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Aquisicao e Aprendizagem
Aquisicao e Aprendizagem
Brasília-DF.
Elaboração
Produção
APRESENTAÇÃO................................................................................................................................. 4
INTRODUÇÃO.................................................................................................................................... 7
UNIDADE I
AQUISIÇÃO DE LINGUAGEM OU AQUISIÇÃO DE LÍNGUA? ...................................................................... 9
CAPÍTULO 1
LINGUAGEM E LÍNGUA ............................................................................................................. 9
CAPÍTULO 2
PROPRIEDADES DAS LÍNGUAS HUMANAS ................................................................................ 15
CAPÍTULO 3
FACULDADE HUMANA DE LINGUAGEM E AQUISIÇÃO DE LÍNGUA ............................................ 23
UNIDADE II
AQUISIÇÃO OU APRENDIZAGEM DE LÍNGUA? ....................................................................................... 26
CAPÍTULO 1
PERÍODO CRÍTICO ................................................................................................................. 26
CAPÍTULO 2
INPUT LINGUÍSTICO................................................................................................................. 32
CAPÍTULO 3
PROPRIEDADES DA AQUISIÇÃO DE LÍNGUA............................................................................. 39
UNIDADE III
COMO OCORRE A AQUISIÇÃO? ......................................................................................................... 44
CAPÍTULO 1
COMO NÃO OCORRE A AQUISIÇÃO ..................................................................................... 44
CAPÍTULO 2
HIPÓTESES SOBRE AQUISIÇÃO ................................................................................................ 46
CAPÍTULO 3
MÉTODOS E TÉCNICAS DA PESQUISA EM AQUISIÇÃO ............................................................. 52
REFERÊNCIAS .................................................................................................................................. 59
Apresentação
Caro aluno
Conselho Editorial
4
Organização do Caderno
de Estudos e Pesquisa
A seguir, uma breve descrição dos ícones utilizados na organização dos Cadernos de
Estudos e Pesquisa.
Provocação
Textos que buscam instigar o aluno a refletir sobre determinado assunto antes
mesmo de iniciar sua leitura ou após algum trecho pertinente para o autor
conteudista.
Para refletir
Questões inseridas no decorrer do estudo a fim de que o aluno faça uma pausa e reflita
sobre o conteúdo estudado ou temas que o ajudem em seu raciocínio. É importante
que ele verifique seus conhecimentos, suas experiências e seus sentimentos. As
reflexões são o ponto de partida para a construção de suas conclusões.
Praticando
5
Atenção
Saiba mais
Sintetizando
Exercício de fixação
Atividades que buscam reforçar a assimilação e fixação dos períodos que o autor/
conteudista achar mais relevante em relação a aprendizagem de seu módulo (não
há registro de menção).
Avaliação Final
6
Introdução
Este Caderno de Estudos tem como principal objetivo apresentar um panorama geral
dos principais conceitos envolvidos na aquisição da língua, as principais discussões e
questões de pesquisa, as diversas abordagens sobre o tema e os métodos e técnicas
empregados nas pesquisas na área.
Na primeira unidade, faz-se uma discussão sobre as diferenças entre língua e linguagem,
são enumeradas as propriedades das línguas humanas e a relação entre faculdade
humana de linguagem e aquisição de língua.
Objetivos
» Apresentar os principais conceitos teóricos, hipóteses de pesquisa e a
metodologia de pesquisa pertinentes à área de investigação de aquisição
de língua, distinguindo esse fenômeno do processo de aprendizagem.
7
AQUISIÇÃO DE
LINGUAGEM OU UNIDADE I
AQUISIÇÃO DE
LÍNGUA?
CAPÍTULO 1
Linguagem e língua
9
UNIDADE I │ AQUISIÇÃO DE LINGUAGEM OU AQUISIÇÃO DE LÍNGUA
Órgão especial
Para o linguista americano Noam Chomsky, que há mais de cinco décadas estuda esse
assunto, o que nos torna diferentes é que temos uma espécie de “órgão da linguagem”
no cérebro, que talvez nem tenha surgido com esse fim, mas para realizar cálculos
combinatórios. Daí a ideia de que a recursividade seja o fato que torna a linguagem
humana única, como propõem Chomsky e seus colegas Hauser e Fitch (2002).
No começo deste ano, durante a reunião anual da Associação Americana para o Avanço
da Ciência, Hauser (2002) comparou a comunicação humana com a dança das abelhas,
considerada uma forma de linguagem. Após acharem comida, esses animais voltam
para a colmeia e informam onde está o alimento por meio dessa dancinha. “É uma
linguagem simbólica e separada da ação no tempo e no espaço. O problema é que as
abelhas só conversam sobre comida”, afirma o pesquisador da Universidade Harvard. Já
a recursividade permite que nosso uso da linguagem seja praticamente infinito – basta
combinar unidades menores para formar frases nunca ouvidas antes. Esse potencial
inesgotável é ideal para comunicar todo tipo de informação e ideia, o que torna óbvia a
vantagem trazida por essa capacidade aos seres humanos.
Mas o que dizer das capacidades do papagaio cinza africano Alex, morto no ano passado
aos 31 anos? O trabalho feito pela psicóloga Irene Pepperberg ao longo de toda a vida
do animal mostrou que a ave era capaz de entender alguns conceitos. Ele aprendeu a
separar palavras por categorias, a contar pequenas quantidades e sabia até reconhecer
algumas cores e formas. E, apesar de haver relatos de que às vezes ele ajudava outros
papagaios do laboratório a falarem melhor e que de vez em quando ele se mostrava
aborrecido com exercícios repetitivos, ele não mostrava sinais de lógica ou capacidade
de generalização tal como nós.
Ainda, de acordo com Hauser (2002), estudos com outros animais “falantes”, por mais
que mostrem que eles têm capacidade de reagir emocionalmente e de discriminar
algumas percepções, acabam por comprovar que “essas habilidades não interagem no
cérebro como a cognição humana”. Ao juntar tudo isso, criamos a linguagem.
Quadrilha
10
AQUISIÇÃO DE LINGUAGEM OU AQUISIÇÃO DE LÍNGUA │ UNIDADE I
convento,
Fernandes
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UNIDADE I │ AQUISIÇÃO DE LINGUAGEM OU AQUISIÇÃO DE LÍNGUA
Não obstante não existir nenhum outro animal com uma comunicação tão complexa
quanto a nossa, há animais que possuem métodos de comunicação sofisticados e que
perduram no tempo. Não será muito arriscado dizer que, das cerca de um milhão de
espécies de animais descritas, quase todas, numa ou noutra fase da sua vida, necessitam
de comunicar.
Existem alguns processos de comunicação tão óbvios que por vezes nos esquecemos
deles, mas, tal como nós, também muitos animais os utilizam. A simples aparência de
um animal desempenha um importante papel na escolha de parceiro para acasalar ou no
estabelecimento de hierarquias, em insetos, aves, mamíferos, moluscos e muitos outros
animais. Apesar de este ser um assunto bastante estudado, ainda hoje permanecem por
explicar alguns dos processos que levam à seleção de um parceiro.
