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A aprendizage

n cãe
Para muito além de Pavlov e Skinner
1a edição

Otávi A . B. Soare
A aprendizage
 n cãe
Para muito além de Pavlov e Skinner
Otávi A . B. Soare

pág 2
A aprendizagem nos cães: 
para muito além de Pavlov e Skinner
 (e-book)
Otávio Augusto Brioschi Soares
Instituto Muniz de Aragão

pág 3
Sumário

Ah a aprendizagem 5
Introdução 6
Como os animais aprendem? As teorias da aprendizagem 7
Aprendizagem não associativa 9
Habituação 9
Sensibilização 10
Alterações neurológicas na aprendizagem 11
Aprendizagem associativa e behaviorismo 12
Condicionamento clássico 13
Fenômenos do condicionamento clássico 16
A ponte entre o condicionamento clássico e o operante 18
Condicionamento operante 19
Reforçamento e seus esquemas 21
Reforço e punição, positivo e negativo 23
Modelagem 25
O princípio de Premack 27
A transição para o cognitivismo 28
O cognitivismo moderno 29
Conclusão 31
Bibliogra a consultada 32

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Otávio A. B. Soares - A aprendizagem nos cães

Ah a aprendizagem
A aprendizagem é um fenômeno muito estudado por
muitos pro ssionais há muito tempo, nos homens e nos
animais. Muitos conceitos foram estudados primeiramente
nos animais e depois transpostos para nós humanos.
Outros zeram o caminho contrário. Não importa. Muitos
dos conceitos da aprendizagem são úteis para quem lida
diariamente com cães. É o que este e-book traz à mesa.
Boa leitura!

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Otávio A. B. Soares - A aprendizagem nos cães

Introdução
Em nosso país, a procura por conhecimento na área da relação cão-
humano, por uma gama imensa de pro ssionais, vem aumentando, haja
vista o crescente número de formações, associações, encontros e por
último, mas não menos importante, recursos nanceiros movimentados
pelas atividades que envolvem o cão e os animais em geral.
Dentro desse cenário seria esperado que as publicações sobre o tema no
Brasil tivessem crescido no mesmo ritmo ou em um ritmo parecido, no
entanto, pelo menos no que é de meu conhecimento, isso não ocorreu.
São muito poucas as publicações em português que envolvem a
aprendizagem canina, tanto de uma perspectiva mais teórica e técnica,
quanto de uma perspectiva mais prática e aplicada.

Portanto, este e-book tem como objetivo geral realizar uma revisão
selecionada sobre a aprendizagem canina, focando naqueles tópicos que
podem ser utilizados, na experiência do autor, para o treinamento de cães
em geral.

O texto serve à todos que convivem com cães, sendo estes responsáveis
por eles ou não, e tem o intuito de torná-la mais fácil e mais prazerosa, aos
pro ssionais do adestramento e do mercado pet canino, que trabalham
com a aprendizagem dos cães em suas tarefas diárias, aos médicos
veterinários, que recebem cães em suas clínicas e repassam informações
para tutores/proprietários e por m, aos consultores comportamentais e
médicos veterinários comportamentais, que labutam diariamente para
promover o bem-estar de animais que possuem algum problema/distúrbio
comportamental.

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Otávio A. B. Soares - A aprendizagem nos cães

Como os animais aprendem? 


As te ias da aprendizagem
A aprendizagem para a maioria das pessoas tem a ver com aquisição de
informação, o que pode ser testado prontamente. No entanto, muitas
vezes o que é apreendido não é tão óbvio, e pode ser somente uma
disposição ou uma capacidade de apresentar um comportamento.

Modernamente, a aprendizagem pode ser de nida assim:

"Aprendizagem é toda a mudança


relativamente permanente no potencial do
comp tamento que resulta da experiência,
mas não do envelhecimento, cansaço,
in uência de drogas, doenças, etc".
Lefrançois (2016)
Neste sentido, muitos estudiosos do comportamento humano e animal
procuraram criar teorias que explicassem estas mudanças no
comportamento, estas chamadas então de teorias da aprendizagem.
Sendo assim, as teorias da aprendizagem resultam das tentativas destes
pro ssionais de organizar observações, hipóteses, suposições, princípios e
leis que têm sido apresentados sobre o comportamento humano e animal.

