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3ºrobin Jon-EU PROMETO
3ºrobin Jon-EU PROMETO
Eu Prometo
Cris abriu os olhos e os fixou na cama vazia que ficava do outro lado do quarto escuro
Levantou-se, acendeu a lâmpada da cabeceira da cama e deu uma olhada para ver se a
colega tinha aparecido e deixado álbum bilhete enquanto ela estava dormindo. Nada.
De repente, Cris se deteve. Seu cérebro, ainda entorpecido àquela hora da manhã,
despertou. Lembrou-se de onde havia estado na noite anterior e de tudo que tinha acontecido.
Um sorriso tomou conta dos lábios dela enquanto os fatos Lhe voltavam à mente.
Rancho Corona cobriam com luz cinza-azulada o mundo por fora da janela. As palmeiras
perfiladas permaneciam em silêncio respeitoso, aguardando que o sopro familiar do vento que
vinha do deserto próximo as despertasse. Toda vez que o vento chegava, as palmeiras
Mas hoje o coração dela não precisava ouvir o convite sussurrado pelas palmeiras para
- Oi, tudo bem? disse uma voz profunda no outro lado da linha. Era a mesma que tinha
- Conseguiu dormir?
- Um pouco. Acordei há uns dez minutos. Ted, a noite passada aconteceu mesmo? Você
me pediu em casamento?
- É. Aceitei.
- É. Aceitou.
- Passei a noite toda tocando violão, disse Ted. Estou compondo uma música.
- O que seu colega de quarto achou disso? Ou você passou a noite no hall de entrada do
alojamento?
- Você ouviu Katie comentar alguma coisa ontem sobre ir pra casa?
- Não.
- Achei que ela passaria o fim de semana aqui comigo, mas não apareceu até agora.
- Talvez tenha dormido no quarto da Selena. Ela já fez isso antes, não foi? lembrou Ted.
- É. Pode ser que ela tenha ido pra lá. Sei que não deveria me preocupar; ela é bem
grandinha e pode tomar conta dela mesma. Mas, quando se trata de Katie, nunca sei o que vai
- E o que você vai fazer agora? indagou ele. Que tal se encontrar comigo na capela pra
Vestiu várias camadas de roupa, prevendo que lá fora estaria tão frio quanto parecia.
Parou apenas um instante na frente do espelho. O longo cabelo louro estava preso com um
grampo atrás da cabeça. Soltou-o e balançou a cabeça antes de dar uma rápida escovada nele.
Ted gostava do cabelo comprido. Ela sorriu. Dormira apenas quatro horas e meia, mas os
um brilho rosado e, quanto mais contemplava a si mesma, maior se tornava seu sorriso.
Noiva.
Após uma rápida passada pelo banheiro para lavar o rosto e escovar os dentes, Cris
cruzou o campus da Rancho Corona rumo à capela na beira da escarpa. Nos dias mais claros,
dava para avistar o Oceano Pacífico da trilha que corria no limite do terreno da universidade.
Naquela manhã, uma tênue neblina de inverno repousava sobre o solo enquanto Cris
atravessava a campina. Estaria enevoado demais para avistar a costa na hora em que o Sol
nascesse. Não fazia a menor diferença para ela. O que motivava sua pressa não era a vista do
silenciosa. Logo viu Ted ajoelhado no altar, de olhos fechados e a cabeça curvada.
Com o coração ainda disparado, foi na ponta dos pés até o altar. Ajoelhou-se ao lado do
Ted. O cabelo dele, curto e louro, estava molhado e exalava o perfume suave do sabonete. Ele
levantou a cabeça, e seus olhos azuis penetrantes se voltaram para ela. Cris percebeu
imediatamente que ela não tinha sido a única pessoa a passar a noite sorrindo. Parecia que a
lugar, não havia necessidade de palavras nem de toques. Permaneciam em silêncio diante de
Deus e um do outro, falando com Deus, conversando um com o outro. De coração para
Ted falou primeiro, uma oração de agradecimento. Pediu que Deus dirigisse os passos
que ele e Cris dariam e que os orientasse durante os preparativos para o casamento. Ele
terminou, e Cris se uniu a ele, dizendo: “Como quiseres”. Para os dois isso significava
Cris sorriu. Ted passava com a maior rapidez do estado de espiritualidade intensa para o
de fome profunda.
- Eu também.
De mãos dadas, saíram para a manhã fria. A luz do Sol atravessava a neblina, como
Cris riu:
Ele soltou a mão dela e, com gestos amplos, descreveu a cena que imaginava.
- Podemos colocar aqui um arco. É assim que chama aquele negócio que colocam para
Cris assentiu.
- O que você acha? Dá pra colocar muitas cadeiras. Você pode esperar a hora da
cerimônia lá na capela. Quando começar a música, você vem pelo centro até aqui.
Ted pulou para um lugar que ficava bem em frente da capela e continuou:
- Colocamos o arco aqui. Você vem andando pelo centro, com um vestido branco e
- Lindo!
Ela presumira que se casaria em uma igreja, mas a campina era terreno santo,
exatamente como qualquer igreja, pensou. Em especial naquela manhã, naquele momento,
campina.
- É um lugar bonito pra uma cerimônia noturna, disse Cris. As pessoas sentiriam calor
- Você não acha que todo mundo sentiria calor à tarde, sem um toldo? Acho que as
- Agosto? repetiu Ted. Você ‘tá pensando em nos casarmos no próximo verão?
- Claro. Até lá nós dois teremos nos formado, teremos tempo pra planejar tudo e...
- Não sei. O Natal é na semana que vem. Depois, temos a viagem missionária para o
México com o grupo de jovens. O que você acha do segundo final de semana de Janeiro?
- Temos de preparar tudo! Ainda não temos lugar pra morar, não compramos alianças
nem mandamos fazer os convites. Preciso encontrar um vestido que me agrade, e...
- Você é uma excelente planejadora, Cris. É o que você faz de melhor. Temos os
- Não temos, não. Esqueceu que vamos para o México depois do Natal? E não
- Certo. Então o que você acha da terceira semana de Janeiro? Ou a última, logo depois
da minha formatura.
casamento em um mês. Todo mundo vai pensar que temos de nos casar.
A voz veio calma e tranquilizadora quando ele estendeu a mão para pegar a dela.
- Eu, você e todo mundo sabemos que isso não é verdade. É esse o problema? O que as
Cris apertou mais a mão de Ted e se esforçou para acalmar as emoções tumultuadas.
- Não, não estou preocupada com o que os outros vão pensar. É que eu gostaria que
nosso casamento fosse muito especial, preparado com cuidado. Quero ter tempo pra planejar
tudo com você e não gostaria de me sentir empurrada às pressas até o altar. Faz sentido?
- Sim. Faz sentido. Você ‘tá tentando me dizer que Janeiro é cedo demais.
Cris envolveu-o com os braços e descansou a cabeça no ombro dele. Sua respiração foi
mesmo lugar em que estavam agora, em uma noite fresca de agosto do ano seguinte. Ted se
- Então, se Janeiro não dá, em que mês você ‘tá pensando? Fevereiro?
- Agosto! Ted riu. Não precisamos de oito meses pra preparar um casamento!
- Precisamos, sim.
- Março. Ted esticou o braço e a segurou longe dele. Na Páscoa. Clima perfeito. Você
- A Páscoa é em abril.
- Tudo bem. Que seja abril. Mas não agosto. Abril. Quero me casar com você, Cris.
Quero estar com você, desejo começar nossa vida juntos. Esperamos muito tempo por isso.
- Nós dois esperamos, Ted. Pensamos e oramos durante quase seis anos. Oito meses
pela neblina, refletindo nas gotículas de orvalho que cobriam o capim, transformando-as em
minúsculos diamantes. Parecia que as estrelas haviam caído do céu e espalhado aos pés deles
Cris observou que Ted levava o queixo para frente e parecia processar tudo com
determinação. Ele era o verdadeiro Sr. Tanto Faz, “cuca fresca” em quase tudo. Meses antes,
dissera a ela que não tinha experiência com festas de aniversário e comemorações familiares.
Estava evidente que sabia ainda menos sobre preparativos para o casamento.
- É? Bem, e eu digo que agosto é tarde demais. Dá pra encaixar um casamento antes do
- Por que encaixar? Por que não esperamos até eu me formar e nos casamos em junho?
- Em junho não dá. Parece que em junho vou ter de começar a trabalhar em tempo
integral na igreja. Não será possível me afastar uma semana, para a lua-de-mel.
- Sabe de uma coisa? Não quero conversar sobre isso agora. Vamos comer alguma
coisa.
Cris reparou que o Sol havia atravessado as nuvens matutinas que antes se espalhavam
sobre a campina. O campo reluzente de diamantes evaporara, deixando uma longa superfície
de capim ressecado pelo inverno. O mundo que os cercava deixara de ser encantado.
É isso que acontece quando um encontro feito no céu tenta andar na Terra? Como a
cidade na perua Volvo. Cris dizia a ela mesma que deveria ter sido mais espontânea quando
Poderia ter concordado com Janeiro ou com qualquer outro mês. Assim que ele se
defrontasse com os detalhes, iria mudar de idéia e aceitar uma data mais realista. Agora é o
Ela apontou para um café no caminho em que eles seguiam. Queria entrar e conversar
sobre os planos do casamento enquanto comiam com tranquilidade. Dessa vez, sonharia mais
- Estava pensando em comer burritos, disse Ted. Você se importa se formos até o
Roland, no drive-thru?
Pare de ser prática em todas as situações! Limite-se a concordar pelo menos uma vez.
Embora eu ache muito esquisito andar tanto só pra comer um certo tipo de fast-food.
- Como assim?
caneta no porta-luvas. Seria muito bom se organizássemos um pouco a viagem para o México.
Você pode fazer uma lista, como fizemos para o acampamento no deserto?
primeira página.
- Precisamos de barracas, disse Ted. Anote aí, por favor. E também é bom levar lonas
Ele prosseguiu falando os itens necessários, que ela foi anotando. Escrevia com força, as
Gostaria de saber por que você consegue ser prático quando se trata da viagem ao
México, Ted, e não consegue ser realista pra marcarmos a data do nosso casamento.
Quanto mais conversavam, mais longa se tornava a lista. Ted demonstrava surpresa toda
vez que Cris lembrava de mais um elemento necessário, como atestados médicos e
“’Tá vendo? Todo evento requer planejamento detalhado. Ainda mais um fato
Mas não falou nada. Só expressou sua frustração através da força com que escreveu as
Assim que deixaram a estrada e entraram em Carlsbad, que ficava à beira-mar, Ted
salgado vindo do oceano. Cris também apreciou o ar fresco. As emoções dela estavam
passar o dia todo sonhando com nosso futuro? Será que estraguei tudo por não ser
- Ei, como vai, tudo bem? perguntou Ted ao alto-falante à entrada do drive-thru. Quero
Ela tentou enxergar o menu ao lado da janela de Ted, mas o braço dele a atrapalhava.
- Torradas? perguntou ele, como se nunca tivesse ouvido alguém falar desse alimento
antes.
- Deixa pra lá. Vou querer um sanduíche de queijo e ovo e um copo de leite.
Ela colocou o cabelo atrás das orelhas e olhou para o belo rosto dele. Como posso
explicar a você os sentimentos intensos que estão brigando dentro de mim há uma hora?
Estou com medo porque, se disser alguma coisa, depois posso me arrepender e ficar
Ted pagou ao funcionário na cabine e entregou o lanche para Cris. Ela ia perguntar se
ele queria estacionar o carro para lancharem, mas ele virou à esquerda na rua principal. Ela
sabia bem aonde iam. Havia, na natureza, um chamado ao qual Ted jamais conseguia resistir:
o do mar. Estavam a menos de dois quilômetros do local onde as águas azuis do Oceano
Pacífico alcançavam a costa da Califórnia. Cris sabia que deveria ter adivinhado ser esse o
motivo que os levara tão longe para comer burritos no café da manhã. Ted queria fazer a
Ted parou o carro à beira da pista, sob o viaduto na estrada, e pegou um dos sucos de
laranja.
Então, deixando o motor ligado, saltou do carro e levou o lanche para um mendigo que
estava encolhido sob uma caixa de papelão desmontada. Ela nem havia reparado no homem
Cris observou Ted sorrir e entregar o lanche ao homem surpreso. O coração dela bateu
um pouco mais depressa. Um pensamento inquietante pousou sobre ela, como uma sombra
agourenta. Vou passar o resto da vida com um homem impulsivo, com atitudes inesperadas.
Nunca vou saber aonde estamos indo nem o que vamos fazer nem com quem vamos
compartilhar as refeições. Nada em nossa vida será previsível, em ordem, firme nem certo.
Engoliu em seco. Ted correu de volta para o carro, ostentando um largo sorriso de
Ted fez a volta com o carro e se dirigiu para a praia, onde estacionou. Pegaram o lanche
e foram até uma pedra grande e lisa. Cris comeu devagar, com os olhos fixos no oceano
infinito que se estendia diante deles. Sentia que Ted a observava, mas, como haviam se
assentado juntos muitas vezes contemplando o mar sem trocar palavras, o silêncio era familiar
e exerceu sobre ela um efeito tranquilizador. Guardando metade do sanduíche, que não quis
- Você se assustou? perguntou Ted, estendendo o braço e passando os dedos pelo rosto
dela.
- Com o quê?
Irritada com a facilidade com que ele lia os pensamentos dela, Cris disfarçou:
Ted passou o dedo pelo contorno da orelha dela e não respondeu. Cris sabia que ele
Cris apoiou o rosto frio na mão quente dele. Resolveu avançar e lançar alguns
sentimentos duvidosos na rede que ele segurava com paciência nas águas profundas do
coração dela.
- Ted, estou com medo de ser muito difícil nos casarmos.
- Ãhã.
- Nós dois teremos de fazer ajustes imensos. Somos opostos em muitos aspectos.
- Ãhã.
- Sua postura diante da vida é diferente da minha. Você enxerga as coisas por outro
- Isso é bom. Ted segurou o cabelo dela. Não considero essas diferenças um problema.
- Claro que não! É isso que estou dizendo. O que é importante pra mim é desprezível
pra você.
- Creio que seja bom sermos diferentes, disse Ted. Vamos dar equilíbrio um ao outro.
Ted pegou uma grande mecha do cabelo dela e esfregou a ponta nos lábios.
- Ted, não sei se nos conhecemos tão bem quanto pensamos que conhecemos. Temos à
Ted a puxou para si, até que a cabeça dela encostou no ombro dele. Prosseguiu com voz
calma:
- Descobrir coisas sobre o outro e fazer os acertos necessários fazem parte do que torna
um relacionamento vivo e sempre crescente. Espero ansioso por essa porção do nosso futuro.
- Eu não. Cris ouviu ela mesma dizer. Acho que cada um de nós vai tirar o outro do
sério. Sou determinada demais a organizar tudo e você é tão espontâneo, tão, tão...
imprevisível.
- É, acho que sou mesmo. Do que foi que a Katie me chamou um tempo atrás, naquele
nosso acampamento?
- Você ‘tá falando daquela vez em que você levou cabides de plástico e não de metal,
Ted riu.
- Foi isso mesmo. E Mark disse que era errado discriminar os deficientes.
- Sabe o que eu penso? perguntou Ted. Que todos sofremos de deficiências, temos áreas
em que somos limitados. Você me ajuda onde sou fraco e eu a ajudo onde você precisa. É isso
Cris passou o braço pela cintura de Ted e se aconchegou nele. Com um suspiro, disse:
- Não sei, Ted. Espero que você tenha razão. Katie diz que sofro de “mania de
arrumação”, que tenho de ter tudo no lugar o tempo todo pra ser feliz.
- O que eu acho, Kilikina, é que Deus nos uniu pra eu aprender com você a ter disciplina
na vida espiritual e você aprender comigo a alegria de andar pela fé. Fomos feitos um para o
outro.
Cris pegou a mão de Ted, levou-a aos lábios e beijou-a três vezes, uma para cada
cicatriz que ficou depois do grave acidente de carro em que ele quase morrera no outono
anterior.
- Tenho.
Ted riu. Levantou a mão esquerda da Cris e passou seus dedos calejados pela ponta dos
- Você queria que eu tivesse te dado um anel ontem à noite, na hora em que pedi pra
- Não.
- Tem certeza? Perguntei ao meu pai se tinha de comprar um anel pra você antes de
fazer o pedido. Ele disse que provavelmente você iria preferir escolher de acordo com seu
gosto. Douglas me disse ontem que aqui em Carlsbad tem uma joalheria muito boa, onde ele
comprou o anel da Trícia. Fica aqui perto. Pensei que a gente podia dar uma passada lá agora
- Foi por isso que viemos até Carlsbad pra comer burritos no café da manhã? Você
- O que foi?
- Ted, você sabe que pode me informar essas coisas com antecedência, não sabe? É que
teria sido muito bom pra mim saber o motivo que nos trouxe até aqui.
- Tudo bem, na próxima vez eu falo antes. Viu? Já estamos aprendendo a nos ajustar um
ao outro.
Cris sentiu seu coração se aquecer enquanto eles iam para uma parte mais antiga de Carlsbad.
Tinha lembranças muito agradáveis de uma joalheria que ela e Ted havia visitado no último
verão, em Veneza, na Itália. O proprietário era tio de um amigo deles, e a loja era, sob todos
os aspectos, a mais elegante em que Cris já havia entrado, inclusive com guarda uniformizado
A joalheria de Carlsbad ficava entre uma confeitaria e uma livraria e não era, nem de
longe, opulenta como a de Veneza. Mas o aconchego do ambiente compensava o que faltava
em lustres dourados e guardas uniformizados. Ted segurou a porta para Cris e o aroma do pão
- Bom dia! Ted saudou o homem que estava no fundo da loja. Podemos dar uma
olhada?
Cris se sentiu como uma princesa quando Ted a conduziu até uma cadeira acolchoada
diante da primeira vitrine. Ele ficou em pé atrás dela e, inclinando-se, mostrou o maior anel,
que estava bem no meio da vitrine. Tinha um diamante grande no centro e três rubis de cada
lado.
- É lindo. Mas acho grande demais, você não acha? Gosto de anéis menores e mais
simples. Como aquele lá. Cris apontou um anel de ouro liso, com um único diamante. Mas
não quero tão simples assim. Quero que meu anel seja único, sabe?
- Posso mostrar alguma coisa para vocês? perguntou o Sr. Frank, aproximando-se com
O Sr. Frank esticou o braço dentro da vitrine e pegou o solitário de brilhante na caixa de
veludo acolchoada. Cris colocou o anel no dedo da mão esquerda. Ficou perfeito. O diamante
suspenso por quatro garras tinha um corte ousado. Sentiu que começava a suar nas mãos. Vira
o preço na etiqueta. Concluiu logo que o diamante deveria ser de qualidade excepcional e
O telefone tocou e o Sr. Frank, com um aceno educado, pediu licença e os deixou
sozinhos por alguns minutos. Ted se curvou e plantou um beijo nos lábios de Cris, que não
Implicando com ele, ela imitou o gesto de levantar o queixo, marca registrada dele há
Ted segurou uma gargalhada. Colocou um dedo nos lábios e falou baixinho:
Ted estendeu o braço e fez cócegas nela. Cris, para não explodir em gargalhadas,
O Sr. Frank desligou o telefone. Enquanto voltava para onde eles estavam, Cris se virou
- Tudo bem. Se você quiser este, a gente pode comprar. Não pense no preço.
- Não é só o prego, é o anel. O estilo. Nunca fui muito de usar anéis, mas sei que
O Sr. Frank ficou na frente deles e passou a apresentar mais detalhes sobre a clareza e o
tamanho do diamante.
- Todos estes anéis são modelos originais, feitos aqui mesmo por mim e pelo meu filho.
Cris tirou o anel do dedo e se esforçou para não rir ao sentir a mão de Ted em seu
ombro. Se ele escorregasse os dedos por baixo do cabelo e começasse a fazer cócegas em seu
- O senhor tem alguma coisa diferente? perguntou Ted, em voz controlada. Sem tantos
- Ah! O Sr. Frank aparentemente gostou do desafio colocado diante dele. Você não quer
o diamante tradicional. Talvez uma safira, ou um topázio azul, para combinar com seus lindos
Durante os quinze minutos seguintes, Ted se conteve para não fazer cócegas em Cris
enquanto ela experimentava vários anéis com outras pedras e ouvia amplas explicações do Sr.
Frank sobre cada uma. A cada novo anel, Cris imaginava outras opções. A mente dela
transbordou de idéia quando experimentou um anel de cores vivas, com uma opala azul
australiana. A pedra de um azul profundo, com lampejos de verde e violeta, lhe trouxe à
mente uma onda do mar. E isso a fez pensar em Ted e na primeira vez em que se viram, na
praia de Newport. Entretanto o anel era muito grande e tinha enfeites muito trabalhados, que
não a agradaram.
- O senhor tem algum outro, com esse tipo de pedra, mas menor? perguntou Cris. Ou até
- Acho que não. Mas, como disse, podemos fazer qualquer anel que você desenhar.
Cris estava pronta para desenhar seu anel imediatamente, mas deu uma olhada em Ted
antes de pedir papel e lápis. Ele fitava o nada, parecia ter chegado ao limite de sua resistência
- O senhor já nos ajudou muito, disse Cris, sorrindo para o Sr. Frank. Muito obrigada
- Tem certeza de que não quer experimentar mais nenhum anel? perguntou Ted; mas seu
Cris não conseguiu mais conter a gargalhada. Deu um risinho que ficou flutuando no ar,
- Gostaria muito, Ted, mas acho que já experimentei todos os anéis da loja.
Saíram, Ted com o braço na cintura dela, tentando fazer cócegas de novo.
- Coitado daquele homem! exclamou Cris. Ficou olhando pra nós como se fôssemos
- Pensei que ele estava olhando a gente daquele jeito porque sabia que nosso dinheiro só
dá pra comprar as balas de hortelã que estão naquele pratinho do lado da registradora.
Ted se virou, mas Cris agarrou o braço dele com as duas mãos e o puxou até o carro. O
- Como vamos pagar o anel e todo o resto? perguntou, assim que entraram no carro.
- Tenho um pouco de dinheiro guardado, falou Ted. Ele não ligou o carro, e olhou para
ela com atenção. Não é muito, mas meu alvo era guardar, antes de pedir você em casamento,
uma quantia que desse pra pagar o anel, o aluguel do smoking e os três primeiros meses de
aluguel. Consegui. Se não fosse isso, eu já teria pedido você pra se casar comigo há muito
tempo.
- Verdade?
- Eu queria que nos casássemos antes de você ir pra Suíça, mas eu sabia que aquele ano
- Acho que não estava pronta naquela época. Aliás, nem sei se estou pronta agora.
- É por isso que você quer um noivado mais longo? perguntou Ted. Precisa de mais
- Ah, não! Tenho certeza de que quero me casar com você! Cris pegou a mão dele e
segurou entre as dela. Não foi isso que quis dizer. Não há a menor dúvida em meu coração de
que quero me casar com você. Só com você. O que eu quis dizer é que não sei se estou pronta
pra todos os ajustes, planos e decisões, como aconteceu com o anel. Isto é, você pode pensar
que eu já tenho alguma idéia do que quero, mas nunca pensei muito nessas coisas. Eu só sei
que quero um anel único, que signifique alguma coisa pra nós dois, pra que toda vez que eu o
- Claro, disse Ted. Você ouviu o que o joalheiro falou. Eles fazem qualquer anel que
você desenhe. Tenho certeza de que podemos pedir pra ele colocar uma pedra, como aquela
- Tudo bem. Não é provável que vamos conseguir ter um anel até Janeiro.
menos de um mês?
- Ei, só precisamos de alianças e de um pastor, certo? E, antes que você faça mais
comentários sobre isso, que tal darmos uma passada na casa do Douglas e da Trícia?
- Ótimo.
- Gostei dessa resposta, disse ele, ligando o motor. Rápida, simples, decidida.
Cris encostou-se ao banco do carro, perguntou a si mesma se fazia sentido esperar até
agosto para se casar, imaginou o formato de sou anel e calculou quanto dinheiro precisavam
para pagar aluguel. Pensou em quantas decisões teriam de tomar e em como Ted apreciava
- Sabe de uma coisa? Este vai ser meu alvo nos próximos meses: vou me esforçar pra
- Você tem bons instintos, Cris. Deveria confiar mais em si mesma e seguir mais seus
impulsos.
Ela estudou o perfil dele enquanto ele estacionava na frente da casa de Douglas e Trícia.
O homem dos seus sonhos estava a seu lado e havia se tornado forte, apaixonado por Deus e,
ainda por cima, estava profundamente apaixonado por ela também. Cris sentiu seu coração
- O que foi? perguntou Ted, olhando para ela enquanto dava ré no carro para entrar em
então Ted parou o carro, abraçou o volante e se virou para ela, espiando com seus olhos azuis
os segredos mais profundos do coração dela. De repente, agosto ficou muito longe.
- Tudo bem, disse ela, seguindo seus impulsos, mas, mesmo assim, falando bem
O coração de Cris disparou. O rosto ficou corado. Nunca havia sentido de forma tão
arrebatadora a intensidade de seu amor por Ted. Será que tinha coragem para repetir as
- Eu disse que...
Uma imagem chegou a ela como um raio. Com os pneus cantando, os dois zuniam no
carro que haviam acabado de estacionar. Percorriam em uma hora os 120km até Las Vegas e
entravam na primeira capela que encontrassem aberta para fazer casamentos na hora.
Piscou. Não, este não é um dos momentos em que devo confiar em meu instinto pra uma
decisão rápida e simples. Se fizesse isso, acabaria disparando na sua frente, na frente de
- ‘Tá. Foi só isso? implicou Ted, pressionando as costas da mão contra o rosto quente
máximo de inocência.
Ted sorriu. Parecia estudar os detalhes do rosto dela. A mão dele foi até o topo da
dela. Você nem imagina o que seu amor trouxe à minha vida. Você é a outra metade do meu
- Amo você, Kilikina, você nunca vai saber o quanto. Muito mais do que você venha a
- Ah, Ted, disse Cris, inclinando a cabeça na direção dele, e lhe ofereceu os lábios.
Ted aceitou a oferta e a beijou devagar. Exatamente nessa hora uma buzina alta soou
Ted e Cris se afastaram com relutância e olharam para a frente do carro. Viram
Douglas acenando animadamente para eles enquanto entrava com sua caminhonete amarela
pela passagem estreita que levava à garagem da casa. Estacionou, desceu e foi até a janela de
- É, parece que acabei de pegar vocês dois se agarrando na frente da minha casa.
- Não estávamos nos agarrando, disse Cris, sentindo o rosto voltar a ficar vermelho.
Douglas riu. O rosto dele se iluminou com a expressão marota que se tornara conhecida
de Cris com o passar dos anos. Era mais alto que Ted, mas, por causa do cabelo louro e do
sorriso travesso, poderia passar por um aluno do primeiro ano do ensino médio.
- Suponho que você vai me dizer que Ted estava apenas cheirando seu cabelo pra ver se
Ted deu uma olhada para Cris com um sorriso brincalhão tão charmoso quanto o do
- Essa é minha corada noiva. Vamos nos casar. Sabia disso, Douglas?
entrar e encontrar o pessoal. Trícia vai ficar empolgada quando vir vocês. A festa continuou
aqui em casa ontem, teve gente que passou a noite aqui. Rick vai fazer omeletes.
- Rick?
- É, ele ‘tá aqui. Foi tremendo ouvir o que Deus tem feito na vida dele. Ele e Katie nos
- Katie?
- É, ela também ‘tá aqui. Selena, Paul, Vicki e Amy também estavam.
Douglas abriu a porta do lado de Ted. Vocês me ajudam a carregar as compras? Tive de
ir ao supermercado.
Ted e Cris seguiram Douglas até a porta da casa, cada um carregando duas sacolas de
compras. O chalé aconchegante de Douglas e Trícia ficava a quatro quarteirões da praia e era
a única casa amarela com venezianas brancas em toda a rua. Tinha um quarto e um banheiro.
A sala de visitas se ligava à cozinha e havia um pequeno quintal, onde Trícia vinha se
Assim que os três entraram, Katie pulou do sofá e deu um grande abraço em Cris.
- Você recebeu meu recado? Por que vocês não vieram pra cá ontem? Nós nos
divertimos muito comemorando o noivado. Vocês tinham de ter participado. Telefonei ontem,
bênção.
- Permissão ou bênção, meu pai deu os dois. Eles estavam esperando meu telefonema.
Ficaram emocionados. Minha mãe até chorou. Depois telefonei para os meus tios.
- Não, mas não foi surpresa. Também estão muito felizes por nós.
Cris chegou à cozinha da compacta casa de Douglas e Trícia e foi recebida por um
- Todos estamos muito felizes por vocês, disse Rick, passando o braço pela frente de
Katie e estendendo a mão para apertar a de Ted. Um futuro brilhante espera por vocês.
Cris reparou que, embora continuasse alto, moreno e bonito, Rick abandonara a
de Katie, na cozinha acolhedora de Douglas e Trícia, ele era uma pessoa comum. Katie
cortara o cabelo, que estava curto, macio, leve, em um estilo bem pessoal. Isso e o brilho em
- Onde estão os outros? perguntou Douglas, tirando as muitas compras das sacolas.
- Trícia foi tomar banho. Paul teve de ir trabalhar. Selena, Amy e Vicki voltaram para a
universidade porque vão para o Oregon, pra passar o Natal em casa, respondeu Katie.
A expressão de Katie se iluminou um pouco mais quando ela se voltou para Cris.
- Puxa, vocês tinham de ter vindo pra cá ontem. Conversamos a noite toda. Foi
tremendo.
- Ah! disse Rick, cutucando o braço dela. Você andou conversando demais com o
muito!
Katie passou a contar os acontecimentos da noite anterior. Cris voltou para a sala e
assentou-se em uma cadeira ao lado do sofá. Katie estava radiante e falava com empolgação,
cheia de charme. Uma mudança enorme acontecera nela nas últimas vinte e quatro horas. No
dia anterior, a turma planejava ir para a cafeteria Ninho da Pomba, e Katie declarara que
preferia ficar sozinha em seu quarto, pois não tinha um rapaz com quem pudesse sair. Mas
Cris lembrou que havia se apaixonado por ele no ensino médio. Katie também era doida
por ele, mas embora Cris o tivesse esquecido logo, Katie nunca havia se recuperado por
completo. O amor se transformara em raiva que fervera em fogo brando dentro dela durante
vários anos.
Então, poucos meses atrás, Katie havia recebido uma carta dele, em que contava que
entregara a vida totalmente a Deus e pedia que ela lhe perdoasse pela forma como ele a tratara
no passado.
Pelo jeito como ela ‘tá olhando pra ele agora, eu diria que Katie perdoou ao Rick por
completo.
- Ei, Ted, disse Douglas, depois que Katie encerrou seu relato divertido, preciso falar
um pouquinho com a Trícia e depois preciso de uma ajuda sua. Estou compondo uma música
- Quer que a gente comece a fazer as omeletes? perguntou Katie, enquanto Douglas se
- Com certeza, respondeu Rick. Veja se encontra uma bacia maior do que esta aqui.
Ninguém conseguia manter a seriedade quando ela dava sua risada espontânea. O riso dela
continha o som da alegria em seu estado mais puro, feliz e leve, de modo que contagiava a
Cris se voltou e viu que Katie segurava dois aventais que encontrara em uma gaveta.
Rick vestiu um avental amarelo de babados, com a cintura enfeitada por flores em tons
pastel. Quase não conseguiu amarrar. Katie voltou a rir. Fazendo eco à gargalhada fina dela,
vieram as notas baixas de um concerto de alegria de Rick. Cris nunca havia visto o rapaz rir
O avental de Katie era de sarja, com listras. No peitilho estava escrito: Deposite Todas
as Reclamações Aqui. Uma seta indicava um bolso minúsculo que comportava um número
mínimo de reclamações.
- De jeito nenhum!
O armário estava vazio, então Cris tirou os pratos limpos da lava-louças enquanto Rick
e Katie punham mãos à obra. Em poucos instantes, deixaram a cozinha parecendo com as dos
- Vamos fazer uma linha de montagem e assim cada um pode escolher como quer sua
Cris pegou seu serviço e levou para a mesa da cozinha, para não atrapalhar os
Ted, assentado no sofá da sala, dedilhava o violão de Douglas. Cris não reconheceu a
melodia e ficou imaginando se seria a música em que o amigo trabalhara durante a noite.
Então, como se sentisse o olhar dela sobre ele, Ted olhou para ela. Um sorriso foi
surgindo nos lábios dele, que continuou tocando e depois movimentou os lábios, como se
Cris abriu um sorriso brilhante como o Sol. Você ouviu lá no carro, não foi, Ted? Ouviu
quando cochichei “Janeiro” pra você. Bom, sei que é impossível organizar uma cerimônia de
casamento até Janeiro, mas talvez a gente consiga pra fevereiro. Podemos nos casar logo
Douglas voltou para a sala e impediu que ela continuasse vendo Ted.
