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Disciplinas Espirituais: Silêncio e Solitude

Paulo Rodrigo Martins


Teologia da Vida Cristã – Seminário Reformado Batista da Aliança (SRBA)
Manaus – AM – Brasil

1. Introdução
O silêncio e a solitude são disciplinas espirituais que geralmente andam em conjunto, e
são essenciais para a vida cristã. Através do relato das Escrituras e da história da igreja, é
possível perceber como o hábito do silêncio e da solitude estavam presentes na vida de Jesus
Cristo, dos profetas, dos apóstolos, e também dos pais da igreja. Além disso, a Bíblia apresenta
vários motivos para a prática destas disciplinas, como expressar adoração e fé a Deus. Por
último, apesar de a sociedade contemporânea incitar o barulho e multidões, existem sugestões
práticas para tornar o silêncio e a solitude mais reais e habituais na vida do cristão.
A disciplina do silêncio é a abstenção voluntária e temporária de falar para que certos
objetivos espirituais possam ser buscados. Às vezes o silêncio é observado para ler, escrever, orar
e assim por diante. Embora não haja voz audível, há diálogos internos consigo mesmo e com
Deus. Isto pode ser chamado “silêncio externo”. Outras vezes o silêncio é mantido não apenas
por fora, mas também interiormente para que se possa ouvir mais claramente a voz de Deus.
A solitude é a disciplina espiritual de retirar-se voluntária e temporariamente à
privacidade com propósitos espirituais. O período de solitude pode durar somente alguns
minutos ou dias. Assim como o silêncio, a solitude pode ser buscada a fim de participar sem
interrupção de outras disciplinas, ou apenas para estar a sós com Deus.

2. Razões para praticar o silêncio e a solitude


As Escrituras Sagradas apresentam nove motivos principais para buscar o silêncio e a
solitude: seguir o exemplo de Jesus; ouvir melhor a voz de Deus; expressar adoração a Deus;
expressar fé em Deus; buscar a salvação do Senhor; ser fisicamente e espiritualmente restaurado;
recobrar perspectiva espiritual; buscar a vontade de Deus; aprender a controlar a língua.
Em primeiro lugar, devemos seguir o exemplo de Jesus Cristo, que praticou as disciplinas
espirituais do silêncio e solitude em muitos momentos, como quando Jesus retirava-se para orar
sozinho (Mt 14.23; Mc 1.35; Lc 4.42), ou quando foi ao deserto ser para ser tentado, mas
também para praticar o jejum e a solitude (Mt 4.1). No relato de Lucas, é interessante observar
que Jesus estava "cheio do Espírito Santo" (Lc 4.1) quando ele foi guiado à disciplina da
solitude, mas que depois Ele voltou "no poder do Espírito" (Lc 4.14). Dallas Willard discute
como podemos encontrar força espiritual em meio dessas disciplinas quando diz: "Em completa
solitude é possível ter silêncio, estar parado e saber que Jeová realmente é Deus (S1 46.10),
colocar o Senhor diante de nossas mentes com intensidade e duração suficiente para que
fiquemos centrados Nele — nossos corações firmes, estabelecidos em confiança (Sl. 112.7-8) —
até voltarmos ao escritório, loja ou lar".1
Em segundo lugar, podemos nos concentrar em Deus ouvir melhor a sua voz ao nos
afastarmos do barulho terreno e das vozes humanas. Exemplos bíblicos disso incluem a ida de
Elias ao monte Horebe, onde ele ouviu a brisa suave da voz de Deus (1Rs 19.11-13), Habacuque
no posto de sentinela, aguardando para ver o que o SENHOR iria dizer a ele (Hb 2.1) e a partida
do apóstolo Paulo para a Arábia depois de sua conversão a fim de poder estar a sós com Deus
(Gl 1.17). Em contraste, vivemos em um mundo viciado em barulho, onde as pessoas estão
sempre buscando ouvir músicas ou podcasts enquanto trabalham, e a pregação é muitas vezes
acompanhada de um fundo musical. Essa conveniência do som tem contribuído para a uma
espiritualidade superficial, na qual ficamos sozinhos com nossos próprios pensamentos e com a
voz de Deus com menos frequência.
Em terceiro lugar, podemos expressar a nossa adoração a Deus em quietude e silêncio
focados nEle. As Escrituras apresentam textos que exemplificam esta adoração silenciosa, como
"O SENHOR, porém, está em seu santo templo; diante dele fique em silêncio toda a terra" (Hb
2.20) e "Calem-se diante do Soberano, o SENHOR" (Sf 1.7). Note que este não é simplesmente
um silêncio imposto, mas um silêncio de adoração "diante do Soberano". O livro de Eclesiastes
nos ensina que há tempo de falar e tempo de ficar calado, de maneira similar há tempo de falar
com a Deus e há tempo de simplesmente contemplá-Lo e adorá-Lo em silêncio. George
Whitefield relata um incidente de sua adoração silenciosa a Deus, no qual o seu coração estava
tão pleno, que palavras não podiam expressar o seu amor por Ele. Além disso, o silêncio pode
ser praticado quando o cristão se sente exatamente o oposto, estar tão impassível, que toda
palavra parece ser hipócrita. Assim, independentemente do estado das emoções humanas, há
sempre um lugar para a adoração sem palavras.
Em quarto lugar, podemos demonstrar nossa fé em Deus através simples ato de fazer
silêncio diante do Senhor, em oposição a vir a Ele em um tormento verbal. Percebemos isto
quando Davi expressa que sua alma espera silenciosamente no Senhor, pois dEle vem a sua
salvação e esperança (Sl 62.1,5). Embora a fé seja muitas vezes expressada por meio da oração,
às vezes ela é revelada pela não verbalização de palavras diante do Senhor o que, por sua quieta
ausência de ansiedade, comunica confiança em Seu controle soberano. Também percebemos a
associação entre o silêncio diante de Deus com a fé nEle quando o profeta Isaías diz que a
salvação está em se converter e sossegar na tranquilidade e na confiança no Senhor (Is 30.15).
Em quinto lugar, período de silêncio e solitude pode ser utilizado para buscar a salvação
do Senhor, o que pode ser aplicado tanto à busca do não-cristão pela salvação do pecado e da
culpa em Cristo, quanto à busca do crente pela salvação de Deus para certas circunstâncias. As
palavras de Jeremias em Lamentações 3:25-29 são apropriadas em qualquer dos casos: "O
Senhor é bom para os que esperam nele, para aqueles que o buscam. Bom é aguardar a salvação
do Senhor , e isso, em silêncio. Bom é para o homem suportar o jugo na sua mocidade. Que ele