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Otávio A. B. Soares - A aprendizagem nos cães

Estas teorias podem ser divididas em teorias behavioristas e cognitivistas.


As primeiras se iniciaram no início do século passado, principalmente nos
EUA e enfoca aspectos objetivos do comportamento. Fazem parte destas
teorias as de Pavlov e Watson, Thorndike e Skinner.

Moore (2010) relata que o behaviorismo enfatizou estímulos e respostas


publicamente observáveis, e ignorou processos iniciados centralmente,
supostamente inobserváveis. Podemos citar a consciência e a motivação.

No contraponto às teorias behavioristas surgiram as cognitivistas, que


estão interessadas na atividade mental, sobretudo de humanos, e
especi camente no processamento de informações, na representação e
autoconscientização (Garnham, 2009). Dentro da psicologia humana são
exemplos deste tipo de teoria as criadas por Bruner, Piaget e Vygotsky.

Ao longo deste capítulo nos debruçaremos sobre as maneiras como a


aprendizagem pode ocorrer, iniciando das mais simples para as mais
complexas, e nos apoiaremos no sólido alicerce deixado pelos teóricos da
aprendizagem ao longo dos séculos. Muito do conhecimento posto,
principalmente da abordagem teórica da aprendizagem, foi produzido por
estudiosos da psicologia humana e em certo grau pode ser extrapolado
para os animais e para os cães. Além disso, dois pontos devem ser
lembrados: os estudiosos citados muitas vezes trabalharam com animais
e extrapolaram os achados para o ser humano, então não estaríamos em
um caminho tão desconhecido. E, mais recentemente, muitos estudos
práticos foram realizados no campo da cognição canina, que apesar de
ainda não ter gerado grandes teorias sobre o aprendizado desta espécie,
chegou a resultados demasiado interessantes que serão abordados em
momento oportuno do texto.

Iniciaremos assim com explanações sobre os tipos de aprendizagem mais


simples, as não associativas, indo as mais complexas, as associativas, e
por m falaremos então dos estudos de cognição canina.

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Otávio A. B. Soares - A aprendizagem nos cães

Aprendizagem não associativa


Este tipo de aprendizagem, tida como a mais simples de todas, consiste
em aprendizado direto por mudanças neurológicas simples, sem haver
associações mais complexas entre estímulos, respostas e consequências.

Habituação
A habituação é um fenômeno comum a muitos organismos, inclusive
invertebrados, que consiste na extinção de uma resposta que existia
previamente após estimulação suave e repetida. 

Por exemplo, um cão que é apresentado ao barulho de automóveis nas


primeiras vezes se assusta, mas após estar continuamente exposto à este
estímulo e dele não advir nenhuma consequência, para de responder ao
mesmo.

Um cão pode habituar-se a sons, odores e comportamentos se a


estimulação é suave e se não há consequência desagradável para ele.

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Otávio A. B. Soares - A aprendizagem nos cães

Sensibilização
A sensibilização ocorre justamente quando a habituação não se concretiza,
muitas vezes por a estimulação ser muito intensa ou dela advir outra
consequ ência desagradável para o animal, que, após ser sensibilizado,
responde com alta intensidade a estímulos pequenos.

Por exemplo, o cão que ao se aterrorizar com uma tempestade ou barulho


de fogos de artifício passa a responder com fobia a esses sons.

Um cão pode sensibilizar-se a sons, odores e comportamentos se a


estimulação é intensa ou se há consequência desagradável para ele.

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Otávio A. B. Soares - A aprendizagem nos cães

Alterações neurológicas na aprendizagem


Estudado na Aplysia sp, um caracol marinho, as alterações neurológicas
associadas à habituação e a sensibilização possivelmente ocorrem, de
alguma maneira, em mamíferos. Os exames de neurônios da Aplysia sp
não indicam formações de novas sinapses após este tipo de
aprendizagem, e sim, especi camente quando a habituação ocorre, há
diminuição da liberação de alguns neurotransmissores na sinapse nervosa
e, na sensibilização, ocorre a ativação de um terceiro neurônio, chamado
de inter-neurônio, levando a um aumento na quantidade de alguns
neurotransmissores na sinapse estudada.

