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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS

FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS


DEPARTAMENTO DE PSICOLOGIA
PSICOPATOLOGIA GERAL I - TEÓRICA

Docente: Prof. Dr. Antônio Márcio Ribeiro Teixeira


Discente: Mauricio Vieira Gomes da Silva - 2016055680

Fichamento do capítulo Semiologia da percepção: o enquadre da realidade e o que


retorna no real

● “[...] Freud prossegue, a doença mental revela, ao expor a divisão interna da estrutura
psíquica, instâncias que passariam despercebidas em seu modo de funcionamento
normal.”
● “É como se houvesse em nós, suspeita Freud, uma instância que nos observa e ameaça
punir, e que se tornou, nos doentes mentais, nitidamente separada do eu e
erroneamente deslocada para a realidade externa’.”
● “Queremos com isso dizer que a realidade na qual se enquadra o campo da percepção
objetiva depende do encadeamento dos elementos assim percebidos no âmbito de uma
unidade que na psicose se desfaz.”
● “É esse preconceito despercebido do mundo que a alteração psicótica da percepção
permite revelar, ao mostrar as consequências clínicas de sua inoperância.”
● “[...]a psicopatologia tende a naturalizar o fenômeno perceptivo como uma função
sensorial predeterminada, deixando de lado as perspectivas simbólicas de sua
operação.”
● “[...]toda unidade perceptiva necessita, para se constituir, da ligação dos elementos
sensoriais numa cadeia de linguagem que lhe confere sentido.”
● “A cadeia significante que liga a realidade da percepção numa unidade determinada
depende, para se estabilizar, da ordenação que prescreve o seu uso no interior de uma
prática discursiva.”
● “Já nas primeiras páginas de seu clássico tratado sobre a fenomenologia da percepção,
Merleau-Ponty indica que não existe percepção de termos absolutos, mas somente de
relações: uma praia absolutamente homogênea não pode ser percebida, só percebemos
uma coisa em meio a outras.”
● “Todo campo perceptivo deve ser concebido, portanto, como local em que se
determinam relações minimamente estáveis sobre as quais o pensamento pode de
algum modo se deter.”
● “A percepção é, portanto, um processo de integração em que a ligação dos elementos
do mundo não é recopiada, mas constituída a partir de um halo de indeterminação
positiva.”
● “Tem-se antes uma unidade imperceptível que se coloca como condição transcendental
das associações, fundada sobre o pressentimento indeterminado de uma ordem
iminente que faz com que liguemos num texto os estímulos que nos chegam.”
● “O fato é que ao tratar a percepção como totalidade somatória dos estímulos sensoriais,
o empirista se esquece de que temos a necessidade de antecipar o que procuramos,
sem o que não o procuraríamos.”“Para agir, a mente requer o corpo, uma vez que a
atenção necessita criar um campo perceptivo onde os movimentos do órgão explorador
sejam possíveis, sem que o sujeito se perca nas transformações que cada nova
aquisição provoca.”
● “Mais do que uma experiência de corpo, o esquema corporal deve ser concebido como
uma experiência de meu corpo no mundo, tal como no mundo eu o recortei. É
engajando-se no mundo por meio de circuitos periféricos preestabelecidos
corporalmente que o sujeito se orienta na percepção.”
● “A nova percepção, assim formada, dá-se, pois, como uma interpretação de estímulos
sensoriais a partir de hipóteses distintas que o sujeito cria para dar sentido às suas
impressões. Não se trata de descobrir um sentido já posto: é a percepção que, ao unir a
constelação dos dados sensoriais, faz com que tenham sentido no interior de uma nova
configuração.”
● “A falsa clareza aparente da percepção depende do suporte inexplicável do preconceito
de que há um mundo, dessa fé ou opinião primordial que nos instala numa realidade
cujo enquadre a percepção não interroga.”
● “Ao passo que o discurso organiza a crença na realidade como campo de relações