Que maluquice é essa? Fevereiro ‘tá perto demais. Podemos esperar até julho, não
podemos?
Douglas começou a tocar sua nova música. Cris trouxe o pensamento para o presente.
Um calor gostoso e confortador tomou conta dela quando a voz familiar de Douglas encheu a
- Salmo 126, informou Douglas. E aqui ‘tá o problema, bem nesta linha. Não sei como
fazer uma transição suave de “Quando o Senhor nos uniu” para “Ficamos como aqueles que
Cris parou de ralar o queijo. Puxa, isso é verdade, Douglas. Você não sabe, mas esse
problema ‘tá me incomodando desde cedo. Como dois sonhadores conseguem fazer uma
Desejou que ele tocasse a música inteira de novo. Queria ouvir a parte que falava de
Nesse exato instante a porta do banheiro abriu e a pequena Trícia surgiu, trazendo no
Cris se levantou e foi abraçar a amiga. Assim que colocou os braços em torno dela,
- O que?! gritou Cris, enquanto se afastava e observava o rosto de Trícia para ter certeza
Douglas entregou o violão para o Ted e se aproximou da esposa, que estava ao lado de
- Desculpe, amor! Eu não pretendia falar nada, mas escapou, confessou Trícia.
Douglas passou o braço pela cintura dela e a contemplou com devoção inabalável.
- Ah, agora você ficou tímida. Douglas riu e abraçou-a. É que parece que o Senhor
Um grito de alegria veio do grupo. Todos se aproximaram para abraçar o casal e dar os
parabéns.
Ted atravessou a sala em quatro passos e passou o braço em torno de Cris. Deu um beijo
na têmpora dela, acima da orelha direita. Ela sabia que ele estava pensando o mesmo que ela:
um dia, querendo Deus, seriam eles a contar novidade semelhante à dos amigos.
- É o azeite na panela, disse Rick, retornando rápido para o fogão. Vou desligar.
- Enjôo, explicou Douglas. Ela só volta a se sentir bem lá pelas duas da tarde. ‘Tá muito
- Pelos nossos cálculos, julho, respondeu Trícia. Vamos ter mais informações depois da
- Ontem de manhã. Foi uma tortura manter segredo de vocês, mas queríamos contar
primeiro a nossos pais e só conseguimos telefonar pra eles hoje de manhã, pouco antes do
- Não acredito que vocês não contaram nada ontem à noite, disse Katie.
- Era a noite de Ted e Cris, falou Trícia, dando um sorriso meigo para Cris.
- É, este grupo só suporta uma grande notícia por vez, acrescentou Douglas.
- Não se preocupem comigo! brincou Katie. Não tenho anúncios nem segredos hoje.
Um pensamento louco cruzou a mente de Cris. Ficou imaginando se Katie em breve não
contaria que Rick a convidara para sair com ele. Mas afastou logo a idéia. Ainda era cedo
demais para isso, ou talvez fosse tarde demais, já que os dois haviam experimentado namorar
- Estamos aceitando sugestões de nomes, porque até agora não escolhemos de menino
nem de menina.
Apareceram várias idéia, mas nenhuma agradou em especial ao feliz casal. Douglas
- Tem exaustor aqui perto do fogão? perguntou Rick. Não estou vendo.
- Não. Estou bem, respondeu Trícia, abrindo a porta da frente para ventilar a sala. Isto
vai ajudar. Conte, Rick, quando foi que você se tornou um gourmet?
Cris reparou em como Trícia sempre desviava a conversa, quando ela própria era o foco
da atenção. Trícia não gostava de ser o centro, ficava mais à vontade ouvindo os amigos ou
dando a eles seus conselhos carinhosos. Cris queria pedir a ela muitas informações sobre
detalhes do noivado e do casamento, mas achou melhor esperar até poderem conversar
sozinhas.
Trícia.
- Não me lembro de ouvir ninguém dizer que você cozinhava quando você, Douglas e
Rick se surpreendeu:
Cris fomos até San Diego, você estava no hospital quando chegamos, tinha torcido o punho.
- É, foi mesmo, disse Rick, que, aparentemente, tinha dificuldade para se lembrar
Cris recordava bem da ocasião porque na noite do estudo bíblico ela vira Rick beijar
Katie e no dia seguinte, no zoológico, ele a tratara de maneira terrível. Agira como se não
menor indicação de que a lembrança de Rick e do zoológico lhe trouxesse algum sofrimento.
- Em minha família, quem cozinha bem mesmo é minha mãe, contou Rick. Foi por isso
que meu pai teve a idéia de abrir o Ninho da Pomba ao lado da livraria evangélica.
- Por que seu pai acabou abrindo o Ninho da Pomba e A Arca em Murrietta e não em
- Ele fez um bom negócio naquela loja em Murrietta. Teria gastado duas ou três vezes
- Nããããooo! respondeu Katie, em tom de brincadeira. Vou te dar outra chance. O nome
- Espera aí, reclamou Cris. Me parece que você disse que não tinha anúncios nem
segredos!
- Não se pode chamar isso de segredo, alegou Rick. Estávamos procurando funcionários
para o turno da noite. É um cargo simples, mas acho que ela vai se dar bem e conseguir
Cris não esperava receber uma resposta, muito menos uma tão sem propósito.
- A feira é em fevereiro. Rick acha que vai dar pra irmos e apresentar meu novo chá de
Não. Não estou pronta pra aceitar você e Katie fazendo planos juntos com tanta
naturalidade, Rick Doyle. Ela pode ter perdoado o jeito como você a tratou naquela época,
mas você vai ter de provar pra mim que merece retomar um relacionamento íntimo assim
- ‘Tá pronta pra pedir sua omelete? Diga que recheio você quer.
- Ah! Só queijo.
- Só?
- Não se preocupe, falou Katie. Minha omelete vai lhe dar oportunidade de demonstrar
Ele lançou um grande sorriso para Katie. Mas o tom de sua voz não era manipulador
como o que ele usava no colégio. As palavras, a entonação e a expressão do rosto, tudo
E isso fez subir um arrepio pela espinha de Cris. Katie, minha amiga, nós daas
A oportunidade de uma conversa séria com a amiga surgiu naquela noite mesmo,
quando Katie finalmente voltou ao alojamento da universidade. Cris estava no quarto que elas
compartilhavam, arrumando a mala para ir passar o Natal em casa. Katie entrou como uma
- Vou dizer uma coisa, Cris, a vida nunca é sem graça quando as coisas de Deus estão
acontecendo. Estou sem palavras. Não, a verdade é que estou com palavras demais. Tomada
de vontade de louvar.
Katie pulou da cama e atravessou o quarto como um raio para agarrar Cris em um
abraço apertado.
- E por falar em milagres, ainda não acredito que você e o Ted finalmente ficaram
noivos! Foi lindo ver vocês dois assentados juntinhos no sofá na casa do Douglas e da Trícia.
Estavam uma graça provando as omeletes um do outro. Pareciam tão felizes e, por falar nisso,
as omeletes estavam uma delícia, não estavam? Você não acha que o Rick é surpreendente?
- Katie! Cris riu e segurou os ombros da amiga com firmeza. Respire! Já vi você
hiperativa antes, mas nunca tanto assim. Quanta cafeína você consumiu hoje?
- Nem sei. O suficiente pra ficar acordada o dia todo sem ter dormido nada a noite
passada. E também bebi muito chocolate quente. Você e o Ted saíram antes do Rick fazer.
Tomei três canecas cheias! Vocês deveriam ter ficado lá, estava tão bom! Vocês foram ao
shopping?
Katie foi bem rápido até o armário e começou a tirar roupas e cosméticos e jogar em
cima da cama.
- Não. Íamos olhar mais anéis, mas acabamos conversando demais e depois ele me
- Você não teria de dormir se tivesse bebido um pouco do chocolate! Já ouviu dizer que
o chocolate pode dar a sensação de estar apaixonada? disse Katie, sacudindo a escova de
dente na direção de Cris. Bem, nunca acreditei nisso, mas depois das três canecas que tomei
Os olhos verdes de Katie brilharam enquanto ela se deteve tempo suficiente para olhar
- É, mas não algum dia. Hoje. Pelo Rick. O rosto dela ficou vermelho. Você acha que
- Eu sei, eu sei.
Katie girou nos calcanhares e tirou uma grande bolsa de ginástica do armário.
apaixonada.
Depois, num esforço para levar a conversa para um assunto neutro, para ver se Katie se
- Não. Vou agora. Não contei? indagou. Depois de uma pausa, prosseguiu. Rick vai me
levar. ‘Tá esperando lá em baixo. Ah, eu ia esquecendo. Ele disse que queria conversar com
você.
- Então, se o Rick vai levar você pra sua casa, seu carro vai ficar aqui durante os
- Não. Veja bem: fui com meu Buguinho pra casa ontem à noite depois de sua festa de
noivado. Rick me seguiu e de lá fui com ele pra casa do Douglas e da Trícia. São só vinte
Cris concordou.
- Depois, quando saímos da casa do Douglas e da Trícia, hoje à tarde, fomos ao cinema.
Aí ele me trouxe pra pegar minhas coisas e agora vamos pra Escondido.
Katie afastou uma mecha de cabelo da testa com ar casual, como se essa vida social
Katie não ouviu, ou preferiu não ouvir e continuou a enfiar objetos de qualquer jeito na
bolsa e prosseguiu:
- Ah, e tenho de falar uma coisa. Rick quer ir com a gente para o México na semana que
vem, então precisamos contar uma pessoa a mais na hora de fazer as compras para as
refeições. Ele disse que vai nos ajudar com a comida. Sugeriu que a gente fizesse macarrão.
- Katie...
- Eu falei que você provavelmente já tinha feito a lista. Se você quiser, posso pedir a ele
- Katie!
- O que foi?
Katie voltou-se e encarou Cris, e quando encontrou o olhar da amiga, todo seu
semblante mudou.
- Ah, não. Você não vai fazer isso. Conheço esse olhar.
- Que olhar?
Cris soltou uma risadinha nervosa. Não sabia que era tão transparente. Claro que sua
- Você vai me perguntar se pensei bem e se acho que é uma boa idéia passar tanto
- Bom...
Cris hesitou. Katie estava totalmente certa, mas Cris não queria admitir.
- E sabe de uma coisa? disse Katie, colocando as mãos nos quadris. Não vou deixar
você me perguntar nada disso agora, porque não fiz nada pra tudo isso acontecer. Você sabe
que não fiz. Simplesmente aconteceu. Rick estava lá, no Ninho da Pomba, e o pessoal fez uma
brincadeira comigo: a turma falou para o Rick me convidar pra sair com ele. Mas a piada é
que... os olhos de Katie brilharam com lágrimas e a voz dela falhou... não é piada. É a coisa
mais maravilhosa e surpreendente que já aconteceu comigo, Cristina Miller, e você não vai
Cris engoliu todas as palavras de cautela que estavam na ponta da sua língua. Manteve
- Obrigada, disse Katie e se virou, com a cabeça levantada. Muito obrigada, minha
melhor amiga. Esse é o melhor presente que você poderia me dar agora.
Em seguida, agarrou a bolsa e fez um sinal com a cabeça, mostrando a Cris que deveria
segui-la.
- Se for coisa de Deus, vai durar. Se não, vai acabar. Sei disso porque nunca estive tão
aberta à direção divina na minha vida quanto agora. Acho que isso também ‘tá acontecendo
com o Rick. Nenhum de nós dois forçou pra tudo isso acontecer. Simplesmente ‘tá
Cris assentiu e uma calma surpreendente tomou conta dela. Por alguma razão, lembrou-
se de como Tia Marta sempre havia tentado controlar sua vida social e como a interferência
era desagradável. Se tivesse dado ouvidos à tia, Cris jamais teria cultivado a amizade com
A última coisa que desejo é adotar a mesma atitude controladora da minha tia
- Eu amo você, Katie, disse Cris na hora em que as duas estavam chegando ao hall de
entrada do alojamento.
- Ei, Cris! saudou-a Rick quando as duas foram na direção dele. Tenho uma coisa que
quero entregar pra você. Eu ia mandar pelo correio. Tirou um envelope do bolso traseiro da
calça. Mas tinha esperança de conseguir entregar pessoalmente. Acho que a oportunidade que
- Não. Não me importa que você ouça o que tenho a dizer, Katie. Isto é, se Cris também
não se importar.
- Creio que vocês duas sabem que tenho me esforçado pra acertar meu relacionamento
Aparentemente, Rick ficou sem palavras. Estendeu o envelope amassado para Cris. Esta
- Rick, você não precisa me pedir perdão por nada. Acertamos tudo há muito tempo. Eu
- Não posso dizer que acertamos tudo, disse Rick. Eu, bem, fui muito tolo e cruel
Cris mordeu o lábio inferior. Ela havia perdoado Rick muito tempo antes, mas vê-lo tão
atormentado enquanto fazia sua confissão trouxe de volta emoções para ela também.
- Eu me arrependo muito, Cris. Agi errado. Sei que você me perdoou, mas também sei
Cris reparou que a testa dele brilhava com suor enquanto ele continuava:
- Já acertei tudo com o Douglas e agora gostaria de acerta com você. Por favor, Cris,
- Mas quero que você fique com o que ‘tá dentro do envelope, declarou Rick. Prometa
- Eu, hã...
Cris voltou a se sentir embaraçada. Não queria abrir o envelope na frente dos dois e
- Acho melhor não fazer vocês demorarem mais. Ainda vão percorrer um longo
- É, acho melhor a gente ir, disse Rick, pegando a bolsa de ginástica e a mochila da
Katie. É só isso?
minha melhor amiga. Cris me mostrou as vantagens de viajar com pouco peso quando
estávamos na Europa.
- Quero saber mais sobre essa viagem, disse Rick. Vocês foram à Itália, não foram?
- Fomos.
- E à ilha de Capri?
- Também.
e fria. Achei que elogiam mais do que o lugar merece. Quer dizer, se pensar bem, não passa
de uma caverna escura, com água e um bando de homens de chapéu cantando alto em italiano.
Rick, diria que você acabou de tomar uma grande dose da verdadeira Katie.
- Você tem razão, Katie. Não passa de uma caverna escura com água e cantores
italianos que alugam barcos. Acho que o que torna a caverna romântica é a pessoa que ‘tá
com você.
- Ah, se você quiser falar em romantismo, disse Katie, dirigindo-se para a porta, então
vamos falar de Veneza. Amei Veneza. Você fez o passeio de gôndola quando esteve lá?
Ela foi contando os detalhes da aventura, e Rick se virou e sorriu para Cris:
- A gente se vê depois.
- Eu telefono pra você amanhã, disse Katie, acenando sobre o ombro. Vamos pra casa
Cris assentiu.
Cris acenou.
Tomem cuidado? Por que estou falando como se fosse mãe deles?
De volta ao sossego de seu quarto, pegou o telefone e ligou para o Ted. Pela voz dele
dava para saber que ela o havia acordado, mas mesmo assim fez a pergunta óbvia:
Cris resumiu a conversa com Katie e Rick. Mas, antes que mencionasse o envelope, Ted
comentou:
- É isso que acontece quando Deus age na vida da gente. Sempre temos de deixar
Cris pensou que na vida do Ted sempre havia muito espaço para o inesperado. Parecia
até que ele procurava surpresas, como quando levou o lanche para o mendigo, naquela manhã.
- Não sou muito boa nisso. Não deixo tempo em minha agenda nem em meus
- Não há problema, disse Ted, acho que Deus vai encontrar formas de surpreender você
- Ele fez exatamente isso hoje, disse ela, e contou sobre o envelope que Rick havia lhe
dado.
- Não, nem sei se quero abrir. De certa forma, gostaria de jogar fora e dar o assunto por
encerrado.
- É, eu prometi.
- Você não tem de abrir agora, raciocinou Ted. E também não precisa me contar o que
- Tem razão, disse ela, baixinho. Vou cumprir. Acho que o melhor, agora, é me deitar e
dormir um pouco.
- Boa idéia. Vejo você amanhã de manhã.
Depois que Cris desligou, a calma se estabeleceu nela e no quarto. Ficou assentada em
silêncio, contemplando o envelope que tinha na mão. Rick escrevera o nome dela em letras
cursivas, pequenas. Pelo estado do envelope, passara algum tempo no bolso do rapaz.
Cris deixou o envelope de lado e pôs na mala as roupas cuidadosamente dobradas que
estavam sobre a cama. Antes de puxar as cobertas, pegou o envelope e enfiou em um dos
No dia seguinte, depois da igreja, ela e Ted foram de carro para Escondido, para casa.
No caminho, ela voltou a pensar no envelope. Não sabia muito bem por que não o abrira na
noite interior. Deveria ter feito isso enquanto conversava com Ted pelo telefone, porque assim
todo o incidente estaria encerrado. Sabia que Ted jamais a interrogaria sobre o assunto.
Chegando em casa, vou abrir o envelope, mostrar o conteúdo ao Ted e tudo estará
acabado. Liquidado. Vamos poder seguir em frente. Não sei por que estou tão cheia de coisa
com esse assunto. Provavelmente é uma carta, com pedido de desculpas, como a que ele
Mas Cris não havia previsto que seus tios Bob e Marta estariam na casa de seus pais
- Não aguentamos esperar até o Natal pra ver vocês dois, disse Marta.
Ela deu dois beijos no rosto de Cris e depois dedicou a atenção ao Ted.
Marta passara por várias mudanças pessoais durante aquele ano. Em setembro, fora até
a universidade para almoçar com Cris. Ao verem Marta, Cris e Katie haviam concluído que
ela estava meio “pirada”. O alongamento no cabelo, a falta de maquiagem e a longa saia tipo
“indiano” combinados à notícia de que estava pensando em ir para Santa Fé com o novo
professor de cerâmica serviram como prova de que a opinião das duas amigas estava correta.
Entretanto Marta não fora para Santa Fé e parecia que ela e Bob vinham se dedicando a
melhorar o relacionamento entre eles. Cortara o cabelo castanho em um estilo clássico, que
formava uma moldura para o rosto. Até o perfume trazia à lembrança de Cris o que ela usava
anos antes.
Tio Bob abraçou Cris, e ela reparou que o cabelo escuro dele estava ficando grisalho nas
têmporas. Ele e Ted haviam se queimado anos antes, quando a churrasqueira a gás de Bob
Cris sorriu para seu tio, sempre paciente, e ficou pensando em como estariam as
cicatrizes que ele trazia no interior, decorrentes das feridas causadas pela crise de meia-idade
da Tia Marta.
Cris abraçou os pais, e então Marta partiu para a ação. Avisou que estava pronta para
- Volto em um minuto, disse Cris ; pedindo licença ao grupo familiar. Depois saiu da
sala e carregou a mala até seu quarto, que ficava no fim do corredor. Fechou a porta,
Marta sempre apreciara assumir tarefas. Talvez quisesse fazer do casamento de Cris e
Ted seu grande evento mais recente. Cris não sabia como não havia previsto isso. Só de
pensar em sua tia forçando a barra e tentando assumir os planos da cerimônia de seu
casamento fazia Cris cerrar os dentes com raiva. Ainda assim, ao mesmo tempo, sabia que, se
Marta tivesse uma missão que a prendesse em Newport ao lado do marido, seria menos
provável que partisse para se unir a seus novos amigos na colônia de arte no Novo México.
- Quem é?
- Sou eu, David. Posso entrar?
Abriu a porta e deixou seu irmão de treze anos entrar e seu domínio particular.
Deu-lhe um abraço rápido, pois ele nunca fora muito amigo de agarramentos.
David já estava quase com a mesma estatura da Cris, 1,70m, mas estava ficando mais
encorpado nos ombros. O cabelo dele sempre tivera o tom avermelhado como o do pai deles,
mas agora estava mais louro, e Cris ficou abismada ao notar como ele parecia mais velho.
- Mamãe não contou? Quebrei os óculos duas vezes no skate este ano. Aí falei pra ela e
o papai que só queria um presente de Natal: lentes de contato. Peguei ontem e mamãe disse
que eu podia começar a usar porque quero me acostumar com elas durante os feriados.
- Puxa, David, você cresceu tanto! ‘Tá tão bonitinho! Não, bonitinho, não, um gato,
disse Cris, dando um grande sorriso para o irmão. David, você ‘tá lindo demais!
- Fico feliz por você não ser daquelas pessoas que julgam os outros apenas pela
aparência.
Cris riu.
- E ainda por cima tem senso de humor! David, quando foi que você ficou tão legal?
Ela deu outra gargalhada e o abraçou de novo, embora ele não parecesse estar à vontade
David, encostando-se na porta fechada. A gente se encontra na pista de skate. Tem um cara da
igreja que vai lá toda quinta-feira às quatro e meia e a gente assenta com ele em algum lugar e
Cris estava com David quando ele entregou a vida a Deus, enquanto Ted estava no
hospital, mas agora via que não tinha se esforçado para acompanhar o crescimento espiritual
dele. Sabia que ele ia à igreja com os pais e agora estava alegre de saber desse estudo bíblico
com os amigos do skate. Mas, como ainda não comprara o presente de Natal dele, parecia
- Não.
- Acho que sim. Quer dizer, tenho uma daquelas para crianças. Ganhei quando tinha
oito anos, mas ela tem figuras e não vou levá-la à pista de skate.
Cris recordou o dia em que ganhou sua primeira Bíblia “de verdade”, presente de Ted e
Trícia, em seu aniversário de quinze anos. Na hora, não tinha achado muito bom. Decidiu que
compraria para David uma versão atualizada como presente de Natal, mas que lhe daria mais
um presente.
- Vamos.
O sorriso de Cris ficou mais largo. Tirou os sapatos e dobrou as pernas debaixo do
- Quando?
- Ela disse isso? perguntou Cris, inclinando-se para frente E o que o papai falou?
- Nada. Ele fica só ouvindo. Mamãe e Tia Marta quase brigaram antes de você chegar.
Tia Marta falou que você tem de fazer a recepção em algum clube náutico na praia de
- David, talvez você seja a única pessoa a me fazer essa pergunta aqui, hoje. Assim, vou
- Tudo bem, disse ele demonstrando não entender por que isso era tão importante. Quer
dizer, o casamento é de vocês certo? E a vida de vocês é vocês devem fazer do jeito que
- É, esperamos mesmo.
Os dois ficaram em silêncio por alguns momentos. Mesmo através da porta fechada Cris
ouvia a voz da Tia Marta se elevando enquanto ela compartilhava com o coitado do Ted tudo
- Acho que é melhor voltar pra lá e dar uma força para meu noivo, disse ela.
- Ted ‘tá bem, retrucou David. Ele não vai deixar Tia Marta passar por cima dele.
Cris desejou ter tanta confiança quanto seu irmão. Levantou-se e se dirigiu para a porta.
David não se moveu. Cris olhou para ele, questionando-o com os olhos.
Num impulso, Cris avançou e deu um beijo no rosto de seu irmão, e disse-lhe:
- É, eu também.
Com o coração leve, Cris abriu a porta do quarto e partiu para enfrentar sua temível tia.
Ted estava enfiado no meio do sofá entre Marta e a mãe de Cris, com uma pilha de
revistas de noivas no colo. Não fosse pela expressão chocada dele, Cris teria dado a maior
gargalhada. Naquele momento e naquele lugar ele entenderia quantos detalhes estão
- Acabei de contar ao Ted que enviamos para a coluna social do jornal daqui e também
da cidade de vocês copias daquelas fotos que Bob tirou de vocês dois no Dia de Ação de
Graças, disse Marta. O anúncio do noivado vai sair este fim de semana. Ah, tomei a liberdade
- Era a hora perfeita, na verdade, com o Natal nesta semana. Não quis perder a
Cris não conseguiu evitar outro sorriso. Coitado do meu Ted. Acho que ele não ‘tá
preparado pra isso, mas sei que o contato com e a realidade vai fazer bem a ele.
- Cristina, não nos abandone! gritou Marta. Mal comecei a falar sobre os preparativos!
- Volto logo.
- Tenho só uma pergunta, disse o pai de Cris enquanto ela pegava dois copos no
- Quanto antes, melhor, falou Tio Bob, levantando a garrafa de água mineral como se
- Você andou conversando com Ted? perguntou Cris ao tio e foi colocar gelo nos copos.
- Não, ainda não, mas vou dizer a ele a mesma coisa que vou falar pra você agora e que
acabei de dizer ao seu pai. Não se preocupem com dinheiro. Eu e Marta teremos a maior
alegria em ajudar.
- Sua mãe acha que seria melhor vocês esperarem até o Natal do ano que vem, informou
o pai de Cris.
Ele era um homem grande e tranquilo que preferia pensar muito antes de fazer
comentários. A expressão dele revelou que se sentia honrado por ela perguntar a opinião dele.
- Bom, você sabe o que penso sobre o privilégio de concluir um curso superior. Nem eu
- Eu sei, disse Cris. E concordo. Já disse ao Ted que é melhor a gente só se casar depois
que eu me formar.
- Falta muito pouco pra você concluir seu curso, lembrou Bob. Não vejo motivo pra
você não fazer o último semestre depois do casamento. Poderia até mesmo ficar sem estudar
no próximo semestre, casar depois da formatura do Ted, em janeiro, e voltar pra concluir o
- Ei, vocês aí! chamou Marta, lá da sala. Estamos esperando aqui. Vocês estão falando
Cris fez um aceno com a cabeça para que o pai e o tio a seguissem, levou os dois copos
- Assente-se aqui, disse Marta, estendendo uma revista grossa para Cris e apontando a
fotografia de um vestido de noiva com uma saia ampla. Estava folheando esta revista no
caminho para cá e imaginei se você já pensou nesse tipo de véu. Presumi que você vai prender
desfazer.
- Não vejo problema em acrescentar algumas flores na parte da frente desse véu, falou
- Tia Marta, na verdade ainda não estamos prontos pra conversar sobre isso.
- Tem razão. Vamos em ordem de importância. Ted me disse que vocês começaram a
procurar alianças, mas que ainda na chegaram a nenhuma decisão. Tenho certeza de que você
sabe que vai ser difícil conseguir que ajustem as alianças antes do Natal, mas imagino que é
possível, se escolherem hoje ou amanhã de manhã, o mais tardar. Presumo que você vai
- Marta, disse Tio Bob com firmeza, deixe que eles façam tudo no ritmo deles. No
caminho você me disse que ia ouvir o que eles têm a dizer e se oferecer pra ajudar no que eles
esperaria.
- Sim. Claro. Então vamos, contem seus planos. Até agora só sabemos que vocês não
decidiram sobre as alianças. Nem sobre a data. Nem sobre nenhum dos outros pontos
essenciais. Nesse momento, ela olhou para a mãe de Cris e acrescentou, em voz mais baixa:
Cris sentiu a conhecida mistura de raiva e mágoa crescer em seu íntimo. Sabia que era
melhor ignorar a farpa. Todo mundo na sala pareceu ter essa reação automaticamente.
- Por que não começamos com a data? sugeriu o Tio Bob. Ted, eu estava falando pra
Cris e Norton que vocês não devem se preocupar com os gastos com o casamento. Vocês
Marta se intrometeu:
- Vocês sabem que para uma recepção, digamos, no Iate Clube de Newport Bay, a
reserva tem de ser feita com um ano de antecedência. Além disso, leva pelo menos seis meses
para fazer um vestido de noiva sob medida, algumas vezes chega a nove meses, dependendo
Cris reparou que David havia desaparecido. Esse seria o momento perfeito para ele
- Conversamos sobre as opções, disse Ted, com calma, mas ainda não chegamos a uma
conclusão.
Cris desejou que eles tivessem decidido, que todos os detalhes estivessem planejados
para que essa reunião improvisada servisse para elaborar uma agenda baseada em planos
feitos com cuidado. Mas o encontro estava se tornando uma discussão aberta.
Como se tivesse sido combinado antes, soaram passos na varanda, seguidos pelas vozes
Cris foi abrir a porta. Lá estavam Rick e Katie, sorrindo e cantando com alegria.
- Ho, ho, ho! Você não notou? A coroa despencou! recitou Katie, segurando uma
guirlanda.
- Ela não caiu, ainda não a penduramos, informou Cris. Eu e Ted a compramos no
- Rick? perguntou Marta, lá do sofá. Rick Doyle? Puxa, não vejo você há anos!
Rick entrou na sala de visitas, onde Tia Marta o recebeu com uma longa sequência de
perguntas.
Ela olhou por trás de Cris para ver quem tinha chegado com Rick.
- Ah, oi, Katie. Suponho que você já saiba das novidade sobre Ted e Cris.
- Não, disse Katie bem séria. O que aconteceu com eles? Ganharam na loteria?
- Ai!
Rick explicou que administrava o Ninho da Pomba e Marta prometeu que faria uma
visita a cafeteria.
- O que vocês acham de eu pegar alguma coisa pra comermos? ofereceu a mãe de Cris,
levantando-se do sofá. Vocês devem estar com fome. Katie, você e Rick já lancharam?
Cris pensou em como algumas coisas nunca mudam. A tia sempre apreciava fazer sala
para as visitas, e a mãe sempre se dedicava a alimentar os outros quando não sabia que outra
providência tomar.
Durante uma hora e meia, aconteceram desdobramentos que Cris nunca havia previsto.
Ted folheou uma das revistas de noiva de Marta na cozinha, enquanto Cris e a mãe faziam os
sanduíches. O pai saiu de casa e se dedicou a pendurar a guirlanda. Marta interrogou Rick a
respeito dos detalhes da vida dele desde a última vez em que haviam se encontrado e ouviu
até com certo respeito ele contar sobre seu novo compromisso com Cristo e sobre as
Durante essa conversa, por duas vezes, Cris trocou olhares disfarçados com seu tio.
Desde que Bob entregara a vida ao Senhor, isso fora sempre um ponto de tensão entre ele e
Marta, pois ela não pensava da mesma forma que ele sobre o cristianismo. Com o passar do
tempo, ela aceitara ouvir Cris e Ted explicarem tudo sobre a fé, mas, por algum motivo,
- Viemos perguntar se vocês não querem ir com a gente cantar hinos de Natal pela rua
hoje à noite, disse Katie depois do lanche. Um grupo vai se encontrar às 6:00h na igreja pra
começar de lá.
Cris olhou para Ted, que se levantou para ajudar a mãe dela a limpar a mesa da
cozinha. Achou que deixar o terreno das decisões do casamento seria bom, e poderiam se
- Você decide, disse Ted, se inclinando para Cris quando passou perto dela. Daqui à
casa de seus tios é uma hora e meia. Acho que eles gostariam de conversar mais um pouco
Cris pediu licença, levantou-se e seguiu Ted até a pia, que ficava a menos de três metros
- Você ‘tá sugerindo que a gente decida a data do casamento agora, só pra agradar
minha tia?
- Não é isso.
- Acho que precisamos conversar um pouco mais, prosseguiu Cris. A decisão tem de ser
- Claro. E você?
- Tanto faz.
Exatamente nessa hora a mãe de Cris se aproximou da pia com mais pratos.
mais decidida. Afinal, ‘tá chegando o Natal. Devemos celebrar o nascimento de Cristo, e não
Cris pensou que essa declaração fazia todo sentido. Entretanto, mais tarde, quando ela e
Ted estavam lado a lado cantando “Noite de Paz”, entendeu que a decisão havia provocado
uma noite pacífica demais na casa de seus pais. Bob e Marta partiram; ela, controlando a
- Quando vocês estiverem preparados, basta dizer como querem que ajudemos.
David reapareceu e anunciou que pretendia ir ao cinema com Ted. Percebendo que todo
mundo ia sair, a mãe de Cris guardou de volta no armário uma pilha de jogos que havia
preparado. E, quando estavam na metade do percurso dos cânticos, Ted começou a tossir.
Ficou em silêncio nas duas últimas paradas e disse que a garganta dele doía, não dava para
cantar.
Quem mais se divertiu foram Rick e Katie. Pareciam íntimos demais enquanto partiam
Isso foi um grande erro. Deveríamos ter ficado em casa, quentinhos, mesmo tendo de
enfrentar minha tia por mais algumas horas. Claro que ela ficou contrariada por ir embora
sem respostas.
Cris lembrou-se do comentário da tia sobre o tempo necessário para ajustar um anel. Iria
Não podíamos estar aqui. A gente devia ter ido ao shopping, ver anéis nas joalherias.
Talvez alguém já tenha fabricado um anel como o que ‘tá em minha mente. Eu só preciso
encontrá-lo.
Bastou olhar uma vez para o Ted e perceber que ninguém o convenceria a ver vitrines
naquela noite. Além disso, era provável que as lojas já estivessem fechadas. Resolveriam isso
no dia seguinte.