Vários experimentos sobre aprendizado foram conduzidos no caracol


marinho Aplysia californica, demonstrando os fenômenos da habituação e
da sensibilização, e suas bases  neurológicas

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Aprendizagem associativa e
behavi ismo
A aprendizagem associativa contempla as técnicas mais conhecidas por
adestradores por todo o globo. Os estudos que se debruçaram sobre estas
técnicas começam com os estudos de Ivan Pavlov, e passam por John B.
Watson, Edward L. Thorndike e Burrhus F. Skinner, dentre outros.

Já o termo behaviorismo, ou comportamentalismo em português, refere-


se a uma visão do que seria a psicologia e os estudos sobre tema, iniciada
por Watson, e que teve sua versão mais difundida por Skinner, cuja visão
particular sobre o tema convencionou-se chamar behaviorismo radical ou
de raiz.

Os primeiros estudos sobre aprendizagem associativa, conduzidos pelo


siologista russo Ivan Pavlov, revelaram uma maneira de aprendizado que,
posteriormente, foi chamada de condicionamento clássico, e que veremos
em detalhes a seguir.

Pavlov Watson Th ndike Skinner

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Condicionamento clássico
Em estudos sobre a siologia digestiva, após já ter sido agraciado com o
prêmio Nobel de medicina, Pavlov observou que os cães de um de seus
experimentos passaram a salivar antes da oferta de alimento, fenômeno
hoje conhecido como condicionamento clássico.

O condicionamento clássico pode ser explicado como o fenômeno que


ocorre quando dois estímulos são emparelhados reptidas vezes, e a
resposta que antes era provocada somente pelo primeiro estímulo (não
condicionado – US, na sigla em inglês) passa então a ser provocada
também pelo segundo (estímulo neutro – NS, que se torna estímulo
condicionado – CS).

Abaixo podemos ver um vídeo que reconstitui seu experimento mais


famoso:

O cão de Pavlov

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Otávio A. B. Soares - A aprendizagem nos cães

O diagrama abaixo resume gra camente os três momentos do fenômeno:

Figura 1. Esquema representativo dos três momentos do condicionamento


clássico: 1 – antes do condicionamento, 2 – o condicionamento propriamente dito
e 3 – após o condicionamento. Fonte: arquivo próprio. Ajudante de Papai Noel®
todos os direitos reservados, Matt Groening.

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Os adestradores e treinadores do mundo todo se utilizam muito do


condicionamento clássico para ensinar muitas coisas aos cães, como por
exemplo, o valor prazeroso do clicker. Este é uma ferramenta que,
justamente quando emparelhada a algo prazeroso, serve como marcador
da exibição do comportamento considerado correto na ocasião.
Após as descobertas de Pavlov muitos estudos sobre o condicionamento
clássico foram realizados pelo próprio e por outros pesquisadores, sendo
que algumas observações são ainda hoje muito úteis para o treinamento
de cães. Uma delas são as variações de contiguidade, ou seja, as variações
existentes entre a ocorrência do estímulo neutro e o estímulo não
condicionado durante o emparelhamento dos estímulos.

Quando o estímulo não condicionado (ENC) e o estímulo neutro (EN) são


iniciados e terminam ao mesmo tempo, o arranjo de contiguidade é
chamado de simultâneo, mas o arranjo pode ser retardado, em traço ou
invertido, como mostrado no diagrama abaixo.

Figura 2. Arranjos de contiguidade (tipos de emparelhamento dos estímulos) para


o condicionamento clássico. EN = estímulo neutro, ENC = estímulo não
condicionado. Adaptado de Lefrançois (2016).

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Otávio A. B. Soares - A aprendizagem nos cães

Alguns experimentos demonstraram que o arranjo de contiguidade


retardada provoca o condicionamento de maneira mais rápida (Lefrançois,
2016), e por isso ainda hoje é um dos preferidos dos treinadores,
juntamente com o de traço, o mais facilmente aplicado.

Fenômenos do condicionamento clássico


Outras descobertas importantes resultantes dos experimentos de Pavlov e
sua equipe são os conceitos de aquisição, extinção, recuperação,
generalização e discriminação.

