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INTRODUÇÃO

O que acontece quando nós morremos?

Esta é a pergunta que reside no centro de quase toda busca espiritual humana e a resposta para
ela frequentemente define as fronteiras entre uma doutrina religiosa e outra. Quer a pessoa
acredite em reencarnação ou ressurreição, céu ou inferno, purgatório ou pagamento de seus
débitos cármicos, a pergunta do que acontece depois da morte ocupa uma quantidade de espaço
incomum no território religioso.
No rico e complexo mundo da mitologia hindu, Shiva representa a face da morte e destruição
em uma “trindade” que também inclui a criação (Brahma) e a sustentação (Vishnu). Os sutras de
5.000 anos deste O Livro dos Segredos são atribuídos a Shiva. Por quê? Para entender, será útil
conhecer um pouco mais sobre de onde ele veio.
É um personagem complexo, esse Shiva, com muitos aspectos. A história diz que certa vez
Brahma e Vishnu vieram falar com Shiva sobre algum assunto urgente e encontraram-no fazendo
amor com sua esposa. Shiva estava tão absorvido no seu ato de amor que nem percebeu quando
os outros dois deuses entraram em seu quarto. Enraivecidos pelo fato de que tiveram que
permanecer esperando lá feito bobos, por quatro horas, até Shiva finalmente percebê-los, eles
amaldiçoaram-no e declararam que dali em diante ele seria representado por um símbolo fálico.
Daí os shivalingam que decoram milhares de templos de Shiva por toda a Índia.
Em outro de seus aspectos, ele é metade da dupla “Shiva-Shakti”, o lado masculino da eterna
dança do masculino e feminino. E em O Livro dos Segredos ele fala para a sua consorte, Devi,
que senta em seu colo durante todo o discurso!
Sexo e morte, masculino e feminino, yin e yang... o mundo paradoxal não somente do
hinduísmo, mas de todas as principais tradições religiosas do Oriente.
E meditação – que transforma todos os paradoxos em mistérios; e salta as armadilhas da
mente de modo que seu dono esteja finalmente livre para abandonar as margens da contradição e
entrar no rio da autodescoberta.
Osho diz sobre isto:

“A morte sempre acontece no presente. Morte, amor, meditação – todos ocorrem no


presente. Assim se você tem medo da morte, você não pode amar. Se você tem medo do amor,
não pode meditar. Se você tem medo da meditação, sua vida será inútil. Inútil não no sentido de
algum propósito, mas inútil no sentido de que você nunca será capaz de sentir nenhuma alegria
nela. Ela será fútil.
“Parece ser estranho conectar estes três: amor, meditação, morte. Não é, não! Eles são
experiências similares. Assim, se você pode entrar em um, você pode entrar nos dois restantes”.

Uma coisa mais para ser entendida: Shiva, Brahma e Vishnu são todos manifestações do
Supremo, ainda mais elevado que eles mesmos, algo “além” que está fora da compreensão até
mesmo dos deuses. Dos três, Shiva é o mais humano. Brahma fez o seu trabalho de criação e está
mais ou menos retirado num tempo muito distante no futuro, depois da destruição deste mundo,
quando seus serviços poderão ser necessários novamente. Vishnu toma conta da relação
causa/efeito do cotidiano das coisas, num sentido de mera tarefa doméstica, com toda a exatidão
desapaixonada de um contador. Mas Shiva, em toda a sua espantosa e pulsante vida, é aquele que
anseia profundamente por uma junção com sua fonte original, aquele que está bêbado com uma
visão parcialmente recordada de seu lar definitivo. Os sutras de Shiva são um mapa que mostra,
ao sedento, como chegar à fonte.
Este O Livro dos Segredos é um comentário místico contemporâneo do Vigyan Bhairav Tantra
de Shiva, de 5.000 anos atrás – literalmente traduzindo, “técnicas para se ir além da
consciência”. O fato da palavra ‘tantra’ significar simplesmente “técnica”, ou “método”,
surpreenderá a muitos. O tantra, na era moderna – previsivelmente talvez –, está associado quase
inteiramente ao sexo. Na verdade, das 112 técnicas descritas em O Livro dos Segredos, menos de
meia dúzia está diretamente relacionada ao ato sexual. A questão do tantra, que nós
descobriremos nas páginas seguintes, não é simplesmente prover as pessoas de uma vida sexual
melhor – ao invés, ele é para ser usado em incontáveis situações e encontros inesperados na vida
cotidiana do ser humano, incluindo o sexo, como portais para a experiência da meditação. Como
Osho diz, no primeiro capítulo:

“Estes sutras de Shiva são as técnicas mais antigas, as mais ancestrais. Mas você pode
chamá-las de as mais recentes também, porque nada pode ser adicionado a elas. ... Elas
incluíram todas as possibilidades, todos os meios para se limpar a mente, para se transcender a
mente. Nem um único método pode ser adicionado aos cento e doze métodos de Shiva. ... O livro
é exaustivo, completo. Ele é o mais antigo e ainda assim o mais recente, o mais novo. Velhos
como velhas colinas – os métodos parecem eternos – e novos como a gota de orvalho antes do
sol, porque eles são tão frescos!
“Estes cento e doze métodos de meditação constituem toda a ciência da transformação da
mente. ”

Perceba o uso que Osho faz da palavra ‘ciência’. Ele enfatiza repetidas vezes, não somente
em O Livro dos Segredos, mas em quase todos os seus discursos gravados, que a meditação não é
um sistema de crenças, uma doutrina, uma “resposta” para uma pergunta – por exemplo, sobre o
que acontece quando nós morremos. A meditação é um estado interior onde, de fato, todos os
sistemas de crenças, doutrinas e respostas prontas desapareceram – deixando somente a
consciência pura, livre de pensamento, que sozinha é capaz de perceber a realidade diretamente,
como ela é. Mas as técnicas de meditação não são meditação também – assim, não cometa esse
erro. As técnicas são apenas mapas, como as fórmulas científicas. A questão não é estudá-las
com um fim em si mesmo, mas usá-las, experimentá-las no laboratório do próprio espaço interior
da pessoa. A meditação é o que pode acontecer como resultado da experiência.
Mas espere – o que tudo isso tem a ver com sexo extraordinário? As pessoas que foram
capazes de trazer a meditação para o ato do amor podem lhe dizer para jogar fora todos os
manuais de “como fazer” e, ao invés, aprender a trazer a sua atenção para o aqui e agora. Depois
disso, todas as coisas tomarão conta de si mesmas.
E o que acontece quando nós morremos? As pessoas que saborearam a meditação podem não
ser capazes de lhe dar uma resposta precisa, mas elas podem lhe contar que conheceram e
experimentaram a imortalidade dentro delas mesmas e saíram da experiência sabendo que a
morte é apenas um sonho.
Sexo, morte e meditação. Quem melhor para juntá-los do que Shiva, destruidor e amante, o
deus com a mais humana das aspirações, para ir além de si mesmo e destrancar os segredos de
tudo o que é desconhecido? E quem melhor para trazer os segredos dos sutras de Shiva para os
dias de hoje do que Osho, cuja insistência é a de que tudo na vida – do sexo à superconsciência,
da espiritualidade à ciência – deve ser recuperado de todas as nossas noções obscuras de bom e
mau, de superior e inferior, e restaurado na total iluminação que é nosso direito de nascimento
como seres humanos.
Osho dá orientações bem detalhadas, no capítulo introdutório, para o uso de O Livro dos
Segredos. Enfatizar algumas delas aqui e algo do contexto no qual este livro foi criado será útil
para o leitor, no uso do livro como ele foi planejado.
Cada capítulo do livro foi originalmente distribuído como um discurso improvisado, dirigido
a um pequeno grupo de amigos e discípulos. Osho sempre fala sem anotações ou outro tipo de
preparação, exceto (neste caso, por exemplo) de uma cópia dos sutras que ele está comentando,
ou (noutra parte) de umas poucas piadas ou historietas, selecionadas de antemão, que ele poderia
usar para ilustrar algum ponto durante seu discurso.
Para aqueles que estão acostumados a ler livros de “como fazer” e de “auto-ajuda”, este
contexto pode ser desconcertante a princípio. Você não encontrará uma palestra aqui, com ponto
um, dois e três para serem anotados e praticados mais tarde. Não existem notas de rodapé,
subtítulos, gráficos ou hábeis ilustrações. Abordar o texto com esse tipo de expectativa é
encontrar a frustração rapidamente. Será melhor lê-lo como você leria uma história, ou poesia,
ou os versos de uma canção. Em uma atitude de paciência e receptividade, com a certeza de que
tudo será revelado a seu tempo.
No começo deste O Livro dos Segredos, Osho incita sua audiência a experimentar cada uma
das técnicas de meditação sobre as quais ele fala, enquanto elas prosseguem – “simplesmente
brinque com ela por três dias”, ele sugere. E ele enfatiza a palavra ‘brinque’ – não seja sério,
não faça um “extremo esforço”, nem “discipline a si mesmo”, mas “brinque”. E quando você
tenta a técnica e descobre que ela realmente “clica” em você, uma técnica que você goste e
pareça trazer alguma coisa nova e fresca em sua vida, então, você pode explorá-la mais
profundamente. Neste sentido, você como leitor está em melhor posição do que a audiência
original – você pode dar tanto tempo quanto necessário para cada capítulo, para brincar com cada
técnica dada, antes de se mover para o seguinte.
Naturalmente, você também pode ir diretamente a um ponto qualquer do livro, escolher uma
técnica particular que realmente prenda a sua atenção e o faça sentir o desejo de experimentá-la
imediatamente.
Fique sabendo que cada “capítulo de sutra” é seguido por um capítulo contendo respostas de
Osho para perguntas de sua audiência. Em quase todos os casos, as perguntas se relacionam com
técnicas dadas no capítulo anterior. Assim, quando você começa a experimentar, será útil olhar
no capítulo imediatamente seguinte às técnicas com as quais você está brincando. Você muito
provavelmente encontrará algumas dicas extras, alguns entendimentos mais profundos, alguns
“problemas” dissolvidos.
E, finalmente, lembre-se de não confundir o mapa com o destino: O Livro dos Segredos não é
uma série de respostas, ele é um conjunto de chaves. Osho promete bem no começo que este
conjunto de chaves é completo, não faltando nem mesmo um padrão para uma simples porta. A
chave para a sua própria porta está aqui em algum lugar. Tudo o que você tem que fazer é
experimentar as chaves, uma após outra, até você encontrar uma que se encaixe. Então, abra a
porta e veja por si mesmo o que se encontra dentro.

Carol Neiman
Puna, Índia, 1997
Capítulo 1

O MUNDO DO TANTRA

OS SUTRAS

Devi pergunta:

Ó Shiva, qual é a tua realidade?


O que é este universo cheio de maravilhas?
O que constitui a semente?
Quem é o centro da roda universal?
O que é essa vida além da forma penetrando as formas?
Como nós podemos entrar nela totalmente, além do espaço e tempo, nomes e descrições?
Permite que minhas dúvidas sejam esclarecidas!

Alguns pontos introdutórios. Primeiramente, o mundo do Vigyan Bhairav Tantra não é


intelectual, não é filosófico. A doutrina não tem sentido para ele. Ele está relacionado com
método, com técnica – não com princípios. A palavra ‘tantra’ significa técnica, o método, o
caminho. Assim, ele não é filosófico – perceba isso. Ele não está interessado em problemas e
indagações intelectuais. Ele não está interessado no “por quê” das coisas; ele está interessado no
“como” – não no que é a verdade, mas em como a verdade pode ser alcançada.
Tantra significa técnica. Assim, este tratado é um tratado científico. A ciência não está
preocupada com o por quê, a ciência está preocupada com o como. Essa é a diferença básica
entre filosofia e ciência. A filosofia pergunta “Por que esta existência?”. A ciência pergunta
“Como esta existência?”. No momento em que você faz a pergunta “Como?”, métodos, técnicas
tornam-se importantes. As teorias tornam-se sem sentido; a experiência torna-se o centro.
Tantra é ciência, tantra não é filosofia. Entender a filosofia é fácil porque somente o seu
intelecto é requerido. Se você puder entender a linguagem, se você puder entender o conceito,
você poderá entender a filosofia. Você não precisa mudar; não é requerida nenhuma
transformação em você. Como você é, você pode entender a filosofia; mas não o tantra.
Você irá precisar de uma transformação... mais do que isso, de uma mutação. A menos que
você seja diferente o tantra não pode ser entendido, porque o tantra não é uma proposição
intelectual, ele é uma experiência. A menos que você esteja receptivo, pronto, vulnerável para a
experiência, ele não virá a você.
A filosofia está interessada na mente. Sua cabeça é o suficiente; sua totalidade não é
requerida. O tantra necessita de você em sua totalidade. Ele é um profundo desafio. Você terá de
estar nele completamente. Ele não é fragmentário. É necessário uma abordagem diferente, uma
atitude diferente, uma mente diferente para recebê-lo. Por causa disso, Devi está fazendo
perguntas aparentemente filosóficas. O tantra começa com as perguntas de Devi. Todas as
questões podem ser abordadas filosoficamente.
Na verdade, qualquer questão pode ser abordada de duas maneiras: filosoficamente, ou
totalmente – intelectualmente, ou existencialmente. Por exemplo: se alguém pergunta “O que é o
amor?”, você pode, intelectualmente, fazer uma abordagem disso, você pode discutir, você pode
propor teorias, pode argumentar a favor de uma determinada hipótese. Você pode criar um
sistema, uma doutrina – ... e você pode não ter conhecido o amor de forma alguma.
Para criar uma doutrina, a experiência não é necessária. Na verdade, ao contrário, quanto
menos você souber, melhor, porque então você pode propor um sistema sem hesitações. Somente
um homem cego pode definir facilmente o que é a luz. Quando você não sabe, você é audacioso.
A ignorância é sempre audaciosa; o conhecimento hesita. E quanto mais você sabe, mais você
sente que o chão embaixo dos seus pés está se dissolvendo. Quanto mais você sabe, mais você
sente o quanto ignorante você é. E aqueles que são realmente sábios, eles se tornam ignorantes.
Eles se tornam tão simples como as crianças, ou tão simples como os idiotas.
Quanto menos você sabe, melhor. Ser filosófico, ser dogmático, ser doutrinário – isso é fácil.
Abordar um problema intelectualmente é muito fácil. Mas abordar um problema
existencialmente – não apenas pensar sobre ele, mas vivê-lo completamente, atravessá-lo,
permitir a si mesmo ser transformado através dele – isso é difícil. Isto é: para conhecer o amor, é
preciso estar no amor. Isso é perigoso porque você não permanecerá o mesmo. A experiência irá
transformá-lo. No momento em que você entra no amor, você entra uma pessoa diferente. E
quando você sai, você não será capaz de reconhecer sua velha face; ela não pertencerá a você.
Uma descontinuidade terá acontecido. Agora existe uma fenda, o velho homem está morto e o
novo chegou. É isso o que é conhecido como renascimento – nascer duas vezes.
O tantra é não-filosófico e existencial. Assim, naturalmente, Devi faz perguntas que parecem
ser filosóficas, mas Shiva não irá respondê-las dessa forma. Então, é melhor entender isso desde
o começo; de outro modo, você irá ficar confuso, porque Shiva não responderá a uma única
pergunta. Todas as perguntas que Devi está fazendo, Shiva não vai responder, absolutamente. E
mesmo assim ele responde! E na verdade, somente ele as respondeu e ninguém mais – mas em
um plano diferente.
Devi pergunta, “Qual é a sua realidade, meu príncipe?”. Ele não responderá a isso. Ao
contrário, ele dará uma técnica. E se Devi for através dessa técnica, ela saberá. Assim, a resposta
é indireta; ela não é direta. Ele não responderá a “Quem eu sou?”. Ele dará uma técnica – faça-a
e você saberá.
Para o tantra, fazer é conhecer, e não existe nenhum outro conhecer. A menos que você faça
alguma coisa, a menos que você mude, a menos que você tenha uma perspectiva diferente de
olhar para, de olhar com, a menos que você se mova em uma dimensão completamente diferente
da intelectual, não existe resposta. Respostas podem ser dadas – todas elas são mentiras. Todas
as filosofias são mentiras. Você faz uma pergunta e a filosofia lhe dá uma resposta. Ela o
satisfaz, ou não o satisfaz. Se ela o satisfaz, você se torna um convertido à filosofia, mas você
permanece o mesmo. Se ela não o satisfaz, você continua procurando por alguma outra filosofia
para ser convertido. Mas você permanece o mesmo; você não é tocado de modo algum, você não
é transformado.
Assim, quer você seja um hindu, ou um muçulmano, ou um cristão, ou um Jainista, isso não
faz diferença. A pessoa real por detrás da fachada de um hindu, ou de um muçulmano, ou de um
cristão, é a mesma. Somente as palavras diferem, ou as roupas. O homem que vai à igreja, ou ao
templo, ou à mesquita, é o mesmo homem. Somente as faces diferem, e elas são faces que são
falsas; elas são máscaras. Embaixo das máscaras você encontrará o mesmo homem – a mesma
raiva, a mesma agressão, a mesma violência, a mesma ganância, a mesma luxúria – tudo o
mesmo. É a sexualidade muçulmana diferente da sexualidade hindu? É a violência cristã
diferente da violência hindu? Ela é a mesma! A realidade permanece a mesma; somente as
roupas diferem.
O tantra não está interessado em suas roupas, o tantra está interessado em você. Se você faz
uma pergunta, isso mostra onde você está. Isso mostra também que, onde quer que você esteja,
você não pode ver; por isso existe a pergunta. Um homem cego pergunta “O que é a luz?” e a
filosofia começará a responder o que é a luz. O tantra saberá apenas isso: se um homem está
perguntando “O que é a luz?”, isso mostra apenas que ele é cego. O tantra começará a agir no
homem, transformando o homem, de forma que ele possa ver. O tantra não irá dizer o que é a
luz. O tantra irá contar como alcançar o insight, como alcançar o ver, como alcançar a visão.
Quando a visão estiver presente, a resposta estará presente. O tantra não lhe dará a resposta; o
tantra lhe dará a técnica para se alcançar a resposta.
Ora, essa resposta não será intelectual. Se você diz alguma coisa sobre a luz para um homem
cego, isso é intelectual. Se o próprio homem cego torna-se capaz de ver, isso é existencial. Isso é
o que eu quero dizer quando digo que o tantra é existencial. Assim, Shiva não responderá às
perguntas de Devi; mesmo assim, ele responderá – essa é a primeira coisa.
A segunda coisa: este é um tipo diferente de linguagem. Você deve saber alguma coisa sobre
isso antes de entrarmos nessa linguagem. Todos os tratados tântricos são diálogos entre Shiva e
Devi. Devi pergunta e Shiva responde. Todos os tratados tântricos começam desse jeito. Por
quê? Por que este método? Isso é muito significativo. Ele não é o diálogo entre um professor e
um discípulo, é um diálogo entre dois amantes. E o tantra expressa através disso uma coisa muito
significativa: que os ensinamentos mais profundos não podem ser dados a menos que exista amor
entre os dois – o discípulo e o mestre. O discípulo e o mestre devem se tornar profundos
amantes. Somente então, pode o mais elevado, o além, ser expresso.
Assim, ele é uma linguagem de amor; o discípulo deve estar em uma atitude de amor. Mas
não apenas isso, porque amigos podem ser amantes. O tantra diz que um discípulo se move como
receptividade; assim, o discípulo deve estar numa receptividade feminina; somente então alguma
coisa é possível. Você não precisa ser uma mulher para ser um discípulo, mas você precisa estar
em uma atitude feminina de receptividade. Quando Devi pergunta, isso significa que a atitude
feminina pergunta. Por que essa ênfase na atitude feminina?
O homem e a mulher não são apenas diferentes fisicamente, eles são psicologicamente
diferentes. O sexo não é somente uma diferença no corpo; é uma diferença nas psicologias
também. Uma mente feminina significa receptividade – total receptividade, entrega, amor. Um
discípulo precisa de uma psicologia feminina; de outra forma, ele não será capaz de aprender.
Você pode perguntar, mas se você não está aberto, então você não pode obter a resposta. Você
faz uma pergunta e ainda permanece fechado. Então a resposta não pode penetrá-lo. Suas portas
estão fechadas; você está morto. Você não está aberto.
Uma receptividade feminina significa uma receptividade semelhante a um útero na
profundidade interior, de forma que você possa receber. E não somente isso – muito mais está
implícito. Uma mulher não está apenas recebendo alguma coisa: no momento em que ela recebe
algo, isso se torna parte do corpo dela. Uma criança é recebida. Uma mulher concebe; no
momento em que existe a concepção, a criança se torna parte do corpo feminino. Ela não é uma
alienígena, não é uma estrangeira. Ela foi absorvida. Agora a criança viverá não como alguma
coisa adicionada à mãe, mas, exatamente, como uma parte; exatamente, como a mãe. E a criança
não é apenas recebida; o corpo feminino se torna criativo, a criança começa a crescer.
Um discípulo precisa de uma receptividade semelhante a de um útero. O que quer que seja
recebido não é para ser acumulado como conhecimento morto. Precisa crescer em você; precisa
se tornar sangue e osso em você. Precisa se tornar uma parte, agora. Precisa crescer! Esse
crescimento o mudará, transformará o receptor. Por isso, o tantra usa esse artifício. Todos os
tratados começam com Devi fazendo uma pergunta e Shiva respondendo-a. Devi é a consorte de
Shiva, sua parte feminina.
Uma coisa mais... Agora a psicologia moderna, principalmente a psicologia profunda, diz que
o homem é ambos, homem e mulher. Ninguém é apenas masculino e ninguém é apenas
feminino; todo mundo é bissexual. Ambos os sexos existem. Há uma pesquisa muito recente no
Ocidente, mas, para o tantra, esse tem sido um dos conceitos mais fundamentais por milhares de
anos. Você deve ter visto alguma figura de Shiva como ardhanarishwar – metade homem,
metade mulher. Não existe nenhum outro conceito como esse em toda a História do homem.
Shiva é retratado como metade homem, metade mulher.
Assim, Devi não é apenas a sua consorte, ela é a outra metade de Shiva. E a menos que o
discípulo se torne a outra metade do mestre é impossível transmitir os ensinamentos mais
elevados, os métodos esotéricos. Quando você se torna um, então não existe mais dúvida.
Quando você é um com o mestre – tão totalmente um, tão profundamente um – não existe
nenhum argumento, nenhuma lógica, nenhuma razão. A pessoa simplesmente absorve: torna-se
um útero. E então o ensinamento começa a crescer em você, e o transforma.
É por isso que o tantra é escrito na linguagem do amor. Alguma coisa deve ser também
entendida sobre a linguagem do amor. Existem dois tipos de linguagem: a linguagem da lógica e
a linguagem do amor. Existem diferenças básicas entre as duas.
A linguagem da lógica é agressiva, argumentativa, violenta. Se eu uso a linguagem da lógica,
eu me torno agressivo com a sua mente. Eu tento convencê-lo, convertê-lo, torná-lo um boneco.
Meu argumento é “certo” e você está “errado”. A linguagem da lógica é egocêntrica: “Eu estou
certo e você está errado, assim eu devo provar que estou certo e você está errado.”. Eu não estou
interessado em você, eu estou interessado no meu ego. Meu ego está sempre “certo”.
A linguagem do amor é totalmente diferente. Eu não estou interessado no meu ego, eu estou
interessado em você. Eu não estou interessado em provar alguma coisa, em fortalecer o meu ego.
Eu estou interessado em ajudá-lo. É uma compaixão para ajudá-lo a crescer, ajudá-lo a se
transformar, ajudá-lo a renascer.
Em segundo lugar, a lógica sempre será intelectual. Conceitos e princípios serão importantes,
os argumentos serão importantes. Com a linguagem do amor, o que é dito não é significativo; ao
contrário: é o modo como é dito. O recipiente, a palavra, não é importante; o conteúdo, a
mensagem, é mais importante. É uma conversa de coração-a-coração, não uma discussão mente-
a-men-te. Não é um debate, é uma comunhão.
Assim isto é raro: Devi está sentada no colo de Shiva e pergunta; e Shiva responde. É um
diálogo amoroso – nenhum conflito, é como se Shiva estivesse falando consigo mesmo. Por que
essa ênfase no amor, na linguagem do amor? Porque se você ama o seu mestre, então, toda a
gestalt muda – ela torna-se diferente. Então, você não está escutando as suas palavras, então,
você está bebendo-o. Então, suas palavras são irrelevantes. Na verdade, o silêncio entre as
palavras se torna mais significativo. O que ele está dizendo pode ser significativo, ou pode não
ser significativo... mas, sim, seus olhos, seus gestos, sua compaixão, seu amor.
Por isso o tantra tem um artifício fixo, uma estrutura. Cada tratado começa com Devi
perguntando e Shiva respondendo. Não haverá nenhuma discussão, nenhum desperdício de
palavras. Existem afirmações bem simples de fatos, mensagens telegráficas sem intenção de
convencer, mas somente de relatar.
Se você levar a Shiva uma pergunta com a mente fechada, ele não irá responder-lhe dessa
maneira. Primeiro, sua atitude fechada tem de ser quebrada. Então, ele terá que ser agressivo.
Então, as suas opiniões preconcebidas, então, os seus preconceitos têm de ser destruídos. A
menos que você esteja totalmente limpo de seu passado, nada pode ser dado a você. Mas esse
não é o caso com sua consorte Devi – com Devi não existe passado.
Lembre-se, quando você está em profundo amor, sua mente cessa de existir. Não existe
passado; somente o momento presente torna-se tudo. Quando você está amando, o presente é o
único tempo, o agora é tudo – nenhum passado, nenhum futuro. Assim, Devi está simplesmente
aberta. Não existe nenhuma defesa – nada para ser clareado, nada para ser destruído. O solo está
pronto, apenas tem de ser lançada uma semente. O solo não está apenas pronto, mas acolhedor,
receptivo, pedindo para ser fecundado.
Assim, todas essas sentenças que iremos comentar, serão telegráficas. Elas são apenas sutras,
mas, cada sutra, cada mensagem telegráfica dada por Shiva, é equivalente a um Veda,
equivalente a uma A Bíblia, equivalente a um Alcorão. Cada simples sentença, pode tornar-se a
base de uma grande escritura. As escrituras são lógicas – você tem que propor, defender,
argumentar. Aqui não existe nenhum argumento, apenas simples declarações de amor.
Em terceiro lugar, as próprias palavras ‘Vigyan Bhairav Tantra’ significam a técnica de ir
além da consciência. Vigyan significa consciência, bhairav significa o estado que está além da
consciência e tantra significa método: o método de ir para além da consciência. Essa é a doutrina
suprema – sem nenhuma doutrina.
Nós estamos inconscientes; desse modo, todos os ensinamentos religiosos estão preocupados
com o como se ir além da inconsciência, como se ficar consciente. Por exemplo: Krishnamurti, o
zen... todos eles estão interessados em como criar mais consciência, porque nós estamos
inconscientes. Então, como estar mais alerta, desperto? A partir da inconsciência, como se mover
em direção à consciência?
Mas o tantra diz que isso é uma dualidade – inconsciente e consciente. Se você se move da
inconsciência para a consciência, você está se movendo de uma parte da dualidade para outra.
Mova-se para além de ambas! A menos que você se mova para além de ambas, você nunca pode
alcançar o definitivo; assim, não esteja nem no inconsciente, nem no consciente – simplesmente
vá além, simplesmente, seja. Não seja o consciente, nem o inconsciente – simplesmente seja!
Isso é ir além do yoga, além do zen, além de todos os ensinamentos.
‘Vigyana’ significa consciência e ‘bhairava’ é um termo específico, um termo tântrico para
alguém que foi além. É por isso que Shiva é conhecido como Bhairava e Devi é conhecida como
Bhairavi – aqueles que foram além das dualidades.
Em nossa experiência, somente o amor pode dar um vislumbre. Por isso o amor se torna o
artifício mais fundamental para se comunicar a sabedoria tântrica. Em nossa experiência,
podemos dizer que somente o amor é algo que vai além da dualidade. Quando duas pessoas estão
amando, quanto mais profundamente elas se moverem para dentro disso, cada vez menos e
menos elas serão duas, e cada vez mais e mais elas se tornarão uma. E chega um ponto e um
ápice é alcançado, em que apenas visivelmente elas são duas: internamente elas são uma – a
dualidade é transcendida.
Somente nesse sentido, a afirmação de Jesus de que “Deus é amor” torna-se significativa;
caso contrário, não. Em nossa experiência, o amor é o que está mais perto de Deus. Não é que
Deus esteja amando, como os cristãos continuam interpretando – que Deus tem um amor
paternal para com você. Tolice!
“Deus é amor” é uma afirmação tântrica. Significa que, em nossa experiência, o amor é a
única realidade que chega mais perto de Deus, do divino. Por quê? Porque, no amor, a unidade é
sentida. Os corpos permanecem dois, mas coisas, além dos corpos, fundem-se e tornam-se um.
Por isso existe tanto anseio por sexo. O anseio real é por unidade, mas essa unidade não é
sexual. No sexo, dois corpos têm somente uma sensação ilusória de se tornarem um, mas eles
não são um, eles estão apenas juntos. Mas por um simples momento, dois corpos esquecem de si
mesmos um no outro e uma certa unidade física é sentida. Esse anseio não é ruim, mas ficar
parado nele é perigoso. Esse anseio mostra um profundo impulso para sentir-se a unidade.
No amor, em um plano superior, o eu interior se move, funde-se com o outro e existe uma
sensação de unidade. A dualidade se dissolve. Somente nesse amor não-dual, nós podemos ter
um vislumbre de qual é o estado de um bhairava. Nós podemos dizer que o estado de um
bhairava é o de amor absoluto, sem nenhum retorno – do ápice do amor não existe queda.
Permanece-se no ápice.
Nós fizemos a morada de Shiva no Kailash. Isso é apenas simbólico: é o cume mais elevado,
o cume mais sagrado. Nós fizemos dele a morada de Shiva. Nós podemos ir lá, mas nós teremos
de voltar, ele não pode ser nossa morada. Nós podemos ir em peregrinação. É uma tirthyatra –
uma peregrinação, uma jornada. Nós podemos tocar, apenas por um momento, o cume mais alto;
depois teremos que voltar.
No amor, essa peregrinação sagrada acontece, mas não para todo mundo, porque quase
ninguém vai além do sexo. Assim, nós continuamos vivendo no vale, no vale escuro. Algumas
vezes alguém se move para o ápice do amor, mas, então, cai de volta porque é muito vertiginoso.
Ele é tão alto e você é tão baixo, e é muito difícil viver lá. Aqueles que amaram, eles sabem o
quanto é difícil estar constantemente no amor. A pessoa tem que voltar repetidas vezes. Ele é a
morada de Shiva. Ele vive lá – é a sua casa.
Um bhairava vive no amor; essa é a sua morada. Quando eu digo que é a sua morada, eu
quero dizer que agora ele não está nem mesmo consciente do amor – porque, se você vive no
Kailash, você não estará consciente de que aquilo é o Kailash, de que é um cume. O cume se
torna plano. Shiva não está ciente do amor. Nós estamos cientes do amor porque nós vivemos no
não-amor. E, por causa do contraste, nós sentimos o amor. Shiva é amor. O estado de bhairava
significa que alguém se tornou amor. Não, amoroso – alguém tornou-se amor, vive no cume. O
cume se tornou sua morada.
Como tornar viável, esse mais alto cume? Além da dualidade, além da inconsciência, além da
consciência, além do corpo e além da alma, além do mundo e além da assim chamada moksha,
libertação – como alcançar esse cume? A técnica é o tantra. Mas o tantra é pura técnica, então,
será difícil entender. Primeiramente, vamos entender as questões, o que Devi está perguntando.

Ó Shiva, qual é a sua realidade?


Por que essa pergunta? Você também pode fazer essa pergunta, mas ela não carregará o
mesmo significado. Então, tente entender por que Devi pergunta “Qual é a sua realidade?”.
Devi está em profundo amor. Quando você está em profundo amor, você encontra a realidade
interior pela primeira vez. Então, Shiva não é a forma; então, Shiva não é o corpo. Quando você
está amando, o corpo do amado se dissolve, desaparece. A forma não existe mais e o sem-forma
é revelado. Você está encarando um abismo. É por isso que nós temos tanto medo do amor. Nós
podemos encarar um corpo, nós podemos encarar uma face, nós podemos encarar uma forma,
mas nós temos medo de encarar um abismo.
Se você ama alguém, se você realmente ama, seu corpo está fadado a desaparecer. Em alguns
momentos de clímax, de ápice, a forma se dissolverá e através do amado você entrará no sem-
forma. Por isso nós temos medo – é uma queda em um abismo sem fundo. Assim, a pergunta não
é apenas uma simples curiosidade: Ó Shiva, qual é a sua realidade?
Devi deve ter caído de amor pela forma. As coisas começam desse jeito. Ela deve ter amado
esse homem como um homem e, agora, quando o amor chegou a um amadurecimento, quando o
amor floriu, esse homem desapareceu. Ele se tornou sem-forma. Agora ele não pode ser
encontrado em nenhum lugar. Ó Shiva, qual é a sua realidade? Essa é a pergunta feita em um
momento de intenso amor. E quando as perguntas estão surgindo, elas se tornam diferentes de
acordo com a mente na qual elas são elaboradas.
Assim, crie a situação, o ambiente da pergunta em sua mente. Devi deve estar perdida – Shiva
desapareceu. Quando o amor atinge o seu ápice, o amante desaparece. Por que isso acontece?
Isso acontece, porque, na verdade, todo mundo é sem-forma. Você não é um corpo. Você se
move como um corpo, você vive como um corpo, mas você não é um corpo. Quando nós vemos
alguém pelo lado de fora, ele é um corpo. O amor penetra interiormente, então, nós não estamos
vendo a pessoa de fora. O amor pode ver a pessoa como a pessoa pode ver a si mesma a partir de
dentro. Então a forma desaparece.
Um monge zen, Rinzai, alcançou a sua iluminação e a primeira coisa que ele perguntou foi
esta: “Onde está o meu corpo? Onde meu corpo foi parar?”. E ele começou a procurar. Ele
chamou seus discípulos e disse: “Vão e descubram onde está o meu corpo. Eu perdi meu corpo.”.
Ele havia entrado no sem-forma. Você também é uma existência sem-forma, mas você não
conhece a si mesmo diretamente, mas, sim, através dos olhos dos outros. Você conhece através
do espelho. Algumas vezes, quando olhando no espelho, feche seus olhos e, então, pense,
medite: se não existisse espelho, como você poderia conhecer a sua face? Se não existisse
espelho, não poderia ter existido nenhuma face. Você não tem uma face: os espelhos dão-lhes
faces. Pense em um mundo onde não exista espelho. Você está sozinho – nenhum espelho, nem
mesmo os olhos das outras pessoas funcionando como espelhos. Você está sozinho em uma ilha
deserta: nada pode refleti-lo. Então? Você terá alguma face? Ou você terá algum corpo? Você
não pode tê-lo. Você não o tem, absolutamente. Nós conhecemos a nós mesmos somente através
dos outros e os outros só podem conhecer a forma externa. É por isso que nós nos tornamos
identificados com ela.
Outro místico zen, Hyakujo, costumava dizer a seus discípulos: “Quando você tiver perdido a
sua cabeça meditando, venha imediatamente até mim. Quando você perder a sua cabeça, venha
imediatamente até mim. Quando você começar a sentir que não existe mais nenhuma cabeça, não
fique com medo; venha imediatamente a mim. Esse é o momento certo. Agora, alguma coisa
pode ser-lhe ensinada.”. Com uma cabeça, nenhum ensinamento é possível. A cabeça sempre
entra no meio.
Devi pergunta a Shiva: Ó Shiva, qual é a sua realidade ? – quem é você? A forma
desapareceu – por isso a pergunta. No amor, você entra no outro como ele mesmo. Não é você
respondendo. Vocês se tornam um e, pela primeira vez, você conhece um abismo – uma presença
sem-forma.
Por isso, por séculos a fio, séculos e séculos, nós não fizemos nenhuma escultura, nenhuma
pintura de Shiva. Nós só fizemos shivalinga – um símbolo. O shivalinga é apenas uma forma
sem-forma. Quando você ama alguém, quando você entra em alguém, ele se torna apenas uma
presença luminosa, apenas uma aura de luz. Por isso Devi pergunta: “Qual é a sua realidade?”.

O que é esse universo cheio de maravilhas?

Nós conhecemos o universo, mas nós nunca o conhecemos como cheio de maravilhas. As
crianças conhecem, os amantes conhecem. Algumas vezes, poetas e loucos conhecem.
Nós não sabemos que o universo está cheio de maravilhas. Tudo é apenas repetitivo –
nenhuma maravilha, nenhuma poesia, apenas prosa sem variação. Isso não cria uma música em
você; isso não cria uma dança em você; isso não dá nascimento a uma poesia interior. Todo o
universo parece mecânico. As crianças olham para ele com olhos maravilhados. Quando os olhos
estão cheios de maravilha, o universo está cheio de maravilhas.
Quando você está amando, você sé torna novamente uma criança. Jesus disse: “Somente
aqueles que são como crianças entrarão no meu reino de Deus.”. Por quê? Porque se o universo
não é uma maravilha, você não pode ser religioso. O universo pode ser explicado – então, sua
abordagem é científica. O universo ou é conhecido, ou desconhecido; mas aquilo que é
desconhecido pode ser conhecido um dia: não é incognoscível. O universo se torna
incognoscível, um mistério, somente quando seus olhos estão cheios de maravilha.
Devi diz: “O que é esse universo cheio de maravilhas?”. De repente, existe um salto de uma
pergunta pessoal para uma muito impessoal. Ela estava perguntando “Qual é a sua realidade?”
e, então de repente: “O que é este universo cheio de maravilhas?”.
Quando a forma desaparece, seu amado se torna o universo, o sem-for-ma, o infinito. De
repente, Devi se torna consciente de que não está fazendo uma pergunta sobre Shiva; ela está
fazendo uma pergunta sobre todo o universo. Agora, Shiva se tornou todo o universo. Agora,
todas as estrelas estão se movendo nele e todo o firmamento e todo espaço é rodeado por ele.
Agora ele é o grande fator abrangente – “o grande abarcador”. Karl Jaspers definiu Deus como
“o grande abarcador”.
Quando você entra no amor, dentro de um profundo e íntimo mundo de amor, a pessoa
desaparece e o amante se torna apenas uma porta para o universo. Sua curiosidade pode ser
científica – então, você tem que se aproximar através da lógica. Então, você não deve pensar no
sem-forma. Então, tome cuidado com o sem-forma; então, permaneça contente na forma. Se
alguma coisa sem-forma é proposta para uma mente científica, ela irá cortá-la em formas – a
menos que aquilo tome uma forma, fica sem sentido. Primeiro, dê-lhe uma forma, uma forma
definida; somente então a investigação começa.
No amor, se existe uma forma, então, ele não tem nenhum propósito. Dissolva a forma!
Quando as coisas se tornam sem-forma, estonteantes, sem barreiras, todas as coisas entrando
umas nas outras, todo o universo se tornando uma unidade, somente então, há um universo cheio
de maravilhas.

O que constitui a semente?

Depois, Devi continua. Do universo ela continua a perguntar: “O que constitui a semente?”.
Esse universo sem-forma e cheio de maravilhas, de onde ele vem? De onde ele se origina? Ou
ele não se origina? O que é a semente?

Quem é o centro da roda universal?

– pergunta Devi. Essa roda continua girando e girando – essa grande mudança, esse fluxo
constante... Mas quem é o centro dessa roda? Onde está o eixo, o centro, o centro que não se
move?
Ela não pára para nenhuma resposta. Ela continua perguntando como se ela não estivesse
perguntando a alguém, como se ela estivesse falando consigo mesma.

O que é essa vida além da forma penetrando as formas?


Como nós podemos entrar nela totalmente,
além do espaço e tempo,
nomes e descrições ?
Permite que minhas dúvidas sejam esclarecidas!

A ênfase não está nas perguntas, mas nas dúvidas: Permite que minhas dúvidas sejam
esclarecidas!... Isso é muito significativo. Se você está fazendo uma pergunta intelectual, você
está pedindo por uma resposta definida, de maneira que seu problema seja resolvido. Mas Devi
diz: “Permite que minhas dúvidas sejam esclarecidas!”. Ela não está realmente pedindo
respostas. Ela está pedindo por uma transformação em sua mente, porque uma mente céptica
permanecerá uma mente céptica, quaisquer que sejam as respostas dadas. Perceba isto: uma
mente céptica permanecerá uma mente céptica. As respostas são irrelevantes. Se eu lhe dou uma
resposta e você tem uma mente céptica, você irá duvidar. Se eu lhe dou uma outra resposta, você
irá duvidar dela também. Você tem uma mente céptica. Uma mente céptica significa que você
coloca um ponto de interrogação em tudo.
Desse modo, as respostas são inúteis. Você me pergunta “Quem criou o mundo?” e eu lhe
digo que “A” criou o mundo. Então você está fadado a perguntar “Quem criou ‘A’?”. Assim o
problema real não é como responder a perguntas. O problema real é como transformar a mente
céptica, como criar uma mente que não viva duvidando – ou, que seja confiante. Assim, Devi
diz: “Permite que minhas dúvidas sejam esclarecidas!”.
Duas, ou três, coisas mais... Quando você faz uma pergunta, você pode estar perguntando por
muitas razões. Uma, pode ser apenas esta: você quer uma confirmação. Você já sabe a resposta,
você tem a resposta, você apenas a quer para confirmar que sua resposta está certa. Então, a sua
pergunta é falsa, pseudo; não é uma pergunta. Você pode estar fazendo uma pergunta não porque
você esteja pronto para se transformar, mas apenas como uma curiosidade.
A mente vive perguntando. Na mente, perguntas surgem como folhas surgem em uma árvore.
Essa é a verdadeira natureza da mente, perguntar; assim, ela vive perguntando. Não importa o
que você esteja perguntando – com qualquer coisa dada à mente, ela criará uma pergunta. Ela é
uma máquina de produzir, criar perguntas. Assim, dê-lhe qualquer coisa e ela irá cortá-la em
pedaços e criará muitas perguntas. Uma pergunta respondida e a mente irá criar muitas outras
perguntas a partir da resposta. Essa tem sido toda a história da filosofia.
Bertrand Russell lembra-se de que, quando era criança, ele pensava que um dia, quando
estivesse maduro o suficiente para entender toda a filosofia, todas as perguntas seriam
respondidas. Mais tarde, quando ele tinha oitenta anos, ele disse: “Agora eu posso dizer que
minhas próprias perguntas ainda estão de pé, como estavam de pé quando eu era criança. Agora
outras perguntas chegaram por causa dessas teorias da filosofia.”. Então, ele disse: “Quando eu
era jovem eu dizia que a filosofia é uma busca por respostas definitivas. Agora, eu não posso
dizer isso. Ela é uma busca por perguntas sem fim.”.
Assim, uma pergunta cria uma resposta e muitas outras perguntas. A mente céptica é o
problema. Devi diz: “Não se importe com minhas perguntas. Eu perguntei muitas coisas: Qual é
a sua realidade? O que é este universo cheio de maravilhas? O que constitui a semente? Quem é
o centro da roda universal? O que é a vida além da forma? Como nós podemos entrar nela
totalmente, além do tempo e do espaço? Mas não se preocupe com minhas perguntas. Permita
que minhas dúvidas sejam esclarecidas. Eu faço essas perguntas, porque elas estão em minha
mente. Eu as faço apenas para mostrar-lhe minha mente, mas não dê muita atenção a elas. Na
verdade, as respostas não saciarão minha necessidade. Minha necessidade é... Permite que
minhas dúvidas sejam esclarecidas!”
Mas como as dúvidas podem ser esclarecidas? Alguma resposta pode fazer isso? Existe
alguma resposta que esclarecerá as suas dúvidas? A mente é a dúvida. Não é que a mente duvide,
a mente é a dúvida! A menos que a mente seja dissolvida, as dúvidas não podem ser
esclarecidas.
Shiva responderá. Suas respostas são as técnicas – as técnicas mais antigas, as mais
ancestrais. Mas você pode chamá-las de as mais recentes também, porque nada pode ser
adicionado a elas. Elas são completas – as cento e doze técnicas. Elas incluíram todas as
possibilidades, todos os meios para se limpar a mente, para se transcender a mente. Nem um
único método pode ser adicionado aos cento e doze métodos de Shiva. E este livro, Vigyan
Bhairav Tantra, tem cinco mil anos de idade. Nada pode ser adicionado – não existe a
possibilidade de adicionar-se algo. O livro é exaustivo, completo. Ele é o mais antigo e ainda
assim o mais recente, e o mais novo. Velhos como velhas colinas – os métodos parecem eternos
– e novos como a gota de orvalho antes do sol, porque eles são tão frescos!
Estes cento e doze métodos de meditação constituem toda a ciência da transformação da
mente. Nós entraremos neles um a um. Nós tentaremos entendê-los, primeiro intelectualmente.
Mas use o seu intelecto somente como um instrumento, não como um mestre. Use-o como um
instrumento para entender alguma coisa, mas não continue criando barreiras com ele. Quando
estivermos falando sobre estas técnicas, coloque de lado seu conhecimento passado, o seu
conhecedor, qualquer informação que você tenha reunido. Coloque-os de lado – eles são apenas
poeira acumulada no caminho.
Coloque-se diante desses métodos com uma mente fresca – em estado de alerta, naturalmente,
mas não com argumentação. E não crie a falácia de que uma mente argumentadora seja uma
mente alerta. Ela não é, porque no momento em que você entra nos argumentos, você perdeu a
consciência, você perdeu o estado de alerta. Então, você não está aqui.
Esses métodos não pertencem a nenhuma religião. Lembre-se: eles não são hindus, assim
como a teoria da relatividade não é judaica só porque Einstein a concebeu. E o rádio e a televisão
não são cristãos. Ninguém diz: “Por que você está usando a eletricidade? Ela é cristã, porque
uma mente cristã a concebeu.”. A ciência não pertence às raças e religiões – e o tantra é uma
ciência. Assim, lembre-se: isto aqui não é de forma alguma hindu. Estas técnicas foram
concebidas por hindus, mas estas técnicas não são hindus. Por isso estas técnicas não
mencionarão nenhum ritual religioso. Nenhum templo é necessário. Você é bastante suficiente
como um templo em si mesmo. Você é um laboratório; todo o experimento acontecerá dentro de
você. Nenhuma crença é necessária.
Isto aqui não é religião, é ciência. Nenhuma crença é necessária. Não se requer que você
acredite em O Alcorão, ou em Os Vedas, ou em Buda ou em Mahavira. Não, nenhuma crença é
necessária. Somente uma ousadia para experimentar é o suficiente, coragem para experimentar é
o suficiente; esta é a beleza. Um muçulmano pode praticar e ele atingirá os significados mais
profundos de O Alcorão. Um hindu pode praticar e ele pela primeira vez saberá o que são o Os
Vedas. E um jainista pode praticar e um budista pode praticar; eles não precisam abandonar as
suas religiões. O tantra irá satisfazê-los, onde quer que eles estejam. O tantra será útil, qualquer
que seja o caminho por eles escolhido.
Então lembre-se disto: o tantra é pura ciência. Você pode ser um hindu, ou um muçulmano,
ou um parse, ou qualquer outra coisa – o tantra não toca, absolutamente, na sua religião. O tantra
diz que a religião é uma ocupação social, assim, pertença a qualquer religião; isso é irrelevante.
Mas você pode se transformar e essa transformação necessita de uma metodologia científica.
Quando você está doente, quando você adoece, ou se você pegou uma tuberculose, ou qualquer
coisa, então, o fato de você ser um hindu, ou um muçulmano, não faz diferença. A tuberculose
permanece indiferente ao seu hinduísmo, ao seu islamismo, às suas crenças – políticas, sociais ou
religiosas. A tuberculose tem que ser tratada cientificamente. Não existe nenhuma tuberculose
hindu, nem uma tuberculose muçulmana.
Você é ignorante, você está em conflito, você está adormecido. Isso é uma doença, uma
doença espiritual. Essa doença tem que ser tratada pelo tantra. Você é irrelevante, suas crenças
são irrelevantes. É apenas coincidência que você tenha nascido em algum lugar e alguém mais
tenha nascido em outro lugar. Isso é apenas coincidência. Sua religião é uma coincidência, então,
não se apegue a ela. Use algum método científico para se transformar.
O tantra não é muito bem conhecido. E mesmo que ele seja conhecido, ele é muito mal
compreendido. Existem razões para isso. Quanto mais elevada e pura é a ciência, menor é a
probabilidade de que as massas a conheçam. Nós apenas ouvimos o nome da teoria da
relatividade. Dizem que apenas doze pessoas a compreenderam enquanto Einstein estava vivo.
Em todo o mundo, apenas uma dúzia de mentes pôde compreendê-la. Era difícil inclusive para
Albert Einstein torná-la inteligível para alguém, torná-la compreensível, porque ela vai tão alto,
que está além da sua cabeça. Mas ela pode ser compreendida. Um conhecimento técnico,
matemático é necessário; um treinamento é necessário e, então, ela pode ser compreendida. Mas
o tantra é mais difícil porque nenhum treinamento ajudará. Somente a transformação ajudará. É
por isso que o tantra nunca pôde ser entendido pelas massas. E sempre acontece que, quando
você não pode compreender alguma coisa, pelo menos, você compreenderá errada-mente, porque
assim você pode sentir “tudo bem, eu entendi”. Você, simplesmente, não pode permanecer no
vácuo.
Em segundo lugar, quando você não pode compreender uma coisa, você começa a ofendê-la,
porque ela o insulta. Você não pode compreendê-la?! Você!? Você não pode compreender isto!?
Isso é impossível! Alguma coisa deve estar errada com a própria coisa. A pessoa começa a
insultar, começa a falar absurdos e então ela sente que “agora está tudo bem”.
Assim, o tantra não foi compreendido; o tantra foi mal compreendido. Ele é tão profundo e
tão elevado que isso era natural. Em segundo lugar, como o tantra vai além da dualidade, o
próprio ponto de vista é amoral. Por favor entenda estas palavras: ‘moral’, ‘imoral’, ‘amoral’.
Nós compreendemos moralidade, nós compreendemos imoralidade, mas torna-se difícil se
alguma coisa é amoral – além de ambas.
O tantra é amoral. Olhe-o desse jeito... Um medicamento é amoral; não é nem moral, nem
imoral. Se você o der a um ladrão, vai ajudar; se você o der a um santo, vai ajudar. Ele não fará
nenhuma distinção entre um ladrão e um santo. O medicamento não pode dizer: “Este é um
ladrão, então, eu irei matá-lo; e este é um santo, então, eu irei ajudá-lo.”. Um medicamento é
uma coisa científica. Você ser um ladrão, ou um santo, é irrelevante.
O tantra é amoral. O tantra diz que nenhuma moralidade é necessária – nenhuma moralidade
específica é necessária. Ao contrário: você é imoral, porque você tem uma mente muito
perturbada. Assim, o tantra não pode ter nenhuma pré-condição, de que primeiro você se torne
moral e, aí então, pode praticar o tantra. O tantra diz que isso é um absurdo.
Alguém está doente, febril e o médico chega e diz: “Primeiro, abaixe a sua febre; primeiro,
esteja bem saudável. Somente então, eu posso lhe dar o medicamento.”. É isso que estaria
acontecendo.
Um ladrão chega para um santo e diz: “Eu sou um ladrão. Me diga como meditar.”. O santo
diz: “Primeiro deixe a sua profissão. Como você pode meditar se você continua sendo um
ladrão?”.
Um alcoólatra chega e diz: “Eu sou um alcoólatra. Como eu posso meditar?”. O santo diz: “A
primeira condição é deixar o álcool, somente então, você pode meditar.”. As condições se tornam
suicidas. O homem é alcoólatra, ou um bandido, ou imoral, porque ele tem um distúrbio de
mente, uma mente doente. Esses são os efeitos, as consequências da mente doente; e lhe é dito:
“Primeiro fique bom e, então, você pode meditar.”. Mas, então, quem precisa de meditação? A
meditação é medicinal. Ela é um medicamento.
O tantra é amoral. Ele não lhe pergunta quem você é. Sendo você um ser humano já é
suficiente. Onde quer que você esteja, o que quer que você seja, você é aceito.
Escolha uma técnica que se ajuste a você, coloque toda a sua energia nela e você não será o
mesmo novamente. As técnicas reais, autênticas, sempre serão assim. Se eu coloco pré-
condições, isso mostra que eu tenho uma pseudo técnica – eu digo: “Primeiro faça isso e
primeiro não faça aquilo e, então...” E essas condições são impossíveis porque um ladrão pode
mudar seus objetos, mas ele não pode tornar-se um não-ladrão.
Um homem ambicioso pode mudar os objetos de sua ambição, mas ele não pode tornar-se
não-ambicioso. Você pode forçá-lo e ele pode forçar sobre si mesmo a não-ambição, mas isso é
somente por causa de uma certa ambição. Se o paraíso é prometido, ele pode até tentar ser não-
ambicioso. Mas isso é ambição por excelência. Paraíso, moksha, liberação; sat-chit-ananda,
existência, consciência, bem-aventurança – eles serão os objetos de sua ambição.
O tantra diz que não se pode mudar o homem, a menos que você lhe dê técnicas autênticas
com as quais ele possa se transformar. Apenas pela pregação, nada é mudado. E você pode ver
isso por todo o mundo. Tudo o que o tantra diz está escrito por todo o mundo. Muita pregação,
muita moralização, tantos sacerdotes, pregadores... – o mundo todo está cheio deles, no entanto,
tudo está tão feio e tão imoral.
Por que isso está acontecendo? O mesmo acontecerá se você der seus hospitais aos
pregadores. Eles irão lá e eles começarão a pregar. E eles farão cada doente sentir: “Você é
culpado! Você criou essa doença; agora mude essa doença.”. Se hospitais forem entregues aos
pregadores, qual se tornará a condição dos hospitais? A mesma condição de todo o mundo.
Os pregadores continuam pregando. Eles continuam dizendo às pessoas “Não fiquem com
raiva.”, sem lhes dar nenhuma técnica. E nós escutamos esses ensinamentos por tanto tempo, que
nem mesmo levantamos a questão: “O que você está dizendo? Eu estou com raiva e você diz
‘não fique com raiva’. Como isso é possível? Quando eu estou com raiva, isso significa que ‘eu’
estou com raiva; e você me diz ‘não fique com raiva’. Desse modo, eu só posso sufocar a mim
mesmo.”.
Mas isso criará mais raiva. Isso criará culpa – porque, se eu tentar mudar e não puder mudar a
mim mesmo, isso criará inferioridade. Isso me dará uma sensação de culpa, de que eu sou
incapaz; não posso vencer minha raiva. Ninguém pode vencê-la! Você precisa de certas armas,
você precisa de certas técnicas, porque a sua raiva é apenas uma indicação de uma mente
perturbada. Mude a mente perturbada e a indicação mudará. A raiva só está mostrando o que está
dentro. Mude o interior e o exterior mudará.
Assim, o tantra não está interessado em sua suposta moralidade. Na verdade, enfatizar a
moralidade é desprezível, degradante: é inumano. Se alguém vem a mim e eu digo “Abandone a
sua raiva primeiro, abandone o sexo primeiro, abandone isso e aquilo.”, então, eu sou inumano.
O que eu estou dizendo é impossível. E essa impossibilidade fará esse homem se sentir,
internamente, desprezível. Ele começará a se sentir inferior; ele estará degradado, internamente,
aos seus próprios olhos. Se ele tentar o impossível, ele irá fracassar. E quando ele for um
fracasso, estará convencido de que é mesmo um pecador.
Os pregadores convenceram o mundo todo de que “Vocês são pecadores.”. Isso é bom para
eles, porque, a menos que você seja convencido, a profissão deles não pode continuar. Vocês
precisam ser pecadores; somente então, as igrejas, os templos e as mesquitas podem continuar a
prosperar. Seu ser em pecado é o sucesso deles. Sua culpa é a base de todas as mais altas igrejas.
Quanto mais culpado você for, mais as igrejas continuarão crescendo e crescendo. Elas são
construídas sobre a sua culpa, sobre o seu pecado, sobre o seu complexo de inferioridade. Assim,
elas criaram uma humanidade inferior.
O tantra não está interessado em sua assim chamada moralidade, suas formalidades sociais,
etc. Isso não significa que o tantra seja imoral. Não! O tantra está tão desinteressado em sua
moralidade, que o tantra nem pode dizer-lhe para ser imoral. O tantra lhe dá técnicas científicas
para mudar a mente, e uma vez que a mente torne-se diferente, seu caráter será diferente. Uma
vez que a base de sua estrutura mude, todo seu edifício será diferente. Por causa dessa atitude
amoral, o tantra não pôde ser tolerado pelos seus supostos santos – todos eles foram contra ele –,
porque, se o tantra tiver sucesso, então, todas essas tolices que continuam em nome da religião,
terão de parar.
Veja isto: o cristianismo lutou muito contra o progresso científico. Por quê? Apenas, porque,
se existir progresso científico no mundo material, então, não estará muito longe o momento em
que, nos mundos psicológico e espiritual, a ciência também penetrará. Assim, o cristianismo
começou a lutar contra o progresso científico, porque uma vez que você saiba que pode mudar a
matéria através da técnica, não está muito longe o momento em que você chegará a saber que
pode mudar a mente através de técnicas – porque a mente não é nada além de matéria sutil.
Essa é a proposta do tantra: a mente não é nada mais que matéria sutil, ela pode ser mudada.
E uma vez que você tenha uma mente diferente você tem um mundo diferente, porque você olha
através da mente. O mundo que você está vendo, você o está vendo assim por causa de uma
determinada mente. Mude a mente e, quando você olhar, existirá um mundo diferente. E se não
existir a mente... – esse é o ápice para o tantra: ocasionar um estado onde não exista a mente.
Então, olhe para o mundo sem o mediador. Quando o mediador não está, você está encontrando
o real, porque agora ninguém está entre você e o real. Então, nada pode ser distorcido.
Assim, o tantra diz que, quando não existe a mente, este é o estado de um bhairava – um
estado de não-mente. Pela primeira vez, você olha para o mundo, como ele é. Se você tem uma
mente, você continua criando um mundo; você continua impondo, projetando. Assim, primeiro,
mude a mente; depois, mude da mente para a não-mente. E esses cento e doze métodos podem
ajudar cada um e todos. Um determinado método pode não ser de utilidade para você. Por isso,
Shiva vai narrando muitos métodos. Escolha qualquer método que combine com você. Não é
difícil saber qual combina com você.
Nós tentaremos entender cada método e como escolher para si mesmo um método que possa
mudar tanto você quanto a sua mente. Este entendimento, esta compreensão intelectual, será uma
necessidade básica, mas isso não é o fim. O que quer que eu fale aqui, tente.
Na verdade, quando você tenta com o método certo, dá imediatamente um clique. Assim, eu
continuarei falando sobre os métodos aqui todos os dias. Você experimenta-os. Apenas brinca
com eles – vai para casa e experimenta. O método certo, quando você o encontra, simplesmente
clica. Alguma coisa explode em você e você sabe que “este é o método certo para mim”. Mas o
esforço é necessário e você se surpreenderá quando, de repente um dia, um método o agarrar.
Assim, enquanto eu estou falando aqui, paralelo a isso, continue brincando com esses
métodos. Eu digo brincando, porque você não deve ser muito sério. Simplesmente brinque!
Alguma coisa pode se ajustar a você. Se ela se ajustar a você, então seja sério e, então, vá fundo
nela – intensamente, honestamente, com toda sua energia, com toda a sua mente. Mas antes disso
apenas brinque.
Eu descobri que, enquanto você está brincando, sua mente está mais aberta. Quando você está
sério, sua mente não está tão aberta – ela está fechada. Assim, simplesmente brinque. Não seja
tão sério, apenas brinque. E esses métodos são simples, você pode simplesmente brincar com
eles.
Pegue um método e brinque com ele pelo menos por três dias. Se ele lhe der uma certa
sensação de afinidade, se ele lhe der uma certa sensação de bem-estar, se ele lhe der uma certa
sensação de que ele é para você, então seja sério quanto a isso. Então, esqueça os outros, não
brinque com os outros métodos. Persista naquele – pelo menos por três meses. Milagres são
possíveis. A única coisa é que a técnica deve ser para você. Se a técnica não for para você, então,
nada acontecerá. Então, você pode permanecer nela por vidas, mas nada irá acontecer. Se o
método for para você, então, até mesmo três minutos serão suficientes.
Assim, esses cento e doze métodos podem ser uma experiência miraculosa para você, ou eles
podem ser apenas uma listagem – depende de você. Eu continuarei descrevendo cada método de
tantos ângulos quanto possíveis. Se você sente alguma afinidade com ele, brinque com ele por
três dias. Se você sente que ele se ajusta, que alguma coisa clica em você, continue com ele por
três meses.
A vida é um milagre. Se você não conheceu o seu mistério, isso apenas mostra que você não
conhece a técnica de como se aproximar dela.
Shiva propõe cento e doze métodos. Esses são todos os métodos possíveis. Se nada clicar e
nada lhe der uma sensação de que ele é para você, então, não existe nenhum método para você –
lembre-se disso. Assim, esqueça a espiritualidade e seja feliz. Então, ela não é para você.
Mas esses cento e doze métodos são para toda a humanidade – para todas as épocas que já
passaram e para todas as épocas que ainda estão para chegar. Em nenhum tempo, houve nem um
simples homem, e nunca haverá um, que possa dizer: “Esses cento e doze métodos são todos
inúteis para mim.”. Impossível! Isso é impossível!
Todos os tipos de mente foram levados em conta. Todos os tipos possíveis de mente
receberam uma técnica no tantra. Existem muitas técnicas para as quais nenhum homem existe
ainda, elas são para o futuro. Existem muitas técnicas para as quais nenhum homem existe agora
– elas são para o passado. Mas não tenha medo. Existem muitas técnicas que são para você.
Assim nós começaremos essa jornada a partir de amanhã.
Capítulo 2

O CAMINHO DO IOGA E O CAMINHO DO TANTRA



PERGUNTAS

Qual é a diferença entre ioga e tantra ?


No caminho da entrega, como chegar até a técnica certa?
Como saber se a técnica, sendo praticada, será bem-sucedida ?

Há muitas perguntas. A primeira:

Qual é a diferença entre o ioga tradicional e o tantra? Eles são iguais?

O tantra e o ioga são, basicamente, diferentes. Eles atingem a mesma meta; entretanto, seus
caminhos não são apenas diferentes, mas contrários também. Assim, isso tem de ser entendido
muito claramente. O processo do ioga é também uma metodologia; o ioga é técnica também.
Ioga não é filosofia. Assim, como o tantra, o ioga depende de ação, método, técnica. A ação no
ioga leva ao ser também, mas o processo é diferente. No ioga, tem-se de lutar: ele é o caminho
do guerreiro. No caminho do tantra, não se tem de lutar de forma alguma. Bem ao contrário, tem-
se de indulgir – mas com consciência.
Ioga é repressão com consciência; tantra é indulgência com consciência.
O tantra diz que, seja o que for que você é, o supremo não tem nada contra. Trata-se de um
crescimento: você pode crescer em direção ao supremo. Não existe oposição entre você e a
realidade. Você é parte dela; assim, nenhuma luta, nenhum conflito, nenhuma oposição à
natureza são necessários. Você tem de usar a natureza; você tem de usar o que quer que você seja
para ir além.
No ioga, você tem de lutar consigo mesmo para ir além. No ioga, o mundo e moksha,
liberação – você como você é e você como pode ser – são duas coisas opostas. Reprima, lute,
dissolva aquilo que você é, de forma que você possa atingir aquilo que você pode ser. Ir além é
uma morte no ioga. Você precisa morrer para seu ser real nascer.
Aos olhos do tantra, o ioga é um profundo suicídio. Você tem que matar o seu eu natural –
seu corpo, seus instintos, seus desejos, todas as coisas. O tantra diz: aceite a si mesmo como você
é. Ele é uma profunda aceitação. Não crie uma fenda entre você e o real, entre o mundo e o
nirvana. Não crie nenhuma fenda. Não existe nenhuma fenda para o tantra; nenhuma morte é
necessária. Para o seu renascimento, nenhuma morte é necessária, mas uma transcendência sim.
Para essa transcendência, use a si mesmo.
Por exemplo: o sexo está presente, a energia básica – a energia básica através da qual você
nasceu, com a qual você nasceu. As células básicas de seu ser e de seu corpo são sexuais; assim,
a mente humana se movimenta em volta do sexo. Para o ioga você deve lutar com essa energia.
Através da luta você cria um centro diferente em você mesmo. Quanto mais você luta, mais você
se torna integrado em um centro diferente. Então, o sexo não é seu centro. Lutar contra o sexo –
naturalmente com consciência – criará em você um novo centro do ser, uma nova ênfase, uma
nova cristalização. Então, o sexo não será a sua energia. Você criará a sua energia lutando contra
o sexo. Uma energia diferente surgirá e, também, um centro diferente de existência.
Para o tantra, você tem de usar a energia do sexo. Não lute contra ela, transforme-a. Não
pense em termos de inimigo, seja amigável com ela. Ela é sua energia. Ela não é ruim, ela não é
má. Toda energia é apenas natural. Ela pode ser usada a seu favor, ela pode ser usada contra
você. Você pode fazer dela um obstáculo, uma barreira, ou você pode torná-la um degrau. Ela
pode ser usada. Corretamente usada, ela se torna amigável; usada de maneira errada, ela se torna
sua inimiga. Mas ela não é nenhum dos dois. A energia é apenas natural. Da maneira como o
homem comum está usando o sexo, ele se torna um inimigo, ele o destrói – o homem
simplesmente se dissipa nele.
O ioga toma o ponto de vista oposto – oposto à mente comum. A mente comum está sendo
destruída por seus próprios desejos; assim, o ioga diz: pare de desejar, permaneça sem desejo.
Lute contra o desejo e crie em você uma integração que seja sem desejo.
O tantra diz: esteja consciente de seu desejo; não crie nenhuma luta. Mova-se para dentro do
desejo com plena consciência e, quando você se move para dentro do desejo com plena
consciência, você o transcende. Você está dentro dele e, ainda assim, você não está nele. Você
passa através dele, mas você permanece um estrangeiro.
O ioga tem muito apelo, porque o ioga é simplesmente o oposto da mente comum; assim, a
mente comum pode compreender a linguagem do ioga. Você sabe como o sexo o está destruindo
– como ele o destruiu, como você continua girando em volta dele como um escravo, como um
fantoche. Você sabe disso pela sua própria experiência. Assim, quando o ioga diz “lute contra
ele”, você imediatamente entende a linguagem. Esse é o apelo, o apelo fácil do ioga.
O tantra não pode ser tão facilmente atraente. Ele parece difícil: como se mover para dentro
do desejo sem ser esmagado por ele? Como estar no ato sexual conscientemente, com toda a
atenção? A mente comum torna-se medrosa. Isso parece perigoso. Não que seja perigoso; tudo o
que você sabe sobre sexo cria esse perigo para você. Você conhece a si mesmo, você sabe como
você pode enganar a si mesmo. Você sabe muito bem que a sua mente é astuta. Você pode se
mover no desejo, no sexo, em todas as coisas e você pode enganar a si mesmo, de que você está
se movendo com total consciência. É por isso que você sente o perigo.
O perigo não está no tantra: ele está em você. E o apelo do ioga é por sua causa, por causa de
sua mente comum, sua mente repressora sexual, faminta de sexo, indulgente com o sexo. Como a
mente comum não é saudável em relação ao sexo, o ioga tem um apelo. Com uma humanidade
melhor, com um sexo saudável – natural, normal – o caso seria diferente. Nós não somos
naturais, nem normais. Nós somos absolutamente anormais, não-saudáveis, realmente insanos.
Mas como todos são como nós, nós nunca o sentimos.
A loucura é tão normal que não ser louco pode parecer anormal. Um Buda é anormal, um
Jesus é um anormal entre nós. Eles não pertencem à nós. Essa “normalidade” é a doença. Essa
mente “normal” criou o apelo do ioga. Se você considerar o sexo naturalmente – sem nenhuma
filosofia em torno, sem nenhuma filosofia contra ou a favor –, se você considerar o sexo como
você considera as suas mãos, os seus olhos – se ele for totalmente aceito como uma coisa natural
–, então, o tantra terá um apelo. E somente, então, pode o tantra ser útil para muitos.
Mas os dias do tantra estão chegando. Mais cedo ou mais tarde o tantra explodirá pela
primeira vez nas massas, porque pela primeira vez o momento está maduro – maduro para
considerar o sexo de forma natural. É possível que a explosão possa vir do Ocidente, por causa
de Freud, Jung, Reich; eles prepararam o cenário. Eles não conheciam nada sobre o tantra, mas
eles criaram o terreno básico para o tantra se desenvolver. A psicologia ocidental chegou a uma
conclusão de que a doença humana básica está em algum lugar em torno do sexo, a insanidade
básica do homem é orientada pelo sexo.
Assim, a menos que essa orientação pelo sexo seja dissolvida, o homem não pode ser natural,
normal. O homem fracassou somente por causa de suas atitudes com relação ao sexo. Nenhuma
atitude é necessária. Somente então, você é natural. Que atitudes você tem com relação aos seus
olhos: eles são ruins, ou eles são divinos? Você é a favor dos seus olhos, ou contra eles? Não
existe nenhuma atitude! É por isso que seus olhos são normais.
Tome alguma atitude – pense que os olhos são ruins. Então, o ato de ver se tornará difícil.
Então, o ato de ver tomará a mesma forma problemática que o sexo tomou. Então, você irá
querer ver, você desejará e você ansiará por ver. Mas quando você estiver vendo, você se sentirá
culpado. O que quer que você veja, você se sentirá culpado de que fez alguma coisa errada, de
que pecou. Você gostaria de matar o seu próprio instrumento de visão; você gostaria de destruir
seus olhos. E quanto mais você quiser destruí-los, mais você se tornará centrado nos olhos.
Então, você dará início a uma atividade muito absurda: você irá querer ver cada vez mais e mais
e, simultaneamente, você se sentirá cada vez mais e mais culpado. O mesmo aconteceu com o
centro sexual.
O tantra diz: aceite o que quer que você seja. Esse é o recado básico: aceitação total. E
somente através da aceitação total você pode crescer. Então, use todas as energias que você tem.
Como você as pode usar? Aceite-as; então, descubra o que essas energias são – o que é sexo, o
que é esse fenômeno? Nós não estamos familiarizados com ele. Nós sabemos muitas coisas sobre
o sexo, ensinadas pelos outros. Nós podemos ter passado pelo ato sexual, mas com uma mente
culpada, com uma atitude repressiva, precipitada, com pressa. Alguma coisa tem que ser feita a
fim de haver uma descarga. O ato sexual não é um ato amoroso. Você não está feliz nele, mas
você não pode abandoná-lo. Quanto mais você tenta abandoná-lo, mais atraente ele se torna.
Quanto mais você quer negá-lo, mais você se sente convidado.
Você não o pode negá-lo, mas essa atitude de negar, de destruir, destrói a própria mente, a
própria consciência, a própria sensibilidade que pode compreendê-lo. Assim, o ato sexual
continua sem nenhuma sensibilidade. Então, você não pode compreendê-lo. Somente uma
profunda sensibilidade pode compreender alguma coisa: somente um sentimento profundo, um
movimento profundo para dentro dela, pode compreender alguma coisa. Você pode compreender
o sexo somente se você se move nele como um poeta se move por entre as flores – somente
então! Se você se sente culpado com relação às flores, você pode atravessar o jardim, mas
passará com os olhos fechados, estará apressado, em uma louca e profunda pressa. De alguma
forma você tem que sair do jardim. Então, como você pode estar consciente?
Assim, o tantra diz: aceite o que quer que você seja. Você é um grande mistério de muitas
energias multidimensionais. Aceite isso e mova-se com cada energia com profunda
sensibilidade, com consciência, com amor, com compreensão. Mova-se com ela! Então, cada
desejo se torna um veículo para ir além dele. Então, cada energia se torna uma ajuda. Então, este
próprio mundo é o nirvana, este próprio corpo é um templo – um templo sagrado, um lugar
sagrado.
Ioga é negação; tantra é afirmação. Ioga pensa em termos de dualidade – esta é a razão da
palavra ‘ioga’. Ela significa colocar duas coisas juntas, unir (yoke) duas coisas. Mas há duas
coisas, a dualidade existe. O tantra diz que não existe dualidade. Se existir a dualidade, então,
você não as poderá colocar juntas. E por mais que você tente, elas irão permanecer duas. Por
mais que você as coloque juntas, elas irão permanecer duas e a luta continuará, o dualismo
permanecerá.
Se o mundo e o divino são dois, então, eles não podem ser colocados juntos. Se na verdade
eles não são dois, se eles estão apenas se mostrando como dois, somente então, eles podem ser
um. Se seu corpo e sua alma são dois, então, eles não podem ser colocados juntos. Se você e
Deus são dois, então, não existe possibilidade de colocá-los juntos. Eles permanecerão dois.
O tantra diz que não existe dualidade: ela é apenas uma aparência. Assim, por que ajudar a
aparência a ficar mais forte? O tantra pergunta: por que ajudar essa aparência de dualidade a ficar
mais forte? Dissolva-a neste exato momento! Seja um! Através da aceitação, você se torna um –
não através da luta. Aceite o mundo, aceite o corpo, aceite tudo que é inerente a ele. Isso não
criará um centro diferente em você mesmo, porque, para o tantra, esse centro diferente não é
nada além de ego. Não crie um ego. Apenas esteja consciente do que você é. Se você lutar,
então, o ego estará presente.
Assim, é difícil encontrar um iogue que não seja um egoísta. E os iogues podem continuar
falando sobre a ausência do ego, mas eles não podem ficar sem ego. O próprio processo que eles
atravessam, cria o ego. A luta é o processo. Se você luta, você está fadado a criar um ego. E
quanto mais você lutar, mais fortalecido o ego será. E se você vencer a sua luta, então, você terá
atingido o ego supremo.
O tantra diz: “Não lute!”. Então, não existe possibilidade de ego. Se nós entendermos o tantra,
haverá muitos problemas, porque, para nós, se não existe luta, há apenas indulgência. Não lutar
significa indulgir para nós. Então, nós ficamos com medo. Nós temos sido indulgentes há muitas
vidas seguidamente e nós não chegamos a lugar nenhum. Mas, para o tantra, a indulgência não é
a indulgência que nós conhecemos. O tantra diz: seja indulgente, mas com consciência.
Você está com raiva... o tantra não irá dizer-lhe para não ficar com raiva. O tantra dirá: fique
com raiva sinceramente, mas fique alerta. O tantra não é contra a raiva, o tantra é apenas contra a
sonolência espiritual, a inconsciência espiritual. Esteja alerta e fique com raiva. E esse é o
segredo do método – pois se você está consciente a raiva é transformada: ela se torna compaixão.
Assim, o tantra diz que a raiva não é sua inimiga; ela é compaixão na forma de semente. A
mesma raiva, a mesma energia, se tornará compaixão.
Se você lutar contra ela, então, não haverá nenhuma possibilidade de compaixão. Assim, se
você tiver sucesso na luta, na repressão, você será um homem morto. Não haverá nenhuma raiva,
porque você a reprimiu, mas não haverá nenhuma compaixão tampouco, porque somente a raiva
pode ser transformada em compaixão. Se você tiver sucesso na sua repressão – o que é
impossível –, então, não haverá sexo, mas nenhum amor também, porque com o sexo morto não
existe nenhuma energia para crescer em direção ao amor. Assim, você estará sem sexo, mas você
também estará sem amor. E então, tudo se perde, porque sem amor não existe divindade, sem
amor não existe liberação e sem amor não existe liberdade.
O tantra diz que essas mesmas energias existem para serem transformadas. Isso pode ser dito
deste jeito: se você é contra o mundo, então, não existe nirvana – porque este próprio mundo
existe para ser transformado em nirvana. Então, você é contra as energias básicas que são a
fonte.
Assim, a alquimia tântrica diz: não lute, seja amigável com todas as energias que são dadas a
você. Dê boas-vindas a elas. Sinta gratidão por você ter raiva, por você ter sexo, por você ter
ambição. Sinta gratidão porque essas são as fontes ocultas e elas podem ser transformadas, elas
podem ser abertas. E quando o sexo é transformado ele se torna amor. O veneno é perdido, a
feiúra é perdida.
A semente é feia, mas, quando ela se torna viva, ela brota e floresce. Então, existe a beleza.
Não jogue fora a semente, porque, então, você está também jogando fora as flores que existem
dentro dela. Elas ainda não estão presentes, ainda não se manifestaram de forma que você possa
vê-las. Elas são não-manifestas, mas elas existem. Use esta semente de forma que você possa
alcançar as flores. Assim, primeiramente, deixe que exista a aceitação, uma compreensão e
consciência sensíveis. Então, a indulgência é permitida.
Uma coisa mais que é, na verdade, muito estranha, porém uma das descobertas mais
profundas do tantra; é o seguinte: o que quer que você tome como seus inimigos – ambição,
raiva, ódio, sexo, o que quer que seja – sua atitude de que eles são inimigos, transforma-os em
inimigos. Tome-os como presentes divinos e aborde-os com um coração muito agradecido. Por
exemplo: o tantra desenvolveu muitas técnicas para a transformação da energia sexual.
Aproxime-se do sexo como se você estivesse se aproximando do templo do divino. Aproxime-se
do ato sexual como se ele fosse uma prece, como se ele fosse meditação. Sinta a divindade dele.
É por isso que em Khajuraho, em Púri, em Konarak, todo templo tem maithun, esculturas de
intercurso sexual. O ato sexual nas paredes dos templos parece uma coisa ilógica, principalmente
para o cristianismo, para o islã, para o jainismo. Parece inconcebível, contraditório. De que modo
o templo pode estar relacionado com imagens de maithun? Nas paredes externas dos templos de
Khajuraho todo tipo concebível de ato sexual está retratado na pedra. Por quê? Em um templo,
não há nenhum lugar para isso – em nossas mentes, pelo menos. O cristianismo não pode
conceber uma parede de igreja com as figuras de Khajuraho. Impossível!
Os hindus modernos também se sentem culpados, porque as mentes dos hindus modernos
foram criadas pelo cristianismo. Elas são “hindus-cristãs”– e são piores, porque ser um cristão é
bom, mas ser um hindu-cristão é simplesmente esquisito. Eles se sentem culpados. Um líder
hindu, Purshottamdas Tandon, propôs inclusive que esses templos fossem destruídos, pois eles
não nos pertencem. Na verdade, parece que eles não pertencem a nós porque o tantra não tem
habitado nossos corações há um longo tempo, há séculos. Ele não tem sido a corrente principal.
O ioga tem sido a corrente principal, e, para o ioga, Khajuraho é inconcebível – ele deve ser
destruído.
O tantra diz: aproxime-se do ato sexual como se você estivesse entrando em um templo
sagrado. É por isso que eles retrataram o ato sexual em seus templos sagrados. Eles estavam
dizendo: aproxime-se do sexo como se você estivesse entrando em um templo sagrado. Assim,
quando você entra em um templo sagrado, o sexo deve estar presente a fim de que o dois se
tornem conjugados em sua mente, associados. Então, você pode sentir que o mundo e o divino
não são dois elementos em luta, mas uma coisa só. Eles não são contraditórios, eles são apenas
pólos opostos ajudando um ao outro. E eles podem existir somente por causa dessa polaridade.
Se essa polaridade é perdida, todo o mundo é perdido. Assim, veja a profunda unidade
percorrendo tudo. Não veja somente os opostos polares: veja a corrente interior que passa,
tornando-os um.
Para o tantra tudo é sagrado. Lembre-se disto: para o tantra todas as coisas são sagradas; nada
é profano. Olhe deste jeito: para uma pessoa não-religiosa, todas as coisas são profanas; para as
assim chamadas pessoas religiosas, algumas coisas são sagradas, algumas coisas são profanas.
Para o tantra, todas as coisas são sagradas.
Um missionário cristão esteve comigo há uns dias e ele me disse: “Deus criou o mundo”.
Então eu lhe perguntei: “Quem criou o pecado?”.
Ele disse: “O diabo.”.
Então, eu perguntei a ele: “Quem criou o diabo?”.
Então, ele ficou um pouco perdido. Ele disse: “Naturalmente, Deus criou o diabo.”.
O diabo criou o pecado e Deus criou o diabo. Então, quem é o pecador real – o diabo, ou
Deus? Mas a concepção dualista sempre leva a tais absurdos. Para o tantra, Deus e o diabo não
são dois. Na verdade, para o tantra, não existe nada que possa ser chamado de “diabo”, todas as
coisas são divinas, todas as coisas são sagradas. E esse parece ser o ponto de vista correto, o mais
profundo. Se alguma coisa é profana neste mundo, de onde ela veio e como ela pôde existir?
Assim, há somente duas alternativas. Primeira, a alternativa do ateu que diz que todas as
coisas são profanas. Essa atitude está correta. Ele também não é dualista; ele não vê nada sagrado
no mundo. E há a alternativa tântrica – ela diz que tudo é sagrado. Ela também é não-dualista.
Mas, entre esses dois, há as assim chamadas pessoas religiosas, que não são realmente religiosas.
Elas não são nem religiosas, nem irreligiosas, porque elas estão sempre em conflito. Toda a
teologia delas é apenas para fazer os fins se encontrarem e esses fins não podem se encontrar.
Se uma simples célula, um simples átomo deste mundo não for sagrado, então, o mundo
inteiro se torna profano, porque, como pode esse simples átomo existir em um mundo sagrado?
Como pode ele existir? Ele é sustentado por todas as coisas: para existir, ele tem que ser
sustentado por todas as coisas. E se o elemento profano é sustentado por todos os elementos
sagrados, então, qual é a diferença entre eles? Assim, ou o mundo é totalmente sagrado,
incondicionalmente, ou ele é profano; não existe nenhum caminho do meio.
O tantra diz que todas as coisas são sagradas; é por isso que nós não o podemos compreender.
Ele é o ponto de vista não-dual mais profundo – se nós pudermos chamá-lo de um ponto de vista.
Ele não é, porque qualquer ponto de vista está destinado a ser dual. Ele não é contra nada, assim,
ele não é nem um ponto de vista. Ele é uma unidade sentida, uma unidade vivida.
Estes são os dois caminhos: ioga e tantra. O tantra não pode ser tão atraente por causa de
nossas mentes deformadas. Mas sempre que existir alguém que seja saudável internamente, não
um caos, o tantra tem uma beleza. Somente essa pessoa pode compreender o que é o tantra. O
ioga tem apelo, um apelo fácil, por causa de nossas mentes perturbadas.
Lembre-se: em última análise, sua mente é que torna as coisas atraentes, ou não-atraentes. É
você quem é o fator decisivo.
Essas abordagens são diferentes. Eu não estou dizendo que não se possa chegar através do
ioga. Pode-se chegar através do ioga também, mas não através do ioga que está predominando. O
ioga que está predominando não é realmente ioga, mas a interpretação de suas mentes doentes. O
ioga pode ser autenticamente uma abordagem em direção ao supremo, mas isso também só é
possível quando a sua mente está saudável, quando a sua mente não está doente e enferma.
Então, o ioga toma uma forma diferente. Por exemplo: Mahavira foi pelo caminho do ioga, mas
ele na realidade não reprimiu o sexo. Ele o conheceu, ele o viveu, ele estava profundamente
familiarizado com o sexo. Mas o sexo se tornou sem utilidade para ele; assim, ele o abandonou.
Buda foi pelo caminho do ioga, mas ele viveu através do mundo, ele estava muito familiarizado
com o mundo. Ele não estava lutando. Uma vez que você conheça alguma coisa, você fica livre
dela. Ela simplesmente cai como folhas mortas caindo de uma árvore. Não é uma renúncia; não
existe absolutamente luta envolvida. Olhe para a face de Buda – ela não parece a face de um
lutador. Ele não esteve lutando. Ele é tão relaxado! Sua face é o próprio símbolo do
relaxamento... nenhuma luta.
Olhe para seus iogues. A luta está aparente em suas faces. Bem lá no fundo muita perturbação
existe – exatamente agora, eles estão sentados sobre vulcões. Você pode olhar em seus olhos, em
suas faces e você sentirá isso. Bem no fundo, em algum lugar, eles reprimiram todas as suas
doenças; eles não foram além.
Em um mundo saudável, onde todo mundo está vivendo a sua vida autenticamente,
individualmente, não imitando os outros, mas vivendo sua própria vida da sua própria maneira,
ambos são possíveis. A pessoa pode aprender a profunda sensibilidade que transcende os
desejos; ela pode chegar a um ponto, onde todos os desejos se tornam fúteis; e abandoná-los. O
ioga pode também levar a isso, mas, para mim, o ioga levará a isso no mesmo mundo em que o
tantra possa levar a isso – lembre-se disto. Nós precisamos de uma mente saudável, de um
homem natural. Nesse mundo em que exista um homem natural, o tantra, e o ioga também,
levará à transcendência dos desejos.
Em nossa assim chamada sociedade doente, nem o ioga, nem o tantra podem fazer isso,
porque, se nós escolhemos o ioga, nós não o escolhemos porque os desejos se tornaram inúteis –
não! Eles ainda são significativos, eles não estão desaparecendo por si mesmos. Nós temos que
forçá-los. Se nós escolhemos o ioga, nós o escolhemos como uma técnica de repressão. Se nós
escolhemos o tantra, nós escolhemos o tantra como uma dissimulação, como um profundo
engano – uma desculpa para a indulgência.
Assim, com uma mente não-saudável, nem o ioga, nem o tantra podem funcionar. Eles irão
ambos levar ao engano. Uma mente saudável, particularmente uma mente sexualmente saudável,
é necessária para se começar. Então, não é muito difícil escolher o seu caminho. Você pode
escolher o ioga, você pode escolher o tantra.
Há dois tipos de pessoas basicamente, a masculina e a feminina. Eu não estou querendo dizer
biologicamente, mas psicologicamente. Para aqueles que são básica e psicologicamente
masculinos – agressivos, violentos, extrovertidos – o ioga é o seu caminho. Para aqueles que são
basicamente femininos, receptivos, passivos, não violentos, o tantra é o seu caminho. Assim,
você pode perceber isto: para o tantra, a Mãe Káli, Tara e muitas outras dévis, bhairávis –
divindades femininas – são muito significativas. No ioga, você nunca ouvirá mencionar qualquer
nome de uma divindade feminina. O tantra tem divindades femininas; o ioga tem deuses
masculinos. O ioga é uma energia voltada para fora; o tantra é uma energia se movendo para
dentro. Assim, você pode dizer em termos da psicologia moderna que o ioga é extrovertido e o
tantra é introvertido. Assim, depende da personalidade. Se você tem uma personalidade
introvertida, então, a luta não é para você. Se você tem uma personalidade extrovertida, então, a
luta é para você.
Mas nós estamos realmente confusos, nós estamos realmente em uma bagunça; é por isso que
nada adianta. Pelo contrário, tudo perturba. O ioga o perturbará; o tantra o perturbará. Todo e
qualquer medicamento irá criar uma nova doença para você, porque aquele que escolhe está
doente, enfermo; assim, o resultado da escolha dele será enfermidade. Assim, eu não quero dizer
que através do ioga você não possa chegar. Eu enfatizo o tantra, porque nós tentaremos
compreender o que o é tantra.

Outra pergunta:
No caminho da entrega, como o buscador chega à técnica certa entre os cento e doze
métodos?

No caminho da vontade, há métodos – estes cento e doze métodos. No caminho da entrega, a


própria entrega é o método – não existe nenhum outro método. Lembre-se disso. Todos os
métodos são da não-entrega, porque um método significa você depender de você mesmo. Você
pode fazer alguma coisa; a técnica está aí; assim, você a faz. No caminho da entrega, você não é
mais; assim, você não pode fazer nada. Você fez o definitivo, a última coisa: você se entregou.
No caminho da entrega, a entrega é o único método.
Todos estes cento e doze métodos requerem uma certa vontade; eles requerem que alguma
coisa seja feita por você. Você manipula a sua energia, você equilibra a sua energia, você cria um
centro em seu caos. Você faz alguma coisa. Seu esforço é significativo, básico, requerido. No
caminho da entrega, somente uma coisa é requerida: que você se entregue. Nós iremos fundo
nesses cento e doze métodos; sendo assim, é bom dizer alguma coisa sobre entrega porque ela
não tem nenhum método.
Nestes cento e doze métodos, não haverá nada sobre a entrega. Por que Shiva não disse nada
sobre a entrega? Porque nada pode ser dito. Bhairavi mesma, Devi mesma, chegou até Shiva não
através de algum método. Ela simplesmente se entregou. Então, isso deve ser percebido. Ela está
fazendo estas perguntas não para si, estas perguntas são feitas para toda a humanidade. Ela
alcançou Shiva. Ela já está em seu colo, ela já está abraçada por ele. Ela já se tornou um com ele,
mas, ainda assim, ela está perguntando.
Então, lembre-se de uma coisa: ela não está perguntando para si, não há nenhuma
necessidade. Ela está perguntando para toda a humanidade.
Mas se ela alcançou, por que ela está perguntando a Shiva? Não pode ela mesma falar à
humanidade? Ela chegou através do caminho da entrega; assim, ela não sabe nada sobre método.
Ela mesma chegou através do amor; o amor é suficiente por si mesmo, o amor não precisa de
nada além. Ela chegou através do amor, assim, ela não sabe nada sobre métodos, técnicas. É por
isso que ela pergunta.
Assim, Shiva relaciona os cento e doze métodos. Ele também não falará sobre a entrega,
porque a entrega não é um método, na verdade. Você se entrega somente quando todos os
métodos se tornaram fúteis, quando você não pôde chegar através de nenhum método. Você
tentou o seu melhor. Você bateu em todas as portas e nenhuma porta se abriu, e você passou por
todas as rotas e nenhuma rota chegou. Você fez tudo o que podia fazer e agora você se sente
impotente. Nessa total impotência a entrega acontece. Assim, no caminho da entrega, não existe
método.
Mas o que é a entrega e como ela funciona. E se a entrega funciona, então, qual é a
necessidade de cento e doze métodos? Então, por que entrar neles desnecessariamente? – a
mente irá perguntar. Então, tudo bem! Se a entrega funciona, é melhor se entregar. Por que
continuar ansiando por métodos? E quem sabe se um determinado método irá se ajustar a você,
ou não? E pode-se levar vidas para descobrir. Assim, é bom se entregar, mas isso é difícil. É a
coisa mais difícil no mundo.
Os métodos não são difíceis. Eles são fáceis; você pode treinar a si mesmo. Mas, para
entregar-se, você não pode treinar a si mesmo.... – nada de treino! Você não pode perguntar
como se entregar; a própria pergunta é absurda. Como você pode perguntar como se entregar?
Pode você perguntar como amar?
Ou existe amor, ou não existe, mas você não pode perguntar como amar. E se alguém lhe diz
e ensina como amar, lembre-se, então, você nunca será capaz de amar. Uma vez que uma técnica
é dada para você amar, você irá se apegar à técnica. É por isso que os atores não podem amar.
Eles conhecem tantas técnicas, tantos métodos – e nós todos somos atores. Uma vez que você
saiba o truque de como amar, então, o amor não florescerá, porque você pode criar uma fachada,
uma fraude. E, com a fraude, você está fora dele, não está envolvido. Você está protegido.
Amar é estar totalmente aberto, vulnerável. Isso é perigoso, você fica inseguro. Nós não
podemos perguntar como amar, nós não podemos perguntar como se entregar. Acontece! O amor
acontece, a entrega acontece. O amor e a entrega são profundamente um. Mas o que é isso? E se
nós não podemos saber como se entregar, pelo menos, nós podemos saber como nós estamos nos
defendendo, como nós estamos nos poupando da entrega. Isso pode ser conhecido e isso pode ser
útil.
Como é que você não se entregou ainda? Qual a sua técnica de não-entrega? Se você não caiu
de amor ainda, então, o problema real não é como amar. O problema real é cavar profundamente,
para descobrir como você viveu sem amor, qual é o seu truque, qual é a sua técnica, qual é a sua
estrutura – sua estrutura defensiva, de que modo você viveu sem amor. Isso pode ser
compreendido e isso deveria ser compreendido.
Primeira coisa: nós vivemos com um ego, em um ego, centrados no ego. Eu sou, sem saber
quem eu sou. Eu continuo anunciando, “eu sou”. Esse “eu sou” é falso porque eu não sei quem
eu sou. E a menos que eu saiba quem sou eu, como posso eu dizer “eu”? Esse “eu” é um falso
“eu”. Esse falso “eu” é o ego. Isso é a defesa. Isso o protege da entrega.
Você não pode se entregar, mas você pode se tornar consciente dessa medida defensiva. Se
você se torna consciente dela, ela se dissolve. Pouco a pouco, você vai deixando de fortalecê-la
e, um dia, você chega a sentir: “eu não sou”. No momento em que você chega a sentir “eu não
sou”, a entrega acontece. Assim, tente descobrir se você é. Na verdade, existe um centro em você
que você pode chamar seu “eu”? Vá profundamente para dentro de si, continue tentando
descobrir onde está esse “eu”, onde é a morada desse ego.
Rinzai chegou para seu mestre e disse: “Dê-me liberdade!”
O mestre disse: “Traga você até mim. Se você é, eu o tornarei livre. Mas se você não é, então,
como eu posso torná-lo livre? Você já é livre. E liberdade...” – seu mestre disse –, “não é a sua
liberdade. Na verdade, liberdade é liberdade de ‘você’. Então, vá e encontre onde esse ‘eu’ está,
onde você está; então, volte até mim. Essa é a meditação. Vá e medite.”.
Assim, o discípulo Rinzai vai e medita por semanas, meses, e, então, ele volta. Então, ele diz:
“Eu não sou o corpo. Só descobri isso.”.
Então, o mestre disse: “Disso você já se tornou livre. Vá novamente. Tente descobrir.”.
Então ele tenta, medita e ele descobre: “Eu não sou a minha mente, porque eu posso observar
meus pensamentos. Assim, o observador é diferente do observado – eu não sou a minha mente.”.
Ele vem e diz: “Eu não sou minha mente.”.
Então, seu mestre disse: “Agora você está três quartos liberado. Agora vá novamente e
descubra quem você é”.
Assim, ele estava pensando: “Eu não sou meu corpo. Eu não sou minha mente.”. Ele tinha
lido, estudado, ele era bem informado, assim ele pensava: “Eu não sou meu corpo, nem minha
mente; então, eu devo ser a minha alma, o meu atma.”. Mas ele meditou e quando descobriu que
não existe nenhum atma, nenhuma alma... Porque esse atma não é nada além de sua informação
mental – apenas doutrinas, palavras, filosofias.
Então, ele chegou correndo um dia, e disse “Agora eu não mais sou!”.
Então, seu mestre disse: “Agora eu preciso ensinar os métodos para a libertação?”.
Rinzai disse: “Eu estou livre porque eu não existo mais. Não existe ninguém para estar em
escravidão. Eu sou apenas um extenso vazio, um nada.”.
Somente o nada pode ser livre. Se você é alguma coisa, você estará na escravidão. Se você é,
você estará na escravidão. Somente um vazio, um espaço vago, pode ser livre. Então, você não
pode amarrá-lo. Rinzai chegou correndo e disse: “Eu não mais sou. Em nenhum lugar, eu posso
ser encontrado.”. Isso é liberdade. E pela primeira vez ele tocou os pés de seu mestre – pela
primeira vez! Não realmente, porque ele os tinha tocado muitas vezes antes, também. Mas o
mestre disse: “Pela primeira vez você tocou os meus pés”.
Rinzai perguntou: “Por que você diz pela primeira vez? Eu toquei seus pés muitas vezes.”.
O mestre disse: “Mas você estava aí, logo, como você poderia tocar meus pés enquanto você
ainda estava aí? Enquanto você existe, como pode você tocar meus pés?”.
O “eu” não pode tocar os pés de ninguém. Mesmo ainda que, aparentemente, pareça que
esteja tocando os pés de alguém, ele está tocando seus próprios pés, só que de uma maneira
indireta. “Você tocou os meus pés pela primeira vez” – o mestre disse –, “porque agora você não
existe mais. E esta também é a última vez” – disse o mestre –, “a primeira e a última.”.
A entrega acontece quando você não é, assim, você não pode se entregar. É por isso que a
entrega não pode ser uma técnica. Você não pode se entregar – você é o obstáculo. Quando você
não é, a entrega existe. Assim, você e a entrega não podem coabitar, não existe coexistência entre
você e a entrega. Ou você existe ou a entrega existe. Assim, descubra onde você está, quem é
você. Essa investigação cria muitos, muitos resultados surpreendentes.
Ramana Maharishi costumava dizer: “Investigue: ‘Quem sou eu?’.”. Isso foi mal
compreendido. Mesmo os discípulos mais próximos não entenderam o significado disso. Eles
pensam que essa é uma investigação para se descobrir, realmente, “Quem sou eu?”. Não é! Se
você continua investigando “Quem sou eu?”, você está fadado a chegar a uma conclusão de que
você não é. Não é, na verdade, uma investigação para se descobrir “Quem sou eu?”. Na verdade,
essa é uma investigação para se dissolver.
Eu dei para muitas pessoas essa técnica, investigar internamente “Quem sou eu?”. Então, um
mês ou dois meses depois, eles chegavam a mim e diziam, “Eu ainda não descobri ‘Quem sou
eu?’. A pergunta ainda é a mesma; não existe resposta.”.
Então eu lhes dizia: “Continuem. Algum dia a resposta chegará.”. E eles esperam que a
resposta chegue. Não haverá nenhuma resposta. Somente que a pergunta se dissolverá. Não
haverá uma resposta, como sendo: “Você é isto.” Somente a pergunta se dissolverá. Não haverá
ninguém para perguntar “Quem sou eu?”. E, então, você sabe.
Quando o “eu” não existe, o “eu” real se abre. Quando o ego não existe, você está, pela
primeira vez, encontrando seu ser. Esse ser é vazio. Então, você pode se entregar; então, você se
entregou. Você é entrega agora. Assim, não pode haver técnicas, ou somente pode haver técnicas
negativas como essa investigação sobre “Quem sou eu?”.
Como a entrega funciona? Se você se entrega, o que acontece? Chegaremos a compreender
como os métodos funcionam. Nós iremos fundo nos métodos e nós chegaremos a saber como
eles funcionam. Eles têm uma base científica de funcionamento.
Quando você se entrega você se torna um vale; quando você é um ego você é como um pico.
O ego significa que você está acima de todo mundo mais, você é alguém. Os outros podem
reconhecê-lo, podem não reconhecê-lo – isso é uma outra coisa. Você reconhece que está acima
de todo mundo. Você é como um pico – nada pode entrar em você.
Quando alguém se entrega, torna-se como um vale. Torna-se profundidade, não elevação.
Então, toda a existência começa a se derramar na pessoa, de todos os lugares. Ela é apenas um
vácuo, apenas uma profundeza, um abismo sem fundo. Toda a existência começa a se derramar
de todos os lugares. Você pode dizer que Deus se derrama de todos os lugares para ela, penetra-a
por todos os poros, preenche-a totalmente.
Essa entrega, esse tornar-se um vale, um abismo, pode ser sentido de muitas maneiras. Há
entregas menores; há entregas maiores. Mesmo em entregas menores você sente isso. Entregar-se
a um mestre é uma entrega menor, mas você começa a sentir isso, porque o mestre começa a fluir
para dentro de você imediatamente. Se você se entrega a um mestre, de repente, você sente sua
energia fluindo para dentro de você. Se você não pode sentir a energia fluindo para dentro de
você, então, saiba logo que você não se entregou nem de uma maneira menor.
Há muitas histórias que se tornaram sem sentido para nós, porque não sabemos como elas
aconteceram. Mahakashyapa chegou até Buda e Buda apenas tocou na sua cabeça com a mão, e a
coisa aconteceu. E Mahakashyapa começou a dançar. Então, Ananda perguntou a Buda: “O que
aconteceu a ele? E eu estive por quarenta anos com você! Ele está louco? Ou ele está apenas
tapeando os outros? O que aconteceu com ele? E eu toquei os seus pés milhares e milhares de
vezes.”.
Naturalmente, para Ananda, esse Mahakashyapa ou parecerá que é louco, ou que está
enganando. Ananda esteve com Buda por quarenta anos, mas havia um problema. Ele era seu
irmão mais velho, o irmão mais velho de Buda – esse era o problema. Quando Ananda chegou a
Buda quarenta anos antes, a primeira coisa que ele disse para Buda foi isto: “Eu sou seu irmão
mais velho e quando você me iniciar eu serei seu discípulo. Assim, permita-me três coisas antes
de me tornar seu discípulo, porque, então, eu não mais poderei pedir. Uma: eu sempre estarei
com você. Faça-me esta promessa, que você nunca dirá para mim: ‘Vá para algum outro lugar’.
Eu o seguirei.
“Em segundo lugar: eu dormirei no mesmo quarto que você dorme. Você não pode dizer para
mim: ‘Saia! ’. Eu ficarei com você como sua sombra. E em terceiro lugar, se eu trouxer alguém a
qualquer momento, mesmo à meia-noite, você terá que atendê-lo. Você não pode dizer: ‘Não é
hora disso’. E me faça essas três promessas enquanto eu ainda sou seu irmão mais velho, porque
uma vez que eu me torne seu discípulo, eu terei de segui-lo. Você ainda é mais jovem do que eu,
assim, faça-me essas três promessas.”.
Assim, Buda prometeu e esse se tornou o problema. Por quarenta anos, Ananda esteve com
Buda, mas ele jamais pôde se entregar, porque esse não é o espírito da entrega.
Ananda perguntou muitas e muitas vezes: “Quando eu alcançarei?”. Buda dizia: “A menos
que eu morra, você não alcançará.”.
E Ananda só pôde alcançar quando Buda morreu.
O que aconteceu a esse Mahakashyapa de repente? Buda é parcial? – parcial para
Mahakashyapa? Não, ele não é. Ele está fluindo, constantemente fluindo. Mas você tem que ser
um vale, um útero, para recebê-lo. Se você está acima dele, como você pode receber? Esta
energia fluindo não pode chegar até você, ela não o encontrará. Assim, curve-se. Mesmo em uma
entrega menor para um mestre, a energia começa a fluir. De repente, imediatamente, você se
torna um veículo de uma grande força.
Há milhares e milhares de histórias... simplesmente com um toque, simplesmente com um
olhar, alguém se torna iluminado. Elas não parecem racionais para nós. Como isso é possível?
Isso é possível! Mesmo um olhar do mestre em seus olhos mudará seu ser total, mas só pode
mudá-lo se seus olhos estiverem realmente vazios, como um vale. Se você puder absorver o
olhar do mestre, imediatamente você se tornará diferente.
Assim, essas são entregas menores que acontecem antes de você se entregar totalmente. E
essas entregas menores preparam-no para a entrega total. Uma vez que você saiba que através da
entrega você recebe alguma coisa desconhecida, inacreditável, inesperada, nunca nem mesmo
sonhada, então, você está pronto para uma entrega maior e esse é o trabalho do mestre – ajudá-lo
nas entregas menores de forma que você possa juntar coragem para uma entrega maior, para uma
entrega total.

Uma última pergunta:

Quais são as indicações exatas para se saber que uma determinada técnica, que alguém
esteja praticando, levará ao supremo?

Há indicações. Uma: você começa a sentir uma identidade diferente dentro de si. Você não
mais é o mesmo. Se a técnica se ajustou a você, imediatamente você é uma pessoa diferente. Se
você é um marido, você não é o mesmo marido. Se você é um comerciante, você nunca mais será
o mesmo comerciante. O que quer que você seja, se a técnica se ajusta a você, você é uma pessoa
diferente; essa é a primeira indicação. Assim, se você começa a se sentir estranho em relação a si
mesmo, saiba que alguma coisa está acontecendo a você. Se você permanece o mesmo e não
sente nenhuma estranheza, nada está acontecendo. Essa é a primeira indicação de que a técnica
se ajusta a você. Se ela se ajusta, imediatamente você é transportado, transformado em uma
pessoa diferente. De repente isto acontece: você olha para o mundo de uma maneira diferente. Os
olhos são os mesmos, mas aquele que está olhando atrás deles é diferente.
Em segundo lugar, tudo aquilo que cria tensão, conflito, começa se soltar. Não é que quando
você pratica o método durante anos, então, seus conflitos, ansiedades, tensões desprendem-se –
não! Se o método se ajusta a você, imediatamente, essas coisas começam a se soltar. Você pode
sentir uma vivacidade chegando até você; você está sendo descarregado. Você começará a sentir,
se a técnica se ajusta a você, que a gravidade se tornou reversa. Agora, a terra não o está puxando
para baixo. Ao contrário, o céu está puxando-o para cima. Como você se sente quando uma
aeronave levanta voo? Tudo é perturbado. De repente, há um tranco e a gravidade se torna sem
sentido. Agora a terra não o está puxando, você está se afastando da gravidade.
O mesmo tranco acontece se uma técnica meditativa se ajusta a você. De repente você decola.
De repente você sente que a terra se tornou sem sentido; não existe gravidade. Ela não o está
puxando para baixo, você está sendo empurrado para cima. Na terminologia religiosa isso é
chamado de “graça”. Há duas forças – gravidade e graça. Graça significa que você está sendo
puxado para cima; gravidade significa que você está sendo puxado para baixo.
É por isso que na meditação muitas pessoas de repente sentem que não têm peso. É por isso
que muitas pessoas sentem uma levitação interior. Muitos relatam-me isso, quando uma técnica
se ajusta a eles: “É estranho! Nós fechamos nossos olhos e sentimos que estamos um pouco
acima do solo – um pé, dois pés, mesmo quatro pés acima do solo. Quando abrimos nossos olhos
nós estamos exatamente no chão; quando fechamos nossos olhos, levitamos. Então, o que é isso?
Quando abrimos nossos olhos estamos exatamente no solo! Nós nunca levitamos.”.
O corpo permanece no chão, mas você levita. Essa levitação é, na verdade, uma puxada para
cima. Se a técnica se ajusta, você é puxado, porque o funcionamento da técnica é torná-lo
disponível para uma puxada para cima. É isso o que a técnica significa: torná-lo disponível à
força que pode puxá-lo para cima. Então, se ela se ajusta, você sabe – você se torna sem peso.
Em terceiro lugar: o que quer que você faça agora, o que quer que seja, por mais trivial, será
diferente. Você caminhará de uma forma diferente, você sentará de uma forma diferente, você
comerá de uma forma diferente. Tudo será diferente. Essa diferença você sentirá em todos os
lugares. Algumas vezes, essa estranha experiência de ser diferente cria medo. A pessoa quer
novamente voltar e ser a mesma, porque ela estava muito afinada com o velho. Era um mundo
rotineiro, chato mesmo, mas você era eficiente nele.
Agora, em todo lugar, você sentirá uma fenda. Você sentirá que sua eficiência está perdida.
Você sentirá que sua utilidade ficou reduzida. Você sentirá que, em todo lugar, você é um
estranho. A pessoa tem que passar através desse período. Você se tornará afinado novamente.
Você mudou, não o mundo; portanto, você não se encaixará. Assim, lembre-se da terceira coisa:
quando a técnica se ajusta a você, você não se ajustará ao mundo. Você se tornará desajustado.
Em todo lugar, alguma coisa está solta, algum parafuso está faltando. Em todo lugar, você sentirá
que houve um terremoto. E todas as coisas permaneceram iguais; somente você, você se tornou
diferente. Mas você se afinará novamente em um plano diferente, em um plano superior.
Um distúrbio é sentido exatamente como quando uma criança cresce e se torna sexualmente
madura. Aos quatorze ou quinze anos todo menino sente que se tornou estranho. Uma nova força
entrou – o sexo. Ele não estava lá antes, ou ele estava, mas estava escondido. Agora pela
primeira vez ele se tornou disponível para um novo tipo de força. É por isso que os meninos são
muito desajeitados; meninas, meninos, quando se tornam sexualmente maduros, ficam muito
desajeitados. Eles não estão em nenhum lugar. Eles não são mais crianças e eles ainda não são
homens; assim, eles estão no meio, não se ajustando em lugar algum. Se eles brincam como
crianças pequenas, eles se sentem desajustados – eles se tornaram homens. Se eles começam a
fazer amizade com homens, eles se sentem desajustados – eles ainda são crianças. Eles não se
ajustam em nenhum lugar. O mesmo fenômeno acontece quando uma técnica se ajusta a você.
Uma nova fonte de energia, que é maior que o sexo, se torna disponível. Você está novamente
em um período transitório. Agora, você não pode se ajustar a este mundo de homens mundanos.
Você não é mais uma criança e você não pode se ajustar ao mundo dos santos; e no meio, a
pessoa se sente desajeitada.
Se uma técnica se ajusta a você, essas três coisas aparecerão. Você pode não ter esperado que
eu dissesse essas coisas. Você pode ter esperado que eu dissesse que você se tornaria mais
silencioso, mais quieto e eu estou dizendo bem o contrário: você se tornará mais perturbado.
Quando a técnica se ajustar, você se tornará mais perturbado, não mais silencioso. O silêncio
chegará mais tarde. E se o silêncio vem e não o distúrbio, saiba logo que essa não é uma técnica;
ela está apenas conseguindo ajustamento ao velho padrão.
É por isso que muitas pessoas preferem a oração do que a meditação, porque a oração lhe dá
um consolo. Ela o ajusta, se acomoda a você, ao seu mundo. A oração esteve fazendo exatamente
a mesma coisa que a psicanálise está fazendo agora. Se você estiver perturbado, eles irão torná-lo
menos perturbado, ajustado ao padrão, à sociedade, à família. Assim, indo-se ao psicanalista por
um, dois ou três anos, você não ficará melhor, você se tornará mais ajustado. A oração faz a
mesma coisa, e os sacerdotes fazem a mesma coisa – eles o tornam mais ajustado.
Seu filho morreu e você está perturbado e vai a um sacerdote. Ele diz: “Não fique perturbado.
Somente aquelas crianças que morrem cedo são as que Deus mais ama. Ele as chama.”. Você se
sente satisfeito. Seu filho foi “chamado”. Deus ama-o mais. Ou o sacerdote diz outra coisa: “Não
se preocupe, a alma nunca morre. Seu filho está no céu.”.
Uma mulher esteve aqui há alguns dias. Seu marido morrera justamente no mês anterior. Ela
estava perturbada. Ela veio a mim e disse: “Apenas me assegure que ele renascerá em um bom
lugar e, então, tudo ficará bem. Apenas me dê uma certeza de que ele não foi para o inferno, ou
de que ele não se tornou um animal, de que ele está no céu, ou de que ele se tornou um deus ou
algo assim. Se você puder simplesmente me assegurar isso, então, tudo está bem. Então, eu posso
suportar; caso contrário, estou desgraçada”.
O sacerdote poderia dizer: “Tudo bem! Seu marido nasceu como um deus no sétimo céu e
está muito feliz. E ele está esperando por você.”.
Essas preces, elas o tornam ajustado ao padrão... você se sente melhor.
A meditação é uma ciência. Ela não irá ajudá-lo no ajustamento, ela irá ajudá-lo na
transformação. É por isso que eu digo que esses três sinais serão as indicações. O silêncio
chegará, mas não como um ajustamento. O silêncio chegará como um florescimento interior.
Então, o silêncio não será um ajustamento com a sociedade, com a família, com o mundo, com
os negócios – não! Então, o silêncio será uma harmonia real com o universo.
Então, uma profunda harmonia florescerá entre você e a totalidade; então, existe silêncio –
mas isso chegará depois. Primeiro você ficará perturbado, primeiro você ficará louco – porque
você é louco, apenas que inconsciente.
Se a técnica se ajustar, ela o tornará consciente de tudo o que você é. Sua anarquia, sua
mente, sua loucura, tudo virá à luz. Você é simplesmente uma confusão. Quando a técnica se
ajusta, é como se de repente existisse luz e toda a confusão torna-se aparente. Pela primeira vez,
você encontrará a si mesmo como você é. Você gostaria de desligar a luz e ir dormir novamente
– é amedrontador. Esse é o ponto onde um mestre se torna útil. Ele diz: “Não tenha medo. Isso é
apenas o começo. E não fuja disso”.
No começo essa luz mostra a você o que você é e, se você puder continuar seguindo, ela o
transformará naquilo que você pode ser.
Basta por hoje.
Capítulo 3

RESPIRAÇÃO – UMA PONTE PARA O UNIVERSO



OS SUTRAS

Shiva responde:

1 Ó figura radiante, esta experiência pode despontar entre duas respirações. Depois da
respiração entrar (descer) e exatamente antes de subir (sair) – o benefício.
2 No momento em que a respiração vem de baixo para cima e, novamente, no momento em que
a respiração volta de cima para baixo – através dessas duas mudanças, perceba.
3 Ou, sempre que a inspiração e a expiração se fundirem, nesse instante, toque o centro sem
energia, o centro pleno de energia.
4 Ou, quando o ar foi todo para fora (para cima) e parou por si mesmo, ou todo para dentro
(para baixo) e parou – nesta pausa universal, o pequeno eu desaparece. Isso só é difícil para o
impuro.

A verdade está sempre aqui. Ela já é o caso. Não é algo a ser alcançado no futuro. Você é a
verdade exatamente aqui e agora; assim, ela não é alguma coisa a ser criada, ou alguma coisa a
ser projetada, ou alguma coisa a ser procurada. Entenda isso muito claramente; então, estas
técnicas serão fáceis de se entender e fáceis de se fazer.
A mente é um mecanismo de desejo. A mente está sempre no desejo, sempre procurando
alguma coisa, pedindo por algo. Sempre o objeto está no futuro; a mente não está, de forma
alguma, interessada no presente. Neste exato momento, a mente não pode se mover – não existe
espaço. A mente precisa do futuro a fim de se mover. Ela pode se mover ou no passado, ou no
futuro. Ela não pode se mover no presente; não existe espaço. A verdade está no presente e a
mente está sempre no futuro ou no passado; assim, não existe encontro entre mente e verdade.
Quando a mente está procurando objetos mundanos não é tão difícil, o problema não é
absurdo; ele pode ser resolvido. Mas quando a mente começa a procurar a verdade, o próprio
esforço se torna um absurdo, porque a verdade está aqui e agora e a mente está sempre lá atrás e
lá na frente. Não existe encontro. Assim, entenda a primeira coisa: você não pode procurar a
verdade. Você pode descobri-la, mas você não pode procurá-la. A própria procura é o obstáculo.
No momento em que você começa a procura, você se moveu para fora do presente, para fora
de si mesmo, porque você está sempre no presente. O procurador está sempre no presente e a
procura está no futuro; você não irá encontrar o que quer que você esteja procurando. Lao Tzu
diz: “Não procure; caso contrário, você perderá. Não procure nada e encontre. Não procure e
encontre.”.
Todas estas técnicas de Shiva estão simplesmente conduzindo a mente do futuro, ou do
passado, para o presente. Aquilo que você está procurando já está aqui, já é o caso. A mente tem
de se voltar da procura para a não-procura. Isso é difícil. Se você pensa nisso intelectualmente,
fica muito difícil. Como fazer a mente voltar da procura para a não-procura? – ...porque, então, a
mente faz da própria não-procura o objeto! Então, a mente diz: “Não procure.”. Então, a mente
diz: “Eu não devo procurar.”. Então, a mente diz: “Agora, a não-procura é o meu objeto. Agora,
eu desejo o estado de não-desejo.”. A procura entrou de novo, o desejo voltou novamente pela
porta dos fundos. É por isso que existem pessoas que estão procurando coisas mundanas e
existem pessoas que pensam que estão procurando coisas não-mundanas. Todos os objetivos são
mundanos, porque “procurar” é o mundo.
Assim, você não pode procurar nada não-mundano. No momento em que você procura, a
coisa se torna o mundo. Se você está procurando Deus, seu Deus é parte do mundo. Se você está
procurando moksha – libertação – nirvana, sua libertação é parte do mundo, sua libertação não é
alguma coisa que transcenda o mundo, porque a procura é o mundo, o desejar é o mundo. Assim,
você não pode desejar o nirvana, você não pode desejar o não-desejo. Se você tentar entender
intelectualmente, a coisa se tornará um quebra-cabeça.
Shiva não diz nada sobre isso; imediatamente, ele dá seguimento às técnicas. Elas são não-
intelectuais. Ele não diz para Devi: “A verdade está aqui. Não a procure e você a encontrará.”.
Ele imediatamente dá técnicas. Estas técnicas são não-intelectuais. Faça-as e a mente muda de
direção. A mudança é apenas uma consequência, apenas um subproduto – não um objetivo. A
mudança é apenas um subproduto.
Se você fizer a técnica, sua mente mudará de sua jornada para o futuro, ou para o passado. De
repente, você encontrará a si mesmo no presente. É por isso que Buda deu técnicas, Lao Tzu deu
técnicas, Krishna deu técnicas. Mas eles sempre apresentam as suas técnicas com conceitos
intelectuais. Apenas Shiva é diferente. Ele, imediatamente, dá a técnica e nenhum entendimento
intelectual, nenhuma introdução intelectual, porque ele sabe que a mente é ardilosa – a coisa
mais ardilosa possível. Ela pode transformar qualquer coisa em um problema. A não-procura se
tornará o problema.
Existem pessoas que chegam a mim e perguntam como não desejar. Elas estão desejando o
não-desejo. Alguém falou para elas, ou elas leram em algum lugar, ou elas ouviram uma
conversa fiada espiritual, que, se você não desejar, você conquistará bem-aventuranças; se você
não desejar, você estará livre; se você não desejar, não haverá sofrimento. Agora, suas mentes
anseiam alcançar esse estado onde não existe sofrimento. Assim, elas perguntam como não
desejar. Suas mentes estão brincando. Elas estão ainda desejando, apenas que agora o objeto
mudou. Elas estavam desejando dinheiro, elas estavam desejando fama, estavam desejando
prestígio, estavam desejando poder. Agora, elas estão desejando o não-desejo. Somente o objeto
mudou e elas permanecem as mesmas e o desejar delas permanece o mesmo. Mas agora o desejo
se tornou mais enganoso.
Por causa disso, Shiva prossegue, imediatamente, sem introdução nenhuma, qualquer que
seja. Ele começa imediatamente falando sobre as técnicas. Essas técnicas, se seguidas, de súbito
mudam sua mente: ela chega ao presente. E quando a mente chega ao presente, ela pára, ela não
existe mais. Você não pode ser uma mente no presente, isso é impossível. Exatamente agora, se
você está aqui e agora, como pode você ser uma mente? Os pensamentos cessam, porque eles
não podem se mover. O presente não tem espaço no qual se mover; você não pode pensar. Se
você está neste exato momento, como pode você se mover? A mente pára, você atinge a não-
mente.
Assim, a verdadeira questão é como estar aqui e agora. Você pode tentar, mas o esforço pode
provar-se fútil – porque, se você faz do estar no presente um objeto, então, esse objeto moveu-se
para o futuro. Quando você pergunta como estar no presente, novamente, você está perguntando
sobre o futuro. Esse momento está passando na pergunta “Como estar no presente? Como estar
aqui e agora?”. Este momento presente está passando na pergunta e a sua mente começará a
tramar e criar sonhos no futuro: “algum dia, você estará no estado de mente onde não existe
movimento, nem motivação, nem procura e, então, haverá bem-aventurança” – então, como estar
no presente?
Shiva não diz nada sobre isso, ele simplesmente dá a técnica. Você a faz e, de repente, você
descobre que está aqui e agora. E seu estar aqui e agora é a verdade; e seu estar aqui e agora é a
liberdade; e seu estar aqui e agora é o nirvana.
As primeiras nove técnicas estão relacionadas com a respiração. Assim, vamos entender
alguma coisa sobre respiração e, então, daremos seguimento às técnicas. Nós estamos respirando
continuamente, desde o momento do nascimento até o momento da morte. Tudo muda entre
esses dois pontos. Tudo muda, nada permanece o mesmo, somente a respiração é uma coisa
constante entre o nascimento e a morte.
A criança se tornará um jovem; o jovem se tornará velho. Ele ficará enfermo, seu corpo se
tornará feio, doente, todas as coisas mudarão. Ele ficará feliz, infeliz, em sofrimento... tudo
continuará mudando. Mas o que quer que aconteça entre esses dois pontos, a pessoa precisa
respirar. Seja feliz ou infeliz, jovem ou velho, com sucesso ou sem sucesso – o que quer que
você seja, é irrelevante – uma coisa é certa: entre esses dois pontos de nascimento e morte, você
precisa respirar.
A respiração será um fluxo contínuo; nenhuma lacuna é possível. Se mesmo por um simples
momento, você se esquecer de respirar, você não viverá mais. É por isso que você não é
necessário para respirar, porque, então, ficaria difícil. Alguém poderia se esquecer de respirar por
um simples momento e, então, nada poderia ser feito. Assim, na verdade, você não está
respirando, porque você não é necessário. Você está dormindo profundamente e a respiração
continua; você está inconsciente e a respiração continua; você está em coma profundo e a
respiração continua. Você não é necessário; a respiração é alguma coisa que continua a despeito
de você.
Ela é um dos fatores constantes em sua personalidade – esta é a primeira coisa. Ela é algo que
é muito essencial e básico em sua vida – esta é a segunda coisa. Você não pode viver sem
respirar. Assim, respirar e viver tornaram-se sinônimos. A respiração é um mecanismo da vida e
a vida está profundamente relacionada com a respiração. É por isso que na Índia, nós a
chamamos de prana. Nós demos a mesma palavra para ambas – prana significa a vitalidade, a
vida. Sua vida é a sua respiração.
Em terceiro lugar, sua respiração é a ponte entre você e seu corpo. Constantemente, a
respiração está ligando-o a seu corpo, conectando-o, relacionando-o com o seu corpo. Não
somente a respiração é uma ponte para o seu corpo, ela também é uma ponte entre você e o
universo. O corpo é simplesmente o universo que veio para você, que está mais perto de você.
Seu corpo é parte do universo. Tudo no corpo é parte do universo – todas as partículas, todas
as células. Ele é o acesso mais próximo ao universo. A respiração é a ponte. Se a ponte for
quebrada, você não estará mais no corpo. Se a ponte for quebrada, você não estará mais no
universo. Você se move para uma dimensão desconhecida; então, você não pode ser encontrado
no espaço e no tempo. Assim, em terceiro lugar, a respiração também é a ponte entre você e
espaço e tempo.
Respirar, consequentemente, torna-se muito significativo – a coisa mais significativa. Assim,
as primeiras nove técnicas estão relacionadas à respiração. Se você puder fazer alguma coisa
com a respiração, você, de repente, voltará para o presente. Se você puder fazer alguma coisa
com a respiração, você alcançará a fonte da vida. Se você puder fazer alguma coisa com a
respiração, você poderá transcender tempo e espaço. Se você puder fazer alguma coisa com a
respiração, você estará no mundo e também além dele.
A respiração tem dois pontos. Um deles é quando ela toca o corpo e o universo; e o outro é
quando ela toca você e aquilo que transcende o universo. Nós conhecemos apenas uma parte da
respiração. Quando ela se move para dentro do universo, para dentro do corpo, nós a
conhecemos. Mas ela está sempre se movendo do corpo para o “não-corpo”, do “não-corpo” para
o corpo. Nós não conhecemos o outro ponto. Se você se torna consciente do outro ponto, da
outra parte da ponte, do outro pólo da ponte, de repente, você será transformado, transplantado
para dentro de uma nova dimensão.
Mas lembre-se: o que Shiva irá dizer não é ioga, é tantra. O ioga também trabalha com a
respiração, mas o trabalho do ioga e o do tantra são, basicamente, diferentes. O ioga tenta
sistematizar a respiração. Se você sistematizar a sua respiração, sua saúde aumentará. Se você
sistematizar a sua respiração, se você conhecer os segredos da respiração, sua vida se tornará
mais longa; você se tornará mais saudável e você viverá mais. Você será mais forte, mais
preenchido de energia, mais vital, vivo, jovem, viçoso.
Mas o tantra não está interessado nisso. O tantra não está interessado em nenhuma
sistematização da respiração, mas no uso da respiração apenas como uma técnica para se voltar
para dentro. A pessoa não tem que praticar um estilo especial de respiração, um sistema especial
de respiração, ou um ritmo especial de respiração – não! A pessoa tem que tomar a respiração
como ela é. A pessoa apenas tem que se tornar consciente de certos pontos na respiração.
Existem certos pontos, mas nós não estamos conscientes deles. Nós estivemos respirando e
nós continuaremos respirando – nós nascemos respirando e nós morreremos respirando – mas
nós não estamos conscientes de certos pontos. E isso é estranho. O homem está procurando,
sondando profundamente no espaço. O homem está indo para a Lua; o homem está tentando
chegar mais longe, da Terra para o espaço e o homem ainda não descobriu as partes mais
próximas de sua vida. Existem certos pontos na respiração que você nunca observou e estes
pontos são as portas – as portas mais próximas de você, pelas quais você pode entrar em um
mundo diferente, em um ser diferente, em uma consciência diferente. Mas elas são muito sutis.
Observar a Lua não é muito difícil. Até mesmo chegar à Lua não é muito difícil; é uma
jornada grosseira. Você precisa de mecanização, você precisa de tecnologia, você precisa de
acumulação de informação e, então, você pode chegar lá.
Respiração é a coisa mais próxima de você e, quanto mais próxima a coisa, mais difícil é
percebê-la. Quanto mais próxima ela está, mais difícil; quanto mais óbvia ela é, mais difícil. Ela
está tão perto de você que, novamente, não existe espaço entre você e a respiração. Ou, existe um
espaço tão pequeno que você precisará de uma observação muito minuciosa; somente então,
você se tornará consciente de certos pontos. Estes pontos são a base destas técnicas.
Assim, agora eu examinarei cada técnica.
1 Observe o intervalo entre as duas respirações

Shiva responde: Ó figura radiante, esta experiência pode despontar entre duas
respirações. Depois da respiração entrar (descer) e exatamente antes de subir (sair) – o
benefício.

Esta é a técnica: Ó figura radiante, esta experiência pode despontar entre duas respirações.
Depois que a respiração entrar – isto é, for para baixo – e exatamente antes de voltar para fora –
isto é, ir para cima – o benefício. Esteja alerta entre esses dois pontos... e o acontecimento.
Quando a sua respiração entrar, observe. Por um simples momento, ou uma milésima parte de
um momento, não existe respiração – antes dela voltar para cima, antes dela voltar para fora.
Uma respiração entra; então, existe um certo ponto e a respiração pára. Então a respiração sai.
Quando a respiração sai, então, novamente por um simples momento, ou uma fração de um
momento, a respiração pára. Então, a respiração entra.
Antes da respiração ir para dentro ou ir para fora, existe um momento no qual você não está
respirando. Nesse momento, o acontecimento é possível. Em tal momento o acontecimento é
possível, porque quando você não está respirando, você não está no mundo. Entenda isto: quando
você não está respirando você está morto: você ainda existe, mas morto. Mas o momento é de
tão curta duração que você nunca o observa.
Para o tantra, cada expiração é uma morte e cada nova respiração é um renascimento. A
respiração entrando é renascimento; a respiração saindo é morte. A expiração é sinônimo de
morte; a inspiração é sinônimo de vida. Assim, com cada respiração, você está morrendo e
renascendo. O intervalo entre as duas é de uma duração muito curta, mas uma observação e
atenção incisivas, sinceras, permitirão que você sinta o intervalo. Se você puder sentir o
intervalo, Shiva diz, o benefício. Então nada mais é necessário. Você é abençoado, você
conheceu; a coisa aconteceu.
Você não está treinando a respiração. Deixe-a exatamente como ela é. Por que uma técnica
tão simples? Ela parece tão simples. Uma técnica tão simples para conhecer a verdade? Conhecer
a verdade significa conhecer aquilo que não nasce nem morre, conhecer aquele elemento eterno
que existe sempre. Você pode conhecer a expiração, você pode conhecer a inspiração, mas você
nunca conheceu o intervalo entre as duas.
Tente. De repente você chegará ao ponto – e você pode captá-lo; ele já está aí. Nada é para
ser adicionado a você ou à sua estrutura, tudo já está aí. Tudo já está aí exceto uma certa
consciência. Assim, como fazer isso? Primeiro, torne-se consciente da inspiração. Observe-a.
Esqueça tudo o mais, apenas observe a respiração entrando – a própria passagem.
Quando a respiração toca suas narinas, sinta-a lá. Então, deixe a respiração mover-se para
dentro. Mova-se com a respiração totalmente consciente. Quando você está indo para baixo, para
baixo, para baixo com a respiração, não esqueça a respiração. Não vá na frente e não siga atrás,
vá exatamente com ela. Lembre disto: não vá na frente, não a siga como uma sombra; seja
simultâneo com ela.
A respiração e a consciência devem se tornar uma só coisa. A respiração entra – você entra.
Somente então será possível pegar o ponto que está entre as duas respirações. Isso não será fácil.
Mova-se para dentro com a respiração, depois, mova-se para fora com a respiração: para dentro,
para fora; para dentro, para fora.
Buda, particularmente, tentou usar esse método. Assim, esse método se tornou um método
budista. Na terminologia budista, ele é conhecido como Anapanasati Yoga. E a iluminação de
Buda foi baseada nesse método – somente nele.
Todas as religiões do mundo, todos os buscadores do mundo, chegaram através de uma
técnica ou outra; e todas essas técnicas estarão dentro dessas cento e doze técnicas. A primeira é
uma técnica budista. Ela ficou conhecida no mundo como uma técnica budista porque Buda
alcançou sua iluminação através desta técnica.
Buda disse: “Fique consciente de sua respiração enquanto ela está entrando, saindo; entrando,
saindo.”. Ele nunca mencionou o intervalo, porque não há necessidade. Buda pensou e sentiu que
se você se tornasse interessado no intervalo, o intervalo entre as duas respirações, tal interesse
poderia perturbar sua atenção. Assim, ele disse simplesmente: “Fique alerta. Quando a respiração
está entrando, vá com ela e, quando a respiração está saindo, vá com ela. Faça simplesmente isto:
entre e saia com a respiração.”. Ele nunca diz nada sobre a última parte da técnica.
A razão é que Buda estava falando com homens muito comuns e até mesmo isso poderia criar
um desejo de alcançar o intervalo. Tal desejo de alcançar o intervalo se tornará uma barreira para
a consciência, porque se você está desejando alcançar o intervalo você se moverá à frente. A
respiração estará entrando e você se moverá à frente, porque você estará interessado no intervalo
que estará no futuro. Buda nunca mencionou isso; assim, a técnica budista é apenas a metade.
Mas a outra metade se segue automaticamente. Se você continuar praticando a respiração
conscientemente, respirando com atenção, de repente, um dia, sem saber, você chegará ao
intervalo. Porque quando a sua consciência se tornar mais aguda e profunda e intensa, quando a
sua consciência se tornar focada – o mundo inteiro estará entre parênteses: somente sua
respiração, entrando ou saindo, é o seu mundo, toda a arena para a sua consciência – de repente,
você fatalmente sentirá o intervalo no qual não existe respiração.
Quando você está, minuciosamente, movendo-se com a respiração, quando não existe
nenhuma respiração, como você pode permanecer inconsciente? Você, de repente, se tornará
consciente de que não há nenhuma respiração e chegará o momento em que você sentirá que a
respiração não está nem entrando nem saindo. A respiração parou completamente. Nesta parada,
o benefício.
Esta única técnica é suficiente para milhões de pessoas. Toda a Ásia a experimentou e viveu
com esta técnica durante séculos. Tibete, China, Japão, Burma, Tailândia, Sri Lanka – toda a
Ásia, exceto a Índia, experimentou esta técnica. Somente uma técnica e milhares e milhares
alcançaram a iluminação através dela. E esta é somente a primeira técnica.
Mas infelizmente, como a técnica foi associada ao nome de Buda, os hindus a evitaram.
Como ela se tornou cada vez mais e mais conhecida como um método budista, os hindus a
esqueceram completamente. E não somente isso: eles também tentaram evitá-la por uma outra
razão. Devido a esta técnica ser a primeira mencionada por Shiva, muitos budistas exortaram que
este livro, Vigyan Bhairav Tantra, é um livro budista, não um livro hindu.
Ele não é nem hindu nem budista – uma técnica é apenas uma técnica. Buda usou-a, mas ela
já existia para ser usada. Buda se tornou um buda, um iluminado, por causa dessa técnica. A
técnica precedeu Buda; a técnica já existia. Tente. Ela é uma das técnicas mais simples – simples
comparada com outras técnicas; eu não estou dizendo simples para você. Outras técnicas serão
mais difíceis. É por isso que ela é citada como a primeira técnica.
2 Observe o ponto de virada entre as duas respirações

A segunda técnica – todas estas nove técnicas estão relacionadas com a respiração:

No momento em que a respiração vem de baixo para cima e, novamente, no momento


em que a respiração volta de cima para baixo – através dessas duas mudanças, perceba.

É a mesma coisa, mas com uma leve diferença. A ênfase agora não é no intervalo, mas no
ponto de virada. A inspiração e a expiração formam um círculo. Lembre-se: elas não são duas
linhas paralelas. Nós sempre pensamos nelas como duas linhas paralelas – respiração entrando e
respiração saindo. Você pensa que elas são duas linhas paralelas? Elas não são. A inspiração é
metade do círculo; a expiração é a outra metade do círculo.
Assim, entenda isto: primeiro, a inspiração e a expiração formam um círculo. Elas não são
linhas paralelas, porque linhas paralelas nunca se encontram em lugar nenhum. Em segundo
lugar, a respiração entrando e a respiração saindo não são duas respirações, são uma respiração.
A mesma respiração que entra, sai; assim, ela tem de ter uma virada lá dentro. Ela deve virar em
algum lugar. Deve haver um ponto onde a inspiração se torna expiração.
Por que colocar tal ênfase sobre a virada? Porque, Shiva diz: No momento em que a
respiração vem de baixo para cima e, novamente, no momento em que a respiração volta de
cima para baixo – através dessas duas mudanças, perceba.
Muito simples, mas ele diz: perceba as viradas e você perceberá o eu.
Por que a virada? Se você sabe dirigir, você conhece as marchas. Cada momento que você
troca de marcha, você tem que passar pelo ponto morto, que não é de modo algum uma marcha.
Da primeira marcha, você se move para a segunda, ou da segunda para a terceira, mas sempre
você tem que passar pelo ponto morto. Esse ponto morto é um ponto de virada. Nesse ponto de
virada, a primeira marcha se torna a segunda e a segunda se torna a terceira. Quando a sua
respiração entra e volta para fora, ela passa através do ponto neutro; caso contrário, ela não pode
voltar para fora. Ela passa através do território neutro.
Nesse território neutro, você não é nem um corpo nem uma alma, nem físico nem mental,
porque o físico é uma marcha de seu ser e o mental é outra marcha de seu ser. Você continua se
movendo de marcha para marcha, mas você tem que ter um ponto morto, onde você não é nem
corpo, nem mente. Em tal ponto morto, você simplesmente existe: você é simplesmente uma
existência – pura, simples, não incorporada, sem mente.
É por isso que existe a ênfase na virada. O homem é uma máquina – uma máquina muito
grande e complicada. Você tem muitas marchas em seu corpo, muitas marchas em sua mente.
Você não está consciente de seu grande mecanismo, mas você é uma grande máquina. E é bom
que você não esteja consciente; caso contrário você poderia ficar louco. O corpo é uma máquina
tão grande, que os cientistas dizem que, se nós tivéssemos que criar uma fábrica correspondente
ao corpo humano, ela requereria quatro milhas quadradas de superfície e o barulho poderia ser
tamanho, que uma área de cem milhas seria perturbada por ele.
O corpo é um grande invento mecânico – o maior. Você tem milhões e milhões de células e
cada célula está viva. Assim, você é uma grande cidade de aproximadamente sessenta trilhões de
células – existem aproximadamente sessenta trilhões de cidadãos dentro de você e a cidade toda
está funcionando muito silenciosamente, suavemente. A todo momento o mecanismo está
funcionando. Ele é muito complicado. Essas técnicas estarão relacionadas, em muitos pontos,
com o mecanismo de seu corpo e o mecanismo de sua mente. Mas sempre a ênfase será naqueles
pontos onde, de repente, você não é parte do mecanismo – lembre-se disso. Subitamente, você
não é parte do mecanismo. Existem momentos nos quais você muda as marchas.
Por exemplo: à noite, quando você cai no sono, você muda a marcha, porque durante o dia,
você precisa de um mecanismo diferente para a consciência desperta – uma parte diferente de
sua mente funciona. Então, você cai no sono e aquela parte se torna sem função. Outra parte da
mente começa a funcionar e há uma lacuna, um intervalo, uma virada. Uma marcha é trocada.
Pela manhã, quando você está novamente acordando, a marcha é mudada. Você está sentado
silenciosamente e, de repente, alguém diz alguma coisa e você fica com raiva – você se move
para uma marcha diferente. É por isso que todas as coisas mudam.
Se você ficar com raiva, sua respiração de repente mudará. Sua respiração se tornará irritada,
caótica. Um tremor ataca sua respiração; você se sentirá sufocado. Todo o seu corpo gostaria de
fazer alguma coisa, quebrar alguma coisa, somente então, a sensação de sufocamento pode
desaparecer. Sua respiração mudará; seu sangue tomará um ritmo diferente, um movimento
diferente. Diferentes substâncias químicas terão que ser liberadas em seu corpo, todo o sistema
glandular terá que mudar. Você se torna um homem diferente quando está com raiva.
Um carro está parado... você dá a partida. Não o coloca em nenhuma marcha, deixa-o no
ponto morto. Ele continuará sacudindo, vibrando, tremendo, mas ele não pode se mover; ele
ficará quente. É por isso que, quando você está com raiva e não pode fazer nada, você fica
quente. O mecanismo está pronto para correr e fazer alguma coisa e você não faz nada – você
fica quente. Você é um mecanismo, mas, naturalmente, não apenas um mecanismo. Você é mais,
mas o “mais” tem que ser encontrado. Quando você engata uma marcha, tudo muda por dentro.
Quando você muda a marcha, existe uma virada.
Shiva diz: No momento em que a respiração vem de baixo para cima e, novamente, no
momento em que a respiração volta de cima para baixo – através dessas duas mudanças,
perceba.
Fique atento à virada. Mas ela é uma virada muito rápida; uma observação muito minuciosa
será necessária. E nós não temos nenhuma capacidade de observação; nós não podemos observar
nada. Se eu digo para você “Observe esta flor; observe esta flor que eu lhe dou.”, você não
consegue observá-la. Por um simples momento, você a verá e então você começará a pensar em
algo mais. Pode ser sobre a flor, mas não será a flor. Você pode pensar sobre a flor, sobre o quão
linda ela é – então você se moveu. Agora a flor não está mais em sua observação, seu campo
mudou. Você pode dizer que ela é vermelha, ela é azul, ela é branca... então você se moveu.
Observação significa permanecer sem palavras, sem verbalização, sem burburinho interior –
apenas permanecendo com. Se você puder permanecer com uma flor por três minutos,
completamente, sem nenhum movimento da mente, a coisa acontecerá – o benefício. Você
perceberá.
Mas nós não somos de forma alguma observadores. Nós não estamos conscientes, não
estamos alertas; nós não podemos prestar atenção a nada. Nós simplesmente vamos saltando.
Isso é parte de nossa herança, nossa herança dos macacos. Nossa mente é simplesmente a
evolução da mente do macaco; assim, o macaco vai-se movendo. Ele vai saltando de cá para lá.
O macaco não pode sentar-se quieto. É por isso que Buda insistiu tanto no apenas sentar-se sem
nenhum movimento, porque, então, a mente-macaca não tem permissão para continuar seu
caminho.
No Japão, eles têm um tipo especial de meditação que eles chamam de Zazen. A palavra
‘zazen’, em japonês, significa simplesmente sentar sem fazer nada. Nenhum movimento é
permitido. A pessoa está simplesmente sentada como uma estátua – morta, não se movendo de
forma alguma. Mas não existe necessidade de sentar-se como uma estátua por muitos anos. Se
você puder observar a virada de sua respiração sem nenhum movimento da mente, você entrará.
Você entrará em si mesmo, ou dentro do além interno.
Por que essas viradas são tão importantes? Elas são importantes porque, na virada, a
respiração o deixa mover-se em uma direção diferente. Ela estava com você quando ela entrou;
ela estará com você novamente, quando ela sair. Mas, no ponto de virada, ela não está com você
e você não está com ela. Nesse momento, a respiração é diferente de você e você é diferente
dela: se a respiração é vida, então, você é morte; se a respiração é o seu corpo, então você é não-
corpo; se a respiração é a sua mente, então, você é não-mente... naquele momento.
Eu me pergunto se você já observou isso, ou não: se você pára a sua respiração, a sua mente
pára de repente. Se você parar a sua respiração, exatamente agora, sua mente irá parar de
repente; a mente não pode funcionar. Uma interrupção repentina da respiração e a mente pára.
Por quê? Porque elas não são dissociadas. Somente uma respiração em movimento está associada
à mente, ao corpo; uma respiração sem movimento está dissociada. Então, você está no ponto
morto. O carro está funcionando, o motor está funcionando – ele está pronto para ir em frente –
mas ele não está em marcha; assim, o corpo do carro e o mecanismo do carro não estão
associados. O carro está dividido em dois. Ele está pronto para se mover, mas o mecanismo de
movimento não está ligado a ele.
O mesmo acontece quando a respiração dá uma virada. Você não está ligado a ela. Nesse
momento, você pode facilmente se tornar consciente de quem você é. O que é este ser? O que é
ser? Quem está dentro desta casa do corpo? Quem é o mestre? Eu sou apenas a casa, ou existe
algum mestre também? Eu sou apenas o mecanismo, ou alguma coisa mais também penetra esse
mecanismo? Nesse intervalo de mudança, Shiva diz: perceba. Ele diz apenas fique alerta da
virada e você se torna uma alma realizada.

3 Observe o ponto de fusão das duas respirações

A terceira técnica de respiração:

Ou, sempre que a inspiração e a expiração se fundirem, nesse instante, toque o centro
sem energia, o centro pleno de energia.

Nós estamos divididos em centro e periferia. O corpo é a periferia; nós conhecemos o corpo,
nós conhecemos a periferia. Nós conhecemos a circunferência, mas não sabemos onde está o
centro. Quando a expiração se funde com a inspiração, quando elas se tornam um, quando você
não pode dizer se é a expiração ou a inspiração... quando é difícil demarcar e definir se a
respiração está saindo ou entrando, quando o ar penetrou e começa a se mover para fora, existe
um momento de fusão. Ela não está nem indo para fora nem se movendo para dentro. A
respiração está estática. Quando ela está se movendo para fora, ela é dinâmica; quando ela está se
movendo para dentro ela é dinâmica. Quando ela não está em nenhum desses dois casos, quando
ela está em silêncio, sem se mover, você está perto do centro. O ponto de fusão da inspiração e
da expiração é o seu centro.
Olhe desta forma: quando a respiração entra, aonde ela vai? Ela vai para o seu centro, ela toca
o seu centro. Quando ela sai, de onde ela sai? Ela se move a partir de seu centro. Seu centro tem
de ser tocado. É por isso que os místicos taoístas e os místicos zen dizem que a cabeça não é o
centro, o umbigo é seu centro. A respiração vai para o umbigo e então move-se para fora. Ela vai
para o centro.
Como eu disse, ela é uma ponte entre você e seu corpo. Você conhece o corpo, mas você não
sabe onde está seu centro. A respiração está constantemente indo para o centro e movendo-se
para fora, mas nós não respiramos o suficiente. Dessa maneira, geralmente, ela não chega ao
centro na realidade – por enquanto, pelo menos, ela não está chegando ao centro. É por isso que
todo mundo se sente “descentrado”. Em todo o mundo moderno, aqueles que podem pensar
sentem que estão fora de seus centros.
Olhe para uma criança dormindo. Observe a sua respiração. O ar entra; o abdome vem para
fora. O peito permanece não afetado. É por isso que as crianças não têm peitos, só abdomes –
abdomes muito dinâmicos. O ar entra e o abdome levanta; o ar sai e o abdome desce; o abdome
se move. As crianças estão em seus centros, dentro de seus centros. É por isso que elas são tão
felizes, tão cheias de energia, nunca cansadas – transbordando e sempre no momento presente,
sem passado, sem futuro.
Uma criança pode ficar com raiva. Quando ela está com raiva, ela está totalmente
enraivecida; ela se torna a raiva. Então a sua raiva também é uma coisa bonita. Quando alguém
está totalmente enraivecido, a raiva tem sua própria beleza, porque a totalidade sempre tem
beleza.
Você não pode estar enraivecido e belo, você se torna feio, porque a parcialidade é sempre
feia. E não somente com a raiva. Quando você ama, você é feio, porque você é de novo parcial,
fragmentado; você não é total. Olhe para a sua face, quando você está amando alguém, fazendo
amor. Faça amor diante de um espelho e olhe para a sua face – ela será feia, semelhante a um
animal. No amor também, sua face se torna feia. Por quê? O amor também é um conflito, você
está contendo alguma coisa. Você está dando muito mesquinhamente. Mesmo em seu amor, você
não é total; você não dá completamente, por inteiro.
Uma criança, mesmo na raiva e na violência, é total. Sua face se torna radiante e bela; ela está
aqui e agora. Sua raiva não é alguma coisa relacionada com o passado, ou alguma coisa
relacionada com o futuro, a criança não é astuta, ela está apenas com raiva. A criança está em seu
centro. Quando você está em seu centro, você sempre é total. Tudo que você faça será um ato
total; bom ou mau, ele será total. Quando você está fragmentado, quando você está fora do
centro, cada ato seu está fadado a ser um fragmento de você mesmo. Sua totalidade não está
respondendo, somente uma parte e a parte irá contra o todo – isso cria a feiúra.
Todos nós fomos crianças. Por que é que quando nós crescemos nossa respiração se torna
superficial? Ela nunca chega ao abdome; ela nunca toca o umbigo. Se ela pudesse ir cada vez
mais e mais para baixo, ela poderia se tornar cada vez menos e menos superficial, mas ela apenas
toca o peito e sai. Ela nunca vai para o centro. Você tem medo do centro, porque se você for para
o centro você se tornará total. Se você quer ficar fragmentado, esse é o mecanismo para estar
fragmentado.
Você ama – se você respirar a partir do centro, você fluirá no amor totalmente. Mas você tem
medo. Você tem medo de ficar tão vulnerável, tão aberto para alguém, para qualquer um. Você
pode chamá-lo de seu amante, você pode chamá-la de sua amada, mas você está com medo. O
outro está presente. Se você ficar totalmente vulnerável, aberto, você não saberá o que
acontecerá. Então, você é, completamente, em um outro sentido. Você está com medo de estar
tão completamente entregue a alguém. Você não pode respirar; você não pode dar uma respirada
profunda. Você não pode relaxar sua respiração de forma que ela possa ir para o centro – porque,
no momento em que a respiração vai para o centro, seu ato se torna total.
Por você ter medo de ser total, sua respiração é superficial. Você respira apenas o mínimo,
não o máximo. É por isso que a vida parece tão sem-vida. Se você estiver respirando em um
mínimo, a vida se tornará sem-vida; você está vivendo no mínimo, não no máximo. Você pode
viver no máximo – então a vida é um transbordamento. Mas, então, haverá dificuldades. Você
não pode ser um marido, você não pode ser uma esposa, se a vida estiver transbordando. Todas
as coisas se tornarão difíceis.
Se a vida estiver transbordando, o amor estará transbordando. Então, você não pode se
prender a ninguém. Então, você estará fluindo por todos os lados; todas as dimensões serão
preenchidas por você. E, então, a mente sente o perigo; assim, é melhor não ficar tão vivo.
Quanto mais morto você estiver, mais seguro você estará. Quanto mais morto você estiver, mais
todas as coisas estarão sob controle. Você pode controlar; então, você permanece o mestre. Você
sente que é o mestre, porque pode controlar. Você pode controlar a sua raiva, pode controlar o
seu amor, pode controlar todas as coisas. Mas esse controle é possível somente no nível mínimo
da sua energia.
Todo mundo deve ter sentido uma vez ou outra que existem momentos nos quais, de repente,
se muda do nível mínimo para o máximo. Você sai para as montanhas. De repente, você está fora
da cidade e de seu aprisionamento. Você se sente livre. O céu é vasto e a floresta é verde e os
picos tocam as nuvens. De repente, você dá uma respirada profunda. Você pode não ter
observado isso.
Agora, se você for a um lugar montanhoso, observe. Não é o lugar montanhoso que fez a
mudança. É a sua respiração. Você dá uma respirada profunda. Você diz: “Ah! Ah!” Você toca o
centro, você se torna total por um momento e tudo é bem-aventurança. Esta bem-aventurança
não está vindo do lugar montanhoso, esta bem-aventurança está vindo de seu centro – você
tocou-o de repente.
Você estava com medo, na cidade. Em todo lugar, havia outras pessoas presentes e você
estava controlando. Você não podia gritar, você não podia rir. Que infortúnio! Você não pode
cantar na rua e dançar. Você tinha medo – um policial estava em algum lugar na esquina, ou o
sacerdote, ou o juiz, ou o político, ou o moralista. Alguém estava por perto, então, você não
podia simplesmente dançar na rua.
Bertrand Russell disse em algum lugar: “Eu amo a civilização, mas nós alcançamos a
civilização a um grande custo.”. Você não pode dançar nas ruas, mas você pode ir para as
montanhas e, de repente, você pode dançar. Você está sozinho com o céu, e o céu não é um
aprisionamento. Ele está simplesmente abrindo, abrindo e abrindo... – vasto, infinito. De repente,
você dá uma respirada profunda, ela toca o centro e a bem-aventurança. Mas isso não dura
muito. Dentro de uma hora, ou duas, as montanhas desaparecerão. Você pode estar lá, mas as
montanhas desaparecerão.
Suas preocupações voltarão. Você começará a pensar em dar um telefonema para a cidade,
escrever uma carta para a sua mulher, ou você começará a pensar que daqui a três dias terá de
voltar e que você deveria fazer as arrumações. Você acabou de chegar e já está fazendo os
arranjos para voltar. Você já está de volta.
Aquela respiração, não vinha de você realmente; ela, de repente, aconteceu. Por causa da
mudança de situação, a marcha mudou. Você estava em uma nova situação, você não podia
respirar da velha maneira, assim, por um momento, uma nova respiração surgiu. Ela tocou o
centro e você sentiu a bem-aventurança.
Shiva diz que você está, a todo momento, tocando o centro; ou, se você não está tocando,
você pode tocá-lo. Faça respirações profundas e lentas. Toque o centro; não respire a partir do
peito – isso é um truque. A civilização, a educação, a moralidade criaram a respiração
superficial. Será bom ir fundo para dentro do centro, porque, de outro modo, você não pode
respirar profundamente.
A menos que a humanidade se torne não-repressiva com relação ao sexo, o homem não pode
respirar verdadeiramente. Se a respiração vai até o fundo do abdome, ela dá energia para o centro
sexual; ela massageia o centro sexual a partir de dentro. O centro sexual se torna mais ativo, mais
vivo. A civilização tem medo do sexo. Nós não permitimos nossas crianças tocarem seus centros
sexuais, seus órgãos sexuais. Nós dizemos: “Pare! Não toque!”.
Olhe para uma criança quando, pela primeira vez, ela toca o seu centro sexual e então lhe
dizem “Pare!”; e, então, observe sua respiração. Quando você diz “Pare! Não toque seu centro
sexual!”, a respiração se tornará superficial imediatamente – porque não é só a mão dela que está
tocando o centro sexual, bem no fundo, a respiração o está tocando. E se a respiração continuar
tocando-o, será difícil parar a mão. Se a mão pára, então, é basicamente necessário, requerido,
que a respiração não toque, não vá fundo. Ela deve permanecer superficial.
Nós temos medo do sexo. A parte mais baixa do corpo não é apenas mais baixa fisicamente,
ela se tornou mais baixa como um valor. Ela é condenada como “mais baixa”. Assim, “não vá
fundo, permaneça apenas superficial; é um infortúnio que nós possamos apenas respirar para
baixo”. Se fosse permitido a alguns pregadores, eles mudariam todo o mecanismo. Eles apenas
permitiriam você respirar para cima, dentro da cabeça. Então, você, absolutamente, não sentiria o
sexo.
Se nós quisermos criar uma humanidade sem sexo, então, nós teremos que mudar o sistema
respiratório. A respiração deve ir para dentro da cabeça, para o sahasrar – o sétimo centro, na
cabeça – depois, voltar para a boca. Esta deveria ser a passagem: da boca para o sahasrar. Ela
não deve ir bem ao fundo, porque o fundo é perigoso. Quanto mais fundo você for, mais perto
você chegará das camadas mais profundas da biologia. Você atinge o centro e esse centro está
bem perto do centro sexual – bem perto. Ele tem que estar, porque sexo é vida.
Olhe desta maneira: a respiração é vida proveniente de cima para baixo; o sexo é vida
proveniente exatamente do outro extremo – de baixo para cima. A energia sexual está fluindo e a
energia da respiração está fluindo. A passagem da respiração está na parte superior do corpo e a
passagem do sexo está na parte inferior do corpo. Quando elas se encontram, criam vida; quando
elas se encontram, criam biologia, bio-energia. Assim, se você tem medo do sexo, crie uma
distância entre as duas, não permita que elas se encontrem. Assim, na verdade, o homem
civilizado é um homem castrado; é por isso que nós não sabemos nada sobre respiração e este
sutra será de difícil compreensão.
Shiva diz: ...sempre que a inspiração e a expiração se fundirem, nesse instante, toque o
centro sem energia, o centro pleno de energia. Ele usa termos muito contraditórios: “sem
energia, pleno de energia”. Ele é sem energia porque seus corpos, suas mentes não podem dar
nenhuma energia para ele. Sua energia corporal não está presente lá, sua energia mental não está
presente, assim, ele é sem energia até onde você conhece a sua identidade. Mas ele é cheio de
energia, porque ele tem a fonte da energia cósmica, não por causa de sua energia corporal.
Sua energia corporal é apenas energia combustível. Ela não é nada além de gasolina. Você
come alguma coisa, você bebe alguma coisa – isso cria energia. Isso está apenas dando
combustível para o seu corpo. Pare de comer e beber e seu corpo cairá morto. Não exatamente
agora, levará três meses pelo menos, porque você tem um tanque de gasolina. Você acumulou
muita energia; ela pode durar pelo menos três meses sem que você tenha que ir a um posto de
gasolina. Ela pode durar; ela tem um reservatório. Para uma emergência, qualquer emergência,
você pode precisar dela.
Isso é energia “de combustão”. O centro não está recebendo nenhuma energia de combustão.
É por isso que Shiva diz que o centro é sem energia. Ele não depende de você comer ou beber.
Ele está conectado com a fonte cósmica; ele é energia cósmica. É por isso que ele diz centro sem
energia, pleno de energia. No momento em que você pode sentir o centro de onde o ar sai, ou
entra, o verdadeiro ponto onde as respirações se fundem – este centro – se você se tornar
consciente dele... então, a iluminação.

4 Esteja alerta quando a respiração pára

A quarta técnica de respiração:

Ou, quando o ar foi todo para fora (para cima) e parou por si mesmo, ou todo para
dentro (para baixo) e parou – nesta pausa universal, o pequeno eu desaparece. Isso só é
difícil para o impuro.

Mas então é difícil para qualquer um, porque ele diz: isso só é difícil para o impuro.
Mas quem é o puro? Fica difícil para você; você não pode praticá-lo. Mas você pode senti-lo
algumas vezes, subitamente. Você está dirigindo um carro e, subitamente, você sente que vai
haver um acidente. A respiração pára. Se ela está fora, permanecerá fora. Se ela está dentro,
permanecerá dentro. Você não pode respirar em uma tamanha emergência; você não pode se dar
a esse luxo. Tudo pára, se afasta.
Ou, quando o ar foi todo para fora (para cima) e parou por si mesmo, ou todo para dentro
(para baixo) e parou – nesta pausa universal, o pequeno eu desaparece: seu pequeno eu é
apenas uma utilidade diária. Nas emergências, você não pode se lembrar dele. Quem é você – o
nome, o saldo do banco, o prestígio, tudo – simplesmente se evapora. Seu carro está indo
exatamente em direção ao outro carro; mais um momento e haverá morte. Nesse momento,
haverá uma pausa. Subitamente, a respiração pára. Se você puder estar alerta em tal momento,
você poderá alcançar a meta.
Os monges zen tentaram muito este método no Japão. É por isso que seus métodos parecem
muito esquisitos, absurdos, estranhos. Eles fizeram muitas coisas inconcebíveis. Um mestre atira
alguém para fora da casa. Subitamente o mestre começará a esbofetear o discípulo
inexplicavelmente, sem nenhuma causa.
Você estava sentado com seu mestre e tudo estava bem. Vocês estavam apenas conversando e
ele começou a bater em você a fim de criar a pausa. Se existir alguma causa, a pausa não pode
ser criada. Se você ofendeu o mestre e ele começou a bater em você, existe uma causalidade, sua
mente entende: “Eu o ofendí e ele está me batendo”.
Na verdade, sua mente já estava esperando aquilo, assim, não existe nenhum intervalo. Mas
lembre-se: um mestre zen não baterá em você se você o ofender, ele irá rir, porque, então, a
risada pode criar a pausa. Você estava ofendendo-o e você estava dizendo coisas absurdas para
ele, e você estava esperando raiva. Mas ele começou a rir e a dançar. Isso é repentino; criará a
pausa. Você não pode entender aquilo. Se você não pode entender, a mente pára e, quando a
mente pára, a respiração pára, dos dois modos – se a respiração pára, a mente pára; se a mente
pára, a respiração pára.
Você estava apreciando o mestre e você estava se sentindo bem e estava pensando: “Agora o
mestre deve estar satisfeito.”. E, subitamente, ele pega o seu bastão e começa a bater em você – e
sem misericórdia, porque os mestres zen não têm misericórdia. Ele começa a bater em você;
você não pode entender o que está acontecendo. A mente pára, existe uma pausa. Se você
conhece a técnica, você pode alcançar seu ser.
Existem muitas histórias de alguém ter alcançado o estado búdico, porque o professor
subitamente começou a espancá-lo. Você não pode entender isso – que absurdo! Como pode
alguém alcançar o estado búdico por ser espancado por alguém, ou por ser jogado janela afora
por alguém? Mesmo que alguém o mate, você não pode alcançar o estado búdico. Mas se você
entender esta técnica, então, isso se tornará fácil de compreender.
No Ocidente, nos últimos trinta ou quarenta anos principalmente, o zen tornou-se muito
predominante – uma moda. Mas a menos que eles conheçam esta técnica, eles não podem
entender o zen. Eles podem imitá-lo, mas a imitação não é útil. Ao contrário, é perigosa. Estas
não são coisas para serem imitadas.
Toda a técnica zen está baseada na quarta técnica de Shiva. Mas isso é lamentável. Agora, nós
temos que importar o zen do Japão, porque perdemos toda a tradição; nós não a conhecemos.
Shiva era o especialista, por excelência, deste método. Quando ele estava indo se casar com Devi
seguido por seu barat, seu cortejo, toda a cidade deve ter sentido a pausa... toda a cidade!
O pai de Devi não estava querendo casar sua filha com aquele “hippie” – Shiva foi o hippie
original. O pai de Devi era totalmente contra ele. E nenhum pai permitiria aquele casamento;
então, nós não podemos dizer nada contra o pai de Devi. Nenhum pai permitiria o casamento de
sua filha com Shiva. Mas Devi insistiu tanto, que ele teve que concordar – sem vontade, infeliz,
mas concordou.
Então, chegou o cortejo do casamento. Dizem que as pessoas começaram a correr, vendo
Shiva e seu cortejo. Todo o barat deve ter tomado LSD, marijuana... Eles estavam “altos”. E na
verdade, LSD e marijuana são apenas o começo. Shiva conhecia e seus amigos e discípulos
conheciam a droga psicodélica máxima – soma rasa. Aldous Huxley deu o nome de “soma” à
droga psicodélica máxima, somente por causa de Shiva. Eles estavam altos, dançando, gritando,
rindo. Toda a cidade fugiu. Ela deve ter sentido a pausa.
Qualquer coisa imprevista, inesperada, inacreditável pode criar uma pausa, para o impuro.
Mas para o puro não existe necessidade de tais coisas. Para o puro, a pausa está sempre presente.
Muitas vezes, para as mentes puras, a respiração pára. Se sua mente é pura – pura significa que
você não está desejando, ansiando, procurando alguma coisa –, silenciosamente pura,
inocentemente pura, você pode estar sentado e, subitamente, sua respiração pára.
Lembre-se disto: o movimento da mente precisa do movimento da respiração. A mente
movendo-se mais rápido exige movimento mais rápido da respiração. É por isso que, quando
você está com raiva, a respiração se moverá mais rápido. No ato sexual, a respiração se moverá
muito rápido. É por isso que no Ayurveda – um sistema de medicina herbácea da Índia – diz-se
que sua vida será encurtada se muito sexo for permitido. Sua vida será encurtada, de acordo com
o Ayurveda, porque o Ayurveda mede a sua vida em respirações. Se a sua respiração for muito
rápida, sua vida será encurtada.
A medicina moderna diz que o sexo ajuda a circulação sanguínea, o sexo ajuda o
relaxamento. E aqueles que reprimem o sexo podem provocar problemas – principalmente,
problemas de coração. Eles estão certos e o Ayurveda também está certo, mas eles parecem
contraditórios. Mas o Ayurveda foi inventado cinco mil anos antes. Todo homem estava fazendo
muito trabalho árduo: a vida era um trabalho árduo; assim, não havia necessidade de
relaxamento, não havia necessidade de se criar truques artificiais para a circulação sanguínea.
Mas, agora, para aqueles que não estão fazendo muito esforço físico, o sexo é seu único
esforço. É por isso que a medicina moderna também está certa para o homem moderno. Ele não
está fazendo nenhum exercício físico, assim, o sexo dá o exercício; o coração bate mais, a
circulação sanguínea acelera, a respiração se torna mais profunda e vai para o centro. Assim,
depois do ato sexual, você se sente relaxado e você pode cair no sono mais facilmente. Freud diz
que o sexo é o melhor tranquilizante, e é – pelo menos para o homem moderno.
No sexo, a respiração se tornará mais rápida; na raiva a respiração se tornará mais rápida. No
sexo, a mente está preenchida com desejo, luxúria, impureza. Quando a mente é pura – sem
desejo na mente, sem procura, sem motivação; você não está indo a lugar nenhum, mas apenas
permanecendo aqui e agora, como um lago inocente... nem mesmo uma ondulação –, então, a
respiração pára automaticamente. Não existe necessidade dela.
Neste caminho, o pequeno eu desaparece e você alcança o eu superior, o eu supremo.
Acho que chega por hoje.
Capítulo 4

SUPERANDO OS ENGANOS DA MENTE



PERGUNTAS

Como pode a consciência do intervalo na respiração trazer a iluminação?


Como trabalhar e praticar a respiração consciente simultaneamente?

Pergunta:

Como é possível que, simplesmente por tornar-se consciente de um ponto específico no


processo de respiração, alguém possa alcançar a iluminação? Como é possível tornar-se
livre do inconsciente, simplesmente por se estar atento a um pequeno e momentâneo
intervalo na respiração?

Esta pergunta é significativa e é provável que tenha ocorrido a muitas mentes, então, muitas
coisas têm que ser compreendidas. Primeiro, pensa-se que a espiritualidade é uma conquista
difícil. Ela não é nenhum dos dois, isto é: ela não é nem difícil, nem uma conquista. O que quer
que você seja, você já é espiritual. Nada novo é para ser adicionado a seu ser e nada é para ser
descartado de seu ser; você é tão perfeito quanto possível. Não é que você será perfeito em
algum momento no futuro, não é que você tenha que fazer alguma coisa árdua para si mesmo.
Não se trata de uma jornada para algum outro ponto em algum lugar além; você não está indo a
nenhum outro lugar. Você já está lá. Aquilo que é para ser alcançado já está alcançado. Essa
idéia precisa ser aprofundada, somente então, você será capaz de compreender por que tais
técnicas simples podem ajudar.
Se a espiritualidade fosse alguma conquista, então, naturalmente, ela seria difícil – não
somente difícil, mas na verdade impossível. Se você ainda não é espiritual, você não pode ser,
você nunca poderá ser, porque... como pode alguém que não é espiritual ser espiritual? Se você
já não é divino, então, não existe possibilidade, não há jeito. E não importa que esforço você
faça, o esforço feito por alguém que ainda não é divino não pode criar divindade. Se você ainda
não é divino, seus esforços não podem criar divindade. Assim, fica impossível.
Mas toda a situação é completamente oposta: você já é aquilo que você quer alcançar. O fim
almejado já está aí, presente em você. Aqui e agora, neste exato momento, você já é aquilo que é
conhecido como divino. O supremo está aqui; ele já é o caso. É por isso que técnicas simples
podem ajudar. Ele não é algo a ser alcançando, mas uma descoberta. Ele está escondido; e ele
está escondido em coisas muito, muito pequenas.
A persona é exatamente como roupas. Seu corpo está aqui, escondido nas roupas; da mesma
maneira, sua espiritualidade está aqui, escondida em certas roupas. Essas roupas são sua
personalidade. Você pode ficar nu exatamente aqui e agora e, da mesma maneira, você pode ficar
nu em sua espiritualidade também. Mas você não sabe o que são as roupas. Você não sabe como
você está escondido nelas; não sabe como ficar nu. Você tem ficado nas roupas por muito tempo
– por vidas e vidas e vidas, você tem estado dentro das roupas – e você tem estado tão
identificado com as roupas, que, agora, você não pensa que elas sejam roupas. Você pensa que
essas roupas sejam você. Essa é a única barreira.
Por exemplo: você tem um tesouro, mas você esqueceu ou ainda não reconheceu que isso é
um tesouro e você continua a mendigar nas ruas... você é um mendigo. Se alguém diz “Vá e olhe
dentro de sua casa, você não precisa ser um mendigo, você pode ser um imperador neste exato
momento.”, o mendigo fatalmente dirá: “Que tolice você está falando? Como eu posso ser um
imperador neste exato momento!? Eu estive mendigando por anos e ainda sou um mendigo e
mesmo que eu continue mendigando por vidas seguidas, eu não irei me tornar um imperador.
Assim, como é absurda e ilógica a sua afirmação ‘Você pode ser um imperador neste exato
momento.’!”.
É impossível. O mendigo não pode acreditar nisso. Por quê? Porque a mente mendiga é um
velho hábito. Mas se o tesouro está simplesmente escondido na casa, então, a partir de uma
simples escavação, removendo a terra um pouquinho, o tesouro estará lá. E imediatamente ele
não será um mendigo novamente, ele se tornará um imperador.
É o mesmo com a espiritualidade: ela é um tesouro escondido. Nada é para ser alcançado em
algum lugar no futuro. Você ainda não o reconheceu, mas ele já está aí em você. Você é o
tesouro, mas você continua mendigando.
Assim, técnicas simples podem ajudar. Cavar a terra, remover um pouquinho, não é um
grande esforço e você pode se tornar um imperador imediatamente. Você tem que cavar um
pouquinho para remover a terra. E quando eu digo “remova a terra”, não é apenas
simbolicamente que eu estou falando. Literalmente, seu corpo é parte da terra e você se tornou
identificado com o corpo. Remova essa terra um pouquinho, crie um buraco nela e você chegará
a conhecer o tesouro.
É por isso que essa pergunta ocorrerá a muitos. Na verdade, para todo mundo, essa pergunta
ocorrerá: “Uma técnica tão pequena como essa – estar alerta de sua respiração, estar alerta da
inspiração e expiração e, então, perceber o intervalo entre as duas – é suficiente?”. Uma coisa tão
simples assim! Isso é suficiente para a iluminação? Essa é a única diferença entre você e Buda:
você não percebeu o intervalo entre as duas respirações e Buda o percebeu – só isso!? Parece
ilógico. A distância é vasta entre um buda e você. A distância parece infinita. A distância entre
um mendigo e o imperador é infinita, mas o mendigo pode, imediatamente, se tornar um
imperador se o tesouro já está escondido.
Buda era um mendigo como você; ele não foi sempre um buda. Em um certo ponto, o
mendigo morreu e se tornou um Mestre. Não se trata de um processo gradual realmente; não é
que Buda fosse acumulando e, então, um dia ele não é o mendigo e se torna o imperador. Não,
um mendigo pode nunca se tornar um imperador se for uma acumulação; ele permanecerá um
mendigo. Ele pode se tornar um mendigo rico, mas ele permanecerá um mendigo. E um mendigo
rico é um mendigo maior que um mendigo pobre.
Subitamente, um dia, Buda percebe o tesouro interior. Então, ele não é mais um mendigo, ele
se torna um Mestre. A distância entre Gautama Sidarta e Gautam Buda é infinita. É a mesma
distância que existe entre você e um buda. Mas o tesouro está escondido dentro de você tanto
quanto estava escondido em Buda.
Pegue um outro exemplo... Um homem nasce cego, doente dos olhos. Para um cego, o mundo
é uma coisa diferente. Uma pequena operação pode mudar toda a coisa, porque somente os olhos
precisam ficar curados. No momento em que os olhos estiverem prontos, a pessoa que vê, está
escondida por trás, e ela começará a enxergar através dos olhos. A pessoa que vê, já está lá,
somente as janelas estão faltando. Você está em uma casa sem janelas. Você pode fazer um
buraco na parede e, de repente, você poderá olhar para fora.
Nós já somos aquilo que nós seremos, aquilo que nós devemos ser, aquilo que estamos
destinados a ser. O futuro já está escondido no presente; toda a possibilidade está aqui em
semente. Simplesmente, uma janela tem de ser quebrada; simplesmente, uma pequena operação
cirúrgica é necessária. Se você pode entender isso, que a espiritualidade já está presente, já é o
caso, então, não existe problema em relação a como um esforço tão pequeno possa ajudar.
Na verdade, nenhum grande esforço é necessário. Somente pequenos esforços são necessários
e quanto menores, melhor. E se você trabalha sem esforço é ainda melhor. É por isso que
acontece, muitas vezes acontece, que, quanto mais você tenta, mais difícil é de se alcançar. Seu
verdadeiro esforço, sua tensão, sua ocupação, seu desejo, sua expectativa se tornam a barreira.
Mas com um esforço muito pequeno, um esforço sem esforço como eles o chamam no zen –
fazendo como se não estivesse fazendo – acontece facilmente. Quanto mais você está louco atrás
disso, menos isso é possível, porque onde uma agulha é necessária, você está usando uma
espada. A espada não será de ajuda. Ela pode ser maior, mas onde uma agulha é necessária, uma
espada não servirá.
Vá a um açougueiro – ele tem instrumentos muito grandes. E vá a um neurocirurgião: você
não encontrará tais instrumentos grandes com o neuro-cirurgião. E se você encontrá-los, fuja
imediatamente! Um neurocirurgião não é um açougueiro. Ele precisa de instrumentos muito
pequenos – quanto menores melhor.
As técnicas espirituais são mais sutis; elas não são grosseiras. Elas não podem ser, porque a
cirurgia é ainda mais sutil. No cérebro, o cirurgião ainda está fazendo uma coisa com a matéria
grosseira, mas quando você está trabalhando no plano espiritual a cirurgia se torna cada vez mais
e mais estética. Nenhuma matéria grosseira existe ali. Ela se torna sutil – isso é uma coisa.
Em segundo lugar, a pessoa pergunta: “Se uma coisa é tão pequena, como pode ser dado um
passo maior através dela?”. Esse conceito é irracional, não-científico. Agora, a ciência sabe que
quanto menor a partícula, quanto mais atômica, mais explosiva – maior, na verdade. Quanto
menor ela é, maior é o efeito. Você poderia ter imaginado antes de 1945, que um poeta
imaginativo, ou um sonhador, pudesse ter concebido que duas explosões atômicas aniquilariam
duas grandes cidades no Japão – Hiroshima e Nagasaki? Duzentas mil pessoas foram
simplesmente varridas da existência, em segundos. E qual foi a força explosiva usada? Um
átomo. A menor partícula varreu duas grandes cidades. Você não pode ver o átomo. Não
somente com os seus olhos, você não pode vê-lo: você não pode vê-lo de modo algum. O átomo
não pode ser visto com nenhum instrumento; nós só podemos ver os efeitos.
Assim não pense que os Himalaias são maiores porque eles têm um volume grande. Os
Himalaias são, simplesmente, impotentes frente a uma explosão atômica. Um pequeno átomo
pode aniquilar todos os Himalaias. Tamanho na matéria bruta não é necessariamente poder. Ao
contrário, quanto menor é a unidade, mais penetrante. Quanto menor é a unidade, mais
intensamente ela é cheia de poder.
Estas pequenas técnicas são atômicas. Aqueles que estão fazendo coisas grandes não
conhecem a ciência atômica. Você pensará que uma pessoa trabalhando com átomos é uma
pessoa pequena, trabalhando com coisas pequenas; e uma pessoa que está trabalhando com os
Himalaias parecerá muito grande. Hitler estava trabalhando com grandes massas; Mao está
trabalhando com grandes massas. E Einstein e Planck, eles estavam trabalhando em seus
laboratórios, com pequenas unidades de matéria – partículas de energia. Mas, em última análise,
antes das pesquisas de Einstein, os políticos eram simplesmente impotentes. Eles estavam
trabalhando em um quadro maior, mas eles não conheciam o segredo da unidade menor.
Os moralistas sempre trabalham em grandes planos, mas eles são grosseiros. A coisa parece
muito grande. Eles devotam suas vidas inteiras à moralização, à prática disso e daquilo, ao
sanyam – controle. Eles continuam controlando; todo o edifício parece muito grande.
O tantra não está interessado nisso. O tantra está interessado nos segredos atômicos do ser
humano, da mente humana, da consciência humana. E o tantra conquistou os segredos atômicos.
Estes métodos são métodos atômicos. Se você puder alcançá-los, o resultado deles é explosivo,
cósmico.
Outro ponto a ser notado. Se você pode dizer “Como é que com um exercício tão pequeno e
simples alguém pode se tornar iluminado?”, você o está dizendo sem fazer o exercício. Se você
o fizer, então, você não irá dizer que isso é um exercício tão pequeno e simples. Ele parece dessa
maneira, porque, em duas ou três sentenças, todo o exercício foi dado.
Você conhece a fórmula atômica? Duas ou três palavras e toda a fórmula é dada. E com essas
duas ou três palavras, aqueles que podem entender, aqueles que podem usar estas palavras,
podem destruir toda a terra. A fórmula é muito pequena.
Estas também são fórmulas, assim, se você apenas olha a fórmula, ela parecerá uma coisa
muito, muito pequena e simples. Ela não é! Tente fazê-la. Quando você a fizer, então, você
saberá que ela não é tão fácil. Ela parece simples, mas ela é uma das coisas mais profundas. Nós
analisaremos o processo; então, você entenderá.
Quando você inspira, você nunca sente a respiração. Você nunca sentiu a respiração. Você,
imediatamente, negará isso. Você dirá: “Isso não está certo. Nós podemos não estar conscientes
continuamente, mas nós sentimos a respiração.”. Não, você não sente a respiração, você sente a
passagem.
Olhe para o mar. As ondas estão lá; você vê as ondas. Mas aquelas ondas são criadas pelo ar,
pelo vento. Você não vê o vento, você vê o efeito na água. Quando você inspira, o ar toca suas
narinas. Você sente as narinas, mas você nunca está ciente da respiração. Ela vai para baixo –
você sente a passagem. Ela volta – novamente você sente a passagem. Você nunca sente a
respiração, você apenas sente o toque e a passagem.
Não é esse o significado quando Shiva diz: esteja consciente. Primeiro você estará consciente
da passagem e quando você se tornar completamente consciente da passagem, somente então,
você começará, em pouco tempo, a estar consciente da própria respiração. E quando você se
tornar consciente da respiração, então, você será capaz de estar consciente do intervalo, da
lacuna. Isso não é tão fácil quanto parece.
Para o tantra, para todos os sistemas de busca, existem camadas de consciência. Se eu o
abraço, primeiro você irá se tornar consciente de meu toque em seu corpo; não de meu amor:
meu amor não é tão grosseiro. E, comumente, nós nunca nos tornamos conscientes do amor. Nós
somos conscientes apenas do corpo em movimento. Nós conhecemos gestos amorosos, nós
conhecemos gestos não-amorosos – mas nós nunca conhecemos o amor em si. Se eu o beijo,
você se torna consciente do toque, não de meu amor; esse amor é uma coisa muito sutil. E a
menos que você se torne consciente de meu amor, o beijo está completamente morto, ele não
significa nada. Se você puder se tornar consciente de meu amor, então e somente então, você
poderá se tornar consciente de mim, porque trata-se, novamente, de uma camada mais profunda.
A respiração entra. Você sente o toque, não a respiração. Mas você nem mesmo está
consciente desse toque. Se alguma coisa estiver errada, somente então, você a sente. Se você
sente alguma dificuldade na respiração, então, você a sente; caso contrário, você não estará
consciente. O primeiro passo será estar consciente da passagem, onde se sente que a respiração
toca; então, sua sensibilidade crescerá. Levará anos para se tornar tão sensível a ponto de não o
toque, mas o movimento da respiração ser conhecido. Então, diz o tantra, você terá conhecido o
prana – a vitalidade. E, somente então, existe o intervalo onde a respiração pára, onde a
respiração não está se movendo – ou o centro onde a respiração está tocando; ou o ponto de
fusão; ou a volta onde a respiração, a inspiração, se torna expiração. Isso se tornará árduo; então,
não será tão simples.
Se você fizer alguma coisa, se você entrar nesse centro, somente então, você saberá o quão
isso é difícil. Buda levou seis anos para chegar a esse centro além da respiração. Para chegar a
esse ponto, ele teve uma longa e árdua jornada de seis anos; então, aconteceu. Mahavira esteve
trabalhando nisso por doze anos; então, aconteceu. Mas a fórmula é simples e, teoricamente, isso
pode acontecer neste exato momento – teoricamente lembre-se. Não existem barreiras
teoricamente; então, por que isso não poderia acontecer neste exato momento? Você é a barreira.
Exceto por você, isso pode acontecer neste exato momento. O tesouro está aí; o método é
conhecido por você. Você pode cavar, mas você não cavará.
Até mesmo essa pergunta é um truque para não cavar, porque a sua mente diz: “Uma coisa
tão simples? Não seja bobo. Como você pode se tornar um buda através de uma coisa tão
simples? Isso não vai acontecer.”. E, então, você não irá fazer nada, porque... como isso pode
acontecer? A mente é astuta. Se eu digo que isso é muito difícil, a mente diz: “Isso é tão difícil
que está além de você.”. Se eu digo que isso é muito simples, a mente diz: “É tão simples que
somente os bobos podem acreditar nisso.”. E a mente continua racionalizando as coisas, sempre
escapando de fazer.
A mente cria barreiras. Ela se tornará uma barreira se você pensa que isso é tão simples, ou
que isso é tão difícil – então, o que você irá fazer? Você não pode fazer uma coisa simples, você
não pode fazer uma coisa difícil. O que você irá fazer? Diga-me! Se você quiser fazer uma coisa
difícil, eu a tornarei difícil. Se você quiser uma coisa simples, eu a tornarei simples. Ela é ambas
– depende de como ela é interpretada. Mas uma coisa é necessária. Que você faça. Se você não
fizer, então, a mente sempre lhe dará explicações.
Teoricamente, isso é possível aqui e agora; não existe nenhuma barreira real. Mas existem
barreiras. Elas podem não ser reais, podem ser simplesmente psicológicas – elas podem ser
simplesmente as suas ilusões – mas elas estão aí. Se eu lhe digo “Não tema – vá! O que você está
pensando ser uma cobra não é uma cobra, é apenas uma corda.”, ainda assim haverá medo. Para
você ela parece ser uma cobra.
Assim, seja o que for que eu diga não irá ajudar. Você está tremendo; você quer escapar e sair
correndo. Eu digo que isso é apenas uma corda, mas a sua mente dirá: “Esse homem pode estar
conspirando com a cobra. Deve haver algo errado. Esse homem está me forçando em direção à
cobra. Ele pode estar interessado em minha morte, ou algo mais.”. Se eu tentar muito convencê-
lo de que trata-se de uma corda, isso apenas demonstrará que eu, de algum modo, estou
interessado em forçá-lo em direção à cobra. Se eu lhe digo que, teoricamente, é possível ver a
corda como uma corda neste exato momento, sua mente criará muitos, muitos problemas.
Na realidade, não há nenhum dilema; na realidade, não há nenhum problema. Nunca houve,
nunca haverá. Na mente, há problemas e você olha para a realidade através da mente; assim, a
realidade se torna problemática. Sua mente trabalha como uma prisão. Ela divide e cria
problemas. E não apenas isso, ela cria soluções que se tornam problemas mais profundos, porque
na verdade não há problemas a serem resolvidos. A realidade é absolutamente sem problemas;
não há problemas. Mas você não pode ver alguma coisa sem problema. Onde quer que você olhe,
você cria problemas. Seu “olhar” é problemático. Eu lhe relatei essa técnica de respiração; agora
a mente diz: “Isso é muito simples.”. Por quê? Por que a mente diz que isso é muito simples?
Quando pela primeira vez a máquina a vapor foi inventada, ninguém acreditou. Aquilo
parecia tão simples – inacreditável. Exatamente o mesmo vapor que você conhece de sua
cozinha, de sua chaleira, o vapor movimentando uma locomotiva, levando centenas e centenas de
passageiros e uma tamanha carga?! O mesmo vapor que você está tão bem familiarizado com
ele? É inacreditável.
Você sabe o que aconteceu na Inglaterra? Quando o primeiro trem partiu, ninguém estava
disposto a sentar nele – ninguém! Muitas pessoas foram persuadidas, subornadas, elas ganharam
dinheiro para sentar no trem, mas no último instante elas fugiram. Elas disseram: “Em primeiro
lugar, o vapor não pode fazer tal milagre. Uma coisa tão simples como o vapor não pode fazer
tais milagres. E se a locomotiva partir, isso significa que o diabo está agindo em algum lugar. O
diabo está movimentando a coisa, não é o vapor. E quem garante que, tendo partido, você será
capaz de pará-la?”.
Nenhuma garantia podia ser dada porque esse era o primeiro trem. Ele nunca havia parado
antes, era apenas provável. Não havia nenhuma experiência; assim, a ciência não podia dizer:
“Sim, ele irá parar.”. Teoricamente ele irá parar... mas as pessoas não estavam interessadas em
teorias. Elas estavam interessadas em se havia alguma experiência verdadeira da parada de um
trem: “Se ele nunca parar, então, o que será de nós que estivermos sentados nele?”.
Assim, doze presidiários foram trazidos como passageiros. De qualquer forma, eles iriam
morrer, de qualquer forma eles estavam sentenciados à morte; assim, não haveria problemas se o
trem não parasse. Então, o maquinista louco que pensava que ele iria parar, o cientista que o
inventou e esses doze passageiros que, de qualquer forma, seriam mortos... que morressem.
“Uma coisa tão simples como o vapor...” – diziam eles naquela época. Mas agora ninguém diz
isso, porque, agora, ele está funcionando e você sabe disso.
Tudo é simples – a realidade é simples. Ela parece complexa somente por causa de sua
ignorância; caso contrário tudo é simples. Uma vez que você a conheça, ela se torna simples.
Conhecê-la, fatalmente será difícil não por causa da realidade, lembre-se, mas por causa de sua
mente. Esta técnica é simples, mas ela não irá ser tão simples para você. Sua mente criará
dificuldade. Assim, tente.

Um outro amigo diz:

Se eu tentar com esse método de estar consciente de minha respiração, se eu prestar


atenção em minha respiração, então, eu não poderei fazer mais nada, toda a atenção irá
para isso. E se eu estiver fazendo outra coisa, então, eu não poderei estar consciente da
minha respiração.
Isso acontecerá; assim, no começo, escolha um certo período pela manhã, ou à noite, ou a
qualquer momento. Por uma hora, apenas faça o exercício; não faça mais nada. Apenas faça o
exercício. Uma vez que você se torne harmonizado com ele, então, ele não será um problema.
Você pode caminhar pela rua e você pode estar consciente.
Entre “consciência” e “atenção” existe uma diferença. Quando você presta atenção a alguma
coisa, isso é exclusivo; você tem que retirar a sua atenção de tudo o mais. Assim, trata-se de uma
tensão, na verdade. É por isso que ela é chamada de atenção. Você presta atenção em alguma
coisa às custas de tudo o mais. Se você presta atenção na sua respiração, você não pode prestar
atenção no seu caminhar, ou no seu dirigir. Não tente isso enquanto você estiver dirigindo,
porque você não pode prestar atenção a ambos.
Atenção significa uma coisa exclusivamente. Consciência é uma coisa muito diferente; ela
não é exclusiva. Não é prestar atenção, é estar atento; é simplesmente estar consciente. Você está
consciente quando você está consciente inclusivamente. Sua respiração está em sua consciência.
Você está caminhando e alguém está passando e você também está consciente dele. Alguém está
fazendo barulho na estrada, algum trem está passando, algum avião voando – tudo está incluído.
Consciência é inclusiva, atenção é exclusiva. Mas no começo será atenção.
Assim, primeiro tente em períodos selecionados. Por uma hora, esteja apenas atento à sua
respiração. Em pouco tempo, você será capaz de transformar sua atenção em consciência. Então,
faça coisas simples – por exemplo, caminhar: caminhe atentamente com toda consciência no
caminhar e também no respirar. Não crie nenhuma oposição entre as duas ações de caminhar e
respirar. Seja um observador de ambos. Isso não é difícil.
Olhe! Por exemplo: eu posso prestar atenção à face de alguém aqui. Se eu prestar atenção à
uma só face, todas as outras faces não estarão aqui, para mim. Se eu colocar minha atenção em
uma face, então, todo o resto fica excluído. Se eu prestar atenção somente no nariz dessa face,
então, toda a face, o restante da face, fica excluída. Eu posso continuar estreitando minha atenção
até um único ponto.
O inverso também é possível. Eu presto atenção em toda a face; então, olhos e nariz e tudo o
mais está ali. Então, eu tornei meu foco mais amplo. Eu olho para vocês não como indivíduos,
mas como um grupo. Então, o grupo todo está em minha atenção. Se eu os tomo como diferentes
do barulho que está acontecendo na rua, então, eu estou excluindo a rua. Mas eu posso olhar para
vocês e para a rua como um todo. Então, eu posso estar consciente de ambos, de vocês e da rua.
Eu posso estar consciente de todo o cosmos. Depende do seu foco – dele tornando-se cada vez
mais e mais amplo. Mas primeiro comece com a atenção e lembre-se de que você tem que
crescer em consciência. Assim, escolha um pequeno período. De manhã é bom, porque você está
fresco, as energias estão vivas tudo está emergindo; você está mais vivo pela manhã.
Os fisiólogos dizem que não apenas você está mais vivo, mas sua altura é um pouco maior
pela manhã do que de noite. Se você mede l,82m de altura, então, pela manhã você mede por
volta de l,83m e à noite você volta para l,82m. Cerca de um centímetro é perdido, porque sua
espinha se ajeita quando está cansada. Assim, de manhã você está viçoso, jovem, vivo, cheio de
energia.
Faça isto: não faça da meditação a última coisa da sua programação. Faça dela a primeira.
Então, quando você sentir que agora ela não é um esforço, quando você puder sentar-se por uma
hora, completamente imerso na respiração... – consciente, atento –, somente quando você
conhecer isso, que você alcançou a atenção na respiração sem nenhum esforço, quando você
estiver relaxado e desfrutando-a sem nenhum esforço, então, você conseguiu.
Então, adicione alguma coisa mais – por exemplo: caminhar. Lembre-se de ambos; então, vá
adicionando coisas. Depois de um certo período, você será capaz de estar consciente de sua
respiração continuamente, até no sono. E a menos que você esteja consciente até no sono, você
não será capaz de conhecer a profundidade. Mas isso chega por conta própria, chega pouco a
pouco.
Tem-se que ser paciente e tem-se que começar corretamente. Saiba disso, porque a mente
astuta sempre tentará lhe dar um começo errado. Então, você pode abandoná-la depois de dois ou
três dias e dizer: “Isso é inútil.”. A mente lhe dará um começo errado. Assim, sempre se lembre
de começar corretamente, porque o começo correto significa metade do caminho. Mas nós
começamos de maneira errada.
Você sabe muito bem que a atenção é uma coisa difícil. Isso é porque você está totalmente
adormecido. Assim, se você começar a estar atento à respiração enquanto estiver fazendo alguma
outra coisa, você não poderá fazê-lo. E você não vai abandonar a tarefa, você abandonará o
esforço de estar atento à respiração.
Assim não crie problemas desnecessários para você mesmo. Em vinte quatro horas você pode
encontrar um pequeno canto. Quarenta minutos darão conta do serviço... Então, faça a técnica aí.
Mas a mente irá dar muitas desculpas. A mente dirá: “Cadê o tempo? Já existe muito trabalho
para ser feito. Cadê o tempo?”. Ou a mente irá dizer: “Agora não dá, vamos adiar. Depois, mais
tarde, quando as coisas se acertarem, então, você fará.”.
Fique atento ao que sua mente diz a você. Não seja muito confiante na mente. E nós nunca
estamos duvidando. Nós podemos duvidar de qualquer um, mas nós nunca duvidamos de nossas
próprias mentes.
Mesmo aqueles que falam muito de ceticismo, de dúvida, de razão, até mesmo eles nunca
duvidam de suas próprias mentes. E sua mente lhe trouxe para o estado em que você está. Se
você está no inferno, sua mente lhe trouxe para esse inferno e você nunca duvida desse guia.
Você pode duvidar de qualquer professor, de qualquer Mestre, mas você nunca duvida de sua
mente. Com fé inflexível, você anda com sua mente como guru. E sua mente lhe trouxe para a
confusão, para a miséria em que você está. Se você for duvidar de alguma coisa, duvide primeiro
de sua mente. E sempre que a sua mente disser alguma coisa, pense duas vezes.
É verdade que você não tem tempo? Realmente? Você não tem nenhum tempo para meditar –
para dar uma hora para a meditação? Pense duas vezes. Pergunte de novo outra vez à mente: “É
esse o caso, que eu não tenho tempo nenhum?”
Eu não vejo assim. Eu não vi sequer um único homem que não tivesse tempo suficiente. Eu
continuo vendo as pessoas que estão jogando baralho e elas dizem: “Nós estamos matando o
tempo.”. Elas estão indo ao cinema e dizem: “O que fazer?”. Elas estão matando tempo,
fofocando, lendo o mesmo jornal repetidas vezes, falando sobre as mesmas coisas que elas
estiveram falando por toda a vida delas, e dizem “Nós não temos tempo.”. Para coisas
desnecessárias, elas têm tempo suficiente. Por quê?
Com uma coisa desnecessária, a mente não está em perigo. No momento em que você pensa
em meditação, a mente fica alerta. Agora, você está se indo numa dimensão perigosa, porque a
meditação significa a morte da mente. Se você se move em direção à meditação, mais cedo ou
mais tarde a sua mente terá que se dissolver, se aposentar completamente. A mente fica alerta e
começa a dizer muitas coisas para você: “Cadê o tempo? E mesmo que haja tempo, existem
coisas mais importantes a serem feitas. Primeiro, adie isso até mais tarde. Você pode meditar a
qualquer momento. Dinheiro é mais importante. Ajunte dinheiro primeiro, então, medite em seu
lazer. Como você pode meditar sem dinheiro? Assim preste atenção no dinheiro, então, medite
mais tarde.”.
A meditação pode ser adiada facilmente, você sente isso, porque ela não está relacionada com
a sua sobrevivência imediata. O pão não pode ser adiado – você morrerá. O dinheiro não pode
ser adiado – ele é necessário para as suas necessidades básicas. A meditação pode ser adiada,
você pode sobreviver sem ela. Na verdade, você pode sobreviver sem ela facilmente.
No momento em que você for fundo na meditação, você não sobreviverá nesta terra, pelo
menos – você irá desaparecer. Do ciclo desta vida, desta roda, você desaparecerá. A meditação é
como a morte, então, a mente se torna temerosa. A meditação é como o amor; assim, a mente se
torna temerosa. “Adie.” – diz ela –; e você pode continuar adiando ad infinitum. Sua mente está
sempre dizendo coisas como essas. E não pense que eu estou falando sobre os outros. Eu estou
falando especialmente sobre você.
Eu tenho encontrado muitas pessoas inteligentes que continuam dizendo coisas muito
estúpidas sobre meditação. Um homem chegou de Déli, um alto oficial do governo. Ele veio
somente com o propósito de aprender meditação aqui. Ele veio de Déli e ficou sete dias aqui. Eu
lhe disse para ir à classe de meditação matinal na praia de Chowpatty em Bombaim, mas ele
disse: “Mas isso é difícil. Eu não posso levantar tão cedo.”. E ele nunca irá pensar sobre o que a
sua mente lhe disse. Isso é tão difícil? Agora você saberá: o exercício pode ser simples, mas a
sua mente não é tão simples. A mente diz: “Como eu posso levantar de manhã, às seis horas?”.
Eu estava em uma grande cidade e o coletor desta cidade veio me encontrar às onze horas da
noite. Eu estava quase indo para a cama e ele chegou e disse: “Não! Isso é urgente. Eu estou
muito perturbado. Trata-se de uma questão de vida ou morte.” – ele disse – “Por favor, dê-me
pelo menos meia hora. Ensine-me meditação; caso contrário eu posso cometer suicídio. Eu estou
muito perturbado e eu estou tão confuso que alguma coisa tem que acontecer em meu mundo
interior. Meu mundo exterior está completamente perdido”.
Eu lhe disse: “Venha pela manhã às cinco horas”.
Ele disse: “Isso é impossível.”. É uma questão de vida ou morte, mas ele não pode se levantar
às cinco da manhã. Ele disse: “Isso não é possível. Eu nunca me levanto tão cedo.”.
“Tudo bem.” – eu lhe disse – “Então venha às dez.”.
Ele disse: “Isso também será difícil, porque pelas dez e meia eu devo estar presente no meu
escritório.”.
Ele não pode tirar um dia de folga, e é uma questão de vida ou morte. Assim, eu lhe disse: “É
uma questão de sua vida ou morte, ou de minha vida ou morte? Da de quem?”. E ele não era um
homem estúpido, ele tinha inteligência suficiente. Esses ardis eram muito inteligentes.
Assim, não pense que sua mente não esteja usando os mesmos ardis. Ela é muito inteligente e
como você pensa que ela é a sua mente, você nunca duvida dela. Ela não é sua, ela é um produto
social. Ela não é sua! Ela foi dada a você, foi imposta a você. Você aprendeu e foi condicionado
de uma certa maneira. Desde a mais tenra infância, sua mente foi criada pelos outros – pais,
sociedade, professores. O passado está criando a sua mente, influenciando a sua mente. O
passado morto está impondo-se sobre a vida continuamente. Os professores são apenas os
agentes – agentes da morte contra a vida. Eles continuam impondo coisas em sua mente. Mas a
mente é tão íntima sua, a distância é tão pequena, que você se torna identificado com ela.
Você diz: “Eu sou um hindu.”. Pense novamente, reconsidere isso. Você não é um hindu.
Você recebeu uma mente hindu. Você nasceu apenas um ser simples, inocente – não um hindu,
nem um muçulmano. Mas você recebeu uma mente muçulmana, uma mente hindu. Você foi
forçado, engaiolado, aprisionado em uma determinada condição e, então, a vida vai
acrescentando coisas a essa mente e essa mente se torna pesada – pesada em cima de você. Você
não pode fazer nada; a mente começa a impor seu próprio modo em cima de você. Suas
experiências estão sendo adicionadas à mente. Constantemente, seu passado está condicionando
cada momento presente seu. Se eu digo alguma coisa para você, você não irá pensar sobre isso
de uma maneira viçosa, de uma maneira aberta. Sua velha mente, seu passado, entrará no meio,
começará a falar e tagarelar a favor, ou contra.
Lembre-se: sua mente não é sua, seu corpo não é seu; ele vem de seus pais. Sua mente
também não é sua; ela também vem de seus pais. Quem é você?
Ou a pessoa está identificada com o corpo, ou com a mente. Você pensa que é jovem, você
pensa que é velho, você pensa que é um hindu, você pensa que é um jaina, você é um parse.
Você não é! Você nasceu como uma consciência pura. Tudo isso é aprisionamento. Essas
técnicas que parecem tão simples para você, não serão tão simples, porque essa mente criará
constantemente muitos, muitos problemas e complexidades.
Há apenas alguns dias, um homem veio a mim e disse: “Eu estou tentando o seu método de
meditação, mas, diga-me, em que escritura ele é apresentado? Se você puder me convencer de
que ele é apresentado nas escrituras da minha religião, então, será mais fácil para eu fazer.”. Mas
por que será mais fácil para ele fazer se estiver escrito em uma escritura? Porque então, a mente
não criará um problema. A mente dirá: “Tudo bem! Isso nos pertence, então, vamos fazer.”. Se
não estiver escrito em nenhuma escritura, então, a mente dirá: “O que você está fazendo?!”. A
mente vai contra.
Eu disse para o homem: “Você esteve fazendo esse método por três meses. Como você está se
sentindo?”.
Ele disse: “Excelente. Eu estou me sentindo maravilhosamente bem. Mas me diga... me
apresente a autoridade das escrituras.”. Sua própria sensação não é uma autoridade de modo
algum. Ele diz: “Eu estou me sentindo excelente. Eu me tornei mais silencioso, mais pacífico,
mais amoroso. Eu estou me sentindo ótimo.”. Mas sua própria experiência não é a autoridade. A
mente pede por uma autoridade do passado.
Eu lhe disse: “Esse método não está escrito em nenhum lugar nas suas escrituras; ao
contrário, muitas coisas que são contra essa técnica, estão escritas.”.
Sua face tornou-se triste. E então, ele disse: “Então será difícil eu fazê-la e dar continuidade.”.
Por que sua própria experiência não tem valor?
O passado – o condicionamento, a mente – está constantemente moldando-o e destruindo o
seu presente. Assim, lembre-se e esteja alerta. Seja céptico e duvide de sua mente. Não confie
nela. Se você puder alcançar essa maturidade de não confiar em sua mente, somente então, estas
técnicas serão realmente simples, úteis, funcionais. Elas farão milagres – elas podem fazer
milagres.
Estas técnicas, estes métodos não podem ser entendidos intelectualmente de modo algum. Eu
estou tentando o impossível, mas, então, por que eu estou tentando? Se eles não podem ser
entendidos intelectualmente, então, por que eu estou falando para você? Eles não podem ser
entendidos intelectualmente, mas não existe outro modo de torná-lo consciente de certas técnicas
que podem mudar a sua vida totalmente. Você pode entender somente intelectualmente e esse é o
problema. Você não pode entender nada mais; você pode entender somente o intelecto. E estas
técnicas não podem ser entendidas intelectualmente; assim, como comunicar?
Ou você se torna capaz de entender sem o intelecto ser introduzido, ou algum método teria de
ser encontrado, de modo que essas técnicas pudessem ser intelectualmente compreensíveis. O
segundo não é possível, mas o primeiro é possível.
Você terá de começar intelectualmente, mas não fique preso nisso. Quando eu digo “Faça.”,
tente fazer. Se alguma coisa começar a acontecer dentro de você, então, você será capaz de
colocar seu intelecto de lado e de alcançar-me diretamente, sem o intelecto, sem nenhum esforço,
sem o mediador. Mas comece fazendo alguma coisa. Nós podemos continuar falando por anos e
anos, sua mente pode ser abarrotada com muitas coisas, mas isso não ajudará. Ao contrário, isso
pode prejudicá-lo, porque você começará a saber muitas coisas. E se você souber muitas coisas,
você começará a se tornar confuso. Não é bom saber muitas coisas. É bom saber um pouco e
praticá-lo. Uma técnica simples pode ser útil; algo feito é sempre útil. Qual é a dificuldade em se
fazê-lo?
Bem profundamente em algum lugar, há medo. O medo é de que, se você o fizer, pode ser
que alguma coisa pare de acontecer – esse é o medo. Pode parecer paradoxal, mas eu encontrei
tantas e tantas pessoas que pensam que querem mudar... Elas dizem que precisam de meditação,
elas pedem por uma profunda transformação, mas, bem no fundo, estão também com medo. Elas
são duais – duplas; elas têm duas mentes. Elas continuam perguntando sobre o que fazer, nunca
fazendo-o. Por que então, elas continuam perguntando? Apenas para se enganarem de que estão
realmente interessadas na própria transformação. É por isso que elas ficam perguntando.
Isso dá uma fachada, uma aparência de que elas estão, realmente, sinceramente, interessadas
em se transformar. É por isso que elas ficam perguntando, indo a esse e àquele guru,
encontrando, experimentando, mas nunca fazem nada. Bem no fundo, elas estão com medo.
Erich Fromm escreveu um livro, Fear of Freedom (Medo da Liberdade). O título parece
contraditório. Todo mundo pensa que gosta de liberdade – neste mundo e “naquele mundo”
também. “Nós queremos moksha, libertação, queremos nos libertar de todas as limitações, de
todas as escravidões. Nós queremos ser totalmente livres.” – dizem. Mas Erich Fromm diz que o
homem tem medo da liberdade. Nós a queremos, nós continuamos dizendo que a queremos,
continuamos nos convencendo de que a queremos, mas, bem no fundo, nós temos medo da
liberdade. Nós não a queremos! Por quê? Por que essa dualidade?
Liberdade cria medo e a meditação é a mais profunda liberdade possível. Você não é
libertado apenas das limitações externas, você é libertado da escravidão interna – a própria
mente, a base da escravidão. Você é libertado de todo o passado. No momento em que você não
tem mente, o passado desapareceu. Você transcendeu a história; agora não existe nenhuma
sociedade, nenhuma religião, nenhuma escritura, nenhuma tradição, porque elas todas têm suas
moradas na mente. Agora, não existe nenhum passado, nenhum futuro, porque passado e futuro
são partes da mente, da memória e da imaginação.
Então você está aqui e agora, no presente. Agora não existirá nenhum futuro. Existirá agora e
agora e agora – o eterno agora. Então, você está livre completamente; você transcende toda a
tradição, toda a história, o corpo, a mente, todas as coisas. A pessoa se torna livre do medo.
Tamanha liberdade – então, onde você estará? Em tamanha liberdade, pode você existir? Em
tamanha liberdade, em tamanha vastidão, pode você ter seu pequeno “eu” – seu ego? Pode você
dizer “eu sou”?
Você pode dizer “Eu estou em escravidão”, porque você pode conhecer sua fronteira. Quando
não existe nenhuma escravidão não existe nenhuma fronteira. Você se torna apenas um estado,
nada mais... absoluto nada, vazio. Isso cria medo; assim, a pessoa continua falando sobre
meditação, sobre como fazê-la, e continua sem fazê-la.
Todas as perguntas surgem a partir desse medo. Sinta esse medo. Se você conhecê-lo, ele irá
desaparecer. Se você não conhecê-lo, ele persistirá. Você está pronto para morrer no sentido
espiritual? Você está pronto para não ser?
Sempre que alguém vinha até Buda, ele dizia: “Esta é a verdade básica: você não existe. E
como você não existe, você não pode morrer, não pode nascer; e como você não existe, não pode
estar em sofrimento, em escravidão. Você está pronto para aceitar isso?”. Buda perguntava:
“Você está pronto para aceitar isso? Se você não está pronto para aceitar isso, então, não tente a
meditação agora. Primeiro tente descobrir se você realmente existe, ou se não existe. Medite
nisso primeiro: existe algum eu? Existe alguma substância dentro, ou você é apenas uma
combinação?”.
Se você conseguir descobrir, você verá que seu corpo é uma combinação. Alguma coisa veio
de sua mãe, alguma coisa veio de seu pai e tudo o mais veio da comida. Isso é o seu corpo. Nesse
corpo você não existe, não existe eu. Considere a mente: alguma coisa veio daqui, alguma coisa
veio dali. A mente não tem nada que seja original. Ela é apenas acumulação.
Descubra se existe algum eu na mente. Se você for fundo, você descobrirá que sua identidade
é exatamente como uma cebola. Você descasca uma camada e uma outra camada surge; você
descasca outra camada e ainda uma outra surge. Você vai descascando as camadas e no final
você chega a um nada. Com todas as camadas retiradas, não há nada dentro. Corpo e mente são
como cebolas. Quando você descascou ambos, corpo e mente, então, você descobre um nada, um
abismo, um vazio sem fundo. Buda chama isso de shunya.
Encontrar esse shunya, encontrar esse vazio, gera medo. Esse medo está presente. É por isso
que nós nunca meditamos. Nós falamos sobre, mas nós nunca fazemos nada relativo a isso. Esse
medo está aí. Você sabe, bem no fundo, que existe um vazio, mas você não pode escapar desse
medo. O que quer que você faça, o medo permanecerá, a menos que você o encare. Esse é o
único modo. Uma vez que você encontre o seu nada, uma vez que você saiba que dentro de você
é exatamente como um espaço, shunya, então, não haverá medo. Então, não pode existir nenhum
medo, porque esse shunya, esse vazio, não pode ser destruído. Esse vazio não irá morrer. Aquilo
que estava morrendo não existe mais; não era nada além das camadas de uma cebola.
É por isso que muitas vezes em profunda meditação, quando a pessoa chega mais perto desse
nada, ela fica com medo e começa a tremer. Ela sente que irá morrer; quer escapar desse nada, ir
de volta para o mundo. E muitos retornam; então, eles nunca voltam para dentro novamente. Da
forma que eu vejo, cada um de vocês tentou numa vida ou noutra alguma técnica de meditação.
Você chegou perto do nada e, então, o medo o agarrou e você escapou. E, no fundo de suas
memórias passadas, essa memória está presente; isso se torna um obstáculo. Sempre que você
pensa novamente em tentar a meditação, essa memória passada, bem lá no fundo de sua mente
inconsciente, outra vez o perturba e diz: “Continue pensando; não faça isso. Você já fez uma
vez.”.
É difícil encontrar um homem – e eu examinei muitos – que não tenha tentado a meditação,
uma ou duas vezes em alguma vida. A memória está presente, mas você não está consciente dela,
você não está consciente de onde a memória está. Ela está presente. Sempre que você começa a
fazer alguma coisa, isso se torna uma barreira, isso e aquilo começam a pará-lo de muitas
formas. Assim, se você está interessado em meditação, verdadeiramente, descubra seu próprio
medo dela. Seja sincero com relação a isto: você tem medo? Se você tem medo, então, a primeira
coisa que tem de ser feita está relacionada ao seu medo, não à meditação.
Buda usava muitos artifícios. Algumas vezes, alguém podia lhe dizer: “Eu tenho medo de
tentar meditação.”. E isso é uma necessidade: o mestre deve ficar sabendo que você tem medo.
Você não pode enganá-lo... e não existe necessidade – é enganar a si mesmo. Assim, sempre que
alguém dissesse: “Eu tenho medo da meditação”, Buda diria: “Você está preenchendo o primeiro
requisito.”. Se você diz a si mesmo que você tem medo da meditação, então, alguma coisa se
torna possível. Então, alguma coisa pode ser feita porque você expôs uma coisa profunda. Assim,
o que é o medo? Medite sobre ele. Vá e cave de onde ele vem, qual é a fonte.
Todo medo é, basicamente, orientado pela morte. Qualquer que seja a sua forma, modo,
qualquer que seja a sua aparência, nome, todo medo é orientado pela morte. Se você for bem
fundo, você descobrirá que tem medo da morte.
Se alguém chegasse a Buda e dissesse “Eu tenho medo da morte, eu descobri isso.”, Buda
diria: “Então, vá para o ghat de cremação, vá para o crematório e medite em uma pira funerária.
As pessoas estão morrendo diariamente – elas serão queimadas. Apenas permaneça lá no
marghat – crematório – e medite na pira de cremação. Quando os membros das famílias
partirem, permaneça lá. Simplesmente olhe para dentro do fogo, para o corpo em chamas.
Quando tudo estiver se tornando fumaça, apenas olhe para ela profundamente. Não pense, apenas
medite naquilo por três meses, seis meses, nove meses.
“Quando se tornar uma certeza para você de que da morte não se pode escapar, quando se
tornar absolutamente certo de que a morte é o caminho da vida, de que a morte está implícita na
vida, de que a morte acontecerá, de que não existe nenhum desvio e de que você já está nela,
somente então, venha a mim.”.
Depois de meditar sobre a morte, depois de ver todo dia, noite e dia, corpos mortos serem
queimados, dissolvidos em cinzas – somente uma fumaça permanece e, então, desaparece –, após
meditar por vários meses, uma certeza surgirá: a certeza de que a morte é inevitável. Ela é a
única certeza na verdade. A única coisa certa na vida é a morte. Tudo o mais é incerto; pode ser,
ou pode não ser. Mas você não pode dizer que pode ser ou pode não ser com relação à morte. Ela
existe; ela acontecerá. Ela já ocorreu. No momento em que você entrou na vida, você entrou na
morte. Agora nada pode ser feito a respeito disso.
Quando a morte é certa, não existe o medo. O medo é sempre por coisas que podem ser
mudadas. Se a morte tem que acontecer, o medo desaparece. Se você pudesse mudar, se você
pudesse fazer alguma coisa com relação à morte, então, o medo permaneceria. Se nada puder ser
feito, se você já estiver nela, então, é absolutamente certo que o medo desaparecerá. Quando o
medo da morte tivesse desaparecido, Buda permitiria que você meditasse. Ele diria: “Agora você
pode meditar.”.
Assim, você também, vá fundo em sua mente. E escutar essas técnicas será útil, somente
quando suas barreiras internas forem quebradas, quando seus medos desaparecerem e você
estiver certo de que a morte é uma realidade. Então, se você morrer em meditação, não existirá
nenhum medo – a morte é certa. Mesmo que a morte ocorra em meditação, não existe o medo.
Somente então, você pode se mover – e então, você pode se mover na velocidade de um foguete,
porque as barreiras não existem mais.
Não é a distância que leva tempo, mas as barreiras. Você pode mover-se neste exato momento
se não houver barreiras. Você já estaria lá se não fosse a barreira. É uma corrida de obstáculos e
você continua colocando cada vez mais e mais obstáculos. Você se sente bem quando cruza um
obstáculo; você se sente bem, pois, agora, você cruzou um obstáculo. E a idiotice disso, a tolice
disso é que, para começar, o obstáculo foi colocado lá por você. Ele não existia. Você continua
colocando barreiras, e então, saltando sobre elas e sentindo-se bem; então, você continua
colocando mais barreiras, depois, saltando. Você se move em um círculo e nunca, nunca atinge o
centro.
A mente cria obstáculos porque a mente é medrosa. Ela lhe dará muitas explicações do por
quê de você não estar fazendo meditação. Não acredite nela. Vá fundo, ache a causa básica. Por
que uma pessoa continua falando sobre comida e, contudo, não come? Qual é o problema? O
homem parece louco!
Outro homem continua falando sobre amor e nunca ama; outro homem continua falando
sobre alguma outra coisa e nunca faz nada com relação a isso. Esse falar se torna obsessivo –
torna-se uma compulsão. A pessoa vai em frente, a pessoa vê o falar como o fazer. Falando, você
sente que está fazendo alguma coisa, assim, você se sente à vontade. Você está fazendo alguma
coisa – pelo menos falando, pelo menos lendo, pelo menos escutando. Isso não é fazer. Isso é
ilusório; não caia na ilusão.
Eu estarei aqui falando sobre esses cento e doze métodos não para alimentar sua mente, não
para torná-lo mais instruído, não para torná-lo mais informado. Eu não estou tentando torná-lo
um pândita. Eu estou falando aqui a fim de dar-lhe uma certa técnica que pode mudar a sua vida.
Assim, qualquer que seja o método que lhe atraia, não comece a falar sobre ele – faça-o! Fique
silencioso com relação a ele e faça-o. Sua mente trará muitas perguntas. Apenas pesquise
profundamente, primeiro, antes de me perguntar. Pesquise profundamente, primeiro, se essas
perguntas são realmente significativas, ou se sua mente está apenas enganando-o.
Faça; depois, pergunte. Então, as suas perguntas se tornam práticas. E eu sei quais perguntas
foram feitas através da ação e quais perguntas foram feitas apenas através da curiosidade, apenas
através do intelecto. Assim, em pouco tempo, eu deixarei absolutamente de responder as suas
perguntas intelectuais. Faça alguma coisa; então, as suas perguntas se tornam significativas.
Essas perguntas que dizem “Este exercício é um exercício muito simples.”, não são feitas depois
do fazer.
Isso não é tão simples. No final, eu devo repetir novamente:
Você já é a verdade.
Somente um certo acordar é necessário.
Você não tem que ir a nenhum outro lugar. Você tem que ir para dentro de si mesmo e a ida é
possível neste exato momento. Se você puder colocar de lado a sua mente, você entrará no aqui e
agora.
Estas técnicas são para colocar a sua mente de lado. Estas técnicas não são realmente para a
meditação; elas são para colocar a sua mente de lado. Uma vez que a mente não está presente,
você está!
Eu penso que é o suficiente por hoje, ou até mais do que suficiente.
Capítulo 5

CINCO TÉCNICAS DE ATENÇÃO



OS SUTRAS

5 Com a atenção entre as sobrancelhas, deixe a mente ficar diante dos pensamentos. Deixe que
a forma seja preenchida com a essência da respiração até o alto da cabeça e, então, jorre
como luz.
6 Quando em atividade cotidiana, mantenha a atenção entre as duas respirações e, assim
praticando, em alguns dias, nasça novamente.
7 Com a respiração intangível no centro da testa, assim que esta alcançar o coração no
momento do sono, tenha a direção sobre os sonhos e sobre a própria morte.
8 Com devoção máxima, centre-se nas duas junções da respiração e conheça o conhecedor.
9 Deite-se como morto. Enraivecido em fúria, permaneça assim. Ou olhe fixo sem mexer uma
pálpebra. Ou sugue alguma coisa e torne-se o sugar.

Quando um dos maiores filósofos gregos, Pitágoras, chegou ao Egito para entrar em uma
escola – uma escola esotérica secreta de misticismo – ele foi recusado. E Pitágoras foi uma das
melhores mentes já produzidas. Ele não podia entender aquilo. Ele solicitou repetidas vezes, mas
foi-lhe dito que, a menos que passasse por um determinado treinamento de jejum e respiração,
não lhe seria permitido entrar na escola.
Relata-se que Pitágoras teria dito: “Eu vim pelo conhecimento, não por algum tipo de
disciplina.”. Mas as autoridades da escola disseram: “Nós não lhe podemos dar o conhecimento a
menos que você mude. E, na verdade, nós não estamos interessados de forma alguma em
conhecimento, nós estamos interessados na própria experiência. Nenhum conhecimento é
conhecimento a menos que seja vivido e experienciado. Assim, você terá de passar por um jejum
de quarenta dias, respirando continuamente de uma certa maneira, com uma certa atenção em
certos pontos.”.
Não havia outro jeito; assim, Pitágoras teve que passar por aquele treinamento. Depois de
quarenta dias de jejum e respiração, consciente, atento, ele teve permissão para entrar na escola.
Consta que Pitágoras disse: “Vocês não estão permitindo que Pitágoras entre. Eu sou um homem
diferente, eu estou renascido. Vocês estavam certos e eu estava errado, porque todo o meu ponto
de vista era intelectual. Através dessa purificação, meu centro de ser mudou. Do intelecto, ele
desceu para o coração. Agora eu posso sentir as coisas. Antes desse treinamento, eu podia apenas
entender através do intelecto, através da cabeça. Agora, eu posso sentir. Agora, a verdade não é
um conceito para mim, mas uma vida. Ela não será uma filosofia, mas, ao contrário, uma
experiência – existencial.”.
Qual foi esse treinamento pelo qual ele passou? Essa quinta técnica foi a técnica que foi dada
a Pitágoras. Ela foi dada no Egito, mas a técnica é indiana.
5 Foque a sua atenção no terceiro olho

A quinta técnica de respiração.

Com a atenção entre as sobrancelhas, deixe a mente ficar diante dos pensamentos. Deixe
que a forma seja preenchida com a essência da respiração até o alto da cabeça e, de lá,
jorre como luz.

Esta foi a técnica dada a Pitágoras. Pitágoras foi com essa técnica para a Grécia e, realmente,
ele se tornou um manancial, a fonte de todo o misticismo no Ocidente. Ele é o pai de todo o
misticismo no Ocidente.
Esta técnica é um dos métodos mais profundos. Tente compreender isto: Com a atenção entre
as sobrancelhas... A fisiologia moderna, a pesquisa científica, diz que entre as duas sobrancelhas
está a glândula que é a parte mais misteriosa do corpo. Essa glândula, chamada glândula pineal, é
o terceiro olho dos tibetanos – shivanetra: o olho de Shiva, do tantra. Entre os dois olhos existe
um terceiro olho, mas ele não está funcionando. Ele está presente, ele pode funcionar a qualquer
momento, mas ele não funciona naturalmente. Você tem de fazer alguma coisa com relação a ele,
para abri-lo. Ele não é cego; ele está apenas fechado. Essa técnica é para abrir o terceiro olho.
Com a atenção entre as sobrancelhas... Feche seus olhos; então, foque ambos os olhos
exatamente no meio das duas sobrancelhas. Foque exatamente no meio, com os olhos fechados,
como se você estivesse olhando com seus dois olhos. Dê total atenção a isso.
Esse é um dos métodos mais simples para se ficar atento. Você não pode ficar atento a
nenhuma outra parte de seu corpo tão facilmente. Essa glândula absorve atenção como nada
mais. Se você dá atenção a ela, ambos os olhos se tornam hipnotizados pelo terceiro olho. Eles se
tornam fixos; eles não podem se mover. Se você tentar ficar atento a qualquer outra parte do
corpo, será difícil. O terceiro olho prende a atenção, força a atenção – é um imã para a atenção.
Assim, todos os métodos no mundo inteiro usaram-no. É o mais simples para treiná-lo na
atenção, porque não apenas você está tentando estar atento, a própria glândula o ajuda – ela é
magnética. Sua atenção é trazida para ela forçosa-mente – ela é absorvida.
É dito nas velhas escrituras tântricas que, para o terceiro olho, a atenção é comida. Ele está
faminto; ele tem estado faminto há vidas e vidas. Se você prestar atenção a ele, ele se tornará
vivo. Ele se tornará vivo! A comida é dada a ele. E uma vez que você saiba que a atenção é
comida, uma vez que você sinta que sua atenção é puxada magneticamente – atraída, puxada
pela própria glândula –, a atenção deixa de ser uma coisa difícil então. A pessoa tem apenas que
saber o ponto certo. Assim, simplesmente feche seus olhos, deixe seus dois olhos dirigirem-se
exatamente para o meio e sinta o ponto. Quando você estiver perto do ponto, de repente seus
olhos se tornarão fixos. Quando ficar difícil movê-los, saiba então que você pegou o ponto certo.
Com a atenção entre as sobrancelhas, deixe a mente ficar diante dos pensamentos... Se essa
atenção estiver presente, você chegará a experienciar, pela primeira vez, um fenômeno estranho.
Pela primeira vez, você verá os pensamentos correndo à sua frente; você se tornará a testemunha.
É exatamente como uma tela de cinema: os pensamentos estão passando e você é uma
testemunha. Uma vez que a sua atenção esteja focada no centro do terceiro olho, você se torna
imediatamente a testemunha dos pensamentos.
Comumente, você não é a testemunha, você está identificado com os pensamentos. Se a raiva
está presente, você se torna a raiva. Se um pensamento se move, você não é a testemunha, você
se torna um com o pensamento, identificado, e você se move com ele. Você se torna o
pensamento – você toma a forma do pensamento. Quando o sexo está presente, você se torna o
sexo; quando a raiva está presente, você se torna a raiva; quando a avareza está presente, você se
torna a avareza. Qualquer pensamento que passe, torna-se identificado com você. Você não tem
nenhum espaço entre você e o pensamento.
Mas, focado no terceiro olho, de repente, você se torna uma testemunha. Através do terceiro
olho, você se torna a testemunha. Através do terceiro olho, você pode ver os pensamentos
passando como nuvens no céu, ou como pessoas se movendo na rua.
Você está sentado à sua janela, olhando para o céu, ou para as pessoas na rua – você não fica
identificado. Você fica distante, um observador na colina – diferente. Agora, se a raiva estiver
presente, você pode olhá-la como um objeto. Agora, você já não pode sentir que você é a raiva.
Você sente que está cercado pela raiva – uma nuvem de raiva chegou à sua volta – mas você não
é a raiva. E, se você não é a raiva, a raiva se torna impotente, ela não pode afetá-lo – você
permanece intocado. A raiva chegará e sairá e você permanecerá centrado em si mesmo.
Esta quinta técnica é uma técnica de descoberta da atenção. Com a atenção entre as
sobrancelhas, deixe a mente ficar diante dos pensamentos. Agora, olhe para os seus
pensamentos; agora, encontre os seus pensamentos. Deixe que a forma seja preenchida com a
essência da respiração até o alto da cabeça e, de lá, jorre como luz. Quando a atenção está
focada no centro do terceiro olho, entre as duas sobrancelhas, duas coisas acontecem. Uma é
esta: de repente você se torna uma testemunha.
Isso pode acontecer de duas maneiras. Você se torna uma testemunha e você estará centrado
no terceiro olho. Tente ser uma testemunha. O que quer que esteja acontecendo, tente ser uma
testemunha. Você está doente, o corpo está doendo e sofrendo, você tem miséria e sofrimento, o
que quer que seja – seja uma testemunha disso. O que quer que esteja acontecendo, não se
identifique com isso. Seja uma testemunha, um observador. Então, se o testemunhar se tornar
possível, você estará focado no terceiro olho.
E vice-versa também é o caso. Se você estiver focado no terceiro olho, você se tornará uma
testemunha. Essas duas coisas são parte de uma. Assim, a primeira coisa: por estar centrado no
terceiro olho, haverá o surgimento do eu que testemunha. Agora, você pode encontrar seus
pensamentos. Essa será a primeira coisa. A segunda coisa será que você, agora, pode sentir a
vibração sutil, delicada, da respiração. Agora, você pode sentir a forma da respiração, a
verdadeira essência da respiração.
Primeiramente, tente compreender o que se quer dizer por “a forma”, por “a essência da
respiração”. Enquanto você está respirando, você não está respirando somente o ar. A ciência diz
que você está respirando somente o ar – apenas oxigênio, hidrogênio e outros gazes na forma
combinada de ar. Eles dizem que você está respirando ar! Mas o tantra diz que o ar é apenas o
veículo, não a coisa real. Você está respirando o prana – a vitalidade. O ar é apenas o meio; o
prana é o conteúdo. Você está respirando o prana, não apenas o ar.
A ciência moderna ainda não é capaz de descobrir se existe algo como o prana, mas alguns
pesquisadores sentiram alguma coisa misteriosa. Respiração não é simplesmente ar. Isso tem
sido sentido por muitos pesquisadores modernos também. Em particular, um nome é para ser
mencionado: Wilhelm Reich, um psicólogo alemão que chamou isso de “energia orgone”. É a
mesma coisa que prana. Ele diz que enquanto você está respirando, o ar é apenas o recipiente e
existe um misterioso conteúdo que pode ser chamado orgone ou prana ou elã vital. Mas isso é
muito sutil. Na verdade, é não-material. O ar é a coisa material – o recipiente é material –, mas
alguma coisa sutil, não-material, está se movendo através dele.
Os efeitos disso podem ser sentidos. Quando você está com uma pessoa muito vital, você
sentirá uma certa vitalidade surgindo em você. Quando você está com uma pessoa muito doente,
você se sentirá sugado, como se alguma coisa fosse tirada de você. Quando você vai a um
hospital, por que você se sente tão cansado? Você está sendo sugado por todos os lados. Toda a
atmosfera do hospital está doente, e todo mundo lá precisa de mais elã vital, mais prana. Assim,
se você estiver ali, de repente, seu prana começa a fluir para fora de você. Por que, às vezes,
você se sente sufocado quando está em uma multidão? Porque seu prana está sendo sugado.
Quando você está sozinho sob o céu pela manhã, sob as árvores, de repente, você sente uma
vitalidade em você – o prana. Cada pessoa precisa de um espaço específico. Se esse espaço não
lhe é dado, seu prana é sugado.
Wilhelm Reich fez muitas experiências, mas ele foi considerado um louco. A ciência tem
suas próprias superstições e a ciência é uma coisa muito ortodoxa. A ciência não pode sentir
ainda que existe alguma coisa além do ar, mas a Índia esteve experimentando isso por séculos.
Você pode ter ouvido, ou você pode até mesmo ter visto, alguém entrando em samadhi,
consciência cósmica – samadhi subterrâneo –, por vários dias, sem a entrada de nenhum ar. Um
homem entrou em tal samadhi subterrâneo, no Egito, em 1880, por quarenta anos. Aqueles que o
haviam enterrado morreram todos, porque ele saiu de seu samadhi em 1920, quarenta anos
depois. Em 1920, ninguém acreditava que o encontraria vivo, mas ele foi encontrado vivo. Ele
viveu depois por mais dez anos. Ele tinha ficado completamente pálido, mas ele estava vivo. E
não havia a possibilidade do ar chegar até ele.
Ele foi interrogado por médicos e outras pessoas: “Qual é o segredo disso?”
Ele disse: “Nós não sabemos. Nós só sabemos disto: que o prana pode entrar e fluir em
qualquer lugar.”. O ar não pode penetrar, mas o prana pode penetrar. Uma vez que você saiba
que pode sugar o prana diretamente, sem o recipiente, então, você pode entrar em samadhi até
mesmo por séculos.
Estando focado no terceiro olho, de repente, você pode observar a verdadeira essência da
respiração – não a respiração, mas a própria essência da respiração, o prana. E se você puder
observar a essência da respiração, o prana, você está no ponto onde o salto, a ruptura, acontece.
O sutra diz: Deixe que a forma seja preenchida com a essência da respiração até o alto da
cabeça... E quando você sentir a essência da respiração, o prana, apenas imagine que a sua
cabeça está preenchida com ele – apenas imagine. Nenhuma necessidade de esforço. Eu
explicarei para você como a imaginação funciona. Quando você estiver focado no centro do
terceiro olho, imagine e a coisa acontecerá sem mais demora.
Agora, a sua imaginação é simplesmente impotente; você continua imaginando e nada
acontece. Mas algumas vezes, inconscientemente, na vida cotidiana, coisas também acontecem.
Você está pensando em seu amigo e, de repente, há uma batida na porta. Você diz que é uma
coincidência o amigo ter chegado. Algumas vezes sua imaginação funciona exatamente como
coincidência. Mas sempre que isso acontecer, tente, a partir de agora, lembrar-se e analisar toda a
coisa. Sempre que acontecer de você sentir que a sua imaginação se tornou real, vá para dentro e
observe. Em algum lugar, sua atenção deve ter estado perto do terceiro olho. Sempre que essa
coincidência acontecer, não é uma coincidência. Ela parece dessa maneira, porque você não
conhece a ciência secreta. Sua mente deve ter se movido, inconscientemente, para perto do
centro do terceiro olho. Se sua atenção está no terceiro olho, apenas a imaginação é o suficiente
para criar qualquer fenômeno.
Este sutra diz: quando você estiver focado entre as sobrancelhas e você puder sentir a
verdadeira essência da respiração, deixe que a forma seja preenchida. Agora, imagine que essa
essência está preenchendo toda a sua cabeça, principalmente o topo da cabeça, o sahasrar – o
centro psíquico superior. E no momento em que você imaginar, ele será preenchido. De lá – do
topo da cabeça –, jorre como luz. Essa essência de prana está jorrando do topo de sua cabeça
como luz. E ela começará a jorrar e sob o jorrar de luz você será refrescado, renascido,
completamente renovado. É isso o que significa renascimento interior.
Assim, duas coisas; a primeira: focando-se no terceiro olho, sua imaginação se torna potente,
poderosa. É por isso que tamanha insistência tem sido dada à purificação. Antes de fazer essas
práticas, esteja puro. Pureza não é um conceito moral no tantra, a pureza é significativa – porque,
se você estiver focado no terceiro olho e sua mente estiver impura, sua imaginação poderá se
tornar perigosa: perigosa para você, perigosa para os outros. Se você estiver pensando em matar
alguém, se essa idéia estiver em sua mente, apenas por imaginar, você pode matar o homem. É
por isso que existe tanta insistência em tornar-se puro primeiramente.
Foi dito a Pitágoras para jejuar, passando por uma respiração específica – essa respiração –
porque, aqui, a pessoa está viajando em uma terra muito perigosa. Porque sempre que existe
poder, existe perigo e, se a mente é impura, sempre que você tiver poder, seus pensamentos
impuros se apossarão dela imediatamente.
Você tem imaginado muitas vezes matar, mas a imaginação não pode funcionar, felizmente.
Se ela funcionar, se ela se realizar imediatamente, então, será perigoso – não apenas para os
outros, mas para você mesmo também, porque muitas vezes você pensou em cometer suicídio.
Se a mente está focada no terceiro olho, apenas pensar em suicídio se tornará suicídio. Você não
terá nenhum tempo para mudar, imediatamente ele acontecerá.
Você já pode ter visto alguém sendo hipnotizado. Quando alguém é hipnotizado, o
hipnotizador pode dizer qualquer coisa e, imediatamente, a pessoa hipnotizada segue. Por mais
absurda a ordem, por mais irracional ou mesmo impossível, a pessoa hipnotizada a segue. O que
está acontecendo? Esta quinta técnica é a base de toda a hipnose. Sempre que alguém está sendo
hipnotizado lhe é dito para focar seus olhos em um ponto determinado – em alguma luz, em
algum ponto na parede, ou em qualquer coisa; ou nos olhos do hipnotizador.
Quando você foca seus olhos em algum ponto determinado, dentro de três minutos, sua
atenção interior começa a fluir em direção ao terceiro olho. E, no momento em que sua atenção
interior começa a fluir em direção ao terceiro olho, sua face começa a mudar. E o hipnotizador
sabe quando a sua face começa a mudar. De repente, a sua face perde toda a vitalidade. Ela se
torna morta, como se profundamente adormecida. O hipnotizador sabe, imediatamente, quando a
sua face perdeu o brilho, a vivacidade. Isso significa que agora a sua atenção está sendo sugada
pelo centro do terceiro olho. Sua face se tornou morta; toda a energia está correndo em direção
ao centro do terceiro olho.
Agora, o hipnotizador, imediatamente, sabe que, qualquer coisa dita, acontecerá. Ele diz:
“Agora, você está caindo em sono profundo.” – você cairá imediatamente. Ele diz: “Agora, você
está se tornando inconsciente.” – você se tornará inconsciente imediatamente. Agora, qualquer
coisa pode ser feita. Se ele disser “Agora, você se tornou Napoleão.”, você se tornará. Você
começará a se comportar como um Napoleão, você começará a falar como um Napoleão. Seus
gestos mudarão. Seu inconsciente receberá a ordem e criará a realidade. Se você estiver sofrendo
de uma doença, agora, pode ser ordenado que a doença desapareça e ela desaparecerá. Ou
alguma nova doença será criada.
Apenas colocando uma simples pedra de rua em sua mão, o hipnotizador pode dizer que “isto
em sua mão é fogo”, e você sentirá intenso calor, sua mão se queimará – não somente em sua
mente, mas na realidade. Realmente, sua pele ficará queimada. Você terá uma sensação de
queimadura. O que está acontecendo? Não existe fogo, existe apenas uma pedra comum, fria.
Como? Como essa queimadura acontece? Você está focado no centro do terceiro olho, sua
imaginação está recebendo sugestões do hipnotizador e, agora, elas estão sendo realizadas. Se o
hipnotizador disser que “agora, você está morto”, você morrerá imediatamente. Seu coração irá
parar. Ele irá parar.
Isso acontece devido ao terceiro olho. No terceiro olho, imaginação e realização não são duas
coisas. A imaginação é um fato. Imagine, e assim é. Não existe intervalo entre sonho e realidade.
Não existe nenhum intervalo entre sonho e realidade! Sonhe, e isso se tornará real. É por isso
que Shankara disse que este mundo todo não é nada mais que o sonho do divino... o sonho do
divino! Isso é porque o divino está centrado no terceiro olho – sempre, eternamente. Assim, o
que quer que o divino sonhe, se torna real. Se você estiver, também, centrado no terceiro olho, o
que quer que você sonhe se tornará real.
Sariputta veio até Buda. Ele meditou profundamente, então, muitas coisas, muitas visões,
começaram a chegar, como acontece com qualquer um que vai fundo na meditação. Ele começou
a ver céus, começou a ver infernos, começou a ver anjos, deuses, demônios. E eles eram reais,
tão reais que ele veio correndo até Buda para lhe contar que tais e tais visões tinham chegado a
ele. Mas Buda disse: “Isso não é nada – apenas sonhos. Apenas sonhos!”.
Mas Sariputta disse: “Mas elas parecem tão reais. Como eu posso dizer que são sonhos?
Quando eu vejo uma flor em minha visão, ela é mais real do que qualquer flor no mundo. A
fragrância existe; eu posso tocá-la. Quando eu o vejo” – ele disse a Buda –, “eu não o vejo tão
real. Essa flor é mais real do que seu ser aqui, bem diante de mim; assim, como eu posso
diferenciar o que é real e o que é sonho?”.
Buda disse: “Agora que você está centrado no terceiro olho, sonho e realidade são uma coisa
só. O que quer que você esteja sonhando será real e vice-versa também.”.
Para quem estiver centrado no terceiro olho, os sonhos se tornarão reais e toda a realidade se
tornará apenas um sonho, porque, quando seu sonho pode se tornar real, você sabe que não existe
diferença básica entre sonho e realidade. Assim, quando Shankara diz que todo este mundo é
apenas maya, um sonho do divino, não se trata de uma proposição teórica, não se trata de uma
afirmação filosófica. Trata-se, certamente, da experiência interior de alguém que está focado no
terceiro olho.
Quando você está focado no terceiro olho, simplesmente imagine que a essência de prana
está jorrando do topo da cabeça, exatamente como se você estivesse sentado sob uma árvore e as
flores começassem a cair sobre você; ou você estivesse simplesmente sentado sob o céu e, de
repente, uma nuvem começasse a transbordar em chuva; ou você estivesse simplesmente
sentado, pela manhã, e os raios de sol começassem a jorrar. Imagine, e imediatamente existe um
jorrar – um jorrar de luz caindo do topo de sua cabeça. Esse jorro o recria, dá a você um novo
nascimento. Você renasceu.

6 Foque no intervalo, durante suas atividades diárias


A sexta técnica de respiração:

Quando em atividade cotidiana, mantenha a atenção entre as duas respirações e, assim


praticando, em alguns dias, nasça novamente.

Quando em uma atividade cotidiana, mantenha a atenção entre as duas respirações...


Esqueça as respirações – mantenha a atenção no intervalo. Uma respiração entra; antes dela
voltar, antes dela ser exalada, existe um espaço, um intervalo. Uma respiração sai; antes de ela
entrar novamente, o intervalo. Em uma atividade cotidiana, mantenha a atenção entre as duas
respirações e, assim praticando, em alguns dias, nasça novamente. Mas isso tem de ser feito
continuamente. A sexta técnica tem de ser feita continuamente. É por isso que isto é
mencionado: Quando em atividade cotidiana... O que quer que você esteja fazendo, mantenha a
sua atenção no intervalo entre as duas respirações. Mas isso tem de ser praticado quando em
atividade.
Nós discutimos uma técnica que é bem similar. Agora, existe somente esta diferença, que isso
tem de ser praticado quando em atividade cotidiana. Não a pratique isoladamente. Essa prática é
para ser feita quando você está fazendo alguma outra coisa. Você está comendo... – continue
comendo e fique atento ao intervalo. Você está caminhando... – continue caminhando e fique
atento ao intervalo. Você está indo dormir... – deite-se, deixe o sono vir, mas continue atento ao
intervalo. Por que em atividade? Porque a atividade distrai a mente, a atividade chama por sua
atenção repetidamente. Não fique distraído, fixe-se no intervalo. E não pare a atividade, deixe a
atividade continuar. Você terá duas camadas de existência – fazer e ser.
Nós temos duas camadas de existência: o mundo do fazer e o mundo do ser; a circunferência
e o centro. Continue trabalhando na periferia, na circunferência; não pare. Mas continue
trabalhando atentamente no centro também. O que acontecerá? Sua atividade se tornará uma
atuação, como se você estivesse representando uma peça.
Você está representando uma peça – por exemplo, em um drama. Você se tornou Rama, ou
você se tornou Cristo. Você continua representando como Cristo, ou como Rama e, ainda assim,
você permanece você mesmo. No centro, você sabe quem você é; na periferia você continua
representando Rama, Cristo ou qualquer um. Você sabe que não é Rama – você está
representando. Você sabe quem você é. Sua atenção está centrada em você; sua atividade
continua na circunferência.
Se esse método for praticado, toda a sua vida se tornará uma longa peça teatral. Você será um
ator representando papéis, mas, constantemente, centrado no intervalo. Se você se esquece do
intervalo, então, você não está representando papéis, você se tornou o papel. Então, isso não é
uma peça; você confundiu-a com a vida. Isso é o que nós temos feito. Cada um pensa que está
vivendo a vida. Isso não é vida, é apenas um papel – um papel que foi dado a você pela
sociedade, pelas circunstâncias, pela cultura, pela tradição, pelo país, pela situação. Você recebeu
um papel e o está representando; tornou-se identificado com ele. Para quebrar tal identificação,
existe essa técnica.
Krishna tem muitos nomes. Krishna é um dos maiores atores. Ele está constantemente
centrado em si mesmo e representando – representando muitos papéis, muitos jogos, mas
absolutamente não-sérios. A seriedade vem da identificação. Se você realmente se torna Rama na
peça, então, você está fadado a ter problemas. Esses problemas surgirão a partir de sua seriedade.
Quando Sita é roubada, você pode ter um ataque do coração e toda a peça terá de parar. Se você
realmente se torna Rama, um ataque do coração é certo... até mesmo uma parada cardíaca.
Mas você é apenas um ator. Sita é roubada, mas nada é roubado. Você voltará para a sua casa
e dormirá pacificamente. Nem mesmo em um sonho você sentirá que Sita foi roubada. Quando
Sita foi roubada realmente, o próprio Rama estava chorando, pranteando e perguntando às
árvores: “Onde foi minha Sita? Quem a roubou?”. Mas esse é o ponto a ser entendido. Se Rama
estivesse realmente chorando e perguntando às árvores, ele teria se tornado identificado. Ele já
não seria Rama; ele já não seria uma pessoa divina.
Este é o ponto a ser lembrado, pois, para Rama, sua vida real também era apenas um papel.
Você viu outros atores representando Rama, mas o próprio Rama estava exatamente
representando um papel – em um grande palco, naturalmente.
A Índia tem uma história muito bela sobre isso. Eu acho que a história é única; em nenhum
outro lugar do mundo existe uma coisa assim. Dizem que Valmiki escreveu o Ramayana antes de
Rama nascer e, então, Rama teve que seguir. Assim, realmente, o primeiro ato de Rama era
também apenas uma peça teatral. A história foi escrita antes de Rama nascer e, então, Rama teve
que seguir. Desse modo, o que ele podia fazer? Quando um homem como Valmiki escreve a
história, Rama tem que seguir. Assim, todas as coisas estavam determinadas de uma certa forma.
Sita tinha de ser roubada e a guerra tinha de ser travada.
Se você puder entender isso, então, você poderá entender a teoria do destino, bhagya –
fatalidade. Ela tem um significado muito profundo. E o significado é que, se você considera que
todas as coisas estão determinadas para você, sua vida se torna uma peça de teatro. Se você está
representando o papel de Rama na peça, você não pode mudá-lo, todas as coisas estão
determinadas, até mesmo seu diálogo. Se você disser uma coisa para Sita, estará apenas
repetindo algo que está estabelecido. Você não pode mudar nada se a vida for tomada como algo
estabelecido.
Por exemplo: você irá morrer em um dia específico – isso já está estabelecido. Quando você
estiver morrendo, você estará chorando. Mas isso já está estabelecido. E tais e tais pessoas
estarão à sua volta – isso também já está estabelecido. Se todas as coisas estão estabelecidas,
todas as coisas se transformam numa peça teatral. Se todas as coisas estão estabelecidas,
significa que você apenas as está representando. Você não está convidado a vivê-las, você está
simplesmente convidado a representá-las.
Esta técnica, a sexta técnica, é exatamente para você fazer um psicodrama – apenas uma peça
teatral. Você está focado no intervalo entre as duas respirações e a vida segue, na periferia. Se
sua atenção está no centro, então, sua atenção não está realmente na periferia – isso é
simplesmente “subatenção”; simplesmente, acontece em algum lugar perto de sua atenção. Você
pode senti-la, você pode conhecê-la, mas ela não é significativa. É como se não estivesse
acontecendo a você. Eu repetirei isto: se você praticar esta sexta técnica, toda a sua vida será
como se ela não estivesse acontecendo a você, como se ela estivesse acontecendo a outra pessoa.

7 Uma técnica para estar consciente nos sonhos

A sétima técnica de respiração:


Com a respiração intangível no centro da testa, assim que esta alcançar o coração no
momento do sono, tenha a direção sobre os sonhos e sobre a própria morte.

Cada vez mais e mais você está entrando em camadas mais profundas. Com a respiração
intangível no centro da testa... Se você conheceu o terceiro olho, então, você conhece a
respiração intangível, o prana invisível no centro da testa e então você conhece o jorrar – a
energia, a luz jorrando. ... assim que esta alcançar o coração – quando o jorrar atingir seu
coração – no momento do sono, tenha a direção sobre os sonhos e sobre a própria morte.
Tome esta técnica em três partes. Primeiro: você deve ser capaz de sentir o prana na
respiração – a parte intangível dela, a parte invisível dela, a parte imaterial dela. Isso acontece
quando você está atento ao espaço entre as duas sobrancelhas; então, acontece facilmente. Se
você está atento ao intervalo, então também, acontece, mas com um pouco menos de facilidade.
Se você está consciente do centro de seu umbigo onde a respiração chega, toca e sai, isso
também acontece, mas com menos facilidade. O modo mais fácil de se conhecer a parte invisível
da respiração é estar centrado no terceiro olho. Mas sempre que você está centrado, isso
acontece, você começa a sentir o prana fluindo para dentro.
Se você puder sentir o prana fluindo em você, você poderá saber quando você morrerá. Seis
meses antes do dia de sua morte, você começa a saber, se você puder sentir a parte invisível da
respiração. Por que tantos santos anunciam o dia de suas mortes? Isso é fácil, porque se você
pode ver o conteúdo da respiração, o prana fluindo para dentro de você, no momento em que o
processo se inverte, você pode sentir. Antes de você morrer, seis meses antes de você morrer, o
processo se inverte: o prana começa fluir para fora de você. Então, a respiração não o está
levando para dentro. Antes, ao contrário, a respiração está levando-o para fora – a mesma
respiração.
Você não pode sentir isso, porque você não conhece a parte invisível – você só conhece o
visível, você conhece apenas o veículo. O veículo será o mesmo. Agora, a respiração está
carregando o prana para dentro, deixando-o lá; então o veículo volta vazio. Então, novamente
ele é preenchido com o prana e vai para dentro. Assim, a inspiração e a expiração não são iguais,
lembre-se. A inspiração e a expiração são iguais como veículos, mas a inspiração está cheia de
prana e a expiração é vazia. Você recebeu o prana e a respiração se tornou vazia.
O contrário acontece quando você está se aproximando da morte. A inspiração se torna sem
prana, vazia, porque seu corpo não pode sugar o prana do cosmos. Você irá morrer; não existe
nenhuma necessidade dele. Todo o processo foi invertido. E quando a respiração sai, ela leva seu
prana para fora. Alguém que for capaz de ver o invisível, poderá saber o dia da sua morte
imediatamente. Seis meses antes, o processo se inverte.
Este sutra é muito, muito significativo: Com a respiração intangível no centro da testa, assim
que esta alcançar o coração no momento do sono, tenha a direção sobre os sonhos e sobre a
própria morte. Quando você está caindo no sono, esta técnica tem de ser praticada – somente
então, não em qualquer outro momento. Quando você está caindo no sono, somente então; esse é
o momento certo para se praticar esta técnica. Você está caindo no sono. Cada vez mais e mais,
mais e mais, o sono está alcançando você. Dentro de momentos, sua consciência se dissolverá;
você não estará consciente. Antes que esse momento chegue, torne-se consciente – consciente da
respiração e da sua parte invisível, o prana; e sinta-o chegando ao coração.
Continue sentindo que ele está chegando ao coração. O prana entra do seu coração para
dentro do corpo. Continue sentindo que o prana está entrando no coração e deixe o sono chegar
enquanto você está, continuamente, sentindo isso. Continue sentindo e deixe o sono vir e inundá-
lo.
Se isso acontecer – que você está sentindo o ar invisível entrando no seu coração e o sono
inundando você –, você ficará consciente nos sonhos. Você saberá que está sonhando.
Comumente nós não sabemos que estamos sonhando. Enquanto você sonha, você pensa que é
realidade. Isso também acontece por causa do terceiro olho. Você já viu alguém dormindo? Seus
olhos se movem para cima e tornam-se focados no terceiro olho. Se você não viu, então, veja.
Seu filho está dormindo... apenas abra seus olhos e veja onde seus olhos estão. Suas pupilas
subiram e estão focadas no terceiro olho. Eu digo olhe nas crianças, não olhe nos adultos – eles
não são de confiança, porque o sono deles não é profundo. Eles apenas estarão pensando que
estão dormindo. Olhe para as crianças: seus olhos se movem para cima. Elas ficam focadas no
terceiro olho.
Devido a esse foco no terceiro olho, você considera seus sonhos como reais, você não pode
sentir que eles são sonhos – eles são reais. Você saberá, quando acordar pela manhã. Então, você
saberá que “eu estava sonhando”. Mas isso é o entendimento posterior, retrospectivo. Você não
pode perceber no sonho que você está sonhando. Se você perceber isso, então, haverá duas
camadas: o sonho está presente, mas você está acordado, está consciente. Para aquele que se
torna consciente nos sonhos, este sutra é maravilhoso. Ele diz: Tenha a direção sobre os sonhos
e sobre a própria morte.
Se você puder se tornar consciente dos sonhos, você poderá fazer duas coisas. Você pode
criar os sonhos – essa é uma. Comumente, você não pode criar os sonhos. Como o homem é
impotente! Você não pode nem mesmo criar sonhos. Se você quer sonhar uma coisa específica,
você não pode sonhá-la; não está em suas mãos. Quão sem poder o homem é! Nem mesmo os
sonhos podem ser criados. Você é apenas uma vítima dos sonhos, não o criador. Um sonho
acontece para você; você não pode fazer nada. Nem você pode pará-lo, nem você pode criá-lo.
Mas se você se move para dentro do sono lembrando-se do coração sendo preenchido com o
prana, continuamente sendo tocado pelo prana com cada respiração, você se tornará um mestre
de seus sonhos – e essa é uma rara mestria. Então, você pode sonhar qualquer sonho que queira.
Apenas registre quando você estiver caindo no sono que “eu quero sonhar este sonho”, e aquele
sonho virá para você. Apenas diga, enquanto estiver caindo no sono: “eu não quero sonhar este
sonho” – e aquele sonho não poderá entrar em sua mente.
Mas qual é a utilidade de se tornar mestre de seus sonhos? Não seria isso inútil? Não, não é
inútil. Uma vez que você se torne mestre de seus sonhos, você nunca mais sonhará – seria
absurdo. Quando você é mestre de seus sonhos, o sonhar pára; não existe necessidade dele. E
quando o sonhar pára, seu sono tem uma qualidade completamente diferente e a qualidade é a
mesma da morte.
A morte é sono profundo. Se seu sono puder se tornar tão profundo quanto a morte, isso
significa que não existirá sonho. O sonhar cria superficialidade no sono. Você se move na
superfície por causa dos sonhos; por causa da fixação nos sonhos, você se move na superfície.
Quando não existe o sonhar, você simplesmente cai dentro do mar, sua profundidade é
alcançada.
A morte é semelhante. É por isso que as pessoas, na Índia, sempre estiveram falando que o
sono é uma morte de duração curta; e que a morte é um longo sono – qualitativamente eles são
iguais. O sono é uma morte do dia-a-dia. A morte é um fenômeno da vida-a-vida, um sono da
vida-a-vida. Todo dia você fica cansado. Você cai no sono e, de manhã, você ganha novamente
sua vitalidade, sua vivacidade: você renasce. Depois de uma vida de setenta ou oitenta anos, você
está completamente cansado. Agora, essas mortes de curta duração não servirão mais: você
precisa de uma grande morte. Depois desta grande morte, ou grande sono, você renascerá com
um corpo totalmente novo.
Uma vez que você conheça o sono sem sonho e possa estar consciente nele, então, não haverá
nenhum medo da morte. Ninguém jamais morreu, ninguém pode morrer – esta é a única
impossibilidade.
Exatamente ontem, eu estava lhes dizendo que a morte é a única certeza e, agora, eu lhes digo
que a morte é impossível. Ninguém jamais morreu e ninguém pode morrer – esta é a única
impossibilidade –, porque o universo é vida. Você renasce repetidas vezes, mas o sono é tão
profundo que você se esquece de sua velha identidade. Sua mente é lavada das memórias.
Pense nisso deste jeito: hoje, você está indo dormir... É exatamente como se existisse algum
mecanismo – e logo nós o teremos! –, exatamente como aquele que pode apagar uma fita
gravada, que pode limpar uma fita de tal forma que o que quer que estivesse gravado, desaparece
dali. O mesmo é possível com a memória, porque a memória é, na verdade, apenas uma gravação
profunda. Mais cedo ou mais tarde, nós teremos um mecanismo que poderá ser colocado sobre a
cabeça, e ele limpará a mente completamente. De manhã, você não será mais a mesma pessoa,
porque você não será capaz de se lembrar daquela que foi dormir. Então, seu sono parecerá uma
morte. Haverá uma descontinuidade; você não será capaz de se lembrar de quem foi dormir. Isso
está acontecendo naturalmente. Quando você morre e renasce, você não pode se lembrar de
quem morreu. Você começa novamente.
Com esta técnica, primeiro você se torna o mestre de seus sonhos – isto é, o sonhar cessará.
Ou se você quiser sonhar, você será capaz de sonhar, mas o sonhar se tornará voluntário. Ele não
será involuntário, ele não será imposto sobre você: você não será uma vítima. Então, a qualidade
de seu sono se tornará igual àquela da morte. Então, você saberá que a morte é um sono.
É por isso que o sutra diz: Tenha a direção sobre os sonhos e sobre a própria morte. Você
saberá que a morte é apenas um longo sono – e útil e belo porque ele lhe dá uma nova vida; ele
lhe dá tudo novo. A morte deixa de existir... com a cessação do sonhar, a morte deixa de existir.
Existe um outro significado para o ganho do poder sobre a morte, a direção sobre a morte. Se
você puder chegar a sentir que a morte é apenas um sono, você será capaz de dirigi-la. Se você
puder dirigir seus sonhos, você poderá dirigir sua morte também. Você poderá escolher onde
você nascerá novamente, de quem, quando, em que forma; você se tornará o mestre de seu
nascimento também.
Buda morreu... eu não estou me referindo à sua última vida, mas à penúltima, antes dele se
tornar o Buda. Antes de morrer, ele disse: “Eu nascerei de tal e tal pais: tal será minha mãe, tal
será meu pai. Mas minha mãe morrerá imediatamente... quando eu nascer minha mãe morrerá
imediatamente. Antes de eu nascer, minha mãe terá certos sonhos.”.
Não somente você ganha poder sobre seus sonhos, você ganha poder sobre os sonhos dos
outros também. Assim, Buda, como um exemplo, disse: “Haverá certos sonhos. Quando eu
estiver no útero, minha mãe terá certos sonhos. Assim, quando alguma mulher tiver esses sonhos,
nesta sequência, saibam que eu nascerei dela.”.
E aconteceu. A mãe de Buda sonhou a mesma sequência. A sequência era conhecida por toda
a Índia, porque aquela não era uma simples afirmação. Ela era conhecida por todo mundo,
principalmente por aqueles que estavam interessados em religião e coisas profundas da vida e os
modos esotéricos da vida. Ela era conhecida, assim, os sonhos foram interpretados. Freud não foi
o primeiro intérprete – e, é claro, nem o mais profundo. Somente no Ocidente ele foi o primeiro.
Assim, o pai de Buda chamou imediatamente os intérpretes de sonhos, os Freuds e Jungs
daqueles tempos e perguntou: “O que significa esta sequência? Eu estou com medo. Esses
sonhos são raros e eles continuam se repetindo na mesma sequência. São um, dois, três, quatro,
cinco, seis sonhos sendo repetidos continuamente. São os mesmos sonhos, como se alguém
estivesse vendo o mesmo filme repetidas vezes. O que está acontecendo?”.
Assim, eles lhe contaram: “Você será o pai de uma grande alma – alguém que irá ser um
buda. Mas, então, sua mulher estará em perigo, porque sempre que esse buda nasce, é difícil a
mãe sobreviver.”.
O pai perguntou: “Por quê?”. Os intérpretes disseram: “Nós não podemos dizer o por quê,
mas esta alma que irá nascer, fez uma afirmação de que, quando ela nascesse novamente, a mãe
morreria imediatamente.”.
Mais tarde, perguntaram a Buda: “Por que sua mãe morreu imediatamente?”. Ele respondeu:
“Dar nascimento a um buda é um acontecimento tão grande, que tudo o mais se torna fútil então.
Assim, a mãe não pode viver. Ela terá que nascer outra vez para começar de novo. É um tal
clímax dar nascimento a um buda, é um tal pico, que a mãe não pode existir além dele.”.
Assim, a mãe morreu. E Buda tinha dito em sua vida anterior que ele poderia nascer quando
sua mãe estivesse de pé embaixo de uma palmeira – e isso aconteceu. A mãe estava em pé,
embaixo de uma palmeira – de pé enquanto Buda nascia. E ele disse: “Eu nascerei quando minha
mãe estiver de pé, embaixo de uma palmeira e eu darei sete passos. Imediatamente, eu andarei.
Estes são os sinais que eu lhes dou” – ele disse –, “de forma que vocês saberão que um buda está
nascendo.”. E ele cumpriu todas as coisas.
E isso não vale apenas para Buda. Isso foi assim com Jesus, foi assim com Mahavira, foi
assim com muitos outros. Cada tirthankara Jaina predisse em sua vida anterior como ele iria
nascer. E eles deram sequências de sonhos específicas – que tais e tais seriam os símbolos – e
eles falaram como isso iria acontecer.
Você pode dirigir. Uma vez que você possa dirigir seus sonhos, você pode dirigir todas as
coisas, porque o sonho é a própria matéria deste mundo. Uma vez que você possa dirigir seus
sonhos, você pode dirigir tudo. Este sutra diz: sobre a própria morte. Então, a pessoa pode dar
um certo nascimento, uma certa vida para si mesma.
Nós somos apenas vítimas. Nós não sabemos por que nós nascemos, por que nós morremos.
Quem nos dirige – e por quê? Parece não haver nenhuma razão. Isso tudo parece simplesmente
um caos, simplesmente acidental. Isso é porque nós não somos mestres. Uma vez que sejamos
mestres, não será mais assim.

8 Observando o ponto de virada com devoção

A oitava técnica de respiração:

Com devoção máxima, centre-se nas duas junções da respiração e conheça o conhecedor.

Existe uma leve diferença nas técnicas – leves modificações. Mas embora as diferenças nas
técnicas sejam pequenas, elas podem parecer grandes para você. Uma simples palavra faz uma
grande diferença. Com devoção máxima, centre-se nas duas junções da respiração. A inspiração
tem uma junção de onde ela volta, a expiração tem outra junção de onde ela volta. Com esses
dois pontos de virada – e nós já discutimos esses pontos –, uma leve diferença é feita, isto é, leve
na técnica, mas, para o buscador, ela pode ser grande. Somente uma condição é adicionada: Com
devoção máxima – e toda a técnica se torna diferente.
Na primeira forma, não existia nenhuma questão de devoção, apenas uma técnica científica.
Você a faz e ela funciona. Mas existem pessoas que não podem fazer técnicas tão secas,
científicas: aquelas que são orientadas pelo coração, aquelas que pertencem ao mundo da
devoção – para estas, uma leve diferença foi feita. Com devoção máxima, centre-se nas duas
junções da respiração e conheça o conhecedor.
Se você não é de inclinação científica, de atitude científica, se você não é uma mente
científica, então, tente isto: Com devoção máxima – com fé, amor, confiança – centre-se nas
duas junções da respiração e conheça o conhecedor. Como fazer isso? Como? Você pode ter
devoção a alguém: a Krishna, a Cristo, você pode ter devoção. Mas como você pode ter devoção
a si mesmo, à essa junção da respiração? O fenômeno parece absolutamente não-devocional.
Mas isso depende...
O tantra diz que o corpo é o templo. Seu corpo é o templo do divino, a morada do divino;
assim, não trate seu corpo como um objeto. Ele é sagrado, ele é santo. E enquanto você está
fazendo uma inspiração, não é apenas você que está tomando ar, é o divino dentro de você. Você
está comendo, você está se movendo, ou caminhando... olhe para isso desta maneira: não é você,
mas o divino movendo-se em você. Então, toda a coisa se torna absolutamente devocional.
Dizem que muitos santos amam seus corpos. Eles tratam seus corpos como se seus corpos
pertencessem aos seus amados. Você pode tratar o seu corpo dessa maneira, ou você pode tratá-
lo apenas como um mecanismo – isso, novamente, é uma atitude. Você pode tratá-lo com culpa,
pecado; você pode tratá-lo como alguma coisa suja; você pode tratá-lo como alguma coisa
miraculosa, como um milagre; você pode tratá-lo como a morada do divino. Depende de você.
Se você puder tratar o seu corpo como um templo, então, essa técnica será útil: Com devoção
máxima...
Tente. Enquanto você estiver comendo, tente. Não pense que você está comendo. Pense que é
o divino em você que está comendo; e perceba a diferença. Você está comendo a mesma coisa,
você é o mesmo, mas imediatamente tudo se torna diferente. Você está dando comida ao divino.
Você está tomando um banho – uma coisa muito comum, trivial. Mas mude a atitude: sinta que
você está dando um banho no divino em você. Então, essa técnica será fácil: Com devoção
máxima, centre-se nas duas junções da respiração e conheça o conhecedor.

9 a – Deite-se como morto


b – Olhe fixo sem piscar
c – Sugue alguma coisa e torne-se o sugar

A nona técnica:

Deite-se como morto. Enraivecido em fúria, permaneça assim. Ou olhe fixo sem mexer
uma pálpebra. Ou sugue alguma coisa e torne-se o sugar.
Deite-se como morto. Tente isto: de repente você morreu. Deixe o corpo! Não o mova,
porque você está morto. Simplesmente, imagine que você está morto. Você não pode mover o
corpo, você não pode mover os olhos, você não pode chorar, você não pode berrar, você não
pode fazer nada, você está simplesmente morto. E, então, sinta qual é a impressão. Mas não se
engane. Você pode se enganar: você pode mover sutilmente o seu corpo. Não se mova. Se algum
mosquito estiver presente, então, trate o corpo como se ele estivesse morto. Essa é uma das
técnicas mais usadas.
Raman Maharshi atingiu sua iluminação através dessa técnica, mas ela não foi uma técnica
usada por ele na sua vida. Ela apareceu de repente, espontaneamente, em sua vida. Mas ele já
devia ter persistido com ela em alguma vida passada, porque nada acontece espontaneamente.
Tudo tem um elo causal, uma causalidade. De repente, uma noite, Raman sentiu – ele era jovem,
quatorze ou quinze anos na época – que iria morrer. E isso era tão certo em sua mente, que a
morte tomou conta. Ele não podia mover o seu corpo, ele sentiu como se estivesse paralisado.
Então, ele sentiu um sufocamento repentino e ele sabia que agora o coração iria parar. Ele não
podia nem mesmo gritar e dizer para alguém “eu vou morrer”.
Algumas vezes acontece em algum pesadelo – você não pode gritar, você não pode se mover.
Mesmo quando você acorda, por alguns momentos, você não pode fazer nada. Isso aconteceu.
Ele tinha absoluto poder sobre sua consciência, mas nenhum poder sobre seu corpo. Ele sabia
que estava lá, que ele estava presente, consciente, alerta, mas ele sentiu que iria morrer. E o
conhecimento se tornou tão certo que não havia outra possibilidade; então, ele simplesmente
desistiu. Ele fechou os olhos e ficou ali, apenas esperando para morrer; ficou ali, parado, até a
morte chegar.
Pouco a pouco, o corpo se tornou rígido. O corpo morreu; mas, então isso se tornou um
problema. Ele sabia que o corpo tinha morrido, mas ele estava presente e ele sabia disso. Ele
sabia que estava vivo e que o corpo tinha morrido. Então, ele voltou. De manhã, o corpo já
estava bem, mas o mesmo homem nunca retornou – porque ele tinha conhecido a morte. Ele
tinha conhecido um reino diferente, uma dimensão diferente de consciência.
Ele fugiu de casa. A experiência da morte o mudou completamente. Ele se tornou um dos
pouquíssimos iluminados de sua época.
Esta é a técnica. Ela aconteceu espontaneamente para Raman, mas ela não irá acontecer
espontaneamente para você. Mas tente. Em alguma vida, ela pode se tornar espontânea. Isso
pode até acontecer enquanto você estiver tentando. E, se não acontecer, o esforço nunca será em
vão. Ela estará em você; ela permanecerá em você como uma semente. Em algum momento,
quando o tempo for propício e as chuvas caírem, ela brotará.
Toda espontaneidade é exatamente assim. A semente foi lançada há algum tempo, mas o
tempo não era propício; não havia chuvas. Em uma outra vida, o tempo se torna propício. Você
está mais maduro, mais experiente, mais frustrado com o mundo – então, de repente, em uma
certa situação, há as chuvas e a semente explode.
Deite-se como morto. Enraivecido em fúria, permaneça assim. Naturalmente, enquanto você
estiver morrendo, não será um momento feliz. Não será muito alegre enquanto você estiver
sentindo que está morto. O medo tomará conta de você, a raiva pode tomar conta da mente, ou a
frustração, a tristeza, o sofrimento, a angústia... qualquer coisa. Será diferente de indivíduo para
indivíduo.
O sutra diz: Enraivecido em fúria, permaneça assim. Se você se sentir enraivecido,
permaneça assim. Se você se sentir triste, permaneça assim. Se você se sentir ansioso, com
medo, permaneça assim. Você está morto e não pode fazer nada; dessa forma, permaneça assim.
O que quer que esteja em sua mente, o corpo está morto e você não pode fazer nada, portanto,
permaneça assim.
Esse permanecer é belo. Se você puder permanecer por uns poucos minutos, de repente, você
sentirá que tudo mudou. Mas nós começamos a nos mexer. Se existe alguma emoção na mente, o
corpo começa a se mexer. É por isso que nós damos o nome de “emoção” – ela cria movimento
no corpo. Se você está com raiva, de repente seu corpo começa a se mover. Se você está triste,
seu corpo começa a se mover. É por isso que damos o nome de emoção, porque ela cria
movimento no corpo. Sinta a morte e não permita que as emoções movam seu corpo. Deixe-as
estarem presente, mas você permanece assim – paralisado, morto. O que quer que aconteça...
nenhum movimento. Permaneça! Nenhum movimento.
Ou olhe fixo sem mexer uma pálpebra. Esse “Ou olhe fixo sem mexer uma pálpebra” era o
método de Meher Baba. Durante anos seguidos, ele ficou simplesmente olhando fixo para o teto
de seu quarto. Durante anos seguidos, ele ficou simplesmente deitado morto no chão, olhando
fixo para o teto sem mover uma pálpebra, sem mover seus olhos. Ele podia deitar-se por horas
seguidas, simplesmente olhando fixo, não fazendo nada. Olhar fixamente é bom, porque você se
torna, novamente, fixado no terceiro olho. E uma vez que você esteja fixado no terceiro olho,
mesmo que você queira mover as pálpebras, você não pode; elas se tornaram fixas.
Meher Baba alcançou através desse olhar fixo e você diz: “Como, com esses pequenos
exercícios...!?”. Mas por três anos, ele ficou olhando fixo para o teto, sem fazer mais nada. Três
anos é um longo tempo. Faça isso por três minutos e você sentirá como você se sentiria se tivesse
ficado deitado ali por três anos. Três minutos se tornarão muito, muito longos. Parecerá como se
o tempo não estivesse passando e como se o relógio tivesse parado.
Meher Baba olhou e olhou e olhou fixamente. Paulatinamente, os pensamentos cessaram, o
movimento cessou e ele se tornou apenas uma consciência, ele se tornou apenas um olhar fixo.
Então, ele permaneceu silencioso por toda a sua vida. Ele se tornou tão silencioso internamente,
através desse olhar fixo, que se lhe tornou impossível formular palavras novamente.
Meher Baba estava nos Estados Unidos. Havia um homem que podia ler os pensamentos das
outras pessoas, que podia fazer leitura de mentes; e ele era, realmente, um dos mais raros leitores
de mente. Ele fechava os olhos, sentava à sua frente e, dentro de poucos minutos, ele ficava
afinado com você e começava a escrever o que você estivesse pensando. Milhares e milhares de
vezes, ele foi examinado e ele estava sempre certo, sempre correto. Assim, alguém o levou até
Meher Baba. Ele sentou-se lá e esse foi o único fracasso de sua vida – o único fracasso! Mas,
contudo, nós não podemos dizer que foi um fracasso. Ele tentou e tentou e ele começou a
transpirar, mas ele não pôde captar uma só palavra.
Com a caneta na mão, ele permaneceu ali e disse: “Que tipo de homem é este? Eu não posso
ler porque não existe nada para ser lido. Este homem está completamente vazio. Eu até me
esqueço de que alguém esteja sentado aí. Depois de fechar meus olhos, eu tenho que abri-los
novamente e olhar para ver se esse homem está aí, ou se ele fugiu. Assim, fica difícil me
concentrar, porque, no momento em que fecho os meus olhos, eu sinto que estou sendo enganado
– como se este homem tivesse fugido e não existisse ninguém na minha frente. Eu tenho que
abrir meus olhos novamente e verificar que este homem está aí. E ele não está pensando de
forma alguma.”. Esse olhar fixo, esse olhar fixo constante parou sua mente completamente.
Ou olhe fixo sem mexer uma pálpebra. Ou sugue alguma coisa e torne-se o sugar. Estas são
as pequenas modificações. Qualquer coisa servirá... você está morto – isso é o suficiente.
Enraivecido em fúria, permaneça assim. Até mesmo essa parte pode se tornar uma técnica.
Você está com raiva: deite-se, permaneça na raiva. Não saia dela, não faça nada, apenas
permaneça imóvel.
Krishnamurti sempre fala sobre isso. Toda a sua técnica depende desta simples coisa:
Enraivecido em fúria, permaneça assim. Se você está com raiva, então, fique com raiva e
permaneça com raiva. Não se mova. Se você puder permanecer assim, a raiva passará e você
sairá um homem diferente. Se você estiver ansioso, não faça nada. Permaneça ali. Fique ali. A
ansiedade passará; você sairá um homem diferente. E uma vez que você tenha olhado para a
ansiedade sem ser movido por ela, você será o mestre.
Ou fixe os olhos sem mexer uma pálpebra. Ou sugue alguma coisa e torne-se o sugar. Esta
última é física e fácil de fazer, porque sugar é a primeira coisa que uma criança tem que fazer.
Sugar é o primeiro ato da vida. Quando a criança nasce, ela começa a chorar. Você pode não ter
tentado entrar no mérito do por quê desse choro. Ela não está realmente chorando – parece-nos
estar chorando – ela está apenas sugando o ar. E se a criança não puder chorar, dentro de poucos
minutos ela morrerá, porque chorar é o primeiro esforço para sugar o ar. A criança não estava
respirando enquanto ela estava no útero. Ela estava viva sem respirar. Ela estava fazendo a
mesma coisa que os iogues estão fazendo enterrados. Ela estava apenas absorvendo o prana sem
respirar – puro prana, da mãe.
É por isso que o amor entre a criança e a mãe é uma coisa totalmente diferente de outros
amores, porque o prana mais puro – a energia – une as duas. Agora, isso nunca mais poderá
acontecer novamente. Existia uma relação prânica sutil. A mãe estava dando seu prana para a
criança e a criança não estava respirando, absolutamente. Quando ela nasce, ela é expelida da
mãe, para dentro de um mundo desconhecido. Agora o prana, a energia, não a atingirá tão
facilmente. Ela terá de respirar por si mesma.
O primeiro choro é um esforço para sugar, então, ela sugará o leite do seio da mãe. Estes são
os primeiros atos básicos que você fez. O que quer que você tenha feito vem depois – esses são
os primeiros atos. Eles podem ser praticados também. Esse sutra diz: Ou sugue alguma coisa e
torne-se o sugar. Sugue alguma coisa – apenas sugue o ar, mas esqueça o ar e se torne o sugar. O
que isso significa? Você está sugando alguma coisa; você é o sugador, não o sugar. Você
permanece atrás e sugando.
Este sutra diz: não permaneça atrás, mova-se no ato e torne-se o sugar. Tente qualquer coisa
que funcionará. Você está correndo – torne-se o correr, não o corredor. Torne-se o correr e
esqueça o corredor. Sinta que não existe nenhum corredor dentro, apenas o processo de correr.
Você é o processo, um processo de correr semelhante a um rio. Ninguém está lá dentro. É quieto
lá dentro e existe apenas um processo.
Sugar é bom, mas você sentirá que isso é muito difícil porque nós nos esquecemos dele
completamente – mas não tão completamente na realidade, porque nós continuamos
substituindo-o todavia. O peito da mãe é substituído por um cigarro; você continua sugando-o.
Não é nada além de um mamilo, o peito da mãe e o mamilo. E quando a fumaça morna flui para
dentro, é exatamente como leite quente.
Assim, aqueles que não puderam sugar realmente o peito da mãe tanto quanto eles queriam,
irão fumar mais tarde. É um substituto, mas o substituto funcionará. Quando você está fumando
um cigarro, torne-se o sugar. Esqueça o cigarro, esqueça aquele que está fumando; torne-se o
fumar.
Existe o objeto que você está sugando, existe o sujeito que está sugando e, entre eles, o
processo de sugar. Torne-se o sugar, torne-se o processo. Tente. Você terá que tentá-lo com
muitas coisas; então, você encontrará o que for mais conveniente para você.
Você está bebendo água, a água fria está entrando – torne-se o beber. Não beba a água.
Esqueça a água, esqueça-se de você e de sua sede, simplesmente torne-se o beber – o próprio
processo. Torne-se o frescor, o toque, a entrada e o sugar que tem que ser dado ao processo.
Por que não? O que acontecerá? Se você se tornar o sugar, o que acontecerá? Se você se
tornar o sugar, imediatamente, você se tornará inocente, como uma criança de um dia, recém-
nascida – porque esse é o primeiro processo. Você estará regredindo de uma certa maneira. Mas
o anseio estará presente. O verdadeiro ser do homem anseia pelo sugar. Ele tenta muitas coisas,
mas não adianta nada porque o principal foi perdido. A menos que você se torne o sugar, nada
ajudará. Assim, tente.
Eu dei esse método para um homem. Ele tentou muitas coisas; ele tentou muitos e muitos
métodos. Então, ele veio a mim. Assim, eu lhe perguntei: “Se eu desse a você apenas uma coisa
para escolher em todo o mundo, o que você escolheria?”. E eu lhe disse para que fechasse os
olhos imediatamente e me respondesse, sem pensar. Ele ficou temeroso, hesitante, então, eu lhe
disse: “Não tenha medo, não hesite. Seja franco e me diga.”.
Ele disse: “É absurdo, mas um seio apareceu em minha frente.”.
E então ele começou a se sentir culpado. Então, eu falei: “Não se sinta culpado. Não há nada
de errado com o seio; ele é uma das coisas mais bonitas; assim, por que se sentir culpado?”.
Mas ele respondeu: “Isso sempre foi uma obsessão para mim.”. E ele me disse: “Por favor,
primeiro, me diga. Depois, você pode prosseguir com o seu método e a técnica. Primeiro me diga
por que eu estou tão interessado em seios de mulheres? Sempre que eu olho para uma mulher, a
primeira coisa que eu vejo é o seio. O corpo todo é secundário.”.
E isso não é só com ele, isso é assim com todo mundo – com quase todo mundo. E é natural,
porque o peito da mãe foi a primeira relação com o universo. Ele é básico. O primeiro contato
com o universo foi o peito da mãe. É por isso que os seios são tão atraentes. Eles parecem belos;
eles atraem, eles têm uma força magnética. Essa força magnética vem de seu inconsciente. Essa
foi a primeira coisa com a qual você entrou em contato e o contato foi agradável, foi belo. Ele
lhe deu comida, vitalidade instantânea, amor, tudo. O contato foi suave, receptivo, convidativo.
Ele permaneceu assim na mente do homem.
Então, eu disse para aquele homem: “Agora eu vou lhe dar o método.”. E este foi o método
que eu lhe dei: sugar alguma coisa e tornar-se o sugar. Eu lhe disse: “Apenas feche seus olhos.
Imagine os seios de sua mãe, ou os seios de alguém que você goste. Imagine e comece a sugar
como se existisse um seio real. Comece a sugar.”. Ele começou a sugar. Dentro de três dias ele
estava sugando tão rápido, tão loucamente... – ele ficou tão encantado com aquilo! Ele me disse:
“Isso se tornou um problema – eu quero sugar o dia todo. E é tão belo, cria um silêncio tão
grande!”.
Dentro de três meses, o sugar tornou-se um gesto muito, muito silencioso. Os lábios pararam,
você poderia inclusive pensar que ele não estava fazendo nada. Mas o sugar interior tinha
começado. Ele estava sugando o dia todo. Isso tornou-se um mantra, um japa – uma repetição de
mantra.
Depois de três meses, ele voltou até mim e disse: “Alguma coisa estranha está acontecendo
comigo. Alguma coisa doce está caindo de minha cabeça em minha língua continuamente. E é
tão doce e é tão cheio de energia que eu não preciso mais de nenhuma comida, não existe mais
nenhuma fome. Comer se tornou apenas uma formalidade. Eu pego alguma coisa a fim de não
criar nenhum problema na família. Mas alguma coisa está continuamente chegando a mim. É tão
doce... dá vida...”.
Eu disse para ele continuar. Mais três meses e um dia ele voltou simplesmente louco,
dançando para mim; e ele disse: “O sugar desapareceu, mas eu sou um homem diferente. Eu não
sou o mesmo homem que veio até você. Alguma porta se abriu dentro de mim. Alguma coisa
quebrou-se e não sobrou nenhum desejo. Agora eu não quero nada – nem mesmo Deus, nem
mesmo moksha, liberação. Eu não quero nada. Agora, tudo está bem como é. Eu aceito e eu
estou feliz.”.
Tente. Simplesmente, sugue alguma coisa e torne-se o sugar. Isso pode ser útil para muitos,
porque é muito básico.
Chega por hoje.
Capítulo 6

RECURSOS PARA SE TRANSCENDER O SONHAR



PERGUNTAS

Como estar consciente enquanto dormindo?


Por que fazer esforço se nós somos meramente atores em um palco?

Um amigo perguntou:

Você poderia explicar-nos quais são alguns dos outros fatores que podem tornar alguém
consciente durante o sonho?

Essa é uma pergunta significativa para todos aqueles que estão interessados em meditação,
porque a meditação é, na verdade, uma transcendência do processo de sonhar. Você está
constantemente sonhando – não somente de noite, não somente enquanto você está dormindo;
você está sonhando o dia todo. Esse é o primeiro ponto a ser compreendido. Quando você está
acordado, você ainda está sonhando.
Apenas feche os seus olhos a qualquer hora do dia. Relaxe o corpo e você sentirá que o
sonhar está presente. Ele nunca desaparece. Ele está apenas oculto por suas atividades diárias.
Ele é como as estrelas durante o dia. À noite você vê as estrelas. De dia, você não as pode ver,
mas elas estão sempre presente. Elas apenas estão ocultas pela luz do sol.
Se você entrar num poço profundo, então, você poderá ver as estrelas no céu mesmo de dia.
Uma certa escuridão é necessária para se ver as estrelas. Assim, entre em um poço profundo e,
então, olhe do fundo e você será capaz de ver as estrelas de dia também. As estrelas estão aí. Não
é que de noite elas estejam aí e de dia não estejam; elas sempre estão aí. À noite, você pode vê-
las facilmente. De dia, você não as pode ver, porque a luz do sol se torna uma barreira.
O mesmo é verdade para os sonhos. Não é que você sonhe somente quando está dormindo.
No sono, você pode sentir os sonhos facilmente, porque as atividades do dia não existem; dessa
forma, essa atividade interna pode ser vista e sentida. Quando você se levanta pela manhã, o
sonhar continua internamente, enquanto você começa a agir externamente.
Esse processo de atividade, de atividade diária, simplesmente suprime o sonhar. O sonhar está
presente. Feche seus olhos, relaxe em uma poltrona e de repente você pode sentir: as estrelas
estão presentes, elas não foram a nenhum lugar. As estrelas estão sempre presentes. Existe uma
atividade contínua.
O segundo ponto... Se o sonhar continua, não se pode dizer que você esteja realmente
acordado. De noite, você está mais adormecido; de dia, você está menos adormecido. A
diferença é relativa, porque se o sonhar está presente, você não pode dizer que esteja realmente
acordado. O sonhar cria uma película sobre a consciência. Essa película se torna semelhante a
uma fumaça – você é cercado por ela. Você não pode, realmente, estar acordado enquanto estiver
sonhando, seja de dia ou seja de noite. Assim, a segunda coisa: só se pode dizer que você está
acordado quando não existe, absolutamente, nenhum sonhar.
Nós chamamos Buda de o acordado. O que é esse acordar? Esse acordar é, na verdade, a
cessação do sonhar interior – não existe nenhum sonho do lado de dentro. Você se movimenta lá
dentro, mas não existe nenhum sonho. É como se não existisse estrelas no céu; ele se tornou puro
espaço. Quando não existe nenhum sonhar, você se torna puro espaço.
Essa pureza, essa inocência, essa consciência sem sonho é o que é conhecido como
iluminação – o acordar.
Durante séculos, a espiritualidade de todo o mundo – quer no Oriente quer no Ocidente –, tem
dito que o homem está adormecido. Jesus diz isto, Buda diz isto, os Upanishades falam sobre
isto: o homem está adormecido. Assim, quando você está dormindo à noite, você está apenas
relativamente mais adormecido; de dia, você está menos adormecido. Mas a espiritualidade diz
que o homem está dormindo. Isso tem de ser compreendido.
Qual é o significado disso? Gurdjieff, neste século, enfatizou esse fato do homem estar
adormecido. “Na verdade” – ele diz – “o homem é um tipo de sono. Todo mundo está
profundamente adormecido.”.
Qual é a razão para se dizer isso? Você não pode saber, você não pode lembrar-se de quem é
você. Você sabe quem você é? Se você encontrar uma pessoa na rua e perguntar-lhe quem ela é e
ela não puder responder, o que você pensará? Você pensará que ela está louca, drogada, ou
simplesmente adormecida. Se ela não pode responder quem ela é, o que você irá pensar dela? No
caminho espiritual todo mundo está assim. Você não pode responder quem é você.
Esse é o primeiro significado quando Gurdjieff – ou Jesus, ou qualquer um – diz que o
homem está adormecido; você não está consciente de si mesmo. Você não conhece a si mesmo;
você nunca encontrou a si mesmo. Você conhece muitas coisas no mundo objetivo, mas você
não conhece o sujeito. Seu estado mental é parecido com aquele de quem vai ver um filme. Na
tela, o filme está passando e você se tornou tão absorvido nele que a única coisa que você
conhece é o filme, a história, o que quer que esteja aparecendo na tela. Então, se alguém
perguntar-lhe quem você é, você não poderá dizer nada.
O sonhar é exatamente o filme – exatamente o filme! É a mente refletindo o mundo. No
espelho da mente, o mundo é refletido; é isso o que é o sonhar. E você está tão profundamente
envolvido nele, tão identificado com ele, que você se esqueceu completamente de quem é você.
É isto o que significa estar adormecido: o sonhador está perdido no sonho. Você vê todas as
coisas, exceto a si mesmo; você sente todas as coisas, exceto a si mesmo; você conhece todas as
coisas, exceto a si mesmo. Essa ignorância de si é o sono. A menos que o sonhar cesse
completamente, você não poderá acordar para si mesmo.
Você pode ter sentido isso algumas vezes ao assistir um filme por três horas e, de repente, o
filme acaba e você volta a si mesmo. Você se lembra de que três horas se passaram, você se
lembra de que era apenas um filme. Você sente as suas lágrimas... – você esteve chorando,
porque o filme era uma tragédia para você; ou você esteve rindo, ou esteve fazendo alguma outra
coisa e, agora então, você está rindo de si mesmo. Que tolice você estava fazendo! Era apenas
um filme, apenas uma história. Não havia nada na tela – apenas um jogo de luz e sombra, apenas
um jogo elétrico. Agora você ri; você voltou a si mesmo. Mas onde estava você naquelas três
horas?
Você não era o seu centro. Você moveu-se completamente para a periferia. Você tinha ido
para onde o filme estava se passando. Você não estava em seu centro, você não estava dentro de
si mesmo. Você estava em algum outro lugar.
Isso acontece no sonhar; é isso o que a nossa vida é. O filme dura apenas três horas, mas esse
sonhar está rodando há vidas e vidas e vidas. Mesmo que, de repente, o sonhar cesse, você não
será capaz de reconhecer quem é você. De repente, você se sentirá muito abatido, temeroso até.
Você tentará se mover de novo para o filme, porque ele é conhecido. Você está familiarizado
com ele, você está bem ajustado a ele.
Há um caminho, para o momento em que a cessação do sonhar acontece, especialmente no
zen, que é conhecido como o caminho da iluminação repentina. Há técnicas dentre esses cento e
doze métodos, há muitas técnicas que podem dar-lhe o despertar repentino. Mas isso pode ser
demasiado e você pode não ser capaz de suportá-lo. Você pode simplesmente explodir. Você
pode até mesmo morrer, porque você viveu com o sonhar durante tanto tempo, que você não tem
memória de quem é você se não houver o sonhar.
Se todo este mundo pudesse de repente desaparecer e você fosse deixado sozinho, seria um
choque tão grande, que você morreria. O mesmo aconteceria se, de repente, todo o sonhar
desaparecesse da consciência. Todo o seu mundo desapareceria, porque seu mundo era sonho
seu.
Nós não estamos realmente no mundo. Ou melhor: “o mundo” consiste não em coisas fora de
nós, mas, sim, em nossos sonhos. Assim, cada um vive em seu próprio mundo de sonhos.
Lembre-se: não se trata do mundo do qual vivemos falando. Geograficamente, esse mundo
existe, mas, psicologicamente, há tantos mundos quantas são as mentes. Cada mente é um mundo
à parte. E se seu sonhar desaparecer, todo o seu mundo desaparecerá. Sem sonhos fica difícil de
você viver. É por isso que os métodos repentinos não são usados comumente, apenas os métodos
graduais são usados.
É bom notar isto: métodos graduais são usados não porque exista alguma necessidade de
processos graduais. Você pode saltar, de repente, para dentro da percepção neste exato momento.
Não há barreiras, nunca houve nenhuma barreira. Você já é tal percepção, você pode saltar neste
exato momento. Mas isso pode vir a ser perigoso, fatal. Você pode não ser capaz de suportá-lo.
Será demais para você.
Você está sintonizado apenas a falsos sonhos. Na verdade, você não pode encarar a realidade,
você não pode encontrar-se com ela. Você é uma planta de estufa – você vive em seus sonhos.
Eles o ajudam de várias maneiras. Eles não são apenas sonhos: para você, eles são a realidade.
Os métodos graduais são usados não porque a percepção necessite de tempo. A percepção não
precisa de tempo! A percepção não precisa de tempo absolutamente. A percepção não é uma
coisa para ser atingida no futuro, mas, com métodos graduais, você a atingirá no futuro. Então, o
que os métodos graduais estão fazendo? Eles não estão, realmente, ajudando-o a “efetivar a
percepção”: eles estão ajudando-o a suportá-la. Eles estão tornando-o capaz, forte, de forma que,
quando o acontecimento acontecer, você poderá suportá-lo.
Há sete métodos através dos quais, imediatamente, você pode forçar seu caminho para a
iluminação. Mas você não será capaz de suportá-la. Você pode ficar cego – muita luz. Ou você
pode de repente morrer – muito êxtase.
Esse sonhar, esse sono profundo em que estamos, como pode ele ser transcendido? Essa
pergunta é significativa para a transcendência: Você poderia explicar-nos quais são alguns dos
outros fatores que podem tornar alguém consciente durante o sonho?
Eu falarei sobre mais dois métodos. Um, nós discutimos ontem. Hoje, mais dois que são, até
mesmo, mais fáceis.
Um deles é começar a representar, comportar-se como se todo o mundo fosse simplesmente
um sonho. O que quer que você esteja fazendo, lembre-se de que isso é um sonho. Enquanto
estiver comendo, lembre-se de que isso é um sonho. Enquanto estiver caminhando, lembre-se de
que isso é um sonho. Deixe a sua mente continuamente lembrar-se, enquanto você estiver
acordado, de que tudo é um sonho. Essa é a razão de chamarem o mundo de maya, ilusão, sonho.
Isso não é um argumento filosófico. Infelizmente, quando Shankara foi traduzido para o
inglês, o alemão e o francês, para as línguas ocidentais, ele foi entendido como sendo apenas um
filósofo. Isso criou vários mal-entendidos. No Ocidente, há filósofos – por exemplo Berkeley -
que dizem que o mundo é apenas um sonho, uma projeção da mente. Mas isso é uma teoria
filosófica. Berkeley a propôs como uma hipótese.
Quando Shankara diz que o mundo é um sonho, isso não é filosófico, não é uma teoria.
Shankara propôs isso como uma ajuda, como um apoio para uma certa meditação. E essa é a
meditação: se você quer se lembrar, enquanto estiver sonhando, de que “isto é um sonho”, você
terá de começar enquanto você estiver acordado. Normalmente, enquanto você está sonhando,
você não pode lembrar-se de que aquilo é um sonho: você pensa que aquilo é uma realidade.
Por que você pensa que aquilo é uma realidade? Porque durante todo o dia você esteve
pensando que tudo é uma realidade. Isso se tornou uma atitude, uma atitude fixa. Enquanto
acordado, você estava tomando um banho – isso era real. Enquanto acordado você estava
comendo – isso era real. Enquanto acordado você estava falando com um amigo – isso era real.
Durante todo o dia, a vida inteira, sempre que você está pensando, sua atitude é de que “isso é
real”. Isso se torna fixo. Isso se torna uma atitude fixa na mente.
Assim, quando você está dormindo à noite, a mesma atitude continua funcionando, a de que
“isto é real”. Assim, deixe-nos analisar primeiro. Deve haver alguma similaridade entre o sonhar
e a realidade; caso contrário, essa atitude poderia ser um tanto difícil.
Eu o estou vendo. Então, eu fecho meus olhos e entro num sonho e o vejo no meu sonho. Em
ambas as visões, não há diferenças. Quando eu realmente o estou vendo, o que eu estou fazendo?
Sua imagem é refletida em meus olhos. Eu não estou vendo você. Sua imagem é refletida em
meus olhos e, então, essa imagem é transformada através de processos misteriosos – e a ciência
ainda não está em uma posição de dizer como. Essa imagem é transformada quimicamente e
carregada para algum lugar dentro da cabeça, mas a ciência ainda não é capaz de dizer onde –
onde exatamente essa coisa acontece. Ela não está acontecendo nos olhos; os olhos são apenas
janelas. Eu não o estou vendo com os olhos, eu o estou vendo através dos olhos.
Nos olhos, você é refletido. Você pode ser apenas uma imagem, você pode ser uma realidade,
você pode ser um sonho. Lembre-se: os sonhos são tridimensionais. Eu posso reconhecer uma
imagem, porque uma imagem é bidimensional. Os sonhos são tridimensionais, assim, eles se
parecem exatamente com você. E os olhos não podem dizer se tudo o que é visto é real, ou irreal.
Não existe meio de julgar; os olhos não são o juiz.
Então, a imagem é transformada em mensagens químicas. Essas mensagens químicas são
como ondas elétricas; elas vão para algum lugar na cabeça. É ainda desconhecido onde é o ponto
em que os olhos entram em contato com a superfície da visão. Apenas ondas chegam até mim e,
então, elas são decodificadas. Então, eu, novamente, decodifico-as e, dessa maneira, eu sei o que
está acontecendo.
Eu estou sempre do lado de dentro e você está sempre do lado de fora e não existe encontro.
Assim, se você é real, ou apenas um sonho, é um problema. Mesmo nesse exato momento, não
há meios de eu julgar se eu estou sonhando, ou se você está realmente aqui. Aqui, me ouvindo,
como você pode dizer que realmente você está me ouvindo, que você não está sonhando? Não
existe jeito. É por isso que a atitude que você mantém o dia todo é levada para a noite. E quando
você está sonhando, você toma o sonho como real.
Tente o oposto – que é o que Shankara diz. Ele diz que o mundo inteiro é uma ilusão, ele diz
que o mundo inteiro é um sonho – lembre-se disso. Mas nós somos pessoas estúpidas. Se
Shankara diz “Isso é um sonho”, então, nós dizemos: “Qual é a necessidade de se fazer qualquer
coisa? Se isto é apenas um sonho, então, não existe nenhuma necessidade de comer. Por que
continuar comendo e pensando que isso é um sonho? Não coma!”. Mas então lembre-se, quando
você sentir fome, de que é um sonho. Ou coma e, quando você sentir que comeu demais, lembre-
se de que é um sonho.
Shankara não está dizendo para você mudar o sonho, lembre-se, porque o esforço para mudar
o sonho estará, de novo falsamente, baseado na crença de que ele é real; por isso, não existe
necessidade de mudar nada. Shankara está apenas dizendo que qualquer que seja o caso é um
sonho.
Lembre-se disto: não faça nada para mudá-lo, apenas lembre-se disso constantemente. Tente
lembrar por três semanas continuamente de que, o quer que você esteja fazendo, é apenas um
sonho. No começo é muito difícil. Você cairá repetidamente no velho padrão da mente, você
começará pensando que aquilo é uma realidade. Você terá que, constantemente, acordar a si
mesmo para lembrar-se de que “isso é um sonho”. Se por três semanas continuamente você
puder manter essa atitude, então, na quarta ou quinta semana, qualquer noite, enquanto estiver
dormindo, você de repente lembrará que “isso é um sonho”.
Esse é um jeito de penetrar os sonhos com consciência, com atenção. Se você puder lembrar à
noite enquanto estiver dormindo que “isso é um sonho”, então, de dia, você não precisará de
nenhum esforço para se lembrar de que “isso é um sonho”. Você saberá disso então.
No começo, quando você estiver praticando-o, será apenas um faz-de-conta. Você começa
apenas com fé... “Isto é um sonho.” Mas, quando você puder se lembrar no sonho de que ele é
um sonho, isso se tornará uma realidade. Então, de dia, quando você se levantar, você não sentirá
que está se levantando do sono, você sentirá que está simplesmente se levantando de um sonho
para outro. Então, isso se tornará uma realidade. E se todas as vinte e quatro horas se tornarem
um sonho e você puder sentir e lembrar-se disso, você estará apoiado em seu centro. Então, sua
consciência terá se tornado uma flecha de duas pontas.
Você está sentindo os sonhos e se você os está sentindo como sonhos, você começará a sentir
o sonhador – o sujeito. Se você toma os sonhos como coisa real, você não pode sentir o sujeito.
Se o filme se tornou real, você esqueceu-se de si mesmo. Quando o filme cessa e você sabe que
ele era irreal, sua realidade irrompe, se precipita; você pode sentir a si mesmo. Essa é uma
maneira.
Esse tem sido um dos mais antigos métodos indianos. É por isso que nós insistimos no mundo
como sendo irreal. Nós não estamos dizendo isso filosoficamente; nós não dizemos que esta casa
é irreal de forma que você possa passar através das paredes. Não é isso o que queremos dizer!
Quando nós dizemos que esta casa é irreal, isso é um artifício. Isso não é um argumento contra a
casa. Assim, Berkeley propôs que o mundo todo é apenas um sonho. Um dia, pela manhã, ele
estava caminhando com o Dr. Johnson. Dr. Johnson era um realista ferrenho. Então, Berkeley
disse: “Você ouviu falar de minha teoria? Eu estou trabalhando nela. Eu sinto que o mundo todo
é irreal e não pode ser provado que ele seja real. E o peso da prova está com aqueles que dizem
que ele é real. Eu digo que ele é irreal – exatamente como os sonhos.”.
Johnson não era um filósofo, mas ele tinha uma mente lógica muito astuta. Eles estavam na
rua, simplesmente caminhado pela manhã em uma rua solitária. Johnson então pegou uma pedra
em sua mão e bateu na perna de Berkeley. O sangue jorrou e Berkeley gritou. Johnson disse:
“Por que você está gritando se a pedra é apenas um sonho? O que quer que você diga, você
acredita na realidade da pedra. O que você está dizendo é uma coisa e o seu comportamento é
algo diferente e contrário. Se sua casa é apenas um sonho, então, para onde nós estamos
voltando? Para onde você está voltando depois da caminhada matutina? Se sua mulher é apenas
um sonho, você não irá encontrá-la novamente.”.
Os realistas sempre argumentaram dessa forma, mas eles não podem argumentar dessa
maneira com Shankara, porque, no caso dele, não se trata de uma teoria filosófica. Não se está
dizendo nada sobre a realidade; não se está propondo nada sobre o universo. Ao contrário, trata-
se de um artifício para mudar sua mente, para mudar a atitude fixa básica, de maneira que você
possa olhar para o mundo de uma forma diferente, de uma forma totalmente diferente.
Isso é um problema, um problema contínuo para o pensamento indiano – porque, para o
pensamento indiano, tudo é apenas um recurso para a meditação. Nós não estamos interessados
em saber se é verdadeiro, ou falso. Nós estamos interessados em sua utilidade na transformação
do homem.
Isso é enfaticamente diferente da mente ocidental. Quando eles propõem uma teoria, eles
estão interessados em saber se aquilo é verdadeiro ou falso, se aquilo pode ser provado
logicamente, ou não. Quando nós propomos alguma coisa, nós não estamos interessados em sua
verdade; nós estamos interessados em sua utilidade, nós estamos interessados em sua capacidade,
em sua capacidade para transformar a mente humana. Pode ser verdade, pode não ser verdade.
Realmente, não é nenhum dos dois – é simplesmente um recurso.
Eu vi flores lá fora. De manhã, o sol surge e tudo fica verdadeiramente lindo. Você nunca
esteve do lado de fora e nunca viu flores e nunca viu o sol da manhã. Você nunca viu o céu
aberto; não sabe o que é a beleza. Você vive numa prisão fechada. Eu quero levá-lo para fora. Eu
quero que você saia sob o céu aberto para encontrar essas flores. Como eu posso fazer isso?
Você não conhece as flores. Se eu falo a respeito das flores, você pensa: “Ele ficou louco.
Não há flores.”. Se eu falo a respeito do sol da manhã, você pensa: “Ele é um visionário. Ele tem
visões e sonhos. Ele é um poeta.”. Se eu falar a respeito do céu aberto, você rirá. Você começará
a rir: “Onde está o céu aberto? Só há paredes e paredes e paredes...”.
Assim, o que eu posso fazer? Eu tenho que tramar alguma coisa para que você possa
entender, e que o ajude a sair; então, eu digo que a casa está pegando fogo e começo a correr.
Isso se torna infeccioso: você corre atrás de mim e sai. Então, você saberá que o que eu disse não
era nem verdadeiro, nem falso. Era apenas um artifício. Então, você conhecerá as flores e então
você poderá me perdoar.
Buda esteve fazendo isso, Mahavira esteve fazendo isso, Shiva esteve fazendo isso, Shankara
esteve fazendo isso. Nós podemos perdoá-los depois. Nós sempre os perdoamos, porque uma vez
que nós saiamos, nós passamos a saber o que eles estavam fazendo. E, então, entendemos que
seria inútil contra-argumentar com eles, porque não era uma questão de argumentação. O fogo
não estava em nenhum lugar, mas nós não podíamos entender tal linguagem. As flores existiam,
mas nós não podíamos entender a linguagem das flores, esses símbolos eram sem sentido para
nós.
Assim, esse é um modo. Então, há um segundo método no outro pólo. Este método cria um
pólo; o outro método cria um outro pólo da mesma coisa. Um método é para se começar a sentir,
lembrar que tudo é um sonho. O outro não é para se pensar em nada sobre o mundo, mas
simplesmente para continuar se lembrando de que você é.
Gurdjieff usou esse segundo método. Esse segundo método vem da tradição súfi, do Islã. Eles
trabalharam muito profundamente com ele. Lembre-se: “eu sou” – no que quer que você esteja
fazendo. Você está tomando água, você está comendo a sua comida – lembre-se: “eu sou”.
Continue comendo e continue lembrando: “eu sou, eu sou...”. Não se esqueça disso! É difícil
porque você já pensa que você sabe que você é; assim, qual a necessidade de continuar
lembrando-se disso? Você nunca se lembra disso, mas essa é uma técnica muito, muito potente.
Quando estiver caminhando, lembre-se: “eu sou”. Deixe o caminhar acontecer, continue
caminhando, mas esteja constantemente fixado nesta lembrança-de-si: “eu sou, eu sou, eu sou”.
Não se esqueça disso. Você está me ouvindo – faça isso aqui. Você está me ouvindo. Não fique
tão imerso, envolvido, identificado. O que quer que eu esteja dizendo, lembre-se, continue
lembrando-se. O ouvir está acontecendo, as palavras estão presentes, alguém está falando; você
está “eu sou, eu sou, eu sou”. Deixe esse “eu sou” ser um fator contínuo de consciência.
Isso é muito difícil. Você não poderá se lembrar continuamente, nem mesmo durante um
simples minuto. Faça a tentativa. Ponha seu relógio em frente de seus olhos e olhe os ponteiros
se movendo. Um segundo, dois segundos, três segundos... continue olhando para ele. Faça duas
coisas: olhe para o movimento do ponteiro que está mostrando os segundos e se lembre,
continuamente: “eu sou, eu sou”. A cada segundo, continue se lembrando: “eu sou”. Dentro de
cinco ou seis segundos você sentirá que se esqueceu. De repente, você se lembrará de que
“muitos segundos se passaram e eu não me lembrei de ‘eu sou’.”.
Mesmo lembrar-se durante um minuto completo é um milagre. E se você puder lembrar-se
durante um minuto, a técnica é para você. Então, faça-a. Através dela você será capaz de ir além
dos sonhos e de saber que os sonhos são sonhos.
Como ela funciona? Se o dia inteiro você puder se lembrar de “eu sou”, então, isso penetrará
o seu sono também. E quando você estiver sonhando, você se lembrará continuamente: “eu sou”.
Se você puder lembrar-se de “eu sou” no sonho, de repente, o sonho se tornará apenas um sonho.
Então, o sonho não poderá enganá-lo, então, o sonho não poderá ser sentido como realidade. Este
é o mecanismo: o sonho é sentido como realidade, porque você está se esquecendo da
lembrança-de-si; você está se esquecendo de “eu sou”. Se não existir nenhuma lembrança de si
mesmo, então, o sonho se torna realidade. Se existe a lembrança de si mesmo, então, a realidade,
a assim chamada realidade, torna-se apenas um sonho.
Essa é a diferença entre sonho e realidade. Para a mente meditativa, ou para a ciência da
meditação, essa é a única diferença. Se você é, então, toda a realidade é apenas um sonho. Se
você não é, então, o sonhar se torna realidade.
Nagarjuna diz: “Agora eu sou, pois o mundo não é. Quando eu não era, o mundo era.
Somente um pode existir.”. Isso não significa que o mundo desapareceu. Nagarjuna não está
falando sobre este mundo, ele está falando sobre o mundo dos sonhos. Ou existe você ou existem
os sonhos – ambos não podem existir ao mesmo tempo.
Assim, o primeiro passo será continuar lembrando-se de “eu sou” constantemente;
simplesmente “eu sou”. Não diga “Rama”, não diga “Shyam”. Não use nenhum nome, porque
você não é isso. Simplesmente use “eu sou”.
Tente isso em qualquer atividade e, então, sinta. Quanto mais real você se tornar
internamente, mais irreal se tornará o mundo circundante. A realidade se torna “eu”, e o mundo
se torna irreal. Ou o mundo é real, ou o “eu” é real – ambos não podem ser reais. Você está
sentindo que é apenas um sonho agora; então, o mundo é real. Mude a ênfase. Torne-se real e o
mundo se tornará irreal.
Gurdjieff trabalhou com esse método continuamente. Seu principal discípulo, P. D.
Ouspensky, relata que, quando Gurdjieff esteve trabalhando nele com esse método – e ele ficou
praticando por três meses continuamente esse lembrar-se de “eu sou, eu sou, eu sou” –, depois de
três meses tudo parou. Pensamentos, sonhos, tudo parou. Apenas um som permaneceu por
dentro, como música eterna: “eu sou, eu sou, eu sou, eu sou”. Mas então, isso não era um
esforço. Isso era uma atividade espontânea acontecendo: “eu sou”. Então, Gurdjieff chamou
Ouspensky para fora da casa. Durante três meses, ele tinha sido mantido dentro da casa sem
permissão para sair.
Então, Gurdjieff disse: “Venha comigo.”. Eles estavam morando em uma cidade russa, Tiflis.
Gurdjieff chamou-o para fora e eles foram para a rua. Ouspensky escreve em seu diário: “Pela
primeira vez eu pude entender o que Jesus queria dizer quando disse que o homem está
dormindo. Toda a cidade pareceu-me como se estivesse dormindo. As pessoas estavam se
movendo em seu sono, os comerciantes estavam vendendo em seu sono, os clientes estavam
comprando em seu sono. Toda a cidade estava adormecida. Eu olhei para Gurdjieff: somente ele
estava acordado. Toda a cidade estava adormecida. Eles estavam com raiva, eles estavam
brigando, eles estavam amando, comprando, vendendo, fazendo de tudo.”.
Ouspensky disse: “Agora eu posso ver suas faces, seus olhos: eles estavam adormecidos. Eles
não estavam presentes. O centro interior estava esquecido, não estava presente.”. Ouspensky
disse para Gurdjieff: “Eu não quero ir lá nunca mais. O que aconteceu à cidade? Todo mundo
parece adormecido, drogado.”.
Gurdjieff disse: “Nada aconteceu à cidade, alguma coisa aconteceu a você. Você foi
desintoxicado; a cidade é a mesma. É o mesmo lugar por onde você andou três meses atrás, mas
você não podia ver que as outras pessoas estavam adormecidas, porque você também estava
adormecido. Agora você pode ver, porque uma certa qualidade de consciência chegou a você.
Três meses praticando “eu sou” continuamente, você se tornou consciente em um curto espaço
de tempo. Você se tornou consciente! Uma parte de sua consciência foi além do sonhar. É por
isso que você pode ver que todo mundo está adormecido, morto, movendo-se como que
drogados, como que hipnotizados.”.
Ouspensky disse: “Eu não posso suportar esse fenômeno... – todo mundo dormindo! O que
quer que estejam fazendo, eles não são responsáveis por isso. Eles não existem! Como eles
podem ser responsáveis?”. Ele voltou e perguntou a Gurdjieff: “O que é isso? Eu estou enganado
de algum modo? Você fez alguma coisa comigo para que toda a cidade pareça adormecida? Eu
não posso acreditar em meus próprios olhos.”.
Mas isso acontecerá a qualquer um. Se você puder lembrar-se de si mesmo, então, você
saberá que ninguém está lembrando-se de si mesmo e que cada um continua se movendo nesse
estado. O mundo todo está adormecido. Mas comece quando você estiver acordado. A qualquer
momento que você se lembrar, comece: “eu sou”.
Eu não quero dizer que você tenha que repetir as palavras “eu sou”, ao contrário: tenha a
sensação. Tomando um banho, sinta “eu sou”. Deixe existir o toque do chuveiro frio e permita-se
estar por trás, sentido-o e lembrando-se: “eu sou”. Lembre-se: eu não estou dizendo que,
verbalmente, você tenha que repetir “eu sou”. Você pode repetir, mas essa repetição não lhe dará
consciência. A repetição pode inclusive criar mais sono. Há muitas pessoas que estão repetindo
muitas coisas. Elas vão repetindo “Rama, Rama, Rama...” e, se elas estão apenas repetindo sem
consciência, então, esse “Rama, Rama, Rama...” se torna uma droga. Elas podem dormir bem
através disso.
É por isso que Mahesh Yogi exerce tanta atração no Ocidente, porque ele está dando mantras
para as pessoas repetirem. E, no Ocidente, o sono se tornou um dos mais sérios problemas. O
sono está totalmente perturbado. O sono natural desapareceu. Somente através de tranquilizantes
e drogas você pode dormir; sem isso, dormir tornou-se impossível. Essa é a razão da atração de
Mahesh Yogi. É porque se você está constantemente repetindo alguma coisa, essa repetição lhe
dá um sono profundo; isso é tudo.
Dessa forma, a assim chamada meditação transcendental não é nada além de um
tranquilizante psicológico. Ela não é nada – apenas tranquilizante. Ela ajuda, mas é boa para o
sono, não para a meditação. Você pode dormir bem, haverá um sono mais calmo. Ela é boa, mas
não é meditação de maneira alguma. Se você repete uma palavra continuamente, cria-se um certo
tédio e o tédio é bom para dormir.
Assim, qualquer coisa monótona, repetitiva, pode ajudar o sono. A criança no útero materno
dorme por nove meses sem parar, e a razão disso você pode não saber. A razão é somente o
“tique-taque, tique-taque” do coração da mãe. A batida está sempre presente, a batida do
coração. É uma das coisas mais monótonas do mundo. Com a mesma batida repetindo-se sem
parar, a criança fica drogada. Ela dorme sem parar.
É por isso que, sempre que uma criança está chorando, gritando, criando algum problema, a
mãe coloca a cabeça da criança perto do seu coração. Então, de repente, ela se sente bem e entra
no sono. Novamente isso acontece devido à batida do coração. Ela se torna novamente uma parte
do útero. É por isso que até mesmo você, já não sendo uma criança, se sua mulher, sua amada,
colocar sua cabeça sobre o coração dela, você se sentirá sonolento com a batida monótona.
Psicólogos sugerem que se você não puder dormir, então, concentre-se no relógio. Apenas
concentre-se no tique-taque, tique-taque do relógio. Ele repete a batida do coração e você pode
cair no sono. Qualquer coisa repetitiva servirá.
Assim, esse “eu sou”, o lembrar-se do “eu sou”, não é um mantra verbal. Ele não é para ser
repetido verbalmente – sinta-o! Fique sensível para o seu ser. Quando você tocar a mão de
alguém, não toque apenas a mão dele, sinta o seu próprio toque também, sinta a si mesmo
também – que você está aqui neste toque, presente totalmente. Enquanto comendo, não apenas
coma, sinta a si mesmo comendo também. Essa sensação, essa sensibilidade deve penetrar cada
vez mais e mais fundo em sua mente.
Um dia, de repente, você está consciente de seu centro, funcionando pela primeira vez. E,
então, todo o mundo se torna um sonho, então, você pode saber que seu sonho é um sonho. E
quando você sabe que seu sonho é um sonho, o sonhar pára. Ele pode continuar somente se for
sentido como real. Ele pára se for sentido como irreal.
E uma vez que o sonho pare em você, você é um homem diferente. O velho homem está
morto; o homem adormecido está morto. O ser humano que você era, você não é mais. Pela
primeira vez, você se torna consciente; pela primeira vez, no meio de todo mundo que está
adormecido, você está consciente. Você se torna um buda, um acordado.
Com esse acordar, não existe miséria; depois desse acordar, não existe morte; através desse
acordar, não mais existe medo. Você se torna, pela primeira vez, livre de todas as coisas. Estar
livre do sono, estar livre do sonhar, é estar livre de todas as coisas. Você atinge a liberdade.
Ódio, raiva, avareza desaparecem. Você se torna apenas amor. Não amoroso, você se torna
simplesmente amor!

Uma pergunta mais – e ela é relativamente a mesma:

Se nós todos somos atores em uma peça que já está escrita, como pode a meditação nos
transformar sem que a própria peça contenha um capítulo para a nossa transformação, em
um momento específico? E se um tal capítulo já está presente esperando para se revelar em
seu devido tempo, por que meditar? Por que fazer qualquer esforço?

Isso é a mesma coisa; contém a mesma falácia. Eu não estou dizendo que todas as coisas são
determinadas. Eu não estou propondo isso como uma teoria para explicar o universo. Isso é um
artifício.
A Índia sempre esteve trabalhando com esse artifício do destino. Não significa com isso que
todas as coisas sejam predeterminadas. Esse não é o significado, absolutamente! A única razão
para se propor isso é que, se você aceita que todas as coisas estão determinadas, tudo se torna um
sonho. Se você considera as coisas desse jeito, se você acredita dessa maneira – que tudo está
predeterminado; que, por exemplo, você irá morrer em um dia determinado – tudo se torna um
sonho. Não é determinado, não é estabelecido! Ninguém está tão interessado assim em você. O
universo está completamente inconsciente de você e de quando você irá morrer. Isso é uma coisa
tão inútil. Sua morte é irrelevante para o universo.
Não se considere tão importante de forma que todo o universo esteja determinando seu dia de
morrer – a hora, o minuto, o momento... – não! Você não é o centro. Não faz nenhuma diferença
para o universo se você existe, ou se você não existe. Mas essa falácia continua funcionando na
mente. Ela é criada na infância e se torna parte do inconsciente.
Uma criança nasce. Ela não pode dar nada ao mundo, mas ela tem que fazer muitas coisas.
Ela não pode retribuir, ela não pode dar de volta nada. Ela é tão impotente – simplesmente
desamparada. Ela precisará de comida, ela precisará de amor, ela precisará de abrigo, ela
precisará de calor. Tudo tem que ser suprido.
Uma criança nasce absolutamente desamparada – principalmente a criança do homem.
Nenhum animal é tão desamparado. É por isso que nenhum animal cria uma família – não há
necessidade. Mas a criança do homem é tão desamparada, tão absolutamente desamparada, que
ela não pode existir sem haver uma mãe para protegê-la, um pai, uma família, uma sociedade.
Ela não pode existir sozinha. Ela morreria imediatamente.
Ela é tão dependente! Ela precisará de amor, precisará de comida, precisará de tudo e ela
exigirá tudo. E a mãe fornecerá, o pai fornecerá, a família fornecerá. A criança começa a pensar
que é o centro do mundo. Tudo deve ser fornecido a ela; ela tem simplesmente que pedir. Basta
pedir, nenhum outro esforço é necessário.
Assim, a criança começa a pensar-se como o centro, e tudo simplesmente vai girando à sua
volta, para ela. Toda a existência parece ter sido criada para ela. Toda a existência estava
esperando que ela viesse e pedisse, e tudo seria suprido. Trata-se de uma necessidade, a de que
suas exigências sejam satisfeitas; caso contrário, ela morrerá. Mas essa necessidade se torna
muito perigosa.
Ela cresce com essa atitude de que “eu sou o centro”. Logo, logo, ela exigirá mais. As
exigências de uma criança são muito simples, elas podem ser atendidas. Mas, quando ela crescer,
suas exigências se tornarão cada vez mais e mais complexas. Algumas vezes, não será possível
supri-las, satisfazê-las. Algumas vezes, pode ser absolutamente impossível. Ela pode exigir a
Lua, ou qualquer coisa...
Quanto mais ela cresce, mais as exigências se tornarão complexas, impossíveis. Então, a
frustração manifesta-se e a criança começa a pensar que, agora então, ela está sendo enganada.
Ela tomou como garantido que era o centro do mundo. Agora os problemas estarão presentes e
logo ela será destronada. Quando ela se tornar um adulto, ela estará totalmente destronada.
Então, ela saberá que não é o centro. Mas, bem no fundo, a mente inconsciente continua
pensando em termos de ela ser o centro do mundo.
As pessoas chegam e me perguntam se o destino delas está determinado. Elas estão
perguntando se são tão importantes, tão significativas para o universo a ponto do destino delas
ser determinado de antemão. “Com que propósito eu existo?” – elas perguntam – “Por que eu fui
criado?”. Essa tolice infantil de que você é o centro do universo cria estas perguntas, como:
“Com que propósito eu fui criado?”.
Você não foi criado com nenhum propósito. E é bom que você não tenha sido criado para
algum propósito; senão, você seria uma máquina. Uma máquina é criada para algum propósito.
O homem não é criado para algum propósito, para alguma coisa – não! O homem é apenas um
jorro, um transbordando da criação. Tudo simplesmente é. As flores existem, as estrelas existem
e você existe. Tudo é simplesmente um transbordamento, uma alegria, uma celebração da
existência sem nenhum propósito.
Mas essa teoria do destino, da predeterminação, é que cria os problemas, porque nós a
tomamos como uma teoria. Nós pensamos que tudo está determinado, mas nada está
determinado. Entretanto, essa técnica faz uso disso como um artifício. Quando nós dizemos que
tudo está determinado, isso não lhe é dito como uma teoria. O propósito é este: que se você
tomar a vida como uma peça teatral, predeterminada, então, ela se tornará um sonho. Por
exemplo: se eu sei que neste dia, nesta noite, eu iria falar com você e já estivesse predeterminado
que palavras eu falaria neste dia, e se isso fosse tão estabelecido que nada pudesse ser mudado –
a ponto de eu não poder proferir uma só palavra nova –, então, de repente, eu não estaria me
relacionando de forma alguma com todo este processo, porque, então, eu não seria a fonte da
ação.
Se tudo está determinado e se cada palavra é para ser falada pelo próprio universo ou pelo
divino ou por qualquer outro nome que você escolha, então, eu não sou mais a fonte disso.
Então, eu posso me tornar um observador – um simples observador.
Se você toma a vida como predeterminada, então, você pode observá-la, então, você não está
envolvido. Se você é um fracasso, isso estava predeterminado; se você é um sucesso, isso estava
predeterminado. Se ambos são predeterminados, ambos se tornam de igual valor – sinônimos.
Então, um é Ravana, um é Rama e tudo está predeterminado. Ravana não precisa se sentir
culpado. Rama não precisa se sentir superior. Tudo está predeterminado, assim, vocês são apenas
atores, vocês estão apenas em um palco representando um papel.
Para dar-lhe o sentimento de que você está representando um papel, para dar-lhe o sentimento
de que isso é apenas um padrão predeterminado que você está preenchendo, para dar-lhe esse
sentimento, para que você possa transcendê-lo, esse é o artifício. Isso é muito difícil, porque nós
estamos muito acostumados a pensar o destino como uma teoria – não somente como uma teoria,
mas como uma lei. Nós não podemos entender essa atitude de tomar essas leis e teorias como
artifícios.
Eu lhe explicarei. Um exemplo pode ser útil. Eu estava em uma cidade. Um homem se
aproximou; ele era um muçulmano, mas eu não sabia, eu não estava ciente disso. E ele estava
vestido de um modo que parecia um hindu. Ele não somente parecia um hindu, mas ele falava
como se fosse do tipo hindu. Ele não era um tipo muçulmano.
Ele me fez uma pergunta. Ele disse: “Muçulmanos e cristãos dizem que há somente uma vida.
Hindus, budistas e jainistas dizem que existem muitas vidas – uma longa sequência de vidas,
assim, a menos que a pessoa seja liberada, ela continua e continua renascendo sempre
novamente. Assim, o que você diz? Se Jesus era um homem iluminado, ele deve ter sabido. Ou
Maomé, ou Moisés, eles devem ter sabido também, se eles eram homens iluminados, que há
muitas vidas e não apenas uma. E se você diz que eles estão certos, então, o que dizer de
Mahavira, Krishna, Buda e Shankara? Uma coisa é certa, que todos eles não podem ser
iluminados.
“Se o cristianismo está certo, então, o Buda está errado, então, Krishna está errado, então,
Mahavira está errado. E se Mahavira, Krishna e Buda estão certos, então, Maomé, Jesus e
Moisés estão errados. Assim, diga-me. Eu estou muito desorientado; eu estou atrapalhado,
confuso. As duas coisas não podem estar corretas. Como ambas podem estar corretas? Ou há
muitas vidas ou há uma. Como podem ambas estar certas?”. Ele era um homem muito inteligente
e ele tinha estudado muitas coisas; assim, ele disse: “Você não pode simplesmente escapar e
dizer que ambas estão certas. Ambas não podem estar certas. É uma coisa lógica: ambas não
podem estar certas.”.
Mas eu disse: “Isso não precisa ser assim; sua abordagem está absolutamente errada. Ambas
são artifícios. Nenhuma delas está certa, nenhuma delas está errada – ambas são artifícios.”.
Tornou-se impossível para ele entender o que eu queria dizer com artifício.
Maomé, Jesus e Moisés, eles estavam falando para um tipo de mente; e Buda, Mahavira,
Krishna, eles estavam falando para um outro tipo muito diferente de mente. Há, na verdade, duas
fontes religiosas – hindu e judaica. Assim, todas as religiões que nasceram na Índia, todas as
religiões nascidas do hinduísmo, acreditam em renascimento, em muitos nascimentos; e todas as
religiões nascidas do pensamento judaico – islamismo, cristianismo – acreditam em uma vida.
Esses são dois artifícios.
Tente compreender isso. Como a nossa mente é fixa, nós tomamos as coisas como teorias,
não como artifícios. Assim, muitas vezes as pessoas vêm à mim e dizem: “Um dia você disse que
isso é certo e noutro dia você disse que aquilo é certo e ambos não podem estar certos.”.
Naturalmente, ambos não podem estar certos, mas ninguém está dizendo que ambos estão certos.
Eu não estou nem um pouco interessado em qual está certo e qual está errado. Eu só estou
interessado em qual artifício funciona.
Na Índia, eles usam esse artifício de muitas vidas. Por quê? Há muitos pontos. Todas as
religiões nascidas no Ocidente, principalmente a partir do pensamento judaico, eram religiões de
pessoas pobres. Seus profetas não eram cultos. Jesus não era instruído, Maomé não era instruído,
Moisés não era. Eles eram todos incultos, não-sofisticados, simples; e eles estavam falando com
massas que não eram absolutamente sofisticadas, que eram pobres – eles não eram ricos.
Para um homem pobre, uma vida é mais do que suficiente, mais do que suficiente! Ele está
faminto, morrendo. Se você lhe diz que há muitas vidas, que ele continuará renascendo e
renascendo, que ele se moverá em uma roda de mil e uma vidas, o pobre homem simplesmente
se sentirá frustrado com toda essa
coisa. “O que você está dizendo?!”– um homem pobre perguntará. “Uma vida é demais,
então, não me fale de mil e uma vidas, de um milhão de vidas. Não fale isso. Dê-nos o paraíso
imediatamente, depois desta vida.” Deus se torna uma realidade somente se ele puder ser
atingido logo depois desta vida – imediatamente.
Buda, Mahavira e Krishna estavam falando para uma sociedade muito rica. Hoje se tornou
difícil compreender, porque toda a roda girou. Agora, o Ocidente é rico e o Oriente é pobre.
Naquele tempo, o Ocidente era pobre e o Oriente era rico. Todos os avatares hindus, todos os
tirthânkaras – mestres do mundo – dos jainistas, todos os budas – os acordados – eram
príncipes. Eles pertenciam a famílias reais. Eles eram cultos, instruídos, sofisticados, refinados
de todas as maneiras. Você não pode refinar Buda ainda mais. Ele era absolutamente refinado,
culto, instruído; nada pode ser acrescentado. Mesmo se Buda viesse nos dias de hoje, nada
poderia ser acrescentado.
Assim, eles estavam falando para uma sociedade que era rica. Lembre-se: para uma sociedade
rica há problemas diferentes. Para uma sociedade rica, o prazer é sem sentido, o paraíso é sem
sentido. Para uma sociedade pobre, o paraíso é muito significativo. Se a sociedade está vivendo
no paraíso, o paraíso se torna sem sentido; assim, você não pode propor uma coisa dessas. Você
não pode criar um estímulo para fazer alguma coisa pelo paraíso; eles já estão nele – e cansados.
Assim, Buda, Mahavira e Krishna não falam sobre o paraíso, eles falam de liberdade. Eles
não falam de um mundo agradável além, eles falam de um mundo transcendental onde não há
nem dor, nem prazer. O paraíso de Jesus não teria apelo para eles – eles já estavam nele.
E em segundo lugar, para um homem rico o problema real é o tédio. Para um homem pobre,
prometa a ele prazer no futuro. Para o homem pobre, o sofrimento é o problema. Para um homem
rico, o sofrimento não é o problema; para um homem rico, o tédio é o problema. Ele está cansado
de todos os prazeres.
Mahavira, Buda e Krishna, todos fizeram uso desse tédio, e disseram: “Se você não fizer
nada, você irá nascer novamente e novamente. Essa roda se moverá. Lembre-se: a mesma vida
será repetida. O mesmo sexo, a mesma riqueza, a mesma comida, os mesmos palácios sempre
novamente: mil e uma vezes você estará se movendo em uma roda.”.
Para um homem rico que conheceu todos os prazeres, não é uma boa perspectiva, essa
repetição. A repetição é o problema. Esse é o sofrimento para ele. Ele quer algo novo e Mahavira
e Buda dizem: “Não há nada novo. Este mundo é velho. Nada é novo sob o céu, tudo é
simplesmente velho. Você provou todas essas coisas antes e as continuará provando. Você está
em uma roda, girando. Vá além dela, dê um salto para fora da roda.”.
Para um homem rico, se você criar um artifício que intensifique seu sentimento de tédio,
somente então, ele poderá se mover em direção à meditação. Para um homem pobre, se você
falar sobre o tédio, você estará dizendo coisas sem sentido. Um homem pobre nunca está
entediado – nunca! Somente um homem rico está entediado. Um homem pobre nunca está
entediado; ele está sempre pensando no futuro. Alguma coisa irá acontecer e tudo ficará bem. O
homem pobre precisa de uma promessa, mas se a promessa é um caminho muito longo à frente,
ela se torna sem sentido. Precisa ser imediato.
Reporta-se que Jesus disse: “Em minha vida, em sua vida, você verá o reino de Deus.”. Essa
afirmação tem assombrado todo o cristianismo por vinte séculos, porque Jesus disse: “Em sua
vida, imediatamente, você verá o reino de Deus.”. E o reino de Deus não chegou ainda; então, o
que ele queria dizer? E ele disse: “O mundo irá acabar breve, assim, não perca tempo! O tempo é
curto.”. Jesus disse: “O tempo é muito curto. É tolice desperdiçá-lo. Imediatamente o mundo irá
acabar e você terá que responder por si, portanto, arrependa-se.”.
Jesus criou um sentimento de urgência através do conceito de uma vida. Ele sabia e Buda e
Mahavira também sabiam. Tudo o que eles sabiam não é dito. Tudo o que eles usaram como
artifício é conhecido. Aquilo era um recurso para criar um sentimento de emergência, de
urgência, para que você começasse a agir.
A Índia era um país velho, rico. Não havia questão de urgência em promessas para o futuro.
Havia apenas um meio possível de se criar a urgência, e este era criar mais tédio. Se um homem
sentir que vai ficar nascendo sempre novamente e novamente, novamente e novamente, ad
infinitum, ele imediatamente virá e perguntará: “Como ficar livre dessa roda? Isso é demais. Eu
não posso continuar mais com isso, porque tudo o que pode ser conhecido, eu já conheci. Se é
para ficar repetindo isso, é um pesadelo. Eu não quero repetir mais, eu quero alguma coisa
nova.”.
Assim, Buda e Mahavira dizem: “Não existe nada de novo sob o céu. Tudo é velho e uma
repetição. E você já repetiu por muitas e muitas vidas e você continuará repetindo por muitas e
muitas vidas. Tome consciência da repetição, tome consciência de seu tédio, dê um salto.”.
O artifício é diferente, mas o propósito é o mesmo. Dê um salto! Mova-se! Transforme-se! O
que quer que você seja, transforme-se a partir disso.
Se você toma as afirmações religiosas como artifícios, então, não existe contradição. Então,
Jesus e Krishna, Maomé e Mahavira, pretendem a mesma coisa. Eles criam diferentes rotas para
diferentes pessoas, diferentes técnicas para diferentes mentes, diferentes apelos para diferentes
atitudes. Mas esses não são princípios para serem combatidos e contra-argumentados. Eles são
artifícios para serem usados, transcendidos e jogados fora.
Chega por hoje.
Capítulo 7

TÉCNICAS PARA COLOCÁ-LO À VONTADE


OS SUTRAS

10 Quando acariciada, Doce Princesa, entre na carícia como na vida eterna.


11 Feche as portas dos sentidos quando sentir o andar de uma formiga. Então...
12 Quando na cama, ou sentado, deixe-se ficar sem peso, além da mente.

O homem tem um centro, mas ele vive afastado dele – afastado do centro. Isso cria uma
tensão interna, um turbilhão constante, uma angústia. Você não está onde deveria estar; você não
está em seu equilíbrio correto. Você está fora de equilíbrio e esse estar fora de equilíbrio, fora do
centro, é a base de toda a tensão mental. Se ela se torna demasiada, você fica louco. Um louco é
alguém que saiu de si mesmo completamente. O iluminado é exatamente o inverso do louco. Ele
está centrado em si mesmo.
Você está no meio. Você não saiu completamente de si mesmo e você não está em seu centro
tampouco. Você se move no intervalo. Algumas vezes você se move para muito, muito longe,
assim, você tem momentos em que fica temporariamente louco. Na raiva, no sexo, em qualquer
coisa na qual você tenha se movido para bem distante de si mesmo, você fica temporariamente
louco. Então, não há diferença entre você e o louco. A diferença é somente que ele está
permanentemente lá, e você fica lá temporariamente. Você voltará.
Quando você está com raiva, isso é loucura; mas não é permanente. Qualitativamente não há
diferença; quantitativamente há uma diferença. A qualidade é a mesma, assim, algumas vezes,
você toca a loucura e algumas vezes, quando você está relaxado, totalmente à vontade, você toca
o seu centro também. Esses são os momentos de bem-aventurança. Eles acontecem. Então, você
é exatamente como um Buda ou como um Krishna, mas somente temporariamente,
momentaneamente. Você não ficará lá. Na verdade, no momento em que você percebe que é
bem-aventurado, você já se moveu. É tão momentâneo, que no instante em que você reconhece a
bem-aventurança, ela já acabou.
Nós continuamos nos movendo entre esses dois, mas esse movimento é perigoso. Esse
movimento é perigoso, porque, então, você não pode criar uma auto-imagem, uma auto-imagem
fixa. Você não sabe quem você é. Se você constantemente se move da loucura para o
centramento em si mesmo, se esse movimento for constante, você não poderá ter uma imagem
sólida de si. Você terá uma imagem líquida. Então, você não sabe quem você é. Fica muito
difícil. É por isso inclusive, que você fica temeroso se estiver esperando momentos de muita
felicidade, assim, você tenta fixar-se em algum lugar no meio.
Isso é o que nós queremos dizer quando falamos de ser humano normal: ele nunca toca sua
loucura na raiva e ele nunca toca aquela liberdade total, aquele êxtase, tampouco. Ele nunca sai
de sua imagem sólida. O homem normal é realmente um homem morto, vivendo entre dois
pontos. É por isso que todos aqueles que são excepcionais – grandes artistas, pintores, poetas –
eles não são normais. Eles são muito líquidos. Algumas vezes eles tocam o centro, algumas
vezes ficam loucos. Eles se movem rapidamente entre esses dois. Naturalmente, a sua angustia é
grande, a sua tensão é muita. Eles têm que viver entre dois mundos, constantemente mudando a
si mesmos. É por isso que eles sentem que não têm identidade. Eles sentem, nas palavras de
Colin Wilson, que são estrangeiros. No mundo da normalidade de vocês, eles são estrangeiros.
Será útil definir esses quatro tipos. Primeiro é o homem normal que tem uma identidade fixa,
sólida, que sabe quem ele é – um médico, um engenheiro, um professor, um santo –, que sabe
quem ele é e nunca se move daí. Ele se gruda constantemente à identidade, à imagem.
Segundo, são aqueles que têm imagens líquidas – poetas, artistas, pintores, cantores. Eles não
sabem quem são. Algumas vezes, eles se tornam simplesmente pessoas normais, algumas vezes,
eles ficam loucos; algumas vezes, eles tocam o êxtase que um buda toca.
Terceiro são aqueles que estão permanentemente loucos. Eles foram para fora de si; eles
nunca voltam para dentro de seu lar. Eles nem mesmo se lembram que têm um lar.
E quarto são aqueles que atingiram seu lar: Buda, Cristo, Krishna...
Essa quarta categoria – a daqueles que atingiram seu lar – está totalmente relaxada. Em sua
consciência, não há tensão, nenhum esforço, nenhum desejo. Em uma palavra, não há o tornar-
se. Eles não querem se tornar nada. Eles são, eles têm sido. Nenhum tornar-se! E eles estão à
vontade em seus seres. O que quer que eles sejam, eles estão à vontade com isso. Eles não
querem mudar, não querem ir a lugar algum. Eles não têm futuro. Este exato momento é a
eternidade para eles... sem aspiração, sem desejo. Isso não significa que um buda não comerá, ou
que um buda não dormirá. Ele comerá, ele dormirá, mas essa coisas não são desejos. Um buda
não projetará esses desejos; ele não comerá amanhã, ele comerá hoje.
Lembre-se disto: você continua comendo no amanhã, você continua comendo no futuro; você
continua comendo no passado, no ontem. Raramente acontece de você comer hoje. Quando você
estiver comendo hoje, a sua mente estará se movendo para algum outro lugar. Quando você
estiver tentando dormir, você começará a comer amanhã, ou então, a memória do passado
chegará.
Um buda come hoje. Ele vive neste exato momento. Ele não projeta sua vida no futuro; não
há futuro para ele. Quando o futuro chegar, ele chega como presente. É sempre hoje, é sempre
agora. Assim, um buda come, mas ele nunca come na mente – lembre-se disso. Não há um
comer cerebral. Você continua comendo na mente. É um absurdo, porque a mente não está
destinada a comer. Todos os seus centros estão confusos; todo o seu arranjo mente-corpo está
embaralhado, ele está louco.
Um buda come, mas ele nunca pensa no comer. E isso se aplica a tudo. Assim, um buda é tão
comum quanto você, enquanto ele está comendo. Não pense que um buda não irá comer, ou que
quando o sol estiver quente, ele não irá transpirar, ou quando os ventos frios chegarem, ele não
sentirá frio. Ele sentirá, mas ele sentirá sempre no presente, nunca no futuro. Não há nenhum
tornar-se. Se não há nenhum tornar-se, não há tensão. Entenda isso muito claramente. Se não há
nenhum tornar-se, como pode haver alguma tensão? Tensão significa que você quer ser uma
outra coisa que você não é.
Você é A e você quer ser B; você é pobre e você quer ser um homem rico; você é feio e você
quer ser bonito; ou você é estúpido e você quer ser um homem sábio. Qualquer que seja o querer,
qualquer que seja o desejo, a formula é sempre esta: A quer se tornar B. O que quer que você
seja, você não está contente com isso. Para o contentamento alguma coisa mais é necessária –
essa é a estrutura constante de uma mente que está desejando. Quando você conquistar aquilo,
novamente a mente dirá que “isto não é suficiente, alguma coisa mais é necessária”.
A mente sempre se move sem parar. O que quer que você conquiste, se torna inútil. No
momento em que você o conquiste, aquilo torna-se inútil. Isso é desejo. Buda chamou-o de
trishna, isto é, tornar-se.
Você se move de uma vida para outra, de um mundo para outro e isso vai indo assim. Isso
pode continuar ad infinitum. Não há um fim para isso, não há um fim para o desejo, o desejar.
Mas se não existir o tornar-se, se você aceitasse totalmente o que quer que você seja – feio ou
belo, sábio ou estúpido, rico ou pobre – o que quer que você seja, se você aceitar em sua
totalidade, o tornar-se cessa. Então, não há tensão; então, a tensão não pode existir. Então, não há
angústia. Você está à vontade, você não está preocupado. Essa mente do não-tornar-se é uma
mente que está centrada no eu.
Em um pólo totalmente oposto, está o louco. Ele não tem nenhum ser, ele é apenas um tornar-
se. Ele esqueceu o que ele é. O A está esquecido completamente e ele está tentando ser B. Ele
não sabe mais quem ele é; ele conhece apenas a sua meta desejada. Ele não vive aqui e agora, ele
vive em algum outro lugar. É por isso que ele parece maluco para nós, louco, porque você vive
neste mundo e ele vive no mundo dos sonhos dele. Ele não faz parte de seu mundo, ele está
vivendo em algum outro lugar. Ele esqueceu completamente sua realidade aqui e agora. E,
consigo mesmo, ele esqueceu o mundo à sua volta, que é real. Ele vive em um mundo irreal –
para ele, essa é a única realidade.
Um buda vive, nesse exato momento, no ser; e o louco é exatamente o oposto. Ele nunca vive
no aqui e agora, no ser, mas sempre no tornar-se – em algum lugar no horizonte. Esses são os
dois pólos opostos.
Assim lembre-se: o louco não está em oposição a você, ele está em oposição ao buda. E
lembre-se também: o buda não está em oposição a você, ele está em oposição ao louco. Você
está no meio. Você é ambos, misturados; você tem loucuras, você tem momentos de iluminação,
mas ambos estão misturados.
Algumas vezes de repente, um lampejo do centro acontece se você estiver relaxado. Há
momentos em que você está relaxado. Você está amando: por alguns momentos, por um simples
momento, seu amante, sua amada está com você. Foi um longo desejo, um longo esforço e
finalmente sua amada está com você. Por um momento, a mente se afasta. Houve um longo
esforço para estar com sua amada. A mente esteve desejando e desejando e desejando e a mente
sempre esteve pensando, pensando na amada. Agora, a amada está aqui e, de repente, a mente
não pode pensar. O velho processo não pode continuar. Você esteve querendo a amada; agora, a
amada está aqui, assim, a mente simplesmente pára.
Nesse momento, quando a amada está aqui, não há desejo. Você está relaxado; de repente,
você é jogado de volta para si mesmo.
A menos que um amado possa jogá-lo para si mesmo, não é amor. A menos que você se torne
você mesmo na presença do amado, não é amor. A menos que a mente cesse completamente de
funcionar na presença do amado ou da amada, não é amor.
Algumas vezes acontece de a mente cessar e por um momento não existir desejo. O amor é
sem desejo. Tente entender isto: você pode desejar o amor, mas o amor é sem desejo. Quando o
amor acontece, não há desejo; a mente está quieta, calma, relaxada. Não mais o tornar-se,
nenhum lugar para ir.
Mas isso acontece somente por uns poucos momentos, se é que acontece. Se você realmente
tem amado alguém, então, acontecerá por alguns momentos. É um choque. A mente não pode
trabalhar, porque toda a sua função se tornou sem sentido, absurda. Aquele por quem você estava
ansiando está presente e a mente não pode pensar no que fazer agora.
Por uns poucos momentos, todo o mecanismo pára. Você está relaxado em si mesmo. Você
tocou o seu ser, seu centro e você sente que você está na fonte do bem-estar. Uma bem-
aventurança o preenche, uma fragrância o envolve. De repente, você não é mais o mesmo
homem que era.
É por isso que o amor transforma tanto. Se você está amando, você não pode escondê-lo. É
impossível! Se você está amando, isso será visível. Seus olhos, sua face, o modo como você
anda, o modo como você se senta, tudo mostrará, porque você não mais é o mesmo homem. A
mente que deseja não está presente. Você é como um buda apenas por alguns momentos. Isso
não pode continuar por muito tempo, porque é apenas um choque. Imediatamente, a mente
tentará encontrar alguns modos e desculpas para pensar novamente.
Por exemplo: a mente pode começar a pensar que você atingiu o seu objetivo, que você
atingiu o seu amor. E agora então? O que você irá fazer? Então, a profetização começa, os
argumentos começam. Você começa a pensar: “Hoje eu alcancei minha amada, mas será a
mesma coisa amanhã também?”. A mente começou a funcionar. E no momento em que a mente
está funcionando, você, novamente, se moveu para o tornar-se.
Algumas vezes, mesmo sem o amor, simplesmente através da fadiga, do cansaço, a pessoa
pára de desejar. Então, a pessoa também é jogada para si mesma. Quando você não está afastado
de si mesmo, você está fadado a estar no seu eu, não importa qual seja a causa disso. Quando
alguém está totalmente cansado, fatigado, quando alguém nem mesmo sente vontade de pensar
ou desejar, quando alguém está frustrado completamente, sem nenhuma esperança, então, de
repente, a pessoa se sente em casa. Agora, ela não pode ir a nenhum lugar. Todas as portas estão
fechadas; a esperança desapareceu – e, com ela, o desejo; com ela, o tornar-se.
Isso não permanecerá por muito tempo, porque a sua mente tem um mecanismo. Ela pode se
afastar por alguns momentos, mas, de repente, ela voltará viva novamente, porque você não pode
existir sem esperança, você terá que encontrar alguma esperança. Você não pode existir sem
desejo. Porque você não sabe como existir sem desejo, você terá de criar algum desejo.
Em qualquer situação onde aconteça que a mente, de repente, cesse de funcionar, você estará
em seu centro. Você está de férias, em uma floresta, ou em uma estação nas montanhas, ou em
uma praia; de repente, sua mente rotineira não funcionará. O escritório não está presente, a
esposa não está presente, ou o marido não está presente. De repente, há uma situação muito nova
e a mente necessitará de algum tempo para funcionar nela, para se ajustar a ela. A mente se sente
desajustada. A situação é tão nova, que você relaxa e fica em seu centro.
Nesses momentos, você se torna um buda, mas serão apenas momentos. Então, eles o
perseguirão e, então, você gostaria de reproduzi-los nova e novamente, e de repeti-los. Mas
lembre-se: eles acontecem espontaneamente, assim, você não pode repeti-los. E quanto mais
você tentar repeti-los, mais lhes será impossível chegar até você.
Isso está acontecendo com todo mundo. Você se apaixonou por alguém e, no primeiro
encontro, sua mente cessou por alguns momentos. Então, vocês se casaram. Por que vocês se
casaram? Para repetir aqueles belos momentos de novo e novamente. Mas, quando eles
aconteceram, vocês não estavam casados e eles não podem acontecer no casamento, porque toda
a situação é diferente. Quando duas pessoas se encontram pela primeira vez, toda a situação é
nova. Suas mentes não podem funcionar nela. Elas são tão dominadas por aquilo... – tão
preenchidas pela nova experiência, pela nova vida, pelo novo florescimento! Então, a mente
começa a funcionar e elas pensam: “Esse é um momento tão belo! Eu quero que ele se repita
todos os dias, então eu devo me casar.”.
A mente destruirá tudo. Casamento significa mente. O amor é espontâneo; o casamento é
calculado. Casar é uma coisa matemática. Então, você espera por aqueles momentos, mas eles
nunca virão novamente. É por isso que todo homem e mulher casados estão frustrados – porque
eles estão esperando por certas coisas que aconteceram no passado. Por que elas não acontecem
novamente? Elas não podem acontecer, porque você perdeu toda a situação. Agora, você não é
novo; agora, não há espontaneidade; agora, o amor é uma rotina. Agora, tudo é esperado e
exigido. Agora, o amor se tornou uma obrigação, não uma diversão. Ele era uma diversão no
começo; agora, ele é uma obrigação. E obrigação não pode dar a você a mesma bem-aventurança
que a diversão pode dar. É impossível! Sua mente criou toda a coisa. Agora, você continua
esperando e, quanto mais você espera, menor é a possibilidade de seu acontecimento.
Isso acontece em toda parte, não somente no casamento. Você vai a um mestre e a
experiência é nova. A sua presença, as suas palavras, seu jeito de viver são novos. De repente,
sua mente pára de funcionar. Então, você pensa: “Esse é o homem para mim, então, eu devo vir
todos os dias.”. Então, você se casou com ele. Pouco a pouco, a frustração se estabelece, porque
você fez disso uma obrigação, uma rotina. Agora, aquelas mesmas experiências não virão mais.
Então, você pensa que esse homem o enganou, ou que você foi feito de bobo de algum modo.
Então, você pensa: “A primeira experiência foi alucinatória. Eu devo ter sido hipnotizado, ou
alguma coisa. Ela não foi real.”.
Ela foi real. Sua mente rotineira torna-a irreal. E, então, a mente tenta esperar, mas, na
primeira vez que aquilo aconteceu, você não estava esperando. Você veio sem nenhuma
expectativa, você estava completamente aberto para receber o que quer que estivesse
acontecendo.
Agora você vem todos os dias com expectativas, com uma mente fechada. Aquilo não pode
acontecer, aquilo sempre acontece com uma mente aberta; sempre acontece em uma situação
nova. Isso não significa que você tenha que mudar sua situação diariamente; isso somente
significa: não permita que sua mente crie um padrão. Então, sua esposa será nova todo dia, seu
marido será novo todo dia. Mas não permita à sua mente criar um padrão de expectativa; não
permita à mente se mover para o futuro. Então, seu mestre será todo dia novo, seu amigo será
todo dia novo. E tudo é novo no mundo, exceto a mente. A mente é a única coisa que é velha.
Ela é sempre velha.
O Sol nasce novo a cada dia. Ele não é o velho Sol. A Lua é nova; o dia, a noite, as flores, as
árvores... tudo é novo, exceto a sua mente. Sua mente é sempre velha – lembre-se, sempre –
porque a mente precisa do passado, da experiência acumulada, da experiência projetada. A mente
precisa do passado e a vida precisa do presente. A vida é sempre bem-aventurada – a mente não
é nunca. Sempre que você permite sua mente chegar, a miséria se manifesta.
Esses momentos espontâneos não serão repetidos novamente; então, o que fazer? Como estar
em um estado relaxado continuamente? Esses três sutras são para isso. Essas são três técnicas
relacionadas ao estar à vontade, técnicas para relaxar os nervos.
Como permanecer no ser? Como não se mover para o tornar-se? Isso é difícil, árduo, mas
estas técnicas podem ajudar. Estas técnicas o jogarão para si mesmo.
10 Torne-se a carícia

A primeira técnica de relaxamento:

Quando acariciada, Doce Princesa, entre na carícia como na vida eterna.

Shiva começa com amor. A primeira técnica está relacionada ao amor, porque o amor é o fato
mais próximo, na sua experiência, no qual você está relaxado. Se você não pode amar, é
impossível você relaxar. Se você puder relaxar, sua vida se tornará uma vida amorosa.
Um homem tenso não pode amar. Por quê? Um homem tenso sempre vive com propósitos.
Ele pode ganhar dinheiro, mas ele não pode amar, porque o amor é sem propósito. O amor não é
uma mercadoria. Você não pode acumular; você não pode fazer dele um saldo bancário; você
não pode fortalecer seu ego a partir dele. Na verdade, o amor é o ato mais absurdo, sem nenhum
sentido além dele mesmo, nenhum propósito além dele mesmo. Ele é em si mesmo, não para
alguma outra coisa.
Você ganha dinheiro para alguma coisa – é um meio. Você constrói uma casa para alguém
morar nela – é um meio. O amor não é um meio. Por que você ama? Para que você ama? O amor
é um fim em si mesmo. É por isso que a mente que é calculista, lógica, a mente que pensa em
termos de propósito, não pode amar. E a mente que sempre pensa em termos de propósito será
tensa, porque o propósito pode somente ser preenchido no futuro, nunca aqui e agora.
Você está construindo uma casa – você não pode viver nela exatamente agora, você terá de
construí-la primeiro. Você pode viver nela no futuro, não agora. Você ganha dinheiro – o saldo
bancário será criado no futuro, não agora. Os meios, você terá de usá-los agora, e os fins
chegarão no futuro.
O amor está sempre aqui; não há futuro para ele. É por isso que o amor está tão perto da
meditação. É por isso que a morte está também tão perto da meditação – porque a morte também
está sempre aqui e agora, ela nunca pode acontecer no futuro. Você pode morrer no futuro? Você
pode morrer somente no presente. Ninguém jamais morreu no futuro. Como você pode morrer no
futuro? Ou como você pode morrer no passado? O passado se foi, ele não existe mais; assim,
você não pode morrer nele. O futuro ainda não chegou; então, como você pode morrer nele?
A morte sempre ocorre no presente. Morte, amor, meditação – eles todos ocorrem no
presente. Assim, se você tem medo da morte, você não pode amar. Se você tem medo do amor,
você não pode meditar. Se você tem medo da meditação, sua vida será inútil. Inútil não no
sentido de algum propósito, mas inútil no sentido de que você nunca será capaz de sentir alguma
bem-aventurança nela. Ela será fútil.
Parece estranho conectar estes três: amor, meditação e morte. Não é! Eles são experiências
similares. Assim, se você puder entrar em um deles, você poderá entrar nos dois restantes.
Shiva começa com o amor. Ele diz: Quando acariciada, Doce Princesa, entre na carícia
como na vida eterna. O que isso significa? Muitas coisas! Uma: quando você está sendo amado,
o passado cessa, o futuro não existe. Você se move na dimensão do presente. Você se move no
agora. Você alguma vez amou alguém? Se você alguma vez já amou alguém, então, você sabe
que a mente não estava lá presente.
É por isso que os assim chamados homens sábios dizem que os amantes são cegos, sem
mente, loucos. Em essência, o que eles dizem está certo. Os amantes são cegos, porque não têm
olhos para o futuro, para calcular o que eles terão que fazer. Eles são cegos; eles não podem ver
o passado. O que aconteceu aos amantes? Eles simplesmente se movem aqui e agora, sem
nenhuma consideração de passado ou futuro, sem nenhuma consideração das consequências. É
por isso que eles são chamados de cegos. Eles são! Eles são cegos para aqueles que são
calculistas e eles são visionários para aqueles que não são calculistas. Aqueles que não são
calculistas verão o amor com o olho real, a visão real.
Assim, a primeira coisa: no momento do amor, passado e futuro não mais existem. Então, há
um ponto delicado a ser compreendido: quando não há passado nem futuro, você pode chamar tal
momento de presente? Ele é o presente somente no meio dos dois – no meio do passado e do
futuro. Ele é relativo. Se não há passado nem futuro, qual o sentido de chamá-lo de presente?
Não faz sentido. É por isso que Shiva não usa a palavra ‘presente’. Ele diz: vida eterna. Ele quer
dizer eternidade... entrar na eternidade.
Nós dividimos o tempo em três partes – passado, presente e futuro. Essa divisão é falsa,
absolutamente falsa. O tempo é na verdade passado e futuro. 0 presente não faz parte do tempo.
O presente faz parte da eternidade. Aquilo que passou, é tempo; aquilo que está chegando, é
tempo. Aquilo que é, não é tempo, porque nunca passa – ele está sempre aqui. O agora, está
sempre aqui. Ele existe sempre aqui! Este agora é eterno.
Se você se move do passado, você nunca se move para o presente. Do passado, você sempre
se move para o futuro; não há nenhum momento que seja presente. Do passado, você sempre se
move para o futuro. Do presente, você não pode nunca se mover para o futuro. Do presente, você
vai, cada vez mais e mais fundo, para dentro de cada vez mais e mais presente. Isso é a vida
eterna.
Nós podemos dizê-lo desta maneira: do passado para o futuro é o tempo. Tempo significa que
você se move em um plano, em uma linha reta. Ou nós podemos chamá-la de horizontal. No
momento em que você está no presente, a dimensão muda: você se move verticalmente – para
cima ou para baixo, em direção à altura ou em direção à profundidade. Mas, então, você nunca se
move horizontalmente. Um Buda, um Shiva, vivem na eternidade, não no tempo.
Perguntaram a Jesus: “O que irá acontecer no seu reino de Deus?”. O homem que perguntou
não estava perguntando sobre o tempo. Ele estava perguntando sobre o que iria acontecer aos
seus desejos, sobre como eles iriam ser preenchidos. Ele estava perguntando se haveria vida
eterna ou se haveria morte; se haveria alguma miséria, se haveria homens superiores e inferiores.
Ele estava perguntando coisas deste mundo quando perguntou: “O que irá acontecer no seu reino
de Deus?”.
E Jesus respondeu – a resposta é parecida com a de um monge Zen: “Não haverá mais
tempo.”.
O homem que estava perguntando dessa maneira pode não ter entendido absolutamente nada:
“Não haverá mais tempo.”. Somente essa única coisa Jesus disse – “Não haverá mais tempo.” –,
porque o tempo é horizontal e o reino de Deus é vertical... é eterno. Ele está sempre presente!
Você apenas tem de se mover para fora do tempo a fim de entrar nele.
Assim, o amor é a primeira porta. Através dele, você pode se mover para fora do tempo. É
por isso que todo mundo quer ser amado, todo mundo quer amar. Mas ninguém sabe por que
tanta significância é dada ao amor, por que há um anseio tão profundo pelo amor. E a menos que
você saiba disso corretamente, você não pode nem amar, nem ser amado, porque o amor é um
dos fenômenos mais profundos sobre esta terra.
Nós continuamos pensando que todo mundo é capaz de amar do modo em que a pessoa está.
Não é esse o caso – não é assim. É por isso que você está frustrado. O amor é uma dimensão
diferente e se você tenta amar alguém no tempo, você será derrotado em seu esforço. No tempo,
o amor não é possível.
Eu lembro de uma anedota. Meera estava amando Krishna. Ela era uma dona de casa – a
esposa de um príncipe. O príncipe ficou com ciúmes de Krishna. Krishna não existia mais;
Krishna não estava presente, Krishna não era um corpo físico. Existia um intervalo de cinco mil
anos entre a existência física de Krishna e a existência física de Meera. Assim, na verdade, como
poderia Meera estar amando Krishna? O intervalo de tempo era muito grande.
Um dia o príncipe, seu marido, perguntou à Meera: “Você continua falando sobre o seu amor,
você continua dançando e cantando em volta de Krishna, mas onde ele está? Por quem você está
tão apaixonada? Com quem você está falando continuamente?”. Meera estava falando com
Krishna, cantando, rindo, brigando. Ela parecia louca – ela estava, aos nossos olhos. O príncipe
disse: “Você ficou louca? Onde está seu Krishna? Quem você está amando? Com quem você
está conversando? Eu estou aqui e você se esqueceu completamente de mim.”.
Meera disse: “Krishna está aqui – você não está aqui –, porque Krishna é eterno; você não é.
Ele sempre estará aqui, ele sempre esteve aqui, ele está aqui. Você não estará aqui; você não
esteve aqui. Você não esteve aqui um dia, você não estará aqui em outro dia; assim, como eu
posso acreditar que, entre essas duas não-existências, você esteja aqui? Como uma existência é
possível entre duas não-existências?”.
O príncipe está no tempo, mas Krishna está na eternidade. Assim você pode estar perto do
príncipe, mas a distância não pode ser destruída. Você estará distante. Você pode estar muito,
muito distante de Krishna no tempo, mas você pode estar perto. É uma dimensão diferente,
porém.
Eu olho à minha frente e existe uma parede; eu movo meus olhos e existe um céu. Quando
você olha no tempo, existe sempre uma parede. Quando você olha além do tempo, existe o céu
aberto... infinito. O amor abre a infinitude, a eternidade da existência.
Assim, se você já amou, o amor pode ser tornado uma técnica de meditação. Esta é a técnica:
Quando acariciada, Doce Princesa, entre na carícia como na vida eterna.
Não seja um amante afastado, que fica do lado de fora. Torne-se amoroso e mova-se para
dentro da eternidade. Quando você está amando alguém, você está presente como amante? Se
você está presente, então, você está no tempo e o amor é simplesmente falso, apenas pseudo. Se
você ainda está presente e você pode dizer “eu sou”, então, vocês podem estar fisicamente perto,
mas, espiritualmente, vocês são pólos opostos.
Enquanto estiver amando, você não deve existir – somente o amor, somente o ato de amar.
Torne-se o ato de amar. Enquanto acariciando seu amado ou amante torne-se a carícia. Enquanto
beijando, não seja o que beija ou aquele que é beijado – seja o beijo. Esqueça o ego
completamente, dissolva-o dentro do ato. Mova-se para o ato tão profundamente de forma que o
ator não mais exista. E se você não pode se mover para dentro do amor, é difícil se mover para
dentro do comer ou caminhar – muito difícil, porque o amor é a abordagem mais fácil para se
dissolver o ego. É por isso que aqueles que são egoístas não podem amar. Eles podem falar sobre
isso, podem cantar sobre isso, podem escrever sobre isso, mas eles não podem amar. O ego não
pode amar!
Shiva diz: torne-se o amar. Quando você está em um abraço, torne-se o abraço, torne-se o
beijo. Esqueça-se de si mesmo tão totalmente, que você possa dizer: “Eu não mais existo. Só o
amor existe.”. Então, o coração não está batendo, mas o amor está batendo. Então, o sangue não
está circulando, o amor está circulando. E olhos não estão vendo, o amor está vendo. Então, as
mãos não estão se movendo para tocar, o amor está se movendo para tocar.
Torne-se o amor e entre na vida eterna. O amor de repente muda sua dimensão. Você é
jogado para fora do tempo e fica encarando a eternidade. O amor pode se tornar uma meditação
profunda – a mais profunda possível. Os amantes conheceram algumas vezes o que os santos não
conheceram. E os amantes tocaram aquele centro que muitos iogues perderam. Mas isso será
apenas um lampejo, a menos que você transforme seu amor em meditação. O tantra significa
isto: a transformação do amor em meditação. E agora, você pode entender por que o tantra fala
tanto sobre amor e sexo. Por quê? Porque o amor é a porta mais natural por onde você pode
transcender este mundo, esta dimensão horizontal.
Olhe para Shiva com sua consorte, Devi. Olhe para eles! Eles não parecem ser dois – eles são
um. A unidade é tão profunda, que ela se tornou um símbolo. Nós todos vimos o shivalinga. Ele
é um símbolo fálico – o órgão sexual de Shiva – mas ele não está sozinho, ele está baseado na
vagina de Devi. Os hindus dos velhos dias eram muito audaciosos. Agora, quando você vê um
shivalinga você nunca se lembra de que ele é um símbolo fálico. Nós nos esquecemos; nós
tentamos esquecê-lo completamente.
Jung lembra em sua autobiografia, em suas memórias, um incidente muito belo e engraçado.
Ele veio à Índia e foi ver Konarak; e no templo de Konarak há muitos, muitos shivalingas,
muitos símbolos fálicos. O pândita que o estava guiando explicou tudo para ele exceto os
shivalingas. E eles eram muitos, era difícil escapar daquilo. Jung estava bem ciente, mas apenas
para provocar o pândita ele insistia em perguntar: “Mas o que é isto aqui?”.
Assim o pândita finalmente disse em seu ouvido, no ouvido de Jung: “Não me pergunte aqui,
eu direi a você depois. Isso é uma coisa íntima.”.
Jung deve ter rido por dentro – esses são os hindus de hoje. Então, fora do templo, o pândita
se aproximou e disse: “Não foi bom você perguntar na frente dos outros. Eu direi a você agora.
Isso é um segredo.”. E então, novamente no ouvido de Jung ele disse: “Eles são nossas partes
íntimas”.
Quando Jung voltou, ele encontrou um grande erudito – um erudito do pensamento, da
mitologia e da filosofia orientais – Heinrich Zimmer. Ele contou essa historieta para Zimmer.
Zimmer era uma das mentes mais dotadas que já tentaram penetrar o pensamento indiano e ele
era um amante da Índia e de suas maneiras de pensar – da abordagem oriental não-lógica,
mística, em relação à vida. Quando ele ouviu aquilo de Jung, ele riu e disse: “Isso é bom para
variar. Eu sempre ouvi falar sobre grandes indianos – Buda, Krishna, Mahavira. O que você
relatou diz algo não sobre algum grande indiano, mas sobre os indianos.”.
O amor para Shiva é o grande portal. E, para ele, o sexo não é algo a ser condenado. Para ele,
o sexo é a semente e o amor é o florescimento; e, se você condena a semente, você condena a
flor. O sexo pode se tornar amor. Se ele nunca se torna amor, então, ele está mutilado. Condene a
mutilação, não o sexo. O amor precisa florescer, o sexo precisa se tornar amor. Se ele não está se
tornando, não é por causa do sexo, é por sua causa.
O sexo não deve permanecer sexo; esse é o ensinamento do tantra. Ele deve ser transformado
em amor. E o amor também não deve permanecer amor. Ele deve ser transformado em luz, em
experiência meditativa, no pico místico definitivo, derradeiro. Como transformar o amor? Esteja
no ato e esqueça o ator. Enquanto amando, seja o amor – simplesmente ame. Então, não é o seu
amor ou o meu amor ou o amor de outra pessoa – é simplesmente amor. Quando você não está
presente, quando você está nas mãos da fonte suprema, ou da correnteza, quando você está no
amor, não é você que está no amor. Quando o amor o engolfou, você desapareceu; você
simplesmente se tornou uma energia fluindo.
D. H. Lawrence, uma das mentes mais criativas desta época, era, consciente ou
inconscientemente, um adepto do tantra. Ele foi condenado no Ocidente completamente, seus
livros foram banidos. Houve muitos casos nos tribunais, somente por ele ter dito: “A energia
sexual é a única energia e se você a condenar e a reprimir, você está indo contra o universo.
Então, você nunca será capaz de conhecer o florescimento maior dessa energia. E quando ela é
reprimida, ela fica feia – esse é o círculo vicioso.”.
Os sacerdotes, os moralistas, as assim chamadas pessoas religiosas – os papas, os
shankaracharyas[1] e outros – continuam condenando o sexo. Eles dizem que é uma coisa feia. E
quando você o reprime, ele se torna feio. Então, eles dizem: “Veja! O que nós dissemos é
verdade. Está comprovado por você. Veja! O que quer que você esteja fazendo é feio e você sabe
que é feio.”.
Mas não é o sexo que é feio, foram esses sacerdotes que o tornaram feio. Uma vez que eles o
tenham tornado feio, eles se provam certos. E quando eles se provam certos, você continua
tornando-o cada vez mais e mais feio.
O sexo é energia inocente – vida fluindo em você, existência viva em você. Não a mutile,
permita que ela se mova em direção às alturas. Ou seja: o sexo deve se tornar amor. Qual é a
diferença? Quando a sua mente é sexual, você está explorando o outro; o outro é apenas um
instrumento para ser usado e jogado fora. Quando o sexo se torna amor, o outro não é um
instrumento, o outro não é para ser explorado; o outro não é, na verdade, o outro. Quando você
ama, isso não é algo autocentrado. Ao contrário, o outro se torna significativo, único.
Não é que você o esteja explorando – não! Pelo contrário, ambos estão unidos em uma
profunda experiência. Vocês são parceiros de uma profunda experiência, não o explorador e o
explorado. Vocês estão ajudando um ao outro a se moverem para dentro de um mundo diferente
de amor. Sexo é exploração; amor é um mover-se juntos para dentro de um mundo diferente.
Se esse mover-se não for momentâneo e se esse mover-se tornar-se meditativo – isto é, se
você puder se esquecer de si mesmo completamente e se o amante e a amada desaparecerem, e
houver apenas o amor fluindo –, então, diz Shiva, a vida eterna é sua.

11 Feche seus sentidos, torne-se semelhante a uma pedra

A segunda técnica de relaxamento:

Tampe as portas dos sentidos quando sentir o andar de uma formiga. Então...

Isso parece muito simples, mas não é tão simples. Eu lerei novamente: Tampe as portas dos
sentidos quando sentir o andar de uma formiga. Então... Esse é somente um exemplo; qualquer
coisa servirá. Tampe as portas dos sentidos quando sentir o andar de uma formiga e, então, –
então – a coisa acontecerá. O que Shiva está dizendo?
Você tem um espinho em seu pé – é doloroso, você está sofrendo. Ou uma formiga está
andando em sua perna. Você sente o andar e de repente você quer jogá-la longe. Faça uma
experiência! Você tem uma ferida – ela dói. Você tem uma dor de cabeça, ou alguma dor no
corpo. Qualquer coisa servirá como um objeto. Isso é somente um exemplo – o andar de uma
formiga. Shiva diz: Tampe as portas dos sentidos quando sentir o andar de uma formiga. O que
quer que você esteja sentindo, feche todas as portas dos sentidos.
O que é para ser feito? Feche seus olhos e pense que você está completamente cego e você
não pode ver. Feche seus ouvidos e pense que você não pode escutar. Todos os cinco sentidos,
simplesmente feche-os. Como você pode fechá-los? Isso é fácil. Pare de respirar por um simples
momento: todos os seus sentidos estarão fechados. Quando a respiração parou e todos os
sentidos estão fechados, onde está esse caminhar? Onde está a formiga? De repente, você é
levado para bem longe.
Um de meus amigos, um velho amigo, muito idoso, caiu da escada e o médico disse que,
então, ele não poderia sair da cama por três meses, ele teria que descansar por três meses. E ele
era um homem muito agitado. Foi difícil para ele. Eu fui vê-lo; então, ele me disse: “Reze por
mim e me abençoe de forma que eu possa morrer, porque esses três meses são mais do que a
morte. Eu não posso permanecer como uma pedra. E os outros ficam dizendo, ‘Não se mexa!’.”.
Eu lhe disse: “Esta é uma boa oportunidade. Apenas feche os olhos e pense que você é só
uma pedra – você não pode se mover. Como você pode se mover? Você é uma pedra – apenas
uma pedra, uma estátua. Feche os seus olhos. Sinta que, agora, você é uma pedra, uma estátua.”.
Ele me perguntou o que iria acontecer. Eu lhe disse: “Apenas tente. Eu estou sentado aqui e
nada pode ser feito. Nada pode ser feito! Você terá que estar aqui por três meses de qualquer
modo; assim, tente.”.
Ele poderia não tentar nunca, mas a situação era tão impossível que ele disse: “Tudo bem! Eu
tentarei, porque alguma coisa pode acontecer. Mas eu não acredito.” – ele disse. “Eu não acredito
que alguma coisa possa acontecer apenas por pensar que eu sou como uma pedra, morto como
uma estátua; mas eu tentarei.”. Assim, ele tentou.
Eu também não pensava que algo fosse acontecer, porque o homem era demais. Mas, algumas
vezes, quando você está em uma situação impossível, sem esperança, as coisas começam a
acontecer. Ele fechou seus olhos. Eu esperei, porque eu estava pensando que dentro de dois ou
três minutos ele abriria os olhos e diria: “Não aconteceu nada.”. Mas ele não abriu os olhos e
trinta minutos se passaram; eu sentia e via que ele tinha se tornado uma estátua. Toda a tensão
em sua testa desaparecera. Sua face estava mudada.
Eu tinha que partir, mas ele não abria os olhos. E ele estava tão silencioso, como se estivesse
morto. Sua respiração acalmou e, como eu tinha que partir, tive que lhe dizer: “Eu quero ir agora;
assim, por favor, abra seus olhos e me diga o que aconteceu.”.
Ele abriu os olhos, um homem diferente. E ele disse: “Isso é um milagre. O que você fez
comigo?”.
Eu lhe disse: “Eu não fiz absolutamente nada.”.
Ele disse: “Você deve ter feito alguma coisa porque isso é um milagre. Quando eu comecei a
pensar que era apenas como uma pedra, como uma estátua, de repente, me veio a sensação de
que, mesmo se eu quisesse mover minhas mãos, seria impossível fazê-lo. Eu quis muitas vezes
abrir meus olhos, mas eles eram como pedra; assim, eu não conseguia abri-los.”.
Ele disse: “Eu inclusive fiquei preocupado sobre o que você estaria pensando, porque aquilo
estava demorando, mas o que eu podia fazer? Eu não consegui me mover nesses trinta minutos.
E quando cada movimento cessou, subitamente o mundo desapareceu e eu fiquei sozinho, bem
dentro de mim, em mim mesmo. Então, a dor desapareceu.”.
Havia uma severa dor; ele não podia dormir à noite sem tranquilizantes. Mas a dor
desapareceu. Eu lhe perguntei como ele se sentia enquanto a dor estava desaparecendo.
Ele disse: “Primeiro, eu comecei a sentir que ela estava em algum lugar distante. A dor estava
lá, mas muito distante, como se acontecendo a outra pessoa. E, então, pouco a pouco,
paulatinamente, como se alguém estivesse se afastando cada vez mais e mais e você deixasse de
vê-lo, ela desapareceu. A dor desapareceu! Por pelo menos dez minutos, a dor não existia mais.
Como pode um corpo de pedra ter dor?”.
Esse sutra diz: Tampe as portas dos sentidos. Torne-se uma pedra, feche-se para o mundo.
Quando você está fechado para o mundo, realmente, você está fechado para seu próprio corpo
também, porque seu corpo não é parte de você; ele é parte do mundo. Quando você está fechado
completamente para o mundo, você está fechado para o seu próprio corpo também. Então, Shiva
diz: então, a coisa acontecerá.
Assim, tente isso com seu corpo. Qualquer coisa funcionará, você não precisará de que
alguma formiga ande em você. Caso contrário você pensará: “Quando a formiga andar, eu
meditarei.”. E tais formigas úteis são difíceis de se encontrar; então, qualquer coisa servirá. Você
está deitado em sua cama, você sente o lençol frio – torne-se morto. De repente, o lençol vai
desaparecendo, desaparecendo, desaparecendo... e ele desaparecerá. Sua cama desaparecerá; seu
quarto desaparecerá; todo o mundo desaparecerá. Você está fechado, morto, uma pedra, como
uma mônada leibnitziana sem janelas para fora – nenhuma janela! Você não pode se mover!
E, então, quando você não pode se mover, você é atirado de volta para você mesmo, você está
centrado em você mesmo. Então, pela primeira vez, você pode olhar a partir de seu centro. E
uma vez que você possa olhar do seu centro, você não pode ser o mesmo homem novamente.

12 Deixe-se tornar-se sem peso

A terceira técnica de relaxamento:

Quando na cama, ou sentado, deixe-se ficar sem peso, além da mente.

Você está sentado aqui. Apenas sinta que você se tornou sem peso, que não há peso. Você
sentirá que, em algum lugar ou noutro, há peso, mas continue sentindo a ausência de peso. Vai
acontecer. Chega um momento em que você sente que está sem peso, que não há peso. Quando
não há peso, você não é mais um corpo, porque o peso é do corpo – não seu. Você é sem peso.
É por isso que houve tantos experimentos feitos. Alguém está morrendo... Muitos cientistas
por todo mundo tentaram pesar a pessoa. Se há uma pequena diferença, se quando um homem
está vivo o peso é maior e quando um homem está morto o peso é menor, então, os cientistas
podem dizer que alguma coisa saiu do corpo, que uma alma ou um eu ou alguma coisa que
estava lá não está mais – porque para a ciência nada pode ser sem peso, nada!
O peso é básico para toda a matéria. Mesmo os raios de sol têm peso. É muito, muito leve,
diminuto; e eles são difíceis de serem pesados, mas os cientistas os pesaram. Se você puder
coletar todos os raios de sol de um pedaço de terra de oito quilômetros quadrados, o peso deles
será similar ao de um fio de cabelo. Mas os raios de sol têm peso; eles foram pesados. Nada pode
ser sem peso para a ciência. E se alguma coisa pode ser sem peso, então, ela é imaterial, ela não
pode ser matéria. E a ciência acreditou por esses vinte ou vinte e cinco anos, que não há nada
além de matéria.
Assim, quando um homem morre, se alguma coisa deixa o corpo, o peso deve diferir. Mas ele
nunca difere; o peso permanece o mesmo. Algumas vezes, se torna até maior – esse é o
problema. O homem vivo pesa menos; o homem morto fica mais pesado. Isso criou novos
problemas, porque eles estavam na verdade tentando descobrir se algum peso é perdido; então,
eles podem dizer que alguma coisa foi abandonada. Mas parece que, ao contrário, alguma coisa
entrou. O que aconteceu? O peso é material, mas você não é um peso. Você é imaterial.
Se você tentar essa técnica de estar sem peso, você apenas terá que conceber a si mesmo
como sem peso – e não somente conceber, mas sentir que seu corpo se tornou sem peso. Se você
continuar sentindo, sentindo, sentindo, chega um momento em que, de repente, você percebe que
está sem peso. Você já é; assim, você pode perceber isso a qualquer momento. Você tem apenas
que criar uma situação na qual possa sentir novamente que você é sem peso.
Você tem que desipnotizar-se. Essa é a hipnose, a crença de que “eu sou um corpo e é por
isso que eu sinto peso”. Se você puder desipnotizar-se, entrando na percepção de que você não é
um corpo, você não sentirá peso. E quando você não sente peso, você está além da mente. Shiva
diz: Quando na cama ou sentado, deixe-se ficar sem peso, além da mente. Então, a coisa pode
acontecer. O cérebro também tem peso; o cérebro de cada um tem um peso diferente.
Certa vez, houve algumas proposições de que, quanto mais pesado o cérebro, maior a
inteligência. E, geralmente, isso é verdade, mas não absolutamente, porque, algumas vezes,
grandes homens tinham cérebros muito pequenos e, algumas vezes, alguns cérebros de estúpidos
idiotas pesavam muito. Mas geralmente isso é verdade, porque quando você tem um mecanismo
de mente maior, ele pesa mais. A mente é também um peso, mas a sua consciência é sem peso.
Para sentir essa consciência, você tem de sentir-se sem peso. Assim tente isto: ao caminhando,
sentado, dormindo, você pode tentá-lo.
Algumas observações... Por que o corpo morto se torna mais pesado algumas vezes? Porque
no momento em que a consciência deixa o corpo, o corpo se torna desprotegido. Muitas coisas
podem entrar nele imediatamente. Elas não estavam entrando por causa de você. Muitas
vibrações podem entrar em um corpo morto – elas não podem entrar em você. Você está ali, o
corpo está vivo, resistente a muitas coisas. É por isso que uma vez que você fique doente,
começa uma longa sequência; uma doença, então, outra, e então, outra – porque uma vez que
você esteja doente, você se torna desprotegido, vulnerável, não resistente. Então, qualquer coisa
pode entrar em você. Sua presença protege o seu corpo. Assim, algumas vezes, um corpo morto
pode ganhar peso. No momento em que você o deixa, qualquer coisa pode entrar no corpo.
Em segundo lugar, quando você está feliz, você sempre se sente sem peso; quando você está
triste, você sempre se sente mais pesado, como se alguma coisa estivesse puxando-o para baixo.
A gravidade se torna muito maior. Quando você está triste, você está se movendo mais
pesadamente. Quando você está feliz, você está leve. Você sente isso. Por quê? Porque quando
você está feliz, sempre que você sente um momento de profunda alegria, você esquece o corpo
completamente. Quando você está triste, sofrendo, você não pode esquecer o seu corpo, você
sente o peso dele. Ele o puxa para baixo – para baixo na terra, como se você estivesse enraizado.
Então, você não pode se mover; você tem raízes na terra. Na felicidade, você está sem peso. No
sofrimento, na tristeza, você se torna pesado.
Em profunda meditação, quando você esquece o seu corpo completamente, você pode levitar.
Até mesmo o corpo pode subir com você. Isso acontece muitas vezes. Cientistas estiveram
observando uma mulher na Bolívia. Enquanto está meditando, ela sobe cerca de um metro e
vinte centímetros e, agora, isso foi observado cientificamente; muitos filmes foram feitos, muitas
fotografias. Na frente de milhares e milhares de observadores, de repente, a mulher sobe e a
gravidade se torna nula, anulada. Até agora, não há nenhuma explicação para o que está
acontecendo, mas a mesma mulher não pode subir quando não está em meditação. E se sua
meditação é perturbada, de repente ela cai.
O que acontece? Profundamente em meditação, você esquece seu corpo completamente, e a
identificação é quebrada. O corpo é uma coisa muito pequena; você é muito grande, você tem
poder infinito. O corpo não tem nada em comparação a você.
É como se um imperador tivesse se tornado identificado com o seu escravo; assim, quando o
escravo vai mendigar, o imperador vai mendigar; quando o escravo se lamenta, o imperador se
lamenta. Quando o escravo diz “eu não sou ninguém”, o imperador diz “eu não sou ninguém”.
Uma vez que o imperador reconheça seu próprio ser, uma vez que ele reconheça que ele é o
imperador e que aquele homem é apenas um escravo, tudo mudará de repente.
Você é poder infinito identificado com um corpo muito finito. Uma vez que você perceba o
seu ser, então, o estado de sem peso se torna maior e o peso de seu corpo menor. Então, você
pode levitar, o corpo pode subir.
Existem muitas, muitas histórias que ainda não podem ser provadas cientificamente, mas elas
serão provadas... porque se uma mulher pode subir quatro pés, então, não há barreira. Outra
pessoa pode ir mil pés, outra pode ir totalmente para o cosmos. Teoricamente, não há problema:
um metro ou cem metros ou mil metros, isso não faz diferença.
Existem histórias sobre Rama e sobre muitos outros que desapareceram completamente com
o corpo. Seus corpos nunca foram encontrados mortos nesta terra. Maomé desapareceu
completamente – não somente com o seu corpo; é dito que ele desapareceu com seu cavalo
também. Essas histórias parecem impossíveis, elas parecem mitológicas, mas elas não são
necessariamente assim.
Uma vez que você conheça a força sem peso, você se tornou o mestre da gravidade. Você
pode usá-la; ela depende de você. Você pode desaparecer completamente com seu corpo.
Mas, para nós, o estar sem peso será difícil. A técnica do siddhasana[2], o modo como Buda se
senta, é o melhor jeito para se estar sem peso. Sente-se na terra – não em uma cadeira ou em
qualquer outra coisa, mas exatamente no chão. E é melhor que o chão não seja de cimento ou de
algo artificial. Apenas sente-se no chão, de forma que você esteja o mais próximo da natureza. É
bom se você puder sentar-se nu, apenas sente-se nu, no chão, na postura de Buda, siddhasana –
porque o siddhasana é a melhor postura para ficar-se sem peso. Por quê? Porque você sente mais
peso se seu corpo estiver inclinado de algum modo. Então, o seu corpo tem mais área para ser
afetada pela gravidade. Se eu estou sentado nesta cadeira, então, uma área maior de meu corpo é
afetada pela gravidade.
Quando você está de pé, uma área menor é afetada, mas você não pode ficar de pé por muito
tempo. Mahavira sempre meditava de pé – sempre, porque, então, a pessoa ocupa a menor área.
Apenas seus pés estão tocando o solo. Quando você está de pé sobre seus pés, ereto, a menor
quantidade de gravidade funciona em você – e gravidade é peso.
Sentando em uma postura de Buda, fechada – suas pernas estão cruzadas, suas mãos estão
cruzadas –, também ajuda, porque, então, sua eletricidade interior torna-se um circuito. Deixe
sua espinha ficar ereta.
Agora você pode entender por que tanta ênfase tem sido dada à espinha ereta, porque, com
uma espinha ereta, uma área cada vez menor fica ocupada; assim, a gravidade afeta-o menos.
Com os olhos fechados, equilibre-se completamente, centre-se. Incline-se para a direita e sinta a
gravidade; incline-se para a esquerda e sinta a gravidade; incline-se para frente e sinta a
gravidade; incline-se para trás e sinta a gravidade. Então, encontre o centro onde a atração menor
da gravidade é sentida, o menor peso é sentido, e permaneça aí. Então, esqueça o corpo e sinta
que você não tem peso – você é sem peso. Então, continue sentindo esse estado de sem peso. De
repente, você se torna sem peso; de repente, você não é o corpo; de repente, você está num
mundo diferente, o do incorpóreo.
O estado de sem peso é o estado de sem corpo. Então, você transcende a mente também. A
mente também é parte do corpo, parte da matéria. Matéria tem peso; você não tem nenhum peso.
Essa é a base desta técnica.
Tente qualquer técnica, mas permaneça nela por alguns dias, de forma que você possa sentir
se ela está funcionando, ou não.
Basta por hoje.

Notas_capítulo 7

[1] Shankaracharya – cargo equivalente ao de Papa no hinduísmo, diferindo na quantidade – são quatro simultaneamente; cada
um num ponto considerado localização geodésica. (N. da T.)

[2] Siddhasana – postura de corpo no ioga; postura dos siddhas, iluminados, ou postura de corpo que conduz à iluminação
(siddhahood).
Capítulo 8

TOTAL ACEITAÇÃO E NÃO DIVISÃO: O SIGNIFICADO DA PUREZA TÂNTRICA



PERGUNTAS

O que significa pureza para o tantra ?