Em muitos animais são os machos que competem para conseguirem uma fêmea para
acasalar. Do seu poder de persuasão vai depender a capacidade de dissuadir outros
machos de lhe fazerem frente e de seduzir a fêmea pretendida. Neste caminho vai haver,
necessariamente, muita comunicação. A aparência de um animal, como o brilho das suas
penas, a cor do seu pelo ou a dimensão das suas hastes, provavelmente não vai ter uma
implicação direta na sua eficácia como progenitor, mas o seu aspecto físico é um reflexo
da sua condição fisiológica. Os outros machos evitarão combater um aparentemente
mais forte, poupando energias a ambos, e as fêmeas, sejam elas de uma pequena ave,
de um veado ou de um primata, estão interessadas em acasalar com o macho mais apto
que lhes for possível encontrar. Por isso, mesmo em muitas espécies em que os machos
12
AQUISIÇÃO DE LINGUAGEM OU AQUISIÇÃO DE LÍNGUA │ UNIDADE I
não lutam entre si, demonstrando a sua força, exibem perante as fêmeas a sua perícia
a construir ninhos, a conseguir alimentos ou noutra atividade fundamental no decurso
da reprodução. No fundo, o que eles de uma ou de outra forma estão a dizer é: “eu serei
um bom pai para os teus filhos”.
Para além de depender de fatores como a idade ou a condição física, a aparência dos
animais varia muitas vezes com a sua vontade. Algumas das adaptações neste campo são
surpreendentes; veja-se a cauda de um pavão aberta em leque, o papo de uma fragata, a
tromba insuflável de uma foca-de-capuz, ou a velocidade com que uma lula pode fazer
variar a cor da sua pele. A própria máscara facial, assim como a postura, desempenham
em alguns animais um papel muito importante. Os lobos, por exemplo, que vivem em
sociedades hierarquizadas e complexas, exprimem desta forma ritualizada a sua atitude
dominadora ou submissa.
A linguagem gestual não está de forma alguma reservada aos animais superiores.
As abelhas, no interior das suas colmeias, executam movimentos complexos, que lhes
permitem comunicar pormenorizadamente, por exemplo, a localização de determinada
zona onde existe alimento.
A linguagem sonora, que usamos a toda a hora quando falamos, é igualmente utilizada por
muito animais. Também aqui a complexidade das mensagens vai variar entre espécies,
mas a eficácia da comunicação sonora deve-se, em grande parte, ao fato de permitir a
transmissão de uma mensagem a uma longa distância. Algumas baleias fazem-se ouvir
a 80 km de distância; muitas aves podem ser ouvidas pelas suas congéneres a vários
quilómetros e mesmo alguns insetos, como os grilos e as cigarras, fazem-se ouvir a
muitas centenas de metros.
Outra forma de comunicação, a que somos por ventura menos sensíveis, mas que para
muitos animais é extremamente importante é a comunicação química ou por odores.
Esta forma de comunicação pode não permitir a troca de uma mensagem a uma distância
tão grande quanto as mensagens sonoras, mas tem a vantagem acrescida de permitir que
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UNIDADE I │ AQUISIÇÃO DE LINGUAGEM OU AQUISIÇÃO DE LÍNGUA
Para além de utilizarem o odor das suas fezes e urina para marcar o território, ou para
criar um odor corporal característico e diagnóstico de cada indivíduo, muitos animais,
incluindo diversas espécies de antílopes, estão dotados de glândulas produtoras
de substâncias de odor intenso. Sabe-se que é através do odor que muitos animais
reconhecem quando é que o parceiro está receptivo para acasalar e pensa-se que alguns
antílopes libertem determinados odores em situações de perigo, lançando um sutil alerta
que provavelmente só será entendido pelos seus pares. Alguns antílopes têm também
glândulas nas patas, que deixam no terreno o rasto da passagem de cada indivíduo.
Mais uma vez, não são só os animais superiores que recorrem a estas estratégias. As
formigas, em caso de ataque ao formigueiro, lançam feromonas como quem soa um
alarme, ao qual as demais acorrem imediatamente em socorro.
Embora a maior parte das manifestações de comunicação animal ocorram entre indivíduos
da mesma espécie, elas também se podem dar entre espécies muito diferentes. Nestes
casos, aquilo que acontece frequentemente é que uma espécie em aparente desvantagem
tenta enganar outra que a ameaça. Exemplos deste caso acontecem com determinadas
espécies de aves, que simulam estar feridas para distrair uma potencial ameaça das suas
crias ou ovos. Também algumas aves imitam o canto de um predador para afastar intrusos
ou eriçam as penas para parecerem maiores do que na realidade são.
Se prestarmos atenção ao mundo que nos rodeia, ao canto das aves, ao coaxar das rãs,
ao odor dos mamíferos e ao zumbir dos insetos, mesmo que não saibamos o significado
das mensagens, poderíamos aperceber da quantidade de mensagens e da dimensão
da comunicação que permanentemente ocorre no mundo natural. Afinal, aquilo que
promove a comunicação entre os animais silvestres não é assim tão diferente do que
nos motiva a fazê-lo com os nossos pares. Como diz o ditado: “conversando é que a
gente se entende.”
Disponível em: <http://naturlink.sapo.pt/>. Acesso em 28 mar. 2015. (adaptado)
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CAPÍTULO 2
Propriedades das línguas humanas
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UNIDADE I │ AQUISIÇÃO DE LINGUAGEM OU AQUISIÇÃO DE LÍNGUA
relação implícita, é como no caso das onomatopeias (auau, miau, cocoricó, tic-tac);
de topônimos (Belo Horizonte, São Paulo, Bonito); de vocábulos derivados (presídio,
jogador, ex-mulher) ou compostos (aguardente, girassol, pé de moleque). Contudo,
esses casos não configuram argumentos definitivos contra a arbitrariedade do signo,
tendo em vista que as onomatopeias também variam de idioma para idioma e que os
demais casos podem ser considerados como um emprego de um nome já existente, pois
a grande maioria dos vocábulos primitivos são nomeados arbitrariamente. Assim, não
há nenhuma relação inerente entre a entidade mulher e a cadeia de sons que formam o
nome mulher, em português; porém, uma vez convencionado o rótulo mulher para essa
entidade, os falantes passam a criar novas palavras relacionadas ao vocábulo mulher:
ex-mulher, mulherengo, mulherada etc.
O caráter discreto da língua abre espaço para mais duas propriedades cruciais: dupla
articulação e criatividade. A dupla articulação da linguagem refere-se justamente à
natureza das unidades discretas que organizam a língua. Basicamente, as línguas se
estruturam em dois níveis articulatórios. A primeira articulação, nível morfológico,
é formada por unidades significativas, os morfemas. Já a segunda articulação, nível
fonológico, é formada pelos fonemas, unidades desprovidas de significado. A título
de ilustração, se tomarmos os fonemas [a], [o], [m] e [r], produziremos um conjunto
razoável de vocábulos em português (amor, mora, ramo, Roma, Omar), que por sua vez,
são compostos por morfemas.
Quanto à criatividade, não se trata do sentido lúdico da palavra, mas sim do ineditismo
na produção e na compreensão de sentenças articuladas pelos falantes. A criatividade
linguística está presente não somente na formação de sentenças, mas também na
formação de unidades menores, como os morfemas, por exemplo, e na invenção de
palavras novas, nunca ouvidas antes, desde que esses novos vocábulos obedeçam às
regras gramaticais próprias da língua, de modo que a criatividade nutre-se do fato de a
língua ser um sistema combinatório discreto.
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UNIDADE I │ AQUISIÇÃO DE LINGUAGEM OU AQUISIÇÃO DE LÍNGUA
O cachorro que mordeu o gato que comeu o rato que foi envenenado
passa bem.