1
Dallas Willard, The Spirit of the Disciplines (O Espírito das Disciplinas). São Francisco, CA: Harper and
Row, 1988, p.161.
se assente solitário e fique em silêncio, porque esse jugo Deus pôs sobre ele. Ponha a sua boca no
pó; talvez ainda haja esperança.". Em um sermão sobre este texto2, C. H. Spurgeon ensina como
não devemos minimizar o valor do silêncio diante de Deus para ajudar a evitar distrações quando
consideramos o estado da alma. A solitude e o silêncio podem nos ajudar a lidar com as
realidades de nosso pecado, da morte, do juízo, etc., temas que são frequentemente desalojados
de nossa consciência pelos sons da vida diária. Precisamos encorajar aqueles que buscam a ficar
mais "a sós com Deus" e a estudar o próprio ser à luz da Palavra de Deus.
Em sexto lugar, podemos ser fisicamente e espiritualmente restaurados através da prática
da solitude. Todos nós precisamos de tempos para afrouxar o arco de nossas tensões rotineiras e
desfrutar a restauração que o silêncio e a solitude podem prover a nosso corpo e alma. Isto foi
verdade até para aqueles que viveram mais intimamente com Jesus. Depois de se desgastarem
durante vários dias, em produção física e espiritual, observe o meio de reabastecimento que Jesus
prescreveu a Seus discípulos: "Vinde repousar um pouco, à parte, num lugar deserto" (Mc 6:31).
Assim, não devemos menosprezar as qualidades física e espiritualmente recreativas do silêncio e
da solitude que são profundamente terapêuticas.
Em sétimo lugar, as disciplinas do silêncio e da solitude são a melhor maneira de recuar
e obter uma perspectiva mais equilibrada, menos mundana, em relação às coisas. As Escrituras
relatam em Lucas 1.20-64 o caso de Zacarias, pai de João Batista, que duvidou da forma
milagrosa como sua esposa Isabel teria um filho, e por isso, ficou mudo e não pode falar até ao
dia em que o milagre aconteceu. Este foi um momento em que o Senhor mudou a perspectiva de
Zacarias a respeito do milagre durante um período de silêncio forçado. Billy Graham relata um
evento no qual ele foi questionado sobre a inspiração das Escrituras, então ele buscou por meio
da solitude obter a perspectiva de Deus sobre o assunto, meditando nas atitudes de Cristo, que
cumpriu a lei e os profetas, que os citou constantemente, nunca indicando que eles pudessem
estar errados. Esta experiência de Graham demonstra o que John Owen, prolífico teólogo
puritano, disse sobre a nossa solitude: "O que somos nela é o que somos na verdade, nada mais.
Ela é ou o melhor ou o pior de nossos períodos de tempo, na qual o princípio que predomina em
nós se mostrará e agirá".
Em oitavo lugar, podemos, em um período de silêncio e solitude, obter o discernimento
da vontade de Deus sobre um determinado assunto. As Escrituras testemunham que Jesus fez
isso ao decidir quem escolheria como discípulos que viajariam com Ele (Lc 6.12-13). Apesar de
Deus muitas vezes tornar a Sua vontade clara a nós, em público, há vezes em que Ele a revela
somente em particular, portanto, descobri-la requer as disciplinas do silêncio e da solitude.
Em último lugar, aprender a manter-se em silêncio por longos períodos de tempo pode
nos ajudar a controlar nossa língua o tempo todo. As Escrituras dizem que "tempo de calar e
tempo de falar" (Ec 3.7). Aprender a disciplina do primeiro pode ajudar você a desenvolver
controle do último, pois aquele que não sabe como ou quando ficar em silêncio não sabe como