Uma das coisas perguntadas é esta:

O que o tantra quer dizer por purificação da mente, pureza da mente, como uma
condição básica para favorecer o progresso?

O que quer que seja comumente entendido por pureza não é o que o tantra quer dizer com
isso. Comumente, nós dividimos todas as coisas em más e boas. A divisão pode ser por alguma
razão. Ela pode ser higiênica, moral ou qualquer outra coisa, mas nós dividimos a vida em dois –
bom e mau. E, comumente, sempre que nós dizemos pureza, nós estamos querendo dizer
“bondade” – as qualidades “más” não deveriam ser permitidas e as qualidades “boas” deveriam
estar presentes. Mas para o tantra essa divisão de bom e mau é sem sentido. O tantra não olha
para a vida através de nenhuma dicotomia, nenhuma dualidade, nenhuma divisão. Então, “O que
se quer dizer por pureza no tantra?” é uma pergunta muito relevante.
Se você perguntar a um santo, ele dirá que a raiva é má, o sexo é mau, que a ambição é má.
Se você perguntar a Gurdjieff, ele dirá que a negatividade é má, que qualquer emoção que seja
negativa é má e que ser positivo é bom. Se você perguntar aos jainistas, budistas, hindus, cristãos
ou muçulmanos, eles podem diferir em suas definições de bom e mau – mas eles têm definições.
Eles chamam certas coisas de más e certas coisas de boas. Assim, definir pureza não é difícil
para eles. O que quer que eles considerem bom é puro, o que quer que eles considerem mau é
impuro.
Mas para o tantra isso é um problema profundo. O tantra não faz nenhuma divisão superficial
entre bom e mau. Então, o que é pureza? O tantra diz que dividir é impuro e que viver na não-
divisão é pureza. Assim, para o tantra, pureza significa inocência – inocência indiferenciada.
Uma criança está aí; você a chama de pura. Ela fica com raiva, ela é ambiciosa; então, por
que você a chama de pura? O que é puro na infância? Inocência! Não existe divisão na mente de
uma criança. A criança é inconsciente de qualquer divisão entre aquilo que é bom e aquilo que é
mau. Essa inconsciência é a inocência. Mesmo que ela fique com raiva, ela não tem intenção de
estar com raiva – é um ato puro e simples. Ele acontece e quando a raiva se vai, ela se vai. Nada
é deixado para trás. A criança é novamente a mesma, como se a raiva nunca tivesse existido. A
pureza não é tocada; a pureza é a mesma. Assim, a criança é pura porque não existe mente.
Quanto mais a mente crescer, mais a criança se tornará impura. Então, existirá a raiva como
uma coisa considerada, não espontaneamente. Então, algumas vezes, a criança irá reprimir a
raiva – se a situação não a permite. E quando a raiva se torna reprimida, então, algumas vezes,
ela será transferida para uma outra situação, em substituição. Quando realmente não existir
nenhuma necessidade de ficar com raiva, ela ficará com raiva, porque a raiva reprimida precisará
de algum escape. Então, todas as coisas se tornarão impuras, porque a mente entrou.
Uma criança pode ser uma ladra aos nossos olhos, mas a própria criança nunca é uma ladra,
porque o próprio conceito de que as coisas pertencem a indivíduos não existe em sua mente. Se
ela pegar o seu relógio, o seu dinheiro, ou qualquer outra coisa, isso não é um roubo para ela,
porque a própria noção de que as coisas pertencem a alguém não existe ainda. Seu roubo é puro,
ao passo que, em você, até mesmo o seu não-roubo não é puro – a mente está presente.
O tantra diz que quando alguém se torna novamente como uma criança, ele torna-se puro. É
claro, ele não é uma criança – somente como uma criança. Existe a diferença e existe a
similaridade. A similaridade é a inocência reconquistada. Alguém é novamente como uma
criança. Uma criança está nua – ninguém nota a nudez, porque uma criança é ainda inconsciente
do corpo. A nudez dela tem uma qualidade diferente da sua nudez. Você está consciente do
corpo.
O sábio deve reconquistar esta inocência. Mahavira ficou nu novamente. Essa nudez
novamente tem a mesma qualidade de inocência. Ele esqueceu o corpo: ele não é mais o corpo.
Mas há também uma diferença e a diferença é grande: a criança é simplesmente ignorante, daí a
inocência. Mas o sábio é experiente, esta é a razão para sua inocência.
A criança um dia se tornará consciente de seu corpo e notará a nudez. Ela tentará se esconder,
ela se tornará culpada e sentirá vergonha. Ela se tornará ciente. Assim, sua inocência é uma
inocência da ignorância. O conhecimento irá destruí-la.
Este é o significado da história bíblica de Adão e Eva sendo expulsos do Jardim do Éden.
Eles estavam nus como crianças. Eles não estavam conscientes do corpo; eles não estavam
conscientes da raiva, da ganância, da luxúria, do sexo ou de qualquer outra coisa. Eles estavam
inconscientes. Eles eram como crianças, inocentes.
Mas Deus proibiu-lhes de comer o fruto da árvore do conhecimento. A árvore do
conhecimento era proibida, mas eles comeram dela, porque qualquer coisa proibida se torna
convidativa. Qualquer coisa proibida se torna atraente! Eles estavam vivendo em um grande
jardim, com um infinito número de árvores, mas a árvore do conhecimento se tornou a mais
importante e significativa, porque ela era proibida. Na verdade, essa proibição se tornou a
atração, o convite. Eles estavam como que magnetizados, hipnotizados pela árvore. Eles não
podiam escapar dela, eles tinham que comer.
Mas essa história é bela, porque a árvore é chamada de árvore do conhecimento. No momento
em que eles comeram o fruto do conhecimento, eles se tornaram não-inocentes. Eles se tornaram
conscientes; eles perceberam que estavam nus. Imediatamente. Eva tentou esconder seu corpo.
Com consciência do corpo, eles se tornaram conscientes de tudo – da raiva, da luxúria, da
ganância, de tudo. Eles se tornaram adultos, então, foram expulsos do jardim.
Assim, na Bíblia, conhecimento é pecado. Eles foram jogados para fora do jardim, eles foram
punidos por causa do conhecimento. A menos que eles se tornem novamente como crianças –
inocentes, sem conhecimento – eles não podem entrar no jardim. Eles podem entrar no Reino de
Deus novamente, só se preencherem essa condição de se tornarem inocentes novamente.
Tudo isso é apenas a história da humanidade. Cada criança é expelida do jardim, não somente
Adão e Eva. Cada criança vive a sua infância na inocência, sem conhecer nada. Ela é pura, mas a
pureza é da ignorância. Ela não pode durar. A menos que ela se torne uma pureza da sabedoria,
você não pode confiar nela. Ela terá de ir-se – mais cedo ou mais tarde, você terá que comer o
fruto do conhecimento.
Cada criança terá de comer o fruto do conhecimento. Era fácil no Jardim do Éden – a árvore
estava ali. Como um substituto para a árvore, nós temos escolas, colégios e universidades. Cada
criança terá de passar por isso, terá de se tornar não-inocente, terá de perder a sua inocência. O
próprio mundo precisa de conhecimento, a própria existência precisa de conhecimento. Você não
pode existir nela sem conhecimento. E no momento em que o conhecimento vem, a divisão
entra. Você começa a dividir entre o que é bom e o que é mau.
Assim, para o tantra, a divisão entre bom e mau é impureza. Antes dela, você é puro; depois
dela, você é puro; nela você é impuro. Mas o conhecimento é um mal necessário, você não pode
escapar dele. A pessoa tem de passar por ele; isso faz parte da vida. Mas a pessoa não precisa
permanecer nele para sempre, a pessoa pode transcendê-lo. A transcendência torna-o novamente
puro e inocente. Se as divisões perderam o sentido, se o conhecimento que diferencia entre bom
e mau não existe mais, você pode olhar novamente para o mundo a partir de uma atitude
inocente.
Jesus diz: “A menos que você se torne como uma criança, você não pode entrar no meu reino
de Deus.”. A menos que você se torne como uma criança... esta é a pureza do tantra.
Lao Tzu diz: “Uma polegada de divisão e o céu e o inferno são separados.”. A não-divisão é a
mente do sábio – a não-divisão absoluta! Um sábio não sabe o que é bom e o que é mau. Ele é
como as crianças, mas diferente delas também, porque ele conheceu a divisão. Ele passou por
essa divisão e a transcendeu; ele foi além dela. Ele conheceu a escuridão e a luz, mas agora, ele
foi além disso. Agora, ele vê a escuridão como parte da luz e a luz como parte da escuridão,
agora, não existe divisão. Luz e escuridão, ambas, se transformaram em um – graus de um
fenômeno. Agora, ele vê tudo como graus do um; por mais pólos opostos que elas sejam, elas
não são dois. Vida e morte, amor e ódio, bom e mau, tudo é parte de um fenômeno, uma energia.
A diferença é somente de graus e eles nunca podem ser divididos. Não pode ser demarcado que
“deste ponto em diante existe divisão”. Não existe nenhuma divisão.
O que é bom? O que é mau? A partir de onde você os define e os demarca como separados?
Eles são sempre um. Eles são apenas diferentes graus da mesma coisa. Uma vez que isso seja
conhecido e sentido, sua mente se torna novamente pura. Essa é a pureza compreendida pelo
tantra. Assim, eu definirei a pureza tântrica como inocência, não como bondade.
Mas a inocência pode ser ignorante – nesse caso, ela não é de utilidade. Ela tem de ser
perdida, você tem de ser jogado para fora dela; caso contrário, você não pode amadurecer.
Abandono do conhecimento e transcendência do conhecimento são, ambos, parte do
amadurecimento, parte da condição de ser realmente adulto. Assim, atravesse-o, mas não
permaneça aí. Mova-se! Continue se movendo! Chega um dia em que você está além dele.
É por isso que a pureza tântrica é difícil de ser compreendida e pode ser mal compreendida.
Ela é delicada! Assim, reconhecer um sábio tântrico é virtualmente impossível. Santos e sábios
comuns podem ser reconhecidos, porque eles o seguem – seus padrões, suas definições, sua
moralidade. Um sábio tântrico é certamente difícil de se reconhecer, porque ele transcendeu
todas as divisões. Assim, na verdade, em toda a história do crescimento da humanidade, nós não
conhecemos nada sobre sábios tântricos. Nada é mencionado ou registrado sobre eles, porque é
muito difícil reconhecê-los.
Confúcio foi até Lao Tzu. A mente de Lao Tzu é do tipo da de um sábio tântricamente
acordado. Ele não conheceu a palavra ‘tantra’; a palavra é sem sentido para ele. Ele nunca
conheceu nada sobre o tantra, mas o que quer que ele diga é tantra. Confúcio é representativo da
nossa mente, ele é o arquirepresentante. Ele pensa continuamente em termos de bom e mau, do
que deveria ser feito e do que não deveria ser feito. Ele é um legalista – o maior legalista que já
nasceu. Ele foi ver Lao Tzu e ele perguntou a Lao Tzu: “O que é bom? O que se deve fazer? O
que é mau? Defina isso claramente.”.
Lao Tzu disse: “Definições criam confusão, porque definir significa dividir: isso é isso e
aquilo é aquilo.”. Você divide e diz: A é A e B é B... você dividiu. Você diz que A não pode ser
B; então, você criou uma divisão, uma dicotomia; e a existência é una. A está sempre se tornando
B, A está sempre movendo-se para B. A vida está sempre se tornando morte, a vida está sempre
movendo-se para a morte, então, como você pode definir? A infância está se movendo para a
juventude e a juventude está se movendo para a velhice; a saúde está se movendo para a doença e
a doença está se movendo para a saúde. Então, onde você pode demarcá-las como coisas
separadas?
A vida é um movimento e no momento em que você define, você cria uma confusão, porque
as definições estarão mortas e a vida é um movimento vivo. Assim, as definições são sempre
falsas. Lao Tzu disse: “Definir cria não-verdade, portanto, não defina. Não diga o que é bom e o
que é mau.”.
Então, Confúcio disse: “O que você está dizendo? Então, como as pessoas podem ser
conduzidas e guiadas? Então, como elas podem ser ensinadas? Como elas podem se tornar
morais e boas?”.
Lao Tzu disse: “Quando alguém tenta tornar alguém melhor, isso é um pecado aos meus
olhos. Quem é você para conduzir? Quem é você para guiar? E quanto mais guias existirem,
maior a confusão. Deixe cada um para si mesmo. Quem é você?”.
Este tipo de atitude parece perigosa. E é! A sociedade não pode ser fundada em tais atitudes.
Confúcio continua perguntando e a coisa toda é que Lao Tzu diz: “A natureza é suficiente,
nenhuma moralidade é necessária. A natureza é espontânea. A natureza é suficiente, nenhuma lei
e disciplina impostas são necessárias. A inocência é suficiente – nenhuma moralidade é
necessária. Conhecimento não é necessário.”.
Confúcio voltou muito perturbado. Ele não pôde dormir noites seguidas. E seus discípulos
perguntaram: “Diga-nos alguma coisa sobre o encontro. O que aconteceu?”. Confúcio
respondeu: “Ele não é um homem, ele é um perigo, um dragão. Ele não é um homem. Jamais vá
ao lugar onde ele está. Sempre que você ouvir falar de Lao Tzu, fuja desse lugar. Ele perturbará
sua mente completamente.”.
E isso é certo, porque todo o tantra está interessado em como transcender a mente. Ele está
fadado a destruir a mente. A mente vive com determinações, leis e disciplinas; a mente é uma
ordem. Mas lembre-se, o tantra não é uma desordem e esse é um ponto muito sutil a ser
compreendido.
Confúcio pode não entender Lao Tzu. Quando Confúcio partiu, Lao Tzu ficou rindo sem
parar; e, então, seus discípulos perguntaram: “Por que você está rindo tanto? O que aconteceu?”.
Consta que Lao Tzu respondeu: “A mente é uma enorme barreira para a compreensão. Até
mesmo a mente de um Confúcio é uma barreira. Ele não pôde me compreender, absolutamente; e
o que quer que ele diga sobre mim será um mal-entendido. Ele pensa que irá criar ordem no
mundo. Você não pode criar ordem no mundo. A ordem é inerente a ele; ela está sempre
presente. Quando você tenta criar ordem, você cria desordem.”. Lao Tzu disse: “Ele pensará que
eu estou criando desordem e, na verdade, ele é quem está criando desordem. Eu sou contra todas
as ordens impostas, porque eu acredito em uma disciplina espontânea que vem e cresce
automaticamente. Você não precisa impô-la.”.
O tantra olha as coisas dessa maneira. Para o tantra, a inocência é espontânea, sahajata – ser
você mesmo sem qualquer imposição, ser simplesmente si-mesmo, crescendo como uma árvore.
Não a árvore de seu jardim, mas a árvore de sua floresta, crescendo espontaneamente; não
guiada, porque cada direção dada é uma má direção. Para o tantra, cada direção dada é uma má
direção. Não-guiado, não-guardado, não-dirigido, não-motivado, mas simplesmente crescendo.
A lei interior é suficiente; nenhuma outra lei é necessária. E se você precisa de uma outra lei,
isso somente mostra que você não conhece a lei interior, que você perdeu contato com ela.
Assim, a coisa real não é alguma coisa imposta. A coisa real é reconquistar o equilíbrio
novamente, mover-se para o centro novamente, retornar para casa novamente, de forma que você
ganhe a real lei interior.
Mas para a moralidade, para a religião – as assim chamadas religiões – ordem é para ser
imposta, bondade é para ser imposta de cima para baixo, de fora para dentro. Religiões,
ensinamentos morais, sacerdotes, papas, eles todos tomam você como inerentemente mau –
lembrem-se disso. Eles não acreditam na bondade do homem; eles não acreditam em qualquer
bondade interior. Eles acreditam que você é mau, que a menos que você seja ensinado a ser bom,
você não pode ser bom; a menos que a bondade seja forçada de fora para dentro, não existe
possibilidade de ela vir de dentro. Assim, para os sacerdotes, para as pessoas religiosas, para os
moralistas, você é naturalmente mau. A bondade terá de ser uma disciplina imposta de fora para
dentro. Você é um caos e a ordem tem de ser levada para dentro, por eles; eles trarão a ordem. E
eles fizeram do mundo uma confusão, uma bagunça, um hospício, porque eles estiveram
organizando durante séculos e séculos, disciplinando durante séculos e séculos. Eles ensinaram
tanto, que as pessoas ensinadas ficaram loucas.
O tantra acredita em sua bondade interior; lembre-se dessa diferença. O tantra diz que todo
mundo nasce bom, que a bondade é sua natureza. Ela é o fato! Você já é bom! Você precisa de
um crescimento natural, você não precisa de nenhuma imposição – é por isso que nada é tomado
como mau. Se a raiva está presente, se o sexo está presente, se a ganância está presente, o tantra
diz que eles são bons também. A única coisa que falta é que você não está centrado em si mesmo
– é por isso que você não pode usá-los. A raiva não é má. Na verdade, o problema é que você
não está dentro; é por isso que a raiva cria destruição. Se você está presente lá dentro, a raiva se
torna uma energia saudável, a raiva se torna saúde. A raiva é transformada em energia, ela se
torna boa. O que quer que esteja presente é bom. O tantra acredita na bondade inerente de todas
as coisas. Todas as coisas são sagradas, nada é profano e nada é mau. Para o tantra, não há
nenhum demônio, somente existência divina.
As religiões não podem existir sem o demônio. Elas precisam de um Deus e elas precisam de
um Demônio também. Então, não seja enganado, se você vê apenas um Deus nos seus templos.
Exatamente atrás desse Deus, o Demônio está escondido, porque nenhuma religião pode existir
sem o Demônio.
Alguma coisa tem que ser condenada, alguma coisa tem que ser combatida, alguma coisa tem
que ser destruída. A totalidade não é aceita, somente parte. Isso é algo muito básico. Você não é
aceito totalmente por nenhuma religião, apenas parcialmente. Elas dizem: “Nós aceitamos o seu
amor, mas não o seu ódio. Destrua o ódio.”. E isso é um problema muito profundo, porque,
quando você destrói o ódio completamente, o amor também é destruído – porque eles não são
dois. Elas dizem: “Nós aceitamos o seu silêncio, mas nós não aceitamos sua raiva.”. Destrua a
raiva, e sua vivacidade é destruída. Então, você será silencioso, mas não um homem vivo –
apenas um homem morto. Esse silêncio não é vida, é simplesmente morte.
As religiões sempre dividem você em dois: o mal e o divino. Elas aceitam o divino e são
contra o mal – o mal tem de ser destruído. Assim, se alguém realmente segui-las, terá de concluir
que, no momento em que você destrói o Demônio, Deus é destruído. Mas ninguém na verdade as
segue – ninguém pode segui-las, porque o próprio ensinamento é absurdo. Assim, o que todo
mundo está fazendo? Todo mundo está apenas fingindo. É por isso que existe tanta hipocrisia.
Essa hipocrisia foi criada pela religião. Você não pode fazer seja o que for que elas estejam
ensinando a fazer; assim, você se torna um hipócrita. Se você segui-las, você morrerá; se você
não as seguir, você se sentirá culpado porque você é irreligioso. Então, o que fazer?
A mente astuta faz um acordo. Ela vai prestando louvores fingidos a elas, dizendo “eu a estou
seguindo”, mas continua fazendo o que quer que deseja fazer. Você continua com a sua raiva,
você continua com o seu sexo, você continua com a sua ambição, mas você continua dizendo que
a ambição é má, a raiva é má, o sexo é mau – que é um pecado. Isso é hipocrisia. O mundo todo
se tornou hipócrita, nenhum homem é honesto. A menos que essas religiões que dividem,
desapareçam, nenhum homem pode ser honesto. Isso parecerá contraditório, porque todas as
religiões estão ensinando a ser honesto, mas elas são a pedra fundamental de toda a
desonestidade. Elas tornam todos desonestos; como elas ensinam a fazer coisas impossíveis que
vocês não podem fazer, vocês se tornam hipócritas.
O tantra aceita você em sua totalidade, em sua inteireza, porque o tantra diz: ou aceite
completamente, ou rejeite completamente; não existe nenhum meio-termo. Um homem é um
todo, um todo orgânico. Você não pode dividi-lo. Você não pode dizer “nós não aceitaremos
isto”, porque isso que você rejeita está organicamente unido àquilo que você aceita.
É assim... Meu corpo está aqui. Alguém vem e diz: “Nós aceitamos sua circulação sanguínea,
mas nós não aceitamos o barulho de seu coração. Esse bater contínuo de seu coração nós não
aceitamos. Nós aceitamos a sua circulação sanguínea. Ela pode ficar, ela é silenciosa.”. Mas
minha circulação sanguínea acontece através de meu coração e a batida está basicamente
relacionada com a circulação sanguínea; ela acontece por causa disso. Assim, o que eu vou
fazer? Meu coração e minha circulação sanguínea são uma unidade orgânica. Eles não são duas
coisas, eles são uma.
Assim, ou me aceite totalmente, ou me rejeite totalmente; mas não tente me dividir, porque,
então, você criará uma desonestidade, uma profunda desonestidade. Se você continuar
condenando minha batida do coração, então, eu começarei também a condenar a minha batida do
coração. Mas o sangue não será capaz de circular e eu não posso estar vivo sem ele. Então, o que
fazer? Continue como você é... e continue, o tempo todo, dizendo alguma outra coisa que você
não é, que você não pode ser.
Não é difícil ver como o coração e a circulação sanguínea estão relacionados, mas é difícil ver
como o amor e o ódio estão relacionados. Eles são um. Quando você ama alguém, o que você
está fazendo? Isso é um movimento, como a respiração saindo. Quando você ama alguém, o que
você está fazendo? Você está saindo para encontrá-lo, isso é uma respiração saindo. Quando
você odeia alguém, isso é a respiração voltando.
Quando você ama, você é atraído para alguém. Quando você odeia, você é repelido. Atração e
repulsão são as duas ondas de um movimento. Atração e repulsão não são duas coisas; você não
pode dividi-las. Você não pode dizer: “Você pode inspirar, mas você não pode expirar; ou você
pode expirar, mas não pode inspirar. Só lhe é permitido uma coisa. Ou continue expirando, ou
continue inspirando, não faça as duas coisas.”. Como você pode inspirar se não lhe é permitido
expirar? E se não lhe for permitido odiar, você não poderá amar.
O tantra diz: “Nós aceitamos o homem total, porque o homem é uma unidade orgânica.”. O
homem é uma unidade profunda; você não pode descartar nada. E isso é como deve ser – porque
se o homem não é uma unidade orgânica, então, neste universo, nada pode ser uma unidade
orgânica. O homem é o ápice da totalidade orgânica. A pedra deitada na rua é uma unidade. A
árvore é a unidade. A flor e o pássaro são unidades. Tudo é uma unidade, assim, por que não o
homem? E o homem é o ápice – uma grande unidade, um todo orgânico muito complexo. Na
verdade, você não pode negar nada. O tantra diz: “Nós o aceitamos como você é. Isso não
significa que não exista necessidade de mudar; isso não significa que, agora, você tem que parar
de crescer. Bem ao contrário, isso significa que nós aceitamos a base do crescimento.”. Agora,
você pode crescer, mas esse crescimento não será uma escolha. Esse crescimento será um
crescimento sem escolha.
Olhe! Por exemplo: quando um buda se torna iluminado nós podemos perguntar: “Para onde
foi a sua raiva – para onde? Ele tinha raiva, ele tinha sexo; assim, para onde foi o seu sexo?
Aonde foi a sua raiva? Onde está a sua ganância?”. Nós não podemos reconhecer nenhuma raiva
nele, agora. Quando ele fica iluminado, nós não podemos reconhecer nenhuma raiva nele.
Você pode reconhecer o lodo no lótus? O lótus veio do lodo. Se você nunca viu um lótus
crescendo do lodo e uma flor de lótus é trazida a você, você pode conceber que essa bela flor de
lótus nasceu do lodo ordinário de um lago? Esse belo lótus veio do feio lodo! Você pode
reconhecer o lodo em algum lugar dele? Ele está presente, mas transformado. Sua fragrância está
vindo do mesmo lodo feio. O rosado das pétalas está vindo do mesmo lodo feio. Se você
esconder essa flor de lótus no lodo, em alguns dias ela desaparecerá novamente dentro de sua
mãe. Então, novamente, você não será capaz de reconhecer para onde aquele lótus foi. Para
onde? Onde está a fragrância? Onde estão aquelas belas pétalas?
Você não pode reconhecer-se em Buda, mas você está presente – naturalmente, em um plano
maior, mais alto, transformado. O sexo está presente, a raiva está presente, o ódio está presente.
Todas as coisas que pertencem ao homem estão presentes. Buda é um homem, mas ele chegou ao
seu crescimento máximo. Ele se tornou uma flor de lótus; você não pode reconhecer o lodo, mas
isso não significa que o lodo não esteja presente. Ele está ali, mas não como lodo. Ele é uma
unidade superior. É por isso que em Buda você não pode sentir nem ódio, nem amor. É ainda
mais difícil entender porque Buda parece totalmente amoroso – nunca odiando, sempre em
silêncio, nunca com raiva. Mas o silêncio dele é diferente do seu silêncio. Não pode ser o
mesmo.
O que é o seu silêncio? Em algum lugar, Einstein disse que nossa paz não é nada além de uma
preparação para a guerra. Entre duas guerras, nós temos um intervalo de paz. Mas essa paz não é
realmente paz. Ela é apenas um intervalo entre duas guerras; assim, ela se torna uma guerra fria.
Dessa forma, nós temos dois tipos de guerra – quente e fria.
Depois da segunda guerra mundial, a Rússia e os Estados Unidos começaram uma guerra fria.
Eles não estão em paz – estão apenas na preparação para uma outra guerra. Eles estão se
aprontando. Toda guerra perturba, destrói. Você tem de se preparar novamente; assim, você
precisa de uma brecha, um intervalo. Mas se as guerras realmente desaparecerem do mundo
completamente, então, esse tipo de paz que significa guerra fria, também desaparecerá – porque
ele sempre acontece entre duas guerras. Se a guerra desaparecer completamente, essa guerra fria
que nós chamamos de paz, não poderá continuar.
O que é o seu silêncio? Apenas uma preparação entre duas raivas. Quando você parece à
vontade, o que é isso? Você está realmente relaxado, realmente à vontade, ou você está apenas se
preparando para outro surto, para outra explosão? A raiva é um desperdício de energia; assim,
você também precisa de tempo. Quando você fica com raiva, você não pode ficar com raiva de
novo, imediatamente. Quando você entra no ato sexual, você não pode entrar de novo
imediatamente. Você precisará de tempo; assim, você precisará de um período de brahmacharya
– celibato – por, pelo menos, dois ou três dias. Dependerá de sua idade. Esse celibato não é o
verdadeiro celibato, você está apenas se preparando novamente.
Entre dois atos sexuais não pode haver brahmacharya. Você continua chamando o período
entre duas refeições de jejum. É por isso que, de manhã, você tem o “desjejum”; mas onde está o
jejum? Você estava apenas se preparando. Você não pode continuar empurrando comida para
dentro de si continuamente, você tem de ter um intervalo, mas esse intervalo não é um jejum. Na
verdade, ele é somente uma preparação para uma outra refeição, não um jejum.
Assim, quando nós estamos silenciosos, é sempre entre duas raivas. Quando nós estamos à
vontade, é sempre entre duas culminações de tensão. Quando nós estamos celibatários, é somente
entre dois atos sexuais. Quando nós estamos amando, é sempre entre dois ódios – lembre-se
disso.
Desse modo, quando Buda está silencioso, não pense que o silêncio dele é o seu. Quando a
raiva dele desapareceu, o silêncio dele desapareceu também – ambos existem juntos; eles não
podem estar separados. Assim, quando Buda é um brahmacharya – um celibatário – não pense
que o celibato dele é o seu. Quando o sexo desapareceu, o brahmacharya também desapareceu,
ambos eram parte de uma coisa só; assim, ambos desapareceram. Com um buda, um ser muito
diferente está presente, tanto que você nem pode conceber. Você só pode conceber a partir da
dicotomia que você conhece. Você não pode conceber que tipo de homem é esse, o que
aconteceu a ele.
Toda a energia chegou a um nível diferente, a um diferente plano de existência. O lodo se
tornou um lótus, mas ele ainda está presente. O lodo não foi descartado do lótus; ele foi
transformado.
Assim, todas as energias dentro de você são aceitas pelo tantra. O tantra não é pelo descarte
seja do que for, mas pela transformação. E o tantra diz que o primeiro passo é aceitar. O primeiro
passo é muito difícil – aceitar. Você pode ficar com raiva muitas vezes durante o dia, mas aceitar
a sua raiva é muito difícil. Estar com raiva é muito fácil; aceitar a sua raiva é muito difícil. Por
quê? Você não sente tanta dificuldade em ficar com raiva, então, por que você sente tanta
dificuldade em aceitá-la? Ficar com raiva não parece tão ruim quanto aceitá-la. Todo mundo
pensa que é um bom homem e que a raiva é apenas momentânea, que ela vem e vai. Ela não
destrói a sua auto-imagem. Você continua sendo bom. Você diz que “apenas aconteceu”. Isso
não é destrutivo para o seu ego.
Assim, aqueles que são espertos, se arrependerão imediatamente. Eles ficarão com raiva e
eles se arrependerão, pedirão perdão. Esses são os espertos. Por que eu os chamo de espertos?
Porque a raiva deles dá-lhes uma sacudida na auto-imagem. Eles começam a se sentir
desconfortáveis. Eles começam a sentir: “Eu fico com raiva? Eu sou tão ruim que fico com
raiva?”. Então, a imagem de bom homem estremece. Ele tem de tentar estabelecê-la novamente.
Imediatamente, ele diz: “Isso foi mau. Eu nunca farei isso de novo. Perdoe-me.”. Ao pedir
perdão, sua auto-imagem é estabelecida novamente. Ele está bem – de volta ao seu estado prévio,
quando não havia raiva. Ele cancelou sua raiva pelo pedido de perdão. Ele chamou a si mesmo
de mau apenas para permanecer bom.
É por isso que você pode continuar por várias vidas ficando com raiva, sendo sexual, sendo
possessivo, sendo isso e aquilo, mas nunca aceitando. Isso é um truque da mente. O que quer que
você faça é apenas na periferia. No centro, você permanece bom. Se você aceita que “eu tenho
raiva”, no centro, você se torna mau. Então, não é só uma questão de ficar com raiva; então, ela
não é momentânea. Ao contrário, a raiva faz parte da sua constituição. Então, não é que alguém o
irrite até a raiva. Mesmo que você esteja sozinho, a raiva está presente. Quando você não está
com raiva, a raiva ainda está presente, porque a raiva é sua energia, parte de você.
Não é que algumas vezes ela cintile e depois desapareça – não! Ela não pode cintilar se não
estiver sempre presente. Você pode desligar esta luz, você pode ligar esta luz; mas a corrente
deve permanecer continuamente presente. Se a corrente não estiver presente, você não a poderá
ligar e desligar. A corrente, a raiva corrente, está sempre presente; o sexo corrente está sempre
presente; a ganância corrente está sempre presente. Você pode ligá-la, você pode desligá-la. Nas
situações, você muda, mas, internamente, você permanece o mesmo.
Aceitação significa que a raiva não é um ato. Ao contrário, você é raiva. O sexo não é apenas
um ato; você é sexo. A ganância não é apenas um ato; você é ganância. Aceitar isso significa
jogar fora a auto-imagem. E todos nós construímos belas auto-imagens. Todo mundo construiu
uma bela auto-imagem – absolutamente bela. E o que quer que você esteja fazendo nunca a toca,
você continua protegendo-a. A imagem é protegida; assim, você se sente bom. É por isso que
você pode ficar com raiva, você pode ficar sexual e você não será perturbado. Mas se você aceita
e diz: “Eu sou sexo, eu sou raiva, eu sou ganância”, então, sua auto-imagem cai imediatamente.
O tantra diz que esse é o primeiro passo e o mais difícil: aceitar o que quer que você seja.
Algumas vezes nós tentamos aceitar, mas sempre que nós aceitamos, nós novamente o fazemos
de um modo muito calculado. Nossa esperteza é profunda e sutil e a mente tem maneiras muito
sutis para enganar. Algumas vezes você aceita e diz: “Sim, eu estou com raiva.”. Mas se você
aceita isso, aceita somente quando pensa em como transcender a raiva. Então, você aceita e diz:
“Tudo bem, eu estou com raiva. Agora, me diga como ir além dela”. Você aceita o sexo somente
para ser não-sexual. Sempre que você está tentando ser alguma outra coisa, você é capaz de
aceitar, porque a sua auto-imagem é novamente mantida pelo futuro.
Você é violento e você está se empenhando em ser não-violento; assim, você aceita e diz:
“Tudo bem, eu estou violento. Hoje eu estou violento, mas amanhã, entretanto, eu serei não-
violento.”. Como você se tornará não-violento? Você adia sua auto-imagem para o futuro. Você
não pensa em si mesmo no presente. Você sempre pensa em termos do ideal – de não-violência,
amor e compaixão. Então, você está no futuro. Este presente é apenas para se tornar um passado,
seu eu real está no futuro; dessa forma, você continua se identificando com ideais. Esses ideais
são também maneiras de não-aceitação da realidade. Você é violento – esse é o caso. E o
presente é a única coisa que é existencial; o futuro não é. Seus ideais são apenas sonhos. Eles são
armadilhas para adiar a mente, para focar a mente em algum outro lugar.
Você é violento; esse é o caso; assim, aceite isso. E não tente ser não-violento. Uma mente
violenta não pode ser não-violenta. Como isso é possível? Olhe profundamente dentro disso.
Você é violento; então, como você pode ser não-violento? O que quer que você faça, será feito
pela mente violenta – o que quer que faça! Mesmo quando se esforçando para ser não-violento, o
esforço será feito pela mente violenta. Você é violento; assim, tentando ser não-violento, você
será violento. No próprio esforço para ser não-violento, você tentará todo tipo de violência.
É por isso que você vai para essas pessoas que batalham pela não-violência. Elas não podem
ser violentas com os outros, mas elas são com elas mesmas. Elas são muito violentas com elas
mesmas – elas se assassinam. E quanto mais elas ficam loucas contra elas mesmas, mais elas são
celebradas. Quando elas se tornam completamente loucas, suicidas, então, a sociedade diz:
“Estes são os sábios.”. Mas elas apenas transformaram o objeto de violência, nada mais. Elas
eram violentas com outra pessoa; agora, elas são violentas com elas mesmas – mas a violência
está presente. E quando você é violento com outra pessoa, a lei pode proteger, a justiça pode
ajudar, a sociedade irá condená-lo. Mas, quando você é violento contra si mesmo, não há
nenhuma lei. Nenhuma lei pode protegê-lo contra si mesmo.
Quando o homem é contra si mesmo, não existe proteção, nada pode ser feito. E ninguém se
importa, porque é um problema seu. Ninguém mais está envolvido nisso; isso é um problema
seu. Os assim chamados monges, os assim chamados santos, eles são violentos contra eles
mesmos. Ninguém se importa. Eles dizem: “Tudo bem! Continue fazendo isso. É problema
seu.”.
Se sua mente é do tipo ganancioso, como você pode ser não-ganancioso? A mente gananciosa
permanecerá gananciosa. O que quer que seja feito por ela para ir além da ganância não irá
ajudar. Naturalmente, nós podemos criar novas ganâncias. Pergunte a uma mente gananciosa: “O
que você está fazendo apenas acumulando riquezas? Você morrerá e não poderá levar sua
riqueza com você.”. Essa é a lógica dos assim chamados pregadores religiosos – que você não
pode levar a sua riqueza com você. Mas se alguém pudesse levá-la, então, toda a lógica falharia.
O homem ganancioso sente a lógica, naturalmente. Ele pergunta: “Como eu posso levar a
riqueza comigo?”. Mas na verdade ele quer levá-la. É por isso que o sacerdote se torna influente.
Ele lhe mostra que é tolice acumular coisas que não podem ser levadas além da morte. Ele diz:
“Eu lhe ensinarei como acumular coisas que podem ser levadas. Virtude pode ser levada, punya
– boa ação – pode ser levada, bondade pode ser levada, mas não riqueza. Assim, doe sua
riqueza.”.
Mas isso é um apelo para a sua ganância. Isso está lhe dizendo: “Agora, nós lhe daremos
coisas melhores que podem ser levadas para além da morte.”. O apelo obtém resultados. O
homem ganancioso sente: “Você está certo. A morte está aí e nada pode ser feito com relação a
isso; assim, eu preciso fazer alguma coisa que possa ser levada além. Eu devo criar algum tipo de
saldo bancário no outro mundo também. O mundo, esse saldo bancário, não pode estar comigo
para sempre”. Ele continua falando nesses termos.
Percorra as escrituras... elas apelam para a sua ganância. Elas dizem: “O que você está
fazendo gastando seu tempo em prazeres momentâneos?”. A ênfase está no “momentâneo”.
Assim encontre alguns prazeres eternos; então, tudo bem. Elas não são contra os prazeres, elas
são apenas contra eles serem momentâneos. Olhe a ganância!
Algumas vezes, acontece de você poder encontrar um homem não-ganancioso, que está
desfrutando prazeres momentâneos, mas você não pode encontrar, entre seus santos, um homem
que não esteja pedindo, demandando prazeres eternos. A ganância neles é ainda maior. Você
pode encontrar um homem não-ganancioso entre homens comuns, mas você não pode encontrar
um homem não-ganancioso entre os seus assim chamados santos. Eles também querem prazeres,
mas eles são mais gananciosos do que você. Você fica satisfeito com prazeres momentâneos, e
eles não. A ganância deles é maior. A ganância deles pode somente ser saciada com prazeres
eternos.
Ganância infinita pede por prazeres infinitos – lembre-se disso. Uma ganância finita é
satisfeita com prazeres finitos. Eles lhe perguntarão: “O que você está fazendo, amando uma
mulher? Ela não é nada além de osso e sangue. Olhe bem dentro da mulher que você ama. O que
ela é?”. Eles não são contra a mulher, eles são contra os ossos, contra o sangue, contra o corpo.
Mas se a mulher é de ouro, então, tudo bem. Eles estão pedindo por mulheres de ouro.
Elas não estão neste mundo; assim, eles criam um outro mundo. Eles dizem: “No céu,
existem donzelas douradas – apsaras – que são belas e nunca envelhecem.”. No céu hindu, as
apsaras, as garotas do céu, permanecem sempre com dezesseis anos. Elas nunca envelhecem,
elas têm sempre dezesseis anos – nunca menos, nunca mais. Assim, o que você está fazendo,
gastando seu tempo com essas mulheres comuns? Pense no céu. Eles não são contra o prazer. Na
verdade, eles são contra o prazer momentâneo.
Se, por algum capricho, Deus der a este mundo o prazer eterno, todo o edifício de sua religião
cairá imediatamente; todo o apelo estará perdido. Se, de alguma forma, o saldo bancário puder
ser carregado para além da morte, ninguém estará interessado em criar saldo bancário no outro
mundo. Assim, a morte é uma grande ajuda para os sacerdotes.
Um homem ganancioso sempre é atraído por outra ganância. Se você lhe disser que e o
convencer de que a avareza dele é a causa de sua miséria e que se ele abandonar a avareza ele
atingirá o estado de graça, ele poderá tentar – porque, agora, então, você não está realmente
contra a ganância dele. Você está dando à ganância dele novos pastos. Ele pode se mover em
novas dimensões de ganância.
Assim, o tantra diz que uma mente gananciosa não pode se tornar não-gananciosa, uma mente
violenta não pode se tornar não-violenta. Mas isso parece muito sem esperança. Se esse é o caso,
então, nada pode ser feito. Então, o que o tantra pretende? Se uma mente gananciosa não pode se
tornar não-gananciosa e uma mente violenta não pode se tornar não-violenta e uma mente
obsedada por sexo não pode ser transformada além do sexo, se nada pode ser feito, então, o que
o tantra pretende? O tantra não está dizendo que nada pode ser feito. Algo pode ser feito, mas a
dimensão é completamente diferente.
Uma mente gananciosa tem de compreender que é gananciosa e aceitar isso – não, tentar ser
não-gananciosa. A mente gananciosa tem de ir fundo dentro de si mesma, para perceber a
profundidade de sua ganância. Não se mover para longe dela, mas sim permanecer com ela; não
mover-se em ideais – em ideais contraditórios, em ideais opostos –, mas permanecer no presente,
movendo-se para dentro da ganância, conhecendo a ganância, compreendendo a ganância e, não,
tentando escapar dela de qualquer forma. Se você puder permanecer com a sua ganância, muitas
coisas acontecerão. Se você puder permanecer com a sua ganância, com o seu sexo, com a sua
raiva, seu ego se dissolverá. Esta será a primeira coisa – e que grande milagre isso é!
Muitas pessoas vêm a mim e continuam perguntando como ser sem ego. Você não pode ser
sem ego a menos que olhe para as fundações de seu ego para encontrá-lo. Você é ganancioso e
você pensa que é não-ganancioso – esse é o ego. Se você é ganancioso e você sabe e aceita
totalmente que você é ganancioso, então, onde você pode permitir seu ego se erguer? Se você
tem raiva e diz que tem raiva – você não diz isso para os outros, mas você sente isso bem
profundamente, você sente o desamparo –, então, onde a sua raiva pode erguer-se? Se você é
sexual, aceite-o. O que quer que esteja presente, aceite-o.
A não-aceitação da natureza cria o ego – a não-aceitação do seu estado de ser (suchness), seu
tathata, aquilo que você é. Se você aceitá-lo, o ego não estará presente. Se você não aceitá-lo, se
você rejeitá-lo, se você criar ideais contra isso, existirá o ego. Os ideais são a matéria-prima do
ego.
Aceite a si mesmo. Mas, então, você parecerá um animal. Você não parecerá um homem,
porque seu conceito de homem está em seus ideais. É por isso que nós continuamos ensinando
aos outros a não serem como animais; e todo mundo é um animal. O que você pode fazer? Você
é um animal. Aceite a sua animalidade. E no momento em que você aceita a sua animalidade,
você fez a primeira coisa para ir além dos animais – porque nenhum animal sabe que ele é um
animal, somente o homem pode saber. Isso é ir além. Você não pode ir além pela negação.
Aceite! Quando tudo for aceito, de repente, você sentirá que você transcendeu. Quem está
aceitando? Quem aceita o todo? Aquele que aceita foi além. Se você rejeita, você permanece no
mesmo plano. Se você aceita, você vai além. Aceitação é transcendência. E se você aceita a si
mesmo totalmente, de repente, você é jogado para o seu centro. Então, você não pode se mover
para nenhum outro lugar. Você não pode se mover de seu ser, de sua natureza; assim, você é
jogado no seu centro.
Todas estas técnicas tântricas que nós estamos discutindo e tentando entender, são diferentes
modos de jogá-lo para o seu centro, de arrancá-lo da periferia. E você está tentando escapar do
centro de muitas maneiras. Ideais são bons escapes. Os idealistas são os mais sutis dos egoístas.
Muitas coisas acontecem... Você é violento e você cria um ideal de não-violência. Então,
você não precisa ir para dentro de si mesmo, dentro de sua violência; não existe necessidade.
Então, esta é a única necessidade: continuar pensando sobre a não-violência, lendo sobre a não-
violência e tentando praticar a não-violência. Você diz para si mesmo “não se aproxime da
violência”; e você é violento. Assim, você pode escapar de si mesmo, você pode ir para a
periferia, mas, então, você nunca virá para o centro. Isso é uma coisa.
Em segundo lugar, quando você cria um ideal de não-violência, você pode condenar os
outros. Agora, ficou muito fácil. Você tem o ideal para julgar todo mundo e você pode dizer para
todo mundo: “Você é violento.”. A Índia criou muitos ideais; é por isso que a Índia,
constantemente, continua condenando todo o mundo. Toda a mente da Índia é condenatória. Ela
continua condenando o mundo todo: todos os outros são violentos; somente a Índia é não-
violenta. Ninguém parece ser não-violento aqui, mas o ideal é bom para condenar os outros. Ele
nunca o transforma, mas você pode condenar os outros, porque você tem o ideal, o critério. E
sempre que você é violento, você pode racionalizar isso – sua violência é uma coisa totalmente
diferente.
Nesses últimos vinte e cinco anos, nós fomos violentos muitas vezes, mas nós nunca
condenamos nossa violência. Nós sempre a defendemos e a racionalizamos em belos termos. Se
nós somos violentos em Bengala, em Bangladesh, então, nós dizemos que é para ajudar as
pessoas de lá a alcançarem a liberdade. Se nós somos violentos em Caxemira, é para ajudar os
caxemires. Mas você sabe, todos aqueles que são fomentadores da guerra, dizem o mesmo. Se os
Estados Unidos são violentos no Vietnã, é por “aquelas pobres pessoas”. Ninguém é violento por
si mesmo; ninguém jamais foi. Nós sempre somos violentos para ajudar alguém. Mesmo que eu
o mate é para o seu próprio bem, é para ajudá-lo. E mesmo que você seja morto, mesmo que eu o
mate, veja a minha compaixão. Até mesmo para o seu próprio bem, eu posso matá-lo. Assim,
continue condenando o mundo todo.
Quando a Índia atacou Goa, quando a Índia entrou em guerra com a China, Bertrand Russell
criticou Nehru, dizendo: “Onde está a sua não-violência agora? Vocês são todos seguidores de
Gandhi. Onde está a sua não-violência agora?”. Nehru respondeu, banindo os livros de Bertrand
Russell da Índia. Os livros que Russell escreveu foram banidos. Essa é nossa mente não-violenta.
Essa foi uma boa discussão. O livro deveria ter sido distribuído gratuitamente, porque ele
argumentou belamente. Ele disse: “Vocês são um povo violento. Sua não-violência era apenas
política. Seu Gandhi não era um sábio, ele era apenas uma mente diplomática. E vocês todos
estão falando de não-violência, mas quando chega o momento, vocês se tornam violentos.
Quando os outros estão lutando, vocês se levantam em seus altares superiores e condenam o
mundo todo como violento.”.
Com indivíduos, com sociedades, com culturas, com nações, isso acontece. Se você tem
ideais, você não precisa transformar-se. Você pode sempre esperar ser transformado no futuro
pelos próprios ideais; e você pode condenar os outros muito facilmente.
O tantra diz para você permanecer consigo mesmo. O que quer que você seja, aceite-o. Não
se condene, não condene os outros. A condenação é fútil, as energias não são mudadas por isso.
O primeiro passo é aceitar. Permaneça com o fato – isso é muito científico –, permaneça com
o fato da raiva, da ganância e do sexo. E conheça o fato em sua total facticidade. Não o toque por
cima, na superfície. Conheça o fato em sua totalidade, em sua total facticidade. Mova-se dentro
dele até as raízes. E lembre-se: sempre que você pode se mover até as raízes de alguma coisa,
você a transcende. Se você pode conhecer o seu sexo até as raízes, você se torna o mestre dele.
Se você pode conhecer sua raiva até as raízes, você se torna o mestre dela. Então, a raiva se torna
apenas instrumental – você pode usá-la.
Eu me lembro de muitas coisas de Gurdjieff. Gurdjieff ensinou a seus discípulos a ficarem
com raiva, corretamente. Nós escutamos as palavras de Buda: meditação correta, pensamento
correto e contemplação correta. Nós escutamos os ensinamentos de Mahavira de visão correta e
conhecimento correto. Gurdjieff ensinou raiva correta e ganância correta e o ensinamento foi
influenciado pela velha tradição tântrica. Gurdjieff foi muito condenado no Ocidente, porque, no
Ocidente, ele era um símbolo vivo do tantra.
Ele podia ensinar raiva correta; ele podia ensinar-lhe como ficar totalmente com raiva. Se
você estivesse com raiva, ele lhe diria: “Continue. Não a reprima, deixe-a sair em sua totalidade.
Mova-se para dentro dela. Torne-se a raiva, Não retenha, não permaneça à parte. Dê um salto
profundo para dentro dela. Deixe todo o seu corpo se tornar uma chama, um fogo.”.
Você nunca se moveu nessa profundidade e você nunca viu ninguém fazer assim, porque todo
mundo é mais ou menos civilizado. Ninguém é original; todo mundo está mais ou menos
imitando. Ninguém é original! Se você puder se mover para dentro da raiva totalmente, você se
tornará apenas um fogo, uma combustão. O fogo será tão profundo, as chamas serão tão
profundas, que o passado e o futuro ambos irão cessar imediatamente. Você se tornará apenas
uma chama presente. E quando todas as suas células estão queimando, quando cada parte do
corpo se tornou fogo e você se tornou apenas raiva – não com raiva –, então, Gurdjieff diria:
“Agora, fique atento. Não reprima. Agora, fique atento. Agora, de repente, fique consciente do
que você se tornou, do que é a raiva.”.
Nesse momento de total presença, a pessoa pode se tornar, subitamente, consciente e você
pode começar a rir do absurdo de toda a coisa, da tolice, da estupidez de toda a coisa. Mas isso
não é repressão; isso é riso. Você pode rir de si mesmo, porque você transcendeu-se. Nunca,
novamente, a raiva será capaz de dominá-lo. Você conheceu a raiva em sua totalidade e, ainda
assim, você pôde rir e ainda pôde ir além dela. Você pôde ver além de sua raiva. Uma vez que
você tenha visto a totalidade dela, você sabe o que é a raiva. E agora, você também sabe que,
mesmo que toda a energia seja transformada em raiva, ainda assim, você pode ser um
observador, uma testemunha. Assim, não há nenhum medo. Lembre-se disto: que aquilo que não
é conhecido, sempre cria medo; que aquilo que é escuro, sempre cria medo. Você tem medo de
sua própria raiva.
Assim, as pessoas continuam dizendo que nós reprimimos a raiva, porque não é bom estar
com raiva, ela pode machucar os outros. Mas essa não é a causa real. A causa real é que elas
estão com medo da raiva delas. Se elas realmente ficarem com raiva, elas não sabem o que pode
acontecer. Elas estão com medo delas mesmas. Elas nunca conheceram a raiva. Ela é uma coisa
muito amedrontadora, escondida lá dentro; dessa forma, elas têm medo dela. É por isso que elas
se alinham com a sociedade, com a cultura, com a educação; e dizem: “Nós não devemos ficar
com raiva. A raiva é má. Ela machuca os outros.”.
Você tem medo de sua raiva, você tem medo de seu sexo. Você nunca esteve em seu sexo
totalmente. Você nunca esteve no sexo tão totalmente de modo que você pudesse ter esquecido
de si mesmo. Você sempre esteve presente; sua mente sempre esteve presente. E se a mente está
presente no ato sexual, então, o ato é simplesmente pseudo, falso. A mente precisa se dissolver,
você precisa se tornar apenas o corpo. Não deve haver nenhum pensamento. Se o pensamento
está presente, você está dividido. Então, o ato sexual não é nada além de liberação de energia em
excesso. Ele é uma liberação, nada mais. Mas você tem medo de ficar totalmente no sexo. É por
isso que você se alinha, é por isso que você se enquadra na sociedade e diz que o sexo é mau.
Você tem medo!
Por que você tem medo? Porque, se você se move para dentro do sexo totalmente, você não
sabe o que você pode fazer, você não sabe o que pode acontecer, você não sabe que força animal
pode surgir, você não sabe para onde seu inconsciente pode arremessá-lo. Você não sabe! Então,
você não será o mestre; você não estará no controle. Sua auto-imagem pode ser destruída. Assim,
você controla o ato sexual. E a maneira de controlá-lo é permanecendo na mente – deixe o ato
sexual existir, mas que ele seja local.
Tente entender isto: “local” e “geral”. O tantra diz que um ato sexual é local quando somente
o seu centro sexual está envolvido. Ele é local; ele é uma liberação local. O centro sexual
continua acumulando energia. Quando ele está com excesso, você tem de liberá-la; caso
contrário ela criará tensão, criará peso. Você a libera, mas isso é uma liberação local. Seu corpo
inteiro, seu ser inteiro não é envolvido. Envolvimento não-local, total, significa que cada fibra de
seu corpo, cada célula de seu corpo, o que quer que você seja, está incluído. O seu ser inteiro se
tornou sexual. Não somente o seu centro sexual, todo o seu ser se tornou sexual.
Mas aí, você tem medo, porque então, qualquer coisa é possível. E você não sabe o que pode
acontecer, porque você nunca conheceu a totalidade. Você pode fazer certas coisas que você não
pode imaginar.
Seu inconsciente explodirá. Você não se tornará um animal, mas muitos animais, porque você
passou através de muitas vidas, através de muitos corpos de animais. Você pode começar a uivar,
você pode começar a berrar, você pode começar a rugir como um leão. Você não sabe.
Qualquer coisa é possível – isso cria medo. Você precisa estar no controle, de modo que você
nunca se perca em nada. É por isso que você nunca conhece nada. E a menos que você conheça,
você não pode transcender. Aceite, mova-se profundamente, vá para as próprias raízes. Isso é o
tantra. O tantra defende profunda experiência. Qualquer coisa experienciada pode ser
transcendida; qualquer coisa reprimida nunca pode ser transcendida.
Basta por hoje.
Capítulo 9

TÉCNICAS PARA CENTRAMENTO



OS SUTRAS

13 Ou, imagine o círculo de cinco cores da cauda do pavão sendo seus cinco sentidos no
espaço ilimitado. Agora, deixe sua beleza fundir-se internamente. Similarmente, em qualquer
ponto no espaço ou em uma parede – até o ponto se dissolver. Então, seu desejo por um outro
torna-se verdade.
14 Coloque toda a sua atenção no nervo, delicado como o filamento do lótus, no centro de sua
coluna vertebral. Em tal, seja transformado.

O homem nasce com um centro, mas ele permanece completamente esquecido dele. O
homem pode viver sem conhecer seu centro, mas o homem não pode viver sem um centro. O
centro é a ligação entre o homem e a existência; ele é a raiz. Você pode não conhecê-lo,
conhecimento não é essencial para o centro existir; mas se você não o conhece, você levará uma
vida que é sem raiz – como que desenraizada. Você não sentirá nenhum chão, você não se sentirá
alicerçado; você não se sentirá em casa no universo. Você será um sem-teto.
Naturalmente, o centro está presente, mas por não o conhecer, sua vida será apenas um vagar
– sem sentido, vazia, não chegando a lugar algum. Você se sentirá como se estivesse vivendo
sem vida, vagando, apenas esperando a morte. Você pode continuar adiando de um momento
para o outro, mas você sabe muito bem que esse adiamento não levará a lugar nenhum. Você está
apenas passando o tempo e esse sentimento de profunda frustração o seguirá como uma sombra.
O homem nasce com um centro, mas não com o conhecimento do centro. O conhecimento tem
que ser conquistado.
Você tem um centro. O centro está presente; você não pode existir sem ele. Como você
poderia existir sem um centro? Como você poderia existir sem uma ponte entre você e a
existência... ou – se você gosta da palavra – ‘Deus’? Você não pode existir sem uma profunda
ligação. Você tem raízes no divino. Cada momento, você vive através dessas raízes, mas essas
raízes são subterrâneas. Exatamente como com qualquer árvore, as raízes são subterrâneas; a
árvore não está consciente de suas próprias raízes. Você também tem raízes. Esse enraizamento é
seu centro. Quando eu digo que o homem nasce com ele, eu quero dizer que é possível você se
tornar consciente de seu enraizamento.
Se você se torna consciente, sua vida se torna real; caso contrário, sua vida será simplesmente
como um sono profundo, um sonho. O que Abraham Maslow chamou de “auto-realização” é,
realmente, nada mais do que se tornar consciente de seu centro interior, onde você está ligado
com o universo total, tornando-se consciente de suas próprias raízes: você não está sozinho, você
não é atômico, você é parte deste todo cósmico. Este universo não é um mundo alienígena. Você
não é um estrangeiro, este universo é sua casa. Mas, a menos que você encontre suas raízes, seu
centro, este universo permanece uma coisa alienígena, uma coisa estranha.
Sartre diz que o homem vive como se tivesse sido atirado no mundo. Naturalmente, se você
não conhece seu centro, você sentirá um atiramento, como se você tivesse sido atirado no
mundo. Você é um estrangeiro; você não pertence a este mundo e este mundo não pertence a
você. Então, o medo, então, a ansiedade, então, a angústia são o resultado inevitável.
Um homem como um estrangeiro no universo está fadado a sentir profunda ansiedade,
apreensão, medo, angústia. Toda a sua vida será apenas uma luta, uma batalha e uma batalha que
está destinada a ser um fracasso. O homem não pode vencer, porque uma parte não pode vencer
o todo.
Você não pode vencer a existência. Você pode vencer com ela, mas nunca contra ela. E essa é
a diferença entre um homem religioso e um homem não-religioso. Um homem não-religioso é
contra o universo; um homem religioso está com o universo. Um homem religioso se sente em
casa. Ele não sente que foi atirado no mundo, ele sente que cresceu no mundo. Lembre-se da
diferença entre ser atirado e crescer.
Quando Sartre diz que o homem é atirado no mundo, a própria palavra, a própria formulação,
mostra que você não pertence. E a palavra, a escolha da palavra ‘atirado’ significa que você foi
forçado sem seu consentimento. Assim, este mundo parece hostil. Então, a angústia será o
resultado.
Isso pode ser diferente somente se você não é atirado no mundo, mas, sim, quando você
cresceu como uma parte, como uma parte orgânica. Na verdade, seria melhor dizer que você é o
universo, crescido em uma determinada dimensão que nós chamamos de “humana”. O universo
cresce em multidimensões – em árvores, em colinas, em estrelas, em planetas... em
multidimensões. O homem também é uma dimensão de crescimento. O universo está realizando-
se através de muitas, muitas dimensões. O homem também é uma dimensão avançada ao lado da
altura e do pico. Nenhuma árvore pode se tornar consciente de suas raízes; nenhum animal pode
se tornar consciente de suas raízes. É por isso que não há ansiedade para eles.
Se você não está consciente de suas raízes, de seu centro, você nunca pode estar consciente de
sua morte. A morte é somente para o homem. Ela existe somente para o homem, porque somente
o homem pode se tornar consciente de suas raízes, consciente de seu centro, consciente de sua
totalidade e seu enraizamento no universo.
Se você vive sem um centro, se você sente que é um estrangeiro, então, o resultado será a
angústia. Entretanto, se você sente que está em casa, que você é um crescimento, uma realização
do potencial da própria existência – como se a própria existência se tornasse consciente em você,
como se ela ganhasse consciência em você – se você sente dessa forma, se você, realmente,
percebe dessa maneira, o resultado será a bem-aventurança.
A bem-aventurança é o resultado de uma unidade orgânica com o universo e a angústia o
resultado de uma hostilidade. Mas, a menos que você conheça o centro, você está fadado a sentir
uma sensação de atiramento, como se a vida tivesse sido imposta a você. Esse centro que está
presente, apesar do homem não estar consciente dele, é o assunto destes sutras que nós iremos
discutir. Antes de entrarmos no Vigyan Bhairav Tantra e em suas técnicas relacionadas ao centro,
duas ou três coisas mais.
Uma: quando o homem nasce, ele está enraizado em um ponto determinado, em um
determinado chakra – centro – e este é o umbigo. Os japoneses o chamam de hara; daí o termo
haraquiri. Haraquiri significa suicídio. Literalmente, o termo significa “matando o hara” – a
espinha, o centro. Hara é o centro; “destruir o centro” é o significado de haraquiri. Mas de uma
certa maneira, nós todos cometemos haraquiri. Nós não matamos o centro, mas nós o
esquecemos, ou nós nunca nos lembramos dele. Ele está ali esperando e nós temos estado
vagueando para cada vez mais longe dele.
Quando uma criança nasce, ela está enraizada no umbigo, no hara; ela vive através do hara.
Olhe para uma criança respirando – seu umbigo vai para cima e para baixo. Ela respira com a
barriga, ela vive com a barriga – não com a cabeça, não com o coração. Mas, em pouco tempo,
ela terá de se afastar para longe dali.
Primeiro, ela desenvolverá um outro centro – este é o centro do coração, o centro da emoção.
Ela aprenderá a amar, ela aprenderá a ser amada e outro centro será desenvolvido. Esse centro
não é um centro real, esse centro é um subproduto. É por isso que os psicólogos dizem que se
uma criança não é amada, ela não será capaz de amar.
Se uma criança é educada em uma situação não-amorosa – uma situação que seja fria, sem
ninguém para amar e dar calor – ela própria nunca será capaz, em sua vida, de amar os outros,
porque o próprio centro não será desenvolvido. O amor da mãe, o amor do pai, da família, da
sociedade – eles ajudam a desenvolver um centro. Esse centro é um subproduto; você não nasceu
com ele. Assim, se ele não for ajudado a crescer, ele não crescerá. Muitas e muitas pessoas estão
sem o centro do amor. Elas continuam falando sobre o amor, elas continuam acreditando que
amam, mas elas perderam o centro; assim, como elas podem amar? É difícil ter uma mãe
amorosa e é muito difícil e raro ter um pai amoroso. Cada pai, cada mãe pensa que ele ou ela
ama. Isso não é tão fácil. 0 amor é um crescimento difícil, muito difícil. Mas se o amor não está
presente desde o começo para a criança, ela própria nunca será capaz de amar.
É por isso que toda a humanidade vive sem amor. Vocês continuam produzindo crianças, mas
vocês não sabem como lhes dar um centro de amor. Ao contrário, quanto mais a sociedade se
torna civilizada, mais ela impõe ao ser um terceiro centro, que é o intelecto. O umbigo é o centro
original. A criança nasce com ele; ele não é um subproduto. Sem ele a vida não é possível; assim
sendo, ele é dado. O segundo centro é um subproduto. Se a criança recebe amor, ela responde.
Nessa resposta, um centro cresce nela: esse é o centro do coração. O terceiro centro é a razão, o
intelecto, a cabeça. Educação, lógica e treinamento criam um terceiro centro; esse também é um
subproduto.
Mas nós vivemos no terceiro centro. O segundo é quase ausente – ou mesmo que ele esteja
presente, então, ele não está funcionando; ou mesmo que ele esteja funcionando algumas vezes,
ele funciona irregularmente. Mas o terceiro centro, a cabeça, torna-se a força básica na vida,
porque toda a vida depende desse terceiro centro. Ele é utilitário. Você precisa dele para a razão,
a lógica, o pensamento. Assim, todo mundo se torna, mais cedo ou mais tarde, orientado pela
cabeça; você começa a viver na cabeça.
Cabeça, coração e umbigo – esses são os três centros. O umbigo é um centro dado, o centro
original. O coração pode ser desenvolvido e é bom desenvolvê-lo por muitas razões. A razão
precisa ser desenvolvida também, mas a razão não deve ser desenvolvida às custas do coração –
porque, se a razão é desenvolvida às custas do coração, então, você perde a ligação e você não
pode vir para o umbigo novamente. O desenvolvimento é da razão para a existência, para o ser.
Deixe-nos entender isso dessa maneira.
O centro do umbigo está no ser; o centro do coração está no sentir; o centro da cabeça está no
saber. O saber é o mais distante do ser – o sentir está mais perto. Se você perde o centro do
sentir, então, fica muito difícil criar uma ponte entre a razão e o ser – realmente, muito difícil. É
por isso que uma pessoa amorosa pode sentir o estar em casa no mundo mais facilmente do que
uma pessoa que vive através do intelecto.
A cultura ocidental enfatizou, basicamente, o centro da cabeça. É por isso que, no Ocidente,
uma profunda preocupação é sentida pelo homem. E a profunda preocupação é com sua falta de
lar, seu vazio, seu desenraizamento. Simone Weil escreveu um livro, The Need For Roots (A
Necessidade de Raízes). O homem ocidental se sente desenraizado, como que sem raízes. A
razão é porque somente a cabeça se tornou o centro. O coração não foi treinado, ele foi
esquecido.
A batida do coração não é seu coração, ela é apenas uma função fisiológica. Assim, se você
sente a batida, não interprete erradamente como se você tivesse um coração. O coração é outra
coisa. O coração significa a capacidade de sentir; a cabeça significa a capacidade de saber. O
coração significa a capacidade de sentir, e ser significa a capacidade de ser um – ser um com
alguma coisa... a capacidade de ser um com alguma coisa.
A religião está relacionada com o ser; a poesia está relacionada com o coração; a filosofia e a
ciência estão relacionadas com a cabeça. Estes dois centros, coração e cabeça, são centros
periféricos, não centros reais, apenas centros falsos. O centro real é o umbigo, o hara. Como
atingi-lo novamente? Ou como percebê-lo?
Comumente, acontece somente algumas vezes – raramente, acidentalmente, isso acontece –
de você chegar perto do hara. Esse momento se tornará um momento muito profundo,
abençoado. Por exemplo: no sexo, algumas vezes você chega perto do hara, porque, no sexo, a
sua mente, a sua consciência, se move para baixo novamente. Você tem que deixar a sua cabeça
e descer. Em um profundo orgasmo sexual, algumas vezes acontece de você estar perto do seu
hara. É por isso que existe tanta fascinação com relação ao sexo. Não é realmente o sexo que lhe
dá a experiência de felicidade; na verdade, é o hara.
Descendo em direção ao sexo, você passa através do hara, você o toca. Mas, para o homem
moderno, até mesmo isso se tornou impossível, porque, para o homem moderno, até mesmo o
sexo é uma questão cerebral, uma questão mental. Até mesmo o sexo foi para a cabeça; pensa-se
sobre ele. É por isso que existem tantos filmes, tantas novelas, tanta literatura, pornografia e
afins. O homem pensa em sexo, mas isso é um absurdo. O sexo é uma experiência; você não
pode pensar sobre ele. E se você começa a pensar sobre ele, será cada vez mais e mais difícil
experienciá-lo, porque ele não diz respeito à cabeça, absolutamente. A razão não é necessária.
E quanto mais o homem moderno se sente incapaz de ir fundo no sexo, mais ele pensa sobre
ele. Isso se torna um círculo vicioso. E quanto mais ele pensa nele, mais o sexo se torna cerebral.
Então, até mesmo o sexo se torna fútil. Ele se tornou fútil no Ocidente, uma coisa repetitiva,
enfadonha. Não se ganha nada, você apenas vai repetindo um velho hábito. E, no final, você se
sente frustrado – como se você tivesse sido enganado. Por quê? Porque na verdade, a consciência
não desceu de volta para o centro.
Somente ao passar através do hara, você sente a felicidade. Assim, qualquer que possa ser a
causa, sempre que você passa pelo hara, você sente felicidade. Um guerreiro no campo de
batalha, algumas vezes passa pelo hara, mas não os guerreiros modernos, porque estes não são
guerreiros, absolutamente. Uma pessoa que joga uma bomba em uma cidade, está dormindo. Ela
não é um guerreiro; ela não é um lutador; ela não é um kshatriya – não é um Arjuna lutando.
Algumas vezes, quando alguém está à beira da morte, ele é atirado de volta ao hara. Para um
guerreiro que luta com sua espada, a morte é possível a qualquer momento, ele pode não existir a
qualquer momento. E quando se luta com uma espada, você não pode pensar. Se você pensar,
você não deixará de existir. Você tem de agir sem pensar, porque pensar exige tempo; se você
está lutando com uma espada, você não pode pensar. Se você pensar, então, o outro vencerá,
você deixará de existir. Não há tempo para pensar e a mente precisa de tempo. Como não há
tempo para pensar e pensar significará a morte, a consciência desce da cabeça – ela vai para o
hara e um guerreiro tem uma experiência de felicidade. É por isso que existe tanta fascinação
com a guerra. O sexo e a guerra têm sido duas fascinações e a razão é essa: você passa pelo hara.
Você passa através dele em qualquer situação de perigo.
Nietzsche diz: viva perigosamente. Por quê? Porque, no perigo, você é atirado de volta ao
hara. Você não pode pensar; você não pode executar coisas com a mente. Você tem que agir
imediatamente.
Uma cobra passa. De repente você vê a cobra e dá um pulo. Não há um pensamento
deliberado sobre isso, que “há uma cobra”. Não há nenhum silogismo; você não argumenta com
a sua mente: “Agora, existe uma cobra e a cobra é perigosa; assim, eu devo pular.”. Não há
nenhum raciocínio lógico como esse. Se você raciocinar assim, então, você não ficará vivo,
absolutamente. Você não pode raciocinar. Você tem de agir espontaneamente, imediatamente. A
ação vem primeiro e, depois, vem o pensamento. Quando você já pulou, então, você pensa.
Na vida cotidiana, quando não há perigo, você pensa primeiro; depois, você age. No perigo,
todo o processo é invertido; você age primeiro e, então, você pensa. Esse agir primeiro sem
pensar atira-o para o seu centro original – o hara. É por isso que existe a fascinação pelo perigo.
Você está dirigindo um carro cada vez mais e mais rápido e, de repente, chega a um ponto em
que cada momento é perigoso. Um momento e não existirá mais vida. Nesse momento de
suspense, quando a morte e a vida estão tão perto uma da outra quanto possível, dois pontos
muito próximos e você no meio, a mente pára: você é atirado para o hara. É por isso que existe
tanta fascinação por carros, por dirigir – dirigir rápido, dirigir loucamente. Ou você está jogando
e colocou tudo o que você tem em jogo – a mente pára, existe o perigo. No próximo momento
você pode se tornar um mendigo. A mente não pode funcionar; você é atirado para o hara.
O perigo tem seu apelo, porque, no perigo, a sua consciência comum do dia-a-dia, não pode
funcionar, o perigo vai fundo. Sua mente não é necessária; você se torna uma não-mente. Você
é! Você está consciente, mas não há nenhum pensamento. Esse momento se torna meditativo. Na
verdade, no ato de jogar, o jogador está procurando um estado meditativo de mente. No perigo –
na luta, no duelo, nas guerras – o homem sempre esteve procurando estados meditativos.
Uma felicidade repentina irrompe, explode em você. Ela se torna um transbordar interior.
Mas esses são acontecimentos repentinos, acidentais. Uma coisa é certa: sempre que você sentir
felicidade, você está mais perto do hara. Isso é certo, não importa a causa; a causa é irrelevante.
Sempre que você passa perto do centro original, você é preenchido com felicidade.
Esses sutras estão relacionados com a criação de um enraizamento no hara, no centro,
cientificamente, de uma maneira planejada – não acidental, não momentânea, mas
permanentemente. Você pode permanecer continuamente no hara, que pode se tornar seu
enraizamento. Como chegar a isso e como criar isso são as questões desses sutras.
Agora, nós trataremos do primeiro sutra que é um outro dentre os caminhos relacionados ao
ponto, ou centro.

13 Concentre-se totalmente em um objeto

Primeiro:
Ou, imagine o círculo de cinco cores da cauda do pavão sendo seus cinco sentidos no
espaço ilimitado. Agora, deixe sua beleza fundir-se internamente. Similarmente, em
qualquer ponto no espaço ou em uma parede – até o ponto se dissolver. Então, seu desejo
por um outro torna-se verdade.

Todos estes sutras estão relacionados com o como alcançar o centro interior. O mecanismo
básico usado, a técnica básica usada é esta: se você puder criar um centro do lado de fora – em
qualquer lugar: na mente, no coração, ou até mesmo fora em uma parede – e se você puder
concentrar-se totalmente nesse centro externo e eliminar o restante do mundo, você esquece o
mundo todo e somente um ponto permanece em sua consciência; de repente, você será atirado
para seu centro interior.
Como isso funciona? Primeiro entenda este... Sua mente é apenas um vagabundo, um
andarilho. Ela nunca está em um ponto. Ela está sempre indo, movendo-se, chegando, mas nunca
em um ponto. Ela vai de um pensamento até o outro, de A para B. Mas ela nunca está no A; ela
nunca está no B. Ela está sempre em movimento. Lembre-se disto: a mente está sempre se
movendo, esperando chegar em algum lugar, mas nunca chegando. Ela não pode chegar! A
própria estrutura da mente é movimento. Ela só pode se mover; essa é a natureza inerente da
mente. O próprio processo é movimento – de A para B, de B para C... vai assim sem parar.
Se você parar em A ou B ou em qualquer ponto, a mente lutará com você. A mente dirá:
“Mova-se.” – porque, se você pára, a mente morre imediatamente. Ela pode estar viva somente
em movimento. Mente significa um processo, se você pára e não se move, a mente de repente se
torna morta, ela não existe mais; somente a consciência permanece.
A consciência é a sua natureza; a mente é a sua atividade – assim como caminhar. É difícil,
porque nós pensamos que a mente é alguma coisa substancial. Nós pensamos que a mente é uma
substância – ela não é; a mente é apenas uma atividade. Assim, realmente é melhor chamá-la de
“mentalizar” do que de mente. Ela é um processo como o caminhar. Caminhar é um processo; se
você pára, não existe caminhar. Você tem pernas, mas não o caminhar. As pernas podem
caminhar, mas se você parar, existirão as pernas, mas não haverá o caminhar.
A consciência é como pernas – sua natureza. A mente é como caminhar – apenas um
processo. Quando a consciência se move de um lugar para outro, esse processo é a mente.
Quando a consciência se move de A para B, de B para C, esse movimento é a mente. Se você
pára o movimento, não existe mente. Você está consciente, mas não existe mente. Você tem
pernas, mas não o caminhar. Caminhar é uma função; a mente também é uma função, uma
atividade.
Se você parar em um ponto, a mente irá lutar. A mente dirá: “Continue!”. A mente tentará de
todas as maneiras empurrá-lo para frente ou para trás ou para qualquer lugar – mas, “Continue!”.
Qualquer lugar servirá, mas não permaneça em um ponto.
Se você insiste e se você não obedece a mente... isso é difícil, porque você sempre obedeceu.
Você nunca deu ordem à mente; você nunca foi o mestre. Você não pode ser, porque, realmente,
você nunca se desidentificou da mente. Você pensa que é a mente. Essa falácia de que você é a
mente, dá à mente total liberdade, porque, então, não há ninguém para ser o mestre dela, para
controlá-la. Não há ninguém! A própria mente se torna o mestre. Ela pode se tornar o mestre,
mas essa mestria é apenas aparente. Tente uma vez e você pode quebrar essa mestria – ela é
falsa.
A mente é apenas um escravo fingindo ser o patrão, mas ela fingiu por tanto tempo, por vidas
e vidas, que até mesmo o patrão acredita agora que o escravo é o patrão. Isso é apenas uma
crença. Tente o contrário e você saberá que essa crença era totalmente infundada.
O primeiro sutra diz: Imagine o círculo de cinco cores da cauda do pavão sendo seus cinco
sentidos no espaço ilimitado. Agora deixe sua beleza fundir-se internamente. Pense que seus
cinco sentidos são cinco cores e que essas cinco cores estão preenchendo todo o espaço.
Simplesmente imagine que seus cinco sentidos são cinco cores – cores belas, vivas, estendidas
até o espaço infinito. Então, mova-se internamente com essas cores. Mova-se internamente e
sinta o centro onde todas essas cinco cores estão se encontrando dentro de você. Isso é apenas
imaginação, mas ajuda. Simplesmente imagine essas cinco cores penetrando dentro de você e
encontrando-se em um certo ponto.
Naturalmente, essas cinco cores se encontrarão em um certo ponto: o mundo todo se
dissolverá. Em sua imaginação, existem apenas cinco cores – exatamente como em volta da
cauda do pavão – espalhadas por todo o espaço, indo profundamente dentro de você,
encontrando-se em um ponto. Qualquer ponto servirá, mas o hara é o melhor. Pense que elas
estão se encontrando em seu umbigo – que o mundo todo se tornou cores e que essas cores estão
se encontrando em seu umbigo. Veja esse ponto, concentre-se nesse ponto e concentre-se até o
ponto se dissolver. Se você se concentra no ponto, ele se dissolve, porque ele é apenas
imaginação. Lembre-se: o que quer que nós tenhamos feito é imaginação. Se você se concentrar
nele, ele se dissolverá. E quando o ponto se dissolve, você é atirado para o seu centro.
O mundo se dissolveu. Não existe mundo para você. Nesta meditação, há somente cor. Você
esqueceu o mundo todo; você se esqueceu de todos os objetos. Você escolheu somente cinco
cores. Escolha cinco cores quaisquer. Isso é especialmente para aqueles que têm um olho
aguçado, um olho muito sensível às cores. Essa meditação não será útil para qualquer um. A
menos que você tenha um olho de pintor, uma consciência colorida, a menos que você possa
imaginar cores, ela é difícil.
Você já observou que seus sonhos são sem cor? Somente uma pessoa em cem é capaz de ver
sonhos coloridos. Você vê apenas preto e branco. Por quê? O mundo todo é colorido e seus
sonhos são sem cor. Se um de vocês se lembra de que seus sonhos são coloridos, esta meditação
é para ele. Se alguém se lembrar, ainda que algumas vezes, de que vê cores em seus sonhos,
então, esta meditação será para ele.
Se você disser para uma pessoa que é insensível à cor, “Imagine todo o espaço preenchido
com cores”, ela não será capaz de imaginar. Mesmo que ela tente imaginar, se ela pensar
“vermelho”, ela só verá a palavra ‘vermelho’, não verá a cor. Ela dirá “verde” e a palavra ‘verde’
estará presente, mas não haverá nenhum verdor.
Assim, se você tem uma sensibilidade à cor, então, tente este método. Há cinco cores. O
mundo todo são apenas cores e essas cinco cores estão se encontrando em você. Bem no fundo,
em algum lugar em você, essas cinco cores estão se encontrando. Concentre-se nesse ponto e
continue se concentrando nele. Não se mova dele; permaneça nele. Não permita a mente. Não
tente pensar sobre verde ou vermelho ou amarelo ou sobre cores – não pense. Apenas veja-as
encontrando-se em você. Não pense sobre elas! Se você pensa, a mente se moveu. Apenas seja
preenchido com cores encontrando-se em você e, então, no ponto de encontro, concentre-se. Não
pense! Concentração não é pensamento; não é contemplação.
Se você, realmente, for preenchido com cores e se tornar simplesmente um arco-íris, um
pavão, e se todo o espaço for preenchido com cores, isso lhe dará uma profunda sensação de
beleza. Mas não pense sobre isso; não diga “isso é belo”. Não se mova no pensamento.
Concentre-se nesse ponto onde todas as cores estão se encontrando e continue se concentrando
nele. Ele desaparecerá, ele se dissolverá, porque ele é apenas imaginação. E se você forçar a
concentração, a imaginação não poderá permanecer lá, ela se dissolverá.
O mundo já se dissolveu; havia somente cores. Essas cores eram sua imaginação. Essas cores
imaginadas estavam se encontrando em um ponto. Esse ponto, naturalmente, era imaginação – e
agora, com profunda concentração, esse ponto se dissolverá. Onde você está agora? Onde você
estará? Você será atirado para o seu centro.
Os objetos se dissolveram através da imaginação. Agora, a imaginação se dissolverá através
da concentração. Você sozinho é deixado como uma subjetividade. O mundo objetivo foi
dissolvido; o mundo mental se dissolveu. Você existe apenas como pura consciência.
É por isso que este sutra diz: Em qualquer ponto no espaço ou em uma parede... ajudará. Se
você não puder imaginar cores, então, qualquer ponto na parede ajudará. Tome qualquer coisa
apenas como um objeto de concentração. Se ele for interno melhor, mas, novamente, existem
dois tipos de personalidade. Para aqueles que são introvertidos, será fácil conceber todas as cores
se fundindo dentro. Mas existem os extrovertidos, que não podem conceber nada internamente.
Eles podem imaginar somente o lado de fora. A mente deles se move apenas no lado de fora; eles
não podem se mover dentro. Para eles não existe nada parecido à interioridade.
O filósofo inglês David Hume disse: “Sempre que eu vou para dentro, nunca encontro
nenhum eu. Tudo o que eu encontro são reflexos do mundo exterior – um pensamento, alguma
emoção, algum sentimento. Eu nunca encontro a interioridade. Eu só encontro o mundo exterior
refletido dentro.”. Essa é a mente extrovertida por excelência e David Hume é uma das mentes
mais extrovertidas.
Assim, se você não pode sentir nada dentro e se a mente pergunta “O que essa interioridade
significa? Como entrar nela?”, então, tente algum ponto na parede como substituto. Existem
pessoas que chegam a mim e perguntam como ir para dentro. Esse é o problema, porque se você
conhece apenas o estado de ir para fora, se você conhece apenas o movimento para fora, é difícil
imaginar como ir para dentro.
Se você é um extrovertido, então, não tente esse ponto no lado de dentro, tente do lado de
fora. O resultado será igual. Faça um ponto na parede; concentre-se nele. Então, você terá que se
concentrar nele de olhos abertos. Se você está criando um centro interior, um ponto dentro,
então, você terá que se concentrar com os olhos fechados.
Faça um ponto na parede e concentre-se nele. A coisa real acontece por causa da
concentração, não por causa do ponto. Se ele é fora ou dentro é irrelevante. Depende de você. Se
você está olhando para a parede exterior, concentrando-se nela, então, continue se concentrando
até o ponto se dissolver. Isso tem de ser registrado: até o ponto ser dissolvido! Não pisque os
olhos, porque piscar os olhos dá um espaço para a mente se mover novamente. Não pisque,
porque, então, a mente começa a pensar, isso se torna um intervalo; no piscar, a concentração é
perdida. Assim, não pisque.
Você deve ter ouvido falar sobre Bodhidharma, um dos maiores mestres de meditação em
toda a história da humanidade. Uma história muito bonita é contada sobre ele.
Ele estava se concentrando em alguma coisa – alguma coisa exterior. Seus olhos poderiam
piscar e a concentração poderia ser perdida; assim, ele arrancou suas pálpebras. Essa é uma bela
historieta: ele arrancou suas pálpebras, jogou-as fora e se concentrou. Depois de algumas
semanas, ele viu algumas plantas crescendo no lugar onde ele havia atirado as suas pálpebras.
Esse caso aconteceu em uma montanha na China e o nome da montanha é Tah ou Ta. Daí, o
nome ‘tea’ (chá). Essas plantas que estavam crescendo, se tornaram o chá e é por isso que o chá
o ajuda a ficar acordado.
Quando seus olhos estão piscando e você está caindo no sono, tome uma xícara de chá, essas
são as pálpebras de Bodhidharma. É por isso que os monges zen consideram o chá sagrado. O
chá não é uma coisa comum, ele é sagrado – as pálpebras de Bodhidharma. No Japão, eles têm
cerimônias do chá e toda casa tem uma sala de chá e o chá é servido com cerimônia religiosa; ele
é sagrado. O chá tem que ser tomado numa atmosfera muito meditativa.
O Japão criou belas cerimônias em torno do ato de beber o chá. Eles entrarão na sala do chá
como se estivessem entrando em um templo. Então, o chá será feito e todo mundo se sentará
silenciosamente, escutando o samovar borbulhando. Há o vapor, o barulho e todo mundo apenas
escutando. Não é uma coisa comum... as pálpebras de Bodhidharma. E como Bodhidharma
estava tentando ficar desperto com os olhos abertos, o chá ajuda. Como a história aconteceu na
montanha Tah, ele é chamado de chá. Verdadeira ou não, essa historieta é bela.
Se você está se concentrando externamente, então, não piscar os olhos será necessário, como
se você não mais tivesse pálpebras. Esse é o significado de atirar fora as pálpebras. Você tem
apenas olhos, sem pálpebras para fechá-los. Concentrando até o ponto dissolver-se. Se você
persiste, se você insiste e não permite a mente se mover, o ponto se dissolve. E, quando o ponto
se dissolve, se você estava concentrado no ponto e existia apenas esse ponto para você no
mundo, se o mundo todo já se tinha dissolvido, se apenas esse ponto permaneceu e agora o ponto
também se dissolve, então, a consciência não pode se mover para lugar nenhum. Não há nenhum
objeto para o qual se mover – todas as dimensões estão fechadas. A mente é jogada para si
mesma, a consciência é jogada para si mesma e você entra no centro.
Assim, quer para dentro ou para fora, internamente ou externamente, concentre-se até o ponto
se dissolver. Esse ponto se dissolverá por duas razões. Se ele estiver dentro, ele é imaginário –
ele se dissolverá. Se ele está fora, ele não é imaginário, ele é real. Você fez um ponto na parede e
se concentrou nele. Então, por que esse ponto se dissolverá? Pode-se entender que ele se dissolva
dentro – ele não estava lá, absolutamente; você apenas estava imaginado-o – mas na parede ele
existe; assim, por que ele se dissolverá?
Ele se dissolve por uma certa razão. Se você se concentra em um ponto, o ponto na verdade
não se dissolverá, a mente se dissolve. Se você está concentrado em um ponto externo, a mente
não pode mover-se. Sem movimento, ela não pode viver, ela morre, ela pára. E quando a mente
pára você não pode se relacionar com algo externamente. De repente, todas as pontes estão
quebradas, porque a mente é a ponte. Quando você está se concentrando em um ponto na parede,
constantemente a sua mente fica saltando de você para o ponto, do ponto para você, de você para
o ponto. Há um saltar constante; há um processo.
Quando a mente se dissolve, você não pode ver o ponto, porque, realmente, você nunca vê o
ponto através dos olhos; você vê o ponto através da mente e através dos olhos. Se a mente não
está presente, os olhos não podem funcionar. Você pode continuar olhando fixo para a parede,
mas o ponto não será visto. A mente não está presente; a ponte está quebrada. O ponto é real –
ele está ali. Quando a mente voltar, você o verá novamente; ele está ali. Mas, agora, você não
pode vê-lo. E quando você não pode ver, você não pode mover-se para fora. De repente, você
está em seu centro.
Esse centramento o tornará consciente de suas raízes existenciais. Você saberá onde você está
unido à existência. Em você, existe um ponto que está relacionado com a existência total, que é
um com ela. Uma vez que você conheça esse centro, você saberá que você está em casa. Este
mundo não é alienígena. Você não é um estrangeiro. Você é uma pessoa íntima, você pertence ao
mundo. Não há nenhuma necessidade de nenhuma batalha, não há nenhuma luta. Não há
relacionamento hostil entre você e a existência. A existência se torna a sua mãe.
É a existência que entrou dentro de você e se tornou consciente. É a existência que floresceu
em você. Essa sensação, essa percepção, esse acontecimento... e não pode haver angústia
novamente.
A bem-aventurança não é um fenômeno; ela não é alguma coisa que acontece e, depois, se
vai. Então, a felicidade é a sua própria natureza. Quando alguém está enraizado em seu próprio
centro, a felicidade é natural. Acontece de alguém ser bem-aventurado e logo tornar-se
inconsciente de que é bem-aventurado, porque a consciência precisa de contraste. Se você é
miserável, então, você pode sentir quando você é bem-aventurado. Quando a miséria não existe
mais, em pouco tempo você se esquece da miséria, completamente. E você se esquece de sua
bem-aventurança também. E somente quando você pode esquecer-se da sua bem-aventurança
também, você é realmente bem-aventurado. Então, ela é natural. Como as estrelas estão
brilhando, como os rios estão fluindo, da mesma forma você é bem-aventurado. Seu próprio ser é
bem-aventurança. Isso não é alguma coisa que aconteceu a você: agora isso é você.
Com o segundo sutra, o mecanismo é o mesmo, a base científica é a mesma, a estrutura de
funcionamento é a mesma.

14 Coloque sua consciência na sua espinha dorsal

Coloque toda a sua atenção no nervo, delicado como o filamento do lótus, no centro de
sua coluna vertebral. Em tal, seja transformado.

Para esse sutra, para essa técnica de meditação, a pessoa tem de fechar os olhos e visualizar
sua coluna vertebral, sua espinha dorsal. É bom olhar em algum livro de fisiologia a estrutura do
corpo, ou ir a alguma escola de medicina, ou a um hospital e olhar a estrutura do corpo. Então,
feche os seus olhos e visualize sua coluna vertebral. Deixe a coluna vertebral ficar ereta, reta.
Visualize-a, veja-a e, exatamente no meio dela, visualize um nervo, delicado como o filamento
do lótus, percorrendo o centro de sua coluna vertebral. ...Em tal, seja transformado.
Se você puder, concentre-se na coluna vertebral e, então, em um filamento no meio dela – em
um nervo muito delicado como um filamento de lótus percorrendo-a. Concentre-se nele e essa
própria concentração o joga para o seu centro. Por quê?
A coluna vertebral é a base de toda a sua estrutura corporal. Todas as coisas estão unidas a
ela. Na verdade, seu cérebro não é nada além de um pólo de sua coluna vertebral. Os fisiologistas
dizem que ele não é nada mais do que um crescimento da coluna vertebral; seu cérebro é,
realmente, um crescimento de sua coluna vertebral.
Sua espinha está conectada a todo o seu corpo – tudo está conectado a ela. É por isso que ela
é chamada de a espinha, a base. Nessa espinha existe, realmente, uma coisa parecida com um
filamento, mas a fisiologia não dirá nada sobre ele, porque ele não é material. Nessa espinha,
exatamente no meio, existe um cordão prateado – um nervo muito delicado. Ele não é realmente
um nervo no sentido fisiológico. Você não pode ser operado e ele encontrado; ele não será
encontrado lá.
Mas, em profunda meditação, ele é visto. Ele está presente; ele é não-material. Ele é energia,
não é matéria. E, realmente, esse cordão de energia em sua coluna vertebral é a sua vida. Através
dele, você está relacionado com a existência invisível e, através dele também, você está
relacionado ao visível. Essa é a ponte entre o invisível e o visível. Através desse filamento, você
está relacionado ao corpo e, através desse filamento também, você está relacionado à sua alma.
Primeiro, visualize a espinha. A princípio, você se sentirá muito estranho, você será capaz de
visualizá-la, mas como uma imaginação. E se você continuar se esforçando, então, não será
apenas uma imaginação. Você se tornará capaz de ver sua coluna vertebral.
Eu estive trabalhando com um buscador nessa técnica. Eu lhe dei uma gravura da estrutura
corporal para ele se concentrar, de forma que ele pudesse começar a sentir como a coluna
vertebral pode ser visualizada internamente. Então, ele começou. Dentro de uma semana ele
voltou e disse: “Isso é muito estranho. Eu tentei ver a gravura que você me deu, mas muitas
vezes essa gravura desaparecia e eu via uma espinha diferente. Ela não é exatamente como a
gravura que você me deu.”.
Então, eu lhe disse: “Agora, você está no caminho certo. Esqueça a gravura completamente e
continue vendo a espinha que se tornou visível para você.”.
O homem pode ver a sua própria estrutura corporal a partir de dentro. Nós não tentamos isso,
porque é muito, muito amedrontador, repulsivo; porque quando você vê os seus ossos, o seu
sangue, as suas veias, você fica assustado. Assim, realmente, nós bloqueamos completamente a
nossa mente de ver internamente. Nós vemos o corpo a partir de fora, como se outra pessoa
estivesse olhando para o corpo. É como se você fosse para fora desta sala e olhasse para ela;
então, você conhece as paredes externas. Entre e olhe a casa; então, você pode olhar para as
paredes internas. Você vê o seu corpo a partir de fora como se você fosse outra pessoa vendo o
seu corpo. Você não viu o seu corpo a partir de dentro. Nós somos capazes disso, mas, por causa
desse medo, isso tornou-se uma coisa estranha.
Os livros indianos de ioga dizem muitas coisas sobre o corpo, que foram consideradas
corretas pelas novas pesquisas científicas. E a ciência é incapaz de explicar esse fato. Como eles
podiam saber? A cirurgia e o conhecimento do interior do corpo humano são desenvolvimentos
muito recentes. Como eles podiam saber de todos os nervos, de todos os centros, de toda a
estrutura interna? Eles sabiam até mesmo sobre os últimos achados; falaram sobre eles,
trabalharam neles. O ioga sempre esteve ciente de todas as coisas básicas e significativas do
corpo. Mas eles não estavam dissecando corpos; assim, como eles podiam saber?
Realmente, existe um outro modo de se olhar para o seu próprio corpo – a partir de dentro. Se
você pode se concentrar dentro, de repente, você começa a ver o seu corpo – o conteúdo interno
do corpo. Isso é bom para aqueles que são profundamente orientados pelo corpo. Se você se
sente um materialista, se você sente ser nada mais do que o corpo, esta técnica será muito útil
para você. Se você sente ser um corpo, se você acredita em Charvaka ou em Marx, se você
acredita que o homem não é nada mais do que um corpo, esta técnica será muito útil para você.
Então, vá e veja a estrutura óssea do homem.
Nas antigas escolas de ioga e tantra, eles usavam muitos ossos. Até mesmo hoje em dia, um
tântrico sempre será encontrado com alguns ossos, com um crânio de homem. Realmente, é para
ajudar na concentração do interior. Primeiro, ele se concentra naquele crânio; depois, ele fecha
os olhos e tenta visualizar seu próprio crânio. Ele continua tentando ver o crânio exterior do lado
de dentro; e, em pouco tempo, ele começa a sentir seu próprio crânio. Sua consciência começa a
ficar focada. Aquele crânio externo, a concentração nele e a visualização, são apenas uma ajuda.
Uma vez que você esteja focado internamente, você pode se mover de seus dedos do pé até a
cabeça. Você pode se mover internamente – e esse é um grande universo. Seu pequeno corpo é
um grande universo.
Este sutra usa a coluna vertebral, porque dentro da coluna vertebral existe um filamento de
vida. É por isso que existe tanta insistência na coluna ereta, porque se a coluna não estiver ereta,
você não será capaz de ver o filamento interior. Ele é muito delicado, é muito sutil – ele é
mínimo. Ele é uma energia fluindo. Assim, se a coluna está ereta, absolutamente ereta, somente
então, você pode ter relances desse filamento.
Mas nossa coluna vertebral não está ereta. Os hindus tentaram tornar a coluna vertebral de
todo mundo ereta, desde a infância. O modo deles sentarem-se, o modo deles dormirem, o modo
deles caminharem eram todos baseados, principalmente, em uma coluna vertebral ereta. Se a
coluna vertebral não está ereta, então, é muito difícil ver o âmago mais interior. Ele é delicado –
e na verdade, ele não é material. Ele é imaterial; ele é uma força. Quando a coluna vertebral está
absolutamente ereta, a força na forma de um filamento é visto facilmente.
...Em tal, seja transformado. Uma vez que você possa sentir, concentrar e perceber esse
filamento, você será preenchido com uma nova luz. A luz estará vindo de sua coluna vertebral.
Ela se espalhará por todo o seu corpo; ela pode inclusive ir além de seu corpo. Quando ela vai
além, as auras são vistas.
Todo mundo tem uma aura, mas comumente as suas auras não são nada mais do que sombras
sem nenhuma luz em si – apenas sombras escuras em sua volta. E essas auras refletem todos os
seus humores. Quando vocês estão com raiva, então, as suas auras se tornam como que
preenchidas de sangue; elas se tornam preenchidas de vermelho, a expressão da raiva. Quando
vocês estão tristes, sombrios, para baixo, então, suas auras são preenchidas com filamentos
escuros, como se vocês estivessem muito perto da morte – todas as coisas mortas, pesadas.
Quando essa coluna vertebral ereta é percebida, suas auras se tornam iluminadas. Assim, um
Buda, um Mahavira, um Krishna, um Cristo não são pintados com auras apenas como
decorações. Aquelas auras existem. Sua coluna vertebral começa a jorrar luz. Dentro, você se
torna iluminado – todo o seu corpo se torna um corpo de luz – então, isso penetra o exterior.
Assim, realmente, para um buda, para qualquer um que seja iluminado, não existe nenhuma
necessidade de perguntar o que ele é. A aura mostra tudo. E quando alguém se torna iluminado, o
mestre sabe disso, porque a aura revela tudo.
Eu contarei a vocês uma história... Eno, um mestre chinês, estava trabalhando com seu
mestre. Quando Eno veio para o seu mestre, o mestre disse: “Para que você veio aqui? Não há
nenhuma necessidade de vir a mim.”. Ele não pôde entender. Eno pensou que ele ainda não
estava pronto para ser aceito, mas o mestre estava vendo alguma coisa mais. Ele estava vendo
sua aura crescendo. Ele estava dizendo isto: “Mesmo que você não tivesse vindo a mim, a coisa
está fadada a acontecer mais cedo ou mais tarde, em qualquer lugar. Você já está nela, assim, não
existe necessidade de vir a mim.”.
Mas Eno disse: “Não me rejeite.”. Assim, o mestre aceitou-o e disse para ele ir para os fundos
do mosteiro, na cozinha do mosteiro. Era um grande mosteiro de quinhentos monges. O mestre
disse a Eno: “Vá para os fundos do mosteiro e ajude na cozinha e não venha novamente a mim.
Quando for necessário, eu irei a você.”.
Nenhuma meditação foi dada a Eno, nenhuma escritura para ler, estudar ou meditar sobre.
Nada foi ensinado a ele; ele simplesmente foi atirado na cozinha. Todo o mosteiro estava
trabalhando. Havia pânditas, eruditos e havia meditadores e havia iogues e todo o mosteiro
estava atribulado. Todo mundo estava trabalhando e esse Eno estava apenas limpando arroz e
fazendo trabalho de cozinha.
Doze anos se passaram. Eno não foi mais até o mestre, porque isso não era permitido. Ele
esperou, esperou, esperou... ele simplesmente esperou. Ele era apenas um servente. Os eruditos
vinham, os meditadores vinham e ninguém sequer prestava atenção a ele. E havia grandes
eruditos no mosteiro.
Então, o mestre declarou que a sua morte estava próxima e que, agora, ele queria apontar
alguém para funcionar em seu lugar; assim, ele disse: “Aqueles que acham que estão iluminados,
devem compor um pequeno poema de quatro linhas. Nessas quatro linhas, você deve colocar
tudo o que você conquistou. E se eu aprovar algum poema e vir que as linhas mostram que a
iluminação aconteceu, eu escolherei esse alguém como meu sucessor.”.
Havia um grande erudito no mosteiro e ninguém tentou fazer o poema, porque todo mundo
sabia que ele iria ganhar. Ele era um grande conhecedor das escrituras; assim, ele compôs as
quatro linhas. Essas quatro linhas eram exatamente assim... o significado delas era este: “A
mente é como um espelho e a sujeira se acumula nele. Limpe a sujeira e você está iluminado.”.
Mas até mesmo esse grande erudito estava com medo, porque o mestre saberia. Ele já sabe
quem é iluminado e quem não é. Embora tudo o que ele tenha escrito seja belo, isso é a própria
essência de todas as escrituras – a mente é como um espelho e a sujeira acumula-se nele; remova
a sujeira e você está iluminado – essa era toda a substância de todo o Vedas, mas ele sabia que
aquilo era tudo o que era. Ele não tinha conhecido nada; então, ele estava com medo.
Ele não foi diretamente ao mestre, mas, à noite, ele foi à cabana, à cabana do mestre, e
escreveu todas as quatro linhas na parede sem assinar – sem nenhuma assinatura. Dessa maneira,
se o mestre aprovasse e dissesse “Ótimo, está certo.”, então, ele diria: “Eu as escrevi.”. Se ele
dissesse: “Não! Quem escreveu estas linhas?”, então, ele se manteria em silêncio, ele pensou.
Mas o mestre aprovou. De manhã o mestre disse: “Ótimo!” – ele riu e disse: “Ótimo! O
homem que escreveu isso é um iluminado.”.
Assim, todo o mosteiro começou a falar sobre isso. Todo mundo sabia quem tinha escrito
aquilo. Eles estavam discutindo e apreciando e as linhas eram belas! – realmente belas. Então,
alguns monges foram até a cozinha. Eles estavam bebendo chá e estavam conversando, e Eno
estava lá servindo-os. Ele ouviu o que tinha acontecido.
No momento em que ele ouviu aquelas quatro linhas, ele riu. Então, alguém perguntou: “Por
que você está rindo, seu tolo? Você não sabe nada; há doze anos você está servindo na cozinha.
Por que você está rindo?”.
Ninguém sequer o tinha ouvido rir antes. Ele era considerado um idiota, que nem falar sabia.
Então, ele disse: “Eu não posso escrever e eu nem sou um iluminado, mas essas quatro linhas
estão erradas. Assim, se alguém vier comigo, eu comporei quatro linhas. Se alguém vier comigo,
poderá escrever na parede. Eu não posso escrever; eu não sei escrever.”.
Então, alguém o acompanhou – apenas como uma piada. Uma multidão foi até lá e Eno disse:
“Escreva: ‘Não existe mente e não existe espelho, assim, onde pode a sujeira se acumular?
Aquele que sabe isso é iluminado.’.”.
Mas o mestre apareceu e disse para Eno: “Você está errado.”. Eno tocou-lhe os pés e retornou
à cozinha.
À noite, quando todo mundo estava dormindo, o mestre foi até Eno e disse: “Você está certo,
mas eu não podia dizer isso na frente daqueles idiotas – e eles são idiotas instruídos. Se eu
tivesse dito que você é o indicado como meu sucessor, eles o teriam morto. Assim, fuja daqui!
Você é meu sucessor, mas não diga isso a ninguém. E eu sabia disso desde o dia em que você
chegou. Sua aura estava crescendo; é por isso que nenhuma meditação foi-lhe dada. Não havia
necessidade. Você já estava em meditação. E esses doze anos de silêncio – sem fazer nada, nem
mesmo meditação – esvaziaram-no completamente de sua mente, e a aura se tornou cheia. Você
se tornou uma lua cheia. Mas fuja daqui! Caso contrário, eles o matarão.
“Você esteve aqui por doze anos e a luz esteve sempre expandindo-se de você, mas ninguém
observou isso. E eles estavam vindo à cozinha todos os dias – três, quatro vezes. Todo mundo
passou por aqui; foi por isso que eu o coloquei na cozinha. Mas ninguém reconheceu a sua aura.
Então, fuja daqui.”.
Quando o filamento da coluna vertebral é tocado, visto, percebido, uma aura começa a crescer
em torno de você. ...Em tal, seja transformado. Seja preenchido com essa luz e seja
transformado. Isso é também um centramento – um centramento na coluna vertebral. Se você é
orientado pelo corpo, essa técnica irá ajudá-lo. Se você não é orientado pelo corpo, ela será
muito difícil, será muito difícil visualizar a partir de dentro. Então, olhar para o corpo a partir de
dentro será difícil.
Este sutra será mais útil para as mulheres do que para os homens. Elas são mais orientadas
pelo corpo. Elas vivem mais no corpo; elas sentem mais. Elas podem visualizar mais o corpo. As
mulheres são mais orientadas pelo corpo do que os homens, mas, para qualquer um que possa
sentir o corpo, que sinta o corpo, que possa visualizar, que possa fechar seus olhos e sentir o seu
corpo a partir de dentro, essa técnica será muito útil.
Então, visualize a coluna vertebral e no meio um cordão prateado percorrendo-a. Primeiro,
isso pode parecer imaginação, mas, em pouco tempo você sentirá que a imaginação desapareceu
e que a sua mente se tornou focada nesta coluna vertebral. E, então, você verá sua própria
espinha. No momento em que você vê o âmago mais interno, de repente, você sentirá uma
explosão de luz dentro de você.
Algumas vezes, isso pode também acontecer sem nenhum esforço. Isso acontece algumas
vezes. Novamente, em um ato sexual profundo isso, algumas vezes, acontece. O tantra sabe: em
um ato sexual profundo, toda a sua energia se torna concentrada próximo à espinha. Na verdade,
em um profundo ato sexual, a espinha começa a descarregar eletricidade. E, algumas vezes,
inclusive, se você tocar a espinha, você levará um choque. Se o intercurso é muito profundo e
muito amoroso e longo – na verdade, se dois amantes estão apenas em um profundo abraço, em
silêncio, sem se movimentar, apenas sendo preenchidos um pelo outro, apenas permanecendo em
um profundo abraço –, isso acontece. Aconteceu muitas vezes de um quarto escuro, de repente,
ficar cheio de luz e ambos os corpos ficarem envolvidos numa aura azul.
Muitos, muitos casos aconteceram. Até mesmo em algumas de suas experiências, isso pode
ter acontecido, mas você pode não ter percebido que, em um quarto escuro, em profundo amor,
de repente, você sente uma luz em volta de ambos os seus corpos e que a luz se espalha e
preenche todo o quarto. Muitas vezes aconteceu de, subitamente, as coisas caírem da mesa no
quarto, sem nenhuma causa visível. E, agora, os psicólogos dizem que em um profundo ato
sexual, a eletricidade é descarregada. Essa eletricidade pode ter muitos efeitos e impactos. Coisas
podem cair de repente, mover-se ou ser quebradas e até mesmo fotografias já foram tiradas, nas
quais a luz é visível. Mas essa luz está sempre concentrada em volta da coluna vertebral.
Assim, algumas vezes, num ato sexual profundo também – e o tantra conhece isso muito bem
e trabalhou nisso –, você pode se tornar consciente, se você puder olhar internamente para o
filamento que corre no meio da coluna vertebral. E o tantra usou o ato sexual para essa
percepção, mas, então, o ato sexual tem de ser totalmente diferente, a qualidade tem de ser
diferente. Ele não é algo para ser levado a cabo; ele não é algo para ser feito como um alívio; ele
não é algo a ser terminado apressadamente; ele não é um ato corporal então. Então, ele é uma
profunda comunhão espiritual. Na verdade, através dos dois corpos, ele é um profundo encontro
de duas interioridades, de duas subjetividades, penetrando uma a outra.
Assim, eu sugiro que você tente esta técnica quando em um profundo ato sexual – ela será
mais fácil. Simplesmente esqueça o sexo. Quando em um profundo abraço, permaneça dentro de
si. Esqueça a outra pessoa também, apenas vá para dentro e visualize sua coluna vertebral. Será
mais fácil, porque, então, mais energia estará fluindo próximo da coluna vertebral e o filamento
fica mais visível, porque você está em silêncio, porque seu corpo está em repouso. O amor é o
mais profundo relaxamento, mas nós fizemos do amor uma grande tensão também. Nós fizemos
dele uma ansiedade, uma carga.
No calor do amor, preenchido, relaxado, feche os olhos. Mas os homens comumente não
fecham os olhos. Comumente, as mulheres fecham os olhos. É por isso que eu disse que as
mulheres são mais orientadas pelo corpo, ao passo que os homens não. Em um profundo abraço
no ato sexual, as mulheres fecharão os olhos. Na verdade, elas não podem amar com os olhos
abertos. Com os olhos fechados, elas sentem o corpo mais a partir de dentro.
Feche os olhos e sinta o seu corpo. Relaxe. Concentre-se na coluna vertebral. E este sutra diz
muito simplesmente: ...Em tal, seja transformado. E você será transformado através dele.
Basta por hoje.
Capítulo 10

AUTO-REALIZAÇÃO: A NECESSIDADE BÁSICA



PERGUNTAS

A auto-realização é uma necessidade básica ?


Por gentileza, explique contemplação, concentração e meditação.
Como o processo mental pode ajudar na aquisição da não-mente?
De que forma o treino para o desenvolvimento do centro do umbigo difere daquele dos centros
do coração e da cabeça ?
Todos os iluminados estão centrados no umbigo?

Há muitas perguntas. A primeira:

A auto-realização é uma necessidade básica do homem?

Primeiro, tente entender o que se pretende dizer por auto-realização. A. H. Maslow usou esse
termo ‘auto-realização’. O homem nasce como uma potencialidade. Ele realmente não é efetivo
– apenas potencial. O homem nasce como uma possibilidade, não como uma efetividade. Ele
pode se tornar alguma coisa; ele pode alcançar a efetivação de sua potencialidade, ou ele pode
não alcançar. A oportunidade pode ser usada, ou pode não ser usada. E a natureza não o está
forçando a tornar-se efetivo. Você é livre. Você pode escolher tornar-se efetivo; você pode
escolher não fazer nada quanto a isso. O homem nasce como uma semente. Assim, nenhum
homem nasce preenchido – apenas com a possibilidade do preenchimento.
Se esse é o caso – e esse é o caso –, então, a auto-realização se torna uma necessidade básica.
Porque, a menos que você seja preenchido, a menos que você se torne o que você pode ser ou o
que você está destinado a ser, a menos que seu destino seja preenchido, a menos que você
realmente alcance, a menos que sua semente se torne uma árvore preenchida, você sentirá que
perdeu alguma coisa. E todo mundo está sentindo que está perdendo alguma coisa. Esse
sentimento de perda é realmente por causa disso, pois você ainda não é efetivo.
Não é realmente que você esteja perdendo riqueza ou posição, prestígio ou poder. Mesmo que
você alcance tudo o que quer – riqueza, poder, prestígio, qualquer coisa –, você sentirá essa
constante sensação de alguma coisa faltando dentro de você, porque, essa alguma coisa faltando
não está relacionada com algo exterior. Ela está relacionada com o seu crescimento interior. A
menos que você se torne preenchido, a menos que você chegue a se realizar, a florescer, a menos
que você chegue a uma satisfação interior na qual sinta “Agora sim; isto é o que eu estava
destinado a ser!”, essa sensação de alguma coisa faltando será sentida. E você não pode destruir
essa sensação de alguma coisa faltando, com nenhuma outra coisa.
Assim, a auto-realização significa que uma pessoa se tornou o que era para se tornar. Ela
nasceu como uma semente e, agora, floresceu. Ela chegou ao crescimento completo, um
crescimento interior, à finalidade interna. No momento em que você sente que todas as suas
potencialidades se tornaram efetivas, você sentirá o pico da vida, do amor, da própria existência.
Abraham Maslow, que usou esse termo, “auto-realização”, também cunhou um outro termo:
“experiência de pico”. Quando alguém alcança a si mesmo, ele chega a um pico – um pico de
bem-aventurança. Então, não há nenhum anseio por mais nada. Ele está totalmente contente
consigo mesmo. Agora, nada está faltando; não há desejo, nem demanda, nem movimento. O que
quer que ele seja, ele está totalmente contente consigo mesmo. A auto-realização se torna uma
experiência de pico e somente uma pessoa auto-realizada pode alcançar experiências de pico.
Então, tudo o que ela toca, tudo o que ela está fazendo ou não fazendo – até mesmo
simplesmente existindo – é uma experiência de pico para ela; simplesmente ser é venturoso.
Então, a bem-aventurança não está relacionada com nenhuma coisa externa, ela é apenas um
subproduto do crescimento interior.
Um buda é uma pessoa auto-realizada. É por isso que nós retratamos Buda, Mahavira e outros
– eis por que fizemos esculturas, pinturas, representações deles –, sentados em um lótus
totalmente florido. Esse lótus totalmente florescido é o pico do florescimento interior.
Interiormente, eles desabrocharam e se tornaram totalmente florescidos. Esse florescimento
interior dá uma radiância, um constante jorrar de bem-aventurança. Todos aqueles que chegam,
ainda que dentro de suas sombras, todos aqueles que chegam perto deles, sentem uma atmosfera
silenciosa em torno de si.
Há uma história interessante sobre Mahavira. É um mito, mas os mitos são belos e dizem
muito daquilo que não pode ser dito de outra forma. Dizem que quando Mahavira passava, tudo à
sua volta, em uma área de cerca de quarenta quilômetros, todas as flores desabrochavam. Mesmo
que não fosse a estação das flores, elas desabrochavam. Isso é simplesmente uma expressão
poética, mas mesmo alguém que não fosse auto-realizado, se entrasse em contato com Mahavira,
seu florescimento se tornaria infeccioso e a pessoa sentiria um florescimento interior em si
mesma também. Ainda que não fosse a estação certa para a pessoa, mesmo que ela não estivesse
pronta, ela irradiaria, sentiria um eco. Se Mahavira estivesse perto de alguém, essa pessoa
sentiria um eco dentro de si mesma e poderia ter um vislumbre do que ela poderia ser.
A auto-realização é uma necessidade básica. E quando eu digo básica, eu quero dizer que, se
todas as suas necessidades forem preenchidas, todas, exceto a auto-realização, a auto-efetivação,
você se sentirá não-preenchido. Na verdade, se a auto-realização acontecer e nada mais for
preenchido, ainda assim, você sentirá um preenchimento profundo, total. É por isso que Buda era
um mendigo, mas, ainda assim, um imperador.
Buda chegou em Kashi, quando ele se iluminou. O rei de Kashi veio vê-lo e perguntou: “Eu
não vejo que você tenha alguma coisa, você é apenas um mendigo, mas eu me sinto um mendigo
em comparação a você. Você não tem nada, mas a maneira como você anda, a maneira como
você olha, a maneira como você ri faz parecer como se o mundo todo fosse seu reino. E você não
tem nada visível – nada! Assim, onde está o segredo de seu poder? Você parece um imperador.”.
Na verdade, nenhum imperador nunca pareceu assim – como se o mundo todo pertencesse a ele.
“Você é o rei, mas onde está o seu poder, a sua fonte?”.
Então, Buda disse: “Está em mim. Meu poder, minha fonte de poder, o que quer que você
sinta à minha volta está realmente dentro de mim. Eu não tenho nada exceto a mim mesmo, mas
isso é o suficiente. Eu estou preenchido; agora, eu não desejo nada. Eu me tornei sem desejo.”.
Na verdade, uma pessoa auto-realizada se tornará sem desejo. Lembre-se disso. Comumente,
nós dizemos que, se você se tornar sem desejo, você conhecerá a si mesmo. O contrário é mais
verdadeiro: se você conhecer a si mesmo, você se tornará sem desejo. E a ênfase do tantra não
está em se tornar sem desejo, mas em se tornar auto-realizado. Então, o estado sem desejo se
segue.
O desejo significa que você não está preenchido internamente, você está sentindo falta de
alguma coisa; assim você anseia por ela. Você se mantém, de um desejo para um outro, em busca
de preenchimento. Essa busca nunca termina, porque um desejo cria um outro desejo. Na
verdade, um desejo cria dez desejos. Se você for em busca de um bem-aventurado estado sem
desejo através dos desejos, você nunca alcançará. Mas se você tentar uma outra coisa – métodos
de auto-realização, métodos de realizar seu potencial interior, de torná-lo real –, então, quanto
mais você se tornar efetivo, menos e menos desejos serão sentidos, porque, na verdade, eles são
sentidos somente porque você está vazio internamente. Quando você não está vazio
internamente, o desejar cessa.
O que fazer com relação à auto-realização? Duas coisas têm de ser compreendidas. Primeira:
auto-realização não significa que se você se tornar um grande pintor, ou um grande músico, ou
grande poeta, você ficará auto-realizado. Naturalmente, uma parte sua será realizada e até mesmo
isso dá muito contentamento. Se você tem uma potencialidade de ser um bom músico e se você a
preencher e se tornar um músico, uma parte sua será preenchida – mas não o total. A
humanidade restante dentro de você permanecerá não-preenchida. Você ficará torto. Uma parte
terá crescido e o restante terá permanecido parado como uma pedra pendurada em volta de seu
pescoço.
Olhe para um poeta. Quando ele está em sua inspiração poética ele parece um buda. Ele se
esquece de si mesmo completamente – o homem comum no poeta é como se não existisse.
Assim, quando um poeta está em sua inspiração, ele tem um pico – um pico parcial. E algumas
vezes os poetas têm vislumbres que são somente possíveis para mentes iluminadas, búdicas. Um
poeta pode falar como um buda. Por exemplo: Kahlil Gibran fala como um buda, mas ele não é
um buda. Ele é um poeta – um grande poeta.
Assim, se você vê Kahlil Gibran através de sua poesia, ele parece um Buda, um Cristo ou um
Krishna. Mas se você vai e encontra o homem Kahlil Gibran, ele é apenas comum. Ele fala de
amor de um modo tão belo – até mesmo um buda pode não falar tão belamente. Mas um buda,
conhece o amor com seu ser total. Kahlil Gibran conhece o amor em seu vôo poético. Quando
ele está em seu vôo poético, ele tem vislumbres de amor – belos vislumbres. Ele os expressa com
raro insight. Mas, se você vai e vê o Kahlil Gibran real, o homem, você sente uma disparidade. O
poeta e o homem estão muito distantes. O poeta parece ser alguma coisa que acontece a esse
homem algumas vezes, mas esse homem não é o poeta.
É por isso que os poetas sentem que, quando eles estão criando poesia, alguém mais está
criando; eles não estão criando. Eles sentem como se eles se tivessem se tornado instrumentos de
alguma outra energia, de alguma outra força. Eles não mais existem. Essa sensação vem, porque,
realmente, a totalidade deles não está realizada – somente uma parte dela, um fragmento.
Você não tocou o céu. Somente um de seus dedos tocou o céu e você permanece enraizado na
terra. Algumas vezes, você salta e, por um momento, você não está na terra; você enganou a
gravidade. Mas, no momento seguinte, você está na terra novamente. Quando um poeta estiver se
sentindo preenchido, ele terá vislumbres – vislumbres parciais. Quando um músico estiver se
sentindo preenchido, ele terá vislumbres parciais.
Dizem que Beethoven, quando estava no palco, era um homem diferente, totalmente
diferente. Göethe disse que, quando Beethoven estava no palco, dirigindo seu grupo, sua
orquestra, ele parecia um deus. Não se podia dizer que ele era um homem comum. Ele não era
um homem, absolutamente; ele era super-humano. A maneira que ele olhava, a maneira que ele
erguia as mãos, era tudo super-humano. Mas, quando ele saía do palco, ele era apenas um
homem comum. O homem no palco parecia estar possuído por algo mais, como se Beethoven
não estivesse mais ali e alguma outra força tivesse entrado nele. De volta do palco, ele era
novamente Beethoven, o homem.
Por causa disso, poetas, músicos, grandes artistas, pessoas criativas são mais tensas – porque
elas têm dois tipos de ser. O homem comum não é tão tenso, porque ele sempre vive em um tipo:
ele vive na terra. Mas os poetas, os músicos, os grandes artistas saltam; eles vão além da
gravidade. Em certos momentos, eles não estão nesta terra, eles não são parte da humanidade.
Eles se tornam parte do mundo búdico – da terra dos budas. Então, novamente, eles voltam de lá.
Eles têm dois lugares de existência; a personalidade deles está dividida.
Assim, cada artista criativo, cada grande artista é de certa maneira insano. A tensão é tanta! A
lacuna, a fenda entre os dois tipos de existência é tão grande – intransponivelmente grande!
Algumas vezes, ele é apenas um homem comum; algumas vezes, ele se torna semelhante a um
buda. Entre os dois pontos, ele está dividido, mas ele tem vislumbres.
Quando eu digo auto-realização, eu não quero dizer que você deveria se tornar um grande
poeta, ou que você deveria se tornar um grande músico. Eu quero dizer que você deve se tornar
um homem total. Eu não digo um grande homem, porque um grande homem é sempre parcial. A
grandiosidade em alguma coisa é sempre parcial. A pessoa move-se e move-se e move-se em
uma dimensão e, em todas as outras dimensões, todas as outras direções, a pessoa permanece a
mesma – ela se torna torta.
Quando eu digo torne-se um homem total, eu não quero dizer torne-se um grande homem. Eu
quero dizer crie um equilíbrio, esteja centrado, seja preenchido como um homem – não como um
músico, não como um poeta, não como um artista, mas preenchido como um homem. O que quer
dizer ser preenchido como um homem? Um grande poeta é um grande poeta por causa da sua
grande poesia. Um grande músico é grande por causa da sua grande música. Um grande homem
é um grande homem por causa de certas coisas que ele fez – ele pode ser um grande herói. Um
grande homem em qualquer dimensão é parcial. A grandiosidade é parcial, fragmentária. É por
isso que grandes homens têm que encarar mais angústias do que o homem comum.
0 que é um homem total? O que se quer dizer por ser um homem completo, um homem total?
Significa, em primeiro lugar, estar centrado; não existir sem um centro. Neste momento, você é
uma coisa; no próximo momento, você é uma outra coisa. As pessoas vêm a mim e eu
geralmente lhes pergunto: “Onde você sente o seu centro – no coração, na mente, no umbigo,
onde? No centro do sexo? Onde? Onde você sente o seu centro?”.
Geralmente, elas dizem: “Algumas vezes, eu o sinto na cabeça; algumas vezes, no coração;
algumas vezes, eu não o sinto de modo algum.”. Então, eu lhes digo para fecharem os olhos na
minha frente e senti-lo exatamente naquele momento. Na maioria dos casos acontece isto, elas
dizem: “Exatamente agora, por um momento, eu sinto que eu estou centrado na cabeça.”. Mas,
no momento seguinte, elas não estão mais ali. Elas dizem: “Eu estou no coração.”. E no
momento seguinte, o centro escapou, já está em outro lugar: no centro sexual, ou em qualquer
outro lugar.
Na verdade, você não está centrado; você está somente momentaneamente centrado. Cada
momento, tem seu próprio centro; assim, você vai mudando. Quando a mente está funcionando,
você sente que a cabeça é o centro. Quando você está amando, você sente que ele está no
coração. Quando você não está fazendo nada em particular, você fica confuso – você não pode
encontrar onde está o centro, porque você pode encontrá-lo somente quando está trabalhando,
fazendo alguma coisa. Então, uma determinada parte do corpo se torna o centro. Mas você não
está centrado. Se você não está fazendo nada, você não pode encontrar onde o seu centro de ser
está.
Um homem total é centrado. O que quer que ele faça, ele permanece no centro. Se sua mente
está funcionando, ele está pensando; o pensamento continua na mente, mas ele permanece
centrado no umbigo. O centro nunca é esquecido. Ele usa a cabeça, mas ele nunca se move para
a cabeça. Ele usa o coração, mas ele nunca se move para o coração. Todas essas coisas se tornam
instrumentos e ele permanece centrado.
Em segundo lugar, ele é equilibrado. Naturalmente, quando alguém está centrado, ele é
equilibrado. Sua vida é um profundo equilíbrio. Ele nunca é unilateral, ele nunca está em
nenhum extremo – ele permanece no meio. Buda chamou isso de caminho do meio. Ele
permanece sempre no meio.
Um homem que não estiver centrado, sempre se moverá para o extremo. Quando ele comer,
ele comerá demais, ele se empanturrará, ou ele pode jejuar, mas comer corretamente é
impossível para ele. Jejuar é fácil, empanturrar-se está bem. Ele pode estar no mundo,
comprometido, envolvido, ou ele pode renunciar ao mundo – mas ele nunca pode estar
equilibrado. Ele nunca pode permanecer no meio, porque se você não está centrado, você não
sabe o que significa o meio.
Uma pessoa que está centrada, está sempre no meio em todas as coisas, nunca em um
extremo. Buda diz que seu comer é o comer correto; nunca é empanturrar-se, nem jejuar. Seu
labor é labor correto – nunca muito, nunca pouco. O que quer que ele seja, ele sempre é
equilibrado.
Primeira coisa:
Uma pessoa auto-realizada será sempre centrada.
Segunda coisa: ela será equilibrada.
Em terceiro lugar: se essas duas coisas acontecerem – centramento, equilíbrio –, muitas coisas
seguirão. Ela sempre estará à vontade. Qualquer que seja a situação, o estado de sentir-se à
vontade não será perdido. Eu digo qualquer que seja a situação – incondicionalmente, o estar à
vontade não será perdido, porque aquele que está no centro está sempre à vontade. Mesmo que a
morte chegue, ele estará à vontade. Ele receberá a morte como alguém recebe um outro
convidado. Se a miséria vier, ele a receberá. O que quer que aconteça, não pode desalojá-lo de
seu centro. Esse estar à vontade é também um subproduto de se estar centrado.
Para tal homem, nada é trivial, nada é grande; todas as coisas se tornam sagradas, belas,
divinas – todas as coisas! O que quer que ele esteja fazendo, qualquer coisa, é de interesse
máximo – como se de interesse supremo. Nada é trivial. Ele não dirá “isso é trivial, isso é
grande”. Na verdade, nada é grande nem é alguma coisa pequena e trivial. O toque de um
homem é significativo. Uma pessoa auto-realizada, uma pessoa equilibrada, centrada, muda tudo.
O próprio toque torna a coisa grande.
Se você observar um buda, você perceberá que ele caminha e ele ama caminhar. Se você for a
Bodhgaya, onde Buda atingiu a iluminação, à encosta de Niranjana – o lugar onde ele ficava
sentado sob a árvore bodhi – você verá que o lugar dos seus pés foram marcados. Ele meditava
durante uma hora, depois, ele caminhava. Na terminologia budista, isso é chamado de
chakraman. Ele sentava-se sob a árvore bodhi; depois, ele caminhava. Mas ele caminhava com
uma atitude serena, como se em meditação.
Alguém perguntou a Buda: “Por que você faz isso? Algumas vezes, você senta-se com os
olhos fechados e medita; depois, você caminha.”.
Buda disse: “Sentar a fim de ficar silencioso é fácil; então, eu caminho. Mas eu carrego o
mesmo silêncio interior; eu sento-me, mas, dentro, eu sou o mesmo – silencioso. Eu caminho,
mas, dentro, eu sou o mesmo – silencioso.”.
A qualidade interior é a mesma... Quando ele encontra um imperador e quando encontra um
mendigo, um buda é o mesmo, ele tem a mesma qualidade interior. Quando encontra um
mendigo, ele não é diferente; quando encontra um imperador, ele não é diferente: ele é o mesmo.
O mendigo não é um ninguém e o imperador não é um alguém. E, realmente, ao encontrar um
buda, os imperadores se sentiram como mendigos e os mendigos se sentiram como imperadores.
O toque, o homem, a qualidade permanece a mesma.
Quando Buda estava vivo, todos os dias de manhã ele dizia a seus discípulos: “Se você tem
que perguntar alguma coisa, pergunte.”. No dia em que ele estava morrendo, naquela manhã, foi
a mesma coisa. Ele chamou seus discípulos e disse: “Agora, se vocês quiserem perguntar alguma
coisa, podem perguntar. E lembre-se de que esta é a última manhã. Antes deste dia acabar, eu
não existirei mais.”. Ele era o mesmo. Essa era sua pergunta diária pela manhã. Ele era o mesmo!
O dia era o último, mas ele era o mesmo. Exatamente como em qualquer outro dia, ele disse:
“Bem, se vocês têm qualquer coisa a perguntar, podem perguntar – mas este é o último dia.”.
Não houve mudança de tom, mas os discípulos começaram chorar. Eles esqueceram-se de
perguntar qualquer coisa.
Buda disse: “Por que vocês estão chorando? Se vocês tivessem chorando noutro dia qualquer,
estaria tudo bem, mas este é o último dia. À noite, eu não existirei mais; assim, não percam
tempo chorando. Em um outro dia, estaria tudo bem; vocês poderiam desperdiçar tempo. Não
percam seu tempo chorando. Por que vocês estão chorando? Perguntem, se têm algo a
perguntar.”. Ele era o mesmo na vida e na morte.
Assim, em terceiro lugar, o homem auto-realizado está à vontade. Vida e morte são idênticas;
bem-aventurança e miséria são idênticas. Nada o perturba, nada o desloca de sua casa, de seu
centramento. A tal homem, você não pode adicionar nada. Você não pode tirar nada dele, você
não pode adicionar nada a ele – ele está preenchido. Sua própria respiração é uma respiração
preenchida, silenciosa, bem-aventurada. Ele alcançou. Ele alcançou a existência, o ser; ele
floresceu como um homem total.
Isso não é um florescimento parcial. Buda não é um grande poeta. Naturalmente, o que quer
que ele diga é poesia. Ele não é um poeta, absolutamente; mas, até mesmo quando se move,
caminha, isso é poesia. Ele não é um pintor, mas sempre que ele fala, o que quer que ele diga se
torna uma pintura. Ele não é um músico, mas todo o seu ser é música por excelência. O homem,
como uma totalidade, alcançou. Assim, agora, o que quer que ele faça, ou não faça... quando ele
está sentado em silêncio, não fazendo nada, até mesmo em silêncio sua presença trabalha, cria;
ela se torna criativa.
O tantra está interessado não com um crescimento parcial, ele está interessado com você
como um ser total. Assim, três coisas são básicas: você deve estar centrado, enraizado e
equilibrado, isto é, sempre no meio – naturalmente, sem nenhum esforço. Se há esforço, você
não está equilibrado. E você precisa estar à vontade – à vontade no universo, em casa na
existência e, então, muitas coisas se seguirão. Isso é uma necessidade básica, porque a menos
que essa necessidade seja preenchida, você é um homem somente no nome. Você é um homem
como uma possibilidade, você não é realmente um homem. Você pode ser, você tem a
potencialidade, mas a potencialidade tem de ser efetivada.

A segunda pergunta:

Por gentileza, explique contemplação, concentração e meditação.

Contemplação significa pensamento direcionado. Todos nós pensamos; isso não é


contemplação. Esse pensar é não-direcionado, vago, não levando a lugar nenhum. Realmente,
nosso pensamento não é contemplação, mas, sim, o que os freudianos chamam de associação.
Um pensamento leva a outro, sem qualquer direção da sua parte. O próprio pensamento conduz a
um outro, por causa da associação.
Você vê um cachorro atravessando a rua. No momento em que você vê o cachorro, sua mente
começa a pensar sobre cachorros. O cachorro o levou a esse pensamento e, então, a mente faz
muitas associações. Quando você era uma criança, você tinha medo de um determinado
cachorro. O cachorro vem à mente e, então, a infância vem à mente. Então, os cachorros são
esquecidos; então, apenas por associação, você começa a devanear sobre a sua infância. Então, a
infância continua sendo conectada com outras coisas e você se move em círculos.
Sempre que você está à vontade, tente voltar do seu pensamento para onde os pensamentos
vieram. Volte, refaça os passos. Então, você verá que um outro pensamento estava lá e que
aquele levou a este. E eles não estão logicamente conectados, pois, como um cachorro na rua
está conectado com sua infância?
Não há conexão lógica – somente associações em sua mente. Se eu estivesse atravessando a
rua, o mesmo cachorro poderia não me levar à minha infância, ele poderia me levar a alguma
outra coisa. Em uma terceira pessoa, ele poderia levar ainda a alguma outra coisa – todo mundo
tem cadeias de associações na mente. Com qualquer pessoa, algum acontecimento, algum
acidente, levará à cadeia. Então, a mente começa a funcionar como um computador. Então, uma
coisa leva a outra, uma outra leva a outra e você continua assim; e todo o dia você está fazendo
isso.
Escreva em uma folha de papel o que quer que lhe venha à mente, honestamente. Você ficará
simplesmente assombrado com o que está acontecendo em sua mente. Não há nenhuma relação
entre dois pensamentos e você continua produzindo esse tipo de pensamento. Você chama a isso
de pensamento? Isso é apenas associação de um pensamento com outro e eles mesmos se
conduzem... você é conduzido.
Pensamento se torna contemplação quando ele se move não através de associação, mas
quando ele é dirigido. Você está trabalhando em um determinado problema – então, você elimina
todas as associações. Você se move nesse problema somente, você dirige a sua mente. A mente
tentará escapar para alguma vereda, para alguma rota lateral, para alguma associação. Você corta
todas as rotas laterais; somente por uma estrada, você pode direcionar a sua mente.
Um cientista trabalhando em um problema está em contemplação. Um lógico trabalhando em
um problema, um matemático trabalhando em um problema estão em contemplação. Um poeta
contempla uma flor. Então, o mundo todo é excluído e somente aquela flor e o poeta
permanecem, e ele se move com a flor. Muitas coisas das rotas laterais atrairão, mas ele não
permite sua mente se mover para nenhum lugar. A mente move-se em uma linha, dirigida. Isso é
contemplação.
A ciência está baseada na contemplação. Qualquer pensamento lógico é contemplação: o
pensamento é dirigido, o pensar guiado. Comumente, o pensamento é absurdo; a contemplação é
lógica, racional.
Então, há a concentração. Concentração é permanecer em um ponto. Ela não é pensamento;
ela não é contemplação. Ela é realmente permanecer em um ponto, não permitindo à mente se
mover de forma alguma. No pensamento comum, a mente se move como um louco. Na
contemplação, o louco é conduzido, dirigido; ele não pode escapar para nenhum lugar. Na
concentração, não é permitido à mente se mover. No pensamento comum, ela tem permissão de
movimentar-se para qualquer lugar; na contemplação, ela tem permissão de se mover somente
para um lugar; na concentração, ela não tem permissão de se mover, só tem permissão de ficar
em um ponto. Toda a energia, todo o movimento, pára, fixa-se em um ponto.
O ioga está interessado em concentração; a mente comum em pensamento não-direcionado; a
mente científica em pensamento direcionado. A mente ióguica tem seu pensamento focado, fixo
em um ponto; nenhum movimento é permitido.
E, então, há a meditação. No pensamento comum, a mente tem permissão de se mover para
qualquer lugar; na contemplação, ela tem permissão somente em uma direção, todas as outras
direções são eliminadas. Na concentração, ela não tem permissão de se mover sequer em uma
direção; ela tem permissão somente de se concentrar em um ponto.
E, na meditação, não há permissão para a mente, absolutamente. Meditação é não-mente.
Esses são os quatro estágios: pensamento comum, contemplação, concentração, meditação.
Meditação significa não-mente – nem mesmo a concentração é permitida. A própria mente
não é permitida existir! É por isso que a meditação não pode ser capturada pela mente. Até a
concentração, a mente tem um alcance, uma abordagem. A mente pode entender a concentração,
mas a mente não pode entender a meditação. Realmente, não há permissão para a mente de
forma alguma. Na concentração, a mente tem permissão de estar em um ponto. Na meditação,
até mesmo esse ponto é retirado. No pensamento comum, todas as direções estão abertas. Na
contemplação, somente uma direção está aberta. Na concentração, somente um ponto está aberto
– nenhuma direção. Na meditação, até mesmo esse ponto não está aberto: a mente não tem
permissão de existir.
O pensamento comum é o estado de mente comum e a meditação é a mais alta possibilidade.
A mais baixa é o pensamento comum, a associação; e a mais alta, o pico, é a meditação – a não-
mente.

E nesta segunda questão, pergunta-se também:


Contemplação e concentração são processos mentais. Como podem os processos mentais
ajudar na conquista de um estado de não-mente?

A pergunta é significativa. A mente pergunta: como a própria mente pode ir além da mente?
Como pode qualquer processo mental ajudar a conquistar alguma coisa que não é da mente? Isso
parece contraditório. Como pode a sua mente tentar, fazer um esforço para criar um estado que
não é da mente?
Tente entender. Quando há a mente, o que está presente? Um processo de pensamento.
Quando há a não-mente, o que está presente? Nenhum processo de pensamento. Se você
continua decrescendo seu processo de pensamento, se você continua dissolvendo seu
pensamento, em pouco tempo, lentamente, você alcança a não-mente. Mente significa
pensamento. Não-mente significa não-pensamento. E a mente pode ajudar. A mente pode ajudar
cometendo suicídio. Você pode cometer suicídio; você nunca pergunta como um homem que
está vivo pode ajudar-se a morrer. Você pode ajudar-se a morrer – todo mundo está tentando
ajudar-se. Você pode ajudar-se a morrer e você está vivo. A mente pode ajudar a ser não-mente.
Como pode a mente ajudar?
Se o processo de pensamento se torna cada vez mais e mais denso, então, você está se
dirigindo da mente para mais mente. Se o processo de pensamento se torna menos denso, é
decrescido, é tornado mais lento, você está ajudando a si mesmo em direção à não-mente. Isso
depende de você. E a mente pode ser uma ajuda, porque, realmente, a mente é o que você está
fazendo com a sua consciência neste exato momento. Se você deixa a sua consciência sozinha,
não fazendo nada com ela, ela se torna meditação.
Assim, há duas possibilidades: ou lentamente, gradualmente, você decresce a sua mente,
pouco a pouco. Se um por cento é decrescido, então, você tem noventa e nove por cento de
mente e um por cento de não-mente em você. É como se você removesse algum móvel de seu
quarto – então, algum espaço é criado ali. Então, você remove mais móveis e mais espaço é
criado ali. Quando você removeu todos os móveis, todo o quarto se torna espaço.
Na verdade, o espaço não é criado removendo-se os móveis, o espaço já estava lá. Somente
que o espaço estava ocupado pelos móveis. Quando você remove os móveis, nenhum espaço
vem de fora; o espaço já estava lá, ocupado pelos móveis. Você removeu os móveis e o espaço
foi recuperado, readquirido. Bem no fundo, a mente é espaço ocupado, preenchido por
pensamentos. Se você remove alguns pensamentos, é criado espaço – ou descoberto, ou
readquirido. Se você continua removendo seus pensamentos, pouco a pouco, você vai
reconquistando espaço. Esse espaço é meditação.
Lentamente, isso pode ser feito – repentinamente, também. Não há nenhuma necessidade de
continuar durante vidas removendo a mobília, porque há problemas. Quando você começa a
remover a mobília, um por cento de espaço é criado e noventa e nove por cento do espaço fica
ocupado. Esses noventa e nove por cento de espaço ocupado não se sentirão bem com o espaço
não ocupado; eles tentarão preenchê-lo. Assim, a pessoa continua diminuindo os pensamentos
lentamente e, então, novamente, criando novos pensamentos.
De manhã, você senta-se para meditar, por algum tempo; você diminui seu processo de
pensamento. Então, você vai ao mercado e, novamente, há um tráfego de pensamentos. O espaço
é preenchido novamente. No dia seguinte, você faz isso novamente; e você vai fazendo isso –
jogando-os para fora e convidando-os novamente.
Você pode também jogar toda a sua mobília fora de repente. É sua decisão. Isso é difícil,
porque você se tornou acostumado com a mobília. Você pode se sentir desconfortável sem a
mobília; você não sabe o que fazer com o espaço. Você inclusive pode ficar com medo de
mover-se nesse espaço. Você nunca se moveu com tal liberdade.
A mente é um condicionamento. Nós nos tornamos acostumados aos pensamentos. Você já
observou – ou, se você não observou, então, observe –, que você continua repetindo os mesmos
pensamentos todos os dias? Você é como um disco de gramofone e não dos mais recentes, dos
novos – é dos velhos. Você continua e continua repetindo as mesmas coisas. Por quê? Qual é a
utilidade disso? Há somente uma utilidade, apenas um velho hábito: você sente que está fazendo
alguma coisa.
Você está deitado na sua cama, simplesmente esperando o sono chegar e as mesmas coisas
são repetidas todos os dias. Por que você faz isso? Isso ajuda de alguma maneira. Velhos hábitos,
condicionamentos, ajudam. Uma criança precisa de um brinquedo. Se o brinquedo lhe é dado, ela
cairá no sono; então, você pode tirar o brinquedo. Mas se o brinquedo não estiver ali, a criança
não pode pegar no sono. Isso é um condicionamento. No momento em que o brinquedo é dado a
ela, ele dispara alguma coisa na sua mente. Agora, ela está pronta para pegar no sono.
O mesmo está acontecendo com você. Os brinquedos podem ser diferentes. Uma pessoa não
pode pegar no sono a menos que comece a recitar: “Rama, Rama, Rama...” Ela não pode pegar
no sono! Isso é um brinquedo. Se ela recita “Rama, Rama, Rama ...” o brinquedo lhe é dado; ela
pode pegar no sono.
Você sente dificuldade de pegar no sono em um novo quarto. Se você está acostumado a
dormir com determinadas roupas, então, você precisará daquelas roupas específicas todo dia. Os
psicólogos dizem que se você dorme em uma certa camisola e ela não lhe é dada, você sentirá
dificuldades de pegar no sono. Por quê? Se você nunca dormiu nu e lhe é dito para dormir nu,
você não se sentirá à vontade. Por quê? Não há nenhum relacionamento entre nudez e sono, mas,
para você, há um relacionamento, um velho hábito. Com velhos hábitos, a pessoa se sente à
vontade, confortável.
Padrões de pensamento são apenas hábitos também. Você se sente confortável – os mesmos
pensamentos todos os dias, a mesma rotina. Você sente que todas as coisas estão bem.
Você tem investimentos em seus pensamentos, esse é o problema. Sua mobília não é apenas
lixo para ser jogado fora, você investiu muitas, muitas coisas nela. Toda a mobília pode ser
jogada fora imediatamente, isso pode ser feito! Há métodos repentinos dos quais falaremos.
Imediatamente, neste exato momento, você pode ser liberado de toda a sua mobília mental. Mas,
então, você estará repentinamente vago, vazio e você não saberá quem você é. Agora, você não
saberá o que fazer, porque, pela primeira vez, seus velhos padrões não mais existem. O choque
pode ser muito repentino. Você pode inclusive morrer, ou você pode ficar louco.
É por isso que métodos repentinos não são usados. A menos que a pessoa esteja pronta, os
métodos repentinos não são usados. A pessoa pode ficar louca repentinamente, porque a pessoa
pode perder todos os elos. O passado é abandonado imediatamente e, quando o passado é
abandonado imediatamente, você não pode conceber o futuro, porque o futuro sempre foi
concebido em termos do passado.
Somente o presente permanece e você nunca esteve no presente. Ou você estava no passado
ou no futuro. Assim, quando você está simplesmente no presente pela primeira vez, você sentirá
que enlouqueceu freneticamente. É por isso que métodos repentinos não são usados, a menos que
você esteja trabalhando em uma escola, a menos que você esteja trabalhando com um mestre em
um grupo, a menos que você seja totalmente devotado, a menos que você tenha dedicado toda a
sua vida à meditação.
Assim, métodos graduais são bons. Eles levam um longo tempo, mas, pouco a pouco, você se
torna acostumado com o espaço. Você começa a sentir o espaço e a beleza dele e a bem-
aventurança dele e, então, a sua mobília é removida pouco a pouco.
Assim, a partir do pensamento comum, é bom se tornar contemplativo – isso é um método
gradual. Da contemplação é bom se mover para a concentração – isso é um processo gradual. E
da concentração é bom dar um salto para a meditação. Então, você está se movendo lentamente,
sentindo o chão a cada passo. E, quando você estiver realmente enraizado em um certo passo,
somente então, você começa a ir para o próximo. Isso não é um salto, isso é um crescimento
gradual. Assim, essas quatro coisas – pensamento comum, contemplação, concentração,
meditação – são quatro passos.

A terceira pergunta:

O desenvolvimento do centro do umbigo é independente e separado do crescimento dos


centros do coração e da cabeça? Ou o centro do umbigo se desenvolve simultaneamente
com o crescimento do coração e da cabeça? E, também, por favor, explique de que maneira
o treinamento e as técnicas para se alcançar o centro do umbigo serão diferentes do
treinamento e das técnicas para o desenvolvimento dos centros do coração e da cabeça.

Uma coisa básica a ser compreendida: os centros do coração e da cabeça são para ser
desenvolvidos, não o centro do umbigo. O centro do umbigo é apenas para ser descoberto; não é
para ser desenvolvido. O centro do umbigo já existe. Você tem de encontrá-lo, descobri-lo. Ele
está aí totalmente desenvolvido, você não tem que desenvolvê-lo. O centro do coração e o centro
da cabeça são desenvolvimentos. Eles não existem para serem descobertos, eles têm de ser
desenvolvidos. A sociedade, a cultura, a educação, o condicionamento ajudam a desenvolvê-los.
Mas você nasce com um centro do umbigo. Sem o centro do umbigo, você não pode existir.
Você pode existir sem o centro do coração, você pode existir sem o centro da cabeça. Eles não
são necessários; é bom tê-los, mas você pode existir sem eles. Será muito inconveniente, mas
você pode existir sem eles. Entretanto, sem o centro do umbigo, você não pode existir. Ele não é
apenas uma necessidade: ele é sua vida.
Assim, há técnicas de como desenvolver o centro do coração – como crescer em amor, como
crescer em sensibilidade, como se tornar uma mente mais sensível. Há métodos e técnicas de
como se tornar mais racional, mais lógico. A razão pode ser desenvolvida, a emoção pode ser
desenvolvida, mas a existência não pode ser desenvolvida. Ela já está presente; ela tem de ser
descoberta.
Muitas coisas estão implicadas nisso. Primeira: pode não lhe ser possível ter uma mente, uma
faculdade de raciocínio, como Einstein. Mas você pode se tornar um buda. Einstein é um centro
da mente funcionando em sua perfeição. Ou, uma outra pessoa... um amante. Um Majnu está
funcionando em seu centro do coração em sua perfeição. Você pode não ser capaz de se tornar
um Majnu, mas você pode se tornar um buda, porque o estado búdico não é para ser
desenvolvido em você, ele já está presente. Ele está relacionado com o centro básico, o centro
original – o umbigo. Ele já está presente. Você já é um buda, somente que inconsciente.
Você ainda não é um Einstein. Você terá que tentar e, depois, também, não há garantias de
que você se torne um. Não há garantias, porque, realmente, isso parece impossível. Por que isso
parece impossível? Porque o desenvolvimento da cabeça de Einstein precisa do mesmo
crescimento, do mesmo ambiente, do mesmo treinamento que lhe foi dado. Isso não pode ser
repetido, porque é irrepetível. Primeiro, você terá de encontrar os mesmos pais, porque o
treinamento começa no útero. É difícil encontrar os mesmos pais – impossível. Como você pode
encontrar os mesmos pais, a mesma data de nascimento, a mesma casa, as mesmas associações,
os mesmos amigos? Você terá de repetir a vida de Einstein, exatamente – identicamente! Se até
mesmo um único ponto escapar, você será um homem diferente.
Assim, isso é impossível. Cada indivíduo nasce somente uma vez neste mundo, porque a
mesma situação não pode ser repetida. A mesma situação é um fenômeno tão grande! Significa
que deve haver o mesmo mundo no mesmo momento! Isso não é possível – isso é impossível. E
você já está aqui; assim, o que quer que você faça, seu passado estará nisso. Você não pode se
tornar um Einstein. A individualidade, não pode ser repetida.
Buda não é um indivíduo, Buda é um fenômeno. Nenhum fator individual é significativo;
simplesmente o seu ser é o bastante para você ser um buda. O centro já está presente,
funcionando; você tem de descobri-lo. Assim, as técnicas para o coração são técnicas para o
desenvolvimento de alguma coisa; e as técnicas relacionadas com o centro do umbigo estão
relacionadas com a descoberta. Você tem de descobrir. Você já é um buda, você apenas tem de
conhecer o fato.
Assim, há dois tipos de pessoas – budas que sabem que são budas, e budas que não sabem
que são budas. Mas todos são budas. No que diz respeito à existência todos são o mesmo.
Somente na existência há comunismo; em tudo o mais, o comunismo é absurdo. Ninguém é
igual, a desigualdade é básica em tudo o mais. Assim, pode parecer um paradoxo se eu digo que
somente a religião leva ao comunismo, mas eu quero dizer este comunismo: essa profunda
igualdade de existência, de ser. Nela você é igual a Buda, a Cristo, a Krishna, mas de nenhuma
outra maneira dois indivíduos são iguais. A desigualdade é básica no que diz respeito à vida
exterior; a igualdade é básica no que diz respeito à vida interior.
Assim, estes cento e doze métodos não são realmente para desenvolver o centro do umbigo;
eles são para descobri-lo. É por isso que, instantaneamente, algumas vezes, alguém se torna um
buda, porque não há nenhuma questão de se criar alguma coisa. Se você puder olhar para si
mesmo, se você puder ir bem fundo dentro de si mesmo, tudo o que você precisa já está ali.
Aquilo já é o caso; assim, a única questão é a de como ser atirado nesse ponto onde você já é um
buda. A meditação não o ajuda a se tornar um buda, ela apenas ajuda-o a tornar-se consciente de
seu estado búdico.

Uma pergunta mais:

Todos os iluminados estão centrados no umbigo? Por exemplo, Krishnamurti está


centrado na cabeça ou umbigo? Ramakrishna estava centrado no coração ou umbigo?

Todo iluminado está centrado no umbigo, mas a expressão de cada iluminado pode fluir
através de outros centros. Entenda a distinção claramente. Todo iluminado está centrado no
umbigo; não há outra possibilidade. Mas a expressão é uma coisa diferente.
Ramakrishna se expressa através do coração. Ele usa seu coração como um veículo de sua
mensagem. O que quer que ele tenha encontrado no umbigo, ele expressa através de seu coração.
Ele canta, ele dança – essa é a maneira de expressar sua bem-aventurança. A bem-aventurança é
encontrada no umbigo, em nenhum outro lugar. Ele está centrado no umbigo, mas, como dizer
aos outros que ele está centrado no umbigo? Ele usa o seu coração para a expressão.
Krishnamurti usa a sua cabeça para a expressão; é por isso que a expressão deles são
contraditórias. Se você acredita em Ramakrishna, você não pode acreditar em Krishnamurti. Se
você acredita em Krishnamurti, você não pode acreditar em Ramakrishna, porque a crença
sempre está centrada na expressão, não na experiência. Ramakrishna parece infantil para um
homem que pensa com a razão: “Que bobagem é essa – dançar, cantar? O que ele está fazendo?
Buda nunca dançou e esse Ramakrishna está dançando. Ele parece infantil.”.
Para a razão, o coração sempre parece infantil, mas, para o coração, a razão parece inútil,
superficial. O que quer que Krishnamurti diga é o mesmo. A experiência é a mesma como foi
para Ramakrishna, ou Chaitanya, ou Meera. Mas se a pessoa está centrada na cabeça, sua
explanação, sua expressão é racional. Se Ramakrishna vir Krishnamurti, ele dirá: “Venha, vamos
dançar. Por que desperdiçar o seu tempo? Através da dança isso pode ser expresso mais
facilmente e vai mais fundo.”. Krishnamurti dirá: “Dança? A pessoa fica hipnotizada através da
dança. Não dance. Analise! Raciocine! Raciocine sobre isso, analise, esteja consciente.”.
Esses são centros diferentes sendo usados para a expressão, mas a experiência é a mesma.
Alguém pode pintar a experiência – mestres zen pintaram suas experiências. Quando eles se
iluminavam, eles pintavam-na. Eles não diziam nada, simplesmente pintavam-na. Os rishis,
sábios dos Upanishades, criaram belas poesias. Quando eles se iluminavam, eles criavam poesia.
Chaitanya dançava; Ramakrishna cantava. Buda e Mahavira usavam a cabeça, a razão, para
explicar, para dizer o que quer que tivessem experienciado. Eles criaram grandes sistemas de
pensamento para expressar suas experiências.
Mas a experiência não é nem racional, nem emocional: ela está além de ambos. Há bem
poucas pessoas, muito poucas, que puderam se expressar através de ambos os centros. Você pode
encontrar muitos Krishnamurtis, você pode encontrar muitos Ramakrishnas, mas, somente
algumas vezes, acontece de uma pessoa poder se expressar através de ambos os centros. Então, a
pessoa causa confusão. Então, você nunca está à vontade com esse homem, porque você não
pode conceber nenhum relacionamento entre os dois modos; eles parecem contraditórios.
Se eu digo alguma coisa, quando eu o digo, eu devo dizê-lo através da razão. Assim, eu atraio
muitas pessoas que são racionais, orientadas pela cabeça. Então, um belo dia, elas vêem que eu
permito o canto e a dança; e elas sentem-se desconfortáveis: “O que é isso? Não há nenhuma
relação...”. Mas, para mim, não há nenhuma contradição. Dançar é também uma maneira de falar
– e, alguma vezes, uma maneira mais profunda. A razão é também uma maneira de falar – e, às
vezes, uma maneira muito clara. Assim, ambos são modos de expressão.
Se você vir Buda dançando, você estará em dificuldades. Se você vir Mahavira tocando uma
flauta, nu, então, você não será capaz de dormir. O que aconteceu a Mahavira? Ele ficou louco.
Com Krishna, a flauta está bem, mas, com Mahavira, é absolutamente inacreditável. Uma flauta
na mão de Mahavira...?! Inconcebível! Você não pode nem mesmo imaginar isso. Mas a razão é
que haja alguma contradição entre Mahavira e Krishna, Buda e Chaitanya; é devido à diferença
de expressão. Buda atrairá um determinado tipo de mente – a mente orientada pela cabeça –; e
Chaitanya e Ramakrishna atrairão exatamente o oposto – a mente orientada pelo coração.
Mas surgem dificuldades. Uma pessoa como eu cria dificuldades: eu atraio ambos e, então,
ninguém fica à vontade. Sempre que eu estou falando, então, a pessoa orientada pela cabeça está
à vontade; mas sempre que eu permito o outro tipo de expressão, aquele que é orientado pela
cabeça, fica desconfortável. E o mesmo acontece com o outro – quando algum método
emocional é usado, aquele que é orientado pelo coração se sente à vontade; mas quando eu
discurso, quando eu faço raciocínios sobre alguma coisa, então, ele fica ausente, não fica aqui.
Ele diz: “Isso não é para mim.”.
Uma senhora veio ontem e disse: “Eu estive em Monte Abu [3], mas, havia uma dificuldade.
No primeiro dia, quando eu o ouvi, foi lindo, houve um apelo dentro de mim; eu estava
simplesmente emocionada. Mas, depois, eu vi o kirtan[4] – canto e dança devocional –; então, eu
decidi sair imediatamente; aquilo não era para mim. Eu fui para a estação de ônibus, mas, então,
houve um problema. Eu queria ouvi-lo falar; então, eu voltei. Eu não queria perder o que você
estava dizendo.”. Ela deve ter ficado em dificuldades. Ela me disse: “Era tão contraditório...”.
Isso parece assim, porque esses centros são contraditórios, mas essa contradição está em
você. A sua cabeça não está à vontade com o seu coração; eles estão em conflito. Por causa de
seu conflito interior, Ramakrishna e Krishnamurti parecem estar em conflito. Crie uma ponte
entre sua cabeça e seu coração e, então, você saberá que eles são meios.
Ramakrishna era absolutamente sem instrução – sem desenvolvimento da razão. Ele era puro
coração. Somente um centro era desenvolvido, o coração. Krishnamurti é pura razão. Ele estava
nas mãos dos mais vigorosos racionalistas – Annie Besant, Leadbeater e os teosofistas. Eles
foram os grandes construtores de sistemas neste século. Na verdade, a teosofia é um dos maiores
sistemas já criados, absolutamente racional. Ele foi educado por racionalistas; ele é pura razão.
Mesmo que ele fale sobre coração e amor, a própria expressão é racional.
Ramakrishna é diferente. Mesmo que ele fale sobre razão, ele é absurdo. Totapúri foi a ele e
Ramakrishna começou a aprender Vedanta com ele. Então, Totapúri disse: “Deixe toda essa
tolice devocional. Deixe essa Káli – a mãe –, completamente. A menos que você deixe tudo isso,
eu não virei ensinar-lhe, porque o Vedanta não é devocional, ele é conhecimento.”.
Então, Ramakrishna disse: “Tudo bem, mas permita-me um momento, de forma que eu possa
ir e perguntar à mãe se eu posso abandonar tudo, toda essa tolice. Permita-me um momento para
eu perguntar à mãe.”.
Esse é um homem orientado pelo coração. Até mesmo para deixar a mãe, ele terá que
perguntar a ela. “E” – ele disse – “ela é tão amorosa, ela me permitirá; assim, não se preocupe.”.
Totapúri não podia entender o que ele tinha dito.
Ramakrishna disse: “Ela é tão amorosa, ela nunca disse “não” para mim, em nenhum
momento. Se eu falar com ela – ‘Mãe, eu estou deixando você, porque, agora, eu vou aprender o
Vedanta e eu não posso fazer essa tolice devocional; então, permita-me por favor.’ –, ela
permitirá. Ela me dará total liberdade para abandonar isso.”.
Crie uma ponte entre a sua cabeça e seu coração e, então, você verá que todos aqueles que já
se iluminaram, falam a mesma coisa; apenas suas linguagens podem diferir.

Nota_capítulo 10

[3] Monte Abu – um dos locais onde Osho deu campos de meditação. (N. da T.)
[4] Kirtan – certa meditação. (N. da T.)
Capítulo 11

TÉCNICAS PARA PENETRAR O INTERIOR



OS SUTRAS

15 Fechando as sete aberturas da cabeça com suas mãos, um espaço entre seus olhos torna-se
todo abrangente.
16 Bem-aventurada, quando os sentidos são absorvidos no coração, alcance o centro do lótus.
17 Esquecendo a mente, mantenha-se no meio – até.

O homem é como se fosse um círculo sem um centro. Sua vida é superficial; sua vida é
somente uma circunferência. Você vive do lado de fora, nunca vive dentro. Você não pode, a
menos que um centro seja encontrado. Você não pode viver dentro, realmente você não tem
nenhum interior. Você está sem centro, tem apenas o lado externo. É por isso que nós
continuamos a falar sobre o interior, sobre como ir para dentro, como conhecer a si mesmo,
como penetrar internamente, mas essas palavras não carregam nenhum significado autêntico.
Você conhece o significado das palavras, mas você não pode sentir o que elas significam, porque
você nunca está dentro. Você nunca esteve dentro.
Até mesmo quando você está sozinho, em sua mente, você é uma multidão. Quando não há
ninguém do lado de fora, ainda assim, você não está dentro. Você continua pensando nos outros;
você continua se movendo para fora. Até mesmo enquanto dorme, você está sonhando com os
outros, você não está dentro. Somente em um sono muito profundo, quando não há o sonho, você
está dentro, mas, então, você fica inconsciente. Lembre-se deste fato: quando você está
consciente, você nunca está dentro e, quando você está dentro, em sono profundo, você fica
inconsciente. Assim, toda a sua consciência consiste no exterior. E sempre que nós falamos sobre
ir para dentro, as palavras são entendidas, mas o significado não – porque o significado não é
carregado pelas palavras, o significado vem através da experiência.
Palavras são sem significado. Quando eu digo “dentro”, você entende a palavra – mas
somente a palavra, não o significado. Você não sabe o que é o interior, porque, conscientemente,
você nunca esteve dentro. Sua mente está constantemente saindo. Você não tem nenhuma
sensação do que o interior significa ou do que ele é.
É isso que eu quero dizer quando digo que você é um círculo sem um centro – uma
circunferência somente. O centro está presente, mas você entra nele somente quando você não
está consciente. Caso contrário, quando você está consciente, você se move para fora e, por
causa disso, sua vida nunca é intensa; ela não pode ser. Ela é apenas morna. Você está vivo como
que morto, ou ambos, simultaneamente. Você está morto-vivo – vivendo uma vida de morto.
Você está existindo no mínimo – não no pico máximo, mas no mínimo. Você pode dizer “eu
existo”, isso é tudo. Você não está morto, isso é o que você quer dizer com estar vivo.
Mas a vida não pode ser conhecida na circunferência. A vida pode ser conhecida somente no
centro. Na circunferência, somente a vida morna é possível. Assim, realmente, você vive uma
vida não autêntica e, então, até mesmo a morte se torna não autêntica – porque, aquele que não
viveu realmente, não pode realmente morrer. Somente uma vida autêntica pode se tornar uma
morte autêntica. Então, a morte é bela: qualquer coisa autêntica é bela. Nem mesmo a vida, se
não é autêntica, está fadada a se tornar feia. E sua vida é feia, simplesmente podre. Nada
acontece. Você simplesmente continua esperando, tendo esperança que alguma coisa aconteça
em algum lugar, algum dia.
Neste exato momento, há apenas vazio e, o tempo todo foi assim no passado – simplesmente
vazio. Você está apenas esperando pelo futuro, esperando que alguma coisa aconteça algum dia,
apenas mantendo a esperança. Então, todos os momentos são perdidos. Não aconteceu no
passado; assim, não acontecerá no futuro tampouco. Pode acontecer somente neste momento,
mas, então, você precisará de uma intensidade, de uma intensidade penetrante. Então, você
precisará estar enraizado no centro; então, a periferia não servirá. Então, você terá de encontrar
seu momento.
Realmente, nunca pensamos sobre o que somos e, o que quer que pensemos, é pura
encenação. Certa vez, eu morei com um professor em um campus universitário. Um dia, ele
chegou muito abalado; então, eu perguntei: “Qual é o problema?”.
Ele disse: “Eu estou me sentindo febril.”.
Eu estava lendo alguma coisa, então, eu lhe disse: “Vá dormir. Pegue esta coberta e
descanse.”.
Ele foi para a cama, mas, depois de alguns minutos, ele disse: “Não, eu não estou febril.
Realmente, eu estou com raiva. Alguém me insultou e eu senti muita violência contra ele.”.
Então, eu disse: “Por que você disse que estava febril?”.
Ele disse: “Eu não podia reconhecer o fato de que eu estava com raiva, mas realmente eu
estou com raiva. Não tenho febre.”.
Ele afastou a coberta.
Então, eu disse: “Tudo bem, se você está com raiva, então, pegue o travesseiro. Bata nele e
seja violento com ele. Deixe a sua violência ser liberada. E se o travesseiro não for suficiente,
então, eu estou à sua disposição. Você pode bater em mim e deixar essa raiva ser jogada fora.”.
Ele riu, mas o riso era falso – apenas pintado em seu rosto. Ele apareceu em seu rosto e,
depois, desapareceu; não chegou a penetrar. Ele não vinha de dentro; era apenas um sorriso
pintado, Mas o riso, mesmo o riso falso, criou uma lacuna. Ele disse: “Não, realmente... eu não
estou realmente com raiva. Alguém disse algumas coisa na frente dos outros e eu me senti muito
desconcertado. Realmente, esta é a questão”.
Então, eu lhe disse: “Você mudou sua afirmação sobre seus sentimentos três vezes em meia
hora. Você disse que estava se sentindo febril; depois, você disse que estava com raiva; e, agora,
você diz que não está com raiva, mas apenas desconcertado. Qual dessas coisas é a real?”.
Ele disse: “Realmente, eu estou desconcertado.”.
Eu disse: “Qual eu? Quando você disse que estava febril, você também estava certo quanto a
isso. Quando você estava com raiva, você também estava certo sobre isso. E você está sempre
certo sobre isso. Você é uma pessoa ou muitas pessoas? Por quanto tempo essa certeza irá
continuar?”.
Assim, o homem disse: “Realmente, não sei o que estou sentindo. O que é isso, eu não sei. Eu
estou simplesmente perturbado. Quer eu chame isso de raiva, ou de desconcerto, ou o que for, eu
não sei. E este não é o momento para discutir isso comigo.” – ele disse – “Deixe-me em paz.
Você tornou minha situação filosófica. Nós estamos discutindo o que é real, o que é autêntico e
eu estou me sentindo muito perturbado.”.
Isso não acontece somente com os outros – X, Y ou Z – acontece com você. Você nunca está
certo, porque a certeza vem da condição de se estar centrado. Você não está certo nem mesmo
sobre você mesmo. É impossível estar certo sobre os outros, quando você nunca está certo sobre
si mesmo. Há apenas uma incerteza, uma nebulosidade; não há nenhuma certeza.
Alguém esteve aqui, apenas alguns dias atrás, e disse para mim: “Eu estou amando alguém e
quero me casar com ela”. Eu olhei nos seus olhos profundamente por alguns minutos, sem dizer
nada. Ele se tornou inquieto e disse: “Por que você está olhando para mim? Eu me sinto tão
desconfortável!”. Eu continuei olhando. Ele disse: “Você pensa que meu amor é falso?”. Eu não
disse nada, eu apenas continuei olhando. Ele disse: “Por que você sente que esse casamento não
será bom?”. Ele disse por si mesmo: “Eu não tinha realmente pensado muito sobre isso e é por
isso que eu vim até você. Realmente, eu não sei se estou amando, ou não.”.
Eu não tinha dito nenhuma palavra. Eu estava apenas olhando em seus olhos. Mas ele sentiu-
se desconfortável e as coisas que estavam dentro, começaram a vir à tona, a borbulhar.
Você não tem certeza, você não pode ter certeza de nada; nem do seu amor, nem do seu ódio,
nem das suas amizades. Não há nada de que você possa estar certo, porque você não tem nenhum
centro. Sem um centro, não há nenhuma certeza. Todos os seus sentimentos de certeza são falsos
e momentâneos. Num certo momento, você sentirá que tem certeza, mas, no momento seguinte,
a certeza terá ido embora, porque, em cada momento, você tem um centro diferente. Você não
tem um centro permanente, um centro cristalizado. Cada momento é um centro atômico, assim,
cada momento tem o seu próprio eu.
George Gurdjieff costumava dizer que o homem é uma multidão. A personalidade é apenas
uma fraude, porque você não é uma pessoa, você é muitas pessoas. Assim, quando uma pessoa
fala dentro de você, este é um centro momentâneo. No momento seguinte, será um outro. A cada
momento, a cada situação atômica, você tem certeza e você nunca se torna consciente de que
você é apenas um fluxo – muitas ondas sem nenhum centro. Então, no final, você sentirá que a
vida foi apenas um desperdício. Ela está fadada a ser. Há apenas desperdício, apenas um vagar –
sem propósito, sem sentido.
Tantra, ioga, religião... a questão básica deles é a de como descobrir o centro primeiramente,
a de como ser antes um indivíduo. Eles estão interessados em como encontrar o centro que
persista em todas as situações. Então, enquanto a vida continua se movendo fora, enquanto o
fluxo de vida continua e continua, o centro persiste dentro. Então, você permanece um –
enraizado, centrado.
Estes sutras são técnicas para se achar o centro. O centro já existe, porque não há
possibilidade de se ser um círculo sem um centro. O círculo pode existir somente com um centro,
assim o centro está apenas esquecido. Ele existe, mas nós não estamos conscientes dele. Ele está
presente, mas nós não sabemos como olhar para ele. Nós não sabemos como focar a consciência
nele.

15 Feche todas as aberturas de sua cabeça

A terceira técnica de centramento:


Fechando as sete aberturas da cabeça com suas mãos, um espaço entre seus olhos torna-
se todo abrangente.

Essa é uma das técnicas mais antigas – muito usada e uma das mais simples também. Feche
todas as aberturas da cabeça – olhos, ouvidos, nariz, boca. Quando todas as aberturas da cabeça
estão fechadas, sua consciência, que está continuamente fluindo para fora, é detida
repentinamente; ela não pode fluir para fora.
Você pode não ter observado, mas até mesmo se você parar a sua respiração por um
momento, de repente, sua mente irá parar – porque, com a respiração, a mente se move. Esse é
um condicionamento da mente. Você tem que entender o que significa ‘condicionamento’;
somente então, este sutra será fácil de ser compreendido.
Pavlov, um dos mais famosos psicólogos russos, criou este termo ‘condicionamento’ – ou
‘reflexo condicionado’ – uma palavra cotidiana, usada em todo o mundo. Todo mundo que está
familiarizado com a psicologia, mesmo que pouco, conhece a palavra. Dois processos de
pensamento – dois processos quaisquer podem tornar-se tão associados que, se você começa com
um, o outro é disparado também.
Este é o famoso exemplo pavloviano. Pavlov trabalhou com um cachorro. Ele descobriu que,
se você coloca comida de cachorro na frente de um cachorro, sua saliva começa a fluir. A língua
do cachorro sai e ele começa a ficar pronto, preparado para comer. Isso é natural. Quando ele
está vendo a comida, ou mesmo imaginando a comida, a saliva começa a fluir.
Mas Pavlov condicionou esse processo a um outro. Sempre que a saliva começava a fluir e a
comida estava ali, ele fazia uma outra coisa. Por exemplo: ele tocava uma campainha e o
cachorro ouvia a campainha tocando. Durante quinze dias, sempre que a comida era colocada, a
campainha tocava. Então, no décimo sexto dia, a comida não foi colocada na frente do cachorro,
somente a campainha foi tocada. Mas, ainda assim, a saliva começou a fluir e a língua veio para
fora, como se a comida estivesse ali.
Mas não havia comida, somente o som da campainha. Não há nenhuma associação natural
entre o som da campainha e a saliva; a associação natural é com a comida. Mas, agora, o som
contínuo da campainha tinha se associado a ela e até mesmo o som da campainha acionava o
processo.
De acordo com Pavlov – e ele está certo –, toda a nossa vida é um processo condicionado. A
mente é um condicionamento. Dessa forma, se você pára alguma coisa do condicionamento,
todas as outras coisas associadas também param.
Por exemplo: você nunca pensou sem respirar. O pensamento sempre esteve junto com a
respiração. Você não está consciente da respiração, mas a respiração está presente
continuamente, dia e noite. Todo pensamento, todo o processo de pensamento está associado
com a respiração. Se você parar a sua respiração de repente, os pensamentos irão parar também.
E se todos os sete buracos – as sete aberturas da cabeça – estiverem fechadas, sua consciência, de
repente, não poderá se mover. Ela permanece dentro e essa permanência dentro cria um espaço
entre seus olhos. Esse espaço é conhecido como terceiro olho.
Se todas as aberturas da cabeça estão fechadas, você não pode se mover para fora, porque
você sempre esteve se movendo para fora através dessas aberturas. Você permanece dentro e,
com sua consciência permanecendo dentro, ela se torna concentrada entre esses dois olhos, entre
esses dois olhos comuns. Ela permanece no meio desses dois olhos, focada. Esse ponto é
conhecido como terceiro olho.
Esse espaço se torna todo abrangente. Esse sutra diz que nesse espaço tudo está incluído,
toda a existência está incluída. Se você pode sentir o espaço, você sentiu tudo. Uma vez que você
possa sentir internamente esse espaço entre os dois olhos, então, você conheceu a existência, a
totalidade dela, porque esse espaço interior inclui tudo. Nada é deixado fora dele.
Os Upanishads dizem: “Conhecendo o um, a pessoa conhece tudo.”. Estes dois olhos podem
ver somente o finito. O terceiro olho vê o infinito. Estes dois olhos podem ver apenas o material.
O terceiro olho pode ver o imaterial, o espiritual. Com esses dois olhos, você jamais pode sentir a
energia, você jamais pode ver a energia; você pode ver somente a matéria. Mas com o terceiro
olho, a energia, como tal, é vista.
Esse fechamento das aberturas é um modo de centramento, porque uma vez que a corrente de
consciência não possa fluir para fora, ela permanece em sua fonte. Essa fonte de consciência é o
terceiro olho. Se você está centrado no terceiro olho, muitas coisas acontecem. A primeira é a
descoberta de que o mundo todo está em você.
Swami Ramateertha costumava dizer: “O sol se move em mim, as estrelas se movem em
mim, a lua surge em mim. Todo o universo está em mim.”. Quando ele disse isso pela primeira
vez, seus discípulos pensaram que ele tivesse ficado louco. Como as estrelas poderiam estar em
Ramateertha?
Ele estava falando sobre o terceiro olho, o espaço interior. Quando pela primeira vez o espaço
interior se torna iluminado, essa é a sensação. Quando você vê que tudo está em você, você se
torna o universo.
O terceiro olho não é parte de seu corpo físico. O espaço entre nossos dois olhos não é um
espaço que está confinado ao seu corpo. Ele é o espaço infinito que penetrou em você. Uma vez
que esse espaço seja conhecido, você nunca mais será a mesma pessoa novamente. No momento
em que você conhece esse espaço interior, você conheceu o imortal. Então, não há mais nenhuma
morte.
Quando você conhecer esse espaço pela primeira vez, sua vida será autêntica, intensa; pela
primeira vez, realmente viva. Agora, nenhuma segurança é necessária, agora nenhum medo é
possível. Agora, você não pode ser morto. Agora, nada pode ser retirado de você. Agora, todo o
universo pertence a você: você é o universo. Aqueles que conheceram esse espaço interior,
gritaram em êxtase: “Aham Brahmasmi! Eu sou o universo, eu sou a existência.”.
O místico súfi Mansur foi assassinado apenas por causa de sua experiência do terceiro olho.
Quando pela primeira vez ele se tornou consciente de seu espaço interior, ele começou a gritar:
“Eu sou Deus!”. Na Índia, ele poderia ter sido adorado, porque a Índia conheceu muitas, muitas
pessoas que chegaram a conhecer esse espaço interior do terceiro olho. Mas em um país
muçulmano isso seria difícil. E a afirmação de Mansur de que “Eu sou Deus – Ana’l haq!” – foi
tomada como sendo algo anti-religioso, porque o islamismo não pode conceber que o homem e
Deus se tornem um. O homem é homem – o criado – e Deus é o criador; assim, como pode o
criado se tornar o criador? Assim, essa afirmação de Mansur, “eu sou Deus”, não podia ser
entendida; dessa forma, ele foi assassinado. Mas quando ele estava sendo assassinado, morto, ele
estava rindo. Então, alguém perguntou: “Por que você está rindo, Mansur?”.
Dizem os relatos que Mansur teria dito: “Eu estou rindo porque vocês não estão me matando,
vocês não podem me matar. Vocês estão enganados por este corpo, mas eu não sou este corpo.
Eu sou o criador deste universo e foi o meu dedo que moveu todo este universo no começo.”.
Na Índia, ele poderia ter sido compreendido facilmente. A linguagem tem sido conhecida por
séculos e séculos. Nós sabemos que, chega um momento em que o espaço interior torna-se
conhecido. Então, a pessoa simplesmente fica louca. E essa compreensão é tão certa, que, até
mesmo se você matar um Mansur, ele não mudará sua afirmação – porque realmente você não
pode matá-lo, no que lhe diz respeito. Agora, ele se tornou o todo. Não há nenhuma possibilidade
de destruí-lo.
Depois de Mansur, os súfis aprenderam que é bom manter silêncio. Assim, na tradição súfi,
depois de Mansur, foi consistentemente ensinado aos discípulos: “Quando quer que você chegue
ao terceiro olho, permaneça em silêncio e não diga nada. Quando quer que isso aconteça, fique
quieto. Não diga nada, ou simplesmente continue formalmente dizendo as coisas que as pessoas
acreditam.”.
Assim, o islã tem agora duas tradições. Uma é apenas a comum, a exterior, a exotérica; a
outra, o islã real, é o sufismo – o esotérico. Mas os súfis permanecem em silêncio, porque, desde
Mansur, eles aprenderam que falar nessa linguagem que vem quando o terceiro olho se abre, é
estar desnecessariamente em dificuldades – e não ajuda ninguém.
Este sutra diz: Fechando as sete aberturas da cabeça com suas mãos, um espaço entre seus
olhos torna-se todo abrangente. Seu espaço interior se torna todo o espaço.

16 Absorva os sentidos no coração

A quarta técnica de centramento:

Bem-aventurada, quando os sentidos são absorvidos no coração, alcance o centro do


lótus.

Cada técnica é útil para um certo tipo de mente. A técnica que nós estivemos discutindo, a
terceira – fechando as aberturas da cabeça – pode ser usada por muitos. Ela é muito simples e
não é muito perigosa. Você pode usá-la muito facilmente também, não há a necessidade de
fechar as aberturas com suas mãos. É o fechamento que é necessário; assim, você pode usar
tampões de ouvido e você pode usar uma máscara para os olhos. A coisa real é fechar as
aberturas de sua cabeça completamente, por alguns momentos – por alguns momentos, ou por
alguns segundos. Tente. Não a pratique – ela é útil somente de maneira repentina. Feita num
repente, ela é útil. Quando deitado em sua cama, de repente, feche todas as suas aberturas por
alguns segundos e veja o que está acontecendo dentro.
Quando você se sentir sufocado, continue – a menos que se torne absolutamente insuportável,
porque a respiração estará fechada. Continue, a menos que se torne absolutamente insuportável.
E quando estiver absolutamente insuportável, você não mais será capaz de fechar as aberturas;
assim, não precisa se preocupar. A força interior abrirá todas as aberturas. Assim, até onde lhe
disser respeito, continue. Quando o sufocamento chegar, esse é o momento – porque o
sufocamento quebrará as velhas associações. Se você puder continuar por alguns momentos
mais, será bom. Será difícil e árduo e você sentirá que vai morrer – mas não fique com medo,
porque você não pode morrer. Você não pode morrer simplesmente tampando as aberturas. Mas
quando você sente que “agora” você vai morrer, esse é o momento.
Se você puder persistir nesse momento, de repente, tudo ficará iluminado. Você sentirá o
espaço interior se expandindo; e o todo está incluído nele. Então, abra as suas aberturas.
Continue tentando isso repetidas vezes. Sempre que você tiver tempo, tente. Mas não pratique.
Você pode praticar a parada da respiração por alguns momentos. Mas praticar não ajudará – um
movimento repentino é necessário. Neste movimento abrupto, o fluxo para dentro de seus velhos
canais de consciência pára e uma nova coisa se torna possível.
Muitos praticam isso ainda hoje – muitas pessoas por toda a Índia. Mas eles praticam e este é
um método repentino. Se você praticar, então, nada acontecerá. Se eu o jogar para fora desta sala
de repente, seus pensamentos cessarão. Mas, se praticarmos isso diariamente, então, nada
acontecerá. Tornar-se-á um hábito mecânico. Assim, não o pratique. Apenas tente sempre que
você possa. Então, de repente, em pouco tempo, você se tornará consciente de um espaço
interior. Esse espaço interior vem somente para a sua consciência quando você está à beira da
morte. Quando você está sentindo que “agora eu não posso continuar por mais um único
momento; agora, a morte está próxima”, esse é o momento certo. Persista! Não fique com medo.
A morte não é tão fácil. Pelo menos até agora nem uma única pessoa morreu usando este
método.
Há seguranças embutidas, é por isso que você não pode morrer. Antes da morte a pessoa se
torna inconsciente. Se você está consciente e sente que irá morrer, não fique com medo. Você
ainda está consciente; assim, você não pode morrer. E se você ficar inconsciente, então, a sua
respiração recomeçará. Então, você não a pode evitar. Assim, você pode usar tampões de ouvido,
etc.; as mãos não são necessárias. As mãos eram usadas, somente porque, se você estiver ficando
inconsciente, as mãos se soltarão e o processo da vida reassumirá novamente por si mesmo.
Você pode usar tampões para os ouvidos, uma máscara para os olhos, mas não use nenhum
tampão para o nariz ou para a boca, porque, senão, isso pode se tornar fatal. Pelo menos o nariz
deve permanecer aberto. Feche-o com suas mãos. Então, quando você estiver realmente ficando
inconsciente, as mãos se soltarão e a respiração entrará. Assim, há uma segurança embutida. Este
método pode ser usado por muitos.
O quarto método é para aqueles que têm um coração muito desenvolvido, que são tipos
amorosos, sensíveis, emotivos. Bem-aventurada, quando os sentidos são absorvidos no coração,
alcance o centro do lótus. Este método pode ser usado somente por pessoas orientadas pelo
coração. Por conseguinte, entenda primeiro o que é uma pessoa orientada pelo coração. Então,
este método pode ser compreendido.
Com a pessoa que é orientada pelo coração, todas as coisas levam ao coração, todas as coisas.
Se você a ama, o coração dela sentirá o seu amor, não a cabeça dela. Uma pessoa orientada pela
cabeça, mesmo quando amada, sente isso cerebralmente, na cabeça. Ela pensa sobre isso; ela
planeja sobre isso. Até mesmo seu amor é um esforço deliberado da mente.
Um tipo sentimental vive sem razão. Naturalmente, o coração tem suas próprias razões, mas o
coração vive sem raciocinar. Se alguém lhe pergunta “Por que você ama?”, se você puder
responder o por quê, então, você é uma pessoa orientada pela cabeça. E se você diz “Eu não sei,
eu simplesmente amo.”, você é uma pessoa orientada pelo coração.
Mesmo quando você diz que alguém é belo e que é por isso que você o ama, isso é uma
razão. Para pessoas orientadas pelo coração, alguém é belo porque elas o amam. A pessoa
orientada pela cabeça ama alguém porque ele é belo, ou ela é bela. A razão vem primeiro e,
depois, vem o amor. Para a orientada pelo coração, o amor vem primeiro e, então, tudo o mais se
segue. O tipo sentimental está centrado no coração, assim, o que quer que aconteça toca o seu
coração.
Simplesmente observe a si mesmo. Em sua vida, muitas coisas estão acontecendo a todo
momento. Onde elas o estão tocando? Você está passando e um mendigo cruza a rua. Onde você
é tocado pelo mendigo? Você começa a pensar sobre condições econômicas? Você começa a
pensar sobre como a mendicância deveria ser proibida pela lei, ou sobre como uma sociedade
socialista deveria ser criada, de forma que não houvesse mendigos? Esse é um homem orientado
pela cabeça. Esse mendigo se torna apenas um dado para ele. Seu coração não é tocado, somente
a sua cabeça é tocada. Ele não irá fazer nada por esse mendigo aqui e agora – não! Ele irá fazer
alguma coisa pelo comunismo, ele irá fazer alguma coisa para o futuro, para alguma utopia. Ele
pode inclusive devotar toda a sua vida, mas ele não pode fazer nada exatamente agora.
A mente está sempre fazendo no futuro; o coração está sempre aqui e agora. Uma pessoa
orientada pelo coração fará alguma coisa agora por aquele mendigo. Aquele mendigo é um
indivíduo, não um dado. Mas para um homem orientado pela cabeça, esse mendigo é apenas uma
figura matemática. Para ele, como impedir a mendicância é o problema, e não que esse mendigo
deva ser ajudado – isso é irrelevante. Assim, apenas observe-se. Em muitas situações, observe
como você age. Você está relacionado com o coração, ou você está relacionado com a cabeça?
Se você sente que é uma pessoa orientada pelo coração, então, este método será muito útil
para você. Mas saiba bem que todo mundo está tentando se enganar de que é orientado pelo
coração. Todo mundo está tentando sentir que é uma pessoa muito amorosa, um tipo sentimental
– porque o amor é uma necessidade tão básica que ninguém pode sentir-se à vontade se vir que
não tem amor, um coração amoroso. Assim, todo mundo continua pensando e acreditando nisso,
mas acreditar não funcionará. Observe muito imparcialmente, como se você estivesse
observando outro alguém e, então, decida – porque não há nenhuma necessidade de enganar a si
mesmo e isso não será de nenhuma valia. Mesmo que você se engane, você não pode enganar a
técnica; assim, quando você fizer esta técnica, você sentirá que nada está acontecendo.
As pessoas vêm a mim e eu lhes pergunto a que tipo elas pertencem. Elas realmente não
sabem. Elas nunca pensaram sobre isso – sobre que tipo elas são. Elas têm apenas vagas
concepções sobre elas mesmas e essas concepções são realmente apenas imaginação. Elas têm
certos ideais e auto-imagens e elas pensam – ou mais exatamente, elas desejam – ser essas
imagens. Elas não são e frequentemente acontece de provarem ser exatamente o contrário.
Há uma razão para isso. Uma pessoa que insiste que é uma pessoa orientada pelo coração
pode estar insistindo somente porque ela sente a ausência do coração e ela tem medo. Ela não
pode se tornar consciente do fato de que ela não tem coração.
Olhe para o mundo! Se todo mundo está certo sobre seu coração, então, este mundo não
poderia ser tão insensível. Este mundo é a nossa soma; assim, em algum lugar, alguma coisa está
errada. O coração não existe. Realmente, ele nunca foi treinado para existir. A mente é treinada,
assim ela existe. Há escolas, colégios, universidades para treinar a mente, mas não há lugares
para treinar o coração. E o treino da mente vale a pena, mas o treino do coração é perigoso. Se
seu coração for treinado, você se tornará absolutamente desajustado para este mundo, porque o
mundo todo é conduzido através da razão.
Se seu coração for treinado, você será simplesmente um absurdo no contexto do padrão total.
Quando todo mundo estiver se movendo para a direita, você estará se movendo para a esquerda.
Em todo lugar, você sentirá dificuldades. Realmente, quanto mais o homem se torna civilizado,
cada vez menos e menos o coração é treinado. Nós realmente o esquecemos – que ele está ali, ou
que há uma necessidade dele ser treinado. É por isso que tais métodos, que podem funcionar
muito facilmente, nunca funcionam.
A maioria das religiões está baseada em técnicas orientadas pelo coração – cristianismo,
islamismo, hinduísmo e muitas outras. Elas estão baseadas em pessoas orientadas pelo coração.
Quanto mais antiga a religião, mais ela está baseada em pessoas orientadas pelo coração.
Realmente, quando Os Vedas foram escritos e o hinduísmo estava se desenvolvendo, havia
pessoas que eram orientadas pelo coração. E para encontrar uma pessoa orientada pela cabeça
então, era realmente difícil. Mas, agora, o inverso é um problema. Você não pode orar, porque a
oração é uma técnica orientada pelo coração. É por isso que mesmo no Ocidente, onde o
cristianismo – que é uma religião de oração – prevalece, a oração se tornou difícil.
Especialmente, a igreja católica é orientada pela oração.
Não há tal coisa, como meditação, para o cristianismo, mas, agora, até mesmo no Ocidente as
pessoas estão se tornando loucas por meditação. Ninguém está indo às igrejas – e mesmo se
alguém vai, é apenas uma coisa formal, apenas religião de domingo –, porque a oração orientada
pelo coração se tornou absolutamente desconhecida para o homem, como ele existe no Ocidente.
A meditação é mais orientada pela mente; a oração é mais orientada pelo coração. Ou nós
podemos dizer que a oração é uma técnica de meditação para as pessoas orientadas pelo coração.
Esta técnica é também para pessoas orientadas pelo coração: Bem-aventurada, quando os
sentidos são absorvidos no coração, alcance o centro do lótus.
Assim, o que é para se fazer nessa técnica? ...quando os sentidos são absorvidos no coração...
tente! Muitos modos são possíveis. Você toca alguém; se você é uma pessoa orientada pelo
coração, o toque imediatamente vai para o seu coração e você pode sentir a qualidade. Se você
pegar a mão de uma pessoa que é orientada pela cabeça, a mão estará fria – não apenas fria, mas
a própria qualidade será fria. Um estado de morte, um certo estado de morte estará na mão. Se a
pessoa é orientada pelo coração, então, existirá um certo calor, então, a mão dela realmente se
fundirá com você. Você sentirá uma certa coisa fluindo da mão dela para você e haverá uma
fusão, uma comunicação de calor.
Esse calor vem do coração. Ele nunca pode vir da cabeça, porque a cabeça é sempre seca...
fria, calculista. O coração é quente, não-calculista. A cabeça sempre pensa sobre como conseguir
mais; o coração sempre sente como dar mais. Esse calor é apenas uma doação – uma doação de
energia, uma doação de vibrações interiores, uma doação de vida. É por isso que você sente uma
qualidade diferente nele. Se a pessoa realmente o abraçar, você sentirá uma profunda fusão com
ela.
Toque! Feche os olhos; toque qualquer coisa. Toque o seu amado, ou a sua amada, toque o
seu filho, ou a sua mãe, ou o seu amigo; ou toque uma árvore, ou uma flor, ou simplesmente
toque a terra. Feche os olhos e sinta a comunicação de seu coração com a terra, ou com a sua
amada. Sinta que a sua mão é apenas seu coração estendido para tocar a terra. Deixe a sensação
do toque estar relacionado com o coração.
Você está ouvindo música. Não a escute a partir da cabeça. Simplesmente, esqueça sua
cabeça e sinta que você é sem cabeça, que não há cabeça, absolutamente. É bom ter um retrato
de você mesmo sem a cabeça em seu quarto. Concentre-se nele; você é sem cabeça, não permita
a cabeça entrar. Quando ouvir música, ouça-a a partir do coração. Sinta a música chegando ao
seu coração, deixe o seu coração vibrar com ela. Deixe os seus sentidos estarem ligados ao
coração, não à cabeça. Tente isso com todos os sentidos e sinta cada vez mais que cada sentido
penetra o coração e se dissolve dentro dele.
Bem-aventurada, quando os sentidos são absorvidos no coração, alcance o centro do lótus.
O coração é o lótus. Cada sentido é apenas a abertura do lótus, as pétalas do lótus. Tente
relacionar seus sentidos com o coração, primeiro. Em segundo lugar, sempre pense que cada
sentido vai bem fundo no coração e se torna absorvido nele. Quando essas duas coisas se tornam
estabelecidas, somente então, seus sentidos começarão a ajudá-lo. Eles o levarão para o coração
e o seu coração se tornará um lótus.
Esse lótus do coração lhe dará um centramento. Uma vez que você conheça o centro do
coração, é muito fácil cair no centro do umbigo, muito fácil. Este sutra nem mesmo o menciona
– não há nenhuma necessidade. Se você está realmente absorvido no coração, totalmente, e a
razão parou de funcionar, então, você cairá. Do coração, a porta está aberta em direção ao
umbigo. Somente da cabeça é difícil ir-se em direção ao umbigo. Ou se você está no meio dos
dois, entre o coração e a cabeça, então, também é difícil você ir para o umbigo. Uma vez que
você seja absorvido no umbigo, você, de repente, terá caído além do coração. Você terá caído
dentro do centro do umbigo, que é o centro básico – o original.
É por isso que a prece ajuda. É por isso que Jesus diz: “Deus é amor”. Isso não está
totalmente correto, mas o amor é a porta. Se você está amando profundamente... – alguém, não
importa quem... o amor importa; o objeto do amor não importa. Se você está amando
profundamente alguém, amando tanto que não há relacionamento a partir da cabeça, se somente
o coração está funcionando, então, esse amor se tornará oração e sua amada, ou seu amado, se
tornará divino.
Realmente, o olho do coração não pode ver nenhuma outra coisa e é por esse motivo que isso
acontece com o amor comum também. Se você se apaixona por alguém, esse alguém se torna
divino. Isso pode se mostrar não ser muito duradouro e pode se mostrar não ser algo muito
profundo, mas, naquele momento, o amado, ou a amada, se torna divino. A cabeça destruirá toda
a coisa mais cedo ou mais tarde, porque a cabeça entrará e tentará administrar tudo. Até mesmo o
amor tem que ser administrado. E uma vez que a cabeça administre, tudo é destruído.
Se você pode estar amando sem que o gerenciamento da cabeça entre, seu amor está
destinado a se tornar prece, e sua amada se tornará a porta. Seu amor o tornará centrado no
coração – e, uma vez que você esteja centrado no coração, você automaticamente cai lá no fundo
do centro do umbigo.

17 Não escolha, mantenha-se no meio

A quinta técnica de centramento:

Esquecendo a mente, mantenha-se no meio – até.

Somente esse pouco é o sutra. Exatamente como um sutra científico, ele é curto, mas mesmo
essas poucas palavras podem transformar sua vida totalmente. Esquecendo a mente, mantenha-se
no meio – até.
Mantenha-se no meio... Buda desenvolveu toda a sua técnica de meditação a partir deste
sutra. Seu caminho é conhecido como majihim nikai – o caminho do meio. Buda diz:
“Permaneça sempre no meio – em todas as coisas.”.
Um príncipe, Shravan, recebeu iniciação. Buda o iniciou no sânias. Esse príncipe era um
homem raro e quando ele tomou sânias, quando ele foi iniciado, todo o seu reino ficou
espantado. O reino não podia acreditar naquilo, as pessoas não podiam acreditar que o príncipe
Shravan pudesse se tornar um saniássin. Ninguém nunca imaginou isso, pois ele era um homem
deste mundo – indulgente em tudo, indulgente ao extremo. Vinho e mulheres eram seu ambiente.
Então, de repente, Buda chegou à cidade e o príncipe foi vê-lo para um darshan – um
encontro espiritual. Ele caiu aos pés de Buda e disse: “Inicie-me. Eu deixarei este mundo.”.
Aqueles que tinham ido com ele nem estavam sabendo... aquilo foi tão repentino! Assim, eles
perguntaram a Buda: “O que está acontecendo? Isso é um milagre. Shravan não é desse tipo de
homem e ele sempre viveu muito luxuriosamente. Até este momento, nós não podíamos sequer
imaginar que Shravan fosse tomar sânias, assim o que foi que aconteceu? Você fez alguma
coisa.”.
Buda disse: “Eu não fiz nada. A mente pode facilmente mover-se de um extremo a outro.
Esse é o jeito da mente – mover-se de um extremo a outro. Assim, Shravan não está fazendo
nada novo. Isso é esperado. Como vocês não conhecem a lei da mente... é por isso que estão tão
surpresos.”.
A mente move-se de um extremo a outro, esse é o jeito da mente. Assim, isso acontece todo
dia: uma pessoa que estava louca atrás de riqueza, renuncia tudo, torna-se um faquir nu. Nós
pensamos: “Que milagre!”. Mas não é nada disso... é simplesmente a lei comum. De uma pessoa
que não estava louca atrás de riqueza, não se pode esperar que renuncie, porque somente de um
extremo você pode se mover para o outro – exatamente como um pêndulo, de um extremo ao
outro.
Assim, uma pessoa que estava atrás de riqueza, louca atrás de riqueza, se tornará louca contra
ela, mas a loucura permanecerá – essa é a mente. Um homem que viveu apenas para o sexo, pode
se tornar um celibatário, pode se mover para o isolamento, mas a loucura permanecerá. Antes,
ele estava vivendo só para o sexo, agora, ele estará vivendo somente contra o sexo – mas a
atitude, a abordagem, permanece a mesma.
Assim, um brahmachari, um celibatário, não está realmente além do sexo; toda a sua mente é
orientada pelo sexo. Ele é contra, mas não está além. O caminho do além está sempre no meio,
ele nunca está no extremo. Assim, Buda diz: “Podia-se esperar isso. Nenhum milagre aconteceu.
É assim que a mente funciona”.
Shravan se tornou um mendigo, um saniássin. Ele se tornou um bhikkhu, um monge e, logo,
outros discípulos de Buda observaram que ele estava se movendo para o outro extremo. Buda
nunca pediu para ninguém ficar nu, mas Shravan ficou nu. Buda não era a favor de se estar nu.
Ele disse: “Isso é apenas o outro extremo.”.
Há pessoas que vivem para as roupas como se isso fosse a vida delas e há outras pessoas que
ficaram nuas – mas ambas acreditam na mesma coisa. Buda nunca ensinou a nudez, mas Shravan
ficou nu. Ele era o único discípulo de Buda que vivia nu. Ele se tornou muito, muito
autotorturante. Buda permitia uma refeição por dia aos saniássins, mas Shravan fazia somente
uma refeição em dias alternados. Ele ficou fraco e magro. Enquanto todos os outros discípulos
sentavam-se para meditar embaixo de árvores, na sombra, ele nunca sentava-se sob uma árvore.
Ele permanecia sempre sob o sol quente. Ele era um belo homem e tinha um corpo muito
gracioso, mas em seis meses ninguém podia reconhecer que ele era o mesmo homem. Ele se
tornou feio, escuro, preto, queimado.
Buda foi até Shravan uma noite e lhe perguntou: “Shravan, eu ouvi dizer que, quando você
era um príncipe, antes da iniciação, você tocava veena – uma sítar – e que você era um grande
músico. Então eu vim aqui para lhe fazer uma pergunta. Se as cordas do veena estiverem muito
frouxas, o que acontecerá?”.
Shravan disse: “Se as cordas estiverem muito frouxas, então, nenhuma música será possível.”.
E então, Buda disse: “E se as cordas estiverem muito apertadas, bastante apertadas, então, o
que acontecerá?”.
Shravan disse: “Então, também, a música não será produzida. As cordas devem estar no meio
– nem frouxas e nem apertadas, mas exatamente no meio.”. Shravan disse: “É fácil tocar veena,
mas somente um mestre pode colocar essas cordas corretamente, no meio.”.
Assim, Buda disse: “É isso o que eu tenho para lhe dizer, depois de observá-lo nos últimos
seis meses – que, na vida também, a música só surge quando as cordas não estão nem frouxas,
nem apertadas, mas exatamente no meio. Assim, renunciar é fácil, mas somente um mestre sabe
como estar no meio. Portanto, Shravan, seja um mestre e deixe que essas cordas da vida estejam
exatamente no meio – em tudo. Não vá a esse extremo, não vá àquele outro extremo. Todas as
coisas têm dois extremos, mas você permanece exatamente no meio.”.
Mas a mente é muito descuidada. É por isso que este sutra diz: Esquecendo a mente... Você
ouvirá isso, você entenderá isso, mas a mente não fará caso disso. A mente sempre continuará
escolhendo os extremos.
O extremo tem uma fascinação para a mente. Por quê? Porque no meio, a mente morre. Olhe
para um pêndulo: se você tiver algum relógio antigo, olhe para o pêndulo. O pêndulo pode
continuar se movendo o dia todo, se ele vai aos extremos. Quando ele vai para a esquerda ele
está acumulando impulso para ir à direita. Quando ele vai para a direita, não pense que ele está
indo para a direita – ele está acumulando impulso para ir à esquerda. Assim, os extremos são
direita/esquerda, direita/esquerda.
Deixe o pêndulo estar no meio, então, todo o impulso é perdido. Então, o pêndulo não tem
energia, porque a energia vem de um dos extremos. Então, esse extremo o joga em direção ao
outro e, depois, novamente; e isso é um círculo... o pêndulo continua se movendo. Deixe-o estar
no meio e todo o movimento, então, cessará.
A mente é exatamente como um pêndulo, e o dia inteiro. Se você observar, você verá. Você
decide uma coisa em um extremo e, então, você se move para o outro. Você está com raiva;
então, você se arrepende. Você decide: “Agora, chega. Agora, eu nunca mais ficarei com raiva.”.
Mas você não vê o extremo.
“Nunca” é um extremo. Como você está tão certo de que você nunca mais ficará com raiva?
O que você está dizendo? Pense uma vez mais – nunca? Então, vá ao passado e recorde-se de
quantas vezes você já decidiu que “eu nunca mais ficarei com raiva”. Quando você diz “eu nunca
mais ficarei com raiva”, você não sabe que, por estar com raiva, você acumulou impulso para ir
ao outro extremo.
Agora, você está se sentido arrependido, você está se sentindo mal. Sua auto-imagem está
perturbada, abalada. Agora, você não pode dizer que é um homem bom, você não pode dizer que
é um homem religioso. Você ficou com raiva, e como um homem religioso pode ficar com raiva?
Como um homem bom pode ficar com raiva. Assim, você se arrepende para reconquistar sua
bondade novamente. Pelo menos aos seus olhos, você pode se sentir à vontade – pois você se
arrependeu e decidiu que, agora, não haverá mais raiva. A imagem abalada voltou ao velho
status quo. Agora, você se sente à vontade, você se moveu para o outro extremo.
Mas a mente que diz “agora eu nunca mais ficarei com raiva”, ficará novamente com raiva. E
quando você estiver novamente com raiva, você se esquecerá completamente de seu
arrependimento, de sua decisão – de todas as coisas. Depois da raiva, novamente, a decisão virá e
o arrependimento virá; e você nunca perceberá essa trapaça. Isso tem sido sempre assim.
A mente se move da raiva para o arrependimento, do arrependimento para a raiva. Permaneça
no meio. Não fique com raiva e não se arrependa. Se você ficou com raiva, então, por favor, pelo
menos faça isto: não se arrependa. Não se mova para o outro extremo. Permaneça no meio. Diga:
“Eu fiquei com raiva e eu sou um homem mau, um homem violento. Eu fiquei com raiva. É
assim que eu sou.”. Mas não se arrependa; não se mova para o outro extremo. Permaneça no
meio. Se você puder permanecer, você não estará acumulando impulso, a energia para ficar com
raiva novamente.
Assim, este sutra diz: Esquecendo a mente, mantenha-se no meio – até. E o que se quer dizer
com até? Até você explodir! Permaneça no meio até a mente morrer. Mantenha-se no meio até
que não haja mente alguma. Assim, Esquecendo a mente, mantenha-se no meio – até não existir
mais a mente. Se a mente estiver nos extremos, então, o meio será a não-mente.
Mas essa é a coisa mais difícil do mundo de se fazer. Parece fácil, parece simples; pode
parecer-lhe que você pode fazê-lo. E você se sentirá bem se pensar que não há nenhuma
necessidade de qualquer arrependimento. Tente isso e, então, você saberá que, depois que você
ficar com raiva, a mente insistirá no arrependimento.
Maridos e esposas continuam brigando e, por séculos e séculos, tem havido conselheiros,
consultores, grandes homens que estiveram ensinando como viver e amar – mas eles continuam
brigando. Freud, pela primeira vez, tornou-se consciente do fenômeno de que, sempre que você
está amando – o assim chamado amor –, você também está odiando. Pela manhã é amor, à noite
é ódio; e o pêndulo continua se movendo. Todos os maridos e todas as esposas sabem disso, mas
Freud tem um insight muito excepcional. Freud diz que, se um casal parou a luta, saiba bem que
o amor morreu.
Esse amor que existiu com o ódio e a luta, não pode permanecer; assim, se você vê um casal
que nunca briga, não pense que esse é o casal ideal. Isso não significa um casal, absolutamente.
Eles estão vivendo em paralelo, mas não um com o outro. Eles são linhas paralelas, nunca se
encontrando em lugar algum, nem mesmo para brigar. Eles estão sempre sozinhos juntos –
paralelos.
A mente tem que se mover para o oposto, assim, agora, a psicologia dá o melhor conselho. O
conselho é melhor, mais profundo, mais penetrante. Ele diz que se você realmente quer amar –
com a mente –, então, não fique com medo de brigar. Realmente, você deve brigar
autenticamente; assim, você pode se mover para o outro extremo do amor autêntico. Assim,
quando você está brigando com sua esposa, não evite isso; caso contrário, o amor também será
evitado. Quando o momento de luta está presente, lute até o fim. Então, à noite, você será capaz
de amar: a mente terá juntado impulso. O amor comum não pode existir sem luta, porque há um
movimento da mente. Somente o amor que não é da mente pode existir sem luta, mas, então, é
uma coisa totalmente diferente.
Um buda amando... isso é uma coisa totalmente diferente. Mas se Buda chegar para amá-lo,
você não se sentirá bem, porque não haverá falhas nesse amor: ele será simplesmente doce e
doce e doce... – e chato, porque o tempero vem da luta. Um buda não pode ficar com raiva, ele
pode somente amar. Você não sentirá seu amor, porque você só pode sentir os opostos, você
pode senti-lo somente por contraste.
Quando Buda voltou para a sua cidade natal depois de doze anos, sua esposa não pôde ir
recebê-lo. Toda a cidade se agrupou para recebê-lo, exceto sua esposa. Buda riu e disse para seu
discípulo-chefe, Ananda: “Yashodhara não veio. Eu a conheço bem. Parece que ela ainda me
ama. Ela é orgulhosa e se sente ferida. Eu estava pensando que doze anos fosse um longo tempo
e que ela poderia não estar mais amando, mas parece que ela ainda está amando – ainda com
raiva. Ela não veio me receber. Eu terei de ir até a casa.”.
Assim, Buda foi. Ananda estava com ele; isso era uma condição de Ananda. Quando Ananda
tomou a iniciação, ele fez uma condição a Buda, com a qual Buda concordou, de que ele sempre
permaneceria junto dele. Ele era um primo-irmão mais velho, assim, Buda teve que conceder.
Ananda seguiu-o até a casa, até o palácio. Então, Buda disse: “Pelo menos neste caso, você
fique para trás e não venha comigo, porque ela ficará furiosa. Eu estou voltando depois de doze
anos e eu simplesmente fui embora sem lhe dizer nada. Ela ainda está com raiva; assim, não
venha comigo; caso contrário, ela sentirá que eu nem sequer lhe permiti dizer alguma coisa. Ela
deve estar sentindo vontade de dizer muitas coisas; assim, deixe-a ficar com raiva, não venha
comigo.”.
Buda entrou. Naturalmente, Yashodhara estava um vulcão. Ela irrompeu, explodiu. Ela
começou a chorar e gritar e a dizer coisas. Buda ficou ali, esperando e, pouco a pouco, ela foi
esfriando e percebendo que Buda não tinha nem mesmo proferido uma simples palavra.
Ela limpou os olhos e olhou para Buda; e Buda disse: “Eu vim para dizer que conquistei uma
coisa, que eu conheci uma coisa, que compreendi uma coisa. Se você se acalmar, eu poderei lhe
dar a mensagem – a verdade que eu compreendi. Eu esperei tanto, de modo que você pudesse
passar por uma catarse. Doze anos é uma longa duração. Você deve ter juntado muitas feridas e
sua raiva é compreensível; eu esperava por isso. Isso mostra que você ainda está apaixonada por
mim. Mas há um amor além desse amor, e somente por esse amor eu voltei, para dizer-lhe algo.”.
Mas Yashodhara não podia sentir aquele amor. É difícil senti-lo, porque ele é muito
silencioso. Ele é tão silencioso como se fosse ausente. Quando a mente cessa, então, um amor
diferente acontece. Mas esse amor não tem nenhum oposto a ele. Quando a mente cessa
realmente, o que quer que aconteça não tem oposto. Com a mente, há sempre uma polaridade
oposta e a mente se move como um pêndulo.
Este sutra é maravilhoso e milagres são possíveis através dele: Esquecendo a mente,
mantenha-se no meio – até.
Assim, tente isso. E esse sutra é para toda a sua vida. Você não pode praticá-lo algumas
vezes, você tem de estar consciente continuamente. Agindo, caminhando, comendo, no
relacionamento, em qualquer lugar – permaneça no meio. Tente pelo menos e você sentirá uma
certa calma se desenvolvendo, uma tranquilidade chegando a você, um centro quieto crescendo
dentro de você.
Até mesmo se você não conseguir sucesso em estar exatamente no meio, tente estar no meio.
Em pouco tempo, você sentirá o que esse meio significa. Qualquer que seja o caso – ódio ou
amor; raiva ou arrependimento – sempre se lembre das polaridades opostas e permaneça no
meio. E, mais cedo ou mais tarde, você irá se deparar com o exato ponto do meio.
Uma vez que você o conheça, você nunca poderá esquecer novamente, porque esse ponto do
meio está além da mente; o ponto do meio é tudo o que a espiritualidade significa.
Capítulo 12

ALÉM DA MENTE PARA A FONTE



PERGUNTAS

Por favor explique as funções do centro do umbigo, do centro do terceiro olho e do cordão
espinhal.
O ascetismo de Buda parece contrário à vida mundana e não, o caminho do meio. Por favor
explique.
Quais seriam algumas maneiras práticas para se desenvolver o centro do coração?
A pessoa deveria amar no caminho do meio, ou ser intensa em ambos os pólos do amor e do
ódio?

Há muitas perguntas. A primeira pergunta:

Na noite passada, Você disse que, com o alvorecer da iluminação, o espaço entre as duas
sobrancelhas, o terceiro olho, torna-se todo abrangente. Em outro dia, Você disse que todos
os iluminados estão centrados no umbigo e, ainda em um outro dia, Você explicou sobre o
cordão prateado no meio da espinha. Dessa maneira, nós tomamos conhecimento de três
coisas básicas como raízes do homem. Por favor, explique o significado relativo e as funções
relativas destas três coisas: o centro do umbigo, o terceiro olho e o cordão de prata.

A coisa básica a ser entendida sobre esses centros é esta: sempre que você está internamente
centrado, no momento em que você está centrado, qualquer que seja o centro, você cai para o
umbigo. Se você está centrado no coração, o coração é irrelevante – o centramento é
significativo. Ou se você está centrado no terceiro olho, o terceiro olho não é básico – o ponto
básico é que sua consciência está centrada. Assim, qualquer que seja o ponto do centramento,
uma vez que você estiver centrado – em qualquer ponto – você cairá para o umbigo.
O centro existencial básico é o umbigo, mas seu centro funcional pode estar em qualquer
lugar. A partir desse centro, você cairá automaticamente. Não existe necessidade de pensar sobre
isso. E isso não é só com o centro do coração ou do terceiro olho. Se você estiver realmente
centrado na razão, na cabeça, você também cairá para o centro do umbigo.
O centramento é a questão, mas é muito difícil estar centrado na razão, na cabeça. Existem
problemas. O centro do coração está baseado no amor, na fé, na entrega. A cabeça está baseada
na dúvida e na negação.
Ser totalmente negativo é realmente impossível; estar totalmente duvidando é impossível.
Mas isso acontece algumas vezes, porque o impossível também acontece. Algumas vezes, se sua
dúvida chegar a uma tal intensidade que nada possa permanecer de confiança, nem mesmo a
mente que duvida é de confiança; se a dúvida voltar-se para si mesma e todas as coisas se
tornarem dúvida, então, você cairá para o centro do umbigo imediatamente. Mas isso é um
fenômeno muito raro.
A confiança é mais fácil. Você pode confiar totalmente com mais facilidade do que você pode
duvidar totalmente. Você pode dizer “sim” totalmente com mais facilidade do que pode dizer
“não”. Assim, mesmo que você esteja centrado na cabeça, o centramento é que é básico: você
cairá para suas raízes existenciais. Assim, esteja centrado em qualquer lugar. A espinha servirá; o
coração servirá; a cabeça servirá. Ou você também pode encontrar outros centros no corpo.
Os budistas falam de nove chakras – nove centros dinâmicos no corpo. Os hindus falam de
sete chakras – sete centros dinâmicos no corpo. Os tibetanos falam de treze centros no corpo.
Você pode encontrar os seus próprios também, não há necessidade de estudar sobre estes.
Qualquer ponto do corpo pode ser tornado um objeto de centramento. Por exemplo: o tantra
usa o centro sexual para o centramento. O tantra trabalha trazendo sua consciência para ele,
totalmente. O centro sexual servirá.
Os taoístas usaram o dedão do pé como o centro. Mova a sua consciência lá para baixo, no
dedão do pé; permaneça lá, esqueça o corpo todo. Deixe toda a sua consciência ir para o dedão.
Isso funcionará, porque, realmente, aquilo em que você está se centrando é irrelevante. Você está
centrado – isso é que é o básico. A coisa acontece por causa do centramento, não por causa do
centro – lembre-se disso. O centro não é significativo, o centramento é significativo.
Assim, não fique confuso, porque, dentre tantos métodos, dentre cento e doze métodos,
muitos centros serão usados. Não fique confuso sobre qual centro é o mais importante, ou qual é
o verdadeiro; qualquer centro servirá. Você pode escolher de acordo com seu próprio gosto.
Se sua mente é muito sexual, é bom escolher o centro sexual. Use-o porque a sua consciência
está naturalmente fluindo em direção a ele – então, é melhor escolhê-lo. Mas tornou-se difícil
escolher o centro sexual. Esse é um dos centros mais naturais; sua consciência é atraída em
direção a ele, biologicamente. Por que não usar essa força biológica em vista da transformação
interior? Faça dele o ponto de seu centramento.
Mas os condicionamentos sociais, os ensinamentos sexualmente repressivos, moralizadores...
– eles causaram um grande mal. Você está separado de seu centro sexual. Na verdade, a imagem
que temos de nosso eu real, exclui o centro sexual. Imagine o seu corpo: você deixará seus
órgãos sexuais fora dele: é por isso que muitas pessoas sentem como se seus órgãos sexuais
fossem alguma coisa diferente delas, que não são parte delas. É por isso que há tanta
escondedura, tanta manutenção da inconsciência.
Se alguém pudesse vir do espaço, de algum outro planeta e pudesse vê-los, ele não seria
capaz de conceber que vocês têm algum centro sexual. Se ele pudesse ouvi-los falando, ele não
seria capaz de entender que existe alguma coisa como o sexo. Se ele se mover em sua sociedade,
no mundo formal, ele não saberá que alguma coisa como o sexo está acontecendo.
Nós criamos uma divisão. Uma barreira está presente e nós cortamos o centro sexual de nós
mesmos. Na verdade, por causa do sexo, nós dividimos o corpo em dois. O de cima significa
“mais elevado” em nossas mentes e o mais baixo significa “inferior” – ele é condenado. Assim,
“inferior” não é apenas uma informação sobre a localização da metade inferior, ela é uma
avaliação também. Você mesmo não pensa que a parte inferior do corpo seja você.
Se alguém lhe perguntar “Onde está você em seu corpo?”, você apontará para a sua cabeça,
porque essa é a parte mais elevada. É por isso que os brâmanes, na Índia, dirão: “Nós somos a
cabeça e os sudras, os intocáveis, são os pés.”. Os pés são inferiores à cabeça. Na verdade, você
é a cabeça; e os pés e as outras partes somente pertencem a você, não são você. Para fazer essa
divisão, nós criamos roupas de duas partes – umas para a parte de cima do corpo e outras para a
parte de baixo do corpo. Isso é somente para dividir o corpo em dois. Existe uma divisão sutil.
A parte de baixo do corpo não é parte de você. Ela se pendura em você – é uma outra coisa. É
por isso que é difícil usar o centro sexual para o centramento. Mas se você puder usá-lo, ele é o
melhor, porque, biologicamente, sua energia está fluindo em direção a esse centro. Concentre-se
nele. Sempre que você sentir um impulso sexual, feche os seus olhos e sinta a energia fluindo em
direção ao centro sexual.
Faça disso uma meditação: sinta-se centrado no centro sexual. Então, de repente, você sentirá
uma mudança de qualidade na energia. A sexualidade desaparecerá e o centro sexual se tornará
iluminado, cheio de energia, dinâmico. Você sentirá a vida em seu pico neste centro. E se você
estiver centrado, o sexo realmente será esquecido completamente naquele momento. Do centro
sexual, você sentirá a energia fluindo por todo o corpo, inclusive transcendendo o corpo e indo
para o cosmos. Se você estiver totalmente centrado no centro sexual, de repente, você será
jogado para sua raiz básica, no umbigo.
O tantra usou o centro sexual e eu acho que o tantra foi uma das abordagens mais científicas
na direção da transformação humana, porque usar o sexo é muito científico. Quando a mente já
está fluindo em direção a ele, por que não usar esse fluxo natural como um veículo?
Esta é a diferença básica entre tantra e os assim chamados ensinamentos moralistas. Os
professores moralistas nunca podem usar o centro sexual para a transformação – eles têm medo.
E alguém que está com medo da energia sexual, realmente, achará muito, muito difícil
transformar a si mesmo, ou a si mesma, porque esta pessoa está lutando contra a corrente –
desnecessariamente, fluindo contra o rio.
É fácil fluir com o rio, simplesmente flutuar. E se você pode flutuar sem nenhum conflito,
você pode usar esse centro para o centramento.
Qualquer centro funcionará. Você pode criar seus próprios centros... não precisa ser
tradicional. Todos os centros são artifícios – truques para o centramento. Quando você está
centrado, você virá para o seu umbigo automaticamente. Uma consciência centrada volta,
automaticamente, para a fonte original.

A segunda pergunta:

Buda inspirou um grande número de pessoas a se tornarem saniássins – saniássins que


deviam mendigar sua refeição e viver ao largo da sociedade, dos negócios e da política. O
próprio Buda viveu uma vida ascética. Essa vida monástica parece ser o outro extremo da
vida mundana. Isso não parece ser o caminho do meio. Você pode explicá-lo?

Será difícil de entender, porque você não está ciente de qual é o outro extremo da vida
mundana. A outro extremo da vida é sempre a morte. Há professores que disseram que o suicídio
é o único caminho. E não somente no passado; até mesmo agora, no presente, há pensadores que
dizem que a vida é absurda. Se a vida como tal é sem sentido, então, a morte se torna
significativa. Vida e morte são pólos opostos, assim, o oposto da vida é a morte. Tente entender
isso. E será útil para você descobrir o caminho para si mesmo.
Se a morte é o pólo oposto da vida, então, a mente pode se mover para a morte muito
facilmente – e isso acontece. Quando alguém comete suicídio, você já observou que a pessoa que
comete suicídio estava muito apegada à vida? Somente aqueles que estão muito apegados à vida
podem cometer suicídio.
Por exemplo: você está muito apegada ao seu marido, ou apegado à sua esposa, e você pensa
que não pode viver sem ele, ou sem ela. Então, o marido, ou a esposa, morre e você comete
suicídio. A mente se moveu para o outro extremo, porque ela estava muito apegada à vida.
Quando a vida frustra, então, a mente pode se mover para o outro extremo.
Os suicídios são de dois tipos – suicídio por atacado e suicídio gradual. Você pode cometer
suicídio gradual afastando-se da vida, retirando-se, cortando suas ancoragens na vida, pouco a
pouco; morrendo lentamente, gradualmente.
No tempo de Buda, havia escolas que pregavam o suicídio. Elas eram os verdadeiros
oponentes à vida, à vida mundana. Havia escolas que ensinavam que cometer suicídio era a única
saída desse absurdo que nós chamamos vida, a única saída desse sofrimento. “Se você está vivo,
você terá de sofrer” – eles diziam – “e não há jeito de sair da miséria enquanto se estiver vivo.
Assim, cometa suicídio, destrua-se.” Quando você ouve isso, parece um ponto de vista muito
extremista, mas tente compreendê-lo profundamente. Isso carrega algum significado.
Sigmund Freud, depois de quarenta anos de constante trabalho com a mente humana, uma das
mais longas pesquisas que um indivíduo pôde fazer, chegou à conclusão de que o homem, como
ele é, não pode ser feliz. A própria maneira da mente funcionar cria a miséria; assim, no máximo,
pode-se escolher entre menos miséria ou mais miséria. A escolha não pode ser “nenhuma
miséria”. Se você ajustar a sua mente, você será menos miserável, isso é tudo. Isso parece muito
sem esperança.
Os existencialistas – Sartre, Camus e outros – dizem que a vida nunca pode ser bem-
aventurada. A própria natureza da vida é apreensão, angustia, sofrimento; assim, o melhor que
alguém pode fazer é encará-la bravamente, sem nenhuma esperança. Você pode somente encará-
la bravamente e isso é tudo – sem nenhuma esperança. A situação como tal é sem esperança.
Camus pergunta: “Bem, se essa é a situação, então, por que não cometer suicídio? Se não existe
nenhum modo de ir além na vida, então, por que não abandonar esta vida?”.
Um dos personagens de Dostoiévski em um dos maiores romances do mundo, Os Irmãos
Karamazov, diz: “Eu estou tentando descobrir onde seu Deus está, apenas para devolver a ele o
bilhete de entrada – o bilhete de entrada na vida. Eu não quero estar aqui. E se existe algum
Deus, ele deve ser muito violento e cruel” – a personagem diz – “porque sem me perguntar, ele
me atirou na vida. Isso nunca foi minha escolha. Por que eu estou vivo, sem que isso seja minha
escolha?”.
Havia muitas escolas no tempo de Buda. O tempo de Buda foi um dos períodos mais
intelectualmente dinâmicos na história humana. Por exemplo: havia Ajit Keshkambal. Você pode
não ter ouvido o nome, porque é difícil criar um seguidor ao redor daqueles que pregam suicídio.
Assim, nenhuma seita existe em torno de Ajit Keshkambal, mas ele disse continuamente, por
cinco anos, que só o suicídio é o único caminho.
Dizem que alguém perguntou à Ajit: “Então, por que você não cometeu suicídio até agora?”.
Ele disse: “Apenas para pregar. Eu tenho que sofrer a vida, eu tenho uma mensagem para dar
ao mundo. Se eu cometo suicídio, então, quem pregará? Quem ensinará esta mensagem? Apenas
para dar esta mensagem, eu estou aqui. Do contrário, a vida não vale ser vivida.”. Esse é o
oposto extremo da vida, dessa assim chamada vida que nós vivemos.
O caminho de Buda era o do meio. Buda disse: nem a morte, nem a vida. Isso é o que
significa ‘sânias’: nem apego à vida, nem repulsa, mas, simplesmente, estar no meio. Assim,
Buda diz que sânias é estar exatamente no meio. Sânias não é negação da vida. Ao contrário,
sânias é a negação de ambas, vida e morte. Quando você não está preocupado nem com a vida
nem com a morte, então, você se tornou um saniássin.
Se você pode ver os pólos opostos de vida e morte, então, a iniciação de Buda no sânias é
apenas uma iniciação ao caminho no meio. Assim, um saniássin não é realmente contra a vida.
Se ele for, então, ele não é um saniássin. Então, realmente, ele é um neurótico; ele foi para o
outro extremo. Um saniássin tem uma consciência muito equilibrada – equilibrada exatamente
no meio.
“Se a vida é uma miséria” – a mente diz –, “então, mova-se para o outro extremo.” Mas, para
os budistas, a vida é uma miséria, porque você está no extremo. Esta é a idéia budista: a vida é
uma miséria, porque ela está em um extremo e a morte também será uma miséria, porque ela está
no outro extremo. Bem-aventurança está exatamente no meio, bem-aventurança é equilíbrio.
Um saniássin, é um ser equilibrado – nem se inclinando para a direita, nem para a esquerda,
nem um esquerdista, nem um direitista; exatamente no meio – em silêncio, sem se mover, não
escolhendo nem isto, nem aquilo, em uma não-escolha, permanecendo no centro.
Assim, não escolha a morte. A escolha é a miséria. Se você escolhe morte, você escolheu
miséria; se você escolhe vida, você escolheu miséria, porque vida e morte são dois extremos. E
lembre-se, são dois extremos de uma coisa. Elas não são realmente duas, somente uma coisa que
tem dois pólos: vida e morte.
Se você escolher um, você terá de ir contra o outro pólo. Isso cria miséria, porque a morte
está implícita na vida. Você não pode escolher vida sem escolher morte. Como poderia? No
momento em que você escolhe vida, você escolheu morte. Isso cria miséria, porque, como
resultado de você ter escolhido a vida, a morte estará presente. Você escolheu felicidade;
simultaneamente, sem o seu conhecimento, você escolheu a infelicidade, porque isso é parte
dela.
Se você escolheu amor, então, você escolheu ódio. O outro está intrínseco nele, está
escondido lá. E aquele que escolher o amor sofrerá, porque, então, ele odiará – e quando ele vier
para o ódio, ele sofrerá.
Não escolha, esteja no meio, no meio está a verdade. Em um extremo está a morte, no outro
extremo está a vida. Mas essa energia se movendo entre os dois, no meio, é a verdade. Não
escolha, porque escolha significa escolha de uma coisa contra outra coisa. Estar no meio
significa estar sem-escolha. Então, você abandonará a coisa toda. E quando você não escolheu,
você não pode se tornar miserável.
O homem se torna miserável através da escolha. Não escolha. Simplesmente seja! Isso é
árduo, parece impossível – mas tente. Sempre que você tiver dois opostos, tente ficar no meio.
Em pouco tempo, você conhecerá o indício, a sensação, e uma vez que você conheça a sensação
de como estar no meio – e isso é uma coisa delicada, muito delicada, a coisa mais delicada na
vida –, uma vez que você tenha a sensação, nada pode perturbá-lo, nada pode fazê-lo sofrer.
Então, você existe sem sofrimento.
É isso que sânias significa: existir sem sofrimento. Mas para existir sem sofrimento, você tem
que existir sem escolha; assim, permaneça no meio. E foi Buda quem tentou pela primeira vez,
muito conscientemente, criar um caminho para se viver sempre no meio.
A terceira pergunta:

Esclareça-nos a respeito de alguns pontos práticos para a abertura e desenvolvimento


do centro do coração.

O primeiro ponto: tente ficar sem cabeça. Visualize a si mesmo sem cabeça; mova-se como se
não tivesse cabeça. Isso soa absurdo, mas esse é um dos exercícios mais importantes. Tente e,
então, você saberá. Caminhe e sinta como se você não tivesse cabeça. No começo isso será
somente “como se”. Será muito esquisito. Quando a sensação de que você não tem cabeça chegar
a você, será muito esquisito e estranho. Mas em pouco tempo você se assentará no coração.
Existe uma lei... Você já pode ter percebido que uma pessoa que é cega tem ouvidos mais
aguçados, ouvidos mais musicais. Os cegos são mais musicais; a sensibilidade que eles têm para
a música, é mais profunda. Por quê? A energia que comumente se move através dos olhos, agora,
não pode mover-se através deles; assim, ela escolhe um caminho diferente. Ela se move através
dos ouvidos.
Os cegos têm uma sensibilidade mais profunda para o toque. Se um cego o toca, você sentirá
a diferença, porque nós, comumente, fazemos muito trabalho de toque através de nossos olhos.
Um homem cego não pode tocar através dos olhos; então, a energia se move através de suas
mãos. Um cego é mais sensível do que qualquer um que tenha olhos. Algumas vezes, pode não
ser assim, mas geralmente é assim. A energia começa a se mover para um outro centro, se um
centro não está presente.
Assim, tente esse exercício de que estou falando – o exercício de não ter cabeça – e, de
repente, você sentirá uma coisa estranha: será como se pela primeira vez você estivesse no
coração. Caminhe com a sensação de estar sem cabeça. Sente-se para meditar, feche seus olhos e
simplesmente sinta que não existe nenhuma cabeça. Sinta: “Minha cabeça desapareceu.”. No
começo será apenas “como se”, mas em pouco tempo você sentirá que a cabeça realmente
desapareceu. E quando você sente que sua cabeça desapareceu, seu centro cairá para o coração –
imediatamente. Você estará olhando o mundo através do coração e não através da cabeça.
Quando pela primeira vez os ocidentais chegaram ao Japão, eles não podiam acreditar que os
japoneses tradicionalmente acreditassem, por séculos, que eles pensavam através da barriga. Se
você perguntar a uma criança japonesa – se ela não tiver sido educada do modo ocidental –
“Onde está o seu pensamento?”, ela apontará para a sua barriga.
Séculos e séculos se passaram e o Japão esteve vivendo sem a cabeça. Isso é apenas um
conceito. Se eu lhe perguntar “Onde o seu pensamento está acontecendo?”, você apontará em
direção à sua cabeça, mas um japonês apontará para a barriga, não para a cabeça. E uma das
razões pelas quais a mente japonesa é mais calma, quieta e concentrada, é essa.
Agora, esse conceito foi perturbado porque o Ocidente se alastrou sobre tudo. Agora, não
existe Oriente. Somente em alguns indivíduos aqui e ali, que são como ilhas, o Oriente existe. Do
contrário, o Oriente desapareceu; agora, o mundo todo é ocidental.
Tente ficar sem cabeça. Medite diante de seu espelho no banheiro. Olhe profundamente
dentro de seus olhos e sinta que você está olhando a partir do coração. Em pouco tempo, o centro
do coração começará a funcionar. E quando o coração funciona, ele muda toda a sua
personalidade, a estrutura total, todo o padrão, porque o coração tem o seu próprio jeito.
Assim, a primeira coisa: tente estar sem cabeça. Em segundo lugar, seja mais amoroso,
porque o amor não pode funcionar através da cabeça. Seja mais amoroso! É por isso que quando
alguém está amando, ele perde a cabeça. As pessoas dizem que ele ficou louco. Se você não está
louco e amando, então, você não está amando realmente. A cabeça deve ser perdida. Se a cabeça
está presente, não afetada, funcionando comumente, então, o amor não é possível, porque, para o
amor, você precisa do coração funcionando – não da cabeça. Essa é uma função do coração.
Acontece, quando uma pessoa muito racional se apaixona, de ela se tornar estúpida. Ela
mesma sente a estupidez do que ela está fazendo, a tolice. O que ela está fazendo?! Então, ela
cria duas partes em sua vida. Ela cria uma divisão. O coração se torna uma coisa silenciosa,
íntima. Quando ela se move para fora de sua casa, ela se move para fora de seu coração. Ela vive
no mundo com a cabeça e somente desce para o coração, quando ela está amando. Mas isso é
muito difícil e, comumente, nunca acontece.
Eu estava em Calcutá, na casa de um amigo e o amigo era um juiz do Supremo Tribunal. Sua
esposa me disse: “Eu tenho só um problema para lhe contar, você pode me ajudar?”.
Então, eu disse: “Qual é o problema?”.
Ela disse: “Meu marido é seu amigo. Ele o ama e o respeita; assim, se você lhe disser alguma
coisa, isso poderá ajudar.”.
Então, eu perguntei a ela: “O que eu devo dizer? Diga-me.”.
Ela disse: “Ele permanece um juiz do Supremo Tribunal até mesmo na cama. Eu não conheci
um amante, um amigo ou um marido. Ele é um juiz do Supremo Tribunal vinte quatro horas por
dia.”.
É difícil, é difícil descer de seu pedestal. Ele torna-se uma atitude fixa. Se você é um homem
de negócios, você permanecerá um homem de negócios na cama também. É difícil acomodar
duas pessoas interiormente; e não é nada fácil mudar seu padrão completamente, imediatamente,
a qualquer momento que você queira. É difícil, mas se você estiver amando, você terá de descer
de sua cabeça.
Assim, para esta meditação, tente ser cada vez mais amoroso. E quando eu digo “ser mais
amoroso”, eu quero dizer “mudar a qualidade de seu relacionamento”: deixe-o estar baseado no
amor. Não somente com sua esposa, ou com seu filho, ou com seu amigo, mas torne-se mais
amoroso para com a vida em si. É por isso que Mahavira e Buda falaram sobre a não-violência.
Foi apenas para criar uma atitude amorosa em relação à vida.
Quando Mahavira se move, caminha, ele permanece consciente para não matar nem mesmo
uma formiga. Por quê? Na verdade, o seu interesse não é a formiga. Ele está descendo da cabeça
para o coração. Ele está criando uma atitude amorosa para com a vida em si. Quanto mais seus
relacionamentos estiverem baseados no amor – todos os relacionamentos –, mais seu centro do
coração funcionará. Ele começará a funcionar; você olhará para o mundo através de olhos
diferentes, porque o coração tem sua própria maneira de olhar para o mundo. A mente nunca
pode olhar dessa maneira – é impossível para a mente. A mente pode somente analisar! O
coração sintetiza; a mente só pode dissecar, dividir – ela é uma divisora. Somente o coração dá
unidade.
Quando você pode olhar através do coração, todo o universo parece uma unidade. Quando
você se aproxima através da mente, todo o mundo se torna atômico. Não existe unidade, somente
átomos e átomos e átomos. O coração dá uma experiência de unidade, ele une; e a síntese
máxima é Deus. Se você puder olhar através do coração, todo o universo parecerá um. Essa
unicidade é Deus.
É por isso que a ciência nunca pode encontrar Deus. Isso é impossível, porque o método
aplicado nunca pode chegar à unidade máxima. O próprio método da ciência é a razão, a análise,
a divisão. Assim, a ciência chega às moléculas, aos átomos, aos elétrons... Os cientistas
continuarão dividindo, mas nunca poderão chegar à unidade orgânica do todo. O todo é
impossível de ser visto através da cabeça.
Assim, seja mais amoroso. Lembre-se: o que quer que você esteja fazendo, a qualidade do
amor deve estar presente. Essa deve ser uma lembrança constante. Você está caminhando na
grama – sinta que a grama está viva – cada folha tem tanta vida quanto você a tem.
Mahatma Gandhi estava com Rabindranath Tagore em Shanti Niketan. E vejam suas
abordagens diferentes! A não-violência de Gandhi era uma coisa mental. Ele estava sempre
raciocinando sobre isso, ele era racional com relação a isso. Ele pensava sobre isso, ele se
debatia com isso, ele ponderava, contemplava e, então, concluía; ele experimentava, então,
concluía. Se você leu a sua autobiografia, você irá se lembrar de que ele deu ao seu livro o nome
de “Experimentos Com a Verdade”. A própria palavra ‘experimentos’ é científica, da razão –
uma palavra de laboratório.
Ele estava com Rabindranath, o poeta, e eles saíram para uma caminhada nos jardins. A terra
estava verde, viva; assim, Gandhi disse para Rabindranath: “Venha para o gramado.”.
Rabindranath disse: “Isso é impossível. Eu não posso caminhar sobre o gramado. Cada folha
está tão viva quanto eu. Eu não posso pisar em cima de um fenômeno tão vivo.”.
E Rabindranath não era um pregador da não-violência – absolutamente. Ele nunca falou sobre
não-violência, mas a sua abordagem era através do coração. Ele sente a grama.
Gandhi ponderou sobre o que ele disse e, então, respondeu: “Você está certo.” – ...isso já é
uma abordagem da mente...
Seja amoroso. Mesmo com as coisas, seja amoroso. Se você está sentado em uma cadeira,
seja amoroso. Sinta a cadeira; tenha um sentimento de gratidão. A cadeira está dando conforto a
você. Sinta o toque, ame-a, tenha um sentimento amoroso. A cadeira propriamente dita não é
importante. Se você está comendo, coma amorosamente.
Os indianos dizem que a comida é divina. O significado é que, quando você está comendo, a
comida está lhe dando vida, energia, vitalidade. Seja grato, seja amoroso com ela.
Comumente, nós comemos a comida muito violentamente, como se nós estivéssemos
matando alguma coisa, não como se nós estivéssemos absorvendo – mas como se estivéssemos
matando. Ou de uma maneira muito indiferente, você continua jogando coisas para dentro de sua
barriga, sem nenhum sentimento. Toque a sua comida amorosamente, com gratidão: ela é sua
vida. Coma um pedaço, saboreie-o, desfrute-o. Não seja indiferente e não seja violento.
Nossos dentes são muito violentos por causa de nossa herança animal. Os animais não têm
outras armas; garras e dentes são suas únicas armas de violência. Seus dentes são basicamente
uma arma, assim, as pessoas continuam matando com seus dentes – elas matam sua comida. Por
isso é que, quanto mais violento você for, mais você precisará de comida.
Mas existe um limite para a comida; assim, a pessoa continua fumando ou a pessoa continua
mascando chicletes. Isso é violência. Você tem prazer com isso, porque você está matando
alguma coisa com seus dentes, triturando alguma coisa com seus dentes; assim, a pessoa
continua mascando chicletes ou pan[5]. Isso faz parte da violência. Faça seja o que for, mas faça-
o amorosamente. Não seja indiferente. Então, o seu centro do coração começará a funcionar e
você descerá profundamente para o coração.
Primeiro: tente estar sem cabeça. Segundo: tente amar. Terceiro: seja cada vez mais estético –
sensível à beleza, à música, a tudo o que toca o coração. Se este mundo puder ser treinado mais
para a música e menos para a matemática, nós teremos uma humanidade melhor; se nós
pudermos treinar a mente mais para a poesia e menos para a filosofia, nós iremos ter uma
humanidade melhor. Porque, quando você está escutando música ou tocando música, a mente
não é necessária, você cai da mente.
Seja mais estético, mais poético, mais sensível. Você pode não ser um grande músico, ou um
grande poeta, ou um grande pintor, mas você pode desfrutar e você pode criar alguma coisa a seu
próprio modo. Não existe necessidade de ser um Picasso. Você mesmo pode pintar a sua casa,
você pode pintar alguns quadros.
Não existe necessidade de ser um mestre, um Alauddin Khan. Você pode tocar alguma coisa
em sua casa; você pode tocar uma flauta, não importa quão amadoristicamente. Mas faça alguma
coisa que esteja relacionada com o coração. Cante, dance, faça alguma coisa que esteja
relacionada com o coração. Seja mais sensível ao mundo do coração – e nada mais é necessário
para ser sensível.
Mesmo um homem pobre pode ser sensível; a riqueza não é necessária. Você pode não ter um
palácio onde ser sensível. Se você está apenas deitado na praia, isso é o suficiente para ser
sensível. Você pode ser sensível à areia, você pode ser sensível ao sol, você pode ser sensível às
ondas, ao vento, às árvores, ao céu. O mundo inteiro está aí para você ser sensível a ele. Tente
ser mais sensível, vivo – e ativamente sensível, pois o mundo inteiro se tornou passivo.
Você vai ao cinema; uma outra pessoa está fazendo alguma coisa e você simplesmente está
sentado lá e assistindo. Uma outra pessoa está amando na tela e você está assistindo. Você é
apenas um voyeur – passivo, morto, sem fazer nada. Você não é um participante. A menos que
você seja um participante, seu centro do coração não funcionará. Assim, dançar é melhor,
algumas vezes.
Você não será um grande dançarino – não há necessidade. Por mais desajeitado que seja,
simplesmente dance. Isso lhe dará a sensação do coração. Enquanto você estiver dançando, seu
centro será o coração; a dança nunca pode estar na cabeça. Pule, brinque como criança. Algumas
vezes, esqueça-se completamente de seu nome, de seu prestígio, de sua graduação. Esqueça-os
completamente, seja como uma criança. Não seja sério. Algumas vezes, tome a vida como uma
brincadeira e o coração se desenvolverá. O coração acumula energia.
E quando você tem um coração que está vivo, a qualidade de sua mente também muda. Então,
você pode ir para a mente, você pode funcionar através da mente, mas a mente se tornará apenas
um instrumento – você pode usá-la. Então, você não fica obcecado por ela e você pode sair dela
a qualquer momento que queira. Então, você é um mestre. O coração lhe dará uma sensação de
que você é o mestre.
E uma outra coisa: você chegará a saber que você não é nem a cabeça nem o coração, porque
você pode se mover do coração para a cabeça e da cabeça para o coração. Então, você sabe que
você é alguma coisa além – X. Se você permanece na cabeça e nunca se move para nenhum
lugar, você se torna identificado com a cabeça. Você não sabe que você é diferente. Esse
movimento do coração para a cabeça e da cabeça para o coração lhe dará a sensação de que você
é totalmente diferente. Algumas vezes, você está no coração e, algumas vezes, você está na
cabeça, mas você não é nem o coração nem a cabeça.
Esse terceiro ponto de consciência o levará para o terceiro centro – para o umbigo. E o
umbigo não é realmente um centro. Lá, você é! É por isso que ele não pode ser desenvolvido, ele
pode ser apenas descoberto.

A quarta pergunta:

Você disse que os psicólogos ocidentais dizem agora, que é melhor não evitar as brigas
num relacionamento amoroso e que encará-las, quando surgem, torna o amor mais intenso.
Então, Você falou do caminho do meio de Buda, que exclui ambos os extremos. Para
aqueles que ainda não transcenderam para dentro do amor que está além dos dois pólos,
qual caminho é o preferível para os amantes, em Sua opinião?

Alguns pontos básicos. Em primeiro lugar, o amor da mente está fadado a ser um movimento
entre os dois pólos opostos de ódio e amor. Com a mente, a dualidade fatalmente estará presente.
Assim, se você está amando alguém com a sua mente, você não pode escapar do outro pólo.
Você pode escondê-lo, você pode reprimi-lo, você pode esquecê-lo – as assim chamadas pessoas
educadas estão sempre fazendo isso. Mas, então, elas se tornam entorpecidas, mortas.
Se você não pode lutar com seu amado, se você não pode ficar com raiva, então, a
autenticidade do amor é perdida. Se você reprimir sua raiva, essa repressão da raiva se tornará
uma parte de você e essa raiva reprimida não lhe permitirá uma entrega total ao amar. Ela estará
sempre presente. Você a está segurando; você a reprimiu.
Se eu estou com raiva e a reprimo, então, quando eu estiver amando, a raiva reprimida estará
presente e isso matará o meu amor. Se eu não fui autêntico em minha raiva, eu não posso ser
autêntico em meu amor. Se você é autêntico, então, você é autêntico em ambos. Se você não é
autêntico em um, você não pode ser autêntico no outro.
Por todo o mundo, os assim chamados ensinamentos – a civilização, a cultura –,
enfraqueceram o amor completamente. E em nome do amor, isso aconteceu. Eles dizem: “Se
você ama alguém, então, não fique com raiva; seu amor é falso se você está com raiva. Assim,
não lute; assim, não odeie.”.
Naturalmente, isso parece lógico. Se você está amando, como você pode odiar? Assim, nós
eliminamos a parte que odeia. Mas, com a eliminação da parte que odeia, o amor se torna
impotente. É como se você tivesse cortado uma perna de um homem e, então, dissesse: “Agora,
ande! Agora, você pode correr, você está livre para correr.”. Mas você cortou uma perna; assim,
o homem não pode andar.
Ódio e amor são dois pólos de um fenômeno. Se você cortou o ódio, o amor estará morto e
impotente. É por isso que toda a família se tornou impotente. E então, você se torna temeroso de
se entregar. Quando você está amando, você não pode se entregar completamente, porque você
está com medo. Se você se entregar completamente, a raiva, a violência, o ódio que estão
escondidos e reprimidos podem aparecer. Então, você tem de forçá-los para baixo continua-
mente. Bem no fundo, você tem de lutar com eles continuamente. E lutando com eles, você não
pode ser natural e espontâneo. Então, você apenas representa que está amando. Você aparenta e
todo mundo sabe: sua esposa sabe que você está representando e você sabe que sua esposa está
representando. Todo mundo está representando. Então, toda a vida se torna falsa.
Duas coisas devem ser feitas a fim de se ir além da mente. Primeira: entre na meditação e,
então, toque o nível da não-mente dentro de você. Então, você terá um amor que não terá
nenhum pólo oposto. Mas, então, nesse amor, não haverá nenhum excitamento, nenhuma paixão.
Esse amor será silencioso – uma profunda paz sem uma ondulação sequer.
Um Buda, um Jesus também amam. Mas nesse amor não existe nenhum excitamento,
nenhuma exaltação. A exaltação vem do pólo oposto, o excitamento vem do pólo oposto. Dois
pólos opostos criam tensão. Mas o amor de Buda, o amor de Jesus é um fenômeno silencioso;
assim, somente aqueles que alcançaram o estado da não-mente podem entender o amor deles.
Jesus estava passando e a noite estava quente. Ele estava cansado, então, ele descansou
embaixo de uma árvore. Ele não sabia a quem a árvore pertencia. Ela pertencia a Maria
Madalena. Maria era uma prostituta.
Ela olhou de sua janela e viu aquele homem muito belo – um dos mais belos jamais nascidos.
Ela se sentiu atraída e não somente atraída, ela se sentiu apaixonada. Ela saiu e perguntou a
Jesus: “Venha para a minha casa. Por que você está descansando aí? Você é bem-vindo.”.
Jesus viu em seus olhos paixão, amor – o assim chamado amor. Jesus disse: “Da próxima vez,
quando eu estiver cansado novamente, ao passar por aqui, eu irei à sua casa. Mas, neste
momento, a necessidade está preenchida. Eu já estou pronto para caminhar novamente; assim, eu
lhe agradeço.”.
Maria se sentiu insultada. Isso era raro... realmente, ela nunca tinha convidado ninguém antes.
As pessoas vinham de longe só para vê-la. Até mesmo reis vinham a ela, e ali estava aquele
mendigo recusando-a. Jesus era apenas um mendigo, um vagabundo – apenas um hippie, e ele a
recusou. Assim, Maria disse para Jesus: “Você não pode sentir o meu amor? Isso é um convite
amoroso. Então, venha! Não me rejeite. Você não tem nenhum amor no seu coração?”
Jesus lhe disse em resposta: “Eu também a amo – e, na verdade, todos aqueles que chegam
fingindo que a amam, não a amam realmente.” – ele disse – “Somente eu posso amá-la.”.
E ele estava certo. Mas esse amor tem uma qualidade diferente. Esse amor não tem o pólo
oposto, o contraste. Assim, a tensão está ausente, a excitação está ausente. Ele não está excitado
com o amor, não está exaltado. E o amor não é um relacionamento para ele, é um estado de ser.
Vá além da mente; alcance o nível da não-mente. Então, o amor floresce, mas esse amor não
tem oposição. Além da mente não há oposição a nada. Além da mente, tudo é um. Dentro da
mente, tudo está dividido em dois. Mas, se você está dentro da mente, é melhor ser autêntico do
que ser falso.
Assim, seja autêntico quando você sentir raiva de seu amado, ou de sua amada. Seja autêntico
quando você está com raiva e, então, sem nenhuma repressão, quando o momento do amor
chegar, quando a mente se mover para o outro extremo, você terá um fluxo espontâneo. Assim,
com a mente, tome a luta como uma parte dela. É o próprio dinamismo da mente, funcionar em
pólos opostos. Assim, seja autêntico em sua raiva, seja autêntico em sua luta; então, você será
autêntico em seu amor também.
Assim, para os amantes, eu gostaria de dizer: sejam autênticos. E se vocês forem autênticos,
um fenômeno único acontecerá: vocês ficarão saturados de todo esse absurdo de se movimentar
em pólos opostos. Mas sejam autênticos; do contrário, vocês nunca se tornarão saturados.
Uma mente reprimida nunca deixa a pessoa se tornar realmente consciente de que ela está
agarrada em pólos opostos. Ela nunca está realmente com raiva, ela nunca está realmente
amando; assim, ela não tem experiência real da mente. Assim, eu sugiro ser autêntico. Não seja
falso. Seja real! E a autenticidade tem sua própria beleza. Seu amado, sua amada compreenderão
quando você estiver realmente com raiva – autenticamente com raiva. Somente uma raiva
fingida, ou uma falsa não-raiva, não pode ser perdoada. Somente uma face falsa não pode ser
perdoada. Seja autêntico e, então, você será autêntico no amor também. Esse amor autêntico
compensará e através desse viver autêntico, você se tornará saturado. Você chegará a se
surpreender com o que você está fazendo – por que você é apenas um pêndulo movendo-se de
um pólo ao outro? Você ficará entediado e, somente então, você poderá decidir mover-se além
da mente e além da polaridade.
Seja um homem autêntico, ou seja uma mulher autêntica. Não permita nenhuma falsidade,
não finja. Seja real e sofra a realidade. O sofrimento é bom. O sofrimento é realmente um
treinamento, uma disciplina. Sofra! Sofra a raiva e sofra o amor e sofra o ódio. Lembre-se
somente de uma coisa: nunca seja falso. Se você não sente amor, então, diga que você não sente
amor. Não finja; não tente mostrar que você está amando. Se você está com raiva, então, diga
que está com raiva e fique com raiva.
Haverá muito sofrimento, mas sofra-o. Através desse sofrimento uma nova consciência nasce.
Você se torna consciente de todo o absurdo do ódio e amor. Você odeia a pessoa e você também
ama a mesma pessoa e você continua se movendo em um círculo. Esse círculo se tornará claro
como um cristal para você e ele se tornará claro como um cristal somente através do sofrimento.
Não escape do sofrimento. Você precisa de um sofrimento real. Ele é como um fogo: ele o
queimará. Tudo que é falso se queimará e tudo o que é real estará presente. Isso é o que os
existencialistas chamam de autenticidade. Seja autêntico e, então, você não mais poderá estar na
mente. Seja inautêntico e você estará por vidas e vidas na mente.
Você ficará saturado com a dualidade. Mas como pode alguém ficar saturado com a dualidade
a menos que esteja realmente na dualidade, não fingindo? Então, você saberá que o assim
chamado amor da mente não é nada mais do que uma doença.
Você observou que um amante não pode dormir? Ele não está à vontade – ele está exaltado.
Se você o examinar, ele mostrará muitos sintomas de muitas doenças. Esse amor, o assim
chamado amor da mente e do corpo, é realmente uma doença, mas a pessoa permanece ocupada
– essa é a função desse amor, do contrário, você se sentirá desocupado, como se você não
estivesse fazendo nada neste mundo. Toda a sua vida parecerá vaga; assim, o amor é bom para
preenchê-la.
A própria mente é a doença; assim, o que quer que pertença à mente será uma doença.
Somente além da mente, onde você não está dividido em dualidade, onde você é um, somente aí,
um amor diferente floresce. Jesus chama-o de amor. Buda chama-o de compaixão. Isso é apenas
para fazer uma distinção. Não faz diferença como você o chame.
Existe uma possibilidade de um amor que não tem oposto a ele, mas esse amor pode vir
somente quando você vai além daquele amor. E para ir além, eu sugiro que você seja autêntico.
Seja autêntico – no ódio, no amor, na raiva, em todas as coisas, seja autêntico: real, sem fingir,
porque somente uma realidade pode ser transcendida. Você não pode transcender coisas irreais.

Nota_capítulo 12

[5] Pan – folha de uma árvore, muito apreciada pelos indianos; quando mascada, deixa a língua avermelhada. (N.daT.)
Capítulo 13

CENTRAMENTO INTERIOR

OS SUTRAS

18 Olhe amorosamente para algum objeto. Não vá para outro objeto. Aqui, no meio do objeto
– a bênção.
19 Sem apoio para os pés ou mãos, sente-se somente nas nádegas. De repente, o centramento.
20 Num veículo em movimento, sob o balançar rítmico, experiencie. Ou, num veículo parado,
permitir-se balançar em lentos círculos invisíveis.
21 Perfure alguma parte de sua forma preenchida de néctar com um alfinete e, delicadamente,
entre nessa perfuração e atinja a pureza interior.

O corpo humano é um mecanismo misterioso. Seu funcionamento é bidimensional. Para


atingir o exterior, sua consciência passa através dos sentidos para encontrar o mundo, encontrar a
matéria. Mas essa é apenas uma dimensão das suas funções corporais. Seu corpo tem uma outra
dimensão também: ela o conduz para dentro. Se a consciência sai, então, tudo o que você
conhece é matéria; se a consciência entra, então, tudo o que você conhece é não-matéria.
Na realidade, não existe divisão: matéria e não-matéria são uma coisa só. Mas essa realidade
– X – se olhada através dos olhos, dos sentidos, aparece como matéria. Essa mesma realidade, o
X, olhada a partir de dentro – não através dos sentidos, mas através do centramento – parece não-
matéria. A realidade é una, mas você pode olhá-la de duas maneiras. Uma é através dos sentidos;
a outra não é através dos sentidos. Todas essas técnicas de centramento são na realidade para
levá-lo a um ponto dentro de si mesmo, onde os sentidos não estão funcionando, onde você vai
além dos sentidos.
Três coisas têm de ser compreendidas primeiramente, antes de entrarmos nas técnicas. Em
primeiro lugar, quando você vê através dos olhos, os olhos não estão vendo; eles são apenas
aberturas para a visão. Aquele que vê está por trás dos olhos. Aquilo que olha através dos olhos
não são os olhos. É por isso que você pode fechar os olhos e ainda assim ver sonhos, visões,
imagens. Aquele que vê está por trás dos sentidos; ele se move através dos sentidos para o
mundo. Mas se você fecha os seus olhos, aquele que vê permanece dentro.
Se aquele que vê – esta consciência – estiver centrado, repentinamente, ele se torna
consciente de si mesmo. E quando você está consciente de si mesmo, você está consciente da
existência total, porque você e a existência não são dois. Mas para se tornar consciente de si
mesma, a pessoa precisa de centramento. Por centramento, eu quero dizer sua consciência não-
dividida em muitas direções, sua consciência não se movendo para nenhum lugar, permanecendo
em si mesma... sem se mover, enraizada, sem nenhuma direção, apenas permanecendo lá: dentro.
Parece difícil permanecer dentro, porque, para nossa mente, até mesmo esse pensamento de
como permanecer dentro torna-se um ir para fora. Nós começamos a pensar: o “como” começa a
pensar. Pensar sobre o dentro, o interior, é também um pensamento para nós – e todo
pensamento como tal pertence ao exterior, nunca ao interior, porque, no centro mais profundo,
você é simplesmente consciência.
Os pensamentos são como nuvens. Eles chegam para você, mas eles não pertencem a você.
Todo pensamento vem de fora, do exterior. Você não pode produzir um simples pensamento
dentro, internamente. Todo pensamento vem de fora; não existe a possibilidade de se criar um
pensamento dentro. Os pensamentos são como nuvens chegando a você. Assim, sempre que você
está pensando, você não está dentro – lembre-se. Estar pensando é estar fora. Assim, mesmo que
você esteja pensando sobre o interior, a alma, o eu, você não está dentro.
Todos esses pensamentos sobre o eu, sobre o interior, sobre o lado de dentro, vieram de fora;
eles não pertencem a você. A você, pertence somente a simples consciência, semelhante ao céu,
sem as nuvens.
Assim, o que fazer? Como atingir essa simples consciência interior? Alguns artifícios são
usados, porque, diretamente, você não pode fazer nada. Alguns artifícios são necessários para
que através deles você seja arremessado para dentro, para ela. Esse centro sempre precisa de uma
abordagem indireta, você não pode abordá-lo diretamente. Compreenda isso claramente, porque
é muito básico.
Você está brincando e mais tarde conta que estava muito feliz: “Eu estava me sentindo tão
feliz! Eu estava desfrutando. Ainda posso sentir uma leve felicidade.”. Alguém o escuta. Ele
também está atrás da felicidade – todo mundo está. Ele diz: “Então, eu devo brincar, porque se
através da brincadeira a felicidade é alcançada, então, eu devo alcançá-la.”. Ele brinca também,
mas ele está diretamente interessado na felicidade, na bem-aventurança, no divertimento. A
felicidade é um subproduto. Se você está totalmente em sua brincadeira, absorvido, a felicidade
acontece; mas se você está constantemente ansiando por felicidade, nada acontece. A brincadeira
é o início.
Você está escutando música. Alguém diz: “Eu me sinto tão bem-aventurado.”. Mas se
constantemente você está diretamente interessado na bem-aventurança, você não será capaz nem
de escutar. Esse interesse, essa ganância por bem-aventurança se tornará a barreira. A bem-
aventurança é um subproduto, você não pode agarrá-la diretamente. Ela é um fenômeno tão
delicado que você tem de abordá-la indiretamente. Faça uma outra coisa e ela acontece. Você
não pode fazê-la diretamente.
Tudo o que é belo, tudo o que é eterno, é tão delicado que, se você tenta agarrá-lo
diretamente, ele é destruído. As técnicas e os artifícios servem para isso. Essas técnicas
continuam lhe dizendo para fazer alguma coisa. O que você está fazendo não é significativo, o
que resulta é que é significativo. Mas a sua mente deve estar envolvida com o fazer, com a
técnica, não com o resultado. O resultado acontece – ele está fadado a acontecer. Mas ele sempre
acontece indiretamente; assim, não fique preocupado com o resultado. Interesse-se pela técnica.
Faça-a tão totalmente quanto possível e esqueça o resultado. Ele acontece, mas você pode se
tornar uma barreira para ele.
Se você está apenas interessado no resultado, então, ele nunca acontecerá. E então, isso se
torna muito estranho. As pessoas vêm a mim e dizem: “Você disse que se nós fizéssemos a
meditação isso aconteceria, mas nós estamos fazendo e não está acontecendo.”. E elas estão
certas, mas elas esqueceram-se da condição: você tem de esquecer o resultado, somente então,
ele acontece. Você tem de estar no ato totalmente. Quanto mais você estiver no ato, mais cedo o
resultado acontecerá.
Mas ele sempre é indireto. Você não pode ser agressivo quanto a ele, você não pode ser
violento quanto a ele. Ele é um fenômeno muito delicado; ele não pode ser atacado. Ele só
acontece a você, quando você está engajado em algum outro lugar, tão totalmente, que seu
espaço interior fica vazio. Essas técnicas são todas indiretas. Não existe nenhuma técnica direta
para o acontecimento espiritual.

18 Olhe amorosamente para um objeto

Agora, a técnica – a sexta técnica para o centramento:

Olhe amorosamente para algum objeto. Não vá para outro objeto. Aqui, no meio do
objeto – a bênção.

Eu devo repetir isso: Olhe amorosamente para algum objeto. Não vá para outro objeto... Não
vá para um outro objeto. Aqui, no meio do objeto – a bênção.
Olhe amorosamente para algum objeto... amorosamente é a chave. Você alguma vez já olhou
amorosamente para um objeto? Você pode dizer que sim, porque você não sabe o que significa
olhar amorosamente para um objeto. Você pode ter olhado luxuriosamente para um objeto – isso
é uma outra coisa. Isso é totalmente diferente, diametralmente oposto. Assim, primeiro, a
diferença; tente sentir a diferença.
Um belo rosto, um belo corpo – você o olha e sente que está olhando para ele amorosamente.
Mas por que você está olhando para ele? Você quer tirar alguma coisa dele? Então, isso é
luxúria, não amor. Você quer explorá-lo? Então, isso é luxúria, não amor. Então, na verdade,
você está pensando em como usar aquele corpo, como possuí-lo, como fazer daquele corpo um
instrumento para a sua felicidade.
Luxúria significa como usar uma coisa para a sua felicidade; amor significa que sua
felicidade não interessa, absolutamente. Na verdade, luxúria significa como tirar proveito de
alguma coisa e amor significa como dar alguma coisa. Eles são diametralmente opostos.
Se você vê um belo rosto e sente amor por esse rosto, a sensação imediata em sua consciência
será como fazer alguma coisa para tornar esse rosto feliz, como fazer alguma coisa para tornar
esse homem, ou essa mulher feliz. O interesse não está em si mesmo, o interesse está no outro.
No amor, o outro é importante; na luxúria, você é importante. Na luxúria, você está pensando
em como fazer do outro um instrumento seu; no amor você está pensando em como se tornar um
instrumento, você mesmo. Na luxúria, você irá sacrificar o outro; no amor, você irá sacrificar a si
mesmo. Amor significa dar; luxúria significa tirar. O amor é uma entrega; a luxúria é uma
agressão.
O que você diz é sem sentido: mesmo na luxúria você fala em termos de amor. Sua
linguagem não é muito significativa; assim, não seja enganado. Olhe para dentro e, então, você
chegará a compreender que você, em sua vida, não olhou uma vez sequer amorosamente para
alguém, ou para algum objeto.
A segunda distinção a ser feita: este sutra diz: Olhe amorosamente para algum objeto. Na
verdade, mesmo que você olhe amorosamente para alguma coisa material, não sensível, o objeto
se tornará uma pessoa. Se você olha amorosamente para ele, seu amor é a chave para transformar
qualquer coisa em uma pessoa. Se você olha amorosamente para uma árvore, a árvore se torna
uma pessoa.
Há poucos dias eu estava falando com Vivek e lhe disse que, quando nós formos para o novo
ashram[6], nós daremos nome para todas as árvores, porque toda árvore é uma pessoa. Você
alguma vez já ouviu alguém dar nome a uma árvore? Ninguém dá nome a uma árvore, porque
ninguém sente amor por ela. Do contrário, uma árvore poderia se tornar uma pessoa. Então, ela
não é apenas uma em uma multidão, ela se torna única.
Você dá nome aos cachorros e gatos. Quando você dá nome a um cachorro, você o chama de
Tigre ou de outra coisa, e o cachorro se torna uma pessoa. Então, ele não é apenas um cachorro
entre outros cachorros, ele tem uma personalidade; você criou uma pessoa. Sempre que você
olha amorosamente para alguma coisa, ela se torna uma pessoa.
E o contrário também é verdade. Sempre que você olha com olhos luxuriosos para uma
pessoa, a pessoa se torna um objeto, uma coisa. É por isso que os olhos luxuriosos são repulsivos
– porque ninguém gosta de se tornar uma coisa. Quando você olha para a sua esposa com olhos
luxuriosos – ou para qualquer outra mulher, ou homem, com olhos luxuriosos –, o outro se sente
ferido. O que você está fazendo, na verdade? Você está transformando a pessoa, uma pessoa
viva, em um instrumento morto. Você está pensando em como “usar” e, assim, a pessoa é morta.
É por isso que os olhos luxuriosos são repulsivos, feios. Quando você olha para alguém com
amor, o outro é elevado. Ele se torna único. De repente, ele se torna uma pessoa. Uma pessoa
não pode ser substituída; uma coisa pode ser substituída. Uma ‘coisa’ significa aquilo que é
substituível; uma ‘pessoa’ significa aquilo que não pode ser substituído: não existe possibilidade
de substituir-se ele ou ela. Uma pessoa é única; uma coisa não é única.
O amor torna qualquer coisa única. É por isso que, sem amor, você nunca se sente como uma
pessoa. A menos que alguém o ame profundamente, você nunca sente que você tem alguma
singularidade. Você é apenas um na multidão – apenas um número, um dado. Você pode ser
trocado.
Por exemplo: se você é um funcionário em um escritório, ou um professor em uma escola, ou
um professor em uma universidade, seu lugar de professor é substituível. Um outro professor o
substituirá; ele pode substituí-lo a qualquer momento porque você ali é simplesmente usado
como um professor. Você tem sentido e significado funcionais.
Se você é um funcionário, outra pessoa facilmente é capaz de fazer o trabalho. O trabalho não
está esperando por você. Se você morrer neste momento, no próximo momento alguém o
substituirá e o mecanismo continuará. Você era apenas uma figura – uma outra figura servirá.
Você era apenas uma utilidade.
Mas então, alguém se apaixona por esse funcionário ou esse professor. De repente, o
funcionário não é mais um funcionário; ele se tornou uma pessoa única. Se ele morre, então, a
amada não pode substituí-lo. Ele é insubstituível. Então, todo mundo pode continuar do mesmo
jeito, mas a pessoa que estava amando, não pode ser a mesma. Essa singularidade, esse ser uma
pessoa, acontece através do amor.
Este sutra diz: Olhe amorosamente para algum objeto. Ele não faz nenhuma distinção entre
um objeto e uma pessoa. Não há nenhuma necessidade, porque, quando você olha
amorosamente, qualquer coisa se tornará uma pessoa. O próprio olhar faz a mudança,
transforma.
Você pode, ou não, ter observado o que acontece quando você dirige um determinado carro,
digamos um Fiat. Há milhares e milhares e milhares de Fiats exatamente iguais, mas o seu carro,
se você o está amando, torna-se único – uma pessoa. Ele não pode ser substituído; um
relacionamento é criado. Agora, você sente esse carro como uma pessoa. Se alguma coisa vai
mal... um leve ruído e você logo o percebe. E os carros são muito temperamentais. Você conhece
o temperamento de seu carro – quando ele se sente bem e quando ele se sente mal. O carro se
torna, em pouco tempo, uma pessoa.
Por quê? Se existe um relacionamento amoroso, qualquer coisa se torna uma pessoa. Se existe
um relacionamento luxurioso, então, uma pessoa se tornará uma coisa. E esse é um dos atos mais
desumanos que o homem pode fazer – tornar alguém uma coisa.
Olhe amorosamente para algum objeto... Assim, o que é que a pessoa tem de fazer? Quando
você olha amorosamente, o que você tem que fazer? A primeira coisa: esquecer de si mesmo.
Esqueça de si mesmo completamente! Olhe para uma flor e esqueça de si mesmo
completamente. Deixe a flor existir; você se torna completamente ausente. Sinta a flor e um
profundo amor fluirá de sua consciência em direção à flor. E deixe a sua consciência ser
preenchida somente com um pensamento – como você pode ajudar essa flor a florir mais, tornar-
se mais bela, tornar-se mais feliz. O que você pode fazer?
Não é importante se você pode fazer, ou não; isso não é relevante. A sensação daquilo que
você pode fazer – esse esforço, essa profunda aflição em relação ao que você pode fazer para
tornar essa flor mais bela, mais viva, mais florida – é importante. Deixe esse pensamento
reverberar dentro de todo o seu ser. Deixe cada fibra de seu corpo e mente sentir isso. Você será
trespassado por um êxtase e a flor se tornará uma pessoa.
Não vá para outro objeto... Você não pode ir. Se você está em um relacionamento amoroso,
você não pode ir. Se você ama alguém neste grupo, então, você esquece toda a multidão;
somente um rosto permanece. Realmente, você não vê nenhuma outra pessoa, você vê somente
um rosto. Todos os outros estão presentes, mas eles são subliminares – simplesmente na periferia
de sua consciência. Eles não existem. Eles são apenas sombras; somente um rosto permanece. Se
você ama alguém, então, somente esse rosto permanece; assim, você não pode se mover.
Não vá para outro objeto, permaneça com um. Permaneça com a rosa ou permaneça com o
rosto amado. Permaneça ali amando, fluindo, com um único coração, com a sensação de: “O que
eu posso fazer para tornar a pessoa amada mais feliz, bem-aventurada?”.
Aqui, no meio do objeto – a bênção. E quando esse é o caso, você está ausente, não
interessado em si mesmo absolutamente, não egoísta, não pensando em termos de seu prazer, de
sua gratificação. Você esqueceu de si mesmo completamente e está apenas pensando em termos
do outro. O outro se tornou o centro de seu amor; sua consciência está fluindo em direção ao
outro. Com profunda compaixão, com profundo sentimento de amor, você está pensando: “O que
eu posso fazer para tornar a pessoa amada feliz?”. Nesse estado, de repente, Aqui, no meio do
objeto – a bênção. De repente, como um subproduto, a bênção chega a você. De repente, você se
torna centrado.
Isso parece paradoxal, porque esse sutra diz para esquecer de si mesmo completamente, para
não ficar autocentrado, para se mover para o outro completamente. Consta que Buda dizia
continuamente que, sempre que você rezar, reze para os outros – nunca para si mesmo. Do
contrário a reza é simplesmente inútil.
Um homem veio a Buda e disse: “Eu aceito seu ensinamento, mas somente uma coisa é muito
difícil de aceitar. Você diz que sempre que estivermos orando, não devemos pensar em nós
mesmos, não devemos pedir qualquer coisa para nós mesmos. Devemos dizer assim: ‘Qualquer
que seja o resultado de minha prece, deixe que esse resultado seja distribuído a todos. Se a
bênção acontecer, que ela seja distribuída a todos.’.”. O homem disse: “Isso está bem, mas eu
posso fazer somente uma exceção? ‘Não, para meu vizinho – ele é meu inimigo. Deixe essa
benção ser distribuída a todos exceto para o meu vizinho.’.”.
A mente é autocentrada; assim Buda disse: “Sua prece é inútil. Nada resultará dela a menos
que você esteja pronto para dar tudo, para distribuir tudo e, então, tudo será seu.”.
No amor você tem de esquecer de si mesmo. Isso parece paradoxal: então, quando e como o
centramento acontecerá? Estando totalmente interessado no outro, na felicidade do outro, quando
você esquece de si mesmo completamente e somente o outro permanece presente, de repente,
você é preenchido com bem-aventurança – a bênção.
Por quê? Porque quando você não está interessado em si mesmo, você se torna vago, vazio; o
espaço interno é criado. Quando a sua mente está totalmente interessada no outro, você se torna
sem mente dentro de você. Então, não há pensamentos dentro. E então, esse pensamento –
“Como eu posso ser útil? Como eu posso criar mais bem-aventurança? Como o outro pode ficar
mais feliz?” – não pode mais continuar, porque na verdade, não há nada que você possa fazer.
Esse pensamento se torna um cessar. Não há nada que você possa fazer. 0 que você pode fazer?
Se você pensa que pode fazer, você ainda está pensando em termos de si mesmo – de ego.
Com o objeto de amor, a pessoa se torna totalmente desamparada – lembre-se disso. Sempre
que você ama alguém, você se sente totalmente desamparado. Essa é a agonia do amor: a pessoa
não pode sentir o que ela pode fazer. Ela quer fazer todas as coisas, ela quer dar o universo
inteiro ao amado ou à amada – mas o que ela pode fazer? Se você pensa que pode fazer isso ou
aquilo, você ainda não está em uma relação amorosa. O amor é muito desamparado,
absolutamente desamparado, e esse desamparo é a beleza, porque nesse desamparo você está
entregue.
Ame alguém e você se sentirá desamparado; odeie alguém e você poderá fazer alguma coisa.
Ame alguém e você está absolutamente desamparado – porque, o que você pode fazer? Tudo o
que você possa fazer parece insignificante, sem sentido; nunca é suficiente. Nada pode ser feito.
E quando a pessoa sente que nada pode ser feito, ela sente que está desamparada. Quando a
pessoa quer fazer tudo e sente que nada pode ser feito, a mente pára. Nesse desamparo a entrega
acontece. Você está vazio. É por isso que o amor se torna uma meditação profunda.
Na verdade, se você ama alguém, nenhuma outra meditação é necessária. Mas como ninguém
ama, cento e doze técnicas são necessárias – e até mesmo elas podem não ser suficientes.
Alguém esteve aqui noutro dia. Ele estava me contando: “Isso me dá muita esperança. Eu
ouvi uma vez de você que há cento e doze métodos. Isso me dá muita esperança, mas de algum
lugar uma depressão também vem à mente: somente cento e doze métodos? E se esses cento e
doze métodos não funcionarem em mim, então, não há um centésimo décimo terceiro?”.
E ele está certo. Ele está certo! Se esses cento e doze métodos não funcionarem em você,
então, não tem jeito. Assim, como ele sugere, uma depressão também segue a esperança. Mas, na
verdade, os métodos são necessários, porque o método básico está esquecido. Se você pode
amar, nenhum método é necessário.
O próprio amor é o maior método, mas o amor é difícil – de certa forma impossível. O amor
significa colocar-se fora de sua consciência e, no mesmo lugar, onde seu ego esteve existindo,
colocar outra pessoa. Substituir-se por outra pessoa significa amor – como se agora, você não
existisse mais e somente o outro existisse.
Jean-Paul Sartre diz que o outro é o inferno e ele está certo. Ele está certo, porque o outro cria
somente inferno para você. Mas ele também está errado, porque, se o outro pode ser o inferno, o
outro pode ser o paraíso. Se você vive através da luxúria, o outro é o inferno, porque, então, você
está tentando matar essa pessoa. Você está tentando tornar essa pessoa um objeto. Então, essa
pessoa também reagirá e tentará torná-lo uma coisa; e isso cria o inferno.
Assim, todo marido e toda esposa, eles estão criando o inferno um para o outro, porque cada
um está tentando possuir o outro. A posse é possível somente com coisas, nunca com pessoas.
Você não pode ser possuído por uma pessoa; você nunca pode possuir uma pessoa. Uma coisa
pode ser possuída, mas você tenta possuir as pessoas. Através desse esforço, as pessoas se
tornam coisas. Se eu o tornar uma coisa, você reagirá. Então, eu sou seu inimigo. Então, você
tentará me tornar uma coisa – isso cria o inferno.
Você está sentado em seu quarto sozinho e, então, de repente, você se torna ciente de que
alguém está espreitando através do buraco da fechadura. Observe minuciosamente o que
acontece. Você sentiu alguma mudança? E por que você se sentiu com raiva desse espião? Ele
não está fazendo nada com você – apenas espionando. Por que você ficou com raiva? Ele o
transformou numa coisa. Ele está observando; ele o fez virar uma coisa, um objeto. Isso lhe dá
um desconforto.
E o mesmo acontecerá a ele se você chegar perto do buraco da fechadura e olhar através dele.
O outro ficará perturbado, chocado. Ele era um sujeito apenas a um minuto atrás: ele era o
observador e você era o observado. Agora, de repente ele foi apanhado. Ele foi observado
observando você e, agora, ele se tornou uma coisa.
Quando alguém o está observando, de repente, você sente que sua liberdade foi perturbada,
destruída. É por isso que, a menos que você esteja amando alguém, você não pode manter o olhar
fixo. Esse olhar fixo se torna feio e violento – a menos que você esteja amando. Se você está
amando, então, um olhar fixo é uma coisa bela, porque seu olhar não está transformando o outro
numa coisa. Então, você pode olhar diretamente nos olhos, então, você pode ir fundo nos olhos
do outro. Você não o está transformando em uma coisa. Ao contrário, através de seu amor, seu
olhar está tornando-o uma pessoa. É por isso que somente o olhar fixo dos amantes é belo; do
contrário o olhar fixo é feio.
Os psicólogos dizem que existe um tempo limite. E todos vocês sabem – observe e você virá
a saber – qual é o tempo limite que você pode olhar fixamente para os olhos de alguém, se ele é
um estranho. Existe um tempo limite. Um momento mais e o outro ficará com raiva. Apenas um
olhar passageiro em público pode ser perdoado, porque, parece que você estava apenas vendo,
não olhando.
Olhar é uma coisa profunda. Se eu simplesmente o vejo passar, nenhum relacionamento é
criado. Ou eu estou passando e você olha para mim, somente enquanto passo – nenhuma ofensa
isso significa; assim, tudo fica bem. Mas se você de repente levanta-se e olha para mim, você se
torna um observador. Então, seu olhar me perturbará e eu me sentirei insultado: “O que você está
fazendo? Eu sou uma pessoa, não uma coisa. Isso não é jeito de olhar.”.
Por causa disso, as roupas se tornaram tão significativas. Somente quando você ama alguém,
você pode ficar facilmente nu, porque no momento que você está nu, todo o seu corpo se torna
um objeto. Alguém pode olhar todo o seu corpo e se essa pessoa não o está amando, os olhos
dela transformarão todo o seu corpo, todo o seu ser, num objeto. Mas, quando você está amando
alguém, você pode ficar nu sem sentir que está nu. Ou melhor: você pode gostar de estar nu,
porque você gostaria de que esse amor transformador transformasse todo o seu corpo em uma
pessoa.
Sempre que você está transformando alguém em uma coisa, esse ato é imoral. Mas se você
está preenchido de amor, então, nesse momento preenchido de amor por qualquer objeto, esse
fenômeno, essa bênção, é possível. Ela acontece.
...no meio do objeto – a bênção. De repente, você esqueceu de si mesmo – o outro ficou
presente. Então, quando o momento certo chega, quando você não está mais presente, está
absolutamente ausente, o outro também se tornará ausente. E entre os dois, a bênção acontece. É
isso que os amantes sentem. Essa bênção é também por causa de uma meditação desconhecida,
inconsciente.
Quando dois amantes estão presentes, pouco a pouco, ambos se tornam ausentes. Uma
existência pura permanece – sem nenhum ego, sem nenhum conflito... apenas uma comunhão.
Nessa comunhão a pessoa se sente abençoada. É erradamente inferido que o outro deu essa bem-
aventurança a você. Essa bem-aventurança veio, porque, sem saber, você caiu em uma profunda
técnica meditativa.
Você pode fazê-la conscientemente – e quando você a faz conscientemente, ela vai mais
fundo ainda, porque, então, você não está obcecado pelo objeto. Isso está acontecendo todo dia.
Se você ama alguém, você se sente abençoado, abençoada, não por causa dele, ou dela, mas por
causa do amor. E por que por causa do amor? Porque esse fenômeno acontece – este sutra
acontece.
Mas, então, você fica obcecado. Então, você pensa que, por causa de A, por causa da
proximidade de A, da intimidade, por causa do amor de A, essa bênção acontece. Então, você
pensa: “Eu preciso possuir A, porque sem A estar presente, eu posso não ser capaz de ter essa
bênção novamente.”. Você se torna ciumento. Se alguém mais possuir A, então, ele será
abençoado e você se sentirá miserável; assim, você quer afastar todas as possibilidades de A ser
possuído por outra pessoa. A deveria ser possuído apenas por você, porque você vislumbrou um
mundo diferente através dele. Então, no momento em que você tentar possuir, você destruirá
toda a beleza e todo o fenômeno.
Quando o amante é possuído, o amor se vai. Então, o amante é apenas uma coisa. Você pode
usá-lo, mas a bênção nunca mais virá, porque essa bênção estava vindo quando o outro era uma
pessoa. O outro foi feito, criado: você criou a pessoa no outro e o outro criou a pessoa em você.
Nenhum dos dois era objeto. Ambos eram subjetividades se encontrando – duas pessoas se
encontrando, não, uma pessoa e uma coisa.
Mas, no momento em que você possuir, isso será impossível. E a mente tentará possuir,
porque a mente pensa em termos de ganância: “Um dia a bem-aventurança aconteceu; assim, ela
deve acontecer para mim todo dia. Então, eu tenho que possuir.”. Mas a bem-aventurança
acontece, porque não há a posse. E a bem-aventurança acontece não por causa do outro, na
verdade, mas por causa de você. Lembre-se disto: a bem-aventurança acontece por causa de
você. Por você estar tão absorvido no outro, a bem-aventurança acontece.
Isso pode acontecer com uma rosa, isso pode acontecer com uma rocha, isso pode acontecer
com as árvores, isso pode acontecer com qualquer coisa. Uma vez que você conheça a situação
na qual isso acontece, isso pode acontecer em qualquer lugar. Se você sabe que você não está
presente e, com um profundo amor, sua consciência se moveu para o outro – para as árvores,
para o céu, para as estrelas, para qualquer pessoa; quando sua consciência total está dirigida ao
outro, ela o deixa, ela se move para longe de você –; nessa ausência do eu, está a bênção.
19 Sente-se somente nas nádegas

A sétima técnica de centramento:

Sem apoio para os pés ou mãos, sente-se somente nas nádegas. De repente, o
centramento.

Essa técnica foi usada pelos taoístas na China, durante séculos, e ela é uma técnica
maravilhosa – uma das mais fáceis. Tente: Sem apoio para os pés ou mãos, sente-se somente nas
nádegas. De repente, o centramento.
O que é para ser feito? Você precisará de duas coisas. Primeiro, de um corpo muito sensível,
que você não tem. Você tem um corpo morto; ele é apenas uma carga a ser carregada – não é
sensível. Primeiro você terá de tornar o seu corpo sensível; do contrário, essa técnica não
funcionará. Assim, primeiro, eu lhe direi alguma coisa sobre como tornar o seu corpo sensível e
principalmente suas nádegas, porque comumente suas nádegas são a parte mais insensível em
seu corpo. Elas têm de ser. Elas têm de ser porque você está sentando o dia inteiro em suas
nádegas. Se elas fossem muito sensíveis, ficaria difícil.
Assim, suas nádegas são insensíveis – elas precisam ser. Assim como as solas dos pés, elas
são insensíveis. Continuamente sentando-se nelas, você nunca sente que está sentando em suas
nádegas. Você já as tinha sentido antes disso? Agora, você pode sentir que você está sentando
em suas nádegas, mas você nunca as sentiu antes – e você esteve sentando nas nádegas por toda
a sua vida, nunca conscientemente. Elas são usadas de tal forma, que não podem ser muito
sensíveis.
Assim, primeiro, você tem de torná-las sensíveis. Tente um método muito simples... E este
método pode ser feito com qualquer parte do corpo; então, o corpo se tornará sensível.
Simplesmente, sente-se relaxado em uma cadeira e feche os seus olhos. Sinta a sua mão esquerda
ou sua mão direita – qualquer uma. Sinta a sua mão esquerda. Esqueça todo o corpo e apenas
sinta a mão esquerda. Quanto mais você a sente, mais a mão esquerda se tornará pesada.
Continue sentindo a mão esquerda. Esqueça todo o corpo, apenas continue sentindo a mão
esquerda como se você fosse apenas a mão esquerda. A mão continuará se tornando cada vez
mais e mais pesada. À medida que ela vai ficando pesada, continue sentindo-a tornar-se mais
pesada. Então, tente sentir o que está acontecendo na mão. Qualquer que seja a sensação,
qualquer espasmo, qualquer leve movimento – registre na mente que isso está acontecendo. E
continue fazendo isso todo dia, por pelo menos três semanas. A qualquer hora durante o dia, faça
isso por dez minutos, quinze minutos. Apenas sinta a mão esquerda e esqueça todo o corpo.
Dentro de três semanas você sentirá que tem uma nova mão esquerda ou uma nova mão
direita. Ela estará muito sensível. E você se tornará consciente de cada sensação mínima e
delicada na mão.
Quando você obtiver sucesso com a mão, então, tente com as nádegas. Tente: feche seus
olhos e sinta que somente suas duas nádegas existem; você não existe mais. Deixe toda a sua
consciência ir para as nádegas. Isso não é difícil. Se você tenta, é maravilhoso. E a sensação de
vivacidade que chega ao corpo é por si só muito abençoada. Então, quando você pode sentir suas
nádegas e elas podem se tornar muito sensíveis, quando você pode sentir qualquer coisa
acontecendo dentro – um leve movimento, uma leve dor ou qualquer coisa – então, você pode
observar e pode conhecer. Então, a sua consciência está unida às nádegas.
Primeiro, tente com a mão. Como a mão é muito sensível, é fácil. Uma vez que você ganhe
confiança de que pode sensibilizar a sua mão, essa confiança o ajudará a sensibilizar suas
nádegas. Então, faça essa técnica. Assim, você precisará de pelo menos seis semanas antes de
poder entrar nessa técnica – três semanas com sua mão e, depois, três semanas com as nádegas,
apenas tornando-as cada vez mais e mais sensíveis.
Deitando na cama, esqueça todo o corpo. Apenas lembre-se de que só sobraram as duas
nádegas. Sinta o toque – o lençol, a frieza ou o suave calor chegando. Sinta-o. Deitado em sua
banheira, esqueça o corpo. Lembre-se apenas das nádegas – sinta. Fique de pé contra a parede
com suas nádegas tocando a parede – sinta a frieza da parede. Fique de pé com seu amado, com
sua esposa ou marido, nádegas com nádegas – sinta o outro através das nádegas. Isso é apenas
para “criar” suas nádegas, para trazê-las para uma situação onde elas comecem a sentir.
Então, faça essa técnica: Sem apoio para os pés ou mãos... Sente-se no chão. Sem apoio para
os pés ou mãos, sente-se somente nas nádegas. A postura de Buda funcionará, padmasana
funcionará. Ou siddhasana funcionará, ou qualquer asana[7] comum, mas é bom não usar a suas
mãos. Apenas permaneça nas nádegas, sentado somente nas nádegas. Então, o que fazer?
Simplesmente feche os olhos. Sinta as nádegas tocando o chão. E como as nádegas tornaram-se
sensíveis, você sentirá que uma nádega está tocando mais que a outra. Você está se apoiando em
uma nádega e a outra está tocando menos. Então, mova a inclinação para a outra. Imediatamente,
mova-se para a outra; então, volte para a primeira. Continue se movendo de uma para a outra e,
então, pouco a pouco, equilibre-se.
Equilíbrio significa que ambas as nádegas estão sentindo o mesmo. Seu peso em ambas é
exatamente o mesmo. E quando as nádegas estiverem sensíveis, isso não será difícil, você
sentirá. Uma vez que ambas as nádegas estejam equilibradas, de repente, o centramento. Com
esse equilíbrio, de repente, você será atirado para o seu centro do umbigo e você estará centrado
lá dentro. Você esquecerá as nádegas, esquecerá o corpo. Você será atirado para o centro
interior.
É por isso que eu digo que os centros não são importantes, mas o centramento é – quer ele
aconteça no coração ou na cabeça ou nas nádegas ou em qualquer lugar. Você já viu budas
sentados. Você pode não ter imaginado que eles estejam equilibrados em suas nádegas. Você vai
a um templo e vê Mahavira sentado, Buda sentado; você pode nunca ter imaginado que aquele
sentar é apenas um equilibrar-se nas nádegas. Ele é – e quando não existe desequilíbrio, de
repente, esse equilíbrio lhe dá o centramento.

20 Como meditar em um veículo em movimento

A oitava técnica de centramento:

Num veículo em movimento, sob o balançar rítmico, experiencie. Ou num veículo


parado, permitir-se balançar em lentos círculos invisíveis.

É a mesma técnica de um modo diferente. Num veículo em movimento... Você está viajando
num trem, ou num carro de boi – quando esta técnica foi desenvolvida, existia somente carro de
boi. Você está se movendo num carro de boi, numa estrada da Índia... – até hoje a estrada é a
mesma. Mas quando você está se movendo, todo o seu corpo está se movendo. Assim, é inútil.
Num veículo em movimento, sob o balançar rítmico... balançar ritmicamente. Tente
compreender; é uma coisa mínima. Sempre que você está em um carro de boi ou em qualquer
veículo, você fica resistindo. O carro de boi balança para a esquerda, mas você resiste a isso.
Você balança para a direita a fim de equilibrar-se; do contrário, você cairá. Assim, você está
constantemente resistindo. Sentado num carro de boi, você está lutando contra os movimentos
dele. Ele se move para este lado e você tem que se mover para aquele.
É por isso que quando sentado num trem, você fica cansado. Você não estava fazendo nada.
Por que você fica tão cansado? Você estava fazendo muito, inconscientemente. Você estava
lutando contra o trem, continuamente; havia resistência. Não resista – essa é a primeira coisa. Se
você quer fazer esta técnica, não resista. Melhor: mova-se com os movimentos, balance com os
movimentos. Torne-se parte do carro de boi, não resista a ele. O que quer que o carro de boi
esteja fazendo na estrada, torne-se parte disso. É por isso que as crianças nunca ficam cansadas
nas viagens.
Poonam acabou de chegar de Londres com seus dois filhos e ela estava com medo de que eles
pudessem ficar doentes, de que eles pudessem ficar cansados por causa de uma viagem tão
longa. Ela ficou cansada e eles vieram rindo. Ela estava completamente cansada quando chegou
aqui. No momento em que ela entrou no meu quarto, ela estava morta de cansaço e as duas
crianças começaram a brincar de lá para cá. Uma viagem de dezoito horas de Londres a
Bombaim e elas não estavam nem um pouco cansadas. Por quê? Porque elas ainda não sabem
resistir.
Assim, um bêbado pode sentar-se num carro de boi por toda a noite e, pela manhã, ele estará
mais disposto que nunca, mas você não. É porque um bêbado não pode resistir. Ele se move com
o carro; não existe luta. A luta não está presente, ele é um com o carro.
Num veículo em movimento, sob o balançar rítmico... Assim faça uma coisa: não resista. E a
segunda coisa: crie um ritmo. Crie um ritmo em seus movimentos. Faça deles uma bela
harmonia. Esqueça a estrada; não amaldiçoe a estrada e o governo – esqueça-os. Não amaldiçoe
o boi e o carro de boi, ou o condutor – esqueça-os. Feche os olhos, não resista. Mova-se
ritmicamente e crie uma música em seu movimento. Deixe que seja como se fosse uma dança.
Num veículo em movimento, sob o balançar rítmico, experiencie. O sutra diz que a experiência
vem até você.
Ou num veículo parado... Não pergunte onde conseguir um carro de boi, não se engane,
porque o sutra diz: Ou num veículo parado, permitir-se balançar em lentos círculos invisíveis.
Simplesmente sentado aqui, balançando-se em um círculo. Primeiro, faça o movimento num
círculo grande; depois, vá reduzindo-o... reduzindo, reduzindo, tornando-o cada vez menor e
menor, até o seu corpo não estar mais visivelmente se movendo; mas, por dentro, você sente um
movimento sutil. Comece com um círculo grande, com os olhos fechados. Do contrário, quando
o corpo parar, você irá parar. Com os olhos fechados, faça grandes círculos; simplesmente
sentando, balançando-se em um círculo. Continue balançando, fazendo o círculo cada vez menor
e menor. Visivelmente você irá parar; ninguém será capaz de detectar que você ainda está se
movendo. Mas por dentro, você sentirá um movimento sutil. Agora, o corpo não está se
movendo, somente a mente. Continue fazendo-o cada vez mais e mais lento e experiencie. Isso
se tornará um centramento. Num veículo, num veículo em movimento, um movimento rítmico
não-resistente criará um centramento dentro de você.
Gurdjieff criou muitas danças para tais técnicas. Ele estava trabalhando nessa técnica. Todas
as danças que ele estava usando em sua escola eram, na verdade, balançar em círculos. Todas as
danças eram em círculos – simplesmente girando, mas permanecendo consciente por dentro,
pouco a pouco, fazendo círculos cada vez menores e menores. Chega um momento em que o
corpo pára, mas a mente, por dentro, continua girando, girando e girando.
Se você esteve viajando de trem durante vinte horas, depois que você chegar em casa, depois
de ter deixado o trem, se você fechar os olhos, você sentirá que ainda está viajando. Você ainda
está viajando. O corpo parou, mas a mente ainda está sentindo o veículo. Assim, simplesmente
faça essa técnica.
Gurdjieff criou danças fenomenais, muito belas. Neste século, ele fez milagres – não milagres
como Satya Sai Baba. Esses não são milagres; qualquer mágico de rua pode fazê-los. Mas
Gurdjieff realmente criou milagres. Ele preparou um grupo de umas cem pessoas para a dança
meditativa e ele mostrou essa dança num auditório em Nova Iorque, pela primeira vez. Uma
centena de dançarinos estavam no palco, girando. Aqueles que estavam na platéia, até mesmo
suas mentes começaram a girar. Haviam uns cem dançarinos de robe branco, apenas girando.
Quando ele indicava com a sua mão, eles giravam e, no momento em que ele dizia “Pare!”,
havia um silêncio mortal. Isso era uma parada para a platéia, mas não para os dançarinos –
porque o corpo pode parar imediatamente, mas a mente, então, leva o movimento para dentro;
ele continua e continua. Era bonito até de ver, porque umas cem pessoas, de repente, se tornavam
estátuas mortas. Isso criava um choque repentino na platéia também, porque cem movimentos...
– movimentos belos, movimentos rítmicos – repentinamente, paravam. Você estava olhando para
eles se movimentando, girando, dançando e, de repente, os dançarinos paravam. Então, seus
pensamentos também poderiam parar.
Muitos, em Nova Iorque, sentiram que isso era um fenômeno extraordinário: seus
pensamentos paravam imediatamente. Mas, para os dançarinos, a dança continuava por dentro e
os círculos, girando por dentro, se tornavam cada vez menores e menores, até os dançarinos
ficarem centrados.
Um dia, aconteceu de eles estarem chegando perto da beira do palco, dançando. Era esperado,
suposto, que Gurdjieff iria pará-los, um instante antes de caírem, dançando, do palco em cima da
platéia. Uns cem dançarinos estavam exatamente na beira do palco. Um passo mais e eles
poderiam todos cair em cima da platéia. Toda a platéia estava esperando que, de repente,
Gurdjieff dissesse “Pare!”, mas ele virou as costas para acender seu charuto. Ele virou as costas
para os dançarinos e todo o grupo de cem dançarinos caiu do palco no chão – em um duro chão
de pedra.
Toda a platéia levantou-se. As pessoas berravam, gritavam e pensavam que muitos deviam ter
quebrado os ossos – foi um tal estrondo. Mas nem um único ficou machucado; não houve nem
uma simples contusão.
Eles perguntaram a Gurdjieff o que havia acontecido. Ninguém havia se machucado e o
estrondo foi tal, que isso parecia impossível. A razão era somente esta: eles não estavam, na
verdade, em seus corpos naquele momento. Eles estavam diminuindo seus círculos interiores. E
quando Gurdjieff viu que, agora então, eles estavam completamente esquecidos de seus corpos,
ele permitiu que eles caíssem.
Se você está totalmente esquecido de seu corpo, não há resistência. Um osso é quebrado por
causa da resistência. Se você está caindo, você resiste: você vai contra a força da gravidade. Esse
ir contra, essa resistência, é o problema – não a gravidade. Se você puder cair com a gravidade,
se você puder cooperar com ela, então, não haverá nenhuma possibilidade de você se machucar.
Este sutra: Num veículo em movimento, sob o balançar rítmico, experiencie. Ou num veículo
parado, permitir-se balançar em lentos círculos invisíveis. Você pode fazê-lo. Não existe
nenhuma necessidade de um veículo, simplesmente gire como uma criança gira. Quando a sua
mente ficar louca e você sentir que, agora então, irá cair, não pare – continue! Mesmo que você
caia, não se preocupe com isso, feche os seus olhos e gire. Sua mente continuará girando e você
cairá. Quando o seu corpo tiver caído, sinta dentro – o giro continuará. E ele se chegará para
cada vez mais perto e mais perto e mais perto e, de repente, você estará centrado.
As crianças gostam muito disso, porque elas conseguem uma profunda excitação. Os pais
nunca permitem que seus filhos girem. Isso não é bom: elas deveriam ter permissão – melhor, ser
encorajadas. E se você puder torná-las consciente do giro interior também, você pode ensiná-las
a meditação através de seus giros. Elas gostam disso, porque elas têm uma sensação de estar sem
corpo. Quando giram, de repente, as crianças tornam-se conscientes de que seus corpos estão
girando, mas elas não. Dentro, elas sentem um centramento – que nós não podemos sentir tão
facilmente –, porque seus corpos e suas almas ainda estão um tanto separados; existe uma
distância.
Quando você vem de dentro do útero de sua mãe, você não pode, imediatamente, entrar
totalmente no corpo; isso leva tempo. Quando uma criança nasce, então, ela também não está
completamente fixada, sua alma não está completamente fixada no corpo; existem distâncias. É
por isso que há muitas coisas que ela não pode fazer. Seu corpo está pronto para fazer, mas ela
não pode fazer.
Se você já observou, você pode ter percebido que crianças recém-nascidas não podem ver
com os dois olhos, elas sempre vêem só com um olho. Se você observar, então, verá que, quando
elas observam e vêem algo, elas não podem ver com os dois olhos. Elas sempre olham só com
um olho – um olho fica maior. A pupila de um olho se tornará maior e a outra pupila
permanecerá pequena. A consciência de uma criança recém-nascida não está fixa ainda, ela está
solta. Em pouco tempo, ela se tornará fixa e, então, elas olharão com os dois olhos.
Elas não podem ainda sentir seus próprios corpos e os outros corpos como diferentes. Isso é
difícil. Elas ainda não estão fixas, mas a fixação chegará em pouco tempo.
A meditação está, novamente, tentando criar uma distância. Você se tornou fixo, solidamente
fixo em seu corpo. É por isso que você sente “eu sou meu corpo”. Se uma distância puder ser
criada, somente então, você poderá sentir que você não está no corpo, mas em algum lugar além
do corpo. Balançar e girar ajudam. Criam a distância.

21 Concentre-se em uma dor em seu corpo

A nona técnica de centramento:

Perfure alguma parte de sua forma preenchida de néctar com um alfinete e,


delicadamente, entre nessa perfuração e atinja a pureza interior.

Esse sutra diz: Perfure alguma parte de sua forma preenchida de néctar... Seu corpo não é
simplesmente um corpo, ele é preenchido com você e você é o néctar. Perfure o seu corpo.
Quando você está perfurando o seu corpo, você não é perfurado – somente o corpo é perfurado.
Mas você sente a perfuração como se você estivesse sendo perfurado; é por isso que você sente
dor. Se você puder se tornar consciente de que somente o corpo é perfurado, de que você não é
perfurado, ao invés da dor, você sentirá bem-aventurança. Não há necessidade de fazer isso com
um alfinete. Muitas coisas acontecem todo dia; você pode usar essas situações para a meditação.
Ou você pode criar a situação.
Você está sentindo alguma dor em seu corpo. Faça uma coisa: esqueça o corpo todo, apenas
se concentre na parte do corpo que está dolorida. E, então, uma coisa estranha será percebida.
Quando você se concentrar na parte do corpo que está dolorida, você verá que essa parte vai-se
reduzindo. Primeiro você sente que a dor, o incômodo, está em toda a sua perna. Quando você se
concentra, então, você sente que a dor não está em toda a perna. Ela foi exagerada – ela está
apenas no joelho.
Concentre-se mais e você sentirá que ela não está em todo o joelho, mas exatamente em um
ponto minúsculo. Concentre-se mais nesse ponto minúsculo; esqueça o corpo todo. Apenas feche
os seus olhos e continue concentrando-se a fim de descobrir onde a dor está. A área continuará se
reduzindo; a área se tornará cada vez menor e menor. Então, chegará um momento, em que ela
será apenas um minúsculo ponto. Continue fixando-se nesse minúsculo ponto e, de repente, esse
ponto desaparecerá e você será preenchido por bem-aventurança. Em vez de dor, você será
preenchido por bem-aventurança.
Por que isso acontece? Porque você e seu corpo são dois, não são um. Aquele que está
concentrando-se é você. A concentração está sendo feita no corpo – este é o objeto. Quando você
se concentra, a distância é alargada, a identificação é quebrada. Exatamente para ter
concentração, você se move para dentro, afasta-se do corpo. Para trazer o ponto de dor para a
perspectiva, você tem de se afastar. Esse afastar-se cria uma distância. E, quando você está se
concentrando na dor, você esquece a identificação, você se esquece de que “eu estou sentindo
dor”.
Agora, você é o observador e a dor está em algum outro lugar. Você está observando a dor,
não sentindo a dor. Essa mudança da sensação para a observação cria a distância. E quando a
distância fica maior, de repente, você esquece o corpo completamente; você fica consciente
apenas da consciência.
Você pode tentar essa técnica também: Perfure alguma parte de sua forma preenchida de
néctar com um alfinete e, delicadamente, entre nessa perfuração. Se existir dor, então, primeiro
você terá de se concentrar em toda a área; então, cada vez mais e mais ela se tornará um ponto
minúsculo.
Mas não há necessidade de esperar. Você pode usar um alfinete. Use um alfinete em qualquer
parte que seja sensível. No corpo, muitos pontos são pontos cegos; eles não serão úteis. Você
pode não ter ouvido falar sobre pontos cegos no corpo. Então, dê um alfinete para alguém, para o
seu amigo, sente-se e peça para seu amigo espetar as suas costas com o alfinete em muitos
pontos. Em muitos pontos, você não sentirá dor. Você dirá: “Não, você ainda não espetou. Eu
não estou sentindo dor nenhuma.”. Esses são os pontos cegos. Bem na sua bochecha existem dois
pontos cegos que podem ser testados.
Se você for às aldeias indianas, muitas vezes, em festivais religiosos, eles espetarão suas
bochechas com uma flecha. Parece um milagre, mas não é. As bochechas têm dois pontos cegos.
Se você espetar através desses dois pontos, nenhum sangue sairá e não haverá dor. Em suas
costas existem milhares de pontos mortos, onde você não pode sentir qualquer dor. Seu corpo
tem dois tipos de pontos – os sensíveis, vivos e aqueles que são mortos. Assim, encontre um
ponto sensível onde você possa sentir até mesmo um leve toque. Então, espete o alfinete e entre
nessa perfuração. Essa é a coisa; essa é a meditação. ...e, delicadamente, entre nessa perfuração.
Enquanto o alfinete entra, para dentro de sua pele e você sente a dor, você também entra. Não
sinta que a dor está entrando em você; não sinta a dor, não se identifique com ela. Entre com o
alfinete. Perfure com o alfinete.
Feche os seus olhos; observe a dor. Enquanto a dor está perfurando, você também se perfura.
E, com o alfinete perfurando-o, sua mente se tornará facilmente concentrada. Use esse ponto de
dor, de intensa dor e o observe. É isso o que se quer dizer quando se diz: delicadamente, entre
nessa perfuração.
E atinja a pureza interior. Se você puder entrar observando, não identificado, distante,
afastado, não sentindo que a dor o está perfurando, mas observando que o alfinete está
perfurando o corpo e que você é um observador, você alcançará a pureza interior; a inocência
interior será revelada a você. Pela primeira vez, você se tornará consciente de que você não é o
corpo. E uma vez que você saiba que você não é o corpo, sua vida é transformada
completamente, porque toda a sua vida gira em torno do corpo. Uma vez que você saiba que
você não é o corpo, você não pode continuar essa vida. O centro foi perdido.
Quando você não é o corpo, então, você tem de criar uma vida diferente. Essa vida é a vida
do saniássin. Ela é uma vida diferente; o centro, agora, é diferente. Agora, você existe no mundo
como uma alma, como um atma, não como um corpo. Se você existe como um corpo, então,
você criou um mundo diferente: de ganho material, ganância, gratificação, luxúria, sexo. Você
criou um mundo à sua volta; esse é o mundo orientado pelo corpo.
Uma vez que você saiba que você não é o corpo, todo o seu mundo desaparece. Você não
pode suportá-lo mais. Surge um mundo diferente que gira em torno da alma – um mundo de
compaixão, de amor, de beleza, de verdade, de bondade, de inocência. O centro é mudado e ele
não está no corpo agora. Ele está na consciência.
Basta por hoje.

Nota_capítulo 13

[6] Ashram – morada do Mestre onde se desenvolve o discipulado. (N.daT.)

[7] Asana – postura de corpo. (N.daT.)


Capítulo 14

MUDANDO A DIREÇÃO DA ENERGIA



PERGUNTAS

Por que a consciência cósmica – samadhi – é chamada de centramento?


Explique mais como “apenas o amor pode ser suficiente” sem meditação?
Por que o homem é insensível?

A primeira pergunta:

Se iluminação e samadhi significam consciência total, consciência cósmica, consciência


que penetra tudo, então, parece muito estranho chamar esse estado de consciência cósmica
de centramento, quando a palavra ‘centramento’ implica estar em um ponto. Por que a
consciência cósmica, ou samadhi, é chamada de centramento?

O centramento é o caminho, não a meta. O centramento é o método, não o resultado. O


samadhi não é chamado de centramento; centramento é a técnica para o samadhi. Naturalmente,
eles parecem contraditórios porque quando alguém se realiza, torna-se iluminado, não sobra
nenhum centro.
Jacob Böhme disse que quando alguém chega ao divino, isso pode ser descrito de duas
maneiras: ou o centro está em todo lugar agora, ou o centro não está em lugar algum; ambos
significam a mesma coisa. Assim, a palavra ‘centramento’ parece contraditória, mas o caminho
não é a meta e o método não é o resultado. E o método pode ser contraditório. Assim, nós temos
que entender isso, porque esses cento e doze métodos são métodos de centramento.
Mas, uma vez que você se torne centrado, você explodirá. O centramento é apenas para
absorvê-lo totalmente em um único ponto. Uma vez que você seja absorvido em um ponto,
cristalizado em um ponto, esse ponto explode automaticamente. Então, não há centro – ou então,
o centro está em todo o lugar. Assim, o centramento é uma maneira de fazer explodir.
Porque o centramento se torna o método? Se você não está centrado, sua energia não está
focada, ela não pode explodir. Ela está espalhada; ela não pode explodir. A explosão necessita de
grande energia. Explosão significa que agora você não está espalhado – você está em um ponto.
Você se tornou atômico; você se tornou, realmente, um átomo espiritual. E, somente quando
você está centrado o suficiente para se tornar um átomo, você pode explodir. Então há uma
explosão atômica.
Essa explosão não é comentada, porque não pode ser; assim, somente o método é dado. Não
se fala sobre o resultado. Não se pode falar dele. Se você executar o método, o resultado se
seguirá e não há nenhum modo de expressá-lo.
Assim, lembre-se disto: basicamente, a religião nunca fala da experiência em si, ela fala
somente sobre o método; mostra o “como”, não o “o quê”. O “o quê” é deixado para você. Se
você faz o “como”, o “o quê” chegará a você. E não há meio de se comunicar isso. A pessoa
pode conhecê-lo, mas não pode comunicá-lo. É uma experiência tão infinita que a linguagem se
torna inútil. A vastidão é tal que nenhuma palavra é capaz de expressá-la. Assim, somente o
método é dado.
Conta-se que Buda disse continuamente, por quarenta anos: “Não me pergunte sobre a
verdade, sobre o divino, sobre nirvana, liberação. Não me pergunte nada sobre tais coisas.
Simplesmente me pergunte como chegar lá. Eu posso lhe mostrar o caminho, mas eu não posso
lhe dar a experiência, nem mesmo em palavras.”. A experiência é pessoal; o método é impessoal.
O método é científico, impessoal; a experiência é sempre pessoal e poética.
O que eu pretendo quando discrimino dessa maneira? O método é científico. Se você puder
executá-lo, o resultado será o centramento. Esse centramento está fadado a acontecer, se o
método é executado. Se o centramento não está acontecendo, então, você pode saber que perdeu
o ponto em algum lugar. Em algum lugar você perdeu o método, você não o seguiu. O método é
científico, o centramento é científico, mas quando a explosão vem para você, ela é poética.
Por poética eu quero dizer que cada um de vocês a experienciará de uma maneira diferente.
Dessa forma, não haverá um chão comum. E todo mundo a expressará de maneiras diferentes.
Buda diz alguma coisa, Mahavira diz alguma coisa, Krishna uma outra coisa e Jesus, Maomé,
Moisés e Lao Tzu, todos eles diferem – não em métodos, mas na maneira como expressam a
experiência. Somente em um ponto todos eles concordam: que o que quer que eles estejam
dizendo não está expressando o que eles sentiram. Somente nesse ponto eles concordam.
Contudo, eles tentam. Contudo, eles tentam comunicar de algum modo, insinuar. Parece
impossível, mas se você tem um coração compreensivo, alguma coisa pode ser comunicada. Mas
isso precisa de uma profunda compreensão e amor e reverência. Assim, realmente, sempre que
alguma coisa é comunicada, ela não depende do comunicador, ela depende de você. Se você
pode recebê-la com profundo amor e reverência, então, alguma coisa chega até você. Mas se
você for crítico em relação a ela, então, nada chega. Primeiramente, é difícil de expressar. E
mesmo quando expresso, se você for crítico... então, a mensagem se torna impossível; não há
comunicação.
A comunicação é muito delicada. É por isso que, em todos estes cento e doze métodos, ela foi
deixada de lado completamente – foi apenas insinuada. Shiva diz, muitas vezes, “Faça isto e,
então, a experiência.”; e, depois, ele se cala. “Faça isto e, então, a bênção.”; e, depois, ele se cala.
A bênção, a experiência, a explosão: além delas há a experiência pessoal. Aquilo que não
pode ser expresso, é melhor não tentar expressar – porque, se tentarmos expressar o que não
pode ser expresso, será mal compreendido. Assim, Shiva fica calado. Ele está falando
simplesmente de métodos, técnicas, de como executá-las.
Mas o centramento não é o final, ele é apenas o caminho. E por que o centramento acontece,
desenvolve-se, cresce até uma explosão? Porque, se muita energia for concentrada em um ponto,
o ponto explodirá. O ponto é tão pequeno e a energia é tão grande, que o ponto não pode contê-
la; daí a explosão.
Esta lâmpada pode conter uma certa quantidade de eletricidade. Se houver eletricidade a
mais, a lâmpada explodirá. Essa é a razão do centramento: quanto mais você estiver centrado,
mais energia estará em seu centro. No momento em que houver muita energia, o centro não será
capaz de contê-la. Ele explodirá.
Assim, isso é científico; é simplesmente uma lei científica. E se o centro não está explodindo,
isso significa que você ainda não está centrado. Uma vez que você esteja centrado,
imediatamente, a explosão se segue. Não há nenhum intervalo de tempo. Assim, se você sente
que a explosão não está chegando, isso significa que você ainda não está focado. Você ainda não
tem um centro, você ainda tem muitos centros, você ainda está dividido, a sua energia ainda está
dissipada, a sua energia ainda está se movendo para fora.
Quando a energia se move para fora, você está simplesmente sendo esvaziado da energia,
dissipado. No final, você se tornará impotente. Na verdade, quando a morte chega, você já está
morto; você é apenas uma célula morta. Você esteve constantemente jogando energia para fora –
desse modo, qualquer que possa ser a quantidade de energia, você se tornará vazio dentro de um
certo tempo. A energia que sai, significa morte. Você está morrendo a cada momento; sua
energia está sendo esvaziada; você está jogando fora a sua energia, dissipando-a.
Dizem que até mesmo o sol, que existe há milhões e milhões de anos, um reservatório de
energia tão imenso, está sendo esvaziado constantemente. E dentro de quatro bilhões de anos, ele
morrerá. O sol morrerá, simplesmente porque não haverá energia para irradiar. Todo dia ele está
morrendo, porque os raios estão carregando a sua energia para os limites do universo – se houver
algum limite. A energia está saindo.
Somente o homem é capaz de transformar e mudar a direção da energia. Do contrário, a
morte é um fenômeno natural – todas as coisas morrem. Somente o homem é capaz de conhecer
a imortalidade, a ausência de morte.
Assim, você pode reduzir toda essa coisa em uma lei. Se a energia está se movendo para fora,
a morte será o resultado e você nunca saberá o que a vida significa. Você só pode conhecer a
morte lenta. Você nunca pode sentir a intensidade de estar vivo. Se a energia se move para fora,
então, a morte é o resultado automático – de qualquer coisa, o que quer que seja. Se você puder
mudar a direção da energia – a energia não se movendo para fora, mas se movendo para dentro –
então, uma mutação, uma transformação acontecerá.
Então, essa energia vindo para dentro torna-se concentrada em um ponto dentro de você. Esse
ponto é exatamente perto de seu umbigo – porque na verdade, você nasceu como um umbigo.
Você fica conectado à sua mãe no umbigo. A energia de vida da mãe está sendo despejada em
você através do umbigo. E uma vez que o cordão umbilical seja cortado, você é separado de sua
mãe, você se torna um indivíduo. Antes disso, você não é um indivíduo, é apenas parte de sua
mãe.
Assim, o nascimento real toma lugar quando o cordão umbilical é cortado. Então, a criança
toma a sua própria vida, torna-se o seu próprio centro. Esse centro tem de ser exatamente no
umbigo, porque, através do umbigo, a energia vem para o filho. Essa é a linha de conexão. E,
quer você esteja consciente ou não, seu umbigo permanece o centro.
Se a energia começar a derramar-se dentro, se você mudar a direção da energia de forma a ela
entrar, ela atingirá o umbigo. Ela continuará entrando e concentrando-se no umbigo. Quando ela
for tanta, que o umbigo não possa contê-la, que o centro não mais possa contê-la, o centro
explode. Nessa explosão, novamente, você não é mais um indivíduo. Você não era um indivíduo
quando estava conectado com sua mãe; novamente você não será um indivíduo.
Um novo nascimento aconteceu. Você se tornou um com o cosmos. Agora você não tem
nenhum centro; você não pode dizer “eu”. Agora não há o ego. Um Buda, um Krishna continuam
falando e usando a palavra ‘eu’. Isso é apenas formal; eles não têm nenhum ego. Eles não
existem.
Buda estava morrendo. No dia em que ele estava para morrer, muitas, muitas pessoas,
discípulos, saniássins, se juntaram e eles estavam tristes; eles estavam se lamentando e chorando.
Assim, Buda perguntou: “Por que vocês estão se lamentando?”.
Alguém disse: “Porque logo você não existirá mais.”.
Buda riu e disse: “Mas eu já não existo há quarenta anos. Eu morri no dia em que me
iluminei. O centro não existe há quarenta anos. Assim, não se lamentem, não fiquem tristes.
Ninguém está morrendo agora. Eu já não existo! Mas, ainda assim, a palavra ‘eu’ tem que ser
usada para denotar que eu não existo mais.”.
A energia se movendo para dentro é toda a religião, é o que significa a busca religiosa. Como
mover a energia, como criar uma reviravolta total? Estes métodos ajudam. Assim, lembre-se:
centramento não é samadhi, centramento não é a experiência. O centramento é a porta para a
experiência e, no momento da experiência, não há nenhum centramento. Assim, o centramento é
apenas uma passagem.
Você não está centrado agora. Você está multicentrado na verdade – é por isso que eu digo
que você não está centrado agora. Quando você se torna centrado, há somente um centro. Então,
a energia que estava se movendo para muitos centros, volta; é uma volta para casa. Então, você
está em seu centro; então... a explosão. Novamente o centro não existe mais, mas, então, você
não está multicentrado. Então, não há nenhum centro, absolutamente. Você se tornou um com o
cosmos. Então, a existência e você significam uma única e mesma coisa.
Por exemplo: um iceberg está flutuando no mar. O iceberg tem um centro próprio. Ele tem
uma individualidade separada; ele está separado do oceano. Bem no fundo, ele não está
separado, porque ele não é nada além de água em um certo grau de temperatura. A diferença
entre a água do oceano e a do iceberg não está em sua natureza – naturalmente, elas são o
mesmo. A diferença é apenas de temperatura. E, então, o sol surge e a atmosfera se aquece e o
iceberg começa a se derreter. Então, não há iceberg: ele se derreteu. Agora você não pode
encontrá-lo, porque não há mais a individualidade, não há mais nenhum centro nele. Ele se
tornou um com o oceano.
Em você e em Buda, naqueles que estavam crucificando Jesus e em Jesus, em Krishna e em
Arjuna, não há diferença de natureza. Arjuna é como um iceberg e Krishna é como um oceano.
Não há diferença de natureza. Ambos são um e o mesmo, mas Arjuna tem uma forma, um nome
– uma existência individual, isolada. Ele sente: “Eu sou.”.
Através destes métodos de centramento, a temperatura mudará, o iceberg se derreterá e,
então, não haverá nenhuma diferença. Essa sensação oceânica é o samadhi; esse ser um iceberg é
a mente. E sentir-se oceânico é ser uma não-mente.
O centramento é apenas a passagem, o ponto de transformação através do qual o iceberg
deixará de existir. Antes dele não havia oceano – somente um iceberg. Depois dele não haverá
iceberg – somente oceano. A sensação oceânica é o samadhi: é sentir-se um com o todo.
Mas eu não estou dizendo para pensar-se um com o todo. Você pode pensar, mas o pensar
acontece antes do centramento; isso não é a realização. Você não conhece – você apenas ouviu
falar; você leu. Você deseja que algum dia isso possa acontecer a você também, mas você ainda
não o realizou. Antes do centramento, você pode continuar pensando, mas esse pensar é inútil.
Depois do centramento, não há mais nenhum pensador. Você sabe! Aconteceu! Você não existe
mais; somente o oceano existe. O centramento é um método. O samadhi é o fim.
Nada foi dito sobre o que acontece no samadhi, porque nada pode ser dito. E Shiva é muito
científico. Ele não está interessado de forma alguma em contar. Ele é telegráfico; ele não usará
uma única palavra extra. Assim, ele simplesmente insinua: “A experiência, a bênção, o
acontecimento.”. Não somente isso; algumas vezes, ele simplesmente dirá: “Então.”. Ele dirá:
“Centre-se entre as duas respirações e, então.”. E, então, ele pára. Algumas vezes, ele
simplesmente dirá: “Fique no meio, exatamente no meio, entre dois extremos e isto”.
Estas são indicações: isto, então, a experiência, a bênção, o acontecimento, a explosão. Mas
então ele pára completamente. Por quê? Nós gostaríamos de que ele dissesse alguma coisa mais.
Duas razões. Uma: “isto” não pode ser explicado. Por que “isto” não pode ser explicado? Há
pensadores – por exemplo, os positivistas modernos, analistas de línguas e outros, na Europa –
que dizem que aquilo que pode ser experienciado pode ser explicado. E eles têm uma
consideração a fazer. Eles dizem que, se você pode experienciar algo, então, por que você não
pode falar disso? Afinal de contas, o que é uma experiência? Você a entendeu; assim, por que
você não pode torná-la inteligível aos outros? Assim, eles dizem que se existe alguma
experiência, então, ela pode ser expressa. E se você não pode expressá-la, isso demonstra
simplesmente que não existe nenhuma experiência. Então, você é um embrulhão – um confuso,
um avoado. E se você não pode nem mesmo expressá-la, então, não há nenhuma possibilidade de
que você seja capaz de experienciar.
Devido a esse ponto de vista, eles dizem que na religião tudo é dramatização. Por que você
não pode expressar se você pode dizer que experienciou? Essa consideração agrada a muitos,
mas o argumento não tem base. Deixando de lado as experiências religiosas, as experiências
cotidianas também não podem ser explicadas e expressas – experiências muito simples.
Eu tenho uma dor em minha cabeça e se você nunca experienciou uma dor de cabeça, eu não
posso explicar-lhe o que é uma dor de cabeça. Isso não significa que eu sou um embrulhão; isso
não significa que estou apenas pensando e não experienciando. A dor de cabeça está presente. Eu
a experiencio em sua totalidade, em sua intensidade de dor total. Mas se você nunca
experienciou uma dor de cabeça, ela não pode ser explicada, ela não pode ser expressa a você. Se
você também já a experienciou, então, naturalmente, não há problema, ela pode ser expressa.
A dificuldade de Buda é que ele tem que falar com não-budas – não não-budistas, porque
não-budistas podem também ser budas. Jesus é um não-budista, mas ele é um buda. Como Buda
tem que se comunicar com aqueles que não experienciaram, há uma dificuldade. Você não sabe
o que é uma dor de cabeça. Há muitos que não conheceram dor de cabeça. Eles apenas ouviram a
palavra; isso não significa nada para eles.
Você pode falar com um cego sobre luz, mas nada é comunicado. Ele ouve a palavra ‘luz’,
ele ouve a explanação. Ele pode entender toda a teoria da luz, mas ainda assim a palavra ‘luz’
não diz nada para ele. A menos que ele possa experienciar, a comunicação é impossível. Assim,
perceba isto: a comunicação só é possível se as duas pessoas que estão se comunicando tiveram
tido a mesma experiência.
Nós somos capazes de nos comunicar na vida cotidiana, porque nossas experiências são
similares. Mas assim mesmo, se alguém quiser chegar a particularidades, haverá dificuldades. Eu
digo que o céu é azul e você também diz que o céu é azul; mas como nós estamos decidindo que
minha experiência de azul e a sua experiência de azul são iguais? Não há meio possível de se
decidir.
Eu posso estar olhando para um tom de azul e você pode estar olhando para um tom de azul
diferente, mas o que eu estou olhando internamente, o que eu estou experienciando, não pode ser
transmitido a você. Eu posso simplesmente dizer “azul”. Você também diz “azul’, mas azul tem
umas mil tonalidades – e não somente tonalidades: “azul” tem milhares de significados. Em meu
padrão de mente, o azul pode significar uma coisa. Para você ele pode significar uma outra coisa,
porque o azul não é o significado. O significado está sempre no padrão da mente. Assim, até
mesmo na experiência comum é difícil se comunicar.
Além do mais, há experiências que estão além. Por exemplo: alguém se apaixonou. Ele
experiencia alguma coisa. Toda a sua vida está em jogo, mas ele não pode explicar o que lhe
aconteceu, o que está acontecendo a ele. Ele pode chorar, ele pode cantar, ele pode dançar; essas
são indicações de que alguma coisa está acontecendo dentro dele. Mas o que está acontecendo
dentro dele? Quando o amor acontece a alguém, o que está acontecendo realmente? E o amor
não é tão incomum. Ele acontece para todo mundo de uma forma ou de outra. Mas, ainda assim,
nós não somos capazes de expressar o que acontece internamente.
Há pessoas que sentem o amor como uma febre, como um tipo de doença. Rousseau diz que a
juventude não é o pico da vida humana, porque a juventude está propensa a uma doença
chamada amor. A menos que a pessoa se torne tão velha que o amor perca todo o sentido, a
mente permanece atrapalhada e confusa. Assim, a sabedoria é possível somente em uma idade
muito, muito avançada. O amor não permitirá que você seja sábio – esse é o sentimento dele.
Há outros que podem sentir de maneira diferente. Aqueles que são realmente sábios, ficarão
calados em relação ao amor. Eles não dirão nada – porque o sentimento é tão infinito, tão
profundo, que a linguagem está fadada a traí-lo. E se ele for expresso, então, a pessoa se sente
culpada, porque ela não pode nunca fazer justiça ao sentimento do infinito. Assim, ela
permanece calada: quanto mais profunda a experiência, menor é a possibilidade de expressão.
Buda permaneceu calado em relação a Deus, não porque não haja nenhum Deus. E aqueles
que são muito eloquentes com relação a Deus, na verdade mostram que não têm nenhuma
experiência. Buda permaneceu calado. Sempre que ele ia a qualquer cidade, ele declarava: “Por
favor, não me perguntem nada sobre Deus. Vocês podem perguntar qualquer coisa, mas não
sobre Deus.”.
Os eruditos, os pânditas, que não tiveram realmente nenhuma experiência, mas apenas
conhecimento, começaram a falar sobre Buda e a criar rumores, dizendo: “Ele está calado,
porque ele não sabe. Se ele soubesse, então, por que ele não iria falar?”. E Buda ria. Essa risada
podia ser entendida somente por muito poucos.
Se o amor não pode ser expresso, então, como pode Deus ser expresso? Então, qualquer
expressão é prejudicial – isso é uma coisa. É por isso que Shiva faz silêncio com relação à
experiência. Ele vai até o ponto onde um dedo pode ser usado como indicação – então, isto, a
experiência – e, então, ele se cala.
A segunda razão é esta: mesmo se isso pudesse ser expresso de uma certa maneira, mesmo se
isso pudesse ser expresso apenas parcialmente – até mesmo se isso não pudesse ser expresso
realmente, então também, alguns paralelos poderiam ser criados para ajudar. Mas nem esses
Shiva está usando e há uma razão. É porque nossas mentes são tão gananciosas, que sempre que
alguma coisa é dita sobre essa experiência a mente se agarra a ela. E, então, a mente se esquece
do método e lembra-se apenas da experiência, porque o método precisa de esforço – um longo
esforço que é algumas vezes tedioso, algumas vezes perigoso. Um longo e constante esforço é
necessário.
Assim, nós nos esquecemos do método. Nós nos lembramos do resultado e ficamos
imaginando, querendo, desejando o resultado. E a pessoa pode se tapear muito facilmente. A
pessoa pode imaginar que o resultado foi alcançado.
Alguém esteve aqui alguns dias atrás. Ele é um saniássin – um homem velho, um homem
muito velho. Ele tomou sânias há trinta anos; agora, ele está perto dos setenta. Ele veio até mim
e disse: “Eu vim para fazer algumas perguntas, para saber alguma coisa.”.
Assim, eu lhe perguntei: “O que você quer saber?”.
De repente ele mudou. Ele disse: “Não, não para saber realmente – apenas para encontrar
você, porque tudo o que possa ser conhecido eu já conheci.”.
Por trinta anos, ele esteve imaginando, desejando – desejando divinas experiências de bem-
aventurança – e agora então, nessa idade avançada, ele ficou fraco e a morte está perto. Agora ele
está criando alucinações de que ele experienciou. Assim, eu lhe disse: “Se você experienciou,
então, fique em silêncio. Fique aqui comigo por uns momentos, porque então não há necessidade
de falar.”.
Então, ele ficou inquieto. Ele disse: “Tudo bem! Então, suponha que eu não experienciei.
Diga-me alguma coisa.”.
Assim, eu lhe disse: “Não há possibilidade de eu supor alguma coisa. Ou você conheceu, ou
você não conheceu.”. Eu disse: “Assim, seja claro quanto a isso. Se você conheceu, então, fique
quieto. Fique aqui por alguns momentos e, depois, parta. Se você não conheceu, então, seja claro.
Então, me diga.”.
Então, ele ficou confuso. Ele veio para perguntar sobre alguns métodos. Então, ele disse: “Na
verdade, eu não experienciei, mas eu estive pensando tanto em Aham Brahmasmi – eu sou o
Brahma[8] – que algumas vezes eu me esqueci de que estava somente pensando. Eu repeti isso
tanto, dia e noite, por trinta anos continuamente, que algumas vezes eu me esqueci
completamente de que eu não conheci aquilo. É apenas um dito tomado emprestado.”.
É difícil lembrar-se do que é conhecimento e do que é experiência. Eles se confundem; eles se
combinam e se misturam. E é muito fácil sentir que seu conhecimento se tornou sua experiência.
A mente humana é tão enganadora, tão astuta, que isso é possível. Essa é outra razão do por quê
Shiva permaneceu em silêncio sobre a experiência. Ele não dirá nada sobre ela. Ele continua
falando sobre métodos, permanecendo completamente em silêncio quanto ao resultado. Você não
pode ser enganado por ele.
Essa é uma das razões de por quê este livro, um dos livros mais importantes, ter permanecido
totalmente desconhecido. Este Vigyan Bhairav Tantra é um dos mais significativos livros do
mundo. Nem a Bíblia, nem os Vedas, nem o Gita são tão significativos, mas ele permaneceu
completamente desconhecido. A razão? Ele contém somente métodos simples, sem nenhuma
possibilidade da sua ganância se apegar ao resultado.
A mente quer se apegar ao resultado. A mente não está interessada no método; ela está
interessada no resultado final. E se você puder desviar-se do método e atingir o resultado, a
mente ficará extremamente feliz.
Alguém estava me perguntando: “Por que tantos métodos? Kabir disse: ‘Sahaj samadhi bhali
– seja espontâneo.’. O êxtase espontâneo é bom, então, não há necessidade de métodos.”.
Eu lhe disse: “Se você atingiu sahaj samadhi – êxtase espontâneo – então, naturalmente
nenhum método vale a pena; não há necessidade. Por que você veio até aqui?”.
Ele disse: “Eu não alcancei ainda, mas sinto que sahaj – o espontâneo – é melhor.”.
“Mas por que você sente que o espontâneo é melhor?” – eu disse. Como não é sugerido
nenhum método, a mente sente-se bem porque você não tem de fazer nada – e sem fazer, você
pode fazer tudo!
Por causa disso, o zen virou uma moda no Ocidente – porque o zen diz: atinja sem esforço;
não há necessidade de esforço. O zen está certo; não há necessidade de nenhum esforço. Mas,
lembre-se: para atingir esse ponto de não-esforço, você necessitará de um longo, longo esforço.
Para alcançar um ponto onde nenhum esforço é necessário, para alcançar um ponto onde você
pode permanecer no não-fazer, um longo esforço será necessário. Mas a conclusão superficial de
que o zen diz que o não-esforço é necessário, se tornou muito atraente no Ocidente. Se nenhum
esforço é necessário, então, a mente diz: essa é a coisa certa, porque você pode fazer isso sem
fazer nada. Mas ninguém pode fazê-lo.
Suzuki, que tornou o zen conhecido no Ocidente, fez um serviço e também um desserviço. E
o desserviço permanecerá por um longo tempo. Ele era um homem muito autêntico, um dos
homens mais autênticos deste século e, por toda a sua vida, ele lutou para levar a mensagem do
zen para o Ocidente. E sozinho, com seu próprio esforço, ele o tornou conhecido no Ocidente. E
agora há uma moda; há amigos do zen por todo o Ocidente. Nada atrai mais que o zen, agora.
Mas o ponto está perdido. A atração veio somente porque o zen diz que nenhum método é
necessário, nenhum esforço é necessário. Você não tem que fazer nada; espontaneamente ele
floresce.
Isso é certo – mas você não é espontâneo; portanto, ele nunca florescerá em você. Ser
espontâneo... Isso parece absurdo e contraditório, porque para você ser espontâneo, muitos
métodos são necessários para que você seja purificado, para torná-lo inocente, de modo que você
possa ser espontâneo. Do contrário você não pode ser espontâneo em nada.
Este Vigyan Bhairav Tantra foi traduzido para o inglês por Paul Reps. Ele escreveu um livro
muito belo, Zen Flesh, Zen Bones (Carne Zen, Ossos Zen), e, no apêndice, ele incluiu esse livro
Vigyan Bhairav Tantra. Todo o livro está relacionado com o zen; exatamente no apêndice, ele
acrescentou este livro também, os cento e doze métodos; e ele o chamou de uma escritura pré-
zen. Muitos seguidores do zen não gostaram disso, porque, disseram eles: “O zen diz que
nenhum esforço é necessário e esse livro está relacionado somente com esforço. Esse livro está
relacionado somente com métodos e o zen diz que nenhum método, nenhum esforço é
necessário. Assim, ele é anti-zen, não pré-zen.”. Superficialmente, eles estão certos, mas bem no
fundo eles não estão, porque para alcançar um ser espontâneo a pessoa tem de viajar um longo
caminho.
Um dos discípulos de Gurdjieff, Ouspensky, dizia sempre que alguém fosse até ele para
perguntar sobre o caminho: “Nós não sabemos nada sobre o caminho. Nós somente ensinamos
algumas trilhas que levam ao caminho. O caminho não é conhecido por nós.”. Não pense que
você já está no caminho. Até mesmo o caminho está longe. De onde você está, desse ponto, até
mesmo o caminho está longe. Assim, primeiro você tem que alcançar o caminho. Ouspensky era
um homem muito humilde e é muito difícil ser religioso e ser humilde – muito, muito difícil,
porque uma vez que você comece a sentir que você sabe, a cabeça fica louca. Ele sempre dizia:
“Nós não sabemos nada sobre o caminho. Ele está muito distante e não há necessidade
exatamente agora de discuti-lo.”. Onde quer que você esteja, primeiro você tem de criar uma
ligação, uma pequena ponte, uma trilha que o levará ao caminho.
A espontaneidade – sahaj yoga – está muito distante de você. No lugar em que você está,
você é totalmente artificial, cultivado e aculturado. Nada é espontâneo – nada, eu digo, é
espontâneo. Quando nada é espontâneo em sua vida, como pode a religião ser espontânea?
Quando nada é espontâneo, até mesmo o amor é não-espontâneo. Até mesmo o amor é uma
barganha, até mesmo o amor é um cálculo, até mesmo o amor é um esforço. Então, nada pode ser
espontâneo. E então, explodir espontaneamente dentro do cosmos é impossível.
Da situação em que você está, a partir dessa situação, é impossível. Primeiro, você terá de
jogar fora toda sua artificialidade, todas as suas atitudes falsas, todas as suas convenções
cultivadas, todos os seus preconceitos. Somente então, um acontecimento espontâneo será
possível. Estes métodos o ajudarão a chegar a um ponto onde nada é necessário ser feito – apenas
seu ser é suficiente. Mas a mente pode iludir. E a mente ilude facilmente, porque então, ela pode
obter um consolo.
Shiva nunca fala sobre qualquer resultado, apenas de métodos. Lembre-se dessa ênfase. Faça
alguma coisa, de modo que seja possível um momento em que nada é necessário, em que o seu
ser central possa simplesmente dissolver-se no cosmos. Mas isso tem de ser conquistado. A
atração pelo zen é por razões erradas e o mesmo é verdadeiro com relação a Krishnamurti,
porque ele diz que nenhum ioga é necessário, nenhum método é necessário. Na verdade, ele diz
que não há método de meditação. Ele está certo.
Ele está certo, mas Shiva fala que estes cento e doze métodos de meditação existem; e Shiva
também está certo. E no que se refere a você, Shiva está mais certo ainda. E se você tem que
escolher entre Krishnamurti e Shiva, então, escolha Shiva, Krishnamurti não é útil para você. Até
mesmo isso pode ser dito para ajudá-lo – que Krishnamurti está absolutamente errado. Lembre-
se: eu digo para ajudá-lo. E ele é prejudicial. Isso, também, eu digo para ajudá-lo, porque, se
você for apanhado no argumento dele, você nunca chegará ao samadhi. Você chegará somente a
uma conclusão – que nenhum método é necessário. E isso é perigoso. Para você o método é
necessário!
Chegará um momento em que o método não é necessário, mas esse momento ainda não
chegou para você. E antes desse momento, saber de alguma coisa que está à frente é perigoso. É
por isso que Shiva fica calado. Ele não dirá nada do futuro, do que irá acontecer. Ele
simplesmente se fixa em você, no que você é e no que é para ser feito com você. Krishnamurti
fala em termos que não podem ser compreendidos por você.
A lógica pode ser sentida. A lógica está certa; ela é bela. Será bom se você puder se lembrar
da lógica de Krishnamurti. Ele diz que se você está praticando algum método, então, quem está
praticando esse método? A mente o está praticando. E como pode qualquer método praticado
pela mente dissolver a mente? Por certo, ao contrário, ele irá fortalecê-la mais; ele irá fortalecer
mais a sua mente. Ele se tornará um condicionamento, ele será falso.
Assim, a meditação é espontânea; você não pode fazer nada com relação a ela. O que você
pode fazer em relação ao amor? Você pode praticar algum método de como amar? Se você
praticar, então, o seu amor será falso. Ele acontece, ele não pode ser praticado. E se até o amor
não pode ser praticado, como a prece pode ser praticada? Como a meditação pode ser praticada?
A lógica é exata, absolutamente correta – mas não para você, porque, escutando essa lógica
continuamente, você será condicionado por essa lógica. E aqueles que estiveram escutando
Krishnamurti por quarenta anos, são as pessoas mais condicionadas que eu já encontrei. Eles
dizem que não há nenhum método e, ainda assim, eles não chegam a lugar nenhum.
Eu digo: “Vocês entenderam que não há nenhum método e vocês não praticam nenhum
método; mas a espontaneidade floresceu em vocês?”. Eles dizem: “Não!”.
E quando eu digo a eles “então, pratique algum método”, imediatamente, o condicionamento
deles entra. Eles dizem: “Não há nenhum método.”.
Eles não praticaram nenhum método e o samadhi não aconteceu. E se você lhes diz “então,
tente algum método”, eles dizem que não há nenhum método. Assim, eles estão em um dilema.
Eles não se moveram uma polegada e a razão é que lhes disseram uma coisa que não era para
eles.
É como ensinar sexo a uma criança pequena. Você pode continuar ensinando, mas você está
dizendo alguma coisa que é ainda sem sentido para a criança. E seu ensinamento será perigoso,
porque você está condicionando a mente dela. Isso não é necessidade dela; ela não está
interessada nisso. Ela não sabe o que o sexo significa, porque suas glândulas ainda não estão
funcionando, seu corpo ainda não é sexual. Sua energia ainda não se moveu biologicamente para
o centro sexual e você está falando para ela. Só porque ela tem ouvidos, você acha que qualquer
coisa pode ser ensinada a ela? Porque ela diz “sim” com a cabeça, você acha que pode lhe
ensinar qualquer coisa?
Você pode ensinar e seu ensinamento pode se tornar perigoso e prejudicial. O sexo não é uma
indagação dela, não se tornou um problema para ela. Ela não chegou ao ponto de maturidade
onde o sexo se torna significativo. Espere! Quando ela começar a indagar, quando ela
amadurecer e quando ela perguntar, então, diga-lhe. E nunca fale mais do que ela possa entender,
porque esse “a mais” se tornará uma carga em sua cabeça. É a mesma coisa com o fenômeno da
meditação.
Você pode aprender somente sobre os métodos, não sobre os resultados – isso é dar um salto.
E sem ter uma base do método, dar esse salto é simplesmente uma coisa cerebral, uma coisa
mental. E então, você sempre perderá o método.
É como crianças pequenas fazendo aritmética. Elas sempre podem ir no final do livro e
podem saber a resposta. A resposta está lá; no final do livro, a resposta é dada. Elas podem olhar
as perguntas, então, podem ir no final e saber a resposta. E uma vez que uma criança saiba a
resposta, é muito difícil para ela aprender o método, porque parece não haver necessidade.
Quando ela já sabe a resposta, não há necessidade.
E na verdade, ela irá fazer toda a coisa na ordem inversa. Então, através de qualquer método
falso, pseudo, ela chegará à resposta. Ela sabe a coisa real, ela sabe a resposta, assim, ela pode
chegar à resposta apenas pela criação de um método falso. E isso acontece tanto na religião, que
parece, no que se refere à religião, que todo mundo está fazendo exatamente o que as crianças
fazem.
A resposta não é boa para você. Existe a pergunta, existe o método; e a resposta deve ser
alcançada por você. Nenhuma outra pessoa deveria lhe dar a resposta. Os verdadeiros
professores não o ajudam a saber a resposta antes que o processo seja feito, eles simplesmente o
ajudam a ir através do processo. De fato, mesmo que você saiba alguma coisa, mesmo que você
tenha roubado alguma resposta de algum lugar, eles dirão que aquilo está errado. Pode não estar
errado, mas eles dirão: “Isso está errado. Largue isso – isso não é necessário.”. Eles o impedirão
de saber a resposta antes que você realmente chegue a conhecê-la. É por isso que nenhuma
resposta é dada.
A amada de Shiva, Devi, fez-lhe perguntas. Ele está dando métodos simples. Existe a
pergunta, existe o método. A resposta é deixada para você construir, viver.
Assim, lembre-se: o centramento é um método, não o resultado. O resultado é a experiência
cósmica, oceânica. Não existe nenhum centro, então.
A segunda pergunta:

Você disse que se a pessoa puder amar realmente, então, apenas o amor é suficiente e os
cento e doze métodos de meditação não são necessários. Da forma que Você explicou o
amor verdadeiro, eu sinto que realmente eu amo – acredito. Mas a alegria que eu encontro
na meditação parece ser de uma dimensão completamente diferente do profundo
contentamento que experiencio no amor; e não posso imaginar ficar sem a meditação
também. Assim, explique mais sobre como apenas o amor, sem a meditação, pode ser
suficiente.

Muitas coisas têm que ser entendidas. Uma: se você está realmente amando, você não
indagará absolutamente sobre a meditação – porque o amor é um tal preenchimento que nunca se
sentirá que alguma coisa está faltando, que há alguma lacuna para ser preenchida, que você
precisa de alguma outra coisa. Se você sente que alguma outra coisa é necessária, existe a lacuna.
Se você sente que alguma outra coisa é para ser feita e experimentada, então, o amor é apenas
um sentimento, não uma realidade. Eu não estou duvidando de sua crença, você pode acreditar
que está amando. Sua crença é autêntica; você não está enganando ninguém. Você sente que está
amando, mas os sintomas mostram que você não está.
Quais são os sintomas de se estar amando? Três coisas. Primeira: contentamento absoluto.
Nada mais é necessário; nem mesmo Deus é necessário. Segunda: nenhum futuro. Este exato
momento de amor é a eternidade. Nenhum próximo momento, nenhum futuro, nenhum amanhã.
O amor é um acontecimento no presente. E terceira: você cessa de ser, você não mais existe. Se
você ainda existe, então, você ainda não entrou no templo do amor.
Se essas três coisas acontecem... Se você não existe, então, quem irá meditar? Se não há
futuro, então, todos os métodos se tornam inúteis, porque os métodos são para o futuro, para um
resultado. E se neste exato momento você está satisfeito, absolutamente satisfeito, onde está a
motivação para fazer alguma coisa? Há uma escola de psicólogos – e essa é uma das mais
importantes tendências do pensamento moderno – que começou com Wilhelm Reich. Ele disse
que toda doença mental surge por causa da perda do amor. Como você não pode sentir profundo
amor, como você não pode estar nele totalmente, esse ser não preenchido suplica por
preenchimento em muitas dimensões.
Quando eu digo que se você puder amar, nada mais é necessário, eu não quero dizer que,
então, o amor é suficiente. Eu quero dizer que uma vez que você ame profundamente, o amor se
torna uma porta – exatamente como qualquer meditação. O que a meditação irá fazer? Estas três
coisas: ela criará satisfação; ela lhe permitirá permanecer no presente, lhe ajudará a permanecer
no presente; e ela destruirá o seu ego. Essas três coisas a meditação fará – com qualquer método.
Assim, você pode dizer isso desta maneira: o amor é o método natural. Se o método natural foi
perdido, então, outros métodos, artificiais, precisam ser fornecidos.
Mas a pessoa pode sentir que está amando; então, essas três coisas se tornarão um critério
para ela. Ela pensará que essas devem se tornar as pedras de toque, as medidas; e ela observará
se essas três coisas estão acontecendo. Se elas não estiverem acontecendo, então, seu sentimento
pode ser muitas outras coisas, mas não amor. E o sentimento de amor é um grande fenômeno,
pode ser muitas coisas. Ele pode ser luxúria; pode ser simplesmente sexo; pode ser apenas uma
tendência possessiva. Ele pode ser apenas uma ocupação, porque você não pode ficar sozinho e
você precisa de alguém porque tem medo e precisa de segurança. A presença do outro ajuda-o a
ficar seguro. Ou ele pode ser apenas um relacionamento sexual.
A energia precisa de saídas. A energia continua se acumulando – então, ela se torna uma
carga. Você tem que jogá-la fora e liberá-la. Assim, seu amor pode ser apenas uma liberação. O
amor pode ser muitas coisas e o amor é muitas coisas. E, comumente, o amor é muitas coisas
exceto amor. Para mim, amor é meditação. Assim, tente isto: com seu amado, esteja em
meditação. Sempre que seu amado ou amada estiver presente, esteja em profunda meditação.
Faça dessa presença mútua, um estado meditativo.
Comumente, você faz exatamente o oposto. Sempre que os amantes estão juntos, eles estão
brigando. Quando eles estão separados, então, eles ficam pensando um no outro e, quando estão
juntos, estão brigando. Quando eles ficam separados novamente, então, novamente, estão
pensando um no outro; quando são colocados juntos, novamente, a briga começa. Isso não é
amor!
Assim, eu irei sugerir alguns pontos. Faça da presença de seu amado ou amada um estado
meditativo. Fiquem em silêncio. Permaneçam juntos, mas em silêncio. Usem a presença um do
outro para abandonar a mente; não pensem. Se você está pensando quando seu amado, está com
você, então, você não está com seu amado. Como você pode estar? Ambos estão presentes, mas
milhas afastados. Você está pensando seus pensamentos, seu amado está pensando os
pensamentos dele. Vocês apenas aparentam estar próximos, mas não estão – porque quando duas
mentes estão pensando, elas são pólos separados.
O amor real significa a cessação do pensar. Na presença de sua amada ou amado, cesse
completamente o pensamento; somente então, vocês estão perto. Então, de repente vocês são um;
então, os corpos não podem separá-los. Então, lá no fundo, dentro do corpo, alguém quebrou a
barreira. O silêncio quebra a barreira – isso é uma coisa.
Faça de seu relacionamento um fenômeno sagrado. Quando você está verdadeiramente
amando, o objeto de amor se torna divino. Se ele não for, então, fique sabendo que ele não é um
relacionamento amoroso; é impossível. Um relacionamento amoroso não é um relacionamento
profano. Mas você alguma vez já sentiu qualquer reverência por seu amado? Você pode ter
sentido muitas outras coisas, mas nunca reverência.
Isso parece inconcebível, mas a Índia tentou muitas, muitas maneiras... É por isso que a Índia
esteve insistindo que esse relacionamento amoroso entre homem e mulher deveria ser um
fenômeno sagrado, não um relacionamento mundano. O amado, a amada, eles se tornam divinos.
Você não pode olhá-los de outra maneira.
Fico imaginando... você alguma vez sentiu alguma reverência por sua esposa? A própria coisa
parece irrelevante – reverência por uma esposa!? Não há dúvidas. Você pode sentir condenação,
você pode sentir todas as coisas, mas nunca reverência. O relacionamento é simplesmente
mundano; vocês estão usando um ao outro. A esposa pode dizer que respeita o seu marido, mas
eu não vi uma única esposa que realmente respeite. Tradicionalmente, porque tem sido uma
convenção respeitar o marido, a esposa continua dizendo que respeita e, desse modo, ela nem
mesmo pronunciará o seu nome. Não por causa de respeito, porque ela pode pronunciar qualquer
coisa, mas ela não pronunciará o nome dele apenas por tradição.
A reverência é a segunda coisa. Na presença de sua amada ou de seu amado, sinta a
reverência. Se você não puder ver o divino em sua amada ou em seu amado, você não poderá vê-
lo em nenhum outro lugar. Como você poderá vê-lo em uma árvore, onde nenhum
relacionamento existe? Onde nenhuma intimidade profunda prevalece, como você poderá vê-lo
em uma rocha ou em uma árvore? Elas não se relacionam. Se você não puder vê-lo na pessoa
que você ama, se Deus não é sentido ali, ele não pode ser sentido em nenhum outro lugar. E se
ele pode ser sentido ali, mais cedo ou mais tarde, você o sentirá em qualquer lugar – porque uma
vez que a porta esteja totalmente aberta, uma vez que você tenha um vislumbre do divino em
alguma pessoa, então, você não pode esquecer-se desse vislumbre. E por causa disso, então,
todas as coisas se tornam uma porta. É por isso que eu digo que o amor em si é a meditação.
Assim, não pense em contraste – amar ou meditar. Essa não era minha intenção. Não tente
escolher se você ama ou medita. Ame meditativamente, ou medite amorosamente. Não crie
nenhuma divisão. O amor é um fenômeno muito natural e ele pode ser usado como um veículo.
E o tantra usou-o como um veículo – não somente o amor, até mesmo o sexo o tantra usou como
um veículo.
O tantra diz que em um profundo ato sexual, você pode meditar mais facilmente que em
qualquer outro estado de mente – porque esse é um êxtase natural, biológico. Mas o que quer que
seja conhecido como ato sexual existe em uma forma muito pervertida. Assim, sempre que essas
coisas são ditas, você se sente desconfortável, porque tudo o que você conheceu em nome do
sexo não é sexo. É apenas uma sombra, porque toda a sociedade cultivou a sua mente contra o
sexo.
Todo mundo é reprimido; desse modo, o sexo natural é impossível. E sempre que você está
em um ato sexual, um sentimento profundo de culpa está sempre presente. Esse sentimento de
culpa se torna uma barreira e uma das maiores oportunidades é perdida. Você poderia tê-la usado
para ir mais fundo em si mesmo.
O tantra diz: no ato sexual seja meditativo, sinta todo o fenômeno como sagrado; não se sinta
culpado. Em vez disso, sinta-se abençoado pela natureza ter-lhe dado uma fonte através da qual
você pode entrar profundamente no êxtase, imediatamente. E, então, fique totalmente livre nele.
Não reprime, não resista. Deixe a comunhão sexual tomar conta de você. Esqueça-se de si
mesmo, jogue fora todas as sua inibições. Seja absolutamente natural e, então, você sentirá uma
profunda música em seu corpo.
Quando ambos os corpos se tornam uma harmonia, então, você esquecerá completamente de
que você existe – e, ainda assim, você existirá. Então, você esquecerá o “eu”: não haverá nenhum
“eu”, apenas a existência brincando com a existência, um ser com o outro. E os dois se tornarão
um. Não haverá pensamento: o futuro cessará e você estará no presente, naquele exato momento.
Sem nenhuma culpa, sem nenhuma inibição, torne-o uma meditação e, então, o sexo é
transformado. Então, o sexo em si se torna uma porta.
Se o sexo se tornar uma porta, em pouco tempo o sexo deixa de ser sexual. E chega um
momento em que o sexo se vai – somente o perfume permanece. Esse perfume é o amor. E mais
tarde, até mesmo esse perfume desaparece e, então, o que permanece é o samadhi.
O tantra diz que nada deve ser tomado como inimigo. Toda energia é amigável: a pessoa tem
apenas de saber como usá-la. Assim, não faça nenhuma escolha. Transforme o seu amor em
meditação e transforme a sua meditação em amor. Então, logo, logo, você esquecerá a palavra e
conhecerá a coisa verdadeira, que não é a palavra. A palavra ‘amor’ não é amor e a palavra
‘meditação’ não é meditação e a palavra ‘Deus’ não é Deus. São apenas palavras. E se você
puder penetrá-las, então, Deus, meditação, amor – elas todas se tornarão uma só.

Mais uma pergunta:


Quais são as razões para a insensibilidade do homem e como removê-la?

Quando a criança nasce, a criança é indefesa. A criança humana, principalmente, é totalmente


indefesa. Ela tem de depender dos outros para sobreviver, para permanecer viva. Essa
dependência é uma barganha. A criança tem de dar muitas coisas nessa barganha e a
sensibilidade é uma delas. A criança é sensível; todo o seu corpo é sensível. Mas ela é indefesa,
não pode ser independente; ela tem de depender dos pais, da família, da sociedade; ela terá de ser
dependente. Por causa dessa dependência e desse desamparo, os pais, a sociedade, continuam
impondo coisas sobre a criança e ela tem de se render. Do contrário, ela não poderá permanecer
viva, ela morrerá. Assim, ela tem de dar muitas coisas nessa barganha.
A primeira coisa muito profunda e significativa é a sensibilidade: ela terá de abandoná-la. Por
quê? Porque quanto mais sensível é a criança, mais ela tem problemas, mais ela fica vulnerável.
Uma leve sensação e ela começa a chorar. O choro tem de ser interrompido pelos pais e eles não
podem fazer nada. Mas se a criança continuar sentindo cada detalhe de uma sensação, a criança
se tornará um incômodo. E as crianças realmente se tornam um incômodo; assim, os pais têm de
restringir a sensibilidade delas. A criança tem de aprender a resistência, a criança tem de
aprender o controle. E, em pouco tempo, a criança tem de dividir a sua mente em duas. Assim,
há muitas sensações que ela simplesmente pára de sentir, porque elas não são “boas” – ela é
punida por causa delas.
Todo o corpo da criança é erótico. Ela pode desfrutar seus dedos, ela pode desfrutar seu
corpo; todo o corpo é erótico. Ela continua explorando seu próprio corpo; ele é um grande
fenômeno para ela. Mas chega o momento, em sua exploração, no qual a criança pega a genitália.
Então, isso se torna um problema, porque o pai e mãe são ambos reprimidos. No momento em
que a criança, menino ou menina, toca a genitália, os pais ficam incomodados. Isso é para ser
observado profundamente. O comportamento deles de repente muda e a criança percebe isso.
Alguma coisa errada aconteceu. Eles começam a falar: “Não mexa aí!”. Então, a criança começa
a sentir que alguma coisa está errada com a genitália, ela tem de reprimir. E a genitália é a parte
mais sensível do seu corpo – a parte mais sensível, a mais viva de seu corpo, a mais delicada.
Uma vez que não seja permitido tocar na genitália e desfrutar isso, você matou a própria fonte da
sensibilidade. Então, a criança se tornará insensitiva. Quanto mais ela crescer, mais ela se tornará
insensitiva.
Assim, primeiro há uma barganha – necessária, mas nociva. E no momento em que a pessoa
começa a entender, essa barganha tem de ser jogada fora e você tem de reconquistar sua
sensibilidade. A segunda razão para a existência dessa barganha é a segurança.
Eu fiquei com um amigo por muitos anos; eu morava no seu bangalô anexo. Desde o primeiro
dia, eu observei que ele não olhava para os seus criados. Ele era um homem rico, mas ele nunca
olhava para os seus criados, ele nunca olhava para os seus filhos. Ele entrava correndo no seu
bangalô e saía correndo do seu bangalô para o carro. Assim, eu lhe perguntei: “Qual é o
problema?”.
Ele disse: “Se você olha para seus criados eles começam a se sentir íntimos e, então, eles
começam a pedir dinheiro e mais isso e mais aquilo. Se você fala com seus filhos, então, você
não é o mestre, então, você não pode controlá-los.”. Assim, ele criou uma fachada de
insensibilidade em torno de si mesmo. Ele estava com medo de que caso ele falasse a um criado,
caso ele se permitisse sentir que o criado estava doente, caso ele tivesse sentimentos pelo criado,
então, ele teria de dar algum dinheiro ou alguma ajuda.
Todo mundo aprende mais cedo ou mais tarde que ser sensível é estar vulnerável a muitas
coisas. Você se fecha dentro de si, cria uma barreira em torno de si mesmo que é uma
salvaguarda – uma medida de segurança. Então, você pode ir para as ruas... mendigos estão
mendigando e há favelas sujas e feias, mas você não sente nada, você realmente nem vê. Nesta
sociedade feia, a pessoa tem de criar uma barreira em volta de si mesma, um muro – um muro
sutil, transparente –, atrás do qual ela pode se esconder. Do contrário, a pessoa fica vulnerável e
será difícil viver.
É por isso que a insensibilidade se estabelece. Ela ajuda-o a estar neste mundo feio sem ser
perturbado; mas há um custo – e o custo é muito alto. Você fica à vontade neste mundo, sem ser
perturbado, mas, então, você não pode entrar no divino, no total, na totalidade. Você não pode
entrar no outro mundo. Se para este mundo a insensibilidade é boa e para aquele mundo a
sensibilidade é boa, isso cria o problema.
Se você está realmente interessado em entrar naquele mundo, você terá de criar sensibilidade,
você terá de jogar fora todos esses muros, todas essas medidas de segurança. Naturalmente, você
se tornará vulnerável. Você sentirá muito sofrimento, mas esse sofrimento não é nada em
comparação com a bem-aventurança que você pode alcançar através da sensibilidade. Quanto
mais sensível você se tornar, mais você sentirá compaixão. Mas você sofrerá, porque por toda a
sua volta existirá o inferno. Você está fechado – é por isso que você não pode senti-lo. Uma vez
que você se torne aberto, você estará aberto para ambos – para o inferno deste mundo e o paraíso
daquele mundo. Você se tornará aberto a ambos.
E é impossível permanecer fechado em um ponto e aberto em outro, porque, na verdade, ou
você está fechado ou você está aberto. Se você está fechado, você está fechado para ambos. Se
você estiver aberto, você estará aberto para ambos. Assim, lembre-se disto: um buda está cheio
de bem-aventurança, mas também cheio de sofrimento.
Esse sofrimento não é dele mesmo, é pelos outros. Ele está em uma profunda bem-
aventurança, mas ele sofre pelos outros. E os budistas mahayanas dizem que, quando Buda
chegou à porta do nirvana, o guardião abriu a porta – isso é um mito e muito bonito –, mas Buda
se recusou a entrar. O guardião disse: “Por que você não quer entrar? Nós estivemos esperando
por você durante milênios. Todos os dias, chegam rumores de que ‘Buda está chegando. Buda
está chegando!’ –; todo o céu está esperando por você. Entre! Você é bem-vindo!”.
Buda disse: “Eu não posso entrar a menos que todos tenham entrado antes de mim. Eu ficarei
esperando! A menos que cada um dos seres humanos tenha entrado, o céu não é para mim.”.
Buda tem um sofrimento pelos outros. Quanto a ele mesmo, ele está agora em profunda bem-
aventurança. Vê o paralelo? Você está em profundo sofrimento e você continua sentindo que
todos os outros estão desfrutando a vida. Exatamente o contrário acontece a um buda. Ele vive
agora em profunda bem-aventurança e ele sabe que todo mundo mais está sofrendo.
Estes métodos são os métodos para remover essa insensibilidade. Nós discutiremos mais
sobre como removê-la.
Basta por hoje.

Nota_capítulo 14
[8] Brahma – Supremo Ser. (N. da T.)
Capítulo 15

VENDO O PASSADO COMO UM SONHO



OS SUTRAS

22 Deixe a atenção estar em um lugar onde você esteja vendo algum acontecimento passado, e
até mesmo sua forma, tendo perdido suas características atuais, é transformada.
23 Sinta um objeto à sua frente. Sinta a ausência de todos os outros objetos menos desse.
Então, deixando de lado a sensação do objeto e a sensação da ausência, perceba.
24 Quando um humor contra alguém ou a favor de alguém surgir, não o coloque na pessoa em
questão, mas permaneça centrado.

Um dos maiores tântricos desta era, George Gurdjieff, diz que a identificação é o único
pecado. O próximo sutra, o décimo sutra de centramento – que nós iremos penetrar esta noite,
está relacionado com a identificação. Assim, primeiro, que fique claro como um cristal o que a
identificação significa.
Você foi criança certa vez; agora, você não é mais. A pessoa fica jovem, a pessoa fica velha e
a infância se torna uma coisa passada. A juventude se foi, mas você ainda está identificado com a
sua infância. Você não pode vê-la como se ela estivesse acontecendo a outra pessoa; você não
pode ser uma testemunha. Sempre que você vê a sua infância, você não está fora dela, você é um
com ela. Sempre que alguém se lembra de sua juventude, ele é um com ela.
Realmente, agora, isso é apenas um sonho. E se você puder ver a sua infância como um sonho
– como um filme passando à sua frente e você não fica identificado com ele, você é apenas uma
testemunha... –, você alcançará um insight muito sutil para dentro de si mesmo. Se você vir seu
passado como um filme, como um sonho – você não é parte dele, você está simplesmente fora
dele... e realmente você está –, então, muitas coisas acontecerão. Se você está pensando sobre
sua infância, você não está nela – você não pode estar. A infância é apenas uma memória, apenas
uma memória passada. Você permanece distante e olhando para ela. Você é distinto: você é uma
testemunha. Se você puder sentir esse testemunhar e, então, vir sua infância como um filme em
uma tela, muitas coisas acontecerão.
Uma: se a infância se tornou apenas um sonho que você pode ver, então, o que quer que você
seja exatamente agora, se tornará um sonho no dia seguinte. Se você é jovem, então, sua
juventude se tornará um sonho. Se você é velho, então, sua velhice também se tornará um sonho.
Um dia você foi uma criança; agora, a infância se tornou apenas um sonho e você pode observá-
la.
É bom começar com o passado. Observe o passado e desidentifique-se dele; torne-se uma
testemunha. Então, observe o futuro, o que quer que você imagine sobre o futuro, e seja uma
testemunha disso também. Então, você pode observar seu presente muito facilmente, porque,
então, você sabe que tudo o que é presente exatamente agora, foi futuro ontem e amanhã se
tornará o passado. Mas a sua testemunha nunca é passado, nunca é futuro. Sua consciência
testemunhante é eterna; ela não faz parte do tempo. É por isso que tudo o que acontece no tempo
se torna um sonho.
Lembre-se disso também: sempre que você está sonhando alguma coisa à noite, você se torna
identificado com aquilo e você não pode se lembrar, no seu sonho, de que aquilo é um sonho.
Somente de manhã, quando você acorda do sonho, você pode se lembrar de que aquilo era um
sonho e não uma realidade. Por quê? Porque, então, você está distante, não dentro dele. Então,
existe um intervalo. Existe um espaço e você pode ver que era um sonho.
Mas o que é todo o seu passado? O intervalo está presente, o espaço está presente. Tente vê-lo
como um sonho. Agora, ele é um sonho; agora, ele não é nada além de um sonho, porque assim
como o sonho se torna uma memória, seu passado se tornou apenas uma memória. Você não
pode provar, realmente, que tudo o que você pensa que foi sua infância, foi real ou apenas um
sonho. É difícil provar. Pode ter sido apenas um sonho, pode ter sido real. A memória não pode
dizer se aquilo foi real, ou um sonho. Os psicólogos dizem que os idosos, ocasionalmente, se
confundem entre o que eles sonharam e o que era real.
As crianças sempre se confundem. De manhã, as crianças pequenas não podem diferençar. O
que quer que elas tenham visto no sonho não era real, mas elas podem chorar por um brinquedo
destruído no sonho. E você também, por alguns momentos após o sono ser quebrado, é ainda
afetado por seu sonho. Se alguém o estava assassinando no sonho, mesmo que seu sono seja
quebrado e você esteja complemente acordado, seu coração ainda baterá rápido, sua circulação
sanguínea estará acelerada. Você pode estar inclusive transpirando e um medo sutil ainda estará
pairando à sua volta. Agora, você está acordado e o sonho passou, mas você levará alguns
minutos para sentir que aquilo era apenas um sonho e nada mais. Quando você pode sentir que
era um sonho, então, você está fora dele e não há nenhum medo.
Se você puder sentir que o passado foi apenas um sonho... – você não precisa projetar isso e
forçar a idéia de que o passado foi apenas um sonho, isso é uma consequência –, se você puder
observar isso; se você puder estar consciente dele sem estar envolvido nele, sem estar
identificado com ele; se você puder permanecer distante e olhar para ele, ele se tornará um
sonho. Qualquer coisa para qual você possa olhar como uma testemunha é um sonho.
É por isso que Shankara e Nagarjuna podiam dizer que este mundo é apenas um sonho. Não
que ele seja um sonho; eles não são tolos, nem simplórios dizendo que este mundo realmente é
um sonho. Dizendo isso, eles estavam dizendo que tinham se tornado testemunhas. Até mesmo
para este mundo que é tão real, eles se tornaram testemunhas. E uma vez que você se torne uma
testemunha de qualquer coisa, ela se torna um sonho. Essa é a razão de por que o mundo é
chamado maya, uma ilusão. Não é que ele seja irreal, mas, sim, que a pessoa pode se tornar uma
testemunha dele. E uma vez que você se torne uma testemunha, consciente, completamente
consciente – a coisa toda cai exatamente como um sonho para você, porque o espaço está
presente e você não está identificado com aquilo. Mas nós continuamos nos identificando.
Apenas alguns dias atrás, eu estava lendo Confissões de Jean-Jacques Rousseau. Esse é um
livro raro. Ele é realmente o primeiro livro na literatura mundial, no qual alguém despe a si
mesmo, ficando totalmente nu. Todos os pecados que ele cometeu, todas as imoralidades, ele
revela – totalmente nu. Mas se você lê as Confissões de Rousseau, você está fadado a sentir que
ele está desfrutando aquilo; ele se sente muito exultante. Falando sobre seus pecados, falando
sobre suas imoralidades, ele se sente exultante. Parece que ele está desfrutando aquilo com muita
satisfação. No início, na introdução, Rousseau diz: “Quando o último dia do julgamento chegar,
eu direi a Deus, ao Todo-Poderoso: ‘Não precisa se preocupar comigo. Leia este livro e saberá de
tudo.’.”.
Ninguém antes dele jamais se confessou tão verdadeiramente. E no final do livro, ele diz:
“Deus Todo-Poderoso, Deus eterno, satisfaça meu único desejo. Eu confessei tudo; agora,
permita que uma grande multidão se junte para ouvir as minhas confissões.”.
Desse modo, é justo suspeitar que ele possa ter confessado também alguns pecados que ele
não cometeu. Ele se sente muito exultante e está desfrutando a coisa toda. Ele se tornou
identificado. E existe apenas um pecado que ele não admitiu – o pecado de estar identificado.
Com qualquer pecado que tenha cometido, ou não tenha cometido, ele está identificado; e esse é
o único pecado para aqueles que sabem, profundamente, como a mente humana funciona.
Quando pela primeira vez ele leu suas Confissões entre um pequeno grupo de intelectuais, ele
estava pensando que alguma coisa estrondosa poderia acontecer, porque ele era o primeiro
homem a confessar tão verdadeiramente, como ele disse. Os intelectuais ouviram e foram
ficando cada vez mais e mais enfadados. Rousseau sentiu muito desconforto, porque ele estava
pensando que alguma coisa miraculosa iria acontecer. Quando ele terminou, todos eles se
sentiram aliviados, mas ninguém disse nada. Houve um completo silêncio por alguns momentos.
O coração de Rousseau ficou despedaçado. Ele estava pensando que tinha criado uma coisa
muito revolucionária, estrondosa, histórica, e havia simplesmente silêncio. Todo mundo estava
apenas pensando em como sair dali.
Quem está interessado em seus pecados exceto você mesmo? Ninguém está interessado em
suas virtudes, ninguém está interessado em seus pecados. O homem é tal que ele se exulta, ele se
torna fortalecido em seu ego, tanto por suas virtudes quanto por seus pecados. Depois de
escrever as Confissões, Rousseau começou a pensar em si mesmo como um sábio, um santo,
porque ele tinha confessado. Mas o pecado básico permaneceu. O pecado básico é estar
identificado com acontecimentos no tempo. Tudo o que acontece no tempo é como sonho e a
menos que você esteja desapegado disso, não identificado com isso, você nunca saberá o que é a
bem-aventurança.
Identificação é miséria; não-identificação é bem-aventurança. Essa décima técnica está
relacionada com a identificação.

22 Olhe para o seu passado, desidentificado

A décima técnica de centramento:

Deixe a atenção estar em um lugar onde você esteja vendo algum acontecimento
passado, e até mesmo sua forma, tendo perdido suas características atuais, é transformada.

Você está lembrando o seu passado – qualquer acontecimento. Sua infância, seus amores, a
morte de seu pai ou mãe... qualquer coisa. Olhe para isso, mas não se envolva nisso. Lembre-se
disso como se você estivesse lembrando-se da vida de uma outra pessoa. E quando esse
acontecimento estiver sendo filmado novamente, estiver em uma tela novamente, fique atento,
consciente, uma testemunha – permaneça distante. Sua forma do passado estará lá no filme, na
história.
Se você estiver se lembrando de um caso amoroso, seu primeiro caso de amor, você estará
presente com sua amada, seu amado; sua forma passada estará presente com sua amada, seu
amado. Você não pode lembrar de outra maneira. Fique sem apego à sua forma passada também.
Olhe para todo o fenômeno como se uma outra pessoa estivesse amando alguém, como se toda a
coisa não pertencesse a você. Você é apenas uma testemunha, um observador.
Essa é uma técnica muito, muito básica. Ela foi muito usada, especialmente por Buda.
Existem muitas formas desta técnica; você pode encontrar a sua própria maneira de abordá-la.
Por exemplo: quando você estiver quase caindo no sono à noite, já pronto para cair no sono,
retroceda através das memórias do dia todo. Não comece pela manhã. Comece exatamente de
onde você está, exatamente na cama – o último item – e, então, retroceda. Então, vá retrocedendo
pouco a pouco, passo a passo, até a primeira experiência da manhã, quando você acordou.
Retroceda e lembre-se continuamente de que você não está se envolvendo.
Por exemplo: à tarde alguém o insultou. Veja a si mesmo, a sua forma, sendo insultado por
alguém, mas permaneça apenas um observador. Não fique envolvido; não fique com raiva
novamente. Se você fica com raiva novamente, então, você está identificado. Então, você perdeu
o ponto da meditação. Não fique com raiva. Ele não o está insultando, ele está insultando a forma
que existia à tarde. Essa forma se foi agora.
Você é exatamente como um rio fluindo: as formas estão fluindo. Em sua infância você tinha
uma forma e, agora, você não tem aquela forma; aquela forma se foi. Como um rio, você está
mudando continuamente. Assim à noite, quando você estiver meditando na retrospectiva dos
acontecimentos do dia, simplesmente lembre-se de que você é uma testemunha – não fique com
raiva. Alguém o estava elogiando – não fique exultante. Apenas olhe a coisa toda como se você
estivesse vendo um filme indiferentemente. E a retrospectiva é muito útil, especialmente para
aqueles que têm algum problema com o sono.
Se você tem algum problema com o sono, insônia, falta de sono, se você acha difícil cair no
sono, isso ajudará profundamente. Por quê? Porque isso é um desembaraçar da mente. Quando
você retrocede, você está desembaraçando a mente. De manhã você começa a embaraçar e a
mente vai ficando enredada em muitas coisas, em muitos lugares. Inacabadas e incompletas,
muitas coisas permanecerão na mente e não existe tempo para assentá-las no exato momento em
que elas acontecem.
Assim à noite, retroceda. Esse é um processo de desembaraçar. E quando você estiver
chegando de volta à manhã – quando você estava simplesmente na cama, a primeira coisa pela
manhã –, você novamente terá a mesma mente fresca que você tinha pela manhã. E então, você
pode adormecer como uma criança pequenina.
Você pode usar essa técnica de retroceder para toda a sua vida também. Mahavira usou muito
essa técnica de retroceder. E, agora, existe um movimento nos Estados Unidos chamado
“dianética”. Eles estão usando esse método e descobrindo que ele é muito, muito útil. Esse
movimento, a “dianética”, diz que todas as suas doenças são apenas pendências do passado. E
eles estão certos. Se você puder voltar e desembaraçar toda a sua vida, com esse desembaraçar
muitas doenças desaparecerão completamente. E isso tem sido provado por muitos incidentes
bem-sucedidos; existem muitos casos bem-sucedidos agora.
Assim, muitas pessoas sofrem de uma determinada doença, e nada fisiológico, nada médico
ajuda; a doença continua. A doença parece ser psicológica. O que fazer com relação a ela? Dizer
para alguém que sua doença é psicológica não ajuda. Certamente, isso pode provar-se
prejudicial, porque ninguém se sente bem quando você diz que a sua doença é psicológica. O que
a pessoa pode fazer então? Ela sente que está desamparada.
Esse retroceder é um método miraculoso. Se você voltar lentamente – lentamente
desembaraçando a mente até o primeiro momento em que essa doença apareceu – se pouco a
pouco você for retrocedendo até quando pela primeira vez você foi atacado por essa doença, se
você puder desembaraçar até esse momento, você chegará a saber que essa doença é basicamente
um complexo de certas outras coisas, de certas coisas psicológicas. Com o retroceder, essas
coisas borbulharão.
Se você passa através desse momento, quando a doença o atacou pela primeira vez, de
repente você se tornará consciente de que fatores psicológicos contribuíram para ela. E você não
está fazendo nada, você está apenas se tornando consciente desses fatores psicológicos e
continuando a retroceder. Muitas doenças simplesmente desaparecem de você, porque o
complexo é quebrado. Quando você se tornou consciente do complexo, então, não existe mais
nenhuma necessidade dela; você está limpo, purgado.
Isso é uma profunda catarse. E se você puder fazê-lo diariamente, você sentirá uma nova
saúde, um novo frescor chegando até você. E se você puder ensinar às crianças fazerem isso
diariamente, elas nunca estarão carregadas do seu passado. Elas nunca precisarão ir até o
passado, elas estarão sempre aqui e agora. Não haverá nenhum problema; nada do passado estará
pairando sobre elas.
Você pode fazê-lo diariamente. Isso lhe dará um novo insight, ao retroceder pelo dia inteiro.
A mente gostaria de começar da manhã, mas, lembre-se: então, não haverá nenhum
desembaraçar. Ao invés, a coisa toda será reenfatizada. Se você começar da manhã, você estará
fazendo uma coisa muito errada.
Existem muitos dos assim chamados professores na Índia que sugerem fazê-lo – refletir sobre
o dia todo – e eles sempre dizem para começar a partir da manhã. Isso é errado e prejudicial,
porque, então, você estará reenfatizando a coisa toda e a armadilha será aprofundada. Nunca vá
da manhã para a noite, sempre retroceda. Somente então, você pode limpar a coisa toda, purgar a
coisa toda. A mente gostaria de começar da manhã, porque é fácil: a mente conhece isso e não
existe problema. Se você começa a retroceder, de repente você sentirá que pulou para a manhã e
começou a avançar novamente. Não o faça – fique consciente, retroceda.
Você pode treinar a sua mente para voltar através de outras coisas também. Simplesmente
volte contando de cem – 99, 98, 97... – retroceda. Vá de cem a um, retrocedendo. Você sentirá a
dificuldade, porque a mente tem um hábito de ir de um a cem, nunca de cem a um.
Da mesma maneira você tem que retroceder com essa técnica. O que acontecerá?
Retrocedendo, desembaraçando a mente, você é uma testemunha. Você está vendo coisas que
aconteceram a você, mas, agora, elas não estão acontecendo a você. Agora, você é apenas um
observador e elas estão acontecendo na tela da mente.
Fazendo-o diariamente, de repente, um dia, você se tornará consciente durante o dia,
enquanto estiver trabalhando no mercado, em seu escritório ou em qualquer lugar, que você pode
ser uma testemunha dos eventos que estão acontecendo exatamente agora. Se você puder ser uma
testemunha mais tarde e olhar para trás, para alguém que o insultou, sem ficar com raiva quanto
a isso, por que não exatamente agora, quanto ao que está acontecendo no momento?
Alguém o está insultando: qual é a dificuldade? Você pode se colocar de lado exatamente
agora, e você pode ver que alguém o está insultando e ainda assim você é distinto de seu corpo,
de sua mente, daquilo que é insultado. Você pode testemunhá-lo. Se você puder ser uma
testemunha disso, você não ficará com raiva; então, será impossível. A raiva só é possível
quando você está identificado. Se você não estiver identificado, a raiva é impossível – raiva
significa identificação.
Esta técnica diz: olhe para qualquer acontecimento do passado – sua forma estará presente. O
sutra diz “sua forma”, não você. Você nunca esteve presente. É sempre a sua forma que está
envolvida; você nunca está envolvido. Quando você me insulta, você não insulta a mim. Você
não pode me insultar, você pode insultar somente a forma. A forma que eu sou está presente
exatamente aqui e agora, para você. Você pode insultar essa forma e eu posso me desapegar da
forma. É por isso que os hindus sempre estiveram insistindo em ser desapegado do nome e da
forma. Você não é nem o seu nome, nem a sua forma. Você é a consciência que conhece a forma
e o nome, e a consciência é diferente, totalmente diferente.
Mas é difícil. Assim, comece com o passado; então, fica fácil; porque, agora, com o passado,
não há urgência. Alguém o insultou há vinte anos; então, não há nenhuma urgência naquilo. O
homem pode já ter morrido e tudo já está acabado. É apenas um assunto morto, apenas uma
forma morta do passado; é fácil estar consciente disso. Mas uma vez que você possa se tornar
consciente, não há nenhuma dificuldade em fazer o mesmo com o que está acontecendo
exatamente aqui e agora.
Mas para começar aqui e agora, é difícil. O problema é tão urgente e está tão perto, que não
existe espaço para se mover. É difícil criar espaço e se mover para longe do incidente. É por isso
que o sutra diz para começar com o passado: olhe para a sua própria forma, desapegado,
permaneça distante e distinto, e seja transformado através disso.
Você será transformado através disso, porque trata-se de uma profunda limpeza, de um
desembaraçamento. Então, você pode saber que seu corpo, sua mente, sua existência no tempo
não são sua realidade básica. A realidade substancial é diferente. As coisas vêm e vão sobre ela,
sem tocá-la ao menos. Você permanece inocente, intocado; você permanece virgem. A coisa toda
passa, a vida toda passa: bom e mau, sucesso e fracasso, louvor e reprovação – tudo passa.
Doença e saúde, juventude e velhice, nascimento e morte – tudo passa e você permanece
intocado.
Mas como conhecer essa realidade intocada dentro de você? Esse é o propósito desta técnica.
Comece com o passado. Há um espaço, quando você olha para o seu passado; a perspectiva é
possível. Ou olhe para o futuro. Mas olhar para o futuro é difícil. Somente para algumas poucas
pessoas a observação do futuro não é difícil – para poetas, para pessoas com imaginação que
podem olhar para o futuro como se elas estivessem olhando para a realidade. Mas comumente é
bom usar o passado; você pode olhar para o passado. Para os jovens pode ser bom olhar para o
futuro. É mais fácil para eles olhar para o futuro porque a juventude é orientada pelo futuro.
Para os velhos, não existe futuro a não ser a morte. Eles não podem olhar para o futuro; eles
têm medo. É por isso que os velhos sempre começam a pensar sobre o passado. Eles retornam
sempre novamente para as suas memórias, mas eles cometem o mesmo erro. Eles começam do
passado em direção ao seu estado atual de ser – isso é errado, eles deveriam retroceder.
Se eles puderam retroceder muitas vezes, em pouco tempo eles sentirão que todo o passado
foi varrido deles. E, então, uma pessoa pode morrer sem o passado preso a ela. Se você puder
morrer sem o passado estar preso a você, você morrerá conscientemente, morrerá totalmente
consciente. Então, a morte não será uma morte para você. Pelo contrário, ela será um encontro
com a imortalidade.
Limpe toda a consciência das profundezas do passado e seu verdadeiro ser será transformado
através disso. Tente. Esse método não é muito difícil, somente esforço persistente é necessário;
não existe nenhuma dificuldade inerente ao método. Ele é simples e você pode começar com seu
dia-a-dia. Simplesmente, hoje à noite em sua cama, retroceda e você se sentirá muito belo, você
se sentirá muito alegre. Então, o dia todo terá passado. Mas não seja apressado, passe por ele
lentamente, de forma que nada seja perdido. É uma sensação muito estranha, porque muitas
coisas surgirão diante de seus olhos – muitas coisas você realmente perdeu quando passou por
elas durante o dia, porque você estava muito ocupado. Mas a mente continua coletando, até
mesmo quando você está inconsciente.
Você estava passando por uma rua. Alguém estava cantando, mas você pode não ter prestado
atenção. Você pode não ter prestado nenhuma atenção. Você pode nem mesmo ter tido
consciência de ter ouvido o som ao passar pela rua. Mas a mente ouviu e gravou. Agora, isso
ficará agarrado; isso se tornará uma carga para você sem nenhuma necessidade. Assim,
retroceda, mas vá bem lentamente, como se um filme estivesse sendo exibido a você em câmara
lenta. Retroceda e veja os detalhes e, então, seu dia parecerá muito, muito longo. Ele é,
realmente, porque, houve tanta informação para a mente! E a mente gravou tudo. Agora,
retroceda.
Em pouco tempo, você se tornará capaz de saber tudo o que foi gravado. E uma vez que você
possa retroceder, é como gravador: ela fica limpa. No momento em que você chegar à manhã,
você adormecerá e a qualidade do sono será diferente – ele será meditativo. Então, novamente de
manhã, quando você sente que acordou, não abra seus olhos imediatamente. Retroceda na noite.
Será difícil no começo. Você pode ir um pouco. Alguma parte, algum fragmento de um sonho
que você estava sonhando antes de acordar pode vir à sua mente. Mas, em pouco tempo, com
esforço gradual, você será capaz de penetrar cada vez mais e mais e mais e, depois de um
período de três meses, você será capaz de retroceder até o ponto em que você adormeceu. E se
você puder voltar profundamente dentro de seu sono, sua qualidade de sono e do estado desperto
mudarão completamente, porque, então, você não pode sonhar; sonhar se tornará fútil. Se você
puder retroceder no dia e na noite, sonhar não é necessário.
Agora, os psicólogos dizem que sonhar é na realidade um desembaraçar. Se você mesmo o
faz, então, não existe a necessidade. Tudo o que ficou preso na mente, tudo que permaneceu não
preenchido, incompleto, tenta-se completar no sonho.
Você estava passando e viu alguma coisa – uma bela casa – e um desejo sutil de possuí-la
surgiu em você. Mas você estava indo para o seu escritório e não havia tempo para devanear;
assim, você segue adiante. Você nem percebeu que a mente criou um desejo de possuir aquela
casa. Mas, agora, esse desejo está dependurado lá, suspenso e, se ele não puder ser removido,
será difícil dormir.
Dificuldades no sono significam basicamente somente uma coisa: que seu dia ainda está
pendendo sobre você e você não pôde libertar-se dele. Você está agarrado a ele. Então, à noite,
você se verá num sonho no qual você se tornou o proprietário daquela casa – agora, você está
vivendo naquela casa. No momento em que esse sonho chega a você, sua mente é aliviada.
Assim, comumente, as pessoas pensam que os sonhos são distúrbios para o sono – isso é
absolutamente incorreto. Os sonhos não são distúrbios para o seu sono. Eles não estão
perturbando seu sono, eles realmente estão ajudando; sem eles, você não poderia dormir de
forma alguma. Como você é, você não pode dormir sem sonhos, porque seus sonhos estão
ajudando a completar as coisas que permaneceram incompletas.
E há coisas que não podem ser completadas. Sua mente continua desejando desejos absurdos
e eles não podem ser completados na realidade; então, o que fazer? Esses desejos incompletos
continuam em você e eles o mantêm esperando, eles o mantêm pensando. Então, o que fazer?
Você viu uma bela mulher e ficou atraído por ela. Agora, surgiu desejo de possuí-la. Pode não
ser possível, a mulher pode nem mesmo olhar para você. Então, o que fazer? O sonho o ajudará.
Em um sonho você pode possuir a mulher e, então, a mente é aliviada. No que se refere à
mente, não existe diferença entre sonho e realidade. Qual é a diferença? Amar uma mulher na
realidade e amar uma mulher em um sonho, qual é a diferença para a mente? Não há diferença.
Ou esta pode ser a diferença: que o fenômeno do sonho pode ser mais belo, porque, então, a
mulher não o perturbará. É seu sonho e você pode fazer qualquer coisa e a mulher não criará
nenhum problema para você. O outro está completamente ausente, você está sozinho. Não há
barreiras; assim, você pode fazer o que você quiser.
Não há diferença para a mente; a mente não pode fazer nenhuma distinção entre o que é
sonho e o que é realidade. Por exemplo: se você pudesse se colocar em coma por um ano inteiro
e sonhasse e sonhasse... Durante um ano, você não será capaz de sentir, de modo algum, que
tudo o que você está vendo é um sonho. Será real e o sonho continuará por um ano.
Os psicólogos dizem que se você puder colocar um homem em coma por cem anos, ele
sonhará por cem anos, sem suspeitar por um simples momento que tudo o que está fazendo é
apenas um sonho. E se ele morrer, ele nunca saberá que sua vida foi apenas um sonho, que ela
nunca foi real. Para a mente não há diferença: realidade e sonho são ambos a mesma coisa.
Assim, a mente pode desembaraçar-se no sonho.
Se você fizer esta técnica, então, não haverá necessidade de sonhos. A qualidade de seu sono
será mudada completamente, porque, sem sonhos, você cairá no verdadeiro fundo de seu ser e,
sem sonhos, você estará consciente em seu sono.
É isso que Krishna diz no Gita, que, enquanto todo mundo está profundamente adormecido, o
iogue não está, o iogue está acordado. Isso não significa que o iogue não esteja dormindo – ele
também está dormindo, mas a qualidade do sono é diferente. O sono que você tem, é exatamente
como uma inconsciência drogada. Um sono de iogue é um profundo relaxamento sem nenhuma
inconsciência. Todo o seu corpo está relaxado; toda fibra e célula de seu corpo está relaxada sem
nenhuma tensão. Mas ele está completamente consciente de todo o fenômeno.
Tente esta técnica. Comece hoje à noite, tente e, então, faça-a pela manhã também. E quando
você sentir que está afinado com a técnica, que você pode fazê-la, depois de uma semana tente
com todo o seu passado. Tire um dia. Vá para algum lugar solitário. Será bom se você jejuar –
jejue e fique em silêncio. Deite-se em alguma praia solitária, ou sob alguma árvore e
simplesmente mova-se para o seu passado, a partir deste ponto: você está deitado na praia
sentindo a areia e o sol e, agora, mova-se para trás. Continue penetrando, penetrando, penetrando
e descubra a última coisa que você puder se lembrar.
Você ficará surpreso. Comumente você não pode se lembrar muito e você não pode passar o
limite dos quatro ou cinco anos. Aqueles que têm uma memória muito boa, podem retroceder até
a idade limite de três anos, mas, então, de repente, surge um bloqueio e tudo fica escuro. Mas se
você tentar esta técnica, em pouco tempo você quebrará o limite e muito facilmente você poderá
chegar a se lembrar do primeiro dia de seu nascimento. E isso é uma revelação.
De volta para o seu sol e a sua praia, você será um homem diferente. Se você fizer mais
esforço, você poderá penetrar no útero. E você tem memórias do útero – nove meses de
memórias com sua mãe. Esse período de nove meses está também gravado em sua mente.
Quando a sua mãe estava deprimida, você gravou isso, porque você se sentiu deprimido. Você
estava tão conectado com a sua mãe, tão unido, tão um, que tudo o que acontecia à sua mãe
estava acontecendo a você. Quando ela estava com raiva, você estava com raiva. Quando ela
estava feliz, você estava feliz. Quando ela se sentia elogiada, você se sentia elogiado. Quando ela
estava doente, você sentia a dor, o sofrimento, todas as coisas.
Se você puder penetrar o útero, você estará na trilha certa. E então, pouco a pouco, você
poderá penetrar mais e poderá se lembrar dos primeiros momentos, quando você entrou no útero.
Somente por causa dessa lembrança, Mahavira e Buda puderam dizer que havia vidas
passadas, renascimento. O renascimento não é realmente um princípio, ele é uma profunda
experiência psicológica. E se você puder se lembrar dos primeiros momentos em que você entrou
no útero de sua mãe, então, você poderá penetrar mais e poderá se lembrar da morte de sua vida
passada. Uma vez que você toque esse ponto, então, o método está em suas mãos; então, você
pode se mover muito facilmente para todas as suas vidas passadas.
Isso é uma experiência e o resultado é fenomenal, porque, então, você sabe que, através de
muitas, muitas vidas, você tem vivido o mesmo absurdo que você está vivendo agora. Você
esteve fazendo todo esse absurdo muitas vezes, repetidamente. O padrão é o mesmo, o formato é
o mesmo, somente os detalhes diferem. Você amou uma outra mulher, agora, você ama esta
mulher. Você ajuntou dinheiro... as moedas eram de um tipo, agora, as moedas são diferentes.
Mas todo o padrão é o mesmo; ele é repetitivo.
Uma vez que você possa ver por muitas e muitas vidas que você viveu o mesmo absurdo, o
quanto tem sido estúpido todo esse círculo vicioso, de repente, você está acordado e toda a coisa
se torna um sonho. Você é atirado para fora dele e, agora, você não quer repetir a mesma coisa
no futuro.
O desejo pára, porque desejo não é nada mais do que o passado sendo projetado no futuro. O
desejo não é nada mais do que sua experiência passada em busca de outra repetição, novamente.
O desejo significa apenas uma velha experiência que você quer repetir novamente – nada mais. E
você não pode deixar o desejo a menos que se torne consciente de todo esse fenômeno. Como
você pode deixá-lo? O passado está presente como uma grande barreira, uma barreira de pedra.
Ela está sobre a sua cabeça; ela o está empurrando para o futuro. Os desejos são criados pelo
passado e projetados para o futuro. Se você puder conhecer o passado como um sonho, todos os
desejos se tornarão impotentes. Eles cairão, eles simplesmente murcharão – e o futuro
desaparece. Neste desaparecimento do passado e do futuro, você é transformado.