3 Dado retirado de DUARTE, I. “Uso da Língua e Criatividade”. In Fonseca, Duarte e Figueiredo (eds.): A linguística na
formação do professor de português. Porto: Centro de Linguística da Universidade do Porto, 2001.
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AQUISIÇÃO DE LINGUAGEM OU AQUISIÇÃO DE LÍNGUA │ UNIDADE I
7. A Júlia disse que a vizinha disse que o menino que a Maria ama chegou.
8. O Pedro perguntou se a Júlia disse que a vizinha disse que o menino que
a Maria ama chegou.
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UNIDADE I │ AQUISIÇÃO DE LINGUAGEM OU AQUISIÇÃO DE LÍNGUA
Para chegar a tal descoberta, pesquisadores sequenciaram o DNA de uma família que
apresentava diversos casos de um distúrbio que afeta apenas a linguagem, chamado
specific language impairment (SLI) - em português, déficit especificamente linguístico,
DEL. O DEL, na verdade, abrange diversos tipos de distúrbios de linguagem. O que
todos têm em comum é o fato de não estarem associados a nenhum outro problema
de “inteligência”. Para o diagnóstico do DEL, são descartados problemas neurológicos,
motores, auditivos. Apenas a linguagem parece estar afetada. Outra característica do
DEL é que os casos dificilmente ocorrem em indivíduos isolados. Eles se repetem numa
mesma família e são mais comuns em gêmeos idênticos (originados de um mesmo
embrião, se desenvolvem na mesma placenta) do que em gêmeos fraternos (originados
de embriões diferentes, se desenvolvem em placentas diferentes), sugerindo a atuação
de um componente hereditário.
Desde 1990, uma família que apresenta diversos casos de DEL vem sendo estudada. Em
1998, os mesmos pesquisadores do artigo da Nature já haviam relacionado o distúrbio
com um pequeno segmento do cromossomo 7. Mas somente agora, com a descoberta
de um indivíduo que não pertence à família, mas que apresenta exatamente as mesmas
dificuldades com a linguagem, a relação pôde ser confirmada, e mais: identificou-se o
gene envolvido no tal pedacinho do cromossomo 7. O “gene da linguagem” chama-se
FOXP2.
Mas será mesmo que apenas um gene, tão pequenininho, é capaz de ser responsável
pela linguagem? Seguindo este raciocínio, dá pra separar linguagem do resto da
inteligência? O que é a linguagem sozinha, só a forma, sem o conteúdo? Como falar de
linguagem sem falar do conteúdo que expressamos por meio dela? E como pode o gene
afetar só a linguagem sem afetar a inteligência?
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AQUISIÇÃO DE LINGUAGEM OU AQUISIÇÃO DE LÍNGUA │ UNIDADE I
Se, de fato, o gene estiver relacionado à nossa faculdade da linguagem, seria mais uma
forte evidência para a especificidade dessa habilidade humana, ou seja, uma forte
evidência para uma independência entre linguagem e “inteligência”.
Para pensar se isto é possível ou não, é preciso esclarecer o que estamos chamando de
linguagem, pois este é um termo abrangente, que permite diferentes interpretações.
Num sentido amplo, linguagem pode ser entendida como o conjunto de habilidades
que nos permite produzir e compreender enunciados.
Não é preciso ser nenhum especialista para perceber que a linguagem humana é
composta por pelo menos:
Mas as diferenças entre estes dois grupos vão mais além. Para os pesquisadores
do primeiro grupo – o dos componentes inseparáveis – nasceríamos com um
mecanismo cognitivo geral, com um mecanismo geral de aprendizagem. A partir
do momento em que somos expostos aos dados (ou informações) do meio externo
– com características linguísticas, matemáticas, espaciais, visuais, musicais, por
exemplo – formamos diferentes “subsistemas” cognitivos, isto é, vamos separando
as diferentes partes da nossa “inteligência”. Mas, por trás destes sistemas, estaria
um mecanismo cognitivo geral – e por isso chamaremos este grupo de generalistas.
Este entendimento da cognição humana tem origens na teoria piagetiana de
desenvolvimento, segundo a qual todos os domínios da cognição estão intimamente
vinculados, e são dependentes de um mecanismo geral de aprendizagem, de natureza
provavelmente lógico-matemática.
21
UNIDADE I │ AQUISIÇÃO DE LINGUAGEM OU AQUISIÇÃO DE LÍNGUA
Por outro lado, para os pesquisadores do segundo grupo, não nasceríamos com um
mecanismo geral de inteligência. Ao menos no que se refere à linguagem. Todos os seres
humanos nasceriam com determinadas expectativas do que são e de como funcionam as
línguas humanas; nasceríamos com um mecanismo inato para adquirir linguagem, sem
qualquer esforço, sem que precisemos atuar cognitivamente sobre o objeto “língua”.
Esta posição, que ficou conhecida como hipótese inatista da linguagem, foi formulada
inicialmente em 1959 pelo linguista Noam Chomsky.
A descoberta do gene FOXP2, que seria o “gene da linguagem”, coloca mais lenha na
fogueira da discussão: será que descobrimos a prova de que a linguagem é definida
geneticamente? E, assim, poderíamos falar em mecanismos inatos exclusivos para a
linguagem?
Ao que tudo indica os problemas que pessoas com DEL apresentam não abrangem
todos os aspectos da linguagem, apenas alguns. E, de fato, dificilmente o tal gene
envolvido na linguagem se refere a todos os seus aspectos. Isto porque esta é uma
função muito importante e complexa, e seria pouco lógico que um, e apenas um gene
fosse responsável por tudo. É mais provável que funções complexas como a linguagem
sejam consequência de complicadas interações genéticas.
22
CAPÍTULO 3
Faculdade humana de linguagem e
aquisição de língua
Há uma série de evidências a favor da existência de uma FL, dentre elas, a mais
abrangente é pensar que em todos os lugares e em todos os tempos, o ser humano
é capaz de adquirir uma língua (salvo os casos de patologias graves). Considerar que
o aparato mental da linguagem encontra-se pronto na mente do indivíduo à espera
de estímulos externos ajuda-nos a compreender como a criança domina em tão pouco
tempo e com tamanha naturalidade um sistema tão complexo como a língua. Além
disso, se a linguagem fosse um mero comportamento socialmente condicionado, como
se explicariam os casos de criação de neologismos ou sentenças nunca ouvidas antes
pela criança?
5 Programa de investigação científica postulado pelo renomado linguista norte-americano Avram Noam Chomsky desde o final
da década de 1950 e aperfeiçoado atualmente sob sua versão mais recente, denominada Programa Minimalista. A Faculdade
de linguagem é um dos alicerces de toda teoria chomskyana.
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UNIDADE I │ AQUISIÇÃO DE LINGUAGEM OU AQUISIÇÃO DE LÍNGUA
De fato, a FL é concebida como um órgão físico do organismo humano tal qual a visão,
o coração, o pulmão e o rim. Sendo assim, o processo de aquisição de língua ocorre de
forma análoga ao crescimento desses órgãos, isto é, de maneira inevitável, espontânea e
uniforme: “é algo que acontece com a criança e não algo que a criança faz” (CHOMSKY,
1998, p.23). Contudo, tudo indica que não há uma localização precisa do órgão da
linguagem no cérebro, pois tal órgão teria suas funções “espalhadas” pela cognição.
