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SEMINÁRIO CAPIXABA
Caminhos
Contemporâneos
da Educação
em Artes Visuais
Vitória - ES
2019
Adriana Magro
Larissa Fabricio Zanin
Maria Auxiliadora Corassa
Maira Pego de Aguiar
Julia Rocha Pinto
Margarete Sacht Goes
Andreia Chiari Lins
Stela Maris Sanmartin
Fernanda Monteiro Barreto
Erick Orloski
Maria Angélica Vago Soares
(ORGS.)
Organização:
Adriana Magro
Larissa Fabricio Zanin
Maria Auxiliadora Corassa
Maira Pego de Aguiar
Julia Rocha Pinto
Margarete Sacht Goes
Andreia Chiari Lins
Stela Maris Sanmartin
Fernanda Monteiro Barreto
Erick Orloski
Maria Angélica Vago Soares
Vera Lúcia de Oliveira Simões
Maria Tereza Aigner Menezes
Conselho Editorial:
Adriana Magro
Larissa Fabricio Zanin
Maria Auxiliadora Corassa
Maira Pego de Aguiar
Julia Rocha Pinto
Margarete Sacht Goes
Andreia Chiari Lins
Stela Maris Sanmartin
Fernanda Monteiro Barreto
Erick Orloski
Maria Angélica Vago Soares
Vera Lúcia de Oliveira Simões
Diagramação :
Adriana Magro
Juliana Pimentel Bissoli
Foto da capa:
Maria Tereza Aigner Menezes sobre o trabalho de Thiago Sobreiro dos Santos
Dados Internacionais de Catalogação-na-publicação (CIP)
(Biblioteca Central da Universidade Federal do Espírito Santo, ES, Brasil)
Inclui bibliografia.
ISSN: 2317-790X
Modo de acesso: < http://www.gepelufes.com >
CDU: 37.02:7
APRESENTAÇ ÃO
Adriana Magro, Larissa Zanin e Maria Auxiliadora Corassa
6
COMUNIC AÇÕES
Parte I
EXISTE ESPAÇO PARA A ARTE CONTEMPORÂNEA DENTRO DAS ESCOLAS? UMA ANÁLISE
DOS CONTEÚDOS DE LIVROS DIDÁTICOS PROPOSTOS PARA O ENSINO FUNDAMENTAL 72
Júlia Rocha e Heitor Andrade Amorim
É com alegria que apresentamos mais uma publicação advinda das inúmeras reflexões
manifestadas e tecidas durante os dias 11 a 14 de junho de 2019, data em que se realizou o XIII
Seminário Capixaba sobre o Ensino da Arte.
O XIII Seminário Capixaba sobre o Ensino da Arte assumiu como argumento geral os
"Caminhos Contemporâneos para a educação em Artes", com isso, permitiu que diferentes
esferas do seu ensino e aprendizagem pudessem estabelecer pontos de contato numa ênfase de
crescimento e enfrentamento diante de tantos caminhos e descaminhos que se apresentam na
educação neste momento.
Dos eixos História, teoria e crítica de arte, Educação em Artes Visuais (presencial e a distância)
e Educação em contextos da arte, cultura, saúde e meio ambiente (museus, espaços
comunitários, galerias de arte entre outros), foi possível investigar os limites conceituais e
metodológicos de cada um, mas também, e com maior potência, a inter-relação entre eles e suas
produções de sentido como campo de pesquisa e de criação em arte.
Desse modo, o XIII Seminário Capixaba sobre o Ensino da Arte - Caminhos Contemporâneos
para a educação em Artes, seguiu seu curso como propositor de debates e motivador de lutas
cotidianas, tanto em sala de aula, na defesa da arte e de seu ensino, como também na perspectiva
das políticas sociais que, outrora, não podemos perder de vista.
Desde a concepção da XIII edição até a sua realização, com diferentes e coadunados debates, a
constituição deste volume configurou-se nesse grande mosaico de saberes na perspectiva de
construir caminhos contemporâneos para a educação em artes.
Adriana Magro
Larissa Zanin
Maria Auxiliadora Corassa
6
COMUNICAÇÕES
Parte I
HUMANAE, O OLHAR SOBRE SI E SOBRE O OUTRO NO ENSINO DE ARTES
Bruna Wandekoken
RESUMO
Este artigo discute como a arte através da fotografia, pintura e autorretratos pode ser
ferramenta potente na construção e/ou afirmação de identidade seja individual ou coletiva na
sociedade. Como pelo ensino de arte no ensino fundamental podemos desenvolver
consciência de nossas particularidades, miscigenações e culturas, além de produzir indivíduos
produtores de suas próprias identidades. Detalha ações da metodologia utilizada pelo Instituto
Humanae para o ensino fundamental a ser aplicado nas escolas. Metodologia esta que foi
realizada na EMEF Sebastiao Rodrigues Sobrinho, escola municipal de Cariacica, Espírito
Santo.
Palavras Chave: identidade, artes, humanae, ensino fundamental, etnia.
ABSTRACT
This article discusses how art through photography, painting and self-portraits can be a
powerful tool in the construction and / or affirmation of identity, whether individual or
collective in society. As by teaching art in elementary school, we can develop awareness of
our particularities, miscegenations and cultures, in addition to producing individuals who
produce their own identities. It details actions of the methodology used by the Humanae
Institute for basic education to be applied in schools. This methodology was carried out at
EMEF Sebastiao Rodrigues Sobrinho, municipal school of Cariacica, Espírito Santo.
Keywords: identity, arts, humane, elementary education, ethnicity.
INTRODUÇÃO
A FOTOGRAFIA E A COR
A fotografia vai além de simples ferramenta que envolve arte ou técnica, ela perpassa
conceitos não visíveis, que, pela ausência das palavras, se faz necessário o confronto direto,
espectador e imagem. A fotografia toca, sensibiliza e transmite. Para realizar um bom retrato
não basta apenas técnica, é preciso ter um verdadeiro interesse pelo ser humano e estabelecer
uma relação de empatia com o retratado. Afirmativa visual que nos permite compreender
melhor quem somos nós, de onde viemos e para onde vamos.
O Projeto Humanae i, realizado desde 2012 pela fotografa brasileira Angélica Dass,
é um exemplo de como a fotografia pode servir a diversos propósitos e manifestos que
extrapolam os limites de nacionalidades, idiomas, identidades. Pois pela arte Humanae chama
a atenção sobre uma série de questões como cor, raça, miscigenação e etnicidade. O projeto
consiste na realização de retratos feitos por Angélica Dass, um inventário cromático,
refletindo sobre as cores além das fronteiras de nossos códigos, usando como referência o
sistema de cores Pantoneii. O objetivo final é registrar e catalogar, através de uma medição
metódica, todos os possíveis tons de pele humana, desativando qualquer pretensão de controle
ou de estabelecimento hierárquico, não apenas de raça ou social.
Todos os tipos de crenças, identidades de gênero, ou deficiências físicas, um
recém-nascido ou uma pessoa com doença terminal. Todos juntos
construímos o Humanae, esses retratos nos fazem repensar a forma como
vemos uns aos outros. Quando a ciência moderna questiona o conceito de
raça, o que significa pra nós ser negro, branco, amarelo, vermelho? Será o
olho, o nariz, a boca, o cabelo? Ou será que tem a ver com a nossa origem,
nacionalidade ou conta bancária? (DASS, 2016b)
Posam para o Humanae voluntários que, após conheceram o projeto, decidem dele
participar. Não existe uma seleção prévia dos participantes nem se atende a chamados de
classificações referentes à nacionalidade, gênero, idade, raça, classe social ou religião.
Fotografados através de chamada pública, onde a artista passa em média 03 dias inteiros
fotografando quem aparece, sem fazer escolhas, respeitando a fila e conversando com cada
um deles individualmente, ouvindo suas histórias e buscando compreender o que despertou o
interesse de serem fotografados para o projeto.
9
Angélica Dass nasceu no Rio de Janeiro em 1979, e tem formação acadêmica
eclética, cursou o ensino médio técnico em mecânica CEFET/RJ, fato que a marcou iii, pois
pela sua relação com a matemática viu despertar metodologias como organizar, medir,
analisar. Com uma segunda formação em Estilismo, na busca de uma investigação de
tendências de moda, destaca-se a fotografia como instrumento de grande importância. Em
2006 graduou-se em Belas Artes na UFRJ, especializando-se em indumentária e cenografia.
Após a graduação realizou estágio no Museo del Traje em Madri com o objetivo de
desenvolver uma pesquisa dedicada à produção fotográfica. Cursou mestrado (máster) em
Fotografia Artística na EFTI – Escola de Fotografia em Madri, Espanha. Afirmou-se como
fotografa/artista e passou a expor em diversas galerias, principalmente pelo projeto Humanae
tratado nesse artigo. Vive e trabalha em Madrid, Espanhaiv.
Em seu discurso no TED 2016, Angélica Dass traz toda uma reflexão sobre as
questões étnicas, miscigenação e cor, contextualiza e expõe suas histórias individuais e
coletivas, finalizando com importante localização de onde a artista se posiciona ao dizer que
vem do Brasil, e ainda traz a informação que seu país foi o último a cessar o contrabando de
escravos e o último a libertá-los, conclama a fotógrafa a todos para nos envolvermos no
processo de vencer o preconceito.
De que cor era o lápis "cor da pele" na escola? Temos provavelmente em mente um
rosa-damasco, clássico. Há uma "cor da pele" universal? Ou até mesmo uma "cor racial"?
Essas foram as primeiras inquietações ainda na infância, segundo Angélica vii, que deram
origem mais tarde ao Humanae .
11
Humanae é uma busca para destacar os tons sutis-contínua da cor de pele que fazem
mais diferença do que a igualdade... as nossas verdadeiras cores, ao invés do falso
vermelho e amarelo, somos mais do que preto e branco. (DASS, 2012)
Devido à disponibilidade do acesso por todo o trabalho estar on-line, a iniciativa tem
repercussão mundial e tem gerado uma onda de impacto muito interessante. Diferentes
reflexões emergiram sobre Humanae e renderam vários usos: no ensino de artes, trabalhos
científicos, pesquisas biológicas e há artistas que se utilizaram como referência para os tons
de pele. E essas experiências não servem apenas de amostragem de uma chamada aleatória de
público, estão disponíveis em diferentes utilizações não apenas nas galerias, mas nas favelas,
ONG’s, organizações da ONU, abrigos para moradores de rua, etc., incluindo Madrid,
Barcelona, Rio de Janeiro, São Paulo, Paris e Chicago.
O Humanae tem realizado outras contribuições ao longo desses anos, desde maio de
2016 está presente no Museonviii, Haia, Holanda como exposição individual, e passou a
integrar a partir de outubro de 2016 a mostra permanente One Planet. O Museon tem como
missão “inspirar os visitantes a explorar o mundo e desenvolver-se. Motivamos nossos
visitantes a tratar nosso planeta com respeito e melhora-lo”ix. Museon está localizado na Zona
Internacional em Haia, junto com as principais instituições internacionais e integra Haia como
a segunda Cidade da ONU, Cidade da Paz e da Justiça. Sob o lema "descobrir o mundo" eles
se aproximam dos tópicos de cultura, natureza e ciência do ponto de vista geográfico, suas
mostras buscam sensibilizar a comunidade internacional sobre a necessidade de uma política
globalizada que tenha compromisso com a viabilidade do planeta, portanto diretamente
12
afetem a paz e justiça no mundo. No Museon, Haia, Holanda, em uma placa se lê a descrição
do museu para Humanae:
Neste cubo você vê diferentes retratos de pessoas de muitos lugares ao redor do
mundo, incluindo, claro, Haia... Mas, a questão é: você vê quem é daqui e quem não
é? Isso é impossível com base na aparência física sozinho. Todo mundo tem
características únicas. Normalmente usamos as cores branca, preta, vermelha ou
amarela para classificar as pessoas, no entanto, as imagens mostram que essas
etiquetas de cores não existem e, na verdade, parece muito absurdo. (DASS,
2016d.T.N.)
Em janeiro de 2017, Angélica Dass foi escolhida junto com outras 40 lideranças
culturais mundiais para integrar a Arts and Culture, World Economic Forum Annual Meeting,
Davos-Klosters, Suíça. O Fórum é uma organização internacional para a cooperação público-
privada que envolve os principais líderes políticos, empresariais e outros da sociedade para
moldar agendas globais, regionais e da indústria. Criado em 1971 como uma fundação sem
fins lucrativos e está sediada em Genebra, na Suíça. Acreditam que o progresso acontece ao
reunir pessoas de todos os setores da vida que têm o impulso e a influência para fazer
mudanças positivasx.
O Humanae pôde ser visto na Reunião Anual do Fórum Económico Mundial de
Davos na entrada principal que dava acesso ao grande salão das conferências, e Angélica teve
a oportunidade de falar sobre seu Projeto aos líderes mundiais com a função prevista pelo
fórum de "dizer a verdade ao poder e inspirar e impressionar as lideranças responsáveis”xi.
[...] se o meu compromisso é realmente com o homem concreto, com a causa de sua
humanização, de sua libertação, não posso por isso mesmo prescindir da ciência,
nem da tecnologia, com as quais me vou instrumentando para melhor lutar por esta
causa. (FREIRE, 2007, p. 22).
14
Fig. 7 Angélica Dass, Humanae. 2016. Fonte: Fig. 8 Angélica Dass, Humanae. 2016. Fonte:
http://www.angelicadass.com, acessado em 06 http://www.angelicadass.com, acessado em 06 SET
SET 2016. 2016.
Fig. 9: Angélica Dass, Humanae. 2016. Fonte: Fig. 10: Angélica Dass, Humanae. 2016. Fonte:
http://www.angelicadass.com, acessado em 06 SET http://www.angelicadass.com, acessado em 06
2016. SET 2016.
Fig. 11: Humanæ Self-portrait Workshop Fig. 12: Humanæ Self-portrait Workshop
METODOLOGIA
Após realizar 4 aulas sobre cores em todas as turmas, somando 02 aulas teóricas
sobre cores primarias, secundárias, cor luz, cor pigmento, análogas, complementares, uso das
cores na propaganda e outras utilizações, cada turma realizou 02 aulas práticas com produção
de cores através de tinta vinílica fabricada em conjunto. Produzimos as cores primarias e a
partir delas fizemos as secundárias e terciarias, realizando ainda produções e exercícios com
as mesmas. Os grupos eram formados por 5 a 6 alunos por mesa. Pela ausência de sala de
artes na escola, utilizamos o espaço da biblioteca para as aulas práticas e as teóricas que
precisam de recursos audiovisuais.
Para desenvolver a metodologia proposta pelo Humanae, organizamos 4 aulas,
sabendo, 02 aulas teóricas para falar do Projeto, apresentar a artista e sensibilizarmos e
debatermos sobre cor de pele, identidade, preconceito, racismo e afins. E 02 aulas práticas
para realizarmos a produção do autorretrato.
16
Após apresentar uma tabela criada por nós contendo 20 tons de pele distintos, os
alunos escolhiam o tom que mais se aproximava do seu. Num papel com gramatura 200g ele
(a) coloria com a tinta vinílica toda a superfície de tamanho A5, após isso identificava com
seu nome e turma atrás da folha. Numa outra aula, ele (a) era convidado a fazer seu
autorretrato na sua folha já colorida por ele (a) previamente.
Após todas as turmas realizarem seus autorretratos, produzimos uma exposição
coletiva dos desenhos de todas 10 turmas. A exposição ocorreu dentro da Mostra Cultural da
EMEF, em outubro de 2018. Além dos autorretratos, trouxemos também material sobre a
artista e sobre o Humane. Na montagem do mural com os desenhos, buscamos misturar, não
só as turmas, mas principalmente as cores, e como as identificações dos autorretratos estavam
no verso da folha, fez com que os alunos de toda a escola pudessem ter contato com os outros
desenhos ao buscar o seu autorretrato, e ao fazê-lo se confrontassem com os dos seus colegas
e consequentemente identifica-los nos desenhos, através de características próprias como
óculos, cabelo, sorriso e outras. Esse confronto foi gerador de muitas discussões que se
seguiram durante as semanas seguintes, onde em sala de aula pudemos aprofundar o debate
sobre o assunto. Notamos que após esses enfretamentos vários alunos começaram a vir com
seus cabelos soltos, andarem pelo pátio com o ar de altivez ao invés de se esconderem pelos
cantos. Ainda recebemos vários depoimentos dos pais e mães sobre como essas crianças
passaram a se gostar depois disso. Cremos que cumprimos nosso objetivo que sempre foi
apenas possibilitar a reflexão e consequentemente a formação e/ou afirmação de uma
identidade.
17
18
CONCLUSÃO
19
arte é social, porque toda obra de arte é um fenômeno de relação entre seres humanos” . O
tempo e a experiência nos fez compreender que é nas relações com os outros que a arte
realmente faz sentido, quando pelo olhar do outro vivenciamos, experienciamos,
transformamos e somos transformados, atravessamos e somos atravessados. Que às vezes é
pelo olhar do outro, quer seja pelo retrato, fotografia, pintura, que nos vemos refletidos, nos
provocando para que possamos nos enxergar, porque enxergar é diferente de ver e dessa
maneira caminhar na construção de uma identidade.
Pelo Humanae somos convidados a refletir sobre quem somos e mais ainda, quem
somos nós em relação ao outro, somos provocados a racionalizar as classificações étnicas,
raciais, políticas e sociais. Conjecturando como cada um de nós realiza essa construção, como
cada qual construiu a sua identidade e como enxergamos o outro, acreditando dessa forma que
arte cumpre a sua função em plenitude na obra de Angélica Dass e que pela arte educação
podemos sim fazer refletir e ampliar nossos olhares e horizontes.
i
DASS, A. Humanæ (work in progress), 2012. Disponível em: <http://www.angelicadass.com/humanae-work-
in-progress/>. Acesso em: 30 abril 2016.
ii
As guias PANTONE são um dos principais sistemas de classificação de cores, sendo representado por um
código alfanumérico, que permite recriar com precisão qualquer cor em qualquer suporte. É um padrão técnico
industrial frequentemente chamado de cor real.
iii
DASS, A. Entrevista. Rio de Janeiro: Mídia digital, v. 115 min, 2016. Entrevistadora: Bruna Wandekoken.
Entrevista concedida em ocasião de visita da artista ao Brasil, com finalidade ao embasamento à dissertação de
mestrado.
iv
Ibid.
v
Ibid.
vi
Walter Benjamin. Magia e Técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. 1994.
vii
Angélica Dass, Entrevista, 2016a.
viii
Museon, Haia, Holanda. https://www.museon.nl/nl
ix
Museon, Haia, Holanda. https://www.museon.nl/nl
x
https://www.weforum.org
xi
Angélica Dass. Where in the world has Humanae been? TED. 2016d
xii
Michael Pollak. Memória e identidade Social, 1992. p.205.
xiii
Michael Pollak. Memória e identidade Social, 1992. p.205.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS
BENJAMIN, W. Magia e técnica, arte e política. São Paulo: Brasiliense, 1994. Obras
Escolhidas v. I.
DASS, A. HUMANÆ - WORK IN PROGRESS. Angelica Dass, 2012. Disponivel em:
<http://www.angelicadass.com/humanae-work-in-progress/>. Acesso em: 30 abril 2016.
Infinite colors of the human skin: Angélica Dass. TEDxMadri, 2013. Disponivel em:
<https://youtu.be/IaGjjvYuu2A?list=PLsRNoUx8w3rPZJ9wQZSbB22Bl_Hvuyy1H>. Acesso
em: 07 março 2017.
20
Entrevista.. Foreign Affairs, 2015. Disponivel em: <https://www.foreignaffairs.c
om/interviews/2015-02-16/true-colors>. Acesso em: 08 março 2017.
Entrevista. Rio de Janeiro: Midia digital, v. 115 min, 2016. Entrevistadora: Bruna
Wandekoken. Entrevista concedida em ocasião de visita da artista ao Brasil, com finalidade
ao embasamento à dissertação de mestrado.
Entrevista. Rio de Janeiro: Midia digital, v. 115 min, 2016a. Entrevistadora: Bruna
Wandekoken. Entrevista concedida em ocasião de visita da artista ao Brasil, com finalidade
ao embasamento à dissertação de mestrado.
The beauty of human skin in every color. TED, Vancouver, fevereiro 2016b. Disponivel em:
<http://www.ted.com/talks/angelica_dass_the_beauty_of_human_skin_in_ every_color>.
Acesso em: 28 abril 2016.
Where in the world has Humanae been? TED, 2016d. Disponivel em: <http://b
log.ted.com/where-in-the-world-has-humanae-been/>. Acesso em: 10 JAN 2017.
Entrevista a Antonella Broglia, Humanae viaja a TED. TEDxMadri, Madri, Espanha, outubro
2016c. Disponivel em: <https://www.youtube.com/watch?v=U_aOv lWrI40>. Acesso em: 07
março 2017.
FREIRE, Paulo. Educação e mudança. 30a ed.; Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2007.
____________ A Educação na Cidade. São Paulo: Cortez; 1991.
IAVELBERG, Rosa. Para Gostar de Aprender Arte: sala de aula e formação de
professores.- Porto Alegre: Artmed, 2003.
POLLAK, M. Memória e identidade Social. Revista Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v.
5, n. 10, p. 200-2012, 1992.
21
CAMINHOS CONTEMPORÂNEOS PARA A EDUCAÇÃO EM ARTE: O DIÁLOGO
DAS DIFERENTES LINGUAGENS NOS DOCUMENTOS ORIENTADORES
CURRICULARES DO ENSINO FUNDAMENTAL NA REDE ESTADUAL DE
EDUCAÇÃO DO ESPÍRITO SANTO
Cláudia Botelho
Iris Maria Negrini Ferreira
RESUMO
O presente texto busca identificar o ensino das diversas linguagens artísticas no componente
curricular Arte através dos documentos curriculares da rede estadual de ensino do Espírito
Santo desde a década de 1990. Para a realização desse estudo, foram revisitados três
documentos orientadores de distintas épocas: 1- Proposta Curricular para o Ensino
Fundamental Educação Artística, de 1990; 2- Currículo Básico Escola Estadual, de 2009 e
Currículo do Espírito Santo, 2018. Em consonância com esse estudo foi revisitada a Lei de
Diretrizes e Bases da Educação, nº9394\96 e suas alterações ao longo dos anos no que tange o
ensino da Arte nas diferentes linguagens. Por meio do estudo buscamos compreender como a
educação em Arte tem passado por essa questão ao longo dos anos, destacando situações e
desafios que vem se colocando pela proposta de ensino nas diferentes linguagens artísticas.
Por fim, se objetiva refletir sobre as propostas contemporâneas de hibridização e integração
das linguagens no ensino da Arte, partindo da aproximação da produção artística com os
educandos.
Palavras Chaves: Currículos de Arte, Ensino da Arte no Espírito Santo, Linguagens artísticas;
Arte híbrida e Artes Integradas.
ABSTRACT
The present text seeks to identify the teaching of the various artistic languages in the
curricular component Art through the curricular documents of the state education network of
Espírito Santo since the 1990s. For the accomplishment of this study, three guiding
documents of different eras were revisited: 1- Curricular Proposal for the Basic Education of
Artistic Education, 1990; 2 - Basic Curriculum State School, 2009 and Curriculum of the
Espírito Santo, 2018. In line with this study was revisited the Law of Guidelines and Bases of
Education, nº 9394/96 and its changes over the years in what concerns the teaching of art in
different languages. Through the study we seek to understand how education in Art has gone
through this question over the years, highlighting situations and challenges that are being
posed by the teaching proposal in the different artistic languages. Finally, we aim to reflect on
the contemporary proposals of hybridization and integration of languages in the teaching of
art, starting from the approximation of the artistic production with the students.
Keyword: Curricula of Art, Teaching of Art in Espírito Santo, Artistic languages; Hybrid Art
and Integrated Arts
22
Estender todas as possibilidades da linguagem é o mesmo que estender nosso
mundo, que então se constitui em inumeráveis perfis perspectivistas ou
'visões' sucessivas e simultâneas. Com efeito, as línguas, em sua diversidade,
são o ato de comunidades diferentes, pertencem a essas comunidades e as
estruturam. (CAUQUELIN, 2005, p. 101)
Desde 1990 a rede estadual de educação do Espírito Santo traz orientações curriculares
para a disciplina de Arte no ensino fundamental envolvendo conhecimentos nas diversas
linguagens artísticas. No entanto, sabemos que até hoje não alcançamos um ensino da Arte em
todas essas linguagens de forma satisfatória. Com implantação do novo currículo do Espírito
Santo, em 2019, nos perguntamos: - Como de fato esse ensino da Arte, abarcando diferentes
conhecimentos artísticos, poderá chegar às escolas?
23
[...] inúmeros professores deixaram as suas áreas específicas de formação e estudos,
tentando assimilar superficialmente as demais, na ilusão de que as dominariam em seu
conjunto. A tendência passou a ser a diminuição qualitativa dos saberes referentes às
especificidades de cada uma das formas de arte e, no lugar destas, desenvolveu-se a
crença de que bastavam propostas de atividades expressivas espontâneas para que os
alunos conhecessem muito bem música, artes plásticas, cênicas, dança, etc. (BRASIL,
1997, p. 24)
No ano de 1990 a lei que fixava as normas da educação do Brasil era a Lei Nº 5.692,
de 11 de agosto de 1971(Lei de Diretrizes e Bases para o ensino de 1° e 2º graus) e no seu
sétimo artigo direcionava-se ao ensino da arte com o seguinte texto:
24
Art. 7º- Será obrigatória a inclusão de Educação Moral e Cívica, Educação Física,
Educação Artística e Programas de Saúde nos currículos plenos dos estabelecimentos
de lº e 2º graus, observado quanto à primeira o disposto no Decreto-Lei n. 369, de 12
de setembro de 1969 (BRASIL, 1971)
O texto da redação da lei, que fixa as Diretrizes e Bases para o ensino de 1º e 2º graus,
refere-se à Educação Artística de maneira breve sem especificar como se daria o ensino dessa
disciplina e quais eram as linguagens artísticas que ela abrangia.
A proposta da Educação Artística era apresentada em um mesmo parágrafo que
diversos assuntos e programas, incluindo Educação Física e Educação Moral e Cívica e
Programas de Saúde. Assim, a Educação Artística não tinha o mesmo status das demais
disciplinas e era tratada como um projeto especial daquele momento. Todavia, a lei garantia a
obrigatoriedade da Arte nas escolas de 1º e 2º graus, correspondente ao Ensino Fundamental e
Médio. Essa era sua maior qualidade, garantir que o ensino da Arte acontecesse em todas as
escolas do país.
Sem especificar quais eram as linguagens obrigatórias na Educação Artística na
redação da LDB de 1971, nos anos setenta e oitenta viu-se no Brasil a polivalência da Arte na
educação, como já explicamos no início do texto. Todavia, nos anos de 1990, quando a
Proposta Curricular para o Ensino Fundamental Educação Artística foi formulada no Espírito
Santo vivíamos no país um movimento forte de arte-educadores que lutavam por uma
mudança profunda no ensino das artes na educação básica, principalmente uma mudança que
garantisse a Arte como campo de conhecimento próprio.
O texto da Proposta Curricular para o Ensino Fundamental Educação Artística- ES,
1990, elaborado pelos professores da rede estadual junto com Universidade Federal do
Espírito Santo apresentava a nova visão do ensino da Arte que se espalhava pelo país, no final
dos anos de 1980. Existiram nos anos oitenta movimentos de reconceitualização do ensino da
Arte que de acordo com Rodrigues (2013), tinha como objetivo ampliar as discussões sobre a
valorização e o aperfeiçoamento do professor, assim como rever e propor novos percursos à
ação educativa em Artes. Essa mesma necessidade foi sentida no Espírito Santo e o
documento escrito se apresentava como alternativa para resolver alguns problemas que se
colocavam aos professores de Arte (GOVERNO DO ESPÍRITO SANTO, 1990). Assim como
demonstra o documento,
A Proposta Curricular para o Ensino Fundamental Educação Artística- ES, dos anos
noventa, comprova que era urgente uma mudança de postura dos arte-educadores na rede
estadual. Precisava se valorizar a disciplina dentro da escola, fazendo-a respeitada. Para que
isso ocorresse, era preciso também, uma mudança nos conteúdos ensinados na disciplina,
problematizando o que antes vinha sendo trabalhado e elegendo seu conhecimento próprio. O
texto ainda chama atenção para uma mudança da postura do professor, solicitando-o a agir
criticamente.
Na proposta o ensino da Arte se apresenta nas diversas linguagens: Arte Cênicas,
Musicais e Plásticas. O texto se divide em tópicos específicos para cada linguagem, como se
fossem sub orientações curriculares: 1- Orientações Gerais para Artes Plásticas (p.19 a 25); 2-
Fundamentos da Música (p.27 a 28); 3- A área de Artes Cênicas no ensino fundamental (p. 29
a 30).
A apresentação do texto pelo número de páginas caracteriza que a maior parte do
currículo foi destinada para o ensino das Artes Plásticas. Essa nomenclatura nos faz refletir se
ainda as concepções da Proposta Curricular estavam atreladas ao ensino nos ateliês, ou ainda,
deixa em dúvida se o documento não conseguiu englobar as novas produções artísticas que
envolvem multimeios e novas tecnologias.
A concepção do ensino da Arte que vai se apresentando no texto revela a proposta, que
naquele momento ainda era nova no Brasil, da metodologia triangular do ensino da Arte, da
professora e pesquisadora Ana Mae Barbosa. Apesar de ser uma proposta recente no país, os
professores do Espírito Santo já tinham conhecimento desse ensino que dialogava três
aspectos fundamentais do ensino da Arte: apreciação, reflexão e produção.
A aproximação com a metodologia triangular de Ana Mae, pode ter se dado por meio
de uma das autoras do documento curricular, Isabel Helena Oliveira de Souza, professora da
Universidade Federal do Espírito Santo, que havia nos anos oitenta sido aluna e orientanda de
Ana Mae Barbosa. Ainda nos anos noventa, a professora Isabel Helena cria a primeira
especialização em ensino da arte na UFES1.
A redação do texto revela essa aproximação ao dizer que, “[...] Nossa proposta é
acrescentar a reflexão crítica ao fazer, à atividade, ou seja, acrescentar ao fazer, o dialogar, o
pensar, o refletir [...]” (GOVERNO DO ESPÍRITO SANTO, 1990, p. 19).
26
Ao longo de toda redação do texto os conceitos da metodologia triangular vão sendo
explicados. O fazer, a apreciação crítica, a leitura de imagem, incluindo imagens da cultura
visual vão ganhando corpo e se sendo apresentados ao leitor. O texto envolve ainda
explicações sobre o ensino da história da arte e a produção artística.
O texto referente aos Fundamentos da Música é apresentado de forma mais resumida,
em duas páginas. Logo no início chama atenção a escrita da seguinte frase: “[...] Em relação à
disciplina de Música [...]” (GOVERNO DO ESPÍRITO SANTO, 1990, p. 27), causou-nos
estranhamento, pois na década de 1990, uma das autoras deste artigo, cursava o ensino
fundamental em uma escola da rede estadual do Espírito Santo e durante os 8 anos, do ensino
fundamental, nunca teve uma disciplina de música. Tratava-se de uma escola do interior do
estado e por isso surgiu a dúvida: se esse era um padrão de todas as escolas da rede estadual
ou apenas acontecia por ser uma escola do interior. Para sanar essa indagação, foi realizada
uma consulta à Subgerência de Inspeção Escolar, da Secretaria de Estado de Educação para
procurar saber como era organização curricular daqueles anos. A resposta foi que naquele
período as escolas tinham autonomia para planejar suas organizações curriculares, seguindo a
obrigatoriedade das disciplinas de acordo com a lei vigente. No entanto, no caso da disciplina
de música apenas existia nas escolas em que possuía um professor apto a trabalhar música e
instrumentos necessários, sem a exigência de notas e aprovação.
Dessa forma, entendemos que apesar do documento utilizar o termo “disciplina”, a
orientação da Proposta Curricular era direcionada para a disciplina Educação Artística, junto
com as Artes Plásticas e Artes Cênicas.
O texto de Fundamentos da Música apresenta um subitem de Oficina de criação de
música, onde valoriza a experimentação e o processo de criação.
Já a apresentação do texto da área de Artes Cênicas no ensino fundamental traz uma proposta
de mudança ao que se apresentava nos documentos anteriores. “[...] Optou-se por adotar os
termos “jogos dramáticos” e “improvisação” para dar nome a essa prática chamada “teatro
escolar”, buscando evitar equívocos conceituais que poderiam gerar ações antipedagógicas a
priori” (GOVERNO DO ESPÍRITO SANTO, 1990, p. 29). Assim, a proposta das Artes
Cênicas se incomoda com a própria titulação, não considerando adequada, uma vez que o
objetivo com esse ensino é uma experimentação e utilização lúdica dos recursos teatrais e não
há a preocupação em preparar atores e obras completas de teatro.
Em ambos os casos, na Música e nas Artes Cênicas, sentimos a falta do conhecimento
específico dessas duas linguagens e da valorização da apreciação das manifestações artísticas,
27
ficando as propostas voltadas para a experimentação, sem grandes preocupações com a
produção final de produtos.
Na Proposta Curricular para o Ensino Fundamental Educação Artística- ES aparece
ainda, a importância da aproximação do ensino da arte com o contexto local.
Concluindo, queremos deixar bem claro que cada escola, e cada região, organizará seu
programa de ensino da arte de acordo com as condições locais e recursos oferecidos
pelas comunidades onde estão inseridas. Fábricas, oficinas, feiras, centros de
artesanato, ateliers de artistas, gráficas e tantos outros locais onde se projetam e se
produzem artefatos [...] (GOVERNO DO ESPÍRITO SANTO, 1990, p. 31)
28
Apesar da inclusão da música como linguagem obrigatória no ensino da Arte, a lei não
garantia que essa linguagem se torne uma disciplina autônoma, ficando todo conteúdo em
uma única disciplina, a Arte.
A alteração da lei exige que conteúdos específicos de música sejam ministrados no
componente curricular sem exigir a formação na correspondente a essa área para o professor.
Além disso, esta lei não descreve as condições necessárias para o ensino da música. Sabemos
que apenas ser obrigatório, não garante que as escolas terão disponibilizados os recursos
materiais e humanos necessários para o seu desenvolvimento.
Os conteúdos de música, bem como de demais linguagens, já eram apresentados pelos
Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), lançados em 1997. Na proposta dos PCNs o
ensino da Arte deveria abranger as diversas linguagens artísticas em sua especificidade. O
texto sugere a criação de uma área de Arte que englobasse o conhecimento específico de cada
um dos quatro componentes: Artes Visuais, Música, Dança e Teatro.
29
CURRÍCULO BÁSICO ESCOLA ESTADUAL
Ao longo dos objetivos a redação vai tornando evidente que o ensino das Artes
precisava se concretizar pelas diferentes linguagens: Artes Visuais, Artes Cênicas, Música e
Dança. No entanto, em nenhum momento o texto explica se esses conteúdos serão trabalhados
concomitantes ou separadamente, envolvendo o mesmo professor de Arte ou professores
diferentes, com formação específica em cada linguagem. Além disso, o texto apresenta que
cada uma das linguagens precisam envolver os diferentes eixos: 1- Saberes sensíveis,
estéticos-históricos e culturais; 2- Linguagens artísticas e seus diálogos; 3- Expressão/
conteúdo e 4- Processo de criação. Dessa forma, o currículo de Arte da CBEE propõe que o
ensino se dará de forma ampla e aprofundada, incluindo assim cada linguagem.
30
Lembramos que pela a alteração da LDB, em 2008, apenas o conteúdo de música
torna-se obrigatório, ficando os demais a cargo da escrita dos currículos em estância
estaduais. Todavia, o documento curricular do Espírito Santo mantém nesse momento uma
redação homogênea nas diversas linguagens.
Em 2016 temos uma nova alteração da Lei Nº 9394/96 que torna as quatro linguagens
obrigatórias, tendo ainda, uma nova nomenclatura que retira Artes Cênicas substitui por
Teatro, Art. 26- § 6ª- As artes visuais, a dança, a música e o teatro são as linguagens que
constituirão o componente curricular de que trata o § 2º deste artigo. (Redação dada pela Lei
nº 13.278, de 2016) (BRASIL, 2016).
Com a nova redação da lei as quatro linguagens passam a constituir o componente
curricular, Arte sem, no entanto, terem sido criados novos e distintos componentes. Diante
dessa nova roupagem da lei, em 2017 a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) traz o
componente curricular Arte abrangendo as quatro linguagens em suas especificidades teóricas
e práticas. Além das quatro linguagens, a BNCC trabalha na perspectiva da integração entre
elas e no hibridismo de algumas das produções artísticas tradicionais e contemporâneas.
Assim, chegamos à redação do mais novo documento curricular que regerá o ensino da
Arte nas escolas de ensino fundamental da rede estadual do Espírito Santo e de 74 redes
municipais, que assinaram o regime de colaboração, e junto com o estado elaboraram o
Currículo do Espírito Santo.
O Currículo do Espírito Santo foi organizado por servidores estaduais e municipais,
com orientações do Ministério da Educação e a partir de encontros nacionais com professores
e técnicos de cada estado do país. Apesar de ter sido constituído em um curto período de
tempo (entre março e novembro de 2018), a construção do novo documento curricular do ES
contou com a formação de grupos de estudos locais (grande Vitória e interior), com consultas
públicas, inicialmente apenas para professores e no segundo momento para público em geral,
que puderam conhecer e encaminhar contribuições referentes ao documento. O documento
recebeu ainda, na fase de finalização, uma leitura crítica de professores especialistas em cada
componente curricular.
O Currículo do Espírito Santo, escrito à luz da BNCC, traz o ensino da Arte em uma
proposta multicultural que busca aproximar os conteúdos com os contextos sócios- culturais
31
de cada estudante, tendo em vista à descolonização do ensino da Arte e tornando as mais
diversas expressões artísticas como legítimas.
No que se refere ao ensino das Artes Visuais, Música, Dança e Teatro o documento
segue a BNCC e destina conteúdos básicos comuns a cada uma dessas linguagens, além das
Artes integradas.
Os conteúdos são divididos, no novo documento, como objetos do conhecimento e os
objetivos de aprendizagens são apresentados pelas habilidades a serem desenvolvidas para
cada objeto do conhecimento. Esses objetos estão divididos por territórios que se repetem, em
alguns casos, nas diferentes linguagens, como podemos ver no quadro abaixo:
Materialidades Materialidades
Como podemos perceber pelo quadro, alguns objetos de conhecimento são comuns nas
quatro linguagens, tais como: Contextos e práticas, Elementos da linguagem e Processo de
criação. Já outros são específicos de cada linguagem: Matrizes estéticas e culturais- Artes
Visuais e Artes Integradas; Materialidades- Artes Visuais e Música; Notação musical: apenas
Música; Sistemas de linguagem: apenas Artes Visuais e Patrimônio cultural e Arte e
tecnologia: apenas nas Artes Integradas. Quanto maior é a especificação dos conhecimentos
32
pelas linguagens maiores são os desafios de implementar a educação em Arte pelo novo
currículo.
Os desafios vão desde a formação de professores até a oferta de materiais, passando
por demanda de infraestrutura e de recursos mínimos para implementação do ensino nas
diversas linguagens. O desafio da formação se torna ainda maior quando nos deparamos com
a situação do ensino da Arte nos anos iniciais, onde na maioria dos casos não há a exigência
do professor especializado, ficando o componente curricular a cargo do professor generalista.
Sabemos que o número de professores com formação em Arte ainda não é suficiente para
todas as escolas do estado, menos ainda nas licenciaturas em Teatro, Dança e Música.
No caso especial do Espírito Santo, temos a oferta dos cursos em licenciatura em Artes
Visuais e Música. Sendo o curso de Artes Visuais o mais antigo, e também, ofertado no
ensino a distância. Por esse motivo temos uma maior quantidade de professores formados em
Artes Visuais nas escolas da rede estadual, com pouquíssimos casos de professores formados
em Música e quase ausência dos professores com licenciaturas em Dança ou Teatro.
Diante desses fatos o novo Currículo do Espírito Santo nos faz pensar se realmente é
possível um ensino de Arte nas diversas linguagens. Refletindo como podemos caminhar para
um ensino e aprendizagem que possa acontecer minimizando os danos e explorando o
máximo das possibilidades existentes.
ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
Inicialmente percebemos que esse não é um desafio novo, que pelo contrário, desde a
alteração da Lei nº 9394/96 a provocação das quatro linguagens já estava posta e que nenhum
documento curricular que antecede o Currículo do Espírito Santo, de 2018, havia a resposta
de como efetivar esse ensino garantido condições estruturais, didáticas e humana necessária
para garantir um ensino de qualidade em cada uma das linguagens.
Concluímos nossa pesquisa, ainda mais conscientes, que essas diversas linguagens:
Artes Visuais, Música, Dança e Teatro, precisam ser contempladas em sua íntegra dentro da
formação dos sujeitos. Em um projeto ideal, deveria existir a oferta de tempo, professores e
materiais para o desenvolvimento de cada uma das linguagens nas escolas, ofertando ao
estudante o contato, a apreciação, a reflexão e a experimentação com todas elas. Em
contrapartida, olhamos para as manifestações artísticas contemporâneas, que realizam o
trânsito entre diversas linguagens de modo natural, não existindo barreiras de pesquisas e
33
experimentação em diferentes linguagens dentro de uma mesma manifestação. Bem como,
produções tradicionais do meio cultural, principalmente aquelas advindas das manifestações
populares, que exploram com naturalidade a integralidade e o hibridismo das linguagens.
O desenho do Currículo do Espírito Santo - Arte propôs lançar linhas que se imbricam
e se atravessam em cada linguagem, em seus campos de conhecimentos, por vias de temas
únicos. Ao reorganizar as habilidades e objetos de conhecimento a redação do novo currículo
destina temas ano a ano, no ensino fundamental, buscando desenvolver em cada ano um
assunto de Arte dentro das quatro linguagens:
34
que é direito de todos os educandos desenvolverem-se plenamente nas mais variadas formas
de se comunicar e expressar ao mesmo tempo em que se tornam capazes de perceber e refletir
sobre as realidades que se apresenta, podendo ainda transformá-las.
REFERENCIAIS BIBLIOGRÁFICOS
35
A PERFORMANCE DA PIXAÇÃO: UMA REFLEXÃO SOBRE O CORPO EM
AÇÃO NO DOCUMENTÁRIO A FEBRE (2016) E AS PRÁTICAS EDUCATIVAS
NAS ARTES VISUAIS
Debora Visini
Geovanni Lima da Silva
RESUMO
As reflexões propostas pelo artigo estabelecem uma relação entre arte, corpo e cidade para
compreender algumas intervenções urbanas contemporâneas, como a pixação & pichação,
sugerindo que as mesmas são importantes vetores para geração de debates no campo das
práticas educativas nas artes visuais. O registro audiovisual, ferramenta essencial para a
compreensão do fenômeno, como o documentário A febre (2016), que trata das intervenções
no contexto capixaba e que tem a direção de João Oliveira, é utilizado como objeto de análise
por trazer de maneira central a prática artística através da experiência de quem intervém na
cidade cotidianamente. As intervenções urbanas, prática contemporânea das artes visuais,
quando integradas ao campo da educação podem suscitar debates sobre os corpos e as
produções artísticas que são dissidentes e cada vez mais comuns nos centros urbanos
brasileiros.
ABSTRACT
The reflections proposed by this article establish a relation between art, body and city to
understand some contemporary urban interventions, such as pixação & graffiti, suggesting
that they are important vectors for generating debates in the field of educational practices in
the visual arts. The audiovisual record, an essential tool for understanding the phenomenon,
such as the documentary A febre (2016), which deals with interventions in the context of the
state of Espírito Santo and which has the realization of João Oliveira, is used as the object of
analysis for bringing the practice in a central way through the experience of those who
intervene in the city on a daily life. Urban interventions, a contemporary practice of the visual
arts, when integrated into the field of education, may give rise to debates about bodies and
artistic productions that are dissident and increasingly common in Brazilian urban centers.
INTRODUÇÃO
Há quem diga que o graffiti só é graffiti quando não é autorizado. Há quem diga que o
graffiti é arte e que a pixação é vandalismo. Há quem diga que o graffiti, expressão nascida
nos EUA, e a pixação, expressão nascida no Brasil, são denominações diferentes para a
36
mesma coisa. E há ainda quem diga que pixação e pichação são coisas completamente
diferentes.
A intenção desse artigo não é criar definições para cada uma dessas interpretações,
rebatê-las ou reiterá-las, mas sim levantar uma discussão sobre as intervenções urbanas
pensando no contexto de ensino das Artes Visuais. Julgamos isso importante, pois, em
primeiro lugar, essas expressões artísticas são muito presentes na vida dos estudantes, mas,
sobretudo quando observadas em sala de aula, têm a potência de se transformarem em um
exercício de alteridade e respeito ao diferente no contexto urbano, marcadamente permeado
por desigualdades.
Os desafios do ensino e da pesquisa relativos às intervenções urbanas são inúmeros,
dado que, para além das contradições elencadas logo no primeiro parágrafo – e também
visíveis nas falas dos diversos entrevistados do documentário A Febre (2016), dirigido por
João Oliveira, e que será objeto de reflexão desse artigo – a arte de rua, internacionalmente
conhecida como street arti, ainda não é totalmente aceita como uma expressão artística válida
para grande parte dos autores/autoras da história, teoria e crítica das artes visuais e nos
círculos acadêmicos relacionado a esse campo.
No contexto brasileiro é possível encontrar pesquisas que se debruçam sobre esse
objeto específico, as intervenções urbanas – que aparecem, também, com denominações como
arte urbana ou arte de rua - nas artes visuais (PAIXÃO, 2013), entretanto, é mais comum se
deparar com a temática em outras áreas, como a antropologia (PEREIRA, 2010), a sociologia
(SANTOS, 2012) e a geografia (SANTOS, 2015).
Para facilitar o percurso, definiremos as intervenções urbanas como um conjunto de
práticas artísticas que acontecem na cidade e que geram trabalhos com expectativa de vida
limitada, agregando o aspecto comunitário e social de exposição, desdobrando-se em
múltiplas possibilidades, assim como o próprio espaço urbano. Ressaltamos que algumas
dessas técnicas, como o graffitiii, a pixação e a pichaçãoiii, o stênciliv, o lambe-lambev, o
crochêvi, entre out’ras, recuperam a potência política das ruas da cidade para permitir ações
sociais profundas:
A arte urbana é vista como um trabalho social, um ramo da produção da cidade,
expondo e materializando suas conflitantes relações sociais [...] a arte urbana é uma
prática social. Suas obras permitem a apreensão das relações e modos diferenciais de
apropriação do espaço urbano, envolvendo em seus propósitos estéticos o trato com
significados sociais que as rodeiam, seus modos de tematização cultural e política
[...] (PALLAMIN, 2000, p. 23-24).
37
Debruçar-se sobre essas intervenções urbanas também é refletir sobre as
potencialidades da cidade, lugar imbuído de relações sociais, políticas e econômicas, e local
privilegiado para a produção de sentidos. Conforme a abordagem de Brígida Campbell
(2015), que ressalta que as intervenções podem ser qualquer procedimento prático, ou ação
que se dá nas estruturas urbanas, em que o artista intervém produzindo ou alterando as
características do local da ação, envolvendo performances, apresentações circenses, projeções
e instalações, como exemplo, os parkletsvii, cozinhas coletivas e as hortas comunitárias, as
intervenções podem se materializar de inúmeras formas.
No entanto, as que serão investigadas por esse artigo e pelo documentário de João
Oliveira, se restringem às práticas que são feitas no espaço público sem autorização prévia e
que deixam uma marca, mesmo que efêmera, na cidade. Esse recorte se justifica pelo interesse
em analisar, ensinar e compreender essas expressões de forma relacional, dado que as mesmas
estão diretamente conexas a formas de subversão das relações de poder na cidade e, em
decorrência disso, são constantemente criminalizadas e perseguidasviii.
A utilização de um material audiovisual para dar suporte à reflexão se justifica na
tradição narrativa que as intervenções urbanas construíram em documentários como Stations
of the elevated (1981), de Manfred Kirchmmeimer, Style Wars (1983), de Tony Silver, Bomb
It (2008), de Jon Reiss, Pixo (2009), de João Weiner, Cola na Veia (2017), de MaicknucleaR,
entre outras produções internacionais e nacionais.
A Febre, o graffiti no ES (2016), de João Oliveira, está inserida nesse fluxo de
produções que se propõem a narrar práticas artísticas através do documentário – de maneira
independente, como a maioria dos que tratam do mesmo assunto – abordando o contexto
capixaba sob o ponto de vista de seus protagonistas, ou seja, os artistas de rua que praticam as
intervenções urbanas. Dessa maneira, é possível ler o documentário em questão sob a luz da
interpretação de Nichols (2005) do modo performático, caracterizado pela ênfase nas
experiências subjetivas de vida e dos relatos e depoimentos, fornecidos através das
entrevistas.
Compreendemos que o modo performático é o que dá vazão para a ação dos sujeitos
em cena e o que nos permitirá refletir sobre a performance do corpo, que executa uma ação no
ambiente urbano, marcando sua presença no espaço através da pixação, localizada na
intersecção entre a transgressão e da arte.
38
A PIXAÇÃO COMO ATIVIDADE PERFORMATIVA
Para que se entenda o corpo na cena urbana performando a ação de pixar, ou seja,
executando a ação de inserir assinaturas, com um alto teor de adrenalina envolvido por tratar-
se de ato passível de punição legal e localizado, na maioria das vezes, em locais de difícil
acesso, relacionamos a pixação com uma manifestação do desejo de transformar o urbano em
um lugar dotado de predicados que gerem relações de pertencimento e/ou denúncia da não-
presença no espaço.
Dessa maneira, pode-se afirmar que o ato de pixar baseia-se em ações performativas: é
o corpo do artista, pela sua ação, que diz de si, e esse “dizer de si” é pautado por um discurso
materializado nas marcas da presença do corpo no espaço com as assinaturas.
Ações similares podem ser vislumbradas em outros tipos de trabalhos no campo das artes
visuais, como, por exemplo, em O vínculo (2015), do artista Mauricio Iânes (SP), performado
durante a exposição Terra Comunal, de Marina Abramovic no Sesc Pompeia em 2015. O
artista, tratando de sua presença e a do expectador-participador, propõe em uma sala com
materiais diversos (palets, painéis de madeira, tintas, sprays, cola, papéis variados e etc.), a
criação de um espaço, onde pelo manejo dos materiais e de seu corpo, o expectador-
participador estabelece a sua presença, importando características singulares para um espaço
em essência coletivo, como mostram as imagens (1 e 2) a seguir.
Imagem 01: Mauricio Iânes, O vínculo, 2016. Terra Comunal, Sesc Pompeia/SP. Print de vídeo.
FONTE: disponível em https://www.youtube.com/watch?v=FnZY-8qicc0. Acesso: 05/2019
39
Imagem 02: Mauricio Iânes, O vínculo, 2016. Terra Comunal, Sesc Pompeia/SP. Print de vídeo.
FONTE: disponível em https://www.youtube.com/watch?v=FnZY-8qicc0. Acesso: 05/2019
40
Imagem 03: Márcia, N/S/M, 2014. Print de imagem
FONTE: disponível em http://esquesiticesdaescolacastroalvesro.blogspot.com/2014/08/as-paredes-estao-um-
lixo.html Acesso: 05/2019
A partir dos exemplos acima apresentados reconhecemos as intervenções urbanas, o
graffiti e a pixação & pichação, mas também os adesivos, stêncils, e etc., como um processo
artístico-educativo, tendo nas ferramentas de artes visuais a possibilidade de realização, seja
pela utilização de materiais ou por se caracterizar como uma variação contida na linguagem
da performance.
A FEBRE (2016)
42
e editoras como apologia ao crime, o que é parte de um senso comum que é construído
cotidianamente a partir do discurso do poder público (imagem 4).
No entanto, o documentário produz uma inversão de valores oportuna ao apresentar o
ator social Geomerez Guedes, que passou a produzir intervenções para divulgar o seu trabalho
na cidade. A frase “podo árvores” junto ao seu número de telefone, ressalta uma forma de
divulgação que é feita fora da lógica do sistema econômico capitalista e das estratégias de
publicidade e propaganda tradicionais, ou seja, os anúncios pagos. Tal prática de Geomerez se
aproxima muito dos primórdios da intervenção urbana brasileira da década de 1970, marcada
pela frase “Cão Fila K26”, produzida por Antenor Lara Campos para divulgar o seu canil
situado à altura do quilometro 26 de uma estrada localizada na região do ABC, na grande São
Paulo.
Imagem 04: Cartaz de ação integrada envolvendo Polícia Civil, Polícia Militar e prefeitura de Belo Horizonte,
veiculado em 2010.
43
Fonte: http://olhodecorvo.redezero.org/Acesso: 05/2016.
Imagem 05: A febre, 2016. Print de cena que integra documentário.
FONTE: disponível em https://www.youtube.com/watch?v=38KAlsVPy8Y&t=2279s. Acesso: 05/2019
CONSIDERAÇÕES FINAIS.
As reflexões propostas aqui estabeleceram uma relação entre a arte, o corpo e a cidade,
em associação com uma produção audiovisual, como observatório e partiram de uma
44
convicção política de que o espaço da cidade deve ser um espaço de realização da vida
pública e de encontro com o diferente. O acesso ao espaço urbano atualmente é desigual, pois
a produção do espaço e o processo de produção e reprodução do capital caminham juntos
(LEFEBVRE, 2001).
