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Sílvio César Tudela - Silêncio dos clubes e a estratégia para explicar o

mau desempenho em campo

Greve na comunicação jamais será a resposta que os torcedores precisam!

Para começar, felizmente (ainda, apesar dos percalços) vivemos num país que
tem a imprensa livre e no qual os jornalistas podem, além de noticiar,
manifestar suas opiniões, desde que se responsabilizem por elas e deixem
claro que é uma interpretação pessoal e não um diagnóstico preciso de um
fato. E isso abrange todas as áreas, da política à cultura, da gastronomia aos
esportes. E isso vale para todos, profissionais de comunicação ou não. E
principalmente para os torcedores!

É evidente que não encontraremos grandes declarações de amor ao Tricolor


Baiano se o conteúdo estiver publicado numa comunicação do Vitória. E vice-
versa. E isso também vale para todas as rivalidades existentes no futebol, entre
paulistas, cariocas, mineiros, gaúchos, pernambucanos, cearenses etc. E
também é real quando se tem quase uma unanimidade, que é a Seleção
Brasileira. Torcedores, atletas, treinadores, dirigentes, jornalistas têm o direito
de fazer críticas a um determinado jogador ou técnico, ou a uma gestão que
consideram equivocada. Vale até como obrigação, como forma de identificar os
pontos fracos, as possíveis correções de rumos e até enveredar pelo tortuoso e
perigoso caminho da premonição, valendo-se de estatísticas, rankings, tabus e
superstições.

O que não vale é ofender a honra e a dignidade humana, colocando a vida em


perigo. Nem dos atletas, dirigentes, torcedores ou profissionais de
comunicação.

Posto isso, não é de hoje que assistimos, cada vez mais, às greves de silêncio
de alguns clubes e seus times quando estes são criticados pela sua gestão,
pelo desempenho esportivo e pela forma de entregar à torcida o que ela
efetivamente merece.

Um dos casos mais recentes de silêncio foi a greve de comunicação nos canais
do Sport Clube Corinthians Paulista, sob o pretexto de uma campanha
institucional chamada “Futebol sem Ódio”. Apesar de plenamente justificável
após as descabidas ameaças de morte feitas a alguns jogadores por
determinadores “torcedores” nas redes sociais – se assim pudermos chamá-los
-, tal silêncio não se justifica perante uma massa de milhões de fiéis
apaixonados pelo time, que gastam muitas vezes o que não têm para poder
pagar um ingresso no estádio ou embarcar numa excursão exaustiva para ver
o seu time de coração jogar longe de casa e apoiá-lo acima de tudo.
Principalmente após uma derrota por 3 a 0 para o seu maior rival, no dia em
que se comemora o torcedor corintiano e seu santo padroeiro.

Se o silêncio agride, ainda piores são as ameaças, agressões e emboscadas


que os atletas sofrem. Elas não podem ser aceitas e naturalizadas como
normais. Isso é fato!

Para ficar apenas numa única competição – o maior torneio continental -, o


fenômeno não é recente e já se repetiu na eliminação do Alvinegro Paulista na
Libertadores da América de 2006, quando os torcedores brigaram no
Pacaembu e agrediram os jogadores com violência numa partida contra o River
Plate, e na edição de 2011, quando o time foi desclassificado pelo até então
desconhecido Tolima, o que virou ótima justificativa para a piada dos rivais e
causou a o pedido de demissão de jogadores do nível de Ronaldo Fenômeno e
Roberto Carlos, em pleno voo de volta ao Brasil, por medo da ação de alguns
torcedores perturbados das organizadas.

Nenhum jogador merece jogar por medo. Pode-se atuar pela ambição ou por
dinheiro ou pela zona de conforto até, mas não sob ameaças.
Como poderíamos também justificar a atitude dos “torcedores” que lançaram
bombas no ônibus do Bahia, quando o time se dirigia à Fonte Nova para um
jogo da Copa do Nordeste, as quais feriram jogadores e, por muito pouco, não
fizeram o veículo pegar fogo e dizimar o Esquadrão de Aço? Para quem ainda
não teve a infeliz experiência de ver um meio de transporte desses ser
incendiando, é preciso alertar que ele é consumido pelas chamas e explode em
poucos minutos. Poderia ter havido uma tragédia, o que seria uma mancha
terrível na história do clube. E este protesto jamais poderia ser contabilizado
como “amor ao time”.

Por mais que uma sequência ruim de resultados ou uma decepção muito
intensa estejam na trajetória de um time, qual foi a equipe que nunca viveu um
apagão, mesmo quando era favorita e tinha tudo para se dar bem, mas o vento
virou?

Se cabe ao torcedor criticar e protestar pelos maus resultados, desde que seja
sem violência, é obrigação dos clubes também serem transparentes com
aqueles que o amam e não silenciarem, seja para dizer que passam por
problemas internos nas finanças, imbróglios jurídicos, perda do vestiário,
equipe desmotivada, atrasos de salários ou o que for. O silêncio jamais será
uma boa resposta para quem ama!

O torcedor merece respeito, uma palavra que seja, e não o silêncio! E o clube
todo o acolhimento possível, pois tudo passa...

Sílvio César Tudela - @silvio.tudela

Jornalista formado pela ECA/USP e pesquisador sobre a relação entre a


narrativa esportiva e a construção da identidade cultural brasileira,
principalmente no universo do futebol, o colunista tem passagens por outros
veículos de comunicação nacionais com cobertura dos bastidores de alguns
dos principais clubes do país.

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