Aquisição Fenômeno de emparelhamento dos estímulos, que


geralmente requer várias repetições para acontecer,
podendo também gerar graus de resposta dependentes do
número de sessões de emparelhamento.
Extinsão Aquisição é o fenômeno de desemparelhamento dos
estímulos, e geralmente requer várias repetições dos
estímulos sem emparelhamento para acontecer.
Recuperação Também chamada de recuperação espontânea, dá-se
quando, mesmo após algum tempo ou algumas seções
montadas para levar a extinção, o CS volta a eliciar a
resposta.
Generalização Fenômeno que ocorre quando um estímulo parecido com o
estímulo condicionado elicia a mesma resposta, como uma
campainha semelhante a da utilizada por Pavlov
provocando a salivação de seus cães.
Discriminação Ocorre quando há o oposto da generalização, e estímulos
semelhantes eliciam respostas diferentes, como se os cães
de Pavlov aprendessem a discriminar a campainha tocada
na casa vizinha, da companhia do experimento, e aquela
não produzisse a salivação.

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Otávio A. B. Soares - A aprendizagem nos cães

Outro pesquisador de grande importância dentro do tema


condicionamento clássico foi o psicólogo estadunidense John B. Watson,
que fundamentou as teorias das reações emocionais condicionadas, que
presumiam que as diferenças emocionais individuais são praticamente
inexistentes ao nascer, sendo somente eliciadas por estímulos especí cos,
como sons altos, uma perda súbita de apoio ou um afago. 

Com o tempo, segundo Watson, os humanos reagiriam emocionalmente a


uma série de coisas que não teriam, a princípio, signi cado emocional,
mas ao longo da vida são condicionadas classicamente.

Estas teorias de Watson são muito utilizadas atualmente com cães, sendo
uma das bases das chamadas técnicas positivas de adestramento, além da
base para as técnicas de contracondicionamento utilizadas dentro da
etologia clínica veterinária.

O condicionamento (pareamento) das práticas de treinamento com


estados emocionais prazerosos é uma das bases do tipo de adestramento
chamado positivo.

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A ponte entre o condicionamento clássico e o operante


Um dos precursores do chamado condicionamento operante, teoria que
costuma ser atribuída a Skinner, foi Edward L. Thorndike, e seu
conexionismo. Thorndike trabalhou com caixas-problema, que colocavam
animais em situações em que os mesmos tinham que resolver algum
problema para obter uma vantagem ou mesmo a liberdade

Desse e de outros estudos Thorndike elaborou uma teoria complexa do


aprendizado, com várias leis, das quais podemos citar a mais importante
delas para o condicionamento animal, e que mais tarde seria usado por
Skinner para elaboração de suas teorias, a lei do efeito.

Lei do Efeito
“As respostas que oc rem antes de
um estado de coisas satisfatório
tem mai probabilidade de serem
repetidas.” Th ndike (1913)
Esta lei é a base do conexionismo de Thorndike, pois diz que as conexões
entre estímulos e repostas são mais propensas a serem feitas se o estado
de coisas após a resposta for satisfatório, ou agradável (Lefrançois, 2016).
Apesar do foco de Thorndike ser na conexão entre estímulo e reposta, o
que se assemelha em alguma maneira a abordagem de Pavlov, estavam
abertas as portas para o condicionamento operante e o behaviorismo
radical de Skinner.

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Otávio A. B. Soares - A aprendizagem nos cães

Condicionamento operante
Burrhus Frederic Skinner foi talvez o psicólogo mais famoso de todos os
tempos. Foi professor em Harvard entre outras faculdades e elaborou sua
teoria do aprendizado, chamado por alguns de behaviorismo radical, para
“reformar todo o campo (da psicologia do aprendizado) para se adequar a
mim” (Skinner, 1979).
O behaviorismo radical tem este nome por se afastar das propostas, já
existentes naquela época, de explicar alguns fenômonos do
comportamento por estados interiores, mentais, etc. Segundo Skinner, o
behaviorismo radical apoia-se exclusivamente em fenômenos observáveis.
Skinner acreditava que o comportamento pode ser explicado por certas
leis, e que este comportamento pode ser estudado exclusivamente com
causas externas aos organismos.
Ao contrário de Pavlov, que estudou respostas relacionadas a re exos
siológicos, Skinner estava mais interessado em estudar comportamentos
que tem algum efeito sobre o mundo ao redor (Skinner, 1953), nos quais,
por m, os sujeitos operam no ambiente externo, daí o nome de
condicionamento operante.

O condicionamento operante postula que quando um


ref çad oc re depois de uma resposta –
independente das condições que possam ter levado a
resposta – o resultado será um aumento na
probabilidade de que essa resposta oc ra de novo sob
circunstâncias similares. 