Já eram quase dez horas quando concluíram o percurso com os cânticos. Rick e Katie
convidaram a todos para irem até a casa dos pais dele para provarem o delicioso chocolate
- Estou exausto, respondeu Ted ao convite. Cris, se você quiser ir sozinha, não tem
problema.
- Que noite! disse Cris, passando o braço pelo de Ted e contemplando o céu. Poucas
estrelas surgiam por trás das nuvens ralas que pareciam fitas rendadas espalhadas pelo céu de
Parou ao lado do carro e puxou Cris para ele, em um abraço apertado. Dando um beijo
Ela sentiu a respiração quente dele por trás do pescoço entrelaçando dedos invisíveis em
seu cabelo:
- Não sei. Temos de decidir isso, disse, dando um beijo na orelha dele. Quanto antes,
melhor, continuou e traçou uma linha de beijos no pescoço dele. E você? Quando quer se
casar?
- Sinal vermelho.
- Quê?
- Isso ‘tá ficando meio, é... bem, meio perto demais pra mim.
sobriedade a Cris.
- Acho que é melhor falarmos sobre isso outra hora, em outro lugar.
- Até nos casarmos, vamos ficar parados em um longo sinal vermelho. Não será bom
Cris não havia percebido ainda como se aconchegar e dar-lhe beijinhos exercia efeito
Naquele momento a mente de Cris ficou mais clara com o frio de dentro do carro. Só
mais alguns meses esperando o sinal abrir. Depois, o resto da nossa vida será um longo sinal
Ela sabia que a despeito de quantos dias separavam aquela noite do dia do casamento
deles, iria enfrentar um grande teste para coração, mente e vontade, maior do que qualquer
Durante o caminho para casa, nenhum dos dois comentou os sentimentos fortes. Ted
cantarolava e batia com os dedos no volante do carro ao ritmo de uma música que ela não
conhecia. Cris pensou que seria bom os dois prepararem chocolate quente só para eles e
ficarem um pouco à mesa da cozinha conversando sobre o casamento. Mas Ted entrou em
casa, foi direto para o quarto de David e se jogou no colchão de ar que a mãe de Cris arrumara
café da manhã. Como de costume, o pai dela saíra às 5:3Oh para o trabalho e a mãe ainda
estava dormindo. Não se ouvia o menor som atrás da porta fechada do quarto de David. Às
9:10h da primeira segunda-feira de suas férias de fim de ano, Cris estava sem companhia na
cozinha, deliciando-se com rabanadas e lendo a Bíblia. Não se importava de passar algum
tempo sozinha. Era uma oportunidade para orar e pensar. E também para planejar.
Só de meias, como estava, voltou sem fazer barulho ao seu quarto, e procurou no fundo
do armário até encontrar um caderno em branco. Retornou à cozinha, fez uma xícara de chá e
redondas e depois, divertindo-se, desenhou um grande coração em volta dos dois nomes.
Passando à primeira página, relacionou tudo que lembrou que precisava resolver. A lista já
- Pensei que você ainda estava dormindo, disse a mãe. Os rapazes ainda não acordaram.
- Tem muita coisa na minha cabeça. Fiz uma porção de rabanadas. Estão no
Antes mesmo que a mãe se assentasse ao lado dela a mesa, ouviu a porta do quarto ser
aberta no corredor. Em seguida, alguém ligou o chuveiro. Dez minutos depois, Ted surgiu,
assoando o nariz.
- Ih, me desculpem, disse, quando viu Cris e sua mãe. Não sabia que vocês estavam
Começou a tossir.
- Parece que você ‘tá gripado, disse a mãe de Cris, avançando e colocando a mão na
testa do Ted. Puxa, querido, você ‘tá queimando de febre. Sente dor de garganta?
- Eu levo pra ele, mãe, falou Cris, pulando da cadeira. Quer tentar comer alguma coisa?
- Não, quero só um pouco de suco. Posso comprar no caminho pra casa do meu pai.
- Por que você vai pra casa de seu pai? quis saber Cris.
- Combinei com ele que iria hoje pra casa pra passarmos algum tempo juntos; ele não
- Eu não sabia disso. Pensei que você pretendia passar a semana toda aqui.
Cris olhou sua longa lista e pensou em tudo que planejara fazer nos dias seguintes.
- Por que você não fica aqui até melhorar? perguntou a mãe. Não vai ser nada bom para
- E acho que não vai ser bom pra sua família se eu ficar.
Ted virou a cabeça e cobriu a boca enquanto tinha outro acesso de tosse.
Cris sentia-se mal por ter dado mais importância às tarefas do que à saúde do noivo.
- Volte um pouco pra cama, pelo menos por mais algum horas, sugeriu ela.
Ted concordou.
- Vou ficar deitado por mais uma hora. Acho que quando acordar a febre já vai ter
passado.
Minutos depois, carregou até o quarto uma bandeja com suco de framboesa,
termômetro, caixa de lenços, pano úmido para testa, uma caixa de comprimidos para a gripe e
Estava todo encolhido, havia vestido um moletom azul-marinho e puxado o capuz para
cima da cabeça. Parecia determinado a suar até eliminar de seu organismo o último vestígio
da gripe. Cris voltou com a água, ele tomou apenas um gole e virou para o outro lado. David
já havia se levantado e se vestido, de forma que Ted ficou com o quarto todo para ele. E lá
de tosse.
Todos estavam jantando quando ele emergiu de sua caverna e anunciou que ia para
Cris não pôde deixar de concordar, pois Ted não estava nada perfumado. A aparência
- Tire seu moletom pra eu lavar, disse a mãe. Você tem alguma roupa limpa pra vestir
depois do banho?
- Estou bem. Posso assumir o controle. Obrigado por terem deixado eu dormir.
Cris entendeu então que ele, filho único que morou desde pequeno só com o pai
divorciado, provavelmente nunca tivera ninguém para mimá-lo quando estava doente. Depois
do acidente de carro, deixou os outros cuidarem dele, mas era diferente. Quando o assunto era
Apesar de outro turno de protestos, Ted colocou suas coisas no carro pouco depois das
7:00h da noite. Cris foi com ele até a frente da casa. Entrando no carro, ele disse:
- E o anel?
Percebeu logo que era muito egoísmo e falta de consideração, mas já era tarde.
- Ouvi você dizer ontem à noite que pretende ir ao shopping com sua mãe esta semana,
disse Ted, colocando o cinto de segurança. Por que você não dá uma olhada nas joalherias de
lá?
Comprar seu anel de noivado com sua mãe não era bem o que Cris desejava.
- Você não vai comprar, só olhar. Achei que você já tinha uma noção bem clara do que
quer.
- Tenho, mas...
- Olha, disse Ted, cobrindo a boca, e o som da tosse era terrível, quero que você compre
um anel de que goste muito. Suponho que ainda vai demorar um pouco pra você tomar a
Cris reconheceu que ele se esforçava para ser compreensivo e paciente. Sentiu-se mal
- Não se preocupe com isso, disse. Só quero que pense em melhorar. Podemos
Cris não se lembrava dele tê-la chamado de “amor” antes, acho muito gostoso. Além
disso, recordou que 1 Coríntios 13 descreve o verdadeiro amor como “paciente”. Isso assumiu
significado mais profundo para ela agora que entendia que seria obrigada a adiar a procura do
anel. Ted lhe dissera que o futuro deles juntos seria repleto de ajustes. Cris não gostava de se
- Eu te amo.
- Amo você. Nós nos veremos na quinta-feira. Por favor, cuide-se bem.
- Sempre cuidei.
Ted deu ré devagar pela entrada da garagem. Cris observou o carro azul deles descer
Será que vou sentir isso o resto da vida? Toda vez que ele partir, vai parecer que uma
“Pai, por favor, manda teus anjos cuidarem do meu Ted no caminho para a casa do pai
dele hoje. Não deixes nada de ruim acontecer com ele. E, Senhor, ele pensa que sempre
cuidou dele mesmo, mas sei que quem o guardou foi o Senhor. Por favor, cuida dele hoje.”
Terça-feira à tarde, antes do Natal, Cris já tinha uma boa idéia de como queria que fosse
página três fotografias tiradas de revistas. Fora ao shopping de manhã com sua mãe e as duas
haviam olhado várias vitrines de joalherias. Além disso, folhearam um livro com modelos de
convites em uma papelaria, falaram sobre a cor do vestido das madrinhas enquanto tomavam
Antes do jantar, Cris passou muito tempo ao telefone, contando ao Ted tudo que tinha
feito.
- Eu sei. A gripe ‘tá demorando muito pra ir embora. O que quis dizer é que você parece
estar feliz. Que bom que você e sua mãe conseguiram tempo pra sair juntas e resolver
algumas coisas.
- Você ‘tá dizendo isso porque ‘tá feliz de não ter sido arrastado para o shopping hoje.
- Tem certeza de que você não fingiu essa gripe só pra escapar de passar a semana toda
- Talvez fosse bom você ir ao médico, sugeriu Cris. Pode ser uma infecção na garganta.
Você não disse que sentiu dor de ouvido? Quando o vírus se aloja nos ouvidos pode causar
- Estou bem, Cris. Tenho certeza de que vou estar ótimo daqui a alguns dias.
A voz de Ted demonstrava traços de irritação. Cris percebeu que estava sendo protetora,
A previsão dele acabou sendo mera ilusão. Quando Cris chegou com sua família à casa
- Senti tanta saudade de você! disse ele, com uma voz que não passava de um sussurro
cheio de areia.
- Amo você, disse ela, chegando mais perto e dando um beijo no rosto dele.
- Espetáculo? repetiu Ted em seu cochicho rouco, e em seguida deu uma gargalhada
horrorosa.
Ted encolheu os ombros e sorriu encabulado, como se tivesse guardado a voz no lugar
- Papai pediu pra vocês ajudarem a pegar os presentes no carro, informou David.
Cris deslizou a mão até pegar a de Ted, e ele a apertou três vezes. Ela sorriu e retribuiu
Tia Marta estava ao lado do carro e olhou para os dois com ceticismo.
- Espero que você não a tenha beijado, Ted. A última coisa de que Cris precisa é ficar
doente. Não sei como não ficamos todos gripados depois que nos encontramos com você
domingo.
- Se eu soubesse que estava ficando doente, não teria ido até a casa da Cris pra não
rosto dele.
Marta se satisfez com a resposta e esperou o pai de Cris passar para os dois a bagagem
que estava no carro. Depois, pegou uma sacola cheia de presentes e seguiu Ted e Cris até a
cozinha.
- Ah, apenas alguns pontos de que precisamos tratar. Pensei que podíamos nos assentar
Cris reparou em várias pilhas de papel grampeadas com cuidado, colocadas à frente das
- Acho melhor ajudar meu pai a descarregar o carro primeiro, disse Cris.
- Vou fazer café, falou Marta. Assim que acabarem, por favor, venham para cá.
Cris sabia, por instinto, que seria bom ter o tio por perto quando Marta partisse para
cima deles.
- Foi buscar nosso jantar da véspera de Natal. Encomendamos tudo no D’Angelo’s este
ano. Bob vai preparar para nós e vamos comer às seis horas. Isso nos dá pouco mais de uma
O pai de Cris entrou carregando uma porção de objetos e a mãe veio logo atrás.
- Não, acabou, respondeu o pai. Alguém pode tirar esta sacola daqui pra eu não
tropeçar?
Cris pegou logo a sacola que Marta largara no meio da cozinha. Levou para a sala, tirou
enorme janela que dava para a praia. Marta se superava e mudava o tema da decoração todos
os anos. Desta vez, escolhera um pinheiro grande que se encostava ao teto e espalhava pela
sala um aroma suave, como se estivesse ao ar livre. Preferira usar apenas duas cores nos
enfeites: vermelho e branco. Havia inclusive alterado as cortinas, com uma guirlanda de
ramo da árvore brilhavam mais lâmpadas minúsculas. Todos os enfeites eram vermelhos. Cris
examinou um pequeno trenó pendurado em um dos ramos. Ao lado dele havia uma maçã
Cris ia retornar para a cozinha quando reparou em um envelope preso com uma fita
listrada de vermelho, pendurado em um dos ramos mais baixos da árvore. Trazia o nome de
David, mas, por algum motivo, fez com que ela se lembrasse do envelope que Rick lhe dera.
Cris respirou fundo e se dirigiu para a cozinha. Ted, seus pais e Marta já estavam
Assim que Cris levou a cadeira para perto da de Ted, Marta partiu para a ação.
- Devo começar dizendo que tomei a liberdade de telefonar para o meu clube essa
semana e descobri que, por milagre, houve um cancelamento para o último fim de semana de
junho. Claro que fiz a reserva. Tive de fazer um deposito considerável, mas, como vocês
- Espere um pouco, interrompeu Cris. Vaga pra quê? Do que você ‘tá falando?
Marta apontou o primeiro item da agenda impressa que estava sobre a pilha de papéis
- Reserva para a recepção do casamento de vocês. Não conheço lugar mais agradável
Cris lançou um olhar atônito para sua mãe, assentada na cadeira à sua frente.
A mãe falou:
- Eu e seu pai achávamos que vocês iriam se casar em nossa igreja, em Escondido. A
recepção poderia ser no ginásio. Lá na igreja tem muitas mesas redondas e as toalhas seriam...
- Ginásio! exclamou Marta, olhando incrédula para sua irmã. Você não pode estar
falando sério, Margaret. Não vai querer que sua única filha faça a festa do casamento em um
ginásio!
- Nossa igreja faz sempre recepções no ginásio. Fui a um almoço lá há alguns meses.
- Não quero nem ouvir falar nisso, interrompeu Marta, com firmeza. Cris merece um
casamento elegante, de primeira classe. Ela e Ted devem fazer a festa no melhor lugar
disponível para o dia mais importante da vida deles. Você não percebe que foi um pequeno
- Pensei que vocês dois, mais do que todo mundo, veriam isso como um sinal de Deus
Seguiu-se um momento do mais profundo silêncio. Cris não sabia nem por onde
começar a contradizer a tia. Sua mãe parecia ter recebido uma ferida mortal e seu pai
- Tenho certeza de que o Noivo irá a qualquer lugar em que realizarmos a cerimônia.
- Não falei de mim. Estou me referindo ao Noivo; Jesus Cristo. Ele ‘tá aqui conosco
agora. E vai aparecer em qualquer lugar em que eu e Cris estivermos no dia em que
- Ted, venho me controlando há muito tempo, mas não dá mais para ficar calada,
inclinou-se sobre a mesa, com os olhos em fogo. Amo você como se você fosse meu filho.
Você sabe disso. Faria qualquer coisa por você, lhe daria qualquer coisa. Mas você nunca
demonstrou a menor consideração nas coisas que são mais importantes para mim. Essa foi a
Levantou-se e apoiou-se na mesa. Os nós de seus dedos ficaram brancos com a força
- Não estamos tratando aqui de sua visão celestial sobre todos os assuntos. Trata-se do
casamento da minha única sobrinha. Estou oferecendo meu tempo e meus recursos para
ajudar criar um dia inesquecível para vocês. E o que recebo em troca? Desrespeito, falta de
- Você tem razão, a voz dele falhou e se transformou um cochicho mais alto. Não dei
valor ao seu grande esforço. Sinto muito. Gostaria de pedir perdão pela insensibilidade e
desconsideração diante de tudo que você faz por mim e pela Cris.
Marta não sabia como reagir. Permaneceu rígida e fitou como se tentasse descobrir se
ele estava sendo sincero ou se mais uma tática espiritual para acabar com as defesas dela.
- Ho! Ho Ho! ouviu-se uma voz alegre e a porta da garagem foi aberta. Papai Noel e seu
ajudante chegaram! Trouxemos um jantar de qualidade pra vocês! E esperem até ver a
sobremesa...
- O que aconteceu? perguntou David, que veio logo atrás de Bob, carregando uma
paramos.
- Não se preocupe com isso, Ted. Estamos todos com as emoções à flor da pele. Acho
melhor fazermos um intervalo de cinco minutos e depois nos reunirmos de novo, nos
Cris pensou que sua tia havia se transformado em um robe e cuspia frases que ouvira
antes, sem revelar o que brotava de seu coração. Talvez essa fosse a forma de conversar sobre
- O jantar ainda vai ser às 6:00h? quis saber Bob, colocando as sacolas com a comida
- Acho que 6:3Oh será melhor, disse Marta, aproximando-se da cafeteira elétrica e
- Tudo bem.
especial de Natal, de hortelã. Talvez você goste. E você, Ted? Quer alguma coisa quente pra
- Chá.
- Vou fazer, disse Cris, esfregando as costas do Ted ao passar por ele. Pode ser de
hortelã?
Ele concordou.
Foi o tempo de Cris pôr a chaleira no fogo e Marta voltou à mesa e anunciou que já
podiam prosseguir.
Tomada de nova determinação, Marta pegou mais uma vez a agenda e deixou o
- Vamos direto para o terceiro item. O bolo. Na terceira e na quarta páginas da apostila
fazendo muito sucesso, porque ela entrevista os casais, descobre o que é importante para eles
e cria um bolo especial para eles. Não faz dois bolos iguais.
- Que são essas coisas em cima do bolo amarelo? Skates? perguntou a mãe de Cris.
- Massa! disse David olhando sobre o ombro de Cris. Como será que fazem as rodinhas
- Não. Todas as fotografias são de bolos de casamento. Nesse caso, o noivo era arquiteto
e conheceu a noiva quando fez um projeto de uma pista de skate em uma cidade chamada
casamento, para que Ted não tivesse a idéia maluca de usar pranchas de surfe no bolo deles,
mas sabia que era melhor não contrariar sua tia. Pelo menos não naquele momento.
Aparentemente, Marta se acalmara. David foi assistir à televisão, Bob trouxe o chá para
Cris e Ted e depois passou a trabalhar em silêncio na cozinha enquanto Marta percorria o
restante da lista. A apresentação dela durou quinze minutos, sem interrupção. Ninguém mais
disse nenhuma palavra. Ninguém concordou, nem discordou, nem a contrariou em nenhum
dos outros sete itens. De volta aos primeiros dois pontos, apresentou suas opiniões com
entusiasmo.
- Como já mencionei, me adiantei e reservei o clube para junho. O ponto número dois é
a organizadora de casamentos que me ajudou a reunir todas essas informações. O nome dela é
Elisa e marquei para nos encontrarmos com ela sábado às duas horas. Agora vamos à
Cris abrigava tantos sentimentos conflitantes que não ousou dizer nada. Mais uma vez
foi Ted o corajoso. Mesmo com tão pouca voz, ele se assegurou de ser ouvido.
- Muito obrigado, Marta. Você se esforçou muito pra fazer tudo isso. Agradeço muito.
Cris pensou que ele escolhera muito bem as palavras. “Organizar tudo” poderia
significar que eles aceitariam todas, algumas ou nenhuma das idéias de Marta. E a parte que
ela ouviu foi o “muito obrigado”. Isso parecia ser o mais importante.
- Fiz tudo com prazer. Vocês sabem, é apenas o começo. Temos muito mais coisas a
Cris decidiu, naquele exato instante, que ela e Ted encontrariam tempo no dia seguinte
decisões sozinhos sobre onde, quando e como se casariam. Mesmo que fosse necessário
passar as duas noites seguintes acordados, fariam seus próprios planos. Se precisassem sair
para conversar, só voltariam depois que analisassem todos os itens da lista deles. Mesmo se
Ted perdesse por completo a voz e só pudesse se comunicar por linguagem de sinais,
planejariam antes das duas horas da tarde de sábado. E os dois decidiriam porque, afinal, era o
casamento deles.
Rancho Corona para concluir os preparativos para a viagem evangelística do grupo de jovens
do Ted ao México. As duas não tinham se encontrado desde a noite em que saíram cantando
pelas ruas, mas haviam combinado pelo telefone se encontrar na frente do supermercado que
- Sim, fomos nos encontrar com a organizadora, disse. Ela não é do clube, é
clube?
- Ainda não contamos, mas vamos contar, respondeu Cris. Passamos horas conversando
- Nem depois de toda essa conversa vocês conseguiram chegar a um acordo sobre a data
do casamento?
- Em minha condição de sua melhor amiga e provável madrinha, será que posso
- Não é segredo, Katie. É dia 22 de maio, mas você é a única que sabe e, por favor, não
diga nada até podermos confirmar. E você é mais do que provável madrinha. É a madrinha.
- Claro. Fico muito lisonjeada. Considero uma honra ser sua madrinha. Mas tenho de
perguntar: como vocês escolheram esse dia? Pensei que Ted queria casar logo.
- Analisamos todos os finais de semana daqui até o próximo Natal. Acredite, a única
data adequada era 22 de maio. Queríamos ter pelo menos uma semana para a lua-de-mel e só
seria possível nessa época. É nove dias depois da minha formatura e nove dias antes do Ted
- É, faz sentido, comentou Katie. Mas ainda não entendi uma coisa. Por que vocês não
explicasse tudo.
e a recepção.
- O que seus pais pensam sobre isso? Eu achei que eles gostariam que a cerimônia fosse
- Eles querem.
Cris empurrou o carrinho até a prateleira dos pães e jogou dentro cinco dos mais
baratos.
- Você se importa de trocar um dos pães integrais por branco? perguntou Katie. Rick
gosta de pão branco. A mãe dele fez uns sanduíches deliciosos com sobra de peru e pão
branco no dia seguinte ao Natal. Você já provou sanduíche de peru, com molho feito com o
- É meu novo favorito. Mas só dá certo em pão branco. O recheio faz ficar tudo junto,
disse Katie, e empurrou o carrinho até a prateleira de manteiga de amendoim e geléia. Você
não colocou manteiga de amendoim na lista? Acho que a geléia mais barata é esta de uva.
Cris pediu a Katie para pegar três vidros de manteiga de amendoim e falou:
- Agora conte como foi seu Natal. Como correu tudo com o Rick?
- Ótimo. Maravilhoso, respondeu Katie, colocando a manteiga de amendoim no
carrinho. Mas você ainda não acabou de contar sobre você e Ted. Será que ele já vai ter
- Vai, Ele já ‘tá bem. A voz ‘tá quase normal. Não tenho muito mais a contar sobre
nossos planos. Não fomos a nenhuma joalheria, então ainda não temos anel. E já contei que
- Exato, declarou Cris. Ah, meu tio nos ofereceu o apartamento dele em Maui para a
lua-de-mel.
Katie sorriu.
Cris fez sinal a Katie para empurrar o carrinho até a seção dos enlatados. Analisou os
- Sabe, falou Katie, se vocês se casarem na campina, podem soltar borboletas, para ficar
diferente.
- Nem ouse sugerir isso pra minha tia! Ela já tem uma longa lista de idéias criativas para
que vêm em caixas individuais. Parecem aquelas embalagens de comida chinesa para viagem.
No instante em que os noivos dizem “Sim” os convidados abrem as caixas. Achei uma idéia
bem legal.
- O quê?
- Conversamos sobre os votos ontem à noite. Decidimos que vamos dizer “Eu prometo”,
porque isso deixa mais claro que estamos fazendo um voto de amar, respeitar e cuidar e todo
o resto.
- Tenho certeza de que as borboletas bateriam suas asinhas no momento certo, quer
vocês digam “Sim” ou “Eu prometo”, afirmou Katie, brincando. Ou, se você quiser guardar as
borboletas para o final, pode fazer um lançamento no mesmo instante em que arremessar o
buquê.
- Agora me diga, Katie, Cris encarou a amiga. Estaria eu fazendo uma suposição correta
- Pode jogar para o lado que você quiser, respondeu Katie. “O Senhor cumprirá o seu
Salmo 138, versículo 8, da versão NVI. Levamos só dois segundos pra decorar. “O Senhor
cumprirá seu propósito para comigo.” É isso aí. Não é incrível? Decidi transformar esse
versículo no lema da minha vida. Quantas latas de molho de macarrão você quer?
- Seis dessas grandes aí na prateleira de baixo. Pega daquela marca da direita, é mais
barata.
- Quero. Três. E acho melhor pegar mais uma lata de molho, só para ter certeza de que
- Espero que ela não esteja enjoando muito, falou Katie. Não seria nada divertido pra ela
- Talvez ela nem consiga ir, conjeturou Cris. Vou telefonar pra ela hoje à noite. Você
- Não precisa. Quando passarmos pelos remédios, vou comprar pastilhas para tosse.
Seria bom levar também para o México. Arrumei um kit de primeiros socorros, mas não
- Queria que Selena e o resto da turma dela já tivessem retornado dos feriados de Natal
- Podemos programar outra viagem na primavera. Pelo que Ted falou, o orfanato precisa
de muita ajuda.
- Talvez Rick tenha de voltar antes. Não sei se contei, mas ele ‘tá com dificuldade pra
fazer a escala do fim de semana. Eu poderia voltar com ele, a não ser que você ainda precise
- São só quatro dias, lembrou Cris. Quer dizer, se você precisar voltar antes, não tem
- Eu sei. E pode ser que ele consiga resolver tudo pra gente ficar o tempo todo. O
problema de ser gerente do Ninho da Pomba é que ele é o responsável, sabe? Eles precisam
passada, porque fiquei lá com o Rick todos os dias. Já aprendi tudo que preciso saber pra
começar a anotar os pedidos. Tenho a sensação de que vou gostar muito de trabalhar lá.
Cris mordeu o lábio. Quase disse “Ah, nem imagino por quê!”, mas não queria colocar
em risco a comunicação com Katie. Especialmente depois da confusão que acontecera mais
O resto das compras correu com tranquilidade. Infelizmente, Katie não revelou muito
ao quarto delas. Cris esperava que Katie se abrisse mais. Entretanto um pequeno detalhe
Cris não precisou perguntar o motivo da parada e do olhar fixo. Já sabia. Ted fora com
ela de manhã até o quarto, carregando o objeto que agora Katie contemplava, de boca aberta.
- É o presente que Ted me deu no Natal, disse Cris, em voz baixa. Foi ele mesmo quem
fez.
- Ohhhh! É a Naranja?
Katie avançou devagar pelo quarto, falando como se reencontrasse uma amiga que não
Kombinada. Ted deu um jeito de juntar os dois e agora... é... um sofá. Pelo menos eu acho que
é.
- Como assim, você acha que é um sofá? perguntou Katie e assentou-se, olhando para
Cris com expressão deliciada. Estou diante da obra de arte mais surpreendente, autêntica e
cheia de lembranças que já vi. Dá vontade de chorar! E sabe de uma coisa? É até meio
confortável.
Cris forçou um sorriso, o mesmo que dera quando Ted lhe entregara seu presente de
Natal. Ele escondera o sofá artesanal na garagem da casa de Bob e Marta. Amarrou nele uma
longa fita vermelha que corria por toda a casa. Cris foi seguindo a fita, cheia de risos, curiosa
para saber o que a esperava. Mas, quando abriu a porta da garagem e viu o sofá feito só para
ela depositado lá, com um grande laço vermelho, ficou sem palavras.
Ted, por sua vez, apesar da rouquidão, não conseguia parar de falar sobre sua obra.
Tivera a idéia enquanto se recuperava do acidente e trabalhara durante várias semanas na casa
de seu pai antes de descobrir a combinação certa das partes para manter a prancha no lugar
como encosto do banco da Kombinada. Estava tão orgulhoso de sua obra que Cris percebeu
Depois de todas as exclamações e elogios, Cris pensou que deveria ser indicada para o
- Será que Ted pensa que isso é mobília de verdade? perguntou à Cris.
Esta fez que sim com a cabeça e respondeu:
- Temos um sofá e um fogareiro. Ele acha que agora só precisamos de dois sacos de
dormir que possam ser presos um ao outro e aí podemos começar nossa vida de felicidade
matrimonial.
- Desculpe. Não tem graça, né? Será que o Ted percebe como ele é incompetente
quando o assunto é vida em civilização? Ele é um cara legal, mas a idéia que ele faz de vida
normal é... bem... quem não o conhece pode pensar que ele morava em um casebre na selva.
- Creio que, em certo sentido, ele morou, declarou Cris. Claro que não um casebre de
verdade, embora eu tenha certeza de que ele teria gostado muito disso. Acho que ser filho
único e morar só com o pai fez dele um minimalista. Quanto mais falamos sobre nossos
- E você tem dito pra ele o que é importante pra você na vida conjunta, certo? indagou
Katie.
Katie largou o pedaço de pizza pela metade e foi até onde Cris estava, assentada na
Katie voltou ao sofá de prancha de surfe, retomou o consumo da pizza com o olhar
- Foi meio exagerado, não foi? Desculpe. Mas você entendeu o que eu quis dizer, certo?
- É, entendi, Katie.
- É que vocês vão se casar. A coisa ‘tá ficando séria. É sério. Vou fazer uma pergunta.
- Tem certeza?
Será que você ‘tá se tornando um zumbi que não sabe o que quer nem se importa com
isso?
- Eu me importo!
- Não se irrite! exclamou Katie. É que você parece estar meio fora do ar.
de comunicação, disse Cris. Estamos fazendo isso. E vamos continuar. O Ted vai combinar
com um dos pastores da igreja para marcar sessões de aconselhamento pré-nupcial pra nós.
Katie concordou.
- Não é que não estamos nos comunicando, falou Cris, na defensiva. É que queremos
Ficaram em silêncio um pouco e Cris sentiu a cabeça latejar. Tentara ignorar a crescente
- Aquele ditado sobre os opostos que se atraem deve ser verdadeiro, cogitou Katie. Você
e o Ted são opostos em muitos aspectos. Talvez isso indique que um vai dar equilíbrio ao
outro.
- É isso que ele pensa, concordou Cris. Ele diz que somos perfeitos um para o outro
Ela pegou uma fatia de calabresa e um longo fio de mussarela seguiu a linguiça até sua
boca.
Cris fez uma breve pausa antes de dizer, com um sorriso malicioso:
- Isso poderia ser bom, né? disse Katie, lançando um olhar de esguelha para Cris, como
- É, acho que pode ser bom, declarou Cris. Pelo que sei, pode ser coisa de Deus.
- Pode mesmo, concordou Katie, pensativa. E seria uma grande surpresa. Hum.
Cris sentiu a esperança de que, com essa deixa, Katie abrisse sobre o que estava
acontecendo entre ela e o Rick, entanto ela anunciou que precisava sair. Antes que Cris
tivesse tempo de acabar de comer sua fatia de pizza, Katie agarrou outra, deu um salto e partiu
Sozinha, Cris fixou os olhos no sofá de prancha de surfe, que ocupava toda a área antes
- Seu lugar é numa loja que vende roupa de mergulho e skates, murmurou ela para a
obra de fibra de vidro alaranjado berrante. Você não combina com meu quarto. Onde o Ted
Mais uma vez, lembrou a si mesma que ele, cheio de amor, tomara os dois únicos
objetos de valor que possuíra em toda sua vida e tentara fazer deles algo útil. Isso era uma
coisa boa. E foi um tipo de carinho dar a Cris sua obra. Ela precisava ser mais capaz de
Por que não consigo ser espontânea e entusiasmada como a Katie? Por que não sou
Olhou para o relógio e percebeu que já estava quase na hora de pegar o Ted na igreja.
Ele lhe prometera que iriam procurar o anel naquele dia, e os dois haviam combinado dormir
na casa dos pais dela. Na manhã seguinte, iriam para a igreja começar a enorme tarefa de
Contudo, quando Cris acabou de ajeitar a mala e foi se encontrar com Ted, estava se
- Você ‘tá com febre? perguntou Ted, quando estavam a uns dez minutos da casa dos
pais dela.
- Acho que não. Estou sentindo um pouco de frio e uma tremenda dor de cabeça.
- ‘Tá com febre. Pelo menos começou aqui e não no México. Sexta-feira você vai se
sentir melhor e sua voz estará boa quando as aulas recomeçarem daqui a uma semana.
- Por que você tem tanta certeza de que peguei o mesmo vírus que você teve?
- Todo mundo ‘tá pegando. Se não fui eu que contaminei você, provavelmente foi a
organizadora de casamentos, no sábado. Lembra que ela disse que estava sentindo a garganta
- Eu dou conta. Também tem o Douglas, o Rick e a Katie. A Trícia não vai, ‘tá sentindo
muito enjôo.
- Talvez amanhã de manhã eu me sinta melhor, disse Cris. Não precisamos ir comprar o
anel hoje. Vou direto me deitar, quando chegarmos em casa. Com certeza vou melhorar.
- Eu levo suas coisas pra dentro. É melhor você entrar logo. Nos vemos daqui a uma
semana.
- O que você quer dizer com nos vemos daqui a uma semana? Vou dormir bastante e
Nos primeiros três dias, deitada em sua cama e se sentindo péssima, ficou irritada
porque ele estava certo. Perdera a viagem ao México, sentia saudade do Ted e não estava
Mas agora não errava mais o cesto de lixo. Depois de consumir duas caixas de lenço,
tornara-se especialista em lançar o papel amassado no cesto de vime que ficava em um canto
de seu quarto.