relativamente estáveis, sobre o qual a consideração factual pode se mover, o semblante
ao qual o discurso se vincula é, como já aludimos anteriormente, o ponto de vista que
não se deixa ver.”
● “O grande Outro que agencia o discurso não pode ser objeto de uma apreensão
cognitiva: ele necessita do suporte de uma crença partilhada que o faça existir para cada
sujeito.”
● “A realidade da percepção, por ser discursiva, revela-se, portanto, como uma dimensão
essencialmente fiduciária: ela depende de um ato de fé, de uma fides socialmente
compartilhada para se estabelecer.”
● “Podemos mesmo dizer que a perda de realidade na psicose resulta, em certo sentido,
da inoperância da fé perceptiva.”
● “A loucura revela a impostura que se encontra na base de toda ordenação da realidade
pelo discurso, ao interrogar, em sua base, um princípio de fé que só pode se exercer se
não for questionado pelo sujeito.”
● “Para que a loucura ganhasse seu lugar perceptivo próprio, foi necessário um gesto que
a desenredasse violentamente do pensamento.”
● “O que interessa à ciência que se inaugura, segundo o modelo da física matemática, é
transformar os dados da percepção em enunciados universais constantes.”
● “Diante desse procedimento, a loucura não trará mais nenhum ensinamento: ela se vê
subtraída de sua antiga dignidade trágica para ser percebida tão somente como uma
das causas do erro subjetivo.”
● “Não havendo mais espanto, como diz Foucault, em confundir o louco com o criminoso
no mundo uniforme do desatino, a loucura se verá reclusa nos confins indefinidos da
grande internação.”
● “[...] K. Jaspers recorreu ao método da fenomenologia compreensiva, no intuito de
localizar a natureza do adoecimento psíquico a partir da construção de outro tipo de
campo perceptivo.”
● “Ao propor procurar, nessa via de compreensão empática, os motivos do paciente,
comparando o seu comportamento com o que seria a sua própria reação, Jaspers
termina por conceber o fato mental nos parâmetros de uma relação especular com o
eu.”
● “[...] quando Jaspers localiza a irrupção da psicose nos assim chamados fenômenos
processuais: sua ocorrência produz uma descontinuidade na história do paciente,
fazendo obstáculo à compreensão do motivo que a determina. A irrupção do delírio
primário seria comparável, nesse sentido, à imagem de uma fratura permanente na linha
histórico-vital do indivíduo, sem que se possa captar sua psicogênese. Inútil, portanto,
para Jaspers, querer buscar o sentido da loucura.”
● “O interesse do trabalho de Conrad se deve a sua recusa crítica do dualismo
epistemológico que herdamos de Jaspers.”
● “[...] ele se propõe a desvelar a natureza do delírio na forma de sua inserção como
sistema, independentemente do conteúdo particular de seus elementos. Conrad procura,
então, caracterizar o início da esquizofrenia, que se manifesta com uma elevação da
tensão psíquica, relacionando-o à vivência, expressa pelo paciente, de que algo
iminente vai lhe acontecer. A essa vivência, descrita por Jaspers com o termo
‘esquizoforia’, Conrad dá o nome de ‘trema’, referido, no jargão do teatro, à sensação
experimentada pelo ator logo antes de entrar pela primeira vez no palco.”
● “Nesse ‘é isso’ resolve-se a condição do trema, pondo de certo modo um fim a sua
angustiante experiência de indeterminação. A partir do momento em que o “é isso” se
produz, vê-se desencadear o fenômeno, descrito por Jaspers, como consciência
anormal de significação que passa então a se estender a todos os modos intencionais
do paciente.”
● “O ‘é isso’ da percepção delirante é captado como uma verdade revelada, e não como
uma conclusão inferida a partir do saber sobre a situação.”
● “[...] o “é isso” não remete a nada mais além dele próprio, ele não se encontra
originalmente articulado a uma cadeia significante.”
● “Qual seria, então, a inteligibilidade do fenômeno em questão? A bem dizer, afirma