A ocorrência das afasias, distúrbios caracterizados por afetar apenas a linguagem,
mantendo o restante da cognição ilesa, corrobora a concepção de FL como um órgão
que existe não só virtualmente, mas que encontra alguma correspondência cerebral.
Figura 1.
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AQUISIÇÃO DE LINGUAGEM OU AQUISIÇÃO DE LÍNGUA │ UNIDADE I
Mas os estudos não pararam por aí. Os estudiosos ainda descobriram que:
A partir desses três elementos (as duas áreas e o feixe arqueado), compôs-se um modelo
com base no qual é possível prever a diferenciação de vários tipos de afasia, que,
conforme Aroux (p. 234), a “unidade com a qual a linguagem se nos apresenta em seu
funcionamento normal pode encontrar-se totalmente desorganizado pelos processos
afásicos”.
Assista ao vídeo sobre Afasia de Broca, o caso de Sarah Scott, disponível em:
<https://www.youtube.com>
Assista também à palestra da Profa Dra Maria Irma Hadler Linguagem, afasia,
cérebro e mente, disponível em: <https://www.yutube.com>
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AQUISIÇÃO OU
APRENDIZAGEM DE UNIDADE II
LÍNGUA?
CAPÍTULO 1
Período crítico
Durante o chamado período sensível (ou período crítico) para a aquisição de língua,
a criança apresenta extrema facilidade para adquirir línguas. A hipótese do período
crítico ajuda a compreender por que a aprendizagem de uma segunda língua, L2, fica
mais dificultosa com o tempo.
26
AQUISIÇÃO OU APRENDIZAGEM DE LÍNGUA │ UNIDADE II
Além disso, não há um consenso entre os estudiosos acerca da duração do período crítico
para aquisição de língua. Lenneberg (1967), precursor da hipótese do período crítico
para aquisição de línguas (HPC), defende que esse período se esgote até a puberdade
(por volta de 10-12 anos), idade correspondente à lateralização hemisférica cerebral; já
Penfil e Roberts (1959) defendem o limite de nove anos. Lenneberg (1967) também é
um dos poucos a estabelecer um período de início para o período crítico, por volta dos
dois anos. No entanto, as pesquisas mostram que o início do processo de aquisição com
o reconhecimento dos sons da língua materna ocorre mesmo antes do nascimento, na
vida intrauterina.
De qualquer forma, parece não haver uma idade limite precisa e uniforme entre
todas as pessoas para aquisição de língua. Por outro lado, a finalização de tal período
(seja ele qual for), diferentemente da abordagem biológica, não exclui totalmente a
possibilidade de desenvolvimento dessa capacidade, haja vista a aprendizagem de L2
na vida adulta. Nota-se que nesses casos, mesmo diante de altos níveis de proficiência
dos falantes de L2, o conhecimento da língua-alvo pelo aprendiz não se equipara ao de
um falante nativo, nos diversos domínios da língua: prosódia, sotaque, léxico, sintaxe
e pragmática. Esse aspecto antecipa a oposição que faremos entre aquisição de L1 e
aprendizagem de L2.
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UNIDADE II │ AQUISIÇÃO OU APRENDIZAGEM DE LÍNGUA
A fim de verificar algumas evidências a favor do período crítico, bem como o modo
como ele se desenrola, contrastaremos a seguir o fenômeno no âmbito da visão e da
aquisição de língua.
Assim como o órgão da visão necessita de estímulos externos, no caso a luz, para que
se desenvolva, o órgão de linguagem (FL, conforme a metáfora anatômica) precisa de
dados da língua para que possa desabrochar.
Os casos de isolamento linguístico infantil estudados até então pela ciência são
raríssimos, pois não configuram o cenário corriqueiro de exposição à língua materna (o
comum é que a criança esteja inserida no convívio social, de onde recebe os estímulos
sonoros e visuais necessários para a aquisição desde a tenra idade), porém, fornecem
algumas considerações relevantes acerca do período crítico no âmbito da linguagem.
Observou-se alguns padrões em relação à idade em que as crianças foram expostas aos
dados de língua e o período em que permaneceram isoladas linguisticamente, sem a
presença de estímulos para aquisição:
28
AQUISIÇÃO OU APRENDIZAGEM DE LÍNGUA │ UNIDADE II
Sobre o isolamento linguístico de indivíduos e a exposição tardia aos dados, Lima Junior
(2013) destaca que “até hoje não foi registrado um caso sequer de um indivíduo que
não conseguisse adquirir nada de uma L1 ou L2 por ter começado em certa idade”.
Embora haja desenvolvimento de linguagem mesmo após o período crítico, é necessário
considerar que aprender parte de uma língua mediante instrução é totalmente diferente
do que se entende por aquisição de língua. Não existe aquisição parcial de L1, a criança vai
adquirindo a língua em sua totalidade, com exceção dos aspectos pragmáticos e lexicais
– se é que tais aspectos podem ser encarados como concernentes à aquisição. Segundo o
autor, a pragmática é adquirida principalmente durante a adolescência e o adulto “adquire
novas funções linguísticas de acordo com as necessidades sociais e profissionais, como
funções para entrevistar, vender, negociar, falar em público, supervisionar o trabalho de
outros, criticar, ensinar, aconselhar e instruir” (2013, p. 237). Além disso, o léxico é um
componente da língua é suscetível à expansão/aquisição em qualquer idade.
6 Sentenças QU são aquelas que possuem palavras como que, quem, qual, quando, onde, cujo. A expressão QU vem do inglês
WH, que designa pronomes como what, who, when, where, whose. Sentenças encaixadas são as chamadas, na gramática
normativa da língua portuguesa, orações subordinadas adjetivas ou orações relativas.
29
UNIDADE II │ AQUISIÇÃO OU APRENDIZAGEM DE LÍNGUA
Todavia, o período crítico para aquisição de língua deve ser analisado com ponderação,
uma vez que os casos empíricos, que servem de evidência para sua postulação, são
episódios extremos, em que variáveis sociais, emocionais e psicológicas concorrem
de modo a impedir conclusões categóricas sobre a origem das dificuldades de
aquisição após um período biologicamente definido, como alerta Lima Junior (2013,
p. 235): “Os dados ainda não são suficientemente numerosos e controlados para uma
generalização tão forte que determine a idade X ou Y como sendo o limite final para
aquisição de L1.”
30
AQUISIÇÃO OU APRENDIZAGEM DE LÍNGUA │ UNIDADE II
O milagre de Anne Sullivan (1962), baseado na história real de Hellen Keller e sua
professora Anne Sullivan.
31
CAPÍTULO 2
Input linguístico
Primeiramente, por mais variado que seja o input, jamais será suficientemente rico a
ponto de fornecer todas as possibilidades que o sistema linguístico apresenta frente
à capacidade de interpretar e produzir enunciados novos que o falante adquire. Nas
palavras de Chomsky (1998, p. 23): “A criança conhece imensamente mais do que a
experiência provê.”
Isso quer dizer que ao adquirir a língua materna, a criança ouve (ou visualiza, no caso
das línguas de sinais) muitos dados de língua, geralmente oriundos de fontes diversas,
mas não há garantias de que esses dados contenham todo tipo de estrutura presente na
língua. Observe o exemplo de GR e Silva (2014, p.73):
Será que nós ouvimos alguma vez na nossa infância uma sentença
relativa que tivesse a cabeça ocupando a posição de um complemento
preposicional (isto é, o objeto indireto) na frase matriz, mas fosse o
complemento de um nome na sentença encaixada? Seria alguma coisa
como “minha vizinha gostava da praça que eu tinha uma baita visão lá
da minha janela”. Será? Pode ser que sim, pode ser que não. Não há
como garantir.