23 Sinta um objeto e torne-se ele

A décima primeira técnica de centramento:

Sinta um objeto à sua frente. Sinta a ausência de todos os outros objetos menos deste.
Então, deixando de lado a sensação do objeto e a sensação da ausência, perceba.

Sinta um objeto à sua frente – qualquer objeto. Por exemplo, uma rosa. Qualquer coisa
servirá. Sinta um objeto à sua frente. Primeiro, sinta-o. Ver não adianta – sinta-o. Você vê uma
rosa, mas o seu coração não está tranquilo, você não a está sentindo; do contrário, você poderia
começar a chorar e derramar lágrimas; do contrário, você poderia começar a rir e dançar. Você
não a está sentindo, você está apenas vendo-a. E mesmo esse ver pode não ser completo, porque
você nunca vê completamente. O passado, a memória, diz que aquilo é uma rosa e você vai em
frente. Você não a viu realmente. A mente diz que aquilo é uma rosa. Você sabe tudo sobre ela,
já que você conheceu rosas antes; então, o que há com esta? Assim, você passa adiante. Um
relance é o suficiente para reviver a memória de suas experiências passadas com as rosas; e você
passa adiante. Nem mesmo ver é completo.
Permaneça com a rosa. Veja-a; então, sinta-a. O que fazer para senti-la? Cheire-a, toque-a,
deixe que ela se torne uma profunda experiência corporal. Primeiro feche os seus olhos e deixe a
rosa tocar toda a sua face. Sinta-a. Coloque-a nos olhos, deixe os olhos tocarem-na; cheire-a.
Coloque-a de encontro ao coração, fique em silêncio com ela; dê um sentimento a ela. Esqueça-
se de tudo, esqueça o mundo todo.
Sinta um objeto à sua frente. Sinta a ausência de todos os outros objetos... porque se sua
mente ainda estiver pensando em outras coisas, então, esse sentimento não penetrará
profundamente. Esqueça-se de todas as outras rosas, esqueça-se de todas as outras pessoas,
esqueça tudo. Simplesmente, deixe essa rosa permanecer presente. Somente a rosa, a rosa, a
rosa! Esqueça tudo o mais. Deixe essa rosa envolvê-lo completamente... você está submerso na
rosa.
Isso será difícil, porque nós não somos tão sensíveis. Mas para as mulheres isso não será tão
difícil; elas podem senti-la mais facilmente. Para o homem, isso será um pouquinho mais difícil,
a menos que eles tenham um senso estético muito desenvolvido, como um poeta, ou um pintor,
ou um músico... – eles podem sentir as coisas. Mas tente. As crianças podem fazer isso muito
facilmente.
Eu estava ensinando esse método para o filho de um amigo meu. Ele podia sentir muito
facilmente. Quando eu lhe dei uma rosa e lhe disse tudo o que eu disse para vocês, ele fez e ele
se deleitou com isso profundamente. Então, eu lhe perguntei: “Como você está se sentindo?”.
Ele disse: “Eu me tornei uma rosa – essa é a sensação. Eu me tornei uma rosa.”. As crianças
podem fazer isso mais facilmente, mas nós nunca as treinamos; do contrário, elas poderiam ser
os melhores meditadores.
Esqueça todos os outros objetos completamente. Sinta a ausência de todos os outros objetos
menos deste. É isso o que acontece no amor. Se você está amando alguém, você esquece o
mundo todo. Se você ainda está se lembrando do mundo, então, fique sabendo que isso não é
amor. Você se esqueceu do mundo todo; somente o amante, ou a amada, permanece. É por isso
que eu digo que o amor é uma meditação. Você pode usar esta técnica também como uma
técnica de amor: esqueça todas as outras coisas.
Há alguns dias, um amigo veio a mim com a sua esposa. Sua esposa estava se queixando
sobre certa coisa; foi por isso que ela veio. O amigo disse: “Eu estive meditando por um ano e,
agora, eu estou fundo nisso. E, enquanto eu medito, eu descobri que é útil, ao chegar a um pico
na minha meditação, gritar de repente ‘Rajneesh, Rajneesh, Rajneesh!’. Isso me ajuda, mas,
agora, uma coisa estranha aconteceu. Quando eu estou fazendo amor com minha esposa, quando
eu chego a um pico sexual, eu começo a gritar, ‘Rajneesh, Rajneesh, Rajneesh!’. Por causa disso
minha esposa está muito perturbada e ela diz: ‘Você está fazendo amor comigo, você está
meditando, ou o que você está fazendo? E por que esse Rajneesh entra nisso?’.”.
O homem me disse: “Agora, é muito difícil, porque se eu não grito ‘Rajneesh, Rajneesh,
Rajneesh!’, eu não posso atingir o pico. E se eu grito, minha esposa fica muito perturbada. Ela
começa a reclamar e a chorar e fazer cena. Assim, o que fazer? Então, eu trouxe a minha
esposa.”. Naturalmente, a queixa de sua esposa estava correta, porque ela não gostava que
ninguém mais estivesse presente entre eles. É por isso que o amor precisa de privacidade – de
absoluta privacidade. A privacidade é significativa; assim, esqueça tudo o mais.
Na Europa e nos Estados Unidos, agora, eles estão trabalhando com sexo grupal – isso é um
absurdo; muitos casais fazendo amor em um quarto. Isso é completo absurdo, porque, então, o
amor nunca pode ir muito fundo. Ele se tornará apenas um orgia sexual. A presença de outros se
torna uma barreira; então, ele não pode ser meditativo.
Com qualquer objeto, se você puder se esquecer do mundo todo, você estará em um profundo
amor – com uma rosa, com uma pedra, ou com qualquer coisa. Mas a condição é sentir a
presença desse objeto e sentir a ausência de tudo o mais. Deixe esse objeto ser a única coisa
existente em sua consciência. Será fácil se você tentar com algum objeto que você naturalmente
esteja amando.
Será difícil para você colocar uma pedra, uma rocha na sua frente e se esquecer do mundo
todo. Isso pode ser difícil, mas os mestres zen fizeram isso. Eles têm jardim de pedras para
meditar. Nenhuma flor, nenhuma árvore, nada – apenas pedra e areia. E eles meditam junto a
uma pedra porque, dizem eles, se você puder ter um profundo relacionamento amoroso com uma
pedra, então, nenhum homem poderá criar uma barreira para você. E os homens são como
pedras. Se você puder amar uma pedra, então, você poderá amar um homem; então, não existirá
problema. Os homens são como pedras – inclusive até mais duros. É difícil quebrá-los e penetrá-
los.
Mas escolha algum objeto que você naturalmente ame e, então, esqueça-se do mundo todo.
Aprecie a presença, saboreie a presença, sinta-a, vá fundo dentro dela e deixe-a ir fundo dentro
de você. Então, deixando de lado o objeto... E então, vem a parte mais difícil desta técnica. Você
deixou todos os outros objetos e somente um objeto permaneceu. Você esqueceu tudo, somente
um permaneceu.
Agora, deixando de lado a sensação do objeto... Agora, deixe de lado o sentimento que você
tem para com esse objeto. Então, deixando de lado a sensação do objeto e a sensação da
ausência... – dos outros objetos. Agora, só existem duas coisas; tudo o mais está ausente. Agora,
deixe essa ausência também. Somente esta rosa – esta face, esta mulher, este homem, esta rocha
–, está presente. Deixe isso também e deixe a sensação também. De repente você cai em um
vácuo absoluto e nada permanece. E Shiva diz: Perceba. Perceba esse vácuo, esse nada. Essa é a
sua natureza, isso é o ser puro.
Será difícil abordar o nada diretamente – muito difícil e árduo. Assim, é fácil passar através
de um objeto como um veículo. Primeiro, coloque um objeto na mente e sinta-o tão totalmente
de modo que você não precise se lembrar de mais nada. Toda a sua consciência está preenchida
com esse único objeto. Então, deixe isso também, esqueça isso também.
Você cai em um abismo. Agora, nada permanece, nenhum objeto. Somente sua subjetividade
está presente – pura, não contaminada, não ocupada. Esse ser puro, essa consciência pura, é a sua
natureza. Mas faça isso em etapas; não tente toda a técnica de uma vez só. Primeiro crie uma
sensação com o objeto. Por alguns dias faça apenas essa parte, não faça a técnica inteira.
Primeiro, por alguns dias ou algumas semanas, faça apenas uma parte – a primeira parte. Crie
uma sensação com o objeto; seja preenchido pelo objeto. E use um mesmo objeto, não continue
trocando de objeto, porque, com cada objeto, você terá que fazer o mesmo esforço novamente.
Se você escolheu uma rosa, então, continue usando essa rosa todo dia. Seja preenchido por ela de
forma que um dia você possa dizer: “Agora, eu sou a flor.”. Então, a primeira parte está
cumprida. Quando somente a flor está presente e tudo o mais está esquecido, então, saboreie essa
idéia por alguns dias. Ela é bela em si mesma – muito, muito bela, vital, poderosa em si mesma.
Apenas sinta-a por alguns dias. E então, quando você estiver afinado com ela e isso tenha se
tornado fácil, então, você não precisa lutar. Então, a flor vem de repente, o mundo todo é
esquecido e somente a flor permanece.
Então, tente a segunda parte: feche seus olhos e esqueça a flor também. Se você fez a
primeira parte, a segunda não será difícil – lembre-se. Mas se você tenta toda a técnica em uma
sentada, a segunda parte será impossível – porque se você puder fazer a primeira, se você puder
esquecer-se de todo o mundo por uma flor, você também poderá esquecer-se da flor pelo nada.
Assim, a segunda parte chegará, mas primeiro você tem que lutar por ela. Mas a mente é muito
ardilosa. A mente sempre diz para tentar a coisa toda e, então, você não terá sucesso. Então, a
mente dirá: “Isso não vale nada.”, ou “Isso não é para mim.”. Tente-a em partes se você quer ter
sucesso. Deixe a primeira parte ficar completa e, então, faça a segunda. Então, o objeto não está
presente e somente sua consciência permanece, exatamente como uma luz, uma chama sem nada
em volta.
Você tem uma lâmpada e a luz da lâmpada cai sobre muitos objetos. Visualize isso. Em seu
quarto existem muitos, muitos objetos. Se você traz uma lâmpada para a escuridão do quarto,
todos os objetos são iluminados. A lâmpada irradia luz em todos os objetos de modo que você
pode vê-los. Agora, permaneça com um objeto; deixe existir somente um objeto. A lâmpada é a
mesma, mas, agora, só um único objeto está presente em sua luz. Agora, remova esse objeto
também; agora, a luz permanece sem nenhum objeto.
O mesmo acontece com sua consciência. Você é uma chama, uma luz; o mundo todo é seu
objeto. Você deixa o mundo todo e escolhe um objeto para a sua concentração. Sua chama
permanece a mesma, mas, agora, ela não está ocupada com muitos objetos, ela está ocupada com
apenas um. E então, abandone esse objeto também. De repente, há simplesmente luz –
consciência. Ela não está caindo sobre nada. A isso Buda chamou de nirvana; a isso Mahavira
chamou de kaivalya – a solidão total. Os Upanishades chamaram-no de a experiência de
Brahma, ou o atma. Shiva diz que se você puder fazer esta simples técnica, você perceberá o
supremo.

24 Observe seus humores

A décima segunda técnica de centramento:

Quando um humor contra alguém ou a favor de alguém surgir, não o coloque na pessoa
em questão, mas permaneça centrado.

Se surge ódio por alguém, ou contra alguém, ou se surge amor por alguém, o que nós
fazemos? Nós o projetamos na pessoa. Se você sente ódio por mim, você se esquece de si mesmo
completamente em seu ódio; somente eu me torno seu objeto. Se você sente amor por mim, você
se esquece de si mesmo completamente; somente eu me torno o objeto. Você projeta o seu amor,
ou ódio, ou o que quer que seja sobre mim. Você esquece completamente o centro interior de seu
ser; o outro se torna o centro. Este sutra diz que, quando o ódio surgir, ou o amor surgir, ou
qualquer humor a favor de, ou contra alguém, não o projete na pessoa em questão. Lembre-se,
você é a fonte disso.
Eu amo você – o sentimento comum é que você é a fonte de meu amor. Isso não é realmente
assim. Eu sou a fonte, você é apenas uma tela na qual eu projeto o meu amor. Você é apenas uma
tela; eu projeto o meu amor sobre você e digo que você é a fonte de meu amor. Isso não é um
fato, isso é uma ficção. Eu tiro minha energia de amor e a projeto em você. Nesta energia de
amor projetada em você, você se torna encantador. Você pode não ser encantador para mais
ninguém, você pode ser absolutamente repulsivo para outra pessoa. Por quê? Se você é a fonte
do amor, então, todo mundo sentiria amor em relação a você... Mas você não é a fonte. Eu
projeto amor, então, você se torna encantador; alguém projeta ódio, então, você se torna
repulsivo. E uma outra pessoa não projeta nada, é indiferente; pode nem mesmo olhar para você.
O que está acontecendo? Nós estamos projetando nossos próprios humores sobre os outros.
É por isso que, se você está em lua de mel, a lua parece bela, miraculosa, maravilhosa. Parece
que todo o mundo está diferente. E na mesma noite, exatamente para o seu vizinho, essa noite
miraculosa pode não ter existido de modo algum. O filho dele morreu... – então, a mesma lua é
simplesmente triste, intolerável. Mas para você ela é encantadora, fascinante; ela é
enlouquecedora. Por quê? A lua é a fonte, ou a lua é apenas uma tela e você está projetando a si
mesmo?
Este sutra diz: Quando um humor contra alguém ou a favor de alguém surgir, não o coloque
na pessoa em questão – ou no objeto em questão. Permaneça centrado. Lembre-se de que você é
a fonte; assim, não se mova para o outro, mova-se para a fonte. Quando você sente ódio, não vá
para o objeto. Vá para o ponto de onde o ódio está vindo. Não vá para a pessoa para a qual ele
está indo, mas para o centro de onde ele está vindo. Mova-se para o centro, vá para dentro, use o
seu ódio, ou amor, ou raiva, ou qualquer coisa, como uma jornada em direção ao seu centro
interior, à fonte. Mova-se para a fonte e permaneça centrado lá.
Tente! Essa é uma técnica muito, muito científica, psicológica. Alguém o insultou – a raiva
de repente explode, você está fervendo. A raiva está fluindo em direção à pessoa que o insultou.
Agora, você projetará toda essa raiva nela. Ela não fez nada. Se ela o insultou, o que ela fez? Ela
apenas cutucou-o, ela ajudou a sua raiva a emergir – mas a raiva é sua. Se ela for até Buda e o
insultar, ela não será capaz de criar nenhuma raiva nele. Ou se ele for até Jesus, Jesus lhe dará a
outra face. Ou se ela for até Bodhidharma, ele rugirá numa risada. Assim, depende.
O outro não é a fonte, a fonte está sempre dentro de você. O outro está atingindo a fonte, mas
se não há raiva dentro de você, ela não pode sair. Se você atingir um buda, sairá apenas
compaixão, porque existe apenas compaixão. A raiva não sairá, porque a raiva não existe. Se
você joga um balde em um poço seco, nada sairá. Em um poço cheio de água, você joga um
balde e a água sairá, mas a água é do poço. O balde apenas ajuda a trazê-la para fora. Assim a
pessoa que está insultando a você, está apenas jogando um balde dentro de você e, então, o balde
sairá cheio de raiva, de ódio, ou de fogo, que estava dentro de você. Você é a fonte, lembre-se.
Para esta técnica, lembre-se de que você é a fonte de todas as coisas que você vai projetando
nos outros. E sempre que existir um humor contra, ou a favor, imediatamente, mova-se para
dentro e vá para a fonte de onde esse ódio está vindo. Permaneça centrado ali; não se mova para
o objeto. Alguém lhe deu uma chance de ficar consciente de sua própria raiva – agradeça-lhe
imediatamente e esqueça-o, feche seus olhos, mova-se para dentro; e, agora, olhe para a fonte de
onde esse amor, ou raiva, está vindo. De onde? Vá para dentro, mova-se para dentro. Você
encontrará a fonte lá, porque a raiva está vindo de sua fonte.
O ódio, ou amor, ou qualquer coisa, está vindo de sua fonte. E é fácil ir para a fonte no
momento em que você está com raiva, ou amando, ou odiando... – porque, então, você está
quente. É fácil se mover para dentro então. A linha está quente e você pode usá-la, você pode se
mover para dentro com esse calor. E quando você atinge o ponto frio interior, você de repente
percebe uma dimensão diferente, um mundo diferente abrindo-se à sua frente. Use a raiva, use o
ódio, use o amor para ir para dentro.
Nós sempre usamos isso para nos movermos para o outro e nós sentimos muita frustração se
não houver ninguém ali para receber a projeção. Então, nós continuamos projetando inclusive em
objetos inanimados. Eu tenho visto as pessoas ficando com raiva dos seus sapatos, jogando-os
com raiva. O que elas estão fazendo? Eu tenho visto pessoas com raiva baterem uma porta na
raiva, jogando a raiva delas na porta, abusando da porta, usando uma linguagem suja contra a
porta. O que elas estão fazendo?
Eu vou terminar com um insight zen sobre isso. Um dos maiores mestres zen, Lin Chi,
costumava dizer: “Quando eu era jovem, eu era muito fascinado por andar de barco. Eu tinha um
pequeno barco e eu podia ir ao lago sozinho. Por várias horas, eu podia permanecer lá.
“Uma vez aconteceu que, com os olhos fechados, eu estava em meu barco meditando na bela
noite. Um barco vazio veio flutuando correnteza abaixo e bateu em meu barco. Meus olhos
estavam fechados; então, eu pensei: ‘Alguém está aqui com seu barco e bateu em meu barco.’.
Surgiu a raiva. Eu abri meus olhos e estava pronto para dizer alguma coisa para aquele homem,
com raiva; então, eu percebi que o barco estava vazio. Então, não havia nenhum jeito de me
mover. Para quem eu poderia expressar a raiva? O barco estava vazio. Ele estava apenas
flutuando correnteza abaixo e veio e bateu em meu barco. Assim não havia nada para eu fazer.
Não havia possibilidade de eu projetar a raiva em um barco vazio.”.
Assim, Lin Chi disse: “Eu fechei meus olhos. A raiva estava presente, mas não encontrando
nenhuma saída, eu fechei meus olhos e apenas flutuei de volta com a raiva. E aquele barco vazio
se tornou minha realização. Eu cheguei a um ponto dentro de mim mesmo, naquela noite
silenciosa. Aquele barco vazio foi meu mestre. E agora, se alguém chega e me insulta, eu rio e
digo: “Esse barco também está vazio.”. Eu fecho os meus olhos e vou para dentro.”.
Use esta técnica. Ela pode operar milagres para você.
Capítulo 16

ALÉM DO PECADO DA INCONSCIÊNCIA



PERGUNTAS

Como exercitar a prática de não jogar nossos humores sobre os outros sem nos reprimirmos?
Por que a psicanálise no Ocidente não é bem-sucedida com a técnica do “desembaraçar” ?
Não é verdade que nenhum método é poderoso a menos que a pessoa seja iniciada nele?
Se a identificação é o único pecado, por que tantas técnicas usam-na e dizem “torne-se um
com uma coisa ” ?

A primeira questão:

A última técnica que Você discutiu ontem diz que, quando um humor contra ou a favor
de alguém surgir, não se deve jogá-lo sobre a pessoa em questão, mas, sim, permanecer
centrado. Mas, quando nós experimentamos esta técnica com a nossa raiva, o nosso ódio,
etc., nós sentimos que estamos reprimindo nossa emoção e isso se torna um complexo
reprimido. Assim, por favor, esclareça como estar livre desses complexos reprimidos ao
praticar a técnica acima.

Expressão e repressão são dois aspectos de uma mesma moeda. Elas são contraditórias, mas
basicamente não são diferentes. Na expressão e na repressão, em ambas, o outro é o centro. Eu
estou com raiva – eu reprimo a raiva. Eu ia expressar a raiva contra você; agora, eu reprimo a
raiva contra você. Mas a raiva continua sendo projetada em você, quer seja expressa ou
reprimida. Esta técnica não é para a repressão. Esta técnica muda a própria base da expressão e
da repressão.
Esta técnica diz: não a projete no outro, você é a fonte. Quer você a expresse ou a reprima,
você é a fonte. A ênfase não é nem na expressão nem na repressão. A ênfase está em se saber o
lugar de onde essa raiva surge. Você tem de se mover para o centro, a fonte de onde a raiva, o
ódio e o amor surgem. Quando você reprime, você não está se movendo para o centro, você está
lutando contra a expressão.
A raiva surgiu em mim. Comumente, eu posso fazer duas coisas: expressá-la sobre alguém ou
reprimi-la. Mas em ambos os casos eu estou ocupado com o outro e eu estou ocupado com a
energia da raiva que veio para a superfície – não com a fonte.
Esta técnica é para esquecer-se do outro completamente. Apenas olhe para a sua energia da
raiva surgindo e mova-se bem fundo para encontrar a fonte dentro de si mesmo, de onde ela está
vindo. E no momento em que você encontrar a fonte, permaneça centrado nela. Não faça nada
com a raiva – lembre-se disso. Na expressão, você está fazendo alguma coisa com a raiva; na
repressão você, também, está fazendo alguma coisa com a raiva. Não faça nada com a raiva; não
a toque, apenas use-a como um caminho. Apenas vá profundamente dentro dela para saber de
onde ela surgiu. E no momento em que você encontrar a fonte, é muito fácil permanecer centrado
lá. A raiva tem de ser usada, na verdade, como um caminho para se encontrar a fonte. Qualquer
emoção pode ser usada.
Quando você reprime, você não irá encontrar a fonte, você está apenas lutando contra a
energia que veio para fora e quer ser expressa. Você pode reprimi-la, mas ela será expressa mais
cedo ou mais tarde, porque você não pode lutar para sempre contra a energia que surgiu. Ela tem
de ser expressa. Assim, você pode não expressá-la sobre A, mas, depois, você a expressará sobre
B ou C. Sempre que você encontrar alguém que for mais fraco que você, você expressará a
energia. E a menos que você a expresse, você se sentirá carregado, tenso, pesado e pouco à
vontade.
Assim, ela será expressa. Você não pode reprimi-la continuamente. Em algum lugar, ela virá
a público, porque, se ela não vier a público, você estará constantemente preocupado com ela.
Assim, a repressão não é nada além de um adiamento da expressão. Você estará simplesmente
adiando.
Você está com raiva de seu chefe e você não pode expressá-la, não é um bom negócio. Você
terá de empurrá-la para baixo, assim você apenas espera até poder expressá-la sobre sua esposa
ou sobre o seu filho ou outra pessoa – sobre o seu empregado... E no momento em que você
chegar em sua casa, você a expressará. Você encontrará causas, naturalmente, porque o homem é
um animal racional. Ele racionalizará; ele encontrará alguma coisa – alguma coisa muito trivial,
mas, agora, aquilo se tornará muito significativo, porque você tem alguma coisa para expressar.
A repressão não é nada além de adiamento. Você pode adiar durante meses, durante anos. E
aqueles que sabem, dizem que você pode adiar durante vidas também, mas aquilo terá de ser
expresso. Esta técnica não está relacionada de modo algum com a repressão, ou com a expressão
– não! Esta técnica usa o seu humor, a sua energia, como um caminho para você ir fundo dentro
de si mesmo.
Gurdjieff costumava criar situações nas quais ele forçava a raiva sobre você, ou o ódio, ou
qualquer outro humor e isso era um fenômeno criado. Você não estava sabendo o que iria
acontecer.
Gurdjieff está sentado com seus discípulos e, quando você entra, você não sabe o que vai
acontecer, mas eles estão prontos para criar a raiva em você. Eles se comportarão de um tal
modo... Alguém dirá alguma coisa e todo o grupo se comportará de maneira tão insultante, que
você ficará furioso. De repente, surgirá a raiva; você ficará em chamas. E quando Gurdjieff via
que tinha chegado o momento no qual você podia ou ir bem fundo, ou sair; quando a
culminância tivesse chegado dentro de você e você estivesse pronto para explodir, então, ele
diria: “Feche os seus olhos. Agora, fique consciente de sua raiva e retroceda.”.
Somente então, você poderia compreender que a situação tinha sido criada. Ninguém estava
interessado em insultá-lo – aquilo era apenas uma encenação, um psicodrama – mas a raiva
surgiu. E mesmo que você venha a saber que aquilo era apenas uma encenação, a energia não
pode de repente decrescer, ela levará algum tempo. Agora, você pode se mover para baixo com a
queda da energia para a fonte. Essa energia simplesmente o ajudará a descer até o lugar de onde
ela veio; agora, você pode se conectar com a fonte original. E este é um dos métodos mais bem-
sucedidos de meditação.
Crie um humor... mas não existe necessidade porque, durante todo o dia, os humores estão
presentes. Use qualquer humor para meditar. Desse modo, você se esquece do outro
completamente e não está reprimindo nada. Você está se movendo para baixo com uma energia
que veio para cima. Toda energia vem de uma fonte; assim, exatamente naquele momento, o
caminho está quente e você pode usar aquele caminho para retroceder. E no momento em que
você atinge a fonte original, a energia irá se depositar na fonte original. Isso não é uma
repressão: a energia voltou para a fonte original. E, quando você se torna capaz de reunir a sua
energia com a sua fonte original, você se tornou o mestre de seu corpo, de sua mente, de sua
energia. Você se tornou o mestre. Agora, você não dissipará a sua energia.
Uma vez que você possa saber como a energia volta com você para o centro, não há nenhuma
necessidade de repressão e não há nenhuma necessidade de expressão. Exatamente neste
momento, você não está com raiva. Eu digo alguma coisa – você fica com raiva. De onde essa
energia está vindo? Um momento antes, você não estava com raiva, mas a energia estava em
você. Se essa energia puder voltar novamente para a fonte, você novamente será o mesmo que
era um momento antes.
Lembre disto: a energia não é nem raiva, nem amor, nem ódio. A energia é simplesmente
energia – neutra. A mesma energia se torna raiva; a mesma energia se torna sexo; a mesma
energia se torna amor; a mesma energia se torna ódio. Todas são formas da mesma energia. Você
dá a forma, sua mente dá a forma e a energia se move para dentro dela.
Assim, lembre-se: se você ama profundamente, você não terá muita energia para ficar com
raiva. Se você não ama de modo algum, então, você terá muita energia para ficar com raiva e
continuará encontrando situações onde ficará com raiva. Se a sua energia é expressa através do
sexo, você será menos violento. Se sua energia não é expressa através do sexo, você será mais
violento. É por isso que os militares nunca permitirão relações sexuais para os soldados. Se for
permitido, os militares se tornarão completamente impotentes para lutar.
É por isso que, sempre que a civilização chega a uma culminância, ela não pode lutar. Assim,
sempre, sociedades mais cultas e mais civilizadas são invadidas e derrotadas por sociedades
menos civilizadas – sempre, porque uma sociedade mais desenvolvida cuida das necessidades
individuais de todos e o sexo está incluído. Assim, quando uma sociedade é verdadeiramente
estável, abundante, a necessidade sexual de todo mundo é saciada – mas quando a necessidade
sexual é satisfeita, você não pode lutar. Você pode lutar muito facilmente se a necessidade sexual
não está satisfeita. Assim, se você quer um mundo de paz, mais liberdade para o sexo será
necessária. Se você quer um mundo de guerra, luta, então, negue o sexo, reprima o sexo, crie
atitudes anti-sexo.
Isso é uma coisa muito paradoxal: os assim chamados santos e sábios continuam falando
sobre paz e eles continuam falando contra o sexo. Eles continuam criando uma atmosfera anti-
sexo e, ao mesmo tempo, eles continuam dizendo que o mundo precisa de paz, não de guerra.
Isso é absurdo. Os hippies estão mais corretos; o slogan deles está correto: “Faça amor, não faça
guerra.”. Isso está certo. Se você pode fazer mais amor, na verdade, você não pode fazer guerra.
É por isso que os assim chamados saniássins que reprimiram o sexo, sempre serão violentos,
com raiva por nada: simplesmente com raiva, simplesmente violentos, borbulhando, esperando
para explodir. Toda a sua energia é não-expressa. A menos que a energia desça para a fonte,
nenhum brahmacharya, nenhum celibato verdadeiro é possível. Você pode reprimir o sexo –
então, ele se tornará violência. Se a energia sexual descer para o centro, você será exatamente
como uma criança.
A criança tem mais energia sexual que você, mas ela ainda está na fonte; ela ainda não se
moveu para o corpo. Ela se moverá. Quando o corpo estiver pronto e as glândulas estiverem
prontas e o corpo estiver maduro, a energia se moverá. Por que as crianças parecem tão
inocentes? A energia está no centro; ela não se moveu. Novamente a mesma coisa acontece
quando alguém se torna iluminado. Toda a energia se move para a fonte e a pessoa se torna igual
a uma criança. É isso o que Jesus quer dizer, quando disse: “Somente aqueles que são como
crianças serão capazes de entrar no meu reino de Deus.”.
O que isso significa? Cientificamente, significa que toda a sua energia se moveu de volta para
a fonte. Se você expressa, ela se moveu para fora. E quando ela é expressa, você está criando um
hábito para a energia se mover para fora, vazar. Se você a reprime, então, a energia não se moveu
para a fonte e não saiu; ela ficou suspensa. E uma energia suspensa é uma carga. É por isso que,
se você realmente expressa a raiva, você se sente aliviado. Se você passa através do sexo, você se
sente aliviado. Se você destrói alguma coisa, seu ódio é liberado e você se sente aliviado. Por que
esse alívio é sentido? Porque a energia suspensa é opressiva, pesada. Sua mente fica enevoada
com ela. Você tem que jogá-la fora ou permitir que ela se mova de volta para a fonte original;
essa são as duas únicas coisas.
Se ela volta para a fonte, ela se torna sem forma. Na fonte, a energia é sem forma. Por
exemplo: a eletricidade é sem forma. Quando ela se move para um ventilador, ela toma um tipo
de forma. Quando ela se move para uma lâmpada, ela toma uma forma diferente. Você pode usá-
la de mil formas – a energia é a mesma. A forma é dada pelo mecanismo através do qual ela se
move.
A raiva é um mecanismo, o sexo é um mecanismo, o amor é um mecanismo, o ódio é um
mecanismo. Quando a energia se move para dentro do canal do ódio, ela se torna ódio. Se a
mesma energia se move para o amor, ela se torna amor. E quando ela se move para a fonte, ela é
uma energia sem forma – energia pura. Ela não é nem ódio, nem amor, nem raiva, nem sexo; é
simplesmente energia. Então, ela é inocente, porque a ausência de forma é inocência absoluta. É
por isso que Buda parece tão inocente, igual a uma criança. A energia se moveu para a fonte.
Não a expresse, porque você está desperdiçando sua energia e ajudando o outro também a
desperdiçar a dele. Não a reprima, porque, então, você está criando um fenômeno suspenso que
terá de ser aliviado. Então, o que fazer?
Esta técnica diz: não faça nada com o humor em si mesmo, simplesmente retroceda para a
fonte de onde o humor está vindo. E enquanto o humor está quente, o caminho está claro, visível
internamente; você pode se mover por ele. Use os humores para a meditação. O resultado é
milagroso, inacreditável. E uma vez que você encontre a chave que lhe mostre como despejar a
energia de volta para a fonte, você terá uma qualidade diferente de personalidade. Então, você
não estará dissipando nada, isso parecerá estúpido então.
Buda disse que sempre que você está com raiva de alguém, você está se punindo pela
maldade do outro. Ele o insultou – essa é a façanha dele – e você está se punindo ficando com
raiva; você está dissipando a sua energia. Isso é estúpido. Mas, então, ouvindo Buda, Mahavira,
Jesus, nós começamos a reprimir; nós começamos a reprimir a nossa energia. Então, nós
pensamos que não é bom, que é estúpido ficar com raiva.
Assim, o que fazer? “Reprima a raiva, não fique com raiva, empurre-se para dentro, feche-se.
Lute contra a sua raiva e reprima-a.” Mas, então, você estará sentado em alguma coisa que
explodirá a qualquer momento. Você está sentado em um Vesúvio – a qualquer momento ele
explodirá.
Você continua juntando. A raiva de todo o dia é coletada; a raiva do mês todo é coletada; a
raiva do ano todo é coletada e a raiva de toda a sua vida e, então, a raiva de muitas vidas fica
coletada. Ela está presente; ela pode explodir a qualquer momento. Então, você fica com muito
medo até de estar vivo, porque, a qualquer momento, alguma coisa pode entrar e você explodirá.
Você fica com medo, cada momento é uma luta interna.
Os psicólogos dizem que é melhor expressar do que reprimir, mas a religião não pode dizer
isso. A religião diz que ambos são estupidez. Na expressão, você está prejudicando o outro e
também a si mesmo. Na repressão, você está prejudicando a si mesmo e você prejudicará outra
pessoa, num outro dia. Mova-se para a fonte de forma que a energia caia de volta na fonte e se
torne sem forma. Então, você se sentirá muito poderoso sem ficar com raiva. Então, você sentirá
a energia – energia vital. Você estará vivo, você terá uma intensa vida sem formas. Qualquer um
ficará impressionado apenas com a sua presença. Você não precisa dominar ninguém, apenas a
sua presença e eles sentirão que alguma fonte poderosa chegou.
Sempre que você chega a Buda ou a Krishna, de repente a sua energia sente uma mudança de
clima por causa de uma fonte tão poderosa. No momento em que você se aproxima, você é
magnetizado. Ninguém está magnetizando você, ninguém está tentando nada, existe apenas a
presença. Você pode sentir que alguém o hipnotizou, mas ninguém o está hipnotizando. A
presença de um buda – cuja energia se tornou sem forma, cuja energia foi para a fonte, que está
centrado em sua fonte – a própria presença é hipnotizadora. Ela se torna carismática.
Buda se tornou iluminado. Antes de sua iluminação ele tinha cinco discípulos. Eles eram
ascetas e enquanto o próprio Buda era um grande asceta, torturando o seu corpo de muitas,
muitas maneiras, inventando novas e mais sádicas técnicas para torturar a si mesmo, aqueles
cinco discípulos eram seus seguidores ardorosos. Então, Buda sentiu que aquilo era
completamente, absolutamente absurdo. Apenas por torturar o seu próprio corpo a pessoa não vai
se realizar. Quando ele compreendeu isso, ele deixou os modos ascéticos. Aqueles cinco
seguidores deixaram-no imediatamente. Eles disseram: “Você caiu. Você não é mais um
asceta.”. Eles o deixaram.
Quando Buda se tornou iluminado, a primeira idéia que veio à sua mente foi sobre aqueles
cinco seguidores. Certa vez, eles tinham sido seus seguidores; assim; ele devia ir até eles. Ele
sentiu um dever – ele devia encontrá-los e dizer-lhes o que tinha encontrado. Assim, ele os
procurou; e viajou por Bihar, de Bodhgaya para Benares, apenas para encontrá-los. Eles estavam
em Sarnath. Buda nunca voltou a Benares novamente, nunca voltou a Sarnath novamente, porque
ele voltou somente por aqueles cinco discípulos.
Ele chegou até Sarnath. Era de tarde, o sol estava se pondo e os cinco ascetas estavam
sentados em uma pequena colina. Eles viram Buda chegando; então, eles disseram: “Lá vem
aquele Gautama Buda, aquele Gautama Siddhartha que caiu do caminho. Nós não devemos
prestar-lhe nenhum respeito. Nós não devemos dar-lhe nem mesmo o respeito comum.”.
Assim, eles fecharam os olhos. Buda foi se aproximando e os cinco ascetas começaram a
sentir uma mudança – uma mudança da mente. Eles sentiram-se desconfortáveis. Quando Buda
chegou bem perto, de repente, todos os cinco abriram os seus olhos e caíram aos pés de Buda.
Buda disse: “Mas por que vocês estão fazendo isso? Você decidiram não me prestar nenhum
respeito; sendo assim, por que vocês estão fazendo isso?”.
Eles disseram: “Nós não estamos fazendo, está acontecendo. O que você conseguiu? Você se
tornou uma força magnética. Nós simplesmente estamos sendo puxados. O que você está
fazendo conosco? Você nos hipnotizou?”. Buda disse: “Não! Eu não fiz nada a vocês, mas
alguma coisa aconteceu em mim. Todas as energias caíram para a fonte; assim, aonde quer que
eu vá, de repente, uma força magnética é sentida.”.
É por isso que aqueles que são contra Buda ou Mahavira, continuam dizendo através dos
séculos: “Esse homem não era bom; ele estava hipnotizando as pessoas.”. Ninguém está
hipnotizando. Você se torna hipnotizado – isso é outra coisa. Quando a sua energia cai de volta
na fonte original, você se torna um centro magnético. Esta técnica é para criar esse centro
magnético em você.

A segunda pergunta:

Ontem, Você disse que a técnica de meditação do desembaraçar da mente é muito


significativa. Mas, no Ocidente, centenas de psicanalistas e psiquiatras freudianos e
junguianos estão praticando essa técnica, mas eles não estão tendo resultados muito
significativos na tentativa de transformação do ser. Quais são as razões do insucesso deles?

Existem muitas coisas a serem percebidas. Uma: a psicologia ocidental ainda não acredita no
ser do homem, ela acredita apenas na mente. Para a psicologia ocidental, não existe ainda nada
além da mente. Se não existe nada além da mente, então, tudo o que você fizer não ajudará o
homem verdadeiramente. No máximo, pode ajudar o homem a ser normal – no máximo!
E o que é normal? O que é normalidade? Apenas a média. Se o próprio homem mediano não
é normal, então, ser normal não significa nada. Significa simplesmente que você está ajustado à
multidão. Desse modo, a psicologia ocidental está fazendo apenas uma coisa: sempre que alguém
está desajustado, os métodos ocidentais tornam o homem novamente ajustado à multidão. A
multidão não é questionada de modo algum; se a multidão em si está bem, não é a questão.
Para a psicologia oriental, a multidão não é o critério. Lembre-se desta distinção: para
psicologia oriental, a multidão não é o critério, a sociedade não é o critério. A sociedade em si
está doente. Então, qual é o critério? Para nós, um buda é um critério. A menos que você se torne
semelhante a um buda, você está doente.
Para a psicologia ocidental, a sociedade é o critério, porque um buda não pode ser um
critério. Eles não acreditam que exista uma tal coisa como o ser interior. Se não existe uma tal
coisa como o ser interior, então, não pode haver nenhuma iluminação. Mas se o ser interior se
torna iluminado, então, existe iluminação.
Assim a psicologia ocidental é realmente apenas terapêutica, apenas uma parte da medicina.
Ela tenta, ela ajuda-o a se reajustar, mas ela não é uma transcendência. O esforço oriental é de
como transcender a mente, porque para nós não existem doenças mentais, lembre-se disso. Para
nós, não existem doenças mentais – mais exatamente, a mente é a doença. Para a psicologia
ocidental, a mente não é a doença. A mente é você, ela não é a doença. A mente pode ser
saudável e a mente pode ser doente.
Para nós a mente é a doença, a mente nunca pode ser saudável. A menos que você vá além da
mente, você nunca pode ser saudável. Você pode ser doente e ajustado ou você pode ser doente e
desajustado, mas você nunca pode ser saudável. Assim, o homem normal não é realmente
saudável. Ele está apenas dentro dos limites, ele é doente dentro dos limites. A pessoa anormal é
aquela que foi além dos limites; e a diferença entre os dois é somente de grau – de quantidade,
não de qualidade.
Um louco em um hospício e você – não existe diferença qualitativa, somente de grau. Ele é
um pouco mais louco do que você; você está dentro dos limites. Funcionalmente, você pode
conduzir a sua vida. Ele não pode conduzir a vida dele agora; ele foi mais longe do que você. Ele
tem um caso avançado, nada mais. Você está exatamente no caminho e ele já chegou.
A psicologia ocidental tenta trazê-lo de volta para o rebanho, para a manada, para a multidão.
Ela o torna normal. Ela é boa; no que se refere a isso, ela é boa. Mas para nós, a menos que um
homem vá além da mente, ele é louco, porque, para nós, a mente é loucura.
Assim, nós estamos tentando desembaraçar a mente precisamente para conhecer aquilo que
está além dela. Eles também tentam métodos de desembaraçar apenas para ajustar a mente, mas
o além não está presente. E lembre-se disto: a menos que você possa ir além de si mesmo, nada
de valor acontece. A menos que você possa atingir alguma coisa que está além de você, a vida é
sem sentido.
Há outras coisas também... Para Freud e os freudianos, o homem é, realmente, um ser que não
pode ser feliz. O próprio ser, para eles, é de tal ordem, que o homem não pode ser feliz. Se você
não está infeliz, isso é tudo. Lembre-se: se você não está infeliz, fique satisfeito – é o bastante.
Você não pode ser feliz. Por quê? Porque a psicologia freudiana diz que a felicidade reside no ser
instintivo, a felicidade reside no ser como um animal e isso o homem não pode ser. A razão vai
continuamente interferindo. Você pode perder a sua razão e se tornar semelhante a um animal;
então, você pode ser feliz. Mas então, você não estará consciente da felicidade. Esse é o
paradoxo para eles.
Se você retrocede e se torna igual a um animal, você ficará feliz, mas você não estará
consciente. Se você tenta estar consciente, você não pode ser feliz, porque você não pode ser
como um animal. E a razão continua interferindo em todas as coisas. O homem não pode perder
a razão e o homem também não pode viver com a razão – esse é o problema. Assim, você não
pode ser feliz de acordo com Freud. No máximo, se você for sábio, você pode arrumar a sua vida
de uma tal forma que você não seja infeliz. Isso é uma coisa muito negativa.
Para a psicologia, ou a metafísica, ou a religião orientais, existe uma meta positiva. Você
pode ser feliz. Não somente feliz, você pode ser bem-aventurado. E a psicologia oriental diz que,
se você pode sentir que está infeliz, isso mostra a sua potencialidade, a possibilidade de que você
possa ser feliz; do contrário, você não poderia ser capaz de sentir esse estar infeliz tampouco.
Se um homem pode ver a escuridão ele tem olhos e aquele que pode ver a escuridão pode ver
a luz. Lembre-se: os cegos não podem ver a escuridão. Você pode ter pensado que os cegos
vivem na escuridão – esqueça isso completamente. Eles não podem ver a escuridão, porque até
mesmo para se ver a escuridão os olhos são necessários. Se você pode sentir a infelicidade, você
tem olhos... e se você pode sentir a infelicidade, você pode sentir a felicidade. Na verdade, se
você não puder sentir a felicidade, não existe a possibilidade de você sentir a infelicidade. São
pólos opostos.
Você é capaz de ser totalmente feliz, mas, então, a mente não pode existir. Considere isso
dessa maneira; se você retroceder e se tornar apenas um corpo, você ficará feliz. Freud também
concorda com isso. Se você retroceder e esquecer-se da sua razão completamente, se você se
tornar como um animal, apenas um corpo, você ficará feliz, mas você não saberá disso. Com a
mente você pode sabê-lo, mas, então, você não pode ser feliz, porque a mente continuará a
perturbá-lo. O corpo pode ser feliz, mas a mente continua perturbando.
Há uma outra possibilidade, que o Oriente tem posto em prática: ir além. Freud diz que se
você retroceder e se tornar um animal, você será feliz, mas não saberá disso; se você está na
mente, você pode saber, mas não pode ser feliz. A pesquisa oriental diz que se você for além da
mente, você será feliz e também consciente. Este é o terceiro ponto: o do além.
Assim, há esses três pontos. O homem está no meio; abaixo está a existência animal. Vá a
uma floresta e olhe para os animais. Eles não podem ser conscientes de que são felizes, mas você
sentirá que eles são felizes. Vá a uma praia pela manhã, ou a um jardim, e escute o cantar dos
pássaros. Eles podem não saber disso, mas você sentirá que eles são felizes. Você nunca cantou
assim. Olhe profundamente nos olhos deles – são tão límpidos e inocentes! Eles são felizes, mas
você não é feliz.
Retroceda e torne-se apenas um corpo – então, você será feliz. Ou vá além e torne-se o
espírito, ou torne-se o ser e você será feliz. Mas no meio, você estará sempre tenso, porque a
mente não é realmente o fim. Ela é apenas uma corda esticada entre duas realidades: corpo e
alma.
Assim, você está exatamente na corda como um nata, um equilibrista de corda bamba. Um
equilibrista não pode estar à vontade. Ou ele volta, ou vai adiante, mas ele não pode ficar na
corda. Ele tem de descer da corda e há duas possibilidades: ele pode retroceder, ou ele pode ir
adiante e além. A mente é uma corda e viver com a mente é caminhar na corda bamba. Você está
fadado a ficar desequilibrado, desconfortável; a todo momento, há ansiedade, angústia. A vida da
mente é tensão. É por isso que a psicologia ocidental tem sucesso em torná-lo normal, mas falha
em torná-lo uma pessoa auto-realizada.
Mas há novas tendências e as pessoas estão pensando e o Oriente está, agora, penetrando o
Ocidente muito profundamente. Na verdade, esse é o jeito do Oriente conquistar. O Ocidente
conquistou o Oriente – o modo deles era muito grosseiro. O Oriente tem seus próprios modos de
conquista – modos muito sutis, modos silenciosos. Agora, o Oriente está penetrando a mente
ocidental profundamente. Sem nenhuma violência, sem nenhum conflito visível, o Oriente está
penetrando o Ocidente muito profundamente. E, mais cedo ou mais tarde, a psicologia ocidental
terá que desenvolver conceitos sobre transcendência, sobre como transcender a mente.
O desembaraçar pode ser útil de ambas as maneiras. Se você está apenas tentando criar uma
mente normal, o desembaraçar será útil. Mas, então, a sua meta não é a transcendência. Se a sua
meta é a transcendência, então, também o desembaraçar pode ser útil. Todas estas técnicas
podem ser usadas para a paz mental comum e todas estas técnicas podem também ser usadas
para um silêncio real, que não é da mente.
Há dois tipos de silêncio: um da mente, no qual a mente está em silêncio e outro silêncio
quando a mente não existe mais. O silêncio quando a mente não existe mais, é totalmente
diferente da paz mental. Na paz mental, a mente está presente, apenas não muito louca. A
loucura é diminuída – isso é tudo.
A psicologia ocidental precisa se tornar uma metafísica, somente então, o homem poderá
transcender. Ela precisa se tornar uma filosofia também; e finalmente ela precisa se tornar uma
religião. Somente então, o homem pode ser ajudado a transcender.

A terceira questão:

Você esteve explicando muitos métodos de meditação para nós. Entretanto, não é
verdade que nenhum método pode ser tão poderoso a menos que a pessoa seja iniciada
nele?
Um método se torna qualitativamente diferente quando você é iniciado nele. Eu estou falando
sobre os métodos – você pode usá-los. Uma vez que você conheça as bases científicas e o
caminho, tenha o conhecimento do processo, você pode usá-lo, mas a iniciação torna-o
qualitativamente diferente. Se eu o inicio em um método particular, será uma coisa diferente,
porque muitas coisas estão implicadas na iniciação.
Quando eu falo sobre um método e eu o explico para vocês, você pode usá-lo de sua própria
maneira. O método é explicado para vocês, mas se ele se encaixa a você ou não – como ele vai
funcionar em você, que tipo de pessoa você é, não é discutido. Isso não é possível.
Na iniciação, você é mais importante que a técnica. Quando o mestre o inicia, ele o observa.
Ele descobre qual é o seu tipo, descobre o quanto você já trabalhou em suas vidas passadas, onde
você está neste exato momento, em qual centro você está funcionando exatamente agora e, então,
ele decide sobre o método; ele escolhe o método. É uma abordagem individual. O método não é
importante, você é importante; você está sendo estudado e observado e analisado.
Suas vidas passadas, sua consciência, sua mente, seu corpo, eles são dissecados. Você é
sentido profundamente em termos de onde você está, porque a jornada começa deste ponto – o
ponto onde você está exatamente agora. Não é qualquer método que funcionará.
Então, o mestre escolhe um método particular para você; e se ele sente que esse método
particular tem que ser mudado, que pequenas alterações ou algumas adições são necessárias, ele
adiciona, ele retira, ele faz o método se encaixar a você. E, então, ele dá a iniciação; então, ele
lhe dá o método. Por isso insiste-se em que, sempre que você é iniciado em um método, você não
deve falar sobre ele. Ele tem que ser secreto, porque ele é individual. Se você o conta para outra
pessoa, isso pode não ser útil, ou pode até mesmo ser prejudicial.
Ele tem que ser mantido em segredo. A menos que você alcance e seu mestre diga que, agora,
você pode iniciar os outros, o método não deve ser comentado de modo algum – não
mencionado, nem mesmo para o seu marido ou sua esposa, ou seu amigo. Não, ele é
absolutamente secreto, porque ele é perigoso, é muito poderoso. Ele foi escolhido e feito para
você. Ele funcionará para você, mas ele não é para nenhum outro indivíduo no mundo. Na
verdade, cada indivíduo é tão único que necessita de um método diferente e, com uma leve
diferença, um método pode se tornar adequado para ele.
Quanto ao que eu estou falando – estes cento e doze métodos –, eles são métodos
generalizados. Eles são cento e doze métodos generalizados, todos os métodos que foram usados.
Essa é a forma geral de maneira que você se torne familiarizado. Você pode tentar – se alguma
coisa se encaixa a você, você pode continuar. Mas isso não é iniciação em um método. A
iniciação é um assunto pessoal, individual, entre o mestre e o discípulo. É uma transmissão
secreta. E muitas outras coisas estão implicadas na iniciação. Então, o mestre escolhe o momento
certo em que ele lhe dará o método, de forma que ele vá fundo no seu inconsciente.
Enquanto eu estou falando, sua mente consciente está escutando. Você esquecerá. Quando eu
tiver falado sobre cento e doze métodos, você não será nem mesmo capaz de nomeá-los
novamente – os cento e doze – você esquecerá muitos completamente. Você será capaz de
lembrar de alguns e, então, tudo vai se misturar e ficar confuso. Você não saberá qual é qual.
O mestre tem de escolher o momento certo em que seu inconsciente está aberto e, então, ele
lhe dá o método. Então, ele vai fundo no inconsciente. Assim, algumas vezes, a iniciação é dada
durante o sono, não quando você está consciente. Muitas vezes a iniciação lhe é dada em um
profundo transe hipnótico, quando a sua mente consciente está completamente adormecida e sua
mente inconsciente está aberta.
É por isso que a entrega é tão necessária na iniciação. A menos que você se entregue, a
iniciação não pode ser dada, porque a menos que você se entregue, sua mente consciente estará
sempre alerta e em guarda. Quando você se entrega, sua mente consciente pode então ser
liberada de suas obrigações e sua mente inconsciente pode entrar diretamente em contato com o
mestre.
Um momento certo tem que ser escolhido e então você tem que ser preparado para a
iniciação. Pode levar meses para prepará-lo. Tem de haver o alimento certo, o sono certo e todas
as coisas têm de chegar a um ponto tranquilo; somente então, você pode ser iniciado. Assim, a
iniciação é um longo processo, um processo individual. A menos que a pessoa esteja realmente
pronta para se entregar totalmente, a iniciação não é possível.
Assim eu não o estou iniciando nestes métodos, eu estou apenas tornando-o familiarizado
com estes métodos. Se alguém sente que algum método se encaixa a si profundamente e sente
que deveria ser iniciado nesse método, eu posso iniciá-lo nesse método. Mas, então, será um
longo processo. Então, a sua individualidade tem que ser conhecida completamente. Você tem
que se tornar totalmente nu para que nada permaneça escondido. E, então, as coisas se tornam
muito fáceis – porque, quando um método certo é dado para uma pessoa certa em um momento
certo, ele funciona imediatamente.
Algumas vezes acontece que, ao iniciar o discípulo, o discípulo se torna iluminado, a própria
iniciação se torna a iluminação. Então, o método se torna vivo – quando ele é dado por um
mestre particularmente, individualmente. Tudo o que eu estou fazendo agora, não é iniciação,
lembrem-se disso. Isso é uma abordagem científica apenas para despertar os cento e doze
métodos, para torná-los conhecidos.
Se alguém estiver interessado, pode ser iniciado. E quando você está realmente interessado,
você procurará a iniciação, porque trabalhar sozinho em um método é um processo muito longo.
Pode levar anos, pode levar vidas, e você pode não ser capaz de sustentá-lo por um período tão
longo. Através da iniciação, fica muito fácil e, então, o método se torna uma transmissão. Então,
através do método, o mestre começa a trabalhar em você. A iniciação é um relacionamento vivo
com o mestre e um relacionamento longo, naturalmente, vai fundo. Ele o muda e o transforma.

A próxima pergunta:

Você citou George Gurdjieff como tendo dito que a identificação é o único pecado, mas
em muitas técnicas o processo de identificação é usado. Elas dizem, por exemplo: torne-se
um com o amado, torne-se um com a rosa, ou torne-se um com o mestre. E, além disso,
supõe-se que a empatia seja uma qualidade meditativa e espiritual; assim, a citação acima
de Gurdjieff parece ser parcialmente verdadeira e útil somente para certas técnicas.

Não! Ela não é parcialmente verdadeira, ela é totalmente verdadeira. Mas você terá de
compreender. A identificação é inconsciente, mas, quando você usa a identificação em uma
técnica de meditação, ela é consciente.
Por exemplo: seu nome é Ram. Alguém insulta “Ram” – imediatamente você se sente
insultado porque você está identificado com o nome Ram. Mas isso não é uma coisa consciente
em você, é inconsciente. Sua mente não funciona deste jeito: “Eu sou chamado de Ram.
Naturalmente, eu não sou Ram, isso é apenas meu nome e todo mundo nasce sem nome. Esse
nome é dado e ele é arbitrário. Este homem está apenas insultando meu nome arbitrário; assim,
eu devo ficar com raiva, ou não?”. Você nunca raciocinaria dessa maneira. Se você raciocinasse
dessa maneira, você não ficaria com raiva de modo algum. De repente, alguém insulta “Ram” e
você fica insultado, mas esse é apenas um nome arbitrário. Essa identificação é inconsciente, ela
não é consciente.
Quando você está identificado com uma rosa, isso é um esforço consciente. Você não está
identificado com a rosa. Você está tentando identificar a si mesmo com a rosa e você está
tentando esquecer-se de si mesmo. Você está tentando se tornar um com a rosa e você está
profundamente consciente, consciente de todo o processo. Você o está fazendo. Se a
identificação é feita conscientemente, ela se torna uma meditação. E se você faz uma certa
técnica de meditação inconscientemente, ela não é meditação – lembre-se.
Você segue fazendo sua prece todas as manhãs, ou todas as noites inconscientemente, apenas
como uma coisa rotineira. Enquanto a faz, você não está nem um pouco consciente do que você
está fazendo. Você não está absolutamente consciente de que palavras você está dizendo na
prece. Você está apenas repetindo-as como um papagaio. Isso não é meditação. E se você está
tomando o seu banho conscientemente, isso é uma meditação. Assim, lembre-se disto: o que quer
que você esteja fazendo conscientemente, alerta, totalmente desperto, se torna meditação.
Mesmo se você mata alguém conscientemente, enquanto totalmente consciente, isso é meditação.
É por isso que Krishna estava dizendo a Arjuna: “Não tenha medo. Mate, assassine,
totalmente consciente, sabendo totalmente que ninguém é assassinado e que ninguém é morto.”.
Arjuna poderia facilmente matar seus inimigos inconscientemente. Ele poderia ficar louco de
raiva e matar – isso é fácil. Mas Krishna está dizendo: “Fique alerta, esteja totalmente
consciente. Torne-se simplesmente um instrumento nas mãos divinas e fique sabendo que
ninguém é morto, ninguém pode ser morto. O ser interior é eterno, imortal. Assim, você está
apenas destruindo formas, não aquilo que está por trás das formas. Assim, destrua a forma.”. Se
Arjuna pode ser tão meditativamente consciente, então, não existe violência, ninguém é morto,
nenhum pecado é cometido.
Eu vou contar-lhes uma historieta da vida de Nagarjuna. Nagarjuna foi um dos maiores
mestres que a Índia já produziu – do calibre de Buda e Mahavira e Krishna. E Nagarjuna era um
gênio raro. Realmente, a nível intelectual, não existe comparação em todo o mundo: um intelecto
tão agudo e penetrante raramente acontece.
Ele estava passando por uma cidade, uma capital e ele vivia sempre nu. A rainha daquele
reino era uma crente, uma seguidora e uma amante de Nagarjuna, uma devota. Assim, Nagarjuna
foi até o palácio para pedir comida. Ele tinha uma cuia de mendigar, de madeira.
A rainha disse: “Dê-me essa cuia. Cuidarei dela com carinho como um presente; e eu tenho
uma outra feita para você. Você pode levar esta.”.
Nagarjuna disse: “Está bem!”. A outra era dourada e muitas pedras preciosas estavam
incrustadas nela; ela era muito valiosa. Nagarjuna não disse nada. Comumente nenhum saniássin
a pegaria; ele diria: “Eu não posso tocar em ouro.”. Mas Nagarjuna pegou. Se realmente o ouro é
apenas lodo, então, por que fazer qualquer distinção? Ele pegou-a.
Até mesmo a rainha não sentiu aquilo como coisa boa. Ela sentiu: “Por quê? Ele deveria ter
dito ‘não’. Tamanho santo! Por que ele pegou uma coisa tão valiosa enquanto vive nu, sem
nenhuma roupa, sem nenhuma posse? Por que ele não a rejeitou?”.
Se Nagarjuna a tivesse rejeitado, a rainha poderia ter insistido, requisitado, mas, então, ela
teria se sentido melhor. Nagarjuna pegou-a e saiu.
Um ladrão viu-o passando pela cidade e o ladrão pensou: “Este homem não pode ficar com
aquela cuia, alguém acabará roubando ou tomando-a dele. Nu assim... – como ele pode protegê-
la?”. Assim, ele foi atrás... o ladrão seguiu Nagarjuna. Nagarjuna estava alojado fora da cidade
em um velho mosteiro, sozinho; o mosteiro estava em ruínas. Ele entrou, ouviu os passos do
homem, mas não olhou para trás porque ele pensou: “Ele deve ter vindo pela cuia de mendigar,
não por mim; porque... quem viria? Ninguém nunca me segue até estas ruínas.”.
Ele entrou. O ladrão permaneceu atrás da parede e esperou. Nagarjuna, vendo que ele estava
esperando do lado de fora, atirou a cuia de mendigar lá fora da porta.
O ladrão não pôde entender: “Que tipo de homem é este? Nu, com uma coisa tão preciosa e
ele a joga fora?!”. Assim, ele perguntou a Nagarjuna: “Posso entrar, senhor? Eu tenho que fazer
uma pergunta.”.
Nagarjuna disse: “Eu joguei a cuia para fora simplesmente para que você pudesse entrar –
para ajudá-lo a entrar, porque eu vou tirar minha soneca da tarde. Você pode ter vindo pela cuia
de mendigar, mas, desse jeito, não haveria nenhum encontro comigo. Entre.”.
O ladrão entrou. Ele disse: “Uma coisa tão preciosa e você a joga fora!? E você é um sábio
tão grande que eu não posso mentir na sua frente – eu sou um ladrão.”.
Nagarjuna disse: “Não se preocupe, todo mundo é ladrão. Você foi em frente, não gastou
tempo com coisas desnecessárias.”.
O ladrão disse: “Algumas vezes, olhando para pessoas como você, minha mente também
começa a desejar saber como esse estado pode ser alcançado. Eu sou um ladrão; parece
impossível para mim. Mas eu espero e eu rezo para que algum dia eu também seja capaz de jogar
fora uma coisa tão preciosa. Ensine-me alguma coisa. Eu fui a muitos sábios e sou um ladrão
bem conhecido, assim todo mundo me conhece. Eles dizem: ‘Primeiro deixe a sua ocupação, sua
profissão, somente então, você pode dar início à meditação.’. Isso é impossível, eu não posso
deixá-la, assim eu não posso dar início à meditação”.
Nagarjuna disse: “Se alguém diz ‘primeiro deixe de roubar e, depois, dê início à meditação’,
então, essa pessoa não sabe nada de meditação, absolutamente – porque... como a meditação está
relacionada com o roubo? Não existe nenhum relacionamento. Assim, continue fazendo o que
quer que você esteja fazendo. Eu lhe darei uma técnica; pratique-a.”.
O ladrão disse: “Agora, parece que nós podemos seguir juntos. Então, eu posso continuar
exercendo a minha profissão? Qual é a técnica? Diga-me imediatamente!”.
Nagarjuna disse: “Simplesmente permaneça consciente. Quando você for roubar alguma
coisa, simplesmente esteja totalmente consciente e desperto. Quando você estiver assaltando uma
casa, esteja completamente consciente. Quando você estiver roubando um tesouro, esteja
totalmente consciente. Quando você estiver tirando alguma coisa do tesouro, esteja totalmente
consciente. Faça-o conscientemente. O que quer que você faça, não é da minha conta. E venha
depois de quinze dias, mas não venha se você não tiver praticado. Pratique por quinze dias;
continue fazendo tudo o que você está fazendo, mas faça-o totalmente consciente.”.
No terceiro dia o ladrão voltou e disse: “Quinze dias é muito tempo e você é um companheiro
muito astuto. Você me deu uma tal técnica que, se eu estou totalmente consciente, eu não posso
roubar. Nas últimas três noites eu estive no palácio. Eu cheguei ao tesouro, eu o abri, coisas
preciosas estavam à minha frente, mas, então, eu me tornei totalmente consciente. E no momento
em que eu me tornei totalmente consciente, eu me tornei semelhante a uma estátua de Buda. Eu
não podia continuar mais; minha mão não podia se mover e todo o tesouro parecia sem utilidade.
Assim, eu tive que voltar repetidas vezes. O que eu faço? E você disse que deixar a minha
profissão não era uma condição, mas o seu método parece ter um processo embutido.”.
Nagarjuna disse: “Não venha a mim novamente. Agora, você pode escolher. Se você quer
continuar roubando, esqueça a meditação. Se você quer meditar, então, esqueça o roubo. Você
pode escolher.”.
O ladrão disse: “Você me colocou em um dilema. Por esses três dias, eu soube que estava
vivo. E quando eu voltava sem ter apanhado nada do palácio, pela primeira vez, eu era um
soberano, não um ladrão. Esses três dias foram tão bem-aventurados, que, agora, eu não posso
deixar a meditação. Você me enganou; agora, me inicie e me faça seu discípulo. Não existe
nenhuma necessidade de continuar tentando, três dias são suficientes”.
Qualquer que seja o objeto, se você está consciente, ele se torna meditação. Tente a
identificação conscientemente – ela se torna meditação. Inconscientemente, ela é um grande
pecado.
Você está todo identificado com muitas coisas: “Isto é meu, aquilo é meu...”. Você está
identificado! “Este é o meu país, esta é a minha nação, esta é a minha bandeira nacional...” Se
alguém joga sua bandeira nacional, você fica furioso – “O que ele está fazendo! ?”. Você não
tem nação e todas as bandeiras nacionais são mitos. É bom brincar com elas como as crianças
fazem; elas são brinquedos. Mas você pode matar e ser morto por elas e países podem ser criados
e destruídos por insultarem uma bandeira nacional. E ela é apenas um pedaço de pano.
O que está acontecendo? Você está identificado com ela. Essa identificação é inconsciente. A
inconsciência é pecado.
Chega por hoje.
Capítulo 17

VÁRIAS TÉCNICAS DE “PARAR”



OS SUTRAS

25 Exatamente no momento em que você tiver o impulso para fazer alguma coisa, pare.
26 Quando algum desejo vier, considere-o. Então, de repente, abandone-o.
27 Ande sem parar, até a exaustão e, então, caia no chão; nessa queda, seja total.

A vida tem duas balanças: uma é a do ser e a outra a do fazer. Seu ser é a sua natureza. Ele
está sempre com você; você não tem que fazer nada para tê-lo. Ele já é o fato, você é ele. Não é
que você o possua, nem mesmo que exista uma distância entre você e ele – você é ele. Você é o
seu ser. Fazer é uma conquista. O que quer que você possa fazer, ainda não é o fato. Se você o
fizer, acontecerá; se você não o fizer, não acontecerá. Tudo que ainda não é o fato, não é o seu
ser.
Para existir, para sobreviver, você tem de atuar muito. E então, pouco a pouco, a sua atividade
se torna um entrave para você conhecer o seu ser. Sua atividade é a sua circunferência – você
vive nela, você não pode viver sem ela. Mas ela é apenas a circunferência – ela não é você, não é
o centro. Tudo o que você tem é conquista do seu fazer; ter é o resultado do fazer. Mas o centro
está cercado, engolfado pelo seu fazer e seu ter.
A primeira coisa a se perceber, antes de prosseguirmos nessas técnicas, é que tudo o que você
tem não é seu ser, e tudo o que você faz ou pode fazer não é o seu ser. Seu ser precede todo o
fazer. Seu ser precede todas as suas posses, todo o seu ter. Mas a mente está constantemente
envolvida no fazer e no ter. Além da mente ou abaixo da mente, existe o seu ser. Como penetrar
nesse centro é o que as religiões sempre estiveram procurando. Foi isso o que sempre estiveram
buscando todos aqueles que estão interessados em conhecer a realidade básica da existência
humana, o núcleo definitivo, a substância de seu ser. A menos que você entenda essa divisão
entre a circunferência e o centro, você não será capaz de entender esses sutras que nós iremos
discutir.
Assim, perceba a distinção. Tudo o que você tem – dinheiro, conhecimento, prestígio,
qualquer coisa que você tenha – não é você. Você as tem, elas são suas posses; você é diferente
delas. Em segundo lugar, tudo o que você faz não é seu ser. Você pode fazê-lo ou pode não fazê-
lo. Por exemplo: você ri, mas você pode rir ou pode não rir; você corre, mas você pode correr ou
pode não correr. Mas você existe e não há escolha. Você não pode escolher o seu ser. Você já
existe.
A ação é uma escolha. Você pode escolher, pode não escolher. Você pode fazer “isto”, você
pode não fazer “isto”. Você pode se tornar um santo ou você pode se tornar um ladrão, mas sua
condição de santo ou de ladrão são, ambas, ações. Você pode escolher, você pode mudar. Um
santo pode se tornar um ladrão e um ladrão pode se tornar um santo. Mas isso não é o seu ser:
seu ser precede sua condição de santo, sua condição de ladrão.
Sempre que você tem que fazer alguma coisa, você já tem que estar presente; do contrário
você não pode fazê-la. Quem corre? Quem ri? Quem rouba? Quem se torna um santo? O ser
deve preceder toda atividade. A atividade pode ser escolhida, mas o ser não pode ser escolhido.
O ser é quem escolhe, não a escolha; e você não pode escolher quem escolhe – ele já está
presente. Você não pode fazer nada com relação a ele. Lembre-se disso: o ter, o fazer estão com
você exatamente como uma circunferência está com o centro, mas você é o centro.
Esse centro é o si-mesmo, ou você pode chamá-lo de atma ou de qualquer outro nome que
você queira. Esse centro é o seu ponto mais interno. Como chegar até ele? E a menos que a
pessoa chegue nele, conheça-o, a menos que a pessoa se dê conta dele, ela não pode chegar a um
estado de bem-aventurança que seja eterno: ela não pode conhecer a imortalidade, não pode
conhecer o divino.
A menos que a pessoa se dê conta desse centro, ela permanecerá na miséria, angustiada e
sofrendo. A circunferência é o inferno. Essas técnicas são os meios para se entrar nesse centro.

25 Pare!

A primeira técnica do parar:

Exatamente no momento em que você tiver o impulso para fazer alguma coisa, pare.

Todas essas técnicas estão relacionadas com o parar no meio. George Gurdjieff tornou essas
técnicas muito conhecidas no Ocidente, mas ele não conhecia o Vigyan Bhairav Tantra. Ele
aprendeu essas técnicas no Tibete, dos lamas budistas. Ele trabalhou essas técnicas no Ocidente,
e muitos e muitos buscadores chegaram a perceber o centro através dessas técnicas. Ele chamou-
as de “exercício de parar”, mas a fonte desses exercícios é o Vigyan Bhairav Tantra.
Os budistas aprenderam do Vigyan Bhairav. Os súfis também têm esses exercícios; eles
também tomaram emprestado do Vigyan Bhairav. Basicamente, esse é o livro fonte de todas as
técnicas que são conhecidas em todo o mundo.
Gurdjieff a usou de um modo muito simples. Por exemplo: ele dizia para os seus alunos
dançarem. Um grupo dançaria – um grupo de, digamos, vinte pessoas estaria dançando – e, de
repente, ele dizia: “Pare”! E no momento em que Gurdjieff dizia “pare”, eles tinham de parar
totalmente. Onde quer que a pausa caísse, eles tinham de parar exatamente ali. Nenhuma
mudança poderia ser feita, nenhum ajustamento poderia ser feito. Se um de seus pés estivesse
acima do chão e você estivesse apenas se apoiando em um pé, você teria de permanecer desse
jeito. Se você caísse, isso era outra coisa, mas você não estava cooperando com a queda. Se seus
olhos estivessem abertos, eles tinham de permanecer abertos. Agora você não poderia fechá-los.
Se eles se fechassem por si mesmos, isso era outra coisa. Mas no que se refere a você,
conscientemente, você tinha de parar, você tinha de se tornar igual a uma estátua de pedra.
Milagres aconteceram, porque, em atividade, na dança, em movimento, quando de repente
você pára, um intervalo acontece. Essa parada repentina de toda a atividade o divide em dois: seu
corpo e você. Seu corpo e você estavam em movimento. De repente, você pára. O corpo tem
tendência ao movimento. Ele estava em movimento; assim, existia um momentum; você estava
dançando e havia momentum.
O corpo não está pronto para essa parada repentina. De repente, você sente que o corpo tem o
impulso para fazer alguma coisa, mas você parou. Surge uma lacuna. Você sente o seu corpo
como alguma coisa distante, muito longe, com o impulso para se mover, com o momentum para a
atividade. E como você parou e não está cooperando com o corpo e sua atividade e seu impulso,
seu momentum, você fica separado dele.
Mas você pode enganar a si mesmo. Uma leve cooperação e a lacuna não acontecerá. Por
exemplo, você se sente desconfortável, mas o professor disse: “Pare”! Você ouviu a palavra, mas
você ainda se ajeita e, então, pára. Então, nada acontecerá. Então, você enganou a si mesmo, não
ao professor, porque você perdeu o ponto. Todo o objetivo da técnica foi perdido. De repente,
quando você escuta a palavra “Pare”! instantaneamente, você tem de parar, sem fazer nada.
Talvez a postura estivesse inconveniente, você estivesse com medo de cair no chão, você
poderia quebrar um osso. Mas o que quer que aconteça, agora naquele momento, não lhe
interessa. Se lhe interessar, você estará se enganando. Esse “ficar morto” repentino cria um
intervalo. A parada está no corpo e aquele que pára está no centro; a circunferência e o centro
estão separados. Nessa parada repentina, você pode sentir a si mesmo pela primeira vez; você
pode sentir o centro. Gurdjieff usou essa técnica para ajudar a muitos.
Essa técnica tem muitas dimensões, ela pode ser usada de várias formas. Mas primeiro tente
entender o mecanismo. O mecanismo é simples. Você está em atividade e, quando está em
atividade, você se esquece de si mesmo completamente: a atividade se torna o centro de sua
atenção.
Alguém morreu e você está chorando e se lamentando e as lágrimas estão caindo. Você se
esqueceu de si mesmo completamente. Aquele que morreu se tornou o centro e, em volta desse
centro, essa atividade está acontecendo – o seu lamento, o seu choro, a sua tristeza, as suas
lágrimas. Se de repente eu lhe digo: “Pare”! e você pára completamente, você será tirado
totalmente de seu corpo e do reino da atividade. Sempre que você está em atividade, você está
nela, profundamente absorvido nela. De repente, a parada tira-o do equilíbrio, ela joga-o para
fora da atividade. Esse ato de “ser jogado” o leva para o centro.
Comumente, o que nós estamos fazendo? De uma atividade, nos movemos para outra. Nós
vamos de uma atividade para outra, de A para B e de B para C. Pela manhã, no momento em que
você acorda, a atividade começa. Agora então, você estará ativo por todo o dia, você mudará
para muitas atividades, mas você não estará inativo por um simples momento. Como estar
inativo? É difícil. E se você tentar ficar inativo, seu esforço para ficar inativo se tornará uma
atividade.
Existem muitos que estão tentando ficar inativos. Eles sentam-se em postura búdica e tentam
ficar inativos. Mas como você pode tentar ficar inativo? O próprio esforço é novamente uma
atividade. Dessa forma, você pode converter a inatividade em uma atividade também. Você pode
se forçar a ficar quieto, imóvel, mas esse forçar é uma atividade da mente. É por isso que muitos
tentam entrar em meditação, mas nunca chegam a lugar algum – porque a meditação deles é
novamente uma atividade. Eles podem mudar... Se você estava cantando uma canção comum,
você pode agora mudar para um bhajan, para uma canção devocional, você pode cantar mais
devagar agora, mas ambas são atividades. Você está correndo, você está caminhando, você está
lendo – tudo isso são atividades. Você pode rezar – isso também é uma atividade. Você pode se
mover de uma atividade para outra.
E com a última coisa à noite, quando você está para cair no sono, você ainda está ativo; a
atividade não parou. É por isso que os sonhos acontecem, porque a atividade continua. Você caiu
no sono, mas a atividade continua. No subconsciente, você ainda está ativo – fazendo coisas,
possuindo coisas, perdendo coisas, se movimentando. Sonhar significa que você caiu no sono por
causa do esforço, mas a atividade ainda está presente, continuamente.
Somente algumas vezes, por uns poucos momentos... – e eles se tornaram cada vez mais e
mais raros para o homem moderno – somente por uns poucos momentos, o sonho pára e você
fica totalmente adormecido. Mas, então, essa inatividade é inconsciente. Você não está
consciente, você está profundamente adormecido. A atividade cessou; agora não existe
circunferência, agora você está no centro – mas totalmente exausto, totalmente morto,
inconsciente.
Por isso os hindus sempre falaram que sushupti, o sono sem sonho, e samadhi, o êxtase
definitivo, são similares – a mesma coisa com apenas uma diferença. Mas a diferença é grande: a
diferença é de consciência. Em sushupti, no sono sem sonho, você está no centro de seu ser –
mas inconsciente. No samadhi, no êxtase definitivo, no último estágio da meditação, você
também está no centro – mas consciente. Essa é a diferença, mas é uma grande diferença, porque
se você está inconsciente, mesmo que você esteja no centro, não significa nada. Rejuvenesce-o,
torna-o mais vivo novamente, lhe dá vitalidade – pela manhã você se sente fresco e alegre – mas
se você estiver inconsciente, ainda que esteja no centro, sua vida permanece a mesma.
No samadhi, você entra em si mesmo totalmente consciente, totalmente alerta. E uma vez que
você esteja no centro totalmente alerta, você nunca mais será o mesmo novamente. Agora você
saberá quem você é. Agora você saberá que suas posses, suas ações estão apenas na periferia;
elas são como ondulações, não são sua natureza.
O mecanismo dessas técnicas de parar é jogá-lo repentinamente para a inatividade. Tem de
ser algo que venha de repente, porque, se você tentar ficar inativo, você transformará isso em
atividade. Assim, não tente, mas, de repente, fique inativo. Esse é o sentido do “Pare”! Você está
correndo e eu digo: “Pare”! Não tente, simplesmente pare! Se você tentar, você perderá o ponto.
Por exemplo, você está sentado aqui. Se eu digo “pare”, então pare imediatamente sem demora;
nem um único segundo deve ser perdido. Se você tenta e se ajusta e se acomoda e então diz
“tudo bem, agora, eu vou parar”, você perdeu o ponto. De repente é a base, assim não faça
nenhum esforço para parar – simplesmente pare!
Você pode experimentar em qualquer lugar. Você está tomando o seu banho – de repente,
ordene para si mesmo “Pare”! e pare. Mesmo que seja somente por um único momento, você
sentirá um fenômeno diferente acontecendo dentro de você. Você é jogado para o centro e de
repente todas as coisas param – não somente o corpo. Quando o corpo pára totalmente, sua
mente pára também. Quando você diz “Pare”!, não respire então. Deixe tudo parar... sem
respiração, sem movimento do corpo. Por um simples momento permaneça parado e você sentirá
que penetrou de repente, com a velocidade de um foguete, o centro. E mesmo um lampejo é
miraculoso, revolucionário. Ele o transforma e, em pouco tempo, você pode ter lampejos mais
claros do centro. É por isso que a inatividade não é para ser praticada. Use-a de repente, quando
você estiver inconsciente.
Assim um mestre pode ser útil. Esse é um método de grupo. Gurdjieff o usou como um
método de grupo, porque, se você disser “Pare”!, você poderá se enganar facilmente. Primeiro
você pode se colocar numa posição confortável e, depois, dizer “Pare”! Ou mesmo que
conscientemente você não faça nenhuma preparação para isso, inconscientemente, você pode
estar preparado. Então, você pode dizer: “Agora eu posso parar.” Se isso for feito pela mente, se
existir um planejamento por trás, será inútil; então, a técnica não será de nenhuma ajuda. Assim,
em um grupo, é melhor. Um mestre está trabalhando com você e ele diz: “Pare”! Ele encontrará
momentos, em que você esteja numa postura muito inconveniente e, então, um lampejo acontece,
um relâmpago repentino.
A atividade pode ser praticada; a inatividade não pode ser praticada – e se você a pratica, ela
se torna apenas outra atividade. Você pode ficar inativo apenas de repente. Algumas vezes
acontece, quando você está dirigindo um carro e, de repente, você sente que irá acontecer um
acidente, que outro carro chegou muito perto do seu e, em apenas um segundo, haverá uma
batida. De repente sua mente pára, a respiração pára, tudo pára. Assim, muitas vezes em tais
acidentes a pessoa é jogada para o centro. Mas você pode perder a coisa em um acidente.
Eu estava em um carro e houve um acidente, e um dos mais belos acidentes possíveis. Três
pessoas estavam comigo, mas elas perderam completamente toda a coisa. Poderia ter ocorrido
uma revolução em suas vidas, mas elas perderam. O carro caiu dentro do leito de um rio, no leito
seco de um rio. O carro ficou completamente de cabeça para baixo e as três pessoas que estavam
comigo começaram a gritar, começaram a chorar.
Uma das mulheres presentes estava gritando. Ela estava exatamente do meu lado e gritava:
“Eu estou morta! Eu estou morta”!
Eu lhe disse: “Se você está morta, então, ninguém estaria aqui para dizer isso’’.
Mas ela estava tremendo e dizia: “Eu estou morta! O que acontecerá aos meus filhos”?
Mesmo depois que a carregamos para fora do carro, ela continuava tremendo e dizendo a mesma
coisa: “O que acontecerá aos meus filhos? Eu estou morta”! Levou pelo menos meia hora para
ela se acalmar.
Ela perdeu a coisa toda. Foi algo tão belo! De repente ela poderia ter parado tudo. E ninguém
podia fazer nada. O carro estava caindo da ponte; assim, a atividade dela não era necessária de
modo algum. Ninguém podia fazer nada. Mas ainda assim a mente pode criar a atividade. Ela
começou a pensar em seus filhos e, então, começou a gritar: “Eu estou morta”! Um momento
sutil foi perdido. Em situações perigosas, a mente pára automaticamente. Por quê? Porque a
mente é um mecanismo e ela só pode funcionar com coisas rotineiras – com aquilo para o qual
ela foi treinada.
Você não pode treinar a sua mente para acidentes, do contrário eles não poderiam ser
chamados de acidentes. Se você está preparado, se você passou através de ensaios, então, não são
acidentes. “Acidente” significa que a mente não está pronta para fazer alguma coisa. A coisa é
tão repentina, ela salta do desconhecido – a mente não pode fazer nada. Ela não está preparada,
ela não foi treinada para aquilo. Ela está fadada a parar, a menos que você comece a fazer outra
coisa, a menos que você comece alguma coisa para a qual você foi treinado.
Essa mulher que estava gritando sobre seus filhos não estava de maneira alguma atenta ao que
estava acontecendo. Ela nem mesmo estava consciente de que estava viva. O momento presente
não estava em seu foco de consciência. Ela se moveu para longe da situação, em direção a seus
filhos, à morte e às outras coisas. Ela escapou. No que se refere à atenção, ela escapou da
situação completamente.
Mas no que se refere à situação, nada poderia ser feito; a pessoa poderia apenas ficar
consciente. O que quer que estivesse acontecendo, estava acontecendo. Poder-se-ia apenas estar
consciente. No que se refere ao presente momento, em um acidente, o que você pode fazer? Ele
já está além de você e a mente não está preparada para ele. A mente não pode funcionar; assim, a
mente pára.
É por isso que os perigos têm um apelo secreto, um apelo intrínseco: eles são momentos
meditativos. Se você corre de carro e vai além de cento e quarenta quilômetros por hora e,
depois, além de cento e sessenta e, depois, além de cento e oitenta e além de duzentos, então,
chega uma situação na qual qualquer coisa pode acontecer e você não será capaz de fazer nada.
Agora, na verdade, o carro está além do controle, indo além do controle. De repente, a mente não
pode funcionar; ela não está pronta para isso. Essa é a emoção da velocidade – porque um
silêncio invade-o sutilmente, você é jogado para o seu centro.
Essas técnicas o ajudam a se mover para o centro sem nenhum acidente, sem nenhum perigo.
Mas lembre-se, você não pode praticá-las. Quando eu digo que você não pode praticá-las, o que
eu quero dizer? De uma maneira, você pode praticá-las: de repente você pode parar. Mas a
parada deve ser repentina, você não deve estar preparado para ela. Você não deve pensar sobre
ela e planejá-la e, então, dizer: “Às doze horas eu irei parar”. Deixe o desconhecido lhe acontecer
quando você não estiver preparado. Mova-se no desconhecido, no não-mapeado, sem nenhum
conhecimento. Esta é uma técnica: Exatamente no momento em que você tiver o impulso para
fazer alguma coisa, pare. Essa é uma dimensão.
Por exemplo, você tem o impulso para espirrar. Você está sentindo que o impulso está vindo,
você está sentindo o espirro chegar. Então, chega um momento em que você não pode fazer nada
– ele vai acontecer. Mas bem no começo da sensação, quando você sente a sensação de um
espirro chegando, no momento em que você se torna consciente, pare! O que você pode fazer?
Você pode parar o espirro? Se você tentar parar o espirro, o espirro chegará mais cedo, porque a
parada tornará a sua mente mais consciente dele e você sentirá mais a sensação. Você se tornará
mais sensível, sua atenção total estará presente e essa atenção ajudará o espirro a vir mais cedo.
Aquilo se tornará insuportável. Você não pode parar o espirro diretamente, mas você pode parar
a si mesmo.
O que você pode fazer? Você sente a sensação do espirro chegando: pare! Não tente parar o
espirro, apenas pare a si mesmo. Não faça nada. Permaneça completamente sem se mover, nem
mesmo com sua respiração entrando ou saindo. Por um momento, pare, e você sentirá que o
impulso foi embora, que ele foi abandonado. E nesse abandono do impulso uma energia sutil é
liberada, que é usada para ir em direção ao centro, porque, no espirro, você está jogando alguma
energia para fora – como em qualquer impulso.
“Impulso” significa que você está carregado com uma energia que você não pode usar e não
pode absorver. Ela quer se mover para fora, ela quer ser jogada para fora; você quer um alívio. É
por isso que depois de um espirro você se sente bem, um sutil bem-estar. Nada aconteceu, você
simplesmente liberou alguma energia que era supérflua, uma carga. Agora ela não existe mais,
você foi liberado dela. Então você sente um sutil relaxamento por dentro.
É por isso que psicólogos – Pavlov, B. F. Skinner e outros – dizem que o sexo também é
como um espirro. Eles dizem que psicologicamente não há diferença, o sexo é como um espirro.
Você está sobrecarregado de energia, você quer jogá-la fora. Uma vez que ela seja jogada fora,
seu mecanismo relaxa. Você se torna descarregado. Então, você se sente bem. Essa sensação boa
é apenas uma liberação, de acordo com os psicólogos, e, até onde a psicologia vai, eles estão
certos. Sempre que você tem um impulso, exatamente no momento em que você tiver o impulso
para fazer alguma coisa, pare! Não somente com um impulso fisiológico, qualquer impulso
pode ser usado.
Por exemplo, você estava indo beber um copo de água. Você tocou a água, o copo... De
repente, pare. Deixe a mão ali, deixe o desejo de beber, a sede, existir por dentro, mas você pára
completamente. O copo está fora, a sede está dentro, a mão no copo, os olhos no copo – pare de
repente. Sem respirar, sem se mover, como se você se tornasse morto. Esse simples impulso, a
sede, liberará a energia e essa energia é usada para ir para o centro. Você será jogado para o
centro. Por quê? Porque qualquer impulso é um movimento para fora. Lembre-se, “impulso”
significa energia movendo-se para fora.
Lembre-se de uma outra coisa: a energia está sempre em movimento – ou entrando ou saindo.
A energia nunca pode ficar estática. Essas são as leis. Se você entende as leis, então, o
mecanismo da técnica será fácil. A energia está sempre em movimento. Ou ela se move para
fora, ou se move para dentro: a energia nunca pode ficar estática. Se está estática, não é energia.
E não existe nada que não seja energia; assim tudo está se movendo em algum lugar.
Quando um impulso, qualquer impulso, vem até você, isso significa que a energia está se
movendo para fora. É por isso que suas mãos vão para o copo – você se moveu para fora. Surgiu
um desejo de fazer alguma coisa. Todas as atividades são movimentos daquilo que está dentro
em direção àquilo que está fora – movimentos de dentro para fora.
Quando você pára de repente, a energia não pode ficar estática em você. Você se tornou
estático, mas a energia não pode ficar estática em você e o mecanismo através do qual ela estava
se movendo para fora não está morto, ele parou. Assim, o que a energia pode fazer? A energia
não pode fazer nada além de se mover internamente. A energia não pode ficar estática. Ela estava
indo para fora. Você parou, o mecanismo parou, mas o mecanismo que pode levá-la para o
centro está presente. Essa energia se moverá para dentro.
Você está convertendo sua energia e mudando sua dimensão a todo momento sem saber
disso. Você está com raiva e você quer bater em alguém ou destruir alguma coisa ou fazer
alguma coisa violenta – tente isso. Pegue alguém – seu amigo, sua esposa, seu filho, qualquer um
– e abrace, beije ou o acaricie. Você estava com raiva, você estava para destruir alguma coisa;
você queria fazer alguma coisa violenta. Seu pensamento era destrutivo, a energia estava se
movendo em direção à violência. Ame alguém imediatamente.
No começo, você pode sentir que isso é apenas uma representação. Você se surpreenderá:
“Como eu posso amar? Como eu posso amar neste momento? Eu estou com raiva”! Você não
conhece o mecanismo. Nesse momento, você pode amar profundamente, porque a energia foi
despertada, ela subiu. Ela chegou a um ponto onde ela quer ser expressa e a energia precisa de
movimento. Se você simplesmente começar a amar alguém, a mesma energia se moverá para o
amor e você sentirá uma torrente de energia que pode nunca ter sentido antes.
Há pessoas que não podem entrar no amor a menos que fiquem com raiva, a menos que
fiquem violentas. Há pessoas que só podem entrar em um amor profundo quando suas energias
estão se movendo violentamente. Você pode não ter observado, mas isso acontece diariamente:
casais brigam antes de fazer amor. Esposas e maridos brigam, ficam com raiva, ficam violentos
e, depois, eles fazem amor e podem não ter entendido o que aconteceu. Então, isso se torna um
hábito mecânico – sempre que eles brigam, eles irão fazer amor. E no dia em que eles não
brigam, eles não serão capazes de amar.
Particularmente nas aldeias indianas, onde as esposas ainda são espancadas, se um marido
pára de bater em sua esposa, fica-se sabendo que então ele parou de amá-la. E até mesmo as
esposas entendem que, se o marido tornar-se totalmente não-violento com elas, isso significa que
o amor acabou. Ele não está lutando; assim, isso significa que ele não está amando.
Principalmente em aldeias indianas, onde as esposas ainda apanham dos maridos, se um
determinado marido pára de bater na esposa, sabe-se que, agora, ele parou de fazer amor com
ela. E, até mesmo as esposas compreendem que, se o marido se tornou totalmente não-violento
com elas, significa que o amor acabou. Ele não está brigando, então significa que ele não está
amando.
Por quê? Por que a briga está associada ao amor? Ela está associada, porque a mesma energia
pode se mover em dimensões diferentes. Você pode chamá-la de “amor” ou de “ódio”. Eles
parecem opostos, mas eles não são tão opostos, porque a mesma energia está se movendo.
Assim, uma pessoa que se torna incapaz de odiar, se torna incapaz de amar, de acordo com as
suas definições de amor. Uma pessoa que não pode ser violentamente raivosa se torna incapaz do
amor que você conhece. Ela pode ser capaz de uma qualidade diferente de amor, mas isso não é
o seu amor. Um buda ama, mas esse amor é totalmente diferente. Eis por que Buda o chama de
compaixão; ele nunca o chama de amor. Ele é mais parecido com compaixão, menos parecido
com amor, porque o seu amor implica ódio, raiva, violência.
A energia pode se mover, pode mudar de direção. Ela pode se tornar ódio, ela pode se tornar
amor – a mesma energia. E a mesma energia pode se mover para dentro também; assim, sempre
que você tiver um impulso de fazer alguma coisa, pare! Isso não é repressão. Você não está
reprimindo nada, você está apenas brincando com a energia – apenas brincando com a energia e
conhecendo o funcionamento dela, como ela funciona internamente. Mas lembre-se, o impulso
deve ser verdadeiro e autêntico; do contrário, nada acontecerá.
Por exemplo, quando não há sede, você se move para um copo de água e, então, de repente,
você pára. Nada acontecerá porque não há nada para acontecer – a energia não estava se
movendo. Você estava sentindo amor por sua esposa, seu marido, seu amigo. Você queria
abraçar, beijar – pare! Mas o impulso deve estar presente autenticamente. Se o impulso não
estiver presente e você estiver apenas consolando alguém – você vai beijar, porque o beijo é
esperado e, então, você pára – nada acontecerá, porque não havia nada se movendo internamente.
Assim, primeiramente lembre-se de que o impulso precisa ser autêntico, verdadeiro. Somente
com um impulso verdadeiro, a energia pode se mover e, quando um impulso verdadeiro é
repentinamente interrompido, a energia fica suspensa. Sem nenhuma dimensão para onde ir
externamente, ela se volta para dentro. Ela tem de se mover, ela não pode permanecer ali.
Mas nós somos tão falsos que nada parece verdadeiro. Você come a sua comida por causa do
relógio, por causa do horário, não por causa da fome. Assim, se você parar, nada acontecerá,
porque não havia realmente nenhuma fome por detrás, nenhum impulso. Nenhuma energia
estava se movendo ali. É por isso que, se você almoça à uma hora, à uma hora você sentirá fome.
Mas a fome é falsa; ela é apenas um hábito mecânico, apenas um hábito morto. Seu corpo não
está com fome. Se você não comer, sentirá que alguma coisa está faltando; mas se você puder
permanecer por uma hora sem comer, você a esquecerá, a fome terá se acalmado.
Uma fome verdadeira crescerá mais; ela está fadada a crescer. Se sua fome era verdadeira,
então, às duas horas você sentirá mais fome. Se a fome era falsa, então, às duas horas você a terá
esquecido completamente. Na verdade, não haverá nenhuma fome às duas. Mesmo que você
queira comer então, você não sentirá fome. A fome era simplesmente uma sensação falsa,
mecânica. Nenhuma energia estava se movendo, era apenas a mente dizendo para você que
“agora é hora de comer”; assim, coma.
Se você está sentindo sono, pare! Mas a sensação deve ser verdadeira; esse é o problema. E
esse é o problema para nós agora, não era assim no tempo de Shiva. Quando o Vigyan Bhairav
Tantra foi ensinado pela primeira vez, não era assim. O homem era autêntico, a humanidade era
verdadeira, pura, nada era falso com relação a ela. Conosco tudo é falso; você finge que ama;
você finge que está com raiva. Você continua fingindo e, então, você mesmo se esquece se você
está fingindo ou se sobrou alguma coisa verdadeira. Você nunca diz o que está em você, você
nunca o expressa. Você continua expressando o que não existe. Observe-se e você virá a saber
disso.
Você diz uma coisa, mas você sente uma outra coisa: na verdade, você queria dizer
exatamente o oposto, mas se você disser a coisa verdadeira, você se tornará totalmente
desajustado – porque toda a sociedade é falsa e, em uma sociedade falsa, você só pode existir
como uma pessoa falsa. Quanto mais ajustado, mais falso, porque se você quiser ser verdadeiro,
você sentirá um desajuste.
Eis por que a renúncia surgiu, por causa de uma sociedade falsa. Buda teve que partir, não
porque isso tivesse algum sentido positivo, mas simplesmente um sentido negativo – porque com
uma sociedade falsa, você não pode ser verdadeiro. Ou a cada momento você estará em
constante luta, dissipando energia desnecessariamente. Assim, deixe o não-verdadeiro, deixe o
falso, de forma que você possa ser verdadeiro. Essa é a razão básica para toda a renúncia.
Mas observe-se, o quão não-verdadeiro você é. Observe a sua mente dupla. Você está dizendo
uma coisa, mas você está sentindo exatamente o oposto. Simultaneamente, você está dizendo
uma coisa em sua mente e uma outra coisa do lado de fora. Desse modo, se você parar qualquer
coisa que não seja verdadeira, a técnica não ajudará. Assim, descubra alguma coisa autêntica
sobre si mesmo e tente pará-la. Nem tudo se tornou falso, muitas coisas ainda são verdadeiras.
Felizmente, todo mundo é verdadeiro algumas vezes; em alguns momentos, todo mundo é
verdadeiro. Então, pare aí.
Você está sentindo raiva e sente que ela é verdadeira, você irá destruir alguma coisa, bater em
seu filho, ou fazer alguma outra coisa: pare! Mas não pare com uma consideração. Não diga “a
raiva é uma coisa ruim; então, eu devo parar”. Não! Não diga “isso não irá ajudar a criança,
então, eu devo parar”. Nenhuma consideração mental é necessária, porque se você considerar,
então, a energia se moveu para a consideração. Trata-se de um mecanismo interno.
Se você diz “Eu não deveria bater em meu filho, porque isso não irá fazer nenhum bem a ele
e isso também não é bom para mim. Isso é inútil e nunca ajuda”, a mesma energia que estava se
transformando em raiva, se tornou consideração. Agora você considerou a coisa toda e a energia
se acalmou. Ela se moveu para a consideração, para o pensamento. Então, você pára, mas, então,
não existe nenhuma energia para se mover para dentro. Quando você sente raiva, não a
considere, não pense nela como sendo boa ou má; não pense de maneira alguma. De repente,
lembre-se da técnica e pare!
A raiva é energia pura... nem má, nem boa. Ela pode se tornar boa, ela pode se tornar má –
dependerá do resultado, não da energia. Ela se tornará má se ela sair e destruir alguma coisa, se
ela se tornar destrutiva. Ela pode se tornar um belo êxtase se ela se mover para dentro e jogá-lo
para o seu centro; ela pode se tornar uma flor. A energia é simplesmente energia – pura,
inocente, neutra. Não a considere. Você ia fazer alguma coisa – não pense, simplesmente pare e,
então, permaneça parado. Nessa permanência, você terá um vislumbre do seu centro interior.
Você esquecerá a periferia e o centro virá à sua visão.
Exatamente no momento em que você tiver o impulso para fazer alguma coisa, pare! Tente
isso. Lembre-se de três coisas: em primeiro lugar, tente somente quando um impulso verdadeiro
estiver presente; em segundo lugar, não pense em parar, apenas pare; e em terceiro lugar, espere!
Quando você parou – sem respirar, sem se mover – espere e veja o que acontece. Não tente.
Quando eu digo para esperar, eu quero dizer para não tentar, nesse momento, pensar no centro
interior. Senão, você perderá novamente. Não pense no eu, no atma... Não pense que “agora um
vislumbre está presente”, “agora um vislumbre está chegando”. Não pense, apenas espere. Deixe
o impulso, a energia mover-se por si mesma. Se você começar a pensar sobre Brahma e o atma e
o centro, a energia terá se movido para esse pensamento.
Você pode desperdiçar essa energia interna muito facilmente. Apenas um pensamento será
suficiente para dar uma direção a ela; então, você continuará pensando, Quando eu digo “pare”,
isso significa parar totalmente, completamente. Nada está se movendo, como se o próprio tempo
tivesse parado. Não existe movimento – simplesmente, você é! Nessa simples existência, de
repente, o centro explode.

26 Encare qualquer desejo

A segunda técnica do parar:

Quando algum desejo vier, considere-o. Então, de repente, abandone-o.

Essa é uma dimensão diferente da mesma técnica. Quando algum desejo vier, considere-o.
Então, de repente, abandone-o. Você sente um desejo – um desejo por sexo, um desejo por
amor, um desejo por comida, qualquer coisa. Você sente um desejo: considere-o. Quando o sutra
diz “considere-o”, significa não pensar a favor dele nem contra ele, apenas considere o desejo, o
que ele é.
Um desejo sexual vem à mente. Você diz: “Isso é ruim”. Isso não é consideração. Ensinaram-
lhe que isso é ruim; assim, você não está considerando esse desejo, você está consultando as
escrituras, você está consultando o passado – os professores passados, os rishis – os sábios. Você
não está considerando o próprio desejo, você está considerando alguma outra coisa. Você está
considerando muitas coisas – seu condicionamento, sua criação, sua educação, sua cultura, sua
civilização, sua religião – mas não o desejo.
Esse simples desejo surgiu. Não traga, à mente, o passado, a educação, o condicionamento;
não traga os valores. Apenas considere esse desejo – o que ele é. Se a sua mente pudesse ser
lavada completamente de tudo aquilo que lhe foi dado pela sociedade, de tudo que seus pais lhe
deram – a educação, a cultura – se sua mente inteira pudesse ser lavada, o desejo por sexo
surgiria. Ele surgiria, porque esse desejo não lhe foi dado pela sociedade. Esse desejo está
construído internamente, biologicamente – ele está em você.
Por exemplo, se uma criança nasce e nenhuma língua lhe é ensinada, a criança não aprenderá
nenhuma língua. Ela permanecerá sem linguagem. A língua é um fenômeno social; ela tem que
ser ensinada. Mas... quando o momento certo chega, a criança sente o desejo sexual. Isso não é
um fenômeno social, ele está construído internamente, biologicamente. O desejo virá no
momento certo de maturação. Ele não é social, ele é biológico – mais profundo. Ele é construído
dentro de suas células.
Devido a você ter nascido do sexo, todas as células de seu corpo são células sexuais; você se
compõe de células sexuais. A menos que sua biologia possa ser lavada completamente, o desejo
estará presente. Ele virá – ele já está presente. Quando uma criança nasce, o desejo já existe,
porque a criança é um subproduto de um encontro sexual. Ela vem através do sexo; todo o seu
corpo é construído com células sexuais. O desejo já está ali, somente um certo tempo é
necessário antes de que seu corpo se torne maduro o suficiente para sentir esse desejo, para
desempenhar esse desejo. O desejo estará presente quer você tenha aprendido que o sexo é bom
ou ruim, quer você tenha aprendido que o sexo é inferno ou paraíso, quer você tenha aprendido
desse ou daquele jeito, a favor ou contra – porque ambos são ensinamentos.
As antigas tradições, as antigas religiões, o cristianismo principalmente, continuam pregando
contra o sexo. Os novos cultos dos hippies e yippies e outros começaram o movimento oposto.
Eles dizem que o sexo é bom, o sexo é extasiante, o sexo é a única coisa verdadeira no mundo.
Ambos são ensinamentos. Não considere seu desejo de acordo com algum ensinamento.
Simplesmente considere o desejo em sua pureza, como ele é – um fato. Não o interprete.
“Consideração”, aqui, significa não interpretar, mas simplesmente olhar para o fato como ele
é. O desejo está presente: olhe para ele diretamente, imediatamente. Não traga seus pensamentos
ou idéias, porque nenhum pensamento é seu e nenhuma ideia é sua. Todas as coisas foram dadas
a você, toda ideia é uma coisa tomada emprestada. Nenhum pensamento é original – nenhum
pensamento pode ser original. Não traga o pensamento, simplesmente olhe para o desejo, para o
que ele é, como se você não soubesse nada sobre ele. Encare-o! Defronte-se com ele! É isso o
que significa “considere-o”.
Quando algum desejo vier, considere-o. Apenas olhe para o fato – para aquilo que ele é.
Infelizmente, isso é uma das coisa mais difíceis de se fazer. Comparado a isso, chegar à lua não é
tão difícil, ou chegar ao pico do Evereste não é tão difícil. Trata-se de algo altamente complicado
– chegar à lua é altamente complicado, infinitamente complicado, um fenômeno muito
complexo. Mas comparado a viver com um fato da mente interna, isso não é nada, porque a
mente está muito sutilmente envolvida em tudo o que você faz. Ela está sempre presente. Olhe
para a palavra... se eu digo “sexo”, no momento em que eu digo isso, você já decidiu a favor ou
contra. No momento em que eu digo “sexo”, você já interpretou: “Isso não é bom. Isso é mau”.
Ou: “Isso é bom”. Você interpretou inclusive a palavra.
Muitas pessoas vieram a mim quando o livro Do Sexo à Supraconsciência[1] foi publicado.
Elas vieram e disseram: “Por favor mude o título”. A simples palavra ‘sexo’ deixou-os
perturbados – eles não tinham lido o livro. E aqueles que já leram o livro também dizem para
mudar o título.
Por quê? A própria palavra lhe dá uma certa interpretação. A mente é tão interpretativa que se
eu digo “suco de limão”, você começa a salivar. Você interpretou as palavras. Nas palavras
‘suco’, ‘de’, ‘limão’ não há nada semelhante ao limão, mas você começa a salivar. Se eu esperar
uns momentos, você ficará incomodado, porque você terá de engolir. A mente interpretou; ela
entrou. Mesmo com a palavra você não pode permanecer à parte, sem interpretar. Será difícil,
quando o desejo surgir, permanecer à parte, permanecer apenas um observador desapaixonado,
calmo e quieto, olhando para o fato, não o interpretando.
Eu digo: “Esse homem é muçulmano”. No momento em que eu digo “esse homem é
muçulmano”, o hindu pensa “esse homem é ruim”. Se eu digo: “Esse homem é judeu”, o cristão
decide que “esse homem não é bom”. A simples palavra ‘judeu’ e a mente cristã entra com a
interpretação – a idéia tradicional, convencional, irrompe; “este” judeu não é considerado, a
velha interpretação terá que ser imposta sobre “este” judeu.
Cada judeu é um judeu diferente. Cada hindu é um indivíduo diferente, único. Você não pode
interpretá-lo, porque você conhece outros hindus. Você pode ter chegado à conclusão de que
todos os hindus que você conheceu são ruins, mas “este” hindu não faz parte de sua experiência.
Você está interpretando “este” hindu de acordo com suas experiências passadas. Não interprete;
interpretação não é consideração. Consideração significa considerar este fato – absolutamente
“este” fato. Permaneça com “este” fato.
Os rishis disseram que o sexo é ruim. Pode ter sido ruim para eles; você não sabe. Você tem o
desejo, um desejo fresco com você. Considere-o, olhe para ele, fique atento a ele. Então, de
repente, abandone-o.
Há duas partes nessa técnica. Primeira: permaneça com o fato – consciente, atento ao que está
acontecendo. Quando você sente um desejo sexual, o que está acontecendo em você? Veja como
você se torna exaltado. Como o seu corpo começa a tremer, como você sente uma loucura
repentina arrastando-se internamente, como você se sente como se estivesse possuído por uma
outra coisa. Sinta-o, considere-o. Não faça nenhum julgamento, simplesmente mova-se com o
fato – o fato do desejo sexual. Não diga que ele é mau!
Se você o disser, acabou a consideração, você fechou a porta. Agora, sua face não está na
direção do desejo – suas costas estão. Você se moveu para longe dele. Você perdeu um momento
no qual podería ter entrado profundamente na camada biológica do ser. Você está apegado à
camada social, que é a mais superficial.
O sexo é mais profundo do que suas shastras – escrituras – porque ele é biológico. Se todas
as shastras pudessem ser destruídas – e elas podem ser destruídas, muitas vezes o foram – sua
interpretação estará perdida. Mas o sexo permanecerá; ele é mais profundo. Não introduza coisas
superficiais. Simplesmente considere o fato e mova-se para dentro, e sinta o que lhe está
acontecendo. O que aconteceu para um certo rishi, para Maomé e Mahavira, é irrelevante. O que
está acontecendo para você, neste exato momento? Neste momento vivo, o que lhe está
acontecendo?
Considere-o, observe-o. E, então, a segunda parte... e essa é realmente bela. Shiva diz: Então,
de repente, abandone-o.
De repente – lembre-se. Não diga: “Isso é ruim; assim, vou abandoná-lo. Eu não vou adiante
com essa idéia, com esse desejo. Isso é ruim, isso é pecado; assim, eu vou parar com isso, vou
reprimir”. Então, acontecerá a repressão, mas não um estado de mente meditativo. E a repressão
está, na verdade, criando, através de suas próprias mãos, um ser e uma mente iludidos.
A repressão é psicológica. Você está perturbando todo o mecanismo e reprimindo as energias
que irão explodir a qualquer hora. A energia está presente, você simplesmente a reprimiu. Ela
não se moveu para fora, ela não se moveu para dentro, você simplesmente a reprimiu. Ela
simplesmente se moveu para os lados. Ela vai esperar e se tornará pervertida, e a energia
pervertida é o problema básico do homem.
As doenças psicológicas são subprodutos da energia pervertida. Então, ela tomará tais
formatos, tais formas, que não são nem mesmo imagináveis e, nessas formas, ela tentará
novamente ser expressa. E quando ela é expressa em uma forma pervertida, ela o conduz para
uma angústia muito, muito profunda, porque não há satisfação em nenhuma forma pervertida. E
você não pode permanecer pervertido, você tem de expressar. A repressão cria a perversão. Esse
sutra não está relacionado com a repressão. Esse sutra não está dizendo para controlar, esse sutra
não está dizendo para reprimir. O sutra diz: Então, de repente, abandone-o.
O que fazer? O desejo está presente; você considerou. Se você o considerou, não será difícil;
a segunda parte será fácil. Se você não o considerou, olhe para a sua mente. Sua mente estará
pensando: “Isso é bom. Se nós pudermos abandonar o desejo sexual de repente, isso é belo”.
Você gostaria de fazê-lo, mas do que você gosta não é a questão. Seu gostar pode não ser “o seu”
gostar, mas apenas o da sociedade. Seu gostar pode não ser de sua própria consideração, mas
apenas da tradição. Primeiramente, considere; não crie nenhum “gostar” ou “não-gostar”. Apenas
considere e, então, a segunda parte se torna fácil – você pode abandonar o desejo.
Como você pode abandoná-lo? Quando você considera uma coisa totalmente, isso é muito
fácil; é tão fácil quanto soltar este papel de minha mão. Abandone-o... O que irá acontecer? Um
desejo está presente. Você não o reprimiu e ele está se movendo para fora, ele está vindo para
cima; ele agitou todo o seu ser. Na verdade, quando você considera um desejo sem interpretação,
todo seu ser se tornará um desejo.
Quando o sexo estiver presente e se você não for contra ele ou a favor dele, se você não tiver
nenhuma idéia quanto a ele, então, simplesmente por olhar o desejo, todo o seu ser será
envolvido nele. Um simples desejo sexual se tornará uma chama. Todo o seu ser estará
concentrado na chama, como se você tivesse se tornado totalmente sexual. Ele não estará
somente no centro sexual, ele se espalhará por todo o seu corpo. Cada fibra de seu corpo estará
vibrando. A paixão terá se tornado uma chama. Agora, abandone-o. Não lute com ele,
simplesmente diga: “Eu o abandono”.
O que acontecerá? No momento em que você pode simplesmente dizer “eu abandono”, uma
separação acontece. Seu corpo – seu corpo apaixonado, seu corpo preenchido com desejo sexual
– e você se tornam dois. De repente, em um momento, eles são dois pólos separados. O corpo
está contorcido de paixão e sexo e o centro está silencioso, observando. Nenhuma luta existe,
apenas uma separação – lembre-se disso. Na luta, você não está separado. Quando você está
lutando, você é um com o objeto. Quando você o abandonou, você está separado. Agora você
pode olhar para ele como se outra pessoa estivesse presente, não você.
Um de meus amigos esteve comigo por muitos anos. Ele era um fumante inveterado e tentou
e tentou, como todo fumante, não fumar. Um dia, de repente pela manhã, ele decidia: “Agora eu
não vou fumar mais”; e à noite ele estava fumando de novo. E ele se sentia culpado e se
justificava e, então, por uns dias, ele não podia juntar coragem novamente para decidir não
fumar. Então, ele esquecia o que tinha acontecido. Então, um dia novamente, ele dizia: “Agora,
eu não vou fumar mais”; e eu apenas ria, porque isso já tinha acontecido tantas vezes...! Então,
ele mesmo se tornou farto de toda a coisa – com esse fumar e, então, decidir não fumar, e esse
constante círculo vicioso.
Ele se perguntava o que fazer. Ele me perguntou o que fazer; assim eu lhe disse: “Não vá
contra o fumar – essa é a primeira coisa a se fazer. Fume e esteja com isso. Por sete dias, não
fique contra o fumar; faça isso”.
Ele disse: “O que você está me dizendo? Eu fui contra e, mesmo assim, eu não pude deixá-lo,
e você está dizendo para eu não ficar contra. Então, não há nenhuma possibilidade de deixá-lo”.
Assim, eu lhe disse: “Você tentou a atitude hostil e foi um fracasso. Agora, tente a outra – a
atitude amistosa. Não fique contra durante sete dias”.
Imediatamente ele disse: “Então, eu serei capaz de abandoná-lo”?
Aí eu lhe disse: “Então, novamente... você continua inimigo dele! Não pense em abandoná-lo
de forma alguma. Como pode alguém pensar em abandonar um amigo? Durante sete dias,
simplesmente esqueça-se disso. Fique com ele, coopere com ele, fume tão profundamente quanto
possível, tão amorosamente quanto possível. Quando você estiver fumando, simplesmente
esqueça tudo, torne-se o fumar. Fique totalmente à vontade com ele, em profunda comunhão
com ele. Durante sete dias, fume tanto quanto você queira e esqueça-se dessa história de
abandoná-lo”.
Esses sete dias tornaram-se uma consideração. Ele pôde olhar para o fato de fumar. Ele não
estava contra; assim, agora, ele podia encará-lo. Quando você é contra alguma coisa, ou contra
alguém, você não pode encarar. O próprio fato de ser contra se torna uma barreira. Você não
pode considerar... Como você pode considerar um inimigo? Você não pode olhar para ele, você
não pode olhar em seus olhos; é difícil encará-lo. Você pode olhar profundamente somente nos
olhos de alguém que você ame; então, você penetra profundamente. Do contrário, os olhos nunca
podem se encontrar.
Assim, ele olhou o fato profundamente. Durante sete dias, ele o considerou. Ele não foi
contra; assim, a energia estava presente, a mente estava presente e aquilo se tornou uma
meditação. Ele teve que cooperar com aquilo. Ele teve que se tornar o fumante. Depois de sete
dias, ele se esqueceu de me contar. Eu estava esperando que ele dissesse: “Agora, os sete dias se
acabaram; e agora, como eu posso abandonar”? Ele se esqueceu completamente dos sete dias.
Três semanas se passaram e, então, eu lhe perguntei: “Você se esqueceu completamente”?
Ele disse: “A experiência tem sido tão bela. Eu não quero pensar em mais nada agora. Isso é
belo e, pela primeira vez, eu não estou lutando com o fato. Eu estou apenas sentindo o que está
acontecendo comigo”.
Então eu lhe disse: “Sempre que você sentir o impulso para fumar, simplesmente abandone-
o”. Ele não me perguntou como abandoná-lo, ele simplesmente considerou a coisa toda e a coisa
toda se tornou tão infantil e não havia nenhuma luta. Assim, eu disse: “Quando você sentir
novamente o impulso de fumar, considere-o: olhe para ele e abandone-o. Pegue o cigarro em sua
mão, pare por um momento, então, abandone o cigarro. Deixe-o cair e enquanto o cigarro cai,
deixe o impulso interno cair também”.
Ele não me perguntou como fazê-lo, porque a consideração torna a pessoa capaz – você pode
fazê-lo. E se você não pode fazê-lo, lembre-se: você não considerou o fato. Então, você estava
contra ele, todo o tempo pensando em como abandoná-lo. Então, você não pode abandoná-lo.
Quando de repente o impulso está presente e você o abandona, toda a energia dá um salto para
dentro. A técnica é a mesma, somente a dimensão difere: Quando algum desejo vier, considere-
o. Então, de repente, abandone-o.

27 Vá à exaustão e caia no chão

Terceira:

Ande sem parar, até a exaustão e, então, caia no chão; nessa queda, seja total.

A mesma coisa! Essa técnica de parar é igual. Ande sem parar, até a exaustão...
Simplesmente corra em círculo. Pule, dance e corra novamente até você se exaurir – até você
sentir que, agora então, nem um simples passo pode ser dado. Mas você terá que compreender
que a sua mente dirá que “agora você está completamente exausto”. Não preste nenhuma atenção
à sua mente. Continue correndo, dançando, pulando. Continue! Não preste atenção. A mente dirá
que “agora você está exausto”, “agora você não pode continuar mais”. Continue até você sentir –
não, pensar: até você sentir – que todo o corpo está cansado, que “um passo a mais ficou
impossível e se eu me mover, vou cair”.
Quando você sentir que está caindo e que agora então não pode se mover, que o corpo se
tornou pesado e cansado e completamente exausto, então, caia no chão; nessa queda, seja total.
Então, caia! Lembre-se: fique tão exausto de modo que a queda aconteça por si mesma. Se você
continuar, você cairá. Chegou o ponto – você está exatamente na beira da queda. Então, o sutra
diz, caia e, nessa queda, seja total.
Este é o ponto central da técnica: quando você estiver caindo, seja total. O que isso significa?
Não caia de acordo com a mente – isso é uma outra coisa. Não planeje a queda: não tente se
sentar, não tente se deitar. Caia como um todo, como se todo o corpo fosse um só, e que isso
caiu. E você não o está soltando, porque se você o estiver soltando, então, você tem duas partes:
você que o está soltando e o corpo que foi solto. Então, você não está total. Então, você está
fragmentado, dividido. Caia como um todo; solte-se totalmente. E lembre-se: caia! Não se ajeite.
Caia morto. Nessa queda, seja total. Se você puder cair dessa maneira, você sentirá, pela
primeira vez, seu ser total, sua totalidade. Você sentirá, pela primeira vez, o seu centro – não
dividido, mas uno, unitário.
Como isso pode acontecer? O corpo tem três camadas de energia. Uma é para os assuntos do
dia-a-dia, que é muito facilmente exaurida. Ela é apenas para o trabalho de rotina. A segunda é
para os assuntos de emergência; ela é uma camada mais profunda. Quando você está em uma
emergência, somente então, ela é usada. E a terceira é a energia cósmica, que é infinita. A
primeira pode ser facilmente exaurida. Se eu digo para você correr, você dará três ou quatro
voltas e dirá: “Estou morrendo de cansado”. Na verdade, você não está se sentindo cansado – a
primeira camada está exaurida. Pela manhã, ela não será tão facilmente exaurida; à noite, ela será
exaurida mais facilmente, porque durante o dia todo você a esteve usando. Agora ela necessita de
reparo; você necessita de um sono profundo. Do reservatório cósmico, ela pode novamente pegar
energia suficiente para funcionar. Essa é a primeira camada.
Se eu lhe digo para correr exatamente agora, você dirá: “Estou com sono, não posso correr”.
E, então, alguém vem e diz: “Sua casa está pegando fogo”. De repente, a sonolência foi embora.
Não há cansaço, você se sente novo; você começa a correr. O que aconteceu tão de repente?
Você estava cansado e a emergência lhe fez entrar em contato com a segunda camada de energia;
então, você está novamente novo. Essa é a segunda camada. Nesta técnica, a segunda camada
tem de ser exaurida. A primeira camada é exaurida muito facilmente. Continue. Você se sentirá
cansado, mas continue. E dentro de pouco tempo, uma nova onda de energia chegará e você se
sentirá novamente renovado e não haverá nenhum cansaço.
Assim, muitas pessoas vêm a mim e dizem: “Quando estamos em um campo de meditação,
parece milagroso que possamos fazer tanta coisa. Pela manhã, por uma hora meditando
ativamente, caoticamente, ficando completamente louco. E, então, à tarde, nós fazemos mais
uma hora; e, depois, à noite, também. Três vezes por dia, nós continuamos meditando
caoticamente”. Muitos disseram que sentem que isso é impossível, que eles não podem continuar
ou irão morrer de cansaço, e que no outro dia será impossível mexer qualquer parte do corpo.
Mas ninguém fica cansado. Três sessões por dia, fazendo tais exercícios e ninguém está cansado.
Por quê? Porque eles estão em contato com a segunda camada de energia.
Mas se você fizer isso sozinho – vai para uma montanha e faz isso sozinho – você ficará
cansado. Quando a primeira camada estiver acabando, você sentirá que “agora eu estou
cansado”. Mas em um grande grupo de quinhentas pessoas fazendo meditação, você sente:
“Ninguém está cansado; assim, eu devo continuar um pouco mais”. E todo mundo está pensando
a mesma coisa: “Ninguém está cansado; assim, eu devo continuar um pouco mais. Se todo
mundo está novo e fazendo, porque eu deveria estar cansado”?
Esse sentimento de grupo lhe dá um ímpeto e logo você atinge a segunda camada. E a
segunda camada é muito grande – uma camada de emergência. Quando a camada de emergência
está também cansada, acabada, somente então, você está em contato com o cósmico, a fonte, o
infinito.
É por isso que muito exercício é necessário – tamanho que você sinta “agora isso está além de
mim”. No primeiro momento em que você sente que aquilo está além de você, não está além de
você – está simplesmente além da primeira camada. Quando a primeira camada estiver
acabando, você se sentirá cansado. Quando a segunda camada estiver acabada, você sentirá: “Se
eu fizer qualquer coisa agora, vou morrer”. Assim, muitos vêm a mim e dizem que sempre que
eles chegam fundo na meditação, vem um momento em que eles se tornam temerosos e
assustados, e dizem: “Agora, eu estou com medo. Parece que eu vou morrer. Agora eu não posso
ir adiante... – Um medo me pega, como se eu estivesse morrendo, agora, eu não vou poder sair
da meditação”.
Esse é o momento certo – o momento em que você precisa de coragem. Um pouco de
coragem e você penetrará na terceira camada, a mais profunda, infinita.
Esta técnica o ajuda muito facilmente a cair nesse oceano cósmico de energia: Ande sem
parar, até a exaustão e, então, caia no chão; nessa queda, seja total. E quando você cair no chão
totalmente, pela primeira vez, você será inteiro, unitário, um. Não haverá fragmentos, nenhuma
divisão. A mente com suas divisões desaparecerá e o ser que é indiviso, indivisível, aparecerá
pela primeira vez.

[1]
Editora Cultrix (N.da R)
Capítulo 18

PERMANECENDO COM OS FATOS



PERGUNTAS

A permissividade na expressão é um crescimento em direção à autenticidade?


Por que a pessoa algumas vezes se sente desconfortável quando param a raiva, o sexo, etc. ?
Se há inconsciência durante um impulso autêntico, como parar?
Não são a iniciação e a graça do mestre mais importantes do que as técnicas? Como se tornar
capaz de receber?

A primeira pergunta:

Você disse na última noite, que o homem moderno se tornou inautêntico na expressão da
raiva, da violência, do sexo, etc. Você diz que na Índia, os estudantes e a nova geração são
menos violentos em suas expressões emocionais que os jovens ocidentais. Isso quer dizer
que a juventude ocidental está se tornando mais autêntica em suas expressões? A
permissividade na expressão do sexo e da raiva é um crescimento no que diz respeito a ser
autêntico nas expressões emocionais?

Muitas coisas têm de ser consideradas. Primeiramente: “ser autêntico” quer dizer “ser
totalmente verdadeiro”. As ideologias, teorias, os -ismos o distorcem e lhe dão uma falsa
persona. Você cultiva faces, então, o que quer que você mostre, não é você. A realidade fica
esquecida e você está, de repente, representando e representando... Sua vida se torna menos viva
e mais um jogo no qual você está representando alguma coisa – não a sua alma verdadeira, mas a
cultura, a educação, a sociedade, a civilização. O homem pode ser cultivado – e quanto mais
você é cultivado, menos verdadeiro você é.
A realidade é seu eu não cultivado, não tocado pela sociedade. Mas isso é perigoso. Uma
criança, se ela for deixada por si mesma, ela será apenas um animal. Ela será autêntica, mas ela
será um animal; ela não se tornará um homem. Assim, isso não é possível, essa alternativa está
fechada. Você não pode deixar uma criança por si mesma. Nós temos de fazer alguma coisa e o
que quer que nós façamos perturbará o eu verdadeiro. Serão dadas roupas, serão dadas faces e
máscaras para a criança. Ela se tornará um homem, mas então ela se tornará um ator - ela não
será verdadeira. Se você deixá-la por si mesma, ela será como um animal – autêntica, verdadeira,
mas não um homem. Assim, é um mal necessário, que tenhamos de ensiná-la, que tenhamos de
cultivá-la e de condicioná-la. Então, ela se torna um homem, mas não-verdadeiro.
A terceira possibilidade se abre com essas técnicas de meditação. Todas as técnicas de
meditação são, na verdade, descondicionamentos. O que quer que a sociedade tenha-lhe dado
pode ser tirado novamente e, então, você não será um animal. Então, você será alguma coisa
mais do que o homem. Você será um super-homem – verdadeiro, mas não um animal.
Como isso acontece? Uma criança tem que receber cultura, educação. Não há nenhuma
possibilidade de deixá-la por si mesma. Se você a deixa por si mesma, ela nunca se tornará um
homem; ela permanecerá um animal. Ela será verdadeira, mas ela perderá o mundo, a dimensão
da consciência que se abre com o homem. Assim, nós temos de torná-la um homem, e ela se
torna não-verdadeira.
Por que ela se torna não-verdadeira? Porque esse “homem” é imposto pelo lado de fora.
Interiormente, ela permanece o animal. De fora, nós lhe impomos a humanidade. Ela fica
dividida; ela fica separada em dois. Agora, o animal continua vivendo no interior e o homem no
exterior. É por isso que tudo o que você faz e diz tem uma faixa dupla. Você tem que manter a
face que lhe foi dada e você, continuamente, tem de satisfazer seu animal também. Isso cria
problemas e todo mundo se torna desonesto. Quanto mais idealista você é, mais desonesto você
terá de ser, porque o ideal dirá “faça isso” e o animal será exatamente o contrário. Ele gostaria de
fazer algo que seja totalmente o oposto.
Então, o que se pode fazer? A pessoa pode enganar os outros e a si mesma; a pessoa pode
manter uma face, uma face falsa e continuar vivendo a vida do animal. É isso o que está
acontecendo. Você vive uma vida de sexo, mas você nunca fala disso. Você fala sobre o
brahmacharya, o celibato. Sua vida sexual é simplesmente empurrada para o escuro – não
somente da sociedade, não somente de sua família, mas até mesmo de sua própria mente
consciente. Você a empurra para o escuro como se ela não fosse parte de seu ser. Você continua
fazendo coisas das quais você é contra, porque sua biologia não pode mudar apenas pela
educação.
Lembre-se: sua herança – suas células biológicas, sua estrutura – não pode ser mudada apenas
pela educação ideológica. Nenhuma escola, nenhuma ideologia pode mudar seu animal interior.
Somente uma técnica científica pode mudar o ser interior. Apenas ensinamentos morais não
ajudarão, a menos que você tenha uma técnica científica para mudar sua consciência interior
totalmente. Somente então, você não será duplo, você se tornará um só.
O animal é uma coisa só, unitário; o santo também é uma coisa só e unitário. O homem é
duplo, porque o homem está entre os dois, o animal e o santo – ou você pode dizer, entre Deus e
o cão. O homem está exatamente no meio. Interiormente, ele permanece o cão; exteriormente ele
finge ser Deus. Isso cria uma tensão, angústia, e tudo se torna falso. Você poderia cair e tornar-se
um animal; então, você seria mais autêntico que o homem. Mas, então, você perderia muito –
você perderia a possibilidade de se tornar Deus.
O animal não pode se tornar Deus, porque o animal não tem problemas para transcender.
Lembre-se, o animal não pode se tornar Deus, porque não há nada para ser transformado. O
animal está à vontade com ele mesmo; não há problema, luta e necessidade de transcendência. O
animal não é nem mesmo consciente, ele é apenas inconscientemente autêntico. Mas o animal é
autêntico, apesar da autenticidade ser inconsciente. Nenhum animal pode mentir; isso é
impossível. Mas não é porque os animais mantenham uma moralidade: eles não podem mentir,
porque eles não estão conscientes da possibilidade de ser falso.
Eles têm de ser verdadeiros, mas essa verdade não é escolha deles, é a servidão deles. Um
animal fatalmente será verdadeiro, não porque ele tenha escolhido ser verdadeiro, mas porque ele
não pode escolher a outra alternativa. Não há alternativa para ele; ele só pode ser ele mesmo.
Não há nenhuma possibilidade de ser falso, porque ele é não tem ciência das possibilidades.
O homem está ciente das possibilidades. Somente o homem pode ser não-verdadeiro. Trata-se
de um crescimento, trata-se de evolução. O homem pode ser não-verdadeiro e é por isso que ele
pode ser verdadeiro. O homem pode escolher. Os animais estão fadados a ser verdadeiros – essa
é a servidão deles, não sua liberdade. Se você é verdadeiro, isso é uma conquista, porque você
sempre pode ser não-verdadeiro. A possibilidade está aberta, mas você não a escolheu, você
escolheu a outra. Trata-se de uma escolha consciente.
Naturalmente, então, o homem está sempre em dificuldades. Escolher é sempre difícil e a
mente quer escolher alguma coisa que seja fácil de se fazer. A mente quer ter a coisa com o
mínimo de resistência. Mentir é fácil; ser falso é fácil. Parecer amoroso é fácil; ser amoroso é
muito difícil. Criar uma fachada é fácil; criar um ser é difícil. Assim, o homem escolhe o
simples, o fácil, que pode ser feito sem nenhum esforço e sem nenhum sacrifício.
Com o homem, a liberdade chega à existência. Os animais são apenas escravos. Com o
homem, a liberdade chega à existência, a escolha chega à existência – daí as dificuldades e
ansiedades. Com o homem, a não-verdade, a falsidade entram em cena. Você pode enganar. Até
este ponto, trata-se de um mal necessário.
O homem não pode ser simples e puro da mesma maneira que os animais, mas ele pode ser
mais simples e mais puro e pode ser mais impuro e mais complexo. Ele pode ser mais simples e
mais puro e mais inocente, mas não pode ser simples e puro e inocente exatamente como os
animais. Essa inocência é inconsciente e o homem se tornou consciente. Agora ele pode fazer
duas coisas: ele pode continuar com sua falsidade e permanecer constantemente um ser dividido,
em conflito consigo mesmo; ou ele pode se tornar consciente de todo o fenômeno que aconteceu
e o que está lhe acontecendo, e ele pode decidir não ser falso. Ele pode deixar tudo o que é falso.
Pode sacrificar, pode escolher sacrificar tudo o que possa ser ganho pelo seu ser falso. Então, ele
se torna novamente autêntico.
Mas essa autenticidade é diferente, qualitativamente diferente da autenticidade de um animal.
O animal é inconsciente. Ele não pode fazer nada – ele é forçado pela natureza a ser autêntico.
Quando um homem decide ser autêntico, ninguém o está forçando; pelo contrário, tudo está
forçando-o a ser inautêntico – a sociedade, a cultura, tudo o que há em volta dele o está forçando
a ser inautêntico. Ele decide ser autêntico. Essa decisão torna-o um eu e essa decisão lhe dá uma
liberdade que nenhum animal pode atingir e nenhum homem falso pode atingir.
Lembre-se: sempre que você mente, engana, é desonesto, você é forçado a fazer isso. Isso não
é sua escolha, não é uma escolha verdadeira. Por que você mente? Por causa das consequências,
por causa da sociedade: você sofrerá se disser a verdade. Você mente e escapa do sofrimento.
Na verdade, a sociedade forçou-o a mentir – não foi escolha sua. Se você diz a verdade, isso é
escolha sua, ninguém o está forçando a dizer a verdade. Todas as coisas estão forçando-o a dizer
uma mentira, a ser desonesto. Isso é mais conveniente, certo e seguro. Agora você está entrando
no perigo, na insegurança, mas isso é escolha sua. Com essa escolha, pela primeira vez, você
alcança um eu.
Assim, a autenticidade animal é uma coisa e a autenticidade do homem é qualitativamente
diferente – trata-se de uma escolha consciente. Assim, um buda é novamente um. Ele é como um
animal, com uma única diferença: ele é simples, puro, inocente como um animal, mas diferente
de um animal porque ele está consciente. Agora tudo é uma escolha consciente. Ele está alerta,
consciente.
A pergunta é: “Isso quer dizer que a juventude ocidental está se tornando mais autêntica”?
Em certo sentido, sim. Ela está se tornando mais autêntica, porque está caindo em direção ao
animal. Não se trata de uma escolha. Certamente, de novo, trata-se do caminho mais fácil – cair.
A juventude ocidental é mais autêntica do que a juventude oriental no sentido em que ela agora
está caindo mais profundamente em direção ao animal. A juventude oriental é falsa. O
comportamento dela parece uma fachada – não verdadeiro e, sim, falso. Mas essas duas não são
na verdade as únicas alternativas.
A juventude oriental é falsa, educada, cultivada, forçada a ser alguma coisa que não é
verdadeira. A juventude ocidental se revoltou contra isso, revoltou-se em direção à autenticidade
do animal. Eis por que o sexo e a violência têm assumido cada vez mais e mais poder sobre a
juventude ocidental. De certa forma, eles são mais autênticos, mas, de certa forma, a
possibilidade maior é perdida.
Um buda está em revolta e um hippie também está em revolta, mas as revoltas são diferentes
– a qualidade difere. Um buda também está se revoltando contra o condicionamento, mas ele vai
além disso – vai em direção à unicidade que é mais elevada do que o homem e mais elevada do
que o animal. Você pode se revoltar e descer em direção ao animal. Então, você também está
indo em direção à unicidade, mas está indo para baixo, abaixo do homem.
Mas de certa forma, a revolta é boa – porque uma vez que a revolta chegue à mente, não está
muito longe o dia em que você chegará a entender que essa revolta está apenas indo para trás. É
necessário uma revolta que vá para a frente. Assim, a juventude ocidental pode chegar a
compreender, mais cedo ou mais tarde, que a sua revolta é boa, mas a direção está errada. Então,
se tornará possível uma nova humanidade nascer no Ocidente.
Neste sentido, a imitação oriental não vale nada. É melhor ser autêntico, ser revoltado, porque
a mente revoltada não levará muito tempo para ver que a direção está errada. Mas uma juventude
falsa pode continuar por milênios, pode nem mesmo estar consciente de que há uma
possibilidade de revolta e ir além. Mas entre as duas, nenhuma vale a escolha; a terceira
alternativa é o caminho.
O homem deve se revoltar contra o condicionamento e ir além. Se você cair, então, você pode
ter o prazer da revolta, mas a revolta se tornou destrutiva – ela não é criativa. A religião é a
revolta mais profunda, mas você pode não ter pensado sobre isso dessa forma. Nós tomamos a
religião como a coisa mais ortodoxa – ou tradicional, ou convencional. Ela não é. A religião é a
coisa mais revolucionária na consciência humana, porque ela pode levá-lo em direção à
unicidade que é superior ao animal, superior ao homem. Estas técnicas estão relacionadas com
essa revolução.
Assim, quando Shiva diz “seja autêntico”, ele quer dizer “não seja falso”, “não continue a ser
falso”. Fique consciente sobre sua falsa persona, sobre suas roupas, vestes, máscaras; e, então,
seja autêntico. O que quer que você seja, perceba-o.
O problema verdadeiro é que a pessoa se engana com suas próprias fraudes. Você fala sobre
compaixão... Na Índia, nós falamos muito sobre compaixão, não-violência; todo mundo pensa
que é não-violento, mas se você olhar para os atos da pessoa, para seus relacionamentos, para
seus gestos, ela é violenta. Mas ela não está consciente de que é violenta. Ela pode ser violenta
até mesmo em sua não-violência. Se ela está tentando forçar os outros a serem não-violentos,
isso é violência. Se ela está se forçando a ser não-violenta, isso é violência. Ser autêntico quer
dizer que se deve compreender e perceber qual é o seu estado mental verdadeiro – não idéias,
não princípios, mas o estado mental. Qual é o seu estado mental? Ele é violento? Ele é raivoso?
É isso o que Shiva quer dizer quando diz “seja autêntico”. Conheça o que é verdadeiro, a sua
realidade, porque somente uma realidade pode ser mudada. Se você quer se transformar, você
deve conhecer a sua realidade. Você não pode mudar uma ficção. Você é violento e você pensa
que é não-violento – então, não há possibilidade de nenhuma transformação. Essa não-violência
não está em nenhum lugar; assim, você não pode mudá-la. E a violência está presente, mas você
não está consciente dela; assim, como você pode mudá-la?
Primeiramente, conheça os fatos como eles são. Como conhecer os fatos? Encontre-os sem as
suas interpretações. É isso o que o sutra de ontem dizia: considere. Seu empregado chegou –
considere como você olha para seu empregado. Seu patrão entrou na sala – considere como você
olha para o seu patrão. O olhar é o mesmo quando você olha para o seu empregado e quando
você olha para o seu patrão? Os seus olhos são os mesmos, ou há alguma diferença? Se há
alguma diferença, você é um homem violento.
Você não olha pessoalmente para o homem, para o ser humano: seu olhar é uma
interpretação. Se ele é rico, você olha de um certo modo; se ele é pobre, você olha de um modo
diferente. Seu olhar se torna econômico. Você não está olhando para o homem à sua frente, você
está olhando para um saldo bancário. E se o homem é pobre, seu olhar tem uma violência sutil,
um olhar degradante, insultante. Se o homem é rico, você tem uma apreciação sutil, uma
receptividade – um profundo interesse está sempre presente, o que quer que você esteja fazendo.
Olhe para o seu interesse. Você está com raiva de seu filho ou de sua filha e você diz que está
com raiva para o benefício dele ou dela, para o bem dele ou dela. Vá bem fundo; considere se
isso é verdade. Seu filho foi desobediente e você está com raiva. Você diz que quer mudá-lo,
porque é para o bem dele. Olhe para dentro de si e considere o fato. É verdade que você está
pensando no bem dele, ou você simplesmente se sente insultado, porque ele lhe desobedeceu?
Você se sente machucado, porque ele lhe desobedeceu. Seu ego está ferido, porque ele lhe
desobedeceu.
Se seu ego está ferido, este é o fato; e você continua fingindo que essa não é a questão – que
você está apenas pensando no bem dele e que é por isso que você está com raiva. Você está com
raiva apenas por causa dele; você na verdade não está com raiva. Como você pode estar com
raiva? Você é um pai amoroso; sendo assim, você absolutamente não está com raiva. Como pode
você estar com raiva...!? Você o ama muito, mas como ele está indo no caminho errado, por
causa de seu amor, você quer mudá-lo e é por isso que você está com raiva. Você está apenas
fingindo estar com raiva, para ajudá-lo.
Mas o caso é esse? Você está apenas fingindo, ou você se sente ferido porque ele lhe
desobedeceu? E você tem certeza de que tudo o que você diz é bom para ele? Vá bem fundo
dentro de você, olhe para o fato, considere-o – e seja autêntico. Se você está realmente ofendido
pela desobediência dele, então, fique sabendo que você está ofendido e se sente machucado e é
por isso que você está com raiva. Isso é ser autêntico.
Então, você pode fazer muito para que haja uma mudança em você, porque os fatos podem
ser mudados; as ficções não podem ser mudadas.
Então, em tudo o que você estiver fazendo ou estiver pensando, vá bem fundo. Escave os
fatos e não permita interpretações e palavras para colori-los.
Se essa consideração estiver presente, em pouco tempo você se tornará autêntico. E essa
autenticidade não será como a do animal. Essa autenticidade será como aquela de um santo,
porque quanto mais você sabe o quão feio você é, quanto mais você sabe o quão violento você é,
quanto mais você penetra o interior dos seus fatos e se torna consciente do absurdo que você está
fazendo, mais essa consciência o ajudará. E em pouco tempo sua feiúra desaparecerá,
desvanecerá, porque se você está consciente de sua feiúra, ela não pode continuar.
Se você quer que ela continue, não tome consciência dela e crie uma fachada de beleza em
volta. Então, você verá a beleza e a feiúra permanecerá por trás, nunca sendo vista diretamente.
Todo mundo a verá – este é o problema. O filho verá que o pai não está com raiva para o seu
bem. Ele verá que o pai está com raiva porque ele desobedeceu e o pai se sente ferido; o filho
saberá disso. Você não pode esconder sua feiúra dos outros. Você pode escondê-la somente de si
mesmo. Seu olhar revelará para todo mundo que há violência. Você só pode enganar a si mesmo
de que havia compaixão.
É por isso que todo mundo pensa sobre si mesmo como sendo um ser muito superior e
nenhuma outra pessoa concorda com isso. Sua esposa não concorda com você, que você é um ser
superior. Seus filhos não estão de acordo com você, que você é um ser superior. Seus amigos não
concordam, ninguém concorda com você, que você é um ser superior.
Há um dito popular na Rússia que se todo mundo mostrasse seus pensamentos totalmente,
exatamente como eles são, não haveria quatro amigos em todo o mundo. Impossível! O que quer
que seja que seu amigo pense sobre você, ele nunca diz a você. É por isso que a amizade
continua. Mas ele sempre está dizendo coisas por trás de você e você está dizendo o que você
pensa sobre o seu amigo por trás dele. Ninguém diz honestamente o que pensa, porque, então,
não haverá possibilidade de nenhuma amizade. Por quê? Ninguém concorda com você e a razão
é somente esta: você só pode enganar a si mesmo, você não pode enganar a mais ninguém.
Somente o auto-engano é possível.
E quando você pensa que está enganando os outros, você está simplesmente enganando a si
mesmo. É possível que os outros finjam para você que foram enganados por você, porque há
momentos em que é conveniente representar o papel de ser enganado. Pode ser benéfico para a
pessoa. Você fala para alguém de sua grandeza... Todo mundo está falando direta ou
indiretamente sobre sua própria grandeza, sua superioridade... Alguém pode concordar com
você. Se isso for benéfico para a pessoa, ela fingirá para você, que está sendo enganada por você,
mas ela sabe lá dentro quem você é.
Você não pode enganar ninguém a menos que alguém esteja pronto para ser enganado; isso é
outra coisa. Por autenticidade, eu quero dizer: lembre-se de sua facticidade. Separe-a sempre de
suas interpretações. Jogue fora suas interpretações e olhe para o fato do que você é. E não tenha
medo – há muita feiúra. Se você tiver medo, então, você nunca será capaz de mudá-la. Se ela
existe, aceite que ela existe, considere-a.
É isso o que consideração quer dizer: considere-a, olhe-a em sua total nudez. Mova-se em
volta dela, vá até suas raízes, analise-a. Veja por que ela existe, como você a ajuda a existir,
como você a alimenta, como você a protege, como ela cresceu a ponto de ser uma árvore tão
grande. Veja a sua feiúra, a sua violência, o seu ódio, a sua raiva, como você tem protegido isso,
como você ajudou isso a crescer até agora. Olhe para as suas raízes; olhe para o fenômeno todo.
E Shiva diz que se você considerá-lo totalmente, você pode abandoná-lo imediatamente, neste
exato momento, porque é você quem a esteve protegendo. É você quem a esteve ajudando a se
tornar enraizada em você. Ela é sua criação. Você pode abandoná-la imediatamente – exatamente
agora. Você pode abandoná-la e, então, não há nenhuma necessidade de olhar para ela
novamente. Mas antes de você poder fazer isso, você terá que conhecê-la – o que ela é, o
mecanismo todo, toda a complexidade dela, como você a ajuda a todo o momento.
Se alguém lhe diz alguma coisa insultante, como você reage? Você já pensou sobre isso – que
a pessoa pode estar certa? ...Então, olhe! Ela pode estar certa. Há toda a possibilidade de ela estar
sendo mais correta do que você é a seu respeito, porque ela está distante, afastada; ela pode
observar.
Assim, não reaja. Espere! Diga a ela: “Eu irei considerar o que você disse. Você me insultou
e eu irei considerar o fato. Você pode estar certa. Se você estiver certa, então, eu lhe agradecerei.
Deixe-me considerar o fato. E se eu achar que você está errada, eu a informarei”. Mas não reaja.
A reação é diferente.
Se você me insulta, eu lhe digo, ao invés de reagir: “Espere! Volte depois de sete dias. Eu irei
considerar tudo o que você disse – você pode estar certa. Eu me colocarei em seu lugar e irei me
observar; eu criarei uma distância. Você pode estar certa; assim, deixe-me olhar para o fato. É
muita gentileza sua tê-lo apontado; assim, eu irei olhar para isso. Se eu sentir que você está certa,
eu lhe agradecerei; se eu sentir que você está errada, eu lhe informarei que você está errada”.
...Mas qual é a necessidade da reação?
Você me insulta – então, o que eu faço? Eu lhe insulto imediatamente. Eu escapo da
consideração, eu reagi. Você me insultou; então, eu o insultei.
E lembre-se, a reação nunca pode estar certa. Ela nunca pode estar certa! Se você me insulta,
você cria a possibilidade de eu ficar com raiva. E quando eu estou com raiva, eu não estou
consciente. Eu irei dizer alguma coisa que nunca tinha pensado sobre você. Neste exato
momento, por causa de seus insultos, eu reajo de um modo violento. Num momento posterior, eu
posso me arrepender.
Não reaja – considere os fatos. E se a sua consideração for total, você pode abandonar
qualquer coisa; está em suas mãos. Devido a você estar apegado a essa coisa, ela existe. Mas
você pode abandoná-la imediatamente e não haverá repressão – lembre-se. Quando você tiver
considerado o fato, nunca haverá repressão. Ou você gosta daquilo e continua com aquilo, ou
você não gosta daquilo e o abandona.

A segunda pergunta:

De acordo com a técnica da noite passada, quando a raiva, a violência, o sexo, etc.,
surgem, a pessoa deve considerá-los e, então, de repente abandoná-los. Mas quando a
pessoa faz isso, algumas vezes se sente perturbada e desconfortável. Quais são as razões
para esses sentimentos negativos?

Somente uma razão: sua consideração não é total. Todo mundo quer abandonar a raiva sem
compreendê-la; todo mundo quer abandonar o sexo sem compreendê-lo. E não há revolução sem
compreensão. Você criará mais problemas e criará mais miséria para si mesmo. Não pense em
renunciar a nada, apenas pense em como compreender; compreensão, não renúncia. Não há
nenhuma necessidade de pensar em abandonar nada. A única necessidade é compreender a coisa
em sua totalidade. Se você a tiver compreendido em sua totalidade, a transformação se seguirá.
Se a coisa for boa para você, se ela for boa para o seu ser, ela crescerá. Se ela for ruim para você,
ela cairá. Assim, a verdadeira questão não é abandonar, é compreender.
Por que você pensa em renunciar a raiva? Por quê? Porque lhe ensinaram que a raiva é ruim.
Mas você a compreendeu como ruim? Você chegou a uma conclusão pessoal, através de seu
próprio insight aprofundado, de que a raiva é ruim? Se você chegou a essa conclusão através de
sua própria pesquisa interior, não há necessidade de abandoná-la – ela já terá desaparecido. O
próprio fato de saber que ela é venenosa é suficiente. Então, você torna-se um homem diferente.
Mas você continua pensando em deixar, abandonar, renunciar. Por quê? Porque as pessoas
dizem que a raiva é ruim e você é simplesmente influenciado por tudo o que elas dizem. Então,
você continua pensando que a raiva é ruim e, quando chega o momento, você continua tendo
raiva.
É assim que a mente dupla é criada. Você permanece com a raiva e sempre ainda pensa que a
raiva é ruim. Isso é inautenticidade. Se você pensa que a raiva é boa, então, permita-a e não diga
que a raiva é ruim. Ou se você diz que a raiva é ruim, então, tente compreender se isso é sua
compreensão ou se outra pessoa disse-lhe isso.
Todo mundo está criando miséria em volta de si mesmo por causa dos outros. Alguém diz que
“isto” é ruim e alguém diz que “isto” é bom; e eles continuam forçando essas ideias em sua
mente. Os pais estão fazendo isso, a sociedade está fazendo isso e, então, um dia, você está
apenas seguindo as ideias dos outros. E a diferença entre sua natureza e as ideias dos outros
causa uma divisão; você se torna esquizofrênico. Você fará uma coisa e acreditará no contrário.
Isso criará culpa. Todo mundo sente culpa. Não que todo mundo seja culpado, todo mundo se
sente culpado por causa desse mecanismo.
Eles dizem que a raiva é ruim. Todo mundo disse para você que a raiva é ruim, mas ninguém
lhe disse como saber o que a raiva é. Todo mundo diz que o sexo é ruim. Eles vêm ensinando,
ensinando, que o sexo é ruim e ninguém diz o que o sexo é e como conhecê-lo. Pergunte ao seu
pai e ele não ficará à vontade. Ele dirá: “Não fale sobre tais coisas ruins”! Mas essas coisas ruins
são fatos. Nem mesmo seu pai pôde escapar do sexo; do contrário, você não poderia ter nascido.
Você é um fato exposto. E não importa o que seu pai fale sobre sexo, ele não pôde escapar dele.
Mas ele não se sentirá à vontade se você lhe perguntar, porque ninguém lhe falou; os pais dele
nunca lhe contaram por que o sexo é ruim.
Por quê? E como conhecê-lo? E como ir fundo nele? Ninguém lhe contará isso, eles irão
apenas continuar rotulando as coisas: isso é ruim e isso é bom. Essa rotulação cria miséria e
inferno.
Assim, uma coisa para se lembrar – para qualquer buscador, um buscador verdadeiro, isso é
uma coisa básica a ser compreendida: permaneça com seus fatos, tente conhecê-los. Não permita
que a sociedade force a ideologia dela sobre você. Não se olhe através dos olhos dos outros.
Você tem olhos; você não é cego. E você tem os fatos de sua vida interior. Use os seus olhos! É
isso o que consideração quer dizer. E se você considerar, então, isso não será um problema.
Mas quando a pessoa faz isso, algumas vezes se sente perturbada e desconfortável.
Você sentirá assim se não tiver entendido os fatos; você não se sentirá à vontade, porque há
uma repressão sutil. Você já sabe que a raiva é ruim. Se eu digo para considerá-la, você a
considera somente para que ela possa ser renunciada. Essa renúncia está presente, sempre
presente em sua mente.
Alguém esteve aqui, um homem muito velho, sessenta anos de idade. Ele é um homem muito
religioso – e não somente um homem muito religioso, mas um tipo de líder religioso. Ele esteve
ensinando muitas pessoas e ele escreveu muitos livros. Ele era um moralizador e, agora, aos
sessenta anos, ele vem a mim e diz: “Você é a única pessoa para quem eu posso contar meus
verdadeiros problemas. Como eu posso me livrar do sexo”?
E eu já o tinha ouvido falar sobre a miséria do sexo. Ele escreveu livros, e ele torturou seus
filhos e filhas. Se você quer torturar alguém, a moralidade é a melhor arma – a mais fácil.
Imediatamente você cria culpa na outra pessoa. Essa é a tortura mais sutil. Fale sobre
brahmacharya e você criará culpa, porque é muito difícil ser um brahmachari, ser um celibatário
puro. É muito difícil e, quando você fala sobre brahmacharya e o outro não pode ser, ele se sente
culpado.
Você criou culpa; agora você pode torturar. Você tornou o outro homem degradado, inferior.
Agora ele nunca estará à vontade. Ele terá de viver no sexo e se sentirá culpado. Ele sempre
pensará em brahmacharya, e ele não saberá o que fazer. Sua mente pensará em brahmacharya e
seu corpo viverá com o sexo. Então, ele irá contra o seu corpo. Então, pensará: “Eu não sou o
meu corpo. O corpo é uma coisa ruim”. E uma vez que você crie culpa em alguém, você destruiu
uma mente, a envenenou.
O velho veio e perguntou como se livrar do sexo; então, eu lhe disse, em primeiro lugar, para
ficar consciente do fato – e ele tinha perdido muitas oportunidades. Agora o sexo estará fraco e a
consciência necessitará de mais esforço. Quando o sexo é violento e a energia está presente e o
sexo é jovem, você pode ficar consciente dele muito facilmente. Ele é tão vigoroso, não é difícil
ver e conhecer e senti-lo. Esse homem, aos sessenta anos, agora débil, fraco, doente, terá
dificuldade em ficar consciente do sexo.
Quando ele era jovem, ele estava pensando em brahmacharya. Ele não pôde vivê-lo; ele tem
cinco filhos. Então, ele estava pensando em brahmacharya e perdendo a oportunidade. E agora
está pensando no que fazer com o sexo. Assim, eu lhe disse para ficar consciente dele – esquecer
os seus ensinamentos e queimar os seus livros e não dizer nada sobre sexo a ninguém, sem ele
mesmo conhecê-lo. Eu lhe disse para ficar consciente dele.
Assim, ele disse: “Se eu tentar ficar consciente, em quantos dias eu me livrarei dele”? É assim
que a mente funciona. Ele está pronto até mesmo para ficar consciente, mas apenas para se livrar
dele.
Assim, eu lhe disse: “Se você não está consciente dele, quem está decidindo se livrar dele?
Como você conclui que o sexo é ruim? Isso é tomado como certo? Não há necessidade de
descobri-lo dentro de você mesmo”?
Não pense em renunciar a nada. Renúncia quer dizer que você está simplesmente sendo
forçado pelos outros. Seja individual. Não permita muito domínio da sociedade sobre você, não
seja um escravo. Você tem olhos, você tem consciência, você pode ver o seu sexo, sua raiva e
outros desejos. Use a sua consciência, use os seus olhos. Fique alerta.
Pense-se como você sendo sozinho. Não há ninguém para lhe ensinar. O que você fará?
Comece bem do começo, do ABC, e vá para dentro. Fique totalmente consciente. Não decida,
não tenha pressa, não conclua apressadamente. Se você pode chegar a uma conclusão através de
sua própria consciência, essa própria conclusão se tornará uma transformação. Então, você não
sentirá nenhum desconforto, não haverá nenhuma repressão. Somente então você pode
abandonar algo. Eu não estou dizendo: fique consciente para abandonar. Lembre-se, eu estou
dizendo: se você estiver consciente, você pode abandonar qualquer coisa.
Não faça da consciência uma técnica para abandonar algo. O abandonar é apenas uma
consequência. Se você está consciente, você pode abandonar qualquer coisa, mas você não pode
decidir abandonar; não há necessidade. Você nunca pode decidir abandonar. O sexo existe – se
você se torna totalmente consciente dele, você pode decidir não abandoná-lo. Se com total
consciência você decide não abandoná-lo, então, o sexo tem a sua própria beleza. Se com total
consciência você decide abandoná-lo, então, sua renúncia também será bela.
Tente compreender-me. O que quer que venha, o que quer que aconteça através da
consciência é belo e o que quer que aconteça sem consciência é feio. Eis por que seus assim
chamados brahmacharis, monges celibatários, são basicamente feios. Todo o modo de vida deles
é feio. Aquele celibato não veio como uma consequência, não é a busca pessoal deles.
Agora olhe para uma pessoa como D.H. Lawrence. Seu sexo é belo, mais belo do que a
renúncia de seus monges celibatários, porque o sexo dele é com total consciência. Através da
busca interior, ele chegou à conclusão de que iria viver com o sexo. Ele aceitou o fato; agora
então, não há nenhuma barreira, nenhuma culpa. Ao invés, o sexo se tornou glorioso. Assim, um
D.H. Lawrence, totalmente consciente de seu sexo, aceitando-o, vivendo-o, tem uma beleza
própria.
Um Mahavira, totalmente consciente do fato e, então, chegando a deixá-lo, abandoná-lo, tem
uma beleza própria. Ambos são belos – D. H. Lawrence e Mahavira. Ambos são belos! Mas a
beleza não é do sexo e não é do abandono do sexo: a beleza é da consciência.
Isso deve ser constantemente relembrado – que você pode não chegar à mesma conclusão de
Buda; não há necessidade. Você pode não chegar à mesma conclusão de Mahavira; não há
inevitabilidade. Se há alguma inevitabilidade, há somente uma, e ela é a da consciência. Quando
você está totalmente consciente, o que quer que lhe aconteça é belo, é divino.
Olhe para os sábios do passado: Shiva sentando-se com Parvati. Parvati está sentada em seu
colo em um profundo gesto de amor. Você não pode conceber Mahavira em tal postura –
impossível! Você não pode conceber Buda em tal postura. Apenas porque Rama é retratado com
Sita, os jainas não o podem aceitar como um avatar, como uma encarnação divina, porque ele
está sentado com mulheres. É impossível para os jainas conceberem-no como uma encarnação
de Deus; assim, eles dizem que ele foi um grande homem – um mahamanava, mas não um
avatar. Ele é um grande homem, mas ainda um homem, porque a mulher está presente. Quando a
mulher está presente, você não pode ir além do homem; a contraparte está presente; assim, você
ainda é um homem. Naturalmente, Rama era um grande homem, mas nada além do homem,
dizem os jainas.
Se você perguntar aos hindus, eles não falarão sobre Mahavira de modo algum – nem mesmo
falam sobre ele, nem mesmo o mencionam em seus livros – porque para a mente hindu, o
homem sozinho sem uma mulher é metade, um fragmento, não o todo. Rama sozinho não está
completo; assim, os hindus dizem: “Sitaram”. Eles colocam a mulher primeiro. Eles nunca dirão
“Ramsita”, eles dirão “Sitaram”. Eles dirão “Radhakrishna”. Eles colocarão a mulher primeiro
por uma razão básica: porque o homem nasce da mulher e o homem sozinho é metade. Com a
mulher, ele se torna completo.
Assim, nenhum deus hindu está sozinho. A outra parte, a outra metade, está presente. Sitaram
é realmente completo; Ramakrishna é completo. Krishna sozinho é metade. Não há nenhuma
necessidade de Rama abandonar Sita e não há nenhuma necessidade de Krishna abandonar
Radha. Por quê? Eles estão totalmente conscientes.
Você não pode encontrar um homem mais consciente, um homem mais desperto do que
Shiva, mas ele está sentado com Parvati em seu colo. Isso cria problemas. Então, quem está
certo? É um Buda que está certo, ou é um Shiva que está certo? Os problemas surgem, porque
nós não sabemos que cada um floresce individualmente. Buda e Shiva estão ambos
completamente conscientes, mas acontece que Buda abandona alguma coisa em sua consciência
total – essa é a sua escolha. Acontece que Shiva, em sua consciência total, aceita tudo. Ambos
estão no mesmo ponto de realização, de consciência, mas a expressão de cada um é diferente.
Assim, não caia em nenhum padrão. Ninguém sabe o que acontecerá quando você se tornar
consciente. Não decida antes de se tornar consciente, que você abandonará isso e aquilo. Não
decida – ninguém sabe. Espere! Esteja consciente e deixe o seu ser florescer. Ninguém sabe o
que irá acontecer. Em cada um, há uma possibilidade desconhecida de florescimento. E você não
precisa seguir ninguém – porque todo ato de seguir é perigoso, destrutivo; toda imitação é
suicídio. Espere!
Estas técnicas são somente para torná-lo consciente. E quando você está consciente, você
pode abandonar qualquer coisa ou você pode aceitar qualquer coisa. Quando você não está
consciente, lembre-se do que está acontecendo: você nem pode aceitar, nem pode abandonar.
Você tem sexo – você não pode nem aceitá-lo totalmente e esquecê-lo, nem pode abandoná-lo.
Eu digo: ou aceite-o e esqueça, ou abandone-o e esqueça.
Mas você não pode fazer nenhum dos dois; você sempre estará fazendo ambos. Você aceitará
e, então, pensará em abandonar; e isso é um círculo vicioso. Quando você tiver feito sexo, então,
por umas poucas horas ou poucos dias, você pensará em abandoná-lo. Na verdade, você não está
fazendo nada além de recuperar energia. Quando você recuperou a energia, você novamente
pensará em fazê-lo. E isso continuará por toda a sua vida. Isso tem sido assim por muitas vidas.
Quando você se torna totalmente consciente, você pode decidir. Ou você o aceita – então, essa
aceitação lhe dá uma beleza – ou você o abandona – então, esse ato de abandonar também é belo.
Uma coisa é certa: quando você está consciente, você pode esquecer-se do assunto – de um
jeito ou de outro. Isso não é um problema então. Sua decisão é total e o problema cai. Mas se
você se sente desconfortável, isso quer dizer que você não considerou, você não estava
consciente.
Assim, fique mais consciente. Considere mais o fato – mais profundamente, mais
individualmente, sem as conclusões dos outros.

A terceira pergunta:

Quando um impulso é autêntico, eu estou inconsciente. Como eu posso exercitar o


“Pare”!?

Essa é uma pergunta muito significativa. É muito fácil parar qualquer coisa quando você está
sendo falso e é difícil parar alguma coisa quando você está sendo autêntico. Quando a raiva for
verdadeira, você esquecerá a técnica do “Pare”! Quando a raiva for falsa, você se lembrará, você
poderá fazê-la. Mas quando a raiva é falsa, não há nenhum sentido em fazê-la, não há nenhuma
energia. Você pode pará-la, mas é inútil. Quando a raiva é verdadeira, somente então, a energia
está presente e, se você pará-la, a energia se voltará para dentro.
Assim, o que fazer? Tente, fique consciente não da raiva diretamente, mas de coisas mais
fáceis. Você está caminhando – fique consciente disso. Não comece com a raiva, comece com
coisas mais fáceis. Você está caminhando – fique consciente disso, não há problema. Então, de
repente pare o seu caminhar. Comece com coisas fáceis e, depois, continue com uma coisa mais
profunda, mais complexa. Não comece com coisas complexas, não salte para o sexo
imediatamente. Ele é mais sutil e você precisará de uma consciência mais profunda para isso.
Assim, primeiro crie consciência com coisas mais fáceis. Você está caminhando, você está
tomando banho, você sente sede, você sente fome – comece com estas coisas, todas coisas muito
comuns. Você estava apenas indo falar alguma coisa para alguém: Pare! Até mesmo no meio de
uma frase. Você ia relatar uma história que você já relatou milhares de vezes e você chateou todo
mundo com ela. Você novamente estava começando: “Era uma vez um rei ” Pare! Comece com
coisas fáceis, coisas mais fáceis.
Tem uma mosca na sua cabeça e você ia apenas afastá-la com a sua mão: Pare! Deixe a
mosca estar ali, deixe a sua mão permanecer parada. Faça isso com coisas fáceis, de modo que
você possa ter o sentimento, a sensação de parar com consciência. Então, mova-se para coisas
mais complexas.
A raiva é uma coisa muito complexa; pegue uma coisa mecânica. Todo dia de manhã você se
levanta de sua cama. Você já observou? Você se levanta todo dia da mesma maneira. Se seu pé
direito vem primeiro, ele sempre vem primeiro. Amanhã de manhã quando o pé direito estiver
vindo, pare e deixe o pé esquerdo vir.
Faça isso com coisas mais fáceis; então, não há nada a sacrificar a não ser um hábito. Você
sempre começa caminhando com o pé direito: Pare! Qualquer coisa... qualquer coisa pode ser
usada. Encontre alguma coisa – quanto mais fácil, melhor. E quando você se tornar um mestre de
coisas mais fáceis você pode parar de repente e você pode ter a sensação de consciência, uma
calma repentina chegou até você. Por um segundo, um silêncio interior explode.
Gurdjieff costumava treinar os seus discípulos em coisas muito simples. Por exemplo, você
diz alguma coisa e mexe a cabeça. Então, ele podia dizer-lhe: “Diga a mesma coisa, mas não
mexa a sua cabeça”. Isso é um ato mecânico. Eu estou dizendo alguma coisa; eu faço um gesto
com a minha mão. Gurdjieff dizia: “Não faça esse gesto quando disser essa coisa – lembre-se
disso. Faça qualquer outro gesto, mas lembre-se somente disso: quando você estiver dizendo
isso, não faça esse gesto. Fique consciente disso”.
Use qualquer coisa – qualquer coisa! Você sempre começa sua conversa com uma frase
específica – não comece com ela. Alguém diz alguma coisa e você tem uma resposta mecânica –
não responda dessa forma, diga qualquer outra coisa. Ou se você começou dizendo a coisa
antiga, pare no meio. Pare bruscamente, repentinamente. Tente isso e, somente quando você se
sentir um mestre, mova-se para coisas complexas.
Esse é um dos truques mais básicos da mente: ela sempre lhe dirá para saltar para uma coisa
complexa. Então, você fracassa; então, você nunca tentará novamente; você sabe que aquilo não
pode ser feito. Esse é um truque da mente. A mente dirá: “Tudo bem, agora você sabe que o
exercício de parar será um fracasso quando você estiver com raiva, quente e com raiva”. Então,
você não tentará novamente.
Tente com coisas frias; não vá para as quentes. E quando você puder fazer isso com as coisas
frias, então, mova-se para as quentes. Com passos graduais sinta o caminho e não seja apressado;
do contrário nada será concluído.

A última pergunta:

Depois de ouvir sobre tantas técnicas de meditação no Vigyan Bhairav Tantra, eu estou
começando a sentir que a porta interior não pode ser realmente aberta com técnicas, mas
que na verdade depende de coisas como a iniciação, a graça do mestre, etc. Não é verdade?
E quando e como alguém pode tornar-se capaz de receber a iniciação?

Na verdade, a graça do mestre é outra vez uma técnica. Apenas mudando-se as palavras, nada
muda. Quer dizer entrega. Você pode receber a graça do mestre somente quando se entrega; e a
entrega é uma técnica. Se você não sabe como se entregar, você não receberá nenhuma graça.
Assim, na verdade, a graça não é dada, ela é recebida. Ninguém pode dar a graça – você pode
recebê-la. Com uma pessoa iluminada, a graça está fluindo sempre. Ela está presente; ela é
simplesmente a natureza dessa pessoa.
Assim, como uma lamparina queima e irradia luz, o iluminado está sempre irradiando graça.
Não é nenhum esforço. Flui sem esforço, existe. Se você pode receber, você recebe. Se você não
pode receber, você não recebe.
Assim, pode parecer paradoxal que eu diga isto, mas é a verdade: a graça não é dada pelo
mestre, ela é recebida pelo discípulo. Mas como ser um discípulo? Novamente, trata-se de uma
técnica. Como se entregar? Como se tornar receptivo? A entrega é a mais difícil das coisas. Você
não pode entregar a sua raiva, você não pode entregar a sua tristeza; assim, como você pode
entregar seu ser total? Você não pode entregar coisas não-essenciais, você não pode entregar
suas doenças; assim, como você pode entregar-se?
Entrega quer dizer entregar-se totalmente. Você deixa tudo totalmente para seu professor,
para o seu mestre. Você diz: “Agora eu não existo mais. Agora você existe – faça tudo o que
você quiser”. E, quando você espera, você não vai perguntar a ele quando ele vai fazer isso ou
aquilo, você se entregou, você acabou. Não há nada mais a ser perguntado. No momento certo, a
coisa acontecerá. Mas como fazer isso?
Isso também necessitará de uma consciência muito grande. Comumente, pessoas estúpidas
pensam que a entrega é muito fácil. Isso é estupidez. Eles pensam que se você vai e toca os pés
de um mestre, você se entregou. Tocar os pés pode ser uma entrega, mas não pense que, porque
você tocou os pés, você se entregou. A entrega é uma atitude interior. Ela o está desalojando,
esquecendo de você completamente. Somente o mestre permanece, você não existe mais.
Somente o mestre existe.
Isso pode ser feito somente com uma consciência muito profunda. O que é essa consciência.
Essa consciência chegará se você continuar fazendo essas técnicas e sentir, continuamente, que
você está indefeso. Mas não decida estar indefeso antes de fazê-las – isso será falso. Primeiro
faça-as e faça-as autenticamente. Se acontecer das técnicas lhe ajudarem, não haverá necessidade
de entrega; você será transformado. Se você as faz autenticamente, realmente, totalmente, se
você não está se enganando e, ainda assim, nada acontecer, então, você se sentirá indefeso. Você
sentirá: “Eu não posso fazer nada”. Se isso for fundo em você, este sentimento de estar indefeso,
somente então, você será capaz de entregar-se – não antes.
Você se sente indefeso? Ninguém se sente indefeso. Ninguém se sente indefeso! Todo
mundo sabe: “Eu posso fazer. Se eu quiser, eu posso fazer. É porque eu não quero que eu não
faço”. Todo mundo pensa que se quiser, se desejar, fará. Todos pensam: “Quando eu quiser, eu
farei. A única razão de eu não estar fazendo é porque eu não estou querendo fazer agora”.
Mas ninguém se sente indefeso. Se alguém diz que através da graça do mestre isso pode
acontecer, você pensa que está pronto neste exato momento. Se for uma questão de se fazer algo,
você diz que pode fazer quando quiser, mas se é uma questão da graça, você diz: “Tudo bem! Se
ela pode ser recebida de qualquer um, eu posso recebê-la neste exato momento”.
Você não está indefeso, você é apenas preguiçoso e há uma grande diferença. Na preguiça,
nenhuma graça pode ser recebida – somente no estado indefeso. E estar indefeso não faz parte da
preguiça. O estar indefeso vem somente para aqueles que primeiro fizeram todo esforço para
alcançar, para penetrar, para fazer. Quando você fez tudo e nada aconteceu, você se sente
indefeso. Somente então, você pode se entregar a alguém. Então, a sua entrega se tornará uma
técnica.
Essa é a última das técnicas, mas as pessoas a tentam primeiro. Ela é a última, a derradeira.
Quando nada acontece pelo fazer, se há somente o estar indefeso e indefeso e indefeso, se você
perde toda a esperança e seu ego é despedaçado, então, você sabe que nada pode ser feito
sozinho. Então, as suas mãos chegam aos pés de um mestre. Este é um tipo diferente de chegada:
você está desesperadamente procurando por ele, todo o seu ser se move em direção aos pés dele.
Você se tornou simplesmente um útero para receber.
Então, a graça está disponível. Ela nunca esteve indisponível. Em todas as épocas, em todos
os períodos, existiram pessoas iluminadas. Mas a menos que você esteja pronto para perder a si
mesmo, você não estará em contato com o iluminado. Você pode estar sentado exatamente atrás
dele ou exatamente ao seu lado, mas não haverá contato.
Existem três tipos de distâncias. Uma distância é de espaço. Você está sentado aí, eu estou
sentado aqui e há espaço entre os dois pontos. Existe uma distância no espaço. Você pode chegar
perto e a distância será menor. Você pode simplesmente me tocar e a distância desaparece – mas
somente no espaço.
Existe um outro tipo de distância – no tempo. Sua amada morreu, seu amigo morreu. No
espaço, um ponto desapareceu completamente, há infinita distância. Mas no tempo, você sentirá
o seu amigo ao redor. Você fecha seus olhos e o amigo está presente. No tempo, pode ser que a
pessoa que está sentada ao seu lado esteja mais distante do que seu amado que não está mais no
mundo. O amado está morto – então, pouco a pouco, haverá uma grande distância de tempo. As
pessoas dizem que o tempo cura. Quando esse tempo está muito, muito, muito distante, a
memória torna-se cada vez mais e mais débil e desaparece.
Existe uma terceira distância, uma terceira dimensão, que é o amor. Se você está amando
alguém, então, ele pode estar em uma outra estrela, mas em seu amor ele está exatamente ao seu
lado. Ele pode ter morrido, pode haver séculos de distância entre você e ele, mas no amor não há
distância.
Alguém pode estar perto de Buda exatamente agora. Vinte e cinco séculos não significam
nada, porque a distância é de amor. No espaço não há nenhum Buda agora; o corpo desapareceu.
No tempo, há uma distância de vinte e cinco séculos, mas no amor não há distância. Se alguém
está amando Buda, as distâncias do tempo e do espaço desaparecem. Ele está exatamente aqui e
você pode receber a sua graça.
Você pode estar apenas sentado ao lado de Buda. Não há intervalo no que se refere ao espaço;
não há distância no que se refere ao tempo. Mas se não há amor, então, há infinita distância.
Assim, alguém pode ter vivido com Buda sem estar em contato e alguém pode estar exatamente
aqui e agora e estar em contato com Buda.
A graça acontece na dimensão do amor. Para o amor, todas as coisas estão sempre
eternamente presentes. Assim, se você está amando, a graça pode acontecer. Mas o amor é
entrega; o amor quer dizer que agora o outro se tornou mais importante do que você mesmo.
Agora você está pronto para morrer pela vida do outro. Pela vida do outro, você se sacrificará. O
outro se tornou o centro; você está apenas na periferia. Pouco a pouco, você desaparece
completamente e o outro permanece. Neste exato momento, a graça é recebida.
Assim, não pense em um mestre como alguém que pode lhe dar a graça. Pense em se tornar
um discípulo indefeso – totalmente entregue, em amor. O mestre chegará a você. Quando o
discípulo está pronto, o mestre sempre chega. Isso não é uma questão de presença física; quando
você está pronto, de uma dimensão desconhecida do amor, a graça acontece. Mas não pense na
graça como um escape.
Como eu estou falando sobre muitas técnicas, eu sei que há duas possibilidades: você pode
tentar algumas, ou você pode simplesmente se tornar confuso e essa última é mais possível. Com
cento e doze técnicas, escutando uma e depois outra e outra continuamente, você ficará confuso.
Você pensará que isso está além de você – tantas técnicas; assim, qual fazer e qual não fazer?
Pode vir à sua mente que é melhor receber a graça, gurukripa, do que atravessar esse mundo
que parece uma selva de técnicas – isso é muito complexo; assim, é mais fácil receber a graça.
Mas isso não lhe acontecerá se essa for a sua maneira de pensar. Tente essas técnicas e tente
honestamente. Se você for um fracasso, então, esse próprio fracasso se tornará sua entrega. Essa
é a última técnica.
Está bem?
Capítulo 19

UMA TÉCNICA PARA O TIPO INTELECTUAL E UMA TÉCNICA PARA O TIPO


EMOCIONAL

OS SUTRAS

28 Suponha estar gradualmente sendo privado de força ou de conhecimento.


E no instante da privação, transcenda.
29 Devoção liberta.

Para o tantra, o próprio homem é a doença. Não é que a sua mente esteja perturbada – mais
exatamente, sua mente é a perturbação. Não é que você esteja tenso internamente, mas, mais
exatamente, você é a tensão. Entenda a distinção claramente. Se a mente está doente, então, a
doença pode ser tratada; mas se a própria mente é a doença, então, essa doença não pode ser
tratada. Ela pode ser transcendida, mas ela não pode ser tratada. Isso faz a diferença básica entre
a psicologia ocidental e a filosofia tântrica e iogue orientais; esta é a diferença entre o tantra e o
iôga orientais e a psicologia ocidental.
A psicologia ocidental pensa que a mente pode ser saudável, que a mente como ela é pode ser
tratada e ajudada – porque para o pensamento ocidental não há transcendência, como não existe
nada além da mente. A transcendência somente é possível se há alguma coisa além, de forma que
você possa viver em seu estado presente e mover-se para adiante. Mas se não há nenhum além e
a mente é o fim, então a transcendência é impossível.
Se você pensa que é apenas o corpo, então, não pode transcender o seu corpo – porque quem
irá transcender e para onde você transcenderá? Se você é simplesmente o corpo, então não pode
ir além do corpo. Se você puder ir além do corpo, isso significará que você simplesmente não é o
corpo, mas alguma coisa mais. Este “mais” se torna a dimensão para a qual se mover.
Similarmente, se você é apenas a mente e nada mais, então, nenhuma transcendência é
possível. Então, nós podemos tratar doenças individuais... Alguém está mentalmente doente –
nós podemos tratar a doença. Nós não tocaremos na mente, mas nós podemos tratar a doença e
tornar a mente normal. E ninguém pensará sobre se a própria mente normal é saudável ou não.
A mente normal é apenas uma mente cética. Freud diz que, do jeito que somos, nós apenas
podemos trazer uma mente doente para a normalidade. Mas se todo mundo é saudável ou não,
essa questão não é levantada. Nós tomamos como verdade, que a mente mediana está certa.
Assim, quando alguém vai além dessa mente mediana, move-se para algum outro lugar, ele tem
que ser trazido de volta e reajustado. Assim, toda a psicologia ocidental tem sido um esforço em
direção ao reajustamento – reajustamento à mente comum, a mente mediana.
Neste sentido, há pensadores, especialmente um pensador muito inteligente, Geoffrey, que diz
que o gênio é uma doença, porque o gênio não é normal. Se a normalidade é saúde, então, o
gênio é doença. Um gênio não é normal. Ele é, de um certo modo, louco. Sua loucura pode ser
útil; assim, nós permitimos que ele viva.
Um Einstein ou um Van Gogh ou um Ezra Pound... – ...poetas, pintores, cientistas, místicos...
– são loucos, mas a loucura deles é permitida por duas razões: ou a loucura deles é inofensiva, ou
a loucura deles é útil. Através da sua loucura, eles contribuem com algo que a mente normal não
pode contribuir. Como eles são loucos, eles se moveram para um extremo e podem ver certas
coisas que a mente normal não pode ver. Assim, nós podemos permitir esses loucos – e nós
inclusive os tornamos ganhadores de Nobel. Mas eles são doentes.
Se a normalidade é o critério e o padrão de saúde, então, todo mundo que não é normal é
doente. Geoffrey diz que chegará um dia em que nós trataremos os cientistas e poetas da mesma
maneira que nós tratamos os loucos: nós os tornaremos reajustados à mente mediana. Esta
atitude é por causa de uma determinada hipótese de que a mente é o fim e não há além.
Exatamente oposta a essa atitude está a abordagem oriental. Nós dizemos aqui, que a própria
mente é a doença. Assim, quer seja normal ou anormal, nós fazemos somente uma distinção de
“normalmente doente” e “anormalmente doente”. Um homem normal está normalmente doente.
Ele não está tão doente a ponto de que você possa detectar, ele apenas está dentro da média.
Como todo mundo é como ele, sua doença não pode ser detectada. Até mesmo a pessoa que o
trata, o psicanalista, é uma pessoa normalmente doente. A própria mente é a doença para nós.
Por quê? Por que chamar a própria mente de doença? Nós teremos de abordá-la a partir de
uma dimensão diferente, então, ficará fácil. Para nós, o corpo é morte; para a abordagem oriental,
o corpo é morte. Assim, você não pode criar um corpo perfeitamente saudável; caso contrário,
ele não morrerá. Você pode criar um certo equilíbrio, mas o corpo como tal, uma vez que irá
morrer, ele está propenso a ser doente. Assim, a saúde pode ser somente uma coisa relativa. O
corpo não pode ser perfeitamente saudável – ele não pode ser.
É por isso que a ciência médica não tem padrão e nem definição do que é saúde. Eles podem
definir as doenças, eles podem definir uma determinada doença, mas eles não podem definir o
que é saúde. Ou no máximo eles só podem definir negativamente que, quando uma pessoa não
está doente, não particularmente doente, ela está saudável. Mas definir saúde em termos
negativos parece absurdo, porque, então, a doença se torna a coisa primária, através da qual você
define saúde. Mas saúde não pode ser definida, porque, na verdade, o corpo nunca pode estar
realmente saudável. A todo momento o corpo está apenas em um equilíbrio relativo, porque a
morte está progredindo com a vida – você está morrendo também. Você não está simplesmente
vivendo, você está morrendo simultaneamente.
A morte e a vida não são dois extremos muito afastados um do outro. Elas são como duas
pernas caminhando simultaneamente – e ambas pertencem a você. Neste exato momento, você
está vivendo e morrendo, as duas coisas. Alguma coisa está morrendo dentro de você a cada
momento. Dentro de um espaço de tempo de setenta anos, a morte chegará a seu objetivo. A cada
momento você continuará morrendo e morrendo e morrendo e, então, você morrerá.
No dia em que você nasceu, você começou a morrer. O dia do nascimento é também o dia da
morte. Se você está morrendo continuamente – e a morte não é algo que virá de fora, mas algo
que crescerá dentro – então, o corpo nunca pode ser realmente saudável. Como ele pode ser?
Quando ele está morrendo a todo momento, como ele pode ser realmente saudável? Ele somente
pode ser relativamente saudável. Assim, se você é normalmente saudável, é suficiente.
É a mesma coisa com a mente. A mente não pode ser realmente saudável, totalmente, porque
a própria existência da mente é de tal ordem que ela está fadada a permanecer enferma,
naturalmente doente, tensa, ansiosa, em ansiedade. A própria natureza da mente é de tal ordem
que nós teremos que entender qual é a sua natureza.
Três coisas... Primeira: a mente é uma ligação entre o corpo e o não-corpo que está dentro de
você. Ela é uma ligação entre o material e o não-material dentro de você. Ela é uma das pontes
mais misteriosas. Ela une duas coisas bem contraditórias – matéria e espírito.
Se você puder, conceba o paradoxo. Comumente, você faz uma ponte sobre um rio onde
ambas as margens são materiais. Neste caso, a mente é uma ponte entre uma margem que é
material e a outra que é não-material... entre o visível e o invisível, entre o que morre e o que não
morre, entre a vida e a morte, entre o corpo e o espírito – ou como quer que você nomeie essas
duas margens. Como a mente une coisas tão contraditórias, ela está fadada a permanecer tensa;
ela não pode permanecer à vontade.
Ela está sempre se movendo do visível para o invisível, do invisível para o visível. A todo
momento, a mente está em profunda tensão. Ela tem que unir duas coisas que não podem ser
unidas. Essa é a tensão, essa é a ansiedade. A todo momento você está em ansiedade.
Eu não estou falando sobre sua ansiedade financeira, ou outros tipos de ansiedades – elas são
ansiedades enquadradas, ansiedades construídas. A ansiedade real não é essa, a ansiedade real é
aquela do buda. Você está sempre nessa ansiedade, mas você está tão sobrecarregado de suas
ansiedades do dia-a-dia, que você não pode descobrir sua ansiedade básica. Uma vez que você
encontre sua necessidade básica, você se tornará religioso.
A religião está relacionada com a ansiedade básica. Buda se tornou ansioso de uma maneira
diferente. Ele não estava preocupado com finanças, ele não estava preocupado com uma bela
esposa, ele não estava preocupado com coisa alguma. Não havia nenhuma preocupação;
preocupações comuns não havia. Ele estava protegido, seguro – o filho de um grande rei, o
marido de uma esposa muito bonita – e tudo estava disponível. No momento em que ele
desejasse alguma coisa, ele poderia tê-la. Tudo o que era possível, estava à disposição dele.
Mas de repente ele se tornou dominado pela ansiedade – e essa ansiedade era uma ansiedade
básica, uma ansiedade primária. Ele viu um homem morto sendo carregado e perguntou ao seu
cocheiro o que tinha acontecido àquele homem.
O cocheiro disse: “Esse homem está morto agora. Ele morreu”.
Esse foi o primeiro encontro de Buda com a morte; assim, ele perguntou imediatamente:
“Todo mundo está propenso a morrer? Eu também irei morrer”?
Olhe para a pergunta. Talvez você nunca tenha perguntado isso. Você pode ter perguntado
quem morreu, por que ele morreu, ou você pode ter dito que ele parecia tão jovem e isso não é
idade para se morrer. Essas ansiedades não são básicas; elas não estão relacionadas com você.
Você pode ter sentido pena, você pode ter sentido tristeza, mas ainda assim isso está apenas na
circunferência – e você esquecerá dentro de pouco tempo.
Buda girou toda a pergunta em direção a si mesmo e perguntou: “Eu vou morrer”?
O cocheiro respondeu: “Eu não posso mentir para você. Todo mundo está propenso a morrer,
todo mundo vai morrer”.
Buda disse: “Então, volte a carruagem. Se eu vou morrer, então, qual é o sentido da vida?
Você criou uma profunda ansiedade em mim. A menos que esta ansiedade seja resolvida, eu não
posso ficar à vontade”.
O que é essa ansiedade? Essa é uma ansiedade básica. Assim, se você se tornar consciente da
situação mais básica da vida – do corpo, da mente – uma ansiedade sutil penetrará furtivamente
e, então, esta ansiedade continuará vibrando dentro de você. Em tudo o que você estiver fazendo
ou não fazendo, a ansiedade estará presente – uma profunda angústia. A mente estará transpondo
um abismo, um abismo impossível. O corpo vai morrer e você tem alguma coisa – X – dentro de
você, que não morre.
Essas são as duas contradições. É como se você estivesse em pé em dois barcos que estão se
movendo em direções opostas. Então, você estará em um profundo conflito. Esse conflito é o
conflito da mente. A mente está entre os dois opostos – essa é a primeira coisa.
Em segundo lugar, a mente é um processo, não uma coisa. A palavra ‘mente’ é uma noção
falsa. Quando dizemos “mente”, parece como se existisse alguma coisa como uma mente dentro
de você. Não existe nada! A mente não é uma coisa, a mente é um processo. Assim é melhor
chamá-la de “mentalizar”, não de mente. Nós temos uma palavra em sânscrito, chitta, que
significa mentalizar. Não mente, mas mentalizar – um processo.
Um processo nunca pode ser silencioso. Um processo sempre será tenso; um processo
significa uma agitação. E a mente está sempre se movendo do passado para o futuro. O passado
continua sendo uma carga sobre ela; assim, ela tem de se mover para o futuro. Esse movimento
constante cria outra tensão dentro de você. Se você se tornar muito consciente dela, você poderá
ficar louco.
Assim, é por isso que nós sempre estamos engajados em uma coisa ou outra; nós não
queremos estar desocupados. Se você ficar desocupado, então, você se tornará consciente do
processo interior, do mentalizar, e isso lhe dará tensões muito estranhas e peculiares. Assim, todo
mundo quer estar ocupado de um jeito ou de outro. Se não há nada mais a fazer, a pessoa
continua lendo o mesmo jornal repetidamente. Por quê? Você não pode se sentar em silêncio?
Isso é difícil, porque se você se senta em silêncio, você se torna consciente do processo interno
totalmente tenso.
Assim, todo mundo está à procura de escapes. O álcool pode dar isso –você se torna
inconsciente. O sexo pode dar isso – por um momento você esquece de si mesmo
completamente. A televisão pode dar isso, a música pode dar isso... qualquer coisa onde você
esqueça de si mesmo e se torne tão ocupado que enquanto isso você vive como se você não
existisse. Esse escape constante de si mesmo é na verdade por causa desse processo do
mentalizar. Se você está desocupado – e a desocupação significa meditação – se você está
totalmente desocupado, você se tornará consciente de seu processo interior. E a mente é o
processo interior básico.
É por isso que muitas pessoas vêm à mim e dizem que vieram para meditar, mas quando
começam a meditar, elas se tornam mais tensas. Elas dizem: “Nós não éramos tão tensas antes e
não éramos tão preocupadas antes. Nós não éramos comumente tão preocupadas o dia todo, mas
quando nos sentamos quietas e começamos a meditação, os pensamentos se precipitam sobre
nós; eles se amontoam internamente”. Isso é uma coisa nova; assim elas pensam que é por causa
da meditação que os pensamentos estão se amontoando internamente.
Não é por causa da meditação. Os pensamentos estão se amontoando dentro de você a todo
momento de sua existência, mas você está tão ocupado externamente, que não pode estar
consciente disso. Sempre que você se senta, torna-se consciente, torna-se consciente de alguma
coisa da qual esteve escapando constantemente. A mente, o mentalizar, é um processo, e um
processo é um esforço. A energia é gasta nisso, dissipada nisso. Ela é necessária; ela é necessária
para a vida, ela é parte da luta pela sobrevivência. Ela é uma arma – e uma das mais violentas
armas.
É por isso que o homem pode sobreviver sobre os outros animais. Os animais são mais fortes
fisicamente, mas eles perderam uma arma sutil – o mentalizar. Eles têm dentes perigosos, garras
perigosas; eles são mais poderosos do que o homem; eles podem matar instantaneamente um
homem, completamente. Mas falta-lhes uma arma – o mentalizar. Por causa dessa arma, o
homem pôde matar, sobreviver.
Assim, a mente é um meio de sobrevivência. Ela é necessária; ela é necessária e ela é
violenta. A mente é violenta, ela é parte da longa violência pela qual o homem teve de passar.
Ela foi construída através da violência. Assim, sempre que você se senta, você sentirá a violência
interior – os pensamentos se amontoando, pensamentos violentos, um redemoinho, como se você
fosse explodir. É por isso que ninguém quer sentar-se em silêncio.
Todo mundo vem e diz: “Dê-me algum apoio, algum apoio interior. Eu não posso
simplesmente sentar-me em silêncio. Dê-me um nome que eu possa repetir, como ‘Rama, Rama,
Rama...’ Dê-me um nome que eu possa repetir; então, eu poderei sentar-me em silêncio”.
Na verdade, o que você está fazendo? Você está criando uma nova ocupação. Então, você
pode se sentar em silêncio porque a mente ainda está ocupada. Agora você está focado no
“Rama, Rama, Rama”, na cantilena; a mente ainda não está desocupada. A mente como um
processo está fadada a sempre ser doente; ela não pode estar tão equilibrada como o silêncio
necessita.
Em terceiro lugar, a mente é criada a partir do exterior. Quando você nasce, você tem apenas
a capacidade para a mente, mas não a mente – apenas uma possibilidade, uma potencialidade.
Assim, se uma criança é educada sem a sociedade, sem uma sociedade, a criança crescerá, ela
terá um corpo, mas não uma mente. Ela não será capaz de falar nenhuma língua; ela não será
capaz de pensar em conceitos. Ela será como qualquer animal.
A sociedade treina a sua capacidade para transformá-la em realidade: ela lhe dá uma mente. É
por isso que um hindu tem uma certa mente e um muçulmano tem uma mente diferente. Ambos
são homens, mas as suas mentes são diferentes. Um cristão tem uma mente diferente... Essas
mentes são diferentes, porque diferentes sociedades as cultivaram com diferentes propósitos,
diferentes metas.
Uma criança, um menino nasce, ou uma menina nasce – eles não têm mente, eles somente
têm a possibilidade de que a mente possa brotar. Ela pode estar presente, mas ela ainda não está
presente; ela é apenas uma semente. Então, você a treina. Então, um menino se torna uma mente,
ou uma menina se torna uma mente diferente, porque você os ensina diferentemente. Então um
hindu se torna diferente e um muçulmano se torna diferente. Então, um teísta é diferente e um
ateu é diferente. Essas mentes são criadas em vocês. Elas são condicionadas, forçadas sobre
vocês.
Por causa disso, a mente é de uma certa maneira sempre velha e ortodoxa. Não pode haver
nenhuma mente progressista. Essa afirmação pode parecer estranha: não pode haver nenhuma
mente progressista. A mente é ortodoxa, porque ela é um condicionamento. Assim, esses assim
chamados progressistas são tão ortodoxos sobre a progressividade deles quanto qualquer pessoa
ortodoxa. Olhe para um comunista. Ele pensa que é muito progressista, mas O Capital de Marx é
simplesmente uma autoridade sobre ele como o Alcorão é sobre qualquer muçulmano, ou o Gita
é sobre qualquer hindu. E se você começar a criticar Marx, o comunista se sentirá tão ferido
quanto qualquer jaina se sentirá se você começar a criticar Mahavira. A mente é ortodoxa,
porque ela é condicionada pelo passado, pela sociedade, pelos outros, devido a certos propósitos.
Por que eu estou tornando-os consciente desse fato? Porque a vida muda a todo momento e a
mente pertence ao passado. A mente é sempre velha e a vida é sempre nova. Está fadado a haver
tensão e conflito.
Uma nova situação surge... Você se apaixona por uma mulher e você tem uma mente hindu e
a mulher é muçulmana. Agora haverá conflito. Agora haverá muita angústia desnecessariamente.
A mulher é muçulmana e a vida lhe trouxe para uma situação onde você se apaixona por ela.
Agora a vida lhe dá um novo acontecimento e a mente não sabe como lidar com isto. Não há
know-how[1] ; assim, haverá conflito.
É por isso que, em um mundo muito mutável, as pessoas se tornam desarraigadas; suas vidas
se tornam ansiosas. Não era assim em tempos passados. O homem era mais silencioso – não
tanto realmente, mas ele revelava-se mais silencioso, porque as condições dos afazeres à sua
volta eram muito estáveis e a mente não estava em grande conflito. Agora todas as coisas estão
mudando tão rapidamente... E a mente não pode mudar tão rápido. A mente se prende ao passado
e tudo muda a todo momento.
É por isso que existe tanta ansiedade no Ocidente. No Oriente, existe menos ansiedade. Isso é
estranho, porque o Oriente tem que enfrentar mais problemas básicos. Falta comida, faltam
roupas, faltam casas... – todo mundo está simplesmente faminto. Mas eles estão menos ansiosos
e o Ocidente está mais ansioso. O Ocidente é afluente, desenvolvido cientificamente e
tecnologicamente, com um alto padrão de vida. Então, por que tanta ansiedade? Porque a
tecnologia dá à vida uma mudança tão rápida, que a mente não pode acompanhar. Antes de você
se ajustar a uma nova coisa, o novo se tornou velho e mudou.
Novamente uma lacuna! A vida está ocasionando novas situações e a mente está sempre
tentando reagir com o velho condicionamento. A lacuna vai aumentando. Quanto maior for a
lacuna, maior será a ansiedade. A mente é ortodoxa e a vida não é ortodoxa.
Estas são as razões pelas quais a própria mente é a doença. Assim o que fazer? Se você for
tratar da mente, haverá modos fáceis. A psicanálise é fácil. Ela pode levar muito tempo, ela pode
não ter sucesso, mas ainda assim ela não é difícil. Mas essa transcendência da mente é difícil,
árdua, porque você tem que abandonar a mente completamente. Você tem que criar asas e ir
além e deixar a mente como ela é – não a toque.
Por exemplo: eu estou aqui e esse quarto é quente. Eu posso fazer duas coisas. Eu posso
condicionar o ar do quarto e continuar a viver no quarto. Eu posso continuar fazendo arranjos, de
modo que o quarto não fique quente; mas, então, todos os arranjos têm que ser atendidos e,
então, cada arranjo cria a sua própria ansiedade e problemas. Há uma outra possibilidade: eu
posso abandonar o quarto e sair.
Essa é a diferença. O Ocidente continua vivendo no mesmo quarto da mente, tentando ajustar,
fazer arranjos, de modo que viver na mente se torne pelo menos normal. Pode não ser muito
extasiante, mas se torna cada vez menos e menos infeliz. Pode não chegar a um ponto, um pico,
de felicidade, mas a pessoa está a salvo de muito sofrimento; há cada vez menos e menos
sofrimento.
Freud disse que não há nenhuma possibilidade de o homem ser feliz. No máximo, você pode
arrumar a sua mente de uma tal forma que você seja normal, você será menos infeliz do que os
outros, isso é tudo. Isso é muito sem esperança. Mas Freud é um pensador muito genuíno e
autêntico e seu insight está certo de certa forma, porque ele não pode ver além da mente.
É por isso que o Oriente na verdade não desenvolveu nenhuma psicologia comparada a de
Freud, Jung ou Adler. E isso é estranho, porque o Oriente esteve falando sobre a mente por pelo
menos cinco mil anos.
Com cinco mil anos de pensamento sobre a mente, meditação, ir além, por que o Oriente não
pôde criar psicologia? A psicologia é um desenvolvimento muito recente no Ocidente. Por que o
Oriente não pode criar uma psicologia? Buda esteve aqui e falou sobre as camadas mais
profundas da mente. Ele falou sobre o consciente, ele falou sobre o subconsciente, ele falou
sobre o inconsciente. Ele deve ter conhecido. Mas por que ele não pôde desenvolver psicologias
sobre o consciente, o subconsciente e o inconsciente?
A razão é esta: o Oriente não está interessado no quarto. Ele fala sobre o quarto um pouco a
fim de ir além, de sair. Nós estivemos interessados no quarto apenas para achar a porta; isso é
tudo. Nós não estamos interessados nos detalhes do quarto; nós não iremos viver nele. Assim, o
único interesse tem sido saber onde a porta está e como sair. Nós falamos sobre o quarto somente
para que a porta possa ser localizada – de forma que possamos saber como abri-la e sair.
Esse tem sido todo o nosso interesse. É por isso que a psicologia não pôde ser desenvolvida
na Índia. Se você não está interessado no quarto, você não fará mapas do quarto; você não
medirá toda parede e cada centímetro de espaço. Você não se preocupará com essas coisas. Você
está somente interessado no lugar onde a porta está, onde a janela está, de forma que você possa
pular fora. E no momento em que você está fora, você esquecerá o quarto completamente,
porque, então, você está sob o grande céu infinito. Você nem mesmo se lembrará de que havia
um quarto e de que você vivia numa caverna, enquanto o céu infinito estava além o tempo todo –
e você não saía em momento nenhum. Você esquecerá o quarto completamente. Se você pode ir
além da mente, o que acontece? A mente permanece a mesma, você não faz nenhuma mudança
na mente, mas você vai além dela e tudo muda.
Então, você pode voltar para o quarto novamente se precisar, mas você será uma pessoa
diferente. Esse sair e entrar farão de você uma pessoa qualitativamente diferente. Um homem
que vive em um quarto e que não tem conhecimento de como é do lado de fora, não é realmente
um homem, ele vive como um inseto. Quando ele sai para o céu – o céu aberto – e para o sol e
para as nuvens e a expansão infinita, ele se torna diferente imediatamente. Esse impacto do
infinito o torna pela primeira vez um homem, uma consciência.
Agora ele pode entrar no quarto novamente, mas ele será um homem diferente. Agora o
quarto pode ser somente alguma coisa que é usada. Ele não é mais sua prisão; ele pode sair a
qualquer momento. Então, o quarto se torna apenas alguma coisa para ser usada, alguma coisa
utilitária. Anteriormente, ele estava aprisionado nele; agora, não está mais aprisionado. Ele é
agora um mestre e sabe que o céu está lá fora e que o infinito está esperando por ele. E mesmo
esse quarto é parte daquele infinito agora, mesmo este pequeno, limitado céu e espaço dentro do
quarto é o espaço, o mesmo espaço que está lá fora. O homem entra novamente e vive no quarto,
usa o quarto, mas, agora, ele não está aprisionado nele. Esta é a mudança qualitativa.
O Oriente está interessado em como ir além da mente e, então, usá-la. Não fique identificado
com a mente – esta é a mensagem. E todas as técnicas de meditação estão relacionadas somente
com o como encontrar a porta, como usar a chave, como destrancar a porta e sair.
Nós discutiremos dois métodos hoje. O primeiro está relacionado com a parada no meio de
uma atividade. Nós discutimos antes três métodos de parar; agora falta este.

28 Imagine-se perdendo toda a energia

O quarto método do parar:


Suponha estar gradualmente sendo privado de força ou de conhecimento. E no instante
da privação, transcenda.

Você pode fazê-lo em uma situação verdadeira, ou você pode imaginar uma situação. Por
exemplo: deite-se, relaxe e sinta como se seu corpo estivesse morrendo. Feche os seus olhos;
comece a sentir que está morrendo. Logo você sentirá que seu corpo está se tornando pesado.
Imagine: “Eu estou morrendo, eu estou morrendo, eu estou morrendo”. Se a sensação for
autêntica, o corpo começará a se tornar pesado; você sentirá como se seu corpo se tornasse
morto. Você quer mover a sua mão, mas não pode movê-la: ela se tornou muito pesada e morta.
Continue sentindo que você está morrendo, morrendo, morrendo, morrendo, morrendo... e,
quando você sentir que “agora chegou o momento” – apenas um salto e você estará morto –
então, de repente, esqueça-se do seu corpo e transcenda.
Suponha estar gradualmente sendo privado de força ou de conhecimento. E no instante da
privação, transcenda. Quando você sente que o corpo está morto, o que significa agora
transcender? Olhe para o seu corpo. Até agora você estava sentindo que estava morrendo; agora
o corpo se tornou um peso morto. Olhe para o corpo. Esqueça que você está morrendo e agora
seja o observador. O corpo está deitado morto e você o está olhando. Haverá uma
transcendência. Você estará fora de sua mente, porque um corpo morto não precisa da mente.
Um corpo morto relaxa tanto que o próprio processo da mente pára. Você está presente e o corpo
está presente, mas a mente está ausente. Lembre-se: a mente é necessária à vida, não à morte.
Se de repente você chega a saber que dentro de uma hora morrerá, o que você fará nesta uma
hora? Só resta uma hora e certamente você morrerá depois de uma hora – exatamente depois de
uma hora. O que você fará? Seu pensamento sumirá completamente, porque todo o pensamento
está relacionado ou com o passado ou com o futuro.
Você estava planejando comprar uma casa ou comprar um carro, ou você estava planejando
casar ou se divorciar. Você estava pensando em muitas coisas e elas estavam constantemente em
sua mente. Agora, com somente mais uma hora, não existe sentido em casamento e não existe
sentido em divórcio. Agora você pode deixar todos os planos para os outros, os que irão viver.
Com a morte, o planejamento cessa; com a morte, a preocupação cessa, porque toda a
preocupação é orientada para a vida.
Você tem que viver amanhã; é por isso que existe preocupação. Assim todos aqueles que
estiveram ensinando meditação para o mundo sempre disseram: não pense no amanhã. Jesus diz
a seus discípulos “Não pense no amanhã”, porque se você pensar no amanhã, você não poderá
entrar em meditação. Então, você se move para as preocupações. Mas nós somos tão
aficcionados por preocupações, que nós não pensamos somente no amanhã, nós pensamos na
outra vida. Assim, nós planejamos não somente para esta vida, nós planejamos para a outra vida,
além da morte, também.
Um dia eu estava passando por uma rua e alguém me deu um panfleto. A capa era a gravura
de uma casa muito bonita com um belo jardim. Era encantadora – divinamente encantadora. E
em letras bem grandes estava a pergunta: “Você quer uma casa e um jardim tão belos? E sem
nenhum preço, sem nenhum custo – de graça”? Olhei o verso. A casa não era deste planeta. Era
um panfleto cristão e dizia: “Se você quer uma casa tão bela e um jardim tão belo, acredite em
Jesus. Aqueles que acreditam nele ganham casas como esta gratuitamente, no reino de Deus”.
A mente continua pensando não somente no amanhã, mas pensando no além da morte,
arrumando e fazendo reservas para depois da vida. Tal mente não pode ser uma mente religiosa.
Uma mente religiosa não pode pensar no amanhã. Assim, aqueles que pensam no depois da vida
estão constantemente preocupados se Deus se comportará bem com eles ou não.
Churchill estava morrendo e alguém lhe perguntou: “Você está pronto para encontrar o pai lá
no céu”?
Churchill disse: “Isto não é minha preocupação. Eu estou constantemente preocupado se o pai
divino está pronto para me encontrar”.
Mas de um modo ou de outro as pessoas sempre se preocupam com o futuro. Buda disse:
“Não existe céu e nem pós-morte”. E ele disse: “Não existe alma e sua morte será total e
completa; nada sobreviverá”. As pessoas pensaram que ele era um ateu. Ele não era, ele estava
apenas tentando criar uma situação na qual você pode esquecer o amanhã e pode permanecer
neste exato momento, aqui e agora. Então a meditação vem facilmente.
Assim, se você está pensando na morte – não na morte que virá, ou que chegará mais tarde –
caia no chão e deite-se como um morto. Relaxe e sinta. “Eu estou morrendo, eu estou morrendo,
eu estou morrendo...” E não somente pense isso, sinta-o em cada membro do corpo, em cada
fibra do corpo. Deixe a morte insinuar-se. Esta é uma das mais belas meditações. Quando você
sente que o corpo é um peso morto e você não pode mover a sua mão, você não pode mover a
sua cabeça e tudo se tornou morto, de repente, olhe para seu próprio corpo.
A mente não estará presente. Você pode olhar ! Você estará presente, a consciência estará
presente. Olhe para o seu corpo – ele não parecerá seu, ele será apenas um corpo. A lacuna entre
você e o corpo estará clara, cristalinamente clara. Não haverá nenhuma ponte. O corpo está
deitado morto e você está ali, como uma testemunha, não dentro dele – não dentro dele!
Lembre-se: a sensação de que você está no corpo é por causa da mente. Se a mente não
estiver presente, se ela estiver ausente, você não dirá que você está no corpo ou fora do corpo.
Você simplesmente estará ali, nem dentro nem fora. “Dentro” e “fora” são ambos termos
relativos associados à mente. Simplesmente você estará ali testemunhando. Isso é
transcendência. Você pode fazer isso de muitas maneiras.
Algumas vezes, isso é possível em situações verdadeiras... Você está doente e está sentindo
que não há esperança, você irá morrer. Esta é uma situação muito útil. Use-a para a meditação.
Você também pode experimentá-la de outras maneiras. Suponha que você está gradualmente
sendo privado de força. Deite-se e sinta como se toda a existência estivesse sugando sua força,
Você está sendo sugado de todos os lados – sua força está sendo sugada. Em pouco tempo, você
estará impotente, completamente desprovido de força. Sua força está fluindo para fora, sendo
retirada. Em pouco tempo, nada restará lá dentro. É assim que a vida é: você está sendo sugado,
tudo o que está ao seu redor o está sugando. Um dia você será apenas uma célula morta; tudo
será sugado. A vida terá fluído para fora de você e somente o corpo morto permanecerá.
Até mesmo neste exato momento, você pode experimentar. Imagine assim: deite-se e sinta
que a energia está sendo sugada. Dentro de poucos dias, você perceberá o jeito como a energia
sai. E quando você sente que tudo se moveu para fora, que “agora nada foi deixado dentro”,
transcenda: no instante da privação, transcenda. Quando o último quantum de energia o deixar,
transcenda. Seja um espectador; simplesmente torne-se uma testemunha. Então, este universo e
este corpo, ambos, não são você. Você está olhando para o fenômeno.
Essa transcendência lhe trará para fora da mente. Esta é a chave. E você pode fazer isso de
várias maneiras, de acordo com o seu gosto. Por exemplo, nós estamos falando sobre o correr.
Vá à exaustão; continue correndo e correndo e correndo. Não pare por si mesmo, deixe o seu
corpo cair. Quando cada fibra estiver exaurida, você cairá. Quando você estiver caindo, fique
consciente. Simplesmente olhe e veja que o corpo está caindo. Algumas vezes, um
acontecimento muito miraculoso acontece. Você permanece em pé e o corpo caiu e você pode
olhá-lo. Você pode olhar, enquanto apenas o corpo caiu, você ainda permanece em pé. Não caia
com o corpo. Caminhe, corra, dance, esgote o corpo – mas, lembre-se: não é você que se deita.
Então, a consciência interna também se move com o corpo e se deita.
Não é você que tem de se deitar, você apenas continua fazendo o que for até o corpo cair por
ele mesmo. Então, ele cai como um peso morto. Imediatamente, você sente que o corpo está
caindo e você não pode fazer nada. Abra os seus olhos, fique alerta, não perca o ponto. Fique
alerta e veja o que está acontecendo. Você ainda pode estar em pé e o corpo já caiu. E uma vez
que você conheça isso, nunca mais poderá esquecer de que você é diverso do corpo.
Esse “permanecer fora” é o sentido real da palavra inglesa ‘ecstasy’. Êxtase significa
permanecer fora. E uma vez que você possa sentir que está fora do corpo, não há mente nesse
momento, porque a mente é a ponte que lhe dá a sensação de que você está no corpo. Se você
ficar fora do corpo por um único momento, não haverá mente nesse momento. Isso é
transcendência. Então, você pode se mover no corpo; então, você pode se mover na mente, mas,
agora, não pode esquecer a experiência. Essa experiência se tornou parte e parcela de seu ser; ela
sempre estará presente. Continue fazendo isso todo dia e muitas coisas acontecem através de um
processo tão simples.
O Ocidente sempre está preocupado em como resolver a mente; e ele tenta encontrar muitas
maneiras. Mas, ainda assim, nada funciona ou parece funcionar. Tudo se torna uma moda e,
então, morre. Agora, a psicanálise é um movimento morto. Novos movimentos estão aí – grupos
de encontro, psicologia de grupo, psicologia ativa e muitas outras coisas – mas, assim como uma
moda, eles vêm e vão. Por quê? Porque dentro da mente, você no máximo pode fazer apenas
arranjos. Eles serão perturbados repetidas vezes. Fazer arranjos com a mente é fazer uma casa de
areia ou fazer uma casa de cartas de baralho. É sempre insustentável e o medo de que ela caia
está sempre presente. A qualquer momento ela pode não existir mais.
Ir além da mente é a única maneira de ser internamente feliz e saudável, de ser inteiro. Então,
você pode se mover na mente e usar a mente, mas a mente se torna o instrumento e você não está
identificado com ela. Assim, duas coisas: ou você está identificado com a mente – isso é doença
para o tantra –, ou você não está identificado com a mente. Então, você a usa como um
instrumento e, então, você é saudável e inteiro.

29 Devote-se a si mesmo

A quinta técnica do parar é muito simples em um sentido e a mais difícil em um outro, e ela
consiste em simplesmente duas palavras.
A quinta técnica diz:

Devoção liberta.

Simplesmente duas palavras: Devoção liberta. É, na verdade, simplesmente uma palavra,


porque “liberta” é a consequência da devoção. Qual o significado de devoção? No Vigyan
Bhairav Tantra, há dois tipos de técnicas. Um é para aqueles que são orientados
intelectualmente, orientados cientificamente; um outro é para aqueles que são orientados pelo
coração, orientados pela emoção, orientados poeticamente. E só há dois tipos de mentes: a mente
científica e a mente poética – e elas são pólos opostos. Elas nunca se encontram e elas não
podem se encontrar. Algumas vezes elas correm em paralelo, mas, ainda assim, não há nenhum
encontro.
Algumas vezes, acontece de um único indivíduo ser um poeta e um cientista. Raramente,
mas, algumas vezes, acontece de ele ser ambos, um poeta e um cientista. Então, ele tem uma
personalidade dividida. Ele, na verdade, é duas pessoas, não uma. Quando ele é um poeta, ele
esquece o cientista completamente; do contrário, o cientista será perturbador. E quando ele é um
cientista, ele esquece o poeta completamente e se move para um outro mundo, com outras
combinações de concepções – idéias, lógica, razão, matemática.
Quando ele se move para o mundo da poesia, a matemática não está presente – a música está.
Os conceitos não estão presentes, as palavras estão – mas líquidas, não sólidas. Uma palavra flui
para uma outra e uma palavra pode significar muitas coisas, ou ela pode não significar nada. A
gramática é abandonada; somente o ritmo permanece. É um mundo diverso.
Pensamento e sentimento – estes são os dois tipos básicos. A primeira técnica que ensinei era
para a mente científica. A segunda técnica, devoção liberta, é para um tipo sentimental. Lembre-
se de descobrir seu tipo. E nenhum tipo é superior ou inferior. Não pense que o tipo intelectual é
superior ou o tipo emocional é superior – não! Eles são apenas tipos. Ninguém é superior ou
inferior. Assim, simplesmente considere concretamente qual é o seu tipo.
Esta segunda técnica é para o tipo sentimental. Por quê? Porque a devoção é dirigida a algo
além; e a devoção é uma coisa cega. Na devoção, o outro se torna mais importante do que você.
Trata-se de uma confiança. O intelectual não pode confiar em ninguém; ele só pode criticar. Ele
não pode confiar. Ele pode duvidar, mas ele não pode confiar. E se alguma vez um intelectual
chegar a confiar, isso não é autêntico. Primeiro ele tenta convencer a si mesmo quanto à sua
confiança – ela nunca é autêntica. Ele procura comprovações, argumentos e, quando ele se
satisfaz com os argumentos, as comprovações, então, ele confia. Mas ele perdeu o ponto, porque
a confiança não é argumentativa e a confiança não é baseada em comprovações. Se há
comprovações, então, não há necessidade de confiança.
Você não acredita no sol, você não acredita no céu – você sabe. Como você pode acreditar no
nascer do sol? Se alguém lhe pergunta qual é a sua crença sobre o nascer do sol, você não tem
que dizer: “Eu acredito nisto. Eu sou um grande crente”. Você diz: “O sol está se levantando e eu
sei disto”. Nenhuma questão de acreditar ou desacreditar. Há alguém que não acredite no sol?
Não há ninguém. Confiança significa um salto no desconhecido, sem quaisquer comprovações.
Isso é difícil para o tipo intelectual, porque a coisa toda se torna absurda, tola. Primeiro tem
de haver as provas. Se eu digo “Há um Deus. Entregue-se a Deus”, primeiro Deus tem de ser
comprovado. Mas, então, Deus se torna um teorema – comprovado naturalmente, mas sem
utilidade. Deus precisa permanecer não-comprovado; do contrário, ele não é útil, porque, então, a
confiança fica sem sentido. Se você acredita em um Deus comprovado, então, seu Deus é apenas
um teorema de geometria. Ninguém acredita nos teoremas euclidianos – não há necessidade, eles
podem ser comprovados. Aquilo que pode ser comprovado não pode se tornar uma base de
confiança.
Um dos santos cristãos mais misteriosos, Tertuliano, disse: “Eu acredito em Deus, porque ele
é absurdo”. Está certo. Essa é a atitude do tipo sentimental. Ele diz: “É porque ele não pode ser
comprovado que eu acredito nele”. Essa afirmação é ilógica, irracional, porque uma afirmação
lógica deve ser mais ou menos assim: “Estas são as comprovações de Deus; por isso eu acredito
nele”. E ele diz: “Como não há comprovações e nenhum argumento pode provar que Deus
existe, então, eu acredito nele”. E ele está correto de certa maneira, porque a confiança significa
um salto no desconhecido, sem quaisquer razões. Somente um tipo sentimental pode fazer isso
assim.
Esqueça a devoção, primeiro compreenda o amor; então, você será capaz de compreender a
devoção. Você cai de amor por alguém. Por que nós dizemos “cair de amor”? Nada cai – apenas
a sua cabeça. O que cai de amor além de sua cabeça? Você cai de sua cabeça. É por isso que nós
dizemos “cair de amor” – porque a linguagem é criada por tipos intelectuais. Para eles o amor é
demência, o amor é loucura; a pessoa cai de amor. Isso significa: agora você pode esperar
qualquer coisa dela... Agora, ela está louca, agora nenhuma argumentação ajudará, você não
pode argumentar com ela. Você não pode argumentar com alguém que esteja amando? As
pessoas tentam. As pessoas tentam, mas nada pode ser comprovado.
Você cai de amor por alguém. Todo mundo diz: “Esta pessoa não vale a pena.” ou “Você está
entrando em um terreno perigoso.” ou “Você está parecendo um tolo; você pode encontrar um
parceiro melhor”. Mas nada ajudará, nenhuma argumentação ajudará. Você está apaixonado –
agora a razão é inútil. O amor tem suas próprias razões. Nós dizemos “cair de amor”. Isso
significa que agora seu comportamento será irracional.
Olhe para dois amantes, para o comportamento deles, a comunicação deles. Parece irracional.
Eles começam a usar uma fala de bebê. Por quê? Mesmo grandes cientistas, quando caem de
amor, usarão linguagem de bebê. Por que não usar uma linguagem altamente desenvolvida,
tecnológica? Por que usar essa fala de bebê? Porque a linguagem altamente tecnológica não é de
nenhuma utilidade.
Um de meus amigos casou-se com uma garota. A garota era checoslovaca. Ela sabia um
pouco de inglês e, por outro lado, esse homem sabia um pouco de checo; eles se casaram. Ele era
um homem altamente culto, um professor de universidade e a garota também era professora. Mas
o homem disse para mim – ...eu morava com ele: “É muito difícil, porque eu só sei o checo
técnico, a terminologia técnica e ela também só conhece o inglês técnico; assim, nós não
podemos falar como os bebês. Então, fica esquisito. Nosso amor é apenas um ponto que sentimos
na superfície – ele não pode ir fundo. A linguagem se torna a barreira. Eu posso falar como um
professor – no que tange aos meus assuntos, eu posso falar deles. E ela pode falar dos assuntos
dela. Mas o amor não tem sido o assunto de nenhum de nós dois”.
Mas por que vocês caem na fala do bebê? Porque essa foi a sua primeira experiência amorosa,
com a sua mãe. Aquelas palavras que você pronunciou primeiro, eram palavras de amor. Elas
não eram orientadas pela cabeça, elas vinham do coração; elas pertenciam ao sentimento. Elas
tinham uma qualidade diferente.
Assim, mesmo quando você tem uma linguagem muito desenvolvida, quando você ama, você
novamente retrocede – você retrocede para a fala de bebê. Aquelas palavras são diferentes. Elas
não pertencem a essa categoria mental; elas pertencem ao coração. Elas podem não ser muito
expressivas, muito significativas. Ainda assim, elas são mais expressivas e mais significativas,
mas o significado delas é de uma dimensão totalmente diferente. Somente se você estiver
amando muito profundamente, você cairá no silêncio. Então, você não pode falar com sua
amada, ou você pode apenas falar coisas sem relevância, mas, na verdade, não há nenhuma fala.
Se o amor for fundo, as palavras tornam-se inúteis – você permanece em silêncio. Se você
não pode permanecer em silêncio com sua amada, fique sabendo que não há amor – porque é
muito difícil viver em silêncio com alguém que você não está amando. Com um estranho, você
imediatamente começa a falar. Quando você está andando de trem ou de ônibus, você
imediatamente começa a falar, porque ficar sentado ao lado de um estranho silenciosamente é
muito difícil, incômodo. Não há nenhuma outra ponte; assim, a menos que você crie uma ponte
através da linguagem, não há nenhuma ponte.
Nenhuma ponte interior é possível com aquele estranho. Você está fechado em você mesmo e
ele está fechado nele mesmo; e duas cercas estão simplesmente lado a lado. Há sempre o medo
de colisão e de perigo; então, você cria uma ponte. Você começa falando sobre o tempo ou sobre
qualquer coisa, qualquer tolice que lhe dê uma sensação de ligação e de comunicação. Dois
amantes cairão em silêncio; e quando dois amantes começam a falar novamente, você pode ficar
sabendo que o amor desapareceu; eles se tornaram estranhos.
Assim vá e veja... Esposas e maridos, quando eles estão sozinhos, eles vão falar sobre
qualquer coisa. E ambos sabem, ambos estão conscientes de que não há necessidade de falar,
mas é muito difícil permanecer em silêncio. Assim, qualquer coisa, qualquer coisa trivial,
funcionará, mas fale de forma a que você possa ter a sensação de que a comunicação está
presente. Mas dois amantes cairão em silêncio. A linguagem desaparecerá, porque a linguagem
pertence à razão. Primeiro, ela se tornará uma fala de bebê e, depois, desaparecerá. Então, eles
estarão silenciosamente em comunicação. Qual é a comunicação deles? Ela é irracional. Eles se
sentem sintonizados a uma dimensão diferente de existência; e eles se sentem felizes nessa
sintonia. E se você lhes pede que provem qual é a felicidade deles, eles não podem comprová-la.
Nenhum amante foi capaz de comprovar até agora por que ele está feliz no amor. Por quê?
Porque o amor implica em muito sofrimento. Ainda assim, os amantes são felizes. O amor tem
um sofrimento profundo, porque quando você se torna um com alguém, é sempre difícil... – duas
mentes tornam-se uma: não se trata apenas de dois corpos tornando-se um. Essa é a diferença
entre sexo e amor. Se apenas dois corpos tornam-se um, não é muito difícil e não há sofrimento.
Isso é uma das coisas mais fáceis; qualquer animal pode fazê-lo. Isso é fácil. Mas, quando duas
pessoas estão se amando, é muito difícil, porque duas mentes têm de se dissolver, duas mentes
têm de se ausentar. Somente então, o espaço é criado e o amor pode florescer.
Ninguém raciocina sobre o amor; ninguém pode provar que o amor dá felicidade. Ninguém
pode provar nem mesmo que o amor existe. E há cientistas, behavioristas, seguidores de Watson
e Skinner, que dizem que o amor é apenas uma ilusão. Não existe amor: você está apenas em
uma ilusão. Você sente que está amando, mas não existe amor, você está apenas sonhando. E
ninguém pode provar que eles estejam errados. Eles dizem que o amor é apenas uma alucinação,
uma experiência psicodélica. Nada real, apenas a química corporal influenciando-o, apenas
hormônios, química, influenciando seu comportamento e lhe dando um falso bem-estar.
Ninguém pode provar que eles estejam errados.
Mas o milagre é este, até mesmo um Watson se apaixonará. Até mesmo um Watson se
apaixonará, mesmo sabendo que isso é apenas uma questão química. E mesmo um Watson ficará
feliz. Mas o amor não pode ser comprovado. Ele é tão interior e subjetivo! O que acontece no
amor? O outro se torna importante – mais importante do que você. Você se torna uma periferia e
ele se torna o centro.
A lógica sempre permanece autocentrada, a mente sempre permanece egocentrada: eu sou o
centro e tudo o mais simplesmente me cerca – ...para mim. Mas eu sou o centro. É assim que a
razão funciona. Se você se move muito na razão, você chegará à conclusão de que Berkeley
chegou. Ele disse: “Somente eu existo, tudo o mais é apenas uma idéia na mente. Como eu posso
provar que você está presente, sentado aí em minha frente? Como eu posso provar
razoavelmente, racionalmente, que você está realmente presente? Você pode ser apenas um
sonho. Eu posso estar apenas sonhando e falando; você pode não existir, de forma alguma. Como
eu posso provar a mim mesmo que realmente você está aqui presente? Eu posso, naturalmente,
tocá-lo, mas eu posso tocá-lo mesmo no sonho. E, mesmo em um sonho, eu sinto quando toco
alguém. Eu posso bater em você e você gritará, mas mesmo em um sonho, se eu bato em alguém,
a figura do sonho gritará. Assim, como eu posso fazer uma distinção de que minha audiência
aqui, exatamente agora, não é um sonho, mas uma realidade? Ela pode ser apenas uma ficção”.
Vá a um hospício e você encontrará pessoas sentadas falando sozinhas. Para quem elas estão
falando? Eu posso estar falando para ninguém. Como você pode provar racionalmente que você
está realmente aqui? Assim, se a razão chega a um extremo, a um extremo muito lógico, então,
somente eu permaneço e tudo o mais se torna um sonho. É assim que a razão funciona.
Exatamente o contrário é o caminho do coração. Eu me torno o mistério e você – tu, o outro,
a amada – torna-se o real. Se você vai para o extremo oposto, então, vira devoção. Se o seu amor
chega a um extremo tal que você se esquece completamente de que você existe – você não tem
nenhuma noção de si mesmo e somente o outro permanece – isso é devoção.
O amor pode se tornar devoção. O amor é o primeiro passo; somente então, a devoção pode
florescer. Mas para nós, até mesmo o amor é uma realidade distante; o sexo é a única coisa real.
O amor tem duas possibilidades: ou ele cai para o sexo e se torna uma coisa corporal, ou ele se
eleva para a devoção e se torna uma coisa do espírito. O amor está exatamente no meio.
Exatamente abaixo é o abismo do sexo e além é o céu aberto – o céu infinito de devoção.
Se seu amor cresce profundamente, o outro se torna cada vez mais e mais significante – tão
significante que você começa a chamar o outro de seu deus. É por isso que Meera continua
chamando Krishna, de Deus. Ninguém pode ver Krishna e Meera não pode provar que Krishna
está presente, mas ela não está interessada de forma alguma em provar isso. Ela fez desse ponto,
Krishna, seu objeto de amor. E lembre-se, se você faz de uma pessoa real seu objeto de amor, ou
se isso é apenas a sua imaginação, não faz nenhuma diferença, porque toda a transformação vem
através da devoção, não do amado – lembre-se disso. Krishna pode não estar de modo algum
presente – isso é irrelevante. Para o amante, isso é irrelevante.
Para Radha, Krishna estava presente de verdade. Para Meera, Krishna não estava presente de
verdade. É por isso que Meera é mais devota do que Radha. E Radha até mesmo poderia ficar
com ciúme de Meera, porque, para Radha, a pessoa real estava presente. Não é tão difícil sentir-
se a realidade de Krishna quando ele está presente. Mas, quando Krishna não está mais presente,
Meera sozinha está vivendo em um quarto e falando com Krishna, e vivendo para ele que não
está em lugar nenhum. Para ela, ele é tudo e todas as coisas. Ela não pode provar isso; é
irracional. Mas ela deu um salto e se transformou. A devoção a liberou.
Eu quero enfatizar o fato de que não é uma questão de Krishna estar presente, ou não. Não é!
Esse sentimento de que Krishna está presente, esse sentimento total de amor, essa entrega total,
esse perder-se no outro, que pode existir ou pode não existir: esse próprio perder-se é a
transformação. De repente a pessoa é purificada – totalmente purificada – porque quando o ego
não está presente, você não pode de forma alguma ser impuro. Porque o ego é a semente de toda
a impureza.
O sentimento de ego é a raiz de toda a loucura. Para o mundo do sentimento, para o mundo do
devoto, o ego é a doença. O ego se dissolve e ele se dissolve somente de um modo – não há
nenhum outro modo. Só há um modo: o outro se torna tão importante, tão significativo, que aos
poucos você se dilui e desaparece. Um dia você não existe mais; apenas uma consciência do
outro permanece.
E quando você não existe mais, o outro também não é o outro, porque ele é o outro somente
quando você está presente. Quando o “Eu” desaparece, então, o “Tu” também desaparece. No
amor você dá o primeiro passo – o outro se torna importante. Você permanece, mas por certos
momentos pode haver um pico em que você não existe. Esses são picos raros de amor, mas
comumente você permanece e o amante também está presente. Quando o amante se torna mais
importante do que você, você pode morrer por ele ou ela. Se você pode morrer por alguém, há
amor. O outro se tornou o sentido de sua vida.
Somente se você pode morrer por alguém, você pode viver por alguém. Se você não pode
morrer por alguém, você não pode viver por alguém. A vida adquire um sentido somente através
da morte. No amor, o outro se tornou importante, mas você ainda permanece presente. Em
alguns picos superiores de comunicação, você pode desaparecer, mas você voltará; aquilo será
apenas momentâneo. Assim, os amantes têm lampejos de devoção. É por isso que na Índia o
amado costuma chamar sua amada de sua deusa. Somente nos picos o outro se torna divino, e o
outro se torna divino somente quando você não existe. Isso pode crescer. E se você faz disso um
sadhana – uma prática espiritual – se você faz disso uma busca interior, se você não está apenas
desfrutando o amor, mas transformando a si mesmo através do amor, então, ele se torna devoção.
Na devoção, você se entrega completamente. E essa entrega pode ser para um deus que pode
não estar no céu ou que pode estar, ou para um mestre que pode não estar desperto ou que pode
estar, ou para um amado que pode não valer a pena ou que pode – isso é irrelevante. Se você
puder permitir-se dissolver-se para o outro, você será transformado.
Devoção liberta. É por isso que nós temos lampejos de liberdade somente no amor. Quando
você está amando, você tem uma liberdade sutil. Isso é paradoxal, porque todos os outros verão
que você se tornou um escravo. Se você está amando alguém, aqueles à sua volta pensarão que
vocês dois se tornaram escravos um do outro. Mas vocês terão lampejos de liberdade.
O amor é liberdade. Por quê? Porque o ego é a escravidão; não há nenhuma outra escravidão.
Você pode estar em uma prisão e você não pode escapar. Se seu amado entra na prisão, a prisão
desaparece naquele exato momento. As paredes ainda estão presentes, mas elas não o
aprisionam. Agora então, você pode esquecê-las completamente. Vocês podem dissolver-se um
no outro e podem se tornar, um para o outro, um céu no qual voar. A prisão desapareceu; ela não
existe mais. E você pode estar sob o céu aberto sem amor, totalmente livre, desamarrado, mas
você está em uma prisão, porque você não tem nenhum lugar para onde voar. Esse céu não
funcionará.
Os pássaros voam nesse céu, mas você não pode. Você precisa de um céu diferente – o céu da
consciência. Somente o outro pode lhe dar esse céu – o primeiro gosto dele. Quando o outro se
abre para você e você se move para o outro, você pode voar.
O amor é liberdade, mas não total. Se o amor se torna devoção, então, ele se torna liberdade
total. Isso significa entregar-se totalmente. Assim, para aqueles que são do tipo sentimental, este
sutra é para eles: Devoção liberta. Considere Ramakrishna... Se você olhar para Ramakrishna,
você pensará que ele é apenas um escravo da deusa Káli, a Mãe Káli. Ele não pode fazer nada
sem a sua permissão; ele é exatamente como um escravo. Mas ninguém é mais livre do que ele.
Quando ele foi ordenado pela primeira vez como sacerdote em Dakshineshwar, no templo, ele
começou a se comportar estranhamente. O comitê, os curadores reuniram-se e disseram:
“Ponham esse homem para fora. Ele não está se comportando devocionalmente”. Isso aconteceu,
porque primeiro ele cheirava uma flor e, então, a flor era colocada aos pés da deusa. Isso é contra
o ritual. Uma flor cheirada não pode ser oferecida ao divino – ela se tornou impura.
Primeiro ele provava a comida que era feita para oferenda e, então, ele a oferecia. E ele era o
sacerdote; assim, os curadores lhe perguntaram: “O que você está fazendo? Isso não é
permitido”.
Ele disse: “Então eu deixarei este posto. Eu sairei do templo, mas eu não posso oferecer
comida para minha Mãe sem prová-la. Minha mãe costumava provar... se ela preparava alguma
coisa, ela provava primeiro e somente então ela me dava. E eu não posso oferecer uma flor sem
cheirá-la primeiro. Assim, eu posso sair e você não pode me deter, você não pode me impedir.
Eu continuarei fazendo ofertas em qualquer lugar, porque minha Mãe está em qualquer lugar: ela
não está confinada em seu templo. Assim, onde eu estiver, eu farei a mesma coisa”.
Aconteceu que alguém, um muçulmano, lhe disse: “Se sua Mãe está em todo lugar, então, por
que você não vem para a mesquita”? Ele disse: “Tudo bem, já vou”. Ele permaneceu lá por seis
meses. Ele esqueceu Dakshineshwar completamente; ele ficou em uma mesquita.
Então, seu amigo disse: “Agora você pode voltar”. Ele disse: “Ela está em todo lugar”.
Assim, a pessoa pode pensar que Ramakrishna é um escravo, mas a sua devoção é tamanha que
agora a amada está em todo lugar. Se você não está em nenhum lugar, a amada estará em todo
lugar. Se você está em algum lugar, então, a amada não estará em nenhum lugar.

[1]
know-how – conhecimento sobre como fazer algo.
Capítulo 20

O AMOR COMUM E O AMOR DE UM BUDA



PERGUNTAS

O amor deve ser contínuo? E quando é que ele se torna devoção?


Por que o tantra dá tanta importância ao corpo?
Fale-nos alguma coisa sobre apego e liberdade.

A primeira pergunta:

Parece muito difícil amar alguém vinte e quatro horas por dia. Por que acontece assim?
O amor deveria ser um processo contínuo? E em que estágio o amor se torna devoção?

O amor não é uma ação; não é uma coisa que você faça. Se você faz, não é amor. Nenhum
fazer está envolvido no amor; ele é um estado de ser, não uma ação. Ninguém pode fazer alguma
coisa continuamente por vinte e quatro horas. Se você está fazendo amor, então, naturalmente,
você não pode fazê-lo por vinte e quatro horas. Com qualquer ação você ficará cansado; com
qualquer ação você ficará entediado. E, então, depois de muita ação, você tem que relaxar...
Assim, se você estiver fazendo amor, você terá de relaxar no ódio, porque você pode relaxar
somente no oposto.
Eis por que nosso amor está sempre misturado com o ódio. Você ama neste momento e, no
momento seguinte, você odeia a mesma pessoa. A mesma pessoa se torna o objeto de ambos,
amor e ódio; esse é o conflito dos amantes. Porque o seu amor é uma ação, eis por que há essa
miséria.
Assim a primeira coisa a ser entendida é que o amor não é uma ação; você não pode fazê-lo.
Você pode estar amando, mas você não pode “fazer” amor. Fazer é absurdo. Mas outras coisas
também estão envolvidas. Ele não é um esforço, porque se fosse um esforço, você ficaria
cansado. Ele é um estado mental.
E não pense em termos de relacionamento, pense em termos de estados mentais. Se você está
amando, isso é um estado mental. Esse estado mental pode estar focado em uma pessoa ou pode
estar não-focado – estar no todo. Quando ele se torna não-focado, ele é conhecido como amor.
Quando ele se torna não-focado, ele se torna oração. Então, você está simplesmente amando –
não alguém, mas simplesmente amando, da mesma forma que você está respirando.
Se a respiração fosse um esforço, você ficaria cansado dela e teria de relaxar e, então, você
morreria. Se ela fosse um esforço, então, em algum momento, você poderia esquecer-se de fazê-
la e, então, morreria. O amor é como a respiração, ele é um plano mais elevado de respiração. Se
você não respirar, seu corpo morrerá. Se você não amar, seu espírito não poderá nascer.
Assim, tome o amor como uma respiração da alma. Quando você está amando, sua alma se
torna vital, viva – exatamente como é respirando. Mas pense desta forma: se eu lhe digo:
“Somente respire quando você estiver perto de mim e não respire em nenhum outro lugar”,
então, você morrerá. E no momento seguinte em que você estiver perto de mim, você estará
simplesmente morto ou morta e você nem mesmo poderá respirar perto de mim.
Isso aconteceu com o amor. Nós possuímos – o objeto de amor é possuído e o amante diz:
“Não ame ninguém mais. Somente a mim”. Então, o amor é atrofiado e, então, o amante não
pode amar, isso se torna impossível. Isso não significa que você tem de amar todo mundo, mas
você tem de estar em um estado mental amoroso. É como a respiração: mesmo que seu inimigo
esteja presente, você vai respirar.
Este é o significado de Jesus dizendo: “Ame o teu inimigo”. Isso tem sido um problema para
o cristianismo, como entender essas palavras: “Ame o teu inimigo”. Parece contraditório. Mas se
amar não é uma ação, se é apenas um estado mental, então, não há nenhuma questão de inimigo
ou amigo. Você está amando.
Olhe para isso pelo outro lado. Há pessoas que estão constantemente com ódio e sempre que
tentam mostrar amor, elas têm que fazer muito esforço. O amor delas é um esforço, porque o
estado mental contínuo delas é o ódio.
Eis por que o esforço é necessário. Há pessoas que estão continuamente tristes; então, o riso
delas é um esforço. Elas têm de lutar contra si mesmas. Então, o riso delas se torna um riso
pintado – simplesmente falso, imposto, colocado; não está vindo do interior profundo, mas
apenas sendo arranjado; nenhuma espontaneidade nele, mas apenas artificialidade.
Há pessoas que estão continuamente com raiva – não raiva de alguma coisa ou de alguém,
simplesmente com raiva. Então, o amor se torna um esforço. Por outro lado, se o amor é seu
estado mental, a raiva será um esforço. Você poderá fazê-la, mas você não pode ficar com raiva.
Então, você terá de criá-la artificialmente; ela será falsa.
Se um Buda tentar ficar com raiva, muito esforço será necessário e, ainda assim, ela será
falsa. E somente aqueles que não o conhecem podem ser enganados. Aqueles que o conhecem
sabem que essa raiva é falsa, apenas pintada, criada. Ela não está vindo de dentro; isso é
impossível. Um Buda, um Jesus não podem odiar. Então, o esforço é necessário. Se eles
quiserem mostrar o ódio, então, eles terão de “fazê-lo”.
Mas você não precisa de nenhum esforço para ficar com ódio; você precisa de esforço para
ser amoroso. Mude o estado mental. Como mudar o estado mental? Como ser amoroso? E isso
não é uma questão de tempo, de como ser amoroso vinte e quatro horas por dia. Isso é um
absurdo – essa pergunta é absurda.
Não é uma questão de tempo. Se você pode ser amoroso em um simples momento, isso é o
suficiente, porque você nunca tem dois momentos juntos. Somente um momento é dado. Quando
um é perdido, um segundo é dado. Você sempre tem somente um momento com você. Se você
sabe como ser amoroso em um único momento, você conhece o segredo. Você não precisa
pensar sobre isso vinte e quatro horas, ou a vida toda.
Somente um único momento de amor e você sabe como preencher um momento com amor.
Então, um segundo momento lhe será dado e você pode também preencher esse segundo
momento com amor. Assim, lembre-se: não é uma questão de tempo. Há somente uma questão
de um único momento e um único momento não é parte do tempo. Um único momento não é um
processo; um único momento é simplesmente agora.
Uma vez que você saiba como entrar em um único momento com amor, você entrou na
eternidade: o tempo não existe mais. Um Buda vive no agora; você vive no tempo. O tempo
significa pensar no passado, pensar no futuro. E quando você está pensando no passado e no
futuro, o presente é perdido.
Você está engajado no futuro e no passado e o presente está sendo perdido – e o presente é a
única existência. O passado não existe mais e o futuro ainda não existe; ambos não existem, eles
são não-existenciais. Este exato momento, este único momento atômico, é a única existência –
aqui e agora. Se você sabe ser amoroso, você sabe o segredo. E nunca lhe são dados dois
momentos juntos; assim, você não precisa se preocupar com o tempo.
Existe sempre um único momento – e ele está sempre na forma de agora. Lembre-se: não
existem realmente dois tipos de “agora”. Este único momento é o mesmo; ele não difere de
nenhuma forma do momento que veio antes dele, e ele não difere de nenhuma forma do
momento que o seguirá.
Este “agora” atômico é sempre o mesmo. Eis por que Eckhart diz: “Não é que o tempo passe.
O tempo permanece o mesmo. Ao invés, nós é que passamos”. O tempo puro permanece o
mesmo; somos nós que passamos. Assim, não pense em vinte e quatro horas e, então, você não
precisará pensar no momento presente.
Mais uma coisa: o pensar precisa de tempo; viver não precisa de tempo. Você não pode
pensar neste exato momento. Neste exato momento, se você quer existir, você terá de cessar de
pensar, porque pensar está basicamente relacionado ou com o passado ou com o futuro. Do que
você pode pensar no presente? No momento em que você pensa, a coisa se tornou passado.
Você está diante de uma flor – você diz que ela é uma bela flor. Essa afirmação agora não
está mais no presente; ela se tornou o passado. Quando você consegue agarrar alguma coisa com
o pensamento, ela se torna o passado. No presente, você pode existir, mas você não pode pensar.
Você pode existir com a flor, mas você não pode pensar nela. Pensar necessita tempo.
Assim, de uma outra forma, pensar é tempo. Se você não pensa, não existe o tempo. Eis por
que na meditação você tem uma sensação de atemporalidade. Eis por que no amor você tem uma
sensação de atemporalidade. O amor não é pensamento, ele é a cessação do pensamento. Você
existe! Quando você está com sua amada, você não está pensando sobre o amor, você não está
pensando sobre sua amada. Você não está pensando de forma alguma. E se você estiver
pensando, então, você não estará com a sua amada, estará em algum outro lugar. Pensar significa
se ausentar do agora: você não está presente.
Eis por que aqueles que são muito obcecados com o pensamento não podem amar, porque,
mesmo quando estão presentes, mesmo que atinjam a fonte divina original, mesmo que
encontrem Deus, eles continuarão pensando sobre ele e o perderão completamente. Você
continua pensando sobre e sobre e sobre, mas isso nunca é o fato.
Um momento de amor é um momento sem tempo. Então, não há nenhuma questão de pensar
como amar vinte e quatro horas. Você nunca pensa sobre como viver vinte e quatro horas, como
estar vivo vinte e quatro horas. Ou você está vivendo ou você não está. Assim, a coisa básica a
ser entendida não é o tempo, mas o agora – como estar aqui e agora em um estado de amor.
Por que há ódio? Quando você sentir ódio, vá para a causa dele. Somente então o amor pode
florescer. Quando você sente ódio? Quando você sente que sua existência, sua vida, está em
perigo, quando você sente que sua existência pode ser aniquilada, de repente o ódio surge em
você. Quando você sente que pode ser destruído, você começa a destruir os outros. Isso é uma
medida de segurança. Ela é apenas uma parte de você que está lutando pela sobrevivência.
Sempre que você sente que sua existência está em perigo, você fica cheio de ódio.
Assim, a menos que você chegue a sentir que a sua existência não pode estar em perigo, que é
impossível aniquilá-lo, você não pode ficar cheio de amor. Um Jesus pode estar em amor, porque
ele conhece alguma coisa que é imortal. Você não pode estar em amor, porque você só conhece
aquilo que pertence à morte. E a cada momento a morte está presente; a cada momento você está
com medo. Como você pode amar quando está com medo? O amor não pode existir com o medo.
E o medo está presente; assim, você somente pode criar uma simulação de que ama.
E, novamente, seu amor é na verdade nada além de uma medida de segurança. Você ama de
forma a não ter medo. Sempre que você acredita que está amando, você está com menos medo.
Por um tempo você esquece a morte. Uma ilusão é criada na qual você pode sentir que é aceito
pela existência; você não é negado, rejeitado. Eis por que há tanta necessidade de amor e de ser
amado.
Sempre que você está sendo amado por alguém, você cria à sua volta uma ilusão de que você
é necessário para a existência – pelo menos para alguém. Você é necessário para alguém. Assim,
você não é uma coisa fútil. Você não é acidental – é necessário em algum lugar. Sem você, a
existência perderia alguma coisa. Isso lhe dá uma sensação de bem-estar. Você sente um
propósito, um destino, um significado, uma validação.
Quando você não é amado por ninguém, você se sente rejeitado, você se sente negado, você
se sente sem sentido. Então, você sente que não há propósito, nenhum destino. Se ninguém o
ama e você morrer, não haverá nenhum sentimento de sua ausência – não será sentido que você
não existe mais. Ninguém sentirá que você existia e que agora não existe mais.
O amor lhe dá o sentimento de ser necessário. Eis por que no amor a pessoa se torna ou se
sente menos amedrontado. Sempre que o amor não está presente, você se torna mais medroso e,
no medo, como uma proteção, você fica com ódio. O ódio é uma proteção. Você está com medo
de ser destruído; você se torna destrutivo.
No amor, você sente que é aceito, bem-vindo – não é um hóspede não convidado, mas ao
contrário, você é convidado, bem-vindo, esperado, recebido, a existência está feliz de que você
exista. A pessoa que o ama se torna o representante de toda a existência. Mas esse amor é
basicamente orientado pelo medo. Você está se protegendo contra o medo, contra a morte, contra
a indiferença desumana da existência.
Na verdade, a existência é indiferente – pelo menos na superfície. O sol, o mar, as estrelas, a
terra, eles são totalmente indiferentes a você; ninguém está preocupado com você. E está
aparentemente claro que você não é necessário. Sem você tudo será tão bom quanto é com você;
nada será perdido. Olhe para a existência superficialmente: ninguém, nada se importa com você.
Eles podem inclusive nem mesmo estar cientes de você. As estrelas não estão cientes de você;
até mesmo a terra que você chama de “Mãe” não está ciente de você. E quando você morrer, a
terra não ficará triste. Nada terá mudado; as coisas serão como elas são e como elas sempre
foram. Com você ou sem você, não há diferença.
Você sente que é apenas um acidente. Você não é necessário; você chegou sem ser
convidado... simplesmente um produto ao acaso. Isso cria medo. Isso é o que Kierkegaard chama
de “angústia”. Existe um medo sutil contínuo – você não é necessário.
Quando alguém o ama, você sente que uma dimensão diferente veio à existência. Agora, pelo
menos haverá uma pessoa que chorará, que se sentirá desolada, que ficará triste. Haverá
lágrimas; você será necessário. Pelo menos existirá uma pessoa que sempre sentirá sua ausência
se você não existir. Pelo menos para alguém você ganhou um destino, um propósito.
Eis por que há tanta necessidade de amor. E se você não é amado, você fica desenraizado.
Mas esse amor não é o amor de que eu estou falando. Isso é um relacionamento e uma criação
mútua de ilusão – ...uma ilusão mútua: “Eu preciso de você, você precisa de mim. Eu lhe dou
esta ilusão de que sem você meu propósito, meu sentido, minha vida estarão perdidos; você me
dá esta ilusão de que sem mim, tudo estará perdido. Assim, nós estamos ajudando um ao outro a
permanecermos em uma ilusão. Nós estamos criando uma existência separada, particular, na qual
nós nos tornamos significativos, na qual toda a indiferença deste vasto espaço é esquecida”.
Dois amantes vivem um no outro; eles criaram um mundo particular. Eis por que o amor
necessita de tanta privacidade. Se você não tem privacidade, o mundo continua invadindo-os. Ele
continua lhes dizendo que tudo o que vocês estão fazendo é apenas um sonho e é uma ilusão
mútua. O amor precisa de privacidade, porque, então, o mundo todo fica esquecido. Somente
dois amantes existem, e a indiferença, a indiferença total da existência, é esquecida. Você se
sente amado, bem-vindo. Sem você nada será o mesmo. Pelo menos neste mundo particular,
nada será o mesmo sem você. A vida fica significativa.
Eu não estou falando desse amor. Isso é na verdade ilusório. É uma ilusão cultivada e o
homem é tão fraco que não pode viver sem essa ilusão. Aqueles que podem, vivem sem essa
ilusão. Um Buda pode viver sem essa ilusão e, então, ele não a criará.
Quando se torna possível viver de maneira não-ilusória – viver sem ilusão – uma segunda e
diferente dimensão de amor vem à existência. Não é que uma pessoa precise de você. Chega-se
ao entendimento, à compreensão, de que você não é diferente desta existência que parece tão
indiferente. Você é parte dela, organicamente um com ela. E se uma árvore está florescendo, ela
não é separada de você. Você floresceu na árvore e a árvore se tornou consciente em você.
O mar e a areia e as estrelas, eles são um com você. Você não é uma ilha, você é
organicamente um com este universo. Todo o universo está dentro de você e você todo está neste
universo. A menos que você chegue a conhecer isso e sentir isso e realizar isso, você não
alcançará este amor que é um estado mental.
Se você chega a realizar isso, você não necessitará criar uma ilusão particular de que alguém
o ama. Então, há um sentido e, se ninguém o ama, nenhum sentido é perdido. Então, você não
tem medo de forma alguma, porque nem mesmo a morte não o aniquilará. Ela pode aniquilar a
forma, ela pode aniquilar o corpo, mas ela não pode aniquilar você, porque você é a existência.
É isso o que acontece na meditação. É para isso que a meditação existe. Nela você se torna
uma parte, uma abertura. Você chega a sentir: “A existência e eu somos um”. Então, você é bem-
vindo e não há nenhum medo e não há nenhuma morte. Então, o amor flui de você. Então, o
amor não é um esforço – você não pode fazer nada exceto amar. Então, ele é como a respiração.
Bem no fundo você respira amor; para dentro e para fora você respira amor.
Esse amor cresce transformando-se em devoção. Então, no final, você até mesmo se
esquecerá dele, assim como você se esquece da sua respiração. Quando você se lembra de sua
respiração? Você já observou? Você se lembra apenas quando alguma coisa está errada. Quando
você sente alguma dificuldade, então, você sabe que esteve respirando; do contrário não há
necessidade nem mesmo de estar consciente dela. E se você está consciente de sua respiração,
isso mostra que alguma coisa está errada com seu processo respiratório. Não há necessidade de
estar consciente do processo de respiração. Ele continua silenciosamente.
Assim, quando você está consciente de seu amor, do amor que é um estado mental, isso
significa que alguma coisa ainda está errada. Pouco a pouco, até mesmo esta consciência é
perdida. Você simplesmente respira amor para dentro e para fora. Você se esqueceu
completamente até mesmo de que você ama. Então, isso se tornou devoção. Esse é o pico
definitivo, a última possibilidade – você pode chamá-lo de qualquer coisa.
O amor pode se tornar devoção somente quando essa consciência é perdida, esquecida, isso
não significa que você se tornou inconsciente, isso somente significa que o processo se tornou
tão silencioso que não há nenhum ruído a sua volta. Você não está inconsciente dele, mas você
não está consciente também. Ele se tornou muito natural. Ele está presente, mas ele não cria
nenhum distúrbio internamente: ele se tornou muito harmonioso.
Assim, lembre-se: quando eu estou falando de amor, eu não estou falando sobre o seu amor.
Mas se você tentar entender o seu amor, ele se tornará um passo em direção ao crescimento para
um tipo diferente de amor. Assim, eu não sou contra o seu amor. Eu simplesmente estou
relatando o fato de que se seu amor está baseado no medo, ele é apenas um amor comum,
animal. E nenhuma depreciação, nenhuma condenação está implícita; isso é simplesmente um
fato.
O homem está com medo. Ele precisa de alguém que lhe dê a sensação de que ele é bem-
vindo, de que ele não precisa ficar com medo. Pelo menos com uma pessoa você não precisa
ficar cheio de medo. Isso é bom até um certo ponto, mas isso não é o que Buda ou Jesus
chamaram de amor. Eles chamaram de amor um determinado estado mental, não um
relacionamento. Assim, vá além do relacionamento e, pouco a pouco, torne-se amoroso.
Inicialmente, você não será capaz disso, a menos que você se mova para a meditação. A menos
que você chegue a conhecer a eternidade interior, a menos que você chegue a conhecer uma
profunda unidade entre o interior e o exterior, a menos que você sinta que você é a existência,
isso será difícil.
Assim, essas técnicas de meditação são apenas para ajudá-lo a crescer a partir do
relacionamento para um determinado estado mental. E não pense no tempo de modo algum; o
tempo é irrelevante para o amor.

A segunda pergunta:

Muitas das técnicas que Você tem discutido usam o corpo como um instrumento. Quais
são as razões para se dar tamanha importância ao corpo no tantra?

Muitos pontos básicos devem ser compreendidos. Primeiramente: você é o seu corpo.
Exatamente agora, você é simplesmente o seu corpo e nada mais. Você pode ter noções sobre a
alma, o atma, etc. – são apenas noções, apenas idéias. Como você está exatamente agora, você é
apenas um corpo. E não continue enganando a si mesmo de que você é uma alma eterna, um
atma imortal. Não continue enganando a si mesmo. Isso é apenas uma idéia e essa idéia também
está baseada no medo.
Você não sabe se a alma existe ou não; você nunca penetrou no centro mais interior onde a
pessoa compreende a eternidade. Você somente ouviu a respeito disso e se apegou à idéia,
porque você tem medo da morte. Você sabe que a morte é real; assim, você continua desejando e
acreditando que exista alguma coisa em você que é imortal. Isso é um desejo de satisfação.
Eu não estou dizendo que não há alma, eu não estou dizendo que não há nada que seja
imortal. Não, eu não estou dizendo isso. Mas no que se refere a você, você é apenas o corpo com
uma idéia de que há uma alma que é imortal. Isso está apenas na mente, e isso também você
coletou por causa do medo. Eis porque quanto mais fraco você se tornar, quanto mais velho,
mais você se tornará um crente da imortalidade da alma e de Deus. Então, você irá à igreja ou ao
templo ou à mesquita. Se você vai à mesquita ou à igreja ou ao templo, você verá que homens
velhos, quase à beira da morte, estão reunidos lá.
A juventude é basicamente ateísta; sempre foi assim. Quanto mais jovem você é, menos
teísta. Quanto mais jovem você for, mais você será um descrente. Por quê? Porque você ainda é
forte e sente menos medo, e você ainda ignora a morte. A morte está lá longe em algum lugar,
ela acontece apenas para os outros. Ela acontece somente para os outros, não para você. Mas
quanto mais velho você se torna, aos poucos você começa a sentir que “agora” ela irá acontecer
para você também.
A morte chega perto, e a pessoa começa a acreditar. Assim, todas as crenças estão baseadas
no medo. E a pessoa que acredita por causa do medo está na verdade enganando a si mesma.
Você é o corpo exatamente agora – isso é um fato. Você não sabe nada sobre a imortalidade,
você sabe apenas sobre a “mortalidade”. Mas a imortalidade está presente; você pode conhecê-la.
Acreditar não funcionará, somente conhecer pode ajudar. Você pode compreendê-la, mas apenas
idéias não são úteis a menos que elas se tornem uma experiência concreta.
Assim não seja enganado pelas idéias e não considere as idéias e crenças como experiências.
Eis porque o tantra sempre começa com o corpo – porque isso é um fato. Você tem de começar
do corpo, porque você está no corpo. E isso também não está correto. Quando eu digo que você
está no corpo, isso também não está correto. No que se refere a você, você é o corpo, não no
corpo. Você não sabe nada sobre o que está no corpo, você conhece apenas o corpo. Essa
experiência de alguma coisa além do corpo ainda está muito distante.
Se você vai aos metafísicos, aos teólogos, eles irão começar com a alma. Mas o tantra é
absolutamente científico. Ele começa de onde você está, não de onde você pode estar. Começar
de onde você pode estar é absurdo – você não pode começar de onde você pode estar, você pode
começar somente de onde você está.
O tantra não tem nenhuma condenação ao corpo. O tantra é uma aceitação total das coisas
como elas são. Os teólogos cristãos e aqueles das outras religiões também são condenatórios,
contra o corpo. Eles criam um dualismo, uma dicotomia, de que você são dois. E o corpo é o
inimigo, para eles, o mal; assim, lute contra ele. Esse dualismo está basicamente errado e esse
dualismo dividirá a sua mente em duas e criará uma personalidade dividida.
As religiões ajudaram a mente humana a ser esquizofrênica. Qualquer divisão o dividirá
profundamente, e você se tornará dois, ou você se tornará muitos. E todo mundo é uma multidão
de muitas divisões, sem nenhuma unidade orgânica e sem centro. Você não é um ‘indivíduo’ no
que se refere à palavra. A palavra significa indivisível, “indivíduo” quer dizer indivisível. Mas
você está dividido em muitas coisas.
Não somente a sua mente e o seu corpo estão divididos, como também sua alma e seu corpo.
O absurdo foi tão fundo que até mesmo o corpo está dividido: a parte inferior do corpo é ruim e a
parte superior é boa. Isso é estúpido, mas existe. Inclusive você mesmo não pode se sentir à
vontade com a sua parte inferior do corpo. Um desconforto se insinua. Há divisão e divisão e
divisão...
O tantra aceita todas as coisas. O que quer que exista, é aceito inteiramente. Eis por que o
tantra pode aceitar o sexo totalmente. Por cinco mil anos, o tantra foi a única tradição que aceitou
o sexo totalmente, a única em todo o mundo. Por quê? Porque o sexo é o ponto onde você está e
qualquer movimento será a partir do ponto de onde você está.
Você está no centro sexual; sua energia está no centro sexual. E desse ponto ela tem que se
mover para cima, para além. Se você rejeita o próprio centro, então, você pode continuar se
enganando de que está se movendo, mas você não pode se mover. Então, você está rejeitando o
único ponto de onde o movimento é possível. Assim, o tantra aceita o corpo, aceita o sexo, aceita
todas as coisas. E o tantra diz: a sabedoria aceita todas as coisas e as transforma; somente a
ignorância rejeita. Somente a ignorância rejeita – a sabedoria aceita todas as coisas. Mesmo um
veneno pode se tornar um medicamento, mas somente através da sabedoria.
O corpo pode se tornar um veículo para aquilo que está além do corpo e a energia sexual pode
se tornar uma força espiritual. E lembre-se, quando você pergunta “Quais são as razões para se
dar tamanha importância ao corpo no tantra?”, por que você pergunta? Por quê?
Você nasce como um corpo, você vive como um corpo, você se torna doente como um corpo;
você é tratado, medicado, ajudado, tornado completo e saudável como um corpo. Você se torna
jovem como um corpo, você se tornará velho como um corpo, você morrerá como um corpo.
Toda a sua vida é centrada no corpo, centrada em torno do corpo. Você amará alguém, você fará
amor com alguém e vocês criarão outros corpos, vocês reproduzirão outros corpos.
O que você está fazendo a vida inteira? Preservando-se. O que você está preservando com
comida, com água, com abrigo? O corpo é preservado. O que você está fazendo reproduzindo? O
corpo está sendo reproduzido. A vida inteira, noventa e nove vírgula nove por cento, é orientada
pelo corpo. Você pode ir além, mas essa jornada tem de ser através do corpo, pelo corpo; e você
tem de usar o corpo. Mas por que você pergunta? – porque o corpo é apenas a coisa externa...
Bem no fundo, o corpo é um símbolo do sexo.
Assim, aquelas tradições que são contra o sexo, serão contra o corpo. Apenas aquelas
tradições que não são contra o sexo podem ser amigáveis com o corpo. O tantra é absolutamente
amigável e o tantra diz que o corpo é sagrado, puro. Para o tantra, condenar o corpo é um
sacrilégio. Dizer que o corpo é impuro ou dizer que o corpo é pecado é tolice para o tantra – um
ensinamento muito venenoso. O tantra aceita o corpo – não somente o aceita, mas diz que o
corpo é sagrado, puro, inocente. Você pode usá-lo e pode torná-lo um veículo, um meio, para ir
além! Ele ajuda até mesmo a ir além.
Mas se você começa a lutar com o corpo, você está perdido. Se você começar a lutar com ele,
você se tornará cada vez mais e mais doente. E se você continuar lutando com ele, você perderá
uma oportunidade. Lutar é negativo; o tantra é uma transformação positiva. Não lute com ele –
não há nenhuma necessidade.
É como se você estivesse sentado em um carro e começasse a lutar com o carro. Então, você
não pode ir adiante, porque você está lutando com o veículo – que tem de ser usado, não
combatido. E você destruirá o veículo com a sua luta e, então, será cada vez mais e mais difícil ir
adiante.
O corpo é um belo veículo – muito misterioso, muito complexo. Use-o, não lute com ele.
Ajude-o. No momento em que você vai contra ele, você está indo contra você mesmo. É como se
um homem quisesse chegar a algum lugar, mas lutasse contra suas próprias pernas e as cortasse.
O tantra diz: conheça o corpo e conheça os seus segredos. Conheça as energias dele e conheça
como essas energias podem ser transformadas – como elas podem ser movidas e transformadas
em diferentes dimensões.
Por exemplo: considere o sexo, que é a energia básica do corpo. Comumente, a energia sexual
é apenas usada para a reprodução. Um corpo cria outro corpo e assim por diante. A utilidade
biológica da energia sexual está somente na reprodução. Mas isso é apenas um dos usos e o mais
baixo. Não há nenhuma condenação implicada nisso, mas ela é a mais baixa. A mesma energia
pode fazer outros atos criativos também. A reprodução é um ato criativo básico – você cria
alguma coisa. Eis por que uma mulher sente um sutil bem-estar quando ela se torna mãe: ela
criou alguma coisa.
Os psicólogos dizem que devido ao homem não poder reproduzir como a mulher, devido ao
homem não poder se tornar mãe, ele sente um certo desconforto e para destruir esse desconforto
ou para superá-lo, ele vai criando outras coisas. Ele pintará, fará algo no qual ele se torne um
criador, no qual ele se torne uma mãe. Essa é uma das razões pelas quais as mulheres são menos
criativas e os homens são mais criativos – porque as mulheres têm uma dimensão natural na qual
são criativas. Elas podem ser mães e podem ter uma satisfação, uma satisfação fácil. Uma
profunda criatividade biológica é sentida.
Mas o homem carece disso e sente em algum ponto um desequilíbrio. Ele quer criar; assim,
ele substituirá alguma coisa. Ele pintará, cantará, dançará. Ele fará algo no qual também se torne
uma mãe. A energia sexual, os psicólogos dizem agora – ...e o tantra sempre esteve dizendo isso
– é sempre a fonte de toda a criação. Assim, acontece de, se um pintor for realmente fundo em
sua criação, ele pode esquecer o sexo completamente. Quando um poeta está muito envolvido em
sua poesia, ele se esquecerá do sexo completamente. Ele não precisa forçar nenhum
brahmacharya, nenhum celibato sobre si.
Somente os monges, os monges não-criativos, vivendo em um mosteiro, necessitam forçar o
brahmacharya – porque se você é criativo, a mesma energia que se move através do sexo, vai
para a criação. Você pode esquecê-lo completamente e não há nenhuma necessidade de fazer
qualquer esforço para esquecê-lo, porque isso é impossível. Você não pode fazer nenhum esforço
para se esquecer de qualquer coisa, porque o próprio esforço fará com que você se lembre
daquilo sempre novamente. Isso é fútil – na verdade, suicida. Você não pode tentar se esquecer
de nada.
Eis por que aqueles que forçam-se a serem brahmacharis, celibatários, tornam-se
simplesmente pervertidos sexuais cerebrais. Então, o sexo gira na mente: a coisa toda continua
na mente – não no corpo, mas na mente. E isso é pior, porque então a mente se tornará
totalmente louca. Qualquer criatividade ajudará o sexo a desaparecer.
O tantra diz: se você se mover para a meditação, o sexo desaparecerá completamente – ele
pode desaparecer completamente. Toda a energia está sendo absorvida nos centros superiores – e
seu corpo tem muitos centros. O sexo é o centro mais inferior e o homem vive no centro mais
inferior. Quanto mais a energia se move para cima, mais os centros superiores começam a
florescer. Quando a mesma energia chega ao coração, então, ela se torna amor. Quando a mesma
energia chega mais alto ainda, novas dimensões e novas experiências começam a florescer. E
quando a mesma energia está no mais alto, no último pico em seu corpo, ela atingiu aquilo que o
tantra chama sahasrar – o último chakra na cabeça.
O sexo é o chakra mais baixo e o sahasrar é o mais alto; e entre esses dois a energia sexual se
move. Ela pode ser liberada pelo centro sexual. Quando ela é liberada pelo centro sexual, você se
torna uma causa para reproduzir outra pessoa. Quando a mesma energia é liberada pelo sahasrar,
da cabeça para o cosmos, você dá um novo nascimento a si mesmo. Isso é também reprodução,
mas não biologicamente. É, então espiritualmente, uma reprodução; então, você é renascido. Na
Índia, nós costumamos chamar tais pessoas de “duas vezes nascida” – dwij. Agora, ela deu a si
mesma um novo nascimento. A mesma energia se moveu.
O tantra não tem condenações, somente técnicas secretas de como transformar. Eis por que o
tantra fala tanto do corpo – é necessário. O corpo tem de ser compreendido, e você só pode
começar de onde você está.
A terceira pergunta:

Você disse que o amor pode nos tornar livres. Mas comumente nós vemos que o amor se
torna apego, e ao invés de nos libertar ele nos torna mais amarrados. Assim, diga-nos
alguma coisa sobre apego e liberdade.

O amor se torna apego, porque não existe nenhum amor. Você estava apenas num jogo,
enganando a si mesmo. O apego é a realidade; o amor era apenas um prelúdio. Assim, sempre
que você se apaixona, mais cedo ou mais tarde, você descobre que você se tornou um
instrumento – e, então, toda a miséria começa. Qual é o mecanismo? Por que isso acontece?
Há alguns dias, um homem veio a mim e ele estava se sentindo muito culpado. Ele disse: “Eu
amei uma mulher, eu a amei muito. No dia em que ela morreu, eu estava chorando e pranteando,
mas de repente eu me tornei consciente de uma certa liberdade dentro de mim, como se alguma
carga tivesse me deixado. Eu senti um profundo alívio, como se tivesse me tornado livre”.
Naquele momento, ele se tornou consciente de uma segunda camada de seu sentimento.
Externamente ele estava chorando e pranteando e dizendo: “Eu não posso viver sem ela. Agora
será impossível, ou a vida será apenas como a morte. Mas bem fundo” – ele disse – “eu me
tornei consciente de que estou me sentindo muito bem, que agora eu estou livre”.
Uma terceira camada começou a sentir culpa. Ela lhe dizia: “O que você está fazendo”? E um
corpo morto estava deitado ali, bem à sua frente, ele me contou, e ele começou a sentir uma
enorme culpa. Ele me disse: “Ajude-me. O que está acontecendo à minha mente? Eu a traí tão
cedo”?
Nada aconteceu; ninguém foi traído. Quando o amor se torna apego, ele se torna uma carga,
uma escravidão. Mas por que o amor se torna um apego? A primeira coisa a ser entendida é que
se o amor se torna um apego, você estava apenas em uma ilusão de que aquilo era amor. Você
estava apenas brincando consigo mesmo e pensando que aquilo era amor. Na verdade, você
estava necessitado de apego. E se você for ainda mais fundo, descobrirá que você estava também
necessitando de se tornar um escravo.
Há um medo sutil da liberdade e todo mundo quer ser um escravo. Todo mundo,
naturalmente, fala sobre liberdade, mas ninguém tem a coragem de ser realmente livre, porque
quando você é realmente livre, você está só. Se você tem coragem de estar só, somente então,
você pode ser livre.
Mas ninguém é corajoso o suficiente para estar só. Você precisa de alguém. Por que você
precisa de alguém? Você tem medo de sua própria solidão. Você se torna entediado consigo
mesmo. E na verdade, quando você está sozinho, nada parece significativo. Com alguém, você
fica ocupado e você cria significados artificiais à sua volta.
Você não pode viver para si mesmo; assim, você começa a viver para outra pessoa. E também
é o mesmo caso com a outra pessoa: ele ou ela não pode viver sozinho; assim, ele está na busca
para encontrar alguém. Duas pessoas que estão com medo de suas próprias solidões, reúnem-se e
começam um jogo – um jogo de amor. Mas, bem no fundo, elas estão buscando apego,
compromisso, escravidão.
Assim, mais cedo ou mais tarde, tudo o que você deseja acontece. Essa é uma das coisas mais
lamentáveis no mundo. Tudo o que você deseja chega a acontecer. Você a terá mais cedo ou
mais tarde e o prelúdio desaparecerá. Quando a sua função for cumprida, ele desaparecerá.
Quando você se tornou uma esposa ou um marido, escravos um do outro, quando o casamento
aconteceu, o amor desaparece, porque o amor era apenas uma ilusão na qual duas pessoas
poderiam se tornar escravas uma da outra.
Diretamente você não pode pedir por escravidão; é muito humilhante. E diretamente você não
pode dizer para alguém: “Torne-se meu escravo”. – ...ele irá se revoltar. Nem você pode dizer:
“Quero me tornar um seu escravo”; assim, você diz: “Eu não posso viver sem você”. Mas o
significado está presente; é o mesmo. E quando isso – o desejo real – é preenchido, o amor
desaparece. Então, você sente servidão, escravidão e, então, você começa a lutar para se tornar
livre.
Lembre-se disso. Este é um dos paradoxos da mente: tudo o que você conseguir, você irá se
aborrecer com aquilo, e tudo o que você não conseguir, você ansiará profundamente. Quando
você está sozinho, você ansiará por alguma escravidão, alguma servidão. Quando você está em
uma servidão, você começará a desejar liberdade. Na verdade, somente escravos desejam
liberdade, e pessoas livres tentam novamente ser escravas. A mente continua como um pêndulo,
movendo-se de um extremo ao outro.
O amor não se torna apego. O apego era a necessidade; o amor era apenas uma isca. Você
estava a procura de um peixe chamado apego; o amor era apenas uma isca para pegar o peixe.
Quando o peixe é apanhado, a isca é jogada fora. Lembre-se disso e, sempre que você estiver
fazendo alguma coisa, vá fundo dentro de si mesmo para encontrar a causa básica.
Se existir amor real, ele nunca se tornará apego. Qual é o mecanismo para o amor se tornar
apego? No momento em que você diz para seu amante ou amada “eu só amo você”, você
começou a possuir. E no momento em que você possui alguém, você o insultou profundamente,
porque você o tornou uma coisa.
Quando eu o possuo, você não é uma pessoa então, mas apenas um item a mais dentre a
minha mobília – uma coisa. Então, eu o uso e você é minha coisa, minha posse; assim, eu não
permitirei que ninguém mais o use. Isso é uma barganha na qual eu sou possuído por você e você
faz de mim uma coisa. Isso é uma barganha, que “agora” ninguém mais pode usá-lo. Ambos os
parceiros se sentem atados e escravizados. Eu o torno um escravo, então, você, em troca, faz de
mim um escravo.
Então a luta começa. Eu quero ser uma pessoa livre e, ainda assim, eu quero que você seja
possuído por mim; você quer manter a sua liberdade e, ainda assim, me possuir – esta é a luta. Se
eu o possuo, eu serei possuído por você. Se eu não quero ser possuído por você, eu não deveria
possuí-lo.
A posse não deveria entrar no meio. Nós devemos permanecer indivíduos e devemos nos
mover como consciências independentes e livres. Nós podemos ficar juntos, nós podemos nos
fundir um no outro, mas sem posse. Então, não há servidão e, então, não há apego.
O apego é uma das coisas mais feias. E quando eu digo “mais feia”, eu não quero dizer
apenas religiosamente, eu quero dizer também esteticamente. Quando você está apegado, você
perdeu a sua solidão, a sua solitude: você perdeu tudo. Apenas para se sentir bem – porque
alguém precisa de você e alguém está com você – você perdeu tudo, perdeu a si mesmo.
Mas a armadilha é que você tenta ser independente e você torna o outro a posse – e o outro
está fazendo a mesma coisa. Assim, não possua se você não quer ser possuído.
Jesus disse em algum lugar: “Não julgue para não ser julgado”. É a mesma coisa: “Não
possua para não ser possuído”. Não faça de ninguém um escravo; do contrário você se tornará
um escravo.
Os assim chamados mestres são sempre servos de seus próprios servos. Você não pode se
tornar um mestre de alguém sem se tornar um servo – isso é impossível.
Você só pode ser um mestre quando ninguém é um servo para você. Isso parece paradoxal,
porque quando eu digo que você só pode se tornar um mestre quando ninguém é um servo para
você, você dirá: “Então o que é o mestrado? Como eu sou um mestre quando ninguém é um
servo para mim”? Mas eu digo que somente então, você é um mestre. Então, ninguém é um servo
para você e ninguém tentará torná-lo um servo.
Amar a liberdade, tentar ser livre, significa basicamente que você chegou a uma profunda
compreensão de si mesmo. Agora, você sabe que você é suficiente para si mesmo. Você pode
compartilhar com os outros, mas você não é dependente. Eu posso compartilhar a mim mesmo
com alguém. Eu posso compartilhar o meu amor, eu posso compartilhar minha felicidade, eu
posso compartilhar minha alegria, meu silêncio com alguém. Mas isso é um compartilhar, não
uma dependência. Se não houver ninguém, eu estarei igualmente feliz, igualmente alegre. Se
alguém está presente, isso também é bom e eu posso compartilhar.
Quando você perceber sua consciência interior, seu centro, somente então, o amor não se
tornará um apego. Se você não conhecer seu centro interior, o amor se tornará um apego. Se você
conhecer o seu centro interior, o amor se tornará uma devoção. Mas você deve primeiro estar
presente para amar, e você não está.
Buda estava passando por um vilarejo. Um jovem veio até a ele e disse: “Ensine-me algo:
como eu posso servir aos outros”?
Buda riu para ele e disse: “Primeiramente, seja. Esqueça os outros. Primeiramente, seja você
mesmo e, então, todas as coisas se seguirão”.
Exatamente agora você não é. Quando você diz “quando eu amo alguém isso se torna um
apego”, você está dizendo que você não é; assim, tudo o que você faz dá errado, porque o
fazedor está ausente. O ponto interior de consciência não está presente; assim, tudo o que você
faz, dá errado. Primeiro seja e, então, você pode compartilhar seu ser. E esse compartilhar será
amor. Antes disso, tudo o que você fizer se tornará um apego.
E, por último: se você está lutando contra o apego, você tomou uma direção errada. Você
pode lutar. Assim, muitos monges – reclusos, saniássins – estão fazendo isso. Eles sentem que
estão apegados às suas casas, às suas propriedades, às suas esposas, aos seus filhos e eles se
sentem engaiolados, aprisionados. Eles fogem, deixam suas casas, deixam as suas esposas,
deixam seus filhos e posses e eles se tornam mendigos e escapam para a floresta, para a solidão.
Mas vá lá e observe-os. Eles se tornaram apegados aos seus novos arredores.
Eu estive visitando um amigo que estava em uma vida reclusa embaixo de uma árvore em
uma floresta densa, mas havia outros ascetas também. Um dia, aconteceu de eu estar com esse
recluso embaixo de sua árvore e um novo buscador ter vindo enquanto meu amigo estava
ausente. Ele tinha ido ao rio tomar um banho. Embaixo de sua árvore o novo saniássin começou
a meditar.
O homem voltou do rio e empurrou o novato da árvore, e disse: “Esta é minha árvore. Vá e
encontre outra, em algum outro lugar. Ninguém pode se sentar sob a minha árvore”. E esse
homem tinha deixado a sua casa, a sua esposa, os seus filhos. Agora a árvore se tornou uma
posse – você não pode meditar embaixo da árvore dele.
Você não pode escapar tão facilmente do apego. Ele tomará novas formas, novos contornos.
Você será enganado, mas ele estará presente. Assim, não lute com o apego, apenas tente entender
por que ele existe. E, então, conheça a causa profunda: devido a você não ser, esse apego existe.
Dentro de você, o seu próprio ser está tão ausente, que você tenta se apegar a qualquer coisa a
fim de se sentir a salvo. Você não está enraizado; assim, você tenta fazer de qualquer coisa às
suas raízes. Quando você está enraizado em seu ser, quando você sabe quem você é, o que é esse
ser que está dentro de você e o que é essa consciência que está em você, então, você não se
apegará a ninguém.
Isso não significa que você não amará. Na verdade, somente então, você pode amar, porque
então o compartilhar é possível – e sem nenhuma condição, sem nenhuma expectativa. Você
simplesmente compartilha, porque você tem uma abundância, porque você tem tanto que está
transbordando.
Esse transbordamento de si mesmo é amor. E quando esse transbordamento se torna uma
enchente, quando, por seu próprio transbordamento, o universo inteiro é preenchido e seu amor
toca as estrelas, em seu amor a terra se sente bem e em seu amor todo o universo é banhado;
então, isso é devoção.
Capítulo 21

TRÊS TÉCNICAS DO OLHAR



OS SUTRAS

30 Olhos fechados, veja seu ser interior em detalhes. Então, veja a sua verdadeira natureza.
31 Olhe para uma tigela sem ver os lados ou o material. Em poucos momentos, torne-se
consciente.
32 Veja, como se pela primeira vez, uma bela pessoa ou um objeto comum.

As técnicas de hoje à noite estão relacionadas com a prática do olhar. Antes de entrarmos
nessas técnicas, algo tem de ser compreendido sobre os olhos, porque todas essas três técnicas
dependem deles. A primeira coisa: os olhos são a parte mais não-corpórea do corpo humano, a
menos corporal. Se a matéria pode se tornar não-matéria, então, esse também é o caso dos olhos.
Os olhos são materiais, mas, simultaneamente, eles também são não-materiais. Os olhos são um
ponto de encontro entre você e seu corpo. Em nenhum outro lugar no corpo, esse encontro é tão
profundo.
O corpo humano e você são muito separados, há uma grande distância. Mas, no ponto dos
olhos, você está mais perto de seu corpo e o corpo está mais perto de você. Eis por que os olhos
podem ser usados para a jornada interior. Um simples salto a partir dos olhos pode levá-lo para a
fonte. Isso não é possível a partir das mãos, não é possível a partir do coração, não é possível a
partir de nenhum outro lugar do corpo. A partir de qualquer outra parte, você terá de viajar
muito; a distância é grande. Mas, a partir dos olhos, um simples passo é o suficiente para se
entrar em si mesmo. Eis por que os olhos têm sido usados continuamente nas práticas religiosas
do tantra e do ioga.
A primeira razão é porque você está mais perto deles. Eis por que, se você sabe como olhar
dentro dos olhos de alguém, você pode olhar dentro das profundezas dele. Ele está ali. Ele não
está tão presente em mais nenhum outro lugar no corpo, mas se você puder olhar dentro de seus
olhos, você o encontrará lá. É uma arte difícil, olhar dentro dos olhos de outra pessoa, e você
chega a isso somente quando você deu um salto a partir de seus próprios olhos para dentro de si;
do contrário, você não pode olhar. Se você não olhou internamente além de seus próprios olhos,
você não pode olhar dentro dos olhos de mais ninguém. Mas se você sabe como olhar dentro dos
olhos, você pode tocar as profundezas da pessoa.
Eis por que somente no amor você pode olhar diretamente e fixar o olhar nos olhos do outro.
Do contrário, se você fixar o olhar nos olhos de outra pessoa, ela se sentirá ofendida. Você está
invadindo; isso é uma invasão. Você pode olhar para o corpo – não há invasão. Mas no momento
em que você olha fixo nos olhos de outra pessoa, você está invadindo sua individualidade, você
está invadindo sua liberdade individual, você está entrando nela sem nenhum convite. Eis por
que há um limite e, agora, o limite pode ser medido. No máximo, você tem permissão de olhar
por três segundos. Pode ser-lhe permitido apenas um olhar casual e, então, você tem de mover
seus olhos; do contrário, o outro se sentirá ofendido. O olhar é violento, porque você pode ter um
lampejo dos segredos internos da pessoa e isso não pode ser permitido.
Somente em profundo amor, você pode olhar dentro dos olhos de alguém, porque o amor
significa que agora você não quer manter nenhum segredo. Você está agora aberto para o outro e
o outro é sempre bem-vindo e convidado a entrar em você. E quando os amantes olham nos
olhos um do outro, há um encontro que não é do corpo. Assim, a segunda coisa a ser lembrada:
sua mente, sua consciência, sua alma, o que quer que esteja dentro de você pode ser vislumbrado
através dos olhos.
Eis por que um homem cego tem uma face morta. Não é somente que os olhos estejam
deficientes, mas a face está morta – não viva. Os olhos são a luz da face; eles iluminam sua face,
eles lhe dão uma vivacidade interior. Quando os olhos não estão presentes, sua face perde a
vivacidade. E um cego está, na verdade, fechado. Você não pode entrar nele tão facilmente. Eis
por que os cegos são muito reservados e você pode confiar em um cego. Se você lhe conta um
segredo, você pode confiar nele. Ele irá mantê-lo e será difícil julgar se ele tem um segredo. Mas
com um homem que tem olhos vivos, é possível julgar imediatamente que ele tem um segredo.
Por exemplo, você está viajando sem um bilhete em um trem. Seus olhos continuarão traindo-
o, que você está sem bilhete. Isso é um segredo; ninguém sabe, somente você sabe. Mas seus
olhos terão um olhar diferente e você olhará para qualquer um que entrar no trem com uma
qualidade diferente. Se o outro puder compreender a qualidade, ele saberá imediatamente que
você está sem um bilhete. O olhar será diferente de quando você tem um bilhete.
Assim, se você está escondendo um segredo, seus olhos o revelarão. E controlar os olhos é
muito difícil. A coisa mais difícil de se controlar no corpo são os olhos. Assim, não é todo
mundo que pode se tornar um grande detetive, porque o treino básico do detetive é o treino dos
olhos. Seus olhos não devem revelar nada, ou eles devem revelar o oposto. Quando ele está
viajando sem um bilhete, seus olhos devem revelar que ele tem um bilhete. É muito difícil,
porque os olhos não são voluntários, eles são involuntários.
Agora, muitas experiências estão sendo feitas com os olhos. Alguém é um brahmachari, um
celibatário, e ele diz que não tem nenhuma atração pelas mulheres, mas seus olhos revelam
alguma coisa. Ele pode estar escondendo sua atração. Se uma bela mulher entra no quarto, ele
pode não olhar para ela, mas mesmo o seu não-olhar para ela será revelador. Haverá um esforço,
uma repressão sutil e os olhos mostrarão isso. Não somente isso, a superfície dos olhos se
expandirá. Quando uma bela mulher entrar, as pupilas dos olhos se expandirão imediatamente
para permitir mais espaço para a bela mulher entrar. E você não pode fazer nada com relação a
isso, porque essa expansão das pupilas é involuntária. É absolutamente impossível controlá-las.
Assim, a segunda coisa a se lembrar é que seus olhos são as portas para os seus segredos. Se
alguém quer entrar em seu mundo secreto, na sua privacidade, seus olhos são as portas. Se você
sabe como abri-las, você se tornará vulnerável, aberto. E se você quer entrar em sua própria vida
secreta, na sua vida interior, então, novamente, você terá de usar o mesmo sistema de fechar e
abrir. Você terá de trabalhar em seus olhos, somente então você pode entrar.
Em terceiro lugar: os olhos são líquidos, movediços. Eles estão em constante movimento e
esse movimento tem seu próprio ritmo, seu próprio sistema, seu próprio mecanismo. Seus olhos
não estão se movendo aleatoriamente, anarquicamente. Eles têm um ritmo próprio e esse ritmo
mostra muitas coisas. Se você tem um pensamento sexual na mente, seus olhos se movem
diferentemente – com um ritmo diferente. Simplesmente olhando seus olhos e o movimento, uma
pessoa pode dizer que tipo de pensamento está passando interiormente. Quando você sente fome
e há um pensamento de comida interiormente, os olhos têm um movimento diferente.
Assim, agora, até mesmo seus sonhos podem ser penetrados. Seus movimentos de olhos
podem ser gravados enquanto você está dormindo. E lembre-se, até mesmo nos sonhos, seus
olhos se comportam similarmente. Se você está olhando uma mulher nua em seu sonho, isso
pode ser avaliado a partir do movimento de seus olhos. Agora há artefatos mecânicos para gravar
os movimentos dos olhos.
Esses movimentos dos olhos são chamados, em inglês, de REM – rapid eye movements[1].
Eles podem ser gravados em um gráfico, exatamente como um eletrocardiograma. Seus
movimentos de olhos de uma noite inteira de sono podem ser gravados continuamente. E então o
gráfico pode mostrar quando você esteve dormindo e quando você não esteve, porque, quando
você não está sonhando, os olhos param e se tornam estáticos. Quando você está sonhando, eles
se movem e o movimento é como quando você está vendo alguma coisa em uma tela. Se você
está vendo um filme, os olhos têm de se mover. Da mesma maneira, em seus sonhos, seus olhos
se movem: eles estão vendo alguma coisa. Eles seguem os movimentos do filme. Para seus
olhos, não há diferença entre um filme de verdade sendo mostrado em uma tela ou apenas um
filme de sonho.
Assim, esses gravadores REM dizem quanto você sonhou à noite e por quanto tempo você
não esteve sonhando, porque os olhos param o movimento quando você não está sonhando. Há
muitas pessoas que dizem que nunca sonham. Elas simplesmente têm uma memória falha – nada
mais. Elas não podem se lembrar, é só isso. Elas realmente estão sonhando, durante toda a noite
elas estão sonhando, mas elas não podem se lembrar. A memória delas não é boa, isso é tudo.
Assim, de manhã quando elas dizem que não houve nenhum sonho, não acredite nelas.
Por que os olhos se movem quando há um sonho e por que os olhos param quando não há
sonho? Cada movimento dos olhos está ligado ao processo de pensamento. Se o pensamento está
presente, os olhos se mexerão. Se não há pensamento, os olhos não se mexerão – não há
necessidade.
Assim, lembre-se desse terceiro ponto também, que os movimentos dos olhos e o pensamento
estão ligados. Eis por que, se você parar os movimentos dos seus olhos, seu processo de
pensamento irá parar imediatamente. Ou, se seu processo de pensamento parar, seus olhos irão
parar automaticamente.
E um outro ponto, o quarto: os olhos se movem continuamente de um objeto para outro. De A
para B, de B para C, eles continuam se movendo. O movimento é a natureza deles. É como um
rio fluindo, o movimento é sua natureza. E por causa desse movimento, eles são tão vivos!
Movimento também é vida.
Você pode tentar parar seus olhos em um ponto determinado, em um determinado objeto e
não lhes permitir moverem-se, mas o movimento é da natureza deles. Você não pode parar o
movimento, mas você pode parar seus olhos; compreenda a distinção. Você pode parar seus
olhos em um ponto fixo determinado – em um ponto na parede. Você pode olhar fixo para o
ponto; você pode parar seus olhos. Mas o movimento é da natureza deles. Assim, eles podem não
se mover do objeto A para o objeto B, porque você os forçou a permanecer no A, mas, então, um
fenômeno muito estranho acontece.
O movimento está fadado a existir. Se você não os permite moverem-se de A para B, eles irão
se mover do exterior para o interior. Ou eles podem se mover de A para B, ou se você não
permitir esse movimento externo, eles se moverão para o interior. O movimento é da natureza
deles, eles precisam de movimento. Se você parar repentinamente e não lhes permitir moverem-
se externamente, eles começarão a se mover para dentro.
Assim, há duas possibilidades de movimentos. Uma é do objeto A para o objeto B – isso é um
movimento externo. É assim que acontece naturalmente. Mas há uma outra possibilidade que é a
do tantra e do ioga – não permitir o movimento de um objeto exterior para outro e parar esse
movimento. Então, os olhos saltam de um objeto exterior para a consciência interior, eles
começam a se mover internamente. Lembre-se desses quatro pontos; então, será fácil
compreender as técnicas.

30 Feche os olhos e pare o movimento deles

A primeira técnica do olhar:

Olhos fechados, veja seu ser interior em detalhes. Então, veja a sua verdadeira natureza.

Olhos fechados... Feche os seus olhos. Mas apenas fechar não é o suficiente. Fechar
totalmente significa fechar os olhos e parar seus movimentos; do contrário, os olhos continuarão
a ver alguma coisa que é do exterior. Mesmo com os olhos fechados você verá coisas – imagens
de coisas. Não são coisas reais, mas imagens, idéias, memórias reunidas – elas começarão a fluir.
Elas também são de fora; assim, seus olhos ainda não estão totalmente fechados. Fechar
totalmente os olhos significa nada ver.
Compreenda a diferença. Você pode fechar os seus olhos; isso é fácil, todo mundo os fecha a
todo momento. À noite você fecha os olhos, mas isso não lhe revelará a natureza interior. Feche
os olhos de forma que nada permaneça para ser visto – nenhum objeto exterior, nenhuma
imagem de nenhum objeto exterior, apenas uma escuridão vazia, como se você tivesse de repente
se tornado cego. Não cego apenas para a realidade, mas para a realidade do sonho também.
A pessoa tem de praticar isso. Um longo período será necessário; isso não pode ser feito
repentinamente. Você precisará de um longo treino. Feche os olhos. A qualquer momento que
você sinta que é fácil e tenha tempo, feche os olhos e, então, internamente, pare todos os
movimentos dos olhos. Sinta! Não permita nenhum movimento, pare todos os movimentos dos
olhos. Sinta como se eles tivessem se tornado pedras e, então, permaneça nesse estado
“petrificado” dos olhos. Não faça nada; apenas permaneça presente. De repente, um dia, você se
tornará consciente de que está olhando dentro de si mesmo.
Você pode sair deste prédio, andar em volta do prédio e olhá-lo, mas isso é olhar o prédio
pelo lado de fora. Então, você pode entrar na sala e pode permanecer nesta sala e olhá-la. Isso é
olhar o prédio pelo lado de dentro. Quando você está dando uma volta pelo lado de fora, você vê
as paredes, mas somente de um lado, o lado de fora das paredes. Quando você entra, as paredes
são as mesmas, mas agora você verá o lado de dentro das paredes.
Você tem visto seu corpo somente do lado de fora. Você tem visto seu corpo em um espelho
ou tem visto suas mãos pelo lado de fora. Você não sabe o que é o lado de dentro de seu corpo.
Você nunca entrou em seu próprio ser; você nunca esteve no centro de seu corpo e de seu ser,
para olhar aquilo que há do lado de dentro.
Essa técnica é muito útil para se olhar a partir do lado de dentro; e isso transforma toda a sua
consciência, toda a sua existência – porque se você pode olhar de dentro, você imediatamente se
torna diferente do mundo. Essa identidade falsa de que “eu sou o corpo” é somente porque nós
estivemos olhando para nossos corpos a partir do lado de fora. Se você pode olhar a partir de
dentro, o observador se torna diferente. E, então, você pode mover a sua consciência em seu
corpo, de seu dedo do pé para a sua cabeça; você pode agora mover-se dentro do corpo. E uma
vez que você se torne capaz de olhar a partir de dentro e se mover lá dentro, então, não é de
modo algum difícil ir para fora.
Uma vez que você saiba como se mover, uma vez que você saiba que você é separado do
corpo, você fica livre de uma grande escravidão. Agora você não é puxado pela gravidade; agora
você não tem limitação. Agora você é absoluta liberdade. Você pode sair do corpo; você pode ir
e voltar. E, então, o seu corpo se torna apenas uma morada.
Feche seus olhos, veja seu ser interior em detalhes e mova-se de um membro ao outro, por
dentro. Vá para o dedão do pé. Esqueça todo o corpo, mova-se para o dedão. Permaneça ali e
olhe. Então, mova-se através da perna, vá para cima, vá para cada membro. Então, muitas coisas
acontecem.
Então seu corpo se torna um veículo tão sensível que você não pode nem imaginar. Então, se
você toca alguém, você pode se mover totalmente para a sua mão e esse toque se tornará
transformador. Isso é o que se quer dizer por um toque do mestre: ele pode se mover para
qualquer membro totalmente e, então, ele está concentrado ali. Se você pode se mover para
qualquer parte de seu corpo totalmente, essa parte se torna viva – tão viva que você não pode
imaginar o que acontece à essa parte. Então, você pode se mover totalmente para os olhos. Se
você puder se mover totalmente para os olhos e, então, olhar dentro dos olhos de alguém, você o
penetrará; você irá às suas grandes profundezas.
Agora, os psicanalistas estão tentando atingir às profundezas através da psicanálise. Então,
eles levam um ano, dois anos, três anos... Isso é pura perda de tempo. E a vida é tão curta que se
três anos forem gastos para se analisar a mente de uma pessoa, isso é uma tolice. E, então, você
também não pode confiar se a análise está completa ou não. Você está tateando no escuro. A
abordagem oriental tem sido através dos olhos. Nenhuma necessidade de analisar a pessoa por
um tão longo período. O trabalho pode ser feito apenas entrando-se nos olhos dela totalmente,
tocando suas profundezas, conhecendo muitas coisas sobre ela, as quais nem mesmo ela conhece.
O mestre tem muitas coisas a fazer. Uma das coisas básicas é esta: analisá-lo, ir fundo em
você, ir para seus reinos mais escuros que são desconhecidos por você. E se ele lhe diz que
alguma coisa está escondida em você, você não acreditará. Como você pode acreditar? Você não
está consciente daquilo. Você só conhece uma parte da mente – um fragmento muito pequeno
que está apenas na parte de cima – apenas a primeira camada. Abaixo dela, existem nove
camadas escondidas que não são conhecidas por você, mas através de seus olhos uma penetração
é possível.
Feche seus olhos; veja seu ser interior em detalhes. A primeira, a parte mais externa da
técnica é olhar para seu corpo internamente – a partir de seu centro interior. Permaneça lá e olhe.
Você estará separado do corpo, porque o observador nunca é olhado. O observador é diferente do
objeto.
Se você pode ver seu corpo totalmente pelo lado de dentro, então, você jamais pode cair na
ilusão de que você é o corpo. Então, você permanecerá diferente – totalmente diferente: dentro
dele, mas não ele; no corpo, mas não o corpo. Essa é a primeira parte. Então, você pode se
mover; então, você é livre para se mover. Uma vez livre do corpo, livre da identidade, você está
livre para se mover. Agora, você pode se mover para dentro da sua mente – bem fundo. Essas
nove camadas que estão dentro e inconscientes podem agora ser penetradas.
Essa é a caverna interna da mente. Se você entra nessa caverna da mente, você se tornará
separado da mente também. Então, você verá que a mente também é um objeto que você pode
olhar e aquilo que está entrando na mente é, novamente, separado e diferente. Essa entrada na
mente é o que significa: veja seu ser interior em detalhes. Corpo e mente, ambos devem ser
penetrados e olhados de dentro. Então, você é simplesmente uma testemunha e esse testemunhar
não pode ser penetrado.
Eis por que ele é o seu centro mais recôndito: isso é você. Aquilo que pode ser penetrado,
aquilo que pode ser visto, não é você. Quando você chegou naquilo que não pode ser penetrado,
naquilo que você não pode se mover, que não pode ser observado, somente então, você chegou
ao ser real. Você não pode testemunhar a fonte do testemunhar, lembre-se – isso é absurdo.
Se alguém diz que “eu testemunhei minha testemunha” isso é absurdo. Por que isso é
absurdo? Porque se você testemunhou seu ser testemunhal, então, o ser testemunhal não é o ser
testemunhal. Aquilo que testemunhou é a testemunha. Aquilo que você vê, não é você; aquilo
que você pode observar, não é você; aquilo do qual você pode se tornar consciente, não é você.
Mas chega-se a um ponto, além da mente, onde você simplesmente é. Agora você não pode
dividir sua única existência em duas: objeto e sujeito. Há uma simples subjetividade,
testemunhando. Isso é muito, muito difícil de se compreender através do intelecto, porque todas
as categorias do intelecto são quebradas aí.
Por causa dessa dificuldade lógica, Charvaka – o comentador de um dos mais lógicos
sistemas filosóficos no mundo – diz que você não pode conhecer o ser; não existe o
autoconhecimento. E se não existe o autoconhecimento, como você pode dizer que existe um
ser? Tudo o que você conhece não é seu ser. O conhecedor é o ser, não o conhecido; assim, você
não pode dizer logicamente que “eu conheci a mim mesmo”. Isso é absurdo, ilógico. Como você
pode conhecer seu ser? Então, quem será o conhecedor e quem será o conhecido? Conhecimento
significa uma dicotomia, uma divisão entre objeto e sujeito, o conhecedor e o conhecido.
Assim, Charvaka diz que todos aqueles que dizem que conheceram o ser estão falando tolice!
Autoconhecimento é impossível porque o ser não é redutível ao conhecedor. Ele não pode ser
convertido no conhecido.
Então, Charvaka diz que, se você não pode conhecer o ser, como você pode dizer que existe o
ser? Aqueles como Charvaka, que não acreditam na presença de um ser, são chamados
anatmavadin. Eles dizem que não há nenhum ser; eles dizem que não há nenhum ser - aquilo que
não pode ser conhecido não existe. E eles estão logicamente certos. Se a lógica for tudo, eles
estão certos. Mas esse é o mistério da vida, que a lógica é apenas o começo... – não o fim. Chega
um momento em que a lógica acaba, mas você não acaba. Chega um momento em que a lógica
acaba, mas você ainda permanece. A vida é ilógica. Eis por que é difícil de compreender, de
conceber qual o significado do que se diz, quando dizem que somente a testemunha permanece.
Por exemplo: se há uma lâmpada nesta sala, você vê muitos objetos à sua volta. Quando a
lâmpada está apagada, há escuridão e nada pode ser visto. Quando a lâmpada é acesa, há luz e
você pode ver tudo na sala. Mas você alguma vez observou o que está acontecendo? Se não
houver objetos, você será capaz de ver a lâmpada e sua luz? Você não será capaz de ver a luz,
porque para ser vista, a luz deve refletir alguma coisa. Ela deve bater num objeto. Os raios
devem ir a um objeto e, então, serem refletidos; então, eles chegarão aos seus olhos. Assim,
primeiro você vê os objetos, então, você infere que há luz. Quando você ascende uma lâmpada
ou uma vela, você nunca vê a luz primeiro. Primeiro você vê os objetos, e por causa dos objetos
você vem a saber da luz.
Os cientistas dizem que se não houver objetos, então, a luz não pode ser vista. Olhe para o
céu: ele parece azul, mas ele não é azul, ele está preenchido com raios cósmicos. Ele parece azul
porque não há objetos. Esses raios não podem refletir e chegar aos seus olhos. Se você for ao
espaço e não houver objetos, então, haverá escuridão. Naturalmente, os raios estarão passando
bem ao seu lado, mas haverá escuridão. Para conhecer a luz, tem que haver alguns objetos.
Charvaka diz que se você vai para dentro e chega ao ponto onde somente a testemunha
permaneceu e não há nada para ser testemunhado, como você pode saber sobre ela? Algum
objeto deve estar presente para ser testemunhado; somente então, você pode conhecer o
testemunhar. Logicamente, cientificamente, isso está certo. Mas existencialmente isso não está
certo.
Aqueles que realmente se moveram para dentro chegaram a um ponto onde não resta nenhum
objeto, mas apenas a consciência de ser. Você existe, mas não há nada lá para ser visto – há
somente aquele que vê. Há simples subjetividade sem nenhum objeto em volta. No momento em
que você chega a esse ponto, você entrou no supremo objetivo do ser. Você pode chamá-lo de
alfa, o começo, ou você pode chamá-lo de ômega, o fim. Ele é ambos, alfa e ômega. Isso é
chamado de “autoconhecimento”.
Linguisticamente, a palavra está errada, porque, linguisticamente, nada pode ser dito sobre
isso. A linguagem se torna sem sentido quando você entra no mundo do um. A linguagem é
significativa somente quando você está no mundo do dois. No mundo da dualidade a linguagem
é significativa, porque a linguagem é criada nele, faz parte dele, do mundo dual. Ela se torna sem
sentido quando você entra no um, no não-dual. Eis por que aqueles que conheceram permanecem
em silêncio – ou ainda que falem alguma coisa, eles se apressam em acrescentar que o que quer
que estejam dizendo é apenas simbólico e o que quer que estejam dizendo não é exatamente
verdadeiro, é falso.
Lao Tzu disse que o que pode ser dito não pode ser verdadeiro, e que o que é verdadeiro não
pode ser dito. Ele permaneceu em silêncio; na maior parte de sua vida, ele não escreveu nada.
Ele disse: “Se eu disser alguma coisa, isso não será verdadeiro, porque nada pode ser dito sobre o
reino onde somente o um permanece”.
Olhos fechados, veja seu ser interior em detalhes – ambos, corpo e mente. Então, veja a sua
verdadeira natureza. Veja seu corpo e sua mente, sua estrutura. E lembre-se: corpo e mente não
são duas coisas. Melhor: você é dois: corpo-mente – psicossomático. A mente é a parte mais sutil
do corpo e o corpo é a parte mais grosseira da mente.
Assim, se você pode se tornar consciente da estrutura do corpo-mente, se você pode se tornar
consciente da estrutura, você fica livre da estrutura, você fica livre do veículo, você se tornou
diferente. E esse conhecimento de que você é separado da estrutura é sua verdadeira natureza. É
isso o que você realmente é. Esse corpo morrerá, mas essa verdadeira natureza nunca morre.
Essa mente morrerá e mudará, e morrerá de novo e novamente, mas essa verdadeira natureza
nunca morre. Essa verdadeira natureza é eterna. Eis por que essa verdadeira natureza não é nem
seu nome, nem sua forma. Ela está além de ambos.
Assim, como fazer esta técnica? O fechamento total dos olhos é necessário. Quando você
experimentá-la, feche os olhos e, então, pare os movimentos. Deixe seus olhos tornarem-se como
pedras. Não permita nenhum movimento. De repente, um dia, enquanto estiver praticando isso,
acontecerá de você ser capaz de olhar dentro. Os olhos que estavam sempre olhando para fora, se
voltarão para dentro e você terá um lampejo interno.
Então, não haverá dificuldade. Uma vez que você tenha um lampejo interior, você sabe o que
fazer e como se mover. Apenas o primeiro lampejo é difícil; depois dele você pega o jeito. Então
isso se torna simplesmente um truque. A qualquer momento, você pode fechar seus olhos, tornar
seus olhos estáticos, e entrar no reino.
Buda estava morrendo. Era o último dia de sua vida e ele perguntou a seus discípulos se
queriam fazer alguma pergunta. Eles estavam lamentando, chorando e disseram: “Você já nos
falou muito. Agora não sobrou nada mais para perguntar”.
Buda tinha um hábito de perguntar três vezes. Ele nunca parava depois de perguntar uma vez.
Ele perguntava novamente e, então, ele perguntava ainda mais uma vez se você tinha alguma
pergunta a fazer. Muitas vezes Buda foi interrogado: “Por que você pergunta uma coisa simples
três vezes?” Ele disse: “Porque o homem é tão adormecido, tão inconsciente, que ele pode não
ter ouvido da primeira vez e pode ter perdido a segunda vez”.
Três vezes ele pergunta, e três vezes seus bhikkhus, monges, seus discípulos, dizem: “Agora
nós não queremos perguntar nada. Você já disse muito”.
Então, ele fechou seus olhos e disse: “Se vocês não têm nada para perguntar, antes que a
morte ocorra ao corpo, eu sairei dele. Antes que a morte entre no corpo eu sairei dele”.
Ele fechou seus olhos. Seus olhos se tornaram estáticos e ele começou a se mover. Dizem que
houve quatro partes de seu movimento interno. Primeiro, ele fechou os olhos; em segundo lugar,
os olhos se tornaram estáticos, não havia movimento. Se você tivesse, então, o instrumento de
gravação REM, o gráfico não apareceria. Os olhos se tornaram estáticos – essa foi a segunda
coisa. Em terceiro lugar, ele olhou seu corpo; então, em quarto lugar, ele olhou a sua mente.
Essa foi toda a jornada. Antes que a morte ocorresse, ele voltou para o seu centro, para a sua
fonte original. Eis por que essa morte não é chamada de morte: nós a chamamos de nirvana, e
essa é a diferença. Nós a chamamos de nirvana – cessação – não de morte. Comumente, nós
morremos porque a morte ocorre para nós. Ela nunca ocorre para Buda. Antes de a morte chegar,
ele já retornou para a fonte.
A morte ocorreu somente para o corpo morto – ele não estava presente para ser encontrado.
Assim, na tradição budista, diz-se que ele nunca morreu. A morte não pôde pegá-lo. Ela o seguiu
como segue qualquer um, mas ele não pôde ser capturado; ele enganou a morte dessa forma. Ele
deve ter rido – permanecendo além, e a morte estava presente apenas com um corpo morto.
Essa técnica é a mesma coisa. Divida em quatro partes e mova-se. E quando você conhecer
um lampejo, toda a coisa se tornará muito simples e fácil. Então, a qualquer momento, você pode
se mover para dentro e para fora, e entrar e sair, exatamente como sair de sua casa e entrar... sair
e entrar...

31 Olhe para um objeto como um todo

A segunda técnica do olhar:

Olhe para uma tigela sem ver os lados ou o material.


Em poucos momentos, torne-se consciente.

Olhe para qualquer coisa. Uma tigela ou qualquer objeto servirá, mas olhe com uma
qualidade diferente. Olhe para uma tigela sem ver os lados ou o material. Olhe para um objeto,
mas com essas duas condições... Não olhe para os lados, olhe o objeto como um todo.
Comumente, nós olhamos para as partes. Isto pode não ser feito tão conscientemente, mas nós
olhamos para as partes. Se eu olho para você, primeiro eu vejo seu rosto, depois, seu tronco e,
depois, todo o seu corpo. Olhe para um objeto como um todo, não o divida em partes. Por quê?
Porque quando você divide alguma coisa em partes, os olhos têm uma oportunidade de
moverem-se de uma parte para uma outra. Olhe para uma coisa como um todo. Você pode fazer
isso.
Eu posso olhá-los todos de duas maneiras. Eu posso olhar deste lado e, depois, mudar. Eu
posso olhar para A, depois para B, depois eu olho para C e continuar mudando. Quando eu olho
para A, B e C, eu não estou presente – ou apenas presente na margem, mas não focado. Quando
eu olho para B, eu estou deixando A. Quando eu olho para C, A foi completamente esquecido;
ele saiu do meu foco. Eu posso olhar para este grupo dessa maneira, mas eu posso olhar para
todo o grupo sem dividi-lo em indivíduos, em unidades, tomando-os como um todo.
Tente. Primeiramente, olhe para uma coisa indo de um fragmento para outro. Então, de
repente, olhe essa coisa como um todo; não a divida. Quando você olha para uma coisa como um
todo, os olhos não têm necessidade de se moverem. A fim de não dar nenhuma oportunidade
para o movimento, isto tornou-se uma condição: olhe para um objeto totalmente, tome-o como
um todo. E em segundo lugar, olhe sem ver o material. Se a tigela é de madeira, não veja a
madeira; veja apenas a tigela, a forma. Não veja a substância.
Ela pode ser feita de ouro, ela pode ser feita de prata – observe-a. Não olhe o material de que
ela é feita, apenas olhe a forma. A primeira coisa é olhá-la como um todo. Em segundo lugar,
olhe-a como uma forma, não como uma substância. Por quê? Porque a substância é a parte
material, a forma é a parte espiritual, e você tem que se mover do material para o não-material.
Isso será útil.
Tente. Você pode experimentar com qualquer pessoa. Um homem, ou uma mulher, está
parado: olhe e tome o homem ou a mulher completamente em seu olhar, totalmente dentro dele.
Isso será uma sensação esquisita no começo, porque você não está habituado dessa maneira, mas
ela é muito bela no final. E, então, não pense sobre se o corpo é belo ou não, branco ou preto,
homem ou mulher. Não pense, simplesmente olhe para a forma. Esqueça a substância e
simplesmente olhe para a forma.
Em poucos momentos, torne-se consciente. Continue olhando para a forma como um todo.
Não permita aos olhos nenhum movimento. Não comece a pensar sobre o material. O que irá
acontecer? Você de repente se tornará consciente de si mesmo. Olhando para alguma coisa, você
se tornará consciente de si mesmo. Por quê? Porque, para os olhos, não há nenhuma
possibilidade de se moverem para fora. A forma foi tomada como um todo; assim, você não pode
se mover para as partes. O material foi abandonado; a forma pura foi abarcada. Agora você não
pode pensar sobre o ouro, a madeira, a prata, etc.
Uma forma é pura forma. Nenhum pensamento sobre ela é possível. Uma forma é apenas uma
forma; você não pode pensar sobre ela. Se ela é de ouro, você pode pensar muitas coisas. Você
pode gostar, você pode querer roubá-la, ou fazer alguma coisa com ela; ou vendê-la, ou você
pode pensar sobre o preço – muitas coisas são possíveis. Mas com forma pura, nenhum
pensamento é possível. A forma pura pára o pensamento. E não há a possibilidade de mudar de
uma parte para uma outra; você a tomou como um todo.
Permaneça com o todo e a forma. De repente você se tornará consciente de si mesmo, porque,
agora então, os olhos não podem se mover. E eles precisam de movimento, essa é a natureza
deles. Assim, seu olhar se moverá em direção a você. Ele voltará, ele retornará para casa e, de
repente, você se tornará consciente de si mesmo. Esse tornar-se consciente de si mesmo é um dos
momentos de maior êxtase possível. Quando pela primeira vez você se torna consciente de si
mesmo, isso tem uma tamanha beleza e uma tamanha alegria que você não pode compará-lo com
nenhuma outra coisa que você tenha conhecido.
Na verdade, pela primeira vez você se tornou seu ser; pela primeira vez, você sabe quem você
é. Seu ser é revelado num lampejo.
Mas por que isso acontece? Você pode ter visto, principalmente em livros de crianças, uma
figura... – ou em algum tratado psicológico, mas eu espero que todo mundo tenha visto isso em
um lugar ou noutro – uma figura de uma mulher velha, e nas mesmas linhas uma bela mulher
jovem está também escondida. Há uma figura, as mesmas linhas, mas duas figuras estão nela;
uma mulher velha, uma mulher jovem.
Olhe para a figura; você não pode tornar-se ciente de ambas simultaneamente. Você se
tornará ciente ou de uma ou de outra. Se você se tornou ciente da mulher velha, você não pode
ver onde a mulher jovem está escondida. Mas se você tentar encontrá-la, será difícil e o próprio
esforço se tornará uma barreira. Porque você se tornou ciente da mulher velha, ela se tornou uma
coisa fixa em seus olhos. Com essa coisa fixada, você está tentando encontrar a mulher jovem.
Isso é impossível, você não será capaz de encontrá-la. Você tem de fazer uma técnica.
Apenas fixe o olhar na mulher velha, esqueça a mulher jovem completamente. Fixe o olhar na
mulher velha, na figura da mulher velha. Fixe o olhar! Continue fixando o olhar. De repente a
mulher velha desaparecerá e você se tornará ciente da mulher jovem escondida lá. Por quê? Se
você tentar encontrá-la você perderá. Esse tipo de gravura é dado às crianças como um quebra-
cabeça e dizem a elas: “Encontre a outra”. Então, elas começam a tentar encontrá-la e por isso
elas perdem.
O truque é não tentar encontrá-la, simplesmente fixe o olhar na figura e você se tornará
ciente. Esqueça-se da outra – não há nenhuma necessidade de se pensar sobre ela. Seus olhos não
podem permanecer em um ponto; assim, se você fixa o olhar na figura da mulher velha, os olhos
se tornarão cansados. Então, de repente, eles se moverão da figura e, nesse movimento, você se
tornará ciente da outra figura que está escondida exatamente ao lado da mulher velha, dentro das
mesmas linhas. Mas o milagre é que, quando você se torna ciente da mulher jovem, você não
pode ver a mulher velha. Mas você sabe agora que ambas estão ali.
No começo você pode não ter acreditado que a mulher jovem estivesse escondida, mas agora
você sabe, porque você viu a mulher velha antes. Agora você sabe que a mulher velha está
presente, mas, enquanto olha para a jovem, você não pode simultaneamente se tornar ciente da
velha. E se você se tornar ciente da velha, você perderá a jovem novamente. Ambas não podem
ser vistas simultaneamente; você apenas pode ver uma de cada vez.
O mesmo acontece com o olhar exterior e interior. Você não pode ter ambos
simultaneamente. Quando você está olhando para uma tigela ou para um objeto, você está
olhando para fora: a consciência está se movendo para fora, o rio está fluindo para fora. Você
está focado na tigela. Continue olhando fixo para ela. Esse próprio olhar fixo criará a
oportunidade para o movimento para dentro. Seus olhos se tornarão cansados, eles ficam com
vontade de se mover. Não encontrando nada para se mover para fora, de repente o rio voltará –
essa permanece a única possibilidade. Você terá forçado a sua consciência a retornar. E quando
você se tornar consciente de você, você perderá a tigela; ela não estará presente.
Eis por que um Shânkara ou um Nagarjuna diz que o mundo todo é ilusório; eles o
conheceram assim. Quando nós chegamos a nos conhecer, o mundo não existe. Na verdade, o
mundo não é ilusório; ele está presente. Mas você não pode ver ambos simultaneamente – esse é
o problema. Assim, quando um Shânkara entra em si mesmo, quando ele chega a conhecer o seu
ser, quando ele se torna uma testemunha, o mundo não está presente. Assim, ele está certo. Ele
diz que o mundo é maya – ilusão. Simplesmente o mundo parece ser; o mundo não está presente.
Fique consciente do fato. Quando você conhece o mundo, você não existe. Você está
presente, mas escondido; e você não pode acreditar que você esteja escondido aí – o mundo está
muito presente para você. E se você começar a olhar para si mesmo diretamente, será difícil; o
próprio esforço pode se tornar uma barreira. Assim, o tantra diz: fixe seu olhar em algum lugar
no mundo, em um objeto e não o mova dali, permaneça ali. Esse próprio esforço para
permanecer ali criará a possibilidade para a consciência começar a fluir para cima – de volta.
Então, você se tornará consciente de seu ser.
Mas quando você se tornar consciente de seu ser, a tigela não estará presente. Ela está
presente, mas para você ela não estará presente. Assim, Shânkara diz que o mundo é ilusório,
porque quando você chega a conhecer o seu ser o mundo não está presente, ele desaparece como
um sonho.
Mas Charvaka e Epícuro e Marx, também estão certos. Eles dizem que o mundo é verdadeiro
e seu ser é simplesmente falso – ele não pode ser encontrado em lugar nenhum. Eles dizem que a
ciência é real. A ciência diz que somente a matéria existe, somente os objetos existem; não há
sujeito. Eles estão certos, porque os olhos estão focados no objeto.
Um cientista está constantemente focando nos objetos. Ele esquece o ser completamente.
Ambos, Shânkara e Marx estão certos em um sentido e errados em outro. Se você está fixado no
mundo, se seu olhar está fixado no mundo, o ser parecerá ilusório – exatamente como um sonho.
Se você está olhando para dentro, o mundo se tornará um sonho. Ambos são reais, mas você não
pode estar consciente de ambos simultaneamente – esse é o problema. E nada pode ser feito.
Você encontrará a mulher velha ou você encontrará a mulher jovem, e uma se tornará maya,
ilusória. Mas esta técnica pode ser usada facilmente. Ela levará um pouco de tempo, mas ela não
é difícil.
Uma vez que você conheça o giro da consciência, você pode fazê-la em qualquer lugar.
Simplesmente andando de ônibus ou sentado em um trem você pode fazê-la – em qualquer lugar.
Não há nenhuma necessidade de uma tigela ou de qualquer objeto específico, você pode fazê-la
com qualquer coisa. Com qualquer coisa, olhe fixo, fixo, fixo... e de repente volte-se para dentro,
e o trem desaparece. Naturalmente, quando você voltar de sua jornada interior você terá viajado,
mas o trem terá desaparecido. De uma estação você chegará à outra e no meio não haverá
nenhum trem – apenas um intervalo. Naturalmente, o trem estava presente; do contrário, como
você poderia chegar à outra estação? Mas ele não estava presente para você; para você ele não
existia.
Aqueles que podem praticar essa técnica, podem viver no mundo muito facilmente. A
qualquer momento eles podem fazer qualquer coisa desaparecer – lembre-se disso. Você está
aborrecido com sua esposa ou com seu marido – você pode fazer com que ele ou ela desapareça.
A esposa está sentada exatamente ao seu lado e ela não está presente. Ela é maya, ela
desapareceu. Apenas por olhar fixamente e, então, voltar a sua consciência para dentro, ela
cessou de estar presente. E isso já aconteceu muitas vezes.
Eu me lembro de Sócrates. Sua esposa Xantipa estava muito preocupada com ele e qualquer
mulher teria ficado no mesmo dilema. Ter um Sócrates como um marido é uma das coisas mais
difíceis de se tolerar. Sócrates é bom como um professor, mas não como um marido.
Um dia, aconteceu... – e por causa disso sua esposa foi condenada por duzentos anos
continuamente, mas isso não é justo; eu não sei se ela fez alguma coisa errada. Sócrates estava
sentado lá, e ele deve ter estado fazendo alguma coisa como essa técnica – isso não está
registrado, eu estou apenas presumindo. Sua mulher chegou com uma bandeja e um bule de chá,
para oferecer-lhe. Ela deve ter achado que ele estava ausente; assim, dizem que ela entornou o
chá sobre Sócrates, sobre seu rosto. Então, de repente ele voltou.
Seu rosto permaneceu queimado por toda a sua vida. E, por causa disso, sua esposa foi muito
condenada, mas ninguém sabe o que Sócrates estava fazendo lá – porque nenhuma esposa
poderia fazer isso de repente, não há necessidade. Ele deve ter feito alguma coisa; alguma coisa
deve ter acontecido lá. Eis por que Xantipa jogou chá sobre ele. Ele deve ter estado em um transe
interno e a sensação de queimadura do chá deve tê-lo trazido de volta, a consciência deve ter
retornado.
Eu presumo que essa foi a causa, porque há muitos outros casos relatados por Sócrates que
são similares. Por quarenta e oito horas, ele não foi encontrado. Ele foi procurado por todo lugar,
toda Atenas estava procurando Sócrates, mas ele não foi encontrado em nenhum lugar. Então,
encontraram-no fora da cidade, milhas distantes, em pé sob uma árvore. Metade de seu corpo
estava sob a neve. A neve tinha caído e ele estava completamente congelado, em pé, com os
olhos abertos. Mas ele não estava olhando para ninguém.
Quando a multidão se juntou à sua volta, as pessoas olharam para os seus olhos e pensaram
que ele estivesse morto. Seus olhos estavam como, pedras – olhando, mas sem olhar para
ninguém; completamente estático, sem se mover. Eles sentiram o seu coração, ele estava batendo
lentamente; ele estava vivo. Eles tiveram de lhe dar choques; somente então, ele voltou a olhar
para eles. Imediatamente ele perguntou: “Que horas são agora”? Ele tinha perdido quarenta e
oito horas completamente; elas nunca existiram para ele. Ele não estava neste mundo do tempo e
espaço.
Assim, eles perguntaram: “O que você estava fazendo? Nós pensamos que você já estivesse
morto... quarenta e oito horas”!
Ele disse: “Eu estava olhando fixamente para as estrelas, e de repente aconteceu que as
estrelas desapareceram. E, então, eu não sei... então, o mundo inteiro desapareceu. Mas eu
permaneci em um estado tranquilo, calmo, venturoso, que, se fosse a morte, valeria milhares de
vidas; Se fosse a morte, então, eu gostaria de entrar nela constantemente”.
Isso pode ter acontecido sem seu conhecimento, porque Sócrates não era um iogue, um
tântrico. Ele não estava, de modo algum, envolvido com alguma prática espiritual
conscientemente. Mas ele era um grande pensador, e isso pode ter acontecido como um acidente,
que ele estivesse olhando fixamente para as estrelas à noite e, de repente, seu olhar tenha
regressado para o interior. Você pode fazê-lo. E as estrelas são, na verdade, bons objetos.
Deite-se no chão, olhe para o céu escuro e, então, fixe-se em uma estrela. Concentre-se nela,
olhe fixo para ela. Estreite sua consciência a uma estrela; esqueça-se das outras estrelas,
Concentre-se, estreite sua contemplação. Outras estrelas estarão presentes apenas na margem, na
fronteira. Em pouco tempo elas desaparecerão, e somente uma estrela permanecerá. Então,
continue olhando fixamente. Chegará um momento em que essa estrela desaparecerá. E quando
essa estrela desaparecer, você aparecerá para si mesmo.

32 Olhe para um objeto como se fosse pela primeira vez


A terceira técnica do olhar:

Veja, como se pela primeira vez, uma bela pessoa ou um objeto comum.

Algumas coisas básicas primeiro; depois, você pode fazer essa técnica. Nós olhamos para as
coisas sempre com olhos velhos. Você vem para a sua casa; você olha para ela sem olhar para
ela. Você a conhece – não há nenhuma necessidade de olhar para ela. Você já entrou nela
repetidas vezes por vários anos seguidos. Você vai até a porta, entra pela porta, pode trancar a
porta. Mas não há nenhuma necessidade de olhar.
Todo esse processo continua de forma robótica, mecanicamente, inconscientemente. Se
alguma coisa sair errada... – somente se a sua chave não estiver se ajustando à fechadura, então,
você olha para a fechadura. Se a chave se ajusta, você nunca olha para a fechadura. Por causa
dos hábitos mecânicos, repetidamente sempre fazendo a mesma coisa de novo e novamente, você
perde a capacidade de olhar; você perde o frescor do olhar. Na verdade, você perde a função de
seus olhos – lembre-se disso. Você se torna basicamente cego, porque os olhos não estão sendo
necessários.
Lembre-se da última vez que você olhou para a sua esposa. A última vez que você olhou para
a sua esposa ou para o seu marido pode ter sido anos atrás. Por quantos anos você não tem
olhado? Você apenas passa rápido, olhando num relance casual, mas não olhando. Vá novamente
e olhe para a sua esposa ou para o seu marido como se você estivesse olhando pela primeira vez.
Por quê? Porque se você estiver olhando pela primeira vez, seus olhos estarão preenchidos com
um frescor. Eles se tornarão vivos.
Você está andando por uma rua e passa uma bela mulher. Seus olhos se tornam vivos –
acesos. Uma chama repentina chega a eles. Essa mulher pode ser a esposa de alguém. Ele não
olha para ela – ele pode estar tão cego quanto você se tornou vendo a sua esposa. Por quê? Para a
primeira vez, os olhos são necessários; para a segunda vez não tanto; e na terceira vez, eles não
são necessários. Depois de algumas repetições, você se torna cego.
Nós vivemos cegamente. Fique consciente: quando você encontra seus filhos, você está
olhando para eles? Você não está olhando para eles. Esse hábito mata os olhos; os olhos se
tornam enfastiados – repetidamente lá está o velho de novo e novamente. E nada é velho na
verdade, é simplesmente seu hábito que faz você sentir que é assim. Sua esposa não é a mesma
que era ontem, ela não pode ser; senão, ela é um milagre. Nada pode ser igual no momento
seguinte. A vida é um fluxo, todas as coisas estão fluindo, nada é igual.
O mesmo alvorecer não acontecerá novamente. Em um sentido também, o sol não é o mesmo.
Todo dia ele é novo; mudanças básicas ocorreram. E o céu não será o mesmo novamente; esta
manhã não virá novamente. Cada manhã tem sua própria individualidade e o céu e as cores não
se reunirão no mesmo padrão novamente. Mas você continua se movendo como se todas as
coisas fossem exatamente as mesmas.
Eles dizem que nada é novo sob o céu. Na verdade, nada é velho sob o céu. Somente os olhos
se tornam velhos, acostumados às coisas; então, nada parece novo. Para as crianças tudo é novo.
Eis por que tudo lhes dá excitamento. Basta uma pedra colorida numa praia e elas ficam tão
excitadas! Você não ficará excitado mesmo vendo o próprio Deus chegando em sua casa. Você
dirá: “Eu o conheço, eu li sobre ele”. As crianças estão tão excitadas, porque seus olhos são
novos e frescos, e tudo é um mundo novo, uma nova dimensão.
Olhe para os olhos das crianças – para o frescor, a vivacidade radiante, a vitalidade. Eles
parecem espelhos, silenciosos mas penetrantes. Somente tais olhos podem atingir o interior.
Assim, esta técnica diz: Veja, como se pela primeira vez, uma bela pessoa ou um objeto
comum. Qualquer coisa servirá. Olhe para os seus sapatos. Você os esteve usando por anos, mas
olhe como se pela primeira vez e veja a diferença: a qualidade de sua consciência muda
repentinamente.
Eu pergunto se você já viu a pintura de Van Gogh, do seu sapato. Ela é uma das coisas mais
raras. Há simplesmente um sapato velho – cansado, triste, como se à beira da morte. Ele é apenas
um sapato velho, mas olhe para ele, sinta-o, e você sentirá que vida longa e aborrecida esse
sapato deve ter passado. Ele está tão triste, apenas rezando para ser retirado da vida,
completamente cansado, cada fibra destruída; assim como um homem velho, um sapato velho.
Ela é uma das pinturas mais originais. Mas como pôde Van Gogh ver isso?
Você mesmo teve sapatos velhos com você – mais cansados, mais mortos, tristes, deprimidos
– mas você nunca olhou para eles, para o que você fez a eles, como você se comportou com eles.
Eles contam uma história sobre você, porque eles são seus sapatos. Eles podem dizer tudo sobre
você. Se eles pudessem escrever, eles poderiam escrever uma biografia mais autêntica da pessoa
com quem viveram – todos os humores, todas as faces. Quando o dono deles estava apaixonado,
ele se comportava de maneira diferente com os sapatos; quando ele estava com raiva ele se
comportava diferentemente. Nada tinha relação com os sapatos absolutamente, mas tudo deixou
uma marca.
Olhe para a pintura de Van Gogh e, então, você verá o que ele pôde ver nos sapatos. Tudo
está lá – toda a biografia da pessoa que os estava usando. Mas como ele pôde ver? Para ser um
pintor, a pessoa tem que reconquistar os olhos da criança, o frescor. Ela pode olhar para tudo –
inclusive para as coisas mais comuns. Ela pode olhar!
Cézanne pintou uma cadeira, apenas uma cadeira comum, e você pode inclusive se
perguntar... por que pintar uma cadeira? Não há nenhuma necessidade. Mas ele trabalhou nessa
pintura por vários meses. Você pode não ter parado por um simples momento para olhá-la, e ele
trabalhou por meses nela, porque ele podia olhar para uma cadeira. Uma cadeira tem seu próprio
espírito, sua própria história, suas próprias misérias e alegrias. Ela viveu, ela passou através da
vida. Ela tem suas próprias experiências, memórias. Elas estão todas reveladas na pintura de
Cézanne. Mas você olha para sua cadeira? Ninguém olha para ela, ninguém a sente.
Qualquer objeto servirá. Essa técnica é apenas para tornar seus olhos frescos – tão frescos,
vivos, radiantemente vitais, que possam se mover para dentro e você possa dar uma olhada em
seu ser interior. Veja, como se pela primeira vez... Chegue ao ponto de ver tudo como se pela
primeira vez e, um momento, de repente, você ficará surpreso com o belo mundo que você
estava perdendo. De repente, você se torna consciente e olha para a sua esposa como se pela
primeira vez. E não será estranho se você sentir novamente o mesmo amor que você sentiu na
primeira vez, a mesma onda de energia, a mesma atração em sua totalidade. Mas olhe como se
pela primeira vez para uma bela pessoa ou um objeto comum. O que acontecerá? Você
recuperará a sua visão. Você está cego. Exatamente agora, como você é, você está cego. E essa
cegueira é mais fatal do que a cegueira física, porque você tem olhos e, ainda assim, não pode
ver.
Jesus diz muitas vezes: “Aqueles que têm olhos, deixem que os olhos vejam. Aqueles que têm
ouvidos, deixem que os ouvidos ouçam”. Parece que ele estava falando para cegos e surdos. Mas
ele continuava repetindo isso. O que ele era? Um superintendente de algum instituto para cegos?
Ele continua repetindo: “Se você tem olhos, veja”. Ele devia estar falando com homens comuns
que têm olhos. Mas por que essa insistência, “se você tem olhos, veja?” – ele estava falando
sobre os olhos que esta técnica pode lhe dar.
Olhe, para tudo por onde você passa, como se pela primeira vez. Faça disso uma atitude
contínua. Toque tudo como se pela primeira vez. O que acontecerá? Se você puder fazer isso,
você se libertará do seu passado. A carga, a profundeza, a sujeira, as experiências acumuladas –
você se libertará delas.
A cada momento, afaste-se do passado. Não o permita entrar dentro de você; não permita que
ele seja carregado – deixe-o. Olhe para tudo como se pela primeira vez. Essa é uma grande
técnica para lhe ajudar a estar livre do passado. Então, você estará constantemente no presente, e
em pouco tempo você terá uma afinidade com o presente. Então, tudo será novo. Então, você
será capaz de compreender a afirmação de Heráclito de que você não pode pisar duas vezes no
mesmo rio.
Você não pode ver uma pessoa duas vezes – a mesma pessoa – porque nada é estático. Tudo é
como um rio, fluindo e fluindo e fluindo. Se você estiver livre do passado e olhar de uma forma
que você possa ver o presente, você entrará na existência. E essa entrada será dupla: você entrará
em todas as coisas, no espírito delas; e você entrará dentro de si mesmo também, porque o
presente é a porta. Todas as meditações, de uma maneira ou de outra, tentam levá-lo a viver no
presente. Assim, esta técnica é uma das mais belas técnicas – e fácil. Você pode experimentá-la,
e sem nenhum perigo.
Se você tem um olhar novo, até mesmo quando está passando pela mesma rua novamente, ela
é uma nova rua. Encontrando o mesmo amigo, como se ele fosse um estranho, olhando para a
sua esposa, como você olhou pela primeira vez quando ela era uma estranha, você pode
realmente dizer que ele, ou ela, ainda não é um estranho? Você pode ter vivido por vinte anos ou
trinta anos ou quarenta anos com sua esposa, mas você pode dizer que já a conheceu? Ela é ainda
uma estranha, vocês são dois estranhos vivendo juntos. Vocês conhecem os hábitos externos um
do outro, as reações externas, mas o âmago profundo do ser é desconhecido, não-tocado.
Olhe com olhos novos novamente, como se pela primeira vez, e você verá o mesmo estranho.
Nada, nada se tornou velho; tudo é novo. Isso dará um frescor ao seu olhar, seus olhos se
tornarão inocentes. Esses olhos inocentes podem ver. Esses olhos inocentes podem entrar no
mundo interior.

[1]
Movimento rápido dos olhos. (N.da R)
Capítulo 22

DESBLOQUEANDO O TERCEIRO OLHO



PERGUNTAS

Como as técnicas do olhar afetam o terceiro olho?


Por que as pessoas envolvidas nas ciências psíquicas têm olhos tensos e amedrontados?
Por que a parada do movimento dos olhos cria tensão psíquica?

A primeira pergunta:

Explique o relacionamento dos dois olhos com o terceiro olho. De que maneira as
técnicas relacionadas com o olhar afetam o terceiro olho?

Primeiramente dois pontos têm de ser entendidos. Primeiro: a energia do terceiro olho é na
verdade a mesma que se move nos dois olhos comuns – a mesma energia. Ela começa a se mover
em um novo centro. O terceiro olho já está presente, mas não funcionando; e ele não pode ver, a
menos que estes olhos comuns se tornem sem visão.
A mesma energia tem de se mover para dentro. Quando a energia não está se movendo nos
dois olhos, ela pode se mover no terceiro e, quando ela se move no terceiro, os dois olhos se
tornam sem visão. Eles estarão presentes, mas você não será capaz de ver através deles. Essa
energia que olha através deles, estará ausente; ela se moverá através de um novo centro. Esse
centro está entre estes dois olhos. Ele já está presente, completo; a qualquer momento ele pode
funcionar. Mas ele precisa de energia para funcionar, e a mesma energia tem de ser desviada.
Em segundo lugar, quando você está vendo através dos dois olhos, você está vendo através do
corpo físico. O terceiro olho não é na verdade uma parte do corpo físico. Ele é parte do segundo
corpo que está escondido – o corpo sutil, o sukshma sharir. Ele tem um ponto correspondente no
corpo físico, mas não é parte dele. Eis por que a psicologia não pode acreditar que exista um
terceiro olho ou algo parecido com ele, porque seu crânio pode ser analisado, penetrado,
radiografado e não existe nenhum ponto, nenhuma entidade física que possa ser dita ser o
terceiro olho. O terceiro olho é parte do corpo sutil, o sukshma sharir.
Quando você morre, seu corpo físico morre, mas seu sukshma sharir, seu corpo sutil, move-
se com você; ele toma um novo nascimento. A menos que o corpo sutil morra, você nunca pode
ficar livre do ciclo nascimento-morte, renascimento-remorte. O círculo continua se movendo.
O terceiro olho pertence ao corpo sutil. Quando a energia está se movendo através do corpo
físico, você está olhando através dos olhos físicos. Eis por que através dos olhos físicos você não
pode ver nada além do físico, do material. Os dois olhos são físicos. Através desses olhos, você
não pode olhar nada, não pode ver nada que não seja físico.
Somente com o terceiro olho funcionando você pode entrar em uma dimensão diferente.
Agora você pode ver coisas que são invisíveis para os olhos físicos, mas são visíveis para os
olhos sutis. Então, com o terceiro olho funcionando, se você olha para uma pessoa, você olha
para a sua alma, para seu espírito, não para o seu corpo – exatamente como você olha para o
corpo físico através dos olhos físicos, mas não pode ver a alma. O mesmo acontece quando você
olha através do terceiro olho: você olha e o corpo não está presente, somente aquele que reside
no corpo.
Lembre-se desses dois pontos. Primeiramente, a mesma energia tem de se mover. Ela tem de
ser tirada dos olhos físicos comuns e ter permissão de se mover através do terceiro olho. Em
segundo lugar, o terceiro olho não é parte do corpo físico, ele é parte do corpo sutil, o segundo
corpo que está dentro. Devido a ele ser parte do corpo sutil, no momento em que você pode olhar
através dele, você olha para o mundo sutil. Você está sentado aqui. Se um espírito estiver
sentado aqui, você não poderá vê-lo, mas se seu terceiro olho estiver funcionando, você verá o
espírito, porque a existência sutil somente pode ser vista através do olho sutil.
Como o terceiro olho está relacionado com essa técnica do olhar? Ele está profundamente
relacionado. Na verdade, essa técnica é para abrir o terceiro olho. Se seus dois olhos param
completamente, se eles se tornam parados, estáticos, como pedras, sem nenhum movimento
nestes olhos, a energia pára de fluir através deles. Se você os pára, a energia pára de fluir através
deles. A energia flui; eis por que eles se movem. A vibração, o movimento, é por causa da
energia. Se a energia não está se movendo, seus olhos se tornarão exatamente como os olhos de
um homem morto – petrificados, mortos.
Olhar para um ponto, fixando o olhar nele sem permitir que seus olhos se movam para
nenhum outro lugar, resultará em imobilidade. De repente, a energia que estava se movendo
através dos dois olhos não estará se movendo através desses olhos. E a energia tem de se mover;
a energia não pode ficar estática. Os olhos podem ficar estáticos, mas a energia não pode ficar
estática. Quando estes olhos estão fechados para a energia, se de repente as portas são fechadas e
a energia não pode se mover através destes olhos, ela tenta encontrar um novo caminho. E o
terceiro olho está bem perto, exatamente entre as duas sobrancelhas, a um centímetro de
profundidade. Ele está bem perto – o ponto mais próximo.
Se sua energia for liberada dos olhos, a primeira coisa que pode acontecer é que ela se
moverá através do terceiro olho. É como se a água estivesse fluindo e você fechasse um buraco:
ela encontrará outro – o mais próximo que possa ser encontrado com a menor resistência. Ela o
encontrará automaticamente; você não tem de fazer nada especificamente. Com esses olhos
físicos, você simplesmente tem de impedir a energia de se mover através deles e, então, a energia
encontrará seu próprio caminho e ela se moverá através do terceiro olho.
Esse movimento através do terceiro olho transforma a pessoa em um mundo diferente. Você
começa a ver coisas que você nunca viu, você começa a sentir coisas que você nunca sentiu,
você começa a sentir cheiros que você nunca sentiu. Um novo mundo, um mundo sutil, começa a
funcionar. Ele já está presente. O olho está presente; o mundo, o mundo sutil, já está presente.
Ambos estão presentes, mas não revelados.
Uma vez que você funcione nessa dimensão, muitas coisas se tornam visíveis para você. Por
exemplo: se uma pessoa vai morrer, se seu terceiro olho estiver funcionando, você se tornará
imediatamente consciente de que ela vai morrer. Nenhuma análise física, nenhum diagnóstico
físico pode dizer que certamente ela irá morrer. No máximo, nós podemos falar de
probabilidades. Nós podemos dizer que talvez ela morra e essa afirmação será condicional: “Se
isso e aquilo permanecerem assim, ela pode morrer; se alguma coisa puder ser feita, ela pode não
morrer”.
Os diagnósticos médicos não podem ainda estar certos sobre a morte. Por quê? Tanto
desenvolvimento e ainda tanta incerteza sobre a morte! Na verdade, a ciência médica está
tentando deduzir a morte, inferir a morte através dos sintomas físicos, e a morte é um fenômeno
sutil, não físico. Ela é um fenômeno invisível de uma dimensão diferente. Mas com o terceiro
olho funcionando, você de repente sente que um homem vai morrer. Como você sente isso? A
morte tem um impacto. Se o homem vai morrer, então, a morte já lançou sua sombra ali, e essa
sombra pode ser sentida com o terceiro olho a qualquer hora.
Quando uma criança nasce, aqueles que têm uma prática mais profunda no uso do terceiro
olho podem ver o momento de sua morte naquele exato momento. Mas, então, a sombra é muito
sutil. Quando uma pessoa vai morrer daqui a seis meses, então, qualquer um, cujo terceiro olho
funcione um pouco, pode ver a morte chegar seis meses antes. A sombra escurece. Na verdade, à
sua volta uma sombra negra se planta e isso pode ser sentido, mas não com estes dois olhos.
Com o terceiro olho, você começa a ver auras. Uma pessoa vem até você; ela não pode
enganá-lo, porque tudo o que ela diz é sem sentido a menos que corresponda à sua aura. Ela pode
dizer que é uma pessoa que nunca fica com raiva, mas a aura vermelha mostrará que ela está
cheia de raiva. Ela não pode enganar no que se refere à sua aura, porque ela está totalmente
inconsciente da aura. Tudo o que ela disser pode ser julgado através de sua aura, se está certo ou
errado. Com o terceiro olho você começa a ver irradiações, auras.
Antigamente, era assim que alguém era iniciado. A menos que a aura estivesse certa, o mestre
esperaria, porque o preenchimento do seu desejo não era a questão. Você podia querer ser
iniciado, mas isso não era suficiente, a menos que a sua aura dissesse que você já estava pronto.
Assim, por anos, o discípulo tinha de esperar até que a aura estivesse pronta: não tinha nada a ver
com o seu desejo de ser iniciado – isso é fútil. Algumas vezes, até mesmo durante vidas, a pessoa
tinha de esperar.
Por exemplo: Buda resistiu à idéia de iniciar mulheres por muitos anos. Muita pressão foi
colocada em cima dele; ainda assim, ele rejeitava. Finalmente, ele concordou em iniciar
mulheres, mas então ele disse: “Agora, a minha religião não estará viva daqui a quinhentos anos;
eu fiz uma concessão. Mas como vocês estão me forçando, eu irei iniciar mulheres”.
Qual a razão pela qual ele não queria iniciar mulheres? Uma razão básica foi esta: com o
homem, a energia sexual pode ser regulada muito facilmente. Um homem pode se tornar
celibatário facilmente. Com um corpo de mulher é muito difícil, porque a menstruação é um
fenômeno regular – inconsciente, não controlável, não voluntário. A ejaculação do sêmen pode
ser controlada, mas a menstruação não pode ser controlada. Ou, se alguém tentar controlá-la,
então, ela terá efeitos muito ruins no corpo.
No momento em que a mulher entra em seu período de menstruação, sua aura muda
completamente: ela se torna sexual, agressiva, depressiva, tudo o que é negativo envolve a
mulher, e isso acontece todo mês. Apenas por isso Buda não estava disponível para iniciar
mulheres. Ele disse que era difícil, porque todo mês a menstruação move-se em um círculo,
periodicamente, e nada pode ser feito voluntariamente. Alguma coisa pode ser feita, mas era
difícil fazer isso no tempo de Buda. Agora pode ser feito.
Mahavira negou completamente qualquer possibilidade de uma mulher ser liberada a partir de
um corpo de uma mulher. Ele disse que uma mulher tem de nascer novamente, como um homem
e, somente então, ela pode ser liberada. Assim, para a mulher todo o esforço deveria ser
canalizado para entrar em um novo nascimento como um homem. Por quê? Era um problema da
aura.
Se você inicia uma mulher, todo mês ela cairá e todo o esforço estará perdido. Não havia
nenhuma discriminação, nenhuma avaliação sobre se a mulher e o homem eram ou não iguais;
não era essa a questão. Mas para Mahavira a questão era esta: como ajudar? Assim, ele
encontrou uma maneira mais fácil: ajudar uma mulher a renascer como um homem. Isso era mais
fácil. Isso significa que uma mulher tinha de esperar por uma outra vida, e todo o esforço tinha
que ser direcionado para a meta dela nascer em um corpo masculino.
Isso pareceu mais fácil para Mahavira, do que iniciar uma mulher, porque todo mês ela volta
a cair para o estado original e todo o esforço é perdido. Mas esses dois mil anos mudaram muito.
Particularmente, o tantra fez muito.
O tantra encontrou portas diferentes, e o tantra é o único sistema no mundo que não faz
nenhuma diferenciação entre homem e mulher. Bem ao contrário, ele diz que uma mulher pode
facilmente se tornar liberada; e a razão é a mesma, somente que vista de um ângulo diferente. O
tantra diz que, como um corpo de mulher é periodicamente regulado, ela pode se desprender de
seu corpo mais facilmente. Porque a mente do homem está mais envolvida no corpo, eis por que
ele pode regulá-lo. A mente do homem está envolvida com o corpo; eis por que ele pode
controlar seu sexo.
A mente da mulher não está envolvida com o corpo. O corpo funciona como um autômato –
diferente, em um nível diferente, e a mulher não pode fazer nada com relação a ele. Ele é como
um mecanismo automático; ele vai em frente. O tantra diz que por causa disso a mulher pode se
desprender de seu corpo mais facilmente. E se isso se torna possível – esse desprender, essa
lacuna – então, não há nenhum problema.
Assim, é uma coisa muito paradoxal: se uma mulher decide ser celibatária e se desprender de
seu corpo, ela pode manter sua pureza mais facilmente do que o homem. Uma vez que o
desprendimento esteja presente, então, ela se esquece do corpo completamente. O homem pode
se desprender mais facilmente, pode controlar mais facilmente, mas a mente está mais envolvida
no corpo. Eis por que ele pode controlar, mas, então ele terá de controlar todo dia,
continuamente. E como o sexo feminino é passivo, é muito fácil para uma mulher estar relaxada
com relação ao sexo. O sexo do homem é ativo. É fácil para ele controlá-lo, mas difícil para ele
relaxar com relação a ele.
Assim, o tantra esteve tentando encontrar, muitas, muitas maneiras, e o tantra é o único
sistema que diz que não existe diferença, que até mesmo uma estrutura feminina pode ser usada.
Assim, o tantra é o único caminho que dá à mulher uma condição igual. Do contrário, toda
religião, o que quer que ela possa dizer, bem no fundo ela sente que as mulheres são inferiores.
Pode ser cristianismo, pode ser islamismo, pode ser jainismo, pode ser budismo, mas bem no
fundo ela sente isso, e a razão é o diagnóstico através do terceiro olho, a aura – a formação da
aura todo mês nos períodos da menstruação.
Com o terceiro olho, você se torna capaz de ver coisas que estão presentes, mas que não
podem ser vistas com os olhos comuns. Todos os métodos do olhar afetam o terceiro olho,
porque olhar significa uma certa energia se movendo para fora de você em direção ao mundo. Se
bloqueada, se repentinamente bloqueada, a energia encontrará outro caminho e o terceiro olho
está bem perto.
No Tibete, havia inclusive operações cirúrgicas para o terceiro olho. Algumas vezes acontece
de seu terceiro olho estar bloqueado, porque você não o usou por milênios. Se o terceiro olho
estiver bloqueado e você parar os seus olhos, você sentirá um certo desconforto, porque a energia
está presente e não existe caminho por onde ela se mover. No Tibete, eles planejaram certas
operações para ter a passagem desobstruída. Isso pode ser feito. E se isso não for feito, então,
muitas coisas podem acontecer.
Apenas há dois ou três dias, uma saniássin – ...ela está aqui... – veio até mim. Ela disse: “Há
uma sensação muito quente no terceiro olho”. E não somente havia a sensação, a pele se tornou
queimada como se realmente alguém a tivesse queimado de fora. A sensação, a queimação, era
interior, mas a pele foi afetada. Ela ficou completamente queimada. Ela ficou com medo – o que
tinha acontecido? A sensação era prazerosa, o calor era muito prazeroso como se alguma coisa
estivesse se fundindo. Alguma coisa estava acontecendo, mas até mesmo o corpo físico foi
afetado, como se um fogo real o tivesse tocado.
A razão? O terceiro olho começou a funcionar, a energia começou a se mover nele. Ele tinha
estado frio por várias vidas; a energia nunca tinha se movido através dele. Quando pela primeira
vez a energia se move, há uma sensação de calor. Quando a energia se move pela primeira vez,
há uma sensação de queimação. E como a passagem tem de ser criada e forçada, ela se torna
como fogo. Ela é energia concentrada martelando no terceiro olho.
Na Índia, nós estivemos usando pó de sândalo e outras coisas, ghee e outras coisas,
exatamente no ponto do terceiro olho. Nós chamamos essa marca de um tilak. Ela é colocada
exatamente no ponto do terceiro olho a fim de dar um certo esfriamento pelo lado de fora; assim,
se o calor vem de dentro e o fogo se move internamente, a pele poderia não ser afetada
externamente. Não apenas a pele pode ser queimada por isso, algumas vezes apareceram até
mesmo buracos no crânio.
Eu estava lendo um dos livros mais penetrantes sobre um dos mais profundos mistérios da
existência humana na terra. Sempre houve proposições de que o homem veio de algum outro
planeta, porque parece não haver nenhuma possibilidade de que o homem de repente evoluísse
na terra. Parece não haver quaisquer possibilidades, realmente, de que o homem tenha evoluído
de um babuíno ou um chimpanzé. E não há nenhum elo, porque se o homem evoluiu do
chimpanzé até ser homem, deve existir elos – alguma coisa que esteja entre o homem e o
chimpanzé – mas não há tal coisa. Com todos os dados e descobertas disponíveis, nós ainda não
achamos uma única estrutura corporal, um crânio ou qualquer coisa, que possamos dizer ser um
elo entre o chimpanzé e o homem.
Evolução significa passos. Um chimpanzé não pode de repente se tornar um homem – certos
estágios devem ser seguidos. Mas não há quaisquer provas; assim, a teoria de Darwin permanece
uma hipótese. Não há quaisquer elos no meio.
Assim, sempre houve proposições fantásticas de que o homem deve ter aparecido na terra de
repente. Um crânio de homem datado de muito tempo, cem mil anos atrás, foi encontrado. Mas
em comparação com outros crânios, não está faltando nada nele. É o mesmo tipo de crânio, com
o mesmo cérebro, com a mesma estrutura. Nós não evoluímos realmente no que se refere à
estrutura cerebral.
Assim, parece que o homem apareceu na terra de repente. Ele deve ter vindo de um outro
planeta. Por exemplo, agora nós estamos viajando para o espaço, e se nós encontramos algum
planeta no qual valha a pena viver, nós iremos habitá-lo. Então, de repente, o homem aparecerá
lá. Eu estou lendo um livro sobre tal proposição e o autor esteve descobrindo muitas coisas para
sustentar sua hipótese.
Há uma coisa que eu quero lhes contar em conexão com esse assunto do olhar. Ele encontrou
um crânio no México e um no Tibete. Ambos os crânios têm buracos no ponto do terceiro olho, e
os buracos são de uma forma que eles só poderiam ter sido feitos por uma bala de revólver. Os
crânios têm pelo menos de quinhentos mil a um milhão de anos. Se os buracos fossem feitos por
uma flecha, eles não poderiam ser redondos. Eles são tão redondos que não podiam ter sido
feitos por uma flecha; somente uma bala poderia fazer tais buracos. Assim, esse autor tenta
provar através disso que as balas existiam há um milhão de anos. Do contrário, como esses dois
homens teriam sido mortos?
Mas, na verdade, isso não prova nada sobre balas. Sempre que o terceiro olho está
completamente bloqueado e a energia se move repentinamente, esse buraco pode aparecer. A
energia é semelhante a uma bala vindo de dentro – semelhante a uma bala. Ela é fogo
concentrado; ela irá criar um buraco. Esses dois crânios com buracos não mostram que esses
homens foram mortos por balas, mas simplesmente que houve um fenômeno do terceiro olho. O
terceiro olho estava completamente bloqueado; a energia se tornou concentrada. Os olhos
estavam completamente parados; a energia não podia se mover e ela se tornou fogo. Então, ela
explodiu. Assim, de forma a não haver tal acidente, no Tibete eles descobriram e projetaram
métodos para fazer um buraco de forma que a energia pudesse se mover facilmente.
Assim, sempre que você estiver tentando esse olhar, lembre-se disto: se você sentir uma
sensação de queimação, não fique com medo. Mas se você sentir que a energia se tornou um
grande fogo como se fosse uma bala viva querendo penetrar o crânio – pare o método e venha
imediatamente até mim. Não o faça mais. Se você sente como se houvesse uma bala querendo
penetrar o crânio, pare. Abra os seus olhos e mova-os tanto quanto você possa. Imediatamente a
sensação desaparecerá, a energia se moverá através dos olhos. E a menos que eu diga alguma
coisa para você, não continue, porque algumas vezes aconteceu do crânio ser quebrado.
Nada está errado, mesmo que aconteça. Mesmo se alguém morre disso, nada está errado,
porque a pessoa alcançou alguma coisa que está além da morte. Mas, apenas para estar a salvo,
pare sempre que você sentir que alguma coisa errada possa acontecer – com qualquer método,
não somente com este. Com qualquer método, se você sentir que alguma coisa errada é possível,
pare.
Na Índia, agora, muitos métodos estão sendo ensinados e muitos, muitos buscadores sofrem
desnecessariamente, porque aqueles que ensinam não estão nem mesmo conscientes dos perigos.
E aqueles que seguem, seguem de uma maneira cega. Eles não sabem onde estão se movendo ou
o que estão fazendo.
Eu estou falando sobre estes cento e doze métodos especificamente, por causa disso – para
que você se torne consciente de todos os métodos, de todas as possibilidades, dos perigos e de
forma que você possa, então, encontrar qual se adapta melhor a você. Então, se você prossegue
em qualquer método, você estará totalmente consciente do que pode acontecer, do que você tem
de estar consciente e, quando alguma coisa acontecer, de como você tem de lidar com ela.

A segunda pergunta:

Tem-se observado que os praticantes das ciências psíquicas possuem olhos tensos e
amedrontados. Explique o que isso indica e como superar esse fenômeno.
Aqueles que praticam hipnotismo, mesmerismo, magnetismo ou coisas como essas, terão
olhos muito tensos – ...obviamente, porque eles estão tentando mover suas energias através dos
olhos, com esforço. Eles estão trazendo a energia toda para perto dos olhos, simplesmente para
influenciar, impressionar ou dominar alguém. Os olhos deles se tornarão tensos, porque, então,
os olhos são inundados com energia em quantidade maior do que eles podem tolerar. Os olhos
deles ficarão vermelhos, tensos e, se você olhar para eles, você sentirá um arrepio repentino: eles
estão usando os olhos de um modo muito político. Se eles olham para você, eles estão enviando
sua energia para dominá-lo. E através dos olhos, o domínio é muito fácil.
Esse era o caso de Rasputin, que dominou a Rússia, antes de Lênine, simplesmente através
dos olhos. Ele era um camponês comum, inculto, mas com olhos muito magnéticos; e ele soube
como usá-los. No momento em que ele olhava para você, você se esquecia completamente de si
mesmo e, nesse momento, ele podia enviar qualquer sugestão telepaticamente e você a seguiria.
Foi assim que ele dominou o czar e a czarina, a família real e, através deles, toda a Rússia. Nada
podia ser feito sem a vontade dele.
Você pode ter esses olhos também; não é difícil. Você apenas tem de aprender como trazer
toda a energia corporal para os olhos. Eles se tornam inundados e, então, sempre que você olhar
para alguém, sua energia começará a fluir em direção a essa pessoa. Isso envolve a pessoa,
penetra a sua mente e, nesse choque de inundação, o pensamento pára. E isso não é uma coisa
muito rara, que aconteça apenas com os homens: isso acontece por todo o reino animal. Há
muitos animais que simplesmente olharão para sua presa e, se a presa olha para eles, ela está
liquidada. Então, os olhos da presa ficam fixos; ela não pode se mexer, ela não pode escapar.
Os caçadores conhecem bem isso, e os caçadores desenvolvem olhos muito poderosos,
porque eles sempre estão procurando animais no escuro. Seus olhos se tornam poderosos.
Ladrões e caçadores, pouco a pouco, vão juntando mais energia em seus olhos automaticamente,
por causa de seu trabalho.
De repente um leão chega diante de um caçador, e ele está sem armas e não pode fazer nada.
Então, isso é o que sempre tem sido feito: o caçador pode fixar os olhos nos olhos do leão e,
agora então, irá depender de quem tem olhos mais magnéticos, ele ou leão. Se o leão é menos
magnético e o caçador puder trazer toda a sua energia para os olhos... E é fácil, ele pode fazer
isso, porque quando a morte está presente, a pessoa pode fazer qualquer coisa. Quando a morte
está presente o caçador pode colocar toda a sua energia em jogo. Se o caçador puder olhar
diretamente nos olhos do leão e esquecer tudo e apenas olhar, se ele puder exatamente se tornar o
olhar, então, toda a energia partirá de seus olhos e o leão fugirá. Ele ficará tremendo de medo.
Através dos olhos, você pode fazer jorrar toda a sua energia, mas quando você fizer isso, seus
olhos ficarão tensos: você não será capaz de dormir, você não será capaz de relaxar. Assim,
todos aqueles que estão tentando dominar os outros não terão descanso. Se você olhar para o
rosto deles, seus olhos estarão vivos, mas seus rostos estarão mortos. Olhe para qualquer
hipnotizador: seus olhos serão muito vivos, mas o seu rosto será morto, porque seus olhos estão
sugando toda a energia e não sobra nada em nenhum outro lugar.
Não faça isso, porque é inútil dominar alguém. A única coisa útil é dominar a si mesmo. É
inútil, um desperdício de sua energia. Nada é conquistado através disso – apenas uma sensação
egoísta de que você pode dominar. Assim, isso é o mal, uma arte negra. Essa é a diferença entre
a magia negra e a magia branca. A magia negra significa usar sua energia, desperdiçá-la,
dominando os outros. A magia branca significa usar os mesmos métodos, mas usando sua
energia no domínio de sua própria vida, se tornando um mestre de si mesmo.
E lembre-se: algumas vezes, similaridades acontecem... Se um buda andar entre vocês, vocês
serão dominados por ele, apesar de ele não os estar dominando. Ele não está tentando dominá-
los, mas vocês serão dominados, porque ele é um mestre de si mesmo. E ele é um tal mestre, que
por toda a sua volta quem quer que ande por ali se tornará um escravo. Mas não há esforço
consciente da parte dele. Bem ao contrário, ele insistirá continuamente: “Seja seu próprio mestre
– lembre-se disso”. E essa insistência é por causa desse conhecimento.
Buda sabe que qualquer um que chegue perto dele se torna um escravo. Ele não está fazendo
nada; ele não está tentando dominar ninguém, mas ele sabe que isso acontecerá. Suas últimas
palavras foram: “Seja uma luz para si mesmo”.
Ele estava morrendo, e Ananda lhe perguntou, exatamente no dia anterior de sua morte
verdadeira: “Quando você não existir mais, o que nós faremos”?
Ele disse: “É bom que eu deixe de existir. Então, você pode ser seu próprio mestre. Seja uma
luz para si mesmo; esqueça-me. Isso é bom, porque quando eu não existir mais, você estará livre
do meu domínio”.
Aqueles que tentam dominar os outros, tentarão de todas as maneiras transformá-lo em um
escravo. Isso é mau, satânico. Aqueles que se tornam mestres de si mesmos o ajudarão a se
tornar mestre; e eles tentarão de todas as maneiras cortar sua influência sobre você. Isso pode ser
feito de várias maneiras.
Por exemplo, eu vou contar um incidente mais recente. Ouspensky, o discípulo chefe de
Gurdjieff, esteve trabalhando com Gurdjieff por dez anos. Era muito difícil trabalhar com
Gurdjieff. Ele era um homem de magnetismo infinito. Qualquer um que chegasse à sua volta
seria atraído.
Com tais pessoas, ou você é atraído ou você fica com medo e vai contra elas, mas você não
pode permanecer indiferente. Ou você é a favor ou contra; você não pode ser indiferente a tais
pessoas. E esse ir contra é apenas uma medida de segurança. Se você se aproximar de uma
pessoa que seja magnética, ou você se tornará um escravo seu ou, apenas para se proteger, você
se tornará um inimigo... – porque isso é uma proteção.
Ouspensky veio até ele, ficou com ele, trabalhou com ele e não havia nenhum conhecimento
teórico para ser comunicado. Gurdjieff era um homem de ação. Ele podia dar técnicas, e a pessoa
tinha que trabalhar. Então, Ouspensky conquistou uma certa cristalização. Ele se tornou um
homem íntegro; ele foi transformado. Ele ainda não estava totalmente iluminado, mas ele não
estava tão adormecido quanto nós estamos. Ele estava no meio, exatamente no limiar.
Quando você sente que a manhã está perto, quando você começa a escutar os ruídos que
indicam que a manhã está perto, você está adormecido, mas não totalmente adormecido. O sono
está exatamente no limiar de ir-se embora... Você não está acordado ainda, pode cair no sono
novamente. Você está simplesmente na superfície, bem perto do acordar.
E quando Ouspensky estava bem perto do acordar, ele estava pensando que agora então
Gurdjieff o ajudaria mais, porque esse era o momento. Mas, de repente, Gurdjieff começou a se
comportar de uma forma tão estranha, que Ouspensky teve que partir. Começou com modos
estranhos com ele, fez coisas tão absurdas, contraditórias, sem sentido – na superfície – que
Ouspensky teve de deixá-lo por sua própria conta.
Gurdjieff nunca disse para ele partir. Por sua própria conta, ele o deixou, foi contra ele, disse
que ele tinha ficado louco. Ele começou a ensinar e sempre disse: “Eu estou ensinando de acordo
com Gurdjieff, meu professor, mas agora ele está louco”. Ele dizia: “Segundo o antigo
Gurdjieff..”. Ele não falava sobre o Gurdjieff recente.
Mas a razão básica de Gurdjieff ter feito isso foi profunda compaixão. Esse era o momento
em que Ouspensky tinha de ser deixado só; do contrário, ele se tornaria um dependente
constante. Chegou o momento em que ele tinha de ser empurrado e de uma forma que ele nunca
se tornasse consciente de que fora empurrado conscientemente.
Pessoas como Buda ou Gurdjieff os afetarão sem esforço consciente deles, e vocês serão
atraídos por eles. Mas eles tentarão de todas as maneiras que vocês não sejam atraídos dessa
forma, que vocês não sejam atraídos de maneira hipnótica, que vocês não sejam dominados por
eles. E eles os ajudarão a se tornarem mestres, apoiando-se em suas próprias pernas.
Aqueles que estão tentando dominar os outros, seus olhos serão tensos, malévolos. Você não
sentirá nenhuma inocência em seus olhos, você não sentirá pureza em seus olhos. Você sentirá
atração, mas a atração será como álcool. Você sentirá um puxão magnético, mas o puxão não
será para libertá-lo, mas para escravizá-lo.
Lembre-se: nunca use nenhuma energia para dominar qualquer pessoa. Por causa disso, Buda,
Mahavira, Jesus insistiram num ponto; e eles continuaram martelando, que, no momento em que
você entrar na busca espiritual, fique preenchido de amor por todo mundo, mesmo por seus
inimigos – porque se você estiver preenchido de amor, você não será atraído pela violência
interior que quer dominar.
Somente o amor pode se tornar um antídoto. Do contrário, quando a energia chega a você e
você fica sobrecarregado com ela, você começará a dominar. Isso acontece todo dia. Eu
encontrei muitas, muitas pessoas... Eu começo ajudando-as, elas crescem um pouco e, no
momento em que sentem que uma certa energia está chegando a elas, elas começam a dominar
os outros; agora, elas tentarão usá-la.
Lembre-se: nunca use a energia espiritual para dominar. Você está desperdiçando seus
esforços. Mais cedo ou mais tarde, você estará vazio novamente e você cairá repentinamente. E
isso é puro desperdício, mas é muito difícil controlá-lo porque você se torna ciente de que
“agora” você pode fazer certas coisas. Se você toca alguém que está doente e essa pessoa fica
boa, como você pode resistir de tocar os outros agora? Como você pode resistir?
Se você não puder resistir, você desperdiçará sua energia. Alguma coisa aconteceu a você,
mas logo você a jogará fora desnecessariamente. E, na verdade, a mente é tão esperta que você
pode estar pensando que está ajudando os outros, curando-os. Isso pode ser apenas um truque
esperto da mente, porque se você não tem amor, como você pode estar tão interessado nas
doenças dos outros, na enfermidade, na saúde deles? Você não está interessado. Na verdade,
agora isso é um poder. Se você pode curar, você pode dominá-los.
Você pode dizer “eu só estou ajudando-os”, mas mesmo em sua ajuda você está simplesmente
tentando dominá-los. Seu ego estará preenchido. Isso se tornará um alimento para o seu ego.
Assim, todos os velhos tratados dizem para ficar atento. Eles dizem para ficar atento, porque,
quando a energia chega a você, você está em um ponto perigoso. Você pode desperdiçá-la, você
pode jogá-la fora. Quando você sente alguma energia, faça dela um segredo; não permita que
ninguém saiba disso.
Jesus disse: “Se sua mão direita está fazendo alguma coisa, não permita que a mão esquerda
saiba disso”. Na tradição mística súfi, eles dizem que quando a energia começar a chegar, nem
mesmo ore na frente dos outros, não vá a uma mesquita com os outros. Por quê? Quando a
energia vem e alguém está rezando, e há muitas pessoas presentes, elas sentirão imediatamente
que alguma coisa está acontecendo. Assim, os súfis dizem que, então, você deve fazer as suas
orações bem de noite – à meia noite – quando todo mundo já está dormindo e ninguém pode ficar
sabendo do que está lhe acontecendo. Não diga para ninguém o que está lhe acontecendo.
Mas a mente é exatamente uma caixa tagarela. Se alguma coisa acontece, você imediatamente
vai e espalha a boa nova, de que algo lhe aconteceu. Então, você desperdiçou aquilo. E se as
pessoas ficarem impressionadas, então, tudo o que você ganha é a boa opinião delas e nada mais.
Isso não é uma boa barganha. Espere! Chegará um momento em que a sua energia se tornará
acumulada; ela atinge um ponto em que se torna integrada, transformada. Então, as coisas
acontecerão à sua volta sem você fazer nada. E, somente então, você pode ajudar os outros a
serem seus próprios mestres – quando você é seu próprio mestre.
Eu me lembro de um místico súfi, Junnaid. Um dia um homem chegou a ele e disse:
“Junnaid, mestre, grande mestre, eu vim para conhecer seu segredo interior. As pessoas dizem
que você tem um segredo de ouro e que não o contou para ninguém até agora. Eu farei qualquer
coisa que você disser, mas conte-me o segredo”.
Junnaid disse: “Eu estou guardando, escondendo há trinta anos; assim, quanto tempo você
pode esperar? Você terá de passar por uma preparação. Ele é um segredo de trinta anos, mas eu
lhe contarei. Mas por quanto tempo você pode ter paciência”?
O homem ficou com medo, assustado. Ele disse: “Quanto tempo você sugere”?
Junnaid disse: “Pelo menos trinta anos. Não é muito, eu não estou pedindo muito”.
O homem disse: “Trinta anos!? Eu vou pensar bem”.
Junnaid disse: “Então, se você voltar novamente, eu não estarei pronto para dá-lo para você
em trinta anos. Lembre-se, se você decidir exatamente agora, então, tudo bem. Do contrário, eu
também terei de pensar”. Então, o homem concordou.
Dizem que ele permaneceu por trinta anos com Junnaid. Então, o último dia chegou, e ele foi
até Junnaid e lhe disse: “Agora, conte o seu segredo”.
Junnaid disse: “Eu o darei a você com uma condição: de que você o mantenha em segredo.
Que você não o conte a ninguém. Este segredo deve morrer com você, desconhecido”.
O homem disse: “Por que você desperdiçou minha vida toda? Por trinta anos eu fiquei
esperando pelo segredo, só para contar aos outros; e agora existe uma condição?! Então, qual é a
utilidade de conhecê-lo se eu não posso contá-lo a ninguém”? Se você faz essa condição, então,
por favor, não o conte para mim; do contrário, isso irá me perseguir – eu saberei alguma coisa
que não posso contar aos outros. Assim, seja suficientemente bondoso e não o conte para mim.
Você gastou meus trinta anos! Uma pequena vida foi perdida; então, deixe-me vivê-la
relaxadamente. Seria demais, saber alguma coisa sem contá-la aos outros”.
O que quer que você ganhe através de qualquer método espiritual, deixe-o permanecer
secreto. Não o vá espalhando, não tente usá-lo de forma alguma. Deixe-o permanecer não-usado,
puro. Somente então, isso será útil para a transformação interior. Se você usa-o externamente, é
um desperdício.

A terceira pergunta:

Você mencionou que os movimentos rápidos dos olhos indicam processos mentais e que,
se os movimentos dos olhos forem parados, os processos mentais também cessarão. Mas
esse controle fisiológico dos processos mentais, essa cessação dos movimentos dos olhos,
parece criar tensões psíquicas, como acontece quando nós mantemos nossos olhos fechados
sob uma venda por um longo tempo.

Em primeiro lugar, sua mente e seu corpo não são duas coisas no que se refere ao tantra.
Lembre-se disso sempre. Não diga “processo fisiológico” e “processo mental”. Eles não são dois
– simplesmente duas partes de um todo. Tudo o que você faz fisiologicamente, afeta a mente.
Tudo o que você faz psicologicamente, afeta o corpo. Eles não são dois, eles são um.
Você pode dizer que o corpo é um estado sólido da mesma energia e a mente é um estado
líquido da mesma energia. Então, não importa o que você esteja fazendo fisiologicamente, não
pense que é apenas fisiológico. Não se pergunte como isso irá ajudar alguma transformação na
mente. Se você toma álcool, o que acontece à sua mente? O álcool é tomado no corpo, não na
mente, mas o que acontece à mente? Se você toma LSD, ele vai para o corpo, não para a mente,
mas o que acontece à mente?
Ou se você faz um jejum, o jejum é feito pelo corpo, mas o que acontece à mente? Ou no
outro extremo: se você tem pensamentos sexuais, o que acontece ao seu corpo? O corpo é
afetado imediatamente. Você pensa na mente em um objeto sexual e seu corpo começa a ficar
pronto.
Há uma teoria de William James. Na primeira parte deste século, ela aparentemente parecia
muito absurda, mas em um certo sentido ela está certa. Ele e outro cientista chamado Lange
propuseram essa teoria que é conhecida como teoria James-Lange. Comumente, nós dizemos que
você está com medo e por isso você foge e sai correndo, ou você está com raiva e por isso seus
olhos ficam vermelhos e você começa a bater em seu inimigo.
Mas James e Lange propuseram exatamente o contrário. Eles disseram que, porque você
corre, por isso você sente medo; e porque seus olhos ficam vermelhos e você começa a bater em
seu inimigo, você sente raiva. É exatamente o oposto. Eles diziam que se não fosse assim, então,
nós queremos ver ao menos um instante de raiva, quando os olhos não estão vermelhos e o corpo
não está afetado e a pessoa está simplesmente com raiva. Não permita que seu corpo seja afetado
e tente ficar com raiva – então, você saberá que não pode ficar com raiva.
No Japão, os pais ensinam seus filhos um método muito simples de controle da raiva. Eles
dizem que, sempre que você sentir raiva, não faça nada com a raiva, apenas comece a fazer
respirações profundas. Tente isso, e você não será capaz de ficar com raiva. Por quê? Só por
você respirar profundamente, por que você não pode ficar com raiva? Torna-se impossível ficar
com raiva. Duas razões... Você começa a fazer respirações profundas – mas a raiva precisa de
um ritmo especial de respiração. Sem esse ritmo a raiva não é possível. Um ritmo especial na
respiração, ou respiração caótica é necessária para a raiva existir.
Se você começa a fazer respirações profundas, é impossível a raiva sair. Se você está
conscientemente fazendo respirações profundas, então, a raiva não pode expressar-se. Ela precisa
que uma respiração diferente seja permitida. Você não precisa fazê-lo; a raiva o fará por si
mesma. Com respiração profunda, você não pode ficar com raiva.
E em segundo lugar, sua mente muda. Quando você sente raiva e você começa a fazer
respirações profundas, sua mente é mudada da raiva para a respiração. O corpo não está em um
estado para ficar com raiva, e a mente mudou sua concentração em direção a alguma outra coisa.
Então, é difícil ficar com raiva. Eis por que os japoneses são as pessoas mais controladas da
Terra. É simplesmente um treinamento da infância.
É difícil encontrar em qualquer outro lugar um tal incidente, mas no Japão acontece até
mesmo hoje em dia. Está acontecendo cada vez menos e menos, porque o Japão está se tornando
cada vez menos e menos japonês. Ele está se tornando cada vez mais e mais ocidentalizado, e os
métodos e caminhos tradicionais estão se perdendo. Mas acontecia, e acontece ainda hoje.
Um de meus amigos estava em Kyoto e ele me escreveu uma carta dizendo: “Eu vi um
fenômeno tão bonito hoje que quis escrever-lhe sobre ele. E quando eu voltar, eu vou querer
entender como isso é possível. Um homem foi atropelado por um carro. Ele caiu, levantou-se,
agradeceu ao motorista e foi embora – ele agradeceu ao motorista”!
No Japão, isso não é difícil. Ele deve ter feito algumas respirações profundas e, então, isso
tornou-se possível. Você é transformado para uma atitude diferente, e você pode até mesmo
agradecer a uma pessoa que estava indo matá-lo, ou que tinha tentado matá-lo.
Processos fisiológicos e processos psicológicos não são duas coisas, eles são uma só e você
pode começar de um pólo para afetar e mudar o outro. E qualquer ciência fará isso. Por exemplo:
o tantra acredita profundamente no corpo. Somente a filosofia é vaga, aérea, verbal; ela pode
começar de qualquer outro lugar. Ao contrário, qualquer abordagem científica está fadada a
começar no corpo, porque ele está dentro de seu alcance. Se eu falo de alguma coisa que está
além de seu alcance, você pode escutar, você pode guardar aquilo na sua memória, você pode
falar sobre aquilo, mas nada acontece. Você permanece o mesmo. Sua informação é aumentada,
mas não o seu ser. Seu conhecimento continua aumentando, mas o seu ser permanece a mesma
pobre mediocridade; nada acontece a ele.
Lembre-se: o corpo é aquilo que está dentro de seu alcance: exatamente agora você pode
fazer alguma coisa com ele e mudar a sua mente através do corpo. Em pouco tempo você se
tornará um mestre do corpo e, então, você se tornará um mestre da mente. E quando você se
tornar um mestre da mente, você mudará a mente cada vez mais e mais, e você estará se
movendo para além dela. Se o corpo muda, você se move para além do corpo. Se a mente muda,
você se move para além da mente. E sempre faça alguma coisa que você pode fazer.
Por exemplo: você pode não ser capaz de se tornar um mestre da raiva, como um Buda,
exatamente agora. Como pode? Mas você pode mudar sua respiração e, então, você pode sentir o
efeito sutil, a mudança. Faça isso. Se você se sente preenchido de paixão, paixão sexual, faça
umas poucas respirações profundas e sinta o efeito: a paixão terá desaparecido.
A esposa de Aldous Huxley, Laura Huxley, escreveu um belo livro – apenas conselhos
simples para se fazer certas coisas. Se você sente raiva, Laura Huxley diz: retese o seu rosto.
Você pode retesar de uma maneira – por exemplo, no banheiro – de forma que ninguém poderá
ver.
Uma pessoa está sentada exatamente em sua frente e você sente raiva – então, apenas retese o
seu rosto. Continue retesando-o tanto quanto você possa e, então, de repente, relaxe e sinta a
diferença. A raiva terá ido embora. Ou se ela não foi, faça-o novamente. Continue fazendo isso –
duas vezes, três vezes... O que acontece? Se você retesa seus músculos faciais e os continua
retesando e tencionando, a energia que estava se tornando raiva move-se para o seu rosto.
E é muito fácil ela se mover para o rosto. Quando você está com raiva, como você se sente?
Você sente que quer bater em alguém com seus punhos. A energia está presente; assim, use-a. Se
você puder usá-la, ela é dispersa. Seu rosto se tornará relaxado, e a outra pessoa nem mesmo será
capaz de saber que você estava com raiva. Parecerá como se nada lhe tivesse acontecido. E uma
vez que você conheça essas coisas, você se tornará cada vez mais e mais consciente de que a
energia pode ser transformada, desviada, detida, liberada ou impedida de ser liberada, ou usada
de um modo diferente. Se você pode usar a sua energia, você se torna um mestre. Então, um dia
você pode não usá-la absolutamente; você pode preservá-la.
Esse exercício não é bom para um Buda – fechar os punhos. Isso não é bom para um Buda,
porque isso é desperdício de energia. Mas isso é bom para você. Pelo menos, o outro fica a salvo
de você, e um círculo vicioso é evitado. Se você ficar com raiva, ele ficará com raiva e não há
fim para isso. Isso pode perturbar toda a sua noite, e pode continuar como uma ressaca por uma
semana. E, então, por causa dessa ressaca, você pode fazer muitas coisas que nunca tencionou
fazer. Não diga que isso é apenas fisiológico. Você é fisiológico; assim, o que pode ser feito?
Você é físico; você não pode negar esse fato. Use a sua energia. Não há nenhuma necessidade de
negá-la.
Se você fecha seus olhos, algumas vezes você pode sentir uma certa tensão se ajuntando ali,
ou um desconforto. Então, há certas coisas que você pode fazer. Uma: quando você fechar seus
olhos, não se torne tenso com isso, deixe-os estarem relaxados. Você pode fechar seus olhos com
força – então, ficará tenso. Então, seus olhos ficarão cansados e, internamente, você se sentirá
desconfortável. Relaxe o rosto, relaxe os olhos e deixe-os ficarem fechados. Eu digo: deixe-os
ficarem fechados; não os feche. Relaxe! Sinta-se relaxado. Deixe as pálpebras caírem e deixe os
olhos ficarem fechados. Não os force! Se você os forçar, isso não é bom.
Se você não pode sentir a diferença, então, faça isso: primeiro, force-os a fecharem-se. Deixe
todo o seu rosto se tornar tenso, retesado e, então, feche seus olhos com força. Por uns poucos
momentos, permaneça retesado, então, relaxe. Novamente, feche seus olhos relaxadamente.
Então, você sentirá a diferença. Não faça nada à força – isso irá lhe cansar.
Segunda coisa: quando os olhos estiverem fechados e seu rosto estiver relaxado, olhe como se
tudo tivesse ficado escuro. Uma profunda escuridão o envolve. Imagine que você está no meio
da escuridão, em uma escuridão profunda, aveludada, envolvido por ela, em uma noite profunda
e escura. Continue sentindo essa escuridão. Isso ajudará seus olhos a cessarem seus movimentos.
Sem nada para ser visto, os olhos irão parar. Fique na escuridão.
Você pode fazer isso em um quarto escuro. Abra os seus olhos, olhe para a escuridão; então,
feche os olhos e sinta a escuridão. Novamente, abra os olhos, sinta a escuridão; feche os olhos,
sinta-a interiormente. A escuridão é profundamente relaxante. A escuridão está fora e dentro de
você; tudo está morto – escuro e morto. Ambos estão relacionados. Eis por que nós pintamos a
morte de preto, escura. Por todo o mundo a morte é pintada toda de preto, e as pessoas temem a
escuridão.
Enquanto fazendo esse método, sinta a escuridão, ame a escuridão, e sinta interiormente que
você está morrendo. A escuridão está por toda volta e você está morrendo. Os olhos irão parar.
Você sentirá que eles não podem se mover, eles terão parado. Nessa parada, de repente, a energia
subirá e começará a martelar o terceiro olho. Quando ela começar a martelar, você ouvirá, você
sentirá. Um calor chegará, um fogo fluirá – um fogo líquido tentará encontrar um novo caminho.
Não fique com medo. Ajude-o, coopere com ele, deixe-o mover-se, torne-se ele. E quando o
terceiro olho se abrir pela primeira vez, a escuridão desaparecerá e haverá luz – luz sem
nenhuma fonte. Você viu luz, mas sempre com uma fonte. Ou ela vem do sol ou vem das estrelas
ou da lua ou de uma lâmpada, mas alguma fonte existe.
Quando sua energia se mover através do terceiro olho, você conhecerá a luz sem fonte. Ela
não está vindo de nenhuma fonte, ela simplesmente existe, sem vir de algum lugar. Eis por que
os Upanishads dizem que Deus não é como o sol ou como uma chama. Ele é uma luz sem fonte.
Não há nenhuma fonte em nenhum lugar, simplesmente há luz, exatamente como se fosse de
manhã.
O sol não surgiu, mas a noite desapareceu. No meio, há o alvorecer – o pré-alvorecer. Ou à
tarde, o sol se pôs e a noite ainda não veio. Exatamente no meio há uma margem. Eis por que os
hindus escolheram sandhya como um momento apropriado para meditação. Sandhya é o
momento entre – nem noite nem dia, apenas a linha que divide. Por quê? Simplesmente como um
símbolo. A luz está presente, mas sem uma fonte. O mesmo acontecerá dentro; a luz estará
presente sem uma fonte. Espere por ela; não a imagine.
A última coisa a ser lembrada: você pode imaginar qualquer coisa; assim, é perigoso lhe
contar muitas coisas. Você pode imaginá-las. Você fechará os olhos e sentirá que “agora o
terceiro olho se abriu” ou “está se abrindo”, e você pode imaginar luz também. Não imagine;
resista à imaginação. Feche os seus olhos. Espere! O que quer que venha, sinta-o, coopere com
aquilo, mas espere. Não pule à frente; do contrário nada acontecerá. Você estará tendo um sonho
– um sonho belo e espiritual, mas nada mais.
As pessoas continuam vindo a mim e dizem: “Nós vimos isso e nós vimos aquilo”. Mas elas
imaginaram aquilo – porque se realmente tivessem visto, elas estariam transformadas. Mas elas
não estão transformadas. Elas são as mesmas pessoas, somente que agora um orgulho espiritual
foi adicionado. Elas tiveram algum sonho – sonhos belos, espirituais: alguém está vendo Krishna
tocando a sua flauta, alguém está vendo luz, alguém está vendo a kundalíni subindo. Elas
continuam vendo coisas e elas permanecem as mesmas – medíocres, estúpidas, obtusas. Nada
aconteceu a elas; elas continuam relatando que isso está acontecendo, que aquilo está
acontecendo, mas permanecem as mesmas – raivosas, tristes, infantis, estúpidas. Nada mudou.
Se você realmente vir a luz que está lá esperando por você, para ser vista através do terceiro
olho, você será uma pessoa diferente. E, então, você não precisará contar a ninguém. As pessoas
saberão que você se tornou uma pessoa diferente. Você não pode nem escondê-lo; isso será
sentido. Aonde quer que você vá, os outros sentirão que “alguma coisa aconteceu a esse
homem”.
Assim, não imagine; espere, e deixe as coisas tomarem seu próprio curso. Você faz a técnica
e, então, espera. Não salte à frente.
Capítulo 23

MAIS ALGUNS MÉTODOS DO OLHAR



OS SUTRAS

33 Simplesmente olhando o céu azul além das nuvens – a serenidade.


34 Ouça enquanto o ensinamento místico derradeiro é transmitido. Olhos imóveis, sem piscar,
de imediato, torne-se absolutamente livre.
35 À beira de um poço fundo, olhe firmemente para dentro de suas profundezas até que – o
maravilhamento.
36 Olhe algum objeto; então lentamente, retire sua visão dele; então lentamente, retire seu
pensamento dele. Então.