Pensar na dinâmica de constituição do espaço urbano e na possibilidade do mesmo se
tornar um laboratório, ou imenso caderno de caligrafias, via intervenções artísticas, cria
possibilidades para que educação em artes visuais possa contribuir para a construção de uma
sociedade mais justa, na medida em que problematiza tais desigualdades e a validade de quais
expressões artísticas são consideradas legais e ilegais, mas, sobretudo, de quais seres humanos
são considerados ‘artistas’ dentro do sistema da arte e de quais não são.
Observar a performance dos artistas no espaço urbano, através do documentário A
febre (2016), gera possibilidades para refletir e debater sobre a dissidência e o conflito, de
maneira dialógica, afim de compreender os entrevistados, grafiteiros e pixadores, enquanto
sujeitos responsivos de uma esfera discursiva, ou seja, passíveis de produzirem seu próprio
discurso utilizando as paredes da cidade.
A prática educativa que elenca questões como essas oportuniza o pensamento crítico
sobre nossa realidade, e não apenas no sentido de educadores fornecerem reflexões,
informações e conteúdos para educandos, mas sim como uma via de mão dupla, onde
educandos se colocam como produtores de seus discursos por partirem de seus contextos,
vivências e subjetividades, construindo um diálogo que visa a autonomia do pensamento e por
fim, a própria conscientização (FREIRE, 2011).
Muitas perguntas podem ser levantadas durante o processo de ensino-aprendizagem,
como:
- tais sujeitos se entendem enquanto portadores de uma crítica sobre a cidade e sobre as
desigualdades sociais no urbano?
- tais sujeitos identificam diferenças entre graffiti e pixação, ou seja, eles delimitam
características fundamentais que os diferenciam?
- tais sujeitos delimitam contextos de circulação, produção e recepção específicos para as duas
práticas?
- tais sujeitos entendem sua ação no espaço urbano como dispositivos de uma prática artística
ou política?
Essas são apenas sugestões de perguntas, mas julgamos necessário complementar que
não acreditamos em um engessamento das mesmas, é possível transformá-las, recriá-las e
45
inclusive, fazer proposições que envolvam a própria prática artística dentro do ambiente
educacional e que devem ser pensadas em conjunto.
De qualquer maneira ressaltamos que abordar a temática proposta por esse artigo,
mesmo que ela pareça um pouco espinhosa e contraditória, pode ajudar a compreender as
intervenções como ações que produzem uma nova perspectiva sobre o cotidiano,
especialmente por revelarem a cidade como um campo de jogo de forças, por observarem as
intervenções urbanas como expressões artísticas que são ferramentas para a subversão das
relações de poder, e por tratarem da educação, especialmente em artes visuais, como um
campo para a prática da liberdade que pode propiciar uma abordagem das dissidências de
maneira crítica e ética.
i
Não existe um consenso na academia sobre o nome dessas intervenções, podemos encontrar em textos em
língua portuguesa os nomes arte urbana ou arte de rua, bem como na língua inglesa, os nomes street art ou urban
art. No entanto, grande parte da literatura especializada compreende que essas intervenções se encontram sob o
domínio das intervenções urbanas.
ii
O Graffiti se refere à forma de um sujeito se expressar utilizando spray, e em alguns casos outros materiais
como tinta acrílica, látex, etc., em qualquer superfície da cidade (muros, paredes, trens, paradas de ônibus,
postes, asfalto, etc.) e como tal, faz parte de um conjunto de referências estéticas e culturais de um determinado
grupo social urbano, tradicionalmente reconhecido como movimento Hip Hop, um complexo de expressões
artísticas pautadas na música (com o rap), na dança (com o break) e na expressão gráfica/pictórica (com o
graffiti). O Hip Hop se desenvolveu na década de 1970 em Nova York como um movimento de contracultura
encabeçado pelos latinos que viviam no EUA e pelos afro-americanos, e foi responsável por oxigenar de maneira
ímpar as expressões artísticas contemporâneas, espraiando-se para diversos países latino americanos, europeus e
orientais (STAHL, 2009). No Brasil, alguns pesquisadores e artistas enxergam uma diferenciação entre graffiti,
pixação e pichação.
iii
Desde o início do século XXI uma nova cisão acontece no universo que envolve as expressões urbanas, pois
alguns grupos passaram a reivindicar uma diferenciação entre esta prática- a pichação- e a pixação, como é o
caso de Lassala (2010). É possível compreender a pichação conforme sugere Silva (1987 e 2001): uma ação
contestatória, mesmo que amparada em frases de humor, similar aos escritos e palavras de ordem de Maio de 68,
enquanto a prática da pixação pode ser compreendida conforme sugere Lassala (2010): uma ação marcada por
assinaturas, os chamados tags, que se aproximam das raízes do graffiti, como o Wild Style – uma técnica de
escrita com spray, muito utilizada em vagões de trem e que era marcada pela agilidade e a criação de
fonte/tipografia elaborada – desenvolvida dentro do contexto do movimento Hip Hop nos anos 1970 em Nova
York. No entanto, o contexto brasileiro apresenta formas híbridas e podemos encontrar intervenções que
mesclam as duas formas de compreensão na mesma intervenção urbana, como o grapixo.
iv
A técnica se caracteriza pela produção de uma peça que serve de matriz, e a partir da mesma reproduz-se uma
imagem através da aplicação de tinta, geralmente spray, que pode ser propagada mais de uma vez. A matriz
trata-se de uma folha de boa gramatura com área vazada, que fará a composição da imagem.
v
Técnica de fixação com cola de peças gráficas, englobando reproduções em xérox e serigrafia, em folhas únicas
ou em conjuntos de folhas que formam, ao final, uma imagem em larga escala.
vi
Conhecido também como Yarnbombing, é uma técnica que transforma peças tridimensionais, baseadas em
trançados de linhas, geralmente lã, feitas com agulha, em revestimentos de objetos e colagens.
vii
Instalação feita com peças que recriam um espaço confortável com cadeiras, mesas e plantas para descanso ou
reuniões, entre outros, no meio da via pública, geralmente em vagas onde se estacionam carros, e que tem uso e
acesso livres.
viii
Em pesquisa realizada durante o mestrado (VISINI, 2017), foi possível compreender as formas de subversão
que emergiam do embate entre as intervenções urbanas e a propriedade privada, conceito relacionado à produção
do espaço urbano (HARVEY, 2005), considerando o jogo entre legalidade e ilegalidade, o mercado de arte e as
ações de apropriação cultural, uma ferramenta da economia capitalista que é uma extensão da lógica de poder de
mercado associada à produção cultural e que foi observada em casos como WynwoodWalls (galeria de
intervenções urbanas a céu aberto em Miami/ EUA), The Get Down (série de ficção produzida pelo Netflix e que
46
tem como pano de fundo o nascimento da cultura hiphop em Nova York/ EUA) e o Street Art Project
(plataforma virtual do Google Cultural Institute que reúne acervo de fotografias de intervenções urbanas a partir
da simbiose de vários produtos da multinacional Google: Google Glass, Google Maps e Google Street View).
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(do original: La production de l‟espace. 4e éd. Paris: ÉditionsAnthropos, 2000). Primeira
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2017. Dissertação de Mestrado (PPGAV-UFPB).
47
A LÓGICA FOTOGRÁFICA DE WILLIAM EGGLESTON E A RELAÇÃO COM O
ENSINO DA ARTE
RESUMO
Este artigo apresenta a oferta de um curso de extensão a alunos do curso de Artes Visuais na
modalidade a distância da universidade Federal do Espírito Santo. Com uma abordagem
fotográfica do cotidiano, o curso apresenta como referência o trabalho do fotógrafo
estadunidense William Eggleston nas décadas de 1960 e 1970, e visa desenvolver
possibilidades de trabalho, desse novo professor com os estudantes da educação básica, a
partir de um olhar crítico para o seu entorno e para a estética que nele se apresenta. Para
pensar as propostas metodológicas para o ensino da arte estabelecemos diálogos com Maria
Amélia Ferraz e Maria Fusari (2009), para entender a importância e o desenvolvimento do
processo de leitura de imagem recorremos aos primeiros escritos de Ana Mae Barbosa (1995)
e para investigar a prática artística fotográfica no âmbito da Arte Contemporânea vamos
recorrer à Charlotte Cotton (2010), André Rouillé (2009) e Analice Cunha Diniz (2010) em
sua dissertação de mestrado intitulada “Entre a expressão e o imaginário: posturas da
fotografia contemporânea a partir do ensaio Bloco de notas, de Breno Rotatori”.
ABSTRACT:
This article presents the offer of an extension course to students of the Visual Arts course in
the distance modality of the Federal University of Espírito Santo. With a photographic
approach to everyday life, the course presents as a reference the work of the American
photographer William Eggleston in the 1960s and 1970s, and aims to develop work
possibilities of this new teacher with students of basic education, from a critical look to its
environment and the aesthetics it presents. In order to understand the methodological
proposals for the teaching of art, we established dialogues with Maria Amélia Ferraz and
Maria Fusari (2009). In order to understand the importance and development of the image
reading process, we used the first writings of Ana Mae Barbosa (1995) and to investigate
(2010), André Rouillé (2009) and Analice Cunha Diniz (2010) in his master's thesis entitled
"Between expression and the imaginary: postures of contemporary photography from of the
essay Notepad, by Breno Rotatori".
INTRODUÇÃO
49
A partir do conhecimento do artista, seu processo criativo e seus trabalhos, buscamos
sensibilizar o olhar dos estudantes para o que os cerca, valorizando o que está próximo, o que
é local e está inserido no seu tempo e espaço e levando-os a pensar em propostas de ensino da
arte que podem ser desenvolvidas em sala de aula. Segundo Maria Heloísa Ferraz e Maria F.
Fusari (2009): “Os educadores, empenhados em uma ação escolar de arte transformadora e de
bases artísticas contemporâneas, procuram conduzir os educandos rumo ao fazer e o entender
as diversas modalidades de arte e a história cultural das mesmas. (FERRAZ; FUSARI, 2009,
p. 142)”.
Com a ideia de desenvolver um fazer e entender arte, as nossas ações priorizaram o
processo reflexivo, cognitivo proposto por Ana Mae Barbosa no início da década de 1980 e
que é tão atual que é a Abordagem Triangular que na ação de contextualizar, ver e fazer um,
tece uma complexidade de saberes e nos convida a perceber as mudanças e também a
diversidade cultural dos diferentes lugares e épocas.
Para o exercício de leitura das imagens nos apoiamos no método
Descritivo/Narrativo/Construtivo, Classificativo, Interpretativo e Recriativo de Abigail
Housen que passa pelas formas que compõem a imagem, a descrição dos elementos que
constituem essa obra e a interpretação que acontece a partir das experiências e vivências do
leitor, ampliam o olhar sobre conhecimento e apropriação de sua própria realidade como nos
diz Barbosa (2008b): “Na verdade, não conseguimos apreender o mundo tal qual ele é,
construímos mediações, filtros, sistemas simbólicos para conhecer o nosso entorno e nos
conhecer.” (BARBOSA, 2008b, p. 73).
A provocação para o conhecimento não só da cultura do outro, mas também da nossa
própria cultura é conduzido mais uma vez pelo pensamento de Barbosa (1995):
50
A FOTOGRAFIA ENTRE O DOCUMENTO E A ARTE
WILLIAM EGGLESTON
52
Segundo Charlotte Cotton (2010), a importância do trabalho de William Eggleston
como precursor da fotografia artística contemporânea, por fazer uso da cor nas fotos de arte
da década de 60 e 70.
A influência de Eggleston na fotografia artística contemporânea tornou-se
reconhecida como um elemento central, e não somente por sua primeira validação
do uso da cor, nas décadas de 60 e 70. Tido como o “fotógrafo dos fotógrafos”, ele
continua publicando e expondo trabalhos em âmbito internacional, criando um
repertório constantemente reavaliado à luz do perfil em perene expansão da
fotografia contemporânea de arte, ao longo dos últimos trinta anos. (COTTON,
2010, p. 11)
53
O curso foi ofertado ao longo de cinco semanas e discutiu a possibilidade do ensino da
arte e a lógica fotográfica na educação básica a partir da prática artística e do olhar de William
Eggleston nas décadas de 1960 e 1970. Para isso foi apresentado ao aluno alguns trabalhos de
William Eggleston das décadas de 1960/70 para ser realizada leitura e a análise da
possibilidade de registro artístico de uma sociedade por meio da fotografia; a da proposta de
busca por parte dos alunos, de trabalhos de outros fotógrafos que dialoguem com a poética de
William Eggleston, em outro momento foram realizados exercícios fotográficos e após todos
os percursos de conhecimento e experimentações foi concluído com a proposta da
transposição didática do trabalho de tudo o que foi apreendido para o planejamento das aulas
de arte em uma das etapas da educação básica.
O curso foi ofertado entre os dias 10 de setembro a 01 de novembro de 2018,
distribuído em cinco semanas. Na primeira semana foi apresentado o fotógrafo William
Eggleston por meio de sites, vídeos, a proposta de leitura de três imagens significativas do seu
trabalho na década de 1960/70 e a leitura do artigo: “Às cores fotográficas e a William
Eggleston: Breve reverência” de Wanderley Anchieta (2016).
55
Figuras 3 e 4: Imagens de alunos.
Fonte: EAD UFES, 2018
56
Apresentamos a seguir a produção imagética de alguns estudantes:
Abaixo um fragmento do relato da estudante do Polo de Domingos Martins e as
imagens relacionadas à suas narrativas:
Após leitura do texto de um recorte de jornal, proposto pela professora, que tem por
tema "Vista Cansada". Comecei executando o olhar observador, de algo que faz
parte do meu dia a dia, e que muito das vezes, passa por despercebido ou então,
torna-se corriqueiro que nem percebemos mais. E aí que faço menção ao texto
publicado, que a nossa vista torna-se cansada que nem olhamos mais. (Estudante de
Domingos Martins, 2018)
57
apresentou por parte dos estudantes o conceito de fotografia vernacular, para ser trabalhada
em sala de aula, assim como a presença de outros fotógrafos que dialogam com a poética do
Eggleston, como o fotógrafo brasileiro Tiago Santana, que aborda temas do cotidiano como a
religiosidade, o e a paisagem humana do nordeste brasileiro com um olhar diferenciado.
Exercitar o olhar para perceber a escola, o seu entorno, o bairro, o seu aspecto
histórico, cultural, os seus problemas registrando tudo por meio da fotografia, foi uma das
propostas que deve ser realizada com a câmera do celular, conferindo a esse aparelho, que na
maioria das vezes as apresenta como um problema para o professor devido a indisciplina com
relação ao mau uso em sala de aula, passa a ser um aliado, rumo a aquisição de novos
conhecimentos.
Levar para dentro da sala de aula a possibilidade da criança perceber e mapear o seu
entorno, dedicar ao seu cotidiano um olhar mais atento, utilizar o celular de maneira mais
consciente ao buscar registros fotográficos que são registros de memória e história, valorizar o
que há no seu local, sua escola, seu bairro, os arredores de sua casa, todas essas ações geram a
possibilidade de formar bons leitores do mundo por meio da leitura da linguagem visual.
Leitores reflexivos, inseridos em um mundo simbólico e cientes de que há a possibilidade de
estabelecer com esse mundo uma relação dialógica, assumem uma postura ativa e responsiva
diante do texto imagético, seguros para desenvolver estratégias de leitura que facilite a sua
compreensão crítica a partir da imagem do mundo em que vive.
CONSIDERAÇÕES
58
é enriquecedor para o trabalho docente, para a escola e para os estudantes. Toda a comunidade
educativa ganha com uma rede de compartilhamento de saberes significativos.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Escolhidas. Vol. 1. São Paulo, Brasiliense, 1994.
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<http://www.repositorio.ufc.br/bitstream/riufc/26462/1/2010_tcc_acdiniz.pdf>. Acesso em:
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<https://www.cartacapital.com.br/revista/840/uma-explosiva-democracia-visual-6967.html>.
Acesso em: 19 de dezembro de 2017.
ROUILLÉ, André. A fotografia: entre o documento e a arte contemporânea, tradução
Constancia Egrejas. – São Paulo: Editora Senac São Paulo, 2009.
59
A COLABORAÇÃO E A PERSPECTIVA LONGITUDINAL: CONTRIBUIÇÕES
METODOLÓGICAS PARA PESQUISAS EM ARTES E EDUCAÇÃO
RESUMO
Este artigo tem como tema gerador as contribuições metodológicas nas pesquisas em arte
utilizando como referencial a pesquisa longitudinal e colaborativa. Indaga-se sobre as
mediações pedagógicas do cotidiano escolar e o papel colaborativo do professor-pesquisador
e de todos os envolvidos no contexto da pesquisa, movimentos produzidos pela presença do
professor-pesquisador no campo-objeto de sua investigação. Integra a linha de pesquisa
Educação e Linguagens do Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE-UFES) e parte
de diálogos com o Grupo de Pesquisa Infâncias, Tecnologias e Imagens (GPITI/UFES-ES). O
estudo tem como objetivos: compreender a pesquisa longitudinal e colaborativa e apresentar
reflexões e analisar os conceitos de colaboração e longitudinalidade. As relações em sala de
aula e construção de conhecimentos são tratadas a partir da perspectiva freiriana (1997);
acerca da colaboração com Brandão (2003); conceito longitudinal com Ibiapina (2008); sobre
mediação e afetividade dialoga-se com Vigotski (2007) e conceitos de narrativa e experiência
com Benjamin (2012). Mediações são parte da complexidade das relações afetivas e
caracterizam-se por práticas sociais que geram mudanças e formas concretas de materialidade
decorrente do contexto em que as produziu.
ABSTRACT
This article has the generative theme of the methodological contributions in the researches in
art using as reference the longitudinal and collaborative research. It is inquired about the
pedagogical mediations of school daily life and the collaborative role of the teacher-
researcher and all those involved in the research context, movements produced by the
presence of the teacher-researcher in the field-object of his research. It integrates the
Education and Languages research line of the Post-Graduate Program in Education (PPGE-
UFES) and part of dialogues with the Research Group on Children, Technologies and Images
(GPITI / UFES-ES). The objective of the study is to understand the longitudinal and
collaborative research and to present reflections and analyze the concepts of collaboration and
longitudinality. Relationships in the classroom and knowledge construction are dealt with
from the Freirian perspective (1997); about the collaboration with Brandão (2003);
longitudinal concept with Ibiapina (2008); on mediation and affectivity dialogues with
Vigotski (2007) and concepts of narrative and experience with Benjamin (2012). Mediations
are part of the complexity of affective relationships and are characterized by social practices
that generate changes and concrete forms of materiality arising from the context in which they
were produced.
60
INTRODUÇÃO
61
A abordagem é na perspectiva de desenvolver narrativas no âmbito da educação e das
artes, que se aproximem das experiências dos participantes. Para Benjamin (2012) a história
está sempre em processo de acabamento, em processo de transformação, cada história é o
ensejo para uma nova narrativa, que desencadeia outra e outra... A memória é ilimitada, bem
como o imaginário e estão em constante refazer-se. Nesse refazer temos envolvidos: escutas,
percepções, afetividade, escritas, reescritas... o pesquisador, de modo coletivo, desenvolve
seus registros produzindo reflexões e análises, uma pesquisa “à várias mãos” (Brandão, 2003).
[...] a pesquisa científica não deve ser pensada e colocada em prática com um
momento único ou isolado, em nome e a serviço de qualquer interesse de adquirir
poder por meio da ciência [...] ao contrário, deve ser vivida como um momento de
fluxo progressivo de construção e de aperfeiçoamento de dimensões da
conectividade, entre as múltiplas e complexas esferas de realização da compreensão
humana [...] (BRANDÃO, 2003, pp. 17-18).
62
de colaborar com a construção do conhecimento científico que contribuam de modo
significativo na sua docência e de seus pares.
O destaque na prática é para o diálogo constante, que consideramos espaço de ensinar e
aprender, pois
[...] não há ensino sem pesquisa e pesquisa sem ensino. Esses que-fazeres se
encontram um no corpo do outro. Enquanto ensino, continuo buscando,
reprocurando. Ensino porque busco, porque indaguei, porque indago e me indago.
Pesquiso para constatar e, constatando, intervenho, intervindo educo e me educo.
Pesquiso para conhecer o que ainda não conheço e comunicar ou anunciar a
novidade (FREIRE, 1997, p. 32).
63
[...] são campos complexos de interações em que a relação viva e dotada de sentido e
sensibilidade, vale mais do que a norma; em que o acontecimento cotidiano e sua
sempre presente imprevisibilidade, vale mais do que as estrutura formal do
acontecer; em que a trajetória da história social das pessoas de todos os dias vale
tanto ou mais do que a grande e ilusória história política de alguns homens montados
à cavalo [...] (BRANDÃO, 2003, p. 46).
64
pessoas que sentem e pensam e como cientistas que pensam e sentem [...]
(BRANDÃO, 2003, p. 49).
66
Imagem 1 – Dinâmica da Parceria
Fonte: Diário de Campo da pesquisadora, 2015.
Seguimos com uma dinâmica, para falar a partir do lúdico, sobre a importância da parceria e
colaboração delas na pesquisa. A dinâmica aconteceu da seguinte maneira: Distribuímos uma bala
para cada criança e solicitamos que abrissem com apenas uma mão, sem a ajuda de nenhuma outra
parte do corpo e cronometramos 30 segundos, para as tentativas (Imagem 1). Duas crianças
conseguiram abrir a bala, as demais não conseguiram.
Depois sugerimos a abertura da bala com ajuda de um dos colegas. A partir da dinâmica,
conversamos sobre a importância da colaboração e parceria de cada uma delas na investigação.
Convidamos para serem colaboradoras parceiras no projeto e todas manifestaram o desejo de
colaborar. Disponibilizamos os termos de compromisso para autorização de participação na
pesquisa: uma para elas assinarem e outra para os pais e/ou responsáveis, já que são menores de
idade.
O momento foi muito proveitoso. A professora Penha, nos deu o feedback, desse primeiro
encontro com a turma, através de uma rede social (Imagem 2).
67
Na escrita da professora Penha, percebemos que o momento foi bastante proveitoso e a cada
novo encontro a participação aumentava. As devolutivas de cada encontro foram feitas para a turma
com a leitura dos diários de campo, apresentação de vídeos gravados e/ou (produzidos com as
fotografais capturados(as) durante o percurso) oportunizando a participação delas para enriquecer as
narrativas e redimensionar os fatos.
Outra experiência da prática da pesquisa colaborativa, está relatado em detalhes na tese
intitulada “Memórias imagéticas revisitando as narrativas infantis em contexto escolar de ensino
fundamental” e desenvolvida na Escola Municipal de Ensino Fundamental Centro de Jacaraipe ,
durante os anos de 2012 e 2013, com 27 crianças com idade de 9 a 11 anos, da 4ª série A e,
aconteceu nas aulas de Arte, com a presença da professora dessa disciplina, como e aulas do ciclo
normal, como na presença da professora regente, como também em outros os espaços/tempos da
escola: pátio durante o recreio, aulas de Educação Física e eventos promovidos ao longo da
pesquisa.
Compreendendo conforme Forquim ( 1993) que a escola transmite valores carregados de
indícios, muitas vezes, contraditórios entre desejo e não desejo, entre senso comum e saber
acadêmico, entre teoria e prática, a pesquisa se organizou também em momentos, de encontros de
descrição, Informações, Confronto e Reconstrução com grupo de 19 docentes. Ao longo do ano de
2013, em que, efetivamente houve o processo colaborativo, formam várias as experiências do
compartilhar, visto as limitações de formação deste trabalho faz-se um recorte da experiência
chamada “Projeto Africaneidades”. Trata-se de um projeto desenvolvido pela professora
regente cujo objetivo era participação das crianças no dia 20 de novembro.
Após a seleção de algumas músicas, entre elas samba, pagode, funk e MPB, levou para
a turma a fim de que eles escutassem e fizessem a eleição. A escolha foi pelo samba-batuque
composto por Ari Barroso em 1936, interpretado por Carmem Miranda, "Tabuleiro da
Baiana":
No tabuleiro da baiana tem...
— Vatapá, o, caruru,
Mungunzá, o, tem umbu... para Ioiô
Se eu pedir você me dá?
—-...lhe dou
—...o seu coração o seu amor de Iaiá?
—No coração da baiana tem...
—Sedução, ô, canjerê, ilusão, o, candomblé
—Para você...
—Juro por Deus, pelo Sinhô do Bonfim
Quero você baianinha, inteirinha para mim...
—Sim, mas depois o que será de nós dois?
Teu amor é tão fugaz, enganador!
68
—(Mentirosa, mentirosa, mentirosa) breque
Tudo já fiz, fui até num canjerê
Para ser feliz, meus trapinhos juntei com você...
—Sim, mas depois vai ser mais uma ilusão
Que no amor quem governa é o coração!
69
A proposta é de se formar e de contribuir na formação de todos os envolvidos durante
esse processo, sem desconsiderar os saberes dos sujeitos participantes. Pois,
[...] cada um deles é uma fonte pessoal e irrepetível de saber [...] é em si mesmo uma
ponte de conexões através da peculiaridade de suas diferenças, quanto ao teor do
tipo de vivências e conhecimentos com que se apresentam diante de um outro ser
humano em um momento de interação (BRANDÃO, 2003, p. 138).
70
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
71
EXISTE ESPAÇO PARA A ARTE CONTEMPORÂNEA DENTRO DAS ESCOLAS?
UMA ANÁLISE DOS CONTEÚDOS DE LIVROS DIDÁTICOS PROPOSTOS PARA
O ENSINO FUNDAMENTAL
Júlia Rocha
Heitor Andrade Amorim
RESUMO
O presente texto apresenta dados de pesquisa de iniciação científica realizada entre 2018 e
2019 com o objetivo de analisar os conteúdos presentes nos livros didáticos de artes,
identificando o espaço que a produção artística contemporânea ocupa nestes materiais, a
maneira como é abordado este conteúdo e que propostas de práticas são lançadas a partir deste
recorte da história da arte. A análise centra-se nos livros da série “Por toda parte”
correspondentes às séries do Ensino Fundamental II. Diante da leitura quantitativa dos artistas
contemporâneos contemplados como conteúdo nos livros, desenvolve-se uma crítica
qualitativa em relação às metodologias que são propostas e às possibilidades de utilização
destes materiais pelos arte/educadores.
ABSTRACT
This paper presents research data of scientific initiation carried out between 2018 and 2019
with the purpose of analyzing the content in art textbooks, identifying the space that
contemporary art occupies in this material, the way the content is presented and what
practices are proposed from this part of art history. The analysis centered on the book series
“Por toda parte”, corresponding to the final years of elementary school. From the quantitative
analysis of the contemporary artists included as content in the books, a qualitative critique is
developed in relation to the methodologies that are presented and the possibilities of using this
material for art educators.
73
materiais que supram esta lacuna, a pesquisa em torno dos conteúdos dos livros didáticos se
constitui como uma potente ferramenta para compreender os desafios que arte/educadores
enfrentam na sua rotina de trabalho, sobretudo nas possibilidades de acesso à fontes de
pesquisa. Para os professores de artes é necessário encontrar meios de ampliar sua formação
ao ponto de que a produção artística seja parte do seu planejamento, articulando-se com as
linguagens das artes visuais e com outros períodos já estudados dentro da história da arte.
Em reflexão anterior em torno do tema, Rocha (2018, p. 212) afirma este
distanciamento entre os arte/educadores e a arte contemporânea:
[…] pode ser justificado por diferentes perspectivas, começando por um receio por
parte dos professores em se aproximar de um espectro da arte que ainda está em
construção, sendo constantemente reelaborado pelos diferentes sujeitos que
compõem o campo da arte, nomeadamente artistas, colecionadores, curadores,
museólogos, educadores e públicos. A inexistência de um limite definido sobre o
que versa a arte contemporânea poderia ser uma primeira justificativa para a
resistência que se impõe sobre a mesma para entrada no espaço escolar.
Uma questão de partida para a pesquisa, antes mesmo de se deter na análise do objeto
de estudo fonte desta investigação, é compreender por que o recorte da arte contemporânea é
relevante para a formação dos estudantes, sobretudo os que frequentam o Ensino
74
Fundamental. Alicerçados na Base Nacional Comum Curricular (2017, p. 196), documento
elaborado pelo Ministério da Educação e que promulga a definição das competências
específicas a serem adquiridas dentro do ensino da arte, vislumbramos que um dos objetivos
marcados é o de “Pesquisar e conhecer distintas matrizes estéticas e culturais – especialmente
aquelas manifestas na arte e nas culturas que constituem a identidade brasileira –, sua tradição
e manifestações contemporâneas, reelaborando-as nas criações em Arte”. Neste sentido, o
enfoque é de uma amplitude histórica em relação ao conhecimento que envolve as
manifestações artísticas, relacionando tanto a tradição, quanto a contemporaneidade.
A formulação deste objetivo demarca a importância que professores de artes deveriam
dar para uma ampliação dos repertórios visuais e estéticos dos estudantes, ofertando-os a
possibilidade de investigar e apreender variadas manifestações culturais, contemplando
também a produção artística contemporânea. Na medida em que a visualidade é um aspecto
importante da construção destes sujeitos, é preponderante que uma variedade de criações
sejam conhecidas.
A aproximação com questões experienciadas no cotidiano é também uma justificativa
da entrada deste conteúdo no planejamento dos professores. Anteriormente apresentamos
exemplos de problemáticas da vivência contemporânea que são empregadas pelos artistas em
seus trabalhos e este é um fundamento relevante para que contemple-se este conteúdo. A arte
contemporânea possibilita a ampliação das discussões em torno das obras para além dos
limites da visualidade, expandindo-se para outros campos que não se restringem aos
conhecimentos do campo da arte. A porosidade que a produção artística tem hoje é potente
também para que os estudantes tenham uma experiência escolar menos setorizada em
conhecimentos encerrados em disciplinas, percebendo as tangencialidades entre diferentes
matérias escolares e possibilitando que professores proponham projetos interdisciplinares.
Considerando que a arte contemporânea está sendo produzida no cotidiano de vida dos
estudantes, argumenta-se que outra potencialidade de pensá-la como conteúdo diz respeito às
possibilidades de aproximação direta com o objeto de estudo. Neste sentido, tanto pode-se
propor saídas de campo do espaço escolar, encontrando manifestações artísticas nas ruas, nos
ateliês, nas galerias e nos museus, como pode-se promover ações de interlocução para que a
arte contemporânea esteja dentro da escola, com o convite para que artistas promovam ações
no âmbito escolar - questão que não seria possível com artistas do barroco, do renascimento e,
às vezes, nem mesmo do modernismo.
75
Conclui-se, por conseguinte, que um ensino da arte que encerra seus conteúdos de
história da arte no modernismo, cerceia as discussões que poderiam ser elaboradas em torno
de conteúdos que conectam-se com aspectos de outras disciplinas escolares, do próprio campo
da arte e da vida dos estudantes. A abertura do recorte temporal para além da produção
artística da década de 1950 oferece uma interlocução com aspectos possivelmente mais
próximos da vida dos estudantes e professores.
Quando a BNCC institui, para cada um dos ciclos do Ensino Fundamental, as unidades
temáticas, os objetos de conhecimento e as habilidades, há também menção a esta amplitude
temporal, pensando sempre em um delineamento que passa do tradicional para o
contemporâneo. Enquanto para os primeiros anos, do 1º ao 5º, a BNCC (2017, p. 199) institua
que é preciso “Identificar e apreciar formas distintas das artes visuais tradicionais e
contemporâneas, cultivando a percepção, o imaginário, a capacidade de simbolizar e o
repertório imagético”, para os anos finais, do 6º ao 9º ano, se coloca que é esperado saber:
Pesquisar, apreciar e analisar formas distintas das artes visuais tradicionais e
contemporâneas, em obras de artistas brasileiros e estrangeiros de diferentes épocas
e em diferentes matrizes estéticas e culturais, de modo a ampliar a experiência com
diferentes contextos e práticas artístico-visuais e cultivar a percepção, o imaginário,
a capacidade de simbolizar e o repertório imagético.
76
contemporânea de arte atual. É atual o conjunto de práticas executadas nesse domínio,
presentemente, sem preocupação com distinção de tendências ou com declarações de
pertencimento de rótulos”.
Também buscando uma definição do que seria a arte contemporânea, Arthur Danto
(2006) define uma distinção entre esta e a produção que a precedeu, a moderna. O autor
posiciona-se em defesa de um fim da arte, definindo que o fim do modernismo da arte institui
a finalização da era da narrativa, dando lugar para outra identificação da produção artística.
Para Danto (2006, p. 5) “podemos pensar em arte depois do fim da arte, como se estivéssemos
emergindo da era da arte para algo diferente, cuja forma e estrutura exatas ainda precisam ser
compreendidas”. Da mesma maneira que Cauquelin, Danto (2006, p. 12), afirma que a
definição do contemporâneo não se restringe ao tempo que se produz, “Da mesma forma que
‘moderno’ não é simplesmente um conceito temporal, significando, digamos, ‘o mais
recente’, tampouco ‘contemporâneo’ é um termo temporal, significando tudo o que esteja
acontecendo no presente momento”.
A reestruturação do campo da arte encontra-se ainda em desenvolvimento, propondo,
conforme supramencionado, uma aproximação com aspectos oriundos de outros campos e
próximos da vida cotidiana. A resposta que os artistas conferem, em seus trabalhos, às
relações que estabelecemos contemporaneamente, é resultado de um complexo jogo de
comunicação - conceito enredado por Cauquelin (2005) - e uma desordem afirmativa - como
coloca Danto (2006, p. 15):
Assim, o contemporâneo é, de determinada perspectiva, um período de desordem
informativa, uma condição de perfeita entropia estética. Mas é também um período
de impecável liberdade estética. Hoje não há mais qualquer limite histórico. Tudo é
permitido. Mas isso torna mais impositivo tentar compreender a transição histórica
da arte moderna para a pós-histórica.
A abertura e a permissividade em relação aos processos artísticos marca essa era da
produção “pós fim da arte”, como define Danto (2006). A perda de limites identificáveis do
que constitui a produção dos artistas contemporâneos é um dos limites que arte/educadores
precisam enfrentar para trabalhar com este conteúdo em suas aulas e em seus planejamentos.
Não existiu uma superação dos movimentos artísticos anteriores, mas uma ampliação e
aglutinação de características demarcadas que tornam turvas as definições do que constitui
este período. “O que encontramos atualmente no domínio da arte seria muito mais uma
mistura de diversos elementos”, afirma Cauquelin (2005, p. 127), que continua “os valores da
arte moderna e os da arte que nós chamamos de contemporânea, sem estarem em conflito
77
aberto, estão lado a lado, trocam suas fórmulas, constituindo então dispositivos complexos,
instáveis, maleáveis, sempre em transformação”.
A definição do que constitui a arte contemporânea passa, portanto, por este
entendimento do que foram os períodos que precederam tal produção, o que se percebe
continuamente nos autores que buscam compreender este recorte, sempre recorrendo a marcos
históricos - de artistas e obras - que definiram sutis mudanças que possibilitaram a ampliação
do campo da arte. O alargamento da definição do que é arte deu aberturas à produção artística,
mas, mais uma vez, gerou desafios para o processo de entendimento do público em geral,
sobretudo o público não familiarizado com o campo. Neste sentido, Michael Archer (2001, p.
IX) coloca:
Por um lado, não parece haver mais nenhum material particular que desfrute do
privilégio de ser imediatamente reconhecível como material da arte: a arte recente
tem utilizado não apenas tinta, metal e pedra, mas também ar, luz, som, palavras,
pessoas, comida e muitas outras coisas. Hoje existem poucas técnicas e métodos de
trabalho, se é que existem, que podem garantir ao objeto acabado a sua aceitação
como arte. Inversamente, parece, com frequência, que pouco se pode fazer para
impedir que mesmo o resultado das atividades mais mundanas seja erroneamente
compreendido como arte.
A perda das certezas do que define a arte e a falta de aspectos facilmente reconhecíveis
foi, inclusive, um dificultador do processo de pesquisa elaborado na análise dos livros
didáticos da série “Por toda parte”. Determinar o número de artistas e obras para cada volume
pressupunha delimitar campos de certeza em relação ao que se definia como arte
contemporânea. Seriam os aspectos temporais, demarcando uma data de início deste período?
Seriam linguagens mais próximas do que se define a partir de Archer (2001), com o uso de
materiais e suportes não convencionais?
78
dos livros, contudo, foram selecionados somente os artistas contemporâneos compreendidos
dentro do âmbito das Artes Visuais.
Os livros apresentam uma estrutura semelhante entre si, divididos em três unidades
que por sua vez se subdividem em dois capítulos cada. Esta separação atende à elaboração dos
calendários das escolas municipais de Vitória, que divide o ano letivo em três trimestres. A
apresentação dos conteúdos é realizada nos livros por meio de variadas seções, que se repetem
entre os capítulos e em todos os livros. Vem! é sempre um convite de introdução a um novo
tópico que será trabalhado; Temas propõe uma abordagem interdisciplinar e anacrônica de
diferentes assuntos que são apresentados; Mais de perto aprofunda temas e linguagens que são
abordados, apresentando recorrentemente a seção Palavra do artista, quando estes
apresentam relatos sobre suas poéticas; Ampliando é uma divisão destinada à definições,
formando uma espécie de glossário de conceitos-chave trabalhados nos livros; Linguagem da
arte aborda os procedimentos artísticos, tratando dos códigos e procedimentos do campo;
Misturando tudo é uma seção que promove a relação entre as linguagens, tratando de
interdisciplinaridade; Expedição cultural menciona espaços de promoção da arte, instigando
alunos e professores a explorarem saídas de campo utilizando diários de artista; e por fim,
uma Linha do tempo é apresentada recorrentemente nos livros, propondo uma estrutura
temporal dos conteúdos abordados em cada volume.
A formatação dos livros foi explicitada para deixar claro que esta série não segue uma
divisão cronológica das produções e manifestações artísticas, assim como não delimita o
espaço de desenvolvimento dos conteúdos em cada uma das quatro linguagens do campo da
arte. Na análise dos quatro volumes de livros verificou-se também que a arte contemporânea
não se restringe a uma das seções, sendo apresentada periodicamente em distintas colunas
presentes nos livros. No que se refere a quantidade de artistas contemporâneos referidos nos
quatro volumes, temos 17 artistas para o sexto ano, 18 para o sétimo, 30 para o oitavo e 26
para o nono ano. Já o resultado para os trabalhos e obras contemporâneas se mostra maior,
visto a adoção de mais de um trabalho de determinados artistas e até mesmo a citação do
mesmo trabalho em diferentes momentos dos livros, com a investigação aos detalhes e a
transição entre assuntos. Assim, a pesquisa nos retorna que a arte contemporânea é abordada
de forma direta e indiretamente: 30 vezes no livro do sexto ano, 36 vezes no sétimo ano, 67
no oitavo ano e 52 vezes no nono ano.
Para além do levantamento numérico dos artistas e obras contemplados nos livros, a
pesquisa buscou separar-se em categorias que possibilitariam uma leitura qualitativa da forma
79
como a arte contemporânea se apresenta. Algumas formas de uso desta produção artística
foram observadas, dentre elas: utilização de obras de arte contemporânea com o objetivo de
ilustrar temas ou assuntos; apresentação e aprofundamento de discussão sobre conceitos de
determinada linguagem artística ou produção de um artista em específico; aumento do
repertório de trabalhos que envolvam os temas abordados; interlocução entre artes visuais e as
outras três linguagens do componente curricular arte; e, por fim, como disparador de questões
do campo da arte em geral.
Dentre as cinco categorias listadas, a que menos importava como resultado da investigação
era a primeira, tratando da arte contemporânea apenas como ilustração de outra discussão que
estava sendo abordada no capítulo ou seção. Ainda que se compreenda a importância da
recorrência de imagens da arte contemporânea sendo apropriada no livro como possibilidade
de ampliação de um repertório em relação a esta produção, a apresentação vazia, sem
associação com conhecimentos específicos da área não acrescenta para o professor um
domínio desta como conteúdo. A categoria pôde ser identificada na página 122 do livro do
sexto ano, na qual um detalhe da obra Abajur, do artista Cildo Meireles é apresentada como
ilustração para um poema produzido pelos autores para o livro (imagem 1). Observou-se que
no mesmo livro a obra é posteriormente abordada, contudo nesta página ela serve apenas a
fim de ilustração.
A segunda categoria de análise dos livros trata da apresentação e do aprofundamento
de discussão sobre conceitos de determinada linguagem artística ou produção de um artista
em específico. O exemplo selecionado para demonstrar esta categoria é da artista brasileira
Rosana Paulino. Seu trabalho é abordado no capítulo 1 Sementes, da unidade 3, Povos
80
arteiros, nas seções Vem!, Temas e Mais de perto, no livro do sexto ano. Neste volume foram
utilizadas três obras da artista referenciadas em cinco páginas, tanto por textos quanto por
imagens, estas num total de quatro, sendo a última um detalhamento de outra. Ainda, há uma
sexta página com foto e entrevista da artista. Atrelado ao fato, que o capítulo tem por objetivo
discorrer sobre a cultura afrobrasileira presente nas linguagens artísticas, pode-se identificar o
intuito de ampliação de repertório no que refere a produção de Rosana Paulino.
A primeira obra apresentada é uma pintura sobre prato (imagem 2), que ocupa um
espaço considerável da página 168, permitindo observar os detalhes que esta dispõe. Abaixo
da imagem há um pequeno texto com várias perguntas, dentre elas “Um prato pode ser arte?”
UTUARI FERRARI et. al. (2015a, p. 168), funcionando como um disparador para questões
da arte contemporânea, como ampliação dos materiais e suportes.
81
Pensando especificamente nos textos que são apresentados sobre a obra de Rosana
Paulino, tomamos a seção Mais de perto, nas páginas 183 e 184. A primeira parte levanta
questões com intuito de aproximação dos estudantes com a obra, buscando uma mediação
com a fruição destes leitores. Em seguida, o texto comenta sobre os elementos visuais e
prossegue para os aspectos conceituais, questionando sobre as linguagens artísticas presentes
no trabalho e culminando em seu processo de construção e execução (imagens 3 e 4). Para
finalizar este fragmento do livro dedicado à Rosana Paulino - evidenciando a questão do
aprofundamento a que se refere esta categoria -, o livro reserva a página 185 para uma fala da
artista. No texto ela compartilha sobre seu processo de criação, poética pessoal e o uso de
distintas linguagens em sua produção. Há uma foto de Paulino e com a sua escrita o texto
permite uma aproximação do leitor com o processo de criação da artista, uma característica
presente nos trabalhos de arte contemporânea.
A terceira categoria analisada nos resultados de leitura dos livros diz respeito ao
aumento do repertório de trabalhos que envolvam os temas abordados, que neste caso foi
identificada no livro do oitavo ano, com uma diversidade de artistas que contemplam questões
da luz em suas obras. Máximo silêncio em Paris (2007), de Giancarlo Neri; Nuvem (2012), de
Caitilind R. C. Brown e Wayne Garrett; (imagem 5) Cheia de brilho da vida (2014), de Yayoi
Kusama e O projeto tempo, de Olafur Eliasson (imagem 6) são alguns exemplos apresentados
em sequência para discorrer sobre espaços luminosos e a participação dos públicos.
A quarta categoria identificada na análise dos livros diz respeito à interlocução entre
artes visuais e as outras três linguagens do componente curricular arte o que foi bastante
identificado nos diferentes livros. Recorrentemente se percebe que a produção dos artistas
contemporâneos produz a transição com as demais linguagens do ensino da arte, sobretudo
pelo caráter interdisciplinar que algumas obras possuem. Foi o que se identificou no capítulo
1 do livro do sétimo ano, De canto a canto, da unidade 2 Arte, som e palavra, onde podemos
82
visualizar a intersecção com as demais linguagens extraída da arte contemporânea com o uso
da obra Sistema Uniplanetário – In Memorian Galileu Galilei, do artista brasileiro Alex
Flemming. Trata-se de uma instalação que utiliza “50 globos terrestres, desses que
encontramos na escola, e toca-discos. Os globos ficam girando nos toca-discos antigos, como
se fossem vinis” UTUARI FERRARI et. al. (2015b, p. 116). Observamos o uso deste trabalho
em um capítulo voltado para a linguagem da música, fazendo a interlocução entre as
linguagens artísticas através dos elementos visuais e conceituais constituintes da obra.
A obra é trabalhada com duas imagens e texto que se estende por duas páginas
(imagem 7): na página 116 a fotografia contempla uma vista superior exibindo toda a
composição da obra, enquanto na 117 uma vista frontal detalha os elementos e evidencia o
movimento dos globos. O texto é iniciado com uma pergunta e seu desenvolvimento progride
em abordar a obra, o físico Galileu Galilei e as mídias musicais, utilizando de perguntas e
dados históricos para fazer o entrelaçamento entre os assuntos. Nota-se portanto, um diálogo
entre as linguagens da música e artes visuais para explorar fatos históricos. Diferente da
primeira categoria analisada, o livro trata este trabalho com certa autonomia, não estando
presente apenas como ilustração direta.
83
UTUARI FERRARI et. al. (2015d, p. 15), ou convocando os estudantes para o diálogo,
propondo questões que emanem o debate dentro da turma, como é o caso da seguinte
provocação: “Objetos de consumo ficam obsoletos. A arte, não. Você concorda com essa
afirmação?” Ibidem (2015d, p. 16).
O fragmento do texto apresentado reflete o nível de discussão que os autores
pretendem propor para o último ano do Ensino Fundamental, pressupondo um
amadurecimento em torno de problemáticas que envolvem o campo da arte. Desta forma, o
texto utiliza-se de imagens da instalação Lápides (2012), novamente de Alex Flemming, sem
precisamente discutir sobre o trabalho do artista. Na presente seção, a obra configura-se como
uma ilustração, porém diferente da situação observada na primeira categoria de análise
estabelecida, visto que neste caso o texto e a discussão versam a respeito da área das artes
visuais. O texto “Qual é a época da criação?” trata de tópicos pertinentes à arte
contemporânea, tais como os sistemas de consumo, a apropriação de objetos e a relação com
as tecnologias, todavia, o foco central do texto é de esmiuçar questões do campo da arte como
um todo, discorrendo sobre o potencial comunicativo da produção artística.
Outras categorias de análise poderiam ser elencadas a partir da leitura dos quatro
volumes analisados na pesquisa de iniciação científica, bem como outros exemplos e
fragmentos poderiam ser utilizados para discorrer sobre cada uma delas. O que se inscreve
neste texto é uma revisão preliminar de dados que ainda serão aprofundados em outras
84
publicações. A demarcação da existência de conteúdos de arte contemporânea nos livros
pesquisados vai de encontro com o problema de partida desta investigação: existe espaço para
este conteúdo nas escolas? Esta primeira averiguação comprova a existência de material para
que arte/educadores contemplem este período da história da arte em suas aulas, resta
questionar agora: por que a arte contemporânea continua não entrando nas escolas?
CONSIDERAÇÕES PARCIAIS
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICOS
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2001.
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Pesquisadores em Artes Plásticas: Práticas e contratações; 24 a 28 de setembro de 2018; São
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UTUARI FERRARI, Solange dos Santos; DIMARCH, Bruno Fischer; KATER, Carlos Elias;
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____________. Por toda parte 7º ano. São Paulo: FTD, 2015b.
____________. Por toda parte 8º ano. São Paulo: FTD, 2015c.
____________. Por toda parte 9º ano. São Paulo: FTD, 2015d.
86
A ARTE E A INTEGRAÇÃO CURRICULAR NA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL DE
NÍVEL MÉDIO
RESUMO
Neste artigo, apresentamos a pesquisa em andamento que vem sendo realizada no Programa
de Pós-Graduação em Educação Profissional e Tecnológica (ProfEPT). O estudo inicia-se a
partir da inquietação acerca da fragmentação curricular de conteúdos e disciplinas ainda
presente em muitas escolas, colocando o ensino da Arte como uma possível abordagem de
diálogo entre disciplinas do Curso Técnico em Administração Integrado ao Ensino Médio do
Ifes – Campus Venda Nova do Imigrante, buscando a efetivação da educação integrada.
Abordamos, suscintamente, conceitos fundamentais que subsidiarão esta aproximação, como
integração curricular, educação integrada, omnilateralidade, trabalho como princípio
educativo, politecnia e ensino da Arte. A proposta de pesquisa compreende a integração
curricular como importante ferramenta para a aprendizagem, contribuindo para experiências
educativas que poderão tornar as aulas mais significativas e de acordo com as propostas do
Ensino Médio Integrado – EMI. A metodologia de pesquisa se configura numa abordagem
qualitativa, utilizando instrumentos como análise de documentos, entrevista semiestruturada e
grupos de estudo, perpassados pelos pressupostos da pesquisa com os cotidianos por entender
que as relações acontecem em meio ao que está sendo feito. Desta forma, a pesquisa objetiva,
por meio da construção de um produto educacional, elaborar/propor atividades integradoras
entre a disciplina de Arte e as demais disciplinas que compõem a matriz curricular do EMI.
ABSTRACT
In this article, we present the ongoing research that has been carried out in the Post-
Graduation Program in Professional and Technological Education (ProfEPT). The study starts
from the restlessness about the curricular fragmentation of contents and disciplines still
present in many schools, putting the teaching of the Art as a possible approach of dialogue
between disciplines of the Technical Course in Integrated Administration to High School of
Ifes - Campus Venda Nova do Imigrante, seeking the implementation of integrated education.
We approach, fundamentally, fundamental concepts that will support this approach, such as
curricular integration, integrated education, omnilaterality, work as an educational principle,
polytechnics and Art teaching. The research proposal comprises curricular integration as an
important tool for learning, contributing to educational experiences that may make classes
more meaningful and in accordance with the proposals of the Integrated High School - EMI.
The research methodology is configured in a qualitative approach, using instruments such as
document analysis, semi-structured interview and study groups, perpassed by the
87
presuppositions of the research with the daily ones to understand that the relations happen
amid what is being done. In this way, the objective research, through the construction of an
educational product, develop / propose integrative activities between the discipline of Art and
the other disciplines that make up the curricular matrix of the EMI.
1 INTRODUÇÃO
Muitas experiências vivenciadas nas escolas, nos tempos atuais, ainda priorizam um
conhecimento fragmentado, dividido em disciplinas e/ou componentes curriculares, onde
alunos e professores, muitas vezes, não conseguem enxergar a integração, fruto do
positivismo, da ciência moderna e do sistema capitalista que priorizaram a análise das partes
e, por consequência, ramificam cada vez mais o currículo escolar, perdendo a dimensão da
unidade. Ainda devido à burocratização do sistema de ensino, toda esta compartimentalização
é reafirmada como alternativa de trabalho, nos fazendo esquecer que essas especificidades são
parte de um todo coeso e que, inclusive, as disciplinas possuem diversos saberes que se inter-
89
relacionam, podendo ser abordados em sala de aula a partir destas conexões. Este fato
também pode ser acentuado pela negligência de políticas públicas educacionais com relação à
formação docente para os cursos de ensino profissionalizante que, historicamente, conduziu o
ensino técnico a uma posição inferior no sistema educacional e que até hoje sofre com a falta
de investimentos nesta modalidade, além de cortes no orçamento já tão precarizado.
Tendo como foco esta conexão, falar de integração curricular é fundamental, pois diz
respeito não somente a articulação entre a formação geral e profissional, mas numa práxis
sustentada no desenvolvimento do pensamento complexo, na experimentação e no trabalho
como prática educativa, visando a interação entre diversas áreas do conhecimento, sem anular
as especificidades de cada disciplina.
Ao se tratar da educação profissional de nível médio, objetiva-se a formação integral
dos sujeitos, aquela de caráter omnilateral, baseando-se em teorias oriundas do materialismo
histórico-dialético. Ancorado no conceito marxiano de omnilateralidade, Manacorda define
como “desenvolvimento total, completo, multilateral, em todos os sentidos, das faculdades e
das forças produtivas, das necessidades e da capacidade da sua satisfação” (MANACORDA,
2010, p. 94). Nesse processo de formação integral é que o homem se percebe como parte de
um todo, o qual, através do seu trabalho transforma a natureza e se transforma, podendo nas
relações sociais, ser sujeito da história, modificando-a, mas ao mesmo tempo cuidando da
preservação deste local em face às necessidades das gerações futuras. Segundo Duarte (2016),
através dos estudos da estética lukacsiana, a obra de arte segue esta mesma função:
A obra de arte é produto humano e nela está concretizada a característica essencial
do ser humano, qual seja: a capacidade de transformar intencionalmente a natureza e
a si mesmo, de produzir ao longo do processo histórico um mundo social. A arte é,
pois, uma forma da humanidade se colocar diante de si própria como um objeto
externo, é uma possibilidade de vivenciar, de forma condensada e intensificada, os
grandes dramas da história (DUARTE, 2016, p. 211).
90
profissional a mera preparação para o mercado de trabalho, opõe-se ao objetivo principal de
formação humana integral, de proporcionar aos educandos a compreensão das dinâmicas que
envolvem o processo sócio produtivo como também habilitá-lo para o exercício autônomo e
crítico das profissões.