Sendo assim, no caso de a criança não ter recebido input com esse tipo de estrutura, essa
ausência não configura impedimento para que tal tipo de sentença possa ser processada
e até mesmo produzida por um falante nativo. Na verdade, a criança tem acesso a uma
amostra de língua e não à sua totalidade. Por isso, o input também é caracterizado
como incompleto ou fragmentado.
32
AQUISIÇÃO OU APRENDIZAGEM DE LÍNGUA │ UNIDADE II
sua vez, podem inclusive não conter a informação necessária para a dedução da regra
em questão. Apesar disso, a criança faz inferências das regras inerentes ao sistema
linguístico a partir desse corpus fragmentado e incompleto, aplicando-as e utilizando a
língua em sua plenitude.
Por fim, o input se caracteriza por ser desorganizado, no sentido em que os dados
são disponibilizados sem nenhum cuidado ou tratamento prévio que possa facilitar a
aquisição, como ocorre no aprendizado formal de L2, por exemplo. Quando aprendemos
uma língua estrangeira num curso de idiomas, geralmente o material didático e a
metodologia empregada são pensados de modo a apresentar os dados de maneira
organizada, numa escala crescente de complexidade. Porém, na aquisição de L1 ocorre
o processo inverso.
Por vezes, alega-se que a linguagem dirigida à criança (doravante LDC) ou o “maternês”,
como é conhecido popularmente, é uma tentativa de organizar o input linguístico. Essa
forma de interação entre o adulto (em especial a mãe, daí a origem do nome) e a criança
apresenta uma série de particularidades, algumas delas são:
33
UNIDADE II │ AQUISIÇÃO OU APRENDIZAGEM DE LÍNGUA
Um último fator a considerar sobre a forma particular empregada pelos adultos para
se comunicar com a criança é a correção. Em geral, quando a fala da criança apresenta
algum impropério, o adulto a repreende, induzindo a repetição do enunciado de forma
correta. Acontece que essa correção tem pouca influência sobre a aquisição, pois a
criança é indiferente à correção. Além disso, os pais concentram sua atenção muito mais
no conteúdo do que na forma; quando muito, fazem correções esporádicas, relativas à
norma culta. Para ilustrar o que estamos dizendo, iremos relatar uma anedota sobre a
reação da criança diante da correção no período de aquisição de L1:
» Criança: - Fazeu.
» Criança: - Fiz.
34
AQUISIÇÃO OU APRENDIZAGEM DE LÍNGUA │ UNIDADE II
Em última instância, pode-se constatar que a aquisição não é uma atitude consciente
da criança, mas uma “fatalidade”, ou seja, algo inevitável. Assim, mesmo a ausência de
uma linguagem especial para se comunicar com a criança – LDC – ou ainda, a total falta
de interação direta com ela, não impediriam o processo de aquisição. Somente algum
distúrbio cerebral muito grave ou a privação do convívio em sociedade e o consequente
isolamento linguístico durante o período crítico impedirão o curso natural da aquisição,
ainda assim, como vimos na seção anterior, é possível que o indivíduo supere o trauma
neste último caso e consiga desenvolver suas capacidades linguísticas.
Contudo, o fator decisivo que permite a identificação do input como pobre, mais do que
a degradação, a desorganização e a fragmentação, é a ausência de evidência negativa.
De fato, o falante nativo que se encontra num estágio estabilizado do conhecimento
linguístico não produz estruturas agramaticais, isto é, má formadas. Dito de outra
forma, um adulto, que já passou da fase de aquisição de língua, não gera sentenças não
previstas pelas regras da L1. Lembre-se de que para todos os efeitos, o tipo de regra a que
estamos nos referindo são regras inerentes à própria língua e não regras normativas;
tampouco, regras ortográficas. Regras do primeiro tipo podem ser comparadas às leis
da física, as quais são leis impostas pela própria natureza, como a lei da gravidade;
não são artifícios estipulados pelo homem para regular o que é certo ou errado na
natureza; enquanto as regras normativas assemelham-se a um manual de etiqueta, pois
estabelecem o que é adequado ou não, dependendo de com quem, onde, como e quando
se fala. Já as regras ortográficas são ainda menos permissivas que as normativas, pois
têm caráter imanentemente arbitrário, isto é, obedecem à convenção.
Sendo assim, a ausência de evidência negativa é concebida pelo fato de que o falante
nativo sabe intuitivamente o que é possível ou não em sua língua materna. Ele sabe
intuitivamente porque as estruturas impossíveis não são produzidas pelos falantes e
porque essa informação não lhe é dada via instrução. Um exemplo trivial para explicitar
esse conhecimento intuitivo do falante nativo em relação à sua língua, também
conhecido como competência linguística, é a ordem dos constituintes no interior do
sintagma nominal. O artigo ocupa uma posição fixa em relação ao substantivo. Essa é
uma regra imanente da língua, pois é assim que a língua é, é assim que a língua funciona.
Não recebemos instrução formal sobre essa regra até o início do ensino fundamental, o
que ocorre por volta dos 7 anos; no entanto, qualquer criança desde muito cedo, com 2
ou 3 anos, é perfeitamente capaz de produzir os sintagmas “a boneca” ou “o carrinho”
sem hesitação com relação à posição do artigo. E mais, diante das estruturas hipotéticas
“boneca a” e “carrinho o”, qualquer falante reagirá com estranhamento, pois são
estruturas impossíveis, inexistentes na língua, ou simplesmente, agramaticais. Observe
o esquema a seguir, em que o símbolo * indica as estruturas agramaticais:
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UNIDADE II │ AQUISIÇÃO OU APRENDIZAGEM DE LÍNGUA
1. a boneca
2. o carrinho
3. *boneca a
4. *carrinho o
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AQUISIÇÃO OU APRENDIZAGEM DE LÍNGUA │ UNIDADE II
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UNIDADE II │ AQUISIÇÃO OU APRENDIZAGEM DE LÍNGUA
Finalizaremos esta sessão nos valendo mais uma vez de uma metáfora proposta por
Chomsky, nas palavras de Grolla e Silva (2014, p. 82), a fim de explicar o papel do input
e a evidência de um dispositivo genético de linguagem inato ao ser humano:
Se você plantar uma margarida, é preciso que ela receba água e sol e
que a terra tenha nutrientes suficientes para que ela se desenvolva; mas
o que vai nascer ali, de acordo com o código genérico da semente que
você plantou, é uma margarida, não uma rosa. [...] sem as condições
mínimas, não vai nascer nada ali; mas se nascer, pode apostar que é
margarida! Ou seja, não e porque a linguagem é inata que ela vai se
desenvolver automaticamente. Da mesma forma que a semente da
margarida precisa de terra, água e sol para se desenvolver e se tornar
uma margarida, assim também a linguagem precisa de um input para
se desenvolver na criança. Apenas a parte inata não é suficiente. Ela é
condição necessária, mas não suficiente para que a aquisição ocorra.
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CAPÍTULO 3
Propriedades da aquisição de língua
Nesta sessão, iremos tratar das propriedades gerais que definem o processo de aquisição
de língua, oferecendo especial enfoque aos aspectos distintivos entre aquisição e
aprendizagem de língua.