Nós vivemos na superfície de nós mesmos – apenas na margem, na fronteira. Os sentidos


estão exatamente na fronteira e a sua consciência está distante, bem no fundo, no centro. Nós
vivemos nos sentidos; isso é natural. Mas isso não é o florescimento definitivo, é apenas o
começo. E quando nós estamos vivendo nos sentidos, nós estamos basicamente relacionados com
objetos, porque os sentidos são irrelevantes a menos que haja relação com algum objeto de
prazer. Por exemplo: os olhos são inúteis a menos que haja alguma coisa a ser vista; os ouvidos
são inúteis a menos que haja alguma coisa a ser ouvida; e as mãos são inúteis a menos que haja
alguma coisa a ser tocada.
Nós vivemos nos sentidos; portanto, nós temos de viver nos objetos. Os sentidos estão apenas
na fronteira do ser, no corpo, e os objetos não estão nem mesmo na fronteira, eles estão além da
fronteira. Assim, três pontos têm de ser compreendidos antes de entrarmos nas técnicas.
Primeiro: a consciência está no centro. Segundo: os sentidos, através dos quais a consciência
se move para fora, estão na fronteira. E terceiro: os objetos no mundo, para os quais a
consciência se move através dos sentidos, estão além da fronteira. Essas três coisas têm de ser
lembradas: consciência no centro, sentidos na fronteira e objetos além da fronteira. Tente
compreender isso claramente, porque, então, as técnicas ficarão muito simples.
Olhe para isso de muitas direções. Primeira: os sentidos estão exatamente entre, exatamente
no meio. De um lado, está a consciência; de outro lado, está o mundo dos objetos. Os sentidos
estão exatamente no meio – entre os dois. A partir dos sentidos, você pode se mover para
qualquer direção: ou você pode ir para os objetos ou pode ir para o centro. Em qualquer das
direções, a distância é a mesma. A partir dos sentidos, as portas se abrem para ambas as direções
– movimento em direção aos objetos ou movimento em direção ao centro.
Você está nos sentidos. Eis por que um dos mais famosos mestres zen, Bokuju, disse que o
nirvana e o mundo estão à mesma distância. Assim, não pense que o nirvana está muito distante.
O mundo e o nirvana, este mundo e aquele outro mundo, estão ambos à mesma distância.
Essa afirmação criou muita confusão, porque nós sentimos que o nirvana é muito, muito
distante – que moksha, liberação, o reino de Deus, é muito, muito distante. Nós sentimos que o
mundo está bem perto, exatamente aqui. Mas Bokuju diz, e ele diz corretamente, que ambos
estão à mesma distância.
O mundo está aqui, e o nirvana também está aqui. O mundo está perto, e o nirvana também
está perto. Para o nirvana, você tem de se mover para dentro; para os objetos, você tem de se
mover para fora; a distância é a mesma. Meu centro está tão perto dos meus olhos quanto você
está perto de mim. Eu posso vê-lo se eu me mover para fora; eu posso ver-me se eu me mover
para dentro. Nós estamos nas portas dos sentidos, mas, naturalmente, as necessidades corporais
são tamanhas que a consciência se move para fora. Você precisa de comida, você precisa de água
para beber, você precisa de uma casa para morar. Essas são as suas necessidades corporais e
essas somente podem ser encontradas no mundo; assim, muito naturalmente, a consciência se
move através dos sentidos em direção ao mundo. A menos que você crie uma necessidade que só
possa ser preenchida quando você se mover para dentro, você nunca se moverá para dentro.
Por exemplo: se uma criança nascesse auto-suficiente, se ela não precisasse de nenhuma
comida, ela não olharia para a sua mãe absolutamente. A mãe se tornaria irrelevante, sem
importância, porque, para a criança, a mãe não é a intenção: a comida é que é a intenção. A mãe
é a primeira comida e, como a mãe lhe dá comida e satisfaz uma necessidade básica sem a qual
ela morrerá, ela começa amar a mãe. Esse amor vem em segundo lugar, como uma sombra,
porque a mãe está preenchendo uma necessidade básica.
Assim, aquelas mães que estão alimentando seus filhos através de mamadeira, não devem
esperar muito amor, porque, para a criança, a comida é a necessidade, não a mãe. A mãe chegará
ao seu ser, entrará em seu ser somente através da comida. Eis por que a comida e o amor estão
profundamente relacionados – muito, muito profundamente relacionados. Se sua necessidade
amorosa for preenchida, você precisará de menos comida. Se sua necessidade amorosa não for
preenchida, você precisará de mais comida. Assim, aqueles que amam e que são amados, não
acumularão muita gordura. Há outras razões também, mas esta é uma das mais básicas – eles não
comerão muito. Se o amor não for preenchido, então, a comida se torna um substituto. Então eles
comerão muito.
Para a criança, a comida é a necessidade básica. Mas, se uma criança pudesse nascer podendo
ser auto-suficiente, sem precisar de nenhuma comida, sem precisar de nenhuma ajuda externa
para viver, ela não se moveria para o mundo absolutamente. Você pensa que ela se moveria? Não
haveria necessidade. E a menos que uma necessidade esteja presente, a energia nunca se moverá.
Nós nos movemos para fora não porque somos pecadores. Nós nos movemos para fora, porque
temos necessidades que só podem ser preenchidas através de objetos... – objetos, que podem ser
ganhos se nós nos movemos no mundo dos objetos.
Por que você não se move para dentro? Porque você ainda não criou a necessidade de se
mover para dentro. Uma vez que a necessidade exista, é tão fácil se mover para dentro quanto é
se mover para fora. O que é essa necessidade? Essa necessidade está relacionada com a religião.
Você não pode ser religioso a menos que essa necessidade exista. Como essa necessidade é
criada? Por qual processo uma pessoa se torna consciente de uma profunda necessidade que a
ajude a se mover para dentro?
Três coisas têm de ser lembradas. Primeiramente, a morte. Lembre-se: todas as necessidades
da vida o forçam a ir para fora. Se você quer se mover para dentro, a morte deve se tornar uma
questão básica, caso contrário, você não pode se mover para dentro. Eis por que aconteceu de
pessoas como Buda, que se tornaram profundamente conscientes da morte, começarem a se
mover para dentro. Somente quando você se tornar consciente da morte, você criará uma
necessidade de olhar de volta.
A vida olha para fora. A menos que você se torne consciente da morte, a religião é sem
sentido para você. Eis por que os animais não têm religião. Eles estão vivos, eles estão tão vivos
quanto o homem, ou até mesmo mais, mas eles não podem estar conscientes da morte, não
podem conceber a morte, eles não podem ver a morte no futuro. Eles vêem que os outros estão
morrendo, mas nunca ocorre à mente de um animal que essa morte é uma indicação de sua morte
também.
Para a mente do animal, a morte sempre ocorre para os outros. E se para você a morte
também é apenas alguma coisa que acontece aos outros, você ainda vive na mente animal. Se
você não está consciente da morte, você ainda não se tornou um homem. Essa é a diferença
básica entre o animal e o homem – um animal não pode ser consciente da morte, somente o
homem pode. Se você não está consciente da morte, você ainda não é um homem, e somente o
homem cria a necessidade de se mover para dentro.
Para mim, “homem” quer dizer consciência da morte. Eu não estou lhe dizendo para se tornar
amedrontado com a morte – isso não é consciência. Apenas estar consciente do fato de que a
morte está chegando cada vez mais e mais perto e de que você tem de estar preparado para ela.
A vida tem suas próprias necessidades, a morte cria as suas próprias necessidades. Eis por que
sociedades mais jovens não são religiosas – porque sociedades mais jovens ainda não estão
conscientes do fenômeno da morte: ela não se tornou uma questão central para eles. Uma
sociedade mais velha – por exemplo, a Índia, uma das sociedades mais velhas da existência –
está muito consciente da morte. Por causa dessa consciência, a Índia é profundamente religiosa.
Assim, a primeira coisa: torne-se consciente da morte. Pense sobre ela, olhe para ela, contemple-
a. Não fique com medo, não fuja do fato. Ela existe e você não pode escapar dela. Ela entrou na
existência junto com você.
Sua morte nasceu com você; agora, você não pode escapar dela. Você a escondeu dentro de si
mesmo – torne-se consciente dela. No momento em que você se tornar consciente de que irá
morrer, que a morte é certa, toda a sua mente começará a olhar em uma dimensão diferente.
Então, a comida é uma necessidade básica para o corpo, mas não para o ser, porque, mesmo que
você tenha comida, a morte irá ocorrer. A comida não pode protegê-lo da morte, a comida só
pode ajudá-lo a adiar. Se você tem um bom abrigo, uma boa casa, ela não o protegerá da morte;
ela somente o ajudará a morrer convenientemente, confortavelmente. E a morte, quer aconteça
confortavelmente ou desconfortavelmente, é a mesma.
Na vida, você pode ser pobre ou rico, mas a morte é o grande equalizador. O maior
comunismo está na morte. Seja qual for o modo que você viva, não faz nenhuma diferença; a
morte acontece igualmente. Na vida, a igualdade é impossível; na morte, a desigualdade é
impossível. Torne-se consciente dela, contemple-a. E não se trata somente de que a morte é certa
em algum lugar do futuro; com a idéia de que ela está muito distante, você novamente não será
capaz de contemplá-la. A mente tem um alcance muito pequeno; o foco da mente é muito
pequeno. Você não pode pensar além de trinta anos. Depois de trinta anos haverá a morte... É
como se você não fosse morrer. Trinta anos é tanto tempo, a distância é tanta, é como se a morte
não fosse ocorrer.
Se você quer contemplar a morte, conheça outro fato sobre ela: ela pode ocorrer no próximo
momento, ela é possível exatamente no próximo momento. Você pode não ser capaz de escutar
toda a minha frase, eu posso não ser capaz de completá-la. O pai de minha mãe me contava que,
quando eu nasci, consultaram um astrólogo, um dos mais conhecidos astrólogos daqueles dias. O
astrólogo estava para fazer minha kundáli – mapa natal. Mas o astrólogo o estudou e disse: “Se
essa criança sobreviver mais de sete anos, somente então, eu farei o mapa. Parece impossível que
ela possa sobreviver por mais de sete anos; assim, é inútil. Se a criança vai morrer em sete anos,
é inútil fazer a kundáli; ela não terá utilidade. E esse tem sido meu hábito” – o astrólogo disse –
“de que a menos que eu esteja certo de que a kundáli será útil, eu nunca a faço”. Assim, ele não a
fez.
Felizmente, ou infelizmente, eu sobrevivi. Então, o pai de minha mãe foi ao astrólogo, mas
ele estava morto; assim, ele nunca pôde fazer minha kundáli. Ele estava morto, e eu estive
constantemente pensando sobre isso. Ele estava consciente do fato de que aquela criança podia
morrer, mas ele não estava consciente do fato de que ele poderia morrer. Parece que ele estava
absolutamente despreocupado – e ele não era um homem comum. Mas ninguém está preocupado
com a sua própria morte. Intencionalmente, astutamente, nós não estamos interessados nela,
porque isso cria medo. Assim, eu sempre suspeitei de que aquele astrólogo nunca olhou para a
sua própria kundáli, caso contrário, ele poderia ter ficado sabendo.
A morte é possível exatamente nesse próximo momento, mas a mente não acreditará nisso.
Eu digo isso e a sua mente dirá: “Não! Como é possível no próximo momento? Ela está muito
longe”. Mas isso é um truque. Se você adia, você não pode contemplar. Ela precisa estar tão
perto de maneira que você possa focá-la. E quando eu digo que no próximo momento ela é
possível, eu quero dizer isso mesmo. Ela pode acontecer, e quando quer que ela aconteça será no
próximo momento. Exatamente antes dele, você não poderia ter concebido que ela estava para
acontecer.
Uma pessoa está morrendo; exatamente um momento antes ela nunca podia pensar que a
morte estivesse tão perto. Ela sempre acontece no momento seguinte – lembre-se. Ela sempre
aconteceu dessa maneira, e essa será sempre a maneira. Ela sempre acontece no momento
seguinte. Traga-a para perto, de forma que você possa se focar nela, e esse próprio foco o ajudará
a entrar nela; uma nova necessidade será criada.
Em segundo lugar, você continua vivendo. Você continua criando sentidos e propósitos
artificiais neste exato momento. Você nunca pensa em sua vida como um todo, se ela tem algum
sentido ou não. Você continua criando novos sentidos, e se empurra para esses sentidos. Eis por
que um homem pobre vive uma vida mais significativa do que um homem rico – porque um
homem pobre tem muitas coisas para conquistar, e isso dá um sentido à sua vida. Se você é
realmente rico, isso significa que você tem tudo que é possível e esse mundo não pode oferecer
nada para você. Então, a sua vida se torna sem sentido. Agora, você não pode criar nenhum
sentido para este momento, para este dia, para ajudá-lo a viver. Eis por que quanto mais rica a
sociedade, quanto mais afluente é uma cultura, mais é sentida uma falta de sentido. As
sociedades mais pobres nunca têm uma sensação de falta de sentido.
Um homem pobre está interessado em ter uma casa. Por vários anos, ele trabalhará por ela.
Sua vida tem um sentido; alguma coisa tem de ser conquistada. E quando ele tiver a casa, ele
ficará feliz por alguns dias pelo menos, mas, então, casas maiores estarão à frente... Assim, ele
continuará se movendo, fazendo isso e aquilo, nunca pensando sobre a sua vida como um todo,
se ela tem algum sentido ou não. Ele nunca considera a vida como um todo.
Apenas imagine que você tem tudo – a casa, o carro que você deseja e todos os seus sonhos
estão preenchidos. E agora? Apenas imagine que tudo o que você precisa está presente, você já o
tem. E então? De repente, o sentido desaparece. Você está parado diante de um abismo; nada
pode ser feito, você se torna sem sentido. Você já é sem sentido, só que sem saber. Mesmo que
você tenha o mundo todo, e daí? O que foi preenchido.
Alexandre estava vindo à Índia, e ele encontrou um grande santo, Diógenes. Diógenes foi
uma das mentes mais penetrantes já nascidas. Ele vivia nu como Mahavira; ele era o Mahavira
da civilização e cultura gregas. Ele deixou tudo, renunciou a tudo, não porque ao renunciar ele
fosse obter alguma coisa – isso não é renúncia real, não é renúncia autêntica. Se você renuncia
alguma coisa para ter algo, isso é barganha. Se você pensa que terá um lugar reservado no céu e
eis por que você renuncia, isso não é renúncia. Se você renuncia aos prazeres do corpo para ter
prazeres espirituais, isso não é renúncia.
Diógenes renunciou a tudo não por causa disso, que ele estivesse ganhando alguma coisa. Ele
renunciou simplesmente para ver se, quando não se tem nada, há algum sentido ou não. Ele
pensou que, se alguém não possuísse nada, se mesmo assim a pessoa tivesse um sentido, um
propósito, um destino, então, a morte não poderia aniquilar nada, porque a morte pode aniquilar
apenas as posses – e o corpo também é uma posse. Ele deixou tudo. Ele só tinha uma coisa, uma
tigela de madeira na qual bebia água. Ele pensava: “Isto não é tanto uma posse”. Então, um dia
ele viu uma criança bebendo água com suas mãos. Ele imediatamente jogou fora a tigela. Ele
disse: “Se uma criança pode beber água com sua mão, eu sou mais fraco que uma criança”?
Quando Alexandre estava vindo à Índia para conquistar, para fazer um império mundial,
alguém lhe informou que bem no caminho onde ele iria parar, vivia um grande sábio que era
exatamente o oposto dele. Disseram-lhe: “Você está se preparando para construir um império
mundial, e ele até mesmo jogou fora sua tigela, porque ele diz que se ele está feliz sem ela, por
que carregar aquela carga? E você diz que a menos que o mundo inteiro se torne seu império,
você não pode ser feliz. Assim, ele está exatamente no pólo oposto, e seria bom se você o
encontrasse”.
Alexandre ficou fascinado. O oposto sempre fascina, ele exerce uma profunda atração sexual.
Exatamente como o homem é atraído pela mulher ou a mulher é atraída pelo homem, há a
mesma atração com o oposto. Alexandre não podia passar ao largo de Diógenes, mas para ele
não era bom ir até Diógenes, e era impossível que Diógenes viesse até ele – não havia solução.
Diógenes foi informado. Muitos e muitos mensageiros foram lhe informar que: “O grande
Alexandre estava passando por aqui. Seria bom se você o encontrasse”. Ele disse: “O grande
Alexandre? Quem disse isso para você? Eu acho que ele mesmo disse. Assim, diga a seu grande
Alexandre que ele não tem nada para me dar e não há necessidade de ele me encontrar – e eu sou
um homem muito pequeno”. Ele costumava dizer: “Na verdade, eu sou um cachorro, não um
homem – apenas um cachorro; assim, não há necessidade. Está abaixo da sua dignidade
encontrar-se com este cachorro”.
Então, Alexandre teve de ir. Conta-se que Diógenes disse: “Eu ouvi dizer que você está indo
conquistar o mundo todo; assim, eu pensei, eu fechei meus olhos e pensei: ‘Tudo bem! Se eu
tivesse conquistado o mundo inteiro, e daí’? Este tem sido meu problema constantemente: se eu
tiver conquistado o mundo inteiro, e daí”? Conta-se que Alexandre, depois de escutar isso, ficou
muito triste. “E daí...”!? Ele disse para Diógenes. “Não fale tais coisas. Você me deixa muito
triste”.
Diógenes disse: “Mas você ficará muito triste quando vencer o mundo todo. O que eu posso
fazer? Eu estou apenas imaginando, e cheguei à conclusão de que isso é inútil. Você está fazendo
um esforço suicida. Você mesmo está tentando vencer o mundo inteiro – então, e daí? Se você
tiver sucesso... e daí”?
Alexandre voltou de Diógenes muito perturbado, abalado, triste. Ele disse para seus
companheiros: “Esse homem é muito perigoso. Ele despedaçou meus sonhos”. E ele nunca pôde
se esquecer, nunca pôde perdoar Diógenes. No dia em que ele morreu, ele lembrou-se dele
novamente, e disse: “Pode ser que aquele companheiro estivesse certo: ‘E daí?’”.
Assim, a próxima coisa é que, o que quer que você esteja fazendo, o que quer que você esteja
conquistando, lembre-se de perguntar: “Se eu tiver sucesso, e daí”? Há algum sentido nisso tudo,
ou há apenas um sentido artificial dado por você somente para distinguir, para criar uma ilusão à
sua volta, de forma que você sinta que está fazendo algo que valha a pena – e, na verdade, será
que todo o tempo você esteve desperdiçando vida e energia, não fazendo nada que valesse a
pena? Há somente uma coisa que vale a pena: se você pode se tornar feliz sem qualquer coisa,
sem qualquer dependência, se você pode ser bem-aventurado sozinho, totalmente sozinho. Se
nada é necessário para sua bem-aventurança, somente então, você pode ser bem-aventurado; do
contrário, você estará na miséria, sempre na miséria.
Dependência é miséria, e aqueles que dependem de posses, aqueles que dependem do
conhecimento acumulado, aqueles que dependem disso ou daquilo, estão ajudando à sua própria
miséria a se acumular cada vez mais e mais. Assim, o ponto seguinte a se lembrar é perguntar se
você tem algum sentido, ou se você está apenas boiando por aí sem nenhum sentido. Você está
fingindo que isto ou aquilo é o sentido de sua existência?
Um homem costumava vir até mim. Ele dizia que, se seu filho entrasse na universidade, isso
era tudo o que ele precisava e que ele ficaria muito feliz. Ele era um homem pobre, um
funcionário comum e este era o único sonho: que seu filho pudesse entrar na universidade.
Então, seu filho entrou na universidade. Agora, seu filho se tornou um oficial florestal. Há uns
meses, o filho esteve aqui e me disse: “Eu só ganho seiscentas rupias por mês. Eu tenho dois
filhos e este é meu único sonho: que eles possam ter uma boa educação; isso é tudo. Eu estou
trabalhando muito. Se eles puderem ser bem educados e se eu puder mandar um dos meus filhos
para algum país estrangeiro para estudar, isso é tudo o que eu peço”.
Seu pai não vive mais; ele morreu. Esse era seu sentido na vida, seu propósito – tornar seu
filho educado e bem colocado. Agora, o filho está bem colocado e, agora, o filho tem o mesmo
propósito, ajudar seus filhos a serem educados e bem colocados. Ele irá morrer, e aqueles filhos
continuarão fazendo a mesma tolice.
Qual o sentido de tudo isso? O que você está fazendo? Apenas passando o tempo? Apenas
destruindo a vida? Ou você tem algum sentido autêntico, que você possa dizer que o deixe feliz,
bem-aventurado? Essa é a segunda consideração que o levará para dentro de si.
E em terceiro lugar, o homem continua se esquecendo. Você continua se esquecendo das
coisas. Você estava com raiva ontem, e você se arrependeu. Agora você se esqueceu, e se o
mesmo estímulo for-lhe dado novamente, você ficará com raiva de novo. Tem sido assim por
toda a sua vida, você continua repetindo as mesmas coisas.
Dizem que é muito extraordinário encontrar-se um homem que aprende através da vida –
muito raro. Na verdade, ninguém aprende. Se você aprende, então, não pode cometer o mesmo
erro duas vezes. Mas você continua cometendo o mesmo erro repetidamente. Mais exatamente,
quanto mais você o comete, mais você se torna inclinado a cometê-lo. Você fica com raiva
novamente e novamente; e novamente e novamente, você se arrepende disso, e você não
aprendeu nada. Dado o estímulo, você ficará com raiva, e você fará a mesma loucura e, então,
você irá se arrepender disso novamente – isso também faz parte da coisa. E, então, você
novamente estará pronto para ser estimulado e ficar com raiva.
A terceira coisa: se você quer voltar-se para dentro, aprenda! Tudo o que você está fazendo,
aprenda através disso. Tire o essencial da coisa. Olhe para trás e veja o que você esteve fazendo
com a sua vida e a sua energia e o seu tempo – os mesmos erros, as mesmas tolices, as mesmas
estupidezes, sempre repetidamente.
Assim você se move em uma roda. Contudo, não é certo dizer que você gira a roda; ao invés,
a roda é que o gira. Mecanicamente, você vai indo, indo e indo. Eis por que na Índia, nós
chamamos o mundo de sansara. Sansara significa a roda que gira sem parar, e você
simplesmente está preso a algum raio dela e você continua girando.
A menos que você aprenda alguma coisa sobre a roda, esse círculo vicioso, esse sansara, a
menos que você aprenda alguma coisa sobre ele, você não deixará o raio e saltará para fora dele.
Assim, três palavras, três palavras-chaves:
Morte: faça dela uma contemplação constante.
Sentido: continue buscando por ele em sua vida.
E aprender: aprenda através de sua vida, porque não há nenhum outro aprendizado. As
escrituras não lhe darão nada.
Se sua própria vida não puder lhe dar alguma coisa, nada poderá dá-lo a você. Aprenda
através de sua própria vida, conclua através dela. O que você esteve fazendo consigo mesmo? Se
você está em uma roda, salte para fora dela. Mas para saber que você está em uma roda, você
terá de ir fundo na compreensão e no aprendizado. Essas três coisas o ajudarão a voltar-se para
dentro.
Agora as técnicas:

33 Olhe para o céu sem limites

Simplesmente olhando o céu azul além das nuvens – a serenidade.

Agora, você vê por que eu disse tantas coisas... – porque as técnicas são muito fáceis, e você
pode fazê-las e nada resultará. Então, você dirá: “Que tipos de técnicas são essas? Nós podemos
fazê-las, elas são muito simples”.
Você pode olhar para o céu azul além das nuvens e nada acontecerá. Então, você dirá: “Shiva
não está falando racionalmente, razoavelmente. Ele está dizendo qualquer coisa, qualquer coisa
que lhe vem à cabeça. Que tipo de técnica é essa? Simplesmente olhando o céu azul além das
nuvens – a serenidade, a pessoa se torna serena”.
Mas se você se lembrar: morte, sentido, aprendizado, essa técnica o ajudará imediatamente a
voltar-se para dentro. Olhando o céu azul além das nuvens... Simplesmente olhando, não
pensando. O céu é infinito, ele não termina em algum lugar. Apenas olhe para dentro dele. Não
há objeto, eis por que o céu foi escolhido. O céu não é um objeto. Linguisticamente ele é,
existencialmente o céu não é um objeto, porque um objeto começa e termina. Você pode passar
em volta de um objeto, você não pode passar em volta do céu. Você está no céu, mas você não
pode passar em volta dele. Assim, você pode ser o objeto para o céu, mas o céu não pode ser seu
objeto. Você pode olhar para dentro dele, mas você não pode olhar para ele, e esse olhar para
dentro dele vai indo, indo... Nunca acaba.
Assim, olhe para dentro do céu azul e continue olhando. O objeto é infinito, não há nenhuma
fronteira para ele. Não pense sobre ele, não diga que ele é belo. Não diga: “Que encantador”!
Não aprecie a cor, não comece a pensar. Se você começar a pensar, você parou. Então, seus
olhos não estariam se movendo para dentro do azul, do infinito azul. Simplesmente mova-se,
simplesmente olhe – não pense. Não crie palavras; elas se tornarão barreiras. Nem mesmo “céu
azul” deve ser dito. Não verbalize.
Deve haver apenas um olhar puro, inocente, para dentro do céu azul. Ele nunca acaba. Você
vai indo, indo, indo, indo e, de repente, como não há nenhum objeto, apenas um vácuo, de
repente, você se tornará consciente de si mesmo. Por quê? Porque, se houver um vácuo, seus
sentidos se tornarão inúteis. Os sentidos apenas são úteis se houver um objeto.
Se você está olhando para uma flor, então, você está olhando para alguma coisa – a flor está
presente. O céu não está presente. O que nós queremos dizer por céu? Aquilo que não está
presente. ‘Céu’ quer dizer espaço. Todos os objetos estão no céu, mas o céu não é um objeto. Ele
é apenas o vácuo, o espaço no qual os objetos podem existir. O próprio céu é apenas puro vazio.
Olhe para esse puro vazio. Eis por que o sutra diz: além das nuvens. Porque as nuvens não são o
céu, elas são objetos flutuando no céu. Você pode olhar para as nuvens, mas isso não ajudará.
Olhe para dentro do céu azul – não para as estrelas, não para a lua, não para as nuvens, mas para
o sem-objetividade, o vazio. Olhe para dentro dele.
O que acontecerá? No vazio, não há objeto para ser agarrado pelos sentidos. Como não há
nenhum objeto para ser agarrado, aprisionado, os sentidos se tornam fúteis. E se você está
olhando para dentro do céu azul, sem pensar, de repente, você sentirá que tudo desapareceu, não
há nada. Nesse desaparecimento, você se tornará consciente de si mesmo. Olhando para dentro
desse vazio, você se tornará vazio. Por quê? Porque seus olhos são como um espelho. O que quer
que esteja na frente deles, é refletido. Eu o vejo e você está triste – então, uma tristeza repentina
entra em mim. Se uma pessoa triste entra em seu quarto, você se torna triste. O que aconteceu?
Você olhou para a tristeza. Você é como um espelho, a tristeza é refletida em você.
Alguém ri entusiasticamente – de repente, você sente uma risada vindo para você também.
Ela se tornou infecciosa. O que aconteceu? Nós somos como um espelho, você está refletindo
coisas. Você está olhando para um belo objeto – ele é refletido em você. Você olha para um
objeto feio – ele é refletido em você. O que quer que você esteja vendo, penetra profundamente
em você. Ele se torna parte de sua consciência.
Se você está olhando para o vazio, não há nada a ser refletido – ou somente o infinito céu
azul. Se ele for refletido, se você sentir o infinito céu azul interiormente, você se tornará sereno,
você encontrará a serenidade. E se realmente você puder conceber o vazio – onde céu, azul, tudo
desaparece: apenas um vazio – internamente, o vazio também será refletido. E, no vazio, como
você pode ficar preocupado, como você pode ficar tenso?
No vazio, como a mente pode funcionar? Ela pára, ela desaparece. No desaparecimento da
mente – a mente que é tensa, preocupada, cheia de pensamentos que são relevantes, irrelevantes
– nesse desaparecimento da mente, a serenidade.
Uma outra coisa: o vazio, se refletido interiormente, se torna ausência de desejo. Desejo é
tensão. Você deseja e você se torna preocupado. Você olha para uma bela mulher – e, de repente,
o desejo surge. Você olha para uma bela casa – você quer possuí-la. Você olha para um belo
carro passando ao seu lado – você quer estar nele, você quer dirigi-lo. Um desejo surge e, com o
desejo, a mente começa a se preocupar: “Como obtê-lo? O que fazer para obtê-lo”? A mente fica
frustrada ou sem esperança – ou cheia de esperança, mas é tudo sonho. Muitas coisas podem
acontecer.
Quando o desejo está presente, você fica perturbado. A mente é despedaçada em fragmentos e
muitos planos, sonhos, projeções começam; você fica louco. O desejo é a semente da loucura.
Mas o vazio não é um objeto; ele é apenas vazio. Quando você olha para o vazio, nenhum
desejo surge – não pode surgir. Você não quer possuir o vazio, você não quer amar o vazio, você
não quer fazer uma casa dele. Vazio?! Você não pode fazer nada com ele! Todo movimento da
mente pára, nenhum desejo surge e, sem o surgimento do desejo, a serenidade. Você se torna
silencioso, sereno. Uma paz repentina explode em você. Você se tornou semelhante ao céu.
Outra coisa. Tudo o que você contempla, você se torna como aquilo, você se torna aquilo,
porque a mente pode tomar infinitas formas. O que quer que você deseje, sua mente toma essa
forma, você se torna isso. Eis por que uma pessoa que está apenas atrás de riqueza, ouro, atrás de
dinheiro, sua mente se torna apenas um tesouro – nada mais. Chacoalhe-o e você ouvirá o som
das rupias lá dentro, nada mais. O que quer que você deseje, você se torna aquilo. Assim, torne-
se consciente daquilo que você está desejando, porque você está se tornando aquilo.
O céu é a coisa mais vazia. Ele está bem perto de você e ele não custa nada, e você não tem
de ir a lugar nenhum – aos Himalaias ou ao Tibete... – para encontrar o céu. A tecnologia
destruiu tudo, mas o céu ainda está presente; você pode usá-lo. Use-o antes que eles o destruam –
qualquer dia eles o destruirão. Olhe, penetre-o. E o olhar deve ser um olhar sem pensamento,
lembre-se disso. Então, você sentirá o mesmo céu internamente, a mesma dimensão
internamente, o mesmo espaço e o azul e o vazio. Eis por que Shiva diz: Simplesmente olhando o
céu azul além das nuvens – a serenidade.

34 Um método secreto

A próxima técnica do olhar:

Ouça enquanto o ensinamento místico derradeiro é transmitido. Olhos imóveis, sem


piscar, de uma vez torne-se absolutamente livre.

Ouça enquanto o ensinamento místico derradeiro é transmitido. Este é um método secreto.


Neste tantra esotérico, o mestre lhe dá o ensinamento secretamente, a doutrina secretamente, ou
o mantra secretamente. Quando o discípulo está pronto, então, o mantra, ou o segredo supremo,
será transmitido, comunicado a você, particularmente. Ele será sussurrado bem no seu ouvido.
Esta técnica está relacionada com esse sussurrar. Ouça enquanto o ensinamento místico
derradeiro é transmitido.
Quando o mestre decidiu que “agora você está pronto e o segredo da sua própria experiência
pode ser comunicado”, quando chegou o momento em que ele pode lhe dizer aquilo que é
indizível, então, esta técnica tem de ser usada. Olhos imóveis, sem piscar, de uma vez torne-se
absolutamente livre. Quando o mestre está transmitindo seu segredo a você em seu ouvido,
sussurrando-o, deixe seus olhos ficarem completamente imóveis, sem nenhum movimento dos
olhos. Isso significa que a mente deve estar quieta, sem nenhum pensamento.
Não pisque, nem mesmo um leve movimento, porque isso mostrará uma perturbação interna.
Simplesmente torne-se um ouvido vazio sem nenhum movimento interno. A consciência está
apenas esperando para ser impregnada, simplesmente aberta, receptiva, sem atividade de sua
parte. E quando isso acontecer, esse momento em que você está totalmente vazio, sem pensar em
nada, mas apenas esperando... – não esperando por alguma coisa, porque, então, isso se tornará
pensamento; não esperando por alguma coisa, mas apenas esperando; quando esse momento
estático, esse momento não-dinâmico acontecer; quando tudo parou, o tempo não está mais
fluindo e a mente está totalmente vazia – ela se torna não-mente. Para uma não-mente um mestre
pode transmitir.
E ele não irá dar um longo discurso, ele dará apenas uma ou duas ou três palavras. Nesse
silêncio, essas uma, duas ou três palavras irão penetrar no seu âmago verdadeiro, no verdadeiro
centro, e elas se tornarão uma semente ali. Nessa consciência passiva, nesse silêncio, de uma vez
torne-se absolutamente livre.
A pessoa pode se tornar livre somente tornando-se livre da mente, não há outra liberdade. A
libertação da mente é a única liberdade. A mente é o cativeiro, a escravidão, a servidão. Assim,
um discípulo tem de esperar com o seu mestre pelo momento certo, no qual ele o chamará e fará
a transmissão. Ele não tem de pedir, porque pedir significa desejo. Ele não tem de ter
expectativa, porque a expectativa significa condições, desejo, mente. Ele simplesmente tem de
esperar. E quando ele está pronto, quando sua espera se torna total, o mestre pode fazer alguma
coisa.
Algumas vezes, o mestre pode fazer coisas muito triviais, e a coisa acontecerá. E,
comumente, mesmo que um Shiva continue falando sobre cento e doze métodos, nada
acontecerá, porque não há a preparação. Você pode jogar sementes nas pedras, mas nada
acontecerá. A falha não é das sementes. Você pode jogar sementes fora da estação, mas nada
acontecerá. A falha não é da semente. A estação certa é necessária, o momento certo é
necessário, o solo certo é necessário. Somente então, a semente se tornará viva e se transformará.
Assim, algumas vezes, coisas muito triviais funcionam. Por exemplo: Lin Chi se iluminou
quando ele estava apenas sentado na varanda de seu mestre e o mestre saiu e riu. Ele olhou para
Lin Chi – em seus olhos – e riu ruidosamente. Lin Chi começou a rir, curvou-se, e partiu. Mas
ele esteve esperando ali por seis anos, aquela varanda foi sua morada por seis anos.
O mestre vinha dia após dia, mês após mês, e nem sequer olhava para ele. E Lin Chi ficava
esperando ali. Então, depois de dois anos, pela primeira vez, ele o olhou. Então, mais dois anos
se passaram e, pela primeira vez, ele lhe deu um tapinha. Então, Lin Chi esperou e esperou e,
depois de seis anos, um dia de repente, o mestre saiu, olhou fixo nos olhos de Lin Chi e Lin Chi
deve ter feito esta técnica: Ouça enquanto o ensinamento místico derradeiro é transmitido.
Olhos imóveis, sem piscar, de uma vez torne-se absolutamente livre.
O mestre olhou e usou a risada como um meio. Ele era um grande mestre. Na verdade,
palavras não seriam necessárias, apenas o riso. De repente, houve aquela risada e alguma coisa
aconteceu em Lin Chi. Ele se curvou, riu, partiu e disse para todo mundo que, agora, ele não
existia mais, que ele estava liberto, livre. Ele não existia mais, é isso o que liberação significa.
Você não é liberado, você fica liberado de si mesmo.
Lin Chi costumava contar como isso acontecera. Por seis anos, ele esteve esperando. Foi uma
longa espera, uma espera paciente. Ele apenas estava esperando na varanda, e todo dia o mestre
vinha. E ele esperava pelo momento certo – quando ele estava pronto, então, o mestre fazia
alguma coisa. Simplesmente esperando durante seis anos, você entrará em meditação. O que
você pode fazer? Ele pode ter pensado por uns dias sobre velhas coisas, mas se você não dá
alimento novo todo dia para a mente, em pouco tempo ela pára. Por quanto tempo você pode
ruminar repetidamente a mesma coisa?
Ele pode ter estado pensando sobre coisas do passado e, em pouco tempo, como nenhum
novo estímulo foi dado, o pensamento parou. Ele não tinha permissão de ler, ele não tinha
permissão de falar, ele não tinha permissão de sair e encontrar alguém. Ele só tinha permissão de
satisfazer as necessidades básicas do corpo e esperar na varanda.
Silenciosamente ele esperou, dia após dia – ...um dia sim, outro também, dia e noite. O verão
vinha e passava e o inverno vinha e passava, e havia chuva e ela passava, ele deve ter se
esquecido do tempo. Ele deve ter se esquecido de quantos dias ele tinha estado ali. E, então, um
dia de repente, o mestre apareceu e olhou profundamente em seus olhos. Os olhos de Lin Chi
devem ter ficado estáticos de repente, não-dinâmicos. Aquele era o momento; seis anos foram
gastos para aquilo. Não havia nenhum movimento dos olhos, porque um simples movimento e
ele perderia. Tudo deve ter ficado silencioso – e, então, de repente, a risada estrondosa, o mestre
começou a rir loucamente. Essa risada deve ter sido ouvida profundamente no próprio âmago, ela
deve ter chegado lá.
Assim, quando se perguntava a Lin Chi “O que lhe aconteceu”?, ele dizia: “Quando meu
mestre riu, de repente, eu percebi que o mundo todo é uma piada. Em sua risada, essa era a
mensagem: o mundo todo é apenas uma piada, apenas um teatro. Toda seriedade desapareceu. E
se o mundo todo é apenas uma piada, quem está em escravidão? E quem precisa ser liberado”?
Assim, Lin Chi disse: “Não há nenhuma escravidão absolutamente. Eu pensava que eu estava
preso e por isso eu ficava tentando me libertar; e, então de repente, o mestre riu e a escravidão
caiu”.
Algumas vezes, tais coisas acontecem; você nunca pode conceber como aquilo foi possível.
Há muitas histórias zen... Um mestre zen se tornou consciente com o soar de um gongo.
Exatamente enquanto ele estava ouvindo a batida do gongo, o som, alguma coisa foi
despedaçada dentro dele. Uma monja zen se tornou consciente, iluminada, enquanto ela estava
carregando dois cântaros de água. De repente o bambu quebrou, e os potes de barro caíram. O
som, a quebra dos potes e a água se derramando deles, e ela se iluminou.
O que aconteceu? Você pode quebrar muitos potes, mas nada acontecerá. Um momento certo
tinha chegado. Ela estava voltando. Seu mestre tinha dito: “Nessa noite, lhe darei o segredo;
assim, vá e tome um banho e traga dois cântaros de água para mim. Tomarei um banho e
transmitirei a você o segredo pelo qual você tem esperado”. Ela deve ter se sentido extasiada – o
momento tinha chegado. Ela tomou um banho, encheu os cântaros e os carregou de volta.
Era uma noite de lua cheia e, exatamente quando ela estava passando na trilha do rio para o
ashram[1], de repente o bambu se quebrou.
Quando ela chegou, o mestre estava esperando e ele olhou para ela e disse: “Agora não há
nenhuma necessidade, já aconteceu. Agora, eu não tenho nada a transmitir. Você já recebeu”.
Essa velha monja costumava dizer: “Com aquele bambu quebrando, alguma coisa quebrou-se
em mim também. Aqueles cântaros caindo, aqueles potes de barro quebrados... e eu vi meu corpo
quebrado. Eu olhei para a lua. Tudo estava silencioso, sereno e eu me tornei silenciosa e serena.
Desde
aquele momento, eu não tenho existido, eu não existo mais”. Isto é o que liberação, liberdade,
significam.

35 Olhe para dentro de um poço fundo


A próxima técnica do olhar:

À beira de um poço fundo, olhe firmemente para dentro de suas profundezas até que – o
maravilhamento.

Essas técnicas são semelhantes, com uma leve diferença. À beira de um poço fundo, olhe
firmemente para dentro de suas profundezas até que – o maravilhamento. Olhe dentro de um
poço fundo. O poço será refletido em você. Esqueça-se de pensar completamente, pare de pensar
completamente, apenas continue olhando para dentro da profundeza. Agora, dizem que a mente
tem sua própria profundeza, como um poço. Agora no Ocidente, eles estão desenvolvendo a
psicologia profunda. Eles dizem que a mente não é apenas uma superfície, a superfície é apenas
um começo; há profundezas – muitas profundezas, profundezas escondidas.
Olhe dentro de um poço sem pensar. A profundidade será refletida em você, o poço se tornará
apenas um símbolo externo da profundidade interna. E continue olhando até que – o
maravilhamento, até você se sentir preenchido de maravilha.
Não pare antes desse momento. Continue olhando, continue olhando, continue olhando, dia
após dia, mês após mês. Simplesmente vá a um poço, olhe profundamente, sem nenhum
pensamento se movendo na mente: simplesmente medite na profundeza, torne-se um com ela.
Continue meditando; um dia seus pensamentos não estarão presentes. A qualquer momento isso
pode acontecer. De repente, você sentirá que tem o mesmo poço dentro de si, a mesma
profundidade. E, então, uma sensação muito estranha chegará até você – você se sentirá
preenchido de maravilha.
Chuang Tzu estava passando por uma ponte com o seu mestre, Lao Tzu. Dizem que Lao Tzu
disse a Chuang Tzu: “Fique aqui. Continue olhando para baixo dessa ponte, para o rio, até o rio
parar e a ponte começar a fluir. Então venha até mim”. O rio está fluindo, a ponte nunca flui.
Mas essa meditação foi dada a Chuang Tzu – esperar naquela ponte. Dizem que ele fez uma
cabana na ponte e ficou lá. Meses se passaram... e ele ficava sentado na ponte, olhando para
baixo até o momento em que o rio parasse e a ponte fluísse. Então, ele voltaria ao mestre.
Um dia aconteceu: o rio parou e a ponte começou a fluir. Como isso pode acontecer? Se os
pensamentos param completamente, então, qualquer coisa é possível, porque é a fixidez do
pensamento que diz que o rio está fluindo e a ponte está estática. Isso é apenas relativo.
Einstein diz, e os físicos dizem, que tudo é relativo. Você está viajando em um trem, um trem
rápido. O que acontece? As árvores fluem, elas correm. E se o trem desliza suavemente e você
não sente que o trem está correndo, você está apenas olhando através da janela, as árvores estão
em movimento, não o trem.
Einstein diz que, se dois trens estão correndo no espaço, ou duas espaçonaves estão correndo
lado a lado com a mesma velocidade, você não será capaz de sentir que elas estão em
movimento. Você pode sentir um trem em movimento, porque você vê as coisas estáticas ao
lado. Se não há nada – por exemplo: se as árvores também estiverem se movendo na mesma
direção com a mesma velocidade – você se sentirá estático. Ou quando um trem passa na direção
oposta, a velocidade de quem olha é duplicada. Você sente que seu trem ficou mais rápido.
Ele não se tornou mais rápido. É o mesmo trem com a mesma velocidade, mas um trem indo
na direção oposta lhe dá a sensação da velocidade duplicada. Se a velocidade é relativa, então, é
apenas uma fixidez da mente pensar que o rio está fluindo e a ponte está estática.
Continuamente meditando, meditando, meditando, Chuang Tzu chegou a compreender que
tudo é relativo. O rio está fluindo, porque você toma a ponte como estática. A ponte também está
fluindo, bem no fundo, nada é estático neste mundo. Os átomos estão se movendo, os elétrons
estão se movendo; a ponte está em um constante movimento interior. Tudo está fluindo; a ponte
também está fluindo. Chuang Tzu deve ter tido um lampejo da estrutura atômica da ponte.
Agora, eles dizem que esta parede que parece estática não é estática. O movimento está
presente, cada elétron está correndo, mas o movimento é tão rápido que você não pode vê-lo. Por
isso, você a sente como estática.
Se este ventilador continuar com um movimento mais rápido, mais rápido e mais rápido, você
não será capaz de ver suas pás ou os espaços entre elas. Você não será capaz de ver isso. E se ele
girar mais rápido ainda, você verá simplesmente um disco circular que é estático. Nada estará se
movendo nele, porque os olhos não podem captar esse movimento rápido.
Assim, Chuang Tzu deve ter tido um lampejo da estrutura atômica da ponte. Ele esperou e
esperou, e a fixidez da mente se dissolveu. Então, ele viu que a ponte estava fluindo – e o
movimento era tão rápido, que aquele rio era estático em comparação a ela. Ele foi correndo para
Lao Tzu e Lao Tzu disse: “Tudo bem! Agora, não me pergunte. A coisa aconteceu a você”. O
que tinha acontecido? A não-mente tinha acontecido.
Nesta técnica, À beira de um poço fundo, olhe firmemente para dentro de suas profundezas
até que – o maravilhamento. Quando você se sente preenchido de maravilha, quando o mistério
desce sobre você, quando a mente não existe mais, mas simplesmente mistério – um ambiente de
mistério – então, você será capaz de conhecer a si mesmo.

36 Retire-se completamente

Outra técnica do olhar:

Olhe algum objeto; então lentamente, retire sua visão dele; então lentamente, retire seu
pensamento dele. Então.

Olhe algum objeto. Olhe para uma flor, mas lembre-se do que esse olhar significa. Olhe! Não
pense. Eu não preciso repetir isso. Sempre lembre-se do que “olhar” significa: olhe, não pense.
Se você pensa, não é olhar; então, você contaminou tudo. Deve ser apenas um puro olhar, um
simples olhar.
Olhe algum objeto. Olhe para uma flor, uma rosa. Então lentamente, retire sua visão dele –
muito lentamente. A flor está presente, primeiro olhe para ela. Abandone tudo, continue olhando.
Quando você sente que agora então não há nenhum pensamento, simplesmente a flor está
presente em sua mente, nada mais, agora, lentamente, retire seus olhos. Pouco a pouco, a flor se
retira, sai do foco, mas a imagem permanecerá dentro de você. O objeto terá saído do foco; você
terá retirado seu olhar. A imagem, a flor externa não existe mais, mas ela fica refletida – refletida
no espelho da sua consciência. Ela estará presente! Então lentamente, retire sua visão dele;
então lentamente, retire seu pensamento dele.
Assim, em primeiro lugar, retire-se do objeto exterior. Então, somente a imagem interior
permanece, o pensamento da flor. Agora, retire esse pensamento também. Isso é muito difícil, a
segunda parte; mas, se a primeira parte for feita exatamente como é dito, isso não será tão difícil.
Primeiramente, retire sua visão do objeto. Então, feche seus olhos e, exatamente como você
removeu sua visão do objeto, remova-se da imagem. Retire-se; torne-se indiferente. Não olhe
para ela internamente, apenas sinta que você se afastou dela. Logo a imagem também
desaparecerá.
Primeiro o objeto desaparece, então, a imagem desaparece. E quando a imagem desaparece,
Shiva diz: Então. Então, você é deixado sozinho. Nessa solidão a pessoa percebe a si mesma, a
pessoa chega ao centro, a pessoa é jogada para a fonte original.
Essa é uma meditação muito boa – você pode fazê-la. Tome qualquer objeto, mas deixe o
objeto permanecer o mesmo todo dia, de forma que a mesma imagem seja criada dentro de você
e que você remova-se da mesma imagem. As imagens nos templos eram usadas para esta técnica.
Agora, as imagens estão lá, mas a técnica foi perdida. Você vai a um templo – esta é a técnica a
ser feita. Olhe para a estátua de Mahavira ou Buda ou Rama ou Krishna ou qualquer outra. Olhe
para a estátua, concentre-se nela; foque toda a sua mente, de forma que a estátua se torne uma
imagem interior. Então, feche seus olhos. Remova seus olhos da estátua, então, feche-os. E,
então, remova a imagem, apague-a completamente.
Então, você está presente em sua solidão total, em sua total pureza, em sua total inocência.
Percebendo que é liberdade, percebendo que é verdade.

[1]
Ashram – palavra indiana que indica a morada de um mestre e seus discípulos. (N.da R)
Capítulo 24

DÚVIDA OU FÉ, VIDA OU MORTE: AS BASES DE CAMINHOS DIFERENTES



PERGUNTAS

Um tipo misto deveria fazer dois tipos diferentes de técnicas?


Sendo o tantra afirmativo da vida, como pode a orientação pela morte ser usada ?
Como pode a mente ser transformada simplesmente por levar o corpo a um estado semelhante
ao da morte?

A primeira pergunta:

Eu sinto que não sou nem um tipo emocional completamente, nem sou um tipo
intelectual. Eu sou um tipo misto. Eu deveria fazer dois tipos diferentes de técnicas
alternadamente? Por favor, me oriente.

Essa é uma pergunta significativa. Muitas coisas têm de ser compreendidas. Primeira: sempre
que você sente que não é nem o tipo intelectual nem o tipo emocional, fique sabendo que você
pertence ao tipo intelectual, porque a confusão faz parte dele. O tipo emocional nunca está
confuso. A pessoa que pertence ao tipo emocional não sentirá tal confusão. A emoção é sempre
total e completa, o intelecto é sempre fragmentado, dividido, confuso. Essa é a própria natureza
do intelecto. Por quê? Porque o intelecto depende da dúvida e a emoção depende da fé. Sempre
que existe a dúvida, a divisão existirá e a dúvida nunca pode ser total. Como poderia ser? A
própria natureza da dúvida é duvidar. Você não pode duvidar de alguma coisa totalmente. Se
você duvida de uma coisa totalmente, isso se torna fé.
A dúvida está sempre confusa e, basicamente, quando você duvida, você também duvida de
sua dúvida. Você nunca pode ter certeza quanto a ela. Uma mente que duvida não pode nem
mesmo ter certeza quanto à dúvida. Assim, camadas de confusão estarão presentes e, cada
camada estará baseada em uma outra camada de dúvida e confusão.
O tipo intelectual sempre sente dessa maneira. Sempre estará presente a sensação de que “eu
não sou de lugar nenhum, eu não pertenço a lugar nenhum”; ou “algumas vezes, eu estou aqui e
algumas vezes lá, algumas vezes isto, outras vezes aquilo”. Mas o tipo emocional está
confortável consigo mesmo. Porque a confiança é a base, a emoção não está dividida; ela é total,
individual. Assim, se você tem alguma dúvida, se você não pode sentir a qual tipo pertence, fique
sabendo que você pertence ao tipo intelectual. Então, pratique as técnicas que são planejadas
para o tipo intelectual. Se você não sente nenhuma confusão, somente então, você pertence ao
tipo emocional, ao tipo sentimental.
Por exemplo, um Ramakrishna: ele é um tipo sentimental. Você não pode criar dúvidas nele;
é impossível, porque uma dúvida somente pode ser criada quando basicamente a dúvida já existe.
Ninguém pode criar dúvida em você se ela já não está escondida aí. Os outros podem ajudá-la a
aparecer, eles não podem criá-la. Nem a fé pode ser criada. Isso também os outros podem ajudar
a manifestar-se, a aparecer.
Seu tipo básico não pode ser mudado; assim, é muito essencial saber seu tipo básico – porque
se você está fazendo alguma coisa que não se encaixa a você, não se amolda a você, você está
gastando tempo e energia. E você ficará cada vez mais e mais confuso por causa de seus esforços
errados. Nem a dúvida pode ser criada em você, nem a fé. Você já tem a semente de uma ou da
outra. Se você tem dúvida, então, é melhor não pensar na fé de modo algum, porque isso será um
engano e hipocrisia. Se você tem dúvida, não fique com medo – até mesmo a dúvida pode levar
ao divino. Você pode usá-la.
Eu repetirei: até mesmo a dúvida pode levar ao divino – porque se sua dúvida pode destruir o
divino, então, ela é mais forte, mais poderosa do que o divino. Até mesmo a dúvida pode ser
usada, ela pode ser transformada numa técnica. Mas não se engane. Há pessoas que continuam
ensinando que se você tem dúvidas, você nunca pode chegar ao divino. Assim, o que fazer?
Então, você tem de forçá-la para baixo, reprimi-la, escondê-la, criar uma falsa crença. Mas isso
acontecerá apenas na superfície, isso nunca tocará sua alma. Bem no fundo, você permanecerá
em dúvida e apenas na superfície uma fachada de crença será criada.
Essa é a diferença entre fé e crença. A crença é sempre falsa. A fé é uma qualidade; a crença é
um conceito. A fé é a qualidade de sua mente; a crença é simplesmente adquirida. Assim,
aqueles que têm dúvida e estão com medo dela apegam-se a crenças; eles dizem “eu acredito”,
mas eles não têm fé. Bem no fundo, eles conhecem sua dúvida. Eles sempre estão com medo
dela. Se você tocar nela, criticar a sua crença, eles imediatamente ficarão com raiva. Por quê?
Por que a raiva, essa irritação? Eles não estão irritados devido a você, eles estão irritados devido
às suas próprias dúvidas que você está ajudando a virem à tona. Se um homem de fé está
presente, você pode criticá-lo e ele não ficará com raiva, porque você não pode destruir a fé.
Um Ramakrishna é do tipo, ou um Chaitanya ou uma Meera – eles são do tipo sentimental.
Uma das mais belas mentes de Bengala, Keshav Chandra, foi se encontrar com Ramakrishna. Ele
foi não apenas para encontrá-lo, mas para derrotá-lo, porque Ramakrishna era apenas um
iletrado, de modo algum um erudito. E Keshav Chandra era uma das maiores mentes já nascidas
no solo da Índia, um dos intelectos mais agudos, lógicos. Era certo que Ramakrishna seria
derrotado. Quando Keshav Chandra chegou, todos os intelectuais de Calcutá se reuniram em
Dakshineshwar só para ver Ramakrishna derrotado. Keshav Chandra começou a argumentar,
mas ele deve ter se sentido muito constrangido, porque Ramakrishna gostou muito de sua
argumentação – na verdade, demasiadamente. Quando ele propunha algum argumento contra
Deus, Ramakrishna começava a pular e dançar.
Ele se sentiu muito constrangido; assim, ele disse: “O que você está fazendo? Você tem de
responder aos meus argumentos”.
Consta que Ramakrishna disse: “Só por vê-lo, minha fé fica fortalecida. Um tamanho
intelecto é impossível sem Deus”. É assim que um tipo sentimental olha para as coisas. “E eu
prevejo” – disse Ramakrishna – “que, mais cedo ou mais tarde, você será um devoto maior do
que eu, porque você tem uma mente maior. Com tal mente, como você pode lutar contra o
divino? Com uma mente tão aguda? Mesmo um idiota, um tolo como eu, alcançou...! Como pode
você permanecer sem alcançar”?
Ele não estava com raiva, não estava argumentando, mas ele derrotou Keshav Chandra.
Keshav Chandra tocou seus pés e disse: “Você é o primeiro teísta que eu encontrei, com o qual
argumentar é fútil. Olhando nos seus olhos, olhando para você e para o modo como você se
comportou comigo... Este é o meu primeiro vislumbre de que o divino é possível. Você é a prova
sem ter dado nenhuma prova”. Ramakrishna se tornou a prova.
O tipo intelectual tem de prosseguir através da dúvida. Não force nenhuma crença sobre si
mesmo; isso será enganar a si mesmo. Você não pode enganar a mais ninguém, você só pode
enganar a si mesmo. Não force, seja autêntico. Se a dúvida é da sua natureza, então, prossiga
através da dúvida. Duvide tanto quanto possível e, não escolha nenhuma técnica que seja baseada
na fé – isso não é para você. Escolha uma técnica que seja cientificamente experimental.
Nenhuma necessidade de acreditar.
Há dois tipos de métodos. Um é experimental. Não lhe é dito para acreditar, é dito a você que
o faça e, a consequência será a crença, a fé. Um cientista não pode acreditar. Ele pode tomar uma
hipótese para trabalhar, para experimentar e, se o experimento se mostra certo, se o experimento
prova que a hipótese está certa, então, ele chega a uma conclusão. A fé é atingida através do
experimento. Assim, há técnicas nestas cento e doze técnicas que não requerem nenhuma fé de
sua parte.
Eis por que Mahavira, Buda... Eles são tipos intelectuais; assim, como Ramakrishna e
Chaitanya são tipos sentimentais. Por causa disso Buda diz que não há necessidade de se
acreditar em Deus; não existe nenhum Deus. Ele diz: “Faça o que eu digo, não acredite em mim.
Faça experimentos com aquilo que eu digo e se sua experiência provar que aquilo está certo,
então, você pode acreditar naquilo”.
Buda diz: “Não acredite em mim, não acredite no que eu digo. Não acredite em algo porque
eu o disse. Experimente-o, atravesse-o e, então, até que você atinja a sua própria conclusão,
permaneça na dúvida. Sua própria experiência se tornará sua fé”.
Mahavira disse: “Não há nenhuma necessidade de se acreditar em ninguém – nem mesmo no
mestre. Simplesmente faça a técnica”.
A ciência nunca diz para se acreditar. Ela diz: faça a experiência, vá para o laboratório. Isso é
para o tipo intelectual. Não tente a fé antes de fazer a experiência. Você não pode tentá-la, você
irá falsificar tudo. Seja verdadeiro para si mesmo. Permaneça verdadeiro e autêntico.
Algumas vezes aconteceu de até mesmo ateus terem alcançado o divino, devido ao terem
encontrado a verdade sobre si mesmos. Mahavira é um ateu; ele não acredita em Deus. Buda é
um ateu; ele não acredita em nenhum Deus. Assim, um milagre aconteceu a Buda. Diz-se que ele
era o homem mais sem-deus e o mais semelhante a Deus. Ambos – sem-deus e como um deus.
Ele era completamente intelectual, mas ele atingiu porque nunca enganou a si mesmo, ele
continuou fazendo experiências. Por seis anos continuamente, ele esteve fazendo essa e aquela
experiência, e ele não acreditou. A menos que alguma coisa fosse provada verdadeira pela
experiência, ele não acreditaria. Assim, ele podia fazer alguma coisa e, se nada acontecesse, ele a
abandonava.
Um dia, ele alcançou. Simplesmente duvidando e duvidando e duvidando, experimentando,
chegou um ponto... chegou um ponto em que nada mais restava para ser duvidado. Sem nenhum
objeto, a dúvida caiu. Não havia nenhuma dúvida agora. Ele tinha duvidado de todas as coisas e
agora até mesmo a dúvida se tornou fútil. A dúvida caiu e, nessa queda, ele compreendeu. Então,
ele compreendeu que a dúvida não era a coisa real: ao contrário, o duvidador era; e você não
pode duvidar do duvidador. O duvidador existe para poder dizer: “Não, isto não está certo”.
Aquilo pode não estar certo, aquilo pode estar certo. Mas quem é que está dizendo que aquilo
não está certo ou que aquilo está certo? Essa fonte que diz está correta, é verdadeira. Você pode
dizer que não existe Deus, mas você não pode dizer “eu não existo”, porque, no momento em
que você diz “eu não existo”, você se admitiu. Quem está fazendo essa afirmação? Você não
pode negar a si mesmo sem ao mesmo tempo se reconhecer. Isso é impossível.
Até mesmo para negar, você tem de existir. Você não pode dizer para alguém, algum
convidado que esteja batendo à porta: “Eu não estou em casa”. Como você pode dizer isso? Isso
é um absurdo, pois o seu dizer “eu não estou em casa”, prova que você está ali.
Buda duvidava de tudo, mas ele não podia duvidar de si mesmo. Quando tudo tinha sido
posto em dúvida e tinha se tornado inútil, finalmente, ele foi jogado para si mesmo. E aí, a
dúvida era impossível; assim, a dúvida caiu. De repente, ele estava consciente de sua própria
realidade, de sua própria fonte de consciência, do próprio chão da consciência. Assim, ele era
sem-deus, mas ele se tornou como um deus. Na verdade, jamais caminhou nesta terra maior
deidade, mas seu instinto era intelectual.
Ambos os tipos de técnicas existem. Se você sente que é intelectual, confuso, duvidador, não
tente as técnicas de fé: elas não são para você. Cada técnica não é para todo mundo. Se você tem
fé, não há necessidade de tentar nenhum outro método, não há necessidade. Se você tem fé,
então, tente aqueles métodos que requerem fé como um pressuposto. Mas seja autêntico – isso é
básico. Isso é uma coisa muito essencial para continuamente ser lembrada.
É muito fácil se enganar, porque nós imitamos. Você pode começar a imitar Ramakrishna
sem saber que você não é daquele tipo. Se você imita, você será uma imitação; nada de real
acontecerá à você. Você pode imitar Buda. Isso acontece todo dia, porque nós nascemos dentro
da religião. Por causa disso, muita tolice persiste. Você não pode nascer dentro da religião, você
tem de escolher. Religião não tem nada a ver com sangue, ossos, nascimento - nada!
Alguém nasce um budista. Ele pode ser um tipo sentimental, mas ele terá de seguir Buda.
Então, toda a sua vida será desperdiçada. Alguém nasce um tipo intelectual. Ele pode nascer um
muçulmano ou pode nascer dentro de um culto devocional. Sua vida será desperdiçada e ele se
tornará falso. O mundo inteiro é irreligioso, porque a religião é absurdamente associada com o
nascimento. Não há nenhum relacionamento, em absoluto. Você tem de escolher
conscientemente, porque primeiro você tem de compreender o seu tipo e, então, você tem de
escolher. O mundo será profundamente religioso no dia em que nós permitirmos a todo mundo
escolher a sua religião, o seu método, a sua técnica, o seu caminho.
Mas a religião se tornou organizacional, politicamente organizacional. Eis por que no
momento em que uma criança nasce, nós forçamos a religião sobre ela, nós a condicionamos em
uma religião. Os pais têm medo de que ela possa se mover para dentro de uma outra organização.
Antes que ela se torne consciente, ela precisa ser destruída, estropiada, forçada. Antes que ela se
torne consciente e possa pensar sobre as coisas, sua mente precisa ser condicionada de forma que
ela não possa pensar livremente. Você não pode pensar livremente, porque tudo o que você
pensa foi precondicionado.
Eu estava lendo Bertrand Russell. Ele diz: “Intelectualmente, eu concebo Buda como sendo
maior do que Jesus. Mas bem no fundo em meu coração, isso é impossível: Jesus é maior do que
Buda. No máximo, se eu me forçar, então, eu os colocarei paralelos, iguais. Intelectualmente, eu
sinto que Buda é um gigante. Jesus não é nada diante dele”.
Por que essa sensação? Porque o próprio Bertrand Russell é um tipo intelectual; assim, Buda
tem um apelo para ele; Jesus não tem nenhum apelo. Mas a mente foi condicionada no
cristianismo. Aquilo não é verdade, porque essas comparações são sem sentido, elas
simplesmente mostram alguma coisa sobre Bertrand Russell – nem sobre Buda nem sobre Jesus,
porque nenhuma comparação é possível. Para alguém que é do tipo sentimental, Jesus parecerá
maior do que Buda. Mas se ele é um budista, se ele nasce um budista, será difícil. Sua própria
mente se sentirá desconfortável se ele pensar que alguém é maior do que Buda. É difícil,
impossível de certa forma, porque tudo o que você pensa foi alimentado em você – aquilo já foi
alimentado interiormente.
Sua mente é algo semelhante a um computador. Ela foi alimentada de informação, foi
alimentada de apreciação internamente. Você já está alicerçado em alguns conceitos e tradições
não-essenciais. Você não pode jogá-los fora facilmente; eis por que a religião é apenas uma
palavra. Pouquíssimas pessoas podem se tornar religiosas, porque pouquíssimas pessoas podem
se rebelar contra seus próprios condicionamentos. Somente uma mente revolucionária pode se
tornar religiosa – uma mente que pode ver uma coisa, os fatos dela decorrentes e, então, decidir o
que fazer.
Mas sinta o seu tipo, tente sentir o seu tipo. Não é difícil. A primeira coisa: se você se sente
confuso, você é do tipo intelectual. Se você sente certeza, confiança, então, prossiga com as
diferentes técnicas que requerem confiança como uma coisa básica. E em segundo lugar, lembre-
se: nunca faça ambas as técnicas. Isso criará mais confusão em você. Nada está errado, as duas
estão certas; Ramakrishna está certo, Buda está certo. Lembre-se de uma coisa: neste mundo,
muitas coisas podem levá-lo à verdade – muitos caminhos. Não há monopólio. Até mesmo
caminhos contraditórios, caminhos absolutamente contraditórios, podem levá-lo ao mesmo
ponto.
Não há “um” caminho. Ao contrário: se você for fundo e compreender, você saberá que há
tantos caminhos quantos são os viajantes, porque cada indivíduo tem de prosseguir do ponto de
onde ele já está. Ele não pode usar um caminho pré-fabricado. Basicamente, você cria seu
caminho através do seu movimento. Não há nenhum caminho pré-fabricado já existente, não há
rodovias pré-fabricadas. Mas toda religião tenta forçar em você essa idéia de que o caminho está
pronto e você tem apenas de viajar nele. Isso está errado. Essa busca interna é mais como o céu
do que como a terra.
Um pássaro está voando. Ele não deixará nenhum rastro no céu. O céu permanecerá um
vácuo. O pássaro voou – ele não deixou nenhum rastro – nenhum outro pássaro poderá seguir
suas pegadas. O céu está sempre vazio. Outro pássaro, qualquer pássaro que tenha de voar, criará
seu próprio caminho.
A consciência é como um céu, não como a terra. Um Mahavira se move, um Buda se move,
uma Meera se move, um Maomé... Você pode ver seus movimentos, você pode ver suas
conquistas, mas o movimento que eles fizeram, o caminho desaparece. Você não pode seguir,
cegamente, você não pode imitar. Você tem de encontrar seu próprio caminho.
Primeiro pense sobre seu tipo e, então, escolha os métodos. Nestes cento e doze métodos,
muitos são para tipos intelectuais, muitos são para tipos emocionais. Mas não pense que, como
você é um tipo misto, você tenha de seguir ambos. Isso criará mais confusão e você ficará
dividido tão profundamente, que pode até mesmo ficar louco, esquizofrênico; você pode ficar
partido, Não faça isso.

A segunda pergunta:
Conhecer a morte é certo, Você disse ontem. Isso parece ser a abordagem de Buda, que
era negativa da vida. Mas a abordagem do tantra é afirmativa da vida, não negativa; assim,
como essa orientação pela morte pode ser usada no tantra?

Buda não era na verdade negador da vida. Ele aparenta assim, ele aparenta ser negador da
vida, porque ele se concentra na morte. Para nós, ele aparenta estar amando a morte, mas ele não
está. Pelo contrário, ele está amando a vida eterna. Para encontrar essa vida que é sem-morte, ele
se concentra na morte. A morte não é seu amor, ele tem de focar na morte, exatamente para
encontrar alguma coisa que está além da morte. E Buda diz que, se não existe nada além da
morte, então, a vida é fútil – mas somente então, a vida é fútil. Ele nunca diz que a vida é fútil,
ele diz que se nada existe além da morte, então, a vida é fútil. E sua vida é fútil, ele diz, porque
sua vida não está além da morte. O que quer que você pense que é a sua vida, é apenas parte da
morte. Você é enganado por isso. Você pensa que isso é vida, e isso não é nada além de morte a
caminho.
Um homem nasce – ele está em seu caminho para a morte. O que quer que ele se torne, o que
quer que ele conquiste, possua, nada ajudará: ele está se movendo em direção à morte. Esta
assim chamada vida é mover-se em direção à morte. Como nós podemos chamar isso de vida?
Essa é a pergunta de Buda. Uma vida que se move em direção à morte, como podemos chamá-la
de vida? A vida que implica inevitavelmente em morte é apenas morte escamoteada, não vida;
ela é morte gradual. Pouco a pouco, você está morrendo e você continua pensando que está
vivendo.
Neste exato momento, você sente que está vivendo, mas você está morrendo. A todo
momento, você está perdendo vida e ganhando morte. Uma árvore é conhecida por seus frutos,
Buda diz; assim, sua árvore da vida não pode ser chamada de vida, porque a morte é o fruto.
Uma árvore é conhecida por seu fruto, e se em sua árvore da vida somente vêm frutos de morte,
então, você foi enganado pela árvore. E uma outra coisa: se uma árvore dá um fruto determinado,
isso mostra que essa, esse determinado fruto foi a semente da árvore; do contrário, esse
determinado fruto não poderia ter vindo da árvore. Assim, se a vida dá o fruto da morte, a morte
precisa estar na semente.
Vamos compreender isso. Você nasce e você pensa que o nascimento é o começo – não é.
Antes do nascimento, você morreu em uma outra vida. Essa morte foi a semente deste
nascimento e, então, novamente, a morte se tornará o fruto. E este fruto se tornará a semente para
um outro nascimento.
Nascimento leva à morte, a morte precede ao nascimento. Assim, se você quer ver a vida
como ela realmente é, ela é circundada em ambos os lados, pela morte. A morte é o começo e a
morte é novamente o fim; e a vida é apenas a ilusão no meio. Você se sente vivo entre duas
mortes; à passagem que junta uma morte à outra, você chama de vida. Buda diz que isso não é
vida. Essa vida é dukkha – miséria. Essa vida é morte. Eis por que ele parece – para nós, que
estamos profundamente hipnotizados pela vida, obcecados em estarmos vivos de qualquer
maneira – como negador da vida. Para nós, simplesmente estar vivo parece ser o fim. Nós temos
tanto medo da morte, que Buda parece amar a morte e isso parece anormal. Ele parece ser
suicida. Eis por que muitos criticaram Buda.
Albert Schweitzer criticou Buda, porque ele sentiu que Buda é obcecado pela morte. Ele não
é obcecado pela morte, nós é que somos obcecados pela vida. Ele simplesmente analisa as coisas
descobrindo quais são os fatos. E quanto mais fundo você for, mais você descobrirá que ele está
certo. A sua vida é simplesmente falsa, espúria, invadida pela morte, apenas uma roupagem – do
lado de dentro, existe a morte. Buda se concentra na morte, porque ele diz: “Se eu puder
descobrir o que é a morte, somente então, eu posso descobrir o que é a vida. E se eu posso saber
o que ambas, a morte e a vida, são, então, há uma possibilidade de que eu possa transcender
ambas e conhecer algo que esteja além do nascimento e da morte, além de ambos”. Ele não é
negativo, não é negador da vida, mas parecer ser.
O tantra parece afirmativo da vida, mas isso novamente é nossa interpretação. Nem Buda é
negador da vida, nem o tantra é afirmativo da vida; a fonte é a mesma. Buda foca-se na morte, o
tantra foca-se na vida. E ambos são um; assim, por onde quer que você queira começar, comece.
Mas vá tão profundamente, que você possa conhecer o outro também.
Buda põe o foco no fim – a morte. O tantra põe o foco no começo – a vida. Eis por que Buda
parece amar tanto a morte e o tantra parece amar tanto o sexo, o amor, o corpo, a vida. No final,
há a morte e no começo há o sexo. Como o tantra põe o foco no começo, o sexo se torna muito
importante. Assim, como ir fundo e saber o que é o sexo, como revelar o mistério do amor, como
penetrar o começo, dentro da semente, de forma que você possa ir além – essa é a abordagem do
tantra.
Buda se concentra na morte e ele diz para se meditar profundamente na morte: mova-se nela e
conheça toda a realidade dela. Ambos são dois extremos da mesma coisa. O sexo é morte e a
morte é muito sexual. Será difícil compreender isso.
Há muitos insetos que morrem com o seu primeiro intercurso. O primeiro ato sexual, e a
morte acontece. Há uma espécie de aranha, na África, na qual o macho morre na cópula. Ele não
pode descer da cópula; ele está exatamente em cima da fêmea e ele morre lá. A primeira cópula
se torna morte e ela é muito horrível. No momento da ejaculação, ele morre. Na verdade, ele não
está nem sequer realmente morto: ele ainda está na agonia da morte. No momento em que a
aranha, a aranha macho ejacula, a morte começa e a fêmea começa a comê-lo. Ele nunca desce.
A fêmea começa a comê-lo e, no momento em que o ato sexual está acabado, ele já foi comido
pela metade.
O sexo e a morte estão muito interconectados. Por causa disso, o homem ficou com medo do
sexo. Aqueles que querem viver mais, que são fascinados com a vida longa, eles sempre terão
medo do sexo; e para aqueles que pensam que podem se tornar imortais, o celibato,
brahmacharya, será o seu culto. Ninguém até hoje se tornou imortal e ninguém pode sê-lo,
porque você nasce do sexo. Se você nascesse de um brahmacharya, então, seria possível. Se seu
pai e sua mãe fossem celibatários, somente então, você poderia ser imortal.
O sexo já entrou com o seu nascimento. Se você entra no sexo ou não, não faz nenhuma
diferença, você não pode escapar da morte. Seu próprio ser começa com o sexo e o sexo é o
começo da morte. Por causa disso, os cristãos dizem que Jesus nasceu de uma mãe virgem.
Apenas para dizer que ele não é mortal, um mortal comum, eles dizem que ele nasceu de uma
mãe virgem. “Ele não é um mortal comum.” – só para dizer isso, só para dizer que a morte não
tem nenhum poder sobre ele, eles criaram esse mito.
Isso é uma parte de um longo mito. Se ele nascesse do sexo, então, a morte teria seu poder
sobre ele. Então, ele não poderia escapar da morte, porque com o sexo, a morte entra. Assim,
eles dizem que ele nasceu sem nenhum ato sexual; ele não foi um subproduto do sexo. Eles
dizem que, devido a ele ser filho de uma mãe virgem, ele poderia reviver novamente –
ressuscitar. Eles o crucificaram, mas eles não podiam matá-lo. Ele permaneceu vivo, porque ele
não era um subproduto do sexo. Eles não podiam matá-lo. Se realmente Jesus nasceu de uma
mãe virgem, é impossível matá-lo. A morte é impossível. Quando o começo não existe, como
pode o final existir? Se ele não nasceu de uma mãe virgem, então, a morte será o fim certo,
inevitável.
Assim, o mito todo tem de ser mantido. Se você diz que ele não nasceu de uma mãe virgem,
então, a segunda parte do mito, a ressurreição, torna-se falsa. Se você diz que ele ressuscitou, que
ele negou a morte, escapou da morte, que a morte não pôde matá-lo, que ele não pôde ser
crucificado realmente, que aqueles que o estavam crucificando foram enganados, que ele estava
vivo e ele permaneceu vivo, então, você tem de manter a primeira parte do mito.
Eu não estou dizendo nada a favor nem contra, eu estou simplesmente dizendo que o mito
todo tem de ser mantido, uma parte só não pode ser mantida. Se o sexo existe antes do
nascimento, então, a morte estará presente. Por causa dessa profunda associação, muitas vezes,
muitas sociedades tiveram medo do sexo. Esse medo é da morte. Até mesmo se você aceita o
sexo, um certo medo permanece ali. Até mesmo se você entra no sexo, um certo medo
permanece ali. Ninguém permite a si mesmo uma total entrega a ele. O medo está presente, você
está em guarda. Você não pode entrar nele totalmente; você não pode deixar-se ir
completamente, porque essa entrega é como a morte.
Nem o tantra é a favor de sua idéia de vida, nem Buda é contra a vida real. O tantra começa
de uma parte – o começo; Buda começa do fim. E o tantra é mais científico do que Buda, porque
é sempre bom começar pelo começo. Você já nasceu; a morte está distante. O nascimento
ocorreu – você pode trabalhar nele mais profundamente – a morte tem de ocorrer. Ela ainda está
na imaginação; ela não é uma realidade para você. E quando você vê alguém morrer, você nunca
vê a morte. Você vê alguém morrendo, nunca a morte – o processo que acontece para ele
internamente. Você não a vê; ela é invisível, é individual. E o próprio indivíduo não pode dizer
nada, porque, no momento em que ele atravessa o processo, ele não existe mais. Ele não pode
voltar, não pode dar um passo atrás e dizer o que aconteceu.
Assim, tudo o que é conhecido sobre a morte é apenas inferência. Na verdade, ninguém sabe
nada sobre a morte. A menos que você possa lembrar suas vidas passadas, você não pode saber,
realmente, nada sobre a morte. Você morreu muitas vezes; eis por que Buda teve de reviver
muitas técnicas sobre o lembrar-se de vidas passadas. Porque a sua morte, nesta vida, está no
futuro – como você pode se concentrar nela? Como você pode meditar sobre ela? Ela ainda não
aconteceu. Ela é muito vaga, obscura, desconhecida. O que você pode fazer? Você só pode
pensar sobre ela, mas esse pensar também será de empréstimo – você estará repetindo o que
outros disseram. Alguém disse alguma coisa sobre a morte e você estará repetindo aquilo. Como
você pode meditar na morte? Você pode ver os outros morrendo, mas isso não é uma entrada real
nela... – você é apenas um forasteiro.
É exatamente como se alguém estivesse comendo um doce... Você olha para ele, mas como
você pode sentir o que está acontecendo a ele, que gosto, que doçura, que aroma está
acontecendo a ele? O que está ocorrendo dentro dele, você não pode saber. Você pode apenas
olhar-lhe a boca, o comportamento, ou você pode ver a expressão em seu rosto – mas isso tudo é
inferência, não a experiência real.
Você não pode saber o que lhe está acontecendo, a menos que ele diga alguma coisa, mas
tudo o que ele disser serão apenas palavras para você e, novamente, não uma experiência. Buda
falava sobre suas mortes passadas, mas ninguém acreditava nele. Se eu lhe contar alguma coisa
sobre minhas mortes passadas, bem no fundo você não acreditará. Como você pode acreditar?
Você não tem nenhum acesso à essa realidade. Você está simplesmente fechado neste
nascimento e a morte desta vida ainda não chegou. Ela sempre acontece aos outros; ela ainda não
aconteceu a você.
É difícil meditar sobre a morte. Como uma base, você terá de se mover para vidas passadas,
você terá de ir cavando nas memórias passadas. Buda e Mahavira, ambos, usaram a técnica de
jati smaran – a técnica de ir até as vidas passadas. Somente então, você pode meditar na morte.
O tantra é mais científico. Ele começa com a vida, com o nascimento, com o sexo, que é um
fato para você. A morte ainda é uma ficção. Mas, lembre-se: o fim de ambos é o mesmo. Ambos
estão em busca da vida eterna – a vida que é sem morte. Ou transcenda o começo ou transcenda
o final, ou pule de um pólo ou do outro. E lembre-se: você somente pode saltar para fora a partir
de um pólo, você não pode saltar do meio.
Se eu quero saltar para fora dessa sala, ou eu tenho de me mover deste lado para o extremo,
ou daquele lado para o extremo. Eu não posso saltar para fora, partindo do meio da sala, porque
o salto somente é possível a partir do pólo extremo. E há dois pólos extremos na vida –
nascimento e morte. O tantra começa do nascimento. Ele é mais científico, mais real. Você já
está nele; assim, você pode meditar sobre ele. O sexo é um fato; assim, você pode meditar sobre
ele, você pode se mover profundamente dentro dele.
A morte não é um fato. Uma mente muito rara é necessária para compreender a morte; um
intelecto muito agudo é necessário para penetrar o futuro. Raramente acontece de um Buda
conceber a morte tão profundamente, de modo que o futuro se torne presente. Mas isso é sempre
para indivíduos raros.
O tantra pode ser usado por qualquer um que tenha algum interesse, que tenha algum desejo
de buscar, a fim de saber o que é a vida. Mas o tantra também usa a morte apenas para ajudá-lo a
se mover para dentro – não para você meditar sobre ela, não para você saltar para fora dela, mas
para ajudar a você a mover-se para dentro de si.
Buda também falou sobre nascimento apenas para torná-lo uma parte da meditação sobre a
morte. A outra parte pode ser usada como uma ajuda, mas não é o centro. O tantra diz, se você
puder pensar sobre a morte, sua vida tomará um sentido, uma forma e significância diferentes.
Sua mente começará a pensar em novas dimensões que, sem a morte, seriam difíceis ou até
mesmo impossíveis. No momento em que você começa a sentir que esta vida terminará na morte,
a morte se torna uma certeza e você não pode se apegar a esta vida, a mente começa a se mover
para além. Isso é o que eu estava dizendo ontem.
Se você pensa apenas na vida, sua mente irá para fora: ela irá para fora, para fora, para fora,
para os objetos. Se você começa a olhar e a ver que a morte está escondida em algum lugar,
então, você não pode se apegar a objetos. Sua mente começará a se mover para dentro.
Ainda outro dia, uma jovem veio a mim. Ela era uma jovem indiana que se apaixonou por um
jovem americano. Mas depois que ela se apaixonou e eles estavam exatamente pensando e
planejando casarem-se, o jovem ficou doente e descobriu-se, foi diagnosticado, que ele tinha um
certo tipo de câncer que é incurável. A morte era certa. Ele podia ficar vivo dois ou três ou
quatro anos no máximo. O jovem então tentou persuadir a moça a não se casar com ele. Ele
disse: “A morte é tão certa, por que gastar sua vida comigo”?
Mas quanto mais ele insistia – é assim que a mente funciona – mais a jovem se tornava
inflexível quanto a querer casar-se com ele. É assim que a mente funciona – em paradoxos. Se eu
tivesse estado no lugar desse rapaz, eu teria insistido no casamento; então, a jovem teria
escapado. Aí então não haveria nenhuma possibilidade de casamento. Então, eu não teria visto
aquela jovem de novo. Mas o rapaz insistia... – não a partir de seu amor, mas a partir de sua
mente tola, sem saber como a mente funciona – ...que ela não devia se casar com ele. Qualquer
um teria feito a mesma coisa. E como ele estava insistindo, a moça sentiu ser uma questão de
consciência: ela insistiu casar-se com ele.
Então, eles se casaram. Agora, depois do casamento, a moça está circundada constantemente
pela morte. Ela está triste; ela não pode amar o jovem. É fácil morrer por alguém, é muito difícil
viver. É muito fácil morrer... Ser um mártir é uma coisa muito fácil. É uma coisa tão fácil ser um
mártir, porque é uma coisa momentânea, você pode fazê-lo em um único momento.
Se você me ama e eu digo “Pule deste prédio”, você pode pular, porque sente que me ama.
Mas se eu digo “Está bem, agora viva comigo por trinta anos”, fica muito difícil.
Você pode se tornar um mártir em um único momento. Morrer por alguém, por algo, é a coisa
mais fácil no mundo; viver por algo é a coisa mais difícil e árdua. Ela se tornou uma mártir, mas
agora ela tem de viver encapsulada pela presença da morte. Ela não pode amar. Ela não pode ver
o rosto de seu marido, porque no momento em que ela o vê, o câncer está presente, a morte está
presente bem no canto. A qualquer momento pode acontecer; assim, ela está em agonia
constante.
O que aconteceu? A morte se tornou uma certeza. Agora a vida não tem interesse para ela,
tudo foi abandonado e se tornou morte. Ela veio dos Estados Unidos apenas para me encontrar.
Ela quer meditar, porque a vida parece fútil. A vida se tornou equivalente ao câncer; assim, agora
ela chegou aqui e me pediu: “Ensine-me a meditação. Como eu posso ir para além da vida”? A
menos que a vida se torne fútil, você nunca pensa em como se mover para além dela.
Eu lhe disse que aparentemente seu casamento parece muito desafortunado, mas ele pode
mostrar-se muito afortunado. O marido de todo mundo vai morrer, mas quando, não é certo. A
esposa de todo mundo vai morrer, mas quando, não é certo. A morte é certa, somente a data não
é certa. E quem sabe, até mesmo a data pode ser certa – você não sabe. Por isso a ignorância é
muito venturosa. Ela poderia ter amado aquele jovem se eles ainda fossem ignorantes;
aparentemente nada estaria errado. Mas, agora, o amor se tornou impossível, a vida se tornou
impossível. A morte está sempre presente, constantemente presente entre eles dois.
Assim eu lhe perguntei: “Por que você não o está amando mais, já que ele vai morrer? Ame-o
mais”.
Ela disse: “Como eu posso amar? Nós somos sempre três; a privacidade acabou. Eu estou
presente e meu marido está presente e, entre nós dois, a morte. Não sobrou nenhuma
privacidade”.
A morte é demais; é impossível viver com ela. Isso pode se tornar uma virada. Se você puder
se tornar consciente da morte, diz o tantra, use-a como uma virada para dentro. Não há nenhuma
necessidade de entrar em detalhes sobre a morte, nenhuma necessidade de continuar
contemplando-a. Não faça dela uma obsessão. Apenas a consciência de que a morte existe o
ajudará a se mover para dentro, a estar meditativo.

A terceira pergunta:

Como a mente pode ser transcendida e transformada apenas por se trazer o corpo a um
estado semelhante ao da morte?
A mente está constantemente ativa. Enquanto você está ativo, a meditação é impossível,
porque a meditação significa uma profunda inatividade. Você pode conhecer a si mesmo
somente quando tudo ficou parado, silencioso e quieto. Somente então, nesse silêncio, acontece
de você encontrar a si mesmo. Do contrário, na atividade, você está tão ocupado com alguma
coisa ou outra, que você não pode sentir a sua própria presença. Você permanece esquecendo-se
de si mesmo. Continuamente, com este ou aquele objeto, você continua esquecendo-se de si
mesmo.
“Atividade” significa: estar relacionado com alguma coisa do lado de fora. Você está ativo,
porque está se relacionando com alguma coisa do lado de fora, fazendo alguma coisa do lado de
fora. A inatividade significa que você voltou para casa – você não está fazendo nada. Na língua
grega, ócio é chamado schole. A palavra inglesa ‘school’ (escola) vem dessa palavra grega;
escola significa ócio. Você pode aprender alguma coisa somente quando está no ócio; o
aprendizado acontece no ócio. Se você está ativo, fazendo isto ou aquilo, você não pode
aprender.
As escolas eram para a classe ociosa – aqueles que podiam dar-se ao luxo do ócio. Seus filhos
eram mandados para escolas, para o lugares do ócio. Eles não tinham que fazer nada, apenas
aprender; eles tinham permissão para total inatividade no que se refere ao mundo. Eles eram
liberados de todas as atividades mundanas e, então, eles podiam aprender.
O fenômeno é similar se você quer aprender sobre sua própria presença: você terá de estar
totalmente inativo, simplesmente sendo, sem fazer nada. Todas as ondulações devem cessar, toda
a atividade deve evaporar. Você é, simplesmente é. Nesse momento, pela primeira vez, você se
torna consciente de sua própria presença. Por quê? Porque a presença é muito sutil. Ocupado
com um objeto comum, engajado com atividades comuns, você não pode se tornar consciente de
uma presença tão sutil. Sua presença é uma música muito silenciosa. E você está tão cheio de
barulho e todo tipo de barulho o está ocupando tanto, que você não pode ouvir essa silenciosa e
pequenina voz interior.
Cesse o engajamento nos barulhos e atividades exteriores. Então, essa voz silenciosa e
pequenina, pela primeira vez, é ouvida; esse som sem som... essa música sem som é sentida.
Você penetra o sutil e deixa o grosseiro. A atividade é grosseira; a inatividade é sutil. E sua
presença é a coisa mais sutil do mundo. Para senti-la, você terá de parar; você terá de se ausentar
de todos os lugares, de forma que sua presença total vá para dentro e você possa encontrar a si
mesmo. Eis por que em muitas técnicas sugere-se “deixar-se o seu corpo como se estivesse
morto”. Isso significa simplesmente estar inativo como um morto.
Enquanto você está meditando, deixe seu corpo penetrar a morte. Isso será imaginação, mas
mesmo assim ajudará. Não pergunte como a imaginação pode ajudar. A imaginação tem sua
própria função. Por exemplo: agora, experiências científicas estão sendo feitas... Você se senta,
há um médico e ele está observando sua pulsação. Interiormente, você simplesmente começa a
sentir raiva; você imagina que está lutando, com raiva – sua pulsação irá aumentar.
Interiormente, apenas imagine que você está morrendo, que você está simplesmente
morrendo. Torne-se silencioso e sinta a morte descendo. Sua pulsação diminuirá. A pulsação é
uma coisa física e você estava apenas imaginando. A imaginação não é irreal; ela também é real.
Se você pode realmente imaginar, inclusive a morte real pode acontecer. Se você puder
realmente imaginar, você poderá afetar coisas físicas.
Você deve ter observado uma demonstração de hipnose. Ou se não, você pode fazer isso
facilmente em casa; não é difícil, é muito fácil. Use seu filho como um meio. Se a criança é uma
menina, é melhor do que usar um menino, porque um menino duvida mais do que uma menina e,
um menino está sempre em um espírito de luta, ao invés de um espírito de cooperação. Um
menino significa isto: um espírito de luta.
A cooperação é necessária. Apenas diga para a criança relaxar e continue sugestionando:
“Você entrará em um transe profundo, em um transe profundo, em um transe profundo, caindo
no sono. Suas pálpebras estão se tornando pesadas, pesadas, pesadas..”. E use uma voz
monótona: “Mais pesadas, mais pesadas, mais pesadas..”. Deixe sua voz ficar monótona, como
se você também estivesse ficando sonolento.
Dentro de cinco minutos, a criança estará dormindo profundamente. Esse não é um sono
comum, é um transe hipnótico. Ele é basicamente, qualitativamente diferente do sono, porque
agora a criança pode ouvir somente sua voz. Não há nada mais que ele ou ela possa ouvir. Se
outra pessoa fala, a criança está surda. Entretanto, se você – a pessoa que a hipnotizou – fala, ela
pode ouvir. Ela seguirá suas ordens.
Tente fazer algumas experiências. Diga à criança: “Isso aqui é um carvão muito quente que
eu estou colocando na sua mão. Você vai se queimar”. Coloque qualquer coisa comum na mão
da criança – um pedaço de pedra que esteja fria, sem nada quente nela. A criança a jogará
imediatamente longe, porque a mente tem a sugestão de que aquilo é um carvão em brasa,
quente, e que sua mão vai ser queimada. Ela a jogará fora, gritará como se estivesse tocando
alguma coisa quente.
Mas um milagre acontece. Você ficará sabendo que a sua mão está realmente queimada. O
que está acontecendo? Não há nenhuma possibilidade de ela ser queimada por uma pedra fria,
mas a criança está queimada exatamente como se um carvão em brasa tivesse sido colocado em
sua mão. Era apenas pura imaginação. Eis por que aqueles que podem penetrar na mente
humana, dizem que a imaginação é um fato tão real quanto qualquer coisa. A imaginação não é
apenas imaginação, porque ela resulta em fato real.
Faça esta experiência... Caia no chão, deite-se quieto e sinta que você vai morrer. O corpo
está ficando morto. Pouco a pouco você sentirá um peso tomando conta de seu corpo. Todo o
corpo se tornará um peso morto, um chumbo. Diga a si mesmo: “Ainda que eu queira mover
minha mão da posição em que ela está, eu não posso movê-la”. Então, tente movê-la e você não
será capaz de fazê-lo. Agora a imaginação está trabalhando.
Nesse estado, onde você sente que o corpo se tornou um peso morto, você pode retirar-se do
mundo da atividade facilmente. Eis por que sugere-se isso. Você pode agora tornar-se inativo,
porque você está morto. Agora, você pode sentir que tudo morreu e a sua ponte para o mundo
está quebrada – o corpo é a ponte. Se o corpo está morto, você não pode fazer nada. Você pode
fazer alguma coisa sem o corpo? Você não pode fazer nada sem o corpo.
Qualquer atividade é através do corpo. A mente pode pensar sobre ela, mas não pode fazê-la.
Você se tornou impotente; você não pode fazer nada. Você está dentro, o mundo está fora; o
veículo está morto e a ponte está quebrada. Nesse estado de corpo morto e a ponte sendo
quebrada, sua energia começará a se mover para dentro, porque não há nenhum jeito de ela se
mover para fora. O caminho para fora está fechado e bloqueado; assim, agora, você se move para
dentro. Veja-se permanecendo no centro do coração; olhe internamente os detalhes do corpo.
Você se sentirá muito estranho, quando, pela primeira vez, você puder olhar internamente o seu
próprio corpo.
Tantra, ioga, ayurveda, todas as velhas fisiologias, todas as antigas doutrinas fisiológicas, o
trabalho delas foi revelado e conhecido através de tais técnicas meditativas interiores. A moderna
fisiologia é conhecida através de dissecação, mas a antiga fisiologia era conhecida através da
meditação, não de dissecação. E, agora, há uma escola, uma escola de pensadores médicos de
vanguarda, que diz que, quando você disseca um corpo e chega a conhecer algo, você chega a
conhecer alguma coisa que já está morta – e tudo o que for inferido de uma parte morta é
irrelevante para um corpo vivo.
Eles podem estar certos. Se você tira o meu sangue e, então, o examina, você está
examinando o sangue morto. Ele não é o mesmo sangue que estava em mim. Externamente ele é
o mesmo, mas em mim ele era um processo vivo, uma corrente viva, vital, parte de um
mecanismo, de um todo orgânico. Agora, ele está morto. É como se você puxasse meus olhos
para fora e, então, os examinasse. Quando eles estavam comigo eu estava por detrás deles e
neles. Agora, eles são pedras mortas e tudo o que você vier a conhecer sobre aqueles olhos não é
sobre meus olhos, porque a parte básica essencial foi perdida: eu não estou presente.
Aqueles olhos eram partes de um grande todo. Toda a qualidade deles consistia em ser parte
de um grande todo. Agora eles são independentes, não parte de algo. O padrão foi perdido, o
contato de vida foi perdido. Todas as tradições do ioga e do tantra dizem que, a menos que você
chegue a conhecer o corpo vivo, seu conhecimento é falso. Mas como chegar a conhecer o corpo
vivo? Só há um meio: você entrar em si mesmo e mover-se internamente para ver os detalhes do
corpo. Um mundo diferente foi revelado através dessas técnicas, um mundo vivo.
Assim, a primeira coisa: fique centrado no coração e olhe por todo o corpo, mova-se. Duas
coisas acontecerão. Primeira: você não sentirá agora, que você é o corpo – você não pode sentir
isso. Você é o observador, aquele que está consciente, alerta, olhando, não sendo olhado. Pela
primeira vez, o corpo se tornará apenas uma roupagem; você será diferente dele. E a segunda
coisa, imediatamente você sentirá: “Eu não posso morrer”.
Isso parecerá estranho – usar-se um método, um método imaginário de morte e, então,
chegar-ser em um ponto sem morte. Você saberá de repente: “Eu não posso morrer”. Você viu os
outros que morreram. O que lhes aconteceu? Seus corpos se tornaram mortos; eis por que você
inferiu que eles estavam mortos. Agora, você pode ver que o corpo todo está deitado morto e,
você está vivo.
Assim, a morte corporal não é a sua morte. O corpo morre e você continua. E se você persiste
nessa técnica, não está longe o momento em que você pode sair do seu corpo e olhar para o seu
corpo pelo lado de fora, para o seu corpo deitado morto, bem à sua frente. Isso não é muito
difícil. Uma vez que você experimente isso, você nunca será a mesma pessoa novamente. Você
renascerá; você se tornará dwij – nascido duas vezes. Agora uma nova vida começa.
Eu estava lhes falando ontem, sobre um astrólogo que prometeu trabalhar em meu mapa
natal. Ele morreu antes de fazê-lo. Então, seu filho teve de preparar o mapa, mas ele também
ficou intrigado. Ele disse: “É quase certo que esta criança morrerá aos vinte e um anos. A cada
sete anos, ela terá de encarar a morte”. Assim, meus pais, minha família, estiveram sempre
preocupados com a minha morte. Sempre que eu chegava a um fim de ciclo de sete anos, eles
ficavam com medo. E ele estava certo. Aos sete anos eu sobrevivi, mas eu tive uma profunda
experiência de morte – não a minha própria, mas a morte de meu avô materno. E eu era tão
ligado a ele, que sua morte parecia ser a minha própria morte.
No meu próprio jeito de criança, eu imitei a sua morte. Eu não comi por três dias
consecutivos, não bebi água, porque eu sentia que se eu o fizesse seria uma traição. Eu o amava
tanto, ele me amava tanto, que, enquanto ele esteve vivo, eu jamais tive permissão de ir para a
casa dos meus pais – eu ficava com o meu avô materno. Ele dizia: “Quando eu morrer, somente
então, você pode ir”. Ele vivia em um vilarejo muito pequeno; assim, eu não podia ir para
nenhuma escola, porque não havia escola. Ele nunca se separou de mim, mas, então, chegou o
momento em que ele morreu. Ele era parte e parcela de mim. Eu cresci com sua presença, seu
amor.
Quando ele morreu, eu senti que comer seria uma traição. Agora eu não queria viver; isso era
infantil, mas, através disso, alguma coisa muito profunda aconteceu. Por três dias, eu permaneci
deitado; eu não queria sair da cama. Eu disse: “Agora que ele está morto eu não quero viver”. Eu
sobrevivi, mas aqueles três dias se tornaram uma experiência de morte. Eu morri de certa
maneira, e eu compreendi – agora eu posso falar sobre isso, embora naquele tempo isso fosse
apenas uma experiência vaga – eu vim a sentir que a morte é impossível. Isso era uma sensação.
Então, aos quatorze anos, minha família novamente ficou perturbada por que eu poderia
morrer. Eu sobrevivi, mas, então novamente, eu tentei isso conscientemente. Eu disse a eles: “Se
a morte irá ocorrer como o astrólogo disse, então, é melhor eu estar preparado. E por que não dar
uma chance para a morte? Por que eu não deveria ir e encontrá-la no meio do caminho? Se eu
vou morrer, então, é melhor morrer conscientemente”.
Assim eu abandonei a escola por sete dias. Eu fui até o meu diretor e lhe disse: “Eu vou
morrer”.
Ele disse: “Que tolice você está falando! Você cometerá suicídio? O que você quer dizer com
‘eu vou morrer’”?
Eu lhe contei sobre a predição do astrólogo, que a possibilidade de morte poderia me
confrontar a cada sete anos. Eu lhe disse: “Eu entrarei em retiro por sete dias, para esperar pela
morte. Se a morte vier, é bom encontrá-la conscientemente, de forma que ela se torne uma
experiência”.
Eu fui para um templo fora de minha vila. Eu me entendi com o sacerdote, de modo que ele
não me perturbasse. Era um templo muito solitário, sem visitas – velho, em ruínas. Ninguém
jamais ia ali. Assim, eu lhe disse: “Eu permanecerei no templo. Você apenas me dê, uma vez por
dia, alguma coisa para comer e alguma coisa para beber e, o dia todo, ficarei deitado esperando
pela morte”.
Por sete dias, eu esperei. Aqueles sete dias se tornaram uma bela experiência. A morte nunca
veio, mas de minha parte eu tentei de todas as maneiras ficar morto. Sensações estranhas,
esquisitas, aconteceram. Muitas coisas aconteceram, mas a impressão básica era esta: que se
você está sentindo que vai morrer, você se torna calmo e silencioso. Nada cria preocupação
então, porque todas as preocupações estão relacionadas com a vida. A vida é a base de todas as
preocupações. Se você vai morrer de qualquer jeito um dia, por que se preocupar?
Eu fiquei deitado lá. No terceiro ou quarto dia, uma cobra entrou no templo. Ela estava à
vista, eu estava vendo a cobra, mas não havia medo. De repente, eu me senti muito estranho. A
cobra estava chegando cada vez mais e mais perto, e eu me senti muito estranho. Não havia
medo; assim, eu pensei: “Se a morte está chegando, ela pode estar vindo através desta cobra;
assim, por que ficar com medo? Espere”!
A cobra passou sobre mim e foi embora. O medo tinha desaparecido. Se você aceita a morte,
não há nenhum medo. Se você se apega à vida, então, todos os medos estão presentes.
Muitas vezes, moscas vieram ao meu redor. Elas voavam em volta, elas andavam em cima de
mim, no meu rosto. Algumas vezes, eu me sentia irritado e tinha vontade de expulsá-las, mas,
então, eu pensava: “Qual é a utilidade? Mais cedo ou mais tarde eu vou morrer e, então, não
haverá ninguém aqui para proteger o corpo. Assim, deixe-as fazerem o que têm de fazer”.
No momento em que eu decidi deixá-las fazerem o que tinham de fazer, a irritação
desapareceu. Elas ainda estavam no corpo, mas é como se eu não tivesse nada com isso. Elas
estavam como que se movimentando, andando no corpo de outra pessoa. Houve uma distância
imediatamente. Se você aceita a morte, a distância é criada. A vida se move para longe com
todas as suas preocupações, irritações, tudo. Eu morri de uma certa forma, mas eu vim a saber
que algo que não morre, existe. Uma vez que você aceita a morte totalmente, você fica
consciente disso.
Então novamente, aos vinte e um anos, minha família ficou esperando. Assim eu lhes disse:
“Por que vocês continuam esperando? Não esperem. Agora eu não vou morrer”.
Fisicamente, algum dia, eu irei morrer, é claro. Entretanto, aquela predição do astrólogo me
ajudou muito, porque ele me fez consciente da morte muito cedo. Continuamente eu pude
meditar e pude aceitar que ela estava chegando.
A morte pode ser usada para profunda meditação, porque, então, você se torna inativo. A
energia é liberada do mundo; ela pode se mover para dentro. Eis por que uma postura semelhante
à da morte é sugerida. Use a vida, use a morte para descobrir aquilo que está além de ambas.
Capítulo 25

DAS PALAVRAS PARA O PURO SOM



OS SUTRAS

37 Devi, imagine as letras do sânscrito nestes foci de consciência preenchidos de mel, primeiro
como letras; então mais sutilmente, como sons; então, como sentimentos mais sutis. Então,
deixando-as de lado, liberte-se.
38 Banhe-se no centro do som, como em um som contínuo de uma cachoeira. Ou, colocando os
dedos nos ouvidos, ouça o som dos sons.

Jean-Paul Sartre escreveu uma autobiografia. Ele a chamou de Palavras. O nome é muito
significativo. É assim a autobiografia de todo homem – palavras e palavras e palavras. Você é
preenchido com palavras e esse processo de palavras continua o dia todo, até mesmo na mente.
Quando você está dormindo, você ainda fica preenchido com palavras, pensamentos.
A mente é apenas uma acumulação de palavras, e todo mundo é muito obcecado com a
mente. Eis por que o autoconhecimento se torna cada vez mais e mais impossível. O ser está
além das palavras, ou por trás das palavras, ou debaixo das palavras, ou acima das palavras, mas
nunca nas palavras. Você existe não na mente, mas exatamente debaixo da mente, atrás da
mente, acima da mente – nunca na mente. Você está focado na mente, mas você não está ali. Do
lado de fora, você está focado na mente. Por causa desse foco constante, você se tornou
identificado com a mente. Você pensa que você é a mente, esse é o único problema, o problema
básico; e a menos que você esteja consciente de que você não é a mente, nada significativo pode
lhe acontecer. Você viverá na miséria.
Essa identificação é a miséria. É como se alguém estivesse identificado com uma sombra.
Então, toda a vida se torna falsa. Toda a sua vida é falsa, e o erro básico é que você está
identificado com a mente. Você pensa que você é a mente – essa é a ignorância. Você pode
desenvolver sua mente, mas dessa forma a ignorância não será dissolvida. Você pode se tornar
muito inteligente, pode se tornar muito talentoso, pode até mesmo se tornar um gênio. Mas se a
identificação com a mente estiver presente, você permanecerá basicamente medíocre, porque
você permanece identificado com uma sombra falsa. Como isso acontece? A menos que você
compreenda o mecanismo de como isso acontece, você não pode ir além dela; e todas as técnicas
de meditação não são nada além de processos para se ir além, para se ir além da mente.
As técnicas de meditação não são contra o mundo, elas são contra a mente – e não realmente
contra a mente, mas contra a identificação. Como você está identificado com a mente? Qual é o
mecanismo que está funcionando? A mente é uma necessidade – uma grande necessidade,
particularmente para a humanidade. E essa é a diferença básica entre o homem e os animais. O
homem pensa, e ele usou o pensamento como uma arma em sua luta para a sobrevivência. Ele
pôde sobreviver, porque ele pôde pensar; no restante, ele é mais indefeso do que qualquer
animal, mais fraco do que qualquer animal. Fisicamente, sobreviver era impossível para ele. Ele
pôde sobreviver, porque pôde pensar. Por causa do pensamento, ele se tornou o mestre da Terra.
Se o pensamento foi tão profundamente útil, então, fica fácil compreender por que o homem
se tornou identificado com a mente. Você não está tão identificado com o corpo. Naturalmente,
as religiões continuam dizendo “não fique identificado com o corpo”, mas ninguém está
realmente identificado com o corpo – ninguém! Você está identificado com a mente, não com o
corpo, e essa identificação com o corpo não é tão fatal como a identificação com a mente –
porque o corpo é mais real. O corpo existe, ele está muito profundamente relacionado com a
existência. A mente é apenas uma sombra.
A identificação com a mente é mais sutil do que a identificação com o corpo, mas nós
estamos identificados com a mente, porque a mente foi uma ajuda muito grande para a
sobrevivência – não somente contra os animais, contra a natureza, mas contra outros seres
humanos também. Se você tem uma mente aguda, inteligente, você vencerá os outros seres
humanos também. Você terá sucesso, você se tornará mais rico, porque você será mais calculista
e mais esperto. Contra os outros seres humanos também, a mente é a arma. Eis por que nós
somos tão identificados – lembre-se disso.
Contra a morte, contra a doença, contra a natureza, contra os animais, contra outros seres
humanos, a mente foi sua proteção, sua segurança. E a mente fez muito; assim, obviamente, nós
pensamos em nós mesmos como mente. Se alguém diz que o seu corpo está doente, você não se
sente ofendido, mas se alguém diz que sua mente parece doente, você se sente ofendido. Se seu
corpo está doente, você não se sente ofendido. Por quê? Você não está identificado com o corpo.
Mas se a sua mente está doente e alguém diz que você está psicologicamente doente,
mentalmente doente, insano, você se sente ofendido. Agora sim, isso é alguma coisa sobre você,
não sobre seu corpo.
Você lida com o corpo como se ele fosse um veículo, algo que você possui, mas não é assim
com a mente. Com a mente, você é a mente; com o corpo, você é o mestre. O corpo é o servo –
você o possui.
Esta mente criou uma divisão em seu ser também, e essa é a segunda causa básica do porquê
estamos identificados com ela. Você pensa não apenas sobre coisas externas, você pensa sobre
coisas internas também. Por exemplo, o corpo tem muitos instintos. Você pensa sobre seus
instintos também. Não somente você pensa, você luta contra seus instintos; assim, há uma luta
interna constante. Há o sexo... – a mente o combate, ou tenta moldá-lo de seu próprio jeito. Ela
reprime-o, perverte-o, tenta controlá-lo.
A mente está lutando internamente também. Essa luta cria uma divisão entre você e seu
corpo. E na verdade, você começa a pensar que o corpo é alguma coisa hostil, não um amigo,
porque o corpo continua fazendo coisas que a mente é contra. O corpo não irá escutar a mente;
assim, a mente se sente ofendida, derrotada. Ela ataca o corpo e, então, uma divisão é criada. E
você sempre está identificado com a mente, nunca com o corpo.
A mente é o seu ego. Esse é o seu “eu”. Se o corpo sente a sexualidade, você pode dividir.
Você pode dizer: “Isso é o corpo, não eu. Eu sou contra isso. Eu fiz um voto de celibato, eu sou
contra isso. Isso é o corpo; isso não sou eu”. Então, quem é você? A mente que fez um voto?
Essa mente é o seu ego e você vai contra o corpo, porque o corpo é muito “egodestrutivo”. O que
quer que você decida, ele nunca escuta.
Toda tolice ascética nasceu por causa disto: o corpo não ouve. O corpo é natureza, o corpo é
uma parte do todo cósmico, o corpo tem suas próprias leis. Essas leis são inconscientes; ele
funciona de acordo com elas. A mente tenta criar suas leis sobre e acima do corpo. Então, um
conflito é criado. Então, a mente começa a lutar com o corpo. Então, a mente vai matar o corpo
de fome; ela tentará de todas as maneiras matá-lo.
Foi isso o que aconteceu no passado: as pessoas supostamente religiosas ficaram realmente
loucas contra seus corpos. E o que quer que elas estivessem fazendo era menos para Deus e mais
contra o corpo. Na verdade, estar em busca de Deus se tornou sinônimo de estar contra o corpo.
As pessoas religiosas tomavam a atitude “mate o corpo, destrua o corpo, o corpo é o inimigo”. E,
na verdade, isso não é uma atitude religiosa, mas uma das atitudes mais irreligiosas, porque ela é
a mais egoísta. Isso é o ego; o ego se sente ofendido.
Você decide não ficar com raiva novamente e, então, a raiva vem... – seu ego se sente
derrotado. Sua decisão é jogada ao mar e a raiva vem. E quando a raiva vem, você sente que
aquilo está vindo do corpo. Você decide contra o sexo e o sexo vem... – você se sente ofendido;
assim, você tenta punir o corpo. O ascetismo não é nada mais do que punição – punir seu próprio
corpo a fim de forçá-lo a se comportar de acordo com o ego.
Essa mente – esse processo de pensamento, esse ego – é apenas um fragmento de seu ser
total, e esse fragmento está tentando ser o soberano. Isso não é possível, o fragmento não pode
ser o soberano. Ele fracassará; eis por que há tanta frustração na vida. Você nunca pode ter
sucesso – você está tentando o impossível. O fragmento não pode ser o soberano. O todo é maior
e o todo é mais poderoso.
É como se um galho de árvore tentasse controlar a árvore inteira, até mesmo as raízes. Como
pode um galho controlar a árvore inteira, e como ele pode forçar as raízes a seguirem-no? Isso é
impossível. O que quer que ele pense, é loucura; o galho ficou louco. Ele pode continuar
pensando e sonhando, concebendo um futuro onde as árvores o seguirão, mas isso não é
possível; ele terá de seguir a árvore. Ele está vivo apenas por causa da árvore e das raízes. E as
raízes existiam antes de ele existir. As raízes são a fonte dele também.
Sua mente é apenas um fragmento de seu corpo; ela não pode controlá-lo. O próprio esforço
para controlar o corpo criará frustração e fracasso. E toda a humanidade tem sido um fracasso
por causa disso. Todo mundo está sofrendo, em conflito, angustiado, ansioso, vacilante, porque o
impossível está sendo tentado. Mas o ego sempre gosta de tentar o impossível. O possível não
tem nenhum desafio para ele; o impossível é um desafio. E se o impossível pudesse ser feito,
então, o ego se sentiria muito bem – ...porque aquilo não podia ser feito. Você pode tentar fazê-
lo, mas você desperdiçará sua vida tentando fazer aquilo que não pode ser feito.
Por causa desse esforço interno para se tornar o mestre, você está identificado com a mente.
Quem gostaria de estar identificado com um servo? Quem gostaria de estar identificado com o
inconsciente? É inútil. O inconsciente é negado, porque ele não pode ser agarrado. E, com o
inconsciente, não há nenhum ego, você não pode sentir o “eu”.
Tente entender isso desta maneira: quando o sexo o domina, você realmente não pode dizer
“eu”. É como se alguma coisa maior do que você tomasse conta – como se você estivesse em
uma forte correnteza. Você não existe mais; alguma outra coisa o está dirigindo. Eis por que
estas palavras são significativas... eis por que aqueles que são contra o sexo, dirão “o sexo me
possuiu”.
A raiva o possui, a fome o possui. Elas são algo maior do que você, você apenas é levado pela
correnteza. É terrível. É muito terrível, porque, então, você não existe mais. É um tipo de morte.
Eis por que você é tão contra o sexo – ele é um tipo de morte. Aqueles que são contra o sexo,
sempre terão medo da morte e aqueles que não são contra o sexo e podem fluir nele facilmente,
espontaneamente, nunca terão medo da morte. Veja a associação: aqueles que são contra o sexo,
sempre terão medo da morte e aqueles que têm medo da morte, sempre serão contra o sexo.
Aqueles que estão com medo da morte, sempre criarão teorias de imortalidade; eles sempre
pensarão sobre a vida depois da morte. Aqueles que pensam sobre a imortalidade, sempre serão
contra o sexo – essas são as alternativas. O sexo lhe dá um medo. Qual é o medo? Você não
existe mais naquilo, alguma coisa maior do que você o possui. Você é jogado ao mar; você não
existe mais naquilo.
Assim, até mesmo aqueles que não são contra o sexo, esses também realmente, jamais vão
fundo no sexo. Eles jamais vão; eles sempre estão se contendo, tentando ficar presentes, não se
permitindo, não-disponíveis para uma entrega. Eis por que o orgasmo, uma coisa tão natural, se
tornou impossível para o homem e a mulher. Um orgasmo profundo significa que você esteve em
alguma coisa que era maior do que você. Você esteve em alguma coisa onde você não existia, o
ego não existia.
O ego está lutando para controlar tudo, e a mente ajuda. No esforço, você se torna
identificado com a mente e nessa identificação está a miséria, ela é uma sombra falsa. A mente é
um instrumento muito útil. Você tem de usá-la, mas não se torne identificado com ela. Ela é um
bom instrumento – necessária. Use-a! Mas não sinta que você é a mente, porque uma vez que
você comece a sentir que você é a mente, você não pode usá-la. A mente começa a usá-lo. Então,
você simplesmente é carregado pela mente.
Todas as meditações são um esforço para lhe dar um lampejo daquilo que não é a mente.
Assim, como ir além dela? Como abandoná-la e olhá-la ainda que por um momento?

37 Além das palavras e sons

A primeira técnica do som:

Devi, imagine as letras do sânscrito nestes foci de consciência preenchidos de mel,


primeiro como letras; então mais sutilmente, como sons; então, como sentimentos mais
sutis. Então, deixando-as de lado, liberte-se.

Palavras são sons. Pensamentos são palavras em sequência, em sequência lógica, em um


determinado padrão. O som é básico. Com o som, as palavras são criadas e, então, com as
palavras, os pensamentos são criados e, então, com os pensamentos, religiões e filosofia, tudo.
Lá no fundo está o som.
Esta técnica usa um processo inverso. Shiva diz: Devi, imagine as letras do sânscrito nestes
foci de consciência preenchidos de mel, primeiro como letras; então mais sutilmente, como sons;
então, como sentimentos mais sutis. Então, deixando-as de lado, liberte-se.
Nós vivemos na filosofia. A pessoa é um hindu, é um muçulmano, é um cristão, ou alguma
outra coisa. Nós vivemos em filosofias, sistemas de pensamento e eles se tornaram tão
importantes, que nós podemos morrer por eles. O homem pode morrer por palavras, por meras
palavras. Alguém chama seus conceitos de uma mentira absoluta, ou alguém chama Rama ou
chama Cristo ou outra pessoa de mentira; então, o homem pode lutar, ele pode matar o outro por
uma mera palavra. A palavra se tornou importante. Isso é tolice, mas isso é história e é como nós
ainda estamos nos comportando.
Uma simples palavra pode criar tamanha perturbação em você, que você estará pronto para
matar ou morrer por ela. Nós vivemos em filosofias, sistemas de pensamento. O que são
filosofias? Pensamentos arranjados logicamente, sistematicamente, em um certo padrão. E o que
são pensamentos? Palavras arranjadas em um certo sistema, significativamente. E o que são
palavras? Sons, sobre os quais se concorda que significam isso ou aquilo. Assim, os sons são
básicos; eles são a estrutura básica da mente. As filosofias são o pico, mas os tijolos pelos quais
toda a estrutura é erguida são os sons.
O que está errado? Um som é apenas um som, e o sentido é dado por nós, em concordância;
do contrário, ele não tem nenhum sentido. O sentido é dado por nós; do contrário, ‘Rama’ é
apenas um som – ele é sem sentido. Nós lhe damos um sentido e, então, criamos um sistema de
pensamento em torno dele. Então, essa palavra se torna muito significativa; então, nós fazemos
uma filosofia em torno dela. Então, nós podemos fazer alguma coisa, qualquer coisa por ela.
Você pode morrer e pode viver por ela. Se alguém insulta esse som ‘Rama’, você pode ficar
enfurecido. E o que é isso? Apenas um acordo, um acordo legal, de que “esta palavra significa
isto”. Nenhuma palavra significa nada em si mesma, ela é simplesmente um som.
Este sutra diz para se ir na ordem inversa – ir de trás para frente. Venha para o som; então,
mais básico que o som, um sentimento está escondido em algum lugar. Isso tem de ser
compreendido. O homem usa palavras. Palavras significam sons com sentidos que foram
acordados. Mas os animais, os pássaros usam o som sem qualquer significado linguístico. Eles
não têm nenhuma língua, mas eles usam os sons com sentimentos. Um pássaro está cantando:
isso tem um significado de “sentimento” nele, isso está indicando alguma coisa. Pode ser um
chamado pelo parceiro, pelo amado, ou pode ser um chamado pela mãe, ou o filho pode estar
sentindo fome e simplesmente mostrando seu infortúnio. O som está indicando um sentimento.
Acima dos sons, há palavras, pensamentos, filosofias; abaixo dos sons, há sentimentos. E a
menos que você possa chegar abaixo dos sentimentos, você não pode chegar abaixo da mente. O
mundo todo é preenchido com sons, somente o mundo humano é preenchido com palavras. E até
mesmo uma criança que não pode usar a linguagem, usa sons. Na verdade, toda a linguagem se
desenvolve por causa de um som determinado que toda criança está usando no mundo todo.
Por exemplo: em qualquer língua, a palavra ‘mãe’ está de alguma forma relacionada com
‘ma’. Ela pode ser ‘mater’, pode ser ‘mutter’, pode ser ‘mata’, pode ser ‘ma’... – qualquer coisa
– mas em algum lugar ela está relacionada com o som ‘ma ’ em todas as línguas, mais ou menos.
A criança pode pronunciar “ma” mais facilmente. O primeiro som que a criança pode pronunciar
é “ma”. Então, toda a estrutura está baseada nesse ‘ma’. Uma criança pronuncia “ma”, porque
este é o primeiro som que é fácil para a criança pronunciar. Esse é o caso em todo lugar, em
qualquer parte do mundo, em qualquer época. Apenas por causa da estrutura da garganta e do
corpo, ‘ma’ é o som mais fácil de se pronunciar.
E a mãe é a primeira e mais próxima pessoa que é significativa. Assim, o primeiro som se
torna associado com a primeira pessoa que é significativa e, desse “mãe”, “mater”, “mata”,
“ma”, todas as outras palavras são derivadas. Mas quando a criança pela primeira vez pronuncia
‘ma’, ela não tem nenhum significado linguisticamente para isso, mas o sentimento está presente.
E por causa desse sentimento, a palavra se torna associada com a mãe. Esse sentimento é mais
básico que o som.
Assim, este sutra diz para primeiro imaginar as letras do sânscrito. Qualquer língua servirá.
Por Shiva estar falando para Parvati, só por isso ele disse ‘sânscrito’. Você pode usar inglês,
latim ou árabe, qualquer língua servirá. O sânscrito não tem nenhuma importância, exceto que
Shiva estava falando com Parvati em sânscrito. Não é que o sânscrito seja alguma coisa superior
a qualquer outra língua. Qualquer língua servirá. Primeiro sinta internamente, em sua
consciência, o “foci de consciência preenchido de mel” cheio de letras: A, B, C, D... qualquer
letra de qualquer língua. Isso pode ser feito e é um exercício muito belo. Se você quiser fazê-lo,
feche seus olhos e apenas veja sua consciência interna sendo preenchida com palavras.
Pense a consciência como um quadro negro, então: A, B, C... Visualize todas as palavras,
todas as letras. Primeiro visualize-as como letras. A: olhe para ela como o A que você escreve.
Escreva-a com consciência e olhe para ela. Então, pouco a pouco, esqueça-se da letra A e apenas
lembre-se do som do A – apenas o som. Comece com a visualização – porque os olhos são
predominantes para nós. Os ouvidos não são predominantes. Nós somos orientados pelos olhos,
centrados nos olhos. Novamente, a razão é a mesma. Porque os olhos nos ajudam a sobreviver
mais do que qualquer outra coisa, nossa consciência está noventa por cento nos olhos. Imagine-
se sem olhos e toda a sua vida morre – então, uma parte muito pequena permanece.
Assim, primeiro visualize. Use seus olhos internamente e veja as letras. As letras estão mais
relacionadas com os ouvidos do que com os olhos, porque elas são sons, mas, para nós, porque
nós estamos lendo, lendo, lendo, elas se tornaram associadas com os olhos. Basicamente, elas
estão associadas com os ouvidos – elas são sons. Comece com os olhos, então, esqueça-se dos
olhos pouco a pouco. Então, afaste-se dos olhos em direção aos ouvidos. Primeiro, imagine-as
como letras; então, veja-as, ouça-as mais sutilmente, como sons; então, como sentimentos mais
sutis. E este é um exercício muito belo.
Quando você diz “A”, qual é o sentimento? Você pode nunca ter estado consciente disso.
Qual o sentimento dentro de você? Sempre que você usa algum som, que tipo de sentimento vem
à existência? Nós somos tão sem sentimentos, que nós simplesmente nos esquecemos.
Quando você vê um som, o que acontece interiormente? Você continua usando-o e o som é
até mesmo esquecido. Você continua vendo-o. Se eu digo “A”, você o verá primeiro. Em sua
mente, “A” se tornará visível; você o visualizará. Quando eu disser “A”, não o visualize.
Simplesmente escute o som “A” e, então, vá descobrir o que acontece em seu centro do
sentimento. Não acontece nada?
Shiva diz: mova-se das letras para os sons, descubra os sons através das letras. Descubra os
sons e, então, através dos sons também, descubra os sentimentos. Fique consciente de como você
se sente. Dizem que o homem agora se tornou muito insensível; ele é o animal mais insensível na
Terra.
Eu estava lendo sobre um poeta, um poeta alemão, e ele conta um incidente de sua infância.
Seu pai era um amante de cavalos; assim, ele tinha muitos cavalos em casa, um grande estábulo,
mas o pai não permitia a esse filho ir ao estábulo – ele tinha medo, visto que o filho era muito
pequeno. Mas, quando o pai não estava presente, o filho algumas vezes entrava clandestinamente
no estábulo onde ele tinha um grande amigo – um cavalo. Sempre que o filho entrava, o cavalo
fazia alguns sons.
E o poeta escreveu: “Então, eu também começava a fazer sons com o cavalo, porque não
havia nenhuma possibilidade de linguagem. Então, em comunicação com aquele cavalo, pela
primeira vez, eu me tornei consciente dos sons – a beleza deles, o sentimento deles”.
Você não pode estar consciente com um homem, porque ele está morto. Um cavalo está mais
vivo, e ele não tem linguagem. Ele tem som puro. Ele está preenchido com o próprio coração,
não com a mente. Assim, esse poeta se lembra: “Pela primeira vez, eu me tornei consciente da
beleza dos sons e do sentimento deles. Não era o significado das palavras e pensamentos, mas
um significado preenchido com sentimento”. Se outra pessoa estivesse presente, o cavalo não
faria aqueles sons; assim, o filho podia entender o que o cavalo pretendia dizer: “Não entre.
Alguém está aqui e seu pai ficará com raiva”.
Quando não havia ninguém, o cavalo fazia os sons significando: “Entre. Não tem ninguém”.
Assim, o poeta lembra-se de que: “Era uma conspiração e ele me ajudava muito, aquele cavalo
me ajudava muito. E quando eu ia e amava aquele cavalo, ele movia a sua cabeça de uma certa
forma quando ele estava gostando. Quando ele não gostava, ele não movia sua cabeça daquela
maneira. Quando ele gostava daquilo, então, era uma coisa certa, ele expressava-o. Quando ele
não estava naquele humor, então, ele não mexia daquela certa forma”.
E esse poeta diz: “Isso continuou por anos. Eu ia e amava aquele cavalo e esse amor era
muito profundo: eu nunca senti tamanha afinidade com nenhuma outra pessoa tão
profundamente. Então, um dia, quando eu estava acariciando seu pescoço e ele estava se
movendo e desfrutando aquilo extasiantemente, de repente pela primeira vez, eu me tornei ciente
de minha mão, de que eu estava acariciando; e o cavalo parou. Agora ele não podia mover seu
pescoço”. E esse poeta diz: “Então, por anos eu tentei e tentei, mas não havia resposta, o cavalo
não respondia. Somente mais tarde, eu descobri que, devido a eu ter me tornado ciente de minha
mão e de mim mesmo, o ego entrou e a comunicação se quebrou. Eu não pude recapturar
novamente aquela comunicação com o cavalo”.
O que aconteceu? Aquilo era uma comunicação de sentimento. No momento que o ego entra,
as palavras entram, a língua entra, os pensamentos entram, então, a camada é mudada
completamente. Agora você está acima dos sons; antes, você estava abaixo dos sons. Aqueles
sons são sentimentos e o cavalo podia entender sentimentos. Agora, ele não podia mais
compreender; assim, a comunicação foi quebrada. O poeta tentou e tentou – mas nenhum esforço
teve sucesso, porque até mesmo seu esforço é o esforço de seu ego.
Ele tentou esquecer a sua mão, mas ele não pôde esquecer. Como você pode esquecer? É
impossível. E quanto mais você tenta esquecê-la, mas você se lembra. Assim, você não pode
esquecer nada com esforço. O esforço simplesmente enfatizará mais a memória. O poeta diz: “Eu
fiquei fixado na minha mão; eu não podia mover aquele cavalo. Eu levantava a minha mão e,
então, não havia nenhum movimento. A energia não podia se mover para aquele cavalo e ele
sabia disso.
Como o cavalo ficou sabendo? Se de repente eu começar a falar uma outra língua, então, a
comunicação será quebrada, então, você não será capaz de me entender. E se essa língua não for
conhecida por você, de repente você irá parar, porque agora a língua não é conhecida por você.
Assim, o cavalo parou.
Toda criança vive com o sentimento. Primeiro vêm os sons. Depois, esses sons são
preenchidos com sentimentos. Então, vêm as palavras, então, pensamentos; então, sistemas,
religiões, filosofias. Então, a pessoa vai para cada vez mais longe e longe do centro do
sentimento.
Este sutra diz: volte, desça – desça para o estado de sentir. O sentimento não é a sua mente:
eis por que você tem medo de sentir. Você nunca tem medo de usar a razão. Você sempre tem
medo de sentir, porque o sentimento pode levá-lo para o caos. Você não será capaz de controlar.
Com a razão, o controle está com você; com a cabeça, você é o cabeça. Abaixo da cabeça, você
perde a cabeça, você não pode controlar, você não pode manipular. Os sentimentos estão
exatamente abaixo da mente – um elo entre você e a mente.
Então, Shiva diz: Então, deixando-as de lado, liberte-se. Então, deixe os sentimentos. E
lembre-se: somente quando você for para a camada mais profunda dos sentimentos, você poderá
deixá-los. Você não pode deixá-los exatamente agora... Você não está na camada mais profunda
dos sentimentos – assim, como você pode deixá-los? Primeiro você tem de deixar as filosofias –
hinduísmo, cristianismo, islamismo – então, você tem de deixar os pensamentos; então, você tem
de deixar as palavras; então, você tem de deixar as letras; então, você tem de deixar os sons;
então, você tem de deixar os sentimentos – porque você somente pode deixar aquilo que existe.
Você pode deixar esse passo sobre o qual você está apoiado; você não pode deixar um passo
sobre o qual você não esteja apoiado.
Você está apoiado no passo da filosofia – o mais distante. Eis por que eu insisto tanto em que
a menos que você deixe a religião, você não pode ser religioso.
Este sutra, esta técnica, pode ser feita muito facilmente. O problema não é com os
sentimentos, o problema é com as palavras. Você pode deixar um sentimento, exatamente como
você pode se despir – como você pode sair de suas roupas. Você pode tirar suas roupas; você
pode deixar os sentimentos simplesmente dessa maneira. Mas, exatamente agora, você não pode
fazer isso, e se você tentar fazê-lo, será impossível. Assim, vá passo a passo.
Imagine letras – A, B, C, D – então, mude a sua ênfase da letra escrita para o som do coração.
Você está se movendo fundo, a superfície é deixada para trás. Você está mergulhando fundo –
então, sinta que os sentimentos chegam a um som particular.
Por causa de tais técnicas, a Índia pôde descobrir muitas coisas. Pôde ser descoberto que os
sons estão relacionados com sentimentos particulares. Por causa dessa ciência, o mantra foi
desenvolvido. Um som particular está relacionado a um sentimento particular, e nunca é o
contrário. Assim, se você cria esse som dentro de você, esse sentimento será criado. Você pode
usar qualquer som e, então, o sentimento relacionado será criado à sua volta. Esse som cria o
espaço a ser preenchido por um sentimento particular.
Assim, não use simplesmente qualquer mantra, isso não é bom; isso pode ser perigoso para
você. A menos que você saiba, ou a menos que uma pessoa que lhe dê o mantra saiba qual som
particular cria tal sentimento particular e, se esse sentimento é necessário para você ou não, não
use qualquer mantra. Existem mantras que são conhecidos como mantras de morte. Se você os
repete, você morrerá dentro de um certo tempo. Dentro de um certo tempo, você morrerá, porque
eles criam em você um desejo de morte.
Freud diz que o homem tem dois instintos básicos: libido – Eros – o desejo de viver, o desejo
de ser, o desejo de continuar, o desejo de existir. E Tanatos – o desejo de morrer. Há
determinados sons através dos quais, se você os repetir, o desejo de morrer virá a você. Então,
você tem vontade simplesmente de saltar para dentro da morte. Há sons que lhe dão Eros – que
lhe dão mais libido, que lhe dão mais vontade de viver, de ser. Se você criar esses sons dentro de
você, esse determinado sentimento tomará conta de você. Há sons que lhe dão um sentimento de
paz e silêncio; há sons que criam raiva. Assim, não use nenhum som, nenhum mantra, a menos
que ele lhe seja dado por um mestre que conheça o que irá acontecer através dele.
Quando você descer dos sons, você estará consciente. Cada som tem sua contraparte no
sentimento. Cada som tem um sentimento correspondente que vem com ele, escondido atrás
dele. Então, mova-se para o sentimento; esqueça o som e mova-se para o sentimento. É difícil
explicar, mas você pode fazê-lo. E há técnicas para isso. Particularmente no zen, há técnicas. Um
mantra determinado era dado ao buscador. Se, internamente, ele o estivesse fazendo
corretamente, o mestre saberia pelo seu rosto. O mestre poderia saber pelo rosto se ele o estava
fazendo corretamente ou não, porque um determinado sentimento deveria surgir. Se o som é
criado, então, o sentimento está fadado a surgir, e ele estará no rosto. Você não pode enganar um
mestre. Ele sabe, pelo seu rosto, o que está acontecendo internamente.
Dogo era um grande mestre, mas ele mesmo esteve muito perturbado quando era um
discípulo, pelo fato de seu mestre ficar sabendo o que ele estava experienciando. E o mestre zen
andava com seu bastão e ele podia bater em você na hora. Se alguma coisa estiver errada com
seu som interno, ele baterá em você na hora. Assim, Dogo perguntou: “Mas como você sabe? E
você me bate exatamente no momento certo. Como você sabe”?
O rosto expressa o sentimento, não o som. O som não pode ser expresso pelo rosto, mas o
rosto está fadado a expressar o sentimento. E quanto mais fundo você for, mais seu rosto se
tornará flexível à expressão, mais líquido. Ele mostrará na hora o que está acontecendo
interiormente. Esse rosto que você tem exatamente agora, cairá, porque ele é uma máscara – não
é um rosto. Quando você vai para dentro, as máscaras caem, porque elas não são necessárias. As
máscaras são necessárias para os outros.
Por causa disso, os antigos mestres insistiram em sair do mundo. Era assim que você podia
sair facilmente das máscaras; do contrário, os outros estariam presentes e, por causa deles, você
tem de carregar máscaras. Você não ama sua esposa ou seu marido, mas você tem de carregar
uma máscara – uma face amorosa, uma face amorosa falsa. No momento em que você entra em
casa, você arruma o rosto: você entra e começa a rir. Esse não é o seu rosto.
Os mestres zen insistiram em que primeiro a pessoa deve atingir a face original, porque com a
face original, tudo se torna mais fácil. Então, o mestre pode simplesmente saber o que está
acontecendo. Assim, a iluminação nunca era relatada. Se algum buscador alcançasse a
iluminação, ele não precisava dizer ao mestre que a alcançara, porque o mestre simplesmente
saberia. Ele dizia ao discípulo. A nenhum discípulo era permitido dizer ao mestre “eu alcancei”.
Não havia necessidade. A face mostrará, os olhos mostrarão, o próprio movimento, o caminhar
mostrarão. O que quer que ele faça, cada gesto mostrará que ele alcançou.
Quando você vai dos sons para os sentimentos, você vai para um mundo muito, muito
extasiante, um mundo existencial. Você vai para longe da mente. Os sentimentos são
existenciais; é isso que a palavra significa – você os sente. Você não pode vê-los, você não pode
ouvi-los, você simplesmente os sente. Quando você chega neste ponto, você pode dar o salto.
Esse é o último passo. Agora você está em pé próximo a um abismo; você pode saltar.
E se você salta dos sentimentos, você salta para dentro si mesmo. Aquele abismo é você – não
como sua mente, mas como seu ser; não como o passado acumulado, mas como o presente, aqui
e agora.
Você se move da mente para o ser, e a ponte, a ligação, são os sentimentos. Mas para vir para
os sentimentos, você terá de abandonar muitas coisas – palavras, sons, toda a fraude da mente.
Então, deixando-as de lado, liberte-se.
Você é livre. Essa afirmação, liberte-se, não significa que você tenha de fazer alguma coisa
para ficar livre. “Então, deixando-as de lado, liberte-se” significa que você é livre! Ser é
liberdade; mente é servidão. Eis por que se diz que a mente é o sansara, o mundo.
Não abandone o mundo... você não pode abandoná-lo. Se a mente estiver presente, você
criará um outro mundo, a semente está ali. Você pode ir para uma montanha, para um retiro, mas
você irá com a mente; você não pode deixá-la aqui. O mundo vai com você, você criará um outro
mundo. Até mesmo em seu retiro, você começará a criá-lo novamente, porque a semente está ali.
Você criará relacionamentos novamente. Pode ser com as árvores, pode ser com os pássaros, mas
você criará relacionamentos novamente, criará expectativas novamente e continuará espalhando
a teia, porque a semente está ali. Você novamente estará em um mundo.
A mente é o mundo, e você não pode deixar a mente em parte alguma. Você pode deixá-la
somente se você se move para dentro. Assim, o único Himalaia é esse; nenhum outro Himalaia
funcionará. Se você se move para dentro das palavras para os sentimentos, e dos sentimentos
para o ser, você está se movendo para longe do mundo. E uma vez que você conheça esse abismo
interior do ser, então, você pode estar em qualquer lugar, até mesmo no inferno. Então, não faz a
menor diferença. Não faz nenhuma diferença então! Se você está sem mente, o inferno não pode
entrar em você e, com a mente, somente o inferno entra. A mente é a porta para o inferno.
Deixando-as de lado, liberte-se. Mas não tente diretamente com os sentimentos, você não terá
sucesso. Tente primeiro com palavras. Mas, com palavras, você também não terá sucesso se você
não abandonar as filosofias, se você não abandonar os pensamentos. As palavras são apenas
unidades – e se você dá significância às palavras, você não pode deixá-las.
Não se esqueça de que a linguagem é uma criação humana. Ela é utilitária, necessária; e os
significados que demos aos sons são nossa própria criação. Se você pode entender isso bem,
então, você pode se mover facilmente. Se alguém está dizendo alguma coisa contra o Alcorão, ou
contra os Vedas, como você se sente? Você pode rir disso ou alguma coisa se aperta dentro de
você? Você pode rir disso? Alguém está insultando o Gita ou alguém está dizendo alguma coisa
depreciativa contra Krishna ou Rama ou Cristo – você pode rir? Você pode ver através das
palavras, que aquilo são meras palavras? Não, você será ferido. Aí então fica difícil perder as
palavras.
Veja que palavras são apenas palavras – ruídos com significados convencionados e nada
mais. Convença-se disso. E é assim! Primeiro torne-se desapegado das palavras. Se houver
desapego das palavras, então, você poderá compreender que elas são apenas ruídos.
É como no exército onde se usam números. Um soldado é número 101: ele se torna
identificado com ‘101’. E se alguém diz alguma coisa depreciativa contra o número 101, ele se
sentirá insultado, ele começará a lutar. E ‘101’ é apenas um número, mas ele se tornou
identificado com ele. Seu nome é apenas um número, apenas um número de índice. Do contrário,
as coisas ficarão difíceis; assim, nós temos de rotulá-lo. Isso é apenas um rótulo; qualquer outro
rótulo pode funcionar do mesmo jeito. Mas não é apenas um rótulo para você, ele entrou fundo;
seu nome se tornou o centro de seu ego.
Assim, eles dizem – os supostos sábios – eles dizem: “Viva pelo seu nome. Veja que seu
nome permaneça puro. A respeitabilidade pelo seu nome deve estar presente e mesmo que você
morra, seu nome viverá”. Nunca esteve lá, é simplesmente um número de código. Você morrerá
e o nome viverá... Quando você mesmo não pode viver, como o rótulo viverá?
Olhe para as palavras – para a futilidade delas, a falta de sentido delas e não se torne apegado
a nenhuma palavra. Somente então você pode fazer esta técnica.

38 Sinta-se no centro dos sons

A segunda técnica de som:

Banhe-se no centro do som, como em um som contínuo de uma cachoeira. Ou, colocando
os dedos nos ouvidos, ouça o som dos sons.
Essa técnica pode ser feita de várias maneiras. Uma das maneiras é começar simplesmente
sentando-se em qualquer lugar. Os sons sempre estão presentes. Pode ser em um mercado ou
pode ser em um retiro nos Himalaias: os sons estão presentes. Sente-se silenciosamente. E com o
som há algo muito especial. Sempre que há sons, você é o centro. Todos os sons vêm até você de
todos os lugares, de todas as direções.
Com a visão, com os olhos, não é assim. A visão é linear. Eu o vejo – então, há uma linha em
direção a você. O som é circular, não é linear. Assim, todos os sons chegam em círculos e você é
o centro. Onde quer que você esteja, você sempre é o centro do som. Para os sons, você sempre é
Deus, o centro e todo o universo. Todo som está vindo até você, movendo-se em sua direção, em
círculos.
Esta técnica diz: Banhe-se no centro do som. Onde quer que você esteja, se você estiver
fazendo esta técnica, simplesmente feche seus olhos e sinta todo o universo preenchido com som.
Sinta como se todos os sons estivessem vindo em sua direção e você fosse o centro. Até mesmo
essa sensação de que você é o centro lhe dará uma paz muito profunda. Todo o universo se torna
a circunferência e você é o centro e tudo está movendo-se em direção a você, caindo em sua
direção.
...Como em um som contínuo de uma cachoeira. Se você estiver sentado ao lado de uma
cachoeira, feche seus olhos e sinta o som por toda a sua volta, caindo sobre você de todos os
lados, criando um centro em você por todos os lados. Por que essa ênfase na sensação de que
você está no centro? Porque no centro não há som. O centro é sem som. Eis por que você pode
ouvir os sons; do contrário, você não poderia ouvi-los. Um som não pode ouvir um outro som.
Como você é sem som em seu centro, você pode ouvir os sons. O centro é absoluto silêncio. Eis
por que você pode ouvir os sons entrando em você, chegando até você, penetrando-o,
envolvendo-o.
Se você puder descobrir onde é o centro, onde é o lugar em você para onde todo o som está
vindo, de repente os sons desaparecerão e você entrará no sem som. Se você pode sentir um
centro onde todo som está sendo ouvido, há uma transferência repentina de consciência. Em um
momento, você estará ouvindo o mundo todo preenchido com sons; e, em outro momento, sua
consciência, de repente, se voltará para dentro e você ouvirá a ausência de som, o centro da vida.
Uma vez que você tenha ouvido isso, então, nenhum som poderá perturbá-lo. Ele vem até
você, mas ele nunca o atinge. Ele está sempre vindo até você, mas ele nunca o atinge. Há um
ponto onde nenhum som entra. Esse ponto é você. Faça isso em um mercado, não há nenhum
outro lugar como um mercado. Ele está tão preenchido com sons, sons loucos. Mas não comece
pensando sobre os sons – que este é bom e aquele é ruim, e este é tumultuado e aquele é muito
belo e harmônico. Você não deve pensar sobre os sons, você deve simplesmente pensar no
centro. Você não deve pensar sobre cada som que vem em sua direção – se ele é bom, ruim, belo.
Você simplesmente tem de se lembrar de que você é o centro e todos os sons estão se movendo
em sua direção – qualquer som, seja de que tipo for.
No começo, você ficará tonto, porque você nunca esteve ouvindo tudo o que está acontecendo
ao redor. Sua audição é seletiva, sua visão é seletiva. E agora pesquisas científicas dizem que
noventa e oito por cento não é ouvido, somente dois por cento de tudo o que está acontecendo ao
seu redor é ouvido. Do contrário, se você ouvir cem por cento do que está acontecendo em toda a
sua volta, você simplesmente ficará louco. Anteriormente, pensava-se que os sentidos eram as
portas, as aberturas, as janelas para o exterior entrar. Agora, dizem que eles não são portas e nem
estão tão abertos como se pensava. Ao invés disso, eles são como um vigia, um censor, que está
a todo momento observando o que deve ser permitido entrar ou não.
Somente dois por cento dos acontecimentos têm permissão de entrar – e você já está louco
com dois por cento. Com cem por cento, com uma abertura total, com tudo aberto, todos os
sentidos abertos, funcionando, e tudo tendo permissão para entrar, você ficaria louco. Assim,
quando você tentar este método, no primeiro passo, você sentirá uma tontura chegando em você.
Não fique com medo, continue sentindo o centro – e permita tudo, o que quer que esteja
acontecendo. Permita que tudo entre.
Relaxe-se, relaxe suas torres de vigia, seus sentidos; relaxe tudo, deixe tudo entrar em você.
Você se tornou mais líquido, aberto; tudo está vindo para você, todos os sons estão se movendo
em sua direção. Então, mova-se com os sons e vá para o centro de onde você os escuta.
Os sons não são ouvidos nos ouvidos, os ouvidos não os podem ouvir. Os ouvidos apenas
fazem um trabalho de transmissão e, na transmissão, eles cortam muito do que é inútil para você.
Eles escolhem, selecionam e, então, esses sons entram em você. Agora, descubra, internamente,
onde fica o seu centro. Os ouvidos não são o centro, você está ouvindo de algum lugar mais
profundo. Os ouvidos estão simplesmente lhe enviando sons selecionados. Onde você está? Onde
está o seu centro?
Se você estiver trabalhando com sons, então, mais cedo ou mais tarde, você ficará surpreso –
porque o centro não está na cabeça. Ele parece estar na cabeça, porque você nunca ouviu os sons,
você apenas ouviu palavras. Com as palavras, a cabeça é o centro; com os sons, ela não é o
centro. Eis por que, no Japão, eles dizem que o homem pensa não através da cabeça, mas através
da barriga - porque eles estiveram trabalhando com sons por um longo tempo.
Você pode ver um gongo em todos os templos. Ele é colocado lá para criar sons em torno do
buscador. Alguém está meditando, e o gongo é soado ou um sino é tocado. Um distúrbio parece
ser criado pelo próprio som do sino ou gongo; alguém está meditando e aquele sino ou gongo
perece perturbar. Em um templo, todo visitante que chega baterá o gongo ou tocará o sino. Com
alguém meditando lá, isso pode parecer uma perturbação constante. Não é, porque a pessoa está
esperando por aquele som.
Assim, cada visitante está ajudando. Repetidamente o sino é tocado e o som é criado e o
meditador entra em si mesmo novamente. Ele olha para o centro, onde aquele som vai fundo. Há
uma batida no sino – ela foi feita pelo visitante. Agora, a segunda batida será dentro do
meditador, em algum lugar internamente. Onde é? O som sempre bate na barriga, no umbigo,
nunca na cabeça. Se ele bater na cabeça, você saberá bem que não é som, são palavras. Então,
você começou a pensar sobre o som. Então, a pureza é perdida.
Agora há muitas pesquisas sobre crianças que estão no útero. Elas também são atingidas pelos
sons e reagem aos sons. Elas não podem reagir à linguagem. Elas não têm cabeça ainda, elas não
têm nenhum raciocínio e elas ainda não conhecem a linguagem e os costumes convencionados
pela sociedade. Elas não conhecem a linguagem, mas ouvem os sons. E todo som afeta a criança
mais do que afeta a mãe, porque a mãe não pode ouvir os sons – ela ouve palavras. E nós
estamos criando sons loucos, caóticos, e esses sons estão atingindo as crianças que não
nasceram. Elas nascerão loucas; você já as perturbou demasiadamente.
Até mesmo as plantas são afetadas pelo som. Elas crescem mais se algum som musical é
criado em volta delas; elas crescem menos se um som caótico é criado em volta delas. Você pode
ajudá-las a crescer. Você pode ajudá-las de várias maneiras através dos sons.
Agora eles dizem que por causa do barulho do tráfego – que não é harmonioso e não pode ser
– o homem está ficando mentalmente insano, e parece que o limite está chegando. Se isso
aumentar mais, então, não há esperança para o homem. Esses sons estão atingindo-o
continuamente, mas, se você pensar sobre eles, eles irão atingir sua cabeça, e esse não é o centro;
o umbigo é o centro. Assim, não pense neles.
Todos os mantras são sons sem significados. E se algum mestre diz que “Este é o significado
deste mantra”, então, aquilo de modo algum é um mantra. Um mantra precisa ser, por
necessidade, sem significado. Ele tem algum funcionamento, mas nenhum significado. Ele tem
de fazer alguma coisa dentro de você, mas não tem nenhum significado, porque ele tem de ser
apenas um som puro dentro de você. Eis por que nós desenvolvemos o mantra aum. Ele é sem
significado, é apenas som puro. Se esse som puro for criado dentro de você, se você puder criá-lo
internamente, então também, a mesma técnica poderá ser usada.
Banhe-se no centro do som, como em um som contínuo de uma cachoeira. Ou, colocando os
dedos nos ouvidos, ouça o som dos sons. Você pode criar o som apenas usando seu dedo, ou
qualquer coisa que feche seus ouvidos forçosamente. Então, um certo som é ouvido. O que é esse
som e por que você o ouve quando os ouvidos estão fechados, quando os ouvidos estão
tampados?
Aconteceu nos Estados Unidos de um trem passar através de uma certa vizinhança no meio da
noite, por volta das duas horas da manhã. Uma nova linha foi inaugurada e o trem parou de
passar pela velha rota. Mas um fenômeno muito estranho aconteceu. As pessoas que estavam
vivendo naquela vizinhança onde o trem tinha parado de passar se queixaram à polícia de que,
pelas duas horas da manhã, algo misterioso era ouvido. Houve tantos relatos, que aquilo tinha de
ser investigado – qual era o problema? Sons estranhos eram ouvidos perto das duas horas. ...Eles
nunca ouviram quando o trem estava passando; as pessoas ficaram acostumadas com o trem...
Agora de repente, o trem parou de passar. Eles estavam esperando ouvi-lo no seu sono; eles
tinham ficado acostumados a isso, condicionados. Eles estavam esperando e o som não apareceu.
A ausência foi ouvida e essa ausência era alguma coisa nova. Eles se sentiram desconfortáveis
com aquilo, eles não puderam dormir. Assim, pela primeira vez, compreendeu-se que, se você
estiver ouvindo algo constantemente e aquilo parar, você ouvirá a ausência daquilo. Assim, não
pense que você simplesmente não ouvirá aquilo. Você ouvirá a ausência, a parte negativa daquilo
será ouvida.
Se eu olhar para você e, então, fechar os meus olhos, eu vejo o seu negativo. Se você olhar
para uma janela e, então, fechar os seus olhos, você verá o negativo da janela; e o negativo pode
ser tão vigoroso que, se você de repente olhar para a parede, o negativo será projetado na parede.
Você estará vendo o negativo.
Assim, como há negativos nas fotografias, há sons negativos. Não somente os olhos podem
ver o negativo, os ouvidos podem até mesmo ouvir o negativo. Assim, quando você fecha seus
ouvidos, você ouve o mundo negativo dos sons. Todos os sons pararam. De repente, um novo
som é ouvido. Esse som é a ausência de som. Um intervalo entrou. Você sente falta de alguma
coisa e, então, você ouve essa ausência.
Ou, colocando os dedos nos ouvidos, ouça o som dos sons. Esse som negativo é conhecido
como o som dos sons – porque ele não é realmente um som, mas sua ausência. Ou, ele é um som
natural, porque ele não é criado por coisa alguma.
Todos os sons são criados. O som que você ouve quando fecha seus ouvidos não é um som
criado. Se o mundo inteiro se tornar silêncio absoluto, então, você ouvirá o silêncio também.
Conta-se que Pascal disse: “No momento em que eu penso no cosmos infinito, o silêncio do
cosmos infinito me deixa muito amedrontado”. O silêncio deixava-o amedrontado, porque os
sons estão apenas na Terra. Os sons precisam de atmosfera. No momento em que você vai além
da atmosfera da Terra, não há sons – somente silêncio absoluto. Esse silêncio você pode criar até
mesmo na Terra, se você fechar ambos os ouvidos completamente. Então, você está na Terra,
mas você se moveu: você caiu abaixo dos sons.
Os astronautas são treinados para muitas coisas e uma delas é ficar em silêncio. Eles têm de
ser treinados em câmaras de silêncio, de forma que se tornem acostumados à ausência de som;
do contrário, eles ficariam loucos. Muitos problemas os afrontam e esse é um dos problemas
mais profundos: como ficar longe do mundo humano dos sons. Então, você fica isolado.
Se você estiver perdido em uma floresta e ouvir uma certa palavra, você pode não saber a
fonte, mas você ficará menos amedrontado. Há alguém ali! Você não está sozinho! No sem som,
você está sozinho. Em uma multidão, se você fechar ambos os ouvidos totalmente e mover-se
para dentro, você estará sozinho. A multidão desaparece, porque era através dos sons que você
podia saber que os outros estavam ali.
Colocando os dedos nos ouvidos, ouça o som dos sons. Essa ausência de som é uma
experiência muito sutil. O que ela lhe dará? No momento em que não há sons, você cai de volta
para si mesmo. Com os sons, nós nos movemos para longe; com os sons nós nos movemos para
o outro. Tente entender isso: com os sons nós estamos relacionados com o outro, nós nos
comunicamos com o outro.
Assim, até mesmo um cego não tem tanta dificuldade quanto um homem que não pode falar,
que é mudo. Observe uma pessoa que é muda; ela parece inumana. Um cego nunca parece
inumano, mas uma pessoa muda parece inumana; o rosto dá uma sensação de algo que não é
humano. E uma pessoa muda está em maior dificuldade do que um cego. Com o cego o
problema é que ele não pode ver, mas ele pode se comunicar. Ele pode se tornar uma parte de
uma humanidade maior, ele pode se tornar uma parte de uma sociedade, de uma família; ele pode
amar, ele pode falar. Um mudo está de repente fora da sociedade. Ele não pode falar, não pode se
comunicar, não pode se expressar.
Tente imaginar-se em um quarto de vidro com ar condicionado, um quarto a prova de som.
Nenhum som pode entrar até você e você não pode berrar, você não pode fazer nada para
expressar-se, o som não sairá. Em um quarto de vidro, você pode ver o mundo todo se movendo
à sua volta, mas nem você pode falar com as pessoas, nem elas podem falar com você. Você se
sentirá desesperadamente frustrado e a coisa toda se tornará um pesadelo.
Um mudo está em um pesadelo continuamente. Sem comunicação, ele não faz parte da
humanidade. Sem expressão, ele não pode florescer. Ele não pode chegar a ninguém e ninguém
pode chegar a ele. Ele está com você e distante; e a lacuna é intransponível.
Se o som é o veículo para irmos até o outro, então, a ausência do som se torna um veículo
para se ir para si mesmo. Com o som, você se comunica com o outro; com a ausência de som,
você cai em seu próprio abismo, em si mesmo. Eis por que tantas técnicas usam a ausência de
som para se ir para dentro.
Torne-se absolutamente mudo e surdo – mesmo que somente por uns poucos momentos – e
você não poderá ir para nenhum outro lugar além de si mesmo. De repente, você descobrirá que
está parado lá dentro; nenhum movimento é possível. Eis por que o silêncio foi tão praticado.
Nele, todas as pontes para se mover para o outro são quebradas.
Gurdjieff costumava dar longos períodos de silêncio aos seus discípulos e, então, ele insistia
em que não apenas a linguagem não devia ser usada, mas não deveria haver nenhuma
comunicação, nenhum gesto – nem com os olhos, nem com as mãos. Nenhuma comunicação
deveria ser usada. O silêncio significa nenhuma comunicação. Assim, ele podia forçar o grupo a
viver em uma casa – vinte, trinta ou quarenta pessoas em um bangalô, em uma casa – e, então,
ele diria: “Permaneça aqui, nesta casa, como se estivesse sozinho. Você não pode sair”. Quarenta
pessoas poderiam estar ali e ele diria: “Ande pela casa, viva na casa como se você estivesse
sozinho. Nenhuma comunicação”! Não tome conhecimento da existência do outro, nem mesmo
pelos olhos. Mova-se inteiramente como se você fosse a única pessoa residindo na casa”. Com
três meses vivendo dessa maneira, absolutamente mudo e surdo, sem nenhuma possibilidade de
comunicação, não haveria nenhuma possibilidade de mover-se para fora.
Eu não sei se você observou ou não, mas, na sociedade, aqueles que podem falar muito
tornam-se proeminentes; aqueles que podem comunicar seus pensamentos facilmente tornam-se
líderes – religiosos, políticos, literários, de qualquer tipo. Aqueles que podem comunicar seus
pensamentos, que podem falar eficientemente, eles tornam-se líderes. Por quê? Eles podem
atingir mais pessoas, eles podem atingir massas maiores.
Você já ouviu falar de algum mudo tornar-se um líder? Você pode encontrar um cego
tornando-se um líder; não há problema. E algumas vezes ele pode tornar-se um grande líder,
porque tudo o que seus olhos não estão fazendo, toda aquela energia será transferida para seus
ouvidos. Mas um mudo não pode tornar-se um líder em nenhuma esfera da vida. Ele não pode se
comunicar, ele não pode se tornar social.
A sociedade é uma linguagem. A linguagem é básica para a existência social – para o
relacionamento. Se você abandona a linguagem, você está sozinho. O mundo pode estar cheio
com milhões de pessoas, mas se você perde a linguagem, você está sozinho.
Meher Baba permaneceu, continuamente por quarenta anos, em silêncio. O que ele estava
fazendo em silêncio? Na verdade, você não pode fazer nada no silêncio, porque toda ação está de
algum modo relacionada com os outros. Até mesmo na imaginação, se você faz alguma coisa,
você terá de imaginar os outros; você não pode fazer essa alguma coisa sozinho. Se você está
absolutamente sozinho, a ação se torna impossível. Até mesmo a imaginação agir torna-se
impossível. Agir está relacionado com os outros. Se você abandona a linguagem internamente,
todo o fazer cai. Você existe, mas você não está fazendo nada.
Meher Baba dizia aos seus discípulos, escrevendo uma nota: “Nessa tal data eu vou quebrar o
meu silêncio”; e, então, ele não o quebrava. Isso continuou por quarenta anos e, então, ele
morreu em silêncio. Qual era o problema? Por que ele dizia “agora, neste ano, neste tal dia, nesta
data, eu vou falar”? E por que ele adiava isso sempre? O que estava acontecendo por dentro? Por
que ele não mantinha seu compromisso?
Uma vez que você conheça o silêncio por um tempo tão longo, você não pode cair de volta
nos sons novamente; isso se torna impossível. Há uma regra e ele não seguiu a regra; assim, ele
não pôde voltar. Há uma regra que a pessoa não deva permanecer em silêncio por mais do que
três anos. Uma vez que você cruze esse limite, você não pode voltar para o mundo dos sons.
Você pode tentar, mas é impossível. É fácil se mover do som para o silêncio, mas é muito difícil
mover-se do silêncio para os sons. Depois de três anos, muitas coisas simplesmente se tornam
impossíveis. O mecanismo não pode funcionar da mesma maneira novamente. Ele tem de ser
usado continuamente; no máximo, a pessoa pode permanecer em silêncio por três anos. Além
disso, se você permanece em silêncio, o mecanismo que pode produzir sons e palavras não pode
ser usado novamente, ele se torna morto.
Em segundo lugar, a pessoa se torna tão silenciosa permanecendo consigo mesma sozinha,
que agora será um sofrimento se comunicar. Então, dizer algo a alguém será como falar a uma
parede, porque a pessoa que permaneceu em silêncio por um período tão longo sabe que você
não pode entender o que quer que ela esteja dizendo. Independente do que ela esteja dizendo, ela
sabe que não está dizendo aquilo que ela quer dizer. A coisa toda se foi. Depois de um silêncio
tão profundo, ela não pode se mover novamente para o mundo dos sons.
Assim, Meher Baba tentou e tentou, mas não pôde trazer a si mesmo para falar novamente.
Ele queria dizer alguma coisa e tinha algo que valia ser dito, mas o mecanismo e os movimentos
necessários para voltar para um reino mais baixo ficaram impossíveis. Dessa maneira, ele morreu
sem dizer o que queria ter dito.
Será útil entender isto: o que quer que você esteja fazendo, sempre continue fazendo o oposto
àquilo. Continue mudando para o oposto sempre. Permaneça em silêncio por algumas horas,
então, fale. Não se torne fixado em nada – você estará mais vivo e mais móvel. Faça meditação
por alguns dias e, então, pare de repente e faça tudo o que possa criar tensão em você. Então,
mova-se novamente para a meditação.
Continue se movendo entre os opostos, você se tornará mais vivo e dinâmico. Não fique
fixado. Uma vez que você se fixe, você não será capaz de se mover para o outro extremo e a
habilidade de se mover para o outro extremo significa vida. Se você não é capaz de se mover,
você já está morto. Esse movimento é muito bom.
Gurdjieff aconselhava a seus discípulos terem mudanças repentinas. Ele podia insistir no
jejum e, então, dizia: “Agora, coma tanto quanto você possa”. Então, de repente, ele dizia:
“Continue um jejum”. Então, novamente dizia: “Comece a comer”. Ele podia dizer: “Fique
acordado continuamente por alguns dias e noites; então, durma por algumas noites”. Esse
movimento entre opostos polares lhe dá um dinamismo, uma vivacidade.
Ou, colocando os dedos nos ouvidos, ouça o som dos sons. Em uma técnica, dois opostos
foram mostrados. Banhe-se no centro do som, como em um som contínuo de uma cachoeira –
este é um extremo. Ou, colocando os dedos nos ouvidos ouça o som dos sons – este é o outro
extremo.
Uma parte é ouvir os sons chegando até seu centro; uma outra parte é parar todos os sons e
sentir o centro sem som. Ambas foram dadas em uma técnica com um propósito especial – de
forma que você possa se mover de uma para a outra.
O “ou” não é uma escolha para fazer isso ou aquilo. Faça ambas! Eis por que ambas foram
dadas em uma técnica. Primeiro faça uma por alguns meses, então, faça a outra por alguns
meses. Você estará mais vivo e
conhecerá dois extremos. E se você puder se mover para os dois extremos facilmente, você
poderá permanecer jovem para sempre. Aqueles que se fixam em um extremo ficam velhos e
morrem.
Capítulo 26

ACEITAÇÃO DOS PICOS E DOS VALES



PERGUNTAS

Nós devemos conscientemente canalizar e regular os instintos?


Como transformar barulhos horríveis em sons positivos?

A primeira pergunta:

Na noite passada, Você discutiu a censura e a repressão dos instintos inconscientes pela
mente consciente e Você disse que os instintos inconscientes pertencem à herança animal na
evolução do homem. Então, não seria bom canalizá-los e regulá-los de acordo com a
inteligência, o discernimento e arte de viver que pertencem à mente consciente?

O homem é um animal, mas não somente um animal: ele é mais também. Mas esse “mais”
não pode negar o animal, ele tem de absorvê-lo. O homem é mais do que um animal, mas o
animal não pode ser negado. Ele tem de ser absorvido criativamente. Você não pode deixá-lo de
lado, ele está em suas raízes; você tem de usá-lo criativamente. Assim, a primeira coisa a se
lembrar é de não ser negativo com a sua herança animal. Uma vez que você comece a pensar em
termos negativos, você se tornará destrutivo para si mesmo, porque você é noventa e nove por
cento animal.
Se você cria uma divisão, você está lutando numa batalha perdida; você não pode vencer. O
resultado de sua luta será exatamente o oposto, porque noventa e nove por cento é animal.
Somente um por cento da mente é consciente, e esse um por cento não pode vencer contra os
noventa e nove por cento. Ele será derrotado. Eis por que há tanta frustração, porque todo mundo
é derrotado por seu próprio animal. Você nunca pode ter sucesso. Necessariamente, você irá ser
derrotado, porque esse um por cento não pode ter sucesso contra noventa e nove por cento. Ele
não pode nem mesmo ser separado dos noventa e nove por cento.
É exatamente como uma flor: ela não pode ir contra as raízes, ela não pode ir contra toda a
árvore. E enquanto você vai contra sua herança animal, você está sendo alimentado por ela. Você
está vivo por causa dela. Se seu animal morrer neste momento, você morrerá imediatamente. Sua
mente existe como uma flor; sua herança animal é a árvore toda. Não seja negativo – isso é ato
suicida. E se você está dividido contra si mesmo, você nunca pode atingir nada que seja bem-
aventurado.
Você está criando um inferno e o inferno não está em nenhum outro lugar além, mas em uma
personalidade dividida. Na personalidade dividida está o inferno. E o inferno não é nada
geográfico, o inferno é psicológico – e o paraíso também: a personalidade que é inteira, uma
unidade, sem nenhuma divisão e conflito internos, é o paraíso.
Assim, a primeira coisa que eu gostaria de dizer é esta: não seja negativo. Não se divida, não
vá contra si mesmo, não se torne dois. O animal que existe não é algo ruim. O animal em você é
um grande potencial. Ele é seu passado e também seu futuro, porque muito está escondido nele.
Descubra-o, desenvolva-o, permita que ele cresça e vá além dele, mas não lute contra ele. Essa é
uma das técnicas básicas do tantra.
Outras tradições são divisoras. Elas o dividem, elas criam uma luta interna, dentro de você. O
tantra não é divisor, ele não acredita em luta. O tantra é absolutamente positivo; ele não acredita
no dizer “não”. O tantra acredita no dizer “sim” – sim para a vida em sua totalidade. E através do
“sim”, a transformação acontece e através do “não”, há apenas distúrbio – nenhuma
transformação é possível. Contra quem você está lutando? Contra si mesmo? Como você pode
vencer? E a maior parte de você vem do animal; assim, a maior parte vencerá. Assim, aqueles
que lutam, eles estão criando suas próprias derrotas. Se você quer ser derrotado, lute. Se você
quer vencer, não lute.
A vitória necessita de conhecimento, não de luta. A luta é uma violência sutil. E isso é
estranho, mas tem acontecido: aqueles que falam sobre não-violência aos outros são muito
violentos contra si mesmos. Há ensinamentos e tradições que dizem “não seja violento com
ninguém”, mas esses mesmos ensinamentos são muito violentos no que se refere a você,
interiormente. Eles lhe ensinam a ser violento consigo mesmo, mas a não ser violento com os
outros.
Todos os tipos de ascetismo, renúncia, atitudes negativas, filosofias negativas da vida
baseiam-se em manter uma atitude violenta para consigo mesmo. Eles lhe dizem para ser
violento consigo mesmo.
O tantra é absolutamente não-violento. Ele diz: se você não pode ser não-violento consigo
mesmo, você não pode ser não-violento com mais ninguém – é impossível. Uma pessoa que seja
violenta consigo mesma, será violenta com todo mundo; também, em sua não-violência, ela
estará apenas escondendo sua violência. A agressão pode estar voltada contra você mesmo, mas
essa atitude agressiva é destrutiva.
Mas isso não significa permanecer o animal que você é. No momento em que você aceita sua
herança, no momento em que você aceita o seu passado, o futuro se torna uma abertura. Através
da aceitação, está a abertura. O animal é o passado; ele não precisa ser o futuro. Não há nenhuma
necessidade de ir contra o passado – e você não pode ir. Use-o criativamente.
O que pode ser feito para usá-lo criativamente? A primeira coisa é estar profundamente
consciente de sua existência. Aqueles que lutam não estão consciente dela. Como estão com
medo, vão empurrando o animal para trás – vão empurrando o animal para dentro do
inconsciente. Na verdade, não há nenhuma necessidade de nenhum inconsciente, mas, devido à
repressão, o inconsciente é criado. Você sente muitas coisas internamente, que você condena sem
entendê-las. Um homem que entende não condena nada; não há nenhuma necessidade. Ele pode
inclusive usar o veneno como um medicamento, porque ele sabe. Tudo pode ser usado
criativamente. Como você não sabe, na ignorância, veneno é veneno. Com sabedoria, ele pode se
tornar o elixir.
A pessoa que está lutando contra seu sexo, sua raiva, avareza, contra o animal, o que ela fará?
Ela reprimirá. Luta é repressão. Ela empurrará a raiva, o sexo, a avareza, o ódio, a inveja para
baixo. Ela empurrará tudo para baixo, em algum lugar subterrâneo; e criará uma estrutura falsa
sobre o solo. A estrutura será falsa, porque as energias que poderiam torná-la real não foram
transformadas. A estrutura é falsificada; por baixo, as energias verdadeiras estão reprimidas.
Aquelas energias verdadeiras sempre permanecerão funcionando ali; a qualquer momento, elas
podem explodir. Você está sentado exatamente em um vulcão e a todo momento esse vulcão está
tentando irromper. Se ele conseguir, sua estrutura será chacoalhada.
O que quer que você tenha construído em nome de religião, moralidade, cultura, é uma
estrutura falsificada que está acima do solo – apenas uma fachada falsa. Por baixo, o homem
verdadeiro está escondido. Assim, seu animal não está muito longe; sua fachada é bem
superficial. Alguém o insulta e o cavalheiro desaparece e o animal vem para fora. O cavalheiro é
superficial; o vulcão está bem perto. A qualquer momento, ele pode ser trazido para fora e,
quando ele vem para fora, sua inteligência, sua moralidade, sua religião, seu pretenso “ser acima
das coisas animais”, simplesmente desaparecem. Quando o verdadeiro afirma-se, o falso
desaparece. Somente quando o verdadeiro retorna para o subterrâneo, o falso entra novamente.
Quando você está com raiva, onde está a sua mente, onde está a sua consciência, onde está a
sua moralidade? Onde estão as promessas que você se fez tantas vezes – de que “agora eu não
ficarei com raiva novamente”? Quando a raiva vem, elas simplesmente desaparecem. Quando a
raiva moveu-se novamente para sua caverna, sua caverna subterrânea, você começa a se
arrepender. Aqueles sujeitos falsificados se juntaram novamente. Eles começam a falar, a
condenar e a planejar para o futuro e, novamente no futuro, o mesmo acontecerá: quando a raiva
vier, as sombras desaparecerão.
Sua consciência exatamente agora é apenas uma sombra. Ela não é algo verdadeiro; ela não
tem nenhuma substância em si. Você fez um voto de brahmacharya, de celibato – ele não faz
nenhuma diferença para seu instinto sexual. O instinto sexual simplesmente continua subterrâneo
e, quando ele vem para cima, seu voto de brahmacharya, de celibato, se mostrará exatamente
como sendo feito do material dos sonhos. Eles não podem encarar a coisa verdadeira.
Assim, essas são as duas atitudes. Você pode reprimir o sexo – então, você nunca irá além
dele – ou você pode usar sua energia sexual de uma forma criativa. Não dizendo-lhe “não”, mas
dando-lhe um profundo “sim”; não a forçando para o subterrâneo, mas criando uma estrutura
acima do solo, com ela. Então, você será um homem verdadeiro. Será difícil, obviamente; eis por
que nós escolhemos o caminho mais fácil. É mais fácil ter uma estrutura falsa, porque nada é
necessário. Somente uma coisa é necessária: enganar a si mesmo, isso é tudo. Se você pode
enganar a si mesmo, você pode criar uma estrutura falsa muito facilmente. Nada mudará na
verdade, mas você continuará pensando que tudo mudou.
Isso é muito fácil, criar uma ilusão. Criar uma realidade é uma tarefa difícil, é árdua. Mas vale
a pena, porque uma vez que você criou alguma coisa com energias verdadeiras, sua estrutura não
pode ser despedaçada. Se o sexo está acima do solo, então, você pode criar algo a partir dele –
por exemplo, o amor. Se o sexo é transformado, ele se torna amor; se ele é reprimido, ele se
torna ódio.
Você fica com medo do amor se você reprime o sexo. Uma pessoa que reprimiu o sexo terá
sempre medo de amar, porque, no momento em que o amor surge, o sexo se segue. O amor é da
alma e o sexo é do corpo; assim, o amor não tem permissão de acontecer, porque, então, o sexo
se seguirá. Ele estará exatamente em algum lugar por perto, no canto. Assim, uma pessoa que
reprimiu o sexo não pode ser amorosa. Ela pode mostrar isso, ela pode fingir que é muito
amorosa, mas ela não pode ser, porque ela é muito medrosa. Ela não pode tocá-lo com mão
amorosa, porque o medo está presente. A mão amorosa pode a qualquer momento se tornar um
toque sexual; assim, ela terá medo; ela não lhe permitirá tocá-la.
Ela pode criar muitas justificativas para isso, mas a coisa verdadeira é o medo – o medo do
instinto que ela reprimiu. E ela estará preenchida com ódio, porque qualquer energia que seja
reprimida, reverte-se e volta para sua natureza original.
O sexo se move facilmente em direção ao amor; é um fluxo natural. Se você o reprimir, se
você criar obstáculos ao seu caminho, ele se tornará ódio. Então, os seus supostos santos e
supostos professores de moral, se você olhar fundo dentro deles, você os encontrará cheios de
ódio. E isso está fadado a ser assim, é natural. O sexo está escondido lá dentro, a qualquer
momento ele pode irromper. Eles estão sentados em um vulcão perigoso. Se você empurrar para
baixo as energias, você estará apenas adiando uma tarefa e, quanto mais ela é adiada, mais difícil
será.
O tantra diz, crie sua vida com energias verdadeiras – e energias verdadeiras são todas
energias animais. Mas quando eu digo “animal”, não há nenhuma condenação nisso. A palavra
‘animal’ para mim não é condenatória, como é para você. O animal é belo em si mesmo, o
animal em si mesmo não é nada a ser condenado. O animal dentro de você é pura energia,
movendo-se de acordo com leis naturais.
Perguntou-se: “O que nós deveríamos fazer conscientemente? Não deveríamos canalizar?
Não deveríamos controlar”? Não! Sua consciência não é para controlar, sua consciência não é
para canalizar. Sua consciência pode fazer apenas uma coisa: sua consciência é para
compreender, e a compreensão em si mesma se torna a transformação.
O tantra dirá: compreenda o sexo, não tente canalizá-lo. Se você não o compreende, todo o
esforço está fadado a ser um fracasso e prejudicial. Assim, não faça nada. Primeiro compreenda-
o e através da compreensão o caminho será revelado. Você não tem de forçar suas energias no
caminho. Através da compreensão, você chega a compreender a lei, exatamente como na ciência.
O que você está fazendo na ciência? Você chega a compreender uma lei; um mistério natural é
revelado. Uma vez que o mistério seja revelado, você pode usar a energia criativamente.
Sem o seu conhecimento da lei inerente, todos os esforços estão condenados. Assim, o tantra
diz: compreenda o animal, porque, no animal, está escondido o potencial para o seu futuro. Na
verdade, pode-se dizer que, no animal, Deus está escondido. O animal é o seu passado, Deus é o
seu futuro – mas o futuro está escondido em seu passado, em forma de semente. Compreenda o
que quer que suas forças naturais sejam. Aceite-as, compreenda-as. Sua mente não está aí para
subjugá-las; não está aí para controlá-las e lutar contra elas, ela está aí para compreendê-las.
Na verdade, se você as compreende, você está usando a sua mente corretamente. Compreenda
o sexo, compreenda a raiva, compreenda a avareza. Fique alerta; tente encontrar seus caminhos –
como eles funcionam, qual é o funcionamentos deles. E esteja constantemente consciente do
próprio movimento desses instintos animais internos. Se você puder estar consciente desses
instintos animais, não haverá divisão, você não terá uma mente inconsciente. Se você puder se
mover com esses instintos profundamente lá dentro, você só terá uma mente consciente; não
haverá nenhum inconsciente.
O inconsciente existe por causa da repressão. Você fechou a maior parte de seu ser para a
consciência, porque você tem medo. Você não pode olhar para a sua própria realidade. Você está
com tanto medo que já se mudou para fora da casa – e vive apenas na varanda. Você nunca entra,
porque o medo está presente: se você chegar cara a cara consigo mesmo, toda a sua imaginação,
todas as suas ilusões sobre si mesmo cairão.
Você se pensa como sendo um santo, você se pensa como sendo uma pessoa religiosa, você
se pensa como sendo isto e aquilo. Se você encarar a sua realidade, todas essas ilusões irão se
evaporar. E todo mundo criou uma imagem de si mesmo. Essa imagem é falsa, mas nós nos
apegamos à imagem e esse apego se torna a barreira contra o movimento de ir-se para dentro.
Assim, a primeira coisa é aceitar o animal. Ele está presente, e nada está errado com ele. Ele é
seu passado, e você não pode negar o seu passado, você pode apenas usá-lo. Se você for sábio,
você irá usá-lo e criará um futuro melhor a partir dele. Se você for tolo, você lutará contra ele e,
através da luta, o futuro será destruído. Lute com a semente e você a destruirá. Use-a, dê-lhe
solo, ajude-a, proteja-a de forma que a semente se torne uma árvore, uma árvore viva e o futuro
floresce através dela.
O animal é sua semente. Não lute com ele. O tantra não tem condenação contra ele,
simplesmente amor por ele, porque todo o futuro está escondido nele. Saiba disso bem e, então,
você pode usá-lo e pode agradecê-lo.
Eu ouvi dizer que quando São Francisco morreu, quando ele estava exatamente em seu leito
de morte, de repente ele abriu seus olhos e agradeceu seu corpo antes de ir para a sua morte.
Antes de ir para o outro mundo, ele agradeceu ao seu corpo. Ele disse: “Muito estava escondido
em você e você me ajudou muito. E eu era tão ignorante e houve momentos em que eu até
mesmo lutei contra você. Houve momentos em que eu até mesmo pensei sobre você em termos
inimigos. Mas você sempre foi um amigo e é por sua causa que eu pude me mover para tamanho
estado de consciência”.
Esse agradecimento ao corpo é belo. Mas São Francisco pôde compreender isso somente no
final. O tantra diz: tente compreender no começo. Se você somente agradecer ao seu corpo
quando ele estiver morrendo, isso não será de nenhuma utilidade.
Seu corpo é um tesouro de forças escondidas, de possibilidades misteriosas. O tantra diz que
em seu corpo está todo o cosmos em miniatura, que ele é exatamente uma miniatura de todo o
cosmos. Não lute contra ele. O que é seu sexo se o corpo é uma miniatura? Se na verdade isso é
assim, que seu corpo é o cosmos inteiro em miniatura, o que é sexo? Aquilo que é criação no
cosmos é sexo em você. Por todo o cosmos, a criação está acontecendo a cada momento – isso é
sexo em você. E se há tanta força nele, é porque você precisa ser um criador.
Se o sexo é tão poderoso, isso só significa para o tantra que você não pode se permitir ser
não-criativo. Você deve criar. Se você não pode criar alguma coisa maior, então, pelo menos,
crie vida. Se você não pode criar nada melhor do que você, então, pelo menos, crie alguma coisa
que o substituirá quando você morrer. O sexo é tão poderoso porque o cosmos não pode lhe
permitir ser não-criativo, e você está lutando contra ele. Use-o.
Não há nenhuma necessidade de usar o sexo somente na reprodução. Em toda criação o sexo
é usado. Eis por que um grande poeta, um grande pintor, pode não sentir tanta necessidade de
sexo. Mas a razão não é que ele seja um santo. A razão é simplesmente que ele está criando
alguma coisa maior e a necessidade é preenchida.
Um grande músico está criando música. Nenhum pai pode se sentir tão satisfeito como um
músico se sente quando uma grande música é criada; e nenhum filho pode dar tanta alegria a um
pai quanto uma grande peça musical pode dar ao músico, ou uma grande poesia pode dar ao
poeta. Como ele está criando em reinos superiores, a natureza o libera das criações mais baixas; a
energia se moveu para cima. O tantra diz: não lute contra a energia, permita a energia mover-se
para mais alto. E há muitos reinos de movimentos superiores e muitas dimensões.
Buda não é nem um pintor nem um músico nem um poeta, mas ele foi além do sexo. O que
lhe aconteceu? A mais elevada criação é a criação de si mesmo. A mais elevada criação é a
criação da total consciência interior, a criação de um todo interior, da unidade. Esse é o pico, o
pico do Himalaia. Buda está no pico, ele criou a si mesmo. Quando você se move no sexo, você
cria seu corpo; a réplica é criada. Quando você se move mais alto, você cria espírito, você cria
alma. Ou, se você me permitir a expressão, você cria Deus.
Você ouviu dizer que Deus criou o mundo, mas eu lhe digo que você tem a possibilidade de
criar Deus – e a menos que você o crie, você nunca estará preenchido. Assim, não pense que
Deus está no começo. Ao invés, será melhor pensar que Deus está no final. Deus não é a causa
do mundo, mas a teleologia, o próprio fim, o próprio pico. Se você florescer em sua totalidade,
você se tornará um deus. Eis por que nós chamamos Buda de um deus – e ele nunca acreditou em
Deus. Isso é muito paradoxal. Ele nunca acreditou em Deus; ele é uma das mentes mais ateístas
já nascidas. Ele diz que não existe Deus, mas nós chamamos o próprio Buda de divino.
H.G.Wells escreveu que Gautama Buda foi o homem mais sem deus e o mais semelhante a
deus. O que aconteceu a esse Gautama? Ele criou, ele deu nascimento ao mais alto pico, à mais
alta possibilidade. O supremo aconteceu dentro dele; então, ele não mais criou alguma coisa –
não havia necessidade. Escrever poesia teria sido fútil para Buda, pintar teria sido fútil para ele.
Teria sido criancice. Ele criou o supremo; ele deu a si mesmo um novo nascimento. O velho foi
usado completamente para dar nascimento ao novo. E como isso é um supremo fenômeno, todo
o passado foi usado. O passado desapareceu, o animal não existia mais, porque, quando a árvore
nasce, a semente desaparece. A semente não pode existir.
Jesus diz, a menos que a semente do milho caia no chão e morra, nada pode acontecer. Uma
vez que a semente caia no chão e morra, a nova vida brotará através dela. A morte é apenas a
morte da semente, do passado. Mas não pode haver morte sem nascimento do novo; alguma
coisa nova sairá dela.
O tantra diz: não tente controlar. Quem é você para controlar e como você será capaz de
controlar? Seu controle será apenas ilusório. Tente compreender. Tente compreender a natureza
interna, o fenômeno, a dinâmica das energias, e essa compreensão, automaticamente, o
transformará. Transformação não é um esforço. Se a transformação for um esforço, então, ela
não pode criar bem-aventurança.
A bem-aventurança nunca acontece através do esforço. O esforço sempre é criador de tensão;
ele dá angústia. O esforço sempre é feio, porque você está forçando alguma coisa. A
compreensão não é um esforço; ela é bela, ela é um acontecimento espontâneo. Não controle. Se
você tentar, você será um fracasso e você destruirá a si mesmo. Compreenda! Deixe a
compreensão ser a única lei, o único sadhana – prática espiritual. Deixe tudo para a
compreensão. Se a compreensão não puder fazer nada, então, aquilo não pode ser feito; assim,
esqueça-o. Tudo o que pode ser feito, pode ser feito através da compreensão.
Assim, o tantra diz: aceite as coisas, porque a aceitação será necessária para a compreensão.
Você não pode compreender nada se você negar. Se eu o odeio, eu não posso olhar em seus
olhos, eu não posso ver a sua face. Eu vou me virar, eu escaparei de você, eu não olharei em sua
direção. Quando eu o amo, somente então, eu posso olhar em seus olhos. Quando eu o amo
profundamente, somente então, eu posso ver a sua face.
Somente o amor vê uma face; do contrário você nunca vê as faces. Você se move, você olha,
mas esse olhar é apenas casual, não profundo. Ele toca, mas ele nunca penetra. Mas quando você
ama, então, toda a sua energia torna-se seus olhos. Então, a energia se move, toca fundo, vai
fundo dentro da outra pessoa, alcança o centro do ser dela. Somente então, você pode ver e
conhecer.
É por isso que, na antiga linguagem bíblica, eles usaram a palavra ‘conhecer’ para sexo, para
amor – para amor profundo. Isso não é coincidência. Na Bíblia, é relatado que “Adão conheceu
sua esposa Eva e, então, Caim nasceu”. Esse uso de ‘conhecer’ para “profundo amor”, para
“sexo”, é estranho, mas muito significativo, porque, quando você conhece alguém, isso significa
que você amou alguém. Não há nenhum outro jeito de se conhecer alguém.
E não é só com pessoas, é assim com energias também. Se você quer conhecer seu ser interior
e o fenômeno multidimencional das energias, ame! Não odeie o animal, ame-o. E você não está
dissociado dele, você é parte dele. O animal empurrou-o para esse ponto onde você se tornou
homem – seja grato a ele.
É pura ingratidão, quando a pessoa continua condenando o animal no homem. É pura
ingratidão. O animal o empurrou para esse ponto onde você se tornou homem, e o animal pode
empurrá-lo para o ponto onde você pode tornar-se Deus. É o animal que o está empurrando.
Compreenda-o – o jeito dele, como ele funciona – e essa compreensão se tornará transformação.
Assim, nenhum controle, nenhum esforço para se tornar o patrão – não! Por que você tem
tanto medo de seu animal? Porque a sua mente é realmente impotente; eis por que você tem tanto
medo. Por que você quer controlá-lo? Se você é realmente o mestre, o animal o seguirá. Mas
você sabe bem que o animal é o mestre e você tem de segui-lo. Eis por que há todo esse esforço
para se tornar o mestre.
Você sabe muito bem que qualquer coisa real que aconteça, acontece através do animal; e
qualquer coisa falsa que aconteça, acontece através da mente. Essa consciência cria medo. Eis
por que você quer tentar se tornar o mestre, mas um mestre nunca nasce do esforço. Somente
escravos tentam se tornar mestres. Um mestre é simplesmente um mestre.
Eu lhe contarei uma história... Isso aconteceu na casa de um grande guerreiro. Uma noite de
repente, ele tomou consciência de um rato. Ele era um grande guerreiro. Um grande espadachim.
Ele ficou com muita raiva, porque o rato estava sentado exatamente à sua frente e olhando para
seus olhos. Ninguém jamais tinha ousado tanto quanto aquele rato estava ousando. Assim, ele
puxou sua espada, mas o rato não correu. Então, ele atacou o rato, mas, de repente, o rato pulou e
a espada quebrou-se em pedaços – caiu no chão.
Naturalmente, o guerreiro ficou simplesmente enlouquecido. Ele tentou e tentou e, quanto
mais ele tentava, mais ele falhava. É difícil lutar com um rato e uma vez que você tenha
começado a lutar, você aceitou a derrota. O rato se tornou audacioso. A cada fracasso do
guerreiro, o rato se tornava mais audacioso. Ele simplesmente pulava na cama do guerreiro. O
guerreiro saiu e perguntou para seus amigos o que fazer. “Isso nunca aconteceu em minha vida”,
ele disse. “Ninguém pôde ousar tanto quanto um rato comum! Mas parece milagre – eu estou
totalmente derrotado”.
Assim, os amigos disseram: “É tolice lutar com um rato. É melhor trazer um gato”. ’
Mas correu o rumor de que o guerreiro havia sido derrotado – e até mesmo os gatos ouviram
isso; assim, nenhum gato estava pronto para ir. Todos os gatos se reuniram. Eles elegeram um
líder e disseram: “Você vai, porque ele não é um rato comum – o guerreiro fracassou. Nós somos
gatos comuns e esse é um grande guerreiro. Se ele for derrotado, onde nós ficaremos? Assim,
nós esperaremos do lado de fora e deixaremos você entrar”.
O líder ficou com medo – líderes sempre são medrosos. Eles são líderes, porque há os
covardes e esses covardes os escolhem. Eles são líderes dos covardes. Se não houvesse covardes,
não haveria nenhum líder. Basicamente, eles são escolhidos por covardes; assim, eles são líderes
de covardes.
O gato tinha de ir, como todo líder tem de ir – porque os seguidores o estavam empurrando.
Agora que o líder tinha sido escolhido, nada poderia ser feito, o gato tinha de ir. Ele entrou,
medroso, tremendo, nervoso. O rato estava sentado na cama. O gato nunca tinha visto um rato
assim: ele simplesmente estava sentado na cama. Ele começou a pensar no que fazer, que método
aplicar e, enquanto ele estava pensando no que fazer, que método aplicar, que técnica – sobre as
velhas experiências e memórias, sobre o que fazer naquela situação – enquanto ele estava
pensando, o rato de repente atacou. O gato fugiu, porque isso nunca tinha acontecido no passado!
Não há nenhuma menção na história de um rato atacando um gato.
Ele saiu e caiu morto; assim, o guerreiro foi aconselhado pela vizinhança: “Agora gatos
comuns não adiantam. Vá ao palácio e traga o gato do rei. Somente um gato real pode fazer
alguma coisa. Este não é um caso comum”. Assim, o guerreiro teve de ir ao rei e pedir o gato.
O gato do palácio veio. O guerreiro estava com muito medo enquanto o gato estava vindo
com ele, porque o gato parecia simplesmente muito comum. Ele estava com medo de que
acontecesse novamente um fracasso, porque o gato que morreu era maior, mais volumoso, um
grande líder... e, esse gato comum...?! “Acho que o rei estava só brincando – ...este gato não
funcionará.” Mas o guerreiro não podia dizer nada ao rei.
Ele veio com o gato comum. O gato entrou, matou o rato e saiu. Todos os gatos estavam
esperando. Eles se ajuntaram em volta e perguntaram: “Qual é o truque? Nosso líder morreu, o
guerreiro foi derrotado pelo rato e você simplesmente o matou. Você saiu com o rato morto”!
O gato disse: “Eu sou um gato e ele é um rato. Não há nenhuma outra técnica. Eu sou um
gato – basta isso. De que vale alguma técnica? Ser um gato basta. Quando eu entrei, era
suficiente que um gato pudesse entrar. Eu sou um gato”.
Realmente, essa é uma história do zen. Se sua mente fosse o mestre, não haveria necessidade
de esforço. Todo esforço é apenas para enganar a si mesmo: você não é o gato e você está
lutando com o rato. Torne-se um mestre! Mas como se tornar um mestre? O tantra diz: a
compreensão o tornará um mestre, nada mais. A compreensão é o segredo de toda a mestria. Se
você sabe-o bem, você é o mestre. Se você não o sabe, você continuará lutando. Então, você
permanecerá o escravo e, quanto mais você lutar, mais será denotado. Você está lutando com um
rato.

A segunda pergunta:

Não haverá barulhos horríveis se nós ouvirmos lá de dentro do centro do corpo? Com
relação aos ruídos barulhentos das cidades que têm sido uma fonte de irritação na vida de
todos nós – nós podemos transformá-los em sons positivos?

Isso sempre permanece uma pergunta básica: como mudar alguma coisa, como mudar um
som negativo em positivo. Você não pode! Se você é positivo, então, nada é negativo para você.
Se você for negativo, então, tudo será negativo para você. Você é a fonte de tudo o que existe à
sua volta; você é o criador de seu próprio mundo. E nós não estamos vivendo em um mundo,
lembre-se. Há tantos mundos quanto há mentes. Cada mente está vivendo em seu próprio mundo;
ela cria o mundo.
Assim, se tudo parece negativo e tudo parece destrutivo e tudo parece hostil contra você, é
porque você não tem um centro positivo em você. Assim, não pense em como mudar os sons
negativos. Se você sente negatividade em toda a sua volta, isso simplesmente mostra que você é
negativo interiormente. O mundo é apenas um espelho e você é refletido nele.
Eu estava numa hospedaria no interior. Era um lugarejo muito pobre, mas cheio de cachorros.
Eles todos se reuniam à noite em volta da hospedaria; devia ser o hábito usual deles. A
hospedaria era um bom lugar – grandes árvores, sombra e eles deviam ficar descansando lá todas
as noites. Assim, eu estava hospedado lá e um ministro de um determinado estado também
estava hospedado lá. O ministro ficou muito perturbado, porque os cachorros ficavam latindo,
criando muito incômodo. Metade da noite tinha passado e o ministro não podia dormir; então, ele
veio até mim.
Ele disse: “Você está dormindo”? Eu estava dormindo mesmo; então, ele chegou perto de
mim. Fez-me acordar e perguntou: “Por favor, diga-me como você pôde pegar no sono, no meio
de tanto barulho em volta. Pelo menos trinta e três cachorros estão lá fora e eles estão brigando e
latindo e fazendo tudo que os cachorros sempre fazem. Aí, o que eu faço? Eu não consigo dormir
e eu estou muito cansado depois de um dia inteiro de viagem. Se eu não conseguir dormir, ficará
difícil para mim. Amanhã eu tenho de viajar novamente e partirei de manhã bem cedo. O sono
parece que não vem e eu já tentei todos os métodos que aprendi e ouvi falar – cantar mantra,
rezar a Deus, et cetera. Eu já fiz de tudo, mas nada acontece! Aí, o que eu faço agora”?
Então, eu lhe disse: “Esses cães não se juntaram aqui por sua causa, nem para perturbá-lo.
Eles nem sequer sabem que um ministro está hospedado aqui; eles não lêem jornais. Eles são
completamente ignorantes. Eles não estão aqui intencionalmente, eles não estão interessados em
você. Eles estão fazendo o trabalho deles. Por que você está perturbado”?
Então, ele disse: “Por que eu não estaria!? Como não estar? Com tantos latidos, como posso
dormir”?
Então, eu lhe disse: “Não lute contra o latido. Você está lutando – esse é o problema, não o
barulho. O barulho não o está perturbando, você está se perturbando por causa do barulho. Você
está contra o barulho; então você tem uma condição. Você está dizendo: ‘Se os cachorros
pararem de latir, então, eu dormirei’. Os cachorros não o ouvirão. Você impôs uma condição.
Você sente que se a condição for satisfeita, então, você poderá dormir. Essa condição o está
perturbando. Aceite os cachorros! Não faça nenhuma condição de que ‘se eles pararem de latir,
então, eu dormirei’. Simplesmente aceite.
“Os cachorros estão lá e estão latindo; não resista, não lute, não tente esquecer esses barulhos.
Aceite-os e ouça-os, eles são belos. A noite é tão silenciosa e eles estão latindo com tanta
vitalidade...! – apenas ouça. Isso será o mantra, o mantra certo: simplesmente ouça-os”.
Então, ele disse: “Tudo bem! Eu não acredito que isso ajudará, mas como não tem nada mais
a se fazer, eu tentarei”. Ele caiu no sono e os cachorros ainda estavam latindo. De manhã ele
disse: “É miraculoso! Eu os aceitei; eu retirei minha condição. Eu ouvi. Aqueles cachorros se
tornaram muito musicais e o seu latido, o seu barulho não estavam perturbando. Em vez disso,
tornou-se um tipo de canção de ninar e eu caí em sono profundo por causa disso”.
Depende de sua mente. Se você é positivo, então, tudo se torna positivo. Se você é negativo,
então, tudo se torna negativo, tudo se torna impertinente. Assim, por favor, lembre-se disso – não
somente com barulhos, mas com tudo na vida. Se você sente que há alguma coisa negativa à sua
volta, vá e encontre a causa dentro de você. Ela está em você. Você deve estar esperando alguma
coisa, você deve estar desejando alguma coisa, você deve estar impondo alguma condição.
A existência não pode ser forçada a ir de acordo com você; ela flui de seu próprio modo. Se
você puder fluir com ela, você será positivo. Se você lutar contra ela, você se tornará negativo e
todo o cosmos à sua volta se tornará negativo.
É exatamente como uma pessoa que está tentando boiar contra a correnteza; então, o rio se
torna negativo. Se você está tentando boiar contra a correnteza do rio, então, o rio parecerá
negativo e você sentirá que o rio está lutando contra você, que o rio o está empurrando para trás.
O rio está tentando levá-lo corrente abaixo, não corrente acima; assim, parecerá como se o rio
estivesse lutando contra você. O rio está completamente inconsciente de você, alegremente
inconsciente. E isso é bom; do contrário o rio teria de ir para o hospício. O rio não está lutando
contra você, você é que está lutando contra o rio. Você está tentando boiar contra a correnteza.
Eu lhe contarei uma historieta... Uma grande multidão se juntou em volta da casa de Mulla
Nasruddin, e eles diziam: “O que você está fazendo? Sua esposa caiu na correnteza e o rio está
numa enchente. Vá imediatamente; do contrário a correnteza levará sua esposa para o mar” – o
mar estava bem perto.
Assim, Mulla foi correndo até a margem, pulou dentro do rio e começou a nadar contra a
corrente para descobrir onde sua esposa estava.
A multidão gritou: “O que você está fazendo, Nasruddin? Sua esposa não pode ter ido
correnteza acima. Ela foi correnteza abaixo”.
Mulla disse: “Não me perturbem. Eu conheço a minha esposa muito bem. Se outra pessoa
tivesse caído no rio, ela teria ido correnteza abaixo. Minha mulher, não! Ela deve ter ido
correnteza acima. Eu conheço bem a minha mulher, eu vivi com ela por quarenta anos”.
A mente está sempre tentando ir contra a corrente, ir corrente acima. Lutando contra tudo,
você cria um mundo negativo à sua volta. Obviamente, isso tem de acontecer. O mundo não está
contra você, mas, como você não está com o mundo, você sente que ele está contra você. Flutue
corrente abaixo e, então, o rio o ajudará a flutuar. Então, sua energia não será necessária. O rio se
tornará um barco, ele o conduzirá. Você não perderá nenhuma energia flutuando corrente abaixo,
porque, uma vez que flutue corrente abaixo, você aceitou o rio, a correnteza, o fluxo, a direção –
tudo. Então, você se tornou positivo em relação a ele. Quando você é positivo, o rio é positivo
para você.
Você pode tornar tudo positivo somente se você tornar-se positivo em relação à vida. Mas nós
não somos positivos em relação à vida. Por quê? Por que nós não somos positivos em relação à
vida? Por que nós somos negativos? Por que essa luta constante? Por que nós não podemos ter
uma entrega total à vida? Qual é o medo?
Você pode não ter observado: você tem medo da vida – muito medo da vida. Pode soar
estranho dizer que você tem medo da vida, porque comumente você sente que tem medo da
morte, não da vida. Essa é a observação usual, que todo mundo tem medo da morte. Mas eu lhe
digo: você tem medo da morte, somente porque tem medo da vida. Aquele que não tem medo da
vida, não terá medo da morte.
Por que nós temos medo da vida? Três razões. Primeira, seu ego só pode existir se ele for
contra a corrente. Flutuando corrente abaixo, seu ego não pode existir. Seu ego só pode existir
quando ele luta, quando ele diz “não”. Se ele disser “sim”, sempre “sim”, ele não poderá existir.
O ego é a causa básica de se dizer “não” a tudo.
Olhe os seus modos, como você se comporta e reage. Olhe como o “não” vem imediatamente
à mente, e como o “sim” é muito, muito difícil – porque com o “não” você existe como um ego.
Com o “sim”, a sua identidade fica perdida, você se torna uma gota no oceano. Não há nenhum
ego no “sim”; eis por que é tão difícil dizer sim – muito difícil.
Você está me entendendo? Se você está indo contra a corrente, você sente que você existe. Se
você simplesmente se entrega e começa a flutuar com a corrente aonde quer que ela o conduza,
você não sente que você existe. Então, você se tornou parte do rio. Esse ego, esse pensar-se
isolado como um “eu”, cria a negatividade à sua volta. Esse ego cria as ondulações de
negatividade.
Em segundo lugar, a vida é desconhecida, imprevisível, e a sua mente é muito estreita: ela
quer viver no conhecido, no previsível. A mente está sempre com medo do desconhecido. Há
uma razão: é porque a mente consiste no conhecido. Tudo o que você conheceu, experimentou,
aprendeu, a mente consiste nisso. O desconhecido não faz parte da mente. A mente está sempre
com medo do desconhecido, o desconhecido perturbará a mente; assim, a mente fica fechada
para o desconhecido. Ela vive em sua rotina, ela vive em um padrão. Ela se move em trilhas
determinadas, trilhas conhecidas. Ela vai girando, girando, exatamente como um disco de
gramofone. Ela tem medo de se mover para o desconhecido.
A vida sempre está se movendo para o desconhecido, e você tem medo. Você quer que a vida
ande de acordo com a sua mente, de acordo com o conhecido, mas a vida não pode segui-lo. Ela
sempre se move para o desconhecido. Eis por que nós temos medo da vida e sempre que nós
temos uma oportunidade, nós tentamos matar a vida, nós tentamos fixá-la. A vida é um fluxo.
Nós tentamos fixá-la, porque, com aquilo que é fixo, a previsão é possível.
Se eu amo alguém, imediatamente minha mente começará a funcionar no sentido de como me
casar com essa pessoa, porque o casamento fixa as coisas. O amor é um fluxo, o amor não pode
ser previsível. Ninguém sabe aonde ele conduzirá, ou se ele conduzirá a algum lugar. Ninguém
sabe! Ele está flutuando com a correnteza e você não sabe aonde a correnteza está indo. Ele pode
não estar presente no dia seguinte, no próximo momento...
Você não pode ter certeza quanto ao próximo momento. Mas a mente quer certeza, e a vida é
insegurança. Porque a mente quer certeza, a mente é contra o amor. A mente é pelo casamento,
porque o casamento é uma coisa fixa. Agora você tem as coisas fixas; assim, agora o fluxo está
quebrado. Agora, a água não está fluindo – ela se tornou gelo. Agora, você tem alguma coisa
morta; você pode prever. Somente coisas mortas são previsíveis. Quanto mais alguma coisa está
viva, mais ela é imprevisível. Ninguém sabe aonde a vida irá.
Assim, nós não queremos a vida, queremos coisas mortas. Eis por que nós continuamos
possuindo coisas. É difícil viver com uma pessoa; é fácil viver com coisas. Assim, nós
continuamos possuindo coisas e coisas e coisas... É difícil viver com uma pessoa. E se nós temos
de viver com uma pessoa, nós tentaremos fazer dessa pessoa uma coisa, nós não podemos
permitir a pessoa.
Uma esposa é uma coisa, um marido é uma coisa. Eles não são pessoas, eles são coisas fixas.
Quando o marido chega em casa, ele sabe que a esposa estará lá, esperando. Ele sabe, ele pode
prever. Se ele quiser fazer amor, ele pode fazer – a esposa estará disponível. A esposa se torna
uma coisa. A esposa não pode dizer “não, hoje eu não estou com vontade de fazer amor”. Não se
supõe que esposas digam tais coisas. Não está com vontade!? Não se supõe que elas tenham
vontade. Elas são instituições fixas – institutos. Você pode confiar no instituto; você não pode
confiar na vida. Dessa forma, nós transformamos pessoas em coisas.
Olhe para qualquer relacionamento. No começo é um relacionamento de “eu” e “tu”, mas,
mais cedo ou mais tarde, ele se torna um relacionamento de “eu” e “aquilo”. O “tu” desaparece e,
então, nós continuamos esperando determinadas coisas. Nós dizemos: “Faça isto”. Isto é
obrigação de uma esposa e aquilo é obrigação de um marido. “Faça isto!” Você terá de fazê-lo. É
uma obrigação; aquilo tem de ser feito mecanicamente. Você não pode dizer “eu não posso fazer
isso”.
Essa fixidez é o medo da vida. A vida é um fluxo; nada pode ser dito sobre a vida. Eu o amo
neste momento, mas, no momento seguinte, o amor pode desaparecer. No momento anterior ele
não estava presente; neste momento, ele está. E não é por minha causa que ele está presente, ele
apenas aconteceu. Eu não pude forçá-lo a estar presente. Ele apenas aconteceu e aquilo que
aconteceu pode não acontecer em outro momento, você não pode fazer nada. No momento
seguinte, ele pode desaparecer; não há certeza quanto ao momento seguinte.
Mas a mente quer certeza; assim, ela transforma amor em casamento. A coisa viva se torna
morta. Então, você pode possuí-la, então, você pode confiar nela. No dia seguinte também
haverá amor. Esse é o absurdo de toda a coisa: você terá matado a coisa a fim de possuí-la e,
então, você nunca pode desfrutá-la, porque ela não existe mais, ela está morta.
Para que você pudesse possuir a esposa, ela foi morta. A amada se torna uma esposa e agora
você espera que a esposa se comporte como a amada. Isso é absurdo, a esposa não pode se
comportar como a amada. A amada tinha vida, a esposa está morta. A amada era um
acontecimento, a esposa é uma instituição. E como a esposa não está se comportando como a
amada, então, você diz: “Você não me ama? Você me amava antes”. Mas essa não é a mesma
pessoa. Essa não é nem mesmo uma pessoa, é uma coisa. Primeiro você a matou para possuí-la e,
agora, você quer a vivacidade dela. Então, a miséria toda é criada.
Nós temos medo da vida, porque a vida é um fluxo. A mente quer certeza. Se você realmente
quer estar vivo, esteja pronto para ser inseguro. Não há nenhuma segurança e não há modo de se
criar segurança! Há somente um modo: não viva, então, você estará seguro. Assim, aqueles que
estão mortos, estão absolutamente seguros. Uma pessoa viva é insegura. A insegurança é o
próprio núcleo central da vida, mas a mente quer segurança.
Em terceiro lugar, na vida, na existência, há uma dualidade básica. A existência existe como
dualidade, e a mente quer escolher uma parte e negar a outra. Por exemplo: você quer ser feliz,
você quer prazer; você não quer a dor. Mas a dor faz parte do prazer, é o outro aspecto dele. É
uma moeda. De um lado está o prazer, do outro lado está a dor. Você quer prazer, mas você não
sabe que, quanto mais você quer o prazer, mais dor se seguirá; e quanto mais você se torna
sensível ao prazer, mais você se torna sensível à dor também.
Assim, uma pessoa que quer prazer deve estar pronta para aceitar a dor. É exatamente como
os vales e as montanhas. Você quer os picos, as montanhas, mas você não quer os vales – assim
para onde irão os vales? E sem os vales, como pode haver os picos? Sem os vales, não pode
haver nenhum pico. Se você ama os picos, ame os vales também. Eles se tornam parte do
destino.
A mente quer uma coisa e ela nega a outra, e a outra faz parte daquilo. A mente diz “a vida é
boa, a morte é ruim”. Mas a morte é uma parte – a parte do vale – e a vida é a parte do pico. A
vida não pode existir sem a morte. A vida existe por causa da morte. Se a morte desaparecesse,
a vida desapareceria, mas a mente diz “eu só quero a vida, eu não quero a morte”. Então, a mente
se move em um mundo de sonho, que não existe em lugar nenhum; e ela começa a lutar contra
tudo, porque, na vida, tudo está relacionado com o oposto. Se você não quer o oposto, começa
uma luta.
Uma pessoa que compreende isso – que a vida é dualidade – aceita ambas. Ela aceita a morte,
não como contra a vida, mas como parte dela, como a parte do vale. Ela aceita a noite como a
parte vale do dia. Em um momento, você se sente alegre; no momento seguinte você está triste.
Você não quer aceitar o momento seguinte – esta é a parte do vale. E quanto mais elevado o pico
de alegria, mais profundo será o vale, porque vales mais profundos são criados somente por
picos mais elevados. Assim, quanto mais alto você for, mais baixo você cairá. E é exatamente
como ondas que sobem; depois, vem uma parte do vale.
Compreensão significa estar consciente desse fato – não somente estar consciente, mas ter
uma profunda aceitação do fato, porque você não pode ir para longe do fato. Você pode criar
uma ficção... E nós estamos criando ficções há séculos. Nós colocamos o inferno em algum lugar
bem no fundo e o paraíso em algum lugar bem alto. Nós criamos uma divisão absoluta entre os
dois, o que é tolice, porque o inferno é a parte vale do paraíso. Ele existe com o paraíso; ele não
pode existir à parte.
Essa compreensão o ajudará a ser positivo; então, você será capaz de aceitar tudo. Por
“positivo” eu quero dizer que você aceita tudo, porque você sabe que não pode dividir a
existência.
Eu deixo a respiração entrar e, imediatamente, tenho de deixá-la sair. Eu inalo e, depois,
exalo. Se eu apenas inalasse e não exalasse, morreria; ou se eu somente exalasse e não inalasse,
então também, morreria, porque inalar e exalar são partes de um processo, de um círculo. Eu
posso inalar, somente porque eu exalo. Ambos estão juntos e não podem ser divididos.
É isso o que é um homem liberado – não dividido. Isso acontece se essa compreensão lhe
chegar. Eu chamo liberado, iluminado, um homem que aceita a própria dualidade da existência.
Então, ele é positivo.
Então, tudo o que acontece é aceito.
Então, ele não tem nenhuma expectativa.
Então, ele não faz exigências à existência.
Então, ele pode flutuar com a correnteza.
Capítulo 27

A AUSÊNCIA DE SOM, A PLENA SONORIDADE E A CONSCIÊNCIA TOTAL



OS SUTRAS

39 Entoe um som, como AUM, lentamente. À medida que o som entra na plena sonoridade,
você também entra.
40 No começo e na extinção gradual do som de qualquer letra, desperte.
41 Enquanto estiver ouvindo instrumentos de corda, ouça o componente central do som; então,
a onipresença.

Eu não sei se vocês ouviram ou não falar sobre o conceito de antimatéria. Um novo conceito
entrou recentemente no mundo da física – o conceito de antimatéria. Sempre sentiu-se, que nada
pode existir no universo sem o seu oposto. É impossível conceber algo que exista sozinho sem o
seu oposto. O diametralmente oposto deve existir, conhecido ou não. A sombra não pode existir
sem a luz, a vida não pode existir sem a morte, a manhã não pode existir sem a noite, o homem
não pode existir sem a mulher – e o mesmo com todas as coisas que você possa pensar.
O pólo diametralmente oposto é inevitavelmente necessário. Isso sempre foi proposto na
filosofia, mas agora esta é uma proposta da física. E idéias muito absurdas se desenvolveram por
causa desse conceito. O tempo se move do passado para o futuro, mas agora os físicos dizem
que, se o tempo se move do passado para o futuro, precisa existir em algum lugar o processo
oposto ao do tempo, que se mova do futuro para o passado; do contrário, este processo de tempo
não pode existir – mas ele existe. O oposto, o diametralmente oposto, precisa existir em algum
lugar – o antitempo. Mover-se do futuro para o passado? Isso parece muito absurdo. Como
alguma coisa pode se mover do futuro para o passado?
Eles também dizem que a matéria existe; assim, a antimatéria precisa estar existindo em
algum lugar. O que será a antimatéria? A matéria é densidade. Suponha que uma pedra esteja
aqui em minha mão. O que é essa pedra? Seu entorno é espaço e, no espaço, existe uma
densidade de matéria. Essa densidade é matéria. Qual será a antimatéria? Eles dizem que a
antimatéria será apenas um buraco no espaço. A densidade é matéria, e existe também um buraco
no espaço sem nada nele. Um espaço o estará envolvendo, mas ele será apenas um buraco de
nada. Eles dizem que a antimatéria precisa existir para equilibrar a matéria. Por que eu estou
falando disso? Porque estes sutras que se seguem estão baseados nesse fenômeno “anti”.
O som existe, mas o tantra diz que o som pode existir somente por causa do silêncio; do
contrário o som seria impossível. O silêncio é o anti-som. Assim, quando quer que haja som,
exatamente por trás dele, há silêncio. Ele não pode existir sem silêncio; ele é o outro aspecto da
mesma moeda. Assim, eu pronuncio uma palavra; por exemplo, aum. Quanto mais eu a
pronuncio, exatamente lado a lado, exatamente por trás dela, está o antifenômeno, a ausência de
som. Assim, se você puder usar os sons como uma técnica para entrar na ausência de som, você
entrará em meditação. Se você puder usar uma palavra para ir além das palavras, você se moverá
para dentro da meditação. Olhe para isso desta maneira: a mente é a palavra; a meditação é a
não-mente. A mente está preenchida com som e palavras e pensamentos. Exatamente no
cantinho, está o outro extremo – a não-mente.
Os mestres zen chamaram a meditação de estado de não-mente. O que é a mente? Se você a
analisar, ela é o processo do pensamento. Ou se você a analisar em termos físicos, então, ela é
um processo dos sons. Esse processo do som é a mente; então, exatamente perto dela, a não-
mente existe. E você não pode se mover para a não-mente sem usar a mente como um
trampolim, porque você nem mesmo pode imaginar o que a não-mente é, sem entender o que a
mente é. A mente tem que ser usada como um trampolim, e desse trampolim você pode dar um
salto para dentro da não-mente.
Há duas escolas opostas. Uma escola é esta – ela é conhecida como Sankhya. O Sankhya diz
que a mente não é para ser usada, porque se você usa a mente, você não pode ir além dela. O
ensinamento é o mesmo de J. Krishnamurti; ele é um sankhyaite. Você não pode usar a mente.
Se você usa a mente, você não pode ir além dela, porque o próprio uso da mente a fortalecerá –
ela se tornará mais poderosa. Se você a usar, você estará em suas garras. Usando-a, você não
pode ir além dela. Assim, não use a mente. É por isso que Krishnamurti é contra todas as
técnicas de meditação: porque toda técnica está fadada a usar a mente como uma base. A mente
tem que ser usada se você for usar uma técnica. Qualquer técnica está fadada a ser um tipo de
condicionamento – ou um recondicionamento, ou um descondicionamento, ou qualquer nome
que você lhe dê, mas ela estará com a mente.
A filosofia Sankhya diz que a mente não pode ser usada; simplesmente entenda isso e dê um
salto. Mas o ioga diz que isso é impossível. Mesmo esse entendimento é feito pela mente.
Mesmo com esse entendimento – que você não pode usar a mente, que nenhuma técnica será útil,
que toda técnica se tornará um obstáculo e o que quer que você faça criará um novo
condicionamento – você ainda estará usando a mente, você se moverá dentro da mente. Isso
também tem de ser compreendido pela mente.
Assim, o ioga diz que não há nenhum meio de a mente não ser usada: a mente terá de ser
usada; ela não deve ser usada positivamente, ela deve ser usada negativamente. Ela não deve ser
usada de uma maneira que a fortaleça, ela deve ser usada de uma maneira que a enfraqueça. E as
técnicas são as maneiras de usar a mente de tal forma que você a use para saltar para além dela.
Você a usa apenas para ir além dela – como um trampolim.
Se a mente pode ser usada como um trampolim – e o ioga e o tantra acreditam que isso pode
ser feito – então, alguma coisa que pertença à mente tem de ser treinada. O som é uma das coisas
básicas; você pode usar o som para entrar na ausência do som.

39 Entoe um som e torne-se ele

A terceira técnica do som:

Entoe um som, como AUM, lentamente. À medida que o som entra na plena sonoridade,
você também entra.

Entoe um som, como AUM, lentamente. Por exemplo: pegue o aum... Este é um dos sons mais
básicos. A-U-M: esses três sons estão combinados nele. A-U-M são três sons básicos. Todos os
sons são feitos deles ou derivados deles; todos os sons são combinações desses três sons. Assim,
esses três sons são básicos. Eles são tão básicos quanto o elétron, o nêutron e o próton o são na
física. Isso tem que ser profundamente compreendido.
Gurdjieff fala de “A Lei do Três”. Ele diz que a existência no sentido absoluto é um. No
sentido absoluto, em última instância, existe somente o um. Mas isso é o absoluto e tudo o que
nós vemos é relativo. Tudo o que nós vemos nunca é absoluto; o absoluto está sempre escondido.
Ele não pode ser visto, porque no momento em que vemos alguma coisa, ela é dividida. Ela é
dividida em três: aquele que vê, aquilo que é visto e o relacionamento. Eu estou vendo você; eu
estou aqui, você está aí e entre os dois existe um relacionamento de conhecimento, de olhar, de
visão, de cognição. O processo é dividido em três. O absoluto é dividido em três; no momento
em que ele é conhecido, ele se torna três. Desconhecido, ele permanece um; conhecido, ele se
torna três. O conhecido é relativo; o desconhecido é absoluto.
Assim, mesmo nosso discurso sobre o absoluto, não é absoluto, porque no momento em que
dizemos “o absoluto”, ele se tornou conhecido. Tudo o que conhecemos, inclusive a palavra
‘absoluto’, é relativo. Eis por que Lao Tzu insiste tanto em que a verdade não pode ser dita. No
momento em que você a diz, ela se torna não-verdadeira, porque se tornou relativa. Assim,
qualquer palavra que nós usemos – a verdade, o absoluto, para-brahma, Tao – qualquer palavra
que usemos, no momento em que a usamos, ela se torna relativa e se torna não-verdadeira: o um
se tornou dividido em três.
Assim, Gurdjieff diz que a lei do três é básica para o universo que conhecemos. E se formos
fundo, descobriremos, estamos fadados a descobrir, que tudo será reduzido a três. Essa é a lei do
três. Os cristãos a chamam de Trindade – Deus, o pai; Jesus, o filho e o Espírito Santo. Os
indianos a chamam de Trimurti: as três faces de Brahma, Vishnu e Mahesh ou Shiva. Agora os
físicos dizem que se nós formos, se continuarmos indo através da análise até a própria base,
então, a matéria será reduzida a três: elétron, nêutron e próton.
Os poetas dizem que se formos fundo na busca da emoção, do sentimento estético humano,
então, haverá satyam, shivam, sundaram – verdade, bondade e beleza. O sentimento humano está
baseado nesses três. Os místicos dizem que, se analisarmos o êxtase – o samadhi – então, haverá
sat-chit-anand – existência, consciência e bem-aventurança.
Toda a consciência humana, em qualquer dimensão em que ela funcione, chega à lei do três.
‘Aum’ é o símbolo da lei do três. A-U-M: esses três são sons básicos. Os sons atômicos – pode-
se chamá-los assim. Esses três sons foram combinados em aum; assim, aum está muito próximo
do absoluto, exatamente por trás dele está o absoluto, o desconhecido. E aum é o último estágio
no que se refere aos sons. Se você for além do aum, você terá ido além do som; então, não
haverá nenhum som. A-U-M: esses três são os últimos, eles são o limite da existência. Além
desses três, você irá para dentro do desconhecido, para dentro do absoluto.
Os físicos dizem que agora que chegamos ao elétron, parece que chegamos ao limite, ao
verdadeiro limite, porque o elétron não pode ser chamado de matéria. Os elétrons não são
visíveis; eles não têm nenhuma propriedade material. E eles não podem ser chamados de não-
matéria também, porque toda matéria consiste neles, é constituída deles. Se eles não são nem
matéria nem não-matéria, como chamá-los? Ninguém viu os elétrons, eles são apenas inferidos;
assume-se matematicamente que eles estão presentes. Seus efeitos são conhecidos, mas eles não
são vistos. Agora nós não podemos ir além deles. A lei do três é o limite, e se você for além da
lei do três, você irá para dentro do desconhecido. Nada pode ser dito então. Mesmo sobre
elétrons, muito pouco pode ser dito.
Aum é o limite no que se refere ao som, você não pode ir além. É por isso que aum tem sido
usado tanto na Índia, e em todo o mundo. O ‘amém’ muçulmano-cristão não é nada além de aum
de uma forma diferente; as mesmas notas básicas estão presentes. As palavras inglesas
'omnipresent’ (onipresente), 'omnipotent’ (onipotente), 'omniscient’ (onisciente) o contém: o
prefixo 'omni’ é derivado de aum. Assim, 'omnipresent’ se refere àquilo que está presente no
todo do aum, no todo da existência. 'Omnipotent’ significa aquilo que é absolutamente potente.
'Omniscient’ significa aquilo que viu o aum, o todo, a lei do três. Todo o universo inclui-se nisso.
Os cristãos, os muçulmanos usam o ‘amém’ depois de suas preces. Mas os hindus fizeram
uma ciência completa a partir disso – a ciência do som e a ciência de como transcender o som. E
se a mente é som, então, a não-mente precisa ser a ausência de som, ou – e ambos os sentidos são
iguais – a plena sonoridade.
Isso tem de ser compreendido. O absoluto pode ser descrito em qualquer dos dois modos –
negativo ou positivo. O relativo tem de ser descrito de ambos os modos – negativo e positivo; ele
é uma dualidade. Quando você tenta expressar o absoluto, você pode usar ou termos positivos ou
termos negativos, porque as línguas humanas têm dois tipos de termos – negativos e positivos.
Quando você for descrever o absoluto, o indescritível, você tem de usar alguns termos
simbolicamente. Assim, depende da mente.
Por exemplo: Buda gostava de usar termos negativos. Ele poderia dizer ausência de som; ele
nunca poderia dizer plena sonoridade. “Plena sonoridade” é um termo positivo. Buda poderia
dizer ausência de som, mas o tantra usa termos positivos. Todo o pensamento do tantra é
positivo. É por isso que o termo usado aqui é “plena sonoridade”: entrar na plena sonoridade.
Buda descreve seu absoluto em termos negativos: shunya, nada. Os Upanishades descrevem o
mesmo absoluto como Brahma – o absoluto. Buda usará “o nada” e os Upanishades usarão “o
absoluto”, mas ambos significam a mesma coisa.
Quando as palavras perdem o significado, você pode usar ou o negativo ou o positivo, porque
todas as palavras são ou positivas ou negativas; você simplesmente tem de escolher uma. Você
pode dizer de uma alma liberta que ela se tornou o todo. Esse é um modo positivo de dizê-lo. Ou
você pode dizer que ela não existe mais – ela se tornou o nada. Esse é o modo negativo de dizê-
lo.
Por exemplo: se uma pequena gota de água encontra o oceano, você pode dizer que a gota se
tornou nada, a gota perdeu a sua individualidade, a gota não existe mais. Esse é o modo budista
de dizer as coisas. Ele é bom, ele está correto até onde ele vai, porque nenhuma palavra vai
muito longe. Até onde ela vai, ela é boa. “A gota não existe mais” – é isso que significa nirvana.
A gota se tornou um não-ser, não existe mais. Ou você pode usar os termos dos Upanishades. Os
Upanishades dirão que a gota se tornou o oceano. Ambos estão certos, porque quando as
fronteiras são quebradas, a gota se torna o oceano.
Assim, essas são atitudes simples. Buda gosta de termos negativos, porque no momento em
que você diz alguma coisa positiva, ela se torna limitada, ela parece limitada. Quando você diz
que a gota se tornou o oceano, Buda dirá que o oceano também é finito. A gota permanece a
gota; ela se tornou um pouco maior, isso é tudo. O quão grande não faz diferença. Buda dirá que
ela se tornou um pouco maior, mas ela permanece. O finito não se tornou infinito. O finito
permanece finito; assim, qual é a diferença? Uma pequena gota e uma grande gota... Para Buda,
essa é a única diferença entre ‘oceano’ e ‘gota’ – e está certo; matematicamente, é assim.
Assim, Buda diz que se a gota se tornou o oceano, então, nada aconteceu. Se você se tornou
um deus, então, nada aconteceu, você apenas se tornou um homem maior. Se você se tornou
Brahma nada aconteceu, você ainda é finito. Assim, Buda diz que você tem que se tornar nada,
você tem que se tornar shunya – vazio de todas as fronteiras e atributos, vazio de tudo o que você
pode conceber, simplesmente vazio. Mas os pensadores dos Upanishades dirão que, mesmo que
você esteja vazio, você existe. Se você se tornou vazio, você ainda está presente, porque o vazio
existe, o vazio é. O nada também é um modo de ser, um modo de existência. Assim, dizem eles,
por que insistir repetidamente nesse ponto e por que usar desnecessariamente termos negativos?
É bom ser positivo.
A escolha é sua, mas o tantra quase sempre usa termos positivos. A própria filosofia do tantra
é positiva. Ele diz: não permita o “não”, não permita a negação. Os tântricos são grandes falantes
do “sim”. Eles dizem “sim” a tudo; assim, eles usam termos positivos. O sutra diz: Entoe um
som, como AUM, lentamente. À medida que o som entra na plena sonoridade, você também
entra.
Entoe um som, como AUM, lentamente. A entoação de um som é uma ciência muito sutil.
Primeiro você tem de entoá-lo audivelmente, externamente; então, os outros podem ouvi-lo. E é
bom começar audivelmente. Por quê? Porque você pode escutá-lo claramente quando o entoa
audivelmente; porque tudo o que você diz é para o outro, e isso se tornou um hábito. Sempre que
você está falando, está falando para os outros e você só se escuta falando quando está falando
para o outro. Assim, comece do hábito natural.
Entoe o som aum; então, pouco a pouco, sinta-se sintonizado com o som. Quando você entoa
o som aum, seja preenchido por ele, esqueça tudo o mais. Torne-se o aum, torne-se o som. E é
muito fácil se tornar o som, porque o som pode vibrar através do seu corpo, através de sua
mente, através de todo o seu sistema nervoso. Sinta a reverberação do aum. Entoe-o, e sinta-o
como se todo o seu corpo estivesse sendo preenchido por ele, cada célula vibrando com ele.
Entoar (intoning) também é sintonizar (in-tuning). Sintonize-se com o som, torne-se o som. E,
então, quando você sentir uma profunda harmonia entre você e o som, e você desenvolver uma
profunda afeição por ele – e o som é tão belo e tão musical: aum... –, então, quanto mais você o
entoar, mais você se sentirá preenchido por uma sutil doçura. Há sons que são amargos, há sons
que são muito duros. Aum é um som muito doce, o mais puro. Entoe-o e seja preenchido por ele.
E quando você começar a se sentir harmonioso com ele, poderá abandonar a entoação
audível. Então, feche seus lábios e o entoe internamente, mas, mesmo internamente, primeiro
tente fazê-lo audivelmente também. Entoe-o internamente, mas audivelmente, de forma que o
som se espalhe por todo o seu corpo, toque cada parte, cada célula do seu corpo. Você se sentirá
vitalizado por ele, você se sentirá rejuvenescido, você sentirá uma nova vida entrando em você –
porque seu corpo é um instrumento musical. Ele necessita de harmonia e quando a harmonia é
perturbada, você fica perturbado.
Eis por que, quando você ouve música, você se sente bem. Por que você se sente bem? O que
é música além de sons harmoniosos? Por que você sente tamanho bem-estar quando há música à
sua volta? E quando há o caos, barulho, por que você se sente tão perturbado? Você próprio é
profundamente musical. Você é um instrumento e esse instrumento repercute coisas.
Entoe o aum internamente, e você sentirá que todo o seu corpo dança com ele. Você sentirá
que todo o seu corpo está passando por um banho de limpeza; cada poro está sendo limpo. Mas
quando você senti-lo mais intensamente e à medida que ele o penetra mais profundamente,
continue tornando-o cada vez mais e mais lento, porque, quanto mais lento o som, mais fundo ele
pode ir. É como a homeopatia. Quanto menor a dose, mais profundamente ela penetra – porque
se você quer ir mais fundo, você tem que ir mais sutilmente, mais sutilmente, mais sutilmente...
Sons crus, grosseiros, não podem entrar em seu coração. Eles podem entrar em seus ouvidos,
mas eles não podem entrar em seu coração. A passagem é muito estreita e o coração é tão
delicado que somente sons muito lentos, muito rítmicos, muito atômicos têm permissão de entrar
nele. E a menos que um som entre em seu coração, o mantra não está completo. O mantra está
completo somente quando o som entra em seu coração – o núcleo mais profundo e central de seu
ser. Então, continue sendo cada vez mais lento, mais lento, mais lento...
E também há outras razões para se fazer esses sons mais lentamente e mais sutilmente: quanto
mais sutil um som for, mais você precisará de uma consciência intensa para senti-lo
internamente. Quanto mais grosseiro o som, menos necessidade há de alguma consciência. Um
som grosseiro o atingirá, você se tornará ciente dele; mas, então, ele é violento.
Se um som for musical, harmonioso, sutil, então, você terá de ouvi-lo internamente e você
terá de estar muito alerta para ouvi-lo. Se você não estiver alerta, você dormirá e perderá todo o
ponto. Esse é o problema com um mantra, com qualquer cantilena, com qualquer uso do som: ele
pode criar sono. Ele é um tranquilizante sutil. Se você continuamente repete um som sem estar
alerta para ele, você cairá no sono, porque, então, a repetição se torna mecânica. “Aum, aum,
aum...” se torna mecânico e, então, a repetição cria tédio.
O tédio é uma necessidade básica para o sono. Você não pode dormir a menos que esteja
entediado. Se você está excitado, você não pode dormir. Eis por que o homem moderno está se
tornando incapaz de ir dormir. Qual é a razão? Há muito excitamento. Isso nunca foi assim antes.
No mundo antigo, no passado, a vida era um profundo tédio, um tédio repetitivo. Se você for
a um vilarejo escondido em algum lugar nas montanhas, lá a vida é um tédio. Ela pode não
parecer um tédio para você, porque você não viveu lá e nas férias você pode se sentir muito
excitado. Mas esse excitamento é por causa de Bombaim, não por causa daquelas montanhas.
Aquelas montanhas são completo tédio. Aqueles que vivem lá estão entediados e sonolentos. Há
somente a mesma coisa, a mesma rotina sem nenhum excitamento, sem nenhuma mudança e
nada jamais acontece. Não há nenhuma novidade. As coisas continuam como elas sempre foram,
continuam se repetindo de forma circular. Assim como as estações se repetem, como a natureza
se repete, como dia e noite se movem em um círculo, em um vilarejo, em uma velha cidade, tudo
se move em um círculo. Eis por que os aldeões podem cair no sono tão facilmente: tudo é
simplesmente entediante.
A vida moderna se tornou tão excitante... – nada se repete. Tudo vai se tornando novo,
mudando. A vida se tornou imprevisível e você está tão excitado que não pode cair no sono.
Todo dia você pode ver um novo filme, todo dia você pode escutar uma nova palestra, todo dia
você pode ler um novo livro, todo dia alguma coisa nova é possível.
Esse excitamento constante continua. Quando você vai para a cama, o excitamento está
presente. A mente quer estar acordada; parece fútil cair no sono. Há pensadores que estão
dizendo que isso é puro desperdício – se você vive sessenta anos, vinte anos são desperdiçados
em sono. Puro desperdício! A vida é tão excitante, por que desperdiçar algo dela? Mas no velho
mundo, nos velhos dias, a vida não era um excitamento. Ela era um movimento circular da
mesma repetição. Se alguma coisa o excita, isso significa que ela é nova.
Se você repete um som determinado, isso cria um círculo dentro de você. Isso cria tédio; cria
sono. Eis por que a meditação transcendental de Mahesh Yogi é conhecida no Ocidente como um
tranquilizante não-medicamentoso. Porque trata-se de uma simples repetição de um mantra. Mas
se seu mantra se tornar apenas uma repetição sem um você alerta internamente, um você alerta
constantemente ouvindo-se a si mesmo, ouvindo o som, isso pode ajudar a dormir, mas não pode
ajudar a mais nada. Até onde isso vai, é bom. Se você está sofrendo de insônia, a meditação
transcendental é boa.
De outro modo, ajuda – se você usar o mantra com um ouvido interior alerta. Então, você tem
de fazer duas coisas: continuar reduzindo a altura do mantra, reduzindo o som, tornando-o mais
lento e mais sutil e, ao mesmo tempo, simultaneamente, continuar tornando-se cada vez mais
alerta, mais alerta. À medida que o som se torna mais sutil, torne-se mais alerta; do contrário,
você perderá todo o ponto.
Assim, duas coisas precisam ser feitas: o som tem de ser diminuído e você tem de se tornar
mais alerta. Quanto mais o som se torna sutil, mais alerta você tem de se tornar. Para torná-lo
mais alerta, o som tem de ser feito mais sutilmente e chega a um ponto em que o som entra na
ausência de som, ou na plena sonoridade; e você entra na consciência total. Quando o som entra
na ausência de som ou na plena sonoridade, nesse momento, o estado de alerta deve ter atingido
o pico. Quando o som atinge o vale, quando ele vai para o mais baixo, o mais profundo centro no
vale, sua atenção terá ido para o próprio pico, para o Evereste. E lá, o som se dissolve na
ausência de som ou na plena sonoridade, e você se dissolve na consciência total.
Este é o método: Entoe um som, como AUM, lentamente. À medida que o som entra na plena
sonoridade, você também entra. E espere pelo momento em que o som tenha se tornado tão sutil,
tão atômico, que, agora então, a qualquer momento, ele dará um salto do mundo das leis, do
mundo do três e entrará no mundo do um, do absoluto. Espere! Essa é uma das mais belas
experiências possíveis ao homem – quando o som se dissolve. Então de repente, você não pode
descobrir para onde foi o som.
Você o estava escutando sutilmente, bem profundamente: “Aum, aum, aum...” e, então, ele
não está mais presente. Você entrou no mundo do um. O mundo do três não existe mais. Isso, diz
o tantra, é a plena sonoridade; Buda diz: ausência de som.
Trata-se de um caminho – um dos mais usados, um dos mais úteis. Os mantras se tornaram
tão importantes devido a isso. Como o som já está presente e a sua mente está tão preenchida
com ele, você pode usá-lo como um trampolim. Mas há dificuldades, e a primeira dificuldade é o
sono. Todo aquele que usa um mantra precisa estar consciente dessa dificuldade. Esse é o
obstáculo – o sono. Você está fadado a cair no sono por ele ser tão repetitivo, ser tão
harmonioso, ser tão enfadonho – você cairá vítima. E não pense que seu sono é sua meditação.
Sono não é meditação.
O sono é bom em si mesmo, mas esteja alerta. Se você está usando um mantra para dormir,
então está bem. Mas se você está usando o mantra para o despertar espiritual, então esteja alerta
para o sono. Para aqueles que usam o mantra, o sono é o inimigo – e ele acontece muito
facilmente. E ele é tão belo, porque é um tipo diferente de sono; lembre-se disso também.
Quando ele vem de um mantra, não é um sono comum. É um tipo diferente de sono.
Os gregos chamaram-no hypnos, e do hypnos a palavra ‘hipnotismo’ foi derivada. No ioga,
eles chamam-no yoga tandra – um sono específico que acontece ao iogue e não ao homem
comum. Ele é hypnos – um sono induzido, não um sono comum. E a diferença é muito básica;
assim, tente entender isso – porque se você tentar um mantra, qualquer som, isso se tornará um
problema seu. O maior problema a se encarar é o sono.
A hipnose usa a mesma técnica – criar tédio. O hipnotizador continua repetindo uma certa
palavra ou uma certa frase. Ele está continuamente repetindo e você se torna entediado. Ou ele
lhe dá uma luz para se concentrar. Vendo a luz continuamente, você fica entediado.
Em muitos templos, igrejas, as pessoas estão dormindo profundamente. Escutando as
escrituras, elas caem no sono. Elas escutaram essas escrituras tantas vezes, isso se tornou um
tédio. Não há excitamento, elas já conhecem a história.
Se você continuar vendo o mesmo filme repetidamente, você ficará dormindo profundamente:
nenhum excitamento para a mente, nenhum desafio e não há nada para ver. Você ouviu o
Ramayana tantas vezes, você pode estar dormindo e sem nenhuma dificuldade pode continuar
ouvindo-o no seu sono. E você nunca sentirá que esteve dormindo, porque você nunca perderá
nada da história: você já a conhece.
As vozes dos pregadores são profundamente indutoras do sono, monótonas. Você pode falar
monotonamente, na mesma altura, então, o sono acontece. Muitos psicólogos aconselham seus
pacientes com insônia a irem ouvir uma palestra religiosa, que dá sono facilmente. Sempre que
você estiver entediado, você cairá no sono, mas esse sono é hipnose, esse sono é yoga tandra. E
qual é a diferença? Ele não é natural. É não-natural e tem atributos particulares.
Primeiro: quando você cai no sono através de um mantra ou através da hipnose, você pode
criar uma ilusão facilmente e a ilusão será tão real quanto possível. No sono comum, você pode
criar sonhos, mas, no momento em que acordar, você saberá que eram sonhos. Na hipnose, no
yoga tandra, você pode criar visões e, quando você sair dela, você não será capaz de dizer que
eram sonhos. Você dirá que elas eram mais reais do que a vida à sua volta. Essa é uma das
diferenças básicas.
Você pode criar qualquer ilusão. Assim, se um cristão entrar em hipnose, ele verá Cristo. Se
um hindu entrar, ele verá Krishna tocando sua flauta. Isso é belo! E a qualidade da hipnose é tal
que você acreditará que é real. Esse é o perigo, e ninguém pode convencê-lo de que aquilo não é
real. A sensação é tamanha, que você sabe que ela é real. Você pode dizer que toda a vida é
irreal, maya, ilusão, mas você não pode dizer que tudo o que você viu em hipnose, em yoga
tandra, é irreal. É tão vivo, tão colorido, tão atraente e magnetizante.
É por isso que se alguém lhe disser alguma coisa enquanto você está hipnotizado, você
acreditará naquilo absolutamente. Não pode haver dúvida; você não pode duvidar daquilo. Você
deve ter visto alguma sessão de hipnotismo. O que quer que o hipnotizador diga, a pessoa
hipnotizada acredita e começa a representar. Se ele diz para um homem: “Você é uma mulher.
Agora caminhe no palco”, o homem caminhará como uma mulher. Ele não pode caminhar como
um homem, porque a hipnose é confiança profunda, ela é fé. Não existe a mente consciente para
pensar, nenhuma mente raciocinando para argumentar. Você é simplesmente o coração, você
simplesmente acredita. Não há jeito de não acreditar, você não pode questionar. A mente
questionadora está dormindo – essa é a diferença.
Em seu sono comum, a mente questionadora está presente, não está dormindo. Na hipnose,
sua mente questionadora está dormindo e você não está dormindo. É por isso que você pode
ouvir o hipnotizador dizer qualquer coisa para você e você seguirá suas instruções. No sono
comum, você não pode ouvir, mas o seu raciocínio não está dormindo. Assim, se alguma coisa
que pode ser fatal lhe acontecer, seu sono será quebrado por sua razão.
Uma mãe está dormindo com seu filho. Ela pode não ouvir nada mais, mas se a criança fizer
mesmo um som muito pequeno, um pequeno sinal, ela acordará. Se a criança sentir um pequeno
desconforto, ela acordará. A mente racional está alerta. Você está dormindo, mas a sua mente
racional está alerta. Assim, até mesmo algumas vezes nos sonhos, você pode sentir que eles são
sonhos. Naturalmente, no momento em que você sente isso, seu sonho será quebrado. Você pode
sentir que é absurdo, mas no momento em que você o sente, o sonho é quebrado. Sua mente está
alerta, uma parte está constantemente observando.
Mas na hipnose, ou no yoga tandra, o observador está dormindo. Esse é o problema com
todos aqueles que querem usar o som para entrar na ausência de som ou na plena sonoridade, ir
além. Eles devem estar conscientes de que o mantra não deve se tornar uma técnica de auto-
hipnose. Ele não deve criar auto-hipnose.
Assim, o que você pode fazer? Você pode fazer somente uma coisa: enquanto você estiver
usando o seu mantra, enquanto você estiver entoando o seu mantra, não o entoe simplesmente.
Ao mesmo tempo, esteja alerta e ouça-o também. As duas coisas: entoe-o e ouça-o. Do contrário,
se você não estiver escutando conscientemente, ele se tornará sua canção de ninar e você cairá
em sono profundo. Esse sono será muito bom – você se sentirá refrescado depois dele, vivo; você
sentirá um certo bem-estar – mas esse não é o ponto.

40 Escute um som enfraquecendo

A quarta técnica do som:

No começo e na extinção gradual do som de qualquer letra, desperte.

Algumas vezes os professores usam muito essa técnica. Eles têm suas maneiras engenhosas.
Por exemplo: se você entrar na cabana de um mestre zen, ele poderá de repente dar um grito.
Você ficará assustado, mas se você souber por que ele está fazendo aquilo, você saberá que ele o
está fazendo apenas para despertá-lo. Qualquer coisa repentina torna-o desperto. Qualquer som
repentino pode torná-lo desperto.
O repentino quebra seu sono e, comumente, nós estamos adormecidos. A menos que alguma
coisa saia errado, nós não deixamos o sono, nós continuamos fazendo as coisas
adormecidamente. É por isso que nunca sentimos o sono. Você vai para seu escritório, dirige o
seu carro, volta para casa, ama seus filhos, fala com sua esposa; assim, você pensa que você
absolutamente não está adormecido. Como você pode fazer todas essas coisas dormindo? Você
pensa que não é possível. Mas você sabe alguma coisa sobre sonâmbulos – sobre aqueles que
caminham dormindo? Seus olhos estão abertos, e eles estão dormindo e podem fazer muitas
coisas. Mas eles não se lembrarão de manhã que as fizeram.
Eles podem ir à delegacia de polícia e relatar que alguma coisa está errada, que alguém entrou
em sua casa à noite e fez traquinagens; e descobre-se que eles mesmos foram os responsáveis.
Mas à noite em seu sono, eles caminham e fazem certas coisas, então, voltam para suas camas e
continuam o seu sono, e pela manhã não podem se lembrar do que aconteceu. Eles podem abrir
portas, podem usar chaves, podem fazer muitas coisas. Seus olhos estão abertos e eles estão
dormindo.
Em um sentido profundo, todos nós somos sonâmbulos. Você pode ir para o seu escritório,
pode ir para a sua casa, pode fazer certas coisas; você repetirá as mesmas coisas que sempre
repetiu. Você dirá para a sua mulher “eu te amo”, e isso não quer dizer nada. As palavras serão
apenas mecânicas. Você não está nem mesmo consciente do que está dizendo para a sua esposa,
“eu te amo”... Você está simplesmente fazendo coisas como se estivesse dormindo
profundamente. Todo esse mundo é um mundo de sonâmbulos para uma pessoa que se tornou
acordada. Um Buda sente dessa maneira, um Gurdjieff sente dessa maneira – que todo mundo
está dormindo profundamente e ainda assim fazendo coisas.
Gurdjieff costumava dizer que tudo o que está acontecendo neste mundo é exatamente o que
pode ser esperado – guerras, lutas, revoltas, assassinato, suicídio. Alguém perguntou a Gurdjieff:
“Alguma coisa pode ser feita para acabar com as guerras”? Ele disse: “Nada pode ser feito –
porque aqueles que estão lutando, estão dormindo profundamente e aqueles que são pacifistas,
também estão dormindo profundamente. E todo mundo continua no sono. Esses acontecimentos
são naturais, inevitáveis. A menos que o homem esteja acordado, nada pode ser mudado, porque
todas essas coisas são simplesmente subprodutos do seu sono. Ele lutará; não se pode impedi-lo
de lutar. Somente as causas podem ser mudadas”.
Uma vez ele esteve lutando pelo cristianismo, pelo Islã, por isso e por aquilo. Agora ele não
está lutando pelo cristianismo, agora, ele está lutando pelo comunismo, pela democracia. As
causas mudarão, as desculpas mudarão e a luta continuará, porque o homem está dormindo e
você não pode esperar nada mais.
Esse sono pode ser quebrado. Você tem que usar certas técnicas. Esta técnica diz: No começo
e na extinção gradual do som de qualquer letra, desperte. Tente com qualquer som, com
qualquer letra – aum, por exemplo. No começo, quando você ainda não criou o som, desperte.
Ou quando o som se move para a ausência de som, então, desperte.
Como você pode fazer isso? Vá a um templo. Há um sino ou um gongo. Pegue o sino em sua
mão e espere. Primeiro torne-se totalmente alerta. O som estará presente e você não estará
perdendo o começo. Primeiro torne-se totalmente alerta, como se sua vida dependesse disso,
como se alguém fosse matá-lo naquele exato momento e você ficará desperto. Esteja alerta –
como se aquilo fosse ser a sua morte. E se houver pensamento, espere, porque pensamento é
sonolência. Com pensamento, você não pode estar alerta. Quando você está alerta, não há
nenhum pensamento. Assim, espere. Quando você sente que “agora a mente está sem
pensamento”, que não existe nuvem e você está alerta, então, mova-se com o som.
Olhe quando o som não está presente, então, feche os seus olhos. Então, olhe quando o som é
criado, batido; então, mova-se com o som. O som se tornará cada vez mais e mais lento, mais
sutil e mais sutil e mais sutil e, então, ele não mais estará presente. Então, continue com o som.
Fique consciente, alerta. Mova-se com o som até o próprio fim. Veja ambos os pólos do som,
ambos, o começo e o fim.
Tente isso com algum outro som como um gongo ou um sino ou qualquer coisa, então, feche
seus olhos. Pronuncie qualquer som internamente – aum ou qualquer coisa – e, então, faça a
mesma experiência com ele. É difícil; eis por que nós o fazemos externamente primeiro. Quando
você puder fazê-lo externamente, então, você será capaz de fazê-lo internamente. Então faça-o.
Espere pelo momento em que a mente esteja vaga; então, crie o som internamente. Sinta-o,
mova-se com ele, vá com ele até ele desaparecer completamente.
Até você poder fazer isso... levará tempo. Alguns meses serão necessários, pelo menos três
meses. Nesses três meses, você se tornará cada vez mais e mais alerta. O estado pré-som e o
estado pós-som têm que ser observados. Nada é para ser perdido. Uma vez que você se torne tão
alerta que possa observar o começo e o fim de um som, através desse processo, você terá se
tornado uma pessoa totalmente diferente.
Algumas vezes isso parece muito absurdo. Tais técnicas simples, como elas podem
transformá-lo? Todo mundo está tão perturbado, angustiado e esses métodos parecem tão
simples. Eles parecem truques. Se você for a Krishnamurti e lhe disser que este é o método, ele
dirá: “Isso é um truque mental. Não seja enganado por isso. Esqueça-o, jogue-o fora”!
Parece assim. Obviamente, isso parece um truque. Como você pode ser transformado através
de uma coisa tão simples? Mas você não sabe – elas não são simples. Quando você as faz, então,
você sabe que elas são muito trabalhosas. Se você apenas me ouvir falar sobre elas, elas são
simples. Se eu lhe digo “Isso é veneno e se você tomar uma gota dele você morrerá”, se você não
conhecer nada sobre veneno você dirá: “Do que você está falando? Apenas uma gota deste
líquido e uma pessoa como eu que é saudável, forte, morrerá...!”? Se você não sabe nada sobre
veneno, somente então, você pode dizer isso. Se você souber alguma coisa sobre ele, você não
poderá dizer isso.
Parece ser muito simples: entoar um som e, então, se tornar consciente no começo e no final.
Mas a consciência é muito difícil e, quando você tentar fazê-lo, então, você saberá que não é
brincadeira de criança. Você não está consciente – e quando você tentar fazê-lo, pela primeira
vez, você saberá que esteve dormindo por toda a sua vida. Exatamente agora, você pensa que já
está acordado. Tente isso. Com qualquer pequena coisa, tente isso.
Diga a si mesmo que “Eu estarei atento, alerta por dez respirações”, e, então, conte as
respirações. “Por dez respirações somente”, diga a si mesmo, “eu permanecerei alerta. E eu
contarei de um a dez, a inspiração, a expiração, a inspiração, a expiração. Eu permanecerei
alerta”.
Você esquecerá. A segunda e a terceira e você terá se movido para algum outro lugar. Então,
de repente você se tornará consciente de que “eu esqueci; eu não estive contando as respirações”.
Ou você pode contar, mas quando você contou até dez, você se tornou consciente de que “eu
estava contando em meu sono; eu não estava alerta”.
O estado de alerta é uma das coisas mais difíceis. Não pense que os métodos são simples.
Qualquer que seja a técnica, o estado alerta é a coisa a ser atingida. Tudo o mais é apenas um
auxílio.
E você pode inventar seus próprios métodos. Mas lembre-se somente de uma coisa: o estado
de alerta deve estar presente. Você pode fazer qualquer coisa no sono; então, não há nenhum
problema. O problema surge somente quando há a condição de fazê-lo em estado de alerta.

41 Ouça um instrumento de corda

A quinta técnica do som:

Enquanto estiver ouvindo instrumentos de corda, ouça o componente central do som;


então, a onipresença.

A mesma coisa! Você está ouvindo um instrumento – um sitar ou qualquer coisa. Há muitas
notas. Fique alerta e ouça o núcleo central, a espinha dorsal ao redor da qual todas as notas estão
fluindo, a corrente mais profunda que mantém todas as notas juntas – aquilo que é central,
exatamente como a sua espinha dorsal. Todo o corpo é mantido pela espinha dorsal. Ouça a
música, fique alerta, penetre a música e encontre a espinha dorsal dela – a coisa central que
continua fluindo, sustentando tudo junto. As notas vêm e vão e desaparecem, mas o núcleo
central flui. Torne-se consciente dele.
Basicamente, originalmente, a música era usada para a meditação; principalmente a música
indiana se desenvolveu como um método de meditação, a dança indiana se desenvolveu como
um método de meditação. Para o executante, ela era uma meditação profunda e, para a audiência,
ela também era uma meditação profunda. Um dançarino ou um músico podem ser um técnico. Se
não existir nenhuma meditação naquilo, ele é um técnico. Ele pode ser um grande técnico, mas,
então, a alma não está presente, somente o corpo. A alma somente vem quando o músico é um
profundo meditador.
E a música é apenas a coisa externa. Enquanto toca o seu sitar, a pessoa não está somente
tocando o seu sitar, ela também está tocando em seu estado de alerta interior. O sitar continua
externamente e sua intensa consciência move-se internamente. A música flui externamente, mas
a pessoa está alerta, constantemente consciente do centro mais interior da música. E isso dá o
samadhi. Isso se torna êxtase. Isso se torna o mais alto pico.
Diz-se que quando o músico se tornar realmente um músico, ele quebrará o instrumento –
porque ele não é útil. Se ele ainda precisa de seu instrumento, ele ainda não é realmente um
músico. Ele está apenas aprendendo. Se você puder jogar com a música, com a meditação, mais
cedo ou mais tarde, a música interior se tornará mais importante e o lado externo se tornará não
somente menos importante: em última análise ele se tornará uma perturbação. Se sua consciência
se mover para dentro e puder encontrar a música interior, então, a música exterior será uma
perturbação. Você jogará fora o sitar, você jogará o instrumento para longe de você, porque
agora você encontrou o instrumento interior. Mas ele não pode ser encontrado sem o exterior;
com o exterior você pode se tornar alerta mais facilmente. Uma vez que você tenha se tornado
alerta, deixe o exterior e mova-se internamente. E para o ouvinte também, o mesmo!
Mas o que você está fazendo quando ouve música? Você não está meditando. Pelo contrário,
você está usando a música como alguma coisa parecida com o álcool. Você a está usando para
ficar relaxado, você a está usando para o esquecimento-de-si. Esse é o infortúnio, a miséria: as
técnicas que foram desenvolvidas para a consciência estão sendo usadas para o sono. E é assim
que o homem vai trazendo prejuízo para si mesmo.
Se alguma coisa lhe é dada para que você possa tornar-se consciente, você a usará para se
tornar mais sonolento. É por isso que por milênios, os ensinamentos foram mantidos em segredo
– porque pensava-se ser inútil dar técnicas para um homem sonolento. Ele as usará para dormir;
ele não pode fazer diferente. Assim, as técnicas eram dadas somente para discípulos
determinados, que estivessem prontos para sacudir seu sono, que estivessem prontos para serem
espatifados para fora da sua sonolência.
Ouspensky dedica um livro a George Gurdjieff como “o homem que perturbou meu sono”.
Tais pessoas são perturbadoras. Pessoas como Gurdjieff ou Buda ou Jesus, são perturbadoras.
Eis por que nós nos vingamos deles. Quem quer que perturbe nosso sono, nós iremos crucificá-
lo. Ele não parece bom para nós. Nós podemos estar sonhando belos sonhos e ele vem e perturba
nosso sono. Nós queremos matá-lo. O sonho era tão bonito...!
O sonho pode ser belo e pode não ser belo, mas uma coisa é certa: ele é um sonho, e fútil,
inútil! E se ele é belo, então, ele é mais perigoso, porque ele pode atraí-lo mais, ele pode se
tornar uma droga.
Nós temos usado a música como uma droga, dançado como uma droga. E se você quer usar a
música e a dança como drogas, então, elas se tornarão não somente drogas para seu sono, elas se
tornarão drogas para a sexualidade também. Assim, lembre-se deste ponto: sexualidade e sono
andam juntos. Quanto mais sonolenta a pessoa, mais sexual; mais desperta, menos sexual. O
sexo está basicamente enraizado no sono. Quando você está acordado, você estará mais amoroso,
toda a energia do sexo terá sido transformada em amor.
Este sutra diz: Enquanto estiver ouvindo instrumentos de corda, ouça o componente central
do som – o seu som central completo – então, a onipresença. E então você saberá o que é para
ser sabido, ou o que vale a pena saber. Você se tornará onipresente. Com a música, encontrando
o âmago do componente central, você se tornará desperto e com esse despertar você estará em
toda parte.
Exatamente agora, você está em algum lugar – um ponto que nós chamamos de ego. Se você
puder se tornar desperto, esse ponto desaparecerá. Você não estará em nenhum lugar então, você
estará em todo lugar – como se você se tornasse o todo. Você se tornará o oceano, você se
tornará o infinito.
A finitude está com a mente.
A infinitude entra com a meditação.
Capítulo 28

MEDITAÇÃO: UM DESCARREGAR DAS REPRESSÕES



PERGUNTAS

Na medida em que a repressão funciona automaticamente em nós, como distinguir o falso e o


verdadeiro em nós mesmos?
Você poderia explicar o processo de iniciação nos mantras e as razões para o caráter secreto
dos mantras?
Você pode comparar a música caótica usada em Sua Meditação Dinâmica e o rock no
Ocidente?

A primeira pergunta:

A repressão se tornou uma reação tão automática em nossos corpos e mentes, que nós
nem mesmo reconhecemos ou queremos mudar ao menos. Como podemos aprender a
distinguir entre a imagem falsa e a real em nós mesmos?

Muitas coisas têm de ser compreendidas. Primeiro: todas as suas faces são falsas; você não
tem nenhuma face real. Eis por que surge a pergunta sobre qual é a falsa e qual é a real. Se você
tem a real, você sabe. Então, a pergunta nunca surge. Todas as faces são irreais, falsas; assim,
você não tem nenhuma comparação a fazer. Você não conhece o real – essa é que é a
dificuldade. Você não viu o real e o real não é visto naturalmente; muito esforço é necessário
para encontrá-lo.
No zen, eles dizem que o real é a face original – a face que você tinha antes de seu
nascimento e a face que você terá depois da morte. Isso significa que todas as faces na vida, a
suposta vida, são falsas. Como descobrir qual é a face real? Você terá de voltar para antes do seu
nascimento. Esse é o único jeito de se descobrir a face real, porque no momento em que você
nasce, você começa a ser falso. Você começa a ser falso, porque vale a pena ser falso.
A criança nasce e ela começa a ser política. No momento em que ela está se relacionando
com o mundo, com os pais, com a família, ela está na política. Agora ela tem de tomar cuidado
com suas faces. Ela irá sorrir como um suborno. Ela tentará descobrir de que maneira deveria se
comportar, de forma a ser mais aceita, mais amada, mais apreciada. E, mais cedo ou mais tarde, a
criança descobrirá o que é condenado pelos pais, pela família e ela começará a reprimi-lo. Então,
o falso entrou.
Assim, todas as faces que você tem são falsas. Não tente descobrir a real entre suas faces
atuais. Elas são todas falsas, similarmente falsas. Elas são úteis – eis por que elas foram adotadas
– utilitárias, mas não verdadeiras. E a ilusão mais profunda é que sempre que você se torna
consciente de que suas faces são falsas, você criará uma outra face que você pensará que é a real.
Por exemplo: uma pessoa que vive uma vida comum, em um mundo comum, com um
trabalho, uma família, um dia ela descobre toda a sua falsidade, toda a falta de autenticidade de
sua vida; então, ela renuncia a isso. Ela se torna um saniássin e abandona o mundo, e ela pode
estar pensando que “agora a face é real”. É novamente uma face falsa. Ela foi adotada como uma
reação às outras faces, e com uma reação você nunca pode chegar ao real. Reagindo a uma face
falsa, você irá criar uma outra face falsa. Então, o que deve ser feito?
O real não é algo que tem de ser conquistado. O falso é uma conquista sua. O real não é algo
para ser conquistado, ele não é alguma coisa para ser cultivada. É algo para ser descoberto! Ele
já está presente. Você não precisa tentar alcançá-lo, porque qualquer esforço levará somente para
uma outra face falsa. Para uma face falsa o esforço é necessário; ela tem de ser cultivada. Para a
face real, você não tem de fazer nada, ela já está presente. Se você simplesmente deixa seu apego
às faces falsas, o falso irá cair e aquilo que é real permanecerá. Quando você não tem nada para
abandonar, e somente aquilo que não pode ser abandonado estiver presente, você compreenderá
o que é o real.
A meditação é o caminho para abandonar as faces falsas. Eis por que há tanta insistência em
ficar sem pensamento – porque sem pensamento você não pode criar uma face falsa. Em um
estado de consciência sem pensamento, você será real – porque é basicamente o pensamento que
cria as máscaras e as faces falsas. Quando não há pensamentos não pode haver face. Você estará
sem face, ou com a face real – e ambos significam a mesma coisa.
Assim, esteja consciente de seu processo de pensamento. Não lute com ele, não o reprima.
Simplesmente tenha consciência: os pensamentos são apenas como nuvens no céu, e você olha
para elas sem preconceito, nem a favor nem contra. Se você for contra, você estará lutando – e
essa própria luta criará um novo processo de pensamento. Se você for a favor deles, você
esquecerá de si mesmo e irá flutuar na correnteza do processo mental. Você não estará presente
como uma testemunha consciente. Se você for a favor, você estará no processo. Se você for
contra, você criará um outro processo em reação.
Assim, não seja a favor e não seja contra. Permita que os pensamentos se movam, deixe-os ir
aonde quer que eles estejam indo, esteja em uma profunda entrega e simplesmente testemunhe. O
que quer que esteja passando, testemunhe. Não julgue; não diga “isso é bom, isso é ruim”. Se o
pensamento de um ser divino vem, não diga: “Que belo”! No momento em que você diz isso,
você está se identificando com ele e você está cooperando com o processo de pensamento. Você
o está ajudando, está dando energia a ele, você o está alimentando. E se você o está alimentando,
ele nunca pode cair.
Ou se há um pensamento, um pensamento sexual, não diga: “Isso é ruim, isso é pecado”.
Porque quando você diz “isso é pecado”, você criou uma outra série de pensamentos. Sexo é um
pensamento, pecado é um pensamento, Deus é um pensamento. Não seja nem a favor nem
contra. Simplesmente olhe com olhos sem preconceitos, apenas observando, indiferentemente.
Isso levará tempo. Por sua mente estar tão ocupada com noções, isso é muito difícil. No
momento em que nós vemos uma coisa, nós a julgamos. Nós não esperamos; não há nem mesmo
um simples intervalo. Você vê uma flor e você já diz: “Que linda”! No próprio ver, a
interpretação entra.
Você terá de constantemente estar consciente para abandonar esse hábito mecânico de julgar.
Você vê uma face e já julgou – feia, boa, ruim ou qualquer outra coisa. Esse julgamento se
tornou tão profundamente enraizado, que nós não podemos ver algo simplesmente. A mente
entra imediatamente. Isso se torna uma interpretação; não é uma simples visão. Não interprete.
Simplesmente veja.
Sente-se em uma postura relaxada ou deite-se. Feche seus olhos e permita seus pensamentos
se moverem. Se você disser “Isso é mau!”, se você condena, então, você começa a reprimi-los.
Então, você não está permitindo que eles se movam independentemente. Eis por que há tanta
necessidade de sonhos, porque tudo o que você está reprimindo durante o dia, você terá de
liberar à noite. Aquilo que é reprimido continua forçando sua expressão, necessita de expressão.
Assim, tudo o que você reprime, você sonha. Os sonhos são catárticos.
Agora modernas pesquisas do sonho dizem que você pode ser privado de sono e não resultará
muito prejuízo disso, mas você não pode ser privado de seus sonhos. A velha idéia de que o sono
é muito necessário mostrou-se falsa. Ao invés do sono, os sonhos são muito necessários; e um
sono é necessário somente porque você não pode sonhar sem o sono.
Pesquisadores desenvolveram técnicas com as quais se pode julgar de fora se você está
sonhando, ou se você está simplesmente dormindo. Se você estiver simplesmente dormindo, eles
perturbarão o sono – por toda a noite. Quando você estiver sonhando, eles o permitirão, quando
você não estiver sonhando, eles perturbarão o sono, e nenhum efeito ruim resultará disso.
Mas se eles o perturbassem quando você estivesse sonhando e permitissem que você dormisse
quando não estivesse sonhando, dentro de três dias você começaria a se sentir zonzo e dentro de
sete dias você sentiria um profundo desconforto. Ambos, seu corpo e sua mente se sentiriam
doentes. Dentro de três semanas, você sentiria um certo tipo de insanidade. O que acontece? É
devido aos sonhos serem catárticos. Se você continuar reprimindo durante o dia e se as
repressões não tiverem permissão para serem expressas, elas se acumularão dentro de você, e
esse acúmulo de repressão vira insanidade.
Na meditação, você não deve reprimir nenhum pensamento. Mas isso é difícil, porque toda a
sua mente consiste em julgamentos, teorias, -ismos, doutrinas, crenças. Assim, alguém que é
muito obcecado por uma idéia, uma filosofia ou uma religião, não pode realmente entrar em
meditação. É difícil, porque sua obsessão se tornará a barreira. Assim, se você é um cristão ou
um hindu ou um jaina, será difícil para você entrar em meditação, porque a sua filosofia lhe dá
julgamentos: isso é bom e aquilo não é bom, isso tem de ser reprimido, isso não pode ser
permitido.
Todas as filosofias são repressivas e todas as religiões, todas as ideologias, são repressivas,
porque elas lhe dão interpretações. Elas não lhe permitem ver a vida como ela é – elas impõem
interpretações sobre ela.
Alguém que quer ir fundo em meditação tem de estar consciente dessa tolice de ideologia.
Apenas ser um homem simples sem nenhuma filosofia, sem nenhuma atitude em relação à vida,
ser apenas um buscador – alguém que está em indagação, em uma profunda indagação para saber
o que é a vida. Não force nenhuma ideologia sobre ela ou em torno dela. Então, será muito fácil
se mover para dentro da meditação.
Por causa disso, o maior meditador que o mundo já conheceu, Gautama Buda, insistia em que
nenhuma ideologia é necessária, nenhuma filosofia é necessária, nenhum conceito sobre a vida é
necessário. Se Deus existe ou não, não interessa, é irrelevante. Se moksha, libertação, existe ou
não, não interessa. Se a alma é imortal ou não, não interessa.
Buda era muito antifilosófico, não porque ele fosse antifilosófico, mas porque a antifilosofia
pode se tornar o solo básico para um meditador saltar para dentro do desconhecido. A filosofia
significa conhecer algo sobre o desconhecido sem conhecê-lo. Ela é apenas pré-conceitos,
hipóteses, ideologias construídas pelo homem.
Isso tem de ser lembrado como um fato muito fundamental: não julgue, deixe a mente fluir
livremente. Assim como o rio flui, deixe a mente fluir livremente; simplesmente sente-se na
margem, e observe. E esse observar deve ser puro – sem nenhuma interpretação. Mais cedo ou
mais tarde, quando as águas tiverem fluído, quando as idéias reprimidas tiverem passado, você
sentirá o surgimento de intervalos. Virá um pensamento, e um outro pensamento não aparecerá e
haverá um intervalo – uma lacuna. Nesse intervalo, nada acontece. Nesse intervalo, você terá o
primeiro lampejo de sua face real, da face original.
Quando não há pensamento, não há sociedade. Quando não há pensamento, não há o outro.
Quando não há nenhum outro, nenhuma sociedade, você não precisa ter nenhuma face. O estado
de sem-pensamento é sem-face. Nesse intervalo, quando um pensamento partiu e outro não
apareceu, nesse intervalo, pela primeira vez, você conhecerá em realidade qual é a sua face – a
face que você tinha quando não era nascido e a face que terá quando morrer.
Todas as faces na vida são falsas. E uma vez que você conheça a face real, uma vez que você
sinta essa natureza interior que os budistas chamam de buddha swabhava – a natureza do Buda
interior – quando você chegar a sentir essa natureza interior mesmo uma vez, mesmo como um
simples lampejo, você será uma pessoa diferente, porque, agora então, você constantemente
saberá o que é falso e o que é real. Então, você terá o critério. Então, você pode comparar e não
haverá necessidade de perguntar o que é real e o que não é real. A pergunta vem apenas porque
você não conhece o que é real e o que quer que você conheça é tudo irreal.
Somente através da meditação você será capaz de aprender o que é uma falsa imagem e o que
é uma face real, autêntica. Naturalmente, a mente é automática e tudo o que você fez se tornou
mecânico. É duro quebrar esse mecanismo.
A primeira coisa a ser compreendida: o mecanismo é uma necessidade da vida – e seu corpo
tem um mecanismo interno. Colin Wilson o chamou de robô interno; você tem um robô dentro
de você. Uma vez treinado, uma vez que você seja treinado em algo, esse treino é passado ao
robô. Você pode chamá-lo de memória, você pode chamá-lo de mente – de qualquer coisa –mas
a palavra robô é boa, porque trata-se de algo absolutamente mecânico, automático. Ele funciona
por conta própria.
Você está aprendendo a dirigir. Enquanto você está aprendendo, você terá de estar consciente,
alerta. Um perigo está presente. Você não sabe como dirigir e alguma coisa pode acontecer;
assim, você terá de estar alerta. Eis por que o aprendizado é tão penoso, a pessoa tem de estar
alerta constantemente. Quando você já aprendeu a dirigir, o ato de dirigir foi passado para parte
robô de sua mente. Agora você pode continuar fumando, cantando, escutando o rádio ou falando
com um amigo, ou até mesmo amando sua namorada. Você pode continuar fazendo qualquer
coisa e a parte robô de seu ser irá dirigir.
Você não será necessário; você fica livre da carga. O robô fará tudo. Você nem mesmo tem
de se lembrar de quando fazer a curva: não precisa. O robô saberá onde fazer a curva, onde parar,
onde não parar, o que fazer e o que não fazer. Você não é necessário; você fica liberado do
trabalho. O robô faz tudo.
Se algo muito repentino acontece, algum acidente ou alguma coisa que o robô não possa dar
conta porque ele não foi treinado naquilo, somente então, você será necessário. De repente
haverá um solavanco em seu corpo. O robô será substituído e você entra no lugar dele. Você
pode sentir esse solavanco. Quando de repente você sente que um acidente está para acontecer,
há um solavanco interno. O robô se afasta; ele dá lugar para você. Agora você está dirigindo.
Mas, quando o acidente é evitado, novamente, o robô assume o controle. Você irá relaxar e o
robô dirigirá.
E isso é necessário para a vida, porque há tantas coisas a se fazer – tantas coisas! E se não
houver nenhum robô para fazê-las, você absolutamente não será capaz de fazê-las. Assim, um
robô é necessário, ele é uma necessidade.
Eu não sou contra o robô. Vá e dê ao robô tudo o que você aprendeu, mas permaneça o
mestre. Não permita que o robô se torne o mestre. Esse é o problema: o robô tentará se tornar o
mestre, porque o robô é mais eficiente do que você. Mais cedo ou mais tarde, o robô lhe dirá:
“Pode se aposentar de vez. Você não é necessário. Eu posso fazer as coisas mais eficientemente”.
Permaneça o mestre. O que pode ser feito para você permanecer o mestre do robô? Somente
uma coisa é possível, e é esta: algumas vezes, sem nenhum perigo, tome as rédeas em suas mãos.
Diga para o robô relaxar, sente-se no assento e dirija o carro – sem nenhum perigo, porque, no
perigo, isso torna-se novamente automático: o solavanco, e a troca do robô por você é
automática.
Você está dirigindo; de repente, sem nenhuma necessidade, diga para o robô relaxar. Você se
senta e dirige o carro. Você está caminhando; de repente lembre-se e diga ao corpo que: “Agora
eu caminharei conscientemente. O robô não é admitido. Eu sou o mestre e moverei o corpo
conscientemente”. Você está me ouvindo: é a parte robô que está me ouvindo. De repente, dê um
solavanco nela; não permita que a mente entre. Ouça-me diretamente, conscientemente.
O que eu quero dizer quando digo “ouça conscientemente”? Quando você está ouvindo
inconscientemente, você está apenas focado em mim e você se esqueceu de você completamente.
Eu existo, aquele que fala existe, mas o ouvinte está inconsciente. Você não está consciente de si
mesmo como ouvinte. Quando eu digo “tome as rédeas em suas mãos”, eu quero dizer “esteja
consciente dos dois pontos: daquele que fala e daquele que ouve”. E se você está consciente dos
dois pontos, o orador e o ouvinte, você se tornou o terceiro – a testemunha.
Esse testemunhar o ajudará a permanecer o mestre. E se você é o mestre, seu robô não pode
perturbar a sua vida. Ele está perturbando a sua vida. Toda a sua vida se tornou uma confusão
por causa desse robô. Ele ajuda, ele é eficiente, mas ele vai tomando tudo de você – mesmo
aquelas coisas que não deveriam ser dadas a ele.
Você se apaixona; é lindo no começo, porque aquilo ainda não foi dado ao robô. Você está
aprendendo. Você está vivo, consciente, alerta, e o amor tem uma beleza. Mas, mais cedo ou
mais tarde, o robô assumirá. Você se tornará um marido ou uma esposa, e você terá passado a
responsabilidade para o robô.
Então, você dirá para a sua esposa “meu amor”, mas você não estará dizendo isso. O robô o
estará dizendo, um disco de gramofone. Então, trata-se de uma coisa gravada. Você apenas a
toca sempre novamente e sua esposa a entenderá – porque sempre que seu robô diz “meu amor”,
isso não significa nada. E quando a sua esposa diz “meu amor”, você também saberá que isso
não é nada, porque uma frase dita por um disco de gramofone faz somente barulho. Não faz
sentido; não há sentido nela.
Então, você vai querer fazer alguma coisa, ainda assim, você não a está fazendo. Então, o
amor se torna uma carga e a pessoa quer escapar do amor. Todos os seus sentimentos, todos os
seus relacionamentos são, agora, dirigidos por seu robô. Eis por que algumas vezes você insiste
em não fazer uma certa coisa, mas o robô insiste em que você a faça, porque o robô está treinado
para fazê-la. E você sempre é um fracasso e o robô sempre tem sucesso.
Você diz “eu não vou ficar com raiva de novo”, mas a sua afirmação é sem sentido, porque o
robô está treinado. E o treino foi longo, e apenas uma frase na mente, “eu não irei ficar com raiva
de novo”, não terá nenhum efeito. Esse robô foi longamente treinado. Assim, na próxima vez em
que alguém o insulte, sua decisão de não ficar com raiva não servirá para nada. O robô se
encarregará imediatamente e o robô fará o que quer que ele tenha sido treinado a fazer. E então
no final, quando o robô tiver feito aquilo, você se arrependerá.
Mas a dificuldade, a profunda dificuldade é esta: que até mesmo esse arrependimento é feito
pelo robô, porque você sempre fez isso – depois da raiva você se arrependeu. O robô aprendeu
esse truque também; ele irá se arrepender e novamente você fará a mesma coisa.
Eis por que muitas vezes você sente que fez alguma coisa, disse alguma coisa, se comportou
de um certo jeito a despeito de você mesmo. O que esta expressão “a despeito de você mesmo”
significa? Ela significa que há um outro eu dentro de você que pode agir, que pode fazer coisas a
despeito de você. Quem é esse eu? O robô!
O que fazer? Não faça juramentos de que “eu não ficarei com raiva de novo”. Eles produzem
o autofracasso; eles não o levarão a lugar algum. Mais precisamente, ao contrário, tudo o que
você está fazendo, faça conscientemente. Tome a responsabilidade do robô – com qualquer coisa
comum. Quando comer, coma conscientemente. Não o faça mecanicamente, como você faz
todos os dias. Quando fumar, fume conscientemente. Não permita que sua mão pegue o maço
inconscientemente, não tire o cigarro inconscientemente. Fique consciente, alerta – e isso faz a
diferença.
Eu posso levantar a minha mão mecanicamente, exatamente sem nenhuma consciência; eu
posso levantar a minha mão com total consciência fluindo em minha mão. Tente isso! Você
sentirá a diferença! Quando você está consciente, sua mão estará se levantando muito
lentamente, muito silenciosamente, e você sentirá que a mão está preenchida com a consciência.
E quando a mão está preenchida com a consciência, sua mente estará sem pensamento, porque
toda a sua consciência terá se movido para a mão. Agora nenhuma energia é deixada para o
pensar.
Quando você levanta sua mão automaticamente, mecanicamente, você continua pensando e
sua mão continua se movendo. Quem está movendo essa mão? Seu robô. Mova-a você mesmo!
Faça isso em um dia a qualquer hora, qualquer momento, enquanto estiver fazendo alguma coisa.
Tome a responsabilidade do robô. Logo você será capaz de ter a mestria sobre o robô. Mas não
tente em situações difíceis – será suicida. Nós sempre tentamos em situações difíceis, mas, por
causa da dificuldade, você nunca vence. Comece com situações simples, onde mesmo que você
não seja tão eficiente, não resultará nenhum prejuízo.
Nós sempre tentamos com situações difíceis. Por exemplo, um homem pensa “eu não ficarei
com raiva”. A raiva é uma situação muito difícil e o robô não a deixará para você. E é melhor
que o robô a faça, porque ele conhece mais do que você. Você decide sobre o sexo – não fazer
algo ou fazer algo –, mas você não consegue seguir à risca. O robô assumirá o comando. A
situação é muito complexa e manobras mais eficientes do que você pode realizar naquele
momento são necessárias.
A menos que você se torne perfeitamente consciente de que pode manobrar qualquer situação
complexa sem a ajuda do robô, o robô não permitirá que você o faça. E esse é um mecanismo de
defesa muito necessário. Se fosse o contrário, você poderia fazer uma grande confusão em sua
vida – se você ficasse tirando coisas do robô em situações difíceis.
Tente! Comece com coisas simples como caminhar. Tente com isso; não há prejuízo. Você
pode dizer ao robô que não haverá nenhum perigo. “Eu estou apenas caminhando, dando uma
caminhada e eu não estou indo a lugar nenhum – apenas caminhando. Assim, não há necessidade
de você; eu posso ser não-eficiente.”
E, então, fique consciente e caminhe lentamente. Fique preenchido com consciência por todo
seu corpo. Quando um pé se mover, mova-se com ele. Quando um pé deixar o chão, deixe o chão
com ele. Quando o outro pé tocar o chão, toque o chão com ele. Fique perfeitamente consciente.
Não faça nada com a mente; apenas volte toda a sua mente para a consciência.
Isso será difícil, porque o robô irá interferir continuamente. A todo momento, o robô tentará e
dirá: “O que você está fazendo? Eu posso fazer isso melhor do que você”. E ele pode fazer
aquilo melhor. Assim, tente com coisas não-sérias, com coisas não-complexas, coisas simples.
Buda disse a seus discípulos para caminharem, comerem e dormirem com consciência. Se
você puder fazer essas coisas simples, então, você também saberá como entrar em coisas difíceis
com consciência. Aí então, você pode tentar.
Mas nós sempre tentamos com coisas difíceis; então, somos derrotados. Então, a sensação de
derrota lhe dá um profundo pessimismo sobre si mesmo. Você começa a pensar que não pode
fazer nada. Isso ajuda muito ao robô. O robô sempre o ajudará a fazer alguma coisa quando você
estiver em dificuldades, porque, então, você está derrotado. Então, o robô pode lhe dizer: “Deixe
comigo. Eu posso fazer isso sempre melhor do que você”.
Comece com coisas simples. Muitas vezes tem-se dito que os zen-budistas, os monges zen,
faziam assim. Quando perguntavam a Basho “Qual é a sua meditação”? “Qual é o seu sadhana”?
– sua prática espiritual? – ele dizia: “Quando eu estou com fome, eu como; e quando eu estou
com sono, eu vou dormir. Isso é tudo”.
O homem que havia perguntado dizia: “Mas isso nós todos fazemos. O que há de especial
nisso”?
Basho repetia novamente. Ele dizia: “Quando eu estou com fome, ‘eu’ como e quando eu
sinto sono, ‘eu’ durmo”. E essa é a diferença. Quando você sente fome, seu robô come, quando
você sente sono, seu robô dorme. Basho disse “eu”, e essa é a diferença.
Se você se tornar mais consciente em seu trabalho do dia-a-dia, em sua vida cotidiana, a
consciência crescerá. E, com essa consciência, você não será simplesmente uma coisa mecânica.
Pela primeira vez, você se tornará uma pessoa – agora, você não é uma pessoa. E uma pessoa
tem uma face e a coisa mecânica tem muitas máscaras – nenhuma face.
Se você for uma pessoa – viva, alerta, consciente – você poderá ter uma existência autêntica.
Se você for apenas um artifício mecânico, você não poderá ter uma existência autêntica. Cada
momento o mudará; cada situação o mudará. Você será apenas uma coisa fluindo sem nenhum
centro interior, sem nenhum ser interior. Consciência lhe dá a presença interior. Sem ela, você
sente que você existe, mas você não é.
Alguém perguntou a Buda: “Eu quero servir à humanidade. Diga-me como eu posso servir”.
Buda olhou para o homem muito profundamente, de maneira penetrante, com profunda
compaixão e, então, disse: “Mas onde você está? Quem servirá à humanidade? Você ainda não
é. Primeiro seja, e quando você for, você não precisará me perguntar. Quando você é, você faz
algo que simplesmente lhe acontece, que vale a pena fazer”.
Gurdjieff percebeu que todo mundo vem com a noção de que é, de que já é. Alguém chegou a
Gurdjieff e perguntou: “Eu sou muito insano por dentro. Minha mente continua em conflito, em
contradições; assim, diga-me o que eu posso fazer para dissolver essa mente, para ter paz mental,
calma interior”.
Gurdjieff disse: “Não pense na mente, você não pode fazer nada com ela. A primeira coisa é
estar presente. Primeiro você tem de ser; então, você pode fazer alguma coisa. Você não é” .
O que se quer dizer por “você não é”? Significa que você é um robô, uma coisa mecânica,
trabalhando de acordo com leis mecânicas. Comece a ficar alerta. Junte consciência a qualquer
coisa que você esteja fazendo – e comece com coisas simples.

A segunda pergunta:

Explique o sentido, a preparação e o processo do mantra deeksha – iniciação ao mantra.


E quais são as razões pelas quais os indivíduos devem manter o mantra secreto?

Primeiro tente compreender o que é a iniciação, o que é deeksha. Trata-se de uma comunhão
profunda, uma profunda transferência de energia do mestre para o discípulo. A energia sempre
flui para baixo. Toda energia flui para baixo, exatamente como a água flui para baixo. O mestre –
aquele que alcançou, aquele que conheceu, aquele que se tornou – é o mais alto pico de energia
possível, da mais pura energia... o Evereste da energia. Essa energia pode fluir para baixo, para
qualquer um que esteja receptivo, humilde, entregue. Essa atitude de entrega – a atitude
receptiva, uma profunda humildade – será necessária para se receber. Caso contrário, você é um
pico; você não é um vale. Então, a energia não pode fluir para baixo, para você.
Você é um tipo diferente de pico, o pico do ego – não de energia, não do ser, não de bem-
aventurança, não de consciência. Você é uma densidade do ego, do ‘eu’. Você é um pico e com
esse pico nenhuma iniciação é possível. O ego é a barreira, porque o ego o fecha e você não pode
se entregar.
Para ser uma discípula, para ser iniciada, a pessoa tem de entregar-se totalmente. E não há
entrega parcial. Entrega significa totalidade. Você não pode dizer “eu me entrego parcialmente”
– isso não faz sentido. Então, você ainda está presente com seu ego. O ego tem de ser entregue e
quando você entrega o ego, você se torna receptivo, aberto. Você se torna como um vale e, então,
o pico pode fluir para baixo, para você. E eu não estou falando simbolicamente, isso é assim na
realidade.
Você já amou? Então, você pode sentir que o amor realmente flui entre dois corpos, é um
fluxo real. A energia está sendo transmitida, transferida, recebida, dada. Mas o amor está no
mesmo nível. Vocês dois podem permanecer picos de ego e ainda assim o amor pode existir.
Mas, com um mestre, você não está no mesmo nível. E se você tenta estar no mesmo nível, a
iniciação se torna impossível. O amor é possível, mas a iniciação se torna impossível. A
iniciação só é possível quando você está em um nível mais baixo – simplesmente humilde,
entregue, aberto para receber –, quando o discípulo é feminino, como um útero, passivo, capaz
de receber. O mestre é o fator masculino na iniciação.
Esse segredo da iniciação está agora completamente perdido, porque quanto mais nós somos
educados, mais civilizados, mais cultos, então mais egoístas nos tornamos. E agora, entregar-se
tornou-se muito, muito impossível. Sempre foi difícil, mas agora é impossível.
A iniciação é uma transferência de energia interna, energia real; e o mestre pode entrar em
você e pode transformá-lo se você estiver pronto e receptivo. Mas, então, profunda confiança é
necessária – mais confiança do que é necessária no amor – porque você não sabe o que irá
acontecer. Você está completamente no escuro.
Somente o mestre sabe o que irá acontecer e o que ele está fazendo. Ele sabe; você não pode
saber. E há coisas que não podem ser ditas sobre o que vai acontecer, porque, com a mente
humana, há muitos problemas. Um problema é este: que se alguma coisa for dita antes de
acontecer, isso mudará o acontecimento. Não pode ser dito.
Assim, há muitas coisas que o mestre não lhe pode dizer. Ele pode fazê-las a você, mas ele
não pode dizê-las a você. Esse fazer é a iniciação. Ele na verdade se move em você – em seu
corpo, em sua mente. Ele o limpa, o transforma. A única coisa requerida é sua confiança total,
porque sem ela não há abertura e ele não pode entrar em você: suas portas estão fechadas.
Você está sempre se defendendo. A vida é uma luta – uma luta pela sobrevivência, para se
sobreviver. Essa luta lhe dá um fechamento. Você fica fechado, com medo; você fica com medo
de ser vulnerável. Alguém pode entrar, alguém pode fazer alguma coisa dentro de você. Assim,
você se retrai, você permanece fechado – apenas escondido atrás, constantemente se defendendo.
Na iniciação você tem de perder sua defesa: essa armadura de defesa tem de ser jogada fora.
Você se torna vulnerável e, então, o mestre pode entrar em você.
Por exemplo: é exatamente como um profundo ato de amor. Você pode estuprar uma mulher,
mas você não pode estuprar um discípulo. Você pode estuprar uma mulher, porque é um estupro
corporal e o corpo pode ser estuprado e penetrado sem nenhum consentimento. Sem a vontade da
mulher você pode estuprar. É uma coisa forçada. O corpo é material; as coisas podem ser
forçadas nele.
Alguma coisa exatamente como isso acontece na iniciação. O mestre entra em seu espírito,
não em seu corpo. A menos que você esteja pronto e receptivo, a entrada não é possível. Um
discípulo não pode ser estuprado, porque não é uma questão corpórea. É uma questão de espírito
e você não pode forçar a entrada em um espírito. Nenhuma violência é possível nele.
Assim, quando o discípulo está pronto e aberto, exatamente como uma mulher amando,
convidando e recebendo, pronta, em uma profunda entrega, somente então, pode o mestre entrar
e trabalhar. E séculos de trabalho podem ser feitos em instantes. Você pode não ser capaz de
fazer em muitas vidas certas coisas que podem ser feitas em um instante. Mas, então, você tem
de estar vulnerável, confiando totalmente. Você não sabe o que irá acontecer e o que ele fará
dentro de você.
Uma mulher fica com medo, porque o ato sexual, para ela, é uma jornada para dentro do
desconhecido. A menos que ela ame o homem, a menos que ela esteja pronta para sofrer, para
carregar a carga de um filho, para carregar o filho por nove meses e, então, fazer um
compromisso de vida com isso, a menos que ela esteja amando profundamente, ela não permitirá
que o homem entre em seu corpo – porque não é apenas o seu corpo, é toda a sua vida. Quando
ela está em profundo amor, então, ela está pronta para sofrer, para se sacrificar. E sacrificar-se e
sofrer em profundo amor é venturoso.
Mas o problema com o discípulo é mais profundo. Não se trata somente de um nascimento
físico, de uma nova criança, trata-se do seu renascimento. O próprio renascerá. Ele morrerá em
um certo sentido e nascerá em um sentido diferente. E isso é possível se o mestre entrar nele,
mas o mestre não pode forçá-lo. Nenhuma força é possível, o discípulo pode somente convidar.
E esse é o problema – um problema muito grande no discipulado espiritual, porque o
discípulo continua defendendo-se, continua criando cada vez mais e mais armadura em torno de
si mesmo. Ele age com seu mestre da mesma maneira que agiria com qualquer um no mundo; os
mesmos mecanismos de defesa continuam funcionando. E, então, tempo é desperdiçado
desnecessariamente, energia é desperdiçada e o momento é retardado – aquilo que poderia ser
feito exatamente agora. Mas isso é natural e algumas vezes, até mesmo com grandes mestres,
discípulos têm perdido a oportunidade.
Ananda, um dos grandes discípulos de Buda e o mais próximo, não pôde atingir a iluminação
enquanto Buda estava vivo. Buda esteve com Ananda por quarenta anos e Ananda não pode
alcançar. Mas muitos que vieram depois de Ananda alcançaram e, então, isso se tornou um
problema. E Ananda era um dos mais próximos – o mais íntimo. Ele dormia no mesmo quarto de
Buda, ele andou com Buda por quarenta anos continuamente. Ele era como uma sombra para
Buda; o tanto que ele conheceu de Buda, até mesmo Buda pode não ter conhecido.
Mas ele não pôde alcançar; ele permaneceu o mesmo. E uma coisa muito simples era a única
barreira: ele era o primo-irmão mais velho de Buda. Isso criou o ego.
Buda morreu... Um grande concílio se reuniu para escrever tudo que Buda tinha dito. Tinha
de ser escrito então. Em pouco tempo, aqueles que tinham vivido com Buda deixariam de existir;
assim, tudo tinha de ser registrado. Mas o concílio não permitiu Ananda, e somente ele conhecia
as maiores experiências, as afirmações de Buda, sua vida, sua biografia. Isso tudo era conhecido
por Ananda; ninguém mais conhecia tanto.
Mas o concílio decidiu que Ananda não teria permissão, porque ele ainda não era iluminado.
Ele não podia registrar as afirmações de Buda, porque um homem ignorante não pode ter crédito.
Ele não enganaria, mas com um homem ignorante nada é confiável. Ele pode pensar que uma
coisa aconteceu e pode relatá-la autenticamente tanto quanto ele saiba, mas ele é um homem que
ainda não está acordado. Tudo o que ele viu e ouviu no sono não pode ter crédito. Assim,
somente aqueles que já tinham se tornado acordados poderiam registrar – eles decidiram.
Ananda ficou chorando do lado de fora da porta. A porta estava fechada, e ele permaneceu ao
lado da porta por vinte e quatro horas, chorando, lastimando e lamuriando. Mas eles não podiam
dar-lhe permissão. Naquelas vinte e quatro horas, ele chorou, chorou e, então, de repente ele se
tornou consciente de qual tinha sido a barreira – por que ele não tinha sido capaz de alcançar
enquanto Buda estava vivo, qual tinha sido a barreira.
Então, ele entrou em suas memórias. Uma vida de quarenta anos com Buda! Ele se lembrou
do primeiro dia, quando ele veio para a iniciação. Mas ele colocou uma condição e foi por isso
que ele perdeu toda a iniciação. Ele não podia ser iniciado, porque ele colocara uma condição.
Ele chegou até Buda e disse: “Eu vim para ser um discípulo seu. Uma vez que eu me torne
seu discípulo, você será o mestre e eu terei de seguir tudo o que você disser, eu terei de obedecer.
Mas, neste exato momento, eu sou seu irmão mais velho e posso lhe dar uma ordem e você terá
de obedecer. Você não é o mestre, eu não sou o discípulo. Uma vez que eu seja iniciado, você
será o mestre e eu serei o discípulo. Então, eu não poderei dizer nada; assim, antes de me tornar
um discípulo, essas são as minhas três condições. Diga sim para essas três condições; então,
inicie-me”.
As condições não eram muito grandes, mas uma condição é uma condição e, então, sua
entrega não é total. Elas eram condições muito pequenas, condições muito amorosas. Ele disse:
“Primeira: eu sempre estarei com você. Você não pode me dizer para ir para outro lugar.
Enquanto eu estiver vivo eu serei a sua sombra; você não pode me mandar embora. Faça-me a
promessa – porque, mais tarde eu serei apenas um discípulo e, se você me mandar embora, eu
terei de obedecer. Esta será uma promessa dada a um irmão mais velho: que eu estarei com você.
Você não pode me dizer para ir para outro lugar. Eu serei exatamente a sua sombra; eu dormirei
no quarto em que você dormir.
“Em segundo lugar, sempre que eu disser ‘receba este homem’, você terá de recebê-lo.
Qualquer que seja a sua razão para não recebê-lo, você terá de concordar em recebê-lo. Se eu
quiser que alguém receba seu darshan –presença espiritual – você terá de dá-lo.
“E em terceiro lugar, se eu disser que alguém tem de ser iniciado, você não pode recusar.
Garanta-me essas três condições. Prometa-me e, então, inicie-me. Eu não pedirei mais nada,
porque eu devo ser apenas um discípulo”.
Quando ele se lembrou disso – enquanto estava chorando, lamentando-se em frente a porta do
concílio, depois de ter voltado para suas memórias – ele de repente ficou ciente de que a
iniciação não acontecera porque ele não fora receptivo. Buda tinha concordado. Ele disse: “Está
bem”! E seguiu as três condições durante toda a sua vida. Mas Ananda perdeu, a pessoa mais
próxima perdeu.
E, no momento em que ele compreendeu isso, ele se iluminou. Aquilo que não pôde
acontecer com Buda, aconteceu quando ele não existia mais: ele se entregou.
Se há entrega, até mesmo um mestre ausente pode ajudá-lo. Se não há entrega, nem mesmo
um mestre vivo, que esteja presente, pode ajudá-lo. Assim, na iniciação, em qualquer iniciação, a
entrega é necessária.
A iniciação ao mantra significa que, quando você tiver se entregado, o mestre entrará em você
– em seu corpo, sua mente, seu espírito. Ele andará dentro de você para encontrar um som para
você, de forma que, sempre que você cante aquele som, você se torne um homem diferente em
uma dimensão diferente.
Um mantra não pode ser dado a menos que você tenha se entregado totalmente, porque o
mantra dado significa que o mestre entrou em você e sentiu a harmonia profunda, a música
interior de seu ser. E, então, ele lhe dá um som simbólico que está em harmonia com a sua
música interior. No momento em que você entoa esse som, você entra no mundo de sua música
interior, a harmonia interior é penetrada.
Esse som é apenas uma chave, e uma chave não pode ser dada a menos que a fechadura seja
conhecida. Assim, eu não posso lhe dar uma chave a menos que eu conheça sua fechadura,
porque uma chave é significativa somente quando ela pode abrir. Não é qualquer chave que
funcionará, e todo mundo é uma fechadura particular – você precisa de uma determinada chave.
Eis por que os mantras são mantidos em segredo.
Se você dá o seu mantra para alguém, ele pode experimentá-lo, mas aquela chave não se
encaixará naquela fechadura. E algumas vezes, quando você força uma chave errada em uma
fechadura, você pode destruir a fechadura, você pode perturbar a fechadura. Você pode perturbá-
la tanto, que até mesmo quando uma chave correta for encontrada, ela poderá não funcionar. Eis
por que os mantras têm de ser mantidos em absoluto segredo. Eles não são ditos para ninguém;
essa é uma promessa que você faz. O mestre lhe dá uma chave, ela é uma chave apenas para
você. Você não pode ir distribuindo-a... – para muitos isso pode ser danoso.
Você terá permissão de dar chaves somente quando a sua fechadura estiver totalmente aberta.
Mas, então, você não dará aquela chave para ninguém. Então, você terá de se tornar capaz de
entrar no outro. Então, você será capaz de sentir a fechadura e criar uma chave para ela.
A chave sempre é criada pelo mestre. Se há um molho de chave, alguém que não conheça
pode pensar que todas as chaves são a mesma coisa. Pode haver somente diferenças muito
pequenas, diferenças mínimas e, até mesmo a mesma palavra pode ser usada com um diferencial.
Por exemplo: aum. Há três sons – ‘A-U-M’. Se a ênfase é dada no ‘U’, o som do meio, isso é
uma chave. Se a ênfase é dada no ‘A’, é uma chave diferente. Se a ênfase é dada no ‘M’, é uma
outra chave diferente ainda; elas abrirão fechaduras diferentes. Eis por que há tanta ênfase no uso
exato do mantra como ele é dado pelo mestre.
Assim, o mestre dá o mantra em seu ouvido; ele o entoa exatamente como ele deve ser usado.
Ele o entoa em seu ouvido e você tem de ficar tão alerta, que toda a sua consciência vá para o
ouvido. Ele o entoa e, então, o som entra dentro de você. Você tem de lembrá-lo agora então... –
o uso exato dele. Eis por que os indivíduos devem manter seus mantras em segredo; eles não
devem ser tornados públicos. Eles são perigosos e, se você é iniciado, você sabe disso. Se um
mestre realmente lhe deu uma chave, você sabe disso. Você a entesoura como a qualquer coisa:
você não pode sair distribuindo-a. Isso pode ser prejudicial aos outros e pode ser prejudicial a
você também – por muitas razões.
Em primeiro lugar, você está quebrando uma promessa e, no momento em que a promessa é
quebrada, seu contato com o mestre é quebrado. Você não estará em contato com ele novamente.
Se a promessa é mantida, há um contato constante.
Em segundo lugar, se você der o mantra a alguém e falar sobre o mantra, ele vem para a
superfície da mente. As raízes profundas são quebradas, aquilo se torna um mexerico.
Em terceiro lugar, se você pode manter algo em segredo, quanto mais você o mantém em
segredo, mais fundo ele vai. Está fadado a ir mais fundo.
Dizem que Marpa, quando ele recebeu o mantra de seu mestre, houve a promessa de que o
mantra deveria ser mantido absolutamente em segredo. “Você não pode falar sobre ele” – foi-lhe
dito.
Então, o mestre de Marpa apareceu em seu sonho e disse: “Qual é o seu mantra”? Mesmo no
sonho, Marpa manteve a sua promessa, ele se recusou a dizê-lo. E dizem que por causa do medo
de que algum dia em um sonho o mestre pudesse vir ou mandar alguém, e ele pudesse estar tão
adormecido que quebrasse o segredo e a promessa fosse quebrada, ele parou de dormir
completamente. Ele não conseguia dormir!
Ele não dormiu por sete ou oito dias; e o mestre perguntou a Marpa: “Por que você não está
dormindo? Eu vejo que você não vai dormir de jeito nenhum; então, qual é o problema”?
Marpa disse: “Você está pregando peças em mim. Você veio em um sonho e ficou
perguntando pelo mantra. Eu não posso contar nem mesmo para você. Uma vez que exista a
promessa, aquilo não sairá de minha boca nem mesmo em um sonho. Mas, então, eu fiquei
temeroso. No sono, quem sabe?! Algum dia eu posso esquecer”.
Se você está tão consciente de manter a promessa, que mesmo em um sonho você se lembrará
dela, então o mantra vai fundo. Ele vai fundo, ele está entrando nos reinos internos. E quanto
mais fundo ele for, mais ele será uma chave para você – porque a fechadura está na camada mais
profunda. Tente com qualquer coisa. Se você puder mantê-la em segredo, ela irá fundo. Se você
não puder mantê-la em segredo, ela virá para fora.
Por que você quer dizer alguma coisa para alguém? Por que você tagarela? Na verdade,
qualquer coisa que você tagarele, você fica aliviado dela. Quando você a conta, você fica
aliviado dela; ela foi para fora.
Toda a psicanálise não é nada além disso. O psicanalista está apenas escutando e o paciente
vai falando. Isso ajuda o paciente – porque quanto mais ele fala sobre seu problema, conflitos
internos e idéias associadas, mais ele fica aliviado delas. O inverso acontece quando você pode
manter um segredo. Em nenhum momento você tem permissão de falar sobre ele. Ele entrará
fundo, fundo e, um dia, ele atingirá a fechadura exata.

Mais uma pergunta:

Em referências às técnicas de meditação baseadas nos sons, por favor explique a


diferença entre a música tocada em sua Meditação Dinâmica e a música agitada ou o rock
do Ocidente.

Sua mente está em caos. Esse caos tem de ser trazido para fora, colocado para fora. A música
caótica pode ser útil; assim, se você está meditando e a música caótica está tocando ou a dança
caótica está presente à sua volta, isso lhe ajudará a trazer o seu caos para fora. Você fluirá nisso,
você se tornará não-temeroso da expressão. E essa música caótica atingirá sua mente caótica, lá
dentro, e a trará para fora. Ela ajuda.
Rock, jazz ou outra música que seja de algum modo caótica, também ajuda a trazer algo para
fora; e esse algo é a sexualidade reprimida. Eu estou interessado em todas as suas repressões. A
música moderna está relacionada com seu sexo reprimido, mas há uma similaridade. Todavia, eu
não estou interessado somente em seu sexo reprimido, eu estou interessado em todas as suas
repressões – sexuais ou não-sexuais.
O rock, ou outra música semelhante, é tão influente no Ocidente por causa do cristianismo. O
cristianismo esteve reprimindo o sexo por vinte séculos. Eles forçaram o sexo a ir tão fundo para
dentro, que todo homem se tornou um pervertido bem lá no fundo. Assim, o Ocidente tem de se
aliviar do pecado que o cristianismo cometeu com o homem, com a sua mente – através da
música, através da dança, através da pintura caótica, poesia caótica, em todas as dimensões.
No Ocidente, a mente tem de ser completamente liberada, de algum modo, de todos os
séculos passados de repressão. De todas as maneiras, isso está sendo feito. Tudo o que é
influente hoje é caótico. Mas o sexo não é a única coisa, há muitas outras coisas também. O sexo
é a coisa básica, ele é muito importante, mas há outras coisas também: sua raiva está reprimida,
sua tristeza está reprimida, até mesmo sua felicidade está reprimida.
O homem, como ele é, é um ser reprimido. Ele não tem permissão para fazer nada, ele tem
apenas de seguir regras. Ele não é um agente livre, mas apenas um escravo preso; e toda a
sociedade é uma grande prisão. As paredes são muito sutis: elas são paredes de vidro,
transparentes. Você não pode vê-las, mas elas existem, e em todo lugar. Sua moralidade, sua
cultura, sua religião, elas são todas paredes. Elas são transparentes, você não pode vê-las, mas
sempre que você quer atravessá-las, você é empurrado de volta.
Esse estado de mente é neurótico. O todo da sociedade está doente. Eis por que eu sou tão
insistente na meditação caótica. Libere-se, coloque para fora tudo o que a sociedade forçou sobre
você, sejam quais forem as situações que forçaram em você. Coloque-as para fora, libere-se
delas, passe por uma catarse. A música ajuda.
Uma vez que você possa jogar fora tudo que foi reprimido em você, você se tornará natural
novamente, você será uma criança novamente. E, com essa criança, muitas possibilidades se
abrem. Com você tudo está fechado. Quando você se torna novamente uma criança, somente
então, suas energias podem ser transformadas. Então, você é puro, inocente e com essa inocência
e pureza a transformação é possível.
Energias pervertidas não podem ser transformadas. É necessário energia natural, espontânea.
Eis por que eu insisto tanto no colocar para fora as coisas: de forma que você possa jogar a
sociedade para fora. A sociedade entrou em você muito profundamente. Ela não deixou nenhum
lugar em você; ela entrou, vinda de todos os lugares. Você é uma cidadela e a sociedade entrou
vinda de todos os lugares. Sua polícia, seus sacerdotes fizeram muito para torná-lo um escravo.
Você não é livre, e o homem somente pode atingir a bem-aventurança quando ele se tornar uma
liberdade total.
Para você se tornar uma liberdade total, toda a sociedade tem de ser jogada para fora de você,
mas isso não significa que você irá se tornar antisocial. Uma vez que você jogue a sociedade para
fora, uma vez que você se torne consciente de sua pura liberdade interior, você pode viver com a
sociedade; não há necessidade de ser ‘anti’. Mas, então, a sociedade não poderá entrar em você.
Você pode se mover nela, você pode atuar nela, mas, então, toda a coisa se torna apenas um
psicodrama – você está representando. Agora então, a sociedade não poderá matá-lo, não poderá
torná-lo um escravo; você estará atuando conscientemente.
Aqueles que se tornam anti-sociais simplesmente mostram que ainda estão atados à mesma
sociedade. Todos os movimentos anti-sociais no Ocidente são reacionários, não revolucionários.
Você está reagindo à mesma sociedade, você está relacionado à mesma sociedade de uma
maneira inversa. Você está de cabeça para baixo, isso é tudo. Você está fazendo sirshasana – a
postura sobre a cabeça – mas você é a mesma pessoa. Tudo em que a sociedade está insistindo,
você está fazendo exatamente o contrário – mas você ainda está seguindo a sociedade. Isso não
ajudará.
Se você for ‘anti’, você nunca estará além da sociedade, você sempre será parte dela. Se a
sociedade morrer, você morrerá. Pense naquilo que no Ocidente eles agora chamam de
establishment – a sociedade que está estabelecida – e as sociedades alternativas dos hippies,
yippies ou outros. Eles existem como parte desse establishment. Se o establishment for
dissolvido, eles não estarão em lugar nenhum. Eles não podem existir por si mesmos; eles são
apenas uma reação.
Você não pode criar uma sociedade de hippies por ela mesma. Os hippies podem existir
somente como uma sociedade alternativa ao establishment – apenas como uma reação. Eles não
podem existir independentemente. Assim, por mais que eles possam pensar que são
independentes, eles não são independentes. O establishment é a sua fonte, a sua vida. Uma vez
que o establishment não exista mais, eles ficarão perdidos, sem saber aonde ir e o que fazer.
Tudo o que eles estão fazendo é ditado pelo establishment. Eles vão contra ele, mas as direções,
as instruções são dadas pelo establishment.
Se o establishment diz cabelo curto, você pode ter cabelo comprido. Mas se não existir
establishment, então o que fazer? Se o establishment diz limpeza, você pode ser sujeira. Mas se
não existir establishment e nenhum alvoroço sobre limpeza, você não fica em parte alguma. Se o
establishment diz “isto”, você pode fazer “aquilo” – exatamente o oposto – mas você segue o
establishment.
Assim, os anti-sociais não são revolucionários. Eles são reacionários, uma parte e um produto
da mesma sociedade – aqueles que se moveram contra ela por amargura.
Um meditador, um saniássin, não é anti-sociedade, ele está além da sociedade. Ele não é
contra o establishment, nem é a favor dele – mas ele o leva de modo não-sério. Ele sabe que
trata-se apenas de uma peça de teatro; ele se move como um ator. E se você pode se mover na
sociedade como um ator em um palco, ela nunca o toca: você permanece além dela. Assim, não
seja a favor dela, não seja contra ela.
Mas como você pode fazer isso? Você pode fazê-lo somente quando você jogou a sociedade
para fora de você. Se ela está presente, então, há dois caminhos abertos para você: segui-la ou ir
contra ela. Mas você está atado a ela; você está no cativeiro. Primeiro a pessoa tem de se limpar
da sociedade, então, pela primeira vez, você se torna um indivíduo. Exatamente agora, você não
é, você é apenas uma unidade social.
Quando a sociedade é jogada fora, quando toda a sua presença é jogada fora, você volta
novamente para a sua infância: você se tornou inocente. E essa inocência é mais profunda do que
aquela que qualquer criança pode ter, porque você conhece a queda também e agora você se
levantou. Isso é uma ressurreição. Você experimentou, você conheceu todo o absurdo. Agora
você é novamente puro. Essa pureza se torna o templo para o divino.
Uma vez que você possa jogar a sociedade para fora de você, sem nenhuma amargura, sem ir
contra ela ou sem estar envolvido em alguma reação... Se você pode simplesmente jogar a
sociedade para fora de você, o divino pode entrar em você.
Com a sociedade dentro, o divino permanecerá fora; com a sociedade fora, o divino pode
entrar – porque o divino significa existência. A sociedade é um fenômeno local, humano. A
existência é maior, infinita. Ela não está relacionada com o homem, com morais, tradições; ela
está relacionada com a verdadeira raiz do ser. A pessoa tem de estar além da sociedade, não
contra ela, lembre-se. E esse método caótico o ajuda. Ele é uma catarse.
Capítulo 29

MÉTODOS PARA SE ABANDONAR A MENTE



OS SUTRAS

42 Entoe um som audivelmente, e então, cada vez menos e menos audível, à medida que o
sentimento se aprofunda nessa harmonia silenciosa.
43 Com a boca levemente aberta, mantenha a mente no meio da língua. Ou, à medida que a
respiração entra silenciosamente, sinta o som ‘HH’.
44 Centre-se no som ‘AUM’ sem nenhum "A" ou ‘M’.

O tantra divide a vida em duas dimensões: uma é o sansara – aquilo que é, o mundo; e a outra
é moksha – aquilo que pode ser, o definitivo, o escondido que pode se tornar manifesto. Mas não
há contradição entre esses dois. O escondido está exatamente aqui e agora, no mundo –
naturalmente, desconhecido para você, mas não inexistente. Ele está presente. O definitivo e o
imediato não são duas coisas, mas apenas duas dimensões de uma existência.
Assim, para o tantra não há contradição, não há dualidade. O um aparece como dois por causa
de nossas limitações; porque nós não podemos ver o todo. No momento em que nós pudermos
ver o todo, o um aparecerá como um. A divisão não está na realidade, mas em nosso
conhecimento limitado. Aquilo que nós conhecemos é sansara – o mundo; e aquilo que é
desconhecido, mas que pode ser conhecido, é moksha – o transcendental, o definitivo, o
absoluto.
Para as outras tradições, há um conflito entre os dois; para o tantra não há conflito. Isso tem
de ser compreendido muito profundamente na mente e no coração. A menos que isso seja
compreendido profundamente, você nunca será capaz de compreender o ponto de vista do tantra.
E qualquer que seja a sua crença, essa crença é de dualidade. Se você é um cristão ou um
muçulmano ou um hindu ou um jaina, sua crença é de dualidade, de conflito. O mundo parece
ser alguma coisa que é contrária ao divino, e você tem de lutar contra o mundo para alcançar o
divino. Esta é a crença comum de todas as assim chamadas religiões, principalmente as religiões
organizadas.
A mente pode compreender a dualidade muito facilmente. Melhor ainda: ela pode
compreender somente a dualidade, porque a verdadeira função da mente é dividir. A verdadeira
função da mente é cortar o todo em fragmentos.
A mente funciona como um prisma e, quando um raio de luz entra no prisma, ele é dividido
em sete cores. A mente é um prisma e a realidade é dividida através dela. É por isso que a mente
se revela na análise. Ela continua dividindo as coisas em fragmentos, e ela não pode evitá-lo a
menos que não exista mais nada para ser dividido. Assim, a mente tem uma tendência de chegar
ao atômico, à menor das divisões. Ela vai dividindo, dividindo, até chegar um momento em que
nenhuma divisão é possível. Se a divisão ainda for possível, ela dividirá ainda mais.
A mente vai ao fragmento, ao fragmento mínimo; e a realidade é um todo, não o fragmento.
Assim, um processo totalmente contrário é necessário para se conhecer o real: um processo que
seja de síntese, não de análise; um processo que cristalize, não um que divida. Um processo de
não-mente é necessário.
O tantra nega a divisão e o tantra diz que o todo é tudo. A parte que nós conhecemos é o
mundo, a parte que está oculta é o divino, ou Deus, ou seja qual for o nome que você dê – mas o
escondido está exatamente aqui e agora. Você não está consciente dele, mas ele está aqui e
agora. Ele já é. Para você, ele estará no futuro, mas na existência ele está aqui e agora. Você tem
a possibilidade de viajar até ele; você tem a possibilidade de atingir uma atitude de não-mente ao
olhar para as coisas – então, ele será revelado. Você acabou de se levantar e o sol da manhã está
nascendo, mas você está se levantando com os olhos fechados. A manhã está aqui e agora, mas
para você ela não está aqui e agora. Quando você abrir seus olhos, somente então, ela será um
fato para você.
Na existência, a manhã existe, mas não para você. Você está fechado para ela, ela está oculta
para você. Para você só há escuridão e a luz está oculta. Mas se você abrir seus olhos, a qualquer
momento a manhã se tornará um fato para você. Ela já era um fato, somente que você estava
cego.
O tantra diz que o mundo já é divino, mas você está cego. Assim, o que quer que você
conheça na sua cegueira, é chamado de mundo; e o que quer que esteja oculto devido à sua
cegueira, é o divino. Este é um dos princípios básicos: este sansara é moksha, este mesmo
mundo é divino, este mesmo mundo é o definitivo. O imediato e o definitivo não são dois, mas
um; o aqui e o lá não são dois, mas um. Devido a essa insistência, muitas coisas se tornam
possíveis para o tantra. Primeira: o tantra pode aceitar tudo e a aceitação profunda relaxa a
pessoa completamente. Nada mais pode relaxá-la tanto.
Se não há divisão entre este mundo e aquele, se o transcendental está iminente aqui e agora,
se a matéria é simplesmente o corpo do divino, então, nada é negado, nada é condenado e você
não precisa ficar tenso. Mesmo que possa levar anos até você chegar a perceber o divino, não há
pressa para o tantra. Ele já está presente e o tempo não é escasso. Ele está eternamente aqui;
quando você abrir seus olhos, você o encontrará. E o que quer que você já esteja conseguindo é o
divino oculto.
Assim, a atitude cristã de condenação, de pecado, ou outras atitudes religiosas, é totalmente
uma mentira para o tantra – e absurda, porque se você condena alguma coisa, você também se
torna dividido internamente. Você não pode dividir as coisas apenas externamente. Se você
dividir, você também será dividido paralelamente. Se você diz que este mundo está errado, então,
seu corpo se tornará errado porque seu corpo é parte deste mundo.
Se você diz que este mundo é um obstáculo para se atingir o definitivo, então, toda a sua vida
estará condenada e você se sentirá culpado. Então, você não pode desfrutar; você não pode viver;
você não pode rir. Então, a seriedade se tornará a sua face. Você pode ser apenas sério; você não
pode ser não-sério, você não pode ser brincalhão.
Isso acontece a todas as mentes por todo o mundo. Elas se tornam mortas, sérias. Através da
seriedade, elas se tornam mortas, porque elas não podem aceitar a vida como ela é. Elas a negam
e elas sentem que, a menos que neguem, elas não podem atingir o outro mundo.
Assim, o outro mundo se torna o ideal, o futuro, o desejo, a visão; e este mundo se torna um
pecado. Então, a pessoa se sente culpada nele. E qualquer religião que torna a pessoa culpada,
torna-a neurótica. Ela a deixa louca! Nesse sentido, o tantra é a única religião saudável. E sempre
que alguma religião se torna saudável, ela se torna tantra – ela se torna tântrica. Assim, toda
religião tem dois aspectos. Um é o aspecto externo: a igreja, a organização, a publicidade, a face
pública, o exotérico. Esse aspecto sempre é negador da vida. O outro aspecto é o centro interior.
Toda religião tem isso também: o esotérico. Ele sempre é tântrico – aceitação total.
A menos que você aceite o mundo totalmente, você não pode estar confortável internamente.
A não-aceitação cria uma tensão. Uma vez que você aceite todas as coisas como elas são, você
está em casa no mundo. O tantra diz que isso é uma coisa básica: você deve estar em casa.
Somente então, alguma coisa mais pode se tornar possível. Se você está tenso, dividido, em
conflito, angustiado, culpado, como você pode transcender? Você está tão louco internamente...
Você não consegue ir mais adiante. Você está tão engajado aqui, tão possuído pelo aqui, você
não pode ir além.
Parece paradoxal. Aqueles que são muito contra o mundo, estes estão demasiadamente nele –
eles têm de estar. Você não pode se afastar de seu inimigo, você é possuído pelo inimigo. Se o
mundo é seu inimigo, não importa o que você faça ou finja fazer, você permanecerá mundano.
Você pode até mesmo renunciar a ele, mas a sua própria abordagem será mundana.
Eu conheço um santo, muito renomado... Ele não tocará em dinheiro, e se você colocar
algumas moedas na sua frente, ele fechará os olhos. Isso é neurótico, esse homem está doente! O
que ele está fazendo? Mas as pessoas o adoram por causa disso. Elas pensam que ele é tão do
outro mundo...! Ele não é, ele está demasiadamente no mundo. Nem mesmo você está tanto no
mundo. O que ele está fazendo? Ele simplesmente inverteu o processo; agora ele está de cabeça
para baixo. Ele é o mesmo homem – o mesmo homem que era avarento por dinheiro.
Constantemente, ele devia ficar pensando em dinheiro, acumulando posses... Agora ele se tornou
exatamente o oposto, mas ele permanece o mesmo internamente. Agora ele é contra o dinheiro;
agora, ele não pode tocá-lo.
Por que esse medo? Por que esse ódio? Lembre-se: sempre que houver ódio, trata-se de amor
invertido. Você pode odiar uma coisa somente se você a amou. O ódio sempre é possível
somente através do amor. Você pode ser contra alguma coisa somente se você foi muito a favor
dela, mas a atitude básica permanece a mesma: esse homem é avarento.
Eu perguntei a esse homem: “Por que você tem tanto medo”?
Ele disse: “O dinheiro é o obstáculo. A menos que eu use a força de vontade contra a minha
avareza pelo dinheiro, eu não posso atingir o divino”.
Assim agora, é simplesmente um novo tipo de avareza. Ele está barganhando: se ele toca no
dinheiro, ele perde o divino. E ele quer pegar o divino, ele quer possuir o divino; assim, ele é
contra o dinheiro.
O tantra diz: não seja a favor do mundo, não seja contra o mundo –simplesmente aceite-o
como ele é. Não crie nenhum problema a partir disso. De que modo isso irá ajudá-lo? Se você
não faz dele um problema, se você não fica neurótico com ele – desse jeito ou daquele – , se você
permanece simplesmente nele e o aceita como ele é, toda a sua energia é liberada dele e pode se
mover para o reino oculto, para a dimensão oculta.
A aceitação deste mundo se torna transcendência para aquele. A aceitação total aqui o
conduzirá, o transformará para a outra dimensão, a dimensão oculta, porque toda a sua energia
fica liberada: ela não fica engajada aqui. O tantra acredita profundamente no conceito de niyati –
destino. O tantra diz: tome este mundo como seu destino e não se preocupe com ele. Uma vez
que você o toma como seu niyati, como seu destino, você o aceita, o que quer que ele seja. Você
não fica preocupado em mudá-lo, em torná-lo diferente de acordo com o seu desejo. Uma vez
que você o aceite como ele é e não fique preocupado com ele, toda a sua energia é liberada e,
então, essa energia pode penetrar internamente.
Essas técnicas podem ser úteis somente se você toma essa atitude; do contrário, elas não
poderão ajudar. E elas parecem tão simples... Se você der início a elas diretamente como você é,
elas irão parecer simples, mas você não terá sucesso com elas. Está faltando a estrutura básica. A
aceitação é a estrutura básica. Uma vez que a aceitação esteja presente no fundo, esses métodos
muito simples funcionarão maravilhosamente.

42 Use o som como uma passagem para o sentimento

O sexto método relacionado com o som:

Entoe um som audivelmente e, então, cada vez menos e menos audível, à medida que o
sentimento se aprofunda nessa harmonia silenciosa.

Qualquer som funcionará, mas se você gosta de um certo som, ele será melhor, porque se
você gosta de um certo som, então o som não é apenas um som. Quando você entoa o som,
então, você também está entoando um sentimento oculto junto com ele, e, pouco a pouco, o som
será abandonado e somente o sentimento permanecerá.
O som tem de ser usado como uma passagem em direção ao sentimento. O som é mente e o
sentimento é coração. A mente tem de usar uma passagem em direção ao coração. É difícil entrar
no coração diretamente. Como temos estado tão distantes dele e durante tantas vidas, nós não
sabemos de onde partir para nos movermos até o coração. Como entrar nele? A porta parece
fechada.
Nós continuamos falando sobre o coração, mas esse falar também está apenas na mente. Nós
dizemos que amamos através do coração, mas isso também é cerebral – na cabeça. Mesmo a fala
do coração está na cabeça. E nós não sabemos onde o coração está. Eu não quero dizer a parte
física dele, isso nós conhecemos. Mas então os clínicos dirão, a ciência médica dirá que não há
possibilidade de amor nele. Ele é apenas um sistema de bombeamento. Nada mais há nele, e tudo
mais é apenas mito e poesia e sonho...
Mas o tantra conhece um centro profundo oculto atrás de seu coração físico. Esse centro
profundo somente pode ser atingido através da mente, porque nós estamos apoiados na mente.
Nós estamos presentes na cabeça e qualquer viagem para dentro tem de começar de lá. A mente é
o som. Se todos os sons pararem, você não terá nenhuma mente. No silêncio, não há mente – por
isso tanta insistência no silêncio. O silêncio é um estado de não-mente.
Comumente nós dizemos: “Minha mente está em silêncio”. Isso é absurdo, sem sentido,
porque a mente significa ausência de silêncio. Assim, você não pode dizer que a mente está em
silêncio. Se a mente está presente, não pode haver nenhum silêncio e, quando o silêncio está
presente, não há mente nenhuma. Assim, não há essa coisa chamada de mente silenciosa: não
pode haver. É como dizer que alguém está vivo-morto. Não faz sentido. Se ele está morto, então,
ele não está vivo. Se ele está vivo, então, ele não está morto. Você não pode ser vivo-morto.
Assim, não há nada parecido com a mente silenciosa. Quando o silêncio vem, a mente não
está presente. Na verdade, a mente sai e o silêncio entra; o silêncio entra e a mente sai. Ambos
não podem existir juntos. Mente é som. Se o som é sistemático, você é mentalmente são; se o
som ficou caótico, você é insano; mas, em ambos os casos, o som está presente e nós existimos
no ponto da mente.
Assim, como abandonar esse ponto para o ponto interior do coração? Use o som, entoe o som.
Um som pode ser útil. Se há muitos sons na mente, é difícil abandoná-los. Se há apenas um som,
ele pode ser deixado facilmente. Assim, primeiro muitos sons são sacrificados para um único
som. Essa é a utilidade da concentração.
Entoe um som. Continue entoando, primeiro audivelmente de forma que você possa ouvi-lo e,
então pouco a pouco, lentamente, inaudivelmente. Ninguém mais pode ouvi-lo então, mas você
pode ouvi-lo lá dentro. Torne-o mais sereno, torne-o cada vez menos e menos audível e, então de
repente, abandone-o. Haverá silêncio, uma explosão de silêncio – mas o sentimento estará
presente. Agora não haverá nenhum pensamento, mas o sentimento estará presente.
É por isso que é bom usar um som, um nome, um mantra, pelo qual você tenha algum
sentimento. Se um hindu usa “Rama”, é porque ele tem algum sentimento por ele. Não é
simplesmente uma palavra para ele, ela não está somente em sua cabeça. As vibrações atingem
seu coração também. Ele pode não estar consciente, mas isso está profundamente enraizado em
seus ossos, em seu próprio sangue. Houve uma longa tradição, um longo condicionamento,
durante muitas vidas. Se você fica apegado a um som continuamente, ele fica profundamente
enraizado. Use-o. Ele pode ser usado.
Um cristão pode usar “Rama”, mas isso permanecerá na mente, não irá fundo. É melhor que
ele use “Jesus” ou “Maria” ou alguma outra coisa. É muito fácil ser influenciado por uma nova
idéia, mas é difícil usá-la. Você não tem nenhum sentimento por ela. Mesmo que você esteja
convencido na mente de que aquilo será melhor, essa convicção está na superfície.
Um dos meus amigos estava morando na Alemanha. Ele ficou lá por trinta anos e esqueceu
completamente a língua materna – ele era um maharashtriano e sua língua materna era o
marathi. Mas ele a tinha esquecido, durante trinta anos ele ficou só usando o alemão. O alemão
ficou como se fosse sua língua materna. Eu disse “como se”, porque nenhuma outra língua pode
se tornar sua língua materna. Não há possibilidade, porque a língua materna permanece lá no
fundo, dentro de você. Ele, conscientemente, esqueceu-a e não era capaz de falar ou de entendê-
la.
Então, ele ficou doente e estava tão doente que toda a sua família foi lá para vê-lo. Ele estava
inconsciente, mas algumas vezes a consciência aparecia. Sempre que ele ficava consciente, ele
falava alemão e, sempre que ficava inconsciente, ele murmurava em marathi. Conscientemente,
ele não podia entender nada de marathi; inconscientemente, ele não podia entender nada de
alemão.
No fundo do inconsciente, o marathi permaneceu; era a sua língua materna. E você não pode
substituir a língua materna. Você pode colocar outras línguas sobre e acima dela, você pode
sobrepor outras coisas, mas você não pode substituí-la. Bem no fundo, ela permanecerá.
Assim, se você tem um sentimento por um certo som, é melhor usá-lo. Não use um som
intelectual, ele não será útil, porque o som tem de ser usado para fazer uma passagem da mente
para o coração. Assim, use algum som pelo qual você tem um profundo amor, um certo
sentimento.
Se um muçulmano usa “Rama”, fica muito difícil... – a palavra não significa nada para ele. É
por isso que as duas religiões mais antigas nunca acreditaram em conversão – o hinduísmo e o
judaísmo. Elas são as duas religiões mais velhas, as duas religiões originais; todas as outras
religiões são apenas projeções dessas duas. O cristianismo e o islã são projeções da tradição
judaica; o budismo, o jainismo, o siquismo são projeções do hinduísmo. Essas duas religiões
originais nunca acreditaram em conversão e a razão era esta: que você pode converter um
homem intelectualmente, mas você não pode converter um homem no seu coração. Você pode
converter um hindu em cristão, você pode converter um cristão em hindu, mas a conversão
permanecerá da mente.
Bem no fundo, um hindu convertido permanece um hindu. Ele pode ir à igreja e ele pode
rezar a Maria e a Jesus, mas a sua prece permanece da cabeça. Você não pode mudar o
inconsciente. E se você o hipnotizar, você descobrirá que ele é hindu. Se você o hipnotizar e
deixar que ele revele seu inconsciente, você descobrirá que ele é hindu.
Os hindus e os judeus nunca acreditaram na conversão devido a esse fator básico. Você não
pode mudar a religião de um homem, porque você não pode mudar o seu coração e os seus
sentimentos inconscientes. E se você tenta, então, você o perturba, porque você lhe dá algo que
permanecerá na superfície e você o divide. Então, ele se torna uma personalidade dividida. Bem
no fundo, ele é um hindu; na superfície ele é um cristão. Ele usará sons, mantras cristãos que não
irão fundo; e ele não pode usar sons hindus que podem ir fundo. Você perturbou a vida dele.
Assim, encontre um certo som pelo qual você tenha algum sentimento. Até mesmo seu nome
pode ser útil. Se você não tem nenhum sentimento por nenhum outro som, então seu próprio
nome será útil. Há muitos casos registrados... Um místico muito famoso, Bukkh, usava o seu
próprio nome, porque ele dizia: “Eu não acredito em nenhum Deus. Eu não sei nada sobre ele, eu
não sei qual é seu nome. Há nomes que eu escutei, mas não há provas de que eles são o nome
dele. E eu estou a procura de mim mesmo; assim, por que não usar meu próprio nome”? Então,
ele usava seu próprio nome e exatamente por usar o seu próprio nome, ele caiu em silêncio
profundo.
Se você não tem nenhum amor por nenhum outro som, use o seu próprio nome. Mas isso é
muito difícil, porque você tem se condenado tanto, que você não tem nenhum sentimento, você
não tem nenhum respeito por si mesmo. Os outros podem ser respeitosos para com você, mas
você não é respeitoso para consigo mesmo.
Assim, a primeira coisa é encontrar um som que seja útil; por exemplo: o nome de sua amada,
o nome de seu amado. Se você ama uma flor, então, “rosa” servirá, qualquer coisa – qualquer
som que você se sinta bem usando-o, pronunciando-o, escutando-o, do qual você sinta um certo
bem-estar chegando a você. Se você não puder encontrar um, então, há algumas sugestões de
fontes tradicionais. “Aum” pode ser usado, “amém” pode ser usado, “Maria” pode ser usado,
“Rama” pode ser usado, ou o nome de Buda, ou o nome de Mahavira ou qualquer outro nome
pelo qual você tenha amor. Mas um sentimento precisa estar presente. É por isso que o nome do
mestre pode ser útil, se você tem o sentimento. Mas o sentimento é essencial!
Entoe um som audivelmente e, então, cada vez menos e menos audível, à medida que o
sentimento se aprofunda nessa harmonia silenciosa. E continue reduzindo o som. Entoe-o mais
lentamente, de modo mais inaudível, de forma que até mesmo você tenha de fazer um esforço
para ouvi-lo lá dentro. Vá abandonando-o, abandonando-o, e você sentirá a mudança. Quanto
mais o som for abandonado, mais você será preenchido com o sentimento. Quando o som
desaparece, somente o sentimento permanece. Esse sentimento não pode ser nomeado. Ele é um
amor, um profundo amor, mas não em direção a alguém – essa é a diferença.
Quando você usa um som ou uma palavra, o amor é amarrado a um rótulo. Você diz: “Rama,
Rama, Rama..”. Você tem um sentimento profundo por essa palavra, mas o sentimento está
endereçado a “Rama”, restrito a “Rama”. Quando você for reduzindo o “Rama”, chegará um
momento em que ‘Rama’ desaparece, o som desaparece. Agora somente o sentimento
permanece, o sentimento de amor – não em direção a Rama: não é endereçado. Há simplesmente
um sentimento de amor – não em direção a alguém, nem mesmo direcionado; há simplesmente
um sentimento de amor, como se você estivesse em um oceano de amor.
Quando ele não é endereçado, então ele é do coração. Quando ele é endereçado, ele é da
cabeça. O amor em direção a alguém é através da cabeça; o amor simples é do coração. E quando
o amor é simples, não-endereçado, ele se torna oração. Se ele é endereçado, ele ainda não é
oração; você está simplesmente no caminho. É por isso que eu digo que se você é um cristão,
você não pode começar como um hindu, você deve começar como um cristão. Se você é um
muçulmano, você não pode começar como um cristão, você deve começar como um muçulmano.
Mas quanto mais fundo você for, menos você será um muçulmano ou um cristão ou um hindu.
Somente o começo será hindu, muçulmano ou cristão. Quanto mais você prosseguir em
direção ao coração, à medida que o som se tornar cada vez menos e menos e o sentimento cada
vez mais e mais, você será menos um hindu, menos um muçulmano. Quando o som desaparece,
você simplesmente será um ser humano – não um hindu, nem um muçulmano, nem cristão.
É como a diferença entre ‘seitas’ e ‘religião’. Religião é uma, seitas são várias. As seitas o
ajudam a começar. Se você pensa que elas são o fim, então, você está acabado. Elas são apenas o
começo. Você tem de deixá-las e ir além, porque o começo não é o fim. No fim há a religião; no
começo há apenas uma seita. Use a seita para ir em direção à religião; use o limitado para ir em
direção ao ilimitado; use o finito para ir em direção ao infinito.
Qualquer som servirá. Encontre o seu próprio som. E quando você o entoar, você sentirá se
tem uma relação amorosa com ele, porque o coração começará a vibrar. Todo o seu corpo
começará a ser mais sensível. Você se sentirá como se estivesse caindo em alguma coisa quente,
exatamente como o colo da amada; alguma coisa quente começa a envolvê-lo. E isso é uma
sensação física também, não simplesmente uma sensação mental. Se você entoa um som que
você ama, você sentirá um certo calor a sua volta, dentro de você. Então, o mundo não é um
mundo frio, é quente.
Se você foi a um templo hindu, então, você deve ter ouvido falar de garbhagriha – a casa do
útero. O centro mais interior do templo é conhecido como garbha – o útero. Você pode não ter
observado porque eles o chamam de útero. Se você entoa o som do templo – e cada templo tem o
seu próprio som, seu próprio mantra, seu próprio ishta devata, sua própria divindade e o mantra
relacionado com a divindade –, se você entoa esse som, o mesmo calor que está no útero da mãe
é criado. É por isso que o garbha, o útero do templo, é feito de maneira similar ao útero materno:
arredondado, quase fechado, somente com uma abertura.
Quando os cristãos chegaram pela primeira vez na Índia e descobriram os templos hindus,
eles acharam que esses templos eram realmente não-higiênicos – absolutamente sem ventilação,
somente com uma pequena porta. Mas o útero só tem uma pequena porta e não é ventilado
absolutamente. É por isso que o templo foi feito somente com uma porta, exatamente como um
útero e, se você entoar o som, esse útero se torna vivo. E ele também é chamado de garbha,
porque você pode ter um novo nascimento ali, você pode se tornar um novo homem.
Se você entoa um som que você ama, pelo qual você tem um sentimento, você criará um som
de útero à sua volta. Assim, não é bom praticar esse método a céu aberto. Você é muito fraco,
você não pode preencher todo o céu com o seu som. É melhor escolher um quarto pequeno, e se
o quarto é de um jeito que vibre o seu som, ele é bom, isso o ajudará. E se você puder escolher o
mesmo lugar todo dia, isso será muito bom. Ele se torna carregado. Se o mesmo som é repetido
todo dia, cada átomo, o próprio espaço se torna o meio.
É por isso que os seguidores de outras religiões não têm permissão de entrada nos templos.
Em Meca, ninguém pode entrar se não for um muçulmano, e isso é bom. Não há nada de errado
nisso. É porque Meca pertence a uma ciência determinada. Aquele que não é muçulmano vai lá
com um som que perturbará todo o meio. Se um muçulmano não tem permissão de entrada em
um templo hindu, não há nenhum insulto nisso. E todos aqueles reformadores sociais que não
sabem nada sobre templos, religião e ciência esotérica, continuam dando lemas, lemas absurdos;
e perturbam tudo.
Um templo hindu é para hindus, porque um templo hindu é um lugar particular – um lugar
criado. Por milênios, eles estiveram trabalhando nele para torná-lo vivo e qualquer um pode
perturbá-lo. Essa perturbação é muito perigosa. Um templo não é um lugar público. Ele é para
um propósito determinado e para determinadas pessoas; não é para visitantes. É por isso que os
visitantes não tinham entrada permitida nos velhos dias. Agora eles têm permissão, porque nós
não sabemos o que estamos fazendo. Um visitante não deveria ter permissão. Ali não é um lugar
para se ver, para se fazer turismo. É um espaço criado, preenchido com determinadas vibrações.
Se ele é um templo de Rama e você nasceu em uma família onde o nome de Rama tem sido
sagrado, amado, então, quando você entrar em um espaço vivo que sempre é preenchido com o
nome de Rama, mesmo que você não queira cantar, mesmo que você não fique usando o mantra
“Rama”, você começará a cantar. Todo o espaço em volta o pressionará. Todas aquelas vibrações
em volta o atingirão e você começará a cantar, lá do fundo. Assim, use um lugar – um templo é
bom.
Esses métodos são métodos de templo. Um templo é bom, ou uma mesquita, ou uma igreja.
Sua própria casa não é bom para esses métodos, porque com tantos sons, você tem um espaço
caótico à sua volta e você não é tão forte que apenas pelo seu som você possa mudar o espaço.
Assim, é melhor ir a um certo lugar que pertença a um certo som e, então, usá-lo. E é bom ir ao
mesmo lugar todo dia.
Pouco a pouco, você se tornará poderoso. Pouco a pouco, você descerá da mente para o
coração. Então, você pode fazer esse método em qualquer lugar e todo o cosmos se torna o seu
templo. Então, não há problema. Mas no começo é bom escolher um lugar e se você pode
escolher até mesmo a hora, exatamente a mesma hora todo dia, é bom – porque, então, o templo
estará esperando por você. Precisamente naquela hora exata, o templo estará esperando por você.
Ele estará mais receptivo; ele estará feliz por você ter vindo. E eu quero dizer fisicamente; isso
não é uma coisa simbólica, mas física.
É exatamente como se você fizesse as suas refeições todos os dias em uma hora determinada.
Naquela hora determinada, todo o seu corpo sente a fome. O corpo tem o seu próprio relógio
interior, ele sente a fome exatamente naquela hora. Se você vai dormir todo dia a certa hora, todo
o seu corpo fica pronto naquele determinado período. Se você muda todos os dias sua hora de
dormir e sua hora de comer, você está perturbando seu corpo.
Agora eles dizem que sua idade será afetada por isso. Se você continua diariamente mudando
sua rotina corporal, então, se você era para viver por oitenta anos, você viverá somente por
setenta anos. Dez anos serão perdidos. E se você acompanha regularmente o relógio corporal,
então, se você era para viver por oitenta anos, você viverá facilmente por noventa anos. Dez anos
podem ser adicionados.
Exatamente dessa forma, tudo à sua volta tem seu próprio relógio e o mundo se move no
tempo cósmico. Se você entra no templo exatamente na mesma hora todo dia, o templo está
pronto para você e você está pronto para o templo. Essas duas prontidões se encontram e os
resultados são milhares de vezes aumentados.
Ou você pode criar um pequeno canto em sua casa. Mas, então, não use esse canto para
nenhum outro propósito, porque todo propósito tem suas próprias vibrações. Se você usa esse
canto para negócios ou para jogar cartas nele, esse espaço se torna confuso. E agora essas
confusões podem inclusive ser gravadas em artefatos mecânicos – pode-se ficar sabendo se o
espaço está confuso.
Se você pode criar um canto em sua casa, um pequeno templo, isso é muito bom. Se você
pode ter um pequeno templo, essa é a primeira coisa a ser tentada. Mas não o use para qualquer
outro propósito. Deixe-o ser absolutamente privado para você e os resultados chegarão muito
rápido então.

43 Foque sua mente na língua

A sétima técnica do som:

Com a boca levemente aberta, mantenha a mente no meio da língua. Ou, à medida que a
respiração entra silenciosamente, sinta o som ‘HH’.

A mente pode ser focada em qualquer lugar de seu corpo. Comumente nós a focamos na
cabeça, mas ela pode ser focada em qualquer lugar. E com a mudança de foco, sua qualidade
muda. Por exemplo, em muitos países orientais – Japão, China, Coréia –, tradicionalmente, tem-
se ensinado que a mente está na barriga, não na cabeça. E devido a isso, aqueles que pensam que
a mente está na barriga têm diferentes qualidades de mente. Você não pode ter aquelas
qualidades, porque você pensa que a mente está na cabeça.
Na verdade, a mente não está em nenhum lugar. O cérebro está na cabeça; a mente não está
ali. ‘Mente’ significa o seu foco. Você pode focá-la em qualquer lugar e uma vez que focada, é
muito difícil removê-la daquele ponto. Por exemplo: agora os psicólogos e técnicos que estão
fazendo pesquisas nas profundezas do homem, dizem que, quando você está fazendo amor, sua
mente deve se mover da cabeça para a área genital; do contrário, seu sexo será uma frustração.
Se ele permanecer na cabeça, você não pode ir fundo no sexo. Nenhum orgasmo resultará, a
experiência não será orgástica. Ela não lhe dará um pico. Você pode produzir filhos, mas você
não saberá o que é o mais alto pico do amor.
Você não conheceu aquilo de que o tantra fala ou que Khajuraho retrata; você não pode. Você
já viu Khajuraho? Ou se você não viu Khajuraho, você pode ter visto fotografias do templo de
Khajuraho. Então, olhe para as faces, para o casal fazendo amor. Olhe para as faces, as faces
parecem divinas. Eles estão em um ato sexual, mas as faces estão tão extasiadas quanto qualquer
face de buda. O que lhes aconteceu? Aquele sexo não é cerebral; eles não estão fazendo sexo
através da cabeça; eles não estão pensando nele. Eles desceram da cabeça. O foco deles mudou.
Devido a essa descida da cabeça, a consciência se moveu para a área genital. A mente não
existe mais. A mente se tornou não-mente. A face deles tem o mesmo êxtase que tem a de um
buda. Aquele sexo se tornou uma meditação. Por quê? Porque o foco foi mudado. Se você puder
mudar o foco de sua mente uma vez, se você puder tirá-lo da cabeça, a cabeça ficará relaxada, a
face estará relaxada. Então, todas as tensões terão se dissolvido. Você não está presente, o ego
não está presente.
É por isso que quanto mais a mente se torna intelectual, racional, menos ela se torna capaz de
amar, porque o amor necessita de um foco diferente. No amor, você precisa de um foco perto do
coração; no sexo, você precisa de um foco mais perto do centro genital. Se você está fazendo
matemática, a cabeça é boa. Mas amor não é matemática e sexo também não é, absolutamente. E
se a matemática continua na cabeça e você está fazendo amor, você está simplesmente
desperdiçando energia. Então, todo esse esforço será repugnante.
Mas a mente pode ser mudada. O tantra diz que há sete centros e a mente pode ser mudada
para qualquer centro. Cada centro tem um funcionamento diferente. Se você se concentra em um
determinado centro, você se torna um homem diferente.
No Japão, há um grupo militar, que é exatamente igual aos kshatriyas na Índia, conhecido
como samurai. Eles são treinados para serem soldados e o primeiro treinamento deles é trazer a
mente para baixo, exatamente duas polegadas abaixo do umbigo. No Japão, esse centro é
chamado de hara. Os samurais são treinados a trazer a mente para o hara. A menos que um
soldado possa trazer o foco de sua mente para o hara, ele não tem permissão de lutar, e isso está
correto. Os samurais são os maiores lutadores que o mundo já conheceu, os maiores guerreiros;
no mundo não há comparação com um samurai. Ele é um homem diferente, um ser diferente,
porque seu foco é diferente.
Eles dizem que, quando você está lutando, não há tempo. A mente necessita de tempo para
funcionar; ela calcula. Se você é atacado e sua mente pensa sobre como se proteger, você já
perdeu o ponto, você perdeu. Não há tempo. Você precisa funcionar fora da temporalidade e a
mente não pode funcionar fora do tempo, a mente precisa de tempo. Por menos que seja, a mente
precisa de tempo.
Abaixo do umbigo há um centro, o hara, que funciona fora do tempo. Se o foco está no hara
e o lutador luta, então, essa luta é intuitiva, não intelectual. Antes de você atacá-lo, ele sabe. Há
uma sensação sutil no hara, não na cabeça. Não é uma inferência, é uma telepatia psíquica.
Antes de você atacá-lo, o pensamento chegou nele. O hara dele é atingido e ele está pronto para
se proteger. Mesmo antes de atacá-lo, ele está na defesa, ele se protegeu.
Algumas vezes, se duas pessoas estão lutando e ambas são samurais, derrotar o outro é um
problema. Nenhum deles pode derrotar o outro; isso é um problema. Ninguém pode ser
declarado o vencedor. De certo modo isso é impossível, porque você não pode atacar o homem –
antes que você ataque, ele já sabe.
Havia um matemático indiano... Todo mundo estava espantado, porque ele não calculava.
Ramanujam era seu nome. Você lhe dava o problema e ele lhe dava a resposta imediatamente.
Um dos melhores matemáticos ingleses, Hardy, visitou Ramanujam. Hardy era um dos melhores
matemáticos já nascidos e ele teve que trabalhar num determinado problema por seis horas. Mas
Ramanujam recebeu o mesmo problema e o resolveu imediatamente. Não havia possibilidade da
mente funcionar dessa maneira, na medida em que a mente precisa de tempo.
Ramanujam foi questionado repetidas vezes: “Como você faz isso”? Ele dizia: “Eu não sei.
Você me dá o problema e a resposta vem a mim. Ela vem de algum lugar abaixo. Não vem da
minha cabeça”. Ela vinha do hara. Ele não sabia disso, não era treinado, mas este é meu
sentimento: ele deve ter sido um japonês em sua vida anterior, porque, na Índia, nós não
trabalhamos muito sobre o hara.
O tantra diz: foque a sua mente em diferentes centros e os resultados serão diferentes. Esta
técnica está relacionada com o foco na língua, no meio da língua. Com a boca levemente aberta
– como se você fosse falar. Não fechada, mas levemente aberta como se você fosse falar; não
como quando você está falando, mas como quando você vai começar a falar.
Então, mantenha a mente no meio da língua. Você terá uma sensação muito estranha, porque
a língua tem um centro, exatamente no meio, que controla seu pensamento. Se você de repente se
torna consciente e se foca nele, seus pensamentos cessarão. Foque-se como se toda a sua mente
viesse para a língua – exatamente no meio. Deixe sua boca ficar levemente aberta como se você
fosse falar e, então, foque a mente como se ela não estivesse na cabeça. Sinta-a como se ela
estivesse na língua, exatamente no meio.
A língua tem o centro da fala e o pensamento é fala. O que você faz quando está pensando?
Você está falando internamente. Você pode pensar alguma coisa sem falar internamente? Você
está sozinho; você não está falando com ninguém, você está pensando. O que você está fazendo
enquanto está pensando? Falando internamente, falando consigo mesmo. Sua língua está
envolvida. Da próxima vez, quando você estiver pensando, fique consciente: sinta a sua língua.
Ela estará vibrando como se você estivesse falando com alguém. Então, sinta-a novamente e
você poderá sentir que as vibrações estão centradas no meio. Elas surgem do meio e então se
espalham por toda a língua.
Pensar é falar internamente. Se você puder trazer a sua total consciência, sua mente, para o
centro da língua, o pensamento pára. Assim, aqueles que têm praticado o silêncio, estão
simplesmente praticando o não-falar. Se você parar de falar externamente, então, você se tornará
profundamente consciente da fala interna. E se você permanecer completamente em silêncio por
um ou dois meses ou um ano, sem falar, você sentirá sua língua vibrando violentamente. Você
não está sentindo isso, porque continua falando e as vibrações são liberadas. Mas mesmo agora,
se você parar e se ficar consciente enquanto estiver pensando, você sentirá a sua língua vibrando
um pouco. Pare a sua língua completamente e, então, tente pensar – você não pode pensar. Pare a
sua língua completamente como se ela estivesse congelada; não permita que ela se mova. Você
não poderá pensar então.
O centro está exatamente no meio; assim, leve sua mente para lá. Com a boca levemente
aberta, mantenha a mente no meio da língua. Ou, à medida que a respiração entra
silenciosamente, sinta o som ‘HH’.
Esta é a segunda técnica – é similar: Ou, à medida que a respiração entra silenciosamente,
sinta o som ‘HH’.
Com a primeira técnica, seus pensamentos irão parar, você sentirá uma solidez interior –
como se você tivesse se tornado sólido. Quando os pensamentos não estão presentes, você se
torna imóvel; os pensamentos são o movimento interno. E quando os pensamentos não estão
presentes e você se tornou imóvel, você tornou-se parte do eterno, que apenas parece se mover,
mas que é imóvel, que permanece sem se mover.
Em um estado de não-pensamento, você se torna parte do eterno, do que não se move. Com o
pensamento, você é parte do movimento, porque a natureza é movimento. O mundo é
movimento, é por isso que nós o temos chamado de sansara, a roda – ela gira e gira e gira... O
mundo é movimento; e o oculto, o definitivo, é imóvel, não-móvel, imutável.
Ele é exatamente como uma roda que está se movendo, mas uma roda está se movendo em
alguma coisa que nunca se move. Uma roda pode se mover somente porque no centro há alguma
coisa que nunca se move, que permanece sem movimento. O mundo se move e o transcendental
permanece imóvel. Se seu pensamento pára, de repente você salta deste mundo para o outro.
Com o movimento parado internamente, você se torna parte do eterno – aquilo que nunca muda.
Ou, à medida que a respiração entra silenciosamente, sinta o som ‘HH’. Abra a sua boca
levemente, como se você fosse falar. Então, inale e fique consciente do som que é criado pela
inalação. Ele é exatamente ‘HH’ – quer você esteja exalando ou inalando. Você não tem que
fazer o som, você tem simplesmente de sentir a inspiração em sua língua. Ela é muito silenciosa.
Você sentirá ‘HH’. O som será muito silencioso, muito levemente audível. Você tem de ficar
muito alerta para ficar consciente dele. Mas não tente criá-lo. Se você o criar, você terá perdido o
ponto. Seu som criado não será de nenhuma ajuda. Trata-se de um som natural que acontece
quando você inala ou exala.
Mas a técnica diz “enquanto inalando”, não “enquanto exalando” – porque, ao exalar, você
sai e, com o som, você irá para fora, enquanto que o esforço é para ir para dentro. Assim, ao
inalar, ouça o som ‘HH’. Continue inalando e sentindo o som ‘HH’. Mais cedo ou mais tarde,
você sentirá que o som não está sendo criado somente na língua, ele está sendo criado na
garganta também. Mas, então, ele é muito, muito inaudível. Com uma atenção muito profunda
você pode ficar consciente dele.
Comece da língua; então, pouco a pouco, fique alerta; continue sentindo-o. Você o ouvirá na
garganta; então, você começará a ouvi-lo no coração. E quando ele alcançar o coração, você terá
ido além da mente. E todas essas técnicas são apenas para lhe dar uma ponte pela qual você
possa se mover do pensamento para o não-pensamento, da mente para a não-mente, da superfície
para o centro.

44 Um método para aqueles com um ouvido sensível

A oitava técnica do som:

Centre-se no som ‘AUM’ sem nenhum ‘A’ ou ‘M’.

Centre-se no som ‘AUM’ – A-U-M, AUM – sem nenhum ‘A’ ou ‘M’. Apenas o ‘U’
permanece. Esta é uma técnica difícil, mas para alguns ela pode ser adequada, particularmente
para aqueles que trabalham com som: músicos, poetas, aqueles que têm um ouvido muito
sensível; para eles, esta técnica pode ser auxiliar. Para os demais, aqueles que não têm ouvido
sensível, ela é muito difícil, porque o som é muito delicado.
Você tem de entoar aum, e você tem de sentir nesse aum três sons separadamente: A-U-M.
Entoe aum, e no som você tem de sentir três sons – A-U-M. Eles estão aí, fundidos, juntos. Um
ouvido muito delicado pode ficar consciente, pode ouvir A-U-M separadamente, enquanto
estiver sendo entoado. Eles são separados – muito juntos, mas separados. Se você não pode
escutá-los separadamente, então esta técnica não pode ser feita. Seus ouvidos terão de ser
treinados para isso.
No Japão, principalmente no zen, eles treinam os ouvidos antes. Eles têm um método de
treinar os ouvidos. O vento está soprando lá fora – ele tem um som. O mestre dirá: “Concentre-se
nele. Sinta todas as nuanças, as mudanças: quando o som está inflamado, quando o som está
furioso, quando o som está compassivo, quando o som está amoroso, quando o som está forte,
quando o som está delicado. Sinta as nuanças do som. O vento está soprando através das árvores
– sinta-o. O rio está correndo – sinta as nuanças”.
Durante meses seguidos, o buscador, o meditador, estará sentado ao lado do rio, escutando-o.
Ele tem diferentes sons. Tudo está mudando. Na chuva, ele ficará inundado; ele estará muito
vivo, transbordando. Os sons serão diferentes. No verão, ele ficará reduzido a nada, os sons irão
cessar. Mas haverá sons inaudíveis se alguém estiver ouvindo, se você ouvir. Por todo o ano, o
rio estará mudando e a pessoa tem de estar alerta.
No livro de Hermann Hesse, Sidarta, Sidarta vive com um barqueiro. E não há ninguém
mais, apenas o rio, o barqueiro e Sidarta. E o barqueiro era um homem muito silencioso. Ele
tinha vivido toda a sua vida com o rio. Ele se tornou silencioso, ele raramente falava. Sempre que
Sidarta se sente solitário, o barqueiro lhe diz para ir ao rio, para ouvir o rio. É melhor do que
ouvir palavras humanas.
E, então, pouco a pouco, Sidarta fica sintonizado com o rio. Então, ele começa a sentir seus
humores – o rio muda de humores. Algumas vezes ele está amigável e algumas vezes ele não
está; e algumas vezes ele está cantando e algumas vezes ele está lamentando e chorando; e
algumas vezes há risada e algumas vezes há tristeza. E, então, ele começa a sentir as diferenças
delicadas, suaves. Seu ouvido se torna harmonizado.
Assim, no começo, você pode sentir que é difícil, mas tente. Entoe aum, continue entoando,
sentindo A-U-M. Três sons estão combinados nele, juntos: aum é a síntese dos três sons. Uma
vez que você comece a senti-los diferentemente, então, abandone o‘A’ e o ‘M’. Então, você não
pode dizer aum: o ‘A’ será abandonado, o ‘M’ será abandonado. Então, o ‘U’ permanecerá. Por
quê? O que acontecerá? A coisa real não é o mantra. Não é o A-U-M ou o abandonar. A coisa
real é a sua sensibilidade.
Primeiro você se torna sensível aos três sons, o que é muito difícil. E quando você se torna
tão sensível a ponto de poder abandonar o ‘A’ e o ‘M’ e somente o som do meio permanecer,
nesse esforço, você perderá sua mente. Você estará tão absorvido nisso, tão profundamente
atento a isso, tão sensível, que você esquecerá de pensar. E se você pensar, você não poderá fazer
isso.
Esse é apenas um modo indireto de trazê-lo para fora da sua cabeça. Muitos modos foram
tentados e eles parecem muito simples. Você se espanta: “O que pode acontecer? Nada
acontecerá com métodos tão simples”. Mas milagres acontecem, porque é algo indireto. Sua
mente está sendo focada em alguma coisa muito sutil. Se você focalizar, você não pode continuar
pensando: a mente será abandonada. De repente um dia, você se tornará consciente e se
espantará com o que aconteceu.
No zen, eles usam koans. Um dos mais famosos koans que eles falam ao iniciante é este: “Vá
e tente escutar o som de uma só mão. Você pode criar um som com duas mãos. Se uma só mão
pode criar um som, ouça-o”.
Um garotinho estava servindo um mestre zen. Ele via muitas pessoas chegarem. Elas vinham
ao mestre, colocavam a cabeça nos pés dele e, então, pediam ao mestre para lhes dar alguma
coisa para meditar. Ele lhes dava um koan. O menino estava simplesmente fazendo um trabalho
para o mestre, ele o estava servindo. Ele tinha apenas nove ou dez anos de idade.
Vendo todo dia muitas pessoas chegando e partindo, então um dia ele também foi, muito
seriamente pôs a cabeça nos pés do mestre e, então, lhe pediu: “Dê-me um koan, algum objeto
para meditação”.
O mestre riu, mas o menino estava muito sério; assim, o mestre disse: “Tudo bem! Tente
ouvir o som de uma só mão. E quando você o tiver ouvido, então venha a mim e me conte”.
O menino tentou e tentou. Ele não pôde dormir a noite toda. Pela manhã, ele veio e disse: “Eu
ouvi. É o som do vento soprando através das árvores”.
O mestre disse: “Mas onde está a mão envolvida nisso? Vá novamente e tente”. Assim, ele
vinha todos os dias. Ele achava algum som e, então, ele vinha e o mestre dizia: “Não é isso
também. Continue tentando, continue tentando!”
Então, um dia o menino não veio. O mestre esperou e esperou e, então, ele disse para seus
outros discípulos irem e descobrirem o que tinha acontecido – parecia que o menino tinha
ouvido. Assim, eles foram procurá-lo.
Ele estava sentado sob uma árvore, absorto – exatamente como um buda recém-nascido. Eles
voltaram e disseram: “...Mas nós estamos com medo de perturbar o garoto. Ele está parecendo
um buda recém-nascido. Parece que ele escutou o som”.
Assim, o mestre veio, pôs sua cabeça aos pés do menino e lhe perguntou: “Você ouviu?
Parece que você ouviu”.
O menino disse: “Sim, mas ele é um som sem som”.
Como esse menino descobriu? Sua sensibilidade se desenvolveu. Ele tentou todos os sons, ele
ouviu atentamente. A atenção se desenvolveu. Ele não podia dormir. A noite inteira ele
procurava ouvir qual é o som de uma só mão. Ele não era tão intelectual como você é; assim, ele
nunca pensou que não podia existir o som de uma só mão. Se o koan lhe for dado, você não irá
tentar. Você dirá: “Que tolice! Não pode haver nenhum som com uma só mão”.
Mas o menino tentou. O mestre disse que haveria alguma coisa naquilo; assim, ele tentou. Ele
era um menino simples; assim, sempre que ele podia ouvir alguma coisa, sempre que podia sentir
que “isso era uma coisa nova”, ele vinha novamente. Mas através desse processo, sua
sensibilidade se desenvolveu. Ele se tornou atento, alerta, consciente. Ele se tornou direcionado a
um ponto. Ele estava na busca e a mente caiu porque o mestre disse: “Se você continuar
pensando, você pode perder. Algumas vezes, há o som que é de uma só mão. Fique bem alerta,
de modo que você não o perca”.
Ele tentou e tentou. Não havia som de uma só mão, mas isso era apenas um método indireto
para criar sensibilidade, consciência. E um dia, de repente, tudo desapareceu. Ele estava tão
atento, que somente a atenção estava presente; tão sensível, que somente a sensibilidade estava
presente; tão consciente... – não consciente de alguma coisa, mas simplesmente consciente! E
então ele disse: “Eu ouvi, mas é som sem som. É som sem som”! Mas você tem de ser treinado
para estar atento, estar alerta.
Isso é apenas um método para torná-lo muito delicadamente consciente das nuanças sutis do
som. Só por fazer isso, você esquecerá o aum. Não somente o ‘A’ cairá, não somente o ‘M’
cairá, mas, um dia de repente, você também cairá e haverá o som sem som e você será um buda
recém-nascido, sentado embaixo de uma árvore.
Capítulo 30

ENTREGA NO SEXO E ENTREGA A UM MESTRE



PERGUNTAS

Se o tantra ensina a estar no meio, como pode alguém entender a diferença entre tolerância e
repressão?
Existe alguma conexão entre se abrir para um mestre e se abrir no sexo?

A primeira pergunta:

Na noite passada, Você discutiu a atitude da aceitação total como o solo básico para todo
o sadhana tântrico, ou a prática espiritual. Se eu me lembro corretamente, em um outro dia
Você disse que a ciência do tantra ensina a estar no meio, em tudo, ficando livre dos
extremos na vida. Em referência a isso, explique como a pessoa pode chegar a entender a
diferença entre tolerância e repressão na sua vida sexual.

Aceitação da totalidade da vida significa o caminho do meio. Se você nega, você se move
para o extremo oposto. Negação é extremo. Se você nega alguma coisa, você a nega por algo;
então, você se move para um extremo. Se a pessoa negar o sexo, ela se moverá para o
brahmacharya, celibato – para o outro extremo. Se você negar o brahmacharya, você se moverá
para a tolerância – para o outro extremo. No momento em que você nega, você aceitou o
caminho extremo.
Aceitação da totalidade é estar automaticamente no meio. Você não é nem a favor de uma
coisa nem contra uma coisa. Você não escolheu, você está apenas fluindo na correnteza. Você
não está se movendo em direção a uma meta – você não faz nenhuma escolha, você está em uma
entrega.
O tantra acredita em uma profunda entrega. Quando você escolhe, seu ego entra. Quando
você escolhe, sua vontade entra. Quando você escolhe, você está se movendo contra o universo
todo – você tem sua própria escolha. Quando você escolhe, você não está escolhendo o fluxo
universal: você está colocando-se à parte, isolado; você é como uma ilha. Você está tentando ser
você mesmo contra todo o fluxo da vida.
“Não-escolha” significa que não é você que tem de decidir para onde a vida vai. Você permite
que a vida se mova, que ela o leve com ela. E você não tem nenhum objetivo fixo – se você tem
um objetivo fixo, você está fadado a escolher. O objetivo da vida é seu objetivo. Você não está
se movendo contra a vida; você não tem quaisquer idéias próprias contra a vida. Você se solta,
você se entrega para a própria força da vida. É isso o que o tantra quer dizer por aceitação total.
E uma vez que você aceite a vida em sua totalidade, as coisas começam a acontecer, porque
essa aceitação total libera-o de seu objetivo de ego. Sua meta de ego é o problema, por causa
dele, você cria problemas. Não há problemas na vida em si; a existência é sem-problema. Você é
o problema e é o criador do problema e cria problemas a partir de tudo. Mesmo se você encontrar
Deus, você criará problemas a partir dele. Mesmo que você chegue ao paraíso, você criará
problemas a partir do paraíso – porque você é a fonte original dos problemas. Você não irá se
entregar. Esse ego que não se entrega é a fonte de todos os problemas.
O tantra diz que não é uma questão de alcançar alguma coisa, não é uma questão de alcançar
o brahmacharya. Se você alcançar o brahmacharya contra o sexo, seu brahmacharya
permanecerá basicamente sexual. Dois extremos, apesar de opostos, são partes de um todo – dois
aspectos de uma mesma coisa. Se você escolhe um, você escolheu o outro também. O outro
estará escondido agora, reprimido. O que repressão significa? Escolher um extremo contra o
outro, que é uma parte básica dele.
Você escolhe o brahmacharya contra o sexo, mas o que é o brahmacharya? É exatamente o
reverso da energia sexual. Você escolheu o brahmacharya, mas você também escolheu o sexo
com ele. Agora, o brahmacharya estará na superfície e bem no fundo existirá o sexo. Você ficará
perturbado, porque sua escolha criará a perturbação. Você pode escolher somente um pólo, mas
o outro pólo o seguirá automaticamente. E você é contra o outro pólo; assim, agora você ficará
perturbado.
O tantra diz: não escolha; seja sem escolha. Uma vez que você compreenda isso, a questão
sobre o que é tolerância e o que é repressão nunca surgirá. Então, não há nenhuma repressão e
não há nenhuma tolerância. A questão surge somente porque você ainda está escolhendo. Há
pessoas que vêm a mim e dizem: “Nós aceitaremos a vida, mas se nós aceitarmos a vida, quando
o brahmacharya acontecerá”? Elas estão prontas para estarem na aceitação total, mas a prontidão
é falsa, apenas superficial. Bem no fundo, elas ainda estão apegadas aos extremos.
Elas querem o brahmacharya – o celibato. Elas não o alcançaram através da luta contra o
sexo; assim, quando elas me ouvem, elas pensam: “Como nós não fomos capazes de alcançá-lo
através da luta, agora nós devemos alcançá-lo através da aceitação”. Mas a mente que quer
alcançar, a mente motivada, a mente ambiciosa está presente – e o objetivo está presente, a
escolha está presente.
Se você tem alguma coisa a alcançar, você não pode aceitar a totalidade: a aceitação não é
total. Então, você também está tentando aceitar como uma técnica para alcançar alguma coisa.
Aceitação significa: agora você abandonou aquela mente que conquista, aquela mente motivada
que está sempre atrás de alguma coisa, ansiando por alguma coisa – você a deixa! Você permite
a vida fluir livremente; assim como o vento está fluindo por entre as árvores. Você permite que a
vida seja livre, mova-se livremente através de você; você não oferece nenhuma resistência.
Aonde quer que ela o leve, você está pronto a ir. Você não tem nenhuma meta. Se você tiver
alguma meta, então você terá de resistir à vida, então, você terá de lutar com ela.
Se uma árvore tem alguma meta, alguma inclinação, alguma idéia, então, ela não pode
permitir que o vento passe livremente através dela. Se ela quiser ir para o sul, então, o vento que
a está forçando para o norte será o inimigo.
Se você tem alguma meta, você não pode aceitar a vida como uma amiga. Sua meta cria o
inimigo. Se você espera alguma coisa da vida, você está impondo-se sobre a vida, você não está
permitindo que a vida aconteça a você. O tantra diz: as coisas acontecem quando você não as
espera, as coisas acontecem quando você não as força, as coisas acontecem quando você não está
ansiando por elas.
Mas isso é uma consequência, não um resultado. E fique claramente consciente da diferença
entre ‘consequência’ e ‘resultado’. Um resultado é conscientemente desejado; uma consequência
é um subproduto. Por exemplo: se eu digo a você que se você brincar, a felicidade será a
consequência, você vai tentar por um resultado. Você vai e brinca e você fica esperando pelo
resultado da felicidade. Mas eu lhe disse que isso será a consequência, não o resultado.
A consequência significa que se você está realmente na brincadeira, a felicidade acontecerá.
Se você constantemente pensa na felicidade, então, ela tem de ser um resultado; ela nunca
acontecerá. Um resultado vem de um esforço consciente; uma consequência é apenas um
subproduto. Se você estiver brincando intensamente, você estará feliz. Mas a própria expectativa,
o anseio consciente pela felicidade, não lhe permitirá brincar intensamente. A ânsia pelo
resultado se tornará a barreira e você não será feliz.
A felicidade não é um resultado, é uma consequência. Se eu lhe digo que se você amar, você
será feliz, a felicidade será uma consequência, não um resultado. Se você pensa que, porque você
quer ser feliz, você deve amar, nada resultará disso. A coisa toda será falsificada, porque a
pessoa não pode amar por algum resultado. O amor acontece! Não há motivação por detrás dele.
Se há motivação, não é amor. Isso pode ser qualquer outra coisa. Se eu estou motivado e
penso que, porque desejo a felicidade, vou amá-lo, esse amor será falso. E como ele será falso, a
felicidade não resultará dele. Ela não virá; é impossível. Mas se eu o amo sem qualquer
motivação, a felicidade segue como uma sombra.
O tantra diz: aceitação será seguida por transformação, mas não faça da aceitação uma técnica
para a transformação. Ela não é. Não anseie por transformação - somente então a transformação
acontece. Se você a deseja, seu próprio desejo é o obstáculo. Então, não há nenhuma questão
sobre o que é tolerância e o que é repressão.
Essa pergunta vem à mente apenas porque você não está pronto para aceitar o todo. Aceite-o,
deixe ser tolerância e aceite. Se você aceitar, você será atirado para o meio. Ou deixe ser
repressão e aceite. Se houver aceitação, você será atirado para o meio. Através da aceitação, você
não pode permanecer com o extremo. “Extremo” significa negação de alguma coisa – aceitar
alguma coisa e negar alguma coisa. “Extremo” significa ser a favor de alguma coisa e contra
alguma coisa. No momento em que você aceita o que quer que seja o caso, você será atirado para
o meio, você não permanecerá com o extremo.
Assim, esqueça qualquer entendimento intelectual do que é repressão e do que é tolerância.
Isso é tolice e não o levará a lugar nenhum. Apenas aceite, onde quer que você esteja. Se você
está na tolerância, aceite-a. Por que ficar com medo dela?
Mas há um problema. Se você está na tolerância, você pode permanecer na tolerância
somente se você está simultaneamente tentando transcendê-la. Isso dá uma boa sensação para o
ego: você pode se sentir bem e você pode adiar. Você sabe que isso não será para sempre. Você
sente: “Hoje eu sou tolerante, mas amanhã eu estarei além disso”. O amanhã ajuda-o a ser
tolerante hoje. Você sabe que “Hoje eu estou bebendo álcool e fumando, mas isso não será por
toda a minha vida. Eu sei que isso é ruim e amanhã eu deixarei disso”.
Essa esperança pelo amanhã ajuda-o a ser tolerante hoje, e isso é um bom truque. Aqueles
que querem ser tolerantes, devem ter grandes ideais. Esses ideais lhes dão oportunidade. Então
você não precisa se sentir muito culpado com o que você está fazendo, porque, no futuro, tudo
estará bem –aquilo é apenas momentâneo. Isso é um truque da mente. Assim, aqueles que são
tolerantes, sempre falam em não-tolerância. Aqueles que são tolerantes, vão a mestres que são
contra isso. E pode-se ver uma profunda relação...
Se você está atrás de riqueza, do dinheiro, do poder, você sempre venerará alguém que é
contra a riqueza – o asceta. Aquele que renunciou será seu ideal. Uma sociedade rica pode
venerar e respeitar somente aquele que renunciou à riqueza. Olhe em volta e você verá. Se você é
indulgente no sexo, você deve respeitar alguém que foi além dele, que se tornou um
brahmachari. Você irá venerá-lo. Ele é o ideal; ele é seu futuro. Você está pensando que algum
dia você será como esse homem. Você o venera.
E se um dia chega a você um rumor de que aquele homem está sendo tolerante no sexo, o
respeito se vai, porque você não pode respeitar a si mesmo. Você tem tanta autocondenação com
relação ao que quer que você seja, que se você descobre que seu mestre é como você, o respeito
se vai. Ele deve ser exatamente o oposto. Então, ele lhe dá esperança. Então, ele pode guiá-lo
para o extremo oposto. Então, você pode segui-lo.
Assim, há sempre um relacionamento muito profundo entre os seguidores e o mestre. Você
sempre os verá em pólos opostos: o seguidor estará exatamente no pólo oposto e ele somente é
um seguidor por causa disso. Se você é obcecado por comida, então, você pode respeitar somente
uma pessoa que faz longos jejuns. Ele é “o milagre”. Você espera algum dia alcançar a mesma
coisa. Ele é o seu futuro. Você pode venerá-lo e respeitá-lo. Ele é a imagem, mas essa imagem
ajuda-o a ser o que quer que você seja; ela não irá mudá-lo. O próprio esforço para mudar, a
própria idéia de mudar, é o obstáculo. Este é o insight do tantra.
O tantra diz: o que quer que você seja, aceite-o. Não crie quaisquer ideais. Eles são sonhos – e
falsos. Aceite o que quer que seja. Não o chame de bom ou mau, não tente justificá-lo ou
racionalizá-lo. Viva no momento e veja que “este é o caso”. Permaneça com o fato e aceite-o. É
difícil – muito difícil e árduo. Por que é tão difícil? Porque, então, o ego é despedaçado. Então,
você sabe que você é um animal sexual. Então, o elevado ideal de brahmacharya não pode
ajudar seu ego de forma alguma. Então, você sabe que é noventa e nove por cento um animal... e
esse um por cento eu deixo para você, somente para não chocá-lo ainda mais.
Com os ideais de Mahavira, Buda, Krishna, Cristo, você sente que é noventa e nove por cento
divino e somente um por cento está faltando. Assim, mais cedo ou mais tarde, pela graça de
Deus, você o alcançará. Você se sente feliz como você é. Isso não ajudará. Não ajudará de forma
alguma. Pode ajudar somente a adiar o problema real, a crise real e, a menos que você encare
essa crise, você nunca será transformado. A pessoa tem de passar por ela; a pessoa tem de sofrê-
la. Mas somente a facticidade da vida o conduz para a verdade. Ficções não ajudarão.
Assim, permaneça com o fato. O que quer que você seja – animal ou seja o que for... – está
bem. O sexo existe, a raiva existe, a avareza existe: tudo bem, então, existe. É isto aí, este é o
caso. O universo acontece para você dessa maneira; você encontrou a si mesmo já dessa maneira.
Isso é como a vida o fez; é como a vida o está impulsionando, conduzindo-o para algum lugar.
Relaxe e permita que a vida o conduza. Qual é a dificuldade em relaxar? A dificuldade é que
se você relaxa, você não pode manter o ego. O ego pode ser mantido somente na resistência.
Quando você diz “não”, o ego é fortalecido. Quando você diz “sim”, o ego simplesmente
desaparece.
É por isso que é tão difícil dizer “sim” para alguma coisa. Mesmo em coisas comuns é difícil
dizer “sim”. Nós queremos dizer “não”. O ego, o “eu”, se sente bem somente quando está
lutando. Se você está lutando com outra pessoa, é bom, o ego se sente bem. Se você está lutando
consigo mesmo, o ego se sente ainda melhor, porque lutar com alguém cria mais problemas à sua
volta. Quando você está lutando consigo mesmo, não há nenhum problema à sua volta. Quando
você estiver lutando contra alguém, a sociedade criará problemas para você. Quando você está
lutando consigo mesmo, toda a sociedade irá venerá-lo. É bom, porque você não está
prejudicando ninguém.
E na verdade, se você é alguém que está prejudicando a si mesmo, se não lhe for permitido
prejudicar a si mesmo, você prejudicará os outros. Do contrário, para onde essa energia irá se
mover? Assim, a sociedade sempre está feliz com esses idiotas que estão prejudicando a si
mesmos. A sociedade se sente bem, porque a violência deles é direcionada para trás, eles não
farão nada prejudicial.
Eis por que nós os chamamos de sadhus – os bons. Eles são bons porque podem prejudicar
muito – eles já estão fazendo isso, mas estão fazendo a si mesmos. Eles são suicidas. Um
matador, um assassino pode se tornar suicida se ele se voltar contra si mesmo; assim, a sociedade
se sente bem, sem a carga de um assassino se ele se tornar suicida. A sociedade respeita, aprecia-
o. Mas a pessoa permanece a mesma – ela permanece violenta. Agora, ele é violento consigo
mesmo, ou permanece ambicioso, mas ele fala da não-ambição.
Mas veja! Tente compreender a fala da não-ambição. A base sempre é a ambição. Eles dizem
que se você não for ambicioso, somente então você alcançará o paraíso. E o que há para ser
recebido no paraíso? Tudo aquilo de que a ambição gostaria.
Assim, seja não-ambicioso para alcançar o paraíso. Se você não é um celibatário, você não irá
para o céu. E o que você conquistará no céu? Tudo o que você condena aqui na terra. Então,
belas mulheres estarão à disposição e não haverá nenhuma comparação – porque qualquer uma
que seja bela na terra se tornará feia. Isso é o que os shastras, as escrituras, dizem. E as mulheres
que estão no céu nunca ficam velhas, elas permanecem fixadas na idade de dezesseis anos.
Assim, seja celibatário aqui, de forma que você possa ser tolerante lá.
Mas que tipo de lógica é essa? A motivação permanece a mesma. A motivação permanece
exatamente a mesma, somente os objetos mudam, a sequência de tempo muda. Você está
adiando seus desejos para o futuro. Isso é uma barganha.
O tantra diz: tente entender todo esse funcionamento da mente e, então, é bom não lutar,
então, é bom fluir como você é e aceitar. Nós estamos com medo, porque se nós aceitarmos,
então como iremos mudar? O tantra diz: aceitação é transcendência. Você tentou lutar e você não
mudou. Olhe para toda a sua vida, analisa-a e se você for honesto, você descobrirá que não
mudou um simples naco, nem um centímetro. Mova-se de volta para a sua infância. Analise toda
a sua vida e não importa o que você possa estar falando e pensando, a vida atual, verdadeira,
permaneceu a mesma. E você esteve lutando continuamente. Nada acontece a partir daí.
Assim, agora tente o tantra. O tantra diz: não lute; ninguém nunca mudou com luta. Aceite!
Então, não há nenhuma questão sobre o que é tolerância e o que é repressão, e o que é
brahmacharya, e o que é isso e aquilo. O que quer que seja, aceite-o e flua com isso. Você
dissolve a resistência do ego, você relaxa na existência e vai aonde quer que isso o conduza. Se o
destino da existência é você ser um animal, então, diz o tantra, seja um animal.
O que acontecerá a partir daí e como acontece? O tantra diz: a total transformação acontece –
porque, uma vez que você aceite, a divisão interna se dissolve, você se torna um. Então, não há
dois em você – o santo e o animal, o santo reprimindo o animal e o animal afastando o santo a
todo momento. Então, não há dois em você, você se torna um.
E essa unidade dá energia. Toda a sua energia é gasta em luta e conflitos internos. Essa
aceitação torna-o um. Agora, não há nenhum animal para ser condenado e nenhum santo para ser
apreciado. Você é o que quer que você seja. Você aceitou isso, você relaxou com isso; assim, sua
energia se torna una. Então, você é um todo e não dividido contra si mesmo.
Essa unidade é uma transformação alquímica. Com essa totalidade, você tem energia. Agora
você não está desperdiçando sua vida. Não há conflito interno; você está à vontade internamente.
Essa energia que você ganha através do não-conflito se torna sua consciência.
A energia pode se mover em duas dimensões. Se ela se move na luta, você a está
desperdiçando todo dia. Se ela acumula e não há luta, chega um momento, exatamente como
quando você continua esquentando a água até uns cem graus: então, a água se torna outra coisa,
ela se evapora. Então, ela não é mais líquido, ela se torna um gás. Ela não se transformou aos
noventa e nove graus. Ela se transformou somente aos cem graus.
A mesma coisa acontece internamente. Você está desperdiçando a sua energia todo dia e o
ponto de evaporação nunca chega. Ele não pode chegar, porque a energia não é de forma alguma
acumulada. Uma vez que a luta interna não exista, a energia continua se acumulando e você se
sente cada vez mais e mais forte.
Mas não o ego, o ego se sente forte somente quando está lutando. Quando não há luta, o ego
se torna impotente. Você se sente forte, e esse “você” é uma coisa totalmente diferente. Você não
pode saber disso a menos que você seja total. O ego existe com fragmentos, divisões. Esse
“você” – o si-mesmo, ou o que nós chamamos de atma – existe somente quando não há divisão,
quando não há luta interna. ‘Atma’ significa o todo; ‘si-mesmo’ significa a energia não-dividida.
Uma vez que essa energia não seja dividida, ela vai se acumulando. Você a está produzindo
todo dia, a energia da vida é produzida em você, mas você a está desperdiçando na luta. Essa
mesma energia chega a um ponto onde se torna consciência – isso é automático, o tantra diz que
isso é automático. Uma vez que você saiba como ser total, você se tornará cada vez mais e mais
consciente e chegará o dia em que toda a sua energia será transformada em consciência.
Quando a energia é transformada em consciência, muitas coisas acontecem, porque então a
energia não pode se mover para o sexo. Quando ela puder se mover para uma dimensão superior,
ela não se moverá para uma dimensão inferior. Sua energia continua se movendo para a
dimensão inferior, porque não há nada superior para você. Você não tem o nível de energia onde
ela possa se tornar mais elevada; assim, ela se move para o sexo. Ela se move para o sexo e você
tem medo dela; assim, você cria o ideal de brahmacharya e você se torna dividido. Então, você
se torna cada vez menos e menos energético. Você está desperdiçando energia.
Essa é uma experiência muito poderosa – que quando você está fraco, você se sente mais
sexual. Isso parece totalmente absurdo em termos biológicos, porque a biologia dirá que quando
você é mais potente, você se sentirá mais sexual. Mas esse não é o caso.
Quando você estiver fraco, doente, você se sentirá mais sexual. Quando você estiver saudável
e um sutil bem-estar estiver presente, você não se sentirá tão sexual.
E a qualidade do sexo também será diferente. Quando você estiver fraco, a sexualidade será
um tipo de doença e um círculo vicioso será criado. Através do sexo, você se tornará mais fraco,
e quanto mais fraco você se tornar, mais sexual você se sentirá. E o sexo se tornará cerebral, ele
se moverá para a sua cabeça.
Quando você está saudável, quando um bem-estar está presente, quando você se sente bem-
aventurado, relaxado, você não é tão sexual. Então, mesmo que o sexo aconteça, ele não é uma
doença. Ao contrário, ele é um transbordamento. Uma qualidade totalmente diferente está
presente. Quando o sexo é um transbordamento, ele é apenas amor expressando-se através de
bioenergia. Ele está criando um profundo compartilhar, um profundo contato através da
bioenergia. Ele é uma parte do amor.
Quando você está fraco e o sexo não está transbordando, trata-se de uma violência contra
você mesmo e, quando ele é uma violência contra você mesmo, ele nunca é amor. Uma pessoa
fraca pode fazer sexo, mas seu sexo nunca é amor. Ele é mais ou menos um estupro e estupro
para ambas as partes; para a própria pessoa ele também é um estupro. Mas, então, um círculo
vicioso é criado: quanto mais fraca ela se sente, mais sexual ela se sente.
Mas por que isso acontece? A biologia não tem nenhuma explicação para isso, mas o tantra
tem uma explicação. O tantra diz que o sexo é um antídoto contra a morte. O sexo significa vida
para a sociedade. Você pode morrer, mas a vida continuará. Assim, sempre que você se sentir
fraco, sentindo que a morte está próxima, então, o sexo se tornará muito importante, porque você
pode morrer a qualquer momento. Seu nível de energia abaixou. Você pode morrer a qualquer
momento; assim, seja tolerante no sexo de forma que alguém possa viver. A vida deve continuar.
Para o tantra, o velho é mais sexual do que o jovem. E isso é um insight muito profundo. Os
jovens são mais sexualmente potentes, mas não tão sexuais; os velhos são menos sexualmente
potentes, mas mais sexuais. Assim, se nós pudermos entrar na mente de um homem velho, então,
nós poderemos saber o que está acontecendo.
No que concerne à energia sexual, ela é menor no velho, e maior no jovem. Mas no que
concerne à sexualidade – sexualidade significa pensar em sexo –, ela é maior no velho do que no
jovem. A morte está chegando perto e o sexo é o antídoto para a morte; assim agora, a energia
enfraquecida gostaria de produzir alguém. A vida deve continuar. A vida não está interessada em
você, a vida está interessada em si mesma. Isso é um círculo vicioso.
E o mesmo acontece na ordem inversa também. Se você está transbordando de energia, o
sexo se torna cada vez menos e menos importante e o amor se torna cada vez mais e mais
importante. E, então, o sexo pode acontecer simplesmente como uma parte do amor, como um
profundo compartilhar. O mais profundo compartilhar pode ser o da bioenergia, porque ela é a
força da vida. Para quem quer que você ame, você quer dar alguma coisa. Dar faz parte do amor,
no amor você dá coisas. O maior presente pode ser o da sua energia de vida. No amor, o sexo se
torna um profundo presente de bioenergia, de vida. Você está dando uma parte de si mesmo.
Realmente, em todo ato sexual, você está se dando totalmente. Então, um círculo diferente é
criado; quanto mais você sente amor, mais você se torna forte. Quanto mais você sente amor,
mais você compartilha amor; então, mais forte você se torna, porque no amor, o ego se dissolve.
No amor você tem de fluir com a vida.
Você não precisa fluir com a vida na política. Ao contrário, você será um tolo se fluir com a
vida na política, porque lá você tem que impor-se contra a vida; somente então, você pode subir
na política. Se você estiver fazendo negócios, você será um tolo se fluir com a vida. Você não irá
a lugar nenhum, porque você tem de lutar, tem de competir, tem de ser violento. Quanto mais
violento e louco, mais você terá sucesso. Trata-se de uma luta.
Somente no amor não há nenhuma competição, nenhuma luta, nenhuma violência. Você tem
sucesso no amor somente quando você se entrega. Assim, o amor é a única coisa antimundana do
mundo, a única coisa não-mundana no mundo. E se você estiver amando, você se tornará mais
um todo, não-dividido; mais energia será acumulada. Quanto maior a energia, menor será a
sexualidade. E chega um momento em que a energia atinge um ponto onde a transformação
acontece e a energia se torna consciência. O sexo desaparece e somente uma bondade amorosa,
uma compaixão, permanece.
Buda tem uma luminosidade de compaixão amorosa; isso é energia sexual transformada. Mas
você não pode alcançá-lo através da luta, porque a luta cria divisão e a divisão torna-o mais
sexual. Esse é o insight do tantra – absolutamente diferente de tudo o que você possa ter estado
pensando sobre sexo e brahmacharya. Somente através do tantra um brahmacharya real, uma
pureza e inocência reais acontecem. Mas, então, isso não é um resultado, é uma consequência.
Isso se segue à aceitação total.