Durante aqueles dias, Cris notou mais uma diferença entre ela e o Ted. Quando adoecia,
gostava de receber muita atenção, o tempo todo. Não era como o homem das cavernas que
“sua até sarar” e se afasta de toda forma de contato social até o vírus concluir seu ciclo de
vida.
No terceiro dia, quinta-feira, Cris estava convencida de que o ponto alto da semana
havia sido a atenção e o carinho de sua mãe - perfeita, com doses diárias de torrada e chá de
ervas adoçadas com mel. A parte deprimente do confinamento fora descobrir que tudo seria
muito diferente depois que ela e o Ted se casassem. Sua mãe não prepararia mais torrada, nem
chá, nem trocaria os lençóis da cama enquanto Cris se afundava na banheira. Ela criou uma
imagem mental perturbadora: prostrada em posição contorcida sobre o sofá de surfe, tentava
acender o fogareiro para aquecer a água e fazer chá com um saquinho que já tinha sido usado.
Eu só preciso falar pra ele. Tenho de dizer ao Ted o que quero e do que preciso. Depois
do casamento, se ele souber que quero que ele traga chá pra mim, tenho certeza de que ele
Naquela tarde, teve uma idéia. Havia superado a fase dolorosa da febre e atingira a da
laringite. Já tinha forças para se levantar, mas resolveu passar outro dia de cama, para ficar
Fechou a porta do quarto e pegou embaixo da cama uma caixa de sapatos que forrara
com papel de embrulho anos antes. Dentro repousavam quatorze cartas, lacradas em
perfume suave, abriu caminho até seus lábios. Não sabia quem seria seu marido quando
começou a escrever as cartas. Muitas vezes sentira esperança de que fosse Ted, mas nunca, ao
Hoje, sabia. Ted era o homem para quem se guardara, que leria as cartas na noite do
casamento deles. Saberia assim, com mais certeza ainda, que durante os últimos cinco anos
Cris decidiu escrever-lhe mais uma vez. Pegou uma folha em uma caixa de papel de
Foi muito gostoso escrever o nome dele na saudação. Ted não tinha nome composto, e
Cris achava isso uma pena. Gostaria que os filhos deles tivessem nomes compostos,
Enquanto escrevo, você está no México e eu, de cama por causa da gripe. Tive tempo
para pensar muito nos últimos dias e quero dizer a você duas coisas. Duas não, três. A
primeira é que estou muito feliz por que vamos nos casar. Mal posso esperar para me tornar
sua esposa. Sei que precisaremos fazer muitos acertos em nosso relacionamento, mas também
sei que vamos nos esforçar juntos e aprenderemos a nos comunicar melhor.
Isso me leva ao segundo ponto. Sempre que fico doente, eu preciso de atenção. Não
gosto de ficar sozinha esperando suar até a doença ir embora. Vou querer que você veja se já
melhorei e me traga chá e torradas. Sei que somos diferentes nisso e achei que você deveria
Lembro-me de uma vez, quando estávamos no colégio, que eu fiquei doente. Você foi
até minha casa e ficou do lado da minha cama estudando até eu acordar. Talvez você tenha
pensado que eu ia acordar e pular da cama pronta para fazer algum programa. Mas você
estava lá, comigo. Eu nunca disse que considero essa uma das lembranças mais românticas e
carinhosas dos nossos primeiros anos juntos. Estou ansiosa para nos casarmos, porque
depois, toda manhã, a primeira coisa que vou ver quando acordar é seu belo rosto. E vai ser
logo.
Agora, a última coisa que quero dizer, antes de me entregar aos sonhos com nossa vida
em comum, é que quero que todos os nossos filhos tenham nomes compostos, certo?
Enfiou a carta na caixa com as outras e colocou tudo do volta no esconderijo sob a
- Muito melhor.
Bastou falar e um acesso de tosse fez parecer que ela estava qualquer coisa, menos
melhor.
- Pensei ter ouvido você se movimentar e vim ver se quer que eu traga alguma coisa.
- Por favor.
Durante o resto da tarde, Cris folheou as revistas. Na hora em que a escuridão cobriu o
mundo do outro lado da janela, Cris adormeceu e sonhou com um desfile de vestidos de noiva
Por volta de 1:00h da tarde do dia seguinte, já recortara das revistas várias fotografias e
colara no caderno de organização casamento. Era como brincar com bonecas de papel - cortar
corpete de um vestido e combiná-lo com a saia de outro. Encontrou o modelo exato que
gostaria de ter para as damas de honra. Na revista, eram pêssego, mas preferia azul-claro.
Quatro véus a agradaram, mas achou que seria difícil decidir sem experimentar.
Cris largou o caderno, pegou uma calça jeans e um moletom na pilha de roupa limpa e
dobrada que sua mãe trouxera e foi tomar banho. Estava se sentindo bem. Ou, pelo menos,
melhor. Não tinha voz e, quando tossia, a cabeça doía, mas agora estava pronta para se reunir
ao resto do mundo.
Meia hora depois, limpa e refrescada, com as pontas do longo cabelo ainda tímidas,
aventurou-se a ir até a sala de visitas, onde sua mãe recolhia os enfeites de Natal. A árvore
Cris assentiu.
- Ela foi embora, sussurrou Cris. Mas pelo menos não sinto dor quando falo baixinho
- Seria ótimo. Você pode pegar o aspirador de pó no armário e tentar limpar aquelas
As duas trabalharam caladas durante quase uma hora, com eficiência. Cris ajudou a
carregar as caixas para a garagem. Depois que todas estavam guardadas, limpou a garganta e
falou:
- Quero muito ver, disse a mãe. O que você acha de eu fazer sopa e você me mostrar o
que encontrou?
- Este corpete, sussurrou em voz rouca, com uma saia parecida com esta. Gosto desta
- Entendi, disse a mãe. Vai ficar bonito em você, por causa de sua cintura fina.
- Mas quero que o corpete seja bordado, como este aqui. Só que com flores brancas bem
pequenas. Branco sobre branco. Você não acha que vai ficar bonito?
- Lindo, afirmou a mãe. E você gosta do corpete liso como este, com o decote redondo
Cris concordou.
A mãe sorriu:
- Por quê?
Cris vira fotografias do casamento de seus pais, mas não se lembrava de como era o
Ela conduziu a filha pelo corredor e as duas entraram no quarto da mãe. Ela tirou do
fundo do armário uma caixa que trazia a etiqueta de uma lavanderia que ficava no estado de
Wisconsin.
- Eu me lembro dessa caixa, disse Cris em voz rouca. Encontrei em seu armário uma
- Você e Paula queriam usar meu vestido pra brincar, contou a mãe. Eu tive um ataque.
Cris reparou que o lado direito da caixa estava colado com fita adesiva. Aparentemente
fora por ali que ela e sua melhor amiga na infância haviam tentado invadir.
Cris estudou o semblante de sua mãe enquanto ela abria a caixa com cuidado. Era uma
mulher simples, de aparência agradável e comum, mais baixa e mais gorda do que Cris. O
cabelo estava quase completamente branco, e ela nunca o tingira. Usava sempre curto, liso e
por trás das orelhas. Cris achava que ficava melhor assim do que no que chamava de
Quanto mais crescia, mais Cris admirava sua mãe. Margaret Miller era uma mulher
firme, que sempre colocava a família em primeiro lugar. Antes, Cris desejava que sua mãe
fosse animada, extrovertida, mais parecida com uma amiga ou irmã mais velha do que com
uma mãe. Entretanto Margaret era sempre a mesma, consistente, alheia às modas passageiras.
Hoje Cris apreciava isso. Embora nunca contasse à mãe todos os segredos, sabia que ela
estava sempre disponível e que ouvia sem criticar. Raramente dava conselhos e, quando isso
- Agora, quero que você saiba uma coisa, começou a mãe. É só uma idéia, com base nas
fotografias que você me mostrou. Não sei se você vai se interessar e, se não quiser, tem toda a
Cris estava começando a ficar nervosa. Sabia que seria um problema se sua mãe lhe
sugerisse que usasse o vestido de noiva dela. Para início de conversa, a mãe era mais baixa. E
Cris assentiu, surpresa. Era o mesmo modelo do vestido da fotografia que ela havia
- As mangas podem ser reformadas para serem três quartos, disse a mãe. Sei que a saia
vai ficar muito curta, mas poderíamos fazer outra, bem longa, e também a tira larga na
cintura, como você falou. Assim, a cauda pode ser do tamanho que você quiser.
- O que é isso?
- O tecido? Não sei. É algum tipo de mistura que era muito popular na minha época.
- Certo.
A mãe fechou a porta do quarto, embora só as duas estivessem na casa. Cris tirou o
Com a ajuda de sua mãe, enfiou-se no vestido. Como previsto, ficou largo e curto, mas
- Gosto dessa idéia, mamãe. Vou achar o máximo transformar seu vestido de noiva no
- Ah, Cris, nada me daria mais alegria, respondeu ela. Tem certeza de que quer fazer
isso?
- Tenho!
Cris puxou as mangas, tentando visualizar como ficariam se fossem mais curtas. Um
acesso de tosse brotou em sua garganta, ela se virou e tossiu durante vários segundos.
- Vai ser fácil transformar em mangas três quartos, comentou a mãe. Assim, fica um
Cris perguntou a si mesma se deveria comentar com a mãe sobre a provável data de 22
de maio. Se fizesse isso, teria de explicar também por que ela e Ted queriam realizar a
cerimônia e a festa em uma campina e não em uma igreja. Naquele momento, não tinha a voz
disse ela. Tenho certeza de que consigo fazer a saia. Mas, e as flores bordadas? Parece que foi
isso de que você mais gostou naquele vestido que você viu. Acho que não vou me arriscar a
- Eu nunca falei pra você, mas uma das coisas que aprendi na Suíça foi bordado. Eu
passava horas no orfanato bordando lenços e fronhas com as meninas mais velhas.
- Com o bordado eles podem fazer artigos pra vender. Algumas garotas eram rápidas e
meninas terminaram o bordado e venderam, então não trouxe pra casa nenhum trabalho meu.
Acho que consigo bordar o corpete e talvez tenha sido por isso que o vestido da revista
chamou minha atenção. O bordado me fez lembrar daquele ano da minha vida.
- Vamos tentar, disse a mãe. Este fim de semana eu desmancho o vestido e diminuo as
mangas. Você leva o corpete quando voltar pra universidade e faz o bordado. Se você quiser,
podemos ir até a loja agora pra ver modelo e tecido para a saia. Com certeza encontraremos
também uma revista com risco de bordados. Vou pegar a fita métrica.
Cris ficou parada, com os braços estendidos. Sua mãe tirou as medidas e calculou
- Nós duas temos de manter uma coisa em mente, disse a mãe, anotando as medidas.
Precisamos deixar tempo suficiente antes do casamento para o caso de você mudar de idéia.
Não vou ficar ofendida se começarmos e depois descobrirmos que não vamos dar conta ou
ela queria. Depois pensou se as palavras de sua mãe não indicavam que ela estava tentando
- Mãe, se você acha que o desafio é grande demais, podemos para. Eu detestaria ver
- Só saberemos se tentarmos, afirmou a mãe, em seu jeito prático. Acho que vamos dar
conta.
- Não é sacrifício nenhum, querida. É o que tenho pra dar. Desde que você era pequena,
sempre tive vontade de dar a você muitas coisas, mas nunca pudemos. Na sua adolescência,
Marta apareceu e lhe deu tantas coisas que achei que você acabaria ficando ressentida comigo.
- Sei que minha irmã tem boas intenções, mas ela telefonou de novo ontem pra
perguntar se você já tinha sarado e podia ir até lá pra cuidar do planejamento da cerimônia.
Repetiu que ela e Bob querem pagar todas as despesas que eu e seu pai não pudermos cobrir.
O coração de Cris se comoveu por sua mãe, que assumira expressão melancólica.
- Por favor, não deduza que eu e seu pai não queremos que eles ajudem. Não nos
importamos com a participação deles. Sei que ficarão felizes com isso e também que assim
seu casamento será mais bonito do que eu e seu pai podemos pagar. Mas eu queria ter alguma
coisa pra dar pra você. Alguma coisa que fosse minha.
- Exatamente.
- Já sei que meu vestido será uma de minhas partes favoritas do casamento.
- Espero que sim.
- Na verdade, meu amor, me parece que sua parte predileta do casamento será a lua-de-
mel.
Durante os vinte minutos seguintes, Cris e sua mãe permaneceram assentadas bem
juntas na beirada da cama. Cris ainda estava com o vestido de noiva. Assentou-se bem
De repente, percebeu que não era mais uma menininha brincando com o vestido da mãe,
como tentara fazer tempos antes. Aquilo era real, não era fingimento. Ela era uma mulher que
ouvia outra falar, em tom baixo, sobre a beleza e a santidade de entregar-se a seu marido na
noite de núpcias.
A mãe escolhia as palavras com delicadeza. Não entrou em detalhes. Afirmou que se
arrependia por ter deixado que a timidez as impedisse de terem antes essa conversa tão íntima
e importante. Cris comentou que não sabia se a teria apreciado em outro momento.
- Sei que você e Ted fizeram escolhas sabias e maduras, disse a mãe. Isso fica evidente
na maneira como vocês se olham e se tratam. Serão recompensados por cultivarem esse
respeito profundo.
Cris entendeu, com mais intensidade do que em todas ocasiões anteriores, o poder da
virgindade. Não apenas para ela e Ted, mas também para os filhos deles. Percebeu que um dia
poderia assentar na beirada de sua cama com sua filha e ter essa mesma conversa. Era uma
coisa muito poderosa olhar nos olhos da filha, como sua mãe fazia agora com ela, e dizer, sem
Com renovada determinação, voltou a prometer a si mesma que não importava quantos
meses ou anos ela e Ted esperariam pela noite de núpcias, continuaria guardando seu presente
mais precioso, aquele que só pode ser dado uma vez. O dom recebido de Deus, que só
Na hora em que despiu o vestido de noiva e saiu para ir à loja de tecidos com a mãe,
Cris sentia que acabara de ser apresentada à sua mãe. Além disso, sabia que a proximidade
Para Cris, o melhor do primeiro dia de volta ao campus da universidade, depois dos
feriados do Natal, foi tomar café da manhã com Ted, na mesa “deles”, que ficava ao lado da
janela da lanchonete. A gripe se fora. Recuperara a voz e avançara muito com o planejamento
durante o fim de semana. Havia conversado várias vezes com o Ted pelo telefone depois que
ele voltara do México, mas fazia uma semana que eles não se viam.
- Claro. Estou vendo que você já fez uma lista bem longa.
- É, fiz, disse Cris, virando a primeira página e mergulhando nas tarefas. Temos de
marcar um horário pra ver as alianças esta semana. Já estou bem adiantada com meu vestido,
mas você não vai saber nada sobre ele, nem vai ver, então isso não inclui você. Precisamos
começar a pensar nos convites e temos de decidir quantos convidados serão antes de falar
sobre o bufê. Assim que decidirmos a data, temos de fazer reservas para o vôo, porque minha
tia me disse ontem que alguns vôos pra Maui ficam lotados logo. Você falou com o pastor
- Não começa com romantismo, disse Cris, e pegou uma caneta na mochila. Temos
muito serviço.
Ted riu.
- Você não acha que seria melhor ir primeiro ao escritório da administração? disse ele.
Assim ficamos sabendo se podemos casar no dia 22 de maio na campina. E podemos partir
daí.
- Certo, mas dá pra conversar sobre algumas coisas enquanto comemos. Por exemplo,
quantos padrinhos você quer? Convidei Katie pra ser minha madrinha, mas não sei muito bem
quem mais vou chamar. Trícia, é claro. Isso se nos casarmos em maio. O bebê só vai nascer
em julho, né?
Ted parou de comer os ovos mexidos e sustentou o garfo no meio do caminho para a
boca.
- O que você acha de nossa primeira filha se chamar Julieta? perguntou ele. O apelido
dela pode ser Juli, pra ninguém a perseguir com piadas sobre Romeu.
- Ted, você ‘tá ficando romântico de novo, interpôs Cris com um meio sorriso.
Ela sabia que Ted e Douglas haviam conversado sobre nomes de bebês enquanto
estavam no México. Ted lhe contara pelo telefone, dias antes, que haviam escolhido o nome
Daniel para bebê, se fosse menino. Cris ainda não conversara com Trícia para saber o que ela
embora eu sempre tenha apreciado os nomes havaianos por causa do som: quando a gente
fala, parecem uma musiquinha. Talvez a gente possa escolher nomes compostos para nossos
em nomes compostos para os filhos, exatamente como ela, quando lhe escrevera a carta na
Ted riu.
- ‘Tá bom, ‘tá bom, disse ele. Romance depois. Negócios agora.
- E quando falarmos de romance depois, você pode falar por quanto tempo quiser, o
- Sonhar em voz alta, repetiu Ted. É isso que ‘tá acontecendo, né? Gosto disso, Kilikina.
Durante tantos anos eu e você não sabíamos o que o futuro reservava pra nós, então tivemos
de guardar nossos sonhos pra nós mesmos. Que bom que fizemos isso. Teria sido injusto pra
nós dois se tivéssemos começado a sonhar em voz alta antes de ficarmos noivos.
- Concordo, Ted. Você nem imagina como guardo os sonhos no fundo do meu coração,
- Acontece o mesmo comigo, falou Ted. Tenho de dizer que fizemos algumas coisas
Cris sabia que Ted estava se referindo a uma coisa que eles haviam combinado meses
antes. Os dois achavam difícil se controlar quando desejavam expressar fisicamente o afeto,
então inventaram a imagem de cada um deles ter um “cofrinho imaginário”. Quando sentiam
vontade de se beijar, podiam parar um pouco e avaliar se queriam mesmo gastar o beijo
naquela hora ou poupá-lo no cofre. Ambos sabiam que, se guardassem a maior parte dos
contatos físicos e gastassem apenas uma pequena porção, chegariam ao casamento ricos de
carinhos poupados.
- E naquela noite em que fomos cantar na rua, você disse que estávamos em um sinal
- É, mas ‘tá ficando cada vez mais difícil, não ‘tá? perguntou Ted.
Cris entendeu muito bem o que ele disse, mas sentiu vergonha de dizer em voz alta.
- ‘Tá ficando mais difícil, mas só temos de esperar mais 135 dias.
- Só mais 135 dias até 22 de maio? repetiu, endireitando-se na cadeira. Bem, então é
melhor prosseguir com minha lista. Temos muito que fazer nos próximos 135 dias.
Ted estendeu a mão por cima da mesa e agarrou a de Cris, antes que ela conseguisse
pegar a caneta.
- Vamos, Kilikina, deixe a lista de lado só um pouquinho. Diz pra mim, você não
pensou sobre isso? Sobre nos tornarmos um? Nos entregarmos um ao outro?
Cris olhou bem nos olhos de Ted e ficou surpresa por não sentir o rosto arder. Ali estava
o homem com quem iria se casar. Dentro de 135 dias, ela se entregaria completamente a ele e
os dois se deleitariam um no outro pelo resto da vida. Não sentiu vergonha de pensar nem de
falar sobre isso com ele. Lembrou-se do relato de Gênesis, que afirmava que Adão e Eva
Arrastou sua cadeira para perto da de Ted, inclinou-se para ele e escolheu as palavras
- Ted, desejo, de todo meu coração, ser sua. Sei que vou amar você de forma tão
completa e com tanta paixão que garanto, Ted Spencer, você vai ser o homem mais feliz que
dos olhos dele, que envolveu Cris com os dois braços e a puxou para perto dele. Enterrando o
- E eu vou fazer de você a mulher mais feliz do mundo, minha Kilikina. Eu prometo.
Quando se afastaram, o coração de Cris pulava tanto que parecia bater na garganta e nos
ouvidos.
- Sabe de uma coisa? É melhor não sonharmos mais em voz alta sobre essa parte do
- Bom, pelo menos até ficarmos embaixo de nossa treliça na campina, daqui a 135 dias,
Ted afastou-se e olhou para o café da manhã ainda não consumido como se nunca
Cris voltou a cadeira para seu lado na mesa e tomou um gole de suco de laranja.
Desenhou uma treliça coberta de flores bem no topo da lista. O arco estava se tornando
símbolo da passagem de uma etapa da vida para outra, tanto para ela quanto para Ted.
Os dois apreciavam o simbolismo de uma ponte no Havaí que havia representado para
eles uma passagem na vida. Ela pensou se o arco do casamento poderia ser coberto com
- Ei, crianças! Interrompo alguma coisa? perguntou Katie, puxando uma cadeira para
perto da mesa deles. Se vocês quiserem ficar sozinhos, eu sento em outro lugar.
- É, queremos ficar sozinhos, muito mais do que você imagina, falou Ted. Mas vamos
- Tudo bem, disse Katie, olhando para Cris. Acho que não quero saber do que vocês
- Não. Acabei de chegar ao campus. Tenho uma aula daqui a vinte minutos. Disse ao
meu novo chefe que vou chegar mais cedo no serviço, então você provavelmente só vai me
- É, disse Katie, pegando meio pão no canto do prato de Ted. Você vai comer isso?
- Pode pegar. Quer que eu busque ovos pra você? ofereceu Ted.
Katie sorriu.
- Quero! Você é maravilhoso, Ted. Cris, você precisava ter visto seu noivo no México.
- Você e Rick foram os verdadeiros heróis, comentou Ted, levantando-se. Nada teria
- O que ele quer dizer é que foram necessárias duas pessoas pra fazer seu trabalho, Cris.
Sentimos muito sua falta. Você deveria ter visto seu amado. Falou sobre você o tempo todo.
Todas as garotas da mocidade querem saber se vão ser convidadas para o casamento.
Então, olhando por sobre o ombro para assegurar-se de que as duas estavam sozinhas,
- Não agora, nem aqui. Você tem algum tempo livre hoje, antes de eu ir trabalhar?
- Tenho apenas duas aulas de manhã e só tenho de estar livraria pra trabalhar às 2:00h
da tarde.
noite.
Ted voltou, com ovos para Katie e outro pão para ele. Contaram como tinha sido boa a
viagem ao México e falaram das pessoas que haviam conhecido no orfanato. Cris desejou ter
participado, mas sentiu-se satisfeita pelo tempo que passara com a mãe e por tudo que
planejara.
Exatamente dez horas depois, estavam de volta à mesma mesa ao lado da janela na
lanchonete. Ted estava prestes a atacar uma de suas saladas prediletas, que eram feitas lá
mesmo. Parecia um vulcão verde com uma erupção de ervilhas correndo pela encosta em um
- Bem, telefonei pra minha mãe, anunciou Cris depois que oraram.
- Ela achou que 22 de maio é um bom dia e disse que papai por certo vai concordar.
Mas, quando contei que queremos fazer a cerimônia e a recepção na campina, ela ficou muito
calada.
Ted assentiu.
- Não consegui esperar. Telefonei pra minha mãe também. Tive de deixar uma
mensagem no celular.
- Você falou também de sua formatura no fim deste mês? Quer dizer, ela vem pra
- Falei a data tanto da formatura quanto do casamento. Espero que dê pra ela encaixar
na agenda.
Cris percebeu um tom de mágoa na voz dele. Nem podia imaginar como deveria ter sido
difícil crescer sem a presença da mãe. Ela se casara de novo anos antes e fora com o novo
marido e a nova família morar na costa leste dos Estados Unidos. Ted morara com eles
durante algum tempo. Era muito raro ele falar da mãe e, quando o fazia, era rapidamente,
sempre explicando que ela era muito jovem quando ele nasceu e que não estava preparada
- Eu também. Ted mudou logo de assunto. E seus tios? Telefonou pra eles?
- Não, minha mãe disse que ela mesma queria conversar com Tia Marta sobre a
cerimônia e a recepção serem aqui. Acho que pensou que as duas poderiam se consolar
- Eu sei. E acho que a campina é mesmo o melhor lugar pra nos casarmos.
- É o lugar certo, e 22 de maio, a data certa. Temos um plano, disse Ted abrindo o
- Será que agora é uma hora boa pra eu mostrar o que pensei para o anel?
- Claro.
Cris tirou o caderno do casamento da mochila e abriu nas páginas em que havia colado
- Aqui é a opala azul, disse ela, apontando para uma marca angular, em forma de onda,
- É. Eu gostaria que o anel fosse liso, sem nenhuma saliência. Essas marcas aqui, dos
dois lados, são três diamantes bem pequenos, também incrustados, disse ela e, com uma
sensação de prazer, continuou. Veja, a opala azul é como uma onda do mar. Os diamantes
deste lado são como a areia e os outros, estrelas. Sempre que eu olhar pra esse anel, vou me
lembrar como nos conhecemos na praia e nos apaixonamos enquanto contávamos as estrelas e
- Gostou?
- Acho que o Sr. Frank trabalha bem. Peça pra ele usar uma daquelas opalas australianas
azuis com partículas violetas e verdes. Não quero aquelas quase brancas, gosto das que se
- Entendi, disse Ted, estendendo a mão para pegar o caderno. Você se importa se eu
- Não! disse Cris, agarrando o caderno. Isto é meu cérebro, você não pode separá-lo de
mim. E também não pode ver as páginas com o modelo do meu vestido. Vou tirar cópia da
Frank.
Cris quase concordou, porque queria ir e sabia que facilitaria muito para o Ted se fosse.
- Entro no serviço ao meio-dia amanhã e fico até cinco da tarde. Acho que não dá tempo
pra ir até Carlsbad depois do trabalho e voltar antes da minha aula das 8:00h da noite. Vou
- Se você já soubesse como quer as alianças, poderíamos mandar fazer tudo junto,
sugeriu Ted.
- Fácil. ‘Tá vendo esta fotografia? Recortei de uma revista. Gostaria de uma aliança
como essa, da mesma largura do anel de noivado. E você? Que tipo de aliança quer?
Cris pensou um pouco. Sabia que Ted se contentaria com uma argola dourada sem
pensar duas vezes, mas ela queria que a aliança dele fosse especial.
- O que você acha de usar uma versão maior do meu anel noivado? sugeriu ela.
- Feminino?
- É, disse Ted, analisando os desenhos. Olha, o que você acha de incrustar três
- Não há problema.
pouco. As preferências dele eram simples e suas expectativas, razoáveis. Era maravilhoso, sob
todos os aspectos. A ansiedade que sentira poucas semanas antes, ao perceber a dificuldade de
comunicação entre eles, parecia ter diminuído. Quanto mais tempo passavam conversando,
mais progrediam.
- Olhou o relógio. 11:35h, e Katie ainda não voltara. Cris estava mais do que pronta
para dormir. Passara duas horas seguidas bordando o vestido de noiva antes de tomar banho e
lavar o cabelo. Se não fosse pela vontade de saber o que a amiga queria lhe contar, teria
Tenho certeza de que ela vai falar alguma coisa relacionada ao Rick... Isso me lembra
Cris se levantou, pegou a mala no fundo do armário e enfiou a mão nos bolsos internos.
até o sofá de surfe, tentando fazer as pazes com o inimigo. Assentou-se com os pés embaixo
Abriu o envelope e retirou duas folhas de papel dobradas. Uma nota de cem dólares caiu
Querida Cris,
Espero um dia poder entregar esta carta a você pessoalmente, porque assim vou olhar
em seus olhos para saber se você me perdoou mesmo por ter tirado sua pulseira de ouro.
Acho que já sei que você me perdoou, mas vou me sentir melhor se vir isso em seus olhos.
O dinheiro que acompanha a carta é para reembolsar o que você pagou ao joalheiro
para recuperar a pulseira. Se for mais do que você pagou, então use para alguma outra
coisa. Mas prometa-me que aceitará, como restituição por meu ato impensado.
É provável que você já saiba que Deus agora controla toda minha vida. Ainda não
entendo como ele não desistiu de mim há muito tempo. Ele me atraiu com paciência até eu me
aproximar dele e hoje sou outra pessoa. E tudo obra de Deus, não minha.
Mas você não sabe que participou de um dia muito importante da minha vida. Não me
dei conta na época, mas Deus usou uma atividade didática para chamar minha atenção tem-
pos depois. Estou falando do primeiro domingo em que você visitou nossa igreja e assentou-
se ao meu lado na sala. Lembra que o professor mandou Katie ficar em pé em uma cadeira e
disse que meu nome era Pedro Incrédulo e ela, Katie Cristã? Katie tinha de me puxar para eu
ficar da altura dela. Por mais que ela tenha tentado, não conseguiu. Depois, com um pequeno
Bem, nunca me esqueci dessa ilustração. Percebi que vivia puxando os outros para
baixo. Quando, por fim, atingi o fundo do poço, não conseguia me esquecer da fragilidade de
Katie quando eu a empurrei da cadeira. Vi que não tinha com ninguém o tipo de
relacionamento de confiança que ela havia expressado. Sabia que ansiava por confiar assim
em Deus. Eu tinha feito um tipo de contrato com ele. Você entende, não é? Eu disse a ele que
seguiria as regras se ele não me deixasse ir para o inferno. Mas não é assim que ele age.
Descobri que ele me queria por inteiro. Queria que eu abrisse meu coração e o recebesse por
Assim, peço que você aceite essa restituição e gostaria que soubesse que me arrependo
Rick Doyle
Antes que Cris tivesse tempo para qualquer reação diante da carta, a porta se abriu e
Katie entrou, carregando um lindo buquê de flores variadas. O rosto dela brilhava.
- Bem, comentou Cris, parece que alguém teve um primeiro dia de serviço muito
proveitoso.
- Rick não dá flores pra todo mundo que começa a trabalhar lá, disse Katie, que
se mover.
Katie levou as flores ao rosto corado e aspirou o perfume. Piscando os olhos verdes que
- É.
10
- Cris, nunca pensei que isso iria acontecer, falou Katie, assentando-se no sofá de surfe,
com as flores no colo. Só faz algumas semanas, mas sabia que nos encontramos todos os dias
desde que você e o Ted ficaram noivos? Conversamos sobre tudo. A gente se divertiu muito
no México, e o Natal com a família dele foi maravilhoso. A mãe dele gostou muito de mim. O
pai dele me falou, na véspera do ano-novo, que eu sou um presente de Deus para o Rick.
- Então, sobre o que você queria conversar comigo hoje de manhã? Lá na lanchonete
você disse...
- O que é isso? perguntou Katie ao ver a carta de Rick que Cris deixara sobre o sofá.
Katie examinou a carta. Depois olhou para Cris, indagando com os olhos.
Cris sorriu.
- Minha melhor amiga, a Katie, diria que esta é uma imensa “coisa de Deus”.
- É mais do que imensa. Dá um nó na cabeça. E quem ‘tá fazendo é Deus, não eu. Não
quero correr na frente, nem ficar com medo e recuar. Minha única vontade é aceitar cada
etapa como vier e estar bem alinhada com o que Deus tem pra mim. Quero que ele cumpra o
demonstrava naquele instante mais cautela e sabedoria do que em qualquer outra situação
- Ontem Rick me disse que minha presença na vida dele é como aquela música que o
Douglas estava compondo. Falou que, quando o Senhor nos reuniu, a vida dele ficou cheia de
alegria e de riso. As flores são um agradecimento por eu ser como sou. Mas eu fiquei nervosa,
pensei que talvez ele estivesse tentando me dizer que nosso relacionamento agora ia passar
- Abri minha boca, como só eu sei fazer, e falei exatamente o que estava pensando.
Cris sabia que Katie às vezes chegava a ser rude quando decidia ser sincera. Com um
- Eu disse que nossa amizade mostra que confio nele, que não queria que nenhum de
nós dois julgasse com base no que passou. Eu perdoei-lhe quando ele me mandou aquela carta
e sei que fiz isso de verdade. Não guardo nada contra ele em meu coração, mas falei também
- Depois eu disse: “Se alguma coisa duradoura vai crescer de nossa amizade, então
- Disse que sentia a mesma coisa, que ‘tá interessado em uma amizade que resista a
qualquer circunstância. Não tem expectativas quanto a mim nem quer prever o que Deus ‘tá
- Isso é maravilhoso.
- Eu sei. Agora, gostaria que você me dissesse que agi certo.
- Claro que você fez o que era certo. Você é uma mulher forte, incrível, maravilhosa, e
lidou com uma situação que poderia ser constrangedora com sinceridade e integridade.
Um sorriso surgiu devagar nos lábios de Katie, que balançou a cabeça algumas vezes.
- É. Eu consegui, não foi? Pelo menos uma vez na vida fiz o que era certo.
