaliar então, quais projetos dentro dessas duas áreas, serão aceitos, é
montada uma comissão, todos da comunidade civil, em que os membros tenham reconhecida
notoriedade em seu segmento cultural. A composição dessa comissão com um representante
de cada seguinte segmentos:
I. Representante da área de Patrimônio Cultural (de natureza material e
imaterial);
II. Representante da área de Artes Musicais;
III. Representante da área de Artes Cênicas (dança, teatro, circo, ópera e
afins);
IV. Representante da área de Audiovisual (cinema, vídeo e afins);
V. Representante da área de Artes Visuais (colagens, gravuras, fotografia,
moda, paisagismo, decoração, charges, quadrinhos e afins);
VI. Representante da área de Artes Literárias;
VII. Representante da área de Artes Plásticas;
VIII. Representante da área de Cultura Popular (carnaval, folclore, capoeira
e artesanato e afins);
IX. Representante da área de Arte Contemporânea (novas mídias,
performance, instalação, manipulação digital e afins).

Sendo assim, anualmente a prefeitura de Cariacica, abre edital para submissão de


projetos, que são avaliados de forma voluntária pelos representantes da área escolhida no
momento da inscrição. Os projetos aprovados geralmente comtemplam a diversidade das
áreas descritas acima, a fim de incentivar projetos distintos como os trabalhos de Cultura
Popular, as exposições de Artes Plásticas, o lançamento de Obras Literárias, a manutenção de
Patrimônios históricos e a produção de materiais Audiovisuais.

363
A Lei João Bananeira visa então o fomento da cultura do município, através de uma
política publica estruturante, desburocratizada. Segundo o EDITAL/LJB-II-2016, no ano de
2017 foram destinados ao edital, R$ 538.500,00 (quinhentos e trinta e oito mil e quinhentos
reais).

Após o aceite e o recebimento do incentivo financeiro, os proponentes que receberam


o benefício precisam apresentar ao município uma contrapartida obrigatória. Quando o
projeto comtemplado se refere à realização de oficinas, é obrigatório que parte dessas oficinas
sejam oferecidas gratuitamente nas escolas do município.

No caso da produção de livros, CD´S, produtos áudio visuais, parte desse material
deve ser doado para bibliotecas municipais. No caso de circulação de espetáculos, ou
exposições os alunos são levados de forma gratuita ao centro de cultura de Cariacica para
prestigiar os comtemplados.

Diante das diversas Leis de Incentivo a Cultura espalhadas pelo país, algumas
questões são importantes para entender seu real funcionamento, a quem beneficiam, quais são
as contrapartidas dos comtemplados por esses editais, como elas influenciam na educação, e
se esses incentivos de fato abrangem e ajudam na promoção e manutenção das diversas
manifestações culturais que compõem o território brasileiro.

ALGUMAS REFLEXÕES SOBRE AS LEIS DE INCENTIVO A CULTURA E SEU


FUNCIONAMENTO

A primeira consideração importante para pensarmos as Leis de incentivo, é o que tem


sido considerado como cultura e como isso se modifica em relação à esfera social em que
estamos inseridos.

Segundo Bourdier, no livro “A Distinção: Critica Social do Julgamento”, “as


necessidades culturais são frutos da educação” (pág, 9), sendo assim as práticas culturais,
aquilo que consideramos como cultura e as preferências artísticas, se modificam com o tempo
e isto está relacionado com o meio em que se está inserido e ao nível de instrução do sujeito.

Outra questão importante, levantada pelo autor, é aquilo que é considerado como
nobreza cultural. Tende se a valorizar aquilo que é legitimado como nobre, a Arte, a Música, a
Literatura e a cultura elitizada.

364
Acredita se na superioridade do gosto da classe dominante, no “bom gosto” como
elemento natural, desta maneira, é considerado bom e de valor, aquilo que não é de acesso à
maioria das pessoas, e isso não somente em relação a Cultura e Arte, mas também a moda,
estilo de vida e alimentação, por exemplo. Geralmente aquilo que nem todo mundo pode ter é
mais valorizado do que a grande maioria pode ter e consumir.

Essas preferências culturais são comumente estruturadas pelas escolas e pela família,
uma criança, por exemplo, que desde muito cedo ouve música clássica, visita museus de arte,
e assiste a peças teatrais com frequência, terá mais facilidade de compreender e gostar dessas
linguagens, que uma outra criança que não teve acesso a obras de arte, ou a concertos
sinfônicos, e certamente terá um estranhamento diante disso. O gosto está então relacionado,
com a estrutura do capital, e com a trajetória social.

Diante das questões levantadas por Bourdier, sobre aquilo que de fato é considerado
cultura, os saberes e manifestações legitimadas e aquelas que são negligenciadas, cabe pensar
se de fato as Leis de incentivo a Cultura comtemplam as mais diversas manifestações
culturais existentes no país.

Para que os projetos sejam aprovados nesses editais, é necessário um conhecimento


prévio, a instrução, já que esses editais são complexos e muitas vezes se tornam inacessíveis a
uma parte da sociedade que também produz cultura. Sendo assim, existe um filtro entre
aquilo que é incentivado ou não, e neste momento o Estado não pode apenas ser o
patrocinador dessas manifestações, mas também o regulador e o possibilitador. Em alguns
casos, os maiores captadores dos recursos da Lei, são as grandes instituições de cultura.