Para Ciavatta (2012), o exercício da integração supõe ações coletivas de professores
dispostos a buscar a inovação, ministrando disciplinas de forma mais adequada a esta
integração e considerando a articulação entre arte e ciência como deflagradora de processos
criativos. Nenhuma lei garantirá o exercício da integração se os professores não se
predispuserem a torná-la efetiva. Há que se conscientizar primeiro da obrigatoriedade legal,
depois do entendimento filosófico desta proposta de ensino médio integrado. Esse
entendimento permitirá ver além dos espaços escolares, ao romper com a fragmentação entre
teoria e prática, e compreender o trabalho enquanto processo fundamental ao ser humano.
Defendemos, portanto, a criação de processos que deem maior abertura à integração com
práticas artísticas, estabelecendo um elo mais significativo entre a disciplina em questão com
as demais disciplinas do currículo, objetivando valorizar a Arte como disciplina que também
contribui para a formação humana num patamar de igualdade com as outras áreas de
conhecimento, onde não haja julgamentos de valor. Para Duarte (2008),
Existem aspectos nos quais a vivência estética se assemelha à atividade educativa
como, por exemplo, o fato de que nenhuma delas transforma diretamente a
sociedade, nem mesmo transforma diretamente a vida do indivíduo. Ambas, porém,
podem exercer uma influência decisiva seja na transformação da sociedade seja na
da vida do indivíduo (DUARTE, 2008, p.7).
Saviani (2003) ressalta sobre a importância que a educação pela Arte pode ter na
educação integral, fazendo relações com outras disciplinas do currículo, pois
[...] É uma educação de caráter desinteressado que, além do conhecimento da
natureza e da cultura envolve as formas estéticas, a apreciação das coisas e das
pessoas pelo que elas são em si mesmas, sem outro objetivo senão o de relacionar-se
com elas. Abre-se aqui todo um campo para a educação artística que, portanto, deve
integrar o currículo das escolas. E, nesse âmbito, sobreleva, em meu entender, a
educação musical. Com efeito, a música é um tipo de arte com imenso potencial
educativo já que, a par de manifestação estética por excelência, explicitamente ela se
vincula a conhecimentos científicos ligados à física e à matemática além de exigir
habilidade motora e destreza manual que a colocam, sem dúvida, como um dos
recursos mais eficazes na direção de uma educação voltada para o objetivo de se
atingir o desenvolvimento integral do ser humano (SAVIANI, 2003, p. 328).
91
profissional e geral, do domínio dos fundamentos científicos de diferentes técnicas,
permitindo compreender o seu funcionamento para além da concepção burguesa de educação,
aquela fragmentada, já citada anteriormente.
Politecnia significa, aqui, especialização como domínio dos fundamentos científicos
das diferentes técnicas utilizadas na produção moderna. Nessa perspectiva, a
educação de nível médio tratará de concentrar-se nas modalidades fundamentais que
dão base à multiplicidade de processos e técnicas de produção existentes (SAVIANI,
2007, p. 161).
Assim, com a realização dessa pesquisa, buscamos enfatizar que não é possível
conceber a ciência sem criação, sem arte, sem conhecimentos. Para Duarte (2016), não se
trata de contrapor ciência e arte a partir de concepções dicotômicas que separam razão e
emoção, reduzindo a ciência a uma visão reducionista da razão e a arte a uma visão
igualmente reducionista da sensibilidade afetiva. Afirmar que a ciência lida apenas com a
racionalidade é negar e unilateralizar a relação sujeito e objeto. Tanto a ciência quanto a arte
conclamam os aspectos afetivos e cognitivos dos indivíduos. Todos esses aspectos fazem
parte da construção humana e, nesse contexto, o ensino da Arte envolve um conjunto de
inúmeros conhecimentos que possibilitam esta integração, estabelecendo relação com
diversos conteúdos de outras áreas, cada qual com seus saberes, mas objetivando a unidade,
rompendo com a fragmentação das práticas em prol da formação integrada do sujeito
omnilateral.
2 APROXIMAÇÕES TEÓRICAS
92
Nesse contexto, e no caso específico dessa pesquisa junto ao Curso Técnico em
Administração Integrado ao Ensino Médio do Ifes – Campus Venda Nova do Imigrante,
percebemos a oferta das disciplinas de forma fragmentada, onde o caráter academicista ainda
se sobrepõe. Para Ciavatta (2012), no caso da formação integrada ou do ensino médio
integrado ao ensino técnico, é necessário que:
“[...] a educação geral se torne parte inseparável da educação profissional em todos
os campos onde se dá a preparação para o trabalho: seja nos processos produtivos,
seja nos processos educativos, como a formação inicial, como o ensino técnico,
tecnológico ou superior”. (CIAVATTA, 2012, p. 84).
A Lei nº 9.394/96 traz em seu Artigo 35, entre as finalidades do Ensino Médio, a
preparação básica para o trabalho e a cidadania do educando, a compreensão dos fundamentos
científico-tecnológicos, além da relação entre teoria e prática em cada disciplina.
Complementando, temos as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio e as
Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Profissional Técnica de Nível Médio que
são norteadas pela dimensão ontológica do conceito de trabalho, em que trabalho, ciência,
tecnologia e cultura são entendidos como dimensões indissociáveis da formação humana.
A partir dessas primeiras considerações, formação teórica e prática não podem ser
vistas como blocos distintos, o que se aplica concomitantemente à Base Nacional Comum e à
Parte Diversificada dos cursos técnicos integrados, pois segundo o Parecer do CNE/CEB nº
5/2011, que trata das Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio, é a articulação
de ambas no currículo que prezam pela formação integral do cidadão, perpassando os
interesses mais amplos. A integração curricular objetiva, no processo ensino-aprendizagem,
que os conceitos sejam apreendidos como um sistema de relações de uma totalidade concreta,
cada qual de seu lugar, mas construindo permanentemente relações um com o outro. Os
professores que compõem o núcleo básico não somente como professores da formação geral,
mas também da formação profissional, na medida em que concebam o processo de produção
das respectivas áreas profissionais na perspectiva da totalidade e na sua historicidade
(RAMOS, 2014). É pertinente ressaltarmos que para a efetivação da integração curricular não
há “receita pronta”, mas uma construção dialética, partindo do pressuposto que “não há
conhecimento desintegrado, mas formas e metodologias de ensino desintegradas que
dificultam a integração” (SOBRINHO, 2017, p. 123). É a partir da integração curricular que
se pode garantir concretamente a metodologia responsável por promover a politecnia, a
formação integral e a omnilateralidade.
93
Assim, a disciplina de Arte é proposta nesse trabalho como integradora, buscando
romper com a fragmentação e defendendo a possibilidade de integração curricular. Barbosa
(2009), nessa perspectiva, considera a Arte uma disciplina aguçadora dos sentidos com
saberes específicos, do comportamento exploratório que não ensinados por nenhuma outra
disciplina, que instiga o desejo pela aprendizagem, desenvolve a criticidade, objetivando
analisar a realidade ao entorno e uma possível mudança criativa desse local.
A arte, assim como todas as formas de atividade humana nas sociedades marcadas
pela luta de classes, está subordinada aos processos alienantes, contudo ela pode
incidir indiretamente sobre a base das relações sociais de produção, na medida em
que se volta a desfetichização da realidade humana refletida na consciência dos
indivíduos que atuam na prática social (DUARTE, 2016, p. 215).
Melo e Silva (2017) também nos auxiliam na defesa da integração quando afirmam
que trabalhar a integralidade no currículo não se limita apenas à junção de duas ou mais
disciplinas, sendo importante uma tentativa constante de interação entre as áreas de
conhecimento, como nesse trabalho especificamente.
Sobre a superação desta dualidade estrutural, Frigotto, Ciavatta e Ramos (2012)
também apontam a educação integral como necessidade social e histórica e como uma
possibilidade singular do filho da classe trabalhadora ter acesso à formação integral. Ramos
(2014) complementa que a premissa que orienta o projeto de educação integrada é a de
centralizar e aprofundar o caráter humanista do ato de educar, desconstruindo o parâmetro
colonialista e dual que caracteriza a relação entre educação básica e profissional.
3 PRESSUPOSTOS METODOLÓGICOS
95
A metodologia utilizada nesse trabalho apresenta uma abordagem qualitativa por se
tratar de uma pesquisa que pressupõe a participação dos sujeitos e o contato direto do
pesquisador com o espaço investigado e com esses sujeitos. Por isso também a utilização dos
pressupostos da pesquisa com os cotidianos, por entender que a pesquisa em educação
acontece no percurso, nas relações entre os sujeitos dos contextos cotidianos, buscando uma
aproximação com os conhecimentos criados nesses contextos. Com isto e para a elaboração
de um produto educacional, serão utilizados como instrumentos de investigação análise de
documentos, entrevista semiestruturada e grupos de trabalho, buscando proporcionar a
interação constante entre o pesquisador e o campo de pesquisa.
A pesquisa será realizada no Ifes – Campus Venda Nova do Imigrante, no Curso
Técnico em Administração Integrado ao Ensino Médio, envolvendo os alunos dos primeiros
anos, como também o professor de Arte e os professores que ministram os demais
componentes curriculares deste mesmo curso. A escolha da turma está relacionada à matriz
curricular adotada neste Campi que contempla a disciplina de Arte nas turmas dos primeiros
anos do Ensino Médio Integrado ao Curso Técnico, propiciando que no início da formação os
alunos vivenciem o diálogo da Arte com outras disciplinas do curso, contribuindo para sua
formação integral, seu processo de humanização. A escolha pelo no Curso Técnico em
Administração Integrado ao Ensino Médio se justifica por ser ofertado na maioria dos Campi
do Ifes, incluindo o Campus de Venda Nova do Imigrante.
O trabalho iniciou-se com uma pesquisa bibliográfica, objetivando ampliar conceitos
de integração curricular, educação integrada, trabalho como princípio educativo,
omnilateralidade, politecnia e ensino da Arte, além de legislações que regulamentam a
educação profissional e média, como a LDB (Lei nº 9.394/96), as Diretrizes Curriculares
Nacionais para o Ensino Médio e as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação
Profissional Técnica de Nível Médio. Concomitantemente, realizamos análises e produção de
dados a partir do Projeto Pedagógico do Curso Técnico em Administração Integrado ao
Ensino Médio, de modo a encontrar possibilidades de integração curricular entre a Arte e os
demais componentes curriculares.
Com os professores, a princípio, faremos uma entrevista semiestruturada para a
sondagem de possibilidades na integração dos conhecimentos e após, grupos de trabalho para
reflexão sobre como as práticas artísticas se inter-relacionam com os conteúdos abordados por
eles, a fim de propor a superação da fragmentação desses conteúdos através de atividades
integradoras, elaborando coletivamente as estratégias acadêmico-científicas de integração.
96
Em seguida à atividade com os grupos de trabalho, pretendemos elaborar um
“caderno de atividades didáticas”, a partir do diálogo estabelecido entre a disciplina de Arte e
as demais disciplinas do Curso Técnico em Administração Integrado ao Ensino Médio. O
material educativo em formato de “cadernos didáticos” e fundamentado pela Proposta
Triangular no ensino da Arte, poderá vir acompanhado de pranchas, cartões com imagens,
CD/DVD, textos e outros materiais que se fizerem necessários no momento da elaboração.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAIS BIBLIOGRÁFICOS
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Educação Nacional. Disponível em:
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99
TEATRO NA ESCOLA: UM EXERCÍCIO DE CRIAÇÃO, SOCIALIZAÇÃO E
DESENVOLVIMENTO HUMANO
RESUMO
Trata este texto de uma pesquisa realizada durante a participação da EMEF Álvaro de Castro
Mattos, da rede municipal de Educação de Vitória - ES, no Programa Municipal de Iniciação
Científica Junior (PIBIC Jr.) do Fundo de Apoio à Ciência e Tecnologia do Município de
Vitória (Facitec), no ano de 2014. Na ocasião, a escola desenvolvia havia quatro anos o
projeto de teatro “ACM em Cena”. Em paralelo, outra EMEF do mesmo município, Adilson
da Silva Castro, desenvolvia um projeto de teatro com o grupo “Reticências”. O objetivo do
estudo foi acompanhar e comparar, em um estudo de caso, os grupos de alunos atuais e ex-
alunos participantes de projetos de teatro, com os grupos de controle, a fim de analisar a arte
teatral como elemento formador das relações socioculturais, contribuindo para o processo de
criação como um sistema vivo de autoprodução para o desenvolvimento humano. O estudo
teve abordagem qualitativa e exploratória, adotando a modalidade Estudo de Caso. Os jovens
pesquisadores vivenciaram experiências de pesquisa ao ter contato com toda a comunidade
escolar de ambas as escolas, aplicando questionários e realizando entrevistas. A pesquisa
reforça a valorização das artes e sua contribuição na formação de um ser humano crítico e
criativo, capaz de participar ativamente da sociedade.
ABSTRACT
This text describe a research carried out during the participation of the Municipal School of
Basic Education (EMEF) Álvaro de Castro Mattos, from Municipal Education Nework of
Vitória – ES, in the Júnior Municipal Program of Scientific Initiation (PIBIC Jr.) of the
Support Fund for Science and Technology of the Vitoria city (Facitec), in the year 2014.
Over the past four years the schcool was developing a theater Project named “ACM em
cena”. At the same time, another Municipal School in the same city, was developing a theater
Project with the “Reticencias” group. The purpose of the study was to follow up and compare,
from a case study, the current students and x-students who have participated of theater project
with the control group, aimed to analize the theatrical art as an element of development of the
socio-cultural relations, contributing to the creation process as a living system of self-
production for human development. The study had qualitative and exploratory approach,
adopting the case study as modality. The young researchers experienced the research by
contacting with entire school community of both schools, applying questionnaires and
conducting interviews. The research reinforces the valorization of the arts and their
contribution in the formation of a critical and creative people, capable of actively participate
of the society.
100
Keyword: Theater-education. Art. Creative process. Culture.
1 INTRODUÇÃO
Não se sabe ao certo como ou quando surgiu o teatro, no entanto essa linguagem faz parte da
vida do homem há muito tempo, quando este já sentia a necessidade do jogo e, no espírito
lúdico, aparecia a incontida ânsia de “ser o outro”. O jogo teatral e a ação de representação
nascem essencialmente vinculados ao ritual mágico e religioso primitivo. Assim, o teatro
surgiu a partir do desenvolvimento do próprio homem que, a partir de suas necessidades,
expressava seus sentimentos por meio dessa linguagem, contando histórias e louvando seus
deuses.
Tendo em vista a importância que o teatro exerce no desenvolvimento humano desde tempos
mais remotos, é importante compreendermos a sua relevância no processo educacional, uma
vez que essa arte proporciona uma experiência que emerge “energia do coletivo quase
esquecida, pouco utilizada e compreendida, muitas vezes depreciada” (SPOLIN, 2008, p. 21).
Nesse sentido, a experiência com o teatro na escola, tema desta pesquisa, amplia a capacidade
de dialogar, de negociar, de tolerar e de conviver com a ambiguidade. No processo de
construção dessa linguagem, a criança e o jovem adolescente estabelecem com seus pares
uma relação de trabalho combinado à sua imaginação criadora com a prática e a consciência
na observação de regras através dos jogos teatrais, nos quais o aluno deve tocar a realidade e
contá-la segundo sua experiência e história pessoal vivida. Esse movimento de jogar é
exercido livremente e com naturalidade, pois o que impera no jogo é a improvisação e a
espontaneidade.
Este estudo leva em consideração todos esses elementos e dialoga com estudiosos como
Spolin (2008) e Reverbel (1989, 2009), que discutem a importância do jogo teatral; Ostrower
(1987), que explana sobre o processo criativo; Kastrup (1999), que contribui com pesquisas
sobre cognição e subjetividade. Esses diálogos, entrelaçados aos relatos e à produção de dados
por parte dos alunos e dos pesquisadores, possibilitam discutir sobre a pergunta cerne deste
estudo: Qual a contribuição da linguagem cênica na construção de conhecimentos e no
desenvolvimento humano de alunos participantes em projetos de teatro na escola?
101
Para isso, este estudo analisa a relevância do desenvolvimento de projetos de teatros em
escolas do Ensino Fundamental, partindo de dois exemplos de projetos desenvolvidos nas
EMEFs da Prefeitura Municipal de Vitória, Álvaro de Castro Mattos, com o “Grupo Teatral
“ACM em Cena”, e Adilson da Silva Castro, com o grupo “Reticências...”.
Diante da pertinência deste tema, compreende-se que, mesmo se tratando de uma experiência
vivenciada há cinco anos, é relevante de ser compartilhada no XIII Seminário Capixaba sobre
o Ensino da Arte, uma vez que fomenta uma discussão ainda atual sobre a importância da
linguagem cênica no processo de ensino, aprendizagem e desenvolvimento humano, que
instiga a trilhar cada vez mais caminhos contemporâneos para educação em Arte.
102
Desse grupo, foram analisados na pesquisa os relatos de 6 alunos do Grupo Teatral
“ACM em Cena”, uma vez que os outros dez eram bolsistas do PIBIC Jr., e esses participaram
como pesquisadores; e 17 do grupo de teatro “Reticências...", totalizando 23 alunos, além da
participação de 23 ex-integrantes dos dois grupos de teatro.
Convém esclarecer que o grupo Reticências pertence a um projeto de teatro iniciado
desde 2009, na EMEF Adilson de Castro Matos, idealizado e coordenado por um professor de
Arte do turno vespertino. O intercâmbio com o grupo ACM em Cena visou propiciar aos
alunos uma vivência prazerosa e significativa com a linguagem cênica, a fim de contribuir
com a expansão do universo cultural dos educandos, enriquecendo a forma como viam e
interpretavam o mundo, bem como a maneira como se relacionavam consigo mesmos e com
os outros.
O grupo controle foi composto por duas equipes de 23 alunos (um grupo que estudava
na escola e outro de ex-alunos). Em ambos, havia alunos, em igual proporção, que passaram
pelo projeto de teatro e outros que não vivenciaram essa experiência. O objetivo foi realizar
uma análise comparativa entre esses dois casos.
Foram analisados quatro grupos: 1) alunos que tiveram experiência com o projeto de
teatro; 2) alunos que não vivenciaram o projeto de teatro; 3) ex-alunos que tiveram
experiência com o projeto de teatro; 4) ex-alunos que não vivenciaram o projeto de teatro. Os
alunos bolsistas, em pesquisa de campo nas EMEFs “ACM” e “ASC”, aplicaram
questionários elaborados no grupo de estudo, além de entrevistarem a comunidade escolar.
Esse contato em campo possibilitou acessar informações referentes ao desempenho desses
alunos da escola participante do projeto de teatro e do grupo controle; também possibilitou
observar o comportamento e o processo de aprendizagem dos alunos nas aulas (disciplinas do
núcleo comum).
Os questionários e as entrevistas abordaram questões sobre comportamento,
dificuldade de relacionamento, comunicação, aprendizagem, a fim de compreender a relação
humana desenvolvida por esses estudantes na escola e no ambiente sociocultural. Esse
103
levantamento possibilitou a elaboração de relatórios sobre os dois grupos de 23 alunos do
projeto de teatro. A aplicação desses questionários e entrevistas aconteceu no início e no final
da pesquisa, possibilitando uma análise comparativa sobre a influência do ensino de teatro na
formação dos alunos participantes e dos que atuaram no projeto anteriormente.
Assim, a coleta de dados reuniu a documentação desses materiais em uma
apresentação comparativa entre os grupos e seus grupos de controle.
Com relação aos 23 ex-alunos, a análise do questionário e das entrevistas considerou a
repercussão que os conhecimentos e a experiência com o teatro teve na sua vida durante e
após a saída do grupo, por estarem terminando o Ensino Fundamental e ingressando no
Ensino Médio. A tabulação dos dados culminou numa análise qualitativa sobre a importância
do contato com o teatro na vida desses jovens que desenvolveram os trabalhos no Grupo
Teatral ACM em Cena e no “Grupo Reticências...”.
Os alunos bolsistas da EMEF ACM fizeram um intercâmbio no grupo Reticências para
desempenhar seus estudos em campo e interagir com a comunidade escolar, que incluiu
alunos, diretor, coordenador, pedagogo e professores. Isso possibilitou a troca de experiências
e o enriquecimento em relação à linguagem cênica, que foram explanados posteriormente em
forma de relatos de experiência.
104
apenas de uma breve pesquisa de alguns meses; muitos dos resultados mais significativos se
apresentam em longo prazo.
No entender de Costa (2007), os achados e resultados de pesquisa são parciais e
provisórios, não temos que ter a pretensão de contar a verdade total e definitiva. Segundo a
autora, em Uma Agenda para Jovens Pesquisadores, a cartografia total de uma ideia ou
problema vem se mostrando impossível, pois parece não ser possível mapear todas as
alternativas de configuração de um campo. Nesse contexto, não houve a intenção de
desenvolver uma pesquisa quantitativa a partir de um rigor científico objetivo, mas utilizar
dados estatísticos para fundamentar uma análise qualitativa dos fatos de forma subjetiva.
SPINK (2000, p. 63), sobre as abordagens qualitativa e quantitativa, analisa “[...] os
argumentos utilizados pelos pesquisadores que advogam o uso do método qualitativo, sem,
contudo, refutar a utilidade do quantitativo”, apontando a pesquisa como “uma prática social
que assume papel de destaque” (p. 63), reconhecendo que esse tipo de postura pode fazer com
que o pesquisador tenha responsabilidade durante todo o processo da pesquisa e não somente
na apresentação de um produto.
“[...] pesquisas qualitativas passam a buscar sua identidade no confronto entre
métodos, no conjunto sempre crescente de opções metodológicas e no debate
metodológico mais amplo sobre a objetividade. A busca de elementos comuns põe
em evidência o caráter processual da pesquisa – numa aceitação plena do
dinamismo, historicidade e contextualidade implícita do nosso conhecimento sobre o
mundo” (SPINK, 2000, p. 63).
105
teatro naquele dia, levando em consideração vários aspectos como o comportamento, o
desenvolvimento nas atividades, a capacidade de arguição, a desenvoltura, a técnica, dentre
outros aspectos.
A mesma forma de observação era feita também nas oficinas do Grupo Teatral
“Reticências”, levando em consideração que, nesse caso, os alunos pesquisadores podiam
entender suas investigações até a apresentação das peças, então podiam fazer um comparativo
em relação à aplicação do que fora realizado a partir dos ensaios.
Os objetivos da pesquisa foram atingidos a partir do momento em que os dados
quantitativos foram comparados, o que fomentou a análise qualitativa através dos relatórios
produzidos das observações em campo.
107
Spolin e Amos (1979), com relação à experiência criativa, possibilitam uma
interlocução com o que já foi esplanado em relação à integração do congnitivo e o
conhecimento expressivo; eles reconhecem que “experenciar é penetrar no ambiente, é
envolver-se total e organicamente com ele. Isso significa envolvimento em todos os níveis:
intelectual, físico e intuitivo” (p. 3).
Contudo, cumpre frisar que as atividades de arte na escola não visam formar artistas,
mas desenvolver seres espontâneos capazes de se expressar de forma critiva, tornando-se
seres sociais sensíveis e imaginativos, “aptos a construir gradualmente sua própria escala de
valores e desenvolver seu senso estético” (REVERBEL, 1989, p. 36).
Reverbel (2009), ao apresentar as atividades globais de expressão nos jogos teatrais,
destaca a importância que o relacionamento, a espontaneidade, a imaginação, a observação e
a percepção exercem no desenvolvimento expressivo humano de forma integrada. Essas
atividades de expressão se correlacionam com os resultados desta pesquisa quanto ao
exercício de criação, socialização e desenvolvimento humano através da experiência dos
projetos de teatro realizados nas EMEFs Álvaro de Castro Mattos com e Adilson da Silva
Castro. Por isso, será abordado de forma sintetizada cada conjunto de expressão explandado
por Reverbel (2009).
O relacionamento é apontado pela autora como um dos conjuntos que deve ser
considerado prioritário, pois a partir deste os demais se correlacionarão; uma uma vez que há
uma relação social construída, segundo Reverbel (2009), “[...] os alunos se tornam mais
espontâneos e juntos podem imaginar situações com novas linguagens; nesta etapa passam
a observar o mundo e os outros, e procuram perceber tudo em seu menores detalhes” (p. 23).
Anteriormente, foi explanado como uma ideologia de fragmentação instituída em
nossa sociedade moderna pode refletir nas relações sociais humanas. Não cabe neste texto
abordar negativamente o uso da tecnologia moderna, o que seria arbitrário, uma vez que esta
gerou importantes avanços para a ciência, principalmente no campo da medicina. Porém, é
importante ressaltar que a experiência formativa vem sendo comprometida, uma vez que
causa um empobrecimento das relações humanas, que estão mais frias e distantes,
principalmente em tempos em que as redes sociais gradativamente substituem o encontro
presencial por relações vituais cada vez mais efêmeras e sem substâncias.
O ensino do teatro, nesse contexto, se torna de extrema importância enquanto
ferramenta pedagógica que, na contramão desse pensamento moderno, contribui com um
processo de aproximação humana. Ao contrário de uma experiência somente virtual,
108
proporciona uma experiência espontânea, natural e intuitiva. Para Spolin e Amos (1979), a
intuição é vital para a aprendizagem, mesmo sendo negligenciada por ser considerada
equivocadamente como mera dotação. Esta gera dádivas quanto à espontaneidade, que para
os autores é o momento de descoberta, de experiência e expressão criativa. “A
espontaneidade é um momento de liberdade pessoal quando estamos frente a frente com a
realidade e a vemos, exploramos e agimos em conformidade com ela. Nessa realidade, as
nossas mínimas partes funcionam como um todo orgânico” (SPOLIN; AMOS, 1979, p. 4).
Novamente, vale ressaltar a relevância do teatro enquanto linguagem artística que
promove o funcionamento do todo orgânico. Spolin (2008) afirma, sobre o intuitivo, que este
“só pode ser sentido no momento da espontaneidade, (...) somos libertos para nos
relacionarmos e argirmos, envolvendo-nos com o mundo em constante movimento e
transformação à nossa volta” (p. 31).
A imaginação, assim como a criação já mencionada, de acordo com Reverbel (2009),
está relacionada à observação, à percepção e à memória. Para Ostrower (1987), as
associações que provindas de áreas inconscientes do nosso ser, ou talvez pré-conscientes,
compõem a essência do nosso mundo imaginativo.
As associações nos levam para o mundo da fantasia (não necessariamente a ser
identificado com devaneios ou com o fantástico). Geram nosso mundo de imaginação. Geram
um mundo experimental, de um pensar e agir em hipóteses – do que seria possível, se nem
sempre provável. O que dá amplitude à imaginação é essa nossa capacidade de perfazer uma
série de atuações, associar objetos e eventos, poder manipulá-los, tudo mentalmente, sem
precisar de sua presença física (OSTROWER, 1987, p. 20).
Sobre o ser consciente-sensível-cultural, Ostrower (1987) ressalta que, na integração
do consciente, do sensível e do cultural se baseiam os comportamentos criativos do homem.
Somente ante o ato intencional, isto é, ante a ação de ser consciente, faz sentido falar de
criação.
Sobre a imaginação dramática, Koudela (2009), reconhece sua importância como
“parte fundamental no processo de desenvolvimento da ineligência” (p. 28). A autora destaca
que ela deve ser cultivada por todos procedimentos modernos de educação.
Os resultados da pesquisa evidenciam o quanto se faz necessário um projeto de teatro
como os que aconteceram nas EMEF’s. Pode-se conferir relatos que demonstram a
importância que o projeto de teatro representou para os alunos e familiares, comprovando
109
relevância do teatro como atividade que contribuiu para o desenvolvimento de seus
participantes:
Para quem gosta de falar muito rápido e contar até nos mínimos detalhes, o teatro, a
princípio, veio como uma válvula de escape para minha filha Beatriz, pois nas aulas ela pode
expressar toda essa vontade de comunicar. Ao passar do tempo, percebi que com as aulas, ela
melhorou bastante em relacionamento com as pessoas, passou a ter mais concentração nas
suas obrigações escolares, e também muita responsabilidade com o texto (Sheila, 2014 – mãe
de Beatriz, integrante do Grupo Teatral ACM em Cena).
É evidente o quanto o contato com o teatro influenciou a vida dos alunos participantes
do projeto: “Pra mim o teatro foi tudo na minha vida. Quando comecei a fazer teatro, eu
comecei a perder minha timidez, porque eu era uma menina muito quieta e tímida, tinha muita
vergonha de apresentar trabalhos ao público, até para meus amigos de sala” (Larissa – fala de
integrante do Grupo Teatral ACM em cena).
Assim, a pesquisa, além de ser uma via para a construção de conhecimento e
informações, é base para o progresso humano no mundo científico, tecnológico e cultural.
Cabe, neste estudo, ressaltar a importância que esses jovens pesquisadores do
Programa Municipal de Iniciação Científica Junior da Facitec exerceram na pesquisa e a
experiência adquirida ao longo de todo o processo, pois puderam vivenciar experiências
diversas de pesquisa ao ter contato com toda a comunidade escolar de ambas as escolas. Isso
gerou uma riqueza de dados que fomentou as análises e os resultados, além de possibilitar o
acesso dos jovens pesquisadores a lugares que eles desconheciam.
O ato de improvisar, proposto nos jogos teatrais observados nas oficinas,
possibilitaram a invenção de problemas permanentes: bifurcação, perturbação (breakedown),
desestabilização e criação de caminhos divergentes sem previsibilidade no processo de
criação.
A partir do estudo das teorias de Kastrup (1999), foi possível compreender que
acompanhar a vivência dos alunos no momento de criação e construção de problemáticas, por
meio de observação, é uma experiência enriquecedora e ao mesmo tempo essencial para a
pesquisa, além de oportunizar conhecer o ambiente onde se está inserido e familiarizar-se com
seus conflitos.
Assim, fazer pesquisa implica defender uma ideia, fundamentando-a com bibliografias
e dados do mundo real e ou das páginas que são espelhos de mundo. É fazer consultas a
questionários, entrevistas realizadas e relatórios; é também buscar novas informações e se
110
reinventar no percurso com ousadia de um pesquisador que também é capaz de criar e não
meramente constatar os dados. Como afirma Costa (2007, p. 149), “[...] É olhar para o objeto
e possibilitar as interrogações sobre ele”. É ver o mundo todo cheio de possibilidades e
descobertas. “O mundo continua mudando. Não cristalize seu pensamento. Ponha suas ideias
em discussão, dialogue, critique, exponha-se. [...]. Há muitas e várias formas de compreender,
explicar e conceber as coisas do mundo e da vida” (p. 149).
À vista disso, é basilar reconhecer a importância da pesquisa como um instrumento
realizado pelo aluno na construção do conhecimento e o despertar para sua formação como
leitor e pesquisador. Por isso, é necessário um professor, sempre que possível, para ser
mediador e incentivador da construção da aprendizagem e da autonomia do estudante.
Segundo Demo (2007), pesquisar implica tanto cultivar a consciência crítica, quanto
saber intervir na realidade; trata-se de ler a realidade de modo questionador e construí-la
como sujeito competente. Para o autor, o aluno não é objeto de ensino, é sujeito do processo,
parceiro de trabalho. Nesse sentido, ele acredita que a característica emancipatória da
educação exige a pesquisa como método formativo. Não se faz antes pesquisa, depois
educação, ou vice-versa, mas no mesmo processo, educação por intermédio da pesquisa.
Sendo a pesquisa uma produção de conhecimento, não implica copiar ou reproduzir,
mas produzir. E ter a oportunidade de vivenciar essa experiência ainda no ensino fundamental
é algo muito gratificante não só para os alunos participantes, mas para o professor orientador,
mediador e principalmente incentivador, por acreditar no poder do pesquisar, que educa e
forma. Por conseguinte, os alunos críticos e questionadores se tornam mais capazes de refletir
e entender sobre principalmente questões das relações humanas.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
111
O teatro desperta o interesse das pessoas porque apresenta elementos que abrem
possibilidades de visualizar universos diferentes, vivenciar outras realidades e, de forma
sensível, tocar essa realidade, (re) significando através do ato de criar e representar. Na
escola, o teatro exerce função importantíssima, pois as atividades do jogo teatral possibilitam
autoconhecimento e conhecimento do outro.
Como processos intuitivos, os processos de criação se interligam intimamente com o
nosso ser sensível. Mesmo no âmbito conceitual ou intelectual, a criação se articula
principalmente por meio da sensibilidade.
Portanto, a iniciativa de fazer uma pesquisa com estudo em uma linguagem tão
importante como o teatro representa um avanço na concepção e valorização das artes e sua
contribuição na formação de um ser humano crítico e criativo, capaz de participar ativamente
da sociedade.
É fato que um único projeto de teatro na escola não pode ser visto como uma tábua de
salvação, mas como um colaborador no desenvolvimento da aprendizagem. Não existe na
educação projeto educativo que ofereça uma receita milagrosa para resolver os problemas
existentes na escola, como defasagem, reprovação ou indisciplina, principalmente em um
espaço de tempo tão curto, pelo contrário. Muitos dos resultados positivos são obtidos em
longo prazo, com a maturidade muitas vezes formada em meio a projetos educativos dos quais
os jovens participem ao longo da vida escolar. Nos resultados obtidos neste estudo sobre os
projetos de teatros, foi observado o quanto os alunos participantes se desenvolveram e se
tornaram capazes de refletir e atuar criticamente enquanto indivíduos socioculturais.
Os dados por meio do questionário apontam uma mudança significativa com relação
ao desenvolvimento dos alunos nos projetos de teatro: 62% dos entrevistados reconheceram
que desempenharam uma boa participação nas aulas regulares, resultado diferente da pesquisa
inicial, que teve 47,3% nas respostas, então em uma média de dois meses houve uma
evolução de 14,7% no resultado anterior. Com unanimidade, 100% dos alunos reconheceram
que todos os seus objetivos foram atingidos em relação à participação no projeto de teatro da
escola.
Cinco anos se passaram com relação ao desenvolvimento desta pesquisa. O grupo
“Reticências...” continua com suas atividades coordenadas pelo mesmo professor idealizador
do projeto. No entanto, o Grupo Teatral “ACM em Cena” foi desativado devido ao
afastamento da professora de Arte, coordenadora e idealizadora do projeto, por motivo de
estudos. Atualmente, essa mesma professora continua suas atividades com outro projeto de
112
teatro, nesse caso com participação em atendimento Educacional Especializado (AEE)/Altas
Habilidades e Superdotação em sua escola, EMEF Álvaro de Castro Mattos.
Os anos se passaram, todavia a relevância deste estudo o torna ainda aplicável a
situações atuais, motivo pelo qual esta discussão é resgatada no XIII Seminário Capixaba
sobre o Ensino da Arte. Por meio dos projetos de teatro realizados nas respectivas EMEF’s
ACM e ASC, houve a viabilização do desenvolvimento criativo dos alunos, não somente no
sentido da produção concreta de um trabalho concluído/finalizado (como as apresentações de
peças finalizadas), desconsiderando o percurso, mas uma invenção de si e do mundo
carregada de uma subjetividade construída ao longo de um processo.
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113
UM DESENHO PARA CADA MÊS DO ANO: ESTUDO LONGITUDINAL DE
DESENHOS DE CRIANÇAS
RESUMO
Neste artigo apresentamos os principais autores que investigaram o desenho da criança para
explicitar a mudança de abordagem do desenho espontâneo para o desenho informado pela
cultura que marca o desenvolvimento artístico e estético no percurso de criação pessoal. Ao
assumir como parâmetros para as aulas de Arte na Educação Infantil as orientações
contemporâneas para o Ensino do Desenho, oportunizamos experiências de aprendizagem que
consideraram o plano expressivo e construtivo, o processo criador e orientações técnicas,
influências da cultura para ação autoral. Neste contexto de Ensino de Arte é que apresentamos
neste artigo um estudo de campo, em que se realizou análise longitudinal da produção gráfica
de crianças de Educação Infantil, objetivando refletir sobre a transformação dos desenhos das
crianças ao longo de um ano.
RESUMEN
En este artículo presentamos los principales autores que investigaron el diseño del niño para
explicitar el cambio de enfoque del diseño espontáneo para aquél informado por la cultura que
marca en desarrollo artístico y estético en el camino de creación personal. Al asumir como
parámetros para las clases de Arte en la Educación Infantil las orientaciones contemporáneas
para la enseñanza del diseño, proponemos experiencias de aprendizaje que incluyen el plano
expresivo y constructivo, el proceso creador y orientaciones técnicas, influencias de la cultura
para la creación de autor. En este contexto de enseñanza del arte és que presentamos en este
artículo un estudio de campo, en que se hizo los análisis longitudinales de la producción
gráfica de niños de la Educación Infantil, con el fin de reflejar sobre la transformación de los
diseños de niños a lo largo del año.
114
George-Henri Luquet (1913) estudou os desenhos de sua filha Simone e denominou
estágios descrevendo os procedimentos que os definem. Considera o desenho um jogo com
função lúdica e o realismo como tendência natural da representação gráfica. O autor ordena,
nomeia e caracteriza quatro diferentes fases no desenho da criança. A primeira, Realismo
fortuito se caracteriza pela ação que vai do gesto involuntário ao gesto premeditado. Na
segunda, denominada Realismo fracassado, Luquet diz que a criança quer ser realista, mas
não consegue, pois enfrenta duas ordens de obstáculos, uma física (deficiência na execução) e
outra psíquica (caráter descontínuo da atenção ou incapacidade sintética), quando a criança
percebe o geral dos detalhes, mas não consegue executar. Na terceira definida como Realismo
intelectual, a criança supera a incapacidade sintética e o desenho passa a ser realista, com
detalhes, desta maneira a criança desenha o que sabe sobre as coisas. Na quarta fase,
denominada como Realismo visual, consolida-se o realismo com a representação em
perspectiva e daí só a habilidade técnica estabelecerá as diferenças individuais.
117
coisas que não existem e para representar o espaço usa o plano deitado, rebatimento e
transparência. Neste caminho de descobertas a criança começa a perceber que o desenho
existe para representar as coisas e que há maneiras eficazes para desenhar.
Assim manifesta o desejo de dominá-las. Este momento conceitual denominado
Apropriação é crucial no desenvolvimento gráfico, pois a falta de orientação didática
adequada como o ensino de técnicas de desenho, por exemplo, pode desestimular a
continuidade e empenho no desenvolvimento desta linguagem. Ultrapassados estes desafios,
no momento conceitual seguinte, o da Proposição, o desenhista percebe que pode desenhar o
que quiser (ideias, sentimentos, situações) e sua produção pode constituir-se como autoral.
Sob as perspectivas que observam o desenvolvimento do desenho alimentado pela
arte, por procedimentos construtivos, pela solução de problemas e incentivo para a produção
autoral propomos o projeto “Um desenho para cada mês do ano”.
APRESENTAÇÃO DO PROJETO
Vale destacar que o projeto foi desenvolvido por um professor especialista em arte, o
que não é comum na Educação Infantil, assim, assumimos como parâmetros para as aulas de
Arte as orientações contemporâneas para o Ensino do Desenho, oportunizando experiências
de aprendizagem que consideraram o plano expressivo e construtivo, o processo criador e
orientações técnicas, influencias da cultura para ação autoral.
É neste contexto de Ensino de Arte e por reconhecer o valor do desenho no período
da Educação Infantil que foi desenvolvido o projeto “Um desenho para cada mês do ano” com
todas as turmas de uma escola particular de Vitória – ES.
119
Criança AL (à esquerda) e da criança G (à direita) ano de 2018 (imagens do acervo das autoras)
Mês de abril e maio da criança AL (à esquerda) e da criança G (à direita) ano de 2018 – Acervo Pessoal
Mês de junho e julho da criança AL (à esquerda) e da criança G (à direita) ano de 2018 – Acervo Pessoal
Mês de agosto e setembro da criança AL (à esquerda) e da criança G (à direita) ano de 2018 – Acervo Pessoal
122
Mês de outubro e novembro da criança AL (à esquerda) e da criança G (à direita) ano de 2018 – Acervo Pessoal
Mês de dezembro da criança AL (à esquerda) e da criança G (à direita) ano de 2018 – Acervo Pessoal
123
No mês de dezembro AL compõe uma cena com personagens com tamanhos
diferentes e bem elaborados, os cabelos dos personagens femininos que até agora eram
representados somente por um risco ganham volume e cores diferentes. Introduz a casa
(prédio) com formas geométricas representando janelas e porta e mais uma vez, incorpora a
moldura do papel em seu desenho. A criança G parece mudar o momento conceitual chegando
a um esquema de figura feminina e masculina posicionados na linha do horizonte e com céu
bem definido na margem do papel. As roupas e os cabelos ganham novos modos de
representação e são diferenciados por cor e tamanho.
ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
125
REFERÊNCIAIS BIBLIOGRÁFICOS
BARBOSA, Ana Mae. Lowenfeld, uma entrevista encontrada por Ana Mae Barbosa
Lowenfeld: Tudo começou em 1922.
FUSARI, Maria F. de R.FERRAZ, Maria Heloisa C. de T. Arte na Educação Escolar. São
Paulo: Cortez, 1992.
IAVELBERG, Rosa. Para gostar de aprender arte: sala de aula e formação de
professores.Porto Alegre: Artmed, 2003.
O desenho cultivado da criança: prática e formação de educadores. Porto
Alegre: Zouk, 2006.
LOWENFELD, Victot; BRITTAIN, W. Lambert. Desarollo de la capacidad creadora.
Buenos Aires: Kapelusz, 1972.
LUQUET, George-Henri. O desenho infantil. Barcelona: Porto Civilização, 1969.
MEREDIEU, Florence. O desenho infantil. São Paulo: Cultrix, 2006.
126
CINEMA DE ANIMAÇÃO NA SALA DE AULA: EXPERIÊNCIA, CONCEITOS E
CONTEXTOS
RESUMO
ABSTRACT
The research on Animation Cinema in the classroom or in educational contexts arose in 2005
from curiosities about how it works. In 2007, for undergraduate students an experience with a
non-governmental organization was presented. Subsequently in 2013 the mastery defense
addressing the theme in a peasant context, linked to the Research Group Images,
Technologies and Infants, contemplates the manifestations of experience and narrative of the
child in the production of animation, also named cartoon. The studies were based on the Art
discipline of a peasant school in the Serrana region of the State of Espírito Santo and reports
on how the experiences and narratives of children have manifested themselves in the
production of cartoons as spectators and as authors of animations. Composite dialogue is
established from Walter Benjamin with the concept of experience and memory, Vygotsky and
his references on imagination and mediation; with the sociology of childhood in the
conceptions of Sarmento. Methodologically, the qualitative method was chosen through
collaborative research, since exchange, sharing and experiences permeate education. In this
perspective, in 2017, when entering the doctorate the theme of animation persists from the
127
questions about Teaching Work. Professionals who measure animation as an educational
action capable of approaching students' daily life, being a mediator of knowledge. Here, the
textual appropriation consists of the master's research and the first notes of the doctoral thesis,
in progress.
INTRODUÇÃO
128
ANIMAÇÃO NA SALA DE AULA: EXPERIÊNCIAS E NARRATIVAS EM
DOMINGOS MARTINS
Os sujeitos oriundos da pesquisa de mestrado foram crianças do segundo ano (2º ano)
do ensino fundamental da turma de 2012 da EMEF “Santa Isabel”, escola campesina do
município de Domingos Martins. Estas crianças tiveram embasamento dos processos de
criação do cinema como criação de roteiro, de storyboard, ângulo de câmera, animação de
imagens, brinquedos ópticos, produção de fotografia e edição de imagens.
Tanto as crianças quanto os professores colaboradores demonstraram o gosto pelos desenhos
animados a partir de questionários, em momentos de exibição e na produção de animações.
Esses momentos foram freqüentes no ano letivo de 2012 e permitiram conhecer, analisar e
produzir, além de proporcionar autonomia às crianças quanto às imagens em movimento.
As análises apontam que as experiências e as vivências estão ligadas diretamente ao
meio histórico-sócio-cultural e que o processo imaginário-criativo ocorre pelo acumulo dessas
experiências. Vigotski compreende que a criança está imersa no meio social e cria a partir da
ampliação de suas experiências que a permitem imaginar:
Ela (imaginação) transforma-se em meio de ampliação da experiência de um
indivíduo porque, tendo por base a narração ou a descrição de outrem, ele pode
imaginar o que não viu, o que não vivenciou, diretamente em sua experiência
pessoal [...] (VIGOTSK, 2009, p. 25).
A imaginação também é aguçada por meio dos brinquedos, aqui representados pelos
brinquedos ópticos mecânicos, dispositivos que representam a imagem em movimento. Os
brinquedos ópticos são mecanismos elaborados em função da pesquisa sobre persistência
retiniana, no século XIX, que se tornaram populares pela facilidade do manuseio e do
movimento criado. O seu processo de produção auxiliou na inserção da temática e no
entendimento sobre o conceito de animação para assim ampliarmos as informações que
tangem o campo das tecnologias digitais.
O aumento do uso das tecnologias na contemporaneidade e sua acessibilidade por
meio de celulares, a popularização dos computadores, filmes 3D entre outros mecanismos
tecnológicos fazem com que a escola e seus professores tenham que se inserir e buscar
formação continuada. No ensino da Arte, essa formação também é necessária, pois
contribuímos ativamente com a formação humana dos sujeitos dentro de sala de aula.
129
ENSINO DE ARTE E ANIMAÇÃO
O ensino da Artei encerra grandes discussões sobre o fazer artístico e sua compreensão
como conhecimento (geralmente o entendimento deturpado da importância do ensino da arte
surgem ações sem reflexão e sem motivos que a sustentem). Discutir a animação de imagens,
não se baseia apenas para a obtenção de resultados, mas para o conhecimento que o aluno já
traz consigo por meio de sua cultura e história.
A animação atrai muito as crianças e não são poucos os adolescentes e adultos que
também se sentem encantados com essa forma de produção artística cada vez mais presente
em nosso dia-a-dia. Muitos educadores utilizam o cinema de animação pela exibição e não
com a produção que é grande mediador ao processo de conhecimento.
Concordamos com Benjamin em suas reflexões acerca do brinquedo quando menciona
que “nada é mais ocioso que a tentativa febril de produzir objetos supostamente apropriados
às crianças” (BENJAMIN, 1994, p. 237), de modo que não temos que ficar na
reprodutibilidade de objetos, mas precisamos dar autonomia para que assim usufruam e
retirem das atividades aquilo que é essencial a elas. Tanto para Benjamin (1994) quanto para
Vigotski (2009) a criança ressignifica suas ações, ela não imita o adulto, constroem uma
relação nova e original e reconhecem-se como seres ativos/participativos ao serem mediados
com autonomia.
O processo de criação das animações compôs a elaboração de roteiros, personagens e
cenários. A modelagem fez com que as crianças se tornassem autônomas, criando suas
histórias e dando vida a elas. Mediadas, ouviam as explicações e compartilhavam suas
experiências, a fim de elaborarem um trabalho que de fato os representassem. Críticos faziam
e refaziam seus personagens; analisavam suas proporções quanto a tamanho de objetos, o que
foi percebido e aflorada na captura das imagens.
O período de captura das imagens foi o mais aguardado em função da utilização dos
recursos tecnológicos, como computadores e câmeras, os quais foram criados três animações:
Viagem dos Amigos, Escola e Skatistas. Os grupos de produção das animações possuíam
algumas especificidades observadas no decorrer do processo. O grupo da Viagem tinha por
habito debater e discutir suas tarefas de modo que juntos tomassem suas decisões sendo estas
melhores para o desenvolvimento da proposta. Já o grupo dos Skatistas caracterizou-se por
serem agitados e de rápida execução, além de não terem tanta preocupação estética com as
130
formas, no entanto, mostrava-se apto a ajudar os colegas com dificuldade na elaboração do
trabalho. Responsáveis pela animação da Escola, este grupo identificava-se pela liderança de
duas meninas ocasionando conflitos pelas decisões. Conflitos estes que necessitavam da
intervenção das professoras. As pequenas divergências ocasionaram o atraso na produção das
animações. Motivo que fez com que o grupo parasse para analisar suas ações e reiniciasse os
trabalhos tendo como ênfase a equipe como um todo.
A pesquisa nos apresenta como a criança interage na coletividade. Suas vivências
pessoais no âmbito sócio-histórico-cultural influenciam diretamente nas relações. Benjamin
(1994, p. 197) ressalta que a experiência que passa de pessoa a pessoa é a fonte que
recorreram todos os narradores e são cada vez mais raras as pessoas que sabem narrar
devidamente.
Vimos no decorrer desta etapa que as crianças sentiam necessidade de saber os termos
corretos e assim os expressarem. E, ao os dominarem faziam questão de usá-los dentre suas
especificidades. Exemplo que pode ser dado em conversa com Felipe e kaiki (MONTEIRO,
2013, p. 135):
Sentados a beira do computador:
Professora Thalyta: - Felipe você já fotografou as imagens?
Felipe: - Que?
Professora Thalyta: - As imagens Felipe, você já fotografou?
Com olhar parado para a professora Felipe fica sem responder. Quando Kayky entra
na conversa:
Kaiki: - Ele já capturou as imagens sim, Tia Thalyta!
Felipe: - Capturei sim!
A intervenção de Kaiki fez com que o uso do termo fosse conduzido de forma
apropriada. As crianças entendiam o ato de fotografar como a obtenção de uma única imagem
estática, sendo o termo capturar utilizado no cinema, aprendizado dado em aulas anteriores.
Uma vez que as crianças aprendem a usar efetivamente a função planejadora de sua
linguagem, o seu campo psicológico muda radicalmente. Uma visão do futuro é,
agora, parte integrante de suas abordagens ao ambiente imediato [...]. Assim, com a
ajuda da fala, as crianças adquirem a capacidade de ser tanto sujeito como objeto de
seu próprio comportamento (VIGOTSKI, 2010, p. 29).
131
imaginativo. Estes alunos inovaram, criaram e recriam sobre elementos que antes eram
considerados rotineiros.
As animações realizadas pelas crianças apresentam claramente a ampliação das
experiências promovendo assim a imaginação e o ato criador. Essas, narram suas ações,
dificuldade e conduzem resoluções para possíveis problemas quanto à realização da animação
de imagens. Preocupam-se com questões estéticas e visam a demonstração de seus desejos,
além de reconhecerem-se nas imagens como personagens e na exibição dos créditos.
Assumem o lugar de autores e passam também a serem críticos e reflexivos sobre suas
produções.
Para Vigotski (2009), a imaginação constitui-se pelo acumulo de experiências e suas
correlações corroboram para novos conhecimentos e ampliação do ato criador. Nesses
aspectos estas crianças narram que sabem fazer cinema de animação ao serem indagadas ao
término do processo. Ampliaram sua percepção ao analisarem as imagens construídas,
discutiram a respeito das etapas e opinaram pelas decisões que favoreciam ao grupo ou ao que
queriam apresentar. Aprenderam a deliberar e a decidirem por meio de opiniões,
argumentações e a aceitarem decisões dadas pela maioria. Perceberam ainda que obtinham o
poder de alterar as imagens por meio de efeitos especiais ou softwares tendo em vista a
coletividade, pois tinham em mente o compartilhamento das ações e das relações. Estes
adquiriram vivências e experiências, algumas possíveis de ser narradas e outras que ficarão
apenas em suas memórias, mas a segunda com maior ênfase, de modo que contribuíram uns
com os outros aprendendo e ensinando, como relatado nas narrativas:
Vinícius: - “Deu muito trabalho, mas foi muito legal!
Thaynara: - “Bastante trabalho!”
Bruno: - ‘Eu gostei da parte de fazer os bonequinhos mexerem e de tirar as fotos. Eu
pensei que a gente só ia fazer o trabalho com massinha e depois a gente mexeu co
computador. Eu não sabia que a gente ia fazer um filme. No começo eu não sabia de
nada. E depois você me colocou num grupo e a Maria Victória me falou o que era e
depois a gente fez os bonequinhos o cenário. Eu tirei foto, a Maria mexeu, depois eu
mexi e outro tirou foto.
Reinan: - “Eu gostei mais de mexer no computador”
Joilson: - “Eu gostei de tudo, mas a parte que eu mais gostei foi a de modelar”
Joilson: - “Foi rápido, mas demorou. O nosso é pequeno. Se fosse grande hein!?
Paulo: - “Foi muito legal quando a gente fez os bonequinhos”
Carlos Eduardo: - “Eu gostei de ajudar os outros grupos”
Kamily: - “Eu gostei de ficar tirando as fotos”
Vinícius: - “Quando eu precisar fazer uma coisa de massinha eu já sei fazer. Eu
aprendi bastante fazendo esse trabalho. Foi legal”
Kaiki: - “Eu gostei de gravar. E tinha que olhar na tela pra ver se não tinha nenhuma
mão, uma sombra”
Thaynara: - “Tudo que eu aprendi eu posso mostrar pras outras pessoas”
Vinícius: -“É um ensinamento que vou levar pra sempre!” (MONTEIRO, 2013, p.
154).
132
Dialogar com as crianças sobre o processo mostrou-nos que essa experiência com a
produção de cinema de animação perpassou o aprendizado em artes e transformou-se em
vivências. Participaram coletivamente, mas adquiriram potencialidades individuais e ao
compartilharem ampliam suas culturas e estreitam suas relações.
[...] O cinema ainda não compreendeu seu verdadeiro sentido, suas verdadeiras
possibilidades... Seu sentido está na sua faculdade característica de exprimir, por
meios naturais e com uma incorporável força de persuasão, a dimensão do
fantástico, do miraculoso e do sobrenatural (BENJAMIN, 1994, 178).