Ainda que a aquisição seja universal, sabemos que esse processo é desencadeado
pelo input, como vimos na sessão anterior. Ora, tomando a diversidade do input,
quanto à qualidade e à frequência dos estímulos a que as crianças são expostas nas
distintas culturas, a aquisição revela uma faceta uniforme. Enquanto algumas culturas
superestimam a interação com a criança, outras, não dão tamanho destaque a tal
interação; em outras culturas ainda, o adulto sequer fala diretamente com as crianças.
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UNIDADE II │ AQUISIÇÃO OU APRENDIZAGEM DE LÍNGUA
A essa altura da discussão, a pergunta que não quer calar é: “por que então, a aquisição
não é espontânea?”, ou mais especificamente, “por que ainda leva cerca de 4 anos
para que a aquisição se conclua, se a trilha para aquisição já está pré-programada
no indivíduo?” Primeiramente, por questões óbvias, que envolvem a anatomia do
sistema articulatório, a aquisição não poderia ser espontânea. Adicionalmente, como
já vimos, a aquisição depende de input como mecanismo disparador. Grolla e Silva
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AQUISIÇÃO OU APRENDIZAGEM DE LÍNGUA │ UNIDADE II
(2014) apontam as duas propostas para responder a essas perguntas. Grosso modo, a
visão maturacionista defende que o conhecimento linguístico forma-se com o tempo.
Obedecendo a uma espécie de cronograma de maturação, uma regra seria pré-requisito
para a maturação de outra. Enquanto a visão continuísta defende que o conhecimento
linguístico já está totalmente pronto na mente do indivíduo desde o nascimento à espera
da aquisição dos itens lexicais e do desenvolvimento cognitivo.
Kato (2005) delimita o termo aquisição para L1 e aprendizagem para L2. Ao analisarmos
as características específicas desses dois processos, elencadas pela autora, constatamos
que se trata de ações quase opostas.
A aquisição de L1 é:
» biologicamente determinada;
» socialmente motivada;
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UNIDADE II │ AQUISIÇÃO OU APRENDIZAGEM DE LÍNGUA
Já vimos também que a aquisição é favorecida por um período crítico, que se inicia
desde o nascimento e continua até a puberdade. Existem várias evidências a favor do
período crítico, pois após esse período, embora ainda haja possibilidade de desenvolver
linguagem, geralmente essa linguagem se encontra extremamente comprometida,
levando-nos a cogitar se nesses casos chamados de “aquisição tardia”, há realmente
aquisição, ou se há uma espécie de treinamento ou condicionamento, talvez nem
mesmo aprendizagem. Uma vez motivada socialmente, a aprendizagem de uma língua
estrangeira costuma ocorrer fora do período crítico, assim, não basta apenas input para
“ativar” o processo de aquisição, mas o emprego de uma metodologia e de uma seleção
de input para propiciar a fluência.
Por sua vez, a aprendizagem é consciente, pois a atenção do indivíduo a cada detalhe é
importante para sua proficiência na pronúncia, na sintaxe e na pragmática do idioma.
O falante na posição de aprendiz de segunda língua é capaz de regular seu aprendizado
por meio do tipo de input a que tem acesso, aumentando não só a quantidade quanto
a qualidade do input, por meio de recursos adicionais. O aprendiz pode, por exemplo,
mudar o idioma do laptop ou do celular para a língua-alvo a fim de se habituar à língua,
contratar aulas particulares, frequentar um curso intensivo, assistir a filmes estrangeiros
sem legenda, interagir em um chat com pessoas de diversas naturalidades etc. Tudo isso
é possível porque há clareza do aprendiz quanto aos seus objetivos e ao seu grau de
conhecimento do idioma. Portanto, em se tratando de L2, quanto mais input, melhor.
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AQUISIÇÃO OU APRENDIZAGEM DE LÍNGUA │ UNIDADE II
Além disso, a qualidade desse input, sem dúvida, importa. Para se tornar proficiente
em inglês, por exemplo, não basta se contentar com o input do dia a dia, presente nos
aparelhos digitais, nos jogos on-line ou em filmes legendados. A quantidade, aliada à
frequência, a atenção e ao empenho do indivíduo acelerarão o processo, mas mesmo
assim, promessas de fluência em poucos meses não passam de ilusão. Lembremo-nos
de que a qualidade ou quantidade de input tem relevância mínima na aquisição, já
que este tem um papel disparador nesse processo, pois a aquisição é um fenômeno
uniforme.
O último ponto de contraste elencado pela autora refere-se ao tipo de evidência presente
em cada um dos processos. Enquanto na aquisição não há evidência negativa e nem
poderia haver, uma vez que os falantes nativos adultos que fornecem o input à criança
produzem apenas estruturas gramaticais; na aprendizagem de língua estrangeira, além
da evidência positiva, por vezes, o professor encarregado produz estruturas agramaticais
propositalmente com objeto pedagógico, ou mesmo em exercícios de fixação, é comum
a presença de evidência negativa.
Para finalizar esta sessão, adotaremos a tese de Kato (2005) de que a aquisição da escrita
é como a aquisição de segunda língua, já que ambas são caracterizadas pelos mesmos
fatores: socialmente motivadas e, por conseguinte, processos conscientes; aprendizagem
iniciada após o período crítico; presença de evidência negativa e vagarosidade.
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COMO OCORRE A UNIDADE III
AQUISIÇÃO?
CAPÍTULO 1
Como não ocorre a aquisição
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COMO OCORRE A AQUISIÇÃO? │ UNIDADE III
Todavia, no senso comum, a visão mais difundida de como a criança aprende a falar alega
que a aquisição ocorre por imitação. Porém, basear todo o conhecimento linguístico
na imitação é uma explicação simplista – que exclui essa hipótese das plausíveis para
explicar esse processo tão complexo. Primeiramente por que a aquisição de língua pelo
ser humano é muitíssimo diferente do treinamento de um animal ao tentar falar. Um
chimpanzé ou um papagaio podem imitar a fala do humano; mas uma criança não imita
a fala do adulto, ela se baseia nessa fala e amplia infinitamente seu repertório linguístico.
Em segundo lugar, conjecturar que a aquisição ocorre por imitação é reduzir a noção do
que entendemos por língua, uma vez que a língua envolve muito mais do que léxico, é
um sistema integrado composto por operações gramaticais e um léxico. Dito de outra
forma, aquisição de língua não se restringe à repetição de palavras, ou seja, à aquisição
de léxico, já que, para este, realmente o falante é dependente da experiência para poder
ampliar seu vocabulário.
Em linhas gerais, a hipótese da imitação não se sustenta porque além de ser simplória,
é reducionista porque ignora os seguintes aspectos da linguagem da criança:
Descartando a imitação como uma hipótese plausível para a aquisição, passemos agora
a outras hipóteses sobre o fenômeno em questão.
8 Sobregeneralização ocorre quando se aplica abusivamente uma regra, acreditando que a generalização é licenciada para todos
os casos, inclusive para as exceções. Nesse caso, não se considera erro do falante, mas apenas uma interpretação equivocada do
fenômeno com base nas regras que ele já assimilou.
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CAPÍTULO 2
Hipóteses sobre aquisição
Esta hipótese apresenta várias falhas no que tange a aquisição de língua. Primeiramente,
a aquisição não é um condicionamento que se possa controlar; mais do que um
comportamento, a faculdade de linguagem (como vimos no capítulo 1) é um instinto.