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Otávio A. B. Soares - A aprendizagem nos cães

Adicionalmente, as circunstâncias que cercam o reforçamento podem a


servir de estímulo discriminatório para aquela resposta.

Skinner postulou suas teorias muito apoiado nas câmaras de


condicionamento experimental, chamadas também de caixas de Skinner,
que são dispositivos que permitem ao experimentador, que ao colocar um
animal dentro – normalmente um rato ou um pombo – possa controlar
seu comportamento através da apresentação de reforçadores em
momentos certos.

Figura 3. Câmara de condicionamento experimental, como chamava Skinner, ou


simplesmente Caixa de Skinner, como cou popularizada, é um dispositivo
experimental que permite o controle sob os momentos de aparecimento dos
reforçadores: dispensador de alimentos (food dispenser) e punições: grade
eletri cada (electri ed grid), além de estímulos: autofalante (loudspeaker) e luzes
(lights), e possibilidade de resposta: alavanca ( response lever).

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Ref çamento e seus esquemas


Reforçamento é o efeito causado por um estímulo reforçador, que por sua
vez é tudo que se segue a uma resposta e altera para maior a
probabilidade de que esta resposta ocorra novamente. Os reforçadores
podem ser primários ou secundários, sendo os primários aqueles que não
precisam de aprendizagem para ter o seu papel, como comida ou carinho,
já os secundários são aqueles pareados com reforçadores primários, que
com a aprendizagem tornam-se reforçadores, como um clicker depois de
pareado com o petisco.

Skinner também apresentou e testou vários esquemas de reforçamento,


dentre eles o contínuo e o intermitente, que pode variar em intervalo ou
em razão, e ser xo ou variável. Também podemos citar o esquema
supersticioso, que muitas vezes é utilizado involuntariamente levando a
problemas. Os esquemas são mostrados na gura da próxima página.

Skinner também postulou que para


aquisição de resposta (o aprendizado), o
esquema de ref çamento contínuo é o que
n malmente produz resultados mais
rápidos, e os esquemas de ref çamento
variáveis são os que causam n malmente
melh es taxas de reposta e t nam a
extinção do comp tamento mais difícil.

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Figura 4. Os diferentes esquemas de reforçamento propostos por B. F. Skinner em


sua teoria do condicionamento operante.

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Ref ço e punição, positivo e negativo


Apesar do consenso sobre o tema ter surgido depois de Skinner, vamos
apresentar estes conceitos agora, pois na prática são de fundamental
importância para trabalhar com o condicionamento operante.

O que hoje é chamado de quadrante ou matriz do aprendizado teve seus


conceitos propostos por Flora e Pavlik (1990), com alguma discordância
dos conceitos propostos por Skinner, mas que são aceitos dentro do
treinamento e adestramento animal até hoje. 

Nesta abordagem, reforço é todo evento que ocorre após a resposta, que
aumenta a probabilidade da resposta ocorrer novamente. E punição é o
contrário, um evento que diminui a probabilidade da resposta ocorrer
novamente. Nessa abordagem os termos reforço e punição não dizem
nada sobre o estado emocional do animal, se o animal entende o evento
como agradável ou desagradável.

Já os conceitos de positivo e negativo dizem simplesmente se o evento é


introduzido ou retirado logo após a reposta ou comportamento. Também
não carregam nada sobre o estado emocional do animal.

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Otávio A. B. Soares - A aprendizagem nos cães

Figura 5. Conceito de reforço e punição, positivos e negativos proposto por Flora


e Pavlik (1990) e utilizado no treinamento e adestramento de cães. 
Fonte: psicoedu.com

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Modelagem
Também desenvolvida nos experimentos de Skinner, a modelagem é a
técnica usada para treinar animais a fazer coisas que normalmente não
constam de seu repertório comportamental, através de reforçamento
diferencial das aproximações sucessivas. 
A modelagem trata de encadear comportamentos, ligando uma sequência
de respostas, o que faz a própria resposta de um comportamento tornar-
se o estímulo discriminativo para o próximo comportamento.
Por exemplo, se queremos ensinar a um cão que ao entrar em uma sala o
mesmo deverá ir para o canto e colocar o focinho na parede, podemos
prosseguir assim: ao entrar na sala, ensinamos o cão a colocar o focinho
na parede, depois a caminhar para o canto, e por m encadeamos os dois
comportamentos, de modo que a entrada do cão na sala sirva como
estímulo para olhar para o canto, olhar para o canto sirva de estímulo para
caminhar ao canto e, por m, chegar ao canto sirva de estímulo para
colocar o focinho na parede.