- Não quando se trata de rapazes. Você, melhor do que qualquer outra pessoa, conhece
minha longa lista de fracassos nessa área. E se, por acaso, esse cara for aquele com quem vou
passar o resto da vida, quero tomar cuidado pra não enlouquecer e acabar decidindo tudo por
- Maravilhosa, nada? Estou exausta? Você nem imagina quanta energia emocional
gastei nas últimas vinte e quatro horas pra analisar meus sentimentos, começar em um novo
emprego trabalhando pra ele e tentar descobrir como iria contar tudo isso pra você!
- Acho que isso é coisa de Deus. Katie, você merece o melhor, e desejo pra você tudo
que Deus tem de melhor pra dar. Aliás, pra vocês dois. Isso é o que sempre quis.
profundo. Cris, tenho de lhe dizer algo. Sei que deveria ter falado há muito tempo, mas tanta
coisa mudou, na minha vida e na sua, que decidi deixar pra lá. Mas, diante do que tem
tempo.
- Você se lembra daquela noite em que fomos dormir na casa de Jane, quando
- Lembra que fomos até a casa do Rick, pendurar papel higiênico por todo o jardim?
Corremos mais depressa que você, e fomos embora no trailer. Você ficou pra trás, escondida
- Katie, é claro que me lembro de tudo isso. O pai do Rick mandou ele sair pra tirar todo
o papel. Pulei de trás do arbusto, e ele saiu correndo atrás de mim rua abaixo.
- Certo. E foi nessa noite que ele ficou obcecado por você.
- Bom, eu achei que sim, prosseguiu Katie. Agora vem a parte difícil. Pensei que, se
ficasse sua amiga, conseguiria me aproximar dele. E foi isso que eu fiz.
- Eu usei você, Cris. Passei anos querendo pedir perdão, mas foi ficando cada vez mais
complicado.
- Porque você abriu os braços pra mim. Eu nunca tinha tido uma grande amiga antes, e
acabei sentindo mais vontade de ser sua amiga do que de me aproximar do Rick. Então disse a
mim mesma que não me importava com ele. A verdade é que, continuou Katie devagar, eu
- Ah, demonstrei, sim. Você ‘tá sendo bondosa, Cris. Eu lutava o tempo todo, e você
sabe disso. Quando você despachou o Rick, metade de mim aplaudiu você por ter ficado firme
e mostrado pra ele que ele havia sido desprezível. A outra metade sentiu esperança de,
finalmente, ter uma chance de ser notada por ele. Isso não é doentio?
- Não acho que seja doentio, Katie. Você ‘tá sendo sincera. É complicado, como você
- Eu gostaria de ter falado tudo isso pra você naquela época. Mas eu nunca encontrava a
hora certa. Quase toquei no assunto quando estávamos no terceiro ano no colégio e fomos
Katie fez uma pausa e inclinou-se para frente, antes de prosseguir com a confissão.
- Na verdade, devo voltar a Janeiro daquele ano, quando fomos ao “Desfile das Rosas”*.
Rick me beijou à meia-noite - você já sabia disso. Foi um beijo espontâneo, pra desejar um
feliz ano-novo. Pra ele, não significou nada, mas foi meu primeiro beijo, foi com o Rick, e foi
- Ei, esta confissão é minha, não sua. Seu coração estava no lugar certo. Você não
queria que eu me magoasse, e foi isso que aconteceu. E, quando ficamos na casa da
Stephanie, perto do apartamento deles em San Diego, Rick foi comigo até a porta, à noite. Ele
confirmar o beijo e mostrar interesse por mim, mas ele escorregou mais do que sabão.
* Desfile tradicional de carros enfeitados com flores, que acontece no dia 1º de Janeiro. (Nota da tradutora.)
- Foi muito desagradável, concordou Cris.
- Você me fez prometer uma coisa. Você disse: “Prometa pra mim que não vai deixar o
- Bem, eu lembro, porque seu conselho me atingiu em cheio. Eu sabia que estava
fazendo exatamente isso com você, desde o início. Usei você pra chegar ao Rick. Confessei o
pecado pra Deus naquela hora e acertei meu coração com ele, mas fui covarde e não tive
coragem de confessar pra você e pedir seu perdão. Mas estou pedindo agora. Cris, eu me
- Katie, eu perdôo você. Não se preocupe com isso. Como você disse, foi tudo
- Eu sei que não, mas ainda assim precisava tirar esse peso do meu peito. Você é assim,
Cris, abre seu coração, e faz as pessoas sentirem que podem tomar conta dele, ficar à vontade
e permanecer por algum tempo. Foi o que fiz na época do colégio e, bem, aqui estamos nós.
- Acho que dois tesouros especiais como nós não se encontram todos os dias, né?
- Claro que não, disse Cris e fez uma pausa antes de prosseguir. E um apaixonado por
fizera na vida delas no passado, pelo que estava fazendo no presente e pelo que viria a fazer
no futuro. Pediu sabedoria para Katie e Rick e orientação para ela e Ted.
Katie foi até a lavanderia, onde encontrou um balde que encheu de água para pôr as flores. Já
eram quase duas da madrugada quando, finalmente, Cris convenceu-a de apagar a luz.
Cris estava quase dormindo e pensou que não teria forças para enfrentar mais surpresas
nem confissões.
Cris abriu os olhos e voltou-os na direção da cama da amiga, do outro lado do quarto.
- Rick me disse que prometeu a Deus que iria limpar sua vida nessa área. Ele quis que
eu soubesse que, se nosso relacionamento progredir, vai avançar realmente devagar nos
contatos físicos. Acho que é uma boa decisão. Pra ele. Pra nós. Sabe de uma coisa? Acaba
com grande parte da pressão. Bem, só achei que devia contar isso. Boa noite.
- Boa noite.
Cris deitou-se de lado. Agora estava totalmente acordada e com lembranças não muito
agradáveis de seu namoro com Rick, que acontecera antes de ele acertar essa área de sua vida.
Cris tinha quinze anos. Era confiante, sem experiência. Rick era direto e cheio de energia. Ela
sabia que os muitos beijos que ele tinha roubado estavam incluídos em tudo que ela lhe
mas ela lembrou a si mesma que tudo fazia parte do passado. Estava perdoado. Esquecido.
Cris sorriu. Puxou a coberta até o pescoço e deixou Jesus atender a porta enquanto
Três semanas depois, voltou a se lembrar do ditado. Dessa vez quem ouviu o inimigo
bater foi Ted. Ele pensava que havia fechado a porta muito tempo antes.
Foi na noite da formatura dele. Os pais, o irmão e os tios de Cris foram à universidade
para, junto com o pai do Ted, comemorar a data importante com aplausos no momento em
que ele recebesse o diploma. Cris gastou um filme inteiro fotografando o Ted de beca e
chapéu. Depois, entregou a máquina ao David e pediu que ele tirasse várias fotos dela com o
noivo. Katie, Rick, Selena e outros amigos também foram à formatura. Cris não deixou
escapar a oportunidade e reuniu todos para uma foto com seu formando predileto.
Mais tarde, um grupo formado por onze parentes e amigos foi até uma churrascaria. O
pai do Ted reservou uma sala só para o grupo e ofereceu um jantar delicioso. O dia correu
repleto de alegria, risadas e aplausos. Cris pensou que não poderia ser mais perfeito.
Ainda assim, quando Ted levou Cris para o alojamento, ela precebeu, ao ver os ombros
dele caídos, que ele estava aborrecido ou triste com alguma coisa. Estendeu a mão e apertou o
braço dele três vezes. Um leve sorriso de agradecimento surgiu no rosto dele, que olhou para
ela.
- Sabe, disse ele, voltando os olhos para a estrada, achei que ela não poderia me magoar
mais. Pensei que tinha superado, mas, quando minha mãe telefonou ontem e disse que não
viria, comecei a me lembrar de todos os eventos importantes da minha vida que ela perdeu.
Desde o dia em que Cris experimentara o vestido de noiva da mãe, um mês antes, as
duas haviam se aproximado cada vez mais. Conversavam pelo telefone quase todos os dias e
estavam trabalhando juntas na preparação do casamento. Cris nem imaginava como seria
ouvi-la telefonar no último instante para dizer que “não era conveniente” para ela ir à
- Pensei naquele ditado que você citou outro dia, sobre pedir ao Senhor pra atender a
porta, quando o inimigo bate, disse Ted. Acho que é isso que preciso fazer hoje. É uma porta
de mágoa e decepção, que fechei há muito tempo, quando perdoei minha mãe, Não posso
voltar a abri-la.
que temos liberdade pra conversar com ele sobre qualquer área da nossa vida que possa trazer
dificuldade depois do casamento? Bem, acho que isso seja um problema pra você, pra nós,
para o resto da vida. Talvez fosse bom conversar abertamente com alguém sobre o assunto.
- Não sei. De certa forma, nem sei se quero que ela venha. Sei que vai parecer loucura,
mas eu quase que prefiro ter Bob e Marta assentados no lugar em que meus pais deveriam
estar.
- Tenho certeza de que eles se sentiriam honrados se você os convidasse. Sei que os dois
Ele não comentara nada com Cris sobre isso. No caderno de organização do casamento,
ela colocara Douglas na lista dos padrinhos, mas não se lembrou de conversar com o noivo
- Isso é permitido nas regras de etiqueta dos casamento O pai pode ficar em pé lá na
Ted entrou no estacionamento que ficava atrás do alojamento da Cris e parou o carro.
- Não sei, mas nós repetimos toda hora que é o nosso casamento, então acho que
- Meu pai sempre esteve pronto a me ajudar. Foi a primeira pessoa em quem pensei.
- Precisamos conseguir tempo esta semana pra dar uma olhada em nossos planos. Minha
- Não muito. Prefiro ir com você a uma gráfica pra olharmos juntos mais uns modelos.
Temos de decidir sobre o texto e a Tia Marta disse que pediu a uma amiga dela que sabe fazer
aquela caligrafia bonita pra endereçar nossos convites, mas ela vai levar um mês e meio. Os
convites têm de ser enviados de um mês e meio a um mês antes do casamento. Se a gráfica
- Parece que você ‘tá começando a entrar em pânico, comentou Ted. Não há
necessidade disso. Podemos ir ver os convites esta semana, menos na segunda-feira, que é o
- Não contei?
- Não.
como pintor, já que só vou trabalhar na igreja em tempo integral a partir de junho. Eu disse
que poderia começar logo depois da formatura. São só trinta horas por semana.
- Ted, é muito.
- Ele paga bem. Precisamos do dinheiro, Cris. O horário é flexível, dá pra conciliar com
minhas obrigações na igreja. Não vai interferir com o aconselhamento nas terças-feiras e
tenho os finais de semana livres. Tem certeza de que não falei nada disso pra você?
- Acho que eu me lembraria caso tivesse me contado, disse Cris, ajeitando-se no banco
quando o Pastor Ross perguntou se eu achava que havia alguma área do nosso relacionamento
que precisava ser resolvida agora. Você não me conta as coisas, Ted.
- Não me lembro de ter ouvido falar nisso antes deste exato minuto. A voz dela foi
ficando mais alta. Também foi a primeira vez que você comentou sobre seu pai ser seu
padrinho.
- Não achei que seria um problema, retorquiu Ted. Temos muito tempo antes do
- Não temos, não. Você vai trabalhar sessenta horas por semana!
reuniões e ‘tá sempre à disposição quando um dos adolescentes ou os pais querem conversar
com você. Como na semana passada. Você não veio jantar comigo porque levou uns garotos
pra andar de skate e ficou conversando com um deles até às 11:00h da noite.
- Isso acontece algumas vezes no ministério com a juventude. Ele tinha muitas
- Eu sei, falou Cris, esforçando-se para se acalmar um pouco e ser mais compreensiva. E
você é muito bom nisso. Só quero ter certeza de que vou continuar em sua lista de prioridades
- Que tal o próximo sábado? Posso me encontrar com você depois do café da manhã e
- Você pode ir sozinha, ou com a Katie ou outra pessoa, encontra alguma coisa de que
Cris sentiu ferver por dentro. Em geral, engolia a frustração e aceitava todas as
sugestões dele, mas não dessa vez. Queria aprender a se comunicar com seu futuro marido, e
- Não, Ted! declarou, em voz alta. Não quero escolher convite com Katie, com minha
mãe nem com ninguém mais. É nosso casamento, e você tem de participar da organização.
Fico furiosa quando você se afasta e quer que eu faça tudo sozinha!
Ted levantou a mão, como se quisesse se defender da força das palavras dela.
- Quando você quer ir escolher os convites?
- Certo, falou Ted. Sábado. Por volta das 11:00h. ‘Tá bom pra você?
- ‘Tá.
- Certo.
- Certo.
Será que vou ter de lutar com você toda vez que alguma coisa for importante pra mim,
pelo resto da vida, Ted? Temos de melhorar a comunicação. Ainda estou com raiva, você
A primeira semana de fevereiro acabou sendo uma das piores da vida de Cris, mas,
Na segunda-feira começaram as aulas do último semestre, mas Cris logo descobriu que
uma das matérias que precisava cursar para concluir o curso tinha sido cancelada. Havia outra
turma, mas para se matricular seria obrigada a mudar o horário de trabalho na livraria.
Precisou diminuir o número de horas trabalhadas de doze para oito por semana, o que
na igreja. Deixou um recado com o Pastor Ross, dizendo que não poderia se afastar do
emprego de pintor naquela tarde. Pediu que o pastor dissesse a Cris que sentia muito, mas
Cris não tinha como ir embora da igreja, porque Katie lhe dera uma carona até lá.
Supunha que Ted iria levá-la de volta para a universidade. Não quis ficar e conversar com o
Pastor Ross porque estava com muita raiva do noivo, e certamente se arrependeria depois do
que dissesse. Ainda não aprendera a expressar os sentimentos sem explodir em um ataque de
fúria reprimida.
Brava e orgulhosa demais para pedir uma carona de volta à universidade, Cris decidiu
percorrer a pé os 8km. Durante o ano em que estudara na Suíça, caminhara muito e achou que
o exercício a ajudaria a aplacar a ira. Conseguiu apenas bolhas nos pés e mais raiva por Ted
Ensaiou inúmeros diálogos que teria com Ted assim que ele “desse as caras”. Nenhum
era agradável.
Para piorar a situação, Ted não telefonou na noite de terça-feira. No dia anterior à
formatura, ele havia se mudado para o apartamento do Rick. Então, toda vez que ela
telefonava, a ligação caía na secretária eletrônica do Rick. Por fim, desistiu e foi dormir cedo.
Katie estava trabalhando, e Cris achava-se aborrecida demais para estudar ou bordar o corpete
do vestido de noiva.
O telefone tocou às 6:30h da manhã de quarta-feira. Cris tinha certeza de que era o Ted,
pedindo desculpas. Mas era sua mãe, e ela falava em tom baixo.
- Seu avô morreu ontem à noite, informou ela. Ele vinha reclamando de umas dores no
estômago. Sua avó o levou para o hospital ontem à tarde. Ele morreu durante uma cirurgia.
Cris já estava se sentindo sem forças. Essa notícia a levou ao choro compulsivo. Amava
seus avós e de repente arrependeu-se de não ter voltado a visitá-los em Wisconsin depois das
bodas de ouro deles, no verão em que ela terminara o ensino médio. Marta telefonou uma
hora mais tarde para informar que reservara passagens de avião para Cris e Ted irem ao
enterro no sábado.
Sexta-feira à noite, Ted e Cris fizeram uma viagem triste com os pais e o irmão dela, e
também com Bob e Marta. O avião pousou no Aeroporto O’Hare, em Chicago, às 5:00h da
manhã. A conexão para Madison partiu às 6:00h. Alugaram uma van e viajaram durante três
horas sob uma leve nevasca. Só conseguiram chegar meia hora antes do funeral em
aborrecida com ele, mas colocou esses sentimentos de lado para lidar com a dor pela morte de
seu avô.
Ted se portou como perfeito cavalheiro ao ser apresentado aos parentes da Cris, que
percebeu que sua avó, mesmo em meio ao sofrimento e ao choque, estava encantada com ele.
funcionários do hospital envolvidos no atendimento a seu pai. Estava convicta de que a morte
dele havia sido desnecessária, resultado de erro humano. Em vez de chorar a morte do pai,
Estavam todos na sala de visitas da casa da avó, depois do funeral, quando David disse:
Todos se voltaram para ele. David não costumava emitir opiniões em voz alta no meio
de um grupo.
- Mas vai fazer justiça, declarou Marta. E isso é muito importante neste mundo.
- Mas o vovô não ‘tá mais neste mundo. ‘Tá no céu, afirmou David. E você o verá de
Cris olhou para seu irmão. Parecia Ted falando. Viu que a análise de David sobre a
situação era a última coisa que Marta queria ouvir, pois logo deu um jeito de sumir. Cris não
se surpreendeu ao ver Ted ir atrás dela. Enquanto eles conversavam, Cris se preparou para ir
embora.
O resto da família pretendia ficar em Brightwater até segunda-feira, mas Cris e Ted
pegariam o avião ainda naquela noite para que ele pudesse estar na igreja na manhã seguinte.
Parara de nevar, e a avó de Cris comentou que as ruas principais da cidade seriam limpas, de
com sua avó. Conduziu-a ao corredor, pegou as duas mãos dela e, em voz baixa, falou que
- Muito obrigada, minha preciosa. E também obrigada por ter vindo de tão longe para o
sepultamento.
- Não, disse a avó, haverá muita comoção aqui, nos próximos dias. Você e Ted poderão
voltar em outra oportunidade, para me ver, e ficar um pouco, em uma visita agradável. Eu
- Eu não perderia de jeito nenhum. Você conquistou um rapaz de ouro, Cristina. Estou
- Muito obrigada, vovó, disse Cris, apertando as mãos frias de sua avó. Você tem algum
Cris lembrou-se das bodas de ouro de seus avós. Ela lhes perguntara como tinham se
conhecido e como souberam que um era a pessoa certa para o outro. O avô comentara que os
dois deveriam verificar se tinham o mesmo tipo de princípios. Entretanto, a avó dissera a Cris
para esperar até os problemas surgirem e então perguntar a si mesma se queria passar o resto
Esse pensamento voltara à mente de Cris várias vezes na semana anterior, quando
estava com raiva do Ted. Sabia que continuava querendo passar o resto de sua vida com ele.
Uma lágrima brilhou no canto do olho da avó e depois correu pelo rosto enrugado. Ela
continuou:
- Acaba muito depressa. Não mantenha registros longos, querida. Aprenda a perdoar
rápido e prosseguir, porque um dia você vai acordar e descobrir que ficou velha sem perceber.
Quando isso acontecer, os registros não vão ter mais a menor importância.
Cris envolveu sua querida avó com os braços e apertou-a em um abraço carinhoso.
Sentiu que ela se sacudia soluçando em silêncio, com a cabeça encostada no ombro da neta.
Piscou para não chorar, e uma fotografia bem perto dela chamou sua atenção. O
corredor em que estavam era uma longa galeria de fotos de família. A que estava na frente de
Cris era do casamento dos pais dela. A mãe estava com o vestido que as duas haviam
desmanchado para criar o de Cris. Os pais eram tão jovens! O lindo cabelo castanho da mãe
caía graciosamente pelos ombros, e o pai era alto, forte, empertigado. Ao lado do casal
estavam os avós de Cris, elegantes e portando um grande sorriso. Pela primeira vez a
realidade atingiu Cris: seu avô morrera. Abraçou mais a avó e não conseguiu conter o pranto.
Horas mais tarde, ela e Ted estavam no avião que decolava. Ele pegou a mão dela,
levou-a aos lábios e beijou-a inúmeras vezes com carinho. Cris encostou a cabeça no ombro
Nenhum dos dois falou nada durante a primeira metade do vôo. Ted levantou o braço da
poltrona entre eles, e os dois sentaram o mais juntos possível, a cabeça dela no ombro dele e a
dele repousando na dela. Ela nem conseguiu contar quantas vezes ele pressionou os lábios nos
cabelos dela, colocando pequenos beijos que pareciam flocos de neve que derretiam assim
Cris observou as mãos do Ted. As feridas do terrível acidente haviam sarado, mas as
cicatrizes permaneciam. Pelo resto da vida ele carregaria as marcas dos lugares onde o vidro
estilhaçado penetrara na pele. Cris passou o dedo por elas, como se tivesse obrigação de
- Ted, nós vamos envelhecer. Juntos. Se Deus quiser, teremos cinqüenta anos, ou mais,
como meus avós. Prometo apagar logo os registros das coisas que me aborrecerem. Estou
determinada a aprender a expressar minhas opiniões pra você, mas sempre de forma amável.
O amor é paciente e bondoso, certo? Decidi também aprender a perdoar logo. Nunca mais
Ted tocou no rosto dela. Uma expressão engraçada cruzou os olhos dele.
- Quando eu disse que sentia muito, estava pensando em seu avô. Não sabia que você
Cris fez uma pausa antes de prosseguir. Surgira uma grande oportunidade para praticar
- Fiquei brava porque você faltou ao aconselhamento. Mas não estou mais com raiva.
- Podemos fazer isso na semana que vem. Ou eu vou dar uma olhada e depois falo pra
você o que encontrei. Ou você olha e me fala. Tenho de aprender a ser mais flexível.
- Certo.
Ted retribuiu o sorriso. Os lábios dele venceram a pequena distância que os separava e
lasanha?
formas de conseguir passar mais tempo juntos. Era o semestre mais apertado para Cris e,
como ela previra, Ted muitas vezes trabalhava mais de cinquenta horas por semana.
seriam reservados para eles. Os compromissos durante a semana lhes deixavam pouco tempo
para se encontrarem, de modo que todos os sábados, daquele dia até 22 de maio, seriam
- Tanto faz, porque são poucos, afirmou Cris. Vou tentar fazer sozinha tudo que for
- Tem certeza de que não vai achar ruim? Eu posso tentar ajustar minhas atividades se
você quiser que eu vá com você comprar algo ou resolver alguma pendência.
- Não tem problema. Ir sozinha não me incomoda mais, agora que adquiri uma visão
mais realista. Eu estava sendo romântica, achando que deveríamos fazer tudo juntos pra criar
recordações especiais de todos os detalhes do casamento. Acho que assisti a filmes demais.
Nossa realidade é que você trabalha cinquenta horas por semana pra termos dinheiro pra
comer depois do casamento, e estou no semestre mais apertado de todo o curso e ainda por
- Sua mãe e sua tia estão morrendo de vontade de se envolverem mais nos preparativos.
Cris entregou a bandeja vazia para a comissária e fechou a mesinha. Ted a imitou.
- Você tem razão, disse Cris. Vou percorrer minha lista de tarefas e delegar a elas o
Cris não sabia como responder. Era o fim de semana anterior ao aniversário dele, e ela
pensara em fazer uma festa. Ainda não preparara nada, mas queria fazer uma surpresa.
- Ainda estamos no inverno, argumentou Cris. Será que não vai estar frio?
Ela sabia que era um argumento fraco para dissuadi-lo. Fazia meses que ele não surfava,
e ela sabia que ele estava ansioso para voltar ao mar. Já tinham tomado café da manhã na
praia durante o inverno mais de uma vez. Cris decidiu ir direto ao ponto.
- Eu sei, e é por isso que quero ir. Só nós dois. Café da manhã na praia. O que você
Cris decidiu não mencionar os planos que fizera para a festa surpresa. Para ele, uma
bom. Ela poderia dormir na casa dos tios e ela e Ted iriam cedo para a praia. Isso lhes deixaria
- Kilikina, murmurou Ted, invadindo o planejamento dela. Levou a mão dela aos lábios
- Qual?
Ele se ajeitou na cadeira e enfiou a mão no bolso traseiro da calça jeans. Tirou um lenço
- Eu ia fazer isso quando voltamos pra casa, depois do jantar no dia da minha formatura,
mas nenhum de nós dois estava muito bem naquela noite. Depois pensei em levar você a um
restaurante chique este fim de semana, mas aqui estamos nós, comendo frango em um avião.
Se eu fosse paciente, esperaria até sábado, na praia, ou faria um plano especial para o dia dos
namorados. Mas esperei demais, e estou ansioso pra lhe dar isto aqui.
Ted desdobrou o lenço e lá, no meio do tecido amassado na mão dele, estava o anel de
noivado da Cris.
- Casa comigo, Kilikina, disse Ted escorregando o anel pelo dedo da Cris. Casa comigo
Colorado, Cris sentiu, mais do que em qualquer ocasião anterior, com intensidade e
profundidade, que sempre amaria Ted Spencer. A força do amor que sentiu por ele naquele
Cris contemplou sua mão, que agora ostentava um anel de noivado lindo, único.
- É muito lindo!
Embora estivessem noivos antes, e Cris nunca pensasse que precisava de um anel para
provar seu compromisso com Ted, parecia que o anel tinha mudado tudo para ela. Olhar a jóia
fazia com que ela se lembrasse de que um dia, em breve, os dois se tornariam marido e
mulher. Além disso, mostrava que ela era comprometida. Logo seria entregue em casamento.
Na noite da quinta-feira seguinte, anotou todos esses pensamentos em seu diário. Como
acontecia sempre, Katie ainda não tinha voltado do serviço. O relacionamento dela com Rick
continuava avançando em ritmo firme, e ela parecia mais feliz do que em qualquer outra fase
de sua vida.
Ted deixara a universidade, então eles não se encontravam mais na lanchonete para as
refeições. Katie estava sempre em algum outro lugar, de modo que Cris passava muito tempo
Às 10:00h daquela noite, Cris largou o bordado e foi se deitar, com a cabeça repleta de
pensamentos. Decidiu pegar o diário e anotar o que Ted dissera aos adolescentes na aula do
último domingo. Ele lhes contara que havia dado o anel para Cris no avião na noite anterior e
Então Ted fez uma analogia maravilhosa entre nosso noivado e como Deus nos vê. Na
Bíblia, Deus descreve a Igreja coma a Noiva de Cristo. Ted disse que o Espírito Santo é o
anel de noivado que Deus nos dá como evidência de sua promessa de nos amar sempre e
voltar um dia para nos levar para sermos sua noiva e vivermos com ele para sempre.
A reação dos alunos foi surpreendente. Ted falou que os casamentos na Terra são
reflexos da grande festa do casamento do Cordeiro, que acontecerá quando ele vier para
Percebi, com mais profundidade, que mistério isso é. Senti-me diferente, muito mais
apaixonada pelo Ted depois que ele colocou o anel em meu dedo. E, cada vez que enxergo
esses paralelos em minha vida, meu amor por Cristo fica mais profundo. Ele me quer, e
espera o dia em que estarei para sempre com ele. Até que esse dia chegue, o Espírito Santo é
o sinal em minha vida, para que os outros vejam, que estou prometida a ele e espero por ele.
E entendi muito melhor aquele versículo em Efésios 4.30: “E não entristeçais o Espírito
de Deus, no qual fostes selados para o dia da redenção”. Ted comparou entristecer o
Espírito com uma situação em que eu escondesse meu anel com fita adesiva para ninguém
saber que estou noiva. Ele disse que, sendo meu noivo, ficaria de coração partido se eu
fizesse isso. E nós fazemos a mesma coisa quando não deixamos o Espírito Santo agir em
nossa vida.
Ted desafiou a turma a ser ousada e fazer o mundo inteiro saber que somos
comprometidos, que pertencemos a Cristo. Então ele falou: “Mas, se vocês estiverem
apaixonados mesmo pelo Noivo, as pessoas vão saber só de olhar no rosto de vocês. Olhem
para a Cris”.
Todos se viraram para me encarar, mas não me importei. Meu rosto e meu coração
estavam tão iluminados pelo fogo do meu amor por Deus e por Ted que não fiquei com
Cris parou de escrever por um momento e pensou na importância das nuvens no futuro
de todos os cristãos.
É isso que vai acontecer quando Cristo voltar pra sua noiva, não é? Ele vai nos
Ela lembrou-se de uma certa manhã magnífica, em que ela e Ted haviam se encontrado
na capela e depois caminhado pela campina. Naquele dia, pensara que as nuvens tinham
Pegou a Bíblia e procurou todas as referências sobre nuvens que conseguisse encontrar.
Lembrou que 1 Tessalonicenses falava sobre ser levado até as nuvens e encontrar-se com o
Senhor nos ares. Um nó formou-se em sua garganta quando leu o final do versículo e
Ted estava certo no que disse aos adolescentes. Meu irmão também tinha razão no que
falou para a Tia Marta depois do funeral. Minha avó, também. O que fazemos aqui não se
relaciona apenas a esta vida. Nosso verdadeiro ser, a alma, viverá para sempre. Deus deseja
que digamos “Sim” a seu Filho para vivermos eternamente com ele. É o “Sim” definitivo. É
Envolvida pela intensidade dos pensamentos, Cris largou o diário e apagou a luz.
despedida e de “nos veremos no céu” para o seu avô, em parte de alegria pelo amor por Ted, e
em parte pelo mistério do amor de Deus, por ele querer estar para sempre com ela. A porção
final relacionava-se à sua tia, que ainda não dissera “Sim” a Cristo. Cris sabia que, segundo a
Palavra de Deus, Tia Marta só estaria para sempre com Deus se entregasse o coração a ele.
Não queria que Katie acendesse a luz e passasse a noite toda conversando. Mesmo
- Vou amanhã cedo pra Feira de Alimentos Naturais em San Diego. Rick vem me pegar
- Tudo bem?
- Mmm-hmm.
- Ótimo. Tudo ‘tá maravilhoso com o Rick. Vejo você amanhã à noite.
- Mmm-hmm.
Cris adormeceu com o som alegre de Katie cantarolando enquanto vestia o pijama.
12
O calendário pendurado na parede do quarto fitava Cris com inocência enquanto ela
tentava encontrar um espaço em branco para anotar a consulta com o dentista. Marcara o
horário enquanto estava no serviço, à tarde, sem olhar a agenda repleta de compromissos.
“Doze de março, murmurou para si mesma. Como já pode ser doze de março? Se eu for
igreja.”
Mastigou o lápis e tentou decidir se seria melhor pedir ao Ted que deixasse o carro com
ela na terça-feira ou ver se ele poderia sair do serviço para levá-la ao dentista. Poderiam
Cris vinha se esforçando muito para ser flexível. Cada dia ficava mais difícil conciliar
os compromissos, pois Ted trabalhava demais. As semanas voavam. A única diversão que
conseguiram encaixar foi o café da manhã na praia. O dia amanhecera claro, fresco e
ensolarado e os dois aproveitaram todos os minutos. Cris comprara quinze presentinhos para o
Ted, e embrulhara cada um separadamente. Ele abriu o primeiro às 7:00h da manhã, enquanto
Depois desse, a cada hora, Cris entregava outro presente. O último foi às 9:00h da noite.
Era uma fotografia dos dois que Trícia tirara anos atrás, na praia. Estavam assentados com o
resto da turma, e o Sol poente conferia ao rosto deles o brilho perfeito. Trícia captara o
instante exato em que eles trocavam um olhar. A expressão dos dois estava iluminada com o
Cris não se lembrava de Trícia ter tirado a fotografia, mas, na manhã das omeletes na
Cris gostou demais da fotografia e fez uma moldura especial, colando pétalas secas
escurecidas de cravos do primeiro buquê que Ted lhe dera. As flores passaram mais de cinco
anos guardadas em uma velha lata de café e tinham um cheiro meio estranho. Com sua letra
mais caprichada, Cris escreveu, na parte de baixo da moldura: Guardo você em meu coração.
Ted ficou sem fala quando abriu o último presente e viu fotografia.
Depois, abraçou Cris e lhe disse que aquele tinha sido seu melhor aniversário em toda a
vida.
As lembranças gostosas desse dia especial foram a única companhia de Cris em seu
excesso de compromissos. A vantagem era que o tempo estava passando bem rápido.
miosótis no decote estava quase pronto e chegara a hora de decidir se bordava flores nas
mangas ou as deixava lisas. Estava demorando muito mais do que ela pensara para bordar.
A opinião de Katie era que tanto fazia bordar ou não, que ninguém iria reparar nas
flores das mangas. Selena, entretanto afirmava que o mais importante para Cris no dia do
casamento seria as pequenas coisas. Pelo menos, tinha sido assim para a irmã da Selena.
Selena estivera no quarto da Cris duas noites antes e chegara exatamente na hora em
que Katie declarava sua opinião sobre as mangas. Selena era caloura, a jovem de espírito mais
livre que Cris conhecia. Fazia três anos que Cris e Katie a tinham conhecido, durante uma
A última coisa que Cris precisava era de uma tarefa, mas disse que sim, porque sabia
que estaria com o carro, pois Ted iria acampar com alguns jovens da igreja. Embora a viagem
tivesse sido programada antes de eles combinarem passar todos os sábados juntos, Ted havia
dito que cancelaria, mas Cris achou melhor ele ir. Ela pretendia dedicar o sábado a trabalhar
Entrevistara o cirurgião, que contou que havia encontrado um tumor, que não poderia ser
operado, no estômago do avô. Aparentemente, ele já tinha o tumor havia algum tempo, talvez
sentisse dores, mas nunca se queixou. Quando descobriram, já era tarde demais, não dava para
A mãe da Cris contou que Marta aceitara os fatos melhor do que o esperado.