A segunda pergunta:

Minha mente acha que está ansiosa para receber Sua mensagem, contudo, ao final, eu
me encontro resistindo e ficando cansado. Suspeito que se eu estivesse aberto sexualmente,
eu poderia permitir-me receber sem nenhum fechamento. Há alguma conexão entre abrir-
se para um mestre e abrir-se no sexo? Minha formação dá um sentido negativo e passivo à
entrega. Eu sei que não irei fundo a menos que seja capaz de superar essa negatividade que
parece estar gravada em minha psique. A entrega é possível quando o oposto está plantado
tão profundamente?

Sim, existe uma conexão entre entrega e sexo, porque o sexo é a primeira entrega, uma
entrega biológica, que você pode experimentar facilmente. O que significa entrega? Significa
estar aberto, sem medo, vulnerável. Significa permitir que o outro entre em você.
Biologicamente, naturalmente, o sexo é a experiência básica onde, sem nenhum esforço, você
permite alguém entrar em você; ou alguém estar tão profundamente íntimo a você e você não
fica armado contra ele. Você não estará resistindo, não estará se contendo, mas fluindo...
relaxado, sem medo, sem pensar no futuro, no resultado, nas consequências, mas simplesmente
estando no momento. Mesmo se a morte ocorrer, você a aceitará.
Em profundo amor, os amantes sempre sentiram que esse é o momento certo para morrer. E
se a morte ocorrer, então, até mesmo a morte pode ser bem-vinda nesse momento. Eles estão
abertos – até mesmo para a morte, eles estão abertos. Se você estiver aberto para a vida, você
estará aberto para a morte. Se você estiver fechado para a vida, você estará fechado para a morte.
Aqueles que têm medo da morte são basicamente temerosos da vida. Eles não viveram; eis
por que têm tanto medo da morte. E o medo é natural. Se você absolutamente não viveu, você
está fadado a ter medo da morte, porque a morte o privará da oportunidade de viver e você ainda
não viveu. Assim, se a morte vier, então quando você viverá?
A pessoa que viveu profundamente não tem medo da morte. Ela está satisfeita e, se a morte
chegar, ela pode dar-lhe as boas vindas, aceitá-la. Agora, tudo o que a vida pode dar, a vida já
deu. Tudo o que pode ser conhecido na vida, ela já conheceu. Agora ela pode se mover para a
morte facilmente. Ela gostaria de se mover para a morte de modo a poder conhecer alguma coisa
desconhecida, alguma coisa nova. No sexo, no amor, você está sem medo. Você não está lutando
por alguma coisa no futuro; este próprio momento é o paraíso, este próprio momento é eterno.
Mas quando eu digo isso, eu não quero necessariamente dizer que você experimentou isso
através do sexo. Se você está com medo, resistindo, então, no sexo você pode ter um alívio
biológico, um alívio sexual, mas você não atingirá o êxtase de que o tantra fala.
Wilhelm Reich diz que você absolutamente não conheceu o sexo a menos que no sexo você
possa alcançar um orgasmo profundo. Ele não é simplesmente uma liberação de energia sexual:
todo o seu corpo deve se tornar relaxado. Então, a experiência do sexo não está localizada no
centro sexual, mas ela se espalha por todo o corpo. Todas as suas células são banhadas nele e
você tem um pico – um pico no qual você não é o corpo. Se você não pode alcançar um pico no
sexo, um pico no qual você não é o corpo, você não conheceu o sexo de modo algum. É por isso
que Wilhelm Reich diz uma coisa muito paradoxal: ele diz que o sexo é espiritual.
Isso é o que o tantra diz; e o significado é que no sexo profundo você não será um corpo,
absolutamente; você se tornará apenas um espírito que está pairando. Seu corpo será deixado
muito para trás, você o terá esquecido completamente. Ele não existirá mais. Você não será parte
do mundo material, você terá se tornado imaterial. Somente então, há orgasmo. É isso que o
tantra diz de sambhog – o intercurso.
Nesse ponto, chega-se a um relaxamento total, a uma sensação de que agora você está
preenchido, a uma sensação de que não há nenhum desejo de nada. A menos que esse sentimento
aconteça a você no sexo – essa sensação de um estado sem desejo – você não terá conhecido o
sexo, absolutamente. Você pode ter feito filhos, mas isso é fácil – ...e uma coisa diferente.
Somente o homem pode alcançar essa espiritualidade no sexo; do contrário, o sexo é apenas
um instinto animal. Mas quando os professores ou monges condenam o sexo, você acena com a
cabeça que eles estão certos. Quando o tantra diz alguma coisa, é difícil de se acreditar nela,
porque não se trata da sua experiência. É por isso que o tantra não pôde ainda se tornar uma
mensagem universal. Mas o futuro é promissor – porque quanto mais o homem se tornar sábio e
capaz de compreender, mais o tantra será sentido e entendido.
Somente nestes cem anos, a psicologia colocou fundamentos para um mundo que será
tântrico. Mas você acena sua cabeça para alguém que está condenando o sexo, porque você
também tem a mesma experiência. Você sabe que nada acontece nele e que depois do sexo você
se sente deprimido. É por isso que há tanta condenação. Todas as vezes que você entra nele, você
se sente deprimido; mais tarde você se arrepende.
O tantra, Wilhelm Reich, Freud e outros que sabem, concordam absolutamente que, se você
alcançar um orgasmo no sexo, o fulgor permanecerá por horas. Você se sentirá absolutamente
diferente... sem nenhuma preocupação, sem nenhuma tensão. A euforia será o resultado, dizem
eles; o êxtase estará presente. E esse êxtase acontece somente quando há uma verdadeira entrega,
quando você não está se contendo, não está lutando: você está apenas se movendo com a energia
da vida.
A energia da vida tem duas camadas e será bom entender isso. Eu estava falando sobre
respiração e eu lhes disse que a respiração era algo como que um elo entre o seu sistema
voluntário e o seu sistema involuntário. Em seu corpo, a maior parte é involuntária. O sangue
circula e você não é solicitado para nada. Você não pode fazer nada, ele simplesmente
permanece circulando. Somente durante esses últimos trezentos anos, o homem pôde conhecer
essa circulação sanguínea. Antes disso, pensava-se que o sangue apenas preenchia o corpo – não
que ele estivesse circulando, porque você não pode sentir sua circulação. Ela permanece
funcionando sem você, sem seu conhecimento. Ela é involuntária.
Você come algo; então, o corpo começa a funcionar. Para além de sua boca, você não é
necessário. No momento em que a comida vai além de sua boca, o corpo a toma, o sistema
involuntário permanece trabalhando nela. E é bom que isso funcione dessa maneira. Se fosse
deixado para você, você criaria uma confusão. É um trabalho tão grande, que, se tivesse de fazê-
lo, você não seria capaz de fazer nenhuma outra coisa. Se você tivesse tomado uma xícara de
chá, isso seria suficiente para mantê-lo ocupado o dia todo – para trabalhá-lo, para transformá-lo
em sangue. E o trabalho é grande.
O corpo funciona involuntariamente, mas há algumas coisas que você pode fazer
voluntariamente. Eu posso mover minha mão, mas eu não posso mover o sangue que se move na
minha mão. Eu não posso fazer alguma coisa diretamente com o osso que está se movendo na
mão. Eu não posso fazer nada com o sistema que está em funcionamento, mas eu posso mover a
minha mão. Eu posso mover meu corpo, mas eu não posso fazer tudo o que permanece
funcionando dentro dele, eu não posso interferir. Eu posso pular, posso correr, posso sentar-me,
posso deitar-me, mas, do lado de dentro, eu não posso fazer nada. Somente na superfície, eu
tenho liberdade.
O sexo é um fenômeno muito misterioso. Você o começa, mas chega um momento em que
você não existe mais. O sexo é iniciado como uma coisa voluntária, depois há um limite. Se você
cruzar esse limite, você não pode voltar; se você não cruzar esse limite, você pode voltar. Assim,
o sexo é as duas coisas, voluntário e involuntário. Há um limite além do qual a sua mente não
será necessária. Mas se você não perder a sua mente, sua cabeça, sua razão, sua consciência, sua
religião, sua filosofia, sua maneira de viver, se você não perder a sua mente, então, o limite não
será cruzado e você estará experimentando o sexo no reino voluntário.
Isso é o que está acontecendo. Então, depois do sexo, você se sentirá deprimido, contra ele – e
você estará pensando em renunciar à vida e fazer um voto contra o sexo. Naturalmente, esses
votos não durarão por muito tempo. Dentro de vinte e quatro horas você estará bem e pronto para
se mover novamente para o sexo. Mas isso se torna uma repetição e a coisa toda parece fútil.
Você acumula energia, então, você a joga fora – e nada resulta disso. E isso é um tédio enorme,
uma coisa monótona. Eis por que os monges e professores que são contra o sexo, têm apelo para
você: eles estão falando sobre alguma coisa que você pode entender.
Mas você não conheceu o sexo involuntário, a dimensão biológica mais profunda. Você não a
tocou e você sempre volta do limite, porque esse limite cria medo. Além desse limite seu ego não
existirá, além desse limite você não existirá. A energia do sexo tomará conta de você, ela o
possuirá. Então, você estará fazendo alguma coisa que não pode controlar.
A menos que você possa se mover para esse fenômeno do não-controle, você não pode
alcançar o orgasmo. E uma vez que você conheça essa energia de vida fora do controle, você não
está mais nele. Você se tornou simplesmente uma onda em um grande oceano e as coisas estão
simplesmente acontecendo. Você não as está forçando a acontecer.
Na verdade, você não está ativo – você se tornou passivo. No começo, você é ativo e, então,
chega um momento em que você se torna passivo. E quando você se torna passivo, somente
então o orgasmo acontece. Se você tiver conhecido isso, então, você poderá compreender muitas
coisas. Então, você poderá compreender a entrega religiosa também. Então, você poderá
compreender a entrega de um discípulo a um mestre. Então, você poderá compreender a entrega
de alguém à própria existência. Mas se você não conhece nenhuma entrega, fica difícil até
mesmo imaginar o que isso significa.
Assim, isto é certo: o sexo está profundamente relacionado com a entrega. Se você conheceu
o sexo profundamente, você será mais capaz de entregar-se, porque você conheceu um profundo
prazer que se segue à entrega, você conheceu uma bem-aventurança que chega como uma
sombra da entrega. Então, você pode confiar.
O sexo é a entrega biológica. O samadhi – a consciência cósmica – é a entrega existencial.
Através do sexo, você toca a vida. Através do samadhi, êxtase, você toca a existência, você se
move ainda mais profundamente do que a vida; a existência básica é tocada. Através do sexo
você se move de si mesmo para a outra pessoa; no samadhi você se move de si mesmo para o
todo, para o cosmos.
O tantra é, se me permitem, “sexo cósmico”! É um apaixonar-se por todo o cosmos, é uma
entrega em direção ao todo. E você tem de estar passivo. Até um certo limite, você tem de estar
ativo; mas, além desse limite, você não é necessário, você é um obstáculo então. Assim, deixe-o
com a força da vida, deixe-o com a existência.
A segunda coisa: se você continua pensando sobre a entrega como negativa e passiva, nada
está errado com isso. Ela é passiva e negativa, mas a negatividade e a passividade não são nada
condenáveis. Em nossa mente, no momento em que ouvimos a palavra ‘negativo’ entra alguma
condenação; no momento em que ouvimos ‘passivo’ entra alguma condenação – porque, para o
ego, ambas são mortes.
Não há nada de errado em ser passivo. Passividade é uma maneira de estar em profundo
contato com o universo. E você não pode ser ativo com ele – essa é a diferença entre religião e
ciência. A ciência é ativa com o universo, a religião é passiva com o universo. A ciência é
exatamente como a mente masculina – ativa, violenta, impetuosa; a religião é a mente feminina –
aberta, passiva, receptiva. A receptividade é sempre passiva. E a verdade não é para ser criada, é
para ser recebida.
Você não irá criar a verdade. A verdade já está presente. Você tem de recebê-la. Você tem de
se tornar o anfitrião e, então, a verdade se tornará sua convidada. E um anfitrião tem de ser
passivo. Você tem que ser como um útero para recebê-la, mas a sua mente está treinada para a
atividade – para ser ativa, para fazer alguma coisa – e este é o reino onde tudo o que você faz se
tornará um obstáculo. Não faça – apenas seja! Eis o que passividade significa: não fazer nada.
Simplesmente seja e permita que aquilo que já está presente aconteça a você. Você não é
necessário criativamente, ativamente, para fazer alguma coisa. Você só precisa estar receptivo.
Seja passivo; não interfira. Nada está errado com a passividade.
A poesia acontece quando você é passivo. Mesmo as maiores descobertas da ciência
aconteceram na passividade. Mas a atitude da ciência é ativa. Mesmo as maiores coisas na
ciência acontecem somente quando a ciência fica passiva, simplesmente esperando, não fazendo
nada. E a religião é basicamente passiva.
O que Buda está fazendo quando ele está meditando? Nossa linguagem, nossos termos, dão
uma falsa impressão. Quando nós dizemos que Buda está meditando, parece, por causa dos
termos usados, que ele está fazendo alguma coisa. Mas a meditação significa não fazer nada. Se
você estiver fazendo alguma coisa, nada acontecerá.
Mas todo fazer é exatamente como o sexo: no começo você tem de ser ativo, então, chega um
momento em que a atividade cessa e você tem de ser passivo. Quando eu digo “Buda está
meditando”, eu quero dizer que Buda não existe mais. Ele não está fazendo nada, ele está
simplesmente passivo – um anfitrião esperando, simplesmente esperando. E quando você está
esperando pelo desconhecido, você não pode nem mesmo esperar nada. Você, realmente, não
sabe o que irá acontecer, porque, se você souber, então, a espera se torna impura e o desejo entra.
Você não sabe de nada.
Tudo o que você conheceu, cessou: todo o conhecido desapareceu. A mente não está
funcionando, ela está simplesmente esperando e, então, todas as coisas acontecem a você. Todo o
universo cai em você, todo o universo entra, de todos os lados, em você. Todas as barreiras são
afastadas, você não está se contendo.
Nada há de errado com a passividade. Ao invés, sua atividade é o problema. Mas nós fomos
treinados para a atividade, porque nós somos treinados para a violência, a luta, o conflito. E isso
é bom até onde isso leva, porque, no mundo, você não pode ser passivo. No mundo, você tem de
ser ativo, lutador, forçar sua passagem. Mas aquilo que é tão útil no mundo não é útil quando
você se move em direção a uma existência mais profunda. Então, você tem de reverter seus
passos. Seja ativo se você está se movendo na política, na sociedade, para a riqueza ou para o
poder. Seja inativo se você está se movendo para Deus, para a religião, para a meditação. A
passividade é o caminho aí.
E nada está errado com o negativo também. ‘Negativo’ somente significa que alguma coisa
tem de ser abandonada. Por exemplo: se eu quero criar espaço neste aposento, o que terei de
fazer? Qual é o processo para se criar espaço? Eu posso trazer espaço de fora e preencher este
aposento? Eu não posso trazer espaço lá de fora. O espaço já está aqui – é por isso que isto aqui é
um aposento – mas ele está preenchido com pessoas ou móveis ou coisas; assim, eu tiro as coisas
e as pessoas do aposento. Então, o espaço é descoberto, não trazido. Ele já estava aqui, mas
cheio. Assim, eu fiz um processo negativo, eu o esvaziei.
Negatividade significa esvaziar a si mesmo, não fazer uma coisa positiva, porque aquilo que
você está tentando descobrir já está presente, apenas jogue fora a mobília. Os pensamentos são as
mobílias da mente. Simplesmente jogue-as fora e a mente se torna um espaço e, quando a mente
é um espaço, ela se torna sua alma, seu atma. Quando ela está cheia de pensamentos, desejos, ela
é mente; vaga, vazia, ela não é mente. A negação é um processo de eliminação.
Assim, não tenha medo das palavras ‘negativo’ e ‘passivo’. Se você tiver medo, você nunca
poderá se entregar. Entrega é passiva e negativa. Não é uma coisa que você esteja fazendo; ao
contrário, você está deixando seus afazeres, está abandonando a própria noção de que você pode
fazer. Você não pode fazer – essa é a sensação básica. Somente então, há entrega. Ela é negativa,
porque você está se movendo para o desconhecido, o conhecido é abandonado.
Quando você se entrega a um mestre, é um dos maiores milagres, porque você não sabe o que
acontecerá e o que esse homem irá fazer a você. E você nunca pode estar certo se ele é autêntico
ou não. Você não pode saber para quem você está se entregando e aonde ele o levará. Você
tentará ter certeza, mas o próprio esforço significa que você não está pronto para se entregar.
Se, antes de se entregar, você estiver absolutamente certo de que esse homem o levará a
algum lugar – a um paraíso... – e, então, você se entrega, isso não é absolutamente uma entrega.
Você não se entregou. A entrega é sempre para o desconhecido. Quando tudo é conhecido, não
há entrega. Quando você já checou que “isso vai acontecer” e que dois e dois são quatro, então,
não há entrega. Você não pode dizer “eu me entrego”, porque “o quatro” já é coisa certa.
Na incerteza, na insegurança, está a entrega. Assim, é fácil se entregar a Deus, porque, na
verdade, não há ninguém a quem você esteja se entregando e você permanece o mestre. É difícil
se entregar a um mestre vivo, porque, então, você não é mais o mestre. Com Deus, você pode
continuar se enganando, porque ninguém lhe questionará...
Eu estava lendo uma anedota judia... Um velho estava orando a Deus e disse:
– Meu vizinho ‘A’ é muito pobre e, no ano passado, eu rezei a você, mas você não fez nada
por ele. Meu outro vizinho ‘B’ é aleijado, e eu rezei, ano passado também, mas você não fez
nada. – E assim por diante ele continuou. Ele falou sobre todos os vizinhos e, então, no final ele
disse:
– Agora, eu rezarei novamente, este ano. Se você me perdoar, eu também poderei perdoá-lo.
Mas ele estava falando sozinho. Toda conversa com o divino é um monólogo, o outro não
está presente. Assim, compete a você, o que você está fazendo compete a você e você permanece
o mestre. Eis por que existe tanta insistência no tantra para a entrega a um mestre vivo, porque,
então, seu ego é despedaçado. E esse despedaçar é a base. Esse despedaçar é a base e, somente
então, alguma coisa pode surgir a partir daí.
Mas não me pergunte o que você pode fazer para se entregar. Você não pode fazer nada. Ou,
você pode fazer somente uma coisa: tomar consciência daquilo que você pode fazer pelo fazer,
daquilo que você ganhou pelo fazer – tome consciência! Você ganhou muito: você ganhou
muitas misérias, angústias, pesadelos. Eis o que você ganhou através de seu próprio esforço – é
isso o que o ego pode ganhar. Tome consciência da miséria que você criou – positivamente,
ativamente, sem se entregar. O que quer que você tenha feito na sua vida, tome consciência
disso. Essa própria consciência o ajudará, um dia, a jogar tudo fora e a se entregar. E lembre-se
de que você será transformado não pela entrega a um mestre determinado, mas pela própria
entrega.
Assim, o mestre é irrelevante, ele não é a questão. As pessoas continuam vindo a mim e elas
perguntam: “Eu quero me entregar, mas a quem”? Esse não é o ponto, você está perdendo o
ponto. Não é uma questão de “a quem”. Simplesmente a entrega ajuda, não a pessoa a quem você
se entregou. Ela pode não estar presente ou ela pode não ser autêntica ou ela pode não ser
iluminada. Ela pode ser apenas uma trapaceira, esse não é o ponto. Isso é irrelevante. Você se
entregou – isso ajuda, porque, agora então, você está vulnerável, aberto. Você se tornou
feminino. O ego masculino é perdido e você se tornou um útero feminino.
A pessoa para quem você se entregou pode ser falsa ou pode não ser. Esse não é o ponto.
Você se entregou; agora, alguma coisa pode acontecer a você. E muitas vezes aconteceu que,
mesmo com um falso mestre, discípulos se tornaram iluminados. Você pode ficar surpreso:
mesmo com um falso mestre, os discípulos se tornaram iluminados.
Conta-se que Milarepa foi a um mestre e se entregou. Milarepa era um homem de muita fé,
muito confiante; assim, quando o mestre disse “Você terá de se entregar a mim, somente então,
eu posso ajudá-lo”, ele disse: “Tudo bem, eu me entrego”.
Mas muitas pessoas ficaram com inveja. Os velhos seguidores desse mestre ficaram com
inveja de Milarepa, porque Milarepa era um tipo de homem muito diferente. Ele era uma força
muito magnética. Eles ficaram com medo de que, se aquele homem permanecesse, ele se
tornasse o discípulo-chefe, o próximo mestre. Assim, eles disseram ao mestre: “Esse homem
parece ser falso; assim, primeiro verifique se a entrega dele é real”.
O mestre disse: “Como poderíamos verificar isso”?
Eles disseram: “Diga-lhe para pular desta montanha” – eles estavam sentados em uma
montanha.
Assim, o mestre disse: “Milarepa, se você realmente se entregou, pule desta montanha”.
Assim, ele não esperou nem mesmo para dizer sim, ele pulou. Os discípulos pensaram que ele
tinha morrido; então, eles desceram. Levou horas para chegarem ao vale. Ele estava
simplesmente sentado embaixo de uma árvore meditando e estava feliz – tão feliz como nunca
tinha estado.
Assim, eles se agruparam e os discípulos pensaram que devia ser uma coincidência. O mestre
também estava surpreso: “Como isso pôde acontecer”? Assim, ele perguntou a Milarepa em
particular: “O que você fez? Como isso aconteceu”?
Ele disse: “Como eu me entreguei, não houve nenhuma questão do meu fazer. Você fez
alguma coisa”.
O mestre bem sabia que ele não tinha feito nada; assim, ele tentou novamente. Uma casa
estava em chamas; então, ele pediu a Milarepa para entrar e sentar-se lá, e somente sair quando
toda a casa estivesse em cinzas. Milarepa entrou. Ele permaneceu lá por horas; então, a casa era
apenas cinzas. Quando eles chegaram lá, ele estava simplesmente enterrado nas cinzas – mas tão
vivo e tão bem-aventurado como nunca. Milarepa tocou os pés de seu mestre e disse: “Você está
fazendo milagres”.
Assim, o mestre disse: “É difícil pensar que isso seja novamente uma coincidência”.
Mas os seguidores disseram: “Isso não é nada além de coincidência. Tente novamente. Pelo
menos três provas são necessárias”.
Eles estavam passando por uma vila e o mestre disse: “Milarepa, o bote ainda não veio e o
barqueiro não manteve a sua promessa; assim, você vai. Caminhe sobre a água, vá até a outra
margem e me diga se o barqueiro vem”.
Milarepa caminhou e, então o mestre realmente pensou que era um milagre. Ele caminhou e
foi até a outra margem e trouxe o barco. O mestre disse: “Milarepa, como você está fazendo
isso”?
Ele disse: “Eu simplesmente tomo o seu nome e vou em frente. É o seu nome, mestre, que me
ajuda”.
Assim, o mestre pensou: “Se meu nome ajuda tanto...” Ele tentou caminhar sobre a água
também, mas afundou e ninguém jamais ouviu falar dele novamente.
Como isso aconteceu? A entrega é a coisa – não o mestre, não a coisa para a qual você se
entrega. A estátua, o templo, a árvore, a pedra – qualquer coisa servirá. Se você se entrega, você
se torna vulnerável à existência. Então, toda a existência toma-o nos braços.
Essa história pode ser apenas uma parábola, mas o sentido é que, quando você se entrega,
toda a existência fica a seu favor. O fogo, a montanha, o rio, o vale – nada está contra você,
porque você não está contra nada. A animosidade está perdida.
Se você cai de uma montanha e seus ossos se quebram, são os ossos de seu ego. Você estava
resistindo, você não permitiu que o vale o ajudasse. Você estava se ajudando. Você estava
pensando em si mesmo como mais sábio que a existência. A entrega significa que você chegou a
compreender que tudo o que você fizer será estúpido, tolo. E você fez muitas coisas estúpidas
por muitas vidas.
Deixe por conta da própria existência. Você não pode fazer nada.
Você tem de compreender que você não pode fazer nada. Essa compreensão de que “eu não
posso fazer nada” ajuda a entrega a acontecer.
Capítulo 31

DO SOM PARA O SILÊNCIO INTERIOR



OS SUTRAS

45 Silenciosamente, entoe uma palavra terminada em ‘AH’. Então, no ‘HH’, sem esforço, a
espontaneidade.
46 Fechando os ouvidos por pressão e o reto por contração, entre no som.
47 Entre no som de seu nome e, através deste som, todos os sons.

O tantra não é uma filosofia. Ao contrário, ele é uma ciência com uma diferença: a ciência é
objetiva, o tantra é subjetivo. Mas ainda assim, ele é uma ciência e não uma filosofia. A filosofia
pensa sobre a verdade, o desconhecido, o supremo; a ciência tenta descobrir o que é. A ciência
entra no imediato, a filosofia pensa sobre o supremo. A filosofia sempre está olhando em direção
ao céu, a ciência é mais pé no chão.
O tantra não está interessado no supremo. Ele está interessado no imediato, no aqui e agora. O
tantra diz: o supremo está escondido no imediato; assim, você não precisa se preocupar com o
supremo. Preocupando-se com o supremo, você perderá o imediato e o supremo está escondido
no imediato. Assim, pensando no supremo, você perderá ambos. Se o imediato fica perdido, por
causa disso você perderá o supremo também. Assim, a filosofia é apenas fumaça. A abordagem
do tantra é científica, mas o objeto é diferente daquele da assim chamada ciência.
A ciência tenta entender o objeto, o mundo objetivo, a realidade que está diante de seus olhos.
O tantra é a ciência da realidade que está por trás de seus olhos – a subjetividade – mas a
abordagem é científica. O tantra não acredita no pensar, ele acredita no experimentar, no
experienciar. E a menos que você possa experienciar, tudo é apenas desperdício de energia.
Eu estou lembrando de um incidente. Mulla Nasruddin estava atravessando uma rua. Bem em
frente a uma igreja, ele foi atropelado por um motorista que fugiu. Ele era um homem idoso e
uma multidão se agrupou. Alguém estava dizendo: “Este homem não vai sobreviver”,
O padre da igreja veio correndo. Ele chegou perto e viu que o velho estava prestes a morrer;
assim, ele se preparou para administrar os últimos ritos. Ele chegou perto e perguntou ao
moribundo Mulla: “Você acredita em Deus, o Pai? Você acredita em Deus o Filho. Você acredita
em Deus o Espírito Santo”?
Mulla abriu os olhos e disse: “Meus Deus! Eu estou morrendo e ele esta fazendo charadas”!
Toda filosofia é assim: ela faz charadas enquanto você está morrendo. A cada momento você
está morrendo, a cada momento todo mundo está em seu leito de morte – ...porque a morte pode
ocorrer a qualquer momento. Mas a filosofia continua fazendo e respondendo charadas. O tantra
diz que filosofar é bom para crianças, mas aqueles que são sábios não desperdiçarão o seu tempo
em filosofia, Eles devem tentar conhecer – não pensar, porque através do pensar não há nenhum
conhecimento. Através do pensar você continua tecendo palavras, criando padrões de palavras.
Isso não leva a lugar nenhum, você permanece o mesmo – nenhuma transformação, nenhum
novo insight. O velho homem apenas continua juntando poeira.
O saber é um fenômeno diferente. Não significa pensar sobre, significa ir fundo na própria
existência a fim de saber – mover-se para dentro da existência. Lembre-se disto: o tantra não é
uma filosofia. Trata-se de uma ciência – uma ciência subjetiva. A abordagem é científica e não-
filosófica. Ele é muito pé no chão, interessado no imediato. O imediato é para ser usado como
uma porta para o supremo, o supremo acontece se você entra no imediato. Ele está presente e não
há nenhum outro modo de alcançá-lo.
A filosofia não é um caminho aos olhos do tantra, ela é um falso caminho. Ela apenas parece
ser um caminho. Ela é uma porta que não existe; ela simplesmente parece ser uma porta, ela é
uma porta falsa. No momento em que você tenta entrar nela, você vem a saber que não pode
entrar: ela é apenas uma porta pintada, não há nenhuma porta na verdade. A filosofia é uma porta
pintada. Se você sentar-se ao seu lado e for pensando e pensando, ela é boa. Se você tentar entrar
nela, ela é uma parede.
Assim, toda filosofia é boa para se filosofar. Para experienciar, toda filosofia é impotente. Eis
por que no tantra há tanta insistência na técnica, porque uma ciência não pode fazer nada além de
dar tecnologia, quer do mundo exterior, quer do interior. A própria palavra ‘tantra’ significa
técnica. É por isso que, neste pequeno e, todavia, um dos maiores e mais profundos livros,
somente técnicas são dadas, nenhuma filosofia, apenas cento e doze técnicas para se chegar ao
supremo, através do imediato.

45 Entoe um som terminado em ‘AH’

A nona técnica relacionada ao som:

Silenciosamente, entoe uma palavra terminada em ‘AH’.


Então, no ‘HH’, sem esforço, a espontaneidade.

Silenciosamente entoe uma palavra terminada em ‘AH’. Qualquer palavra que termine em
AH – entoe-a silenciosamente. A ênfase deve ser dada na terminação AH. Por quê? Porque no
momento em que esse som AH é entoado, sua respiração sai. Você pode não ter observado isso,
mas agora você pode observar: sempre que sua respiração sai, você está mais silencioso e sempre
que a sua respiração entra, você está mais tenso – porque a expiração é morte e a inspiração é
vida. A tensão faz parte da vida, não da morte; o relaxamento faz parte da morte – morte
significa relaxamento total. A vida não pode ser totalmente relaxada, é impossível.
Vida significa tensão, esforço. Somente a morte é relaxada. Assim, sempre que uma pessoa
fica absolutamente relaxada, ela é ambas – viva externamente e morta internamente. Você pode
ver, na face de um buda, ambas, vida e morte simultaneamente. Eis por que há tanto silêncio e
calma: eles fazem parte da morte. A vida não é relaxamento. Você relaxa à noite quando você
está dormindo. Eis por que as antigas tradições dizem que a morte e o sono são similares. O sono
é uma morte temporária e a morte é um sono permanente. Eis por que a noite o relaxa: ela é a
expiração. A manhã é a inspiração.
O dia o torna tenso e a noite o relaxa. A luz o torna tenso, a escuridão o relaxa. É por isso que
você não pode dormir quando há luz – é difícil relaxar, porque a luz é similar à vida, ela é anti-
morte. A escuridão é similar à morte, ela é pró-morte.
Assim, a escuridão tem um profundo relaxamento em si, e aqueles que têm medo da
escuridão não podem relaxar. É impossível, porque todo relaxamento é escuro. E a escuridão
circunda sua vida de ambos os lados. Antes de você nascer, você está na escuridão; quando a
vida cessa, você novamente está na escuridão. A escuridão é infinita e esta luz e esta vida são
apenas um momento dentro dela, apenas uma onda surgindo e, então, caindo. Se você puder
lembrar da escuridão que circunda ambos os extremos, você estará relaxado aqui e agora.
Vida, morte – são dois lados da existência. A inspiração é vida, a expiração é morte. Assim,
não é que você morre um certo dia, você está morrendo a cada respiração. É por isso que os
hindus contam a vida em respirações, eles não contam a vida em anos. Tantra, ioga, todos os
velhos sistemas indianos, eles contam a vida em respirações: quantas respirações você irá viver.
Assim, eles dizem que se você respira muito rápido, com muitas respirações em um curto tempo,
você morrerá muito cedo. Se você respira muito lentamente e suas respirações são em menor
número em um intervalo, você viverá mais tempo.
E é assim mesmo. Se você observar os animais, aqueles animais cuja respiração é muito lenta,
vivem mais. Pegue um elefante: o elefante vive muito, a respiração é muito lenta. Então, há o
cachorro: o cachorro morre cedo, a respiração é muito rápida. Sempre que você encontra um
animal cuja respiração é rápida, qualquer animal, esse animal não terá uma vida longa. Uma vida
longa existe sempre com uma respiração lenta.
O tantra e o ioga e outros sistemas indianos contam a vida em respirações. Realmente, em
cada respiração você nasce e em cada respiração você morre. Este mantra, esta técnica, usa a
expiração como o método, o meio, o veículo para se ir fundo no silêncio. Ele é um método de
morte. Silenciosamente, entoe uma palavra terminada em ‘AH’. A respiração acabou – essa é a
razão para uma palavra terminada em AH.
Esse AH é significativo, porque, quando você diz AH, ele o esvazia completamente. Todo o
ar saiu; nada permanece dentro. Você está totalmente vazio – vazio e morto. Por um simples
momento, por um pequeno intervalo, a vida se moveu para fora de você. Você está morto –
vazio. Esse vazio, se percebido, se você puder tornar-se consciente dele, o transformará
completamente. Você será um homem diferente.
Então, você saberá bem que esta vida não é a sua vida e esta morte também não é a sua morte.
Então, você conhecerá uma coisa que está além da inspiração e expiração – a alma que
testemunha. E esse testemunhar pode acontecer facilmente quando você está vazio de ar, porque
a vida cedeu e, com ela, todas as tensões cederam. Assim, tente, trata-se de um método muito
poderoso. Mas o processo comum, o hábito comum, é enfatizar a inspiração, nunca a expiração.
Nós sempre pegamos a inspiração, mas nós nunca a jogamos fora. Nós a trazemos para dentro
e o corpo joga-a para fora. Observe sua respiração e você saberá. Nós a tomamos. Nós nunca
exalamos, nós somente inalamos. A exalação é feita pelo corpo, porque nós temos medo da
morte, eis a razão. Se estivesse em nosso poder, nós não exalaríamos de modo algum, nós
inalaríamos e, então, controlaríamos a respiração lá dentro. Ninguém enfatiza a exalação – a
inalação é enfatizada. Como temos de exalar depois de inalar, eis por que continuamos
padecendo disso. Nós a toleramos, porque não podemos inalar sem exalar.
Assim, exalar é aceito como um mal necessário, mas, basicamente, nós não estamos
interessados na exalação. E isso não é só com a respiração, esta é nossa atitude com relação à
vida. Nós nos apegamos a tudo que chega até nós; nós não o deixamos. Essa é a miséria da
mente. E lembre-se, há muitas implicações nisso. Se você está padecendo de constipação, esta
será a causa básica: você sempre inala e nunca exala. A mente que nunca exala, mas apenas
inala, sofrerá de constipação. A constipação é o outro lado da mesma coisa. A pessoa não pode
exalar nada, ela continua acumulando, ela está com medo. O medo está presente. Ela só pode
acumular, mas tudo que é acumulado se torna venenoso.
Se você apenas inala e não exala, sua própria respiração se torna veneno para você; você
morrerá por causa disso. Você pode transformar uma força que dá vida em veneno se você se
comporta de uma maneira miserável, porque a exalação é absolutamente necessária. Ela joga
fora todos os seus venenos.
Assim, realmente, a morte é um processo de purificação e a vida é um processo de
envenenamento. Isso parecerá paradoxal. A vida é um processo de envenenamento, porque, para
viver, você tem que usar muitas coisas – e no momento em que você as usa, elas se tornam
veneno, elas são convertidas em veneno. Você toma uma inspiração, usa oxigênio e, então, o que
permanece se torna veneno. Era vida somente por causa do oxigênio, mas você o usou. Assim, a
vida continua transformando tudo em veneno.
Agora, há um grande movimento no Ocidente – a ecologia. O homem esteve usando tudo e
transformando em veneno, e a própria terra está exatamente à beira da morte. A qualquer dia, ela
pode morrer porque nós transformamos tudo em veneno. A morte é um processo de purificação.
Quando todo o seu corpo se tornou venenoso, a morte irá liberá-lo de seu corpo. Ela irá renová-
lo, ela lhe dará um novo nascimento; um novo corpo lhe será dado. Através da morte, todos os
venenos acumulados são dissolvidos de volta na natureza. Um mecanismo novo lhe é dado.
E isso acontece com cada respiração. A expiração é semelhante à morte – ela retira o veneno.
E quando ela sai, tudo reflui lá dentro. Se você joga todo o ar fora, completamente para fora de
forma que nenhum ar permaneça dentro, você toca um ponto de silêncio que nunca é tocado
enquanto a respiração entra.
É como o fluxo e refluxo: em cada respiração o fluxo da vida vem até você, em cada exalação
tudo reflui – a maré se foi. Você está simplesmente em uma praia deserta, vazia. Essa é a
utilidade desta técnica. Silenciosamente, entoe uma palavra terminada em ‘AH’. Enfatize a
exalação. E você pode usá-la para muitas mudanças na mente. Se você está sofrendo de
constipação, esqueça a inalação. Apenas exale e não inale. Deixe o corpo fazer o trabalho de
inalar; você apenas faz o trabalho de exalar. Você força a expiração e não inala. O corpo irá
inalar por si mesmo; você não precisa se preocupar com isso, você não irá morrer. O corpo
tomará conta da inspiração, você apenas joga o ar para fora e deixa que o corpo o puxe para
dentro. Sua constipação irá embora.
Se você está sofrendo de doenças do coração, simplesmente exale, não inale. Então, você não
sofrerá de doenças do coração. Se quando estiver simplesmente subindo em uma escada, ou em
qualquer outro lugar, você se sentir cansado – muito cansado, sufocado, sem ar – simplesmente
faça isto: apenas exale, não inale. Então, você pode subir qualquer quantidade de passos e você
não ficará cansado. O que acontece? Quando você vai com certa ênfase na exalação, você está
pronto para entregar-se, está pronto para morrer. Você não está com medo da morte; isso o torna
aberto. Do contrário, você está fechado – o medo o fecha.
Quando você exala, todo o sistema exala e aceita a morte. Não há medo, você está pronto
para morrer. E aquele que está pronto para morrer, pode viver. Na verdade, somente aquele que
está pronto para morrer, pode viver. Só ele se torna capaz de viver – porque ele não está com
medo.
Aquele que aceita a morte – dá boas-vindas a ela, a recebe como uma convidada, vive com
ela –, vai fundo na vida. Exale, não inale e isso mudará toda a sua mente. Por causa de suas
técnicas simples, o tantra nunca tem apelo, porque nós pensamos: “Minha mente é uma coisa
muito complexa”. Ela não é complexa – é simplesmente louca. E loucos são muito complexos.
Um homem sábio é simples. Nada é complexo em sua mente, ela é um mecanismo muito
simples. Se você compreender, você poderá mudá-la muito facilmente.
Se você nunca viu alguém morrendo, se você foi protegido de ver a morte como Buda foi,
você não pode compreender nada disso. O pai de Buda estava com medo, porque alguns
astrólogos disseram: “Este garoto será um grande saniássin. Ele renunciará ao mundo”.
O pai perguntou: “O que precisa ser feito para protegê-lo de uma tal coisa”?
Assim, os astrólogos pensaram e pensaram e então deduziram e disseram: “Não lhe permita
ver a morte, porque se ele não tiver consciência da morte, ele nunca pensará em renunciar a
vida”.
Isso é belo – muito significativo. Isso significa que todas as religiões, todas as filosofias, todo
o tantra e o ioga, são basicamente orientados para a morte. Se você está consciente da morte,
somente então a religião se torna significativa. Eis por que nenhum animal, exceto o homem, é
religioso, porque nenhum animal tem consciência da morte. Eles morrem, mas não estão
conscientes. Eles não podem conceber ou imaginar que haverá morte.
Quando um cachorro morre, os outros cachorros nunca imaginam que a morte irá acontecer
para eles também. Sempre é um outro que morre; assim, como um cachorro pode imaginar que
“eu vou morrer”? Ele nunca se viu morrendo. Um outro, algum outro cachorro morre; assim,
como ele pode fazer a conexão que “eu vou morrer”? Nenhum animal está consciente da morte; é
por isso que nenhum animal renuncia. Nenhum animal pode se tornar um saniássin. Somente
uma qualidade muito elevada de consciência pode levá-lo à renúncia – quando você se torna
consciente da morte. E se, mesmo sendo um homem, você não estiver consciente da morte, você
pertence ao reino animal; você ainda não é um homem. Você se torna um homem somente
quando enfrenta a morte. Do contrário, não há nenhuma diferença entre você e o animal.
Tudo é semelhante; somente a morte faz a diferença. Com o enfrentamento da morte, você
não mais é um animal, alguma coisa lhe aconteceu que nunca acontece a um animal. Agora, você
será uma consciência diferente.
Assim, o pai de Buda o protegeu de ver qualquer tipo de morte – não somente a morte do
homem, mas a morte de animais e inclusive de flores. Assim, os jardineiros eram instruídos a
não permitir que a criança visse uma flor morta, uma flor pálida morrendo no galho, uma folha
pálida, uma folha seca. Não, ele não deveria ir a nenhum lugar onde pudesse perceber que
alguma coisa morre – ele poderia inferir que “eu vou morrer”. E você não infere assim mesmo
vendo a sua esposa morrendo, sua mãe, seu pai, seu filho. Você chora por eles, mas você nunca
concebe que isso é um sinal de que “eu vou morrer”.
Mas os astrólogos disseram: “O menino é muito, muito sensível; assim, proteja-o de qualquer
tipo de morte”. E o pai era muito zeloso. Ele não podia permitir nem mesmo que um homem
velho ou uma mulher velha fossem vistos, porque a velhice é simplesmente a morte ouvida à
distância – a morte está presente a uma certa distância, ela está chegando. Assim, o pai de Buda
não podia permitir que qualquer velho ou velha fossem vistos pelo filho. Se Buda, de repente, se
tornasse consciente de que, apenas por parar de respirar, um homem pode morrer, isso seria
muito difícil para ele. “Apenas porque nenhum ar está entrando, como um homem pode morrer?”
– ele se perguntaria. “A vida é um processo muito grande e complexo.”
Se você não viu ninguém morrendo, nem mesmo você pode conceber que apenas por parar a
respiração um homem pode morrer. Apenas por parar a respiração!? Uma coisa tão simples e
como pode uma vida tão complexa morrer?
É a mesma coisa com esses métodos. Eles parecem simples, mas eles tocam a realidade
básica.
Quando o ar está saindo, quando você está completamente vazio de vida, você toca a morte,
você está perto dela e tudo se torna calmo e silencioso dentro de você.
Use isso como um mantra. Sempre que você se sentir cansado, sempre que você se sentir
tenso, use qualquer palavra que termine em AH. ‘Allah’ servirá – qualquer palavra que traga
todo seu ar para fora de forma que você exale completamente e fique vazio de ar. No momento
em que você está vazio de ar, você está vazio de vida também. E todos os seus problemas
pertencem à vida, nenhum problema pertence à morte. Sua ansiedade, sua angústia, sua raiva,
sua tristeza, todas elas pertencem à vida.
A morte é não-problemática. A morte jamais dá algum problema para alguém. E mesmo que
você pense que “eu estou com medo da morte e a morte criará um problema”, não é a morte que
cria o problema mas seu apego à vida. Somente a vida cria problemas; a morte dissolve todos os
problemas. Assim, quando a respiração se moveu completamente para fora ...AHHH... você está
esvaziado de vida. Olhe para dentro nesse momento, quando o ar está completamente fora. Antes
de fazer outra inspiração, vá bem fundo nesse intervalo e torne-se consciente da calma interior, o
silêncio. Nesse momento você é um buda.
Se você puder pegar esse momento, você conheceu um sabor do que Buda conheceu. E uma
vez conhecido, você pode separar esse sabor do ato de inspirar-expirar. Então, a respiração pode
continuar entrando e saindo e você pode permanecer nessa qualidade de consciência que chegou
a conhecer. Ela sempre está presente; a pessoa apenas tem de descobri-la. E é mais fácil
descobrir quando a vida é esvaziada.
Silenciosamente entoe uma palavra terminada em ‘AH’. Então, no ‘HH’, sem esforço, a
espontaneidade. E quando a respiração sair ...HHH... tudo é esvaziado. Sem esforço: neste
momento, não há necessidade de fazer nenhum esforço. A espontaneidade: simplesmente fique
consciente, seja espontâneo, seja sensível e compreenda esse momento de morte.
Nesse momento, você está bem perto da porta, muito, muito perto do supremo. O imediato
saiu, o supérfluo saiu. Neste momento, você não é a onda, você é o oceano – bem perto, bem
perto! Se você puder se tornar consciente, você esquecerá que é uma onda. Novamente, a onda
chegará, mas, agora, você pode nunca mais ficar identificado com ela, você permanecerá o
oceano. Uma vez que você saiba que é o oceano, você nunca mais pode ser novamente a onda.
A vida são ondas... a morte é o oceano. É por isso que Buda insiste tanto em que seu nirvana
é como a morte. Ele nunca diz que você atingirá a vida imortal, ele diz simplesmente que você
morrerá totalmente. Jesus diz: “Venha a mim e eu lhe darei vida e vida abundante”. Buda diz:
“Venha a mim para realizar a sua morte. Eu lhe darei morte totalmente”. Ambos significam a
mesma coisa, mas a terminologia de Buda é mais básica. Mas você terá medo dela. É por isso
que Buda não teve apelo na Índia: ele estava completamente desenraizado. Nós continuamos
dizendo que esta terra é uma terra religiosa, mas a pessoa mais religiosa não pôde se enraizar
aqui.
Que tipo de terra religiosa é essa? Nós não produzimos um outro Buda; ele é incomparável. E
sempre que o mundo pensa na Índia como religiosa, o mundo se lembra de Buda – de mais
ninguém. Por causa de Buda, a Índia é tida como religiosa. Que tipo de terra religiosa é essa?
Buda não tem raízes aqui, ele estava totalmente desenraizado. Ele usou a linguagem da morte –
essa é a causa e os brahmins[1] estavam usando a linguagem da vida. Eles dizem o Brahma e ele
diz nirvana. "Brahma’ significa vida, vida infinita; e ‘nirvana’ significa cessação, morte – morte
total.
Buda diz: “Sua morte comum não é total; você nascerá novamente. Eu lhe darei uma morte
total e você nunca nascerá novamente”. Uma morte total significa que agora nenhum nascimento
é possível. Então, essa assim chamada morte, Buda diz, não é morte. Ela é apenas um período de
descanso, você se tornará vivo novamente. Ela é apenas uma respiração saindo. Você fará a
inspiração novamente, você renascerá. Buda diz: “Eu lhe darei o caminho de forma que a
respiração sairá e nunca voltará – a morte total, nirvana, cessação”.
Nós nos tornamos amedrontados, porque nos apegamos à vida. Mas isso é um paradoxo;
quanto mais você se apega à vida, mais morrerá e, quanto mais estiver pronto para morrer, então,
mais você se tornará imortal. Se você está pronto para morrer, então, não há nenhuma
possibilidade de morte. Ninguém pode dar-lhe a morte se você a aceita, porque, através dessa
aceitação, você se torna consciente de alguma coisa, dentro de você, que é imortal.
Essas inspiração e expiração são a vida e morte do corpo, não do “mim-mesmo”. Mas o “eu”
não conhece nada além do corpo; o “eu” está identificado com o corpo. Então, será difícil ficar
consciente quando a respiração entra, e fácil ficar consciente quando a respiração sai. Quando a
respiração está saindo, naquele momento, você se tornou velho, morto, completamente esvaziado
da respiração; você é a morte por um momento.
Então, no ‘AH’, sem esforço, a espontaneidade. Tente isso! A qualquer momento em que
você possa, tente! Andando de ônibus ou viajando num trem ou indo para o escritório, sempre
que você tiver um tempo, entoe um som como ‘Allah’ – qualquer som terminado com AH. Esse
‘Allah’ ajudou muito no Islã – não por causa de algum Allah lá no céu, mas por causa desse AH.
Esse mundo é belo...! E, então, quanto mais a pessoa continua usando essa palavra – ‘Allah’,
‘Allah’... – ela se torna reduzida. Então, o que permanece é ‘Lah, Lah...’. Então, isso é reduzido
mais ainda, então, permanece como ‘Ah, Ah...’. Isso é bom, mas você pode usar qualquer
palavra que termine em AH – ou apenas AH servirá.
Você observou que sempre que você está tenso, você suspira? ...AHHH... e você se sente
relaxado. Ou sempre que você está alegre, cheio de alegria, você diz AHHH... e toda a respiração
é jogada para fora e você internamente sente uma tranquilidade que nunca havia sentido. Tente
isto: quando você estiver se sentindo muito bem, faça uma inspiração e, então, veja o que você
sente. Você não pode sentir esse bem-estar que vem com o AHHH... Ele vem por causa da
respiração que sai.
Assim, as línguas diferem, mas essas duas coisas nunca diferem. Por todo o mundo, sempre
que alguém se sente cansado, dirá AHHH... Na verdade, a pessoa está chamando a morte para vir
e relaxá-la. Sempre que a pessoa se sente cheia de alegria, feliz, ela diz AHHH... Ela está tão
transbordante de alegria que, agora, ela não tem medo da morte. Ela pode liberar-se
completamente, relaxar completamente.
E o que acontecerá se você continuar tentando isso? Você se tornará totalmente consciente de
alguma coisa dentro de você – a espontaneidade do seu ser, de sahaj, de ser espontâneo. Isso
você já é, mas você está tão empenhado na vida, tão ocupado com a vida... Você não pode se
tornar consciente do ser que está por detrás.
Quando você não está ocupado com a vida, com a inspiração, o ser por detrás é revelado; há
um vislumbre. Mas o vislumbre se tornará, pouco a pouco, uma realização. E uma vez que isso
seja conhecido, você não a pode esquecer – e isso não é algo que você está criando. É por isso
que é espontâneo, não é uma coisa que você está criando. Está presente, você simplesmente se
esqueceu. Trata-se de uma recordação, trata-se de uma redescoberta.
Tente ver as crianças, crianças bem pequenas, respirando. Elas respiram de uma maneira
diferente. Olhe para uma criança dormindo. Sua barriga vem para cima e para baixo, não o peito.
Se alguém o observar dormindo, seu peito vem para cima e para baixo; sua respiração nunca
desce para a barriga. A respiração pode descer para a barriga somente se você exala e não inala.
Se você inala e não exala, a respiração não pode descer para a barriga. A razão pela qual o ar vai
para a barriga é que, quando alguém exala, todo o ar é jogado para fora e, então, o corpo puxa-o
para dentro. E o corpo somente puxa aquela quantidade que é necessária – nem mais, nem
menos.
O corpo tem sua própria sabedoria e ele é mais sábio do que você. Não o perturbe. Você pode
puxar mais – então, ele será perturbado. Você pode puxar menos – então, ele será perturbado. O
corpo tem sua própria sabedoria, ele somente toma aquela quantidade que é necessária. Quando
for necessário mais, ele cria a situação. Quando for necessário menos, ele cria a situação. Ele
nunca vai ao extremo, ele está sempre equilibrado. Mas se você inala, ele nunca se equilibra,
porque você não sabe o que está fazendo, você não sabe qual é a necessidade do corpo. E a
necessidade muda a todo momento.
Deixe o corpo! Você apenas exala, você apenas joga o ar para fora e, então, o corpo tomará a
respiração para dentro – e ele a tomará profunda e lentamente e a respiração descerá para a
barriga. Ela atingirá exatamente o ponto do umbigo e sua barriga irá para cima e para baixo.
Se você inala, então, você nunca exala totalmente. O ar está dentro e você continua inalando;
assim, o ar que já está dentro não permitirá que sua respiração desça para bem lá no fundo.
Então, apenas a respiração superficial acontece. Você continua inspirando e o ar envenenado está
ali, enchendo-o completamente.
Dizem que você tem seis mil bolsas nos pulmões e somente duas mil são tocadas pela sua
respiração. As quatro mil sempre estão preenchidas com gases venenosos que precisam ser
exalados e que dois terços de seu peito cria muita ansiedade, muita angústia e miséria na mente,
no corpo. Uma criança exala, ela nunca inala. A inalação é feita pelo próprio corpo.
Quando a criança nasce, a primeira coisa que ela irá fazer é chorar. Com esse choro sua
garganta é aberta, com esse choro vem o primeiro AHHH... O oxigênio e o ar que tinham sido
dados pela mãe é exalado. Esse é o primeiro esforço com a respiração. É por isso que se uma
criança não chorar, então, o médico ficará incomodado, porque ela não mostrou o sinal de vida.
Ela ainda se sente dependente da mãe. Ela tem de chorar! Esse choro mostra que, agora então,
ela está se tornando um indivíduo; a mãe não é necessária, ela tomará o seu próprio ar. E a
primeira coisa é que ela irá chorar a fim de exalar aquilo que foi dado pela mãe e, então, seu
corpo começará a funcionar, a inalar.
Uma criança sempre está exalando e quando uma criança começa a inalar, quando a ênfase se
move para a inalação, fique alerta. Ela já ficou velha; ela aprendeu coisas de você. Ela se tornou
tensa. Sempre que você está tenso, você não pode respirar profundamente. Por quê? Seu
estômago fica rígido. Sempre que você está tenso, seu estômago se torna rígido, ele não permite
que a respiração desça. Então, você tem de respirar superficialmente.
Tente com AH. Ele traz uma bela sensação consigo. Sempre que você se sentir cansado,
AHHH... jogue fora o ar. E faça disso um ponto: enfatizar a exalação. Você será um homem
diferente e uma mente diferente se desenvolverá. Com a ênfase na inspiração, você desenvolveu
uma mente miserável e um corpo miserável. Com a exalação, essa miséria desaparecerá e, com
ela, muitos problemas. A possessividade desaparecerá.
Assim, o tantra não dirá para abandonar a possessividade. O tantra diz: mude seu sistema de
respiração, você não poderá possuir então. Observe a sua própria respiração e seus humores e
você se tornará consciente. Tudo o que está errado sempre está associado com a ênfase que é
dada à inspiração; e tudo o que é bom, virtuoso, belo, verdadeiro, sempre está associado com a
exalação. Sempre que você está falando uma mentira, você irá reter sua respiração lá dentro.
Sempre que você fala a verdade, você nunca retém a sua respiração. Você teme mentir; assim,
você retém a respiração. Você está temendo que alguma coisa possa sair com a respiração que
está se movendo para fora, que sua verdade escondida possa ser revelada.
Continue tentando esse AH cada vez mais e mais. Você será mais saudável no corpo, mais
saudável na mente e uma qualidade diferente de calma – de tranquilidade, de estar à vontade –
será desenvolvida.

46 Fechando os ouvidos e contraindo o reto

O décimo método do som:

Fechando os ouvidos por pressão e o reto por contração, entre no som.

Nós não estamos conscientes do corpo ou de como o corpo funciona e qual é o seu Tao, qual
é o seu modo. Mas se você observar, então, você poderá muito facilmente se tornar consciente.
Se você fecha seus ouvidos e prende seu reto, contrai seu reto, tudo irá parar para você. Será
como se o mundo todo tivesse se tornado sem movimento – como se tudo tivesse se tornado
estático, parado. Não somente os movimentos, você sentirá como se o tempo tivesse parado.
O que acontece quando você prende o reto, o contrai? Quando ambos os ouvidos são
fechados simultaneamente, com os ouvidos fechados você ouvirá um som interior. Mas se o reto
não estiver fechado, esse som será liberado pelo reto. Esse som é muito sutil. Se o reto estiver
preso, contraído e os ouvidos estiverem fechados, você verá dentro de si um pilar de som – e esse
som é de silêncio. Ele é um som negativo. Quando todos os sons tiverem cessado, então, você
sente o som do silêncio ou o som do sem-som. Mas ele será liberado pelo reto.
Assim, feche seus ouvidos e prenda o reto. Então, você está fechado de ambos os lados e seu
corpo se torna fechado e apenas preenchido com som. Essa sensação de ser preenchido com o
som dá uma profunda satisfação. Assim, nós teremos que compreender muitas coisas em torno
disso, somente então, se tornará possível a você ter a sensação do que acontece.
Nós não estamos conscientes do corpo – esse é um dos problemas mais básicos de um
buscador. E a sociedade é contra se tornar consciente do corpo, porque a sociedade tem medo do
corpo. Assim, nós treinamos todas as crianças para não estarem conscientes do corpo, nós
tornamos todas as crianças insensíveis. Criamos uma distância entre a mente e o corpo da
criança; assim, ela não está muito consciente do corpo, porque a consciência do corpo criará
problemas para a sociedade.
Muitas coisas estão implicadas. Se a criança estiver consciente do corpo, ela se tornará
consciente do sexo mais cedo ou mais tarde. E se ela estiver muito consciente do corpo, ela se
sentirá muito sexual, sensual. Assim, nós temos que matar a própria raiz. Ela deve se tornar
apática com relação ao seu corpo, insensível; assim, ela nunca o sente. Você não sente seu corpo.
Você o sente somente quando alguma coisa errada acontece, quando alguma coisa não vai bem.
Você tem uma dor de cabeça, então, você sente sua cabeça. Algum espinho o espeta, então,
você sente o seu pé. Quando seu corpo dói, você sente que tem um corpo. Você o sente somente
quando alguma coisa não vai bem e, então, mesmo assim, não muito imediatamente. Você nunca
fica consciente de suas doenças imediatamente. Você fica consciente somente quando se passou
um tempo e quando a doença continua batendo em sua consciência dizendo “eu estou aqui”.
Somente então você fica consciente. Assim, ninguém realmente vai ao médico a tempo. Todo
mundo chega lá tarde, quando a doença entrou profundamente e já fez muito mal.
Se uma criança foi educada com sensibilidade, ela se tornará consciente da doença mesmo
antes da doença acontecer. E, agora, especialmente na Rússia, eles estão trabalhando na teoria de
que a doença pode ser conhecida até seis meses antes de seu acontecimento, se alguém for muito
profundamente sensível com seu corpo, porque mudanças sutis começam muito tempo antes.
Elas preparam o corpo para a doença. O impacto é sentido até seis meses antes.
Mas não importa a doença, nós nunca nos tornamos conscientes nem mesmo da morte. Se
você for morrer amanhã, você não está consciente nem mesmo hoje. Uma coisa como a morte
que pode acontecer no próximo momento, e você não está consciente neste momento. Você está
totalmente morto para o seu corpo, insensível. Toda essa sociedade, toda a cultura até agora, cria
essa apatia, essa mortificação, porque ela tem sido contra o corpo. Você não tem permissão para
senti-lo. Somente em acidentes você pode ser perdoado, desculpado por estar consciente dele; do
contrário, não esteja consciente do corpo.
Isso cria muitos problemas, principalmente para o tantra, porque o tantra acredita na profunda
sensibilidade e conhecimento do corpo. Você continua se movendo e seu corpo continua fazendo
muitas coisas e você está inconsciente. Agora, muito trabalho está sendo feito sobre a linguagem
do corpo. O corpo tem sua própria linguagem e os psiquiatras e psicólogos e psicanalistas em
particular estão sendo treinados para a linguagem do corpo, porque eles dizem que você não
pode acreditar no homem moderno. Tudo o que ele diz não merece crédito. Em vez disso, deve-
se observar o corpo, que dará uma pista mais verdadeira.
Um homem entra no consultório de um psiquiatra. A velha psiquiatria, a psicanálise
freudiana, falará e falará com o homem para trazer para fora tudo o que está escondido em sua
mente. A moderna psiquiatria observará seu corpo, porque isso dá pistas. Se um homem é um
egoísta, se o ego é seu problema, ele se coloca de uma maneira diferente do que um homem
humilde. Seu pescoço tem um ângulo diferente do que o do homem humilde, sua espinha não é
flexível, mas morta, fixa. Ele parece de madeira, não vivo. Se você toca o seu corpo, aquele
corpo dá uma sensação de madeira, não do calor de um corpo vivo. Ele é como um soldado se
movendo na frente de batalha.
Olhe para um soldado movendo-se na frente de batalha. Ele tem a forma de madeira, dá uma
sensação de madeira e isso é necessário para um soldado, porque ele está indo para matar ou
morrer. Ele não deve estar muito consciente do corpo; assim, todo o seu treino é para criar um
corpo de madeira. Os soldados marchando parecem brinquedos, brinquedos mortos marchando.
Se você é humilde, você tem um corpo diferente: você se senta de maneira diferente, você
fica em pé de maneira diferente. Se você se sente inferior, você fica em pé diferentemente; se
você se sente superior, você fica em pé diferentemente. Se você sempre está com medo, você
fica de uma tal maneira como se você estivesse se protegendo de alguma força desconhecida.
Isso está sempre presente. Se você não está com medo, você é exatamente como uma criança
brincando com sua mãe: não há nenhum medo. Onde quer que você vá, você está sem medo, em
casa, com o universo à sua volta. O homem que está com medo está armado. E quando eu digo
armado, não é apenas simbolicamente; fisiologicamente ele está armado.
Wilhelm Reich esteve trabalhando muito na estrutura corporal e ele chegou a ver algumas
associações profundas entre a mente e o corpo. Se um homem está com medo, seu estômago não
está flexível. Você toca o seu estômago e ele é como uma pedra. Se ele fica sem medo, seu
estômago relaxa imediatamente. Ou se você relaxa o estômago, então, o medo desaparece.
Massageie o estômago para relaxar, e você se sentirá mais destemido, menos temeroso.
Uma pessoa que está amando tem uma qualidade diferente de corpo e calor – ela é
corporalmente quente. Uma pessoa que não está amando é fria, fisiologicamente ela está fria. O
frio e outras coisas se moveram para o seu corpo e se tornaram barreiras, eles não permitem que
você conheça seu corpo. Mas o corpo continua trabalhando de sua própria maneira e você
continua trabalhando de sua própria maneira – uma fenda é criada. Essa fenda tem de ser
quebrada.
Eu tenho visto que se alguém está reprimido, se ele reprimiu a sua raiva, então, seus dedos,
suas mãos, têm a sensação de uma raiva reprimida. E uma pessoa que sabe como senti-lo pode
sentir, apenas tocando sua mão, que você reprimiu a raiva. E por que na mão? Porque a raiva tem
de ser liberada pelas mãos. Se você reprimiu a raiva, então, ela está reprimida em seus dentes,
em suas gengivas – e isso pode ser sentido pelo toque. Isso dá uma vibração de que “eu estou
reprimida aqui”.
Se você reprimiu o sexo, então, em suas zonas eróticas, ele estará presente. Se uma pessoa
reprimiu o sexo, então, se você toca sua zona erótica, você pode senti-lo. Em qualquer zona
erótica tocada, o sexo está ali, se ele foi reprimido. A zona se tornará temerosa e irá se retrair de
seu toque, ela não estará aberta. Porque a pessoa lá dentro está se retraindo, a parte do corpo irá
se retrair. Ela não permitirá que você provoque uma abertura.
Agora eles dizem que cinquenta por cento das mulheres são frígidas e a razão é que nós
ensinamos as garotas a serem mais reprimidas do que os garotos. Assim, elas reprimiram e
quando uma garota reprime suas sensações sexuais até a idade de vinte anos, isso se torna um
hábito longo – vinte anos de repressão. Então, quando ela amar, ela falará de amor, mas seu
corpo não estará aberto; o corpo estará fechado. E, então, um fenômeno oposto, um fenômeno
diametralmente oposto acontece: duas correntes opostas uma a outra. Ela quer amar, mas seu
corpo é repressivo, o corpo se retira; ele não está pronto para chegar mais perto.
Se você vir uma mulher sentada com um homem, se a mulher ama o homem, ela estará
inclinada em direção a ele, o corpo estará inclinado. Se eles estão sentados em um sofá, ambos os
corpo estarão inclinados em direção um ao outro. Eles não estão conscientes, mas você pode vê-
lo. Se a mulher está com medo do homem, seu corpo estará inclinando para a direção oposta. Se
uma mulher ama um homem, ela nunca cruzará suas pernas quando sentada perto dele. Se ela
está com medo do homem, ela cruzará as pernas. Ela não está consciente, isso não é feito
conscientemente. Essa é a armadura do corpo. O corpo protege-se e funciona de maneiras
próprias.
O tantra tornou-se consciente desse fenômeno; a primeira percepção, de uma sensibilidade, de
um sentimento corporal tão profundo, veio com o tantra. E o tantra diz que se você puder usar
seu corpo conscientemente, o corpo se torna o veículo de locomoção para o espírito. O tantra diz
que é tolice, idiotice absoluta, estar contra o corpo. Use-o! Ele é um veículo. E use sua energia de
uma tal maneira que você possa ir além dele.
Agora, Fechando os ouvido por pressão e o reto por contração, entre no som.
Muitas vezes você tem contraído o reto e muitas vezes o reto é solto mesmo sem sua
consciência. Se você de repente fica com medo, o reto fica solto. Você pode defecar em estado
de medo, você pode urinar em estado de medo. Então, você não pode controlá-lo. Se um medo
repentino agarra-o, sua bexiga irá relaxar, seu reto irá relaxar. O que acontece? No medo, o que
acontece? O medo é uma coisa mental; assim, por que você urina em estado de medo? Por que o
controle é perdido? Deve existir alguma raiz profunda de conexão.
O medo acontece na cabeça, na mente. Quando você não está com medo, isso nunca acontece.
A criança realmente não tem controle mental sobre seu corpo. Nenhum animal controla sua
urina, a bexiga ou qualquer coisa. Sempre que a bexiga está cheia, ela é liberada. Nenhum animal
a controla, mas o homem tem de controlá-la por necessidade. Assim, nós forçamos uma criança a
controlar quando ela deve ir ao banheiro e quando não. Nós lhe dizemos que ela tem de
controlar, nós damos horas. Assim, a mente assume o controle de uma função que é não-
voluntária. É por isso que é tão difícil treinar a criança para o toalete. E agora os psicólogos
dizem que se nós pararmos o treinamento do toalete, a humanidade será muito mais
desenvolvida.
O treino do toalete é a primeira repressão da criança e de sua espontaneidade natural, mas
parece difícil escutar esses psicólogos. Nós não podemos escutá-los, porque, então, as crianças
criarão muitos problemas. Nós temos de treiná-las por necessidade. Somente uma sociedade
muito, muito rica, afluente, será capaz de não se preocupar. As sociedades pobres têm de treinar,
nós não podemos permitir isso. Se a criança urina em qualquer lugar, se ela urina no sofá, nós
não podemos permitir; assim, nós temos de treiná-la, Esse treino é mental. O corpo realmente
não tem nenhum programa construído para isso.
O homem é um animal no que se refere ao corpo e o corpo não conhece cultura, nem
sociedade. Eis por que quando você está com um profundo medo, o mecanismo de controle que
você impôs sobre o corpo é relaxado. Você não está no controle; você é jogado para fora do
controle. Você pode controlar somente em condições normais. Nas emergências, você não pode
controlar, porque, para a emergência, você nunca foi treinado. Você somente foi treinado para o
normal, o dia a dia, a rotina do mundo. Na emergência, o controle é perdido, seu corpo começa a
funcionar de sua própria maneira animal. Mas uma relação tem de ser entendida: com um
homem destemido isso nunca acontecerá. Assim, isso se tornou um sinal de um covarde.
Se no medo você urina ou defeca, isso mostra que você é covarde. Um homem destemido
nunca se comportará dessa maneira, porque um homem destemido respira profundamente. Seu
corpo e seu sistema respiratório estão relacionados, não há nenhuma lacuna. Com um homem
que é covarde, há uma lacuna e, por causa dessa lacuna, ele está sempre sobrecarregado com
urina e matérias fecais. Assim, sempre que uma emergência surge, essa sobrecarga tem de ser
jogada fora, ele tem de ser descarregado. E isso tem uma razão na natureza. Um covarde que é
descarregado pode escapar mais facilmente com seu estômago relaxado, pode correr mais
facilmente. Um estômago carregado se tornará um obstáculo; assim, é útil para um covarde ficar
relaxado.
Por que eu estou falando sobre isso? Eu apenas estou dizendo que você tem de estar ciente de
seu processo mental e de seu processo estomacal; eles estão profundamente relacionados. Os
psicólogos dizem que de cinquenta a noventa por cento de seus sonhos são por causa de seu
processo estomacal. Se você teve uma refeição muito pesada, você está fadado a ter pesadelos.
Eles não estão relacionados com a mente: é o seu estômago pesado que os cria.
Muitos sonhos podem ser criados por truques externos. Se você está dormindo, suas mãos
podem ser cruzadas em seu peito e, imediatamente, você começará a ter um pesadelo. Um
travesseiro pode ser colocado em seu peito e você sonhará que algum demônio está sentado em
seu peito pronto para matá-lo. E esse tem sido um dos problemas. Por que há uma tamanha carga
a partir do pequeno peso de um travesseiro? Se você estiver consciente, não haverá nenhum
peso; você não sentirá nada pesado. Mas por que esse pequeno travesseiro colocado em você à
noite, quando você está dormindo, é sentido como tão pesadamente que é como se você tivesse
sido sobrecarregado com uma grande pedra ou uma rocha? Por que tanto peso é sentido?
A razão é esta: quando você está consciente, quando você está acordado, sua mente e seu
corpo não estão correlacionados; a lacuna está presente. Você não pode sentir o corpo e sua
sensibilidade. Enquanto você está dormindo, o controle, a cultura, o condicionamento se
dissolvem; você novamente se torna uma criança e seu corpo se torna sensível. Devido a essa
sensibilidade, um pequeno travesseiro é sentido como uma rocha. Ele fica ampliado devido a
sensibilidade – a sensibilidade amplia-o. Assim, o processo corpo-mente está profundamente
relacionado e, se você sabe o que acontece, você pode usá-lo.
O reto fechado, retesado para cima, contraído, cria uma situação no corpo na qual o som pode
ser sentido se estiver presente. Você sentirá um pilar de som, no silêncio dentro do espaço
fechado em seu corpo. Feche os ouvidos e retese para cima o reto e, então, simplesmente
permaneça com o que está acontecendo dentro de você. Simplesmente permaneça nesse estado
vago que é criado por essas duas coisas. Sua energia de vida está se movendo internamente e ela
não tem nenhuma maneira de sair. Os sons saem ou pelos seus ouvidos ou por seu reto. Essas são
as duas portas por onde o som pode sair. Se ele não está se movendo para fora, você pode senti-
lo mais facilmente.
E o que acontecerá quando você sentir esse som interior? Com o próprio fenômeno de escutar
o som interior, seus pensamentos se dissolvem. Simplesmente tente isso a qualquer momento
durante o dia, simplesmente retese para cima seu reto e coloque seus dedos nos ouvidos.
Pressione os ouvidos e retese o reto para cima. Você sentirá que sua mente parou. Ela não estará
funcionando; os pensamentos terão parado. Esse constante fluxo de pensamentos não está
presente. Isso é bom! E se a pessoa continua fazendo isso sempre quando tem tempo, durante o
dia se você puder fazer isso por cinco ou seis vezes, dentro de três ou quatro meses você se
tornará um perito nisso. E, então, um tal bem-estar flui a partir disso...!
E o som interno, uma vez ouvido, permanece com você. Então, você pode ouvi-lo o dia todo.
O comércio está barulhento, a estrada está barulhenta, o tráfego está barulhento, mas se até
mesmo nesse barulho você ouvir o som interior, você sentirá a pequena voz silenciosa que
continua lá dentro. E, então, nada o perturbará. Se você pode sentir seu som interior, então, nada
de fora pode perturbá-lo. Você permanece em silêncio; o que quer que aconteça à sua volta não
faz nenhuma diferença.

47 Use o seu nome como um mantra

A última técnica do som:

Entre no som de seu nome e, através deste som, todos os sons.


Seu próprio nome pode ser usado como um mantra muito facilmente e ele é muito útil, porque
seu nome foi muito fundo dentro de seu inconsciente. Nenhuma outra coisa foi tão fundo. Se nós
todos estamos sentados aqui e caímos no sono e alguém vem e chama “Rama”, ninguém
escutará, exceto a pessoa cujo nome é Rama. Ela o escutará; ela será perturbada em seu sono.
Ninguém mais escutará o som ‘Rama’, mas por que esse homem escuta? O nome foi bem fundo;
não é algo consciente agora, tornou-se inconsciente.
Seu nome foi muito fundo dentro de você, mas existe um fenômeno muito belo sobre o seu
nome: você nunca o chama, os outros o chamam. Os outros o usam; você nunca o usa.
Eu ouvi falar que na Primeira Guerra Mundial o racionamento foi criado pela primeira vez
nos Estados Unidos. Thomas Edison era um grande cientista, mas ele era muito pobre; assim, ele
tinha de ficar na fila para o seu cartão de suprimento. E ele era um homem tão famoso, que
ninguém jamais usou seu nome na sua frente. Não havia necessidade de usar seu nome para si
mesmo; e ninguém mais usava seu nome, porque ele era muito respeitado. Todo mundo
chamava-o de “Professor”; assim, ele tinha esquecido qual era o seu nome.
Ele estava na fila e quando seu nome foi chamado, quando perguntaram quem era Thomas
Alva Edison, ele simplesmente continuou olhando para o vazio. Novamente o nome foi
chamado; então, alguém que estava ao lado de Edison lhe disse: “Por que você não se levanta?
Seu nome está sendo chamado. É seu nome Professor”.
Então, ele ficou consciente e disse: “Mas como eu posso reconhecê-lo? Ninguém me chama
de Edison. Isso foi há tanto tempo...! Eles só me chamam de Professor”.
Você nunca usa seu próprio nome. Somente os outros o usam – você o ouviu pelos outros.
Mas ele foi fundo, muito fundo. Ele penetrou como uma flecha dentro de seu inconsciente. Se
você mesmo o usa, então ele se torna um mantra. E por duas razões isso ajuda: uma, quando
você usa o seu próprio nome, se seu nome é “Rama” e você usa “Rama, Rama, Rama...” de
repente você sente como se estivesse usando o nome de outra pessoa – como se o nome não fosse
seu. Ou se você sente que ele é seu, você sente que há uma entidade separada dentro de você que
o está usando. Ele pode pertencer ao corpo, ele pode pertencer à mente, mas a pessoa que está
chamando “Rama, Rama...” se torna uma testemunha.
Você sempre chamou os nomes dos outros. Quando você chama o seu próprio nome, parece
como se ele pertencesse a outra pessoa, não a você, e isso é um fenômeno muito revelador. Você
pode se tornar uma testemunha para o seu próprio nome e com o nome toda a sua vida está
envolvida. Separado do nome, você está separado de toda a sua vida. E esse nome penetrou
fundo dentro de você, porque todo mundo o chamou assim desde o seu nascimento, você sempre
ouviu isso. Assim, use esse som e com esse som você pode ir para as verdadeiras profundezas
que o nome atingiu.
Nos velhos tempos, nós dávamos a todo mundo um nome de Deus –qualquer um. Um era
Rama, um era Narayana, outro era Krishna, um outro era Vishnu, ou algo semelhante. Eles
dizem que todos os nomes muçulmanos são os nomes de Deus. E por todo o mundo essa era a
prática, dar um nome que é na verdade um nome de Deus.
Era assim por boas razões. Uma das razões era essa técnica – porque se seu nome puder ser
usado como um mantra, ele lhe servirá para um duplo propósito. Ele será seu nome – e você o
ouviu tanto, tantas vezes e durante toda a sua vida ele penetrou profundamente. Então, ele
também é o nome de Deus. Assim, continue repetindo-o internamente e, de repente, você se
tornará consciente de que “esse nome é diferente de mim”. Então, pouco a pouco, esse nome terá
uma santidade própria. Você se lembrará qualquer dia de que “Narayana” ou “Rama” é o nome
de Deus. Seu nome se tornou um mantra.
Use-o! Isso é muito bom! Você pode tentar muitas coisas com seu nome. Se você quer estar
acordado às cinco horas da manhã, nenhum alarme é tão exato como seu próprio nome. Apenas
repita três vezes internamente: “Rama, você tem que estar acordado às cinco horas em ponto”.
Repita isso três vezes e, então, simplesmente caia no sono. Você estará acordado às cinco horas,
porque “Rama”, seu nome, está muito profundamente em seu inconsciente.
Chame seu nome e diga a si mesmo: “Às cinco horas da manhã, deixe-me estar acordado”.
Alguém o acordará. E se você continuar com essa prática, um dia você de repente perceberá que
às cinco horas alguém o chama e diz: “Rama, acorde”. Isso é seu inconsciente chamando-o.
Essa técnica diz: Entre no som de seu nome e, através deste som, todos os sons. Seu nome se
torna simplesmente uma porta para todos os nomes. Mas entre no som. Primeiro, quando você
repete “Rama, Rama, Rama...” – isso é apenas uma palavra. Mas significa alguma coisa quando
você continua repetindo “Rama, Rama, Rama..”.
Você deve ter ouvido a história de Valmiki. Ele recebeu esse mantra “Rama”, mas ele era um
homem ignorante – sem instrução, simples, inocente como uma criança. Ele começou a repetir
“Rama, Rama, Rama ...” mas ele estava repetindo tanto que esqueceu completamente e inverteu
toda a coisa. Ao invés, ele estava cantando “Mara, Mara...”. Ele estava cantando “Rama, Rama,
Rama” tão rápido, que isso virou “Mara, Mara, Mara...” E ele atingiu a meta através do “Mara,
Mara, Mara..”.
Se você continuar repetindo o nome de forma rápida, internamente, logo logo ele não será
uma palavra: ele se tornará um som, simplesmente sem sentido. E, então, não há nenhuma
diferença entre Rama e Mara – nenhuma diferença! Quer você chame Rama ou Mara, não faz
nenhum sentido, eles não são palavras. É apenas o som, apenas o som que importa. Entre no som
de seu nome. Esqueça o significado dele, apenas entre no som. O sentido é com a mente, o som é
com o corpo. O sentido está na cabeça, o som se espalha por todo o corpo. Assim, esqueça o
sentido. Apenas repita-o como um som sem significado e, através desse som, você entrará em
todos os sons. Esse som se tornará a porta para todos os sons. E “todos os sons” significa tudo o
que existe.
Esse é um dos princípios mais básicos da busca interior da Índia, que a unidade básica da
existência é o som e não a eletricidade. A ciência moderna diz que a unidade básica da existência
é a eletricidade, não o som, mas eles também dizem que o som é uma forma de eletricidade. Os
indianos, entretanto, sempre estiveram dizendo que a eletricidade não é nada além de uma forma
de som.
Você pode ter ouvido dizer que através de um raga específico, um som específico, o fogo
pode ser criado. Ele pode ser criado, porque – essa é a idéia indiana – esse som é a base de toda a
eletricidade. Assim, se você atinge um som em uma frequência específica, a eletricidade será
criada.
Em pontes muito longas, se um grupo militar estiver passando, eles não têm permissão de
marchar, porque, muitas vezes aconteceu de, por causa da marcha, a ponte cair. Isso é devido ao
som, não devido ao peso deles. Se eles atravessam marchando, então, o som específico de seus
pés quebra a ponte.
Em uma antiga história hebraica, a cidade de Jericó estava muito protegida por grandes
muralhas e era impossível quebrar aquelas muralhas com armas. Mas, através de um som
específico, as muralhas foram quebradas e aquele som era o segredo da quebra daquelas
muralhas. Se aquele som for criado diante de paredes, as paredes cairão.
Você ouviu a história de Ali Babá: um som específico e a rocha se move. São alegorias. Se
elas são corretas ou não, uma coisa é certa: se você puder criar um som específico tão
continuamente a ponto do significado sumir, da mente sumir, a rocha no seu coração será
removida.

[1]
Brahmins – brâmanes.
Capítulo 32

“NÃO-LUTA” É O ENSINAMENTO CENTRAL



PERGUNTAS

Essas técnicas pertencem ao ioga ou realmente à questão central do tantra?


Como fazer sexo meditativo?E deveria ser praticada alguma posição sexual especial?
É ‘anahat nad’ um som ou um som sem som?

A primeira pergunta:

Amado Osho, por favor, explique se as técnicas que Você discutiu até agora, do Vigyan
Bhairav Tantra, pertencem à ciência do ioga ou à matéria central e real do tantra. Qual é a
matéria central do tantra?

Essa pergunta surge para muitos. As técnicas que nós discutimos também pertencem ao ioga.
Elas são as mesmas técnicas, mas com uma diferença; você pode usar as mesmas técnicas com
uma filosofia diferente por trás delas. A estrutura, o padrão, diferem, não a técnica. Você pode
ter uma atitude diferente com respeito à vida, exatamente contrária a do tantra.
O ioga acredita na luta; o ioga é basicamente o caminho da vontade. O tantra não acredita em
uma luta; o tantra não é o caminho da vontade. Ao invés disso, o tantra é o caminho da entrega
total. Sua vontade não é necessária. Para o tantra sua vontade é o problema, a fonte de toda a
angústia. Para o ioga, sua entrega, sua falta de vontade é o problema.
Sua vontade é fraca, é por isso que você está angustiado, sofrendo – para o ioga. Para o tantra,
como você tem uma vontade, como você tem um ego, uma individualidade, eis por que você está
padecendo. O ioga diz: traga a sua vontade à perfeição absoluta e você será liberado. O tantra
diz: dissolva sua vontade completamente, torne-se totalmente vazio dela, e isso será a sua
liberação. E ambos estão certos; isso cria o problema. Para mim, ambos estão certos.
Mas o caminho do ioga é um caminho muito difícil. É quase impossível que você atinja a
perfeição do ego. Isso significa que você se torna o centro de todo o universo. O caminho é
muito longo, árduo e realmente, ele nunca chega ao fim. Assim, o que acontece aos seguidores
do ioga? Em algum lugar do caminho, em alguma vida, eles se voltam para o tantra.
Intelectualmente, o ioga é concebível; existencialmente, ele é impossível. É possível que você
alcance através do ioga também, mas isso quase nunca acontece. Acontece muito raramente, tal
como para um Mahavira. Algumas vezes, séculos e séculos se passam e, então, aparece um
homem como Mahavira, que alcançou através do ioga. Mas ele é raro, uma exceção; e ele quebra
a regra.
Mas o ioga é mais atraente do que o tantra. O tantra é fácil, natural, e você pode alcançar
através do tantra muito facilmente, muito naturalmente, sem esforço. E devido a isso, o tantra
nunca o atrai muito. Por quê? Alguma coisa que o atraia, atrai o seu ego. Tudo o que você sente
que irá satisfazer seu ego o atrairá mais. Você está preso ao ego; assim, o ioga o atrai muito mais.
Realmente, quanto mais egoísta você for, mais o ioga o atrairá, porque ele é puro esforço do
ego. Quanto mais impossível, mais fica atraente para o ego. É por isso que o Monte Evereste
exerce tanta atração. Há tanta atração para se chegar ao topo de um pico do Himalaia porque isso
é difícil. E quando Hillary e Tensing chegaram ao Monte Evereste, eles sentiram um momento
de muito êxtase. O que era isso? Era porque o ego havia sido preenchido – eles foram os
primeiros.
Quando o primeiro homem pousou na Lua, você pode imaginar como ele se sentiu? Ele era o
primeiro em toda a história. E, agora, ele não pode ser substituído; ele permanecerá o primeiro
em toda a história que virá. Agora, não há maneira de mudar seu status. O ego está
profundamente preenchido. Não há nenhum competidor agora, e não pode haver. Muitos
pousarão na Lua, mas eles não serão o primeiro. Muitos podem pousar na Lua e muitos podem ir
ao Evereste – mas o ioga lhe dá um pico mais alto. E quanto mais inatingível o fim, mais há a
perfeição do ego – ego puro, perfeito, absoluto.
O ioga teria exercido muita atração sobre Nietzsche, porque ele sentia que a energia que
estava funcionando por trás da vida era a energia da vontade – a vontade de poder. O ioga lhe dá
essa sensação. Você fica mais poderoso através dele.
Quanto mais você pode controlar a si mesmo, mais você pode controlar seus instintos, mais
você pode controlar seu corpo e mais você pode controlar a sua mente; então, mais você se sente
poderoso. Você se torna um mestre interior. Mas isso é através do conflito; isso é através de luta
e violência. E sempre acontece mais ou menos que uma pessoa que esteve praticando o ioga por
muitas vidas, chega a um ponto onde toda a jornada se torna sem brilho, monótona, fútil, porque,
quanto mais o ego ficar preenchido, mais você sentirá que ele é inútil. Então, o seguidor do
caminho do ioga se volta para o tantra.
Mas o ioga atrai, porque todo mundo é egoísta. O tantra nunca atrai no começo. O tantra pode
atrair somente aqueles que trabalharam em si mesmos, que realmente estiveram lutando através
do ioga por muitas vidas. Então, o tantra os atrai, porque eles podem compreender. Comumente,
você não será atraído pelo tantra e, se você for atraído, você será atraído por razões erradas;
assim, tente entendê-las também.
Você não será atraído pelo tantra, em primeiro lugar, porque ele pede que você se entregue,
não lute. Ele lhe pede para flutuar, não para nadar. Ele lhe pede para se mover com a correnteza,
não correnteza acima. Ele lhe diz que a natureza é boa; confie na natureza, não lute com ela. Até
mesmo o sexo é bom. Confie nele, permita-o, flua com ele; não lute com ele. “Não-luta” é o
ensinamento central do tantra. Flua. Entregue-se! Isso não pode atrair, não há nenhum
preenchimento de seu ego através disso. No primeiro passo, ele pede para o seu ego ser
dissolvido, bem no começo, ele lhe pede para dissolvê-lo.
O ioga também lhe pede, mas no final. Primeiro ele lhe pedirá para purificá-lo. E se ele é
purificado completamente, ele se dissolve, ele não pode permanecer. Mas isso é o final no ioga; e
no tantra isso é a primeira coisa.
Assim, o tantra não atrairá comumente. E se atrair, ele vai atrair por razões erradas. Por
exemplo: se você quer ser tolerante no sexo, então, você pode racionalizar sua tolerância através
do tantra. Isso pode se tornar o atrativo. Se você quer ser indulgente no vinho, com mulheres, em
outras coisas, você pode se sentir atraído para o tantra. Mas realmente, você não é atraído pelo
tantra. O tantra é uma fachada – um truque. Você é atraído por alguma outra coisa que você
pensa que o tantra lhe permite. Assim, o tantra sempre atrai por razões erradas.
O tantra não está aí para ajudar sua tolerância, ele está aí para transformá-la. Assim, não se
engane. Através do tantra, você pode enganar-se muito facilmente e, devido a essa possibilidade
de engano, Mahavira não descreveria o tantra. Essa possibilidade sempre está presente. E o
homem é tão enganador, que ele pode mostrar uma coisa quando realmente quer outra, ele pode
racionalizar.
Por exemplo, na China, na velha China, havia algo parecido com o tantra – uma ciência
secreta. Ela era conhecida como “tao”. O tao tem tendências similares ao tantra. Por exemplo: o
tao diz que isso é bom, que se você quer se livrar do sexo, você não deveria se fixar a uma
pessoa – a uma mulher ou a um homem. Você não deveria se fixar a uma pessoa se você quer ser
livre. O tao diz que é melhor continuar mudando de parceiros.
Isso é absolutamente certo, mas você pode racionalizá-lo; você pode enganar-se. Você pode
ser simplesmente um maníaco sexual e pensar: “Eu estou fazendo uma prática tântrica; assim, eu
não posso me fixar a uma mulher. Eu tenho que mudar de parceiras”. E muitos imperadores na
China praticaram isso. Eles tinham grandes haréns somente para isso.
Mas o tao é significativo se você olhar profundamente dentro da psicologia humana. Se você
conhecer somente uma mulher, mais cedo ou mais tarde, sua atração por essa mulher murchará,
mas a sua atração por mulheres continuará. Você será atraído pelo outro sexo. Essa mulher, sua
esposa, realmente não será do sexo oposto. Ela não lhe atrairá, ela não será um ímã para você.
Você se tornará acostumado a ela.
O tao diz que se um homem se move entre as mulheres, muitas mulheres, ele não irá somente
além de uma, ele irá além do sexo oposto. O próprio conhecimento de muitas mulheres o ajudará
a transcender. E isso é certo – mas perigoso, porque você gostaria disso não porque é certo, mas
porque lhe dá licença. Esse é o problema com o tantra.
Assim, na China, esse conhecimento também foi reprimido; ele teve de ser reprimido. Na
Índia, o tantra também foi reprimido, porque ele dizia muitas coisas perigosas – perigosas
somente porque você está se enganando. Do contrário, elas são maravilhosas. Nada aconteceu à
mente humana que seja mais maravilhoso e misterioso do que o tantra; nenhum conhecimento é
tão profundo.
Mas o conhecimento sempre tem seus perigos. Por exemplo: agora, a ciência se tornou um
perigo, porque ela veio a conhecer muitos segredos profundos. Agora, ela sabe como criar
energia atômica. Consta que Einstein disse que se lhe fosse dado novamente uma vida, ao invés
de ser um cientista ele gostaria de ser um encanador, porque quando ele olha para trás, toda a sua
vida foi fútil – não somente fútil, mas perigosa para a humanidade. E ele deu um dos mais
profundos segredos, mas para uma humanidade que é auto-enganadora.
Eu fico imaginando... Em breve pode chegar o dia em que teremos de reprimir o
conhecimento científico. Há rumores de que há discussões secretas entre os cientistas sobre o
fato de se descobrir mais ou não – se eles deveriam parar a pesquisa ou se deveriam ir mais
adiante, porque, agora, esse é um solo perigoso.
Todo conhecimento é perigoso; somente a ignorância não é perigosa, você não pode fazer
muito com ela. Superstições sempre são boas – nunca perigosas. Elas são homeopáticas. Se o
medicamento lhe é dado, ele não o prejudicará. Se ele vai ajudá-lo ou não, depende de sua
própria inocência, mas uma coisa é certa: ele não o prejudicará. A homeopatia não é inofensiva;
ela é uma profunda superstição. Se ela funciona, isso só pode ajudar. Lembre-se: se alguma coisa
só pode ajudar, então, ela é profunda superstição. Se ela pode fazer ambos, ajudar e prejudicar,
somente então, é conhecimento. Uma coisa real pode fazer ambos, ajudar e prejudicar. Somente
uma coisa irreal pode simplesmente ajudar. Mas, então, a ajuda nunca vem da coisa, ela sempre é
uma projeção de sua própria mente. Assim, de certa forma, somente coisas ilusórias são boas;
elas nunca o prejudicam.
O tantra é ciência, e ele é mais profundo do que o conhecimento atômico, porque a ciência
atômica está relacionada com a matéria e o tantra está relacionado com você, e você sempre é
mais perigoso do que qualquer energia atômica. O tantra está relacionado com o átomo
biológico, com você, a célula viva, com a consciência de vida em si mesma e como o mecanismo
interno dela funciona.
É por isso que o tantra se tornou muito interessado no sexo. A pessoa que está interessada na
vida e na consciência, automaticamente se torna interessada no sexo, porque o sexo é a fonte de
vida, de amor, de tudo que está acontecendo no mundo da consciência. Assim, se um buscador
não está interessado em sexo, ele não é um buscador de modo algum. Ele pode ser um filósofo,
mas ele não é um buscador. E a filosofia é, mais ou menos, tolice – pensar sobre coisas que são
de nenhuma utilidade.
Eu ouvi contar que Mulla Nasruddin estava interessado em garotas, mas ele tinha muito azar
com garotas, nenhuma gostava dele. Ele estava indo encontrar-se com uma certa garota pela
primeira vez; assim, ele perguntou a um amigo:
– Qual é o seu segredo? Você é maravilhoso com mulheres, você simplesmente as hipnotiza e
eu sou sempre um fracasso; assim, me dê uma dica. Eu estou indo a um encontro com uma
garota, pela primeira vez; assim, me dê alguns segredos.
O amigo disse: – Lembre de três coisas: sempre fale de comida, família e filosofia.
– Por que sobre comida? – Mulla perguntou.
O amigo disse: – Eu falo sobre comida porque, então, a garota se sente bem – porque toda
mulher é interessada em comida. Ela é comida para o filho, para toda a humanidade, ela é
comida; assim, ela está basicamente interessada em comida.
Mulla disse: – Certo. E por que família? – Então, o homem disse:
– Fale sobre a família dela, de modo que suas intenções pareçam nobres. Então, Mulla
perguntou: – E por que sobre filosofia?
O homem disse: – Fale sobre filosofia, pois isso faz a mulher sentir que ela é inteligente.
Assim, Mulla correu para o seu encontro. Imediatamente quando viu a garota ele perguntou:
– Olá, você gosta de macarrão?
A garota ficou surpresa e respondeu: – Não!
Então, Mulla fez a segunda pergunta: – Você tem dois irmãos?
A garota ficou ainda mais surpresa e se perguntou: “Que tipo de encontro é esse?”! Ela disse:
– Não!
Então, por um momento, Mulla ficou embaraçado. Ele se perguntava: “Como começar a falar
sobre filosofia...”? Por um momento ele ficou embaraçado e, então, perguntou:
– Bem, se você tivesse um irmão, ele gostaria de macarrão?
A filosofia é mais ou menos tolice. O tantra não está interessado em filosofia, o tantra está
interessado na vida existencial real. Assim, o tantra nunca pergunta se existe Deus ou se existe
moksha, liberação; ou se existe inferno ou céu. O tantra faz perguntas básicas sobre a vida. É por
isso que há tanto interesse em sexo e amor. Eles são básicos. Você existe através deles; você é
parte deles.
Você é um jogo de energia sexual e nada mais, e a menos que você compreenda essa energia
e a transcenda, você nunca será nada além. Você é, exatamente agora, nada além de energia
sexual. Você pode ser mais, mas se você não compreender isso e se não transcendê-lo, você
nunca irá além. A possibilidade está aí como uma semente. É por isso que o tantra está
interessado em sexo, em amor, na vida natural.
Mas o modo de se conhecer isso não é através do conflito. O tantra diz que você não pode
conhecer nada se você estiver em um espírito de luta, porque, então, você não estará receptivo.
Então, como você está lutando, os segredos ficarão escondidos de você – você não está aberto
para recebê-los. E quando quer que você esteja lutando, você sempre está do lado de fora. Se
você está lutando contra o sexo, você sempre está do lado de fora; se você se entregar ao sexo,
você chegará ao verdadeiro centro interior dele, você vira um iniciado. Se você se entrega, então,
muitas coisas se tornam conhecidas.
Você esteve no sexo, mas sempre com uma atitude de luta por trás disso. É por isso que você
não conheceu muitos segredos. Por exemplo: você não conheceu as forças doadoras de vida do
sexo. Você não as conheceu, porque você não pode conhecer – isso exige que você seja um
iniciado.
Se você está realmente fluindo com a energia do sexo, totalmente entregue, mais cedo ou
mais tarde, você chegará ao ponto onde você saberá que o sexo não pode simplesmente dar
nascimento a uma nova vida, o sexo pode lhe dar mais vida. O sexo dos amantes pode se tornar
uma força doadora de vida, mas para isso você necessita de uma entrega. E uma vez que você
está entregue, muitas dimensões mudam.
Por exemplo: o tantra sabe, o tao sabe, que se você ejacula no ato, então, ele não pode ser
doador de vida para você. Não há nenhuma necessidade de ejacular; a ejaculação pode ser
totalmente esquecida. O tantra e o tao, ambos dizem que há a ejaculação, porque você está
lutando; do contrário, não há nenhuma necessidade dela.
O amante e a amada podem estar em um profundo abraço sexual, simplesmente relaxando
dentro um do outro sem nenhuma pressa de ejacular, sem nenhuma pressa de terminar o
encontro. Eles podem simplesmente relaxar um no outro. E se esse relaxamento for total, ambos
sentirão mais vida – os dois enriquecerão um ao outro.
O tao diz que um homem pode viver por cem anos se ele não tem pressa no sexo, se ele fica
profundamente relaxado. Se uma mulher e um homem estão profundamente relaxados um no
outro, simplesmente fundindo-se um no outro, absorvidos um no outro, sem nenhuma pressa,
sem nenhuma tensão, muitas coisas acontecem – alquimicamente coisas acontecem – porque o
sumo da vida de ambos, a eletricidade de ambos, a bioenergia de ambos, se encontram. E
simplesmente por esse encontro, porque eles são anti- – um é negativo, um é positivo, eles são
antipolares – só pelo encontro, um com o outro, profundamente, eles se revigoram um no outro,
um torna o outro mais vital, mais vivo.
Eles podem viver por um longo tempo e podem viver sem se tornarem velhos. Mas isso pode
ser conhecido se você não estiver em um espírito de luta. E isso parece paradoxal. Aqueles que
estão lutando contra o sexo ejacularão mais cedo, porque a mente tensa está apressada para se
aliviar da tensão.
Novas pesquisas dizem muitas coisas surpreendentes, muitos fatos surpreendentes. Masters e
Johnson trabalharam cientificamente pela primeira vez com o que acontece em um intercurso
profundo. Eles chegaram a compreender que setenta e cinco por cento dos homens são
ejaculadores precoces – setenta e cinco por cento! Antes de existir um profundo encontro, eles já
ejacularam e o ato é acabado. E noventa e nove por cento das mulheres nunca tiveram nenhum
orgasmo; elas nunca chegaram ao pico, a um profundo e satisfatório pico – noventa e nove por
cento das mulheres!
É por isso que as mulheres são tão bravas e irritadas, e elas permanecerão assim. Nenhuma
meditação pode ajudá-las a ser pacíficas e nenhuma filosofia, nenhuma religião, nenhuma ética
as deixarão à vontade com os homens, com os quais elas estão vivendo. Elas estão frustradas,
com raiva, porque a ciência moderna e o antigo tantra, os dois, dizem que, a menos que uma
mulher esteja profundamente satisfeita orgasticamente, ela será um problema na família. Aquilo
que ela está perdendo criará irritação e ela sempre estará em um espírito de luta.
Assim, se sua esposa sempre está em um espírito de luta, pense novamente sobre a coisa toda.
Não é simplesmente a esposa – você pode ser a causa. E como as mulheres não atingem o
orgasmo, elas se tornam anti-sexo. Elas não estão desejando ir para o sexo facilmente. Elas têm
de ser seduzidas; elas não estão prontas para entrar no sexo. Por que elas deveriam estar prontas
se elas nunca atingem nenhum êxtase profundo através dele? Ao invés disso, depois dele, elas
sentem que o homem as esteve usando. Elas se sentem como uma coisa que foi usada e, depois,
descartada.
O homem fica satisfeito, porque ele ejaculou. Então, ele se vira para o lado e vai dormir e a
esposa fica chorando. Ela simplesmente foi usada e a experiência não foi de nenhuma forma
satisfatória para ela. Pode ter aliviado o marido ou o amante ou o amigo, mas de nenhuma
maneira foi satisfatória para ela.
Noventa por cento das mulheres não sabem nem mesmo o que é o orgasmo. Elas nunca o
conheceram; elas nunca atingiram um pico de uma tal convulsão de êxtase do corpo, em que
cada fibra vibra e cada célula se torna viva. Elas não chegaram aí e isso é devido a uma atitude
anti-sexual na sociedade. A mente lutadora está presente e a mulher é tão reprimida que se torna
frígida.
O homem continua fazendo o ato como se fosse um pecado. Ele sente-o como culpa, não é
para ser feito. E enquanto ele está fazendo amor com sua esposa ou amada, ele está pensando em
algum mahatma – algum assim chamado santo – em como ir até o mahatma e como transcender
esse sexo, essa culpa, esse pecado.
É muito difícil ficar livre dos mahatmas, eles estão presentes até mesmo enquanto vocês estão
fazendo amor. Vocês não são dois – um mahatma deve estar presente. Se não houver nenhum
mahatma, então, Deus os está olhando fazer esse pecado. O conceito de Deus na mente das
pessoas é simplesmente aquele de um voyer – ele está sempre olhando você. Essa atitude cria
ansiedade e quando a ansiedade está presente, a ejaculação vem rápido.
Quando não há nenhuma ansiedade, a ejaculação pode ser adiada por horas – até mesmo por
dias. E não há nenhuma necessidade dela. Se o amor é profundo, ambos os parceiros podem
revigorar-se um no outro. Então, a ejaculação cessa completamente e por anos os dois amantes
podem se encontrar sem nenhuma ejaculação, sem nenhum desperdício de energia. Eles podem
simplesmente relaxar um no outro. Seus corpos se encontram e relaxam; eles entram no sexo e
relaxam. E, mais cedo ou mais tarde, o sexo não será uma excitação. Agora, ele é uma excitação.
Depois então, ele não é uma excitação, ele é um relaxamento, um profundo deixar-acontecer.
Mas isso pode acontecer somente se você primeiro se entregou internamente para a energia da
vida – a força da vida. Somente então, você pode se entregar ao seu amante ou à sua amada. O
tantra diz que isso acontece e ele diz como isso pode acontecer.
O tantra diz: nunca faça amor enquanto você está excitado. Isso parece muito absurdo, porque
você quer fazer amor quando está excitado. E, normalmente, ambos os parceiros excitam um ao
outro a fim de poderem fazer amor. Mas o tantra diz que na excitação você está gastando
energia. Faça amor enquanto você está calmo, sereno, meditativo. Primeiro medite, então, faça
amor e, quando estiver fazendo amor, não vá além do limite. O que eu quero dizer por “não vá
além do limite”? Não se torne excitado e violento, a fim de que sua energia não seja dispersa.
Se você vir duas pessoas fazendo amor, você achará que elas estão lutando. Se crianças
pequenas alguma vez virem o pai e a mãe fazendo amor, elas pensarão que o pai vai matar a
mãe. Parece violento, parece uma luta. Não é belo, é feio.
O sexo deve ser mais musical, harmonioso. Os dois parceiros devem estar como que
dançando, não lutando – como que cantando uma melodia harmoniosa, simplesmente criando
uma atmosfera na qual ambos possam se dissolver e se tornar um. E, então, eles relaxam. Eis o
que o tantra significa. O tantra não é sexual de modo algum, o tantra é a coisa menos sexual e,
ainda assim, ele tem muito interesse no sexo. E se através desse relaxamento e dessa entrega a
natureza revelar seus segredos para você, não é de se surpreender. Então, você começa a estar
consciente do que está acontecendo. E nessa consciência do que está acontecendo muitos
segredos chegam à sua mente.
Primeiramente, o sexo se torna doador de vida. Como ele é agora, ele é doador de morte, você
está simplesmente morrendo através dele, desperdiçando-se, deteriorando-se. Em segundo lugar,
ele se torna a meditação mais natural. Seus pensamentos cessam completamente. Quando você
está totalmente relaxado com seu amante, seus pensamentos cessam. A mente não está presente,
somente o seu coração bate. Ele se torna uma meditação natural. E se o amor não o pode ajudar
na meditação, nada ajudará, porque tudo o mais é simplesmente supérfluo, superficial. Se o amor
não pode ajudar, nada ajudará.
O amor tem sua própria meditação. Mas você não conhece o amor; você só conhece o sexo e
você conhece a miséria de desperdiçar a energia. Então, você fica deprimido depois dele. Então,
você decide fazer um voto de brahmacharya, celibato. E esse voto é feito na depressão, esse voto
é feito na raiva, esse voto é feito na frustração. Ele não irá ajudar.
Um voto pode ser útil se feito em um humor muito relaxado, profundamente meditativo. Do
contrário, você simplesmente está mostrando sua raiva, sua frustração e nada mais, e você
esquecerá o voto dentro de vinte e quatro horas. A energia terá vindo novamente e simplesmente
como uma velha rotina, você terá de liberá-la.
O tantra diz: o sexo é muito profundo porque ele é vida. Mas você pode estar interessado no
tantra por razões erradas. Não esteja interessado no tantra por razões erradas e, então, você não
sentirá que o tantra é perigoso. Então, o tantra é transformador da vida.
Alguns métodos tântricos foram usados pelo ioga também, mas com uma atitude de conflito,
de luta. O tantra usa os mesmos métodos, mas com uma atitude muito amorosa – e isso faz uma
grande diferença. A própria qualidade da técnica muda. A técnica se torna diferente, porque todo
o plano de fundo é diferente.
Foi perguntado: Qual é a matéria central do tantra? A resposta é: você! Você é a questão
central do tantra: o que você é exatamente agora, e o que está escondido em você que pode
crescer, o que você é e o que você pode ser. Exatamente agora, você é uma unidade sexual e a
menos que essa unidade sexual seja compreendida profundamente, você não pode se tornar um
espírito, você não pode se tornar uma unidade espiritual. Sexualidade e espiritualidade são dois
extremos de uma energia.
O tantra começa com você como você é; o ioga começa com o que é a sua possibilidade. O
ioga começa com o fim; o tantra começa com o início. E é bom começar com o início. Sempre é
bom começar com o início, porque, se você fizer do final o início, então, você estará criando
miséria desnecessária para si mesmo. Você não é o final – não o ideal. Você tem de se tornar um
deus, o ideal; e você é simplesmente um animal. E esse animal fica furioso por causa da idéia de
deus; ele enlouquece, fica louco.
O tantra diz: esqueça o deus. Se você é o animal, compreenda esse animal em sua totalidade.
Nessa própria compreensão, o deus crescerá. E se ele não puder crescer através dessa
compreensão, então, esqueça-o; ele nunca poderá ser. Os ideais não podem trazer suas
possibilidades para fora; somente o conhecimento do real ajudará. Assim, você é a matéria
central do tantra, como você é e como você pode se tornar, sua realidade e sua possibilidade –
elas são a matéria central.
Algumas vezes as pessoas ficam preocupadas. Se você chega para compreender o tantra,
Deus não é discutido, moksha – liberação – não é discutido, nirvana não é discutido. Que tipo de
religião é o tantra? O tantra discute coisas que fazem você se sentir desgostoso, coisas que você
não quer discutir. Quem quer discutir sexo? Todo mundo pensa que já sabe. Como você pode
reproduzir, você pensa que sabe.
Ninguém quer discutir sexo, e sexo é o problema de todo mundo. Ninguém quer discutir
amor, porque todo mundo sente que já é um grande amante. E olhe a sua vida! Ela é
simplesmente ódio e nada mais. E tudo o que você chama de amor não é nada além de um
relaxamento, um pequeno relaxamento, do ódio. Olhe à sua volta e, então, você saberá o que
você sabe do amor.
Baal Shem, um faquir, ia ao seu alfaiate todo dia por causa de seu robe e o alfaiate levou seis
meses para fazer um simples robe para um faquir. O faquir pobre... Quando o robe ficou pronto e
o alfaiate lhe deu, Baal Shem disse: “Diga-me, até mesmo Deus teve somente seis dias para criar
o mundo. Em seis dias Deus criou o mundo todo – e você levou seis meses para fazer esse robe
de um homem pobre”?
Baal Shem lembrou-se do alfaiate em suas memórias. O alfaiate disse: “Sim, Deus criou o
mundo em seis dias, mas olhe para o mundo, que tipo de mundo é esse. Sim, ele criou o mundo
em seis dias, mas olhe para o mundo”!
Olhe à sua volta; olhe para o mundo que você criou. Então, você verá que você não sabe
nada, que você está simplesmente tateando no escuro. E como todo mundo mais também está
tateando no escuro, não é possível que você esteja vivendo na luz. Se todo mundo mais está
tateando no escuro, você se sente bem, porque, então, você sente que não há comparação.
Mas você também está no escuro e o tantra começa com você como você está. O tantra quer
iluminá-lo sobre coisas básicas que você não pode negar. Se você tentar negá-las, será às suas
próprias custas.

A segunda pergunta:

Como uma pessoa pode converter o ato sexual em uma experiência meditativa? Deve-se
praticar alguma posição especial no sexo?
As posições são irrelevantes; as posições não são muito importantes. A coisa real é a atitude –
não a posição do corpo, mas a posição da mente. Mas se você muda a sua mente, você pode
querer mudar suas posições, porque elas estão relacionadas. Mas elas não são básicas.
Por exemplo: o homem fica sempre sobre a mulher – em cima da mulher. Essa é uma postura
egoísta, porque o homem sempre pensa que ele é melhor, superior, mais elevado – como ele
pode ficar embaixo da mulher? Mas por todo o mundo, nas sociedades primitivas, a mulher fica
por cima do homem. Assim, na África, essa postura é conhecida como “postura missionária”,
porque, quando os missionários cristãos foram para a África, os primitivos não podiam entender
o que eles estavam fazendo. Eles pensaram que aquilo mataria a mulher.
A postura do homem por cima é conhecida na África como a “postura missionária”. Os
africanos primitivos dizem que é violento o homem ficar sobre a mulher. Ela é mais fraca,
delicada; assim, ela deve ficar em cima do homem. Mas é difícil para o homem ele pensar-se
abaixo da mulher, sob ela.
Se sua mente muda, muitas coisas irão mudar. É melhor que a mulher fique por cima, por
muitas razões. Se a mulher ficar por cima, ela será passiva; assim, ela não fará muita violência;
ela simplesmente relaxará. E o homem embaixo dela não pode fazer muito, ele terá de relaxar.
Isso é bom. Se ele estiver por cima, ele será violento, fará muito. E nada será necessário ser feito
da parte dela. Para o tantra, você tem de relaxar; assim, é bom que a mulher fique por cima. Ela
pode relaxar melhor do que qualquer homem. A psicologia feminina é mais passiva; assim, o
relaxamento vem facilmente.
As posições podem mudar, mas não se preocupe muito com posições. Simplesmente mude a
sua mente. Entregue-se à força da vida, flua nela. Algumas vezes, se vocês estão realmente
entregues, seus corpos tomarão a posição correta que é necessária naquele momento. Se ambos
os parceiros estão profundamente entregues, seus corpos tomarão a postura correta que é
necessária.
Todo dia as situações mudam; assim, não há nenhuma necessidade de se estabelecer posturas
de antemão. Isso é um problema, você tentar estabelecer a postura de antemão. Sempre que você
tentar estabelecê-la, ficará estabelecido pela mente; então, você não está se entregando.
Se você se entrega, então, você deixa as coisas tomarem suas próprias formas e isso é uma
maravilhosa harmonia... – quando ambos os parceiros se entregaram. Eles tomarão muitas
posturas ou eles não as tomarão e simplesmente relaxarão. Isso depende da força da vida, não de
sua decisão cerebral prévia. Vocês não precisam decidir nada de antemão. A decisão é o
problema. Até mesmo para fazer amor você decide. Até mesmo para fazer amor, você vai e
consulta os livros.
Há livros sobre como fazer amor. Isso mostra que tipo de mente humana nós temos
produzido. Você até mesmo consulta livros sobre como fazer amor... Então, a coisa se torna
cerebral; você pensa em todas as coisas. Realmente, você cria um ensaio na mente e, então, você
o encena. Sua ação é uma cópia, nunca é real então. Você está encenando um ensaio. Ele se torna
uma representação, não é autêntico.
Simplesmente se entregue e mova-se com a força. Qual é o medo? Por que ficar com medo?
Se você não pode ficar sem medo com a sua amada, então, onde você estará sem medo? E uma
vez que você tenha a sensação de que a força da vida ajuda por si mesma e toma o caminho certo
que é necessário, isso lhe dará um insight muito básico em toda a sua vida. Então, você pode
deixar toda a sua vida para o divino, que é o seu amado.
Então, você deixa toda a sua vida para o divino. Então, você não pensa e você não planeja;
você não força o futuro de acordo com você. Você simplesmente permite se mover para o futuro
de acordo com o divino, de acordo com o total.
Mas como fazer do ato sexual uma meditação? Simplesmente se entregando, ele se torna
assim. Não pense sobre ele, deixe-o acontecer. E fique relaxado, não se mova adiante. Esse é um
dos problemas básicos com a mente: ela sempre se move adiante. Ela está sempre procurando o
resultado e o resultado está no futuro. Você nunca está no ato, você sempre está no futuro
procurando um resultado. Essa busca de um resultado está perturbando todas as coisas, ela
prejudica tudo.
Simplesmente fique no ato. O que é o futuro? Ele está por vir, você não precisa se preocupar
com ele. E você não irá trazê-lo com suas preocupações. Ele já está a caminho; ele já chegou!
Assim, esqueça-se dele; fique simplesmente aqui e agora.
O sexo pode se tornar um insight profundo no estar aqui e agora. Esse é, eu penso, o único ato
que resta agora, no qual você pode estar aqui e agora. Você não pode estar aqui e agora, quando
está em seu escritório; você não pode estar aqui e agora, quando você está estudando em seu
colégio; você não pode estar aqui e agora, em qualquer lugar neste mundo moderno. Somente no
amor você pode estar aqui e agora.
Mas, mesmo então, você não está. Você está pensando no resultado. E, agora, muitos livros
modernos criaram muitos problemas novos. Você lê um livro sobre como fazer amor e, então,
você fica apreensivo se você o está fazendo de modo correto ou de modo incorreto. Você lê um
livro sobre como uma postura deve ser feita, ou que tipo de postura deve ser usada e, então, você
fica apreensivo se você está fazendo a postura correta ou não.
Os psicólogos criaram novas preocupações na mente. Agora eles dizem que o marido deve se
lembrar se a esposa está alcançando o orgasmo ou não; assim, ele fica preocupado com isso. E
essa preocupação não ajudará de forma alguma, ela irá se tornar um obstáculo.
A esposa fica preocupada se ela está ajudando o marido a relaxar totalmente ou não. Ela deve
mostrar que está se sentindo “muito feliz”. Então, tudo se torna falso. Ambos estão preocupados
com o resultado e devido a esta preocupação o resultado nunca chegará.
Esqueçam tudo. Fluam no momento e permitam seus corpos se expressarem. Seus corpos
conhecem bem; eles têm sua própria sabedoria. Seus corpos são constituídos de células sexuais.
Eles têm um programa embutido; você não é chamado de forma alguma. Simplesmente deixe
com o corpo e o corpo se moverá. Esse deixar com a natureza, os dois juntos, esse relaxamento-
entrega, criará a meditação automaticamente.
E se você puder sentir isso no sexo, então, você saberá de uma coisa: que sempre que você se
entregar, você sentirá a mesma coisa. Então, você pode se entregar a um mestre – trata-se de um
relacionamento de amor. Você pode se entregar a um mestre e, então, enquanto você está
colocando sua cabeça nos pés dele, sua cabeça se tornará vazia. Você estará em meditação.
Então, nem mesmo há necessidade de um mestre. Então, vá e se entregue ao céu. Você sabe
como se entregar – isso é tudo. Então, você pode ir e se entregar a uma árvore. Mas isso parece
tolice, porque nós não sabemos como nos entregar. Nós vemos uma pessoa – um aldeão, um
homem primitivo – indo ao rio, entregando-se ao rio, chamando o rio de mãe, a mãe divina; ou
se entregando ao sol nascente, chamando o sol nascente de um grande deus; ou indo a uma
árvore e colocando sua cabeça nas raízes e se entregando.
Para nós isso parece supersticioso. Você diz: “Que tolice ele está fazendo! O que a árvore
fará? O que o rio fará? Eles não são deuses. O que é o sol? O sol não é um deus”. Qualquer coisa
se torna um deus se você puder se entregar. Assim, sua entrega cria a divindade. Não há nada
divino, existe apenas uma mente que se entrega e cria a divindade.
Entregue-se para uma esposa e ela se torna divina. Entregue-se para um marido e ele se torna
divino. A divindade é revelada através da entrega. Entregue-se a uma pedra e não haverá pedra
agora: aquela pedra se tornou uma estátua, uma pessoa – viva.
Assim, simplesmente saiba como se entregar. E quando eu digo “como se entregar”, eu não
quero dizer conhecer uma técnica: eu quero dizer que você tem uma possibilidade natural de se
entregar no amor. Entregue-se no amor e sinta-o presente. E, então, deixe-o espalhar-se por toda
a sua vida.

A terceira pergunta:

Por favor explique se o anahat nad – o som sem som – é um tipo de som ou se ele é
totalmente sem som. E também explique como o estado de total preenchimento de som
pode ser igual ao estado de total ausência de som.

Anahat nad não é um tipo de som, é um som sem som, mas esse som sem som é ouvido.
Expressá-lo é difícil, porque, então, surge a pergunta lógica de como o som sem som pode ser
ouvido.
Deixe-me explicar isso... Eu estou sentado nesta cadeira. Se eu for embora desta cadeira, você
não verá a minha ausência na cadeira? Isso não pode ser visto por alguém que não me tenha visto
sentado aqui – essa pessoa simplesmente verá a cadeira. Mas um momento antes eu estava aqui e
você me viu sentado aqui. Se eu for embora e você olhar para a cadeira, você verá duas coisas: a
cadeira e minha ausência. Mas essa ausência será vista somente se você me viu e se você não se
esqueceu de mim, que eu estava aqui.
Nós estamos ouvindo sons; nós somente conhecemos os sons. Assim, quando esse som sem
som chega, anahat nad, nós sentimos que todo som desapareceu e a ausência é sentida. É por
isso que ele é chamado anahat nad. Ele também é chamado nad; ‘nad’ significa som. Mas
‘anahat’ muda a qualidade do som. ‘Anahat’ significa não-criado; assim, ele é um som não-
criado.
Todo som é um som criado. Todos os sons que você já ouviu, todos eles são criados. Tudo
aquilo que for criado morrerá. Eu posso bater palmas – um som é criado. Ele não estava presente
antes e, agora, ele não existe mais; ele foi criado e morreu. Um som criado é conhecido como
ahat nad. Um som não-criado é conhecido como anahat nad – o som que sempre existe. Qual é
esse som que sempre existe? Ele não é realmente um som. Você o chama de som, porque a
ausência é ouvida.
Se você vive perto de uma estação de trem e um dia o sindicato entra em greve, você ouvirá
alguma coisa que ninguém pode ouvir. Você ouvirá a ausência dos trens chegando e partindo e
se movendo.
Eu estive viajando no passado por pelo menos três semanas todo mês. No começo era muito
difícil dormir no trem e, então, tornou-se difícil dormir em casa. Quando eu não estava mais
dormindo somente em trens, faltava o som do trem. Sempre que eu chegava em casa ficava
difícil, porque eu não encontrava e eu sentia falta, sentia a ausência dos sons da estrada de ferro.
Nós estamos acostumados aos sons. Cada momento é preenchido de som. Nossas cabeças são
constantemente preenchidas com sons e sons e sons. Quando sua mente vai embora, move-se
para cima ou para baixo, vai além ou abaixo, quando você não está no mundo dos sons, você
pode ouvir a ausência. Essa ausência é o som sem som.
Mas nós o chamamos anahat nad. Como ele é ouvido, nós o chamamos de nad – som; e
como ele não é realmente um som, nós o chamamos anahat – não-criado. “Som não-criado” é
contraditório. O som é criado – “não-criado” contradiz. Assim, todas as experiências profundas
da vida têm de ser expressas em termos contraditórios.
Se você vai e pergunta a um mestre como Eckhart ou Jacob Bohme; ou a mestres zen como
Hyakujo ou Obaku ou Bodhidharma ou Nagarjuna; ou ao Vedanta e aos Upanishades – em todos
os lugares, você encontrará dois termos contraditórios sempre que uma experiência profunda for
comentada.
Os Vedas dizem: “Ele existe e ele não existe...” – sobre Deus. Você não pode encontrar uma
expressão mais ateísta: “Ele existe e ele não existe”. Ele está distante e ele está perto. Ele está
distante e ele está perto também. Por que declarações contraditórias? Os Upanishades dizem:
“Você não pode vê-lo, mas a menos que você o veja, você não viu nada”. Que tipo de linguagem
é essa?
Lao Tzu diz que “A verdade não pode ser dita” – e ele a está dizendo! Isso também é um
dizer. Ele está dizendo que “A verdade não pode ser dita; se ela for dita, ela não pode ser
verdade”; e, então, ele escreve um livro e diz alguma coisa sobre a verdade. Isso é contraditório.
Um estudante veio a um velho sábio. O estudante disse: “Se você puder me perdoar, mestre,
eu quero lhe relatar alguma coisa sobre mim mesmo. Eu me tornei um ateu; agora, eu não
acredito em Deus”.
Assim, o velho sábio perguntou: – “Por quantos dias você esteve estudando as escrituras? Por
quantos dias”?
Então, o buscador, o estudante, disse: – “Por cerca de vinte anos eu estive estudando os
Vedas, as escrituras”.
Assim, o velho homem olhou e disse: – “Só por vinte anos e você tem a coragem de dizer que
você se tornou um ateu”!?
O estudante ficou desorientado. O que aquele velho estava dizendo? Assim, ele disse: – “Eu
estou desorientado. O que você está dizendo!? Você me tornou mais confuso do que quando eu
cheguei aqui”.
O velho disse: – “Continue estudando os Vedas. No começo, se diz que Deus existe. Somente
no final, se diz que Deus não existe. Para se tornar um ateu, você terá de viajar muito no teísmo.
Deus está no começo; Deus não está no final. Não tenha pressa”. O estudante ficou ainda mais
desorientado.
“Deus existe e Deus não existe” tem sido dito por aqueles que sabem. “Deus existe” é dito
por aqueles que, não sabem; e “Deus não existe” é também dito por aqueles que não sabem.
Aqueles que sabem, dizem ambos simultaneamente: Deus existe e Deus não existe.
‘Anahat nad’ é um termo contraditório, mas usado com muita consideração, com
consideração profunda; ele é significativo. Ele diz que o fenômeno é sentido como um som e ele
não é um som. Ele é sentido como um som, porque você só sentiu sons, você não conhece outra
linguagem. Você conhece somente a linguagem dos sons; é por isso que ele é sentido como som.
Mas ele é silêncio, não som.
E a pergunta acrescenta: Explique como o estado de total preenchimento de som pode ser
igual ao estado de total ausência de som. É sempre assim. O zero e o absoluto, ambos significam
a mesma coisa!
Por exemplo: se eu tenho uma jarra que está completamente vazia e tenho uma outra jarra que
está completamente cheia, ambas estão completas. Uma está completamente vazia, outra está
completamente cheia. Mas ambas estão completas, ambas estão perfeitas. Se a jarra está meio
cheia, ela está meio cheia e meio vazia. Você pode chamá-la meio vazia, você pode chamá-la
meio cheia. Mas se ela está completamente vazia ou completamente cheia, uma coisa é comum a
ambas: a completude.
O som sem som é completo. Você não pode fazer mais nada para torná-lo mais sem som.
Compreenda isto: ele está completo, nada pode ser feito. Você tem de chegar a um ponto além
do qual não haja movimento possível. E se um som é total, você não pode adicionar nada a ele.
Você chegou a outro limite; você não pode ir além dele. Isso é comum e isso é o que se quer
dizer.
Uma pessoa pode dizer que é o som sem som, porque nenhum som é ouvido, tudo se tornou
ausente. Você não pode incrementá-lo mais; ele está completo. Ou você pode dizer que ele é um
som completo, um som cheio, um som absoluto; nada pode ser adicionado a ele. Mas, em ambos
os casos, a indicação é por perfeição, estado de absoluto, totalidade.
Depende da mente. Há dois tipos de mente e dois tipos de expressão. Por exemplo, se você
perguntar a Buda: “O que acontecerá na meditação profunda? Quando alguém atingir o samadhi,
o que acontecerá”? Ele dirá: “Não haverá dukkha – não haverá nenhuma dor”. Ele nunca dirá que
haverá bem-aventurança, ele simplesmente dirá que não haverá nenhuma dor – simplesmente
ausência de dor. Se você perguntar a Shânkara, ele nunca falará de dor. Ele simplesmente dirá:
Haverá bem-aventurança – absoluta bem-aventurança”.
E ambos estão expressando a mesma experiência. Buda dizendo “não-dor” se refere ao
mundo. Ele diz: “Todas as dores que eu conheci não existem mais. E tudo o que existe eu não
posso relatar em sua linguagem”.
Shânkara diz: “Existe bem-aventurança, bem-aventurança absoluta”. Ele nunca fala sobre o
mundo e seu sofrimento. Ele não está se referindo ao seu mundo, ele está se referindo à própria
experiência. Ele é positivo, Buda é negativo. Mas as suas indicações estão na direção da mesma
lua.
Seus dedos são diferentes, mas o que seus dedos indicam é a mesma coisa.
Capítulo 33

A ESPIRITUALIDADE DO ATO SEXUAL TÂNTRICO



OS SUTRAS

48. No início da união sexual mantenha a atenção no fogo do começo e, continuando assim,
evite as brasas do final.
49. Quando em tamanho abraço seus sentidos forem sacudidos como folhas, entre nesse
sacudir.
50. Até mesmo relembrando a união, sem o abraço, a transformação.
51. Ao alegremente ver um amigo há muito ausente, penetre essa alegria.
52. Comendo ou bebendo, torne-se o sabor da comida ou bebida e seja preenchido.

Sigmund Freud disse em algum lugar que o homem nasce neurótico. Isso é uma meia-
verdade. O homem não nasce neurótico, mas ele nasce em uma humanidade neurótica e a
sociedade à volta deixa todo mundo neurótico mais cedo ou mais tarde. O homem nasce natural,
real, normal, mas no momento em que a criança se torna parte da sociedade, a neurose começa a
funcionar. Como somos, somos neuróticos e a neurose consiste em uma divisão – uma profunda
divisão. Você não é um: você é dois ou mesmo muitos. Isso tem de ser compreendido
profundamente; somente então, podemos prosseguir no tantra.
Seu sentimento e seu pensamento tornaram-se duas coisas diferentes: essa é a neurose básica.
Sua parte que pensa e sua parte que sente se tornaram duas e você está identificado com a parte
que pensa, não com a parte que sente. E sentir é mais real do que pensar; sentir é mais natural do
que pensar. Você nasceu com um coração que sente, mas o pensar é cultivado: ele é dado pela
sociedade. E seu sentimento se tornou uma coisa reprimida. Mesmo quando você diz que sente,
você somente pensa que sente. O sentimento tornou-se morto e isso aconteceu por certas razões.
Quando uma criança nasce, ela é um ser sensível: ela sente coisas. Ela não é ainda um ser que
pensa. Ela é natural, exatamente igual a qualquer coisa natural na natureza – exatamente como
uma árvore ou como um animal. Mas nós começamos a moldá-la, a cultivá-la. Ela tem de
reprimir seus sentimentos, porque sem reprimir seus sentimentos ela está sempre atormentada.
Quando ela quer chorar, ela não pode chorar porque seus pais não aprovarão. Ela será
condenada. Ela não será apreciada, não será amada. Ela não será aceita como ela é. Ela deve se
comportar: ela deve se comportar de acordo com uma determinada ideologia, determinados
ideais. Somente então ela será amada.
O amor não virá para ela como ela é. Ela somente pode ser amada se seguir certas regras.
Essas regras são impostas; elas não são naturais. O ser natural começa a se tornar reprimido, e o
não natural, o irreal, é imposto sobre ela. Este irreal é sua mente; e chega um momento em que a
divisão é tão grande que você não pode transpô-la. Você continua se esquecendo completamente
de qual era ou é a sua natureza, a sua natureza real. Você é uma face falsa – a face original foi
perdida. E você também está com medo de sentir a original, porque no momento em que você a
sentir, toda a sociedade estará contra você. Assim, você mesmo é contra a sua natureza real.
Isso cria um estado muito neurótico. Você não sabe o que você quer; você não sabe quais são
suas necessidades reais, autênticas. E então você continua atrás de necessidades não-autênticas,
porque somente o coração que sente pode lhe dar o sentido, a direção, de quais são as suas
necessidades reais. Quando elas são reprimidas, você cria necessidades simbólicas. Por exemplo,
você pode continuar comendo cada vez mais e mais, empanturrando-se com comida e você pode
nunca sentir que já está satisfeito. A necessidade é de amor; não é de comida. Mas a comida e o
amor estão profundamente relacionados; assim, quando a necessidade de amor não é sentida, ou
é reprimida, uma necessidade falsa por comida é criada e você pode continuar comendo. Como a
necessidade é falsa, ela nunca pode ser satisfeita e nós vivemos em falsas necessidades.
Você quer ser amado; essa é a necessidade básica – natural. Mas ela pode ser desviada para
uma falsa dimensão. Por exemplo, a necessidade de amor, a necessidade de ser amado, pode ser
sentida como uma necessidade falsa se você tenta desviar a atenção dos outros para si. Você quer
que os outros prestem atenção em você; assim, você pode se tornar um líder político. Grandes
multidões podem prestar atenção em você, mas a necessidade básica real é de ser amado. E
mesmo que todo mundo esteja prestando atenção em você, essa necessidade básica não pode ser
preenchida. Essa necessidade básica pode ser preenchida até mesmo por uma única pessoa que o
ame, que preste atenção em você devido ao amor.
Quando você ama alguém, você presta atenção nessa pessoa. Atenção e amor estão
profundamente relacionados. Se você reprime a necessidade de amor, então, ela se torna uma
necessidade simbólica; então, você precisa da atenção dos outros. Você pode tê-la, mas, então
também, não haverá preenchimento. A necessidade é falsa, desconectada da necessidade natural,
básica. Essa divisão na personalidade é a neurose.
O tantra é um conceito muito revolucionário – o mais antigo e todavia o mais novo. O tantra é
uma das mais antigas tradições e, todavia, não-tradicional; é mesmo antitradicional, porque o
tantra diz que a menos que você seja inteiro e um, você está perdendo a vida toda. Você não
deveria permanecer em um estado dividido: você deve se tornar um. O que fazer para se tornar
um? Você pode continuar pensando, mas isso não irá ajudar, porque pensar é a técnica para
dividir. Pensar é analítico – divide, separa as coisas. Sentir une, sintetiza, torna as coisas unidas.
Assim, você pode continuar pensando, lendo, estudando, contemplando. Isso não irá ajudar a
menos que você retorne para o centro do sentir. Mas isso é muito difícil, porque até mesmo
quando pensamos sobre o centro do sentir, nós pensamos!
Quando você diz a alguém “eu te amo”, fique alerta se isso é apenas um pensamento ou se é
um sentimento. Se for apenas um pensamento, então, você está perdendo alguma coisa. Um
sentimento é algo inteiro: todo o seu corpo, a sua mente, tudo que você é, está envolvido. No
pensamento, somente sua cabeça está envolvida e também não totalmente, mas apenas um
fragmento dela. Há apenas um pensamento passando; ele pode não estar presente no próximo
momento. Somente um fragmento está envolvido e isso cria muita miséria em sua vida – porque
com um pensamento fragmentado, você faz promessas que não pode cumprir. Você pode dizer:
“Eu te amo e te amarei para sempre”. Entretanto, a segunda parte é uma promessa que você não
pode cumprir, porque ela é feita por um pensamento fragmentado. O seu ser inteiro não está
envolvido nela. E o que você irá fazer amanhã, quando o fragmento se for e o pensamento não
estiver mais presente? Então a promessa se tornará uma carga.
Sartre disse em algum lugar que toda promessa se mostrará falsa. Você não pode prometer,
porque você não é inteiro. Somente uma parte sua promete e, quando essa parte não estiver mais
no trono, e outra parte assumir a direção, o que você irá fazer? Quem cumprirá a promessa? A
hipocrisia nasce, porque, enquanto você vai tentando cumprir, fingindo que está cumprindo, tudo
se torna falso.
O tantra diz retorne profundamente para dentro do centro do sentir.
O que fazer e como retornar?
Agora eu entrarei nos sutras. Esses sutras, cada sutra[1], é um esforço para torná-lo inteiro.

48 No ato sexual, não procure o alívio

O primeiro sutra:

No início da união sexual mantenha a atenção no fogo do começo e continuando assim,


evite as brasas do final.

O sexo pode ser um preenchimento muito profundo; e o sexo pode jogá-lo de volta para a sua
totalidade, para o seu ser natural, real, por muitas razões. Essas razões têm de ser compreendidas.
Primeiro: o sexo é um ato total. Você é jogado para fora de sua mente, para fora do equilíbrio.
É por isso que há tanto medo do sexo. Você está identificado com a mente e o sexo é um ato da
não-mente. Você se torna um sem-cabeça; você não tem nenhuma cabeça no ato. Não há nenhum
raciocínio, nenhum processo mental. E se houver algum processo mental, não há ato sexual real,
autêntico. Então, não há nenhum orgasmo, nenhum preenchimento. Então, o próprio ato sexual
se torna uma coisa local, algo cerebral... – e ele se tornou isso.
Em todo o mundo, tanta ansiedade, tanta ânsia por sexo, não é porque o mundo tenha se
tornado mais sexual. E porque você não pode nem mesmo desfrutar o sexo como um ato total. O
mundo era mais sexual antes. É por isso que não havia tanta ansiedade por sexo. Essa ansiedade
mostra que o real foi perdido e há somente o falso. Toda a mente moderna se tornou sexual,
porque o próprio ato sexual não está mais presente. Até mesmo o ato sexual foi transferido para a
mente. Ele se tornou mental; você pensa sobre ele.
Muitas pessoas vêm a mim... elas dizem que vivem pensando em sexo; elas gostam de pensar
nisso, de ler, ver fotos, pornografia. Elas gostam disso, mas, quando o momento real para fazer
sexo chega, elas de repente sentem que não estão interessadas. Elas sentem até que se tornaram
impotentes. Elas sentem a energia vital quando estão pensando. Quando querem se mover para o
ato efetivo, elas sentem que não há nenhuma energia, nem mesmo desejo. Elas sentem que o
corpo se tornou morto.
O que está acontecendo com elas? Até mesmo o ato sexual se tornou mental. Elas somente
podem pensar sobre ele; elas não podem fazê-lo, porque fazer envolverá todo o seu ser. E sempre
que há qualquer envolvimento do todo, a cabeça fica desconfortável, porque, então, ela não mais
pode ser o mestre: ela não mais pode estar no controle.
O tantra[2] usa o ato sexual para tornar a pessoa total, mas, então, você tem que se mover nele
muito meditativamente. Então, você tem que se mover nele se esquecendo de tudo o que já
escutou sobre sexo, estudou sobre o sexo, de tudo o que a sociedade lhe contou – a igreja, sua
religião, os professores... Esqueça-se de tudo e fique envolvido nele com totalidade. Esqueça o
controle! O controle é a barreira. Ao invés, seja possuído por ele: não o controle. Mova-se nele
como se você tivesse ficado louco. O estado de “não-mente” parece loucura. Torne-se o corpo,
torne-se o animal, porque o animal é inteiro. E do jeito que o homem moderno está, somente o
sexo parece ser a possibilidade mais fácil para torná-lo inteiro – porque o sexo é o mais
profundo, o centro biológico dentro da pessoa. Você nasceu dele. Cada célula sua é uma célula
sexual; todo o seu corpo é um fenômeno de energia sexual.
Este primeiro sutra diz: “No início da união sexual mantenha a atenção no fogo do começo e
assim continuando, evite as brasas do final”. E isso faz toda a diferença. Para você, o ato sexual
é um alívio. Assim, quando você se move nele, você está com pressa. Você apenas espera um
alívio. A energia transbordante será liberada; você se sentirá bem. Esse bem-estar é
simplesmente uma espécie de fraqueza. A energia transbordante cria tensão, excitação. Você
sente que alguma coisa tem de ser feita. Quando a energia é liberada, você se sente fraco. Você
pode considerar essa fraqueza como um relaxamento. Como já não há mais a excitação, não há
mais a energia transbordante – você pode relaxar. Mas esse relaxamento é um relaxamento
negativo. Se você só pode relaxar jogando fora a energia, é um custo muito alto. E esse
relaxamento só pode ser simplesmente físico. Ele não vai fundo e não pode se tornar espiritual.
Esse primeiro sutra diz “não fique com pressa e não anseie pelo final: permaneça com o
começo”. Há duas partes para o ato sexual – o começo e o final. Permaneça com o começo. A
parte inicial é mais relaxada, afetuosa. Mas não fique com pressa de se mover para o final.
Esqueça-se do final completamente.
“No início da união sexual mantenha a atenção no fogo do começo.” Quando você estiver
transbordante, não pense em termos de liberação: permaneça com essa energia transbordante.
Não procure a ejaculação: esqueça-se dela completamente. Fique inteiro neste começo afetuoso.
Permaneça com sua amada ou seu amado, como se vocês tivessem se tornado um só. Criem um
círculo.
Há três possibilidades. Dois amantes se encontrando podem criar três figuras – figuras
geométricas. Você pode talvez já ter lido sobre isso ou mesmo visto uma gravura alquímica
antiga, na qual um homem e uma mulher permanecem nus, dentro de três figuras geométricas.
Uma figura é um quadrado, outra figura é um triângulo e a terceira figura é um círculo.
Essa é uma das antigas análises do ato sexual na alquimia e no tantra.
Comumente, quando você está no ato sexual, há quatro pessoas, não duas – e isso é um
quadrado: quatro ângulos estão presentes, porque você mesmo está dividido em dois – na parte
que pensa e na parte que sente. Sua parceira está também dividida em dois; vocês são quatro
pessoas. Não são duas pessoas se encontrando: quatro pessoas estão se encontrando. É um
aglomerado e não pode haver nenhum encontro profundo realmente. Há quatro ângulos e o
encontro é simplesmente falso. Parece um encontro, mas não é. Não pode haver nenhuma
comunhão, porque sua parte mais profunda está escondida e a parte mais profunda da sua amada,
também está escondida. Somente duas cabeças estão se encontrando, somente dois processos de
pensamento estão se encontrando – não dois processos de sentimentos. Eles estão escondidos.
O segundo tipo de encontro pode ser como um triângulo. Vocês são dois – dois ângulos da
base. Por um momento súbito, vocês se tornam um, como o terceiro ângulo do triângulo. Por um
momento súbito, suas dualidades[3] são perdidas e vocês se tornam um. Isso é melhor do que um
encontro quadrado, porque, pelo menos por um único momento, há unidade. Essa unidade lhes
dá saúde, vitalidade. Vocês se sentem vivos e jovens novamente.
Mas o terceiro é o melhor – e o terceiro é o encontro tântrico: vocês se tornam um círculo.
Não há quaisquer ângulos; e o encontro não é por um único momento. O encontro é realmente
não-temporal; não há nenhum tempo nele. E ele somente pode acontecer se a pessoa não está
procurando a ejaculação. Se a pessoa estiver procurando a ejaculação, então, ele se tornará um
encontro de triângulo – porque, no momento em que há a ejaculação, o ponto de contato é
perdido.
Permaneça com o começo; não se mova para o final.
Como permanecer no começo? Muitas coisas precisam ser lembradas.
Primeira: não tome o ato sexual como um meio de chegar a algum lugar. Não o tome como
um meio, ele é o fim em si mesmo. Não há nenhuma finalidade para ele – ele não é um meio. Em
segundo lugar: não pense no futuro, permaneça com o presente. E, se você não consegue
permanecer no presente na parte inicial do ato sexual, então, você nunca pode permanecer no
presente – porque a própria natureza do ato é de tal ordem, que você é jogado para dentro do
presente.
Permaneça no presente. Desfrutem o encontro de dois corpos, duas almas, e fundam-se um no
outro, derretam-se um no outro. Esqueçam-se de que vocês estão indo para algum lugar.
Permaneçam no momento, indo a lugar nenhum, e fundam-se um no outro. O calor, o amor, deve
criar um clima para duas pessoas se fundirem uma na outra. Eis por que, se não existe amor, o
ato sexual é um ato apressado. Você está usando o outro; o outro é apenas um meio. E o outro
está usando você. Vocês estão explorando um ao outro, não se fundindo um no outro. Com amor,
vocês podem se fundir. Essa fusão, no começo, dará muitos novos insights [4].
Se você não está com pressa para acabar o ato, o ato, pouco a pouco, se torna cada vez menos
e menos sexual e cada vez mais e mais espiritual. Os órgãos sexuais também se fundem um no
outro. Uma profunda e silenciosa comunhão acontece entre duas energias corporais e, então,
vocês podem permanecer horas juntos. Essa conjunção se move cada vez mais e mais fundo, à
medida que o tempo passa. Mas não pense. Permaneça com o momento, profundamente fundido.
Isso se torna um êxtase, um samádhi, consciência cósmica. E se você puder conhecer isso, se
você puder sentir e perceber isso, sua mente sexual se tornará não-sexual. Um brahmacharya –
celibato – muito profundo pode ser alcançado. O celibato pode ser alcançado através disso!
Isso parece paradoxal, porque sempre se pensou em termos de que se a pessoa tem de
permanecer celibatária, ela não deve olhar para o outro sexo, ela não deve se encontrar com o
outro sexo. Ela deve evitar, escapar. Um celibato muito falso acontece então: a mente continua
pensando sobre o outro sexo. E quanto mais você escapa do outro, mais você tem que pensar,
porque essa é uma necessidade básica profunda.
O tantra diz “não tente escapar”; não há escape possível. Ao invés, use a própria natureza
para transcender. Não lute; aceite a natureza a fim de transcendê-la. Se essa comunhão com sua
amada ou seu amado for prolongada sem nenhum fim na mente, então, você pode simplesmente
permanecer no começo. Excitação é energia. Você pode perdê-la: você pode chegar a um pico.
Então, a energia é perdida e uma depressão se seguirá, uma fraqueza se seguirá. Você pode
tomá-la como relaxamento, mas ele é negativo.
O tantra lhe dá uma dimensão de um relaxamento que é positivo. Ambos os parceiros se
dissolvendo um no outro dão energia vital um ao outro. Eles se tornam um círculo e suas
energias começam a se mover em um círculo. Eles estão dando vida um ao outro, renovando a
vida. Nenhuma energia é perdida. Ao contrário, mais energia é adquirida, porque através do
contato com o sexo oposto cada célula sua é desafiada, excitada. E se vocês puderem se fundir
nessa excitação, sem levá-la a um pico, se vocês puderem permanecer no começo sem se
tornarem quentes, simplesmente permanecendo aquecidos, então, esses dois “calores” se
encontrarão e vocês poderão prolongar o ato durante muito mais tempo. Sem nenhuma
ejaculação, sem jogar fora nenhuma energia, ele se torna uma meditação e, através dela, você se
torna inteiro. Através dessa meditação, sua personalidade dividida não mais está dividida – está
unida.
Toda neurose é uma “rachadura”. Se você for unido novamente, você se tornará novamente
uma criança – inocente. E uma vez que você conheça essa inocência, você pode continuar se
comportando em sua sociedade como ela exige. Mas, agora, esse comportamento é simplesmente
um teatro, uma atuação. Você não está envolvido nele. É uma exigência; assim você a executa.
Mas você não está naquilo: você está apenas representando.
Você terá que usar faces não-verdadeiras, porque você vive em um mundo não-verdadeiro;
caso contrário, o mundo o esmagaria e o mataria.
Nós já matamos muitas faces verdadeiras. Nós crucificamos Jesus, porque ele começou a se
comportar como um homem verdadeiro. A sociedade não-verdadeira não tolerará isso. Nós
envenenamos Sócrates porque ele começou a se comportar como um homem verdadeiro.
Comporte-se como a sociedade exige; não crie problemas desnecessários para si mesmo nem
para os outros. Mas uma vez que você conheça seu ser verdadeiro e a sua inteireza, a sociedade
não-verdadeira não pode torná-lo neurótico; ela não pode deixá-lo louco.
No início da união sexual mantenha a atenção no fogo do começo e assim continuando, evite
as brasas do final. Se houver ejaculação, a energia será dissipada. Então não há mais fogo. Você
fica simplesmente aliviado de sua energia, sem ganhar nada.

49 Sacudindo no sexo

O segundo sutra:

Quando em tamanho abraço seus sentidos forem sacudidos como folhas, entre nesse
sacudir.

Quando em tamanho abraço, em uma grande comunhão com a amada ou o amado, seus
sentidos forem sacudidos como folhas, entre nesse sacudir.
Nós até mesmo ficamos com medo: quando vocês estão fazendo amor, vocês não permitem
que seus corpos se agitem muito, porque se seu corpo tiver permissão para se mover bastante, o
ato sexual se espalha por todo o corpo. Você pode controlá-lo quando ele está localizado no
centro sexual. A mente pode permanecer no controle. Quando ele se espalha por todo o corpo,
você não pode controlá-lo. É possível que você comece a se sacudir, comece a gritar... E você
não será capaz de controlar seu corpo uma vez que seu corpo tenha assumido o comando.
Nós reprimimos os movimentos. Em todo o mundo, principalmente nas mulheres, reprimimos
todos os movimentos, todo o sacudir do corpo. Elas permanecem como corpos mortos. Você está
fazendo alguma coisa com elas; elas não estão fazendo nada com você. Elas são apenas parceiras
passivas. Por que isso está acontecendo? Por que, em todo o mundo, os homens reprimem as
mulheres dessa forma? Existe medo – porque, uma vez que um corpo de mulher se torne
possuído, será muito difícil para um homem satisfazê-la: porque uma mulher pode ter orgasmos
em cadeia; um homem não pode. Um homem pode ter somente um orgasmo; uma mulher pode
ter uma cadeia de orgasmos. Existem casos relatados de orgasmos múltiplos. Qualquer mulher
pode ter pelo menos três orgasmos em uma cadeia, mas um homem pode ter apenas um. E com o
orgasmo do homem, a mulher é excitada e fica pronta para orgasmos mais profundos. Então a
coisa fica difícil. Então como lidar com isso?
Ela precisaria de um outro homem imediatamente e sexo de grupo é um tabu. Criamos, em
todo o mundo, sociedades monogâmicas. Parece que sentimos que é melhor reprimir a mulher.
Dessa forma, na realidade, um número entre oitenta e noventa por cento das mulheres fica sem
saber o que é o orgasmo. Elas podem parir filhos; isso é outra coisa. Elas podem satisfazer um
homem; isso também é outra coisa. Mas elas mesmas nunca se satisfazem. Assim, se você vê, no
mundo todo, tamanho amargor nas mulheres – tristeza, amargura, frustração – é natural. A
necessidade básica delas não é preenchida.
O sacudir do corpo é maravilhoso porque, quando você permite o sacudir em seu ato sexual, a
energia começa a fluir por todo o seu corpo, a energia vibra por todo o corpo. Cada célula de seu
corpo fica envolvida então. Cada célula se torna viva, porque toda célula é uma célula sexual.
Quando você nasceu, duas células sexuais se encontraram e seu corpo foi criado; aquelas duas
células sexuais estão em todo lugar em seu corpo. Elas se multiplicaram, se multiplicaram e se
multiplicaram, mas a sua unidade básica permanece a célula sexual. Quando o sacudir acontece
em todo o seu corpo, não se trata apenas de um encontro de você com sua amada, seu amado.
Dentro de seu corpo também, cada célula está se encontrando com a célula oposta. Este sacudir
mostra isso. Parecerá como coisa de animal, mas o homem é um animal e não há nada de errado
nisso.
Este segundo sutra diz: Quando em tamanho abraço seus sentidos forem sacudidos como
folhas.... Um grande vento está soprando e uma árvore é sacudida. Até mesmo as raízes são
sacudidas, cada folha é sacudida. Seja simplesmente uma árvore. Um grande vento está soprando
e o sexo é um grande vento – uma grande energia soprando através de você. Deixe o sacudir
acontecer! Vibre! Permita que cada célula de seu corpo dance – e isso deve ser para ambos. A
amada também está dançando, todas as células vibrando. Somente então os dois podem se
encontrar. E, então, esse encontro não é mental – é um encontro de suas bioenergias.
Entre nesse sacudir e, enquanto estiver no sacudir, não permaneça distante. Não seja um
espectador, porque a mente é o espectador. Não permaneça distante! Seja o sacudir, torne-se o
sacudir. Esqueça tudo e torne-se o sacudir. Não é que o seu corpo esteja se sacudindo: é você,
todo o seu ser. Você se torna o próprio sacudir. Então, não existem dois corpos, duas mentes. No
começo, existem duas energias num sacudir... e no final apenas um círculo – não mais dois.
O que acontecerá nesse círculo? Primeiro, vocês serão parte de uma força existencial – não de
uma mente social, mas de uma força existencial. Vocês serão parte de todo o cosmos. Nesse
sacudir vocês serão parte de todo o cosmos. Esse momento é de grande criação. Vocês são
dissolvidos enquanto corpos sólidos. Vocês se tornam líquidos – fluindo um no outro. A mente
se foi, a divisão se foi. Vocês têm uma unidade.
Isso é advaita, isso é não-dualidade. E se você não puder sentir essa não-dualidade, então
todas as filosofias de não-dualidade são inúteis – apenas palavras. Uma vez que você conheça
esse momento existencial não-dual, somente então você pode entender os Upanishads. Somente
então você pode entender os místicos – do que eles estão falando quando falam de uma unidade
cósmica, de uma totalidade. Então você não está separado do mundo, não é estrangeiro nele.
Então a existência se torna o seu lar. E com esse sentimento de que “agora eu estou em casa na
existência”, todas as preocupações são perdidas. Então não existe angústia, nem luta, nem
conflito. É isso que Lao Tzu chama de Tao, o que Shankara chama de advaita. Você pode
escolher sua própria palavra, mas é através de um profundo abraço de amor que é fácil senti-la.
Mas esteja vivo, sacudindo – e se torne o próprio sacudir.

50 Faça amor sem um parceiro

O terceiro sutra:

Até mesmo relembrando a união, sem o abraço, a transformação.

Uma vez que você conheça isso, até mesmo o parceiro deixa de ser necessário. Você pode
simplesmente relembrar o ato e entrar nele. Mas primeiro você deve ter a sensação. Se você
conhece a sensação, você pode entrar no ato sem o parceiro. Isso é um pouco difícil, mas
acontece. E caso isso não aconteça, você continua sendo dependente, uma dependência é criada.
Isso acontece por muitas razões.
Se você já teve a sensação, se você conheceu o momento em que você não estava ali, mas
apenas uma energia vibrante formando uma unidade, e havia um círculo com o parceiro...
naquele momento não existe parceiro. Naquele momento só você existe, e para o parceiro você
não existe; somente ele ou ela existe. Essa unidade é centrada dentro de você; seu parceiro não
existe mais. E é mais fácil para as mulheres terem essa sensação, porque elas sempre fazem amor
com os olhos fechados.
Durante essa técnica, é bom você manter os olhos fechados. Então existe somente uma
sensação interna de um círculo, uma sensação interna de unidade. Simplesmente relembre isso.
Feche os olhos; deite-se como se você estivesse fazendo amor com seu parceiro. Apenas
relembre e comece sentir. Seu corpo começará a tremer e vibrar. Permita isso! Esqueça
completamente que o outro não está presente. Mova-se como se o outro estivesse presente.
Somente no começo é “como se”. Uma vez que você o conheça, então não é “como se”, então o
outro está presente.
Mova-se como se você estivesse realmente entrando no ato sexual. Faça tudo o que você
poderia fazer com seu parceiro. Grite, mova-se, estremeça. Logo o círculo estará presente e esse
círculo é milagroso. Logo você sentirá que o círculo é criado, mas agora esse círculo não é criado
com um homem e uma mulher. Se você é homem, então todo o universo se tornou mulher; se
você é mulher, então todo o universo se tornou homem. Agora você está em uma profunda
comunhão com a própria existência, e a porta, o outro, não está mais presente.
O outro é simplesmente uma porta. Quando você está fazendo amor com uma mulher, você
está na verdade fazendo amor com a própria existência. A mulher é apenas uma porta, o homem
é apenas uma porta. O outro é apenas uma porta para o todo, mas você está com tanta pressa que
nunca pode sentir isso. Se você permanecer em comunhão, em profundo abraço por horas
seguidas, você esquecerá o outro e o outro apenas se tornará uma extensão do todo. Uma vez que
essa técnica seja conhecida, você pode usá-la sozinho. E quando você pode usá-la sozinho, ela
lhe dá uma nova liberdade – liberdade do outro.
Realmente acontece que toda a existência se torna o outro – seu amado, sua amada e então
essa técnica pode ser usada continuamente e você pode permanecer em constante comunhão com
a existência.
E então você pode praticá-la em outra dimensão também. Caminhando pela manhã, você
pode fazê-la. Então você está em comunhão com o ar, com o sol nascente e com as estrelas e
com as árvores.... Ao olhar fixamente para uma estrela à noite, você pode praticá-la. Ao olhar
para a lua, você pode praticá-la. Uma vez que você saiba como acontece, você pode estar em um
ato sexual com todo o universo.
Mas é bom começar com seres humanos porque eles estão mais perto de você – a parte mais
perto do universo. Mas eles são dispensáveis. Você pode dar um salto e esquecer a porta
completamente – até mesmo relembrando a união... a transformação – e você será
transformado, você se tornará novo.
O tantra usa o sexo como um veículo. Ele é energia; ele pode ser usado como um veículo. Ele
pode transformar você e ele pode lhe dar estados transcendentais. Mas da maneira como estamos
usando o sexo, isso parece difícil para nós – porque nós o estamos usando de uma maneira muito
errada. E a maneira errada não é natural. Até mesmo os animais são melhores do que nós: eles
usam o sexo de uma maneira natural. Nossas maneiras são pervertidas. O contínuo martelar
sobre a mente humana de que o sexo é pecado criou uma profunda barreira dentro de você. Você
nunca se permite uma entrega total. Alguma coisa sempre permanece distante, condenando – até
mesmo com as pessoas da nova geração. Elas podem dizer que não estão oprimidas, obcecadas,
que o sexo não é um tabu para elas, mas você não pode desoprimir seu inconsciente tão
facilmente. Ele foi construído por séculos e séculos; todo o passado humano está presente.
Assim, embora você possa não estar condenando aquilo conscientemente, o inconsciente está
presente condenando. Você nunca está totalmente no sexo. Alguma coisa sempre fica de fora.
Essa parte que fica de fora, cria a divisão.
O tantra diz: mova-se nele com totalidade. Simplesmente se esqueça de si mesmo, de sua
civilização, sua religião, sua cultura, sua ideologia. Esqueça-se de tudo! Simplesmente mova-se
no ato sexual: entre nele totalmente; não deixe nada de fora. Torne-se absolutamente não-
pensamento. Só então acontece a percepção de que você se tornou uno com alguém.
E essa sensação de totalidade pode, então, ser separada do parceiro e pode ser usada com todo
o universo. Você pode estar em um ato sexual com uma árvore, com a lua, com qualquer coisa.
Uma vez que você saiba como criar esse círculo, ele pode ser criado com qualquer coisa –
inclusive sem nada.
Você pode criar esse círculo dentro de si mesmo, porque o homem é ambos: homem e
mulher; e a mulher é ambos: mulher e homem. Você é ambos, porque você foi criado pelos dois.
Você foi criado por ambos, homem e mulher; assim, metade de você permanece o outro. Você
pode esquecer tudo completamente e o círculo pode ser criado dentro de você. Uma vez que o
círculo seja criado dentro de você – seu homem encontrando sua mulher, a mulher interior está
encontrando o homem interior – você está em um abraço dentro de si mesmo. E só então, quando
esse círculo é criado, o celibato real é atingido. De outra forma, todos os celibatos são apenas
perversões e, então, criam seus próprios problemas.
Quando esse círculo é criado internamente, você está liberado. É isso que o tantra diz: o sexo
é a escravidão mais profunda, todavia ele pode ser usado como um veículo para a mais elevada
liberdade. O tantra diz que o veneno pode ser usado como medicamento, mas é necessário
sabedoria.
Assim, não condene nada. Ao invés, use-o. E não seja contra nada. Encontre meios de como
aquilo pode ser usado e transformado. O tantra é uma profunda aceitação total da vida. Essa é a
única abordagem dessa espécie. Em todo o mundo, em todos os séculos que passaram, o tantra é
único. Ele diz: não jogue nada fora e não seja contra nada e não crie nenhum conflito, porque
com qualquer conflito você será destrutivo consigo mesmo.
Todas as religiões são contra o sexo, temerosas dele, porque ele é uma energia enorme. Uma
vez que você esteja nele, você não existe mais e então a corrente o levará para qualquer lugar;
por isso o medo. Então... “Crie uma barreira de forma que você e a corrente se tornem dois. E
não permita que essa energia vital tenha alguma posse sobre você – seja o senhor dela!”
Somente o tantra diz que esse domínio será falso, doente, patológico, porque você não pode
na verdade estar separado desta corrente. Você é ela! Assim, todas as divisões serão falsas,
arbitrárias. E, basicamente, nenhuma divisão é possível, porque você é a corrente, parte essencial
dela, uma onda dela. Você pode se congelar e pode se separar da corrente, mas esse
congelamento será mortal. E a humanidade se tornou morta. Ninguém está na verdade vivo –
vocês se tornaram apenas pesos mortos flutuando na corrente. Dissolvam-se!
O tantra diz para tentar se dissolver. Não se tornem como icebergs: dissolvam-se e se tornem
um com o rio.
Tornando-se um com o rio, sentindo-se um com o rio, misturando-se com o rio, estejam
conscientes e haverá a transformação. Há transformação. A transformação não vem através do
conflito, vem através da consciência.
Essas três técnicas são muito, muito científicas, mas então o sexo se torna uma coisa diferente
do que você conhece. Então ele não é um alívio temporário, então ele não é um jogar fora de
energia. Então não há nenhum final para ele. Ele se torna um círculo meditativo.

51 Quando a alegria vier, torne-se ela

Mais algumas técnicas relacionadas:

Ao alegremente ver um amigo há muito ausente, penetre essa alegria.

Entre nessa alegria e torne-se uno com ela – qualquer alegria, qualquer felicidade. Isso é
apenas um exemplo: Ao alegremente ver um amigo há muito ausente.... De repente você vê um
amigo que não via há muitos e muitos dias ou há muitos, muitos anos. Uma alegria repentina
domina você. Mas a sua atenção estará no amigo, não em sua alegria. Então você estará
perdendo alguma coisa e essa alegria será momentânea. Sua atenção está focada no amigo: você
começará a falar, a se lembrar de coisas e perderá essa alegria e essa alegria irá embora.
Quando você encontrar um amigo e de repete sentir uma alegria surgindo em seu coração,
concentre-se nessa alegria. Sinta-a e torne-se ela e encontre o amigo permanecendo consciente e
preenchido com a sua alegria. Deixe o amigo estar apenas na periferia e você permanece
centrado em seu sentimento de alegria.
Isso pode ser feito em muitas outras situações. O sol está surgindo e de repente você sente
alguma coisa surgindo dentro de você. Então esqueça o sol; deixe-o permanecer na periferia.
Fique centrado em sua própria sensação da energia surgindo. No momento em que você olhar
para ela, ela se espalhará. Ela se tornará todo o seu corpo, todo o seu ser. E não seja apenas um
observador dela; dissolva-se nela. Existem muitos poucos momentos em que você sente alegria,
felicidade, bem-aventurança, mas você continua perdendo-os, porque você fica centrado no
objeto.
Sempre que existe alegria, você sente que ela está vindo de fora. Você encontrou um amigo;
naturalmente, parece que a alegria está chegando de seu amigo, do fato de tê-lo visto. Esse não é
fato verdadeiro. A alegria sempre está dentro de você. O amigo apenas se tornou uma situação. O
amigo a ajudou a sair, lhe ajudou a ver que ela existe. E isso não acontece somente com a alegria,
mas com tudo: com a raiva, com a tristeza, com a miséria, com a felicidade.... Com tudo é assim.
Os outros são apenas situações nas quais as coisas que estão escondidas em você são expressas.
Eles não são a causa; eles não estão causando alguma coisa em você. Tudo o que está
acontecendo, está acontecendo com você. Sempre esteve presente; somente que ter encontrado
esse amigo se tornou uma situação em que o que estava escondido saiu, se manifestou –
apareceu. De fontes escondidas, se tornou aparente, manifesto. Sempre que isso acontecer
permaneça centrado na sensação interior e então você terá uma atitude diferente com relação a
tudo na vida.
Inclusive com emoções negativas, faça isso. Quando você estiver com raiva, não esteja
centrado na pessoa que a despertou. Deixe-a ficar na periferia. Torne-se simplesmente a raiva.
Sinta a raiva em sua totalidade; permita-a acontecer internamente. Não racionalize; não diga que
esse homem a criou. Não condene o homem. Ele simplesmente foi a situação. E sinta-se grato
por ele ter ajudado a fazer alguma coisa que estava escondida se manifestar. Ele tocou você em
algum lugar e uma ferida estava lá, escondida. Agora você a conhece, assim torne-se a ferida.
Com o negativo ou o positivo, com qualquer emoção, use isso e haverá uma grande mudança
em você. Se a emoção for negativa, você se libertará dela ficando consciente de que ela está
dentro de você. Se a emoção for positiva, você se tornará a própria emoção. Se for alegria, você
se tornará alegria. Se for raiva, a raiva se dissolverá.
E essa é a diferença entre emoções negativas e positivas: se você se torna consciente de uma
certa emoção, e pelo seu tornar-se consciente a emoção se dissolve, então ela é negativa. Se pelo
seu tornar-se consciente de uma certa emoção, você se torna a emoção, se a emoção se espalha e
torna-se o seu ser, então ela é positiva.
A consciência trabalha de maneira diferente em ambos os casos. Se for uma emoção
venenosa, você é liberado dela através da consciência. Se for boa, bem-aventurada, extasiante,
você se torna um com ela. A consciência a aprofunda.
Assim para mim esse é o critério: se algo é aprofundado pela sua consciência, é algo bom. Se
alguma coisa for dissolvida através da consciência, é algo ruim. Aquilo que não pode permanecer
na consciência é pecado e aquilo que cresce na consciência é virtude. Virtude e pecado não são
conceitos sociais, são realizações interiores,
Use a sua consciência. É como se existisse escuridão e você trouxesse a luz: a escuridão não
existirá mais. Simplesmente por trazer a luz, a escuridão não estará mais presente, porque, na
verdade, ela não existia. Ela era negativa, apenas uma ausência de luz. Mas muitas coisas que
estão presentes se tornarão manifestas. Apenas por trazer a luz, estas folhas, estes livros, estas
paredes, não desaparecerão. Na escuridão eles não existem; você não os pode ver. Se você
trouxer a luz, a escuridão não existirá mais, mas aquilo que é real será revelado. Através da
consciência tudo o que é negativo como a escuridão será dissolvido – ódio, raiva, tristeza,
violência. Então o amor, a alegria, o êxtase, pela primeira vez se tornarão relevantes para você.
Assim, ao alegremente ver um amigo há muito ausente, penetre essa alegria.

52 Coma e beba conscientemente

A quinta técnica:
Comendo ou bebendo, torne-se o sabor da comida ou da bebida e seja preenchido.

Vivemos comendo coisas; não podemos viver sem elas. Mas nós as comemos muito
inconscientemente, automaticamente, como um robô. Se o sabor não está vívido, você apenas se
empanturra.
Vá devagar e permaneça consciente do sabor. E você só pode estar consciente quando vai
devagar. Não continue apenas engolindo as coisas. Saboreie-as sem pressa, e se torne o sabor.
Quando você sentir a doçura, torne-se essa doçura. E então ela pode ser sentida por todo o seu
corpo – não apenas na boca, não apenas na língua. Ela pode ser sentida por todo o seu corpo.
Uma certa doçura – ou qualquer outra coisa – vai se espalhando em ondas.
O que quer que esteja comendo, sinta o sabor e torne-se o sabor.
É dessa forma que o tantra aparece sendo bastante contrário às outras tradições. Os jainas
dizem: “Não saboreiem – ashwad!”. Mahatma Gandhi tinha isso como uma regra em seu ashram
– “Ashwad: não sintam o sabor de nada! Comam, mas não saboreiem; esqueçam o sabor. Comer
é uma necessidade, mas façam isso de uma maneira mecânica. Sabor é desejo, assim não
saboreiem!”
O tantra diz saboreie tanto quanto possível; seja mais sensível, vivo. E não apenas seja
sensível – torne-se o sabor.
Com ashwad, sem sabor, seus sentidos irão ficar amortecidos. Eles se tornarão cada vez
menos sensíveis. E com menos sensibilidade, você não será capaz de sentir seu corpo, não será
capaz de sentir suas sensações. Então você permanecerá centrado apenas na cabeça. Este
centramento na cabeça é a divisão. O tantra diz para não criar nenhuma divisão dentro de você
mesmo. É belo saborear; é belo ser sensível. E se você for mais sensível, você será mais vivo, e
se você for mais vivo, então mais vida entrará em seu ser interior. Você estará mais aberto.
Você pode comer coisas sem saborear; não é difícil. Você pode tocar alguém sem tocar; não é
difícil. Já estamos fazendo isso. Você dá a mão para alguém sem tocar a pessoa, porque para
tocá-la, você tem que vir para a mão, tem que se transportar para a mão. Você tem que se tornar
seus dedos, a sua palma – como se você, sua alma, chegasse na mão. Somente então você pode
tocar.
Você pode pegar a mão de alguém em sua mão e permanecer afastado. Você pode ficar
afastado; então a mão morta está presente. Parece estar tocando, mas não está.
Não nos tocamos! Temos medo de tocar alguém, porque simbolicamente o toque se tornou
sexual. Você pode estar de pé na multidão, em um bonde, numa plataforma ferroviária, tocando
muitas pessoas, mas você não as está tocando e elas não estão tocando você. Somente corpos
estão presentes em contato, mas você está afastado. E você pode sentir a diferença: se você
realmente tocar alguém na multidão, a pessoa se sentirá ofendida. Seu corpo pode tocar, mas
você não deve se mover nesse corpo. Você deve permanecer distante – como se não estivesse no
corpo, como se existisse apenas um corpo morto tocando.
Essa insensibilidade é ruim. Ela é ruim porque você está se defendendo contra a vida.
Você tem tanto medo da morte e você já está morto! Você realmente não precisa ficar com
medo, porque ninguém irá morrer: você já está morto!
E é por isto que você está morto: porque você não viveu. Você vem perdendo a vida e a morte
está vindo.
Uma pessoa que está viva não terá medo da morte, porque ela está vivendo. Quando você está
realmente vivendo, não existe medo da morte. Você pode até mesmo viver a morte. Quando a
morte vier, você estará tão sensível a ela, que você desfrutará. Ela será uma grande experiência.
Se você estiver vivo, você poderá inclusive viver a morte e então a morte não estará mais
presente.
Se você pode até mesmo viver a morte, se você pode até mesmo estar sensível para o seu
corpo morrendo, enquanto você está se retirando para o centro e se dissolvendo... se você pode
viver até mesmo isso, você se tornou imortal.
Comendo ou bebendo, torne-se o sabor da comida ou bebida e seja preenchido pelo sabor.
Bebendo água, sinta o frescor. Feche os olhos, beba-a lentamente, saboreie-a. Sinta o frescor e
sinta que você se tornou esse frescor, porque o frescor está sendo transferido para você pela
água; está se tornando uma parte de seu corpo. Sua boca está tocando, sua língua está tocando e o
frescor é transferido. Permita isso acontecer a todo o seu corpo. Permita que essas ondulações se
espalhem e você sentirá um frescor por todo o seu corpo. Dessa maneira sua sensibilidade pode
crescer e você pode se tornar mais vivo e mais preenchido.
Estamos frustrados, sentindo-nos sem substância, vazios e continuamos dizendo que a vida é
vazia. Mas nós somos a razão dela ser vazia. Não a estamos preenchendo e não permitimos que
nada a preencha. Temos uma armadura a nossa volta – uma armadura de defesa. Temos medo de
ficar vulneráveis e, assim, vamos nos defendendo contra todas as coisas. E então nos tornamos
túmulos – coisas mortas.
O tantra diz esteja vivo, mais vivo, porque a vida é Deus. Não existe nenhum outro Deus
além da vida. Esteja mais vivo e você será mais divino. Esteja totalmente vivo e não existirá
morte para você.

Nota

[1] Sutra - palavra que costumava vir em itálico por não fazer parte do nosso vernáculo oficial, agora já dicionarizada. (N. da T.)

[2] Tantra palavra já dicionarizada. (N. da T.)

[3] Two-ness – no original. (N. da T.)

[4] Insight palavra já dicionarizada. (N. da T.)


Capítulo 34

O ORGASMO CÓSMICO ATRAVÉS DO TANTRA



PERGUNTAS

Você está nos ensinando a indulgência?


Com que frequência a pessoa deve ser indulgente no sexo a fim de ajudar e de não impedir o
processo de meditação?
O orgasmo não exaure as energias meditativas da pessoa?
Você disse que o ato sexual deveria ser lento, mas total e incontrolado. Por favor, explique
estas duas coisas.

Antes que eu considere suas perguntas alguns outros pontos têm que ser esclarecidos, porque
esses pontos lhes ajudarão a entender melhor o que significa o tantra.
Tantra não é um conceito moral. Não é nem moral nem imoral. É amoral. É uma ciência, e
ciência não é nenhuma das duas coisas. A moralidade e os conceitos com relação ao
comportamento moral são irrelevantes para o tantra. O tantra não está interessado em como a
pessoa deve se comportar; não está interessado em ideais. Está interessado basicamente em “o
que é”, em “o que você é”. Esta distinção tem que ser entendida profundamente.
A moralidade está relacionada a ideais – como você deveria ser, o que você deveria ser.
Consequentemente, a moralidade é basicamente condenatória. Você nunca é o ideal, então você é
condenado. Toda moralidade é criadora de culpa. Você nunca pode se tornar o ideal; você
sempre fica para trás. A lacuna sempre estará presente, porque o ideal é o impossível e, através
da moralidade, ele se torna mais impossível. O ideal está lá no futuro e você está aqui como você
é – e você fica comparando. Você nunca é o homem perfeito; alguma coisa sempre está faltando.
Então você sente culpa; você sente uma autocondenação.
Uma coisa: o tantra é contra a autocondenação, porque a condenação nunca pode transformar
a pessoa. A condenação pode apenas criar hipocrisia. Então você tenta fingir, mostrar que você é
alguma coisa que, na verdade, você não é. Hipocrisia significa que você é o homem real – não o
ideal –, mas você finge, tenta mostrar que você é o homem ideal. Então você tem uma divisão
dentro de você; tem uma face falsa. O homem irreal nasce. E o tantra é basicamente uma busca
pelo homem real, não pelo homem irreal.
Por necessidade, toda moralidade cria hipocrisia. Isso acontecerá inevitavelmente. A
hipocrisia permanecerá com a moralidade. É parte dela – a sombra. Isso parecerá paradoxal
porque os moralistas são os homens que mais condenam a hipocrisia e eles são os criadores dela.
E hipocrisia não pode desaparecer da terra a menos que a moralidade desapareça. Ambas
existirão juntas; elas são dois aspectos da mesma moeda. A moralidade lhe dá o ideal e você não
é o ideal – é por isso que o ideal lhe é dado. Então você começa a sentir que está errado. E esse
“errado” é natural: ele lhe é dado, você nasce com ele e você não pode, imediatamente, fazer
nada a respeito. Você não pode transformá-lo, não é tão fácil. Você pode apenas reprimi-lo. Isso
é fácil.
Mas existem duas coisas que você pode fazer. Você pode criar uma face falsa; você pode
fingir ser alguma coisa que você não é. Isso o salva. Então, você pode se mover mais facilmente
na sociedade – de modo mais conveniente. E internamente você tem de reprimir o real, porque o
irreal só pode ser imposto se o real for reprimido. Dessa forma, sua realidade segue indo para
baixo, para dentro inconsciente; e sua irrealidade se torna sua consciência. Sua parte irreal se
torna mais dominante, e o real recua. Você fica dividido e quanto mais você tenta fingir, maior
será a brecha.
A criança nasce una, inteira. É por isso que toda criança é tão bela. A beleza é devido à
inteireza. A criança não tem brechas, cisão, divisão, fragmentos. A criança é una. O real e o
irreal não estão presentes. A criança é simplesmente real, autêntica. Você não pode dizer que a
criança é moral. A criança não é nem moral nem imoral. Ela é simplesmente inconsciente de que
haja alguma coisa moral ou imoral. No momento em que ela se torna consciente, uma divisão
começa. Então a criança começa a se comportar de maneiras irreais porque ser real se torna cada
vez mais difícil.
Isto acontece por necessidade, lembre-se, porque a família tem que regular – os pais têm que
regular. A criança tem que ser civilizada, educada, receber modos, ser cultivada; do contrário
será impossível para a criança mover-se na sociedade. Tem de lhe ser dito: “Faça isto, não faça
aquilo”. E quando nós dizemos “faça isto”, a realidade da criança pode não estar pronta para
fazer aquilo. Aquilo pode não ser real; pode não existir nenhum desejo real dentro da criança
para fazer aquilo. E quando dizemos “faça isto”, ou “não faça aquilo”, a natureza da criança pode
querer fazê-lo.
Nós condenamos o real e forçamos o irreal, porque o irreal será útil em uma sociedade irreal,
o irreal será conveniente. Onde todo mundo é falso, o real não será conveniente. Uma criança
real estará numa dificuldade básica com a sociedade, porque toda a sociedade é irreal. Isso é um
círculo vicioso. Nascemos em uma sociedade e até agora não existiu na terra uma única
sociedade que fosse real. E isso é vicioso! Uma criança nasce em uma sociedade, e uma
sociedade já está ali com suas regras, regulamentos, comportamentos e moralidades fixas, que a
criança tem que aprender.
Quando ela crescer, ela se tornará falsa. Então, crianças nascerão dela e ela as ajudará a se
tornarem falsas e isso vai continuando e continuando assim. O que fazer?
Nós não podemos mudar a sociedade. Ou se nós tentarmos mudar a sociedade, não estaremos
presentes quando a sociedade mudar. Isso levará uma eternidade. O que fazer?
O indivíduo pode se tornar consciente desta divisão interna básica: que o real foi reprimido e
o irreal foi imposto. Isso significa dor, significa sofrimento – é o inferno. Você não pode ter
nenhuma satisfação através do irreal, porque através do irreal somente satisfações irreais são
possíveis. E isso é natural; somente através do real podem acontecer satisfações reais. Através do
real você pode atingir a realidade; através do real você pode alcançar a verdade. Através do irreal
você só pode alcançar mais e mais alucinações, ilusões, sonhos – e através de sonhos você pode
enganar a si mesmo, mas nunca pode ficar satisfeito.
Por exemplo: em um sonho, se você sente sede, você pode sonhar que está bebendo água. Isso
será útil e conveniente para o sono continuar. Se esse sonho em que você sonha que está bebendo
água não existir, seu sono será quebrado: uma sede real está presente. Ela quebrará o sono; o
sono será perturbado. O sonho é uma ajuda; ele lhe dá a sensação de que você está bebendo água.
Mas a água é falsa. Sua sede é simplesmente ludibriada; ela não é removida. Você pode
continuar a dormir, mas a sede está ali, reprimida.
Isto está acontecendo não somente no sono: está acontecendo em toda a sua vida. Você vive
buscando coisas através da personalidade irreal que não existe, que é apenas uma fachada. Se
você não as obtiver, você ficará infeliz; se você as obtiver, então você também ficará infeliz. Se
você não as obtiver a miséria será menor – lembre-se. Se você as obtiver, a miséria será maior e
mais profunda.
Os psicólogos dizem que, devido a essa personalidade irreal, basicamente nunca queremos
atingir a meta – nunca queremos atingir – porque se você atinge a meta você ficará totalmente
frustrado. Você vive na esperança; na esperança você pode continuar. A esperança é um sonho.
Você nunca atinge a meta, assim você nunca chega a compreender que a meta é falsa.
Um homem pobre lutando por riqueza é mais feliz na luta, porque na luta existe esperança. E
com a personalidade irreal somente a esperança é felicidade. Se o homem pobre ficar rico, ele
ficará sem esperança. Agora a frustração será a consequência natural. A riqueza estará presente,
mas não a satisfação. Ele terá atingido a meta, mas nada terá acontecido. Suas esperanças são
despedaçadas. Eis por que no momento em que uma sociedade se torna abundante, ela se torna
perturbada.
Se os Estados Unidos estão tão perturbados hoje em dia, é devido às esperanças terem sido
conquistadas, às metas terem sido conquistadas e agora eles não podem mais enganar a si
mesmos. Assim, se nos Estados Unidos a geração mais jovem está se rebelando contra todas as
metas da geração mais velha, é por causa disto: elas provaram ser absurdas.
Na Índia, nós não podemos conceber isso. Não podemos conceber os jovens voluntariamente
tornando-se pobres, tornando-se hippies. Voluntariamente, tornarem-se pobres!? Nós não
podemos conceber isso. Ainda temos esperança. Estamos esperando pelo futuro: que algum dia o
país se tornará rico e então haverá o paraíso. O paraíso está sempre na esperança.
Por causa dessa personalidade irreal, o que quer que você tente, o que quer que você faça, o
que quer que você veja, torna-se irreal.
O tantra diz que a verdade pode acontecer a você somente se você novamente se enraizar no
real. Mas, para estar enraizado no real, você tem de ser muito corajoso consigo mesmo, porque o
irreal é conveniente; e o irreal é tão cultivado e sua mente é tão condicionada, que você ficará
com medo do real.

Alguém perguntou:

Você disse ontem para estar no ato de amor totalmente, para desfrutar, para sentir sua
intensa alegria, para permanecer nele e, quando o corpo começar a sacudir, para tornar-se
o sacudir. Então o que Você nos está ensinando – indulgência?

Isso é perversão! Essa é a personalidade irreal falando para você. A personalidade irreal é
sempre contra desfrutar alguma coisa. Ela está sempre contra você: você não deve desfrutar. Ela
sempre é pelo sacrifício das coisas, a favor do seu sacrifício pelos outros. Parece belo, porque
você foi educado nisto: “Sacrifique-se pelos outros.” – isso é altruísmo. Se você estiver tentando
desfrutar a si mesmo, “é egoísmo”. E no momento que alguém diz que “isto é egoísmo”, isso se
torna um pecado.
Mas lhe digo: o tantra é uma abordagem basicamente diferente. O tantra diz que, a menos que
você possa desfrutar a si mesmo, você não pode ajudar ninguém a desfrutar. A menos que você
esteja realmente contente consigo mesmo, você não pode servir aos outros; você não pode ajudar
os outros em direção ao contentamento. A menos que você esteja transbordando com sua própria
bem-aventurança, você é um perigo para a sociedade, porque uma pessoa que se sacrifica sempre
se torna um sádico.
Se sua mãe fica falando e lhe dizendo que “eu me sacrifiquei por você”, ela irá lhe torturar.
Se o marido vive dizendo para a esposa que “eu estou me sacrificando”, ele será um torturador
sádico. Ele irá torturar, porque o sacrifício é apenas um truque para torturar o outro.
Assim aqueles que estão sempre se sacrificando são muito perigosos – potencialmente
perigosos. Fique alerta com eles e não se sacrifique. A própria palavra é feia. Desfrute a si
mesmo; fique preenchido de bem-aventurança. E quando você estiver transbordando com sua
própria bem-aventurança, essa bem-aventurança chegará aos outros também. Mas isto não será
um sacrifício. Ninguém está devendo nada a você; ninguém precisa lhe agradecer. Ao contrário,
você se sentirá grato aos outros por eles estarem participando em sua bem-aventurança. Palavras
como ‘sacrifício’, ‘dever’, ‘serviço’ são feias; elas são violentas.
O tantra diz que a menos que você esteja preenchido com luz, como você pode ajudar os
outros a serem iluminados? Seja egoísta; somente então você pode ser altruísta. Do contrário
todo o conceito de altruísmo é absurdo. Seja feliz; somente então você pode ajudar os outros a
serem felizes. Se você estiver triste, infeliz, amargo, você irá ser violento com os outros e você
criará miséria para os outros.
Você pode se tornar um mahatma – um suposto grande santo; isso não é muito difícil. Mas
olhe para seus mahatmas. Eles estão tentando de todas as maneiras torturar todo mundo que
chega até eles. Mas a tortura é muito camuflada. Eles o torturam para o seu próprio bem; eles o
torturam para o seu próprio benefício. E como eles estão torturando a si mesmos, você não pode
lhes dizer que “vocês estão pregando alguma coisa para nós que vocês não estão praticando”.
Eles já estão praticando aquilo – estão torturando a si mesmos. Agora eles podem torturá-lo. E
quando uma tortura é para o seu benefício, essa é a tortura mais perigosa: você não pode escapar
dela.
E o que há de errado em desfrutar a si mesmo? O que há de errado em estar feliz? Se existe
alguma coisa errada, essa está em sua infelicidade, porque uma pessoa infeliz cria ondulações de
infelicidade por toda a sua volta. Seja feliz! E o ato sexual, o ato de amor, pode ser um dos mais
profundos meios através do qual a bem-aventurança pode ser atingida.
O tantra não está ensinando sexualidade. Está simplesmente dizendo que o sexo pode ser uma
fonte de bem-aventurança. E uma vez que você conheça essa bem-aventurança, você pode ir
mais fundo, porque, agora, você está enraizado na realidade. Não é para a pessoa permanecer
com o sexo para sempre, mas você pode usar o sexo como um trampolim. É isso que o tantra
quer dizer: você pode usar o sexo como um trampolim. E uma vez que você tenha conhecido o
êxtase do sexo, você pode entender o que os místicos falam: um orgasmo maior, um orgasmo
cósmico.
Meera está dançando. Você não pode entendê-la; você não pode nem mesmo entender suas
canções. Elas são sexuais; sua simbologia é sexual. É inevitável que seja, porque na vida humana
o ato sexual é o único ato no qual você chega a sentir uma não-dualidade, no qual você chega a
sentir uma profunda unidade, no qual o passado desaparece e o futuro desaparece e somente o
momento presente – o único momento real – permanece. Assim, todos aqueles místicos que
realmente conheceram a unidade com o divino, a unidade com a própria existência, eles sempre
usaram termos e símbolos sexuais para expressar suas experiências. Não existe outra simbologia,
não existe outra simbologia que chegue tão perto.
O sexo é apenas o começo, não o final. Mas se você deixa escapar o começo, você deixará
escapar o final também, e você não pode escapar do começo para alcançar o final.
O tantra diz para tomar a vida naturalmente. Não seja irreal. O sexo existe como uma
possibilidade profunda, uma grande potencialidade. Use-o! E o que está errado em ser feliz nele?
Na verdade, todas as moralidades são contra a felicidade. Alguém está feliz e você sente que
alguma coisa está errada. Quando alguém está triste, tudo está bem. Vivemos em uma sociedade
neurótica onde todo mundo está triste. Quando você está triste, todo mundo está feliz, porque
todo mundo pode compadecer-se de você. Quando você está feliz, todo mundo fica perturbado.
O que fazer com você? Quando alguém se compadece de você, olhe para o rosto da pessoa. O
rosto reluz; um brilho sutil chega ao rosto. Ela está feliz por compadecer-se. Se você está feliz,
então não existe possibilidade para isso. Sua felicidade cria tristeza nos outros; sua infelicidade
cria felicidade. Isso é neurose! O próprio fundamento parece ser louco.
O tantra diz: seja real, seja autêntico consigo mesmo. Sua felicidade não é ruim, ela é boa. Ela
não é pecado! Somente a tristeza é pecado, somente ser miserável é pecado. Ser feliz é virtude,
porque uma pessoa feliz não criará infelicidade para os outros. Somente uma pessoa feliz pode
ser um solo para a felicidade dos outros.
Em segundo lugar, quando digo que o tantra não é nem moral nem imoral, eu quero dizer que
o tantra é basicamente uma ciência. Ele olha para você, para o que você é. Isso significa que o
tantra não está tentando transformar a pessoa, mas, na verdade, a transforma através da realidade.
A diferença entre magia e ciência é a mesma que entre moralidade e tantra. A magia também
tenta transformar as coisas simplesmente através de palavras, sem conhecimento da realidade. O
mágico pode dizer: “Agora as chuvas irão parar”. Ele não as pode parar realmente. Ou ele pode
dizer que as chuvas cessarão – mas ele não as pode cessar, pode apenas continuar usando
palavras.
Algumas vezes haverá coincidências e então ele se sentirá poderoso. E se a coisa não
acontecer de acordo com a sua profecia mágica, ele pode sempre dizer: “O que saiu errado?”.
Essa possibilidade está sempre escondida na sua profecia. Com a magia todas as coisas começam
com “se”. Ele pode dizer: “Se todo mundo for bom, virtuoso, então as chuvas chegarão em
determinado dia”. Se as chuvas chegarem, está tudo bem; se as chuvas não chegarem, então,
“não é todo mundo virtuoso, existe alguém que é um pecador”.
Mesmo neste século, no século vinte, uma pessoa como Mahatma Gandhi disse, quando
houve fome em Bihar: “É devido aos pecados das pessoas que vivem em Bihar que a fome veio”
– como se o mundo todo não estivesse pecando, somente Bihar! A mágica começa com “se”, e
esse “se” é volumoso e vasto.
A ciência nunca começa com “se”, porque a ciência primeiro tenta saber o que é real – qual é
a realidade, o que é o real. Uma vez que o real seja conhecido, ele pode ser transformado. Uma
vez que você saiba o que é a eletricidade, ela pode ser modificada, transformada, usada. Um
mágico não sabe o que é a eletricidade. Sem conhecer a eletricidade, ele vai transformar, pensa
em transformar! Esse tipo de profecia é simplesmente falso – ilusão.
A moralidade é exatamente como a magia. Ela vive falando sobre o homem perfeito e, sem
saber o que é o homem, o homem real. O homem perfeito permanece como um sonho. E é usado
apenas para condenar o homem real. O homem nunca alcança aquilo.
Tantra é ciência. O tantra diz: primeiro conheça o que a realidade é, o que o homem é. E não
crie valores e não crie ideais agora; primeiro saiba o que é. Não pense em termos de “deve”,
pense apenas em termos de “é”. E uma vez que o “é” seja conhecido, então você pode mudá-lo.
Então, você tem o segredo.
Por exemplo: o tantra diz para não tentar ir contra o sexo, porque se você for contra o sexo e
tentar criar um estado de brahmacharya, celibato, pureza, isso será impossível – é apenas magia.
Sem saber o que é a energia sexual, sem saber do que o sexo é constituído, sem ir bem fundo na
sua realidade, nos seus segredos, você pode criar um ideal de brahmacharya. Então o que você
fará? Você simplesmente reprimirá. E uma pessoa que está reprimindo o sexo é mais sexual do
que uma pessoa que é indulgente com ele, porque através da indulgência a energia é liberada.
Através da repressão ela permanece presente, movendo-se em seu sistema continuamente.
Uma pessoa que reprime o sexo, começa a ver sexo em todo lugar. Tudo se torna sexual. Não
que tudo seja sexual, mas agora ela projeta. Agora ela projeta! Sua própria energia oculta é agora
projetada. Em todo lugar que olhar, ela verá sexo. E como ela está se condenando, ela começará
a condenar todo mundo. Você não pode encontrar um moralista que não seja violentamente
condenador. Ele condena todo mundo; para ele todo mundo está errado. Assim ele se sente bem,
seu ego fica satisfeito.
Por que todo mundo está errado? Porque ele vê em todo lugar a mesma coisa que ele está
reprimindo. Sua própria mente se tornará mais e mais sexual, e cada vez mais ele ficará com
medo. Esse brahmacharya é perversão, não é natural.
Uma qualidade diferente, um tipo diferente de brahmacharya, acontece para os seguidores do
tantra. Mas o processo em si é totalmente, diametralmente oposto. O tantra, primeiramente,
ensina como se mover no sexo, como conhecê-lo, como senti-lo, como chegar à mais profunda
possibilidade oculta nele, ao clímax, como encontrar a beleza essencial, a felicidade essencial e a
bem-aventurança que estão ocultas ali.
Uma vez que você conheça esse segredo você pode transcendê-lo porque, na verdade, em um
profundo orgasmo sexual não é o sexo que lhe dá bem-aventurança, é alguma coisa além. O sexo
é apenas uma situação. Alguma coisa além está lhe dando a euforia, o êxtase. Essa alguma coisa
além pode ser dividida em três elementos. Mas quando falar sobre esses elementos, não pense
que você pode entendê-los apenas com as minhas palavras. Eles devem se tornar parte de sua
experiência. Como conceitos eles são inúteis.
Devido a três elementos básicos do sexo você chega a um momento de bem-aventurança.
Esses três são: primeiramente, a ausência de tempo – você transcende o tempo completamente.
Não existe tempo. Você se esquece do tempo completamente; o tempo cessa para você. Não que
o tempo cesse, ele cessa para você; você não está nele. Não existe passado, nem futuro. Neste
exato momento, aqui e agora, toda a existência está concentrada. Este momento se torna o único
momento real. Se você puder tornar este momento o único momento real, sem o sexo, então não
existe necessidade de sexo. Através da meditação isso acontece.
Em segundo lugar, no sexo, pela primeira vez, você perde seu ego, você se torna sem ego.
Assim, todos aqueles que são muito egoístas, são sempre contra o sexo, porque no sexo eles têm
que perder seus egos. Você não existe, e nem o outro. Você e sua amada estão ambos perdidos
em algo além. Uma nova realidade se desenvolve, uma nova unidade vem para a existência na
qual o velho dois é perdido – completamente perdido. O ego tem medo. Você não existe mais.
Se, sem o sexo, você puder chegar a um momento em que você não existe, então, não há
necessidade dele.
E, em terceiro lugar, no sexo você é natural pela primeira vez. O irreal é perdido, as faces, as
fachadas são perdidas; a sociedade, a cultura, a civilização, é perdida. Você é uma parte da
natureza. Como as árvores são, como os animais são, como as estrelas são, você é uma parte da
natureza. Você está dentro de algo maior – o cosmos, o Tao. Você está flutuando nele. Você não
pode nem mesmo nadar nele; você não existe. Você está apenas flutuando – sendo levado pela
correnteza.
Estas três coisas lhe dão o êxtase. O sexo é apenas uma situação na qual isso acontece
naturalmente. Uma vez que você conheça e uma vez que você possa sentir esses elementos, você
pode criar esses elementos independentemente do sexo. Toda meditação é essencialmente a
experiência do sexo sem sexo. Mas você tem que passar através dele. Ele deve se tornar parte de
sua experiência, não como conceitos, ideias, pensamentos.
O tantra não é pelo sexo, o tantra é pela transcendência. Mas você pode transcender somente
através da experiência – experiência existencial – e não através de ideologia. Somente através do
tantra o brahmacharya acontece. Isso parece paradoxal, mas não é. Somente através do
conhecimento a transcendência acontece. A ignorância não pode ajudá-lo em direção à
transcendência; ela pode apenas ajudá-lo em direção à hipocrisia.
Agora, vou pegar mais algumas perguntas.

Alguém perguntou:

Com que frequência a pessoa deve ser indulgente no sexo a fim de ajudar e de não
impedir o processo de meditação?

A questão surge porque continuamos compreendendo mal. Seu ato sexual e o ato sexual
tântrico são basicamente diferentes. Seu ato sexual é para liberar; ele é exatamente como espirrar
um bom espirro. A energia é jogada fora e você é descarregado. Isso é destrutivo, não é criativo.
É bom, terapêutico – ajuda-o a relaxar, mas nada mais.
O ato sexual tântrico é básica e diametralmente oposto e diferente. Ele não é para liberar, não
é para jogar energia para fora. É para permanecer no ato, sem ejaculação, sem jogar a energia
para fora; permanecer imerso no ato – na parte inicial do ato, não na parte final. Isso muda a
qualidade; a qualidade completa é diferente então.
Tente entender duas coisas. Existem dois tipos de clímax, dois tipos de orgasmos. Um tipo de
orgasmo é o conhecido. Você atinge um pico de excitação, então você não pode ir mais adiante:
chegou o final. A excitação chega a um ponto em que se torna não-voluntária. A energia salta
dentro de você e sai. Você fica liberado dela, descarregado. A carga é jogada para fora; você
pode relaxar e dormir.
Você a está usando como um tranquilizante. Ele é um tranquilizante natural: um sono bom se
seguirá – se sua mente não estiver oprimida pela religião. Caso contrário, até mesmo o
tranquilizante é destruído. Se sua mente não estiver oprimida pela religião, somente então o sexo
pode ser uma coisa tranquilizante. Se você se sente culpado, até mesmo o seu sono será
perturbado. Você se sentirá deprimido, começará a se condenar e a fazer juramentos de que
agora não será mais indulgente. Então seu sono se tornará um pesadelo depois. Só se você for um
ser natural, não tão oprimido pela religião e pela moralidade, o sexo poderá ser usado como um
tranquilizante.
Esse é um tipo de orgasmo – chegar ao pico da excitação.
O tantra está centrado em um outro tipo de orgasmo. Se chamarmos o primeiro tipo de um
orgasmo de pico, você pode chamar o orgasmo tântrico de um orgasmo de vale. Nele você não se
dirige para um pico de excitação, mas para um vale muito profundo de relaxamento. A excitação
tem de ser usada para ambos, no começo. Por isso que eu digo que no começo ambos são iguais,
mas os finais são totalmente diferentes.
A excitação tem de ser usada para ambos: quer você esteja indo em direção ao pico de
excitação ou para o vale do relaxamento. Para o primeiro, a excitação tem de ser intensa – cada
vez mais intensa. Você tem que crescer nela; você tem que ajudá-la a crescer em direção ao pico.
No segundo, a excitação é apenas um começo. E uma vez que o homem tenha penetrado, ambos
o amante e a amada podem relaxar. Nenhum movimento é necessário. Eles podem relaxar num
abraço amoroso. Quando o homem, ou a mulher, sente que a ereção está sendo perdida, apenas
então um pouco de movimento e de excitação é necessário. Mas então, novamente, relaxe. Vocês
podem prolongar esse profundo abraço durante horas, sem ejaculação e, então, ambos podem
cair num sono profundo juntos. Isto – isto – é um orgasmo de vale. Ambos estão relaxados e se
encontram como dois seres relaxados.
No orgasmo sexual comum vocês se encontram como dois seres excitados – tensos, cheios de
excitação, tentando se descarregar. O orgasmo sexual comum parece loucura; o orgasmo tântrico
é uma meditação profunda, relaxante. Então não existe a pergunta de com que frequência a
pessoa deve ser indulgente. Você pode ser indulgente tanto quanto queira, porque nenhuma
energia é perdida. Ao contrário, ganha-se energia.
Você pode não estar ciente disso, mas este é um fato da biologia, da bioenergia: que homem e
mulher são forças opostas. Negativo-positivo, yin-yang, ou como quer que você queira chamá-
los, estão provocando um ao outro. E quando ambos se encontram em um profundo relaxamento,
eles se revitalizam. Ambos revitalizam um ao outro, ambos se tornam geradores, ambos se
sentem mais vivos, ambos se tornam mais radiantes, com a nova energia. E nada é perdido.
Simplesmente, pelo encontro com o polo oposto, a energia é renovada.
O ato de amor tântrico pode ser feito o quanto você quiser. O ato sexual comum não pode ser
feito o quanto você quiser, porque você está perdendo energia nele, e seu corpo terá que esperar
para recobrá-la. E quando você a recobrar, você a perderá novamente. Isso parece absurdo! Toda
a vida é gasta em ganhar e perder, recuperar e perder: é como uma obsessão.
A segunda coisa a ser lembrada: você pode ter observado ou não ao olhar os animais, que
você nunca os vê desfrutando o sexo. No intercurso, eles não estão desfrutando. Olhe para os
babuínos, macacos, cachorros ou qualquer tipo de animal – em seus atos sexuais você não pode
vê-los sentindo-se extasiados ou se deleitando – não pode! Parecem ser apenas atos mecânicos,
uma força natural puxando-os para aquilo. Se você já viu macacos num intercurso sexual, depois
do intercurso eles se separam. Olhe para suas caras: não existe nenhum êxtase nelas. É como se
nada tivesse acontecido. Quando a energia força, quando a energia é demais, eles a jogam fora.
O ato sexual comum é exatamente assim, mas os moralistas têm dito bem o contrário. Eles
dizem: “Não seja indulgente, não desfrute!” Eles dizem: “É assim que os animais fazem”. Isso
está errado: os animais nunca desfrutam; somente o homem pode desfrutar. E quanto mais fundo
você puder desfrutar, mais elevado é o tipo de humanidade que nasce. E se seu ato sexual se
tornar meditativo, enlevado, o mais elevado será alcançado. Mas lembre-se do tantra: ele é um
orgasmo de vale, não é uma experiência de pico. É uma experiência de vale!
No Ocidente, Abraham Maslow tornou muito famoso o termo ‘experiência de pico’. Você
entra na excitação em direção ao pico e, então, você cai. É por isso que, depois de todo ato
sexual, você sente uma queda. E isso é natural: você está caindo de um pico. Você nunca sentirá
isso depois de uma experiência sexual tântrica. Você não está caindo. Você não pode cair mais,
porque você está no vale. Ao contrário, você está subindo.
Quando você volta depois de um ato sexual tântrico, você ascendeu, não caiu. Você se sente
cheio de energia, mais vital, mais vivo, radiante. E este êxtase durará horas, até mesmo dias.
Depende de quão profundamente você tenha estado nele.
Se você entrar mesmo nele, mais cedo ou mais tarde você perceberá que a ejaculação é perda
de energia. Não há necessidade dela – a menos que você precise de filhos. E com uma
experiência sexual tântrica, você sentirá um profundo relaxamento o dia inteiro. Uma experiência
sexual tântrica, e durante dias você se sentirá relaxado – confortável, em casa, não-violento, não-
raivoso, não-deprimido. E este tipo de pessoa nunca é um perigo para os outros. Se ela puder,
ajudará os outros a serem felizes. Se não puder, pelo menos não fará ninguém infeliz.
Somente o tantra pode criar um novo homem e este homem pode conhecer a ausência do
tempo, a ausência do ego; e crescerá uma profunda não-dualidade com a existência. Uma
dimensão foi aberta. Não está distante, não está distante o dia em que o sexo simplesmente
desaparecerá. Quando o sexo desaparece sem seu conhecimento, quando, de repente, um dia,
você percebe que o sexo desapareceu completamente e não existe nenhuma luxúria, então o
brahmacharya nasceu. Mas isso é árduo. Parece árduo, devido a muitos ensinamentos falsos. E
você também sente medo disso por causa de seu condicionamento mental.
Nós temos muito medo de duas coisas: do sexo e da morte. E ambos são básicos. Um
verdadeiro buscador religioso entrará em ambos. Experimentará o sexo para saber o que ele é,
porque conhecer o sexo é conhecer a vida. E também gostará de saber o que a morte é, porque, a
menos que a morte seja conhecida, você não poderá saber o que é a vida eterna. Se você puder
entrar no sexo até seu próprio centro, você saberá o que é a vida; e se você puder entrar na morte,
voluntariamente, até seu próprio centro, então, no momento em que você tocar o centro da morte,
você se tornará eterno. Então você é imortal, porque a morte é algo que acontece apenas na
periferia.
Ambos, sexo e morte são básicos para um verdadeiro buscador, mas, para a humanidade
comum, ambos são tabus. Ninguém fala sobre eles e ambos são básicos e ambos estão
profundamente relacionados. E os dois são tão profundamente relacionados que, mesmo ao
entrar no sexo, você entra em um certo tipo de morte – porque você está morrendo. O ego está
desaparecendo; o tempo está desaparecendo; sua individualidade está desaparecendo. Você está
morrendo! O sexo também é uma morte sutil. E se você puder saber que o sexo é uma morte
sutil, a morte pode se tornar um grande orgasmo sexual.
Um Sócrates entrando na morte não fica com medo. Ao contrário, fica muito entusiasmado,
emocionado, excitado para saber o que é a morte. Existe uma sensação profunda de boas-vindas
em seu coração. Por quê? Porque se você conheceu a pequena morte do sexo e conheceu a bem-
aventurança que se segue, você gostará de conhecer a morte maior, a bem-aventurança maior que
está escondida atrás dela. Mas para nós ambos são tabus. Para o tantra, ambos são as dimensões
básicas da busca. A pessoa tem que passar através deles.

Alguém perguntou:
Se a pessoa experimenta a kundalíni, a subida de energia pela passagem espinhal, ela
não exaure as energias meditativas para ter o orgasmo?

Todas as perguntas não têm, basicamente, o entendimento do que é o ato sexual tântrico.
Normalmente é assim. Se sua energia, sua kundalíni, sobe, eleva-se e corre em direção à cabeça,
você não pode ter um orgasmo comum. E se você tentar tê-lo, você ficará num profundo conflito
interior, porque a energia está se movendo para cima e você a está forçando para baixo. Mas o
orgasmo tântrico não é uma dificuldade. Ele será uma ajuda. A energia movendo-se para cima
não é contraditória em relação ao orgasmo tântrico. Você pode relaxar, e esse relaxamento com
sua amada ajudará a energia mover-se mais alto.
No ato sexual comum isso é uma dificuldade. É por isso que todas aquelas técnicas que não
são tântricas, são contra o sexo – porque elas não sabem que um orgasmo de vale é possível. Elas
só conhecem um tipo – o orgasmo comum e, então, ele se torna um problema para elas. Para o
iôga ele é um problema, porque o iôga está tentando forçar a sua energia sexual para cima. É a
sua energia sexual movendo-se para cima que chamamos de kundalíni,
No ato sexual ela se move para baixo. O iôga dirá para você ser um celibatário, porque se
você estiver fazendo ambas as coisas – iôga e sendo indulgente no sexo – você estará criando
caos em seu sistema. Por um lado, você está tentando puxar a energia para cima e, por outro
lado, você está jogando energia para fora – para baixo. Você está criando caos. É por essa razão
que as técnicas do iôga são contra o sexo.
Mas o tantra não é contra o sexo porque o tantra tem um tipo diferente de orgasmo, um
orgasmo de vale, que pode ajudar. E nenhum caos, nenhum conflito é criado; ao contrário, ele
será útil.
Se você está fugindo, se você é um homem e está fugindo de uma mulher, ou se você é uma
mulher fugindo de um homem, então, o que quer que você faça, o outro permanecerá em sua
mente e continuará puxando você para baixo. Isso é paradoxal, mas é uma verdade.
Em um profundo abraço com sua amada, você pode esquecer o outro. Somente então você
esquece o outro. Um homem esquece que a mulher existe; uma mulher esquece que o homem
existe. Somente em um profundo abraço o outro não existe mais. E quando o outro não existe
mais, sua energia pode fluir mais facilmente. Do contrário, o outro continua puxando-a para
baixo.
Assim, o iôga e as técnicas comuns tentam fazê-lo fugir do outro – do sexo oposto. Você tem
que fugir. Você tem que ficar alerta – continuamente lutando e controlando. Mas se você é contra
o outro sexo, esse próprio “estar contra” torna-se um esforço contínuo e fica puxando você para
baixo.
O tantra diz: nenhum esforço é necessário. Fique relaxado com o outro. Nesse momento de
relaxamento o outro desaparece e sua energia pode fluir para cima, mas ela flui para cima
somente quando você está em um vale. Ela flui para baixo quando você está em um pico.

Mais uma pergunta:

Na noite passada, você disse que o ato sexual inteiro deveria ser lento e sem pressa. Mas
você também disse que a pessoa não deve ter controle sobre o ato sexual e que ela deve se
tornar total. Isso me confundiu. Por favor, explique essas duas coisas.
Não é controle. O controle é uma coisa diferente. E relaxamento é totalmente diferente. No
sexo, você relaxa nele, não o controla. Se você o estiver controlando, não haverá relaxamento. Se
você estiver controlando-o, mais cedo ou mais tarde você ficará com pressa para terminá-lo,
porque o controle é um esforço. E todo controle cria tensão, e a tensão cria urna necessidade,
uma emergência para se liberar.
Não é um controle – você não está resistindo a alguma coisa. Você simplesmente não está
com pressa, porque o sexo não está acontecendo a fim de se chegar em algum lugar. Você não
está indo a lugar algum. É apenas um divertimento; não existe meta. Nada há para ser atingido;
assim, por que a pressa?
Mas um homem que está sempre, em todo ato, presente totalmente.... Se você vive apressado
em todas as coisas, você estará apressado em seu ato sexual também, porque você estará
presente. Uma pessoa que é muito consciente do tempo será apressada em seu ato sexual também
– como se o tempo estivesse sendo gasto. Dessa forma, pedimos café instantâneo e sexo
instantâneo. Com o café é bom, mas com o sexo é simplesmente tolice. Não pode existir sexo
instantâneo. Ele não é um trabalho e não é alguma coisa que você possa apressar. Através da
pressa você o destruirá; você perderá o ponto.
Desfrute-o, porque através dele há um estado-atemporal a ser sentido. Se você estiver com
pressa, esse estado-atemporal não pode ser sentido.
O tantra diz: vá sem pressa, lentamente, desfrutando, como se você estivesse indo para uma
caminhada pela manhã – não como se você estivesse indo para o escritório. Isso é uma coisa
diferente.
Quando você está indo para o escritório, você está apressado para chegar em algum lugar.
Quando você está em uma caminhada pela manhã, você não está com pressa, porque você não
está indo a um lugar. Você está simplesmente indo. Não existe pressa, não existe meta. Você
pode retornar a partir de qualquer ponto.
Este estado de não-pressa é básico para se criar o vale; do contrário, será criado o pico. E
quando isso é dito, não significa que você tenha de controlar. Você não tem de controlar sua
excitação, porque isso é contraditório. Você não pode controlar a excitação. Se você a controla,
você está criando uma excitação dupla. Simplesmente relaxe! Tome o ato como um divertimento
em si; não crie nenhum fim. O começo é o suficiente.
Durante o ato, feche os olhos. Sinta o corpo do outro, sinta a energia do outro fluindo em sua
direção e funda-se nela, dissolva-se nela. Acontecerá. O velho hábito pode persistir por alguns
dias; depois, ele irá embora. Mas não o force a ir. Apenas continue relaxando, relaxando,
relaxando e, se não houver ejaculação, não sinta que alguma coisa aconteceu de errado.
Um homem sente que alguma coisa de errado aconteceu quando não há ejaculação; ele tende
a sentir que alguma coisa saiu errada. Nada de errado aconteceu! E não sinta que você perdeu
alguma coisa: você não perdeu! No começo será sentido como se você estivesse perdendo
alguma coisa, porque a excitação e o pico não estarão presentes. Antes do vale acontecer, você
sentirá que está perdendo alguma coisa, mas isso é apenas um velho hábito. Dentro de um
período, dentro de um mês ou de três semanas, o vale começará a aparecer e quando o vale
aparecer você esquecerá seus picos. Nenhum pico vale isso. Mas você tem que esperar. E não
force e não controle. Apenas relaxe.
O relaxamento é um problema – porque quando dizemos “relaxe”, na mente isso é traduzido
como se algum esforço tivesse de ser feito. Nossa língua dá essa aparência. Eu estava lendo um
livro. O livro é ‘intitulado “Você Deve Relaxar”. Você deve! O próprio “deve” não permitirá que
você relaxe, porque quando a coisa se torna uma meta, você “deve” e, se você não for capaz,
você se sentirá frustrado. O próprio “deve” lhe dá uma sensação de um duro esforço – de uma
árdua jornada. Você não pode relaxar se você estiver pensando em termos de “dever”.
A linguagem é um problema. Existem certas coisas que a linguagem sempre expressa de
maneira errada. Por exemplo, relaxamento: se eu digo para relaxar, então também isso se torna
um esforço e você perguntará: “Como relaxar?”. Com o “como” você perde o ponto. Você não
pode perguntar “como”. Então você estará pedindo uma técnica e a técnica criará esforço,
esforço criará tensão. Assim se você me perguntar como relaxar, eu lhe direi: Não faça coisa
alguma, simplesmente relaxe. Apenas deite-se e espere, não faça nada! Tudo o que você puder
fazer se tornará a barreira; criará o obstáculo.
Se você começar a contar de um a cem e depois de cem a um, você permanecerá acordado a
noite inteira. E se algumas vezes você achou que caiu no sono por causa da contagem, não foi
por causa da contagem. Foi porque você contou e contou e, então, você se entediou – foi por
causa do tédio. Não foi por causa da contagem – foi apenas devido ao tédio. E, então, você se
esquece de contar e, aí, o sono vem. Mas o sono vem, o relaxamento vem, somente quando você
não está fazendo nada: esse é o problema.
Quando digo “ato sexual” parece que você precisa de algum esforço. Você não precisa!
Apenas comece a brincar com seu amante ou sua amada; simplesmente continue brincando.
Sintam um ao outro, sejam sensíveis um ao outro, exatamente como crianças pequenas
brincando, ou como cachorros brincando – animais brincando. Simplesmente continue brincando
e, absolutamente, não pense sobre o ato sexual. Ele pode acontecer, pode não acontecer.
Se ele acontecer através da brincadeira, isso lhe levará, mais facilmente, ao vale. Se você
pensar sobre ele, então você já estará à frente de si mesmo: você está brincando com sua amada,
mas você está pensando no ato sexual. Então a brincadeira é falsa. Você não está aqui e a mente
está no futuro e essa mente sempre se moverá no futuro.
Quando você está no ato sexual, a mente está pensando sobre como acabá-lo. Ela está sempre
à sua frente. Não permita isso! Apenas brinque e esqueça a respeito de qualquer ato sexual. Ele
acontecerá. Então será fácil relaxar. E, quando ele acontecer, simplesmente relaxe. Fiquem
juntos. Fiquem na presença um do outro e sintam-se felizes.
Negativamente, alguma coisa pode ser feita. Por exemplo: quando você fica excitado, você
respira mais rápido, porque a excitação precisa de respirações rápidas. Para o relaxamento, é
bom – útil –, que você respire profundamente: não rapidamente, mas devagar, respirando muito
calmamente, bem tranquilo. Então o ato sexual pode ser prolongado.
Não falem, não digam nada, porque isso cria perturbação. Não usem a mente, usem os corpos.
Usem a mente somente para sentir o que está acontecendo. Não pensem, apenas sintam o que
está acontecendo – o calor que está fluindo, o amor que está fluindo, a energia que surge. Apenas
sintam.
Fique consciente e isso também não deve ser um esforço. Flutue, sem esforço. Somente então
o vale aparecerá. E uma vez que o vale apareça você é transcendido.
Uma vez que você sinta e viva o vale, o orgasmo relaxado, isso já é uma transcendência.
Então não é mais o sexo. Ele se tornou uma meditação – um samádhi.
Capítulo 35

VOLTANDO-SE PARA DENTRO EM DIREÇÃO AO REAL



OS SUTRAS

53. Ó aquele de olhar de lótus, doce de toque, ao cantar, ver, saborear, fique consciente de que
você é, e descubra o eternamente vivo.
54. Onde quer que a satisfação seja encontrada, em qualquer ato, realize isso.
55. No instante do sono, quando o sono ainda não chegou e a vigília externa se desvanece,
neste ponto o Ser é revelado.
56. Ilusões enganam, cores restringem, mesmo divisíveis são indivisíveis.

A civilização é um treino em como se tornar irreal. O tantra é o processo reverso: como evitar
se tornar irreal; e se você já se tornou irreal, como tocar a realidade que está escondida dentro de
você, como se conectar com ela novamente, como se tornar novamente real.
A primeira coisa a ser entendida é de que forma continuamos nos tornando irreais. E, uma vez
que esse processo seja compreendido, muitas coisas mudam imediatamente. A própria
compreensão torna-se a mutação.
O homem nasce não-dividido. Ele não é nem um corpo nem uma mente. Ele nasce não-
dividido, como um indivíduo. Ele é ambos corpo e mente. Mesmo dizer que ele é ambos é
errado. Ele é corpo-mente. Corpo e mente são dois aspectos de seu ser, não duas divisões. Duas
polaridades de alguma coisa que nós podemos chamar de vida, de energia ou de qualquer outra
coisa – X, Y, Z. Mas corpo e mente não são duas coisas.
O próprio processo de civilização, de educação, de cultura, de condicionamento, começa com
a divisão. Todo mundo aprende que é dois, não um. E então, naturalmente, a pessoa começa a
ficar identificada com a mente e não com o corpo. O processo de pensamento torna-se o centro.
E o processo de pensamento está apenas na periferia. Ele não está no centro, porque você pode
existir sem pensar. Uma vez você pode existir sem pensar, pensar não é uma necessidade para
existir. Se você for fundo na meditação, você existirá e não haverá pensamento. Se você ficar
inconsciente você existirá, mas não haverá pensamento. Entrando no sono profundo, você
existirá, mas não existirá pensamento.
O pensamento está apenas na periferia; seu ser está em algum outro lugar – mais fundo do
que o pensamento. Mas você está aprendendo continuamente que é dois, corpo e mente; e que,
na verdade, você é a mente e possui o corpo. A mente se torna o mestre e o corpo se torna o
escravo e você continua lutando contra o corpo. Isto cria uma brecha, uma fenda e essa fenda é o
problema. Todas as neuroses nascem dessa fenda; toda ansiedade nasce dessa fenda.
Seu ser está enraizado em seu corpo e seu corpo não é alguma coisa separada da existência. É
parte dela. Seu corpo é todo o universo. Ele não é algo limitado, finito. Você pode não ter
observado isso, mas tente observar onde seu corpo realmente termina – onde? Você pensa que
seu corpo termina onde sua pele termina?
Se o sol que está tão distante simplesmente morrer, instantaneamente você estará morto aqui.
Se os raios de sol pararem de chegar, você não estará mais aqui. Seu corpo não pode existir sem
o sol existindo lá, tão longe. O sol e você estão de alguma forma profundamente relacionados. O
sol deve estar incluído em seu corpo; do contrário você não pode existir. Você é parte de seus
raios.
Pela manhã você vê flores abertas; a abertura delas é na verdade o nascimento do sol. A noite
elas se fecharão; o fechamento delas é o pôr-do-sol. Elas são apenas expansões dos raios do sol.
Você existe aqui, porque lá, tão longe, o sol existe. Sua pele não é realmente sua pele. Sua pele
continua se expandindo; até mesmo o sol está incluído. Você está respirando; você pode respirar
porque o ar existe, a atmosfera existe. Cada momento que você exala e inala a atmosfera entra e
sai.
Se por um simples momento não existisse nenhum ar, você estaria morto. Sua respiração é
sua vida. Se sua respiração é sua vida, então toda a atmosfera faz parte de você. Você não pode
existir sem ela. Assim onde seu corpo realmente termina? Onde é o limite? Não existe limite! Se
você observar, se você for fundo, você descobrirá que não existe limite. Ou, o limite do universo
é o limite de seu corpo. Todo o universo está envolvido em você. Assim seu corpo não é apenas
seu corpo; ele é seu universo e você está enraizado nele. Sua mente também não pode existir sem
seu corpo. Ela é parte dele, um processo dele.
A divisão é destrutiva. E com a divisão você está fadado a se tornar identificado com a mente.
Você pensa. E sem pensamento não existiria divisão. Você pensa e se torna identificado com seu
pensamento. Então você sente como se possuísse o corpo. Isso é uma inversão completa da
verdade. Você não possui o corpo; nem o corpo possui você. Eles não são duas coisas.
A sua existência é uma unidade, uma profunda harmonia de polos opostos. Mas polos opostos
não estão divididos, são intimamente unidos. Somente então podem se tornar polos opostos. E a
oposição é boa. Ela traz desafios, traz vigor, cria energia. É dialética.
Se você realmente fosse um, sem polos opostos internamente, você seria inerte e sem vida.
Esses dois polos opostos, mente e corpo, lhe dão vida. Eles são opostos e ao mesmo tempo
complementares: são, básica e essencialmente, uma unidade. Uma corrente de energia percorre
ambos os polos. Mas quando nos tornamos identificados com o processo de pensamento,
pensamos que estamos centrados na cabeça. Se suas pernas forem cortadas, você não sentirá que
você está cortado. Você dirá: “Minhas pernas estão cortadas”. Mas se sua cabeça for cortada,
você é cortado. Você foi assassinado.
Se você fechar os olhos para sentir onde está, imediatamente você sentirá que está na cabeça.
Você não está ali – porque quando, no primeiro momento, você entrou na vida, no útero de sua
mãe, quando as células masculina e feminina se encontraram, não existia cabeça. Mas a vida
estava iniciada. Você existia e não havia cabeça. Nesse primeiro encontro de duas células vivas,
você foi criado. A cabeça veio mais tarde, mas seu ser já existia. Onde está esse ser? Ele não está
em sua cabeça. Na verdade, ele não está em nenhum lugar – ou está em todo lugar de seu corpo.
Ele não está em algum lugar; você não pode apontar onde ele está. E no momento em que você o
aponta, você perdeu a coisa toda. Ele está em todo lugar. Sua vida está em todo lugar, ela está
espalhada por todo você. E não somente por você todo, toda; se você a seguir, você terá de ir até
o final do universo. Ela está em toda parte!
Com a identificação de que “eu sou minha mente”, tudo se torna falso. Você se torna irreal
porque essa identidade é falsa. Isso tem de ser quebrado. As técnicas do tantra existem para
quebrar essa identidade. O esforço do tantra é para torná-lo sem- cabeça, não-centralizado,
estando em todo lugar ou em nenhum lugar. E por que a humanidade, por que os seres humanos
se tornam falsos e irreais com a mente? Porque a mente é um epifenômeno – um processo que é
necessário, útil, mas secundário; um processo que consiste em palavras, não em realidades. A
palavra ‘amor’ não é o amor, a palavra ‘deus’ não é Deus. Mas a mente consiste em palavras, em
um processo verbal e, então, o amor em si torna-se menos significativo do que a palavra ‘amor’.
Para a mente, a palavra é mais significativa. Deus se torna menos significativo do que a palavra
‘deus’. Para a mente é assim. As palavras se tornam mais importantes, mais significativas. Elas
se tornam primárias e nós começamos a viver nas palavras. E quanto mais você vive nas
palavras, mais raso você se torna. E você continuará perdendo a realidade, que não são as
palavras. Realidade é existência.
Viver na mente é como se alguém estivesse vivendo em um espelho. À noite, se você vai a
um lago e o lago está silencioso e sem ondulações, ele se torna um espelho. Você pode olhar para
a lua no lago, mas essa lua é falsa – apenas um reflexo. O reflexo vem do real, mas o reflexo não
é real. A mente é apenas um fenômeno refletor. A realidade é refletida nela, mas os reflexos não
são reais. E se você ficar preso nos reflexos, você perderá a realidade completamente.
É por isso que, com a mente, com os reflexos da mente, tudo se agita. Uma leve onda, um
leve vento, perturbará sua mente. A realidade não é perturbada, mas a mente é perturbada por
qualquer coisa. A mente é um fenômeno refletor e nós estamos vivendo na mente.
O tantra diz para descer. Desçam de seus tronos, desçam de suas cabeças. Esqueçam os
reflexos e movam-se em direção à realidade. Todas as técnicas que nós estamos discutindo estão
relacionadas a isto: como ficar longe da mente de forma que você possa se mover para a
realidade.
Agora discutiremos as técnicas.

53 O lembrar-se de si

A primeira técnica do lembrar-se de si:

Ó aquele de olhar de lótus, doce de toque, ao cantar, ver, saborear, fique consciente de
que você é, e descubra o eternamente vivo.

Nós estamos vivendo, mas não estamos conscientes de que existimos ou de que estamos
vivendo. Não existe o lembrar-se de si. Você está comendo, ou está tomando um banho, ou está
dando uma caminhada: você não está consciente de que você existe enquanto caminha. Todas as
coisas existem menos você. As árvores, as casas, o tráfego, todas as coisas existem. Você está
consciente de todas as coisas à sua volta, mas não está consciente de seu próprio ser, de que você
existe. Você pode estar consciente do mundo todo, mas se não está consciente de si mesmo essa
consciência é falsa. Por quê? Porque sua mente pode refletir todas as coisas, mas sua mente não
pode refletir você. Se você estiver consciente de si mesmo, então você transcendeu a mente.
Seu lembrar-se de si não pode ser refletido em sua mente porque você está por trás da mente.
Ela pode refletir somente coisas que estão à sua frente. Você pode ver os outros, mas você não
pode ver a si mesmo. Seus olhos podem ver todo mundo, mas seus olhos não podem se ver. Se
você quiser ver a si mesmo, você precisará de um espelho. Somente no espelho você pode ver a
si mesmo, mas então você terá que permanecer à frente do espelho.
Se sua mente é um espelho, ela pode refletir o mundo todo. Ela só não lhe pode refletir,
porque você não pode permanecer diante dela. Você está sempre atrás, escondido atrás do
espelho.
Esta técnica diz: enquanto estiver fazendo alguma coisa – cantando, olhando, saboreando –
esteja consciente de que você existe e descubra o eternamente vivo, e descubra dentro de si
mesmo a corrente, a energia, a vida, aquilo que vive eternamente. Mas... nós não estamos
conscientes de nós mesmos.
Gurdjieff usou o “lembrar-se de si” como uma técnica básica no Ocidente. O lembrar-se de si
é derivado deste sutra. Todo o sistema gurdiefiano está baseado neste sutra. Lembre-se de si
mesmo, no que quer que você esteja fazendo. Isso é muito difícil. Parece muito fácil, mas você
continuará se esquecendo. Nem mesmo por três ou quatro segundos você pode lembrar-se de si
mesmo. Você terá uma sensação de que está se lembrando e, de repente, você terá se movido
para algum outro pensamento. Até mesmo com esse pensamento – “Tudo bem, eu estou me
lembrando de mim mesmo” – você terá perdido, porque esse pensamento não é o lembrar-se de
si. Ao lembrar-se de si, não existirá pensamento; você estará completamente vazio. E o lembrar-
se de si não é um processo mental. Não é que você diga “sim, eu sou”. Dizendo “sim, eu sou”,
você perdeu. Isto é uma coisa da mente, é um processo mental: “Eu sou”.
Sinta “eu sou”, não as palavras ‘eu sou’. Não verbalize, apenas sinta que você existe. Não
pense, sinta! Tente. É difícil, mas se você continuar insistindo, acontece. Enquanto estiver
caminhando, lembre-se de que você existe e tenha a sensação de seu ser, não de algum
pensamento, não de alguma ideia. Apenas sinta.
Eu toco a sua mão, ou coloco a minha mão em sua cabeça: não verbalize. Apenas sinta o
toque e neste sentir e nessa sensação sinta não somente o toque, mas sinta também aquele que é
tocado. Então a sua consciência torna-se bidirecionada.
Você está caminhando sob as árvores; as árvores estão presentes, a brisa está presente, o sol
está nascendo. Esse é o mundo à sua volta; você está consciente dele. Pare por um momento e,
de repente, lembre-se de que você existe, mas não verbalize. Apenas sinta que você existe. Essa
sensação não verbal, mesmo que por apenas um simples momento, lhe dará um vislumbre – um
vislumbre que nenhum LSD pode lhe dar, um vislumbre que é do real. Por um único momento
você é jogado de volta para o centro de seu ser. Você está atrás do espelho; você transcendeu o
mundo dos reflexos; você é existencial.
E você pode fazer isso a qualquer momento. Não precisa de nenhum lugar especial ou de
nenhum momento especial. E você não pode dizer “eu não tenho tempo”. Enquanto estiver
comendo você pode fazer isso, quando tomar banho você pode fazer isso, quando estiver se
movimentando ou sentando você pode fazer isso – a qualquer momento. Não importa o que você
esteja fazendo, você pode, de repente, lembrar-se de si mesmo e então tentar continuar com esse
vislumbre de seu ser.
Será difícil. Em um momento você sentirá que está presente, no próximo momento você terá
se movido para longe. Alguns pensamentos terão entrado, algumas reflexões terão chegado a
você e você terá se envolvido na reflexão. Mas não fique triste e não fique desapontado. Isso é
assim porque por várias vidas estivemos interessados nas reflexões. Isso se tornou como um
mecanismo robótico. Instantaneamente, automaticamente, somos jogados para a reflexão. Mas se
apenas por um simples momento você tiver o lampejo, é suficiente para o começo. E por que é
suficiente? Porque você nunca terá dois momentos juntos. Somente um momento está com você,
sempre. E se você pode ter o vislumbre por um simples momento, você pode permanecer nele.
Somente esforço é necessário – um esforço contínuo é necessário.
Um único momento lhe é dado. Você não pode ter dois momentos juntos, assim não se
preocupe com dois momentos. Você terá sempre somente um momento. E se você puder estar
consciente em um momento, você pode estar consciente por toda a sua vida. Agora somente o
esforço é necessário, e isso pode ser feito o dia todo. Sempre que você se lembrar, lembre-se de
si mesmo.
“Ó aquele de olhar de lótus, doce de toque, ao cantar, ver, saborear, fique consciente de que
você é, e descubra o eternamente vivo.” Quando esse sutra diz “fique consciente de que você é
”, o que ele quer dizer? Você lembrará que “Meu nome é Rama” ou “Jesus” ou alguma outra
coisa? Você lembrará que pertence a tal e tal religião e tradição? A tal e tal país, casta, credo?
Você lembrará de que é um comunista ou um hindu ou um cristão? Do que você se lembrará?
O sutra diz “fique consciente de que você é”; ele simplesmente diz “você é”. Nenhum nome é
necessário, nenhum país é necessário. Deixe haver a simples existência: você é! Assim não diga
a si mesmo quem você é. Não responda que “eu sou isso e aquilo”. Deixe que haja a simples
existência: você é.
Mas isso se torna difícil porque nunca nos lembramos da simples existência. Sempre nos
lembramos de alguma coisa que é apenas um rótulo, não da própria existência. Sempre que você
pensa em si mesmo, você pensa sobre seu nome, sua religião, seu país, muitas coisas, mas nunca
o simples fato de que você existe.
Você pode praticar isto: relaxando em uma cadeira ou apenas sentado embaixo de uma
árvore, esqueça-se de todas as coisas e sinta essa “existência-de-si-mesma”. Nem cristão, nem
hindu, nem budista, nem indiano, nem inglês, nem alemão – simplesmente, você é. Tenha a
sensação disso e, então, será fácil para você, você se lembrar do que esse sutra diz: “Fique
consciente de que você é, e descubra o eternamente vivo”. E no momento em que você está com
a consciência de que você é, você é jogado na correnteza do eternamente vivo. O falso irá
morrer; somente o real permanecerá.
Eis por que temos tanto medo da morte: porque o irreal irá morrer. O irreal não pode existir
para sempre e estamos apegados ao irreal, identificados com o irreal. Você, como hindu, terá de
morrer; você, como Rama ou Krishna, terá que morrer; você, como comunista, como ateu, como
teísta, terá de morrer; você, como um nome e forma, terá de morrer. E se você estiver apegado ao
nome e à forma, obviamente o medo da morte chegará até você. Mas o real, o existencial, o
básico em você, é eterno. Uma vez que os nomes e as formas sejam esquecidos, uma vez que
você olhe para dentro, para o sem nome e o sem forma, você se moveu para o eterno.
Fique consciente de que você é, e descubra o eternamente vivo. Esta técnica é uma das mais
úteis e tem sido usada por milênios, por muitos professores, mestres. Buda a usou, Mahavira a
usou, Jesus a usou e nos tempos modernos Gurdjieff a usou. Entre todas as técnicas, essa é uma
das de maior potencial. Experimente-a. Levará tempo; meses se passarão.
Quando Ouspensky aprendeu com Gurdjieff, durante três meses ele teve que fazer muito
esforço, esforço árduo, a fim de ter um vislumbre do que é o lembrar-se de si. Assim,
continuamente, por três meses, Ouspensky viveu em uma casa afastada, fazendo apenas uma
única coisa: o lembrar-se de si. Trinta pessoas começaram esse experimento e no final da
primeira semana vinte e sete haviam escapado; somente três permaneceram. O dia todo eles
permaneciam tentando se lembrar – sem fazer nada mais, apenas se lembrando de que “eu sou”.
Vinte e sete sentiram que iam enlouquecer. Sentiram que a loucura estava bem perto; então,
escaparam. Eles nunca voltaram; nunca encontraram Gurdjieff novamente.
Por quê? Como somos, na verdade, somos loucos. Sem lembrar de quem somos, do que
somos, somos loucos. Mas essa loucura é tomada como sanidade. Quando você tenta voltar,
quando você tenta contatar o real, isso parecerá loucura, parecerá demência. Comparado com o
que somos, é exatamente o inverso, o oposto. Se você sente que aquilo é sanidade, isso parecerá
loucura.
Mas três persistiram. Um dos três era P. D. Ouspensky. Eles persistiram por três meses.
Somente depois do primeiro mês começaram a ter vislumbres do simplesmente ser, do “eu sou”.
Depois do segundo mês, até mesmo o “eu” desapareceu e eles começaram a ter vislumbres do
“ser” – de apenas ser, nem sequer o “eu”, porque o “eu” também é um rótulo. O puro ser não é
“eu” e “tu”; ele apenas é.
E, no terceiro mês, até mesmo a sensação de existir se dissolveu porque essa sensação de
“ser” ainda é uma palavra. Até mesmo essa palavra se dissolve. Então você é e então sabe o que
você é. Antes desse ponto chegar, você não pode perguntar “Quem sou eu?”. Ou você pode
continuar se perguntando continuamente “Quem sou eu?” – inquirindo continuamente “Quem
sou eu? Quem sou eu?” – e todas as respostas providenciadas pela mente se provarão falsas,
irrelevantes.
Você continua se perguntando – “Quem sou eu? Quem sou eu?” – e chega um ponto onde
você não pode mais responder a pergunta. Todas as respostas cairão e, então, a própria pergunta
cairá e desaparecerá. E quando até mesmo a pergunta “quem sou eu” desaparece, você sabe
quem você é.
Gurdjieff tentou de uma forma: simplesmente tente se lembrar de que você existe. Raman
Maharshi tentou de outra forma. Ele fez disso – perguntar, inquirir “quem sou eu” – uma
meditação. E não acredite em qualquer resposta que a mente possa fornecer. A mente dirá: “Que
tolice você está perguntando! Você é isso, você é aquilo, você é um homem, você é uma mulher,
você é educado ou sem educação, rico ou pobre...”. A mente fornecerá respostas, mas continue
perguntando. Não aceite qualquer resposta porque todas as respostas dadas pela mente são falsas.
Elas são da sua parte irreal. Elas estão vindo das palavras, estão vindo das escrituras, estão vindo
dos condicionamentos, estão vindo da sociedade, estão vindo dos outros. Continue perguntando.
Deixe que essa flecha do “quem sou eu” penetre cada vez mais e mais fundo. Chegará um
momento em que nenhuma resposta virá.
Esse é o momento certo. Então você está chegando mais perto da resposta. Quando nenhuma
resposta vem, você está perto da resposta, porque a mente está se tornando silenciosa – ou você
foi para muito longe da mente. Quando não houver resposta e um vácuo for criado em toda a sua
volta, seu questionamento parecerá absurdo. Para quem você está perguntando? Não existe
ninguém para lhe responder. De repente, até mesmo o questionamento irá parar. A última parte
da mente se dissolveu, porque esse questionamento também era da mente. Aquelas respostas
eram da mente e a pergunta também era da mente. Ambos se dissolveram, assim agora você é.
Tente. Há toda a possibilidade, se você persistir, dessa técnica lhe dar um vislumbre do real –
e o real é eternamente vivo.

54 Sinta a satisfação
A segunda técnica do lembrar-se de si:

Onde quer que a satisfação seja encontrada, em qualquer ato, perceba isso.

Você sente sede, então você bebe água. Uma satisfação sutil é atingida. Esqueça a água,
esqueça a sede. Permaneça com a satisfação sutil que você está sentindo. Seja preenchido por
ela; simplesmente sinta-se satisfeito.
Mas a mente humana é danada! Ela só vive insatisfeita, descontente. Nunca sente satisfação,
nunca se sente contente. Se você estiver insatisfeito, você sentirá isso e será preenchido por isso.
Quando você está com sede, você sente; você é preenchido pela sede, você a sente na garganta.
Se ela crescer, você a sentirá por todo o corpo. E chegará um momento em que não é que você
esteja com sede, você sentirá que você se tornou a sede. Se você estiver num deserto e não
houver nenhuma esperança de encontrar água, você não sentirá que você está com sede; você
sentirá que você se tornou a sede.
As insatisfações são sentidas, as misérias são sentidas, as dores são sentidas. Sempre que você
sofre, você se torna o sofrimento. É por isso que a vida toda se torna um inferno. Você nunca
sente o positivo; você sempre sente o negativo. A vida não é uma miséria, como a tornamos. A
miséria é apenas nossa interpretação. Um Buda está feliz aqui e agora, nesta própria vida. Um
Krishna está dançando e tocando uma flauta. Nesta própria vida aqui e agora, onde nós estamos
na miséria, Krishna está dançando. A vida não é nem miséria, nem bem-aventurança. Bem-
aventurança e miséria são nossas interpretações, nossas atitudes, nossas abordagens, como
olhamos para ela. É nossa mente – como ela toma a vida.
Recorde e analise a sua própria vida. Você alguma vez já levou em conta os momentos de
alegria, de contentamento, de satisfação, de vislumbres de bem-aventurança? Você nunca fez
uma estimativa, mas você fez todas as estimativas de sua dor, sofrimento, miséria... E você
continua acumulando. Você está em um inferno cumulativo e isso é de sua própria escolha.
Ninguém mais está lhe forçando esse inferno; trata-se de sua própria escolha.
A mente pega o negativo, acumula-o e torna-se ela mesma negativa. E então isso vira uma
miséria autoperpetuante. Quanto mais negatividade você tem dentro da mente, mais negativo
você se torna, mais negatividade é acumulada. O similar atrai o similar. E isso tem sido assim
por vidas e vidas. Você perde tudo por causa de sua abordagem negativa.
Esta técnica lhe dá uma abordagem positiva, uma reversão total para a mente comum e seu
processo. Onde quer que a satisfação seja encontrada, em qualquer ato, perceba isso – sinta-o,
torne-se um com isso. Não o considere apenas como uma fase passageira. A satisfação pode se
tornar um vislumbre de uma existência mais positiva.
Todas as coisas são apenas uma janela. Se você se torna identificado com uma dor, você está
olhando de uma janela – e a janela da dor, do sofrimento abre-se apenas em direção ao inferno.
Se você se torna um com um momento satisfatório, com um momento de bem-aventurança, com
um momento de êxtase, você está abrindo outra janela. A existência é a mesma, mas suas janelas
são diferentes.
Onde quer que a satisfação seja encontrada, em qualquer ato, perceba isso – onde quer que
seja! Nenhuma condição: onde quer que seja! Você vê um amigo e você se sente feliz; você
encontra o seu amante ou amada e se sente feliz; perceba isso. Seja feliz nesse momento e faça
dessa felicidade uma porta. Então você estará mudando a mente e você começará a acumular
felicidade. Sua mente se tornará positiva e o mesmo mundo parecerá diferente.
Consta que um mestre Zen, Bokuju, teria dito: “O mundo é o mesmo, mas nada é o mesmo
porque a mente muda. Todas as coisas permanecem as mesmas, mas nada é o mesmo porque eu
não sou o mesmo”.
Você continua tentando mudar o mundo e não importa o que você faça, o mundo
permanecerá o mesmo porque você permanece o mesmo. Você pode conseguir uma casa maior,
você pode conseguir um carro maior, você pode conseguir uma esposa mais bela ou um marido
mais belo, mas nada mudará. A casa maior não será maior. A bela esposa não será mais bela. O
carro maior permanecerá menor, porque você é o mesmo. Sua mente, sua abordagem, suas
maneiras de ver são as mesmas. Você continua mudando as coisas sem mudar a si mesmo. Assim
uma pessoa miserável abandona a cabana e muda-se para um palácio, mas a pessoa miserável
permanece a mesma. Ela era miserável em uma cabana; agora ela será miserável em um palácio.
A miséria pode ser palaciana, mas a pessoa permanecerá miserável.
Você continua carregando sua miséria consigo e para onde quer que você se mova ela estará
com você. Assim nenhuma mudança externa é basicamente uma mudança; é apenas uma
aparência. Você simplesmente sente que houve uma mudança, mas não houve nenhuma
mudança. Somente uma mudança, somente uma revolução, somente uma mutação pode se
realizar: se sua mente mudar do negativo para o positivo. Se sua perspectiva está focada na
miséria, você vive no inferno; se sua perspectiva está focada na felicidade, o próprio inferno se
torna o paraíso. Experimente! Isso mudará sua própria qualidade de vida.
Mas você está interessado em quantidade. Está interessado em como ficar mais rico – em
quantidade, não em qualidade. Você pode ter duas casas e dois carros; uma enorme conta no
banco; muitas coisas. A quantidade muda: ela se torna cada vez maior. Mas a sua qualidade
permanece a mesma e riqueza não é algo proveniente das coisas. A riqueza é proveniente da
qualidade de sua mente, de sua vida. Mesmo um homem pobre pode ser um homem rico no que
se refere à qualidade e um homem rico pode ser um homem pobre. Quase sempre esse é o caso,
porque uma pessoa interessada em coisas e em quantidade está totalmente inconsciente de que
uma dimensão diferente existe dentro dela – a dimensão da qualidade. E essa dimensão muda
somente quando sua mente é positiva.
A partir de amanhã de manhã, por todo o dia, lembre-se disto: sempre que você sentir alguma
coisa bela, satisfatória, alguma coisa ditosa – e há muitos momentos nas vinte e quatro horas do
dia – fique consciente. Há muitos momentos em que o céu está bem perto de você, mas você está
tão apegado e envolvido com o inferno que você continua perdendo esses momentos. O sol se
levanta, as flores se abrem, os pássaros cantam e a brisa sopra através das árvores. Isto está
acontecendo! Uma criança pequena olha para você com olhos inocentes e uma sensação sutil de
bem-aventurança o invade; ou alguém sorri e você se sente bem-aventurado.
Olhe em volta e tente encontrar a bem-aventurança; seja preenchido por ela. Nesse momento,
esqueça-se de todas as coisas. Seja preenchido por ela, saboreie e permita que ela aconteça em
todo o seu ser. Seja um com ela. A fragrância dela lhe acompanhará. Continuará ressoando
dentro de você o dia todo e esse ressoar, essa sensação ecoante, ajudá-lo-á a ser mais positivo.
Isso é cumulativo. Se você começar de manhã, à noite você estará mais aberto para as
estrelas, para a lua, para a noite, para a escuridão. Faça isso por vinte e quatro horas
experimentalmente, apenas para ter uma sensação do que é isso. Uma vez que você possa sentir
que o positivo o leva a um mundo diferente porque você se torna diferente, você não irá deixá-lo.
Toda a ênfase mudará do negativo para o positivo. Então olhe para o mundo de uma maneira
diferente e nova.
Estou me lembrando de uma historinha. Um dos discípulos de Buda estava se despedindo do
mestre. O nome do discípulo era Purnakashyapa. Ele perguntou a Buda: “Para onde devo ir?
Onde devo ir pregar sua mensagem?”
Buda disse: “Você mesmo pode escolher onde”.
Então, ele disse: “Eu irei para um lugar distante, em Bihar”. Esse local era conhecido como
Suka. – “Irei para a província de Suka.”
Buda disse: “E melhor você mudar sua escolha porque as pessoas dessa província são muito
cruéis, violentas, nocivas e ninguém ainda ousou ir lá para ensina-lhes a não-violência, o amor, a
compaixão. Assim, por favor, mude sua escolha.”
Mas Purnakashyapa disse: “Permita-me ir lá, porque ninguém foi lá e alguém tem que estar
lá”.
Buda disse: “Então eu lhe farei três perguntas antes de permitir que você vá. Se as pessoas
dessa província o insultarem, o humilharem, como você sentirá isso?”.
Purnakashyapa disse: “Se elas simplesmente me insultarem, sentirei que são pessoas muito
boas. Elas não estão me batendo. São boa gente; elas poderiam me bater”.
Buda disse: “Então a segunda pergunta: se elas começarem a bater em você, como você se
sentirá?”.
Purnakashyapa disse: “Sentirei que são pessoas muito boas. Poderiam ter me matado, mas
estão apenas me batendo”.
Então Buda disse: “Agora a terceira pergunta: se elas realmente o matarem e o assassinarem
como você se sentirá?”.
Purnakashyapa disse: “Eu agradecerei a você e a elas. Se elas me matarem, terão me libertado
de uma vida onde muitos erros eram possíveis. Elas terão me libertado e eu me sentirei grato.”.
Então Buda disse: “Agora você pode ir a qualquer lugar. O mundo todo é o céu para você.
Agora não há problemas. O mundo é um céu, você pode ir a qualquer lugar”.
Para esse tipo de mente, nada está errado com o mundo. Com a mente de vocês, nada pode
estar certo. Com uma mente negativa, tudo está errado – não que esteja errado; está errado
porque uma mente negativa pode ver apenas o que está errado.
Onde quer que a satisfação seja encontrada, em qualquer ato, perceba isso. Esse é um
processo muito delicado, mas muito doce também. E quanto mais você prossegue nele, mais
doce ele se torna. Você será preenchido com uma nova doçura e fragrância. Apenas olhe para a
beleza; esqueça o feio. Então chega um momento em que o feio também se torna belo.
Simplesmente, olhe para o momento feliz e chega um momento em que não existe nada que você
possa chamar de infeliz. Não existe momento infeliz, então. Fique ligado na bem-aventurança e,
mais cedo ou mais tarde, não haverá miséria. Todas as coisas são belas para uma mente positiva.

55 Esteja consciente do intervalo entre a vigília e o sono

A terceira técnica do lembrar-se de si:

No instante do sono, quando o sono ainda não chegou e a vigília externa se desvanece,
neste ponto o Ser é revelado.

Há alguns pontos de mudança em nossa consciência. Nesses pontos, você está mais perto do
seu centro do que em outros momentos. Você muda a marcha [1] e, sempre que muda uma
marcha, você passa pelo ponto morto. Esse ponto morto está mais próximo. Pela manhã, quando
o sono está indo embora, se desvanecendo, e você está se sentindo acordado, mas ainda não tão
acordado, exatamente no ponto médio, você está no “ponto morto”. Há um ponto, no qual você
não está nem dormindo nem acordado ou acordada, exatamente no meio. Lá você está num ponto
neutro. Ao passar do sono para a vigília, sua consciência muda todo o mecanismo. Ela pula de
um mecanismo para o outro. Entre os dois mecanismos, não há mecanismo: há um intervalo.
Através desse intervalo você pode ter um vislumbre de seu ser. O mesmo acontece à noite
quando você novamente está saltando de seu mecanismo de vigília para seu mecanismo de sono,
de seu consciente para o inconsciente. Por um único momento não existe mecanismo, nenhum
domínio do mecanismo sobre você, porque você tem de dar um salto de um estado para o outro.
Se você puder estar consciente entre um estado e outro, se você puder se tornar consciente entre
os dois, se você puder se lembrar de si entre os dois, você terá um vislumbre de seu ser real.
Como fazer isso? Quando for dormir, relaxe. Escureça o quarto, feche os olhos.
Simplesmente feche os olhos e comece a esperar. O sono está chegando; apenas espere, não faça
nada, apenas espere! Seu corpo está relaxando, o corpo está se tornando pesado. Sinta; tenha a
sensação disso. O sono tem seu próprio mecanismo, ele começa a funcionar. Sua consciência
desperta está se desvanecendo, lembre-se – porque o momento será muito sutil e o momento será
atômico. Uma vez perdido, está perdido. Não é um período muito longo – um simples momento,
um intervalo muito pequeno e você mudará da vigília para o sono. Apenas espere, totalmente
consciente. Continue esperando. Isso levará tempo. Levará pelo menos três meses. Somente
então você um dia poderá ter o vislumbre do momento que está exatamente no meio. Assim, não
tenha pressa. Você não pode realizar isso exatamente agora; você não pode realizá-lo hoje à
noite. Mas você tem de começar. E você pode ter que esperar por meses.
Comumente, dentro de três meses, um dia acontece – já está acontecendo todos os dias, mas a
sua consciência e o encontro do intervalo não podem ser planejados. É um acontecimento. Você
apenas permanece esperando e um dia acontece. Um dia, de repente, você se torna consciente de
que você não está nem acordado nem dormindo – um fenômeno muito estranho. Você pode
inclusive sentir medo, porque você conhece apenas estes dois: você sabe quando está dormindo,
você sabe quando está acordado. Mas você não conhece um terceiro ponto em seu ser quando
você não está em nenhum dos dois. Ao primeiro impacto dele você pode ficar assustado, com
medo. Não se assuste e não fique com medo. Qualquer coisa que seja muito nova, desconhecida
anteriormente, está fadada a trazer um certo medo. E esse momento, depois de você tê-lo
experienciado repetidas vezes, lhe dará um outro sentimento também: de que você não está nem
vivo nem morto, nem uma coisa nem outra. E isso é um abismo. Esses dois mecanismos são
como duas colinas; você pula de um pico para outro. Se você permanecer no meio você cairá
num abismo, e o abismo é sem fundo: você vai caindo, vai caindo...
Os sufis usaram essa técnica e antes de darem essa técnica a um buscador, eles davam outra
prática também, apenas por salvaguarda. Sempre que essa técnica é dada no sistema súfi, esta
outra prática é dada antes: imaginar, com os olhos fechados que se está caindo em um poço
profundo – escuro, profundo, sem fundo. Apenas imaginar-se caindo em um poço profundo –
caindo, caindo, caindo, eternamente caindo. Não existe fundo, você não pode atingir o fundo.
Essa queda não pode parar em nenhum lugar. Você pode parar; você pode abrir os olhos e dizer
chega; mas a queda em si mesma não pode parar. Se você continuar, o poço é sem fundo e fica
cada vez mais e mais escuro.
No sistema sufi, esse exercício – esse exercício do poço escuro sem fundo – é para ser
praticado primeiro. Ele é bom, útil. Se você o pratica e compreende a sua beleza, o silêncio,
então, quanto mais fundo você entra dentro do poço, mais silencioso você se torna. O mundo é
deixado bem para trás e você sente que foi muito, muito, muito longe. O silêncio cresce com a
escuridão e lá embaixo não existe nenhum fundo. O medo vem à sua mente, mas você sabe que
aquilo é apenas imaginação e, assim, você pode continuar.
Através desse exercício você se torna capaz para essa outra técnica. E, então, quando você cai
no poço entre a vigília e o sono, não é imaginação; é um fato real. E é sem fundo, o abismo é
sem fundo. Por isso que Buda chamou esse nada de vazio – shunya. Não há fim para ele. Uma
vez que você o tenha conhecido, você também se tornou sem-fim. É difícil ter esse vislumbre
quando acordado. E é impossível, naturalmente, quando você está dormindo, porque, então, o
mecanismo está funcionando e é difícil separar-se do mecanismo. Mas há um momento à noite e
pela manhã outro momento – em vinte e quatro horas há esses dois momentos – nos quais é
muito fácil. Mas a pessoa tem de esperar.
No instante do sono, quando o sono ainda não chegou e a vigília externa se desvanece, neste
ponto o Ser é revelado: então você sabe quem você é, qual é o seu ser verdadeiro, qual é a sua
existência autêntica. Nós somos falsos enquanto estamos acordados e você sabe bem disso. Você
é falso enquanto você está acordado. Você sorri quando lágrimas teriam sido mais reais. Suas
lágrimas também não são acreditáveis. Elas podem ser apenas uma fachada, cerimoniais, uma
obrigação. Seu sorriso é falso e aqueles que estudam a face podem dizer que seu sorriso é apenas
um sorriso pintado. Ele não tem raízes internas; o sorriso está apenas em seu rosto, apenas em
seus lábios. Não está em mais nenhum lugar em seu ser. Ele não tem raízes, não tem
ramificações. É imposto. O sorriso não está vindo de dentro para fora; o sorriso foi forçado de
fora.
O que quer que você diga e o que quer que você faça é falso. E não necessariamente é o caso
de você estar fazendo estas obrigações, na vida, conscientemente – não necessariamente! Você
pode estar totalmente inconsciente – e você está! Do contrário será muito difícil carregar,
continuamente, tão falso absurdo. Isso é automático. Essa falsidade permanece enquanto você
está acordado e continua mesmo quando você está dormindo – de uma maneira diferente, é claro.
Seus sonhos são simbólicos, não reais. É surpreendente que mesmo em seus sonhos você não
seja real, mesmo em seus sonhos você tem medo e cria símbolos.
Agora a psicanálise prossegue nessa tarefa de analisar seus sonhos. Eles têm um grande
negócio, porque você não pode analisar seus próprios sonhos. Eles são simbólicos, não são reais.
Eles dizem alguma coisa somente através de metáforas. Se você quer matar a sua mãe e livrar-se
dela, você não irá matá-la nem mesmo em seu sonho. Você matará outra pessoa que de alguma
forma se assemelhe à sua mãe. Você matará sua tia ou outro alguém, mas não sua mãe. Mesmo
em sonhos, você não pode ser real. Então, a psicanálise é necessária; um profissional é
necessário para interpretar – mas você pode descrever a coisa toda de uma tal maneira que até
mesmo um psicanalista pode ser enganado.
Seus sonhos também são totalmente falsos. Se você for real quando estiver acordado, seus
sonhos serão reais. Eles não serão simbólicos. Se você quiser matar a sua mãe, você terá um
sonho no qual você mata sua mãe e nenhum intérprete será necessário para lhe mostrar o que
seus sonhos significam. Mas nós somos tão falsos! No sonho você está sozinho, mas ainda assim
temeroso do mundo e da sociedade.
Matar uma mãe é o maior pecado e eu me pergunto se você já pensou sobre o porquê do fato
de matar a mãe ser o maior pecado. É o maior pecado porque todo mundo sente uma profunda
inimizade em relação à mãe. É o maior pecado e, ensina-se – sua mente é condicionada – que,
até mesmo pensar em ferir sua mãe, é um pecado. Ela lhe deu nascimento. Por todo o mundo, em
todas as sociedades, o mesmo é ensinado. Não há uma única sociedade na terra que não concorde
com isto: que matar a mãe é o maior pecado. Ela lhe deu nascimento e você a está matando!?
Mas por que esse ensinamento? Bem no fundo há a possibilidade de que todo mundo vá
contra sua mãe por necessidade – porque a mãe não lhe deu apenas o nascimento, ela foi o
instrumento de sua falsificação; ela foi o instrumento que o forçou a ser irreal. Ela fez de você o
que você é. Se você é um inferno, ela tem uma parte nisso, a maior parte. Se você é miserável,
sua mãe está ali em algum lugar, escondida em você, porque a mãe lhe deu nascimento, ela o
educou, a educou – ou, na verdade, ela o retirou, a retirou de sua realidade. Ela falsificou a
pessoa. A primeira inverdade aconteceu entre você e sua mãe; a primeira mentira aconteceu entre
você e sua mãe – a primeira mentira!
Até mesmo quando não há a linguagem e a criança não pode falar ainda, ela pode mentir. A
criança, mais cedo ou mais tarde, torna-se ciente de que muitos de seus sentimentos não são
aprovados pela sua mãe. Seu rosto, seus olhos, seu comportamento, seu humor, todas as coisas
mostram que alguma coisa nela não é aceita, apreciada. Então ela começa a reprimir. Alguma
coisa está errada. Ainda não existe linguagem; sua mente não está funcionando. Mas todo o seu
corpo começa a se reprimir. Então, ela começa a sentir que, algumas vezes, alguma coisa é
apreciada pela mãe. Ela depende da mãe, sua vida depende da mãe. Se a mãe a abandonar, ela
não existirá mais. Toda a sua existência está centrada na mãe.
Tudo o que a mãe mostra, faz, fala – como ela se comporta – é importante. Quando a criança
sorri e a mãe demonstra amor e lhe dá calor e leite e a abraça, a criança está aprendendo a ser
política. Ela irá sorrir quando não há nenhum sorriso dentro dela, porque agora ela sabe que pode
persuadir a mãe. Ele sorrirá um sorriso falso. Então o mentiroso nasce, o político vem à
existência. Agora então, ela sabe como falsificar e isso ela aprendeu em seu relacionamento com
sua mãe. Esse é o primeiro relacionamento com o mundo. Quando ela se tornar consciente de sua
miséria, de seu inferno, de sua confusão, ela descobrirá que sua mãe está escondida em algum
lugar.
Há toda a possibilidade de você se sentir inimigo de sua mãe. Eis por que toda cultura insiste
em que matar a mãe é o maior pecado. Mesmo em pensamento, mesmo em sonho, você não pode
matar a sua mãe. Eu não estou dizendo que você deveria matá-la, estou simplesmente dizendo
que seus sonhos também são falsos – simbólicos, não reais. Você é tão falso que não pode nem
mesmo sonhar um sonho real.
Estas são as nossas duas faces falsas: uma está presente enquanto você está acordado, outra
está presente quando você está dormindo. Entre essas duas faces falsas há uma porta muito
pequena, uma brecha. Nessa brecha, você pode ter um vislumbre de sua face original, quando
você não estava relacionado com sua mãe e, através dela, com a sociedade; quando você estava
sozinho consigo mesmo; quando você era você – não isso e aquilo; não havia divisão. Somente o
real existia; não havia o irreal. Você pode ter um vislumbre dessa face, dessa face inocente, entre
esses dois mecanismos.
Comumente não estamos interessados nos sonhos, estamos interessados em nossas horas de
vigília. Mas a psicanálise está mais interessada em seus sonhos, não em suas horas de vigília,
porque ela sente que, em suas horas de vigília, você é um grande mentiroso. Nos sonhos alguma
coisa pode ser pega. Você está menos consciente quando está dormindo, não está forçando
coisas, não está manipulando. Então, alguma coisa real pode ser apanhada. Você pode ser um
celibatário, um monge em suas horas de vigília. Mas você reprimiu o impulso sexual. Então, ele
se forçará em seus sonhos; seus sonhos serão sexuais. É muito difícil encontrar um monge que
não tenha sonhos sexuais – mais exatamente, é impossível. Você pode encontrar um criminoso
sem sonhos sexuais, mas você não pode encontrar um homem religioso sem sonhos sexuais. Um
libertino pode não ter sonhos sexuais, mas não os supostos santos, porque tudo o que você força
para baixo enquanto está acordado irá irromper violentamente em seus sonhos, tingirá os seus
sonhos.
Os psicanalistas não estão interessados em sua vida acordada, porque eles sabem que ela é
totalmente falsa. Se alguma coisa de real pode ser vislumbrada, ela pode ser vislumbrada
somente através de seus sonhos. Mas o tantra diz que até mesmo os sonhos não são tão reais.
Eles são mais reais – e isso parece paradoxal porque nós pensamos que os sonhos são irreais.
Eles são mais reais que suas horas de vigília, porque, neles, você está menos em guarda. O
censor está adormecido e as coisas podem emergir, o reprimido pode se expressar – naturalmente
de forma simbólica, mas os símbolos podem ser analisados.
E em todo o mundo os símbolos humanos são os mesmos. Você pode falar uma língua
diferente quando acordado, mas dormindo você fala a mesma língua. Em todo o mundo a língua
dos sonhos é uma só. Se o sexo for reprimido, então, os mesmos símbolos emergirão. Se o
impulso por comida, o desejo de comer, for reprimido, os mesmos símbolos virão – ou símbolos
similares. A língua dos sonhos é uma só. Mas nos sonhos ainda há problemas, porque eles são
simbólicos. E um Freud pode interpretá-los de uma maneira, um Jung, de uma outra maneira e
um Adler, ainda de uma maneira diferente. E se você for analisado por cem psicanalistas, haverá
cem interpretações. Você ficará ainda mais confuso do que estava antes, mais confuso com as
cem interpretações de uma mesma coisa.
O tantra diz que nem na vigília nem no sono você é real. Você é real somente no meio.
Assim, não fique interessado na vigília e nem fique interessado nos sonhos e no sono. Fique
interessado no intervalo; fique consciente do intervalo. Ao passar de um estado para o outro
tenha um vislumbre. E uma vez que você saiba quando o intervalo chega, você se torna o mestre
dele. Você tem a chave; você pode abrir esse intervalo a qualquer momento e entrar nele. Uma
dimensão diferente do ser, a dimensão real, se abre.

56 Pensar o mundo como uma ilusão

A quarta técnica do lembrar-se de si é a última:

Ilusões engam, cores restringem, mesmo divisíveis são indivisíveis.

Esta é uma técnica rara, não muito usada, mas um dos maiores professores da Índia,
Shankara, usou-a; e Shankara baseou toda a sua filosofia nessa técnica. Você conhece sua
filosofia do maya – ilusão. Shankara diz que tudo é ilusório. Tudo o que você está vendo,
escutando, sentindo, tudo é uma ilusão. Não é real porque o real não pode ser contatado pelos
sentidos. Você está me ouvindo e eu estou vendo você me ouvindo: isso pode ser apenas um
sonho e não há como julgar se isso é um sonho ou não. Posso estar apenas sonhando que você
está aqui me escutando. Como posso saber que isso é real e não é um sonho? Não há como.
Consta que Chuang Tzu relatou que uma noite ele sonhara ter se tornado uma borboleta. De
manhã, ele estava muito triste – e ele não era um homem de ter tristeza, nunca ninguém o tinha
visto triste. Seus discípulos se juntaram e disseram: “Chuang Tzu, Mestre, por que você está tão
triste?”
Chuang Tzu respondeu: “Por causa de um sonho”.
Os discípulos riram e disseram: “Por causa de um sonho você está triste!? Mas você sempre
nos ensinou a não estarmos tristes mesmo se todo o mundo nos causasse tristeza. E apenas um
sonho lhe causou tristeza!? Do que você está falando?”.
Chuang Tzu disse: “Foi um tal sonho, que me causou uma confusão muito, muito profunda.
Tristeza, tormento.... Sonhei que havia me tornado uma borboleta”.
Os discípulos disseram: “O que há de tão confuso nisso?”.
Chuang Tzu disse: “Agora essa é a confusão: se Chuang Tzu pode sonhar que pode se tornar
uma borboleta, por que não o inverso? A borboleta pode sonhar que se tornou um Chuang Tzu.
Assim, agora estou perturbado. Qual é o certo e qual é o errado? O que é real e o que é irreal?
Foi Chuang Tzu que sonhou que se transformara em uma borboleta ou é a borboleta que agora
está dormindo e sonhando que se tornou Chuang Tzu? Se um é possível, então, o outro é
possível”. E diz-se que Chuang Tzu nunca pôde sair dessa confusão. Ela permaneceu por toda a
sua vida.
Como decidir que eu não estou em um sonho falando com vocês? Como decidir que você não
está sonhando que eu estou falando com você? Com os sentidos nenhuma decisão é possível,
porque, quando estamos sonhando, os sonhos parecem reais – tão reais como qualquer coisa.
Quando você sonha, você sempre sente que aquilo é real. Se os sonhos podem ser sentidos como
reais, por que a realidade não pode ser sentida como sonho?
Shankara diz que com os sentidos não há possibilidade de saber se a coisa que você está
confrontando é real ou irreal. E se há possibilidade de saber se ela é real ou irreal, Shankara a
chama de maya: ela é uma ilusão. Ilusão não significa irreal. Ilusão significa uma
impossibilidade de se decidir se é real ou irreal – lembre-se disso.
Na linguagem ocidental ‘maya’ foi traduzido muito erradamente e isso deu uma sensação, em
termos ocidentais, de que ‘ilusão’ significa ‘irreal’. Não significa. ‘Ilusão’ significa a
incapacidade de se decidir se a coisa é real ou irreal. Essa confusão é maya.
O mundo todo é maya, uma confusão. Você não pode decidir – você nada pode decidir a
respeito. Ele está sempre escapando de você, sempre mudando, tornando-se algo mais. É uma
fantasia, uma coisa onírica. Esta técnica está relacionada com essa filosofia. Ilusões enganam –
ou: aquilo que engana é ilusório –, cores restringem, mesmo divisíveis são indivisíveis. Neste
mundo de ilusão, nada é certo. Todo este mundo é como um arco-íris: parece existir, mas não
existe. Se você está muito distante ele existe, mas se você puder chegar mais perto ele se
dissolve. Quanto mais perto você chega, menos ele existe. Se você chega naquele ponto onde
você via o arco-íris, ele não existe mais.
O mundo todo é como cores de arco-íris. E é assim. Quando você está muito longe tudo é
promissor; quando você chega mais perto a promessa desaparece. E quando você atinge o alvo,
somente cinzas existem – apenas um arco-íris morto. As cores desapareceram e as coisas como
aparentavam não existem. Da forma que você as sente existir, elas não existem.
Mesmo divisíveis são indivisíveis. Toda a sua matemática, todo o seu sistema de calcular,
todos os seus conceitos, toda a sua filosofia, tornam-se simplesmente fúteis. Se você tentar
entender essa ilusão, seu próprio esforço lhe confundirá mais. Nada é certo ali; tudo é incerto –
um fluxo, um fluxo de mudança, sem nenhuma possibilidade de você determinar se isso ou
aquilo é verdadeiro ou falso.
O que acontecerá? Se você tomar essa atitude, o que acontecerá? Se você realmente for fundo
nessa atitude de que tudo que não pode ser determinado é ilusório, você automaticamente,
espontaneamente voltar-se-á para si mesmo. Então, o único ponto onde você pode ter um centro
é em seu próprio ser. Isto é certo.
Tente entender isto: eu posso sonhar à noite que me tornei uma borboleta e não posso decidir
nesse sonho se aquilo é real ou irreal. Pela manhã, posso estar confuso como Chuang Tzu: se, ao
invés, é a borboleta que pode estar sonhando. São dois sonhos e não há como comparar qual é
real e qual é irreal.
Mas Chuang Tzu está perdendo uma coisa – o sonhador. Ele está pensando somente nos
sonhos, comparando os sonhos e esquecendo-se do sonhador – aquele que sonha que Chuang
Tzu se tornou uma borboleta, aquele que está pensando que pode ser totalmente o contrário: que
a borboleta está sonhando que se tornou Chuang Tzu. Quem é esse observador? Quem estava
dormindo e agora está acordado? Você pode ser irreal, você pode ser um sonho para mim, mas
eu não posso ser um sonho para mim mesmo, porque mesmo para um sonho existir um sonhador
real é necessário. Mesmo para um sonho falso um sonhador real é necessário. Nem mesmo um
sonho pode existir sem um sonhador real. Assim esqueça o sonho. Esta técnica diz: esqueça o
sonho. O mundo todo é ilusão, você não é. Assim, não vá atrás do mundo, não há possibilidade
de ganhar certeza aí. E agora isso parece estar se provando até mesmo nas pesquisas científicas.
Pelos últimos três séculos, a ciência tinha certeza e Shankara parecia ser apenas uma mente
filosófica, poética.... Por três séculos a ciência teve certeza, mas agora, durante estas duas
últimas décadas, a ciência se tornou incerta. Agora os maiores cientistas dizem que nada é certo e
que com a matéria nunca teremos certeza. Tudo se tornou novamente incerto. Tudo parece como
um fluxo, mudando. Somente a aparência parece certa. Quanto mais fundo você vai, mais tudo se
torna incerto, indefinível.
Shankara diz, e o tantra sempre disse, que o mundo é ilusório. Mesmo antes de Shankara
nascer, o tantra estava preconizando uma técnica – que o mundo todo é ilusório e, portanto,
pense ele como um sonho. Se você puder pensá-lo como um sonho – e se você pensar
absolutamente, você chegará a percebê-lo como um sonho – então, todo o seu foco de
consciência se voltará para dentro, porque há um profundo impulso para se encontrar a verdade,
o real.
Se o mundo todo é irreal, então não há nenhum refúgio nele. Então você está correndo atrás,
seguindo sombras e gastando tempo e vida e energia. Assim, mova-se para dentro.
Uma coisa é certa: eu existo. Mesmo se o mundo todo for ilusório, uma coisa é certa: existe
alguém que sabe que ele é ilusório. O conhecimento pode ser ilusório, o conhecido pode ser
ilusório, mas o conhecedor não pode ser. Esta é a única certeza, a única rocha na qual você pode
se apoiar.
Esta técnica diz: olhe para o mundo – ele é um sonho, ilusório e nada é como ele aparenta ser.
É como um arco-íris. Vá fundo nesse sentimento. Você será atirado para si mesmo. E vindo para
seu próprio ser, você vem para uma certa verdade, para algo que é indubitável, que é absoluto.
A ciência nunca pode ser absoluta. Ela será relativa. Somente a religião pode ser absoluta,
porque ela busca não o sonho, ela busca pelo sonhador; não pelo observado, mas pelo
observador, aquele que vê, aquele que está consciente.
Nota

[1] Marcha dos veículos; entre as marchas há um ponto morto. (N. da T.)
Capítulo 36

DE MAYA (ILUSÃO) PARA A REALIDADE



PERGUNTAS

Como o lembrar-se de si pode transformar a mente humana?


Se a pessoa deve enfatizar o positivo, isso não é uma escolha que é contra a aceitação da
realidade total?
Qual é o papel do guru e a sua importância neste mundo de maya?

A primeira pergunta:

De que maneira a prática do lembrar-se de si pode transformar a mente humana?

O homem não está centrado em si mesmo. Ele nasce centrado, mas a sociedade, a família, a
educação, a cultura, o puxam para fora do centro, de uma maneira muito astuta, consciente ou
inconscientemente. Assim, todo mundo se torna, em certo sentido, excêntrico – fora de centro.
Há razões, razões de sobrevivência, para isso.
Quando uma criança nasce, ela tem de ser forçada a uma certa disciplina. A liberdade não lhe
pode ser dada. Se lhe fosse permitido ter liberdade total, ela permaneceria com o centro –
espontânea, vivendo consigo mesma, vivendo seu próprio ser. Ela seria original, como ela é.
Seria autêntica e, então, não haveria nenhuma necessidade de praticar o lembrar-se de si. Não
haveria necessidade de praticar nenhuma meditação, porque ela nunca sairia do centro. Ela
permaneceria consigo mesma – centrada, firme, enraizada em seu próprio ser. Mas isso ainda
não é possível. Por essa razão, a meditação é medicinal. A sociedade cria a doença e, então, a
doença tem que ser tratada.
A religião é medicinal. Se uma sociedade humana baseada na liberdade puder realmente se
desenvolver, não haverá nenhuma necessidade de religião. O medicamento é necessário, porque
estamos todos doentes; e métodos de centramento são necessários, porque estamos fora do
centro. Se algum dia se tornar possível a criação de uma sociedade saudável na terra – saudável
em termos interiores – não mais haverá religião. Mas a criação de uma tal sociedade parece
difícil.
A criança tem de ser disciplinada. O que você está fazendo quando você está disciplinando
uma criança? Você está forçando alguma coisa que não é natural, sobre ela. Você está pedindo e
demandando alguma coisa que ela nunca faria espontaneamente. Você irá punir, você irá
enaltecer, você irá suborná-la, você fará tudo para torná-la social – para tirá-la de seu ser natural.
Você criará um novo centro em sua mente, que nunca esteve presente, e esse centro crescerá e o
centro natural cairá em esquecimento no inconsciente.
Seu centro natural foi para o inconsciente, para o escuro, e seu centro não-natural se tornou
seu consciente. Na verdade, não existe divisão entre inconsciente e consciente; a divisão é criada.
Na verdade, você é uma consciência. Esta divisão vem porque seu próprio centro foi empurrado
para algum canto escuro. Nem mesmo você está em contato com ele; não lhe é permitido estar
em contato com ele. Você mesmo se tornou inconsciente de que tem um centro. Você vive o que
a sociedade, a cultura, a família ensinaram para você viver; você vive uma vida falsa.
Para esta vida falsa, um centro falso é necessário. Esse centro é o seu ego, sua mente
consciente. Por isso que, não importa o que você faça, você nunca sentirá a bem-aventurança –
porque somente o centro real pode acontecer, somente o centro real pode explodir, pode chegar
ao clímax, ao máximo da possibilidade de bem-aventurança. O centro falso é um jogo de sombra.
Você pode brincar com ele, você pode ter esperanças com ele, mas, no final das contas, nada
além de frustração vem dele. Como uma falsa ansiedade, isso está fadado a acontecer.
De certa forma tudo está forçando-o, forçando-a, a não ser você mesmo, você mesma. E isso
não pode ser mudado apenas por se dizer que está errado, porque a sociedade tem suas próprias
necessidades. Uma criança, quando nasce, é exatamente como um animal – espontânea, centrada,
enraizada, mas muito independente. Ela não pode se tornar parte de uma organização. Ela
perturbará. Ela tem de ser forçada, cultivada e mudada. Nesse cultivo ela tem de ser puxada para
fora do centro.
Nós vivemos na periferia e vivemos somente até o ponto em que a sociedade nos permite.
Nossa liberdade é falsa, porque as regras do jogo, do jogo social, são tão profundamente fixas,
que você pode sentir que está escolhendo isto e aquilo, mas você não está escolhendo. A escolha
vem de nossa mente cultivada e isto continua de uma maneira mecânica.
Eu me lembro de um homem que se casou com oito mulheres em sua vida. Ele casou com
uma mulher, então se divorciou dela; então, casou-se com outra – muito cautelosamente, muito
cuidadosamente, muito cuidadosamente, a fim de não cair na velha armadilha novamente. De
todas as maneiras ele calculava e pensava que esta nova mulher iria ser totalmente diferente da
primeira. Mas em poucos dias, com a lua-de-mel ainda não acabada, a nova mulher começava a
mostrar ser exatamente igual à antiga, à primeira. Em seis meses o casamento estava desfeito
novamente. Ele casou com uma terceira e, então, foi ainda mais cauteloso, mas novamente a
mesma coisa aconteceu. Ele casou com oito mulheres e toda vez a mulher tornava-se igual à
antiga. O que estava acontecendo? E ele estava escolhendo muito cautelosamente, muito
cuidadosamente! O que estava acontecendo? Aquele que escolhia estava inconsciente. Ele não
podia mudar o escolhedor. E aquele que escolhia era sempre o mesmo; assim, a escolha iria ser a
mesma. Aquele que escolhe trabalha inconscientemente.
Você continua fazendo isto e aquilo e você continua mudando externamente as coisas, mas
você permanece o mesmo. Você permanece fora de centro. O que quer que você faça, por mais
que pareça diferente, no final prova ser igual. Os resultados são sempre os mesmos; a resposta
sempre é a mesma; a consequência sempre é a mesma.
Sempre que você sente que está escolhendo e que é livre, aí também você não é livre e não
está escolhendo. A escolha também é uma coisa mecânica. Os cientistas dizem – os biólogos
principalmente –, que a mente fixa uma gravação. E isso acontece muito cedo. Os primeiros dois
ou três anos de vida são os anos para a gravação; e as coisas se tornam fixas na mente. Então,
você continua fazendo a mesma coisa; você continua repetindo de uma maneira mecânica. Você
se move em um círculo vicioso.
A criança é forçada a estar fora de centro. Ela tem que ser disciplinada; ela tem que aprender
a obediência. É por isso que damos tanto valor à obediência. E a obediência destrói todo mundo,
porque a obediência significa que agora você não é o centro: o outro é o centro, você apenas o
está seguindo.
A educação é uma necessidade para a sobrevivência, mas nós tornamos esta necessidade de
sobrevivência uma desculpa para a submissão. Nós forçamos todo mundo a ser obediente. O que
isso significa? Obediente a quem? Sempre a outra pessoa – o pai, a mãe, alguém mais está
presente e você tem de ser obediente a essa pessoa. Por que tanta insistência na obediência?
Porque seu pai foi forçado a ser obediente quando ele era uma criança; sua mãe foi forçada a ser
obediente quando era uma criança. Eles foram forçados para fora de seus centros; agora eles
estão fazendo a mesma coisa. Eles estão fazendo a mesma coisa com seus filhos e estes filhos
farão a mesma coisa novamente. É assim que o círculo vicioso se move.
A liberdade é morta e com a liberdade, você perde seu centro. Não que o centro seja
destruído; ele não pode ser destruído enquanto você estiver vivo. Seria bom se ele fosse
destruído; você poderia ficar mais à vontade consigo mesmo. Se você fosse totalmente falso e
não existisse nenhum centro real escondido dentro de você, você poderia ficar à vontade. Não
haveria conflito, nem ansiedade, nem luta. O conflito surge porque o real permanece presente.
Ele permanece no centro e apenas na periferia um centro irreal é criado. Entre estes dois centros
uma constante luta, uma constante ansiedade – tensão – é criada. Isso precisa ser transformado e
há apenas um jeito: o falso deve desaparecer e o real deve ocupar o seu lugar. Você deve se
reenraizar em seu centro, em seu ser; do contrário você permanecerá angustiado.
O falso pode desaparecer. O real não pode desaparecer, a menos que você morra. Enquanto
você estiver vivo o real estará presente. A sociedade pode fazer apenas uma coisa: ela pode
empurrá-lo bem para baixo e pode criar uma barreira de forma que até mesmo você se torne
inconsciente dele.
Você pode se lembrar de algum momento da sua vida em que você foi espontâneo, em que
você simplesmente viveu no momento – algum momento em que você estava vivendo a si
mesmo e não estava seguindo alguma outra pessoa?
Eu estava lendo uma memória de um poeta. Seu pai tinha morrido e o corpo morto foi
colocado em um caixão. O poeta, o filho, estava lamentando, chorando e, então, de repente,
beijou a testa do pai morto e disse: “Pois é. Agora que você está morto eu posso fazer isso. Eu
sempre quis beijá-lo em sua testa, mas enquanto você estava vivo era impossível. Eu tinha tanto
medo de você”.
Você pode beijar somente um pai morto – e mesmo que um pai vivo lhe dê permissão para
beijar, o beijo será falso; ele não pode ser espontâneo. Um jovem não pode nem mesmo beijar a
sua mãe espontaneamente, porque o medo do sexo está sempre presente; os corpos não devem
entrar tanto em contato, até mesmo com a mãe. Tudo se torna falso. Existe o medo e a falsidade
– nenhuma liberdade, nenhuma espontaneidade, e o centro real somente pode funcionar quando
você é espontâneo e livre.
Agora você será capaz de entender qual é a minha atitude com relação a esta pergunta: De
que maneira a prática do lembrar-se de si pode transformar a mente humana? Ela irá reenraizá-
lo, reenraizá-la; ela lhe dará novamente raízes em seu próprio centro. Através do lembrar-se de
si, você vai se esquecendo de todas as outras coisas que não são você mesmo: da sociedade, do
mundo louco à sua volta, da família, dos relacionamentos; de todas essas coisas, você estará se
esquecendo. Você está simplesmente se lembrando de que você existe.
Esse lembrar-se não lhe é dado pela sociedade. Esse lembrar-se de si irá separar você de tudo
que é periférico. E se você puder se lembrar, você cairá de volta para o seu próprio ser, para o
seu próprio centro. O ego estará presente apenas na periferia, mas você será capaz de vê-lo então.
Como qualquer outro objeto, você será capaz de observá-lo. E uma vez que você seja capaz de
observar seu ego, seu falso centro, você nunca será falso novamente.
Você pode precisar de seu falso centro porque você tem que viver em uma sociedade que é
falsa. Você será capaz de usá-lo agora, mas você nunca estará identificado com ele. Ele será
instrumental agora. Você viverá em seu centro. Você será capaz de usar o falso como uma
conveniência social, uma convenção, mas você não estará identificado com ele. Agora você sabe
que pode ser espontâneo, livre. O lembrar-se de si o transforma, porque ele lhe dá a oportunidade
de você ser você mesmo novamente – e ser você mesmo é o definitivo e ser você mesmo é o
absoluto.
O pico de todas as possibilidades, de todas as potencialidades, é o divino – ou como quer que
você queira chamá-lo. Deus não está em algum lugar do passado; ele é seu futuro. Você ouviu
repetidas vezes que Deus é o pai. Mais claramente, ele irá ser seu filho, não o pai, porque ele tem
que evoluir de você. Assim eu digo Deus, o filho, porque o pai está no passado e o filho está no
futuro.
Você pode se tornar divino, Deus pode nascer de você; se você for autenticamente você
mesmo, você deu o passo básico. Você está indo em direção à divindade, em direção à liberdade
total. Como um escravo você não pode mover-se nessa direção.
Como um escravo, como uma pessoa falsa, não há caminho que leve ao divino, à
possibilidade última, ao florescimento definitivo de seu ser. Primeiro você deve estar centrado
em si mesmo. O lembrar-se de si ajuda e somente o lembrar-se de si ajuda; nada mais pode
transformá-lo. Com o centro falso não há crescimento, somente acumulação – e lembre-se da
distinção entre acumulação e crescimento. Com o centro falso você pode acumular: você pode
acumular riqueza, pode acumular conhecimento, pode acumular qualquer coisa, sem nenhum
crescimento. O crescimento acontece somente ao centro real. O crescimento não é uma
acumulação; você não fica sobrecarregado com o crescimento. A acumulação é uma carga.
Você pode conhecer muitas coisas sem conhecer nada. Você pode conhecer muito sobre o
amor sem conhecer o amor. Então, isso é uma acumulação. Se você conhece o amor, então, isso
é crescimento. Você pode conhecer muito sobre o amor com o centro falso; você pode amar
somente com o centro real. Os centros reais podem amadurecer. O falso pode apenas ficar maior
e maior sem nenhum crescimento, sem nenhuma maturidade. O falso é apenas um crescimento
canceroso, uma acumulação, sobrecarregando-o, como uma doença.
Mas você pode fazer uma coisa: você pode mudar seu foco totalmente. Do falso, você pode
mover seus olhos para o real. Isso é o que eu quero dizer por lembrar-se de si: o que quer que
você esteja fazendo, lembre de si mesmo – que você existe. Não se esqueça disso. O próprio
lembrar dará uma realidade autêntica para o que quer que você esteja fazendo. Se você está
amando, primeiro lembre-se de que você existe; do contrário você estará amando a partir do
centro falso. E a partir do centro falso, você pode apenas fingir: você não pode amar. Se você
está orando, primeiro lembre-se de que você existe; do contrário a oração irá ser apenas uma
tolice, apenas um engano. E você não está enganando ninguém mais, está enganando a si mesmo.
Primeiro lembre-se de que você existe e esse se lembrar de que “eu sou” deve se tornar tão
básico, que o seguirá, a seguirá, como uma sombra. Então, mesmo quando você estiver dormindo
isso entrará e você se lembrará. Se você puder se lembrar o dia todo, cada vez mais e mais isso
entrará inclusive nos sonhos, inclusive em seu sono, e você saberá que “eu sou”.
No dia em que você puder saber, até mesmo em seu sono, que você existe, você estará
enraizado em seu centro. Agora o falso não existe mais; ele não é uma carga para você. Você
pode usá-lo agora, ele é instrumental. Você não é um escravo dele, você se tornou o mestre.
Krishna diz no Gita que, enquanto todo mundo está dormindo, o iogue não está: ele está
acordado. Isso não significa que o iogue vive sem dormir, porque dormir é uma necessidade
biológica, corporal. O que se quer dizer é que ele se lembra, até mesmo em seu sono, que ele
existe – que “eu sou”. O dormir está apenas na periferia. No centro, o lembrar-se de si está
presente.
O iogue se lembra de si até mesmo quando está dormindo; e você não está se lembrando de si
nem mesmo quando está acordado. Você está caminhando na rua, mas você não está se
lembrando de que você existe. Tente, e você sentirá uma mudança de qualidade. Tente lembrar
que você existe. De repente uma leveza chega até você, o peso desaparece; você se torna sem-
peso. Você é jogado fora de seu centro falso para o real novamente, mas isso é difícil e árduo,
porque estamos muito enraizados no falso. Isso levará tempo, mas nenhuma transformação é
possível até que o lembrar-se de si se torne algo sem esforço para você. Você simplesmente
começa se lembrando de si mesmo; do contrário nenhuma transformação é possível.

A segunda pergunta:

Na noite passada você disse que a pessoa deveria sempre ver a vida em sua dimensão
positiva e não deveria dar ênfase ao negativo. Isso não é uma escolha? E isto não é contra
encontrar a realidade total – aquilo que é?

É uma escolha, mas uma pessoa negativa não pode dar um salto em direção ao estado de não-
escolha. Se ela pudesse, seria bom, mas isso é impossível. Do negativo, é impossível dar-se um
salto para o estado de não-escolha, porque a mente negativa significa que você pode ver somente
o feio, você pode ver somente a morte, pode ver somente a miséria. Você não pode ver nenhum
elemento positivo na vida. E, lembre-se, é difícil abandonar a miséria.
Pode parecer muito estranho quando eu digo isso, mas é difícil dar um salto a partir da
miséria; é mais fácil dar um salto a partir da felicidade. É mais fácil dar um salto quando você
está feliz, porque, com a felicidade, a coragem chega – com a felicidade, a possibilidade de uma
bem-aventurança superior se abre; com a felicidade, o mundo todo parece um lar. Com a miséria
o mundo é como um inferno e não há nenhuma esperança; tudo é simplesmente sem esperança.
Então, você não pode dar um salto. Na miséria a pessoa se torna um covarde e se apega à
miséria, porque pelo menos essa miséria é conhecida.
Você não pode ser aventureiro quando está infeliz. A aventura precisa de uma felicidade sutil
em você. Então você pode abandonar o conhecido. Você está tão feliz, que não tem medo do
desconhecido. E a felicidade se tornou um fenômeno tão profundo para você, que você sabe que,
onde quer que esteja, você será feliz. Com a mente positiva você sabe que não existe nenhum
inferno e onde quer que você esteja, o céu estará. Você pode se mover para o desconhecido
porque agora você sabe que o céu se move com você.
Você sempre ouviu que você entra no céu ou no inferno. Isso é uma tolice. Ninguém entra no
céu, ninguém entra no inferno. Você carrega seu próprio inferno e céu com você, e onde quer
que você entre, você entra com seu inferno ou seu céu. Céu e inferno não são portas. São cargas;
você os carrega consigo.
Somente com um coração dançante – feliz, bem-aventurado, positivo –, você pode dar um
salto para dentro do não-cartografado. Eis por que digo que do negativo você não pode entrar no
estado de não-escolha. Você se apega à miséria. Ela é conhecida. Você está familiarizado com
ela, você está relacionado a ela e é melhor permanecer com a miséria conhecida do que com o
desconhecido. Pelo menos você se tornou acostumado a ela e conhece suas maneiras. Você criou
certos mecanismos de defesa, uma armadura à sua volta, para estar a salvo nesta miséria. Uma
miséria desconhecida criará novos mecanismos de defesa. É sempre melhor estar com a miséria
conhecida do que com uma miséria desconhecida.
Com a felicidade, o caso é exatamente o contrário. Com a felicidade, a pessoa quer se mover
para a felicidade desconhecida, porque a conhecida fica enfadonha. Você nunca fica enfastiado
com a miséria conhecida; você se deleita com ela. Olhe para as pessoas falando sobre suas
misérias: elas desfrutam, elas engrandecem sua miséria; elas têm uma felicidade sutil.
Com a felicidade, você fica enfadado. Você pode se mover para o desconhecido. O
desconhecido é encantador e o estado sem escolha é a porta para o desconhecido.
É assim que a pessoa tem de se mover: do negativo para o positivo e do positivo para o estado
sem escolha. Primeiro torne a sua mente positiva. Do inferno mova-se para o céu e do céu você
pode se mover para moksha – para o definitivo que não é nenhum dos dois. Da miséria, mova-se
para a bem-aventurança e, somente então, você pode se mover para o além, para o que está além
de ambos. É por isso que o sutra diz para, primeiramente, você transformar sua mente de
negativa para positiva. E essa mudança é apenas uma mudança de foco.
A vida é as duas coisas ou nenhuma. Ela é ambas, ou nenhuma. Depende de você, de como
você a vê. Você pode olhá-la com uma mente negativa e então ela parece um inferno. Ela não é
um inferno; isso é apenas a sua interpretação.
Você muda a sua perspectiva: olha positivamente. E é isso que significa a atitude do teísta. Eu
não chamo um homem de ateu ou de teísta em função de ele acreditar ou não em Deus. Chamo
um homem de um teísta se ele tem uma atitude positiva; e de ateu, se ele tem uma atitude
negativa. Não é uma questão de dizer “não” a Deus; é uma questão de dizer “não” à vida. O
teísta é alguém que diz “sim” e olha sempre a partir de uma mente afirmativa. Então, tudo muda
totalmente.
Se uma mente negativa chega até uma rosa, um jardim, muitas rosas podem estar presentes,
mas ela irá considerar somente os espinhos. A primeira coisa para a mente negativa são os
espinhos; é o importante. As flores são apenas ilusórias; somente os espinhos são reais. Ela irá
contar, e, naturalmente, para cada flor existem mil espinhos E uma vez que ela tenha contado mil
espinhos, ela não pode acreditar em uma flor. Ela dirá que esta flor única é ilusória. Como pode
uma flor tão bonita existir com espinhos tão feios, violentos? Isso é impossível, inacreditável. E
mesmo que ela exista, não significa nada agora. Mil espinhos foram considerados e a flor
desaparece.
Uma mente positiva começará com a rosa, com a flor. E uma vez que você esteja em
comunhão com a rosa, uma vez que você conheça a beleza, a vida, o extraordinário
florescimento, os espinhos desaparecem. E aquele que conheceu a rosa em sua beleza, em sua
mais alta possibilidade, aquele que olhou profundamente para ela, para este, agora, os espinhos
não parecerão espinhos. Os olhos preenchidos com a rosa são diferentes agora. Agora os
espinhos aparecem apenas como uma proteção para essa flor. Eles não são inimigos; eles apenas
fazem parte do “acontecimento” das flores.
Agora então, esta mente saberá que essa flor acontece e esses espinhos são necessários – eles
protegem. Graças a esses espinhos essa flor pode acontecer. Essa mente positiva se sentirá grata
até mesmo aos espinhos. E se essa abordagem se aprofunda, chega um momento em que os
espinhos se tornam flores. Com a primeira abordagem, a flor desaparece – ou a própria flor se
torna um espinho.
Apenas com uma mente positiva você pode alcançar um estado não-tenso de mente. Com
urna mente negativa você permanecerá tenso, com tanta miséria à sua volta. Uma mente tão
negativa, inventiva, não para de revelar misérias e misérias, infernos e infernos.
No tempo de Buda houve um professor realmente muito famoso. Seu nome era Sanjay
Belattiputta. Ele era um pensador absolutamente negativo. Buda falava em sete infernos, assim
alguém chegou para Sanjay Belattiputta e lhe contou que havia sete infernos. Sanjay Belattiputta
disse: “Vá e diga para seu Buda que ele não conhece nada. Existem setecentos infernos. Ele não
sabe nada! Apenas sete?! Existem setecentos infernos! E eu contei todos eles”.
Se você tem uma mente negativa, mesmo setecentos não é muito. Você encontrará mais; não
existe fim para isto. A mente positiva pode ser não-tensa. Na verdade, se você é positivo, como
você pode ser tenso? E se você é negativo, como você pode ser não-tenso? Com uma mente
negativa não pode haver associação com a meditação. A mente negativa é antimeditativa; ela não
pode ser meditativa. Um simples mosquito é suficiente para destruir toda meditação. Com uma
mente negativa, a porta está fechada para a tranquilidade, para a calma, para o silêncio. A mente
negativa é autoperpetuante da miséria. Como ela pode dar um salto em direção ao estado sem
escolha?
Krishnamurti vive falando sobre o estado de não-escolha, mas a audiência é negativa. Eles
escutam, mas nunca entendem. E quando eles não estão entendendo, Krishnamurti fica
perturbado porque eles não o estão entendendo. Somente uma mente positiva pode entender o
que ele está dizendo. Mas uma mente positiva não precisa ir a lugar algum – nem para um
Krishnamurti nem para um Rajneesh, para lugar algum. Somente uma mente negativa está em
busca de um professor, de um mestre.
Falar para a mente negativa sobre o estado sem escolha, sobre ir além da dualidade, sobre
viver ambos, positivo e negativo, é sem sentido. Não que isso seja falso – isso é verdadeiro, mas
sem sentido. Aquele que está escutando deve ser levado em consideração. Ele é mais importante
do que aquele que está falando. Como posso ver, você é negativo. Primeiro você precisa de uma
transformação em direção ao positivo. De alguém que diz “não”, você deve se transformar em
alguém que diga “sim”. Você deve olhar para a vida com uma atitude-de-sim. E com uma
atitude-de-sim esta própria terra é totalmente transformada. Somente então, quando você atingiu
uma atitude positiva, você pode dar um salto em direção ao estado de não-escolha – e, então, será
fácil, muito fácil!
A miséria não é algo a que se possa renunciar – fica difícil: você se apega a ela. Somente a
felicidade pode ser renunciada, porque, então, você sabe que quando renuncia ao negativo, você
ganha o positivo e uma felicidade positiva. Você renuncia ao negativo e ganha a felicidade:
simplesmente renunciando ao negativo você alcança a felicidade. Se agora você renuncia a esta
felicidade, a esta mente positiva também, você abre a porta para o infinito. Mas você primeiro
deve ter uma sensação do positivo. Somente então, somente então, você pode dar um salto.
A terceira pergunta:

Na última técnica ontem, você explicou que neste mundo de maya, a consciência interior
do buscador é o único centro real para ele. Em referência a isso, por favor, explique o
significado e o papel do guru neste mundo de maya.

Este mundo de maya não é um mundo de maya para você; ele é o muito real e o papel do guru
é mostrar-lhe que ele não é real. Ele é real para você. Então como você pode pensar que ele é
irreal? Você poderá pensar sobre a irrealidade somente se você tiver um vislumbre do real;
somente então você pode comparar. Este mundo não é maya, ilusório, para você. Você ouviu,
você leu que este mundo é maya e você pode ter memorizado isso, exatamente como um
papagaio e, assim, você também chama este mundo de ilusório.
Todo dia alguém vem a mim chamando este mundo de ilusório e então diz: “Minha mente
está muito preocupada. Estou muito tenso. Diga-me como atingir a paz?” E este mundo é
ilusório...! Se este mundo é ilusório, como pode sua mente estar tensa? Se você compreendeu
que este mundo é ilusório, o mundo terá desaparecido e com o mundo toda sua miséria. Mas a
mente ainda existe. Você realmente não “sabe” que este mundo é ilusório.
De manhã, quando o sono desapareceu e com ele o sonho, você fica preocupado com o
sonho? Você fica preocupado que no sonho você estava doente ou até mesmo morto? Enquanto o
sonho estava acontecendo, você estava preocupado, você estava doente, você estava pedindo um
médico, algum remédio. Mas, de manhã, quando você não está mais dormido e o sonho
desapareceu, você não fica preocupado. Então você compreende que ele era um sonho e que
você não está doente.
Se alguém vem a mim e diz: “Eu sei que era um sonho que eu estava doente, mas agora me
diga uma coisa: onde eu posso conseguir o medicamento para acabar com essa doença?”. O que
isso mostra? Mostra que essa pessoa ainda está dormindo; isso mostra que ela ainda está
sonhando – o sonho ainda está presente.
Na Índia, esta fala de papagaio de que “o mundo inteiro é ilusório” entrou fundo na mente,
mas no centro falso. Não é um crescimento. Ouvimos o que os Upanishades, os Vedas e os
rishis estiveram dizendo por séculos: que o mundo é ilusório. Essa ideia foi propagada tão
fortemente que aqueles que estão dormindo e sonhando, pensam que estão acordados. O mundo
todo está dormindo, mas a miséria das pessoas mostra que o mundo é real, sua angústia mostra
que o mundo é real,
O papel do guru é o de lhe dar um vislumbre do real – não um ensinamento, mas um acordar.
O guru não é um professor, o guru é um despertador. Ele não está lhe dando doutrinas. Se ele
estiver lhe dando doutrinas, ele é um filósofo. Se ele fala sobre o mundo como algo ilusório e
argumenta e prova que o mundo é ilusório, se ele discute, debate, se ele intelectualmente lhe dá
uma doutrina, ele não é um guru, não é um mestre. Ele pode ser um professor, um professor de
uma doutrina particular, mas não é um mestre, não é um guru.
Um guru não é um doador de doutrinas. É um doador de métodos – de métodos que podem
lhe ajudar a sair do seu sono. Por isso que um guru sempre é um perturbador de seus sonhos e é
difícil viver com um guru. É muito fácil viver com um professor porque ele nunca lhe perturba.
Melhor, ele continua aumentando seu acúmulo de conhecimento. Ele lhe ajuda a ser mais
egoísta; ele lhe torna mais conhecedor. Seu ego fica mais satisfeito. Agora você conhece mais,
você pode argumentar mais. Você mesmo pode ensinar. Mas um guru sempre é um perturbador.
Ele perturbará seu sonho e seu sono, e você pode ter estado dormindo um sono muito belo. Você
pode ter estado em uma viagem, em uma bela viagem. Ele a perturbará e você ficará com raiva.
Um guru sempre está em perigo com seus discípulos. A qualquer momento eles podem matá-
lo, porque ele irá perturbar; é esse o seu trabalho. Ele não pode ajudá-lo a ser você mesmo como
você é, porque você é falso. Ele tem que destruir a sua falsa identidade. Isso é doloroso. Por isso
que, a menos que exista um amor muito profundo, o trabalho é impossível. Uma intimidade
muito profunda é necessária; do contrário o ódio estará presente. Assim, um guru não pode
permitir que você fique perto dele a menos que você tenha se entregado; do contrário você irá ser
um inimigo. Somente com sua entrega total um guru pode trabalhar, porque se trata de uma
cirurgia espiritual.
Por necessidade, muito sofrimento existirá para o discípulo e se ele não estiver em profunda
intimidade com o guru, será impossível. Ele não estará pronto para sofrer tanto. Ele veio em
busca de bem-aventurança e o guru lhe dá sofrimento. Ele veio para sentir euforia e o guru cria
um inferno para ele. No começo o inferno existirá, porque sua imagem será despedaçada, suas
expectativas serão despedaçadas. Tudo o que você conheceu, você terá de jogar fora. Tudo o que
você é, você terá que se desfazer disso. Na verdade, você está passando por uma morte.
Na Índia, nos velhos dias, nós dizíamos Acharya mrityuh. Isto significa que o mestre, o guru,
é uma morte. Ele é! E a menos que você confie nele tão totalmente, esta operação cirúrgica é
impossível, porque, no começo, haverá sofrimento. Sua angústia aparecerá; todos os seus
infernos reprimidos serão revelados. E somente se você acredita, se você tem uma fé profunda e
confia nele, você pode permanecer com ele; do contrário você escapará, porque este homem o
está perturbando completamente.
Assim, lembre-se, o trabalho do guru, o seu papel, é torná-lo consciente de sua falsidade; e
devido a seu centro ser falso, seu mundo é falso.
O mundo não é realmente ilusório, ele não é maya. Ele é maya, porque seus olhos são
ilusórios. Eles estão preenchidos de sonhos. Você projeta os seus sonhos ao seu redor e a
realidade fica falsificada. O mesmo mundo se tornará real quando seus olhos forem reais.
Quando o centro falso for quebrado e você novamente estiver enraizado em seu centro real, em
seu ser, este mundo se tornará o nirvana.
Os mestres zen estiveram continuamente dizendo que este mundo é o nirvana, este próprio
mundo é moksha, liberação. É apenas uma questão de olhos. Com olhos falsos tudo fica
falsificado; com olhos reais tudo é real. Sua entidade falsa cria um mundo falso ao seu redor. E
não pensem que vocês todos vivem em um mundo. Vocês não vivem! Cada um vive em seu
próprio mundo e há tantos mundos quanto há mentes, porque cada mente cria seu próprio
mundo, seu próprio meio. Mesmo que você esteja vivendo em uma família, o marido vive em
seu próprio mundo e a esposa em seu próprio mundo e há colisões todos os dias entre estes dois
mundos. Eles nunca se encontram; eles colidem. O encontro é impossível. Com a mente não
pode haver encontro – somente colisão, conflito. Quando não há mente, pode haver um encontro.
A esposa vive em seu próprio mundo, em suas próprias expectativas. O marido, para ela, não é o
marido real que está ali no mundo, mas apenas a própria imagem dela. O marido vive em seu
próprio mundo e a esposa real não é sua esposa. Ele tem uma imagem de uma esposa e sempre
que esta esposa fica aquém dessa imagem há briga, conflito, raiva, ódio. Ele ama a sua própria
imagem de uma esposa e a esposa ama sua própria imagem de um marido e ambas são ilusórias;
elas não existem em lugar nenhum. Essa esposa real está presente e esse marido real está
presente, mas eles não podem se encontrar, porque entre estas duas coisas reais estão a esposa
irreal e o marido irreal – esses estão sempre presentes: eles não permitem um encontro dos reais.
Todo mundo está vivendo em seu próprio mundo, em seus próprios sonhos, expectativas,
projeções. Há tantos mundos quanto há mentes. Esses mundos são ilusórios, maya. Quando o seu
centro falso desaparece, o mundo todo muda. Então, ele é um mundo real. Então, pela primeira
vez, você vê as coisas como elas são. Então, não há miséria, porque, junto com a ilusão, a
expectativa desaparece; e com a realidade não pode haver miséria. Então, a pessoa chega a
sentir: “É isso que é! Fato é fato!”. Somente com ficções há problemas e as ficções nunca lhe
permitem conhecer o fato. Essas ficções da mente são maya.
O papel do guru é o de despedaçar as ficções de forma que o fato se torne disponível a você e
você se torne disponível para o fato. Essa “facticidade” é a verdade. Uma vez que você conheça
essa faticidade, até mesmo o guru será diferente. Se você vem a um guru, você vem com a
imagem que você tem dele. Alguém vem a mim: ele vem com a imagem que tem de mim. E
então, se eu não estiver correspondendo à essa sua imagem, essa pessoa estará em dificuldade.
Mas como posso eu seguir sua imagem? E se eu tentar seguir a imagem de todo mundo, estarei
numa enrascada. E todo discípulo pensa que eu devo ser desse ou daquele jeito; cada um tem seu
próprio conceito de guru. Se eu não estiver preenchendo seu conceito, ele ficará frustrado. Mas é
assim que será. Um discípulo vem com determinada mente, e este é o problema. Eu tenho que
mudar a sua mente, destruí-la. Ele vem com essa mente e ele olha para mim também com essa
mente.
Eu estava em uma casa com uma família. A família era jaina e, portanto, eles não podiam
comer à noite. O idoso da família, o avô, era um amante de meus livros. Ele nunca tinha me
visto. E é fácil amar um livro: um livro é uma coisa morta. Ele veio para me encontrar. Ele era
muito velho e até mesmo sair de seu quarto era difícil para ele. Ele tinha noventa e dois anos,
mas veio me encontrar. Eu lhe disse que poderia ir ao seu quarto, mas ele disse: “Não! Eu o
respeito muito, eu irei.” Assim, ele veio e me elogiou muito.
Ele disse: “Você é como um tirtânkara, como o mais elevado na mitologia jaina, Mahavira”.
Os maiores professores são conhecidos como tirtânkaras. Então ele disse “você é como um
tirtânkara”. Ele ficou me elogiando e me elogiando e, então, a noite chegou e a escuridão
desceu.
Alguém da casa veio e disse: “Agora está ficando tarde. Venha para a sua refeição noturna”.
Então, eu disse: “Espere um pouco, por causa deste velho homem. Deixe-o dizer tudo o que
ele quer dizer; depois eu irei”.
O velho, então, disse: “O que você está dizendo!? Você vai comer à noite?”.
Eu disse: “Para mim não há problema”.
Então, ele disse: “Eu retiro minhas palavras. Você não é tirtânkara. Uma pessoa que nem
mesmo sabe que comer à noite é o maior pecado, o que mais você pode saber?”.
Agora então, aquele homem não podia mais ter nenhum encontro comigo. Impossível! Se eu
não comesse à noite, eu seria um tirtânkara, um grande mestre. Eu ainda não tinha comido.
Apenas dissera que poderia comer e, de repente, eu não era mais um tirtânkara. O velho homem
me disse: “Eu vim aprender alguma coisa de você, mas agora isso é impossível. Agora eu sinto
que devo lhe ensinar alguma coisa”.
Quando este mundo se torna uma ilusão, seu guru também será parte dele e desaparecerá. Por
isso, quando o discípulo desperta, não mais há guru. Isso parecerá muito paradoxal: quando o
discípulo realmente desperta, não há guru.
Há umas belas canções de Saraha, um místico budista. Em cada poema a linha final é “e
Saraha desapareceu”. Ele ensina alguma coisa; ele dá alguns ensinamentos. Ele diz: “Nem o
mundo existe nem o nirvana existe, nem o bom nem o mau. Vá além, e Saraha desaparece”. Isso
se tornou um enigma. Por que Saraha continua dizendo “e Saraha desaparece”?
Se você realmente alcançar a poesia, tudo que ele disse – “Não existe nem o bom nem o mau,
nem o mundo nem o nirvana” –, se o discípulo realmente acordar para isso,
Saraha desaparecerá. Onde estará o guru? O guru era parte do mundo do discípulo. Agora não
haverá entidades como “o guru e o discípulo”; eles terão se tornado um. Quando o discípulo
desperta, ele se torna o guru e Saraha desaparece. Então o guru não mais existe. Até mesmo o
guru faz parte de seu sonho, de seu mundo ilusório. Mas por causa disso muitos problemas
surgem.
Krishnamurti continua dizendo que não existe professor – e ele está certo. Esta é a verdade
última. Quando você despertou, você é o professor e não existe outro professor. Mas esta é a
verdade última. E antes disso acontecer, o professor existe, porque o discípulo existe. O discípulo
cria o professor: essa é a necessidade do discípulo.
Assim, lembre-se disto: se você encontra um professor errado, você merece um professor
errado; é por isso que você encontra um professor errado. Um discípulo errado não pode
encontrar um professor certo. Você cria seu professor, seu mestre. Um pequeno professor ou um
grande professor depende de você; você encontrará a pessoa que merece. Se você encontra uma
pessoa errada é por sua causa. Você é responsável por isso, não a pessoa errada. O guru também
é parte de sua mente, ele é parte do mundo dos sonhos. Mas a menos que você se torne desperto,
você necessitará de alguém lhe perturbando, alguém para lhe ajudar. Esse alguém é um guru, se
ele lhe der métodos. Ele será simplesmente um professor se lhe der apenas doutrinas, princípios,
ensinamentos – mas você pode precisar dele exatamente agora.
Pense nisto desta maneira: mesmo em um sonho existe alguma coisa que pode lhe ajudar a
sair dele. Mesmo em um sonho alguma coisa pode lhe ajudar a sair. Você pode tentar isto
enquanto estiver caindo no sono. Continue repetindo na mente: “Sempre que houver um sonho,
meus olhos se abrirão”. Por três semanas continue repetindo isto exatamente quando estiver
caindo no sono: “Sempre que houver um sonho, meus olhos se abrirão; de repente, eu estarei
desperto”. E você estará desperto. Até mesmo a partir de um sonho, você pode ser despertado
através de um certo método. Quando estiver caindo no sono diga para si mesmo – se seu nome é
Ram, diga: “Ram, me desperte às cinco horas da manhã”. Repita isso duas vezes e, então,
silenciosamente caia no sono. Mais cedo ou mais tarde você pegará o truque. Exatamente às
cinco horas alguém o despertará, a despertará. Até mesmo no sonho, até mesmo dormindo,
podem ser usados métodos que irão lhe despertar. É o mesmo caso para o sono espiritual em que
você está.
Um mestre pode lhe dar métodos que serão úteis para isso. Então, sempre que você estiver
caindo em um sonho, os métodos não lhe irão permitir a queda; ou sempre que você estiver
caindo em um sonho, de repente, você será despertado. Quando esse despertar se tornar natural
para você, não existirá necessidade do guru. Quando você tiver despertado o guru desaparecerá,
mas você ainda sentirá gratidão pelo guru, porque ele lhe ajudou.
Sariputta foi um dos maiores discípulos de Buda. Ele se tornou iluminado por seu próprio
direito; ele se tornou um buda. Então Buda disse para Sariputta: “Agora você pode ir e sair
andando; agora minha presença não é necessária para você. Você mesmo se tornou um mestre
por seu próprio direito; assim, você pode ir e ajudar os outros a saírem de seu sono”.
Sariputta, ao deixar Buda, tocou seus pés. Alguém perguntou a Sariputta: “Você se tornou
iluminado. Assim, por que você está tocando os pés de Buda?”.
Sariputta disse: “Agora não existe necessidade de tocar seus pés, mas isso pôde acontecer
somente por causa dele”.
Sariputta foi para longe, mas onde quer que ele estivesse, pela manhã ele se curvava na
direção onde Buda estava; à tarde ele novamente se curvava. E todo mundo perguntava: “O que
você está fazendo? Para quem você está se curvando?” – porque Buda estava muito longe, a
quilômetros de distância.
Ele dizia: “Para meu professor que desapareceu. Agora eu mesmo sou o guru, mas isso não
foi possível antes dele. Isso se tornou possível somente por causa dele”.
Assim até mesmo quando o mestre desaparecer, quando o guru desaparecer, o discípulo
sentirá uma profunda gratidão, a maior gratidão possível.
Existe uma necessidade, enquanto você está dormindo, de que alguém lhe perturbe. E se você
permitir alguém, é isso que entrega significa. Se você diz “tudo bem, eu permito que você me
perturbe”, isso é o que significa entrega – uma confiança. Confiança significa que, agora, mesmo
que esse homem o leve à miséria, você estará pronto para ir. Você não o questionará mais. Para
onde quer que ele o leve, você confia nele. Ele não lhe irá prejudicar.
Se você não confia, então, nenhum progresso é possível, porque você sente que ele irá lhe
prejudicar. Você sente, em seus termos, que ele irá lhe prejudicar de muitas maneiras. E se você
pensa que “eu tenho que me proteger”, então, nenhum trabalho maior é possível. Se você
desconfia de seu cirurgião, você não permitirá que ele lhe deixe inconsciente. Você não sabe o
que ele irá fazer e você dirá: “Faça a operação, mas deixe-me estar consciente. Assim, eu posso
continuar vendo o que você está fazendo. Eu não posso confiar em você”.
Você confia em seu cirurgião. Ele o deixa inconsciente, porque as coisas são de tal forma,
que, em seu estado consciente, a cirurgia seria impossível de ser feita; sua consciência
interferiria. É por isso que a confiança é cega. Significa que você está pronto até mesmo para se
tornar inconsciente, até mesmo para se tornar cego. Você está pronto para segui-lo aonde quer
que ele o leve. Somente então, uma cirurgia profunda interior se torna possível. E não é
simplesmente uma cirurgia física, fisiológica; é psicológica. Muita dor será sentida, muita
angústia, porque a catarse é necessária e você tem que ser jogado de volta para seu próprio centro
– do qual você se esqueceu completamente –, puxado de volta para suas raízes que você deixou
para trás, a quilômetros de distância.
Isso será árduo e difícil; isso trará até mesmo lágrimas. Mas se o discípulo estiver pronto para
se entregar, isso poderá acontecer mesmo em segundos. Depende da intensidade da entrega.
Tempo desnecessário é gasto porque o guru tem de ir lenta, lentamente – lentamente, de forma
que você esteja preparado para confiar mais. E ele tem que fazer muitas coisas desnecessárias
apenas para criar confiança. Para fazer a cirurgia, ele tem que criar desnecessariamente muitas
coisas que poderiam ser descartadas. Não haveria necessidade de gastar tempo e energia nelas,
mas elas são necessárias exatamente para criar confiança.
Eu citei Saraha; Saraha é um dos oitenta e quatro siddhas – um dos oitenta e quatro místicos
budistas – que alcançaram. Saraha diz para aqueles discípulos que se tornaram mestres:
“Comportem-se de uma maneira tal que os outros possam confiar em você. Eu sei que agora
você não precisa de moralidade; eu sei que agora você não precisa de regras. Você foi além e
você pode fazer o que quer que goste e você pode ser o que quer que goste. Agora nenhum
sistema, nenhuma moralidade existe para você. Mas comporte-se de uma maneira tal de forma
que os discípulos confiem em você”. Assim, grandes mestres têm se comportado de uma certa
maneira que a sociedade aprova. Não é porque eles precisam se comportar dessa maneira; é
apenas algo desnecessário, simplesmente para criar confiança. Assim, se Mahavira se comporta
nos padrões que os jainas estipularam, não é porque exista uma necessidade interna. Ele
comporta-se dessa maneira apenas para que os jainas possam seguir e se tornar discípulos, para
que eles possam confiar.
É por isso que muitos problemas surgem, sempre que um mestre começa a se comportar de
uma nova maneira. Jesus se comportou de uma nova maneira que não era conhecida para a
comunidade judaica. Não havia nada de errado nela, mas aquilo se tornou um problema. Os
judeus não puderam confiar nele. “Seus mestres do passado se comportaram de forma diferente e
este homem estava se comportando de outra maneira.” Ele não estava seguindo as regras do
jogo; assim, eles não puderam confiar nele. Então, eles tiveram de crucificá-lo.
E por que Jesus se comportou daquela maneira? A Índia estava por trás daquilo. Ele esteve
aqui por muitos anos antes de aparecer em Jerusalém. Ele aprendeu aqui em um mosteiro
budista; e tentou seguir as regras budistas onde não existia nenhuma sociedade budista. Ele
estava se comportando, em uma comunidade judaica, como se estivesse vivendo em uma
comunidade budista e isso criou todo o problema. Ele foi morto, mal compreendido, assassinado
e a causa foi somente essa – que os judeus não podiam confiar nele.
Um professor, um guru, tem que desnecessariamente criar muitas coisas a sua volta, fazer
muitas coisas, apenas para criar confiança. Mas mesmo assim, os problemas surgem, porque todo
mundo chega com sua própria expectativa: “O guru deve ser deste ou daquele jeito”.
Entrega significa que você abandona as suas expectativas, que você permite que o guru seja
como ele é; e você permite que ele faça tudo o que ele quer fazer. Mesmo que resulte dor, você
está pronto para aquilo. Mesmo que ele o leve em direção à morte, você está pronto para isso –
porque, basicamente, ele o levará a uma profunda morte. Somente depois disso um renascimento
é possível. A ressurreição é possível somente quando sua velha identidade foi crucificada.
Capítulo 37

TÉCNICAS PARA TESTEMUNHAR O FLUÍDICO FILME DA VIDA



OS SUTRAS

57. Em estados de extremo desejo, permaneça imperturbado.


58. Esse suposto universo é como uma exibição de ilusionismo, um filme. Para ser feliz, olhe
para ele dessa forma.
59. Oh! Amada, não coloque a atenção nem no prazer nem na dor, mas entre esses dois.
60. Objetos e desejos existem em mim como nos outros. Assim aceitando, deixe-os serem
transformados.

A mente original é como um espelho: é pura e permanece pura, mas a poeira pode se
avolumar sobre ela. A pureza não é perdida, a poeira não pode destruir a pureza, mas a poeira
pode encobri-la. Essa é a condição da mente comum – coberta de poeira. Escondida debaixo
dessa poeira, a mente original permanece pura. Ela não pode se tornar impura, é impossível. E se
fosse possível ela se tornar impura, então, não haveria jeito para reconquistar a pureza
novamente. Em si ela permanece pura, apenas coberta de poeira.
Nossa mente é a mente original mais a poeira, a mente do buda mais a poeira, a mente divina
mais a poeira. Uma vez que você saiba como remover a cobertura, como recuperá-la da poeira,
você conheceu tudo o que vale a pena conhecer e você atingiu tudo o que vale atingir. Todas
estas técnicas estão relacionadas a como libertar sua mente da poeira que fatalmente se acumula
sobre ela no dia-a-dia. A poeira é simplesmente natural. Exatamente como acontece com um
viajante ao passar por muitas e muitas estradas, a poeira vai se acumulando – e há muitas e
muitas vidas você é um viajante. Você viajou longas distâncias e muita poeira se acumulou.
Muitos pontos têm que ser entendidos antes que entremos nas técnicas.
Primeiro: o Oriente é basicamente diferente do ocidente no que diz respeito à atitude em
direção à transformação interior. O cristianismo acha que alguma coisa aconteceu ao próprio ser
do homem – o pecado. O Oriente acha que nada aconteceu ao ser do homem; nada pode
acontecer. O ser permanece em sua pureza absoluta; não houve nenhum pecado. Assim, no
Oriente, o homem não está condenado, ele não é alguma coisa degradada. Ao contrário, ele
permanece divino – como ele é e sempre foi – e é natural que a poeira se junte sobre ele. A
poeira fatalmente se juntará.
Assim, não existe pecado, mas apenas uma falsa identificação: nós nos tornamos
identificados com a mente, com a poeira.
Nossa experiência, nosso conhecimento, nossas memórias, tudo isso é poeira. Tudo o que
você conheceu, tudo o que você experimentou, tudo que foi seu passado, é tudo poeira.
Reconquistar a mente original significa reconquistar a pureza – sem experiências, sem
conhecimento, sem memórias, sem o passado.
Todo o passado é poeira, mas estamos identificados com o passado e não com a consciência
que está sempre presente. Pense nisto desta forma: tudo o que você conhece é sempre do
passado, e você está aqui e agora no presente. Todo o seu conhecimento é poeira. “Conhecer” é a
sua pureza, conhecimento é poeira. A capacidade de conhecer, a energia para conhecer, o ato de
conhecer em si é a sua natureza original. Através desse ato de conhecer, você acumula
conhecimento. Esse conhecimento é como poeira. Aqui e agora, neste exato momento, você é
absolutamente puro, mas você não está identificado com esta pureza, você está identificado com
o passado, com o passado acumulado. Assim, todas as técnicas de meditação são basicamente
métodos para removê-lo do passado e permitir que você se conecte com o aqui e agora.
Buda estava buscando a forma de se reconquistar esta pureza de consciência, como estar livre
do passado, porque, a menos que você esteja livre do passado, você permanecerá em escravidão,
você será um escravo. O passado pesa sobre você e por causa do passado, o presente nunca é
conhecido. O passado é conhecido; o presente é um diminuto momento atômico. Você continua
perdendo-o por causa do passado. E, por causa do passado, você continua projetando no futuro.
O passado é projetado no futuro. E ambos são falsos: o passado não existe mais, o futuro ainda
não existe. Ambos não existem e aquilo que existe, está escondido entre estes dois que não
existem.
Buda estava na busca; ele ia de um professor a outro. Continuava buscando, indo a muitos
professores, todos os professores conhecidos. Consultava esses professores, permitia-lhes que
trabalhassem sobre ele... – ele cooperava. Ele se disciplinou de muitas maneiras, mas não estava
satisfeito. E a dificuldade era esta: os professores estavam interessados no futuro, em algum
estado liberado em algum lugar além da morte, depois do fim da vida. Eles estavam interessados
em algum Deus, em algum nirvana, em algum moksha – algum estado liberado – em algum lugar
no futuro e Buda estava interessado no aqui e no agora; assim, na verdade, não houve encontro.
Ele dizia a cada professor: “Eu estou interessado no aqui e no agora, em como ser total, completo
e puro aqui e agora”. E eles diziam: “Aplique este método, faça isto. E se você o fizer
corretamente, algum dia no futuro, em alguma vida futura, em algum estado futuro, você
atingirá”.
Mais cedo ou mais tarde ele tinha de deixar cada professor. E, então, ele tentou sozinho, por
si mesmo. O que ele fez? Fez uma coisa muito simples. Uma vez que você conheça isso, é muito
simples e óbvio, mas quando você não conhece, é árduo e muito difícil, parece impossível. Ele
fez somente uma coisa: permaneceu com o momento presente. Esqueceu seu passado e esqueceu
seu futuro. Ele disse: “Eu permanecerei aqui e agora. Simplesmente existirei”. Se você puder
existir mesmo por um simples momento, você conhecerá o sabor – o sabor de sua pura
consciência. E uma vez que isso seja saboreado, você nunca poderá esquecê-lo. Então, o sabor, o
gosto, permanece com você e esse gosto se torna uma transformação.
Muitos são os caminhos de como remover a cobertura de seu passado, de como jogar fora a
poeira e olhar no espelho de sua própria mente. Todas estas técnicas são diferentes modos, mas
para cada técnica um entendimento profundo é necessário: lembre-se disso. Estas técnicas não
são mecânicas, porque são para descobrir a consciência. Elas não são coisas mecânicas. Você
pode usar estas técnicas mecanicamente e, se você as usa como técnicas mecânicas, você pode
até ganhar uma certa calma na mente, mas não será a pureza original. Você pode ganhar um
certo silêncio, mas esse silêncio será cultivado. Isso também pertence à parte suja da mente, não
à camada original. Não as use mecanicamente. Um profundo entendimento é necessário e
entendendo-as, elas podem ser úteis para a descoberta de seu ser.
57 Permaneça imperturbado pelos desejos

A primeira técnica do testemunhar:

Em estados de extremo desejo, permaneça imperturbado.

Em estados de extremo desejo, permaneça imperturbado: Quando o desejo o agarra, você fica
perturbado. É claro, isso é natural. O desejo o agarra, então, sua mente começa a vibrar e muitas
ondulações permanecem na superfície. O desejo o empurra para algum lugar no futuro. Você fica
perturbado, você fica desconfortável. O desejo está ali, um desconforto.
Este sutra diz: Em estados de extremo desejo, permaneça imperturbado. Mas como
permanecer imperturbável? Desejo significa perturbação! Assim, como ficar imperturbável? E
em momentos de extremos desejos!?
Você terá que passar por determinadas experiências; só então, você entenderá o que isso
significa. Você está com raiva, a raiva o agarrou, você está temporariamente louco, possuído,
não está mais em seu juízo. De repente, lembre-se de estar imperturbado – como se você
estivesse sem roupa. Interiormente, torne-se nu, nu da raiva, sem roupa. A raiva estará presente,
mas agora você tem um ponto dentro de você que não está perturbado.
Você saberá que a raiva está presente na periferia. Como uma febre, ela está presente. A
periferia está vibrando; a periferia está perturbada. Mas você pode olhar para ela. Se você puder
olhar para ela, você permanecerá imperturbável. Torne-se uma testemunha disso e você estará
imperturbável. Esse ponto imperturbável é sua mente original. A mente original não pode ser
perturbada; ela nunca é perturbada – mas você nunca olhou para ela. Quando a raiva está
presente, você fica identificado com a raiva. Você esquece que a raiva é alguma coisa diferente
de você. Você se torna um com ela e você começa a agir através dela, você começa a fazer
alguma coisa através dela.
Duas coisas podem ser feitas. Na raiva, você será violento com outro alguém, o objeto de sua
raiva. Então, você se moveu para o outro. A raiva está exatamente entre você e o outro. Eu estou
aqui, então há a raiva e, lá, está você – o objeto de minha raiva. Da raiva, eu posso viajar para
duas dimensões: ou eu posso viajar para você – então, você se torna meu centro de consciência, o
objeto de minha raiva; então, minha mente se torna focada em você, aquele que me insultou.
Esse é um dos modos de eu viajar a partir da raiva. Há um outro jeito: você pode viajar para si
mesmo. Você não se move para a pessoa que você sente que causou a raiva. Você se move para a
pessoa que sente estar com raiva; você se move para o sujeito e não para o objeto.
Comumente, nós continuamos nos movendo para o objeto. Se você se move para o objeto, a
parte de poeira de sua mente é perturbada e você sentirá que “eu’ estou perturbado”. Se você se
mover para dentro do centro de seu próprio ser, você será capaz de testemunhar a parte de poeira;
você será capaz de ver que é a parte de poeira da mente que está perturbada, mas não “eu não
estou perturbado”. E você pode experimentar isso com qualquer desejo, qualquer perturbação.
Um desejo sexual vem à sua mente; todo o seu corpo é tomado por ele. Você pode se mover
para o objeto sexual, o objeto de seu desejo. O objeto pode estar presente, pode não estar
presente. Você pode se mover para o objeto em imaginação também. Mas, então, você ficará
mais e mais perturbado. Quanto mais distante de seu centro você for, mais você ficará
perturbado. Na verdade, a distância e a perturbação sempre são da mesma proporção. Quanto
mais distante você está de seu centro, mais você está perturbado; quanto mais perto você está do
centro, menos você está perturbado. Se você estiver exatamente no centro, não há perturbação.
Em um ciclone, existe um centro que é imperturbável – no ciclone da raiva, no ciclone do
sexo, no ciclone de qualquer desejo –, exatamente no centro, não existe ciclone nenhum. E um
ciclone não pode existir sem um centro silencioso. A raiva também não pode existir sem algo
dentro de você que está além da raiva.
Lembre-se disto: nenhuma coisa pode existir sem seu oposto. O oposto é necessário. Sem ele,
não existe possibilidade daquilo existir. Se não houvesse nenhum centro dentro de você que
permanece sem-movimento, nenhum movimento seria possível. Se não existisse nenhum centro
dentro de você que permanecesse imperturbável, nenhuma perturbação poderia acontecer a você.
Analise isso e observe isso. Se não existisse centro de absoluta não-perturbação em você, como
você poderia sentir que está perturbado? Você precisa de uma comparação. Você precisa de dois
pontos para comparar.
Suponha que uma pessoa está doente. Ela se sente doente porque, em algum lugar dentro
dela, existe um ponto, um centro da saúde absoluta. É por isso que ela pode comparar. Você diz
que sua cabeça está doendo. Como é que você sabe sobre essa dor, essa dor de cabeça? Se você
fosse a dor de cabeça, você não poderia saber dela. Você deve ser alguém mais, alguma coisa
além – o observador, a testemunha, que pode dizer:
“Minha cabeça está doendo”.
Essa dor pode ser sentida somente por alguma coisa que não é a dor. Se você está doente,
com febre, você pode senti-la porque você não é a febre. A febre não pode sentir que existe
febre: é necessário alguém, que esteja além dela. Uma polaridade é necessária. Quando você está
com raiva e você sente que está com raiva, isso significa que existe um ponto dentro de você que
ainda está imperturbado e que pode ser uma testemunha. Você pode não olhar para esse ponto,
isso é uma outra coisa. Talvez você não possa se ver nesse ponto, isso é uma outra coisa. Mas ele
está sempre lá, em sua pureza inata; ele está sempre presente.
Esse sutra diz: Em humores de extremo desejo, permaneça imperturbado. O que você pode
fazer? Esta técnica não é pela repressão. Esta técnica não está dizendo que quando houver raiva
você deva reprimi-la e permanecer imperturbável – não! Se você reprimir, você criará mais
perturbação. Se houver raiva e houver um esforço para reprimi-la, isso irá duplicar a perturbação.
Quando a raiva estiver presente, feche suas portas, medite na raiva, permita que a raiva exista.
Permaneça imperturbado e não a reprima.
É fácil reprimir; é fácil expressar. Nós fazemos as duas coisas. Expressamos quando a
situação permite e quando é conveniente e não perigoso para você. Se você puder prejudicar o
outro e o outro não puder prejudicá-lo, você irá expressar a raiva. Se for perigoso, se o outro
puder prejudicá-lo, prejudicá-la, se seu chefe ou aquele de quem você tem raiva for mais forte,
você a reprimirá.
Expressão e repressão são fáceis, testemunhar é difícil. Testemunhar não é nenhuma das duas
coisas; não é repressão, não é expressão. Não é expressão no sentido de que você não a está
expressando para o objeto da raiva. Ela não está sendo reprimida tampouco. Você está
permitindo que ela seja expressa – expressa em um vácuo. Você está meditando nela.
Permaneça em frente a um espelho e expresse sua raiva – e seja uma testemunha dela. Você
está sozinho; assim, você pode meditar nela. Faça tudo o que você quiser fazer, mas em um
vácuo. Se você quiser bater em alguém, bata no espaço vazio. Se você quer ficar com raiva, fique
com raiva; se você quer gritar, grite. Mas faça-o sozinho e lembre-se de si mesmo como um
ponto que está vendo tudo isso, esse drama. Então, aquilo se torna um psicodrama e você pode
rir daquilo, e aquilo será uma profunda catarse para você. Mais tarde você se sentirá aliviado – e
não somente aliviado, você terá ganho alguma coisa através daquilo. Você terá amadurecido; um
crescimento terá chegado a você. E então você saberá que, mesmo enquanto você estava na
raiva, existia um centro dentro de você que permanecia imperturbado. Agora tente descobrir este
centro cada vez mais e mais. E é fácil descobri-lo no desejo.
É por isso que o tantra não é contra o desejo. Ele diz esteja no desejo, mas lembre-se do
centro que é imperturbável. Assim, o tantra diz que até mesmo o sexo pode ser usado. Mova-se
no sexo, mas permaneça imperturbado. Seja uma testemunha. Continue sendo um profundo
observador. O que quer que esteja acontecendo, está acontecendo na periferia; você é apenas um
circunstante, um espectador.
Esta técnica pode ser muito útil e muito benefício pode lhe acontecer através dela. Mas será
difícil, porque quando você fica perturbado, você se esquece de todas as coisas. Você pode
esquecer de que você tem de meditar. Então, tente desta maneira: não espere pelo momento em
que a raiva aconteça a você. Não espere pelo momento! Apenas feche-se no seu quarto e pense
em alguma experiência passada de raiva, quando você ficou louco. Lembre-se dela e a
reconstitua. Isso será fácil para você. Reconstitua-a, faça-a novamente, reviva-a. Não apenas
lembre-se dela, reviva-a. Lembre-se de que alguém o insultou e o que foi dito e como você
reagiu àquilo. Reaja novamente, repita novamente.
Talvez você não saiba que a mente é um recurso gravador. E agora os cientistas dizem –
agora isto é um fato científico – que se seus centros da memória são tocados por eletrodos, eles
começam a reexecutar. Por exemplo, você esteve com raiva certa vez: o incidente é gravado, na
mesma sequência que aconteceu, exatamente como numa fita de gravação em seu cérebro. Se
aquilo for tocado por um eletrodo, o incidente começará a se repetir em seu cérebro. Você terá o
mesmo sentimento novamente. Seus olhos ficarão vermelhos, seu corpo começará a tremer e
ficará quente, a coisa toda será reencenada. No momento em que o eletrodo é retirado, aquilo
para. Se você der energia àquilo novamente, tudo começará desde o início novamente.
Agora eles dizem que a mente é um gravador e você pode reconstituir qualquer coisa. Mas
não se lembre apenas: reviva. Comece sentindo a experiência novamente e a mente pegará a
ideia. O incidente chegará a você; você o reviverá. Revivendo-o, permaneça imperturbado.
Comece do passado. Isso é fácil porque, agora, trata-se de uma brincadeira, a situação real não
está presente. E se você for capaz de fazer isso, então, você será capaz de fazê-lo quando a
situação da raiva estiver realmente presente, quando uma situação real estiver presente. E isso
pode ser feito com todos os desejos.
Essa reencenação de alguma coisa do passado ajudará muito. Todo mundo tem cicatrizes em
sua mente; feridas não curadas estão presentes. Se você as reencenar, você será descarregado. Se
você puder ir para o seu passado e fizer alguma coisa que permaneceu incompleta, você será
descarregado de seu passado. Sua mente rejuvenescerá: a poeira será jogada fora. Lembre-se, em
seu passado, de alguma coisa que você sente que permaneceu suspensa. Você queria matar
alguém, você queria amar alguém, você queria isto e aquilo e isso permaneceu incompleto.
A coisa incompleta continua pairando na mente como uma nuvem. Ela influencia tudo o que
você é e o que você faz. Essa nuvem tem de ser dispersa. Volte na trilha do tempo e traga de
volta desejos que permaneceram incompletos; e reviva as feridas que ainda estão verdes. Elas
serão curadas. Você se tornará mais inteiro e através disso você pegará o jeito de como
permanecer imperturbado numa situação que é perturbável.
Em humores de extremo desejo, permaneça imperturbado. Gurdjieff usava esta técnica muito.
Ele criava situações; mas, para se criar situações, uma escola é necessária. Você não pode fazer
isso sozinho. Gurdjieff tinha uma pequena escola em Fontainebleu e ele era um mestre
administrador. Ele sabia como criar situações. Você entrava na sala e um grupo estava sentado
lá. Você entrava e alguma coisa era feita de forma a deixá-lo com raiva. E isso era feito tão
naturalmente que você nunca imaginaria que alguma situação estivesse sendo criada para você.
Mas aquilo era uma estratégia. Alguém o insultava dizendo alguma coisa e você ficava
perturbado. Então, todos colaboravam para a perturbação e você ficava louco. E quando você
estava exatamente no ponto de explodir, Gurdjieff gritava: “Lembre-se! Permaneça
imperturbado!”.
Uma situação assim pode ser criada, mas somente em uma escola onde muitas pessoas estão
trabalhando sobre si mesmas. E quando Gurdjieff gritava “Lembre-se! Permaneça
imperturbado!”, então, você sabia que aquilo era uma situação criada. O distúrbio não pode
desaparecer tão rapidamente, tão imediatamente, porque ele tem raízes físicas. Suas glândulas
jogaram veneno no sangue; seu corpo se tornou afetado.
A raiva não pode desaparecer tão imediatamente. Mesmo então, quando você vem a saber que
tinha sido enganado, que ninguém o estava insultando e ninguém queria dizer nada com aquilo,
seria difícil fazer alguma coisa. A raiva está ali, seu corpo está preenchido com ela – mas, de
repente, sua temperatura se acalma. Apenas no corpo, na periferia, a raiva permanece. No centro
você se acalma e, então, sabe que existe um ponto dentro de você que é imperturbável. Você
começa a rir. Seus olhos ainda estão vermelhos com a raiva; seu rosto está violento, semelhante a
um animal, mas você começa a rir. Você conhece as duas coisas agora – um ponto que é
imperturbável e a periferia que está perturbada.
Você pode ajudar. Sua família pode se tornar uma escola; vocês podem ajudar uns aos outros.
Os amigos podem se tornar uma escola e eles podem ajudar uns aos outros. Você pode decidir
com sua família... a família toda pode decidir que agora uma situação tem de ser criada para o
pai ou para a mãe. E então toda a família cria a situação. Quando o pai ou a mãe fica
completamente louco, então, todo mundo começa a rir e dizer “permaneça completamente
imperturbado”. Vocês podem ajudar uns aos outros e a experiência é simplesmente maravilhosa.
Uma vez que você conheça um centro frio dentro de você em uma situação quente, você não
poderá esquecê-lo e, então, em qualquer situação quente você poderá lembrar-se dele, recuperá-
lo, reconquistá-lo.
No Ocidente, atualmente, tem sido usada uma técnica, uma técnica terapêutica; ela é chamada
de psicodrama. Ela ajuda e ela também é baseada em técnicas como esta. No psicodrama, você
permanece apenas representando, você apenas joga um jogo. No começo é um jogo, mas, mais
cedo ou mais tarde, você se torna possuído. E, quando você se torna possuído, sua mente começa
a funcionar, porque sua mente e seu corpo funcionam automaticamente. Eles funcionam
automaticamente!
Assim, se você vê participando em um psicodrama, um ator que em uma situação de raiva,
realmente fica furioso, você pode pensar que ele esteja simplesmente representando, mas não é
assim. Ele pode realmente ter ficado raivoso; pode não ser apenas representação agora. Ele está
possuído pelo desejo, pela perturbação, pelo sentimento, pelo humor; e se ele estiver realmente
possuído, somente então, sua representação parece real.
Seu como não pode saber se você está brincando ou se você está agindo realmente. Você já
pode ter se observado, em algum momento em sua vida, em que estava apenas brincando de estar
com raiva e, de repente, sem você saber como, a raiva se tornou real; ou você estava apenas
brincando e não estava se sentindo sexual. Você estava brincando com sua esposa ou com seu
namorado ou seu marido e, então, de repente, aquilo se tornou real. O corpo se apodera daquilo,
e o corpo pode ser enganado. O corpo não sabe se aquilo é real ou irreal, principalmente no que
diz respeito ao sexo. Se você imagina aquilo, seu corpo pensa que é real.
O sexo é um dos centros mais imaginativos no corpo. Assim, apenas imaginando, você pode
ter um orgasmo sexual. Você pode enganar o corpo. No sonho, você pode ter um alívio sexual;
mesmo em sonho o corpo é enganado. Você não está fazendo amor com ninguém; apenas em
sonho, em fantasia, em imaginação, você está fazendo amor. Mas o corpo pode liberar a energia
sexual e até mesmo um profundo orgasmo pode ser sentindo. O que está acontecendo? Como o
corpo é enganado? O corpo não sabe o que é real e o que é irreal. Uma vez que você comece a
fazer uma coisa, o corpo pensa que aquilo é real e começa a se comportar de uma maneira real.
O psicodrama é uma técnica baseada em tais métodos. Você não está com raiva, você está
simplesmente representando a raiva – e, então, você entra nela. Mas o psicodrama é belo, porque
você sabe que está simplesmente representando. Então, na periferia, a raiva se torna real e
exatamente atrás dela, você está escondido e olhando para ela. Agora você sabe que não está
perturbado, mas a raiva está presente. O distúrbio está presente e ainda assim o distúrbio não
existe.
Essa sensação de duas forças funcionando simultaneamente lhe dá uma transcendência e,
então, na raiva real você também pode sentir isso. Uma vez que você saiba como sentir isso,
você pode senti-lo em situações reais também. Use esta técnica; ela mudará totalmente a sua
vida. Uma vez que você saiba como permanecer imperturbado, o mundo não é uma miséria para
você. Então, nada pode criar confusão em você; na verdade, nada poderá machucá-lo, machucá-
la. Agora então, não há sofrimento para você. E uma vez que você saiba disso, você pode fazer
uma outra coisa.
Gurdjieff costumava fazer isto: ele era capaz de mudar a própria face a qualquer momento.
Ele podia estar rindo, podia estar sorrindo, podia estar parecendo feliz com você e, de repente,
ele podia se tornar raivoso, sem nenhuma causa. E diz-se que ele se tornou tão competente nessa
arte, que se duas pessoas estivessem sentadas perto dele, uma em cada lado, ele poderia estar
com raiva em uma metade de sua face e podia estar sorrindo com a outra metade de sua face.
Então, uma pessoa poderia dizer “Que belo homem Gurdjieff é!”; e o outro poderia dizer “Que
homem feio!” Ele se mostrava sorrindo para a pessoa de um lado, enquanto se mostrava raivoso
para a do outro lado.
Uma vez que você separe seu centro da periferia, você pode fazer isso. Uma vez que o centro
esteja completamente separado, se você puder permanecer imperturbado na raiva, no desejo,
você poderá brincar com os desejos, com a raiva, com as perturbações.
Essa técnica é para criar uma sensação de dois extremos dentro de você. Eles existem, os dois
opostos polares estão presentes. Uma vez que você se torne consciente dessa polaridade, você se
torna pela primeira vez um mestre de si mesmo. Caso contrário, os outros são os mestres e você é
apenas um escravo. Sua esposa sabe, seu filho sabe, seu pai sabe, seu amigo sabe, que você pode
ser puxado desse jeito... empurrado daquele.... Você pode ser perturbado, pode tornar-se feliz e
infeliz. Se uma outra pessoa pode torná-lo feliz e infeliz, você não é um mestre, você é apenas
um escravo. O outro tem o domínio. Com um simples gesto apenas, ele pode torná-lo infeliz;
com um pequeno sorriso apenas, ele pode torná-lo feliz.
Assim você está simplesmente à mercê de outra pessoa; o outro pode fazer qualquer coisa a
você. E se esta é a situação, então, todas as suas reações são simplesmente reações, não ações.
Você simplesmente reage. Se alguém lhe insulta e você fica raivoso, sua raiva não é uma ação, é
uma reação. Se alguém o aprecia, a aprecia, e você começa a sorrir e a se sentir bem, importante,
isso é uma reação, não uma ação.
Buda estava passando por uma vila e algumas pessoas se juntaram ao seu redor. Elas eram
contra ele e o insultaram. Buda ouviu e então disse: “Eu tenho pouco tempo para chegar na outra
vila; então, posso ir agora? Se vocês já disseram tudo o que queriam me dizer, se já acabaram,
então eu posso ir. Ou, caso vocês ainda tenham algo mais para me dizer, quando eu retornar,
virei esperar aqui. Vocês podem vir e me dizer o que ainda tiverem a dizer”.
Aquelas pessoas ficaram simplesmente surpresas. Não podiam entender. Elas estiveram
insultando-o, usando palavras ruins, ofendendo-o! Então, elas disseram: “Mas nós não estamos
dizendo alguma coisa para você, nós o estamos ofendendo, insultando!”.
Buda disse: “Vocês podem fazer isso, mas se estiverem querendo uma reação minha, vocês
vieram tarde demais. Dez anos atrás, se vocês viessem com tais palavras, eu poderia ter reagido.
Mas agora eu aprendi como agir; sou um mestre de mim mesmo agora, vocês não podem me
forçar a fazer coisa alguma. Assim vocês terão que voltar. Vocês não podem me perturbar; nada
pode me perturbar agora, porque eu conheci meu próprio centro”.
Este conhecimento do centro ou este enraizamento no centro torna-o, torna-a, um mestre. Do
contrário, você é um escravo e um escravo de muitos – não somente de um mestre, mas de
muitos. Todas as coisas são um mestre e você é um escravo para todo o universo. Obviamente,
você terá problemas. Com tantos mestres puxando em tantas direções e dimensões, você nunca
estará integrado, não haverá uma unidade em você: puxado em tantas dimensões, você viverá em
angústia. Somente um mestre de si mesmo pode transcender a angústia.

58 Veja o mundo como um drama

A segunda técnica do testemunhar:

Esse suposto universo é como uma exibição de ilusionismo, um filme. Para ser feliz, olhe
para ele dessa forma.

Esse mundo todo é apenas como uma peça dramática; assim, não fique tão sério a respeito.
Seriedade lhe causará problemas, você cairá em problemas. Não seja sério a respeito. Nada é
sério; todo este mundo é apenas urna peça dramática.
Se você puder olhar para o mundo todo como um drama, você reconquistará sua consciência
original. A poeira se acumula porque você é muito sério. Essa seriedade cria problemas e nós
somos tão sérios que até mesmo enquanto assistimos a um drama nós acumulamos poeira. Vá a
uma sala de cinema e olhe para os espectadores. Não olhe para a tela, esqueça o filme; não olhe
para a tela, apenas olhe para os espectadores na sala. Alguém estará chorando, lágrimas
escorrendo pela face; alguém estará rindo; alguém estará sexualmente excitado. Apenas olhe as
pessoas. O que elas estão fazendo? O que lhes está acontecendo? E não existe nada na tela,
apenas figuras – figuras de luz e sombra. A tela está vazia.
Mas como elas vão ficando excitadas? Elas estão chorando, têm lágrimas escorrendo, estão
rindo. As imagens não são apenas imagens, o filme não é apenas um filme. Elas esqueceram que
aquilo é apenas uma história, elas tomaram aquilo seriamente. Tornou-se algo “vivo”! Tornou-se
“real”! E isso está acontecendo em todo lugar, não somente na sala de projeção. Olhe para a vida
que está por toda a sua volta. O que ela é?
Muitas pessoas viveram nesta terra. Onde você está sentado, pelo menos dez corpos mortos
estão enterrados neste lugar e eles também eram tão sérios como você. Agora eles não existem
mais. Para onde suas vidas foram? Para onde seus problemas foram? Eles estavam lutando –
lutando por um simples centímetro de terra e a terra está aí e eles não existem mais.
E eu não estou dizendo que os problemas deles não eram problemas. Eram – assim como seus
problemas são problemas. Eles eram sérios – problemas de vida e morte. Mas onde estão seus
problemas? E se toda a humanidade puder desaparecer algum dia, a terra ficará aí, as árvores
crescerão, os rios fluirão e o sol nascerá e a terra não sentirá nenhuma ausência nem se
perguntará onde a humanidade está.
Olhe para o espaço, olhe para trás, olhe para frente, olhe para todas as dimensões do que você
é, do que sua vida é. Ela parece um sonho comprido e todas as coisas que você leva tão a sério
neste momento se tornam inúteis no próximo momento. Você pode nem mesmo se lembrar
daquilo.
Lembre-se de seu primeiro amor, quão sério ele era. A vida dependia dele. Agora você,
absolutamente, não se lembra; ele está esquecido. E no que quer que você esteja pensando que
sua vida depende hoje, será esquecido. A vida é um fluxo, nada permanece. Ela é como um filme
passando, tudo se transforma em outra coisa. Mas no momento você sente a coisa muito
seriamente e você fica perturbado. Essa técnica diz: Esse suposto universo é como uma exibição
de ilusionismo, um filme. Para ser feliz, olhe para ele dessa forma.
Na Índia nós temos chamado este mundo não de uma criação de Deus, mas de uma
brincadeira, um jogo, leela. Esse conceito de leela é belo, porque a criação parece séria. O
cristianismo, o Deus judeu é muito sério. Mesmo por uma simples desobediência, Adão foi
jogado para fora do Jardim do Éden – e não apenas ele foi jogado para fora: por causa dele, toda
a humanidade. Ele foi nosso pai e nós estamos sofrendo por causa dele. Deus parece ser tão
sério. Ele não deve ser desobedecido. E se ele é desobedecido, ele irá se vingar. E a vingança tem
sido tão longa.
O pecado não parece ser tão sério. Na verdade, Adão o cometeu por causa da própria tolice de
Deus. Deus, o Pai, disse para Adão: “Não chegue perto da árvore, da Árvore do Conhecimento; e
não coma seus frutos”. Essa proibição se tornou um convite e isso é psicológico. Naquele grande
jardim, somente aquela Árvore do Conhecimento tornou-se atraente. Ela era proibida.
Qualquer psicólogo pode atestar, Deus cometeu um erro. Se a fruta daquela árvore não era
para ser comida, teria sido bom não ter falado nada sobre ela. Não havia nenhuma possibilidade
de Adão chegar àquela árvore e toda a humanidade poderia ter estado no jardim. Mas esta
declaração, “Não coma!”, criou o problema; aquele “não” criou todo o problema.
Porque Adão o desobedeceu, ele foi atirado para fora do céu e a vingança parece longa
demais. E os cristãos dizem que Jesus foi crucificado apenas para nos redimir – para nos redimir
desse pecado que Adão cometeu. Assim, todo o conceito cristão de história depende de duas
pessoas: Adão e Jesus. Adão cometeu o pecado, Jesus sofreu para nos redimir dele e permitiu ser
ele mesmo crucificado. Ele sofreu de forma que o pecado de Adão pudesse ser perdoado. Mas
não parece que Deus já o tenha perdoado. Jesus foi crucificado, mas a humanidade continua
sofrendo da mesma maneira.
O próprio conceito de Deus como um pai é feio, sério. O conceito indiano não é de um
criador. Deus é apenas um jogador; ele não é sério. Isso é apenas um jogo. Existem regras, mas
regras de um jogo. Você não precisa ser sério em relação a elas. Nada é pecado –somente erro. E
você sofre por causa do erro, não porque Deus o puna. Você sofre por causa das regras que você
não segue. Deus não está punindo ninguém. Todo o conceito de leela dá à vida uma coloração
dramática; ela se torna um longo drama. E esta técnica está baseada neste conceito: Esse suposto
universo é como uma exibição de ilusionismo, um filme. Para ser feliz, olhe para ele dessa
forma.
Se você está infeliz, você tomou a vida muito seriamente. E não tente achar algum jeito de
como ser feliz. Apenas mude a sua atitude. Você não pode ser feliz com uma mente séria. Com
uma mente festiva, você pode ser feliz. Tome toda esta vida como um mito, como uma história.
Ela é uma história, mas uma vez que você a toma dessa maneira, você não será infeliz. A
infelicidade vem da extrema seriedade. Tente por sete dias lembrar-se somente de uma coisa, que
o mundo todo é apenas uma peça dramática – e você não será o mesmo novamente. Apenas por
sete dias! Você não irá perder muito, porque não há nada a perder.
Você pode experimentar. Por sete dias tome todas as coisas como uma peça dramática,
apenas como um filme. Estes sete dias lhe darão muitos vislumbres de sua natureza búdica, de
sua pureza interior. E uma vez que você tenha tido um vislumbre, você não poderá ser o mesmo
novamente. Você será feliz e você nem pode imaginar que tipo de felicidade pode lhe acontecer,
porque você não conheceu nenhuma felicidade. Você conheceu somente graus de infelicidade:
algumas vezes você era mais infeliz, algumas vezes menos infeliz e quando você era menos
infeliz você chamava isso de felicidade. Você não sabe o que é a felicidade porque você não
pôde conhecê-la. Quando você tem um conceito do mundo no qual você o toma muito
seriamente, você não pode conhecer o que a felicidade é. A felicidade acontece somente quando
você está enraizado nesta atitude: que o mundo é apenas uma brincadeira, um jogo.
Assim, tente isso, e faça todas as coisas de uma maneira festiva, celebrando, participando de
uma “encenação” – não de uma coisa real. Se você é um marido, brinque, seja um marido
brincalhão; se você é uma esposa, seja uma esposa brincalhona. Faça disso apenas uma
brincadeira. E há regras, naturalmente; qualquer jogo para ser jogado precisa de regras.
Casamento é uma regra e divórcio é uma regra, mas não seja sério em relação a elas. Elas são
regras e uma regra causa a outra. O divórcio é ruim porque o casamento é ruim; uma regra causa
outra! Mas não as leve seriamente e, então, olhe como a qualidade de sua vida muda
imediatamente.
Vá para sua casa esta noite e se comporte com sua esposa ou marido ou seus filhos como se
você estivesse fazendo parte de um drama e veja a beleza disso. Se você estiver representando
um papel você tentará ser eficiente, mas você não ficará perturbado. Não há necessidade. Você
representará o papel e irá dormir. Mas lembre-se: isso é uma representação. E por sete dias
continuamente siga essa atitude. Então a felicidade pode acontecer para você e uma vez que você
saiba o que a felicidade é, você não necessita se mover para a infelicidade, porque é uma escolha
sua.
Você é infeliz porque você escolheu uma atitude errada com relação à vida. Você pode ser
feliz se você escolher uma atitude certa. Buda enfatiza muito a atitude certa. Ele faz disso uma
base, um fundamento – a atitude certa. O que é atitude certa? Qual é o critério? Para mim este é o
critério: a atitude que o faz feliz é a atitude certa e não existe nenhum critério objetivo. A atitude
que o faz infeliz e miserável é a atitude errada. O critério é subjetivo; sua felicidade é o critério.
59 Permaneça no meio entre duas polaridades

A terceira técnica do testemunhar:

Oh! Amada, não coloque a atenção nem no prazer nem na dor, mas entre esses dois.

Tudo é polar e a mente se move de uma polaridade a outra, nunca permanecendo no meio.
Você conhece algum momento em que você não estava nem feliz nem infeliz? Você conhece
algum momento quando não estava nem saudável nem doente? Você conhece algum momento
quando não estava nem isto nem aquilo, quando estava apenas no meio, exatamente no meio? A
mente se move de um extremo a outro imediatamente. Se você estiver feliz, mais cedo ou mais
tarde você se moverá para a infelicidade, e você se moverá imediatamente: a felicidade
desaparecerá e você ficará infeliz.
Se você está se sentindo bem, mais cedo ou mais tarde você se sentirá mal e não existe
nenhum ponto onde você permaneça no meio. Você se move imediatamente disto para aquilo.
Exatamente como um pêndulo de um relógio velho, você se move da esquerda para a direita, da
direita para a esquerda e o pêndulo não para de se mover. Há uma lei secreta: quando o pêndulo
está indo para a esquerda, parece estar indo para a esquerda, mas ele está juntando impulso para
ir para a direita. Quando ele está indo para a esquerda, ele está juntando energia, impulso, para ir
para a direita; quando ele está indo para a direita, ele está juntando impulso para ir para a
esquerda. Assim, o que aparece não é o todo. Quando você está ficando feliz, você está juntando
impulso para ser infeliz. Assim, sempre que eu o vejo rindo, não está longe o momento em que
você estará chorando.
Nas vilas indianas as mães sabem disso. Assim, quando uma criança começa a rir muito elas
dizem: “Pare essa criança; do contrário ela vai chorar”. Está fadado a ser assim. Se uma criança
está muito feliz, o próximo passo não pode ser nada além da infelicidade. Dessa forma, elas
param a criança. Do contrário, ela ficará infeliz. Mas o mesmo se aplica ao inverso e isso não é
conhecido. Quando uma criança está chorando e você tenta pará-la, você não está parando
somente seu choro; você está parando seu próximo passo. Ela não pode ser feliz agora. Quando
uma criança está chorando, permita que ela chore. Ajude-a a chorar mais, de forma que quando o
choro tiver acabado ela tenha juntado impulso. Agora ela pode mover-se para a direita, ela pode
ser feliz.
Agora os psicanalistas dizem que, quando uma criança estiver chorando e berrando, não a
interrompa, não tentem persuadi-la, não a distraia. Não tente focar sua mente em alguma outra
coisa; não a suborne para parar. Não faça nada. Apenas permaneça em silêncio perto dela e
permita que ela chore e grite e berre, de forma que ela possa se mover facilmente para a
felicidade. Do contrário, ela nem será capaz de chorar nem será capaz de ser feliz. É assim que
nos tornamos. Não podemos fazer nada. O sorriso é desenxabido, as lágrimas são insípidas; tudo
é desconcertado.
Mas essa é a lei natural da mente. Ela se move de um polo a outro. Essa técnica é para mudar
essa lei natural: Oh! Amada, não coloque a atenção nem no prazer nem na dor, mas entre esses
dois. Qualquer das polaridades pode ser escolhida e tente ficar exatamente no meio. O que você
pode fazer para ficar no meio? Como você ficará no meio?
Uma coisa: quando a dor estiver presente, o que você pode fazer? Quando a dor está presente,
você quer escapar dela. Você não a quer; você tenta ir além dela. Seu esforço é para ir para o
oposto – para ser feliz, para ser alegre.
Quando existe felicidade, o que você faz? Seu esforço é para se apegar àquilo de forma que o
outro polo não possa entrar – você se apega! Quando a felicidade está presente você se apega;
quando o sofrimento está presente você escapa. Essa é a atitude natural.
Se você quer mudar esta lei natural e transcendê-la, quando o sofrimento estiver presente não
tente escapar. Permaneça com ele. Você perturbará todo o mecanismo natural. Você tem uma dor
de cabeça: permaneça com ela. Feche os olhos, medite na dor de cabeça: permaneça com ela.
Não faça nada. Apenas seja uma testemunha; não tente escapar.
Quando a felicidade estiver presente e você estiver se sentindo especialmente bem-aventurado
em qualquer momento especial, não se apegue a isso. Feche seus olhos e permaneça uma
testemunha em relação àquilo tudo. Apegar-se ou escapar é natural para a mente coberta de
poeira. Se você permanecer uma testemunha, mais cedo ou mais tarde, você cairá no meio,
porque a lei natural é mover-se para a polaridade, para o polo oposto. Se você permanece uma
testemunha, você está no meio.
Buda chamou toda a sua filosofia de majjhim nikai – o caminho do meio – por causa desta
técnica. Ele diz: permaneça no meio sempre; não importa qual a polaridade, permaneça sempre
no meio. Testemunhando, a pessoa permanece no meio. No momento em que você perde o
testemunhar, ou você se torna apegado ou esquivo. Se você for esquivo, você irá para o outro
extremo; se você se apegar, você tentará permanecer naquele extremo, mas você nunca estará no
meio. Seja apenas uma testemunha. Não seja atraído, não se esquive. A dor de cabeça está
presente; aceite-a. Ela está presente como um fato. Assim como uma árvore está presente, como
a casa está presente, como a noite está presente, a dor de cabeça está presente. Aceite-a e feche
seus olhos. Não tente escapar dela.
Você está feliz; aceite o fato. Não se apegue a ele e não tente não se tornar infeliz; não tente
nada.
Se a infelicidade vem, permita-a. Se a felicidade vem. Apenas permaneça um observador na
colina, apenas vendo as coisas. A manhã chega e, então, a noite chega e, então, o sol se levanta e,
então, o sol se põe e há estrelas e escuridão e novamente o sol se levanta – e você é apenas um
observador na colina. Você não pode fazer nada. Você simplesmente vê. A manhã chegou; você
nota o fato e você sabe que agora a noite chegará porque a noite segue a manhã. E quando a noite
chega, você percebe o fato e você sabe que agora a manhã estará chegando porque a manhã
segue a noite.
Quando o sofrimento está presente, você é apenas um observador. Você sabe que o
sofrimento veio e, mais cedo ou mais tarde, ele irá e o polo oposto chegará. E quando a
felicidade chegar, você sabe que ela não irá permanecer sempre. A infelicidade estará escondida
em algum lugar, ela estará vindo. Você permanece um observador. Se você pode permanecer
sem atração e sem repulsão, você cairá no meio. E uma vez que o pêndulo pare no meio, você
pode olhar pela primeira vez para aquilo que o mundo é.
Enquanto você estiver se movendo, você não pode saber o que o mundo é; seu movimento
confunde tudo. Uma vez que você não esteja se movendo, você pode olhar para o mundo. Pela
primeira vez, você sabe o que é a realidade. Uma mente sem movimento sabe o que é a
realidade; uma mente em movimento não pode saber o que é a realidade. Sua mente é
exatamente como uma câmera: você continua se movendo e fazendo tomadas, mas o que quer
que venha é apenas uma confusão porque a câmara não deve se mover. Se a câmara estiver se
movendo, o filme será simplesmente uma confusão.
Sua consciência está se movendo de uma polaridade à outra e tudo o que você conhece da
realidade é apenas uma confusão, um pesadelo. Você não sabe o que é o quê; tudo está confuso,
misturado. Se você permanecer no meio e o pêndulo parar, se sua consciência estiver focada no
agora, centrada, então você saberá o que é a realidade. Somente uma mente que não está se
movendo pode conhecer o que é a verdade. Oh! Amada, não coloque a atenção nem no prazer
nem na dor, mas entre esses dois.

60 Aceitação

A quarta técnica do testemunhar:

Objetos e desejos existem em mim como nos outros. Assim aceitando, deixe-os serem
transformados.

Esta técnica pode ser muito útil. Quando você está com raiva, você sempre justifica a sua
raiva, mas quando alguém mais fica com raiva você sempre critica. Sua loucura é natural, mas a
loucura dos outros é simplesmente perversão. O que quer que você faça está bem – ou mesmo
que aquilo não seja bom, aquilo era “necessário ser feito”
Os outros fazem o mesmo, mas, então, não é dada a mesma racionalização. Se você está com
raiva, você diz que ela era necessária para ajudar os outros. Se você não tivesse ficado bravo, o
outro poderia ser destruído, ele poderia ter assumido um hábito errado; assim, foi uma coisa boa
ter-lhe dado uma punição. Foi apenas para o bem dele. Mas quando alguém fica bravo com você,
a mesma racionalização não é aplicada. Então ele está louco, ele é mau.
Nós temos um duplo padrão – um padrão para a própria pessoa e outro padrão para todo
mundo mais. Essa mente de padrão duplo estará sempre em profunda miséria. Essa mente não é
justa. E a menos que sua mente seja justa você não pode ter um lampejo da verdade. Somente
uma mente justa pode abandonar esse padrão duplo.
Jesus diz: “Não faça aos outros aquilo que você não gostaria que fizessem a você”. Isso
significa que é necessário um padrão similar.
Essa técnica está baseada na ideia de um padrão simples: Objetos e desejos existem em mim
como nos outros....Você não é excepcional, apesar de que todo mundo pense que é excepcional.
Se você pensa que é excepcional, saiba bem que é isso que toda mente ordinária pensa. Saber-se
ordinário, é a coisa mais extraordinária neste mundo.
Alguém perguntou a Suzuki sobre seu professor: “O que era excepcional em seu professor,
Suzuki?”. Suzuki era um mestre Zen; assim, ele disse: “A única coisa que eu nunca esqueço é
isto: eu nunca vi um homem que se pensasse tão comum. Ele era simplesmente comum,
ordinário. E essa é a coisa mais extraordinária, porque toda mente ordinária pensa que é
excepcional, extraordinária”.
Mas ninguém é extraordinário e quando você sabe disso, você se torna extraordinário. Todo
mundo é exatamente como todo mundo mais. Os mesmos desejos que pairam a sua volta, pairam
à volta de todo mundo mais.
Mas você chama seu sexo de amor; o amor dos outros, você chama de sexo. O que quer que
você faça, você o protege. Você diz que aquilo é bom. É por essa razão que você está fazendo
aquilo; e a mesma coisa feita pelos outros “não é o mesmo”. E isso acontece não somente às
pessoas; isso acontece a raças, nações. Eis porque o mundo todo se tornou uma confusão – por
causa disso.
Se a Índia continua fortalecendo seu exército é “por defesa”, e se a China continua
fortalecendo seu exército é “para o ataque”. Todos os governos no mundo chamam sua
organização militar de defesa. Então, quem ataca? Se todo mundo está se defendendo, quem é o
agressor?
Se você percorrer a história, você não poderá encontrar ninguém que seja um agressor.
Naturalmente, os derrotados provam ser os agressores. Os derrotados sempre se provam
agressores, porque eles não podem escrever a história. Os vitoriosos escrevem a história.
Se Hitler tivesse vencido, então a história poderia ter sido diferente. Então, ele poderia ter
sido o salvador do mundo, não o agressor. Então, Churchill e Roosevelt e os outros aliados
poderiam ter sido os agressores; e teria sido bom se eles tivessem sido destruídos. Mas, como
Hitler não pôde ganhar, ele foi o agressor e Churchill e Roosevelt e Stalin e os outros aliados
salvaram a humanidade. Não somente com pessoas, mas com todas as coisas – como nações,
como raças – nós fazemos a mesma lógica funcionar. Nós somos alguma coisa diferente e o
outro é diferente.
Ninguém é diferente! Uma mente religiosa sabe que todo mundo é a mesma coisa. Assim, se
você usa uma racionalização para si mesmo, por favor, dê a mesma racionalização para os outros
também. Se você critica os outros, então, aplique esta mesma crítica a si mesmo. Não crie dois
padrões. Um padrão único transformará seu ser totalmente, porque com um único padrão você se
torna justo e, pela primeira vez, você pode olhar diretamente para a realidade como ela é.
Objetos e desejos existem em mim como nos outros. Assim aceitando, deixe-os serem
transformados.
Aceite-os e eles serão transformados. O que nós estamos fazendo? Nós aceitamos que eles
existem nos outros. Tudo o que está errado existe no outro; tudo o que está certo existe em você.
Então, como você pode ser transformado? Você já está transformado! Você pensa que já é bom e
todo mundo mais é ruim; o mundo precisa de uma transformação, não você. É por isso que
sempre existem líderes, movimentos, profetas. Eles continuam berrando de cima dos telhados,
para mudar o mundo, para criar uma revolução e nós temos feito revoluções e revoluções e nada
muda.
O homem permanece o mesmo e a terra permanece na mesma miséria. Somente faces e
rótulos mudam, mas a miséria continua. Não é uma questão de como mudar o mundo. O mundo
não está errado; você está errado. A questão é como mudar a si mesmo.
“Como mudar a mim mesmo” é a busca religiosa; “Como mudar todo mundo mais” é
política. Mas o político pensa que ele é bom: na verdade, ele é o modelo de como o mundo
deveria de ser. Ele é o modelo, ele é o ideal e compete a ele mudar o mundo.
Tudo o que o homem religioso vê em todo mundo mais, ele vê em si mesmo também. Se
existe violência, ele imediatamente se pergunta se a violência existe nele ou não. Se existe
avareza, se ele vê avareza em algum lugar, sua primeira reflexão é sobre se a mesma avareza está
nele ou não. E quanto mais ele procura, mais ele encontra que ele é a fonte de todo o mal. Então,
não é uma questão de como mudar o mundo; é uma questão de como mudar a si mesmo. E a
mudança começa no momento em que você aceita um mesmo padrão. Então você já está
mudando.
Não condene o outro. Eu não quero dizer para condenar a si mesmo – não! Simplesmente não
condene os outros. E se você não estiver condenando os outros, você terá uma profunda
compaixão por eles, porque os mesmos problemas estão aí.
Se alguém comete um pecado, um pecado aos olhos da sociedade, você começa a condená-lo,
nunca pensando que você também tem, dentro de você, a semente para cometer esse pecado. Se
alguém comete um assassinato, você o condena; mas você nunca pensou em matar alguém,
assassinar? A semente potencial não está sempre presente? O homem que cometeu o assassinato
não era um assassino um momento antes, mas a semente estava ali. E a semente está com você
também. Um momento depois, quem sabe? Você pode ser um assassino. Assim, não o condene.
Ao contrário, aceite. Então, você sentirá uma profunda compaixão por ele, porque tudo o que ele
fez, qualquer homem é capaz de fazer: você é capaz de fazer aquilo.
Uma mente que não condena terá compaixão; uma mente que não condena terá uma aceitação
profunda. A pessoa sabe que é assim que a humanidade é; e que “é assim que eu sou”. Então o
mundo todo se tornará apenas um reflexo de seu próprio ser. Ele se tornará um espelho. Então
toda face se torna um espelho para você; você olha para si mesmo em toda face.
Objetos e desejos existem em mim como nos outros. Assim, aceitando, deixe-os serem
transformados. Aceitação torna-se transformação. Isso é difícil de se entender porque sempre
rejeitamos e, então também, não podemos transformar nada. Você tem avareza, mas você a
rejeita. Ninguém quer pensar em si mesmo como avarento. Você é luxurioso, mas você rejeita
isso. Ninguém quer sentir-se luxurioso. Você está com raiva, você tem raiva, mas você a rejeita.
Você cria uma fachada e você tenta justificar aquilo. Você nunca sente que está com raiva ou que
é a raiva.
Mas a rejeição nunca transforma nada. Ela simplesmente reprime; e aquilo que é reprimido se
torna mais poderoso. Aquilo se move para as suas raízes, para o seu inconsciente, para bem lá no
fundo de você; e começa a funcionar de lá. E dessa escuridão do inconsciente aquilo se torna
mais poderoso. Agora, você não pode aceitá-lo, porque você nem sequer está consciente
daquilo... A aceitação traz tudo para cima.... Não há necessidade de reprimir.
Você sabe que é avarento, você sabe que tem raiva, você sabe que é sexual e você aceita tudo
isso como fatos naturais, sem nenhuma condenação. Não há necessidade de suprimi-los. Eles
vêm para a superfície da mente e, da superfície da mente, eles podem ser jogados para fora muito
facilmente. Do centro profundo eles não podem ser jogados para fora. E quando eles estão na
superfície, você está sempre consciente deles; mas quando eles estão no inconsciente, você se
torna inconsciente. E uma doença da qual você está consciente, pode ser curada; uma doença da
qual você está inconsciente, não pode ser curada.
Traga tudo para a superfície. Aceite sua humanidade, sua animalidade. O que quer que esteja
presente, aceite sem nenhuma condição. Aquilo está presente. E esteja consciente daquilo. A
avareza está presente; não tente torná-la não-avareza. Você não pode. E se você tentar torná-la
não-avareza, você irá simplesmente reprimi-la. Sua não-avareza será simplesmente outra forma
de avareza e nada mais. Não tente mudá-la para outra coisa; você não pode mudá-la. Se você
quiser tentar mudar a avareza, o que você fará? E uma mente avarenta só pode ser atraída para o
ideal de não-avareza se alguma avareza mais profunda for possível através disso. Se alguém diz
que “Se você abandonar toda a sua riqueza, será permitido a você entrar em meu reino de Deus”,
então, você pode até mesmo renunciar. Uma avareza mais profunda se tornou possível. Isso é
uma barganha.
A avareza não tem que se tornar não-avareza; a avareza é para ser transcendida. Você não
pode mudá-la.
Como pode uma mente violenta se tornar não-violenta? Se você força a si mesmo ser não-
violento, isso será uma violência para consigo mesmo. Você não pode transformar uma coisa na
outra; você pode simplesmente estar consciente e aceitar. Aceite a avareza como ela é. Por
aceitação não se quer dizer que não exista necessidade de transformá-la. Por aceitação se quer
dizer apenas que você aceita o fato, o fato natural, como ele é. Então, mova-se na vida sabendo
bem que a avareza existe. Faça tudo o que você está fazendo, lembrando-se bem de que a
avareza está presente. Essa consciência o transformará. Ela transforma, porque, conscientemente,
você não pode ser avarento; conscientemente, você não pode ser raivoso.
Para a raiva, para a avareza, para a violência, a inconsciência é um requisito básico; assim
como você não pode conscientemente tomar veneno, assim como conscientemente você não
pode colocar sua mão em uma chama. Inconscientemente você pode colocá-la. Se você não sabe
o que é uma chama, o que é o fogo, você pode colocar sua mão nele. Mas se você sabe que o
fogo queima, você não pode colocar sua mão nele.
Quanto mais a sua consciência cresce, mais a avareza se torna um fogo e a raiva se torna
veneno. Elas simplesmente se tornam impossíveis. Sem nenhuma repressão, elas desaparecem. E
quando a avareza desaparece sem nenhum ideal de não-avareza, ela tem uma beleza em si
mesma. Quando a violência desaparece sem torná-lo não-violento, ela tem uma beleza em si
mesma.
Do contrário, um homem não-violento é profundamente violento. Essa violência está
escondida lá dentro e você pode ter um vislumbre dela a partir de sua não-violência também. Ele
forçará a sua não-violência sobre si mesmo e sobre os outros de uma maneira muito violenta.
Essa violência se tornou sutil. Esse sutra diz que a aceitação é transformação, porque através da
aceitação a consciência se torna possível.
Capítulo 38

EM DIREÇÃO AO SER AUTÊNTICO



PERGUNTAS

De que forma a mente moderna se torna identificada com a poeira acumulada da experiência
passada?
Quando a pessoa sente a vida como um psicodrama, ela também se sente solitária então. Desse
modo, qual é a atitude correta com relação à vida?
Como crescer no silêncio e de maneira brincalhona simultaneamente?
Você disse que a aceitação transforma, mas, porque então, ao invés disso, a aceitação dos
sentidos e desejos me faz sentir como um animal?

A primeira pergunta:

De que forma a mente original modernizada se torna identificada com a sujeira do


conhecimento e da experiência do passado?

A mente em si é pura e nenhuma impureza pode entrar nela – isso é impossível. A mente é
simplesmente a natureza búdica, o definitivo. E quando eu digo “a mente”, eu não quero dizer a
sua mente. Simplesmente quero dizer a mente onde não há nenhum “eu e você”. Você é a
impureza. Exatamente atrás de você está a mente original. Você é a poeira. Assim, primeiro tente
analisar o que você é e, depois, você será capaz de entender como a mente original se torna
identificada com o passado, com as memórias, com a poeira.
O que é você? Exatamente agora, se eu lhe perguntar o que é você, você poderá responder de
duas maneiras. Uma delas será uma resposta verbal e nessa resposta verbal você relatará o seu
passado. Você dirá: “Meu nome é este. Eu pertenço a esta família ou àquela, a esta religião ou
àquela, a este país ou àquele. Eu sou culto ou não culto, rico ou pobre”. Tudo isso são
experiências passadas, não é você. Você tem existido através delas, você tem passado através
delas, elas foram “a passagem”; mas seu passado continua se acumulando.
Essa será a resposta verbal, mas não é a resposta real. Essa é a sua mente argumentando, o
falso ego. Exatamente agora, se você abandonar todo o passado... – se você se esquecer de seu
pai, seus pais, sua família, sua religião, seu país, de tudo isso que é acidental –, se você se
esquecer de tudo o que é acidental e apenas permanecer consigo mesmo, aqui e agora, então,
quem é você? Nenhum nome virá à sua consciência, nenhuma forma – apenas a simples
consciência de que você existe. Você não será capaz de dizer quem você é. Você simplesmente
dirá “eu existo”. No momento em que você responde ao quem, você se move para o passado.
Você é exatamente uma simples consciência, uma mente pura, um espelho inocente.
Exatamente agora, neste exato momento, você existe. Quem é você? Apenas uma consciência
simples de que “eu existo”. Nem o eu não é necessário. Quanto mais fundo você for, mais você
sentirá apenas a existencialidade, a existência. Essa existência é a mente pura, mas essa
existência não tem forma; é sem forma – nirakar. Essa existência não tem nome; é sem-nome –
anam.
Ser apresentado àquilo que você realmente é, será difícil para você. Na sociedade,
relacionando-se com os outros, você precisará de um nome, de uma forma. Seu passado supre
seu nome e forma. Esse nome e forma são úteis. Sem eles será difícil sobreviver. Eles são
necessários, mas eles não são você; eles são apenas rótulos. Por causa desta necessidade
utilitária, a mente original se torna identificada com o nome e a forma.
Uma criança nasce. Ela é simples consciência, mas você tem de chamá-la, você tem que lhe
dar um nome. No começo, a criança usará o seu próprio nome. Ela não dirá “eu estou com
fome”; ela dirá: “Ram está com fome.” – Ram é seu nome. Ela dirá: “Ram está com muita
raiva”. Somente mais tarde ela aprenderá que isso não pode ser usado dessa forma, que ela não
pode chamar a si mesma de Ram. Ram é o nome para ela ser chamada pelos outros. Então, ela
aprenderá o uso do “eu”.
Primeiro ela se tornará identificada com o “Ram”, o nome que os outros a chamam; depois
ela se tornará identificada com o “eu”. Isso é útil. Você precisa disso. Sem isso a sobrevivência
será difícil. Devido a essa necessidade utilitária, a pessoa se torna identificada. Você pode ir
além dessa identificação e no momento em que você começa a ir além e a recuperar sua
consciência original, você começou a meditação. E você só pode começar a meditação quando
você se torna frustrado com seu nome e sua forma e com o mundo a que isso pertence.
A religião começa quando você se torna frustrado, totalmente frustrado, com mundo do nome
e da forma, e quando a coisa toda parece sem sentido. E ela é! Em última análise ela é sem
sentido. Essa sensação de falta de sentido do mundo, que é criada em torno do nome e da forma,
deixa a pessoa desconfortável. Esse desconforto é o começo de uma busca religiosa. Você se
sente desconfortável, porque você não pode se tornar totalmente identificado com esse rótulo. O
rótulo permanece um rótulo; você permanece o que você é. Esse rótulo recobre um pouco a
pessoa, mas não pode se tornar sua totalidade. E, mais cedo ou mais tarde, você fica farto deste
rótulo. Você quer saber quem você realmente é. E no momento que você pergunta sinceramente
“Quem sou eu? ”, você está em uma jornada diferente; você está transcendendo.
Essa identificação é natural. Existe uma outra razão pela qual é tão fácil se tornar
identificado. Isto aqui é uma sala. Se eu lhe digo “olhe para a sala”, para onde você olhará? Você
olhará para as paredes. As paredes não são a sala: a sala é apenas a espacialidade, ela não é a
parede. As paredes são apenas as fronteiras do espaço que nós chamamos sala. Mas se eu peço
para você olhar para a sala, você olhará para as paredes, porque a espacialidade não pode ser
olhada.
Você é apenas espaço interior; seu nome e sua forma são as paredes. Eles lhe dão uma
fronteira, eles lhe dão uma definição, eles lhe dão um lugar definido. Você pode se identificar
com essa definição; por outro lado, você é apenas um zero, shunya – um nada. Esse nada está
presente, esse espaço interior está presente.
Olhe para isso dessa maneira. Você inspira, você expira. Se você inspirar e expirar
silenciosamente e não houver nenhum pensamento na mente, se você estiver simplesmente
sentado debaixo de uma árvore inspirando e expirando, o que você sentirá? Você sentirá que
existe espaço exterior e que existe espaço interior. A inspiração move-se para o espaço interior, a
expiração move-se para o espaço exterior. Mas onde está você? Há simplesmente dois espaços.
Sua garganta é apenas uma porta, uma porta de troca. Quando o ar vem, ele força a porta e entra.
Quando o ar sai, ele novamente força a porta e sai. Sua garganta é apenas uma porta de troca e
existem dois espaços – o exterior e o interior. E se essa porta for quebrada, então não existirá
nem mesmo dois espaços – apenas um espaço.
Você ficará com medo se sentir um nada interior. Você quer ser alguma coisa definível,
definida. Não há ninguém que seja definido internamente; o espaço externo é infinito e o espaço
interno também é infinito. Eis por que Buda insistia em que não existe alma, nenhum atma. Você
é apenas um espaço vazio – infinito.
É difícil sentir a si mesmo como esse espaço infinito, a menos que você faça um árduo
esforço. A pessoa se torna identificada com as fronteiras. É mais fácil sentir a si mesmo dessa
forma, com as fronteiras. Seu nome é apenas uma fronteira, seu corpo é apenas uma fronteira,
seus pensamentos são apenas uma fronteira. Por utilidade externa, para sua própria conveniência
também, você se torna identificado com eles. Então, uma vez que você está identificado, a
acumulação continua e continua e continua; e, com a acumulação, você sente um preenchimento
do ego. Você fica identificado com suas riquezas; então, você continua acumulando. Você tem
uma sensação de que está ficando maior, enorme. Você tem uma casa enorme, depois, uma casa
maior, depois, uma casa ainda maior; assim, você sente que está ficando cada vez maior e maior
e é assim que a cobiça nasce.
Cobiça não é nada além de uma expansão, um esforço para expandir o ego. Mas por maior
que você se torne em seu ego, você nunca pode se tornar infinito. E você é infinito internamente
– se você puder olhar dentro do nada, você é infinito internamente.
É por isso que o ego nunca está satisfeito. Em última análise ele é frustração. Ele não pode se
tornar infinito; ele permanecerá finito.
É por isso que se tem sempre um descontentamento espiritual. Você é infinito. Nada menos
do que isso lhe será realmente de utilidade e nada menos o satisfará, a satisfará.
Mas toda fronteira será finita. Ela é necessária, é inevitável de certa forma, útil; mas ela não é
verdadeira, ela não é a verdade. O espelho interior – a mente interior – é pura consciência,
apenas consciência.
Olhe para a luz. Você diz que o quarto está preenchido de luz, mas como você vê a luz? Você
nunca viu a própria luz, você não pode vê-la; o que você sempre vê, é alguma coisa iluminada. A
luz bate na parede, a luz bate nos livros, a luz bate na outra pessoa. Ela é refletida nesses objetos.
Como você pode ver os objetos, você diz que a luz está presente. Quando você não pode ver os
objetos, você diz que há escuridão. Você nunca viu a luz pura, em si mesma. Ela é sempre vista
refletida em algum objeto.
A consciência-em-si é até mesmo mais pura do que a luz. Ela é a mais pura possibilidade na
existência. Se você se tornar totalmente silencioso, todas as fronteiras desaparecerão e você não
será capaz de dizer quem você é. Você simplesmente existirá, porque não haverá nenhum objeto
com o qual você possa se contrastar. Você não poderá dizer que é um sujeito, uma alma ou
mesmo uma consciência. Devido a essa pureza de consciência, é que você sempre se conheceu
através de alguma coisa mais; você não pode se conhecer diretamente. Assim, quando você cria
fronteiras, você sente que se conhece; com sua riqueza você sente que se conhece. Alguma coisa
à sua volta se torna a fronteira e a pura consciência é refletida de volta.
Quando Buda atingiu a iluminação ele disse: “Eu não existo mais”. Quando você atingir este
estado você também dirá “eu não existo mais”, porque, sem uma fronteira, como você pode
existir? Quando Shankara atingiu, ele disse: “Eu sou tudo”. Ambos querem dizer a mesma coisa.
Se você é o todo, você não existe mais. Tudo ou nada – somente duas possibilidades existem,
mas, em ambas as possibilidades, você não mais existe. Se você é tudo, Brahma, então, você não
existe. Se você não existe, é totalmente um nada, então também, você não existe. Por causa
disso, tornar-se identificado é uma parte necessária da vida. E isso é bom, porque, a menos que
você se torne identificado, você não pode se tornar desidentificado. A menos que você se torne
identificado, você não pode se tornar desidentificado! Pelo menos uma vez, tem-se que se tornar
identificado.
É assim: se você nasceu saudável e nunca ficou doente, você nunca estará consciente de sua
saúde. Você não pode estar, porque a consciência da saúde precisa de um fundo de doença e
enfermidade. Você terá que ficar doente para saber que você era saudável, ou o que é a saúde. O
outro polo será necessário. A ciência esotérica oriental diz que é por esta razão que o mundo
existe: para que você possa experimentar que você é divino. O mundo dá um contraste.
Vá a uma escola e você verá que o professor está escrevendo no quadro negro com um giz
branco. Ele pode escrever em um quadro branco também, mas, então, aquilo não terá sentido,
porque será invisível, não será visto. Somente em um quadro escuro a pessoa pode escrever com
um giz branco de forma que o escrito seja visto. O quadro negro é uma necessidade para a escrita
branca se tornar visível.
O mundo é apenas um quadro negro e você se torna visível por causa disso. Trata-se de uma
polaridade inerente, e isso é bom. É por isso que, no Oriente, nunca dizemos que o mundo é
ruim; nós o tomamos apenas como uma escola, um treino. Ele é bom porque somente em
contraste você será capaz de conhecer a sua própria pureza. Quando você vem ao mundo você se
torna identificado. Com a identificação, você entra: o mundo começa. Assim, você terá de ficar
doente para conhecer sua saúde interior.
Esta tem sido uma pergunta em todo o mundo: Por que o mundo existe? Porque tudo isso?
Muitas respostas foram dadas, mas essas respostas são apenas supérfluas. Somente esta atitude
parece ser bastante profunda e significativa – que o mundo é apenas um quadro negro: sem ele
você não pode se tornar consciente de sua consciência interior.
Vou lhes contar uma história. Um homem – muito rico, o mais rico de seu país – ficou muito
perturbado, sentia-se muito frustrado. Ele sentiu que a vida era sem sentido. Ele tinha tudo que
podia ser comprado, mas tudo aquilo que podia ser comprado provou-se sem sentido. Somente
alguma coisa que não pudesse ser comprada poderia ter um sentido real. Ele tinha todas as coisas
que podiam ser compradas – ele poderia ter comprado o mundo todo. Mas o que fazer agora? Ele
estava frustrado, um profundo descontentamento interior.
Assim, ele juntou todos os seus valores, ornamentos, ouro, joias, todas as coisas, em um
grande saco. Então, ele começou uma jornada em busca de um homem que pudesse lhe dar
alguma coisa de valor, um lampejo de felicidade. Então, ele poderia presenteá-lo com o ganho de
toda a sua vida. Ele foi de um professor a outro, viajou e viajou, mas ninguém foi capaz de lhe
dar nem mesmo um lampejo. E ele estava pronto para dar todas as suas coisas – todo o seu reino.
Então ele chegou a uma vila e perguntou por Mulla Nasruddin, que era um faquir que vivia lá.
Um homem da vila lhe disse: “Mulla Nasruddin está sentado fora da cidade, meditando embaixo
de uma árvore. Vá até lá, e se ele não lhe puder dar um lampejo de felicidade, então, esqueça
isso. Você poderá ir a todos os cantos do mundo, mas você nunca o terá. Se este homem não lhe
puder dar um lampejo de felicidade, então, não existe a possibilidade”.
O homem ficou muito excitado. Ele foi até Nasruddin, que estava realmente sentado debaixo
de uma árvore. O sol estava se pondo. O homem disse: “Eu vim com este propósito: todo o
ganho de minha vida está aqui neste saco e eu o darei para você, se você puder me dar um
lampejo de felicidade”.
Mulla Nasruddin escutou. A tarde estava se dissipando, estava ficando escuro. Sem lhe
responder, Mulla Nasruddin pegou o saco do homem rico e saiu correndo. Naturalmente, o
homem rico o seguiu gritando, chorando aos berros. As ruas da vila eram conhecidas para Mulla
Nasruddin; elas não eram conhecidas para o homem rico, pois ele era um estrangeiro; assim, ele
não conseguia encontrá-lo. Por toda a vila as pessoas começaram a segui-los. Nasruddin estava
apenas correndo em volta, em tomo da vila. O homem estava enfurecido. Ele berrava: “Eu fui
roubado da riqueza de toda a minha vida! Eu sou um homem pobre agora! Eu me tornei um
mendigo! ” Ele gritava se lastimando, chorando.
Então, Nasruddin chegou à mesma árvore, colocou o saco na frente da árvore e se escondeu
atrás dela. Quando o homem chegou lá, ele caiu em cima do saco e começou a chorar de
felicidade. Nasruddin olhou por detrás da árvore e disse: “Você está feliz, homem? Você teve um
pequeno lampejo? ”.
O homem disse: “Eu estou tão feliz, como ninguém nesta terra!”.
O que aconteceu? Para se ter um pico, um vale é necessário. Para sentir felicidade, a
infelicidade é necessária. Para conhecer o divino, o mundo é necessário. O mundo é apenas um
vale. O homem era o mesmo, o saco era o mesmo. Nada de novo tinha acontecido, mas, agora
então, ele disse que estava feliz – tão feliz como ninguém pode estar nesta terra! – ...e apenas
alguns minutos antes ele era miserável. Nada tinha mudado. O homem era o mesmo, o saco era o
mesmo, a árvore era a mesma. Nada tinha mudado, mas agora o homem estava feliz, dançando.
O contraste tinha acontecido. A consciência torna-se identificada, porque através da
identificação o mundo existe e através do mundo você pode reconquistar a si mesmo.
Quando Buda alcançou a iluminação, foi-lhe perguntado: “O que você atingiu? ”. Ele disse:
“Nada. Pelo contrário, eu perdi muito. Eu não atingi nada, porque agora sei que o que quer que
tenha atingido sempre esteve presente; era minha natureza. Nunca foi tirado de mim, assim eu
não atingi nada. Eu atingi aquilo que já estava presente, que já fora atingido. Eu perdi somente
minha ignorância”.
A identificação é ignorância. Ela é parte desta grande brincadeira – desta leela cósmica, desta
brincadeira cósmica... – que você terá de perder a si mesmo para encontrar a si mesmo
novamente. Este “perder a si mesmo” é apenas um meio, e o único meio, para reconquistar a si
mesmo. Se você já perdeu muito, você pode reconquistar. Se você ainda não se perdeu o
suficiente, você terá que perder mais. E nada pode ser feito antes disso; nenhuma ajuda é
possível antes disso. Amenos que você esteja completamente perdido no vale, na escuridão, no
sansara, no mundo, nada pode ser feito. Perca de forma que você possa ganhar. Isso parece
paradoxal, mas é assim que é – como o mundo é, como é o próprio processo.