Em meio às narrativas dispostas na dissertação, a respeito de suas produções, os
alunos mencionam o desejo de visualizá-la na tela do cinema e na TV. Motivadas por esta
vontade oportunizamos a exibição da animação junto ao Cinemetrópolis. No entanto, antes do
convite para a exibição, rememoramos.
Por meio dessas lembranças questionamos as crianças sobre o local que gostariam que suas
produções fossem exibidas.
- Na internet; diz Kaiki
- Na TV; comenta Thacila
- Vocês falaram de um outro lugar também. Relata Thalyta.
- No Cinema! Resposta de várias crianças.
Em meio a flash, fotografia e filmagem estas crianças assentaram-se para assistirem a
sua produção. Na penumbra, a projeção de sua animação composta a choro de mães e
professoras, sorrisos das crianças que cantavam baixinho sua trilha sonora. Ao término muitos
aplausos. E, a pedido da professora Gerda (orientadora da pesquisa) levantaram-se e
receberam mais aplausos. Cada um pode apresentar-se. Dos autores estavam Adrielli, Kaiki,
Kamilly, Maria Victória, Letícia, Eduardo, Vinicius, Carlos Eduarlo, Carlos Felipe e Joilson
todos acompanhados por algum responsável, sendo que Kaiki convidou ainda a madrinha que
é residente em Vitória. No momento da apresentação das crianças, Gerda passou
desapercebida por uma das crianças, Joilson levantou-se e identificou-se também como autor
da animação. Já Thainara lembrou da autoria de outros colegas que naquele momento não
encontravam-se ali por não estarem estudando mais juntos ou por não terem comparecido.
À GUISA DE CONCLUSÃO
133
As crianças trazem suas experiências, sendo elas simples, compartilham e as
ressignificam; Fazem questão de utilizarem termos técnicos corretos; criam suas relações de
autonomia sem saberem seu real significado; Narram com clareza suas ações e as
transformam dentro de suas possibilidades práticas; Observam com atenção tudo que a elas é
passado em uma sala de aula, mesmo na conversa paralela; Criam sem a preocupação com a
estética, e ao mesmo tempo busca o aprimoramento da técnica; Se utiliza de instrumentos
prontos para recriar e ressignificar as ações e não as entende como cópia e imitação. Sobre
este assunto, a imitação, estas crianças as fazem colocando suas especificidades, sua
expressão e também suas impressões. Em suas produções encontramos claramente seus
elementos culturais e principalmente suas vontades e desejos.
Cada criança absorveu a experiência com a produção de cinema de animação dentro de
sua especificidade social e cultural. Maria Victória trazendo seus conhecimentos tecnológicos
dados pelo irmão e pelo pai que manuseiam e possuem diversos recursos juntamente as
experiências de Reinam residente no campo compartilhou suas narrativas sobre as
brincadeiras ao ar livre e o cuidado que temos que ter com o ambiente. Kaiki com sua
afetividade a flor da pele com o carinho quieto de Adriely. A quietude de Daniela e Felipe que
pareciam desatentos, porém narravam exatamente as atividades sugeridas. Kamily com sua
destreza em manusear os equipamentos pela simples observação e atenção nas explicações,
sem possuí-los em casa. Joilson e Letícia com suas perguntas e argüições sobre os temas:
questionamentos sobre a ida ao cinema, reflexões dos planos de imagens, do roteiro e da
animação relacionando-o com seu cotidiano e suas histórias. Thaynara e Thacila com espírito
de liderança que aprenderam a deliberar e a otimizar o tempo valorizando também o trabalho
em equipe. Já Bruno, nos apresentou sua ânsia em participar e sentir-se útil e pertencente.
Este chegou na metade do processo e ativamente fomentou seu conhecimento. Não sabendo
exatamente o que teríamos ao final esta criança deixou sua marca ao analisar criticamente as
imagens produzidas. Paulo e Eduardo com sua quietude, no entanto, a concentração na
modelagem e na captura das imagens tornaram esse trabalho possível junto a Dudu e Vinícius
com suas personalidades distintas narraram essa história.
Apropriaram-se da Erlebinis (experiência individual) e também da Erfrahung.
Ampliam a Erlebinis por meio da Erfrahung e socializam o que querem e fazem. Narram a
necessidade do fazer para aprender, função que analisamos ao conceito de apropriação dado
por Vigotski. Consideramos que a utilização com os recursos tecnológicos permeia a
Erlebinis, as experiências individuais, visto que o modo como esta criança relaciona-se com
134
este meio é único para cada uma delas. No entanto o cinema de animação possibilitou a
ampliação da Erfrahung, experiência coletiva. Com ela compartilharam os inúmeros
aprendizados, vivências, diferenças sociais e culturais que correlacionou-se e continuara a
correlacionar-se a medida que continuemos a ressignificar e dar possibilidades de novas
experiências.
A atividade criadora dessas crianças foi ressignificada por meio de novas invenções e
também pela reprodução de outras permitidas pela infância. Os infantis não vêem a
reprodução como repetição, mas sempre diferente, pois muda-se os espaços, os ambientes, os
colegas e as relações com a obra utilizando-se de elementos do real presentes nas experiências
anteriores, pois quanto mais rica é a experiência, mais rica é a imaginação. Assim, mesmo
essas experiências sendo do real a imaginação é irreal, porém vinculada a ações sociais.
Ao exibirmos a animação produzida por elas queriam ver de novo e de novo e ao
dialogarmos com nossos referenciais percebemos que quando é potencial para o infante este
repete ações, gestos e falas e segundo Benjamin (1994), fazer de novo é fazer diferente, dando
ao brinquedo a sua necessidade, o seu interesse. Nossos estudos mostram que os inventos são
fruto de um tempo e que o desejo impulsiona a criação.
As manifestações das experiências coletivas e individuais da criança compreendem os
conceitos de Erfahrung e Erlebnis, que auxiliam na imaginação e no ato criador que estão
ligados diretamente ao contexto histórico-socio-cultural, o qual a criança é parte integrante. O
cinema de animação propicia além do aprendizado de técnicas cinematográficas a busca pela
ampliação da imaginação e logo das vivências e experiências por meio das relações entre os
pares e da mediação realizada tanto pelo adulto quanto pelos objetos e imagens.
A composição das pesquisas em animação oportunizou organização em formação
específica a esta temática na educação, participação em eventos e ainda a produção de uma
animação selecionada para o festival Anima Mundi e a tese de doutorado em andamento que
mensura a animação no trabalho docente e suas concepções quanto à técnica e a criação o que
tange novos estudos. Nesse viés, as pesquisas apontam para a construção de um trabalho
docente colaborativo/participativo. A discussão parte da experiência com a animação na
educação e da pesquisa que tange tanto os “nós’ no sentido de teia, entrelaçamento e/ou
obstáculo, mas também os “nós” de parcerias, de coletividade e colaboração, o que permite
essa abordagem no ensino. O debate mensura as mediações e implicações da animação no
trabalho docente com o uso da animação., que estão imbricadas nos projetos escolares, nas
provas, nas reuniões, nos currículos, nas relações, ou seja, em meio a todas as complexidades
135
do docente. O objetivo se estabelece em discutir tanto as possibilidades educativas quanto as
questões da técnica e da criação no cinema de animação. Nessa perspectiva há uma diferença
importante entre o trabalho do animador profissional e o professor/animador, esse último com
pouca estrutura e suas responsabilidades em função da prática pedagógica elege a animação
como fator diferencial ao conhecimento e por meio dela reitera regras, valores, ludicidade,
arte e autonomia.
O trabalho com animação na educação exige parcerias e mediações com outros
sujeitos e outros contextos, para que de fato a produção ocorra, pois dentro da sala de aula o
docente precisa garantir os conteúdos curriculares, a disciplina, as formalizações do ensino
quanto a avaliações trimestrais e de larga escala e índices o que o limita para a criação de um
trabalho individual. Com crianças, a relação animação e docência é ainda mais complexas, as
mediações são ainda mais necessárias, pois conhecem os meios digitais, mas não os dominam,
até porque esses em muitos casos não são liberados pelas instituições nessa fase escolar. Já
que,
[...] O uso de meios artificiais – a transição para a atividade mediada – muda,
fundamentalmente, todas as operações psicológicas, assim como o uso de
instrumentos amplia de forma ilimitada a gama de atividades em cujo interior as
novas funções psicológicas podem operar. Nesse contexto, podemos usar a lógica
superior, ou comportamento superior com referência à combinação entre o
instrumento e o signo na atividade psicológica (VIGOTSKI, 1998, p. 730).
i
A Arte no decorrer da história do pensamento humano, está relacionada a três dimensões tradicionais: arte como
expressão, arte como fazer e arte como conhecimento. Estas três vias de reflexão estética são apontadas por
Luigi Pareyson ao abordar: Os Problemas da Estética (1997). Segundo este autor, em distintos momentos da
história tem se dado acento diferenciado a cada uma dessas três dimensões, que no conjunto possibilitam uma
aproximação do conceito de arte. (FOERSTE, 2001, p. 09).
136
REFERÊNCIAIS BIBLIOGRÁFICOS
137
CONCEPÇÕES ACERCA DE EDUCAÇÃO EM ARTE E CULTURA VISUAL:
INTERCULTURALIDADE, INTERTERRITORIALIDADE E RELAÇÕES COM A
LEITURA DE IMAGENS
RESUMO
ABSTRACT
The present article reflects on the theoretical approaches about art-education, addressing
issues such as visual culture, interculturality, inter-territoriality and image reading. Since in
the contemporaneity we live the “inter” era, with experiences also in the virtual environment,
it has become necessary to think an education in art that enables the comprehension of the
cultural codes that cross the social relations of daily life, such as gender, ethnicity, culture,
religion and sexuality, to rearticulate a critical vision of the world. The dialog about this
theme with Hernandez (2000), Amaral (2008), Barbosa (2008) and Richter (2008), among
others, shows that intercultural education through art sets a crossing of borders that, before
seeing the diversity of codes as a problem, recognizes it as power for the learning about
oneself and about others.
INTRODUÇÃO
139
A cena compõe-se por diversas pessoas: negros e brancos, senhores e escravos, sendo
estes em maior número e agrupados. Está bem iluminada, com aspecto romântico, apesar de
retratar a monstruosa situação da escravidão: humanos sendo vendidos como coisas,
mercadorias. Na paisagem, vemos a presença forte da Igreja Católica, por meio de uma cruz
no alto da torre sineira. Dentro do mercado, sobre o arco, na entrada, também está presente a
imagem da Virgem Maria com o menino Jesus, talvez, para amenizar a dor dos escravos,
provocada pelos mesmos homens que puseram a imagem religiosa ali.
Figura 1 – Johann Moriz Rugendas, “Mercado de negros, Voyage Pitoresque dans le Brésil”, litografia, 1835.
Disponível em: <https://br.pinterest.com/pin/737183032727591444/ >. Acesso em: 20 jan. 2019.
140
envolvimento de artistas que lutam contra o preconceito e discriminações raciais, podemos
destacar também as ações do político, artista plástico e escritor Abdias do Nascimento.
Na educação em arte baseada na interculturalidade, a articulação entre cultura e gênero
também precisa ser realizada. Fernández Cao (2008) sublinha a necessidade de pensarmos
para além de um único gênero na história da arte, o masculino, ocidental, burguês, patriarcal.
Para superar a individualidade criativa e a primazia dos territórios geográficos e econômicos
(Europa), é preciso a busca por uma maneira de entender o mundo e de expressá-lo. Isso
requer revisar a história e a representação da mulher no seu transcorrer; estudar os símbolos
icônicos; reconhecer clichês na figura feminina; encontrar e fazer aparecer criações femininas,
promovendo uma leitura de imagens que aprecie os gêneros, pois muitas produções foram
criadas com a cooperação de artistas mulheres.
Ainda sobre questões de gênero, Dias (2005) destaca que os estudos sobre gênero e
sexualidade, principalmente a representação do masculino, por meio da teoria Queer,
surgiram na década de 1990, constituindo uma nova discussão à época. Esse campo teórico
abstrato tenta desconstruir aspectos de normalidade, singularidade e estabilidade então e ainda
hoje associados à identidade.
O termo Queer foi utilizado de maneira pejorativa contra aqueles que vivenciavam
sexualidade diferente da imposta pelos padrões conservadores. Assim, a partir dos anos 1980,
essa alcunha foi apropriada e adotada como expressão de honra pelos homossexuais na luta
por suas causas.
Muitos críticos buscam retratar a arte Queer meramente como arte homoerótica.
Porém, em sua maioria, os trabalhos dessa vertente são marcados por um contexto político
engajado, abordando questões referentes à discriminação e à homofobia, bem como legislação
que proteja os direitos de pessoas homossexuais. É comum aparecer nesses trabalhos a
utilização de excreções humanas, símbolos eróticos, objetos inusitados, que provocam dor e
141
tortura psicológica. Outros trabalhos possuem forte conotação homoerótica, com cenas ou
situações sensuais, explícitas ou sutis.
142
Figura 2 – Frans Krajcberg, esculturas da série “Africana”, fim dos anos 1980. Disponível em:
<http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa10730/frans-krajcberg>. Acesso em: 20 jan. 2019.
Outro artista que imprimiu à sua poética plástica características da arte afro-brasileira foi
Rubem Valentim, a partir da segunda metade do século XX, o que ele próprio expressa no seu
“Manifesto ainda que tardio”, escrito em 1976, no qual assim expõe:
minha linguagem plástico-visual-signográfica está ligada aos valores místicos
profundos de uma cultura afro-brasileira (mestiça-animista-fetichista). [...] Intuindo
o meu caminho entre o popular e o erudito, a fonte e o refinamento – e depois de
haver feito algumas composições, já bastante disciplinadas, com ex-votos, passei a
ver nos paxorôs, nos oxês, um tipo de “fala”, uma poética visual brasileira capaz de
configurar e sintetizar adequadamente todo o núcleo de meu interesse como artista.
O que eu queria e continuo querendo é estabelecer um design (RISCADURA
BRASILEIRA), uma estrutura apta a revelar a nossa realidade – a minha, pelo
menos – em termos de ordem sensível (VALENTIN, 1988, p. 294).
Figura 3 – Rubem Valentim, sem título, 1989, serigrafia, 77 x 140 cm. Disponível em:
<http://www.espacoarte.com.br/obras/8893-rubem-valentim>. Acesso em: 22 jan. 2019.
143
As obras de Valentim não buscam uma fidelidade realista figurativa, mas recriam, por
meio de formas geométricas, o universo da cultura afro-brasileira. Em análise desta imagem
pela ótica formal, notamos que o artista lança mão de tons terrosos, talvez para representar a
terra, de onde, ao mesmo tempo, se originam recursos para a manutenção da vida (por
exemplo, a alimentação), sendo também o lugar que recebe os mortos.
Observamos, ainda, que o artista usa figuras geométricas estruturadas, simbolizando,
de maneira sobreposta, o design dos instrumentos utilizados nos cultos de candomblé, tais
como o leque espelhado (abebê), um cajado (opaxarô), a lança (seta). No centro da imagem,
percebemos uma espécie de escada, que aponta em direção a uma figura circular, parecendo
simbolizar um destino, um objetivo, um mestre, uma cabeça; um ori, enfim, uma divindade
que deve ser alcançada. Neste ponto da imagem, notamos a representação de duas figuras
humanas, frente a frente, um encontro entre o eu e o outro, a relação que permite ao humano
conhecer a si mesmo, porque o outro se constitui nosso espelho na relação de alteridade, não
porque seja a repetição do que somos ou porque seja algo a ser imitado; como menciona
Leitão (acesso em 3 abr. 2019), é espelho justamente por ser diferente, o que nos remete ao
olhar para nós mesmos, sem o que não há o olhar, a alteridade e o respeito ao outro e ao
mundo.
144
Nesta linha de pensamento, Oliveira (2005) pontua que, com base na semiótica, é
possível descrever a significação na construção de um texto, seja ele verbal, seja visual,
possibilitando apreender como ela se constitui. Em especial, a autora analisa o percurso
gerador de sentido proposto pelo semioticista lituano Algirdas Julien Greimas. Considerado o
teórico da significação, ele busca descrever os arranjos da linguagem pelos seus diferentes
significados. A aplicação de sua proposta à leitura das imagens que perpassam o nosso
cotidiano permite o entendimento de sua sintaxe e semântica.
Ler imagens no contexto da significação torna o repertório de sentidos e cognição
mais amplo, para desvelar novos conhecimentos no plano do conteúdo e da expressão da
imagem e na relação entre seus elementos. Assim, é possível uma reeducação do olhar a partir
da decomposição do texto visual, buscando melhor conhecê-lo e apreendê-lo, identificando
suas articulações e sua significação. Quando uma imagem estética tem uma significação,
temos uma imagem artística.
Para chegar ao sentido ou plano do conteúdo de uma imagem, o leitor precisa estar
com um repertório de sentidos imagéticos e capacidade cognitiva para desvelar novos
conhecimentos, transitando entre os componentes do texto visual. Oliveira (2005) entende que
há diversas possibilidades perpassando o visual do trabalho artístico (plano de expressão) e,
ao mesmo tempo, tecendo sua significação (plano do conteúdo). Fica sublinhada, portanto, a
necessidade de uma educação em arte que examine minuciosamente os pontos relevantes de
um texto estético.
Um exemplo da falta de repertório para leituras de imagens destacado por Oliveira
(2005) refere-se à apresentação de “Guernica”, obra de Picasso produzida nos anos 1930. À
época, o público a recebeu com intolerância, disparando críticas ácidas, por falta de
compreensão dos novos paradigmas estéticos da arte moderna requeridos para sua leitura.
Todo texto estético é um grande gerador de sentidos: o leitor, sendo estudante, artista
ou leigo, usará estratégias para reconstruir essa imagem, acionando sua cognição, mediada por
seus sentidos, por suas diversas maneiras de olhar, decompondo os elementos da imagem e
articulando-os para compreender o todo.
As imagens são eloquentes, querem falar a todo o momento. Possuem formas que se
articulam para criar significados. Eis, então, a importância de estarmos preparados para
compreender o que elas estão comunicando, a partir de uma leitura que permite entendê-las
em seus contextos sociopolítico e cultural, pois seus discursos são transmitidos por um
sistema de códigos e signos estabelecidos culturalmente.
145
As artes visuais fazem parte do conteúdo social dos jovens, pois um bombardeio de
imagens os convida ao protagonismo. Barbosa (2016) sublinha que o pesquisador norte-
americano James Caterrall defende a potência das artes visuais para promover nesse grupo
etário o desenvolvimento da cognição, raciocínio e leitura sofisticada do mundo. Para a
autora, as artes visuais são a disciplina escolar à qual coube a tarefa de preparar para a leitura
de imagens.
O jovem está rodeado de imagens, principalmente as digitais, as quais vendem
produtos, conceitos, comportamentos e slogans políticos. Uma educação que privilegie o
pensamento crítico e a leitura de mundo dos conceitos visuais, sociais e históricos educa os
sujeitos para uma postura crítica e participativa na sociedade, o que se pode promover, por
exemplo, estimulando a frequência de jovens pobres a museus, galerias de artes e espaços
expositivos, geralmente mais acessíveis às elites.
Ao longo da história, houve mudança significativa na relação do homem com os
trabalhos artísticos. Na contemporaneidade, essa relação passa a ser mediada por disciplinas
que tentam defini-la cientificamente. Tais mediações possibilitaram a inclusão de novos
saberes e fazeres esteticamente valorados pelos padrões sociais vigentes, denotando que os
meios mediam as experiências com a arte.
Hernandez (2000) apresenta o conceito de cultura visual como mudança educativa que
permite aos jovens compreender e interpretar o contexto imagético em que estão inseridos.
Isso posto, a educação em arte deve considerar em seu currículo aspectos como a
interculturalidade, a interdisciplinaridade, seus territórios e a integração das artes com seus
modos de produção, de sentido e significação, para que o jovem tenha uma visão articulada
em relação ao mundo que o cerca.
Amaral (2008) sugere que uma forma de atingir a interterritorialidade da arte é a
ocupação do espaço urbano pelos atores sociais e suas memórias, em um fenômeno
construído social e individualmente, sujeito a constantes transformações, que intensifica os
sentimentos de pertencimento de sua identidade e do grupo ao qual está integrado.
Ocupar esses lugares propõe percorrer memórias, lançar mão das histórias oral,
audiovisual e corporal. Fazer esse percurso é propor encontros do eu com o outro, compondo
e recompondo as paisagens urbanas, com seus fragmentos de experiências híbridas e
transitórias.
À medida que a vida social vai se tornando mediada pelo mercado globalizado de
estilos, fazeres e maneiras de ser e estar, estimulados, principalmente, pelas mídias digitais, as
146
identidades tornam-se desterritorializadas de suas raízes, tonando-se líquidas, fluidas, em
liberdade constante. Em cenário assim caracterizado, o ensino interterritorial em arte
potencializa-se com o ensino intercultural, construindo pontes entre lugares de produção de
cultura, a partir de vivências cotidianas, poesias em grafites-murais, televisão, cinema, teatro,
dança e música.
ÚLTIMAS CONSIDERAÇÕES
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
149
NA ROTA DA CULTURA: O CURSO DE PEDAGOGIA E A VIVÊNCIA EM ARTE
RESUMO
Nesse artigo apresento uma ação desenvolvida com alunos do curso de Pedagogia da
Faculdades DOCTUM de Serra/ES. Essa ação vem de encontro ao exercício da lei 9394/96
quando diz que: “O ensino da arte constituirá componente curricular obrigatório, nos diversos
níveis da educação básica, de forma a promover o desenvolvimento cultural dos alunos. ”
Dessa forma, foi realizada com a turma do curso de Pedagogia, uma viagem de estudos à
região sul do Espírito Santo, onde pudemos vivenciar a cultura local, visitando e conhecendo
museus e espaços formativos de cada município. Oportunizamos às alunas e alunos um novo
olhar sobre o ensino da arte, preservando as memórias culturais e as relações existentes entre
o homem e a arte. Para fundamentar essa prática, dialogo com autores que discutem o ensino
da arte e a pedagogia dentre outros que defendem as várias possibilidades metodológicas para
um significativo saber da arte.
ABSTRACT
In this article is presented an act developed with students of the Pedagogy course of
DOCTUM college from Serra/ES. This act comes across presented at the law number 9394/96
as it says: “The art teaching will constitute obligatory curricular component, at many levels of
basic education, in order to promote the cultural development of the students”. So, was
performed with the Pedagogy course’s class, a study trip to the southern region of Espírito
Santo, where we could live along the local culture, visiting and experiencing museums and
formative places of each town. Was given the opportunity to the students a new sight about
the art teaching, preserving the cultural memories and the existing relationships between the
man and the art. To ground this practice, I talk to authors who discuss the art teaching and
pedagogy among others that defend the many methodological possibilities to a significant art
knowledge.
INTRODUÇÃO
Apresento nesse artigo uma prática realizada com os/as alunos/as do curso de
Pedagogia da Rede de Ensino DOCTUM do Município de Serra/ES. Diálogo com eles/as, na
disciplina de Metodologia do Ensino da arte, as propostas que são pertinentes a essa
150
disciplina que foi inserida no currículo do curso de Pedagogia a partir da diretriz aprovada
em 2006. Essa diretriz foi uma conquista, uma vez que o futuro pedagogo ou professor, terá
acesso às fundamentações que a disciplina de arte tem em todo o contexto escolar, e assim
poderá orientar de forma eficaz os processos criativos dos alunos, além de oportunizá-los
para que possam exercitar sua expressividade, associar e vivenciar suas experiências, e assim
poder revelar sua identidade emocional, social e cultural.
O artigo 26 parágrafo 2º diz que: “O ensino da Arte constituirá componente curricular
obrigatório, nos diversos níveis da educação básica, de forma a promover o desenvolvimento
cultural dos alunos”. Amparados nessa legislação, percebemos a dimensão do ensino da Arte
para a criança e para o jovem. Até porque ela oferece vivências ao aluno, o qual, certamente,
carregará por toda sua vida como uma experiência que fundamentou algum conhecimento.
Essa legislação deverá ser apropriada também pelo aluno do curso de pedagogia, uma vez
que ele também é responsável, pela formação artística do aluno quando assume a sala de aula
enquanto professor ou a gestão pedagógica, esse, junto com o professor de arte.
Nessa perspectiva e preocupada com a educação na contemporaneidade, para a
formação do aluno crítico, participativo e observador, é nosso papel enquanto professores de
arte oferecer práticas cada mais eficazes para contemplar tal legislação. Nesse sentido,
oferecemos aos alunos/as do curso de Pedagogia, uma viagem cultural a três municípios do
interior do Espírito Santo, intitulamos de “Três Santas”, e que tem como característica
cultural marcante, a imigração. Nessa viagem conhecemos a imigração italiana no município
de Santa Teresa, a pomerana em Santa maria de Jetibá e a alemã em Santa Leopoldina, e,
consequentemente suas reverberações, explorando as várias possibilidades de busca e
inclusão de fatos, objetos, situações e todo o acervo disponibilizado que permite a apreensão
de conhecimentos.
Pudemos perceber que, através da monitoria dos espaços visitados o reconhecimento
do cidadão como parte integrante desse lugar é agente de ações sociais e culturais que
preserva o patrimônio histórico e cultural, priorizando as tradições, valores, história e
costumes, como nos fala Fioravanti (2014, p.117):
Pela mediação cultural é possível despertar, contaminar e provocar o público, seja
no museu, na sala de aula ou no seu entorno para o universo do patrimônio
cultural. Visto como um dos territórios da mediação cultural, pensado como algo
vivo e dinâmico, como nos diz Bezerra de Menezes, citado por Rodrigues (1994),
permite acesso e reflexão sobre o que nos foi deixado por outras pessoas em
tempos passados ou mais recentes.
151
objetos como realmente são, e, consequentemente, aproximarmo-nos de determinada
realidade. A proposta nos permite ampliar o conteúdo pensado, visualizar a arte e suas redes
de modo a abrir possibilidades para conhecermos tal conteúdo em suas mais diferentes
formas de se apresentar, dando um sentido amplo e consistente ao assunto estudado.
Segundo Libâneo (1994), o processo de ensino se caracteriza pela combinação de
atividades do professor e dos alunos, isto é, à medida que o professor dirige o estudo das
matérias, os alunos atingem, progressivamente, o desenvolvimento de suas capacidades
mentais.
A visita foi planejada seguindo a proposta de que o estudante deve perceber as
especificidades dos temas que são estudados. Além dos diálogos que surgem em sala de
aula, esses temas poderão ter com as outras disciplinas diferentes abordagens, além de ter
sido apropriado de maneira prazerosa, interativa e enriquecedora, uma vez que todo o grupo
participou ativamente de todos os momentos e discussões sugeridas. Ao explorarmos os
diversos espaços formativos os alunos podem visualizar as diversas possibilidades de
conhecimento e apropriação do que foi proposto.
A educação através da arte é na verdade um movimento educativo e cultural que
busca a constituição de um ser humano, completo, total, dentro dos moldes do
pensamento idealista e democrático. Valorizando no ser humano os aspectos
intelectuais, morais e estéticos, procura despertar sua consciência individual,
harmonizada ao grupo social a qual pertence (FERRAZ e FUSARI, 1997, p. 15).
DESENVOLVIMENTO
Apesar desses municípios estarem muito próximos ao município de Serra – onde todos
moram – percebemos que nenhum deles conheciam esses lugares. Organizamos um roteiro
onde pudemos visitar todos os espaços. Iniciamos pelo Vale do Canaã, de grande beleza,
encontra-se a 2 km do centro de Santa Teresa, que foi um dos lugares onde teve início a
imigração italiana. A palavra Canaã significa terra fértil, lugar prometido e esperado, meta de
sonhos e ambições. A obra literária “Canaã” (1902), de Graça Aranha, é ambientada nessa
região. Nesse romance são abordados os desafios encontrados pela convivência de várias
pessoas com culturas diferentes que sofrem pela colonização. Um obelisco (Figura 1) no local
152
é o marco registrado em homenagem ao escrito.
Figura 1 – O obelisco
Fonte: Disponível em: < http://www.terracapixaba.com/2010/10/mirante-vale-do-canaa-santa-teresa.html>.
Acesso em 01 de maio de 2019.
Continuamos nosso trajeto visitando a Casa Lambert (Figura 2), que é uma das
primeiras casas de imigrantes italianos construída em Santa Teresa em 1876. Atualmente é
um museu que guarda em seus objetos e fotos a história da família Lambert, imigrantes
italianos.
A próxima parada foi no Museu melo Leitão (Figura 3), fundado em 1949, pelo
agrônomo, ecologista e naturalista capixaba Augusto Ruschi, que interessou-se pelo estudo de
plantas e animais, desde a infância, permitiu-se conhecer a fundo diversos ramos da biologia,
tornando-se respeitado especialista em beija-flores e orquídeas do Brasil.
153
O museu está vinculado ao Instituto Brasileiro de Museus. É responsável por
desenvolver importantes pesquisas botânicas, faz coletas de materiais zoológicos,
desenvolve um programa de educação ambiental e atua na preservação da memória do seu
criador. Outro espaço muito visitado são os animais empalhados, que reúne animais de
várias espécies. Possui um acervo científico de mais de 65 mil itens pesquisados, com isso
atrai pesquisadores de toda a parte do mundo.
154
A última parada foi no Museu do Colono (Figura 5), localizado em Santa Leopoldina,
cidade banhada pelo Rio Santa Maria. Fizemos um tour pela cidade, e conhecemos a
arquitetura local, que é formada por belas casas em estilo europeu e os casarios são
tombados pelo Conselho Estadual de Cultura. Foi inaugurado em 1969, e retrata a época
áurea do porto e suas transações comerciais da época. Em seu acervo traz mobílias, fotos,
instrumentos musicais, objetos pessoais e artísticos. Retrata os costumes das famílias do final
do século XIX e início do século XX.
(M. J. R. S.)
155
Viver somente na comunidade em que habitamos sem buscar conhecer outros
costumes, em geral, nos torna cidadãos limitados no contexto cultural, diversidade
e seus conhecimentos. Em minha formação acadêmica desde o primeiro período
percebi o quão frágil foi o meu ensino básico, e levando para o contexto cultural,
histórico, geográfico e artístico, comecei a notar importância do educador
transmitir de forma construtiva tanto a teoria quanto prática no ensino
aprendizagem, na medida do possível, para melhor compreensões e aprendizado de
seus alunos. [...]
Uma das vibrantes aulas de campo que tive em minha graduação foi a visita às
“Três Santas”, [...] devemos transmitir aos nossos alunos afim que seja
significativo e prazeroso, qual a importância da cultura da arte na formação de
nossos educandos, que a arte não é somente pintar desenhar, misturar cores,
recortar, a arte tem todo um contexto histórico e consequentemente é proveniente
de uma evolução humana.
(H. D. P.)
A visita realizada com o título “As Três Santas”, tive a oportunidade de conhecer
um pouco da cultura de Santa Teresa, Santa Maria de Jeribá e Santa Leopoldina,
onde fiquei encantada com as maravilhas e cultura destas cidades, que aguçou a
curiosidade minha e de minhas amigas da faculdade que retornamos a uma destas
cidades para contemplar a beleza que conhecemos no dia da visita.
(L. O. L.)
156
CONSIDERAÇÕES FINAIS
157
social, cultural, cognitivo, emocional.
Dessa forma, vimos que o futuro professor é agente transformador no processo
ensino aprendizagem em arte. Pois quando atua no 1º e 2º ciclos do ensino fundamental,
poderá desenvolver tarefas contextualizadas com outras áreas do conhecimento valorizando
as singularidades culturais, sociais emocionais de cada aluno. E enquanto gestor pedagógico
poderá articular de forma significativa com o professor especialista em arte a promover o
conhecimento, desenvolver habilidades e apresentar ao aluno as interfaces da arte.
REFERÊNCIAIS BIBLIOGRÁFICOS
FERRAZ, M. H. C. de T; FUSARI, M. F. R. Arte na Educação Escolar. São Paulo, Cortez,
1997.
158
COMUNICAÇÕES
Parte II
CICATRIZ: APROPRIAÇÃO, MEMÓRIA E RESSIGNIFICAÇÃO NA ARTE
CONTEMPORÂNEA
Adriana Magro
Priscila Regina dos Santos Pinheiro
RESUMO
Esse trabalho procura apresentar a série Cicatriz (2003) da artista plástica Rosângela Rennó, e
desvelar os efeitos de sentidos ali postos. A artista foi escolhida pela sua relevância na
apropriação e ressignificação em suas obras, trabalhando com a memória de temas políticos e
sociais, funcionando como resposta estética as mazelas da sociedade brasileira. Sua obra
multifacetada expõe o apagamento da identidade de sujeitos considerados a margem da
sociedade, a artista ao recuperar essas fotografias dos detentos do Museu Penitenciário
Paulista e associá–las há um outro arquivo anônimo, potencializa e humaniza a subjetividade
desses arquivos, os atualizando como fotografia, tatuagem e objeto artístico trabalhando em
uma área de recalque onde anti-protagonistas também fazem parte de uma memória nacional
obliterada.
ABSTRACT
This work seeks to present the series Cicatriz (2003) by the artist Rosângela Rennó, and to
unveil the effects of meanings placed there. The artist was chosen for its relevance in the
appropriation and resignification in her works, working with the memory of political and
social themes, working as an aesthetic response to the ills of Brazilian society. Her
multifaceted work exposes the erasure of the identity of subjects considered to be on the
margins of society, the artist retrieving these photographs from the prisoners of the Paulista
Penitentiary Museum and associating them with another anonymous archive, enhancing and
humanizing the subjectivity of these archives, updating them as photographs. , tattoo and
artistic object working in a repression area where anti-protagonists are also part of an
obliterated national memory.
INTRODUÇÃO
Rennó tem uma vertente arquivista, questiona o excesso de informação visual, seu
acúmulo e posterior descarte no cotidiano, tem como principal suporte de produção a
fotografia, se nega a fotografar, acredita que o mundo está estagnado de imagens, se
apropria de diferentes “matérias primas/ arquivos” destinadas ao esquecimento para a
produção de suas Obras. Na série Cicatriz utiliza a intertextualidade de dois acervos: o
160
primeiro se trata de uma obra da artista, um arquivo que é constantemente alimentado com
recortes do noticiário, sem fotos, somente os textos, sem nome, data ou local, o mesmo foi
intitulado; o Arquivo Universal (1992), e o segundo as fotografias de tatuagens e cicatrizes
dos detentos pertencentes ao acervo do Museu Penitenciário Paulista.
A série foi concebida inicialmente como Instalação em uma exposição do Museum
Of Comtemporany Art of Los Angeles (MOCA) em 1996, foram expostas 18 fotografias em
grandes dimensões em papel resinado e 12 textos em baixo relevo esculpidos nas paredes em
gesso acartonado. Em 1997 a série foi adaptada em um formato de Livro homônimo para essa
edição foram selecionadas 34 reproduções fotográficas do arquivo penitenciário e 32 textos
do Arquivo Universal, a alegoria da pele está presente no fundo das páginas de papel
pergaminho como um simulacro do suporte epitelial. Em 2003 publica um catálogo intitulado
Rosângela Rennó – O Arquivo Universal e outros Arquivos, onde além de outras imagens
advindas da exposição realizada no Centro Cultural Banco do Brasil do Rio de janeiro (2003);
traz mais uma edição da série Cicatriz agora com 23 reproduções fotográficas do arquivo
penitenciário e 16 textos do Arquivo Universal, a artista participou de todo processo
conceitual e autoral da edição o que torna a publicação um objeto artístico.
O objetivo dessa pesquisa foi desvelar os efeitos de sentido dos intertextos presentes
no recorte de quatro dípticos do acervo penitenciário e reproduções do arquivo universal
disponíveis na publicação de 2003, expostos de forma singular.
Na produção da série Cicatriz (1996 – 2003) Rosangela Rennó embarca em uma
viagem pelos porões do passado carcerário nacional ao se debruçar nos Arquivos da
Penitenciária do Estado de São Paulo. São Arquivos Institucionais que formam um estagnado
conjunto de estigmas oficiais e grupais do pathos icarcerário nacional. A obra é fruto do
diálogo Visual entre as fotografias do acervo do hoje Museu Penitenciário Paulista e textos de
um projeto de autoria de Rennó intitulado Arquivo Universalii. A artista parte do princípio da
pele como suporte para expor os dois acervos, nos Arquivos do Museu Penitenciário emergiu
no que estava desenhado na pele dos detentos, suas tatuagens, já os textos do Arquivo
Universal não são acompanhados de sua fotografia referencial, são textos anônimos, não há
nenhuma informação ou referência direta, porém estão acima de um fundo de pele, não parece
se tratar da mesma epiderme presente no negativo do Museu Penitenciário, mas de um
requinte equivalente, elas convergem.
Tanto nas imagens do arquivo penitenciário, quanto os textos do Arquivo Universal
tem a pele como suporte, é na significação desse Corpus marginal que mora a metamorfose de
161
signos que buscamos desvelar. Da penitenciária do Estado o registro desse corpo migrou para
as Artes Visuais, é nessa ressignificação, no potencial interpretativo coletivo e individual que
se atém nossa investigação.
163
Em abril de 1995, após o contato da artista com o arquivo, a artista se interessou
particularmente pelas fotos das tatuagens visando incorporar algumas delas em seu arquivo
por meio de reproduções. O que impressiona é a quantidade de negativos, milhares dessas
imagens foram reproduzidas em volumes encadernados em couro com o título “Penitenciária
do Estado de São Paulo, Serviço de Biotipologia Criminal – Arquivo de Tatuagens”, contendo
informações como nome, idade, cor, estado civil, religião, quando foi feita a tatuagem, por
quem, nacionalidade, profissão, crime, reincidência, onde foi feita, que cor tem, localização e
classificação; Étnica – política - criminal – ornamental - amorosa – obscena.
A urgência em recuperar uma parte da história penitenciária do país fez com que
Rennó elaborasse um projeto de higienização e recondicionamento do arquivo. Com a
parceria artista e Estado, o projeto viria a ser um ponto de partida de um verdadeiro Museu
Penitenciário Paulista. Rennó embarcou em uma empreitada de nove meses até conseguir
autorização para realizar o projeto. Nas palavras da artista “Compreendi que a intervenção no
Museu Penitenciário, cuja finalidade se baseava em princípios de ordem estética, era também
uma ação política” (RENNÓ, p. 18, 2015).
A artista discorreu em entrevista para Horácio Fernández, historiador espanhol,
durante o III Fórum Latino-Americano de Fotografia de São Pauloviii que ocorreu em 2015,
sobre o reflexo do descaso do Estado com o sistema prisional no estado de conservação do
acervo penitenciário, transcrito abaixo:
(...) A partir de um acervo abandonado, ou praticamente com algumas pessoas
tentando juntar em uma sala só, você aprende sobre uma coisa muito maior, então
assim, questões como identidade, violência estava em tudo ali, eu fiquei muito
sensibilizada de na época, em 95, está fazendo quase 20 anos isso, de ver um
arquivo destinado ao abandono. Fazer um levantamento histórico, de informação,
descobrir como é difícil conseguir... e isso te faz pensar... em um estudo de caso. Por
que que o sistema penitenciário está como está? Por que tivemos o massacre do
Carandiru? Não é à toa. Porque aquilo que eu vi, ligado a um acervo criado dentro
da Penitenciária do Estado de São Paulo, o Estado dele refletia justamente a penúria
que é todo o sistema carcerário e todo o sistema de administração da época.
(RENNÓ, 2015).
Como podemos notar o processo não foi fácil, a artista teve duas respostas negativas
da Assessoria Jurídica da Secretaria de Administração. O acesso de Rennó ao arquivo só foi
possível sob a condição de não retirar o material das dependências da ACADEPEN, a artista
então deslocou seu laboratório até a penitenciária. Como aponta Vander Melo Miranda, “o
mais terrível das imagens de Cicatriz é nos fazer ver que o sequestro das identidades que
exibe não é efeito provisório de um regime – político ou discursivo – de exceção”
(MIRANDA, p. 188, 2000).
164
A artista então organizou e reproduziu esses negativos e elaborou a série “Cicatriz -
1996” deslocando os arquivos do Museu penitenciário brasileiro para o Museu Art de Los
Angeles nos EUA, posteriormente em 2003, “Uma produção em livro dessa obra reproduz os
textos em páginas que parecem pele humana aproximando ainda mais os componentes
escritos ás imagens complementares dos sujeitos tatuados” (Harrison, p. 49, 2007).
Em Cicatriz; Rennó nos põe de fronte a um acervo escamoteado onde segundo
Herkenhoff a artista passa a construir “ a extensão do olho fotográfico como a própria
extensão do olhar do Estado”. É nesta extensão que mora o maior conflito da relação do
indivíduo privado de liberdade com o próprio corpo e as relações de poder do olhar arbitrário
do Estado que vem por com mecanismos de repressão e a tentativa de obliteração da
subjetividade desse indivíduo. Herkenhoff pontua:
“Já não se vigia o lugar onde está o corpo do prisioneiro, mas todos os lugares do
corpo do prisioneiro(...) A lente da câmera há muito já passara a constitui- se numa
espécie de olho todo poderoso, como a torre central do pan-óptico nas
penitenciárias. Como no caso da polícia técnica, Rennó passa a ler o próprio corpo
do suspeito, no caso já não mais o preso, mas a própria fotografia com o seu déficit
social. ” (HERKENHOFF, pág39, 1996)
165
reinseridas em um novo circuito, em diferentes formatos o que amplia e pluraliza o dito “ciclo
de vida” da fotografia.
Em Cicatriz, Rennó deu voz a sujeitos apagados por uma força bestial de abandono,
imagens renegadas ao esquecimento ganharam visibilidade, se descolocaram do âmbito
institucional para objeto artístico e ganharam novo fôlego, uma nova força, um novo status
social. Rennó reaviva a voz de anti – protagonistas que fazem parte de uma historicidade que
o país não faz questão de lembrar.
Segundo Herrison “O trabalho de Rennó cobra do observador a tarefa moral e
arqueológica de lembrar de feições humanas e, através das imagens desumanizadas. ” Vale
enfatizar que a poética de Rennó não faz uma relação direta com o massacre do Carandiru.
Mas o trabalho não perde sua vertente social, política e ativista e acaba por nos rememorar o
massacre dos 111. Herrison ainda afirma:
Apesar de uma peça como Cicatriz não ter sido projetada para retratar diretamente a
chacina do Carandiru, por exemplo (como faz o tour de force cinemática de
Bebenco), o espectador é convidado a buscar correlações conceitualmente, ao
separar da obra de arte as formas das quais ela expõe tangencialmente a persistência
da injustiça e devastação humanas manifestadas no dia-a-dia. (...) O título em si,
Cicatriz, sugere ferimento e mutilação, elementos aparentemente incongruentes com
a ressonância visual das fotografias em si. Enquanto que as tatuagens, conforme
representadas por Rennó, podem ser consideradas formas inextinguíveis de arte, as
cicatrizes referenciadas no título despontam para enfrentar as formas enraizadas de
discriminação e abuso social expressadas pela obra de arte como um todo (Harrison,
p. 15, 2007).
Berger afirma “os eixos de poder condenam o ser humano ao esquecimento” diversos
trabalhos artísticos além da Obra Cicatriz de Rennó, em diferentes vertentes trabalharam em
contrapartida dessa corrente de obliteração e reavivaram a memória desses indivíduos da anti-
cultura nacional.
Abaixo temos a figura de duas mãos negras, uma prostrada para outra unindo os
polegares, em cada mão um único ponto solitário localizado próximo à junta entre o
trapezoide e o trapézio, entre o dedo polegar e o indicador. A fotografia tem suas bordas
esfumadas, entre as mãos, um vão sombreado. Dentre os entremuros prisionais pequenos
“pontos” em determinadas localidades corporais da derme podem criar um novo vocábulo
marginal em que segundo Silva e Paredes, só os prisioneiros tinham fluência.
166
Fonte: O Arquivo Universal e outros arquivos, Rosângela Rennó. 2003, pág. 292,293.
De acordo com os estudos de Silva e Paredes; um único ponto nas mãos se trata de
um indivíduo punguista, dois pontos traz o pior estigma penal sinônimo de repulsa, o estupro,
três pontos em forma piramidal sinalizariam tráfico, cinco pontos furto; porém essas mesmas
insígnias assumem outra significância nas crônicas de João do Rio:
Quase todos os rufistas e rufiãs do Rio têm na mão direita entre o polegar e o
indicador, cinco sinais que significam as chagas. Não há nenhum que não acredite
derrubar o adversário dando lhe uma bofetada com a mão assim marcada (RIO, p.
19, 1997).
Fonte: O Arquivo Universal e outros arquivos, Rosângela Rennó. 2003, pág. 256,257.
169
Fonte: O Arquivo Universal e outros arquivos, Rosângela Rennó. 2003, pág. 270,271.
Um indivíduo retratado na imagem acima, franzino com o tórax exposto, com letras
tatuadas formando uma elipse invertida, “AMÉRICA” não comtempla a leitura do Outro, fora
tatuada voltada para a face do dono do corpo que a carrega, poderíamos atribuir a autoria da
tatuagem ao próprio sujeito que a carrega na derme. Seu mamilo fora circundado por diversas
pintas, poderia ser uma constelação na qual o encarcerado se guiaria para chegar ao seu
destino desejado, acimas dela um grande contorno circular ocupa o vão deixado entre a
“América” e os diversos pontos, mapeando seu peitoral. Assim como a estátua da liberdade,
presente na imagem da direita, novamente temos uma alusão a cultura norte americana,
poderia estar envolto na promessa de felicidade e ascensão econômica que muitos sonhavam
na época, ou poderia ter a nacionalidade americana e ter o desejo de retornar a sua pátria.
Ao lado a artista não trouxe um fragmento do Arquivo Universal e sim um detento de
costas, pelas feições podemos deduzir que se trata do mesmo detento só que agora de costas,
sujeito magro, com a pele manchada, são diversas sardas, melasmas que compõe um realce
com o Cristo crucificado grafado, só que esse Cristo só tem cabeça, sua cruz está incompleta
assim como o seu corpo, seus braços, seu tronco, suas pernas não foram tatuadas, somente o
seu rosto, o único rosto exposto do díptico, a única identidade que punge a face nos quadros
“JESUS”, porque o Cristo fora representado decapitado? Seria a representação de outro
estigma ou o responsável pela execução do símbolo fora compelido a não concluir tal
representação?
O jornalista e escritor João Paulo Alberto Coelho Barreto – que utilizava o
pseudônimo “João do Rio”, em suas crônicas em um fragmento de “Os tatuadores” nos
170
apresenta um marinheiro chamado Joaquim, o mesmo tem o Senhor Crucificado no peito e
uma cruz negra nas costas. “Mandou fazer esse símbolo por esperteza. Quando sofre castigos,
os guardiões sentem se apavorados e sem coragem de sova-lo. ___ Parece que estão dando em
Jesus!” (RIO, p. 19, 1997), a mesma tática utilizada pelo marinheiro safo, poderia talvez ter a
mesma valia na Penitenciária do Estado, o detento poderia almejar proteção, religiosidade,
redenção, a tatuagem fora tatuada em suas costas, assim como o marinheiro, fora feita para
estar à vista do olhar do Outro, se o mesmo o tatuou por esperteza ou religiosidade é uma
incógnita. As imagens grafadas poderiam externar as escolhas que o apenado fez, seriam dois
valores? Um a “América” e o outro a Cristo? Sousa, narra que os detentos acreditam que ter o
Cristo tatuado é segundo eles: “lembrar – se do criador, traz alguma proteção e algum tipo de
conforto espiritual” (Sousa, p. 94, 2009).
171
Na figura, o recorte do arquivo Universal faz menção à chacina da candelária, narra
um episódio onde um Coral, 12 dias antes da matança canta de improviso para um grupo de
crianças que brincavam diante da igreja da Candelária, a fotografia descrita, narra um grupo
de meninos ouvindo atentos a peça do Folclore Brasileiro Que lindos olhos tem você. Uma
canção alegre de ciranda, uma cantiga de roda, que nos rememora o que deveria ser uma
infância saudável, é lúdica.
O episódio mundialmente conhecido como Chacina da Candelária, estampou
manchetes de jornais por todo o globo, 08 jovens em situação de rua foram mortos pela
polícia militar, 06 menores de idade, 02 maiores, com idades entre 11 e 19 anos. No jardim
da Igreja, um monumento foi erguido em homenagem à memória dos jovens mortos, na
composição do monumento, novamente uma Cruz, porém essa Cruz ultrapassa a fronteira
epitelial, fora confeccionada em madeira, está na vertical, abaixo dela uma placa de concreto,
no qual os nomes dos meninos foram inscritos em sua memória. As cruzes da imagem
poderiam fazer alusão a aquelas cruzes anônimas à beira de estrada, marcam a morte de
alguém, mas não se sabe quem, assim como a invisibilidade desses sujeitos à margem da
sociedade mortos, enxergamos essas cruzes o tempo todo carregadas de dor, descaso e
anonimato.
O sujeito da Penitenciária do Estado, não tem nome, não sabemos a sua história, há
uma névoa em cima da história desses indivíduos reduzidos a estatísticas e números, mas
certamente muitos indivíduos com o passado parecido com o de Sandro, talvez não tão
trágico, ou pior, habitam esse corpus coletivo das prisões brasileiras.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
i
Pathos; deriva de uma palavra grega: πάθος, 'sofrimento' ou 'experiência'; o termo é utilizado por René Decartes
(1953 – 1960). O pathos carcerário seria o que deriva da experiência humana no sistema penal nacional.
ii
Arquivo Universal nas palavras da artista: “Se você lê uma referência textual sobre fotografia, não precisa dela
ao lado, basta um comentário para refazer a imagem mentalmente. Aí está a base do meu projeto Arquivo
Universal, um work in progress iniciado em 1992 que sigo ainda alimentando até hoje. Comecei a gostar e a
entender a mecânica da imagem jornalística, e em contrapartida, do potencial imagético oferecido pelo texto
jornalístico. Já era colecionadora de fotografias originais em papel, negativos e negativos de vidro e me tornei
uma colecionadora de recortes de jornal.” (RENNÓ, p. 09, 2003)
iii
Pós-doutoranda no Programa de Teoria Psicanalítica do Instituto de Psicologia da UFRJ. Pós-doutorado em história na
UNIFESP (2012). Doutora em História pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (2011. Disponível em:
https://www.escavador.com/sobre/449588/silvana-cassab-jeha
iv
Do Porto a Pele: a história da tatuagem profissional no Brasil (2016). Produção, roteiro e edição: Thiago
Ghizoni; Trabalho de conclusão de curso; Centro de Comunicação e Expressão; Departamento de jornalismo;
Universidade Federal de Santa Catarina. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=3RnrVt3YmP4
v
Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/docreader.aspx?bib=178691_05&PagFis=12836
173
vi
Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=090972_07&PagFis=26958
vii
Tão moderno que trazia informações como: classificação, caracteres cromáticos, marcas particulares,
cicatrizes, tatuagens, impressões digitais; parentes, nomes, grau de parentesco, domicílio, se vive com a família?
– Contribui para o seu sustento? – Mantem relações com ela? Onde tem residido? Anexo a esse prontuário
também estava à análise das Tatuagens dos detentos, um misto entre o campo da psiquiatria e criminologia. Nela
haviam os seguintes campos: Nome, idade, cor, estado civil, religião, quando foi feita a tatuagem, por quem,
nacionalidade, profissão, crime, reincidência, onde foi feita, que cor tem, localização e classificação. Disponível
em: http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader. aspx?bib=090972_07&PagFis=26958
viii
Entrevista concedida a Horacio Fernandez, Fórum Latino Americano de Fotografia de São Paulo, 22 de
outubro de 2013. Disponível em:<http://www.forumfoto.org.br/rosangela-renno-e-as-imagens-que-nao-
existem/>. Acesso em: 10 nov. 2018.
BIBLIOGRAFIA
Ananda Carvalho
Michele Medina
RESUMO
Este artigo divide-se em duas partes para refletir sobre proposições curatoriais contextuais em
ambientes não convencionais, compreendendo as especificidades dos procedimentos
curatoriais nestes tipos de espaços. Na primeira parte, considera a perspectiva das práticas site
specific a partir dos autores Miwon Kwon, Raquel Garbelotti e Jorge Menna Barreto para
desenvolver uma breve revisão da História das Exposições sobre o tema. Na segunda parte,
apresenta cinco mostras contextuais realizadas na cidade de Vitória (ES) nas duas últimas
décadas. A análise de Intervenção no Edifício das Fundações, Ateliê Ocupação, 8o Salão
Bienal do Mar, 11º Vitória em Arte e Estudos de recepção – arte contemporânea em
ambientes domésticos permite observar a diversidade das exposições e curadorias contextuais
capixabas, discutindo a relação entre obras e espaço expositivo.
ABSTRACT
This article is divided in two parts to reflect about contextual curatorial propositions in non-
conventional environments, including the specificities of curatorial procedures in these types
of spaces. In the first part, it considers the perspective of site specific practices by the authors
Miwon Kwon, Raquel Garbelotti and Jorge Menna Barreto to develop a brief review of the
History of Exhibitions about the theme. In the second part, it presents five contextual
exhibitions at the city of Vitória (ES) in the last two decades. The analysis of Intervenção no
Edifício das Fundações, Ateliê Ocupação, 8º Salão Bienal do Mar, 11º Vitória em Arte and
Estudos de recepção – arte contemporânea em ambientes domésticos allows to observe the
diversity of exhibitions and contextual curatorships at the city of Vitória, discussing the
relationship between works and exhibition space.