Abandonara a idéia de processar o hospital e voltara para casa, pronta para se dedicar aos
lugar dos pais dele, parecia ter dado a ela ainda mais incentivo para se envolver.
chegou. Era fácil encontrar Selena. O cabelo dela era louro, rebelde e encaracolado. Ela usava
roupas de estilo próprio. Naquele dia, sua saia, que ia até o meio da perna, parecia ter sido
feita de gravatas. Nos pés, as mesmas botas de caubói que usava na Inglaterra, quando Cris a
conhecera.
- ‘Tá esperando há muito tempo? perguntou Cris, abrindo a porta do carro pelo lado de
dentro.
- Não, eu fiquei. Eu estava demonstrando. Não contei que era esse meu trabalho? Cada
dia a empresa me manda para um supermercado diferente, com um produto diferente. Hoje
era linguiça, mas me disseram pra só usar vinte pacotes. Só depois que distribuí metade das
linguiças eu descobri que tinha de cortar em pedacinhos e enfiar palito neles. Estava
Cris sorriu.
- Perfeito pra mim, a não ser pelo transporte. Detesto ter de pedir carona. Agradeço
O plano era deixar Selena na universidade e ir para a casa da tia em Newport, pois sua
- Sua saia é linda, disse Cris, enquanto saía do estacionamento do mercado. Foi você
que fez?
- Minha mãe me ajudou. Fizemos durante os feriados de Natal. Já tive uma saia de
gravatas, mas era curta, e estragou há uns anos. Estas gravatas aqui eram do meu avô. Não são
Selena mostrou uma listrada de verde e marrom, que estava do lado esquerdo. Tinha
- Acho que devia combinar com qualquer roupa, com tantas cores, comentou Cris.
Selena sorriu:
- Ou então não combinava com nada por causa das cores. Minha avó, May, contou uma
história sobre cada uma das gravatas enquanto estávamos costurando. Ela tem sérios lapsos de
memória, fica confusa e desorientada, mas lembra detalhes mínimos de lugares em que ela e
meu avô foram e de coisas que fizeram quando ele estava com estas gravatas.
Cris contou a Selena que o avô dela morrera no mês anterior e comentou que isso a
- Sei o que você quer dizer, falou Selena. Tenho pensado nisso este semestre, porque
- Por acaso alguma delas tem a ver com relacionamentos? perguntou Cris.
- Fome?
linguiças. Seria bom ir a algum lugar e comer alguma coisa substancial. Se você tiver tempo,
Cris nem lembrava qual fora a última vez que saíra com uma amiga. Poderia mudar seus
planos e fazer o percurso de uma hora e meia até Newport na manhã seguinte, bem cedo.
Afinal, acabara de fazer um belo discurso sobre a brevidade da vida. Estava diante de uma
- Que tal o Ninho da Pomba? Ronny e sua banda estão tocando lá hoje. Foi por isso que
- Contei pra minha irmã que Katie e Rick estão sempre juntos e ela ficou chocada. Sabia
- Sabe de uma coisa? perguntou Selena. Acho que Katie e Rick dão certo juntos. Eu
- Os dois são muito vibrantes, prosseguiu Selena. Encontrei com eles poucas vezes, mas
parece ter uma eletricidade. Um desperta o outro. Katie é cheia de energia por ela mesma, mas
quando ‘tá com o Rick; brilha ainda mais. E o mesmo acontece com ele. Sem ela, ele é meio
sem sal.
- Comentário interessante.
Cris nunca ouvira ninguém descrever Rick como sem sal. Sempre ficava impressionada
com a capacidade que Selena tinha de evitar que a máscara exterior a cegasse para a
Entraram e logo viram um grupo que conheciam da universidade. Selena acenou para
- Prefiro assentar só com você pra conversarmos. Vamos ver se ‘tá aberta aquela parte
da livraria que tem os sofás perto da lareira. Da última vez, estavam servindo lá.
Cris seguiu Selena até A Arca, a livraria contígua. Um sofá e duas poltronas
aconchegantes cercavam, pelo lado da livraria, a lareira, que se comunicava com os dois
- Perfeito! exclamou Cris. Quer guardar nosso lugar enquanto faço o pedido?
A banda acabara uma música e dava para ouvir os aplausos vindos do outro lado. Cris
achou bom não assentarem na parte mais barulhenta. De onde estavam, ouviam a banda, mas
- Vamos nos revezar pra guardar o lugar, sugeriu Selena. Eu ainda não sei o que quero
comer.
- Concordo.
Cris foi fazer o pedido primeiro, pensando que era muito bom ouvir outra pessoa dizer
que não sabia o que queria. Essa sempre tinha sido a maior dificuldade dela nos restaurantes.
Nessa noite, sabia que iria pedir a sugestão do chef, qualquer que fosse ela. Katie havia
se derramado em elogios ao fabuloso chef que tinham contratado havia pouco tempo. A
sugestão do Miguel era pizza de alcachofra com tomate seco. Parecia meio estranho, mas Cris
- Faz pouco tempo. Trouxe Selena. Parece que vocês estão muito ocupados hoje.
- A maioria do pessoal ‘tá pedindo apenas café e sobremesa, então a cozinha não ‘tá
- Acho que uma pequena salada iria bem, disse Katie. Quer experimentar meu chocolate
predileto?
- Grande coisa, desdenhou Katie. Distribuíram dez menções honrosas. Vou aperfeiçoar
- Eu achei que foi um grande feito, disse Rick. Eram trinta e sete concorrentes, e ela
ficou entre os dez primeiros colocados. Cris, fale pra ela que foi uma grande conquista.
- Obrigada.
- Ted também veio? indagou Rick. Achei que ele ia acampar este fim de semana.
- Ah, noite das garotas! disse Rick. E, voltando-se para Katie, perguntou: Você já
jantou?
- Não.
- Quer fazer seu intervalo agora? perguntou ele. Eu ofereço jantar para as três.
- Faça duas pizzas dessas, Miguel, gritou Katie. E dá pra pôr mais parmesão na minha?
Obrigada.
- Obrigada, Rick, falou Cris. Eu não esperava que você pagasse nosso jantar.
- Tenho o maior prazer. Faria isso com mais frequência, mas vocês nunca aparecem.
- Ah, fala para o Ted que consegui conversar com o cara que meu pai conhece na loja de
locadora de vídeo. Fui lá hoje e tirei as medidas. Você e o Ted só precisam escolher o modelo
- Você me faz rir, Cris! Claro que vai. O Ted o convidou há umas três semanas. Você
Cris assentou-se ao lado da Selena no sofá e se esforçou para lembrar se Ted lhe dissera
alguma coisa sobre isso. Da última vez que conversaram, ele falara no pai dele e em Douglas.
Para madrinhas, Katie e Trícia. Haviam concordado em ficar só com esses, para simplificar.
Cris decidiu permanecer calma e não se enfurecer com o Ted - pelo menos ainda não.
Se ele convidara Rick para ser padrinho, deveria ter tido uma boa razão. Talvez Douglas
tivesse desistido ou poderia ser também que, por dividir o apartamento com o Rick, Ted tenha
Rick vai ser padrinho também, então precisamos de outra madrinha. Será que convido
enchia o ar com músicas originais, que tinham um som maravilhosamente leve. Cris gostou da
pizza, mas disse a Katie que elas deveriam ter dividido apenas uma, porque já estava satisfeita
só com a salada.
- Vou mandar embrulhar pra viagem, informou Katie. Vai estar deliciosa de manhã.
- Ainda não terminamos a conversa sobre relacionamentos e tudo mais, que você
começou no carro, disse. Não sabia que você queria falar só comigo. Podemos conversar na
- Não estou enfrentando nenhum problema sério. Só gostaria de ouvir sua opinião. A de
Katie também.
- Ouvi alguém falar meu nome? perguntou Katie, voltando com uma embalagem
plástica na mão.
- Você veio ao lugar certo! exclamou Katie. Acontece que eu e minha assistente somos
as rainhas do conselho. Acho que Cris ‘tá farta de ouvir sobre minha vida e vai ser bom pra
ela ouvir sobre a sua. E, já que você falou em conselhos, por que não começa com o Paul?
- Bem, Katie, uma das suas famosas expressões resume com perfeição meu
relacionamento com ele. Somos A.A. Lembra do clube que fundamos na Inglaterra?
Katie riu.
- Claro que esqueceu, implicou Selena. Você abandonou sua condição de membro
- Ah, eu acredito! exclamou Selena. É bom ver vocês juntos também. É natural, parece
que o relacionamento ‘tá vivo, crescendo. Isso mostra como os relacionamentos saudáveis
devem ser.
comentário .
Selena assentiu.
Selena colocou a caneca de chá na mesa baixa perto da lareira e começou sua história.
- Vocês sabem que eu e o Paul somos meio parentes, agora que minha irmã se casou
com o irmão dele. Nossas famílias passaram o Natal juntas e de repente ficou bem claro pra
mim, enquanto estávamos assentados no chão assistindo a um filme, que não há nada de
romântico entre nós. Durante muito tempo, pensei que havia. Quis que houvesse. Sonhei com
o que aconteceria se namorássemos. E acho que nós dois nos esforçamos muito pra tudo dar
Katie fez que sim com a cabeça e trocou olhares com Cris.
- Qualquer coisa que seja que faz um rapaz e uma garota descobrirem que existe alguma
coisa mais profunda e duradoura entre eles. Bem, cheguei à conclusão de que eu e o Paul não
temos... essa coisa. Somos amigos, pra sempre. Ele não me acha fascinante, e eu acho que ele
muito. No início, parecia que ele ia pedir desculpas por não estar apaixonado por mim. Antes
que ele falasse tudo, eu o interrompi e disse o que sentia. Na falta de termo mais adequado,
contei que estava inquieta. Comentei que ele é contemplativo, o que é maravilhoso, mas não
pra acompanhar uma pessoa como eu. Ele disse que se sentia mal, porque havia pensado que
alguma coisa aconteceria entre nós, mas não aconteceu. Assumiu a culpa, dizendo que tudo se
deu porque no início ele insistiu pra irmos devagar e estabelecer a base de uma grande
amizade. Eu falei que tinha sido melhor assim, porque agora somos amigos, e acho que
- Nem um pouco. Estou me sentindo livre. Fazia muito tempo que não me sentia assim.
Ficava pensando que alguma coisa mais tinha de acontecer com o Paul. Vocês sabem como
me torturei, tentando descobrir o que deveria acontecer em seguida. Passei meses provando
meu coração, pra saber o que realmente sentia por ele. Fiz uma longa jornada que me levou de
transmitindo tranquilidade em seu entendimento, é que Deus escreve uma história específica
pra cada pessoa. Algumas vezes a gente pensa que sabe o que vai acontecer, mas aí o enredo
Selena. Garotas, eu tenho muitos sonhos. Quero viajar. Na próxima etapa da minha vida,
quero ser livre pra ir aonde eu quiser. Já me inscrevi em um programa de extensão que a nossa
- Tudo começou naquela viagem pra Inglaterra, quando fiquei conhecendo vocês.
Depois, Cris, você me convidou pra ir à Suíça com você e sua tia. Fui fisgada. Amo viajar.
Cris fez a imagem mental de Selena percorrendo o mundo com suas botas de caubói.
de vir pra Rancho Corona, mas, então, quando as aulas começaram, só pensava em sair de lá e
viajar. Toda hora, no campus, encontrava gente que conhecia lugares exóticos. Dizia a mim
mesma pra me concentrar em terminar o primeiro ano e levar a sério o relacionamento com o
Paul. Pensei que seria melhor me aquietar, como minha irmã e o resto dos meus amigos, mas,
sabem de uma coisa? Isso não combina comigo. Não me sentia em paz. Depois que conversei
com o Paul no Natal, me senti livre. Só sei explicar assim. Nada mais me detém. É como você
falou, Katie, Deus ‘tá escrevendo a história da minha vida, que é diferente da de todas as
outras pessoas.
- Tem razão, Selena, concordou Cris. Deus vai mostrar pra você o seu caminho.
- Mais do que isso, acrescentou Katie. Ele vai cumprir o propósito dele para com você.
- Sabem de uma coisa? Foi a primeira vez que parei pra explicar com clareza meus
sentimentos. Ouvindo a mim mesma conversar com vocês assim, tudo faz sentido. Não fica
- E se você estiver cortando as amarras? perguntou Cris. Se Deus criou você para ser um
balão, então a única resposta correta, a única forma de obedecer, é voar - ser livre. Não
importa se os outros entendem. Só você sabe, bem no fundo do seu coração, quando ‘tá
Com o canto do olho, Cris percebeu um movimento que fez prender a respiração. Rick
estava a poucos metros de distância, com os olhos fixos em Katie. Parecia encantado.
Uma sensação de tranquilidade e alegria tomou conta do coração de Cris. Vamos lá,
Rick Doyle, admire mesmo a Katie. Ela é maravilhosa, não é? E você também. Sei, sem a
menor sombra de dúvida, que o Senhor cumprirá o propósito dele para vocês dois.
Logo cedo, na manhã seguinte, Cris comprou um copo de café no campus para tomar no
caminho para a casa da Tia Marta. Parou para pegar a correspondência e encontrou um cartão
de sua avó. Leu enquanto voltava para o carro, mas releu as últimas linhas duas vezes, pois
não entendeu imediatamente. A avó agradeceu por ela e Ted terem ido ao sepultamento.
Depois, escreveu:
“Cristina, fiquei surpresa por ver como você esta parecendo com a Marta, sempre
controlando as situações. Não esqueça de deixar espaço para a paz em sua vida. Tenho certeza
Cris pensou que sua avó havia se confundido ao dizer que ela se parecia com Tia Marta.
Não me pareço com ela de jeito nenhum. Por certo vovó queria dizer Margaret, minha mãe,
mas escreveu “Marta”. Espero que ela não esteja sofrendo lapsos de memória como a Vó
May da Selena.
Levou uma hora e quarenta e cinco minutos até Newport. Quando chegou, Margaret e
Marta, as duas irmãs, estavam na cozinha, olhando um livro e rindo muito. Reparou que
disse a mãe, apontando para uma foto. O bolo era uma cabeça de cavalo. Os noivos estavam
- Não, em um haras. E vêm galopando desde então! Falou Marta com tom alegre.
Cris balançou a cabeça diante da tentativa de sua tia de fazer piada. A alegria de Marta
em sua função de “diretora” do casamento mostrara a Cris que Ted estava certo ao sugerir que
- Espero que esta não seja a única opção em confeitarias, disse Cris, virando mais umas
páginas. Prefiro um bolo de casamento simples, branco. E não quero, de jeito nenhum, os
noivos de plástico.
- Eu falei que Cris saberia exatamente o que quer. Ela sempre se organiza e sabe o que
prefere.
- Sei disso, disse Marta. Foi por isso que falei que queria ajudá-la a organizar tudo.
Espero que você tenha trazido sua lista para compararmos, Cris.
Cris fez sinal afirmativo. Será que minha avó estava certa? Será que sou mais parecida
Cris reparou que ela não parecia aborrecida, como sempre ficava quando Bob se
envolvia com os trabalhos da igreja. Era um bom sinal de que seu coração já não estava tão
- Você não queria que ele estivesse aqui hoje para nos ajudar, queria? indagou Marta.
Esses assuntos são demais para ele. Vai aceitar o que decidirmos.
A mãe de Cris sorriu para ela e comentou:
Ted é exatamente como o Tio Bob. Eu sou como Marta. Os opostos se atraem. Mas não
posso ser parecida com Tia Marta! Não quero passar a vida controlando todo mundo.
- Só guardei essas fotografias para você rir delas, disse Marta, deixando-as de lado.
Claro que entendo que você quer um bolo mais tradicional. Tenho outras fotos aqui.
O que minha avó falou sobre dar espaço pra paz? É isso que preciso fazer. Aprender a
viver em paz comigo mesma e com as pessoas que me cercam. É o que falta na vida da minha
Marta mostrou as fotografias de bolos tradicionais. Enquanto isso, Cris orou em silêncio
e sentiu aquela paz inconfundível. Era como se Deus reafirmasse que a criara para ser como
ela era, por algum motivo. O que mesmo que ela dissera a Selena na noite anterior? Estava na
Não, não é verdade. Minha tia dizia, quando eu era adolescente, que eu precisava ser
eu mesma, fiel à minha verdadeira natureza. Mas isso não traz paz. A única maneira certa de
viver é ser de Deus. Transformar-me na pessoa que ele quer que eu seja, com mania de
arrumação e tudo. Não é errado ser organizada e, como diz minha avó, viver “controlando
as situações”, desde que não me afaste de Deus e dos outros. O importante é viver em paz
com Deus. É o único jeito de encontrar paz comigo mesma e com os outros.
- ‘Tá se sentindo bem? perguntou a mãe, afastando os olhos das fotografias e fixando-os
em Cris.
Um sorriso nasceu no canto secreto do coração de Cris e foi abrindo caminho até o
rosto, onde se espalhou, com todas as suas implicações radiantes e cheias de paz.
- Mais do que bem, disse. Acho que nunca estive melhor. Não sou um balão, como a
Selena, mas agora sei como posso voar - ser livre. Aqui, disse, batendo no peito. Acho que
- Não deu pra entender nada do que você falou, comentou Marta, olhando intrigada para
- Não foi nada, disse a jovem, mas apressou-se a corrigir. Na verdade, foi tudo. Foi
Deus. Ele acabou de me mostrar uma coisa, e entendi a mim mesma com uma clareza que
Ela riu.
- ‘Tá tudo bem. Posso contar pra vocês mais tarde. Vamos em frente, Tia Marta. O que
Marta pigarreou. Parecia meio incomodada por Deus ter interrompido sua apresentação
Certo, Tia Marta. Entendo sua frustração como nunca há entendido antes. Ted tinha
razão. O Noivo ‘tá aqui e irá ao casamento sem se importar com o tipo de bolo. Mas
podemos escolher o bolo e todo o resto, e continuar vivendo em paz. É só deixar o Senhor
- Perguntei o que você acha de um bolo de limão, em vez de branco? Eles fazem um
recheio delicioso de amêndoas que poderíamos escolher em vez daquele branco, pastoso,
Com isso, Marta prosseguiu, a todo vapor, apresentando informações que havia
recolhido. Tinha, inclusive, duas amostras para Cris e sua mãe provarem. Marta as conseguira
Cris preferiu o recheio de framboesa. Marta a fez repetir duas vezes antes de anotar.
Sem hesitar nem um segundo, Marta passou para as flores. Apresentou a Cris pelo
- Gostaria que meu buquê tivesse cravos brancos, disse Cris, assim que olhou a primeira
fotografia.
Marta assentiu e passou para a outra pilha de fotografias, mostrando um buquê exótico
- Eu sei disso, retorquiu Marta rapidamente. Eu estava lá. Mas não estamos mais
falando do baile de formatura do ensino médio. Agora é o casamento. Por que não pensar em
- Agora me parece uma escolha elegante, disse Marta, e pegou a caneta para anotar.
- Mas não quero que seja grande. Quero um buquê pequeno, alegre, mimoso.
- O buquê da noiva deve chamar atenção, falou Marta. Ele completa o vestido e o véu e
- Meu vestido não vai chamar atenção. É simples. Acho que o buquê também deve ser.
- Ainda não decidimos. Sei que quero um véu sem enfeites, que cubra meu rosto, mas
- Não.
- Tive uma idéia! disse Marta, mexendo em uma pilha de revistas que ainda não
mostrara a Cris. Você ficaria linda com uma dessas grinaldas, continuou, pegando uma revista
havaiana e mostrando a garota na capa. As flores são presas em uma grinalda que você coloca
na cabeça como uma coroa. Você poderia pôr a coroa sobre o véu.
- É mesmo?
Marta parecia espantada por ver uma idéia sua aceita sem nenhuma hesitação.
- É! O Ted queria que eu colocasse flores no cabelo. Ficaria perfeito. Quero todas as
flores brancas e a coroa mais estreita do que esta. Ah, Tia Marta, sua sugestão foi perfeita!
- Mas é que foi uma idéia maravilhosa! Perfeita, não acha, mãe?
- Estou pensando se não seria difícil demais encontrar um florista que faça uma
- Isso não é problema, disse Marta. Bob conhece um florista em Maui. Encomendamos
a ele e pedimos para ele mandar para chegar aqui no dia do casamento. Aí as flores ainda
estarão frescas e terão o perfume irresistível das ilhas. Sabe, Cris, você tem de usar angélicas.
- Aquelas florzinhas brancas que colocam nos colares? O cheirinho é uma delícia!
- Elas mesmas. E são pequenas, muito menores do que plumerias, que, além de tudo,
murcham muito rápido. E também ficam escuras quando alguém toca nelas.
Cris sentiu seu coração inchar de alegria. O buquê ficaria lindo, e encontrara a solução
perfeita para o véu. Ted amaria vê-la usando flores do Havaí no cabelo. Sabia que seria muito
difícil se controlar para não contar a ele como seria a roupa dela, mas tinha de manter segredo.
Ele teria de esperar pela surpresa quando a visse. Ela achava que ele ficaria mais do que
surpreso, ficaria maravilhado, como só um homem apaixonado pode ficar, um homem que
esperara pelo dia em que veria sua noiva vestida de branco da cabeça aos pés indo em direção
- As flores pequenas na guirlanda vão combinar com as que você ‘tá bordando no
vestido.
- O vestido de noiva dela, respondeu a mãe. Ou talvez fosse melhor dizer meu vestido
de noiva.
- Nosso, disse Cris sorrindo com carinho para sua mãe. Quer ver, Tia Marta?
- Como não fiquei sabendo nada disso? indagou Marta. Eu achava que você ainda não
Cris tirou o corpete da sacola e o segurou para a mãe e a tia verem. Decidira deixar as
mangas sem bordado e agora estava feliz com a escolha, porque as flores delicadas no corpete
ficaram em evidência.
- Obrigada.
- Era. Ficou muito bom, Cris. Eu trouxe a saia, e posso alinhavar no corpete na hora que
- Quero agora, disse Cris. Ah, você lembrou de trazer os endereços para os convites,
mamãe?
- Lembrei.
- Ótimo, porque eu os peguei esta semana. A gráfica só levou duas semanas pra
- Maravilha, disse Marta. Vou levar tudo para Fiona na semana que vem, e ela pode
Marta voltou a observar a lista de tarefas. Tinham horário marcado com o fotógrafo dali
a uma hora e depois, se quisessem, poderiam ir à confeitaria degustar outros bolos, para o
caso de Cris mudar de idéia quanto ao bolo de limão com recheio de framboesa.
- Ted gosta muito de frutas, Tia Marta. Eu não gosto de amêndoas, então o de
- Está certo.
- O último item que precisamos decidir é sobre o bufê para a recepção, disse Marta, que
reunira muitas informações sobre esse assunto e sugeriu que deixassem para mais tarde.
- Acho que agora é uma boa hora pra eu trazer a saia do vestido, disse a mãe.
- Você poderia estar agora em Santa Fé, fazendo cerâmica naquela colônia. Há algum
tempo, você me disse que pretendia fazer isso. Estou muito feliz porque ficou, porque
- Que promessa?
- Parece que você andou ensaiando os votos do casamento. Já decorou muito bem.
Marta arrumou as fotografias e listas sobre o balcão , mas não olhou para Cris.
- E você tem praticado, em sua vida, disse Cris. Eu amo você, Tia Marta. Quero que
saiba que aprecio muito sua ajuda, pois você ‘tá fazendo o que sabe fazer de melhor -
organizar tudo. É a perfeita organizadora de casamento. Acima de tudo, estou muito feliz
porque você ‘tá aqui para o meu casamento. Felizmente não ‘tá em Santa Fé.
Marta deu uma olhada em Cris e depois voltou o olhar para outro lado.
- Não é fácil. Você logo vai descobrir isso. Nem sempre a vida é como pensamos.
- O Senhor cumprirá o propósito dele para você, Tia Marta. Cris não planejara dizer
isso. As palavras simplesmente saíram de sua boca, mas seu coração estava repleto de paz, e
Como posso falar de um jeito que ela consiga entender? Senhor, o que desejas que
- Eu sei que ele cumprirá o propósito que tem para você repetiu Cris. Mas você precisa
confiar nele com todo o seu coração e entregar sua vida a ele.
Marta respirou fundo, sem tirar os olhos da caneca de café que estava no balcão, na
O coração de Cris parecia querer sair pela boca. Esperava há anos ouvir sua tia dizer
que estava abrindo pelo menos uma fresta em seu coração. Como Marta não acrescentou mais
nada, Cris inclinou-se para frente e falou com suavidade, transmitindo à tia a imagem que
- Posso contar algumas coisas que tenho pensado sobre casamentos nos últimos tempos?
- Meus pensamentos são sobre o céu e sobre como a Bíblia diz que Cristo é o noivo.
pediu cada um de nós em casamento e pediu que fôssemos a noiva dele pra vivermos com ele.
Pra sempre.
- Por causa do pecado, não podemos chegar perto de Deus. Ele é puro e santo, e nós,
não. Foi por isso que ele permitiu que seu único Filho morresse em nosso lugar. Jesus pagou o
preço da nossa desobediência. Mas você já sabe disso tudo, Tia Marta. Sabe que Deus quer
que fiquemos limpos pra que nada mais nos separe dele.
Cris engoliu para controlar a emoção. Não sei se você sabe, mas ele quer dar a você um
novo coração, Tia Marta. Quer que você receba a salvação como se fosse um vestido de
noiva. Puro, branco, e muito caro. Tão caro que custou a vida dele. Ele o oferece a todos que
queiram receber para usar enquanto seguem pela vida. Mas precisamos vestir o presente de
Deus.
Cris percebeu que estava usando as mãos para demonstrar o ato de tirar o vestido velho
e colocar o novo, puro e branco, oferecido por Deus. Colocou as mãos nas costas e concluiu
seu pensamento.
- Então, depois que percorremos toda a vida, chegamos ao altar, onde Cristo nos espera.
Ele é o verdadeiro Noivo. Ele nos ama de todo o coração e espera por nós desde o dia em que
nascemos.
Marta não afastou os olhos do rosto da Cris. Pequenas rugas se formaram em sua testa
à sua tia há muitos anos. Não havia ensaiado as palavras nem planejado as imagens.
Talvez eu esteja aprendendo a ver as coisas como o Ted as vê. Ou pode ser que, quanto
mais eu confiar em Deus, mais ele me use do jeito que eu sou para falar a verdade em amor.
Marta estendeu a mão e pegou a de Cris; que reparou que a da tia estava fria e úmida.
A mãe da Cris estava prestes a voltar para a cozinha, e Marta largou a mão da sobrinha.
- Não vou desistir de você, Tia Marta. Nem Deus. Ele é o apaixonado incansável, e você
é o primeiro amor dele. Deus não vai desistir, porque deseja ter você de volta.
A mãe tirou da sacola a saia do vestido de noiva e Cris soltou um longo “Oh!”.
- Mamãe, ficou perfeito. Amei o jeito como as pregas deixam a saia mais cheia sem
criar muito volume, disse Cris, segurando o corpete sobre a saia. Vai ficar lindo. Muito
- Muito bonito, concordou Marta, ao reaparecer. Parecia que a conversa íntima que
acabara de ter com a Cris não a havia afetado. É simples e gracioso. Exatamente como você.
Cris, já pensou na lingerie que vai usar? Acho que poderíamos acrescentar roupas íntimas na
Com o passar dos anos, Cris fizera compras muitas vezes com sua tia, mas lingerie elas
ainda não haviam experimentado comprar juntas. E Cris não sabia muito bem o que sentia
- Mas antes precisamos ir ver o fotógrafo, disse Marta, e as empurrou para a porta.
Reuniram-se com ele, viram uma pilha de álbuns e escolheram o serviço que agradou as
três. Cris achou que era caro demais, mas Marta falou que ela e o Tio Bob ofereceriam essa
parte, de modo que a noiva não deveria esquentar sua linda cabecinha.
- O mais importante é contratar um bom profissional que consiga capturar aquilo que
Cris pensou na fotografia do casamento de seus pais que vira no corredor da casa de sua
avó. Duvidava que tivesse sido tirada por um profissional que cobrasse tarifas exorbitantes.
disse Cris. Assim os convidados podem tirar fotografias uns dos outros e teremos uma porção
- Podemos fazer isso, retorquiu Marta, enquanto percorria a rodovia Costa do Pacífico,
rumo a um restaurante que ela queria que a irmã e a sobrinha conhecessem. Explicou que o
Cris sugeriu que contratassem o chef do Ninho da Pomba, mas Marta rejeitou a idéia.
Depois Cris lembrou à tia que a recepção seria na Rancho Corona, e que seria mais racional
contratar uma empresa mais próxima da universidade. Marta informou que os donos de bufê
estavam acostumados a viajar por todo o sul da Califórnia, e que o local da festa não fazia a
menor diferença.
Cris abandonou o assunto. Não valia a pena discutir agora, depois de terem decidido em
paz tantos outros pontos naquele dia. Além disso, adquirira novo senso de responsabilidade
pela tia. Marta ouvira de boa vontade sua apresentação do evangelho naquela manhã, com a
analogia do casamento. Não queria agora invalidar tudo sendo indelicada, pois a tia estava se
Ao final do dia atarefado, Cris decidiu dormir na casa dos tios para ir à igreja com Bob
na manhã seguinte. Telefonou para o Ted para lhe dizer que só o veria na tarde do domingo,
quando voltasse para a universidade. Mais uma vez, deixou recado na secretária eletrônica.
Estava com saudade do Ted. Seria tão gostoso sentir os braços dele em volta dela, contar que
o bolo teria recheio de framboesa e falar sobre os detalhes do contrato com o fotógrafo.
Mas não contaria das flores nem do véu. Também não falaria sobre as belas peças de
lingerie que ela, sua mãe e Marta haviam comprado naquela tarde. Tudo isso seria surpresa.
Ted não telefonou no domingo, quando ela voltou para o alojamento da universidade,
mas isso não a surpreendeu. Provavelmente, estava exausto depois do acampamento e tinha
muito trabalho na igreja, separando e guardando tudo que foi usado no fim de semana.
Durante as compras, na tarde de sábado, Marta perguntara a Cris se ela já sabia que
presente daria ao Ted no dia do casamento. A tia insistiu que era tradição os noivos trocarem
- Vou dar a ele um celular, pra não ser mais tão difícil encontrá-lo.
Falou como piada, mas agora estava começando a achar uma boa idéia. Poderiam
Katie dançou quarto adentro às 7:00h da noite, segurando outro buquê colorido e um
Cris sorriu.
- Rick se declarou?
- Não, mas ele fica me mostrando que me ama. Passei o fim de semana emburrada
porque estou atrasada com os trabalhos da universidade. Ainda não acabei o de Economia.
Então, em vez de jogar tênis, como tínhamos planejado, passamos a tarde na biblioteca,
pesquisando dados e estatísticas. Depois, ele me deu essas flores e me agradeceu pelo dia
maravilhoso.
relacionamento com Rick. Essa tranquilidade fazia contraste completo com sua entrada
tempestuosa no quarto, meses antes, empolgada pela cafeína, perguntando a Cris se era
- Sabe de uma coisa? Acho que esse cara não vai abrir mão de mim.
O tom da voz da Katie recordou a Cris o da sua tia, quando lhe pedira para não desistir
É isso que acontece com apaixonados incansáveis, pensou ela. Eles não desistem, não
é? Assim como o Rick ‘tá cortejando você, Katie, Jesus ‘tá cortejando a Tia Marta. E acho
Depois de arrumar as flores com cuidado sobre a mesa, Katie esticou-se no que ela
- E aí, como foi seu fim de semana, Cris? Fez muitos planos com sua tia?
sobre a receptividade da tia quando falou sobre Deus. Falou ainda a respeito da guirlanda e
das flores que viriam de Maui. Depois, tirou de debaixo da cama duas caixas e mostrou a
- Nunca tive nada parecido com isto, disse Cris. Achei lindo. E foi superdivertido
comprar com minha mãe e minha tia. Não sei se você me entende, mas me senti igual a elas.
- Que médico?
- Não. Preciso marcar. ‘Tá na minha lista de tarefas. Vou ao médico da minha mãe, lá
em Escondido. Ela me deu o número do telefone há uns dias. Ainda não telefonei.
- O que você pensa de tudo isso? falou Katie, mais baixo. Estou falando da lua-de-mel.
Cris sentiu vontade de gritar: “Estou! Estou! Totalmente!” Mas fez sinal afirmativo com
Cris percebeu que, embora tivessem falado sobre quantos filhos queriam ter e sobre dar
a eles nomes compostos, havaianos, não haviam falado sobre quando os teriam.