Outra questão que deve ser considerada e se as leis de incentivo não são
regulamentadas por interesses mercadológicos ou pessoais, se limitando ao apoio de ações
culturais lucrativas, emergindo então produtos ligados a busca de capital apenas.

O livro “As ideias estéticas de Marx”, de Aldofo Sanchez Vazquez, é uma ótima
referência para pensar os valores estéticos contemporâneos e quais as reais intenções da Arte
na contemporaneidade. Relacionando a Cultura com a Arte, consideramos o potencial destas
em atingir a sociedade e modificá- la. Através da Arte ideias são expressas, e se manifestam
as diversas condições sociais e humanas. Segundo Vazquez (1988, pág 181):

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Mas esta relativa harmonia da arte com os ideais da sociedade burguesa perdura
enquanto as novas relações sociais não revelam suas contradições mais vitais e
profundas e enquanto a nova classe social no poder se apresenta não como uma
classe particular, mas como representante de toda a nação. À medida em que se
dissipa o sonho de uma sociedade esclarecida e racional, a suposta razão universal
que ela deveria estruturar se revela como um razão particular de classe, que entra em
contradição com os interesses do resto da sociedade.

Desta maneira, nem mesmo a Arte e a Cultura estão livres da luta de classe, e podem
ser utilizadas para reafirmar uma Ideologia sobre as outras, uma única forma de pensar, uma
concepção de mundo, que suprime todas as outras expressões. Neste contexto a cultura serve
ao Estado, que pretende criar um sujeito universal, utilizando a como mecanismo para se
chegar à hegemonia, os indivíduos são então moldados dentro de uma organização.

A partir disso é preciso refletir sobre como os projetos culturais financiados pelas Leis
de incentivo, podem ser utilizados, na manutenção de um pensamento e cultura hegemônica,
reafirmando ideologias imposta, e se os projetos que fogem a estas regras são avaliados e
aceitos da mesma maneira.

O artista nesse contexto vive uma liberdade de criação ilusória, segundo Vazques (pág.
186.), o artista faz parte de uma “sociedade determinada”, e isso significa que suas produções
não estão livres das relações sociais. O artista precisa estar em diálogo com a sociedade para
se manter produzindo, já que o artista trabalha para o público e este está inserido em um
lógica social e econômica. Desta maneira o artista depende da sociedade, dos seus gostos
funcionando também como instrumento ideológico.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante do atual cenário brasileiro em relação ao incentivo a cultura, precisamos


considerar os avanços percebidos a partir das Leis de Incentivo Culturais, sem, entretanto
fechar os olhos para os retrocessos ocorridos no ano de 2016/2017, como por exemplo, a
extinção do Ministério da Cultura pelo presidente em exercício Michel Temer, que logo
voltou atrás em sua decisão, sem antes causar muita indignação e polêmica por sua atitude.
No ano de 2019, entretanto, a decisão de extinguir o Ministério da Cultura, foi reforçada pelo
atual presidente Jair Bolsonaro, além disso, podemos destacar também os cortes de verbas do
governo para manutenção de patrimônios públicos e os cortes financeiros nos programas de
pesquisa na área de cultura.

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As leis de incentivo hoje são grandes aliadas na promoção da cultura brasileira,
todavia, os processos de seleção de projetos e sua implementação precisam ser fiscalizados
com muita seriedade. É preciso garantir a todos, desde os pequenos grupos de cultura popular,
até as grandes empresas que hoje trabalham com cultura, o mesmo direito e chances de serem
comtemplados pelos editais, em um processo justo, que valorize a diversidade cultural e não o
lucro e o capital.

Sendo assim, acredito na valorização das manifestações locais e nas contrapartidas


desses projetos na educação, fazendo uma ponte entre Arte, Educação e Cultura, não
valorizando apenas os saberes considerados hegemônicos, mas os saberes, crenças e costumes
da comunidade.

REFERENCIAIS BIBLIOGRÁFICOS

BOURDIER, Pierre. A Distinção: critica social do julgamento. São Paulo: 2008


FARIA, Hamilton. O desenvolvimento cultural como desafio: desenvolvimento cultural e
plano de governo. São Paulo: Pólis, 2000.
SANCHEZ, Vazques Adolfo. As ideias estéticas de Marx. Paz e Terra: Rio de Janeiro 1988.
THEODOR, Adorno. Educação e Emancipação. Paz e Terra: São Paulo 2006
EAGLETON, Terry. A ideia de cultura. Tradução de Sandra Castello Branco; Revisão
Técnica de Cezar Mortari. São Paulo: Editora Unesp, 2005
Portal Legislação online. Disponível em:
http://www.legislacaoonline.com.br/cariacica/images/leis/html/L54772015.htm Acesso em 26
de Julho de 2017.
Portal Prefeitura de Cariacica. Disponível em :
http://www.cariacica.es.gov.br/prefeitura/secretarias/semcult/lei-joao-bananeira-ofc/ Acesso
em 26 de Julho de 2017.

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REALIZAÇÃO

PATROCÍNCIO

APOIO

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