A segunda pergunta:

Se a pessoa começa a sentir que a vida é um psicodrama, então a pessoa também se


sente separada e solitária. Dessa forma, a intensidade, a sinceridade e a profundidade de
viver são perdidas. Por favor, sugira o que fazer nessa situação. Qual é então a atitude
correta em relação à vida?
“Se a pessoa começa a sentir que a vida é um psicodrama, então a pessoa também se sente
separada e solitária...” – então sinta isso! Por que criar um problema? Se você se sente separado
e solitário, então sinta isso! Mas nós continuamos criando problemas. O que quer que aconteça,
criamos um problema a partir disso. Sinta-se separado e solitário – e se você puder se sentir à
vontade com sua solidão, ela desaparecerá. Se você começa a fazer alguma coisa para
transcendê-la, ela nunca desaparecerá; ela permanecerá. Atualmente uma nova tendência na
psicologia e na psicanálise diz que qualquer coisa pode desaparecer se você permanecer com ela
sem criar nenhum problema. E esse é um dos mais antigos ensinamentos do tantra.
Nos últimos dez ou doze anos, no Japão, uma pequena técnica psicoterapêutica tem sido
usada. A psicanálise e a psiquiatria ocidentais têm estado estudando-a. É uma terapia Zen e ela é
maravilhosa. Se alguém fica neurótico ou psicótico, esse homem ou mulher é simplesmente
colocado em um quarto solitário e lhe é dito: “Permaneça consigo mesmo, o que quer que você
seja. Neurótico? Tudo bem! Então, seja neurótico, e viva com isso”. E os médicos não
interferem. A comida é fornecida, as necessidades são satisfeitas, a atenção será dada, mas não
existe interferência. O paciente tem de viver consigo mesmo e dentro de dez dias ele começa a
mudar. A psicanálise ocidental trabalha durante anos e, basicamente, nada muda.
O que acontece a esse paciente Zen? Não há nenhuma interferência de fora. Há apenas a
aceitação deste fato: “Tudo bem, você é neurótico. Nada pode ser feito”. O Zen diz que uma
árvore é pequena e outra árvore é muito grande, e está tudo bem; uma é pequena, outra é grande
e nada pode ser feito. Uma vez que você aceite a coisa, você já a está transcendendo.
Um dos psiquiatras mais originais da Inglaterra, R. D. Laing, propôs agora que se nós
pudermos deixar um louco por si mesmo, apenas lhe dando uma atenção amorosa, satisfazendo
suas necessidades e não interferindo com ele, ele atravessará sua loucura dentro de três ou quatro
semanas. Sua proposta é de que nenhuma loucura pode durar mais do que dez dias, se ela não
sofrer interferência. Se você interfere, então, você prolonga o processo.
O que acontece quando você não está interferindo em nada? Você se sente sozinho. Então,
sinta-se sozinho: é como você está. Mas quando você se sente sozinho, você começa a fazer
alguma coisa e, então, você fica dividido. Então uma parte sua se sente sozinha e a outra parte
tenta mudar o fato. Isso é absurdo. É como puxar a si mesmo pelas suas pernas ou pelos cordões
dos sapatos – puxando-se em direção ao céu. Absurdo! Você está sozinho. Assim, o que você
pode fazer? Não há ninguém mais para fazer alguma coisa. Você está sozinho; assim, fique
sozinho. Esse é o seu destino; isso é como você está. O que acontecerá se você aceitar o fato? Se
você aceitá-lo, seu estado fragmentado desaparecerá, você se tornará um, você será total – não
dividido.
Se você está deprimido, então fique deprimido; não faça nada. E o que você pode fazer? Tudo
o que você fizer será feito a partir da depressão, assim isso criará mais confusão. Você pode
rezar a Deus, mas rezará tão depressivamente, que até mesmo Deus você tornará deprimido
através de sua reza. Não cometa essa violência. Sua reza será uma reza depressiva.
Você pode meditar, mas o que você fará? A depressão estará presente. Como você está
deprimido, tudo o que você fizer será seguido pela depressão. Mais confusão será criada, porque
você não poderá ter sucesso. E, quando você não pode ter sucesso, você se sente mais deprimido
e isso pode continuar ad infinitum. É melhor permanecer com a primeira depressão do que criar
um segundo círculo e depois um terceiro círculo.... Permaneça com o primeiro; o original é belo.
O segundo será falso e o terceiro será um eco longínquo. Não crie isso. O primeiro é belo. Você
está deprimido – é como a existência está acontecendo para você neste momento.
Você está deprimido, assim permaneça com esse fato. Espere e olhe. Você não pode ficar
deprimido por muito tempo, porque neste mundo nada é permanente. Este mundo é um fluxo.
Este mundo não pode mudar sua lei básica para você de forma que você permaneça deprimido
para sempre. Nada está aqui para sempre; todas as coisas estão se movendo e mudando. A
existência é um rio; ela não pode parar para você, apenas para você, de forma que você
permaneça deprimido para sempre. Ela está se movendo, ela já se moveu. Se você olha para a
sua depressão, você sentirá que nem a sua depressão é a mesma no momento seguinte; ela é
diferente, ela está mudando. Apenas olhe, permaneça com ela e não faça nada. É assim que a
transformação acontece através do nada. Isso é o que se quer dizer por “esforço sem-esforço”.
Sinta a depressão, saboreie-a profundamente, viva-a. Ela é seu destino. Então, de repente
você sentirá que ela desapareceu, porque o homem que pode aceitar inclusive a depressão não
pode ficar deprimido. Um homem, uma mente, que pode aceitar até mesmo a depressão não pode
permanecer deprimido! A depressão precisa de uma mente que não aceita. “Isto não é bom”,
“aquilo não é bom”; “isto não deveria existir”, “aquilo não deveria existir”; “isto não deveria ser
assim”. Tudo é negado, rejeitado – não aceito. O não é básico. Até mesmo a felicidade será
rejeitada por tal mente. Uma mente desse tipo encontrará alguma coisa para rejeitar na felicidade
também.
Um homem veio a mim outro dia e disse: “A meditação está indo fundo e estou me sentindo
muito feliz, mas estou desconfiado. Esta felicidade deve ser ilusória, porque eu nunca senti
felicidade antes. Devo estar numa ilusão.... Tantas dúvidas chegaram até a mim! ”.
Até mesmo se a felicidade acontece para uma mente que vive sempre rejeitando, ela sentirá
uma dúvida sobre aquilo. Ela sentirá que alguma coisa aconteceu de errado. Ela está feliz; assim,
sentirá que alguma coisa aconteceu de errado. Apenas por ter meditado por uns poucos dias...
não é possível.
Uma mente que não aceita, não aceitará nada, mas se você puder aceitar a sua solidão, sua
depressão, sua tristeza, você já está transcendendo. Aceitação é transcendência. Você tirou o
próprio chão e, então, a depressão não pode existir.
Tente isto: qualquer que seja seu estado de mente, aceite-o e espere pelo momento em que o
estado muda por si mesmo. Você não o está mudando; você pode sentir a beleza que chega
quando os estados mudam por si mesmos. Você pode saber que é exatamente como o sol
levantando-se pela manhã e, então, se pondo à tarde. Então novamente ele nascerá e novamente
irá se pôr e assim continuará. Você não precisa fazer nada a respeito.
Se você puder sentir seus estados mentais mudando por si mesmos, você poderá permanecer
indiferente, você poderá permanecer afastado, quilômetros afastado, como se a mente estivesse
indo para algum outro lugar. O sol está nascendo, está se pondo; a depressão está vindo, a
felicidade está vindo, indo embora – mas você não está nela. Ela vai-e-vem por si mesma; os
estados vêm e vão.
“Se a pessoa começa a sentir que a vida é um psicodrama, então, a pessoa também se sente
separada e solitária”. Assim, sinta o fato! “Desta forma, a intensidade, a sinceridade e a
profundidade de viver são perdidas.” Deixe que sejam perdidas, porque a sinceridade e a
profundidade que podem ser perdidas não eram reais. Eram pseudos, falsas; e é melhor que a
coisa falsa seja perdida. Como pode uma profundidade real ser perdida? A própria definição de
uma “profundidade real” é que ela não pode ser perdida, não importa o que você faça. Se você
pode perturbar um buda, então, ele não é um buda. O que quer que você faça, ele permanece
imperturbável. Esta não-perturbação incondicional é a natureza búdica. O real não pode ser
perdido. O real sempre é incondicional.
Se eu o amo e digo: “Não fique com raiva, do contrário meu amor irá embora” – ...então,
quanto mais cedo tal amor for embora, melhor. Se o amor é real, o que quer que você faça não
faz diferença; o amor permanecerá. E somente então ele tem algum valor.
Assim, se apenas por olhar para o mundo como um psicodrama, como um drama, sua
intensidade, sua profundidade de viver são perdidas... então, não vale a pena preservá-la. Ela era
falsa. Por que ela foi perdida? Porque ela era na verdade um ato no drama. E como você estava
pensando que ela era real, você sentia que ela era profunda. Agora você sabe que ela era apenas
um drama. Se era apenas um drama e a sinceridade é perdida, a sinceridade era falsa. Você
estava pensando que ela era real e ela não era real. Apenas por olhar para a vida como um drama,
ela desapareceu.
É como se uma corda estivesse estendida em um quarto escuro e você sentisse que ela era
uma cobra. Mas não havia cobra nenhuma. Então, você vem com uma lâmpada e com a luz a
cobra desapareceu e somente a corda permanece. Se com a luz a cobra desapareceu, então ela
nunca existiu.
Se você olha para a vida como um drama, aquilo que é falso será perdido e aquilo que é real,
pela primeira vez, aparecerá em você. Espere! Deixe o falso ser perdido e espere! Haverá uma
fenda, um intervalo, antes que o falso desapareça e o real chegue. Haverá uma fenda. Quando as
falsas sombras tiverem desaparecido completamente e seus olhos não estiverem preenchidos com
elas e seus olhos tiverem se tornado separados das falsas sombras, você será capaz de olhar para
o real que sempre esteve presente. Mas a pessoa tem de esperar.
“Por favor, sugira o que fazer nesta situação”. Nada! Por favor, não faça nada. Você criou
uma confusão por causa do seu fazer excessivo. Você é um tamanho fazedor, você confundiu
tudo à sua volta – não somente para si mesmo, mas para os outros também. Seja um não-fazedor;
isso será compaixão para consigo mesmo. Seja compassivo. Não faça nada, porque com a mente
falsa, com uma mente confusa, todas as coisas se tornam mais confusas. Com uma mente
confusa, é melhor esperar e não fazer nada de forma que a confusão desapareça. Ela
desaparecerá; nada é permanente neste mundo. Você só precisa de uma profunda paciência. Não
seja apressado.
Vou lhe contar uma história. Buda estava viajando através de uma floresta. O dia estava
quente. Era exatamente meio-dia e ele sentiu sede; assim, disse para seu discípulo Ananda:
“Volte. No caminho, nós atravessamos um pequeno riacho. Volte lá e traga um pouco d’água
para mim”.
Ananda voltou, mas o riacho era muito pequeno e algumas carroças o estavam atravessando.
A água estava agitada e tinha ficado suja. Toda a sujeira que estava assentada no riacho tinha
vindo para cima e a água não era potável agora então. Assim, Ananda pensou: “Eu tenho que
voltar”. Ele voltou e disse para Buda: “Aquela água se tornou absolutamente suja e não está boa
para se beber. Permita-me ir à frente. Eu sei que existe um rio a apenas alguns quilômetros de
distância daqui. Eu irei e buscarei água para você”.
Buda disse: “Não! Volte ao mesmo riacho”. Como Buda tinha dito isso, Ananda tinha de
seguir a ordem. Mas ele a seguiu sem entusiasmo pois sabia que a água não podia ser trazida. E
estava se perdendo tempo sem nenhuma necessidade! E ele estava com sede, mas como Buda
disse para ir, ele tinha de ir.
Novamente ele retornou e disse: “Por que você insiste? A água não está potável”.
Buda disse: “Vá novamente”. E como Buda havia dito para voltar, Ananda teve de ir.
A terceira vez que ele chegou no riacho, a água estava tão clara quanto ela sempre esteve. A
sujeira tinha ido embora, as folhas mortas tinham ido embora e a água estava pura novamente.
Então, Ananda riu. Ele trouxe a água e veio dançando. Ele caiu aos pés de Buda e disse: “Seus
meios de ensinar são miraculosos. Você me ensinou uma grande lição – que apenas a paciência é
necessária e que nada é permanente”.
E este é o ensinamento básico de Buda: nada é permanente, tudo é transitório – assim, por que
ficar tão preocupado? Volte ao mesmo riacho. Então, tudo deve ter mudado. Nada permanece o
mesmo. Apenas seja paciente: vá nova e novamente; e novamente.... Apenas alguns momentos e
as folhas terão ido embora e a sujeira terá se assentado novamente e a água estará pura
novamente.
Ananda também perguntou a Buda, quando ele estava voltando pela segunda vez: “Você
insiste em que eu vá, mas eu não posso fazer alguma coisa para tornar aquela água pura? ”.
Buda disse: “Por favor, não faça nada; do contrário você a tornará mais impura. E não entre
no riacho. Apenas fique do lado de fora, esperando, na margem. Sua entrada no riacho criará
uma confusão. O riacho flui por si mesmo, assim deixe-o fluir”.
Nada é permanente; a vida é um fluxo. Heráclito disse que você não pode pisar duas vezes no
mesmo rio. É impossível pisar duas vezes no mesmo rio porque o rio fluiu; tudo mudou. E não
somente o rio fluiu, você também fluiu. Você também é diferente; você também é um rio
fluindo.
Veja essa impermanência de todas as coisas. Não tenha pressa; não tente fazer nada. Apenas
espere! Espere em um total não-fazer. E se você pode esperar, a transformação existirá. Esse
próprio ato de esperar é a transformação.

A terceira pergunta:

A prática do testemunhar me tornou mais tranquilo, calmo e silencioso, mas então os


amigos à minha volta dizem que eu me tornei sério. Parece haver alguma substância
naquilo que eles dizem. Por favor, explique como a pessoa pode crescer simultaneamente
no silêncio e na brincadeira.

Se você realmente se tomou silencioso, você não prestará atenção ao que os outros estão
dizendo. Se a opinião dos outros ainda é importante, você não está silencioso. Na verdade, você
está esperando que eles digam alguma coisa ou que eles aprovem ou apreciem o fato de você ter
se tornado silencioso. O seu silêncio precisa da aprovação deles? Você precisa deles para
certificá-lo? Então, você não está confiante de que se tornou silencioso.
A opinião dos outros é significativa, somente porque você não sabe nada. A opinião nunca é
conhecimento. Você continua coletando a opinião dos outros, porque você não sabe o que você
é, quem você é, o que está acontecendo com você. Você tem que perguntar aos outros: “O que
está acontecendo comigo? ”. Você tem que perguntar aos outros? Se você está realmente
silencioso, tranquilo, calmo, então não há amigos e nenhuma opinião é significativa. Então, você
pode rir. Deixe-os dizer tudo o que quiserem.
Mas você é afetado. O que quer que eles digam vai fundo em você: você fica perturbado. Seu
silêncio é falso, forçado, cultivado. Não é um florescimento espontâneo dentro de você. Você
pode ter forçado a si mesmo estar em silêncio, mas você estava em ebulição internamente. Então,
o silêncio está apenas na superfície. Se alguém diz que você não está em silêncio, ou se alguém
diz que isso não é bom, ou se alguém diz que isso é falso, então, você é perturbado e o silêncio se
vai. O silêncio se foi; essa é a razão de você estar me perguntando isso. “Parece haver alguma
substância naquilo que eles dizem. ” Você se tornou sério. Mas o que há de errado em ser sério?
Se você nasce sério, para ser sério, você será sério. Você não pode forçar a brincadeira; do
contrário sua brincadeira será séria e você destruirá toda a brincadeira. Existem brincalhões
sérios. Eles vão tão seriamente em suas brincadeiras, que aquilo se torna algo criador de muita
ansiedade.
Eu estava lendo as memórias de alguém que era um grande industrial, muito preocupado com
os problemas do dia-a-dia. Alguém sugeriu o golfe: “Jogue golfe. Isso irá reduzir a ansiedade”.
Ele começou a jogar golfe, mas ele era o mesmo homem. Ele se tornou tão excitado com o golfe,
que não podia dormir – jogava a noite toda. A indústria era uma carga e, agora então, o golfe se
tornara uma segunda carga – e uma carga mais forte. Ele jogou golfe, mas com uma mente séria,
a mesma mente.
Se você é sério, você é sério. Nada pode ser feito com relação a isso. Seja sério e permaneça
sério. Então, você já começou a ser brincalhão: então, você é brincalhão com sua seriedade, não
sério com relação a ela. Você a considera uma brincadeira; assim você diz: “Tudo bem, Deus me
deu este papel; assim, eu serei um homem sério e irei representar minha seriedade”.
Então, bem lá no fundo, ela terá desaparecido. Você me entende?
Você pode criar seriedade a partir de sua brincadeira ou você pode criar brincadeira a partir
de sua seriedade. Se você é uma pessoa triste, séria, diga a todo mundo: “Eu nasci sério e eu irei
permanecer assim. ” – e não fique sério com isso. Seja! Simplesmente seja e, então, você pode rir
disso e isso desaparecerá. E você nem mesmo se tornará consciente de quando ela desapareceu.
E não preste atenção ao que os outros dizem. Isso é uma doença. Eles lhe deixarão louco – os
outros. Quem são esses outros e por que você está tão interessado neles? Eles o deixam louco e
você os deixa loucos, porque você é o outro para eles. Por que prestar tanta importância à
opinião dos outros? Preste atenção à suas próprias experiências e permaneça verdadeiro com
suas próprias experiências. Se você se sente bem sendo sério, tudo bem! Se você sente que se
tornou tranquilo e silencioso e calmo através de sua prática do testemunhar, por que ficar
interessado e por que estar perturbado pelo que os outros dizem?
Mas como não somos confiantes, temos que coletar as opiniões dos outros. Temos que
continuar uma campanha de assinatura: “Se você pensa que eu me tornei um buda, então, por
favor, assine”. Quando todo mundo assina e você coletou muitas assinaturas, pelo menos a
maioria, você acha que é um buda. Este não é o caminho para ser um iluminado.
E... “Por favor, explique como a pessoa pode crescer simultaneamente no silêncio e na
brincadeira”. A pessoa cresce! Nunca houve nenhum caso que fosse o contrário. A pessoa
cresce simultaneamente na tranquilidade e na brincadeira, mas se sua tranquilidade é falsa, então,
o problema surge. Todos aqueles que conheceram o silêncio sempre foram brincalhões, não-
sérios. Eles podiam rir e podiam rir não somente dos outros, eles podiam rir de si mesmo.
Bodhidharma entrou na China a mil e quatrocentos anos atrás, vindo da índia. Ele colocou um
de seus sapatos sobre sua cabeça; um estava em um de seus pés e um estava sobre sua cabeça. O
imperador da China, Wu, foi lhe dar as boas-vindas. Ele ficou perturbado. Havia muitos, muitos
rumores, naturalmente, de que aquele homem era estranho, mas ele era um iluminado e o
imperador queria lhe dar as boas-vindas a seu reino. Ele ficou perturbado. Seus cortesãos, eles
também ficaram perturbados. Que tipo de homem era aquele? E ele estava rindo.
Não era bom dizer alguma coisa na frente dos outros; assim, quando todo mundo foi embora e
Bodhidharma e o imperador entraram no quarto de Bodhidharma, o imperador perguntou: “Por
favor, me diga, por que você está se fazendo de tolo? Por que você está carregando um sapato em
sua cabeça? ”.
Bodhidharma riu e disse: “Porque eu posso rir de mim mesmo e é bom lhe mostrar minha
realidade. Eu sou um homem de tal feitio, que não dou mais importância à minha cabeça do que
dou a meus pés; ambos são iguais para mim. Superior e inferior desapareceram. E, além do mais,
eu quero lhe contar que eu não presto nenhuma importância ao que os outros dizem sobre mim.
Isso é bom. No primeiro momento, quando entrei, quis logo que você soubesse que tipo de
homem eu sou”.
Este Bodhidharma era uma joia rara; muito poucos já existiram que possam ser comparados a
ele. O que ele estava mostrando? Ele estava simplesmente mostrando que neste caminho da
espiritualidade você terá que ir sozinho, como um indivíduo. A sociedade se torna irrelevante.
Alguém, certa vez, foi fazer uma entrevista com George Gurdjieff. O homem que veio era um
grande jornalista. Os discípulos de Gurdjieff estavam muito excitados, porque agora a história
estaria em um grande jornal e a foto do seu mestre e as notícias de seu mestre iriam ser
publicadas. Eles tomaram muitos cuidados – tiveram muita atenção com o jornalista. Eles
virtualmente se esqueceram de seu mestre e se penduraram em volta do jornalista. Então, a
entrevista começou, mas, na verdade, ela nunca começou. Quando o jornalista fez algumas
perguntas para Gurdjieff, Gurdjieff disse: “Espere um minuto”.
Exatamente ao seu lado estava sentada uma senhora. Gurdjieff perguntou: “Que dia é hoje? ”.
A senhora disse: “Domingo”.
Gurdjieff disse: “Como é possível? Exatamente um dia atrás era sábado, assim como pode ser
domingo hoje? Exatamente outro dia, você disse que era sábado. E agora é domingo?! Como,
depois de sábado, pode vir o domingo? ”.
O jornalista se levantou. Ele disse: “Eu estou indo. Este homem parece estar louco! ”. Os
discípulos todos simplesmente não podiam entender o que tinha acontecido. Quando o jornalista
saiu, Gurdjieff estava rindo.
O que os outros dizem não é relevante. Seja autêntico para com o que você sente, mas seja
autêntico! Se o silêncio real aconteceu para você, você será capaz de rir.
Diz-se que quando Dogen, um mestre Zen, atingiu a iluminação, muitas pessoas perguntaram:
“O que você fez depois disso? ”.
Ele disse: “Eu pedi uma xícara de chá”. O que existe para se fazer depois? Tudo está acabado.
E Dogen era sério com sua brincadeira, brincalhão com sua seriedade. Na verdade, o que
permanece?
Não preste muita atenção ao que os outros dizem e lembre-se somente de uma coisa: não
force, nem cultive o silêncio. Um silêncio cultivado será sério, doente, tenso.
Mas como pode um silêncio real chegar para você? Tente entender isso. Você está tenso, você
está infeliz, você está deprimido, com raiva, avarento, violento. Mil doenças estão presentes.
Ainda assim, você pode praticar o silêncio. Essas doenças estarão dentro de você e você pode
criar uma camada de silêncio. Você pode fazer meditação transcendental; você pode usar um
mantra. O mantra não irá mudar sua violência, nem irá mudar sua avareza. Não irá mudar nada
profundamente. O mantra pode apenas dar um efeito tranquilizante. Apenas na periferia, você se
sentirá mais silencioso. Isso é apenas um tranquilizante, um som tranquilizador, e a
tranquilização é possível através de muitos meios – muitos meios. Quando você repete um
mantra continuamente, você se torna sonolento. Qualquer repetição contínua de um som cria
tédio e sono. Você se sente relaxado, mas este relaxamento está apenas na superfície. Dentro,
você permanece o mesmo.
Continue praticando um mantra todo dia e você sentirá um certo silêncio – mas não
verdadeiramente, porque suas doenças não mudaram, sua estrutura de personalidade permanece a
mesma. Ela está apenas disfarçada. Pare com o mantra, pare a prática e todas as suas doenças
voltarão novamente.
Isto está acontecendo em todo lugar. Buscadores vão de um professor a outro. Eles
prosseguem nisso, praticando, e quando eles param suas práticas, descobrem que são os mesmos;
nada aconteceu. Nada acontecerá dessa maneira. Esses são silêncios cultivados. Você tem que
continuar cultivando-os. Naturalmente, se você continua cultivando-os, eles permanecem com
você apenas como um hábito, mas se você quebra o hábito, eles desaparecem. Um silêncio real
vem não por se usar uma técnica superficial, mas por você estar consciente de tudo o que você é
– não somente estar consciente, mas permanecer com o fato daquilo que você é.
Permaneça com o fato. Isso é muito difícil porque a mente quer mudar. Como mudar a
violência, como mudar a depressão, como mudar a infelicidade? A mente procura mudar para
criar de certa maneira uma imagem melhor no futuro. Por causa disso, a pessoa continua
procurando este e aquele método.
Permaneça com o fato e não tente mudá-lo. Faça isso por um ano. Fixe uma data e diga que:
“A partir desta data, por um ano, eu não pensarei em termos de mudança. Eu permanecerei com
tudo aquilo que eu sou; eu apenas estarei alerta e consciente”. Eu não estou dizendo que você
não terá que fazer nada, mas esse estado de alerta é o único esforço. Você tem que estar alerta,
não pensando em termos de mudança: permanecendo com tudo aquilo que você é – bom, mau, o
que quer que seja. Um ano, sem nenhuma atitude de mudança, apenas estando alerta, de repente
um dia, você descobrirá que você não é mais o mesmo. O estado de alerta terá mudado tudo.
No Zen, eles chamam isso de zazen – apenas sentado, não fazendo nada. Tudo o que
acontece, acontece; você está apenas sentado. Zazen significa apenas sentado, fazendo nada. Nos
mosteiros Zen, os monges sentarão durante anos, o dia todo. Você pensará que eles estão
meditando. Eles não estão! Eles estão apenas sentados em silêncio. E com o silêncio não é que
eles estejam usando algum mantra para criar algum silêncio; eles estão simplesmente sentados.
Se uma perna fica dormente, eles sentirão isso. Eles estão alertas. Se o corpo se sente cansado,
eles estão alertas: o corpo se sente cansado. É assim que o corpo se sente. Se há pensamentos se
movendo, eles sabem disso. Eles não estão tentando pará-los; eles não estão tentando empurrá-
los para longe. Eles não estão fazendo nada. Os pensamentos estão apenas presentes como
nuvens no céu, mas eles sabem que nuvens não podem destruir o céu, elas vêm e vão.
Assim os pensamentos estão se movendo no céu da consciência; eles vêm e vão. Eles não os
forçam, eles não os fazem parar, eles não fazem nada. Eles apenas estão alertas para o fato de
que os pensamentos estão se movendo. Algumas vezes a depressão vem, uma nuvem; todas as
coisas se tornam sombrias. Algumas vezes a felicidade vem, um brilho do sol; tudo começa a
dançar, como se flores se abrissem por toda a consciência. Mas eles não são perturbados nem por
isto nem por aquilo, nem pelo tempo nebuloso nem pelo brilho do sol. Eles apenas esperam e
veem que as coisas estão se movendo. Eles estão apenas sentados na margem do rio e todas as
coisas continuam a se mover. Eles não tentam mudar nada.
Se um pensamento ruim vem, eles não dizem “Isto é ruim”, porque no momento em que você
diz “isto é ruim”, você tem a cobiça de mudar aquilo. No momento em que você diz “isto é
ruim”, você empurrou aquilo para longe; você condenou aquilo e você gostaria de mudá-lo para
alguma coisa boa. Eles simplesmente dizem isto é isto, aquilo é aquilo – sem condenação, sem
avaliação, sem justificativa. Simplesmente olhando, observando.
Algumas vezes eles esquecem de testemunhar. Então, também, não ficam perturbados. Eles
sabem que “naturalmente é assim mesmo”, que “eu me esqueci de testemunhar; agora eu me
lembro e irei testemunhar novamente”. Eles não criam nenhum problema. Eles vivem o que
existe. Anos vêm e vão e eles continuam sentados e vendo o que existe.
Então um dia tudo desaparece. Exatamente como um sonho, tudo desaparece e você está
acordado. Este acordar não é uma coisa praticada; este acordar não é cultivado. Este acordar é
sua natureza, sua natureza básica. Ela irrompeu, porque você pôde esperar pacientemente e
observar, e porque você não criou nenhum problema. Lembre-se disto como uma coisa muito
básica: não crie problemas. Não crie problemas!
Uma senhora esteve aqui apenas dois ou três dias atrás. Ela disse: “Minha mente é sexual,
assim o que eu posso fazer? ”. Alguém mais veio e disse: “Eu me sinto muito inferior; existe um
complexo de inferioridade. O que eu posso fazer? ”. Então, eu disse a esse homem: “Você se
sente inferior? Então, sinta-se inferior; saiba que você se sente assim. O que fazer? Não existe
nada a se fazer. A pessoa se sente sexual; assim, sinta-se sexual. Saiba que você é sexual”. Mas
no momento em que eu digo tais coisas para alguém, a pessoa se sente chocada. Ela veio buscar
uma técnica para mudar a si mesmo.
Ninguém aceita a si mesmo; você é um grande inimigo para si mesmo. Você nunca teve
nenhum amor por si mesmo; você nunca esteve à vontade consigo mesmo. E isto é
surpreendente: você espera que todo mundo o ame e você mesmo não pode amar-se. Você é tão
contra si! Você gostaria de se despedaçar de todas as maneiras e criar um outro. Se lhe fosse
permitido, você criaria um outro homem, uma outra mulher. E você não estaria satisfeito com
este, ou esta, também, porque você ainda permaneceria por detrás dele, ou dela.
Ame a si mesmo, aceite a si mesmo e não crie problemas desnecessários. E todos os
problemas são desnecessários; não há problemas necessários. Eu nunca encontrei nenhum.
Permaneça com a sua facticidade, e a transformação acontecerá. Mas ela não é um resultado,
você não pode forçá-la a acontecer. Ela é uma consequência, não um resultado. Se você aceita a
si mesmo e permanece alerta, ela vem. Você não pode forçá-la, você não pode dizer que “eu a
forçarei a vir”. E se você forçar, uma coisa falsa lhe acontecerá. E, então, essa coisa falsa pode
ser perturbada por qualquer um – por qualquer um.

A última pergunta:

Você disse que a aceitação transforma, mas por que é que quando eu aceito meus
sentidos e desejos, sinto que me tornei como um animal ao invés de transformado?

Esta é a sua transformação; esta é a sua realidade. E o que tem de errado em ser um animal?
Eu não vi um único homem que possa ser comparado a qualquer animal.
Suzuki costumava dizer: “Eu amo um sapo, um sapo mesmo, mais do que um homem. Olhe
para um sapo sentado perto de uma lagoa: de que forma meditativa um sapo permanece sentado!
Olhe para ele, quão meditativo ele é – sem ser perturbado pelo mundo todo se movendo ao redor,
apenas sentado e sentado e meditando, um com a existência”.
Suzuki disse: “Quando eu não era iluminado eu era um homem e quando eu me tornei
iluminado eu me tornei exatamente como um gato”.
Olhe para um gato: ele sabe o segredo de como relaxar, e ele não leu nenhum livro sobre
relaxamento. Como relaxar? Olhe para um gato. Nenhum homem pode ser um professor melhor
do que um gato. O gato é relaxado e alerta. Quando você relaxa, você dorme. O gato está alerta
mesmo em seu sono. E o corpo é tão flexível, tão relaxado em todos os momentos!
O que há de errado em ser um animal? O homem, através de seu ego, criou comparações. Ele
diz: “Nós não somos animais”.
Mas nenhum animal gostaria de ser um ser humano. Eles estão à vontade, sentindo-se em
casa na existência. Eles não estão preocupados, não estão tensos. Naturalmente, eles não criam
nenhuma religião, porque eles não precisam. Eles não têm nenhum psicanalista – não porque eles
não sejam desenvolvidos, mas porque eles não precisam de nenhum.
O que há de errado com os animais? Por que essa condenação? A condenação é parte do ego
humano. O homem pensa em termos de ser algo superior, o mais elevado na hierarquia. Nenhum
animal concordou com essa hierarquia. Darwin disse que o homem evoluiu do macaco, mas se
você perguntar aos macacos, acho que eles não dirão que o homem é uma evolução; eles dirão
que ele é uma degeneração. O homem pensa-se como o centro. Não há nenhuma necessidade
disso. Isso é apenas uma tolice egoísta.
Se você se sente como um animal, não há nada de errado nisso. Seja um e seja um totalmente
– e seja um animal pleno no estado de alerta. Esse estado de alerta, primeiro, porá a nu seu
animal, porque essa é sua realidade. Sua humanidade é simplesmente falsa, superficial. Alguém
lhe insulta e o animal aparece – não o ser humano. Alguém lhe condena e o animal vem à
superfície – não o ser humano. O animal está ali e sua humanidade é apenas superficial. Se você
aceitar todas as coisas, essa humanidade superficial desaparecerá. Ela é uma coisa falsa e você
poderá se tornar consciente de seu animal real. E é bom se tornar consciente da realidade. Se
você permanecer alerta, dentro desse animal você encontrará o divino. E é sempre melhor ser um
animal real do que um homem irreal. A realidade é o ponto.
Assim, eu não sou contra os animais, eu sou apenas contra a falsidade. Não seja um ser
humano falso. Seja um animal real e com essa realidade você terá se tornado autêntico,
substancial. Agora continue alerta e logo você chegará a uma camada mais profunda, que é mais
real do que o animal – e isso é o divino.

O divino não está somente em você, lembre-se; ele está em todos os animais. Não é que ele
esteja somente nos animais – ele está em todas as árvores, ele está em todas as pedras. O divino é
o centro básico em todas as coisas. Você pode perdê-lo somente sendo falso; e você pode
reconquistá-lo sendo real.
Capítulo 39

DA ONDA PARA O OCEANO CÓSMICO



OS SUTRAS

61. Assim como as ondas vêm com água e as chamas com fogo, as ondas universais vêm
conosco.
62. Onde quer que sua mente esteja vagando, interna ou externamente, neste exato lugar: isto.
63. Quando vivamente consciente através de um sentido em particular, mantenha-se na
consciência.

Sri Aurobindo diz em algum lugar, que toda a vida é iôga – e é. Todas as coisas podem se
tornar uma meditação. E a menos que todas as coisas se tornem uma meditação, a meditação não
aconteceu a você. A meditação não pode ser uma parte, um fragmento. Ou ela existe – e quando
ela existe você está totalmente nela – ou ela não existe. Você não pode tornar uma parte de sua
vida meditativa. Isso é impossível e isso é o que está sendo tentado em todos os lugares.
Você pode se tornar meditativo, não uma parte de você – é impossível, porque a meditação é
uma qualidade de seu ser. Ela é exatamente como a respiração: você permanece respirando seja o
que for que você esteja fazendo. Independente do que você esteja fazendo, você permanece
respirando. Caminhando, sentando, deitado, dormindo, você continua respirando. Você não pode
dar um jeito de forma que algumas vezes você respire e outras vezes não respire. A respiração é
um continuum.
A meditação é uma respiração interior e quando eu digo “uma respiração interior”, digo-o
literalmente – não se trata de uma metáfora. Assim como você respira o ar, você pode respirar
consciência e uma vez que você comece inspirando e expirando consciência, você não é mais
apenas um corpo físico. E com esse início, começando com uma respiração mais elevada – uma
respiração de consciência, da própria vida como ela é –, você entra em um reino diferente, muna
dimensão diferente. Essa dimensão é metafísica.
Sua respiração é física; a meditação é metafísica. Assim, você não pode tornar uma parte de
sua vida meditativa. Você não pode meditar pela manhã e, depois se esquecer disso. Você não
pode ir a um templo ou a uma igreja e meditar lá e sair de sua meditação como se você saísse de
um templo. Isso não é possível. E se você tentar, você estará tentando uma coisa falsa. Você
pode entrar em uma igreja e você pode sair dela, mas não pode entrar na meditação e sair dela.
Quando você entra, você entrou. Por onde quer que você tenha entrado, agora a meditação será
você. Este é um dos fatos mais básicos, primários, elementares, a ser sempre lembrado.
Em segundo lugar, você pode entrar em meditação a partir de qualquer lugar, porque toda a
vida está em uma profunda meditação. As colinas estão meditando, as flores, as árvores, os
elementos estão meditando, a própria terra está meditando e você pode entrar na meditação a
partir de qualquer lugar; qualquer coisa pode se tornar uma entrada. Isso tem sido usado. Eis por
que existem tantas técnicas; eis por que existem tantas religiões – eis por que uma religião não
pode entender uma outra: porque suas entradas são diferentes. E algumas vezes existem religiões
que não são conhecidas nem mesmo pelo nome de religião. Você não reconhecerá certas pessoas
como religiosas, porque suas entradas são muito diferentes.
Por exemplo, um poeta. Um poeta pode entrar na meditação sem ir a nenhum professor, sem
ir a nenhum templo, sem ser de forma alguma religioso – o suposto religioso. Sua poesia, sua
criatividade, pode se tornar uma entrada; ele pode entrar através dela. Ou um oleiro, que está
apenas criando potes de barro, ele pode entrar na meditação simplesmente criando potes de
barro. O próprio manuseio pode se tornar uma entrada. Ou um arqueiro pode se tornar meditativo
através de sua arte de manejar o arco, ou um jardineiro, ou qualquer um pode entrar a partir de
qualquer lugar. Tudo o que você pode fazer pode se tornar uma porta. Se a qualidade da
consciência muda enquanto você está fazendo alguma coisa, aquilo se torna uma técnica. Assim,
podem existir tantas técnicas quanto se possa imaginar. Qualquer ação pode se tornar uma porta.
Assim, a ação, a técnica, a maneira, o método, não é o principal, mas a qualidade da consciência
que você traz para a ação é a coisa básica.
Kabir, um dos maiores místicos da índia, era um tecelão e ele permaneceu um tecelão mesmo
depois de ter alcançado. Ele tinha milhares e milhares de discípulos e eles vinham e lhe diziam:
“Agora pare com a sua tecelagem. Você não tem necessidade dela. Nós estamos aqui e iremos
lhe servir de todas as maneiras”.
Kabir ria e dizia: “Esta tecelagem não é apenas tecelagem. Eu não estou fazendo roupas – isso
é a ação exterior. Alguma coisa continua dentro de mim, simultaneamente, que vocês não podem
ver. Esta é a minha meditação”. Como pode um tecelão ser um meditador através da tecelagem?
Se a qualidade da mente que você traz para tecer é meditativa, então, o ato não é relevante – é
irrelevante.
Outro místico era um oleiro; seu nome era Gora. Ele trabalhava com potes de barro e dançava
e cantava enquanto estava fazendo seus potes. Enquanto ele estava fazendo um pote de barro na
roda, ao mesmo tempo em que o pote estava centrado na roda, ele também se centrava dentro de
si mesmo. A pessoa via apenas uma coisa: a roda estava se movendo, o pote de barro estava
emergindo e ele estava centrado no pote de barro. Você estava vendo apenas um centramento. O
outro centramento estava acontecendo simultaneamente: ele também estava centrando-se dentro
de si. Enquanto centrava-se no pote, enquanto ajudava o pote a emergir, ele também estava
emergindo no mundo invisível da consciência interior. Quando o pote estava sendo criado, essa
não era a coisa real na qual ele estava trabalhando; ele também estava criando a si mesmo.
Qualquer ação pode se tornar meditativa e uma vez que você saiba como uma ação se torna
meditativa, você pode transformar todas as suas ações em meditação. Então, toda a vida se torna
iôga. Caminhando na rua ou trabalhando no escritório ou apenas sentando e nada fazendo,
desocupado, ou qualquer coisa – tudo pode se tornar meditação. Assim, lembre-se: meditação
não pertence ao ato; ela pertence à qualidade que você traz ao ato.
Agora nós entraremos nas técnicas.

61 Experimente a existência como ondulações

Primeira:
Assim como as ondas vêm com água e as chamas com fogo, as ondas universais vêm
conosco.

Primeiro tente entender o que é uma onda e, então, você poderá sentir como esta consciência
de ondas pode lhe ajudar a entrar em meditação. Você vê as ondas no oceano. Elas aparecem; de
certa forma elas existem, mas, de uma forma mais profunda, elas não existem. Esta é a primeira
coisa a ser entendida sobre a onda. A onda aparece; em certo sentido, ela existe, mas, ainda
assim, num sentido mais profundo, ela não existe. Num sentido mais profundo, somente o
oceano existe. Você não pode ter uma onda sem o oceano e, mesmo quando a onda está presente,
somente o oceano existe. A onda é apenas uma forma, não uma substância. O oceano é
substancial; a onda é apenas uma forma.
Por causa da linguagem, muitos problemas são criados. Ao dizermos “onda”, parece que a
onda é alguma coisa. Seria melhor se usássemos não “onda”, mas “ondear”. Não existe onda,
mas apenas o ondear – apenas uma atividade, não uma coisa; apenas um movimento, não uma
substância; apenas um processo, não a matéria. A matéria é o oceano; a onda é apenas uma
forma. O oceano pode ficar silencioso. As ondas desaparecerão, mas o oceano estará presente.
O oceano pode estar silencioso ou em movimento, em muita atividade ou em nenhuma
atividade, mas você não pode encontrar uma onda silenciosa. Uma onda é atividade, não uma
substância. Quando a atividade está presente, a onda está presente: há o ondear, um movimento –
uma simples forma de movimento. Mas quando o silêncio chega, quando a inatividade vem, a
onda não existe mais e o oceano está presente. Em ambos os casos, o oceano é a realidade. A
onda é apenas uma forma de atividade. A onda acontece e desaparece, o oceano permanece.
Em segundo lugar, as ondas aparecem como individualidades. Cada onda tem sua própria
personalidade – única, diferente uma da outra. Duas ondas não são iguais. Algumas ondas são
grandes, algumas ondas são pequenas. Elas têm suas próprias características peculiares. Cada
onda tem seu próprio caráter e, naturalmente, cada onda é diferente da outra. Uma onda pode
surgir, outra pode morrer. Quando uma está surgindo, a outra está morrendo. Ambas não podem
existir ao mesmo tempo, porque uma está surgindo, a outra está morrendo. Ainda assim, a
realidade por trás de ambas é a mesma. Elas parecem diferentes, elas parecem separadas, elas
parecem individuais, mas o olhar é falacioso. Bem no fundo, somente o oceano existe. E não
importa o quanto elas pareçam não relacionadas, elas estão relacionadas. E enquanto uma onda
está surgindo e uma outra está morrendo, você pode não ver nenhum relacionamento; o
relacionamento pode não ser aparente, porque como pode uma onda que se levanta estar
relacionada com uma onda que está morrendo?
Um velho está morrendo e uma criança está nascendo: como eles estão relacionados? Se eles
estão relacionados, eles irão ambos morrer juntos ou irão nascer juntos. A criança nasceu e o
velho morreu; uma onda está morrendo, outra está surgindo. Mas a onda que está surgindo pode
estar juntando energia a partir da onda que está morrendo. A onda moribunda pode estar, através
de sua morte, ajudando a outra a surgir. A onda que está desaparecendo pode ser a causa da onda
que está surgindo.
Bem no fundo, elas estão relacionadas a um oceano. Elas não são diferentes; elas não estão
não-relacionadas, elas não são separadas. A individualidade delas é falsa e ilusória. Elas não são
individuais. A individualidade parece existir, mas não existe: a não-dualidade é a verdade.
Agora eu vou ler o sutra novamente: Assim como as ondas vêm com água e as chamas com
fogo, as ondas universais vêm conosco. Nós somos como ondas em um oceano cósmico. Medite
nisso, permita que esse sentimento vá fundo dentro de você. Comece sentindo sua respiração
exatamente como o surgimento de uma onda. Você inspira, você expira e o ar que está entrando
em você era o ar de outro alguém, apenas um momento antes; e o ar que o está deixando, se
tornará o ar de outro alguém no próximo momento. A respiração é simplesmente a ondulação no
oceano da vida. Vocês não estão separados – são apenas ondas. No fundo, vocês são um. Nós
temos uma unidade; a individualidade é falsa e ilusória. À vista disso, o ego é a única barreira. A
individualidade é falsa. Ela parece existir, mas não é real. O real é a não-individualidade, o
oceânico, a unidade.
É por isso que toda religião é contra a atitude egoísta. A pessoa que diz que não existe Deus
pode não ser irreligiosa, mas a pessoa que diz “eu existo”, é irreligiosa.
Gautama, O Buda, era um ateu; ele não acreditava em Deus. Mahavira Vardhaman era um
ateu; ele não acreditava em nenhum Deus. Mas eles alcançaram, eles chegaram, eles realizaram a
totalidade, a completude. Se você não acredita em Deus, você não necessariamente é irreligioso,
porque Deus não é básico para a religião. O não-ego é básico para a religião. E mesmo que você
acredite em Deus, com uma mente egoísta você é irreligioso. Com a mente não-egoísta não
existe necessidade de acreditar em um Deus. Você cai dentro do divino automaticamente. Sem
ego você não pode se apegar á onda; você tem que cair no oceano. Com o ego, você continua
apegado à onda. Olhe para a vida como um oceano e sinta a si mesmo exatamente como uma
onda. E permita que este sentimento entre em você.
Você pode usar esta técnica de muitos modos. Enquanto está respirando, sinta que o oceano
está respirando em você. O oceano vem a você, sai, entra, sai.... Com cada inspiração sinta uma
onda surgindo, com cada exalação sinta a onda morrendo. E entre as duas, quem é você?
Somente um nada, shunya – um vazio. Com essa sensação de vazio, você será transformado.
Com essa sensação de vazio, toda a sua miséria desaparecerá, porque a miséria precisa de um
centro – de um falso centro. O vazio é seu centro real. Com ele não existe miséria; você está em
profundo bem-estar. Como você não existe, quem pode ficar tenso? Você é plena bem-
aventurança. Não é que você esteja preenchido de bem-aventurança, mas, como você não existe,
há apenas a bem-aventurança. Sem você, você pode criar miséria?
É por isso que Buda nunca diz que nesse estado, no estado supremo, existirá ananda – bem-
aventurança. Ele nunca diz isso. Ele diz que não haverá miséria; isso é tudo. Falar sobre bem-
aventurança pode induzi-lo a erro; assim, Buda diz para não buscar pela bem-aventurança;
simplesmente tente saber como você pode existir sem miséria. E isso significa como você pode
existir sem si mesmo.
Qual é o seu problema? O problema é que a onda se pensa separada do oceano; então, há
problemas. Se uma onda se pensa separada do oceano, o medo da morte surgirá imediatamente.
A onda tem que morrer... E a onda pode ver todas as ondas em volta morrendo. E você não pode
enganar a si mesmo por muito tempo. A onda está vendo que outras ondas estão morrendo e a
onda sabe que, mesmo em seu surgimento, a morte está escondida em algum lugar, porque
aquelas outras ondas um momento antes estavam surgindo e agora elas estão caindo,
desaparecendo. Assim, você irá morrer.
Se a onda se pensa separada do oceano, o medo da morte fatalmente aparece mais cedo ou
mais tarde. Mas se a onda sabe que ela não existe e somente o oceano existe, não há medo da
morte. Somente uma onda pode morrer, não o oceano. Eu posso morrer, mas não a vida. Você
pode morrer, você irá morrer – mas não o cosmos, não a existência. A existência continua
propagando-se em ondas. Ela está ondulando em você, ela irá ondular em outros. E quando sua
onda estiver se dissipando, exatamente pelo seu desaparecimento, outras ondas surgirão; e o
oceano continua.
Uma vez que você se desassocie da forma da onda e se torne um com o oceano, e se sinta um
com o oceano, e perceba a unicidade com o oceano, com o sem-forma, então, não existe morte
para você. Do contrário o medo da morte criará miséria. Em toda dor, em toda angústia, em toda
ansiedade, o medo básico é o medo da morte. Você tem medo, treme de medo. Você pode não
estar consciente disso, mas se você penetrar dentro de si, você descobrirá que a todo momento
existe um tremor porque você irá morrer.
Você pode criar muitas seguranças, você pode criar uma cidadela à sua volta, mas nada irá
ajudar. Nada irá ajudar! Pó sobre pó! Você irá cair de volta. Você já observou, ou você já
meditou no fato de que, quando você está caminhando pela estrada, o pó adere a seus sapatos? O
pó pode ter sido o corpo de um Napoleão, de um Alexandre. Em algum lugar, Alexandre é
apenas pó agora e o pó aderido a seus sapatos pode ter sido uma vez o corpo de Alexandre.
Será o mesmo caso com você. Agora você está aqui e no próximo momento você não estará;
será o mesmo caso com você! Mais cedo ou mais tarde, o pó voltará a pó, a onda desaparecerá. O
medo toma conta. Apenas imagine a si mesmo como pó agarrado ao sapato de outra pessoa; ou
imagine um oleiro fazendo um pote de barro de você, de seu corpo, do corpo de sua amada; ou
imagine a si mesmo virando uma minhoca ou se tornando uma árvore. Mas isso está
acontecendo. Todas as coisas são uma forma e a forma tem de morrer. Somente o sem-forma é
eterno. Se você se apega à forma, se você se identifica com a forma, se você se sente como uma
forma de onda, você está criando problemas para si. Você é o oceano, não a onda.
Esta meditação pode ajudar; ela pode lhe trazer uma metamorfose, ela pode se tornar uma
mutação. Mas permita que ela se espalhe por toda a sua vida. Enquanto estiver respirando, pense;
enquanto estiver comendo, pense; enquanto estiver caminhando, pense. Pense duas coisas – que
a forma sempre é a onda e o sem-forma sempre é o oceano. O sem-forma é sem-morte; a forma é
mortal. E não é que você vá morrer um dia, você está morrendo todo dia. A infância morre e a
juventude nasce; então, a juventude morre e a velhice nasce; então, a velhice morre e a forma
desaparece.
A todo momento você está morrendo em alguma outra coisa; alguma outra coisa está
nascendo. Seu primeiro dia de nascimento não é o primeiro dia de seu único nascimento; é
simplesmente parte de muitos outros nascimentos que virão. E a sua morte desta vida não é a
primeira morte; ela é apenas a morte desta vida. Você esteve morrendo antes. A todo momento
alguma coisa está morrendo e alguma coisa mais está nascendo. Uma parte de você morre; outra
parte está nascendo.
Os fisiologistas dizem que em sete anos nada velho permanece em seu corpo; tudo muda –
todas as células. Se você vive setenta anos, dez vezes todo o seu corpo é renovado nova e
novamente. A cada sete anos você tem um corpo novo. Não de repente, mas a cada momento
alguma coisa está mudando.
Você é uma onda e isso também não é substancial; a todo momento você está mudando. E
uma onda não pode ser estática; uma onda tem de estar mudando, uma onda tem de estar
constantemente em movimento. Não pode existir um fenômeno como uma onda sem movimento.
Como poderia existir? Uma onda sem movimento não faz sentido. Há movimento, um processo:
você é um processo, um movimento. Se você se tornar identificado com este movimento e
processo, e pensar a si mesmo confinado entre nascimento e morte, você estará na miséria.
Então, você está tomando a aparência como realidade. Isso é o que Shankara chama maya –
ilusão. O oceano é o Brahma, o oceano é a verdade.
Assim pense a si mesmo como uma onda, ou como um contínuo de ondas surgindo e
descendo e seja apenas uma testemunha disso. Você não pode fazer nada. Estas ondas
desaparecerão. Aquilo que apareceu tem de desaparecer; nada pode ser feito com relação a isso.
Todo esforço é absolutamente inútil. Somente uma coisa pode ser feita: é ser uma testemunha
desta forma ondular. Uma vez que você se torne uma testemunha, de repente você se tornará
consciente de alguma coisa que está além da onda, que transcende a onda, que está na onda
também e fora dela também, que forma a onda e vai além dela – o oceano.
Assim como as ondas vêm com água e as chamas com fogo, as ondas universais vêm
conosco. O universal ondula conosco. Você não existe, o universal existe – e ele está ondulando
através de você. Sinta isso, contemple isso, medite nisso. Permita-o acontecer para você de
muitas, muitas maneiras.
Eu lhes falei sobre a respiração. Um desejo sexual surge em você: sinta-o – não como seu
desejo, mas apenas como um oceano ondulando em você, apenas como a vida pulsando, apenas
como a vida tendo uma onda em você. Vocês se encontram num ato de amor: não pense nisso
como duas ondas se encontrando, não pense nisso como dois indivíduos se encontrando. Ao
invés, pense nisso como dois indivíduos se fundindo. Não há mais dois indivíduos. As ondas
desapareceram; somente o oceano permaneceu. Então o ato sexual se torna uma meditação. O
que quer que lhe aconteça, sinta-o não como se estivesse acontecendo para você, mas como se
estivesse acontecendo para o cosmos. Você é apenas uma parte dele – apenas uma onda na
superfície. Deixe tudo para o universo.
Dogen, um mestre Zen, sempre dizia, quando ele se sentia zangado: “Parece que o universal
está se sentindo zangado através de mim”. Quando ele sentia sede, ele dizia: “A existência está
com sede em mim”. É para esse ponto que esta meditação irá lhe conduzir. Então, todas as coisas
desaparecem de seu ego e se tornam partes do universo. Então, o que quer que aconteça,
acontece à própria existência; você não mais está aqui. Então, não existe pecado; então, não
existe responsabilidade.
Eu não quero dizer que você se tornará irresponsável; eu não quero dizer que você se tornará
um pecador. O pecado se tornará impossível, porque o pecado pode acontecer somente em torno
de um ego. Não haverá nenhuma responsabilidade, porque, agora então, você não pode ser
irresponsável. Somente você existe; assim, por quem pode você ser responsável? E, agora,
quando você vir alguém morrendo, você sentirá que você está morrendo com ele, nele. O
universo está morrendo e você é parte dele. E se você olhar alguma flor florindo, você irá florir
com ela. Todo o universo se tornará você agora então. Estar em uma tal afinidade e harmonia é
estar em samádhi.
A meditação é o caminho e esta harmonia da unicidade, esta sensação de unidade com tudo, é
o fim, é a meta. Tente! Lembre-se do oceano e esqueça-se da onda. E sempre que você se
lembrar da onda e começar a se comportar como onda, lembre-se: você está fazendo alguma
coisa errada e você criará miséria por causa disso.
Não existe nenhum Deus que o esteja punindo, a esteja punindo. Sempre que você cai vítima
de uma ilusão, você pune a si mesmo. A lei, dharma, o Tao está presente. Se você se move em
harmonia com ele, você se sente bem-aventurado. Se você se move contra ele, você se sente
miserável. Não existe ninguém sentado lá nos céus punindo as pessoas. Não existe nenhum
registro de seus pecados; não existe necessidade disso. É como a gravidade. Se você caminha de
maneira correta, a gravidade é uma ajuda. Você não pode caminhar sem ela. Se você caminhar
de maneira errada, você cairá, você pode ter uma fratura. Mas ninguém o está punido; é apenas a
lei, a gravidade – a gravidade impessoal,
Se você caminhar de maneira errada e cair, você terá uma fratura. Se você caminha
corretamente, você usa a gravidade. A energia pode ser usada de maneira errada ou de maneira
certa. Quando você se sente como uma onda, você está contra a Lei Universal, você está contra a
realidade. Então, você criará miséria para si mesmo. Isto é o que significa a lei do carma. Não
existe nenhum legislador; Deus não é um juiz. Ser um juiz é feio. E se Deus fosse um juiz, ele
estaria completamente entediado, ou então ele já teria ficado louco. Ele não é um juiz, ele não é
um controlador, ele não é um legislador. O universo tem as suas próprias leis e a lei básica é que
ser real é estar na bem-aventurança, ser irreal é estar na miséria.

62 Use a mente como a porta para a meditação

A segunda técnica:

Onde quer que sua mente esteja vagando, interna ou externamente, neste exato lugar:
isto.

A mente é a porta – a própria mente. Onde quer que ela esteja perambulando, o que quer que
ela esteja pensando, contemplando, sonhando, a própria mente, este exato momento, é a porta.
Este é um método muito revolucionário, porque nunca pensamos que a mente comum é a porta.
Pensamos que alguma supermente – um Buda, um Jesus – podem entrar, que eles têm uma mente
super-humana. Exatamente esta mente que você tem – esta mente que continua sonhando e
imaginando pensamentos relevantes ou irrelevantes, que está povoada de desejos feios, paixões,
raiva, avareza, tudo o que é condenado, que está além de seu controle, puxando-o para aqui e
para ali, empurrando-o para lá e acolá, um hospício constante – exatamente essa mesma, diz este
sutra, é a porta. Onde quer que sua mente esteja vagando – ‘onde quer que’, lembre-se; o objeto
não é relevante –, onde quer que sua mente esteja vagando, interna ou externamente, neste exato
lugar: isto.
Muitas coisas têm que ser entendidas. Primeiramente: a mente comum não é tão comum
como nós pensamos. A mente comum não está sem relação com a mente universal: ela é parte
desta. Suas raízes vão fundo até o próprio centro da existência; caso contrário, você não poderia
existir. Até mesmo um pecador está enraizado no divino; caso contrário, ele não poderia existir.
Até mesmo se o diabo existe, ele não pode existir sem o suporte divino.
A própria existência só é possível por causa do enraizamento no ser. Sua mente está
sonhando, imaginando, vagando, tensa, na angústia, na miséria. Por mais que ela se mova e onde
quer que ela se mova, ela permanece enraizada na totalidade. O contrário não é possível. Você
não pode ir para longe da existência; é impossível. Neste exato momento você está enraizado
nela.
Assim o que é para ser feito? Se, neste exato momento, nós estamos enraizados nela, então,
parecerá para a mente egoísta, que não há nada a ser feito. Já somos divinos, assim por que tanta
preocupação?
Você está enraizado no divino, mas você não está consciente do fato. Quando a mente está
vagando, existem duas coisas: a mente e o vagar – os objetos na mente e a própria mente; nuvens
vagando no céu e o céu. Existem duas coisas – as nuvens e o céu.
Algumas vezes pode acontecer – e acontece – que existam tantas nuvens, que o céu
desaparece, você não o pode ver. Mas mesmo que você não possa vê-lo, ele não desapareceu; ele
não pode desaparecer. Não existe maneira de ajudar o céu a desaparecer. Ele está presente;
escondido ou a descoberto, visível ou invisível, ele está presente.
Mas as nuvens também estão presentes. Se você presta atenção às nuvens, o céu desaparece.
Se você presta atenção ao céu, as nuvens são apenas acidentais, elas vêm e elas vão. Você não
precisa estar tão preocupado com elas. Elas vêm e vão. Elas têm sempre vindo, e ido. Elas não
destruíram o céu nem mesmo um centímetro, elas não deixaram o céu sujo; elas nem mesmo o
tocaram. O céu permanece virgem.
Quando a sua mente está vagando, existem duas coisas: uma são as nuvens, os pensamentos,
os objetos, as imagens e a outra é a consciência, a própria mente. Se você presta muita atenção às
nuvens, aos objetos, pensamentos, imagens, você se esquece do céu. Você esquece o anfitrião;
você ficou muito interessado no convidado. Esses pensamentos, essas imagens, esses vagantes
são apenas convidados. Se você fica focado nos convidados, você esquece o seu próprio ser.
Mude o foco dos convidados para o anfitrião, das nuvens para o céu. Faça isso de uma maneira
prática.
Um desejo sexual surge: isso é uma nuvem. Ou surge uma cobiça para ter uma casa maior:
isso é uma nuvem. Você pode se tornar tão obcecado com isso, que você se esquece
completamente de para quem isso aconteceu. Quem está por trás disso? Em que céu esta nuvem
está se movendo? Lembre-se desse céu e de repente, a nuvem desaparece. Você precisa apenas
de uma mudança de foco do objetivo para o subjetivo, do exterior para o interior, da nuvem para
o céu, do convidado para o anfitrião – apenas uma mudança de foco.
Lin Chi, um mestre Zen, estava falando. Alguém, do meio da multidão, disse: “Responda-me
apenas uma pergunta: Quem sou eu? ”.
Lin Chi parou de falar. Todo mundo ficou atento. Que resposta ele iria dar? Mas ele não
respondeu. Ele saiu de sua cadeira, caminhou, veio até perto do homem. A multidão toda atenta,
alerta. Nem mesmo respiravam. O que ele iria fazer? Ele poderia ter respondido da cadeira; não
havia necessidade... O homem ficou com medo. E Lin Chi chegou mais perto dele com seus
olhos penetrantes. Ele pegou o colarinho do homem em sua mão, deu-lhe uma chacoalhada e lhe
disse: “Feche os olhos! E lembre-se de quem está fazendo essa pergunta ‘Quem sou eu? ’”. O
homem fechou os olhos – com medo, naturalmente. E ele foi para dentro para buscar quem tinha
feito esta pergunta.
Mas ele não voltava. A multidão esperou e esperou e esperou... A face dele se tornou
silenciosa, calma, serena. Então Lin Chi teve que sacudi-lo novamente. “Agora volte e responda
para todo mundo a pergunta ‘Quem sou eu? ’”.
O homem começou a rir e disse: “Que jeito miraculoso de responder uma coisa! Mas se
alguém me perguntar isso agora, eu irei fazer o mesmo. Eu não posso responder”.
Foi apenas uma mudança de foco. Você faz a pergunta: “Quem sou eu? ”. E sua mente fica
focada na pergunta e a resposta está escondida exatamente atrás da pergunta, naquele que
pergunta. Mude o foco; retorne para si mesmo.
Este sutra diz: “Onde quer que sua mente esteja vagando, interna ou externamente, neste
exato lugar: isto”. Mova-se dos objetos para a própria mente e você não é mais uma mente
comum. Você é comum por causa dos objetos. De repente, você se torna um buda. Você já é um
buda, você está apenas carregado de muitas nuvens. E você não apenas está carregado: você está
apegado às nuvens, você não permite que elas se movam. Você pensa que as nuvens são sua
propriedade. Você pensa que quanto mais você tiver, melhor: você fica mais rico. E todo o seu
céu, sua paz interior, fica simplesmente escondido. De uma maneira, ele desapareceu entre as
nuvens e as nuvens se tornaram sua vida. A vida das nuvens é sansara – o mundo.
Isso pode acontecer em um simples momento, essa mudança de foco – e ela sempre acontece
de repente. Eu não quero dizer que você não precisa fazer nada porque isso irá acontecer de
repente. Você terá de fazer muito. Mas aquilo nunca acontecerá gradualmente. Você terá de fazer
e fazer e fazer e, um dia, de repente, chega um momento em que você está na temperatura certa
para evaporar. De repente, não existe água; ela se evaporou. De repente, você não mais está no
objeto. Seus olhos não estão focados nas nuvens; de repente, eles se voltaram para dentro, para o
espaço interior.
Nunca acontece gradualmente de uma parte de seus olhos se voltar para dentro e uma parte
estar com as nuvens exteriores – nem acontece em percentagens, que agora você se tornou dez
por cento interior e noventa por cento exterior, agora vinte por cento interior e oitenta por cento
exterior – não! Quando acontece, acontece cem por cento, porque você não pode dividir seu
foco. Ou você vê os objetos ou você vê a si mesmo – ou o mundo ou o Brahma. Você pode
voltar para o mundo, você pode trocar o seu foco novamente; você é o mestre. Na verdade, só
agora você é o mestre – quando você pode mudar seu foco como você quiser.
Eu me lembro de Marpa, um místico tibetano. Quando ele alcançou – quando ele se tornou
um buda, quando ele se voltou para dentro, quando ele veio a encontrar o espaço interior, o
infinito – alguém lhe perguntou: “Marpa, como você está agora?”.
A resposta de Marpa é excepcional, inesperada. Nenhum buda respondeu daquela maneira.
Marpa disse: “Tão miserável quanto antes”.
O homem ficou desnorteado. Ele disse: “Tão miserável quanto antes!?”.
Mas Marpa riu. Ele disse: “Sim, mas com uma diferença, e a diferença é que agora a miséria é
voluntária. Algumas vezes, apenas para ter um sabor do mundo, eu me movo para o exterior, mas
agora eu sou mestre. A qualquer momento posso ir para dentro. E é bom mover-se nas
polaridades. Então, a pessoa permanece viva. Eu posso me mover! ”. Marpa disse: “Eu posso me
mover agora. Algumas vezes eu me movo na miséria, mas agora as misérias não são alguma
coisa que acontece a mim. Eu aconteço para elas e eu permaneço intocável”. Naturalmente,
quando você se move voluntariamente, você permanece intocável.
Uma vez que você saiba como mudar o seu foco para dentro, você pode voltar para o mundo.
Todo buda voltou para o mundo. Novamente ele se foca, mas, agora então, o homem interior tem
uma qualidade diferente. Ele sabe que o foco é seu. Essas nuvens têm permissão para se
moverem. Essas nuvens não são os mestres; elas não o podem dominar, não a podem dominar.
Você as permite. E isso é belo. Algumas vezes, quando o céu está cheio de nuvens, é belo; o
movimento das nuvens é belo. Se o céu permanece o mesmo, as nuvens podem ter permissão
para se moverem. O problema surge somente quando o céu se esquece de si mesmo e somente as
nuvens estão presentes. Então, tudo se torna feio porque a liberdade é perdida.
Este sutra é belo. Onde quer que sua mente esteja vagando, interna ou externamente, neste
exato lugar: isto. Este sutra foi usado profundamente na tradição Zen. O Zen diz que sua mente
comum é a mente búdica. Comendo, você é um buda; dormindo, você é um buda; carregando
água do poço, você é um buda. Você é! Carregando água do poço, comendo sua comida, deitado
em sua cama, você é um buda. Inconcebível! Parece enigmático, mas é verdade.
Se quando está carregando água você simplesmente carrega a água, se você não cria nenhum
problema a partir disso e você simplesmente carrega a água, se sua mente está desanuviada e o
céu vazio, se você está apenas carregando água, então, você é um buda.
Comendo, apenas coma sem fazer nada mais. Quando estamos comendo, estamos fazendo
milhares e milhares de coisas. A mente pode absolutamente não estar aqui. Seu corpo pode estar
comendo exatamente como um robô; sua mente pode estar em algum outro lugar.
Um estudante universitário esteve aqui alguns dias atrás. Seus exames estavam se
aproximando; assim, ele veio para me perguntar: “Eu estou muito confuso e o problema é este:
Eu me apaixonei por uma garota. Enquanto eu estou com a garota, eu só penso em meus exames
e enquanto eu estou lendo, só fico pensando em minha garota. Assim o que fazer? Quando estou
lendo, estudando, eu não estou aqui, estou com minha garota em minha imaginação. E quando
estou com minha garota, nunca estou com ela: estou pensando sobre meus problemas, sobre
meus exames que estão se aproximando. Assim tudo virou uma confusão”.
É assim que todo mundo vira uma confusão, não apenas esse rapaz. Quando está no
escritório, você pensa na casa; quando está em casa, você está no escritório. E você não pode
fazer uma coisa tão mágica assim. Enquanto você está em casa, você pode estar somente na casa,
não pode estar no escritório. E se você estiver no escritório, você não está mentalmente são, você
está insano. Então tudo entra em tudo mais. Então nada é nítido. E esta mente é um problema.
Tirando água de um poço, carregando água de um poço, se você simplesmente faz este
simples ato, você é um buda. Assim, muitas vezes, se você vai a mestres Zen e lhes pergunta: “O
que você faz? Qual é o seu sadhana? Qual é sua meditação? ”, eles dirão: “Quando sentimos
sono, dormimos. Quando sentimos fome, comemos. E isso é tudo, não existe outro sadhana”.
Mas isso é muito árduo. Isso parece simples: se ao comer você puder apenas comer, se ao sentar-
se você puder apenas estar sentado, sem fazer nada mais; se você puder permanecer com o
momento e não se mover dele, se você puder estar fundido com o momento sem nenhum futuro,
nenhum passado, se este momento agora é a única existência – então você é um buda, esta
mesma mente se torna uma mente de buda.
Quando sua mente vaguear, não tente pará-la. Ao invés, torne-se consciente do céu. Quando a
mente vaguear, não tente pará-la, não tente trazê-la para algum ponto, para alguma concentração
– não! Permita-a vagar, mas não preste muita atenção à vagueação – porque, a favor ou contra,
você permanecerá ligado à vagueação.
Lembre-se do céu, permita à vagueação e apenas diga: “Tudo bem, isto é apenas um tráfego
em uma estrada. Muitas pessoas estão se movendo para aqui, para lá... O mesmo tráfego está
acontecendo na mente. Eu sou o céu, não a nuvem”. Sinta isso, lembre-se disso e permaneça com
isso. Mais cedo ou mais tarde, você sentirá que as nuvens estão diminuindo e existem intervalos
maiores entre as nuvens. Elas não são tão escuras, tão densas. A velocidade está diminuindo e
intervalos podem ser vistos e o céu está à vista. Continue sentindo a si mesmo como o céu e não
como nuvens. Mais cedo ou mais tarde, algum dia, em um certo momento quando seu foco
realmente tiver ido para dentro, as nuvens terão desaparecido e você é o céu, o céu sempiterno
puro, o céu sempiterno virgem.
Uma vez que você conheça essa virgindade, você pode voltar para as nuvens, para o mundo
das nuvens. Então, este mundo tem sua própria beleza. Você pode se mover nele. Mas agora
você é um mestre. O mundo não é ruim; o mundo como mestre é o problema. Você sendo o
mestre, você pode se mover nele. Então, o mundo tem uma beleza própria. Ele é belo, ele é
amoroso, mas você precisa conhecer essa beleza e essa amorosidade como um mestre interior.

63 Esteja consciente daquele que está vendo

A terceira técnica:

Quando vivamente consciente através de um sentido em particular, mantenha-se na


consciência.

Você vê através de seus olhos. Lembre-se: você vê através de seus olhos. Os olhos não
podem ver: você vê através deles. Aquele que vê está escondido por detrás, os olhos são apenas a
abertura, apenas a janela. Mas continuamos pensando que vemos pelos olhos; continuamos
pensando que escutamos pelos ouvidos. Ninguém jamais ouviu pelos ouvidos. Você ouve através
dos ouvidos, não pelos ouvidos. Aquele que escuta está escondido por detrás. Os ouvidos são
apenas órgãos receptores.
Eu toco em você, eu lhe toco amorosamente – um aperto de mão. A mão não está tocando em
você, eu estou tocando em você, através da mão. A mão é apenas instrumental; assim, podem
existir dois tipos de toque – quando eu realmente toco em você e quando eu simplesmente evito
tocar. Eu posso tocar a sua mão e evitar tocar. Eu posso não estar presente em minhas mãos,
posso ter me retirado. Tente isso e você terá uma sensação diferente, distante. Coloque a sua mão
em outra pessoa e se retire. Uma mão morta estará presente, não você. E se o outro for sensível,
ele sentirá a mão morta. Ele se sentirá insultado. Você o está enganando; você está apenas
mostrando que está tocando e você não está tocando.
As mulheres são muito sensíveis a isso; você não as pode enganar. Elas têm uma grande
sensibilidade de toque, de toque corporal; assim, elas sabem. O marido pode estar falando coisas
belas. Pode ter trazido flores e pode estar dizendo “eu te amo”, mas seu toque mostrará que ele
não está presente. E as mulheres sentem instintivamente quando você está com elas e quando
você não está com elas. É difícil enganá-las, a menos que você seja um mestre. A menos que
você seja um mestre de seu próprio ser, você não as pode enganar. Mas um mestre não gostaria
de se tornar um marido, essa é a dificuldade.
Tudo o que você disser será falso; seu toque mostrará isso. As crianças são muito sensíveis,
você não as pode enganar. Você pode afagá-las, mas elas sabem que aquilo é um afago morto. Se
sua mão não for uma energia fluindo, uma energia amorosa, elas sabem. Então, é como se uma
coisa morta estivesse sendo usada.
Quando você está presente em sua mão em sua totalidade, quando você se moveu para a mão,
quando seu centro do ser veio para a mão, quando a sua alma está ali, então, o toque tem uma
qualidade diferente.
Este sutra diz que os sentidos são apenas portas, estações de recebimento, meios,
instrumentos, receptores. Você está escondido por detrás. Quando vivamente consciente através
de um sentido em particular, mantenha-se na consciência. Ao ouvir música, não esqueça de si
mesmo no ouvido, não se perca no ouvido. Lembre-se da consciência que está escondida por
detrás. Esteja alerta! Ao ver alguém.... Tente isso. Você pode tentar isso exatamente agora,
olhando para mim. O que está acontecendo? Você pode olhar para mim pelos olhos e quando eu
digo pelos olhos, isso significa que você não está consciente de que está escondido por detrás dos
olhos. Você pode olhar para mim através dos olhos e quando eu digo através dos olhos, então, os
olhos estão apenas entre você e eu. Você permanece presente atrás dos olhos, olhando através
dos olhos, como se alguém olhasse através de uma janela ou óculos.
Você já viu um funcionário em um banco olhando por cima de seus óculos? Os óculos
escorregados em seu nariz e ele olhando? Apenas olhe deste jeito para mim, em minha direção,
como se você estivesse olhando por cima de seus olhos, como se os olhos tivessem escorregado
um pouco em seu nariz e você permanecesse por detrás, olhando para mim. De repente você
sentirá uma mudança na qualidade. Seu foco muda; seus olhos se tornam apenas portas. Isto se
torna uma meditação.
Quando estiver ouvindo, simplesmente ouça através dos ouvidos e permaneça consciente de
seu centro interior. Ao tocar algo, toque através das mãos e lembre-se do ser interior que está
escondido por detrás. A partir de qualquer sentido você pode ter uma sensação do centro interior
e cada sentido vai para o centro interior. Ele tem de transmitir. Por isso, quando você está me
vendo e está me ouvindo, quando você me vê através dos olhos e me ouve através dos ouvidos,
bem lá no fundo, você sabe que está vendo o mesmo homem que você também está escutando.
Se eu tenho algum cheiro corporal, seu nariz o sentirá.
Então três diferentes sentidos transmitem para um centro. É por isso que você pode
coordenar. De outra forma seria difícil. Se seus olhos veem e seus ouvidos ouvem, será difícil
saber se você está ouvindo o mesmo homem que você está vendo ou duas pessoas diferentes,
porque esses dois sentidos são diferentes, nunca se encontram. Seus olhos nunca souberam de
seus ouvidos e seus ouvidos nunca ouviram sobre seus olhos. Eles não conhecem um ao outro,
eles nunca se encontraram; eles nunca foram apresentados.
Então, como todas as coisas se tornam sintetizadas? Ouvidos ouvem, olhos veem, mãos
tocam, o nariz cheira e, de repente, em algum lugar dentro, você sabe que este é o mesmo
homem que você está escutando e vendo e tocando e sentindo o cheiro. Esse conhecedor é
diferente dos sentidos. Cada sentido se relaciona com esse conhecedor e nesse conhecedor; no
centro, todas as coisas caem, se ajustam e se tornam um. Isso é miraculoso.
Eu sou um, do lado de fora de você. Eu sou um! Meu corpo e a presença do corpo, o cheiro
de meu corpo, a minha fala são um. Seus sentidos me dividirão. Seus ouvidos transmitirão se eu
disser alguma coisa, seu nariz transmitirá se houver algum cheiro, seus olhos transmitirão se eu
puder ser visto e for visível. Eles me dividirão em partes. Mas novamente, em algum lugar
dentro de você, eu me tornarei um. Onde eu me torno um dentro de você é o centro do seu ser.
Esta é sua consciência e você a esqueceu completamente. Esse esquecimento é a ignorância; e a
consciência abrirá as portas para o autoconhecimento. E você não pode conhecer a si mesmo de
outra maneira.
Quando vivamente consciente através de um sentido em particular, mantenha-se na
consciência. Permaneça com a consciência; mantenha-se na consciência; permaneça alerta. Isso
é difícil no começo. Nós continuamos caindo no sono e parece árduo olhar através dos olhos. É
fácil olhar pelos olhos. No começo você sentirá uma certa estranheza – se você tentar olhar
através dos olhos. Não somente você sentirá uma estranheza; a pessoa que você olha também
sentirá uma estranheza.
Se você olhar para alguém através dos olhos, essa pessoa sentirá como se você a estivesse
invadindo, como se você estivesse fazendo alguma coisa mal-educada. Se você olhar através dos
olhos, o outro se tornará consciente, de repente, de que você não está se comportando
apropriadamente, porque seu olhar se tornará penetrante, seu olhar irá fundo. Se ele vier de sua
profundeza, ele penetrará a profundeza de outra pessoa. É por isso que a sociedade tem uma
segurança programada: não olhe muito profundamente para ninguém a menos que você esteja
amando. Se você está amando, você pode olhar profundamente dentro do outro; você pode
penetrar a profundidade, porque o outro não está com medo. O outro pode estar nu, totalmente
nu, o outro pode estar vulnerável, o outro pode estar aberto para você. Mas comumente, se você
não está amando, você não tem permissão de ver diretamente, de ver penetrantemente.
Na índia, uma pessoa que olhe para alguém de tal jeito, penetrantemente, é chamada de um
luchcha. Um Luchcha significa um vidente. A palavra ‘luchcha’ vem de ‘lochan’; ‘lochan’
significa “olhos”; e ‘luchcha’ significa “aquele que se tornou olhos em sua direção”. Assim, não
tente isso com alguém que você não conheça: ele pensará que você é um luchcha.
Primeiro tente isso com objetos – uma flor, uma árvore, as estrelas na noite. Elas não se
sentirão invadidas e elas não objetarão. Ao contrário, elas gostarão disso e se sentirão muito bem
e apreciarão. Primeiro tente isso com elas, então, com as pessoas que estiver amando – sua
esposa, seu filho. Algumas vezes pegue seu filho pequeno no colo e olhe para ele através dos
olhos e a criança entenderá. Ela entenderá mais do que qualquer um, porque ela ainda não foi
deformada pela sociedade, ainda não foi pervertida, ainda é natural. Ela sentirá profundo amor se
você olhar através dos olhos; ela sentirá sua presença.
Olhe para o seu amado, ou sua amada e, somente então, daqui a um tempo, quando você tiver
pego o jeito disso, quando você tiver se tornado mais habilidoso nisso, você será capaz de olhar
para qualquer um – porque, então, ninguém será capaz de saber que alguém o olhou
profundamente. E uma vez que você tenha essa arte de permanecer sempre alerta por detrás de
seus sentidos, os sentidos não mais o podem enganar. Caso contrário, os sentidos o enganam.
Em um mundo que é apenas uma aparência, eles o enganaram para que você sentisse o
mundo como real. Se você puder olhar através dos sentidos e permanecer alerta, o mundo cada
vez mais e mais lhe aparecerá ilusório, como um sonho, e você será capaz de penetrar a
substância – a própria substância dele.
Essa substância é o Brahma.
Capítulo 40

ILUMINAÇÃO REPENTINA E SEUS OBSTÁCULOS



PERGUNTAS

Se a experiência autêntica é repentina, o que são o crescimento e a clareza graduais que nós
sentimos?
O que acontece aos opostos polares, quando a pessoa existe em uma consciência
testemunhadora?
Quando a mente búdica é revelada no estado de consciência sem pensamento?
Quais são as razões para que a pessoa não tenha uma catarse explosiva fazendo suas
meditações?

A primeira pergunta:

Você disse que ou a pessoa vê o mundo ou Brahma, e que nenhuma percepção gradual
de Brahma é possível. Mas, na experiência, sentimos que, à medida que nós nos tornamos
conscientes e mais silenciosos e quietos, a sensação da divina presença se torna
gradualmente cada vez mais e mais clara. O que são, então, esse crescimento e essa clareza
graduais se a experiência autêntica nunca é gradual, mas repentina?

Esta tem sido uma questão muito antiga: a iluminação é repentina ou gradual? Muitas coisas
têm que ser compreendidas. Existe uma tradição que diz que a iluminação é gradual e que todas
as coisas podem ser divididas em passos – que, como qualquer outra coisa, o conhecimento
também pode ser dividido; você pode se tornar cada vez mais e mais sábio, você pode se tornar
cada vez mais e mais iluminado. Isso tem sido largamente aceito, porque a mente humana não
pode conceber nada repentinamente. A mente quer dividir, analisar. A mente é uma repartidora.
Graus podem ser entendidos pela mente, mas o repentino é não-mental – além da mente.
Se eu lhe digo que você é ignorante e que gradualmente você se tornará sábio, isso é
compreensível; você pode compreender isso. Se eu lhe digo “Não, não existe crescimento
gradual. Ou você é ignorante ou você se torna iluminado, há um salto repentino”, então, surge a
pergunta de como se tornar iluminado. Se não existisse uma graduação, não poderia haver
progresso. Se não houvesse graus de crescimento, nenhum grau, então você não poderia fazer
progresso, você não poderia prosseguir. De onde começar? Em uma explosão repentina, o
começo e o fim são ambos o mesmo. Não existe um intervalo entre o começo e o fim, assim de
onde começar? O começo é o fim!
Isso se torna um enigma para a mente. Isso se torna um koan. Mas a iluminação repentina
parece ser impossível. Não é que ela seja impossível, mas a mente não pode conceber isso. E,
lembre-se: como a mente pode conceber a iluminação? Ela não pode. Tem sido largamente
aceito que essa explosão interior também é um crescimento gradual. Até mesmo muitas pessoas
iluminadas lhes fizeram essa concessão e disseram: “Sim, existe um crescimento gradual”.
Na realidade não existe. Elas disseram isso, aceitando a atitude, a maneira de percepção que é
possível para vocês. Elas tinham profunda compaixão por vocês. Elas sabem que se você começa
pensando que ele é gradual, o começo será bom – mas não haverá nenhum crescimento gradual.
Todavia se você começar, se você continuar buscando, algum dia a coisa de repente acontecerá
para você. E se for dito que a iluminação é somente repentina e que nenhum crescimento gradual
é possível, você não irá nem mesmo começar e ela nunca acontecerá. Muitas pessoas iluminadas
disseram que a iluminação é uma coisa gradual apenas para lhes ajudar, apenas para persuadi-los
a começar.
Alguma coisa é possível através do processo gradual, mas não a iluminação – não a
iluminação, alguma outra coisa sim. E essa alguma outra coisa se torna útil. Por exemplo: se
você está fazendo a água evaporar, aquecendo-a, a evaporação acontecerá repentinamente. Em
um certo ponto, a cem graus, a evaporação acontecerá – repentinamente! Não haverá nenhum
crescimento gradual entre a água e o vapor. Você não pode dividir; você não pode dizer que esta
água é um pouco vapor e um pouco água. Ou ela é água ou é tudo vapor. De repente a água salta
para o estado de vapor. Existe um salto – não um crescimento gradual. Mas, esquentando, você
está gradualmente dando calor à água. Você a está ajudando a chegar aos cem graus, ao ponto de
evaporação. Isso é um crescimento gradual. Até o ponto de evaporação, a água crescerá no
sentido de ser cada vez mais e mais quente. Então a evaporação acontecerá repentinamente.
Assim houve mestres que foram sábios, compassivos, que usaram a linguagem da mente
humana que você pode entender, lhe dizendo: “Sim, existe um crescimento gradual”. Isso lhe dá
coragem e confiança e esperança e uma possibilidade de que ela possa acontecer para você
também: você não pode atingi-la, agora, em uma explosão repentina, mas pouco a pouco, passo a
passo, com suas limitações, com suas fraquezas, você pode crescer em direção a ela. Isso pode
levar muitas vidas, mas ainda assim existe esperança. Você será aquecido por todos os seus
esforços.
A segunda coisa a ser lembrada: mesmo a água quente é ainda água. Assim, mesmo que você
se torne mais claro em sua mente, mais puro em suas percepções, mais moral, mais centrado,
você ainda é um homem, não um buda, não iluminado. Você se torna mais silencioso, mais
quieto, mais calmo. Você sente uma profunda bem-aventurança, mas você ainda é um homem e
seus sentimentos são na verdade negativos, não positivos.
Você se sente calmo, porque você agora está menos tenso. Você sente bem-aventurança,
porque agora você está menos apegado às suas misérias; você não as está criando. Você não se
sente repartido. Não é que você tenha alcançado a unidade, mas apenas que agora então você está
menos dividido. Lembre-se disto: seu crescimento é negativo. Você é apenas água quente. Existe
a possibilidade de que, a qualquer momento, você chegue ao ponto onde a evaporação acontece.
Quando ela acontecer, você não sentirá calma, você nem mesmo sentirá bem-aventurança, você
não sentirá silêncio, porque esses atributos estão relacionados com seus opostos. Quando você
está tenso, você pode sentir silêncio. Quando você sente o barulho, você pode sentir a calma.
Quando você está dividido, fragmentado, você pode sentir a unidade. Quando você está
sofrendo, angustiado, você pode sentir bem-aventurança.
Eis por que Buda ficava em silêncio – porque a linguagem agora então não podia expressar
aquilo que está além das polaridades. Ele não podia dizer: “Agora estou preenchido com bem-
aventurança”, porque, até mesmo essa sensação de que “agora estou preenchido de bem-
aventurança” é possível somente com um fundo de sofrimento e angústia. Você pode se sentir
saudável somente com um fundo de doença e enfermidade; você pode sentir a vida somente com
um fundo de morte. Buda não pode dizer “agora eu sou imortal”, porque a morte desapareceu tão
completamente que a não-morte não pode ser sentida.
Se a miséria desapareceu tão completamente, como você pode sentir bem-aventurança? Se o
barulho e a angústia são tão absolutamente não-existentes, como você pode sentir o silêncio?
Todas essas experiências, esses sentimentos estão relacionados com seus opostos. Sem seus
opostos, não podem ser sentidos. Se a escuridão desaparece completamente, como você pode
sentir a luz? É impossível.
Buda não pode dizer: “Eu me tornei luz! ”. Não pode dizer: “Agora estou preenchido de luz”.
Se ele disser tais coisas, nós diremos que ele ainda não é um buda. Ele não pode proferir tais
coisas. A escuridão deve existir se você quer sentir a luz; a morte deve existir se você quer sentir
o estado sem-morte. Você não pode evitar o oposto. Ele é uma necessidade básica para que haja
qualquer experiência. Assim, qual é a experiência de Buda? Tudo o que nós conhecermos, não é
caso. Ela não é negativa nem positiva, nem isto nem aquilo. E o que quer que possa ser expresso,
não é caso.
É por isso que Lao Tzu insiste tanto em que a verdade não pode ser dita e que no momento
em que você a diz você a falsifica. Ela já é inverdade.
A verdade não pode ser dita por causa disto: ela não pode ser dividida em opostos polares e a
linguagem só tem sentido com opostos polares. A linguagem se torna sem sentido de outra
maneira. Sem o contrário, a linguagem perde o sentido.
Assim, há uma tradição que diz que a iluminação é gradual, mas essa tradição não é
realmente a verdade. Ela é apenas meia-verdade proferida por compaixão para com as mentes
humanas. A iluminação é repentina e não pode ser o contrário. Ela é um salto! É uma
descontinuidade de seu passado! Tente compreender: se alguma coisa é gradual, o passado
continua nela. Se alguma coisa é gradual, então, há uma continuidade. Não há intervalo. Se da
ignorância para o conhecimento há um crescimento gradual, a ignorância não pode desaparecer
completamente. Ela permanecerá, ela continuará, porque não houve descontinuidade, não houve
nenhum intervalo. Assim, a ignorância pode se tornar mais polida, a ignorância pode se tornar
mais instruída. A ignorância pode parecer sábia, mas ela existe. Quanto mais polida ela for,
então, naturalmente, mais perigosa. Quanto mais instruída ela for, então, mais habilidosa a
pessoa se torna, e mais capaz de enganar a si mesma.
Iluminação e ignorância estão absolutamente separadas, são descontínuas. Um salto é
necessário – um salto no qual o passado se dissolve completamente. O velho se foi; ele não mais
existe e o novo que apareceu nunca existiu antes.
Consta que Buda disse: “Eu não sou aquele que estava buscando. Este que apareceu agora,
nunca existiu antes”. Isso parece absurdo, ilógico, mas é assim. É assim! Buda diz: “Eu não sou
aquele que estava buscando; não sou aquele que estava desejando a iluminação; não sou aquele
que era ignorante. O velho homem está completamente morto. Eu sou um homem novo. Nunca
existi naquele velho homem. Houve uma fenda. O velho morreu e o novo nasceu”.
Para a mente conceber isso, é difícil. Como você pode conceber isso? Como você pode
conceber uma fenda? Alguma coisa tem de continuar. Como pode alguma coisa desaparecer
completamente e uma coisa nova aparecer? Isso era absurdo para mentes lógicas, isso era
absurdo para mentes científicas, apenas duas décadas atrás. Mas agora, para a ciência, isso não
mais é absurdo. Agora eles dizem que em um átomo, elétrons aparecem e desaparecem e dão
saltos. De um ponto o elétron dá um salto para outro; entre os dois ele não existe. Ele aparece no
ponto A; então desaparece e reaparece no ponto B; e dentro do intervalo ele não existe. Ele não
existe. Ele se torna absolutamente não-existente.
Se é assim, isso significa que a não-existência é também um tipo de existência. É difícil de se
conceber, mas é assim: a não-existência é também um tipo de existência. É como se alguma
coisa se movesse do visível para o invisível, como se alguma coisa se movesse da forma para a
não-forma.
Quando Gautama Sidarta – o velho homem que morreu em Gautama, O Buda –, estava
buscando, ele era uma forma visível. Quando a iluminação aconteceu, essa forma se dissolveu
completamente na não-forma. Por um momento, houve um intervalo; não havia ninguém. Então,
dessa não-forma uma nova forma surgiu: Gautama, O Buda.
Porque o corpo continua o mesmo, pensamos que existe uma continuidade, mas a realidade
interna muda completamente. E é porque o corpo continua o mesmo, que nós dizemos que
“Gautama, O Buda” – aquele Gautama Sidarta – agora se tornou “Gautama, O Desperto”; ele se
tornou um buda. Mas o próprio Buda diz: “Eu não sou aquele que estava buscando. Eu sou
totalmente diferente”.
É difícil para a mente conceber isso. E para a mente muitas coisas são difíceis. Mas elas não
podem ser negadas apenas porque são difíceis para a mente. A mente tem que se render a essas
impossibilidades que são incompreensíveis para ela. O sexo não pode se render à mente; a mente
tem que se render ao sexo.
Esse é um dos fatos interiores mais básicos – que a iluminação é um fenômeno descontínuo.
O velho simplesmente desaparece e o novo nasce.
Há uma outra tradição, uma tradição posterior: a daqueles que têm insistido através de toda a
história que a iluminação é repentina, que ela não é gradual. Mas são bem poucos os que
pertencem a ela. Eles sustentam a verdade, mas estão fadados a serem muito poucos, porque
nenhuma linha de seguidores pode ser criada se a iluminação repentina for o caso. Você
simplesmente não pode entendê-la; assim, como você pode segui-la? Ela está em choque com a
estrutura lógica e parece absurda, impossível. Mas lembre-se de uma coisa... – depois, você pode
se mover para dentro de reinos mais profundos: quer da matéria, quer da mente, você terá que
confrontar muitas coisas que uma mente superficial não pode conceber.
Tertuliano, um dos maiores místicos cristãos, disse: “Eu acredito em Deus porque Deus é o
maior absurdo. Eu acredito em Deus porque a mente não pode acreditar em Deus.”. É impossível
acreditar em Deus; nenhuma prova, nenhum argumento, nenhuma lógica pode ajudar a crença
em Deus. Todas as coisas vão contra ele, contra a sua existência, mas Tertuliano diz: “É por isso
que eu acredito – porque somente acreditando em um absurdo eu posso me afastar da mente”.
Isso é belo. Se você quer se afastar de sua mente, você precisará de alguma coisa que sua
mente não possa conceber. Se sua mente puder conceber, ela absorverá aquilo em seu próprio
sistema e, então, você não poderá transcender sua mente. Eis por que todas as religiões sempre
insistem em um ponto que é absurdo. Nenhuma religião pode existir sem algum absurdo como
um princípio para ela. Desse absurdo, ou você se volta e diz: “Não posso acreditar nisso, vou-me
embora” – então, você permanece você mesmo; ou você dá um salto, se afasta de sua mente. E a
menos que sua mente morra, a iluminação não pode acontecer.
Sua mente é o problema, sua lógica é o problema, seus argumentos são o problema. Eles estão
na superfície. Eles parecem verdade, mas eles enganam. Eles não são verdade. Por exemplo, olhe
como a estrutura da mente funciona. A mente divide todas as coisas em dois e nada é divisível. A
existência é indivisível; você não pode dividi-la – mas a mente continua dividindo-a. Ela diz que
“isto” é vida e “isto” é morte. Qual é o fato real? O fato real é que ambas, vida e morte, são o
mesmo. Você está vivendo e morrendo neste exato momento; você está fazendo as duas coisas.
Mais exatamente, você é ambos – morte e vida.
A mente divide. Ela diz: “isto” é morte e “isto” é vida. Não somente ela divide; ela diz que
ambas são opostas, inimigas, e que a morte está tentando destruir a vida. E isso parece certo: a
morte está tentando destruir a vida. Mas se você penetrar mais fundo, mais fundo do que a
mente, a morte não está tentando destruir a vida! Você não pode existir sem a morte. A morte
está ajudando você a existir. Ela está a todo o momento lhe ajudando a existir. Se por um simples
momento a morte parasse de funcionar, você morreria.
A morte está, a todo momento, jogando fora muitas partes em você que se tornaram não-
funcionais. Muitas células morrem; elas são removidas pela morte. Quando elas são removidas,
novas nascem. Você está crescendo: alguma coisa está morrendo e alguma coisa está nascendo
continuamente. A todo momento existe morte e vida e ambas estão funcionando. Na linguagem,
eu tenho que chamá-las de duas. Elas não são duas; são dois aspectos de um fenômeno. Vida e
morte são uma coisa só; “vida-morte” é um processo. Mas a mente divide. Essa divisão parece
correta para nós, mas essa divisão é falsa.
Você diz “isto é luz” e “aquilo é escuridão”; você divide. Mas onde a escuridão começa e
onde a luz termina? Você pode demarcá-las? Você não pode demarcá-las. Na verdade, o branco
e o preto são dois polos de um longo acinzentado e esse acinzentado é a vida. Em um polo o
preto aparece e em outro polo o branco aparece, mas a realidade é cinza e esse cinza contém
ambos em si mesmo.
A mente divide e, então, todas as coisas parecem bem delineadas. A vida é muito confusa; é
por isso que a vida é um mistério. E, devido a isso, a mente não pode entender a vida. É útil criar
conceitos bem definidos: você pode pensar facilmente, convenientemente; mas aí você perde a
própria realidade da vida. A vida é um mistério e a mente desmistifica todas as coisas. Então,
você tem fragmentos mortos, não o todo.
Com a mente você não será capaz de conceber como a iluminação pode ser repentina, como
você desaparecerá e alguma coisa nova, que você nunca conheceu antes, existirá. Mas não tente
entender através da mente. Ao invés, pratique alguma coisa que o deixe cada vez mais e mais
quente. Tente alcançar um fogo que o deixará cada vez mais e mais quente. E, então um dia, de
repente, você saberá que o velho desapareceu; a água não mais existe. Isso é um fenômeno novo.
Você evaporou e tudo mudou totalmente.
A água sempre esteve fluindo para baixo e, depois da evaporação, o novo fenômeno está indo
para cima. Toda a lei mudou. Você já ouviu falar sobre uma lei, a lei da gravidade de Newton,
que diz que a terra atrai todas as coisas para baixo. Mas a lei da gravidade é somente uma lei.
Existe uma outra lei. Você pode não ter ouvido falar sobre ela, porque a ciência ainda não a
descobriu, mas o iôga e o tantra a conhecem há séculos. Eles a chamam de levitação. A
gravidade está puxando para baixo e a levitação está puxando para cima.
A história de como a lei da gravidade foi descoberta é bem conhecida. Newton estava sentado
embaixo de uma árvore, uma macieira, e então uma maçã caiu. Por causa disso, ele começou a
pensar e sentiu que alguma coisa puxa a maçã para baixo. O tantra e o iôga perguntam: “Como a
maçã atingiu o topo, em primeiro lugar? Como? ”. Isso deve ser explicado antes – como a maçã
atingiu a posição superior, como a árvore está crescendo para cima... A maçã não existia; ela
estava escondida em uma semente e, então, a maçã percorreu a jornada inteira. Ela atingiu a
posição superior e, somente então, ela caiu.
Assim, a gravidade é uma lei secundária. A levitação existe primeiro. Alguma coisa estava
puxando a maçã para cima. O que é isso?
Na vida, facilmente conhecemos a gravidade, porque todos somos puxados para baixo. A
água está fluindo para baixo; ela está sob a lei da gravidade. Quando ela evapora, de repente a lei
também se evapora. Agora ela está sob a levitação, ela sobe.
A ignorância está sob a lei da gravidade; você sempre se move para baixo e o que quer que
você faça não faz diferença. Você tem de descer. De toda maneira, você terá de descer; e lutar
sozinho não será de muita ajuda, a menos que você entre em uma lei diferente – a lei da
levitação. É isso o que é o samadhi – a porta da levitação. Uma vez que você tenha evaporado,
todas as coisas mudam.
Não é que agora você possa controlar; não há necessidade de controle, você simplesmente
não pode fluir para baixo agora então. Como era impossível, antes, ir para cima, agora então é
impossível fluir para baixo.
Não é que um buda tente ser não-violento; ele não pode ser de outra forma. Não é que ele
tente ser amoroso; ele não pode ser de outra forma. Ele tem de ser amoroso. Não é uma escolha,
um esforço, uma virtude cultivada; é que simplesmente, agora, esta é a lei: ele vai para cima. O
ódio está sob a lei da gravidade; o amor está sob a levitação.
Essa transformação repentina não significa que você não esteja fazendo nada e que você
esteja simplesmente esperando por uma transformação repentina. Assim, ela nunca virá. Essa é a
confusão. Quando eu digo – ou alguém mais diz – que a iluminação é repentina, pensamos que,
se ela é repentina, nada pode ser feito, que devemos simplesmente esperar. Quando ela
acontecer, ela acontecerá; assim, o que se pode fazer? Se ela for gradual você pode fazer alguma
coisa.
Mas eu lhe digo que ela não é gradual e ainda assim você pode fazer alguma coisa. E você
tem de fazer alguma coisa; mas essa alguma coisa não lhe trará a iluminação. Essa alguma coisa
lhe trará mais perto do fenômeno da iluminação. Essa alguma coisa lhe deixará aberto para o
fenômeno da iluminação acontecer. Assim, a iluminação não pode ser um resultado de seus
esforços; ela não é. Através de seus esforços você simplesmente se torna disponível para a lei
mais alta da levitação. Sua disponibilidade chegará através de seu esforço, não a iluminação.
Você se tornará aberto, você se tornará não-resistente, você se tornará cooperativo para a lei mais
elevada trabalhar. E uma vez que você esteja cooperativo e não-resistente, a lei mais elevada
começa a funcionar. Seus esforços o deixarão se submeter, seus esforços o tornarão mais
receptivo.
É exatamente assim: você está sentado em seu quarto com as portas fechadas. O sol está do
lado de fora, mas você está na escuridão. Você não pode fazer nada para trazer o sol para dentro,
mas se você simplesmente abrir as portas, seu quarto se tornará disponível. Você não pode trazer
o sol para dentro, mas você pode fechá-lo do lado de fora. Se você abrir suas portas, o sol
entrará, as ondas chegarão; a luz entrará no quarto.
Você não está, na verdade, trazendo a luz. Você está simplesmente removendo o obstáculo. A
luz vem por si mesma. Entenda isto profundamente: você não pode fazer nada para atingir a
iluminação, mas você está fazendo muitas coisas para impedi-la – para impedir que ela o atinja.
Você está criando muitas barreiras. Assim, você pode apenas fazer alguma coisa negativamente:
você pode jogar fora as barreiras, você pode abrir as portas. No momento que as portas estiverem
abertas, os raios entrarão, a luz o tocará e o transformará.
Todo o esforço, nesse sentido, é para destruir as barreiras, não para atingir a iluminação. Todo
esforço é negativo. Ele é exatamente como o medicamento. O medicamento não pode lhe dar
saúde; pode apenas destruir suas doenças. Uma vez que as doenças não existam, a saúde
acontece; você se torna disponível. Se as doenças existem, a saúde não pode acontecer.
É por isso que as ciências médicas, ocidental ou oriental, ainda não foram capazes de definir
o que é saúde. Elas podem definir exatamente cada doença – os cientistas conhecem milhares e
milhares de doenças e eles as têm definido todas. Mas eles não podem definir o que é saúde. No
máximo, podem dizer que, quando não há doença, você está saudável. Mas o que é a saúde? –
alguma coisa que vai além da mente. É uma coisa que existe: você pode tê-la, você pode senti-la,
mas você não pode defini-la.
Você conhece a saúde, mas você não pode defini-la. O que ela é? No momento em que você
tentar defini-la, você terá de introduzir a doença. Você terá de falar alguma coisa sobre doença e
você terá de dizer: “Não-doença é saúde.”. Isso é ridículo. Para definir saúde você precisa da
doença? E a doença tem qualidades precisas.
A saúde também tem suas próprias qualidades, mas elas não são tão precisas, porque são
infinitas. Você pode senti-las; quando a saúde existe, você sabe que ela existe. Mas o que é ela?
As doenças podem ser tratadas, destruídas. As barreiras são quebradas e a luz entra. O
fenômeno da iluminação é similar. É uma saúde espiritual. A mente é uma doença espiritual e a
meditação não é nada além de medicamento.
Consta que Buda disse: “Eu sou um homem de cura, um vaidya – um médico. Não sou um
professor e não vim para lhes dar doutrinas. Conheço um certo medicamento que pode curar suas
doenças. E não perguntem sobre saúde. Tomem o medicamento, destruam as doenças e vocês
saberão o que é saúde”. Buda diz: “Não sou um metafísico, não sou um filósofo. Não estou
interessado no que é Deus, no que é a alma, nem no que é kaivalya, solidão, moksha, libertação e
nem no nirvana. Não estou interessado! Simplesmente estou interessado no que é a doença e em
como ela pode ser curada. Sou um homem de cura”. Sua abordagem é absolutamente científica.
Ele diagnosticou o dilema e a doença humana. Sua abordagem está absolutamente certa.
Destrua as barreiras. O que são as barreiras? O pensamento é a barreira básica. Quando você
pensa, uma barreira de pensamentos é criada. Entre você e a realidade, uma parede de
pensamentos é criada e pensamentos são mais densos do que podem ser muitas paredes de
pedras. E, então, existem muitas camadas de pensamentos. Você não pode passar através delas e
ver o que é o real. Você continua pensando sobre o que é o real, continua imaginando o que é o
real, e o real está aqui e agora esperando por você. Se você se tornar disponível para ele, ele
acontecerá para você. Você continua pensando sobre o que é o real, mas como você pode pensar
se você não conhece?
Você não pode pensar sobre alguma coisa que você não conhece; você somente pode pensar
sobre alguma coisa que já conhece. O pensamento é repetitivo, tautológico; ele nunca chega a
alguma coisa nova e desconhecida. Através do pensamento você nunca toca o desconhecido;
você somente toca o conhecido e isso é sem sentido, porque você já o conhece. Você pode
continuar sentindo-o nova e novamente; você pode desfrutar o sentimento, mas nada novo vem
dele.
Pare de pensar. Dissolva os pensamentos e a barreira é quebrada. Então, suas portas estão
abertas e a luz pode entrar. E uma vez que a luz entre, você sabe que o velho não mais existe.
Agora você sabe que aquilo que você é, é absolutamente novo. Nunca existiu antes, você nunca o
conheceu; mas você pode igualmente dizer que é o mais antigo – ele sempre existiu
desconhecido para você.
Você pode usar ambas as expressões, elas significam a mesma coisa. Você pode chamar de o
mais antigo – o Brahma que sempre existiu e você pode dizer que o esteve perdendo
continuamente. Ou você pode dizer que é o mais novo – que aconteceu somente aqui e agora e
nunca existiu antes. Isso também é certo, porque, para você, aquilo é o novo. Se você quiser falar
sobre a verdade, você terá de usar expressões paradoxais. Os Upanishades dizem: “É o novo e é
o antigo. É o mais antigo e é o mais novo. É ambos, o longe e o perto”. Mas, então, a linguagem
se torna paradoxal, contraditória.
E você me pergunta: O que são, esse crescimento e essa clareza graduais se a experiência
autêntica nunca é gradual, mas repentina?
Essa clareza é da mente; essa clareza é de uma diminuição de doença; essa clareza é da queda
das barreiras. Se uma barreira cai você fica menos carregado, seus olhos ficam menos anuviados.
Se outra barreira cai você fica ainda mais descarregado, seus olhos se tornam ainda mais claros.
Mas essa clareza não é a da iluminação; essa clareza é somente a de uma diminuição da doença,
não da saúde. Quando todas as barreiras desaparecem, com essas barreiras sua mente também
desaparece. Então, você não pode dizer: “Agora minha mente está clara”. Então, você
simplesmente diz: “Agora não existe a mente”.
Quando não existe a mente, então, a claridade é da iluminação! É absolutamente diferente.
Então, outra dimensão se abriu.
Mas você terá de passar através das claridades da mente. Lembre-se sempre de que não
importa o quão clara sua mente se torne, ela é ainda uma barreira. Não importa o quão
transparente sua mente se torne. Mesmo que ela se torne um vidro transparente e você possa
olhar para o outro lado, ainda assim ela é uma barreira e você terá de quebrá-la completamente.
Assim, algumas vezes acontece quando a pessoa está meditando, de ela se tornar mais
desanuviada, mais sã, mais quieta; ela pode sentir o silêncio. Então, a pessoa se apega à
meditação e pensa que tudo foi atingido. Os grandes mestres têm sempre enfatizado que chega
um dia em que você tem que jogar fora sua meditação também.
Eu lhes contarei uma história – uma história Zen. Bokuju estava meditando – meditando
muito profundamente, meditando com todo o seu coração. Seu mestre vinha todo dia e apenas ria
e ia embora. Bokuju começou a ficar incomodado. O mestre não dizia nada, apenas vinha e
olhava para ele, ria e ia embora. E Bokuju estava se sentindo muito bem na meditação. Sua
meditação estava se aprofundando e ele precisava de alguém para apreciá-lo. Ele estava
esperando o mestre dar-lhe um tapinha nas costas e dizer: “Certo, Bokuju! Você fez muito bem”.
Mas o mestre apenas ria. O riso lhe parecia insultante... – como se Bokuju não estivesse
progredindo. E ele estava progredindo! A medida que ele progredia mais, a risada crescia mais e
se tornava mais insultante. Era impossível tolerar aquilo agora então.
Um dia o mestre veio e Bokuju estava se sentindo, até onde a mente pode ir, em absoluto
silêncio; não havia nenhum barulho interior, nenhum pensamento. A mente estava absolutamente
transparente; nenhuma barreira era sentida. Ele estava preenchido com uma profunda felicidade
sutil, a alegria borbulhava por todo seu ser. Ele estava em êxtase. Então, ele pensou: “Agora meu
mestre não rirá. Agora o momento chegou e ele irá me dizer: ‘Agora, Bokuju, você se tornou
iluminado’”.
Nesse dia o mestre veio; o mestre veio com um tijolo em sua mão e começou a esfregar esse
tijolo na pedra na qual Bokuju estava sentado. Ele estava tão silencioso! E o esfregar do tijolo
criou ruído. Ele ficou irritado. Por fim ele não pode tolerar aquilo. Então, ele abriu os olhos e
perguntou ao mestre: “O que você está fazendo? ”.
O mestre disse: “Eu estou tentando fazer deste tijolo um espelho. E, esfregando-o
continuamente, espero que algum dia este tijolo se torne um espelho”.
Bokuju disse: “Você está agindo estupidamente. Esta pedra, este tijolo, não irá se tornar um
espelho. Não importa o quanto você o esfregue, ele não irá se tornar um espelho”.
O mestre riu e disse: “Então o que você está fazendo? Essa mente não pode nunca se tornar
iluminada, e você continua esfregando-a e esfregando-a... Você a está polindo e está se sentindo
tão bem que, quando eu rio, você fica irritado! ”. E, de repente, quando o mestre arremessou seu
tijolo, Bokuju ficou consciente. Quando o mestre arremessou o tijolo, de repente, ele sentiu que o
mestre estava certo e a mente se quebrou. Então, a partir desse dia, não havia nem mente e nem
meditação. Ele se tornou iluminado.
O mestre lhe disse: “Agora você pode ir para qualquer lugar. Vá, e ensine aos outros também.
Primeiramente, ensine-os a meditação; depois, ensine-os a não-meditação. Primeiramente,
ensine-os como tornar a mente clara, porque somente uma mente muito clara pode compreender
que, neste exato momento, essa mente clara é uma barreira. Somente uma mente profundamente
meditativa pode compreender que, agora então, até mesmo a meditação tem de ser jogada fora”.
Você não pode entender isso neste exato momento. Krishnamurti continua dizendo que não
há necessidade de nenhuma meditação; e ele está certo. Mas ele está falando para pessoas
erradas. Ele está certo, não há necessidade de nenhuma meditação. Mas ele está errado em
função daqueles a quem ele está dizendo isso. Aqueles que não podem nem mesmo entender o
que é meditação, como podem entender que não há necessidade de nenhuma meditação? Isso
lhes será prejudicial, porque eles se apegarão a essa ideia. Eles sentirão que essa ideia é muito
boa. Não há necessidade de meditação; assim, “nós já somos iluminados”.
Escutando Krishnamurti, muitos sentiram que não há necessidade de meditação e que aqueles
que estão meditando são tolos. Eles podem desperdiçar todas as suas vidas por causa desse
pensamento; e esse pensamento está certo. Há um ponto em que a meditação se torna uma
barreira. Mas espere este ponto chegar. Você não pode jogar fora algo que você não tem.
Krishnamurti diz: “Não há nenhuma necessidade de meditação; não medite”. Mas você nunca
meditou, assim como se pode dizer “Não medite”?
Um homem rico pode renunciar a sua riqueza, não um homem pobre. Para renunciar, em
primeiro lugar, você precisa de alguma coisa para renunciar. Se você medita, você pode
renunciar a meditação – e essa é a última renúncia e é a maior. A riqueza pode ser renunciada; é
fácil. A família pode ser renunciada, não é difícil. O mundo todo pode ser renunciado, porque
tudo é externo e externo e externo... A última coisa é a meditação, a riqueza mais interior e
profunda. E quando você a renuncia, você renunciou a si mesmo. Então, nenhum eu permanece –
nem mesmo o eu meditante, o grande meditador. Até mesmo essa imagem é quebrada. Você cai
no nada. Somente neste nada, a descontinuidade. O velho desapareceu e o novo aconteceu.
Você se torna disponível através da meditação. Tudo o que é sentido através da meditação,
não pense que é iluminação. São apenas lampejos de uma doença que está diminuindo, de uma
doença que está se dissipando. Você se sente bem. A doença é menor; assim, você se sente
relativamente saudável. A saúde real ainda não existe, mas você está mais saudável do que antes
e é bom estar mais saudável do que antes.
A segunda pergunta:

Você disse que a vida existe em opostos polares como amor e ódio, atração e repulsão,
virtude e vício, etc... Mas o que acontece a esses opostos polares quando alguém vive na
consciência que testemunha?

Não pergunte, espere pelo acontecimento, pelo que acontece. Você pode perguntar e alguma
resposta pode ser dada, mas essa resposta não pode se tornar uma resposta autêntica para você.
E nunca pule à frente. Não pergunte o que acontece quando alguém morre. O que acontece?
Tudo o que for dito será sem sentido, porque você ainda está vivo. O que acontece quando
alguém está morto? Você terá que passar por isso. A menos que você esteja morto, você não
pode sabê-lo. Tudo o que é dito pode ser acreditado em confiança, mas isso é sem sentido.
Ao invés, pergunte como estar morto de forma que você possa saber o que acontece. Nenhum
outro pode morrer por você; a experiência de nenhum outro pode ser uma experiência para você.
Você terá de morrer. A morte não pode ser a experiência de uma outra pessoa para você, ela tem
que ser a sua própria experiência.
O caso aqui é parecido. O que acontece quando a polaridade desaparece? De certa forma nada
acontece. Os acontecimentos se dissolvem porque todo acontecimento é polar. Quando ambos, o
amor e o ódio, se dissolvem – e eles realmente se dissolvem – o que acontece? Quando você
ama, você odeia também – e você odeia a mesma pessoa que você ama. O ódio está apenas
escondido e, quando o ódio vem à tona, o amor vai ao fundo.
Jesus diz: “Ame seus inimigos”; e eu digo que você não pode fazer o contrário. Você
realmente ama seus inimigos. Você os odeia muito, e sem amor isso é impossível. O amor é
apenas o outro aspecto da moeda. E onde está a demarcação onde o amor termina e o ódio
começa? Existe apenas uma extensão de cinza. Quando você odeia uma pessoa e quando você
ama? Você pode demarcar isso? Você ama e odeia a mesma pessoa; a qualquer momento o ódio
se torna amor e o amor pode se tornar ódio. Esta é a polaridade da mente, é como a mente
funciona.
Não fique preocupado com isso. Se você sabe disso, você nunca ficará preocupado. Se você
ama alguém, você sabe que o ódio estará presente. Se alguém o ama, você contará com ambos –
amor e ódio.
Mas o que acontece em uma consciência búdica quando o amor e o ódio desaparecem? O que
acontece? É difícil expressar o que acontece, mas o que quer que tenha sido sentido ao redor de
Buda é mais como ‘amor sem ódio’. Isso era sentido em torno de Buda; não que Buda sentisse
assim – Buda não pode sentir amor agora, porque ele não pode sentir ódio. Ele não pode sentir
amor, mas a sua volta todo mundo sente um profundo amor fluindo. Podemos descrever isso
como ‘amor sem ódio’, mas, então, a qualidade é diferente.
Com o nosso amor, o ódio está inevitavelmente presente. Ele o colore, ele muda a sua
qualidade. O ódio dá uma paixão ao amor, uma força, uma intensidade, uma qualidade
focalizada, uma concentração, ao passo que o amor de Buda se torna um fenômeno disperso. A
intensidade não existe. Ele não pode queimar, pode somente aquecer. Não é um fogo, é apenas
uma luminescência. Não é uma chama, é exatamente como a luz da manhã, quando o sol ainda
não surgiu e a noite já desapareceu. É exatamente o momento do intervalo – luz sem nenhum
fogo, sem nenhuma chama. Nós o sentimos como amor, e como o mais puro amor, porque não
existe o ódio.
Até mesmo para sentir esse tipo de amor, você tem de ser uma mente profundamente
meditativa. Você precisa de uma mente que pode meditar; do contrário, um fenômeno tão
delicado e difuso não será sentido por você. Você tem de ser muito profundamente sensível.
Você só pode sentir o amor rude. E essa rudeza é dada pelo ódio. Se alguém simplesmente o
ama sem qualquer ódio, ser-lhe-á muito difícil sentir esse amor. Você terá de crescer para se
tornar mais transparente, delicado, sensível. Você terá de se tornar semelhante a um instrumento
musical muito sensível; somente então, a brisa algumas vezes chegará até você. E a brisa é tão
não-violenta agora, que ela não baterá em você. Ela será apenas um delicado toque. Se você
estiver muito, muito consciente, você a sentirá; do contrário, você a perderá.
Mas essa é a nossa sensação à volta de um buda, não a sensação do Buda. Buda não pode
sentir amor ou ódio. Na verdade, os opostos polares desaparecem e a simples presença
permanece. Buda é uma presença, não um humor. Você é feito de humores, não de presença.
Algumas vezes você está odiando – um humor; algumas vezes você está amando – outro humor;
algumas vezes você está com raiva – outro humor; algumas vezes você está ganancioso – outro
humor. Você é feito de humores, você nunca é uma presença pura. E sua consciência continua
sendo modificada por seus humores. Cada humor se torna o mestre. Ele modifica a consciência,
aleija-a, muda-a, colore-a, deforma-a.
Um buda não tem humores. Agora o ódio se foi, o amor se foi, a raiva se foi, a cobiça se foi.
E a não-cobiça também, a não-raiva também. Desapareceram! Ambas desapareceram! Um buda
é uma simples presença. Se você for sensível, você sentirá o amor fluindo dele, você sentirá a
compaixão. Se você não for sensível, se você for rude, se sua meditação não foi desenvolvida,
você não o sentirá, absolutamente. Um buda poderá passar por você e você nem mesmo ficará
ciente de que algum fenômeno está passando – alguma coisa rara, alguma coisa que passa
somente uma vez em séculos. Você não ficará ciente!
Ou, se você for muito rude, antimeditativo, você até mesmo ficará enraivecido por sua
presença. Porque sua presença é sutil, você pode até mesmo se tornar violento por causa de sua
presença. Sua presença o pode estar perturbando. Se você for muito rude, antimeditativo, você se
tornará um inimigo de um buda, sem ele ter feito nada. Se você estiver aberto, sensível, você se
tornará um amante, sem ele ter feito nada.
Lembre-se disto: quando você se torna um inimigo, é você; quando você se torna um amigo, é
você. Um buda é uma simples presença, ele está disponível. Se você se torna um inimigo, você
vira as costas. Você simplesmente perderá algo pelo qual pode ter de esperar por vidas para
acontecer novamente.
Ananda estava chorando no dia em que Gautama, O Buda, estava fazendo a passagem. E
Buda disse pela manhã: “Agora este é meu último dia. Agora o corpo irá acabar”. Ananda estava
perto. Ele foi o primeiro para quem Buda falou: “Este é meu último dia. Assim, vá e diga para
todo mundo que se eles tiverem que perguntar alguma coisa, eles podem perguntar”.
Ananda começou a chorar. Então, Buda disse: “Por que você está chorando? Por este corpo?
Eu estive ensinando e ensinando e ensinando que este corpo é falso, ele já está morto. Ou você
está chorando pela minha morte? Não chore, porque eu morri há quarenta anos. Eu morri no dia
em que me tornei iluminado. Assim, este corpo está simplesmente desaparecendo agora. Não
chore”.
Ananda disse uma bela coisa. Ele disse: “Não estou chorando pelo seu corpo ou por você,
estou chorando por mim mesmo. Ainda não sou iluminado e, agora, quantas vidas se passarão até
que novamente um buda esteja disponível? E eu posso não ser capaz de novamente reconhecê-
lo”.
A menos que você se torne iluminado, sua clareza de mente pode ser anuviada a qualquer
momento. Antes que você se torne iluminado, você pode cair repetidamente. Nada é certo.
Assim, Ananda disse: “Estou chorando por mim mesmo. Ainda não sou iluminado, ainda não
atingi a meta e você está entrando na não-materialidade”.
Até mesmo o próprio pai de Buda não pôde reconhecer que seu filho não era mais seu filho –
que alguma coisa, que raramente acontece, acontecera dentro daquele corpo. A escuridão havia
desaparecido e a luz eterna estava queimando lá dentro, mas ele não pôde reconhecer isso.
Muitos estiveram contra ele; muitos tentaram matá-lo. Mas tudo depende de você: quer você
se torne um amigo, um amante ou um inimigo, depende de você, de sua sensibilidade, de sua
mente – de como a sua mente sente.
Mas um buda não está fazendo nada, ele é simplesmente uma presença. Apenas pela sua
presença muita coisa acontece à sua volta. Aqueles que podem sentir amor, sentirão que ele está
em profundo amor com eles. E quanto mais fundo você puder sentir, mais você crescerá na
sensação de que o amor dele está se aprofundando em sua direção. Se você puder se tornar um
verdadeiro amante, você sentirá que um buda é um amante para você. Se você se tornar um
inimigo e sentir ódio, você sentirá que um buda é um inimigo; e você sentirá que ele deve ser
morto, destruído. Depende de você. Um buda é um não-fazedor; ele está simplesmente existindo,
está presente.
Assim, o que acontece é difícil de dizer, porque o que quer que digamos, será um humor. Se
dissermos que ele se tornou um amante, que ele tem um grande amor, será falso. Essa será nossa
sensação.
Os seguidores de Jesus sentiram que ele era simplesmente amor e os inimigos de Jesus
acharam que ele tinha de ser crucificado. Assim, depende de você. Depende de como você o
toma, de como você é capaz de tomá-lo, do quão aberto você esteja. Mas da parte de um
iluminado, pode ser dito. Ele pode dizer simplesmente que ele existe: ele existe sem fazer nada –
apenas uma presença, um ser.

A terceira pergunta:

Você disse que quando uma pessoa está totalmente no momento presente sem nenhum
pensamento na mente, então ela é uma mente búdica. Mas mesmo quando não existe
pensamento em mim e eu estou no momento, absorvido, sem nenhum passado ou futuro, eu
não sinto a natureza búdica. Por favor, explique quando, nesta consciência sem
pensamento, a mente búdica é revelada.

A primeira coisa: se você está consciente de que não há pensamento em sua mente, há
pensamento. Até mesmo isso é um pensamento, de que agora não existe pensamento em você.
Esse pensamento é o último pensamento. Permita também que ele desapareça. E por que você
está esperando pelo momento em que a natureza búdica lhe irá acontecer? Isso novamente é um
pensamento. Não acontecerá dessa maneira – nunca!
Eu lhe contarei uma história. Um rei veio até Gautama, O Buda. Ele era um devoto, um
grande devoto. Ele veio pela primeira vez para seu darshan – para sua audiência. Em uma de
suas mãos, na mão esquerda, ele tinha um belo ornamento de ouro, sem preço, com muitas
pedras preciosas nele. Era o mais precioso que ele tinha – uma peça rara de arte. Ele tinha vindo
para presentear Buda, para mostrar sua devoção. Ele se aproximou. Em sua mão esquerda estava
esse ornamento inestimável de pedras preciosas; ele tinha vindo para dá-lo de presente. Buda
disse: “Largue isso! ”. Ele ficou perturbado. Ele jamais esperaria aquilo. Ele ficou chocado. Mas
como Buda estava dizendo para largar, ele largou.
Em sua outra mão, em sua mão direita, ele trazia uma linda rosa. Ele pensou que talvez Buda
não gostasse de pedras; ele pensou que talvez fosse uma coisa infantil, aquilo que ele trouxera.
Mas era bom ter uma alternativa: ele tinha uma bela rosa. Uma rosa não é tão bruta, não é tão
material. Ela tem uma espiritualidade, existe alguma coisa do desconhecido. E Buda deveria
gostar dela, porque ele diz que a vida é um fluxo, e a flor existe pela manhã e à noite não existe
mais. É a coisa mais fluída no mundo. Assim, ele colocou sua outra mão diante de Buda. Ele
queria presenteá-lo com a flor. Buda novamente disse: “Largue isso! ”.
Então ele se sentiu muito perturbado. Agora ele não tinha nada para presentear. Mas quando
Buda novamente disse para largar, ele largou.
Então, de repente, ele se tornou consciente do “eu”. Ele pensou: “Por que estou presenteando
coisas, quando posso eu mesmo ser o presente? ”. Quando ele percebeu isso, com ambas mãos
vazias, ele se deu de presente. Mas Buda novamente disse: “Largue isso! ”. Agora ele não tinha
nada para largar – apenas mãos vazias – e Buda disse: “Largue isso! ”.
Mahakashyapa, Sariputta, Ananda e seus outros discípulos estavam presentes e começaram a
rir. O homem ficou consciente de que mesmo dizer que “eu me dou de presente a você” é um ato
egoísta. Até mesmo dizer “agora estou aqui e me entrego a você”, não é entrega. Assim, ele
mesmo caiu. Buda sorriu e disse: “Você entendeu bem”.
A menos que você largue inclusive essa ideia de entrega, a menos que você largue inclusive
essa ideia de mãos vazias, não é a entrega. A pessoa tem que largar até mesmo o vazio da mão. É
fácil entender o largar as coisas. Mas, então, as mãos estavam vazias e ainda assim Buda disse:
“Largue isso! Não se apegue nem mesmo a esse vazio! ”. Quando você faz meditação, você tem
que largar pensamentos. Quando os pensamentos são abandonados, um pensamento permanece e
este pensamento é: “Agora eu me tornei sem-pensamento”. Existe uma sensação sutil, um
pensamento de que “agora eu alcancei, agora não existe pensamento. Agora a mente está vazia.
Agora eu estou vazio”.
Mas esse vazio está preenchido com esse pensamento. E se existem pensamentos ou existe
apenas um pensamento, não faz diferença. Largue esse pensamento também. E por que você está
esperando pela natureza búdica? Você não pode esperar, porque você não estará presente. Você
nunca encontrará Buda; quando Buda acontecer você não estará presente. Assim, suas esperanças
são fúteis. Você está perdendo tempo, você não estará presente.
Kabir disse: “Quando eu existia, você não existia. Agora você existe e onde Kabir foi parar?
Quando eu estava buscando e buscando e desejando e ansiando por você, você não existia. Eu
existia. Agora você existe e, por favor, me diga, onde Kabir foi parar? Onde está aquele buscador
que estava buscando e buscando e ansiando e chorando por você? Para onde aquele Kabir foi? ”.
Você não estará presente quando Buda acontecer. Assim, não espere, não deseje, porque seu
desejo – “Quando Buda acontecerá para mim? ”, “Quando eu me tornarei uma natureza búdica?
”, “Quando eu me tornarei iluminado? ” –, esse próprio desejo criará uma barreira, a última
barreira. Para a conquista da liberdade total, o desejo por liberdade é a última barreira. Para ser
iluminado, inclusive esse desejo por iluminação tem de ser jogado fora, tem de ser abandonado.
Um dos grandes mestres Zen, Lin Chi, costumava dizer: “Se você encontrar Buda em algum
lugar, mate-o imediatamente! Se você encontrar Buda em algum lugar em sua meditação, mate-o
imediatamente! ”. Ele queria dizer isso. Esse desejo de ser um buda, de ser iluminado, se você
encontrá-lo em algum lugar, mate-o imediatamente. Somente então poderá acontecer. A total
ausência de desejo é necessária, e quando eu digo a total ausência de desejo, quero dizer que
mesmo o desejo pela total ausência de desejo deve ser abandonado – você existe, sem nenhum
desejo; você existe, sem nenhum pensamento, sem nem mesmo a consciência de que não existe
nenhum pensamento, de que não existe nenhum desejo. Então acontece.

A última pergunta:

Quais são as possíveis razões de eu não ter uma catarse explosiva? Constantemente, até
mesmo com a meditação shaktipat hoje, tenho somente uma catarse muito suave. Isso
necessariamente significa que eu não estou aberto ou não estou aberto o suficiente, ou
existem outras razões possíveis? Minha preocupação com isso então se torna uma distração
para mim durante e depois da meditação.

A primeira coisa a ser notada, a ser lembrada: a catarse acontecerá profundamente se você
ajudá-la a acontecer, se você cooperar com ela. A mente é tão reprimida e você tem tantas coisas
empurradas para baixo, que para atingi-las sua cooperação é necessária. Assim, sempre que você
sentir até mesmo uma leve catarse, ajude-a a se tornar mais forte. Não espere apenas. Se você
sente que sua mão está tremendo, não espere apenas, ajude-a a tremer mais. Não sinta nem pense
que aquilo tem que ser espontâneo; assim, você tem de esperar. Se tivesse de ser espontâneo,
então, você teria de esperar por anos, porque por anos você esteve reprimindo e a repressão não
era espontânea. Você a fez de propósito.
Você terá que fazer completamente o oposto agora. Somente então, a repressão pode ser
trazida para a superfície. Você sente vontade de chorar; você chora levemente. Ajude o choro a
avançar! Torne-o um grito profundo! Você não sabe que desde o princípio você tem reprimindo
seu choro, que você não tem chorado de verdade. Desde o comecinho a criança quer chorar, rir.
O choro é uma necessidade profunda nela. Através do choro, todo dia ela passa através de uma
catarse.
A criança tem muitas frustrações. Está fadado a ser assim; é necessário. A criança quer
alguma coisa, mas ela não pode dizer o quê, ela não pode expressar. A criança quer alguma
coisa, mas os pais podem não estar em uma posição de poder atendê-la. A mãe pode não estar
disponível ali. Ela pode estar ocupada em algum outro trabalho e a criança pode não receber
atenção. Nesse momento em que nenhuma atenção lhe é dada, ela começa a chorar. A mãe quer
persuadi-la, consolá-la, porque ela mesma está perturbada, o pai está perturbado, toda a família
está perturbada. Ninguém quer que ela chore, chorar é uma perturbação; todo mundo tenta
distraí-la de forma que ela não chore. Nós podemos suborná-la. A mãe pode lhe dar um
brinquedo, a mãe pode lhe dar leite – qualquer coisa para criar uma distração ou para consolá-la
– mas ela não deve chorar.
Mas chorar é uma profunda necessidade. Se ela puder chorar e lhe for permitido chorar, ela se
tornará viçosa novamente; a frustração é jogada fora através do choro. Caso contrário, com um
choro interrompido, a frustração é interrompida. Agora ela continuará acumulando-a... – e você é
um choro acumulado.
Atualmente os psicólogos dizem que você precisa de um grito primal. Agora, desenvolve-se
no Ocidente uma terapia apenas para lhe ajudar a gritar tão totalmente, que todas as células de
seu corpo fiquem envolvidas no grito. Se você puder gritar tão loucamente, que todo o seu corpo
grite junto, você será aliviado de muita dor, de muito sofrimento que está acumulado. Você se
tornará exatamente como uma criança – fresca e inocente novamente.
Mas esse grito primal não virá de repente. Você terá de ajudar. Ele está tão lá no fundo, e
existem tantas camadas de repressão, que não espere simplesmente – ajude. Quando você quiser
chorar, chore totalmente! Dê total energia para o choro. Ajude-o.
E a segunda coisa: desfrute-o, porque se você não estiver desfrutando o que você está
fazendo, aquilo não pode ir fundo. Será superficial. Se você está gritando, então, desfrute isso.
Desfrute a própria coisa, sinta-se bem. Se você estiver sentindo em algum lugar que “o que eu
estou fazendo não é bom” – O que os outros dirão? Que coisa infantil eu estou fazendo! –,
mesmo uma leve sensação como essa se tornará repressão.
Desfrute a coisa e seja brincalhão. Desfrute e seja brincalhão! Apenas investigue cada vez
mais e mais se aquilo pode se tornar mais profundo, se você pode ajudar aquilo a avançar mais –
de que maneira você pode ajudar a avançar mais.
Se você estiver sentado e chorando, então, talvez, se você começar a saltar, o choro possa se
tornar mais profundo. Ou se você deitar no chão e começar a espernear, talvez ele se torne mais
profundo. Tente, ajude-o avançar e desfrute-o – e você sentirá que há muitas maneiras nas quais
você pode ajudá-lo a avançar. Desfrute tentando aprofundá-lo mais e, uma vez que ele assuma o
controle, então, você não será necessário. Uma vez que ele chegue à fonte certa onde a energia
está escondida, uma vez que você toque a fonte certa e a energia seja liberada, então, você não é
necessário. Você pode fluir automaticamente, espontaneamente. E quando isso começar a fluir
espontaneamente, você será limpo completamente.
É exatamente como as flores sendo limpas depois de uma chuva. Então elas se tornam novas.
Todas as partículas de sujeira, o que quer que tenha se acumulado sobre ela, não está mais
presente; elas são elas mesmas.
Na vida nós acumulamos sujeira. Essa catarse é apenas uma limpeza. Ajude-a a avançar,
desfrute-a e um dia o grito primal chegará. Apenas continue fazendo isso. Não pode ser predito
quando ele chegará. Quando o grito primal irá chegar, não pode ser dito, porque o homem é
muito complexo. Ele pode chegar neste exato momento; ele pode levar anos. Uma coisa é certa:
se você o ajudar, desfrutá-lo e brincar com ele, ele chegará.
Capítulo 41

MÉTODOS TÂNTRICOS PARA A CONSCIÊNCIA E O NÃO-JULGAMENTO



OS SUTRAS

64. Quando a ponto de espirrar, diante do pavor, na ansiedade, à beira de uma ruptura,
enfrentando uma batalha, na curiosidade extrema, no começo da fome, no final da fome, esteja
ininterruptamente consciente.
65. A pureza dos outros ensinamentos é uma impureza para nós. Na realidade, perceba que
nada é puro ou impuro.

A vida é um paradoxo. Para se aproximar, você tem de ir longe e aquilo que já está
conquistado, você tem de conquistar novamente. Nada foi perdido: o homem permanece natural,
o homem permanece puro, o homem permanece inocente; só que ele se esquece disso. A pureza
não é alterada, a inocência não é destruída. Há apenas um profundo esquecimento.
Aquilo que se busca atingir, você já é. Em essência, não há nada novo a ser conquistado.
Você apenas tem que encontrar, descobrir, revelar aquilo que já é o fato; daí as duas coisas: a
dificuldade do esforço espiritual e a simplicidade. Eu digo “as duas coisas”... É muito simples se
você puder compreender. Mas é muito difícil, porque você tem de compreender aquilo que você
esqueceu completamente; aquilo que é tão óbvio, do qual você nunca tomou consciência, algo
que é como a sua respiração, que acontece continuamente, ininterruptamente. Mas por acontecer
continuamente, ininterruptamente, você não precisa estar consciente. Sua consciência não é
necessária; não é um requisito básico. Você pode se esquecer daquilo ou pode se lembrar – é
uma escolha.
Sansara e nirvana, o mundo e o estado de consciência liberta, não são duas coisas, são apenas
duas atitudes, apenas duas escolhas. Você pode escolher qualquer um dos dois. Você pode estar
no mundo por causa de uma certa atitude e o mesmo mundo se torna nirvana, o mesmo mundo
se torna bem-aventurança absoluta, apenas pela mudança de atitude. Você permanece o mesmo,
todas as coisas permanecem iguais; apenas uma mudança de foco, uma mudança de ênfase, uma
mudança de escolha, é requerida. É fácil. Quando a bem-aventurança for alcançada, você irá rir
da coisa toda. Uma vez conhecido esse estado, você não será capaz de compreender por que você
o esteve perdendo, como pôde perdê-lo. Ele esteve sempre presente, apenas esperando ser
olhado, e ele era seu.
Um buda ri. Qualquer um que o alcance ri, porque a coisa toda parece ser ridícula. Você
estava procurando por alguma coisa que nunca esteve perdida. Todo o esforço era um absurdo.
Mas isso acontece somente quando você o atingiu; assim, aqueles que o atingiram dizem que é
muito simples. Mas aqueles que não o alcançaram, dizem que é a coisa mais árdua, a mais difícil
– na verdade, não simplesmente difícil, mas a coisa mais impossível.
Estes métodos que nós estaremos discutindo são relatados por alguém que alcançou – lembre-
se disso. Eles parecerão muito simples; e são. Para nossas mentes, coisas tão simples não podem
ser atraentes – porque, se as técnicas são tão simples e a morada está tão perto, se você já está
nela, se as técnicas são tão simples e a casa está tão perto, você parecerá ridículo para si mesmo.
Então, porque você o está perdendo? Em vez de sentir o ridículo de seu próprio ego, você
pensará que métodos tão simples não podem ajudar.
Esse é o engano. Sua mente lhe dirá que esses métodos simples não podem ser de nenhuma
ajuda – que eles são tão simples que não podem alcançar nada. Para alcançar a existência divina,
para alcançar o absoluto e o definitivo, como podem ser usados métodos tão simples? Como eles
podem ser de alguma ajuda? Seu ego dirá que eles não podem ser de qualquer ajuda.
Lembre-se de outra coisa: o ego está sempre interessado em alguma coisa que seja difícil,
porque, quando alguma coisa é difícil, existe um desafio e, se você puder superá-lo, seu ego se
sentirá preenchido. O ego nunca é atraído para alguma coisa que seja simples – nunca! Se você
quer dar a seu ego um desafio, então, você tem de ter alguma coisa difícil arquitetada. Se alguma
coisa é simples não há apelo, porque mesmo se você puder conquistá-la, não haverá satisfação do
ego. Em primeiro lugar, não havia nada a ser conquistado: a coisa era simples demais! O ego
clama por dificuldades – alguns obstáculos a serem cruzados, alguns picos a serem conquistados.
E quanto mais difícil o pico, mais confortável seu ego se sentirá.
Devido a essas técnicas serem tão simples, elas não terão muita atração para a sua mente.
Lembre-se: aquilo que atrai o ego não pode ajudar o seu crescimento espiritual. Somente aquilo
que não tem atração para o seu ego, pode ser uma ajuda em direção à transformação. Mas isto é o
que acontece: se algum professor diz que isto ou aquilo é muito difícil, muito árduo, que somente
depois de vidas e vidas e vidas você terá alguma possibilidade de algum vislumbre, seu ego se
sentirá bem.
Estas técnicas são tão simples, que, neste exato momento, aqui e agora, a coisa é possível.
Mas, então, não há nenhum contato com o seu ego. Se eu digo que exatamente agora, aqui, neste
exato momento, você pode atingir tudo o que é possível para o homem, que você pode se tornar
um Buda ou um Cristo ou um Krishna, neste exato momento, aqui e agora, sem perder um único
instante, então, não haverá nenhum contato com o seu ego. Você dirá: “Isso não é possível. Eu
devo ir a algum outro lugar para buscar”. E estas técnicas são tão simples, que você pode atingir
tudo o que é possível para a consciência humana no momento em que você decidir atingir.
Quando digo que essas técnicas são simples, eu quero dizer muitas coisas. Primeiro: a
explosão espiritual não é causada por alguma coisa – não se trata de um fenômeno causal. Se ela
fosse causada por alguma coisa, então, o tempo seria necessário, porque o tempo é necessário
para que a causa tome lugar. E se o tempo é necessário, então, esse não é o caso – ela não
poderia acontecer neste exato momento. Então, você teria de esperar pelo amanhã ou por outra
vida. O próximo momento seria necessário. Se alguma coisa é causal, então, a causa tem de
tomar lugar e, então, depois da causa, o efeito se seguirá: você não pode produzir o efeito, neste
momento, sem a causa. O tempo será necessário. Mas o acontecimento espiritual não é um
fenômeno causal. Você já está nesse estado; apenas uma lembrança é necessária. Não se trata de
um fenômeno causal.
É assim: de manhã, alguém de repente o acorda e você não pode reconhecer onde está. Por
um momento você não pode nem mesmo reconhecer quem você é. Em um acordar repentino de
um sono profundo, você pode não ser capaz de reconhecer o lugar, o tempo. Mas dentro de um
momento você reconhecerá. Quanto mais alerta você se tornar, mais você reconhecerá quem
você é, onde você está e o que aconteceu. Isso não é uma coisa causal – apenas uma questão de
estar alerta. Com um estado de alerta crescente, você reconhecerá.
Todas estas técnicas são para um estado de consciência alerta crescente. Você já é a pessoa
que deseja ser, você já está aonde quer chegar. Você já alcançou a sua casa. Você nunca a deixou
realmente. Você sempre esteve presente, mas sonhando, dormindo. Você pode cair no sono aqui
e, então, você pode sonhar. E em seu sonho você pode ir a qualquer lugar; você pode ir ao
inferno ou ao céu, ou a qualquer lugar.
Você já observou que sempre que você está em um sonho, uma coisa é certa? – que você
nunca está no quarto no qual está dormindo. Você já observou esse fato? Você pode estar em
qualquer lugar, mas nunca estará no mesmo quarto, no mesmo leito onde você está. Como você
já está aí, não há necessidade de sonhar com isso. Os sonhos significam que você tem de viajar
para longe.
Você pode estar dormindo neste quarto, mas nunca sonhará com este quarto. Não há
necessidade, você já está aqui. A mente deseja alguma coisa que não existe; então, a mente se
move. Ela pode ir para Londres, para Nova Iorque, para Calcutá, para o Himalaia, para o Tibete,
para qualquer lugar. Ela pode ir para qualquer lugar, mas ela nunca estará aqui. Ela pode estar
em qualquer lugar, mas nunca aqui... – e você está aqui.
É este o caso. Você está sonhando. Sua existência divina está aqui; você é isso. Mas você tem
viajado para muito longe... E cada sonho cria uma nova sequência de sonhos. Cada sonho cria
novos sonhos e você continua sonhando e sonhando e sonhando...
Todas estas técnicas são para torná-lo alerta, de forma que você possa sair de seus sonhos, de
volta para o lugar onde você sempre esteve, para o estado que você nunca perdeu. E você não
pode perdê-lo, ele é a sua natureza – ele é swabhav. Ele é seu próprio ser; assim, como você pode
perdê-lo? Estas técnicas são apenas para ajudar o seu estado de consciência alerta a crescer mais,
para ajudá-lo a se tornar mais intenso. Com a intensidade da consciência, todas as coisas mudam.
Quanto mais intensa a consciência, menor a possibilidade de sonhar. Você se torna cada vez
mais e mais alerta com relação ao real. Quanto menos intensa a consciência, maior o seu impulso
para sonhar.
Assim, todo fenômeno é que um estado mental não-alerta é o mundo, e um estado mental
alerta é o nirvana. Não-alerta, você é o que você parece ser. Alerta, você é o que você é.
Assim, toda a questão é como transformar seu estado mental não-alerta em um estado mental
alerta, como se tornar mais consciente, como sair do sono e do sonho. É por isso que as técnicas
podem ser de ajuda. Até mesmo um despertador pode ser útil – simplesmente, um recurso
artificial, um despertador. Se o som do alarme continua, ele pode ajudá-lo a sair de seus sonhos.
Mas você pode ludibriar isso também; você pode até mesmo sonhar com ele e, então, a coisa
toda é falsificada. Quando o alarme dispara, você pode sonhar, você pode criar um sonho em
torno do despertador também. Você pode sonhar que entrou em um templo e os sinos estão
tocando. Agora você enganou o alarme. Ele poderia ter quebrado seu sono. Mas você pode
transformá-lo em sonho; você pode torná-lo parte de seu sonho.
Se você torná-lo parte de seu sonho, se ele puder ser absorvido no processo do sonho, então,
ele não pode ajudá-lo. Você pode sonhar qualquer coisa e, então, ele não parecerá um
despertador. Ele terá se tornado alguma outra coisa. Você entrou em um templo e os sinos estão
batendo.... Agora não há necessidade de acordar. Você transformou o despertador – a coisa real –
em um sonho; e um sonho não pode ser perturbado por um outro sonho: ele pode apenas ser
ajudado.
Estas técnicas, de certa forma, são todas artificiais. São apenas truques para ajudá-lo a sair de
seu estado de sonho; mas você pode torná-las também parte de seu sonho. Aí então, você perde o
ponto. Então, você perde o ponto! Tente compreender isso, porque isso é muito básico. E, uma
vez compreendido, lhe será útil; caso contrário, você pode continuar enganando a si mesmo.
Por exemplo, eu digo: “Dê um salto para dentro do sânias”. Isso é apenas um estratagema.
Sua velha identidade é quebrada; seu velho nome se torna pertencente a outro alguém. Você
pode olhar para o seu passado de maneira mais desapegada. Você pode ser uma testemunha.
Você está longe, uma distância é criada. Eu lhe dou um novo nome e um novo robe apenas para
criar uma distância. Mas você pode tornar isso tudo parte de seu sonho; então, você perderá todo
o ponto. Você pode ainda pensar em termos do velho – que o velho homem, A, tomou sânias.
Você sente: “Eu tomei sânias”. O “eu” permanece o velho. “Eu” mudei meu robe, meu nome,
mas “eu” permaneço o velho e o velho continua. Agora então, esse sânias é apenas uma coisa
adicionada ao velho. Não é descontínuo, é contínuo. Se ele é contínuo, se você tomou sânias,
você, o velho, se você mudou o seu robe e nome, você perdeu o ponto.
Você precisa ser morto, você não deve ser o velho agora. Você deve sentir que o velho
morreu, que esta é uma nova entidade que você nunca conheceu, que não é um crescimento a
partir do velho. Ela é descontínua em relação ao velho. Então, o estratagema será útil. Então, o
despertador terá funcionado e a técnica é útil. Você não está perdendo o ponto.
Todas estas técnicas são de tal sorte, que você pode perdê-las ou pode usá-las; isso depende.
Mas lembre-se bem: as técnicas são apenas técnicas. Se você entende o espírito, você pode se
tornar alerta até mesmo sem nenhuma técnica.
Por exemplo, o despertador pode não ser necessário. Vá profundamente nisto: Por que você
precisa de um despertador? Se você quer se levantar cedo às três da manhã, por que você precisa
de um despertador? Bem no fundo, você sabe que pode enganar a si mesmo; e bem no fundo
você sabe que se realmente quiser se levantar às três, você se levantará às três e nenhum relógio
é necessário. Mas com o relógio, a responsabilidade é colocada fora. Agora você não será
responsável. Agora se alguma coisa der errado, o relógio é o responsável. Você pode dormir à
vontade agora. Agora o relógio está ali; você pode dormir sem nenhuma perturbação.
Mas se você realmente quiser se levantar às três da manhã, você levantará às três da manhã.
Nenhum relógio é necessário. Está própria intensidade para acordar trará o acontecimento. Esta
vontade de acordar às três pode ser tão intensa, que você pode nem mesmo ser capaz de dormir;
e não haverá nenhuma necessidade de se levantar: você já estará acordado a noite toda. Mas, para
dormir bem, o relógio é necessário. Então, você pode ir dormir. Mas você pode se iludir. Quando
o despertador disparar, você pode se enganar; você pode sonhar com aquele som.
Estas técnicas são úteis somente porque sua intensidade é baixa. Se você for realmente
intenso, não haverá necessidade de nenhuma técnica; você poderá estar alerta. Mas a sua
intensidade não é suficiente. Mesmo com a técnica, você pode começar a sonhar. E há muitas
possibilidades. A primeira possibilidade é a de que você não acredite que estas técnicas simples
possam ser de alguma ajuda. Esta é a primeira coisa. Então, não há nenhum contato. Em segundo
lugar, você pode pensar que um processo muito, muito longo seja necessário, que ele chegará
gradualmente. Mas há certas coisas que só acontecem de repente, nunca acontecem
gradualmente.
Eu estou lembrando de que, certa vez, o Mulla Nasruddin recebeu um pedido para dar suas
benções a um dos filhos de seu vizinho em seu aniversário. Então, ele disse: “Filho, eu espero
que você viva cento e vinte anos e mais três meses”. Todo mundo ficou se perguntando sobre
aquele “e mais três meses”.
O filho perguntou: “Mas por quê? Cento e vinte anos, já está bom! Por que mais três meses?
”.
Então, Mulla Nasruddin disse: “Eu não gostaria de que você morresse tão de repente. Apenas
cento e vinte anos e de repente você morre!? Eu não gostaria que você morresse tão de repente;
por isso mais três meses”.
Mas mesmo com “mais três meses” você morrerá de repente de qualquer forma. Sempre que
você for morrer, você morrerá de repente. Toda morte é uma morte repentina. Nenhuma morte é
gradual, porque ou você está vivo ou está morto. Não há nenhum processo gradual. Num
momento você está vivo e no próximo momento você está morto. Não há nenhum processo de
tempo; a morte é repentina.
O Samadhi também é repentino. A explosão espiritual também é repentina. Ela é como a
morte. Ela é mais parecida com a morte do que com a vida; é repentina. Ela pode acontecer a
qualquer momento. Se você estiver pronto, estas técnicas podem ser úteis. Elas não trarão a
explosão gradualmente; na verdade elas o trarão gradualmente para o ponto em que você estará
pronto para o acontecimento repentino. Lembre-se desta distinção: elas o estão preparando de
forma que o samadhi repentino aconteça.
Estas técnicas não são técnicas para o samadhi –, são técnicas para preparar a pessoa. E,
então, o samadhi acontece. Então, o modo como você usa essas técnicas, depende de você. Mas
não pense que um processo muito longo é necessário, porque isso pode ser um truque. A mente
diz que um processo muito longo é necessário de forma que você possa adiar. Você pode dizer:
“Amanhã eu farei isto, ou depois de amanhã”; e você pode continuar adiando para sempre. Uma
mente que adia, continua sempre adiando. Não é uma questão de se você irá fazê-la amanhã; é
apenas a questão de porque você não a está fazendo hoje, isso é tudo. Amanhã novamente será
um hoje e a mesma mente dirá: “Tudo bem, irei fazê-la amanhã”.
E, lembre-se, você nunca adia por anos. Você adia por um dia, porque se você adiar por anos
você não poderá enganar a si mesmo. Você diz: “É apenas uma questão de um dia. Só hoje eu
não farei; amanhã eu farei”. E o intervalo é tão pequeno, que você nunca sente que a está adiando
para sempre.
O amanhã nunca acontece, é sempre hoje. E esta mente que pensa em termos de amanhã
sempre pensará em termos de amanhã. E ele nunca acontece, ele nunca existiu, nunca existirá.
Tudo o que você tem é este exato momento, assim não continue adiando.
Agora entraremos nas técnicas.

64 No começo de uma forte sensação, esteja consciente

A primeira técnica:

Quando a ponto de espirrar, diante do pavor, na ansiedade, à beira de uma ruptura,


enfrentando uma batalha, na curiosidade extrema, no começo da fome, no final da fome,
esteja ininterruptamente consciente.

Isto parece muito simples: Quando a ponto de espirrar, diante do pavor, na ansiedade, à
beira de uma ruptura, enfrentando uma batalha, na curiosidade extrema, no começo da fome, no
final da fome, esteja ininterruptamente consciente.
Muitas coisas devem ser compreendidas. Ações muito simples, como espirrar, podem ser
usadas como recursos, porque, por mais simples que pareçam, são muito complexas e o
mecanismo interno é uma coisa muito delicada. Sempre que você sentir que um espirro está
chegando, fique alerta e o espirro pode absolutamente não chegar. Ele pode simplesmente
desaparecer, porque um espirro é uma coisa involuntária – inconsciente, não-voluntária.
Você não pode espirrar voluntariamente; você não o pode desejar. Como poderia? Como o
homem é impotente! Você não pode desejar um simples espirro. Por mais que tente, você não
pode acarretá-lo. Um simples espirro – uma coisa tão pequena, mas você não pode tê-lo à sua
vontade. Ele é involuntário; a volição não é necessária. Ele não acontece por causa de sua mente,
mas em função de todo o seu organismo, seu corpo total.
E a segunda coisa: quando você se põe alerta no momento em que o espirro está chegando –
você não pode trazê-lo, mas quando ele está chegando –, se você fica alerta, ele pode não chegar,
porque você está trazendo alguma coisa nova para o processo: o estado de consciência alerta. Ele
pode desaparecer. Mas quando o espirro desaparece e você está alerta, existe uma terceira coisa.
Primeiro, um espirro não é voluntário. Você traz uma coisa nova – o estado de consciência
alerta. Quando o estado de consciência alerta chega, o espirro pode não vir. Se realmente você
estiver alerta, ele não virá; ele pode absolutamente não acontecer. Então, uma terceira coisa
acontece. A energia que ia ser liberada através do espirro, para aonde ela vai? Ela se dirige para o
seu estado de alerta. De repente há um lampejo, um vislumbre. Você se torna mais alerta. A
energia que ia ser lançada pelo espirro, move-se para o estado de alerta. De repente você se torna
mais alerta.
Nesse lampejo, nesse vislumbre, até a iluminação é possível. É por isso que eu digo que essas
técnicas são tão simples, que parecem absurdas. O que elas prometem parece ser demais. Através
de um simples espirro, como alguém pode se tornar iluminado? Mas espirrar não é simplesmente
espirrar; você está totalmente envolvido. O que quer que faça, ou o que quer que lhe aconteça, é
um envolvimento total. Observe novamente: sempre que um espirro acontece, você está
totalmente nele com todo o seu corpo, toda a sua mente. Não apenas seu nariz, onde o espirro
está acontecendo; cada fibra, cada célula de seu corpo está envolvida nele. Um tremor sutil, uma
ondulação sutil percorre todo o corpo e, com ela, todo o corpo se torna concentrado. E quando o
espirro acontece, todo o corpo relaxa. Mas é difícil trazer a consciência até ele. Se você trouxer a
consciência até ele, ele não acontecerá e, se ele acontecer, você pode saber que a consciência não
estava presente. É por isso que você deve estar consciente.
Quando aponto de espirrar... porque, se o espirro já tiver começado, nada mais pode ser feito.
A flecha se foi; você não pode mudar agora então. O mecanismo já disparou. A energia já está a
caminho de ser liberada, ela não pode ser interrompida. Você pode parar um espirro no meio?
Como você pode pará-lo no meio? No momento em que você está pronto, ele já aconteceu. Você
não pode pará-lo no meio.
Apenas no iniciozinho, ponha-se alerta. No momento em que você sente a sensação
chegando, fique alerta. Feche seus olhos e fique meditativo. Traga sua consciência total para o
foco, exatamente onde você está sentindo a sensação de um espirro se aproximando. Bem no
início, permaneça alerta. O espirro desaparecerá e a energia será transformada em mais
consciência alerta. E como no espirro todo o corpo está envolvido, todo o mecanismo está
envolvido – ele é um mecanismo de liberação e você está alerta nesse momento então –, não
haverá mente, não haverá nenhum pensamento, nem meditação.
Em um espirro, o pensamento para. Eis por que tantas pessoas gostam de rapé. Ele as
descarrega, suas mentes sentem-se mais relaxadas, porque, por um momento, o pensamento para.
O rapé lhes dá um lampejo de não-pensamento. Através do rapé, quando o espirro acontece, elas
não são mentes, elas se tornam corpos. A cabeça desaparece por um único instante, mas elas
sentem que isso é bom.
Quando você se torna habituado a usar rapé, é muito difícil deixá-lo. Ele é um hábito mais
penetrante que o fumar – fumar não é nada perante ele. Ele penetra mais profundamente, porque
fumar é consciente e espirrar é inconsciente. Deixar o rapé é mais difícil do que deixar de fumar.
E o fumar pode ser transformado: substitutos podem ser encontrados; mas não existe nenhum
substituto para o espirrar, porque, na verdade, espirrar é um fenômeno muito singular no corpo.
A única outra coisa que pode ser comparada e que já foi comparada é o ato sexual. Aqueles
que pensam em termos de fisiologia, dizem que o ato sexual é apenas um espirrar através do
órgão sexual – e existe a similaridade. Ela não é cem por cento correta, porque muito mais está
envolvido no sexo: coisas maiores estão envolvidas nele. Mas no começo, bem no começo, a
similaridade existe.
Alguma coisa é jogada fora pelo nariz e você se sente aliviado e alguma coisa é jogada fora
pelo órgão sexual e você se sente aliviado. E ambos são não-voluntários. Você não pode se
mover no sexo com força de vontade. Se você tentar, será um fracasso – principalmente para os
homens, porque o órgão sexual dos homens tem de fazer alguma coisa. Ele é ativo. Você não
pode “querer” o ato. E se você tentar, então, quanto mais você tentar, mais impossível será. Ele
pode acontecer, mas você não pode fazê-lo acontecer. Por causa disso, no Ocidente, o sexo se
tornou um problema. Nesta metade de século [1] o conhecimento do sexo se desenvolveu no
Ocidente e todo mundo se tornou tão consciente sobre ele, que o ato sexual está se tornando cada
vez mais impossível.
Se você estiver alerta, o sexo será impossível. Se um homem estiver alerta fazendo amor,
quanto mais alerta ele estiver, mais difícil será. Ele não será capaz de ter uma ereção. Ela não
pode ser desejada e, se você a desejar, você a perderá.
Assim, o mesmo método, a mesma técnica, pode ser usada no sexo. Bem no começo, quando
você sentir que a sensação da ereção está chegando, mas ela ainda não tiver chegado e você
apenas sente a vibração, ponha-se alerta. A vibração será perdida e a mesma energia se
transformará em consciência alerta.
O tantra usou isso. Isso foi tentado de muitas maneiras. Uma bela mulher nua estará presente
apenas como um objeto de meditação e o buscador, o meditador, sentará na frente da mulher nua
meditando em seu corpo, em sua forma, suas proporções, apenas esperando pela primeira
sensação em seu centro sexual. No momento em que a sensação chega, ele fecha os olhos. Ele
esquece a mulher. Ele fecha os olhos e se torna alerta da sensação. Então, a energia sexual está
sendo transformada em consciência alerta.
Ele tem a permissão de meditar sobre uma mulher nua somente até o ponto em que a sensação
é sentida. Então, ele tem de fechar os olhos, mover-se para sua própria sensação e se tornar alerta
lá – o mesmo que é feito no espirro. E por que o vislumbre acontece? Porque a mente não está
presente. A coisa básica é que se a mente não estiver presente e você estiver alerta, você terá um
satóri, você terá o primeiro vislumbre de samádhi.
O pensamento é a barreira. Assim, se o pensamento desaparecer de alguma forma, a coisa
acontecerá. Mas o pensamento deve desaparecer; somente então o estado de consciência alerta
acontecerá.
O pensamento pode desaparecer inclusive no sono; o pensamento pode desaparecer quando
você fica inconsciente; o pensamento pode desaparecer quando você toma alguma droga. O
pensamento desaparece, mas, então, não há nenhum estado de alerta para estar consciente do
fenômeno que está escondido atrás do pensamento. Assim, eu defino meditação como
consciência sem-pensamento. Você pode ficar sem-pensamento e inconsciente; então, não há
sentido. Você pode estar consciente com pensamentos.
Traga estas duas coisas juntas – consciência e estado sem pensamento. Quando elas se
encontram, a meditação acontece, a meditação nasce.
E você pode tentar com coisas muito pequenas, porque nada é realmente pequeno. Até
mesmo um espirro é um fenômeno cósmico. Na existência, nada é grande e nada é pequeno. Um
átomo diminuto pode destruir o mundo todo e até mesmo um espirro – um fenômeno muito
atômico – pode transformar a pessoa.
Assim, não veja as coisas como pequenas e grandes. Não existe nada pequeno e nada grande.
Se você tem o olho penetrante, então, coisas muito pequenas são vitais. Entre átomos, universos
estão escondidos e, entre o universo e um átomo, você não pode dizer qual é grande e qual é
pequeno. Mesmo um simples átomo é um universo em si mesmo e o maior universo não é nada
além de átomos.
Assim não pense em termos de grande e pequeno. Apenas tente. Não diga: “O que pode
acontecer com um espirro? Eu estive espirrando por toda a minha vida e nada aconteceu! ”.
Introduza esta técnica: exatamente quando a ponto de espirrar, diante do pavor.... Quando
você sente o medo e o temor começa a entrar, exatamente quando você sente o medo entrar,
torne-se consciente e o medo desaparecerá. Com a consciência alerta, não pode haver medo.
Como você pode estar com medo quando você está alerta? Você só pode estar com medo quando
perde o estado de alerta. Na verdade, um covarde não é uma pessoa que está com medo; um
covarde é uma pessoa que está dormindo e um homem bravo é uma pessoa que pode trazer seu
estado de alerta para o momento de medo. Assim, o medo desaparece.
No Japão, eles treinam seus guerreiros para o estado de alerta. O treinamento básico é para o
estado de alerta e tudo o mais é secundário: esgrima, arco, tudo o mais é secundário.
É sabido, é o que se diz sobre o grande mestre Zen Rinzai, que ele nunca teve sucesso – em
seu manejo com o arco – em atingir o ponto certo, a pontaria certa. Sua flecha sempre se perdia;
ela nunca atingia o ponto certo. E ele é conhecido como um dos maiores arqueiros! Assim,
pergunta-se: “Como Rinzai pode ser considerado o maior arqueiro se ele nunca teve sucesso em
nenhuma pontaria e o alvo era sempre perdido? Sua flecha nunca atingiu o ponto certo! Então,
como ele pode ser conhecido como um dos maiores arqueiros? ”.
Os seguidores de Rinzai dizem: “Não é o final, é o começo. Não estamos interessados na
flecha atingindo o final, estamos interessados no momento em que a flecha começa a sua
jornada. Estamos interessados em Rinzai. Quando a flecha deixa o arco, ele está alerta; isto é
tudo. Não o resultado – isso é irrelevante”.
Um homem era discípulo de Rinzai. Ele mesmo era um grande arqueiro, nunca havia perdido
um alvo e, então, veio aprender com Rinzai. Então, alguém disse: “Com quem você está indo
aprender? Ele não é um mestre; ele nem mesmo é um discípulo. Ele é um fracasso e você é um
grande mestre e você está indo até Rinzai para aprender!?”.
Então, esse arqueiro disse: “Sim, porque eu tive sucesso tecnicamente. Mas no que se refere à
minha consciência, sou um fracasso. Ele é tecnicamente um fracasso, mas no que se refere à sua
consciência, ele é o arqueiro e o mestre – porque, quando a flecha parte, ele está alerta. E esse é o
ponto”.
Esse arqueiro, que era tecnicamente um mestre, teve que aprender durante anos com Rinzai. E
todo dia ele era cem por cento preciso em sua pontaria. Rinzai dizia: “Não, você fracassou.
Tecnicamente a flecha saiu corretamente – mas você não está presente, você não está alerta.
Você perde tudo em seu sono”.
No Japão, eles treinam seus guerreiros para primeiramente ficarem alertas, e tudo o mais é
secundário. Um guerreiro é um homem bravo se ele puder estar alerta. E foi percebido na
Segunda Guerra, que você não pode se igualar aos guerreiros japoneses; a bravura deles é
incomparável. De onde vem isso? Fisicamente eles não são tão fortes; mas na consciência, no
estado de alerta, o medo não pode entrar. Eles não têm medo e sempre que o medo surge, eles
usam métodos do Zen.
Este sutra diz: diante do pavor, na ansiedade.... Quando você se sente ansioso, muito
dominado pela ansiedade, experimente. O que a pessoa faz? O que você comumente faz quando
a ansiedade está presente? O que você faz? Você tenta resolvê-la. Você tenta alternativas e entra
cada vez mais dentro dela. Você cria uma grande confusão, porque a ansiedade não pode ser
resolvida através do pensamento. Ela não pode ser dissolvida através do pensamento, porque o
próprio pensamento é uma espécie de ansiedade. Assim você a ajuda a crescer mais. Através do
pensamento, você não pode sair dela; você irá mais fundo nela. Esta técnica diz: Não faça nada
com a ansiedade. Simplesmente fique alerta. Simplesmente fique alerta!
Contarei uma velha historieta sobre Bokuju, outro mestre Zen. Ele viveu sozinho em uma
caverna, totalmente sozinho, mas durante o dia, ou mesmo à noite, ele algumas vezes dizia em
voz alta: “Bokuju! ” – seu próprio nome – e, então, ele mesmo respondia: “Sim, eu estou aqui”.
E não havia ninguém mais ali.
Então seus discípulos lhe perguntavam: “Por que você está chamando ‘Bokuju’, seu próprio
nome e, depois, diz ‘sim senhor, eu estou aqui’? ”.
Ele disse: “Sempre que eu me envolvo num pensamento, eu tenho de me lembrar de estar
alerta e, assim, eu chamo meu próprio nome, ‘Bokuju’. No momento em que eu chamo ‘Bokuju’
e eu mesmo digo ‘sim senhor, eu estou aqui’, o pensamento, a ansiedade, desaparecem”.
Então, em seus últimos dias, por dois ou três anos, ele nunca mais chamou ‘Bokuju’, seu
nome; e nunca teve de responder “sim senhor, eu estou aqui”.
Os discípulos perguntaram: “Mestre, agora você não faz isso”.
Então, ele disse: “Mas agora Bokuju está sempre presente. Ele está sempre presente e não há
necessidade. Antes eu costumava perdê-lo. Algumas vezes a ansiedade podia me tocar, me
anuviar completamente e Bokuju não estava presente. Assim eu tinha de me lembrar de
‘Bokuju’, e a ansiedade desaparecia...”
Experimente isso. É uma bela coisa. Tente com seu nome. Quando você sentir profunda
ansiedade, apenas chame seu nome – não Bokuju ou qualquer nome, mas seu nome – e, então,
responda “sim, senhor, eu estou aqui”; e sinta a diferença. A ansiedade não estará presente. Pelo
menos por um simples momento, você terá um lampejo além das nuvens e esse lampejo pode ser
aprofundado. Uma vez que você saiba que, se você se tornar alerta, a ansiedade não estará
presente, ela desaparece; você chegou a um profundo conhecimento de seu próprio ser e do
mecanismo do funcionamento interior.
Á beira de uma ruptura, enfrentando uma batalha, na curiosidade extrema, no começo da
fome, no final da fome, esteja ininterruptamente consciente.
Você pode usar qualquer coisa. A fome está presente, torne-se alerta. O que fazer quando
você sente a fome presente? O que aconteceu? Quando você sente fome você nunca vê o fato
como alguma coisa acontecendo a você. Você se torna a fome. Você sente: “Eu estou com
fome”. A sensação real é que “Eu sou a fome”, mas você não é a fome; você está apenas
consciente dela. Ela é alguma coisa acontecendo na fronteira. Você é o centro, você se tornou
consciente dela. Ela é um objeto. Você permanece o sujeito, você é uma testemunha. Você não é
a fome; a fome está lhe acontecendo. Você estava presente quando a fome não estava e você
estará presente quando a fome se for. Assim a fome é um acidente; ela aconteceu a você.
Torne-se alerta, então você não estará identificado com ela. Se você sente fome, torne-se
alerta de que a fome está presente. Olhe para ela, encontre-a, encare-a. O que acontecerá?
Quanto mais você estiver alerta, mais distante a fome será sentida; quanto menos alerta, mais
próxima. Se você não estiver alerta, exatamente no centro você sentirá: “Eu sou fome”. Se você
fica alerta, a fome é jogada para longe. A fome está presente, você está presente. A fome é um
objeto, você é uma testemunha.
O jejum tem sido usado somente por causa disso, por causa desta técnica. O jejum em si
mesmo não é de utilidade. Se você não estiver usando essa técnica com a fome, o jejum é tolice –
pura tolice, de nenhuma utilidade. Mahavira costumava jejuar usando esta técnica e os jainistas
têm estado usando o jejum sem esta técnica. Então, é tolice. Você está sendo apenas destrutivo e
isso não pode ser de nenhuma ajuda. Você pode ficar faminto por meses e identificado com a
fome, sentindo que “eu estou faminto”. Isso é inútil, prejudicial. Não há necessidade de continuar
um jejum. Todo dia você pode sentir isso, mas há problemas. É por isso que o jejum pode ser
útil.
Comumente, nós nos entupimos com comida antes de sentirmos fome. No mundo moderno
não há necessidade de se sentir fome. Você tem um tempo estabelecido para suas refeições e
você as faz. Você nunca pergunta se o corpo está sentindo fome ou não; em uma hora fixa você
faz a sua refeição. A fome não é sentida. Você pode dizer: “Não, quando é uma hora eu sinto
fome”. Essa pode ser uma fome falsa; você a sente porque é uma hora, a sua hora. Algum dia
você pode pregar uma peça. Diga para a sua esposa ou seu marido mudar o relógio. É meio-dia e
o relógio mostrará que é uma. Você sentirá que está com fome. Isto é artificial, falso, ela não é
real.
Assim, o jejum pode ajudar. Se você jejuar, então, por dois ou três dias você sentirá uma
fome falsa. Somente depois do terceiro ou quarto dia a fome real será sentida; seu corpo pedirá,
não a mente. Quando a mente pede, a fome é falsa. Quando o corpo pede, ela é real. E quando
ela é real e você fica alerta, você se torna totalmente diferente de seu corpo. A fome é um
fenômeno corporal. Uma vez que você possa sentir que a fome é diferente de você e você é uma
testemunha dela, você transcendeu o corpo.
Mas você pode usar qualquer coisa, estes são apenas exemplos. Esta técnica pode ser usada
de várias formas; você pode elaborar sua própria maneira. Mas insista em uma coisa: se você
estiver tentando com a fome, então, continue pelo menos por três meses com a fome. Somente
então você estará desidentificado de seu corpo algum dia. Não mude o plano todo dia, porque um
aprofundamento é necessário com qualquer técnica.
Assim escolha alguma coisa por três meses. Fixe-se nela, aplique a técnica, continue
trabalhando com ela e sempre se lembre de estar consciente no começo. No meio será muito
difícil, porque uma vez que seja sentida a identificação de que você é a fome, você não poderá
mudá-la. Você pode ter uma mudança mental. Você pode dizer: “Não, eu não sou a fome, eu sou
a testemunha”. Isso é falso. Isso é a mente falando, não é uma experiência sentida. Tente estar
consciente no começo e, lembre-se, não é para você dizer “eu não estou com fome”. É assim que
a mente pode enganar. Você diz: “A fome está presente, mas eu não sou a fome. Eu não sou o
corpo, eu sou o Brahma”. Não é para você dizer nada. Tudo o que você disser será falso, porque
você é falso.
Esta repetição de que “eu não sou o corpo” não ajudará. Você continua dizendo “eu não sou o
corpo”, porque você “sabe” que você é o corpo. Se você realmente sabe que você não é o corpo,
qual a utilidade de dizer “eu não sou o corpo”? Não tem utilidade, parecerá estúpido. Esteja
consciente e, então, a sensação de que “eu não sou o corpo” estará presente. Isso não será um
pensamento, será uma sensação. Não será uma sensação na cabeça, será sentida por todo o seu
ser. Você sentirá a distância – que o corpo está muito longe, que “eu sou absolutamente
diferente”. E não existe nenhuma possibilidade de misturar os dois. Você não pode. O corpo é o
corpo; ele é matéria e você é consciência. Eles podem viver juntos, mas nunca se misturam. Eles
não podem se misturar.

65 Não julgue

A segunda técnica:

A pureza dos outros ensinamentos é uma impureza para nós. Na realidade, perceba que
nada é puro ou impuro.

Esta é uma das mensagens mais básicas do tantra. É muito difícil concebê-la, porque ela é
absolutamente não-ética, não-moral. Eu não direi imoral, porque o tantra não está interessado em
moralidade ou imoralidade. O tantra diz que isso é irrelevante. Esta mensagem é para lhe ajudar
a crescer para além da pureza e da impureza, para além da divisão realmente, para além da
dicotomia, da dualidade. O tantra diz que a existência é não-dual, é una; e que todas as distinções
são criadas pelo homem – todas as distinções, lembre-se. Distinções como tais são criadas pelo
homem. Bom-mau, puro-impuro, moral-imoral, virtude-pecado: todos esses conceitos são
criados pelo homem. São atitudes do homem; não são reais. O que é impuro e o que é puro?
Depende de sua interpretação. O que é imoral e o que é moral? Depende de sua interpretação.
Nietzsche disse em algum lugar que toda moralidade é interpretação. Assim, uma coisa pode
ser moral neste país e imoral no país vizinho; uma coisa pode ser moral para um muçulmano e
imoral para um hindu, moral para um cristão e imoral para um jainista. Ou uma coisa pode ser
até mesmo moral para a geração mais velha e imoral para a geração mais nova. Isso depende. É
uma atitude. Basicamente, é uma ficção. O fato é simplesmente o fato. O fato nu é simplesmente
o fato; ele não é nem moral nem imoral, nem puro nem impuro.
Pense na terra sem os seres humanos. Então, o que seria puro e o que seria impuro? Todas as
coisas serão – simplesmente, serão. Nada será puro e nada será impuro; nada será bom e nada
será mau. Com o homem, a mente entra. A mente divide. Ela diz “isto” é bom e “aquilo” é mau.
Essa divisão não somente cria a divisão no mundo: essa divisão também cria a divisão naquele
que divide. Se você divide, você também é dividido nessa divisão. Você não pode transcender
sua divisão interna a menos que você esqueça as divisões externas. Tudo o que você faz ao
mundo, você fez a si mesmo também.
Naropa, um dos maiores mestres do siddha iôga, diz: “Um centímetro de divisão e inferno e
céu são postos à parte” – um centímetro de divisão! Mas nós continuamos dividindo;
continuamos rotulando, condenando, justificando. Olhe para o simples fato da existência e não o
rotule. Somente então os ensinamentos do tantra podem ser compreendidos. Não diga bom ou
mau; não traga a sua mente para o fato. No momento em que você traz a sua mente para o fato,
você criou uma ficção. Agora não mais se trata de um fato, não mais é uma realidade: trata-se da
sua projeção. Este sutra diz: A pureza dos outros ensinamentos é uma impureza para nós. Na
realidade, perceba que nada é puro ou impuro.
A pureza dos outros ensinamentos é uma impureza para nós – o tantra diz: “O que é muito
puro para outros ensinamentos, uma virtude, é um pecado para nós, porque seus conceitos de
pureza separam. Para eles, alguma coisa se torna impura”.
Se você chama um homem de santo, você criou o pecador. Agora, você terá de condenar
alguém em algum lugar, porque o santo não pode existir sem o pecador. E olhe para o absurdo de
nossos esforços: continuamos tentando destruir os pecadores e concebemos e desejamos um
mundo onde não haverá pecadores – somente santos. Isso é absurdo, porque os santos não podem
existir sem pecadores. Eles são o outro aspecto da mesma moeda. Você não pode destruir um
aspecto da moeda, ambos existirão. Pecadores e santos são ambos parte e parcela de uma coisa
só. Se você destruir os pecadores, os santos desaparecerão do mundo. Mas não fique com medo:
deixe-os desaparecer, porque eles não provaram ser de qualquer valor.
Pecadores e santos são ambos parte de uma interpretação, de uma atitude em relação ao
mundo, na qual a pessoa diz: “Isto é bom e aquilo é mau”. E você não pode dizer que “isto é
bom” a menos que diga que “aquilo é mau”. O mau é necessário para definir o bom. Assim, o
bom depende do mau, sua virtude depende do pecado e seus santos são impossíveis; eles não
podem existir sem os pecadores. Assim, os santos devem ficar agradecidos aos pecadores: eles
não podem existir sem estes. Em relação a eles, em comparação a eles, por mais que condenem
os pecadores, os santos são parte e parcela do mesmo fenômeno. Os pecadores só podem
desaparecer do mundo quando os santos desaparecerem – não antes disso; e o pecado não estará
presente, quando não existir o conceito de virtude.
O tantra diz que o fato é real e a interpretação é irreal. Não interprete. Na realidade, perceba
que nada é puro ou impuro. Por quê? Porque a pureza e a impureza são nossas atitudes impostas
sobre a realidade.
Experimente. Esta técnica é árdua, não é simples – porque nós estamos tão orientados em
direção ao pensamento dual, tão embasados, enraizados no pensamento dual, que nem mesmo
estamos conscientes de nossos condicionamentos e justificativas. Se alguém começar a fumar
aqui, você pode não ter conscientemente sentido nada, mas você condenou. Bem dentro de você,
você condenou. Seu olhar pode ter condenado ou o não- olhar pode ter condenado. Você pode
nem ter olhado para a pessoa; e você condenou.
Será difícil, porque o hábito se tornou tão profundamente enraizado...! Você continua – com
seus gestos, seu sentar, seu levantar... –, você continua condenando, justificando, sem nem
mesmo estar consciente do que você está fazendo. Quando você sorri para uma pessoa ou quando
você não sorri para uma pessoa, quando você olha para alguém ou quando você não olha, quando
você apenas ignora alguém, o que você está fazendo? Você está impondo suas atitudes. Você diz
que alguma coisa é bela; então, você terá de condenar alguma coisa como feia. E essa atitude
dual está, simultaneamente, dividindo-o, dividindo-a; assim, dentro de você, existirão duas
pessoas.
Se você diz que alguém está raivoso e a raiva é ruim, o que você fará quando você sentir
raiva? Você dirá que aquilo é ruim; então, haverá problemas, porque você diz que “isso é ruim;
esta raiva em mim é ruim”. Então você começou a se dividir internamente em duas pessoas –
uma pessoa ruim, uma pessoa má e uma pessoa boa, um santo. Naturalmente, você está fadado a
se identificar com o santo interior, assim o diabo, Satã, o mau, dentro de você, será condenado.
Você está dividido em dois. Agora existirá uma luta constante, um conflito. Agora você não pode
ser um indivíduo; você será uma multidão, uma casa dividida contra si mesma. Agora então, não
haverá paz, nem silêncio. Você sentirá somente tensão e angústia. Isso é o que você está
sentindo, mas você não sabe porquê.
Uma pessoa dividida não pode estar em paz. Como poderia estar? Onde você coloca seu
diabo? Você tem de destruí-lo e ele é você; você não pode destruí-lo. Você não é dois. A
realidade é una, mas por causa de sua atitude divisionista, você dividiu a realidade exterior.
Agora, consequentemente, o interior também será dividido. Assim, todo mundo está lutando
consigo mesmo. É como se você estivesse lutando contra uma das mãos – a mão direita lutando
contra a mão esquerda – e a energia é uma só. Eu existo em minha mão direita e em minha mão
esquerda; eu circulo em ambas. Mas eu posso opor uma contra a outra, minha mão esquerda
contra minha mão direita. Eu posso criar um conflito, uma luta falsa. Algumas vezes eu posso
enganar a mim mesmo que a mão direita venceu e agora a esquerda está derrotada. Mas isso é
uma ilusão, porque sei que sou eu em ambas e a qualquer momento posso colocar a esquerda
para cima e a direita para baixo. Eu estou em ambas; ambas as mãos são minhas.
Assim, por mais que você pense que colocou o santo em cima e esmagou o diabo embaixo,
saiba que a qualquer momento você pode mudar as posições e o santo estará embaixo e o diabo
estará em cima. Isso cria medo, insegurança, porque você sabe que nada é certo. Você sabe que
você está muito amoroso neste momento e você esmagou seu ódio embaixo; mas você está com
medo, porque a qualquer momento o ódio pode subir e o amor será simplesmente espremido
embaixo. E isso pode acontecer a qualquer momento, porque dentro de você existem ambos.
O tantra diz: não divida, seja indiviso; somente então você será vitorioso. Como não ser
dividido? Não condene, não diga “isto” é bom e “aquilo” é ruim. Simplesmente retire todas as
concepções de pureza e impureza. Olhe para o mundo, mas não diga o que ele é. Seja ignorante,
não seja tão sábio. Não rotule, permaneça em silêncio, sem condenar, sem justificar. Se você
puder permanecer em silêncio sobre o mundo, cada vez mais e mais este silêncio o penetrará
internamente. E se não existir a divisão externamente, a divisão desaparecerá da consciência
interior, porque ambas só podem existir juntas.
Mas isso é perigoso para a sociedade. É por isso que o tantra foi reprimido. Isto é perigoso!
Nada é imoral, nada é moral; nada é puro, nada é impuro. As coisas são como elas são. Um
tântrico real não dirá que um ladrão é mau; dirá que ele é um ladrão, isso é tudo. E ao usar a
palavra “ladrão” não existe nenhuma condenação em sua mente. Aquele “ladrão” é apenas um
fato, não uma condenação. Se alguém diz que “aqui está um homem que é um grande santo”, ele
dirá que “tudo bem, ele é um santo”. Mas não haverá avaliação nisso. Ele não dirá: “Ele é bom”.
Ele dirá: “Tudo bem! Ele é um santo e aquele homem é um ladrão” – exatamente como isto é
uma rosa e aquilo não é uma rosa; esta árvore é alta e aquela árvore é baixa; a noite é escura e o
dia é claro – mas sem comparação.
Mas isso é perigoso. A sociedade não pode existir sem condenar uma coisa e sem apreciar a
outra – a sociedade não pode existir! A sociedade existe na dualidade. É por isso que o tantra foi
reprimido. Ele foi visto como antissocial, mas ele não é. Ele não é! Mas essa própria atitude de
não-dualidade é transcendental. Ela não é antissocial, ela é transcendental; está além da
sociedade.
Tente isto: mova-se no mundo sem valores, apenas com fatos naturais: alguém é isto, alguém
é aquilo. E então, cada vez mais e mais, você sentirá uma não-divisão dentro de si mesmo. Suas
polaridades se reunirão, seu “mau” e seu “bom” se reunirão. Eles se fundirão no um e você se
tornará uma unidade. Não existe nada puro, nada impuro. Conheça a realidade.
A pureza dos outros ensinamentos é uma impureza para nós: o tantra diz que “o que é básico
para os outros é venenoso para nós”. Por exemplo, há ensinamentos que estão baseados na não-
violência. Eles dizem que a violência é ruim, a não-violência é boa. O tantra diz que não-
violência é não-violência, violência é violência; nada é bom e nada é mau.
Há ensinamentos que estão baseados no celibato – brahmacharya. Eles dizem que
brahmacharya é bom, o sexo é mau. O tantra diz que sexo é sexo, brahmacharya é
brahmacharya. Uma pessoa é brahmachari e a outra não é. Mas esses são fatos simples, nenhum
valor está colocado neles. E o tantra nunca dirá que o brahmachari é bom, e que a pessoa que
está no sexo é má. O tantra não dirá isso. O tantra aceita as coisas como elas são. E por quê?
Apenas para criar a unidade dentro de você.
Esta é uma técnica para criar a unidade dentro de você, para se ter uma existência total
interior, indivisa, não-conflituosa, não oposta. Somente então o silêncio é possível. Alguém que
está tentando ir para algum lugar contra alguma coisa nunca estará em paz. Como poderia estar?
E aquele que está dividido dentro de si mesmo, lutando consigo mesmo, como poderá vencer? É
impossível. Você é ambos; assim, quem irá vencer? Ninguém irá vencer e você estará perdido,
porque você dissipará sua energia em luta desnecessária. Esta é uma técnica para criar uma
unidade em você mesmo. Permita que os vales desapareçam; não julgue.
Jesus disse em algum lugar: “Não julgueis de forma que não possais ser julgado”. Mas isso
era impossível para os judeus compreenderem, porque toda a concepção judaica é orientada para
a moralidade: “Isto é bom e aquilo não é bom”. Jesus em seu ensinamento “não julgueis”, está
falando em termos de tantra. Se ele foi assassinado, crucificado, foi por causa disso. Ele teve
uma atitude tântrica – “Não julgueis”.
Assim não diga que uma prostituta é má – quem sabe? E não diga que um puritano é bom –
quem sabe? E, em última instância, ambos são partes de um jogo. Eles estão baseados um no
outro, em uma existência mútua. Assim Jesus diz “não julgueis”, e isso é o que este sutra
significa: “Não julgueis de forma que não possais ser julgado”.
Se você não estiver julgando, não estiver assumindo nenhum ponto de vista moral,
simplesmente observando os fatos como eles são, não os interpretando de acordo consigo
mesmo, então, você não pode ser julgado. Você é transformado completamente. Agora não há
necessidade de você ser julgado por nenhum poder divino – não há necessidade! Você mesmo se
tornou divino; você mesmo se tornou Deus. Seja uma testemunha, não um juiz.

Nota

[1] Século XX. (N. da T.)


Capítulo 42

O ESTADO DE ALERTA ATRAVÉS DO TANTRA



PERGUNTAS

Uma vida imoral não cria obstáculos na meditação?


Um tântrico faz objeção se alguém segue certas leis de vida, chamando-as de moral?
Se nada é impuro, então, como os ensinamentos dos outros podem ser impuros?
Um desejo emocional não-expresso retorna para a fonte e torna uma pessoa mais energética?
Não é uma repressão fazer um esforço para evitar a repressão e a indulgência?

A primeira pergunta:

Não é verdade que uma vida imoral cria obstáculos na meditação?

O que é meditação...? Ela não é o seu caráter, não é o que você faz. Ela é o que você é. Não é
o caráter; é a consciência que você traz para tudo o que você faz. O fazer é irrelevante. Se você
está fazendo de maneira consciente, ou não, é a questão, quer seja moral ou imoral. Você está
alerta? Se você está alerta, a meditação acontece. Se você não está alerta, você vive no sono.
Você pode ser moral enquanto vive totalmente adormecido, não há problema. Mais
exatamente, é melhor ser moral se você quer estar totalmente adormecido, porque então a
sociedade não o perturbará. Então, ninguém estará contra você. Você pode dormir
convenientemente. A sociedade o ajudará, a ajudará.
Você pode ser moral sem ser meditativo, mas a imoralidade sempre estará bem atrás de você.
Exatamente como uma sombra ela o seguirá. E sua moralidade será apenas superficial, porque a
moralidade só pode ser imposta de fora quando você está adormecido. Ela só pode ser pseudo,
falsa, uma fachada: ela não pode se tornar o seu ser. Você se tornará moral externamente, mas
internamente você permanecerá imoral. E quanto mais moral você se tornar externamente, mais
imoral você será internamente – na mesma proporção, porque sua moralidade está fadada a ser
nada mais do que uma profunda repressão. Você não pode fazer outra coisa quando está
adormecido; você só pode reprimir.
E através dessa moralidade você também se tornará falso. Você não será uma pessoa, mas
simplesmente uma “persona” – apenas uma pseudo-entidade. A miséria se seguirá e você
consequentemente estará na beira de uma explosão – a explosão de tudo aquilo que você
reprimiu. Ela está aí esperando por você. E se você for realmente honesto em ser moral enquanto
vive adormecido, você ficará louco. É isso que significa hipocrisia. Os hipócritas apenas
mostram que são morais, mas não são. E eles encontram modos e maneiras de serem imorais,
permanecendo constantemente morais na superfície, ou fingindo serem morais. Somente assim
você pode permanecer são; do contrário você ficará insano.
Essa suposta moralidade deixa-lhe somente duas alternativas. Se você for honesto, você se
tornará insano; se for desonesto, você se tornará um hipócrita. Assim, aqueles que são sagazes,
espertos, são hipócritas. Aqueles que são simples, inocentes e que se tornam vítimas de tais
ensinamentos, ficam loucos.
Enquanto você estiver adormecido, a moralidade real não lhe pode acontecer. E o que se quer
dizer por “moralidade real”? Algo que é um florescimento espontâneo a partir de seu ser, algo
que não é imposto de fora. E a moralidade real não está em oposição à imoralidade. A
moralidade real é apenas uma ausência de imoralidade, não está em oposição. Por exemplo:
podem lhe ensinar a amar seus semelhantes, a amar todo mundo, a ser amoroso. Isso pode se
tornar uma atitude moral, mas o ódio permanece internamente. Você se força a ser amoroso e um
amor forçado não pode ser real, não pode ser autêntico. Ele não lhe dará preenchimento, nem o
dará à outra pessoa que você ama. Ninguém pode ser preenchido por esse falso amor.
Ele é exatamente como água falsa. A sede de ninguém pode ser saciada por ela. O ódio está
presente, o ódio está tentando se declarar. E um falso amor não pode ser um obstáculo para o
ódio. Ao contrário, ele penetrará o falso amor e o envenenará, e a sua amorosidade se tornará
apenas um tipo de ódio. Isso é muito enganador e astucioso.
Uma moralidade real acontece para uma pessoa que foi fundo dentro de si mesma – e quanto
mais fundo você se move, mais amoroso você se torna. Não é uma coisa forçada contra o ódio;
não é algo antagônico ao ódio. Quanto mais fundo você se move, mais o amor flui a partir de
você. Não tem absolutamente nada a ver com o ódio; não está absolutamente relacionado com o
ódio. No momento em que você atinge seu centro, você é amoroso sem nenhuma imposição
moral. Você pode nem mesmo estar consciente de que é amoroso. Como você poderia estar
consciente? Esse amor será tão natural, que será como a respiração, como sua sombra lhe
seguindo. Você simplesmente será amoroso.
O tantra ensina a jornada interior. A moralidade acontecerá, mas isso será uma consequência,
não um pré-requisito. Esteja consciente dessa distinção. O tantra diz: “Não fique enredado em
conceitos morais e imorais. Eles são exteriores. Ao contrário, mova-se para dentro”. Assim, as
técnicas existem para se descobrir como se mover para dentro. E não fique interessado com o
moral e o imoral, com o puro e o impuro: não fique interessado nas distinções. Simplesmente,
mova-se para dentro. Esqueça-se do exterior – do mundo exterior, da sociedade e de tudo o que a
sociedade lhe ensinou. Tudo o que a sociedade ensina está fadado a ser dual, está fadado a ser
repressivo, está fadado a ser um conflito dentro de você. E, se o conflito estiver presente, você
não poderá se mover para dentro.
Assim, esqueça-se do conflito e esqueça-se de tudo o que cria conflito. Simplesmente mova-
se para dentro. Quanto mais fundo você for, mais moral você se tornará, mas essa moralidade
não será a moralidade da sociedade. Você será moral sem ser moral – sem estar consciente de
que você é moral, porque não existe alguma coisa se opondo a isso dentro de você. Você
simplesmente é amoroso, porque você se sente bem-aventurado quando é amoroso. É um
contentamento em si mesmo. Não existe uma finalidade para isso; nenhum resultado é
necessário. Não é que você entrará no reino de deus se você amar. Não é uma barganha. A
moralidade que a sociedade prega e as supostas religiões pregam, é uma barganha: “Faça isso e
você terá aquilo. Se você não fizer isso você não terá aquilo. Você será castigado”. Isso é uma
barganha.
A moralidade tântrica não é uma barganha, é um acontecimento. Quanto mais fundo você for,
mais você começa a viver no momento. Você sente que amar é a grande felicidade. Não é um
passo, uma condição, uma barganha em direção a algo mais; amar é suficiente em si mesmo.
Você ama porque você se sente bem-aventurado quando ama. Você não está fazendo nada para o
próximo; você não está obsequiando o outro. É um prazer ser amoroso. É bom para você,
exatamente aqui e agora. Não existe nenhum céu ou inferno futuros. Exatamente agora o amor
cria o céu, e o reino de Deus entra em você. E isso acontece com todas as virtudes; elas
florescem espontaneamente.
Agora, olhe para a pergunta: Não é verdade que uma vida imoral cria obstáculos na
meditação? Na verdade, o contrário é a verdade. Uma vida meditativa cria obstáculos na vida
imoral. A vida imoral não pode criar nenhum obstáculo. Vida imoral significa que você é não-
meditativo – nada mais; você está profundamente adormecido. É por isso que você está se
prejudicando.
Para o tantra, a coisa básica é a meditação, o estado alerta, a consciência. Nada mais é mais
básico do que isso. Quando alguém é imoral, isso mostra que ele não está alerta. Trata-se apenas
de um sintoma. A vida imoral é apenas um sintoma de que você não está alerta.
O que o ensinamento comum está fazendo? Os professores comuns dirão a esse homem
adormecido que ele é imoral; para ele se tornar moral. Ele pode mudar da imoralidade para a
moralidade, mas o sono continua.
Assim, todo o esforço é gasto, porque a doença real não era a imoralidade: a imoralidade era
apenas um sintoma. A doença era o estado não-alerta, o estado não-meditativo. É por isso que ele
era imoral. Você pode convertê-lo à moralidade. Você pode criar o medo e pode criar o temor
somente na pessoa que está adormecida; caso contrário, você não pode criar o medo. Você pode
criar um medo com relação ao inferno e você pode criar uma motivação vantajosa com relação
ao céu. Ambas essas coisas são possíveis somente quando você está adormecido. Se você não
estiver adormecido, você não pode ser ameaçado e você não pode ser motivado por causa da
vantagem. Essas duas coisas são significativas somente para a mente que está adormecida.
Assim, crie o medo da punição e uma pessoa se moverá da imoralidade para a moralidade –
mas ela se moverá por causa do medo. Crie um motivo vantajoso e, então, ela pode se mover da
imoralidade para a moralidade – mas ela se moverá por causa da ambição, da cobiça, da
motivação vantajosa. Cobiça e medo são partes da mente adormecida. Ela permanece
adormecida, nada básico é transformado.
Ela é boa para a sociedade; está certo. Para a sociedade a pessoa imoral é um problema, mas a
pessoa moral não é um problema. Assim a sociedade resolveu seus problemas, mas o homem
permanece adormecido. Para ele mesmo, nada está resolvido; ele é agora mais conveniente para
a sociedade. Previamente, ele era inconveniente. Tente observar o fato: uma pessoa imoral é
inconveniente para a sociedade, mas é conveniente para si mesma. Uma pessoa moral se torna
conveniente para a sociedade, mas se torna inconveniente para si mesma.
Assim, é apenas a moeda sendo colocada de cabeça para baixo. É por isso que as pessoas
imorais parecem mais felizes e alegres e uma pessoa moral é séria, triste, pesada. A pessoa
imoral está lutando contra a sociedade e a pessoa moral está lutando contra si mesma. A pessoa
imoral só fica preocupada, porque há sempre um medo de ser apanhada. Ela tem medo de ser
apanhada, mas ela está desfrutando. Se não há ninguém para apanhá-la, se não existe o medo de
ser apanhada, ela está bem.
A pessoa moral é apanhada em uma luta consigo mesma. Nada está bem com ela; ela só está
bem com a sociedade. A moralidade é um lubrificante, ela lhe ajuda a se mover facilmente com
os outros. Mas, então, você se torna desconfortável com você mesmo, mesma.
O desconforto permanece ou com a sociedade ou consigo mesmo. Somente quando você se
torna consciente, o desconforto o deixa.
O tantra está interessado na doença básica, não nos sintomas. A moralidade está eliminando
sintomas. Assim, o tantra diz: não fique interessado em conceitos morais e imorais. Isso não
significa que o tantra diz para você se tornar imoral. Como o tantra pode lhe dizer para se tornar
imoral quando o tantra não pode nem mesmo lhe dizer para se tornar moral? O tantra diz que a
coisa toda é irrelevante: não fale sobre moralidade e imoralidade; venha para a raiz. Você pode
ser moral ou imoral, mas isso é somente o sintoma. Venha para a raiz! A raiz é que você está
adormecido – profundamente adormecido.
Como quebrar esse padrão de adormecimento? Como estar alerta e como não cair novamente
no sono? É nisso que o tantra está interessado – e uma vez que você se torne alerta, seu caráter
mudará. Mas isso é uma consequência. O tantra diz que você não precisa se preocupar com isso;
isso é uma consequência. Inevitavelmente, isso acontece. Assim, você não precisa se preocupar
com isso. Você não precisa causar isso, isso acontecerá. Você simplesmente se torna cada vez
mais e mais alerta, e você será cada vez menos e menos imoral. Mas essa moralidade que lhe
acontecerá não é forçada; não é uma coisa feita por você de sua parte. Você apenas está tentando
estar alerta; e ela acontece.
Como um homem alerta pode ser violento? Como um homem alerta pode sentir ódio e raiva?
Isso pode parecer paradoxal, mas é assim: a pessoa que está adormecida não pode existir sem
ódio. É impossível. Ela pode somente fingir que não existe raiva, que não existe ódio. Ela pode
somente fingir que há amor, compaixão, bondade, compreensão. Tudo isso são pretensões.
Exatamente o contrário acontece àquele que acordou. Se a raiva for necessária, ele pode apenas
fingir. Ele não pode ser raivoso; ele somente pode fingir! Se a raiva for necessária – e algumas
vezes ela é necessária – ele apenas pode fingir. Ele não pode ficar triste, mas, se for necessário,
ele pode fingir que está triste. Agora então, essas coisas lhe são impossíveis.
O amor é natural agora, assim como o ódio era antes. O amor era um fazer crer antes. Agora o
ódio só pode ser um fazer crer – se for necessário. Jesus lutando com os cambistas no grande
templo estava fazendo crer. Ele não pode estar com raiva, mas ele escolheu fazer crer. Ele não
pode estar realmente com raiva. Ele não pode estar com raiva, mas ele pode usar a raiva – como
você usa o amor sem poder ser amoroso.
Você usa o amor para certos propósitos. Seu amor é apenas para conseguir alguma coisa
mais; nunca é simplesmente amor. Você pode estar tentando ganhar dinheiro, você pode estar
tentando ter sexo, você pode estar tentando ter alguma coisa – satisfação do ego, uma vitória,
uma sensação de que você é muito poderoso. Você pode estar tentando ter alguma coisa mais,
mas isso nunca é amor.
Um buda pode ficar com raiva se ele achar que isso vai ajudar. Por causa de seu amor,
algumas vezes ele pode estar com raiva, mas isso é apenas um “fazer crer”, e somente os tolos
são enganados assim. Os que sabem, simplesmente rirão.
À medida que a meditação se aprofunda, diz o tantra, você começa a mudar. E é belo quando
a mudança lhe acontece. Se você a “faz”, ela nunca pode ser alguma coisa muito profunda,
porque o fazer está apenas na superfície. Assim, o tantra diz: permita que ela aconteça a partir do
ser, a partir do próprio centro. Deixe-a fluir a partir do centro em direção à periferia; não a force
a partir da periferia para o centro. Isso é impossível.
O tantra não dirá moral ou imoral. A única coisa é: se você está dormindo, tente mudar isso.
Permita-se se tornar cada vez mais e mais alerta, onde quer que você esteja. Se você é imoral, o
tantra diz: “Está bem. Não estamos interessados em sua imoralidade, estamos interessados em
seu sono e em como transformar isso em estado alerta. Não lute contra a imoralidade. Apenas
tente transformar seu sono”.
Se você é moral, tudo bem. O tantra não irá lhe dizer para primeiro se tornar imoral e então
tentar. Nem a pessoa imoral tem necessidade alguma de transformar-se em uma pessoa moral,
nem a pessoa moral tem de se transformar em imoral a fim de entrar na meditação. Tudo o que
elas precisam é de mudar a qualidade da consciência. Assim onde quer que você esteja, um
pecador ou um santo, para o tantra não há distinção. Se você está adormecido, então, tente as
técnicas para criar o estado alerta. E não tente mudar os sintomas. O pecador está doente e o
suposto santo também está doente, porque ambos estão adormecidos.
A doença é o sono, não o seu caráter. Seu caráter é apenas um subproduto. E o que quer que
você faça enquanto permanece adormecido, não trará nenhuma mudança básica. Somente uma
coisa pode alterá-lo e criar uma mutação; e essa coisa é o estado alerta. A pergunta é como se
tornar mais e mais alerta. Assim o que quer que você faça, torne isso um objeto para o estado
alerta. Se você faz um ato imoral, faça-o meditativamente. Não demorará muito até que o ato se
dissolva por si mesmo e desapareça. Então, você não será capaz de fazê-lo – não porque você
criou uma armadura contra ele, mas porque agora você está mais alerta. E como você pode fazer
uma coisa que precisa do sono como um requisito? Você não pode fazê-lo.
Entenda bem essa distinção básica entre o tantra e o que os outros ensinam. O tantra é mais
científico. Ele vai à própria raiz do problema, transforma a pessoa a partir do próprio ser – não a
partir de seu invólucro externo do caráter, da moralidade e da imoralidade, de fatos e de ações. O
que quer que você faça é apenas na periferia; o que quer que você seja nunca está na periferia. A
qualidade do ato, não o ato em si mesmo, é significativa para o tantra.
Por exemplo: um magarefe veio até Nan Yin. Ele era um magarefe e Nan Yin era um monge
budista que acreditava em não-violência. Toda a profissão do outro era de violência. O dia todo
ele vivia matando animais. Quando o magarefe chegou a Nan Yin, ele perguntou: “O que eu
tenho que fazer? Minha profissão é de violência. Então, eu tenho de primeiro abandonar minha
profissão para poder ser um novo homem ou existe alguma outra forma? ”.
Nan Yin disse: “Não estamos interessados no que você faz. Estamos interessados no que você
é. Assim, continue fazendo tudo o que você está fazendo, mas esteja mais alerta. Quando estiver
matando, permaneça alerta, meditativo e continue fazendo tudo o que estiver fazendo. Não
estamos interessados nisso”.
Os seguidores de Nan Yin ficaram perturbados – porque ali estava uma pessoa que era um
seguidor de Buda – um crente na não-violência –, e permitindo a um magarefe de continuar. Um
discípulo disse: “Isso não é bom. Nós nunca esperávamos que uma pessoa como você pudesse
permitir que um magarefe permanecesse um magarefe.
E quando ele estava perguntando, você deveria ter-lhe dito para abandonar o ofício. Ele
mesmo estava pronto”.
Consta que Nan Yin disse: “Você pode mudar a profissão de magarefe facilmente; ele mesmo
estava disposto a isso. Mas, dessa maneira, você não pode mudar a qualidade da consciência. Ele
permanecerá um magarefe”.
Ele pode se tornar um santo, mas a qualidade da mente permanecerá a de um magarefe. Seria
um engano para os outros e para si mesmo. Vá e olhe para seus supostos santos. Muitos deles
permanecem magarefes. A qualidade, a atitude, a violência, o próprio olhar deles para você, é
condenatório, violento. Você é um pecador e eles são santos. Quando eles o veem, o próprio
olhar é tal, que você é condenado, você é jogado para o inferno.
Nan Yin disse: “Assim, não é bom mudar a vida externa dele; é melhor trazer uma nova
qualidade para a sua mente. E é bom deixá-lo permanecer um magarefe, porque ele está
perturbado pelo ofício de magarefe e pela violência. Se ele se tornar um santo ele permanecerá
um magarefe, mas, então, ele não estará perturbado. Seu ego será fortalecido. Dessa forma, é
bom assim. Ele está perturbado com a violência que está presente e, pelo menos, ele tornou isso
mais consciente – de que aquilo não é bom. Ele está pronto para mudar, mas apenas prontidão
para mudar não ajudará. Uma nova qualidade de mente tem de ser desenvolvida. Deixe-o
meditar”.
Depois de passado um ano, o homem veio. Ele se tornou um homem diferente. Ele ainda era
um matador, mas o homem estava mudado, embora o fazer continuasse o mesmo. Ele veio até
Nan Yin novamente e disse: “Agora sou um homem diferente. Eu meditei, meditei e meditei e
toda a minha vida se tornou uma meditação, porque você me disse para meditar no que quer que
eu estivesse fazendo. Eu continuo matando animais, mas o dia todo estou meditando. Agora o
que você me diz para fazer? ”.
Então, Nan Yin disse: “Agora não venha a mim. Permita que sua consciência faça um
caminho até você. Você não precisa vir até aqui”.
Assim o magarefe disse: “Agora, se você disser para eu permanecer na profissão, eu somente
vou fingir estar lá. Mas no que se refere a mim, eu não estou mais. Assim, se você me permitir,
eu não voltarei. Mas se você disser para ir, então, está bem: eu irei e fingirei e continuarei”.
É assim que, quando sua qualidade muda – sua qualidade de consciência – você se torna uma
pessoa completamente diferente. E o tantra está interessado em você, não no que você faz.

A segunda pergunta:

Se alguém segue certas leis da vida e chama isso de moral, existiria, então, alguma
objeção de um tântrico?

O tantra não tem objeção, mas a não-objeção é o problema. O tantra não tem qualquer
objeção; o tantra não é de maneira alguma condenatório. Ele não está interessado em lhe dizer
“faça isto”, ou “não faça aquilo”. Se você se sente bem, se você se sente feliz seguindo certos
princípios, então, siga-os. Mas seguir certos princípios nunca pode conduzi-lo à felicidade,
porque você não irá mudar através de princípios e através do cumprimento. Você permanecerá o
mesmo.
Os princípios são sempre emprestados, os ideais são sempre emprestados. Alguém mais os
deu a você. Eles não são seus próprios; eles não cresceram a partir de sua própria experiência.
Eles são sem raízes. A sociedade, a religião na qual você nasceu, os professores pelos quais você
passou, eles os deram a você. Você pode segui-los e você pode forçar a si mesmo a estar de
acordo, mas, então, você será uma pessoa morta – não uma pessoa viva. Você pode criar uma
certa paz em volta de si mesmo, mas essa será a paz do cemitério – morta. Você pode ficar
menos vulnerável às perturbações, mais fechado em função dos princípios, mas, então, você se
tornará menos sensível e menos vivo. Assim os supostos homens de princípios sempre estão
mortos.
Olhe para eles: parecem silenciosos, quietos, pacíficos, confortáveis, mas algo fúnebre
sempre os está envolvendo. A aura de morte está sempre presente. Você não pode sentir o festejo
da vida em volta deles, a festividade de se estar vivo, a celebração de se estar vivo. Você nunca
pode sentir isso em volta deles. Eles criaram uma armadura em volta – uma armadura de
segurança. Nada pode penetrá-los. As paredes de princípios e caráter interceptam todas as coisas,
mas, então, eles estão aprisionados por trás das paredes, e eles são prisioneiros de si mesmos. Se
você escolhe isso, o tantra não tem objeção. Você é livre para escolher uma vida que de forma
alguma é uma vida.
Uma vez Mulla Nasruddin visitou um cemitério e viu um mausoléu de mármore muito belo.
Inscrito nele estava o nome “Rothschild”. Consta que Mulla disse: “Hanh! Hanh! Isso é o que eu
chamo de vida. Isso é o que eu chamo de viver – um belo mausoléu de mármore”. Mas... por
mais belo que ele seja, ele não é vida. Ele é de mármore – belo, rico... – mas não é vivo. Você
pode criar um mausoléu de sua vida através dos princípios, ideais, imposições, mas, então, você
estará morto, apesar de menos vulnerável, pois a morte não é vulnerável.
A morte é uma segurança; a vida é sempre insegura. Qualquer coisa pode acontecer a uma
pessoa viva; nada pode acontecer a uma pessoa morta. Ela está segura. Não há futuro, nenhuma
possibilidade de mudança. A última coisa aconteceu a ela – a morte. Agora nada pode acontecer.
Pessoas com princípios são pessoas mortas. O tantra não está interessado neles. O tantra não
tem nenhuma objeção – se você se sente bem estando morto, é sua escolha. Você pode cometer
suicídio. E isso é um suicídio. Mas o tantra é para aqueles que querem estar mais vivos; e a
verdade, o supremo, não é a morte, é a vida. Lembre-se disto: o supremo não é a morte. É a vida
– mais vida. Jesus disse: “Vida abundante, vida infinita”.
Assim, estando morto, você nunca pode chegar ao supremo. Se ele é vida e “vida abundante”,
então, estando morto, você nunca estará em contato com ele. Apenas estando mais vivo, mais
vulnerável, mais sensível, com menos princípios e mais alerta, você o atingirá.
Por que você procura princípios? Você pode não ter observado o porquê. É porque com os
princípios você não necessita estar alerta! Se você vive através de princípios você não necessita
estar alerta.
Suponha que eu crie um princípio a partir da não-violência e, então, me aferre a ele. Ou crio
um princípio de ser verdadeiro e me aferro a ele. Então, aquilo se torna um hábito. Eu crio um
hábito de ser verdadeiro, de sempre falar a verdade. Isso se torna um hábito mecânico; agora
então, não mais existe a necessidade de estar alerta. Eu não posso falar mentiras, porque um
princípio, um hábito, sempre criará uma barreira. A sociedade depende de princípios, de inculcar
e educar as crianças com princípios. Então, elas se tornam incapazes, realmente, de serem o
contrário. Se uma pessoa se torna incapaz, ela está morta.
Sua verdade pode estar viva somente se ela vier através do estado de consciência alerta, não
através de princípios. A cada momento, você tem que estar alerta a fim de ser verdadeiro. A
verdade não é um princípio; é alguma coisa nascida de seu estado de consciência alerta. A não-
violência não é um princípio; se você está alerta, você não pode ser violento. Mas isso é difícil e
árduo. Você terá de se transformar totalmente. É fácil criar uma vida de acordo com princípios,
regras e regulamentos. Então, você não precisa se preocupar. Você não precisa se preocupar em
ser mais alerta e consciente; você pode seguir os princípios.
Então, você é exatamente como um trem correndo nos trilhos. Esses trilhos são os princípios.
Você não tem medo, porque você não pode perder o caminho. Na verdade, você não tem nenhum
caminho: você simplesmente tem trilhos mecânicos, nos quais seu trem está correndo. Você
chegará ao destino, você não precisa ficar com medo. Você estará adormecido e o trem chegará.
Ele está correndo em trilhos mortos; eles não são vivos.
Mas o tantra diz que a vida não é assim, ela é mais como um rio. Ela não está correndo em
trilhos de ferro, na linha de ferro; na verdade, ela é como um rio. O caminho nem mesmo foi
mapeado antes. Enquanto o rio flui, o caminho é criado. Enquanto o rio se move, o caminho é
criado. O rio chegará no oceano e é assim que a vida deve ser, se você entender o caminho do
tantra.
A vida é como um rio. Não há nenhum caminho pré-mapeado; não há mapas a serem dados a
você para serem seguidos. Apenas esteja vivo e alerta e, então, onde quer que a vida o leve, vá
com confiança nela. O tantra é uma confiança – uma confiança na força da vida. Permita que ela
o leve em direção ao mar. Apenas esteja alerta, isso é tudo. Enquanto a vida o leva em direção ao
mar apenas esteja alerta, de forma que você não perca nada.
É muito importante lembrar-se de que o tantra não está simplesmente interessado no fim; ele
também está interessado nos meios. Ele também está interessado no caminho, não somente no
destino. Se você está alerta, até mesmo esta vida será uma bem-aventurança. O próprio
movimento do rio é uma benção em si mesmo. Passar através de vales, através de rochas, cair
das colinas, mover-se para o desconhecido é em si mesmo uma benção.
Esteja alerta aqui também, porque o oceano, o supremo, não pode ser um acontecimento no
fim. Não pode ser. Ele é um crescimento. O rio está “crescendo” para ser o mar. Ele não está
simplesmente indo se encontrar com o mar, ele está “crescendo” para ser o mar. E isso é possível
somente através de uma experiência rica, das experiências do estado de consciência alerta, em
movimento, confiando. É assim que o tantra vê a busca – a busca humana. Naturalmente, isso é
perigoso. Se os rios pudessem correr através de caminhos predeterminados, haveria menos
perigo, menos erros. Mas toda beleza da vida seria perdida.
Assim, não seja um seguidor de princípios. Seja apenas um criador de cada vez mais e mais
consciência. Esses princípios lhe acontecerão, mas você nunca se sentirá aprisionado neles.

A terceira pergunta:

O segundo sutra discutido ontem diz: “A pureza dos outros ensinamentos é uma
impureza para nós. Na realidade, perceba que nada é puro ou impuro”. Se nada é impuro,
então, como podem ser impuros os ensinamentos dos outros?

Na verdade, nada é impuro, mas o ensinamento de que alguma coisa é pura e alguma coisa é
impura tem de ser descartado. Somente neste sentido o sutra diz isto: “A pureza dos outros
ensinamentos é uma impureza para nós”. Nada é puro e nada é impuro, mas se alguém ensina
que alguma coisa é pura e alguma coisa é impura, o tantra diz que isso tem de ser descartado.
Somente neste sentido o sutra diz que “a pureza dos outros ensinamentos é uma impureza para
nós”. Isso é apenas um descarte. Ele está simplesmente dizendo para não fazer nenhuma
distinção, para permanecer inocente.
Mas olhe para a complexidade da vida. Se eu digo para permanecer inocente e se você então
tenta ser inocente, essa inocência não será inocente. Como ela pode ser inocente? Se você a
“tentou fazer”, ela se tornou uma coisa calculada. Então ela não pode ser inocente. Se você a
tentar fazer, ela não pode ser! Assim o que é para ser feito? Apenas descartar aquelas coisas que
criam a astúcia. Não tente criar qualquer inocência; você não pode. Apenas descarte aquelas
coisas que criam astúcia em sua mente. Isso é negativo. Quando você descartar as causas básicas
da astúcia, a inocência terá acontecido para você.
Nada é puro ou impuro. Mas o que é para ser feito então? Sua mente está cheia de distinções:
“Isso é puro e aquilo é impuro”. Assim o tantra diz: “Para nós essa é a única impureza. Essa
mente repleta de conceitos de pureza e impureza é a única impureza. Se você puder descartar
isso, você se tornou puro”.
Este sutra é significativo em outro sentido também. Há ensinamentos que são regras muito
fixas. Por exemplo: os ensinamentos dos cristãos-católicos, ou os ensinamentos dos jainas na
índia, são contra o sexo; eles dizem que o sexo é impuro – feio, sujo. O tantra diz que nada é
feio, nada é impuro, nada é pecado. O próprio sexo pode se tornar um caminho – mesmo o sexo
pode se tornar um caminho em direção à salvação. Depende de você. Não é o sexo, é você que
determina a qualidade dele.
A própria oração pode se tornar um pecado; e sexo pode se tornar uma virtude. Depende de
você. O valor não está no objeto, o valor é trazido a ele por você. Olhe para isso – para esse
fenômeno – de uma maneira diferente. O tantra diz que mesmo o sexo pode se tornar a salvação,
mas então venha para o sexo sem nenhuma noção de pureza e impureza, de bom e mau, de
moralidade e imoralidade. Venha para o sexo como pura energia, apenas energia. Mova-se nessa
energia como se você estivesse se movendo para dentro do desconhecido. Não caia no sono,
esteja alerta! Quando o sexo lhe trouxer para a própria raiz de seu ser, permaneça alerta. Não
caia no sono no meio do caminho. Esteja alerta e experimente tudo, o que quer que aconteça – o
relaxamento que vem, a tensão que acontece, o pico que é alcançado e o vale no qual você é
jogado de volta.
Seu ego se dissolve por um momento; você se torna um com sua amada ou com seu parceiro.
Por um momento, não há dois. Os corpos são dois, mas bem no fundo há uma comunhão e eles
se tornaram um. Esteja alerta! Não perca esse momento no sono. Esteja alerta, veja o que está
acontecendo. Essa unidade é o que estava escondido no ato sexual. O sexo era apenas o núcleo
exterior. Agora, esse é o significado – o ponto central. Isso é o que você estava desejando, isso é
o pelo que você estava ansiando. Essa era a razão de existir a busca – essa unidade, essa
dissolução do ego, essa sensação de unidade, esse êxtase de não-tensão, esse êxtase de
relaxamento. Esse é o sentido, a meta e isso é o que você estava buscando através dessa mulher
ou daquela, através desse homem ou daquele. Você estava buscando e buscando, mas nenhuma
mulher pode lhe dar essa satisfação, nenhum homem pode lhe dar isso.
Somente através de uma profunda consciência tântrica, o ato sexual pode desaparecer
completamente, e um profundo êxtase é revelado. Assim, o tantra lhe diz isto: se você puder
trazer a meditação para o seu amor, para o seu sexo, o sexo é transformado. Assim, o tantra não
diz que “isto” é puro ou que “aquilo” é impuro – e se você quiser usar a velha terminologia de
pureza e impureza, então, eu direi que, para o tantra, o sono é impuro, o estado de consciência
alerta é puro e tudo o mais é simplesmente sem importância.

A quarta questão:
Se um desejo emocional ou um estado de humor se torna estimulante para nós e se nós
não o expressamos externamente, essa energia necessariamente volta para a fonte e torna a
pessoa revigorada e energética?

Não necessariamente! Mas se você estiver consciente, então, necessariamente, será assim.
Qualquer energia, qualquer energia, precisa de raízes para se mover; e nenhuma energia pode
ser destruída. A energia é indestrutível. Ela só pode ser mudada para diferentes formas: ela nunca
pode se tornar nada. Assim, quando você tenta reprimir qualquer energia, você está fazendo uma
tolice absoluta consigo mesmo. A energia não pode ser reprimida; ela só pode ser transformada.
Uma energia reprimida se tornará um câncer. Se você sente raiva, duas rotas comuns estão
disponíveis: ou expressá-la ou reprimi-la. Se você a expressa, então, ela se torna uma cadeia,
porque, então, você cria raiva na outra pessoa e ela irá expressá-la também. E não há fim para
isso. Você a expressará de novo e isso pode continuar por anos. E continua! É assim que todo
mundo está vivendo. A coisa continua sem parar.
Aqueles que conhecem profundamente, dizem que por vidas também, por várias vidas, isso
vem se repetindo. Você esteve com raiva de uma pessoa em sua vida passada e ainda nesta vida
você está repetindo o mesmo padrão com a mesma pessoa. Você não está consciente disso, você,
felizmente, está inconsciente. Assim, é bom que você pense que alguma coisa nova está
acontecendo. Noventa e nove por cento do tempo nada novo está acontecendo; velhos padrões
são simplesmente repetidos nova e novamente.
Algumas vezes você de repente vê um estranho e você sente raiva. Ele não fez nada – você
nem mesmo o encontrou antes – mas você se sente deprimido ou com raiva ou violento ou você
quer simplesmente escapar dessa pessoa. Você se sente mal. Por quê? É algum padrão antigo. A
energia nunca morre, ela permanece. Assim, se você a expressa, você está caindo em uma
corrente eterna. Algum dia, você terá que sair disso.
E a coisa toda é inútil, é apenas desperdício. Não comece a cadeia.
Então, a outra alternativa comum é reprimi-la. E quando você a reprime, você está criando
uma ferida dentro de si mesmo. Isso será um sofrimento. Isso criará problemas; E a raiva
continuará sendo reprimida e você se tornará um vulcão de raiva.
Assim, pode ser que você não esteja expressando sua raiva, mas agora toda a sua
personalidade se tornará raivosa. Não haverá erupções, ninguém verá você batendo em alguém
ou sendo violento, mas agora toda a sua personalidade se tornará raivosa, porque muita raiva
interior o envenena, a envenena. Agora, o que quer que você faça, a parte raivosa está presente –
em todas as coisas. Se você estiver comendo sua comida, a parte raivosa estará presente. Você
será violento com sua comida, você não será amoroso. Se você estiver abrindo uma porta, a parte
raivosa estará presente. Você será violento com a porta.
Certo dia pela manhã, Mulla Nasruddin estava passando por uma rua blasfemando e dizendo
muito raivosamente: “O diabo tomará posse de seu espírito e beterrabas crescerão em sua
barriga! ”.
Um homem olhou para ele e disse: “Mulla, quem você está maldizendo tanto tão cedo pela
manhã? ”.
Mulla disse: “Quem!? Eu não sei! Mas não se preocupe, alguém aparecerá mais cedo ou mais
tarde”.
Se você está cheio de raiva, isto acontece: você vai ficar apenas esperando e, mais cedo ou
mais tarde, alguém aparecerá. Por dentro, você está borbulhando com fogo, apenas esperando
por alguns objetos, algum meio, alguém que possa lhe ajudar a se descarregar. Então, toda a sua
personalidade se torna raivosa ou violenta ou sexual. Você pode reprimir o sexo e, então, o sexo
reprimido se torna toda a sua personalidade. Então, onde quer que você olhe, você verá sexo; no
que quer que você toque, você verá sexo; o que quer que você faça, será um ato sexual. Você
pode reprimir o sexo muito facilmente; não é difícil. Mas, então, o sexo se espalhará por você
todo. Cada fibra sua, cada célula se tornará sexual.
Olhe para os celibatários. Suas mentes se tornaram totalmente sexuais; eles sonham com
sexo, eles lutam com sexo, constantemente eles fantasiam com o sexo. Eles estão obcecados.
Aquilo que poderia ter sido natural se tornou pervertido. Se você o expressa você cria uma
cadeia, se você reprime você cria uma ferida e ambos não são bons.
Assim o tantra diz que o que quer que você faça – por exemplo: se você está com raiva,
quando você sente que a raiva está vindo –, esteja ininterruptamente consciente. Não a reprima e
não a expresse. Faça uma terceira coisa, tome uma terceira alternativa: esteja subitamente
consciente de que a raiva está vindo. Essa consciência muda a energia, que está se movendo
como raiva, em uma energia diferente. A própria energia, que é conhecida como raiva, se tornará
compaixão. Através do estado de consciência alerta há uma transmutação.
A mesma energia que é conhecida como sexo se torna brahmacharya, espiritualidade, através
da consciência. O estado de consciência alerta é a alquimia. Através dele todas as coisas mudam.
Tente assim e você saberá. Quando você traz o estado alerta, a consciência, para qualquer humor,
qualquer sentimento, qualquer energia, ela muda sua natureza e qualidade. Ela nunca é a mesma
novamente e uma nova rota se abre. A energia não voltará novamente para o mesmo lugar onde
ela estava, de onde ela veio; ela não está se movendo exteriormente. O movimento horizontal
parou. Com a consciência alerta, ela se torna vertical, ela se move para cima. Essa é uma
dimensão diferente. Um carro de boi move-se horizontalmente; um avião move-se verticalmente
– para cima.
Eu gostaria de lhes contar uma parábola. Um faquir, um súfí, costumava contar que alguém
tinha sido presenteado com um avião, um avião muito pequeno, por um amigo, que era um
grande rei. Mas o homem era pobre. Ele ouvira sobre os aviões, mas nunca tinha visto um.
Conhecia somente carros de boi; assim, ele pensava que aquilo era um novo recurso – um novo
tipo de carro de boi. Ele usou seus dois bois para trazer o avião para casa. E, então, começou a
usar o avião como um carro de boi. Ele estava muito feliz. Naturalmente, o pequeno avião
funcionava como um carro de boi. Mas então, pouco a pouco, apenas por ser curioso, ele
começou a estudá-lo. Então, ele veio a entender que os bois não eram necessários. Ele tinha um
motor e era capaz de andar por si mesmo; assim, ele o abasteceu e usou-o como um carro com
motor.
Mas, depois, ele se tornou consciente das asas e pensou: “Por que elas estão aí? ”. E parecia-
lhe que o homem que planejara aquele mecanismo devia ter sido muito inteligente, um gênio;
assim, ele não devia ter colocado nada desnecessário ali. As asas mostravam que a máquina
poderia voar também. Então, ele tentou. Aí o avião chegou a sua própria posição; ele se tornou
vertical.
Você está usando a mente que você tem como um carro de boi. A mesma mente pode se
tornar um carro a motor e, então, os bois não serão necessários. Ela tem um mecanismo
embutido. Mas então, também, ela se moverá horizontalmente. Todavia, a mesma mente tem
asas. Você não observou; é por isso que você não sabe que ela tem asas. Ela pode voar! Ela pode
se mover para cima! E uma vez que ela se mova para cima, o mundo todo fica diferente. Suas
velhas questões simplesmente caem por terra e seus velhos problemas não existem mais, porque
você agora está se movendo verticalmente.
Todos esses problemas existiam, porque você estava se movendo horizontalmente. Os
problemas de um carro de boi não são problemas para um avião. A estrada não era boa; assim,
existia um problema. A estrada estava bloqueada; assim, existia um problema. Agora, isso não é
um problema, porque a estrada não é de forma alguma usada. Se pavimentada ou não, se boa ou
ruim, isso é irrelevante,
Os ensinamentos morais são ensinamentos de carro de boi; o ensinamento do tantra é vertical.
É por isso que esses problemas são irrelevantes para o tantra. A energia que você conhece como
raiva, sexo, avareza ou o que quer que seja, está se movendo horizontalmente. Uma vez que você
traga o estado alerta para ela, você trouxe uma nova dimensão. Simplesmente por estar alerta,
você se moveu para cima.
Por quê? Observe o fato: quando você está alerta, você está sempre acima do fato. Torne-se
alerta sobre alguma coisa e você sempre está acima do fato. O fato está em algum lugar abaixo,
embaixo, e você está olhando de cima, do pico. Sempre que você testemunhou alguma coisa,
você se moveu para cima e a coisa permaneceu abaixo. Se essa atenção for realmente autêntica e
você puder estar ininterruptamente consciente, então, a energia que estava se movendo
horizontalmente como raiva, como sexo, se moverá para essa nova dimensão. Ela chegará perto
de você, da testemunha. Então, você terá começado a voar. E por vidas e vidas você usou o
mecanismo que foi planejado para voar como um carro de boi, criando problemas
desnecessariamente, porque você simplesmente não estava sabendo o que lhe é possível.

A quinta pergunta:

Você disse que a pessoa não deveria nem reprimir nem ser indulgente com a raiva, mas
que deveria permanecer passivamente alerta e meditativa. Obviamente, isso necessitará de
um tipo de esforço interno para evitar a repressão ou a indulgência; mas, então, isso
também não é um tipo de repressão?

Não! Isso é um esforço, mas não “um tipo de repressão”. Nem todo esforço é repressão.
Existem três tipos de esforços. Um é o esforço que é expresso. Quando você expressa a sua raiva,
isso é um esforço. Então, o segundo tipo de esforço é quando você o reprime. Quando você
expressa o que você está fazendo, você está forçando sua energia para fora em direção à pessoa,
ao objeto; você está jogando sua energia para fora, o outro é o alvo. A energia se move para o
outro; isso é um esforço. Quando você reprime, você retorna a energia para a fonte original, para
o seu próprio coração. Você a força de volta. Isso é um esforço, mas a direção é diferente. Na
expressão ela se move para longe de você; na repressão ela novamente se move para perto de
você.
A terceira coisa, o estado alerta, o estado alerta passivo, também é um esforço, mas a
dimensão é diferente. A energia se move para cima. No começo é um esforço. Quando eu digo
“seja passivamente alerta”, no começo mesmo a passividade está fadada a ser um esforço.
Somente mais tarde, à medida que você se torna mais familiarizado com ela, ela deixará de ser
um esforço. E quando ela não é um esforço, ela se torna mais passiva – e, quanto mais passiva,
mais magnética. Ela puxa a energia para cima.
Mas no começo todas as coisas serão um esforço; assim, não se torne uma vítima das
palavras. Isso cria problemas. Os místicos sempre estiveram falando sobre o estado sem esforço;
eles dizem para não fazer esforço. Mas, no começo, até mesmo isso será um esforço.
Quando dizemos “seja sem esforço”, apenas queremos dizer para não forçar o esforço.
Permita-o chegar através da consciência. Se você forçá-lo, você se tornará tenso. Se você fica
tenso, a raiva não pode se mover para cima. A tensão é horizontal; somente uma mente não-tensa
pode estar acima, pairando como uma nuvem.
Olhe para as nuvens flutuando sem nenhum esforço. Apenas traga seu testemunhar, como
uma nuvem flutuando. No começo, será um esforço, mas lembre-se somente de que ele se
tornará sem esforço. Você estará forçando-o e permitindo-o cada vez mais e mais.
Isso é difícil porque a linguagem cria a dificuldade. Se eu lhe digo para relaxar, o que você
fará? Você fará um tipo de esforço. Mas, então, eu lhe digo para não fazer esforço, porque se
você fizer qualquer esforço isso criará tensão e você não será capaz de relaxar. Eu lhe digo para
simplesmente relaxar. Então, você se sente perdido e você está fadado a perguntar: “Então o que
você pretende? Se eu não tenho que fazer nenhum esforço, então, o que eu devo fazer? ”.
Você não deve fazer nada, mas no começo esse nada parecerá um fazer. Assim eu direi:
“Tudo bem! Faça um pequeno esforço, mas lembre-se de que o esforço é para ser deixado para
trás. Use-o como uma partida apenas no começo. Você não pode entender o não-fazer; você só
pode entender o fazer. Assim use a linguagem do fazer e da ação. Comece, mas use o esforço
somente para dar partida. E lembre-se, quanto mais cedo você deixá-lo para trás, melhor”.
Eu ouvi dizer que quando Mulla Nasruddin ficou muito velho, ele se tornou uma vítima da
insônia, ele não podia dormir. Todas as coisas foram tentadas – banhos quentes, pílulas,
tranquilizantes, xaropes – mas nada ajudava. Todas as coisas não eram de valia. E as crianças
estavam perturbadas, porque o Mulla não podia dormir e ele não permitia que ninguém na casa
dormisse. Assim toda noite virava um pesadelo para toda a família.
Eles procuraram desesperadamente por algum método, algum medicamento que pudesse
ajudar o Mulla a dormir, porque a família toda estava ficando louca. Assim, finalmente eles o
levaram a um hipnotizador. As crianças vieram muito felizes e disseram ao velho Mulla: “Agora
você não precisa se preocupar, papai. Esse é um homem de milagres. Ele cria sono em minutos.
Ele conhece a mágica disso, não se preocupe. Agora, pode deixar, você vai dormir”.
O hipnotizador mostrou um relógio em uma corrente para Nasruddin e disse: “Somente um
pouquinho de fé fará o milagre. Você precisa apenas ter um pouco de confiança em mim. Apenas
confie em mim e você cairá em sono profundo como um bebezinho. Olhe para esse relógio”.
Ele começou a mover o relógio para a direita e para a esquerda. Nasruddin olhava para o
relógio e o hipnotizador dizia: “Esquerda, direita; esquerda; direita. Seus olhos estão se tornando
cansados, cansados, cansados... Você está adormecendo, adormecendo, adormecendo,
adormecendo”.
Todo mundo ficou feliz, alegre. Os olhos de Mulla fecharam, sua cabeça se moveu para baixo
e ele se sentiu como um pequeno bebê caindo em sono profundo. Uma respiração muito ritmada
começou a surgir. O hipnotizador pegou seu pagamento e colocou seu dedo nos lábios, apenas
para indicar para as crianças que não era para perturbá-lo agora. Então, ele saiu. No momento em
que ele saiu, o Mulla abriu um olho e disse: “Aquele tolo! Ele já foi? ”.
Ele estava fazendo um esforço para relaxar; assim, ele relaxou “como um bebê”. Ele começou
a respirar ritmicamente e fechou os olhos, mas aquilo tudo era um esforço. Ele estava ajudando o
hipnotizador. Ele pensou que estava ajudando o hipnotizador... – mas aquilo era um esforço de
sua parte; assim, nada aconteceu. Nada podia acontecer. Ele estava acordado. Se ele pudesse ter
ficado simplesmente passivo, se ele pudesse ter ouvido o que estava sendo dito, olhado para o
que estava sendo mostrado, o sono poderia ter acontecido. Nenhum esforço de sua parte era
necessário; somente a aceitação passiva era necessária. Mas mesmo para você trazer sua mente
para essa aceitação passiva, no começo, você precisará de esforço.
Assim não fique com medo do esforço. Comece com o esforço e apenas lembre-se de que o
esforço tem de ser deixado para trás e você tem de se mover para além do esforço. Somente
quando você se tiver movido para além dele, você será passivo e essa consciência passiva traz o
milagre.
Com a consciência passiva, a mente não mais existe. Pela primeira vez seu centro interior do
ser é revelado. E há uma razão. O esforço é necessário para qualquer coisa ser feita no mundo.
Se você quiser fazer alguma coisa no mundo, qualquer coisa, o esforço será necessário. Mas se
você quiser fazer alguma coisa dentro de si, nenhum esforço é necessário. Apenas o relaxamento
é necessário. O não-fazer é a arte neste caso, exatamente como o fazer é a arte no exterior, no
mundo externo.
Esse estado alerta passivo é a chave. Mas não se torne perturbado pela linguagem. Comece
com o esforço. Apenas mantenha em mente que você tem de deixá-lo e continuar deixando-o ir.
Mesmo o deixar será um esforço – mas chega um momento em que todas as coisas se foram.
Então, você está presente, simplesmente presente, não fazendo nada – apenas existindo, sendo.
Esse “apenas ser” é o samadhi e tudo o que vale a pena ser conhecido, que vale a pena ter, que
vale a pena ser, acontece para você nesse estado.
Capítulo 43

ENCONTRANDO O ESTADO SEM MUDANÇA ATRAVÉS DA MUDANÇA



OS SUTRAS

66. Seja o igual não-igual para o amigo e para o estranho, na honra e na desonra.
67. Eis o âmbito da mudança, da mudança, da mudança. Através da mudança consuma a
mudança.

Northrope diz em algum lugar que a mente ocidental tem continuamente buscado pelo
componente teórico da existência – a ligação causal de como as coisas acontecem, qual a causa,
como o efeito pode ser controlado, como o homem pode controlar a natureza. E a mente oriental,
diz Northrope, tem estado em uma aventura diferente. A busca tem sido encontrar o componente
estético da realidade – não o teórico, mas o estético.
A mente oriental não tem estado muito envolvida na busca para saber como manipular a
natureza, mas sim interessada em como ser uma com a natureza – não em como conquistá-la,
mas em como estar em uma profunda amizade, uma profunda participação com ela. A mente
ocidental tem estado num conflito, numa luta; a mente oriental tem estado num relacionamento
místico, amoroso. Eu não sei se Northrope estará de acordo comigo ou não, mas minha sensação
é de que a ciência é um rancor, um relacionamento de ódio com a natureza; consequentemente, a
batalha, a luta, a conquista, a linguagem da vitória.
A religião é um relacionamento amoroso; portanto, nenhum conflito, nenhuma luta. De uma
outra forma, a ciência é uma atitude masculina e a religião uma atitude feminina. A ciência é
agressiva, a religião, receptiva. A mente oriental é religiosa. Ou, se você me permitir, eu direi
que, não importa onde uma mente religiosa esteja, ela é oriental. A mente científica é ocidental.
Não faz diferença se um homem nasceu no Oriente ou no Ocidente. Estou usando Oriente e
Ocidente como duas atitudes, duas abordagens, não como duas denominações geográficas. Você
pode nascer no Ocidente, mas pode não pertencer a ele; você pode ser completamente oriental.
Você pode ter nascido no Oriente, mas pode não pertencer a ele; você pode ser científico, a
abordagem pode ser matemática, intelectual.
O tantra é absolutamente oriental. Ele é uma maneira de participar com a realidade – uma
maneira de como ser um com ela, de como dissolver as fronteiras, de como se mover em um
reino indiferenciado. A mente diferencia, cria fronteiras, definições, porque a mente não pode
funcionar sem definições, sem fronteiras. Quanto mais bem delineada as fronteiras, melhor a
possibilidade de a mente funcionar. Assim, a mente corta, divide, retalha todas as coisas.
A religião é uma dissolução de fronteiras a fim de se mover para o indiferenciado, onde não
há nenhuma definição, onde não há limite para nada, onde todas as coisas movem-se para dentro
de todas as coisas, onde todas as coisas são todas as coisas. Você não pode cortar, você não pode
retalhar a existência.
As consequências estão fadadas a serem muito diferentes em cada abordagem. Pela
abordagem científica, ao dividir, ao retalhar, você pode chegar somente a partículas mortas, a
átomos, porque a vida é alguma coisa que não pode ser dividida em partes. E no momento em
que você a divide, ela não existe mais. É como se alguém fosse estudar uma sinfonia estudando
cada nota separadamente. Cada nota separada é parte da sinfonia, mas não é a sinfonia. A
sinfonia é criada por muitas notas que se dissolvem umas nas outras. Você não pode estudar a
sinfonia estudando as notas. Eu não posso estudá-lo estudando suas partes: você não é apenas a
soma das partes, você é mais do que isso. Quando você divide e separa e analisa, a vida
desaparece; ficam apenas partes mortas. É por isso que a ciência nunca será capaz de saber o que
é a vida. E tudo o que for conhecido através da ciência, será sobre a morte – a matéria; nunca
estará relacionado com a vida. A ciência pode se tornar capaz de manipular a vida, de conhecer
as partes, as partes mortas. Ela pode ser capaz de manipular a vida, mas ainda assim a vida não é
conhecida, nem mesmo tocada. A vida permanece desconhecida para a ciência. Pelo próprio
método de sua tecnologia, de sua metodologia, pela sua própria abordagem, a vida não pode ser
conhecida através dela.
Eis por que a ciência continua negando... – negando todas as coisas além da matéria. A
própria abordagem exclui qualquer contato com aquilo que é vida. E o vice-versa também
acontece: se você se mover profundamente para dentro da religião, você começará a negar a
matéria. Shankara diz que a matéria é ilusão, não existe; simplesmente parece existir. Toda a
abordagem oriental tem sido negar o mundo, a matéria, qualquer coisa material. Por quê? A
ciência continua negando a vida, o divino, a consciência. Experiências religiosas mais profundas
continuam negando a matéria – tudo o que é material. Por quê? Por causa da própria abordagem.
Se você olha para a vida sem diferenciação, a matéria desaparece. A matéria é a vida dividida –
diferenciada. A matéria significa vida dividida, analisada em partes.
Assim, naturalmente, se você olhar para a vida de maneira indiferenciada e se tornar parte
dela, em uma profunda participação, se você se tornar um com a existência como dois amantes se
tornam um, a matéria desaparece. É por isso que Shankara diz que a matéria é ilusão. Se você
participa na existência, ela é.
Mas Marx diz que a consciência é apenas um subproduto, não é substancial; é apenas uma
função da matéria. Se você divide a vida, então, a consciência desaparece, torna-se ilusão. Então,
somente a matéria existe.
O que eu estou pretendendo dizer para você é isto: a Existência é una. Se você a aborda
através da análise, ela mostra-se material, morta. Se você a aborda através da participação, ela
mostra-se como vida, como divina, como consciência. Se você a aborda através da ciência, não
há possibilidade de nenhuma felicidade profunda lhe acontecer, porque com a matéria morta a
felicidade é impossível. No máximo ela pode ser somente ilusória. Somente com uma profunda
participação o contentamento é possível.
O tantra é uma técnica de amor. O esforço é para tornar a pessoa um com a existência. Assim,
você terá de perder muitas coisas antes de poder entrar. Você terá que perder seu padrão habitual
de analisar as coisas; você terá que perder a atitude profundamente enraizada de lutar, de pensar
em termos de conquista.
Quando Hillary chegou ao mais alto pico do Himalaia, o Monte Everest, todo o mundo
ocidental apresentou o fato como uma conquista – a conquista do Everest. Somente em um
mosteiro Zen no Japão, em um jornal de parede, estava escrito: “O Everest tornou-se um amigo”
– não conquistado! Esta é a diferença: “O Everest tornou-se um amigo”; agora a humanidade se
tornou amiga dele. O Everest permitiu que Hillary chegasse até ele. Não foi uma conquista. A
própria palavra ‘conquista’ é vulgar, violenta. Pensar em termos de conquista mostra a
agressividade. O Everest recebeu Hillary, deu-lhe as boas-vindas e, agora então, a humanidade se
tornou amiga; agora, o abismo está ultrapassado. Agora nós não somos desconhecidos. Um de
nós foi recebido pelo Everest. Agora o Everest se tornou parte da consciência humana. Isto é
uma ligação.
Então, a coisa toda se torna totalmente diferente. Depende de como você olha para ela.
Lembre-se disto antes de entrarmos nas técnicas, lembre-se disto: o tantra é um esforço amoroso
em direção à existência. É por isso que o sexo tem sido usado pelo tantra: porque ele é uma
técnica de amor. Ele não é somente o amor entre homem e mulher; é o amor entre você e a
existência – e pela primeira vez a existência se torna significativa para você através de uma
mulher. Se você é uma mulher, então, a existência se torna pela primeira vez significativa para
você através de um homem.
Eis por que o sexo tem sido tão discutido e usado pelo tantra. Pense em si mesmo como
absolutamente assexuado – como se todo sexo tivesse sido removido de você no dia em que
nasceu. Apenas pense: todo o sexo foi completamente removido de você no dia em que você
nasceu. Você será incapaz de amar; será incapaz de sentir alguma afinidade com alguém. Será
difícil sair de si mesmo. Você permanecerá fechado, você não será capaz de se aproximar, de sair
para encontrar alguém. Você será uma coisa morta na existência, fechada para tudo o mais.
O sexo é seu esforço para estender-se. Você se sai de si mesmo; outra pessoa se torna o
centro. Você deixa seu ego para trás, você se afasta dele para encontrar alguém. Se você
realmente quiser encontrar, você terá de se entregar; e se o outro também lhe quiser encontrar,
ele também terá de se estender para fora. Olhe para o milagre do amor – para o que acontece.
Você se move para o outro e o outro se move para você. Ele vem para dentro de você e você vai
para dentro dele ou dela. Vocês trocaram de lugar. Agora ele ou ela se torna sua alma e você se
torna a alma dele ou dela. Isso é uma participação. Agora vocês estão se encontrando. Agora
então, vocês se tornaram um círculo. Esse é o primeiro encontro onde você não está fechado em
seu ego. Esse encontro pode se tornar simplesmente um degrau em direção a um encontro maior
com o universo, com a existência, com a realidade.
O tantra não está baseado no intelecto, mas no coração. Ele não é um esforço intelectual, é
um esforço afetivo. Lembre-se disto, porque isso lhe ajudará a entender as técnicas. Agora nós
entraremos nas técnicas.

66 Esteja consciente daquilo que nunca muda em você

A primeira técnica:

Seja o igual não-igual para o amigo e para o estranho, na honra e na desonra.

Seja o igual não-igual – esta é a base. O que está acontecendo em você? Duas coisas estão
acontecendo. Alguma coisa em você permanece continuamente a mesma, nunca muda. Você
pode não tê-la observado, pode não tê-la encontrado ainda, mas, se observar, você saberá que
alguma coisa em você permanece constantemente a mesma. Devido a essa permanência, você
pode ter uma identidade. Devido a essa permanência, você se sente centrado; do contrário você
seria um caos. Você diz: “Minha infância”. Agora, o que permaneceu dela? Quem diz: “Minha
infância”? Quem é esse “minha”, “meu”, “eu”?
Nada permaneceu de sua infância. Se fotos da sua infância forem mostradas a você pela
primeira vez, você não será capaz de reconhecê-las. Todas as coisas mudaram. Seu corpo não é
mais o mesmo; nem uma simples célula permaneceu a mesma. Os fisiologistas dizem que o
corpo é um fluxo, é como um rio. A todo momento, muitas células estão morrendo e muitas
novas nascendo. A cada sete anos, seu corpo terá mudado completamente. Assim, se você viver
setenta anos, dez vezes mais seu corpo se renovou completamente.
A cada momento, seu corpo está mudando, e a sua mente também. Você não pode reconhecer
uma fotografia de sua infância; e se fosse possível lhe dar uma fotografia de sua mente, da sua
mente de infância, seria impossível reconhecê-la. Sua mente é ainda mais fluida do que seu
corpo. A todo momento, todas as coisas mudam. Nem mesmo por um único momento, nada
permanece igual. Pela manhã você era diferente no que se refere à sua mente. À noite você é uma
pessoa totalmente diferente.
Quando alguém vinha se encontrar com Buda, antes que a pessoa partisse, o deixasse, Buda
dizia: “Lembre-se, o homem que veio me encontrar não é o mesmo que está voltando. Você é
totalmente diferente agora. Sua mente mudou”. O encontro com um buda está, naturalmente,
fadado a mudar sua mente para melhor ou para pior, mas você não pode permanecer o mesmo.
Você pode vir aqui com uma certa mente; você partirá com uma mente diferente. Alguma
coisa mudou. Alguma coisa nova foi adicionada, alguma coisa foi apagada. E mesmo que você
não se encontre com ninguém, que você permaneça consigo mesmo, então, também você não
pode permanecer o mesmo. A todo momento, o rio está se movendo.
Heráclito disse: “Não se pode pisar duas vezes num mesmo rio”. O mesmo pode ser dito
sobre o homem: você não pode encontrar o mesmo homem novamente – impossível! E devido a
esse fato e devido à sua ignorância sobre esse fato, a vida se torna uma miséria – porque você
continua esperando que o outro seja o mesmo. Você casa com uma garota e espera que ela
permaneça a mesma. Ela não pode ser. Solteira, ela era diferente; casada ela é completamente
diferente. Um amante é uma coisa, um marido é uma coisa totalmente diferente. Você não pode
esperar que seu amante se encontre com você como seu marido. Isso é impossível. Um amante é
um amante; um marido é um marido. No momento em que um amante se torna um marido, tudo
já mudou. Mas você continua esperando. Isso cria miséria – miséria sem nenhuma necessidade.
Se pudermos reconhecer esse fato – de que a mente continua se movendo e mudando
continuamente – escaparemos de muitas, muitas misérias, sem nenhum custo. Tudo o que você
precisa é simplesmente estar consciente de que a mente muda.
Alguém o ama e, então, você continua esperando o amor. Mas, no momento seguinte, ele o
odeia; então, você fica perturbado – não devido ao ódio do outro, mas somente devido à sua
expectativa. O outro mudou. Ele está vivo; assim, está fadado a mudar. Mas se você puder ver a
realidade como ela é, você não ficará perturbado. Aquele que estava amando um momento antes,
pode estar odiando um momento depois, mas espere! Um momento depois ele estará amando
novamente. Assim, não tenha pressa, apenas seja paciente. E se o outro também puder ver esse
padrão de mudança, então, ele não ficará brigando por causa de padrões de mudança. Eles
mudam; isso é natural.
Assim, se você olhar para o seu corpo... – ele muda. Se você tentar entender sua mente, ela
muda. Ela nunca é a mesma. Nem por dois momentos consecutivos, nada é o mesmo. Sua
personalidade continua como um fluxo. Se tudo é assim e não há nada que permaneça o mesmo
continuamente, eternamente, indefinidamente, então, quem se lembrará de que “isto” foi minha
infância? A infância mudou, o corpo mudou, a mente mudou. Então, quem lembra? Quem sabe
sobre a infância e sobre a juventude e sobre a velhice? Quem sabe?
Esta pessoa que sabe deve permanecer a mesma; esta testemunha deve permanecer a mesma.
Somente então, a testemunha pode ter uma perspectiva. A testemunha pode dizer: “Isto foi minha
infância, isto foi minha juventude, isto foi minha velhice. Neste momento eu estava amando e
neste momento o amor mudou para ódio”. Esta consciência que testemunha, esta pessoa que
sabe, é sempre a mesma.
Assim você tem dois reinos ou duas dimensões existindo juntas em você. Você é ambas – a
mudança que sempre está mudando e a não-mudança que sempre permanece não mudando. Se
você se torna consciente desses dois reinos, então, esta técnica será útil: Seja o igual não-igual.
Lembre-se disto: Seja o igual não-igual. Você está fadado a ser “não-igual” na periferia, mas no
centro permanece o mesmo.
Lembre-se daquilo que é o mesmo. Apenas se lembrar será o suficiente; você não precisa
fazer nada mais. Aquilo não muda. Você não pode mudá-lo, mas você pode esquecê-lo. Você
pode estar tão absorvido, obcecado com o mundo que muda a sua volta – com seu corpo, com
sua mente – que você pode se esquecer completamente do centro. O centro está muito enevoado
pelo fluxo de mudança – e, naturalmente, há problemas: aquilo que é constantemente o mesmo é
difícil de ser lembrado, porque a mudança cria problemas.
Por exemplo: se um barulho repetitivo continua à sua volta, você não ficará consciente dele.
Se um relógio na parede continua, tique-taque, tique-taque o dia todo, você não ficará consciente
dele. Mas, se de repente ele para, você imediatamente se tornará consciente. Se alguma coisa é
constantemente a mesma, não há necessidade de percebê-la. Quando alguma coisa muda, a
mente tem de percebê-la. Ela cria uma lacuna e o padrão vibra. Você o estava ouvindo
continuamente; assim, não havia necessidade de escutá-lo. Ele estava presente o tempo todo,
tornou-se parte do pano de fundo. Mas se agora, de repente, o relógio para, você ficará
consciente. Sua consciência de repente virá para aquela lacuna.
É exatamente como quando um de seus dentes cai; então, sua língua continuamente vai para
aquele lugar. Quando o dente estava presente a língua nunca tentou tocá-lo. Agora o dente não
está presente – há uma lacuna ali – e, então, o dia todo, por mais que você tente, você não pode
evitar: a língua vai para a lacuna. Por quê? Porque alguma coisa está faltando e o pano de fundo
mudou. Alguma coisa nova entrou.
Sempre que alguma coisa nova entra, você se torna consciente – por muitas razões. É uma
medida de segurança. É necessário para sua vida – para a sobrevivência. Quando alguma coisa
muda, você tem de se tornar consciente. Ela pode ser perigosa. Você terá de percebê-la e terá de
se ajustar novamente à nova situação que veio para a existência. Mas se tudo é como sempre foi,
não há necessidade. Você não precisa estar consciente. E esse elemento igual em você, que os
hindus chamaram de atma, a alma, sempre esteve presente, desde o próprio começo, se é que
existiu algum começo. E ele irá até o fim, se existir algum final. Ele tem sido eternamente o
mesmo; assim, como você pode estar consciente dele?
Devido a ele ser tão permanentemente o mesmo, eternamente igual, você o está perdendo.
Você percebe o corpo, você percebe a mente porque eles estão mudando. E como você os
percebe, você começa a pensar que você é eles. Você só os conhece; você se torna identificado.
Todo o esforço espiritual é para encontrar o igual por entre o não-igual – encontrar o eterno
na mudança, encontrar aquilo que sempre é igual. Esse é o seu centro e, se você puder se lembrar
deste centro, somente então, esta técnica será fácil; ou, se você puder fazer esta técnica, a
lembrança se tornará fácil. De ambos os lados você pode viajar.
Tente esta técnica. A técnica é: seja o igual não-igual para o amigo e para o estranho. Para o
amigo e para o inimigo, para o estranho, seja o “igual não-igual”. O que isso significa. Parece
contraditório. De uma maneira você terá de mudar, porque se seu amigo vem para lhe encontrar,
você terá de encontrá-lo de maneira diferente e se um estranho vem, você terá de encontrá-lo de
outra maneira diferente. Como você pode encontrar um estranho como se você já o conhecesse?
Não se pode. A diferença estará presente, mas, ainda assim, bem no fundo, permaneça igual. A
atitude deve permanecer a mesma, mas o comportamento será “não-igual”. Você não pode
encontrar uma pessoa desconhecida como se você já o conhecesse. Como poderia? No máximo,
você pode fingir, mas fingir não adiantará. A diferença existirá.
Não há nenhuma necessidade de fingir com um amigo que ele é um amigo. Com um estranho,
mesmo que você tente agir como se ele fosse um amigo, isso será fingimento. Alguma coisa
nova, você não pode ser o mesmo; a não-semelhança será necessária. No que se refere ao
comportamento, você será diferente, mas, no que se refere a sua consciência, você pode ser o
mesmo. Você pode olhar para o amigo tal como para o estranho.
Isso é difícil. Você deve ter escutado: “Olhe para o estranho como se ele fosse um amigo”;
mas isso não é possível, se o que eu estou dizendo não for possível. Primeiramente, olhe para seu
amigo como o estranho; somente então, você pode olhar para o estranho tal como para o amigo.
Eles estão correlacionados.
Você já olhou para seus amigos como se eles fossem estranhos? Se você não o fez, então,
você não olhou absolutamente. Olhe para a sua esposa: você realmente a conhece? Você pode ter
vivido com ela por vinte anos, ou mesmo até mais, e quanto mais você vive com ela, mais é
possível que você continue a se esquecer de que ela é uma estranha – e ela permanece uma
estranha. Seja como for que você a ame, isso não fará diferença.
Na verdade, se você a amar mais, mais estranha ela parecerá... – porque quanto mais você
amar, mais profundamente você chega ao íntimo e mais sabe quão semelhante a um rio ela é, em
movimento, em mutação, viva, a todo momento diferente. Se você não olha profundamente, se
você apenas se fixa no nível em que ela é sua esposa, que esse ou aquele é seu nome, então, você
escolheu um fragmento particular e você continua pensando nesse fragmento como sua esposa. E
sempre que ela tiver de mudar, ela terá de esconder suas mudanças. Ela pode não estar em um
humor amoroso, mas ela tem de fingir, porque você espera o amor de sua esposa.
Então, todas as coisas se tornam falsas. Ela não tem permissão para mudar; ela não tem
permissão para ser ela mesma. Então alguma coisa está sendo forçada. Então, todo o
relacionamento morre. Quanto mais você ama, mais você sentirá o padrão de mudança. Então, a
cada momento, você é um estranho. Você não pode prever; você não pode dizer como seu
marido irá se comportar amanhã de manhã. Você só pode prever se você tiver um marido morto;
então, você pode prever. As previsões são somente possíveis com coisas, nunca com pessoas. Se
uma pessoa é previsível, saiba bem que ela está morta; ela morreu. O viver dela é simplesmente
falso; assim, você pode prever. Nada é previsível sobre pessoas por causa da mudança.
Olhe para seu amigo como para um estranho, ele é um estranho! Não tenha medo. Nós temos
medo de estranhos; assim, continuamos esquecendo que mesmo um amigo é um estranho. Se
você puder ver um estranho em seu amigo também, você nunca ficará frustrado, porque você não
pode esperar nada de um estranho. Você considera seus amigos como garantidos; por isso as
expectativas e, então, frustrações – porque ninguém pode satisfazer suas expectativas; ninguém
está aqui para satisfazer suas expectativas. Todo mundo está aqui para satisfazer suas próprias
expectativas; ninguém está aqui para satisfazer ninguém. Todo mundo está aqui para satisfazer a
si mesmo, mas você espera que os outros o satisfaçam e os outros esperam que você os satisfaça.
Então, há conflito, violência, luta e miséria.
Continue sempre se lembrando do estranho. Não se esqueça, mesmo seu amigo mais íntimo é
um estranho – tão retirado de você quanto possível. Se essa sensação lhe acontecer – essa
compreensão –, então, você poderá olhar para o estranho e poderá encontrar um amigo lá
também. Se um amigo pode ser um estranho, então, um estranho pode ser um amigo.
Olhe para um estranho: ele não sabe a sua língua, não pertence a seu país, não pertence à sua
religião, não pertence à sua cor. Você é branco e ele é preto, ou você é preto e ele é branco.
Vocês não podem se comunicar através da língua; vocês não pertencem à mesma igreja. Assim
não há um território em comum na nação, na religião, na raça nem na cor – nenhum território em
comum! Ele é um estranho total. Mas olhe para seus olhos e a mesma humanidade está presente
– esse é o território em comum; e a mesma vida – esse é o território em comum; e a mesma
existência – essa é a raiz de vocês serem amigos.
Você pode não entender a sua língua, mas você pode entendê-lo. Até mesmo o silêncio pode
ser comunicativo. Você olha profundamente em seus olhos, e o amigo será revelado. E se você
sabe como olhar, então, nem mesmo um inimigo pode lhe enganar. Você pode olhar para o
amigo nele. Ele não pode provar que não é seu amigo. Por mais distante que ele seja, ele está
perto de você, porque você pertence à mesma corrente existencial, ao mesmo rio a que ele
pertence. Você pertence à mesma terra dos seres.
Se isso acontece, então, nem mesmo uma árvore está tão distante de você; então, nem mesmo
uma pedra está tão distante de você. Uma pedra é muito estranha. Não há um território de
encontro, nenhuma possibilidade de alguma comunicação – mas a mesma existência está
presente. A pedra também existe, a pedra também participa da vida. Ela está presente, ela
também ocupa espaço, ela também existe no tempo. O sol também surge para ela, como surge
para você. Um dia ela não existiu, assim como você também não existiu; e um dia você morrerá
e ela também morrerá. Apedra desaparecerá. Na existência nos encontramos. O encontro é a
amizade. Na personalidade diferimos, na manifestação diferimos; na essência somos um.
Nas manifestações somos estranhos; assim, por mais perto que cheguemos, permaneceremos
distantes. Vocês podem se sentar perto, vocês podem abraçar um ao outro, mas não há a
possibilidade de se chegar mais perto. No que se refere às suas personalidades mutáveis, vocês
nunca são iguais. Vocês nunca são similares; são sempre estranhos. Vocês nunca podem se
encontrar aí, porque antes que possam, vocês já mudaram. Não há possibilidade de encontro. No
que se refere aos corpos e mentes não pode haver encontro, porque, antes que vocês possam se
encontrar, vocês não mais são os mesmos.
Você já observou? Você sente amor por alguém – uma onda muito profunda. Você é
preenchido por ela e no momento em que você vai e diz “eu te amo”, ela já desapareceu. Você já
observou? Ela pode não estar presente agora, pode ser apenas uma memória. Ela estava presente,
mas não está presente agora. O próprio fato de você tê-la declarado, tê-la manifestado, a fez
entrar no reino da mudança. Quando você a sentiu, ela pode ter estado fundo na essência. Mas
quando você a traz para fora, você a está trazendo para o padrão do tempo e da mudança, ela está
entrando no rio. Quando você diz “eu te amo”, nesta exata hora ela já pode ter desaparecido
completamente.
Isso é muito difícil, mas se você observar, isso se tornará um fato. Então, você pode olhar. No
amigo existe o estranho e no estranho, o amigo. Então, você pode permanecer o igual não-igual.
Você muda perifericamente; você permanece o mesmo na essência, no centro.
Na honra e na desonra... Quem é honrado e quem é desonrado? Você? Nunca! Somente
aquilo que está mudando e que não é você. Alguém o honra, a honra; se você considerar que essa
pessoa está honrando a você, você estará em dificuldade. Ele honra uma manifestação particular
em você, não você. Como ele pode lhe honrar? Nem você conhece a si mesmo. Ele honra uma
manifestação determinada; ele honra alguma coisa que entrou em sua personalidade mutável.
Você é bondoso, amoroso; ele honra isso. Mas essa bondade e esse amor estão apenas na
periferia. No próximo momento, você não será amoroso, você pode estar preenchido de ódio.
Pode ser que não haja flores, só espinhos. Você pode não estar tão feliz. Você pode estar triste,
deprimido. Você pode tornar-se cruel, raivoso. Então, ele irá infamá-lo. Então, depois,
novamente, a manifestação amorosa. Os outros entram em contato não com você, mas com suas
manifestações.
Lembre-se disto: eles não estão honrando e desonrando a você. Eles não podem fazer
nenhuma das duas coisas, porque eles não o conhecem; eles não podem conhecê-lo. Se você
mesmo não está consciente de si, como eles podem estar? Eles têm suas próprias fórmulas, têm
suas próprias teorias, suas próprias medidas e critérios. Eles têm suas pedras de toque e eles
dizem: “Se um homem é assim e assim, nós iremos honrá-lo; e se um homem é assim e assim,
iremos desonrá-lo”. Então, eles agem de acordo com seus critérios e você nunca está perto de
suas pedras de toque – somente suas manifestações.
Eles podem lhe chamar de pecador um dia e de santo no outro. Eles podem lhe chamar de
santo hoje e, no dia seguinte podem ir contra você, apedrejá-lo até a morte. O que está
acontecendo? Eles entram em contato com sua periferia, nunca entram em contato com você.
Lembre-se disto: que o que quer que eles estejam dizendo, não é sobre você. Você permanece
além; você permanece do lado de fora. Seus condicionamentos, suas apreciações, o que quer que
eles façam não está verdadeiramente relacionado com você, apenas com suas manifestações no
tempo.
Eu lhe contarei uma historieta Zen. Um jovem monge vivia perto de Kyoto. Ele era belo,
jovem e toda a cidade estava contente com isso. Eles o honravam. Acreditavam que ele era um
grande santo. Então, um dia, tudo virou de cabeça para baixo. Uma garota engravidou e disse
para seus pais que aquele monge era o responsável. Assim, toda a cidade voltou-se contra ele.
Era de manhã, e uma manhã bem fria, uma manhã de inverno; e a criança foi jogada para o
monge.
O pai da garota disse: “Este é o seu filho; assim, tome a responsabilidade”.
O monge simplesmente disse: “É verdade? ”. E quando a criança começou a chorar, ele se
esqueceu da multidão e começou a cuidar da criança.
A multidão foi até lá e destruiu toda a cabana dele, eles queimaram-na toda. Então, a criança
ficou com fome e o monge não tinha nenhum dinheiro. Assim, ele teve de ir mendigar na cidade
para a criança. Mas quem lhe daria alguma coisa agora? Apenas alguns momentos antes ele era
um grande santo e, agora então, era um grande pecador. Quem lhe daria alguma coisa agora? Por
mais que ele tentasse, fechavam-lhe as portas na cara. Eles o condenaram completamente.
Então, ele chegou na mesma casa – a casa da garota. A garota estava muito perturbada e,
então, ela ouviu a criança chorando e berrando e o monge, ali, dizendo: “Não me dê nada, eu sou
um pecador. Mas a criança não é uma pecadora. Você pode dar leite para esta criança! ”. Então, a
garota confessou que, apenas para esconder o pai real da criança, ela dera o nome do monge. Ele
era absolutamente inocente.
Então, a cidade inteira girou novamente. Eles caíram aos seus pés, começaram a pedir perdão.
E o pai da garota veio, pegou a criança com os olhos molhados, lágrimas rolando, e disse: “Mas
por que você não disse antes? Por que você não negou de manhã? A criança não lhe pertence! ”.
Consta que o monge disse novamente: “É verdade? ”. Pela manhã ele tinha dito: “É verdade?
Esta criança pertence a mim? ”. E à tarde ele disse: “É verdade? Esta criança não pertence a
mim?”.
É assim que esse sutra tem de ser aplicado na vida. Na honra e na desonra, você deve
permanecer o igual não-igual. O centro mais interno deve permanecer igual, seja o que for que
aconteça na periferia. A periferia está fadada a mudar, mas você não deve mudar. E devido a
você ser dois, a periferia e o centro, eis por que termos contraditórios, opostos, foram usados:
Seja o igual não-igual...
E você pode aplicar esta técnica para todos os opostos: no amor e no ódio, na pobreza e na
riqueza, no conforto e no desconforto ou em qualquer outra coisa, permaneça o igual não-igual.
Saiba que a mudança está acontecendo somente para a sua periferia; ela não pode acontecer a
você: isso é impossível. Assim, você pode permanecer separado e essa separação não é forçada.
Você simplesmente sabe que isso é assim. Não é uma separação forçada; não é nenhum esforço
de sua parte para permanecer separado. Se você tenta permanecer separado, você ainda está na
periferia; você ainda não conheceu o centro. O centro é separado; sempre foi assim. Ele é
transcendental. Ele sempre está além. O que quer que aconteça abaixo nunca acontece a ele.
Tente isso em situações polares. Continue sentindo alguma coisa em você que é sempre igual.
Quando alguém o está insultando, foque-se no ponto onde você o está apenas escutando – não
fazendo nada, não reagindo – apenas escutando; ele o está insultando. E, então, alguém está
elogiando a você. Apenas escute. Insulto-elogio, honra-desonra: apenas escute. Sua periferia
ficará perturbada. Olhe para ela também; não a mude. Olhe para ela; permaneça fundo em seu
centro, olhando de lá. Você terá um desprendimento que não é forçado, que é espontâneo, que é
natural.
E uma vez que você tenha a sensação do desprendimento natural, nada pode perturbá-lo.
Você permanecerá em silêncio. O que quer que aconteça no mundo, você permanecerá
impassível. Até mesmo se alguém o estiver matando, somente o corpo será tocado – não você.
Você permanecerá além. Esse “estado além” o conduz para dentro da existência, para a bem-
aventurança, para o eterno, para dentro daquilo que é verdadeiro, que está sempre presente, para
aquilo que é imortal, para a própria vida. Você pode chamar isso de Deus, ou você pode escolher
seu próprio termo. Você pode chamar de nirvana, ou do que quer que queira – mas a menos que
você se mova da periferia para o centro e a menos que você se torne consciente do eterno em
você, a religião não lhe aconteceu, nem tampouco a vida lhe aconteceu. Você está perdendo,
simplesmente perdendo tudo. Isso é possível – perder o êxtase de viver.
Shankara diz: “Eu chamo de saniássin aquele que sabe o que está mudando e o que não está
mudando, aquele que sabe o que está se movendo e o que não está se movendo”. Isso, na
filosofia indiana, é conhecido como discriminação – vivek. Discriminar entre estes dois, o reino
da mudança e o reino da não-mudança. Isso é chamado de vivek, discriminação, consciência.
Esse sutra pode ser usado muito, muito profundamente e muito facilmente no que quer que
você esteja fazendo. Você sente fome? Lembre-se dos dois reinos. A fome somente pode ser
sentida pela periferia, porque a periferia precisa de comida, precisa de combustível. Você não
precisa de comida, você não precisa de nenhum combustível, o corpo precisa. Lembre-se,
quando a fome aparecer, que ela está acontecendo para a periferia; você é apenas aquele que sabe
disso. Se você não estivesse presente, ela não poderia ser conhecida. Se o corpo não estivesse
presente, ela não poderia acontecer. Com a sua ausência, não haveria o conhecimento, porque o
corpo não pode saber. O corpo pode tê-la, mas não pode sabê-la. Você sabe; você não a tem.
Assim, nunca diga que “eu estou com fome”. Sempre diga internamente: “Eu sei que meu
corpo está com fome”. Dê ênfase para o seu conhecimento. Então, a discriminação estará
presente. Você ficando velho; nunca diga: “Eu estou ficando velho”. Apenas diga: “Meu corpo
está ficando velho”. Então, no momento da morte, você também saberá: “Eu não estou
morrendo; meu corpo está morrendo. Eu estou trocando de corpo, apenas mudando de casa”. Se
esta discriminação se aprofundar, um dia, de repente, haverá a iluminação.

67 lembre-se de que todas as coisas mudam

O segundo sutra:

Eis o âmbito da mudança, da mudança, da mudança. Através da mudança consuma a


mudança.

A primeira coisa a ser compreendida é que tudo o que você conhece, está mudando; exceto
você, aquele que sabe, tudo está mudando. Você já viu alguma coisa que não muda? Esse mundo
inteiro é um fenômeno de mudança. Até mesmo os Himalaias estão mudando. Eles dizem – os
cientistas que trabalham nessa área – que os Himalaias estão crescendo; os Himalaias são a mais
nova montanha do mundo, ainda uma criança, ainda crescendo realmente. A montanha ainda não
se tornou madura; ainda não atingiu o ponto de onde alguma coisa começa a declinar.... Ainda
está crescendo...
Se você comparar os Himalaias com o Vindhyachal, uma outra montanha, eles são apenas
crianças. O Vindhyachal é uma das mais velhas montanhas – e dizem que é a mais velha do
mundo. Ela é muito velha, está decrescendo, descendo. Há séculos ela está descendo – morrendo;
em sua velhice. Assim, mesmo um Himalaia que parece tão estável, imutável, imóvel, está
mudando. Ele é apenas um rio de pedras. Pedras não fazem diferença; elas também são como um
rio, fluindo. Comparativamente todas as coisas estão mudando, algumas coisas parecem mais
mutáveis, algumas coisas parecem menos mutáveis, mas isso é apenas relativo.
Nada que você possa conhecer é imutável. Lembre-se de meu ponto: nada que você possa
conhecer é imutável. Nada é imutável, exceto o conhecedor. Mas ele sempre está por detrás. Ele
sempre “conhece”; na verdade, ele nunca é conhecido. Ele nunca pode se tornar um objeto. O
que quer que você faça ou conheça, ele sempre estará por trás. Você não pode conhecê-lo.
Quando eu digo isso, não fique perturbado. Quando eu digo que você não pode conhecê-lo,
quero dizer que você não pode conhecê-lo como um objeto. Eu posso olhar para você, mas como
eu posso olhar para mim mesmo da mesma maneira? É impossível, porque, para estar em uma
relação de conhecimento, duas coisas são necessárias – o conhecedor e o conhecido.
Assim, quando eu olho para você, você é o conhecido e eu sou o conhecedor; e o
conhecimento pode existir como uma ponte. Mas onde fazer a ponte quando eu olho para mim
mesmo, quando eu estou tentando conhecer a mim mesmo? Há somente eu, sozinho – totalmente
sozinho. A outra margem é perdida; assim, onde criar a ponte? Como conhecer a mim mesmo?
Assim, o autoconhecimento é um processo negativo. Você não pode conhecer a si mesmo
diretamente; você pode simplesmente continuar eliminando objetos de conhecimento. Continue
eliminando os objetos de conhecimento. Quando não existir nenhum objeto de conhecimento,
quando você não puder conhecer nada mais, quando não existir nada mais do que o vácuo, o
vazio – e isto é o que é meditação: simplesmente eliminar todos os objetos de conhecimento –,
então, chega um momento em que a consciência existe, mas não existe mais nada do qual se
tornar consciente: o conhecer em si existe, mas não existe mais nada para se conhecer. A energia
pura e simples do conhecer permanece e nada é deixado para ser conhecido. Não existe objeto.
Neste estado, quando não há nada para ser conhecido, é dito que você conhece a si mesmo em
um certo sentido. Mas esse conhecimento é totalmente diferente de todos os outros
conhecimentos. É enganoso usar a mesma palavra para ambos. Houve místicos que disseram que
o autoconhecimento é contraditório, o próprio termo é contraditório. O conhecimento sempre é
do outro; o autoconhecimento não é possível. Mas quando o outro não existe, alguma coisa
acontece. Você pode chamar isso de autoconhecimento, mas a palavra é enganosa.
Assim, tudo o que você conhece está mudando. Em todo lugar, inclusive estas paredes, estão
mudando constantemente. Agora os físicos apoiam isso. Mesmo a parede que parece tão
estacionária, imutável, está mudando a todo momento. Há um grande fluxo. Todo átomo está se
movendo, todo elétron está se movendo. Tudo está se movendo rápido e o movimento é tão
rápido que você não pode detectá-lo. É por isso que a parede parece tão permanente. Pela manhã
ela era assim, à tarde ela era aquilo mesmo, à noite ela era assim, ontem ela era assim e amanhã
ela será assim. Você olha para ela como se ela fosse a mesma, mas ela não é. Seus olhos não são
capazes de detectar movimentos tão grandes.
Você tem o ventilador. Se o ventilador estiver se movendo muito rápido, você não será capaz
de ver o espaço... – ele parecerá apenas como um círculo. O espaço não pode ser visto, porque o
movimento das pás é rápido. E se o movimento for muito rápido, você não verá que o ventilador
está se movendo absolutamente. Você não será capaz de detectar o movimento. O ventilador
parecerá estacionário; você será até mesmo capaz de tocá-lo. Ele estará estacionário e sua mão
não será capaz de entrar nas brechas, porque sua mão não pode se mover tão rápido para entrar
nas brechas. Antes de você movê-la, outra lâmina terá chegado. Antes que você se mova, outra
lâmina terá chegado. O movimento será tão rápido que o ventilador parecerá que não está se
movendo. Da mesma forma as coisas que são imóveis estão se movendo muito rapidamente: eis
por que há a aparência de que elas são estacionárias.
Este sutra diz que tudo está mudando: Eis o âmbito da mudança.... Neste sutra se encontra
toda a filosofia de Buda. Buda diz que tudo é um fluxo, mutacional, impermanente; e que a
pessoa deveria saber disso. A ênfase de Buda é muito grande neste ponto: todo o seu ponto de
vista está baseado nisso. Ele diz: “Mudança, mudança, mudança: lembre-se disto
continuamente”. Por quê? Se você puder lembrar da mudança, o desapego acontecerá. Como
você pode estar apegado quando tudo está mudando?
Você olha para um rosto; ele é muito belo. Quando você olha para um rosto que é muito belo,
há uma sensação de que ele permanecerá. Entenda isso profundamente. Nunca espere que ele
permaneça. Mas se você sabe que ele está mudando rápido, que ele é belo neste momento e que
pode ser feio no próximo, como você pode sentir algum apego? É impossível. Olhe para um
corpo: ele está vivo; no próximo momento ele estará morto. Tudo é fútil, se você sentir a
mudança.
Buda abandonou seu palácio, sua família – sua bela esposa, seu filho – e quando alguém lhe
perguntou por quê, ele disse: “Onde não há permanência, de que adianta? A criança morrerá”. E
na noite em que Buda partiu, o filho nasceu. Ele tinha apenas algumas horas de vida. Buda foi
até o quarto de sua mulher para vê-la pela última vez. As costas de sua mulher estavam voltadas
para a porta. Ela estava segurando o filho em seus braços dormindo. Buda quis dizer adeus, mas
então resistiu. Ele disse: “De que adianta? ”.
Houve um momento em sua mente em que um pensamento disparou: “A criança só tem um
dia de idade, umas poucas horas de vida e eu devo dar uma olhada”. Mas, então, ele disse: “De
que adianta? Tudo está mudando. Neste dia a criança está nascendo e no próximo dia a criança
morrerá. E um dia antes ela não existia. Agora, ela existe e um dia novamente ela não estará
aqui. Assim, de que adianta? Tudo está mudando”. Ele partiu... – virou as costas e partiu.
Quando alguém perguntou: “Por que você abandonou tudo aquilo? ”. Ele disse: “Estou à
procura daquilo que nunca muda, porque se eu me fixar naquilo que muda, haverá sempre
frustração. Se me apego àquilo que está mudando, estou sendo estúpido, porque aquilo mudará,
aquilo não permanecerá o mesmo. Então, eu ficarei frustrado. Assim, estou à procura daquilo que
nunca muda. Se existir algo que nunca mude, só então a vida tem algum valor e sentido. Do
contrário tudo é fútil”. Ele baseou todo o seu ensinamento na mudança.
Este sutra é belo. Este sutra diz: Através da mudança consuma a mudança. Buda nunca diz a
segunda parte. A segunda parte é basicamente tântrica. Buda dirá que tudo está mudando; sinta
isso e, então, você não se apegará àquilo. E quando você não se apega, depois de algum tempo,
abandonando tudo que muda, você cairá dentro de si mesmo no centro onde não há mudança.
Apenas continue eliminando as mudanças e você chegará ao imóvel, ao centro – ao centro da
roda. É por essa razão que Buda escolheu a roda como o símbolo de sua religião: porque a roda
se move, mas o centro no qual ela se move permanece imóvel. Assim o sansara – o mundo –
move-se como uma roda. Sua personalidade move-se como uma roda e sua essência mais
profunda permanece o centro sobre o qual a roda se move. Ele permanece imóvel.
Buda dirá que a vida é mudança. Ele concordará com a primeira parte. A seguinte – a segunda
parte – é tipicamente tântrica: Através da mudança consuma a mudança. O tantra diz: não
abandone aquilo que está mudando; mova-se aí. Não se apegue, mas mova-se. Por que ter medo?
Mova-se dentro daquilo, viva-o. Permita-o acontecer e mova-se ali. Consuma-o através daquilo
mesmo. Não tenha medo, não escape. Para onde você escapará? Como você pode escapar? Em
toda parte, há mudança. O tantra diz que tudo está mudando. Para onde você escapará? Para onde
você pode ir?
Onde quer que você vá a mudança estará presente. Todo o escape é fútil, assim não tente
escapar. Então, o que fazer? Não se apegue. Viva a mudança, seja a mudança. Não crie nenhuma
luta contra ela. Mova-se com ela. O rio está fluindo; você flui com ele. Nem mesmo nade;
permita que o rio o leve. Não lute contra ele, não desperdice sua energia lutando contra ele;
apenas relaxe. Esteja em uma entrega e mova-se com o rio.
O que acontecerá? Se você puder se mover com o rio sem nenhum conflito, sem nenhuma
direção de sua parte, se a direção do rio for a sua direção, de repente você se tornará consciente
de que você não é o rio. Você se tornará consciente de que você não é o rio! Sinta isso. Algum
dia tente isso em um rio. Vá lá, relaxe e permita que o rio o leve. Não lute; torne-se o rio. De
repente você sentirá que o rio está por toda a volta, mas você não é o rio.
Na luta você pode se esquecer disso. Por isso o tantra diz: Através da mudança consuma a
mudança. Não lute. Não há necessidade, porque, em você, a mudança não pode entrar. Assim,
não fique com medo. Viva no mundo. Não fique com medo, porque em você o mundo não pode
entrar. Viva nele. Não escolha esta maneira ou aquela.
Há dois tipos de pessoas: um que se agarrará ao mundo da mudança e um que escapará. Mas
o tantra diz que é mudança; assim, agarrar-se é fútil e escapar também. De que adianta? Buda
diz: “De que adianta permanecer no mundo da mudança? ”. O tantra diz: “De que adianta
escapar dele? ”.
Ambos são fúteis. Ao invés, permita-o acontecer. Você não está preocupado com ele; ele está
acontecendo, você nem mesmo necessita dele. Você não existia e o mundo estava mudando e
você não existirá e o mundo continuará mudando; assim, por que criar qualquer preocupação
com relação a isso?
Consuma a mudança através da mudança. Esta é uma mensagem muito profunda. Consuma a
raiva através da raiva, consuma o sexo através do sexo, consuma a avareza através da avareza,
consuma o sansara através do sansara. Não lute, esteja relaxado, porque a luta cria tensões, a
luta cria ansiedade, angústia, e você ficará perturbado sem nenhuma necessidade. Permita ao
mundo ser como ele é.
Há dois tipos de pessoas. Um tipo é o daquelas pessoas que não podem permitir que o mundo
seja como ele é. São os chamados revolucionários. Eles terão de mudá-lo, lutarão para mudá-lo.
Destruirão suas próprias vidas mudando-o – e ele já está mudando. Eles não são necessários, eles
somente consumirão a si mesmos. Eles se queimarão mudando o mundo; e ele já está mudando.
Nenhuma revolução é na verdade necessária. O mundo é uma revolução; ele está mudando.
Você pode se perguntar por que a índia não criou grandes revolucionários. É devido a esse
insight de que todas as coisas já estão mudando. Por que você se incomoda em mudá-las? Você
não pode mudar o mundo, nem parar a mudança. Ele está mudando. Por que desperdiçar a si
mesmo?
Um tipo de personalidade sempre tenta mudar o mundo. Aos olhos da religião, ela é
neurótica. Na verdade, essa pessoa está com medo de voltar-se para si mesma; assim, ela vai em
frente e se torna obcecada com o mundo. O estado tem de ser mudado, o governo tem que ser
mudado, a sociedade, a estrutura, a economia, tudo tem de ser mudado. E essa pessoa morrerá e
nunca terá um momento de êxtase no qual poderia conhecer a si mesma. E o mundo continuará e
a roda continuará mudando. O mundo já viu muitos revolucionários e ele continua se movendo.
Nem você pode pará-lo, nem pode acelerar a mudança.
Esta é uma atitude mística: os místicos dizem que não há necessidade de mudar o mundo.
Mas os místicos também são de dois tipos. Um dirá que não há necessidade de mudar o mundo,
mas há uma necessidade de mudar a si mesmo. Ele também acredita em mudança – não em
mudança do mundo, mas em mudança de si mesmo.
Mas o tantra diz que não há necessidade de mudar nada – nem o mundo nem a si mesmo.
Esse é o âmago mais profundo do misticismo. Você não precisa mudar o mundo e você não
precisa mudar a si mesmo. Você apenas tem de saber que tudo está mudando e fluir na mudança
e relaxar na mudança.
E no momento em que não há esforço para criar qualquer mudança, você pode relaxar
totalmente – porque se o esforço estiver presente, você não poderá relaxar. Então, a tensão estará
presente, porque, no futuro, alguma coisa de valor acontecerá: o mundo irá mudar. O mundo se
tornará comunista, ou o paraíso terrestre estará chegando, ou qualquer utopia no futuro. Ou você
entrará no reino de Deus, ou em moksha. Em algum lugar do paraíso os anjos estão esperando
para dar boas-vindas a você – mas “algum lugar” é o futuro. Com essa atitude você ficará tenso.
O tantra diz para se esquecer disso. O mundo já está mudando e você também já está
mudando. A mudança é a existência; assim, não fique preocupado com isso. Ela já está
acontecendo sem você; você não é necessário. Apenas flua com ela, sem ansiedade do futuro. E,
de repente, em meio à mudança, você se tornará consciente de um centro dentro de si que nunca
muda, que permanece sempre como ele é – o mesmo.
Por que isso acontece? Porque se você está relaxado, então, o pano de fundo de mudanças lhe
dá o contraste e, através dele, você pode sentir a não-mudança. Se você estiver em qualquer
esforço para mudar o mundo ou a si mesmo, você não pode olhar para o pequeno centro imóvel
dentro de você. Você está tão obcecado com a mudança, que você não é capaz de olhar para
aquilo que é a causa.
A mudança está por toda a volta. A mudança se torna o pano de fundo, o contraste, e você
está relaxado. Assim, não existe nenhum futuro em sua mente – nenhum pensamento sobre o
futuro. Você está aqui agora; este momento é tudo. Tudo está mudando e, de repente, você se
torna consciente de um ponto dentro de você que nunca muda. Através da mudança consuma a
mudança. É isso o que se quer dizer por através da mudança consuma a mudança.
Não lute. Através da morte, torne-se imortal; através da morte, permita à morte morrer. Não
lute contra ela. A atitude do tantra é difícil de se conceber, porque nossa mente quer fazer
alguma coisa e isto é um não-fazer. É apenas relaxar, não fazer. Mas esse é um dos segredos
mais ocultos. Se você puder senti-lo, você não precisa se preocupar com mais nada. Esta única
técnica pode lhe dar tudo.
Então você não precisa fazer nada, porque você chegou a conhecer o segredo de que, através
da mudança, a mudança pode ser consumida; e, através da morte, a morte pode ser consumida; e,
através do sexo, o sexo pode ser consumido; e, através da raiva, a raiva pode ser consumida.
Agora você chegou a saber o segredo que através do veneno, o veneno pode ser consumido.
Capítulo 44

SEGREDOS DO AMOR E LIBERTAÇÃO



PERGUNTAS

Por que o homem moderno se tornou incapaz de amar?


Para se perceber o centro, o movimento da periferia deve cessar?
Não é difícil dissolver a mudança através da mudança sem ansiedade e desapontamento?
Qual é a atitude tântrica com relação ao manejo da vida urbana moderna de tensões e
esforço?

A primeira pergunta:

Com relação a sua afirmação de que o tantra é uma técnica de amor, por favor, explique
por que o homem e a mulher modernos se tornaram incapazes de amar.

O amor é espontâneo. Ele não pode ser controlado. Você não pode “fazer” amor; você não
pode fazer nada a respeito. E quanto mais você fizer, mais distante você estará dele. Você tem de
apenas permitir que ele aconteça. Você não é necessário para ele. Sua presença é um obstáculo.
Quanto mais você estiver ausente, melhor. Quando você não está presente, o amor acontece.
Devido a sua inabilidade para estar ausente, o homem e a mulher modernos se tornaram
incapazes de amar. A capacidade deles é para fazer coisas. Toda a mente moderna está baseada
no fazer. Tudo o que pode ser feito, o homem moderno pode fazer mais eficientemente do que
qualquer homem que já tenha existido. Tudo o que pode ser feito, podemos fazer mais
eficientemente. Somos o século mais eficiente; transformamos tudo em tecnologia – em um
problema de como “fazer” isso. Desenvolvemos uma dimensão, a dimensão do fazer, mas,
desenvolvendo essa dimensão, perdemos muito.
À custa do ser, aprendemos como fazer as coisas, de forma que aquilo que fazemos seja feito
melhor do que qualquer um já tenha feito – melhor do que qualquer sociedade que já tenha
existido na terra. Mas quando vem a questão do amor, surge um problema, porque o amor não
pode ser feito. E não é o caso apenas com o amor; nós nos tornamos incapazes para tudo aquilo
que não pode ser feito.
Por exemplo, meditação: nós nos tornamos incapazes – pois ela não é algo que possa ser
feito; ou brincar: nós nos tornamos incapazes – pois não se pode fazê-lo; ou alegria, felicidade:
tornamo-nos incapazes, porque não se pode fazê-las. Essas não são ações; você não pode
manipular. Pelo contrário, você tem de se abandonar. Então, a alegria acontece a você, então, a
felicidade chega para você, então, o amor entra em você, então, o amor toma posse. E, por causa
dessa posse, nos tornamos temerosos.
O homem moderno, a mente moderna, quer possuir tudo e não ser possuído por nada. O
homem moderno quer ser o senhor de todas as coisas e você só pode ser o senhor de coisas – não
de acontecimentos. Você pode ser o senhor de uma casa, você pode ser o senhor de uma
invenção mecânica; você não pode ser o senhor de alguma coisa que esteja viva. A vida não pode
ser dominada; você não pode possuí-la. Pelo contrário, você tem de ser possuído por ela.
Somente então, há contato com ela.
O amor é vida e ele é maior do que você. Você não pode possuí-lo. Eu gostaria de repetir
isso: o amor é maior do que você; você não pode possuí-lo. Você só pode permitir-se ser
possuído por ele; ele não pode ser controlado. O ego moderno quer controlar tudo e você fica
assustado com tudo o que você não consegue controlar. Você fica com medo, você fecha a porta.
Você fecha essa dimensão completamente, porque o medo entra: você não estará no controle.
Com o amor você não pode estar no controle, e toda a tendência que conduziu esse século foi a
de como controlar. Por todo o mundo e principalmente no Ocidente, a inclinação é de como
controlar a natureza, como controlar todas as coisas, como controlar as energias.
O homem deve se tornar o senhor, e você tem de se tornar o senhor – naturalmente, somente
daquelas coisas que são passíveis de serem possuídas. E, paralelamente, você vem
desenvolvendo uma incapacidade para aquelas coisas que não podem ser possuídas. Você pode
possuir dinheiro; você não pode possuir amor. E, devido a isso, temos transformado tudo em
coisas. Você continua até mesmo transformando pessoas em coisas, porque então você pode
possuí-las. Se você ama uma pessoa, você não é o senhor; ninguém é o senhor. Duas pessoas se
amam e nenhuma é o senhor – nem o amante nem a amada. Ao contrário, o amor é o senhor, e
ambos estão possuídos por uma força maior do que eles mesmos, cercados por uma força maior
– um furacão. Se eles tentarem possuir um ao outro, perderão o amor. Então, podem possuir um
ao outro. Então, o amante se tornará o marido e a amada se tornará a esposa. Então, eles podem
possuir, mas um marido é uma coisa e a esposa é uma coisa. Eles não são pessoas. Você pode
possuí-los. Eles são entidades mortas, rótulos legais – não vivos.
Vivemos transformando pessoas em coisas, somente para possuí-las e, então, nos sentimos
frustrados... – porque queremos possuir a pessoa e a pessoa não pode ser possuída. Quando você
possui uma pessoa, ela não mais é uma pessoa; ela é uma coisa morta e você não pode ser
satisfeito por uma coisa morta. Olhe para essa contradição: você só pode ser satisfeito por
pessoas, nunca por coisas, mas a sua mente deseja possuir; assim, você as transforma em coisas.
Então, você não pode ser satisfeito. Então a frustração acontece.
A possessividade, a atitude para possuir, matou a capacidade de amar. Não pense em termos
de posse. Ao invés, pense em termos de ser possuído. É isso o que significa entrega – ser
possuído: você se permite ser possuído por alguma coisa maior do que você. Então, você não
estará no controle. Então, uma força maior o tomará, a tomará. Então, a direção não será sua.
Então, você não pode escolher a meta. Então, o futuro é desconhecido; você não pode estar
seguro agora então. Movendo-se com uma força maior do que você mesmo, você fica inseguro,
com medo.
Se você está com medo e inseguro, é melhor não se mover com grandes forças. Apenas
trabalhe com forças menores do que você; então, você pode ser o senhor e você pode decidir a
meta de antemão. Então, você atingirá a meta, mas você não ganhará nada com isso. Você terá
apenas desperdiçado sua vida.
O segredo do amor e o segredo da oração e o segredo de qualquer coisa que pode torná-lo
satisfeito, é a entrega – a capacidade de ser possuído. O problema com o amor existe, porque
essa capacidade não existe. Há outras razões também, mas essa é a básica. A primeira razão é
muita ênfase no intelecto, na razão. Assim, o homem torna-se desequilibrado. Sua cabeça
cresceu e seu coração permaneceu absolutamente negligenciado. E o amor não é uma capacidade
do intelecto. Ele tem um centro diferente; tem um foco, uma fonte diferente. Ele está em seu
coração, está em seu sentimento; não é racionável. Mas toda educação moderna consiste em
raciocínio, lógica, intelecto, mente. O coração não é nem mesmo considerado. Ele é negado, na
verdade: ele é apenas uma ficção poética.
Ele não é! Ele é uma realidade! Simplesmente olhe para isso dessa maneira: se desde o
começo uma criança for criada sem nenhum treino de mente ou raciocínio, sem nenhum
treinamento intelectual, ela terá um intelecto? Ela não poderá ter!
Já houve tais casos. Algumas vezes aconteceu de lobos criarem uma criança humana. Cerca
de dez anos atrás, uma criança foi apanhada em uma floresta. Os lobos a tinham criado. Ela tinha
quatorze anos. Ela não podia nem mesmo ficar em pé nas duas pernas; ela corria de quatro. Ela
não podia falar uma simples palavra; rugia como um lobo. Ela era de todas as maneiras um lobo,
e quatorze anos de idade. Aqueles que a apanharam deram-lhe o nome de Ram. A criança levou
seis meses para aprender o nome. Em um ano a criança morreu e os psicólogos que trabalharam
com ela suspeitaram de que ela tenha morrido por causa de muito esforço no intelecto. O esforço,
aquele treino para colocá-la sob os dois pés, aquele treino de memória para fazê-la lembrar o
nome, o esforço para fazê-la um ser humano, a matou.
Ela era robusta na saúde, quando foi apanhada – mais saudável do que qualquer ser humano
já foi. Ela era exatamente como um animal. Mas aquele treino a matou. Foi feito todo esforço de
forma que se você lhe perguntasse qual era o seu nome, ela pudesse ser capaz de dizer: “Ram”.
Esse era todo seu intelecto. Depois de seis meses de treino constante, de castigo e recompensa,
criando uma motivação de ganho nela, a única prova que a criança dava de seu intelecto era esse
tanto: ele era capaz de dizer “Ram”. O que aconteceu? Se alguém de Marte tivesse encontrado
aquela criança, ele poderia pensar que a humanidade não tem mente, não tem intelecto, não tem
razão.
O mesmo aconteceu ao coração. Sem treino, é como se ele não existisse. Ele foi
completamente negligenciado; assim, toda a sua energia de vida foi forçada em direção à cabeça,
não em direção ao coração. E o amor é um funcionamento do centro do coração. É por isso que o
homem moderno se tornou incapaz de amar: o homem moderno se tornou incapaz do coração.
Ele calcula e o amor não é um cálculo. Ele sabe aritmética e o amor não é aritmética. Ele pensa
em termos de lógica e o amor é ilógico. Ele sempre tenta racionalizar tudo. O que quer que esteja
fazendo, a razão deve apoiar, e o amor não é apoiado pela razão.
Na verdade, quando você se apaixona, você joga fora sua razão completamente. Eis por que
dizemos que o homem “cai” de amor. Cai de onde? Cai da cabeça para o coração. Usamos esse
termo de condenação – “cair de amor” –, porque a cabeça, a razão, não pode olhar para isso sem
condenar. Aquilo é uma queda.
O amor é na verdade uma queda ou uma ascensão? Você se torna mais com ele ou você se
torna menos? Você expande ou você se retrai? Com o amor você se torna mais! Sua consciência
é maior, seu sentimento é maior, sua sensação de êxtase é maior, sua sensibilidade é maior. Você
está mais vivo, mas uma coisa é menor: a razão é menor. Você não pode calcular; ele é cego. No
que se refere à razão, ele é uma cegueira. O coração tem sua própria razão – isso é outra coisa. E
o coração tem seus próprios olhos, mas isso é outra coisa. Os olhos da razão não estão presentes;
assim, a razão diz que aquilo é uma queda; você caiu.
A menos que o centro do coração comece a funcionar novamente, o homem não será capaz de
amar. E toda miséria da vida moderna é porque, a menos que ele ame, ele não pode sentir
qualquer sentido em sua vida. A vida parece sem sentido. O amor lhe dá sentido; o amor é o
único sentido. A menos que você seja capaz de amar, você será sem sentido e você sentirá que
está existindo sem nenhum sentido, futilmente; e o suicídio se tornará atraente. Então, você
gostaria de se matar, de acabar consigo mesmo, terminar, porque... – qual é a utilidade de existir?
A mera existência não pode ser tolerada. A existência deve ter um sentido; do contrário, qual
é a utilidade? Por que se prolongar sem nenhuma necessidade? Por que continuar repetindo o
mesmo padrão todo dia? Sair da cama e fazer a mesma coisa e novamente cair no sono e no dia
seguinte o mesmo padrão: por quê?
Você tem feito isso até agora e o que aconteceu? E você fará isso a menos que a morte chegue
e o alivie de seu corpo. Assim, qual é a utilidade? O amor dá significado. Não é que através do
amor qualquer resultado ou qualquer meta venha à existência – não! Através do amor todo
momento se torna intrinsecamente de valor. Então, você nunca pergunta isso. Se alguém
pergunta qual é o sentido da vida, saiba bem que o amor está ausente. Sempre que alguém
pergunta qual é o sentido da vida, está perguntando porque não foi capaz de florescer em uma
experiência de amor. Sempre que alguém está amando, nunca pergunta qual é o sentido da vida.
A pessoa sabe o sentido; não há necessidade de perguntar. Ela sabe o sentido! O sentido está
presente: o amor é o sentido da vida.
E através do amor a prece é possível, porque a prece é novamente um relacionamento
amoroso – não entre dois indivíduos, mas entre um indivíduo e a própria existência. Então, toda
a existência se torna sua amada ou sua amante. Mas só através da experiência do amor é possível
você crescer em prece ou em meditação. E o êxtase definitivo é exatamente como o amor. É por
isso que Jesus diz que “Deus é amor”, não que “Deus é amoroso”.
O cristianismo tem interpretado isso dessa maneira – que Deus é bondoso, amoroso. Esse não
é o sentido. Jesus diz que Deus é amor. Ele simplesmente iguala Deus e amor. Você pode dizer
“amor” ou você pode dizer “Deus”; ambos significam a mesma coisa. Deus não é bondoso; Deus
é o próprio amor. Se você pode amar, você pode entrar no divino. E quando seu amor cresce tão
infinitamente que não está relacionado com ninguém em particular – ao invés, ele se tornou um
fenômeno difuso; quando não há nenhum amante para você – mais precisamente, toda a
existência, tudo o que há, se tornou seu amante ou amada – então, ele se tornou prece.
E o tantra é um método de amor. Assim, a primeira coisa é como amar. E, então, a segunda
coisa é como crescer no amor, de forma que o amor se torne prece. Mas a pessoa deve começar
do amor. E não tema o amor, porque esse medo mostra que você está temendo o coração. A
cabeça é astuta; o coração é inocente. Com a cabeça você se sente protegido; com o coração você
se torna vulnerável, aberto. Qualquer coisa pode acontecer.
É por isso que você se tornou fechado. O medo está presente: se você está vulnerável,
qualquer coisa pode lhe acontecer; alguém pode enganá-lo. Com a mente ninguém pode lhe
enganar; você pode enganar os outros. Mas eu lhe digo para estar pronto para ser enganado, mas
não feche o coração. Esteja pronto para ser enganado, mas não feche o coração! Essa
vulnerabilidade para ser enganado vale a pena, porque você não perderá nada com isso. E se
você estiver pronto para ser enganado infinitamente, somente então, você pode acreditar no
coração. Se você é calculista, esperto, astuto, muito astuto, então, você perderá o coração. E o
homem moderno é tão educado, tão sofisticado, tão astuto! Por isso ele se tornou incapaz de
amar.
As mulheres não eram assim, mas elas estão seguindo o homem moderno rapidamente, estão
copiando o homem moderno rapidamente. Mais cedo ou mais tarde, elas irão se tornar
exatamente como o homem, ou elas podem inclusive ultrapassá-lo. Agora elas também estão se
tornando incapazes, porque existe a mesma orientação pela cabeça, o mesmo esforço para ser
esperto e astuto. Elas podem formar um “Movimento para a Libertação das Mulheres” ou
qualquer coisa assim, mas isso não é orientado pelo coração. É apenas uma cópia de mesma
estupidez que o homem esteve fazendo consigo mesmo. Você pode ir ao outro extremo, mas se
você reage, mesmo em sua reação você está seguindo.
Uma grande crise está presente. É difícil agora impedir as mulheres pelo mundo todo de
copiarem o homem e sua tolice, porque o homem parece ter tanto sucesso... Ele tem sucesso de
uma maneira: ele se tornou o mestre das coisas. Agora ele possui o mundo todo, agora ele sente
que conquistou a natureza e “o sucesso prospera; nada prospera tanto como o sucesso”.
Agora as mulheres sentem que o homem teve sucesso e se tornou o senhor; assim, elas devem
copiá-lo. Mas olhe também para a coisa na qual o homem faliu completamente. Ele perdeu seu
coração; ele não pode amar. A razão sozinha não é suficiente e a razão no controle é perigosa. O
coração deve estar mais elevado do que a razão porque a razão é como um instrumento e o
coração é você. O coração deve ter permissão para usar a razão – não vice-versa. Mas você
esteve fazendo isso. A cabeça teve permissão para dominar; em sua dominação, a cabeça matou
o coração.
E em terceiro lugar, uma coisa mais tem de ser lembrada sobre o porquê do homem moderno
ter se tornado incapaz de amar. O amor é basicamente um tipo de loucura, um tipo de profunda
participação com a natureza, um tipo de dissolução do ego. Ele é primal. Você nasce do amor;
todas as suas células do corpo são células de amor. Toda a sua energia, sua energia vital, é uma
energia de amor. Você existe nela, mas não há ego nessa energia. Você não pode sentir “eu”.
Essa energia é inconsciente e, quando você se move no amor, você se torna inconsciente.
Somente um fragmento de sua mente é consciente e nesse fragmento há o ego.
A mente tem três camadas. A primeira é inconsciente: quando você está dormindo
profundamente sem nenhum sonho, você está nela. A criança no útero da mãe está absolutamente
inconsciente, ela é apenas parte da mãe. A criança não está consciente de que “eu sou separada”;
ela é apenas parte da mãe. Não há separação, nenhuma existência definida. Ela não está
diferençada da mãe e da própria existência. Não há medo porque o medo chega somente quando
você se torna consciente de si mesmo. A criança está totalmente confortável; ela está
inconsciente.
E a segunda camada é a da consciência. É um fragmento muito pequeno. Uma décima parte
do inconsciente se tornou consciente em você através do treinamento, da educação, da sociedade,
da família. Era necessário para a sobrevivência; assim, uma parte de você se tornou consciente.
Mas essa parte também fica cansada muito rapidamente; é por isso que você precisa do sono. No
sono você se torna novamente uma criança no útero. Você cai de volta, o consciente não existe
mais. Ele se tornou parte do inconsciente. Eis por que o sono é tão refrescante. De manhã você se
sente vivo novamente, fresco, porque você caiu novamente no útero da mãe.
Talvez você não tenha observado.... Observe alguém que esteja dormindo profundamente.
Mais ou menos, ele estará na mesma postura na qual estava no útero da mãe. E se você puder
estar na postura correta, o sono seguirá mais facilmente. Quando você sentir alguma dificuldade
em cair no sono, apenas sinta o útero de sua mãe, como se você estivesse nele. Imagine isso, e
coloque-se na postura em que você estaria no útero de sua mãe. Nessa postura você cairá
profundamente no sono. Você precisa do mesmo calor; do contrário o sono será perturbado.
Você precisa do mesmo calor que existia no útero de sua mãe.
Eis por que o leite quente é bom. Se você beber leite quente antes de ir dormir, será bom,
porque isso novamente o torna uma criança. O leite é a comida da criança e se ele estiver quente
você novamente estará no peito de sua mãe. Leite quente é bom para dormir por essa razão: você
cai de volta para a infância, você é reduzido a uma criança.
O sono refresca a pessoa. Por quê? Porque a mente consciente fica cansada. Ela é apenas uma
parte e o todo é inconsciente. Ela tem de cair de volta no todo para se tornar renovada. Ela é,
então, novamente ressuscitada. É por isso que de manhã você se sente bem, e a manhã parece
bela - não somente porque a manhã é bela, mas porque novamente você tem olhos de criança. A
tarde não é tão bela. O mundo é o mesmo, mas você perdeu aqueles olhos inocentes de novo. E a
noite se torna feia porque você está cansado.
Você tem vivido muito no consciente. Esse consciente tem o ego como centro. Estes são os
dois estados comuns que você conhece.
O terceiro estado, aquele com o qual o tantra e o iôga estão relacionados, é a
superconsciência. ‘Superconsciência’ significa que todo o seu inconsciente se tornou consciente.
No inconsciente não há ego; você é total. Na superconsciência, novamente não há ego; você é
total. Mas no meio dos dois a mente consciente tem um centro – o ego.
Esse ego é o problema, esse ego cria problemas. Você não pode se apaixonar, porque, então,
você terá de ficar inconsciente, exatamente tão inconsciente como você fica no sono. Ou, se você
quiser se elevar para a prece, você terá de se tornar totalmente consciente como um Buda, ou
como uma Meera. Assim, o amor se torna impossível, a prece se torna impossível.
O ego cria a barreira. Você não pode se perder e o amor é perda, dispersão, dissolução, fusão.
Quando você se funde no inconsciente, isso é amor; quando você se funde na superconsciência,
isso é prece – mas ambos são uma fusão. Assim o que é para ser feito?
Lembre-se disto: você não pode fazer nada com relação a isso. Deixe que isso fique
profundamente marcado: você não pode fazer nada com relação ao amor, com relação à prece.
Sua mente consciente é impotente; ela não pode fazer nada. Ela tem de se perder, ela tem de ser
colocada de lado. E, então, lembre-se da entrega: sempre que você quiser se mover para além de
si mesmo, a entrega é o caminho – seja no amor, seja na prece.
Sempre que você desejar se mover para além, para algum outro lugar onde você não está,
então a entrega, o abandonar-se, é o caminho. Permita que alguma coisa lhe aconteça; não
manipule. E uma vez que você saiba como permitir, muitas coisas começarão a acontecer. Você
pode nem estar consciente do que é possível para você, da energia surpreendente, tremenda, que
você tem aprisionada dentro de você, que pode explodir e se transformar em um êxtase. Toda a
sua vida será preenchida com consciência, luz, bem-aventurança, mas você não sabe. É como se
todo átomo fosse uma bomba atômica; se um átomo explode, uma tremenda energia é liberada. E
todo coração é, também, uma bomba atômica. Se ele explode em amor ou prece, uma tremenda
energia é liberada.
Mas você tem de explodir e se perder. A semente tem de se perder: somente então a árvore
nasce. E se a semente resiste e diz “não, eu preciso sobreviver”, então, a semente pode
sobreviver, mas a árvore nunca nascerá. E a menos que a árvore nasça, a semente se sentirá
frustrada, porque a árvore é o propósito. A semente ficará frustrada! A semente só pode se sentir
satisfeita quando a árvore em florescência estiver presente. Mas para isso a semente tem de se
perder, morrer.
O homem moderno se tornou incapaz de amar porque ele se tornou incapaz de morrer. Ele
não pode morrer para nada. Ele se agarra à vida; ele não pode morrer para nada.
No inglês antigo, trezentos ou quatrocentos anos atrás, essa era uma expressão comum. O
amante poderia dizer para a amada: “Eu quero morrer em você”. Essa era uma expressão de
amor. Ela é bela! “Eu quero morrer em você”. O amor é uma morte – a morte do ego. Somente
então seu eu real nasce e o homem moderno tem muito, muito medo da morte. De todo modo, a
entrega é morte, o amor é morte e a vida também é uma morte contínua. Se você estiver com
medo, você perderá a própria vida.
Esteja pronto para morrer a qualquer momento. Morra para o passado, morra para o futuro e
morra no momento presente. Não se agarre e não resista. Não faça nenhum esforço para viver e
você terá vida abundante. A vida lhe acontecerá se você estiver pronto para morrer. Isso parece
paradoxal, mas essa é a lei. Jesus diz que aquele que está pronto para perder, ganhará; e aquele
que se agarra, perderá tudo.

A segunda pergunta:

Você disse à noite passada que a periferia está sempre mudando, enquanto o centro
mais interno está eternamente imóvel. Para perceber o centro é necessário que o
movimento periférico pare? Isso pode acontecer? Como e quando?

Você não compreendeu. A questão não era fazer algum esforço para mudar a periferia. Deixe
que a periferia seja como é – e você não pode mudá-la. É da natureza da periferia se mover e
mudar. Você não pode torná-la estática. A natureza é um fluxo. Ela é assim; você não pode
torná-la estática. E não gaste o seu tempo e oportunidade de vida tentando torná-la estática.
Apenas conheça-a como mudança. Seja a testemunha dela e você virá a sentir o centro mais
interior que não muda. O mundo é mudança, sua personalidade é mudança, seu corpo-mente é
mudança, mas você não é; você não é a mudança. Qual é a utilidade de lutar com a mudança?
Não há necessidade!
O tantra diz: por favor, fique restabelecido em seu centro, esteja consciente do centro que é
imóvel e permita que toda a existência se mova. Isso de forma alguma é uma perturbação. Isso se
torna uma perturbação somente se você se agarrar ou se você tentar tornar a coisa imóvel. Então,
você está caindo em esforços absurdos, tolos. Eles não terão sucesso; você fracassará. Saiba bem
que a vida é uma mudança, mas que em algum lugar dentro dessa mudança há um centro imóvel
também. Apenas torne-se consciente dele. Essa própria consciência é suficiente para libertá-lo.
Essa sensação de que “eu não estou me movendo”, liberta. Essa é a verdade. Você a conhece e
você é diferente.
Não lute com sombras! E toda a vida é uma sombra, porque a mudança não é nada mais do
que uma sombra. O imutável é o real; o mutável é o irreal. Assim, não pergunte se as mudanças e
os movimentos periféricos têm de ser obrigados a parar para que você perceba o centro. Não há
nenhuma necessidade e você não pode forçá-los. Eles não podem parar! O mundo continua;
simplesmente, ele não continuará em você. Você pode permanecer no mundo e não há
necessidade de o mundo estar em você. O mundo não é a perturbação. Quando você fica
envolvido nele, quando você se torna a mudança, quando você sente que se tornou a mudança,
então, isso cria problemas;
Os problemas são criados não pela periferia mutável. Eles são criados pela identificação: “Eu
sou essa mudança”. Você ficou doente; a doença não é na verdade a perturbação. Quando você
sente que “eu fiquei doente”, isso é a perturbação. Se você puder ser uma testemunha para essa
doença, se você puder sentir que a doença é um acontecimento em algum lugar na periferia – que
ela não está acontecendo a você, que ela é um acontecimento para alguém mais e você é apenas a
testemunha –, então, a morte também pode acontecer e você será apenas uma testemunha.
Alexandre estava retornando da índia. Alguns amigos tinham pedido para ele trazer um
saniássin da índia. Eles disseram: “Quando você voltar com as posses da conquista, não esqueça:
traga um saniássin também. Nós queremos ver o que é um saniássin – que tipo de homem é esse,
que renuncia ao mundo. Queremos saber o que aconteceu àquele que renunciou a todos os
desejos, que tipo de felicidade acontece a quem deixa todos os anseios, sede ou fome pelo futuro,
por posses e tudo o mais”.
Apenas no último momento Alexandre se lembrou. Na última cidade, de onde ele tinha de
deixar a índia para voltar para seu país, ele disse para seus soldados irem buscar um saniássin.
Eles foram para a cidade e perguntaram a um velho do lugar. Ele respondeu: “Sim, há um
saniássin, um grande saniássin, mas será difícil. Será muito difícil persuadi-lo a ir com
Alexandre para Atenas”.
Mas os soldados eram soldados; assim, eles disseram: “Não se preocupe com isso. Nós
podemos forçar qualquer um. Apenas nos diga onde ele está. Nós saberemos como forçá-lo. Não
haverá necessidade de persuasão. Se Alexandre mandar toda a cidade segui-lo, vocês terão de
segui-lo! Assim, que importa um simples saniássin?”.
Mas o velho homem riu e os soldados não puderam entender, porque eles nunca haviam
encontrado um saniássin. Eles chegaram até o saniássin. Ele estava parado, nu, na margem do
rio e eles lhe disseram: “Alexandre ordenou que você venha conosco. Todos os cuidados serão
tomados, não haverá nenhum inconveniente para você; você será um convidado real. Mas você
terá de vir conosco para Atenas”.
O saniássin riu e disse: “Será muito difícil para o seu Alexandre me levar junto com ele.
Nenhuma força neste mundo pode me forçar a ir atrás. Vocês não serão capazes de entender, mas
é melhor trazerem o seu Alexandre aqui”.
Alexandre ficou perturbado. Ele se sentiu insultado, mas queria ver aquele homem. Ele foi até
lá com uma espada desembainhada e disse: “Se você disser não, então, você imediatamente
perderá a sua vida. Eu cortarei a sua cabeça”. O nome do saniássin era – como está relatado nos
registros de Alexandre – Dandamesh.
O saniássin riu e disse: “Você chegou um pouco tarde. Você não pode me matar agora,
porque eu já matei a mim mesmo. Você está um pouco atrasado. Você pode cortar minha cabeça,
mas você não pode me cortar, porque eu me tornei uma testemunha. Assim quando essa cabeça
cair na terra, você irá vê-la caindo e eu também irei vê-la caindo. Mas você não pode me cortar;
você nem mesmo pode me tocar. Assim não desperdice tempo, você pode cortá-la! Erga a sua
espada e corte minha cabeça”.
Alexandre não pôde matar aquele homem. Era impossível, porque era inútil. O homem estava
tão além da morte, era impossível matá-lo. Você somente pode ser morto se você se agarra à
vida. Esse agarrar-se ao padrão mutável torna-o um mortal. Se você não se agarra, você é como
sempre foi – imortal. A imortalidade é seu direito de nascimento; ela sempre esteve presente.
Você se torna mortal somente se você se agarra.
Assim, não há a questão, não há necessidade de forçar a periferia mutável a se tornar estática.
Não há necessidade e você não pode torná-la estática. Ela continuará se movendo, a roda
continuará se movendo. Tudo o que você pode fazer é saber que você não é a roda. Você é o
eixo, não a roda.

A terceira pergunta:

O homem, sendo como é, não lhe é difícil dissolver a mudança através da mudança, o
sexo através do sexo, etc., sem apego e sem seus consequentes desapontamentos e
ansiedades?

O homem como ele é pode fazer isso; e isso é aventado somente por o homem ser como ele
é. O tantra é um medicamento para você – para aqueles que estão doentes. Assim, não pense que
ele não é para você. Ele é para você e você pode usá-lo, mas você terá de compreender o que
significa quando se diz que há a possibilidade de se cair no apego e, então, as consequências
estarão presentes e a frustração.... Você não compreendeu. “Consuma a mudança através da
mudança ” significa que, mesmo que exista apego, não lute contra ele. Esteja apegado, mas seja
uma testemunha disso também.
Deixe o apego estar presente; não lute com ele. O tantra é um processo de não-luta. Não lute!
A frustração chegará, naturalmente; assim, fique frustrado. Mas seja uma testemunha também.
Você estava apegado e você era uma testemunha. Agora a frustração chegou e você sabia que ela
teria de chegar. Agora fique frustrado, mas seja uma testemunha. Então, através do apego, o
apego é consumido e através da frustração, a frustração é consumida.
Tente isso quando você se sentir miserável. Seja miserável; não lute contra. Tente isso; é
maravilhoso. Quando existir miséria e você se sentir miserável, feche suas portas e seja
miserável. Agora o que você pode fazer? Você é miserável. Agora seja totalmente miserável. De
repente você se tornará consciente da miséria. E se você tentar mudá-la, você nunca se tornará
consciente, porque seu esforço, sua energia, sua consciência é dirigida em direção à mudança,
em direção a como mudar essa miséria. Então, você começa a pensar sobre como ela veio e o que
fazer agora para mudá-la. Então, você está perdendo uma experiência muito bela – a própria
miséria.
Agora, você está pensando sobre as causas, e você está pensando sobre as consequências, e
você está pensando sobre métodos para esquecê-la, para ir para além dela, e você está perdendo a
própria miséria, e a miséria está presente e ela pode ser liberadora. Simplesmente não faça nada.
Não analise como a miséria é criada; não pense sobre que consequências se seguirão. Elas virão;
então, você poderá ver mais tarde. Não há pressa. Seja miserável, simplesmente miserável e não
tente mudar isso.
Tente isso. Veja por quantos minutos você pode permanecer miserável. Você começará a rir
da coisa toda; a coisa toda parecerá estúpida, porque se você é totalmente miserável, de repente
seu centro está além da miséria. Esse centro nunca pode ser miserável, é impossível! Se você
permanecer com a miséria, a miséria se torna um pano de fundo, e seu centro que nunca é
miserável de repente se ergue; e, então, você é miserável e você não é miserável: o “igual não-
igual”. Agora você está consumindo a miséria através da miséria. Esse é que é o significado.
Você não está fazendo nada; você está simplesmente consumindo a miséria através da miséria. A
miséria desaparecerá como as nuvens desaparecem; e o céu estará aberto e você estará rindo e
você não fez nada. E você não pode fazer nada: tudo o que você puder fazer criará mais confusão
e mais miséria.
Quem criou essa miséria? Você. E agora você está tentando mudá-la. Isso será pior. Você é o
criador da miséria. Você a criou, você é a fonte e agora a própria fonte está tentando... O que
você pode fazer? Agora, o próprio paciente está se tratando e ele criou a coisa toda! Agora ele
está pensando em cirurgia. Isso é suicídio. Não faça nada. O interior é muito profundo. Você
tentou tantas vezes parar a miséria, parar a depressão, parar isto e aquilo e nada aconteceu. Agora
tente isto: não faça nada; permita a miséria estar presente em sua totalidade. Permita-a acontecer
em sua total intensidade e permaneça no não-fazer. Apenas esteja com ela e veja o que acontece.
Vida é mudança. Mesmo o Himalaia está mudando; assim, sua miséria não pode permanecer
imutável. Ela mudará por si mesma e você verá que ela está mudando – que ela está
desaparecendo e está indo embora e você se sentirá descarregado; e você não fez nada.
Uma vez que você saiba o segredo, você pode consumir qualquer coisa nela mesma, mas o
segredo é ser silencioso sem fazer nada. A raiva está presente; assim seja – apenas seja. Não faça
nada. Se você puder fazer esse tanto, esse “não-fazer”, se você puder apenas estar presente –
presente, testemunhando, mas sem fazer esforço para mudar alguma coisa, permitindo as coisas
terem seu próprio jeito – você consumirá qualquer coisa. Você pode consumir qualquer coisa.

A última pergunta:

O tantra diz para não lutar nem nadar, mas saltar e fluir no rio da vida. Mas a
experiência mostra que a vida agitada e de tecnologia maciça na cidade moderna cria
tensões e esforços constantes, física e mentalmente. Qual é a atitude do tantra com relação
a isso? Não é bom evitar esforços desnecessários?

A vida sempre foi assim, moderna ou primitiva. As tensões estão presentes, as ansiedades
estão presentes. Os objetos mudam, mas o homem permanece o mesmo. Dois mil anos atrás,
você estava dirigindo um carro de boi; agora, você está dirigindo um automóvel – mas o
motorista permanece o mesmo. O carro de boi mudou – as coisas estão diferentes agora, você
está dirigindo um automóvel – mas o motorista permanece o mesmo. Ele era ansioso com relação
ao seu carro, tenso com seu carro; agora você está tenso e ansioso com relação ao seu automóvel.
Os objetos mudam, mas a mente permanece a mesma.
Assim, não pense que é por causa da vida moderna que você está tão ansioso. É por causa de
você, não por causa da vida moderna. E você estará ansioso em qualquer lugar, em qualquer tipo
de civilização. Vá a uma vila por alguns dias – dois ou três dias – e você se sentirá bem por um
tempo, porque até mesmo as doenças precisam de reajustamento. Mas, dentro de três dias, você
estará ajustado à vila e, então, a ansiedade começará a surgir, as perturbações serão sentidas
novamente. Agora as causas não serão as mesmas, mas você será o mesmo.
Algumas vezes acontece de você ficar perturbado por causa do tráfego e do barulho. E você
pode dizer que você não consegue dormir à noite, porque há muito tráfego e barulho. Então, vá
para uma cidadezinha e você não será capaz de dormir, porque não há tráfego e barulho. Você
terá de voltar, porque a vila parece morta, tediosa – porque não há vida.
As pessoas continuam me relatando tais sensações. Eu disse para um amigo ir à Caxemira, à
Pahalgam. Ele voltou e disse que a vida é tediosa lá, que não há vida. Você pode desfrutar os
vales e montanhas por um ou dois dias e, então, a pessoa fica entediada. Ele me dizia que, aqui, a
cidade o deixava nervoso; e, agora, ele diz que aquelas montanhas estavam se tornando
aborrecidas e, então, ele começou a desejar voltar para casa.
Você é o problema; Caxemira não será de nenhuma ajuda. Não é Bombaim que o perturba, ou
Londres, ou Nova York; é você! E não é que Londres o tenha criado: você criou Londres. Não é
o tráfego e os barulhos e o movimento louco: você criou isso tudo – você e outros como você.
Olhe! A causa está dentro de você. Não é que você esteja tenso por causa do barulho. O barulho
está presente, porque você está tenso e você não pode viver sem ele. É por isso que ele está
presente. Você precisa dele, você não pode viver sem ele. E nas vilas as pessoas estão sofrendo.
Elas querem vir para Bombaim, ou para Nova York, ou para Londres. E no momento em que
elas têm a oportunidade, elas correm. E eu vivo ouvindo pessoas que continuam a falar sobre a
bela vida na aldeia, mas elas nunca vão viver lá. Elas nunca vão viver lá; elas simplesmente
falam sobre isso.
Quem as impede? Por que não vão? Ir para a floresta – quem o impede de ir? Você não
gostará, você não pode gostar de lá. Neste momento você pode gostar por uns poucos dias,
porque é uma mudança, mas então.... Então, você ficará entediado. Você achará aquilo chato e
irá querer escapar de lá.
Essa vida na cidade é criada por sua mente louca. Você não está se tornando louco por causa
dessas cidades; essas cidades são construídas por causa de sua mente louca. Elas são construídas
para vocês e por vocês, e elas existem para vocês. E a menos que essa mente louca mude, essas
cidades não podem desaparecer, elas terão de permanecer. Elas são subprodutos de vocês.
Lembre-se de uma coisa: sempre que você sentir que alguma coisa está errada, primeiro
encontre a causa em si mesmo. Não vá para nenhum lugar. Em cem vezes, noventa e nove vezes
você encontrará a causa dentro de si mesmo. E se você encontra a causa dentro de você, noventa
e nove vezes em cem, a centésima causa irá desaparecer por si mesma.
Você é a causa de tudo o que lhe está acontecendo. Você é a causa e o mundo é apenas um
espelho. Mas sempre é um consolo encontrar a causa em algum outro lugar. Então, você nunca
sentirá culpa, você nunca sentirá autocondenação. Você sempre pode apontar que: “Aqui está a
causa e, a menos que esta causa mude... – como eu posso mudar? ”. Você pode escapar com isso;
trata-se de um truque. Assim, sua mente sempre continua projetando as causas em algum outro
lugar. A esposa está perturbada por causa do marido; a mãe está perturbada por causa dos filhos;
os filhos estão perturbados por causa do pai. Todo mundo está perturbado por causa de outra
pessoa e todo mundo sempre pensa que a causa existe externamente.
Mulla Nasruddin estava passando por uma rua. Era de noite e a escuridão estava chegando.
De repente, ele se tornou consciente de que a rua estava vazia sem nenhum tráfego e ele ficou
com medo. Um grupo de pessoas estava vindo em sua direção; e ele tinha andado lendo sobre os
dacoits, assaltantes, assassinos. Assim, ele criou o medo, começou a tremer. Ele pensou,
projetou, que agora aqueles assassinos e dacoits estavam chegando e era certo que eles iriam
matá-lo. Assim, como escapar deles? Ele olhou por toda a volta.
Ele viu um cemitério. Então, ele pulou a parede do cemitério. Havia uma cova recém feita
para alguém. Assim, ele pensou que seria bom ficar morto naquela cova. Eles sentiriam que ele
estava morto e não haveria nenhuma necessidade de matá-lo.
Assim, Mulla deitou-se. O grupo estava simplesmente em uma procissão de casamento, mas
eles viram aquele homem tremendo pular na cova. Então, eles ficaram com medo e se
perguntando qual seria o problema e quem seria aquele homem. Eles pensaram: “Ele parece estar
prestes a fazer alguma coisa errada. Ele está se escondendo lá! ”. Assim, a procissão toda parou e
eles pularam a mureta. Mulla ficou com mais medo ainda. Agora, eles estavam perto e
perguntaram: “O que você está fazendo aqui? Por que você está aqui nesta cova?”.
Então, Mulla disse: “Vocês estão fazendo uma pergunta muito difícil. Eu estou aqui por causa
de vocês e vocês estão aqui por minha causa!”.
E isso está acontecendo em todo lugar. Você está perturbado por causa de outra pessoa; essa
pessoa está perturbada por causa de você. E você está criando tudo a sua volta, projetando e,
então, ficando temeroso, ferido e fazendo esforços para se defender. E, então, há miséria e
frustração e conflito e depressão e luta.
A coisa toda é estúpida e ela permanecerá a menos que você mude sua atitude. E sempre tente
primeiro encontrar a causa dentro de você.
Como o barulho do tráfego pode perturbá-lo? Como? Se você for contra ele, ele perturbará.
Se você tiver a atitude de que ele perturba, ele perturbará. Mas se você o aceitar, se você permitir
que ele aconteça sem nenhuma reação, então, você pode inclusive começar a desfrutá-lo. Ele tem
a sua própria melodia, sua própria música. Você não o escutou, mas isso não significa que ele
não tenha a sua própria música. Um dia, esqueça de si mesmo e escute o barulho do tráfego.
Apenas escute, e não traga suas atitudes de que aquilo está perturbando, que não é bom. Não
traga a sua atitude, apenas escute a melodia! No começo parecerá caótico. Isso também é por
causa da mente. Se você relaxar totalmente, mais cedo ou mais tarde, tudo se encaixará em um
todo harmonioso e inclusive o barulho do tráfego se tornará música. Você pode desfrutá-lo e
você pode dançar em sua melodia. Depende de você.
Nada perturba, a menos que você pense que perturba. Por exemplo: eu lhes digo que muitas
coisas perturbaram a humanidade, porque havia uma certa ideia de que elas perturbavam.
Quando o conceito muda, as coisas permanecem iguais, mas elas não mais perturbam. Por
exemplo: a masturbação perturbou o mundo inteiro. Apenas meio século atrás, o mundo inteiro
estava perturbado com a masturbação. Todo professor, todo pai, toda mãe, estavam perturbados e
toda criança estava perturbada. E ainda no mundo mais amplo e ignorante, a perturbação
permanece. E os fisiologistas e os psicólogos descobriram que a masturbação não pode perturbar
ninguém; ela é natural e nada há de errado com ela. Não há absolutamente nada de errado com
ela, mas o ensinamento antigo era de que, se você se tornasse louco, era por causa da
masturbação.
Tudo era forçado para baixo, reduzido à masturbação. E, de uma forma ou de outra, toda
criança a praticava, todo menino a praticava; assim, todo menino tinha medo. Ele estava fazendo,
e ele estava com medo de que agora ele iria ficar louco – inferior, maluco, excêntrico, doente –, e
sua vida seria desperdiçada. Mas ele não podia resistir. Ele tinha de fazer aquilo e essas ideias
entravam na mente e tinham efeitos. Elas o afetavam e muitos ficaram loucos mesmo, muitos
permaneceram inferiores, muitos permaneceram estúpidos por causa disso e não havia
relacionamento algum.
A ciência moderna, a pesquisa moderna diz que, ao contrário, ela é saudável. A ciência
médica diz que ela é boa, porque um menino na idade de treze ou quatorze anos, ou uma menina
na idade dos doze ou treze anos, se torna sexualmente maduro, madura. Sé a natureza lhes fosse
permitida, eles poderiam se casar imediatamente. Eles estão prontos para a reprodução, mas a
civilização de necessidades obriga-os a permanecerem não-casados por dez anos pelo menos ou
até mesmo mais. Mas a medicina diz que dos quatorze aos vinte, esses seis anos, são os mais
sexualmente potentes. Um menino nunca será tão potente novamente como ele é então. A
energia está borbulhando; o corpo todo está pronto para irromper no sexo. Mas a sociedade diz
“não”, a energia não deve ter permissão de se mover. Mas... a energia está se movendo e a
criança não pode fazer nada; o que quer que faça terá efeitos por causa da filosofia que a
circunda. Ela sentirá que está fazendo alguma coisa errada, ela sentirá culpa e essa culpa a
seguirá como uma sombra. E muitas doenças acontecerão por causa da ideia, não por causa do
ato.
A medicina diz que a masturbação é saudável, porque a criança fica aliviada da energia
desnecessária. Essa energia desnecessária, de outra maneira, poderá criar problemas; assim, ela é
saudável.
Agora, principalmente na América e na Inglaterra e em outros países ocidentais
desenvolvidos que sabem mais sobre fisiologia, a masturbação está sendo propagada. Agora há
filmes de como se masturbar para se mostrar às crianças e todo professor estará ensinando, mais
cedo ou mais tarde, como se masturbar corretamente. Eles dizem que é saudável e agora aqueles
que pensam que ela é saudável se sentem mais saudáveis com ela.
Eu não penso que ela seja qualquer dos dois – ela não é saudável, nem não-saudável. A ideia
é a questão. Se ela for saudável e o conceito for divulgado, ela se torna saudável. Agora, no
Ocidente, eles dizem que não apenas a masturbação nunca afetou a inteligência de ninguém
adversamente, mas que, ao contrário, quanto melhor a inteligência, mais a masturbação estará
presente. Assim, um menino que está se masturbando mais será de QI mais elevado do que o
menino que não está se masturbando. E eles têm razões para falar isso, porque um menino
descobrir a masturbação é um sinal de inteligência: ele encontrou um caminho.
A sociedade fechou a porta para o casamento e a natureza está forçando a energia. O
inteligente encontrará um caminho e o não-inteligente estará simplesmente bloqueado, ele não
será capaz de encontrar o caminho. Agora os estudos mostram que aqueles meninos que se
masturbam são mais inteligentes. Se essa ideia for espalhada – e está fadada a ser –, mais cedo
ou mais tarde o mundo inteiro estará tendo essa ideia. Então a masturbação será saudável e você
sentirá um bem-estar vindo dela.
Mas os pais têm medo, porque sabem o que fizeram quando eram jovens. Quando o filho
chega na mesma idade, eles ficam temerosos e começam a olhar em volta o que o menino está
fazendo. Eles têm medo e, se pegam o menino, irão puni-lo. Mas o novo conhecimento diz “não
puna o menino” – não! Ao contrário, ensine-o. Se ele não está se masturbando, então, vá a um
médico e descubra o que está errado. Se esse conhecimento se tornar bem divulgado, então, isso
irá acontecer.
Mas ambas são posições. Ambas são posições! E quando um menino se masturba, ele está
muito sugestionável nesse momento – porque quando a energia sexual está sendo liberada, ele se
torna vulnerável, aberto, flexível e sua mente está silenciosa. Qualquer ideia colocada dentro,
nesse momento, terá seus efeitos. Assim, se lhe disser que “você irá ficar doente por causa
disto”, ele se sentirá doente. Se você lhe disser que ficará saudável por causa disto, ele se tornará
saudável. Se você disser para ele: “Você ficará estúpido por toda a vida se você fizer isso!” – ele
permanecerá um bobo. Mas se você disser que “isso é um bom sinal de inteligência”, ele pode
desenvolver um QI superior. Você simplesmente está sugerindo alguma coisa para ele em um
momento muito vulnerável. Tudo o que você pensar começará a acontecer.
Consta que Buda disse que todo pensamento se tornará realidade, e que, portanto, esteja
consciente. Se você pensa que o barulho do tráfego lhe perturba, ele irá perturbá-lo: você está
pronto para a perturbação. Se você pensa que uma vida familiar é uma carga, ela será uma carga
para você: você está pronto para isso. Se você pensa que a pobreza lhe ajudará a se tornar mais
liberto, ela ajudará. Em última análise é você que está criando um mundo à sua volta e o que
quer que você pense, se torna a noosfera, o meio, e você existe aí.
O tantra diz: lembre-se dessa causalidade, ela sempre está dentro de você. E se você sabe
disso, então, você não está causando nada. Se você sabe disso, não irá causar nada paia si
mesmo. E quando alguém não está causando nada, ele é liberado. Então, ele não está na miséria e
nem na bem-aventurança. Bem-aventurança é sua criação e a miséria também é sua criação.
Você pode mudar sua miséria em bem-aventurança, porque ela é sua criação.
O liberado, o iluminado, não está na verdade em nenhum dos dois, porque ele cessou de
causar qualquer coisa à sua volta. Ele simplesmente é! É por isso que Buda nunca diz que o
iluminado é bem-aventurado. Quando alguém lhe pediu: “Conte-nos alguma coisa sobre alguém
que foi além – se ele está em bem-aventurança perfeita”; Buda riu e disse: “Não pergunte. Eu só
posso dizer esse tanto, que ele não está na miséria. Eu não posso dizer mais nada. Ele não está na
miséria; isso é tudo o que posso dizer”.
Por que tanta insistência no negativo? Porque Buda sabe. Quando você descobriu que você
era a causa de sua miséria, então, você sabe muito bem que a bem-aventurança também é
causada por você. Então, a pessoas cessam de causar qualquer coisa. É isso o que é o nirvana:
uma cessação de causar qualquer coisa à sua volta. Então, você é, simplesmente – nem miséria,
nem bem-aventurança. Se você puder compreender, somente isso é bem-aventurança. Não há
miséria nem bem-aventurança, porque se há bem-aventurança, então a miséria está presente;
você ainda está causando alguma coisa. E se você pode causar bem-aventurança, então, você
pode causar miséria; e você ficará entediado com a bem-aventurança também.
Quanto você pode suportá-la? Quanto? Você já pensou sobre isso? Vinte e quatro horas em
bem-aventurança – você será capaz de suportá-la? Você ficará entediado e você terá de procurar
professores que possam lhe ensinar como se tornar miserável novamente. Se o mundo se tornar
bem-aventurado, não posso conceber que não haja professores. Haverá professores, porque,
então, as pessoas precisarão de miséria. Será necessário alguém lhes contar como se tornar
miserável novamente, apenas para uma mudança. Então, você poderá voltar para a sua bem-
aventurança e você a sentirá mais – porque, somente então, você pode senti-la mais, quando você
a tiver perdido.
Os professores estarão presentes! Agora eles estão ensinando como se tornar bem-aventurado;
então eles ensinarão como se tornar miserável, como ter um gosto do inferno. Uma pequena
mudança será útil, saudável.
Mas você é a causa e você se tornará iluminado no momento em que souber que o mundo em
que você está vivendo foi causado por você. Quando você não o causar, ele terá desaparecido. O
tráfego continuará, o barulho estará presente e todas as coisas estarão presentes como estão, mas
você não estará presente, porque você terá desaparecido com a causa.
Capítulo 45

PERMANECENDO COM O REAL



OS SUTRAS

68. Assim como uma galinha cuida de seus pintinhos, cuide dos seus conhecimentos, de suas
ações, na realidade.
69. Uma vez que, na verdade, ‘servidão’ e ‘liberdade’ são relativas, estas palavras são apenas
para aqueles aterrorizados com o universo. Este universo é o reflexo das mentes. Assim como
você vê muitos sóis na água a partir de um único sol, assim veja a servidão e a libertação.

Hui-neng perguntou a uma pessoa: “Qual é o problema? Quais são as raízes de forma que o
homem possa ser dissolvido e o homem possa fazer alguns esforços para saber quem ele é? ”.
Por que ele não pode saber sem fazer nenhum esforço? Por que tem de haver algum
problema? Você existe, você sabe que existe; então, por que você não pode saber quem você é?
Onde é que você falha? Você é consciente. Você é consciente de que é consciente. Há uma vida;
você está vivo. Por que você não está consciente de que você existe? O que vira barreira? O que
lhe impede de atingir esse autoconhecimento?
Se você puder compreender a barreira, a barreira pode ser dissolvida muito facilmente.
Assim, a pergunta real não é como conhecer a si mesmo. A pergunta real é saber como você
não está se conhecendo, como você está perdendo uma realidade tão óbvia, uma verdade tão
básica que está tão perto de você: como você continua não vendo! Você deve ter criado um
artifício; do contrário, é difícil escapar de si mesmo. Você deve ter criado paredes; você deve,
em algum sentido, estar enganando a si mesmo.
Assim, qual é o truque para escapar de si mesmo, para não se conhecer? Se você não
compreender esse truque, tudo o que você fizer não será de nenhuma ajuda... – porque o truque
permanece e você continua perguntando como se conhecer, como conhecer a verdade, como
conhecer a realidade e, consequentemente, você continua ajudando a barreira. Você continua
criando-a também; assim, o que quer que você faça não terá qualquer utilidade.
Na verdade, nada positivo é necessário para se conhecer a si mesmo, apenas algo negativo.
De certa forma, você apenas tem de destruir a barreira que você mesmo construiu e, no momento
em que a barreira não estiver mais presente, você conhecerá. O conhecimento acontece quando a
barreira não existe; você não pode fazer nenhum esforço positivo em direção a ele. Você tem
apenas de estar consciente de como você o está perdendo.
Assim, umas poucas coisas precisam ser compreendidas em relação a como você o está
perdendo.
Primeiro: você vive em seus sonhos e, então, os sonhos se tornam barreiras. A realidade não é
um sonho. Ela existe, você está envolvido por ela em todos os lugares. Ela existe dentro e fora,
você não pode perdê-la – mas você está sonhando. Então, você se move em uma dimensão
diferente, que não é uma realidade. Assim, você continua se movendo em um mundo de sonho.
Então, os sonhos se tornam como nuvens à sua volta. E elas formam a barreira. A menos que a
mente cesse de sonhar, a verdade não pode ser conhecida. E, quando você vê através dos sonhos,
a realidade é distorcida e seus olhos são preenchidos com sonhos e seus ouvidos são preenchidos
com sonhos e suas mãos são preenchidas com sonhos.
Assim, o que quer que você toque, é tocado através dos sonhos, o que quer que você veja, é
visto através dos sonhos, o que quer que você escute, é escutado através dos sonhos, e você
distorce todas as coisas. O que quer que chegue até você, chega através dos sonhos e eles
transformam todas as coisas, eles colorem todas as coisas. Devido à mente que sonha, você
continua perdendo a realidade exterior e a realidade interior. Você pode continuar buscando
jeitos e maneiras de como vir para a realidade, mas, você estará tentando fazê-lo, também através
de sua mente sonhadora.
Assim, você pode ter sonhos religiosos – você pode ter sonhos sobre a realidade, sobre a
verdade, sobre Deus, sobre Cristo e Buda – mas isso também será sonho. O sonho deve cessar; o
sonho não pode ser usado para se conhecer a realidade.
O que eu quero dizer quando falo “sonhar”? Você está me ouvindo exatamente agora, mas
um sonho está presente e esse sonho está constantemente interpretando o que está sendo dito.
Você não está me escutando; você está se escutando, porque, simultaneamente, você está
interpretando – não está? Você está pensando sobre o que está sendo dito. Qual a necessidade de
pensar? Apenas escute, não pense. Porque, se você pensar, você não pode escutar. E se você
continua pensando e escutando, então, tudo o que você escuta é seu próprio ruído – então... não é
o que está sendo dito. Pare de pensar; deixe a passagem do escutar ficar limpa de pensamentos.
Então, aquilo que está sendo dito será escutado.
Ao olhar para uma flor, pare de sonhar. Não permita que seus olhos sejam preenchidos com
pensamentos e sonhos, sobre o passado e o futuro, com o que você sabe sobre flores. Nem
mesmo diga “esta flor é linda”, porque, então, você estará perdendo a realidade. Essas palavras
se tornaram uma barreira. Você diz “esta flor é linda” e as palavras entraram. A realidade é
interpretada através de palavras. Não permita que as palavras se juntem à sua volta. Olhe
diretamente, escute diretamente e toque diretamente.
Quando você tocar alguém, apenas toque; não diga que a pele é bela e macia, senão você
estará perdendo – você estará se movendo no sonho. Como quer que a pele seja, ela está aqui
agora. Toque-a e permita à própria pele lhe ser revelada. Você está olhando para um belo rosto.
Olhe-o e permita ao próprio rosto entrar. Não o interprete, não diga nada. Não deixe sua mente
passada entrar no meio.
A primeira coisa: os sonhos são criados por sua mente passada – eles são a mente passada
continuamente se movendo à sua volta. Não deixe o passado entrar. E, então, não permita o
futuro.
No momento em que você olha um belo rosto, um belo corpo, imediatamente surge o desejo.
Você quer possuir. Você vê uma bela flor e você quer arrancá-la. Então, você se moveu. A flor
está presente, mas você se moveu para o desejo, para o futuro. Agora você não está presente.
Assim, ou você está no passado que não existe, ou você está no futuro que ainda não veio. E
você está perdendo aquilo que está presente exatamente agora.
Assim, a primeira coisa a lembrar é: as palavras não devem ter permissão de existir entre você
e a realidade. Com menos palavras, há menos barreiras; sem palavras não há barreiras. E, então,
você encara a realidade diretamente. Imediatamente, vocês estão cara a cara. As palavras
destroem tudo, porque elas mudam o próprio sentido.
Eu estava lendo a biografia de alguém. Ela estava descrevendo um dia logo após ter deixado a
sua cama. A mulher escreve assim: “Um dia, pela manhã, eu abri meus olhos”. Então,
imediatamente ela diz: “Mas não é correto dizer que eu abri meus olhos. Eu não fiz nada. Os
olhos se abriram por si mesmos”. Ela muda a sentença e escreve: “Não, não é correto dizer que
eu abri meus olhos. Eu não fiz nada. Não houve nenhum esforço de minha parte; de maneira
alguma aquilo foi uma ação”. Então, ela acrescenta: “Os olhos se abriram por si mesmos”. Mas,
então, ela sente que aquilo é tão absurdo! Pois os olhos lhe pertencem. Assim, como eles podem
se abrir por si mesmos? Então, o que fazer?
A linguagem nunca diz o que é. Se você disser “eu abri meus olhos”, isso é uma mentira. Se
você disser “os olhos se abriram por si mesmos”, isso é uma mentira novamente, pois os olhos
são apenas fragmentos. Eles não podem se abrir por si mesmos. O organismo todo está
envolvido.
E tudo o que nós dizemos é assim. Se você for até uma sociedade aborígine que existe na
índia – e existem muitas tribos aborígines – você verá que eles têm uma estrutura de linguagem
diferente. Sua estrutura de linguagem é mais básica e mais real, mas eles não podem criar muita
poesia. Sua estrutura de linguagem não pode ser útil para sonhar.
Mas nós continuamos adicionando coisas – e quanto mais palavras são adicionadas, mais nós
nos perdemos, distanciados, jogados para longe da realidade.
Buda dizia: “Quando você diz ‘um homem está caminhando’, o que você quer dizer? Onde
está o homem? Somente o caminhar existe. O que você quer dizer com ‘o homem’? ” Quando
nós dizemos “um homem está caminhando”, parece que existe alguma coisa como um homem e
alguma coisa como o caminhar – duas coisas unidas. Buda diz que existe o caminhar.
Quando você diz “O rio está fluindo”, o que você quer dizer? Existe apenas o fluir e esse fluir
é o rio. O caminhar é o homem, o ver é o homem, levantar e sentar é o homem. Se você eliminar
tudo isso – caminhar, sentar, levantar, pensar, sonhar – existirá um homem por trás? Não haverá
nenhum homem por trás. Mas a linguagem cria um mundo diferente e, por nos movermos
constantemente nas palavras, continuamos nos movendo para longe.
Assim, a primeira coisa a ser lembrada é de como não permitir palavras desnecessárias.
Quando houver uma necessidade, você pode usá-las, mas quando não houver necessidade,
permaneça vazio, permaneça não-verbal, mouna, permaneça em silêncio. Não há necessidade de
estar constantemente verbalizando as coisas.
Em segundo lugar, não projete. Não verbalize, não projete. Olhe para o que está presente.
Não adicione coisas e depois olhe. Você vê um rosto. Quando você diz “ele é belo”, você está
colocando alguma coisa nele; ou se você diz “ele é feio”, você novamente está colocando alguma
coisa nele. Um rosto é um rosto. Beleza e feiura são suas interpretações. Elas não estão
presentes, porque o mesmo rosto pode ser belo para alguém e feio para outro alguém. E para um
terceiro ele pode não ser nenhum dos dois. Outra pessoa pode-lhe ser indiferente; pode nem
mesmo olhá-lo... – para o mesmo rosto! O rosto é simplesmente um rosto. Não coloque coisas
nele; não projete. Suas projeções são seus sonhos e, se você projeta, então, você falha. E isso está
acontecendo todo dia.
Você vê que um rosto é belo; então, o desejo é criado. O desejo não é por esse rosto, nem por
esse corpo; ele vem por sua própria interpretação, sua própria projeção. A pessoa que está
presente, a pessoa real, foi usada como uma tela, e você se projetou ali. E então a desilusão está
fadada a acontecer, porque o rosto real não pode ser forçado a se tornar irreal por sua projeção.
Mais cedo ou mais tarde, a projeção terá de ser abandonada e o rosto real se revelará e, então,
você sentirá que foi enganado. Você dirá: “O que aconteceu com esse rosto? Esse rosto era tão
belo e essa pessoa era tão bela e, agora, tudo ficou feio! ”. Novamente você estará interpretando.
A pessoa permanece o que ela é, mas suas interpretações e projeções continuam e você nunca
permite a energia se revelar por si mesma. Você continua a reprimi-la. Você reprime interna e
externamente também. Você nunca permite à realidade se revelar por si mesma.
Eu estou me lembrando de um dia em que um vizinho perguntou a Mulla Nasruddin se
poderia usar o seu cavalo por algumas horas. O Mulla disse: “Eu ficaria contente de dar meu
cavalo a você, mas minha esposa saiu com meu cavalo e eles ficarão fora o dia todo”.
Exatamente nesse momento, pôde-se escutar o relincho do cavalo no estábulo. Então, o homem
olhou para Mulla Nasruddin. Nasruddin disse: “Bem, em quem você acredita: em mim ou no
cavalo? E o cavalo, além disso, é um notório mentiroso. Em quem você acredita? ”.
Nós criamos um mundo inverídico à nossa volta, devido às nossas projeções, mas se a
realidade se revela e o cavalo relincha no estábulo, nós perguntamos: “Em quem você acredita?
”. Nós sempre acreditamos em nós mesmos, não na realidade que continua se revelando. Ela está
se revelando a todo momento, mas nós continuamos forçando nossas ilusões. É por isso que todo
homem fica desiludido no final. Não é por causa da realidade. Todo homem e toda mulher se
sentem desiludidos no final, como se toda a vida tivesse sido desperdiçada. Mas, então, você não
pode fazer nada – não pode desfazer tudo. O tempo não mais está com você. O tempo voou e a
morte está perto e você está desiludido e, agora, a oportunidade foi perdida.
Por que todo mundo se sente desiludido? Não somente aqueles que não têm sucesso na vida,
mas aqueles que têm sucesso na vida, eles também sentem a mesma coisa. Tudo bem que os
malsucedidos sintam-se desiludidos, mas mesmo aqueles que têm sucesso se sentem desse jeito.
Napoleões e Hitlers e Alexandres, eles também se sentiram desiludidos. A vida inteira foi
desperdiçada. Por quê? A causa está realmente na realidade, ou a causa está nos sonhos que você
esteve projetando? E, então, você não pôde mais projetá-los e a realidade se afirmou. E, no final,
a realidade vence e você é derrotado. Você pode vencer somente se não estiver projetando.
Assim, lembre-se da segunda coisa: olhe diretamente as coisas como elas são. Não projete,
não interprete, não force sua mente em cima das coisas. Permita à realidade se revelar, seja ela
qual for. Isso sempre é bom. E por mais belo que sejam seus sonhos, eles são ruins, porque você
estará destinado a uma jornada de desilusão. E quanto mais cedo você for desiludido, melhor.
Mas, uma vez que uma ilusão vai embora, imediatamente você começa a criar outra para
substitui-la.
Permita um intervalo. Entre duas ilusões, permita um intervalo. Permita um intervalo de
forma que a realidade possa ser vista. Isso é muito árduo: olhar para a realidade como ela é. Ela
pode não estar de acordo com os seus desejos. Não há nenhuma necessidade de ela estar de
acordo com os seus desejos. Mas você tem de viver com a realidade, viver nela – e você está
nela! É melhor chegar a um acordo com a realidade do que continuar enganando a si mesmo.
Mas você não está consciente de como você não para de projetar. Alguém diz alguma coisa e
você compreende algo diferente. E você alicerça as coisas em cima de sua compreensão. E,
então, você monta uma casa de cartas a partir disso, você cria um castelo de cartas: “Isso nunca
foi dito! Foi uma outra coisa que foi proposta! ”.
Sempre olhe o que está presente. Não seja apressado. É melhor não compreender alguma
coisa do que compreender mal. É melhor permanecer conscientemente ignorante do que pensar
que você sabe. Olhe nos seus relacionamentos – para o marido, para a esposa, o amigo, o
professor, o patrão, o empregado – olhe! Todo mundo está pensando de seu próprio jeito,
interpretando o outro; e não há encontro, nenhuma comunicação. Então, eles vivem brigando, em
constante conflito. O conflito não é entre duas pessoas, o conflito é entre imagens falsas.
Fique alerta de forma que você não tenha nenhuma falsa imagem de ninguém mais.
Permaneça com o real, por mais duro que seja, por mais árduo e difícil, mesmo se algumas vezes
isso parecer impossível. Mas, uma vez que você conheça a beleza de permanecer com o real,
você nunca se tornará uma vítima do sonho.
E, em terceiro lugar, por que você sonha? Trata-se de um substitutivo. Sonhar é um
substitutivo. Se você não pode ter o que você deseja na realidade, então, você começa a sonhar.
Por exemplo: se você jejuou o dia todo, à noite você sonhará. Você sonhará com comida, com
ser convidado por um grande imperador, ou alguma coisa parecida. Você comerá e comerá e
comerá em seu sonho. O dia todo você esteve jejuando e, agora, à noite você está comendo. Se
você é reprimido sexualmente, então, seus sonhos se tornarão sexuais. Através de seus sonhos,
pode ser conhecido o que você está reprimindo durante o dia. Seu jejum durante o dia será
mostrado por seu sonho. Os sonhos são substitutivos; e os psicólogos dizem que será difícil para
o homem, como ele é, viver sem sonhos. E eles estão certos de certa forma. Como o homem é,
será difícil viver sem sonhos; mas se você quer uma transformação, então, você tem de viver sem
sonhos.
Por que os sonhos são criados? Por causa dos desejos. Desejos insatisfeitos se tornam sonhos.
Estude o seu desejo; esteja alerta e observe-o. Quanto mais você o observar, mais ele
desaparecerá. E, então, você não criará redes na mente e não se moverá para um mundo privado
de sua própria criação. Sonhos não podem ser compartilhados; mesmo dois amigos íntimos não
podem compartilhar seus sonhos. Você não pode convidar ninguém para os seus sonhos. Por
quê? Você e sua amada não podem estar no mesmo sonho. Seu sonho é seu; o sonho da outra
pessoa é dela. Eles são privados. A realidade não é tão privada, somente a loucura é privada. A
realidade é universal, você pode compartilhá-la; você não pode compartilhar sonhos. Eles são
sua loucura privada – ficções. Então, o que é para ser feito?
Uma pessoa pode, durante o dia, viver tão totalmente, que nada seja deixado em suspenso. Se
você está comendo, coma totalmente. Desfrute isso tão totalmente, que você não necessitará de
nenhum sonho à noite. Se você está amando alguém, ame tão totalmente, que nenhum amor entre
em seus sonhos. O que quer que você faça durante o dia, faça isso tão totalmente, que nada fique
suspenso na mente, que nada fique incompleto e tenha de ser completado nos sonhos. Tente isso,
e dentro de alguns meses você terá uma qualidade diferente de sono. Os sonhos irão se tornando
cada vez menos e o sono profundo irá se aprofundar. E, quando à noite os sonhos diminuírem,
durante o dia as projeções irão diminuir, porque, na verdade, seu sono continua e seu sonho
continua. Com olhos fechados à noite e com olhos abertos durante o dia, eles continuam.
Internamente uma corrente continua.
A qualquer momento, feche seus olhos e espere – e você verá que o filme voltou; o sonho está
passando. Ele sempre está presente, esperando por você. Ele é como as estrelas durante o dia.
Elas não desapareceram, mas somente por causa da luz do sol você não as pode ver. Elas estão lá
esperando e, quando o sol se puser, começarão a aparecer.
Seus sonhos são exatamente dessa maneira. Movem-se dentro de você mesmo quando você
está acordado. Eles estão apenas esperando. Feche os olhos e eles começam a funcionar.
Quando os sonhos diminuírem à noite, durante o dia você terá uma qualidade de vigília
diferente. Se sua noite muda, seu dia muda; se seu sono muda, seu estado de vigília muda. Você
estará mais alerta. Com menos sonhos passando internamente, você estará menos sonolento.
Você olhará mais diretamente.
Então, não deixe nada em suspenso – isso é uma coisa. E o que quer que você esteja fazendo,
permaneça com o ato. Não se mova para nenhum outro lugar. Se você está tomando banho,
esteja presente. Esqueça o mundo todo. Agora “este” banho é o universo todo. Todas as coisas
pararam; o mundo desapareceu. Existe somente você e o banho. Permaneça presente. Mova-se
com cada ato tão totalmente, de forma que você não fique lá atrás, nem saltando para frente;
você fica com o ato. Então, os sonhos desaparecerão e, com menos sonhos, você será mais capaz
de penetrar a realidade.

68 Viva sem a esperança

Agora a técnica. A técnica está relacionada a isso.

Assim como uma galinha cuida de seus pintinhos, cuide dos seus conhecimentos, de suas
ações, na realidade.

O termo chave é “na realidade”. Você também está cuidando de muitas coisas, mas nos
sonhos – não na realidade. Você também está fazendo muitas coisas, mas nos sonhos – não na
realidade. Não nutra os sonhos, não ajude o sonho a crescer mais em você; não dê a sua energia
para o sonho. Afaste-se de todos os sonhos. Será difícil, porque você investiu muito em seu
sonho. Se você, de repente, sair totalmente dos sonhos, você se sentirá como que submergindo e
morrendo, porque você sempre viveu em um sonho adiado. Você nunca esteve aqui e agora, você
sempre esteve em um outro lugar. Você esteve esperando.
Você já ouviu falar da parábola grega da caixa de Pandora? Para se vingar de certa ação de
um homem, Pandora enviou uma caixa; e a caixa continha todas as doenças que agora são
ferozes na humanidade. Elas não existiam antes e, quando a caixa foi aberta, as doenças foram
liberadas. Pandora, ficando com medo depois de ver as doenças, fechou a caixa. Somente uma
doença permaneceu lá: a esperança. Se não fosse isso o homem poderia ter desaparecido – todas
essas doenças poderiam tê-lo matado, mas, por causa da esperança, ele continuou.
Por que você está vivendo? Você já se perguntou? Não há nada para o qual se viver aqui e
agora. Há apenas esperança. Você está carregando uma caixa de Pandora. Por que você está
vivendo exatamente agora? Por que você se levanta toda manhã? Por que você recomeça o dia
todo novamente, nova e novamente? Por que essa repetição? Qual é a razão? Exatamente agora,
você não pode encontrar nenhuma razão do porquê você está vivendo. E, se você encontrar
alguma coisa, será alguma coisa no futuro – uma esperança de que alguma coisa irá acontecer:
algum dia, “alguma coisa” irá acontecer. Você não sabe quando esse dia chegará; você nem
mesmo sabe o que é isso que irá acontecer – mas algum dia “alguma coisa irá acontecer” e,
assim, você continua se prolongando, você continua se carregando.
O homem vive apenas na esperança e isso não é vida, porque esperança significa sonho. A
menos que você viva aqui e agora, você não está vivo. Você é um peso morto e aquele amanhã
que satisfará todas as suas esperanças nunca chegará. Quando a morte chegar, somente então,
você compreenderá que agora não haverá amanhã e agora você não pode adiar. Então, você se
sentirá desiludido, enganado – mas ninguém o enganou, a enganou; você é o mestre de toda a
confusão.
Tente viver no momento, no presente e não acalente esperanças, qualquer que seja a natureza
delas. Elas podem ser mundanas, podem ser de outro plano; isso não faz diferença. Podem ser
religiosas – em algum lugar no futuro, em outro mundo, no paraíso, no nirvana, depois da morte
–, mas isso não faz diferença. Não viva com a esperança. Não saia do momento aqui e agora.
Não saia! Sofra-o, mas não permita que a esperança entre.
Através da esperança o sonho entra. Viva sem a esperança. Se a vida for inauspiciosa, seja
inauspicioso. Aceite-a, mas não se apegue a nenhum evento futuro. Então, de repente, haverá
uma mudança. Uma vez que você permaneça no momento presente, os sonhos param – porque,
então, eles não podem surgir. A fonte secou. Você coopera com eles, você os nutre; é por isso
que eles surgem. Não coopere com eles, não os nutra.
Esse sutra diz: ...cuide de seus conhecimentos. Por que de seus conhecimentos? Você também
cuida, mas cuida de teorias, não de conhecimentos; de escrituras, não de conhecimentos; de
hipóteses, sistemas, filosofias, pontos de vistas – mas nunca de conhecimentos.
Este sutra diz: jogue-os fora. Escrituras, teorias, elas não são úteis. Tenha sua própria
experiência com o real, seus próprios conhecimentos; e nutra-os. Por mais trivial que seja, um
conhecimento real é alguma coisa. Você pode basear a sua vida nele. O que quer que seja,
sempre pense nos conhecimentos reais, particulares, que você conheceu.
Você conheceu alguma coisa? Você conhece muitas coisas, mas tudo é tomado emprestado.
Alguém as disse, alguém as deu a você. Professores, pais, sociedade, eles condicionaram a sua
mente. Você “sabe” sobre Deus, você “sabe” sobre o amor, você “sabe” sobre meditação. Você
não sabe nada na verdade! Você não saboreou nada, tudo é tomado emprestado. Algum outro
saboreou; o saboreio não é seu. Algum outro viu, mas você tem os seus próprios olhos e você
não os usou. Algum outro experimentou – um Buda experimentou, um Jesus experimentou – e
você simplesmente continua tomando emprestado os conhecimentos deles. Eles são falsos! Para
você, eles não são úteis. Eles são mais perigosos do que a ignorância, porque a ignorância é sua e
o conhecimento é tomando emprestado.
É melhor ser ignorante; pelo menos a ignorância é sua. Ela é autêntica, é real, sincera e
honesta! Não continue com o conhecimento tomando emprestado. Do contrário você se
esquecerá de que é ignorante e você permanecerá ignorante.
Este sutra diz: nutra conhecimentos seus. Sempre tente conhecer alguma coisa de uma
maneira que seja nova – diretamente, imediatamente. Não acredite em ninguém. Sua crença o
conduzirá para fora do caminho – acredite em si mesmo – e, se você não pode acreditar em si
mesmo, como você pode acreditar em outra pessoa?
Sariputta aproximou-se de Buda e disse: “Eu vim para acreditar em você. Eu vim! Ajude-me
a construir a fé em você”.
Consta que Buda disse: “Se você não acredita em si mesmo, pode acreditar em mim? Assim,
esqueça-me. Primeiro tenha confiança em si mesmo. Somente então, você pode ter confiança em
outra pessoa”.
Assim, lembre-se disto: Você não pode confiar em ninguém se você não puder ao menos
confiar em si mesmo. A primeira confiança é sempre interior. Somente então, ela pode fluir;
somente então, ela pode transbordar: ela pode atingir os outros. Mas, como você pode confiar, se
você não conhece nada? Como você pode confiar em si mesmo se você não tem nenhuma
experiência? Tente confiar em si mesmo. Não pense que a experiência de olhar através dos olhos
dos outros é só com as coisas do absoluto. Ela é assim com as experiências ordinárias também.
Mas deixe-as serem suas próprias. Elas o ajudarão a crescer, elas o tornarão maduro, elas o farão
amadurecer.
Isso é realmente estranho: você olha com os olhos dos outros, você vive com as vidas dos
outros. Você chama uma rosa de bela. Na verdade: isso é a sua sensação ou apenas um
ensinamento, que foi espalhado à sua volta, de que uma rosa é bela? Isso é seu conhecimento?
Você conheceu? Você diz que o luar é bom, belo. Isso é seu conhecimento ou é o que os poetas
estiveram cantando e você está repetindo? Se você é como um papagaio, você não pode viver sua
vida autenticamente. Sempre que você afirmar alguma coisa e sempre que você disser alguma
coisa, antes cheque, internamente, se aquilo é seu conhecimento e sua experiência.
Jogue fora tudo que não é seu – não tem utilidade – e afague e cuide de tudo o que é seu,
porque somente através disso você crescerá. Cuide dos conhecimentos seus, de suas ações, na
realidade. Lembre-se sempre: “na realidade”. Faça alguma coisa. Você já fez alguma coisa
algum dia, ou você esteve apenas seguindo os outros, apenas seguindo ordens? “Ame a sua
esposa.” Você na verdade a amou? Ou você está apenas cumprindo uma obrigação, porque isso
lhe foi dito, porque isso lhe foi ensinado. “Ame a sua esposa, ame a sua mãe, ame o seu pai, ame
o seu irmão”... – então, você está amando, está seguindo?
Na verdade, você amou alguma vez quando você estava ali? Alguma vez aconteceu de
nenhum ensinamento estar funcionando, de nenhum ensinamento estar sendo seguido? Você
alguma vez esteve autenticamente amando?
Você pode enganar a si mesmo; você pode dizer: “Sim! ”. Mas descubra antes de dizer
alguma coisa. Se você amasse, você seria transformado; o próprio ato de amar o teria
transformado. Mas ele não o transformou, porque seu amor é falso. E a vida inteira se tornou
falsa. Você continua fazendo coisas que não são suas. Faça a sua coisa e cuide dela.
Buda é bom, mas você não pode segui-lo. Jesus é bom, belo, mas você não pode segui-lo. E
se você seguir, você se tornará feio. Você se tornará uma cópia carbono. Você será falso e você
não será aceito pela existência. Nada falso é aceito. Ame um Buda, ame um Jesus, mas não seja
cópia carbono deles. Não imite. Sempre permita seu próprio ser mover-se de seu próprio jeito.
Você se tornará semelhante a um Buda um dia, mas o caminho será basicamente o seu próprio.
Um dia, você se tornará um Jesus, mas você irá viajar numa rota diferente, você experimentará
coisas diferentes.
Uma coisa é certa: qualquer que seja a rota e qualquer que seja a experiência, elas deverão ser
autênticas, reais e suas. Então, você chegará um dia. Através da falsidade você não pode chegar
verdadeiramente; a falsidade conduzirá a mais falsidade.
Faça alguma coisa, lembrando-se bem de que é você que a está fazendo, sem seguir ninguém.
Então, mesmo um pequeno ato, apenas um sorriso, pode se tornar uma fonte de satóri, uma fonte
de samádhi – consciência cósmica. Você volta para casa e sorri para seus filhos. Esse sorriso é
falso; você está fingindo. Você está sorrindo, porque se espera um sorriso. É um sorriso pintado.
Nada mais está sorrindo em você além dos lábios. Eles são manipulados; o sorriso é mecânico. E
você pode se tornar tão habituado nisso, que pode se esquecer completamente de como sorrir.
Você pode rir, mas a risada pode não estar vindo de seu centro.
Lembre-se sempre, não importa o que você esteja fazendo, observe se seu centro está
envolvido naquilo ou não, porque se ele não estiver envolvido é melhor não fazer a coisa. Não a
faça! Ninguém o está forçando a fazer algo. Não o faça! Preserve a sua energia para o momento
em que alguma coisa real lhe aconteça; então, faça-a. Não sorria, preserve a energia. O sorriso
virá e, então, ele o transformará completamente. Então, ele será total. Então, todas as células de
seu corpo irão sorrir. Então, será uma explosão – nada pintado.
E as crianças sabem, você não as pode enganar. No momento em que você pode enganá-las,
elas não mais são crianças. Elas sabem quando seu sorriso é falso, elas podem detectar: qualquer
um que seja real irá detectar. Suas lágrimas são falsas, seu sorriso é falso. Esses são pequenos
atos, mas você é feito de pequenos atos. Assim não pense em fazer algo grande – que, então,
você fará isso. Se você for falso em pequenas coisas, você sempre será falso.
É fácil ser falso em coisas grandes. Se você é falso em pequenas coisas, é muito fácil ser falso
em grandes coisas, porque coisas grandes estão sempre em exibição. São para os outros verem;
então, você pode muito facilmente ser falso.
Você pode ser um santo, se a santidade é algo respeitado. Então, você está em exibição –
apenas uma peça de exibição. Você pode ser um santo, porque isso é algo respeitado e
preenchedor do ego. Mas tudo será falso.
Pense: se uma sociedade muda suas atitudes como foram mudadas na Rússia soviética ou na
China, imediatamente os santos desaparecem – porque não há respeito por eles.
Eu me lembro de um amigo meu, um bhikkhu[1] budista que foi para a Rússia soviética nos
dias de Stalin. Ele me contou que sempre quando alguém apertava a sua mão, de repente, o
homem se esquivava e dizia: “Você tem a mão de um burguês”. Ele tinha mãos muito belas.
Sendo um bhikkhu, ele nunca tinha feito nada; ele era um mendicante, um mendicante régio;
assim, ele nunca tinha tido qualquer trabalho. Suas mãos eram muito lisas, belas, femininas. Na
índia, sempre que alguém tocasse suas mãos diria: “Tão belas! ”. Na Rússia, sempre que alguém
tocava as mãos dele, se esquivava. E a condenação poderia vir nos olhos e a pessoa poderia
dizer: “Então, você tem mãos burguesas, as mãos de um explorador! ”. Ele voltou e me contou:
“Eu me senti tão condenado lá, que ansiei ser um trabalhador”.
Os santos desapareceram da Rússia, porque agora não há respeito. Toda aquela santidade que
havia, era somente de exibição; era uma peça de exibição, pintada. Somente santos reais podem
existir agora na Rússia. Para os irreais não há possibilidade, porque você terá de lutar para ser
um santo e toda a sociedade estará contra você. Na índia, o jeito mais fácil de sobreviver e existir
é ser um santo. Todo mundo o respeita. Você pode ser falso e a falsidade recompensa.
Lembre-se disto: desde manhã bem cedo, quando você abrir seus olhos, tente ser real e
autêntico. Não faça nada que seja falso. Somente por sete dias, continue se lembrando. Não faça
nada que seja falso. Tudo que for perdido, deixe ser perdido. Tudo o que você perder, perca. Mas
permaneça real e em sete dias uma nova vida será sentida dentro de você. As camadas mortas
serão quebradas e uma nova corrente viva chegará a você. Você se sentirá vivo novamente pela
primeira vez – uma ressurreição.
Cuide das ações... cuide dos conhecimentos... na realidade – não no sonho. Faça tudo o que
você goste de fazer, mas pense – realmente, você está fazendo aquilo, ou sua mãe o está fazendo
através de você, ou seu pai o está fazendo através de você? Porque os mortos, pais mortos,
sociedades, velhas gerações de muito tempo ainda estão funcionando dentro de você. Elas
criaram tamanho condicionamento, que você os continua satisfazendo. E eles estiveram
satisfazendo seus pais e mães mortos. E você está satisfazendo seus pais e mães mortos e
ninguém está satisfeito. Como você pode satisfazer alguém que está morto? Mas a morte está
vivendo através de você.
Sempre observe quando você faz alguma coisa, se seu pai está fazendo através de você ou se
você a está fazendo. Quando você fica com raiva, é a sua raiva ou é a maneira como o seu pai
ficava com raiva? Você está apenas imitando. Eu tenho visto padrões continuarem, sendo
repetidos. Se você se casar, seu casamento será muito parecido com o de seu pai e de sua mãe.
Você agirá como seu pai, sua esposa agirá como a mãe dela e vocês criarão a mesma confusão
novamente. Quando você ficar com raiva, observe: você está presente ou é outra pessoa? Quando
você amar, lembre-se: você está presente ou é outra pessoa? Quando você falar alguma coisa,
lembre-se: você está falando ou é seu professor? Quando você fizer um gesto, lembre-se: é seu
ou outra pessoa está presente em sua mão? Será difícil, mas isso é sadhana – é isso o que
significa esforço espiritual.
E abandone toda falsidade. Você poderá sentir uma certa insipidez temporariamente, porque
todas as suas falsidades cairão e o real levará tempo para chegar e se firmar por si mesmo.
Haverá um período de um intervalo. Permita esse período e não fique com medo e não fique
alarmado. Mais cedo ou mais tarde seus falsos eus cairão, as máscaras cairão e sua face real
nascerá. Somente através dessa face real, você pode encontrar Deus. É por isso que este sutra
diz: Assim como uma galinha cuida de seus pintinhos, cuide dos seus conhecimentos, de suas
ações, na realidade.

69 Vá além da servidão e da liberdade

O segundo sutra:

Uma vez que, na verdade, ‘servidão’ e ‘liberdade’ são relativas, estas palavras são
apenas para aqueles aterrorizados com o universo. Este universo é o reflexo das mentes.
Assim como você vê muitos sóis na água a partir de um único sol, assim veja a servidão e a
libertação.

Esta é uma técnica muito profunda, uma das mais profundas, e somente mentes muito raras
devem tentá-la. O Zen está baseado nesta técnica. Essa técnica está dizendo uma coisa muito
difícil – difícil de se compreender, não difícil de se experimentar. Mas, primeiramente, a
compreensão é necessária.
Esse sutra diz que o mundo e o nirvana não são duas coisas, são um; que céu e inferno não
são duas coisas, são um; e que servidão e libertação não são duas coisas, são uma só. É difícil
porque nós só podemos conceber alguma coisa facilmente se ela funciona em termos de opostos
polares.
Nós dizemos que este mundo é servidão e, assim, como sair deste mundo e ser livre? Então a
libertação é algo que é oposto, que não é servidão. Mas esse sutra diz que ambos são o mesmo –
libertação e servidão –; e a menos que você esteja livre de ambos você não é livre. A servidão
confina e a libertação também. A servidão é uma escravidão e a libertação também.
Tente entender isso. Olhe para uma pessoa que está tentando ir além da servidão. O que ela
está fazendo? Ela deixa a casa, deixa a família, deixa as riquezas, deixa as coisas do mundo,
deixa a sociedade justamente para sair da servidão, para sair dos grilhões do mundo. Então, ela
cria novos grilhões para si mesma. Esses grilhões são negativos.
Eu vi um santo que não podia tocar no dinheiro. Ele era respeitado – ele está fadado a ser
respeitado por aqueles que estão loucos atrás do dinheiro. Ele se moveu para o outro polo. Se
você colocar dinheiro em sua mão, ele irá arremessá-lo como se existisse algum veneno ou como
se você tivesse colocado algum escorpião em sua mão. Ele irá arremessá-lo e ficará assustado.
Um tremor sutil toma conta de seu corpo.
O que está acontecendo? Ele esteve lutando contra o dinheiro. Ele deve ter sido um homem
avarento – muito avarento: só então ele pode mover-se para esse extremo. Ele pode ter vivido de
forma muito obsessiva com o dinheiro. Ele continua obcecado, mas agora na direção contrária.
Todavia a obsessão ainda está presente.
Eu conheço um saniássin que não pode olhar um rosto feminino. Ele fica temeroso. Ele
sempre olhará para baixo, ele nunca olhará para cima, se alguma mulher estiver presente. Qual é
o problema? Ele deve ter sido muito sexual, obcecado pelo sexo. Ele continua obcecado, mas
antes ele vivia correndo atrás desta ou daquela mulher e agora ele está correndo das mulheres –
desta e daquela. Mas ele continua obcecado pelas mulheres. Quer ele esteja correndo atrás, quer
esteja fugindo, sua obsessão permanece. Ele pensa que agora está livre das mulheres, mas isso é
uma nova servidão. Você não pode se tornar livre por reação. A coisa contra a qual você vai, irá
atá-lo negativamente; você não pode escapar disso. Se uma pessoa é contra o mundo e a favor da
libertação, ela não pode ser livre; ela ainda permanece no mundo. A atitude de ser contra é uma
servidão.
Este sutra é muito profundo. Ele diz: Uma vez que, na verdade, ‘servidão’ e liberdade’ são
relativas... Elas não são opostas, elas são relativas. O que é liberdade? Você diz: “Não-servidão”.
E o que é servidão? Você diz: “Não-liberdade”. Você pode defini-las uma pela outra. Elas são
exatamente como calor e frio, não opostos. O que é calor e o que é frio? São apenas graus de um
mesmo fenômeno – graus de temperatura – mas o fenômeno é o mesmo e eles são relativos. Se
em um balde há água fria e em outro há água quente e você coloca em ambos as suas mãos –
uma no quente e uma no frio – o que você irá sentir? Uma diferença de graus.
E se primeiro você esfriar ambas as mãos no gelo e então as colocar na água quente e na fria,
o que acontecerá? Agora novamente você irá sentir uma diferença. Sua mão fria agora irá sentir
mais calor na água quente do que sentiu antes. E se sua outra mão se tornou fria, mais fria do que
a água fria, então essa água agora parecerá quente; você não a sentirá como fria. É relativo. Há
apenas graus de diferença, mas o fenômeno é o mesmo.
O tantra diz que servidão e libertação, sansara e moksha, não são duas coisas, mas um
fenômeno relativo – da mesma coisa. Assim o tantra é único. O tantra diz que você tem de ser
liberado não somente da servidão; você tem que ser liberado de moksha também. A menos que
você seja liberado de ambos, você não é livre.
Assim, a primeira coisa: não tente ir contra nada, porque você irá se mover para alguma coisa
que pertence a ela. Parece oposto, mas não é. Não se mova do sexo para brahmacharya. Se você
está tentando mover-se do sexo para brahmacharya, seu brahmacharya não será nada além de
sexualidade. Não se mova da avareza para a não-avareza, porque essa não-avareza será
novamente uma avareza sutil. É por isso que se uma tradição lhe ensina a ser não-avarento, ela
lhe dá algum motivo vantajoso.
Eu estive com um santo e ele disse a seus seguidores: “Se vocês deixarem a avareza, vocês
irão conseguir mais no outro mundo. Se vocês deixarem a avareza, vocês irão ganhar muito no
outro mundo! ”. Aqueles que são avarentos, avarentos pelo outro mundo, serão influenciados por
aquilo. Eles podem ser motivados e eles estarão prontos para deixar muitas coisas, para ganhar.
Mas a motivação de ganhar permanece; do contrário como um homem avarento pode se mover
para a não-avareza? Algum motivo deve existir, que satisfaça profundamente sua avareza.
Então, não crie polos opostos. Todos os opostos estão relacionados; eles são graus do mesmo
fenômeno. Se você se tornar consciente disso, você dirá que ambos os polos são iguais. Se você
puder sentir isso, que ambos os polos são iguais e se essa sensação se aprofundar, você será
liberado de ambos. Então, você não é a favor nem do sansara nem do moksha. Na verdade,
então, você não está pedindo nada; você cessou de pedir. Nesse cessar, você é liberado. Nessa
sensação de que tudo é igual, o futuro será abandonado. Para onde você pode se mover agora? O
sexo e brahmacharya ambos são iguais, assim para onde a pessoa vai? E se avareza e não-
avareza são iguais, e violência e não-violência são iguais, para onde a pessoa deve se mover?
Não há lugar para onde ir. Então, o movimento cessa; não existe futuro. Você não pode
desejar nada, porque todos os desejos serão iguais; a diferença será apenas de graus. O que você
pode desejar? Algumas vezes eu pergunto às pessoas – quando elas vêm à mim, eu lhes
pergunto: “O que você realmente deseja?”. O desejo delas está baseado nelas, em como elas são.
Se elas são avarentas, desejam não-avareza; se elas são sexuais, obcecadas por sexo, desejam
brahmacharya – como estar além do sexo – porque elas são miseráveis em seu sexo.
Mas esse desejo por brahmacharya está baseado, enraizado, em sua sexualidade. Perguntam:
“Como sair deste mundo?”. O mundo é demais para elas, estão muito sobrecarregadas e estão
muito apegadas – porque o mundo não pode sobrecarregá-lo, a menos que você se apegue a ele.
A carga está em sua cabeça – não por causa da carga, mas por sua própria causa: você a está
carregando. E elas estão carregando o mundo todo; então, ficam sobrecarregadas. E, nessa
experiência de miséria, surge um novo desejo do oposto, de forma que elas começam a desejar o
oposto.
Elas estavam correndo atrás de dinheiro; então agora, estão correndo atrás de meditação.
Estavam correndo atrás de algo neste mundo; agora estão correndo atrás de algo naquele mundo.
Mas o correr permanece e o correr é o problema. O objeto é irrelevante. O desejo é o problema.
O que você deseja não importa. Você deseja, este é o problema; e você continua mudando os
objetos. Hoje você deseja A, amanhã deseja B e você pensa que está mudando. Então, no dia
depois de amanhã, você deseja C e você pensa que está transformado. Mas você é o mesmo.
Você desejou A, você desejou B, você desejou C e A-B-C não são você. Você deseja – isto é
você e isto permanece igual. Você deseja a servidão; então, você fica frustrado, farto; aí então,
você deseja libertação. Você deseja e o desejo é a servidão. Assim, você não pode desejar a
libertação.
O desejo é a servidão. Então, você não pode desejar a libertação. Quando o desejo cessa, a
liberação está presente. É isto o que esse sutra diz: ...na verdade, servidão e liberdade são
relativas. Então não se torne obcecado com o oposto.
Essas palavras são apenas para aqueles aterrorizados com o universo. Essas palavras,
‘escravidão’ e ‘liberdade’ são para aqueles que estão aterrorizados com o universo.
Este universo é o reflexo das mentes. Tudo o que você vê neste universo é um reflexo. Se ele
parece servidão, isso significa que é seu reflexo. Se ele parece libertação, novamente é seu
reflexo.
Assim como você vê muitos sóis na água a partir de um único sol, assim, veja a servidão e a
libertação. O sol brilha e existem muitas lagoas – sujas e puras, pequenas e grandes, belas e feias
– e um sol se reflete em muitas lagoas. Aquele que continua contando os reflexos pensará que
existem muitos, muitos sóis. Aquele que olha não para os reflexos mas para a realidade verá um
só. O mundo, como você o olha, o reflete, a reflete. Se você é sexual, o mundo inteiro lhe
parecerá sexual. Se você é um ladrão, o mundo inteiro lhe parecerá estar na mesma profissão.
Uma vez Mulla Nasruddin e sua esposa estavam pescando e a área era restrita; somente
portadores com licença poderiam pescar ali. De repente um policial apareceu; então, a esposa de
Mulla disse: “Mulla, você tem a licença, então saia correndo. Enquanto isso, eu dou um jeito de
escapar”.
Então, o Mulla começou a correr. Ele correu e correu e correu e o policial o seguiu. O Mulla
deixou sua esposa lá e o policial foi atrás dele. O Mulla correu e correu até sentir que o seu
coração poderia explodir. Mas nesse momento o policial o pegou. O policial também estava
transpirando e disse: “Onde está a sua licença? ”. Então, o Mulla mostrou seus documentos. O
policial olhou-os e eles estavam corretos. Então ele disse: “Por que você estava correndo,
Nasruddin? Por que você saiu correndo?”.
Nasruddin disse: “Eu estou me consultando com um médico e ele disse que depois de cada
refeição eu corresse por meia milha”.
O policial disse: “Tudo bem, mas você me viu correndo atrás de você, perseguindo-o,
gritando... Por que você não parou?”
Nasruddin disse: “Eu pensei que talvez você fosse do mesmo médico”.
É lógico; isso é o que está acontecendo. Tudo o que você vê à sua volta é mais um reflexo de
você do que algo real. Você olha a si mesmo espelhado em todo lugar. No momento em que você
muda, os reflexos mudam. No momento que você se torna totalmente silencioso, o mundo todo
se torna silencioso. O mundo não é uma servidão: a servidão é um reflexo. E o mundo não é uma
liberação; a liberação é novamente um reflexo.
Um Buda percebe o mundo todo em nirvana. Um Krishna percebe o mundo todo celebrando
em êxtase, em bem-aventurança; não há nenhuma miséria. Mas o tantra diz que o que quer que
você veja é um reflexo, a menos que tudo o que for visto desapareça e somente o espelho seja
visto sem qualquer coisa refletindo nele. Essa é a verdade.
Se alguma coisa é vista, é apenas um reflexo. A verdade é una; muitos só podem ser reflexos.
Uma vez que isso seja entendido – não teoricamente, mas existencialmente, através da
experiência – você é liberado, liberado de ambas, da servidão e da liberação.
Quando Naropa se tornou iluminado, lhe perguntaram: “Você atingiu a libertação agora?”
Naropa disse: “Ambos, sim e não. Sim, eu não estou na servidão; e não, porque aquela
liberação era também um reflexo da servidão. Eu pensava nela por causa da servidão”.
Olhe para isto desta maneira: você está doente, então você anseia por saúde. Esse anseio por
saúde é parte de sua doença. Se você estiver realmente saudável, você não ansiará por saúde.
Como você poderia? Se você estiver realmente saudável; onde estaria o anseio? Qual é a
necessidade? Quando você está realmente saudável, você nunca sente que está saudável.
Somente pessoas doentes, enfermas sentem que estão saudáveis.
Qual é a necessidade? Como você pode sentir que está saudável? Se você nasceu saudável e
você nunca ficou doente, você será capaz de sentir a sua saúde? A saúde está presente, mas ela
não pode ser sentida. Ela pode ser sentida somente através do contraste, através do oposto.
Somente através do oposto as coisas são sentidas. Se você está doente, você pode sentir a saúde –
e se você está se sentido saudável, lembre-se, você ainda está doente.
Assim Naropa diz: “Ambos, sim e não. ‘Sim’ porque não há servidão agora; mas, junto com a
servidão, a libertação também desapareceu; por isso o ‘não’. Uma fazia parte da outra. Agora eu
estou além de ambas – nem na servidão, nem na liberação”:
Não torne a religião uma busca, um desejo. Não torne moksha, nirvana, liberação, um objeto
de desejo. Ela acontece quando não há desejo.
Nota

[1] Bhikkhu: monge


Capítulo 46

O CAMINHO TÂNTRICO PARA A LIBERTAÇÃO DOS DESEJOS



PERGUNTAS

A motivação para a liberação é um desejo do ser humano ou uma sede intrínseca ao ser
humano?
Como uma pessoa pode ser transformada por estar total em ações que são de raiva e
violência?
Você pode nos falar alguma coisa sobre a qualidade do sono de alguém iluminado?