Cris não sabia qual era a intenção de Katie com tantas perguntas inesperadas.
- Eu e o Rick tivemos uma briga feia ontem. Levamos uma hora e meia pra resolver
tudo e chegar a um acordo. Mas acho que foi bom. Isto é, se ele quiser continuar comigo
depois de ver meu lado pior, foi a oportunidade perfeita. Se ele fosse desistir de mim,
- Parece que o relacionamento de vocês ‘tá ficando bem sério, comentou Cris.
Katie olhou para Cris e depois deu um peteleco em seu cabelo ruivo e completou:
Ela não conseguiu evitar um sorriso. Fazia três dias que não se falavam, desde que ele
fora para o acampamento. Mesmo assim, ele não começava a conversa como todo mundo:
“Oi, tudo bem?” Embora nunca tivesse iniciado a conversa ao telefone com um cumprimento,
- Estudar.
nenhum cliente naquele momento. Já esqueceu como é a vida de nós, pobres mortais que
- Impossível, retorquiu ele. Olha, você não pode deixar de estudar uma noite pra ir
jantar comigo?
- Não ria de mim, disse Ted. Mas eu gostaria de ir à cantina da universidade, jantar em
nossa mesa ao lado da janela. Estou com saudade de me encontrar com você lá.
limpo.
Ansiosa para evitar que outros ocupassem a mesa deles, Cris saiu imediatamente da
livraria ao terminar seu horário, às 5:00h, e foi direto para a cantina. Esperou alguns minutos e
avistou Ted se aproximando. Controlou-se para não pular, atravessar o salão correndo e
abraçar seu amado. Ele estava com sua roupa velha para pintar e o sorriso em seu rosto era
Cris se afastou e deu uma olhada em sua roupa. O rapaz tinha razão. A tinta salpicada
- Vou pegar alguma coisa pra você, ofereceu ele. O que você quer?
Cris observou-o enquanto ele avançava pela fila, cumprimentando os amigos e pegando
a comida. Voltou a pensar na semelhança entre o relacionamento com Deus e o amor dos
apaixonados. Agora que estava atenta, via paralelos por toda parte.
Como seria meu relacionamento com Deus se eu reservar uma hora pra me encontrar
com ele todos os dias? Será que eu chegaria mais cedo, por causa da ansiedade pra
Ted voltou e Cris falou que queria orar antes de comerem. De todo o coração, agradeceu
a Deus por Ted e pela oportunidade de se encontrarem durante a semana tão atarefada. Disse a
Jesus que queria amá-lo cada vez mais, para que houvesse um fogo ardendo na alma dela
- Gostaria de ter entendido antes o que é o amor, falou Cris. Gostaria de saber como é
estar apaixonada assim quando eu era mais nova. Se soubesse, acho que meu relacionamento
com Deus seria muito mais profundo do que é hoje. Eu não entendia.
Ted concordou.
- Ei, conversei com seu tio hoje. Ele falou que a Marta ‘tá mesmo abrindo o coração
para o Senhor. Ele disse que ela contou que vocês conversaram.
Cris narrou, em linhas gerais, o que tinha acontecido no fim de semana. Ele falou do
acampamento. Ela contou que tinha ido ao Ninho da Pomba na sexta-feira com Selena e isso a
- Achei que tinha falado com você sobre convidar o Rick pra ser padrinho, disse Ted.
- Não falou. Creio que eu não me esqueceria disso. Agora temos três padrinhos e só
duas madrinhas.
- Quatro, disse Ted, espetando o brócolis com o garfo. Douglas, meu pai, Rick e David.
- David? Meu irmão? Quando foi que você convidou o David pra ser nosso padrinho?
- Lembro que falamos sobre encontrar alguma tarefa especial pra ele.
- Exato, então eu o convidei pra ser padrinho. Ele ficou muito feliz. Acho que vai se
Era essa a lógica de Ted. A mente dele funcionava assim. Pensava sempre no bem-estar
dos outros. David se sentiria importante. E isso era importante para o Ted.
Cris sabia que pelo resto da vida, por mais que se organizasse, o fator imprevisível da
Durante os dez minutos seguintes, conversaram sobre o que Cris chamava de “fator
aleatório”. Ela sabia que essa qualidade do Ted os acompanharia sempre na longa jornada que
se colocava diante deles, e estava decidida a aprender a conviver com ela em paz. Apresentou
a Ted exemplos de ocasiões em que havia afetado o relacionamento, como quando ele parara
no viaduto em Carlsbad para compartilhar o café da manhã com o mendigo. Ted não via nada
de diferente nesse padrão de pensamento, mas disse que iria tentar se lembrar de falar com a
Minha lógica. O “fator aleatório”. Será que vou tirar você do sério?
- É bem provável, disse Cris, com um sorriso. Mas eu também vou tirar você do sério
- Acho que estamos melhorando, não acha? Estamos aprendendo a manter o outro em
Cris notou que a testa dele estava cheia de pequenos pingos de tinta bege e que havia
Mostrou a ele que havia alguma coisa nos dentes e recordou um dos primeiros encontros
dos dois. Tio Bob possuía uma bicicleta com dois assentos, e eles foram com ela até a ilha
Balboa. Ted comprou para ela um sorvete com cobertura de chocolate. Na volta, o chocolate
lambuzara o rosto dela, mas Ted não fala nada, embora ela tivesse visto, depois que ele fora
Hoje isso não aconteceria. Avançamos muito no nosso relacionamento. O Ted me diria
se eu ficasse com o rosto sujo de chocolate, ou tivesse um pedaço de brócolis no dente. Somos
uma equipe. Uma boa equipe. Como ele disse, damos equilíbrio um ao outro.
- Eu falei com você sobre a viagem ao México no próximo fim de semana? perguntou
Ted.
- Que viagem?
Cris se esforçou para lembrar o que acabara de dizer a si mesma sobre serem uma boa
trabalhar até às 6:00h da tarde. Não tenho a menor chance de conseguir mudar tudo pra ir ao
Então, sabendo que precisava expressar seus pensamentos, tentou falar de forma
bondosa, e disse:
- Você percebeu que vai passar o segundo fim de semana seguido fora?
- Percebi. Por isso esperava que você fosse também. Mas acho que posso cancelar.
- Posso fazer sozinha. Temos... Quantos? Mais sete ou oito fins de semana depois deste.
- Vou fazer o possível pra não marcar nenhum compromisso para os próximos oito fins
- Prometa apenas que não vai marcar nada para o dia 22 m maio. Esse fim de semana ‘tá
definitivamente tomado.
- Não tenho mesmo, mas no meu talão de cheques tem um calendário e eu marquei lá o
dia 22 de maio.
Cris deu uma gargalhada. Poucos meses antes, teria chorado, agora ria.
- Como fui achar que dava pra organizar tudo isso pra casarmos em Janeiro?
- Mas uma cerimônia arranjada às pressas não seria tão especial quanto a que você ‘tá
- Podemos decidir alguns assuntos da cerimônia? indagou Cris. Seria bom fazer isso
- Os smokings.
Comeram mais um pouco, depois saíram da cantina, entraram no carro e foram até a
- Não subestime a eficácia de mover um pincel pra cima e pra baixo o dia inteiro.
Cris sorriu, apertando-lhe mais uma vez o braço, e ele o flexionou. Ela riu, lembrando
de seu pai chamando os filhos, ela e David, quando pequenos, para apertarem os músculos
dos braços dele. O pai flexionava os braços, mostrando a força, e levantava as crianças do
chão.
- Nada disso, disse ela, com firmeza. Basta ficar parado e deixar o homem tirar suas
- Entendi.
- É uma música que estou compondo. Qualquer hora eu a canto pra você.
- Não, fica melhor com o violão. Tenha um pouco de paciência. Qualquer dia eu canto.
Prometo.
Aparentemente o funcionário não os levou muito a sério. Cris pensou que talvez fosse por
Ela pensou que preferia olhar todos os modelos e depois voltar e examinar com mais
- Bonito. Básico. O smoking clássico, falou Ted. Acho que gostei. O que você acha?
- Bonito.
- Claro.
Cris não vira nas páginas anteriores nada que tivesse chamado sua atenção em especial e
lembrou a si mesma que, no fim das contas, quem iria vestir o smoking era o Ted. Então,
- Senhor! chamou Ted pelo homem que estava do outro lado. Poderia reservar cinco
Cris cobriu a boca com a mão. Participara de várias reuniões formais com a mãe e a tia
durante o fim de semana e percebeu que Ted estava fazendo tudo errado. Parecia que estava
- São seis. Meu pai finalmente decidiu usar um smoking também. Não sei se o Tio Bob
- Ted, acho melhor irmos até lá pra falar com ele, sugeriu Cris.
Preencheram os pedidos, Ted pagou o sinal e então o funcionário pediu que ele ficasse
na frente do espelho para tirar as medidas. Ted abriu os braços e, felizmente, limitou-se a
Dez minutos depois tudo estava acabado, e eles iniciaram a volta à universidade. Cris
Até isso acontecer, tinha alguns assuntos nada despreocupantes para tratar com o noivo,
Ted parecia não ver problema em terem quatro padrinhos e duas madrinhas.
casais.
Ela pensou em quem poderia convidar. Era muito mais simples quando eram apenas
Katie e Trícia. Nem ela nem Ted tinham irmãs ou primas que pudessem incluir.
- Não acho que a solução seja voltar atrás no convite feito aos homens. Seria melhor se
eu escolhesse mais duas mulheres. O problema é que não tenho outras amigas chegadas o
suficiente pra convidar pra participarem do nosso casamento. Selena é a única de quem me
lembro, e não me sentiria bem se a convidasse agora. Ela perceberia que foi um convite
improvisado.
Cris sempre fora o tipo de garota que tem apenas uma grande amiga. Paula fora essa
amiga durante todo o ensino fundamental. As duas sempre diziam que seriam madrinhas uma
das outra, mas haviam se separado quando Cris se mudara para a Califórnia. Paula se casara
Então, percebeu que o ano passado na Suíça havia interrompido seus relacionamentos.
Tinha amigos na Europa, mas não era provável que eles viessem ao casamento. Durante seus
primeiros anos na universidade, morara com seus pais e frequentara uma faculdade perto de
casa. Não desenvolvera nenhuma amizade duradoura lá. De repente, sua lista de amigas ficou
muito reduzida.
- Por que não misturamos os homens e as mulheres dos dois lados? sugeriu Ted.
Estamos falando do nosso casamento, certo? Podemos fazer do jeito que quisermos. Meu pai,
Douglas e Trícia poderiam ficar do meu lado, e Katie, Rick e David, do seu.
Cris pensou um pouco na sugestão dele. Mais uma vez, a visão única que ele tinha das
Cris não conseguiu evitar um sorriso, lembrando-se de quando ele fizera a mesma
Ted pareceu gostar do toque de humor e retrucou com uma das falas dela:
- Prefiro o romance, claro, mas vou tentar me controlar e me limitar aos negócios,
dizendo que, mais uma vez, seu esperto fator aleatório salvou o dia apresentando uma solução
inesperada para um problema que vinha deixando a mim e a minha mania de organização em
pânico.
Ted riu, pegou os copinhos de sorvete vazios e levou para o lixo do outro lado da
sorveteria.
Exatamente nessa hora, Cris viu uns alunos da Rancho Corona entrando. Selena estava
- Que bom que você ‘tá aqui! Eu queria saber quando é seu casamento.
- Dia 22 de maio.
- Ótimo! Eu esperava que fosse nesse dia. Fui aceita naquele curso de verão de que
falei. Meu vôo é no sábado seguinte ao do casamento. Eu não queria perder a cerimônia.
- Também acho. Além disso, eu queria agradecer a você, falou Selena, inclinando a
Cris viu que Ted conversava com o pessoal que chegara com Selena e voltou toda a sua
ajudou muito. Especialmente agora que estou preparando a viagem para o Brasil.
Cris lembrou que havia descoberto que se parecia muito com sua tia, mas que isso
acabou sendo bom, quando entendeu que Deus poderia cumprir seus propósitos para ela
- Bem, foi muito bom pra mim e eu comecei a pensar no que há em você que me faz
- Sabe o que é? indagou Selena. Você ama as pessoas. Com gentileza, calma, com
atenção bondosa e específica. Assim, faz todo mundo se sentir à vontade. Cris, isso é um dom.
- Não sei quanto à hospitalidade. Não posso dizer que viva em um lugar em que seja
possível acolher os outros. Nunca morei. E, depois que me casar com o Ted, acho que uma
casa grande, com quartos pra hóspedes, não será uma realidade.
- Quem precisa de casa? Estou falando do seu coração. Aí você tem muito espaço pra
receber hóspedes. E é isso que você faz. Abre o coração pra todo mundo. Tem uma porção de
quartinhos bem arrumados, prontos pra abrigar seus amigos. As pessoas percebem que podem
entrar, exatamente do jeito que são. Você não hospeda ninguém, você ama. E isso permanece.
É por isso que gente como eu sente que vai ser sua amiga pra sempre. Você mantém um lugar
Lágrimas rolaram pelo rosto da Cris antes que ela pudesse enxugar.
Selena, disparando um sorriso brilhante e livre, e dando um salto da cadeira. Parece que o
Parecia, para Cris, que um dos grandes mistérios da vida havia sido desvendado. Agora
sabia quem era, conhecia os dons que Deus lhe dera e sentiu a paz descer sobre ela, como um
Não importa onde eu e o Ted vamos morar, nem como vou usar meu diploma. Agora sei
pra que serve minha vida. Posso amar os outros, sou uma mulher hospitaleira. Uma mulher
que ama.
16
As últimas semanas de Cris na universidade foram passando, e a vida parecia entrar nos
eixos. Sentia que seu futuro estava mais definido. O comentário da Selena sobre o dom de
apreciava ser hospitaleira e pensava que ser organizada e atenta aos detalhes eram
características que iam bem com a hospitalidade. Agora tudo fazia sentido. Sabia qual o
propósito de sua vida e estava ansiosa para ir adiante, sendo como Deus pretendia que ela
Ted como pintor, e Cris tinha tempo para estudar, pois raramente via o noivo.
Na sexta-feira antes da Semana Santa, fez hora extra na livraria, enquanto os outros
alunos que também trabalhavam lá partiam para aproveitar os feriados. Mark Kingsley
apareceu com um boné de beisebol escondendo o cabelo castanho claro. Parecia que tinha
- Oi, garota, falou Mark, e os olhos castanhos dele, carinhosos, sorriam para ela. Você
estava escondida? Não vejo você há várias semanas. Passei aqui algumas vezes, mas não a
encontrei.
- Mudei meu horário neste semestre, contou Cris. Além disso, tenho mais aulas. Estou
sobrecarregada.
- Nem me fale! Os treinos de beisebol também estão uma loucura.
- Ótimas. Minha mãe me contou que seu avô morreu, disse Mark. Senti muito. Ele era
Mark e Cris cresceram juntos, em Brightwater. Ele fora sua paixão de infância, na
- Obrigada, Mark, falou Cris. Concordo. Ele era maravilhoso. Vi suas irmãs no enterro.
- É, elas estão bem. Minha família vem pra Califórnia no verão, então as duas estão
empolgadas.
- Consegui emprego no Centro de Evangelização de Jovens. É por isso que não tenho
ajudado o Ted com a mocidade na igreja dele. Agora tenho meu próprio grupo de garotos. São
muito mais ativos do que os do Ted. Gosto disso. Até agora já formamos dois times de
beisebol.
- Acho que você deve ser bom nisso, comentou Cris. Como conseguiu esse emprego?
- Jenna?
- Não lembra dela? Eu contei pra vocês na lanchonete um dia, em dezembro, que estava
com vontade de convidá-la pra sair comigo e vocês me convenceram a participar daquele
- Ah, lembrei!
- É muito natural você não lembrar muita coisa daquela noite. Você e o Ted estavam
Cris sorriu.
- Foi uma noite especial. Que bom que você estava lá!
Mark assentiu.
- E é, confirmou Mark. Queria contar pra você porque, é... acho que só queria que você
soubesse e ficasse feliz por mim. Você é a pessoa mais próxima da minha família que tenho
aqui.
- Gostei muito de você ter me contado. Espero que você a leve ao meu casamento.
- Ótimo!
Cris desejou que seu sorriso mostrasse a Mark que estava muito alegre por vê-lo feliz.
- Ah, nós vamos jogar boliche hoje à noite. Você e o Ted não querem ir conosco?
- Boliche, é?
Cris pensou que era maravilhoso Mark ter encontrado uma garota que apreciava
esportes.
- Obrigada, mas acho que não vai dar. Assim que sair do serviço, tenho de ir à casa dos
meus pais. Os vestidos das madrinhas chegaram e preciso entregar o da Trícia. Talvez ela
tenha de ajustar.
- Ah, concordou Mark, mas parecia que ele não tinha a menor idéia do que Cris estava
- Claro, disse Cris, mas sabia que não seria possível, não nos dois meses seguintes.
Talvez, depois do casamento, eu e Ted possamos retomar nossa vida social, pensou
Cris.
Na tarde de sábado, Cris foi em seu Volvo até Carlsbad com o vestido da Trícia no
banco de trás. As duas haviam combinado de se encontrar para lanchar no Blue Ginger, mas
Cris estava um pouco adiantada. Não se importou, porque conseguiu uma mesa na parte
externa, onde o Sol fresco da primavera a cobriu, aquecendo-a e deixando-a ansiosa pela
Momentos depois, Trícia chegou, e Cris sorriu ao ver a barriga de sua amiga
- Você ‘tá bonitinha demais! Linda! disse Cris e a abraçou, batendo com carinho na
- Obrigada, Cris. Não posso dizer que acredito, mas muito obrigada, agradeceu Trícia,
- O dia ‘tá lindo, não ‘tá? Tomara que eu não tenha deixado você esperando muito
tempo. Tínhamos consulta no médico antes de vir pra cá e demorou mais do que o previsto.
Cris tirou os óculos escuros para ver o rosto da Trícia com mais clareza.
- Gêmeos? perguntou.
- Não, disse Trícia, dando uma risada nervosa. Nem fale nisso! Ficamos sabendo que é
- Amo. Podemos chamá-lo de Dani enquanto for pequeno e, quando fizer seu
Cris sorriu.
- Será que estamos envelhecendo? perguntou Cris. Olha o que pedimos - salada e água
- Foi mesmo?
É. Tenho novidades pra você. Estou organizando um chá de panela pra você e o Ted.
Douglas queria fazer surpresa, mas falei que iria contar pra você hoje, porque achei que seria
- Obrigada, Trícia.
- Vai ser na quinta-feira, e sua tia ofereceu a casa dela. Quando eu e o Douglas
começamos a fazer a lista de convidados, vimos logo que não daria pra receber mais de vinte
- Ficou animada e se sentiu honrada. Eu disse que levaria toda a comida, mas ela insistiu
pra eu deixar tudo por conta dela por causa de meu “estado”, disse Trícia, recostando-se na
cadeira e colocando o braço sobre a barriga. Em outra ocasião eu teria argumentado com ela,
- Sei disso, mas o contrato vence em novembro e a casa é muito pequena. Só temos um
quarto. Tudo bem enquanto o Dani for pequeno, mas ele vai precisar de um quarto só dele.
- Eu não tinha pensado nisso, falou Cris. O que vocês vão fazer? Mudar pra um
- Ainda não sei. Até agora só estamos no começo desse assunto. Douglas sonha em
comprar uma casa, ter um cachorro e um quintal grande pra colocar um balanço. Mas, pra
- É, concordou Trícia. Mas você ficaria admirada. Nós quase não vamos mais à praia.
Quando nos mudamos pra lá, íamos sempre. Acho que precisamos ser mais responsáveis e
- Você e o Ted vão morar perto da Universidade Rancho Corona? indagou Trícia.
- Vou ter de convencer o Douglas a procurar alguma coisa por lá. Ontem à noite ele
disse que poderíamos nos mudar para o Oregon, porque ele conhece um homem que mora em
conversaram sobre todos os assuntos, dos planos para o chá de panela e o casamento de Cris à
primeira vez que Trícia sentiu o Dani se mexendo. Enquanto tirava disfarçadamente todas as
nozes de sua salada, Cris pensou em como essas duas horas no Sol eram as mais tranquilas
que ela tinha há muitos meses. Esperava que o Douglas e a Trícia não se mudassem para o
Oregon. Precisava da Trícia por perto, depois do casamento, para ter mais momentos como
esse.
- Estão ótimos, disse Cris. Katie ‘tá avançando devagar, e Rick a trata como ela merece.
- Você acha que eles vão ficar juntos? perguntou Trícia. Quer dizer, acha que eles vão
se casar?
- Eu não ficaria surpresa. Katie ‘tá decidida a concluir o curso superior e ainda não
conversei com ela sobre isso, mas acho que eles escolheriam um noivado bem curto.
- Se eu parar e pensar, acho que fico. Mas mesmo assim parece que é bom pra eles. ‘Tá
evidente que o Senhor ‘tá cumprindo o propósito dele pra cada um de nós.
Na quinta-feira, Ted saiu mais cedo do serviço para os dois irem ao chá de panela. Ele
foi até o alojamento buscar Cris. Vestia uma camisa muito bem passada, de estampa havaiana
e mangas curtas, com uma bermuda caqui. Abraçou Cris e ela sentiu que ele havia se
- Muito.
- Rick passou a camisa pra mim. Ele é bom nas tarefas domésticas.
Cris pensou que isso era ótimo, pois nunca vira Katie passar uma peça de roupa sequer.
- Você ‘tá muito bonita, disse Ted, e passou o braço pela cintura da Cris e puxou-a mais
para perto dele. Gosto dessa saia. Não sei se falei isso da outra vez que você a usou. Fica
- Obrigada. Você ‘tá com fome? Quer parar e comer alguma coisa antes de irmos pra
Newport?
- Você não ‘tá aproveitando muito os feriados da Semana Santa, né? perguntou Ted.
- Foi melhor ter ficado, disse Cris. Trabalhei vinte e duas horas esta semana, fazendo
levantamento de estoque na livraria. O dinheiro vai nos ajudar muito. E quase consegui acabar
meu segundo trabalho. Só faltam dois. As provas serão daqui a três semanas e meia e aí,
acabei!
- Estou orgulhoso de você, Kilikina. Já falei isso? Você tinha razão sobre o tempo
necessário pra planejar o casamento. Estou espantado de ver quanta coisa você conseguiu
fazer, além de concluir seu último semestre na universidade. Se eu tivesse tido o mínimo de
compreensão, teria concordado em casar em agosto, como você queria, pra você não sofrer
tanta pressão.
- Não tem sido coisa demais, disse Cris. É muito, mas enquanto não tento inventar
- Isso vai mudar muito em breve, afirmou Cris. Estamos atravessando uma etapa. Bem
- Concordo. Agora, me conta, pediu Ted, o que as pessoas fazem nesses chás?
- Sabe, caça-palavras ou usar papel higiênico pra fazer o vestido e o véu da noiva.
Cris sorriu.
- Você vai se divertir, Ted. Pelo menos, é melhor se divertir, porque é o convidado de
honra.
Finalmente, Cris entendeu o nervosismo dele. Achava que seria sequestrado no chá,
como ele e os amigos fizeram com o Douglas na despedida de solteiro. Eles o levaram até a
balsa que ia para Balboa, vestiram nele uma fantasia de frango e o prenderam na balsa.
- Só queria saber...
Cris não ouvira nada sobre planos para sequestrar o Ted, mas achava que ninguém iria
17
Ted e Cris chegaram à casa de Bob e Marta e encontraram Trícia na sala, tentando pegar
no chão uma etiqueta com um nome escrito. Mas o empreendimento parecia um grande
- Eu pego, disse Cris, que se abaixou sem nenhuma dificuldade e colocou a etiqueta na
- Muito obrigada. Já desisti de amarrar os sapatos, disse Trícia. Ontem tive de comprar
estas sandálias aqui, de só enfiar o pé, porque estou muito inchada. Não posso dizer que a
Cris virou-se e contemplou seu noivo, tão amável. Ele se inclinou e deu um beijo no
rosto da Trícia.
- Falei sério, Trícia. Acho que você ‘tá muito bonita grávida. Seu rosto brilha. Acho que
pra mim no dia em que minha barriga estiver maior do que uma bola de basquete!
- Não ouvi vocês chegarem, disse Marta, entrando apressadamente na sala. Trícia,
- Estou bem, falou Trícia, lançando a Cris um olhar que dizia: “Espere só até você ficar
grávida!”
- Ele precisa de ajuda para carregar uma mesa. Eu vou com você, Ted. Vamos.
Ted olhou para Cris como se dissesse: “Adeus pra sempre”, e avançou devagar até a
garagem.
- Ele ‘tá achando que os rapazes vão sequestrá-lo hoje e fazer alguma maluquice, como
- Você acha que meu maravilhoso marido faria uma coisa assim?
- Não é com ele que estou preocupada, disse Cris. Um homem sozinho não representa
ameaça nenhuma, mas quando todos se unem pra pensar, fico alarmada. Especialmente com
- Marta quer que a gente ponha os presentes nesta mesa, informou Douglas. Falou pra
gente colocar na frente da janela. Cris, você pode tirar a cadeira de balanço de lá?
Os três se dedicaram a arrumar a sala do jeito que Tia Marta queria. Não parecia que
Douglas estava armando nada escondido. Entretanto, quando se tratava do Douglas, ninguém
nunca podia ter certeza. Um sorriso travesso vivia permanentemente no rosto dele.
Os convidados foram chegando, e Marta recebeu cada um. Falou para Trícia ficar ao
lado dela com a cestinha do de crachás e não deixou ninguém entrar sem o nome pendurado.
Uns eram pretos, recortados na silhueta de um noivo, inclusive com chapéu. Nesses foram
escritos, com tinta branca, os nomes dos rapazes. Os das garotas foram escritos com caneta
preta em silhuetas de noivas recortadas em papel branco. Cris considerou a idéia interessante,
mas meio engraçada, já que todo mundo no chá era amigo. Ninguém iria tentar entrar como
“Desculpe, mas não estou vendo aqui um noivinho com seu nome. Pode ir embora!”
A primeira brincadeira que Marta dirigiu foi a que Cris previra. As garotas tiveram de
vestir Cris de noiva com papel higiênico em cinco minutos. Os rapazes só observaram. Selena
fez sozinha o véu, que foi o que provocou mais risadas. Ela pegou um rolo de durex e
bem divertido.
Mas Ted, por sua vez, se mostrava arisco como um gato quando o chamaram para ficar
ao lado dela. Os rapazes agora tinham de vesti-lo de noivo com papel higiênico. Ted deu uma
olhada para sua noiva como se esperasse a qualquer momento ver um saco de batatas ser
jogado sobre sua cabeça e ser arrastado porta afora, içcado a um avião de carga e despachado
para Aruba.
O máximo que aconteceu foi os rapazes transformarem Ted em uma múmia de papel
higiênico, com os braços presos ao lado do corpo e o papel cobrindo boca, ouvidos e olhos.
Douglas brincou que isso era a verdade sobre a vida de casado e, como toque final, prendeu
Cris achou que ele estava muito engraçado todo embrulhado, mas sabia, pelo jeito como
ele arrastava os pés, que estava nervoso. Não gostava de ser o centro das atenções e, por certo,
não apreciava ficar sem poder enxergar possíveis sacos de batata que se aproximassem dele.
Alguns flashes brilharam quando Cris ficou ao lado do Ted, com seu véu louco e seu
buquê de bolas de lenço de papel. A múmia hesitante partiu sua mortalha e livrou os olhos e a
boca do papel.
- Espero que sim, respondeu Cris, apertando três vezes o braço musculoso dele.
Contudo isso não o acalmou. Mandaram que os dois se assentassem no sofá ao lado da
mesa para abrir os presentes. Ted olhou atrás do sofá, para verificar se ninguém estava
escondido lá.
Cris fez questão de agradecer a cada pessoa e fazer algum comentário especial sobre
cada presente que desembrulhou. Foi fácil elogiar o da Trícia, um bule de chá rechonchudo,
- Parece com aquele que vimos naquela casa de chá na Inglaterra, disse Trícia. Lembra?
Uma imagem surgiu na mente da Cris, mas ela sabia que só ela acharia engraçada. Viu a
si mesma esquentando água no fogareiro e servindo chá para Trícia com o lindo bule,
assentada no sofá de surfe. Poderia vestir seu vestido de noiva, tirar uma fotografia e mandar
para uma revista de noivas com a legenda “Noiva das regiões longínquas servindo chá”.
Os presentes do Ted incluíam ferramentas, uma frigideira e um cortador de unhas,
brincadeira do Rick. Ganharam toalhas de banho, uma saladeira e uma concha para sorvete
Cris reparou que eles estavam muito bonitos, sentados bem juntos. Ninguém via nada de
estranho no comportamento deles, só Marta. Na hora do lanche, puxou Cris de lado e falou:
Cris sentiu vontade de responder: “Deus ‘tá cumprindo o propósito dele para os dois”.
Entretanto hesitou, Marta não merecia uma resposta petulante, estava fazendo uma pergunta
sincera.
- Toda mulher de primeira classe tem a garantia de um gatão antes do verão ou seu
dinheiro de volta.
- Não, eu jamais faria isso. Que coisa, Cristina! A vida amorosa é assunto muito
pessoal.
- Além disso, acrescentou Selena, descobri que, quando duas pessoas têm de ficar
juntas, ninguém consegue separá-las. E, se não foram criadas pra se unir, não há como mantê-
las juntas
Tanto Cris quanto Marta olharam para Selena, que estava enfiando um morango na boca
e virou-se para conversar com outra pessoa. Sua “juba” de cachos dourados a seguiu.
- É, figuras incontroláveis.
Cris sorriu.
- Gosto dos meus amigos como eles são. Eles me fazem bem.
Naquele momento, Marta não estava muito feliz, mas havia demonstrado muita alegria
quando Cris e Ted abriram o último presente, dado por ela e Bob. Era louça para duas
pessoas, um modelo que Cris havia escolhido semanas antes, quando fora ao shopping com
sua mãe e sua tia. Ted não manifestou muita empolgação, mas Cris sabia que o presente havia
sido bem caro e fez questão de demonstrar para a tia sua satisfação.
- O chá foi maravilhoso, disse Cris, beijando o rosto da tia. A comida estava deliciosa e
- Vocês têm certeza de que não querem dormir aqui? peguntou Bob. Já está bem tarde
- Começo a trabalhar às 7:00h amanhã de manhã, disse Ted. Nós vamos sem problemas
daqui lá. Mais uma vez, muito obrigado por tudo. Ah, e também por deixarem a gente guardar
Cris jogou um beijo para eles e se dirigiu para a calçada, com Ted. Viu que, por cima da
Então Cris viu sua tia passar o braço pela cintura do Tio Bob e encostar a cabeça no
ombro dele, enquanto acenava para os sobrinhos. O sorriso do tio brilhava tanto quanto a lua
Ela também piscou para a lua. Era uma noite perfeita para apaixonados incansáveis
Assim que ela e Ted chegaram ao carro, soou um brado de guerra. Os convidados do
chá, que eles achavam que tinham ido embora, saíram de seus esconderijos atrás de carros e
Ted agarrou Cris para protegê-la de qualquer tipo de ataque que viesse. De todos os
lados vinham sobre eles serpentinas em spray. Muitos jatos surgiram enquanto os amigos os
rodeavam, cada um esguichando duas latas. As risadas e os gritos encheram o ar da noite. Cris
riu para o Ted, que reagiu como um guerreiro dedicado, protegendo-a com um braço e
desviando as serpentinas com o outro. Tiras de cores vivas cobriram o casal e os amigos
Ted declarou, no caminho para casa, que se essa fosse a brincadeira mais grave que
fizessem com ele, até que ele se daria bem. Enquanto corria o mês seguinte, eles foram se
No dia em que Cris vestiu a toga e o chapéu e recebeu seu diploma, encontrou bola
verde e alaranjada florescente de serpentina em seu melhor sapato. Foi também o dia em que
começou a espirrar, a sentir coceira nos olhos, e o nariz passou a escorrer. A cerimônia da
tempo todo.
Marta sugeriu que talvez fosse alergia, já que a Cris nunca havia morado onde morava
agora. Ali havia um tipo de pólen diferente dos de Escondido, lugar ao qual Cris estava
A mãe reparou que Cris tinha olheiras fundas e perguntou se ela não queria ir para casa
- Acho que vou fazer como tinha planejado, disse Cris. Vou hoje para o alojamento,
morava. Ted já levara as coisas dele uns dias antes, mas os poucos bens terrenos da Cris
O último mês fora uma confusão de trabalhos, provas, acertos finais na cerimônia do
casamento, entrevistas para um novo emprego e nada de encontros com o Ted. Ela sabia que a
culpa das olheiras não era da alergia. Mas agora tinha acabado. Conseguira. Tinha se
formado. A sensação era muito boa. Talvez tenha passado rápido demais e não fosse tão
memorável como ela gostaria, mas um outro evento importante se aproximava. Faltavam
- Bom, veja o que você acha do meu plano, falou ela à sua mãe, quando saíam do
Amanhã de manhã levo minha mudança para o apartamento e vou pra casa. Aí você pode me
raro. Só acordou depois das 8:00h da manhã seguinte. Em dois minutos, descobriu que a dose
Cris tentou dizer: “Katie, vou me casar daqui a oito dias”, mas o nariz estava tão
- É, vai mesmo, disse Katie, rindo. E vai ser uma noiva linda.