2
C. H. Spurgeon, "Solitude, Silence, Submission" ("Solidão, Silêncio e Submissão"), em Metropolitan
Tabernacle Pulpit (Púlpito do Tabernáculo Metropolitano), 1896, vol. 42. Disponível em inglês em:
https://www.spurgeon.org/resource-library/sermons/solitude-silence-submission/. E em tradução livre
para português no vídeo da Spurgeontv disponível em: https://youtu.be/A0xKq6nCWjA
ou quando falar. Desta forma, quando praticamos o silêncio e a solitude, descobrimos que não
precisamos falar muitas das coisas que achamos que precisam ser ditas. Em silêncio, aprendemos
a confiar mais no controle de Deus em situações onde normalmente nos sentimos compelidos a
falar, ou a falar demais. Descobrimos que Ele é capaz de conduzir as situações em que antes
considerávamos indispensável a nossa intervenção. As habilidades de observação e audição
também são aguçadas naqueles que praticam o silêncio e a solitude para que quando eles
realmente falarem, haja mais novidade e profundidade em suas palavras. As Escrituras nos
ensinam que em Tiago 3.2 que a prática da disciplina do silêncio leva à semelhança com Cristo
porque ela ajuda a desenvolver o controle da língua.
Por último, a disciplina dupla do silêncio e da solitude é transformadora porque ela nos
ajuda com as outras disciplinas espirituais. Normalmente ela deve ser uma parte, por exemplo, da
absorção bíblica e da oração individual. Ela é um componente necessário da adoração privada.
Em silêncio e solitude, podemos maximizar o tempo para disciplinas como aprender e tomar
notas. É comum praticar o jejum durante os tempos de silêncio e solitude. Mas mais do que
qualquer outra coisa, a disciplina do silêncio e da solitude pode ser muito transfiguradora porque
fornece tempo para pensar sobre a vida e para ouvir a Deus.