A primeira pergunta:

Você disse ontem que a motivação para a liberação, ou para o samadhi, também é uma
tensão e uma barreira. Mas não é correto dizer que ela não é um desejo do ser humano,
mas uma aspiração – uma sede intrínseca ao ser humano?

Você precisa entender o que significa o desejo – e as religiões o confundiram muito sobre
isso. Se você deseja alguma coisa do mundo, elas chamam isso de desejo. Se você deseja alguma
coisa do outro mundo, elas dão um nome diferente. Isso é absurdo. Desejo é desejo! Não faz
diferença qual é o objeto do desejo. O objeto pode ser qualquer coisa – deste mundo, material, ou
de outro mundo, o espiritual – mas o desejar permanece o mesmo.
Todo desejo é uma escravidão. Mesmo que você deseje Deus, é uma escravidão; mesmo que
você deseje liberação, é uma escravidão. E a liberação não pode acontecer a menos que esse
desejar vá embora totalmente. Assim, lembre-se: você não pode desejar libertação, isso é
impossível; isso é contraditório. Você pode se tornar sem desejo e, então, a libertação acontece.
Mas ela não é um resultado de seu desejo. Ao contrário, ela é uma consequência do não-desejo.
Assim, tente entender o que é o desejo. Desejo significa que exatamente agora você não está
bem, você não está à vontade. Neste exato momento, você não está à vontade consigo mesmo; e
alguma outra coisa, no futuro, se satisfeita, lhe trará paz. A satisfação está sempre no futuro;
nunca está aqui e agora. Essa tensão da mente pelo futuro é o desejo. O desejo significa que você
não está no momento presente. E tudo o que existe é somente o momento presente. Você está em
algum lugar no futuro e o futuro não existe. Ele nunca existiu, ele nunca existirá. Tudo o que
existe é sempre o presente – este momento.
Essa projeção de sua satisfação em algum lugar, no futuro, é o desejo. Assim, qualquer que
seja a satisfação futura é irrelevante. Pode ser o reino de Deus, o paraíso, o nirvana, pode ser
qualquer coisa, mas se ela está no futuro, é desejo. E você não pode desejar no presente, lembre-
se; isso não é possível. No presente você só pode existir, você não pode desejar. Como você pode
desejar no presente?
O desejo conduz ao futuro, à fantasia, ao sonho. Por isso tanta insistência de Buda pelo não-
desejo, porque somente no não-desejo você se move para a realidade. Com o desejo você se
move para os sonhos. O futuro é um sonho e quando você projeta no futuro, você irá se frustrar.
Você está destruindo a realidade do momento por sonhos futuros e esse hábito da mente
permanecerá com você. Ele é fortalecido todo dia. Assim, quando seu futuro chegar, ele chegará
na forma do presente e sua mente novamente se moverá para algum outro futuro. Ainda que você
pudesse alcançar Deus, você não ficaria satisfeito. Do jeito que você é, isso é impossível. Mesmo
na presença do divino, você se moveria para o futuro.
Sua mente sempre está se movendo para o futuro. Esse movimento da mente para o futuro é o
desejo. O desejo não está relacionado com algum objeto – se você deseja sexo ou se deseja
meditação, não faz diferença. O desejar é a coisa – você deseja. Isso significa que você não está
aqui, significa que você não está no momento real e o momento presente é a única porta para a
existência. O passado e o futuro não são portas, são paredes.
Assim, eu não posso chamar nenhum desejo de espiritual. O desejo como tal é mundano. O
desejo é o mundo. Não há nenhum desejo espiritual; não pode haver. Esse é um truque da mente,
uma fraude. Você não quer abandonar o desejo; então, você muda os objetos. Primeiro você
estava desejando riqueza, prestígio, poder. Agora você diz que não deseja e que essas são coisas
mundanas. Você as condena e aqueles que as desejam são condenados aos seus olhos. Agora
você deseja Deus, o reino de Deus, o nirvana, moksha, o eterno, sat-chit-ananda, o Brahma.
Agora você deseja isso e se sente muito bem. Pensa que está transformado, mas você não fez
nada. Você permanece o mesmo.
Você está apenas trapaceando a si mesmo. E agora você está em uma enrascada maior,
porque você pensa que isso é não-desejar. Você permanece o mesmo. A mente permanece a
mesma; o funcionamento da mente permanece o mesmo. Você ainda não está aqui. Os objetos do
desejo mudaram, mas a corrida, o sonho, permanece. E o sonho é o desejo – não o objeto.
Assim, tente me compreender. Eu digo que todo desejo é mundano, porque o desejo é do
mundo. Assim, não é uma questão de mudar o desejo, não é uma questão de mudar os objetos. É
uma questão de mutação, de uma revolução do desejo para o não- desejo – do desejo para o não-
desejo, não dos velhos desejos para novos desejos, dos desejos mundanos para desejos de outro
mundo, dos desejos materiais para os desejos espirituais; não! Do desejo para o não-desejo é a
revolução!
Mas como se mover do desejo para o não-desejo? Você só pode se mover se houver algum
desejo. Se algum motivo vantajoso, alguma ambição, algum ganho existir, somente então você
pode se mover do desejo para o não-desejo. Mas, então, você não está de forma alguma se
movendo. Eu digo que com o não-desejo você atingirá bem-aventurança eterna. Isso é certo –
que com o não-desejo a bem-aventurança eterna acontece. Mas se eu digo para você que com o
não-desejo você ganhará a felicidade eterna, você tornará isso um objeto de desejo e, então, você
perderá completamente o ponto. Ela não é o resultado, mas a consequência de uma profunda
compreensão.
Assim, tente entender que com o desejo existe miséria e não pense que você já sabe disso.
Você não sabe; do contrário, como você pode se mover para o desejo? Você ainda não se tornou
consciente que desejo é miséria, que desejo é inferno.
Fique consciente! Quando você desejar alguma coisa, fique consciente. Então, mova-se com o
desejo em alerta total e, então, você chegará no inferno.
Todo desejo leva à miséria, quer seja satisfeito ou não. Se satisfeito, ele leva mais cedo; não
satisfeito ele leva mais tempo – mas todo desejo leva à miséria. Fique alerta de todo o processo e
mova-se com ele. Não há pressa, porque nada pode ser feito com pressa e crescimento espiritual
não é possível com pressa. Mova-se lentamente, pacientemente. Olhe todo desejo e, então, olhe
como todo desejo se torna uma porta para o inferno. Se você estiver vigilante, mais cedo ou mais
tarde você compreenderá que desejar é um inferno. No momento em que essa compreensão
acontecer, não haverá desejo. De repente, o desejo desaparecerá e você estará em um estado de
não-desejo. Eu não disse sem-desejo, eu simplesmente disse “não-desejo”.
Você não pode praticar isso, lembre-se; somente os desejos podem ser praticados. Como você
pode praticar o não-desejo? Você não pode praticá-lo, você só pode praticar os desejos. Mas se
você ficar alerta, você se tornará consciente de que eles levam à miséria. E quando cada desejo
leva à miséria, quando isso se torna uma compreensão para você – não mera opinião e
conhecimento, mas um fato compreendido –, o desejo desaparece, ele se torna impossível. Como
você pode se conduzir para a miséria? Você sempre está se conduzindo para a felicidade –
pensando que está – e sempre se movendo para a miséria. Isso está acontecendo há vidas e vidas.
Você sempre pensa que isso ou aquilo é a porta do paraíso; e depois que você entra, sempre se dá
conta de que aquilo é o inferno. E tem sido assim, sem nenhuma exceção; esse é sempre o caso.
Mova-se com atenção em cada desejo e permita que todo desejo o leve à miséria. Então, de
repente, um dia a maturidade lhe acontecerá. Esse amadurecimento acontecerá a você: você
compreende que todo desejo é miséria.
No momento em que você compreende isso, o desejo desaparece. Não existe necessidade de
fazer algo então; o desejar simplesmente cai, murcha e você está em um estado de não-desejo.
Nesse não-desejo o nirvana existe, a absoluta felicidade perfeita existe. Você pode chamar isso
de Deus, de reino de Deus ou do que quer que você escolha chamar, mas lembre-se bem de que
isso não é um resultado de seu desejo. É uma consequência do não-desejar e o não-desejar não
pode ser praticado.
Aqueles que “praticam” o não-desejo, estão iludindo a si mesmos. Há muitos pelo mundo
todo – bhikkhus, saniássins – que estão praticando o não-desejo. Você não pode praticar o não-
desejo; nenhuma coisa negativa pode ser praticada. Por baixo, eles estão desejando, estão
ansiando por Deus, pela paz que acontecerá, pela bem-aventurança que está esperando por eles
em algum lugar, no futuro, além da morte. Eles estão desejando; eles chamam seus desejos de
“desejos espirituais”.
Você pode enganar a si mesmo muito facilmente. As palavras são muito enganosas e você
pode racionalizar. Você pode chamar um veneno de ambrosia, e quando você o chama ambrosia
ele lhe aparece ambrosia. As palavras hipnotizam; isso é uma coisa. Mas esse sentimento, essa
compreensão de que o desejo é miséria, deve ser seu.
Mary Stevens escreveu em algum lugar que ela estava visitando a casa de um amigo e a filha
de seu amigo era cega. Mary Stevens ficou muito confusa porque a garota dizia: “Ele é feio! Eu
não gosto dele! ”. Ou então: “A cor deste vestido é linda!”.
Como ela era cega, Mary Stevens perguntou: “Como você sente que alguma coisa é feia e que
uma cor é bela? ”
A garota disse: “Minhas irmãs dizem isso para mim”. Isso é conhecimento.
Buda disse que desejo é miséria e você continua repetindo. Isso é conhecimento. Você está
desejando e você nunca viu que o desejo é miséria. Você simplesmente ouviu Buda dizer. Isso
não funcionará. Você está simplesmente desperdiçando sua vida e oportunidade. Sua própria
experiência pode transformá-lo; nada mais transforma. O conhecer não pode ser tomado
emprestado. Se for tomado emprestado, trata-se apenas de uma fraude. Parece real
conhecimento, mas não é. Mas por que nós seguimos um Buda ou um Jesus? Por quê? Por causa
de nossa cobiça. Olhamos para os olhos de Buda e eles são tão pacíficos que a cobiça surge, o
desejo de saber como atingir aquilo. Buda é tão bem-aventurado – sempre em êxtase. Um desejo
surge: como ser como um Buda? Nós também desejamos tais estados.
Então, continuamos perguntando como Buda alcançou aquilo, como àquilo acontece. O
“como” cria muitos problemas, porque então Buda dirá que aquilo acontece no “não-desejo”. E
ele está certo, aquilo aconteceu no não-desejo. Mas quando escutamos que no não-desejo aquilo
acontece, começamos a praticar o não-desejo, começamos a abandonar os desejos e todo o
esforço é um desejo para ser como um Buda.
Buda não estava tentando ser como algum outro; ele não estava pedindo para ser um buda.
Ele simplesmente estava tentando entender a sua própria miséria – e quanto mais compreensão
despertava nele, mais a miséria desaparecia. Então, um dia, ele veio a entender que o desejo é
veneno. Se você desejou, você caiu vítima: agora não há possibilidade de você estar feliz. Você
só pode ter esperança – esperança e frustração; então, mais esperança e mais frustração. Esse
será seu círculo. E quando você fica mais frustrado, você espera mais, porque esse é o único
consolo. Você continua se movendo no futuro, porque, no presente, você sempre teve frustração
– e a frustração está chegando por causa de seu passado.
No passado, este presente era o futuro e você esperava por ele. Agora ele é uma frustração.
Então, você espera novamente pelo futuro; e quando ele se tornar o presente, você novamente
ficará frustrado. Então, você esperará novamente. Então, mais frustração, mais esperança; e com
mais esperança, ainda mais frustração. Isso é um círculo vicioso. É isso o que é a roda do
sansara.
Mas nenhum buda pode lhe dar seus olhos. E é bom que eles não possam ser dados a você; do
contrário, você permaneceria sempre uma fraude, eternamente. Então, você nunca se tornaria
autêntico. É bom sofrer, porque somente através do sofrimento você se tornará autêntico e real.
Assim, a primeira coisa: mova-se com seus desejos de forma que você possa compreender o
que eles são. Experiencie qualquer sofrimento que esteja escondido ali. Deixe aquilo ser
relevante para você.
Somente isso é austeridade – somente isso é tapascharya.
Naropa diz que se você puder estar alerta, cada desejo o leva para o nirvana. E esse é o
sentido, porque se você está alerta, você sabe que todo desejo é miséria. E quando você
esquadrinhou cada canto e esquina do desejo, de repente você para. Nessa parada, o
acontecimento; e ele sempre esteve presente. Esse acontecimento sempre está esperando por
você, esperando para encontrá-lo no presente. Mas você nunca está no presente, você está
sempre sonhando. A realidade o sustenta: por causa do real você está vivo, por causa do real
você existe. Mas você continua se movendo no irreal. O irreal é muito hipnótico.
Eu ouvi uma piada judia...
Dois velhos amigos se encontraram depois de muitos, muitos anos. Então um amigo disse
para o outro:
– Eu não o vejo há vinte e cinco anos. Como está seu filho, seu menino Harry?
– Outro disse:
– Ele é um grande poeta. Por toda essa terra sua voz é ouvida, suas canções são cantadas e
aqueles que conhecem poesia dizem que, mais cedo ou mais tarde, ele irá se tornar um laureado
do Nobel. – O outro amigo disse:
– Maravilhoso! E conte-me sobre seu segundo filho, o Benny. Como ele está? – O amigo
disse:
– Eu estou tão feliz com meu segundo filho. Ele é um líder, um grande líder político.
Milhares e milhares o seguem e estou certo de que, mais cedo ou mais tarde, ele será o primeiro-
ministro deste país. – Então o amigo disse:
– Meu Deus! Que afortunado você é! E com relação a seu terceiro filho, Izzie? – O pai ficou
muito triste e disse:
– Izzie? Ele ainda é Izzie. É um alfaiate. Mas eu lhe digo que se não fosse por Izzie, todos nós
estaríamos morrendo de fome.
Mas o pai estava triste, porque Izzie era apenas um alfaiate. E o poeta e o grande político, o
grande líder – eles são sonhos. Izzie é a realidade – o alfaiate. “Mas se não fosse Izzie, nós todos
estaríamos morrendo de fome. ” – Ele disse.
Você não poderia existir se não fosse por este momento. Isso é real. Mas você nunca está
feliz com isso. Você está feliz em seus sonhos, com o futuro, com laureados do Nobel,
primeiros-ministros.... Neste momento, “Izzie é apenas um alfaiate! ”. Sua realidade está onde
você está enraizado; seus sonhos não são seu chão. Eles são falsos. Chegue a um acordo com sua
realidade no momento presente. Encontre-a, encare-a, seja ela qual for; e não permita que a
mente se mova para o futuro. O futuro é o desejo. Se você puder estar aqui e agora, você é um
buda. Se você não puder estar aqui e agora, então tudo é apenas matéria de sonho.
E você terá de voltar, porque os sonhos não o levam a nenhum lugar. Eles só podem levá-lo
para a esperança e para a frustração, mas nada real acontece através deles. Mas lembre-se de
minha advertência de que você não pode imitar. Você terá de passar através do sofrimento. O
sofrimento é o caminho. Ele o purifica, ele o torna alerta, ele o torna consciente. Quanto mais
consciente, menos você é preenchido de desejo. Se você está perfeitamente consciente, nenhum
desejo acontece e a meditação não significa nada mais do que consciência perfeita.

Por favor, explique como é possível alguém ser transformado espiritualmente por estar
totalmente em ações que são de raiva, ódio e violência.

Sim, você pode ser totalmente transformado através da raiva, através do ódio, através da
violência. E não há outro jeito... – porque você existe na violência, na raiva, na avareza, na
paixão. A partir de onde você existe, somente de onde você está, o caminho começa. Eu não lhe
direi para criar não-avareza contra a sua avareza; eu lhe direi para ser totalmente avarento, mas
com uma mente totalmente alerta. Seja violento, seja raivoso, mas seja total de forma que você
sofra totalmente, de forma que você possa sentir todo o veneno daquilo. Você precisa passar
através desse fogo. Ninguém mais pode passar por você; nenhuma procuração é possível. Você
terá de passar através dele; e você sempre pensa que outra pessoa fará isso.
Os cristãos continuam pensando que através de Jesus há salvação. Ela ainda não aconteceu. O
mundo permanece o mesmo. Dois mil anos se passaram, desde que Jesus foi crucificado, mas
continuamos esperando que alguém mais venha a sofrer e, assim, atinjamos a felicidade eterna.
Não! Cada um tem que carregar sua própria cruz. Jesus foi crucificado; ele atingiu a meta. Você
não pode atingir. Você mesmo terá de passar através dessa crucificação. E isso é a crucificação:
que a raiva está presente, a paixão está presente, a violência está presente, a ambição está
presente, o ciúme está presente.
O que você está fazendo com eles? A sociedade ensina a criar um antípoda. Você sente a
ambição; então, reprima-a e crie uma mente não-ambiciosa. Você sente raiva; então, reprima-a.
Não seja raivoso. Empurre a energia de volta para dentro e sorria. O que acontece? A raiva
continua sendo acumulada internamente e você vai se tornando cada vez mais e mais raivoso,
porque cada vez mais e mais energia é acumulada internamente como raiva – reprimida. Ela se
torna seu reservatório inconsciente; e, contra essa raiva, você continua sorrindo. Esse sorriso se
torna falso porque, enquanto a raiva está pulsando dentro, como você pode sorrir? Você pode
sorrir, mas, então, será apenas uma coisa falsa.
Assim, você é dividido em dois – um sorriso falso e uma raiva real. O sorriso falso se torna
sua personalidade e a raiva real permanece sua alma. Você está dividido contra si mesmo e uma
luta constante existirá. E você não pode ser feliz com um sorriso falso. Ninguém mais é
enganado. Você não pode ser feliz com uma raiva real escondida atrás, sempre tentando sair. Um
sorriso falso e uma raiva real – essa é a situação. Tudo o que é bom é falso e tudo o que é ruim é
real. O real você carrega dentro e o falso você mostra do lado de fora. Isso é esquizofrênico e
todo homem se tornou esquizofrênico, dividido – não somente dividido, mas constantemente
lutando consigo mesmo. Toda vida e energia são gastas e dissipadas nessa luta. E a luta é
estúpida, mas isso está acontecendo.
O que eu estou sugerindo é: não crie nenhuma falsidade à sua volta. O falso nunca o levará ao
real; o falso o levará mais ainda para aquilo que é falso. Não execute o falso e permita ao real
total expressão. Quando eu digo isso, você pode ficar assustado, porque, a violência pode estar
presente e você pode querer matar alguém. Eu quero dizer então, que você vá e mate? Não!
Medite nisso. Feche o seu quarto e permita a sua violência. Você pode expressá-la contra um
travesseiro, contra um retrato, contra qualquer coisa. Não há nenhuma necessidade de ir e matar
alguém, porque isso não irá ajudar. Isso criará mais problema e uma cadeia.
No travesseiro, escreva o nome de seu inimigo ou de seu amigo. E lembre-se: sentimos mais
raiva de nossos amigos do que de nossos inimigos. Apenas coloque um retrato de sua esposa ou
de seu marido no travesseiro e traga sua violência para fora. Bata no travesseiro, mate o
travesseiro e faça tudo o que você sentir. E não sinta que você está fazendo uma coisa estúpida.
Isso é o que você quer fazer com o objeto real e isso, sim, seria mais estúpido. Não pense que
isso é tolo. Isso é o que você é: você é tolo e você não pode mudar simplesmente reprimindo
isso. Olhe para essa tolice: veja que isso é como você é. Permita-se total expressão; traga tudo à
cena. E se você puder ser real, você compreenderá pela primeira vez que a raiva, que a violência
está escondida dentro de você. Você é um vulcão e isso pode irromper de dentro de você a
qualquer momento.
Em qualquer situação, o vulcão pode entrar em erupção. Alguém mata alguém e apenas um
dia atrás ele era tão normal quanto você. Ninguém nunca suspeitou que ele pudesse ser um
assassino. Ninguém suspeita de você; e você tem tantos pensamentos assassinos em sua mente.
Você pensou, você planejou muitas vezes. A ideia de matar alguém ou a si mesmo veio até você.
Isso já lhe aconteceu, se você não for um completo idiota. Psicólogos dizem que um homem
inteligente está fadado a pensar em suicídio pelo menos umas dez vezes em sua vida – pelo
menos dez vezes! – e que dez mil vezes você pensa em matar alguém. Você nunca o faz, isso é
outra coisa. Mas você pode fazê-lo; a possibilidade está sempre presente.
Torne a sua raiva um ato total em meditação e, então, veja o que acontece. Você a sentirá
surgindo por todo o seu corpo. Se você a permitir, então, cada célula de seu corpo estará nela.
Cada poro, cada fibra do corpo se tornará violenta. Todo o seu corpo estará em uma situação
louca. Ele se tornará louco, mas permita isso e não retenha. Mova-se com o rio e, depois que o
ciclone se for, você sentirá pela primeira vez um profundo centro dentro de você. Uma calma
sutil acontecerá. Quando a raiva se for, não haverá arrependimento, porque você não fez aquilo a
alguém. Não haverá culpa. Você estará descarregado. Quando essa raiva é jogada fora e o
silêncio chega, esse silêncio é real – não forçado.
Você pode se sentar como um buda em padmasana, uma postura iogue. Você pode se forçar,
mas o macaco dentro de você continua pulando. Agora somente o corpo está estático. A mente
está mais louca do que nunca. Sempre quando você senta para meditar, você sente o que está
acontecendo. Você nunca está tão barulhento internamente, quando você não está meditando;
então, por que tanto barulho acontece sempre que você medita? Por que a mente fica tão
inconstante? Por que tantos pensamentos chegam em uma nuvem? É porque seu corpo está
estático e, através desse estado estático do corpo, você pode sentir mais a macaquice de sua
mente. O contraste está presente.
Mas o silêncio forçado não é útil. Ou você não terá sucesso ou, se você tiver, você se moverá
para o sono. Um silêncio forçado, se tiver sucesso, se tornará sono. Ele é bom no que se refere ao
sono; de outra forma, ele é inútil. Um silêncio real sempre acontece somente quando alguma
energia confinada é liberada totalmente. O distúrbio existia por causa da energia confinada. Essa
energia forçada estava tentando irromper; esse era o problema, esse era o distúrbio interior.
Quando ele é liberado, você é descarregado.
Então cada fibra em seu ser é relaxada. Nesse relaxamento você pode dizer que está em um
estado de não-raiva. Ele não é contra a raiva; ele simplesmente é ausência de raiva. Lembre-se, o
real sempre é a ausência, não o oposto – não o oposto! Ele sempre é a ausência – uma ausência
de ambição, uma ausência de sexo, uma ausência de ciúme. Mas nessa ausência sua realidade
floresce, porque a doença se foi. Agora sua saúde interior pode florir. E uma vez que ela comece
a florir você não acumulará raiva. Você acumula raiva somente porque você está passando por
cima de você mesmo.
Na verdade, você não está com raiva de alguém, você está com raiva dentro de você. Mas
você continua projetando essa raiva nos outros; do contrário você ficará louco. Então, você
continua encontrando desculpas. Na verdade, você está com raiva, porque você está perdendo a
si mesmo, você está perdendo seu destino. Aquilo que é possível para você não está acontecendo
e é por isso que você está com raiva. Nada está lhe acontecendo e o tempo continua voando. A
morte está chegando perto e você permanece tão insatisfeito quanto sempre; e parece não haver
nenhuma possibilidade de satisfação. Por causa disso, porque você não está realizando seus
potenciais, porque você não se tornou aquilo que você pode se tornar, você está com raiva,
violento. E então você continua encontrando desculpas.
Você joga sua raiva nisso, naquilo. Na verdade, não é uma questão de raiva e, se você torna
isso uma questão de raiva, seu diagnóstico está errado. É uma questão de auto-realização. Por
que alguém é violento? Por que alguém é destrutivo? Porque ele está com raiva de si mesmo,
contra o seu próprio ser; porque ele existe. E então ele sente estar contra o mundo todo.
Um buda é silencioso, não-violento, não porque ele esteja praticando isso, mas porque ele se
realizou. Agora a flor chegou ao seu florescimento total; assim, nada está ali para ainda ser
realizado. Ele está satisfeito. Simples gratidão pela existência é o que permanece. Agora não há
queixa; nada está errado. Quando você realmente floresce, tudo está bem; tudo está bom. Por
causa disso Buda não podia ver problemas. Tudo está bom! É por isso que Buda não é um
revolucionário. Para ser um revolucionário, você precisa ser capaz de ver a miséria, você precisa
ser capaz de sentir toda a confusão em volta, o inferno. Para ser um revolucionário, você deve ter
uma sensação de que tudo está errado. Somente então, você é um revolucionário. Buda esteve
aqui nesta terra, Mahavira esteve aqui nesta terra, mas eles não foram revolucionários. Por quê?
Essa pergunta surge: por quê?
Quando alguém está confortável consigo mesmo, tudo está bom. Ele não pode ser destrutivo,
só pode ser criativo; sua revolução somente pode ser criativa. E não se pode ver nada criativo.
Quando alguém destrói alguma coisa, somente então, se torna notícia; somente então, você pode
ver.
Um Lênin é visto como um revolucionário, não como um buda. Por todo o mundo existem
revolucionários agora; e eles continuam crescendo. E qual a razão? É porque cada vez menos e
menos pessoas estão realizando suas potencialidades. Elas são violentas e querem destruir –
porque se não há nenhum sentido em suas vidas como elas podem sentir que haja sentido na vida
dos outros? Um Mahavira está consciente até mesmo para não matar um inseto, nem mesmo um
mosquito, porque ele se realizou. Agora então, ele sabe o que é possível mesmo para um
mosquito. Um mosquito não é só um mosquito; ele é uma possibilidade. Uma possibilidade
infinita está presente: esse mosquito pode se tornar divino. Ele não pode destruí-lo, isso é
impossível. Ele pode apenas ajudar. Está apenas interessado em como ajudar, de forma que o
potencial se torne o real.
Vocês são apenas sementes. Um grande destino está escondido, mas nada está sendo
realizado. O potencial é desperdiçado; a semente permanece semente. Você sente raiva. A
geração moderna é mais raivosa do que as gerações antigas, porque há mais consciência da
possibilidade e menos satisfação. Agora, a nova geração sabe o que é possível, muito mais do
que a velha geração. Essa geração está viva para o fato de que mais é possível. Mas nada está
acontecendo e nada está se tornando real, então, existe mais frustração. Se você não pode ser
criativo, pelo menos você pode ser destrutivo; você sente seu poder sendo destrutivo. Raiva,
violência são forças destrutivas. Elas existem porque a criatividade não está presente.
Não vá contra elas. Melhor, ajude-as serem liberadas. Não as reprima; permita que elas
evaporem de você. Então, aquilo que você pensa que é oposto está ausente. Quando elas tiverem
evaporado, você de repente compreenderá que o silêncio está presente, que o amor está presente,
a compaixão está presente. Eles não são para serem cultivados. Eles são exatamente como um
córrego escondido nas rochas. Você remove as rochas e o córrego começa a fluir. O córrego não
está contra as rochas, não é o oposto das rochas. Simplesmente a ausência das rochas e uma
abertura acontece: e o córrego começa a fluir.
O amor está em você como um córrego, a raiva está em você como uma rocha. Remova-a.
Mas você continua empurrando-a para dentro, cada vez mais para dentro. Então, você também
está forçando o córrego mais para dentro. Jogue fora essa rocha. Não há nenhuma necessidade de
atingir alguém com ela. Você quer atingir alguém, porque você não sabe como jogá-la fora sem
atingir alguém. Isto é o que eu estou ensinando: jogá-la fora sem atingir ninguém. Não há
nenhuma necessidade de atingir alguém. E se você puder jogar essa rocha sem atingir ninguém,
todo mundo lucrará com isso. Você a pode não estar jogando nas cabeças dos outros, mas ela
sempre estará presente e os outros a sentem.
Quando você está com raiva, por mais que você a reprima, sua raiva é sentida. Você a vibra; à
sua volta uma tristeza sutil acontece. Todos se tornam alertas de que alguma doença entrou.
Todo mundo o quer abandonar; você se torna repulsivo. Sua própria atitude lhe dá um mau odor.
Você pode não estar consciente, mas os bioquímicos dizem que quando alguém está amando
ou com raiva ou no sexo, diferentes odores são liberados do corpo – de fato, não
metaforicamente. Quando você está com raiva, um odor ruim é liberado de seu corpo. Quando
você está amando, a qualidade é diferente. Na paixão sexual, um odor diferente é liberado.
Os animais são atraídos pelo odor – porque quando a fêmea está pronta, um odor sutil é
liberado de suas glândulas sexuais e o macho é atraído. Sem esse odor, a fêmea não está pronta.
É por isso que você vê o cachorro cheirando: eles podem cheirar sexo. Se você está sexual, você
também está liberando um odor sutil. Se você está com raiva, então também... – porque
substâncias químicas diferentes são liberadas na corrente sanguínea. Conscientemente pode ser
que ninguém perceba, mas inconscientemente todo mundo percebe. Você é uma carga –
repulsiva, destrutiva. Jogue fora de seu sistema esse veneno.
Então, lembre-se disto: é bom liberar no vácuo. E o céu é grande o suficiente, ele não irá
retornar para você. Ele simplesmente o absorverá e você será liberado. Então, faça qualquer
coisa meditativa e totalmente, mesmo a raiva, mesmo a violência, mesmo o sexo. É fácil
conceber como estar com raiva sozinho, mas você também pode criar uma orgia sexual sozinho
meditativamente. E você terá uma qualidade diferente depois disso.
Quando completamente sozinho, simplesmente feche o seu quarto e mova-se como no ato
sexual. Permita todo o seu corpo se mover. Pule e grite; faça tudo o que sinta vontade de fazer.
Faça-o totalmente. Esqueça tudo – inibições sociais, etc. Mova-se no ato sexual sozinho,
meditativamente, mas traga sua sexualidade total para isso.
Com o outro, a sociedade está sempre presente, porque o outro está presente. E é tão difícil se
estar em um estado de tão profundo amor que se possa sentir como se o outro não estivesse
presente. Somente em um amor muito profundo, em uma intimidade muito profunda, é possível
estar com seu amante ou amada como se ele ou ela não estivesse presente.
É isso o que significa intimidade: se você está como quando sozinho, junto de seu amante,
sua amada ou de seu consorte, no quarto, sem medo do outro. Então, você pode se mover no ato
sexual totalmente; caso contrário o outro é sempre uma presença inibidora. O outro está olhando
para você: “O que ela irá pensar? O que ele irá pensar? O que você está fazendo? Comportando-
se como um animal? ”
Uma senhora esteve aqui há alguns dias. Ela veio para se queixar de seu marido. Ela disse:
“Eu não posso tolerar isso. Sempre que ele me ama, ele começa a se comportar como um animal!
”.
Quando o outro está presente, o outro está olhando para você: “O que você está fazendo? ”. E
lhe ensinaram que há algumas coisas que você pode fazer e algumas coisas que não devem ser
feitas. Isso inibe; você não pode se mover totalmente.
Se o amor está realmente presente, então você pode se mover como se estivesse sozinho. E
quando dois corpos se tornam um, eles têm um ritmo só. Então, a dualidade se desfaz e o sexo
pode ser liberado totalmente. E não é como na raiva; a raiva sempre é feia, mas o sexo não é
sempre feio. Algumas vezes é a coisa mais bela possível – mas somente algumas vezes. Quando
o encontro é perfeito, quando os dois se tornam um só ritmo, quando suas respirações se
tornaram uma só, e o prana – a energia – está fluindo em um círculo, quando o dois
desapareceram completamente e os dois corpos se tornaram um todo, quando o negativo e o
positivo, o macho e a fêmea não mais existem, então, o sexo é a coisa mais bela possível. Mas
esse não é sempre o caso.
Se isso não for possível, você pode trazer seu ato sexual a um clima de frenesi e loucura
quando estiver sozinho, em um modo meditativo. Feche o seu quarto, medite nele e permita que
seu corpo se mova como se você não tivesse controle sobre ele. Perca todo o controle!
Parceiros podem ser muito úteis e principalmente no tantra: sua mulher – ou seu marido, ou
seu amigo – pode ser muito útil se ambos estiverem experimentando profundamente. Então,
permita um ao outro total descontrole. Esqueça a civilização, como se ela nunca tivesse existido;
mova-se de volta para o Jardim do Éden. Jogue fora aquela maçã – o fruto da árvore do
conhecimento. Sejam Adão e Eva no Jardim do Éden, antes de eles serem expulsos. Voltem!
Simplesmente sejam como animais inocentes e exerçam sua sexualidade em sua totalidade.
Vocês nunca serão os mesmos novamente.
Duas coisas acontecerão. A sexualidade irá desaparecer. O sexo pode permanecer, mas a
sexualidade irá desaparecer completamente. E quando não há sexualidade, o sexo é divino.
Quando o desejo cerebral não está presente, quando você não está pensando sobre ele, quando
ele se tornou um simples envolvimento, um ato total, um movimento de todo o seu ser, não
somente da mente, ele é divino. A sexualidade desaparecerá primeiro e, então, o sexo também
pode desaparecer, porque uma vez que você conheça o centro mais profundo dele, você pode
atingir esse centro sem o sexo.
Mas você não conheceu esse centro mais profundo; então, como você pode atingi-lo? O
primeiro vislumbre vem através do sexo total. Uma vez conhecido, o caminho pode ser
percorrido de outras maneiras também. Apenas olhando para uma flor, você pode entrar no
mesmo êxtase no qual você entra quando se encontra com seu par em um clímax. Apenas
olhando as estrelas, você pode entrar nele.
Uma vez que você conheça o caminho, você sabe que ele está dentro de você. Seu par
somente o ajuda a conhecê-lo e você ajuda seu par a conhecê-lo. Ele está dentro de você! O outro
era apenas uma provocação. O outro era apenas um desafio para ajudá-lo a conhecer alguma
coisa que sempre esteve dentro de você.
E isso é o que está acontecendo entre um mestre e um discípulo. O mestre pode se tornar
apenas um desafio para você, para mostrar aquilo que sempre esteve escondido em você. O
mestre não está lhe dando nada. Ele não pode dar; não há nada a ser dado. E tudo o que pode ser
dado é sem valor, porque será somente uma coisa.
Aquilo que não pode ser dado, mas que somente pode ser provocado, vale a pena. Um mestre
está apenas provocando-o, provocando-a. Ele o desafia para ajudá-lo a chegar a um ponto onde
você pode compreender alguma coisa que está sempre presente. Uma vez que você a conheça,
não há nenhuma necessidade de um mestre.
O sexo pode desaparecer, mas primeiro a sexualidade desaparece. Então o sexo se torna um
ato puro, inocente; então, o sexo também desaparece. Então, há brahmacharya, celibato. Ele não
é oposto ao sexo; ele é apenas a sua ausência. E lembre-se desta diferença. Isso não está em sua
consciência.
As religiões antigas continuam condenando a raiva e o sexo como se ambos fossem a mesma
coisa ou como se ambos pertencessem à mesma categoria. Eles não pertencem! A raiva é
destrutiva; o sexo é criativo. Todas as religiões antigas continuam condenando os dois de uma
maneira similar, como se a raiva e o sexo, a ambição e o sexo, o ciúme e o sexo fossem
similares. Eles não são! O ciúme é destrutivo – sempre ! Ele nunca é criativo; nada pode surgir
dele. A raiva sempre é destrutiva. Mas não é assim com o sexo! O sexo é a fonte de criatividade.
O divino o usou para a criação. A sexualidade é exatamente como o ciúme, a raiva e a avareza;
ela sempre é destrutiva. O sexo não é – mas nós não conhecemos o sexo puro, conhecemos
somente a sexualidade.
Uma pessoa que está olhando para uma foto pornográfica ou alguém que está indo ver um
filme, uma fita de orgias sexuais, não está procurando sexo; está procurando sexualidade. Há
pessoas que conheço, que não podem fazer amor com suas esposas a menos que primeiro passem
por alguma revista, livro ou fotografias sujas. Quando eles olham essas fotos, então, ficam
excitados. A esposa real não é nada para eles. Uma foto, uma foto de nudez é mais excitante para
eles. Essa excitação não está nas entranhas; essa excitação está na mente, na cabeça.
O sexo transferido para a cabeça é a sexualidade; pensar sobre ele é sexualidade. Vivê-lo é
uma coisa diferente. E se você puder vivê-lo, você pode ir além dele. Qualquer coisa vivida
totalmente o leva para além. Assim, não tenha medo de nada. Viva-a! Se você achar que é
destrutivo para os outros, mova-se naquilo sozinho, não o faça com os outros. Se você achar que
aquilo é criativo, então encontre um parceiro, encontre um amigo. Tornem-se um casal, um casal
tântrico e movam-se naquilo totalmente. Se você ainda sentir que a presença do outro está
inibindo, então, você pode fazê-lo sozinho.

A última pergunta:

Uma pessoa iluminada sempre sonha? Você pode nos contar alguma coisa sobre a
qualidade e natureza do sono de uma pessoa iluminada?

Não, uma pessoa iluminada não pode sonhar. E se você gosta muito de sonhos, nunca se torne
iluminado. Fique alerta!
Sonhar é parte do sono. A primeira coisa é que, para que o sonho aconteça, você tem de se
mover para o sono. Para ter os sonhos comuns, você tem de se mover para o sono. No sono você
se torna inconsciente. Quando você está inconsciente, os sonhos podem acontecer. Eles
acontecem somente na sua inconsciência.
Uma pessoa iluminada está consciente mesmo quando está dormindo. Ela não pode se tornar
inconsciente. Mesmo que você lhe dê um anestésico – clorofórmio ou algo semelhante – somente
sua periferia vai dormir. Ela permanece consciente; sua consciência não pode ser perturbada.
Krishna diz no Gita que, enquanto todo mundo está dormindo, o iogue está acordado. Não é
que os iogues não vão dormir à noite; eles também dormem, mas o sono deles tem uma
qualidade diferente. Somente seus corpos dormem e, então, o sono é belo. É um descanso.
Seu sono não é um descanso. Ele pode ser inclusive um esforço; e pela manhã você pode se
sentir mais exausto do que se sentia à noite. Uma noite inteira de sono, e pela manhã você se
sente mais exausto – o que está acontecendo? Você é um prodígio!
A noite inteira foi um tumulto interior. Seu corpo não estava descansando, porque a mente
estava muito ativa. E a atividade da mente está fadada a ser um esforço para o corpo, porque sem
o corpo a mente não pode agir. A atividade da mente significa atividade paralela do corpo, então,
a noite toda seu corpo está se movendo e está ativo. É por isso que pela manhã você se sente
mais exausto.
O que significa para alguém se tornar iluminado? Significa uma coisa: agora ele está
perfeitamente consciente. O que quer que passe pela sua mente, ele está consciente. E no
momento em que você está consciente, certas coisas param completamente. Apenas através da
consciência, elas param. É exatamente como se esse quarto estivesse escuro e você trouxesse
uma vela: a escuridão desaparecerá. Todas as coisas não desaparecerão; estas estantes estarão
aqui e, se nós estivermos sentados aqui, nós estaremos presentes. Trazendo a vela, somente a
escuridão desaparecerá.
Quando alguém se torna iluminado, ele tem uma luz interior então. Essa luz interior é a
consciência. Através dessa consciência o sono desaparece – nada mais. Mas como o sono
desaparece, a qualidade de todas as coisas muda. Agora tudo o que ele fizer será em seu estado
de alerta perfeito e tudo aquilo que precisa de inconsciência como um pré-requisito, agora se
tornará impossível.
Ele não pode se tornar raivoso – não porque seja uma decisão não ser raivoso; ele não pode
ser raivoso. A raiva pode existir somente quando você está inconsciente. Agora a inconsciência
não existe; assim, a base não está presente e a raiva não é possível. Ele não pode odiar; o ódio
existe apenas quando você está inconsciente. Ele se torna amor – não por causa de alguma
decisão de sua parte. Quando a luz está presente, quando a consciência está presente, o amor flui;
é natural. O sonho se torna impossível, porque o sonho necessita, antes de tudo, de
inconsciência; e ele não está inconsciente.
O discípulo de Buda, Ananda, disse a ele, depois de dormir e viver no mesmo quarto, no
mesmo lugar com Buda: “Isso é um milagre; é muito estranho. Você nunca se mexe em seu
sono! ”. Buda sempre permanecia em uma mesma posição por toda a noite. O jeito em que ele
adormecia, esse era o jeito em que ele saia do sono; sua mão permanecia no lugar exato onde
fora posta.
Você pode ter visto uma gravura de Buda que mostra seu sono. Sua postura é chamada “a
postura deitada”. Ele permanecia na mesma postura a noite toda. Ananda observou-o por anos.
Sempre que ele olhava para Buda dormindo, ele permanecia o mesmo a noite toda. Assim
Ananda perguntou: “Diga-me, o que você está fazendo a noite toda? Você permanece em uma
mesma posição”.
Consta que Buda disse: “Somente uma vez eu me mexi em meu sono, mas, então, eu não era
um buda. Somente antes, apenas uns poucos dias antes da iluminação acontecer, eu me mexi em
meu sono. Mas então, de repente, eu me tornei consciente e me perguntei: Por que eu estou me
mexendo? Eu me movi inconscientemente, sem nenhum conhecimento de minha parte! Mas
depois da iluminação não há necessidade. Se eu quiser, eu posso me mover, mas não há
necessidade. E o corpo está tão relaxado...”.
A consciência penetra até mesmo no sono. Mas você pode ter uma postura fixa a noite toda, e
você não estará iluminado por isso. Você pode praticar isso; não é difícil. Você pode forçar a si
mesmo; então, dentro de poucos dias você será capaz de fazer isso. Mas essa não é a questão.
Se você olhar um Jesus se movendo, não pense: “Por que ele está se movendo? ”. Depende.
Se Jesus se move em seu sono, ele está consciente – se ele quiser se mover, ele se move.
Para mim, acontece exatamente o contrário. Antes de chegar à consciência eu sempre dormia
em uma posição a noite toda. Eu não me lembro de jamais ter me movido. Mas, desde então, eu
passei a me mover a noite toda. Mesmo cinco minutos são suficientes para mim, em uma
postura. Eu tenho de me mover continuamente. Eu estou tão consciente, que absolutamente não é
um sono na verdade. Assim, depende. Mas você nunca pode deduzir nada de fora. Sempre, isso
só é possível de dentro.
Para um iluminado, a consciência permanecerá mesmo em seu sono e, assim, os sonhos não
são possíveis. Eles requerem a inconsciência – isso é uma coisa; e eles requerem experiências
suspensas – essa é a segunda coisa. E para um iluminado não há experiências suspensas,
nenhuma experiência incompleta. Tudo é completo. Ele comeu sua comida; então, ele não pensa
em comer novamente. Quando ele sentir fome ele comerá novamente, mas neste ínterim não
existe nenhum pensamento de comer.
Ele tomou seu banho; agora ele não está pensando no banho de amanhã. Quando o momento
chegar, se ele estiver vivo, ele o tomará. Se a situação permitir, acontecerá – mas não há nenhum
pensamento. Os atos estão presentes, mas nenhum pensamento sobre eles.
O que você está fazendo? Você está ensaiando constantemente – ensaiando constantemente
para o amanhã como se você fosse um ator e estivesse para se apresentar para alguém. Por que
você está ensaiando? Quando o momento chegar, você estará lá.
A pessoa iluminada vive no momento, no ato; e ela vive tão totalmente, que nada fica
incompleto.
Quando alguma coisa fica incompleta, então, ela terá de ser completada em um sonho. O
sonho é uma conclusão. Ele acontece, porque a mente não pode permitir que nada fique
incompleto. Se alguma coisa está incompleta, há um desconforto interior. A mente se pergunta
como completar aquilo. Então, em um sonho, você completa aquilo e você fica confortável.
Mesmo que seja completado em um sonho, para a mente é um relaxamento.
O que você está sonhando? Você está simplesmente completando seus atos incompletos que
você não pôde completar de dia. Durante o dia você pode ter querido beijar uma mulher e você
não pôde beijar. Agora você a beijará em seu sonho e sua mente se sentirá relaxada; uma tensão
é liberada.
Seu sonho não é nada mais do que seu estado de incompletude; e uma pessoa iluminada é
completa. O que quer que ela faça, ela está fazendo tão completamente, tão totalmente, que nada
permanece suspenso. Não há nenhuma necessidade de nenhum sonho. O sonhar à noite cessará e
o pensar durante o dia cessará. Não que ela se torne incapaz de pensar. Ela pode pensar se
precisar. Se você lhe fizer uma pergunta, ela pensará imediatamente, mas nenhum ensaio é
necessário. Primeiro você pensa e, então, responde. Mas a resposta dela é o pensamento dela. Ela
pensa e responde. E também não é exato dizer assim, porque na verdade não há nenhum
intervalo. É simultâneo. Ela pensa em voz alta, mas não há nenhum ensaio, nenhum pensamento,
nenhum sonho. Ela vive a vida. Com o pensamento e o sonho você perde a vida.
Capítulo 47

MEDITAÇÃO TÂNTRICA USANDO LUZ



OS SUTRAS

70. Considere sua essência como raios de luz de centro a centro subindo as vértebras e, assim,
surge vivacidade em você.
71. Ou nos espaços intermediários, sinta-o como relâmpago.
72. Sinta o cosmos como uma presença translúcida eternamente viva.

O homem pode ser considerado de três maneiras: em termos do normal, do anormal e do


supranormal. A psicologia ocidental está basicamente relacionada com o anormal, o patológico,
com o homem que caiu do normal, que caiu da norma. A psicologia oriental, o tantra e o iôga,
consideram o homem do ponto de vista do supranormal – daquele que foi além da norma. Ambos
são anormais. Aquele que é patológico é anormal por que não é saudável e aquele que é
supranormal é anormal porque é mais saudável do que qualquer ser humano normal. A diferença
é entre negativo e positivo.
A psicologia ocidental se desenvolveu como parte da psicoterapia. Freud, Jung, Adler e
outros psicólogos estavam tratando do homem anormal, do homem que está mentalmente doente.
Devido a isso toda a atitude ocidental para com o homem se tornou errada. Freud estava
estudando casos patológicos. Naturalmente, nenhum homem saudável chegaria até ele... –
somente quem estivesse mentalmente doente. Essas pessoas eram estudadas por ele e, por causa
desse estudo, ele pensou que, agora então, compreendia o homem. Os homens patológicos não
são verdadeiramente homens: eles estão doentes e qualquer coisa baseada em um estudo deles
está fadada a ser profundamente errada e danosa. Isso demonstrou ser danoso, porque o homem é
olhado de um ponto de vista patológico. Se um estado mental determinado é escolhido e esse
estado é doente, patológico, então, toda a imagem do homem se torna baseada na doença. Devido
a essa atitude, toda a sociedade ocidental baixou de nível – porque o homem doente torna-se a
base – o pervertido se tornou a fundação.
E se você estuda apenas o anormal, você não pode conceber nenhuma possibilidade de seres
supranormais. Um buda é impossível para Freud, inconcebível. Ele deve ser fictício, mitológico.
Um buda não pode ser uma realidade. Freud entrou em contato somente com homens doentes
que não eram nem mesmo normais e tudo o que ele diz sobre o homem normal está baseado no
estudo do homem anormal. É como um médico que está fazendo um estudo. Nenhum homem
saudável vai até ele, não há necessidade. Somente pessoas não saudáveis chegarão. Estudando
tantas pessoas não saudáveis, ele cria uma imagem do homem em sua mente, mas essa imagem
não pode ser do homem. Ela não pode ser, porque o homem não é apenas doente. E se você
embasa sua concepção do homem na doença, toda a sociedade irá sofrer.
A psicologia oriental, principalmente o tantra e o iôga, também têm um conceito de homem,
mas esse conceito está baseado no estudo do supranormal – Buda, Patânjali, Shankara,
Nagarjuna, Kabir, Nanak –, em pessoas que atingiram o pico da potencialidade e possibilidade
humana. O mais baixo não foi considerado, apenas o mais alto. Se você considera o mais alto,
sua mente se torna uma abertura; você pode crescer, porque, agora então, faculdades mais
elevadas são possíveis. Se você considera o mais baixo, nenhum crescimento é possível. Não há
desafio. Se você é normal, você se sente feliz. É suficiente que você não seja pervertido, que
você não esteja em um asilo mental. Você pode se sentir bem, mas não há nenhum desafio.
Mas se você busca o supranormal – a mais alta possibilidade que você pode se tornar –, se
alguém realizou essa possibilidade, se essa possibilidade se tornou verdadeira para alguém,
então, uma possibilidade para crescer se abre. Você pode crescer. Um desafio chega até você e
você não precisa ficar satisfeito consigo mesmo: faculdades mais elevadas são possíveis e elas o
estão chamando. Isso precisa ser compreendido profundamente. Somente então, a psicologia do
tantra será concebível. O que você é não é o final. Você está apenas no meio. Você pode cair,
você pode se elevar. Seu crescimento não acabou. Você não é o produto final; você é apenas uma
passagem. Alguma coisa está constantemente crescendo em você.
O tantra concebe e baseia todas as suas técnicas nessa possibilidade de crescimento. E
lembre-se: a menos que você se torne o que você pode se tornar, você não ficará realmente
satisfeito. Você deve se tornar o que você pode se tornar – isso é um dever! Do contrário, você
ficará frustrado, você se sentirá sem sentido, sentirá que não há nenhum propósito na vida. Você
pode continuar, mas não existirá alegria nisso. E você pode ter sucesso em muitas outras coisas,
mas irá fracassar consigo mesmo. E isso está acontecendo. Alguém se torna muito rico, e todo
mundo pensa que agora ele teve sucesso. Todo mundo, exceto ele mesmo, pensa que ele teve
sucesso. Ele conhece o seu fracasso. A riqueza está presente, mas ele está fracassado. Um grande
homem, um líder, um político – todo mundo pensa que eles são bem-sucedidos, mas eles
fracassaram. Este mundo é estranho: você tem sucesso aos olhos de todo mundo, exceto aos seus
próprios.
As pessoas chegam a mim diariamente. Elas dizem que têm tudo, mas... e agora? Elas estão
fracassadas. Mas onde elas fracassaram? No que concerne às coisas exteriores elas não
fracassaram; assim, por que sentem esse fracasso? Sua potencialidade interior permaneceu
potencial. Elas não floriram. Elas não atingiram o que Maslow chama de “auto-realização”. Elas
são fracassos – fracassos interiores. E, basicamente, o que os outros dizem é sem sentido. O que
você sente é significativo. Se você sente que é um fracasso, os outros podem pensar que você é
um Napoleão ou um Alexandre Magno, mas isso não faz diferença. Ao contrário, isso o deprime
mais. Todo mundo pensa que você é um sucesso e agora você não pode dizer que você não é –
mas você sabe que você não é. Você não pode enganar a si mesmo. No que se refere à auto-
realização, você não pode se enganar. Mais cedo ou mais tarde, você terá de se visitar e olhar
profundamente dentro de si – no que tem acontecido. A vida é desperdiçada. Você largou uma
oportunidade e juntou coisas que não significam nada.
A auto-realização se refere ao mais alto pico de seu crescimento, onde você pode sentir um
profundo contentamento, onde você pode dizer: “Esse é meu destino, era por isso que eu estava
esperando, é por isso que eu estou aqui na terra”.
O tantra está interessado em auto-realização – em como ajudá-lo a crescer mais. E, lembre-se,
o tantra está interessado em você, não em ideais. O tantra não está interessado em ideais; ele está
interessado em você como você é e como você pode se tornar. A diferença é grande. Todos os
ensinamentos estão interessados em ideais. Eles dizem para se tornar parecido com Buda, se
tornar parecido com Jesus, se tornar parecido com isto ou aquilo. Eles têm ideais e você tem que
se tornar semelhante a esses ideais. O tantra não tem nenhum ideal para você. Seu ideal
desconhecido está escondido dentro de você; ele não lhe pode ser dado. Não é para você se
tornar um Buda, não há nenhuma necessidade. Um Buda é o suficiente e nenhuma repetição é de
algum valor. A existência sempre é única, ela nunca se repete; a repetição é tediosa. A existência
sempre é nova, eternamente nova; assim, nem mesmo um Buda não é repetido – um fenômeno
tão belo deixado sem repetição.
Por quê? Porque mesmo que um Buda seja repetido, isso causará tédio. Para que serve?
Somente o singular é significativo; as cópias não são significativas. Somente se você for de
primeira mão, seu destino é preenchido. Se você for de segunda mão, você perdeu.
Assim, o tantra nunca diz para ser deste ou daquele jeito; não há ideal. O tantra nunca fala de
ideal; por isso, o nome ‘tantra’. O tantra fala de técnicas – nunca de ideais. Ele fala do como
você pode se tornar; ele nunca diz o quê. Ele existe por causa desse ‘como’. Tantra significa
técnica; a própria palavra ‘tantra’ significa técnica. Ele está interessado em ‘como’ você pode se
tornar, ele não está interessado em ‘o que’ você irá se tornar. Esse ‘o que’ será fornecido pelo seu
crescimento. Apenas use a técnica e depois de algum tempo seu potencial interior se tornará
realizado. A possibilidade não mapeada se tornará disponível e, quando ela se abrir, você
compreenderá ‘o que’ ela é. Ninguém pode lhe dizer o que ela é. A menos que você se torne ela-
mesma, ninguém pode predizer o que você pode se tornar.
Assim, o tantra lhe dá apenas técnicas – nunca ideais. É assim que ele é diferente de todas as
técnicas morais. As técnicas morais sempre dão ideais. Mesmo que elas falem de técnicas, essas
técnicas sempre são para determinados ideais. O tantra não lhe dá ideais; você é o ideal e seu
futuro é desconhecido. Nenhum ideal do passado pode ser de alguma ajuda, porque nada pode
ser repetido e se for repetido, fica sem sentido.
Os monges zen dizem para se lembrar disto e permanecer alerta; se você encontrar Buda em
sua meditação, mate-o imediatamente; não permita que ele permaneça presente. Os monges zen
são seguidores de Buda e, ainda assim, eles dizem: mate Buda imediatamente, caso você o
encontre em sua meditação – porque a personalidade, o ideal de Buda pode se tornar tão
hipnotizante, que você pode se esquecer de si mesmo; e se você se esquecer de si, você perdeu o
caminho. Buda não é o ideal; você é o ideal, seu futuro desconhecido. Este tem de ser
descoberto.
O tantra lhe dá técnicas de descoberta. O tesouro está dentro de você. Então, lembre-se desta
segunda coisa: é muito difícil acreditar que você é o ideal – difícil para você, você acreditar,
porque todo mundo está lhe condenando. Ninguém o aceita, nem você mesmo se aceita. Você
continua se condenando. Você sempre pensa em termos de ser como outra pessoa; e isso é falso,
perigoso. Se você continuar pensando assim, você se tornará uma fraude e tudo será falso.
Você sabe de onde vem a palavra ‘phony’ (falso)? Ela vem de ‘telephone’ (telefone). Nos
primeiros dias do telefone, a transmissão era tão falsa, tão irreal, que uma voz real e uma voz
falsa eram ouvidas pelo telefone – a voz falsa, que era mecânica. A voz real era perdida –
naqueles primórdios. De lá vem a palavra ‘phony’.
Se você estiver imitando alguém, você se tornará falso, você não será real. Um artifício
mecânico existirá por toda a sua volta e, sua realidade, sua voz real, estará perdida. Então, não
seja falso, seja real.
O tantra acredita em você. É por isso que há tão poucos seguidores no tantra... – porque
ninguém acredita em si mesmo. O tantra acredita em você e diz: você é o ideal; então, não imite
ninguém. A imitação criará uma pseudopersonalidade à sua volta. Você pode continuar se
movendo com essa pseudopersonalidade pensando que ela é você mesmo, mas ela não é. Assim,
a segunda coisa a ser lembrada é de que não há nenhum ideal determinado. Você não pode
pensar em termos de futuro; você só pode pensar em termos do presente – apenas o futuro
imediato no qual você pode crescer.
Nenhum futuro marcado existe e é bom que não exista nenhum futuro marcado; caso
contrário, não poderia haver liberdade. Se existisse um futuro determinado, o homem seria um
robô. Você não tem futuro determinado. Você tem multipossibilidades; você pode crescer em
muitos modos. Mas a única coisa que lhe dará o contentamento definitivo é o seu crescimento –
você cresce de tal forma, que todo o crescimento produz crescimento maior. As técnicas são
úteis porque elas são científicas. Você é salvo do vagar desnecessário, do tatear desnecessário.
Se você não conhecer nenhuma técnica, você levará muitas vidas. Você chegará à meta, porque a
energia de vida dentro de você irá se mover, a menos que ela chegue a um ponto onde nenhum
movimento seja possível. Ela continuará se movendo até o pico mais elevado; e essa é a razão de
por que a gente continua nascendo repetidas vezes. Deixado por si mesmo, você chegará – mas
você terá que viajar muito, ir muito longe; e a jornada será muito tediosa e enfadonha.
Com um mestre, com técnicas científicas, você pode poupar muito tempo, oportunidade e
energia. E, algumas vezes, em segundos você pode crescer tanto, que nem em muitas vidas você
seria capaz de crescer aquele tanto. Se uma técnica certa é usada, o crescimento explode; e estas
técnicas foram usadas em milhares de anos de experimentos. Elas não foram desenvolvidas por
um homem; elas foram desenvolvidas por muitos, muitos buscadores e somente a essência é
dada aqui. Nestas cento e doze técnicas, todas as técnicas de todo o mundo estão abrangidas. Em
nenhum lugar existe alguma técnica que não tenha sido abrangida nestas cento e doze; elas são a
totalidade da busca espiritual em essência. Mas todas as técnicas não são para todo mundo;
assim, você terá de experimentá-las. Somente certas técnicas serão úteis para você e você terá de
encontrá-las. Há duas maneiras: ou por sua tentativa e erro, até você tropeçar em alguma que
comece a funcionar e você comece a crescer e, então, você se move nela; ou você se entrega a
algum mestre e ele encontra o que se ajusta a você. Estas são as duas maneiras. Você pode
escolher.
Agora as técnicas.

70 Visualize raios de luz subindo pela sua espinha

A primeira técnica de luz:

Considere sua essência como raios de luz de centro a centro subindo as vértebras e,
assim, surge vivacidade em você.

Muitos métodos de iôga estão baseados nisso. Primeiro entenda o que é; depois, a aplicação.
A vértebra, a espinha dorsal, é a base de ambos, de seu corpo e de sua mente. Sua mente, sua
cabeça, é a parte final de sua espinha. O corpo todo está enraizado na espinha. Se a espinha é
jovem, você é jovem. Se a espinha é velha, você é velho. Se você puder manter sua espinha
jovem, será difícil se tornar velho. Tudo depende de sua espinha. Se sua espinha está viva, você
terá uma mente muito brilhante. Se sua espinha estiver obtusa e morta, você terá uma mente
muito obtusa. Todo o iôga tenta de muitas maneiras tornar sua espinha viva, brilhante,
preenchida de luz, jovem e fresca.
A espinha tem duas extremidades: o começo é o centro sexual e o final é o sahasrar , o
sétimo centro, no topo da cabeça. O começo da espinha está ligado à terra; e o sexo é a coisa
mais terrena em você. No centro inicial, em sua espinha, você está em contato com a natureza,
com o que o Sankhya chamou prakriti – a terra, o material. No último centro, ou o segundo polo,
sahasrar, na cabeça, você está em contato com o divino. Esses são os dois polos de sua
existência. O primeiro é o sexo e o segundo o sahasrar. Não existe nenhuma palavra para
sahasrar em inglês. Estes são os dois polos. Ou sua vida será orientada pelo sexo, ou orientada
pelo sahasrar. Ou sua energia irá fluir para baixo do centro do sexo, de volta para a terra; ou sua
energia será liberada do sahasrar para o cosmos. Do sahasrar você flui para dentro de Brahma,
para dentro da existência absoluta. Do sexo você flui para baixo, para dentro da existência
relativa. Estes são os dois fluxos, as duas possibilidades. A menos que você comece a fluir para
cima, sua miséria nunca acabará. Você pode ter lampejos de felicidade, mas somente lampejos –
e muito ilusórios.
Quando a energia começar a se mover para cima, você terá cada vez mais e mais lampejos
reais. E uma vez que ela atinja o sahasrar e seja liberada de lá, você terá a bem-aventurança
absoluta dentro de você. Isso é o nirvana. Então, não mais há lampejos: você se torna a própria
bem-aventurança. Assim, a coisa toda para o iôga e o tantra é como mover a energia para cima
através das vértebras, através da coluna espinhal, como ajudá-la a se mover contra a gravidade.
O sexo é muito fácil, porque ele segue a gravidade. A terra está puxando tudo para baixo, de
volta; sua energia sexual é puxada pela terra. Você pode não ter ouvido a respeito, mas os
astronautas sentiram isso – no momento em que eles foram além da gravidade da terra, eles não
sentiram muita sexualidade. Quando o corpo perde peso, a sexualidade se dissolve, desaparece.
A terra está puxando sua energia vital para baixo; e isso é natural, porque a energia vital vem
da terra. Você come a comida e você está criando energia vital dentro de você; ela vem da terra e
a terra a está puxando de volta. Todas as coisas vão para a sua fonte. E se ela continuar a se
mover desta maneira, a energia vital voltando repetidas vezes e você se movendo em um círculo,
você continuará se movendo por vidas e vidas. Você pode continuar dessa maneira infinitamente,
a menos que você dê um salto exatamente como os astronautas. Como os astronautas, você terá
de dar um salto e mover-se para além do círculo. Então o padrão da gravidade terrestre é
quebrado. Ele pode ser quebrado!
As técnicas de como ele pode ser quebrado estão aqui – de como a energia pode se mover
verticalmente e se elevar dentro de você, atingindo novos centros; de como novas energias
podem ser reveladas dentro de você, tornando-o uma pessoa nova em cada movimento. E no
momento em que a energia é liberada a partir do sahasrar, o polo oposto do sexo, você não mais
é um homem. Então, você não pertence a esta terra; você se tornou divino. É isso que se quer
dizer quando falamos que Krishna é Deus, ou que Buda é Deus. Seus corpos são exatamente
como o seu – seus corpos terão de cair doente e eles terão de morrer – tudo acontecerá em seus
corpos como acontece para você. Somente uma coisa não está acontecendo em seus corpos e que
está acontecendo em você: a energia quebrou o padrão gravitacional.
Mas isso você não pode ver, não é visível a seus olhos. Mas algumas vezes, quando você está
sentado ao lado de um buda, você pode sentir isso. De repente, você sente uma ondulação de
energia subindo dentro de você e sua energia começa a se mover para cima. Somente então você
sabe que alguma coisa aconteceu. Só por estar em contato com um buda, sua energia começa a se
mover para cima, em direção ao sahasrar.
Um buda é tão poderoso que até mesmo a terra é menos poderosa; ela não pode puxar a sua
energia para baixo. Aqueles que sentiram isso em volta de um Jesus, de um Buda, de um
Krishna, os chamaram de Deus. Eles têm uma fonte de energia diferente que é mais forte do que
a terra.
Como o padrão pode ser quebrado? Essa técnica é muito útil para quebrar o padrão. Primeiro
entenda uma coisa básica. Se você observou bem, você deve ter observado que sua energia
sexual se move com a imaginação. Apenas através da imaginação seu centro sexual começa a
funcionar. Na verdade, sem imaginação ele não pode funcionar. É por isso que se você estiver
amando alguém, ele funciona melhor – porque com o amor a imaginação entra. Se você não
estiver amando é muito difícil. Ele não funcionará.
Essa é a razão pela qual não eram encontrados prostitutos antigamente, somente prostitutas.
Era difícil para um prostituto se ele não tivesse nenhum amor. E como ele podia sentir amor
apenas por causa do dinheiro? Você pode pagar um homem para ter um intercurso com você,
mas se ele não tiver imaginação com você, ele não poderá funcionar. As mulheres podem
funcionar, porque seu sexo é passivo. Na verdade, seu funcionamento não é necessário. Elas
podem estar totalmente desligadas; elas podem não estar sentindo absolutamente nada. Seus
corpos podem estar presentes como cadáveres. Com uma prostituta você não está fazendo amor
com um corpo real – apenas com um corpo morto. Mas as mulheres podem facilmente ser
prostitutas, porque seu sexo é passivo.
O centro sexual funciona através da imaginação. É por isso que, até em sonhos, você pode ter
ereções e ejaculações. Elas são verdadeiras. Os sonhos são imaginação. Foi constatado que todo
homem, se fisicamente em forma, terá pelo menos dez ereções à noite. Com qualquer movimento
da mente, apenas com um leve pensamento de sexo, a ereção chegará.
Sua mente tem muitas energias, muitas faculdades, e uma delas é a vontade. Mas você não
pode ter vontade no sexo. Para o sexo, a vontade é impotente. Se você tentar amar alguém, você
sentirá que ficou impotente. Assim nunca tente. A vontade nunca funciona com o sexo; somente
a imaginação funcionará. Imagine, e o centro começará a funcionar. Por que eu estou enfatizando
esse fato? Porque se a imaginação ajuda a energia a se mover, então, você pode movê-la para
cima ou para baixo, apenas com a imaginação. Você não pode mover seu sangue pela
imaginação; você não pode fazer nada mais no corpo com a imaginação. Mas a energia sexual
pode ser movida pela imaginação. Você pode mudar sua direção.
Este sutra diz: Considere sua essência como raios de luz – pense a si mesmo, seu ser, como
raios de luz – de centro a centro subindo as vértebras – para cima de sua espinha – e, assim,
surge vivacidade em você. O iôga dividiu sua espinha em sete centros. O primeiro é o centro
sexual e o último é o sahasrar e, entre esses dois, estão cinco centros. Alguns sistemas dividem
em nove, alguns em três, alguns em quatro. A divisão não é muito significativa, você pode fazer
a sua própria divisão. Apenas cinco centros são suficientes para se trabalhar; o primeiro é o
centro sexual, o segundo está exatamente atrás do umbigo, o terceiro está exatamente atrás do
coração, o quarto está atrás de suas duas sobrancelhas, exatamente entre elas, no meio da testa. E
o quinto, sahasrar, está exatamente no topo de sua cabeça. Estes cinco funcionarão.
Este sutra diz: Considere a si mesmo – que significa imagine a si mesmo; feche os olhos e
imagine-se exatamente como se você fosse luz. Isso não é apenas imaginação. No começo é, mas
isso é realidade também, porque tudo consiste em luz. Agora a ciência diz que tudo consiste em
eletricidade e o tantra sempre disse que tudo consiste em partículas de luz – e você também. Eis
por que o Alcorão diz que Deus é luz. Você é luz!
Imagine primeiro que você se constitui de raios de luz; então, mova sua imaginação para o
centro sexual. Concentre sua atenção lá e sinta que os raios de luz estão subindo do centro
sexual, como se o centro sexual tivesse se tornado uma fonte de luz e raios estivessem se
movendo em uma onda ascendente – para cima em direção ao centro do umbigo. A divisão é
necessária, porque lhe será difícil conectar seu centro sexual com o sahasrar. Assim, pequenas
divisões serão de ajuda. Se você puder conectar, nenhuma divisão é necessária. Você pode
simplesmente abandonar todas as divisões de seu centro sexual em diante e a energia, a força
vital, subirá como luz em direção ao sahasrar. Mas a divisão será de mais ajuda, porque sua
mente pode conceber pequenos fragmentos mais facilmente.
Assim, apenas sinta que a energia – como raios de luz – está se elevando de seu centro sexual
para seu umbigo, como um rio de luz. Imediatamente você sentirá um calor subindo em você.
Logo seu umbigo se tornará quente. Você pode sentir o calor; inclusive os outros podem sentir
esse calor. Através de sua imaginação a energia sexual terá começado a subir. Quando você
sentir que agora o segundo centro no umbigo se tornou a fonte de luz, que os raios estão
chegando e sendo coletados ali, então, comece a se mover para o centro do coração. Quando a
luz atinge o centro do coração, quando os raios estiverem chegando, a batida do seu coração será
mudada. Sua respiração se tornará mais profunda e um calor chegará a seu coração. Continue
indo para cima.
Considere sua essência como raios de luz de centro a centro subindo as vértebras e, assim,
surge vivacidade em você.
E quando você sentir o calor, ao mesmo tempo você sentirá uma vitalidade, uma nova vida
chegando até você, uma luz interior surgindo. A energia sexual tem duas partes: uma é física e
outra é psíquica. Em seu corpo tudo tem duas partes. Assim como seu corpo e mente, tudo dentro
de você tem duas partes – uma material e a outra espiritual. A energia sexual tem duas partes. A
parte material é o sêmen; ele não pode subir, não há passagem para ele. Devido a isso, muitos
fisiologistas no Ocidente dizem que os métodos do tantra e do iôga são tolices e eles os negam
completamente. Como a energia sexual pode subir? “Não há passagem; e a energia sexual não
pode subir. ” Eles estão certos e, todavia, errados. O sêmen, a parte material, não pode subir –
mas isso não é a coisa toda. Na verdade, ele é apenas a parte corporal da energia sexual, não é a
energia sexual. A energia sexual é a parte psíquica dele; e a parte psíquica pode subir. E para
essa parte psíquica, a passagem da espinha é usada – a passagem da espinha e seus centros. Mas
isso tem de ser sentido... e seus sentidos andam mortos.
Eu me lembro de que um certo psicoterapeuta escreveu em algum lugar sobre uma paciente,
uma mulher. Ele lhe disse para sentir alguma coisa, mas o psicoterapeuta percebeu que tudo que
ela fazia ela não estava sentindo, mas pensando sobre o sentir – e isso é uma coisa diferente.
Então o terapeuta colocou a sua mão sobre a mão da mulher e pressionou-a, dizendo para ela
fechar os olhos e relatar o que sentia. Ela disse imediatamente: “Eu sinto a sua mão”.
Mas o terapeuta disse: “Não, isso não é seu sentido. Isso é apenas seu pensamento, sua
inferência. Eu coloquei minha mão em sua mão; você disse que está sentindo minha mão. Mas
você não está. Isso é inferência. O que você está sentindo?”.
Então ela disse: “Eu sinto seus dedos”.
O terapeuta disse novamente: “Não, isso não é sentido. Não infira nada. Apenas feche seus
olhos e mova-se para o lugar onde minha mão está. Então me diga: o que você sente?”.
Então ela disse: “Oh! Eu estava perdendo a coisa toda. Eu sinto pressão e calor”.
Quando a mão de alguém toca a sua, não é a mão que é sentida. Pressão e calor são sentidos.
A mão é apenas inferência, é intelecto, não sentimento. Calor e pressão, isso é sentido. Agora ela
estava sentindo.
Nós perdemos os sentidos completamente. Você terá de desenvolver os sentidos; somente
então, você poderá fazer tais técnicas. Do contrário, elas não funcionarão. Você apenas irá
intelectualizar, você apenas pensará que está sentindo e nada acontecerá. É por isso que as
pessoas vêm até mim e dizem: “Você nos diz que essa tal técnica é tão importante, mas nada
acontece”. Elas tentaram, mas perderam uma dimensão - a dimensão do sentir. Então, primeiro
você terá de desenvolvê-la e há alguns métodos que você pode tentar.
Você pode fazer uma coisa. Se você tem uma criança pequena em sua casa, siga a criança por
toda a parte por uma hora, todo o dia. Será melhor e mais prazeroso do que seguir um buda.
Deixe a criança engatinhar, e você também engatinha. Siga a criança engatinhando e você sentirá
pela primeira vez uma nova energia vital chegando até você. Você se tornará novamente uma
criança. Olhe para a criança e apenas siga. Ela irá para todos os cantos; ela tocará tudo – não
somente tocar, ela irá saborear tudo, ela irá cheirar tudo. Apenas siga e faça tudo o que ela
estiver fazendo.
Você também já foi uma criança uma vez; você fez isso. A criança está sentindo. Ela não está
intelectualizando, ela não está pensando. Ela sente um cheiro; então, ela se move para o canto de
onde ele está vindo. Ela vê uma maçã; então, ela a saboreia. Apenas saboreie como uma criança.
Olhe enquanto ela está comendo a maçã, olhe para ela: ela está totalmente absorta naquilo. O
mundo inteiro foi abandonado, o mundo não está mais presente – somente a maçã. Até mesmo a
maçã não existe e nem a criança não existe – somente o comer. Apenas siga uma criança
pequena por uma hora. Essa hora será tão enriquecedora! Você se tornará novamente uma
criança.
Seus mecanismos de defesa irão cair, sua armadura irá cair e você começará a olhar o mundo
como uma criança olha – a partir da dimensão do sentido. Quando você sentir que “agora” você
pode sentir – não pensar –, então, você desfrutará da textura do carpete sobre o qual você está se
movendo como uma criança, a pressão, o calor – e apenas por seguir inocentemente uma criança.
O homem pode aprender muito das crianças e, mais cedo ou mais tarde, sua inocência real
irromperá. Você já foi uma criança e você sabe o que significa ser uma criança. Você
simplesmente se esqueceu.
O centro do sentimento precisa começar a funcionar; somente então, estas técnicas serão de
alguma ajuda. Caso contrário, você continuará pensando que a energia está subindo, mas não
haverá nenhuma sensação. E se não houver sensação, a imaginação é impotente, fútil. Somente
uma imaginação sensível lhe dará um resultado. Você pode fazer muitas outras coisas e não há
nenhuma necessidade de fazer um esforço específico para fazê-las. Quando você for dormir,
apenas sinta a sua cama, sinta o seu travesseiro – a sensação de frio. Apenas vire-se nele, brinque
com o travesseiro.
Feche seus olhos e escute o barulho do ar condicionado, ou o tráfego ou o relógio ou qualquer
coisa. Apenas escute. Não rotule, não diga nada. Não use a mente. Apenas viva na sensação.
Pela manhã, no primeiro momento do acordar, quando você sente que agora o sono se foi, não
comece a pensar. Por alguns momentos você pode novamente ser uma criança – inocente, fresca.
Não comece a pensar. Não pense sobre o que você irá fazer e quando você começará no
escritório e qual o trem você irá pegar. Não comece a pensar. Você terá tempo suficiente para
todas essas tolices. Apenas espere. Por alguns momentos apenas escute o barulho. Um pássaro
está cantando, ou o vento está passando pelas árvores, ou uma criança está chorando, ou o
leiteiro chegou e está fazendo barulho, ou o leite está sendo derramado. Tudo o que aconteça,
sinta-o. Seja sensível àquilo, abra-se para aquilo. Permita que aquilo aconteça a você; e sua
sensibilidade crescerá.
Quando estiver tomando um banho, sinta-o por todo o corpo – cada pingo de água tocando
em você. Sinta o toque, o frio, o calor! Tente isso o dia inteiro, sempre que você tiver uma
oportunidade; e em todo lugar há uma oportunidade – em todo lugar! Quando estiver
simplesmente respirando, sinta a respiração – seu movimento para dentro e sua saída – apenas
sinta isso! Apenas sinta o seu próprio corpo. Você não o tem sentido.
Nós temos muito medo de nosso próprio corpo. Ninguém toca o seu corpo de uma maneira
amorosa. Você alguma vez já deu amor para o seu próprio corpo? A civilização inteira tem medo
de alguém se tocando, porque, desde a infância, o toque tem sido negado. Parece ser
masturbação tocar a si mesmo de uma maneira amorosa. Mas se você não puder tocar a si mesmo
de uma maneira amorosa, seu corpo irá se tornar insensível e morto. Ele vem se tornando assim.
Toque seus olhos com as palmas de suas mãos. Sinta o toque e seus olhos se sentirão frescos e
vivos imediatamente. Sinta o seu corpo inteiramente. Sinta o corpo de seu amado, o corpo de seu
amigo. A massagem é boa. Dois amigos podem massagear um ao outro e sentir o corpo do outro.
Você se tornará mais sensível.
Crie sensibilidade e sentimento. Então, será fácil para si você fazer estas técnicas e, então,
você sentira vivacidade surgindo em você. Não deixe essa energia em qualquer lugar. Permita
que ela chegue ao sahasrar.
Lembre-se disto: sempre que você fizer esse experimento, não o deixe no meio. Você tem de
completá-lo. Tome cuidado para ninguém perturbá-lo. Se você deixar essa energia em algum
lugar a meio caminho, ela pode ser prejudicial. Ela tem de ser liberada. Assim, traga-a para a
cabeça e sinta como se sua cabeça se tornasse uma abertura.
Na índia, nós temos retratado o sahasrar como um lótus – como um lótus de mil pétalas.
‘Sahasrar’ significa mil pétalas – uma abertura de mil pétalas. Simplesmente imagine o lótus
com mil pétalas, aberto; e, de cada pétala, essa energia luminosa está se movendo para o cosmos.
Novamente, isso é um ato de amor – agora, não com a natureza, mas com o supremo.
Novamente, isso é um orgasmo.
Há dois tipos de orgasmo: um é sexual e o outro é espiritual. O sexual vem do centro mais
baixo e o espiritual do centro mais elevado. Do mais elevado você encontra o mais elevado e do
mais baixo você encontra o mais baixo. Mesmo enquanto estiver verdadeiramente em um ato
sexual, você pode fazer esse exercício; ambos os parceiros podem fazê-lo. Movam a energia para
cima e, então, o ato sexual se torna tantra sadhana: ele se torna meditação.
Mas não deixe a energia em qualquer lugar do corpo, em algum centro. Alguém pode
aparecer e você terá de fazer algum trabalho, ou acontece alguma chamada de telefone e você
tem de parar. Assim, faça isso em um certo momento em que ninguém irá perturbá-lo; e não
deixe a energia em qualquer centro. Do contrário, esse centro onde você deixou a energia se
tornará uma ferida e você pode criar muitas doenças mentais. Então, fique alerta; do contrário,
não faça isso. Esse método necessita de absoluta privacidade e nenhuma perturbação; e ele deve
ser feito completamente. A energia deve chegar à cabeça e ela deve ser liberada de lá.
Você terá várias experiências. Quando você sentir que os raios estão começando a subir do
centro sexual, haverá ereções e sensações no centro sexual.
Muitas, muitas pessoas chegam a mim muito amedrontadas e assustadas. Elas dizem que
sempre quando começam a meditar, quando elas começam a ir mais fundo, há uma ereção. Elas
se perguntam: “O que é isso?”. Elas ficam amedrontadas porque pensam que, na meditação, o
sexo não deve estar presente. Mas você não conhece o funcionamento da vida. Aquilo é um bom
sinal. Mostra que a energia está agora viva ali. Agora ela precisa de movimento. Então, não fique
assustado e não pense que alguma coisa está errada. Isso é um bom sinal. Quando você começa a
meditar, o centro sexual se tornará mais sensível, excitado e, no começo, a excitação será
idêntica a qualquer excitação sexual – mas somente no começo. Quando sua meditação se tornar
mais profunda, você sentirá a energia fluindo para cima. À medida que a energia flui, o centro
sexual se torna silencioso, menos excitado.
Quando a energia realmente se mover para o sahasrar, não haverá nenhuma sensação no
centro sexual. Ele estará totalmente calmo e silencioso. Ele terá se tornado completamente frio, e
o calor terá chegado à cabeça. E isso é físico. Quando o centro sexual está excitado, ele se torna
quente; você pode sentir essa quentura, ela é física. Quando a energia se mover, o centro sexual
se tornará cada vez mais frio e mais frio e mais frio; e a quentura chegará na cabeça.
Você se sentirá tonto. Quando a energia chega na cabeça você se sentirá tonto. Algumas
vezes você pode até mesmo sentir náusea, porque pela primeira vez a energia chegou na cabeça e
sua cabeça não está familiarizada com isso. Ela tem de ficar afinada. Assim, não tenha medo.
Algumas vezes, você pode imediatamente ficar inconsciente, mas não tenha medo. Isso acontece.
Se muita energia se move de repente e explode em sua cabeça, você pode ficar inconsciente. Mas
essa inconsciência não pode permanecer por mais de uma hora. Dentro de uma hora a energia
automaticamente cai de volta, ou é liberada. Você não pode permanecer dessa forma por mais de
uma hora. Eu digo uma hora, mas na verdade são exatamente quarenta e oito minutos. Não pode
ser mais do que isso. Nunca foi, em milhares de anos de experimentos; assim, não tenha medo.
Se você ficar inconsciente, tudo bem. Depois dessa inconsciência, você se sentirá tão
rejuvenescido, que é como se você tivesse dormido pela primeira vez, no sono mais profundo.
O iôga chama isso por um nome especial – yoga tandra: sono iogue. Ele é muito profundo;
você se move para seu centro mais profundo. Mas não tenha medo. E se sua cabeça ficar quente,
isso é um bom sinal. Libere a energia. Sinta como se sua cabeça estivesse aberta como uma flor
de lótus – como se a energia estivesse sendo liberada no cosmos. Quando a energia for liberada,
você sentirá um frio chegando em você. Você nunca sentiu o frio que chega depois do calor. Mas
faça a técnica completamente; nunca a deixe incompleta.

71 Visualize uma faísca de luz pulando de um chakra para o outro

A segunda técnica de luz:

Ou nos espaços intermediários, sinta-o como relâmpago.

Esse é um método muito similar com uma leve diferença: Ou nos espaços intermediários,
sinta-o como relâmpago. Entre um centro e outro, quando os raios estão subindo, você pode
sentir isso como relâmpagos – um salto de luz. Para algumas pessoas, a segunda técnica será
mais apropriada e para outras a primeira. É por essa razão que há uma modificação. Há pessoas
que não podem imaginar coisas gradualmente e há pessoas que não podem imaginá-las aos
saltos. Se você pode pensar e imaginar gradualmente, então, o primeiro método é bom. Mas se
você tentar o primeiro método e de repente sentir que de um centro os raios pulam diretamente
para o segundo, então, não faça o primeiro método. O segundo é melhor para você. Sinta-o como
relâmpago – como uma faísca de luz pulando de um centro para o seguinte. E o segundo é mais
real, porque, na verdade, a luz salta. Não há nenhum crescimento gradual, passo a passo. A luz é
um salto.
Olhe para a luz elétrica. Você pensa que ela é constante, mas isso é ilusório. Há intervalos,
mas os intervalos são tão pequenos que você não pode detectá-los. A eletricidade vem aos saltos.
Um salto e, então, há um intervalo de escuridão. Outro salto e, então, um intervalo de escuridão.
Mas você nunca sente o intervalo, porque o salto é muito rápido. De outra forma, a todo
momento há escuridão. De novo há um salto, a luz vem e, então, novamente a escuridão. A luz
salta, ela nunca viaja. Para aqueles que podem imaginar saltos, a segunda modificação é melhor.
Ou nos espaços intermediários, sinta-o como relâmpago.
Experimente. Se você se sente bem com os raios vindo gradualmente, tudo bem. Se você não
se sente bem e os raios estão saltando, então, esqueça os raios. Pense isso como relâmpagos no
céu, nas nuvens, simplesmente pulando de um lugar para outro.
Para as mulheres, a primeira técnica será mais fácil e para os homens a segunda.
A mente feminina pode imaginar o gradual mais facilmente e a masculina salta mais
facilmente. A mente masculina é saltitante; ela salta de uma coisa para outra. Há um desconforto
sutil na mente masculina. A mente feminina tem um processo gradual, não é saltitante. É por isso
que as lógicas feminina e masculina são diferentes. Um homem vai saltando de uma coisa para
outra e para as mulheres isso é inconcebível. Para elas tem de haver um crescimento – um
crescimento gradual. Mas escolha. Experimente e escolha o que quer que sinta melhor para você.
Duas ou três coisas mais sobre este método: com relâmpagos, você pode sentir tanto calor,
que pode parecer insuportável. Se você sentir assim, não experimente. O relâmpago pode lhe dar
muito calor. Se você sentir assim, que é intolerável, não experimente. Então, tente o primeiro
método; se você se sentir confortável, então, ele é bom. Do contrário, com desconforto, não
tente. Algumas vezes a explosão pode ser tão grande que você pode ficar com medo e, uma vez
amedrontado, você nunca será capaz de fazê-lo novamente. Então o medo entra.
Assim, a pessoa tem de estar sempre consciente para não ficar amedrontada com qualquer
coisa. Se você sente que o medo chegará e que é demais para você, não tente. Então, o primeiro
método com raios de luz é melhor. Se você sentir que, mesmo com raios de luz, muito calor está
chegando até você – e isso depende porque as pessoas diferem – então, imagine os raios frios,
imagine-os frios. Então, em vez de sentir calor, você sentirá um frescor com todas as coisas. Isso
também será efetivo.
Assim, você pode decidir; tente e decida. Lembre-se, com esta técnica, e com outras também:
se você se sentir muito desconfortável ou qualquer coisa intolerável, não a faça. Há outros
métodos e este pode não ser para você. Com perturbações internas desnecessárias, você irá criar
mais problemas do que solucionar.
Na índia, por causa disso, desenvolvemos um iôga particular que chamamos Sahaj Yoga.
Sahaj significa espontâneo, fácil, natural. Sempre se lembre de sahaj. Se você sentir alguma
técnica chegando espontaneamente até você, se você sentir mais afinidade com ela, se você se
sentir melhor com ela – mais saudável, mais vital, mais em casa –, então, esse é o método para
você. Mova-se com ele; você pode confiar nele. Não crie problemas desnecessários. E o
mecanismo interior é muito complexo. Se você faz alguma coisa que é demais para você, você
pode destruir muitas coisas. Assim, é melhor se mover com alguma coisa que está em harmonia
com você.

72 Sinta a presença da existência eternamente viva

A terceira técnica de luz:

Sinta o cosmos como uma presença translúcida eternamente viva.

Isso novamente está relacionado com a luz: Sinta o cosmos como uma presença translúcida
eternamente viva. Se você já tomou alguma droga como LSD ou coisa parecida, todo o mundo a
sua volta se torna um fenômeno de luzes coloridas que são translúcidas, vivas. Isso não é por
causa do LSD. O mundo é assim, mas seus olhos se tornaram obtusos. O LSD não está criando
um mundo colorido à sua volta; o mundo já é colorido, não há nada de errado com o mundo. Ele
é um arco-íris de cores – um mistério de cores e luz translúcida. Mas seus olhos se tornaram
obtusos. É por isso que você nunca o sente de forma tão colorida.
O LSD está apenas limpando seus olhos. Ele não está tornando o mundo mais colorido; ele
está apenas ajudando sua obtusidade a ir embora quimicamente; e então o mundo inteiro irrompe
à sua frente. É uma coisa nova. Até mesmo uma simples cadeira se torna um fenômeno
maravilhoso. Apenas um sapato no chão toma novas cores, uma nova juventude. O barulho
comum do tráfego se torna musical. Árvores que você sempre viu mas nunca as olhou, renascem
para você, apesar de você ter sempre passado por elas e tê-las visto. Cada folha de uma árvore é
um milagre.
E é assim que a realidade é. Não é o LSD que está criando essa realidade. O LSD está apenas
destruindo sua obtusidade, sua insensibilidade e, então, você olha para o mundo como se deveria
realmente olhá-lo. Mas o LSD pode lhe dar somente um vislumbre; e se você depender disso,
mais cedo ou mais tarde, nem mesmo o LSD será capaz de remover sua obtusidade. Então, você
necessitará de doses maiores e, assim, você irá se tornando imune a doses maiores. E, de fato, se
você então abandonar o LSD ou outras drogas, o mundo será mais obscuro do que nunca. Então
você se tornará ainda mais insensível.
Apenas uns dias atrás uma moça veio me ver. Ela disse que não podia sentir nenhum orgasmo
no ato sexual. Ela tentou muitos homens, mas não conseguiu sentir nenhum orgasmo. O pico
nunca chega; e ela se tornou frustrada. Então, eu pedi para ela me contar toda a sua vida amorosa
e sexual – a história toda. Então, descobri que ela esteve usando um vibrador elétrico. Agora no
Ocidente, elas estão usando isso. Uma vez que você use um vibrador elétrico como um pênis
masculino, então, nenhum macho pode lhe satisfazer, porque, um vibrador elétrico é, afinal de
contas, um vibrador elétrico. Então, sua vagina e clitóris irão morrer, ficarão obtusos e, então, o
orgasmo se tornará impossível. Então não haverá possibilidades de nenhum orgasmo: agora você
precisará de um vibrador elétrico mais poderoso. E isso pode ir a um extremo tal, que todo o seu
mecanismo sexual se tornará entorpecido. E isso está acontecendo com todos os nossos sentidos.
Se você usar qualquer artifício externo, você se tornará obtuso.
O LSD irá torná-lo obtuso, basicamente, porque, com ele, você não está crescendo. Se você
cresce, então, é um processo diferente. Você se torna mais sensível; e quando você se torna mais
sensível o mundo se torna diferente. Agora, você pode sentir muitas coisas que nunca sentiu
antes, porque você não era sensível.
Essa técnica está baseada na sensibilidade interior. Primeiro cresça em sensibilidade. Apenas
feche suas portas, deixe o quarto escuro e ascenda uma pequena vela. Sente perto da vela com
uma atitude amorosa – melhor, com uma atitude de oração. Apenas ore para a vela: “Revele-se
para mim”.
Tome um banho, jogue água fria em seus olhos, então sente de uma maneira devocional
diante da vela. Olhe para ela e esqueça tudo mais. Olhe apenas para a pequena vela – a chama e a
vela. Continue olhando para ela. Depois de cinco minutos, você sentirá que muitas coisas estão
mudando na vela. Elas não estão mudando na vela, lembre-se disto: seus olhos é que estão
mudando.
Com uma atitude amorosa, com o mundo todo fechado do lado de fora, com total
concentração, com um sentimento amoroso, apenas continue olhando para a vela e a chama.
Então, você descobrirá novas cores em volta da chama, novas sombras que você nunca percebeu
existirem. Elas existem; o arco-íris inteiro está presente. Onde quer que a luz esteja, o arco-íris
está presente, porque luz é tudo cor. Você precisa de uma sensibilidade sutil. Apenas sinta a
chama da vela e continue olhando para ela. Mesmo que lágrimas comecem a fluir, continue
olhando para ela. Essas lágrimas ajudarão seus olhos a se tornarem mais frescos.
Algumas vezes você pode sentir que a chama, a vela, se tornou misteriosa: não é aquela vela
comum que você trouxe com você; ela foi tomada por um novo glamour, uma divindade sutil
chegou até ela. Continue fazendo isso. Você também pode fazer isso com muitas outras coisas.
Um de meus amigos estava me contando que um grupo de cinco ou seis pessoas esteve
experimentando isso com rochas. Eu lhes disse como experimentar e, então, vieram me relatar.
Eles experimentaram com rochas nas margens de um rio isolado. Eles estavam tentando senti-las
com suas mãos, com suas faces, tocando as rochas com suas línguas, cheirando as rochas. De
todas as maneiras possíveis, eles estavam sentindo as rochas – pedras comuns que eles
encontraram na margem.
Eles experimentaram isso por uma hora inteira, cada um com uma rocha. E então, meu amigo
relatou, houve um milagre. Todos disseram: “Eu posso guardar essa pedra? Eu me apaixonei por
ela!”.
Uma pedra comum! Se você tiver uma relação de compartilhamento com ela, você irá se
apaixonar. E se você não tiver essa sensibilidade, então, mesmo com uma pessoa muito bela,
você estará com uma rocha; você não poderá se apaixonar.
A sensibilidade deve crescer. Todos os seus sentidos devem se tornar mais vivos. Então você
pode experimentar esta técnica. Sinta o cosmos como uma presença translúcida eternamente
viva. Em todo lugar existe luz – em muitos, muitos modelos, formas, a luz está acontecendo em
todo lugar. Olhe para ela! E em todo lugar a luz existe porque o fenômeno todo está baseado no
fundamento da luz. Olhe para uma folha ou para uma flor ou para uma rocha e mais cedo ou
mais tarde você sentirá raios saindo dela. Apenas espere pacientemente. Não tenha pressa,
porque nada é revelado quando você está com pressa. Na pressa, você é obtuso. Espere
silenciosamente com qualquer coisa e você descobrirá um novo fenômeno que sempre esteve
presente, mas para o qual você não estava alerta – não estava consciente dele.
Sinta o cosmos como uma presença translúcida eternamente viva e sua mente se tornará
completamente silenciosa, enquanto você sente a presença da existência eternamente viva. Você
será apenas uma parte naquilo, apenas uma nota na grande sinfonia. Sem carga, sem tensão... a
gota caiu no oceano. Mas grande imaginação será necessária no começo; e se você também
estiver experimentando outros treinos de sensibilidade, será útil.
Você pode tentar de muitas maneiras. Apenas tome a mão de alguém em sua mão. Feche seus
olhos e sinta a vida no outro. Sinta-a e permita que ela se mova para você. Sinta a sua própria
vida e a permita mover-se em direção ao outro. Sente-se perto de uma árvore e toque a casca da
árvore. Feche seus olhos e sinta a vida surgindo na árvore; e você muda imediatamente.
Eu ouvi sobre um experimento. Um médico esteve trabalhando com pessoas para ver se seus
sentimentos mudavam a bioquímica delas. Agora ele relatou que os sentimentos mudam a
bioquímica imediatamente. Ele experimentou com um grupo de doze pessoas. Ele coletou suas
urinas antes do experimento e a urina era comum, normal.
Cada pessoa foi colocada sob um estresse diferente. Um viu um filme de horror, raiva,
violência, crueldade – era apenas um filme. Por trinta minutos ele viu um filme de horror.
Naturalmente, com o filme as emoções dele mudaram. Ele sentiu estresse. Para outro, um filme
muito alegre foi mostrado e ele se sentia feliz. E assim ele continuou o experimento com as doze
pessoas. Então, suas urinas foram tomadas novamente e a análise da urina mostrou que a urina de
todos estava diferente. As químicas mudaram no corpo. A pessoa que sentiu horror estava doente
agora; a pessoa que sentiu esperança, felicidade, alegria estava saudável agora. Sua urina estava
diferente, as químicas do corpo estavam diferentes.
Você não está consciente do que você está fazendo consigo mesmo. Quando você vai ver um
filme de assassinato, você não sabe o que está fazendo. Você está mudando sua química
corporal. Se você está lendo um romance de detetive, você não sabe o que está fazendo. Você
está matando a si mesmo. Você ficará excitado, você se tornará amedrontado, uma tensão
chegará até você. É assim que você desfruta um romance de detetive. Quanto mais tenso você se
torna, mais você o desfruta. Quanto mais suspense sobre o que vai acontecer, mais você fica
excitado – e você está mudando sua química corporal.
Todas essas técnicas também mudam sua química corporal. Se você sente o mundo inteiro
como se preenchido de vida, luz, então você está mudando sua química corporal. E isso é uma
reação em cadeia. Quando sua química corporal muda, você pode olhar para o mundo e ele
parecerá mais vivo. E se ele parece mais vivo, sua química corporal mudará novamente e, então,
isso se tornará um encadeamento.
Se esse método for feito por três meses, você estará vivendo em um mundo diferente, porque
então você será diferente.
Capítulo 48

A POTENCIALIDADE DA SEMENTE

PERGUNTAS

Qual a diferença entre uma inspiração e um ideal; e ser inspirado por alguém é errado para
um buscador?
O que é normal e por que existe tanta patologia hoje em dia?
Como alguém pode “sentir” consciência a menos que a pessoa a tenha atingido e como
imaginar aquilo que ainda não aconteceu?

A primeira pergunta:

Na noite passada, Você disse que um Krishna, um Cristo, um Buda são o clímax da
possibilidade e crescimento humano e, então, Você disse que a psicologia iogue e tântrica
não coloca nenhum ideal à frente do homem e que ter um ideal é um erro de acordo com o
tantra. Em referência a isso, por favor explique qual a diferença entre uma inspiração e um
ideal. Qual é o significado da inspiração na vida de um buscador? Por favor, diga-me se até
mesmo ser inspirado por um grande homem é um erro no caminho de um meditador.

Um Buda, um Krishna ou um Cristo não é ideal para você: não é para você segui-los. Se você
os seguir, você irá perdê-los e seu próprio estado búdico nunca será atingido. O estado búdico é o
ideal, não Buda. O estado crístico é o ideal, não Jesus. O estado búdico é diferente de Gautama,
O Buda; o estado crístico é diferente de Jesus. Jesus é apenas um dos cristos. Você pode se tornar
um cristo, mas você nunca pode se tornar um Jesus. Você pode se tornar um buda, mas você
nunca pode se tornar um Gautama. Gautama se tornou um buda e você pode se tornar um buda.
O estado búdico é uma qualidade, é uma experiência! Naturalmente, quando Gautama se tornou
um buda, Gautama tinha sua própria individualidade. Você tem sua própria individualidade.
Quando você se tornar um buda, esses dois budas não serão iguais. A experiência mais interna
será a mesma, mas a expressão será diferente – absolutamente diferente. Nenhuma comparação é
possível. Somente no âmago mais profundo vocês serão os mesmos.
Por quê? Porque no âmago mais profundo não existe individualidade. A individualidade está
na periferia. Quanto mais fundo você vai, mais a individualidade se dissolve. No âmago mais
profundo você é como se não existisse ninguém. No centro mais interno você é apenas um vazio
profundo, um nada – um shunya, um zero. E, devido a esse nada, não há nenhuma diferença,
porque dois nadas não podem ser diferentes. Mas dois seres que são “alguma coisa” estão
fadados a ser diferentes. Dois que são “alguma coisa” nunca podem ser iguais e dois “nadas”
nunca podem ser diferentes. Quando alguém se torna um absoluto nada, um ponto zero, isso é
similar em um Jesus, em um Krishna, em um Buda. Quando você atinge o definitivo, você
atingirá esse shunya – esse nada.
Mas sua personalidade, sua expressão desse êxtase, está fadada a ser diferente. Uma Meera
dançará; um Buda nunca pode dançar. É impossível conceber um Buda dançando – parece
absurdo. Mas Meera sentada embaixo de uma árvore bódhi como um Buda também parece
absurdo. Ela perderá tudo, ela não será de forma alguma a Meera; ela será imitação. Só se pode
conceber a Meera real dançando em êxtase em sua peculiar loucura de amor. Essa é a sua
expressão.
O âmago mais profundo é o mesmo. Com Buda sentado em baixo da árvore bódhi e Meera
dançando em louco êxtase, o centro mais interno é o mesmo. Na Meera que dança e no sentar
silencioso de Buda que é como uma estátua, o centro mais profundo é o mesmo, mas a periferia é
diferente. O dançar e o sentar em silêncio estão apenas na periferia. Se você se mover para
dentro de Meera, à medida que você for mais fundo, a dança cessará, a Meera cessará. Se você
for fundo dentro de Buda, o sentar irá cessar, o Buda cessará como um indivíduo.
Você pode se tornar um buda, mas você nunca poderá se tornar um buda Gautama: é isso o
que se quer dizer.
Não os torne seus ideais. Do contrário você começará a imitá-los. E o que você pode fazer se
você imitar? Você pode forçar alguma coisa de fora para dentro, mas isso será um fenômeno
falsificado. Você se tornará pseudo – pintado. Você parecerá Buda – mais até do que Buda. Você
pode parecer, mas isso será apenas um parecer, uma aparência; bem no fundo, você permanecerá
o mesmo – e isso irá criar uma dualidade, um conflito, uma angústia interior e você irá sofrer.
Você só pode estar em verdadeira felicidade onde você é autenticamente você mesmo. Você
nunca poderá sentir qualquer felicidade quando estiver agindo como alguém diferente. Então,
lembre-se da mensagem do tantra: você é o ideal. Você não tem que imitar ninguém; você tem de
se descobrir.
Ao olhar um buda, não há necessidade de imitá-lo. Quando você está olhando um buda, a
possibilidade de algo do além acontecer bate fundo em você. “Buda” é apenas um símbolo de
que algo aconteceu a esse homem – e se aconteceu para este homem, pode acontecer a todo
homem. Ali se revela toda a possibilidade da humanidade.
Em um Jesus, em uma Meera, em Chaitanya, se revela uma possibilidade. Você não precisa
ser o que você é. Algo mais é possível. Assim, Buda é apenas um símbolo do futuro. Não o
imite; ao invés, deixe que a vida dele, seu ser, o fenômeno que está acontecendo, converta-se em
uma nova sede em você; isso é tudo. Você não deve se contentar consigo mesmo como você é
exatamente agora. Deixe que Buda se torne um descontentamento em você, uma sede por
transcender, ir além, se mover no desconhecido. Quando você atingir o pico de seu próprio ser,
você saberá o que aconteceu a Buda embaixo da árvore bódhi, ou o que aconteceu a Jesus na
cruz, ou o que aconteceu a Meera quando ela estava dançando nas ruas. Você saberá, mas a sua
expressão será particularmente sua. Você não será uma Meera, ou um Buda, ou um Jesus. Você
será você mesmo; e você nunca tinha sido antes. Você é único.
Assim, nada pode ser dito; você não é previsível. Ninguém pode dizer o que acontecerá,
como você irá manifestar aquilo. Se você irá cantar, dançar, pintar, ou permanecer em silêncio,
ninguém pode dizer. E é bom que nada possa ser dito, que nada possa ser previsto. Essa é a
beleza. Se for previsível que você irá ser isto ou aquilo, então, você irá se tornar uma coisa
mecânica.
A previsão é possível apenas com aparelhos mecânicos. A consciência humana é
imprevisível: esta é sua liberdade.
Assim, quando o tantra diz “não siga ideais”, isso não significa negar Buda. Não, não é uma
negação. Na verdade, é como você pode encontrar seu próprio estado búdico. Seguindo outra
pessoa, você o perderá. Seguindo seu próprio caminho, você pode ganhá-lo, você pode atingi-lo.
Alguém chegou a um mestre Zen, Bokúju. O mestre de Bokúju era muito famoso, bem
conhecido, um homem grandioso; assim, alguém perguntou: “Você está realmente seguindo seu
mestre? ”
Bokúju disse: “Sim, eu o estou seguindo”.
Mas o homem que fez a pergunta ficou perturbado, porque se sabia bem por todo o país que
Bokúju de forma alguma estava seguindo o seu mestre. Então, o homem disse: “Você está
tentando me enganar? Todo mundo sabe e você também sabe que, de forma alguma, você está
seguindo o seu mestre. E você ainda diz que o está seguindo? O que você pretende? ”
Bokúju disse: “Eu estou seguindo meu mestre – porque meu mestre nunca seguiu o mestre
dele. Foi isso que aprendi com ele: ele era ele mesmo”.
Assim é que um Buda, um Jesus deve ser seguido. É assim! Eles são únicos! Se você
realmente os está seguindo, você deve ser único.
Buda nunca seguiu ninguém; e ele só atingiu a iluminação naquele momento em que ele
parou completamente de seguir. Quando ele se tornou ele mesmo, quando ele deixou todos os
caminhos, todas as técnicas, todas as doutrinas, então, ele pôde atingir. Se você o seguir, você
não o está seguindo. Isso não é paradoxal, apenas parece. Se você o seguir como uma rotina
morta, se você o imitar, você não o está seguindo. Ele nunca seguiu ninguém e, somente então,
ele pôde se tornar um pico. Entenda-o, não o siga; e então um sutil seguir acontecerá. Mas isso é
interno, não uma imitação.
Na grande obra de Nietzsche Assim falava Zaratustra, a última mensagem de Zaratustra para
seu discípulo é: “Tenha cuidado comigo. Agora já disse tudo o que era para ser dito para você.
Agora tenha cuidado comigo. Não me siga; simplesmente me esqueça. Deixe-me e vá embora”.
Essa é a última mensagem de todos os grandes mestres. Nenhum grande mestre gostaria de
torná-lo um fantoche, porque, então, ele o estaria matando, ele seria um assassino. Ele lhe
ajudará a ser você mesmo. E se você não puder ser você mesmo na intimidade e na comunicação
com seu mestre, então, onde você será você mesmo?
O mestre significa uma oportunidade para você ser você mesmo. Apenas mentes pequenas,
mentes estreitas que fingem ser mestres e que não são mestres, tentarão impor-se sobre você. Os
grandes mestres lhe ajudarão a crescer em seu próprio caminho. E grandes mestres criarão todas
as barreiras de forma que você não se torne uma vítima do seguir. Eles criarão todas as barreiras!
Eles não permitirão isso, porque sua tendência será de seguir. Isso é fácil, a imitação é fácil; ser
autêntico é árduo. E quando você imita, você não sente responsabilidade – o mestre é
responsável. Nenhum grande mestre jamais permitiu que alguém o imitasse. Ele criará todos os
obstáculos de forma que você não possa imitá-lo. Ele irá atirá-lo, por todos os meios, para você
mesmo.
Estou me lembrando de um santo chinês que estava celebrando o dia da iluminação de seu
mestre. Muitos seguidores vieram. Eles disseram: “Mas nós nunca ouvimos que esse homem era
seu mestre! Nunca soubemos que você pertenceu a esse homem! ” – Aquele velho homem já
havia morrido.
Eles continuaram: “Somente hoje viemos a escutar e a saber que você está celebrando o dia
da iluminação de seu mestre. Esse homem era seu mestre? Mas como? Nós nunca o vimos com
ele?”
O santo respondeu: “Eu estive com ele, mas ele me recusou. Ele se recusou a ser meu mestre
e, devido a essa recusa, eu pude me tornar eu mesmo. Tudo o que sou é devido à sua recusa. Eu
sou seu discípulo. Ele poderia ter me aceitado; então, eu poderia ter jogado todas as
responsabilidades em seus ombros. Mas ele recusou; e ele era o último homem. Não havia
comparação. Quando ele me recusou, eu não podia ir para ninguém mais, porque ele era o único
refúgio. Se havia me recusado, então, não tinha sentido, nenhum propósito em ir a algum lugar.
Eu deixei de procurar alguém. Ele era o último. Se ele tivesse me aceitado, eu poderia ter me
esquecido de mim mesmo. Mas ele me recusou. E recusou muito rudemente. A recusa se tornou
um choque e um desafio. E eu decidi que agora não poderia ir a ninguém. Se esse homem havia
se recusado, então, não havia ninguém mais que valesse buscar. Então, comecei a trabalhar por
mim mesmo; e somente então, eu compreendi cada vez mais e mais porque ele havia me
recusado. Ele havia me atirado para mim mesmo e somente então eu soube que ele me havia me
aceitado. Do contrário, porque ele teria me recusado? ”.
Isso parece contraditório, mas é assim que o mecanismo profundo da consciência funciona.
Os mestres são misteriosos. Você não pode julgá-los; você não pode ter certeza do que eles estão
fazendo a menos que a coisa toda aconteça. Então, somente retrospectivamente você será capaz
de saber o que eles estavam fazendo. Agora é impossível. No meio do caminho você não pode
julgar o que está acontecendo, o que está sendo feito. Mas uma coisa é certa: a imitação não pode
ser permitida.
A inspiração é uma coisa diferente. Através da inspiração, você começa a jornada, não com
um esforço em copiar. Você se move em seu próprio caminho. A inspiração é apenas um desafio.
Uma sede surge e, então, você se move.
O tantra diz: seja inspirado, mas não se torne um imitador. Sempre se lembre de que você é o
seu próprio objetivo. Ninguém mais pode sê-lo; e a menos que você atinja esse ponto no qual
você pode dizer “eu atingi meu destino e agora estou satisfeito”, não pare. Continue
transcendendo, continue sendo descontente, continue se movendo. E se você não criar nenhum
ideal, então, você poderá ser enriquecido por todo mundo. No momento em que você se torna
obcecado por um ideal, você fica fechado. Se você se torna obcecado por Buda, então Jesus não
é para você. Então, como Maomé pode ser para você? Você está obcecado por um ideal; você
está tentando copiá-lo. Então, todos os que são contrários, todos os diferentes são inimigos em
sua mente. Como pode um seguidor de Mahavira imaginar estar aberto para Maomé? É
impossível. Ele é totalmente diferente. Não somente diferente... – eles são contrários. Eles
parecem polos opostos. Se você colocar ambos em sua mente, você estará em um conflito
profundo; assim, você não pode colocar os dois.
É por isso que seguidores sempre são inimigos dos seguidores dos outros. Eles criam
inimizade no mundo. Um hindu não pode imaginar que Maomé possa ser iluminado; um
muçulmano não pode imaginar que Mahavira possa ser iluminado; um seguidor de Krishna não
pode conceber que Mahavira possa ser iluminado, que Jesus possa ser iluminado. Jesus parece
tão triste e Krishna parece tão cheio de alegria. A alegria de Krishna e a tristeza de Jesus são
polos totalmente opostos. Os seguidores de Jesus não podem imaginar Krishna como sendo
iluminado. Tanta miséria no mundo e ele tocando sua flauta! Isso parece tão egoísta! O mundo
inteiro está sofrendo e ele continua dançando com suas gópis!?
Os seguidores de Jesus pensarão que aquilo é profano – mas eu disse “seguidores”. Um Jesus
e um Buda e um Krishna podem existir juntos sem nenhum problema, sem nenhum conflito.
Mais exatamente, eles desfrutarão muito entre si – mas não os seguidores. Por quê? Por que isso
é assim? Isso será assim, porque existe uma razão psicológica profunda. O seguidor não está
interessado em Maomé ou em Mahavira; ele está interessado nele mesmo. Se ele pensar que
ambos são bons, ele ficará em dificuldade. Então, quem seguir e o que fazer? Maomé está com
sua espada em sua mão e Mahavira diz que matar até mesmo um inseto significa que por vidas
você sofrerá. Maomé está com sua espada. Então o que fazer? Maomé vai para a guerra e
Mahavira escapa da vida completamente. Ele escapa tanto, que teme até mesmo respirar, porque
quando você respira, muitas vidas – muitas, muitas vidas – são mortas através da respiração. Ele
teme respirar e Maomé vai para a guerra.
Como um seguidor de um pode fazer acomodações para o oposto? Então, seu coração ficará
dividido e ele estará em constante conflito. Para evitar isso, ele diz que tudo o mais está errado e
somente aquilo é certo. Mas esse é o seu problema. Isso é criado, porque ele está tentando imitar.
Não há nenhuma necessidade. Se você não é um imitador, então, você pode saborear as águas de
muitos rios e de muitas fontes e não há problema se o gosto diferir. Ao contrário, isso é belo.
Você é enriquecido por isso. Então, você está aberto para Maomé e para Mahavira e para Cristo
e para Zaratustra e para todos os outros. Todos eles lhe inspiram em direção a si mesmo. Eles
não são ideais; todos eles o ajudam a ser você mesmo. Eles não estão apontando para si mesmos,
estão apontando para você de diferentes maneiras, com diferentes métodos. Eles estão apontando
para um objetivo e este é você.
Laura Huxley escreveu um livro. O nome do livro é You Are Not The Target (Você não é o
alvo). Mas eu lhe digo: você é o alvo de todos estes – de Buda, de Mahavira, de Krishna, de
Cristo. Todos eles estão indicando em sua direção. Você é o alvo, você é o objetivo. Através de
você a vida está tentando, lutando, para atingir um pico singular. Fique feliz com isso! Esteja
grato por isso! A vida está tentando atingir um objetivo único através de você e esse objetivo
pode ser atingido somente através de você. Ninguém mais pode atingi-lo. Você existe em função
dele, você está destinado a ele. Então, não gaste tempo seguindo outros. Mas isso não significa
não ser inspirado. Na verdade, se você não estiver seguindo ninguém, você pode ser facilmente
inspirado. Se você estiver seguindo, você se tornou morto. Você não será inspirado. A inspiração
é uma abertura; seguir é estar fechado.

A segunda pergunta:

Você falou que a psicologia ocidental está enraizada nos conceitos freudianos de
patologia e que a psicologia oriental usa o supranormal como a base a partir da qual se
avalia um homem. Mas quando eu olho à minha volta, no mundo moderno, eu vejo que a
maioria das pessoas se enquadra nas categorias freudianas de patologia. Uma em um
milhão se enquadra na categoria do supranormal e um pequeno número se enquadra no
ideal social de normal. Por que existe tanta patologia hoje em dia e o que Você considera
ser a definição de normal?

Muitas coisas precisam ser compreendidas. Não é isso – não é que existam muito poucas
pessoas que atingem seus picos. Muitos estão lá, mas você não tem olhos para vê-los. Sempre
que você olha à sua volta, você vê aquilo que você pode ver. Como você pode ver aquilo que não
pode ser visto? Sua capacidade de ver determina muitas coisas. Você ouve aquilo que pode
ouvir, não aquilo que existe. Se um buda passa, você pode não ser capaz de reconhecer. E você
esteve realmente presente quando Buda passou, mas você o perdeu. Você estava presente! Você
estava presente quando Jesus estava vivo, mas você o crucificou. É difícil ver, porque você vê de
seu próprio jeito. Você tem conceitos, você tem categorias, você tem atitudes. Através delas você
olha para um Buda e para um Jesus.
Jesus parece-lhe um criminoso. Quando Jesus foi crucificado, ele foi crucificado junto com
dois criminosos; em cada lado havia um ladrão. Três pessoas foram crucificadas juntas e Jesus
estava exatamente ao lado de dois ladrões. Por quê? Ele era considerado de algum modo um
criminoso imoral e você estava lá para julgar. Mesmo que Jesus venha exatamente agora, você
irá julgar novamente da mesma maneira, porque seu julgamento, seu critério, não mudou.
Jesus viveu e permaneceu com cada um e com todo mundo. Ele se hospedou em uma casa de
prostitutas e a vila toda foi contra ele. Mas os valores dele eram diferentes. A prostituta veio,
lavou seus pés com suas lágrimas e disse: “Eu sou culpada. Eu sou uma pecadora e você é minha
única esperança. Se você vier à minha casa eu irei me sentir aliviada de minha culpa. Eu me
tornarei viva novamente. Se Jesus puder vira minha casa, então eu fui aceita”.
Assim, Jesus foi. Ele se hospedou lá, mas a cidade inteira foi contra ele. Que tipo de homem é
ele? Hospedando-se com uma prostituta?! Mas para Jesus o amor é o valor e ninguém havia feito
um convite tão amoroso antes. Ele não podia dizer não. E se Jesus tivesse dito não, ele não
poderia ter sido um homem iluminado. Então, ele estaria apenas buscando respeitabilidade
social. Ele não estava buscando respeitabilidade.
Em outra vila, a cidade inteira veio até Jesus com uma mulher que havia pecado. No Velho
Testamento, está escrito que, se uma pessoa peca, deve ser apedrejada até a morte. Não que ele
deve ser; é ela quem deve ser apedrejada até a morte, porque somente as mulheres pecam; o
homem nunca peca – porque todas essas escrituras foram escritas por homens. E isso era um
grande problema; assim, eles perguntaram a Jesus sobre isso. Eles estavam armando uma
artimanha, porque se Jesus tivesse dito: “Não, não matem essa mulher, não sejam os juízes.”,
então, eles poderiam dizer: “Você está contra as escrituras”. E se Jesus tivesse dito: “Sim, matem
essa mulher, apedrejem-na até a morte”, então, eles poderiam dizer: “Onde está a sua mensagem
‘Ame seu inimigo’ e onde foi parar sua mensagem ‘não julgue para não ser julgado’? ”.
Então eles estavam fazendo uma artimanha. Eles estavam criando um dilema – um dilema
lógico. O que quer que Jesus dissesse, ele estaria caindo na armadilha. Mas você não pode armar
armadilhas para um homem iluminado; é impossível. É impossível e quanto mais você tentar
jogá-lo na armadilha, mais você cairá na armadilha dele. Assim, Jesus disse: “As escrituras estão
absolutamente corretas. Mas venham à frente apenas aqueles que nunca pecaram. Peguem estas
pedras em suas mãos e matem essa mulher, mas somente aqueles que nunca pecaram”. A
multidão começou a se dispersar. Aqueles que estavam na frente foram para trás – porque...
quem iria apedrejar aquela mulher?
Mas eles se tornaram inimigos de Jesus. E quando eu digo “eles”, eu quero dizer vocês.
Vocês sempre estiveram presentes. Vocês não podem reconhecê-lo, vocês não podem ver.
Você está cego! É por isso que você sempre sente que o mundo é mau e que não existe a
iluminação – que todos são patológicos. Não é assim, mas você só pode ver a patologia, porque
você é patológico. Você pode entender a doença, porque você está doente. Você não pode
entender a saúde, porque você nunca esteve saudável. A linguagem da saúde simplesmente lhe
escapa.
Ouvi falar de um místico judeu, Baal Shem. Alguém veio e perguntou a Baal Shem: “O que é
mais significativo, o que é mais valiosa – a riqueza ou a sabedoria? ”.
O homem estava fazendo a pergunta por uma razão; assim, Baal Shem riu e disse:
“Naturalmente, a sabedoria é mais significativa, mais valiosa”.
Então o homem disse: “Então, Baal Shem, vou fazer a segunda pergunta. Sempre vejo você,
um homem sábio, visitando os ricos. Você sempre vai à casa das pessoas ricas. Eu nunca vi um
homem rico visitando-o, você, o sábio; e você diz que a sabedoria é mais valiosa que a riqueza.
Então explique esse fenômeno para mim”.
Baal Shem riu e disse: “Sim, os homens sábios vão aos ricos, porque eles são sábios e eles
sabem o valor da riqueza e os ricos são apenas ricos – simplesmente ricos e nada mais – e não
podem compreender o valor da sabedoria. Naturalmente, eu vou – porque eu compreendo o valor
da riqueza. E aqueles pobres idiotas? Eles são apenas ricos – nada mais. Não podem
compreender o valor da sabedoria; assim, eles nunca vêm até a mim”.
Se você vir um santo indo a um palácio, você dirá: “Esse homem não é um santo! ”. E está
acabado, porque você olha através de seus próprios olhos. Riqueza tem sentido para você. Você
só pode seguir um santo que tenha renunciado à riqueza, porque você é obcecado pela riqueza.
Você olha através de você e o que quer que você diga, diz mais a respeito de você do que de
qualquer outra pessoa. Sempre é sobre você; você é a referência. Quando você diz que Buda não
é iluminado, você não quer dizer isso. Você simplesmente quer dizer: “Para mim ele não parece
iluminado”.
Mas quem é você? E a iluminação dele depende de alguma forma de sua atitude, de sua
abordagem, de seu ponto de vista? Você fixou categorias de pensamento e continua usando-as.
Para você, a patologia é reconhecível, mas a iluminação não. E você não pode entender aquilo
que é superior a você – lembre-se. Você só pode entender aquilo que é mais baixo que você ou,
no máximo, do mesmo nível. Você não pode entender o mais elevado, é impossível. Para
compreender o mais elevado você terá que se mover para o mais elevado. Você pode
compreender o mais baixo.
Olhe para isto deste jeito: um louco não pode compreendê-lo. É impossível para um louco
compreendê-lo; ele olha através da loucura dele. Mas você pode compreender um louco. Ele está
abaixo de você. O ser humano normal pode compreender os anormais, os que estão abaixo, os
patológicos, mas não pode compreender os mais elevados. Mesmo um Freud tem medo.
Jung escreveu em suas memórias que lhe aconteceu de querer analisar os sonhos de Freud.
Ele era um dos melhores discípulos de Freud. Eles estavam viajando para os Estados Unidos em
um navio; assim, por muitos dias eles estiveram juntos. Um dia Jung tomou coragem. Ele era o
discípulo mais íntimo naqueles dias e pediu a Freud: “Eu gostaria de analisar seus sonhos. Conte-
me algum sonho. Por muitos e muitos dias nós estaremos juntos; assim, eu irei analisá-lo”.
O que Freud disse? Freud disse: “O que você quer dizer? Se você analisar meus sonhos eu
perderei minha autoridade. Eu não posso lhe contar meus sonhos”. Ele tinha medo, porque em
seus sonhos a mesma patologia, as mesmas doenças seriam reveladas como se revelavam no
sonho dos outros. Ele disse: “Eu não posso perder minha autoridade. Eu não posso lhe contar
meus sonhos”.
Freud, o grande psicólogo desta era, está propenso a todas as doenças que todo mundo mais
está. Quando Jung disse que iria deixá-lo, ele caiu de sua cadeira e perdeu a consciência. Ele
desmaiou. Por horas ele esteve inconsciente, porque ele ficou chocado pela ideia de um discípulo
abandoná-lo, só por um discípulo dizer: “Eu vou deixá-lo”.
Se você diz a um buda: “Eu vou deixá-lo”, você pode imaginá-lo caindo e ficando
inconsciente? Mesmo se todos os dez mil discípulos o deixarem, ele permanecerá feliz – tão feliz
que sentirá que será bom se você for. Por quê? Seus psicólogos são como você. Eles não estão
acima. Eles têm os mesmos problemas; assim, um psicólogo vai a outro psicólogo para ser
analisado. Não é como um médico indo a outro médico para ser tratado. Para os médicos está
certo; eles podem ser perdoados. Mas, para psicólogos, parece absurdo. Um psicólogo indo a
outro para ser analisado? O que isso significa? Ele é um homem comum. Psicologia é apenas
uma profissão.
Buda não está em nenhuma profissão, ele não é um homem comum. Ele acordou para uma
nova realidade; atingiu um novo estado de ser. Agora ele pode olhar do pico. Ele pode
compreendê-los, mas vocês não podem compreendê-lo. E por mais que ele tente, é realmente
impossível fazer-los compreendê-lo. Você continuará compreendendo-o mal, a menos que você
seja apanhado não por suas palavras, mas por sua personalidade – a menos que você seja
apanhado por seu magnetismo, não por suas palavras. A menos que você se torne exatamente
como um pedaço de ferro e seja apanhado por seu magnetismo, você não será capaz de
compreendê-lo; você o interpretará mal.
É por isso que você não pode ver. Mas o mundo sempre tem pessoas iluminadas. A patologia
é reconhecida, porque nós somos patológicos; assim, podemos vê-la e entendê-la.
Em segundo lugar, mesmo se um único – somente um único ser humano – tivesse atingido a
iluminação em toda a história da humanidade, mesmo se existisse apenas um buda, ele seria
suficiente para lhe mostrar a possibilidade. Se isto pode acontecer a um ser humano, por que não
pode acontecer a você? Se uma semente pode se tornar uma flor, então, toda semente tem a
potencialidade de se tornar uma flor. Você pode ser apenas uma semente, mas agora você
conhece o seu futuro. Agora você está consciente de que muito mais é possível.
Mas, com a mente humana, está acontecendo o contrário. Esteve acontecendo sempre. Você
vê um casulo; e, então, ele se quebra; e, então, a borboleta se move. Com o homem parece ser
completamente o inverso. O homem nasce como a borboleta e, então, entra no casulo. Toda
criança é mais semelhante a um buda do que jamais será. Olhe para uma criança, olhe para os
olhos. Eles são muito mais semelhantes aos de um buda do que quaisquer olhos de adulto. A
maneira como ela se senta, a maneira como ela se move – a graça, a beleza, a vitalidade no
movimento; até mesmo a sua raiva é bela. É tão total! E sempre que alguma coisa é total, ela é
bela.
Olhe para uma criança pulando e gritando com raiva. Apenas olhe! Não fique preocupado
consigo mesmo, que ela está o perturbando. Apenas olhe para o fenômeno. A raiva é bela –
porque a criança é tão total nela, que nada é deixado para trás. Ela é a raiva; e ela é tão autêntica,
que nada está sendo reprimido. Ela não está contida, ela se excitou e ficou com raiva. Olhe para a
criança quando ela ama, quando ela dá boas vindas a você, quando ela chega perto de você: ela é
como um buda. Mas logo você irá ajudá-la, a sociedade irá ajudá-la a entrar no casulo; e, então,
ela irá morrer lá.
Do berço, entramos na sepultura imediatamente. É por isso que existe tanta patologia –
porque ninguém tem permissão para ser normal. A patologia é forçada. Você é engaiolado,
aprisionado em um padrão morto; e, então, seu ser espontâneo sofre e você não pode sair disso. É
por isso que há tanta patologia. Essa patologia é criada pelo homem – e quanto mais o homem se
torna civilizado, mais patológico se torna. Assim, agora esse é o critério: se em seu país existem
menos loucos, fique sabendo que você é menos civilizado. Se em seu país os loucos estão
crescendo e todo mundo está ficando insano e todo mundo está indo ao psicanalista, fique
sabendo que você está no país mais civilizado do planeta.
Quando algum país atingir o ótimo, todos se tornarão loucos. A civilização leva-os à loucura,
porque não permite seu ser natural. Tudo é reprimido e, com a repressão, tudo é perturbado.
Você nem mesmo pode respirar naturalmente; qualquer outra coisa está fora de questão. Até
mesmo sua respiração não é natural. Você não pode respirar profundamente, porque a sociedade
não permite que você respire profundamente.
Respire profundamente, porque se você respirar profundamente você não poderá reprimir
seus instintos. Se você quiser reprimir alguma coisa, você pode observar as mudanças na
respiração em você mesmo. Se você estiver com raiva e quiser reprimi-la, o que você fará?
Imediatamente você irá parar de respirar. Com a raiva, a respiração vai fundo, porque a raiva
precisará de um fluxo quente de sangue em você, a raiva precisará de mais oxigênio. A raiva
precisará de algumas mudanças químicas dentro de você; e através da respiração essas mudanças
acontecem. Assim, sempre que você sentir raiva e quiser reprimi-la, você não será capaz de
respirar naturalmente. Você fará respirações superficiais.
Olhe para uma criança e lhe diga para não fazer alguma coisa. Imediatamente a respiração
dela se tornará superficial. Então, ela não será capaz de respirar profundamente, porque, se
respirar profundamente, ela não poderá seguir seus comandos. Então, ela irá fazer o que quer que
ela goste de fazer.
Assim, nenhuma pessoa sequer está respirando profundamente. Se você respira
profundamente, seu centro sexual é massageado internamente e a sociedade é contra isso.
Respire lentamente, respire superficialmente. Não vá fundo, então, o centro sexual não é
atingido!
Na verdade, o homem civilizado se tornou incapaz de um orgasmo sexual profundo, porque
ele não pode respirar profundamente. No ato de amor sua respiração precisa ser tão profunda,
que todo o seu corpo fique envolvido. Do contrário, você não atingirá o orgasmo e, então, você
se sentirá frustrado. Assim, muitas pessoas vêm a mim e dizem: “Não há nenhum prazer no sexo.
Continuamos fazendo-o como um ato mecânico e apenas perdemos energia. Depois dele, nos
sentimos frustrados, deprimidos”. A razão não está no sexo, a razão é apenas que elas não estão
entrando nele totalmente. Ele se torna local; assim, somente o sêmen é liberado. Então eles se
sentem fracos e nada é ganho através dele.
Se o corpo todo está envolvido como um animal, se cada célula do corpo está excitada e
começa a chacoalhar, se todo o corpo se torna semelhante a uma força elétrica e a sensação se
movimenta, se você se torna sem ego, sem cabeça, e o pensamento não está presente, se você é
próprio o corpo se movendo em um ritmo, vibrando em um ritmo, então, você terá um profundo
prazer a partir dele. Você se sentirá relaxado – de uma certa maneira, preenchido.
Mas isso não pode acontecer, porque você não pode respirar profundamente. Você tem tanto
medo! Olhe para o corpo. O corpo tem dois polos. Um polo é para entrada – sua cabeça é para a
entrada. O polo superior é para a entrada de comida, de ar, de impressões, de pensamentos, de
qualquer coisa. Você recebe na parte superior; esse é um polo. O corpo inferior é para liberar.
Ele não é para entrada, você não pode pegar nada a partir da parte inferior. A parte inferior é para
liberar, para relaxar. Você recebe da parte superior e da inferior você libera.
Mas o homem civilizado apenas recolhe – nunca libera. Isso cria patologia. Você fica louco.
É como comer um alimento e continuar armazenando-o, nunca defecando. Você ficará louco. O
outro polo tem de ser usado. Se alguém é um avarento, automaticamente ele se torna constipado.
Olhe para qualquer avarento: ele estará sofrendo de constipação. A avareza é um tipo de
constipação espiritual. Assim, continue armazenando, não libere nada.
Aqueles que são contra o sexo, sem saber o que estão fazendo, são avarentos. Eles continuam
recolhendo comida, mas não irão liberar a energia sexual. Então, eles ficarão loucos.
Não há nenhuma necessidade de liberá-la somente através do centro sexual. Há outra
possibilidade – liberá-la através do sahasrar, o centro mais elevado no topo da cabeça. É isso o
que o tantra ensina. Mas ela deve ser liberada, você não pode armazená-la. Nada pode ser
armazenado no mundo. O mundo é um movimento, é um rio. Receber e dar. Se você recebe e
não dá nunca, você ficará louco.
É isto o que está acontecendo: todo mundo está recebendo e ninguém está dando. Você fica
temeroso quando chega um momento de dar. Você quer apenas receber – inclusive o amor. Você
quer que alguém o ame.
A necessidade básica é que você ame alguém – então, você será liberado. Se alguém o ama,
isso não será de ajuda, porque, então, você está recebendo novamente. Ambos os polos devem
estar equilibrados; então, a saúde acontece. E isto é o que eu chamo um ser normal. Um ser
normal é aquele cujo dar e receber estão equilibrados, paralelos. Ele é normal.
Eu chamo de anormal o homem cujo receber é muito e cujo dar está fora de equilíbrio. Ele
absolutamente não está dando. Mesmo se ele der alguma coisa, isso tem de ser forçado. Não é
por sua vontade própria. Você pode apanhar alguma coisa dele, você pode forçá-lo a dar, mas ele
não dará. Seu dar é como uma lavagem intestinal, não é natural. Você pode forçar; assim, ele irá
defecar. Mas ele não está defecando, ele não está pronto. Isso é anormal: continuar armazenando
tudo. Então, ele ficará louco, porque todo o sistema está perturbado. Isso é anormal. E o
supranormal é aquele que dá e nunca recebe.
São três coisas: o anormal que recebe e nunca dá, o normal aquele cujos dar e receber estão
equilibrados e o supranormal que nunca recebe e somente dá. Um buda é um doador; um louco é
um tomador. Ele está no polo oposto de um buda. Se ambos os polos estão equilibrados, você é
um homem normal. Pelo menos seja normal, porque se você não puder ser normal você cairá e se
tornará anormal.
É por isso que dana – doação – é tão enfatizado em todas as religiões. Dar! O que quer que
seja, dê e não pense em termos de receber. Então, você se tornará supranormal. Mas isso é uma
coisa muito distante. Primeiro seja normal, seja equilibrado. O que quer que você receba, dê-o
novamente ao mundo. Você é apenas a passagem. Não acumule. Então, você nunca se tornará
louco, você nunca será neurótico esquizofrênico, psicótico ou do que quer que você possa
chamar isso.
Minha definição de um homem normal é aquele que está equilibrado – absolutamente
equilibrado. Nada é retido. Ele inspira e, então, permite o ar sair. A inspiração e a expiração são
exatamente iguais – equilibradas. Tente ser equilibrado e se lembre sempre de que você deve dar
de volta aquilo que você recebeu. Você será vivo, saudável, silencioso, pacífico, feliz. Um
profundo ritmo lhe acontecerá e esse ritmo acontece através de um equilibrado dar e receber.
Mas nós continuamos pensando em termos de receber cada vez mais e mais. O que quer que
você receba sem dar novamente criará distúrbio, tensão, sofrimento. Você se tornará um inferno.
Antes que você receba alguma coisa, sempre pense em deixar alguma coisa sair. Você observou
que você sempre enfatiza a inspiração? Você nunca enfatiza a expiração. Você inspira e, então, o
corpo joga o ar para fora. Reverta isto: você será mais normal. Enfatize a expiração. Jogue o ar
para fora o mais que você puder e deixe o corpo inspirar.
Quando você inspira e não libera, seus pulmões se tornam cheios de dióxido de carbono.
Então, você continua absorvendo e nunca libera totalmente os pulmões. Você continua forçando
o dióxido de carbono para dentro. Então, sua respiração se torna rasa e os pulmões inteiros ficam
cheios de dióxido de carbono. Primeiro jogue o ar para fora e esqueça a inspiração. O corpo
tornará conta disso por si mesmo. O corpo tem sua própria sabedoria e ele é mais sábio do que
você. Jogue o ar para fora e esqueça a inspiração. Não fique com medo, você não irá morrer. O
corpo irá inspirar e irá inspirar o tanto quanto ele necessita. O tanto que você jogou para fora o
corpo irá inspirá-lo; e o equilíbrio estará presente. Se você inspirar, então, você perturbará o
equilíbrio porque a mente acumulativa estará presente.
Eu fiquei hospedado em muitas e muitas casas. Vejo que as pessoas coletam tantas coisas que
não podem viver! Não há espaço para viver – e elas continuam acumulando. Elas continuam
acumulando e pensam que um dia as coisas serão necessárias.
Tudo o que não for necessário, não acumule. E se alguma coisa é mais necessária para
alguém do que é para você, é melhor dá-la. Seja um doador e você nunca será patológico. Todas
as velhas civilizações estavam baseadas em dana – em doar – e essa civilização moderna está
baseada em acumular. É por isso que mais pessoas estão ficando anormais, neuróticas. Todo
mundo está perguntando onde ganhar, e ninguém está perguntando aonde ir para dar, para quem
dar.

A última pergunta:

Diariamente em Seus discursos, Você fala de consciência – consciência total, consciência


ininterrupta, etecetera. Você também disse que ela não pode ser atingida pela mente, pela
repetição de um pensamento – que ela é para ser sentida. Mas, como alguém pode sentir, a
menos que a tenha atingido? O que é esse sentir que é o precursor do fato de atingir? Como
imaginar ou projetar aquilo que ainda não aconteceu? Isso também acontece excluindo a
mente? Qual é o processo todo? Como ele pode se tornar possível?

Quando eu digo que a consciência não pode ser atingida pela mente, eu quero dizer que você
não pode atingi-la pensando sobre ela. Você pode continuar pensando sobre e sobre, mas você
estará se movendo em um círculo. Quando eu digo que ela não pode ser atingida pela mente,
quero dizer que ela não pode ser atingida pelo pensamento. Você tem de praticá-la, você tem de
fazê-la. Ela pode ser atingida somente pelo fazer, não pelo pensar; essa é a primeira coisa.
Assim, não continue pensando sobre o que é a consciência, como atingi-la ou qual vai ser o
resultado. Não continue pensando; comece fazendo-a.
Ao caminhar pela rua, caminhe com consciência. É difícil e você continuará esquecendo, mas
não tema. Sempre que você se lembrar novamente, torne-se alerta. Dê cada passo com total
atenção, conscientemente, permanecendo com o passo, não permitindo a mente se mover para
algum outro lugar. Quando estiver comendo; mastigue com consciência. O que quer que você
faça, não o faça mecanicamente – e essa é a diferença.
E quando eu digo que ela só pode ser sentida, o sentido é esse. Por exemplo: eu posso
levantar minha mão mecanicamente, mas também posso levantar minha mão pleno de
consciência. Minha mente está consciente de que minha mão está sendo levantada. Faça isto,
tente isto: uma vez mecanicamente e, depois, com consciência alerta. Você sentirá a diferença. A
qualidade muda imediatamente.
Caminhe alerta, e você caminhará de forma diferente; uma graça diferente vem para o seu
caminhar; você se move mais lentamente, mais belamente. Se você caminha mecanicamente –
somente porque você sabe como caminhar e, assim, não há nenhuma necessidade de estar alerta,
então, o caminhar é feio, não há graça nele. Faça, o que quer que você faça, em atitude alerta. E
sinta a diferença.
Quando eu digo “sinta”, quero dizer “observe”. Primeiro faça mecanicamente e, então, com
consciência; e sinta a diferença. E você será capaz de sentir a diferença.
Por exemplo: se você comer com consciência, então, você não pode comer mais do que é
necessário para o corpo. As pessoas continuam vindo a mim e dizendo: “Coloque-nos em uma
dieta. Meu peso está constantemente aumentando, o corpo não para de acumular. Coloque-nos
em uma dieta”.
Eu lhes digo: “Não pense em dieta, pense em consciência. Com a dieta nada acontecerá. Você
não pode fazê-la. Você irá fazê-la por um dia e no dia seguinte ela irá embora. Você não pode
continuá-la. Ao invés, coma com consciência”.
A qualidade muda. Se você comer com consciência, você mastigará mais. Com hábitos
mecânicos, inconscientes, você simplesmente continua empurrando coisas para dentro de seu
estômago. Você não está mastigando, absolutamente; você está apenas se empanturrando. Então,
não há nenhum prazer e, como não há prazer, você precisa de mais comida a fim de ter prazer.
Não há o saborear; assim, você precisa de mais comida.
Apenas permaneça alerta e veja o que acontece. Se você estiver alerta, você mastigará mais,
você sentirá mais o sabor, você sentirá mais o prazer de comer e muito mais tempo será tomado.
Se você leva meia hora para comer sua comida, então, para comer a mesma quantidade de
comida com total consciência, você precisará de uma hora e meia – três vezes mais de tempo.
Em meia-hora você terá comido somente um terço da quantidade e você se sentirá mais
satisfeito; você terá desfrutado mais da comida. E quando o corpo desfruta, ele lhe diz quando
parar. Quando o corpo não desfruta, ele nunca diz quando parar; assim, você continua. Então o
corpo se torna entorpecido. Você nunca escuta o que o corpo está dizendo.
Você está comendo sem estar presente; isso cria o problema. Esteja presente e todo o
processo irá reduzir a velocidade. O corpo mesmo dirá: “Chega!”. E quando o corpo diz isso,
esse é o momento certo. Quando você está consciente, você não pode transgredir a ordem do
corpo. Você irá parar. Assim, permita que seu corpo diga alguma coisa. O corpo está dizendo
coisas a todo momento, mas você não está presente para ouvi-lo. Fique alerta e você irá ouvi-lo.
E quando eu digo “sinta”, eu sei que é difícil. Como você pode sentir a consciência sem estar
consciente? Eu não estou dizendo que você pode sentir a iluminação de Buda exatamente agora,
mas tem de se começar de algum lugar. Você pode não pegar o oceano inteiro, mas uma gota –
apenas uma gota – lhe dará o sabor, e o sabor é o mesmo. Se mesmo por um único momento
você puder se tornar consciente, você saboreou o estado búdico. Ele é momentâneo, um lampejo,
mas agora você conhece mais. E isto nunca lhe acontecerá através do pensamento; isto somente
acontecerá através do sentir.
A ênfase está no sentir, porque a ênfase está na experiência “vivida”. O pensamento é falso;
você pode continuar pensando sobre o amor e criando teorias, você pode até mesmo ganhar um
doutorado nesta tese do amor, sobre o que é o amor – sem nem ao menos estar amando. Você
pode não saber o que é o amor; você pode nunca tê-lo sentido. Você pode crescer em
conhecimento, sem absolutamente crescer no ser. E essas são duas dimensões diferentes. Você
pode continuar crescendo em conhecimento. Sua cabeça continuará crescendo cada vez mais e
mais, mas você permanecerá o mesmo minúsculo ser. Então, nada está crescendo realmente –
somente a acumulação.
Quando você começa a sentir as coisas, você cresce, seu ser cresce. E a pessoa tem de
começar de algum lugar; assim, comece! Haverá erros, certamente eles irão acontecer. Você
continuará se esquecendo, é natural. Mas não fique frustrado, não jogue fora o esforço dizendo
“eu não posso fazer isto”. Você pode fazer isso! A mesma possibilidade que existia em Jesus ou
em Buda, existe em você. Você é a semente; absolutamente nada está faltando em você. Você é
uma preparação, você é um todo caótico; tudo está presente. Você pode se tornar um buda, mas
um reconhecimento de suas qualidades é necessário.
Exatamente agora, você está caótico porque não existe o arranjo. O arranjo surge quando
você começa a ficar consciente. Apenas pelo seu ser estar consciente, as coisas começam a entrar
na linha e esse caos que você é se torna uma sinfonia.
Capítulo 49

O FAZER CONSCIENTE

OS SUTRAS

73. No verão, quando se vê todo o céu, Infinitamente claro,


Entre em tal claridade.
74. Veja todo o espaço como se
Já o tivesse absorvido
Em sua própria cabeça,
Na luminosidade.
75. Acordado, dormindo, sonhando, conheça-se como luz.

Quando eu olho nos seus olhos eu nunca o vejo lá – como se você estivesse ausente. Você
existe de modo ausente, e este é o âmago de todo sofrimento. Você pode estar vivo sem
absolutamente estar presente e, se você não está presente, a sua existência se torna um tédio. E é
isso o que tem acontecido. Assim, quando olho nos seus olhos, não o encontro presente. Você
ainda tem de vir, ainda tem de ser. A situação existe, e a possibilidade existe – você poderia estar
presente a qualquer momento – mas, contudo, você não está.
Tornar-se consciente desta ausência é começar a jornada em direção à meditação, em direção
à transcendência. Se você tivesse ciência de que, de algum modo, você está perdendo... – você
existe, mas não sabe porquê, não sabe como; você nem ao menos sabe quem existe dentro de
você. Essa inconsciência cria todo o sofrimento, porque, sem saber, seja o que for que faça, isso
lhe trará sofrimento. Não é o que você faz que é o básico: é o que você faz com sua presença ou
com sua ausência que é significativo.
Seja o que for que faça, se você puder fazê-lo com sua total presença, sua vida se tornará
enlevada: ela será uma bênção. Se você fizer algo de modo ausente, sem a sua presença ali, sua
vida será um sofrimento – fatalmente será. Inferno quer dizer “a sua ausência”.
Assim, há dois tipos de buscadores: um tipo de buscador está sempre em busca do que fazer.
Esse buscador está no caminho errado, porque a questão não está no fazer, absolutamente. A
questão é de ser – o que ser, como ser. Assim, nunca pense em termos de ação e fazer, porque,
seja o que for que faça, se você estiver ausente, será insignificante.
Quer ande pelo mundo, ou viva num mosteiro; quer funcione entre as pessoas ou ande num
local isolado nos Himalaias, não fará nenhuma diferença. Você estará ausente aqui e estará
ausente lá, e o que quer que faça – entre as pessoas ou no isolamento – lhe trará sofrimento. Se
você não está presente, então, seja o que for que faça está errado.
O segundo tipo – e o tipo certo de buscador – não está em busca do que fazer, ele está em
busca de como ser. A primeira coisa é como ser.
Certo homem foi até Gautama, O Buda. Ele estava tomado de muita compaixão, todo
envolvido; e ele perguntou a Gautama, O Buda: “O que posso fazer para ajudar o mundo?”.
Conta-se que Buda riu e disse ao homem: “Você não pode fazer nada, porque você não existe.
Como você pode fazer algo se você não existe? Assim não pense no mundo. Não pense em como
servir ao mundo, ajudar os outros”. Buda continuou: “Primeiramente seja – e sendo, então, seja
o que for que você faça se tornará serviço, se tornará uma oração, se tornará compaixão. Sua
presença é ponto de virada. Seu ser é a revolução”.
Assim, esses são os dois caminhos: o caminho da ação e o caminho da meditação. Eles são
diametralmente opostos.
O caminho da ação está basicamente relacionado a você como um fazedor. Ele tentará mudar
suas ações; ele tentará mudar seu caráter, sua moral, seus relacionamentos, mas nunca você.
O caminho da meditação é diametralmente oposto. Ele não está interessado nas suas ações;
ele está direta e imediatamente interessado em você. O que você faz é irrelevante. O que você é
tem relevância. E isso é básico e primário, porque toda ação brota de você.
Lembre-se: suas ações podem ser mudadas e modificadas, podem até ser substituídas por
ações diametralmente opostas, mas elas não vão mudar você. Nenhuma mudança exterior trará a
revolução interna, porque o externo é superficial e o âmago profundo permanece intocado; pelo
que você faz, ele permanece intocado. Mas o contrário faz a revolução: se o âmago profundo se
tornar diferente, a superfície muda automaticamente. Assim, pense nesta questão básica; somente
então, podemos entrar nessas técnicas de meditação.
Não se importe com o que você está fazendo. Isso pode ser um truque, pode ser um artifício
para escapar do problema verdadeiro. Por exemplo: você é violento. Você pode ter feito todos os
esforços para ser não-violento, pensando que, sendo não- violento, você se tornará religioso; que
se tornando não-violento, você ficará mais perto do divino. Você é cruel, e você pode fazer todos
os esforços para ser compassivo.
Você pode fazer isso, e nada mudará e você permanecerá o mesmo. Sua crueldade se tornará
uma parte da sua compaixão – e isso é mais perigoso. Sua violência se tornará uma parte da sua
não-violência – isso é mais sutil. Você será violentamente não- violento. Sua não-violência terá
toda a loucura da violência e, através da sua compaixão, você será cruel.
Você pode até matar através da sua compaixão; pessoas já mataram. Há tantas guerras
religiosas – elas são travadas na onda da compaixão. Pode-se matar muito compassivamente,
muito não-violentamente; amorosamente, pode-se matar, porque você está fazendo isso pelo bem
daquela pessoa que você está matando. Você a está matando por ela mesma, pelo próprio bem
dela, para ajudá-la.
Você pode mudar suas ações e, este esforço para mudar as ações pode ser apenas um artifício
para escapar da mudança básica. A mudança básica é esta: primeiro você tem de ser. Você tem
de ficar mais alerta, mais consciente do seu ser; somente então, uma presença surge em você.
Você nunca se sente, e, mesmo de vez em quando, quando se sente, você sente através dos
outros – através da excitação, através dos estímulos, através da reação. Outra pessoa é necessária
para que você possa se sentir. Isso é um absurdo. Sozinho, sem excitação, sem ninguém ali para
se tornar um espelho, você cai no sono, fica entediado... Você nunca se sente. Não há nenhuma
presença. Você vive de modo ausente.
Essa existência ausente é a mente não-religiosa. Tornar-se preenchido com a sua própria
presença, com a luz de seu próprio ser, é se tornar religioso. Portanto lembre-se de que este é um
ponto básico: que o meu interesse não está em suas ações. O que você faz é irrelevante. O que
você é – ausente, presente, consciente, inconsciente – isso me interessa. E estas técnicas nas
quais entraremos, são técnicas para tomá-lo mais presente, trazê-lo para o aqui e agora.
Ou é preciso outra pessoa para você se sentir, ou é preciso o passado – através do passado,
através das memórias passadas, você pode sentir sua identidade. Ou é preciso o futuro – onde
você pode projetar seus sonhos. Você pode projetar seus ideais, vidas futuras, moksha.
Ou você precisa de memórias passadas para sentir que você existe, ou você precisa de uma
projeção futura, ou de outra pessoa, mas você, sozinho, nunca é o bastante. Essa é a enfermidade
e, a menos que você se baste a si mesmo, nada será bastante para você. E, uma vez que você
sozinho baste a si mesmo, você tornou-se vitorioso, a luta acabou. Agora não haverá nenhum
sofrimento, nunca mais. Um ponto de não retorno chegou.
Além deste ponto, há beatitude, eterna benção. Antes desse ponto, você está fadado a sofrer.
Mas todo o sofrimento, estranhamente, é seu próprio fazer. É um milagre que você crie seu
próprio sofrimento. Nenhuma outra pessoa o está criando. Se outra pessoa o está criando, então,
fica difícil ir além dele. Se o mundo o está criando, então, o que você pode fazer? Mas, se você
pode fazer, isso significa que ninguém mais está criando o seu sofrimento – ele é seu próprio
pesadelo. E estes são os elementos básicos dele:
A primeira coisa: você continua pensando que você existe, você acredita que você existe.
Você nunca encarou a si mesmo, você nunca ficou cara a cara com você mesmo; você nunca se
encontrou, nunca houve um encontro. Você simplesmente acredita que você existe. Derrube essa
crença totalmente. Saiba bem que você ainda está para ser, que você não é, porque com esta falsa
crença você jamais será capaz de se transformar. Nessa falsa crença, toda a sua vida será falsa.
Gurdjieff dizia a seus discípulos: “Não me perguntem o que fazer. Você não pode fazer nada,
porque, para fazer algo, primeiramente você é necessário. E você não está presente; assim, quem
o fará? Você pode pensar em fazer, mas você não pode fazer nada”.
Estas técnicas são para ajudá-lo, para trazê-lo de volta; para ajudá-lo a criar uma situação na
qual você encontre a si mesmo. Muito terá de ser destruído – tudo o que está errado, tudo o que é
falso. Antes que surja o real, o falso terá de sair; ele tem de cessar. E essas são as falsas noções...
– que você já é. Essas são as falsas noções – que você tem uma alma, atma, que você é o
Brahma. Não que você não seja, mas essas noções são falsas.
Gurdjieff teve de insistir que não havia nenhuma alma em você. Contra todas as tradições, ele
insistiu: “O homem não tem nenhuma alma. A alma é simplesmente uma possibilidade – ela
pode existir, pode não existir... Ela tem de ser alcançada. Você é simplesmente uma semente”.
E esta ênfase é boa. A possibilidade existe, a potencialidade existe, mas ela ainda não é real.
E nós vamos lendo o Gita, os Upanishads e a Bíblia, e vivemos sentindo que somos a alma – a
semente pensando que é a árvore. A árvore está escondida ali, mas ainda tem de ser descoberta.
E é bom se lembrar de que você pode permanecer uma semente e que você pode morrer uma
semente – porque a árvore não pode surgir, a árvore não pode brotar por si mesma. Você tem de
fazer algo, conscientemente, em relação a isso, porque somente através da consciência ela cresce.
Há dois tipos de crescimento. Um é inconsciente, crescimento natural: se a situação estiver
presente, a coisa crescerá. Mas a alma, atma, o ser mais profundo, o divino em você, é um tipo
de crescimento totalmente diferente. É somente através da consciência que esse crescimento
acontece. Ele não é natural, é sobrenatural.
Por conta da natureza, ele não acontecerá; simplesmente deixado entregue à evolução, ele
jamais evoluirá. Você tem de fazer algo conscientemente, você tem de fazer um esforço
consciente, porque somente através da consciência ele cresce. Uma vez que a consciência esteja
focada ali, o crescimento acontece. Estas técnicas são para torná-lo mais consciente.
Agora entraremos nas técnicas.
73 Torne-se a claridade do céu sem nuvens

A primeira técnica:

No verão, quando se vê todo o céu,


Infinitamente claro,
Entre em tal claridade.

Mente é confusão; ela não tem nenhuma claridade. E a mente está sempre povoada, sempre
anuviada – nunca um céu aberto, sem nuvens, vazio. A mente não pode ser assim. Você não
pode tornar sua mente clara: não é da natureza da mente ser assim. A mente permanecerá turva.
Se você puder deixar a mente para trás, se você puder, de repente, transcender a mente e sair
dela, a claridade acontecerá a você. Você pode ser claro, mas não a mente. Não existe tal coisa
como uma mente clara – nunca houve e nunca haverá. Mente significa turvação, confusão.
Tente compreender a estrutura da mente e, depois, esta técnica ficará clara para você. O que é
a mente? Um contínuo processo de pensamento, uma contínua procissão de pensamentos –
associados, não-associados, relevantes, irrelevantes –, muitas impressões multidimensionais
juntas, vindas de toda parte. A vida inteira é um ajuntamento, um ajuntamento de poeira. E isso
continua e continua...
A criança nasce. A criança é límpida, porque a mente não existe. No momento em que a
mente aparece, surge a turvação, a confusão. Uma criança é desanuviada, uma claridade, mas ela
terá de juntar conhecimento, informação, cultura, religião, condicionamentos – necessários, úteis.
Ela tem de juntar muitas coisas de todos os lugares, vindos de muitas fontes – fontes opostas,
contraditórias. Ela colherá de milhares e milhares de fontes. Então, a mente se tornará um
mercado, uma multidão. E, devido a tantas fontes, a confusão está fadada a existir. E seja o que
for que você colete, nada é exato, porque o conhecimento é sempre um assunto que cresce.
Eu me lembro, alguém me contou uma historieta. Ele era um grande buscador, e ele me
contou isto, sobre um professor que lhe ensinara durante cinco anos numa faculdade de
medicina. O professor era um grande conhecedor na sua especialidade. A última coisa que ele
fez foi juntar seus alunos e lhes dizer: “Mais uma coisa, eu tenho de lhes ensinar. O que quer que
eu lhes tenha ensinado, somente cinquenta por cento estão corretos, e os cinquenta por cento que
sobram estão absolutamente incorretos. Mas o problema é este: eu não sei quais cinquenta por
cento são corretos e quais cinquenta por cento são incorretos – eu não sei”.
Todo o edifício do conhecimento é assim. Nada é certo, ninguém sabe nada, todos estão
tateando no escuro. Através do tato, criamos sistemas, e existem milhares e milhares de sistemas.
Os hindus dizem uma coisa, os cristãos dizem outra coisa, os muçulmanos dizem mais uma outra
coisa... – todas contraditórias, todas contradizendo umas às outras; nenhum acordo, nenhuma
certeza – e todas essas fontes são fontes para a sua mente. Você as coleta: sua mente se torna um
quintal de refugo; é fatal que a confusão esteja presente. Somente uma pessoa que não saiba
muito pode ter certeza. Quanto mais você souber, mais incerto você se tornará.
Pessoas... pessoas primitivas, tinham mais certezas e, aparentemente, pareciam ter mais
clareza. Não havia, de fato, nenhuma clareza – simplesmente inconsciência dos fatos que
poderiam contradizê-las. Se a mente moderna é mais confusa, a razão é que o moderno sabe
mais. Se você sabe mais, você ficará mais confuso, porque, agora então, você tem mais
conhecimento, e quanto mais você sabe, mais incerto você se torna. Somente idiotas podem ter
certeza, somente idiotas podem ser dogmáticos, somente idiotas nunca hesitarão. Quanto mais
você sabe, mais a terra é tirada de debaixo de seus pés, mais hesitante você se torna. O que eu
quero dizer é isto: quanto mais a mente crescer, mais você saberá que a natureza da mente é
confusão.
Quando eu digo que somente idiotas têm certeza, eu não quero dizer que um buda é um idiota
– ...porque ele não é incerto. Lembrem-se da diferença. Ele não vive na certeza, nem vive na
incerteza – ele simplesmente é límpido. Com a mente, incerteza; com a mente idiota, certeza.
Com a não-mente, ambos desaparecem – certeza e incerteza.
Um buda é uma claridade, um espaço, um espaço aberto. Ele não tem certeza – não há nada
para se estar certo. Ele não está incerto, porque não há nada para se estar incerto. Somente aquele
que está buscando certeza pode ficar incerto. A mente está sempre incerta e sempre buscando
certezas; sempre confusa e sempre buscando claridade. Um buda é aquele que abandonou a
mente; e com a mente, toda a confusão, todas as certezas, todas as incertezas, tudo é abandonado.
Veja a coisa assim: sua consciência é exatamente como o céu e sua mente é simplesmente
como as nuvens. O céu permanece intocado pelas nuvens. Elas vêm e vão; não deixam nenhuma
marca. O céu permanece virgem: sem nada gravado, sem pegadas, nada das nuvens, nenhuma
memória. Elas vêm e vão; o céu permanece imperturbado. Este é o caso dentro de você também:
a consciência permanece imperturbada. Os pensamentos vêm e vão, as mentes se desenvolvem e
desaparecem. E não pense que vocês têm uma mente; vocês têm muitas mentes, trata-se de uma
multidão. Suas mentes vão mudando.
Você é um comunista, então você tem certo tipo de mente. Você pode abandoná-la e pode
tornar-se anticomunista. Então, você tem uma mente diferente – não apenas diferente, mas bem
oposta. Você pode ir mudando suas mentes, exatamente como muda de roupa. E você vai
mudando. E você pode nem estar ciente disso – de que essas nuvens vêm e vão. A claridade só
pode ser alcançada se você se tornar ciente do céu; se você mudar o foco. Você está focado nas
nuvens quando não está focado no céu. Tire o foco das nuvens e coloque o foco no céu.
Esta técnica diz:

No verão,
Quando se vê todo o céu
Infinitamente claro,
Entre em tal claridade.

Medite no céu; um céu de verão sem nuvens, infinitamente vazio e claro, nada se movendo
nele, ele na sua total virgindade. Contemple-o, medite com ele, e entre nessa claridade. Torne-se
a claridade, este espaço-claridade. Se você meditar com o céu aberto sem nuvens, de repente
você sentirá que a mente está desaparecendo, a mente está se afastando. Não haverá intervalos.
De repente, você se tornará ciente de algo como se o céu claro tivesse entrado em você também.
Não haverá intervalos. Durante esse tempo, os pensamentos cessarão – como se o tráfego tivesse
cessado e não houvesse nada se mexendo.
No começo, será somente por momentos, mas mesmo esses momentos são transformadores.
Em pouco tempo, a mente vai parando, intervalos maiores aparecerão. Durante alguns minutos
seguidos, não haverá nenhum pensamento, nenhuma nuvem. E, quando não há nenhum
pensamento, nenhuma nuvem, o céu exterior e o céu interior se tornam um só, porque somente o
pensamento é a barreira, somente o pensamento cria a parede; é apenas devido ao pensamento
que o externo está fora e o interno está dentro. Quando o pensamento não está presente, o
externo e o interno perdem suas fronteiras, eles se tornam um só. Realmente, as fronteiras nunca
existiram. Elas aparecem somente por causa do pensamento – a barreira.
Meditar com o céu é belo. Simplesmente deite-se no chão e se esqueça da terra; apenas deite-
se de costas no chão em qualquer praia isolada, e simplesmente olhe para o céu. Mas um céu
claro ajudará muito – sem nuvens, infinito. E simplesmente vá olhando, fixando o olhar no céu,
sinta sua claridade – a ausência de nuvens, a expansão sem fronteiras – e, então, entre nessa
claridade, torne-se um com ela. Sinta como se você tivesse se tornado o céu, o espaço...
No começo, se você meditar com o céu aberto, sem fazer nada mais, os intervalos começarão
a aparecer, porque tudo que você vê, entra em você. Seja o que for que você veja, agita-o por
dentro; seja o que for que você veja, é fotografado, refletido.
Você vê um edifício. Você não pode simplesmente vê-lo: alguma coisa imediatamente
começa a acontecer dentro de você. Você vê um homem, uma mulher; você vê um carro – você
vê qualquer coisa. Essa coisa não está apenas do lado de fora, algo começou dentro, o reflexo, e
você começou a reagir a isso. Assim, tudo que você vê molda-o, forma-o, modifica-o, cria-o. O
de fora está constantemente relacionado com o dentro.
Olhar para o céu aberto é bom. Só a expansão já é bela, sem fronteiras. Suas próprias
fronteiras desaparecerão, porque o céu sem fronteiras se refletirá dentro de você. E, se você
puder olhar fixamente, sem piscar, será bom. Se você olhar fixamente sem piscar... – porque, se
você piscar, seu processo de pensamento continuará. Olhe fixamente sem piscar. Olhe fixamente
no vazio, mova-se nesse vazio, sinta que você se tornou um com ele e, a qualquer momento, o
céu entrará em você.
Primeiramente você entra no céu e depois o céu entra em você. E há um encontro: o céu
interior se encontrando com o céu exterior. Nesse encontro está a realização. Nesse encontro, não
há nenhuma mente, porque o encontro só pode acontecer quando a mente não está presente.
Nesse encontro, você existe pela primeira vez, não a sua mente. Não há nenhuma confusão: a
confusão não pode existir sem a mente. Não há nenhuma infelicidade, porque a infelicidade
também não pode existir sem a mente.
Você já deve ter observado este fato alguma vez, ou não...? – que o sofrimento não pode
existir sem a mente. Você não pode ser miserável sem a sua mente – a fonte está ausente. Quem
o suprirá com essa miséria? Quem o fará miserável? E o mesmo é verdade do lado oposto
também: você não pode ser miserável sem a mente e você não pode ser abençoado com a mente.
A mente nunca pode ser a fonte da bênção. Assim, se o céu interno e o externo se encontram e a
mente desaparece, mesmo que por um momento você será preenchido com uma nova vida. A
qualidade dessa vida é absolutamente diferente. Trata-se da vida eterna, não-contaminada pela
morte, não-contaminada pelo medo. Nesse encontro você ficará aqui e agora, no presente –
porque o passado pertence aos pensamentos, o futuro pertence aos pensamentos. Passado e
futuro são parte da sua mente. O presente é a existência – ele não é parte da sua mente.
Este momento não pertence à sua mente. O que passou pertence; o momento que está vindo,
pertence a sua mente. Este momento nunca pertence a você. Ao contrário, você pertence a este
momento. Você existe aqui, exatamente aqui-agora. Sua mente existe em algum outro lugar,
sempre em algum outro lugar.
Deite fora a carga.
Eu estava lendo um místico sufi. Ele estava viajando num caminho ermo. O caminho estava
deserto. Mas, de repente, ele avista um fazendeiro com seu carro de bois. A carroça estava
atolada na lama. A estrada era rudimentar. O fazendeiro estava carregando uma enorme carga de
maçãs em sua carroça. Mas, naquele ponto da estrada a caçamba da carroça desprendeu-se e as
maçãs se espalharam pelo chão. Mas ele não sabia disso – o fazendeiro não estava sabendo disso.
Quando o carro atolou na lama, primeiro ele tentou tirá-lo de algum modo, mas todos os
esforços se mostraram vãos; então ele pensou: “Bem, eu vou descarregar meu carro e, então,
talvez eu possa puxá-lo.”. Ele olhou para trás. Restava uma dúzia de maçãs apenas – a caçamba
já estava descarregada. Você pode imaginar seu sofrimento. O sufi conta em suas memórias que
aquele fazendeiro, exasperado, fez um comentário. Ele disse: “Atolado! Que inferno! Estou
atolado! E nada, droga nenhuma pra descarregar!”. A única possibilidade era que, se ele pudesse
descarregar a caçamba da carroça, ele poderia sair dali; mas agora... – não havia nada para
descarregar!
Felizmente você não está atolado desse jeito. Você pode descarregar. Seu carro tem muita
carga. Você pode descarregar a mente e, no momento em que a mente não estiver mais presente,
você voa: você se torna capaz de voar.
Esta técnica – olhar dentro da claridade do céu e tornar-se um com ele – é uma das mais
praticadas. Muitas tradições a usaram. E, principalmente para a mente moderna, ela será muito
útil, porque na terra não sobrou nada. Na terra, nada sobrou para se meditar – só o céu. Se você
olhar ao redor, tudo é feito pelo homem, tudo é limitado, com uma fronteira, com uma limitação.
Somente o céu ainda está, felizmente, aberto para se meditar.
Tente esta técnica, ela ajudará, mas lembre-se de três coisas. Uma: não pisque – olhe
fixamente. Mesmo que seus olhos comecem a arder e as lágrimas escorram, não se preocupe. Até
essas lágrimas farão parte do descarregar – elas serão úteis. As lágrimas deixarão seus olhos mais
inocentes e refrescados – banhados. Você simplesmente continua olhando fixamente.
O segundo ponto: não pense sobre o céu, lembre-se. Você pode começar a pensar sobre o céu.
Você pode se lembrar de muitos poemas, lindos poemas sobre o céu – então, você perderá o
ponto. Você não está ali para meditar “sobre” o céu – você está ali para entrar nele, está ali para
ser um com ele –, porque, se você começar a pensar sobre ele, novamente uma barreira é criada.
Você estará perdendo o céu novamente, e novamente se fechando na sua própria mente. Não
pense sobre o céu. Seja o céu. Simplesmente olhe fixamente e entre no céu, e permita que o céu
entre em você. Se você entrar no céu, o céu entrará em você imediatamente.
Como você pode fazer isso? Como você fará essa entrada no céu? Simplesmente, permaneça
olhando fixamente cada vez mais e mais longe. Vá olhando... – como se você estivesse tentando
encontrar a fronteira. Penetre fundo. Vá tanto quanto possa. O próprio movimento quebrará a
barreira. E este método deve ser praticado por pelo menos quarenta minutos; menos que isso não
funcionará, não será de muita ajuda.
Quando você realmente sentir que você e o céu se tornaram um, então, você pode fechar os
olhos. Quando o céu tiver entrado em você, você pode fechar seus olhos. Você será capaz de vê-
lo internamente também. Assim, somente após quarenta minutos, quando você sentir que a
unidade já aconteceu e que há uma comunhão e que você se tornou parte dela e a mente não mais
está presente, feche os olhos e permaneça no céu interior.
A claridade ajudará o terceiro ponto:

Entre em tal claridade.


A claridade ajudará – o céu não-contaminado, sem nuvens. Simplesmente fique atento para a
claridade que está por toda volta. Não pense sobre ela: simplesmente perceba a claridade, a
pureza, a inocência. Estas palavras não são para serem repetidas. Você deve senti-las, ao invés de
pensar nelas. Mas uma vez que você mergulhe o olhar dentro do céu, o sentimento virá, porque
não se trata de imaginar essas coisas – elas estão presentes. Se você fixar o olhar no céu, elas
começarão a acontecer a você.
O céu é puro, a coisa mais pura na existência. Nada o deixa impuro. Os mundos vêm e vão, as
terras existem e depois desaparecem, e o céu permanece puro. A pureza está presente. Você não
precisa projetá-la; você só precisa senti-la – tornar-se vulnerável a ela, para que possa senti-la –,
e a claridade está presente. Permita que o céu aconteça a você. Você não pode forçar isso: você
só pode permitir que aconteça.
Todas as meditações, na verdade, permitem que algo aconteça. Nunca pense em termos de
agressão, nunca pense em termos de forçar algo. Você não pode forçar nada. Na verdade, devido
a você ter tentado forçar, é que você tem criado tanto sofrimento. Nada pode ser forçado, mas
você pode permitir que as coisas aconteçam. Seja feminino. Permita que as coisas aconteçam.
Seja passivo. O céu é absolutamente passivo: não faz nada absolutamente, simplesmente
permanece ali. Seja passivo e permaneça sob o céu – vulnerável, aberto, feminino, sem qualquer
agressão da sua parte – e, então, o céu penetrará você.
No verão, quando se vê todo o céu, infinitamente claro, entre em tal claridade.
Mas se não for verão, o que você fará? Se o céu estiver nublado, sem claridade, então, feche
os olhos e apenas entre no céu interior. Feche os olhos e, se você vir alguns pensamentos, veja-os
como se eles fossem nuvens no céu. Fique ciente do pano de fundo, o céu, e fique indiferente aos
pensamentos.
Nós somos demasiadamente interessados nos pensamentos e nunca percebemos os intervalos.
Passa um pensamento e, antes de um outro entrar, há um intervalo – nesse intervalo o céu está
presente. Então, sempre que não há pensamentos, o que existe? A vacuidade.
Assim, se o céu estiver nublado – não é verão e o céu não está claro – feche os olhos, foque
sua mente no pano de fundo, o céu interior no qual os pensamentos vêm e vão. Não preste muita
atenção aos pensamentos: preste atenção ao espaço no qual eles passam.
Por exemplo: nós estamos sentados nesta sala. Eu posso olhar para esta sala de dois modos.
Ou eu posso olhar para vocês, de modo que fico indiferente ao espaço no qual vocês estão, a
espacialidade, a sala em que vocês estão – eu olho para vocês, focalizo minha mente em quem
está aqui, e não na sala na qual vocês estão. Ou posso mudar meu foco: posso olhar para a sala, e
me torno indiferente a vocês. Vocês estão presentes, mas minha ênfase, meu foco, está na sala.
Então, toda a perspectiva muda.
Faça isso no mundo interior. Olhe para o espaço. Os pensamentos vão se movendo nele: fique
indiferente a eles, não lhes dê atenção. Eles estão ali; note que eles estão ali, se movendo. O
tráfego está se movendo na rua. Olhe a rua e fique indiferente ao tráfego. Não olhe para ver
quem está passando: apenas saiba que algo está passando e fique consciente do espaço no qual
aquilo está passando. Então, o verão acontece internamente.
Não há necessidade de esperar pelo verão, porque nossas mentes são de tal ordem, que podem
encontrar qualquer desculpa. Elas dirão: “O verão não está presente, o céu não está claro...”.
74 Sinta todo o universo em sua cabeça

A segunda técnica:

Shakti,
Veja todo o espaço como se
Já o tivesse absorvido
Em sua própria cabeça,
Na luminosidade.

Veja todo o espaço como se já o tivesse absorvido em sua própria cabeça, na luminosidade.
Para esta técnica, fique de olhos fechados. Quando a fizer, feche os olhos e sinta como se todo o
espaço tivesse sido absorvido na sua própria cabeça. Isso será difícil no começo. Essa é uma das
técnicas avançadas; assim, será bom caminhar nela passo a passo. Faça isso. Se você quiser fazer
esta técnica, comece em etapas.
Primeiro: quando for dormir, quando estiver pronto para dormir, deite-se na sua cama, feche
os olhos e sinta onde estão seus pés. Se você tem um metro e noventa de altura ou um metro e
sessenta de altura, apenas sinta onde seus pés estão – a demarcação. Então, basta imaginar uma
coisa: você ficou uns quinze centímetros mais alto. Sua altura aumentou, tornou-se quinze
centímetros maior. Com os olhos fechados, sinta isso. Na imaginação, sinta que sua altura
aumentou quinze centímetros.
Então, o segundo passo: sinta sua cabeça, onde ela está, por dentro; depois, sinta que sua
cabeça também ficou quinze centímetros acima. Quando você sentir isso, tudo ficará fácil. Então,
faça mais. Sinta que você ficou com uns três metros de altura; ou que você preencheu a extensão
da sala toda. Agora, na sua imaginação, você está tocando as paredes – você encheu a sala toda.
Então, passo a passo, sinta que a casa toda entrou em você. E, uma vez que você descubra como
sentir isso, fica muito fácil.
Se você pode crescer quinze centímetros acima e abaixo, tudo fica fácil então. Se você pode
sentir que você não tem um metro e setenta, mas que tem dois metros, então, nada mais é difícil;
esta técnica será fácil.
Durante três dias, vá sentindo isso; então, por mais três dias, sinta que você encheu a sala
toda. Isso é só um treinamento de imaginação. Então, por três dias a casa toda fica dentro de
você; então, por três dias, você se tornou o céu. Então, esta técnica terá se tornado bem fácil.
Shakti, Veja todo o espaço como se já o tivesse absorvido em sua própria cabeça, na
luminosidade.
Então, você pode fechar os olhos e sentir que todo o céu, o espaço todo, está absorvido pela
sua cabeça. No momento em que você sente isso, a mente desaparece, porque a mente precisa de
um espaço muito apertado. Com tamanha vastidão, a mente não pode existir – ela simplesmente
desaparece. Em tamanha vastidão, a mente é impossível. A mente só pode ser estreita, limitada.
Em tal infinitude de espaço, não há lugar para a mente existir.
Esta técnica é boa. De repente, a mente explode e o espaço está presente. Dentro de um
período de três meses, você poderá sentir isto. A vida toda será diferente. Mas cresça nessa
direção passo a passo, porque, às vezes, através desta técnica, as pessoas ficam loucas, perdem o
equilíbrio. Ela é tão extraordinária, o impacto é tão extraordinário... – de repente, se você se
torna consciente de que sua cabeça absorveu todo o espaço e você vê estrelas e luas girando
dentro de você, todo o universo, você pode ficar tonto. Em várias tradições, esta técnica é usada
muito cuidadosamente.
Um dos místicos indianos deste século, [1] Ramteerth, usava esta técnica, e muitos suspeitam,
muitos daqueles que a conhecem, suspeitam que, devido a esta técnica, ele cometeu suicídio.
Para ele, não era suicídio, porque, para ele – alguém que chegou a saber que todo o espaço havia
entrado nele –, o suicídio se torna impossível, não pode acontecer. Não há mais ninguém ali para
cometer suicídio. Mas, para os outros, para aqueles que estavam observando pelo lado de fora,
foi suicídio.
Ele começou a sentir que o universo inteiro estava se movendo dentro dele, dentro de sua
cabeça. Seus discípulos pensavam que ele estava fazendo poesia. Então, eles começaram a sentir
que ele tinha ficado louco, porque ele começou a proclamar que ele era o universo e que tudo
estava dentro dele. E, então, certo dia, ele simplesmente pulou das escarpas de uma montanha,
para dentro de um rio. Antes de pular, ele escreveu um lindo poema dizendo: “Eu me tornei o
universo. Agora, eu sinto este corpo como uma carga, desnecessária; assim, vou devolvê-lo.
Agora, nenhuma fronteira é necessária. Tornei-me o Brahma desacorrentado”.
Alguém com um treinamento psiquiátrico pensará que ele ficou louco, que isso é pura
neurose. Mas aqueles que conhecem as dimensões mais profundas da consciência humana, dirão
que ele se tornou um mukta, um iluminado. Mas para a mente comum, trata-se de suicídio.
Com tais técnicas, há perigo. Eis por que eu digo que cresça em direção a elas
gradativamente, porque você não sabe... – tudo é possível. Às vezes, você não está ciente da sua
própria potencialidade, às vezes você não sabe quão pronto você está, e algo pode acontecer.
Assim, faça-a em etapas.
Primeiro experimente sua imaginação com pequenas coisas: apenas que o corpo ficou maior
ou menor. Você pode ir pelos dois lados. Se você tem um metro e sessenta: sinta que tem um
metro e trinta, noventa centímetros, sessenta centímetros, trinta centímetros; você virou
exatamente uma semente. Isso é apenas um treinamento; só um treinamento, de modo que você
possa sentir seja o que for que queira sentir. Sua mente interior é absolutamente livre para sentir;
nada pode impedir que ela sinta qualquer coisa. Você pode crescer e pode diminuir de tamanho.
De repente, você fica ciente de que aquilo é você.
E se você puder trabalhar bem através disso, você pode sair do seu corpo muito facilmente.
Se você pode aumentar e tornar-se pequeno através da imaginação, você é capaz de sair do seu
corpo. Você simplesmente imagina que você está fora do seu corpo e ficará ali – mas não de
imediato.
Primeiro trabalhe com pequenos passos e, depois, quando você sentir que está à vontade e não
fica apavorado, então, sinta que você encheu a sala toda – você realmente sentirá o toque das
paredes. E, então, sinta que a casa toda entrou em você – você a sentirá dentro de você. E então
continue. Então, pouco a pouco, deixe o céu ser sentido na sua cabeça. E, uma vez que você sinta
o céu dentro da sua cabeça, absorvido lá, a mente simplesmente desaparece. Ela não tem o que
fazer ali.
Para esta técnica, é bom estar com alguém: estar com um professor, ou estar com um amigo.
Não a faça sozinho. Alguém deve estar ali para tomar conta de você, para observá-lo. Este é um
método escolar. Onde muitas pessoas estão trabalhando numa escola, é muito fácil, menos
danoso, menos perigoso – porque, às vezes, quando o céu explode internamente, durante muitos
dias você pode não ficar consciente do seu corpo. Você permanece ali, você pode ficar muito
absorto na sensação, porque o tempo desaparece; você não pode sentir quanto tempo se passou.
O corpo desaparece, você não pode sentir o corpo. Você se torna o céu. Alguém deve cuidar do
seu corpo – um cuidado muito amoroso será necessário.
Assim, com um mestre, ou com um grupo, esta técnica é menos danosa e menos perigosa. E
com um grupo que saiba o que é possível – o que pode acontecer e o que deve ser feito... porque,
se você, de repente, for acordado em tal estado de mente, você pode ficar louco, porque é
necessário tempo para que sua mente retorne. Se, repentinamente, trazido de volta para seu
corpo, seu sistema nervoso pode não suportar isso. Ele não foi feito para isso. Ele tem de ser
treinado. Assim, não faça isso sozinho. Você pode fazê-lo num grupo, com alguns amigos, num
lugar isolado. E faça-o em etapas, não de repente.

75 Lembre de si mesmo como luz

A terceira técnica:

Acordado,
Dormindo,
Sonhando,
Conheça-se como luz.

Acordado, dormindo, sonhando, conheça-se como luz. Primeiro comece enquanto acordado.
O iôga e o tantra dividem a vida da mente do homem em três partes – a vida da mente – lembre-
se. Eles dividem a mente em três partes: acordada, dormindo, sonhando. Essas não são divisões
da sua consciência, são divisões da sua mente, e a consciência é “o quarto”. Eles não lhe deram
nenhum nome no Oriente: eles o chamam simplesmente de “o quarto”, turiya. Os outros três têm
nomes. São as nuvens, podem ser nomeadas – uma nuvem acordada, uma nuvem que dorme,
uma nuvem que sonha. São todas elas, nuvens, e o espaço no qual se deslocam – o céu –
inominado, é deixado simplesmente como “o quarto”.
A psicologia ocidental só recentemente tomou ciência da dimensão do sonho. Na realidade,
somente com Freud, o sonho tornou-se importante. Mas com os hindus, este é um dos mais
antigos conceitos: que você realmente não conhece um homem, a menos que saiba o que ele está
fazendo em seus sonhos. Porque, seja o que for que ele esteja fazendo nas suas horas de vigília,
isso estará mais ou menos fadado a ser atuação, falso, porque, no estado de vigília de sua mente,
o homem é forçado a fazer muitas coisas.
Ele não é livre.... Existe a sociedade, existem as regras, existem as moralidades. Ele está
constantemente lutando contra seus próprios desejos: reprimindo-os, modificando-os, moldando-
os no modelo que a sociedade permite. E a sociedade nunca lhe permite ser seu ser total – ela
escolhe. Eis o significado de cultura – cultura significa uma escolha.
Toda cultura é condicionada: uma escolha de certas coisas e uma negação de certas outras
coisas. Seu ser total não é aceito em lugar nenhum; realmente não é – em lugar algum. Certos
aspectos são aceitos aqui, outros aspectos são aceitos ali adiante, neste país ou naquele, mas, em
nenhum lugar, o ser humano total é aceito.
Assim, a consciência do estado de vigília está fadada a ser falsa, pseudo, artificial, forçada.
Vocês não são verdadeiros ali – são puros atores; nada espontâneos, manipulados. Somente nos
sonhos vocês são livres; somente nos sonhos você é autenticamente você mesmo.
Você pode fazer o que queira nos seus sonhos. Ninguém está interessado: você está sozinho.
Ninguém pode penetrar, ninguém pode olhar nos seus sonhos. E ninguém fica incomodado: o
que vocês fazem nos seus sonhos é da sua conta, ninguém está interessado. Eles são
absolutamente particulares. Devido a serem absolutamente particulares e sem relação com
ninguém, você pode ser livre. Assim, a menos que seus sonhos sejam conhecidos, sua face
verdadeira não pode ser conhecida. Os hindus tinham ciência disso: os sonhos devem ser
penetrados. Mas eles ainda são nuvens – particulares, é claro, e mais livres – e a pessoa tem de ir
além deles também.
Esses são os três estados: vigília, sono e sonho. Sonhar tornou-se muito primário com Freud.
Agora, o sono foi tocado. Atualmente, muitos laboratórios do sono estão funcionando no
Ocidente, para descobrirem o que é o sono, porque parece muito estranho que não saibamos o
que é o sono. O que realmente acontece a você no sono ainda não é conhecido cientificamente.
E, se não sabemos o que é o sono, será difícil saber o que é o homem, porque por um terço de
sua vida ele estará dormindo. Um terço da vida! Se você for viver sessenta anos, durante vinte
anos você estará dormindo. Trata-se de enorme parte. O que você está fazendo enquanto dorme?
Algo misterioso está se passando; e é tão essencial, que a vida não é possível sem o sono. Algo
profundo está acontecendo, mas você não está ciente.
Acordado, você é uma pessoa diferente; sonhando você novamente é uma pessoa diferente.
Em sono profundo, você é, de novo, uma pessoa diferente. Você não pode se lembrar nem do seu
nome, quando em sonho profundo. Você não sabe se é um muçulmano ou um cristão ou um
hindu. A partir do seu sono profundo, você não pode responder quem você é; rico ou pobre –
nenhuma identidade, nenhuma imagem.
Na camada acordada, você existe com a sociedade. Na camada sonhadora, você existe com
seus próprios desejos. No sono profundo, você existe com a natureza, profundamente no útero da
natureza. E tanto o iôga quanto o tantra dizem que, somente além desses três, você existe no
Brahma, no todo cósmico. Assim, esses três devem ser cruzados, atravessados, transcendidos.
Há uma diferença. A psicologia ocidental está agora interessada em estudar esses estados. Os
buscadores orientais estavam interessados nesses três estados, mas não para estudá-los. Eles
estavam interessados somente no como transcendê-los. Esta técnica é uma técnica
transcendental.

Acordado,
Dormindo,
Sonhando,
Conheça-se como luz.

Muito difícil. Você tem de começar com o acordar. Como você pode lembrar-se nos sonhos?
Você pode criar um sonho conscientemente? Você pode manipular um sonho? Você pode ter os
sonhos de acordo com seu desejo? Você não pode. Como o homem é impotente! Você não pode
nem criar um sonho por conta própria... Eles também lhe acontecem – você é indefeso. Mas há
certas técnicas através das quais os sonhos podem ser criados, e essas técnicas são de muito
auxílio para a transcendência, porque, se você pode criar, então, você pode transcender. Mas a
pessoa tem de começar com o estado de vigília.
Enquanto desperto – andando, comendo, trabalhando – lembre-se de você como luz. Como
se, em seu coração, uma chama estivesse ardendo, e seu corpo fosse nada mais do que a aura ao
redor da chama. Imagine isso. No seu coração uma chama está ardendo, e seu corpo não é nada
mais que uma aura de luz ao redor da chama; seu corpo é simplesmente uma luz ao redor da
chama. Permita que isso vá fundo dentro da sua mente e de sua consciência. Apreenda isso.
Levará tempo, mas, se você continuar pensando sobre isso, sentindo isso, imaginando isso
durante certo período, você será capaz de lembrar-se o dia todo. Enquanto acordado, andando na
rua, você é uma chama se movendo. Nenhuma outra pessoa ficará ciente disso no começo, mas,
se você continuar, depois de três meses outras pessoas também ficarão cientes. E quando os
outros ficarem cientes, você pode então ficar à vontade.
Não diga a ninguém. Simplesmente imagine uma chama, e seu corpo apenas como a aura ao
redor dela. Não um corpo físico, mas um corpo elétrico. Vá fazendo isso.
Se você persistir, dentro de três meses, ou alguma coisa por aí, os outros se tornarão cientes
de que algo aconteceu a você. Eles sentirão uma luz sutil ao seu redor. Quando você chegar perto
deles, eles sentirão um calor diferente. Se você os tocar, eles sentirão um toque abrasador. Eles
ficarão cientes de que algo estranho está acontecendo a você. Não diga a ninguém. Quando os
outros ficarem cientes, então você pode se sentir à vontade e, aí então, você pode entrar no
segundo passo – não antes disso.
O segundo passo é levar este fenômeno para dentro do sonho. Agora então, você pode levá-lo
para dentro do sonho. Tornou-se uma realidade. Agora não mais se trata de uma imaginação.
Através da imaginação, você descobriu uma realidade. Isso é real. Tudo consiste em luz. Você é
luz – inconsciente do fato – porque toda partícula da matéria é luz.
Os cientistas dizem que ela consiste em elétrons. É a mesma coisa. A luz é a fonte de tudo.
Você também é luz condensada: através da imaginação, você está simplesmente descobrindo a
realidade. Apreenda isso – e, quando você estiver bem preenchido com a luz, você pode carregá-
la para dentro dos sonhos – não antes.
Então, enquanto estiver adormecendo, vá pensando na chama, continue vendo-a, sentindo que
você é luz. Lembrando-se dela, lembrando, lembrando, caia no sono. E a lembrança continua. No
começo, você começará a ter alguns sonhos nos quais você sentirá que você tem uma chama
interna, que você é luz. Em pouco tempo, nos sonhos também, você se moverá com a mesma
sensação. E, uma vez que esta sensação entre nos sonhos, os sonhos começarão a desaparecer...
Os sonhos começarão a desaparecer: haverá cada vez menos sonhos e cada vez mais sono
profundo.
Quando em todos os seus sonhos, esta realidade estiver revelada – que você é luz, uma
chama, uma chama ardente – todos os sonhos desaparecerão. Somente quando os sonhos
desaparecem, você pode carregar as sensações para dentro do sono, nunca antes. Agora, você é a
porta. Quando os sonhos tiverem desaparecido e você lembrar-se de si mesmo como uma chama,
você está à porta do sono. Agora então, você pode entrar com a sensação. E uma vez que você
entre no sono com a sensação de que você é uma chama, você tomará consciência disso – o sono
agora acontecerá somente ao seu corpo, não a você.
Esta técnica é para ajudá-lo a ir além desses três estados. Se você puder perceber que você é
uma chama, uma luz; que o sono não está acontecendo a você, você está consciente. Você está
trazendo consigo um esforço consciente. Agora, você está cristalizado ao redor da chama. O
corpo está dormindo; você não está.
É isso o que diz Krishna, no Gita: que os iogues nunca dormem. Enquanto outros estão
dormindo, eles estão despertos. Não que seus corpos nunca durmam. Seus corpos dormem – mas
somente os corpos. Os corpos precisam de descanso, a consciência não precisa de descanso –
porque os corpos são mecanismos, a consciência não é um mecanismo. Os corpos precisam de
combustível, eles precisam de descanso. Eis porque eles nascem, ficam jovens, depois, ficam
velhos, e então morrem. A consciência jamais nasce, nunca envelhece, nunca morre. Ela não
precisa de combustível, não precisa de descanso. Ela é pura energia, perpétua energia eterna.
Se você puder levar esta imagem da chama e da luz através das portas do sono, você nunca
mais dormirá novamente, somente o corpo descansará. E, enquanto o corpo estiver dormindo,
você saberá disso. Uma vez que isso aconteça, você terá se tornado “o quarto”. Agora, o
despertar e o sonhar e o dormir fazem parte da mente. Eles são partes, e você se tornou “o
quarto” – aquele que passa por todos eles e não é nenhum deles.
Na verdade, isso é tão simples. Se você está no estado desperto e, depois, vai para os sonhos,
você não pode ser nenhum dos dois. Se você é o estado desperto, então, como pode sonhar? E se
você é o estado de sonho, como pode cair no sono, onde não há nenhum sonho? Você deve ser
um viajante, e esses estados devem ser estações; assim, você pode se mover daqui para ali e
voltar novamente. Novamente, pela manhã, você entrará no estado desperto.
Esses são estados, e aquele que anda nesses estados é você. Mas esse você é “o quarto” – e
esse quarto é o que vocês chamam de alma. Esse “quarto” é o que vocês chamam de “divino”;
esse “quarto” é o que vocês chamam de elemento imortal, a vida eterna.
Acordado, dormindo, sonhando, conheça-se como luz.
Esta é uma técnica muito bela. Mas tente-a primeiro no estado desperto. E lembre-se: quando
os outros tomarem ciência, somente então, você teve sucesso nisso. Eles tomarão ciência. Então,
você pode entrar no sonho e, depois, no sono; e, depois você pode acordar para aquilo que você é
– “o quarto”.

Nota

[1] Século XX. (N. da T.)


Capítulo 50

INDO ATÉ AS RAÍZES



PERGUNTAS

Na noite passada você disse que mudar o lado de fora, não muda o lado de dentro, que se
permanece não-transformado. Mas não é verdade que o alimento correto, o trabalho correto, o
sono certo, as ações corretas e os comportamentos são também fatores importantes para a
transformação interior? Não é um erro ignorar o externo completamente?
Não é verdade que todas as técnicas de meditação são realmente um fazer que conduz o
buscador ao seu ser?
Você disse na noite passada que quanto mais a mente cresce, mais ficamos sabendo que a
natureza da mente é a confusão. Mas não é verdade que este crescimento da mente também
conduz à claridade?
Nós muito frequentemente sentimos que criamos nossos próprios sofrimentos. Apesar disso,
por que continuamos a criá-los? E quando e como a pessoa para de criar os próprios
sofrimentos dela?

Primeira pergunta:

Na noite passada você disse que mudar o lado de fora, não muda o lado de dentro, que
se permanece não-transformado. Mas não é verdade que o alimento correto, o trabalho
correto, o sono certo, as ações corretas e os comportamentos são também fatores
importantes para a transformação interior?

Não é um erro ignorar o externo completamente?

O exterior não pode mudar o interior, mas o exterior pode ajudar, ou pode atrapalhar. O
exterior pode criar uma situação na qual o interior possa deflagrar mais facilmente. Mas a coisa a
ser lembrada é: a transformação externa não é a interna. Mesmo que você tenha feito tudo e que
exista a situação, o interior não será deflagrado. A situação é necessária, ela é auxiliar, mas ela
não é a transformação. E aqueles que ficam envolvidos com o exterior...
O exterior é um vasto fenômeno. Você pode ir mudando durante vidas e você jamais ficará
satisfeito, e uma coisa ou outra permanecerá para ser mudada, porque, a menos que o interior se
transforme, o exterior jamais pode ser perfeito. Você pode ir mudando-o e polindo-o e
condicionando-o. Você jamais ficará satisfeito. Você nunca chegará a uma situação onde você
possa sentir: “Agora, o campo está pronto”. Muita gente tem desperdiçado suas vidas assim.
Se sua mente ficar obcecada com o exterior – com o alimento, com as roupas, com o
comportamento... Eu não estou dizendo para negligenciá-los. Não. O que eu estou dizendo é que
não fiquem obcecados com eles. Eles podem ajudar, mas podem se tornar grandes barreiras, se
sua mente ficar obcecada. Então, isso pode se tornar uma fuga e, neste caso, você estará apenas
adiando a mudança interior. E você pode continuar mudando o exterior. O interior nem sequer é
tocado por isso, o interior permanece o mesmo.
Talvez você já tenha ouvido uma velha fábula indiana. No Panchtantra, dizem que um rato
estava com muito medo de certo gato; constantemente com medo e ansiedade. Ele não podia
dormir: ele sonhava com o gato e ficava tremendo. Um mágico, com pena dele, transformou-o
num gato. O exterior foi mudado, mas, imediatamente, o rato lá dentro do gato, ficou com medo
de um cão. A ansiedade era a mesma; somente o objeto havia mudado. Antes era o gato, agora,
era o cachorro. O tremor continuou, a angústia permaneceu, e os sonhos ainda eram de medo.
Então, o mágico transformou o gato num cão. Imediatamente o cão ficou com medo do tigre,
porque o rato interno permanecia o mesmo. O rato não foi mudado; somente os corpos, o
exterior. A mesma ansiedade, a mesma doença, o mesmo medo permanecia. O mágico
transformou o cão num tigre. Imediatamente, o rato interno dentro do tigre ficou com medo de
um caçador. Então, o mágico disse a ele: “Agora seja um rato novamente, porque eu posso
mudar seu corpo, mas eu não posso mudar você. Você tem o coração de um rato; então, o que eu
posso fazer?”. O coração de um rato...
Você pode ir mudando o exterior, mas o coração de rato permanece o mesmo. E esse coração
cria os problemas. O aspecto mudará, a forma mudará, mas a substância permanecerá a mesma.
E não faz nenhuma diferença se você tem medo de um gato, de um cão ou de um tigre. A questão
não é de quem você tem medo: a questão é que você tem medo.
A ênfase é... – minha ênfase é... – que você deve permanecer ciente de que seu esforço
externo não deve se tornar um substituto para a transformação interior. Uma coisa: use todos os
recursos que possa. É bom ter uma alimentação correta, mas é um absurdo e uma loucura ficar
obcecado com a alimentação. É bom ter comportamento correto, mas é neurótico ficar obcecado
com isso. Você não deve ficar louco por nada.
Na índia, há muitas seitas de saniássins que são obcecados com a alimentação. O dia todo
eles ficam pensando somente em comida: o que comer e o que não comer; quem deve preparar a
comida e quem não deve preparar. Certa vez eu estava viajando com um saniássin. Ele só bebia
leite, e só leite de vaca; e só tendo vindo das vacas que eram brancas – caso contrário, ele ficaria
sem se alimentar. Esse homem é louco.
Lembre-se disto: que o exterior é importante, significativo. O exterior ajuda, é bom, mas você
não deve ficar focado nele. Ele não deve tornar-se tão importante a ponto do interior ser
esquecido. O interior deve permanecer interior e central; e o exterior, se possível, deve ser
mudado apenas como um auxílio.
Não o ignore completamente. Não há nenhuma necessidade de ignorá-lo, porque realmente o
exterior faz parte também do interior. Não é algo oposto a ele, não é algo contrário a ele, não é
algo imposto a você – é você. Mas o interior é o centro, e o exterior é a periferia. Assim, dê tanta
importância quanto uma periferia precise, quanto uma circunferência precise, quanto uma
fronteira precise – mas a fronteira não é a casa. Assim, cuide do exterior, mas não fique
obcecado com ele.
Nossa mente está sempre tentando encontrar escapes. Se você puder ficar envolvido com a
alimentação, com o sexo, com as roupas, com o corpo, sua mente ficará à vontade, porque agora
você não está indo em direção ao interior. Agora não há nenhuma necessidade de mudar a mente.
Agora não há nenhuma necessidade de acabar com a mente, de ir além da mente. Com a
mudança da alimentação, a mesma mente pode existir. Você pode comer isto ou aquilo – a
mesma mente pode existir. Somente quando você vai à direção interior... Quanto mais
internamente você alcançar, mais esta mente que você tem, tem de cessar. O caminho para dentro
é o caminho em direção à não-mente.
A mente fica com medo. Ela tentará descobrir alguma rota de fuga – algo que tenha a ver com
o exterior. Então, ela pode existir como ela é. Seja o que for que você faça, não faz nenhuma
diferença. É irrelevante o que você faz – essa mente pode existir; e essa mente pode descobrir
caminhos de como permanecer a mesma. E, às vezes, quando você lutar com as saídas naturais,
sua mente descobrirá algumas saídas pervertidas, que são mais perigosas. Ao invés de serem um
auxílio, elas se tornarão barreiras.
Eu ouvi dizer que o Mullah Nasruddin caiu da escada. Ele fraturou a perna e ela foi posta
num imobilizador de gesso. Foi-lhe dito, então, que durante três meses ele não poderia nem subir
nem descer as escadas. Depois de três meses, ele foi ao médico e o imobilizador foi removido. O
Mullah perguntou: “Agora eu posso subir e descer escadas? ”.
O médico disse: “Agora pode. Você está completamente bem”.
O Mullah disse: “Agora eu estou muito feliz, doutor. O senhor não pode acreditar quão feliz
eu estou. Era tão embaraçoso subir e descer o dia todo pelo encanamento externo. Durante três
meses, todo dia, subindo e descendo pelo encanamento... – era tão embaraçoso, e toda a
vizinhança rindo de mim. Mas o senhor me disse para não subir nem descer as escadas, então eu
tive de descobrir um jeito”.
É isso o que todos estão fazendo. Se uma saída está bloqueada, então, acontece fatalmente
uma perversão. E você não sabe os meios da mente – eles são espertos e muito sutis. As pessoas
vêm a mim com seus problemas. O problema parece ser óbvio – mas não é. Todos os problemas
parecem tão óbvios, claros – mas não é assim. Lá no fundo está escondido outra coisa e, a menos
que essa outra coisa seja conhecida, descartada, ultrapassada, o problema permanecerá. Ele
mudará sua forma.
Alguém está fumando muito e quer parar de fumar. Mas fumar em si não é o problema; o
problema é outra coisa. Você pode parar de fumar, mas o problema permanecerá, e ele terá de
surgir em outra coisa. Quando você fuma? Quando você está ansioso, nervoso, você começa a
fumar, e fumar o ajuda. Você se sente mais confiante – você se sente mais relaxado. Apenas por
parar de fumar, seu nervosismo não vai mudar. Você se sentirá nervoso; você se sentirá ansioso –
a ansiedade virá. Então, você fará outra coisa. E você pode encontrar algo que seja um belo
substituto – parece diferente. Você pode fazer qualquer coisa. Você pode simplesmente usar um
mantra ao invés de fumar e, sempre que você se sentir nervoso, você pode dizer “Ram, Ram,
Ram” – qualquer coisa continuamente.
O que você está fazendo ao fumar? Isso é um mantra. Você fuma para dentro e para fora,
você fuma para dentro e para fora... – isso se torna uma coisa repetitiva. Devido à repetição, você
se sente relaxado. Repita qualquer coisa e o mesmo acontecerá. Mas se você estiver usando um
mantra e dizendo “Ram, Ram, Ram,” ninguém vai dizer que você está fazendo algo errado. E o
problema é o mesmo.
O problema não mudou; só que você mudou o truque. Antes você estava fazendo aquilo com
o fumo; agora você o está fazendo com uma palavra. A repetição ajuda; qualquer absurdo
ajudará. Você apenas tem de continuar repetindo aquilo continuamente. Quando você repete uma
coisa, isso lhe dá relaxamento, porque cria uma espécie de tédio. O tédio é relaxante. Você pode
fazer qualquer coisa que crie uma espécie de tédio. O tédio é relaxante. Você pode fazer qualquer
coisa que crie o tédio.
Se você estiver fumando, todos dirão que é errado. E se você estiver cantando um mantra,
ninguém irá dizer que aquilo é errado. Mas se o problema é o mesmo, eu estou dizendo que isso
também é errado – ainda mais perigoso do que o anterior, porque, com o fumo você estava ciente
de que era errado. Agora, com essa cantilena de mantra, você não está ciente, e esta doença da
qual você não tomou ciência é mais perigosa e danosa.
Você pode fazer qualquer coisa na superfície, mas, a menos que as raízes profundas mudem,
nada acontece. Assim, com o exterior, lembre-se: fique ciente dele, e saia da superfície em
direção às raízes e descubra a raiz – por que você está nervoso? Alguém está comendo muito.
Isso pode parar. Você pode se obrigar a não comer tanto. Mas por que a pessoa está comendo
tanta comida? Por quê? Isso não é uma necessidade física. Então, em algum lugar a mente está
interferindo. Algo tem de ser feito com a mente: não se trata do corpo físico. Por que você
continua se estufando?
Muita obsessão por comida é uma necessidade de amor. Se você não está sendo bem-amado,
você comerá mais. Se você estiver sendo amado e podendo amar, você comerá menos. Sempre
que alguém o ama, você não pode comer demais. O amor preenche muitíssimo, você não se sente
vazio. Quando não há amor, você se sente vazio; algo tem de ser mandado para dentro – você vai
empurrando comida.
E há razões – razões radicais – para isso, porque o primeiro encontro da criança com o amor e
o alimento é simultâneo. Do mesmo peito, da mesma mãe, ele recebe alimento e amor – alimento
e amor se tornam associados. Se a mãe é amorosa, o filho nunca tomará leite demais. Não há
necessidade. Ele está sempre seguro no seu amor; ele sabe que quando quer que haja
necessidade, o alimento virá, o leite estará ali, a mãe estará ali. Ele se sente seguro. Mas, se a
mãe não é amorosa, então, ele fica inseguro. Então, ele não sabe se, quando sentir fome, o
alimento virá, porque não há nenhum amor. Ele comerá mais. E isso continuará assim. Isso se
tornará uma raiz inconsciente.
Assim, você pode continuar mudando sua comida – coma isto, coma aquilo, não coma isto...
– mas isso não faz nenhuma diferença, porque a raiz básica permanecerá ali. Então, se você parar
de se estufar com comida, você começará a se estufar com outra coisa qualquer. E há muitos
meios. Se você para de comer muito, você pode começar a ajuntar dinheiro. Novamente, você
tem de ser preenchido por algo; então, você vai acumulando dinheiro.
Observe profundamente, e você verá que uma pessoa que acumula dinheiro nunca está
amando, não pode estar, porque a acumulação de dinheiro é realmente um substituto. Com o
dinheiro, ela agora se sentirá segura. Quando você é amado, não há insegurança; no amor, todos
os medos desaparecem. No amor, não há nenhum futuro, nenhum passado. Este momento é
bastante, este exato momento é a eternidade. Você é aceito. Não há nenhuma ansiedade pelo
futuro, pelo que acontecerá amanhã – não há amanhã no amor.
Mas, se o amor não se apresenta, então, o amanhã se apresenta. O que acontecerá? Conte com
o dinheiro, porque você não pode contar com ninguém. Então, conte com as coisas, conte com o
dinheiro e com a riqueza. Há pessoas que dizem: “Doe seu dinheiro. Não acumule dinheiro. Não
tenha apego ao dinheiro”. Mas essas são coisas superficiais, porque a necessidade interior
permanecerá a mesma – então, a pessoa começará a acumular alguma outra coisa.
Feche uma saída e você terá de criar outra – a menos que as raízes sejam destruídas. Assim,
não fique muito interessado no exterior. Fique cônscio de sua personalidade externa, seja ela qual
for. Tome ciência dela, fique alerta, e a partir da periferia se mova sempre na direção das raízes,
para descobrir qual é a causa que está ali. Por mais perturbador que seja, mova-se para as raízes.
Uma vez que você venha a conhecer a raiz, uma vez que as raízes sejam expostas... Lembre-se
desta lei: as raízes só podem existir na escuridão – não só as raízes das árvores, mas raízes de
qualquer coisa. Uma vez trazidas à luz, elas morrem.
Assim, mova-se com a sua periferia; cave bem fundo e vá para as raízes, e traga as raízes para
a consciência, para a luz. Uma vez que tenha chegado à raiz, ela simplesmente desaparece. Você
não tem que fazer nada a respeito. Você tem de fazer algo, somente porque você não sabe qual é
o problema. Um problema, corretamente compreendido, desaparece. A correta compreensão de
um problema – uma radical compreensão de um problema – se torna o desaparecimento dele.
Esta é a primeira coisa.
A segunda coisa: o que quer que você faça, é superficial: não é você na sua totalidade. Assim,
não julgue um homem pelas suas ações, porque a ação é muito atômica. Você vê uma pessoa
durante a raiva, e você julga que “este” homem é cheio de ódio, violência, vingança. Mas um
momento mais tarde, a raiva desaparece: o homem fica tão amoroso quanto possível, e um aroma
diferente, um florescimento diferente, surge em sua face. A raiva era atômica. Não julgue o
homem todo. Mas esse amor também é atômico. Não julgue o homem todo por esse amor.
O que quer que você faça não é a sua soma total. Suas ações permanecem apenas atômicas –
parte de você, é claro, mas sua totalidade as transcende. Você pode ficar diferente a qualquer
momento. E seja o que for que seja sabido sobre você pelo seu comportamento, pelas suas ações,
pelas coisas que você faz, você pode contradizer. Você pode ter sido um santo: você pode se
tornar um pecador neste exato momento. Ninguém podia imaginar que você, um santo, pudesse
fazer aquilo. Você pode fazer sim. Não é nada inconcebível. Você pode ter sido um pecador até
este exato momento e, no momento seguinte, você pode saltar fora disso.
O que estou dizendo é o seguinte: seu interior é tão vasto e tão grandioso, que pelo seu
exterior ele não pode ser julgado. Seu exterior permanece superficial, acidental. Eu repetirei: seu
exterior permanece acidental, seu interior é a essência. Portanto, lembre-se de descobrir o
interior, e não fique emaranhado do lado de fora.
Uma coisa mais: o exterior é sempre o passado. Ele está sempre morto, porque, seja o que for
que você tenha feito, você já fez. É sempre o passado, nunca está vivo. O interior está sempre
vivo, ele é aqui e agora, e o exterior está sempre morto. Se você me conhece – seja o que for que
eu tenha feito e dito – você conhece meu passado, você não me conhece. Eu estou aqui, o que
está vivo. Este é meu ponto interior e, seja o que for que você saiba sobre mim é apenas o
exterior. Está morto, não existe mais.
Observe isso na sua própria consciência. O que quer que você tenha feito não é uma
escravidão sobre você. Na verdade, não mais existe – é pura memória. E você é maior do que
aquilo. Suas infinitas possibilidades estão presentes. Foi somente acidental você ser um pecador
ou um santo. Foi acidental você ser um cristão ou um hindu. Mas o seu ser interior não é
acidental: ele é essencial.
A ênfase no interior é a ênfase no essencial. E esse interior permanece livre: ele é liberdade.
O exterior é uma escravidão, porque você pode conhecer o exterior somente quando ele já
aconteceu; então, você não pode fazer nada sobre aquilo. O que você pode fazer sobre seu
passado? Ele não pode ser desfeito, você não pode retroceder. Você não pode fazer nada com o
passado; ele é uma escravidão.
Se você compreender isso corretamente, então, você pode compreender a teoria do karma – a
teoria das ações. Esta teoria – uma das mais essenciais partes da percepção hindu – diz que, a
menos que você vá além dos karmas, você não é livre; a menos que você tenha ido além de todas
as ações, você permanecerá na escravidão. Não preste muita atenção no exterior, não fique
obcecado com ele. Use-o como uma ajuda, mas continuamente lembrando-se de que o interior
tem de ser descoberto.
Essas técnicas que estamos discutindo aqui são para o interior, para saber como descobri-lo.
Vou lhes dizer uma coisa. Tem havido tradições... Por exemplo, uma das mais importantes
tradições religiosas tem sido o jainismo. Mas o jainismo presta muita atenção no exterior,
demasiada – tanto que eles se esquecem completamente de que haja algo como a meditação, que
haja algo como uma ciência do iôga. Eles se esquecem disso completamente.
Eles são obcecados com comida, com roupas, com sono, com tudo... – mas sem nenhum
esforço em direção à meditação. Não que na tradição deles originalmente não houvesse nenhuma
meditação, porque nenhuma religião pode nascer sem isso. Mas, em algum lugar, eles ficaram
obcecados com o exterior. Ele tornou-se tão importante, que eles se esqueceram completamente
de que toda essa situação é apenas uma ajuda – não é a meta.
O que você come não é a meta. O que você é – é a meta. É bom que seus hábitos alimentares
ajudem-no a descobrir o seu ser. É bom. Mas se você ficar simplesmente obcecado com a
alimentação, continuamente pensando nisso, então, você perdeu o ponto. Então, você é um
viciado em comida. Você é louco, neurótico.

Segunda pergunta:

Não é verdade que todas as técnicas de meditação são realmente um fazer que conduz o
buscador ao seu ser?

De certo modo, sim; e de certo modo mais profundo, não. As técnicas de meditação são um
fazer, porque lhe é indicado fazer alguma coisa. Mesmo meditar é fazer algo, mesmo sentar
silenciosamente é fazer algo, mesmo não fazer nada é uma espécie de fazer. Sendo assim, de um
modo superficial, todas as técnicas de meditação são um fazer. Mas, de um modo mais profundo,
elas não são, porque se você for bem-sucedido nelas, o fazer desaparece.
Só no começo elas afiguram-se como um esforço. Se você for bem-sucedido nelas, o esforço
desaparece e a coisa toda se torna espontânea e sem esforço. Se você for bem-sucedido, não se
trata mais de um fazer. Nenhum esforço da sua parte é necessário então. Torna-se bem parecido
com a respiração – ela está presente. Mas no começo o esforço está fadado a existir, porque a
mente não pode fazer nada que seja sem esforço. Se você lhe disser para não se esforçar, a coisa
toda parece absurda.
No zen, onde muita ênfase é dada à ausência de esforço, os mestres dizem aos discípulos:
“Sente-se. Não faça nada”. E o discípulo tenta. É claro, o que mais você pode fazer diferente de
tentar? O discípulo tenta ficar simplesmente sentado. Ele tenta estar simplesmente sentado e não
fazer nada. E, então, o mestre bate-lhe na cabeça com seu bastão e diz: “Não faça isso! Eu não
lhe disse para tentar ficar sentado, porque isso se torna um esforço. E não tente não fazer nada,
porque isso é uma espécie de fazer. Simplesmente fique sentado! ”.
Se eu lhe disser para ficar simplesmente sentado, o que você fará? Você fará alguma coisa,
que fará com que aquilo não seja simplesmente um estar sentado; um esforço entrará em cena.
Você estará sentado com um esforço; uma mobilização de força estará presente. Você não pode
simplesmente estar sentado. Parece esquisito, mas, no momento em que você tenta estar
simplesmente sentado, isso já se tornou complexo. O próprio esforço de estar simplesmente
sentado torna o ato complexo. Assim, o que fazer?
Passam-se os anos, e os discípulos continuam sentando-se e sendo repreendidos, condenados
pelo mestre – pois ele está perdendo o pormenor. Mas ele simplesmente continua, continua,
continua e, todo dia ele falha, porque o esforço está ali. E ele não pode enganar o mestre. Mas,
um dia, pacientemente sentado, até essa consciência de estar simplesmente sentado desaparece.
Um dia, de repente, ele está sentado – como uma árvore ou uma pedra – sem fazer nada. E,
então, o mestre diz: “Esta é a postura certa. Agora você atingiu. Agora, lembre-se disto. Este é o
jeito de estar sentado”. Mas é preciso paciência e grande esforço para atingir a ausência de
esforço.
No começo, o esforço existirá, o fazer estará presente, mas somente no começo, como um mal
necessário. Mas você tem de lembrar-se constantemente de que você tem de ir além. Deve
chegar um momento em que você não está fazendo nada quanto à meditação – apenas estar ali
e... acontece; simplesmente sentado ou de pé, e acontece; sem fazer nada, só estando atento –
acontece.
Todas essas técnicas são apenas para ajudá-los a chegar a um momento de ausência de
esforço. A transformação, a percepção interior, não pode acontecer através do esforço, porque o
esforço é uma espécie de tensão. Com esforço você não pode ficar totalmente relaxado; o esforço
se tornará uma barreira. Com este background na mente, se você fizer esforço, em pouco tempo
você se tornará capaz de deixá-lo também.
É como nadar. Se você sabe nadar, você sabe que no começo você tem de fazer esforço – mas
somente no começo. Uma vez que você tenha a percepção da coisa, uma vez que você saiba o
que é, o esforço se vai; você pode nadar sem esforço. E mesmo um bom nadador não pode dizer
o que é nadar, o que exatamente ele está fazendo. Ele não pode lhe explicar o que ele está
fazendo. Realmente, ele não está fazendo nada. Ele está simplesmente permitindo-se ter um
profundo relacionamento confiante com a água, com o rio. Ele não está fazendo nada realmente.
E, se ele estiver fazendo, ele não é ainda um nadador experimentado – ele ainda é um amador,
ainda aprendendo.
Vou lhes contar uma historieta. Em Burma, um monge budista recebeu instruções para
desenhar um novo templo, especialmente o portão. Assim, ele estava fazendo uma grande
quantidade de desenhos. Ele tinha um discípulo muito talentoso e disse a esse discípulo para ficar
perto dele. Enquanto ele fazia o desenho, o discípulo ficava simplesmente observando e, se ele
gostasse, ele tinha de dizer “sim”, que estava bom, que estava certo. Se ele não gostasse, então,
ele tinha de dizer “não”. E o mestre disse: “Quando você disser “sim”, somente então eu enviarei
o desenho. Se você continuar dizendo “não”, eu descartarei o desenho e criarei um novo”.
Centenas de desenhos foram descartados desse jeito. Três meses se passaram. Até o mestre
ficou apreensivo, mas ele tinha dado sua palavra. Então, ele tinha de mantê-la. O discípulo ficava
ali, o mestre fazia o desenho e, então, o discípulo dizia “não”. O mestre começava outro desenho.
Um dia, a tinta estava para acabar. Então, o mestre disse: “Saia e traga mais tinta”. O
discípulo saiu. O mestre se esqueceu dele, da sua presença, e tornou-se sem esforço. Aquela
presença era o problema. A ideia estava constantemente em sua mente, que o discípulo estava ali,
julgando. Ele ficava constantemente imaginando se ele iria gostar ou não – se ele iria descartá-lo
novamente. Isso criava uma ansiedade interna e o mestre não podia ser espontâneo.
O discípulo saiu. O desenho foi completado. O discípulo entrou e disse: “Que maravilha! Mas
por que você não pôde fazer isso antes? ”.
O mestre disse: “Agora eu compreendo porquê... – porque você estava aqui. Por sua causa... –
eu estava fazendo um esforço para obter a sua aprovação. O esforço destruía a coisa toda. Eu não
podia ser natural, eu não podia fluir; eu não devia esquecer-me de mim por causa de você”.
Sempre que você está fazendo meditação, o próprio esforço com que você está fazendo
aquilo, a própria ideia de ter sucesso naquilo, é a barreira. Tome consciência disto. Continue
fazendo, e torne-se consciente disto. Chegará um dia... Simplesmente, através da paciência,
chega um dia em que o esforço não existe mais. Realmente, você não mais está ali, somente a
meditação está. Pode levar muito tempo. Isso não pode ser previsto, ninguém pode dizer quando
acontecerá. Porque, se algo é para ser alcançado pelo esforço, isso pode ser previsto – que se
você fizer este tanto de esforço, você terá sucesso – mas a meditação só vai ser bem-sucedida
quando você se tornar sem esforço. Eis por que nada pode ser previsto. Nada pode ser dito sobre
quando você será bem-sucedido. Você pode ter sucesso neste próprio momento, e você pode não
ter sucesso durante vidas.
A coisa toda se articula numa única coisa – quando cai o seu esforço e você se torna
espontâneo, quando sua meditação não é mais um ato, mas se torna seu ser, quando sua
meditação for exatamente como o amor...
Você não pode fazer nada com relação ao amor... – ou pode? Se você fizer alguma coisa,
você falsificará tudo. Ficará tudo artificial. Nada irá fundo. Você não estará naquilo – acabará
sendo uma atuação. O amor é – não se pode fazer nada quanto a isso.
Você não pode fazer nada quanto à meditação também. Mas eu não quero dizer “não faça
nada”, porque, então, você permanecerá sendo o que quer que você seja. Você tem de fazer algo,
perfeitamente consciente de que somente por fazer você não alcançará. O fazer será necessário
no começo. A pessoa não pode deixar de fazer; a pessoa tem de ir através dele, a pessoa tem de
transcendê-lo e, uma flutuação sem esforço tem de ser atingida.
O caminho é árduo e muito contraditório. Você não pode descobrir nada mais contraditório
do que a meditação. Contraditório, porque ela tem de ser iniciada como um esforço e tem de
terminar como ausência de esforço. Mas isso acontece. Você pode não ser capaz de conceber
logicamente como acontece, mas na experiência isso acontece. Chega um dia em que você
simplesmente fica cheio do seu esforço. Ele cai.
Aconteceu a Buda desse jeito. Durante seis anos ele esteve fazendo todo esforço possível.
Nenhum ser humano foi tão obcecado com o tornar-se iluminado. Ele fez tudo que podia fazer.
Ele ia de um professor a outro, e o que quer que ele tivesse aprendido, ele o fez perfeitamente.
Esse era o problema, porque nenhum professor podia lhe dizer: “Você não está fazendo bem
feito, eis por que você não está alcançando”. Isso era impossível. Ele estava fazendo melhor que
qualquer mestre; assim, os mestres tinham de confessar. Eles diziam: “Este tanto nós lhe
ensinamos. Além daqui, não sabemos; vá a outro lugar ”,
Ele era um discípulo perigoso... – e, somente discípulos perigosos alcançam. O que quer que
lhe fosse dito, ele o faria – absolutamente, como lhe tinha sido dito. E, então, ele voltava ao
mestre; dizia: “Eu fiz tudo, mas nada aconteceu. Assim, qual é a próxima etapa? ”.
Os professores diziam: “Vá a outro lugar. Há um professor nos Himalaias – vá até lá’’: Ou:
“Há um professor naquela floresta – vá até lá. Nós não sabemos mais do que isto aqui”.
Ele andou por toda a volta durante seis anos. Ele fez tudo que podia fazer, tudo que é
humanamente possível e, depois, ele se encheu. A coisa toda parecia inútil, infrutífera, sem
sentido. Certa noite, ele relaxou todos os esforços. Ele estava sentado debaixo da árvore bodhi,[1]
e disse: “Agora tudo acabou. No mundo não há nada, e nesta busca espiritual, também não há
nada. Agora não há mais nada a fazer. Tudo acabou. Não apenas neste mundo, mas no outro
mundo também”. De repente, todos os esforços foram abandonados. Ele estava vazio. Porque,
quando não há nada para se fazer, a mente não pode se mover. A mente permanece em
movimento porque há algo a fazer – alguma motivação, alguma meta. A mente se move porque
algo é possível, algo pode ser alcançado, o futuro. Se não hoje, então amanhã, mas a
possibilidade existe de que a pessoa pode alcançar – a mente permanece em movimento.
Naquela noite, Buda chegou a um ponto morto. Realmente, ele morreu naquele exato
momento, porque não mais havia futuro. Não havia mais nada a alcançar, e nada podia ser
alcançado – “Eu fiz tudo. O mundo todo é inútil e toda esta existência é um pesadelo”. Não
apenas o mundo material tornou-se inútil, mas o espiritual também. Ele relaxou. Não que ele
tenha feito algo para relaxar. Este é o ponto a se compreender: não havia mais nada com o que se
tensionar; assim, ele relaxou. Não houve nenhum esforço da parte dele para relaxar.
Ali, sob a árvore bodhi, ele não estava tentando relaxar. Não havia nada a fazer, nada com o
que ficar tenso, nada a desejar, nenhum futuro, nenhuma esperança. Ele estava absolutamente
sem esperanças naquela noite – relaxado. O relaxamento aconteceu.
Você não pode relaxar, porque uma coisa ou outra ainda está ali para ser alcançada. Isso vai
excitando sua mente e você vai girando e girando e girando.... De repente o giro para, a roda para
– Buda relaxou e adormeceu.
De manhã quando ele acordou, a última estrela estava se pondo. Ele ficou olhando a última
estrela desaparecer e, com o desaparecimento da última estrela ele desapareceu completamente,
ele se iluminou. Então, as pessoas começaram a perguntar: “Como você alcançou isto? Como?
Qual foi o método? ”.
Agora, você pode compreender as dificuldades de Buda. Se ele dissesse que tinha alcançado
através de alguns métodos, então, ele estaria errado, porque ele alcançou somente quando não
havia mais nenhum método. Se ele dissesse que ele tinha alcançado através do esforço, ele
estaria errado, porque ele alcançou somente quando não havia mais nenhum esforço. Mas, se ele
dissesse “Não faça nenhum esforço e você alcançará”, então, também, ele estaria errado, porque,
para o seu não-esforço, aqueles seis anos de esforço foram fundamentais. Sem aquele esforço,
aqueles seis anos de árduo esforço, este estado de não-esforço não poderia ter sido alcançado.
Somente por causa daquele esforço louco, ele chegou a um pico e não havia mais aonde ir... – ele
relaxou e caiu dentro do vale.
Isto tem de ser lembrado, por muitas razões. O esforço espiritual é o fenômeno mais
contraditório. O esforço tem de ser feito, com plena consciência de que nada pode ser alcançado
através do esforço. O esforço tem de ser feito apenas para se alcançar o não-esforço, apenas para
se alcançar a ausência de esforço. Mas não relaxe o seu esforço, porque, se você relaxar, você
jamais alcançará esse relaxamento que chegou a Buda. Continue fazendo todos os esforços;
assim, automaticamente chega um momento em que por puro esforço você chega ao ponto onde
o relaxamento aconteça a você.
Por exemplo: você pode tomar isso de outra maneira. Do modo que vejo, no Ocidente, o ego
tem sido o ponto central: o preenchimento do ego, o desenvolvimento do ego, a realização de um
ego forte tem sido todo o esforço ocidental. No Oriente, ele tem sido para alcançar o estado de
não-ego, como ser um não-ego, como esquecer, entregar-se, dissolver-se completamente, de
modo que você não mais seja. Já o Ocidente tem tentado ser o ego perfeito.
Mas esta é a contraditoriedade das coisas: se você não tem um ego muito desenvolvido, você
não pode se render. Você se rende somente se você tem um ego perfeitamente bem delineado.
Caso contrário, você não pode se render, porque... – quem se renderia? Assim, para mim, ambos
são metades e ambos estão infelizes – Oriente e Ocidente, ambos. Porque o Oriente tomou para
si a ausência do ego, que é aparte final, sem a parte inicial.
Quem vai render o ego? Não existe o pico, então, quem criará o vale? O vale é criado
somente em torno de um pico. Quanto maior o pico, mais profundo o vale. Se você não tem um
ego, ou tem um ego muito morno, a entrega não é possível – ou a sua entrega será uma entrega
morna, assim, assim... Nada acontecerá a partir disso: não haverá nenhuma explosão.
No Ocidente, a parte inicial tem sido enfatizada. Assim, você pode continuar se
desenvolvendo com seu ego. Isso criará cada vez mais e mais ansiedade. E, quando você o tiver
criado realmente, você não sabe o que fazer com aquilo, porque a parte final não está presente.
Para mim, a busca espiritual são ambas as coisas: criar um grande pico, criar um perfeito ego,
só para dissolvê-lo. Isso parece absurdo – só para dissolvê-lo, só para alcançar uma profunda
entrega, só para perdê-lo em algum lugar. E você não pode perder algo que não tenha. Assim, na
minha visão, a humanidade tem de ser treinada para criar essas duas coisas juntas: ajude todos a
criarem um ego perfeito, um ego preenchido – mas isto é só a metade da jornada. Então, ajude-os
a rendê-lo.
Quanto maior o pico, mais profundo será o vale. Quanto maior o ego, mais fundo você irá na
entrega. E isso é para tudo. No caminho espiritual, lembre-se dessa contínua contraditoriedade.
Não se esqueça disso nem por um único momento. Torne-se um perfeito egoísta, de modo que
você possa se render, de modo que você possa se dissolver, fundir-se. Faça todo esforço que
possa fazer, só para chegar ao ponto no qual o esforço o abandone e você se torne totalmente
sem-esforço.

Terceira pergunta:

Você disse na noite passada que quanto mais a mente cresce, mais ficamos sabendo que
a natureza da mente é a confusão. Mas não é verdade que este crescimento da mente
também conduz à claridade?

Seja o que for que eu estivesse dizendo está relacionado a isto.


Sim, conduz à claridade, porque somente quando você tem uma mente muito madura, você se
torna perceptivo de que você está confuso. Até mesmo para se tornar perceptivo de que a mente é
confusão, precisa-se de uma mente desenvolvida. Aqueles que não estão cientes de que a sua
mente é confusão, não têm realmente mentes maduras. São infantis, juvenis, ainda se
desenvolvendo. Somente uma mente muito madura pode se tornar ciente da qualidade da mente,
que ela é confusão. E, quando você tiver desenvolvido a mente, somente então, a meditação é
possível, porque a meditação é a meta oposta.
Meditação quer dizer não-mente. Mas como você pode alcançar a não-mente se você ainda
não alcançou a mente? Assim, alcance a mente, só para perdê-la. E não pense que se no final a
pessoa tem de alcançar o estado de não-mente, então, de que serve alcançar a mente? – porque se
você não alcançar a mente, o supremo não vai acontecer a você. Ele só pode acontecer se a
mente existir. Então, eu não sou contra a mente, eu não sou contra o intelecto. Realmente, eu não
sou contra nada. Eu sou a favor de tudo, porque tudo pode ser usado para se alcançar o polo
oposto.
Há uma polaridade; e o polo oposto não pode ser alcançado se a polaridade não existir. Um
louco não pode meditar. Por quê? Porque ele não tem nenhuma mente. Mas esta não-mente não é
a não-mente de Buda. A não-mente pode ter duas dimensões: abaixo da mente e acima da mente.
O acima da mente também é não-mente; e o abaixo da mente também é não-mente. Você pode
cair da mente: a mente não existe, mas isso não é meditação. Você tem de ir além da mente;
somente então, a não-mente de Buda é alcançada. E lembre-se sempre disto, porque elas são
muito parecidas e você pode confundir a coisa toda. Elas são muito semelhantes.
Por exemplo: uma criança é inocente. Um santo – um Jesus ou um Krishna – também é
inocente. Mas a inocência dele não é infantil. Ela se parece com a inocência de uma criança, mas
não é infantil; porque uma criança é inocente somente porque é ignorante. Ela é inocente
somente como uma coisa negativa, simplesmente a ausência. Mais cedo ou mais tarde, tudo
irromperá: ela é um vulcão esperando para entrar em erupção. A inocência é apenas o silêncio
antes do vulcão irromper.
Um santo é alguém que foi além. A erupção já aconteceu; o vulcão está silencioso
novamente. Mas este silêncio é diferente. O primeiro silêncio era muito grávido – havia algo ali.
O silêncio era apenas na superfície; lá no fundo, aquela criança estava se preparando para ser
perturbada. O santo já passou pela perturbação. O ciclone se foi. Este silêncio, a inocência,
parece similar, mas há uma profunda diferença.
Assim, às vezes um idiota também pode parecer um santo. E os idiotas são parecidos com
santos. Eles não são espertos: para ser esperto é preciso inteligência. Eles não são calculistas:
para ser calculista é preciso a mente. Os idiotas são simples, inocentes, não-espertos, não-
calculistas. Eles não podem enganar ninguém. Não que eles não gostariam de enganar – eles não
podem enganar. Eles se parecem com santos e, às vezes os santos parecem idiotas, porque a
mesma coisa aconteceu de novo, de um modo diferente, dimensões completamente diferentes.
Você pode cair abaixo da mente: então, também uma não-mente acontece, mas isso não é
meditação. Você simplesmente perdeu até aquela mente que poderia se tornar um degrau em
direção à meditação. Assim, eu não sou contra a mente. Desenvolva a mente, desenvolva o
intelecto, mas lembre-se bem: isso é só um meio, e um meio que tem de ser abandonado, jogado
fora. Tem de ser usado como um bote. Você chega à outra margem, você deixa o bote ali. Você
se esquece do bote completamente.

Quarta pergunta:

Nós muito frequentemente sentimos que criamos nossos próprios sofrimentos. Apesar
disso, por que continuamos a criá-los? E quando e como a pessoa para de criar os próprios
sofrimentos dela?

A primeira coisa e muito básica de se compreender é que sempre que você diz “nós muito
frequentemente sentimos que criamos nossos próprios sofrimentos”, esse não é o caso. Você
nunca realmente sente que você é o criador de seus próprios sofrimentos. Você pode pensar
assim, porque lhe foi ensinado assim; porque, durante séculos e séculos, os mestres ensinaram
isso, que você é o criador de seus próprios sofrimentos e ninguém mais é o responsável.
Você ouviu essas coisas, você leu essas coisas. Elas se tornaram seu sangue e ossos, elas se
tornaram seus condicionamentos inconscientes. Assim, às vezes, você repete como um papagaio:
“Nós criamos nosso próprio sofrimento”. Mas este não é o seu sentimento, esta não é a sua
percepção, porque, se você percebesse isso, então, a outra coisa seria impossível. Então, você
não mais poderia dizer: “Apesar disso, por que continuamos a criá-los?”.
Se você realmente sente, e se isso for seu próprio sentimento, que você é o criador do seu
próprio sofrimento, a qualquer momento você pode parar – a menos que você queira criá-lo, a
menos que você goste dele, a menos que você seja um masoquista.... Então está tudo certo, então
não há nenhuma pergunta. Se você diz “eu gosto do meu sofrimento”, então, está certo: você
pode continuar criando-o. Mas se você diz “eu sofro e quero ir além disso. Quero parar com isso
completamente – e eu compreendo que sou eu o criador”; então, você está errado. Você não
compreende.
Contam que Sócrates teria dito que o conhecimento é virtude. E houve uma longa discussão,
durante esses dois mil anos, sobre se Sócrates está certo ou errado – conhecimento é virtude.
Sócrates diz que uma vez que você saiba algo, você não pode agir ao contrário daquilo. Se você
sabe que a raiva é sofrimento, você não pode ficar com raiva. É isso que Sócrates quer dizer –
conhecimento é virtude. Você não pode dizer: “Eu sei que a raiva é ruim; contudo, eu entro nela.
O que fazer agora?”. Sócrates diz que a primeira coisa está errada. Você não sabe que a raiva é
ruim – eis por que você continua entrando nela. Se você soubesse, você não entraria nela. Como
você pode ir contra seu próprio conhecimento?
Eu sei que se eu puser minha mão no fogo, vai ser doloroso. Se eu sei, eu não posso pôr
minhas mãos lá. Mas, se outra pessoa me dissesse, se eu tivesse ouvido através da tradição, se eu
tivesse lido nas escrituras que o fogo queima; e não conhecesse o fogo e nem tivesse conhecido
nenhuma experiência semelhante, somente então, eu poderia pôr a minha mão no fogo – e
mesmo assim só uma vez.
Você pode conceber isto? Que você pôs sua mão no fogo e se queimou, e sofreu, e novamente
você vem e pergunta: “Eu sei que o fogo queima, mas, apesar disso, eu continuo colocando
minha mão no fogo. O que fazer sobre isso?”. Quem vai acreditar que você sabe? E que tipo de
conhecimento é este? Se sua própria experiência de sofrer e queimar não pode parar você, nada
mais vai poder. Então, não há mais nenhuma possibilidade, porque a última possibilidade foi
perdida. Mas ninguém pode perdê-la: é impossível.
Sócrates está certo, e todos aqueles que conheceram, concordarão com Sócrates – essa
concordância tem um pormenor muito profundo nela. Uma vez que você saiba... Mas lembre-se:
o conhecimento deve ser seu. Um conhecimento tomado emprestado não serve; conhecimento de
empréstimo é inútil. A menos que ele seja sua própria experiência, ele não vai mudar a você.
Experiências dos outros não servem para nada.
Você deve ter ouvido que você é o criador de seus próprios sofrimentos, mas isto está apenas
na mente. Ainda não entrou em seu ser, não é seu próprio conhecimento. Assim, quando você
está discutindo, você pode discutir sobre isso cerebralmente, mas, quando o verdadeiro
fenômeno acontecer, você se esquecerá e se comportará do jeito que você sabe, não do jeito que
os outros sabem.
Quando você fica tranquilo, calmo, refeito, silenciosamente discutindo a raiva, você pode
dizer que ela é veneno, que é enfermidade, um mal. Mas, quando alguém o deixa com raiva,
então, uma mudança completa ocorre. Não se trata de uma discussão intelectual; agora você está
envolvido. E, no momento em que você está envolvido, você se torna a raiva. Mais tarde
novamente, retrospectivamente, quando você novamente estiver calmo, a memória irá voltar, sua
mente começará novamente a funcionar, e você dirá: “Foi errado. Não foi bom para mim, eu
fazer isso. Eu sei que a raiva é uma coisa errada”.
Quem é este “eu”? – puro intelecto, simplesmente a mente superficial. Você não sabe –
porque, quando alguém o empurra para dentro da raiva, você joga essa mente fora. Ela é útil, no
que tange às discussões, mas, quando surge uma situação de fato, somente o conhecimento
verdadeiro ajudará. Enquanto não houver uma situação real, você pode seguir em frente. Mesmo
numa discussão, a situação de verdade pode surgir. O outro pode ir contradizendo a você tanto,
que você fica com raiva e, então, você se esquecerá.
Conhecimento verdadeiro significa aquilo que lhe aconteceu. Você nada ouviu dizer sobre
aquilo, nem leu sobre aquilo, você não juntou informações sobre aquilo – aquilo é sua
experiência própria. E, então, não há nenhuma pergunta, porque, depois disso, você não pode
mais ir contra aquilo. Não que você tenha de fazer algum esforço para não ir contra aquilo:
simplesmente, você não pode ir contra aquilo.
Como posso? Quando eu sei que isto é uma parede e eu quero sair desta sala, como eu posso
tentar passar através da parede? Eu sei que isto é uma parede, então, eu procurarei pela porta.
Somente um cego tentará passar pela parede. Eu tenho olhos. Eu vejo o que é uma parede e o que
é uma porta.
Mas, se eu tentar entrar na parede e lhe disser: “Eu sei muito bem onde está a porta, e sei que
isto é uma parede, mas, apesar disso, como eu posso parar de continuar tentando entrar pela
parede?”; então isso significa que, no que me diz respeito, aquela porta me parece falsa. Os
outros me disseram que aquela era a porta, mas no que me diz respeito, eu sei que aquela porta é
falsa. E os outros me disseram que isto é uma parede, mas no que me diz respeito, eu vejo a porta
aqui nesta parede, e é por isso que eu tento.
Nesta situação, você tem que fazer uma distinção nítida entre o que você sabe e o que você
colecionou como conhecimento. Não se apoie na informação. Da maior fonte – mesmo que você
colete da maior fonte – informação é informação. Mesmo que Buda passe-a para você, não é
conhecimento seu, e ela não vai ajudá-lo de modo algum. Mas você pode permanecer pensando
que aquilo é conhecimento seu, e essa incompreensão vai desperdiçar sua energia, seu tempo e
sua vida.
A coisa básica é não perguntar o que fazer para que o sofrimento não seja criado. A coisa
básica é saber que você é o criador do seu sofrimento. Da próxima vez, quando uma situação de
verdade surgir e você estiver sofrendo, lembre-se de descobrir se você é a causa daquilo. E, se
você puder descobrir que você é a causa, o sofrimento desaparecerá, e o mesmo sofrimento não
aparecerá novamente – impossível.
Mas não engane a si mesmo. Você pode se enganar – eis por que eu digo isso. Quando você
está sofrendo, você pode dizer “Sim, eu sei que tenho criado este sofrimento”; mas lá no fundo
você sabe que alguém mais o criou. Sua esposa o criou, seu marido o criou, e isso é
simplesmente um consolo, porque você não pode fazer nada. Você se consola: “Ninguém o
criou, eu mesmo o criei, e em pouco tempo eu o farei parar”.
Mas conhecimento é transformação instantânea: não tem nada de “em pouco tempo”. Se você
compreender que é você que o tem criado, ele cairá imediatamente. E aquilo não surgirá
novamente. Se vier novamente, significa que a compreensão não foi muito ao fundo.
Assim, não há necessidade de descobrir o que fazer, e como parar. A única coisa necessária é
ir fundo e descobrir quem é realmente o causador daquilo. Se os outros são a causa, então, não
pode ser extinto, porque você não pode mudar o mundo todo. Se você é a causa, somente então,
aquilo pode ser parado.
Eis por que eu insisto em que somente a religião pode conduzir a humanidade em direção ao
não-sofrimento. Nada mais pode conduzir, porque todo mundo acredita que o sofrimento é
causado pelos outros; somente a religião diz que o sofrimento é causado por você mesmo.
Assim, a religião faz de você o mestre do seu destino. Você é a causa do seu sofrimento, desse
modo, você pode ser a causa da sua bem-aventurança.

Nota

[1] bodhi – o saber; esta árvore foi nomeada assim depois que Gautama, O Buda, se iluminou.(N. da T.)
Capítulo 51

VOLTE PARA A EXISTÊNCIA



OS SUTRAS

76. Numa noite negra e chuvosa


Entre nesse negrume
Como a forma das formas.
77. Não havendo uma noite chuvosa e sem lua,
Feche os olhos e descubra o negrume diante de você.
Ao abrir os olhos,veja o negrume.
Assim as falhas desaparecem para sempre.
78. Onde quer que sua atenção ilumine, aí mesmo,
Experiencie.

Uma vez certo doutor... – um historiador bem conhecido e um eminente erudito – hospedou-
se numa cidade. O carteiro, o velho carteiro da cidade, teve curiosidade sobre esse senhor, esse
doutor. Ele estava curioso para saber que espécie de doutor ele era. Assim, um dia ele perguntou:
“O senhor é doutor de quê?”.
O homem respondeu: “Doutor em Filosofia”.
O velho carteiro disse que nunca tinha ouvido falar nisso. Espantado ele disse: “Eu nunca
ouvi falar de nenhum caso dessa doença aqui!”.
Não riam disso, porque aquele velho carteiro de certa maneira estava certo – a filosofia é uma
espécie de doença... É claro, doutores em filosofia não são médicos; em vez disso, eles são as
vítimas perfeitas de uma doença.
A filosofia não é uma doença específica; assim, não se pode pensar nela em termos de casos.
Ela nasce com o ser humano. Ela é tão velha quanto a humanidade ou a mente humana. E todo
ser humano é uma vítima, mais ou menos – porque pensar conduz a lugar nenhum; ou o conduz
em círculos, em círculos viciosos. Você se move muito e, se você for perito, você pode mover-se
muito rápido, mas você não chega a lugar nenhum.
Isto tem de ser compreendido muito profundamente, porque, se você não pode compreender e
sentir isto, você não pode dar um salto para dentro da meditação. Meditação significa a própria
antiabordagem – anti em relação à filosofia. Filosofia significa pensar e meditação significa um
estado de não-pensamento. Elas são polos opostos.
Isso é puramente humano – pensar sobre as questões e tentar descobrir respostas. Mas a
filosofia não chega a resposta alguma. A ciência chegou a certas respostas, a religião chegou a
certas respostas, mas a filosofia não chegou a nenhuma resposta. E todas as respostas que a
filosofia parece ter encontrado são puras fachadas: se você cavar fundo, você descobrirá mais
perguntas e nada mais. Assim, toda resposta conduz a mais perguntas – e isso continua sem
parar.
A ciência chega a certas respostas, porque a ciência depende não do pensamento, mas da
experimentação. O pensamento é usado como uma ajuda somente, mas a base é a
experimentação. Eis por que a ciência deu algumas respostas. Os filósofos, conhecidos e
desconhecidos, têm trabalhado e trabalhado durante séculos, mas nem uma única resposta, nem
uma única conclusão foi alcançada. A própria natureza do pensamento é de tal ordem que, se
você usar o pensamento como um auxílio em direção à experimentação, algo pode ser alcançado:
eis por que a ciência chega a certas respostas.
Mas a religião também chega a certas respostas, porque a religião também é uma
experimentação. A ciência experimenta com o objeto, a religião experimenta com o sujeito, mas
ambas são experimentações e ambas dependem da experimentação. Entre essas duas está a
filosofia – apenas puro pensamento, pensamento abstrato, sem nenhuma experimentação. Você
pode continuar e continuar, mas nunca chega a lugar algum. O pensamento abstrato, o
pensamento especulativo, é pensamento ad infinitum. Você pode apreciar, você pode apreciar a
jornada, mas não há nenhuma meta.
Religião e ciência são parecidas de certo modo – ambas acreditam na experimentação. A
experimentação religiosa é naturalmente mais profunda que a científica, porque na ciência o
experimentador não está envolvido. Ele está trabalhando com ferramentas, trabalhando com
coisas, trabalhando com objetos; ele permanece distanciado, ele permanece fora do experimento.
A religião é uma ciência mais profunda, porque o próprio experimentador se torna o
experimento. Não há ferramentas separadas dele, objetos externos a ele. Ele é ambos – suas
ferramentas, seus objetos, seu método. Ele é tudo. E ele tem de trabalhar sobre si mesmo.
É árduo. Uma vez que você está envolvido, torna-se árduo. E exatamente devido a você estar
envolvido, o experimento se tornará experiência. Na ciência, a experimentação permanecerá uma
experimentação, permanecerá um experimento. O cientista não será tocado por aquilo, não será
transformado com aquilo. O cientista permanecerá o mesmo. Mas, na religião, passando pela
experimentação, você será um homem completamente diferente. Você não pode sair o mesmo;
você está fadado a mudar. Eis por que a experimentação religiosa se torna experiência.
Lembre-se disto: você pode continuar pensando sobre Deus, sobre a alma, sobre o outro
mundo, e você pode fazer de conta que você sabe algo sobre Deus, só por pensar “sobre”. Isso
será falso. Você não pode saber nada sobre Deus – a palavra ‘sobre’ é absurda. Você pode
conhecer Deus, mas você não pode saber nada ‘sobre’... – esse ‘sobre’ cria filosofia.
Como você pode saber sobre Deus? Ou, por exemplo, como você pode saber sobre o amor?
Você pode conhecer o amor, você não pode saber sobre o amor, porque ‘sobre’ significa que
outra pessoa sabe e você acredita no conhecimento dela. Você coleciona e junta opiniões. Você
diz: “Eu conheço algo sobre Deus”. Todo conhecimento que é ‘sobre’ é falso, perigoso, porque
você pode ser iludido por ele.
Você pode conhecer Deus, você pode conhecer o amor, você pode se conhecer, mas esqueça
esse ‘sobre’. Esse ‘sobre’ é filosofia. Os Upanishads dizem algo, os Vedas dizem algo, a Bíblia
diz algo, o Alcorão diz algo, mas para você, tudo se tornará ‘sobre’. A menos que aquilo se torne
sua experiência, será em vão, inútil.
Este pormenor deve ir fundo dentro de você, porque você pode continuar pensando, e a mente
é de tal ordem que você pode começar a pensar sobre meditação. Você pode fazer de qualquer
coisa um objeto para meditação, para pensar. Até sobre meditação você pensa, e você pode
continuar pensando – nada irá acontecer.
Eu estou falando sobre tantos métodos! Há um perigo: você pode começar a pensar sobre
esses métodos, você pode se tornar instruído. Isso não funcionará, isso é inútil. Não somente é
inútil, é perigoso – porque meditação é experiência, saber ‘sobre’ não tem valor.
Lembre-se desta palavra, ‘experiência’. Os problemas da vida, todos os problemas da vida,
são existenciais, eles não são especulativos. Você não pode resolvê-los pensando; você pode
resolvê-los somente vivendo-os. Através do ato de viver, o futuro se abre. Através do ato de
pensar, o futuro nunca se abre. Muito pelo contrário: até o presente se fecha.
Talvez você não tenha observado: sempre que você pensa, o que acontece? Sempre que você
pensa, você está fechado. Tudo que está presente some. Você se move numa via de sonho dentro
de sua mente. Uma palavra cria outra, um pensamento cria outro, e você vai indo. Quanto mais
você se move no pensamento, mais longe você fica da existência. Pensar é um meio de ir
embora. É um caminho de sonho: é sonhar com conceitos.
Volte para a terra! A religião é muito terrena neste sentido; não mundana, mas muito terrena –
substancial. Volte para a existência.
Os problemas da vida podem ser resolvidos somente quando você fica profundamente
enraizado na existência. Voando nos pensamentos, você vai embora das raízes e, quanto mais
longe você for, menor é a possibilidade de resolver qualquer coisa. Sem dúvida, você confundirá
tudo, e tudo ficará mais emaranhado. E quando maior o emaranhado, mais você pensará, e para
mais longe você irá. Cuidado com o pensamento!
Agora entraremos nas técnicas.

76 Dissolva-se na escuridão

A primeira técnica:

Numa noite negra e chuvosa


Entre nesse negrume
Como a forma das formas.

Havia uma escola esotérica muito antiga, sobre a qual vocês podem não ter ouvido falar. A
escola era conhecida como a escola dos Essênios. Jesus foi ensinado nessa escola; ele pertencia
ao grupo dos essênios. Esse grupo dos essênios é o único grupo em todo o mundo que pensa
Deus como escuridão. O Alcorão diz que Deus é luz, os Upanishads dizem que Deus é luz, a
Bíblia diz que Deus é luz. O grupo dos essênios é a única tradição do mundo que diz que Deus é
absoluto negrume, absoluta escuridão, uma infinita noite negra.
Isto é muito belo; estranho, mas muito belo – e muito significativo. Você precisa
compreender o significado e, então, esta técnica será de muita ajuda, porque esta é a técnica
usada pelos essênios, para se entrar na escuridão, para se tornar um com ela.
Reflita. Por que Deus foi simbolizado em toda parte como luz? Não porque Deus seja luz,
mas porque o homem tem medo da escuridão. Este medo é humano – nós gostamos da luz e
temos medo da escuridão; assim, não podemos conceber Deus como escuridão, como negrume.
Esta é a concepção humana. Nós concebemos Deus como luz, porque temos medo da escuridão.
Nossos deuses são criados a partir de nosso medo. Nós lhes damos modelo e forma. Esse
modelo e essa forma são dados por nós – isso mostra algo sobre nós, não sobre nossos deuses.
Eles são nossas criações. Como temos medo na escuridão, então, Deus é luz. Mas essas técnicas
pertencem à outra escola.
Os essênios dizem que Deus é escuridão, e há algo nisso. Uma coisa: a escuridão é eterna. A
luz vem e vai e a escuridão permanece. De manhã, o sol surgirá e haverá luz; ao entardecer, o sol
se porá e haverá escuridão. Para a escuridão, nada surgirá – ela está sempre aí. Ela nunca surge e
nunca se põe. A luz vem e vai; a escuridão permanece. A luz tem sempre alguma fonte; a
escuridão existe sem fonte. Aquilo que tem alguma fonte não pode ser infinito; somente aquilo
que é sem fonte pode ser infinito e eterno. A luz traz certa perturbação: eis porque você não pode
dormir sob a luz. A luz cria tensão. A escuridão é relaxamento, total relaxamento.
Mas por que temos medo da escuridão? Porque a luz parece-nos com a vida – ela é; e a
escuridão parece-nos a morte – ela é. A vida vem através da luz e, quando você morre, parece
que você caiu na escuridão eterna. Eis por que pintamos a morte como negra; e o preto tornou-se
a cor do luto. Deus é luz, e a morte é negra. Mas esses são nossos medos projetados. Na verdade,
a escuridão tem infinitude; a luz é limitada. A escuridão parece ser o útero de onde tudo surge e
no qual tudo cai de volta.
Os essênios tomaram este ponto de vista. Ele é muito belo e de muito auxílio também,
porque, se você puder amar a escuridão, você ficará sem medo da morte. Se você puder entrar na
escuridão – e você pode entrar somente quando não há medo – você alcançará total relaxamento.
Se você se torna um com a escuridão, você é dissolvido; isso é uma entrega. Agora então, não há
mais nenhum medo, porque você se tornou um com a escuridão, tornou-se um com a morte.
Você não mais pode morrer então. Você se tornou imortal. A escuridão é imortalidade. A luz
nasce e morre; a escuridão simplesmente é. Ela é imortal.
Para essas técnicas, primeiro você terá de lembrar-se de que não deve haver nenhum medo
em sua mente quanto à escuridão, quanto ao negrume, caso contrário, como você poderá fazer
este experimento? Primeiramente, o medo deve ser abandonado. Assim, faça uma coisa como
passo preliminar: sente-se na escuridão, apague as luzes, sinta a escuridão. Tenha uma atitude
amorosa para com ela; permita que a escuridão o toque. Olhe para ela. Abra seus olhos num
quarto escuro ou numa noite escura; faça uma comunhão, fiquem juntos, mergulhe num
relacionamento. Se você ficar com medo – então, essas técnicas não podem ser de nenhuma
ajuda, você não pode fazê-las.
Primeiramente, é preciso um profundo relacionamento com a escuridão. Às vezes à noite,
quando todos já foram dormir, permaneça com a escuridão. Não faça nada, você simplesmente
permanece com ela. E apenas permanecendo com ela, isso lhe dará um profundo sentimento em
relação a ela, porque ela é muito relaxante. Você não sabe disso, simplesmente por causa do
medo. Se você não está sentindo sono, você logo liga a luz, você começa a ler, ou a fazer alguma
coisa, mas você não permanece com a escuridão. Permaneça com ela. Se você puder permanecer
com ela, você terá novas aberturas, novos contatos com ela.
O homem se fechou completamente contra a escuridão. Houve razões, razões históricas –
porque a noite era muito perigosa, e o homem estava nas cavernas ou nas florestas. Durante o
dia, ele estava mais seguro: ele podia ver tudo ao redor, e nenhum animal selvagem podia atacá-
lo; ou ele podia fazer alguns arranjos, alguma defesa – no mínimo, ele podia fugir. Mas à noite,
havia escuridão em toda parte e ele ficava indefeso; assim, ele ficou com medo – e esse medo
continuou no inconsciente – nós ainda temos medo.
Não mais vivemos em cavernas agora e não mais estamos à mercê de animais selvagens,
ninguém vai nos atacar – mas o medo está aí; ele foi fundo, porque por milhares de anos a mente
humana teve medo. Seu inconsciente não é propriamente seu; ele é coletivo, é hereditário, ele
chegou até você. Existe o medo e, por causa desse medo, você não pode ter nenhuma comunhão
com a escuridão.
Mais uma coisa: por causa desse medo, o homem começou a adorar o fogo. Quando o fogo
foi descoberto, o fogo tornou-se um deus. Não que o fogo seja um deus, mas por causa do medo
da escuridão. De dia havia luz e nenhum medo – o homem estava mais protegido. À noite havia
escuridão, então, quando o fogo foi descoberto, é claro, ele tornou-se um deus – o maior. Os
pársis ainda continuam adorando o fogo. A adoração do fogo surgiu devido ao medo da
escuridão. À noite, o fogo se tornou o amigo, o protetor, a divina segurança.
Esse medo está ainda presente. Você pode nem percebê-lo, porque não existem situações nas
quais você possa percebê-lo, mas um dia apague a luz no meio da noite e sente-se – e o medo
primitivo virá até você.
Na sua própria casa, você começará a sentir que algum animal selvagem está no entorno.
Surge algum barulho, e você ficará com medo de animais selvagens – algum perigo está
rondando. Não há nenhum perigo rondando; aquilo é seu inconsciente.
Assim, primeiramente você tem de ultrapassar seu medo inconsciente e, depois, você pode
entrar nestas técnicas, porque elas estão ligadas à escuridão. E Shiva está dando todas as técnicas
que são possíveis. Minha própria experiência com essas técnicas é muito bela. Se você puder
fazê-las, elas são maravilhosas. Você entrará num relaxamento tão profundo, como você nunca
imaginou que existisse. Mas primeiramente descubra seus medos inconscientes e tente viver e
amar a escuridão. É algo muito venturoso. Uma vez que você a conheça, e uma vez que você
esteja em contato com ela, você está em contato com um fenômeno cósmico muito profundo.
Assim, sempre que tiver oportunidade de ficar no escuro, e acordado... Porque você
normalmente faz duas coisas: ou você acende a luz ou você vai dormir. As duas são truques para
escapar da escuridão. Se você está dormindo, então, você não tem medo, porque você não está
consciente. Ou então, se você está consciente, você acende a luz. Não acenda a luz e não vá
dormir. Permaneça com a escuridão.
Muitos medos serão sentidos. Sinta-os. Tome ciência deles. Traga-os para seu consciente.
Eles irão por si mesmos e, à medida que forem passando, permaneça simplesmente uma
testemunha. Eles desaparecerão, e logo, logo, chegará um dia em que você pode ficar na
escuridão totalmente entregue, sem nenhum medo. Num total let-go,[1] você fica na escuridão.
Então, um fenômeno muito lindo acontece. Então, você pode apreciar a afirmação dos essênios,
que Deus é escuridão, absoluta escuridão.
Numa noite negra e chuvosa, entre nesse negrume como a forma das formas.

Todas as formas surgem da escuridão e se dissolvem na escuridão. Mundos nascem, são


criados a partir da escuridão, e caem de volta na escuridão. A escuridão é o útero, o útero
cósmico. Nela reside o imperturbado, a absoluta quietude.
Shiva diz que será bom fazer esta técnica numa noite chuvosa, quando tudo está negro,
quando as nuvens estão presentes e nenhuma estrela pode ser vista, e o céu está completamente
escuro. Na noite escura, quando não há lua... “entre nesse negrume como a forma das formas”.
Seja uma testemunha desse negrume e, depois, dissolva-se dentro dele. Ele é a forma de todas as
formas. Você é uma forma – você pode dissolver-se nele.
Quando há luz, você se torna definido. Eu posso vê-lo, a luz está aqui. Seu corpo tem uma
definição. Você está definido, você tem fronteiras. As fronteiras existem por causa da luz.
Quando a luz não existe, as fronteiras são dissolvidas. Na escuridão, nada está definido, tudo se
funde com todas as outras coisas. As formas desaparecem.
Essa pode ser uma das causas do nosso medo – porque, então, você não está definido, então,
você não sabe quem você é. A face não pode ser vista, o corpo não pode ser visto. Tudo se funde
numa existência sem forma.
Essa pode ser uma das causas do medo – porque você não pode sentir sua existência definida.
A existência fica vaga e o medo entra, porque você não sabe quem você é. O ego não pode
existir: indefinido, é difícil existir como um ego. A pessoa sente medo. Ela quer luz para existir.
Contemplando, meditando, fundindo-se, será mais fácil fundir-se na escuridão do que na luz,
porque a luz faz distinções. A escuridão acaba com todas as distinções. Na luz, você é belo ou
feio, rico ou pobre. A luz lhe dá uma personalidade, uma característica – educado, sem educação,
santo ou pecador. A luz o revela como uma pessoa distinta. A escuridão o envolve, aceita a
pessoa – não como uma pessoa distinta; ela simplesmente o aceita sem quaisquer definições.
Você está envolto e se torna um.
A escuridão está sempre fazendo isso, mas como você tem medo, você não pode perceber
dessa forma. Ponha de lado o seu medo e torne-se um.
Entre nesse negrume como a forma das formas.

Entre nesse negrume... Como você pode entrar no negrume? Três coisas. Primeira: fixe o
olhar no negrume. Difícil. É muito fácil fixar o olhar numa chama, em qualquer fonte de luz,
porque ela está ali como um objeto apontado; você pode dirigir sua atenção para ela. A escuridão
não é um objeto; ela está em toda parte, está por todos os lados. Você não pode vê-la como um
objeto.
Fixe o olhar dentro do vácuo. Por toda volta, a escuridão está presente; você apenas olha para
dentro dela. Sinta-se à vontade e olhe dentro dela. Ela começará a entrar nos seus olhos. E,
quando a escuridão entra nos seus olhos, você está entrando nela.
Permaneça com os olhos abertos enquanto estiver fazendo essa técnica na noite escura. Não
feche os olhos, porque com olhos fechados você tem uma escuridão diferente. Esta é sua mesmo,
mental; não é a real. Ela não é verdadeira. Na verdade, ela é uma parte negativa; ela não é uma
escuridão positiva. Aqui está a luz: você fecha seus olhos e pode ter uma escuridão, mas essa
escuridão é simplesmente o negativo da luz. Da mesma forma que quando você olha para a
janela e depois fecha os olhos, você tem uma figura negativa da janela. Toda a nossa experiência
é com a luz; assim, quando fechamos nossos olhos, temos uma experiência negativa da luz, que
nós chamamos de escuridão. Ela não é real, esta não servirá.
Abra os olhos, permaneça com os olhos abertos na escuridão, e você terá uma escuridão
diferente – a escuridão positiva que está presente. Fixe nela o olhar. Continue fixando o olhar
dentro da escuridão. Suas lágrimas começarão a sair, seus olhos ficarão irritados, eles sentirão
dor. Não se preocupe, simplesmente continue. E, no momento em que a escuridão – a escuridão
verdadeira que está ali – entrar em seus olhos, ela lhe dará uma sensação muito suave. Quando a
escuridão verdadeira entrar em você, você será preenchido por ela.
E essa entrada da escuridão o esvaziará de toda a escuridão negativa. Este é um fenômeno
muito profundo. A escuridão que você tem internamente é uma coisa negativa; ela é contrária à
luz. Ela não é a ausência de luz; ela é contrária à luz. Ela não é a escuridão da qual Shiva está
falando como a forma de todas as formas – a verdadeira escuridão que existe. Temos tanto medo
dela, que criamos muitas fontes de luz só como proteção, e vivemos num mundo iluminado.
Então, fechamos nossos olhos e o mundo iluminado se reflete negativamente dentro de nós.
Perdemos o contato com a escuridão real que existe – a escuridão dos essênios, ou a escuridão
de Shiva. Não temos nenhum contato com ela. Nós nos tornamos tão medrosos dela, que nos
viramos completamente de costas para ela. Estamos com as costas voltadas para ela.
Assim, esta técnica será difícil, mas se você puder fazê-la... Ela é milagrosa, é mágica. Você
terá um ser completamente diferente. Quando a escuridão entra em você, você entra nela. É
sempre recíproco, mútuo. Você não pode entrar em nenhum fenômeno cósmico sem que o
fenômeno cósmico entre em você. Você não pode capturá-la, você não pode forçar nenhuma
entrada. Se você estiver disponível, aberto, vulnerável, e se você der passagem para qualquer
reino cósmico entrar em você, somente então você entrará nela. É sempre mútuo. Você não pode
forçar nada; você pode apenas permitir.
É difícil encontrar a escuridão verdadeira nas cidades agora; difícil em nossas casas,
encontrar a escuridão real. Com a luz irreal, tornamos tudo irreal. Até nossa escuridão está
poluída, ela não é pura. Dessa forma, é bom ir para algum lugar remoto, só para sentir a
escuridão. Vá para uma cidadezinha onde não haja eletricidade, ou vá ao pico de uma montanha.
Fique lá por uma semana para experienciar a pura escuridão.
Você voltará um homem diferente, porque, naqueles sete dias de absoluta escuridão, todos os
medos, todos os medos primitivos, virão à tona. Você terá de encarar monstros, você terá de
encarar seu próprio inconsciente. Toda a humanidade... Será como se você estivesse passando
através de toda passagem já percorrida e, do fundo de seu inconsciente, muitas coisas surgirão.
Elas parecerão reais. Você pode ficar com medo, apavorado, porque elas serão muito reais... – e
elas são apenas criações mentais suas.
Muitos loucos nos nossos hospícios estão sofrendo não de qualquer outra coisa, mas apenas
dos medos primitivos dentro deles, que irromperam. Os medos estão aí; os loucos têm medo,
ficam apavorados a cada momento de suas vidas. E nós ainda não sabemos como permitir que
aqueles medos primitivos se evaporem. Se os loucos pudessem ser ajudados a meditar na
escuridão, a loucura desapareceria.
Mas somente no Japão eles realmente trabalham um pouco nessa direção. Eles se comportam
de forma absolutamente diferente com seus loucos. Se alguém fica louco, psicótico ou neurótico,
o método japonês permite-lhe viver no isolamento por três ou por seis semanas, conforme o caso
possa requerer. Eles simplesmente permitem ao louco viver no isolamento. Nenhum médico,
nenhum psicanalista vai até ele. O alimento é suprido, suas necessidades são cuidadas, e ele é
deixado sozinho.
À noite, não há luz; ele fica sozinho na escuridão – sofrendo, claro, passando por muitas
fases. Todo cuidado é tomado, mas nenhuma companhia lhe é dada. Ele tem de encarar sua
própria loucura imediatamente, diretamente. E, dentro de três ou seis semanas, a loucura começa
a desaparecer. Nada foi feito realmente: ele simplesmente foi deixado sozinho. Esta é a única
medida que foi tomada.
Os psiquiatras ocidentais ficaram espantados. Eles não podem compreender realmente como
isso acontece, porque eles trabalham durante anos. Eles psicanalisam, eles tratam, eles fazem
tudo, mas nunca deixam o homem sozinho. Nunca o deixam sozinho para encarar seu
inconsciente mais interno totalmente, por sua própria conta. Porque, quanto mais auxílio você dá,
mais você o deixa impotente, porque mais ele depende de você. E a questão é de um encontro
interno: ninguém pode ajudar realmente. Assim, os que conhecem, estes o deixarão sozinho para
encarar a si mesmo.
Você tem de chegar a termos com seu inconsciente. E esta meditação na escuridão absorverá
toda a sua loucura completamente. Tente fazer. Até mesmo em sua casa você pode tentar isso.
Toda noite, por uma hora, permaneça com a escuridão. Não faça nada, simplesmente fixe o olhar
dentro dela. Você terá uma sensação de fusão, e você sentirá que algo está entrando em você e
que você está entrando naquilo.
Permanecendo, vivendo com a escuridão durante três meses, uma hora por dia, você perderá
todo sentimento de individualidade, de separação. Então, você não será uma ilha; você se tornará
o oceano. Você será um com a escuridão. E a escuridão é muito oceânica: nada é tão vasto, nada
é tão eterno. E nada está tão perto de você, e de nada você tem tanto medo e pavor. Ela está à
espreita, sempre esperando.

Numa noite negra e chuvosa


Entre nesse negrume
Como a forma das formas.

Fixe o olhar de modo que ela entre em seus olhos.


Em segundo lugar: deite-se e sinta como se você estivesse perto de sua mãe. A noite é a mãe,
a mãe de tudo. Pense: quando não havia nada, o que havia então? Você não pode pensar em nada
mais, além da escuridão. Se tudo desaparecer, o que haverá ainda? A escuridão.
A escuridão é a mãe, o útero; assim, deite-se e sinta que você está se deitando no útero de sua
mãe. E ele se tornará real, ele se tornará quente e, mais cedo ou mais tarde, você começará a
sentir que a escuridão, o útero, o está envolvendo por todos os lados. Você está dentro dele.
E em terceiro lugar, andando, indo para o trabalho, falando, comendo, fazendo seja o que for,
carregue uma parcela da escuridão dentro de você. A escuridão que entrou em você, leve-a
consigo. Assim como estivemos falando sobre o método de carregar uma chama, carregue a
escuridão. E, como eu lhe disse que, se você carregar uma chama e sentir que você é luz, seu
corpo começará a senti-la, o mesmo acontecerá com a escuridão.
Se você levar a escuridão dentro de você, todo o seu corpo ficará tão relaxado e calmo, tão
quieto, que isso será sentido. E assim como quando você leva a luz internamente, algumas
pessoas ficam atraídas por você; quando você leva a escuridão internamente, algumas pessoas
simplesmente fugirão de você. Elas terão medo e pavor. Elas não serão capazes de suportar um
ser tão silencioso – será insuportável para elas.
Se você levar a escuridão dentro de você, os que têm medo da escuridão tentarão fugir de
você – eles não chegarão perto de você. E todo mundo tem medo da escuridão. Você começará a
sentir que os amigos estão se afastando de você. Sua família ficará perturbada quando você
entrar, porque você entra como um lago de quietude, e todos ficam logo agitados e excitados.
Será difícil para eles, eles olharem dentro de seus olhos, porque seus olhos se tornarão profundos
como vales, um abismo. Se alguém olhar dentro de seus olhos, ficará tonto, tão profundo será
sentido o abismo neles.
Mas você sentirá muitas coisas. Será impossível para você ficar com raiva. Trazendo a
escuridão internamente, você não pode ter raiva. Trazendo uma chama, você pode ter raiva muito
facilmente, mais facilmente do que nunca, porque a chama excita-o. Trazendo uma chama, você
se sentirá mais sexual do que nunca, porque a chama o excitará, ela criará paixões. Mas trazendo
a escuridão dentro de você, você sentirá uma profunda assexualidade lhe acontecendo. Você não
se sentirá sexual; você não será capaz de facilmente entrar na raiva. A paixão desaparecerá. Você
não sentirá que você é um homem ou uma mulher. Você sentirá que essas palavras se tornaram
irrelevantes – sem sentido até. Você simplesmente é.
Trazendo a escuridão dentro de você o dia todo será de auxílio, porque, então, quando você
contemplar e meditar na escuridão da noite, a escuridão interna que você carregou durante o dia
todo o ajudará a encontrar – o interno sairá para encontrar o externo.
E simplesmente vá se lembrando de que você está carregando a escuridão – você está repleto
de escuridão, cada poro do seu corpo está repleto de escuridão – você se sentirá tão relaxado!
Experimente. Você se sentirá tão relaxado! Tudo em você será desacelerado. Você não será
capaz de correr, você andará, e esse caminhar também será desacelerado. Você andará devagar,
como uma mulher grávida anda. Você andará devagar, muito cuidadosamente. Você está
trazendo algo com você.
E bem o oposto acontecerá quando você estiver trazendo uma chama: seu andar se tornará
mais ligeiro; mais exatamente, você gostaria de correr. Haverá mais movimento, você se tornará
mais ativo. Carregando a escuridão, você ficará relaxado. Outros começarão a sentir que você
está preguiçoso.
No tempo em que estive na universidade, eu fiz este experimento por dois anos. Eu fiquei tão
preguiçoso, que até para sair da cama de manhã, era difícil. Meus professores ficaram muito
perturbados com isso, e achavam que alguma coisa de errado tinha acontecido comigo – ou eu
estava doente, ou eu havia me tornado absolutamente indiferente. Um professor que me amava
muitíssimo, o chefe do departamento, ficou tão preocupado que, nos dias de meus exames, ele ia
me buscar no hotel de manhã, só para me conduzir à sala de exames, de modo que eu pudesse
estar lá na hora. Todos os dias ele olhava se eu tinha entrado na sala e, somente então, ele
percebia que estava tudo bem e ia para casa.
Tente fazer. É uma das mais belas experiências na vida, trazer a escuridão em seu útero,
tornar-se escuro. Andando, comendo, sentado, fazendo seja o que for, lembre-se de que você está
preenchido pela escuridão; você está repleto dela. E, então, veja como as coisas mudam. Você
não ficará excitado, você não poderá ficar muito ativo, você não poderá ficar tenso. Seu sono se
tornará tão profundo, que os sonhos desaparecerão e o dia todo você andará como que
intoxicado.
Os sufis têm usado este método – certa seita de sufis – e esses sufis são conhecidos como os
sufis embriagados. Eles ficam bêbados com esta escuridão. Eles fazem buracos no chão, e se
deitam nos buracos todas as noites e eles meditam deitados nos buracos – meditando a escuridão,
tornando-se um com ela. E seus olhos mostrarão que eles estão intoxicados. Você pode sentir,
vindo dos olhos deles, um relaxamento tão profundo, uma vibração tão relaxada, que só pode
acontecer se você estiver profundamente intoxicado, ou sentindo-se muito sonolento. Somente
então, seus olhos podem mostrar tal expressão. Eles são conhecidos como os sufis embriagados –
e eles estão embriagados com a escuridão.
77 Trazendo sua escuridão interior para fora

A segunda técnica;

Não havendo uma noite chuvosa e sem lua,


Feche os olhos e descubra o negrume diante de você.
Ao abrir os olhos, veja o negrume.
Assim as falhas desaparecem para sempre.

Eu disse que se você fechar seus olhos o negrume será falso; então, o que fazer, se não houver
uma noite sem lua, numa noite escura? Se houver uma lua e o luar estiver presente? Este sutra dá
uma chave. “Não havendo uma noite chuvosa e sem lua, feche os olhos e descubra o negrume
diante de você”.
Esta escuridão será falsa no começo. Você pode torná-la real, e o método para torná-la real é
este; “Ao abrir os olhos, veja o negrume”. Primeiramente, feche os olhos, e a escuridão que você
viu internamente, veja-a externamente. Se ela desaparece externamente, isso significa que a
escuridão que você tinha visto internamente, era falsa.
Isto aqui é um pouco mais difícil. No primeiro caso você carregava a escuridão verdadeira
dentro de você. No segundo, você traz a falsa para fora – continue trazendo-a. Feche os olhos,
sinta a escuridão; abra os olhos e, com os olhos abertos, veja a escuridão do lado de fora. É assim
que você joga a falsa escuridão interna para fora – continue jogando-a para fora. Levará pelo
menos três ou seis meses e, depois, um dia de repente, você será capaz de carregar a escuridão
interna do lado de fora. No dia em que você puder carregar a escuridão interna do lado de fora,
você já chegou à escuridão interna real. O real pode ser carregado; o falso não pode ser
carregado.
E essa é uma experiência muito mágica. Se você puder carregar a escuridão interna do lado de
fora, você poderá fazer isso mesmo numa sala iluminada, e uma área de escuridão se espalha
diante de você. A experiência é muito estranha, porque a sala está iluminada. Ou mesmo à luz do
sol; se você já tiver chegado à escuridão interna, você pode trazê-la para fora. Então, uma área de
escuridão se estende diante dos seus olhos. Você pode continuar espalhando-a.
Uma vez que você saiba que isso pode acontecer, você pode ter a escuridão, escura como a
mais escura noite, no pleno dia ensolarado. O sol está ali, mas você pode espalhar a escuridão. A
escuridão está sempre presente; mesmo quando houver sol, a escuridão estará presente. Você não
pode vê-la: ela está recoberta pela luz do sol. Uma vez que você saiba como descobri-la, você
pode descobri-la então.
No Tibete, eles têm muitos métodos exatamente como este. Eles podem trazer coisas do
mundo interno para o mundo externo. Você já pode ter ouvido falar de uma técnica muito
famosa; eles a chamam de “heat yoga” – iôga do calor. A noite está fria, gelada, neve caindo, e
um monge tibetano, um “lama”, pode sentar-se sob o céu aberto com neve caindo por toda volta,
a temperatura abaixo de zero, e ele pode começar a transpirar. Isso é um milagre medicinal.
Como ele pode estar transpirando? Ele está trazendo o calor interno para fora.
E o frescor interno, ou o frio interno podem também ser trazidos para fora. Conta-se que na
vida de Mahavir... Ninguém tentou explicar isso até hoje. Os jainas pensam que ele estava
apenas praticando alguma austeridade – não era o caso. Conta-se que, sempre que era verão, a
estação quente, e o sol estivesse ardendo, ele sempre parava num lugar onde não houvesse
nenhuma sombra, nenhuma árvore, nada mesmo. Ele ficava parado, de pé sob o sol escaldante,
nos dias de verão; e no inverno ele descobria um lugar frio, o mais frio – sob uma árvore, uma
sombra de árvore, ou perto de um rio, ou exatamente onde a temperatura tivesse ido abaixo de
zero.
Na estação fria, ele descobria um lugar frio para meditar, e na estação quente ele descobria o
lugar mais quente para meditar. As pessoas pensavam que ele era louco, e seus seguidores
pensam que ele estava praticando austeridades. Não se trata disso. Ele estava realmente tentando
praticar alguma das técnicas interiores como esta.
Quando estava quente, ele estava tentando trazer seu frio interior – e isso só pode ser sentido
num contraste. Quando estava frio do lado de fora, ele trazia seu calor interno – e isso também só
pode ser sentido quando há um contraste. Ele não era um inimigo do corpo, ele não era contra o
corpo – como pensam os jainas. Eles pensam que ele estava matando seu corpo, porque, se você
pode matar seu corpo, você pode matar seu desejo. Isso é puro absurdo. Ele não estava fazendo
nada dessa espécie. Ele estava trazendo o interior para fora, e ele estava protegido pelo interior.
Assim como os lamas tibetanos criam calor e transpiram enquanto a neve está caindo, Mahavir
podia ficar parado sob o sol escaldante e sem transpirar. Ele estava trazendo seu frio interno, e
esse frio interno saía e protegia seu corpo.
Do mesmo modo, você pode trazer sua escuridão interna, e essa sensação é muito serena. Se
você puder trazê-la, você estará protegido por ela: nenhuma excitação, nenhuma paixão o
perturbará. Tente essas três coisas: fixe o olhar na escuridão com olhos abertos e permita que a
escuridão adentre você. Em segundo lugar, sinta a escuridão como um útero de mãe, por toda a
volta; viva com ele; esqueça de si mesmo, cada vez mais e mais dentro dele. E em terceiro lugar,
leve uma parcela da escuridão no seu coração, aonde quer que vá.
Se puder fazer isto, a escuridão se tornará a luz. Você será iluminado através da escuridão.
Não havendo uma noite chuvosa e sem lua, feche os olhos e descubra o negrume diante de
você. Ao abrir os olhos, veja o negrume.
Este é o método. Primeiro sinta por dentro, sinta-o profundamente, de modo que você possa
percebê-lo do lado de fora. Então, abra os olhos repentinamente e sinta-o fora. Vai levar tempo.
Assim as falhas desaparecem para sempre.
E, se você puder levar a escuridão interna para fora, as falhas desaparecem para sempre,
porque, se a escuridão interior é sentida, você se tornou tão sereno, tão silencioso, tão
inexcitável, que as falhas não podem permanecer com você.
Lembre-se disto: as falhas somente podem existir se você está propenso a ser excitado, se
você tende a se excitar. Elas não existem em si mesmas: elas existem na sua capacidade de ficar
excitado. Alguém o insulta e você não tem nenhuma escuridão interna para absorver o insulto;
você se inflama, fica com raiva, fica colérico e, então, tudo é possível. Você pode ser violento,
pode matar, pode fazer o que somente loucos podem fazer. Qualquer coisa é possível – você está
louco então. Alguém o elogia: você novamente fica louco no outro extremo.
Ao seu redor, há situações; e você não é capaz de absorvê-las. Insulte um buda: ele pode
absorver aquilo, ele pode simplesmente engolir aquilo, digeri-lo. Quem digere aquele insulto?
Um lago interno de escuridão, silêncio. Você joga qualquer coisa envenenada; ela é absorvida.
Nenhuma reação sai dali.
Tente fazer e, quando alguém o insultar, simplesmente lembre-se de que você está repleto
com a escuridão e, de repente, você sentirá que não há nenhuma reação. Você passa por uma rua;
você vê uma linda mulher ou um homem – você fica excitado. Sinta que você está repleto com a
escuridão; repentinamente, a paixão desaparecerá. Experimente. Isso é absolutamente
experimental, não há necessidade de acreditar nisso.
Quando você sentir que está cheio de paixão, ou desejo, ou sexo, simplesmente lembre-se da
escuridão interna. Por um único momento, feche os olhos e sinta a escuridão e veja – a paixão
desapareceu, o desejo não mais existe. A escuridão interna já absorveu tudo. Você se tornou um
vácuo infinito, dentro do qual qualquer coisa pode cair; e essa coisa não voltará. Você se torna
como um abismo.
Eis por que Shiva diz: “Assim as falhas desaparecem para sempre”. Estas técnicas parecem
muito simples – e são. Mas não deixe de experimentá-las por elas parecerem tão simples. Elas
podem não desafiar o seu ego, mas, ainda assim, experimente-as. Sempre acontece de nunca
tentarmos as coisas simples, porque pensamos que elas são tão simples, que não podem ser
verdadeiras. E a verdade é sempre simples, nunca é complexa. Não há nenhuma necessidade de
ser complexa. Somente as mentiras são complexas. Elas não podem ser simples, pois se forem
simples, podem ser apanhadas imediatamente.
E porque uma coisa parece simples, pensamos que nada é possível a partir dela. Não é fato
que nada seja possível a partir dela, mas é que nosso ego só se sente desafiado quando algo é
muito difícil. Muitas escolas e muitos sistemas simplesmente complicaram seus métodos, por
causa de vocês. Não há nenhuma necessidade, mas teve-se que criar complexidades, barreiras
desnecessárias, para torná-los difíceis, de modo que você se sinta bem porque seu ego é
desafiado. Se algo for muito difícil e somente poucos puderem fazê-lo, então, você intui: “Ora,
isto sim é algo para se fazer, porque só alguns conseguem fazê-lo; raramente alguém consegue”.
Estes métodos são absolutamente simples. Shiva não está levando em conta os ouvintes. Ele
está simplesmente descrevendo o método exato, como ele é – tão simples quanto possível, tão
telegráfico quanto possível, somente o essencial. Assim, não busque nenhum desafio para o ego.
Estas técnicas não são para conduzi-lo numa viagem de ego. Elas podem não desafiar a você,
mas se você puder experimentá-las, elas o transformarão. E desafio não é bom, porque com o
desafio você fica exaltado, fica louco.

78 Desenvolva a pura atenção

A terceira técnica:

Onde quer que sua atenção ilumine, aí mesmo,


Experiencie.

“Onde quer que sua atenção ilumine, aí mesmo, experiencie.” O quê? Qual experiência?
Nesta técnica, primeiramente você tem de desenvolver a atenção. Você tem de desenvolver
uma espécie de atitude atenta, somente então esta técnica se tornará possível; então, onde quer
que sua atenção ilumine, você pode experienciar – você pode experienciar a si mesmo.
Simplesmente olhando para uma flor, você pode experienciar a si mesmo. Então, olhar para
uma flor não é olhar para uma flor apenas, mas para o observador também – mas somente se
você conhecer o segredo da atenção.
Você também olha para a flor; e você pode até pensar que está olhando para a flor, mas você
começou a pensar sobre a flor, e a flor sumiu. Você não mais está ali, você já foi para outro
lugar, já foi embora. Por atenção quer-se dizer que, quando você está olhando para uma flor,
você está olhando para uma flor e não fazendo mais nada – como se a mente tivesse parado,
como se agora então não houvesse mais nenhum pensamento e somente uma simples experiência
da flor ali. Você está aqui e a flor está ali, e entre os dois não há nenhum pensamento.
Repentinamente – se isto for possível –, repentinamente, da flor, sua atenção voltará, saltará
de volta para você. Irá se tornar um círculo. Você olhará para a flor e o olhar retornará: a flor o
refletirá, o fará retornar. Se não houver quaisquer pensamentos, acontece. Então, você não está
olhando para a flor somente, você está olhando para “aquele-que-olha” também. Então, “aquele-
que-olha” e a flor tornaram-se dois objetos e você se tornou uma testemunha dos dois.
Mas, primeiramente, a atenção tem de ser treinada, porque você não tem absolutamente
nenhuma atenção. Sua atenção é saltitante, fica se movendo daqui para ali, de lá para algo mais
distante ainda. Nem por um único momento você está atento. Mesmo se eu estiver falando aqui,
você nunca ouve todas as minhas palavras. Você ouve uma palavra, então, sua atenção vai para
algum outro lugar; então, você volta, ouve outra, então sua atenção vai a algum outro lugar. Você
ouve algumas palavras, e enche os intervalos; e depois, você pensa que me ouviu.
E seja lá o que você carregue consigo, é por sua própria conta, é sua própria criação. Só umas
poucas palavras você ouviu de mim e, depois, você encheu os intervalos e, seja com o que for
que você encha os intervalos, muda tudo. Eu digo uma palavra, e você começa a pensar sobre
ela. Você não pode permanecer em silêncio, se você puder permanecer em silêncio enquanto
ouvir, você se tornará atento.
Atenção significa um estado de alerta silencioso, sem pensamentos interferindo. Desenvolva-
a. Você só pode desenvolvê-la praticando-a – não há outro meio. Faça mais isso e você a
desenvolverá. Ao fazer qualquer coisa, esteja ali, tente desenvolver a atenção.
Você está viajando num carro, ou num trem. O que você está fazendo ali? Tente desenvolver
a atenção! Não perca tempo! Por hora e meia você estará num trem: desenvolva a atenção.
Simplesmente fique ali. Não pense. Olhe para alguém, olhe para o trem ou olhe para fora, mas
seja o olhar, não pense nada. Pare de pensar! Fique ali e olhe. Seu olhar se tornará direto,
penetrante e, de toda parte, seu olhar será refletido de volta e você perceberá o observador.
Você não percebe a si mesmo, porque há uma parede. Quando você olha para uma flor,
primeiro seus pensamentos mudam seu olhar: eles dão à flor uma cor própria. Então, aquele
olhar vai para a flor. Ele retorna, mas então, novamente, seus pensamentos dão a ela alguma
outra cor. E, quando ele retorna, ele nunca o encontra presente: você já se foi para algum outro
lugar, não mais está ali.
Todo olhar retorna; tudo é refletido, tem resposta, mas você não está presente para recebê-la.
Assim, fique presente para recebê-la. O dia todo você pode tentar isso em muitas coisas e, em
pouco tempo, você desenvolverá o estado de atenção. Com esse estado de atenção, faça o
seguinte: “Onde quer que sua atenção ilumine, aí mesmo, Experiencie”. Então, olhe para
qualquer lugar, mas simplesmente olhe. A atenção iluminou – e você experienciará a si mesmo.
Mas o primeiro requerimento é ter a capacidade de ficar atento. E você pode praticar isso. Não
há nenhuma necessidade disso gastar tempo extra.
Seja o que for que esteja fazendo – comendo, tomando banho, parado debaixo do chuveiro –
fique atento. Mas, qual é o problema? O problema é que fazemos tudo com a mente, e estamos
continuamente planejando o futuro. Você pode estar viajando num trem, mas sua mente pode
estar arranjando outras viagens – programando, planejando. Pare com isso. Um mestre-zen,
Bokujo, disse: “Esta é a única meditação que eu conheço. Enquanto eu como, eu como.
Enquanto eu ando, eu ando. E enquanto eu sinto sono, eu durmo. Seja o que for que aconteça,
acontece. Eu nunca interfiro”.
Eis tudo – não interfira. E, seja o que for que aconteça, permita-o acontecer – você fica
simplesmente ali. Isso lhe dará o estado de atenção. E, quando você tem a atenção, esta técnica
está em suas mãos.
“Onde quer que sua atenção ilumine, aí mesmo, experiencie.”
Você experienciará o experienciador: você retornará para si mesmo. De todo lado, você será
repercutido; de qualquer parte você será refletido. Toda a existência se tornará um espelho; você
será refletido em toda parte. Toda a existência o espelhará. Somente então você poderá conhecer
a si mesmo, nunca antes disso.
A menos que toda a existência se torne um espelho para você, a menos que cada parte da
existência o revele, a menos que cada relacionamento o abra... Tamanho fenômeno infinito é
você, que espelhos comuns não servirão. Você é uma existência interior tão vasta, que, a menos
que toda a existência se torne um espelho, você não será capaz de ter um vislumbre. Quando
todo o universo se torna um espelho, somente então, você será espelhado. Em você existe o
divino.
E a técnica para fazer da existência um espelho é esta: crie atenção, torne-se mais alerta e,
então, onde quer que sua atenção ilumine – qualquer objeto que você ilumine – de repente,
experiencie a si mesmo. Isto é possível, mas impossível agora mesmo, porque você ainda não
atende ao requerimento básico.
Você pode olhar para uma flor, mas isso não é atenção. Você está apenas passando perto da
flor, ao redor dela. Você viu a flor enquanto passava – você não esteve lá por um único
momento.
Então, toda a vida se torna meditativa. “Onde quer que sua atenção ilumine, aí mesmo,
experiencie.”
Basta lembrar-se de si mesmo.
Há uma profunda razão, pela qual esta técnica pode ser grande auxílio. Você pode jogar uma
bola contra a parede – a bola voltará. Quando você olha para uma flor, ou para um rosto, certa
energia está sendo atirada fora... – seu olhar também é energia. E você não está ciente de que,
quando você olha, você está investindo alguma energia, você está atirando fora alguma energia.
Certa quantidade de energia, da sua energia vital, está sendo jogada fora. Eis por que você se
sente exausto, depois de olhar na rua o dia lodo: gente passando, anúncios, a multidão, as
compras. Olhando para tudo, você se sente exausto e, então, você quer fechar seus olhos para
relaxar. O que aconteceu? Porque você está se sentindo tão exausto? Você esteve jogando
energia fora.
Buda e Mahavir, ambos insistiram que seus monges não deviam olhar muito; eles deviam se
concentrar no chão. Buda diz que você pode olhar somente um metro e trinta adiante. Não olhe
para qualquer lugar. Olhe apenas para o caminho onde você está andando. Basta olhar um metro
e trinta adiante, porque, quando você andar essa distância, novamente você estará olhando um
metro e trinta adiante. Não olhe mais que isso, porque você não está aí para desperdiçar energia
desnecessariamente.
Quando você olha, você está jogando fora certa quantidade de energia. Espere, fique
silencioso, permita que essa energia retorne. E você ficará surpreso. Se você puder permitir que a
energia retorne, você nunca ficará exausto. Faça isso. Amanhã de manhã, tente fazer. Fique
silencioso, olhe para uma coisa. Fique silencioso, não pense sobre aquilo, e espere pacientemente
por um momento – a energia retornará; na verdade, você pode até se sentir revitalizado.
As pessoas continuamente me perguntam... Eu vou falando continuamente, então, elas me
perguntam: “Por que seus olhos ainda estão bons? Você já devia ter necessidade de distância há
muito tempo”.
Você pode ler, mas, se você estiver lendo silenciosamente, sem pensamentos, a energia
retorna. Ela nunca é desperdiçada. Você nunca se sente cansado. Durante toda a minha vida, eu li
doze horas por dia, às vezes até dezoito horas por dia, mas eu nunca senti nenhum cansaço. Nos
meus olhos eu nunca senti nada, nunca qualquer cansaço. Sem os pensamentos, a energia
retorna; não há nenhuma barreira. E, se você estiver presente, você reabsorve a energia gasta, e
esta reabsorção é rejuvenescedora. Em vez de seus olhos ficarem cansados, eles sentem-se mais
relaxados, mais vitais, repletos com mais energia.

Nota

[1] Let-go: relaxamento - entrega. (N. da T.)


Capítulo 52

ENTRE NESTE MOMENTO



PERGUNTAS

Na noite passada, você disse que as filosofias são antimeditação. Mas por outro lado, você
concorda que as filosofias orientais, tais como o tantra, o iôga e o vedant, são as escrituras de
sábios iluminados. Por que os sábios iluminados deixam atrás de si uma estrutura forte de
contemplação filosófica, se as filosofias são antimeditação?
Os problemas podem ser resolvidos através do pensamento?
Qual é a diferença entre olhar intensamente para um céu aberto, olhar intensamente para a
foto de um mestre iluminado, e olhar intensamente para a escuridão?
Você tem dito que a ciência faz experimentação com o objetivo, e que a religião com o
subjetivo. Mas, agora, há uma nova ciência desabrochando, a Psicologia, ou melhor, a
Psicologia Profunda, que é ambas, subjetiva e objetiva. Assim, a ciência e a religião
encontraram-se na profunda psicologia.
Você tem falado sobre muitos métodos e muitas técnicas. O desejo de ter sucesso neles é muito
grande. Como podemos suplantar nossa grande impaciência?
Noutro dia, você disse que a escuridão é mais fundamental para a existência, enquanto a
maioria das religiões assume o ponto de vista contrário. Você poderia jogar mais luz nesta
questão, principalmente em vista do que a ciência moderna tem dito sobre isso? Ela não diz
que os últimos componentes divisíveis da matéria divisível são pura energia elétrica?

Primeira pergunta:

Na noite passada, você disse que as filosofias são antimeditação. Mas por outro lado,
você concorda que as filosofias orientais, tais como o tantra, o iôga e o vedant, são as
escrituras de sábios iluminados. Por que os sábios iluminados deixam atrás de si uma
estrutura forte de contemplação filosófica, se as filosofias são antimeditação?

Filosofia não é darshan. Darshan é o termo oriental. Darshan quer dizer percepção, filosofia
quer dizer pensamento. Herman Hesse cunhou uma nova palavra para traduzir ‘darshan’ para as
línguas ocidentais. Ele a diz ‘filosia’ – ‘-sia’, de “ver”.
Filosofia significa pensar, e darshan significa ver. As duas são basicamente diferentes – não
apenas diferentes, mas diametralmente opostas. Porque, quando você está pensando, você não
pode ver. Você está tão repleto de seus pensamentos, que a percepção fica embaçada, a
percepção se torna turva. Quando o pensamento para, você se torna capaz de ver. Então, seus
olhos ficam abertos, eles ficam desanuviados. A percepção acontece somente quando o
pensamento cessa.
Para Sócrates, Platão e Aristóteles e toda a tradição ocidental, o ato de pensar é a base. Para
Kanad, Kapil, Patânjali, Buda e toda a tradição oriental, ver é o básico. Assim, Buda não é um
filósofo, absolutamente; nem Patânjali é, nem Kapil, nem Kanad. Eles não são filósofos. Eles
viram a verdade; eles não pensaram sobre ela.
Lembre-se bem, que você somente pensa quando não pode ver. Se você puder ver, não há
nenhuma razão para pensar. O pensar é sempre na ignorância. Pensar não é conhecimento,
porque, quando você sabe, não há nenhuma necessidade de pensar. Quando você não sabe, você
enche a lacuna pensando. Pensar é tatear no escuro. Assim, as filosofias orientais não são
filosofias. Usar a palavra ‘filosofia’ para o darshan oriental é absolutamente errado. ‘Darshan’
quer dizer “ver”, alcançar a visão, perceber, conhecer – imediatamente, diretamente, sem a
mediação do ato de pensar, do pensamento.
Pensar jamais conduz ao desconhecido. Como poderia? É impossível.
O próprio processo do pensamento deve ser compreendido. Quando você pensa, o que você
realmente faz? Você vai repetindo velhos pensamentos, memórias. Se eu lhe faço uma pergunta
– “Deus Existe?” –, você pode pensar sobre isso. O que mais você pode fazer? Tudo o que você
tem ouvido, tudo o que você tem lido, tudo o que você acumulou sobre Deus, você repetirá.
Mesmo que você chegue a uma nova conclusão: o novo que você vê nela, será somente aparente,
não real. Será simplesmente a combinação de velhos pensamentos. Você pode combinar muitos
velhos pensamentos e criar uma nova estrutura, mas essa estrutura seria aparentemente nova, não
nova de verdade, absolutamente.
O pensamento jamais leva a alguma verdade original. O pensamento nunca é original – não
pode ser! –, ele é sempre do passado, do velho, do conhecido. O pensamento não pode tocar o
desconhecido; ele está repetitivamente se movendo no círculo do conhecido. Você não conhece a
verdade, você não conhece Deus. O que você pode fazer? Você pode pensar sobre isso. Você
continuamente se moverá em círculos. Jamais você poderá chegar a uma experiência a partir daí.
Assim, a ênfase oriental não está no pensamento, mas no ato de ver. Você não pode pensar
sobre Deus, mas você pode ver. Você não pode chegar a nenhuma conclusão sobre Deus, mas
você pode perceber. Ele pode se tornar uma experiência. Mas não se pode alcançar isso através
de informação, através do conhecimento, através de escrituras, através de teorias e de filosofias.
Não, não se pode alcançar assim. Você só pode chegar a isso se jogar fora todo o conhecimento.
Tudo o que você já ouviu e leu e guardou, todo o passado – tem de ser posto de lado. Então, seus
olhos estão frescos, então, sua consciência está desanuviada e, então, você pode ver. Está
presente aqui e agora, mas você está anuviado.
Você não tem de ir a lugar nenhum para descobrir o divino, ou a verdade – está tudo aqui.
Está exatamente onde você está. E sempre foi assim – só que você está anuviado, seus olhos
estão fechados. Assim, a questão não é se pensar mais: a questão é como chegar a uma
consciência não-pensante. Eis por que eu digo que a meditação e a filosofia são contrárias entre
si. A filosofia pensa, a meditação chega a uma consciência não-pensante. E as filosofias orientais
não são realmente filosofias. No Ocidente, existe filosofia; no Oriente, somente percepções
religiosas.
É claro, quando acontece um Buda, ou um Kanad, ou um Patânjali, quando alguém vem a
perceber o absoluto, ele faz afirmações à cerca disso. Essas afirmações são diferentes das
afirmações de Aristóteles, das conclusões filosóficas ocidentais. A diferença é esta: um Kanad,
um buda, primeiramente percebem – a percepção é a primeira coisa – e, então, ele faz afirmações
sobre aquilo. A experiência vem antes e, depois, ele a expressa. Aristóteles, Hegel e Kant
pensam e, depois, através do pensamento e do argumento lógico e dialético, eles chegam a
determinadas conclusões. Essas conclusões são alcançadas através do ato de pensar, através da
mente, não através de qualquer prática de meditação. Então eles fazem assertivas, então eles
fazem afirmações. A fonte é diferente.
Para um buda, suas afirmações são apenas como um veículo para comunicar. Jamais ele dirá
que através da sua comunicação você alcançará a verdade. Se você consegue compreender Buda,
isso não significa que você alcançou a verdade; isso simplesmente significa que você juntou
conhecimento. Você terá de passar por meditações, êxtases profundos e poços profundos da
mente; somente então, você chegará à verdade.
Assim, a verdade é alcançada através de certa experiência existencial. Ela é existencial, não é
mental. Você tem de mudar para conhecê-la e vivê-la. Se você permanecer o mesmo e continuar
colecionando informações, você se tornará um grande erudito, um filósofo, mas não será
iluminado. Você permanecerá o mesmo homem; não haverá nenhuma mutação.
Eis por que digo que a filosofia é uma dimensão e a meditação a dimensão contrária,
inteiramente oposta, a dimensão do polo oposto. Assim, não pense sobre a vida; ao invés, viva-a
nas profundezas. E não pense sobre os enigmas do supremo; ao invés, entre agora mesmo no
supremo. E o supremo não está no futuro. Ele está sempre aí, atemporalmente aí.

Outra pessoa também fez uma pergunta parecida. Ela perguntou:

Os problemas podem ser resolvidos através do pensamento?

Sim, certos problemas podem ser resolvidos pelo pensamento – somente aqueles problemas
que são criados pelo pensamento podem ser resolvidos por ele. Mas nenhum problema real pode
ser resolvido por ele, nenhum problema vivido pode ser resolvido por ele. Ele não foi criado pelo
pensamento; ele está aí na própria vida. Pensar não será de muita ajuda. Só de um modo o
pensamento pode ajudá-lo, e esse modo é este: através de tanto pensar, e pensar, e pensar, você
poderá se deparar com a verdade de que pensar é inútil. E no momento em que você perceber
que pensar é inútil no que se refere aos problemas existenciais, o pensamento ajudou-o de certo
modo. Foi através de tanto pensar que você chegou a esta percepção.
Mas os problemas que são criados pelo pensamento, podem ser resolvidos pelo próprio
pensamento. Por exemplo, um problema matemático: ele pode ser resolvido pelo pensamento,
porque toda a matemática é criada pelo pensamento. Por exemplo, se não houvesse o homem na
terra, haveria matemática? Não haveria matemática. Com o desaparecimento da mente humana, a
matemática desaparecerá. Não há nenhuma matemática na vida e na existência. As árvores estão
ali no jardim, mas quando você conta “uma, duas, três”, não há três árvores ali, porque o três é
uma coisa mental. As árvores estão ali, mas os números não estão. O número três está na sua
mente. Se você não estiver ali, as árvores estarão lá, mas não três árvores, apenas árvores. O três
é uma qualidade dada pela mente, é uma qualidade projetada.
A mente cria a matemática. Assim, qualquer problema de matemática será resolvido pela
mente, será resolvido pelo pensamento. Lembre-se: você não pode resolver um problema
matemático através do não-pensamento. Nenhuma meditação ajudará, porque a meditação
dissolverá a mente e, com a mente, toda a matemática se dissolverá.
Assim, há problemas que são criados pela mente; estes podem ser resolvidos. Mas há
problemas que não são criados pela mente, que são existenciais. Esses problemas não podem ser
resolvidos pela mente. Você terá de ir fundo na própria existência.
Por exemplo, o amor. Ele é um problema existencial. Você não pode resolvê-lo através do ato
de pensar; ao contrário, você criará mais enigmas. Quanto mais você pensar, menos você será
capaz de entrar em contato com a fonte do problema. A meditação ajudará: ela lhe dará insight,
ela o conduzirá às raízes inconscientes do problema. Se você pensar sobre ele, você permanecerá
na superfície.
Assim, lembre-se: os problemas da vida não podem ser resolvidos pelo pensar. Ao contrário,
realmente, devido a muito pensar você está perdendo todas as soluções, e mais problemas são
criados. Por exemplo, a morte. A morte não é um problema criado pelo pensamento: não se pode
resolver isso com o pensamento. Seja o que for que você pense, como você pode resolvê-lo?
Você pode se consolar, e você pode até pensar que esse consolo é uma solução – não é. Você
pode se iludir – isto é possível através do pensamento. Você pode criar explicações e, através das
explicações, você pensa que resolveu aquilo. Você pode escapar do problema através do
pensamento, mas você não o resolve. E veja a distinção claramente.
Por exemplo: a morte existe. Sua amada, ou seu amado, morre. Ou seu amigo, ou sua filha – a
morte aconteceu. Agora, o que você pode fazer? Você pode pensar sobre o fato. Você pensa e diz
que a alma é imortal – porque você já leu isso. Nos Upanishads, é dito que a alma é imortal,
somente o corpo morre. Você não sabe disso absolutamente, porque, se você realmente souber,
não haverá nenhum problema – ou haverá? Se você realmente sabe que a alma é imortal, então, a
morte não aconteceu; não há nenhum problema absolutamente. Mas o problema existe: a morte
ocorreu, e você está perturbado e em profunda tristeza. Agora você quer escapar dessa tristeza.
Agora, de algum modo, você quer esquecer essa tristeza.
Você pode pegar a explicação de que a alma é imortal – ora, isso é um truque. Não que a
alma não seja imortal – eu não estou dizendo isso. Mas, para você, isso é um truque. Você está
tentando se enganar. Você está em tristeza e, agora, você quer escapar dessa tristeza; então, essa
explicação ajudará. Agora você se consola dizendo que a alma é imortal, ninguém morre,
somente o corpo – exatamente como a pessoa muda de roupas, ou muda de casa; assim, de uma
casa para outra, a alma se foi. Você pode continuar pensando, mas você não sabe nada sobre
isso. Você ouviu dizer, você guardou a informação; mas, através dessas explicações você ficará à
vontade. Você pode se esquecer da morte.
Realmente, esta não é uma solução para o problema. Nada foi resolvido. No dia seguinte,
alguém morrerá e o mesmo problema existirá. Novamente alguém morrerá e o mesmo problema
existirá. E, lá no fundo, você sabe que você terá de morrer. Você não pode fugir da morte – e o
medo existe. Mas você pode continuar adiando, e você pode continuar fugindo através dessas
explicações. Isso não funcionará.
A morte é um problema existencial. Você não pode resolvê-la através do pensamento. Você
pode criar somente falsas soluções. O que fazer então? Então, há outra dimensão – a dimensão da
meditação; não do pensamento, não de mentalização. Você simplesmente encara a situação.
A morte aconteceu. Sua amada está morta. Não vá para os pensamentos. Não traga os
Upanishads nem o Gita e nem a Bíblia. Não pergunte nem aos cristos e nem aos budas. Deixe-os
lá. A morte existe: olhe, encare. Fique com essa situação totalmente. Não pense sobre ela. O que
você pode pensar? Você pode apenas repetir velhos chavões. A morte é um fenômeno tão novo,
ela é tão desconhecida, que seu conhecimento não vai ajudar de modo algum. Assim, ponha de
lado sua mente. Fique em profunda meditação com a morte.
Não faça nada, porque... – o que você pode fazer que seja de alguma ajuda? Você não sabe.
Assim, fique na ignorância. Não traga falso conhecimento, conhecimento tomado emprestado. A
morte existe; você está com ela. Olhe a morte com total presença. Não vá para o pensamento,
porque, então, você estará fugindo da situação, você estará se tornando ausente daqui então. Não
pense. Esteja presente com a morte.
A tristeza estará presente, haverá dor, uma carga pesada estará com você – deixe-a estar. Ela
faz parte – parte da vida, e parte da maturidade, e parte da suprema percepção. Permaneça com
ela, totalmente presente. Isto será meditação, e você chegará a uma profunda compreensão da
morte. Então, própria morte se torna vida eterna.
Mas não traga a mente e o conhecimento. Permaneça com a morte; então, a morte se revelará
por si mesma a você – então, você saberá o que é a morte. Você entrará em suas mansões
interiores. Então, a morte o levará para o próprio centro da vida – porque a morte é o próprio
centro da vida. Ela não é contra a vida: ela é o próprio processo da vida. Mas a mente traz a
contradição de que a vida e a morte são opostas. Então, você continua pensando. E, como a raiz é
falsa, a oposição é falsa, você jamais chega a nenhuma conclusão que seja verdadeira e real.
Quando quer que haja um problema na vida, fique com o problema sem sua mente – eis o que
eu quero dizer por ‘meditação’ – e, só o fato de estar ali com o problema, o dissolverá. E se você
tiver ficado realmente ali, a morte não ocorrerá para você novamente, porque, então, você já sabe
o que é a morte.
Nós nunca fazemos isso – nunca com o amor, nunca com a morte, nunca com qualquer coisa
que seja autenticamente real. Sempre vamos com os pensamentos, e os pensamentos são os
falsários. Eles são de empréstimo, não são seus mesmo. Eles não podem libertá-lo. Somente a
verdade, que é verdadeiramente sua, pode se tornar sua liberação. E você somente pode chegar
até sua própria verdade através de uma presença muito silenciosa. Com qualquer problema, isso
malogra.
O pensamento não resolverá os verdadeiros problemas, mas o pensamento pode resolver
problemas irreais, criados pelo próprio pensamento – porque esses problemas seguem as regras
da lógica. A vida não segue as regras da lógica. A vida tem suas próprias leis escondidas – e
você não pode impor a lógica sobre elas.
Mais uma coisa sobre isso: onde quer que você leve a mente, a mente disseca, analisa. A
realidade é uma, e a mente sempre divide. E quando você divide uma realidade, você a falsifica.
Então, você pode lutar por toda a vida – nada será alcançado, porque, basicamente, a realidade
era una e a mente a dividiu em duas e, agora, você está trabalhando com a divisão.
Por exemplo, como eu estava dizendo, vida e morte formam uma unidade, mas, para a mente,
elas são duas coisas e a morte é inimiga da vida. Ela não é, porque a vida não pode existir sem a
morte. Se a vida não pode existir sem a morte, como a morte pode ser a inimiga? Ela é a situação
básica – ela torna a vida possível. A vida cresce nela; ela é a alma. Sem ela, a vida é impossível.
Mas a mente, o pensamento, divide e coloca-a como um polo oposto. Então, você pode continuar
pensando sobre o assunto. Tudo o que você pensar será falso, porque, de início, você cometeu
um pecado – o pecado da divisão.
Quando você medita, as divisões desaparecem. Quando você medita, não pode haver
divisões, porque... – como você poderia dividir o silêncio?
Nós estamos aqui. Cada um está pensando uma coisa ou outra em sua própria mente; então,
somos diferentes, cada um é diferente, porque seu pensamento é seu, e meu pensamento é meu.
Na minha mente, eu tenho meus próprios sonhos e você tem os seus. Há muitos indivíduos aqui,
mas, se nós todos estivermos meditando – nem vocês estão pensando nem eu estou pensando, o
pensamento cessou –, então, não haverá tantos indivíduos. Na verdade, não haverá indivíduos. Se
estivermos todos meditando, então, as limitações desapareceram.
Quando eu estou meditando e você está meditando, não há duas pessoas, não pode haver,
porque dois silêncios se tornam um só. Eles não podem ser dois, porque como se demarcaria um
silêncio de outro silêncio? Não se pode demarcar. Pode-se demarcar um pensamento de outro,
uma mente de outra, mas dois silêncios são simplesmente um só – exatamente como dois zeros.
Dois zeros não são dois; dois zeros são um só. Você pode colocar mil zeros, mas eles são um só.
A meditação está criando um zero interno – todas as limitações, todas as divisões desaparecem.
E isso lhe dá o olho real, o terceiro olho – darshan. Agora, você tem os olhos de ver. Para esses
olhos reais, a realidade é clara, aberta, revelada. E, com a realidade revelada, não há quaisquer
problemas.

Terceira pergunta:

Qual é a diferença entre olhar intensamente para um céu aberto, olhar intensamente
para a foto de um mestre iluminado, e olhar intensamente para a escuridão?

A técnica de olhar intensamente não está relacionada realmente com o objeto: ela está
relacionada com o próprio olhar. Porque, quando você fixa seus olhos sem piscar, você se torna
focado, e a natureza da mente é estar constantemente em movimento. Se você realmente olhar
intensamente, sem nenhum movimento, a mente fatalmenteficará em dificuldade.
A natureza da mente é se mover de um objeto a outro, mover-se constantemente. Se você
estiver olhando fixamente para a escuridão ou para a luz, ou para alguma outra coisa, se você
estiver realmente olhando fixamente, o movimento da mente para. Porque, se a mente continuar
se movendo, seu olhar fixo não estará presente; você continuará perdendo o objeto. Quando a
mente se mover para outro lugar, você se esquecerá, você não será capaz de se lembrar para o
que você estava olhando. O objeto estará ali fisicamente, mas, para você, ele terá desaparecido,
porque você não está ali; você se moveu com o pensamento.
Olhar intensamente, tratak, significa não permitir que sua consciência se mova. E quando
você não permite que a mente se mova, no começo ela luta, luta arduamente, mas, se você
continuar praticando o olhar intenso, em pouco tempo a mente perde a batalha. Por alguns
momentos ela para. E, quando a mente para, há a não-mente, porque a mente só pode existir no
movimento. Quando não há nenhum movimento, o pensamento desaparece: você não pode
pensar, porque pensar significa movimento – mover-se de um pensamento a outro. É um
processo.
Se você mantiver o olhar fixo para uma coisa, completamente ciente e alerta... – porque você
pode olhar fixamente com os olhos mortos; aí então, você pode continuar pensando. Somente
com os olhos... olhos mortos: só com olhos de homem morto, você pode olhar, mas sua mente
estará em movimento. Isso não vale nada. Olhar intensamente significa não somente seus olhos,
mas sua mente inteira focada através dos olhos.
Assim, seja qual for o objeto... Isso depende: se você gosta de luz, está bem. Se você gosta da
escuridão, ótimo. Seja qual for o objeto, no fundo isso é irrelevante. A questão é parar a mente de
forma absoluta com o seu olhar fixo: focá-la; então, o movimento interno, nervoso, para; a
oscilação interna para. Você está simplesmente olhando para, sem fazer nada mais. Esse olhar
profundo o transformará completamente. Ele se tornará uma meditação.
E isso é bom; você pode tentar. Mas, lembrem-se disto: seus olhos e sua consciência devem
se encontrar na focalização. Você deve realmente estar olhando através dos olhos; você não deve
estar ausente. Sua presença é necessária – totalmente presente. Então, você não pode pensar,
então, o pensamento é impossível. Há somente um perigo: você pode ficar inconsciente, você
pode cair no sono. Mesmo de olhos abertos, é possível que você caia no sono. Então, seu olhar
intenso se tornará petrificado.
No começo, a primeira dificuldade será que você estará olhando, mas você não estará
presente. Esta é a primeira barreira. Sua mente estará em movimento. Seus olhos estarão fixos,
sua mente estará se movendo – não haverá encontro dos olhos e da mente. Esta será a primeira
dificuldade. Se você vencê-la, a segunda dificuldade será que, olhando intensamente sem
nenhum movimento, você cairá no sono. Você entrará numa auto-hipose, você será hipnotizado
por si mesmo. Isso é natural, porque nossa mente conhece apenas dois estados: ou o constante
movimento, ou o sono. A mente só conhece naturalmente esses dois estados: constante
movimento, pensando; ou caindo no sono. E a meditação é um terceiro estado.
O terceiro estado, o da meditação, significa que sua mente está tão silenciosa quanto um sono
profundo, e tão alerta e consciente como no pensamento – ambos esses estados devem estar
presentes. Você tem de estar alerta, completamente alerta, e tão silencioso como se estivesse em
profundo sono. Assim, os Yoga Sutras de Patânjali dizem que meditação é uma espécie de sono
profundo, com apenas uma diferença – que você está alerta. Patânjali iguala sushupti e samadhi:
sono profundo e a meditação suprema. A diferença é somente que, em sono profundo, você não
está consciente, mas a qualidade em ambos é “profundo silêncio” – sem ondulação, silêncio sem
oscilação, silêncio impassível.
No começo, pode acontecer de, através do olhar fixo, você adormecer. Assim, se você se
tornou capaz de trazer a mente para o seu foco e a mente não está se movendo, então, permaneça
alerta, não caia no sono. Porque, se o sono vier, você caiu no abismo – na vala. Bem entre essas
duas valas – pensamento constante e sono – está a estreita ponte do estar em meditação.

Quarta pergunta:

Você tem dito que a ciência faz experimentação com o objetivo, e que a religião com o
subjetivo. Mas, agora, há uma nova ciência desabrochando, a Psicologia, ou melhor, a
Psicologia Profunda, que é ambas, subjetiva e objetiva. Assim, a ciência e a religião
encontraram-se na profunda psicologia.

Elas não podem se encontrar. Psicologia profunda, ou o estudo do fenômeno psíquico, é


novamente objetivo. E o método da Psicologia Profunda é o método da ciência objetiva.
Tente ver a distinção. Por exemplo: você pode estudar meditação de um modo cientifico.
Você pode observar alguém que esteja meditando, mas, então, isso já se tornou objetivo para
você. Você medita e eu observo. Eu posso trazer todos os instrumentos para observar o que está
acontecendo a você, o que está acontecendo dentro de você, mas o estudo permanece objetivo.
Eu estou do lado de fora. Não estou meditando. Você está meditando; você é um objeto para
mim.
Então, eu posso tentar compreender o que está acontecendo para você. Até mesmo através de
instrumentos, muito pode ser sabido sobre você, mas isso permanecerá objetivo e científico.
Assim, realmente, seja o que for que eu esteja estudando, não é a coisa real que está acontecendo
a você, mas os efeitos que seu corpo está registrando.
Você não pode penetrar um Buda, o que está acontecendo a ele, porque realmente nada está
acontecendo ali. O centro mais profundo de um iluminado é o nada. Nada está acontecendo ali.
E, se nada está acontecendo, como você pode estudá-lo? Você só pode estudar algo. Você pode
estudar as ondas Alfas; o que está acontecendo à mente, ao corpo, à química, você pode
compreender. Mas realmente, lá no fundo, quando alguém se torna iluminado, não há nada
acontecendo. Todos os acontecimentos cessaram.
É isso que se quer dizer com “o mundo cessou”. Agora, não mais há sansar, nenhum
acontecimento. Ele existe como se não existisse. Eis por que Buda diz: “Agora eu me tornei um
não -atma, um não-eu. Não há mais ninguém dentro de mim. Eu sou apenas uma vacuidade. A
chama desapareceu, e a casa está vazia”. Nada está acontecendo. O que você pode registrar
disso? No máximo, você pode registrar que nada está acontecendo. Se algo acontece, pode ser
registrado objetivamente.
O método da ciência permanece objetivo, e a ciência tem muito medo do subjetivo, por
muitas razões. A ciência e a mente científica não podem acreditar no subjetivo, porque,
primeiramente, ele é particular e individual e ninguém pode entrar nele. Ele não pode se tornar
público e coletivo e, a menos que algo seja público e coletivo, nada pode ser dito a respeito. A
pessoa que está dizendo pode estar enganada, ou pode estar enganando os outros. Ela pode ser
uma mentirosa. Ou, ela pode estar apenas numa ilusão, não ser uma mentirosa. Ela pode estar
pensando e acreditando que aquilo aconteceu a ela, e isso pode ser apenas um engano, um auto-
engano.
Assim, para a ciência a verdade deve ser objetiva. Outros devem estar aptos a participar
daquilo, então, podemos julgar se está acontecendo ou não. Em segundo lugar, aquilo deve ser
repetido; deve ser repetível. Se fervermos água, ela evapora a certo grau – isso deve ser repetível.
Assim, repita e repita e novamente ela vai se evaporar a certo grau. Se ela evapora somente uma
vez a cem graus e nunca mais, ou às vezes a noventa e às vezes a oitenta, aquilo não pode se
tornar um fato científico. Ele precisa ser repetível, e a mesma conclusão deve ser atingida através
de muitos experimentos repetidos.
Mas a percepção subjetiva não é repetível – ela não pode nem ao menos ser prognosticada. E
você não pode convidá-la: ela acontece. Você não pode forçá-la. Você pode alcançá-la em
profunda meditação, você pode ter um pico de experiência exultante, mas, se alguém diz ‘repita
isso aqui’, você pode não ser capaz de repetir. Bem ao contrário, porque alguém diz e você faz
um esforço para repetir aquilo, esse próprio esforço pode tornar-se a barreira. Mesmo a presença
de observadores pode distrair. Você pode não ser capaz de repetir aquilo.
A ciência precisa de experimentos objetivos, repetíveis. E a psicologia, se ela quer ser uma
ciência, deve seguir regras científicas. A religião é subjetiva. Ela não está interessada em provar
nenhum fato; ao invés, ela está interessada em chegar a uma experiência individual. E o mais
profundo deve permanecer individual, e o supremo deve permanecer particular: ele não pode se
tornar coletivo. Porque, a menos que cada um chegue ao estado de iluminação, ela não pode ser
coletiva. Você tem de crescer para alcançá-la.
Assim, ciência e religião não podem realmente se encontrar, porque suas abordagens são
diferentes. A religião é absolutamente particular – o interesse é do indivíduo com ele mesmo.
Devido a isso, aqueles países que no passado eram mais religiosos que outros, permaneceram
individualistas. Por exemplo: a Índia. A Índia é individualista. Às vezes parece mesmo egoísta.
Cada qual está interessado em si mesmo, no seu próprio crescimento, sua própria iluminação –
sem interesse nos outros, indiferente aos outros, indiferente à sociedade, às condições sociais, à
pobreza, à escravidão. Cada um está interessado em si mesmo, no crescimento até o supremo
pico. Isso também parece egoísmo.
Os países ocidentais são mais socialistas, menos individualistas. Eis por que o próprio
conceito de comunismo ficou impossível para a mente indiana. Nós demos um Buda e um
Patânjali, mas não pudemos dar um Marx. Ele teve de vir do Ocidente, onde a sociedade, o todo
coletivo, é mais importante que o indivíduo; onde a ciência é mais importante do que a religião;
onde aquilo que acontece objetivamente é mais importante do que aquilo que acontece na sua
absoluta privacidade. O que acontece na privacidade é como sonho para o Ocidente.
Veja só: o que acontece publicamente nós chamamos de maya, ilusão. Shânkara diz que todo
o mundo é ilusão; somente aquilo que acontece profundamente dentro de você, o supremo – o
brahma que acontece ali – é real. E tudo o mais é irreal. Bem oposta é a atitude científica
ocidental: aquilo que acontece dentro de você é ilusório; o que acontece fora é o real. A realidade
existe do lado de fora de você, e o mundo do sonho está aí dentro de você.
Essas são as duas atitudes – tão diferentes, com abordagens tão diametralmente opostas, que
não pode haver nenhum encontro. Suas dimensões são diferentes, suas esferas são diferentes.
Elas nunca atravessam o território uma da outra – não há absolutamente nenhum conflito. E não
precisa haver nenhum conflito. A ciência funciona no mundo objetivo, e a religião funciona no
indivíduo, no mundo subjetivo. Elas nunca se cruzam. Não pode haver nenhum conflito.
E, para mim, quando você está trabalhando com o mundo exterior, você deve trabalhar com
uma atitude científica. Quando você está trabalhando consigo mesmo, trabalhe com uma atitude
religiosa. E não crie nenhum conflito; não há nenhuma necessidade. Não traga a ciência para o
mundo interior, e não leve a religião para o mundo exterior.
Se você trouxer a religião para o mundo exterior, você criará o caos. Na Índia, nós o criamos
– é uma confusão só. Se você trouxera atitude científica para o mundo interior, você criará
loucura – o Ocidente já a criou. Agora, o Ocidente está completamente neurótico. E ambos
cometeram o mesmo erro. Não misture os dois, e não tente levar o externo para o interno, ou o
interno para o externo. Deixe o subjetivo ser subjetivo e deixe o objetivo ser objetivo. Enquanto
você estiver se movendo do lado de fora, seja científico e objetivo e, enquanto estiver se
movendo dentro, seja religioso e subjetivo.
Não há necessidade de criar nenhum conflito. Não há conflito. O conflito surge, somente
porque queremos impor uma única atitude em ambos os reinos. Queremos ou ser totalmente
científicos, ou ser totalmente religiosos – isso está errado. Com o objetivo, a abordagem
subjetiva será falsa, perigosa, maléfica e vice-versa.

Quinta pergunta:
Você tem falado sobre muitos métodos e muitas técnicas. O desejo de ter sucesso neles é
muito grande. Como podemos suplantar nossa grande impaciência?

Duas coisas a serem lembradas. Primeira: a espiritualidade não pode vir do desejo, porque o
desejo é a raiz causal de toda a nossa ansiedade e angústia. E você não pode dirigir seus desejos
para o reino espiritual. Mas isso acontece, é natural, porque nós conhecemos somente um
movimento – que é o desejo. Nós desejamos as coisas do mundo. Alguém deseja riqueza, alguém
deseja fama, alguém deseja prestigio e poder, ou outra coisa qualquer. Nós desejamos coisas do
mundo e, através desse desejar, ficamos frustrados.
E estamos fadados a ficar frustrados – é irrelevante se um desejo é preenchido ou não. Se não
for preenchido, obviamente, ficaremos frustrados. Se ele for preenchido, então também,
ficaremos frustrados, porque, sempre que um desejo é preenchido, esse desejo é satisfeito, mas a
esperança, a promessa, não é preenchida. Você pode ter tanta riqueza quanto deseja, mas não era
a riqueza que era desejada realmente; outra coisa era desejada através dela – que nunca é
preenchida.
Você pode alcançar a riqueza, mas a esperança que estava pendurada ali – o sonho de
felicidade, de bem-aventurança, de uma vida extasiada – isso não é preenchido. Se a riqueza é
alcançada, então também, você se sentirá frustrado, porque a promessa não é preenchida, o sonho
não é preenchido. Tudo está ali. Os meios estão ali, e o fim escapou. O fim é sempre ilusório.
Através do desejo, a pessoa chega à profunda frustração. Quando esta frustração acontece,
você começa a procurar por algo absolutamente fora deste mundo – nasce o anseio religioso, um
profundo desejo religioso. Mas, novamente, você está desejando. Você se torna impaciente; você
quer alcançar isto ou aquilo. A mente não mudou. O objeto do desejo é diferente: era a riqueza,
agora é a meditação. Era poder e prestígio, agora é silêncio e a paz. Antes era uma coisa, agora é
outra coisa. Mas a mente, o mecanismo, o próprio funcionamento do seu ser, é o mesmo. Você
esteve desejando A, agora está desejando B – mas o desejar continua presente.
E o desejar é o problema, não o que você deseja – este não é o problema. O que você deseja
não é o problema – você desejar é o problema. Agora você está novamente desejando e você
ficará frustrado do mesmo jeito. Se você alcançar, ficará frustrado. Se você não alcançar, ficará
frustrado. O mesmo acontecerá a você, porque você não foi capaz de ver o pormenor, você
perdeu o pormenor.
Você não pode desejar a meditação, porque a meditação acontece somente quando não há
nenhum desejo. Você não pode desejar a liberação, o nirvana, porque ela só acontece num estado
sem desejo. Não se pode fazer dela um objeto de desejo. Assim, para mim e para todos aqueles
que conhecem, desejar é o mundo – não que você deseje coisas mundanas. Desejar, o próprio
fenômeno de desejar é o mundo.
E, quando você deseja, a impaciência fatalmente está presente, porque a mente não quer
esperar, a mente não quer adiar. Ela é impaciente. A impaciência é a sombra do desejo. Quanto
mais intenso o desejo, mais impaciência existirá. E a impaciência criará perturbação. Assim,
como você alcançará a meditação? O desejo criará movimento na mente e, então, o ato de desejar
criará impaciência, e a impaciência o levará a mais perturbações.
Assim, acontece – e eu observo isso diariamente – que uma pessoa que esteve vivendo uma
vida muito mundana, não era comumente tão perturbada. Quando essa pessoa começa a meditar,
ou a buscar a dimensão religiosa, ela se torna mais perturbada, mais do que nunca. A razão é que
agora ela tem um desejo ainda mais intenso, portanto mais impaciência. E, com as coisas
mundanas, as coisas eram tão reais e objetivas, que ela podia esperar por elas – elas estavam
sempre a seu alcance. Agora, no reino espiritual, as coisas são tão evasivas, tão distantes... – elas
nunca parecem estar ao alcance. A vida parece ser muito curta e, agora, o objeto de desejo parece
ser infinito – há mais impaciência e, então, mais perturbação. E com uma mente perturbada como
você pode meditar?
Assim isso vira um enigma. Tente compreender isso. Se você está realmente frustrado e
chegou a sentir que tudo o que está fora é fútil – dinheiro ou sexo ou poder ou prestigio, tudo
fútil – se você chegou a esta percepção, então, uma profunda percepção também é necessária. Se
essas coisas são fúteis, então, o ato de desejar é até mais fútil: você deseja e deseja e nada
acontece – e seu ato de desejar cria a miséria.
Olhe para o fato de que o ato de desejar cria miséria. Se você não deseja, não há miséria.
Assim, abandone o ato de desejar. E não crie um novo desejo: simplesmente abandone o ato de
desejar. Não crie um desejo espiritual. Não diga: “Agora eu estou indo em busca de Deus. Agora
eu estou indo descobrir isto e aquilo. Agora, eu vou perceber a verdade”. Não crie um novo
desejo. Se você criar, isso mostra que você não compreendeu sua miséria.
Olhe para a miséria que o desejo cria. Sinta que o desejo é miséria e abandone-o. Nenhum
esforço é necessário para abandoná-lo. Lembre-se: se você fizer um esforço, você criará um
outro desejo. Eis por que você precisa de algum outro desejo, porque, então, você pode deixá-lo.
Se algum outro desejo existir, você pode se dependurar nele. Você pode agarrar-se ao novo
desejo e pode deixar o antigo. Deixar o antigo é fácil se você tem algo novo a conseguir, mas,
então, você está perdendo todo o pormenor. Simplesmente deixe o desejo, porque ele é miséria; e
não crie um novo desejo.
Então, não haverá nenhuma impaciência. Então, a meditação não é para ser praticada
realmente: ela começará a acontecer a você, porque uma mente sem desejos está em meditação.
Então, você pode brincar com as técnicas. E eu digo ‘brincar’. Então, você pode brincar com
essas técnicas – não há nenhuma prática. ‘Prática’ não é uma boa palavra, a própria palavra está
errada. Então, você pode brincar com essas técnicas, e você pode desfrutar a brincadeira, porque
não há nenhum desejo para alcançar algo e não há nenhuma impaciência para chegar a algum
lugar.
Você pode brincar e, através da brincadeira, quando a meditação é uma brincadeira, tudo é
possível imediatamente, porque você não está perturbado: você não está impaciente, você não
está com pressa, você não está indo a algum lugar, não está se esforçando para chegar a algum
lugar. Você está aqui e agora. Se a meditação acontece, tudo bem. Se não acontece, tudo bem
também. Não há nada de errado com você, porque não há nenhum desejo, nenhuma expectativa,
nenhum futuro.
E lembre-se: quando a meditação ou a não-meditação são semelhantes para você, a meditação
já aconteceu a você. Você chegou. Agora, a meta chegou, o supremo desceu em você. Isso
parecerá estranho... – eu lhes dizer para não fazerem da meditação uma prática, mas, ao invés,
fazer dela uma brincadeira, um divertimento. Desfrute-a enquanto a estiver fazendo, não por
algum resultado.
Mas nossas mentes são muito sérias, mortalmente sérias. Mesmo se brincamos, fazemos disso
uma coisa séria. Nós a fazemos virar uma tarefa, um dever. Brinquem exatamente como crianças
pequenas. Brinquem com as técnicas de meditação e, depois, muito mais é possível através delas.
Não sejam sérios em relação a elas: tome-as como um divertimento. Mas nós fazemos de tudo
uma coisa séria. Mesmo se estivermos brincando, nós o fazemos seriamente. E, com a religião,
sempre fomos muito sérios. A religião nunca foi um divertimento, eis por que a terra permaneceu
irreligiosa. A religião deve se tornar um divertimento e uma festividade, uma celebração – uma
celebração do momento: desfrute tudo o que esteja fazendo; desfrute tanto e tão profundamente,
que a mente cesse.
Se vocês realmente me compreendem, estas 112 técnicas lhes mostrarão que tudo pode se
tornar uma técnica – se vocês realmente compreendem. Eis por que há 112. Tudo pode se tornar
uma técnica se você compreende a qualidade da mente que traz a meditação. Então, seja o que
for que faça, torna-se uma técnica. Sejam brincalhões, celebrem, desfrutem. Entrem tão
profundamente na técnica, que o tempo cesse.
Mas o tempo não pode cessar se o desejo existir. Realmente, desejo é tempo. Quando você
deseja, o futuro é necessário, porque o desejo não pode ser preenchido aqui e agora. O desejo só
pode ser preenchido em algum lugar no futuro – então, você precisará do futuro para se mover.
E, então, o tempo o destrói: você perde a eternidade. A eternidade está aqui.
Assim, tome a meditação como um divertimento, uma festividade, uma celebração de
qualquer coisa. Você está apenas cavando lá no jardim – isto pode se tornar uma técnica.
Simplesmente cave e desfrute e celebre o próprio ato. Torne-se o ato e esqueça-se do agente. O
“eu” não está ali, somente a ação permanece e você está presente na ação, abençoadamente
presente. Então, o êxtase está ali – nenhuma impaciência, nenhum desejo e nenhuma motivação.
Se você trouxer motivação, desejo e impaciência para a meditação, você destruirá a coisa
toda. E, então, quanto mais você fizer, mais frustrado se sentirá. Você dirá: “Estou fazendo tanto
e não acontece nada!”. As pessoas vêm a mim. Dizem: “Eu estou fazendo isto e aquilo e, durante
tantos meses e por tantos anos, e nada aconteceu”.
Um buscador holandês esteve aqui, e ele estava fazendo uma determinada técnica, trezentas
vezes, todos os dias. Então, ele me disse: “Durante dois anos, tenho feito esta técnica trezentas
vezes todos os dias. Não perdi nem um dia. Deixei tudo, porque tinha de fazer isto trezentas
vezes todos os dias – e nada aconteceu...”. E ele estava à beira de um ataque de nervos, por causa
da técnica.
Assim, eu lhe disse: “A primeira coisa a fazer é abandonar logo isso. Faça seja o que for, mas
não faça mais isso. Você vai ficar louco!”. Ele estava mortalmente sério em relação àquilo. Era
um problema de vida e morte para ele: aquilo tinha de ser alcançado.
E ele disse: “Quem sabe quantos dias faltam? O tempo é curto, e eu tenho de alcançar em
vida. Eu não quero nascer outra vez. A vida é muita miséria”.
Ele renascerá nova e novamente. Do jeito que ele está fazendo, ele vai ficar cada vez mais e
mais louco. Está errado – toda a atitude está errada. Tome a meditação como uma brincadeira,
uma diversão; desfrute-a e, então, a própria qualidade muda. Então, ela deixa de ser algo que
você está fazendo como uma causa para conseguir algum efeito. Não, você está desfrutando-a
aqui e agora. Ela é a causa e o efeito, ambos. Ela é o começo e o fim.
E, então, você não pode perder a meditação. Você não a pode perder, ela acontecerá a você,
porque, agora, você está pronto para recebê-la internamente. Você está aberto. Ninguém jamais
disse que a meditação deve ser tomada como uma brincadeira, mas eu digo: torne-a uma
brincadeira. Exatamente como as crianças pequenas, brinque com ela.

Sexta pergunta:
Noutro dia, você disse que a escuridão é mais fundamental para a existência, enquanto a
maioria das religiões assume o ponto de vista contrário. Você poderia jogar mais luz nesta
questão, principalmente em vista do que a ciência moderna tem dito sobre isso? Ela não diz
que os últimos componentes divisíveis da matéria divisível são pura energia elétrica?

Novamente, a mesma divisão – luz e escuridão. Elas são duas se você olhar para elas através
da mente. Elas são uma só se você meditar sobre elas. Quer você medite sobre a luz ou sobre a
escuridão, não faz nenhuma diferença. Se você meditar, a outra é dissolvida nisso. Então, a luz
não é nada mais do que menos escuridão e a escuridão não é nada mais do que menos luz – a
diferença é de grau. Elas não são duas coisas opostas uma a outra: ao contrário, são dois graus de
um único fenômeno. E esse fenômeno único não é nem luz nem escuridão: aquilo do qual esses
dois são graus, não é nem luz nem escuridão – ou são ambos. Você pode entrar nele a partir da
luz, você pode entrar nele a partir da escuridão.
Muitas religiões usaram a luz, porque ela é mais confortável, mais fácil. A escuridão é difícil,
mais desconfortável e, se você tentar entrar através da escuridão, você escolheu o caminho mais
árduo. Eis por que muitas religiões escolheram a luz. Mas você pode escolher um ou outro;
depende de você. Se você é aventureiro, corajoso, então escolha a escuridão. Se você é medroso
e não quer ir por um caminho árduo, então escolha a luz. Porque ambos pertencem a um único
fenômeno, que aparece num ponto como luz, em outro ponto como escuridão.
Por exemplo: esta sala está cheia de luz. Mas ela não está cheia com a mesma luz para todos –
ou está? Se meus olhos estão fracos, então, a luz não é como ela é para você. Eu a vejo um pouco
mais escura. Imagine que alguém de Marte ou de algum outro planeta chegue aqui, alguém que
tenha olhos muito penetrantes. Então, onde você vê luz, ele verá muito mais luz, mais luz do que
você. E onde você vê escuridão, ele verá luz. Há animais e pássaros que veem luz durante a
noite, onde você não pode ver. Para eles, a noite é luz, para você ela é escuridão. Assim, o que é
a luz? E o que é escuridão? – um único fenômeno. E o quanto você pode penetrar nela, e o
quanto ela pode penetrar em você... – depende dessa penetração, quer você a chame de luz ou de
escuridão. Esses polos opostos apenas parecem opostos. Eles não são; eles são apenas graus
relativos de um único fenômeno. Assim, os cientistas dizem que os últimos componentes
divisíveis da matéria são pura energia elétrica. Mas eles não dizem que são luz; eles dizem
“energia elétrica”. A escuridão também é energia elétrica. Energia elétrica não é sinônima de luz.
Se você lhe der o nome de energia elétrica, então, a luz é uma expressão e a escuridão é outra.
Mas não há nenhuma necessidade de entrar numa discussão científica sobre isso. Seria inútil.
Em vez disso, pense sobre sua própria mente – sobre o que você gosta. Se você se sente à
vontade com a luz, entre através da luz – esta é sua porta. Se você se sente à vontade com a
escuridão, entre através da escuridão. E ambas conduzirão ao mesmo.
Muitos métodos nesses 112 estão envolvidos com a luz; poucos estão envolvidos com a
escuridão. E Shiva está tentando explicar todos os métodos possíveis. Ele não está falando para
tipos específicos: ele está falando para todos os tipos. Mas há algumas pessoas que gostarão de
entrar através da escuridão. Por exemplo: uma mente feminina, mais passiva, mais receptiva,
gostará de entrar através da escuridão – será mais palatável. Uma mente masculina gostará mais
da luz.
Você pode não ter observado o fato de que muitos poetas do passado e do presente, muitos
filósofos e muitos outros que têm insights profundos sobre a mente humana, sempre compararam
o feminino com a escuridão e o masculino com a luz. A luz é agressiva, um elemento masculino;
a escuridão é receptiva, um elemento feminino. A escuridão é como um útero. Assim, depende:
se você gosta da escuridão, ótimo, entre através dela. Se você gosta da luz, entre através desta.
Às vezes, até o oposto se torna apelativo. Você pode tentar isso também. Não há nenhum perigo
em tentar qualquer coisa, porque todo caminho conduz à mesma meta.
Mas não permaneça pensando sobre o que escolher. Não perca tempo; em vez disso, tente.
Porque você pode permanecer pensando para sempre sobre o que será palatável, sobre o que
fazer e o que não fazer, e por que tantas religiões insistiram na luz, e poucas na escuridão. Não se
preocupe com essas coisas: elas não ajudam. Ao invés, pense sobre seu próprio tipo, sobre o que
será palatável para você, em qual você se sentirá mais confortável e, depois, comece.
E, então, esqueça-se de todos os outros, porque todos esses 112 métodos não são para você.
Mesmo que você escolha um método, para você basta. Você não precisa passar pelos 112
métodos; um método funcionará. Assim, basta ser receptivo e perceptivo, então, “este” é para
você. Você não precisa ficar preocupado sobre os outros métodos – isso é desnecessário. Escolha
um, brinque com ele e, se você se sentir bem e algo estiver acontecendo, então, entre nele e se
esqueça de todos os outros 111. Se você sente que escolheu errado, então, descarte-o, escolha
outro, e brinque com ele. Se você tentar isto com quatro ou cinco ou seis métodos, você cairá
naquele certo. Mas não seja sério – apenas brinque.
Capítulo 53

DA MORTE À IMORTALIDADE

OS SUTRAS

79. Focalize no fogo


Subindo através da sua forma
Dos artelhos para cima
Até o corpo arder às cinzas
Mas não você.
80. Medite neste mundo fictício ardendo até as cinzas e torne-se um ser acima do humano.
81. Como subjetivamente,
As letras fluem em palavras e as palavras em frases.
E como, objetivamente,
Os círculos fluem em mundos e os mundos em princípios,
Descubra finalmente essas convergências em nosso ser.

Todos os iluminados, todas as religiões, concordam somente em uma única coisa. Suas
discordâncias são muitas, mas há uma concordância no meio de tudo, e esta é de que o homem,
por causa do seu ego, está fechado para a realidade. O ego é a única barreira – o sentimento de
“eu sou”.
Neste ponto, os budas, os cristos e os krishnas, todos concordam. E, devido a eles todos
concordarem, parece-me que esta é a coisa básica em todo o esforço religioso. Tudo mais é
acidental; isto é essencial: que vocês se tornam excluídos por causa de seu próprio ego. O que é
este ego? Em que ele se consiste? Como ele surge? E por que ele se torna tão importante?
Olhe para a sua mente – porque não se pode compreender o fenômeno do ego teoricamente:
só se pode compreendê-lo existencialmente. Olhe para a sua mente, observe-a e você chegará a
uma profunda compreensão. E, se você compreende o que o ego é, não há mais nenhum
problema: ele pode ser abandonado facilmente. Sem dúvida, não há nenhuma necessidade de
abandoná-lo. Se você o compreende, a própria compreensão se torna o abandono, porque o ego é
criado através da sua não-compreensão: ele é criado através da sua sonolência.
Se você fica alerta sobre isso, se você foca sua consciência na direção dele, ele desaparece.
Ele desaparece – exatamente como quando você leva luz para dentro de uma sala e a escuridão
desaparece. Mesmo que você leve luz para olhar para a escuridão, para ver o que a escuridão é...
se você trouxer a luz, ela desaparece. O ego existe porque você nunca esteve alerta para a sua
existência. Ele é uma sombra da sua falta de atenção. Assim, realmente, não há necessidade de
abandonar o ego. Se você puder olhar para ele, ele cai por si.
O que é o ego? Você já sentiu algum momento em que não há nenhum ego? Sempre que você
está silencioso, o ego não existe. Sempre que sua mente está em tormento, tagarelando,
incansável, o ego está presente. Sempre que você está relaxado, silencioso e calmo, o ego não
existe. Agora mesmo, se você estiver silencioso, onde está o ego? Você estará aí, mas nenhuma
sensação de “eu”. Então, tente compreendê-lo existencialmente.
Agora mesmo enquanto estou falando, você pode observar o fato de que, se você estiver
silencioso, totalmente alerta, você está ali, mas sem a sensação do “eu”. E exatamente o contrário
acontece: se você estiver confuso, em conflito, em ansiedade, você sente um ego centralizado
dentro de você. Quando você está com raiva, apaixonado, violento, agressivo, você sente um ego
cristalizado dentro de você. Sempre que você está amando, em compaixão, o ego não existe.
Eis por que não podemos amar, porque, com o ego, o amor fica impossível. Eis por que
vamos falando tanto sobre o amor, mas nunca estamos amando. E, seja o que for que chamemos
de amor, é mais ou menos sexo, não é amor – porque você não pode perder seu ego, e o amor
não pode existir a menos que o ego tenha desaparecido. Amor, meditação, Deus... eles todos
requerem uma única coisa – o ego não deve estar presente. Eis por que Jesus está certo ao dizer
que Deus é amor, porque ambos os fenômenos acontecem somente quando o ego não está
presente.
Se você conhece o amor, não há nenhuma necessidade de conhecer Deus – você já o
conheceu. Se você conhece o amor, não há nenhuma necessidade de entrar em meditação – você
já entrou. O amor é apenas outro nome dela. Tantas técnicas de meditação são necessárias, e
tantos professores, e tantas escolas de meditação são necessários, porque não há amor. Se existe
o amor, não há nenhuma necessidade de praticar nada, porque a coisa já aconteceu. E a coisa é o
desaparecimento do ego.
Portanto, a primeira coisa a ser compreendida: sempre que você está silencioso, o ego não
está presente. E não acredite em mim. Eu não estou falando sobre uma teoria. Isto é um fato.
Você não precisa ficar com a minha opinião. Você pode observar isso em você mesmo. E não há
nenhuma necessidade de adiar isso para o futuro; agora mesmo você pode observar o fato de que,
se você estiver silencioso, você existe – mas sem nenhuma limitação, sem nenhum centro. Você
existe sem o centro, não há nenhum “eu” cristalizado. A presença existe, a consciência está ali,
mas não há ninguém que possa dizer “eu sou”.
Quando você está silencioso, o ego não existe. E, quando você não está silencioso, o ego
existe. Assim, o ego é a doença, todas as doenças unidas combinadas – daí a ênfase para se
render o ego. A ênfase é para se render a doença.
Em segundo lugar: se em silêncio, mesmo que por apenas um único momento, você tem o
vislumbre da sua existência na ausência de ego, então você pode analisar isso, então você pode
entrar no fenômeno do ego, do que ele é. A mente é o passado acumulado. A mente nunca está
aqui, nunca agora. Ela é sempre do passado. É uma acumulação. A mente é memória: todas as
experiências pelas quais você passou, todas as informações com as quais você se cruzou, todo o
conhecimento que você já juntou, ouviu dizer, escutou, leu... – tudo está acumulado. A mente
está constantemente acumulando.
A mente é o maior acumulador; ela vai acumulando... Mesmo quando você não está
consciente, ela continua acumulando; mesmo quando você está dormindo, a mente está
acumulando. Você pode não estar ciente disso. Enquanto você está dormindo, e não há nenhum
barulho na rua, a mente está acumulando. Você pode ser hipnotizado de manhã, e podem lhe
perguntar sobre isso, e você dirá tudo, contará tudo – seja o que for que a mente tenha acumulado
de noite. Mesmo que você tenha entrado em coma, ou esteja inconsciente, ou tenha tido um
ataque, a mente está acumulando.
A mente não precisa da sua consciência para acumular – ela permanece acumulando. Mesmo
quando você estava no útero de sua mãe, a mente estava acumulando. E, através da hipnose, as
memórias dos seus dias no útero de sua mãe podem ser despertadas. Você não se lembra de nada
sobre o nascimento, mas a mente estava acumulando. Seja o que for que estivesse acontecendo, a
mente estava acumulando. E, agora, isso pode ser despertado novamente. Através da hipnose, a
memória pode ser trazida novamente para seu foco. E milhões de memórias estão sendo
acumuladas – este acúmulo é a mente. Memória é a mente.
Como o “eu”, o ego, é criado? A consciência está dentro de você e, ao redor da consciência,
todas essas memórias são acumuladas na periferia. Elas são úteis, você não pode sobreviver sem
elas. Elas são necessárias, mas, então, uma nova coisa acontece entre essas duas, um
epifenômeno.
A consciência está dentro, você está dentro, sem o “eu”. Não há nenhum “eu” interno. Você
existe, sem um centro. Na periferia, cada momento de instrução, de experiência, de memórias vai
se acumulando. Isto é a mente. E, sempre que você olha para o mundo, você olha através da
mente. Sempre que você passa por uma nova experiência, você olha através das memórias: você
a interpreta através das memórias. Você olha para tudo através do passado. O passado se torna
um mediador.
Constantemente olhando através do passado, você acaba ficando identificado com ele – essa
identificação é o ego. Deixe-me colocar isto deste modo: a identificação do consciente com as
memórias é o ego. Você diz “eu sou hindu” ou “eu sou cristão” ou “eu sou jainista”. O que você
está fazendo? Ninguém nasce cristão, ou hindu, ou jainista. Você simplesmente nasceu um ser
humano. Então lhe ensinam, então lhe condicionam a pensar que você é cristão, hindu ou
jainista. Isto é uma memória. Foi-lhe ensinado que você é cristão. Isto é memória e, agora,
sempre que você olha através desta memória, você sente “eu sou um cristão”.
Sua consciência não é cristã; não pode ser. Ela é simplesmente consciência. Foi-lhe ensinado
que você é um cristão. Esse ensinamento está acumulado na periferia. Agora, você olha através
dos óculos e todo o mundo fica colorido. Esses óculos se cravam demasiadamente e muito
profundamente em você, e você nunca está distante deles, você nunca os coloca de lado. Você se
tornou tão acostumado a eles, que já se esqueceu de que há óculos nos seus olhos. Então, você
diz “eu sou um cristão”.
Sempre que você se torna identificado com alguma memória, algum conhecimento, alguma
experiência, algum nome ou forma, esse “eu” nasce. Então, você é jovem, você é velho; você é
rico, você é pobre; você é belo, ou você não é belo; você é instruído, ou você não é instruído;
você é respeitado, ou você não é respeitado – então, você permanece se identificando com as
coisas que se acumulam ao seu redor e o ego nasce. Ego é identificação com a mente.
Eis por que, quando você está silencioso o ego não existe, porque, quando você está
silencioso, ele não está funcionando. Eis o que significa silêncio. Sempre que a mente está
funcionando, você não está silencioso – não pode estar. O funcionamento da mente é o ruído
interior, a tagarelice, a constante tagarelice dentro de você. Quando a tagarelice para, ou quando
ela não está presente, ou você foi para além dela, ou você se moveu internamente, foi para
dentro... – há silêncio; e neste silêncio não há nenhum ego.
Mas isso só acontece às vezes, e somente por um momento você fica silencioso. Eis por que
você sente que aquelas situações, nas quais isto acontece são deliciosas. Você começa a desejar
tais situações. Você vai para uma colina e, enquanto o sol está surgindo na manhã, você fica
olhando para ele. De repente você tem um ímpeto de alegria. Você se sente venturoso, uma
beatitude cai sobre você.
O que aconteceu realmente? Devido ao silêncio matinal, ao surgir silencioso do sol e ao
verdor à volta e à colina... repentinamente, sua tagarelice interna parou... O fenômeno é tão
estupendo – tudo ao redor é de tamanha beleza, tamanha paz e tranquilidade –, que você parou
por um momento. Nessa parada, você percebeu um estado de não-ego – por um único momento,
é claro.
Isto pode acontecer através de muitas situações. No sexo, acontece; na música pode
acontecer; em qualquer coisa que seja tão estupenda que você se sente dominado, possuído, e sua
constante tagarelice é posta de lado, obrigada por um momento a ficar de lado – isso acontecerá
novamente. Sempre que você está sem o ego, acidentalmente ou através de alguma prática, você
sente uma sutil bênção que nunca sentiu antes.
A bênção não está vindo do lado de fora. Ela não está vindo das colinas ou do nascer do sol,
ou das belas flores; ela não está vindo do ato sexual. Ela não está vindo de fora. O lado de fora
está somente criando uma oportunidade: a bênção está vindo de dentro. Assim, se você repetir a
situação externa nova e novamente, aquilo não acontecerá, porque você está ficando imune
àquela situação externa, você terá ficado acostumado a ela.
A mesma colina e a mesma manhã... novamente você vai lá e não sente nada. Você sente que
está faltando algo. Porque, da primeira vez, aquilo foi tão novo, que parou a sua mente
completamente. A admiração foi tão estupenda e o milagre era tão novo, que você não pôde
continuar com a tagarelice do passado. Ela parou – na estupefação, ela parou – mas, na próxima
vez em que você for lá, você já saberá de tudo aquilo. Não há nenhuma estupefação, nenhum
mistério – a mente continua... Isso acontece com toda experiência. Em qualquer experiência, se
você sente uma alegria, ela será destruída se você a repetir, porque, então, numa experiência
repetida, você não mais pode pôr a mente de lado.
Assim, a segunda coisa a se lembrar é que a mente é acumulação. Sua consciência está bem
escondida por trás do passado acumulado, e você está identificado com ele. Sempre que você diz
“eu sou isto, eu sou aquilo”, você está criando o ego.
Em terceiro lugar: se você pode compreender isto, então, o terceiro pormenor não é difícil, e
este terceiro pormenor é que a mente tem de ser usada. Não há nenhuma necessidade de ficar
identificado. Você pode usar a mente como um instrumento – e ela é um instrumento. Não há
nenhuma necessidade de se ficar identificado com ela. Permaneça sempre acima dela.
E, realmente, você está sempre acima dela, porque você está aqui, agora, sempre presente; e a
mente está sempre no passado. Você está sempre à frente dela. Ela fica exatamente atrás de você:
ela é uma sombra. Este exato momento é uma coisa nova; sua mente não pode tê-lo. Num
instante ele será absorvido na memória; então, a mente pode retê-lo. Em cada único momento
você é livre.
Eis por que Buda enfatizou tanto o momento. Ele diz: “Permaneça no momento e não haverá
nenhuma mente”. Mas o momento é muito atômico, ele é muito sutil: você pode perdê-lo
facilmente.
A mente é sempre o passado – seja o que for que você saiba – e a realidade, que está passando
exatamente agora, não faz parte da mente. Ela se tornará parte da mente um momento mais tarde.
Se você puder ficar ciente da realidade aqui e agora, você permanecerá sempre transcendental
à mente. E se você puder permanecer transcendental àmente – sempre acima, nunca emaranhado
nela, usando-a, mas nunca ficando envolvido nela, usando-a como um instrumento, nunca
ficando identificado com ela – o ego desaparecerá. Você estará sem ego e, quando você ficar sem
ego, nada mais há para ser feito. Então, tudo o mais acontece a você. Você se tornou vulnerável,
você se tornou aberto. Então, toda a existência acontece a você, então, todos os êxtases são seus,
então, sofrer é impossível. O sofrimento vem através do ego. Abênção vem através do portal da
ausência de ego.
Agora entraremos nas técnicas – porque estas técnicas estão ligadas ao estar sem ego.
Técnicas muito simples, mas, se você compreende esta ambientação, então, muito se torna
possível através delas.

79 Foque-se no fogo

A primeira técnica:

Focalize no fogo
Subindo através da sua forma
Dos artelhos para cima
Até o corpo arder às cinzas
Mas não você.

Focalize no fogo subindo através da sua forma, dos artelhos para cima, até o corpo arder às
cinzas, mas não você. Uma técnica muito simples e muito assombrosa, muito fácil de fazer, mas
alguns requisitos básicos têm de ser preenchidos de antemão. Buda gostava muitíssimo desta
técnica: ele iniciava seus discípulos dentro desta técnica.
Sempre que alguém era iniciado por Buda, a primeira coisa era esta: ele dizia para a pessoa ir
até o crematório e observar um corpo sendo queimado, um corpo morto sendo queimado.
Durante três meses, não era para se fazer mais nada, apenas sentar-se lá e observar. Assim, o
buscador ia ao local da cremação daquele vilarejo e ficava lá por três meses, dia e noite. E
sempre que um cadáver chegava lá, ele apenas se sentava e meditava, simplesmente olhando para
o cadáver; o fogo era aceso e o corpo começava a se queimar. E durante três meses,
continuamente, ele não fazia mais nada – ficava simplesmente olhando os cadáveres sendo
queimados.
Buda dizia: “Não pense sobre; apenas olhe”. E é difícil não se deparar com o pensamento de
que, mais cedo ou mais tarde, seu corpo também irá ser queimado. Três meses é muito tempo, e
continuamente, dia e noite, sempre que houvesse um corpo para ser queimado, o buscador estava
ali para meditar. Mais cedo ou mais tarde, ele começava a ver seu próprio corpo na pira
crematória. Ele começava a se ver sendo queimado.
Ajudará muito se você quiser fazer esta técnica, ir ao local de cremação [1]. Observe – não
durante três meses, mas pelo menos observe um corpo sendo cremado. Observe. Então, você
poderá facilmente fazer esta técnica consigo mesmo. Não pense, simplesmente observe o
fenômeno, observe o que está acontecendo.
As pessoas vão cremar os corpos de seus parentes, mas nunca observam. Elas começam a
falar de outras coisas, ou sobre a morte; argumentam e discutem. Elas fazem muitas coisas.
Falam de muitas coisas, fofocam, mas nunca observam. Isso deveria se tornar uma meditação.
Nenhum falatório deveria ser permitido ali, porque se trata de uma rara experiência, ver alguém
que amamos ser queimado. Fatalmente você sente que você também está sendo queimado ali. Se
você está vendo sua mãe ser cremada, ou seu pai, ou sua esposa, ou seu marido, fatalmente você
se verá ali também, nas chamas. Essa experiência o ajudará para esta técnica. Essa é a primeira
coisa.
A segunda coisa: se você tem muito medo da morte, você não pode fazer esta técnica, porque
o próprio medo o protegerá. Você não conseguirá entrar nisso. Ou, você poderá simplesmente
imaginar na superfície, mas seu ser profundo não estará naquilo. Então, nada acontecerá a você.
Assim, lembre-se da segunda coisa: quer tenha medo ou não, a morte é a única certeza. Não
faz nenhuma diferença se você tem medo ou não – isso é irrelevante. Na vida, nada é certo
exceto a morte. Tudo é incerto; somente a morte não é acidental. E olhe para a mente humana.
Nós sempre falamos sobre a morte como se ela fosse um acidente. Sempre que alguém morre,
dizemos que sua morte foi fora de hora. Sempre que alguém morre, começamos a falar como se
aquilo fosse um acidente. Somente a morte não é um acidente – somente a morte. Tudo o mais é
acidental. A morte é absolutamente certa. Você tem de morrer.
E, quando eu digo que você tem de morrer, parece no futuro, muito distante. Não é assim –
você já morreu. No momento em que você nasceu, você morreu. Com o nascimento, a morte se
torna um fenômeno fixo. Uma parte dela já aconteceu – o nascimento; agora, só falta a segunda
parte, a parte final tem de acontecer. Portanto, você já está morto, meio-morto, porque, assim que
alguém nasce, já veio para o reino da morte, já entrou nele. Agora, nada pode mudar isso, agora,
não há meios de mudar isso. Você já entrou. Você está meio-morto com seu nascimento.
Em segundo lugar: a morte não vai acontecer no fim: ela já está acontecendo. Ela é um
processo. Assim como a vida é um processo, a morte é um processo. Nós criamos o agora – mas
a vida e a morte são exatamente como seus dois pés, suas duas pernas. A vida e a morte são dois
processos. Você está morrendo a cada momento.
Deixe-me dizer isso assim: sempre que você inala, é vida; e sempre que você exala, é morte.
A primeira coisa que uma criança faz é inalar. Uma criança não pode exalar. A primeira coisa é a
inalação. Ela não pode exalar, porque não há nenhum ar dentro de seu peito: ela tem de inalar. O
primeiro ato é a inalação. E o velho, enquanto está morrendo, dará o último ato, que será a
exalação. Morrendo, você não pode inalar – ou pode? Quando você está morrendo, você não
pode inalar. O último ato não pode ser a inalação; o último ato será a exalação. O primeiro ato é
a inalação e o último é a exalação. Inalação é nascimento e exalação é morte. Mas a cada
momento você está fazendo ambos – inalando, exalando. A inalação é vida, a exalação é morte.
Você pode não ter observado, mas tente observar isso. Sempre que você exala, você está mais
em paz. Exale profundamente e você sentirá certa paz interna. Sempre que você inala, você se
torna intenso, você se torna tenso. A própria intensidade da inalação cria uma tensão. E o normal,
a ênfase comum é sempre na inalação. Se eu lhe digo para respirar, você sempre começará com a
inalação.
Realmente, nós temos medo de exalar. Eis por que a respiração se tornou superficial. Você
nunca exala, vai inalando e inalando. Somente o corpo vai exalando, porque o corpo não pode
existir com apenas a inalação. Ele precisa de ambas: vida e morte.
Tente um experimento. Durante o dia, quando quer que se lembre, exale profundamente e não
inale. Deixe que o corpo inale; você simplesmente exala profundamente. E você sentirá uma
profunda paz, porque a morte é paz, a morte é silêncio. E, se você puder prestar atenção, mais
atenção, à exalação: você sentirá a ausência do ego. Com a inalação, você se sentirá mais
egoísta; com a exalação, você se sentirá menos egoísta. Preste mais atenção à exalação. O dia
todo, sempre que se lembrar, exale profundamente e não inale. Permita ao corpo inalar; você não
faz nada.
Esta ênfase na exalação o ajudará muitíssimo a fazer este experimento, porque você estará
preparado para morrer. Uma prontidão é necessária, caso contrário, a técnica não será de muito
auxílio. E você só pode estar pronto se, de certo modo, você saboreou a morte. Exale
profundamente e você terá uma prova dela. É algo belo.
A morte é bela, porque nada é semelhante à morte – tão silenciosa, tão relaxante, tão calma,
tão imperturbável. Mas por que temos medo da morte? Por que há tanto medo da morte? Nós
temos medo da morte não por causa da morte – porque não a conhecemos. Como se pode ter
medo de algo que nunca se encontrou? Como se pode ter medo de algo que não conhecemos?
Pelo menos, a pessoa deveria conhecê-la para ter medo dela. Assim, realmente, você não tem
medo da morte; o medo é causado por outra coisa: você nunca viveu realmente – isso cria o
medo da morte.
O medo vem, porque você não está vivendo; então você tem medo – “Eu nem vivi ainda... E
se a morte acontece? Irrealizado, sem ter vivido, eu morrerei?”. O medo da morte só vem para
aqueles que não estão realmente vivos. Se você estiver vivo, você saudará a morte. Então, não
haverá nenhum medo. Você conheceu a vida; agora, gostaria de conhecer a morte também. Mas
nós temos tanto medo da vida em si, que não chegamos a conhecê-la, não entramos fundo nela.
Isso cria o medo da morte.
Se você quiser entrar nesta técnica, é imperativo que você perceba esse profundo medo. E
este medo profundo deve ser jogado fora, expurgado; somente então você pode entrar na técnica.
Isto ajudará: preste mais atenção à exalação. E realmente, se você puder prestar toda atenção à
exalação e se esquecer de inalar... Não tenha medo de morrer; você não morrerá – o corpo
assumirá a inalação por si mesmo. O corpo tem sua própria sabedoria: se você exalar
profundamente, o corpo tomará a inalação por si mesmo. Você não precisa interferir. Então, um
relaxamento muito profundo se espalhará por toda a sua consciência. O dia todo você se sentirá
relaxado, e um silêncio interno será criado.
Você pode aprofundar essa sensação mais ainda, se você fizer outro experimento. Só por
quinze minutos durante o dia, exale profundamente. Sente-se numa cadeira ou no chão, exale
profundamente e, enquanto exalar, feche os olhos. Quando o ar sair, você vá para dentro. E,
então, permita ao corpo inalar e, quando o ar entrar, abra os olhos e saia. Exatamente o oposto:
quando o ar sai, você vai para dentro; quando o ar entra, você vai para fora.
Quando você exala, é criado um espaço internamente, porque respirar é vida. Quando você
exala profundamente, você se esvazia, a vida saiu. De certo modo, você está morto, por um
momento você está morto. Nesse silêncio de morte, vá para dentro. O ar está saindo: você fecha
os olhos e vai para dentro. O espaço está presente você pode se mover facilmente.
Lembre-se: enquanto você está inalando, é muito difícil mover-se para dentro, porque não há
nenhum espaço onde se mover. Quando você está exalando, você pode se mover para dentro. E,
quando o ar entrar, vá para fora; abra os olhos e mova-se para fora. Crie um ritmo entre esses
dois. Dentro de quinze minutos, você vai se sentir tão profundamente relaxado, e estará pronto
para fazer esta técnica.
Antes de fazer esta técnica, faça esses quinze minutos, de modo que você esteja preparado –
não somente preparado, mas acolhedor, receptivo. O medo da morte não está presente, porque,
agora, a morte aparece como um relaxamento, a morte parece um profundo repouso. A morte não
parece antagônica à vida, mas a própria fonte da vida, a própria energia dela. A vida é
exatamente como ondas na face de um lago, e a morte é o próprio lago. Quando as ondas não
estão presentes, o lago está presente. E o lago pode existir sem as ondas, mas as ondas não
podem existir sem o lago. A vida não pode existir sem a morte. A morte pode existir sem a vida,
porque ela é a fonte. Aí então, você já pode fazer esta técnica.

Focalize no fogo
Subindo através da sua forma
Dou artelhos para cima...

Deite-se. Primeiramente, conceba-se como morto; o corpo está igual a um cadáver. Deite-se
e, então, traga sua atenção para os artelhos. Com os olhos fechados, mova-se para dentro. Leve
sua atenção até seus artelhos e sinta que o fogo está subindo desde lá até em cima, tudo está
sendo queimado. À medida que o fogo sobe, seu corpo está desaparecendo. Comece nos dedos
dos pés e vá subindo.
Por que começar dos dedos dos pés? Será mais fácil, porque os artelhos estão muito distantes
do seu “eu”, do seu ego. Seu ego existe na cabeça. Você não pode começar da cabeça, será muito
difícil. Assim, comece do ponto mais distante. Os artelhos são o ponto mais distante do ego.
Comece o fogo por lá. Sinta que os artelhos estão se queimando, somente as cinzas permanecem
e, então, mova-se lentamente, queimando tudo o que o fogo encontre. Todas as partes – as
pernas, as coxas – irão desaparecendo.
E continue vendo que elas se tornaram cinzas. O fogo está subindo e as partes por onde ele
passou não mais existem: tornaram-se cinzas. Continue subindo e, finalmente, a cabeça
desaparece. Tudo se tornou... o pó virou pó... Até o corpo arder às cinzas, mas não você.
Você permanecerá um observador na colina. O corpo estará ali – morto, queimado, cinzas – e
você será o observador, você será a testemunha. Esta testemunha não tem nenhum ego.
Esta técnica é muito boa para se alcançar o estado de não-ego. Por quê? – porque muitas
coisas estão implicadas nisso. Parece simples; mas não é tão simples. O mecanismo interno é
muito complexo.
Primeira coisa: suas memórias fazem parte do corpo. Memória é matéria – eis por que podem
ser gravadas. Ela está gravada nas células do cérebro. Elas são materiais, parte do corpo. Suas
células cerebrais podem ser operadas e, se certas células forem removidas, certas memórias
desaparecerão de você. As memórias são gravadas nas células do cérebro. Memória é matéria;
podem ser destruídas. E agora, os cientistas dizem que podem ser implantadas, podem ser
transplantadas novamente.
Mais cedo ou mais tarde, descobriremos meios, de modo que, quando uma pessoa como
Albert Einstein morra, seremos capazes de salvar suas células cerebrais. E aquelas células
cerebrais serão capazes de ser transplantadas numa criança, e essa criança terá todas as memórias
de Albert Einstein, sem passar por todas aquelas experiências. Elas fazem parte do corpo, as
memórias fazem parte do corpo e, se o corpo todo estiver queimado e se tornado cinzas, você
não terá mais nenhuma memória.
Lembre-se – este é o ponto a ser compreendido: se a memória ainda estiver presente, então, o
corpo permanece e você esteve fazendo trapaça. Se realmente você for fundo na sensação de que
o corpo está morto, queimado, e completamente destruído pelo fogo, você não terá mais
nenhuma memória naquele momento. Naquele momento de observação, não haverá nenhuma
mente. Tudo terá parado – nenhum movimento de pensamentos, apenas observação, percepção
do que aconteceu.
E uma vez que você conheça isto, você pode permanecer neste estado continuamente. Uma
vez que você tenha sabido que você pode se separar do corpo... Esta técnica é só um método para
separar você do corpo, só para criar uma brecha entre você e o corpo, só para ficar por alguns
momentos fora do corpo. Se você puder fazer isto, então, você poderá permanecer no corpo e
você não estará no corpo. Você pode continuar vivendo como estava vivendo antes, mas você
não será o mesmo novamente.
Esta técnica levará pelo menos três meses. Continue fazendo-a. Isso não vai acontecer num
único dia, mas, se você continuar fazendo isso, todos os dias, durante uma hora, dentro de três
meses, um dia, de repente, sua imaginação terá ajudado e a brecha será criada, e você realmente
verá o corpo indo às cinzas. Então, você pode observar.
Nessa observação, você perceberá um fenômeno profundo – que o ego é uma entidade falsa.
Ele estava ali, porque você estava identificado com o corpo, com os pensamentos, com a mente.
Você não é nem um, nem outro – nem a mente, nem o corpo. Você é diferente de tudo que o
cerca: é diferente da periferia.
Aparentemente, a técnica parece simples, mas ela pode lhe trazer uma profunda mutação.
Mas primeiramente vá e medite no crematório, num campo de cremar, de modo que você possa
ver como o corpo se queima, como o corpo volta a ser pó novamente. Então, você poderá
imaginar facilmente. Comece dos artelhos e vá subindo bem devagar.
E, antes de fazer esta técnica, preste mais atenção à exalação. Antes de entrar nesta técnica,
por quinze minutos, exale e feche os olhos; permita que o corpo inale e abra os olhos. Por quinze
minutos, sinta um profundo relaxamento. Só então comece esta técnica.

80 Imagine todo o mundo em chamas

A segunda técnica:

Medite neste mundo fictício ardendo até as cinzas e torne-se um ser acima do humano.

Se você puder fazer a primeira, a segunda será muito fácil. Se você pôde imaginar que seu
corpo está queimando, não será difícil imaginar que o mundo todo está queimando – porque seu
corpo é o mundo e, através do seu corpo, você está relacionado ao mundo. Realmente, somente
através de seu corpo você está relacionado ao mundo – o mundo é prolongamento do corpo. Se
você pode pensar e imaginar que seu corpo está queimando, não há nenhuma dificuldade em
imaginar o mesmo com o mundo todo. E o sutra diz que ele é um mundo de faz-de-conta – só
porque você acredita, ele está aí. O mundo está queimando, desaparecendo.
Mas se você sente que a primeira é muito difícil, você pode até mesmo começar pela segunda.
A segunda é muito fácil se você consegue fazer a primeira. E não há nenhuma necessidade
realmente de fazer a segunda se você fez a primeira. Com o seu corpo, tudo desaparece
automaticamente. Mas você pode fazer a segunda diretamente também, se a primeira for muito
difícil.
Eu disse “comece com os artelhos, porque eles estão muito distantes da cabeça, do ego, mas
você pode até sentir que não deva começar pelos dedos dos pés. Então, vá ainda mais longe:
comece com o mundo e, depois, vá se movendo para cada vez mais perto de você. Comece com
o mundo e, depois, chegue mais perto. E, quando todo o mundo estiver simplesmente se
queimando, será mais fácil para você se queimar naquele mundo incendiado.
A segunda é:

Medite neste mundo fictício ardendo até as cinzas e torne-se um ser acima do humano.

Se você puder ver todo o mundo se queimando, você foi acima do humano, você se tornou
super-humano. Você veio a conhecer a consciência super-humana. Você pode imaginar isso, mas
um treinamento de imaginação é necessário. Suas imaginações não são bem treinadas. Elas são
muito destreinadas, porque não há nenhuma instrução para a imaginação. O intelecto é treinado,
as escolas e as faculdades existem e a maior parte da vida é gasta no treinamento do intelecto. A
imaginação tem uma dimensão própria, muito maravilhosa. Se você puder treinar sua
imaginação, você pode fazer maravilhas com ela.
Comece com as pequenas coisas, porque é difícil saltar para coisas maiores e você pode
fracassar. Por exemplo: esta imaginação de que todo o mundo está queimando – ela não pode ir
muito fundo. Primeiramente, você sabe que é imaginação e, mesmo se na imaginação você
pensar que as chamas estão por toda parte, você sentirá que o mundo não está queimado – ele
ainda está aí –, porque é somente imaginação. Você não sabe como a imaginação pode se tornar
real. Você tem de senti-la primeiro.
Tente um simples experimento antes de entrar nesta técnica. Feche suas duas mãos, feche
seus olhos, e simplesmente imagine que agora suas mãos não podem se abrir, elas morreram,
trancaram-se, e você não pode fazer nada para abri-las. No começo, você sentirá que você está
apenas imaginando e que você pode abri-las. Mas, por dez minutos, continue pensando que você
não pode abri-las, não pode fazer nada, suas mãos não podem ser abertas. E depois de dez
minutos, tente abri-las.
Entre dez pessoas, quatro terão sucesso imediatamente, quarenta por cento das pessoas
imediatamente serão bem-sucedidas: depois de dez minutos, elas não poderão abrir as mãos – a
imaginação se tornou real. Por mais que tentem... e quanto mais tentarem abrir, mais difícil será.
Você começará a transpirar. Você está vendo suas próprias mãos e não consegue abri-las. Elas
estão trancadas!
Mas não tenha medo. Simplesmente feche seus olhos novamente, e novamente imagine que
agora você pode abri-las; somente então, você será capaz de abri-las. Quarenta por cento das
pessoas terão sucesso imediatamente. Esses quarenta por cento podem se mover nesta técnica
facilmente; não haverá nenhum problema para eles.
Para os restantes sessenta por cento, será difícil, levará mais tempo. Os que são mais sensíveis
podem imaginar qualquer coisa e ela acontecerá. E, uma vez que você sinta que a imaginação
pode tornar-se real, então, você tem a sensação e pode se mover. Então, você pode fazer muitas
coisas com sua imaginação. Você já está fazendo isso, sem saber disso. Você já está fazendo
isso, mas não está ciente.
Certa doença chega à cidade – uma gripe francesa – e você se torna vítima dela. Você nunca
pode pensar que de cem casos, setenta por cento são apenas devido à imaginação. Como a gripe
existe, você começa a imaginar que agora você vai cair vitima dela – e você cairá. Muitas
doenças são apenas apanhadas através da sua imaginação, muitos problemas você cria devido à
sua imaginação. Você pode também resolvê-los, uma vez que você saiba que é você quem os
está criando. Treine sua imaginação um pouco e, depois, esta técnica será de muita ajuda.

81. Tudo converge no próprio ser

A terceira técnica:

Como subjetivamente,
As letras fluem em palavras e as palavras em frases.
E como, objetivamente,
Os círculos fluem em mundos e os mundos em princípios,
Descubra finalmente essas convergências em nosso ser.

Esta também é uma técnica imaginativa. O ego está sempre com medo – medo de estar
vulnerável, aberto; medo de algo que possa entrar e destruí-lo. Assim, o ego cria uma cidadela ao
redor de si: você começa a viver numa prisão murada. Nada deve ter permissão de entrar em
você. Você tem medo – se algo entrar e perturbar, então, o que fazer? – assim, é melhor não
permitir a entrada de nada. Toda comunicação para. Mesmo com aqueles que você ama ou pensa
que ama, não há comunicação.
Olhe para uma esposa conversando com o marido. Eles não estão falando um com outro; não
há nenhuma comunicação. Ao contrário, eles estão evitando um ao outro, através das palavras.
Eles estão falando, de modo que a comunicação seja evitada. Em silêncio, eles vão ficar
vulneráveis; em silêncio, eles chegarão mais perto, porque em silêncio, o ego – a muralha –, não
estará presente. Assim, o marido e a mulher, nunca ficarão em silêncio. Ficarão falando de uma
coisa ou outra, só para encher o tempo, e apenas para não ficarem abertos um para o outro. Nós
temos tanto medo do outro...!
Eu ouvi dizer sobre o Mulla Nasruddin, que certo dia quando ele estava saindo de sua casa,
sua esposa disse: “Nasruddin, você se esqueceu de que dia é hoje?”.
Nasruddin sabia – era o aniversário de suas bodas, vinte e cinco anos de casamento; então ele
disse: “Eu sei. Sei muito bem”.
A esposa persistiu: “Então, como vamos celebrar isso?”.
Então, Nasruddin disse: “Querida, não sei”. Depois ele coçou a cabeça, confuso, e disse:
“Como seria, se nós guardássemos um silêncio por dois minutos para celebrar?”.
Vocês não podem permanecer em silêncio com alguém; você começa a sentir desconforto.
Em silêncio, o outro entra em você. Você está aberto, suas portas estão abertas, suas janelas estão
abertas. Você tem medo. Você continua falando, vai criando subterfúgios para permanecer
fechado.
O ego é um encarceramento, é uma prisão, e a prisão é aceita porque nos sentimos tão
inseguros. A prisão dá certa sensação de segurança: você está protegido, guardado. Para fazer
esta técnica, esta terceira técnica, a primeira coisa e a mais básica é esta: saiba bem que a vida é
insegurança. Não há meios de torná-la segura. Seja o que for que você faça não vai adiantar.
Você pode criar somente uma ficção de segurança – a vida permanecerá insegura. É de sua
própria natureza, porque a morte está envolvida nela; assim, como a vida pode ser segura? E
pense por um momento: se a vida for realmente segura, ele já será a morte. Uma vida total e
absolutamente segura não pode ser viva, porque a própria aventura se perdeu. Se você estiver
protegido de todos os perigos, você estará morto. No próprio ser da vida há aventura, perigo e
insegurança. A morte está envolvida.
Eu te amo. Eu entrei num caminho perigoso. Agora, nada pode estar seguro, mas agora eu
tentarei tornar tudo seguro. Pelo amanhã, eu matarei tudo que esteja vivo, porque somente então
posso me sentir seguro amanhã também. O amor é transformado em casamento – o casamento é
uma segurança. O amor é inseguro – no instante seguinte tudo pode mudar... E você investiu
tanto, e no instante seguinte a amada o abandona, ou os amigos o deixam, e você fica num vazio.
O amor é inseguro. Você não pode determinar o futuro, não pode prever. Assim, o viver é
aniquilado e um substituto é descoberto –isso é o casamento.
Com o casamento, você pode estar seguro; é previsível. A esposa será sua esposa no dia
seguinte; o marido será seu marido no futuro também – mas só porque você fez o seguro disso. E
agora não mais há perigo. O relacionamento está morto agora, porque somente coisas mortas
podem ser permanentes – vivas, as coisas estão fadadas a permanecer mudando. A mudança é a
própria qualidade da vida, e na mudança está a insegurança.
Aqueles que querem entrar mais fundo nos reinos da vida, devem estar prontos para estarem
inseguros, devem estar prontos para estarem em perigo, devem estar prontos para se moverem no
desconhecido, e não devem tentar de forma alguma tentar determinar o futuro. O próprio esforço
matará tudo. E lembrem-se disto também: que a insegurança não está apenas viva, ela é bela. A
segurança é tediosa, feia. A insegurança é viva e bela. Você pode estar seguro se fechar suas
portas e janelas e tudo o mais. Nem a luz entra, nem o ar entra; nada entra. Você está seguro de
certo modo, mas você não está vivendo, você já entrou na sua tumba.
Esta técnica é possível quando você está vulnerável, aberto, sem medo, porque esta técnica
está permitindo que todo o universo entre em você.
Como, subjetivamente, as letras fluem em palavras e as palavras em frases. E como,
objetivamente, os círculos fluem em mundos e os mundos em princípios, descubra finalmente
essas convergências em nosso ser.
Tudo convergindo no meu ser... Eu estou parado sob o céu aberto, e de todos os lugares, por
todos os lados, toda a existência está convergindo em mim – o ego não pode existir. Nessa
abertura, onde toda a existência está convergindo em você, você não pode existir como um “eu”.
Você existirá como um espaço aberto, mas não como um “eu” cristalizado.
Para fazer esta técnica, comece com um pequeno passo. Sente-se sob uma árvore. A brisa está
soprando e as folhas das árvores estão farfalhando. O vento toca em você, gira em torno, passa
por você. Mas não permita apenas que ele passe por você: permita-o entrar em você e passar
através de você. Feche seus olhos e, à medida que ele passa através das árvores e existe um
farfalhar das folhas, sinta que você também é como uma árvore: abra-se, e sinta que o vento está
soprando através de você – não a seu lado, mas exatamente através de você.
O farfalhar da árvore entrará em você, e você sentirá que através de todos os poros de seu
corpo, o ar está passando. Ele está realmente passando através de você. Não é apenas
imaginação, é um fato – você se esqueceu. Você não está apenas respirando pelo nariz, você está
respirando através do corpo todo – de todos os poros, de milhões de poros. Se lhe for consentido
respirar pelo nariz, mas se todos os poros de seu corpo forem fechados, pintados, você morrerá
em três horas. Você não pode ficar vivo apenas respirando pelo nariz. Cada célula de seu corpo é
um organismo vivo, e cada célula está respirando. O ar está realmente passando através de você,
mas você perdeu o contato. Assim, sente-se sob uma árvore e sinta.
No começo, parecerá imaginação, mas logo, logo, se tornará realidade. É uma realidade – que
o ar está passando através de você. Então, sente-se sob o sol nascente e não somente sinta que os
raios do sol estão tocando você, mas que eles estão entrando em você e passando através de
você; assim, você se torna vulnerável, você começa a se sentir aberto.
E isto pode ser feito com tudo. Por exemplo: eu estou falando aqui e vocês estão me ouvindo.
Você pode ouvir só através dos ouvidos, ou você pode ouvir através de todo o corpo. Você pode
tentar aqui mesmo, apenas com uma mudança de ênfase: você não está ouvindo minhas palavras
através dos ouvidos somente, você está me ouvindo através de todo o seu corpo. E, quando você
realmente ouve, e quando você realmente escuta, é o corpo todo que está ouvindo. Não é
somente uma parte, não é um fragmento de energia que ouve: é o seu todo. O todo do seu corpo
está envolvido em ouvir – então, minhas palavras estão passando através de você; a partir de
cada célula, de cada poro, você as está bebendo. Elas são absorvidas, vindas de toda parte.
Você pode fazer isto. Vá e sente-se num templo. Muitos adoradores estarão entrando e
saindo, e o sino do templo batendo repetidamente. Ouça com todo o seu corpo. O sino está
tocando e todo o templo está incitado; cada parede dele está repercutindo. Para repercutir isto, a
fim de sentir que o som está convergindo sobre você, nós criamos uma forma arredondada.
Assim, de toda parte o som é jogado de volta, ele converge sobre você de toda parte, e você pode
ouvi-lo, através de todo o seu corpo – cada poro, cada célula, ouvindo, bebendo, absorvendo-o, e
ele vai passando através de você. Você se tornou poroso; a porta é aberta de todos os lados. Você
não é uma barreira para nada agora – o ar, ou as palavras, ou o som, ou os raios, ou qualquer
coisa. Você não é uma barreira, você não resiste a nada.
Quando você chegar a sentir que “agora” você não resiste, que você não está numa luta, de
repente, você perceberá que o ego não está presente, porque o ego existe somente quando você
luta. Ele é uma resistência. Sempre que você diz “não”, o ego entrou na existência; sempre que
você diz “sim”, o ego não existe. Assim, eu chamo um homem de astik, um teísta de verdade,
aquele que disse “sim” a toda a existência; não há nenhum “não” nele, nenhuma resistência. Ele
aceita tudo, ele permite tudo acontecer. Mesmo se a morte vier, ele não fechará sua porta. As
portas permanecem abertas.
Esta abertura tem de crescer, somente então você poderá fazer esta técnica, porque esta
técnica está dizendo que toda a existência está caindo, convergindo sobre você – nenhuma
resistência, dando as boas-vindas, permitindo que ela convirja. Você simplesmente desaparecerá,
se tornará um espaço, espaço infinito, porque este universo infinito não pode convergir numa
coisa tão estreita e atômica como o ego. Ela só pode convergir quando você se tornou infinito
como ela, quando você mesmo se tornou um espaço infinito. Mas isso acontece. Lentamente,
você tem de se tornar cada vez mais e mais sensível e ciente de suas resistências.
Nós somos muito resistentes. Se eu lhe toco, você pode sentir que está resistindo ao toque,
que está criando uma barreira, então, meu calor não pode entrar em você, meu toque não pode
entrar em você. Nós não nos permitimos tocar um ao outro. Se alguém o toca, você fica alerta e o
outro diz: “Desculpe-me”. Há resistência em toda parte. Se eu olho para você, você resiste,
porque o olhar pode entrar em você, ele pode penetrar fundo, ele pode agitá-lo e, então, o que
você fará?
E isto não é somente com estranhos. Não há nenhuma necessidade nem com estranhos,
porque ninguém é estranho, ou todos são estranhos. Só por viver sob o mesmo teto, como pode a
estranheza ser destruída? Você conhece seu pai que lhe deu nascimento? Ele é um estranho.
Você conhece sua mãe? Ela permanece uma estranha. Assim, ou todos são estranhos, ou
ninguém é um estranho. Mas temos medo e criamos barreiras em toda parte. Essas barreiras nos
tornam insensíveis; então, nada pode entrar em nós.
As pessoas vêm a mim e dizem: “Ninguém ama. Ninguém me ama”. E eu toco aquele homem
e sinto que ele tem medo até do toque. Há uma sutil retração. Eu tomo sua mão na minha mão e
ele retrai. Ele não está ali na mão; somente uma coisa morta está na minha mão – ele retraiu. E
diz “ninguém me ama”... Como pode alguém amá-lo? E, mesmo que o mundo todo o ame, você
não sentirá, porque você está fechado. O amor não pode entrar em você; não há nenhum portão,
nenhuma porta. E você está sofrendo na sua própria prisão.
Se o ego existe, você está fechado – para o amor, para a meditação, para Deus. Assim,
primeiramente, tente ser mais sensível, mais vulnerável, aberto, permitindo que as coisas
aconteçam a você. Somente então, o divino pode acontecer, porque este é o último
acontecimento. Se você não pode permitir que coisas comuns aconteçam a você, como você
poderia permitir o supremo? Porque, quando o supremo lhe acontecer, você não será mais. Você
simplesmente não será mais.
Kabir disse: “Quando eu estava lhe procurando, você não estava lá. E, agora, quando você
está aí, onde está aquele Kabir buscador? Ele não existe mais. Assim, que tipo de encontro é
este?”. Kabir imagina: “Que tipo de encontro é este? Quando eu estava presente, o divino não
estava. Agora o divino está aqui, mas eu não. Assim, que tipo de encontro é este?”.
Mas realmente este é o único encontro, porque dois não podem se encontrar. Comumente, nós
pensamos que dois são necessários para o encontro – como haverá encontro se há somente um?
Assim, a lógica comum diz que para um encontro pelo menos dois são necessários, o outro é
necessário. Mas, para um encontro verdadeiro, para um encontro que chamamos de amor, para
um encontro que chamamos samadhi, êxtase, o um é necessário. Quando o buscador está
presente, o buscado não está; e quando o buscado surgiu, o buscador desapareceu. Por que isso é
assim? – porque o ego é a barreira. Quando você sente que você existe, você é tanta coisa, que
nada entra em você. Você está repleto de seu próprio eu. Quando você não existe, então, tudo
pode passar através de você. Você se tornou tão vasto que até o divino pode passar por você.
Toda a existência está agora pronta para passar através de você, porque você está pronto.
Assim, toda a arte da religião é como não ser, como se dissolver, como se entregar, como se
tornar um espaço aberto.