Introdução
175
especificidade dos locais escolhidos, considerando que, muitas vezes, “se uma obra fosse
criada para um determinado lugar, ela só existiria neste local, como é o caso da polêmica
sobre Tilted arc” do artista Richard Serra (CARVALHO, 2014, p. 124). Proposições como as
de Serra são observadas como site specific.
[...] os trabalhos site specific costumavam ser obstinados com a “presença”, mesmo
que fossem materialmente efêmeros e inflexíveis quanto à imobilidade, mesmo em
face do desaparecimento ou destruição. Fosse dentro do cubo branco ou no deserto de
Nevada, orientada para a arquitetura ou para a paisagem, a arte site specific
inicialmente tomou o “site” como localidade real, realidade tangível, com identidade
composta por singular combinação de elementos físicos constitutivos: comprimento,
profundidade, altura, textura e formato das paredes e salas; escala e proporção de
praças, edifícios ou parques; condições existentes de iluminação, ventilação, padrões
de trânsito; características topográficas particulares (KWON, 2009, p. 167).
177
ocupar espaços “esquecidos” da cidade de São Paulo, em diferentes contextos urbanos
(SOUZA, 2006, p. 78). O projeto contou com quatro exposições: A cidade sem janelas
(1994), que ocupou um prédio abandonado; A cidade e seus fluxos (1994), que utilizou o
centro da cidade como suporte de suas intervenções; A cidade e suas histórias (1997), que
ocorreu em uma antiga estrada ferroviária da cidade; e Arte/cidade Zona Leste que apresentou
intervenções urbanas em grande escala na região do Sesc Belenzinho. A seguir, detalha-se as
duas primeiras edições devido à especificidade de seus procedimentos, na medida em que as
duas últimas seguem a mesma visada de A cidade e seus fluxos com propostas de intervenções
urbanas em diferentes locais.
Em sua primeira edição, a proposta de Cidade sem janelas ocupava um espaço onde
havia funcionado o antigo Matadouro Municipal na região de Vila Mariana e estava
desocupado e abandonado. Segundo Souza (2006),
A edificação já era por si extremamente expressiva: um espaço estagnado, desprovido
de seu uso original, fisicamente degradado, espacialmente cerrado e opaco ao
exterior, que mesclava impressões de estranhamento, indefinição, desagregação e
confinamento.
Nesse cenário, que se ajustou bem a ideia curatorial, quinze artistas, de diferentes
poéticas, instalaram obras que dialogavam com o espaço, mas não tinham uma
obrigatoriedade de dialogarem entre si. As criações se deram através das características do
local, como o trabalho da artista Carmela Gross que “escavou o chão de uma sala sem janelas,
criando uma malha regular de buracos irregulares – tentativas de ‘fuga’” (SOUZA, 2006, p.
89).
Na proposta da segunda edição, A cidade e seus fluxos (1994), o “seu ponto de
partida é a metrópole contemporânea enquanto espaço complexo e dinâmico, em permanente
mutação […]” (BRISSAC, 2006, p. 85). Realizadas na região do Vale do Anhangabaú, as
intervenções se dão no espaço urbano e nos últimos andares de três edifícios da região
(Edifício Guanabara, Edifício Eletropaulo e a antiga sede do Banco do Brasil). O fluxo urbano
é incorporado pelas obras propostas dos vinte e dois artistas participantes, exemplo disso, é a
obra Detector de ausências do artista Rubens Mano, onde feixes de luz de projetores
instalados nas torres do Viaduto do Chá, recortavam a silhueta dos transeuntes que ali
passavam. O trabalho trazia as questões do anonimato do fluxo de pessoas no meio urbano, a
desterritorialização do espaço e a fugacidade da experiência urbana. A arte levada ao espaço
urbano buscava impactar as relações entre o sujeito e a espaço, retirando o passante de sua
mera condição de observador e o levando para uma experimentação da cidade.
178
Entre diversas outras exposições, a perspectiva das interações artísticas-curatoriais
também pode ser observada no espaço privado. Em 1994, Hans Ulrich Obrist realizou uma
exposição na cozinha de sua casa em St. Gallen (Suíça). Chamada de The Kitchen Show
(World Soup), englobava propostas artísticas relacionadas ao ambiente. Nessa proposição,
segundo Obrist (2014, p. 108), “[…] os artistas ajudaram em todas as tarefas realizadas
relacionadas às minhas exposições, não só em seus trabalhos individuais: Richard Wentworth
a chamou de World Soup [Sopa Mundial], enquanto Fischli e Weiss tiraram fotos dela”. Essa
característica de interação entre artista/ambiente/curador é importante para que as exposições
tenham “[…] vida própria, mais como uma conversa entre curador e artista, do que como um
arranjo de trabalhos para se adequar a uma ideia preexistente” (OBRIST, 2014, p. 110).
179
Tiradentes: Totem-monumento ao Preso Político (1970) de Cildo Meireles e as Trouxas
Ensanguentadas (1969) de Artur Barrio, que fizeram a exposição assumir “[…] o tom
sombrio de uma situação limite. […] Os trabalhos que fizeram em Belo Horizonte
ultrapassaram na verdade a simples polêmica estética […] — para adquirir a feição de luta
pela vida de todo um povo” (BITTENCOURT apud BARRETO; GARBELOTTI, 2008, p.
125). As obras apresentadas eram temporárias, e permaneciam “[…] em seus locais até sua
destruição, acentuando o caráter efêmero e deliberadamente precário de boa parte da criação
artística” (MORAIS, 2013, p. 348) da época.
No texto curatorial escrito em forma de manifesto (mimeografado e distribuído aos
visitantes), o curador ressaltava a importância da arte para a promoção da cidadania e cobrava
maior comprometimento do Governo com a liberdade artística
A afirmação pode ser temerária. Mas tenho para mim que não existe ideia de nação
sem que ela inclua automaticamente a ideia de arte. A arte é parte de qualquer projeto
de nação, integra a consciência nacional. […]
Necessidade vital do homem, a arte é por isso mesmo uma necessidade social. É mais
que um fato coletivo — é parte integrante da sociedade. […]
A repressão ao instinto lúdico do homem é uma ameaça à própria vitalidade social.
Cabe ao governo, portanto, criar condições efetivas para que o “desejo estético do
corpo social” se realize plenamente. (MORAIS, 1970, p.5)
180
por uma lógica de desmobilização política da sociedade como garantia da ‘paz social’”
(NAPOLITANO apud DELLAMORE, 2014, p. 114) levar a arte de encontro as pessoas era
uma forma de ocupar o espaço público de maneira questionadora e reflexiva. Sob esse viés,
pode-se retomar Barreto e Garbelotti (2008, p. 124) para afirmar que ambas as curadorias de
Frederico Morais exemplificam que “no momento em que afirmamos especificidades,
estamos apontando o que esse lugar tem de diferente em relação a outros. Ao trabalharmos
especificidade, produzimos diferença e particularidade”.
181
COLETIVO MARUÍPE. Intervenção no Edifício das Fundações, 2004 – Fonte: Acervo Galeria
Homero Massena.
CÉLULA HnA. Ateliê Ocupação [convite], 2004 – Fonte: Acervo pessoal Gabriel Borém.
184
diferentes, partindo da proposta de “casamento entre a história dos anfitriões e suas casas”
(CUNHA, 2016, p. 103).
Os trabalhos (todos inéditos e site specific) foram criados para aquele contexto
doméstico e serviram como “disparadores para as relações que aconteceram ali, para os
encontros, para as pessoas que visitaram e conheceram as coleções de coisas mais diversas
que as pessoas têm em casa” (CUNHA, 2019). Em proposições como Sons, de Elton Pinheiro
realizada na residência de Erly Vieira Jr e Waldir, o artista articulou o gosto por música dos
residentes como seu ponto de partida para a obra. Segundo Pinheiro (apud CUNHA, 2016, p.
102), ele “[…] partiria da gravação de ruídos de seu cotidiano, em sua própria residência e
nos arredores, para trabalhar a matéria do álbum apresentado no contexto da casa […]”. Em
propostas como as citadas, segundo Cartaxo (2009), “a adoção destes espaços da vida
cotidiana revela a vontade de reaproximação entre o sujeito e o mundo”. Aproximar o público
da arte contemporânea produzida, não limitando-a aos locais convencionais, pode estabelecer
novos meios de fruição da produção artística.
Considerações finais
185
política, é possível pensar aproximações com os projetos Do Corpo À Terra e Arte no Aterro –
um mês de arte pública, propostos por Frederico Morais. Também é possível tecer relações
entre as proposições ocorridas no Edifício das Fundações com a primeira edição do
Arte/Cidade, A cidade sem janelas, a partir do fato dos dois prédios estarem abandonados
antes da realização das exposições.
Nas exposições 8o Salão Bienal do Mar e 11º Vitória em Arte há um trabalho de
curadoria que inclui a seleção das obras em diferentes locais do espaço urbano. Por essa
perspectiva, remetem aos exemplos históricos das exposições propostas por Lucy Lippard
(lembrando-se que suas curadorias estabeleciam procedimentos de montagem por instruções
que são muito diferentes do que ocorreram em Vitória) e ao projeto do Arte/Cidade
(excluindo-se a primeira edição). Por fim, Estudos de recepção – arte contemporânea em
ambientes domésticos aborda as especificidades do espaço privado da residência de alguns
dos artistas convidados. Neste caso, encontra-se referências na exposição The Kitchen Show,
que Hans Ulrich Obrist realizou na cozinha de sua própria casa.
Ao mapear estas exposições, este artigo procurou apresentar a diversidade das
exposições e curadorias contextuais. Observa-se que as relações dos trabalhos artísticos com
as especificidades dos locais de suas exibições variam de acordo com o formato, objetivos e
orçamento de cada projeto. Por esse viés, é possível relembrar da proposição de Barreto e
Garbelotti para compreender que tais especificidades não se restringem a características
físicas de um determinado espaço, mas também a contextos históricos, sociais, culturais,
econômicos e políticos.
Referências
186
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OBRIST, Hans Ulrich. Caminhos da curadoria. Rio de Janeiro: Cobogó, 2014.
187
DESLOCAMENTOS DA ARTE: CACHOEIRO - BRASIL – MUNDO
RESUMO
ABSTRACT
This article aims the teaching material analysis: DISPLACEMENTS OF ART: Cachoeiro-
Brasil-Mundo and its work in a primary school teachers training course. It is proposed by the
research group GEPEL – Art Educational Processes Research Group, and it is part of the
ongoing research “ The Discourse Placement in Art and in Teaching: interweaves and
articulations woven in educational contexts”, the starting point is the educational and
teaching material of the municipality of Cachoeiro de Itapemirim, ES , as well as UFES –
Espirito Santo State Federal University collection of Art as unifying element, where the
produced works belong to. It uses the French semiotic methodology, mainly the narrative
course in which values and reference numbers and their transformations are analyzed. It
presents and describes the ways in which the principles assumed in this educational material
guided a training course for primary school teachers in the municipality of Cachoeiro de
Itapemirim in 2018.
Apresentação
Este artigo tem como objetivo analisar o material educativo “Deslocamentos Da Arte:
Cachoeiro-Brasil-Mundo”, elaborado pelo Grupo de Pesquisa GEPEL1 com financiamento do
CNPq e da FAPES. Para a organização deste, foi escolhido o município de Cachoeiro de
188
Itapemirim – ES, como ponto de partida do deslocamento, e a Coleção de Arte da
Universidade Federal do Espírito Santo como elemento unificador, utilizando-se de parte das
obras da Coleção de Arte da Universidade Federal do Espírito Santo, que fazem parte da sua
reserva técnica, e não se encontram à disposição dos observadores.
Este material, produzido pelo GEPEL, advém da pesquisa em andamento: “O lugar
do discurso na Arte e na Docência: entrelaçamentos e articulações tecidas em contextos
educativos”, que objetiva a oferecer subsídios teóricos e metodológicos a professores e
professoras de Arte e demais docentes da educação básica, no intuito de eles pensarem suas
práticas entrelaçadas e articuladas com a disciplina Arte.
Nessa perspectiva, ele apresenta uma proposta de leitura e de apropriação de obras de
arte, na intenção de disponibilizar ao leitor/a professor/a, processos de leitura com vistas à
compreensão de sentidos do texto verbal-visual, preparando-o para uma abordagem mais
crítica, criativa e consistente das imagens do mundo contemporâneo.
Na primeira parte deste artigo, descreveremos e analisaremos o material educativo,
tendo como aporte teórico, a narratividade presente nele, de acordo com a semiótica francesa.
Na segunda parte, apresentaremos uma formação para os Professores da Rede Municipal de
Ensino de Cachoeiro, em que o material foi apresentado, as repercussões advindas dessa
formação e, por fim, teceremos as conclusões.
189
Estellita Herkenhoff (1965); seguidos dos professores e também artistas: Cesar Cola (1956);
Valdelino Gonçalves dos Santos Filho, mais conhecido como Didico (1959) e Lincoln
Guimarães Dias (1962). É importante ressaltar que as pranchas que compõem este material
são soltas, e não há um sumário direcionando uma sequência de uso, à exceção da prancha em
que consta a cronologia de nascimento, portanto, o destinador deste material é quem escolhe
qual ordem de apresentação dos artistas quer fazer em suas aulas.
Além do fato de terem nascido em Cachoeiro de Itapemirim, outro critério de escolha
e que une todos os artistas é o de terem, pelo menos, uma das obras selecionadas e
apresentadas neste material, pertencentes à Coleção de Arte da UFES, à exceção de 02 (duas)
obras, produzidas pelas artistas Isabel Braga e Ângela Gomes, respectivamente, que
pertencem ao acervo da Galeria Homero Massena, localizada na capital Vitória, e a um acervo
particular.
Na apresentação, intitulada “DESLOCAMENTOS DA ARTE: Cachoeiro-Brasil-
Mundo”, a ênfase da narrativa é a de incluir o município de Cachoeiro de Itapemirim como
um local, dentre outros, que abriga produtores de Arte no Brasil. A noção adotada para esses
artistas e sua produção não é a de regionalizá-los, mas situá-los em um determinado
espaço/tempo, incluindo-os numa produção de Arte, que tem, ela mesma, os seus
deslocamentos. Destacamos uma destas marcas deixadas no texto: “Não é uma Arte
Cachoeirense, Capixaba ou Brasileira, mas de como artistas nascidos no mesmo município do
estado do Espírito Santo em ações de deslocamentos que inscrevem suas produções em outros
locais, como o de uma Coleção de Arte Universitária.” (p. 2, 2018).
Ao negar as restrições e fronteiras, a narrativa exalta o fato de que distintos
deslocamentos convergiram para um mesmo ponto, uma Coleção de Arte Universitária. Desse
modo, o material educativo é composto de uma narrativa que usa um argumento persuasivo,
que quer em seu fazer-fazer ao destinador do material, o professor, apontar tanto a existência
de um espaço de abrigo de obras dentro do estado do Espírito Santo, como de uma
metodologia de leitura e apropriação de obras que tem como aporte a compreensão de
sentidos dos textos verbo-visuais.
Na prancha dedicada ao professor, os destinadores do material desenvolvem uma
narrativa em que, além de instalar o professor como destinatário, coloca-o como centro de um
processo que tem o conceito de leitura, tal como proposto pela teoria semiótica, como
encadeador e provocador das ações de apropriação das obras de arte, e a compreensão da
190
imagem da arte (e qualquer outra imagem), como um texto disponível para leitura.
Ressaltamos um trecho que confirma os nossos argumentos:
“A leitura de um livro, de uma imagem ou de um audiovisual exigem um
deslocamento daquele que lê. Marca a passagem de um estado de não saber que é
desconhecer e ignorar, para o de saber, conhecer e compreender. A leitura poderá ir
ainda mais longe e propiciar além do conhecer a apropriação desse conhecimento,
tomando-o como referência para outras ações.” (p. 3, 2018).
Ler = deter, identificar, conhecer, O primeiro contato com a obra. Observe os detalhes. Cada
reconhecer, percorrer, examinar. detalhe. Faça uma primeira descrição do que você vê.
Provocar = para outras produções. Elaborar projetos de exploração a partir das obras e viver
suas próprias experiências. Criar projetos a partir das
referidas obras... que objetos podem ser produzidos... que
intervenções elas inspiram.
192
Para essa análise desses quatro tópicos apresentados, citamos a pesquisadora Moema
Rebouças (2006, p. 104) que compara conceitos de leitura de dois teóricos distintos a que
considera em conformidade, que são o educador Paulo Freire e o semioticista Algirdas
Greimas. A pesquisadora destaca que, para Freire (1982) [...] aprender a ler e a escrever é,
antes de tudo, aprender a ler o mundo e a compreender o seu contexto; que a leitura de mundo
precede a leitura da palavra, daí que a leitura não pode prescindir daquela, e que, para se
lerem imagens, é necessário adentrar nos textos, compreendendo-os na sua relação dialética
com os seus contextos. Nesse sentido, Rebouças afirma: “[...] a proposta de Freire é dinâmica
e processual, pois exige um movimento constante entre espacialidades, temporalidades em
que se encontram os sujeitos, o produtor e o leitor”.
Por esse prisma, o semioticista Greimas se aproxima de Freire no tocante ao conceito
de intertextualidade, isto é, um texto ou discurso ressoa outro texto ou discurso, ou seja, sob a
“voz” de um enunciador, ressoa a do outro. Greimas (1975, p. 13) argumenta: “[...] o
conceito de leitura é que abrange ao mesmo tempo o objetivo, o encaminhamento e o seu
fazer semiótico [...] definido pela práxis científica, como um ir-e-vir entre a teoria e prática,
entre o construído e o observável”.
Dessa forma, ao ser proposta uma leitura na perspectiva de se “ler, relacionar,
dialogar e provocar”, o destinador envolve o destinatário professor, a um fazer semiótico, isto
é, movido pelo processo de construção, estabelecendo relações como o texto lido (obras) e
seus autores (artistas), em uma leitura dinâmica, estabelecendo conexões com as obras, em
um tecer de reconhecimento, interpretação e aprofundamento, pelo exercício de leitura
significativa que envolve não somente o olhar, mas outras experiências sensíveis.
Outro ponto a ser destacado na metodologia é a ausência de direcionamento e de um
roteiro pré-estabelecido, ao qual o professor assumiria o papel de mero reprodutor, como a de
uma “aplicação” de uma receita.
Na prancha BOAS LEITURAS!, novamente os destinadores manifestam uma
aproximação com os destinatários, por meio da manifestação do prazer na concepção do
material, “[...] foi um exercício exploratório animador e provocante para nós” (p. 6, 2018),
como no uso dos pronomes pessoais “nosso”, e aposta neste destinador como competência
para cumprir este programa narrativo, em que a performance será a da utilização do material
educativo em suas aulas, “Esperamos que vocês possam, junto aos seus alunos, explorar este
material [...]”.(p. 6, 2018)
193
Outro destaque é de aproximação do destinador com os leitores, destinatários deste
material, finalizando com a identificação dos produtores no texto, o que mostra a
intencionalidade subjetiva presente neste texto, ao propor uma conversa, tal qual um convite
entre “eu” e “você”.
As pranchas a seguir, como podemos observar na figura 1 possibilitam ao leitor
visualizar o material educativo e algumas das pranchas que o compõem:
194
AUGUSTO Espaço Democratização (1994) Caminhante da meia-noite
HERKENHOFF (1988)
195
DIDICO O Sol (1993) Sem título (2005)
Cada artista, dentre as dezoito pranchas, é contemplado com três: em uma delas,
consta uma foto, e, à esquerda, uma sintética contextualização de sua vida e de sua produção
artística. Nas outras duas pranchas e, em cada uma delas, uma reprodução de uma obra,
seguida da legenda. A foto do artista possibilita, como numa carteira de identidade e num
percurso narrativo, fazer-se presente e possibilitar ao outro a sua identificação. A
contextualização de vida não deixa dúvidas da origem cachoeirense, e a produção demarca os
deslocamentos que cada um dos artistas fez com a sua obra.
Tal qual na leitura de um livro, de uma imagem ou de um audiovisual, este material
exige um deslocamento daquele que lê. Marca a passagem de um estado de não saber, que é
196
desconhecer e ignorar, para o de saber, conhecer e compreender. A leitura poderá ir ainda
mais longe e oportunizar, além do conhecimento, a apropriação desse conhecimento,
tomando-o como referência para outras ações. Apropriar é tomar posse, é apreender.
Nesse sentido, o material propõe uma leitura com esse movimento de deslocamento
de quem lê. Será então um processo inverso ao dos artistas reunidos neste material, pois, se
eles, no ato de deslocamento, traçaram rotas de distanciamento geográfico, na busca da
inserção em um território universal que é o da Arte, o processo de leitura é o de aproximação
do objeto lido.
197
Licenciatura citado e da artista naif Ângela Gomes. Os outros três artistas: Isabel Braga,
Augusto Herkenhoff e Didico, eles não conheciam. Surpreende o fato, pois a artista e
professora Isabel Braga tem um papel de destaque na educação em Arte naquele município, e
em nosso país. Ela foi a criadora de uma das poucas Escolinhas de Arte do Brasil. Essas
escolas foram criadas nos fins da década de 40, do século passado, a partir do movimento do
mesmo nome e com a participação e proposição de intelectuais nacionais tais como os artistas
Augusto Rodrigues e Noemia Varela, a psicóloga Nise da Silveira, entre outros.
A seguir, podem ser apreciadas fotografias dessa formação.
Figura 2- Palestra com a professora Drª Moema Rebouças. 22 de março de 2018. Cachoeiro de Itapemirim
Figura 3 - Estudantes do curso Licenciatura Artes Visuais UAB. Gardênia, Rosa, Débora, Fagner. Tendo em
mãos o Material Educativo: Deslocamentos da Arte: Cachoeiro-Brasil-Mundo
198
O curso de formação “A Arte pela arte”, para além da palestra de abertura e
apresentação do Material Pedagógico, teve, como desdobramentos, oficinas de arte,
organizadas e ministradas pelos alunos do curso de Artes Visuais UAB, que foram as
seguintes: "Leitura de Imagem", "Mosaico", "Laboratório de fabricação de tintas", "Desenho
da Contemporaneidade" e "Teatro", e teve a participação dos professores da rede municipal,
com forma de apropriação, conhecimento e entendimento sobre as Artes em seu contexto
mais amplo. Destacamos, no quadro abaixo, a organização das oficinas.
199
3.1 REGISTROS FOTOGRÁFICOS DAS OFICINAS REALIZADAS
200
Figura 10 - Oficina de fabricação de tintas
3 CONSIDERAÇÕES
REFERENCIAIS BIBLIOGRÁFICOS
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Educação. PPGE. UFES, 2006.
202
DE CAPELA À GALERIA: RELAÇÕES E ARTICULAÇÕES DA GALERIA DE
ARTE E PESQUISA DA UFES
RESUMO
Este artigo tem como objeto a atuação da GAP da UFES de 1976 até 1994i. Criada pelo
Centro de Artes integrou a arte com a formação de artistas e professores por meio de
exposições de artistas locais e nacionais, ofertando palestras e cursos destinados aos
estudantes e artistas. Além destas ações a GAP, por meio de doação dos expositores formou
uma Coleção de Arte. Neste período a galeria ocupou a Capela Sta Luzia distante dez km da
UFES. Este artigo irá reconstituir as relações entre o contexto histórico, religioso e artístico da
formação da GAP e, dialogar com estudos sobre galerias e museus universitários, tais como
Adriana Almeida (2001), Ana Paula de Andrade (2012) e Magna Rosa (2015).
ABSTRACT
This research article intends to bring up issues on UFES – ES State Federal University´s Art
and Research Gallery (GAP) creation, by its performance and its connection to courses
offered by UFES Arts Center, especially concerning professors, artists, and university
students activities from the artistic exhibitions promoted by the university, which came down
to its Art Collection formation. This project focuses on the displacements studies, especially
from 1976 to 1994, when GAP was temporarily located inside Santa Luzia Chapel, located in
the downtown area of Vitória, state capital city. This study wants to understand the building
uses and functions in hosting the University Art Gallery, since it was built for religious
purposes. Teachers, artists, and students were allowed to travel from artistic to educational
territories during this period. Furthermore, it is a historical and descriptive qualitative
research, since it needs to articulate the past and present in order to fulfil the proposed
objectives. It selects documents such as regiments, official documents, catalogs, and
interviews with those involved in the creation and administration of GAP/UFES, as well as
newspaper documents of the time as investigative corpus, Adriana Almeida (2001), Ana Paula
de Andrade (2012) e Magna Rosa (2015).
Keywords: University Art Gallery; Educational Training; Artistic training; University Art
Teaching.
203
1. INTRODUÇÃO
O interesse sobre o patrimônio edificado de Vitória – ES, vem acompanhando tanto a
vida profissional no contexto das experiências educacionais nas aulas de artes em turmas do
ensino fundamental, como a de pesquisadora. No mestrado em Artes da UFES (2009), com o
título, “Crônica de uma dispersão anunciada: As imagens da Capela da Ordem Terceira da
Penitência e da Igreja Conventual de São Francisco de Vitória”, o contato com os arquivos da
cidade, uniu duas áreas: a Arte e o Patrimônio Cultural, temas que integrados possibilitaram
discutir a formação da cidade em seu contexto mais antigo, no século XVI. O recorte se deu a
partir das igrejas que despontaram, contornando a (inicialmente chamada), Ilha de Santo
Antônio, em seus pontos mais singulares. Levantadas nas terras do seu primeiro donatário,
Duarte Lemos, que, como não podia deixar de ser diferente das demais cidades brasileiras
(colonizadas por portugueses), teve como sua primeira construção uma igreja, no caso da
cidade de Vitória, uma Capela, dedicada a Santa Luzia. Esta capela acumula histórias que
ultrapassam sua inicial função religiosa, pois, com a passagem dos anos, devido a falta de uso
da edificação, como conseqüência, por diversas vezes ficou abandonada. Atualmente, mesmo
fechada, esta capela ocupa uma posição geográfica privilegiada, fazendo parte da construção
da primeira identidade visual urbana da pequena vila que se integra à estética católica
marcante da produção artístico-arquitetônica do Brasil colonial (MONTEIRO, 2008, p. 81).
Constituída sua construção em contornos do barroco tardio, a Capela de Santa Luzia
abrigou a Irmandade de Nossa Senhora dos Remédios no século XVIII. Em 1912, sua
desapropriação e venda foi oferecida pela Igreja ao Estado que aceitou o negócio. Nas
palavras do bispo diocesanoii, “[...] pelo seu estado de má conservação e construcção, que
impede o alinhamento da rua”. Em resposta, a Nunciatura Apostólica autorizou a negociação
e o destino do dinheiro da sua venda deveria ser aplicado “[...] no concerto da Egreja
Cathedral desta cidade, na qual levantar-se-há um altar dedicado a Santa Luzia”, altar este,
que nunca existiu. Mesmo desapropriada, Elmo Elton (2014) escreve que até 1919 nela
celebravam-se missas com regularidade. Em 1939, o governo designou o local para funcionar
o Museu Capixaba. Estando a edificação em estado precário de conservação, no ano de 1943,
a Capela foi restaurada aos cuidados de André Carloniiii.
A esse respeito, a Capela de Santa Luzia de acordo com Salvalaio (2008), teve seu
tombamento em caráter ex-ofício, no dia 1º de agosto de 1946, ou seja, feito no interesse da
administração pública, com prevalência sobre qualquer interesse particular. Além de
preservada em sua materialidade, com o tombamento a capela assumiu seu caráter enquanto
204
bem cultural, demarcando um novo tempo, ganhou “novo fôlego” em meio a sua preservação,
pois, eram frequentes as justificativas que se baseavam na ameaça de sua perda iminente, seja
ela pelo estado de ruína ou pela urbanização crescente no Centro Histórico de Vitória. E, em
meio aos seus diferentes usos e funções, passou a receber doações de objetos sacros,
incentivadas pelo então interventor federal no Espírito Santo, João Punaro Bley, que instalou
em suas dependências o Museu de Arte Sacra (ou Museu de Arte Religiosa) que lá funcionou
até 1975, data que teve seu acervo transferido para o Museu Solar Monjardim localizado em
Jucutuquara, outro bairro de Vitória (ELTON, 1987). Novamente desativada, a Capelinha
ganhou novas reformas e nova ocupação no ano seguinte, como vamos mostrar.
Pois, como afirma Tirapeli (2005, p. 8), acerca da formação das cidades brasileiras,
tais edificações são portadoras de sentidos, associadas às questões sociais e principalmente
por meio das Artes, mesmo que a sacra, motivando sua construção. Cumprido seu papel no
período colonial a Capela de Santa Luzia irradia o Centro Histórico de Vitória com sua
presença e permanência desde o século XVI, sendo merecedora de cuidados. Constatamos que
a edificação se adequou à vivência urbana como espaço do passado e através das suas
diferentes formas de apropriação, adquiriu diferentes configurações através do tempo,
tornando-se um lugar constituído de história e memória. Não é de nosso interesse, discorrer
sobre a importância ou instâncias do tombamento da Capela de Santa Luzia, concordamos que
seja meritória sua salvaguarda, evitando o dano. Importa-nos que seja unânime entre os
escritores, que o tombamento por si só, não é capaz de resguardar a integridade e a
continuidade de um patrimônio, como defende Ferreira (2012), sendo preciso, para isso, que
exista um reconhecimento por parte da sociedade, que nele atue, preserve-o, não o deixando
cair no esquecimento.
Além de função religiosa, ao explorarmos os agentes constituintes do seu tempo
histórico, encontramos no ano de 1976, a nova ocupação da Capelinha, revestida de vida,
apresentando-a, como Galeria de Arte e Pesquisa da UFES – GAP/UFES, atrelada ao ensino e
pesquisa universitária do curso de Artes, ampliando seu sentido de lugar. Este processo não
foi breve, e para isso, nos reportamos à professora Jerusa Gueiros Samú do Centro de Artes da
UFES, quando relata em 2015 no documentário “Museu Aberto”, que, com o apoio dos
professores do Centro de Artes, e do então Diretor Paulo Magalhães, em meados de 1975,
consultou o SPHAN (O SPHAN foi fundado em 1937, atual IPHAN – Instituto do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional), acerca do empréstimo da Capela de Santa Luzia, para nela
205
funcionar uma Galeria de Arte Universitária, intitulada como Galeria de Arte e Pesquisa –
GAP, como dissemos antes.
Nossa hipótese é de que, professores artistas da UFES não foram movidos
despretensiosamente em suas investidas, quando imprimiram neste espaço, uma continuidade
do Centro de Artes, localizada há dez quilômetros de distância do campus da UFES,
utilizando-a como Sede da GAP, durante dezoito anos (1976 a 1994). Como nos indica
Halbwachs (2006, p. 160), “[...] acontecimentos causam mudanças, pois, um grupo pode
modificar um lugar”, desta forma reiteramos que as exposições artísticas ocorridas nas
dependências da Capela, deixaram calorosas lembranças na vida pessoal e profissional dos
professores e artistas que naquele momento lá atuaram. Para o autor, acontecimentos
marcantes, trazem consigo uma mudança nas relações do grupo com o lugar, desta forma, a
Capela de Santa Luzia, enquanto espaço constituído de memória e permanência na cidade de
Vitória exprime interrogações referentes aos seus usos e suas diferentes apropriações, que
pretendemos elucidar.
Em especial, destacamos que a apropriação dos seus 60m² que abrigou exposições e
instalações de arte, tornou-se “território” extensivo do curso de Artes da UFES, provocando e
oportunizando aos professores, estudantes e aos transeuntes do Centro Histórico da Capital
Vitória, uma série de Mostras Artísticas, tornando-se, à seu tempo, referência no que dizia
respeito à Arte Moderna naquele período, favorecendo o encontro entre gerações que residiam
no Centro Histórico com a juventude universitária, estando à frente deste movimento
moderno, os professores e artistas da UFES. Momentos estes, que são observados na origem
da formação das cidades. O historiador Le Goff (1998, p. 25), quando escreve sobre “A
cidade inovadora, palco de igualdade e festa da troca”, nos ensina que,
207
Fig 1. Capela de Santa Luzia. 1940. Localizada no Centro Histórico de Vitória - ES. Disponível em
<www.morrodomoreno.com>. Acesso em 5 junho de 2017.
Em seus quarenta e três anos de existência, a Galeria de Arte Pesquisa acumula uma
série de Mostras de Arte, construiu seu acervo a partir da doação de uma obra feita por cada
expositor convidado, e, de acordo com o Catálogo Acervo da Galeria de Arte Espaço
Universitário–EU, lançado do ano de 2007vi, conta com cerca de mais de mil obras de arte,
distribuídas entre pinturas, esculturas, gravuras, fotografias e desenhos, fazendo parte de sua
reserva técnica.
Para Rebouças (2016), as obras de arte são portadoras de um discurso que traz um
tempo, um espaço e uma autoria que pode provocar, naqueles que com elas interagem, outras
ações a partir de suas leituras possíveis. E, para que estas leituras aconteçam de fato, torna-se
essencial o acesso ao público à esta Coleção cujo acervo vai do Moderno ao Contemporâneo.
208
ensino de Arte universitário. O acesso às Coleções de Arte, expressam a imersão da cultura e
de seus agentes formadores, tornando-se Bens Patrimoniais com valor artístico e monetário.
Por fazerem parte da esfera pública, necessitam ser inventariados, estudados e
disponibilizados ao público, além disso, precisam ter questionados seus modelos
institucionais, seu funcionamento, e analisadas suas políticas culturais enquanto salvaguarda
deste referido Acervo de Obras de Arte.
A autora traz parte da trajetória de formação da Coleção de Arte da UFES, desde o ano
de 1976, descrevendo as exposições realizadas durante quatro anos de funcionamento da
GAP, ou seja, até 1980. Trazendo em seu escopo as contribuições para a ampliação do
repertório das artes plásticas capixabas, Rosa faz análise do panorama socioeconômico e
cultural espírito-santense, antes da federalização e após a formação da UFES, apontando a
renovação ocorrida no cenário artístico capixaba daquele período. A autora destaca obras
específicas da coleção e seus respectivos artistas, apresentando-nos documentos relativos à
Galeria de Arte e Pesquisa até o ano de 1980. Esta pesquisadora dá continuidade aos estudos
de sua orientadora a professora Almerinda da Silva Lopes (CAR-UFES), autora do livro
“Artes Plásticas no Espírito Santo 1940 – 1969, ensino, instituição, produção e crítica (2012),
que antecede a escrita da Magna Rosa. Nossa intenção é estender esta pesquisa até o ano,
como dissemos anteriormente, de 1994, quando a GAP encerra suas atividades na Capela de
Santa Luzia, instalando-se um dos prédios do Campus de Goiabeiras em Vitória, alterando
novamente seu “território” de atuação, depois de dezoito anos de existência.
Continuando nossa busca, nos deparamos com a tese de Adriana Mortara Almeida,
“Museus e Coleções Universitários. Por que museus de arte na Universidade de São Paulo”,
escrita em 2001, apresentada à Escola de Comunicação e Artes da USP, traz em seus cinco
capítulos, uma extensa escrita a partir da vivência da autora, em um Museu Universitário. A
pesquisadora pesquisou diversos museus universitários brasileiros e estrangeiros buscando
suas formas de funcionamento, bem como suas relações com a comunidade universitária. Em
meio a sua busca, encontramos inseridos neste contexto, referencia à Galeria de Arte da
UFES, pois, a autora, dedica um capítulo aos museus de Arte universitária, ao destacar
dezessete deles, escreve que, “[...] os mais recentes, principalmente as Galerias da UNICAMP
e da UFES, tem acervo formado por doações de artistas locais e apresentam basicamente
exposições temporárias” (ALMEIDA, 2001, p. 143). Com relação à GAP/UFES, de acordo
com nosso levantamento, mesmo que em fase inicial, somente entre os anos 1976 até 1987, há
registros de mais de 138 obras doadas por expositores, locais e nacionais, formando um
acervo Universitário com obras de renome nacional, como Remina Katz, Maria Tomanelli
Cirne Lima, Rubens Gerchman, Rubem C., Dionísio Del Santo, Fayga Ostrower, Marília
Krans, Daniel Valença Lins, Paulo E. Herkenhoff, Ligia Pape, Antonio Henrique Amaral,
Abelardo Zaluar e Carlos Scliar, conforme o Relatório Setor de Galerias de 1987, se
210
estendermos a busca para 1994, ampliar-se-á certamente este Acervo de Obras de Arte da
UFES.
O estudo feito em 2004 por Alice Lucas Semedo e descrito no artigo “Estratégias
museológicas e consensos gerais”, traz-nos indicações e rupturas acerca dos museus em
Portugal, do ano de 1974 até a data da referida publicação, difundindo os modos de vida e
suas relações com os valores culturais de cada época. Especialmente no ano de 1978 a
preservação do patrimônio começa a ser uma preocupação constante, relacionando-se com a
identidade nacional portuguesa. Para Semedo, abordar a identidade nacional proporciona um
sentimento de segurança em meio ao desgaste do nosso sentido de lugar. Buscando nos situar,
frente a este lugar que nos colocamos e ao seu tempo, concluímos nosso levantamento,
reportando-nos à Lucilia de Almeida Neves Delgado em sua conferência de abertura no VI
211
Encontro Nacional de História Oral (ABHO), em 2003 com o título “História oral e narrativa:
tempo, memória e identidades”.
Para a autora, tempo, memória, espaço e história caminham juntos. Sendo que o tempo
dentre outros aspectos “[...] é um movimento de múltiplas faces, características e ritmos, que
inserido à vida humana, implica em durações, rupturas, convenções, representações coletivas
e simultaneidades”. Mais que isso, o tempo, como observamos nas pesquisas aqui
relacionadas, faz parte, a nosso ver, em meio às palavras de Lucilia, em “[...] um processo em
eterno curso e em permanente devir” (2003, p. 10). As leituras feitas orientam perspectivas
que almejamos em nossa pesquisa, trazendo-nos visões sobre o passado, oportunizando-nos
traçar avaliações sobre o presente e o mais importante, nos apontam as projeções sobre o
futuro da tese que nos propomos escrever, atentos à missão da Galeria da UFES.
Tabela 1- Relação de museus e galerias de Arte. Fonte: Almeida, 2001, com atualizações.
Ceará
212
4 Galeria de Arte Espaço UFES Arte Contemporânea 1979 Vitória ES
Universitário- GAEU
MG
Paraíba
Paraíba
Paraíba
RJ
MG
213
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
i
Integra a pesquisa realizada pelo GEPEL do Cnpq (Grupo de Pesquisa de Processos Educativos em Arte),
financiada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico-Cnpq e FAPES.
ii
Os motivos da desapropriação são: Não havia “[...] nenhuma utilidade da dita Capella para o Culto Divino; tem
mau estado de conservação e desleixo da Irmandade que ali existte, na conservação da Capella, visto que seus
membros, nem siquer, dão contas alguma de seus actos á auctoridade diocesana”. 1912. Arquivo Cúria de
Vitória.
iii
André Carloni nasceu na Itália e chegou ao Brasil em 1890. Artista autodidata, atuava como projetista e
construtor. Elaborou diversos projetos na cidade de Vitória, a exemplo do Teatro Carlos Gomes em 1925 no
local do antigo Theatro Melpômene (1895) que pegou fogo. Foi o primeiro representante do SPHAN (Serviço do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) em Vitória. Morreu em 1976 aos 93 anos.
iv
Ofício de nº314/75CAR/UFES. Portaria nº025/75-CAR/UFES. Como diretor do Centro de Artes estava Paulo
Cesar Simões Magalhães e, Manuel Ceciliano Abel de Almeida era o reitor universitário.
v
A Portaria nº45/80 de 18 de maio de 1976, declara a professora Jerusa Margarida Gueiros Samú responsável
pela Coordenação Geral da GAP/UFES.
vi
Alguns artistas citados no Catálogo: Hélio Coelho, Cesar Cola, Paulo Fernandes, José Antônio Gomes, Georgia
Uchôa, Fatima Nader, Luiz Natal, João Calixto, Regina Chulan, Marian Rabelo, Cacá Miled, Orlando da Rosa
Farya, Nelma Guimarães, Renato Caseira, Nice, Kleber Galvêas, Loio Pérsio, Dan Ferreira Mendonça, Atílio
Colnago, Mario Azevedo, Tomie Otake, Rubens Gerchman, Fayga Ostrower, Rubem Grillo, Elpio Malaquias,
Jerusa Samú, Carlos Scliar, Lygia Pape, Dionizio Del Santo, Angela Gomes, Jeveaux, Freda Jardim, Fernando
Baril, Mirtes Moreira, Rosindo Torres, Hilal Sami Hilal, Edson Arcanjo, Aldo Garcia, Lenise Magi, Jessé Santos,
Luiz Natal, Joyce Brandão, Moema Rebouças, Dante Veloni, Wanda Ribeiro, Nortton Dantas, Lincoln Guimarães.
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216
ESTÊNCIL, LINGUAGEM CONTEMPORÂNEA E CULTURA VISUAL:
CATALISADORA DE NOVOS SABERES
RESUMO
ABSTRACT
This text aims to analyze the potential for dialogue of content and methodology, used in the
daily practices of art classes with the students 'experience, with the purpose that these two
areas tangent and enable the creation of meaning in students' learning and teachers. Thus, we
adopt a contemporary language, the stencil, and Hernández's methodology of visual culture,
to integrate students into contemporary teaching, bringing them closer to a meaningful
teaching of art. It is an observation and analysis of the stencil creation process and the
relationship that students created with it, bringing to their practices, questions and personal
preferences.
Ao entrarmos nas aulas de artes dentro deste contexto, por muitas vezes encontramos
as mesmas metodologias perpetuadas no ensino da arte e que não se fazem refletidas por
muitos professores, mantendo a mesma como um método. É comum, também, encontrarmos
os mesmos artistas sendo citados, a mesma perspectiva e uma recusa do ensino da arte
contemporânea, seja por receio de um desconhecimento do conteúdo, seja por julgar ser um
conteúdo que não pode ser desenvolvido com crianças e adolescentes.
Esse artigo sugere, portanto, uma análise da prática do estágio, a partir do período de
observação em uma turma de 7° ano, da Escola Experimental de Vitória e propõe a reflexão
de como criar um diálogo entre conteúdo e metodologia, a fim de que os mesmos se
atravessem e criem sentido para estudantes e professores.
218
da arte contemporânea. Fernando Hernandéz (2007, p. 13) diz a respeito de uma narrativa
única:
A primeira razão para a escolha desta temática se deu porque apesar do estêncil estar
nas proximidades da escola, impresso em muitas paredes da Universidade e de muros no
caminho até a escola, percebemos que os alunos desconheciam suas características. Sendo
assim, trabalhar essa linguagem como meio, visando tratar de aspectos da arte contemporânea,
criaria um espaço de contato que nos possibilitaria uma aproximação de seus repertórios,
tentando suprir minimamente essa necessidade identificada na entrada na escola.
Consideramos, diante da faixa etária com que estávamos trabalhando neste projeto,
em torno de 12 anos, e em consonância com discussões elaboradas durante as aulas de
estágio, que havia uma necessidade de desenvolver conteúdos de arte contemporânea com a
turma. Portanto, consideramos trabalhar com as características da não linearidade, utilização
de materiais e suportes de origens diversas, transitoriedade, efemeridade, virtualidade,
participação do outro na e para a realização da obra/ação, interfaces com outras áreas e
presença de um corpo híbrido, mencionadas por Julia Rocha (2018, p. 7) para pensar a
aproximação entre a mesma e o ensino da arte, visando refletir especificamente como o
estêncil poderia ser desenvolvido em sala de aula.
Isto posto, analisamos quais pontos deste trecho do texto se relacionam com as
características do estêncil e dos artistas que referenciamos em sala de aula. A partir das
discussões do texto sobre um ensino contemporâneo da arte contemporânea, pensamos na
220
cultura visual como metodologia para o projeto, pretendendo trabalhar o estêncil de um ponto
de vista subjetivo e elaborando sentido para sua representação.
Outro ponto que podemos incluir é a virtualidade, fazendo uso também de recursos
digitais, como photoshop, para pensar a imagem e quantas máscaras será preciso para compor
o que se deseja, sendo cada cor uma máscara, dando outros resultados.
No contexto de arte urbana, o estêncil também se faz efêmero, pois está exposto a
qualquer manifestação, e isso não é um problema para os artistas que utilizam essa linguagem
em suas produções, pelo contrário, se apropriam dessa efemeridade, criando uma
potencialidade no seu discurso. O estêncil está nas ruas, onde pode ser apagado
posteriormente.
221
significado satírico, político, mas também pode refletir o desejo ou o medo, o imaginário ou o
literal. Permite a representação do sujeito a sua própria existência.
https://blekleratoriginal.com/fr/portfolio/annees-2010/nggallery/page/3
Outro artista adotado como referência no projeto de estágio foi Banksy, que intercala
uso de estêncil e grafite em suas imagens. As produções de Banksy se assemelham com as de
Blek le Rat, visto que ambos usam o estêncil como meio para fazer críticas sociais e políticas.
Banksy faz referências a vários trabalhos de Blek le Rat, principalmente a seus ratos. Apesar
do grande reconhecimento mundial, Banksy permanece no anonimatoii, que, para além da
relevância de suas obras, se torna mais um dos motivos para seu reconhecimento.
222
Banksy, sem título, s/d.
<http://www.banksy.co.uk/out.asp>
<https://www.ufrgs.br/arteversal/?p=735>
223
Durante as aulas realizadas no estágio, apresentamos primeiro as imagens dos
artistas, sem dar a identificação de cada um ou indicar muitas informações, provocando-os a
lerem as imagens. Neste processo, ouvimos os alunos a fim de compreender sua aproximação
com as obras, partindo de suas respectivas realidades, para, somente depois, identificarmos e
contextualizarmos cada imagem.
Neste processo, confirmamos que o estêncil passa por diferentes propriedades da arte
contemporânea, ora pela técnica, ora pela proposta do artista. Por sua vez, entendemos que o
ensino da arte se faz flexível (conteúdo e prática se atravessam), tudo pode ser questionado e
estão sempre passíveis a mudanças e interpretações.
Para trabalhar o estêncil a partir desse ponto de vista, que engloba o contexto da obra
e o repertório dos alunos, e com referência no texto de Rocha (2018, p. 2) que visa produzir
“um espaço de encontro entre conteúdo e metodologia”, nos aproximamos da metodologia de
cultura visual, proposta por Hernández (2007), pensando, sobretudo na necessidade de se
trazer a bagagem visual dos alunos e pensando em cultura visual para além de imagem,
incorporando a técnica e a linguagem ao modo de realizar, associando, portanto, conteúdo e
metodologia.
224
representação – conceitos, sinais e signos. E dessa forma, usamos esses sistemas para criar
uma consciência reflexiva, e para simbolizar os conhecimentos e as práticas socioculturais.
225
que corresponde à espacialidade e temporalidade deles. Assume-se a finalidade de incluir o
aluno a sua própria aprendizagem, algo que abrange a vida concreta deles.
As subjetividades dos alunos se configuram a partir das relações sociais, e devem ser
trabalhadas em sala de aula, com o intuito de trazer ao âmbito escolar um debate sobre o
entendimento e compreensão do mundo e de si mesmo. O professor de arte-educação deve
propiciar a análise junto com os estudantes, pois a subjetividade dos mesmos não se separa
das vivências e experiências adquiridas das práticas culturais.
Mas, para que o passado possa fazer sentido para os alunos, é necessário romper o
ensino fundado em classificações assentadas em espaços e tempos estanques e
privilegiados em detrimento de outros; é preciso romper com concepções elitistas,
como a que se apoia em uma História da Arte (no singular e com letras maiúsculas,
porque calcada numa visão europeia, masculina e branca), que se pressupõe
universal e que abarca apenas a estética do século XIX, raramente ultrapassando o
primeiro quarto do século XX. (ALMEIDA, 2001, p.16).
(...) ‘pedagogia cultural’ (que tem a ver com o papel que desempenham as
representações e as manifestações da cultura popular com a qual crianças e jovens
entram em contato fora da Escola - que têm um importante papel na constituição das
suas subjetividades) e a ‘pedagogia escolar’ (o que se pressupõe que a escola ensine
e os valores que pretende transmitir por meio de sua proposta pedagógica).
i
Lambe-lambe são pôsters artísticos que são colados em espaços públicos.
ii
Há inúmeras especulações sobre a identidade do artista, muitos acreditam que se trata de um coletivo, ou um
membro da banda Massive Attack, também tem origem na Inglaterra.
iii
O JAMAC (Jardim Miriam Arte e Clube) é uma associação sem fins lucrativos, formada por artistas e
moradores do bairro de periferia Jardim Miriam, zona sul de São Paulo, foi fundada em 2004 a partir do projeto
Paredes Pinturas.
228
REFERENCIAIS BIBLIOGRÁFICOS
ALMEIDA, Célia Maria de Castro. Concepções e práticas artísticas na escola. In: FERREIRA,
Sueli. O ensino das Artes: construindo caminhos. Campinas/SP: Editora Papirus, 2001.
HERNÁNDEZ, Fernando. Catadores da cultura visual: transformando fragmentos em nova
narrativa educacional. Porto Alegre: Mediação, 2007.
ROCHA, Julia. O ensino (contemporâneo) da arte contemporânea: similitudes e
enfrentamentos entre metodologia e conteúdo.
229
UM OLHAR CONTEMPORÂNEO NA PAISAGEM URBANA DE VITÓRIA:
CEMITÉRIO DE SANTO ANTÔNIO, A EDUCAÇÃO PATRIMONIAL, HISTÓRIA E
O TURISMO
RESUMO
O presente artigo baseou-se na pesquisa exploratória que foi realizada através do projeto de
iniciação cientifica (UFES), trabalho de graduação em artes (UFES) e por fim foi dado
continuidade ao universo da arte cemiterial também no mestrado em artes (UFES), no qual todo
o processo está sendo coordenado e supervisionado pelo professor Dr. Aparecido José Cirilo
até o presente momento. O cemitério de Santo Antônio em Vitória, ES, foi escolhido devido a
grande quantidade de esculturas que possuem no local, e que lamentavelmente está se perdendo
devido a ação do tempo, depredações e furtos, incidindo na preservação das mesmas. Propõe-
se nesse artigo salientar a incontestável importância na obtenção de um sistema de educação
patrimonial regido pela Prefeitura Municipal de Vitória, seja com as Universidades, Empresas
particulares, ou órgãos públicos. A vista disso, foi abordado a identificação do cemitério de
Santo Antônio como parte integrante da paisagem urbana de Vitória, sendo apresentados
programas realizados no Brasil e no mundo com o intuito de preservar os monumentos ali
presentes, promovendo ações educativas, junto a escolas e programas turísticos, assim,
ensinando a história cultural do local e das famílias ali enterradas, a partir da utilização das
potencialidades históricas, artísticas, culturais, religiosas e identitárias.
ABSTRACT
The present article was based on the exploratory research that was carried out through the
UFES, undergraduate work in the arts (UFES) and finally the universe of cemetery art was also
continued in the Master of Arts (UFES) in which the whole process is being coordinated and
supervised by professor Dr. Aparecido José Cirilo until the present moment. The cemetery of
Santo Antônio in Vitória, ES, was chosen because of the large number of sculptures that they
have in the place, and that unfortunately is being lost due to the action of the time, depredations
and thefts, focusing on the preservation of the same. It is proposed in this article to emphasize
the incontestable importance in obtaining a patrimonial education system governed by the
Municipality of Vitória, be it with universities, private companies, or public agencies. In view of
this, the identification of the Santo Antônio cemetery as an integral part of the urban landscape
of Vitória was approached, with programs presented in Brazil and in the world being presented
with the intention of preserving the monuments present, promoting educational actions, together
with schools and tourist programs , thus teaching the cultural history of the place and the
families buried there, based on the use of historical, artistic, cultural, religious and identity
potentialities
Keywords: Cemiterial Art. Sculptures. Conservation. Tourism. Story
230
1 INTRODUÇÃO
232
Figura 1 – Entrada do Cemitério de Santo Antônio
Fonte: Cemitérios... (acesso em 11 nov. 2018).
“O bairro Santo Antônio em Vitória foi escolhido no final do século XIX para
localização de vários cemitérios” (CEMITÉRIOS, acesso em 12 abr. 2018). “O Cemitério de
Santo Antônio foi construído no século XIX com a proibição de enterros em igrejas, mas
ganhou mais importância no século XX” (CEMITÉRIOS, acesso em 12 abr, 2018). “O nome
dado ao cemitério relaciona-se ao fato de o bairro se chamar Santo Antônio, o qual tem esse
nome porque foi localizado por povoadores no dia 13 de junho, dia desse santo católico”
(CEMITÉRIOS, acesso em 12 abr. 2018).
No dia 1° de maio de 1912, o cemitério municipal Santo Antônio foi aberto pela
Prefeitura de Vitória. “Os enterros aconteciam por meio do uso do bonde (Figura 2), ou seja, de
um carro que levava o caixão e as pessoas até o portão do cemitério” (CEMITÉRIOS, acesso em
12 abr. 2018). “Nesse contexto, foi criado o bonde funerário, que possuía um carro principal, que
levava os parentes e amigos do falecido, e um reboque, que levava o corpo do morto. A
população denominava essa situação de “enterro de bonde” (CEMITÉRIOS, acesso em 12 abr.