3. Sugestões para a prática do silêncio e da solitude


As disciplinas do silêncio e da solitude não precisam ser algo muito distante da realidade
do cotidiano, através de práticas simples mas intencionais, podemos inserir o hábito da solitude e
silêncio no nosso dia. Por mais difícil que seja a princípio, praticar o silêncio e a solitude, os
rigores da realidade só provam o quanto precisamos do refrigério deles.
A primeira sugestão é utilizar os "Minutos de Retiro", nos quais você pode aproveitar um
momento silencioso a partir de uma situação inesperada. Por exemplo, os momentos de parada
no semáforo, no elevador ou na fila do banco podem se transformar em "minutos de retiro"
quando você os consagra como tempo de silêncio e solitude. Use o tempo de oração na refeição
para uma pausa espiritual. Desta forma, é possível encontrar maneiras de converter a rotina em
algo santo, de descobrir aqueles "minutos de retiro" que podem pontuar e investir de poder até os
dias mais agitados. Aproveite estas oportunidades inesperadas dadas a você e concentre-se Nele
e na vida no Espírito. Mesmo que você tenha apenas uns poucos segundos, mesmo que o local
não seja absolutamente quieto ou completamente solitário, desfrute a restauração encontrada na
presença consciente de Jesus Cristo.
A segunda sugestão é estabelecer períodos de silêncio e solitude diários. Quem pratica
estas disciplinas em uma base diária tem maior probabilidade de disciplinar a si mesmo para
desfrutá-las ocasionalmente nos "minutos de retiro", no Dia do Senhor e em períodos longos. É
possível notar um crescimento em semelhança com Cristo mais rápido,consistente e evidente na
vida dos cristãos que reservam um período diário para estar a sós com Deus. Este tempo de
silêncio exterior é o tempo de absorção bíblica e oração diárias. Nesta solitude reside a
oportunidade para a adoração privada.
A terceira sugestão é retirar-se a fim de ficar em solitude e silêncio por um período
prolongado, o que pode ser passar uma tarde, noite ou um sábado em alguma sala vazia de sua
igreja, mesmo passar uma noite ou fim de semana em um acampamento ou pousada. É
recomendável fazer uma programação com antecedência, ou logo que chegar ao local, para
ajudar você a usar o tempo com os propósitos pretendidos em vez de desperdiçá-lo
inadvertidamente. Entretanto, é importante notar que embora retirar-se para locais distantes seja
maravilhoso, todas as disciplinas espirituais devem ter sua prática comum no lugar onde vivemos
nossas vidas diárias.
A quarta sugestão é localizar lugares especiais onde você possa estar em silêncio e
solitude. Encontre-os dentro ou perto de sua casa ou a poucos minutos de carro. Busque também
aqueles que podem ser usados para retiros de dois ou mais dias. Jonathan Edwards
frequentemente retirava-se na mata para ficar em silêncio e solitude com Deus. Talvez em seu
ambiente, não haja um lugar ideal e tenha que mudar de tempos em tempos, mas é possível
identificar um cantinho singular para você buscar a piedade por meio do silêncio e da solitude.
Por exemplo, Susanna Wesley, quando precisava ficar em silêncio e solitude, ela cobria a cabeça
com o avental e lia a Bíblia e orava debaixo dele. Obviamente isso não bloqueava todo o
barulho, mas servia como sinal para seus filhos de que durante aqueles minutos ela não deveria
ser incomodada e os mais velhos deveriam cuidar dos mais novos.
A última sugestão é planejar um sistema de "negociação" de responsabilidades diárias
com seu cônjuge, ou com um amigo quando necessário, a fim de ter liberdade para passar
períodos mais longos em silêncio e solitude.

4. Considerações Finais
O silêncio e a solitude são disciplinas espirituais essenciais para o cristão, pois assim
como o sono e o descanso diários são necessários ao corpo, a cada dia, o silêncio e a solitude são
necessários à alma. A Bíblia e a história da igreja relatam como essas disciplinas eram hábitos
presentes na vida de pessoas que tinham um relacionamento profundo com Deus.
Entre as principais razões para praticar estas disciplinas, podemos citar uma adoração
silenciosa a Deus, atentando-se para ouvir a Sua voz e discernir a vontade dEle. Em momentos
de solitude e silêncio, podem nos ajudar a lidar com as realidades de nosso pecado, da morte, do
juízo, etc., temas que são frequentemente desalojados de nossa consciência pelos sons da vida
diária. Por este motivo, muitas vezes, é necessário ficar a sós com Deus para lidar com algumas
dúvidas e indagações. Por exemplo, ao passar por uma crise de fé, o cristão pode precisar de
tempo para oração, reflexão profunda e bastante sondagem da alma.
Entretanto, o cristão não deve esperar que todo tempo de silêncio e solitude tenha o
mesmo efeito sobre sua vida que alguns que foram citados aqui, da história cristã. Nem sempre
há resultados dramáticos ou emoções intensas envolvidas. Na maior parte das vezes, eles são
emocionalmente simples e serenos. Contudo, assim como acontece com todas as disciplinas
espirituais, o silêncio e a solitude continuam sendo proveitosos mesmo em situações "normais".
Assim, um cristão verdadeiro sem dúvida tem prazer na comunhão religiosa e em
conversas cristãs, e encontra muito que afete seu coração nela; mas às vezes ele também tem
prazer em períodos de retiro de toda a humanidade, para conversar com Deus em solitude.

Referências
Whitney, Donald S. Disciplinas Espirituais Para A Vida Cristã. Editora Batista Regular, 2009.

C. H. Spurgeon, "Solitude, Silence, Submission" ("Solidão, Silêncio e Submissão"), em


Metropolitan Tabernacle Pulpit (Púlpito do Tabernáculo Metropolitano), 1896, vol. 42.
Disponível em inglês em: https://www.spurgeon.org/resource-library/sermons/solitude-silence
-submission/. E em tradução livre para português no vídeo da Spurgeontv disponível em:
https://youtu.be/A0xKq6nCWjA
Dallas Willard, The Spirit of the Disciplines (O Espírito das Disciplinas). São Francisco, CA:
Harper and Row, 1988, p.161.

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