Em segundo lugar, os adultos não estão monitorando a fala da criança dia e noite, 24
horas por dia, corrigindo cada “imperfeição”, elogiando cada palavra. Em terceiro lugar,
quando ocorre monitoramento, o adulto detém-se muito mais no conteúdo do que na
forma. Em quarto, felizmente, a criança não depende de correção para adquirir língua,
pois se dependesse do aval dos adultos para cada sentença que produzisse, a aquisição
seria muito mais lenta do que realmente é. Por fim, a hipótese comportamentalista
pressupõe que aprendemos a estruturar as sentenças, ouvindo e fixando a ordem dos
constituintes na oração. Assim, a sentença é vista como uma estrutura linear. Contudo,
sabemos que as relações entre os constituintes da sentença não são explicadas
linearmente, são antes de natureza hierárquica. Por exemplo, observe a sentença a
seguir:
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COMO OCORRE A AQUISIÇÃO? │ UNIDADE III
Hipótese construtivista
Essa abordagem, postulada pelo estudioso suíço da psicologia e da educação, Jean Piaget
(1896-1980), defende que a capacidade de linguagem está inserida dentre os domínios
cognitivos em geral. Assim, a linguagem aparece quando a criança supera o “estágio
sensório-motor”, por volta dos 18 meses, passando a outro estágio cognitivo, em que
sua mente já se encontra suficientemente desenvolvida para a capacidade simbólica de
representação. Deste modo, a língua seria o resultado da interação entre o ambiente e
o organismo: quando a criança atinge um estágio cognitivo em que percebe a distinção
entre o “eu” e o “outro”, começa a nomear e a interagir.
Note que essa hipótese concebe que a linguagem simplesmente aparece num
determinado estágio de desenvolvimento cognitivo da criança, mas as pesquisas
mostram que a capacidade de linguagem está presente desde a vida intrauterina. Além
disso, essa teoria parece não dar conta de dados específicos de aquisição de língua, uma
vez que, mesmo com menos interação com o ambiente, a aquisição “aflorará”.
Hipótese sociointeracionista
Enquanto a hipótese construtivista de Piaget considera a aquisição um processo
resultante da interação entre o meio e o indivíduo, a proposta do psicólogo soviético
Vygotsky (1896-1934), denominada sociointeracionista ou interacionismo social,
compreende a aquisição de língua como resultado da interação entre os indivíduos.
Martelotta (2010) relata em linhas gerais as ideias do teórico: para Vygotsky, linguagem
e pensamento têm origens genéticas distintas e esses dois extremos começam a se unir
por volta dos dois anos, antes disso, existem as fases pré-verbal relativa à linguagem e
a frase pré-intelectual relativa à inteligência prática. Ainda segundo o autor, por volta
dos dois anos, a fala da criança é egocêntrica, pois é a forma encontrada por ela de
racionalizar problemas. Com o tempo, a criança vai interagindo com outras crianças e
outros adultos e a fala egocêntrica vai se internalizando totalmente.
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UNIDADE III │ COMO OCORRE A AQUISIÇÃO?
dos dois anos. Nesses casos, seria imperativo prever que a criança que foi privada do
convívio social, ao receber input linguístico aos seis anos, por exemplo, desenvolveria
inicialmente fala egocêntrica, o que não foi constatado nas pesquisas. Além disso, a fala
egocêntrica também é bastante comum no adulto. Postular uma fase pré-intelectual
implica um raciocínio pouco desenvolvido até os dois anos; bem como a fase pré-verbal
implica que antes dela a capacidade linguística é extremamente limitada na criança.
Várias pesquisas da neurociência e da psicolinguística, desenvolvidas com metodologia
adequada e com aporte da tecnologia, demonstram que antes de falar, os bebês
apresentam capacidades cognitivas elevadas, como cálculo10.
Essa teoria, formulada pelo linguista estadunidense Noam Chomsky desde meados da
década de 1950 e até hoje constantemente revista, fundamenta-se na ideia de que o ser
humano possui uma faculdade inata de linguagem (FL) e um dispositivo de aquisição
de linguagem, também inato. Ao longo deste material, muito se tem falado sobre
“dispositivo de aquisição de linguagem” ou “estruturas genéticas pré-determinadas”.
Pois bem, o tal dispositivo de aquisição de linguagem, geneticamente determinado, é
denominado Gramática Universal (doravante GU).
A experiência age sobre o estado inicial (Sº) resultando na gramática de uma língua
particular, como o português, o francês, o alemão, o tupi etc. Conforme a criança
recebe o input de uma ou mais línguas, certos “mecanismos” da GU vão sendo ativados,
formando o conhecimento da língua. A esses mecanismos chamamos de Parâmetros.
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COMO OCORRE A AQUISIÇÃO? │ UNIDADE III
Para abordar essa questão, vamos usar aqui uma metáfora, de autoria da professora
Dra Ruth E. Vasconcellos Lopes. O problema com que a criança se defronta para frisar
o valor de um parâmetro é similar ao que nós temos quando compramos um aparelho
eletrônico (um secador de cabelo ou um micro-ondas) e vamos ligá-lo na tomada.
Normalmente tem uma chavinha no aparelho: de um lado dela está escrito “220V”,
do outro está escrito “110V”. Pode ser que a chavinha venha posicionada no meio, isto
é, nenhum dos dois valores está acionado, mas daí se a gente ligar não acontece nada,
o aparelho não funciona. Temos então que escolher uma das duas opções para poder
usar o aparelho. Qual é a voltagem na sua região? Alguém que mora na região é que
deve informar isso a você, porque só olhando pra tomada você não vai saber. Se na sua
região a voltagem é 220V, escolhendo a posição 110V seguramente você vai queimar
o aparelho (o casos contrário, isto e, ligar o aparelho 220V na tomada 110V talvez não
estrague o aparelho, mas é provável que ele simplesmente não funcione).
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UNIDADE III │ COMO OCORRE A AQUISIÇÃO?
Vejamos como essa metáfora nos ajuda a entender o problema da criança frente à
fixação de parâmetros. Não sabemos bem como estão os parâmetros logo no início
da aquisição, mas uma coisa é certa: se estão na posição neutra, nada vai funcionar!
A criança vai precisar escolher um valor para os parâmetros e isso vai depender de
qual é o input que ela tem. Em princípio, os dados que vão servir para a fixação do
parâmetro devem ser abundantes, isto é, alguém estará dizendo ao lado dela qual é a
voltagem da tomada das mais variadas formas. Um mesmo parâmetro é responsável
por diferentes propriedades, por isso, a rigor a crianças têm informações vindas de
diferentes fontes, todas convergindo com o mesmo valor. Não é muito claro se a criança
presta atenção a todas ou se existe uma delas (que chamamos de dado desencadeador
ou “trigger”) que vai ser responsável pela fixação daquele parâmetro. Uma coisa, no
entanto, é certa: essa informação tem que estar acessível bem facilmente nos dados.
Curiosamente, as crianças parecem todas prestar atenção aos dados relevantes para a
fixação do parâmetro mais ou menos na mesma época.