2018).
233
Figura 2 – Bonde de transporte funerário.
Fonte: CEMITÉRIO... (acesso em 19 maio 2019). Nota: Bonde fúnebre, Vitória, iniciado em 1911.
234
3 EDUCAÇÃO PATRIMONIAL, HISTÓRIA E TURISMO
235
Figura 7 – Jesus misericordioso (1)
Fonte: Elaboração própria.
Nota: Escultura fotografada após um dia de chuva, onde é possível notar que o produto aplicado não é adequado
para o monumento em bronze.
236
Figura 9 – Santa Terezinha Figura 10 – Menino sentado sob capela
de técnicas adequadas para a boa conservação das obras. Ao final, deve avaliar a possibilidade
de tombamento de alguns túmulos nesse espaço, como já ocorre em cemitérios de outras
capitais, ressaltando-se que, além do peso dos ilustres ali sepultados, também é importante
preservar a riqueza artística das esculturas tumulares, verdadeiras obras de arte, executadas por
artistas responsáveis pela beleza das esculturas.
Os cemitérios fazem parte de um contexto polêmico por excelência. Esses locais de
respeitabilidade e de memória aos que já faleceram são envoltos em uma aura de mistério.
Fascínio ou repúdio, tais locais são responsáveis por despertar diversos sentimentos, atitudes,
opiniões, ideias, imagens, representações conflitantes e complementares. “As pesquisas em
torno da estética cemiterial cresceram muito nos últimos anos, seja por tentar refletir mais sobre
a morte ou por tentar conhecer o passado através destas fontes” (ISMÉRIO, 2017, p. 113).
Ainda continua o pesquisador: “E atualmente existe a compreensão de que os cemitérios são
museus a céu aberto, que possuem acervos de valor inestimável e revelam um universo de
beleza e múltiplos significados” (ISMÉRIO, 2017, 113).
A Arte Funerária está imbuída de forte carga simbólica, pois nada é incorporado ao
conjunto de modo aleatório. “Diante do monumento funerário, podemos detectar seu
significado artístico, religioso e moral; podemos tocá-lo, sentir sua textura, verificar o brilho
dos cristais do mármore, reconhecer sua forma, sua função e, sobretudo emocionarmos”
(BORGES, 2004, p.7).
No silêncio, os símbolos presentes nos túmulos, produzidos com certo gosto artístico,
despertam em seus visitantes os mais profundos e significativos sentimentos (BORGES, 1997).
“A arte funerária apresenta um universo cultural próprio: é intemporal, foi feita no passado e
sobrevive ao presente, é transmissora de significados peculiares, pois reflete a cultura
emocional da época” (BORGES, 2004, p.7).
Segundo Thompson (2014), mesmo que a arte contemporânea, em certos momentos,
negue a morte de forma abrupta, muitas pessoas precisam preservar a memória do falecido,
sendo por esculturas ou por objetos deixados nos túmulos. Isso pode ser visto nas Figuras 11 e
12.
238
Figura 11 – Túmulo de criança no Cemitério Santo Antônio com colocação de oferendas
A partir do que foi dito, sugere-se ainda a ocupação cidadã dos cemitérios, tornando
seus espaços percebidos e fruídos pela população como um parque de memórias,
desmistificando-os de sua aura fúnebre. Propomos uma reflexão sobre as pesquisas, as ações,
os passeios e os eventos culturais que possibilitam ver a Arte Cemiterial com “outros olhos”.
Existem costumes presentes em cemitérios no exterior e no Brasil, como o turismo ao
túmulo de Evita Perón, por exemplo, no cemitério de La Recoleta, em Buenos Aires, Argentina,
que recebe multidões de pessoas de diferentes países, tornando-se uma referência turística e de
extrema importância para a localidade. Isso propicia que o governo auxilie na conservação e na
preservação do patrimônio público. “O lazer e o turismo nesses locais também são uma forma
239
de contribuição para sua preservação. Embora tímida no Brasil, essa inserção dos cemitérios
240
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERENCIAIS BIBLIOGRÁFICOS
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Papirus, 1994.
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ENCONTRO NACIONAL DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PESQUISADORES EM
ARTES PLÁSTICAS PANORAMA DA PESQUISA EM ARTES VISUAIS, 17., 2008,
Florianópolis. Anais... Florianópolis, 2008.
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burguesa. São Luís In: ABANNE, GT Antropologia da Emoção, 7., 2004, São Luís. Anais
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http://www.morrodomoreno.com.br/materias/cemiterio-de-santo-antonio-e-o-bonde.html.
Acesso em: 19 maio 2019.
241
CEMITÉRIOS de Vitória recebem melhorias para acolher visitantes no Dia das Mães.
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GOLENIA, Carolina. Arte funerária vem sendo abandonada e perde espaço para
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THOMPSON, Barbara. Memória e exaltação da vida no cemitério monumental. Revista
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242
LINGUAGEM VIDEOGRÁFICA NA DÉCADA DE 1980, EM VITÓRIA/ES
RESUMO
O artigo traz um relato sobre o surgimento do vídeo como uma nova linguagem nos anos
1980, em Vitória, relacionando isso as significativas mudanças ocorridas no campo da
produção audiovisual capixaba. Além disso, neste momento a ascensão das novas mídias
estava no centro do debate da arte contemporânea.
ABSTRACT
The article presents an account of the emergence of video as a new language in the 1980s, in
Vitoria, related to the significant changes in the field of audiovisual production in the state of
Espírito Santo. Moreover, at this time the rise of new media was at the center of the
contemporary art debate.
I. INTRODUÇÃO
243
Goiabeiras, em Vitória, era um reflexo da cidade provinciana e distante do que acontecia pelo
mundo.
Os movimentos do vídeo ocorridos no Brasil, vindos dos anos 1970 que desaguaram
como uma nova força criativa nos anos 1980, em Vitória, exemplificam os gestos precursores
de uma geração que se apropriou do equipamento de vídeo (videocassete e câmeras). Alheios
as grandes redes de comunicação que mantinham um rígido padrão industrial e comercial, e
questionando as formas e maneiras dessa produção imagética vigente, fizeram emergir uma
nova produção audiovisual independente.
Para compreendermos a presença da linguagem videográfica, em Vitória, nos anos
1980, devemos identificá-la como um movimento miscigenado, hibridizado e recheado de
significações. Precisamente tendo a UFES como referência e polo irradiador, o vídeo vai dar
as caras, na virada da primeira metade da década, e numa dessas coincidências do destino, foi
na disciplina de Televisão, do curso de Comunicação/Jornalismo, que começam as primeiras
experimentações videográficas no Estado.
O final da primeira metade da década foi marcado como um momento de grandes
transformações na UFES. A chegada da Nova República em 1985, advinda do fim da ditadura
militar, deixou a universidade viúva, já que ali era um espaço físico, comportamental e
imaginário totalmente dominado pela ideologia repressora dos anos de chumbo.
Prenunciando o que estaria por vir, o Balão faz os primeiros registros de vídeo na
Universidade, em 1984 com Balão Mágico: Ligação total. Com muita ironia e deboche,
estratégias utilizadas para desmontar a sisudez e a dureza da postura disciplinar ditatorial que
imperava entre professores, o vídeo mescla performance, entrevistas e cenas do cotidiano da
Universidade, transformando-se numa espécie de diário da turma, que ali revelava o jeito e a
forma de encarar aquele embate diário da relação professor/aluno.
Em 1986, no Centro de Estudos Gerais, estudantes de Comunicação matriculados na
disciplina Impresso I, resolvem fazer uma manifestação na Reitoria. Máquinas de escrever
velhas foram retiradas das salas de aula, levadas para a Reitoria, como protesto pela falta de
equipamentos indispensáveis para o aprendizado prático. Com esta ação, que foi exitosa, junto
com as novas máquinas de escrever, veio uma câmera Betamax da Sony, e com ela começou a
ser operada, de forma sutil, e quase clandestina, uma revolução imagética na UFES. O
movimento Balão Mágico, por meio dos estudantes de Comunicação que faziam a disciplina
de Televisão, rapidamente começaram a utilizar a câmera e produzir vídeos.
244
Rapidamente a beta se transformou numa espécie de dispositivo de captura da
realidade. Com a mobilidade e a facilidade de manuseio que essa câmera trazia
buscávamos registrar tudo ao nosso redor. E exibíamos tudo a todos”. [...] foi a
tecnologia eletrônica do vídeo que nos permitiu ingressar efetivamente no universo
audiovisual dos bens simbólicos e estabelecer um modo de produção que alguns vão
chamar de independente, outros de alternativo, outros ainda de amador. Prefiro
imaginar uma filosofia mais próxima do movimento punk que explodiu no final dos
anos 70 e início dos 80, o do you it yourself (CARMINATI, 2007, p. 109).
Os movimentos do vídeo que ocorriam no Brasil nos anos 1980, desaguaram como
uma nova força criativa, em Vitória, dando início ao primeiro ciclo videográfico, que acabou
provocando a retomada da produção audiovisual no Estado. Essa retomada, teve como marco
pioneiro o vídeo-filme Refluxo (1986).
A ação do vídeo, se passa entre o futuro - após a destruição da civilização pela guerra
nuclear, e o passado - onde estaria a salvação da humanidade. Mesclando som eletrônico com
punk rock e diálogos captados diretamente com o microfone da câmera, a personagem Agente
Z, num analógico e precário corte seco, é enviado do ano de 2010 para 1986, numa espécie de
túnel do tempo, caindo em plena Praça Costa Pereira, no Centro de Vitória.
245
Figura 1 – Personagem Agente Z, vídeo-filme Refluxo.
Foto: Mauro Paste.
Em 1988, uma nova experiência com a adaptação literária de Diga Adeus a Lorna
Love, livro de contos do escritor capixaba Francisco Grijó. O vídeo-filme de média-metragem
produzido já no formato SuperVHS, tinha uma equipe fixa, mais experiente, que fazia a
coordenação de produção, direção, roteiro, câmera, fotografia de cena, com atores que tinham
experiência no teatro. Um dos personagens era o do escritor, interpretado por Cleber
Carminati, que na época atuava no Grupo teatral Éden Dionisíaco do Brasil. Os outros dois
personagens de destaque eram interpretados por Darcy Werneck e Jane Ferregueti, ele
repórter e ela apresentadora do telejornal de maior audiência da Tv Gazeta na época, o que
provocou um grande impacto quando foi exibido em rede estadual pela Televisão Educativa
do Espírito Santo. Com qualidade técnica superior e finalização em ilha de edição
profissional, Diga Adeus a Lorna Love, foi o primeiro vídeo do ciclo exibido por uma rede de
televisão capixaba.
247
Figura 4 – Cartaz do vídeo-filme Diga Adeus a Lorna Love.
Fonte: Acervo pessoal. 1988.
248
Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=1ZsMjjFn_lg
Esse breve mapeamento do primeiro ciclo videográfico nos anos 1980, nos leva a
questões fundamentais. Não há fronteiras e não há impossibilidades que não possam ser
transpostas. “arte e mídias são palavras que experimentam diferentes experiências culturais,
são palavras que exprimem diferentes sujeitos sociais. Juntar essas duas palavras é
problemático, mas também é muito interessante, pois nós vivemos em uma sociedade em que
a mídia opera”, pontuou Arlindo Machado (MACHADO, 2003).
Mas a linguagem videográfica que se desenvolveu em Vitória, a partir dos anos
1980, não foi feita somente dos defeitos da imagem analógica, ela é muito mais, e por isso
sobreviveu as variadas composições da imagem eletrônica e digital, convivendo com as novas
condições de produção e circulação artísticas impostas pelas tecnologias digitais, que
provocou uma hibridização e modificação nas artes com a ascensão dessas novas-mídias, que
levaram a linguagem videográfica a seguir um novo caminho, expandido e mais livre, como
em Bill Viola, que se lançou no campo das narrativas, mas sem deixar de lado as
experimentações e ambiguidades características de sua trajetória de videoartista.
Os pioneiros do primeiro ciclo videográfico, ao desenvolver uma linguagem
hibridizada, tiveram a capacidade de se lançar ao risco da experiência estética. Machado
(1997), enfatiza esse hibridismo claramente, quando relata que muitos filmes foram
produzidos nos últimos anos nessa linha, e esse hibridismo se tornou fundamental no
audiovisual contemporâneo, ao mesclar formatos e suportes, tirando partido da diferença de
texturas, entre imagens de natureza fotoquímica, e imagens eletrônicas.
[...] progressos consideráveis já foram feitos no sentido de avançar na síntese do
cinema com o vídeo, numa primeira etapa, e do cinema com a informática, numa
etapa posterior. Uma boa demonstração do estágio de maturidade a que já chegou
essa síntese é o aparecimento recente de filmes que integram magistralmente as
imagens eletrônicas às imagens fotoquímicas convencionais, como é o caso de
Prospero’s books ( A última tempestade /1991), obra de um diretor (Peter
Greenaway) que já teve uma passagem inovadora pelos universos do vídeo e da
televisão e que aqui experimenta as possibilidades gráficas da paleta eletrônica de
alta resolução (MACHADO, 1997, p. 170).
O que fica desse processo, é o reconhecimento que este período de criação e intensa
produção artística, teve a capacidade de abrir espaços e de lançar novamente o futuro ao risco
da experiência estética, capaz de reconfigurar o nosso campo de possibilidades, dando a arte
produzida no Estado um caráter expansivo e um novo campo multimidiático.
Sob essa lógica, compreende-se a produção do primeiro ciclo videográfico, que
propiciou experiências inéditas até então à produção audiovisual capixaba. Não se trata
apenas do uso de um meio, pois, revelou também uma nova linguagem: o vídeo. Linguagem,
249
essa que se impôs inicialmente, como tecnicamente precária, seja pelo uso inevitável do
equipamento analógico; seja pelo tratamento dado à edição dos vídeos; ou ainda, pelo
comportamento transgressor dos realizadores pioneiros, que como verdadeiros criadores de
qualquer história, gravaram, regravaram, cortaram, e sintonizaram a produção artística
capixaba com a pós-modernidade
250
O CONGO E O DIÁLOGO COM AS PRÁTICAS ARTÍSTICAS ATRAVÉS DO
ENSINO, PESQUISA E EXTENSÃO
RESUMO
O presente trabalho versa sobre práticas artísticas e o congo nos espaços de ensino não-formal
e a pesquisa, potencializando a importância dos trabalhos nas comunidades através da
Universidade. O congo é o Patrimônio Imaterial Cultural do Espírito Santo, sendo uma prática
de diversas comunidades tradicionais, do litoral a zonas rurais do estado, a partir do
conhecimento e envolvimento com a cultura, expandiu-se a possibilidade de desenvolver uma
pesquisa sobre a comunidade de Araçatiba, dialogando com as práticas artísticas e o congo. A
partir de pesquisas realizadas durante a graduação de Artes e a participação em Programas da
Universidade que prezam o ensino, pesquisa e extensão, possibilitou o desenvolvimento ações
de ensino de Arte e o Patrimônio Cultural Imaterial, realizando uma pesquisa interdisciplinar, e
vivenciando o papel de Arte-educador e seu potencial de ensino. Após as ações de ensino,
nomeadas como oficinas de arte para crianças da comunidade, tencionou a pesquisa para o
Trabalho de Conclusão de Curso e projeto de Pós-graduação sobre a banda de congo Mãe
Petronilha.
ABSTRACT
The present work deals with artistic practices and the congo in the spaces of non-formal
teaching and research, enhancing the importance of the work in the communities through the
University. Congo is the Intangible Cultural Heritage of Espírito Santo, being a practice of
several traditional communities, from the coast to rural areas of the state, from the knowledge
and involvement with culture, the possibility of developing a research on the community of
Araçatiba, dialoguing with artistic practices and the congo. Based on research carried out
during the graduation of the Arts and participation in University Programs that promote
teaching, research and extension, it enabled the development of Art teaching and Intangible
Cultural Heritage actions, conducting an interdisciplinary research, and experiencing the role
of Art-educator and his teaching potential. After the teaching actions, named as art workshops
for children of the community, he intended the research for the Work of Completion of
Course and project of Postgraduate on the band of congo Mãe Petronilha.
Keywords: Art, Culture, Teaching, Research, University Extension Project.
INTRODUÇÃO
251
do ES, sendo o Patrimônio Cultural mais conhecido do estado, junto com a panela de barro de
Goiabeiras e o Jongo. O congo é uma prática religiosa, que tem como características seus
festejos, batuques e as rodas que embalam o povo. As bandas são grupos de pessoas que trazem
na tradição a devoção aos santos São Benedito, São Sebastião e Nossa Senhora da Penha,
sendo um grupo composto por mestres, rainhas, princesas, músicos ou batedores e dançarinas.
Além desse polo cultural que é as bandas, temos a parte educacional que permeia essa tradição,
como o desenvolvimento das práticas de confeccionar instrumentos, o ensino musical,
perpetuação da memória coletiva dos grupos e a compreensão da prática do congo como
patrimônio de um grupo e da vivência de todos. A partir desse contexto, buscou se trabalhar
através das práticas artísticas o diálogo com patrimônio em espaços de ensino, partindo de
oficinas de artes na comunidade de Araçatiba, no município de Viana, ES.
A pesquisa que inicio durante a graduação em Artes no ano de 2013 na comunidade de
Araçatiba, e permanece atualmente na pós-graduação. Pesquisa essa que foi possível com os
trabalhos de ensino, pesquisa e extensão com a Universidade Federal do Espírito Santo.
Durante esse processo de imersão na comunidade, iniciei a pesquisa com a Banda de
Congo Mãe Petronilha, que faz parte de uma comunidade que está dividida entre o rural e
urbano do município de Viana, mas que ainda guarda seu ar bucólico de região rural, tendo
como referência a igreja de Nossa Senhora Dájuda e a paisagem de fundo o Morro de
Araçatiba.
Os integrantes da banda de congo são moradores dessa localidade, que participam
dessa prática desde crianças e através dos seus familiares continuam perpetuando o congo
entre suas famílias, passando cultura de geração em geração.
A pesquisa e as práticas de Ensino das Artes, tiveram início a partir dos pilares da
Universidade que envolve o Ensino, Pesquisa e Extensão, possibilitando o desenvolvimento
de trabalhos de alunos da UFES com comunidades distantes da zona urbana de Vitória/ ES.
Propondo o conhecimento de várias realidades sociais e culturais em um mesmo estado, onde
visibiliza seus agentes e os estudos de pesquisas de vários grupos que compõem a diversidade
do Patrimônio Cultural Estadual.
No ano de 2012 iniciei o curso de Artes Plásticas e tinha uma vivência com congo do
município de Cariacica, pois durante sete anos fui participante ativa da Banda de Congo São
252
Sebastião do Taquaruçu, que tem sede na região de Roda D’água, sendo um indício para
futuros trabalhos durante a graduação e o diálogo com a cultura imaterial. Em 2013, conheci o
Programa de Educação Tutorial, PET CULTURA, que estava localizado no Centro de Artes
no Laboratório de Pesquisa em Artes LEENA, onde desenvolviam uma pesquisa na
comunidade remanescente de quilombo chamada Araçatiba, e o grupo interdisciplinar
composto por alunos de diversos cursos da universidade como: Letras, História, Geografia,
Pedagogia, Artes Plásticas e Visuais, propondo assim um conhecimento vasto da pesquisa e o
diálogo com outras áreas do conhecimento.
Nesse mesmo ano, participei do processo seletivo para bolsista nesse programa,
iniciando assim, as práticas artísticas e a pesquisa na comunidade.
Enquanto ensino continuo buscando, reprocurando. Ensino porque busco, porque
indaguei, porque indago e me indago. Pesquiso para constatar, constatando, intervenho,
intervindo, educo e me educo. (FREIRE. Paulo, p.15)
No primeiro momento com o grupo, foi a presentado a comunidade por meio de
trabalhos desenvolvido pelo grupo e as práticas da região, compreendendo o contexto
histórico e social da localidade e seus agentes, entendendo que a comunidade é antiga,
localizada em um território que fez parte da sede da Fazenda Jesuítica no Espírito Santo, a
antiga Fazenda de Araçatiba, e ao longo de sua história foi uma propriedade escravista
com grande cultivo de cana de açúcar e cereais, sendo fonte de abastecimento do Antigo
Colégio de Santiago, atualmente Palácio Anchieta, sede administrativa do governo do estado.
Após leituras sobre a comunidade, pontuo como início da pesquisa, o surgimento do
interesse em desenvolver um trabalho com a Banda de Congo Mãe Petronilha, e
possibilitando assim a extensão com as práticas artísticas.
OFICINAS ARTÍSTICAS
253
pensado de acordo com a proposta triangular de Ana Mae Barbosa (2010), mas partindo do
ponto da identidade dos indivíduos envolvidos.
A oficina foi divulgada na comunidade e na escola de ensino fundamental da região, as
aulas de artes aconteceriam aos sábados pela manhã, e todos estavam convidados a
participarem da ação. Após a divulgação durante a semana, iniciamos os trabalhos, saindo da
Universidade todos os sábados, com destino ao desenvolvimento de ações de Pesquisa e
Extensão em Araçatiba.
No desenvolvimento das oficinas, contava com a ajuda de mais duas bolsistas, do curso
de Geografia e Letras para auxiliar no projeto, e antes de participarem das ações na
comunidade aprenderam a prática de modelagem no laboratório, para auxiliar no
desenvolvimento da atividade. No dia marcado, para surpresa de todos não havia nenhum
interessado ali presente para o acontecimento da oficina, e que de acordo com Cordeiro (2015,
p.21) o ensino precisa de objetivo e propósito, e foi o que tínhamos desenvolvido com o
projeto propondo a aprendizagem, mas sem alunos não seria possível, para nossa surpresa.
Diante da realidade, avistamos duas crianças na rua brincando, e assim partimos para a
abordagem, uma intervenção educativa, sem saber como seria o processo após a abordagem,
de aceitação ou negativa, mas os argumentos e a possibilidade de novos conhecimentos
despertaram a atenção dessas crianças.
Após o convite, iniciamos a oficina com apenas duas crianças, naquele primeiro
momento. Eu como a arte-educadora em fase de aprendizado, ministrando os trabalhos e
apresentando o material proposto, no caso, a porcelana fria e tintas para a coloração dessa
massa. Durante o processo, iniciamos o diálogo com essas crianças, sobre o ensino escolar,
família e amigos, procurando para conhecer melhor a realidade desses, pois, a proposta era
partir da cultura dos envolvidos desenvolverem um trabalho de Arte, almejando a apreciação
da linguagem artística a partir da cultura da região entre esses. Acreditando que se
partíssemos para um tema da história da arte, talvez não iriamos despertar o envolvimento do
público, pois o início do trabalho da oficina, foi falarmos sobre os símbolos das bandas de
congo.
Nesse momento, disse que também participava do congo, explicitando a minha
condição de congueira, a partir desses fatores, demonstrei que compartilhava dos mesmos
rituais e conhecia os instrumentos e cantigas do congo. Mesmo sabendo que algumas
características das bandas de congo são semelhantes, não quer dizer que todas são iguais, pois
cada grupo tem sua particularidade na sua tradição, mas através da similaridade, construímos
254
o primeiro vínculo de trocas de saberes. A partir dessa característica, possibilitou assim pensar
em um campo do intercultural, que para Mae fala em seu texto sobre a Arte, Educação e
Cultura, em que educação para alcançar o objetivo necessário, é preciso conhecer a cultura
local, e a cultura de vários grupos, portanto a partir desse contexto, iniciou-se o processo de
modelagem de pequenos instrumentos, que estão inseridos na composição da Banda Mãe
Petronilha, e que é de conhecimento e domínio das crianças, como: casacas e tambores.
As oficinas foram divididas em processos e a cada sábado, tínhamos um relatório, pois
assim podíamos pensar e compreender o método de ensino, dando sequência ao trabalho,
sendo também um caderno de campo, que faz parte da pesquisa etnográfica e um diário de
atividade em um espaço de ensino não-formal. Nesse primeiro processo, focamos na
apresentação do material (massa de modelagem e tintas para a coloração), iniciação a
escultura, os instrumentos utilizados e o acabamento.
[...]o que importa não é o produto final obtido; não é a produção de boas obras de arte.
Antes, a atenção deve recair sobre o processo de criação. O processo pelo qual o educando
deve elaborar seus próprios sentidos em relação ao mundo à sua volta. (DUARTE JUNIOR,
João Francisco. p.73, 1991)
A cada sábado era concluído uma parte desse processo, e a partir do envolvimento da
oficina com os alunos, a pesquisa etnográfica foi ganhando forma, porque através do
envolvimento com as crianças da comunidade de Araçatiba, foi possível conhecer cada vez
mais o patrimônio imaterial da localidade e suas características, da cultura aos seus
detentores, e despertando outras nuances no trabalho acadêmico.
255
crianças, notou-se que o congo é uma identidade cultural dos moradores da parte mais alta da
comunidade, e através desses envolvidos a banda de congo é ativa na localidade a mais de
oitenta anos, preservando esse patrimônio imaterial no cotidiano de Araçatiba e dos
congueiros e moradores do morro da Igreja de Nossa Senhora Dájuda.
Nos dias de festividades a banda se apresenta com cortejos na pequena comunidade,
atravessando as ruas e quintais, como no dia 8 de setembro na festa da Santa e padroeira da
comunidade e os festejos de São Benedito, que se dividem entre a fincada do mastro no mês de
dezembro e a retirada do mastro, podendo ser em janeiro ou fevereiro, entre os festejos de São
Sebastião e Nossa Senhora das Candeias .A banda de congo de Araçatiba é como um grupo
familiar, composta por dois mestres, Alício Machado e Ademir Gonçalves Gomes, que
também conta com a participação da matriarca da comunidade Dona Emiliana Coutinho, que
apesar de não ser mestre da banda, é uma liderança e detentora da memória da banda de
Araçatiba.
No caso da família do mestre Alício Machado, observamos como a cultura é permeada
entre esse núcleo, pois o mestre é neto da Petronilha Maria da Conceição, antiga rainha e
organizadora do congo na região quando a banda era chamada de Banda de Congo de
Araçatiba, e com sua morte, a banda homenageou essa mulher detentora dos saberes
tradicionais, mas a sua quarta geração continua presente ativa na banda que agora tem seu
nome.
Durante as oficinas os netos do mestre Alício participaram e compartilharam a
experiência do congo, e quais eram os instrumentos que gostavam de tocar nas rodas, e assim
modelavam os instrumentos, em outros momentos das oficinas, eles compartilhavam as
cantigas do congo conosco.
Stuart Hall no seu livro sobre a Identidade e a diferença nos fala sobre a subjetividade
e a identidade, e assim pude compreender a relação tanto das crianças quanto dos adultos com
a cultura, identificando o congo como prática de identidade cultura negra de um grupo nessa
comunidade. Para o autor (2014, p.56), a subjetividade está no nosso íntimo envolvendo o
sentimento, mas estamos em um contexto social, e a linguagem e a cultura dão os significados
das nossas experiências, e assim adotamos uma identidade.
Como a prática cultural é perpetuada entre as famílias nessa comunidade, e as crianças
e adolescentes de diversas idades participam das rodas de congo e vivenciam a prática, a
identidade cultural vai se fortalecendo entre eles, e assim fortificando a identidade desses com
a tradição, por isso que conseguiram desenvolver e falar sobre o congo com o conhecimento, e
256
identificação desses com a cultura, possibilitando a produção de uma linguagem artística a
partir do conhecimento da tradição de um povo.
Portanto, a função de arte educadora era de ensinar a prática de modelagem, a
apresentação de diversos materiais e a metodologia de ensino apresentada para a confecção
das peças, mas o conhecimento sobre a cultura também partiu dos envolvidos na ação,
possibilitando que o ensino de Arte, torna-se uma troca de saberes e o entrelace das relações de
uma pesquisa, das práticas artísticas e o envolvimento com a comunidade. De acordo com
Freire (1996, p.12), “ quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender”,
tornando o ato de ensinar recíproco, pois ambos envolvidos fazem parte do processo, e através
das oficinas de arte no espaço não-formal, foi compreendido essa percepção de aprendizagem
e abordagem da arte, durante a formação discente.
Nos anos de 2013 e 2014, o grupo PET CULTURA, além de promover essas oficinas
na comunidade, também participou de outras ações como: fórum, festividades, entrevistas e o
desenvolvimento da semana de Arte na Escola de Ensino Fundamental de Araçatiba, única
escola do bairro. Com essas participações, toda comunidade soube da presença dos
pesquisadores da universidade, ali presentes, possibilitando participar daquele cotidiano nos
sábados, e outros dias da semana.
Outra abordagem que surgiu na Semana de Arte na escola, foi o desenvolvimento de
diversas atividades ao longo da semana, desde oficinas de Arte para os alunos e atividades
para os professores. Em meio a essa ação, desenvolvemos uma oficina do congo na escola,
que o qual ministrei, e desenvolvi com o auxílio da Banda de Congo Mãe Petronilha, pois os
mestres emprestaram os instrumentos durante a semana para que a oficina fosse realizada.
Fizemos uma roda na quadra da escola, e cada criança de acordo com sua experiência ou
desejo de conhecer os instrumentos, escolhiam e tocavam, interagindo com cantigas e a
dança.
Os alunos que sabiam tocar os instrumentos por participarem da banda, ensinavam os
outros, e eu auxiliava tocando e cantando. Com essa ação na escola foi possível a interação do
congo no espaço escolar, a partir da intervenção da semana de Arte.
Alunos e professores participaram também de outras interações artísticas como:
desenho, pinturas e contação de história, possibilitando o enriquecendo o espaço escolar, junto
a extensão universitária.
257
DESDOBRAMENTO DA ARTE E A PESQUISA
Após as oficinas de Arte, que duraram dois anos no mesmo espaço na comunidade de
Araçatiba, iniciei uma pesquisa de campo, e as oficinas continuaram com outros bolsistas,
dando sequência a diversas linguagens artísticas. O trabalho de campo foi possível através de
um edital do Programa da Pró Reitoria de Extensão – Proext- Espaço Cultural quilombola:
Mapeamento físico e cultural do território da fazenda de Araçatiba, no ano de 2015,
possibilitando o conhecimento das comunidades do entorno da comunidade de fazenda,
analisando e a compreendendo o vasto território cultural dessa fazenda.
A pesquisa provocou uma necessidade ampla de conhecimento, principalmente do
trabalho de campo, pois foi necessário o uso de registros fotográficos, pesquisa de fontes
históricas e recolhimento de entrevistas com os moradores, para potencializar a pesquisa e a
compreensão do objeto. Partindo para a utilização métodos da História Oral e análises de
entrevistas, pós trabalho de campo, analisando as epistemologias dos saberes do território que
está entre o rural e o urbano, que preserva algumas práticas do passado e conserva sua história
nas memórias desses agentes.
Para Gondar (2005, p.12) a memória social é polissêmica, e é construída através de
uma variedade de signos, podendo ser simbólico, icônico e indiciais, sendo assim, a pesquisa
nos proporcionou indicar e analisar, quais são esses indícios, a partir dos signos do passado e
no presente da região de Araçatiba, e também nas vivências dos detentores da memória.
Diante das inquietações da pesquisa, observei que necessitava almejar um trabalho que
pudesse compreender as identidades e as práticas culturais dos moradores desse território,
possibilitando assim, o diálogo interdisciplinar com outras áreas de ensino como: história,
antropologia e o patrimônio.
Após a escolha do objeto de pesquisa, que tive no primeiro momento de atividade na
comunidade de Araçatiba, de trabalhar com a banda de congo Mãe Petronilha, conheci
durante a pesquisa de campo outras duas bandas de congo na região, tendo acesso a partir dos
detentores dos saberes as suas memórias, os festejos e a devoção desses, que também
compõem a tradição desse território cultural.
Com a riqueza de material histórico sobre a Antiga Fazenda de Araçatiba, a pesquisa
possibilitou observar o diálogo entre as fontes históricas e os relatos de moradores das
regiões, dando ênfase as memórias dos moradores desse território, que boa parte de sua
história é oral, mantendo uma característica das comunidades afro- brasileiras, e iniciando
assim o projeto de trabalho de conclusão de curso.
258
A partir dessa identificação, compreendi a importância do trabalho de pesquisa e
extensão para os universitários, pois através da imersão com o campo de pesquisa na
comunidade, foi possível selecionar um objeto de trabalho e dialogar com o ensino, e
transforma-los em trabalhos acadêmicos, e proporcionar também as trocas de saberes entre
universidade e comunidades.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Esse artigo pretendeu-se apresentar resultados de pesquisa que se iniciou com uma
oficina de ensino não-formal de e Arte, que possibilitou o diálogo com a relação entre o
ensino e a cultura do congo em uma comunidade tradicional. Expondo assim, algumas
possibilidades que surgiram durante o ensino e a pesquisa, a partir dos trabalhos com os
programas de extensão, Pet Cultura e Proext UFES, que possibilitaram o trabalho entre a
universidade e a comunidade tradicional de Araçatiba, Viana, ES.
A pesquisa sobre o Patrimônio Cultural Imaterial do Espírito Santo, especificamente o
congo, permanece, iniciada em 2013 em Araçatiba, e tendo como um dos objetivos a
experiência do processo de criação das crianças envolvidas nas oficinas de Arte, e o
desdobramento da prática cultural em uma linguagem artística, produzida em uma atividade
de ensino não-formal.
Portanto, a pesquisa e as realizações obtidas, foram possíveis a partir da inserção nos
programas de pesquisa e extensão desenvolvidos na Universidade Federal do Espírito Santo,
pois é através desses espaços de conhecimento e trocas de saberes, que os discentes conhecem
e promovem ações em comunidades tradicionais distantes da capital e de suas realidades.
Após a pesquisa sobre a banda de congo Mãe Petronilha, elaborei o Trabalho de
Conclusão de Curso de Artes Visuais no ano de 2018, e tive oportunidade no mesmo ano, de
apresentar os relatos de experiência para alunos da graduação no Núcleo de Artes Visuais e
Educação do Espírito Santo- NAVEES, colaborando com a troca de saberes acadêmicos, a
divulgação da pesquisa e o patrimônio cultural da comunidade de Araçatiba.
Todavia, as questões apresentadas nesse artigo sobre as experiências com a pesquisa,
ainda são pequenas diante de informações que seguem desde o ano de 2013, por isso, percebi a
necessidade de continuação do trabalho, pois diante de um rico material histórico e cultural
que Araçatiba possui, e a colaboração de toda comunidade com a pesquisa, pretendeu-se um
desdobramento, que o qual desafiei e fui desafiada, para um projeto de mestrado no Programa
259
de Pós-graduação em Artes UFES, iniciando um novo percurso e continuação da batalha e dos
desafios de um pesquisador no ano de 2019, mas com a expectativa de proporcionar um
trabalho que colabore com futuras pesquisas de Artes, sobre a história do Patrimônio Imaterial
Cultural do estado.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
260
MEDIAÇÃO: PERCALÇOS E PERMANÊNCIAS
RESUMO
Mediação, a palavra por si só vem carregada de significados. Nos últimos anos o termo
mediação, e a pessoa que ela exerce, o mediador, passaram a ser amplamente utilizadas no
Brasil, nos mais diversos contextos. Um destes aspectos, que vem a ser o investigado neste
presente artigo, é a mediação cultural. A mediação em espaços culturais, museológicos,
espaços expositivos, espaços dedicados a arte, exercida, ou exercitada pelo sujeito mediador.
Apesar da maior incidência de pesquisas relativas à mediação, ainda há um vasto caminho a
ser percorrido e investigado. Este artigo procura abordar as mudanças ocorridas na arte e seus
espaços dedicados nas últimas décadas, assim como as mudanças na arte educação, e na
educação não-formal, o surgimento da mediação e sua prevalência atual mediante outras
formas de interação entre sujeito e obra nos espaços de arte, assim como o constante e
desafiador trabalho de quem exerce a função de mediar arte. Assim como a mediação este
artigo pretende iniciar reflexões e continuar a desenvolver-se com o passar do tempo.
Palavras chave: Arte educação, Educação não-formal, Mediação, mediador.
ABSTRACT
Mediation, the word itself come full of meanings. In the last years the term mediation, and the
person reponsable for it, the mediator, are widely utilized in the most diverse aspects in
Brasil. One of those aspects, its what it comes to investigation in this article, the cultural
mediation. The mediation in cultural spaces, museums, expositive spaces, spaces dedicates to
art, exercised, for the mediator. Besides the increased amount of researches about mediation,
there is still a long way to go into investigations about it. The article approaches the changes
in art, and spaces dedicated to it in the last decades, such as changes in art education, and non-
formal education, the beggining of modeation and prevalence of it through other forms of
interaction between art and people at an art space, as the constant and Challenger work of who
does the function of mediate art. So as a mediation itself this article intends to iniciate
reflexions that continues to develop with time.
Keywords: Art education, Non-formal education, Mediation, Mediator.
INTRODUÇÃO
261
anos. Grupos de estudo, encontros nacionais, e produções acadêmicas voltadas ao tema vêm
crescido exponencialmente após a década de noventa. Em um artigo para a revista da
Universidade Federal de Santa Catarina, como resultado de um projeto de iniciação cientifica
orientado pela Professora Consuelo Alcioni Schlichta no ano de 2015, foi constatado que
quatrocentos e noventa e cinco artigos haviam sido submetidos aos encontros nacionais da
Associação Nacional de Pesquisadores em Artes Plásticas (ANPAP), sob a categoria
“mediação”, a tabela informativa, demonstrada no artigo, ainda aponta para o ano de 2007
como um ano em que maiores números de artigos começam a se estabelecer dentre as
pesquisas, com vinte e um artigos no décimo sexto encontro nacional da ANPAP, e chegou a
atingir trinta e um artigos no vigésimo encontro realizado no Rio de Janeiro no ano de 2011.
Pode-se constatar que mesmo com tal crescimento a mediação no Brasil ainda é um assunto
recente, que desperta curiosidade e interesse tanto de pesquisadores quanto de estudantes que
cada vez mais se enveredam nesta profissão. As possibilidades, temas e subjetividades da
mediação ainda são uma vasta fonte de exploração tanto para pesquisas quanto para debates e
aprofundamento no fazer e pensar mediação.
O termo mediador por si só evoca a figura de um sujeito intermediário, que por sua
vez exerce função semelhante à de um elo entre duas extremidades, o tal mediador deveria vir
a ser arbitrário mediante uma polarização, seja ela física ou situacional. A popularização do
termo mediador como um fenômeno emergente para grande parcela da população brasileira,
advém principalmente do âmbito judiciário. Já que a partir do novo Código de Processo
Civil, Lei 13.105 de março de 2015 a mediação se torna obrigatória, a valorização de métodos
de resolução pacífica de conflitos, tratando de maneira mais diligente o consenso em tais
soluções. Neste sentido o papel do mediador é intermediar um conflito de forma neutra e
imparcial, facilitando o diálogo entre duas partes, de forma que a melhor solução comum seja
alcançada.
MEDIADOR OU MONITOR?
Sabe-se que, assim como a sociedade e suas estruturas, a arte e seus espaços
destinados passaram, e continuam a passar, por uma enorme gama de transições, exigindo dos
263
espectadores um pensamento crítico que se estende para muito além da estimada característica
intelectual e perceptiva de “fruição”.
Comumente currículos escolares resumem seu ensino de arte com as obras dos grandes
mestres, e um reforço de uma mitificação do artista enquanto gênio abolida por artistas e
pensadores ainda no início do século XX. Explorando alguns pintores modernos e a
famigerada semana de 22 isto quando a arte brasileira é levada em consideração. Dificilmente
nos deparamos com alunos em fase escolar, seja ensino infantil, fundamental ou médio, que
desenvolve um contato com, como por exemplo, as experimentações de John Cage, nas aulas
de arte ou até mesmo de música, dos Happenings de Kaprow ou no vasto trabalho envolvendo
multiplicidade de meios como performance, vídeos, objetos, ações e até pensamentos críticos
264
do Fluxus. Ou seja, algum tipo de arte que o aluno possa se sentir mais próximo e pertencente,
com possibilidades de reflexões e questionamentos, instigando no aluno uma amplitude e
curiosidade nas descobertas do que é, ou pode vir a ser arte. Ironicamente nos exemplos, me
referi à artistas da década de cinquenta. Quando poderia também me referir a trabalhos que
englobam arte e tecnologia, num mundo onde a aproximação se daria de forma muito mais
efetiva do que com a apreciação do slide da foto, da foto, da reprodução da Monalisa.
Ressalto que não pretendo expor tais lacunas no ensino de arte no ambiente escolar no
Brasil, como uma experiência comum a todos os estudantes e escolas, com a incerteza de que
talvez não tenha deixado este posicionamento bastante claro anteriormente. Assim como
considero o percurso exploratório desde os primórdios artísticos decisivos para o melhor
trabalho do educador e compreensão do estudante.
266
argumento decidido previamente, sendo uma exposição individual ou coletiva os argumentos
da curadoria trazem a narrativa, podendo ela ser linear ou não ao visitante. Ou seja, um dos
encargos do curador ou curadores vem a ser, o modo como essa leitura será realizada, a
reflexão sobre sua disposição no espaço em que será exposto, ou espaços caso seja uma
exposição itinerante. Por muitas vezes curadores acompanham a realização dos trabalhos e
dialogam diretamente com o artista, são ou se tornam pesquisadores do assunto, e a partir de
todo este trabalho intelectual o curador também apresenta o que se tornou uma prática
comum, o texto curatorial, para visitantes, aquele texto que muitas das vezes pode ser
encontrado em formado de plotagem na parede, logo no início da exposição, onde “algo” será
elucidado ao espectador que opta por realizar tal leitura ou não. Por “algo” quero dizer que
todas as explicações certamente não estarão esquematizadas em uma plotagem na parede, em
um catálogo ou até mesmo um folder, mas certamente a imersão no espaço expositivo se
transforma após tais leituras.
Mudanças na arte caminham juntas com mudanças sociais e históricas, logo, deve-se
também ter em mente, as cidades e os espaços dedicados a exposições e mostras de arte, sabe-
se que no contexto atual, a arte não se encontra apenas dentro da galeria ou do museu local. A
expansão das cidades caminha com a expansão da arte nas cidades, dos percursos e ocupações
artísticas dentro delas. Sendo este um assunto de extrema importância e delicadeza, a qual se
estendem dezenas de artigos. Mesmo assim, cabe lembrar que com o crescimento das cidades,
da mobilidade e da tecnologia, a integração da arte com o sujeito se faz dos mais diversos
modos em múltiplos espaços.
O ENTORNO DO MEDIAR
Antes que cheguemos na ação mediadora propriamente dita, momento o qual a tríade
obra-mediador-sujeito interage no espaço, é precedido e sucedido de uma contínua formação
educativa do mediador, que por sua vez se estende as esferas externas do mediador. Antes da
ação educativa, existe uma formação educativa. Em alguns casos a formação ocorre
especificamente para mediadores da exposição ou acervo em questão, algumas possibilitam a
integração de mediadores em geral, integrantes da equipe em questão somados aos de outros
espaços. Outra possibilidade de formação, são as que ocorrem para arte educadores que atuam
no sistema formal. Os encontros pertencentes as formações, são comumente orientados por
um arte educador responsável. Neste período formativo além da troca de experiência e
267
diálogo, há espaço para um aprofundamento em pesquisas, contextos, embasamentos teóricos
e proposições.
As formações para arte educadores do sistema formal de ensino, segue por sua vez
uma diferente trilha, que possibilita a integração destes interessados nos contextos que serão a
eles apresentados no espaço expositivo, grande é a importância dos docentes terem um
contato prévio com o contexto exposto, para que possam usufruir da melhor maneira tanto a
pré quanto a pós visitação. Se Ana Mae Barbosa sugere uma abordagem que inclui
contextualização, visitação e ação, cabe ao educador em questão o aproveitamento total da
visita, contando que o tempo dos estudantes com o mediador no espaço é um tempo pré
definido e relativamente curto mediante as possibilidades de aproveitamento, o professor
torna-se um grande aliado para que toda experiência seja absorvida por todos da melhor
forma, com a troca entre o professor, seus alunos que já possuem um vínculo anterior, o
mediador e a obra.
268
no tempo de permanência, os encontros entre a equipe educativa são determinantes para o
desenvolvimento e atuação de cada ser humano atrelado ao cenário.
A ação então deve ser constituída de boas propostas, mas não apenas delas. Na ação
educativa leva-se em conta também a integração já citada acima, de profissionais somados a
seus materiais educativos, seus objetos propositores, pautados em uma formação elucidativa e
aberta, deve-se entender o trabalho delicado, corpóreo e reflexivo de um profissional atuando
com indivíduos em grandes ou pequenos grupos que se assemelham em pouquíssimas coisas.
Mesmo o modo de fala e postura corporal modificam a experiência da mediação, a delicadeza
da compreensão que nasce num acolhimento, por vezes até mesmo no momento do
agendamento, alteram a receptividade das pessoas que os mediadores estarão lidando.
O TAL DO MEDIADOR
269
sendo cada pequena ação realizada pelo corpo do mediador um elemento importante. Mas de
certa forma distante da meditação, pois a comunicação é o elemento primordial de todas essas
questões.
Sempre estar entre muitos, desde o princípio com o contato do mediador e o arte
educador, a palavra do curador, o ou os artistas em questão, a instituição para qual trabalha,
não se deve alterar a consciência de quem é este ser mediador. Obviamente por mais aberto
que possa e deva ser o mediador, só se pode entrar em contato com a arte através do seu
próprio olhar. De acordo com Bourriaud “O artista e o filósofo devem, portanto, renovar
constantemente seu esforço para ‘diagnosticar os atuais possíveis’ para criar sentido em
relação “a sua própria atualidade” (BOURRIAUD, 2009, p. 27). Sendo assim não há de ser
dissemelhante com o sujeito que entra em contato com a obra, devendo ser respeitada sua
compreensão que advém de conceitos e contextos. Esta complexidade que exige a fluidez nas
nunca findadas reflexões, leva o mediador a extremos de sua profissão.
A mediação cultural não é uma ação fácil, pois ao mesmo tempo em que exige um
olhar do mediador atento às obras e ao que já foi escrito sobre elas, determina um
olhar sobre os leitores com seus repertórios, subjetividades e contextos particulares,
mesmo que sejam da mesma faixa etária, alunos de uma mesma escola. (MARTINS,
2011, p. 315).
270
tudo ocorrer de uma maneira sem maiores imprevistos, ela não terá. A mediação não é feita
para que acabe, para que respostas sejam dadas, para que debates não sejam feitos, para que o
sujeito retorne para o ambiente de que veio sem nenhum pequeno conflito ou pensamento
crítico. Por vezes este ideal não ocorre, e é aprendizado, difícil é pensar que nada foi
aprendizado. O tempo de duração de uma mediação não cabe a ser pré-estipulado, por
tamanho da exposição ou da turma, infelizmente, tratando-se de instituições, a maioria das
vezes este tempo é. Mas novamente só o tempo pode ajudar o mediador a lidar com ele.
Após mais de quatro anos de pesquisa, passando pelas mais diversas formações em
distintos ambientes, construção de materiais, textos, trocas de experiências, observação
cuidadosa e principalmente vivências, deparei-me com várias competências listadas do que
um mediador precisaria para realizar a sua ação mediadora, e percebi que a palavra
“diferentes” se encontrava em quase todas elas. Diferentes: modos de construção de
conhecimento, abordagem, leitura, criações, contextos, comunicações, públicos, modos.
Sendo que talvez a palavra individuais inserida no contexto coletivo possa ressignificar todas
essas postas diferenças. Após frustações e realizações, em constante estado de alerta
perceptivo e consciente de que a comunicação e o conhecimento podem se traduzir e
desdobrar das mais variadas formas, devo retomar alguns pontos, para destacar o que
considero primordial para o primeiro objetivo, o não afastamento do espaço de arte.
271
Recorrendo ao mediador advogado que só consegue trabalhar caso as duas partes
estejam dispostas, a mediação em arte está em polo oposto, não existe o intuito de forçar uma
aproximação por bombardeamento de informações sobre o que está sendo visto, e a
disponibilidade para questionar e por vezes sair com ainda mais questões é uma
probabilidade, para ambas as partes, desta vez se distanciando do mediador conciliador que
irá gerar soluções, o que poderá sair de uma mediação é o conflito, o questionamento ou
questionamentos.
Antes de encerrar, deve-se também encarar, assim como já repetido por diversas vezes
com consciência crítica, cada aspecto do texto em questão. Não existe uma fórmula pronta
com competências do mediador ou o que terá de ser “enfrentado” em uma mediação, trata-se
de arte, de seres humanos e de encontros, não se pode encaixar pessoas em tipos de
personalidade, como também já mencionado cada aspecto do ser humano faz parte da
mediação, tanto quanto, cada aspecto da arte que está posta diante dele.
REFERÊNCIAIS BIBLIOGRÁFICOS
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273
ARTES VISUAIS – EXTERIORIDADES – FRONTEIRAS – SENSIBILIDADES1
RESUMO
Qualquer investigação mais apressada sobre as práticas culturais brasileiras argumentaria que a
língua, em relação à América Latina, é o maior impedimento das aproximações entre
experiências de fronteiras nessas práticas culturais. Contrárias às ideias de fronteira como
espaço de exclusão, as discussões neste trabalho tratam o entre-fronteiras latino-americanos
como lóci de exterioridades e construções de saberes outros ex-ternos à interioridade dos
projetos hegemônicos. Para tanto, tomar-se-á das discussões descoloniais e crítico-culturais
sobre biogeografias fronteiriças (AUTOR SUPRIDO, 2016), a partir de produções artístico-
visuais de lugares latinos, para ressaltar que a exterioridade a que fomos (im)postos corroborou
a emergência de in(ex)terioridades culturais locais (saberes outros) que as interioridades
modernas e pós-modernas (Europa e Estados Unidos), migradas como epistemologias viajantes
ou pela crítica que viajou, nunca deram conta de extrapolar à imagem de comparação
superficial como estereóti posdenós daqueles. Essas in(ex)terioridades fizeram emergir
histórias locais em contraposição à historiografia global reforçada na América Latina como
única forma de pensar as práticas culturais desses lugares de exclusão. Tais discussões
evidenciarão que as práticas culturais das biogeografias dessas fronteiras só não se aproximam
mais porque artistas, teorias e teóricos insistem em subscrever-nos/nas em lugares/discursos
dos quais nunca pudemos/quisemos estar/participar.
RESUMEN
Cualquier investigación más apurada sobre las prácticas culturales brasileñas argumentaría que
la lengua, en relación a América Latina, es el mayor impedimento de las aproximaciones entre
experiencias de fronteras en esas prácticas culturales. En contraste con las ideas de frontera
como espacio de exclusión, las discusiones en este trabajo tratan el entre-fronteras
latinoamericanas como lóci de exterioridades y construcciones de saber otros ex-tiernos a la
interioridad de los proyectos hegemónicos. Para ello, se tomará de las discusiones
descoloniales y crítico-culturales sobre biogeografías fronterizas (AUTOR SUPRIDO, 2016), a
partir de producciones artístico-visual de lugares latinos, para resaltar que la exterioridad a la
que fuimos (im)puestos corroboró la emergencia de in(ex)terioridades culturas locales (saberes
otros) que las interioridades modernas y posmodernas (Europa y Estados Unidos), migradas
como epistemologías viajeros o por la crítica que ha viajado, nunca han dado cuenta de
extrapolar a la imagen de comparación superficial como estereotipos de nosotros de aquellos.
Estas in(ex)terioridades hicieron emerger historias locales en contraposición a la historiografía
global reforzada en América Latina como única forma de pensar las prácticas culturales de
esos lugares de exclusión. Tales discusiones evidenciarán que las prácticas culturales de las
biogeografías de esas fronteras sólo no se aproximan más porque artistas, teorías y teóricos
insisten en suscribirlos/las en lugares/discursos de los que nunca hemos podido/deseamos
ser/participar.
274
Palabras Clave: Artes Visuales; Estudios de Culturas; Biogeografías.
“Há alguns anos, o fim das fronteiras foi pressagiado. Houve quem
celebrou seu inexorável “apagamento” com o advento da
globalização.” (MIGNOLO, 2015, p. 12)
275
torna binário o mundo, que faço o exercício de repensar neste trabalho as nossas produções
artísticas enquanto prática artístico-cultural ou como produções de conhecimentos a partir de
suas situações biogeográficas. Pois, tenho como parâmetro que é a estética moderna que
antecede qualquer noção conceitual no contexto historiográfico contemporâneo mundial:
Ocidente X Oriente; Centro X Periferia; Arte X Não-Arte, Mundo X Fim do Mundo, Homem
X Mulher, Gente X Não-gente, Ciência X Subjetividade etc.