Cris notou que sua toga e seu chapéu estavam pendurados em um gancho acima do
armário. Não parecia ser verdade que havia se formado. O dia passara muito rápido. Esperava
As aulas só haviam acabado para os formandos, e Katie comentou que precisava ir fazer
uma prova.
- Não sei. Ted vai pedir o caminhão do Mark emprestado pra levarmos nosso lindo sofá
- Ele telefonou antes de eu entrar no banho, disse Katie. Falou que não vem, porque
apareceu um serviço de pintura esta manhã. Disse que conversou com o Mark, que vem às
- Estamos melhorando, falou Cris, com um suspiro antes de assoar o nariz. Agora ele
- Seria ótimo.
- Então encontro você aqui às 10:00h, combinou Katie.
- Oi. ‘Tá melhor? perguntou ela a Cris, estendendo-lhe uma garrafa de suco de laranja.
Encontrei a Katie, e ela contou que você não ‘tá conseguindo falar muito bem.
- Obrigada pelo suco. Acho que é alergia, disse Cris. Por favor, não conte pra minha tia.
Ela fica feliz demais quando tem razão. Já estou me sentindo bem melhor.
- Seria ótimo. Mark deve chegar logo. Já encaixotei tudo. Quando ele chegar, você pode
- Acho que sim, disse Selena. Ainda vou fazer as provas finais. É... mas você nem sabe
- É um espanto, mas acho que sim. Graças à minha mãe e à minha tia, todos os itens da
minha lista foram resolvidos. Eu e Ted concluímos o aconselhamento pré-nupcial, que foi
muito bom. Alugamos o apartamento que queríamos e tudo vai correr certinho daqui a uma
semana. Ainda temos alguns assuntos sobre nosso futuro pra resolver, mas vamos fazer isso
depois da lua-de-mel.
Exatamente nessa hora o telefone tocou. Era Donna, chefe da Cris na livraria.
- Que bom que encontrei você, disse ela. Liguei pra dizer que estou com seu último
pagamento. Se você quiser pegar hoje, pode dar uma passada aqui.
não precisa responder agora. Pedi demissão da livraria da universidade. Saio daqui a duas
semanas.
- É mesmo?
- Fui convidada pra ser gerente de outra livraria e decidi aceitar. Nesse novo emprego,
- Indicou? Cris havia deixado seu currículo em várias lojas da cidade, mas não achou
- Vou trabalhar na livraria A Arca. A Sra. Doyle disse que você é amiga do filho dela,
- É, somos muito amigos. Deixei um currículo lá faz um mês, mas o gerente me disse
- Acho que faço parte da transição, falou Donna. Pense nisso. Ore a respeito. Gostaria
- Tudo bem, porque só começo no dia primeiro de junho, informou Donna. Depois você
me conta sua decisão. Se não nos encontrarmos antes, vejo você no casamento.
- Obrigada, Donna.
- De nada.
telefone tocou, eu ia contar que um dos assuntos não-resolvidos é que eu estou sem emprego.
Isso é pra você, coleguinha. Achei que não seria bom ficar tomando antialérgico com
estômago vazio.
- Muito obrigada.
- Mark ainda não chegou, disse Cris. E sabe de uma coisa? Parece que arrumei um
emprego.
Contou tudo, enquanto Katie olhava atentamente as caixas empilhadas com cuidado no
- Você não ouviu o que a Cris disse? Ela acabou de contar que vai trabalhar na livraria
- Provavelmente vamos nos ver mais do que neste último semestre, disse Cris.
- Eu sei, falou Katie, em tom melancólico. Mas fique no alojamento até, pelo menos, a
semana que vem, e podemos ir embora juntas. É triste demais. Olha para o seu lado do quarto.
‘Tá vazio.
Katie assentou-se na beirada da cama desarrumada, que permanecera assim o ano letivo
inteiro, a não ser pelas raras vezes em que Cris a convencera a lavar os lençóis.
- Vocês se lembram da semana anterior ao início das aulas? perguntou Selena. Nós três
- Sabem de uma coisa? indagou Selena. Acho que a gente deveria orar.
- Boa idéia! exclamou Cris.
As três amigas formaram um pequeno círculo, cada uma com os braços em volta das
outras duas. Pronunciaram palavras doces, repletas de gratidão e fizeram pedidos ousados de
bênçãos futuras.
Alguém bateu na porta com hesitação. Katie abriu, Mark entrou e ela, com voz triste,
disse:
- Acho que ‘tá na hora. Vamos lá, Mark, leve as coisas dela. Eu sempre soube que ela
Mark, rapaz forte, criado em fazenda, partiu para a ação e limpou o quarto da Cris. As
três moças carregaram as caixas até a calçada, enquanto ele lutava para colocar o sofá de surfe
Ao olhar para dentro, não sabia se ria ou chorava. Ted deveria estar lá, para carregá-la
no colo, ou alguma coisa assim. Em lugar da cena romântica, ela estava com seus amigos,
contemplando um apartamento vazio. Cris descobriu que criara uma fantasia sobre a primeira
casa que dividiria com o Ted. Nos sonhos, era um chalé, com lareira e flores alinhadas ao
longo da calçada.
Precisaram fazer duas viagens para esvaziar o caminhão. Mark arrumou o sofá de surfe
no meio da sala e informou que precisava voltar para a universidade para terminar um
trabalho.
- Eu vou com ele, disse Selena, abraçando Cris. Vou mandar e-mails pra você lá do
Brasil.
apartamento.
- Vai ficar mais alegre quando eu colocar uns quadros nas paredes, disse Cris.
- Puxa, eu não quis magoar você, falou Katie. Vocês vão arrumar tudo. Vão receber
uma porção de presentes no casamento e você vai conseguir um sofá de verdade e uma mesa
- Flores?
- É, um vaso de flores ao lado da porta. E, quem sabe, tapete na porta. É disso que
preciso.
- Não diga mais nada. Eu queria comprar um presente para sua casa nova, e não sabia o
margaridas vivas e alegres e um tapete para colocar na porta. Além disso, trouxeram uma
caixa de lenços de papel, seis bolinhos artesanais de chocolate comprados na confeitaria, uma
embalagem de detergente e uma de creme para as mãos, que colocaram na pia da cozinha.
- O minimalista é Ted. Não sou de grandes exigências, mas minhas poucas necessidades
são importantíssimas.
- Gostaria de ficar e ajudar você a pendurar os quadros nas paredes, mas estou com
- Sim, estou. Quando o Ted chegar em casa, ele vai me levar até a casa dos meus pais.
- Ouviu o que você acabou de falar? perguntou Katie. Você disse: quando Ted chegar
em casa. Funcionou. Agora você já vê este lugar como sua nova casa.
Cris lembrou a si mesma esse comentário da Katie. Encontrou três copos descartáveis, uma
caneca e uma pilha de pratos descartáveis. Lavou a caneca, encheu de água que aqueceu no
Procurou a caixa de lenços para assoar o nariz e descobriu que Katie a levara para o
banheiro. Lá, viu creme dental derramado na pia e a toalha de banho no chão, e não em seu
Continuou em sua inspeção e chegou ao quarto, e ficou aliviada por ver que a cama
havia chegado. Antes, Ted vinha dormindo no chão, em um saco de dormir. O pai dele
oferecera para lhes dar a cama como presente de casamento, e os dois aceitaram de muito bom
grado.
A cama, de aparência confortável, estava montada no pequeno quarto, mas não tinha
cabeceira nem lençóis. Nos pés, repousava um cobertor de lã já bem gasto. Parecia uma
relíquia da Segunda Grande Guerra, e isso era deprimente. Contudo Cris notou que estava
dobrado e encheu-se de esperança: talvez o Ted fosse um pouco mais organizado do que as
Voltou a desencaixotar suas coisas, decidindo em qual das paredes vazias colocaria seus
poucos quadros e pôsteres. Trabalhou rápido e logo havia arrumado tudo. Colocou os livros
na estante, o tapetinho na frente da pia da cozinha e pendurou o pôster da cachoeira com a
apartamento. Limpou em cima da cômoda do Ted e colocou o porta-retrato com a foto deles
dois ao lado do único objeto que Ted tinha sobre o móvel: a fotografia que ela lhe dera no
aniversário dele.
Só faltava abrir a caixa onde estavam a colcha de retalhos amarelos, dois inúteis lençóis
de solteiro, duas toalhas de banho, o travesseiro e um tesouro que ela sabia que queria guardar
para sempre - seu velho amigo, o ursinho Puff que Ted lhe dera na Disneylândia. O Puff
guardara os segredos dela e enxugara suas lágrimas por muito tempo. Não poderia ser
abandonado em uma caixa num armário na casa dos seus pais. Cris esprerava que Ted
entendesse isso.
Levou a colcha amarela para o quarto. A cama estava convidativa. Deitou-se, abraçou o
Puff e jogou a colcha sobre ela e seu amigo. Acomodou-se no lado direito da cama, mas
imaginou se Ted não preferiria aquele lado. Mas talvez eles dormissem todas as noites no
meio, abraçados.
Sua cabeça estava aérea e por ela flutuavam sonhos gostosos, leves e felizes,
semelhantes a nuvens de verão que enfeitam o céu azul. E essa foi a última coisa em que
pensou.
Acordou várias horas depois. A princípio, não sabia onde estava, depois tudo caiu sobre
ela. Olhou para a porta do quarto e arfou de susto ao ver Ted parado, contemplando-a
enquanto dormia.
lábios.
sua mente, quando estava acordada. Por um instante, não soube se estava acordada ou se isso
- Não.
Cris sentiu vontade de estender os braços para seu amado, convidando-o para se
Ted também não se mexeu. Era como se, mais uma vez, estivessem em um cruzamento
em suas vidas. Nos primeiros tempos, a luz vermelha estivera presente para dar-lhes a
oportunidade para um beijo rápido e uma recordação. Hoje a luz vermelha fazia o oposto,
impedia que se beijassem. Cris sabia que Ted sentia o mesmo que ela. Deus controlava os
sinais de trânsito que ficam nos cruzamentos. Faltavam apenas oito dias para mudar o sinal
- ‘Tá melhor?
Ela empurrou a colcha, e o Puff caiu no chão. Não sabia se Ted havia reparado.
- Precisamos agradecer mil vezes a seu pai. Faz dois anos que não durmo em uma cama
- Entregaram hoje de manhã, disse Ted. Vi que você trouxe seu cobertorzinho.
- Minha avó fez pra mim, disse ela. Tenho desde pequena.
- Não seria ruim, disse Cris. Mas devo admitir que a última pessoa que dividia o quarto
comigo nunca arrumava a cama nem pendurava a toalha. Talvez a Katie tenha me preparado
- O que você acha agora dos votos? Na alegria e na tristeza? Na riqueza e na pobreza?
Cris saiu do quarto. Assim que cruzou a linha invisível e ficou ao lado do Ted, ele a
- Gostei de todos os toques que você deu em nossa casa, especialmente das flores ao
lado da porta e do tapete na entrada, murmurou Ted. Quer ir pra casa dos seus pais?
- É, acho melhor.
Os dois dormiram na casa dos pais dela. De novo, o antialérgico fez Cris apagar.
Acordou no sábado meio tonta e se arrastou até a cozinha de pijama, robe e pantufa.
A casa estava em silêncio. Preparou uma tigela com cereais e leite e assentou-se para
comer. Logo Ted e David entraram. Instintivamente, Cris fechou a parte de cima do robe.
Sabia que estava horrível. O cabelo, todo desalinhado, e além disso precisava de um banho.
Pela expressão do David, podia ver que ele concordava com isso.
Se você consegue me chamar de linda quando estou neste estado, meu futuro marido,
- Vamos até a pista de skate e voltamos daqui a uma hora, mais ou menos, disse Ted.
- Ei, você aí, de roupão e pantufa, se você não tiver nada pra fazer no próximo sábado, o
Cris sorriu e abriu os braços, para que ele visse o roupão desarrumado, o pijama de
- É, acho que no sábado você só pode estar melhor. Pelo menos é o que espero.
Cris pegou uma das pantufas e jogou na direção do noivo, que fechou a porta no
Voltou à tigela de cereais, rindo consigo mesma. Lembrou-se da primeira vez em que
Não percebera que sua mãe entrara na sala e observara toda a cena. Parecia surpresa,
Apenas uma semana depois, Cris ouviu sua mãe dizer de novo:
Estava vestida de noiva, em pé no centro da sala de uma suíte que Marta reservara em
um hotel perto da Universidade Rancho Corona. Ela e Bob haviam passado a noite na suíte e
insistiram em cedê-la para que Cris se arrumasse, na manhã do dia 22 de maio. Além disso,
Marta fizera questão de contratar sua cabeleleira predileta, que era também maquiadora, para
chegar às 11:00h, depois que Cris tomasse banho, para ter duas horas do que a tia chamava de
“embelezamento”.
Eram 13:30h. O casamento seria às 15:00h. Estava pronta. Sob todos os aspectos.
- Seu vestido ficou perfeito, disse Katie, acertando a cauda. Quando você chegar lá na
Cris avançou lentamente rumo ao quarto da suíte, para se olhar no espelho de corpo
inteiro que ficava no armário. Katie seguiu-a, arrumando a cauda à medida que ela andava.
- Espera aí! Vamos colocar o véu antes de você se olhar, disse Marta, e foi até o
frigobar, onde haviam guardado a coroa de flores que chegara de Maui naquela manhã.
- Feche os olhos, disse Trícia, ficando ao lado da amiga e pegando a mão dela. Vai ser
melhor se você só se vir depois de colocar o véu. Aí você vai ter a mesma sensação que Ted
Cris fechou os olhos e sentiu-se em paz. Todo esforço valera a pena. Tudo estava
perfeito. Os mimos extravagantes da Marta foram uma bênção, e Cris já dissera isso a ela
inúmeras vezes.
Na noite anterior, houvera um jantar especial. Ted se colocara ao lado do seu pai e o
elogiara com palavras muito belas. A mãe do Ted não havia conseguido “resolver tudo” para
ir ao casamento. Todos sabiam que isso era uma decepção de última hora e apoiaram o Ted
Depois de homenagear seu pai, Ted se voltara para Bob e Marta e agradecera a eles por
serem seus pais substitutos Sobre Marta, falou que ela era “a mãe que nunca tive”, e lembro
presente. Disse a ela que a amava, e que a amaria para sempre. Deu um beijo nela, e Marta
chorou. Cris deixou Trícia conduzi-la até o quarto, até diante do espelho. Sentiu o perfume
das flores antes de sentir Marta colocar a guirlanda em sua cabeça. O aroma doce das
angélicas das ilhas trouxe recordações exóticas à mente de Cris. Sabia que Ted também
- Incline-se um pouco, Cris querida. Você é mais alta do que eu, disse Marta. Não quero
despentear seu cabelo. Está perfeito. Absolutamente perfeito. Pronto. Um pouco mais baixo.
De olhos fechados, Cris lembrou-se da discussão que ela e o Ted tiveram, dois dias
antes. Foi uma das piores brigas que já haviam tido. Cinco meses antes, ao decidir que iriam
dizer “Eu prometo” em lugar de “Sim”, os dois haviam combinado escrever os votos. Cris
levara meses escrevendo o dela com cuidado e o concluíra antes do último encontro com o
Por sua vez, Ted nem começara o dele, dois dias antes do casamento. Cris ficou
arrasada ao descobrir. Disse a ele algumas coisas terríveis, e ele respondeu no mesmo tom.
para o Pastor Ross, que fez algumas sugestões que ajudaram. Por fim, decidiram repetir os
votos tradicionais para nenhum deles ficar sem saber o que dizer na hora, por causa do
nervosismo da cerimônia. Cris resolveu copiar o que escrevera em uma folha de papel de
carta decorada e colocar como a última carta na caixa de sapatos destinada ao seu futuro
marido.
A coleção de cartas, com os votos escritos, estava amarrada com uma fita de cetim
- Um pouco mais para a direita, comandou Marta. Katie, arrume essa mecha de cabelo
no ombro dela. Queremos que o lindo bordado apareça bem. Isso. Pronto, umedeça os lábios,
querida. Bom. Agora, afastem-se todas. Cristina, quando contarmos até três, você abre os
olhos.
permanecerem fechadas.
- Um, dois...
19
Cris abriu os olhos para ver seu reflexo no espelho. A guirlanda de flores brancas
perfumadas, vindas das ilhas, coroava a cabeça como uma marca de pureza e paz. O véu
delicado e liso descia da cabeça e cobria os ombros como uma capa elegante feita de asas de
O vestido era muito mais do que um simples vestido. A faixa larga que unia o vestido
de Cris ao de sua mãe acentuava sua cintura fina e seu corpo esbelto. A nova versão do sonho
das duas unido em um só ficara exatamente como Cris esperara. Sabia que isso seria sempre
uma das partes favoritas do seu casamento. O bordado refletia a luz e chamava atenção para o
rosto.
Fez uma pausa, para recuperar o fôlego diante de seu reflexo. O cabelo e a maquiagem
estavam exatamente como ela queria. Natural, mas com um brilho no rosto e nos olhos azul-
esverdeados. O longo cabelo castanho estava preso atrás das orelhas com presilhas brilhantes,
hora certa pra te dar isto. É o lenço que segurei em meu casamento. A mãe do seu avô bordou
Agora Cris tinha certeza de que ia chorar. Piscou rapidamente, levantou o véu um
- Katie, chamou Marta, traga o batom da Cris aqui, rápido. Mamãe, você ‘tá com uma
marca de batom bem na bochecha. Ah, acho que ouvi alguém bater na porta. Deve ser o
Marta saiu apressada para abrir a porta, e Cris contemplou suas amigas, em seus
vestidos de madrinhas.
- Vocês estão muito bonitas. Amei os vestidos de vocês. Esse arranjo de flores na
- Gostei, falou Katie, entregando o batom para Cris. ‘Tá aqui. Ou será que eu sou
- Eu dou conta de passar. Mas seria bom você levar e me lembrar de passar de novo
- Por quê? indagou Katie, com um sorriso. Você pretende fazer alguma coisa lá no altar
- Pronto, meninas, disse Marta. Afastem-se todas para que o fotógrafo possa fazer seu
trabalho. Você prefere que ela fique aqui perto do espelho ou lá na sala?
O fotógrafo não se moveu. Parecia estar analisando a situação e fazendo alguma outra
- No lugar em que ela ‘tá, respondeu ele, montando o tripé e voltando a olhar para Cris.
Desculpe por eu ficar olhando, mas preciso dizer que vejo noivas o tempo todo, mas você,
- Obrigada.
Cris corou.
- Gente! gritou Marta. O buquê! Onde ‘tá ele? Katie, encontre o buquê.
Segurando o buquê, com os lábios retocados, Cris posou em seu lindo vestido de noiva
enquanto as mulheres que mais amava a cobriam de elogios e cumprimentos. Passou o peso
do corpo do pé direito para o esquerdo. Usava sapatilhas de balé de sola flexível, que a faziam
- Ted vai ficar de boca aberta, disse Trícia. Estou doida pra ver a cara dele quando você
- Eu também!
- Então, Katie, perguntou Marta enquanto elas pegavam o que precisavam levar e se
- Katie!
Ela sorriu e levantou a mão para mostrar que as alianças estavam seguras com ela.
- Não é uma boa hora para brincadeiras. Vamos, as limusines estão esperando.
Depois, passou a cantar, acompanhando Cris até o elevador, “Hoje a tarde é bela, vamos
à capela...”
Assim que se apertou no banco traseiro da limusine com Katie, Trícia e sua mãe, Cris
disse a Katie que os toques alegres dela faziam muito bem. Marta e a avó disseram que iriam
- Quando chegarmos lá, informou Katie, temos ordens estritas de fazer você sumir pra
capela pra ninguém te ver. Especialmente seu noivo. Então se prepare para o caso de ter de
correr. A limusine só chega até uns cem metros antes do caminho pra campina. Acho que
Cris concordou.
- Será que por acaso você trouxe desodorante junto com o batom e a escova de cabelo?
técnica de um time de basquete preparando a estratégia de ataque. Trícia, você pega a cesta e
tudo mais que a Marta colocou no porta-malas. Cris, pega o buquê e pendura a cauda no
braço. Mãe, fica do meu lado e se prepara para zunir se tivermos de correr até a capela.
- Katie, acho que não vamos precisar correr como se estivéssemos em um jogo de
descobriu que estava enganada. Já havia vários carros no estacionamento e o pai dela e David,
casamento, já que Marta não estava por perto. Agarre a cauda e o buquê e prepare-se pra
zarpar, senhorita. Se dois smokings estão à vista, é bem provável que haja outros nas
redondezas.
Cris seguiu as ordens da Katie de boa vontade, assim como sua mãe e Trícia. Quando o
motorista abriu a porta, saíram logo e se dirigiram apressadas para a capela. Katie segurou
“paparazzi”. Cris prendeu a cauda do vestido no braço, levantou a saia e avançou pela trilha
- Sinto muito, gritou Katie. Não podemos parar. Ordens estritas da sua tia. Preciso
Cris sentiu-se como uma fada flutuando sobre a trilha para a campina. Riu de alegria
pelo que estava acontecendo e seguiu sua madrinha. A empolgante ruiva Katie parecia um
Mas, quando estavam a poucos centímetros da porta da capela, Katie fez uma parada
- ‘Tá vendo aquilo? perguntou, em voz grave. Que belo exemplar da criação de Deus!
Cris seguiu o olhar da amiga. Poucos metros adiante, a campina encantada dela e do
Ted transbordava de cor e ação. No topo das estacas da cobertura, flâmulas brilhantes
tremulavam à brisa da tarde. Grande variedade de salgados, próprios para uma grande
celebração, adornava mesas compridas, enfeitadas com flores e fitas azuis. Na frente, havia
uma cobertura e sob ela uma mesa redonda com o bolo. Tudo estava exatamente como Cris
havia imaginado.
Filas e mais filas de cadeiras vazias aguardavam os convidados, todas voltadas para o
arco “deles”, a arcada de treliça que serviria de símbolo para a passagem do Ted e da Cris
para a nova etapa da vida deles. A treliça estava enfeitada de samambaias verde-escuro e
flores naturais. Parecia que a armação havia crescido em uma caverna escondida em uma ilha
tropical, fora recolhida naquela manhã e transplantada para a campina, especialmente para o
grande celebração.
sabor da brisa, como uma fila de dançarinas de hula enviando com alegria seu Aloha para o
evento.
- Do que você ‘tá falando? indagou Katie, afastando os olhos do objeto que
contemplava e fitando Cris. Eu falei que o Rick é um belo exemplar da criação de Deus. Ele
‘tá bem ali, conversando com o pai do Ted do lado da poncheira. Ah, não, onde estou com a
Katie empurrou a porta da capela e praticamente jogou Cris dentro do santuário frio e
silencioso.
- Não importa. Se o padrinho ‘tá por perto, o noivo não há de estar muito longe. Relaxe.
- Nervosa?
- É, ouvi dizer, retorquiu Katie, com calma. Agora, fique quieta. Tenho de arrumar seu
cabelo.
A porta se abriu, e Trícia entrou timidamente, carregando a cesta cheia de tudo de que
Katie e Cris precisavam para se refrescar. A mãe da Cris veio logo depois e, passado mais um
A porta se abriu de novo e inundou a pequena capela de luz, quando Marta fez sua
entrada.
- Os convidados estão começando a chegar, anunciou. Fui checar o bufê. Está tudo
certo. Parece que o clima colaborou, não ‘tá muito quente. Bom, quem precisa de uma
Marta passou os dez minutos seguintes ocupada com o véu e a saia da Cris. O fotógrafo
entrou para tirar algumas fotos e depois o pai da noiva surgiu, para tirar fotos com a filha na
capela. Parecia pouco à vontade vestido com o que ele chamava de “terno de macaco”, mas
Cris achou que ele estava bonito e elegante, como a mãe dela.
O fotógrafo tirou umas dez fotos. Cris virou-se para Katie e pediu água para beber.
- Aqui tem, disse Marta. Pedi que deixassem aqui uma caixa de garrafas de água
Cada um pegou uma garrafa e, por um instante, houve silêncio na capela. Cris olhou
para sua mãe e depois para seu pai. Marta olhou para o relógio.
- Está na hora da mãe, da avó e da tia da noiva saírem. Já estão nos esperando. Cristina,
minha querida, há mais alguma coisa que você queira ou de que precise?
- Não, estou bem. Estou pronta. Muito obrigada por tudo. Todos vocês. Muito obrigada.
- Vejo você lá na frente, disse a mãe da Cris com alegria, e deu-lhe um beijo rápido no
rosto.
- Olhe se não ficou marca de batom no rosto dela, ordenou Marta. E Katie, por favor,
puxe o véu dela para a frente do rosto. Deixe bem liso. E, Trícia, não perca sua hora de ir.
- Pode deixar, disse Trícia.
Cris inclinou-se enquanto Katie arrumava o véu. Envolveu a haste do buquê com o
lenço de sua avó. O lenço já estava úmido. Se fosse necessário usá-lo para enxugar lágrimas,
não seria de muita utilidade, mas estava ajudando a manter as mãos secas, e isso era
importante.
Passaram-se alguns minutos de silêncio, enquanto o pai da Cris mexia em seu colarinho.
Katie abriu uma fresta na porta da capela e fez sinal para Trícia avançar pela passadeira
branca. Katie iria em seguida. Depois, Cris e seu pai se uniriam ao desfile.
Cris deu uma olhada para ele e reparou que os olhos dele estavam cheios de lágrimas.
- Vou ficar, respondeu ele, sorrindo para ela meio de lado. Não é todo dia que um
homem leva sua única filha ao altar. Acho que você não é mais minha ratinha, não é?
Cris sentiu um nó na garganta. Fazia anos que ele não a chamava de ratinha. Quando era
prediletos dela era seguir o pai pelo celeiro. Ele era tão grande que ela podia se esconder com
facilidade atrás dele. Ele a pegava nos braços, levantava-a acima da cabeça e gritava para as
- Papai, eu prometo uma coisa, disse Cris, baixinho. Vou sempre ser sua ratinha.
- E eu vou sempre sentir orgulho e gratidão por você, como estou sentindo agora.
- ‘Tá na minha vez, disse Katie, por cima do ombro, enquanto saía. Preparem-se, vocês
dois.
Cris pôs a mão por baixo do véu e tocou com o lenço de sua avó o canto de cada olho.
Na hora exata, Cris saiu da capela fria para a tarde luminosa de maio. Os convidados se
viraram, e ela sentiu os olhos de todos sobre ela, observando-a aproximar-se da passadeira
branca de braço dado com seu pai. Ainda não dava para ver o Ted, e ela achava que ele
Cris e seu pai chegaram à última fila de cadeiras. Aos pés dela, um tapete branco a
conduzia direto para o arco. Ela sabia que sob o arco decorado estava seu noivo, vestindo um
smoking preto elegante, esperando por ela, exatamente como havia prometido naquela manhã
encantada em dezembro, no dia seguinte à noite em que ela lhe prometera que seria noiva
dele.
Cris respirou fundo. Sob o véu, levantou os olhos e olhou para a outra ponta da
passadeira branca, para o noivo, o noivo dela. Ah, e que expressão havia no rosto dele! O
homem paciente e incansável que a esperava no final do longo tapete estava tão apaixonado
por ela que nem se importou em enxugar as lágrimas que corriam pelo rosto dele.
Enquanto ela o olhava, Ted a surpreendeu. Levantou os braços, convidando-a para ir até
Douglas começou a tocar o violão, e foi aí que o “fator aleatório” inesperado aconteceu.
No ensaio, Douglas cantara uma música conhecida, mas agora Ted começou a cantar para
Para sempre.
E serei seu
Para sempre.”
O último passo da Cris a colocou diante da treliça, exatamente quando Ted cantou “para
sempre”. O coração dela pulava como louco. Reconheceu a melodia. Fazia meses que Ted a
vinha cantarolando. Era a música que ele começara a compor na noite em que ficaram noivos,
mas durante todos estes meses ela só o ouvira cantarolar ou tocar a melodia. Notou que a letra
era baseada na Bíblia, em Cantares. Quando Ted contara que estava compondo, havia pensado
que era uma música de louvor a Deus. E, conhecendo Ted como ela conhecia, sabia que, no
- Quem entrega esta mulher para se unir em santo matrimônio a este homem?
O pai da Cris limpou a garganta. Ele tinha de dizer apenas “Eu e a mãe dela”, mas,
- Exatamente como Deus, em amor, nos deu a Cristina, hoje eu e a mãe dela, em amor, a
entregamos ao Ted.
Katie pegou o buquê, e o pai da Cris apertou a mão da filha e colocou-a na mão quente,
conhecida e forte do Ted. Ele passou o dedo pela pulseira de ouro que ela usara no pulso
Foi aí que ela começou a chorar. Conseguira se controlar até agora, talvez por causa das
muitas surpresas e porque o Ted mantivera os olhos fixos nela. Mas agora deu um suspiro
trêmulo e sentiu uma lágrima correr por seu rosto. Depois dela, veio uma coleção de outras.
Ted mantinha os olhos fixos nela, e ela fazia o mesmo com ele. Quase nem piscavam.
Mas agora se moviam. O pastor falou sobre a santidade da união. Seguiu-se uma canção.
Douglas cantou, mas Cris quase nem ouviu. Estava perdida, nadando nas profundezas do seu
amor pelo homem que estava ao lado dela sob a treliça santa e que segurava suas mãos com
tanto carinho. A música terminou, e o Pastor Ross pediu a Cris para repetir os votos depois
dele. Imediatamente, sentiu alívio por não ter de confiar na memória para falar o texto longo e
você na alegria e na tristeza, na riqueza ou na pobreza, na saúde ou na doença, até que a morte
nos separe.
- Eu, Ted, recebo você, Cris, como minha esposa. Prometo, iniciou ele, e aí apertou
mais forte as mãos dela, amá-la, respeitá-la e cuidar de você na alegria e na tristeza, na
Ted ajudou Cris a se ajoelhar no apoio estofado que estava sob a treliça. Os dois
curvaram a cabeça, e o pastor orou, pedindo a bênção de Deus sobre eles e sobre os filhos que
- O que você dará a Cris como sinal do seu amor por ela?
- Repita comigo, disse o pastor. Como evidência da promessa que fazemos agora diante
Ted repetiu as palavras e colocou a aliança no dedo da Cris. Fazendo outra surpresa,
levou a mão dela aos lábios e selou a promessa com um beijo na aliança.
- Cris, falou o pastor, o que você dará ao Ted como sinal do seu amor por ele?
Pôs a aliança no dedo do Ted, seguiu o exemplo dele, puxou a mão dele por baixo do
beijar a noiva.
Cris prendeu a respiração. Parecia que o mundo inteiro, inclusive as palmeiras que
Devagar e com carinho, Ted pegou as pontas do véu delicado e colocou-o por sobre a
cabeça dela. Olhava-a como se nunca tivesse visto nada tão maravilhoso, belo e surpreendente
em toda a vida. Ele parou. Parecia estar aspirando a fragrância das flores que coroavam a
cabeça dela. Aproximou-se, escorregou as duas mãos pelo rosto dela até entrelaçar os dedos
no cabelo.
Com todo o carinho de um homem paciente e toda a paixão de quase seis anos de
espera, Ted beijou Cris. E ela, com igual paixão e paciência, também o beijou.
Os dois permaneceram um pouco abraçados, e uma brisa suave dançou em volta deles,
apoderando-se do aroma das flores do cabelo da Cris e espalhando a doçura pela campina. O
- E eu amo você, cochichou ela; enquanto lágrimas silenciosas corriam por seu rosto.
Para sempre.
Então, descendo da treliça deles, Cris ouviu uma voz forte e firme atrás dela proclamar
as palavras que ela sabia que iriam mudar sua vida para sempre. Até aquele momento, essa
mesma frase apenas ecoara no canto do coração dela, no lugar onde guardava os sonhos mais
preciosos.
Hoje, as palavras se tornaram realidade. Todas as estrelas do céu estavam nos olhos dela
quando contemplou o homem que agora estava ao seu lado. O pastor anunciou:
- Sinto-me honrado de apresentar a vocês, pela primeira vez, o Sr. e a Sra. Ted Spencer.
Fim