Fragmento extraído de: GROLLA, E.; SILVA, M.C.F. Para conhecer: aquisição de
linguagem. São Paulo: Contexto, 2014. pp. 87-88. (com adaptações)
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COMO OCORRE A AQUISIÇÃO? │ UNIDADE III
Crianças de dois a três anos e meio de idade começam a produzir sujeitos nulos
(SN’s), mesmo em línguas que marcam esse parâmetro negativamente, como o inglês,
o francês e o alemão. (ORFITELLI; HYAMS, 2012). Em línguas não pro-drop (cujo
sujeito tem que ser necessariamente preenchido) como estas, há contextos específicos
que permitem o uso do nulo, como o imperativo no inglês, por exemplo, mas os sujeitos
nulos produzidos pelas crianças da faixa etária em questão ocorrem em contextos em
que essa estrutura não é marcada positivamente na língua. Conforme vimos no subitem
anterior, uma explicação para este fenômeno seria a fixação de parâmetros por trigger:
até os três anos e meio de idade, em média, o parâmetro do sujeito nulo ainda não
estaria marcado, por isso o uso dessa estrutura em línguas não pro-drop; a partir da
fase em que esse parâmetro é marcado, então a criança começa a produzir nulos apenas
nos contextos em que eles são licenciados na língua em questão, se for o caso.
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CAPÍTULO 3
Métodos e técnicas da pesquisa em
aquisição
Cabe ressaltar que a capacidade humana da linguagem está presente antes mesmo do
nascimento. Pesquisas nessa área comprovam que já no último trimestre da gestação, o
feto demonstra habilidades de percepção dos contornos prosódicos, graças à maturidade
do sistema auditivo, outrora incapaz de captar certos sons por conta do barulho no
meio intrauterino; a essa altura, encontra-se suficientemente preparado para distinguir
os estímulos linguísticos dos demais estímulos sonoros. Tais pesquisas utilizam como
metodologia o monitoramento da reatividade cardíaca do feto à mudança de sons por
meio de um alto-falante colocado na barriga da mãe.
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COMO OCORRE A AQUISIÇÃO? │ UNIDADE III
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UNIDADE III │ COMO OCORRE A AQUISIÇÃO?
Conhecimento e biologia
Miriam Lemle
Como uma primeira informação sobre o tema a ser tratado, cabe dizer que nem tudo
aquilo que sabemos é aprendido — se entendermos ‘aprender’ na acepção de “tomar
conhecimento”, ou “reter na memória, mediante o estudo ou a observação”, como
consta do Dicionário Aurélio.
11 Veja também o exemplo do dado (1) no primeiro capítulo, que contém apenas pseudopalavras: “A estrumpfina estrumpfcovou
os estrumpfelos estrumpfdosos.”
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COMO OCORRE A AQUISIÇÃO? │ UNIDADE III
Um exemplo disso é a descoberta de que os bebês nascem sabendo contar até três e
somar um e subtrair um, desde que a quantidade envolvida na operação não ultrapasse
três. Esses estudos basearam-se na medição do nível de atenção que o bebê manifesta
na observação visual. Os pesquisadores usaram dois instrumentos: uma filmadora, para
medir o tempo de fixação do olhar, e uma chupeta ligada por um fio a um aparelho que
registra velocidade e intensidade dos movimentos da boca — os bebês sugam a chupeta
depressa e com força se estão interessados, e devagar e fracamente se entediados.
No estudo, um bebê de dois meses fica diante de uma mesa onde há um pequeno palco.
Dois bonecos são postos no palco e, em seguida, ocultos por uma tela. Observado pelo
bebê, um pesquisador põe a mão atrás da tela e retira um dos bonecos. Sai a tela, e o
bebê vê que sobrou apenas um. Como dois menos um é igual a um, o bebê identifica a
operação como “óbvia e pouco interessante”, e suga a chupeta de modo lento e fraco. Em
outra sessão, o pesquisador tira um boneco de trás da tela, mas, quando esta é afastada,
veem-se dois bonecos no palco, e a chupeta move-se de maneira afobada e forte. É
como se o bebê pensasse: “Dois menos um dá dois? Muito estranho…” As pesquisas
revelaram que os bebês de um a três meses sabem a tabuada de somar e a de diminuir.
Ficam frios se o resultado esperado é confirmado e agitados quando isso não acontece.
Acontece que os bebês adoram ouvir vozes humanas, mas seu interesse é maior por
sons variados. Sons repetidos logo se tornam entediantes. No estudo, uma voz, saída
de um gravador colocado próximo ao bebê, diz a sílaba [ba], e o bebê suga fortemente
a chupeta, como se dissesse: “Interessante!” Se a sílaba é repetida, o bebê mostra tédio:
“Isso perdeu a graça”. Dada outra sílaba, [pa], a chupeta é reanimada. “Isso é novidade”.
Depois ele ouve: [fa]. Chupeta ativada de novo. Muitos testes desse tipo evidenciam que
a repetição de sons provoca sucção fraca (tédio) e sons diferentes levam a sucção forte
(interesse), e que os resultados não são afetados pela origem étnica ou a raça do bebê.
Todos os bebês de até três meses revelaram-se foneticistas exímios, interessando-se
por sons com um possível valor fonológico distintivo em qualquer língua do mundo.
Entre três e quatro meses de idade, porém, há uma mudança notável: a acuidade auditiva
se estreita e os bebês só continuam a notar os contrastes entre sons que sejam funcionais
na língua falada pelos que os cercam. Perdem a capacidade de reconhecer contrastes
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UNIDADE III │ COMO OCORRE A AQUISIÇÃO?
Módulos pré-programados
Outro campo de pesquisa sofisticado, que usa bebês e crianças bem pequenas como
cobaias, é a análise do estímulo visual. De que aspecto da percepção visual, por exemplo,
um bebê extrai a noção de “objeto”? De uma silhueta, da homogeneidade na cor e
textura ou do movimento conjugado das partes? A busca das respostas é baseada, mais
uma vez, na medição do interesse. Uma percepção já esperada, portanto óbvia, provoca
tédio, enquanto uma visão inesperada atrai a atenção.
Outra noção de física que os bebês já trazem ao nascer é a de que os objetos não podem
interpenetrar-se: um painel que cai sobre um cubo não pode atravessá-lo, objetos não
passam através de paredes, nem por orifícios pequenos demais, e um objeto move-se em
uma trajetória contínua, não podendo sumir em um ponto e reaparecer em outro. Isso
fica claro em estudos que usam duas cortinas dispostas lado a lado, com uma brecha
entre elas: se um objeto inicia uma trajetória à esquerda das telas e some atrás delas,
e um objeto idêntico sai à direita das telas, sem ter sido visto passando pela brecha, o
bebê assumirá que existem dois objetos, e ficará surpreso se, retiradas as cortinas, só
achar um. Se, ao contrário, o objeto for visto passando pela brecha, o bebê acreditará
que há apenas um, e ficará surpreso se, levantadas as telas, aparecerem dois.
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COMO OCORRE A AQUISIÇÃO? │ UNIDADE III
LEMLE, Miriam. Conhecimento e biologia. In: Ciência Hoje. Vol. 31. Fascículo 182. SBPC,
2002.
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Para (não) Finalizar
Vale a pena buscar mais fontes sobre o assunto, pois este foi apenas o primeiro passo.
De maneira alguma, pretendemos esgotar o tema. Igualmente, esperamos ter fornecido
as ferramentas indispensáveis para que você possa mergulhar mais profundamente
nesta vasta área, em franca expansão!
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Referências
HAUSER, M.D.; CHOMKY, N.; FITCH, W. T. The Faculty of language: what is it, who
has it, and how did envolve? Science, v. 298, nov. 2002.
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