A condição da nossa colonização sociocultural, crítica e artística, seja histórica, seja
contemporânea, é o que me interessa agora, e, por conseguinte, deve ser pensada levando em
conta nossa relação com a América Latina. Mesmo que essa relação tenha problemas em
ocorrer dadas às diferenças sociolinguísticas. Também interesso na atual situação da produção
brasileira em relação à subalternização e às questões de colonialidades do poder, externas e
internas, seja ou não por causa da língua, de nossas práticas artístico-culturais e teóricas em
Artes Visuais serem emblemáticas e estarem tão exiladas neste contexto. Mas também tomo a
espacialização geográfica como problemática para o âmbito nacional da discussão já que
dentro do país não impera a problemática da língua. Tendo sempre a noção estética moderna
como suporte histórico principal dessa condição, se, por um lado, a produção crítica pós-
colonial latina – no cômputo espanhol – não nos serve completamente porque têm função
social e política – é imprescindível a produção dessa noção pós-colonial ((bio)descolonial) com
“sotaque” brasileiro para tal.5 Por outro lado, as produções europeias e estadunidenses não
podem ser vistas como melhores para nós já que a visada colonizadora e estetizante delas são
imperantes como matrizes para nós. Do mesmo jeito em domínio nacional – nominada por
Walter Mignolo de colonialidade do poder ao se referir aos centros hegemônicos dentro de um
mesmo território nacional – Estado nenhum pode ser o detentor do saber e da “inovação”
artística, se considerado nossa diversalidade interna (MIGNOLO):
Nesta esfera, se trata da desocidentalização mais que da descolonização da estética.
Estas são duas opções que estão hoje surgindo no mundo não-europeu. Na Europa,
Okwui Enzezor introduziu — a partir da Documenta 11 — a dimensão pós-colonial
no museu e no discurso curatorial. (Enzewezor, 2010). No entanto, a versão pós-
colonial da estética, no âmbito europeu (Enzezor escreveu o primeiro artigo para o
catálogo da Tate Trienal de 2009, curada por Nicolas Bourriaud), encontrou seus
críticos no campo das práticas artísticas e discursivas sobre a arte. Entre estas
críticas nos encontramos com a versão descolonial da estética. Isto é, a opção
descolonial frente a reprodução eurocentrada da estética (automodernidade), a opção
desocidentalizadora (Yuko Hasegawa), a opção pós-colonial (Enwerzor) e a opção
descolonial (Wemega-Kwawu) (MIGNOLO, 2012, p. 27). (Tradução livre minha) 6
277
reflexões daqueles conhecimentos produzidos fora sem (re)conhecer os seus loci
enunciativos culturais. É nesse sentido que esta reflexão aqui formulada, de base
epistemológica crítico- biogeográfica fronteiriça, acerca de uma estética bugresca de
paisagens biográficas como aiesthesis (bio)descolonial (como opção de apreciação outra das
produções artístico-culturais em relação à nossa ideia de estética moderna) vem contribuir
para o desenlace dessa relação dual entre centro e periferia, passado e futuro, de situação
entre-fronteiras e exterioridades.
278
discursos críticos e também artísticos como a leitura analítica pós-colonial e crítico-
biogeográfica que faço das produções locais.
Do mesmo modo, a noção de uma opção crítica que emerge dos lugares enunciativos,
seja de língua espanhola, seja do Brasil, ou seja até dos lugares enunciativos postos na
Europa ou nos Estados Unidos, desde que sejam todos para pensar seus contextos a partir de
si próprios, não mais para pensar o outro, faz sentido tendo em vista que melhor falam por si
os próprios sujeitos. Nesse sentido, entender os lugares como lugares enunciativos
geográficos (Mignolo), igualmente perceber-se enquanto sujeito biográfico (Souza), é
compreender a ancoragem epistemológica da biogeografia pensada para construção de
conhecimento a partir da arte produzida em Mato Grosso do Sul. Portanto, há aqui a
emergência do lócus, sem nenhum provincianismo e/ou bairrismo e nacionalismo, como
produtor dos seus saberes sobres os seus fazeres. Assim, reforçam esta ideia Walter D.
Mignolo e Eneida Maria de Souza em passagens respectivas que seguem:
Não estou supondo que só pessoas originárias de tal ou qual lugar poderiam fazer
X. Permitam-me insistir em que não estou vazando o argumento em termos
deterministas, mas no campo aberto das possibilidades lógicas, das circunstâncias
históricas e das sensibilidades individuais. Estou sugerindo que aqueles para
quem as heranças coloniais são reais (ou seja, aqueles a quem elas prejudicam)
são mais inclinados (lógica, histórica e emocionalmente) que outros a teorizar o
passado em termos da colonialidade (MIGNOLO, 2003, p. 165-166). (Grifos
meus).
E, desta noção, têm condição de melhor falar das suas exterioridades porque estão
envoltas as sensibilidades biográficas desses sujeitos. Reforça-nos então Eneida na mesma
direção:
É preciso contar com a formulação de um locus de enunciação migrante, na
medida em que a identidade já se reveste como híbrida, ao falar e responder a
partir de dois ou mais lugares, não conduzindo, portanto, a sínteses, fusões ou
identidades estáveis (SOUZA, 2002, p. 13). (Grifos meus).
Ou seja, para propor uma análise das produções artísticas em Mato Grosso do Sul,
papel relegado obrigatoriamente à crítica local, é preciso levar em consideração a existência
de um lócus enunciativo migrante específico, pensado aqui como geografia específica, bem
como um sujeito biográfico para assim alcançar as especificidades dessas práticas artísticas
(teórica, crítica, artística ou pedagógica). Assim, então, emerge a argumentação
biogeográfica como proposta epistêmica para pensar sujeitos, espaços e narrativas dos
lugares de exterioridades situados no Brasil. Portanto, é preciso edificar sujeitos, lugares e
279
narrativas – biogeografias – outros para poder fazer, saber, ser, sentir as práticas culturais
desses lugares moventes. No entanto, não é a postura adotada pela crítica de arte,
especialmente, sul-mato-grossense regional, mas também em grande evidencia na crítica
nacional brasileira. No caso do local, essa crítica, avalizada por um poder público elitista,
prioriza as relações externas da produção artística local – de língua, de geografia e de
história alheias – e simplesmente desconsidera as possibilidades, ou especificidades como
quis Mignolo, dos limites e fronteiras do lócus onde dá mato até no nome.
281
tomados como únicos modelos edificados pelos artistas e amparados em leituras críticas
da/de arte que viveram no passado, sempre alheios aos ágoras, ainda reforçados na
contemporaneidade. Igual, teorias que estão constituindo suas argumentações a partir desses
lugares externos ao à historiografia colonial, além de escapulirem à ideia de análise
estrutural, vislumbram argumentar a partir da epistemologia como biogeografias – porque
conceito também é uma tendência moderna e/ou pós-moderna (estou argumentando aqui na
perspectiva das fronteiras externas do sistema mundial colonial/moderno) –, por
reconhecimentos, como faço nas práticas culturais vistas por esta ótica, das relações dessas
com o bios dos sujeitos, as geografias dos lugares e as narrativas das culturas emergentes.
Essas (re)verificações teóricas não buscam relacioná-las (práticas artísticas) com
passado/lugar históricos altivos, descontextualizados dos locais.
282
poder dos lugares subalternos ex-posta na contemporaneidade, que edificam fronteiras nas
culturas de exterioridade; entendo que seja, tomados dessas consciências, a única forma de
emergência de práticas artísticas e produções culturais de sujeitos, lugares e narrativas –
biogeografias múltiplas – serem compreendidos como produtores de arte, cultura e
conhecimentos externos ao que foi, é ou será de ordem da História da Arte da Europa ou dos
Estados Unidos. Dessa forma, confronta-se epistemes de arte e teoria que não se
complementam, e não completam: entre uma prática artística desobediente em Artes Visuais,
dos lugares subalternos e/ou subalternizados, com uma epistemologia colonial de lugares
privilegiados por tempo e histórias “sagrados”. São comparações incomparáveis. São estas
práticas das exterioridades (Terceiro-mundista) que fazem emergir uma representação de
identidade cultural não-moderna, não-pós-moderna ou mesmo altermoderna.
283
desde os períodos mais remotos da presença humana em chão terrestre, aquelas também
tornam essas visualizações, construídas por diferentes artifícios técnicos e artísticos,
produções e reproduções de conhecimentos sobre esses sujeitos, lugares, memórias,
histórias, etc, diferentes. Tal evidencia torna-se importante aqui ser feita para lembrar que
todos os lugares nacionais e/ou latino-americanos apresentam traços artístico-culturais
humanos, assim como os lóci consagrados pelos discursos da historiografia “mundial”.
Portanto, se os discursos sobre as produções hegemônicas ancoram-se em classificações de
raça, gênero e classe específicos é porque há uma predileção de si próprios para contar os
fatos históricos. E esta eleição dos lugares e tempos não está circunscrita aos lugares
subalternos. Os lugares relegados a situ-ação de fronteiras! Mas que, na ordem estabelecida
na esfera global, fazem antes de todos a predileção pela história e lugar daqueles.
Todavia, como em todo lugar subalterno, em desequilíbrio ao exposto antes,
desobedecendo às desobediências epistêmica e política, que fariam promulgar uma
especificidade da arte local, também em Mato Grosso do Sul, meu exemplo e lugar
enunciativo, a produção artística visual, na sua grande maioria, para não dizer quase toda,
continua inscrevendo a exterioridade artística e cultural desse lugar de fronteira (geográfica
que já caracteriza essa situação “de” e “à” margem) na interioridade do pensamento
hegemônico europeu e à sombra do projeto de globalização estadunidense. E, igualmente
ou o que é inda pior, a crítica local, que se valendo das teorias migrantes dos lugares
homogeneizadores, induzindo as leituras analíticas nos moldes mais modernos sobre essas
práticas, reforça a obediência artística e cultural (na prática, na teoria e no ensino de arte) de
lugares subalternizados como Mato Grosso do Sul em relação à Europa e aos Estados
Unidos.10 Portanto, caracteriza ai, uma “comparação” diferente da que aqui, até então,
deveria ser privilegiada – em que os sujeitos de lugares subalternos produzissem
diferentemente do que a historiografia colonial insiste/persiste em reconhecer como
produção artística –, quando os lugares à margem insistem em continuar produzindo (arte e
teorização) ancorados nos discursos hegemônicos coloniais em contraposição às suas
verdadeiras condições e diferenças coloniais: suas interioridades, vamos dizer assim. Do
mesmo modo, o teórico, o artista e o professor e historiador subalternos submetem-se em
dobro às ideias de desobedecer ao contrário
Logo, subjaz nos contextos subalternos múltiplos uma matriz colonial – histórica
e/ou contemporânea – que concebe por onde essas histórias locais devem circunstanciar (no
caso aqui sempre tomando da prática de artes visuais como ponto de ilustração, mas
abarcando o imaginário de arte, cultura e conhecimentos locais vários): sejam nas práticas e
produções que desobedecem ao sistema colonial (político, econômico, social e cultural), pior
ainda o é nas produções artísticas, culturais e de manutenção de conhecimentos históricos
que estejam em plena obediência a essa matriz da colonização. Pois, neste último caso, as
práticas e produções de todas as naturezas, que são sustentadas por um “sistema de arte
regional”, em detrimento de um contexto local epistêmico fronteiriço das e de diferenças,
acabam por privar-se e se embebedarem da colonialidade do poder local: sejam esses
comercial, político, social e mesmo cultural que sustentam os discursos desses a partir de
características estilísticas e/ou de movimentos artísticos coloniais modernos ou pós-
modernos. No caso de MS impera o Agronegócio!
Inscreve-se ainda nesta problemática de obediência às epistemologias europeias e/ou
estadunidenses, relacionadas às práticas artístico-culturais locais, um fazer artístico que
pactua mais ainda da episteme como política de manutenção da colonialidade do poder
instituída em Mato Grosso do Sul. Do mesmo modo, há uma política de manutenção dos
artistas que pactuam dessa obediência e das políticas de colonialidade de poder e do Estado-
nação, promovidos pelas teorias e críticos regionais sul-mato-grossenses, que exercem a
função de internalizar-nos aos projetos modernos e pós-modernos – europeu e estadunidense,
respectivamente, tornando essas práticas artísticas (musical, literária, visual-plástica e cênica,
entre outras) obedientes e exteriores às colonialidades globais. Dessa confusão babélica,
portanto, a posteriori, cabe dizer que a produção artístico-visual e as práticas teóricas e
críticas em Mato Grosso do Sul, em muitos casos também de ensino, na sua grande maioria,
têm homogeneidade moderna ou pós-moderna nos fazeres como desobedecidas nas
discussões descoloniais anteriores: contradição, obedecem achando que desobedecem aos
sistemas. Portanto, resultam, cada vez mais, em práticas e produções artístico-culturais de
natureza exuberante, recortes do natural, exóticas e retratos de uma realidade inventada,
sempre as relacionando às disciplinas da era (ciência) moderna para sustentar a precariedade
desses fazeres que, aí sim, tornam-se difíceis de serem inscritos fora (na exterioridade
descolonial) ao o que deveria ser considerado belo e como deve fazê-lo: impostos pelo
285
sistema moderno e pós-moderno de produção de arte, cultura e conhecimentos.
286
Pensar em uma história mundial ou na história universal é hoje uma tarefa
impossível. Ou talvez sejam ambas possíveis, mas sem credibilidade. As histórias
universais dos últimos quinhentos anos foram imbricadas em projetos globais.
Hoje, as histórias locais estão assumindo o primeiro plano e, da mesma forma,
revelando as histórias locais das quais emergem os projetos globais com seu
ímpeto universal. Do projeto do Orbis universalis christianum, aos padrões de
civilização na virada do século 20, até o projeto atual de globalização (mercado
global), os projetos globais têm sido o projeto hegemônico para o gerenciamento
do planeta. Esse projeto mudou várias vezes de mãos e de nomes, mas as vezes e
os nomes não estão enterrados no passado. Pelo contrário, permanecem vivos no
presente, mesmo que a tendência mais visível seja transformar o planeta em um
mercado global. (MIGNOLO, 2003, p. 46-47).
Concordamos então que se agora é a Era que a História da Arte não dá mais conta
da Arte! É a hora, por conseguinte, dessa historiografia prestar conta com as múltiplas
artes que foram e estão sendo produzidas e reproduzidas nas mais variadas biogeografias
locais na atualidade!
Pensar a partir da fronteira precisa de sua própria genealogia e história, o que, por
sua vez, surge ao colocar o pensamento em prática a partir da fronteira. Sem isso,
pensar a partir da fronteira permaneceria um simples apêndice à epistemologia
imperial do Ocidente moderno e às variantes da história canônica da civilização
ocidental – que foi contada a partir da perspectiva do Império (do Renascimento a
Hegel e Marx) – ou permaneceria como um simples objeto das ciências sociais
(como foi a mente selvagem para os primeiros antropólogos). 11 (MIGNOLO;
TLOSTANOVA, 2009, p. 12) (Tradução livre minha)
Não pensem vocês que estou pensando apenas em fronteira geográfica! A fronteira
está dentro de cada um de nós!
________________________________________________________________________________
1 Este texto está vinculado a um Projeto de Pesquisa Maior em desenvolvimento como Pesquisa de Pós-
Doutoramento na FAALC-UFMS que investiga uma perspectiva outra da História da Arte Latino-Americana.
Aquele Projeto está vinculado à pesquisa maior em desenvolvimento desde 2006 intitulada “Arte e Cultura
na Frontera: “Paisagens” Artísticas em Cena nas “Práticas Culturais” Sul-Mato-Grossenses” cadastrada na
287
PROPP/UMES.
2 A referência ao corpo neste trabalho está em um corpo epistemológico pensado como um espaço de
enunciação bio-geo- gráfico – um corpo que constrói sua identidade, espaços e narrativas de acordo com suas
necessidades intrínsecas ao próprio corpo. Assim, este corpo de que falo nunca está posta para a ideia
exclusivista de corpo físico dotado de técnicas – artísticas, pedagógicas e de experiências artísticas históricas
alheias tomadas como suas. Sobre isso, ver especialmente sobre esta discussão do corpo epistêmico em
AUTOR SUPRIDO, 2019. “O corpo das artes (cênicas) latinas ainda é razão e emoção!” (texto no prelo).
3 A discussão sobre arte política nunca foi uma questão que me valesse discutição. Haja vista que nunca
pensei a arte, ou nenhum fazer com e de arte, sem vínculo com política. Logo, porque sempre compreendi esta
relação em dois óbvios sentidos no contexto brasileiro: uma versão de política partidária; artistas, críticos e
até professores cooptados por um estado para produção. Segundo porque via em alguns casos uma política em
arte que desconsiderou os sistemas da arte para produção e que, também por isso, estiveram fora desse sistema
de politicagem com arte. Mas agora, estou pensando em uma aproximação com a noção de “corpo-política” e
“identidade em política” de Walter Mignolo que, se der tempo, ainda abarco neste texto. Mas caso não
consiga, vale a leitura de MIGNOLO, 2008; 2015.
4 A discussão acerca de “tradição/tradições” se coloca para entender que na perspectiva moderna ambos os
termos tomam olhares e traduções diferentes: o primeiro refere-se à tradição universal dos textos artístico e
que, por isso, são considerados cânones universais. Já do segundo, tradição, está para as culturas periféricas,
que têm práticas “reconhecidas” pelas culturas hegemônicas que não são cânones, mas são práticas
populares/folclóricas/tradicionais realizadas por essas culturas que as mantêm como diferentes em relação
àquelas.
5 Por um momento este ponto parece dúbio, especialmente na discussão entre um regional ou um universal
tradicionais. Mas, de certo modo, estou pensando em uma produção em arte (seja através de práticas artísticas,
ou seja através de práticas teóricas e/ou pedagógicas em arte) que esteja situada bio-geo-graficamente no
contexto latino-americano brasileiro, minimamente. Mas se penso nesta possibilidade situada melhor
geograficamente falando, é possível pensarmos em emergência de fazeres com arte situados nos múltiplos
lugares enunciativo brasileiros, a exemplo do que proponho a partir de Mato Grosso do Sul enquanto um lugar
de construção de conhecimento da lógica da sua especificidade.
6 “En esta esfera, se trata de la desoccidentalización más que de la descolonización de la estética. Estas son
dos opciones que están hoy surgiendo en el mundo no-europeo. En Europa, Okwui Enzezor introdujo —desde
Documenta 11— la dimensión postcolonial en el museo y en el discurso curatorial. (Enzewezor, 2010). Sin
embargo, la versión postcolonial de la estética, en el ámbito Europeo (Enzezor escribió el primer artículo para
el catálogo de la Tate Trienal de 2009, curada por Nicolas Bourriaud), ha encontrado sus críticos en el ámbito
de las prácticas artísticas y discursivas sobre el arte. Entre estas críticas nos encontramos con la versión
decolonial de la estética. Esto es, la opción decolonial frente a la reproducción eurocentrada de la estética
(altermodernidad), la opción desoccidentalizadora (Yuko Hasegawa), la opión postcolonial (Enwezor) y la
opción decolonial ( Wemega-Kwawu)” (MIGNOLO, 2012, p. 27).
7 O sujeito é subalternizado, não nasce subalterno!
8 O conceito de estética altermoderna (em espanhol) de Walter Mignolo, na minha tradução livre, aproxima-
se ao conceito de Hipermodernidade amplamente usado por alguns críticos, artistas e historiadores da arte
para ilustrarem um suposto momento histórico posteriori à modernidade pós-clássica europeia. Ainda
mantendo a ideia de cronologia temporal defendida pelo pensamento hegemônico europeu. Portanto, para
efeito do que espero que seja compreendido a partir da citação, mantenho o termo “não traduzido” assim
como se encontra na publicação de Mignolo da qual faço referência. MIGNOLO, Walter D.. Habitar La
frontera: sentir y pensar la descolonialidad (Antología, 1999-2014).
9 “Todas estas son variaciones dentro de la misma partitura: la estética moderna, invención europea del siglo
xviii, un discurso que colonizó la aesthesis, el sentir, las sensaciones y las reguló en los principios de lo bello
y lo sublime. Así, la estética moderna, posmoderna y altermoderna son la mitad de la historia aunque
pretendan ser universales y globales. La otra mitad es la respuesta que proviene del 80% del mundo no
europeo cuyas expresiones culturales fueron reducidas a folklore, música popular, literatura popular,
artesanías, nativismo, etc., reguladas y controladas por la decisión europea sobre qué es ló que debe
considerarse bello y cómo hacerlo. Por eso, las estéticas descoloniales (esto es, el discurso descolonial del
discurso moderno-filosófico) no surgieron en Europa, sino en el Tercer Mundo.” (MIGNOLO, 2015, p. 437)
10 Esta questão é o ponto alto da pesquisa de Pós-doutoramento que será desenvolvida a partir destas
reflexões. Pois, sem presunção de identificar ou mesmo conceituar o que é arte descolonial, pretendo discutir
porque estas questões de “desobediência” e “obediência” em arte sul-mato-grossense, brasileira, latina e em
outras culturas marginais ainda persistem. 11 “El pensamiento desde el borde necesita de su propia genealogía
e historia, la cual a su vez surge al poner en práctica el pensamiento desde el borde. Sin esto, el pensamiento
desde el borde quedaría como un simple apéndice de la epistemología imperial del Occidente moderno y de
las variantes de la historia canónica de la civilización occidental – que ha sido contada desde la perspectiva
288
del Imperio (desde el Renacimiento hasta Hegel y Marx)- o quedaría como un simple objeto de las ciencias
sociales (como fue la mente salvaje para los primeros antropólogos).” (MIGNOLO; TLOSTANOVA, 2009, p.
1)
REFERÊNCIAIS BIBLIOGRÁFICOS
289
FORMAÇÃO DE PROFESSOR DE ARTE NAS CULTURAS CONTEMPORÂNEAS
RESUMO
RESUMEN
290
A humanidade espera alguma coisa de nós que não seja essa imitação caricatural e
em geral indecorosa. Se queremos transformar a África numa nova Europa, a
América numa nova Europa, confiemos, então, aos europeus os destinos dos nossos
países. Saberão fazê-lo melhor que os mais dotados de nós. Mas se queremos que a
humanidade avance com audácia, se queremos elevá-la a um nível diferente do que
foi imposto pela Europa, então é necessário inventar e descobrir. Se queremos
responder à esperança dos nossos povos, não devemos fixar-nos apenas na Europa
(FANON, 1965, p. 171).
291
imposto temos que compreender a arte na educação – (como práticas artísticas, na pesquisa
em arte ou no ensino de arte) – como promotora de conhecimentos, indistintamente da cultura
que emerge e do/no seu tempo histórico2. Nesta ordem, as práticas do corpo nas suas
múltiplas expressões, as expressões artísticas das linguagens e/ou mensagens, igualmente as
infinitas biográficas (sujeitos promotores desses) deverão ser compreendidos através da arte3.
Pois, nesta perspectiva que se quer emergente os pensamentos sobre arte(s), cultura(s) e
conhecimento(s), conceitos binários de gêneros, classes ou raças de sujeitos como únicos
promotores, fazem emergir compreensões equivocadas como soberanas nas culturas de
exterioridades, Modernas e Pós-modernas, de Arte, Cultura e Educação.
[...] entendo que o discurso crítico fronteiriço, ou melhor, a epistemologia
fronteiriça, antes de ser tomada como um campo de estudo, deve ser compreendida
como um lócus de enunciação fronteiriço crítico por excelência. Por conseguinte, ao
invés de continuar a reproduzir à exaustão a velha prática de importação de teorias
dos centros desenvolvidos do país e do mundo e simplesmente repeti-las nas bordas
periféricas do país, deve[mos] tomar o lócus fronteiriço como um campo gerador de
saberes e de um discurso crítico específico que se ancora em uma epistemologia da
fronteira. (NOLASCO, 2017, p. 70-71).
292
globalização consolidada pelo pensamento pós-moderno estadunidense. Assim como o
pensamento moderno europeu engendrou um mundo unificado pelo gênero, raça e classe, os
americanos do norte têm trabalhado insistentemente na consolidação do pensamento de que
todos têm acesso a tudo. Tal conspiração nada escondida faz permanecer, por exemplo, a
sensação blasé de que um brasileiro – “latino-americano, sem dinheiro no bolso, sem lenço e
sem documento” – é tão oportunizado pelo capitalismo norte-americano como aqueles o são.
Um exemplo disso é, pois, a falsa noção de que um lançamento eletrônico realizado naquele
país é tão acessível aqui no dia seguinte quanto é lá: sendo que as redes tecnológicas e
sistemas comerciais brasileiros nunca darão os mesmos suportes que se têm lá. Igualmente é
falsa a ideia de que as tecnologias midiáticas aproximam de todos as mesmas experiências de
mundos diferentes e divergentes dos nossos. Nessa condição pós-moderna estadunidense ou
naquela imposição moderna europeia, o fato é que sempre fomos tomados como sujeitos
periféricos e marginais sem arte, cultura e sem conhecimentos.
293
norte-americanos – a ciência de denominação, do que é da ordem da nossa arte, cultura e
conhecimentos, corroboram a necessidade de aprimoramento na formação docente brasileira,
especialmente de Arte, através de epistemologias outras que priorizam a cultura brasileira de
um ótica fronteiriça5. Portanto, torna-se evidente e emergencial na cultura nacional não
trabalharmos mais em cursos de graduação e pós-graduação – ambos formam docentes para
atuação na educação básica – baseados exclusivamente em doutrinas teórico-críticas
modernas exclusivistas e migradas da Europa ou dos Estados Unidos, empregadas a “cabo e
rabo” na arte, na cultura e nos conhecimentos produzidos deste lado do planeta que
(de)formam. Precisamos, evidentemente, de epistemologias que privilegiem o fazer, o saber e
o ser das especificidades das culturas latino-americanas no agora.
294
diferença como valor do que é da ordem do diferente e não com sentido empírico na nossa
noção e consciência do que é de pertencimento ao divergente. Do mesmo modo entender
diverso a partir de diversalidade, não de diversidade; inter e multiculturalidade ancorados
nas perspectivas transculturais e/ou transdisciplinares, já que ambos priorizam diferentes e
diversos, nunca comparativos entre desemelhanças; sensibilidades ao invés de estética, ainda
que esta última no plural como tem sido grafado por alguns estudiosos pós-modernos, como
parâmetros para pensar a arte; e arte para além da ideia de obra de arte moderna posta; cultura
como um termo que ilustra determinada sociedade ou grupo de indivíduos ou simplesmente
uma pessoa que pertence a algum conhecimento; e conhecimento como algo que se transmite
de geração em geração ao invés de algo localizado em um tempo e espaço e sujeitos
específicos nominado pelo cogito cartesiano de portador da ciência.
Estudos da relação entre o Ensino de Artes X os Estudos Culturais vem sendo objeto
de investigação nas minhas práticas artísticas, nas pesquisas teóricas e como metodologias de
ensino de artes têm cerca dez anos. Diferente do possível entendimento de oposição entre
disciplinas (caso do “X” em questão), estabeleço relações a fim de melhorar as minhas
práticas, igualmente dos acadêmicos e professores (leitores), no trabalho com Artes. A
proposição primeira da sistematização feita no decorrer de quatro anos – de 2006 a 2009 – foi
promover apontamentos de possíveis relações entre o Ensino de Artes no Brasil (desde 1500
até aqueles dias) e os Estudos Culturais que vinham migrando para terras latinas desde a
Inglaterra de finais do século XX.7 Mais tarde publicada em livro – Ensino de Artes X
Estudos Culturais: para além dos muros da escola (2010) – a discussão e contribuições de
Artes e Estudos Culturais como “disciplinas”, e as minhas ali (im)postas de ambos tomados
como “indisciplinas”, evidenciam possibilidades epistêmicas para o Ensino de Arte e para a
Formação de Professores de Artes e, igual, para o Trabalho Docente em Arte no Brasil.
Minhas discussões tomaram do Ensino de Arte no Brasil – discutindo desde a rubrica
Arte no singular, passando pelas “pedagogias” que tivemos no ensino de arte, até a
abordagem triangular proposta por Ana Mae Barbosa acerca de 1980. Fazendo apontamentos
dos problemas que tivemos estabelecidos aqui de sempre termos um ensino pautado em
aprendizados vindos de fora, fossem pelo método de aprendizado da técnica ou do modelo de
escolas trazidos por importações, fossem ainda por necessidades de dar finalidades
empreendedoras à própria arte, argumentei a favor das contribuições que um estudo como os
295
Estudos Culturais, que se pautava na reformulação dos cânones, pudessem promover ao
Ensino de Artes no Brasil; ali também já grafando a disciplina e pensando as práticas com as
Artes no plural. Pois, até ali não tínhamos estabelecidas as resoluções das problemáticas do
ensino de Artes ainda ter que lidar com as quatro linguagens na mesma sala de aula com o
mesmo professor; do reconhecimento da importância do conteúdo de Artes pela escola, pelos
colegas professores e pelos próprios alunos; e da dificuldade do professor em relacionar
culturas específicas com currículo que reforça a História da Arte europeia. Ainda hoje as
mesmas problemáticas e outras (BNCC) surgem a fim de decretar o fim da disciplina como
conteúdo obrigatório nas escolas de ensino formal brasileiras.
Dos Estudos Culturais, pensados lá fora para Escolas de Jovens e Adultos –
semelhantes ao nosso AJA – e para investigar as práticas culturais das classes menos
favorecidas – trabalhadores rurais e de minas, bem como o feminino e outras –, suas
epistemologias vieram migrando/mudando de lugar para lugar: da Europa para os Estados
Unidos, desse último para a América Latina e desses até o Brasil quase simultaneamente8.
Não necessariamente nesta ordem ou mesmo sem tomar de outros lugares, os Estudos
Culturais provocaram a constituição de outros saberes. Foi dessa perspectiva que os primeiros
estudos realizados para estabelecer a relação entre o Ensino de Artes e os Estudos Culturais
aconteceram naquela pesquisa publicada em 2010; até ali não tinha conhecimento de
empreitada igual. Uma ideia de retroalimentação de epistemologias entre os saberes (de Artes
e de Culturas) que situassem a disciplina de Arte no lugar de “indisciplina” como ocupava os
Estudos Culturais, mas como saberes epistêmicos outros desconhecidos pelo saber disciplinar
Moderno e Pós-moderno imperantes.
Portanto, de um tempo para cá, mas na tentativa de sistematizar melhor as ideias,
retomo aquela pesquisa, e a fim de propor uma (re)verificação de ambos, do atual cenário do
Ensino de Artes10, bem como da ideia de estudos que abarcam a cultura, quero estabelecer
uma relação entre esse mesmo Ensino de Artes, mas versus Estudos de Culturas: pretendendo
ampliar aqueles apontamentos a partir de uma discussão primeiro bibliográfica que percorra
dos atuais Estudos Culturais, mas também se estendam à Desconstrução, aos Estudos Pós-
Coloniais e nos Estudos Subalternos e Fronteiriços — todos já tomados de perspectivas
latino-americanas e/ou nacionais — tendo em vista os processos de transformações
epistêmicas, culturais, sociais, políticas e econômicas no Brasil11. Mas, a posteriori, a
pesquisa tomará de práticas no ensino, nas pesquisas teóricas e nas práticas artísticas como
escopos investigativos e práticos como alternativas ao Ensino de Artes12.
296
Esta (re)verificação toma do princípio de promoção de caminhos epistemológicos
outros (metodologias, práticas, pedagogias, de teorias das artes, ser-pesquisador, ser-professor
e do ser-artista) com Artes no Brasil. Mas também considera-se tais (re)verificações para a
promoção de alternativas outras para a Formação de Professores e ao Trabalho Docente nas
Escolas; falo a partir do meu trabalho docente das Artes Visuais. Mas também das minhas
práticas em Artes (pictórica e pesquisa) para contribuição/construções dessas (re)verificações
do atual cenário artístico-acadêmico em que nos encontramos, além do agenciamento e da
difusão dos Estudos de Culturas como proposta epistêmica em Artes como promoção de
conhecimentos através da arte, das culturas e dos conhecimentos empíricos aos sujeitos. Por
conseguinte, (re)verificar aquelas formulações expostas em 2010 faz-se necessário tendo em
vista que agora, ancorado nos Estudos de Culturas – epistemologias que tomam das diferenças
culturais e coloniais – não é o mesmo que tratar de teorias importadas para a confirmação ou
não de saberes e práticas e é ainda tratar de uma problemática para o Ensino, a Formação e o
Trabalho Docente em Artes assola o Brasil desde 1500 do dia do “Descobrimento”.
Eu acredito que uma das características centrais do debate educacional –
particularmente o interior das instituições educacionais nacionais e globais - é a
crença compartilhada de que o peso ou fator social da educação é tão grande que
pode modificar todas as estruturas sociais circundantes. Embora a educação tenha
sido um dos fatores para maior mobilidade social durante o século XX, também foi
um dos melhores instrumentos utilizados para manter as desigualdades e assimetrias
sociais não somente na América Latina, mas também em sociedades “Ocidentais” e
“Primeiro Mundistas”. [...]. É por isso que, quando se fala de interculturalidade,
quase imediatamente pensa em um tipo de relacionamento mediado pela educação (e
quase sempre com uma intenção civilizadora) (QUINTERO, 2014, p. 42-43).
Deste modo, Ensino de Artes X Estudos de Culturas: para além das fronteiras não está
circunscrita exclusivamente na noção simplista de resignificação daquelas ideias. Mas, de
modo bastante amplo, quer-se priorizar a (re)verificação dos próprios Estudos Culturais que
migraram para o Brasil que, mal interpretados pela grande maioria das disciplinas que os
institucionalizaram (na adoção de ideias simplistas dos conceitos de multis e
interculturalidades), se transformaram consideravelmente ao entrar em contato com lugares
periféricos no Brasil que ainda se entende como Sede de Corte, porque insistem em reproduzir
artes, culturas e conhecimentos alheios. Por conseguinte, a ideia de Estudos de Culturas é
mais abrangente do que a noção primeira (2010) de Estudos Culturais. Pois como advirto aos
meus alunos, as aberturas e recepções epistêmicas diversas no Ocidente permitiram a difusão
também no Brasil dos Estudos da Desconstrução (Derrida), Pós-coloniais (Mignolo) e dos
Estudos Subalternos (Grupo de Subalternistas Indianos e Latino-americanos), além das
construções filosóficas, sociológicas e antropológicas latinas, que ilustrarão melhor as
297
discussões sobre esses lugares, sujeitos e práticas de Artes, Culturas e Conhecimentos outros
que sempre estiveram e foram colocados como arte, culturas e conhecimentos não-eruditos
pela cultura do fazer, pensar e saber europeias que situaram essas culturas não-civilizadas às
margens dos saberes e práticas e também dos confins dos conhecimentos projetados pelo
modelo Moderno.
298
Desde a constituição dos Estudos Culturais ingleses – Richard Hoggart, Stuart Hall, E.
P. Thompson e Raymond Williams (nos finais da década de 1960) – já ficou subentendido
que estudar culturas não é o mesmo que praticar Estudos Culturais! Portanto, tomar da
História da Arte, de dias festivos, de características isoladas, comparando-as entre culturas
diferentes, de culturas marcadas espelhadas em datas, lugares e línguas distintos, quase
sempre europeus, não é uma prática culturalista a partir da perspectiva epistêmica dos Estudos
Culturais como esses foram pensados em Birmigham na Inglaterra. Nem o pode ser entendido
também como prática dos atuais Estudos Culturais americanos – ancorados em Cary Nelson,
Paula A. Treichler e Lawrence Grossberg quando em “Estudos Culturais: uma introdução”
(1995) – e muito menos ainda são tomados como práticas políticas dos Estudos Culturais de
perspectiva mais marginal como aqueles Estudos Culturais disseminados amplamente na
América Latina com os diversos teóricos brasileiros e os latino-americanos de língua
espanhola.
[...] os estudos culturais começaram como um empreendimento marginal, e
começaram não porque este ou aquele intelectual os inventou, mas a partir da
necessidade política de estabelecer uma educação democrática para os que tinham
sido privados dessa oportunidade. Além de terem escritos grandes livros, Hoggart,
Thompson e Williams foram professores da Worker’s Educational Association
(WEA), uma organização de esquerda para a educação de trabalhadores. Ensinar
nesse tipo de instituição era mais uma intervenção política do que uma profissão.
(CEVASCO, apud BESSA-OLIVEIRA, 2010, p. 37).
A atuação política dos Estudos Culturais na América Latina foi e ainda o é necessária,
mais agora na perspectiva de Estudos de Culturas que quer tomar de culturas apagadas para
fazê-lo, já que a marginalidade de nossas culturas tornou-se ainda maior em vistas do seu
sentido minimamente duplo: primeiro de que somos excluídos pelos discursos dos centros por
não sermos sequer considerados gentes, no segundo caso porque também somos situados
dentro de múltiplas fronteiras de exclusão (discursivas), dentro dos próprios contextos
diversos da América Latina. Ser latino-americano é estar localizado constantemente em
situação cultural e geográfica (artística e de produção de conhecimento) de fronteiras
discursivas estabelecidas por poderes hegemônicos instituídos histórico ou
contemporaneamente: exclusões política, econômica, social, cultural de produção de
conhecimento que emergem fronteiras na arte, na produção de discursos e fronteiras que
barram a dissolução/circulação das práticas culturais dos lugares periféricos como produtores
de conhecimentos.
A constituição de fronteiras na arte, nas culturas e na produção de conhecimentos
latino-americanos, mais ainda na situação geográfica como a de Mato Grosso do Sul
299
(literalmente de fronteira e/ou de margem) faz evidenciar e manter a mesma constituição
hegemônica de mundo moderno: dual. Ou seja, continuamos não produzindo arte, não sendo
cultura e menos ainda formulando conhecimentos porque não somos ao menos tomados como
indivíduos que ocupam outros lugares, se não o da exclusão. A fronteira, na perspectiva
moderna de compreensão de mundo, toma apenas da ideia de separação, criação de
distanciamentos. Enquanto que na perspectiva cultural e mais ainda ancorada na condição
pós-colonial, fronteira é tomada como lugar que separa e ao mesmo tempo aproxima, mas que
produz um conhecimento cerzido no interior (intervalar) do espaço que é “entre” que o
pensamento hegemônico europeu nunca vai alcançar para compreender as práticas artísticas
ali produzidas como arte, cultura e menos provavelmente ainda como produtoras de
conhecimentos de conhecimentos que emergem desse lugar do intervalo: que se situa no lugar
até onde o pensamento (fronteira) moderno europeu dual alcança e está para além da ideia do
que está separando alguma coisa, quando na verdade junta as diferenças.
Igualmente se na constituição, expansão e ampliação dos Estudos Culturais esses
foram tomados equivocadamente ao serem “institucionalizados” como disciplina (limites)
sem teoria, diferentemente agora a ideia de Estudos de Culturas, e mesmo os Estudos
Culturais, que nunca foram sem teoria, ambos estão ancorados em epistemes de múltiplas
áreas de produção de conhecimentos (indisciplinados) para tomar de maneira melhor as
práticas culturais e para a produção e transmissão de conhecimentos mais amplamente porque
são emergentes nos lugares marginais. Diferente da ideia tradicional de conhecimentos que
migram de outros lugares para pensar os sujeitos das margens; da ideia de conhecimentos que
têm muita força e que por isso rompem as fronteiras, agora, portanto, as reflexões filosóficas
da Desconstrução, os Estudos Pós-coloniais e os Estudos Subalternos Latino-americanos –
que estão ancorados em pensamentos epistêmicos que estão ressignificando a América Latina
especialmente a partir de teóricos e disciplinas que pensam a/da própria América Latina com
sua condição de lugar pós-colonial, e os Estudos Fronteiriços, a partir do Projeto Moderno de
Mundo Ocidental – são tomados como epistemologias para, no sentido aqui pensado,
promover a produção e transmissão do conhecimento no Ensino de Artes, na Formação de
Professores de Artes e no Trabalho Docente em Artes e, ainda, através das próprias produções
artísticas: práticas, pesquisas e ensino com/em Artes que emergem dessas fronteiras.
301
Entretanto, o que se observa na atualidade é que o fato de tratar as culturas a partir dos
conceitos de multiculturalidade ou interdisciplinarmente, já que fizeram o tempo todo
comparações entre as diferenças, não mudou em nada a condição desses sujeitos.
Somente nos últimos anos – como efeito das ações das políticas estaduais em
relação às comunidades nativas – existe um ingresso visível de jovens provenientes
desses grupos [pelos mais humildes com a expectativa de atingir um status no grupo
social mais alto; no caso do Brasil pensemos nos indígenas e afro-brasileiros,
inclusive nos vindos de outros países periféricos]; no entanto, as estratégias de
contenção passam por sua transculturação; isto é, adotar e modificar suas lógicas
para aqueles do padrão dominante; a universidade não muda, devem mudar os
sujeitos que aspiram a fazer parte dela (PALERMO, 2014, p. 46).
Os povos não-europeus têm suas práticas – sua arte, cultura e conhecimentos – a partir
das abordagens: multicultural e intercultural entendidas apenas da perspectiva que faz
comparação entre as diferenças que ambas expressam em relação à cultura letrada, do centro,
branca e heterossexual fálica europeia. Na prática, os professores, via os currículos escolares,
tratam dessas culturas ilustradas com imagens e textos estereotipados em modelos
estabelecidos pelos mesmos sujeitos que as colonizaram. O indígena só existe pelado e com
pele cor de jambo, estereótipo ilustrado pela Iracema “lábios de mel”, mas reprodutor de
práticas rupestres porque não tem condições de aprender. Já o negro, visto como saudável,
limpo e até bem vestido, mas sempre escravo e servo dos senhores brancos dos engenhos.
Como se tudo isso fosse naturalmente comum, os conceitos de multiculturalidade e de
interculturalidade são equivocadamente tratados como práticas de Ensino, Formação e
Trabalho Docente em Artes – ressaltando as diferenças culturais em datas comemorativas
como se fossem troféus – faz muito tempo na Educação Brasileira.
Do mesmo jeito, com a virada do século (XX para XXI), momento em que prevíamos
a tomada de consciência das diferenças como fator preponderante, não apenas na educação,
mas nas relações socioculturais, políticas e econômicas, uma vez que acabamos por ver a
instituição do conceito de hibridismo para compreender os trânsitos entre as culturas, fizemos
a mistura das diferenças reforçando o DNA, nessa mistura, das culturas brancas, letradas e
falocêntricas. O currículo acaba por tomar do conceito de hibridismo, hibridação, hibridismo
cultural, termos diversos como tem figurado nas várias vezes que vemos sê-lo citado, fazendo
302
a observação das misturas através de contatos entre as culturas diferentes levando em
consideração que muitas dessas culturas hibridizadas apenas produzem arte, cultura e
conhecimentos diversos, mas simplesmente porque sempre ficam em dívida com a cultura
maior que empresta, que serve como modelo, tem tradição, que detêm os cânones ou que
produziram as obras que têm mais história, as que emergiram em determinados lugares ou as
que são “escritas” em línguas específicas.
O hibridismo, portanto, acaba por implantar uma dívida das ditas culturas periféricas
em favor das altas culturas que “emprestaram” sua arte, cultura e conhecimentos, por
conseguinte sua raça, gênero, classes, história e memórias com longo tempo para os incultos
que não produzem e são, não diferentemente, sem histórias e sem memórias próprias. Por isso
usamos até hoje a história e memória alheias como se fossem nossas. E nesta ordem, os
conceitos de multiculturalidade, interculturalidade e de hibridismo vêm reforçando a nossa
precariedade em produzir arte, cultura e conhecimentos porque são equivocadamente
empregados nas escolas, instituições de arte, nos discursos dos sujeitos da arte (professor,
pesquisador e artista) que defendem esse lugar menor das nossas práticas artístico-culturais
faz mais de quinhentos anos sempre em comparação àquelas. Como se nós devêssemos pagar
por uma conta que nos fora imposta e não foi por nós conquistada, a colonização artística,
cultural, política e econômica implantada nas culturas latinas desde a instituição do Projeto
Moderno Europeu de expansão do mundo e reforçado pelo Projeto de Globalização norte-
americano, cobra essa dívida e vêm encontrando força na atualidade cada vez mais. Pois as
diferenças têm sido cotidianamente usadas como armas de divergências para repressão às
artes, às culturas e aos conhecimentos produzidos diferentes desses tomados como melhores,
maiores, modelos, padrões etc.
304
das ideias de herança, dívida, modelo ou com a noção de tradição europeia e/ou norte-
americana.
Os sujeitos, lugares e narrativas latino-americanos abordados pela ótica da condição
de ex-colônias evidencia a não existência da dívida, por exemplo, que o pensamento moderno
europeu semeou pelo mundo. Pelo contrário, implantam a consciência de que tivemos as
memórias, histórias, culturas, produções artísticas e conhecimentos aqui produzidos em
tempos até mais remotos que dos europeus, apagados pelos discursos de dominação política,
econômica e cultura que impera desde o século XV e mantido com a noção de Globalização
do Planeta. Do mesmo jeito, essas produções tomam vozes para refletir, produzir e pensar a
partir de e as suas próprias práticas livres da relação de continuísmos, cronologias e/ou
línguas específicas que imperam a partir das hegemonias. Por uma questão prática, sujeitos,
lugares e narrativas – que demandam argumentações epistêmicas outras – dos lugares
excluídos passam a reverberar conhecimentos a partir dos próprios conhecimentos desses
sujeitos, lugares e narrativas biogeográficas compreendidas pela ótica epistêmica dos Estudos
de Culturas que vê o mundo das diferenças através da diversalidade.
Por fim, o que de fato precisa ser abordado, seja dos aparatos didático-metodológicos
no Ensino de Artes, seja na Formação de Professores, ou seja no Trabalho Docente do
professor de Artes, antes de concentrar os problemas na escola, de perspectiva conceitual
multicultural ou intercultural, ou considerando as culturas como híbridas, são as diferenças
coloniais que emergiram nos últimos anos do século XX e que estão emergindo cada vez com
mais vigor nestes anos iniciais do século XXI. Não conseguimos mais na escola (lê-se
educação, formação ou trabalho de professores nas Artes) apenas falar em culturas como as
indígenas e as afro-brasileiras ou as asiáticas que aqui estavam, migram a favor ou contra as
suas vontades – dessas faz muito tempo os reconhecimentos das suas diferenças são alvos de
305
grupos variados em seu favor. Temos que obrigatoriamente reconhecer as diferenças coloniais
dos sujeitos (registra-se que não falo em grupos, bem antes aqui já dissera que as discussões
por grupos também não sustentam reconhecimentos de diferenças) que ocupam
obrigatoriamente os lugares das múltiplas exterioridades/estereotipagens que foram
constituídas nos últimos anos.
_____________________________________________________________________________________
1 Este trabalho é parte de uma pesquisa maior que o autor vem desenvolvendo desde 2006 que está vinculada a
um novo Projeto de Pesquisa intitulado “Arte e Cultura na Frontera: “Paisagens” Artísticas em Cena nas
“Práticas Culturais” Sul-Mato-Grossenses” a ser cadastrado na PROPP/UMES ainda em 2017.
2 Estas afirmativas estão para a ideia conceitual de Biogeografia que vem sendo desenvolvida. (BESSA-
OLIVEIRA, 2016).
3 A referência ao corpo neste trabalho está em um corpo epistemológico, nunca na ideia exclusivista de corpo
físico dotado de técnicas – artísticas, pedagógicas e experiências artísticas históricas. Ver especialmente sobre
esta discussão do corpo epistêmico em BESSA-OLIVEIRA, 2019. “O corpo das artes (cênicas) latinas ainda é
razão e emoção!” (texto no prelo).
4 Sobre isso dois conceitos discutidos por Jacques Derrida, abordados por Carlos Skliar na obra Derrida e a
Educação (2008), ilustram bem a questão: são eles hospitalidade e hostilidade. Do primeiro, para Derrida, dá-se
quando o hospedeiro hospeda o viajante e assim recebe dele com muito boas vindas toda a influência cultural
consigo trazida. Do segundo, que está diretamente relacionado ao primeiro, o hospede recebe o mesmo viajante –
aqui gostaria desta relação atribuída às experiências e teorias com a educação migradas de fora da América
Latina, mais precisamente no caso da Arte, mas não apenas –, mas hostiliza sua chegada traduzindo-o, por mais
que a tradução seja uma tarefa impossível na totalidade (Benjamin; Derrida), para assim não reproduzir o todo
do aprendido com o viajante; por ora deve-se ao menos “adaptá-lo” – traduzindo-o culturalmente – ao contexto
da nova cultura hospedeira o que demonstra hostilidade com o que chega.
5 Parece ter ficado óbvio que a noção de fronteira nesta discussão também não está posta única e exclusivamente
em marco geográficos, mas é tratada por uma ótica epistemológica de se-paração das diferenças coloniais que
“circulam” nos “lados” das fronteiras culturais, sociais, políticas, econômicas e/ou dos conhecimentos por
imposição de poderes sobre poderes menores. Fronteira então não é territorialidade geográfica. Apesar de o ser
também, mas já levamos em conta que fronteira se situa epistemologicamente em “lugares” enunciativos
exteriorizados pelos/dos projetos moderno e pós-moderno ainda hoje na contemporaneidade através de objeitos
físicos e também conceituais.
6 Diversalidade é um conceito que amplia o entendimento de diverso e de diferença. Pois são compreendidos
por uma visão de horizontalização de ambos, não no entendimento de verticalidade que ainda impera na cultura
contemporânea do conceito de diversidade. Da mesma forma, diversalidade está para uma ótica mais ampla de
entendimento das diferenças, logo porque sua reflexão ancora-se na diferença colonial que se entende para além
da diferença cultural.
7 Um novo Projeto de Pesquisa de Pós-Doutoramento que está em fase de desenvolvimento inicial – intitulado
“Arte, Cultura e História da Arte Latinas na Frontera: “Paisagens”, Silêncios e Apagamentos em Cena nas
“Práticas Culturais” Sul-Mato-Grossenses”, que pretende investigar a Arte, Cultura e História da Arte Latino-
americanas, cadastrado na PROPP/UEMS e PROPP/UFMS, junto ao NAV(r)E, priorizará Projetos de
ENSINO/EXTENSÃO/PESQUISA dos e aos alunos do 1º ano da graduação em Artes Cênicas – Licenciatura da
UEMS nas disciplinas de “História da Arte” e “Artes Visuais” por mim ministradas, explicará melhor esse
contexto histórico do qual emerge os Estudos Culturais Ingleses que migram para os Estados Unidos e depois
disseminam-se pela América Latina.
8 Os Estudos Culturais, como quase todo saber constituído fora do Brasil, migraram para os países latinos e para
todos os outros lugares que tenham alcançado, a partir da investida de intelectuais desses muitos lugares às suas
práticas e epistemologias adquiridas em situação de estudos em alguns países da Europa ou dos Estados Unidos.
9 A ideia conceitual de retroalimentação entre disciplinas foi posta (2017) em uma discussão das linguagens
Teatro e Dança realizada no TCC – Trabalho de Conclusão de Curso – do curso de Artes Cênicas e Dança pela
acadêmica Rafaela Cardoso de Oliveira sob minha orientação.
306
10 Desde a realização daquela pesquisa, como sinalizei antes, estabeleci uma discussão que tomava da defesa da
nomenclatura da disciplina no plural (Artes e não Arte), e venho acreditando cada vez mais nisso. Tendo em
vista, especialmente, que as discussões para separar as linguagens se sustentaram na ideia de singularidade na
área até a “entrada” de um Governo que desacreditasse na área. Por conseguinte, a destituição da disciplina agora
tem mostrado que o melhor seria que não tivéssemos nunca brigado pela separação. Já que esta acabou
mostrando fraqueza disciplinar da área de Arte, ainda que presente no currículo. Tal discussão lá (2010) e aqui
também não passa pela defesa ou recusa da ideia de Polivalência. Mas sobre esse primeiro fato, vale a leitura do
trabalho: BESSA-OLIVEIRA: “Sensibilidade BIOgeográfica: expandindo o SERartista, SERprofessor,
SERpesquisador para um processo de ensino e aprendizagem de Artes Visuais no curso de Artes Cênicas-
Licenciatura da UEMS” apresentado no evento em Vitória no Espírito Santo no primeiro semestre de 2017.
11 Nesta perspectiva de abordagem epistemológica já tenho desenvolvido um trabalho no PROFEDUC/UEMS –
Mestrado Profissional em Educação onde atuo como Professor-Orientador do quadro permanente – na disciplina
de Itinerários Culturais fazendo abordagens da Educação por perspectivas epistemológicas contemporâneas: dos
Estudos Culturais aos Estudos Fronteiriços tenho discutidos aspectos outros para a Formação Docente no
Programa. Igualmente tenho realizado na Graduação em Artes Cênicas na mesma universidade na disciplina de
Arte Educação desde a minha entrada ali (2014).
12 Não somente de problemas acerca da situação brasileira da educação “ser atrasada 100 anos em relação
ao contexto” contemporâneo vive o Ensino de Artes. Atualmente a área enfrenta um dos seus maiores
retrocessos com a implementação da BNCC – Base Nacional Comum Curricular (2017) – que tem como
proposta retirar o lugar duramente conquistado pela disciplina de Área de Conhecimento no currículo para
conteúdo programático não-obrigatório dentro da grande área de Humanidades. Mas sobre a BNCC tenho
produzidos outros trabalhos que podem ser consultados (2018; 2019).
REFERÊNCIAIS BIBLIOGRÁFICOS
308
ARTE E TECNOLOGIA NA EDUCAÇÃO: ASAS GALERIA VIRTUAL
RESUMO
Arte e Tecnologia na Educação: ASAS Galeria Virtual tem como objetivo promover a
aprendizagem na disciplina de Arte por meio da tecnologia via o produto educacional ASAS
Galeria Virtual (ferramenta que possibilita uma prática pedagógica que incentiva a autonomia
dos educandos nas pesquisas de obras e de artistas, além de compartilhar as produções
artísticas dos estudantes). O processo de ensino aprendizagem em arte é consolidado com a
ASAS Galeria Virtual e a criação artística.