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B. F. Skinner
Modelagem

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O princípio de Premack
Com uma abordagem um pouco diferente sobre reforçadores, mas ainda
dentro dos princípios do condicionamento operante, Premack (1965)
observou que o reforçamento e os reforçadores são relativos, e, além
disso, podem ser atividades ou respostas (comportamentos). 

O princípio de Premack reconhece que o comp tamento


que oc re naturalmente e com frequência, pode ser
usado como ref çad de um comp tamento menos
frequente. 

Por exemplo, se temos um cão que ao ser apresentado a vários objetos


para brincar prefere pegar um pedaço de pano na boca e leva-lo para um
canto, considera-se que esta resposta é altamente grati cante e ocorre
naturalmente. Sendo assim, pode ser utilizada ela mesma como
reforçador de outro comportamento menos frequente que queiramos
ensinar ao cão, como por exemplo, controle ao ver alimento.

Um cão pode aprender a sentar antes de passear se sempre reforçado


com passeio após apresentar este comportamento

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Otávio A. B. Soares - A aprendizagem nos cães

A transição para o cognitivismo


Após os primeiros estudos e a crescente popularidade das teorias de
Skinner, alguns outros fenômenos do comportamento foram observados
e estudados por pesquisadores, que começaram a questionar, ou pelo
menos se desviar, das explicações do behaviorismo radical.

Os estudos sobre bloqueio, conduzidos por Kamin, sobre automodelagem 


de Brown e Jenkins (1968), sobre derivação instintiva Breland e Breland
(1966), dentre outros, conduziram as pesquisas sobre a psicologia da
aprendizagem à uma perspectiva mais biológica e evolucionista.

Após estes primeiros estudos também se iniciou um melhor


entendimento sobre a anatomia funcional e a siologia do sistema
nervoso central dos animais, o que levou pesquisadores a incorporarem
estes conceitos nas teorias da aprendizagem, como nas propostas de
Hebb, Tolman e os Gestaltistas, cujo pensamento serviu como uma ponte
para o aparecimento das teorias cognitivas da aprendizagem, que, por sua
vez, propuseram vários contrapontos às teorias behavioristas.

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Otávio A. B. Soares - A aprendizagem nos cães

O cognitivismo moderno
A psicologia da Gestalt, linha de pensamento que surgiu com psicólogos
alemães na primeira metade do século XX, pode ser considerada o início
da psicologia cognitiva moderna, pois passa a se preocupar com a
percepção, a consciência e a solução de problemas dos indivíduos,
contrapondo assim a visão mecanicista do behaviorismo (Lefrançois,
2016).

As teorias cognitivas aplicadas à aprendizagem humana evoluíram muito


desde então, passando por teóricos como Bruner, Piaget e Vygotsky, que
legaram vasta teoria psicológica e in uenciaram sobremaneira a
pedagogia humana, tendo como crenças comuns mais importantes as que
se seguem:

A aprendizagem atual se baseia na aprendizagem


anterior, ou seja, nos conhecimentos e habilidades
adquiridas ao longo da vida do aprendiz;

A aprendizagem envolve processamento de


informações, conceito que torna o aprendiz
participante ativo no processo de aprendizagem;

O signi cado das coisas depende de relações


entre conceitos, ou esquemas, que estão ativos na
consciência ou mente do aprendiz.

Um quadro comparativo entre conceitos behavioristas e cognitivistas pode


ser visto na próxima página:

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Otávio A. B. Soares - A aprendizagem nos cães

Tabela 1. As principais diferenças entre as linhas de pensamento e teoria


behaviorismo e cognitivismo

Adaptado de Lefrançoise (2016)

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Otávio A. B. Soares - A aprendizagem nos cães

Conclusão
Por todo o exposto na literatura levantada pode-se concluir que existem
várias teorias sobre como os processos de aprendizagem acontecem nos
animais e especialmente nos cães, passando por formas mais simples
como a aprendizagem não associativa e entrando em processos um pouco
mais complexos como a aprendizagem associativa.

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Otávio A. B. Soares - A aprendizagem nos cães

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