Conrad, o fenômeno essencial já se apresenta desde a experiência da apofania. O
enfermo ali se encontra preso no interior de um sistema sem transcendência, fora do
espaço intersubjetivo, como se algo se revelasse a ele, mas somente a ele,
intimamente, e a mais ninguém.”
● “[...] a verdade apofântica da percepção delirante é uma verdade desligada da
cadeia.”“O delírio seria, nessa perspectiva, uma tentativa de reencadear o signo da
percepção apofântica, de modo a fazê-lo produzir um sentido para o sujeito.”
● “O valor do signo não é nem de longe unívoco, ele só significa se veiculado a uma
cadeia que cada sujeito em torno dele constrói, engajando-o nessa composição.”
● “No dizer de E. Laurent, o sujeito delirante sofre de uma espécie de inundação de signos
numa realidade que transborda de sentido potencial.”
● “Assim como o funcionamento discursivo da língua depende de sua submissão a um
sistema de regras que não podem ser discutidas, o enquadre perceptivo da realidade
requer um modo de organização transcendental que não se deixa enquadrar.”
● “Ao nos referirmos à perda de realidade no desencadeamento psicótico, devemos
sempre frisar que a realidade que ali se perde é a possibilidade que tinha o sujeito de
pertencer ao campo de mediação discursiva da percepção. O sentimento de
desconfiança da fase apofântica atesta o fato de que, na carência dessa mediação,
nada mais se coloca como natural para o sujeito. Pois falta a ele, nesse momento, o
preconceito do mundo que deveria constituir, em sua neutralidade indeterminada, o
transfundo da percepção. Nada mais é neutro, nada mais é indeterminado: tudo é
virtualmente signo, tudo é potencialmente significante.”
● “O sujeito delirante se transforma num sujeito constantemente à espreita de signos a
serem interpretados, com o caráter fundamental de que, nesse espasmo interpretativo,
ele padece da incapacidade, descrita por Conrad, de mudar de sistema de significação,
de pensar aquilo que ele pensa segundo outra maneira. [...] Ele é incapaz de realizar
uma composição dialética por não dispor do preconceito do mundo, que seria o espaço
de mediação onde a comparação perceptiva poderia se realizar.”
● “[...] alucinação e percepção são experiências qualitativamente distintas: o paciente
psicótico é perfeitamente capaz de distinguir a experiência alucinatória da percepção
normal da realidade, embora não negue o caráter real do que lhe chega pela
alucinação.”
● “O que conta, na estrutura da percepção, é menos o seu acerto quanto à realidade do
mundo percebido do que o fato de que aquilo que percebo possa ser alvo de acordo de
certo número de enunciações.”
● “Longe de se mostrar, portanto, como um dado passivo para o sujeito percebente, o
perceptum se apresenta num campo estruturado pela linguagem que precede o sujeito e
o condiciona. De modo que este último, no lugar de se apresentar como sujeito ativo da
percepção, encontra-se, antes, submetido ao perceptum organizado pela estrutura
discursiva em que se encontra inserido.”
● “É de Séglas a observação de que o alucinado articula com a parte fonatória do corpo as
vozes que diz ouvir. No seu entender, a alucinação seria a expressão de uma ruminação
mental que, de tão intensa, terminaria por se exteriorizar (hiperendofasia de Séglas).”
● “Diferentemente da mente que percebe e do objeto percebido, o corpo se manifesta ora
como percebente, ora como percebido, de acordo com o modo como ele se encontra
convocado.”
● “A alucinação sempre se acompanha de um desmoronamento provisório da realidade
perceptiva.”
● “Desconectado do meio, o corpo continua evocando, por suas próprias montagens, uma
pseudopresença que não se articula nem se define numa localidade própria. Na
ausência de abertura para o mundo, somente o gozar-se se torna perceptível para o
sujeito”.

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