ABSTRACT
Art and technology in education: WINGS Virtual Gallery aims to promote learning in the arts
discipline by means of technology via the educational product Virtual Gallery WINGS (tool
that allows a pedagogical practice that encourages autonomy of the students in the research of
works and artists, besides sharing the artistic productions of the students). The teaching-
learning process is consolidated with the WINGS art Virtual gallery and artistic creation. vitae
rutrum sem. Duis varius dignissim velit, id porttitor libero gravida vel. Ut lacus mi, t vel urna
pulvinar varius. Praesent laoreet venenatis risus. Quisque quis ullamcorper erat. Fusce tempus
rhoncus augue ut molestie.
1. INTRODUÇÃO
310
ASAS Galeria Virtual é um espaço permanente das atividades artísticas, culturais, de
conscientização e de valorização vivenciadas por estudantes, familiares, corpo docente, no
ciberespaço. A Galeria Virtual possibilita a disciplina de arte ampliar suas fronteiras, ao
desenvolver o olhar crítico dos alunos em relação à própria produção artística e disponibilizar
a criação de arte produzida pelos educandos para a família, amigos, comunidade escolar, para
o mundo.
2. REFERENCIAL TEÓRICO
311
integração cognitiva e com a sociedade. Juntamente com a tecnologia promove a interação da
sociedade com os espaços de informação, permite o ensinar e o aprender entre o mundo físico
e mundo digital.
Na instituição escolar, na qual o projeto Arte e Tecnologia em educação: ASAS galeria
virtual se desenvolve, faz o uso da base teórica: do ensino híbrido mesclar dois modos de
ensino: o on-line e o off-line, e a educação Maker, que propõe uma inovação, das ações
educativas, retira os estudantes da passividade, para a ação, o Maker, “o fazer com as mãos”.
O projeto ao realizar ações educativas via Maker, empodera os estudantes não apenas para
serem passivos, mas como protagonistas, tornam-se aliados, para serem capazes de agir,
serem agentes transformadores, transferindo o conhecimento adquirido para a comunidade:
escolar, local, virtual; a família e a sociedade.
Portanto (BELLONI,2001, p.61), diz que o professor deve“[...] problematizar o saber,
contextualizar os conhecimentos, colocá-los em perspectiva, para que os aprendentes possam
aprimorar-se deles e utilizá-los em outras situações ”. Neste mesmo contexto, (BLANDIN,
1990, p.90) diz que os professores devem “[...] codificar as mensagens pedagógicas,
traduzindo-as sob diversas formas, segundo o meio técnico escolhido, [...]”. Percebe-se como
o projeto ASAS galeria virtual via a tecnologia e arte agrega valores, aprimora o
conhecimento dos aprendentes no âmbito escolar para que possam decodificarem algumas
linguagens: tecnológicas, artísticas e pedagógica.
312
Os recursos tecnológicos, desenvolvem, aprimoram consolidam o saber, via uma
aprendizagem que desmistifica a construção do saber somente de forma passiva, para um
aprender ativo, no qual o educando é protagonista, atua diretamente com o fazer com as
próprias mãos, a educação Maker.
A educação Maker é uma prática educativa na qual, o saber se desenvolve em uma
aprendizagem ativa, na qual o estudante durante o percurso do processo criativo, pode fazer
usou da tecnologia digital, mas o fazer manual, a criatividade, prevalece; para o educando ser
o protagonista da ação educativa. A tecnologia e a arte somam para aprimorar e ativa o
aprendizado dos educandos e dos educadores dentro da instituição escolar.
Os estudos a respeito da tecnologia, diante da visão de pesquisadores, permitem
reconhecer que parte do universo tecnológico existente está na cibercultura. O uso da
cibercultura dentro de uma instituição escolar possibilita o avanço, da divulgação, interação
da cultura na web, consolida a integração dos conteúdos significativos. Assim como afirma
(LEVY, 1999, p.17): Quanto ao neologismo “cibercultura”, especifica aqui o conjunto de
técnicas (materiais e intelectuais), de práticas, de atitudes, de modos de pensamento e de
valores que se desenvolvem juntamente com o crescimento do ciberespaço (é um meio de
comunicação da interconexão dos computadores, com um universo de informações
compartilhadas). O saber sai de dentro da sala de aula, ultrapassa os limites das paredes da
escola, consolida o conhecimento, a informação é compartilhada.
Ao compartilhar na mídia: site ASAS galeria virtual, a facilitadora de arte permite
perpetuar o valor artístico, pois através das imagens dos processos artísticos (a pesquisa, o
conhecer a técnica, o fazer com as mãos) até o produto final: a obra de arte se faz presente. As
ações arte educativas validam a criatividade artística singular e significativa de cada
estudante, e chega até aos participantes passivos (responsáveis, comunidade escolar, entre
outros), quando esses acessarem via web a galeria virtual, acontece uma interconexão de
informações, contida na cibercultura.
De acordo com (LEVY, 1999, p.112)
Por outro lado, o significado último da rede ou o valor contido na cibercultura é
precisamente a universalidade. Essa mídia tende à interconexão geral das
informações, das máquinas e dos homens. E, portanto, se, como afirmava McLuhan,
"a mídia é a mensagem" [...] a mensagem dessa mídia é o universal, ou a
sistematicidade transparente e ilimitada. Acrescentemos que esse traço corresponde
efetivamente aos projetos de seus criadores e às expectativas de seus usuários.
313
conecta com a cibercultura, ou seja, seu saber dentro da sala de aula aumenta e o aprendizado
é potencializado. Quando educador, ao conectar os estudantes para o desenvolvimento do
saber contextual, criativo, artístico via a web, a cibercultura, criar uma conexão interativa do
educando com o mundo. Segundo (LEVY, 1999, p.126): “Para a cibercultura, a conexão é
sempre preferível ao isolamento. A conexão é um bem em si. ”
O educador ao propor a educação Maker com educados, sensibiliza e destaca a
importância do “fazer com as mãos” aliado a tecnologia no âmbito escolar. E propõe segundo
(BNCC, 2017, p.191): “A sensibilidade, a intuição, o pensamento, as emoções e as
subjetividades se manifestam como formas de expressão no processo de aprendizagem em
Arte”.
O projeto Arte e Tecnologia na educação: Asas Galeria Virtual, propõe uma mudança
no saber. Uma proposta inovadora dentro do âmbito escolar, que surgiu durante os estudos na
Pós-Graduação Lato Sensu: Tecnologias Educacionais – Tecedu, IFES. O projeto citado
desenvolve o aprender e o saber através do processo da vivência artística, que é
posteriormente compartilhado no produto educativo, ASAS galeria virtual, criado pela
educadora de arte, para compartilhar o valor da pesquisa, do fazer, da visita as exposições de
arte e da criação artística, a obra de arte dos estudantes. Segundo o BNCC (2017, p.191): ”A
aprendizagem de Arte precisa alcançar a experiência e a vivência artísticas como prática
social, permitindo que os alunos sejam protagonistas e criadores”.
3. METODOLOGIA
O Projeto Arte e Tecnologia na Educação: ASAS Galeria Virtual foi realizado com
estudantes do 4º ano Ensino Fundamental I da instituição de ensino Centro de Atividades José
Tarquínio da Silva, uma instituição privada de Educação Básica situada à Rua Tupinambás, nº
240, bairro Jardim da Penha, na cidade de Vitória/ES, CEP 29.068-210.
A metodologia utilizada é uma pesquisa-ação, intervenção, investigação realizada pela
educadora de artes a partir das mediações arte educativas com os educandos, os quais
pesquisam, produzem criativamente, fazem manualmente, trocam informações, compartilham,
visitam exposições de artes via a conexão com a tecnologia.
A aprendizagem dos estudantes perpassa durante todo percurso educativo por
intervenções e investigações, para um melhor saber, dialogando com a arte e a tecnologia, via
314
o acesso a ASAS Galeria Virtual, juntamente com os ambientes virtuais (galerias de artes
internacionais, instituto histórico) e externos a escola (exposição FILE).
O processo de aprendizagem do Projeto Arte e Tecnologia na educação é baseado no
despertar da curiosidade, da investigação, da pesquisa, de descobrir novos conhecimentos, do
fazer manual, de expressar seu sentimento através da produção artística, de compartilhar o
conhecimento, de construir o saber, as competências e habilidades cognitivas, habilidades
socioemocionais dos estudantes. As práticas pedagógicas têm como referência a Base
Nacional Comum Curricular e a educação Maker (fazer com as mãos).
No decorrer da pesquisa, foi realizada a divulgação e o acesso da ASAS Galeria
Virtual para os educandos do 4° ano, os responsáveis e a comunidade escolar. O processo das
práticas educativas foi coletado durante o percurso didático, através de fotos e diário de
bordo. Para posteriormente, digitalizar o conteúdo e compartilhar na galeria virtual.
Ao final, a pesquisa é avaliada através de um questionário online, disponibilizado na
ASAS galeria virtual, respondido pelos educandos do 4° do Ensino Fundamental e pelos
responsáveis.
315
3.2. A PRÁTICA EDUCACIONAL
A prática educacional foi realizada via as ações arte educativa aplicada na instituição
de ensino (sala de aula e tecnologia), no ambiente externo no SESI Arte Galeria, ou em
qualquer local com Wi-Fi disponível pelo acesso do site da Asas galeria virtual. A sequência
das ações arte educativas mediadas:
Uso do livro de arte
Galeria Google Arts & Culture
Exposição File
Oficina de Cerâmica
IPHAN – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
Oficina de desenho
Exposição #CONECTADOS
Galeria Google Arts & Culture
Oficina de Pintura
ASAS Galeria Virtual
Questionário online
316
Figura 2: livro didático da instituição (fotografia das autoras).
Figura 3: Acesso da galeria Google Arts & Culture (fotografia das autoras).
317
Exposição FILE
Dentro do contexto do projeto de Arte e Tecnologia surge a oportunidade de participar
da principal mostra de arte e tecnologia da América Latina – FILE – Festival Internacional de
Linguagem Eletrônica : Toque aqui de 18 de abril a 11 de junho de 2017, (no espaço
expositivo inaugurado, SESI Arte Galeria, que faz parte do ambiente externo da própria
organização institucional) o acesso as obras foram feitos via exposição no espaço SESI Arte
Galeria e/ou via web pelo site: http://file.org.br/vitoria/?lang=pt. Para todos os educandos
terem acesso as novas tecnologias digitais, ao visitarem a exposição FILE - Festival
Internacional de Linguagem Eletrônica Vitória 2017 no SESI Arte Galeria, a educadora
enviou um convite (Anexo A) para o domicílio dos educandos para em sábado não letivo,
acompanhados com os familiares, participarem da mostra de arte, com o objetivo de
enriquecer o saber. Todos estudantes e familiars que adentraram na experiência da FILE,
vivenciaram através das obras expostas in loco, uma experimentação única, e compartilharam
junto a família, para posteriormente em um futuro próspero também criar um público para
apreciar as exposições de arte (Figura¨6).
Durante a semana anterior a visita a exposição FILE, a educadora apresentou aos
educandos a versão do catálogo do Festival impressa e a virtual. Os educandos puderam
visualizar a obra impressa no papel e a digital via celular na sala de aula (Figura 4). E,
posteriormente, na sala de tecnologia na lousa digital, quando a educadora acessou a
exposição no site: http://file.org.br/vitoria/?lang=pt (Figura 5)
318
Figura 5: Exposição FILE, catálogo virtual, na lousa digital (fotografia das autoras).
Figura 6: visita a exposição FILE, Sesi, educandos e a família (fotografia das autoras).
Oficina de Cerâmica
No decorrer das aulas, com o livro de arte, estudamos em “Artistas e artes”, a escrita
feita pelos sumérios, cuneiformes, escrita em forma de cunha” em placas de argila, após a
leitura do texto e responder o questionário; para promover um maior conhecimento, a
educadora, promoveu a produção na prática da escrita cuneiforme, através da produção de
uma placa de argila, na qual cada estudante produziu um desenho da escrita cuneiforme.
(Figura 7).
Figura 7: Produção Maker com argila, escrita cuneiforme (fotografia das autoras).
319
Após o diálogo dos educandos com a educadora, concluíram que a escrita evoluiu,
porém, a imagem permanece de maneira a constituir uma representação, da sociedade, que
evolui, se atualiza de acordo o tempo, a escrita antes cuneiforme, hieróglifos agora transmite
sentimentos via imagens de expressões do emoji. Assim de maneira lúdica, reelaboramos a
escrita atual, ao criar “emoji autorretrato”, criação feita pelos educandos, com forma de emoji,
mas com características pessoais de cada um, tornando, o emoji personalizado, no papel
comum e no papel magic. Correlacionamos o processo criativo do emoji com a escrita antiga.
(Figura 8)
320
Exposição #CONECTADOS
Conforme a BNCC de artes, p.195, 2017,
[...]as artes integradas, devem explorar as relações e articulações entre as diferentes
linguagens e suas práticas, inclusive aquelas que possibilita, o uso das novas
tecnologias de informação e inovação. Os educandos devem expandir seu repertório
e ampliar sua autonomia nas práticas artísticas, por meio da reflexão sensível,
imaginativa e crítica sobre o conteúdo artístico [...] as experiências de pesquisas,
invenção e criação.
321
tecnologia e no celular. E a educadora de artes media a ação (na aula sequencial) da escolha
de um nome para a exposição, dentre alguns nomes citados pelos educandos surge a escolha
via votação de “#CONECTADOS”.
Oficina de Pintura
A oficina de pintura é um desdobramento do estudo das “ Cores Vibrantes”. Após o
conteúdo mediado via o livro de artes com as imagens impressas e a visita virtual da galeria
Arts & Cultute, os educandos puderam antepor qual o artista gostaria de representar
plasticamente com lápis de cor e caneta hidrocor. A educadora sugere algumas técnicas
artísticas. A primeira seria a produção plástica, releitura da obra do artista Andy Warhol,
articula uma proposta de intervenção artística com a técnica de pintura com lápis de cor sobre
a imagem (fotocópia preto e branca) de alguma celebridade atual, a qual o estudante admira
(Figura 11). Ou realizar através da técnica usada pelo artista Cláudio Tozzi, o pontilhismo, de
maneira inovadora apropriação da obra “Passagens”, com caneta hidrocor e lápis de cor.
Figura 11: Releitura da obra do artista Andy Warhol (fotografia das autoras).
322
“4. Experienciar a ludicidade, a percepção, a expressividade e a imaginação,
ressignificando espaços da escola e de fora dela no âmbito da Arte.” Ao propor a visita no
ambiente externo, SESI Galeria de Arte com os educandos e família .
“5. Mobilizar recursos tecnológicos como formas de registro de pesquisa, e criação
artística”. Ao promover o acesso a pesquisa de artistas na Google Arts & Culture, e estimular a
criação artística com recursos tecnológicos junto ao “ fazer com as mãos” (maker), estimular a
produção de uma obra de arte, via ferramenta digital ou com materiais plásticos.
“6.Estabelecer relações entre arte, mídia, mercado e consumo, compreendendo, de
forma crítica e problematizadora, modos de produção e de circulação da arte na sociedade. ”
“8. Desenvolver a autonomia, a crítica, a autoria e o trabalho coletivo e colaborativo
nas artes. ” Os educandos livremente, de forma autônoma, em casa desenvolveram um
trabalho colaborativo de pintura.
“9. Analisar e valorizar o patrimônio artístico nacional e internacional, material e
imaterial, com suas histórias e diferentes visões de mundo. ” Produção artística, via desenho do
patrimônio.
Questionário online
A criação do questionário online, é decorrente de diagnosticar as ações e práticas arte
educativas realizadas no percurso do Projeto Arte e Tecnologia na educação: ASAS Galeria
Virtual. (Figura 55). Para obter um resultado de forma mais precisa, foram convidados os
educandos (que responderam o questionário na sala de tecnologia, ou de forma domiciliar), e
os responsáveis (em seus domicílios via computador ou celular). Os educandos, após
concluírem o questionário compartilham a informação para os responsáveis. E os pais
receberam um comunicado, via agenda, com todo o processo passo a passo para acessar o
questionário on-line.
O resultado valida o projeto da galeria virtual pela aceitação e admiração que os
educandos e responsáveis ao responder de forma afirmativa, 75% Sim e 25% Não, esses
correspondem aos pais. É uma nova prática educativa que se inicia para prosseguir, e a cada
ano em uma série é contemplada, com ações da educação Maker, inovar para transmitir e
compartilhar a arte, o saber. Registro de depoimentos:“sim, porque eu já exponho”, “sim
amo, mas já tao espostos na galeria os desenhos”, “sim, mas as do meu filho”, “atualmente
não estou criando nada, mas se estivesse pintando adoraria. ”, “eu não, mas tenho um não,
mas minha filha certamente”.
323
4. ASPECTOS CONCLUSIVOS
324
relatos e pelo questionário preenchido por educandos e responsáveis familiares. Arte e
tecnologia na educação: ASAS galeria virtual alia a educação, a arte , a família no cenário
tecnológico, de forma continua, faz o estudante interagir, agir, criar, compartilhar, elaborar
críticas, estimular as habilidades, o fazer com as mãos, educação Maker, para que possa
perpetuar seus registros criativos, gerados ao ativar o saber criativo, inventivo, artístico,
único, para desenvolver o processo constante da transformação pela interdisciplinaridade,
para uma aprendizagem significativa, para o presente e o futuro.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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2001.116p.
BLANDIN, B. Formateurs et Formation Multimédia. LÉditions d’Organisation.Paris,
1990.
C ALENCAR, Valeria Peixoto. Patrimônio Cultural: conceituação e discussão para uma
proposta de educação emancipadora. São Paulo: Aprendendo com arte, 2017.
CONSED, Conselho Nacional de Secretários de Educação – União Nacional dos Dirigentes
Municipais de Educação – UNDIME. Base Nacional Comum Curricular. BNCC.
Brasília,2017. 421p.
FECCHIO, Tatiana. Tecnologia e o ensino das Artes. São Paulo: Aprendendo com arte,
2017.
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GABRIEL, Martha. educ@r a (r)evolução digital na educação. 1 ed. São Paulo: Saraiva,
2013.242p.
LEMOS, Silvana. Nativos digitais x aprendizagens: um desafio para a escola. Téc. Senac:
a R. Educ. Prof., Rio de Janeiro, v. 35, n.3, set./dez. 2009.
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MORAN, José. Mudando a educação com metodologias ativas. Coleção Mídias
Contemporâneas. Convergências Midiáticas, Educação e Cidadania: aproximações jovens.
Vol. II] Carlos Alberto de Souza e Ofelia Elisa Torres Morales (orgs.). PG: Foca Foto-
PROEX/UEPG, 2015.
MOSE, Viviane. A escola e os desafios contemporâneos. 3ªed. Rio de Janeiro: Civilização
325
Brasileira, 2014.336p.
RAMOS, Stella. Artes Híbridas. São Paulo: Aprendendo com arte. 2017.
TAMASSIA, Silvana. O que significa ser um aluno no século XXI?. 2017. Disponível em:<
http://info.geekie.com.br/aluno-seculo-xxi/>
ZANETTI, Humberto. A Cultura Maker na educação. 2014. Disponível em:
<http://blog.fazedores.com/cultura-maker-na-educa
326
PROJETO CORREDOR
RESUMO
Palavras Chave: Ensino Superior; Artes Visuais; Ensino de Arte; Prática Pedagógica.
RESUMEN
INTRODUÇÃO
327
implicados no processo educativo, ampliar as situações de aprendizagem em arte e promover
a melhoria do ambiente universitário.
Sabemos que toda produção em arte advém de sistematização, da rotina que abre
brechas à intuição e disciplina diária de trabalho para chegar à criação. Se uma escola
contemporânea de arte estabelece esses critérios é evidente que a formação no curso superior
ganha contornos de desenvolvimento criativo e pesquisa produtiva. As inquietações e dúvidas
conceituais serão aprofundadas e consequentemente os estudantes poderão constituir sua
linguagem poética e um modo particular de dialogar com o mundo.
Nesse sentido é que nos reunimos em julho de 2017 para compreender como o
ambiente do Departamento de Artes Visuais (Cemuni II) estava sendo utilizado. Se, para além
da sala de aula, o ambiente universitário promovia espaço de pensamento, trocas e atividades
que dessem visibilidade aos processos e pensamentos em construção na formação dos alunos.
Era nítida a insatisfação por parte de alunos e professores e também havia clara
percepção de que aquele ambiente não gestava o que uma escola de arte deveria promover: a
prática artística por meio das linguagens e seus processos criadores, a leitura e apreciação dos
trabalhos, aprofundamento nos conhecimentos históricos da arte, exercício de crítica, entre
outros objetivos educativos como respeito às diferentes ideias e produções, a multiplicidade
de pesquisas e propostas artísticas. Não perdemos de vista que a formação geral dos
estudantes, para além dos conteúdos específicos também prevê objetivos educacionais mais
amplos na constituição de valores, relação dialógica que oportuniza o exercício democrático
de uso do espaço coletivo, público, que deve ser mantido limpo e cuidado para promover
relações afetivas que emergem do encontro e seus desdobramentos em projetos futuros. Bem
como afirma Moreira (2017, p.36), "a criatividade só pode aflorar em lugares onde existe de
328
fato uma cultura organizacional estimuladora, bem como clima adequado para sua
manifestação".
As instâncias e complexidade que envolve uma Escola Superior de Arte são inúmeras,
visto que trabalhamos com a capacidade de promover autonomia, autoria, ética e
comprometimento de emancipação. Portanto, a escuta dos sujeitos presentes no espaço foi
fundamental para nortear a tomada de decisão, atitudes e desenvolvimento de ações que
iniciassem o processo de mudança. Para tanto, convidamos alunos e professores para
diagnosticar as necessidades e demandas para então pensar em estratégias que permitissem
instaurar um lugar interativo e mais comprometido com um ambiente de formação acadêmica,
pois "o ápice da ação criadora ocorre quando são dadas as oportunidades para participarem
como "autores de suas ideias e seus projetos" garantindo a sustentabilidade da organização".
(Sanmartin, 2012, p.38).
CONCEPÇÕES TEÓRICO-METODOLÓGICAS
329
e métodos se alimentem reciprocamente. Como indica Pimenta e Lima (2008, p.47) também
concebemos o professor como um “intelectual em processo de formação e a educação como
um processo dialético de desenvolvimento do homem historicamente situado” que participa
da construção da cultura de seu tempo, quando impulsionado para a criação de novos
conhecimentos artísticos, culturais e educativos que atendam as demandas sociais.
O caráter pedagógico que sustenta nossa ação educativa está pautado em princípios e
formas de atuação para dar sentido à atividade de ensinar e aprender comprometido com a
criatividade e com o conhecimento que emancipa o sujeito a agir com autonomia, criar seus
projetos pessoais dimensionados em valores éticos perante a sociedade da qual faz parte.
Desenvolvemos a ideia de que a arte é uma das áreas do conhecimento humano, patrimônio
cultural a ser conhecido e partilhado; tem conhecimento específico a oferecer e que
paulatinamente conquista lugar na sociedade.
É certo que também a arte pode tornar-se conteúdo sem vida, mecânico, se tomada
pelo modelo tradicional, que centra sua metodologia nos conteúdos da aprendizagem, na
cópia e memorização, ou tender ao extremo oposto, ao encerrar-se nas necessidades
expressivas, interesses e desenvolvimento do sujeito, esvaziando-se de conteúdos. Estas
tensões colocam de um lado o currículo, de outro o aluno, de um lado o lógico, de outro o
psicológico, de um lado o professor que controla, de outro aquele que cultiva a liberdade e
espera que o estudante tenha iniciativa. Os pressupostos assumidos pela Escola Nova para
“corrigir” os excessos da Escola Tradicional também exageram na cautela em não interferir
nos processos criativos dos alunos, em não apresentar a arte para não “dar modelos” e focar a
autoexpressão com atividades centradas no fazer artístico e apenas no interesse do aluno.
330
experimentação, descoberta, invenção e processos criadores das crianças,
adolescentes e jovens, como também dos professores. Arte no espaço educativo
indica orientações didáticas para o trabalho em arte que enfatiza um espaço/tempo
privilegiado para os menores desenvolverem ação criadora e trabalhos nas
linguagens artísticas e, às equipes profissionais, a práxis educativa. (SANMARTIN,
2013, p.10)
A concepção para o trabalho com arte no espaço educativo não polariza o tempo
interno do aluno como um tempo predeterminado pelo outro, permite que o movimento da
criação seja sincronizado pelos movimentos pessoais e a aprendizagem ritmada pela interação
estimulante, divergente, enriquecedora entre professor e aluno. A dimensão do tempo
considerada como chave para configurar as oportunidades de ensinar e aprender de maneira
significativa implica respeitar os ritmos individuais dos estudantes nos seus processos de
pesquisa, experimentação e criação nas linguagens da arte.
Esta concepção metodológica estruturou caminhos para ensinar arte com respeito à
diversidade cultural e as realidades de todos os sujeitos que fazem parte da comunidade
acadêmica. Considerou as dificuldades e potenciais dos alunos, seus processos de
organização, anseios e necessidades, para acompanhar o percurso de formação com uma
diretriz pedagógica que valorizasse os diferentes saberes, espaços e realidade de vida.
Contamos com formação específica em Artes Visuais das docentes envolvidas no projeto
e experiências anteriores, mas também com a interlocução com os seus pares em um trabalho
331
idealizado, planejado e executado conjuntamente, sistematizado em encontros para reflexão
sobre as práticas docentes, desenvolvimento dos alunos e criação de novas estratégias dando
curso ao movimento da práxis educativa.
PROPOSTAS DE AÇÃO
Vista geral do Cemuni II em julho de 2017 já com o pátio limpo (foto do arquivo das autoras)
332
Professores e alunos queriam sim revitalizar o espaço e democratizar seu uso, por
meio de diálogos e projetos que pudessem ter início meio e fim. Havia o desejo de que todos
respeitassem e fossem respeitados, que todos os alunos tivessem oportunidades de acesso em
utilizar os corredores para mostrar sua produção, conviver com a multiplicidade de
concepções, heterogeneidade de propostas, independente do gosto pessoal. Nesse ambiente
potencialmente educativo, de formação, a fruição da arte poderia ser regada de significações,
pois nada substitui a experiência, a percepção direta com o original.
EXPOSIÇÕES
333
Encontro diagnóstico com alunos e professores do DAV 2017 (foto do arquivo das autoras)
Iniciamos as ações com uma exposição coletiva na galeria Dadá com os alunos que
aderiram o convite, turma de 1º período, com a produção realizada antes do ingresso na
universidade. A galeria, naquele momento, era o único espaço possível de apresentar os
trabalhos.
Abertura da primeira exposição na Galeria Dadá 2017.2 (foto do arquivo das autoras)
A partir daí fomos somando a adesão de mais alunos interessados em criar um vínculo
afetivo com o lugar, motivados em revitalizar o Cemuni II. Passamos a cuidar do espaço
físico com mutirão de limpeza, pintura e muita conversa.
334
Trabalho coletivo de professores e alunos para limpeza do jardim e pátio interno do Cemuni II (foto do arquivo
das autoras)
Preparação das paredes para montagem dos trabalhos com acompanhamento da Profª Bruna Wanderkoken
Até então a pintura era realizada por alunos do curso, coordenada por professores do
departamento, mas no início de 2018 obtivemos apoio da direção do Centro de Artes para
pintar os corredores com profissionais, o que permitiu melhorar as condições do prédio e
efetivar mudança contundente do espaço, vindo ao encontro dos objetivos do Projeto
Corredor.
335
Servidor trabalhando na pintura do corredor do CEMUNI II (foto do arquivo das autoras)
Jardim interno do Cemuni II revitalizado pelos próprios alunos (foto do arquivo das autoras)
EXPOSIÇÕES COLETIVAS
336
criávamos a expografia, e só então partíamos para a montagem, também com ação
colaborativa.
Encontro para seleção e organização da montagem da exposição com Profª Stela Maris (foto do arquivo das
autoras)
337
Vista de uma das exposições (foto do arquivo das autoras)
EXPOSIÇÕES DIDÁTICAS
338
Montagem dos trabalhos de Pintura I do Prof. Lincoln Dias (foto do arquivo das autoras)
EXPOSIÇÕES DE TURMA
Decidimos abrir espaço para mostrar a produção de turma, porque percebemos que os
alunos da noite não podiam participar das atividades que estávamos desenvolvendo durante o
dia. Em geral, os alunos da noite trabalham, assim fizemos o encontro, seleção e montagem
339
dos trabalhos no período em que todos pudessem comparecer. A imagem abaixo expressa um
momento de confraternização organizada pelos próprios estudantes para a abertura da
exposição de uma turma de Licenciatura em Artes Visuais noturno.
Abertura da exposição de uma turma do curso de Licenciatura em Artes Visuais noturno (foto do arquivo das
autoras)
EXPOSIÇÕES INDIVIDUAIS
Formamos uma comissão de alunos coordenada por uma professora para organizar o
cronograma de ocupação do espaço da Galeria Dadá com as exposições individuais. Para
realizar uma exposição na galeria, bastava o aluno declarar que possuía um volume de
produção que justificasse uma exposição individual. Imprimiu-se a seguinte dinâmica, a
montagem de segunda a quarta feira, abertura da exposição sempre às quintas feiras às 17h30
e duração de 15 dias. Ficava livre a possibilidade de o aluno convidar um aluno ou professor
340
para fazer a curadoria e escrever o texto de abertura. Também incluímos a elaboração de
material de divulgação impresso e para a web.
Exposição individual na Galeria Dadá do Coletivo Sacada (foto do arquivo das autoras)
CONSIDERAÇÕES:
Tanto nas salas de aula, ateliês, como nos corredores e Galeria Dadá há lugar para
criar e refletir sobre arte, acolher, apresentar, dar visibilidade aos projetos, processos e
produção dos nossos alunos, portanto um espaço aberto às diferentes propostas e organizado
conjuntamente para viabilizá-las.
341
As mostras tem se configurado como mais uma oportunidade de aprendizagem,
possibilidade de dar visibilidade a produção de sala de aula, mas sem dúvida amplia seu papel
ao proporcionar novas formas de experiência com a produção visual dos colegas, ao instalar o
trabalho em um espaço de circulação pública e assim poder interagir, dialogar sobre os
exercícios realizados em cada etapa de sua formação.
Repertório é fundamental para dar liberdade à criação, assim consideramos os
exercícios de desenvolvidos no Projeto Corredor desde a seleção de trabalhos, expografia,
montagem, elaboração de textos de artista e conceituais, apreciação, avaliação, conteúdos que
devem integrar a formação do estudante de arte.
Apresentar trabalhos que antecedem a entrada do aluno na graduação em arte,
exercícios de sala de aula, até os trabalhos dos alunos finalistas, demonstram a coerência da
concepção de ensino de arte com a prática pedagógica das autoras, que consideram que o
repertório que os alunos já possuem ao ingressar na universidade pode ser ampliado e
sistematizado com as teorias e práticas no seu processo de formação acadêmica.
Entendemos que ao oportunizar ao expor a produção, ela pode ser questionada,
avaliada e promover mudanças, caso seja necessário. Ao proporcionar a esses sujeitos a
experiência multidimensional da criatividade em suas dimensões pessoa, processos, resultados
e ambiente criativo, cremos estar cumprindo com as responsabilidades de uma escola de arte.
REFERENCIAIS BIBLIOGRÁFICOS
TORRE, Saturnino de la. Dialogando com a criatividade. São Paulo: Madras, 2005.
343
ARTE COMO PESQUISA, NO ESPAÇO EDUCATIVO
RESUMO
Palavras-Chave: Ensino de Arte; Educação não formal; Arte como pesquisa; Pesquisa em
Arte.
ABSTRACT
The thesis titled "Art in the Educational Space: Creative Praxis of Teachers and Students"
defended at the Faculty of Education of the University of São Paulo in 2013 analyzes an
educational action in Art, which was born out of a public policy in non-formal educational
spaces and it was established during the period of existence of the Secretary of State for
Children (1987/1994). In this article, we present the document "Art in the Educational Space"
formulated by the Art-Education Working Group, based on the survey of the Art practices
developed in the service units. We specifically analyzed the conception "Art as research, in
educational space" because it was found, through this experience, the principles of
contemporary practices for the teaching and learning of Art.
INTRODUÇÃO
344
e à Escola, antes de sua extinção, configurar uma concepção para o trabalho com arte em
espaços de educação não formal.
Propomos, neste artigo, apresentar essa ação educativa em arte, que nasceu de uma
política pública em espaços não formais de educação, com foco no projeto em arte que se
configurou durante o período de existência da Secretaria (1987/1994), sintetizado e registrado
no documento intitulado “Arte no espaço educativo: análise e conceituação” que apresenta a
concepção denominada “Arte como pesquisa, no espaço educativo”.
345
de julho de 1990: 36-37) 7. E, a partir de respaldo legal, justifica o trabalho desenvolvido pela
Secretaria para atuar no âmbito não formal de educação, com foco nas programações culturais
e criações artísticas, atividades esportivas e de lazer, para crianças de 7 a jovens de 17 anos e
11 meses.
Ao ser criada a Secretaria não propôs diretrizes específicas para o trabalho com arte e
ao priorizar os objetivos e conteúdos educativos como socialização e autoestima, entre outros,
adota inicialmente a arte como meio para educar, relegando ao segundo plano os conteúdos
específicos das linguagens artísticas. No entanto, por mais que estivesse presente a orientação
da educação por meio da arte, ao não oferecer orientações houve abertura para diferentes
práticas e concepções.
346
próprio diretor da Complementação Escolar. No entanto, com o aumento da demanda de
trabalho no processo de expansão da rede, a atribuição de pensar em programas de
capacitação para os educadores das unidades foi delegada a outros profissionais da pasta.
O presente nos revela a preocupação com a busca de uma identidade de Arte-Educação que
possa referendar as práticas existentes enquanto pesquisa, trazendo fundamentações e
referenciais comuns, formando uma mesma base conceitual e proporcionando uma mesma
contextualização, que possibilita o seu caráter integral e ao mesmo tempo diversificador.
Esta característica e abrangência de concepção de Arte como pesquisa garantem a
necessária flexibilidade e abertura para a manutenção de espaços dinâmicos, onde caibam a
diversidade e o novo. Esta maneira de trabalhar traz ainda movimento à linha de
continuidade histórica de implantação dos Programas ao longo do tempo e revela a sua
vocação de referência para outras experiências. (SÃO PAULO, 1994a, p. 5)
Vale identificar que o universo da pesquisa que originou a concepção Arte como
pesquisa, no espaço educativo consistiu no número total de cada programa, sendo nove
unidades do Programa Enturmando, seis unidades do Clube da Turma, duas unidades da Casa
Leide das Neves e 14 unidades do A Turma Faz Arte, totalizando 31 unidades. Os dados
obtidos apontaram para dois encaminhamentos no trabalho com arte, denominados arte como
meio e arte como pesquisa, caracterizados no quadro do Caderno de Pesquisa.
347
Arte-Educação como meio: Arte-Educação como pesquisa:
348
Apesar de terem sido diagnosticadas duas linhas de atuação nas unidades dos
Programas de Complementação Escolar prevaleceu à orientação “arte como pesquisa” em
unidades que mostravam entendimento sobre o trabalho educativo com arte.
349
crianças filhas de comerciários e usuários. A Secretaria da Cultura, por meio das Oficinas
Culturais, atendia público mais diversificado, mas, em função da localização das Oficinas, tal
público ficava circunscrito à região onde a unidade estava implantada. Já os Programas da
Secretaria da Criança, Família e Bem-Estar Social, por estarem localizadas em regiões
periféricas, tiveram como público-alvo a predominância dos filhos das famílias de baixa
renda.
No que diz respeito à faixa etária, a maioria das instituições avaliadas atendiam de 7 a
14 anos, enquanto os programas de Complementação Escolar da Secretaria atendiam de 7 a 17
anos e 11 meses, abrangendo, também, o trabalho com a família. O Programa A Turma Faz
Arte, por ser realizado a céu aberto, recebia crianças menores. Quanto à concepção de Arte:
350
Podemos verificar que o atendimento prestado pela Secretaria diferenciava-se daqueles
oferecidos por outras instituições naquele momento, trazendo características inovadoras e de
qualidade.
A concepção é iniciada com a citação de Barbosa (1996, p.6) “Precisamos levar a arte,
que hoje está circunscrita a um mundo socialmente limitado, a se expandir, tornando-se
patrimônio cultural da maioria e elevando o nível de qualidade de vida da população”.
Proposição que indica a mesma direção que a ação da Secretaria tomou: levar a arte para
crianças e jovens menos favorecidos propiciando-lhes, a partir do contato com ela e de
orientações específicas, experiência estética e uma significativa ação criadora com as
linguagens artísticas. Em seguida, explicita as perspectivas que assume sobre as concepções
de cultura, educação e arte no sentido de dar fundamentos ao projeto.
351
sujeito social.” (Ibidem, p. 12) Similar ao conceito ampliado de educação, a concepção propõe
que a arte está presente na vida, pois é produção cultural do homem e constitui-se em um
saber construído historicamente contendo, em si, todo um universo de componentes
pedagógicos. Como afirma Lanier, “a experiência estética em geral, incluindo aqui um de
seus aspectos particulares, a experiência estética visual, já é desfrutada pelo indivíduo antes
dele entrar para a escola.” (LANIER apud BARBOSA, 1999, p. 46)
Ter uma experiência é uma ação reflexiva do sujeito no mundo que se situa no
próprio ato da experimentação quanto no efeito de experimentar-se. Ou seja, tanto o
sujeito quanto o objeto da ação se modificam no decurso da experiência.
(COUTINHO, 2004, p. 153)
Para John Dewey (2010) a experiência está presente no próprio ato de viver e muitas
das nossas experiências são interrompidas e se dispersam ao longo da vida. No entanto, diz
que também vivemos experiências diferenciadas que “ganham nome”, aquelas que tratamos
como uma experiência, singular, que tem unidade e qualidade estética. Experiências que
352
indicam um percurso iniciado e consumado, algo que se desloca para um desfecho e chega ao
seu fim.
A reflexão sobre as práticas é alimentada pelas teorias para gerar novas práticas, assim
se configurou a práxis8 dos educadores, permitindo-lhes atuar de maneira crítica e
transformadora.
353
CONCLUSÕES
A Secretaria da Criança, Família e Bem Estar Social do Estado de São Paulo foi um
lugar de experimentação e de aprendizagem, um lugar especial de formação de professores de
354
arte que, sem dúvida, hoje estão atuando e aproximando crianças e jovens da arte com
propriedade e consequência.
Notas
1
Em 1987, o governo do Estado de São Paulo cria a Secretaria do Menor pelo decreto de n° 26.906, de 15 de
março. “Primeira e única no País, ela nasceu para definir, coordenar e desenvolver políticas públicas e a ação
do Estado em relação a essas crianças.” (SÃO PAULO, 1989, p. 1). A Secretaria do Menor foi uma secretaria
especial, que iniciou seu atendimento com programas destinados aos menores em situação de rua, mas ampliou
sua atuação com os Programas de Complementação Escolar para oferecer arte e cultura à população com
menor acesso e menos favorecida economicamente.
2
O GT Arte-Educação foi criado pela coordenadora das Unidades e Serviços de Atendimento Complementar à
Família e a Escola, Zilah Daijó Kuroki, quando Terezinha Fran era titular da Secretaria Estadual da Criança,
Família e Bem-Estar Social e constituído por Artur Cole; Maria Cândida Nunes de Godoy; Moisés Benjamin
Miastkwosky; Mônica Colucci; Raimundo Matos de Leão, Stela Maris Sanmartin e Vanice Pedrazzini Gentil.
3
O Enturmando, Programa de Complementação Escolar da Secretaria Estadual do Menor, também conhecido
como circo escola era uma unidade que atendia crianças de 7 anos a jovens de 17 anos e 11 meses. Oferecia as
linguagens de Artes Plásticas, Teatro e Circo.
4
Clube da Turma, Programa de Complementação Escolar da Secretaria Estadual do Menor que possuía a
estrutura de um clube com piscinas, quadras, campos de futebol, além de oferecer aulas nas linguagens da arte
para crianças e jovens.
5
O Turma Faz Arte, Esporte e Lazer na Rua, Programa de Complementação Escolar da Secretaria Estadual do
Menor, não possuía espaço físico próprio e utilizava a estrutura que a comunidades oferecesse para o trabalho
com as crianças como salão de igreja, centro da juventude, centro comunitário, entre outros. Desenvolvia
trabalhos com linguagens das Artes Plásticas, Teatro e Educação Física para crianças e jovens.
6
A Casa Leide das Neves era outro Programa de Complementação Escolar da Secretaria do Menor que
oferecia aulas em todas as linguagens da arte: Artes Plásticas, Teatro, Dança, Música e Literatura para
crianças, adolescentes e jovens.
7
Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 – Estatuto da Criança e do Adolescente. Disponível em:
<http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/participacao_parceria/conselhos/cmdca/legislacao/>.
Acesso em: 22 de outubro de 2012.
8
A práxis era definida como: “Isto é, conseguem se apropriar destes conhecimentos para a construção de suas
práticas” (SÃO PAULO, 1994a, p. 8). Nesse mesmo documento, no item V.1 – Glossário consta um
detalhamento sobre o conceito práxis: “Atividade prática, ação, exercício. Prática fundamentada por uma
teoria. Relação entre teoria e prática de forma orgânica no sentido de que as concepções e métodos se
alimentam reciprocamente.” (p. 17)
9
ZABALA, 1998. Ver tipologias de aprendizagem.
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357
LEIS DE INCENTIVO A CULTURA E SEUS DESDOBRAMENTOS
RESUMO
Diante da rica diversidade cultural encontrada no Brasil e da importância que a cultura tem
para sociedade e para formação dos sujeitos, o presente artigo traz uma breve reflexão sobre
as leis brasileiras de Incentivo a Cultura, apresentando breve histórico sobre o incentivo a
cultura no país, sua abrangência, e seus impactos na sociedade e educação, destacando a Lei
João Bananeira, do município de Cariacica. Para fundamentar as discussões sobre a formação
do homem através da sua bagagem cultural, o texto dialoga com o livro Educação e
Emancipação de Theodor Adorno. Para ponderar acerca daquilo que é considerado Arte e/ou
Cultura na sociedade contemporânea são utilizados os livros As Ideias Estéticas de Marx, de
Vazquez, e A Distinção de Bourdier.
ABSTRACT
In view of the rich cultural diversity found in Brazil and the importance that culture has for
society and for the formation of the human being, this article brings a brief reflection on the
Brazilian Laws of Incentive to Culture, presenting a brief history on the incentive to culture in
the country , Its scope, and its impacts on society, highlighting the João Bananeira Law, in the
city of Cariacica. To substantiate the discussions about the formation of man through his
cultural baggage, the text dialogues with the book Education and Emancipation of Theodor
Adorno. In order to think about what is considered Art and / or Culture in contemporary
society are used the books The Aesthetic Ideas of Marx, by Vazquez, and The Distinction of
Bourdier.
INTRODUÇÃO
358
No Brasil, que possui vasta diversidade e riqueza cultural, ano a ano, são abertos
editais municipais, estaduais ou federais, para a submissão de projetos culturais nas chamadas
Leis de Incentivo a Cultura. Essas leis ou medidas de incentivo permitem que as empresas
privadas apliquem o valor do seu imposto de renda em projetos culturais, sendo assim o
governo abre mão de parte do valor que a empresa deve na forma de impostos em nome do
financiamento do projeto que apoia.
No país, a partir de 1930 são implantadas as primeiras políticas públicas voltadas para
a cultura, umas das primeiras medidas que surgiram com a intenção de institucionalizar o
setor cultural, foi à criação do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
(SPHAN), que tinha o objetivo de preservar as cidades históricas brasileiras.
Em 1953 é criado o Ministério da Educação e da Cultura (MEC), que tratava das duas
temáticas de forma unificada, e somente em 1985, através do DECRETO N.º 91.144, foi
então criado um ministério especificamente para tratar as questões da cultura.
359
No livro A ideia de Cultura (2005), Terry Eagleton propõe algumas questões que nos
permitem refletir sobre a constituição da ideia que temos de cultura e como isso se modifica.
O escritor britânico trabalha o conceito de cultura levando em consideração uma série de
fatores que envolvem temporalidade e historicidade, a fim de mostrar como o significado da
palavra cultura e aquilo que de fato é considerado como cultural se modifica com o tempo,
fator que nos ajuda a compreender o que hoje é legitimado como cultura, e o que é
invisibilizado como tal.
Segundo o autor, esta definição é considerada uma das mais complexas da nossa
língua, carregada de significados, marcas temporais, que mapeiam as mudanças históricas e
sociológicas da humanidade.
O conceito de cultura é derivado do de natureza, ligado a lavoura e ao cultivo, partindo
do radical latino colere, que tem entre seus significados cultivar, adorar, proteger e habitar.
Sobre a associação entre cultura e cultivo, Eagleton afirma:
Se cultura originalmente significa lavoura, cultivo agrícola, ela sugere tanto
regulação como crescimento espontâneo. O cultural é o que podemos mudar, mas o
material a ser alterado tem sua própria existência autônoma, a qual lhe empresta algo
com recalcitrância da natureza (EAGLETON, 2005, p. 13).
360
Quando a educação apenas reproduz uma ideologia dominante, ela se assemelha com a
“Industria Cultural”, outro conceito muito importante tratado por Adorno, impondo assim as
pessoas, costumes, crenças e valores pré- estabelecidos. Desta Maneira, a educação está
ligação a formação cultural do sujeito, que recebe diariamente diversas influências, inclusive
dos meios de comunicação de massa.
Retomando a trajetória das Leis de incentivo à Cultura no Brasil, após a separação dos
Ministérios, com a criação de um Ministério voltado apenas para as questões da cultura, suas
ações foram aperfeiçoadas e tiveram extrema importância no incentivo, patrocínio e
desenvolvimento de diversos projetos culturais pelo país.
A primeira Lei de Incentivo à Cultura, foi proposta por Jose Sarney (Lei Sarney), no
ano de 1982, entretanto só entrou em vigor no ano em 1986. Essa lei permitia incentivo,
através de doações e patrocínio a projetos culturais, abatendo das empresas o valor investido,
no imposto de renda.
Segundo Faria (2000), as leis de incentivo à cultura foram criadas na década de 1990
para estimular a iniciativa privada a investir em cultura num momento em que o Estado
brasileiro fechava os órgãos culturais mais representativos, reduzia seu orçamento e começava
a construir um Estado mínimo e um mercado máximo. Sendo assim, o autor aponta a criação
dessas leis como uma estratégia para realizar manifestações culturais com dinheiro público,
mas se utilizando da esfera privada, que crescia no país naquele momento.
A lei federal de incentivo à cultura de maior proporção hoje é a Lei Rouanet (nº 8.313
de 23 de dezembro de 1991). Essa lei institui o programa Nacional de Apoio à cultura, o
361
PRONAC, que segundo o Ministério da Cultura, tem como finalidade a captação de recursos
para diversos setores culturais.
Além da lei Federal, os estados brasileiros contam hoje com as Leis municipais e
estaduais de incentivo a Cultura, cada lei tem sua particularidades e no caso das Municipais,
existem uma relação ainda mais direta com a realidade em que a lei está inserida. Essas leis
variam de local para local, no Espirito Santo, os municípios de Vitória, Vila Velha, Serra,
Linhares, Cachoeiro de Itapemirim e Cariacica contam com suas próprias leis de incentivo.
Segundo a lei Nº. 5.477, artigo cinco, podem ser contempladas e incentivadas as
seguintes áreas abrangidas
362
§ 2º - Projeto de Incentivo às Artes, que correspondem aos projetos elaborados e
apresentados por produtores culturais relacionados às áreas e as atividades de artes
musicais, artes cênicas (dança, teatro, circo, ópera e afins), audiovisuais (cinema,
vídeo e afins), artes visuais (colagens, gravuras, fotografia, moda, paisagismo,
decoração, charges, quadrinhos e afins) artes literárias, artes plásticas, cultura
popular (carnaval, folclore, capoeira e artesanato e afins), arte contemporânea (novas
mídias, performance, instalação, manipulação digital e afins)”.
363
A Lei João Bananeira visa então o fomento da cultura do município, através de uma
política publica estruturante, desburocratizada. Segundo o EDITAL/LJB-II-2016, no ano de
2017 foram destinados ao edital, R$ 538.500,00 (quinhentos e trinta e oito mil e quinhentos
reais).
No caso da produção de livros, CD´S, produtos áudio visuais, parte desse material
deve ser doado para bibliotecas municipais. No caso de circulação de espetáculos, ou
exposições os alunos são levados de forma gratuita ao centro de cultura de Cariacica para
prestigiar os comtemplados.
Diante das diversas Leis de Incentivo a Cultura espalhadas pelo país, algumas
questões são importantes para entender seu real funcionamento, a quem beneficiam, quais são
as contrapartidas dos comtemplados por esses editais, como elas influenciam na educação, e
se esses incentivos de fato abrangem e ajudam na promoção e manutenção das diversas
manifestações culturais que compõem o território brasileiro.
Outra questão importante, levantada pelo autor, é aquilo que é considerado como
nobreza cultural. Tende se a valorizar aquilo que é legitimado como nobre, a Arte, a Música, a
Literatura e a cultura elitizada.
364
Acredita se na superioridade do gosto da classe dominante, no “bom gosto” como
elemento natural, desta maneira, é considerado bom e de valor, aquilo que não é de acesso à
maioria das pessoas, e isso não somente em relação a Cultura e Arte, mas também a moda,
estilo de vida e alimentação, por exemplo. Geralmente aquilo que nem todo mundo pode ter é
mais valorizado do que a grande maioria pode ter e consumir.
Essas preferências culturais são comumente estruturadas pelas escolas e pela família,
uma criança, por exemplo, que desde muito cedo ouve música clássica, visita museus de arte,
e assiste a peças teatrais com frequência, terá mais facilidade de compreender e gostar dessas
linguagens, que uma outra criança que não teve acesso a obras de arte, ou a concertos
sinfônicos, e certamente terá um estranhamento diante disso. O gosto está então relacionado,
com a estrutura do capital, e com a trajetória social.
Diante das questões levantadas por Bourdier, sobre aquilo que de fato é considerado
cultura, os saberes e manifestações legitimadas e aquelas que são negligenciadas, cabe pensar
se de fato as Leis de incentivo a Cultura comtemplam as mais diversas manifestações
culturais existentes no país.
Outra questão que deve ser considerada e se as leis de incentivo não são
regulamentadas por interesses mercadológicos ou pessoais, se limitando ao apoio de ações
culturais lucrativas, emergindo então produtos ligados a busca de capital apenas.
O livro “As ideias estéticas de Marx”, de Aldofo Sanchez Vazquez, é uma ótima
referência para pensar os valores estéticos contemporâneos e quais as reais intenções da Arte
na contemporaneidade. Relacionando a Cultura com a Arte, consideramos o potencial destas
em atingir a sociedade e modificá- la. Através da Arte ideias são expressas, e se manifestam
as diversas condições sociais e humanas. Segundo Vazquez (1988, pág 181):
365
Mas esta relativa harmonia da arte com os ideais da sociedade burguesa perdura
enquanto as novas relações sociais não revelam suas contradições mais vitais e
profundas e enquanto a nova classe social no poder se apresenta não como uma
classe particular, mas como representante de toda a nação. À medida em que se
dissipa o sonho de uma sociedade esclarecida e racional, a suposta razão universal
que ela deveria estruturar se revela como um razão particular de classe, que entra em
contradição com os interesses do resto da sociedade.
Desta maneira, nem mesmo a Arte e a Cultura estão livres da luta de classe, e podem
ser utilizadas para reafirmar uma Ideologia sobre as outras, uma única forma de pensar, uma
concepção de mundo, que suprime todas as outras expressões. Neste contexto a cultura serve
ao Estado, que pretende criar um sujeito universal, utilizando a como mecanismo para se
chegar à hegemonia, os indivíduos são então moldados dentro de uma organização.
A partir disso é preciso refletir sobre como os projetos culturais financiados pelas Leis
de incentivo, podem ser utilizados, na manutenção de um pensamento e cultura hegemônica,
reafirmando ideologias imposta, e se os projetos que fogem a estas regras são avaliados e
aceitos da mesma maneira.
O artista nesse contexto vive uma liberdade de criação ilusória, segundo Vazques (pág.
186.), o artista faz parte de uma “sociedade determinada”, e isso significa que suas produções
não estão livres das relações sociais. O artista precisa estar em diálogo com a sociedade para
se manter produzindo, já que o artista trabalha para o público e este está inserido em um
lógica social e econômica. Desta maneira o artista depende da sociedade, dos seus gostos
funcionando também como instrumento ideológico.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
366
As leis de incentivo hoje são grandes aliadas na promoção da cultura brasileira,
todavia, os processos de seleção de projetos e sua implementação precisam ser fiscalizados
com muita seriedade. É preciso garantir a todos, desde os pequenos grupos de cultura popular,
até as grandes empresas que hoje trabalham com cultura, o mesmo direito e chances de serem
comtemplados pelos editais, em um processo justo, que valorize a diversidade cultural e não o
lucro e o capital.
REFERENCIAIS BIBLIOGRÁFICOS
367
REALIZAÇÃO
PATROCÍNCIO
APOIO