Nota

[1] Na Índia, a cremação se dá, ainda hoje, ao ar livre. (N. da T.)


Capítulo 54

O FOGO DA CONSCIÊNCIA

PERGUNTAS

Um meditador que seja vulnerável, passivo, aberto e receptivo, sente que com essas
características ele sofre a influência ao seu redor, do não-meditativo, do negativo e de
vibrações tensas. Por favor, explique como ele pode preservar sua vulnerável psique das
vibrações nocivas.
Conforme eu me torno cada vez mais e mais perceptivo, minha atenção desenvolve-se e
permanece uma sensação de que eu existo, de que estou presente, de que sou perceptivo. Por
favor, explique-me como esta sensação pode ser dissolvida num estado da mais pura
percepção da ausência de ego.
Um dia você explicou sobre os desequilíbrios da cultura ocidental centrada no objeto e da
cultura oriental centrada no sujeito, e você também mencionou que o ser humano total em
nenhum lugar é aceito, em nenhuma cultura. Você pode visualizar alguma cultura vindoura
que será capaz de aceitar o ser humano em sua totalidade – tanto objetiva como
subjetivamente?

Primeira pergunta:

Um meditador que seja vulnerável, passivo, aberto e receptivo, sente que com essas
características ele sofre a influência ao seu redor, do não-meditativo, do negativo e de
vibrações tensas. Por favor, explique como ele pode preservar sua vulnerável psique das
vibrações nocivas.

Se você estiver realmente vulnerável, nada é negativo para você – porque o negativo é
interpretação sua. Nada é nocivo para você – porque o nocivo é interpretação sua. Se você está
realmente aberto, então, nada pode prejudicá-lo, nada pode ser sentido como nocivo. Você sente
que algo é negativo e algo é nocivo porque você resiste, porque você está contra aquilo, porque
não há nenhuma aceitação daquilo. Isto tem de ser profundamente compreendido.
O inimigo existe ali, porque você está protegendo-se contra ele. O inimigo existe ali, porque
você não está aberto. Se você estiver aberto, então, toda a existência é amistosa – ela não pode
ser de outro modo. Realmente você nem mesmo sentirá aquilo como amistoso – simplesmente é
amistoso. Não há nenhum sentimento nem de que seja amistoso, porque esse sentimento pode
existir somente com o sentimento contrário de inimizade.
Deixe-me dizer assim: se você é vulnerável, significa que você está pronto para viver na
insegurança. Lá no fundo, quer dizer que você está pronto até para morrer. Você não resistirá,
você não se oporá, você não ficará parado no meio do caminho. Se vier a morte, não haverá
nenhuma resistência. Você simplesmente permitirá que ela aconteça. Você aceita a existência em
sua totalidade. Então, como você pode senti-la como morte?
Se você negar, então, você poderá senti-la como o inimigo. Se você não negar, como você
pode senti-la como o inimigo? O inimigo é criado pela sua negação. A morte não pode lhe causar
dano, porque o dano é sua interpretação. Agora, mais ninguém pode causar-lhe dano – isso se
tornou impossível.
Este é o segredo do ensinamento taoísta, O ensinamento básico de Lao Tzu é este: se você
aceita, toda a existência está com você. Não pode ser de outro modo. Se você nega, você cria o
inimigo. Quanto mais você nega, quanto mais você se defende, quanto mais você se protege,
mais inimigos são criados. Os inimigos são criações nossas. Eles não existem lá fora; eles
existem na sua interpretação.
Uma vez que você possa compreender isso, então, esta questão jamais pode surgir. Você não
pode dizer: “Eu sou meditativo, eu estou vulnerável, aberto. Então, como eu posso me defender
contra vibrações negativas ao meu redor?”. Nada mais pode ser negativo agora.
O que “o negativo” significa? O negativo significa aquilo que você quer negar, aquilo que
você não quer aceitar, aquilo que você pensa ser danoso. Então, você não está nada aberto, então,
você não está num estado meditativo.
Esta pergunta surge somente intelectualmente, esta não é uma questão sentida. Você não
provou da meditação, você não a conheceu. Você está simplesmente pensando e, esse ato de
pensar é uma pura suposição. Você supõe: “Se eu meditar e ficar aberta, então, eu estarei em
insegurança. As vibrações entrarão em mim e elas serão nocivas. Então, como vou me
defender?” Esta é uma questão suposta. Não me tragam questões supostas. Elas são fúteis,
irrelevantes.
Medite, torne-se aberto e, depois, você nunca mais trará esta questão a mim, porque, na
própria abertura, o negativo terá desaparecido. Então, nada é negativo. E, se você pensa que algo
é negativo, você não pode se tornar aberto. O próprio medo do negativo criará o fechamento.
Você ficará fechado – você não poderá se abrir. O próprio medo de que algo possa causar-lhe
dano... Como você pode se tornar vulnerável? Eis por que eu enfatizo o fato de que a menos que
o medo da morte desapareça de você, você não pode se tornar vulnerável, você não pode estar
aberto. Você permanecerá fechado na sua própria mente, no seu próprio encarceramento.
Mas você não pode continuar supondo coisas. E, seja o que for que você suponha, estará
errado, porque a mente não tem condições de saber qualquer coisa sobre meditação, ela não pode
penetrar nesse reino. Quando ela cessa completamente, a meditação acontece. Assim, você não
pode supor nada, você não pode pensar sobre ela. Ou você sabe, ou você não sabe – você não
pode pensar sobre ela.
Abra-se – e no próprio ato de se abrir, tudo o que é negativo na existência, desaparece. Nem a
morte é negativa então. Nada é negativo. Seu medo cria a negatividade. Lá no fundo você está
com medo; por causa desse medo você toma medidas de segurança. Contra a essas medidas de
segurança, o inimigo existe.
Olhe para este fato – que você cria o inimigo. A existência não é sua inimiga. Como poderia
ser? Você pertence a ela, você é apenas uma parte dela, uma parte orgânica. Como a existência
pode ser sua inimiga? Você é a existência. Você não está separado; não há nenhum intervalo
entre você e a existência.
Sempre que você sente que o negativo, a morte, o inimigo, o ódio estão presentes e, que você
está aberto, desprotegido, você sente que a existência o destruirá, você sente que tem de se
defender. E não somente se defender – porque o melhor meio de se defender é ser agressivo,
ofender. Você não pode ser simplesmente defensivo. Quando você sente que tem de se defender,
você se torna ofensivo, porque ofender, ser agressivo, é o melhor caminho para se defender.
O medo cria o inimigo e, depois, o inimigo cria a defesa e, depois, a defesa cria a ofensa.
Você se torna violento. Você está constantemente em guarda. Você está contra todo mundo. Este
ponto tem de ser compreendido: que, se você tem medo, você é contra todo mundo. Os graus
diferem, mas então, seu inimigo e seu amigo são ambos seus inimigos. O amigo é um pouco
menos, eis tudo. Então, seu marido, ou sua esposa, é também seu inimigo, sua inimiga. Você fez
um arranjo, eis tudo. Você se tornou ajustado. Ou pode ser que ambos tenham um grande
inimigo comum e, contra esse inimigo comum e enorme, vocês dois tenham ficado juntos, vocês
dois tenham se tornado cúmplices, mas a inimizade está lá.
Se você está fechado, toda a existência é sua inimiga. Não que ela seja. Parece para você, que
ela é inimiga. Quando você está aberto, toda a existência se torna sua amiga. Agora, quando você
está fechado, mesmo o amigo é o inimigo. Não pode ser de outro modo. Lá no fundo, você tem
medo de seu amigo também.
Em algum lugar, Henry Thoreau ou outra pessoa escreveu que orava assim a Deus: “Eu
cuidarei de meus inimigos, mas o Senhor tome conta de mim em relação a meus amigos. Eu
lutarei contra meus inimigos, mas o Senhor proteja-me dos meus amigos”.
Só na superfície é amizade; lá no fundo é inimizade. Sua amizade pode ser apenas uma
fachada para esconder o inimigo. Se você está fechado, você pode criar somente o inimigo,
porque, quando você está aberto, somente então, o amigo é revelado. Quando você está
totalmente aberto para alguém, a amizade aconteceu. Ela não pode acontecer de nenhum outro
modo.
Como você pode amar, quando você está fechado? Você vive na sua prisão, eu vivo na minha
prisão e, sempre que nos encontramos, somente as paredes da prisão tocam uma na outra – e nós
ficamos escondidos atrás delas. Nós andamos dentro de nossas cápsulas: as cápsulas tocam-se
uma na outra, mas lá no fundo permanecemos isolados.
Mesmo ao fazer amor, quando os corpos já entraram um no outro, vocês não entraram.
Somente os corpos estão se encontrando; vocês permanecem imóveis cada um em sua cápsula,
na sua célula. Vocês estão apenas se enganando mutuamente, que lá comunhão. Mesmo no sexo,
que é o relacionamento mais profundo, a comunhão não está presente. Ela não pode acontecer,
você está fechado. O amor se torna uma impossibilidade. E esta é a razão: você tem medo.
Assim, não faça tantas perguntas; não traga falsas questões. Se você tivesse conhecido a
abertura, você não poderia sentir que algo pode lhe ser nocivo. Então, nada mais seria nocivo.
Eis por que eu digo que até a morte é uma bênção. Sua abordagem se torna diferente. Agora,
para onde quer que você olhe, você olha com um coração aberto – essa abertura de coração muda
a qualidade de tudo. E você não pode sentir que algo vá ser nocivo; você não pode perguntar
como se defender – não há necessidade. A necessidade surge por que você está fechado.
Mas você pode continuar supondo questões. As pessoas vêm a mim e dizem: “Tudo bem, se
já percebermos Deus... – mas e então?”. Elas começam a pergunta com um “se”. Não há “SEs”.
Na existência você não pode levantar tais questões. Elas são absurdas, estúpidas, porque você
não sabe o que você está dizendo. “Se eu já percebi Deus... – mas e então?”.
Esse “e então?” nunca surge, porque com a percepção, você não mais existe, somente Deus
existe. E, com a percepção, não há nenhum futuro, somente o presente existe. E com a
percepção, não há nenhuma preocupação, por que você se tornou um com a existência. Assim, a
questão “mas e então?” nunca surge. Esta questão surge por causa da mente, que está em
constante preocupação, constante luta, constantemente pensando no futuro.

Segunda pergunta:

Conforme eu me torno cada vez mais e mais perceptivo, minha atenção desenvolve-se e
permanece uma sensação de que eu existo, de que estou presente, de que sou perceptivo.
Por favor, explique-me como esta sensação pode ser dissolvida num estado da mais pura
percepção da ausência de ego.

Esta, outra vez, é uma suposta questão. Conforme eu me torno cada vez mais e mais
perceptivo, minha atenção desenvolve-se e permanece uma sensação de que eu existo, de que
estou presente, de que sou perceptiva. Isso nunca acontece, porque à medida que a percepção
cresce, o “eu” decresce. Em pleno estado perceptivo, você é, mas não há nenhum sentimento de
“eu sou”. Em palavras, no máximo, só isto pode ser dito: que você sente um sutil estado de ser,
mas não há nenhum “eu”. Você sente a existência, e você sente isso em abundância, um
momento de preenchimento, mas o “eu” não está presente. Você não pode sentir “eu existo”;
você não pode sentir “eu estou presente”; você não pode sentir “eu estou perceptivo”. Esse “eu”
é parte da imperceptibilidade, da desatenção: parte do seu estado de sono. Ele não pode existir.
Ele não pode existir quando você está realmente alerta e perceptivo e consciente.
É assim que supostas questões surgem. Você pode continuar pensando sobre elas, e nada será
resolvido. Se isso acontece – que você sente esse “eu sou”; “eu estou perceptivo” –, então, você
tem somente de notar uma coisa, e esta uma coisa é que você não está alerta, você não está
perceptivo. Então, essas sensações – eu estou perceptivo, eu sou consciente, eu existo – são
pensamentos, você está pensando nisso. Não são momentos de percepção. Você pode pensar “eu
sou perceptivo” – isso não funcionará. Percepção não é repetição. E, quando você está
perceptivo, não há nenhuma necessidade de repetir “eu estou perceptivo. Você simplesmente fica
perceptivo; o “eu” não existe mais.
Tente a percepção. Agora mesmo fique alerta. Onde está o “eu”? Você é – mais ainda: você é
mais intensamente. Mas, onde está o “eu”, o ego? Na própria intensidade da consciência, o ego
não mais existe. Mais tarde, quando você perder a percepção e o pensamento recomeçar, você
sente o “eu sou”, mas, no momento da percepção, não há nenhum “eu”. Agora mesmo,
experiencie isto. Você está aqui, em silêncio. Você pode sentir sua presença, mas... – onde está o
“eu”. O “eu” nunca surge. Ele só surge quando você pensa retrospectivamente. Quando você
perde a percepção, o “eu” surge imediatamente.
Mesmo que por um único momento você experiencie a simples percepção, você está ali, mas
o “eu” não está. Quando você perde a percepção, quando o momento escapuliu, se foi, e você já
está pensando de novo, o “eu” retorna imediatamente. Isso faz parte do processo de pensamento.
O próprio conceito de “eu” é um pensamento, ele pertence ao ato de pensar. “Eu sou” é um
pensamento.
Quando você está alerta e não há nenhum pensamento, como você pode sentir esse “Eu sou”?
O estado de ser existe – mas este também não é um pensamento, não está ligado ao ato de
pensar. Ele está presente existencialmente, é um fato. Mas você pode transformar o fato no ato
de pensar imediatamente, e você pode pensar sobre esse intervalo que existiu onde não havia
nenhum “eu”. E no momento em que você pensa, o “eu” retornou. Com o ato de pensar, o ego
entra – pensamento é o ego. Com não-pensamento, o ego não existe. Assim, quando quer que
você queira fazer uma pergunta, primeiro torne-a existencial. Antes de me dar a pergunta, teste
se o que você está perguntando é relevante ou não. Tais perguntas parecem relevantes, apenas
verbalmente, mas elas são assim: eu digo que a luz foi acesa e, depois, eu pergunto: “A luz
acendeu e, contudo, a escuridão permanece; o que preciso fazer com a escuridão?”. A única coisa
é que a luz ainda está apagada, ela não foi acesa, caso contrário, como a escuridão poderia
permanecer? E se a escuridão está presente, então, a luz não está presente. E se a luz estiver ali,
então, a escuridão não estará. As duas não podem existir juntas.
A percepção e o ego não podem existir juntos. Se a percepção chegou, se está ali, o ego
desapareceu. Isso é simultâneo. Não há nem mesmo um único segundo de intervalo. A luz está
acesa e a escuridão desapareceu. Não se trata de ela ter desaparecido aos poucos, passo a passo,
gradualmente. Você não pode vê-la saindo; você não pode dizer que, “agora a escuridão está
saindo”.
A luz está presente, e a escuridão, imediatamente, não está presente. Não há nem um único
momento de intervalo, porque, se há um intervalo, então, você pode ver a escuridão saindo. E, se
há um intervalo de um único momento, então, não há nenhuma razão de por que não possa haver
um intervalo de uma hora... Não há intervalo nenhum. O ato é simultâneo. Realmente, a vinda da
luz e a ida da escuridão são dois aspectos de um só fenômeno.
O mesmo acontece com a percepção: quando você está perceptivo, o ego não está presente.
Mas o ego pode continuar pregando truques, e o ego pode dizer: “Eu estou perceptivo”. O ego
pode dizer “eu estou perceptivo” e pode enganá-lo. Então, a pergunta surgirá. E o ego quer
acumular tudo, até a percepção. O ego não quer apenas riqueza, poder, e prestígio: ele quer
meditação também, ele quer o samadhi também, ele quer a iluminação também.
O ego quer tudo. O que é possível deve ser possuído. O ego quer possuir tudo – até mesmo a
meditação, o samadhi, o nirvana. Assim, o ego pode dizer: “Agora eu alcancei a meditação.” – e,
então, a questão surgirá. A meditação foi alcançada, a percepção chegou, mas o ego permanece,
a miséria permanece. Toda a carga do passado permanece. Nada muda.
O ego é um fanfarrão muito sutil. Cuidado com ele. Ele pode enganá-lo. E ele pode usar
palavras, ele pode verbalizar qualquer coisa, até o nirvana.
Ouvi contar que certa vez aconteceu de duas borboletas estarem voando através dos
desfiladeiros de Nova Iorque. Passando perto do Empire State Building, a borboleta macho disse
à fêmea: “Você sabe, se eu quiser, com uma soprada só, eu posso provocar o desmoronamento
deste Empire State Building”.
Um sábio que por acaso estava por ali, ouviu esse comentário, chamou aquela borboleta
macho e perguntou: “O que você estava dizendo?! Você sabe muito bem que você não pode
provocar o desmoronamento do Empire State Building com um único sopro. Você sabe disso
muito bem, não há necessidade de lhe eu dizer. Então por que você disse tal coisa?”.
A borboleta macho disse: “Desculpe-me, senhor. Sinto muito. Eu estava apenas tentando
influenciar minha namorada”.
O sábio disse: “Não faça isso!” – e despediu-se da borboleta. A borboleta macho voltou para
sua namorada. É claro, a namorada perguntou: “O que o sábio estava lhe dizendo?”.
Assim, o macho fanfarrão disse: “Ele me implorou. Ele disse: ‘Não faça isso!’ Ele estava com
tanto medo, tremendo, nervoso. Ele ouviu-me dizendo que ia provocar o desmoronamento do
Empire State Building. Então ele disse: ‘Não faça isto!”’.
O mesmo está acontecendo continuamente. Aquelas palavras foram ditas pelo sábio com um
significado muito diferente. Ele queria dizer “não diga tais coisas”, mas o ego se aproveitou. O
ego pode se aproveitar de qualquer coisa, ele é profundamente esperto. E ele é tão experiente no
que concerne à esperteza – experiências de millennia – que você não pode nem detectar onde a
esperteza começa.
As pessoas vêm a mim e dizem: “A meditação aconteceu. Agora, o que fazer sobre minhas
preocupações?”. É assim que o ego vai pregando truques – e as pessoas nem ao menos percebem
o que estão dizendo. “A meditação aconteceu, a kundalíni surgiu – então, o que fazer? As
preocupações ainda continuam”.
Sua mente quer coisas para acreditar, então, sem fazer nada, vocês continuam acreditando, se
enganando – realização de desejos. Mas a realidade não muda pelos seus desejos realizados: as
preocupações continuam. Você pode enganar a si mesmo, você não pode enganar as
preocupações. Elas não desaparecerão apenas porque você diz: “A meditação aconteceu e a
kundalíni surgiu, e agora eu entrei no quinto corpo”. As preocupações nem sequer ouvirão o que
você está dizendo. Mas se a meditação realmente acontece, onde estão as preocupações? Como
elas podem existir numa mente meditativa?
Assim, lembre-se disto: quando você está perceptivo, você está presente, mas você não é o
ego. Então, você é ilimitado; então, você é expansão infinita, mas sem nenhum centro. Não há
nenhuma sensação focalizada de “eu” – apenas a existência desfocalizada, começando em lugar
nenhum, terminando em lugar nenhum: puro céu infinito. E, quando este “eu” desaparece,
automaticamente o “você” desaparece, porque o “você” somente pode existir em referência ao
“eu”. Eu estou aqui; eis por que você está ali. Se este “eu” desaparece de mim, você não mais
está presente – não pode existir; como você pode existir?
Eu não quero dizer que você não estará ali corporalmente, que você não estará ali fisicamente.
Você estará ali como você é, mas, para mim, você não pode ser você. O “você” é significante em
referência ao meu “eu”. Meu “eu” cria o “você”. Uma parte desaparece. Então, há apenas a
simples existência; todas as barreiras se dissolveram. Com o ego desaparecendo, toda a
existência torna-se uma unidade. O ego é o divisor – e o ego existe, porque você está desatento.
O fogo da percepção destruirá isso.
Tente isso cada vez mais e mais. De repente, fique alerta. Andando na rua, imediatamente
pare, respire, fique alerta por um momento. E, quando eu digo alerta, eu quero dizer
simplesmente alerta do que quer que esteja acontecendo – o barulho do tráfego, as pessoas
passando e falando, tudo que está ao redor. Simplesmente fique alerta. Você não está ali naquele
momento: apenas a existência e a beleza dela.
Então, o barulho do tráfego não parece ser barulho, não parece uma perturbação, porque não
há ninguém para resistir a ele, para lutar contra ele. Ele simplesmente vem até você e passa; ele é
ouvido, e nunca mais é ouvido. Ele vem e passa. Não há nenhuma barreira contra a qual ele
possa se chocar. Ele não pode feri-lo, porque todas as feridas são feitas no ego. Ele passará. Não
haverá nenhuma barreira contra a qual ele possa se chocar; não haverá nenhuma luta, nenhum
distúrbio.
Lembre-se disto: não é o barulho da rua que é o distúrbio. Quando o barulho da rua luta
contra você, quando você tem uma noção fixa de que ele é uma perturbação, ele se torna uma
perturbação. Quando você aceita, ele vem e passa. E você é simplesmente banhado por ele: você
sai dele mais refrescado. E nada o cansa então. A única coisa cansativa, que vai dissipando a sua
energia, é esta resistência que chamamos de ego. Mas nunca olhamos para ele desse jeito. O ego
se tornou a nossa vida, o próprio âmago dela. Numa verdade, não existe nenhum ego. Se eu digo
a alguém... Muitas vezes acontece. Se eu digo a alguém para dissolver esse ego, imediatamente a
pessoa olha para mim fixamente, como que numa pergunta. A pergunta nua: “Se o ego estiver
dissolvido, então, onde está a vida? Então eu não existo mais!”.
Ouvi dizer que assim falaram a um político muito famoso, um grande líder de um país: “O
senhor deve estar ficando cansado. O dia todo, aonde quer que vá, há uma multidão de
buscadores de autógrafos”.
O político, o líder, disse: “Isso quase me mata – mas é só meia-verdade”. Ele devia ser um
homem muito raro e honesto. Ele disse: “Isso quase me mata – mas quase. Se não houvesse
ninguém buscando meu autógrafo, isso sim, me mataria completamente. Essa multidão constante
quase me mata, mas a outra coisa seria mais perigosa. Eu seria completamente morto, no caso de
não haver ninguém me pedindo autógrafo”.
Assim, por mais cansativo que seja o ego, por mais desgaste, você sente que é vida; e, se o
ego não estiver presente, você imagina que vida desaparecerá da sua mente. Você não pode
conceber como a vida possa existir sem você, sem sempre haver um ponto de referência do “eu”.
É lógico de certo modo, porque nós nunca vivemos sem ele. Nós sempre vivemos através dele,
nós sempre vivemos em torno dele; nós só conhecemos um único tipo de vida, que é baseado no
ego. Nós não conhecemos nenhuma outra vida.
E como vivemos através dele, nunca fomos realmente capazes de viver. Estamos
simplesmente lutando para viver, e a vida nunca nos acontece, ela apenas passa ao largo de nós.
Ela está sempre para ser alcançada, na esperança, no amanhã, no daqui a pouco, e então
estaremos vivendo. Mas ela nunca chega, nunca é alcançada. Ela sempre permanece uma
esperança e um sonho – mas nós continuamos indo adiante. E, como ela não vem, vamos
depressa. Isso também é lógico: se a vida não está acontecendo a nós, a mente pode pensar
somente numa coisa – não estamos indo depressa o bastante. Assim, ande depressa, corra!
Certa vez aconteceu que um dos maiores cientistas, T.H. Huxley, estava indo dar uma
palestra em algum lugar em Londres. Ele foi até a estação, à estação suburbana, mas o trem
estava atrasado; então, ele pulou num táxi e disse ao motorista: “Depressa! Velocidade máxima!
Eles estavam indo bem depressa, mas de repente ele percebe que não tinha dado o endereço.
Então, ele também se lembra de que ele mesmo tinha se esquecido do endereço. Assim, ele
pergunta ao motorista: “Motorista, você sabe onde eu tenho de ir?”.
Ele disse: “Não, senhor. Mas eu estou indo tão rápido quanto possível”.
É isso que está acontecendo. Vocês vão indo tão depressa quanto possível. Para onde vocês
vão? Por que vocês vão indo? Qual é o destino? A esperança de que um dia a vida acontecerá. E
por que ela não está acontecendo agora mesmo? Você está vivo – por que ela não está
acontecendo agora mesmo? Por que o nirvana está sempre no futuro, sempre no amanhã? Por
que ele não está existindo hoje? E o amanhã nunca chega – ou, sempre que chega, ele sempre
será o hoje e você perderá novamente. Mas nós vivemos somente desse jeito. Nós só
conhecemos uma única dimensão de se viver – este suposto viver que já estamos vivendo: algo
morto, sem vida realmente, levando a vida de alguma maneira, esperando.
Com o ego, sempre permanecerá uma espera – e uma espera sem esperança. Você pode agir
rápido, pode se apressar, mas nunca chegará a lugar nenhum: com a pressa, você simplesmente
dissipará energia e morrerá. E você já fez isso tantas vezes! Você tem vivido sempre com pressa,
e dissipando energia nessa pressa. E, então, só a morte vem e nada mais. Você vive correndo
pela vida, e somente a morte chega e nada mais. Mas a mente, devido a ela estar acostumada a
somente uma única dimensão, porque ela conheceu somente um caminho – que nem ao menos é
um caminho, mas aparenta ser um caminho –, dirá que, se não há nenhum ego, onde está a vida?
Mas eu lhes digo: se há ego, não há nenhuma possibilidade de vida, somente promessas. O
ego é um perfeito fazedor-de-promessas. Ele vive lhe prometendo. E você é tão imperceptivo –
nenhuma promessa jamais foi cumprida, mas sempre e novamente você acredita. Quando novas
promessas são feitas, você acredita novamente.
Olhe para trás! O ego prometeu muitas coisas, e nada foi alcançado através dele. Todas as
promessas tombaram. Mas você nunca olha para trás, você nunca compara. Quando você era
uma criança, havia promessas para a juventude: a vida acontecerá quando você for jovem. Todos
diziam isso, e você também estava esperançoso de que, quando você se tornasse jovem, tudo que
estava para acontecer, aconteceria. Agora, aqueles dias passaram, a promessa permaneceu sem
ser cumprida, mas você já se esqueceu disso. Você se esqueceu da promessa, esqueceu-se de que
ela não foi cumprida. É tão doloroso ver isso, que você nunca olha para isso.
Agora você espera pela velhice – que na velhice o sânias[1] florescerá, a meditação acontecerá
a você. Então, as preocupações ficarão para trás: seus filhos já terão ido para a universidade, e
tudo terá ficado estabelecido. Então, não haverá nenhuma responsabilidade sobre você. Então,
você será capaz de buscar o divino. Então, na velhice, o milagre irá acontecer. E você morrerá
irrealizado.
Não vai acontecer, porque nunca acontece na esperança, nunca acontece com a esperança.
Nunca acontece com a promessa do ego. Pode acontecer agora mesmo. Só pode acontecer agora
mesmo. Mas, então, uma percepção muito intensa é necessária, de modo que você possa jogar
fora todas as promessas, e todas as esperanças, e todos os programas futuros, e todos os sonhos, e
olhar diretamente aqui e agora para o que você é.
Nessa volta para si mesmo – sua consciência não se movendo para algum lugar adiante, mas
retornando para você mesmo – você se torna um círculo de consciência. Este momento se torna
eterno. Você está alerta e perceptivo. Nesse estado de alerta, nessa percepção, não há nenhum
“eu”: simples existência, simplesmente ser. E essa simplicidade vem daquela percepção.
A simplicidade não é usar um pedaço de pano velho nas costas, simplicidade não é viver na
pobreza, simplicidade não é tornar-se um mendigo. Isso tudo são coisas muito complexas e de
muita esperteza, muito bem calculadas. A simplicidade nasce quando você alcançou uma
existência simples onde não existe nenhum “eu”. A partir disso, a simplicidade surge; você se
torna humilde. Não que você a pratique, porque uma simplicidade praticada jamais pode ser
simplicidade. Uma humildade praticada é apenas um ego escondido.
Acontece: se você puder ser perceptivo, ela começa a fluir através de você. Você se torna
humilde; não contra o ego, porque uma humildade contra o ego é novamente um tipo diferente
de ego – um ego mais sutil e mais perigoso, mais venenoso. É humildade como a ausência do
ego; não como o oposto do ego, apenas a ausência. O ego desapareceu. Você voltou para si
mesmo e conheceu que não existe nenhum ego: a simplicidade surge, a humildade surge – elas
simplesmente fluem. Você não fez nada por elas; elas são subprodutos – subprodutos de intensa
percepção.
Assim, este tipo de pergunta é tolice. Se você sente que você está perceptivo e, ainda assim, o
“eu” permanece, saiba bem que você não está perceptivo. Faça esforço para se tornar perceptivo.
E este é o critério: quando você está perceptivo, o “eu” não está presente; quando você está
perceptivo, o “eu” não é encontrado aí. Este é o único critério.
Terceira pergunta:

Um dia você explicou sobre os desequilíbrios da cultura ocidental centrada no objeto e


da cultura oriental centrada no sujeito, e você também mencionou que o ser humano total
em nenhum lugar é aceito, em nenhuma cultura. Você pode visualizar alguma cultura
vindoura que será capaz de aceitar o ser humano em sua totalidade – tanto objetiva como
subjetivamente?

Este desenvolvimento de um lado só ocorreu como uma falácia natural, como uma falácia
muito natural. Tente compreender a falácia natural, porque muitas coisas dependem disso.
Sempre que algo é dito, o oposto dele é negado. Sempre que algo é dito, algo é
simultaneamente negado. Se eu digo “Deus está dentro”, “Deus está fora” é negado. Eu não
mencionei isso, absolutamente. Mas, se eu digo “Deus está fora”, então, “Deus está dentro” é
negado. Se eu digo “para ficar silencioso você tem de ir para dentro”, fica subtendido que, se
você se mover para fora, você nunca estará em silêncio. Assim, seja o que for que é dito na
linguagem, sempre nega algo.
Isso quer dizer que a linguagem nunca pode cobrir o todo da vida. Ou, se você tentar cobrir o
todo da vida, a linguagem se torna ilógica, irracional. Se eu digo “Deus está dentro e Deus está
fora”, isso fica sem sentido. Se eu digo “tudo é Deus”, fica sem sentido. Se eu digo “quer você
saia ou quer você entre, o silêncio pode ser alcançado”, isso não traz nenhum sentido, porque
estou dizendo as duas coisas – ambos os opostos simultaneamente. Eu os estou colocando juntos:
eles negam um ao outro – e, então, nada é dito.
Isso foi tentado. Foi tentado muitas vezes, cobrir o todo da vida pela expressão linguística.
Isso nunca foi bem-sucedido, e não pode ser. Você pode fazer isso, mas então, suas afirmações
se tornam místicas: não trazem nenhum significado lógico. A lógica tem alguns requerimentos a
serem cumpridos – e a língua é lógica.
Se você me pergunta “você está aqui?”, e eu digo “sim, num certo sentido estou aqui, e num
certo sentido não estou aqui”, ou se digo “ambos, sim e não”, então, se você me ama, você me
chamará de místico; se você não me ama, você me chamará de louco – porque... – como podem
ser os dois? Ou eu estou aqui – então, devo dizer “sim”; ou eu não estou aqui – então, devo dizer
“não”. Mas se digo “sim” e “não”, os dois juntos, estou dando um salto para fora da estrutura
lógica da língua.
A linguagem é sempre uma escolha. Devido a isso, todas as culturas, todas as sociedades,
todas as civilizações se tornam unilaterais. E nenhuma cultura pode existir sem a língua.
Realmente, a língua cria a cultura. O homem é a única linguagem animal; nenhum outro animal
cria qualquer cultura ou sociedade ou civilização. Somente o homem cria a cultura e a civilização
e a sociedade. E, com a língua, entra a escolha; e com a escolha, o desequilíbrio. Nenhum animal
é desequilibrado, lembre-se disso. Somente o homem é desequilibrado. Todos os animais
existem em profundo equilíbrio: as árvores e as pedras e tudo o mais. Tudo está equilibrado;
somente o homem é desequilibrado. Qual é o problema? – é que o homem vive através da língua.
A língua cria a escolha.
Se eu digo a alguém que ele é as duas coisas, belo e feio, a frase não carrega nenhum
significado. O feio e o belo, ambos?! – o que você quer dizer? Se eu digo “você é belo” é
significativo. Se eu digo “você é feio” é significativo. Mas se eu digo “Você é os dois: é sábio e
tolo, ambos”, isso não carrega nenhum significado. Mas essa é a realidade. Realmente, ninguém
é simplesmente feio e ninguém é simplesmente belo. Onde quer que haja beleza, a feiura existe;
onde quer que haja feiura, a beleza existe. Elas são partes de um todo. E, onde quer que haja
sabedoria, a tolice existe. Você não pode encontrar um sábio que não seja também um tolo, e
você não pode encontrar um tolo que não seja também um sábio.
Pode ser difícil para você conceber, porque, sempre que você diz “este homem é um tolo”,
você para de procurar, você fica fechado, você fechou a porta. Você diz “este homem é um tolo”.
Ora, você não vai procurar pela sabedoria dele. E, mesmo que a sabedoria dele seja revelada a
você, você não lhe dará ouvidos. Você dirá: “Este homem é um tolo. Como ele pode ser um
sábio? Isso é impossível; algo errado aconteceu. Ele deve ter feito isso insensatamente. Isto é
algo acidental. Ele não pode ser sábio!”. Se você decidir que aquele homem é sábio e, depois,
algo tolo vier dele, você não poderá acreditar naquilo, ou você terá de trazer explicações e você
racionalizará – pois aquilo que foi dito deve ser sábio.
A vida é as duas coisas juntas, mas a língua divide. A língua é uma escolha. Devido a isto,
toda cultura cria seu próprio padrão de escolha.
No Oriente, eles desenvolveram a tecnologia, desenvolveram a pesquisa científica:
desenvolveram tudo que agora é desenvolvido no Ocidente. Cinco mil anos atrás eles
desenvolveram todas as coisas e, então, eles sentiram a insignificância daquilo – como agora é
percebido no Ocidente. Eles perceberam que aquilo era inútil.
Quando eles perceberam que aquilo era inútil, eles se voltaram para o extremo oposto. Eles
disseram: “Agora, volte para dentro. Seja o que for que esteja fora é ilusório, não conduz a lugar
nenhum. Volte-se para dentro”. Então, a ciência parou de crescer, então a tecnologia parou. Não
apenas parou: quando eles se voltaram para dentro, eles começaram a condenar tudo que estava
fora. “Viva a vida que está dentro! Abandone tudo que está fora!”. Eles ficaram contra o mundo,
se tornaram negativos em relação à vida, negaram tudo o que era material... Somente o espiritual,
o puramente espiritual.
A vida são as duas coisas. Realmente, dizer que a vida são ambos não é correto. A vida é uma
só. O que chamamos de material é apenas uma expressão do espiritual, e o que chamamos de
espiritual não é nada mais que uma expressão do material. A vida é uma só. O interno e o
externo não são duas coisas opostas, apenas dois polos de uma existência.
Mas sempre que uma sociedade alcançar o extremo de uma escolha – porque uma escolha
está fadada a ser extremista –, imediatamente você perderá o outro, e aquilo que você perde,
você sente mais. O que você tem, você pode esquecer, mas o que você perde, você sente mais.
Assim, o Oriente, no pico do desenvolvimento científico e tecnológico, sentiu o absurdo daquilo:
é inútil; você não pode alcançar o silêncio através disso, você não pode alcançar a bem-
aventurança através disso; assim, jogue fora, renuncie isso, vá para dentro, vá para o mundo
interior. E, então, esse movimento para o interior, automaticamente se torna uma negação do
exterior.
No Ocidente, isso está acontecendo atualmente. Agora, o Ocidente alcançou uma altura
tecnológica; agora a insignificância é sentida. Agora, a Índia foi às profundezas da pobreza.
Estava fadado acontecer, porque a mente oriental começou a se mover para dentro. Quando você
se move para dentro ao custo de tudo que está fora, você vai ser pobre, e você vai estar em
escravidão, e vai estar em enfermidades e sofrimento. Isso está fadado a ser assim.
Agora, a Índia não está interessada em meditação, a Índia não está interessada no mundo
interior, a Índia não está interessada no nirvana. A Índia está interessada na moderna tecnologia.
O estudante indiano está interessado em engenharia, na ciência médica. Os gênios indianos estão
indo para o Ocidente para aprender como fazer a energia atômica. E os gênios ocidentais estão
interessados em vir para o Oriente, para saber o que é meditação, para saber como se mover no
espaço interno.
E a tecnologia foi alcançada. Pela primeira vez na História do homem, eles souberam como se
mover no espaço externo. Eles chegaram à Lua. Agora, que chegaram à Lua, a coisa tornou-se
absurda. Agora, eles se perguntam: “O que virá disso? Mesmo que tenhamos chegado à Lua, o
que aconteceu? – o homem permanece na mesma miséria!”. A Lua não vai ajudar, porque você
pode transferir o homem para a Lua, mas ele permanece o mesmo homem. Assim, o movimento
no espaço externo parece ser inútil, um desperdício de energia. Como se mover no espaço
interno?
Agora, eles voltam-se para o Oriente e o Oriente está se voltando para o Ocidente –
novamente a escolha. Se o Ocidente se voltar para o Oriente completamente, dentro de dois ou
três séculos o Ocidente se tornará pobre. Olhe para os hippies – eles já estão fazendo isso. E, se a
nova geração se tornar absolutamente hippie, então, quem vai trabalhar pela tecnologia, e quem
vai trabalhar pela indústria, e quem vai trabalhar pela civilização que o Ocidente alcançou?
Levam-se séculos e séculos para se alcançar algo; você pode perder tudo numa geração.
Se a geração nega e diz: “Nós não vamos para as universidades”. – o que você pode fazer? A
velha geração... – quanto tempo ela pode prolongá-la? Vinte anos e tudo pode desaparecer, só
pela negação feita pela nova geração – “Eu não vou para a universidade”. E eles estão deixando
mesmo, eles estão ficando à margem. Eles dizem: “Qual é a utilidade de carros grandes, de casas
grandes, de grande tecnologia, quando não há amor? Quando não há nenhuma paz da mente, qual
é a utilidade de toda essa riqueza? Qual é a utilidade de todo esse alto padrão de vida, quando
não há nenhuma vida? Assim, deixemo-lo de lado!”.
Dentro de dois séculos, o Ocidente pode vir para as próprias profundezas da pobreza. Isso já
aconteceu no Oriente. Nos dias do Mahabharat, quase a mesma tecnologia estava desenvolvida
no Oriente. Então, ela foi caracterizada como inútil. E, se a mente indiana se voltar para a
tecnologia, dentro de duas gerações a religião desaparecerá – ela já desapareceu – e a própria
palavra ‘meditação’ parecerá fora de moda. Se você falar sobre o interior, as pessoas pensarão
que você não está no seu senso: “O que você quer dizer com ‘interior’? Não há nada interior!”.
Isso acontece por causa da língua – porque a língua é uma escolha, e a mente se move para o
extremo. E quando ela vai para um extremo, o outro é perdido. E, com o outro, muitas qualidades
desaparecem e, quando elas desaparecem, você sente fome delas. Então, você novamente se
move para o outro extremo. Então, algo é perdido.
Assim, nenhuma cultura total nasceu ainda, e ela não pode nascer, a menos que o homem
aprenda permanecer silencioso, a menos que o silêncio se torne o próprio âmago da mente
humana. Não a língua, mas o silêncio – porque no silêncio você está inteiro, na linguagem você é
sempre parte. A menos que a humanidade comece a viver através do silêncio – não através da
linguagem, não através da mente, mas através da totalidade do ser – nenhuma cultura total é
possível. Somente seres humanos totais podem constituir uma cultura total.
O ser humano é parcial e fragmentado. Todo ser humano é apenas um fragmento do que ele
pode ser, do que ele deveria ser. Ele é apenas um fragmento da sua potencialidade. Esses seres
humanos fragmentados criam as sociedades fragmentárias. Sociedades fragmentárias sempre
existiram. Mas, agora, parece possível que percebamos todo esse absurdo de nós nos voltarmos
para os extremos. E se esta percepção se tornar intensa, e não nos movermos para o oposto, mas,
ao invés, começarmos a olhar para o todo...
Por exemplo, eu mesmo. Eu não sou contra o material, eu não sou contra o espiritual. Eu não
sou pró-espiritual, e nem sou pró-material. Eu sou a favor de ambos. Não há nenhuma escolha
para mim, entre o material e o espiritual, o interno e o externo. Eu sou a favor de ambos, porque
se você aceita ambos, somente então, você se torna total e inteiro. Mas isto é difícil de se
compreender, de se absorver, devido à herança.
Sempre que você vê um homem espiritual, você começa a olhar para ver se ele é pobre ou
não. Ele deve ser pobre, ele deve estar vivendo numa cabana, ele deve estar faminto. Por quê?
Porque o interior tem de ser escolhido contra o exterior; isso se tornou uma parte da herança. Se
você vê um homem vivendo no luxo, você não pode acreditar que ele seja espiritual. Como ele
pode ser espiritual?
O que há de errado no luxo? E como a espiritualidade é contrária ao luxo? Realmente, a
espiritualidade é o supremo luxo. Realmente, somente um homem espiritual pode estar no luxo.
Ele sabe como relaxar, e ele sabe como desfrutar, e ele sabe como levar a bem-aventurança
aonde quer que vá. Mas a herança entrou nas próprias células do seu cérebro. Se você vê um
homem espiritual andando na pobreza, você sente que ele deve ser autêntico. Como a pobreza
está relacionada à espiritualidade? E por quê? Nós estivemos escolhendo os extremos. Isso é
difícil de se compreender, devido a uma longa tradição – e você nem percebe isso.
Alguém estava aqui e me disse que em Wardha, onde Vinoba mora, é muito quente agora, o
dia inteiro – e ele não usará um ventilador, ele não usará um refrigerador, ele não usará um
aparelho de ar condicionado. Impossível! Como pode um homem espiritual usar um aparelho de
ar condicionado!? Ele não pode nem mesmo usar um ventilador! O homem que viera de lá,
estava muito impressionado. Ele me disse: “Veja, que grande homem espiritual! Ele não está
nem mesmo usando um ventilador!”.
Então, eu perguntei: “O que ele está fazendo?”.
Ele disse: “O dia todo, de dez às cinco, durante sete horas, ele vai trocando panos gelados na
cabeça e no estômago”.
Sete das horas de Vinoba desperdiçadas todos os dias! – e qual é o preço de um ventilador ou
de um refrigerador ou de um ar condicionado? E Vinoba desperdiçando sete horas por dia...?!
Mas, se houvesse um ventilador, este homem teria sentido que Vinoba não era espiritual. E, de
algum modo, Vinoba também está em concordância com este tipo de atitude – que as tais sete
horas diárias de Vinoba não são importantes.
A vida é muito curta, e um gênio como Vinoba está desperdiçando sete horas sem
necessidade. Mas ele mesmo também sente que a tecnologia é de algum modo antiespiritual. O
exterior e o interior – ele escolheu o interior. Mas, se você está escolhendo o interior, mesmo
colocar roupas secas é exterior. Ele está fazendo a mesma coisa, somente que de um modo muito
primitivo. O que você está fazendo? Você está criando uma espécie de resfriamento. E você está
desperdiçando sete horas para isso! E a um custo muito alto. Mas nós diremos: “Não, isso é
austeridade, isso é espiritualidade”. Isto entrou nas próprias células do seu cérebro.
Eu aceito a vida na sua totalidade. O exterior e o interior, ambos existem e ambos pertencem
a mim. E eles devem ser equilibrados. Você não precisa escolher um a custo do outro. E, se você
escolhe, você está caindo vítima – vítima de um dos extremos – e você sofrerá por isso.
Crie um equilíbrio. O exterior e o interior não são opostos. Eles são movimentos da mesma
energia, duas margens do mesmo rio, e o rio não pode fluir numa margem só. Você pode se
esquecer da outra, mas a outra existirá. E o rio existe somente se a outra existir. Você pode se
esquecer disso completamente: então, nasce a hipocrisia, porque, sem necessidade, você teve de
continuar escondendo a outra. Não há nenhuma necessidade. O rio não pode fluir.
A vida flui entre o interior e o exterior, e ambos são essenciais. A vida não pode existir só
com um. E os dois não são realmente dois. As duas são margens do rio, somente parecem duas;
se você for fundo no rio, elas estão unidas – o mesmo chão está aparecendo como duas margens.
O interior e o exterior são o mesmo chão, o mesmo fenômeno.
Se este insight for fundo, e os seres humanos... e eu estou interessado em seres humanos, não
em culturas, não em sociedades, não nas civilizações. Se os seres humanos se tornarem totais e
equilibrados, é possível que algum dia a humanidade se torne uma sociedade equilibrada. E
somente então o homem estará à vontade. E, somente então, será possível crescer sem nenhuma
dificuldade desnecessária.
Agora, raramente, acontece de alguém crescer – raramente. Quase todas as sementes são
desperdiçadas. Entre milhões, uma semente cresce e chega a florescer. Isto parece puro
desperdício. Mas, se a sociedade for equilibrada... – nada for negado, nada for escolhido, mas o
todo for aceito em profunda harmonia – então, muitos crescerão. Realmente, bem o contrário
será o caso: acontecerá raramente de alguém não crescer.

Nota

[1] Sânias – Iniciação que se dá com um mestre, numa escola de mistérios. (N. da T.)
Capítulo 55

SÓ O IRREAL SE DISSOLVE

OS SUTRAS

82. Sinta:
Meu pensamento,
a individuação,
órgãos internos – EU.
83. Antes de desejar e antes de conhecer,
como posso dizer “eu sou ”?
Considere. Dissolva-se na beleza.

Certa vez, um visitante perguntou a muitas pessoas de uma pequena cidade sobre o prefeito:
“Que tipo de pessoa é o seu prefeito?”.
O sacerdote disse: “Ele não é bom”.
O frentista disse: “Ele é um vagabundo”.
O barbeiro disse: “Eu nunca em minha vida votei naquele tratante”. Então, o visitante
encontrou-se com o prefeito, um homem muito difamado, e o visitante perguntou: “Quanto você
ganha pelo seu trabalho?”.
O prefeito respondeu: “Minha bondade, eu não estou ganhando nada por ele. Eu aceitei este
trabalho apenas pela honra dele!”.
Esta é a situação do ego – somente você pensa no seu ego, mais ninguém. Somente você
pensa que seu ego está entronizado; para todos os outros, não é assim. Ninguém concorda com
seu ego, exceto você: todas as outras pessoas estão contra ele. Mas você continua vivendo num
sonho, num delírio. Você cria sua própria imagem. Você sente essa imagem, você protege essa
imagem, e você pensa que o mundo todo existe a favor dela. Isto é um delírio, uma loucura – não
é a realidade.
O mundo não está existindo por você. Ninguém está interessado em seu ego – ninguém,
absolutamente. Se você existe ou se você não existe, não faz nenhuma diferença. Você é apenas
uma onda. A onda vem e vai; o oceano não está preocupado com ela. Mas você se pensa muito
importante.
Aqueles que querem dissolver o ego têm primeiro de reconhecer este fato. E, a menos que
você possa pôr de lado sua estrutura egóica, você não será capaz de ver a realidade, porque, seja
o que for que você vê, seja o que for que você perceba, seu ego distorce tudo. Ele tenta
manipular tudo a favor dele. E nada é para ele, porque a realidade não pode ajudar a qualquer
coisa que seja falsa. Lembrem-se disso.
A realidade não pode apoiar nada que não exista, e seu ego é a coisa mais impossível, a maior
falsidade. Ele não existe: trata-se de uma criação, sua criação imaginativa. A realidade não pode
apoiá-lo. A realidade está sempre despedaçando o ego, ela está sempre destruindo-o. Sempre que
seu ego entra em contato com a realidade, a realidade mostra-se chocante. Para defender-se
contra esses choques que estão sempre surgindo, continuamente, para destruir seu ego, você evita
enxergar a realidade.
Ao invés de perder seu ego, você tenta evitar enxergar a realidade. E, então, ao redor de seu
ego, você cria um mundo falso que você pensa que é a realidade. Então, você vive no seu próprio
mundo. Você não está em contato com o mundo real, você não pode estar, porque você tem
medo. Você está vivendo numa estufa do ego. O medo está presente: sempre que a realidade
entra em contato, seu ego pode ser destruído, então, é melhor não entrar em contato com a
realidade. Vamos continuamente escapando da realidade só para proteger, para defender, este
impossível ego.
Por que eu o chamo de impossível? Por que eu digo que ele é falso? Tente compreender isto.
A realidade é uma só: a realidade existe como um todo, como uma totalidade. Você não pode
existir sozinho – ou pode? Se as árvores não existissem, você não seria capaz de existir, porque
elas estão produzindo oxigênio para você. Se o ar desaparecer, você simplesmente morrerá,
porque esse ar lhe está dando vitalidade, vida. Se o sol sumir, você não estará mais aqui, porque
o calor que vem dele – os raios –, é a sua vida.
A vida existe como uma totalidade cósmica. Você não está só, e você não pode existir
sozinho. Você existe em um mundo. Você não existe como uma existência atômica, separada,
isolada: você existe no todo cósmico como uma onda. Você está inter-relacionado. E o ego lhe
dá a sensação de que você é individual, sozinho, separado, isolado. O ego lhe dá a sensação de
que você é uma ilha – você não é. Eis por que o ego é falso. Ele é irreal, e a realidade não pode
apoiá-lo.
Assim, há somente dois modos. Se você entrar em contato com a realidade, se você se tornar
aberto para ela, seu ego se dissolverá. Ou, você tem de criar seu próprio mundo de sonho e,
depois, viver nele. E você criou esse mundo. Todo mundo está vivendo no seu próprio sonho.
As pessoas vêm a mim e eu olho para elas, e vejo que elas estão dormindo a sono solto,
sonhando. Seus problemas saem de seus sonhos, e elas querem resolvê-los. Eles não podem ser
resolvidos, porque eles não são reais. Como você pode resolver um problema irreal? Se ele
existe, ele pode ser resolvido – mas ele não está em lugar algum: ele não pode ser resolvido. Um
problema irreal – como ele pode ser resolvido? Ele só pode ser resolvido por uma resposta irreal.
Mas essa resposta irreal criará outros problemas que, novamente, serão irreais. E, então, você cai
ad nauseum; não há fim para isso.
Se você quer vir a encontrar a realidade... E encontrar a realidade é encontrar Deus. Deus não
é algo escondido em algum lugar no céu: ele é a realidade ao seu redor. Deus não está escondido:
você é que está escondido numa irrealidade. Deus é a presença imediata mais próxima, mas você
está escondido numa cápsula do seu próprio mundo irreal e você continua protegendo isso – e o
centro disso é o ego.
O ego é irreal, porque você não está isolado; você é um com a realidade. Você existe como
uma parte orgânica dela. Você não pode ser separado dela. Separado, você não pode viver nem
por um único instante. Cada respiração – e você está ligado com o cosmos; a cada momento você
está se movendo para dentro e para fora, encontrando o real e voltando.
Você é uma pulsação, não uma entidade morta; e essa pulsação existe em profunda harmonia
com o real. Mas você se esqueceu dessa pulsação. Você criou um ego morto, um conceito – Eu
Sou –; e esse “eu sou” está sempre contra o todo: defendendo-se, batalhando, em conflito, na
guerra. Desse modo, a ênfase de todas as religiões para se dissolver o ego.
A primeira coisa: o ego é irreal; eis por que ele pode ser dissolvido. Nada real pode ser
dissolvido. Como você poderia dissolvê-lo? Se algo é real, não pode ser destruído –
permanecerá. E permanecerá faça você o que fizer. Somente as coisas irreais podem ser
dissolvidas. Elas podem desaparecer, elas podem simplesmente evaporar no vazio, no nada. Seu
ego pode se dissolver, porque ele é irreal; Ele é apenas um pensamento, uma noção – não tem
substância em si.
Em segundo lugar: você não pode carregar esse ego continuamente durante as vinte e quatro
horas. Ele é tão irreal, que você tem de abastecê-lo constantemente, alimentá-lo. Enquanto você
está dormindo, o ego não está presente. Eis por que de manhã você se sente tão refrescado,
porque você esteve em profundo contato com a realidade. A realidade o rejuvenesceu,
revitalizou-o.
Em sono profundo, seu ego não existe. Seu nome, sua forma, tudo se dissolveu. Você não
sabe quem você é – educado ou sem educação, pobre ou rico, um pecador ou um santo – você
não sabe. Em sono profundo você cai de volta no todo cósmico – o ego não está ali. De manhã,
você se sente revitalizado, refrescado, jovem. A energia veio a você de alguma fonte profunda.
Você está vivo novamente. Mas, se na noite houver sonhos e sonhos e sonhos, de manhã você se
sentirá cansado, porque nos sonhos o ego persiste. Nos sonhos o ego persiste, está presente,
então, ele não lhe permite cair na fonte original. Você se sentirá cansado de manhã.
Em sono profundo, o ego não existe. Quando você está amando profundamente, o ego não
existe. Quando você está relaxado, silencioso, o ego não existe. Quando você está absorvido em
algo tão totalmente, esquecido, o ego não existe. Ouvindo música, você se esqueceu de quem
você é – o ego não existe. E, realmente, a paz que vem a você não vem através da música: ela
vem, porque você está esquecido do ego. A música é instrumental.
Olhando para um belo nascer ou pôr-do-sol, você se esquece de si mesmo. Então,
repentinamente, você sente que algo aconteceu a você. Você não está presente; algo maior que
você está presente. Esta presença do maior... Jesus chama isso de Deus – essa palavra é apenas
simbólica. Maomé chama de Deus – esta palavra é apenas simbólica. “Deus” significa “maior
que você” – um momento em que você sente que algo maior do que você está lhe acontecendo. E
você pode sentir isso somente quando você não está. Enquanto você estiver presente, o maior
não poderá acontecer a você, porque você é a barreira.
A qualquer momento, se você estiver ausente, o Deus está presente. Sua ausência é a presença
do divino. Lembrem-se sempre: sua ausência é a presença do divino; sua presença é a ausência
do divino. Assim, realmente, a questão não é como alcançar Deus, a questão é como estar
ausente.
Você não precisa se preocupar com o divino, você pode se esquecer dele completamente. Não
há nenhuma necessidade de se lembrar nem da palavra ‘deus’. Isso é irrelevante, porque a coisa
básica não é Deus, a coisa básica é o seu ego. Se ele não estiver presente, Deus acontece a você.
E, se você tentar, se você fizer esforço para alcançar Deus, para atingir Deus, ou para se liberar,
você perde, porque todo esse esforço pode ser egocêntrico.
Esse é o problema para o buscador espiritual. Pode ser apenas o ego que está pensando em
alcançar Deus. Você não pode ficar satisfeito pelos seus sucessos mundanos. Você conseguiu: no
mundo externo você alcançou certo status, posição, prestígio. Você é poderoso, você é rico,
instruído, respeitado, mas seu ego não está satisfeito. O ego nunca está satisfeito. E a razão? – a
mesma. Uma fome verdadeira pode ser satisfeita. A fome do ego é falsa – não pode ser satisfeita.
O que quer que você faça será inútil. Porque a fome é falsa, nenhum alimento pode satisfazê-la.
Se a fome é verdadeira, ela pode ser satisfeita.
Todas as fomes naturais podem ser satisfeitas – isso é simples, não é um problema
absolutamente – mas fomes não-naturais não podem ser satisfeitas. Em primeiro lugar, elas não
são fomes – como você pode satisfazê-las? E elas são irreais – somente o vazio existe ali. Você
vai empurrando alimento, e você está empurrando o alimento num abismo, num abismo sem
fundo. Você não vai chegar a lugar nenhum. O ego não pode ser satisfeito.
Ouvi contar que quando Alexandre estava chegando à Índia, alguém lhe disse: “Você alguma
vez meditou sobre o fato de que há somente um mundo? E, se você vencê-lo, então, o que você
fará?”.
E conta-se que depois de ouvir isto, Alexandre ficou muito triste e disse: “Eu não tinha
pensado nisso, mas isso me deixa tristíssimo. Realmente, há somente um mundo e eu estou a
caminho de conquistá-lo. E, quando eu tiver vencido, o que irei fazer então?”.
Nem este mundo todo saciará sua sede, porque a sede é falsa, irreal. A fome não é natural.
O ego pode ir em busca de Deus. Em quase noventa e nove por cento dos casos, esta tem sido
a minha percepção – que o ego está na busca. E, então, a busca fatalmente está condenada desde
o início, porque o ego não pode encontrar o divino, e o ego está fazendo todo o esforço para
alcançá-lo. Lembre-se bem: sua meditação, sua oração, sua devoção, não devem ser uma viagem
de ego. Se for, você está desnecessariamente desperdiçando sua energia. Portanto, fique bem
atento.
E isso é somente uma questão de percepção. Se você estiver perceptivo, você pode descobrir
como seu ego se move, como ele funciona. Não é difícil: não é preciso nenhum treinamento
especial. Você pode fechar os olhos e ver qual é a busca. Você pode fazer a pergunta se você está
realmente buscando o divino, ou se é novamente apenas uma viagem de ego – porque isso é
respeitável, porque as pessoas pensam que você é religioso, porque lá no fundo você pensa:
“Como eu posso ficar satisfeito – eu – a menos que possua Deus?”.
Será que Deus vai ser sua posse? Os Upanishads dizem que a pessoa que diz que alcançou
Deus, não alcançou, porque a própria afirmação de que “eu alcancei Deus”, é uma afirmação do
ego. Os Upanishads dizem que a pessoa que proclama que sabe, não conheceu nada. A própria
proclamação mostra que ela não sabe, porque o clamor de que “Eu sei”, vem do ego. E o ego não
pode saber. O ego é a única barreira.

82 Sinta, não pense

Agora, entraremos nas técnicas. A primeira:

Sinta:
Meu pensamento,
a individuação,
órgãos internos
– EU.

Uma técnica muito simples e muito bela. “Sinta: Meu pensamento, a individuação, órgãos
internos – EU.” A primeira coisa é não pensar, mas sentir. Essas são duas dimensões diferentes.
E nós nos tornamos tão orientados pelo intelecto, que mesmo quando dizemos que estamos
sentindo, realmente não estamos sentindo, estamos pensando. O sentimento cessou
completamente: ele se tornou um órgão morto em você. Mesmo quando você diz “eu amo”, não
se trata de um sentimento, é novamente um pensamento.
E qual é a diferença entre sentir e pensar? Se você sentir, você se sentirá centrado próximo ao
coração. Se eu digo “eu o amo”, este próprio sentimento de amor fluirá do meu coração, o centro
será próximo do coração. Se for apenas um pensamento, virá da cabeça. Quando você ama
alguém, tente sentir se o amor está vindo da cabeça, ou se está vindo do coração.
Sempre que você sente profundamente, você está sem cabeça. Nesse momento, não há
nenhuma cabeça – não pode haver. O coração se torna todo seu ser – como se a cabeça tivesse
desaparecido. Ao sentir, o centro do ser é o coração. Enquanto você está pensando, o centro do
ser é a cabeça.
Mas pensar mostrou-se muito útil para a sobrevivência; então, nós paramos com tudo o mais.
Todas as outras dimensões do seu ser pararam e se fecharam. Somos apenas cabeças, e o corpo é
apenas uma situação para a cabeça existir. Não paramos de pensar; inclusive sobre sentimentos
permanecemos pensando.
Portanto, tente sentir. Você terá de trabalhar isso, porque essa capacidade, essa qualidade,
permaneceu retardada. Você deve fazer algo para reabrir essa possibilidade.
Você olha para uma flor e imediatamente você diz que ela é linda. Pondere sobre o fato,
deixe-se ficar com o fato. Não lhe dê um julgamento apressado. Espere – e, depois, veja se foi
apenas da cabeça que você disse que ela é bela, ou se você sentiu isso mesmo. Seria apenas uma
coisa rotineira, porque você sabe que uma rosa é bela, pressupostamente, é bela? As pessoas
dizem que ela é bela, e você também já disse isso muitas vezes, que ela é bela.
No momento em que você vê a rosa, a mente lhe dá suprimento: a mente diz que ela é bela.
Está acabado. Agora, não há nenhum contato com a rosa. Não há nenhuma necessidade: você já
disse. Agora você já pode ir para outra coisa. Sem nenhuma comunhão com a rosa... a mente não
lhe permite nem ao menos um vislumbre da rosa. A mente entra no meio, e o coração não pode
entrar em contato com a rosa. Somente o coração pode dizer se ela é bela ou não, porque a beleza
é um sentimento, não é um conceito. Você não pode dizer a partir da cabeça que ela é bela.
Como você pode dizer? A beleza não é matemática, não é mensurável. E a beleza não está, na
verdade, simplesmente na rosa, porque para outra pessoa ela pode não ser bela absolutamente; e
ainda mais, outra pessoa pode apenas passar sem olhar para ela; e mais outra pessoa pode
inclusive achá-la feia. A beleza não existe simplesmente na rosa; a beleza existe num encontro
do coração com a rosa. Quando o coração encontra-se com a rosa, a beleza floresce. Quando o
coração entra em profundo contato com qualquer coisa, é um grande fenômeno.
Se você entrar em profundo contato com qualquer pessoa, a pessoa se torna bela. Quanto mais
profundo o contato, mais beleza é revelada. Mas a beleza é um fenômeno que acontece ao
coração, não à mente. Não é um cálculo, e não há nenhum critério pelo qual julgar. É uma
sensação.
Assim, se eu digo “esta rosa não é bela”, você não pode argumentar sobre isso. Não há
nenhuma necessidade de argumentar. Você dirá: “Essa é a sua sensação. E a rosa é bela – esta é a
minha sensação”. Não há nenhuma questão de argumentação. As cabeças podem argumentar. Os
corações não podem argumentar. Acabou, ponto final. Se eu digo “esta é minha sensação”,
então, não há nenhuma questão de argumentação.
Com a cabeça, o argumento pode continuar e podemos chegar a uma conclusão. Com o
coração, a conclusão já aconteceu. Com o coração, não há nenhum procedimento em direção à
conclusão; a conclusão é imediata, instantânea. Com a cabeça, é um processo – você argumenta,
discute, analisa e, depois, você chega a uma conclusão sobre se isto é assim ou assado. Com o
coração, é um fenômeno imediato – a conclusão vem antes. Veja bem: com a cabeça, a
conclusão vem no fim. Com o coração, a conclusão vem antes e, depois, você pode prosseguir
para encontrar o processo – mas essa é a função da cabeça.
Assim, quando tais técnicas têm de ser praticadas, a primeira dificuldade será que você não
sabe o que é sentimento. Tente desenvolvê-lo. Quando você tocar algo, feche seus olhos; não
pense, sinta. Por exemplo, se eu pego sua mão na minha mão e lhe digo “feche seus olhos e sinta
o que está acontecendo”, você imediatamente dirá: “Sua mão está na minha mão”. Mas isto não é
um sentimento, isto é um pensamento. Então, eu novamente lhe digo: “Sinta. Não pense”. Então,
você diz: “Você está expressando seu amor”. Isso também é novamente um pensamento. Se eu
insistir novamente: “Sinta apenas, não use sua cabeça. O que você está sentindo exatamente
agora?” – somente então você será capaz de sentir e dizer “o calor”. Porque o amor é uma
conclusão. “Sua mão está na minha mão” – este é um pensamento orientado pela cabeça.
O sentimento real é que certo calor está fluindo da minha mão para a sua mão, ou da sua mão
para a minha. Nossas energias vitais estão se encontrando e o ponto de encontro tomou-se
quente, tem calor. Este é o sentimento, a sensação, o real. Mas nós permanecemos continuamente
com a cabeça. Isso se tornou um hábito; somos treinados para isso. Assim, você tem de reabrir
seu coração.
Tente viver com os sentimentos. Às vezes, durante o dia, quando você não estiver fazendo
nenhum trabalho especial – porque nos negócios, no começo será difícil viver com o sentimento.
Ali, a cabeça mostrou-se muito eficiente, e você não pode depender dos sentimentos. Enquanto
você estiver em casa brincando com os filhos, a cabeça não é necessária, não se trata de um
negócio – mas aí também você permanece com a cabeça. Brincando com seus filhos ou apenas
sentado com sua esposa, ou sem fazer nada, relaxando numa cadeira... – sinta. Sinta a textura da
cadeira.
Sua mão está tocando a cadeira: como você a está sentindo? O vento sopra, a brisa está
entrando. Ela o toca. Como você sente? Cheiros estão vindo da cozinha. Como você sente isso?
Apenas sinta. Não pense sobre essas coisas. Não comece a matutar se aquele cheiro mostra que
algo está sendo preparado na cozinha – senão, você começará a sonhar com aquilo. Não, apenas
sinta seja qual for o fato. Permaneça com o fato; não se mova no pensamento. Você está cercado
por todos os lados. Por todo lado tanto está convergindo sobre você! Toda a existência está
chegando para encontrar-se com você, vinda de toda parte; através de todos os seus sentidos, ela
está entrando em você, mas você está na cabeça, e seus sentidos se tornaram mortos: eles não
sentem.
Certo crescimento será necessário antes que você possa fazer esta técnica, porque isto é um
experimento interno. Se você não pode sentir o exterior, será muito difícil para você sentir o
interior, porque o interior é o sutil. Se você não pode sentir o grosseiro, você não pode sentir o
sutil. Se você não pode ouvir os sons, então, será difícil para você ouvir os sons internos – isso
será muito difícil. É muito sutil.
Você está apenas sentado no jardim, o tráfego está passando por ali e há muitos ruídos e
muitos sons. Simplesmente feche seus olhos e tente descobrir o som mais sutil ao seu redor. Uma
gralha está grasnando: concentre-se naquele barulho da gralha. Todo o tráfego está seguindo. O
som é tão, tão sutil, que você não pode percebê-lo, a menos que você focalize sua percepção em
direção e a ele. Mas, se você focalizar sua percepção, todo o barulho do tráfego se distanciará e o
barulho da gralha se tornará o centro. E você o ouvirá, todas as nuanças dele – muito sutil, mas
você será capaz de ouvi-lo.
Cresça em sensibilidade. Quando você tocar, quando ouvir, quando comer, quando tomar
banho, permita seus sentidos se abrirem. E não pense – sinta.
Você está debaixo do chuveiro: sinta a frescura da água caindo em você. Não pense sobre
isso. Não diga imediatamente “está muito fria”; “está fria”; “é fria”; “é boa”. Não diga nada. Não
verbalize, porque, no momento em que você verbaliza, você perde a sensação. No momento em
que as palavras entram, a mente começou a funcionar. Não verbalize. Sinta a friagem da água e
não diga que está fria. Não há necessidade de dizer nada. Mas nossas mentes são simplesmente
loucas; vamos sempre dizendo uma coisa ou outra.
Eu me lembro: eu estava trabalhando numa universidade e havia uma professora que vivia
sempre dizendo uma coisa ou outra. Para ela, era impossível ficar calada em qualquer situação.
Um dia eu estava parado na varanda da faculdade e o sol estava se pondo. Era uma tremenda
beleza. E ela estava parada ao meu lado, então eu lhe disse: “Olhe!”. – Ela estava dizendo uma
coisa ou outra. Então eu disse: “Olhe! Um pôr-do-sol tão belo!”. Então, com muita relutância, ela
concedeu; ela disse: “Sim, mas você não acha que deveria haver um pouco mais de púrpura à
esquerda?”. Não era uma pintura... Era um pôr-do-sol verdadeiro!
Nós vivemos dizendo coisas, nem ao menos atentos ao que estamos dizendo. Pare de
verbalizar! Somente então, você pode aprofundar seus sentimentos. Se os sentimentos forem
aprofundados, então, esta técnica pode fazer milagres por você.

Sinta:
Meu pensamento,

Feche os olhos e sinta o pensamento. Existe um contínuo fluxo de pensamentos, um


continuum, um fluxo: um rio de pensamentos está fluindo. Sinta esses pensamentos, sinta a
presença deles. E quanto mais você sentir, mais lhe será revelado – camadas após camadas. Não
somente de pensamentos que estão bem na superfície: por trás deles, há mais pensamentos, e por
trás desses outros ainda há mais pensamentos – camadas sobre camadas.
E a técnica diz: “Sinta: Meu pensamento”. E nós continuamos dizendo: “Estes são meus
pensamentos.”. Mas sinta – eles são realmente seus? Você pode dizer “meu”? Quanto mais você
sentir, menos lhe será possível dizer que eles são seus. Eles são todos tomados emprestado, eles
vêm todos do lado de fora. Eles chegaram até vocês, mas eles não são seus. Nenhum pensamento
é seu – eles são pura poeira acumulada. Mesmo que você não possa reconhecer a fonte de onde
esses pensamentos vieram até você; nenhum pensamento é seu. Se você tentar com afinco, você
pode descobrir de onde eles vieram até você.
Somente o silêncio interior é seu. Ninguém o deu a você. Você nasceu com ele, e morrerá
com ele. Os pensamentos foram dados a você – você foi condicionado por eles. Se você é um
hindu, você tem um conjunto diferente de pensamentos; se você é um muçulmano, é claro, outro
diferente conjunto de pensamentos; se você é um comunista, novamente um diferente conjunto
de pensamentos. Eles lhe foram dados, ou você pode ter se apoderado deles voluntariamente,
mas nenhum pensamento é seu.
Se você sentir a presença de pensamentos, uma multidão, você pode sentir isso também – que
eles não são seus. Aquela multidão veio até você, juntou-se à sua volta, mas aquilo não lhe
pertence. E, se isso puder ser sentido – que nenhum pensamento é meu – somente então, você
pode jogar fora a mente. Se eles são seus, você os defenderá. E o próprio sentimento de que “este
pensamento é meu”, é o apego. Então, eu lhe dou raízes em mim mesmo. Então, eu me torno o
solo e o pensamento pode permanecer enraizado em mim. Se qualquer coisa que eu possa ver
que não é minha for desenraizada, então eu não estou apegado a ela. O sentimento de “meu” cria
o apego.
Você pode lutar por seus pensamentos, você pode até se tornar um mártir pelos seus
pensamentos. Ou, você pode se tornar um matador, um assassino pelos seus pensamentos. E os
pensamentos não são seus. A consciência é sua, mas os pensamentos não são seus. E por que isso
ajudará? Porque, se você pode ver que os pensamentos não são seus, então, nada é seu, porque o
pensamento é a raiz de tudo. A casa é minha e a propriedade é minha e a família é minha – essas
são as coisas externas. Lá no fundo os pensamentos são meus. Somente se os pensamentos são
meus, podem todas essas coisas, a superestrutura, ser minha.
Se os pensamentos não são meus, então, nada importa, porque isto também é um pensamento
– que você é minha esposa, ou é meu marido. Isto também é um pensamento. E, se basicamente
o próprio pensamento não é meu, então, como o marido pode ser meu? Ou como a esposa pode
ser minha? Os pensamentos erradicados, o mundo todo está erradicado. Então, você pode viver
no mundo e não viver nele...
Você pode ir para os Himalaias, você pode sair do mundo, mas, se você pensa que seus
pensamentos são seus, você não se moveu uma única polegada. Sentado lá nos Himalaias, você
estará tanto no mundo quanto aqui, porque os pensamentos são do mundo. Você carrega seus
pensamentos para os Himalaias. Você sai de casa – mas a casa verdadeira é interna, e a casa
verdadeira é construída com tijolos de pensamento. Não é a casa externa.
Assim, isto é estranho, mas isto acontece todos os dias: eu vejo um homem que deixou o
mundo, mas que, ainda assim, permanece um hindu. Ele se torna um saniássin e, ainda assim,
permanece um hindu ou permanece um jainista. O que isto significa? Ele renuncia o mundo, mas
não renuncia os pensamentos. Ele ainda é um jainista, ele ainda é um hindu – o mundo do
pensamento continua sendo carregado. E esse mundo do pensamento é o mundo verdadeiro.
Se você puder ver que nenhum pensamento é seu... e você verá, porque você será aquele que
vê e os pensamentos se tornarão os objetos. Quando você silenciosamente olha para os
pensamentos, os pensamentos serão os objetos e você será aquele que olha. Você será aquele que
vê, a testemunha, e os pensamentos estarão fluindo diante de você.
E, se você olhar profundamente e sentir profundamente, você verá que não há raízes. Os
pensamentos estão flutuando como nuvens no céu – elas não têm raízes. Elas vêm e vão. Você é
apenas uma vítima, e sem nenhuma necessidade você se torna identificado com eles. A cada
nuvem que passa pela sua casa, você diz: “Esta é minha nuvem.”. Os pensamentos são como as
nuvens: elas vão passando no céu da sua consciência, e você vai se agarrando a cada uma. Você
diz: “Este pensamento é meu”. – e ele é apenas uma nuvem vadia, que está passando. E passará.
Volte à sua infância. Você tinha certos pensamentos, e você se agarrava a eles e dizia que eles
eram seus pensamentos. Então, a criança desapareceu e, com aquela infância, aquelas nuvens
desapareceram. Agora você nem mesmo se lembra. Depois, você foi jovem: então outras nuvens,
que são atrativas quando você é jovem, chegaram a você, e você começou a se agarrar a elas.
Agora, você está velho: aqueles pensamentos não existem mais, você não se lembra deles. E
eles foram muito significativos, tanto que você poderia ter morrido por eles e, agora, você nem
ao menos se lembra deles. Agora, você pode rir de todo o absurdo de certa vez ter pensado que
poderia morrer por eles, que poderia se tornar um mártir por eles. Agora, você não daria nem um
centavo por eles. Eles não pertencem a você agora. Agora, aquelas nuvens se foram, outras
nuvens vieram, e você está agarrado nelas.
As nuvens vão mudando, mas seu agarramento nunca muda. Eis o problema. E não é que eles
somente mudem quando você deixa de ser uma criança. A cada momento eles mudam. Um
minuto atrás, você estava com certas nuvens; agora você está com outras nuvens. Quando você
chegou aqui, certas nuvens pairavam sobre você; quando você sair desta sala, outras nuvens
estarão pairando sobre você – e você contínua agarrado a cada nuvem. Se no fim você não
descobre nada em suas mãos, é natural, porque nada pode vir das nuvens – e os pensamentos são
apenas nuvens.
Este sutra diz: Sinta. Fique assentado nos sentimentos primeiro. Depois: Meu pensamento.
Olhe para aquele pensamento que você sempre chamou de “meu” – Meu pensamento. Assentado
no sentimento, olhando para o pensamento, o “meu” desaparece. E o “meu” é o truque, porque a
partir de muitos “meus”, a partir de muitos “eus”, o “eu” evolui – isto é “meu”, isto sou “eu”.
Tantos “meus”; a partir deles, o “eu” evolui.
Esta técnica começa a partir da raiz. O pensamento é a raiz de tudo. Se você puder cortar o
sentimento de “meu” em sua própria raiz, ele não aparecerá novamente, ele não será visto em
lugar algum novamente. Mas, se você não o cortar desde lá, você pode seguir cortando tudo mais
e será inútil: aquele sentimento continuará aparecendo sempre novamente.
Eu posso cortá-lo. Eu posso dizer: “Minha esposa? Não, somos estranhos, e casamento é
apenas uma formalidade social”. Eu jogo fora o meu. Eu digo: “Ninguém é minha esposa”. –
mas isso é muito superficial. Mais tarde, eu digo: “Minha religião”. Depois, eu digo: “Minha
seita.” Depois eu digo: “Este é o meu livro religioso. Esta é a Bíblia. Este é o Alcorão. Este é
meu livro”. Depois, o meu continua em algum outro campo e você permanece o mesmo.
Meu pensamento, e depois a individuação. Primeiro olhe para o tráfego do pensamento, o
processo do pensamento, o fluxo dos pensamentos, e descubra se algum pensamento lhe pertence
mesmo, ou se eles estão apenas passando como nuvens. E quando você vier a sentir que nenhum
pensamento é seu, que anexar “meu” a qualquer pensamento é uma ilusão, então, vem a segunda
coisa: aí, você poderá ir mais fundo. Então, perceba a individuação. Onde está esse “eu”?
Raman dava uma técnica a seus discípulos: eles tinham apenas que se perguntar “Quem sou
eu?”. No Tibete, eles usavam uma técnica parecida, mas ainda assim melhor do que a de Raman.
Eles não perguntam “Quem sou eu?”. Eles perguntam “Onde eu estou?” – porque o “Quem”
pode criar um problema. Quando você pergunta “quem sou eu?”, você toma como certo que você
existe; a única questão é saber quem você é. Você já pressupôs que você existe. Esse fato não é
contestado. Pressupõe-se que você existe. A única questão é quem você é. Somente tem-se que
conhecer a identidade – a face deve ser reconhecida. Ela está presente, ela existe, apenas não-
reconhecidamente.
O método tibetano é ainda mais profundo. Eles dizem para ficar silencioso e, depois, procurar
dentro de você por onde você anda. Entre fundo no espaço interior, vá a cada canto e pergunte:
“Onde eu estou?”. Você não se encontrará em lugar algum. E quanto mais você buscar, mais
você não encontrará. E, perguntando “quem sou eu?” ou “onde eu estou?”, chega um momento
em que você chega a um ponto onde você existe, mas nenhum “eu” – uma simples existência
aconteceu a você. Mas isso só acontecerá quando os pensamentos não mais forem seus. Esse é
um reino mais profundo – individuação.
Nós nunca sentimos isso. Não paramos de dizer “eu”. A palavra ‘eu’ é usada sem parar – a
palavra mais usada é ‘eu’ – mas você não tem nenhum sentimento a este respeito. O que você
quer dizer por “eu”? Quando você diz “eu”, o que você quer dizer? O que é conotado através
dessa palavra? O que é expresso? Eu posso fazer um gesto. Então, eu posso dizer: “Eu quero
dizer isto.”. Eu posso mostrar meu corpo – “Eu quero dizer isto”. Mas então podem lhe
perguntar: “Você quer dizer sua mão? Quer dizer sua perna? Quer dizer seu estômago?”. Aí eu
terei de negar, eu terei de dizer não. Então, todo o corpo será negado. Então, o que você quer
dizer quando você diz “eu”? Você quer dizer sua cabeça? Lá no fundo, sempre que você diz
“eu”, trata-se de um sentimento muito vago, e o sentimento vago é de seus pensamentos.
Assentado no sentimento, desvencilhado dos pensamentos, defronte-se com a individuação e,
à medida que você a encarar, você descobrirá que ela não existe. Trata-se apenas de uma palavra
inútil, um símbolo linguístico – necessário, mas não real. Nem para um buda tem utilidade,
mesmo depois de sua iluminação. Trata-se apenas de um artifício linguístico. Mas, quando um
buda diz “eu”, ele nunca quer dizer “eu”, porque não há nenhum eu.
Quando você encarar a individuação, ela desaparecerá. O medo pode agarrar-se a você neste
momento, você pode ficar apavorado. E ele acontece a muitos que entram em tais técnicas mais
profundamente: eles ficam com tanto medo que fogem dali. Assim, lembre-se disto: quando você
sentir e encarar sua individuação, você estará na mesma situação em que estará quando morrer –
a mesma. Porque o “eu” está desaparecendo e você sente que a morte está ocorrendo a você.
Você terá uma sensação de afundamento, você sentirá que está afundando cada vez mais. E, se
você ficar com medo, você sairá e se agarrará aos pensamentos, porque aqueles pensamentos
ajudarão. Aquelas nuvens estarão presentes: você pode se agarrar a elas e, então, o medo o
abandonará.
Lembrem-se: este medo é muito bom, um sinal muito esperançoso. Ele mostra que agora você
está indo fundo – e a morte é o ponto mais fundo. Se você puder entrar na morte, você se tornará
sem-morte, porque quem entra na morte não pode morrer. Então, a morte fica também só à volta:
nunca no centro, só na periferia. Quando a individuação desaparece, você fica exatamente como
a morte. O velho não mais existe e o novo aconteceu.
Esta consciência que surgirá é absolutamente nova, descontaminada, jovem, virgem. O velho
não existe mais – e o velho nem mesmo a tocou. A individuação desaparece, e você está na sua
incorrupta virgindade, em seu absoluto frescor. A camada mais funda do ser foi tocada.
Assim, pense nisso deste modo: pensamentos; depois, abaixo deles, a individuação; e em
terceiro lugar: “Sinta: Meu pensamento, a individuação, órgãos internos – EU”.
Quando os pensamentos tiverem desaparecido ou você não estiver agarrado a eles – se eles
estiverem passando não é da sua conta, você está distante e desapegado e desidentificado – e a
individuação também tiver desaparecido, então, você poderá olhar para os órgãos internos. Esses
órgãos internos... Esta é uma das coisas mais profundas. Nós conhecemos os órgãos externos.
Com as mãos eu toco você, com os olhos eu o vejo – esses são órgãos externos.
Os órgãos internos são aqueles através dos quais eu sinto meu próprio ser. Os externos são
para os outros. Eu sei sobre você através dos órgãos externos. Como eu sei então sobre mim?
Mesmo esse “eu sou” – como eu sei dele? Quem me dá a sensação do meu próprio ser? Há
órgãos internos. Quando os pensamentos pararam e quando a individuação não existe mais,
somente então, nessa pureza, nessa clareza, você pode ver os órgãos internos.
Consciência, inteligência – são órgãos internos. Através deles, eu percebo meu próprio ser,
minha própria existência. Eis por que se você fechar os olhos, você pode se esquecer do seu
corpo completamente, mas sua sensação de que você existe, permanece. E é concebível que,
quando uma pessoa morre... Isto é um fato. Quando uma pessoa morre, para nós ela está morta,
mas leva um pouco de tempo para ela reconhecer o fato de que ela está morta, porque a sensação
de ser permanece a mesma.
No Tibete, eles têm exercícios especiais para se morrer e eles dizem que a pessoa deve estar
pronta para morrer. Um dos exercícios é este: sempre que alguém está morrendo, o mestre ou o
sacerdote ou alguém que saiba os exercícios do bardo, vão dizendo a ele: “Lembre-se: fique
alerta, você está deixando o corpo”. Porque, mesmo quando você está saindo do corpo, levará
tempo para reconhecer que você está morto, porque a sensação interna permanece a mesma: não
há mudança.
O corpo é somente para tocar e sentir os outros. Através dele, você nunca se tocou, através
dele, você nunca se conheceu. Você se conhece através de algum outro órgão que é interno. Mas
este é o infortúnio – não percebemos os órgãos internos e nossa imagem em nossos próprios
olhos é criada pelos outros. Seja o que for que digam sobre mim, é o meu conhecimento de mim
mesmo. Se disserem que sou belo ou se disserem que sou feio, eu acredito nisso. Seja o que for
que meus sentidos digam para mim através dos outros – refletidos através dos outros – torna-se
minha crença sobre mim mesmo.
Se você puder reconhecer os órgãos internos, você estará livre da sociedade completamente.
Eis o que se quer dizer quando é dito nas velhas escrituras que um saniássin não faz parte da
sociedade, porque agora ele conhece a si mesmo através dos próprios órgãos internos. Agora seu
conhecimento sobre si mesmo não mais é baseado sobre outros, não mais é uma coisa refletida.
Agora ele não precisa de nenhum espelho para se conhecer. Ele descobriu o espelho interno, e
ele se conhece através do espelho interno. E a realidade interna pode ser conhecida somente
quando você chega aos órgãos internos.
“Órgãos internos.” Você pode então olhar através dos órgãos internos. E, então... – o “EU”.
É difícil expressar isso em palavras, eis por que o “EU” é usado. Qualquer palavra estaria errada
– “EU” é também errado. Mas o “eu” já desapareceu. Assim, lembrem-se: este EU não tem nada
a ver com o eu. Quando os pensamentos já foram erradicados, quando a individuação já
desapareceu, quando os órgãos internos são conhecidos, o EU aparece. Então, pela primeira vez,
meu verdadeiro ser é revelado – esse ser verdadeiro é chamado de EU.
O mundo externo não mais existe, os pensamentos não mais existem, os sentimentos de ego
não mais existem, e cheguei a conhecer meus próprios órgãos internos do conhecimento, da
consciência, da inteligência – ou, seja lá que nome você queira lhe dar: percepção, estado de
alerta... Então, na luz desse órgão interno, o EU é revelado.
Este EU não pertence a você. Este EU é o seu centro mais íntimo, desconhecido para você.
Este EU não é um ego. Este EU não está contra nenhum VOCÊ. Este EU é cósmico. Este EU não
tem fronteiras. Neste EU, tudo está implícito. Este EU não é uma onda. Este EU é o oceano.
Sinta: Meu pensamento, a individuação, órgãos internos... então, há uma brecha e, de
repente, o EU é revelado. Quando este EU é revelado, então, a pessoa vem a conhecer, “Aham
Brahmasmi – Eu sou o Deus”. Este saber não é nenhum clamor do ego; o ego não mais existe
então.
Você pode se transmutar-se através desta técnica, mas primeiramente, fique assentado nos
sentimentos.

83 Mude seu foco para os intervalos

A segunda técnica:

Antes de desejar e antes de conhecer,


como eu posso dizer “eu sou ”?
Considere.
Dissolva-se na beleza.

Antes de desejar e antes de conhecer, como eu posso dizer “eu sou ”?


Surge um desejo: com o desejo, surge o sentimento de que “eu sou”. Surge um pensamento:
com o pensamento, surge o sentimento de que “eu sou”. Procure por isso, na sua própria
experiência. Antes de desejar e antes de conhecer, não há nenhum ego.
Sente-se silenciosamente. Olhe para dentro. Surge um pensamento: você fica identificado
com o pensamento. Surge um desejo: você fica identificado com o desejo. Na identificação, você
se torna o ego. Então, pense: não há nenhum desejo e não há nenhum conhecimento e nenhum
pensamento – você não pode ficar identificado com coisa alguma. O ego não pode surgir.
Buda usava esta técnica e dizia aos discípulos para não fazerem nada além de uma única
coisa: quando um pensamento surgir, observe-o. Buda dizia para, quando um pensamento surgir,
perceber que um pensamento está surgindo. Internamente, observe: agora um pensamento está
surgindo; um pensamento acabou de surgir; agora um pensamento está desaparecendo...
Simplesmente lembre-se de que agora o pensamento está surgindo, o pensamento surgiu,
agora o pensamento está desaparecendo, de modo que você não fique identificado com ele.
É muito belo e muito simples. Surge um desejo. Você está andando na rua; um belo carro
passa por você. Você olha para ele – e você nem sequer olhou direito e surge o desejo de possuir.
Faça isso. No começo, apenas verbalize; diga lentamente: “Eu vi um carro. Ele é belo. Agora
surgiu um desejo de possuí-lo”. Simplesmente verbalize.
No começo isso é bom; se você puder dizer isso em voz alta, será muito bom. Diga em voz
alta: “Estou observando que um carro passou, a mente disse que ele é belo, e agora surgiu o
desejo e eu quero ter esse carro”. Verbalize tudo, fale alto para si mesmo e, imediatamente, você
sentirá que você é diferenciado disso. Observe.
Quando você se tornar eficiente em observar, não haverá mais nenhuma necessidade de dizer
isso em voz alta. Basta internamente, tomar conhecimento de que um desejo surgiu. Uma bela
mulher passa; entra o desejo. Tome conhecimento disso – como se não fosse com você. Você
está apenas tomando conhecimento do fato que está acontecendo – e então, de repente, você
estará fora disso.
Buda diz: “Tome conhecimento do que quer que aconteça. Basta ir tomando conhecimento e,
quando aquilo desaparecer, tome conhecimento de novo de que, agora o desejo desapareceu, e
você sentirá um distanciamento do desejo, do pensamento”.
Esta técnica diz:

“Antes de desejar e antes de conhecer; como eu posso dizer “eu sou ’’?
E, se não há nenhum desejo e se não há nenhum pensamento, como você pode dizer “eu
sou”? Como eu pode dizer que “eu sou”? Então, tudo está silencioso, não há nenhuma
ondulação. E sem nenhuma ondulação, como posso criar esta ilusão de “eu”? Se houver alguma
ondulação, posso agarrar-me a ela e através dela posso sentir que “eu sou”. Quando não há
nenhuma ondulação na consciência, não há nenhum “eu”.
Assim, antes de desejar, lembre-se; quando o desejo entrar, lembre-se; quando o desejo sair,
continue se lembrando. Quando um pensamento surgir, lembrem-se. Olhe para ele.
Simplesmente tome conhecimento de que um pensamento surgiu. Mais cedo ou mais tarde, ele
irá embora, porque tudo é momentâneo, e haverá um espaço vazio. Entre dois pensamentos, há
um espaço vazio, entre dois desejos há um espaço vazio – e no espaço vazio não há nenhum
“eu”. Tome conhecimento de um pensamento na mente e, depois, você sentirá que há um espaço
vazio. Por menor que seja, há um intervalo. Então, outro pensamento vem; então, novamente, há
um intervalo. Nesses intervalos não há nenhum “eu” – e esses intervalos são o seu verdadeiro
ser. Os pensamentos estão se movendo no céu. Nesses intervalos você pode olhar entre duas
nuvens, e o céu é revelado.

Considere. Dissolva-se na beleza.

E se você puder considerar que um desejo surgiu e um desejo se foi; e você permaneceu no
intervalo e o desejo não o perturbou... – ele veio, ele se foi. Estava ali, e agora não mais está ali,
e você permaneceu intocado, você permaneceu como você estava antes disso. Não houve
nenhuma mudança em você. Ele veio e passou como uma sombra. Ele não lhe tocou; você
permanece sem cicatriz.
Considere este movimento de desejo e o movimento do pensamento, mas nenhum movimento
em você. “Considere e dissolva-se na beleza.” E esse intervalo é belo. Dissolva-se nesse
intervalo. Caia no espaço vazio e seja o espaço vazio. Ele é a mais profunda experiência da
beleza. E não somente da beleza, mas do bem e da verdade também. No espaço vazio você é.
Toda a ênfase tem de ir dos espaços cheios para os espaços não-cheios. Você está lendo um
livro. Há palavras, há frases, mas entre as palavras há espaços vazios, entre as frases há espaços
vazios. Nesses espaços vazios você é. A brancura do papel é você, e os pontos pretos são apenas
nuvens de pensamento e de desejo sê movendo sobre você. Mude a ênfase, mude a gestalt. Não
olhe para os pontos pretos. Olhe para o branco.
No seu ser mais íntimo, olhe para os espaços vazios. Seja indiferente aos espaços cheios, os
espaços ocupados. Fique interessado nos espaços vazios, nos intervalos. Através desses
intervalos, você pode se dissolver na suprema beleza.
Capítulo 56

DESCOBRINDO A VACUIDADE

PERGUNTAS

Em meditação, quando o “eu” cai temporariamente e uma vacuidade é criada internamente,


depois dela sente-se uma frustração quando essa vacuidade não é preenchida pela entrada do
desconhecido. Como a pessoa pode aprender a viver com essa vacuidade?
Você falou sobre transformação e mutação da mente do homem – do inconsciente do homem,
no superconsciente – e você disse que a espiritualidade é uma experimentação existencial.
Mas, na noite passada, você disse que o ego é uma falsa entidade e que ele não tem substância
nem realidade em si. Então, isso quer dizer que toda experimentação espiritual é uma
transformação existencial do ego, que é não-existencial?
Se o ego é irreal, então, isso não significa que a mente inconsciente, a acumulação de
memórias nas células do cérebro, e o processo de transformação que é o assunto da
espiritualidade, também é irreal, um processo de sonho?
Como se pode saber que a busca espiritual na qual se está envolvido não é uma viagem de ego,
mas uma autêntica busca religiosa?

Primeira pergunta:

Em meditação, quando o “eu” cai temporariamente e uma vacuidade é criada


internamente, depois dela sente-se uma frustração quando essa vacuidade não é preenchida
pela entrada do desconhecido. Como a pessoa pode aprender a viver com essa vacuidade?

A vacuidade é o desconhecido. Não espere e não tenha esperança de que algo vá preencher a
vacuidade. Se você está esperando, tendo esperança, desejando, você não está vazio. Se você está
esperando que algo, alguma força desconhecida, descerá sobre você, você não está vazio – essa
esperança existe, esse desejo existe, esse anseio profundo existe. Assim, não deseje por algo que
o preencha. Simplesmente fique vazio. Nem ao menos espere.
A vacuidade é o desconhecido. Quando você está realmente vazio o desconhecido desceu
sobre você. Não é que primeiro você se torna vazio e, depois, o desconhecido entra. Você está
vazio, e o desconhecido entrou. Não há nem um único instante de intervalo. A vacuidade e o
desconhecido são um só.
No começo, parece-lhe vacuidade; isso é só aparência, porque você esteve sempre cheio pelo
ego. Realmente, você está sentindo a ausência do ego; eis por que você se sente vazio. Primeiro o
ego desaparece – mas a sensação de que o ego não existe mais cria a sensação de vacuidade.
Simplesmente a ausência... – algo estava ali e, agora, não está mais. O ego se foi, mas a ausência
do ego é sentida. Primeiro o ego desaparecerá e, depois, a ausência do ego desaparecerá.
Somente então, você estará realmente vazio. E estar realmente vazio é estar realmente
preenchido.
Esse espaço interior que é criado pela ausência do ego, é o divino. O divino não vem de
algum outro lugar: você já é isso. Porque você está cheio de ego, você não pode percebê-lo, você
não pode vê-lo, você não pode tocá-lo. Uma fina barreira de ego o impede.
Quando o ego caiu, a barreira caiu. A cortina não existe mais. Nada está para vir: seja o que
for que esteja para vir, já está presente. Lembre-se disto: nada novo vai chegar a você. Qualquer
coisa possível já está presente, efetivamente. Assim, a questão não é de alcançar: a questão é
somente de descobrir. O tesouro está presente, apenas coberto – você o descobre.
Quando se tornou um homem realizado, perguntaram a Buda muitas vezes: “O que você
ganhou? O que você alcançou?”.
Contam que Buda disse: “Eu não alcancei nada. Mais exatamente, ao contrário, eu perdi a
mim mesmo. E o que eu alcancei já estava lá; assim, eu não posso dizer que eu alcancei. Eu
estava inconsciente disso. Agora, eu fiquei consciente. Mas eu não posso dizer que alcancei.
Mais exatamente, ao contrário, agora eu imagino como foi possível que eu não soubesse antes. E
esteve sempre aí, bem no canto – precisa só dar uma volta”.
A divindade não está no futuro. Sua divindade é o presente. Está aqui e agora. Neste exato
momento, você é ela – imperceptiva, sem olhar na direção correta, ou sem sintonia com ela, eis
tudo.
Existe um rádio: as ondas estão passando agora mesmo, mas, se o rádio não está sintonizado
numa determinada onda, a onda não se manifesta. Você sintoniza o rádio e a onda se manifesta.
Uma sintonia é necessária. A meditação é uma sintonia. Quando você está sintonizado, o que
está não-manifesto torna-se manifesto.
Mas lembre-se: não deseje, porque o desejo não permitirá que você se esvazie. E, se você não
estiver vazio, nada é possível, porque o espaço não existe, então, sua própria natureza não-
manifesta não pode ser revelada. Ela precisa de espaço para ser revelada. E não pergunte como
viver sem a vacuidade. Esta não é a verdadeira questão. Simplesmente se esvazie.
Uma vez que você saiba o que é a vacuidade, você a amará. Ela é extática. É a mais bela
experiência possível para a mente, para o homem, para a consciência. Você não perguntaria
como viver com a vacuidade. Você está perguntando isso, como se a vacuidade fosse algo como
uma desgraça. Parece assim para o ego. O ego tem sempre medo da vacuidade, então, você
pergunta como viver com isso como se isso fosse algum inimigo.
A vacuidade é seu centro mais íntimo. Todas as atividades estão na periferia; o centro mais
íntimo é apenas um zero. Todo o manifesto está na periferia; o mais profundo âmago do seu ser é
o vacuum não-manifesto. Buda deu-lhe um nome – shunyata. Significa “nada” ou “vacuidade”.
Eis sua natureza, eis seu ser; e, partindo desse nada, todas as coisas vêm e todas as coisas
retornam a isso.
Essa vacuidade é a fonte. Não peça para enchê-lo, porque, sempre que você pedir para enchê-
lo, você criará cada vez mais e mais ego – o ego é o esforço para encher o vazio. E, até mesmo
esse desejo de que agora algo deve descer sobre você – um deus, uma divindade, um divino
poder, alguma energia desconhecida... – isto novamente é um pensamento. Qualquer coisa que
você pense sobre Deus não vai ser Deus: vai ser simplesmente um pensamento.
Quando você diz “o desconhecido”, você fez disso o conhecido. O que você sabe sobre o
desconhecido? Até mesmo para dizer que aquilo é o desconhecido, você tem de conhecer alguma
qualidade dele – a qualidade de ser desconhecido. Até mesmo o desconhecido se torna conhecido
e, qualquer coisa que a mente diga vai se tornar simplesmente uma verbalização, um processo de
pensamento.
Deus não é a palavra ‘Deus’. O pensamento de Deus não é Deus. E, quando não há nenhum
pensamento, somente então, você virá a sentir e a perceber o que é isso. Nada mais pode ser dito.
Só pode ser indicado. E, todas as indicações são errôneas, porque todas elas são indiretas.
Este tanto pode ser dito... – de que quando você não existe... E você não existe somente
quando não há nenhum desejo, porque você existe com o desejo. O desejo é o alimento através
do qual você existe. O desejo é o combustível. Quando não há nenhum desejo, nenhum anseio
profundo, nenhum futuro, e quando você não existe, essa vacuidade é o recheio da existência.
Nessa vacuidade, toda a existência lhe é revelada: você se torna ela.
Assim, não pergunte como viver com a vacuidade. Primeiro esvazie-se. Não há nenhuma
necessidade de perguntar como viver com isso. É tão abençoado... – é a mais profunda bem-
aventurança. Quando você pergunta como viver com a vacuidade, você está realmente
perguntando como viver consigo mesmo. Mas você ainda não se conheceu. Entre cada vez mais
e mais nisso.
Em meditação, às vezes, você sente uma espécie de vacuidade; isso não é realmente
vacuidade. Eu o chamo apenas de uma espécie de vacuidade. Quando você está meditando, por
alguns instantes, por alguns segundos, você sentirá como se o processo de pensamento tivesse
parado. No começo, essas brechas virão. Mas, devido a você sentir como se o processo de
pensamento tivesse parado, isto é novamente um processo de pensamento, um muito sutil
processo de pensamento. O que você está fazendo? Você está dizendo internamente: “O processo
de pensamento parou”. Mas o que é isto? Este já é um processo de pensamento secundário, que
já começou. E você diz: “Isto é a vacuidade”. Você diz: “Agora algo vai acontecer”. – O que é
isto? Novamente, um novo processo de pensamento começou de novo.
Sempre que isto acontece novamente, não se torne uma vítima disso. Quando você sente
“certo silêncio está descendo”, não comece a verbalizar isso, porque você o está destruindo.
Espere – não por algo! – simplesmente, espere. Não faça nada. Não diga: “Isto é a vacuidade”.
No momento em que você diz isso, você já o destruiu. Simplesmente olhe para aquilo, penetre
aquilo, encare aquilo, mas espere – não o verbalize. Qual é a pressa? Através da verbalização, a
mente novamente entrou por uma rota diferente, e você é enganado. Fique alerta sobre esse
truque da mente.
No começo, é fatal acontecer, então, sempre que isto acontece novamente, espere. Não caia
na armadilha. Não diga nada – permaneça silencioso. Então, você entrará e, então, isso não será
temporário, porque, uma vez que você tenha conhecido a verdadeira vacuidade, você não mais
pode perdê-la. O verdadeiro não pode ser perdido – eis a qualidade disso tudo.
Uma vez que você tenha conhecido o tesouro interno, uma vez que você entre em contato
com o seu âmago mais profundo, então, você pode se mover em atividade, então, você pode
fazer qualquer coisa que goste, então, você pode viver uma mundana vida comum, mas a
vacuidade permanecerá com você. Você não pode se esquecer dela. Ela prosseguirá
internamente. A música disso será ouvida. Qualquer coisa que você faça, o fazer será só na
periferia: internamente, você permanecerá vazio.
E, se você pode permanecer vazio internamente, agindo somente na periferia, qualquer coisa
que você faça, se torna divina, qualquer coisa que você faça, assume a qualidade do divino,
porque, agora, não está vindo de você: agora então, está vindo da vacuidade original, do nada
original. Se então você fala, aquelas palavras não são suas. Eis o que Maomé quer dizer quando
ele diz: “Este Alcorão não está sendo dito por mim. Ele veio a mim como se outra pessoa tivesse
falado através de mim”. Tinha saído da vacuidade íntima. Eis o que os hindus querem dizer
quando dizem: “Os Vedas não foram escritos pelo homem, eles não são documentos humanos,
mas o divino, o próprio Deus falou”.
Esses são meios simbólicos de se dizer algo que é muito misterioso. E este é o mistério:
quando você está profundamente vazio, qualquer coisa que faça ou fale não vem de você –
porque você não existe mais. Aquilo vem da vacuidade. Vem da fonte mais profunda da
existência. Vem da mesma fonte da qual toda esta existência veio. Então, você entrou no útero,
no próprio útero da existência. Então, suas palavras não são suas, então, seus atos não são seus. É
como se você fosse apenas um instrumento – um instrumento do todo.
Se a vacuidade é sentida somente momentaneamente e, depois, ela vem e vai como um
clarão, ela não é verdadeira. E se você começar a pensar sobre aquilo, mesmo essa irrealidade é
perdida. Não pensar mais naquele momento, mostra grande coragem. É o maior controle que eu
conheço. Quando a mente se torna silenciosa e quando você está caindo vazio, não pensar mostra
a maior coragem, porque todo o passado da mente se afirmará. Todo o mecanismo dirá: “Agora
pense!”. Num modo sutil, por meios indiretos, suas memórias passadas forçarão você a pensar –
e, se você pensar, você voltou. Se você puder permanecer silencioso naquele momento, se você
não for tentado pelo mecanismo da sua memória e mente... Esse é realmente o satanás – sua
própria mente que o tenta. Sempre que você está caindo vazio, a mente o tenta e cria algo sobre o
qual pensar – e, se você começa a pensar, você retorna.
Dizem que, quando um dos maiores mestres, Bodhidharma, foi para a China, muitos
discípulos se juntaram ao seu redor. Ele era o primeiro mestre-zen. Um discípulo, que ia se
tornar o seu discípulo-chefe, foi a ele e disse: “Agora eu vim totalmente vazio”.
Bodhidharma esbofeteou-o imediatamente e disse: “Agora vá e jogue fora esta vacuidade
também! Agora você está cheio de vacuidade – jogue fora isto também. Somente então, você
estará realmente vazio”.
Vocês compreendem? Você pode ficar cheio pela ideia de vacuidade. Então, ela vai ficar
rondando sobre você, vai se tornar uma nuvem. Ele disse: “Jogue esta vacuidade fora também e,
depois, venha a mim”. Se você diz que você está vazio, você não está vazio. Agora, esta palavra
‘vazio’ se tornou significativa e você está cheio com ela. O mesmo eu lhes digo: joguem fora
esta vacuidade também.

Segunda pergunta

Você falou sobre transformação e mutação da mente do homem – do inconsciente do


homem, no superconsciente e você disse que a espiritualidade é uma experimentação
existencial. Mas, na noite passada, você disse que o ego é uma falsa entidade e que ele não
tem substância nem realidade em si. Então, isso quer dizer que toda experimentação
espiritual é uma transformação existencial do ego, que é não-existencial?

Não. A transformação espiritual não é a transformação do ego: é a dissolução dele. Você não
vai transformar o ego, porque por mais que transformado, o ego permanecerá o ego. Ele pode se
tornar superior, mais refinado, mais cultuado, mas o ego permanecerá o ego. E, mais culto, ele se
torna mais venenoso. Quanto mais sutil, mais você estará nas suas garras, porque você não será
capaz de percebê-lo e cientificar-se. Você não está nem ciente do ego. Você nem está ciente
deste ego grosseiro. Quando ele se torna sutil, você não ficará ciente dele: não haverá
possibilidade.
Há meios de se refinar o ego, mas esses meios não são da espiritualidade. A moralidade existe
nesses métodos. E esta é a diferença entre moralidade e religião. A moralidade existe nos
métodos de refinar o ego: a moralidade existe na respeitabilidade. Assim, dizemos a uma pessoa:
“Não faça isto. Se você fizer isto, seu respeito está em jogo. Não faça isto. O que os outros
pensarão de você? Não faça isto. Você não será honrado. Faça isto e todos o honrarão”.
Toda a moralidade depende do seu ego, um ego sutil. A religião não é uma transformação do
ego – ela é uma transcendência. Você simplesmente deixa o ego. E não se trata de você deixá-lo
porque ele é errado. Lembrem-se desta distinção. A moralidade sempre diz: “Deixe isto porque é
errado, e faça isto que é certo”. A religião diz: “Deixe o que é falso – não errado, mas falso.
Deixe o que é irreal, e entre no real”. Com a espiritualidade, a verdade é o valor, não o certo.
Porque o certo pode ser, ele mesmo, falso e, num mundo falso, precisamos dos “falsos certos”
para opor aos “errados”.
A espiritualidade não é uma transformação do ego, é uma transcendência. Você vai além do
ego. E esta ida além é realmente um acordar: é um profundo estado de alerta para ver se o ego
existe ou não. Se existe, se é uma parte, uma parte verdadeira do seu ser, você não pode ir além
dele. Se é falso, somente então, a transcendência é possível. Você pode acordar a partir de um
sonho. Você não pode acordar a partir da realidade – ou pode? Você pode transcender um sonho,
mas você não pode transcender a realidade. O ego é uma falsa entidade. E o que queremos
mesmo dizer quando dizemos que o ego é uma falsa entidade? Queremos dizer que ele existe
somente porque você ainda não o encarou. Se você o encarar, ele não existirá. Ele existe na sua
ignorância; como você não está perceptivo, ele existe. Se você se tornar perceptivo, ele não
existirá. Se você se tornar perceptivo e alguma entidade desaparecer só pelo seu tornar-se
perceptivo, significa que ela era falsa. O real será revelado na percepção e o falso desaparecerá.
Assim, realmente, isto também não é correto dizer – abandone o seu ego – porque, sempre
que se diz “abandone o seu ego”, dá-se um sentido de que o ego é algo e você pode deixá-lo.
Você pode até mesmo começar a lutar para jogar este ego fora. O esforço todo será absurdo.
Você não pode jogá-lo fora, porque somente uma realidade pode ser jogada fora. Você não pode
lutar com ele. Como você luta com uma sombra? E, se você brigar, lembre-se: você será
derrotado. Não porque a sombra seja muito poderosa, mas porque a sombra não existe – você
não pode derrotá-la. Você será derrotado pela sua própria estupidez.
Lute com uma sombra e você não poderá vencer – isto é certo. Você será derrotado. Isto
também é certo, porque você dissipará sua própria energia na luta. Não que a sombra seja muito
poderosa, mas porque a sombra não existe. Você está lutando com seu próprio si-mesmo (self),
desperdiçando a sua energia. Então, você se exaurirá e deprimirá. E você pensará que a sombra
venceu e você foi derrotado – e a sombra nem esteve ali, de jeito nenhum. Se você luta com o
ego, você sairá derrotado. Em vez disso, entre e tente descobrir onde ele está.
Dizem que o Imperador da China perguntou a Bodhidharma: “Minha mente é muito agitada.
Eu estou em constante tormento interior. Dê-me alguma paz ou dê-me alguma chave secreta para
saber como entrar no silêncio interior”.
Então, Bodhidharma disse: “Venha de manhã bem cedo, às quatro horas, quando não há
ninguém aqui. Quando eu estiver sozinho aqui na minha cabana, você vem. E, lembre-se: traga
sua mente agitada com você. Não a deixe em casa”.
O rei ficou muito perturbado, pensando que aquele homem era louco. Ele diz: “Traga sua
mente com você, não a deixe em casa. Não a deixe em casa, caso contrário, a quem eu vou
silenciar? Eu a farei ficar imóvel, mas traga-a! Lembre-se bem disto”.
O imperador saiu, mas mais perturbado do que nunca. Ele pensava que aquele homem era um
sábio, um homem sábio, e que ele lhe daria alguma chave, mas qualquer coisa que ele diga,
parecerá tola – como a pessoa pode deixar a mente em casa? Ele não pôde dormir. Os olhos de
Bodhidharma e o jeito com que olhou para ele... Ele estava hipnotizado – como se um magneto o
tivesse puxando. Ele não pôde dormir durante a noite toda, e às quatro ele está pronto. Ele
realmente não queria ir, porque “este” homem era louco. E indo tão cedo, no escuro, quando
ninguém estava lá – “este” homem podia fazer qualquer coisa.
Mas, ainda assim, ele estava tão atraído, que, apesar de si mesmo, ele foi. E a primeira coisa
que Bodhidharma perguntou... Ele estava sentado diante de sua cabana, com seu cajado nas
mãos, e disse: “Tudo bem. Então, você veio. Onde está sua mente agitada? Você a trouxe? Eu
estou pronto para silenciá-la”. O imperador então disse: “Do que você está falando? Como se
pode esquecer a mente? Ela está sempre aí”.
Bodhidharma disse: “Onde? Onde ela está? Mostre-me, então eu posso silenciá-la, e você
pode ir embora”.
O imperador disse: “Mas ela não é algo objetivo. Eu não posso mostrá-la a você, eu não posso
pô-la na sua mão. Ela está dentro de mim”.
Assim, Bodhidharma disse: “Tudo bem. Feche seus olhos e tente descobrir onde ela está. E
no momento em que pegá-la, abra seus olhos e diga-me; eu a imobilizarei”.
Naquele silêncio e com “este” louco, o imperador fechou seus olhos. Ele tentou e tentou. E
ele estava com medo também, porque Bodhidharma estava sentado com seu cajado – a qualquer
momento ele podia bater. Ele tentou e tentou e tentou... Ele olhou em toda parte, em cada canto
do seu ser – onde está aquela mente que é agitada? E, quanto mais ele procurava, mais ele
percebia que a agitação tinha desaparecido. Quanto mais ele tentou procurando... Como uma
sombra, ela não estava lá.
Duas horas se passaram, e ele ainda nem sabia o que tinha acontecido. Seu rosto tornou-se
silencioso, ele ficou como uma estátua de Buda e, então, com o nascer do sol, Bodhidharma
disse: “Agora abra seus olhos. Basta isso. Duas horas são mais que suficientes. Agora você pode
me dizer onde ela está?”.
O imperador abriu os olhos. Ele estava tão silencioso quanto um ser humano pode estar. Ele
curvou a cabeça aos pés de Bodhidharma e disse: “Você já a silenciou”.
O imperador Wu escreveu na sua autobiografia: “Este homem é milagroso, mágico. Sem fazer
nada, ele silenciou a minha mente. E eu também não fiz nada. Eu apenas entrei em mim mesmo e
tentei descobrir onde a mente estava. É claro que ele estava certo: primeiro encontre onde ela
está. E só o esforço para localizá-la, e ela não estava ali”.
Você não encontrará o ego. Se você for para dentro, se você buscar por ele, você não o
encontrará ali. Ele nunca existiu – ele é apenas um falso substituto. Ele tem alguma utilidade, eis
por que vocês o inventaram. Como você não conhece o seu verdadeiro centro – e sem um centro
fica difícil funcionar –, você então criou uma ficção, um centro fictício, e você funciona através
dele.
O verdadeiro centro está escondido. Você criou um centro falso – o ego é um centro falso, um
centro substituto. Sem um centro é difícil existir, difícil funcionar. Você precisa de um centro
para funcionar. E você não conhece o seu verdadeiro centro, então, a mente criou um centro
falso. A mente é muito qualificada na criação de substitutos. Ela sempre lhe dá um substituto se
você não pode descobrir o verdadeiro, porque, caso contrário, você ficará louco.
O ego é como no sonho. Você sonha, está sentindo sede. Agora, se esta sede ficar penetrante,
o sono será perturbado, porque então você terá de se levantar para beber água. Agora sua mente
lhe dará um substituto: a mente criará um sonho. Você não precisa se levantar, o sono não
precisa ser perturbado – você sonha que está bebendo água. Você está bebendo água da
geladeira, você está pegando a água e bebendo. A mente lhe deu um substituto. Agora você se
sente bem. A sede verdadeira não foi saciada, simplesmente enganada. Mas agora você sente que
bebeu, você tomou a água. Agora você pode dormir: o sono pode continuar imperturbado.
No sonho, a mente está constantemente lhe dando substitutos, só para proteger seu sono. E o
mesmo está acontecendo enquanto você está acordado. A mente está lhe dando substitutos só
para proteger sua sanidade; caso contrário, você seria partida em fragmentos.
A menos que o centro real seja conhecido, o ego tem de funcionar. Uma vez que o centro
verdadeiro seja conhecido, não há mais necessidade de sonhar com água. Quando você tem sede
de verdade não há nenhuma necessidade de sonhar com água. A meditação o conduz até o centro
verdadeiro. E com esse verdadeiro acontecimento, a utilidade do falso desaparece.
Mas isto deve ser guardado na consciência – que o ego não é seu centro verdadeiro. Somente
então, você pode começar uma busca pelo real. E a espiritualidade não é uma transformação
dele. Ele é irreal, ele simplesmente não existe. Você não pode fazer nada com ele. Se você está
perceptivo, alerta, se você observa-o dentro de você, ele desaparece. Basta a chama da sua
percepção e ele não mais existe. Espiritualidade é uma transcendência.

Terceira pergunta

Se o ego é irreal, então, isso não significa que a mente inconsciente, a acumulação de
memórias nas células do cérebro, e o processo de transformação que é o assunto da
espiritualidade, também é irreal, um processo de sonho?

Não. O ego é irreal; as células cerebrais não são irreais. O ego é irreal; as memórias não são
irreais. O ego é irreal; o processo de pensamento não é irreal. O processo do pensamento é uma
realidade. As memórias são reais, as células são reais, seu corpo é real. Seu corpo é real, sua
alma é real. Essas são duas realidades. Mas, quando sua alma fica identificada com o corpo, o
ego é formado – isso é irrealidade.
É bem como isto: eu estou parado diante de um espelho: eu sou real, o espelho é real, mas o
reflexo no espelho não é real. Eu sou real, o espelho é também real, mas o reflexo no espelho é
um reflexo, não é uma realidade. As células cerebrais são reais, a consciência é real, mas, quando
a consciência fica envolvida, ligada, identificada com as células cerebrais, o ego é formado. Esse
ego é irreal.
Assim, quando você acordou, quando você se tornou iluminado, iluminada, sua memória não
vai desaparecer. A memória estará presente. Realmente, ela será mais cristalina. Então, ela
funcionará mais cuidadosamente, porque não haverá nenhuma perturbação vinda do falso ego.
Seu processo de pensamento não desaparecerá. Em vez disso, pela primeira vez, você será capaz
de pensar. Antes disso, você esteve simplesmente tomando coisas por empréstimo. Então, você
realmente será capaz de pensar. Mas então, você – não o processo de pensamento – será seu
mestre.
Antes disso, o processo de pensamento era o mestre. Você não podia fazer nada com isso.
Aquilo continuava por conta própria: você era apenas uma vítima. Você queria dormir e a mente
continuava pensando. Você queria pará-la, mas ela não parava. Realmente, quanto mais você
tentava pará-la, mais teimosa ela ficava. Ela era seu mestre. Quando você se torna iluminado,
iluminada, ela estará presente, mas então, ela será instrumental. Sempre que você precisar dela,
você será capaz de usá-la. Sempre que você não precisar dela, ela lotará sua consciência. Então,
ela pode ser chamada e, então, ela também pode ser parada.
As células da mente estarão presentes, o corpo estará presente, a memória estará presente, o
processo de pensamento estará presente. Somente uma coisa não estará presente – o sentimento
de “eu” não estará presente. Isto é difícil de se compreender.
Buda anda, Buda come, Buda dorme, Buda se lembra. Ele tem memória, suas células
cerebrais funcionam lindamente. Mas Buda disse: “Eu ando, mas ninguém anda em mim. Eu
falo, mas ninguém fala em mim. Eu como, mas ninguém come em mim”. A consciência interna
não mais é o ego. Assim, quando Buda sente fome, ele não pode sentir como vocês. Você sente
“eu estou com fome”. Quando Buda sente fome, ele sente: “O corpo está com fome. Eu apenas
sei disso”. E esse que sabe está sem nenhuma sensação de “eu”.
O ego é a entidade falsa, a única entidade falsa – tudo o mais é real. Duas realidades podem
se encontrar e, no encontro, um terceiro epifenômeno pode ser criado. Quando duas realidades se
encontram, algo falso pode acontecer. Mas o falso pode acontecer somente se há consciência. Se
não há consciência, o falso não pode acontecer. Oxigênio e hidrogênio se encontram: uma falsa
água não pode acontecer. O falso pode acontecer, somente quando você está consciente, porque
somente a consciência pode errar. A matéria não pode errar; a matéria não pode ser falsa. A
matéria é sempre verdadeira. A matéria não pode enganar – somente a consciência pode. Com a
consciência, está a possibilidade de errar.
Mas lembre-se de outra coisa: a matéria é sempre real, nunca falsa; mas também nunca
verdadeira. A matéria não pode saber o que é a verdade. Se você não pode errar, você não saberá
o que é verdade. Ambas as possibilidades abrem-se simultaneamente. A consciência humana
pode errar e pode saber que errou e pode sair do erro. Eis a beleza disso. O perigo está presente,
mas o perigo está fadado a estar presente. Com o crescimento, novos perigos entram. Para a
matéria, não há nenhum perigo.
Olhe para isso deste jeito: sempre que uma nova coisa cresce na existência, uma nova coisa
evolui, agora então, os perigos entram na existência com a evolução. Para uma pedra, não há
nenhum perigo. Há pequenas bactérias. Nessas bactérias, o sexo não existe do jeito que existe no
homem ou nos animais. Elas simplesmente dividem seus corpos. Quando um bactérium se
desenvolve até determinado ponto, seu corpo automaticamente se divide em dois. O corpo da
mãe se divide em dois. Agora então, há duas bactérias. Essas bactérias podem viver eternamente
– porque não há nenhum nascimento; então, não há nenhuma morte.
E o processo reverso também acontece. Se o alimento não está disponível, duas bactérias se
aproximarão cada vez mais e elas se tornarão só uma, seus corpos se tornarão um só. Nenhum
nascimento, nenhuma morte. Com o sexo, entrou o nascimento; com o nascimento, entrou a
morte; com o nascimento, entrou a individualidade; com a individualidade, entrou o ego.
Cada crescimento tem seus próprios perigos potenciais, mas eles são belos. Se você puder
compreender, não há nenhuma necessidade de cair neles, e você poderá transcendê-los. E,
quando você transcende, você amadurece e alcança uma síntese maior. Se você cai uma vítima, a
maior síntese não é alcançada.
A espiritualidade é o pico, o último, a suprema síntese de todo o crescimento. O falso é
transcendido e o real absorvido. E somente o real permanece; todo o falso desaparece. Mas, não
pense que o corpo é irreal – ele é real. As células cerebrais são reais, o processo de pensamento é
real. Somente o relacionamento entre a consciência e o processo de pensamento é irreal. Isso é
um nó. Você pode desatá-lo. E, no momento em que você o desata, você abriu a porta.

Quarta pergunta

Como se pode saber que a busca espiritual na qual se está envolvido não é uma viagem
de ego, mas uma autêntica busca religiosa?

Se você não sabe, se você está confuso, então, saiba bem que isto é uma viagem de ego. Se
você não está confuso, se você sabe bem que isto é autêntico, se não há nenhuma confusão
absolutamente, então, ela é autêntica. E não é uma questão de se estar enganando outra pessoa. É
uma questão de enganar ou não enganar a si mesmo. Se você está confuso, em dúvida, é uma
viagem de ego, porque, no momento em que a autêntica busca existe, não há mais nenhuma
dúvida. A fé acontece.
Deixe-me colocar de outro modo. Sempre que sua frase mostra tais problemas, a própria
confusão mostra exatamente que você está no caminho errado. Alguém vem a mim e diz: “Diga-
me: eu não sei se minha meditação está indo fundo ou não”.
Então eu digo: “Se a meditação está indo fundo, não há nenhuma necessidade de vir me
perguntar nada. Essa é uma experiência muito profunda, você saberá. E, se você não conhece sua
profundidade, quem vai saber dela? Você tem de vir e perguntar-me, somente porque você não
está sentindo a sua profundidade. Agora, você quer que alguém certifique para você. Se eu disser
“Sim, sua meditação está indo muito fundo”, você se sentirá muito bem – isto é uma viagem de
ego.
Quando você está enfermo, você sabe que você está enfermo. Pode às vezes acontecer de que
a enfermidade seja muitíssimo escondida. Você pode não estar ciente dela. Mas o reverso nunca
acontece: quando você está perfeitamente saudável, você sabe disso. Isso nunca está escondido.
Quando você está saudável, você sabe disso. Pode ser diferente para a sua enfermidade, você
pode não estar tão perceptivo, mas para a saúde – se há saúde... – você está ciente dela, porque a
saúde é um fenômeno de bem-estar. Se você não pode sentir sua saúde, quem vai senti-la? Para a
sua “saúde-enferma”, pode haver peritos para lhe dizer que tipo de doença você tem; não há
nenhum perito para lhe dizer sobre sua saúde. Não há nenhuma necessidade. Mas, se você
perguntar se você está sadio ou não, você está não-saudável – isto é certo. Esta própria confusão
mostra isso.
Assim, quando você estiver numa busca espiritual, você pode saber se é uma viagem de ego
ou uma busca autêntica. E, a própria confusão mostra que isto não é uma busca autêntica: trata-se
de uma espécie de viagem de ego. Qual é a viagem de ego? Você está menos interessado no
fenômeno real: você está mais interessado em possuí-lo.
As pessoas vêm a mim e dizem: “Você sabe, e você pode saber sobre nós. Diga-nos se nossa
kundalíni subiu ou não”. Elas não estão interessadas na kundalíni, nem interessadas na realidade:
elas querem um certificado. E, às vezes, elas precisam de um certificado. E às vezes eu brinco e
digo: “Sim, sua kundalíni subiu.”; e imediatamente elas ficam felizes. A pessoa vem muito
abatida e triste e, quando eu digo “sim, sua kundalíni está acordada”, ela fica feliz como uma
criança.
Ele vai embora feliz e, quando está quase saindo da minha sala, eu o chamo de volta e digo:
“Eu estava brincando – não é verdade. Nada lhe aconteceu”. Ele fica triste de novo. Ele não está
realmente interessado em nenhum despertar; ele está simplesmente interessado em se sentir bem:
agora então, sua kundalíni acordou, agora ele se sente superior aos outros.
E isto é como muitos supostos gurus continuam explorando, porque você está a favor do seu
ego. Eles podem lhes dar certificados, eles podem lhes dizer: “Sim, você já está acordado. Você
se tornou um buda”. E você não vai negar. Se eu digo isto a dez pessoas, das dez, nove não vão
negar. Elas se sentirão felizes. Elas estavam em busca de tal guru, alguém que diria que elas
estão acordadas.
Falsos gurus existem por causa da sua necessidade, porque nenhum guru autêntico vai lhe
dizer isto, ou lhe dar algum certificado – porque qualquer certificado é uma exigência do ego.
Nenhum certificado é necessário. Se você está experienciando isto, você está experienciando
isto. Se o mundo todo negar, deixe-os negar. Não faz nenhuma diferença. Se a experiência
verdadeira existe, o que interessa quem diga que você alcançou e quem diz que você não
alcançou? Isso é irrelevante. Mas isso não é irrelevante, porque sua busca básica é o ego. Você
quer acreditar que você alcançou tudo.
E isto acontece muitas vezes: quando você se torna um fracasso no mundo – quando você está
na miséria no mundo, quando você não tem sucesso lá – e quando sente que sua ambição
permanece descumprida e a vida está passando, você se volta para a espiritualidade. A mesma
ambição agora pede para ser cumprida aqui. E é fácil ser cumprida aqui – fácil, porque na
espiritualidade você pode se enganar facilmente. No mundo real, no mundo da matéria, você não
pode se enganar tão facilmente.
Se você é pobre, como você pode fingir que é rico? E se você finge, ninguém está sendo
enganado. E, se você continua insistindo que você é rico, então, toda a sociedade, todo o pessoal
ao seu redor, pensará que você ficou louco.
Certa vez eu conheci um homem que começou a pensar que ele era o Pândita Jawaharlal
Nehru. Sua família, seus amigos, todos tentaram persuadi-lo: “Não fale tal absurdo, caso
contrário, você será tido como louco”.
Mas ele dizia: “Eu não estou falando absurdos. Eu sou o Pândita Jawaharlal Nehru”.
Ele começou a assinar “Jawaharlal Nehru”. Ele mandava telegramas para casas de circulação,
para oficiais, para cobradores, para comissários dizendo que: “Estou chegando – Pândita
Jawaharlal Nehru”.
Ele tinha de ser apanhado e preso em casa. Eu fui encontrar-me com ele. Ele morava na
minha cidade. Ele disse: “Você é um homem de compreensão. Você pode compreender. Esses
tolos, ninguém me compreende – eu sou o Pândita Jawaharlal Nehru”.
Então, eu disse: “Sim, foi por isso que eu vim encontrar-me com você. E não tenha medo
desses tolos, porque grandes homens como você sempre sofreram”.
Ele disse: “Certo”. Ele ficou muito feliz. Ele disse: “Você é o único homem que pode
compreender-me. Grandes homens têm de sofrer”.
No mundo exterior, se você tenta enganar a si mesmo, você será tido como louco, mas, na
espiritualidade, é muito fácil. Você pode dizer que a kundalíni surgiu. Só porque você tem certa
dor nas costas, sua kundalíni teria surgido. Devido a seu cérebro estar sentindo um pouco de
tonteira, você pensa que os centros estão abrindo. Porque você tem uma dor de cabeça constante,
você pensa que o terceiro olho está abrindo. Você pode enganar e ninguém pode dizer nada, e
ninguém está interessado. Mas, há falsos professores que dirão: “Sim, este é o método”. E você
se sentirá muito feliz.
Uma viagem de ego significa que você não está interessado em realmente se transformar:
você está interessando somente em proclamar. E a proclamação é fácil, você pode comprá-la
bem barato. E esta é uma coisa mútua. Quando um guru, um suposto guru, diz que você é um
homem acordado, é claro, ele o fez acordar, então, você tem de prestar respeito a este guru. Isto é
uma coisa mútua. Você presta respeito a ele. E, agora, você não pode deixar aquele guru, porque
no momento em que você deixar esse guru, o que acontecerá ao seu acordar, à sua kundalíni?
Você não pode sair dali. Aquele guru depende de você, porque você trouxe respeito e honra a
ele, porque ninguém mais vai acreditar que você está acordado. Você não pode sair dali. Este é
um blefe mútuo. Se você está realmente em busca, não é tão fácil assim. E você não precisa de
nenhuma testemunha. É difícil e árduo: pode levar até vidas. E é doloroso, é um longo
sofrimento, porque muito tem de ser destruído, muito tem de ser transcendido, correntes
longamente sistematizadas têm de ser quebradas. Não é fácil. Não é brincadeira de criança. É
árduo, e o sofrimento fatalmente existirá, porque, sempre que você começa a mudar seu padrão,
tudo o que é velho tem de ser abandonado. E todos os seus investimentos estão no velho. Você
terá de sofrer.
Quando você começa a olhar para dentro, para seu ego e não o encontra, o que acontecerá à
sua imagem, com a qual você viveu? Você sempre pensou que você era um bom homem, moral,
isto e aquilo – o que acontecerá a isso? Quando você descobre que você não está em lugar
nenhum para ser descoberto – onde está esse homem bom? Seu ego implica tudo o que você
pensou sobre si mesmo. Tudo está implicado nisso. Não é algo que você possa jogar fora
facilmente. É você, todo o seu passado. Quando você o abandona, você se torna como um zero,
como se você nunca tivesse existido antes. Pela primeira vez você nasce; nenhuma experiência,
nenhum conhecimento, nenhum passado – exatamente como uma criança inocente. Ousar é
necessário, a coragem é necessária.
A busca autêntica é árdua. A viagem de ego é muito fácil. E ela pode ser cumprida muito
facilmente, porque nada é realmente cumprido. Você começa acreditando; você começa
acreditando que algo aconteceu a você. Você está simplesmente perdendo tempo e energia e
vida. Assim, se você está realmente com um mestre, ele constantemente o puxará de volta de sua
viagem. Ele terá de observar para que você não fique louco, para que você não comece a pensar
nos sonhos. Ele terá de puxá-lo de volta.
E é uma coisa muitíssimo difícil, porque, sempre que você é empurrado de volta, você se
vinga no mestre. Eu estava indo alto, e estava bem na margem de explodir, e ele diz: “Nada está
acontecendo. Você está apenas imaginando”. – Você é puxado de volta para a terra.
Com um mestre, é difícil ser um discípulo. E os discípulos quase sempre vão contra seus
mestres, porque eles estão nas suas viagens de ego e o mestre está tentando tirá-los daquilo. E
esses discípulos criam falsos mestres. Eles têm uma necessidade, uma grande necessidade, de
que alguém preencha suas necessidades, se torne seu mestre. E é fácil ajudar seu ego crescer,
porque você é a favor dele. É muito difícil ajudar seu ego a desaparecer.
Lembre-se bem, e confira todos os dias e a cada momento que sua busca não é uma viagem
de ego. Vá conferindo. O ego é sutil, e os meios do ego são muitíssimo astuciosos. Eles não estão
na superfície. O ego o manipula por dentro – lá no fundo do inconsciente. Mas, se você está
alerta, o ego não pode enganá-lo. Se você está alerta, você virá a conhecer sua linguagem, você
conhecerá seus sentimentos, porque ele vai sempre atrás de experiência. Esta é a palavra-chave.
O ego está sempre procurando experiência – sexual ou espiritual, não faz diferença. O ego é
ambicioso para experienciar isto e experienciar aquilo: experienciar a kundalíni e experienciar o
sétimo corpo. O ego está sempre atrás de experiências. A verdadeira busca não tem nenhuma
ambição por qualquer experiência, porque qualquer experiência vai frustrá-lo, está fadado a
frustrá-lo – porque qualquer experiência vai ser repetitiva. Então, você ficará de saco cheio com
isso; então, você exigirá novamente alguma nova experiência.
A busca pelo novo permanecerá com o ego. Você meditará e, se você estiver meditando só
para ter uma excitação, porque sua vida ficou tediosa – você está de saco cheio com sua vidinha
rotineira, então, você quer ter alguma emoção... Você até pode tê-la, porque o homem consegue
encontrar seja o que for que ele queira. Esta é a miséria – seja qual for seu desejo, você o
encontrará. E, então, você se arrependerá. Você terá a emoção. E daí? Então, você fica de saco
cheio com isso também. Então, você quer tomar LSD ou qualquer outra coisa. Então, você vai
indo de um mestre a outro, de um ashram a outro, simplesmente em busca de uma nova emoção.
O ego é uma ambição por novas experiências. E toda nova experiência se tornará velha,
porque tudo o que é novo se tornará velho – então, novamente... A espiritualidade não é uma
busca por experiência, realmente. A espiritualidade é uma busca pelo próprio ser. Não por
experiências – nem mesmo por bem-aventurança, nem mesmo pelo êxtase – porque a experiência
é uma coisa externa: por mais íntima, é externa.
A espiritualidade é a busca pelo ser real, que está dentro de você: eu devo conhecer o que é a
minha realidade. E com esse conhecer, toda a ambição por experienciar, cessa. E com esse
conhecer, não há pressa – nenhuma pressa de ir para qualquer nova experiência. Com o conhecer
da verdadeira realidade interna, o ser autêntico, toda a busca cessa.
Assim, não vá para uma experiência. Todas as experiências são apenas truques da mente,
todas as experiências são puros escapes. A meditação não é uma experiência, é uma realização.
A meditação não é uma experiência; de preferência, ela é uma parada de toda experiência. Por
causa disso, aqueles que realmente têm tentado expressar o acontecimento interior – por
exemplo, Buda – eles dizem: “Não pergunte o que acontece lá”. A partir daí, se você insistir, eles
dirão: “Não acontece nada lá”.
Se eu digo a você que nada acontecerá na meditação, o que você fará? Você vai parar de
meditar. Se nada vai acontecer então, de que vale? – isso mostra que você está numa viagem de
ego. Se eu digo que nada acontece lá; e você dirá: “Tudo bem, eu conheci muitos acontecimentos
e eu conheci muitas experiências, e cada experiência mostrou-se frustrante...”. Você passa por
ela e, então, você fica sabendo que não era nada. E, então, vem um ímpeto para repetir e, então, a
repetição torna-se um tédio. Então, você vai para outra coisa... É assim que você tem andando
durante vidas e vidas; durante milhares e milhares de vidas, você esteve em busca de
experiência. Você diz: “Eu conheci muitas experiências. Agora, eu não quero mais nenhuma
experiência. Eu quero conhecer a experiência” – toda a ênfase muda.
A experiência é algo externo a você. O experienciador é seu ser. E esta é a distinção entre a
verdadeira espiritualidade e a falsa: se você é a favor de experiências, a espiritualidade é falsa; se
você é pelo experienciador, então, ela é verdadeira. Mas, então, você não está interessado em
kundalíni, nem interessado em chakras, nem interessado em todas essas coisas. Elas acontecerão,
mas você não está interessado, você não tem interesse nisso, e não se moverá nesses caminhos.
Você irá se movendo em direção ao centro interno, onde nada permanece, exceto você em sua
total solitude. Somente a consciência-em-si permanece, sem conteúdo.
O conteúdo é a experiência. Qualquer que seja, a experiência é o conteúdo. Eu experiencio
miséria – então, a miséria é o conteúdo da minha consciência. Então, eu experiencio prazer –
então, o prazer é o conteúdo. Então, eu experiencio o tédio – então, o tédio é o conteúdo. E,
então, você pode experienciar o silêncio – então, o silêncio é o conteúdo. E, então, você pode
experienciar a bem-aventurança – então, a bem-aventurança é o conteúdo. Você pode ir
mudando ad infinitum, mas isto não é a coisa real.
O real é aquele a quem essas experiências acontecem – a quem o tédio acontece, a quem a
bem-aventurança acontece. A busca espiritual não é o que acontece, mas a quem acontece.
Então, não há nenhuma possibilidade de o ego aparecer.
Capítulo 57

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OS SUTRAS

84. Afaste o apego pelo corpo,


Percebendo que eu estou por toda parte.
Aquele que está por toda parte é alegre.
85. Pensando coisa nenhuma
O eu limitado tornar-se-á ilimitado.

Ouvi contar uma história sobre um velho médico. Um dia seu assistente telefonou-lhe, porque
ele estava em grande dificuldade – seu paciente estava se asfixiando até a morte. Uma bola de
bilhar estava parada na sua garganta, e o assistente estava perdido sem saber o que fazer. Então,
ele perguntou ao velho médico: “O que é que devo fazer agora?”. O velho médico disse: “Faça
cócegas no paciente com uma pena”.
Passados alguns minutos, o assistente telefonou de novo, muito feliz e exultante, e disse: “Seu
tratamento mostrou-se maravilhoso – o paciente começou a rir e cuspiu a bola fora. Mas me diga
onde o senhor aprendeu esta técnica notável”.
O velho médico disse: “Eu apenas inventei. Este sempre foi meu lema: Quando não souber o
que fazer, faça alguma coisa”.
Mas isto não servirá no que diz respeito à meditação. Se você não sabe o que fazer, não faça
nada, porque a mente é muito intricada, complexa, delicada. Se você não sabe o que fazer, é
melhor não fazer nada, porque, qualquer coisa que você faça sem saber, vai criar mais
complexidades do que solução. Pode até se mostrar fatal, pode se mostrar suicida.
Se você não sabe nada sobre a mente... – e realmente, você não sabe nada sobre ela. ‘Mente’ é
só uma palavra. Você não conhece a complexidade dela. A mente é a coisa mais complexa na
existência – não há nada comparável a ela. E é a mais delicada também – você pode destruí-la,
você pode fazer algo que não possa ser desfeito.
Estas técnicas são baseadas num conhecimento muito profundo, num embate muito profundo
com a mente humana. Cada técnica é baseada em longa experimentação.
Assim, lembre-se disto: não faça nada por sua conta e risco, e não misture duas técnicas,
porque o funcionamento delas é diferente, suas bases são diferentes. Elas conduzem ao mesmo
fim, mas como meios elas são totalmente diferentes. Às vezes elas podem ser diametralmente
opostas. Assim, não misture duas técnicas. Realmente, não misture nada – use a técnica como lhe
é dada.
Não mude nada, não a melhore, porque você não pode melhorá-la, e qualquer mudança que
você inclua nela, será fatal. E, antes de você começar a fazer a técnica, esteja completamente
alerta de que você a compreendeu. Se você se sentir confuso e sem saber realmente o que é a
técnica, é melhor não fazê-la, porque o objetivo de cada técnica é causar uma revolução em você.
Estas técnicas não são evolucionárias. Por ‘evolução’, eu quero dizer que, se você não fizer
nada e apenas continuar vivendo, em milhões de anos a meditação acontecerá automaticamente a
você, em milhões de vidas você evoluirá. No curso natural do tempo, você chegará ao ponto no
qual um buda chega através de uma revolução. Estas técnicas são revolucionárias. Realmente,
elas são atalhos – não são naturais. A natureza o conduzirá ao estado búdico, à iluminação – você
chegará aí algum dia – mas, então, será por conta da natureza; você não pode fazer nada quanto a
isso, exceto simplesmente ir vivendo na miséria. Levará um longo tempo: realmente, milhões de
anos e vidas.
A religião é revolucionária. Ela lhe dá uma técnica que pode encurtar o processo demorado, e
com a qual você pode dar um salto – um salto que evitará milhões de vidas. Num único instante,
você pode atravessar milhões de anos. Assim, é perigoso e, a menos que você compreenda a
técnica corretamente, não a faça. Não misture nada por sua conta. Não mude nada.
Primeiramente, tente compreender a técnica de modo absolutamente correto. Quando você a
tiver compreendido, então, experimente-a. E não use aquele lema do velho médico – que quando
você não sabe o que fazer, faça alguma coisa. O não-fazer será mais benéfico a você do que
qualquer fazer. É dessa forma porque a mente é tão delicada, que, se você fizer algo de modo
errado, será muito difícil desfazer. É muito fácil fazer algo errado, mas muito difícil desfazê-lo.
Lembrem-se disso.

84 Desprenda-se do corpo

A primeira técnica:

Afaste o apego pelo corpo,


Percebendo que eu estou por toda parte.
Aquele que está por toda parte é alegre.

“Afaste o apego pelo corpo, percebendo que eu estou por toda parte. Aquele que está por
toda parte é alegre. ” Muitos pontos têm de ser compreendidos.
Primeiro: “Afaste o apego pelo corpo”. Existe um profundo apego ao corpo – fatalmente é
assim, é natural. Você tem de viver no corpo por muitas, muitas vidas, desde o começo. Os
corpos já mudaram, mas você viveu sempre em determinado corpo, você esteve sempre
incorporado.
Houve determinados momentos e tempos em que você não esteve incorporado, mas então
você não estava consciente. Quando você morre de um corpo, você morre em inconsciência e,
então, você permanece inconsciente. Então, você nasce novamente em um novo corpo, mas,
então também, você está inconsciente. O intervalo entre uma morte e outro nascimento é
inconsciente; assim, você não sabe como você sentirá quando estiver não-corporificado. Você
não sabe quem você é quando você não está num corpo. Você conhece somente um fenômeno, e
esse é de corporeidade: você sempre se conheceu num corpo. Isso tem durado tanto, tem sido tão
contínuo, que você se esqueceu de que você é diferente disso. Isto é um esquecimento – natural e
fatal acontecer nas circunstâncias –, daí o apego.
Você sente que você é o corpo – este é o apego. Você não sente que seja algo além do corpo,
algo mais do que o corpo. Você pode não concordar comigo neste ponto, porque muitas vezes
você pensa que você não é o corpo, que você é a alma, o eu. Mas isto não é seu saber: isto é
simplesmente o que você ouviu contar, é o que você leu, e no que você tem acreditado sem saber
de verdade.
Assim, a primeira coisa a ser feita é perceber o fato de que realmente este é o seu
conhecimento: que você é o corpo. Não se engane, porque o engano não ajudará. Se você pensa
que você já sabe que você não é o corpo, então, você não pode afastar o apego, porque
realmente, para você, não há nenhum apego – você já sabe. Então, muitas dificuldades surgem,
que não podem ser resolvidas. Uma dificuldade tem de ser resolvida no começo. Uma vez que
você perca o começo, você jamais a resolverá: você terá de voltar novamente ao começo. Assim,
lembre-se bem, e perceba bem que você não conhece a si mesmo como outra coisa além do
corpo. Esta é a primeira percepção básica.
Esta percepção ainda não existe. Sua mente está enevoada pelo que você ouviu: sua mente
está condicionada pelo conhecimento de outros – é tudo tomado emprestado, não é real. Não que
seja falso – os que disseram isto, sabiam o que diziam – mas para você é falso, a menos que se
torne sua própria experiência. Assim, sempre que eu digo que algo é falso, eu quero dizer que
esse algo não é sua experiência. Pode ser legítimo para outra pessoa, mas não é legítimo para
você. E a verdade é individual neste sentido – a verdade é verdade somente quando
experienciada: não-experienciada, é ilegítima. Não há verdades universais. Toda verdade tem de
ser individual, antes de se tornar legítima. Você sabe, você ouviu dizer: isto faz parte do seu
conhecimento, parte de uma herança – que você não é o corpo – mas isto não é real para você.
Primeiro afaste esse conhecimento ilegítimo. Encare o fato de que você só se conhece como o
corpo. Isso criará uma grande tensão em você – foi apenas para esconder essa tensão que você
juntou esse conhecimento. Você continua acreditando que você não é o corpo e você continua
vivendo como um corpo; então, você fica dividido, e todo o seu ser se torna não-autêntico,
pseudo.
Realmente, esta é uma condição paranoica. Você vive com o corpo e pensa e fala como a
alma – então, há uma batalha e um conflito e, então, você fica constantemente num tormento
interno, numa profunda inquietude que não pode ser transposta. Assim, primeiramente, encare o
fato de que você não sabe nada sobre a alma, o self – tudo o que você sabe é sobre o corpo.
Isto desencadeará uma condição muito desconfortável em você. Tudo o que está escondido,
virá à tona. Ao perceber este fato, que você é o corpo, você literalmente começará a transpirar.
Ao perceber este fato de que você é o corpo, você se sentirá muito incomodado, estranho mesmo.
Mas essa sensação tem de ser atravessada; somente então você pode saber o que significa o
apego ao corpo.
Os professores continuam dizendo que você não deve ficar apegado ao seu corpo, mas a coisa
básica – o que é o apego ao corpo – é desconhecida para você. O apego ao corpo é uma
identificação com o corpo, mas primeiro você tem de perceber o que é esta identificação. Assim,
ponha de lado todo esse seu conhecimento, que lhe deu um senso ilusório de que você é a alma.
Perceba que você sabe somente uma coisa: que você é o corpo. Como isto cria e como isto libera
um tormento oculto e um inferno escondido dentro de você?
No momento em que você percebe que você é o corpo, pela primeira vez você percebe o
apego. Pela primeira vez, você assimila o fato na sua consciência, que este corpo que nasceu, e
este corpo que vai morrer, é você. Pela primeira vez, você percebe o fato de que estes ossos, este
osso – isto é você. Pela primeira vez, você percebe o fato de que este sexo, esta raiva – isto é
você. Assim, todas as imagens falsas caem. Você se torna real.
A realidade é dolorosa, muito dolorosa – eis por que continuamos a escondê-la de nós
mesmos. É um truque profundo. Você vive pensando sobre si mesmo como o self e, tudo o que
não gosta, você joga sobre o corpo. Assim, você diz que o sexo pertence ao corpo, o amor
pertence a você. Então, você diz que a ambição e a raiva pertencem ao corpo; a compaixão
pertence a você. A compaixão pertence ao self, e a raiva pertence ao corpo. O perdão pertence ao
self, e a raiva pertence ao corpo. Assim, qualquer coisa que você sinta que é errado, feio, você
joga para o corpo, e com qualquer coisa que você sinta ser bela, você continua se identificando.
Você cria uma divisão.
Esta divisão não lhe permitirá saber o que é o apego; e a menos que você saiba o que é o
apego e a menos que você sofra a miséria dele e o inferno dele, você não pode pô-lo de lado.
Como você pode pô-lo de lado? Você pode pôr algo de lado somente quando aquilo se mostra
uma doença, quando aquilo se mostra uma carga pesada, quando aquilo se mostra um inferno:
somente então, você pode pô-lo de lado.
Seu apego não se mostrou um inferno ainda. Qualquer coisa que Buda diga e Mahavir diga é
irrelevante. Eles vão continuar dizendo que o apego é o inferno, mas esta não é sua sensação. Eis
por que sempre e novamente, você pergunta como se tornar desapegado, como não ser apegado,
como ir além do apego. Você vive perguntando este “como” somente porque você não sabe o
que é o apego. Se você souber o que é o apego, você simplesmente saltará para fora dele. Você
não perguntará “como”.
Se sua casa está no fogo – você não perguntará nada a ninguém, você não irá procurar um
mestre para perguntar como sair dali. Se a casa estiver em chamas, você simplesmente sairá dali.
Você não perderá um único momento. Não buscará por um professor, não consultará as
escrituras. E você não tentará escolher de que modo você tem de sair, que meios têm de ser
adotados, e qual porta é aporta certa. Essas coisas são irrelevantes quando a casa está em chamas.
Quando você sabe o que é o apego, a casa está em chamas: você pode pô-lo de lado.
Para entrar nesta técnica, primeiramente você tem de jogar fora o falso conhecimento do self,
de modo que o apego com o corpo seja revelado em sua totalidade. Vai ser muito difícil; vai ser
uma profunda ansiedade e angústia encarar isso. Não vai ser fácil, é árduo, mas, uma vez
encarado, você pode pô-lo de lado. E não há nenhuma necessidade de perguntar “como?”. É
absolutamente um fogo, um inferno. Você pode saltar fora dele.
Este sutra diz:

Afaste o apego pelo corpo,


Percebendo que eu estou por toda parte.

E, no momento em que você afastar o apego, você perceberá que você está em toda parte. Por
causa deste apego, você sente que você é limitado pelo corpo. Não é o corpo que o está
limitando: é o seu apego a ele. Não é o corpo que está fazendo uma barreira entre você e a
realidade: é o seu apego a ele. Uma vez que você saiba que o apego não está presente, não mais
existe nenhum corpo para você. Mais exatamente, toda a existência se torna seu corpo: seu corpo
se torna parte da existência toda. Então, ele não mais está separado.
Na verdade, seu corpo não é nada mais do que a existência vindo até você, a existência o
alcançando. O corpo é a existência mais próxima para você, isso é tudo – e, depois, ela vai se
espalhando. Seu corpo é apenas o ponto mais próximo da existência e, então, toda a existência
está presente – ela vai se espalhando. Uma vez que seu apego não está presente, não há mais
nenhum corpo para você; ou: toda a existência se torna seu corpo. Você está em todo lugar.
No corpo você está em algum lugar; sem o corpo você está em todo lugar. No corpo você está
confinado a um determinado espaço; sem o corpo você não tem nenhum confinamento. Eis por
que aqueles que sabem, dizem que o corpo é a prisão. Não que o corpo seja a prisão: realmente, o
apego a ele é que é a prisão. Uma vez que seus olhos não mais estejam focados no corpo, você
está em toda parte.
Isto parece absurdo. Para a mente, que está no corpo, isto parece absurdo, uma loucura –
como uma pessoa estar em toda parte? Para um buda, tudo o que dizemos – que “eu estou aqui”
– realmente parece loucura. Como você pode estar em algum lugar? A consciência não é um
conceito espacial. Eis por que se você fechar os olhos e tentar descobrir onde você está dentro do
seu corpo, você ficará perdido. Você não pode descobrir onde você está.
Tem havido muitas religiões e muitas seitas que têm pregado que você está no umbigo.
Algumas dizem que você está no coração, outras dizem que você está na cabeça, outras ainda
dizem que você está neste ou naquele outro centro, mas Shiva diz que você não está em lugar
algum. Eis por que se você fechar os olhos e tentar descobrir onde você está – você não poderá
dizer. Você existe, mas não há nenhum “onde” para você. Simplesmente, você é.
Em sono profundo, você não percebe o corpo. Você é. De manhã, você dirá que o sono foi
muito profundo, muito abençoado. Você teve a percepção de uma profunda bem-aventurança,
mas você não tinha a percepção do corpo. Em sono profundo, onde você estava? Quando você
morre, para onde você vai? Continuamente as pessoas perguntam: “Quando alguém morre, para
onde ele vai?”. Mas a pergunta é absurda, tola. Ela está relacionada à nossa consciência corpórea
– como pensamos que estamos em algum lugar, então, depois, quando morremos, para onde
vamos? Para lugar nenhum.
Quando você morre, você não está em algum lugar, eis tudo. Você não está confinado a um
espaço, eis tudo. Mas, se você tiver um desejo de ficar confinado, você será confinado
novamente. Seu desejo o conduz para novo confinamento. Mas, quando você não está no corpo,
você não está em lugar algum, ou está em toda parte – depende de que expressão lhe agrade
mais.
Se você perguntar a Buda, ele lhe dirá que você não está em lugar nenhum. Eis por que ele
escolhe a palavra ‘nirvana’. Nirvana significa que você não está em lugar nenhum. Exatamente
como uma chama que se apagou – como você pode dizer onde a chama está então? Ele dirá que
ela está em lugar nenhum. A chama simplesmente cessou de existir. Buda usa um termo negativo
– lugar nenhum. Eis o que significa “nirvana”. Quando você não está apegado ao corpo, você
está no nirvana, você está em lugar nenhum.
Shiva escolhe um termo positivo – ele diz “em toda parte”. Mas ambos os termos significam a
mesma coisa. Se você está em toda parte, você não pode estar em algum lugar. Se você está em
toda parte, está dizendo quase a mesma coisa que ao dizer que está em lugar nenhum.
Mas, no corpo, estamos apegados e sentimos que estamos confinados. Este confinamento é
um ato mental: é de sua própria lavra. E você pode se confinar em qualquer coisa. Você tem um
diamante valioso. Seu ser pode se tornar confinado a ele e, se o diamante for roubado, você
poderá cometer suicídio ou poderá ficar louco. O que aconteceu? Há tantas pessoas sem
diamantes: nenhuma delas comete suicídio, nenhuma delas sente alguma dificuldade sem um
diamante, mas o que aconteceu a você?
Certa vez você também esteve sem um diamante – não havia nenhum problema. Agora, você
está novamente sem um diamante, mas há um problema. Como este problema é criado? Ele é de
sua lavra. Agora, você está apegado, confinado. O diamante se tornou seu corpo. Agora, você
não mais pode viver sem ele; é impossível viver sem ele.
Sempre que você se apega, isso se torna uma nova prisão. E tudo que estamos fazendo na
vida é isto: vamos criando cada vez mais e mais prisões, cada vez maiores celas para viver nelas.
Então, vamos decorando essas celas, de modo que elas se pareçam com um lar e, depois, nos
esquecemos completamente de que elas são celas.
Este sutra diz que, quando você afasta o apego pelo corpo, acontece a percepção de que “eu
estou em toda parte”. Você tem uma sensação oceânica, sua consciência existe sem nenhuma
locação. Sua consciência existe sem estar acorrentada em algum lugar. Você se torna apenas um
céu, envolvendo tudo; tudo está em você. Sua consciência se expandiu até a infinita
possibilidade. E então o sutra diz:

Aquele que está por toda parte é alegre.

Confinado a um lugar, você estará na miséria, porque você é sempre maior do que o lugar
onde você está confinado. Esta é a miséria – como se você estivesse se forçando a entrar numa
tigela pequena, o oceano sendo obrigado a entrar num pote pequeno. A miséria está fadada a
estar presente. Esta é a miséria, e sempre que esta miséria é sentida, surge a busca por
iluminação, a busca pelo Brahma. “Brahma” significa o infinito um. A busca por moksha
significa a busca por liberdade. Num corpo limitado, você não pode ser livre: em algum lugar
você será um escravo. “Em lugar nenhum” ou “em toda parte” você pode ser livre.
Olhe para a mente humana: seja qual for a direção, ela está sempre a favor da liberdade,
buscando por liberdade. Pode ser política, pode ser econômica, pode ser psicológica, pode ser
religiosa – seja qual for a direção, a mente humana está à procura da liberdade. A liberdade
parece ser a mais profunda necessidade. Onde quer que a mente humana encontre qualquer
barreira, qualquer escravidão, qualquer limitação, ela luta contra aquilo. Toda a história da
humanidade é uma luta por liberdade.
As dimensões podem ser diferentes. Um Marx, um Lenin, eles estão lutando por liberdade
econômica. Um Gandhi, um Lincoln, eles estão lutando por liberdade política. E há milhares e
milhares de escravidões, e a luta continua. Mas uma coisa é certa – que em algum lugar, lá no
fundo, o homem está buscando continuamente cada vez mais por mais liberdade.
Shiva diz – e todas as religiões dizem – que você pode se tornar politicamente livre, mas a
luta não cessará. Somente um tipo de escravidão não existirá mais, mas há outros tipos de
escravidão e, quando você for politicamente livre, então, você se dará conta de outras
escravidões. A escravidão econômica pode cessar, mas, então, você perceberá outras escravidões
– a sexual, a psicológica... Esta luta não pode cessar, a menos que você comece a sentir e saber
que você está em toda parte. No momento em que você sentir que você está em toda parte, a
liberdade está alcançada.
Esta liberdade não é política, esta liberdade não é econômica, nem sociológica. Esta liberdade
é existencial. Esta liberdade é total. Eis porque a chamamos de moksha, total liberdade. E, então,
você pode ser alegre. A alegria ou a bem-aventurança só é possível quando você está totalmente
livre.
Realmente, ser totalmente livre significa alegria. A alegria não é uma consequência, ela é o
próprio acontecimento. Quando você está totalmente livre, você está feliz, está abençoado. Esta
bem-aventurança não está acontecendo como um efeito. Liberdade é bem-aventurança,
escravidão é miséria. No momento em que você se sente limitado, você se sente miserável.
Quando você se sente ilimitado, a miséria desaparece. Assim, a miséria existe nas barreiras, e a
bem-aventurança existe numa terra sem barreiras, numa existência sem barreiras.
Sempre que você sente esta liberdade, a alegria acontece a você. Mesmo agora, quando você
sente certa liberdade, mesmo que ela não seja total, a alegria chega a você. Você se apaixona por
alguém: certa alegria, certa bem-aventurança acontece a você. Por que acontece isso? Realmente,
sempre que você está amando alguém, você afastou seu apego ao corpo. Num sentido profundo,
agora então, o corpo do outro também se tornou seu corpo. Você não está confinado em seu
próprio corpo agora: o corpo de outra pessoa também se tornou seu corpo, ele também se tornou
o seu lar, ele também se tornou sua morada. Você sente uma liberdade. Agora, você pode mover-
se dentro do outro e o outro pode mover-se dentro de você. De um modo limitado, caiu uma
barreira. Você é mais que antes.
Quando você ama alguém, você é mais do que sempre foi; seu ser aumentou, expandiu. Sua
consciência não está limitada como estava antes; ela chegou a um novo reino. Você sente certa
liberdade no amor. Ela não é total e, mais cedo ou mais tarde, você se sentirá novamente
confinado. Você se sente expandido, mas ainda assim, finito. Assim, aqueles que realmente
amam, mais cedo ou mais tarde fatalmente cairão na oração.
Oração significa um amor maior. Oração significa um amor com toda a existência. Você
agora sabe o segredo. Você conhece a chave, a chave secreta – que você amou uma pessoa e, no
momento em que amou, as portas se abriram e as barreiras se dissolveram, e pelo menos para
uma pessoa mais seu ser foi expandido, aumentado. Agora, você conhece a chave secreta. Se
você puder se apaixonar por toda a existência, você não será o corpo.
Em profundo amor, você se torna sem corpo. Quando você está amando alguém, você não se
sente como um corpo. Quando você não é amado, quando você não está amando, você se sente
mais como um corpo, você se torna mais perceptivo do corpo. O corpo se torna uma carga; você
tem de carregá-lo. Quando você é amado, o corpo perde seu peso. Quando você é amado e está
amando, você não sente que a gravidade tenha qualquer efeito sobre você. Você pode dançar,
você pode voar realmente. Num modo mais profundo, o corpo não existe mais – mas isto é de
um modo limitado. O mesmo pode acontecer quando você está amando a existência toda.
Amando, a alegria vem até você. Não é prazer. Lembre-se: alegria não é prazer. O prazer vem
até você através dos sentidos: a alegria vem até você através do estado não-sensual. O prazer
vem a você através do corpo; a alegria vem a você quando você não é o corpo. Quando por um
momento o corpo desapareceu e você é simplesmente consciência, então, a alegria vem até você.
Quando você é o corpo, o prazer pode acontecer a você. É sempre através do corpo. A dor é
possível, o prazer é possível através do corpo. A alegria é possível somente quando você não é o
corpo.
Acontece comumente também, acidentalmente também. Você está ouvindo música e de
repente a gravidade é perdida. Você está tão absorto naquilo, que você se esquece do seu corpo.
Você está cheio de música e você se tornou um com a música. Não há um ouvinte então: o
ouvinte e o que é ouvido se tornaram um. Somente a música existe; você não existe mais. Você
se expandiu. Agora, você está fluindo com as notas musicais, agora não há nenhum limite para
você. As notas são dissolvidas no silêncio, e você também está se dissolvendo no silêncio com
elas. O corpo é esquecido.
Sempre que o corpo é esquecido, ele é deixado de lado sem você saber, inconscientemente, e
a alegria acontece a você. Através do Tantra e do Iôga, você pode fazer isso metodologicamente.
Então, não se trata de um acidente: então você é o mestre daquilo. Então, aquilo não está
acontecendo a você; então, você tem a chave em suas mãos e você pode abrir a porta sempre que
quiser. Ou você pode abrir a porta para sempre e jogar a chave fora; nenhuma necessidade de
fechar a porta novamente.
A alegria acontece na vida comum também, mas você não sabe como ela acontece. O
acontecimento é sempre quando você não está no corpo – lembre-se disto. Assim, sempre que
você novamente sentir qualquer momento de alegria, perceba se você está no corpo naquele
momento ou não. Você não estará. Sempre que a alegria existe, o corpo não existe. Não que o
corpo desapareça – o corpo permanece, mas você não está apegado a ele, você não está
acorrentado a ele. Você saltou fora.
Você pode ter saltado para fora por causa da música, você pode ter saltado para fora por
causa de um belo alvorecer, você pode ter saltado para fora por causa de uma criança que estava
rindo, você pode ter saltado para fora porque você estava amando. Seja por que causa for, mas
você saltou para fora por um momento – para fora do corpo. O corpo está ali, mas deixado de
lado: você não está apegado a ele. Você saiu voando.
Através desta técnica, você vem a saber que a pessoa que está em toda parte não pode ser
miserável; ela é alegre, é alegria. Assim, quanto mais você fica confinado, mais miserável.
Expanda-se, empurre as fronteiras para longe, e sempre que puder, deixe o corpo de lado. Você
olha no céu e as nuvens estão flutuando: mova-se com as nuvens, deixe o corpo aqui na terra. E a
lua está ali: vá com a lua. Sempre que você possa se esquecer do corpo, não perca a oportunidade
– saia numa viagem. E, então, você se acostumará ao que significa estar fora do corpo.
E isso é somente uma questão de atenção. O apego é uma questão de atenção. Se você presta
atenção ao corpo, você está apegado. Se a atenção mover-se para longe, você não está apegado.
Olhe, por exemplo: você está jogando na quadra de esportes; está jogando hóquei ou voleibol ou
qualquer outra coisa. Quando você está absorto num jogo, sua atenção não está no corpo.
Alguém bateu nos seus pés e o sangue está fluindo – você não percebe. A dor está ali, mas você
não está ali. O sangue está fluindo, mas você está fora do corpo. Sua consciência – sua atenção –
pode estar voando com a bola, pode estar correndo com a bola. Sua atenção está em algum outro
lugar. O jogo acaba. De repente, você volta ao corpo, e estão ali o sangue e a dor. E você
imagina como aconteceu – quando aconteceu e como aconteceu e como você não percebeu
aquilo.
Estar no corpo... – sua atenção é necessária para estar ali. Assim, lembre-se disto – onde quer
que esteja sua atenção, você está ali. Se sua atenção estiver nas nuvens, você está ali. Se sua
atenção estiver na flor, você está ali. Se sua atenção estiver no dinheiro, você está ali. Sua
atenção é o seu estar. E se sua atenção estiver em lugar nenhum, você está em toda parte.
Assim, todo o processo de meditação é o de estar em tal estado de consciência onde sua
atenção esteja em lugar nenhum, sem nenhum objeto para ela. Quando não há nenhum objeto
para ela, não há nenhum corpo para você. Sua atenção cria o corpo. Sua atenção é seu corpo. E,
quando a atenção está em lugar nenhum, você está em toda parte – a alegria acontece a você.
Não é certo dizer que ela acontece a você – você é a alegria. Ela não pode deixá-lo agora: ela é
seu próprio ser. Liberdade é alegria, eis por que tanto anseio pela liberdade.

85 Pense em nada

A segunda técnica:

Pensando coisa nenhuma


O eu limitado tornar-se-á ilimitado.

Eis o que eu estava dizendo. Se não há nenhum objeto para sua atenção, você está em lugar
nenhum; ou você está em toda parte, você está livre. Você se tornou livre. Este sutra diz:
Pensando coisa nenhuma – ou pensando em nada – o eu limitado tornar-se-á ilimitado.
Se você não está pensando, você está ilimitado. Pensar lhe dá um limite, e há muitos tipos de
limites. Você é um hindu – isso lhe dá um limite. Ser um hindu é ficar apegado a um
pensamento, a um sistema, a um padrão. Você é um cristão – então, novamente, você está
limitado. Um homem religioso não pode ser um hindu ou um cristão. E, se alguém é hindu ou
cristão, não é religioso – impossível – porque esses são pensamentos. Ser um homem religioso
significa não refletir pensamentos, não ser limitado por pensamentos, por nenhum sistema, por
nenhum padrão – não ser limitado pela mente, viver no ilimitado.
Quando você tem certo pensamento, esse pensamento se torna sua barreira. Pode ser um belo
pensamento – contudo, é uma barreira. Uma bela prisão ainda é uma prisão. Pode ser um
pensamento dourado, mas isso não faz nenhuma diferença, ele o aprisiona do mesmo jeito. E,
sempre que você tem um pensamento e sempre que você está apegado a ele, você está sempre
contra alguém, porque as barreiras não podem existir se você não está contra alguém. Um
pensamento é sempre um preconceito: ele é sempre a favor ou contra.
Eu ouvi contar sobre um cristão muito religioso, que era um fazendeiro pobre. Ele pertencia à
Sociedade dos Amigos, ele era um quaker. Os quakers são não-violentos; eles acreditam no
amor, na amizade. Ele estava vindo da cidade para a sua aldeia em sua carroça e, de repente,
aparentemente sem qualquer causa, a mula parou e ele não podia ir adiante. Ele tentou, persuadiu
a mula do jeito cristão, persuadiu a mula muito amigavelmente, de um jeito não-violento. Ele era
um quaker: ele não podia bater na mula, ele não podia usar palavras pesadas, ele não podia
maltratar, ralhar, mas ele estava cheio de raiva. Mas como bater na mula?
Ele queria bater nela, então, ele disse à mula: “Comporte-se corretamente, porque eu sou um
quaker – eu não posso bater em você, eu não posso ralhar com você, eu não posso ser violento –
mas lembre-se, mula, que eu posso vender você a alguém que não seja cristão!”.
O cristão tem seu próprio mundo, e o não-cristão é o oposto. O cristão não pode conceber que
o não-cristão possa chegar ao reino de Deus. Um hindu não pode conceber que um jaina entre
naquele reino de bem-aventurança – impossível. O pensamento cria uma limitação, uma barreira,
uma fronteira, e todos aqueles que não são a favor, são tomados como contras. Uma pessoa que
não esteja em acordo comigo é contra mim.
Como você pode estar em toda parte? Você pode estar com o cristão; você não pode estar
com o não-cristão. Você pode estar com o hindu, mas você não pode estar com o não-hindu, com
o muçulmano. O pensamento está fadado a ser de algum modo contra – contra alguém ou contra
alguma coisa. Ele não pode ser total. Lembrem-se: o pensamento não pode ser total; somente o
não-pensamento pode ser total.
Em segundo lugar: o pensamento é sempre da mente, ele é sempre um subproduto da mente.
Ele é sua atitude, sua especulação, seu preconceito; ele é sua reação, sua formulação, seu
conceito, sua filosofia, mas ele não é a existência em si. Ele é algo sobre a existência; ele não é a
existência em si.
Uma flor existe. Você pode dizer algo sobre ela; isso será um pensamento. Você pode dizer
que ela é bela, você pode dizer que ela é feia, você pode dizer que ela é sagrada, mas seja o que
for que você diga sobre a flor, não é a flor. A flor existe sem os seus pensamentos, e sempre que
você está pensando sobre a flor, você está criando uma barreira entre você e a flor.
A flor não precisa de seus pensamentos. Ela existe. Abandone seus pensamentos e, então,
você poderá abandonar-se dentro da flor. Seja o que for que você diga sobre uma rosa é
insignificante, por mais significativo que pareça, é insignificante. O que você diz não é
necessário – não está dando nenhuma existência à flor. Está é criando um filme entre você e a
flor; está criando limitação. Assim, sempre que existe pensamento, você está excluído: a porta
está fechada para a existência.
Este sutra diz:

Pensando coisa nenhuma


O eu limitado tornar-se-á ilimitado.

Se você não pensa, se você simplesmente é, completamente alerta, perceptivo, mas sem
quaisquer nuvens de pensamento, você está ilimitado. O corpo não é o único corpo – um corpo
mais profundo é a mente. O corpo consiste em matéria; a mente também consiste em matéria –
sutil, mais refinada. O corpo é a camada externa. E é fácil tornar-se desapegado do corpo. É mais
difícil ser desapegado da mente, porque, com a mente, você sente que você é mais você mesmo.
Se alguém diz que seu corpo parece doente, você não se sente ofendido. Você não é tão
apegado; ele está um pouco distante de você. Mas se alguém diz que sua mente parece estar
patológica, doente, você se sente ofendido. Ele o insultou. Da mente, você está mais próximo. Se
alguém diz alguma coisa sobre seu corpo, você pode tolerar. Se alguém diz algo sobre sua mente,
é impossível tolerar, porque ele o atingiu mais fundo.
A mente é a camada mais íntima do corpo. A mente e o corpo não são dois: a camada externa
do seu corpo é o corpo e a camada mais interna é a mente. Exatamente como se você tivesse uma
casa: você pode ver a casa pelo lado de fora, e você pode ver a casa pelo lado de dentro. Do lado
de fora, a camada externa das paredes serão vistas; do lado de dentro, a camada mais interna. A
mente é sua camada mais íntima. Ela está mais próxima a você, mas ela ainda é um corpo.
Na morte, seu corpo externo cai, mas você leva o interno, a camada sutil, com você. Você
está tão apegado a ela, que nem a morte pode separá-lo da sua mente. A mente continua. Eis por
que seus nascimentos passados podem ser conhecidos, porque você ainda está carregando todas
as mentes que você já teve. Elas existem. Se você foi uma vez um cão, a mente do cão ainda está
com você. Se você uma vez foi uma árvore, a mente da árvore ainda está com você. Se você uma
vez foi uma mulher ou um homem, você carrega essas mentes. Todas as mentes são carregadas
por você. Você é tão apegado a elas, que jamais as solta.
Na morte, o externo se dissolve, mas o interno é carregado. É uma coisa material muito sutil.
Na verdade, simplesmente vibrações de energia, vibrações de pensamento. Você as carrega e, de
acordo com o padrão de pensamento que você carrega, você entra num novo corpo. De acordo
com o padrão de pensamento, o padrão do desejo, a mente, você novamente cria um novo corpo
para si. O projeto básico está na mente, e a camada externa é novamente acumulada.
O primeiro sutra é para pôr de lado o corpo. O segundo sutra é para pôr de lado a mente, o
corpo interno. Nem mesmo a morte pode separá-lo dela – somente a meditação pode separar. Eis
por que a meditação é uma morte maior, é uma cirurgia mais profunda – mais profunda do que a
própria morte. Eis por que tanto medo. As pessoas continuam falando sobre meditação, mas elas
nunca a fazem. Elas falarão, elas escreverão sobre ela, elas pregarão sobre ela, mas elas nunca a
farão. Existe um medo profundo sobre a meditação, e o medo é o da morte.
Os que fazem meditação, chegam num dia ou noutro a certo ponto onde eles se apavoram e
começam a resistir. Eles vêm a mim e dizem: “Agora nós não podemos entrar mais. Está
impossível”. Chega num ponto em que a pessoa pensa que está morrendo. E esse ponto é de uma
morte mais profunda do que qualquer outra morte, porque agora o âmago mais interno está sendo
separado: a mais profunda identidade interna está sendo despedaçada. A pessoa sente que está
morrendo; a pessoa sente agora que está indo para a não-existência. Um profundo abismo se
abre, uma infinita vacuidade se abre. A pessoa fica apavorada, corre de volta para se agarrar ao
corpo, de modo a não ser atirada fora, porque a terra embaixo está se movendo, está sendo
removida. Um vale está se abrindo, um nada.
Assim, as pessoas, mesmo que tentem, sempre tentam superficialmente: elas brincam com a
meditação. Elas percebem inconscientemente que, se forem mais fundo, não existirão mais. E
está certo, o medo é verdadeiro – você não será você mesmo novamente. Uma vez que você
tenha conhecido esse abismo, esse shoonya, o vazio, você não será o mesmo novamente.
Você volta, mas você está ressuscitado, um novo homem. O velho desapareceu. Você não
pode descobrir nem um traço dele, para onde ele foi. O velho era a identidade com a mente.
Agora, você não pode estar identificado com a mente. Agora, você pode usar a mente, você pode
usar o corpo, mas eles se tornaram instrumentos: você está acima deles. Quaisquer coisas que
faça, você faz, mas você não é um com elas. Isto dá liberdade. Mas isto pode acontecer somente
quando “pensando coisa nenhuma”.
Hmm – isto é muito paradoxal – “pensando coisa nenhuma ”... Você pode pensar sobre
coisas. Como você poderia pensar sobre coisa nenhuma? O que este “coisa nenhuma” significa?
E como você pode pensar sobre isto? Sempre que você pensa algo, aquilo se torna um objeto,
torna-se uma coisa, torna-se um pensamento, e pensamentos são coisas. Como você pode pensar
em “coisa nenhuma” ? Você não pode, mas no próprio esforço – o esforço para pensar em
“coisa nenhuma” – o pensar será perdido, será dissolvido.
Você já pode ter ouvido falar sobre os koans. Os mestres do zen dão um enigma para o
buscador pensar sobre ele – e trata-se de uma coisa que não pode ser pensada. Ele é dado
exatamente para se parar de pensar. Por exemplo, eles dizem aos buscadores: “Vá e descubra
qual é sua face original: a face que você tinha quando nasceu. Não pense sobre esta face que
você conseguiu: pense na face que você tinha antes do nascimento”.
Como você pode pensar sobre ela? Não há nenhuma fisionomia antes do nascimento – a
fisionomia vem com o nascimento. O rosto faz parte do corpo. Você não tem nenhum rosto:
somente o corpo tem um rosto. Feche os olhos e você não tem rosto nenhum. Você, sabe sobre
sua fisionomia através do espelho. Você mesmo não a viu, e não pode vê-la. Então, como a
pessoa pode pensar sobre a face original? Mas a pessoa pode tentar; o próprio esforço
funcionará.
O buscador tentará e tentará... – e é impossível. Ele virá ao mestre repetidamente,
perguntando: “É isto a face original?”. E antes de ele dizer o que ele imagina ao mestre, o mestre
diz: “Está errado. O que quer que você traga, vai estar errado”.
Durante meses seguidos, o buscador vem inúmeras vezes. Ele descobre algo, imagina algo,
ele vê a face – “A face original é como isto?”. E o mestre diz: “Não!”. E toda vez é isto – “Não,
não!”; e aos poucos ele se torna cada vez mais e mais atônito. Ele não pode pensar. Ele tenta,
tenta e tenta e fracassa – esse fracasso é a coisa básica. Um dia, ele chega a um fracasso total.
Todo o mecanismo do pensamento para nesse fracasso total e ele vem a perceber que a face
original não pode ser pensada. O mecanismo do pensamento para. E sempre que esta última
ocasião acontece ao buscador, quando ele chega ao mestre, o mestre diz: “Agora não precisa
mais. Eu vejo a face original.”. Os olhos se tornaram desocupados. O buscador foi lá não para
dizer algo, mas apenas para ficar perto do mestre. Ele não encontrou nenhuma resposta. Não
havia nenhuma. Pela primeira vez ele veio sem a resposta. Não há resposta para aquilo. Ele
voltou silencioso.
Todas as outras vezes ele tinha ido com alguma resposta. A mente estava presente, o
pensamento estava presente – ele estava limitado pelo pensamento. Ele tinha encontrado ou
imaginado alguma face – ele estava limitado por aquela face. Agora ele se tornou original; agora
não há nenhum limite. Agora ele não tem nenhuma face, nenhuma ideia, nenhum pensamento.
Ele veio sem mente nenhuma. Este é o estado de não-mente.
Neste estado de não-mente, o eu limitado tornar-se-á ilimitado. Os limites são dissolvidos.
De repente, você está em toda parte, de repente, você é todo mundo. De repente, você está na
árvore e na pedra e no céu e no amigo e no inimigo – de repente, você está em toda parte. Toda a
existência se tornou um puro espelho – você está em toda parte, espelhado. Este estado é o
estado de bem-aventurança. Agora, nada mais pode perturbá-lo, porque nada existe exceto você.
Agora, nada pode destruí-lo: nada existe exceto você. Agora, não mais há morte, porque até na
morte você está. Agora nada é oposto a você. Sozinho, você existe.
A esta solitude Mahavira chamou de Kaivalya, total solitude. Por que solitude? – porque tudo
está envolvido, absorvido, tornou-se você. Você pode expressar esse estado de dois modos. Você
pode dizer: “Somente eu sou. Aham Brahmasmi – eu sou o Deus, o divino, o total. Tudo veio
para mim; todos os rios se dissolveram no meu oceano. Só, eu existo. Nada mais existe”. Os
místicos sufis dizem isto, e os muçulmanos nunca puderam compreender por que os sufis dizem
tais coisas. Um sufi diz: “Não há Deus. Só, eu existo”. Este é um meio positivo de se dizer que
agora nenhuma separação existe. Buda usa um meio negativo. Ele diz: “Eu não existo mais.
Nada existe”.
Ambos são verdadeiros, porque quando tudo está incluído em mim, não há sentido em me
chamar de “eu”. O “eu” é sempre oposto ao “você”: o “eu” é sempre oposto ao “tu”. Em relação
ao “você”, ele é significativo. Quando não há nenhum “você”, o “eu” se torna sem sentido.
Assim, Buda diz que não há nenhum “eu”, que não existe nada. Ou tudo se tornou você, ou você
se tornou um não-ser e você se dissolve dentro de tudo.
Ambas as expressões são verdadeiras. É claro, nenhuma expressão pode ser totalmente
verdadeira, eis por que a expressão oposta é sempre verdadeira também. Toda expressão é
parcial, parte; eis por que a expressão oposta também é verdadeira – esta também é parte
daquela. Lembre-se disto. O que quer que você expresse pode ser verdadeiro e o oposto também
pode ser verdadeiro – o próprio oposto. Realmente, está fadado a ser verdadeiro, porque toda
expressão é somente uma parte.
E há dois tipos de expressão: você pode escolher a positiva ou você pode escolher a negativa.
Se você escolhe a positiva, a negativa parece ser não-verdadeira. Não é: ela é complementar. Ela
não é realmente oposta à outra. Assim, quer você diga Brahma – o total – ou diga Nirvana – o
nada – é a mesma coisa. Ambas as formas conotam a mesma experiência e a experiência é esta –
ao pensar em coisa nenhuma, você vem a conhecer isso.
Algumas coisas básicas têm de ser compreendidas sobre esta técnica. Primeira: ao pensar,
você está separado da existência. O ato de pensar não faz nenhuma relação, ele não é uma ponte,
não é uma comunicação – é uma barreira. Ao não pensar, você está relacionado, unido: está em
comunhão.
Quando você está falando com alguém, você não está relacionado. A própria conversa se
torna a barreira. Quanto mais você fala, para mais longe você vai. Se você está com alguém em
silêncio, você está relacionado. Se o silêncio for realmente profundo e não houver quaisquer
pensamentos na sua mente e ambas as mentes estiverem totalmente silenciosas, vocês são um só.
Dois zeros não podem ser dois. Dois zeros tornam-se um só. Se você acrescentar dois zeros,
eles não se tornam dois, eles se tornam um zero maior – um. E, na verdade, um zero não pode ser
maior – nem “maior”, nem “menor”. Um zero é simplesmente um zero. Você não pode
acrescentar algo a ele, você não pode deduzir algo dele. Um zero é inteiro. Quando você está
silencioso junto de alguém, vocês são um só. Quando você está silencioso junto com a
existência, você é um com ela.
Esta técnica diz: seja silencioso com a existência e, depois, você conhecerá o que é Deus. Há
somente um diálogo com a existência e esse diálogo é em silêncio. Se você fala com a existência,
você perde. Então, você está envelopado nos seus próprios pensamentos.
Tente isto como um experimento. Tente com qualquer coisa como um experimento – até
mesmo com uma pedra. Seja silencioso com ela – tome-a em suas mãos e seja silencioso – e
haverá comunhão. Você se moverá profundamente para dentro da pedra e a pedra se moverá
profundamente para dentro de você. Seus segredos serão revelados à pedra e a pedra revelará os
segredos dela a você. Mas você não pode usar a linguagem com ela. A pedra não conhece
nenhuma linguagem. Porque se você usar a linguagem, você não pode se relacionar com ela.
E o homem perdeu o silêncio completamente. Quando você não está fazendo nada, então
também, você não está silencioso: a mente continua fazendo uma coisa ou outra. Por causa dessa
constante conversa interna, deste contínuo tagarelar, você não está relacionado a nada. Nem
mesmo aos seus entes amados você está relacionado, porque este tagarelar é contínuo.
Você pode estar sentado com sua esposa: você está tagarelando na sua própria mente; ela está
tagarelando na própria mente dela. Ambos estão tagarelando. Eles estão bem longe um do outro,
polos distantes. É como se a pessoa estivesse numa estrela e o outro numa outra estrela, e há
infinito espaço entre estas. Então, eles sentem que a intimidade não existe mais e, então, eles
reclamam um com o outro – “Você não me ama”.
Esta não é a questão realmente. O amor não é possível. O amor é uma flor do silêncio. Ele só
floresce no silêncio, porque ele floresce em comunhão. Se você não pode ser sem pensamentos,
você não pode viver no amor. E, então, estar em oração é impossível – até quando fazemos uma
oração, nós tagarelamos. Para nós, orar é tagarelar com Deus.
Nós nos tornamos tão condicionados à tagarelice, que, mesmo quando vamos à igreja ou ao
templo, continuamos tagarelando lá também. Tagarelamos com Deus, falamos com Deus... Isto é
absoluto absurdo. Deus, a existência, não pode compreender sua linguagem. A existência
compreende somente uma linguagem – a do silêncio. E o silêncio não é nem sânscrito, nem
árabe, nem inglês, nem híndi. O silêncio é universal; ele não pertence a ninguém.
Há pelo menos quatro mil línguas na terra, e todo mundo está encapsulado em sua própria
língua. Se você não sabe a língua do outro, você não pode se relacionar com ele. Você não pode
estar relacionado. Se eu não compreendo a sua língua e você não compreende a minha língua,
nós não podemos estar relacionados. Somos estranhos. Não podemos penetrar um no outro, não
podemos compreender, não podemos amar. Isto está acontecendo somente porque não
conhecemos uma linguagem universal básica – que é o silêncio.
Na verdade, somente através do silêncio se pode relacionar. E, se você conhece a linguagem
do silêncio, então, você pode se relacionar com qualquer coisa, porque as pedras são silenciosas,
as árvores são silenciosas, o céu é silencioso – isso é existencial. Não é somente humano, é
existencial. Todas as coisas sabem o que é o silêncio; tudo existe no silêncio.
Se uma pedra está na sua mão, a pedra não está tagarelando internamente consigo mesma e
você está tagarelando – eis por que você não pode estar relacionado à pedra. E a pedra está
aberta, vulnerável, convidando. A pedra o saudará, mas você está tagarelando e a pedra não pode
compreender a tagarelice – isso se torna a barreira. Assim, mesmo com seres humanos você não
pode estar num profundo relacionamento; não poderá haver nenhuma intimidade. A língua, as
palavras destroem tudo.
Meditação significa silêncio: não pensar sobre nada. Não pensar absolutamente,
simplesmente ser – aberto, pronto, ávido para encontrar, saudando tudo, receptivo, amoroso, mas
absolutamente sem pensar. Então, infinito amor acontecerá a você, e você jamais dirá que
ninguém o ama. Você jamais dirá isso, você nunca sentirá isso. “Neste” momento, seja o que for
que você faça: você dirá isto e você sentirá isto. Você pode nem dizer. Você pode fingir que
alguém o ama, mas lá no fundo você sabe.
Até mesmo amantes continuam perguntando um ao outro: “Você me ama?”. De muitos
modos eles vão perguntando continuamente. Todo mundo tem medo, está incerto, inseguro. De
muitos modos, eles tentam descobrir se realmente o outro o ama. E eles nunca terão certeza,
porque o amado pode dizer “sim, eu o amo”, mas isso não dá nenhuma garantia. Como você
pode ficar à vontade? Como você pode saber se ele o está enganando ou não? Ele pode
argumentar, ele pode convencê-lo. Ele pode convencê-lo intelectualmente, mas o coração não
será convencido. Assim os amantes estão sempre em agonia. Eles não podem ser convencidos do
fato de que o outro o ama. Como você pode ser convencido?
Realmente não há meios de convencer através da linguagem. E você está perguntando através
da linguagem e, enquanto o amante está ali, você está tagarelando na mente, questionando
argumentando. Você jamais será convencido, e você sempre sentirá que você não foi amado, e
isto se torna a mais profunda miséria. E isto está acontecendo não devido a alguém não o estar
amando. Isto está acontecendo porque você está fechado numa parede. Você está fechado dentro
dos seus pensamentos; nada pode penetrar ali. Os pensamentos não podem ser penetrados, a
menos que você os abandone. Se você os abandonar, toda a existência o penetrará.
Este sutra diz:

Pensando coisa nenhuma


O eu limitado tornar-se-á ilimitado.
Você se tornará ilimitado. Você se tornará inteiro. Você se tornará universal. Você estará em
toda parte. E, então, você é alegre. Neste momento você não é nada mais que miséria. Aqueles
que são astutos, continuam se enganando que não são miseráveis, ou continuam tendo esperança
de que algo mudará, de que algo acontecerá, e de que alcançarão no fim da vida – mas você é
miserável.
Você pode criar rostos, ilusões, falsas faces; você pode continuar sorrindo continuamente,
mas lá no fundo você sabe que está na miséria. Isso é natural. Confinado nos pensamentos, você
estará em miséria. Liberto, além dos pensamentos – alerta, consciente, perceptivo, desanuviado
dos pensamentos – você será alegria, você será bem-aventurança.
Capítulo 58

EM SUAS MÃOS

PERGUNTAS

As técnicas são atalhos, revoluções, mas elas não são contrárias ao Tao, ao Swabhav, à
natureza?
No curso natural das coisas, depois de milhões de anos e de vidas, a pessoa ficará iluminada.
Mas nós já devemos ter passado através de milhões de anos e de vidas e, ainda assim, não
estamos iluminados. Por quê?
Você diz que milhões de vidas e milhões de anos de evolução natural podem ser evitados,
através do alcance da consciência total e da liberdade total. Não se poderia argumentar que o
carma, com suas forças naturais de causa e efeito, não devem sofrer interferências através de
atalhos? Ou esse também é o meio da divindade trazer tão grande possibilidade ao alcance do
mundo em evolução, da alma em evolução?
Às vezes eu me sinto num estado de não-fazer, muito passivo, mas a percepção do que está
acontecendo à volta me parece diminuída. Na verdade, eu me sinto desapegado das coisas à
minha volta. Isto de algum modo significa falsa passividade, na medida em que eu imagino que
o não-fazer deve ser sinônimo de aumento da percepção. Você pode, por favor, definir esse
estado?

Primeira pergunta

As técnicas são atalhos, revoluções, mas elas não são contrárias ao Tao, ao Swabhav, à
natureza?

São. Elas são contra o tao, são contra o swabhav. Qualquer esforço é contra o shabhav, o
tao... – o esforço como tal é contra o tao. Se você puder deixar tudo a cargo do swabhav, do tao,
da natureza, então, nenhuma técnica é necessária, porque esta é a suprema técnica. Se você puder
deixar tudo por conta do tao, essa é a mais profunda entrega possível. Você está entregando a si
mesmo, entregando seu futuro, suas possibilidades. Você está entregando o próprio tempo, todo
o esforço. Isso significa paciência infinita, a espera.
Se você pode entregar tudo à natureza, então, não há nenhum esforço, então, você não faz
nada. Você simplesmente flutua – você está num profundo let-go. As coisas acontecem a você,
mas você não está fazendo nenhum esforço por elas – você não as está nem ao menos
procurando. Se elas acontecem, ótimo; se elas não acontecem, ótimo – você não tem escolha. O
que for que aconteça, acontece; você não tem quaisquer expectativas e, é claro, nenhuma
frustração.
A vida flui, você flui com ela. Você não tem nenhuma meta a alcançar, porque, com a meta,
entra o esforço. Você não tem um lugar a alcançar, porque se você tiver algum lugar a alcançar,
o esforço entrará – isso está implícito. Você não tem nenhum lugar para ir, nenhum lugar a
alcançar, nenhuma meta, nenhum ideal; nada é para ser alcançado – você entregou tudo.
Nesse momento de entrega, nesse exato momento, tudo acontecerá a você. O esforço levará
tempo: a entrega não levará tempo. A técnica levará tempo; a entrega não levará tempo. Eis por
que eu a chamo de a suprema técnica. É uma não-técnica. Você não pode praticá-la – você não
pode praticar a entrega. Se você pratica, não é entrega. Então, você estará contando com você
mesmo; então, você não estará totalmente indefeso; então, você estará tentando fazer algo –
mesmo que seja a entrega. Então, a técnica entrará, e com a técnica entra o tempo, entra o futuro.
A entrega é não-temporal; ela é além do tempo. Se você se rende neste exato momento, você
está fora do tempo, e tudo que puder acontecer, acontecerá. Mas neste caso, você não está
buscando por aquilo, não está procurando; você não está cobiçoso daquilo. Você não tem a
mente para isso, absolutamente: quer aconteça ou não, dá tudo no mesmo para você.
Tao significa entrega – entrega ao swabhav, à natureza. Então, você não existe. Tantra e Iôga
são técnicas. Através delas você alcançará o swabhav, mas será um longo processo. Finalmente,
depois das técnicas, você terá de se render. Mas com as técnicas isso acontece no fim; com o tao,
no tao, isso vem no início. Se você puder se render neste exato momento, nenhuma técnica é
necessária, mas, se você não pode, e se você me pergunta “como se entregar”, então, uma técnica
é necessária. Assim, raramente, entre milhões e milhões de homens, um pode se entregar sem
perguntar “como”. Se você pergunta “como”, você não é o tipo certo que pode se entregar,
porque o “como” significa que você está pedindo por uma técnica.
Estas técnicas são para todos aqueles que não podem se livrar deste “como”. Estas técnicas
são apenas para você se livrar de sua ansiedade básica relativa ao “como” – “como fazer isso?”.
Se você pudesse se entregar sem perguntar, então, nenhuma técnica seria necessária para você.
Mas, então, você não teria vindo a mim, você poderia ter se entregado a qualquer hora, porque a
entrega não precisa de nenhum professor. Um professor pode ensinar somente técnicas. Quando
você busca, você está buscando uma técnica; toda busca é uma busca por uma técnica. Quando
você vai a alguém e pergunta, você está pedindo uma técnica, um método. Caso contrário, não há
nenhuma necessidade de ir a lugar algum. A própria busca mostra que você tem uma profunda
necessidade da técnica. Essas técnicas são para você. Não que sem técnica não possa acontecer.
Pode acontecer sim, mas aconteceu somente para muito poucas pessoas. E essas poucas pessoas
também não são, na verdade, raras: em suas vidas passadas, elas estiveram lutando com as
técnicas, e lutaram tanto com as técnicas, que agora estão enfastiadas, fartas disso. Chega-se a
um ponto de saturação, em que você já perguntou e perguntou “Como? Como? Como?” – e no
final o “como” falha. Então, você se entrega.
De todo modo, a técnica é necessária. Um Krishnamurti, ele diz que nenhuma técnica é
necessária – mas esta não é sua primeira vida. E ele não pôde dizer isto na sua vida passada.
Mesmo nesta própria vida, muitas técnicas lhe foram dadas, e ele trabalhou nelas. Você pode
chegar a um ponto através das técnicas, onde você pode se entregar – você pode jogar fora todas
as técnicas e simplesmente ser – mas isso também acontece através das técnicas.
É contra o tao, porque você é contra o tao. Você tem de ser descondicionado. Se você estiver
no tao, então, nenhuma técnica é necessária. Se você estiver saudável, então, nenhum remédio é
necessário. Todo remédio é contra a saúde. Mas você está enfermo; o remédio é necessário. Esse
remédio eliminará sua enfermidade. Ele não pode lhe dar saúde, mas se a enfermidade for
removida, a saúde acontecerá a você. Nenhum remédio pode lhe dar saúde. Basicamente, todo
remédio é um veneno – mas você já juntou algum veneno; você precisa de um antídoto. Isso se
equilibrará, e a saúde será possível.
A técnica não vai lhe dar dignidade, ela não vai lhe dar sua natureza. Ela destruirá tudo o que
você juntou ao redor de sua natureza. Ela somente o descondicionará. Você está condicionado, e
neste momento você não pode dar um salto para a entrega. Se você puder dá-lo, é bom – mas
você não pode dá-lo. Seu condicionamento perguntará: “Como?”. Então, as técnicas ajudarão.
Quando a pessoa vive no tao, então não é necessário nenhum iôga, nenhum tantra, nenhuma
religião. A pessoa está perfeitamente saudável; não é preciso nenhum remédio. Toda religião é
medicinal. Quando o mundo estiver vivendo no tao total, as religiões desaparecerão. Nenhum
professor, nenhum Buda, nenhum Jesus serão necessários, porque todo mundo será um Buda ou
um Jesus. Mas exatamente agora, como você está, você precisa das técnicas. Essas técnicas são
antídotos.
Vocês juntaram em torno de si uma mente tão complexa, que qualquer coisa que lhes seja dita
e dada, vocês a complicarão. Vocês a tornarão mais complexa, vocês a tornarão mais difícil. Se
eu lhe disser “entregue-se”, você perguntará “como?”. Se eu disser “faça as técnicas”, você
perguntará: “Técnicas? Elas não são contra o tao?”. Se eu disser que nenhuma técnica é
necessária, “simplesmente entregue-se e Deus acontecerá a você”, você imediatamente
perguntará: “Como?”. Sua mente...
Se eu disser: “O tao está exatamente aqui e agora, você não precisa praticar nada, você
simplesmente dá um salto e se entrega” – você perguntará: “Como? Como eu posso me
entregar?”. Se eu lhe der uma técnica para responder ao seu “como”, sua mente dirá: “Mas um
método, uma técnica, um meio, não é contra o swabhav, contra o tao ? Se a divindade é minha
natureza, então, como ela pode ser alcançada através de uma técnica? Se já está aí, então, a
técnica é fútil, inútil. Por que perder tempo com a técnica?”. Olhe para esta mente!
Eu me lembro, certa vez aconteceu que um homem, um pai de uma jovem, chamou o
compositor Leopold Godowsky para ir à sua casa e dar uma audição para sua filha. Ela estava
aprendendo piano. Godowsky foi à casa deles. Pacientemente, ele ouviu a moça tocando.
Quando ela terminou, o pai radiante chorou de felicidade e perguntou a Godowsky: “Ela não é
maravilhosa?”.
Consta que Godowsky disse: “Ela é maravilhosa. Ela tem uma técnica espantosa. Eu jamais
ouvi alguém tocar uma peça tão simples com tão grande dificuldade. Ela tem uma técnica
espantosa. Tocar uma peça tão simples com tão grande dificuldade, eu jamais tinha visto alguém
fazer isto antes!”.
É isto o que está acontecendo na sua mente. Até mesmo uma coisa simples, você a tornará
complicada, você trará dificuldades para si mesmo. E este é um meio de defesa, esta é uma
medida de defesa, porque, quando você cria dificuldades, você não precisa fazê-la – porque
primeiro o problema deve ser resolvido e, depois, você pode fazê-la.
Se eu digo “entregue-se”, você pergunta “como”. A não ser que eu responda ao seu “como”,
como é que você pode se entregar?
Se eu lhe dou uma técnica, sua mente imediatamente cria um novo problema. “Por que a
técnica? O swabhav existe, o tao existe, Deus está dentro de você, então, por que esse empenho,
esse esforço todo?”. A não ser que isto seja respondido, não há necessidade de fazer nada.
Lembre-se: você pode continuar nesse círculo vicioso para sempre e sempre. Você terá de
quebrá-lo em algum momento e sair fora disso. Seja decidido, porque somente com decisão sua
humanidade nasce. Somente com decisão você se torna humano. Seja decidido. Se você puder se
entregar, entregue-se. Se você não puder se entregar, então, não crie problemas filosóficos;
então, use alguma técnica.
Em ambos os casos, a entrega lhe acontecerá. Se você puder se entregar agora mesmo, está
bem. Se você não pode se entregar, então, passe pelas técnicas – esse treinamento é necessário.
Ele é necessário por sua causa, não por causa do swabhav, não por causa do tao. O tao não
precisa de nenhum treinamento. Este é necessário por sua causa. E as técnicas irão destruir a
você. Você morrerá através das técnicas, e a natureza mais íntima evoluirá. Você tem de ser
completamente despedaçado. Se você puder despedaçar num salto, entregue-se. Se você não
pode, então vá aos poucos – através das técnicas, trabalhe nisso.
Mas lembre-se de uma coisa: sua mente pode criar problemas que são truques – truques para
adiar, para adiar a decisão. Se a mente não estiver assentada, você não sente culpa. Você sente:
“O que eu posso fazer? Se algo não for absoluto, bem delineado, transparente, o que eu posso
fazer?”. Sua mente pode criar nuvens ao seu redor, e sua mente não lhe permitirá ser
transparente, jamais – a menos que você decida. Com a decisão, as nuvens desaparecem. A
mente é muito diplomática, a mente é política, e ela vai ativando políticas sobre você. Ela é
muito trapaceira, dissimulada.
Ouvi contar, que certa vez o Mulla Nasruddin foi visitar seu filho e sua nora. Ele tinha ido
para estar por três dias, mas estendeu a estadia por uma semana. A semana passou e ele acabou
ficando por um mês. Então, o jovem casal começou a se preocupar – como se livrar do velho?
Eles, então, discutiram a melhor forma de se livrar dele. E eles encontraram um plano.
O marido disse: “Hoje à noite você prepara uma sopa, e eu direi que há muito sal nela, que ela
não pode ser tomada, que é impossível tomar aquela sopa. E você tem de dizer que, pelo
contrário, não há sal suficiente nela. Nós vamos argumentar e começaremos a discutir e, depois,
eu pedirei a opinião de meu pai, para ver o que ele diz. Se ele concordar comigo, então, você fica
furiosa e diz para ele ir embora. Se ele concordar com você, eu fico sentido e digo a ele para ir
embora imediatamente”.
A sopa foi preparada, e foi tudo como o planejado: eles começaram a discutir e a contra-
argumentar. E então chegaram ao clímax. Eles estavam a ponto de se baterem e Nasruddin estava
sentado em silêncio observando. E então, o filho virou-se para ele e disse: “Pai, o que o senhor
diz? Há muito sal ou não?”.
Então, Nasruddin meteu a colher na sopa, provou-a, meditou por um momento sobre o sabor
e, então, disse: “Para mim está deliciosa”.
Ele não tomou nenhum lado. O plano todo foi inútil.
Sua mente vai trabalhando desse jeito. Ela jamais assume um lado, porque, no momento em
que você assume um lado, a ação tem de existir. Ela não assumirá nenhum lado; ela vai continuar
argumentando. Ela jamais decidirá qualquer coisa: ficará sempre no meio-termo. Seja o que for
que seja dito, será contra-argumentado, mas ela jamais tomará uma decisão. E você pode
argumentar ad infinitum – não há fim para isso. Somente a decisão lhe dará ação, e somente a
ação se tornará transformação.
Se você realmente está interessado numa profunda revolução dentro de você, então decida – e
não continue adiando. Não seja demasiado filosófico – isso é perigoso. Para um buscador, é
perigoso. Para alguém que não está buscando realmente, mas só passando o tempo, é bom, é um
bom desafio. A filosofia é um bom desafio se você pode se dar ao luxo. Mas eu não vejo quem
possa dar-se ao luxo, porque ela é um desperdício de tempo.
Assim, seja decidido. Se você puder se entregar, então se entregue. Então não há nenhum
“como” que se justifique. Se você não pode, então, pratique alguma técnica, porque, somente
então, através da técnica você chegará ao ponto onde a entrega acontecerá.

Segunda pergunta

No curso natural das coisas, depois de milhões de anos e de vidas, a pessoa ficará
iluminada. Mas nós já devemos ter passado através de milhões de anos e de vidas e, ainda
assim, não estamos iluminados. Porquê?

Você não pode perguntar por quê. Você só pode perguntar “por quê?” se você estiver fazendo
alguma coisa. Se é a natureza que está fazendo alguma coisa, você não pode perguntar por quê?
– isso fica por conta da natureza. E a natureza não é responsável; ela não vai lhe responder. Ela é
completamente silenciosa. E para a natureza, milhões de vidas não são nada; para a natureza
podem ser apenas segundos. Para você, milhões de vidas e anos é uma longa história; para a
natureza não é nada. A natureza não está preocupada, e a natureza não está interessada em você
pessoalmente. A natureza continua seu trabalho – algum dia acontecerá, mas você não pode
perguntar “por quê?”, pois a natureza é silenciosa.
Se você está preocupado sobre por que isso não aconteceu ainda, então, você tem de fazer
alguma coisa. Se a preocupação entrou em você, então, você tem de fazer alguma coisa. Somente
seu fazer o ajudará a chegar ao ponto onde a iluminação pode acontecer. Os meios da natureza
são muito pacientes, lentos. Não há nenhuma pressa, porque, para a natureza, não há nenhum
limite de tempo. Ela é eterna. Não há começo nem fim. Mas o homem tem de chegar ao ponto:
ele se tornou consciente, ele já começou a perguntar. Uma árvore nunca pergunta nada – nem a
árvore bodhi, sob a qual Buda se iluminou. A árvore nunca pergunta: “Por que eu não me tornei
iluminada ainda? Eu também tenho existido há muitos milhões de anos como você existiu,
Gautama. Por quê?”. A árvore jamais perguntará. A árvore é absolutamente natural. Os
questionamentos fazem o homem não natural.
O não natural entrou em você: você começou a perguntar “por quê?” – Por que não aconteceu
ainda?
Este questionamento é bom, porque ele pode levá-lo a um momento decisivo, onde você pode
começar a trabalhar sobre si mesmo. E um homem não pode deixar isso por conta da natureza,
porque o homem se tornou consciente. Você não pode deixar isso por conta da natureza agora.
Eis por que o homem criou as religiões. Nenhum animal tem religião. Não há necessidade: eles
não estão perguntando, eles não estão com pressa. Na natureza, tudo é sem pressa – movendo-se
tão lentamente como se não estivesse se movendo absolutamente; continuamente repetindo o
mesmo padrão, infinitamente repetindo o mesmo círculo.
O homem se tornou consciente. O homem se tornou consciente do tempo, e no momento em
que você se torna consciente do tempo, você é tirado da eternidade. Então, você fica com pressa.
Assim, à medida que a consciência do homem evolui mais, ele fica mais apressado, ele fica cada
vez mais e mais consciente. Vá até uma sociedade primitiva: eles não têm consciência do tempo.
Quanto mais civilizada uma sociedade, mais consciente do tempo. Uma sociedade primitiva está
mais perto da natureza: sem pressa, ela se move lentamente. Exatamente como a natureza se
move, ela se move. Quanto mais civilizado você se torna, mais você se torna consciente do
tempo. Realmente, o tempo pode ser o critério: o quão civilizada é uma sociedade pode ser
conhecido pela sua consciência do tempo. Então, você tem pressa, então, você não pode esperar,
então, você não pode deixar nada por conta da natureza. Você tem de tomar a coisa em suas
próprias mãos.
E o homem pode tomá-la em suas mãos: ele pode fazer algo e o processo pode terminar mais
cedo. Ele pode até terminar num único momento. Tudo que milhões de anos não fizeram, não
foram capazes de fazer, você pode fazer num único momento. Nesse único momento você pode
se tornar tão intenso, que milhões de anos e milhões de vidas são perpassados simultaneamente.
Isso é possível – como isso é possível, você fica preocupado. Sua preocupação é um sintoma
de que há algo que é possível e você não está efetivando – essa é a preocupação, esse é o dilema
humano. Você poderia fazer aquilo e você não o está fazendo – isso cria uma preocupação
interna, uma angústia. Quando você não pode fazer, a questão nunca surge, não há nenhuma
preocupação. A preocupação mostra que, agora, é possível você saltar – muitas vidas que são
desnecessárias, você pode simplesmente perpassar – e você não o está fazendo. Você se tornou
consciente, e você ergueu-se acima da natureza.
A consciência é um fenômeno novo. Você foi acima da natureza e agora você pode evoluir
conscientemente. Evolução da consciência é revolução. Você pode fazer algo à cerca disso. Você
não é uma vítima, não é apenas um fantoche. Você pode tomar seu destino em suas mãos. Isso é
possível e, como é possível e você não o está fazendo, a ansiedade é criada. E quanto mais você
ficar ciente de que aquilo é possível, mais a ansiedade será sentida.
Um Buda é muito preocupado; vocês não são tão preocupados. Buda vivia muito preocupado,
em profunda angústia, sofrendo. A menos que ele atingisse, ele viveria num inferno, porque ele
estava perfeitamente ciente de que algo era absolutamente possível; estava em suas mãos, bem
perto, e ele sentiu: “Eu ainda estou perdendo. Se eu esticar minha mão, acontecerá – e minha
mão está paralisada. Só mais um passo, e eu sairei disto – e eu não consigo dar esse passo. Eu
estou com medo de dar o salto”.
Quando você está perto do alvo, e você pode senti-lo e pode vê-lo e ainda assim você
continua não o alcançando, então, você sente angústia. Quando você está muito longe e não pode
senti-lo, não pode vê-lo, não pode nem mesmo perceber que há um alvo e está completamente
sem percepção de qualquer destino, então, não há nenhuma ansiedade.
Os animais não estão angustiados. Eles parecem felizes – mais felizes do que o homem. Qual
é a razão? As árvores são até mais felizes do que os animais. Elas estão perfeitamente
inconscientes do que pode acontecer, do que é possível, do que está bem perto da mão. Elas estão
ditosamente inconscientes. Não há nenhuma ansiedade. Elas são carregadas pela corrente. O
homem fica ansioso, e quanto maior o homem, mais ansiedade haverá.
Se você simplesmente vive, você está vivendo uma existência animal. A angústia religiosa
surge no momento em que você se torna consciente de que algo é possível – a semente está
presente e eu tenho de fazer alguma coisa. “Eu tenho de fazer algo e a semente brotará. As flores
não estão muito longe, e eu posso levar ao cabo essa colheita – mas, ainda assim, não está
acontecendo nada.” Então, fica-se um estado de muita impotência.
Essa era a condição de Buda antes de ele se tornar um buda. Ele estava bem à beira de
cometer suicídio.
Você terá de passar por isso. E você não pode deixar isso ficar por conta da natureza; você
tem de fazer algo acerca disso – e você pode fazer. E o alvo não está muito longe.
Assim, não fique depressivo se você sentir ansiedade. Se você sentir uma angústia muito
tensa dentro de você, um sofrimento, uma agonia, não se sinta depressivo por isso – é um bom
sinal. Isso lhe mostra que você está se tornando cada vez mais e mais perceptivo do que é
possível e, agora, você nunca mais ficará à vontade, a menos que aquilo se torne real.
O homem não pode deixar isso por conta da natureza, porque o homem se tornou consciente.
Apenas uma parte bem menor do seu ser é consciente, mas isso muda tudo. E a menos que seu
ser total se torne consciente, você não pode conhecer novamente a felicidade simples do animal
ou das árvores. Há somente um modo de conhecer isso agora: tornar-se cada vez mais e mais
alerta, mais e mais perceptivo, mais e mais consciente. Você não pode voltar. Não existe nenhum
processo de retorno; ninguém pode voltar. Você pode permanecer onde está e sofrendo, ou você
tem de ir adiante e ir além do sofrimento. Você não pode voltar.
A inconsciência total é bem-aventurada, a consciência total é bem-aventurada – e você está
no meio. Uma parte sua se tornou consciente, e a maior parte sua ainda está inconsciente. Você
está dividido. Você se tornou dois, você não é inteiro. A integração está perdida. Os animais
estão integrados e, os santos estão integrados. O homem está desintegrado: uma parte permanece
animal e uma parte se tornou ligada à santidade. Há uma luta, um conflito, e qualquer coisa que
você faça, você nunca faz com o coração inteiro. Assim, há dois meios. Um é simplesmente se
enganar – que é tornar-se totalmente inconsciente novamente. Você pode usar drogas, você pode
usar álcool, você pode usar intoxicantes – você cai de volta ao mundo animal. Você droga a parte
que se tornou consciente; você fica, então, totalmente inconsciente. Mas isso é uma ilusão
temporária: você surgirá novamente. O efeito da química se perderá e sua consciência se tornará
cônscia novamente. A parte que você suprimiu à força, com álcool ou com drogas ou com outra
coisa qualquer, surgirá novamente, e então você sentirá mais sofrimento, porque então, você
pode comparar. Você sentirá mais sofrimento.
Você pode continuar se drogando. Há muitos métodos – não somente químicos. Há métodos
religiosos. Você pode usar um japa, um mantra: você pode cantá-lo e criar um efeito intoxicante.
Você pode fazer muitas coisas que podem torná-lo inconsciente novamente, mas isso vai ser
temporário, você terá de sair – e você sairá com um sofrimento mais profundo em você, porque
então você será capaz de comparar. Se na inconsciência isso é possível, o que será possível na
total consciência? Você ficará com mais fome disso, você se sentirá mais faminto.
Lembre-se de uma coisa: totalidade é bem-aventurança. Se você está totalmente inconsciente,
então também há bem-aventurança, mas você não tem ciência disso. Os animais são felizes, mas
eles não têm ciência de sua felicidade. Então, é sem valor. É exatamente como você estar feliz
quando está dormindo; e estar infeliz, sempre que está acordado. Totalidade é bem-aventurança.
Você pode ser total na consciência também. Então, haverá bem-aventurança e você estará
perfeitamente ciente dela. Isso é possível através do sadhana, através do método, através da
prática das técnicas que aumentam sua consciência. Você não está iluminado, porque você não
fez nada para isso, mas você se tornou ciente de que você não está iluminado. Isso foi feito pela
natureza; em milhões de anos, a natureza o tornou ciente. Você pode não estar ciente do fato de
que o homem parou de crescer no que diz respeito ao corpo. Nós temos esqueletos de milhões de
anos de idade, mas não há nenhuma mudança visível: eles são semelhantes aos nossos
esqueletos. Assim, durante milhões de anos não tem havido nenhum crescimento no que diz
respeito ao corpo – ele permaneceu o mesmo. Nem o cérebro cresceu: ele permaneceu o mesmo.
No que diz respeito ao corpo, a evolução já fez tudo o que podia ter sido feito. Em certo sentido,
o homem agora é responsável por seu crescimento. E o crescimento não será do físico: o
crescimento será do espiritual.
O esqueleto de um buda e o seu esqueleto não são basicamente diferentes, mas você e o buda
são absolutamente diferentes. A evolução está trabalhando horizontalmente. Métodos, técnicas,
religiões trabalham verticalmente. O corpo já parou: ele chegou a um ponto, um ponto ômega.
Agora, não há mais nenhum crescimento para ele. Horizontalmente, a evolução parou: agora uma
evolução vertical começa. Agora, onde quer que você esteja, você tem de dar um salto
verticalmente. Essa evolução vertical será da consciência, não do corpo. E você é responsável
por ela.
Você não pode perguntar à natureza o “porquê?”, mas a natureza pode perguntar-lhe por que
você ainda não está iluminado, pois todas as condições estão dadas agora. Seu corpo tem tudo o
que é necessário; você tem um corpo de buda. Exatamente tudo que é necessário para o buda
acontecer a você, você já conseguiu. Apenas um novo arranjo, uma nova síntese de todos os
elementos que estão dados, e o buda acontecerá a você. A natureza pode lhe perguntar por que
você ainda não está iluminado, porque a natureza o supriu de tudo. E a natureza lhe perguntar
não será irrelevante, mas você perguntar à natureza é absurdo. Você não tem o direito de
perguntar. Agora, você está ciente e você pode fazer algo. Todos os elementos lhe foram dados.
O hidrogênio existe, o oxigênio existe, a eletricidade existe: você só tem de fazer certos esforços
e experimentos e a água acontecerá.
Tudo que é necessário para você se iluminar está com você, mas está disperso. Você tem de
ordenar, sintetizar, você tem de fazer uma harmonia disso e, de repente, a chama surgirá e se
tornará iluminação. Todas as técnicas são para isso. Você já tem tudo; basta um saber-fazer. É
preciso saber o que fazer, para que a iluminação aconteça a você.

Terceira pergunta

Você diz que milhões de vidas e milhões de anos de evolução natural podem ser evitados,
através do alcance da consciência total e da liberdade total. Não se poderia argumentar que
o carma, com suas forças naturais de causa e efeito, não devem sofrer interferências
através de atalhos? Ou esse também é o meio da divindade trazer tão grande possibilidade
ao alcance do mundo em evolução, da alma em evolução?

Tudo pode ser discutido, mas os argumentos não conduzem a lugar algum. Você pode
argumentar, mas como é que essa argumentação vai ajudá-lo? Você pode argumentar que o
processo natural do carma não deveria sofrer interferência... – não interfira então. Mas, então,
seja feliz na sua miséria – e você não está feliz. Você quer interferir. Se você pode confiar no
processo natural, é maravilhoso! Mas então não faça nenhuma reclamação. Não pergunte: “Por
que isto é assim?”. É assim por causa do processo natural do carma. Você está sofrendo? – você
está sofrendo devido ao processo natural do carma, e não é possível de outra forma; não interfira.
Isto é o que é a doutrina do fado, do kismat – a doutrina de acreditar no destino. Então, você
não está fazendo nada: seja o que for que esteja acontecendo, está acontecendo, e você tem de
aceitar isso. Então, também, isso se torna uma rendição, e você não precisa fazer nada. Mas é
necessária a total aceitabilidade. Realmente, não há nenhuma necessidade de interferir, mas você
pode estar num tal estado em que você não interfira? Você está constantemente interferindo em
tudo. Você não pode deixar por conta da natureza. Se você puder deixar, então, nada mais é
preciso e tudo lhe acontecerá. Mas se você não puder deixar, então interfira. E você pode
interferir, mas o processo tem de ser compreendido.
Realmente, meditar não é interferir no processo do carma; mais exatamente, é dar um salto
para fora dele. Precisamente não é interferir; é dar um salto para fora da roda viciosa, do círculo
vicioso. O círculo vicioso continuará, e o processo chegará a um fim por si mesmo. Você não
pode pôr um fim a isso, mas você pode estar fora disso e, uma vez que você esteja fora disso, a
coisa toda se torna ilusória.
Por exemplo: Raman morreu de câncer. Seus discípulos tentaram persuadi-lo a buscar
tratamento. Ele disse: “Tudo bem. Se vocês apreciam isso e se isso os deixará felizes, então,
tratem-me. Mas no que me diz respeito, está tudo perfeito”. Os médicos ficaram surpresos,
porque seu corpo estava sofrendo, aquilo era doloroso, mas seus olhos estavam sem nenhuma
dor. Seu corpo estava sofrendo profundamente, mas ele não estava sofrendo.
O corpo faz parte do carma, ele faz parte do círculo mecânico de causa e efeito, mas a
consciência pode estar além dele, ela pode transcender o corpo. Raman era apenas uma
testemunha. Ele estava vendo que o corpo estava sofrendo, que o corpo estava morrendo, mas ele
era uma testemunha. Ele não estava interferindo com o corpo, não estava interferindo mesmo.
Estava apenas observando o que estava acontecendo, mas ele não estava no círculo vicioso, não
estava identificado, não estava dentro daquilo então.
A meditação não é uma interferência. Realmente, sem meditação você está interferindo o
tempo todo. Com a meditação você vai além; você se torna um observador na colina. Lá no
fundo do vale, as coisas prosseguem, continuam, mas não lhe pertencem. Você é apenas um
espectador. É como se elas estivessem acontecendo a outra pessoa, ou como se elas estivessem
acontecendo num sonho, ou num filme na tela de projeção. Você não está interferindo. Você não
está dentro do drama propriamente dito – você saltou fora. Agora, você não é um ator, você se
tornou um espectador – esta é a única mudança;
E quando você é apenas uma testemunha, o corpo completará imediatamente seja o que for
que tenha de ser completado. Se você tem muitos carmas para sofrer e, agora, que você se tornou
uma testemunha, você não vai renascer novamente, o corpo terá de sofrer nesta vida todo o
sofrimento que teria sofrido em muitas vidas. Assim, acontece muitas vezes de um iluminado ter
de sofrer muitas enfermidades corporais, porque agora não há futuro nascimento, nenhuma vida
futura. Este vai ser o último corpo, então, todos os carmas e todo o processo têm de ser
completados, terminados.
Assim, acontece que, se olharmos para a vida de Jesus através dos olhos orientais, então, a
crucificação é um fenômeno diferente. Para a mente ocidental, não há vidas sucessivas, nenhum
renascimento, nenhuma reencarnação, então, eles realmente não têm uma análise bem profunda
da crucificação. Eles têm um mito de que Jesus sofreu por nós, que seu sofrimento significava
uma salvação para nós. Mas isso é absurdo; e isso não é verdade diante dos fatos também,
porque se o sofrimento de Jesus se tornou salvação para nós, então, por que a humanidade ainda
está sofrendo? Ela está sofrendo mais do que jamais sofreu antes.
Depois da crucificação, a humanidade não entrou no reino de Deus. Se ele sofreu por nós, se
sua crucificação foi uma contrição por nossas culpas e pecados, então, ele é um fracasso, porque
a culpa continua, o pecado continua, o sofrimento continua. Então, seu sofrimento foi em vão;
então, a crucificação não teve sucesso.
O cristianismo tem simplesmente um mito. Mas a análise oriental da vida humana tem uma
atitude diferente. A crucificação de Jesus foi todo seu sofrimento acumulado através dos seus
carmas. E esta foi sua última vida, ele não ia entrar no corpo outra vez; assim, todo o seu
sofrimento tinha de ser cristalizado, concentrado em um único ponto. Esse único ponto se tornou
a crucificação.
Ele não sofreu por mais ninguém – ninguém pode sofrer por nenhuma outra pessoa. Ele
sofreu por ele mesmo, pelos seus carmas passados. Ninguém pode tornar você livre, porque você
está na escravidão por causa dos seus carmas. Então, como Jesus pode torná-lo livre? Ele pode se
tornar um escravo, ele pode se tornar um homem livre, ele pode se libertar. Através da
crucificação, a conta do seu próprio carma se fechou. Ele terminou, a cadeia chegou ao fim.
Causa e efeito chegaram a um fim. Aquele corpo não nasceria outra vez; ele não entraria num
outro útero. Se ele não fosse uma pessoa iluminada, então, ele teria tido de sofrer tudo aquilo
durante muitas vidas. Ficou tudo concentrado num único ponto, numa única vida.
Você não pode interferir e, se você interfere, você cria mais miséria para si mesmo. Não
interfira com os carmas, mas vá além, seja uma testemunha deles. Tome-os como um sonho, não
como reais; simplesmente olhe para eles e seja indiferente. Não se envolva. Seu corpo sofre –
olhe para o sofrimento. Seu corpo está feliz – olhe para a felicidade. Não fique identificado – eis
tudo o que significa meditação.
E não encontre álibis, não arranje desculpas. Não diga que isto pode ser discutido. Você pode
argumentar qualquer coisa, você é livre para fazê-lo, mas lembre-se de que seu argumento pode
ser suicida. Você pode argumentar contra si mesmo, e você pode criar um argumento que não vai
transformá-lo, que, ao invés, vai se tornar uma barreira. E nós continuamos argumentando...
Ainda hoje veio uma moça para me encontrar. Ela me perguntou: “Diga-me, Deus existe
mesmo?”. Ela estava pronta para argumentar que não há nenhum Deus. Eu olhei para o rosto
dela, para seus olhos. Ela estava tensa, cheia de argumentos; ela queria discutir sobre esse ponto.
Realmente lá no fundo, ela queria que não houvesse nenhum Deus, porque, se há Deus, você tem
um problema. Se há Deus, então, você não pode permanecer seja lá o que for que você seja;
então, entra um desafio. Deus é um desafio. Significa que você não pode estar satisfeito consigo
mesmo: algo mais alto que você, é possível. Um estado mais alto, um estado absoluto de
consciência é possível. Eis o que Deus significa.
Assim, ela estava pronta para argumentar, e disse: “Eu sou atéia e não acredito em Deus”.
Eu lhe disse: “Se não há nenhum Deus, como você pode não acreditar nele? E Deus é
irrelevante. Sua crença e sua descrença, seu argumento a favor e seu argumento contra estão
relacionados com você; isso não está relacionado com Deus. Por que você está interessada nisso?
Se não há nenhum Deus, por que você viajou tanto, e por que você veio até mim para discutir
sobre algo que não existe? Esqueça e perdoe-o. Vá para casa, não perca seu tempo. Se ele não
existe, então, por que você está preocupada? Por que este esforço para provar que ele não existe?
Este esforço mostra algo sobre você. Você tem medo. Se Deus existe, então, ele é um desafio. Se
Deus não existe, então, você pode permanecer sendo o que você é – não há nenhum desafio para
a vida”.
Uma pessoa que tem medo de desafios, de riscos, de perigo, de se transformar, de mudar,
sempre negará que Deus existe. A negação é sua mente; a negação mostra algo sobre a pessoa,
não sobre Deus.
Eu disse a ela que Deus não é uma coisa que possa ser comprovada ou refutada. Deus não é
um objeto sobre o qual podemos dar alguma opinião a favor ou contra. Deus é uma possibilidade
dentro de você – ele não é algo fora; ele é uma possibilidade dentro de você. Se você viajar para
essa possibilidade, ele se torna real. Se você não viajar até esse ponto, ele é irreal. E se você
argumenta contra ele, então, não há por que viajar: você permanece o mesmo. E isso se torna um
círculo vicioso.
Você argumenta que Deus não existe e, por causa disso, você nunca viaja em direção a ele –
porque é uma viagem interior, uma jornada interior. Você nunca viaja, porque, como você
poderia viajar na direção do que não existe? Assim, você permanece o mesmo. E quando você
permanece o mesmo, você jamais encontra – você nunca se depara com Deus. Você nunca chega
a qualquer sensação, a qualquer vibração dele. Então, isso prova ainda mais, para você, que ele
não existe. E quanto mais isso fique comprovado, mais distante você fica; quanto mais você cai,
mais a brecha aumenta.
Assim, não se trata de uma questão de Deus existir ou não – eu disse a ela. Trata-se de uma
questão de se você quer crescer ou não. Se você quer crescer, seu crescimento total será o
encontro, seu crescimento total será a comunhão, seu crescimento total será o enfrentamento. Eu
contei a ela uma historieta.
Numa manhã cheia de vento, já no fim da primavera, um caracol começou a viajar subindo
numa cerejeira. Alguns pardais que estavam num carvalho vizinho começaram a rir, porque não
era a estação e não havia cerejas na árvore, e aquele pobre caramujo estava fazendo tanto esforço
para chegar ao topo. Eles riram a se acabar. Então, um pardal voou para o chão, aproximou-se do
caramujo e disse: “Querido, aonde você está indo? Não há nenhuma cereja nas árvores”.
Mas o caramujo nem ao menos vacilou; ele continuou sua jornada para cima. Sem parar de
caminhar, o caramujo disse: “Mas elas estarão lá quando eu chegar. Elas estarão lá quando eu
chegar lá em cima. Vai levar muito tempo para eu chegar ao topo, e por essa época as cerejas
estarão lá”.
Deus não existe, mas ele estará lá na época em que você chegar. Ele não é algo que já esteja
lá – ele jamais está. Ele é um crescimento. É o seu crescimento. Quando você chegar ao ponto
onde você está totalmente consciente, Deus existe. Mas não contra-argumente. Em vez de
desperdiçar sua energia em argumentação, use sua energia na transformação de si mesmo.
E a energia não é muita. Se você desviar sua energia na argumentação, você pode se tornar
um gênio em argumentar. Mas então, você estará desperdiçando – e é a um grande custo, porque
a mesma energia pode se tornar meditação. Você pode se tornar um lógico: você pode fazer
argumentos muito lógicos, você pode encontrar provas muito convincentes ou refutações, mais
você permanecerá o mesmo. Seus argumentos não vão mudar a você.
Lembre se de uma coisa: o que quer que o transforme é bom. O que quer que lhe dê
crescimento, expansão, aumento em consciência, é bom. Seja o que for que o torne estático, seja
o que for que proteja seu status quo não é bom – é mortal, suicida.

Quarta pergunta

Às vezes eu me sinto num estado de não-fazer, muito passivo, mas a percepção do que
está acontecendo à volta me parece diminuída. Na verdade, eu me sinto desapegado das
coisas à minha volta. Isto de algum modo significa falsa passividade, na medida em que eu
imagino que o não-fazer deve ser sinônimo de aumento da percepção. Você pode, por favor,
definir esse estado?
Comumente vivemos num estado febril – ativo, mas febril. Se você se tornar passivo, a febre
desaparecerá. Se você se tornar passivo, sem o ato do fazer, se você relaxar dentro de você, a
atividade desaparecerá, a febre desaparecerá, e a intensidade que vem através da febre não estará
presente. Você se sentirá um pouco lerdo, você se sentirá como se a percepção estivesse
diminuindo. Ela não está diminuindo; apenas a intensidade febril está diminuindo.
E isso é bom; assim, não tenha medo disso, e não pense que essa passividade não é
verdadeira. Isto está sendo dito pela sua mente, que precisa e quer a atividade e a incandescência,
que vêm através da febre. A febre não é percepção, mas na febre você pode ter uma percepção e
um estado de alerta muito doentios. Isso é enfermidade; não anseie por isso. Permita que isso se
vá, mergulhe na passividade.
No começo, parecerá que sua percepção está diminuindo em vez de aumentar. Permita-a
diminuir, porque, seja o que for que esteja diminuindo com a passividade, era febril; é por isso
que ela diminui. Permita-a diminuir. Virá um momento em que você ganhará um equilíbrio.
Nesse ponto de equilíbrio, não haverá nenhum aumento e nenhuma diminuição. Esse é um ponto
saudável; agora, a febre se foi.
No ponto de equilíbrio, seja qual for a percepção que você tenha, é real, não é febril. E se
você puder esperar pela vinda desse momento... É difícil, porque no começo você sente que você
está perdendo as rédeas, que você está se tornando realmente morto; sua atividade, seu estado de
alerta, tudo se foi – você está relaxando na morte. Parece assim, porque seja o que for que você
saiba sobre a vida, é febril. Não se trata de vida realmente, mas apenas de uma febre, puro estado
de tensão, puro estado de hiper-atividade. Assim, no começo... E você conhece só um estado –
esse estado febril. Você não conhece nada mais, então, como você pode comparar?
Quando você se tornar passivo, relaxado, você sentirá que algo foi perdido. Permita que esteja
perdido. Permaneça com a passividade. Logo chegará um ponto de equilíbrio, quando você
estará bem no ponto certo, onde não há nenhuma febre. Você será simplesmente seu próprio EU
– não empurrado por alguém para dentro da atividade, não puxado por alguém para dentro da
atividade. Agora, a atividade começará a acontecer a você, mas será espontânea, será natural.
Você fará algo, mas você não será puxado nem empurrado.
E qual é o critério para se saber se esta atividade não é forçada sobre você, não é febril? Este
é o pormenor: se a atividade for espontânea, você não sentirá nenhuma tensão através dela, você
não sentirá nenhuma carga. Você desfrutará. E a atividade se tornará um fim em si mesma: não
haverá nenhum fim. Ela não será um meio de alcançar algum outro lugar: será apenas um
transbordamento de sua própria energia. E esse transbordamento estará aqui e agora: ele não será
para algo no futuro. Você o desfrutará.
Seja o que for – cavando um buraco no jardim, ou podando as árvores, ou apenas sentado, ou
andando ou comendo – seja o que for que você esteja fazendo, isso se tornará absoluto em si
mesmo – ação total. E depois não será cansativo; em vez disso, você se sentirá refrescado. Uma
atividade febril o cansa; é doença. Uma atividade natural nutre a pessoa; você se sentirá cheio de
energia, mais vital depois de tudo. Você se sentirá mais vivo depois disso. Isso lhe dá mais vida.
Mas no começo, quando você começa a cair no não-fazer, ele fatalmente será sentido como se
você estivesse perdendo a percepção. Não, você não está perdendo consciência. Você está
simplesmente perdendo um tipo febril de atividade mental, um tipo febril de prontidão. Você se
assentará na passividade e uma percepção natural acontecerá.
Esta é a diferença entre uma prontidão febril e uma percepção natural; esta é a diferença: na
prontidão febril, há uma concentração; ela exclui tudo o mais. Você pode se concentrar numa
coisa. Você está me ouvindo. Se for numa prontidão febril, então, você me ouve e está
totalmente sem percepção de tudo o mais. Mas se for uma percepção passiva, não-febril, mas
equilibrada, natural, então, se passa um carro, você ouve aquele carro também. Você está
simplesmente perceptivo. Você está percebendo tudo, tudo que esteja acontecendo ao seu redor.
E esta é a beleza disso – que o carro passa e você ouve o barulho, mas ele não é uma
perturbação.
Se você estiver febrilmente atento e ouvir o carro, você deixará de me ouvir; aquilo será uma
perturbação, porque você não sabe estar total e simplesmente perceptivo de tudo que está
acontecendo. Você conhece somente uma maneira: como estar alerta de uma coisa a custo de
tudo o mais. Se você se move para outra coisa, você perde o contato com a primeira. Se você está
me ouvindo com uma mente febril, então, qualquer coisa pode perturbá-lo. Porque sua prontidão
vai para lá, você se desconecta de mim. Ela é unidirecional; não é total. Uma percepção passiva,
natural, é total: nada a perturba. Ela não é concentração, é meditação. Concentração é sempre
febril, porque você está forçando sua energia num único ponto. A energia por si mesma flui em
todas as direções. Ela não tem nenhuma direção na qual se mover; ela simplesmente regala-se em
fluir por todo lado.
Nós criamos conflito porque dizemos: “Isto é bom de se ouvir; isto é ruim”. Se você estiver
fazendo sua oração e uma criança começa a rir, isso vira uma perturbação – porque você não
pode conceber uma percepção simples na qual a oração continua e a criança também continua a
rir e não há nenhum conflito entre os dois fatos; os dois são parte de um todo maior.
Tente isto: fique totalmente alerta, totalmente perceptivo. Não se concentre. Toda
concentração é cansativa, você fica cansado, porque você está forçando a energia de modo não
natural. A percepção simples é inclusiva de tudo. Quando você está passivo e sem fazer nada,
então, tudo acontece ao seu redor. Nada o perturba e nada passa sem ser percebido. Tudo
acontece e você toma conhecimento, você é uma testemunha daquilo.
Surge um ruído. Ele acontece a você, vai para dentro de você; então, ele passa, e você
permanece como estava. Exatamente como numa sala vazia: se não houvesse ninguém aqui, o
tráfego continuaria passando, o ruído entraria nesta sala, iria embora e a sala permaneceria sem
ser afetada, como se nada tivesse acontecido. Na percepção passiva, você permanece sem ser
afetado. Tudo vai acontecendo; passa por você, mas nunca o toca. Você permanece sem um
arranhão. Na concentração febril, tudo o toca, o impressiona.
Mais um ponto sobre isto. Na psicologia oriental temos uma palavra, sanskar –
condicionamento. Se você se concentrar em algo, você será condicionado, você pegará um
sanskar, você ficará impressionado por alguma coisa. Se você estiver simplesmente perceptivo –
passivamente perceptivo, não concentrado, sem focar, apenas estando ali – nada o condiciona.
Então, você não acumula nenhum sanskar, você não acumula quaisquer impressões. Você
permanece virgem, puro, sem arranhões; nada o toca. Se a pessoa pode ser passivamente
perceptiva, ela passa pelo mundo, mas o mundo nunca passa através dela.
Certo mestre-zen, Bokuju, dizia: “Vá e atravesse o arroio, mas não permita que a água o
toque”. E não havia nenhuma ponte sobre o arroio perto do seu mosteiro.
Muitos tentaram, mas quando cruzavam, é claro, a água os tocava. Então, um dia, um monge
chegou e disse: “Você nos dá enigmas. Nós tentamos cruzar aquele arroio; não há nenhuma
ponte. Se houvesse uma ponte, é claro, nós poderíamos cruzar o arroio e a água não nos tocaria.
Mas nós temos de passar pelo arroio – a água nos toca”.
Então, Bokuju disse: “Eu irei e cruzarei, e vocês observem”. E Bokuju cruzou. É claro, a água
tocou-lhe os pés, e eles disseram: “Olhe, a água o tocou!”.
Bokuju disse: “Tanto quanto eu sei, ela não me tocou. Eu fui apenas uma testemunha. A água
estava tocando meus pés, mas não a mim. Eu estava apenas testemunhando”.
Com a prontidão passiva, com o testemunhar, você passa pelo mundo. Você está no mundo,
mas o mundo não está em você.
Capítulo 59

OBSERVANDO DE LÁ DA COLINA

OS SUTRAS

86. Suponha que você contempla algo


Além da percepção,
Além do alcance,
Além do não-ser.
– você.
87. Estou existindo.
Isto é meu.
Isto é isto.
Oh, Amada,
Em tal estado conheça ilimitadamente.

O homem é um Janus-Faced[1] – animal e divino, os dois. O animal pertence ao seu passado,


o divino pertence ao seu futuro, e isso cria a dificuldade. O passado já passou, não existe mais;
só uma sombra dele subsiste. E o futuro ainda é o futuro, ainda não veio: ele é um sonho, apenas
uma possibilidade. E entre esses dois, existe o homem – a sombra do passado e o sonho do
futuro. Ele não é nenhum dos dois e é ambos.
Ele é ambos, porque o passado é dele – ele era animal. Ele é ambos, porque o futuro é ele –
ele pode ser divino. E ele não é os dois, porque o passado não existe mais e o futuro ainda está
por chegar.
O homem existe como uma tensão entre estes dois: aquilo que existiu e o que pode existir.
Isso cria um conflito, uma constante luta para se realizar, para ser alguma coisa. Em certo
sentido, o homem não é nada. O homem é apenas um passo entre o animal e o divino – e um
passo é lugar nenhum. Ele estava em algum lugar e estará em algum lugar, mas, exatamente
agora, isso é lugar nenhum, simplesmente pendente no ar.
Assim, seja o que for que o homem esteja fazendo – eu digo, seja o que for – ele nunca está
satisfeito, nunca contente, porque, duas existências diametralmente opostas se encontram nele.
Se o animal estiver satisfeito, então o divino estará em descontentamento. Se o divino estiver
satisfeito, então, o animal estará descontente. Uma parte está sempre em descontentamento.
Se você se move até o animal, de certo modo você satisfaz parte de seu ser, mas,
imediatamente, nessa satisfação, surge a insatisfação, porque a parte oposta, seu futuro, é
simplesmente contrária a isso. A satisfação do animal é a insatisfação da possibilidade do seu
futuro. Se você satisfaz sua possibilidade divina, o animal se revolta; ele se sente ferido. Um
nítido descontentamento surge dentro de você. Você não pode satisfazer a ambos, e satisfazendo
a um, o outro fica insatisfeito. Eu me lembro de uma piada.
Um entusiasta de carro esporte chega às portas do paraíso, e S. Pedro lhe dá as boas-vindas.
Ele tinha chegado com seu Jaguar, e a primeira coisa que ele perguntou a S. Pedro foi esta: “Há
boas estradas no céu?”.
S. Pedro disse: “Sim, as mais belas estradas, mas há uma dificuldade – no céu não se permite
automóveis”.
O velocista disse: “Então aqui não é lugar para mim. Por favor, dê um jeito de me mandar
para outro lugar. Eu gostaria de ir para o inferno. Eu não posso deixar meu Jaguar”.
Assim foi feito. Ele foi até o inferno, chegou ao portal, e Satan deu-lhe as boas-vindas,
dizendo-lhe que estava muito feliz em vê-lo. Ele disse: “Você é igualzinho a mim: eu também
sou um amante de Jaguars”.
O velocista disse: “Ótimo! Dê-me o mapa de suas estradas”.
Satan ficou triste. Ele disse: “Senhor, nós não temos estradas por aqui – esse é o inferno
daqui!”.
Esta é a situação do homem. O homem é Janus-faced, um ser duplo, dividido em dois. Se
você satisfaz uma coisa, então, alguma coisa se torna frustrante para sua outra parte. Se você faz
o contrário, então, a outra parte fica insatisfeita. Algo está sempre faltando. E você não pode
satisfazer a ambas, porque elas são diametralmente opostas.
E todo mundo está fazendo essa coisa impossível, tentando fazer isto – um acordo em algum
lugar, de modo que céu e inferno possam se encontrar; de modo que corpo e alma, o inferior e o
superior, o passado e o futuro possam se encontrar em algum lugar, dentro de um acordo. Temos
feito isso por muitas vidas. Não deu resultado, e não vai dar. Todo o esforço é absurdo,
impossível.
Estas técnicas não estão interessadas em criar um acordo dentro de você. Estas técnicas são
para dar a você uma transcendência. Estas técnicas não são para satisfazer o divino contra o
animal – é impossível: isso criará mais tormento dentro de você, mais violência, mais batalha.
Estas técnicas não são para satisfazer seu animal contra o divino. Estas técnicas são apenas para
transcender a dualidade. Elas não são nem para o animal nem para o divino.
Lembrem-se: esta é a diferença básica entre outras religiões e o tantra. O tantra não é uma
religião, porque “religião” basicamente significa: a favor do divino contra o animal – portanto,
todas as religiões fazem parte do conflito. O tantra não é uma técnica de batalha, ele é uma
técnica de transcendência. O tantra não é para lutar contra o animal a favor do divino. O tantra é
contra todas as dualidades. Ele não é nem a favor nem contra a realidade. Ele está simplesmente
criando uma terceira força dentro de você, um terceiro centro de existência, onde você não é nem
animal nem divino. Para o tantra, esse terceiro ponto é a advaita, esse terceiro ponto é a não-
dualidade.
O tantra diz que você não pode alcançar a unidade lutando através da dualidade. Você não
pode chegar a um ponto não-dual escolhendo uma parte na batalha da dualidade. A escolha não o
conduzirá à unidade – somente uma testemunha sem escolha o conduzirá.
Este é o próprio fundamento do tantra, e devido a isso, o tantra nunca foi realmente
compreendido de modo correto. Ele sofreu uma longa incompreensão através dos séculos,
porque no momento em que o tantra diz que não é contra o animal, você começa a sentir que o
tantra é a favor do animal. E no momento em que o tantra diz que não é a favor do divino, você,
então, começa a pensar que o tantra é contra o divino.
Na realidade, o tantra é a favor do ato de testemunhar sem escolhas. Não fique com o animal,
não fique com o divino, e não crie um conflito. Retorne, afaste-se disso, crie uma brecha entre
você e esta dualidade, e torne-se uma terceira força, uma testemunha, de onde você possa ver
ambos, o animal e o divino.
Eu lhes disse que o animal é o passado e o divino é o futuro, e o passado e o futuro são
opostos. O tantra está no presente. Ele não é nem do passado nem do futuro.
Neste exato momento, não pertença ao passado e não anseie pelo futuro. Não almeje o futuro
e não seja condicionado pelo passado. Não permita que o passado se torne uma ressaca e não crie
nenhuma projeção no futuro. Permaneça fiel a este exato momento, aqui e agora, e você
transcenderá. Então, você não é nem animal nem divino.
Para o tantra, ser dessa forma é ser Deus. Dessa forma, na exatidão do momento, onde o
passado não está vinculado e o futuro não foi criado, você é livre, você é a liberdade.
Nesse sentido estas técnicas não são religiosas, porque a religião é sempre oposta ao animal.
A religião cria um conflito. Assim, se você for realmente religioso, você se tornará
esquizofrênico, você será divido. Todas as civilizações religiosas são civilizações divididas. Elas
criam neurose, porque elas criam conflito interno. Elas o dividem em dois, e uma parte do seu ser
se torna a inimiga. Então, toda sua energia é dissipada na luta consigo mesmo.
O tantra não é religioso nesse sentido, porque o tantra não acredita em nenhum conflito, em
nenhuma violência. E o tantra diz: “não lute consigo mesmo”. Basta ser perceptivo. Não seja
agressivo e nem violento consigo mesmo. Basta ser uma testemunha, um observador. No
momento do ato do testemunhar, você não é nenhum dos dois: ambas as faces desaparecem.
Naquele momento do testemunhar,
você não é humano.
Você simplesmente é.
Você existe sem nenhuma marca.
Você existe sem nenhum nome.
Você existe sem nenhuma categorização.
Você é, sem ser ninguém em particular – uma simples existência, um puro ser.
Essas técnicas são para esse puro ser.
Agora, discutirei as técnicas.

86 Imagine o imaginável

A primeira técnica:

Suponha que você contempla algo


Além da percepção,
Além do alcance,
Além do não-ser.
– você.

Suponha que você contempla algo além da percepção – aquilo que não pode ser visto, que
não pode ser percebido. Mas você pode imaginar algo que não pode ser visto? A imaginação é
sempre daquilo que pode ser visto. Como você pode imaginar algo, como você pode supor algo
que não pode ser percebido?
Aquilo que você pode perceber, você pode imaginar. Você não pode nem sonhar algo que não
pode ser visto e percebido. Eis por que até seus sonhos são sombras da realidade. Nem sua
imaginação é pura imaginação, porque seja o que for que você possa imaginar, você já conheceu
de algum modo. Você pode criar novas combinações, mas todos os elementos da combinação são
conhecidos e percebidos.
Você pode imaginar uma montanha dourada voando no céu como uma nuvem. Você não
percebeu tal coisa jamais, mas você já percebeu uma nuvem, você já percebeu uma montanha,
você já percebeu o ouro. Esses três elementos podem ser combinados. A imaginação não é
original; é sempre uma combinação de algo que você já percebeu antes.
Esta técnica diz: Suponha que você contempla algo além da percepção.
Isso é impossível, mas é por isso que vale a pena fazê-la, pois, no próprio esforço, algo
acontecerá a você. Não que você se tornará capaz de perceber – se você tentar perceber algo que
não pode ser percebido, toda a percepção estará perdida. No próprio esforço, se você tentar ver
algo que você jamais viu, tudo o que você já viu desaparecerá.
Se você persistir no esforço, muitas imagens virão até você – você tem de descartá-las,
porque você sabe que você já viu aquilo; aquilo pode ser percebido. Você pode não ter visto
aquilo realmente como aquilo é, mas mesmo que você possa imaginá-lo, aquilo pode ser
percebido. Descarte-o. Vá descartando. Esta técnica diz para persistir naquilo que não possa ser
percebido.
O que acontecerá? Se você continuar descartando, vai ser um esforço árduo, porque
borbulharão muitas imagens. Sua mente proverá muitas imagens, muitos sonhos; muitas
concepções virão, muitos símbolos. Sua mente criará combinações, mas continue descartando, a
menos que aconteça algo que não possa ser percebido. O que é isso?
Se você continuar descartando, nada lhe acontecerá como um objeto: somente a tela da mente
estará presente sem nenhuma imagem, sem nenhum símbolo, sem nenhum sonho sobre ela,
nenhuma figura sobre ela. Nesse momento, uma metamorfose acontece. Quando a tela está
simplesmente ali sem nenhuma imagem, você se torna perceptivo de si mesmo. Você se torna
ciente daquele que percebe. Quando não há nada a ser percebido, toda a atenção muda. Toda a
consciência se reflete. Quando você não tem nada para ver, pela primeira vez você se torna
ciente do seu próprio EU. Você começa a se ver.
Este sutra diz: Suponha que você contempla algo além da percepção, além do alcance, além
do não-ser – você.
Então, você acontece para si mesmo. Pela primeira vez, você tomará ciência daquele que
percebia, que alcançava, que conhecia. Mas este sujeito está sempre escondido nos objetos. Você
conhece certas coisas, mas nunca conhece aquele que conhece – o conhecedor fica perdido no
conhecimento.
Eu o vejo, então vejo outra pessoa, e esta procissão continua. Do nascimento à morte, eu verei
isto e aquilo e mais aquilo, e continuarei vendo e vendo. E aquele que estava vendo essa
procissão, é esquecido: ele fica perdido na multidão. A multidão é de objetos, e o sujeito fica
perdido.
Este sutra diz que, se você tentar “contemplar algo além da percepção, além do alcance” –
além daquilo que você não pode agarrar com a mente – “além do não-ser”... Imediatamente, a
mente dirá que, se há algo que não pode ser visto e que não pode ser alcançado, isso não existe.
A mente imediatamente reagirá dizendo que se algo não é visível, não é percebível, não é
alcançável, então, essa coisa não existe. A mente dirá que não existe. Não se torne vítima da
mente.
Este sutra diz: ... Além da percepção, além do alcance, além do não-ser. A mente dirá que
isso é nada, que isso não pode existir, é um não-ser. O sutra diz: não creia nisso. Há algo que é o
ser além do não-ser, que existe e que não pode ser percebido, e que não é alcançável: é você.
Você não pode se perceber – ou pode? Você pode imaginar alguma situação na qual você
possa se deparar consigo mesmo, na qual você possa se conhecer? Você pode continuar usando a
palavra ‘autoconhecimento’, que é absolutamente absurda, porque você não pode conhecer o Eu
– o self. O self é sempre aquele que conhece. Ele não pode ser reduzido a um conhecido, ele não
pode ser reduzido a um objeto.
Por exemplo: se você pensa que pode conhecer o self, então, o self que você conhecer não
será o seu self; mas aquele que está conhecendo o self será o self. Você sempre permanecerá o
conhecedor: você não pode se tornar o conhecido. Você não pode pôr-se em frente de si mesmo;
você sempre ficará atrás. Seja o que for que você conheça, não pode ser o self – isto quer dizer
que você não pode conhecê-lo. Você não pode conhecê-lo do jeito que você conhece as outras
coisas.
Eu não posso me ver do jeito que eu vejo vocês. Quem verá? Porque todo relacionamento de
conhecimento, visão, percepção, significa que há pelo menos duas coisas: o conhecido e o
conhecedor. Autoconhecimento não é possível neste sentido, porque há somente um. O
conhecedor e o conhecido são um só: o observador e o observado são um só. Você não pode
converter-se num objeto.
Portanto, a palavra ‘autoconhecimento’ é simplesmente errada, mas conota algo, diz algo que
é verdadeiro. Você pode conhecer-se em um sentido muito diferente, num sentido
completamente diferente de como você conhece outras coisas. Quando não há nada a ser
conhecido, quando todos os objetos desapareceram, quando tudo o que pode ser percebido e
alcançado não existe mais, quando você já descartou tudo, de repente você fica ciente de si
mesmo. E esta percepção não é dual: não há nenhum objeto e nenhum sujeito. Há simplesmente
a subjetividade.
Esta percepção é um tipo diferente do ato de conhecer. Esta percepção lhe dá uma dimensão
diferente da existência. Você não está dividido em dois. Você está ciente de si mesmo. Você não
está percebendo, você não pode alcançar aquilo e, contudo, é existencial – o mais existencial.
Tente compreender deste jeito... Nós temos energia; essa energia vai se movendo para os
objetos. A energia não pode ser estática. Lembre-se disto como uma das supremas leis: a energia
não pode ser estática, ela é dinâmica – ela não pode ser de outro modo. O dinamismo é sua
própria natureza – a energia se move. Quando eu o vejo, minha energia se move na sua direção.
Quando eu o percebo, um círculo é feito. Minha energia se move para você, então, ela retorna
para mim – um círculo foi feito.
Se minha energia se mover para você e não retornar, eu não o conhecerei. Um círculo é
necessário: a energia tem de ir e depois retornar para mim. Com seu retorno, ela o traz até mim.
Eu o conheço. Conhecimento significa que a energia fez um círculo. Ela se moveu de um sujeito
para o objeto e, depois, ela se moveu novamente e retornou para a fonte original. Se eu continuar
vivendo deste jeito – fazendo círculos com os outros – eu jamais conhecerei a mim mesmo,
porque minha energia está ocupada com a energia de outros. Isso traz aquelas imagens, libera
aquelas imagens para mim. É assim que se junta conhecimento.
Esta técnica diz para permitir que o objeto desapareça. Permita sua energia se mover num
vácuo, na vacuidade. Ela sai de você, mas não há nenhum objeto a ser alcançado por ela, nenhum
objeto para ser percebido por ela. Ela se move e retorna para você através da vacuidade; não há
nenhum objeto. Isso não traz nenhum conhecimento para você: Ela vem desocupada, vazia, pura.
Ela não traz nada. Ela traz somente ela mesma. Ela vem virgem – nada entrou nela; ela
permanece pura.
Este é todo o processo de meditação. Você está sentado silenciosamente, sua energia está se
movendo. Não há nenhum objeto com o qual ela possa ser contaminada, com o qual ela possa se
tornar emaranhada, com o qual ela possa se tornar impressionada, com a qual ela possa se unir.
Então, você a traz de volta para si mesmo. Não há nenhum objeto, nenhum pensamento,
nenhuma imagem. A energia se move, o movimento é puro e, então, ela retorna para você –
virgem. Assim como o deixou, ela volta – não traz nada. Um veículo vazio, ela vem para você,
ela o atinge. Não há nenhum conhecimento trazido por ela; ela está vindo sozinha. Nessa
penetração de pura energia, você se torna ciente de si mesmo.
Se sua energia estiver trazendo algo mais, então, você se tornará perceptivo desse algo. Você
olha para uma flor. A energia está trazendo a flor para você – a imagem da flor, o cheiro da flor,
a cor da flor. A energia está trazendo a flor para você. Ela está apresentando-o à flor. Então, você
se torna ciente da flor. A energia está recoberta pela flor. Você nunca conhece a energia, a pura
energia está recoberta pela flor. Você nunca se torna ciente da energia, da pura energia que é
você. Você está se movendo para o outro e voltando para a fonte.
Se não há nada para impressioná-la, se ela vem descondicionada, se ela vem da forma que foi,
se ela traz apenas ela mesma, nada mais, você se torna ciente de si mesmo. Isso é um puro
círculo de energia – a energia se movendo não para outra coisa, mas dentro de você, criando um
círculo dentro de você. Então, não há mais ninguém, somente você se movendo dentro de si
mesmo. Este movimento se torna autoconhecimento, auto-iluminação. Basicamente, todas as
técnicas de meditação, todas elas são variações diferentes desta.

Suponha que você contempla algo


Além da percepção,
Além do alcance,
Além do não-ser.
– você.

Se isto puder acontecer, então, pela primeira vez você se tornará ciente de si mesmo, do seu
ser, da sua existência – a subjetividade.
O conhecimento é de duas espécies: conhecimento dos objetos e conhecimento da
subjetividade. O conhecimento do conhecido, do conhecível, e o conhecimento do conhecedor. E
um homem pode conhecer milhões e milhões de coisas, ele pode se familiarizar com o mundo
todo, mas, se ele não tem ciência do conhecedor, ele é ignorante. Ele pode ser instruído, mas ele
não é sábio. Ele pode ter reunido muita informação, muita instrução, mas a coisa básica que faz
dele um conhecedor, está faltando – ele não está ciente de si mesmo.
Nos Upanishads, há uma pequena história. Svetaketu, um rapaz jovem, voltou do seu mestre
para sua casa. Ele tinha passado em todos os exames, e tinha sido bem aprovado. Tudo o que o
mestre pôde lhe dar, ele recolheu. Ele tinha se tornado verdadeiramente egoísta,
Quando ele chegou à casa de seu pai, a primeira coisa que o pai perguntou a Svetaketu foi
isto: “Você parece estar demasiadamente cheio de conhecimento, e seu conhecimento o está
tornando muito egoísta – o seu jeito de andar, o jeito como você entrou na casa. Eu tenho só uma
pergunta para você. Você conhece aquele que conhece tudo? Você sabe que conhecendo este,
tudo é conhecido? Você conheceu a si mesmo?”.
Svetaketu disse: “Mas não houve nenhum curso disso na escola, e o mestre nunca discutiu
isso. Eu conheci tudo que pode ser conhecido. Pergunte-me qualquer coisa e eu lhe responderei.
Mas... – que tipo de pergunta você está levantando...? Isso nunca foi discutido”.
O pai disse: “Então, volte e – a menos que você saiba que conhecendo a si, tudo é conhecido;
e que sem conhecer a si nada é conhecido – não retorne. Primeiramente, conheça a si mesmo”.
Svetaketu retornou. Ele perguntou ao mestre: “Meu pai diz que eu não posso voltar para casa,
que eu não posso ser bem-vindo lá, porque ele diz que em nossa família temos de ser Brahmins
não somente por nascimento. Temos de ser conhecedores, conhecedores de Brahma, Brahmins,
não somente por nascimento, mas por verdadeiro e autêntico conhecimento. Assim, ele disse: ‘A
menos que você se torne um Brahmin verdadeiro, não por nascimento, mas por conhecer o
Brahma, por conhecer o supremo, não entre em casa. Você não é digno de nós’. Então, agora,
ensine-me isso”.
O professor disse: “Tudo que pode ser ensinado eu lhe ensinei. E isso é algo que não pode ser
ensinado. Assim, faça uma coisa: simplesmente fique disponível para tanto. Isso não pode ser
ensinado diretamente. Simplesmente fique receptivo: um dia, acontecerá. Recolha todas as vacas
do ashram...” – o ashram tinha muitas vacas; dizem que quatrocentas. “Leve todas as vacas até a
floresta. Fique lá com as vacas: pare de pensar, pare de falar, torne-se uma vaca. Permaneça com
as vacas, ame-as, e fique tão silencioso quanto as vacas são silenciosas. Quando as vacas se
tornarem mil, volte”.
Assim, Svetaketu foi com quatrocentas vacas para a floresta. Lá não valia nada pensar, não
havia ninguém para falar com você. Em pouco tempo, sua mente se tornou como a de uma vaca.
Ele sentou-se silenciosamente sob as árvores e durante muitos anos teve de esperar, porque
somente quando as vacas fossem mil, ele podia voltar. Em pouco tempo, a linguagem
desapareceu da sua mente. Aos poucos, a sociedade desapareceu da sua mente. Em pouco tempo
ele absolutamente deixou de ser um ser humano. Seus olhos ficaram como os das vacas.
E a história é muito bela. A história diz que ele se esqueceu de como contar – porque se a
língua desaparece e a fala desaparece... Ele se esqueceu de como contar, ele se esqueceu que ele
tinha de voltar. A história é bela. As vacas disseram: “Svetaketu, agora nós somos mil. Agora
deixe-nos voltar à casa do mestre. Ele deve estar esperando”.
Svetaketu voltou, e o mestre disse aos outros discípulos: “Contem as vacas”.
As vacas foram contadas e os discípulos disseram: “Sim, há mil vacas”.
Consta que o mestre disse: “Não mil, mil e uma – esta é Svetaketu”.
Ele estava parado no meio das vacas, silencioso, simplesmente ali, sem nenhum pensamento,
sem nenhuma mente. Exatamente como uma vaca – puro, simples, inocente. E o mestre disse:
“Você não precisa entrar. Agora, volte para a casa de seu pai. Você conheceu; aconteceu a você.
Por que você voltou novamente para mim? Já aconteceu a você”.
Acontece: quando não há nenhum objeto na mente para conhecer, o conhecedor acontece a
você. Quando a mente não está ocupada pelos pensamentos, quando não há nenhuma onda,
quando não há uma ondulação sequer, você está ali sozinho. Não há nada além de você.
Obviamente, você fica ciente de seu self; pela primeira vez, você se torna preenchido de si
mesmo. Uma auto-iluminação acontece.
Este sutra é um dos mais fundamentais. Tente com ele. É árduo, porque o hábito de pensar, o
hábito de se agarrar aos objetos, ao que pode ser percebido e ao que pode ser alcançado está tão
profundamente arraigado, tão entranhado, que será necessário tempo e um esforço muito
persistente para não ficar envolvido nos objetos, não ficar envolvido nos pensamentos, mas se
tornar apenas uma testemunha; e descartá-los dizendo: “Não, isto não, isto não”.
Toda a técnica dos Upanishads está condensada em duas palavras: Neti, Neti – isto não, isto
não. Seja o que for que venha à mente, diga: “Isto não”. Continue dizendo e descartando e
jogando toda a mobília fora. A sala tem de ser esvaziada, totalmente esvaziada. Quando a
vacuidade estiver presente, então, acontece. Se algo mais estiver lá, você continuará sendo
impressionado por aquilo, e você não poderá conhecer a si mesmo. Sua inocência estará perdida
nos objetos. A mente pensante estará se movendo para fora. Você não poderá se relacionar
consigo mesmo.

87 Sinta “eu sou”

A segunda técnica:

Estou existindo.
Isto é meu.
Isto é isto.
Oh, Amada,
Em tal estado conheça ilimitadamente.

Estou existindo. Você nunca entra profundamente nesta sensação. Eu estou existindo. Você
está existindo, mas você jamais cava fundo neste fenômeno. Shiva diz: Estou existindo. Isto é
meu. Isto é isto.

Oh, Amada, em tal estado conheça ilimitadamente.

Eu vou lhes contar uma historieta zen. Três amigos estavam andando pela estrada. A noite
estava começando a cair e o sol estava se pondo, quando eles tomaram ciência de um monge
parado perto da colina. Eles começaram a falar sobre o monge, imaginando o que ele estaria
fazendo ali. Um deles disse: “Ele deve estar esperando por seus amigos. Ele deve ter saído do
seu eremitério para uma caminhada e seus amigos foram deixados para trás. Provavelmente ele
está esperando que eles cheguem”.
O outro negou e disse: “Esse não parece ser o caso, porque, se uma pessoa espera por alguém,
às vezes ela olha para trás. Mas ele não está olhando para trás absolutamente. Assim, minha
suposição é esta: que ele não está esperando por ninguém. Mais provavelmente, ele deve ter
perdido sua vaca. A noite se aproxima e o sol está se pondo, e logo, logo, estará escuro. Ele deve
estar procurando sua vaca. Ele está parado ali, no topo da colina, procurando onde a vaca se
meteu na floresta”.
O terceiro disse: “Isto não pode estar certo, porque ele está parado tão silenciosamente,
absolutamente sem se mexer, e parece que ele não está procurando nada; seus olhos estão
fechados. Ele deve estar orando. Ele não está procurando por nenhuma vaca perdida, nem
esperando os amigos que ficaram para trás”.
Eles não puderam decidir. Discutiram e argumentaram e, depois, disseram: “Devemos ir ao
topo da colina e perguntar ao próprio homem o que ele está fazendo”.
Então, eles chegaram ao monge. O primeiro disse: “Você está esperando pela chegada de seus
amigos que ficaram para trás?”.
O monge abriu os olhos e disse: “Eu não estou esperando ninguém. E nem tenho amigos ou
inimigos por quem esperar” – e fechou os olhos novamente.
O outro disse: “Então, eu devo estar certo. Você está procurando sua vaca que se perdeu na
floresta?”.
Ele disse: “Não, eu não estou procurando por ninguém – nem por vaca nem por qualquer
pessoa. Não estou interessado em nada, exceto em mim mesmo”.
Então, o terceiro disse: “Então, definitivamente, com certeza você está fazendo alguma
oração, ou alguma meditação”.
O monge abriu os olhos e disse: “Eu não estou fazendo nada, absolutamente. Eu estou apenas
existindo aqui. Eu estou apenas sendo aqui, não fazendo absolutamente nada. Estou apenas
sendo aqui”.
É isto o que os budistas dizem que é meditação. Se você fizer algo, não é meditação – você
foi para longe. Se você ora, não é meditação – você começou a tagarelar. Se você usa alguma
palavra, não é oração, não é meditação – a mente entrou no meio. Esse homem disse a coisa
certa. Ele disse: “Eu estou apenas sendo aqui, não estou fazendo nada”.
Este sutra diz: Estou existindo. Vá fundo nesta sensação. Simplesmente sente-se, vá fundo
nesta sensação – Estou existindo, eu sou. Sinta isso, não pense nisso, porque você pode dizer isso
na mente – eu sou – e isso é inútil. Sua cabeça é seu não-fazer. Não vá repetindo na cabeça “eu
sou, eu estou existindo...”. É fútil, é inútil. Você perde a finalidade.
Sinta isso profundamente, em seus ossos. Sinta por todo seu corpo. Sinta isso como uma
unidade total, não na cabeça. Apenas sinta isso – eu sou. Não use as palavras “eu sou”. Como eu
estou me dirigindo a você, estou usando as palavras “eu sou”. E Shiva estava se dirigindo a
Parvati; então, ele tinha de usar as palavras “eu estou existindo”.
Não. Não vá repetindo. Isto não é um mantra. Você não tem que repetir “eu estou existindo,
eu estou existindo...”. Se você ficar repetindo, você adormecerá, você será auto-hipnotizado.
Se você continua repetindo determinada coisa, você fica auto-hipnotizado. Primeiro você fica
entediado; então você sente sonolência; e depois sua percepção é perdida. Você sairá disso muito
refrescado, exatamente como após um sono profundo. É bom para a saúde, mas isso não é
meditação. Se você estiver sofrendo de insônia, você pode usar uma cantilena, um mantra. É tão
bom quanto qualquer tranquilizante, ou até melhor. Você pode continuar repetindo certa palavra.
Repetindo constantemente num tom monótono, você adormecerá.
Qualquer coisa que crie monotonia lhe dará um sono profundo. Assim, os psicanalistas e os
psicólogos continuam dizendo às pessoas que sofrem de insônia, para apenas ouvirem o tique-
taque do relógio. Continue ouvindo-o e você cairá no sono, porque o tique-taque se torna uma
cantiga de ninar.
A criança no útero da mãe dorme continuamente durante nove meses, e o coração da mãe
continua... tique-taque, tique-taque. Isso se torna um condicionamento, um profundo
condicionamento – a repetição contínua do coração. Eis por que sempre que alguém o traz para
perto do coração, você se sente bem. Tique-taque... – você se sente sonolento, relaxado.
Qualquer coisa que gera monotonia, gera relaxamento; você pode adormecer.
Numa aldeia você pode dormir mais profundamente do que numa cidade, porque uma aldeia é
monótona. A cidade não é monótona. A cada momento, algo novo está acontecendo; os ruídos do
tráfego continuam mudando. Numa aldeia, tudo é monótono, sempre o mesmo. Realmente, numa
aldeia não há novidades, nada acontece; tudo se move num círculo. Assim, os aldeãos dormem
profundamente, porque a vida ao redor deles é monótona. Numa cidade, dormir é difícil, porque
a vida ao seu redor é muito cheia de sensações; tudo muda.
Você pode usar qualquer mantra: “RAM, RAM”, “AUM, AUM” – qualquer coisa. Você pode
usar “Jesus Cristo”; pode usar “Ave Maria”. Você pode usar qualquer palavra e cantá-la
monotonamente; isso lhe dará um sono profundo. Você pode até fazer isto: Raman Maharshi
costumava dar a técnica “Quem sou eu?”. E as pessoas começaram a usar isso como mantra. Elas
sentavam-se com olhos fechados e iam repetindo: “Quem sou eu?”, “Quem sou eu?”. Aquilo se
tornou um mantra. Mas não era esse o propósito,
Assim, não faça disso um mantra e, enquanto estiver sentado, não diga “eu estou existindo”.
Não há nenhuma necessidade. Todo mundo sabe, e você já sabe que você está existindo; não há
nenhuma necessidade, é vão. Sintaisto: Eu estou existindo. Sentir é uma coisa diferente,
totalmente diferente. Pensar é um truque para escapar do sentimento. Não é somente diferente, é
um engano.
O que eu quero dizer quando digo para sentir “eu estou existindo”? Eu estou sentado nesta
cadeira. Se eu começar a sentir “eu estou existindo”, eu me tornarei ciente de muitas coisas: a
pressão na cadeira, o toque do veludo, o ar passando através da sala, o ruído tocando meu corpo,
o sangue circulando silenciosamente, o coração, a respiração que funciona continuamente, e uma
sensação da sutil vibração do corpo. Porque o corpo é um dinamismo – ele não é algo estático.
Você está vibrando. Há, continuamente, um tremor sutil e, enquanto você está vivo, ele
continuará. O tremor existe.
Você terá a percepção de todas essas coisas multidimensionais. E quanto mais você se tornar
perceptivo dessas muitas coisas que estão acontecendo... Se agora mesmo, você se tornar ciente
de seja o que for que esteja acontecendo dentro e fora de você, isto é o que se quer dizer por “eu
estou existindo”. Se você se tornar ciente assim, o ato de pensar cessará, porque quando você
sente que está existindo, é um fenômeno tão total, que o ato de pensar não pode continuar.
No começo, você sentirá os pensamentos flutuando. Em pouco tempo, quanto mais você se
tornar enraizado na existência, mais e mais você se conservará na sensação de ser. Os
pensamentos ficarão bem distantes, você sentirá um distanciamento – como se aqueles
pensamentos agora não estivessem acontecendo a você, mas estivessem acontecendo a outra
pessoa, muito, muito distante. Há uma distância. E então, quando você estiver realmente
enraizado, baseado no ser, a mente desaparecerá. Você estará presente sem uma única palavra,
nem uma única imagem mental.
Por que isso acontece? Porque a mente tem uma atividade especial para se relacionar com os
outros. Se eu for me relacionar com você, eu terei de usar minha mente, a língua, as palavras.
Trata-se de um fenômeno social: é uma atividade de grupo. Assim, mesmo que você esteja
falando sozinho, você não está sozinho – você está falando com alguém. Mesmo quando você
está sozinho, se está falando, você está falando com alguém: você não está sozinho. Como você
pode falar sozinho? Alguém está presente na sua mente e você está falando com essa pessoa. Eu
estava lendo a autobiografia de um professor de filosofia. Ele relata que certo dia ele estava indo
levar sua filha de cinco anos de idade para a escola. Depois de deixá-la na escola, ele iria para a
universidade, dar a sua aula. E ele foi preparando sua aula durante o trajeto. Ele se esqueceu
completamente da filha que estava sentada bem ao seu lado no carro, e começou a lecionar em
voz alta. A garota ouviu por alguns momentos e então perguntou: “Papai, você está falando
comigo ou sem mim?”.
Ainda que esteja falando assim, nunca é sem alguém, é sempre com... – com alguém. A
pessoa pode não estar presente, mas para você ela está presente: para a sua mente ela está
presente. Todo ato de pensar é um diálogo. Pensar como tal é um diálogo, é uma atividade social.
Eis por que se uma criança é educada sem nenhum círculo social, ela não saberá nenhuma língua.
Ela não será capaz de verbalizar. É a sociedade que lhes dá sua linguagem: sem a sociedade não
há nenhuma linguagem. A linguagem é um fenômeno social. Quando você está fixado dentro de
si mesmo, não há nenhuma sociedade, não há ninguém. Você existe sozinho. A mente
desaparece. Você não está se relacionando com ninguém, nem mesmo na imaginação, então, a
mente desaparece. Você está presente sem a mente, e é isto o que é meditação – ser sem a mente.
Ser, perfeitamente alerta e consciente, não inconsciente, sentindo a existência na sua totalidade,
em sua multidimensionalidade, e a mente subitamente desaparece.
E junto com a mente muitas coisas desaparecem. Junto com a mente, seu nome; junto com a
mente, sua forma; é junto com a mente que você é um hindu ou um muçulmano ou um parse; é
junto com a mente que você é bom ou mau; é junto com a mente, que você é um santo ou um
pecador; é junto com a mente que você é feio ou belo – todas essas coisas desaparecem. Todas as
coisas que são rotuladas sobre você, de repente, não mais existem então. Você está em prístina
pureza. Em sua total inocência, você existe: na sua virgindade – firmado em si mesmo, sem
flutuação, enraizado naquilo que é.
Com a mente, você pode se mover para o passado. Com a mente você pode se mover para o
futuro. Sem a mente você não pode se mover para o passado nem para o futuro. Sem a mente,
você está aqui e agora – exatamente neste momento é tudo eternidade. Não existe nada, exceto
este momento. A bem-aventurança acontece. Você não precisa sair em nenhuma busca.
Enraizado no momento, enraizado no ser, você é bem-aventurado. E esta bem-aventurança não é
algo que realmente está acontecendo a você – você é isso.
Eu estou existindo. Tente isso. E você pode fazer isso em qualquer lugar. Viajando de ônibus,
ou viajando num trem, ou simplesmente sentado, ou deitado na sua cama, tente sentir a
existência como ela é: não pense sobre ela. De repente, você tomará ciência de que não tem
conhecimento de muitas coisas que estão continuamente acontecendo para você. Você ainda não
sentiu o seu corpo. Você tem suas mãos, mas você jamais as sentiu – o que elas dizem, e o que
elas estão continuamente lhe informando; como elas se sentem.
Às vezes elas estão pesadas e tristes, às vezes estão felizes e leves. Às vezes todas as coisas
fluem nelas, às vezes tudo está morto. Às vezes você as sente vivas, dançantes; às vezes como se
não houvesse vida nelas – geladas, mortas, penduradas em você, mas não vivas.
Quando você começar a sentir seu ser, você virá a saber os estados das suas mãos, dos seus
olhos, do seu nariz, do seu corpo. Trata-se de um fenômeno enorme: há nuanças sutis. O corpo
está sempre lhe dizendo, mas você não está presente para ouvi-lo. E a existência à sua volta está
sempre penetrando-o de modos sutis, de muitos modos, mas você não está ciente. Você não está
presente para receber, para acolher aquilo com alegria.
Quando você começa a sentir a existência, o mundo todo se torna vivo para você, de um jeito
totalmente novo: você não conhecia aquilo. Então, você passa pela mesma rua e a rua não é a
mesma, porque agora você está assentado na existência. Você encontra os mesmos amigos, mas
eles não são os mesmos, porque você está diferente. Você volta para a sua casa e a esposa com
quem você viveu por anos não é a mesma.
Agora, você está ciente do seu próprio ser, você se tornou ciente do ser dos outros. Quando a
esposa fica com raiva, você pode até mesmo apreciar a raiva dela, porque, agora, você pode
sentir o que está acontecendo. E, se você puder sentir realmente, a raiva pode não parecer raiva:
ela pode se tornar amor. Se você puder sentir profundamente, então, a raiva lhe mostrará que a
esposa ainda o ama. Caso contrário, ela não poderia ficar com raiva: ela nem ligaria. Ela ainda
espera por você o dia todo. Ela está com raiva porque ela o ama. Ela não é indiferente.
Lembre-se: a raiva ou o ódio não são os verdadeiros opostos do amor – a indiferença é o
verdadeiro oposto. Quando alguém é indiferente a você, o amor está perdido. Se alguém não está
nem sequer disponível para ter raiva de você, então tudo está perdido. Mas, comumente, se sua
esposa está com raiva, você reage mais violentamente, você se torna agressivo. Você não pode
compreender o significado simbólico disso. Você não está assentado em si mesmo. Você
realmente ainda não conheceu sua própria raiva; eis por que você não pode compreender a raiva
dos outros.
Se você conhece sua própria raiva, se você pode senti-la em seu total diapasão, então, você
conhece a raiva dos outros também. Você tem raiva somente quando você ama alguém, caso
contrário, não há nenhuma necessidade. Através da raiva, a esposa está dizendo que ela ainda o
ama, ela não é indiferente a você. Ela ficou esperando, esperando e, agora, toda a espera virou
raiva. Ela pode não dizer isso diretamente, porque a linguagem do sentimento não é direta. E isso
se tornou um enorme problema hoje – porque você não pode compreender a linguagem dos
sentimentos, porque você não conhece seus próprios sentimentos. Você não está assentado em
seu próprio ser. Você pode compreender somente palavras, você não pode compreender
sentimentos. Os sentimentos têm seus próprios meios de expressão e, eles são mais básicos, mais
verdadeiros.
Uma vez que você se familiarize com sua própria existência, você se tornará ciente da
existência dos outros também. E todos são tão misteriosos... e todos são um abismo tão profundo
para ser conhecido... – uma infinita possibilidade de ser penetrado e conhecido. E cada um está
esperando que alguém possa penetrar, ir fundo, e sentir o coração dele ou dela. Mas, devido a
você não ter conhecido seu próprio coração, você não pode conhecer o de mais ninguém. O
coração mais próximo permanece desconhecido, então, como você pode conhecer o coração dos
outros?
Você anda como um zumbi, e se move numa multidão de zumbis – estão todos dormindo a
sono solto. Você tem somente um tantinho assim de prontidão: você passa pelas pessoas
dormindo e chega à casa sem nenhum acidente, eis tudo. Esse tanto de prontidão você conseguiu.
É o mínimo possível para o homem, eis por que você anda tão entediado, tão obtuso. A vida se
torna apenas um grande peso e, lá no fundo, todos estão esperando a morte, a fim de ficarem
livres da vida. A morte parece ser a única esperança.
Por que isso está acontecendo? A vida pode ser infinita bem-aventurança. Por que é tão
tediosa? Você não está assentado nela. Você está desenraizado: desenraizado e vivendo no
mínimo. E a vida realmente acontece quando você vive no máximo.
Este sutra lhe dará um máximo de existência. Os pensamentos só podem lhe dar um mínimo;
os sentimentos podem lhe dar o máximo. Através da mente não há meios para a existência; é
através do coração, o único meio.
Eu estou existindo. Sinta isso através do coração. E sinta ESTA EXISTÊNCIA É MINHA.
ISTO É MEU. ISTO É ISTO. Isso é muito belo, eu estou existindo. Sinta isso, fique assentado
nisso; então, saiba que ISTO É MEU – esta existência, este ser transbordante é meu. Você vive
dizendo que “esta casa é minha”, que “esta mobília é minha”. Você vive falando de suas posses,
e você nunca conhece o que você realmente possui. Você possui o ser total. Você possui a mais
profunda possibilidade, o âmago mais central da existência em você. Shiva diz: Eu estou
existindo. Sinta isto. ISTO É MEU.
Isso também não é para se tornar um pensamento: lembre-se disso continuamente. Sinta – isto
é meu, esta existência – e, então, você sentirá gratidão. Como você pode agradecer a Deus? Seu
agradecimento é superficial, formal. E veja que miséria... até mesmo com Deus, somos formais.
Como você pode ser agradecido? Você não conheceu nada pelo qual ser agradecido.
Se você puder se sentir enraizado na existência, fundido nela, transbordante com ela,
permitindo-se até mesmo dançar com ela, então você sentirá: “Isto é meu. Esta existência me
pertence. Todo esse misterioso universo me pertence. Toda esta existência está existindo por
mim. Ela me criou. Eu sou uma flor dela”.
Esta consciência que lhe aconteceu é a maior flor que já aconteceu no universo. E, por
milhões e milhões de anos, esta terra estava se preparando para você existir.
ISTO É MEU E ISTO É ISTO. Sentir: “É isto o que é a vida, ISTO É ISTO – esta imensidão.
Eu estava preocupado sem necessidade. Eu era um mendigo sem nenhuma necessidade,
pensando em termos de mendicância, sem nenhuma necessidade. Eu sou o mestre”.
Quando você está enraizado, você é um com o todo, e a existência existe para você. Você não
é um mendigo; você se torna um imperador de repente. ISTO É ISTO.

Oh, Amada,
Em tal estado conheça ilimitadamente.

E, enquanto estiver sentindo isto, não crie um limite para isso. Sinta-o ilimitadamente. Não
crie uma fronteira para isso; não há nenhuma. Não termina nunca. O mundo começa em lugar
nenhum; o mundo termina em lugar nenhum. A existência não tem começo nem fim. Você
também não tem nenhum começo; você também não tem nenhum fim.
Começo e fim existem por causa da mente – a mente tem um começo e a mente tem um fim.
Vá para trás, viaje para trás na sua vida: chega um momento em que tudo para – não há um
começo. Você pode lembrar-se para trás até quando você tinha três anos de idade, ou, no
máximo, dois anos de idade – isto é raro – mas, então, a memória para. Você pode viajar para
trás até quando você tinha dois anos de idade. O que isso significa? E você não pode se lembrar
de nada antes disso, antes dessa idade de dois anos. De repente, há um branco, você não sabe
mais nada. Você se lembra de alguma coisa do seu nascimento? Você sabe alguma coisa dos
nove meses no útero de sua mãe? Você existia, mas a mente não existia. A mente começou por
volta da idade de dois anos; eis por que você não pode se lembrar de nada para trás dessa idade.
Então, não há nenhuma mente, a memória para. A mente tem um começo, a mente tem um fim,
mas você é sem começo.
Se em profunda meditação, em tal estado de meditação você puder chegar a sentir a
existência, então, não há nenhuma mente – uma ausência de começo, o fluxo sem fim da energia,
da força cósmica, um infinito oceano a sua volta, e você é apenas uma onda nele. A onda tem um
começo e um fim – o oceano não. E, uma vez que você saiba que você não é a onda, sim o
oceano, toda a miséria desaparece.
O que existe lá no fundo de sua miséria? Lá no fundo há morte. Você tem medo de algum fim
que vai acontecer. Isso é absolutamente certo; nada é tão certo quanto a morte – o medo, o
tremor. Seja o que for que você faça, você é impotente. Nada pode ser feito – a morte vai
acontecer. E o medo vai existindo assim lá dentro, na mente consciente e na inconsciente. Às
vezes, ele irrompe no consciente – você fica com medo da morte. Você o empurra para baixo e,
então, ele continua no inconsciente. A cada momento, você tem medo da morte, do fim.
A mente vai morrer, você não vai morrer – mas você não se conhece. Você conhece alguma
coisa, que é apenas uma coisa criada: essa coisa tem começo, e vai ter um fim. Aquilo que
começa deve terminar. Se você puder descobrir, dentro de seu ser, algo que nunca começa que
simplesmente existe, que não tem fim, então, o medo da morte desaparece. E, quando o medo da
morte desaparece, o amor flui através de você, não antes disso.
Como você pode amar, quando há medo da morte? Você pode se apegar a alguém, mas você
não pode amar. Você pode usar alguém, mas você não pode amar. Você pode explorar alguém,
mas você não pode amar. O amor não é possível se o medo existe. O medo é o veneno. O amor
não pode florescer com o medo lá dentro. Todo mundo vai morrer. Todo mundo está numa fila,
esperando por sua hora. Como você pode amar? Tudo parece absurdo. O amor parece absurdo se
a morte existe, porque a morte destruirá tudo. Nem o amor é eterno. Seja o que for que faça por
sua amada, por seu amado, você não pode fazer nada, porque você não pode evitar a morte – é
apenas esperar por trás de tudo.
Você pode se esquecer disso, você pode criar um “eu”, e você pode continuar acreditando que
ela não vai se mostrar presente, mas sua crença é apenas superficial – lá no fundo você sabe, ela
vai acontecer.
E se a morte estará presente, então, a vida é insignificante. Você pode criar significados
artificiais, mas eles não ajudarão muito. Temporariamente, por alguns momentos, eles podem
ajudar, mas novamente a realidade irrompe e o significado é perdido. Você pode simplesmente ir
se enganando continuamente, isso é tudo – a menos que você venha a conhecer algo que não tem
começo nem fim, que está além da morte.
Uma vez que você venha a conhecer isto, então, o amor é possível, porque, então, não há
mais nenhuma morte. O amor é possível. Buda o ama, Jesus o ama, mas esse amor é
absolutamente desconhecido para vocês. Esse amor surgiu porque o medo desapareceu, e seu
amor é apenas um mecanismo para evitar o medo. Assim, sempre que você ama, você se sente
sem medo. Alguém lhe dá força.
E isto é um fenômeno mútuo: você dá força a alguém e alguém dá força a você. Ambos são
fracos, e ambos estão buscando alguém. Duas pessoas fracas se encontram e se ajudam a serem
fortes – isto é simplesmente maravilhoso!
Como isso acontece? É apenas um faz-de-conta. Você sente que alguém está ali por trás de
você, com você, mas você sabe que ninguém pode estar com você depois da morte. E, se alguém
não pode estar com você na morte, como ele ou ela podem estar com você na vida? Então, é só
um adiamento, só um evitamento da morte. E, devido a você ter medo, você precisa de alguém
para deixá-lo sem medo.
Dizem, que Emerson escreveu em algum lugar, que o maior guerreiro é um covarde diante da
esposa. Até um Napoleão é um covarde, porque a esposa sabe que ele precisa da força dela, ele
precisa dela a fim de ser ele mesmo. Ele depende dela. Quando ele retorna da guerra, da luta, ele
está tremendo, amedrontado. Ele descansa nela, se relaxa nela. Ela o consola; ele se torna quase
uma criança. Todo marido é uma criança diante da esposa. E a esposa? – ela depende do marido.
Ela vive através dele. Ela não pode viver sem ele; ele é a vida dela.
Esta é uma ilusão mútua. Ambos têm medo – a morte está ai mesmo. Os dois tentam amar um
ao outro e se esquecer da morte. Os amantes se tornam, ou aparentam ser, destemidos. Os
amantes algumas vezes até podem encarar a morte de modo muito destemido, mas isso é só
aparência.
Nosso amor é parte do medo – só um escape dele. O amor verdadeiro acontece quando não há
nenhum medo – quando a morte já desapareceu, quando você sabe que você nunca começa e que
você nunca vai acabar. Não pense nisso. Você pode pensar nisso, por causa do medo. Você pode
pensar – “Sim, eu sei que eu não vou acabar, não existe nenhuma morte, a alma é imortal”. Você
pode pensar assim devido ao medo – isso não vai adiantar.
Se você for fundo na meditação, acontecerá. O medo desaparecerá, porque você veio a
conhecer a si mesmo sem fim. Você vai se expandindo infinitamente – de volta ao passado,
adiante no futuro e, neste exato momento, neste momento presente, na profundidade dele, você
está presente. Você simplesmente é – você nunca começa, você nunca irá terminar.
SINTA ISTO ILIMITAD AMENTE – infinitamente.

Nota

[1] Janus-Faced – figura mitológica na Roma antiga: duas faces numa só figura. (N. da T.)
Capítulo 60

LIBERTAÇÃO DE SI MESMO

PERGUNTAS

Você diz que religião é liberdade total ou moksha, e você também realça a importância de se
render na religião. Mas liberdade e entrega não são termos contraditórios em termos?
Enquanto “isto é isto” também inclui “isto é aquilo”e “isto é Brahma”, como é que o sutra
enfatiza somente “isto é isto”?
Você disse que o tantra ensina o homem a transcender os dois, o desejo de seu passado
animalesco, e também seu desejo pelo divino. Isso significa que o divino faz parte do mundo, e
que também tem de ser transcendido? E o que é isso que vai além de ambos?
Você disse que a pessoa que tem medo, não pode amar, nem pode chegar ao estado de deus.
Mas como a pessoa vai fazer para sair desse medo de acordo com o tantra?
Através do uso de técnicas parecidas com a segunda técnica que você falou ontem, eu ouvi
alguns sons como o fluir de um rio ou de uma correnteza. Eu posso saber o que é esse som? Se
eu compreendi corretamente, não deveria haver qualquer pensamento ou som, e deveria haver
completo silêncio. Então, o que é esse som?

Primeira pergunta:

Você diz que religião é liberdade total ou moksha, e você também realça a importância
de se render na religião. Mas liberdade e entrega não são termos contraditórios em termos?

Eles parecem contraditórios, mas não são. E eles assim parecem, por causa da língua;
existencialmente não são contraditórios. Tente compreender duas coisas. Primeira: você não
pode ser livre permanecendo como você é, porque a forma como você é, é o seu cativeiro. Seu
ego é o cativeiro. Você pode ser livre somente quando este ponto egóico desaparecer – este
ponto egóico é a escravidão.
Quando não há nenhum ego, você se torna um com a existência, e somente essa unidade pode
significar liberdade. Enquanto você estiver existindo separado, esta separação é falsa. Na
realidade, você não está separado – não pode estar. Você faz parte desta existência – e não uma
parte mecânica, mas uma parte orgânica. Você não pode existir por um único momento separado
da existência. Você a respira a cada momento; ela o respira a cada momento. Você vive num
todo cósmico.
Seu ego lhe dá uma falsa sensação de existência separada. Devido a essa falsa sensação, você
começa a lutar com a existência.
Quando você luta você está numa escravidão. Quando você luta, você está fadado a ser
derrotado, porque a parte não pode vencer contra o todo. E, devido a esta luta com o todo, você
se sente num cativeiro – limitado por todos os lados. Para onde quer que você se mova, vem uma
parede. Essa parede não está em lugar nenhum na existência – ela anda com o seu ego, faz parte
da sua sensação de separação. Então, você luta contra a existência. Nessa luta, você será
derrotado constantemente; nessa derrota, você sente o cativeiro, a limitação.
Por entrega se quer dizer que você rende o ego, você rende a parede separadora, você se
torna um. Essa é a realidade, então, seja o que for que você esteja rendendo, é apenas um
sonho, um conceito, uma noção falsa. Você não está rendendo a realidade; você está apenas
rendendo uma atitude falsa. No momento em que você rende essa atitude falsa, você se torna um
com a existência. Então, não há nenhum conflito.
E se não há nenhum conflito, você não tem limites: não há por onde surgir um cativeiro, uma
fronteira. Você não está separado. Você não pode ser derrotado, porque não há mais ninguém a
ser derrotado. Você não pode morrer, porque não há ninguém para morrer. Você não pode estar
na miséria, porque não há ninguém para estar na miséria. No momento em que você rende seu
ego, todo o absurdo está rendido – a miséria, a servidão, dukkha, o inferno – tudo está rendido.
Você se torna um com a existência. Esta unidade é libertação.
A separação é o cativeiro. Unidade é libertação. Não que você se torne livre, lembre-se disto
– você não existe mais. Assim, não é você que se torna livre – você não existe mais. Realmente,
quando você não existe, a liberdade existe. Como expressar isso é que é um problema. Consta
que buda disse: “Você não vai estar em bem-aventurança. Quando você não existe, a bem-
aventurança existe. Você não vai ser libertado. Você vai ser libertado de si mesmo”.
Assim, a liberdade não é libertação para o ego. Liberdade é libertação deste ego. E, se você
puder compreender isto – que a libertação é libertação do ego – então, a entrega e a libertação se
tornam uma coisa só, então, elas significam uma coisa só. Mas, se você toma o ego como a
instância a partir da qual pensar, então, o ego dirá: “Por que se render? – porque, se você se
rende, então, você não pode ser livre. Então você se torna um escravo. Quando você se rende,
você se torna um escravo!”.
Mas realmente você não está se rendendo a alguém. Este é o segundo ponto a ser
compreendido: você não está se rendendo a alguém: você está simplesmente se rendendo. Não há
ninguém que tomará sua rendição. Se há alguém e você se rende a esse alguém, então, isso é uma
espécie de escravidão. Realmente, não há nem mesmo um deus a quem se render. E, quando
falamos sobre Deus, isso é apenas para encontrar um meio para ajudá-lo a se render.
Nos Sutras do Yoga, de Patânjali, Deus é mencionado apenas para ajudá-lo a se render. Não
há nenhum Deus. Patânjali diz que não há nenhum Deus, mas que seria difícil para você se
entregar a alguém; seria difícil para você simplesmente se render. Para ajudar a entrega, fala-se
sobre Deus. Assim, Deus é apenas um método. Isso é raro, muito científico – Deus é apenas um
método para ajudar a pessoa a se render. Não há ninguém para tomar sua rendição. Se houver
alguém e você se render, então, é uma escravidão, uma servidão. Este é um ponto muito sutil e
profundo: não há nenhum Deus como pessoa; Deus é apenas um meio, um método, uma técnica.
Patânjali relata muitas técnicas. Uma delas é Ishwara Pranidhan – a ideia de Deus. Há muitos
métodos para se chegar à entrega; um dos métodos é a ideia de Deus. Isso ajudará sua mente a se
render, porque, se eu digo “renda-se”, você perguntará: “A quem?”. Se eu digo “simplesmente
renda-se”, ficará difícil, para você, conceber a ideia.
Tente compreender de um modo diferente. Se eu lhe digo “simplesmente ame”, você
perguntará: “A quem? O que você quer dizer por ‘simplesmente ame’? Se não há ninguém para
ser amado, como amar?”. Se eu digo “Ore”, então, você perguntará: “A quem? Venerar a
quem?”. Sua mente não pode conceber a não-dualidade. Ela perguntará, levantará a questão; “A
quem?”.
Só para ajudar sua mente, de modo que as perguntas dela sejam satisfeitas, Patânjali diz que
Deus é apenas um meio, uma técnica. Veneração, amor, rendição – a quem? Patânjali diz: “A
Deus.”. Porque se você se render, então, você virá a saber que não há nenhum Deus – ou você
mesmo é aquele para quem você se rendeu. Mas isto acontecerá quando você tiver se rendido.
Deus é apenas um truque.
Diz-se que até mesmo se render a um deus que não pode ser visto em lugar nenhum, um deus
que é invisível, é difícil; então, as escrituras dizem: “Renda-se ao guru, ao mestre”. O mestre é
visível e uma pessoa. E, dessa forma, a questão se torna relevante – se você se rende a um
mestre, então, é uma escravidão, porque uma pessoa está ali e você está se rendendo a ela. Mas
então também, você terá de compreender, novamente, um pormenor muito sutil – até mais sutil
do que a noção de Deus. Um mestre é um mestre somente quando ele não existe. Se ele existe,
então, ele não é um mestre. Um mestre se torna um mestre somente quando ele não existe. Ele
atingiu o não-ser: não existe ninguém.
Se alguém está sentado aqui nesta cadeira, então, não há nenhum mestre; então, isso vai
acabar virando uma escravidão. Mas se não há ninguém sentado nesta cadeira, um não-ser,
alguém que não está centrado em lugar nenhum, alguém que se rendeu... – não a alguém, mas
simplesmente se rendeu e atingiu o não-ser, tornou-se uma não-pessoa, alguém que
simplesmente está ali, difuso, não concentrado num ego, não concentrado em lugar algum –,
então, ele pode se tornar um mestre. Assim, quando você está se rendendo a um mestre,
novamente você está se rendendo a um ninguém.
Esta é uma questão profunda para todos vocês. Quando você está se rendendo, se você puder
compreender que isso é simplesmente um render-se, não uma rendição – um ato de render-se,
não uma rendição... Uma rendição é a alguém. Um render-se é algo da sua parte. Assim, a coisa
básica é o render-se – o ato, não o objeto. O objeto não deve ser importante, mas aquele que está
se rendendo, sim, é importante. O objeto é apenas uma escusa – só uma escusa.
Se você puder compreender, então, não há nenhuma necessidade de se render a ninguém –
você pode simplesmente se render. Então, não há nenhuma necessidade de amar alguém – você
pode simplesmente amar. Você é significativo, não o objeto. Se o objeto for significativo, você
criará uma escravidão a partir dele. Assim, até mesmo um deus que não existe, se tornará um
cativeiro; até um mestre que não existe, se tornará um cativeiro. Mas esse cativeiro é criado por
você: ele é somente uma incompreensão. Caso contrário, rendição é libertação. Elas não são
contraditórias.

Segunda pergunta:

Enquanto “isto é isto” também inclui “isto é aquilo” e “isto é Brahma”, como é que o
sutra enfatiza somente “isto é isto”?

Por uma razão muito especial – porque o tantra, lá no fundo, está interessado somente no
aqui e no agora. “Isto é isto” significa o que está aqui e agora. “Aquilo” vai um pouco mais
longe.
Em segundo lugar, para o tantra não há nenhuma divisão entre isto e aquilo. O tantra é não-
dualístico. Isto é o mundo e aquilo é Brahma. Isto é mundano, o material, e aquilo é a
consciência, o espiritual. Para o tantra, não há nenhuma distinção desse tipo. Isto é tudo – aquilo
está incluído nele. Este próprio mundo é divino.
E o tantra não faz nenhuma distinção e nenhuma categorização de o mais elevado e o mais
baixo: Isto significa o mais baixo e aquilo significa o mais elevado; isto significa o que você
pode ver e tocar e conhecer; e aquilo significa o invisível que você não pode ver e não pode tocar
– pode somente inferir. Para o tantra, não há nenhuma distinção entre o mais elevado e o mais
baixo, entre o visível e o invisível, a matéria e a mente, a vida e a morte, o mundo e o Brahma –
nenhuma distinção.
O tantra diz que isto é isto, e que aquilo está incluído nele. Mas a ênfase no isto é bela – ela
diz: aqui e agora, o que quer que seja, isto é tudo. E tudo está nisto; nada é excluído. O perto, o
íntimo, o comum, é tudo.
Há um dito muito conhecido do misticismo zen que diz que, se você puder se tornar comum,
você se tornou incomum. Somente a pessoa que está à vontade com sua forma comum, é
incomum. Porque todo mundo anseia ser incomum, então o desejo de ser incomum é muito
comum. Todo mundo – você não encontra uma pessoa que não esteja tentando ser incomum de
algum modo; assim, o desejo, o desejo ardente de ser incomum, é uma parte, uma parte básica da
mente comum. Os mestres do zen dizem: “Então, ser comum é a coisa mais incomum do mundo.
Ser apenas comum. É raro. Muito raramente acontece de alguém ser simplesmente comum”.
Um imperador japonês estava em busca de um mestre, então, ele ia de um professor a outro,
mas ninguém podia satisfazê-lo, porque certo velho tinha dito que o mestre verdadeiro seria o
mais comum. Ele saiu na busca, mas não pôde encontrar um homem comum. Ele retornou ao
velho que estava já beirando a morte, e lhe disse: “Você me pôs em grande confusão. O jeito que
você define o mestre – que ele seria simples, comum – tornou-se um problema para mim. Estive
buscando pelo país afora, e ninguém me satisfez. Assim, dê-me uma pista de como encontrar o
mestre”.
O velhinho, moribundo, disse: “Você deve ter estado procurando em lugares errados. Você
esteve procurando em lugares errados! Você foi a pessoas que são de algum modo incomuns; e
então você tentou encontrar o comum. Mova-se no mundo comum. E, na verdade, você ainda
está tentando encontrar o incomum. Agora você o define como comum, mas você ainda está em
busca do incomum. Agora a definição mudou. Agora você o define como o mais comum, mas
persiste o raro, o excepcional. Você ainda está nessa busca. Não faça isso e, no momento em que
você estiver pronto e sem buscar desse jeito, o mestre virá até você.
Na manhã seguinte, enquanto estava sentado, ele tentou compreender o que o velho homem
tinha dito, e ele sentiu que ele estava certo. O desejo o abandonou. Um mendigo apareceu – e ele
era o mestre. E ele tinha conhecido aquele mendigo sua vida toda. Ele sempre aparecia, aquele
mendigo vinha diariamente ao palácio. Então, o imperador perguntou ao mendigo: “Como
aconteceu de eu não reconhecê-lo antes?”. O mendigo disse: “Porque você estava procurando
pelo incomum. Eu estava aqui, mas você estava procurando lá fora. Você me perdeu
continuamente”.
O tantra diz “isto” não “aquilo”, principalmente nesta técnica. Há técnicas na qual “aquilo” é
discutido, mas “isto” é mais tântrico – isto, aqui e agora, o mais íntimo. Sua esposa, seu marido,
isto, seu amigo, o mendigo, podem ser o mestre. Mas você não está olhando para isto; você está
olhando para aquilo, lá, em algum lugar nas nuvens. Você não pode nem conceber que perto de
você possa haver essa qualidade de ser. Você não pode conceber; porque você pensa que você já
conhece o que está perto, então; você procura por ele lá longe. Você sente que já conhece isto,
então agora, a única coisa a ser descoberta é aquilo.
Isso não é verdade. Você não conhece o isto, você não conhece o perto. O perto é tão
desconhecido quanto o distante. Você já olhou ao seu redor. Você não conhece realmente
ninguém. Você não tem nenhum conhecimento sobre ninguém. Você conhece a árvore pela qual
você passa todos os dias? Você conhece seu amigo com quem você tem vivido sua vida toda? Ou
mesmo, você conhece a si mesmo, que é quem está mais perto? Você conhece seu corpo, a
respiração que entra e sai continuamente? Você conhece? Nada é conhecido. Nem o istoé
conhecido, então, por que ficar atrás do aquilo?
Esta técnica diz: se o isto for conhecido, o aquilo será conhecido automaticamente, porque o
aquilo está implícito no isto. O distante está escondido no perto, no íntimo. Mas a mente humana
anseia pelo distante. É uma fuga. É uma fuga pensar no distante, porque então, você pode
continuar a pensar para sempre, e você continuará adiando a vida, porque a vida é isto. Se você
pensar sobre isso e se você contemplar isso, você terá de mudar a si mesmo.
Estou me lembrando de uma historieta. Aconteceu certa vez:
Um mestre-zen foi designado como pregador num templo. Ninguém sabia que ele era um
mestre-zen. A congregação se reuniu e o primeiro sermão foi dado. Todo mundo ficou
emocionado – foi simplesmente lindo! Ninguém jamais tinha ouvido tal coisa. No dia seguinte,
uma quantidade de gente muito maior foi ao templo, mas o mestre repetiu o mesmo sermão.
Então, eles ficaram entediados. “Que tipo de homem é este?”
Então, no terceiro dia, eles tornaram a voltar, não em tão grande número, mas o mestre tornou
a repetir o mesmo sermão. Assim, muitos saíram na metade; somente muito poucas pessoas
sobraram, e aquelas poucas estavam ali só para perguntar: “O senhor só tem esse sermão? E o
senhor vai dá-lo todo dia?”.
Um porta-voz levantou-se de repente e perguntou ao sacerdote: “Que tipo de pregação é esta?
Três vezes já o ouvimos, e o senhor continua repetindo exatamente a mesma coisa, exatamente
as mesmas palavras. O senhor não tem outros discursos, nenhum outro sermão?”.
O sacerdote disse: “Eu tenho muitos, mas vocês ainda não fizeram nada quanto ao primeiro.
A menos que vocês façam alguma coisa quanto ao primeiro, não vou dar o segundo. É
desnecessário”.
As pessoas pararam de ir ao templo. Ninguém vinha mais, porque, assim que alguém
chegava, o sacerdote-zen começava o primeiro sermão. Dizem que as pessoas pararam de passar
até por aquele caminho, o daquele templo – “Aquele sacerdote continua lá e, se alguém passar
por ali, ele novamente vai dar o mesmo sermão”.
Ele deve ter sido um conhecedor muito profundo da mente humana. A mente humana quer
pensar, mas nunca quer fazer nada – agir é perigoso. Pensar é bom, porque você continua sendo
o mesmo. Se você pensa sobre o distante, o longínquo, não há nenhuma necessidade de mudar a
si mesmo. O Brahma, o absoluto, não pode mudar você, mas a vizinhança, o amigo, a esposa, o
marido... – se você olhar para eles, você terá de mudar a si mesmo. E portanto é um truque não
olhar para eles.
Você olha para o aquilo para se esquecer do isto – e isto é a vida, e aquilo é simplesmente um
sonho. Você pensa sobre Deus, porque esse pensamento é impotente: ele não vai fazer nada.
Você continuará pensando sobre Deus e permanecerá o mesmo. É um truque para permanecer o
mesmo. Se você pensa sobre sua vida, se você pensa sobre sua mulher, se você pensa sobre seus
filhos, se você penetra profundamente na intimidade próxima, você não pode permanecer o
mesmo – a ação surgirá daí.
O tantra diz: “Não vá lá longe. A coisa está aqui, neste exato momento, bem perto de você.
Seja aberto, e olhe para o isto, e o aquilo cuidará de si mesmo”.

Terceira pergunta:

Você disse que o tantra ensina o homem a transcender os dois, o desejo de seu passado
animalesco, e também seu desejo pelo divino. Isso significa que o divino faz parte do
mundo, e que também tem de ser transcendido? E o que é isso que vai além de ambos?

Você terá de compreender muitas coisas. A primeira: a natureza do desejo. A divindade não é
o que você chama de divindade. O deus do qual você fala, não é o deus da realidade: é o deus do
seu desejo. Assim, a questão não é se o divino faz parte do mundo. Essa não é a questão. A
questão verdadeira é esta: você pode desejar o divino sem torná-lo parte do mundo?
Olhe para isso deste jeito: tem sido dito repetidamente que a menos que você largue o desejo,
você não pode atingir o divino, o supremo. Você não pode atingir o divino se você não largar o
desejo. Largue a mania de desejar e você poderá alcançar o divino. Você já ouviu isso muitas
vezes, mas eu fico imaginando se você compreende isso, ou não. Mais ou menos, você estará
compreendendo isso erradamente. Ao ouvir isso, você começa a desejar o divino – e isso
significa perder todo o ponto.
Se você abandonar o desejo, o divino acontecerá a você. Então, você começa a desejar o
divino, e seu divino fará parte do mundo. O que pode ser desejado é do mundo. É assim que eu
defino isso: o que pode ser desejado é o mundo. Assim, o divino não pode ser desejado e, se você
o deseja, ele se tornou parte do mundo.
Quando o desejo para, o divino acontece. Quando você não está desejando nada, o divino está
presente – então, o mundo todo é divino. Você não encontrará o divino em algum lugar, em
contradição, em oposição ao mundo – contrário ao mundo. Quando você não está desejando,
tudo é divino; quando você está desejando, tudo é o mundo. Seu desejo cria o mundo: seja o que
for que você deseje, torna-se o mundo. Este não é o mundo que você vê – as árvores e o céu e o
mar e os rios e a terra e as estrelas. Este não é o mundo – aquilo que você deseja é o mundo.
Há uma flor ali no jardim. No momento em que você passar pela árvore e olhar para a flor e o
cheiro da flor chegar até você, olhe para dentro. Se você não está desejando aquela flor, se não
há nem um leve ímpeto de possuí-la, nem sequer uma leve onda de desejo de tê-la, aquela flor se
torna divina. Você terá a face divina através dela. Mas, se o desejo de possuí-la estiver presente,
ou surgir certa inveja do dono da árvore, você criou o mundo: o divino desapareceu. É o seu
desejo que muda a qualidade da existência: seu desejo faz dela o mundo. Quando você não está
desejando, o mundo todo se torna divino.
Agora, lerei de novo a pergunta.
Você disse que o tantra ensina o homem a transcender os dois, o desejo de seu passado
animalesco, e também seu desejo pelo divino.
O tantra ensina somente a transcender o desejo. É irrelevante o que você deseja – você
desejar é a questão. Você pode continuar mudando os objetos. Você deseja dinheiro, você deseja
poder, você deseja prestígio – você deseja pelo mundo. Então, você muda. Você fica cheio dele,
você fica entediado. Ou, você atingiu seja qual for o desejo, e agora você não se sente
preenchido: sente-se frustrado. Você dá início a um novo desejo.
Agora seu desejo é o divino. Você deseja moksha, o nirvana, a libertação – agora você anseia
pelo deus. O objeto mudou; você não mudou – seu modo de desejar permanece o mesmo. Ele
estava indo atrás de prestígio e poder e dinheiro. Agora, está correndo atrás do poder divino. Está
correndo atrás do supremo, de moksha, da absoluta liberdade, mas o desejo está presente.
Comumente, as pessoas religiosas continuam mudando seus objetos de desejo. O desejo
permanece o mesmo, imutável. E não são os objetos que criam o problema; é o desejo, a ânsia,
que cria o problema. O tantra diz que é inútil continuar mudando os objetos. É perda de tempo e
de vida e de energia. Mudar os objetos não ajudará – abandone o desejo. Não anseie. Não anseie
por liberdade, porque ansiar é escravidão. Não anseie pelo divino, porque a ânsia é o mundo.
Não anseie pelo interno, porque ansiar é o externo. Assim, não é uma questão de transcender este
anseio ou aquele – simplesmente abandone o anseio. Não anseie, não deseje. Seja você mesmo.
Quando você não deseja, o que acontece? Quando você não anseia, o que acontece? Você não
está se movendo: todo o movimento cessa. Você não está apressado para chegar a lugar algum.
Você não se torna sério. Não há nenhuma esperança e não há nenhuma frustração. Você não tem
expectativa de nada; nada pode frustrá-lo. Não há nenhum desejo; você não pode fracassar. É
claro, não vai haver nenhum sucesso tampouco.
Quando você não está ansiando, sem desejar, o que acontece? Você é simplesmente deixado
sozinho, sem se mover para algum lugar. Não há nenhuma meta, porque ansiar criar a meta. Não
há nenhum futuro, porque ansiar cria o futuro. Não há nenhum tempo, porque o anseio precisa de
tempo para se mover. O tempo para. O futuro some. E, quando não há nenhum anseio, a mente
para, porque a mente não é nada mais que anseio e, por causa desse anseio, você tem de planejar
e pensar e sonhar e projetar. Quando não há nenhum anseio, tudo some. Você está simplesmente
na sua pureza. Você existe sem se mover para lugar nenhum: internamente, todas as ondas
desaparecem. O oceano permanece, mas as ondas não existem. Isto é a divindade para o tantra.
Portanto, olhe para isso deste jeito: ansiar é a barreira. Não pense no objeto, caso contrário,
você será enganado por si mesmo. Você mudará de um objeto para outro e, então, o tempo será
desperdiçado. Novamente, você ficará frustrado e, então, você novamente mudará o objeto. Você
pode ir mudando os objetos infinitamente, a menos que você perceba que não é o objeto que cria
o problema, sim o seu anseio. Mas o anseio é sutil e o objeto é grosseiro. O objeto pode ser visto,
e ansiar só pode ser visto quando você vai fundo e medita sobre isso; de outro modo, o anseio
não é visto.
Você pode se casar com uma mulher, ou com um homem, com grandes sonhos e esperança. E
quanto maior o sonho, quanto maior a esperança, maior será a frustração. Um casamento
arranjado comum não pode ser tamanho fracasso, como um casamento de amor está fadado a ser,
porque, com um casamento arranjado, não há muita esperança, não há muito sonho. É parecido
com negócios: não há nenhum romance, nenhuma poesia. Não há nenhum pináculo: você vai
viajando em terra plana. Assim, casamentos arranjados nunca fracassam. Eles não podem
fracassar, porque não há como. Como você poderia fracassar num casamento arranjado? Você
nunca esteve nas alturas, então você não pode fracassar. O casamento por amor fracassa.
Somente casamentos por amor podem fracassar, porque eles nascem com grande poesia, com
uma enorme força sonhadora. Eles tocam as alturas, você se eleva nas ondas e, depois, terá de
cair.
Assim, os países antigos, aqueles que têm conhecimento, experiência, eles acertaram-se com
os casamentos arranjados. Eles não falam sobre casamentos por amor. Na índia, eles nunca falam
sobre casamentos por amor. Eles também tinham tentado no passado mas... Então, sentiram que
um casamento por amor ia ser um fracasso. Como as pessoas esperam muito dele, elas se
frustrarão; e a proporção da frustração será a mesma. Seja o que for que desejem e sonhem, isso
lhes dá expectativas – elas não podem ser preenchidas.
Você se casa com uma mulher; se for um casamento por amor, você espera muito. Então,
você fica frustrado. No momento em que você se frustra, imediatamente, você começa a pensar
noutra mulher. Então, se você diz para sua esposa “eu não estou interessado em nenhuma outra
mulher”, e ela sente que você se tornou indiferente a ela, você não consegue convencê-la – é
impossível, é antinatural. No momento em que você se torna indiferente à sua esposa, a esposa
sabe instintivamente que você se interessou por outra pessoa.
É assim que a mente funciona. Você se familiariza com a mulher com quem você se casou, e
você sente que a frustração está chegando por causa dela – “Não foi uma boa escolha”. Isto é
lógica comum. “Não foi uma boa escolha. Esta mulher não é para mim. Escolhi a parceira errada,
por isso surgiu o conflito.” Agora então, você vai tentar encontrar outra parceira.
Você pode continuar desse jeito ad infinitum. Você pode se casar com todas as mulheres da
terra e, ainda assim, estará pensando do mesmo modo – que: “Esta mulher não é a certa para
mim”. E o anseio sutil que está criando toda a confusão, não é visto. Ele é sutil. A mulher é vista;
o anseio não. Não é a mulher ou o homem que o está frustrando: é o seu anseio, seu desejo, que o
está frustrando.
Se você vier a compreender isto, você se tornou um sábio. Se você continuar mudando os
objetos, você é ignorante. Se você vier a sentir a si mesmo e ao anseio que está criando a coisa
toda, você se torna sábio. Então, você não vive trocando um objeto por outro: você simplesmente
abandona o próprio esforço para possuir, para desejar, para ansiar.
Tem sido sempre assim, somente que seus olhos não estavam abertos para ver. Seus olhos
estavam cheios de anseios. Olhos cheios com anseio, o divino aparece como mundo. Olhos
abertos, esvaziados, desanuviados do anseio, o mundo aparece como divino.
O mundo e o divino não são duas coisas, não são duas existências, mas duas maneiras de
olhar para a mesma coisa, duas abordagens para a mesma coisa, duas perspectivas, dois tipos de
percepção. Uma percepção nublada com os anseios, outra percepção sem as nuvens dos anseios.
Se você puder olhar sem nublosidade, e se seus olhos não estiverem cheios de lágrimas de
frustração e sonhos de esperança, não haverá nada que se pareça com o mundo: só o divino
existe – a existência é divina. É isto que o tantra quer dizer. E quando o tantra diz “transcenda
ambos”, o tantra não está interessado nem no isto nem no aquilo – o tantra está interessado
somente na transcendência; portanto, não há nenhum anseio.
E o que é isso que vai além de ambos? Isso não pode ser dito, porque, no momento em que
qualquer coisa seja dita sobre isso, vem a dualidade. O que quer que seja que você diga sobre
Deus será falso, só porque foi dito.
A língua é dualística. Não há nenhuma língua não-dual: ela não pode existir. A língua é
significante somente devido ao dualismo. Eu digo ‘luz’; imediatamente, borbulha a palavra
‘escuridão’ ou ‘negro’ na sua mente. Eu digo ‘dia’ e, imediatamente, chega ‘noite’ na sua mente.
Eu digo ‘amor’ e bem atrás dele está escondido o ‘ódio’. Se eu digo ‘luz’, e não há nenhuma
escuridão, como eu a definirei?
Nós só podemos definir as palavras, devido aos seus termos opostos. Eu digo ‘luz’, e se você
me pergunta o que é luz, eu digo: “o que não é escuridão”. Se alguém lhe pergunta o que é
mente, você diz: “o que não é corpo”. Se alguém pergunta o que é corpo, você tem de dizer: “o
que não é mente”. Todos os termos são circulares, portanto, insignificantes na base, porque você
não sabe nada sobre a mente, nem sabe nada sobre o corpo. Quando eu pergunto sobre a mente,
você define-a com o corpo – e o corpo está indefinido. Quando eu pergunto sobre o corpo, você
o define com a mente – que permanece ela mesma indefinida.
Isto é bom como um jogo. A língua é boa como um jogo – a língua é um jogo. Mas nós nunca
sentimos que a coisa toda é absurda, circular; e nada está definido. Então, como você pode
definir alguma coisa? Quando eu pergunto sobre a mente, você traz o corpo – e o corpo está
indefinido. Com um termo indefinido, você define a mente. E então, quando eu pergunto “o que
você quer dizer por corpo?”, você o definiu com a mente. Isto é absurdo – mas não há nenhum
outro modo.
A língua existe através do oposto, então, a língua é dualística. Ela não pode ser de outro
modo. Assim, nada pode ser dito sobre a experiência do não-dual. O que quer que seja dito,
estará errado. Pode ser indicado, símbolos podem ser usados para isso, mas o silêncio é o melhor.
O que pode ser dito sobre isso, é silêncio. Tudo o mais pode ser definido, falado a respeito – não
o supremo. Você pode conhecê-lo, saboreá-lo, você pode sê-lo, mas nada pode ser dito sobre ele.
Só negativamente podemos dizer alguma coisa, mas somente negativamente. Não podemos dizer
o que ele é; podemos apenas dizer o que não é.
Toda a tradição mística está simplesmente usando os termos negativos para isto. Se você
pergunta o que é o supremo, eles dirão: “O supremo não é isto, nem aquilo. Não é nem vida nem
morte. Ele não é luz nem escuridão. Não está perto nem longe. Não é nem Eu nem Você”. Eles
dirão assim, mas isso não faz nenhum sentido.
Abandone o anseio e você vem a conhecê-lo face a face. E a experiência é tão profunda e
individual, não-verbal, não-linguística, que mesmo quando você vem a conhecê-lo, você não
pode dizer nada sobre ele. Você se tornará silencioso. Ou, no máximo, você pode dizer isso que
eu estou dizendo. Você pode dizer: “Nada pode ser dito sobre isto”.
Então, qual é o ponto de se falar tanto? Então, por que eu continuo falando alguma coisa para
vocês, se nada pode ser dito? Só para levá-los àquele ponto onde nada pode ser dito. Só para
empurrá-los para aquele abismo, onde você pode saltar fora da linguagem. Até aquele ponto, a
linguagem pode auxiliar. Até aquele ponto em que você vai saltar, a linguagem pode ajudar, mas,
no momento em que você tem de saltar, é o silêncio, é além da linguagem.
Assim, eu posso empurrá-lo até o fim do mundo através da linguagem – até o fim do mundo –
, mas nem uma única polegada para dentro do divino, através da linguagem. Mas empurrar você,
até o fim, será de muita ajuda, porque então você poderá ver com seus próprios olhos que, além,
existe este abismo abençoado. E então, esse além o chamará; então, o além o atrairá; então, o
além se tornará um magneto, um imã. Será impossível então, para você, retornar, bater em
retirada. O abismo é tão encantador – o abismo do silêncio – que antes de saber, você terá dado
um salto.
Eis por que eu continuo falando, sabendo bem que tudo o que estou dizendo não o ajudará a
conhecer o isto. Mas, o ajudará a dar um salto. É metodológico. Parece contraditório, paradoxal,
se eu digo que toda língua que estou usando, ou que os místicos sempre usaram, é para trazê-lo
ao templo do silêncio; para forçá-lo a entrar no silêncio, para chamá-lo até o silêncio. Parece
paradoxal. Então por que eu uso a língua? Eu posso usar o silêncio também, mas, então, você
não compreenderá.
Quando eu tenho de falar aos loucos, eu tenho de usar uma linguagem louca. É por causa de
você que eu estou usando a linguagem. Não que algo possa ser expresso através dela; somente
seu tagarelar íntimo pode ser destruído por ela. É exatamente como se você tivesse um espinho
no seu pé – outro espinho pode puxá-lo para fora. O outro também é um espinho. Sua mente é
cheia de palavras, de espinhos. O que eu estou tentando fazer é puxar aquelas palavras para fora
de você. O que eu estou usando são palavras também. Você está cheio de veneno. O que eu estou
lhe dando é novamente uma dose de veneno, só um antídoto. Ele também é um veneno. Mas um
espinho pode ser puxado por outro espinho – depois, os dois podem ser jogados fora.
Quando eu tiver lhes falado até o ponto em que vocês estejam prontos para serem silenciosos,
joguem fora tudo que eu tenha dito a vocês; é tudo inútil, é até perigoso carregá-lo. Quando você
vem a perceber que a língua é inútil, perigosa, que a verbalização interna é a única barreira, e
quando você estiver pronto para ser silencioso, então, lembre-se bem: não carregue seja o que for
que eu lhes tenha dito. Porque a verdade não pode ser dita, e tudo que pode ser dito não pode ser
verdadeiro. Descarregue-se de tudo isso.
A última coisa que Zarathustra disse a seus discípulos é muito bela. Ele lhes tinha ensinado.
Ele lhes tinha dado vislumbres. Ele tinha incitado suas almas. Ele os tinha desafiado até a
suprema aventura. A última coisa que ele lhes disse foi esta: “Agora, eu os estou deixando.
Agora, cuidado com Zarathustra”.
Então, eles perguntaram: “O que você está dizendo? Cuidado com Zarathustra? Você é nosso
professor, nosso mestre, nossa única esperança”.
E Zarathustra disse: “Tudo que eu disse a vocês, agora cuidado com isso. Não se agarre a
mim, caso contrário, eu me tornarei uma servidão para vocês”.
Quando um espinho puxou para fora o seu espinho, jogue fora o outro também. Quando eu já
os tiver preparado para entrarem no silêncio, então, cuidado comigo. Então, seja o que for que eu
lhes tenha dito, tem de ser jogado fora; é tudo refugo, inútil. Teve utilidade somente até o ponto
antes de você estar pronto para dar um salto para dentro do silêncio.
Nada pode ser dito sobre aquilo que transcende a ambos. Somente este tanto pode ser dito – e
isso já é muito realmente. Se você pode compreender, isto é o bastante para indicar a direção.
Eu estou dizendo isto: que se sua mente se tornar totalmente vazia de palavras, você saberá.
Quando você não estiver sobrecarregado com pensamentos, você perceberá, porque tudo já está
presente. Não se trata de algo que vai acontecer; já aconteceu dentro de você. Você é
simplesmente uma expressão daquilo. Mas você está tão ocupado, envolvido com pensamentos,
com nuvens, que você não encontra a chave. Você está muito concentrado nas nuvens; você se
esqueceu do céu. Permita que as nuvens se dispersem, e o céu sempre esteve aí, esperando por
você. E o além está esperando por você. Simplesmente abandone a dualidade e... ei-lo aí.

Quarta pergunta:

Você disse que a pessoa que tem medo, não pode amar, nem pode chegar ao estado de
deus. Mas como a pessoa vai fazer para sair desse medo de acordo com o tantra?
Por que você quer sair do medo? Ou você ficou com medo do medo? Se você tem medo do
medo, isto é um novo medo. É assim que a mente vai criando o mesmo padrão sempre,
repetidamente. Eu digo: “Não deseje e então você chegará ao divino”. Então, você pergunta:
“Realmente, se não desejarmos, então, chegaremos ao divino?” – você já começou a desejar o
divino.
Eu lhe digo “se há medo, o amor não pode existir”, então, você fica com medo do medo.
Você pergunta: “Como a pessoa pode sair do medo?”. Isto é novamente um medo, e mais
perigoso do que o primeiro medo, porque o primeiro era natural; o segundo é antinatural. E é tão
sutil, que você não percebe o que está perguntando – como sair do medo?
A questão não é sair de nada: a questão é somente de compreensão. Compreenda o medo, o
que ele é, e não tente sair dele, porque, no momento em que você começa a tentar sair de
qualquer coisa, você não está pronto para compreender aquilo – porque a mente que pensa em
sair, já está fechada. Ela não está aberta para compreender, ela não é solidária. Ela não pode
contemplar quietamente; ela já decidiu. Agora o medo se tornou o mal, o pecado, então saia dele.
Não tente sair de nada.
Tente compreender o que o medo é. E, se você tem medo, então, aceite-o. Ele existe. Não
tente escondê-lo. Não tente criar o oposto. Se você tem medo, então você tem medo. Aceite isso
como parte do seu ser. Se você puder aceitá-lo, ele já desapareceu. Através da aceitação, o medo
desaparece: através da negação, ele aumenta.
Você chega a um ponto onde você sabe que tem medo, e você compreende o seguinte: “Por
causa deste medo, o amor não pode acontecer a mim. Então, tudo bem, o que eu posso fazer? O
medo existe, então, somente uma coisa acontecerá – eu não fingirei amor. Ou, eu direi à minha
amada ou ao meu amado, que “é por causa do medo que eu estou me agarrando a você”. Lá no
fundo estou com medo. Serei franco quanto a isso; não mais enganarei ninguém, nem a mim
mesmo. Eu não fingirei que isto é amor. Eu direi que é simplesmente medo. Por causa do medo,
eu me agarro a você. Por causa do medo, eu vou ao templo, ou à igreja, e oro. Por causa do
medo, eu me lembro de Deus. Mas, então, eu sei que aquilo não é oração, aquilo não é amor,
aquilo é somente medo. Eu tenho medo, então, seja o que for que eu faça, ele está presente.
Aceitarei esta verdade”.
Um milagre acontece quando você aceita a verdade. Apropria aceitação o transforma. Quando
você sabe que há medo em seu ser e você não pode fazer nada sobre isso, o que você pode fazer?
Tudo que você pode fazer é fingir, e os fingimentos podem ir ao extremo, ao outro extremo.
Um homem muito medroso pode se tornar um homem muito bravo. Ele pode criar uma
armadura ao seu redor. Ele pode se tornar um atrevido temerário, só para mostrar aos outros que
ele não tem medo. E, se ele puder enfrentar o perigo, ele pode se enganar que não tem medo.
Mas até um homem mais corajoso tem medo. Toda a sua bravura está apenas em derredor; lá no
fundo, ele treme. Para não ficar ciente disso, ele salta para dentro do perigo. Ele se torna
engajado com o perigo, de modo a não ter consciência do medo, mas o medo está presente.
Você pode criar o oposto, mas isso não vai mudar nada. Você pode fingir que não tem medo
– isso, novamente, não muda nada. A única transformação que pode acontecer é você tornar-se
simplesmente ciente de que: “Eu tenho medo. Todo meu ser está tremendo e, seja o que for que
eu faça, é devido ao medo”. Você se tornou verdadeiro para si mesmo.
Então, você não tem medo do medo. Ele está presente, é uma parte sua; nada pode ser feito
sobre isso. Você tem de aceitá-lo. Agora você não finge, agora você não engana ninguém, nem a
si mesmo. A verdade está aí, e você não tem medo dela. O medo começa a desaparecer, porque
uma pessoa que não tem medo de aceitar seu medo, tornou-se destemida – esse é o mais
profundo destemor que é possível. Ela não criou o oposto, então, não há nenhuma dualidade
nela. Ela aceitou o fato. Ela ficou humilde diante disso. Ela não sabe o que fazer – ninguém sabe
– e nada pode ser feito, mas ela parou de fingir: parou de usar máscaras, faces. Ela se tornou
autêntica em seu medo.
Essa autenticidade e esse destemor para aceitar a verdade, transforma-o. E, quando você não
finge, não cria um falso amor, não cria uma ilusão ao seu redor, não se torna uma pessoa de
mentira, você se tornou autêntico. Nesta autenticidade, o amor surge: o medo desaparece, o amor
surge. Esta é a alquimia interna de como o amor surge.
Agora, você pode amar. Agora, você pode ter compaixão, solidariedade. Agora, você não
depende de ninguém, porque não há nenhuma necessidade. Você aceitou a verdade. Não há
nenhuma necessidade de depender de ninguém; não há necessidade de possuir e ser possuído.
Não há nenhum anseio pelo outro. Você se aceita – através desta aceitação, o amor surge. Ele
preenche seu ser. Você não tem medo do medo, você não está tentando se livrar dele.
Simplesmente ele desaparece quando aceito.
Aceite seu ser autêntico e você será transformado. Lembre-se disto: aceitabilidade, total
aceitabilidade, é a chave mais secreta do tantra. Não rejeite nada. Através da rejeição, você
ficará aleijado. Aceite tudo – seja o que for. Não condene isso, e não tente escapar disso.
Há muitas coisas implicadas nisso. Se você tentar se livrar disso, você terá de cortar seu ser
em departamentos, em fragmentos, em partes. Você ficará aleijado. Quando você joga fora uma
coisa, alguma outra coisa também é jogada fora com ela – a outra parte dela – e você fica
aleijado. Então, você não é total. E você não pode ser feliz, a menos que seja total e íntegro. Ser
íntegro é ser santo. Ser fragmentado é ser incompleto e enfermo.
Assim, eu direi: tente compreender o medo. A existência deu-o a você. Deve haver algum
significado profundo, e deve haver algum tesouro escondido, então, não o jogue fora. Nada lhe é
dado sem algum significado. Nada existe dentro de você que não possa ser usado numa sinfonia
mais elevada, numa síntese mais elevada.
Tudo o que existe em você, quer você compreenda ou não, pode se tornar um degrau. Não
pense nisso como uma barreira: permita que se torne um degrau. Você pode tomá-lo como algo
que impede a caminhada – não é impedimento. Se você puder andar sobre isso, se você puder
usá-lo, firmar-se sobre isso, uma nova visão do caminho lhe será revelada num nível mais
elevado. Você será capaz de olhar fundo na possibilidade, no futuro, na potencialidade.
O medo existe por certos propósitos. Tente compreender isto: Primeiro, se não houver
nenhum medo, você ficará demasiadamente egoísta, e não haverá retorno. Se não houver nenhum
medo, do jeito como você está, você jamais tentará fundir-se com a existência, com o cosmos.
Realmente, se não houver nenhum medo, você não será capaz de sobreviver, absolutamente. Seja
o que for que você seja, o medo está representando um papel nisso.
Mas, se você tentar esconder o medo, destruí-lo, criar o oposto dele, você ficará dividido e se
tornará fragmentado, desintegrado. Aceite o medo e use-o. E, no momento em que você sabe que
você o aceitou, ele desaparece. Tente pensar: se você aceita seu medo, onde ele está?
Um homem veio a mim e disse: “Eu tenho muito medo da morte”. Ele tinha câncer, e a morte
estava perto; a qualquer dia, ela podia acontecer. E ele não podia adiá-la. Ele sabia que ela ia
acontecer. Dentro de meses, ela estaria ali – ou até mesmo dentro de semanas.
Ele estava verdadeiramente física e literalmente tremendo. Ele disse: “Me dê apenas uma
coisa: como eu posso sair deste medo da morte? Me dê um mantra, ou alguma coisa que possa
me proteger e me dê coragem para encarar a morte. Eu não quero morrer tremendo de medo”. O
homem disse: “Eu já estive em muitos santos. Eles me deram muitas coisas. Eles foram muito
gentis. Um me deu um mantra, outro me deu umas cinzas sagradas, outro me deu seu retrato,
alguém me deu alguma outra coisa, mas nada ajudou. Tudo em vão. Agora, eu vim até você
como o último recurso. Agora não irei a mais ninguém. Dê-me alguma coisa.
Então, eu lhe disse: “Contudo, você não percebe. Por que você está pedindo algo? – só para
sair do medo? Nada ajudará. Eu não posso lhe dar nada. Ademais, como os outros se provaram
fracassos, eu também me provarei um fracasso. E eles deram-lhe algo porque não sabiam o que
estavam fazendo. Eu só posso dizer uma coisa para você: aceite o fato. Trema, se a tremedeira
estiver presente – o que fazer? A morte existe, e você sente um tremor; então, trema. Não rejeite
isso, não reprima. Não tente ser valente. Não há nenhuma necessidade. A morte existe. Ela é
natural. Fique totalmente com medo”.
Ele disse: “O que você está dizendo? Você não me deu nada. Ao invés, ao contrário, você diz
para aceitar!”.
Eu disse: “Sim, aceite. Simplesmente vá e morra pacificamente com total aceitação”.
Depois de três ou quatro dias ele voltou novamente, e disse: “Funciona. Eu não pude dormir
por tantos dias, mas durante esses quatro dias eu dormi profundamente, porque é isso mesmo,
você está certo. Ele me disse: “Você está certo. O medo existe, a morte existe, nada pode ser
feito. Todos os mantras são apenas truques – nada pode ser feito”.
Nenhum médico pode ajudar, nenhum santo pode ajudar. A morte existe, é um fato, e você
está tremendo. É natural. Uma tempestade chega e todas as árvores tremem. Elas nunca vão a
nenhum santo para perguntar como não tremer quando a tempestade está passando por elas. Elas
nunca vão pedir um mantra para mudar isso, para protegê-las. Ela treme. É natural; é assim.
E o homem disse: “Mas aconteceu um milagre. Agora, eu não estou com tanto medo”.
Se você aceita, o medo começa a desaparecer. Se você rejeita, resiste, luta, você dá energia
para o medo. Esse homem morreu pacificamente, destemido, sem medo, porque ele pôde aceitar
o medo. Aceite o medo e ele desaparece.

Quinta pergunta:

Através do uso de técnicas parecidas com a segunda técnica que você falou ontem, eu
ouvi alguns sons como o fluir de um rio ou de uma correnteza. Eu posso saber o que é esse
som? Se eu compreendi corretamente, não deveria haver qualquer pensamento ou som, e
deveria haver completo silêncio. Então, o que é esse som?

No começo, antes do silêncio acontecer a você, o som acontece. Então, é um bom sinal. As
palavras, a linguagem, a verbalização, desaparecem; a segunda camada é de som. Mas não lute
contra isso; desfrute-o. Ele se tornará musical, belo. Você será preenchido por sua música, e você
se tornará mais vivo através disso.
Quando a mente desaparece, um som interior natural aparece. Permita que ele aconteça.
Medite nele. Não lute contra; seja uma testemunha – ele se aprofundará. E, se você não lutar
contra ele, e não criar nenhuma batalha, ele desaparecerá por si mesmo e, quando ele
desaparecer, você cairá no silêncio. Palavras – som – silêncio. As palavras são humanas, os sons
são naturais, o silêncio é cósmico.
Assim, este é um bom sinal. Isso é o que é chamado de nada, o som interno. Ouça-o, desfrute-
o, seja uma testemunha dele. Ele desaparecerá. E não se perturbe nem sinta que aquilo não
deveria estar ali. Se você diz que não deveria existir, ou se você se apressar em se livrar dele de
algum modo, você voltará para a primeira camada novamente – para as palavras. Lembre-se
disto. Se você lutar contra esta segunda camada de som, você começou a pensar sobre isso e as
palavras entram. Se você diz alguma coisa sobre este som, você perdeu a segunda camada mais
profunda, e você é jogado de volta novamente para a primeira. Você voltou para a mente.
Não diga nada, não pense nada sobre ele. Não diga nem que aquilo é som. Simplesmente
ouça-o. Não crie nenhuma palavra ao redor. Não lhe dê nenhum nome nem forma.
Deixe-o ser como é. Permita-o fluir, e seja uma testemunha. A corrente flui, e você está
sentado na margem, só uma testemunha – sem nem saber o nome do rio, sem saber aonde ele
está indo, sem saber de onde ele está vindo.
Basta sentar-se perto do som e, mais cedo ou mais tarde, ele desaparece e, quando ele
desaparecer, haverá silêncio. Este é um bom sinal – você tocou na segunda camada – mas, se
você tentar pensar sobre ele, você perderá: você será jogado de volta à primeira. Se você não
pensar sobre ele e puder desfrutar no testemunhar, você irá mais fundo para a terceira camada.
Capítulo 61

TÉCNICAS PARA NOS TORNARMOS UM COM O TODO



OS SUTRAS

88. Cada coisa é percebida através do conhecer.


O EU brilha no espaço através do ato de conhecer
Perceba o ser de alguém como conhecedor e conhecido.
89. Amada,
Neste momento
Deixe
a mente, o saber, a respiração, a forma serem incluídas.

Ouvi contar um caso. Num comício do partido conservador, Lord Mancroft foi convidado
para falar. Ele chegou na hora certa, foi até a tribuna – ele parecia um pouco alvoroçado – e disse
para o público: “Perdoem-me por abreviar meu discurso, mas o fato é que minha casa está
pegando fogo”.
E a verdade é que este fato diz respeito a todo mundo. Sua casa também está pegando fogo,
mas você não parece nem um pouco alvoroçado.
A casa de todo mundo está pegando fogo, mas você não percebe – não percebe a morte, não
percebe que sua vida está simplesmente passando pelas suas mãos. A cada momento você está
morrendo, a cada momento você está perdendo uma oportunidade que não terá novamente. O
tempo perdido, já está perdido: nada pode ser feito para recuperá-lo, e sua vida se torna cada vez
mais e mais curta a cada momento.
É isto que eu quero dizer quando eu digo que sua casa também está pegando fogo. Mas você
não parece nem um pouquinho alvoroçado. Você nem ao menos parece se preocupar com isso.
Você parece não perceber que sua casa está em chamas. O fato está presente, mas sua atenção
não. E todos pensam que há bastante tempo para se fazer algo. Não há tempo bastante, porque o
que tem de ser feito é tanto, que o tempo nunca é suficiente.
Aconteceu, certa vez, de o Diabo ficar esperando durante muitos anos e ninguém ir para o
inferno. Ele estava esperando para dar as boas-vindas às pessoas, mas a terra estava indo tão bem
e as pessoas eram tão boas, que ninguém estava indo para o inferno. É claro, ele ficou
preocupado. Ele convocou um conselho de emergência. Seus maiores discípulos se reuniram
para discutir a situação. O inferno estava passando por grande crise e aquilo não podia ser
tolerado. Alguma coisa tinha de ser feita. Assim, ele pediu conselhos: “O que devemos fazer?”.
Um discípulo sugeriu: “Eu posso ir à terra, falar com as pessoas e tentar convencê-las de que
não há nenhum Deus, que as religiões são falsas e que, seja o que for que a Bíblia, o Alcorão os
Vedas digam, é tudo absurdo”.
O Diabo disse: “Não vai funcionar, porque temos feito isso desde o começo e isso não
influenciou muito as pessoas. Com esse ensinamento, você pode convencer somente aqueles que
já estão convencidos. Então não tem serventia; não adianta muito”.
Então, o segundo discípulo, mais sutil que o primeiro, disse: “Eu irei e falarei às pessoas,
tentando convencê-las de que tudo o que é dito na Bíblia, no Alcorão e nos Vedas está certo.
Existe o céu, existe Deus, mas não existe nenhum Diabo nem inferno e, assim, não devem ter
medo. E se pudermos torná-las menos medrosas, elas não se importarão com religião de forma
alguma, porque toda religião é baseada no medo”.
O Diabo disse: “Seu propósito é um pouco melhor. Você pode ser capaz de executá-lo, pode
ter sucesso em convencer uma minoria, mas a maioria não o ouvirá. Eles não têm tanto medo do
inferno quanto têm ambição do céu. Mesmo que você os convença de que não há nenhum
inferno, eles ainda vão querer entrar no céu, e tentarão ser bons para isso”. Assim, isto também
não funcionará muito.
Então o terceiro discípulo, o mais sutil de todos, disse: “Eu tenho uma ideia. Me dê a chance
de experimentá-la. Eu irei lá e direi que tudo que a religião diz é absolutamente verdadeiro –
Deus existe e o Diabo existe e o céu existe e o inferno existe – mas não há nenhuma pressa”.
E o Diabo disse: “Certo. Você tem o sistema certo. Pode ir!”.
E dizem que desde então, nunca mais houve uma crise no inferno. Ao contrário, eles estão
preocupados com a superpopulação.
É assim que nossas mentes estão funcionando: estamos sempre pensando que não há
urgência. Estas técnicas sobre as quais estamos falando, não valerão de nada se sua mente pensar
que não há urgência. Então, você vai adiando e a morte virá antes – e esse dia não chegará
quando você pensar que há uma urgência, quando você pensar que agora chegou o momento.
Você pode continuar adiando. É isso o que temos feito com nossas vidas.
Você tem de estar decidido a fazer algo. Você está numa crise – a casa está pegando fogo. A
vida está sempre pegando fogo, porque a morte está sempre escondida ali atrás da porta – a
qualquer momento e, de repente, você já não existe mais. E você não pode contra-argumentar
com a morte. Você não pode fazer nada. Quando a morte acontece, acontece. O tempo é muito
curto. Mesmo que você viva por setenta ou cem anos, o tempo é curto. O que você tem de fazer,
com você mesmo, para se transformar, para mudar, para se tornar um novo ser, é um trabalho tão
grande! Não continue adiando.
A menos que você sinta como uma emergência, uma crise profunda, você não fará nada. A
menos que a religião se torne um processo muito crítico para você, e você sinta que, a menos que
algo seja feito para transformá-lo, toda a sua vida é puro desperdício... Se você sente isto muito
agudamente e muito profundamente e muito honestamente, somente então, estas técnicas são de
ajuda. Porque você pode compreendê-las – a compreensão não vale nada, a menos que você faça
algo a respeito. Na verdade, a menos que você faça algo a respeito, você não compreendeu,
porque a compreensão obrigatoriamente se torna ação. Se não está se tornando ação, então, é
somente conhecimento, não compreensão. Tente compreender esta distinção. Conhecimento não
é compreensão. O conhecimento não o forçará a agir. Ele não o forçará a nenhuma mudança.
Não o forçará a fazer alguma coisa a respeito. Você acumulará aquilo na mente – vai virar
informação. Você se tornará mais instruído. Mas na morte tudo para. Você vai coletando muitas
coisas, nunca fazendo nada com elas. Elas se tornam apenas uma carga sobre você.
Compreensão significa ação. Quando você compreende uma coisa, imediatamente você
começa a trabalhar naquilo, porque, se aquilo está certo e você acha que está certo, você tem de
fazer alguma coisa a respeito. Caso contrário, tudo permanece como algo tomado emprestado, e
conhecimento tomado emprestado não pode se tornar compreensão. Você pode até se esquecer
de que aquilo é tomado de empréstimo – você gostaria de se esquecer que é coisa emprestada,
porque sentir que aquilo é algo tomado emprestado significa que seu ego será ferido. Assim,
você vai esquecendo que aquilo é coisa emprestada. Em pouco tempo você começa a sentir que
aquilo é seu mesmo. Isso é muito perigoso.
Eu ouvi contar que a congregação de uma igreja andava sendo muito incomodada pelo
ministro. Chegou um ponto em que os membros da igreja disseram diretamente ao ministro:
“Agora o senhor tem de ir embora!”.
O ministro disse: “Dê-me mais uma chance, só uma chance. E então, se vocês quiserem isso
mesmo, eu irei embora”.
No domingo seguinte, toda a cidade se reuniu na igreja para ver o que o ministro ia fazer,
agora que somente uma chance lhe havia sido dada. Eles nunca poderiam suspeitar, nunca
imaginaram que um sermão tão belo ia ser dado naquele dia. Eles nunca tinham ouvido tal coisa.
Surpresos, encantados, eles deleitaram-se com ele e, quando o sermão acabou, eles se
juntaram ao redor do ministro e disseram: “O senhor não precisa ir embora. Fique aqui. Nós
jamais ouvimos tal coisa antes – nunca em nossas vidas! Fique aqui e permaneça aqui e, é claro,
com um aumento no seu estipêndio”.
Mas então, um homem, um membro muito proeminente da congregação, perguntou: “Diga-
me uma coisa somente. Quando o senhor começou a sua prédica, o senhor levantou sua mão
esquerda com dois dedos erguidos e, quando terminou, o senhor levantou sua mão direita,
novamente com dois dedos erguidos. Então, qual é o significado desses símbolos?”.
O ministro disse: “O significado é fácil. Os dedos são simbólicos das aspas de citação. Aquele
sermão não era meu – eu peguei emprestado”.
Lembrem-se sempre daquelas aspas de citação. É muito confortável esquecê-las, você se
sente bem. Mas tudo o que você sabe está entre aspas: não é seu mesmo. E você pode abandonar
as aspas somente quando alguma coisa se tornar sua própria experiência.
Estas técnicas são para transformar o conhecimento em experiência. Estas técnicas são para
trocar o conhecimento por compreensão. Aquilo que pertence a um Buda ou a um Krishna ou a
um Cristo, através dessas técnicas pode pertencer a vocês – isso pode tornar-se seu. E a menos
que se torne sua, nenhuma verdade é verdadeira. Pode ser uma grande mentira, uma bela
mentira, mas nenhuma verdade é verdadeira, a menos que se torne sua experiência –
individualmente, autenticamente sua.
Três coisas. Primeira: lembre-se sempre de que sua casa está pegando fogo. Segunda: não dê
ouvidos ao Diabo. Ele dirá constantemente a você que não há urgência. E terceira: lembre-se de
que conhecimento não é compreensão. Qualquer coisa que eu diga aqui o deixará conhecedor. É
necessário, mas não é suficiente. Isso o liga numa jornada, mas não é o fim. Faça alguma coisa,
de modo que o conhecimento não permaneça conhecimento, não permaneça como memória, mas
se torne sua experiência e sua vida.

88 Conheça o conhecedor e o conhecido

Agora a primeira técnica:


Cada coisa é percebida através do conhecer.
O EU brilha no espaço através do ato de conhecer.
Perceba o ser de alguém como conhecedor e conhecido.

Sempre que você conhece alguma coisa, ela é conhecida através do ato de conhecer. O objeto
vai até sua mente através da faculdade do conhecimento. Você sabe que aquilo é uma rosa.
Então, a rosa está ali e você está dentro. Alguma coisa vinda de você vai até a rosa, alguma coisa
vinda de você é projetada sobre a rosa. Alguma energia se move de você, vai até a rosa, toma sua
forma, cor e cheiro, volta e lhe informa que aquilo é uma rosa.
Todo conhecimento, o que quer que você saiba, é revelado através da faculdade de conhecer.
Conhecer é sua faculdade. O conhecimento é reunido através desta faculdade. Mas o conhecer
revela duas coisas: o conhecido e o conhecedor.
Sempre que você está conhecendo uma rosa, seu conhecimento é pela metade se você se
esquecer do conhecedor, que é quem a está conhecendo. Assim, ao estar conhecendo uma rosa,
há três coisas: a rosa – o conhecido; e o conhecedor – você; e a relação entre os dois – o
conhecimento.
Dessa forma, o conhecimento pode ser dividido em três pontos: o conhecedor, o conhecido e
o conhecer. O conhecer é simplesmente como uma ponte entre dois pontos – o sujeito e o objeto.
Comumente, seu conhecimento revela somente o conhecido; o conhecedor permanece não-
revelado. Comumente, seu conhecimento é unidirecional: ele aponta para a rosa, mas nunca
aponta para você. A menos que ele comece a apontar para você, esse conhecimento lhe permitirá
conhecer sobre o mundo, mas não lhe permitirá conhecer sobre você mesmo.
Todas as técnicas de meditação existem para revelar o conhecedor. George Gurdjieff usou
uma determinada técnica desse tipo. Ele a chamou de recordação-de-si-mesmo. Ele dizia: quando
quer que você esteja conhecendo algo, lembre-se sempre do conhecedor. Não se esqueça dele no
objeto. Lembre-se do sujeito. Neste instante você está me ouvindo. Enquanto você estiver me
ouvindo, você pode ouvir de dois modos. Um: sua mente pode estar focada em mim – então,
você se esquece do ouvinte. Então, o locutor é conhecido, mas o ouvinte é esquecido.
Gurdjieff dizia para, enquanto estiver ouvindo, conhecer o locutor e também conhecer o
ouvinte. Seu conhecimento deve ser duplamente direcionado, apontando para dois pontos – o
conhecedor e o conhecido. Ele não deve fluir somente na direção do objeto. Ele deve fluir
simultaneamente em duas direções – na do conhecido e na do conhecedor. A isso ele dava o
nome de recordação-de-si-mesmo.
Ao olhar para uma flor, lembre-se também daquele que está olhando. É difícil, porque, se
você tentar fazer isso, se você tentar estar consciente do conhecedor, você se esquecerá da rosa.
Você se tornou tão fixado em uma só direção, que levará tempo para conseguir isso. Se você se
tornar consciente do conhecedor, então, o conhecido será esquecido. Se você se tornar consciente
do conhecido, então, o conhecedor será esquecido.
Mas, com um pouco de esforço, e em pouco tempo você pode estar ciente dos dois
simultaneamente. E, quando você se torna capaz de estar ciente dos dois, a isso Gurdjieff chama
de recordação-de-si-mesmo. Esta é uma das técnicas mais antigas usadas por Buda e que
Gurdjieff reapresentou ao mundo ocidental.
Buda chamou-a de samyak smriti – correta atenção. Ele dizia que sua mente não tem uma
atenção correta se ela conhece apenas um ponto. Ela deve conhecer os dois. E, então, um milagre
acontece: se você está ciente dos dois, o conhecido e o conhecedor, de repente, você vira o
terceiro – você não é nenhum dos dois. Só pelo seu empenho para estar ciente dos dois, o
conhecido e o conhecedor, você se torna o terceiro, você vira uma testemunha. Uma terceira
possibilidade surge imediatamente – um Eu testemunhal passa a existir. Porque... Como você
pode conhecer os dois? Se você é o conhecedor, então, você permanece fixado num ponto só. Na
recordação-de-si-mesmo você se desloca do ponto fixo do conhecedor. Então, o conhecedor é
sua mente e o conhecido é o mundo, e você se torna um terceiro ponto, uma consciência, um EU
testemunhal. Este terceiro ponto não pode ser transcendido, e aquilo que não pode ser
transcendido é o supremo. Aquilo que pode ser transcendido não vale a pena, porque, então, ele
não é sua natureza –você pode transcendê-lo.
Eu tentarei explicar isso através de um exemplo. À noite, você dorme e você sonha. De
manhã, você acorda e o sonho é perdido. Enquanto você está acordado, não há nenhum sonho;
um mundo diferente entra na sua visão. Você anda pelas ruas, você trabalha numa fábrica ou
num escritório. Então, você volta para casa e, novamente, dorme à noite. Então, este mundo que
você conheceu enquanto você estava acordado, desaparece. Então, você não se lembra de quem é
você. Então, você não sabe se você é negro ou branco, pobre ou rico, sábio ou tolo. Você não
sabe nada. Você não sabe se você é jovem ou velho. Você não sabe se você é um homem ou uma
mulher. Tudo o que estava relacionado com a consciência acordada, desaparece: você entra no
mundo dos sonhos. Você se esquece do mundo desperto; ele não existe mais. De manhã,
novamente, o mundo do sonho desaparece. Você retorna.
O que é real? – porque enquanto você está sonhando, o mundo real, o mundo que você
conhecia quando estava acordado, não existe mais. Você não pode comparar. E enquanto você
está acordado, o mundo dos sonhos não existe mais. Você não pode comparar. Qual é o real? Por
que você chama o mundo dos sonhos de irreal? Qual é o critério?
Se você diz “porque ele desaparece quando estou acordado”, este não pode ser o critério,
porque seu mundo acordado desaparece quando você está sonhando. E realmente se você
argumentar dessa forma, então, o mundo dos sonhos pode ser até mais real, porque, enquanto
você está acordado, você pode se lembrar do sonho; mas enquanto você está sonhando, você não
pode se lembrar da consciência acordada e do mundo ao redor dela. Então o que é mais real e
mais profundo? O mundo dos sonhos desmancha completamente o mundo que você chama de
real. Seu mundo real não pode desmanchar o mundo dos sonhos tão totalmente – ele parece mais
sólido, mais real. E qual é o critério? Como dizer? Como comparar?
O tantra diz que ambos são irreais. Então, o que é o real? O tantra diz que aquele que conhece
o mundo dos sonhos e aquele que conhece o mundo desperto, este é o real – porque ele nunca é
transcendido. Ele nunca é desmanchado. Quer você sonhe, ou quer você desperte, ele está aí,
indesmanchável.
O tantra diz que aquele que conhece o sonho e aquele que sabe que “agora o sonho parou”,
aquele que conhece o mundo desperto, e aquele que sabe que “agora o mundo desperto
desapareceu”, é o real.
Porque não existe o caso no qual ele deixe de existir; ele está existindo sempre. Aquilo que
não pode ser cancelado por nenhuma experiência, é o real. Aquilo que não pode ser transcendido,
além do qual você não pode ir, é o seu self. Se você puder ir além dele, então, não é o seu self.
Este método de Gurdjieff, que ele chama de recordação-de-si-mesmo, ou o método de Buda,
que ele chama de correta atenção, ou este sutra tântrico, conduzem à uma coisa. Eles o
conduzem internamente até um ponto que não é nem o conhecido nem o conhecedor, mas um
EU testemunhal que conhece os dois.
Este EU testemunhal é o supremo, você não pode ir além dele, porque agora seja o que for
que você faça, será testemunhando. Além do testemunhar, você não pode ir. Assim, o
testemunhar é o supremo substrato, o terreno básico da consciência. Este sutra revelará isso a
você.

Cada coisa é percebida através do conhecer.


O EU brilha no espaço através do ato de conhecer.
Perceba o ser de alguém como conhecedor e conhecido.

Se você pode perceber em si mesmo um ponto que é ambos, conhecedor e conhecido, então,
você transcendeu o objeto e o sujeito, os dois. Então, você transcendeu a matéria e a mente, os
dois; então, você tem de transcender o exterior e o interior, ambos. Você chegou a um ponto,
onde o conhecedor e o conhecido são um só – não há mais nenhuma divisão.
Com a mente, a divisão permanecerá. Somente com o Eu testemunhal a divisão desaparece.
Com o EU testemunhal, você não pode dizer quem é o conhecido e quem é o conhecedor – trata-
se de ambos. Mas isto tem de estar baseado na experiência, caso contrário, torna-se uma
discussão filosófica. Assim, tente isso, experimente.
Você está sentado perto de uma rosa: olhe para ela. A primeira coisa a fazer é ficar totalmente
atento: dê total atenção à rosa, de modo que o mundo todo desapareça e somente a rosa
permanece ali – sua consciência está totalmente atenta ao ser da rosa. Se a atenção é total, então,
o mundo desaparece, porque quanto mais a atenção é concentrada na rosa, mais tudo o mais
desaparece.
O mundo desaparece; somente a rosa permanece. A rosa se torna o mundo.
Este é o primeiro passo – concentrar-se na rosa. Se você não conseguir se concentrar na rosa,
será difícil mover-se para o conhecedor, porque, então, sua mente estará sempre distraída. Assim,
a concentração se torna o primeiro passo em direção à meditação. Somente a rosa permanece; o
mundo todo desapareceu. Agora, você pode se mover para dentro de si; agora, a rosa se torna o
ponto de onde você pode se mover. Agora, veja a rosa, e comece a se tornar ciente de si mesmo –
o conhecedor.
No começo, você perderá. Quando você se desloca para o conhecedor, a rosa se afasta da
consciência. Ela se tornará fraca, ela irá embora, ficará distante. Novamente, você voltará à rosa,
e se esquecerá de si mesmo. Esse esconde-esconde continuará, mas, se você persistir, mais cedo
ou mais tarde, chegará um momento em que, de repente, você estará no meio. O conhecedor, a
mente, e a rosa estarão presentes, e você estará exatamente no meio, olhando para os dois. Esse
ponto central, esse ponto de equilíbrio, é a testemunha.
Uma vez que você conheça isso, você se tornará os dois. Então, a rosa – o conhecido –, e o
conhecedor – a mente – são apenas duas asas suas. Então, o objeto e o sujeito são apenas duas
asas; você está no centro dos dois. Eles são extensões suas. Então, o mundo e o divino são duas
extensões suas. Você chegou ao próprio centro do ser. E este centro é simplesmente a
testemunha.
Perceba o ser de alguém como conhecedor e conhecido.

Comece concentrando-se sobre algo. Quando a concentração se tornar total, então, tente
mover-se para dentro, torne-se cônscio de si mesmo; e, então, tente equilibrar. Levará tempo –
meses, talvez anos. Depende quão intenso é seu esforço, porque trata-se do mais sutil equilíbrio:
chegar ao ponto entre os dois. Mas isso acontece e, quando acontece, você terá chegado ao
centro da existência. Nesse centro, você está enraizado, aprumado, silencioso, jubiloso, em
êxtase, e não há mais dualidade. A isto os hindus chamaram de samadhi. É isso o que Jesus
chamou de reino de Deus.
Simplesmente compreender isso verbalmente não valerá muito, mas se você tentar, desde o
início, você começará a sentir que algo está acontecendo.
Quando você se concentrar na rosa, o mundo desaparecerá. Isso é um milagre – quando o
mundo todo desaparece. Então, você vem a compreender que é sua atenção que é básica e,
sempre que você move sua atenção, um mundo é criado e, de onde você tirou sua atenção, o
mundo desaparece. Assim, você pode criar mundos através da sua atenção.
Vejamos deste modo. Você está sentado aqui. Se você está amando alguém, então, de repente,
somente uma pessoa permanece nesse espaço: tudo o mais desaparece, deixa de existir. O que
acontece? Por que somente uma pessoa permanece quando você está apaixonado? O mundo todo
some realmente – é como um espectro, sombras. Somente uma pessoa é real, porque agora sua
mente está concentrada em uma só pessoa, sua mente está totalmente absorta em uma só pessoa.
Tudo o mais se torna como sombra, uma existência impalpável – ela não é real para você.
Sempre que você se concentra, a própria concentração muda todo o padrão da sua existência,
todo o padrão de sua mente. Tente isso – com qualquer coisa. Você pode tentar isso com uma
estátua de Buda ou uma flor ou uma árvore ou qualquer coisa. Ou simplesmente com o rosto de
sua amada ou de seu amigo – basta olhar para o rosto. Isso será fácil, porque, se você ama um
rosto, é muito fácil se concentrar. E realmente, aqueles que tentam se concentrar em Buda, em
Jesus, em Krishna, eles são amantes; eles amam Buda. Assim, era muito fácil para Sariputta ou
para Modgalayan ou para os outros discípulos concentrarem-se no rosto de Buda. No momento
em que olhavam para o rosto de Buda, eles facilmente fluíam em direção a ele. O amor estava
ali; eles estavam apaixonados.
Assim, tente encontrar um rosto – qualquer rosto que você ame servirá – e apenas olhe em
seus olhos e concentre-se no rosto. De repente, o mundo todo acaba; uma nova dimensão se
abriu. Sua mente está concentrada em uma só coisa – então, essa pessoa ou aquela coisa se torna
o mundo todo.
Quando eu digo isto, eu quero dizer que, se sua atenção é total em direção a qualquer coisa,
essa coisa se torna o mundo todo. Você cria o mundo através da sua atenção. Seu mundo, você o
cria através de sua própria atenção.
E, quando você estiver totalmente absorvido, fluindo como um rio em direção ao objeto,
então de repente, comece a perceber a fonte original de onde sua atenção está fluindo. O rio está
fluindo; agora, tome ciência da origem.
No começo, você se perderá repetidamente; você se deslocará. Se você se mover para a
origem, você se esquecerá do rio e do objeto: o mar, em direção ao qual ele está fluindo. Isso
mudará: se você for para o objeto, você se esquecerá da origem. É natural, porque a mente ficou
fixada ou no objeto ou no sujeito.
Eis por que tantas pessoas decidem se afastar. Elas simplesmente abandonam o mundo.
Deixar o mundo, basicamente, significa deixar o objeto, de forma a poderem se concentrar em si
mesmos. É fácil. Se você deixar o mundo e fechar seus olhos e fechar todos os seus sentidos,
você pode ficar ciente de si facilmente, mas, de novo, essa percepção é falsa, porque você
escolheu um ponto da dualidade. Este é o outro extremo da mesma doença.
Primeiro você estava ciente do objeto – o conhecido; e você não estava ciente do sujeito – o
conhecedor. Agora, você está fixado no conhecedor e se esqueceu do conhecido, mas você
permanece dividido na dualidade. E esta é a velha mente novamente, em um novo padrão. Nada
mudou.
Eis por que minha ênfase não é para deixar o mundo dos objetos. Não deixe o mundo dos
objetos. Em vez disso, tente se tornar ciente de ambos, do sujeito e do objeto simultaneamente, o
externo e o interno simultaneamente. Se ambos estiverem presentes, somente então, você pode se
equilibrar entre eles. Se apenas um estiver presente, você ficará obcecado com ele.
Os que vão para os Himalaias e se fecham são exatamente como você parado na posição
reversa. Você está fixado nos objetos, eles estão fixados no sujeito. Você está fixado no externo,
eles estão fixados no interno. Nem você é livre, nem eles, porque você não pode ser livre com
um só. Com um só, você fica identificado. Você só pode ser livre quando se tornar ciente dos
dois. Então, você pode se tornar o terceiro, e o terceiro é o ponto livre. Com um você se torna
identificado. Com dois você pode se mover, pode se deslocar, pode se equilibrar, e você pode
chegar ao meio, ao exato ponto no meio.
Buda dizia que seu caminho era o caminho do meio – majjhim nikaya. Mas não foi realmente
compreendida, a razão dele ter insistido tanto em chamá-lo de caminho do meio. Esta é a razão:
porque todo o processo era o da consciência plena – isso é o caminho do meio. Buda diz: “Não
abandone o mundo, e não se apegue ao mundo. Ao invés, fique no meio. Não deixe um extremo
por outro: basta ficar no meio, porque no meio ambos não existem. Bem no meio você é livre.
Bem no meio, não há dualidade. Você chegou ao uno, e a dualidade se tornou apenas a sua
extensão – apenas duas asas”.
O caminho do meio de Buda é baseado nesta técnica. Ele é belo. Por muitas razões, ele é
belo. Uma: é muito científico, porque você só consegue se equilibrar entre dois. Se há somente
um ponto, o desequilíbrio fatalmente estará presente. Assim, Buda diz que aqueles que são
mundanos, são desequilibrados, e aqueles que renunciaram são também desequilibrados no outro
extremo. Um homem equilibrado é aquele que não está nem neste extremo, nem naquele; ele
vive exatamente no meio. Você não pode chamá-lo de mundano, você não pode chamá-lo de
alguém do outro mundo. Ele está livre para se mover; ele não está apegado a nenhum dos dois
extremos. Ele chegou ao ponto de equilíbrio, ao meio dourado.
Segundo: é muito fácil mover-se para o extremo – muito fácil. Se você come demais, você
pode jejuar facilmente, mas você não pode fazer dieta facilmente. Se você fala muito, você pode
entrar no silêncio muito facilmente, mas você não pode falar menos. Se você come muito, é
muito fácil ficar sem comer nada – isto é outro extremo. Mas comer moderadamente, chegar a
um ponto de equilíbrio é muito difícil. Amar uma pessoa é fácil; odiar uma pessoa é fácil. Ser
simplesmente indiferente é muito difícil. De um extremo você pode se mover para o outro.
Permanecer no meio é muito difícil. Por quê? Porque, no meio, você tem de perder sua mente.
Sua mente existe nos extremos. Mente significa o excesso. A mente é sempre extremista: ou
você é a favor ou é contra. Você não pode ser simplesmente neutro. A mente não pode existir na
neutralidade: ela pode estar aqui ou ali – porque a mente precisa do oposto. Ela precisa ser
oposta a algo. Se ela não estiver oposta a qualquer coisa, ela desaparece. Então, não há função
para ela; ela não pode funcionar desse modo.
Tente isto. De algum modo, fique neutro, indiferente – de repente, a mente não tem nenhuma
função. Se você está a favor, você pode pensar; se você está contra, você pode pensar. Se você
não estiver nem a favor nem contra, o que sobrou para pensar? Buda diz que a indiferença é a
base do caminho do meio.Upeksha, indiferença – ser indiferente aos extremos. Apenas tente uma
coisa: seja indiferente aos extremos. Acontece um equilíbrio.
Este equilíbrio lhe dará uma nova dimensão de sentir, onde você é os dois aspectos, o
conhecedor e o conhecido, o mundo e o outro mundo, isto e aquilo, o corpo e a mente. Você é os
dois e, simultaneamente, nem um nem outro –acima dos dois. Um triângulo entrou na existência.
Você pode ter observado que muitas sociedades secretas, ocultistas, têm usado o triângulo
como seu símbolo. O triângulo é um dos mais antigos símbolos do oculto, exatamente por esta
razão – porque o triângulo tem três ângulos.
Comumente, você tem somente dois ângulos, o terceiro está faltando. Ele ainda não está ali,
não evoluiu. O terceiro ângulo está além de ambos. Ambos pertencem a ele, são parte dele e,
contudo, ele está além e mais alto do que ambos.
Se você fizer este experimento, você ajudará a criar um triângulo dentro de você mesmo. O
terceiro ângulo surgirá em pouco tempo e, quando ele vier, então, você não mais poderá estar na
miséria. Uma vez que você possa testemunhar, você não mais está na miséria. Miséria significa
ficar identificado com alguma coisa.
Mas um pormenor muito sutil tem de ser lembrado – então, você não ficará identificado nem
com a bem-aventurança. Eis por que Buda diz: “Eu só posso dizer isto: que lá não haverá
nenhuma miséria. No samadhi, no êxtase, não haverá nenhuma miséria. Eu não posso dizer que
lá haverá bem-aventurança”. Buda diz: “Eu não posso dizer isso. Eu posso simplesmente dizer
que lá não haverá miséria”.
E ele está certo, porque a bem-aventurança significa “quando não há identificação de nenhum
tipo” – nem mesmo com a bem-aventurança. Isso é muito sutil. Se você sente que você é
abençoado, mais cedo ou mais tarde, você estará na miséria novamente. Se você sente que você é
abençoado, você está preparado para ser miserável novamente. Você ainda está identificado com
certo estado.
Você se sente feliz: agora, você está com a felicidade. No momento em que você fica
identificado com a felicidade, a infelicidade já começou. Então você se pendurará na felicidade,
então você ficará com medo do oposto, então você terá a expectativa de que ela permaneça com
você constantemente. Você criou tudo que é necessário para a miséria se apresentar e, então, a
miséria entrará. E quando você fica identificado com a felicidade, você ficará identificado com a
miséria. A identificação é a enfermidade.
No terceiro ponto, você não está identificado com coisa alguma: seja o que venha e passe,
vem e passa; você permanece uma testemunha, simplesmente um espectador – neutro,
indiferente, não-identificado.
A manhã vem e surge o sol e você observa isso. Você não diz “eu sou a manhã”. Depois,
quando vem a tarde, você não diz “eu me tornei o entardecer”. Você testemunha. E, quando o sol
se põe e a escuridão vem à noite, você não diz “eu sou a escuridão e a noite”. Você testemunha.
Você diz: “Houve a manhã, depois houve a tarde, depois houve o anoitecer e, agora, há a noite. E
novamente haverá a manhã e o círculo continuará e eu sou apenas um observador. Eu vou
testemunhando tudo”.
Se o mesmo se torna possível com seus humores – humores matinais e humores do entardecer
e humores do anoitecer e humores da noite, e eles têm seus próprios círculos, eles continuam
mudando – você se torna uma testemunha. Você diz: “Agora a felicidade chegou – exatamente
como uma manhã. E agora a noite chegará – o sofrimento. Os humores irão mudando à minha
volta, e eu permanecerei centrado em mim mesmo. Eu não ficarei apegado a nenhum humor. Eu
não me amarrarei a nenhum humor. Eu não esperarei por nada e eu não me sentirei frustrado. Eu
simplesmente testemunho tudo. Seja o que for que aconteça, eu verei aquilo. Quando chegar, eu
verei; quando se for, eu verei”.
Buda usa isto de muitos modos. Ele diz repetidamente que quando um pensamento surge,
olhe para ele. Um pensamento de sofrimento, um pensamento de felicidade surge – olhe para ele.
Ele chega a um clímax – olhe para ele. Então, ele começa a sumir – olhe para isso. Então, ele
desaparece – olhe para isso. Surgindo, existindo e morrendo, e você permanece simplesmente
uma testemunha; continue olhando para isso.
Este terceiro pormenor faz de você uma testemunha, sakshi, e ser uma testemunha é a mais
alta possibilidade de consciência.

89 Inclua tudo em seu ser

A segunda técnica:

Amada,
Neste momento
Deixe
a mente, o saber, a respiração, a forma, serem incluídas.

Amada, neste momento, deixe a mente, o saber, a respiração, a forma, serem incluídas. Esta
técnica é um pouco difícil, mas se você puder fazê-la, então será maravilhoso, muito lindo.
Sentado, não divida. Sentado em meditação, seja inclusivo com relação a tudo – seu corpo, sua
mente, sua respiração, seu pensamento, seu saber, tudo. Inclua tudo. Não divida, não crie
nenhuma fragmentação. Comumente, somos fragmentários, vivemos fragmentando. Dizemos:
“O corpo não sou eu”. Há técnicas que podem usar isso também, mas esta técnica é totalmente
diferente; bem o oposto.
Não divida. Não diga “eu não sou o corpo”. Não diga “eu não sou a respiração”. Não diga “eu
não sou a mente”. Diga apenas “Eu sou tudo” – e seja tudo. Não crie nenhuma fragmentação
dentro de você. É uma sensação – com os olhos fechados, inclua tudo que existe em você. Não se
centre em nada, fique descentrado. A respiração vem e vai, o pensamento vem e vai embora.
A forma do seu corpo continuará mudando. Você ainda não observou isto. Se você se sentar
com os olhos fechados, você sentirá que às vezes seu corpo é grande, às vezes seu corpo é
pequeno; às vezes ele é muito pesado, às vezes ele é apenas luz, como se você pudesse voar.
Você pode sentir este aumentar e diminuir de forma. Basta fechar os olhos e sentar-se, e você
sentirá que às vezes o corpo é muito grande – enchendo toda a sala; às vezes é bem pequeno –
simplesmente atômico. Por que a forma muda? À medida que sua atenção muda, a forma do
corpo muda. Se você for inclusivo, ele se tornará grande; se você exclui – “isto não sou eu”, “isto
não sou eu” – então, ele se torna muito diminuto, muito pequeno, atômico.
Este sutra diz: Amada, neste momento, deixe a mente, o saber, a respiração, a forma, serem
incluídas.
Inclua tudo em seu ser e não descarte nada. Não diga “isto não sou eu”, diga “eu sou”, e
inclua tudo nisso. Se você, simplesmente sentado, puder fazer isso, novos acontecimentos
absolutamente maravilhosos ocorrerão a você. Você sentirá que não há nenhum centro: em você,
não há nenhum centro. E com o desaparecimento do centro, não haverá nenhum self, não haverá
nenhum ego: somente a consciência-em-si permanece – consciência como um céu cobrindo tudo.
E quando ela cresce, não apenas sua própria respiração será incluída, não somente sua própria
forma será incluída; ao final, todo o universo se torna incluído em você.
Swami Ramteerth usava esta técnica para seu próprio sadhana. Chegava um momento, em
que ele começava a falar: “O mundo todo está dentro de mim, e as estrelas estão se movendo
dentro de mim.”. Alguém estava falando com ele e dizia: “É muito belo aqui nos Himalaias!”.
Ramteerth estava hospedado nos Himalaias, e o homem estava dizendo a ele: “É muito belo aqui
nos Himalaias!”. E conta-se que Ramteerth disse: “Himalaias? Os Himalaias estão em mim”.
O homem deve ter pensado que ele era louco. Como poderia os Himalaias estarem dentro
dele? Mas. Se você praticar esta meditação, você poderá sentir que os Himalaias estão dentro de
você. Deixe-me explicar como isso é possível.
Realmente, quando você olha para mim, você não pode olhar para aquele que está aqui
sentado nesta cadeira. Realmente, você está olhando para uma imagem minha que está em você,
na sua mente. Como você pode conhecer-me aqui nesta cadeira? Seus olhos carregam uma
imagem. Nem mesmo uma imagem – apenas raios de luz entram em seus olhos. E, então, os
próprios olhos não vão até a mente: só os raios passando pelos olhos vão para dentro. E seu
sistema nervoso, que leva esses raios, não pode levá-los como raios: ele os transforma em
elementos químicos. Assim, somente os elementos químicos viajam, e eles são decodificados e
você me vê em sua mente.
Você nunca esteve fora de sua mente. O mundo todo que você conhece, você o decodifica na
sua mente, você o conhece na sua mente. Todos os Himalaias e todos os sóis e todas as estrelas e
todas as luas, eles estão aí, dentro da sua mente, numa existência muito sutil. Se você fechar os
olhos e sentir que tudo está incluído, você saberá que o mundo todo está se movendo dentro de
você. E, uma vez que você sinta isto – que todo o mundo está se movendo dentro de você –, toda
a sua miséria individual vai embora. Você não mais é um indivíduo. Você se tornou o absoluto, o
não-individual. Você se tornou toda a existência.
Esta técnica expande sua consciência. Agora no Ocidente, muitas drogas estão sendo usadas
para a expansão da consciência – LSD, maconha, e outras drogas. Na índia também, nos velhos
tempos, eles usaram, porque as drogas dão uma sensação falsa de expansão. Todos os que usam
drogas, para eles, esta técnica seria bela, de muita ajuda, porque o anseio deles é por expansão.
Quando você toma LSD, você deixa de estar confinado em si mesmo, você fica incluído em
tudo. Houve casos... Uma jovem pulou do sétimo andar de um prédio, porque ela achou que não
morreria, que a morte era impossível. Ela achou que podia voar, achou que não existiam
barreiras, não havia nenhum medo. Ela pulou pela janela do sétimo andar do prédio e morreu,
despedaçada. Mas, na mente dela, sob a influência da droga, não havia nenhuma limitação,
nenhuma morte.
A expansão da consciência virou moda, porque, quando você se expande, você se sente alto.
O mundo todo, em pouco tempo, se torna incluído em você. Você se torna enorme, infinitamente
grande e, com a enormidade, com a expansão, todas as suas misérias individuais somem. Mas,
através de LSD ou maconha ou outras drogas, isso é somente uma sensação falsa.
Através desta técnica, esta sensação se torna real – realmente, o mundo todo entra em você.
Há duas razões para isto.
Uma: nossa consciência individual não é realmente individual: lá no fundo ela é coletiva. Nós
parecemos ilhas, mas todas as ilhas, lá no fundo, estão conectadas à terra. Nós parecemos ilhas,
diferentes – eu sou consciente, você é consciente –, mas sua consciência e a minha consciência,
em algum lugar lá no fundo, é uma só. Ela está conectada à terra, o solo básico.
Eis por que muitas coisas que acontecem, parecem inexplicáveis. Se você meditar sozinho,
será mais difícil entrar nisso, mas se você meditar com um grupo fica muito fácil, porque o grupo
todo funciona como uma unidade. Em campos de meditação eu senti e observei que, depois de
dois ou três dias, sua individualidade não existe mais; você se torna parte de uma consciência
maior. E ondas muito sutis estão sendo sentidas, ondas muito sutis começam a se mover, e a
consciência do grupo evolui. Assim, quando você dança, você não está realmente dançando, mas
a consciência do grupo está dançando; você é apenas uma parte dela. O ritmo não está somente
dentro de você, o ritmo também está fora de você. O ritmo está por toda a sua volta. Num grupo,
você não existe. O fenômeno superficial de serem ilhas é esquecido e o fenômeno mais profundo
de ser um só é realizado. Num grupo, você está mais perto do divino; sozinho você está muito
afastado, porque, novamente, você fica concentrado no ego, na diferença superficial, na
separação superficial.
Esta técnica ajuda, porque realmente você é um com o universo. É somente uma questão de
como desencavar isso ou de como cair dentro disso e perceber isso.
Estar com um grupo amigável sempre ajuda sua energia. Estando com alguém que seja
antagônico, a pessoa sente que sua energia foi drenada para fora. Por quê? Se você está com um
grupo amigável, numa família, e você está sentado, relaxando, apenas estando junto, você se
sente energizado, vitalizado. Ao encontrar um amigo, você se sente mais vivo do que estava
antes. Basta passar por um inimigo e você sente que perdeu alguma energia, você se sente
cansado. O que acontece?
Quando você está indo ao encontro de um grupo de sentimentos amigáveis, você esquece sua
individualidade; você desce para o nível básico, onde vocês podem se encontrar. Quando alguém
é antagônico, você fica mais individual, egoísta; você se segura no seu ego. Por causa disso, você
se sente cansado. Toda a energia vem das raízes; toda energia vem com o sentimento de um ser
coletivo.
No começo, ao fazer esta meditação, você sentirá um ser coletivo surgindo e, depois,
finalmente, surge uma consciência cósmica. Quando todas as diferenças são perdidas, todas as
fronteiras desaparecem e a existência permanece como peça única, uma unidade, um todo; então,
tudo está incluído. Este esforço para incluir tudo começa a partir de sua própria existência
individual. Inclua.

Amada,
Neste momento
Deixe
a mente, o saber, a respiração, a forma, serem incluídas.

O ponto básico é lembrar-se do estado de inclusão. Não exclua. Esta é a chave para este sutra
– estado de inclusão. Inclua. Inclua e cresça. Inclua e expanda-se. Tente isso com seu corpo e,
depois, tente isso com o mundo exterior também.
Sentado sob uma árvore, olhe para a árvore, depois, feche os olhos e sinta que a árvore está
dentro de você. Olhe para o céu, depois, feche os olhos e sinta que o céu está dentro de você.
Olhe para o sol nascente, depois, feche seus olhos e sinta que o sol está nascendo dentro de você.
Sinta-se mais inclusivo. Uma tremenda experiência acontecerá a você. Quando você sente que a
árvore está dentro de você, imediatamente você se sente mais jovem, mais refrescado. E isto não
é imaginação, porque a árvore e você, ambos pertencem à terra. Vocês dois estão enraizados na
mesma terra e finalmente enraizados na mesma existência. Assim, quando você sente que a
árvore está dentro de você, a árvore está dentro de você – isso não é imaginação – e
imediatamente você sentirá o efeito. A vivacidade da árvore, o verdor, o frescor, a brisa passando
através dela, serão sentidos dentro de você, no seu coração. Inclua cada vez mais e mais
existência; e não exclua.
De muitos modos, muitos professores do mundo andaram ensinando isto. Jesus disse: “Ama
seu inimigo como a ti mesmo”. – Este é um experimento no estado de inclusão. Freud dizia: “Por
que eu devo amar meus inimigos como a mim mesmo? E como eu posso amar?”. – Sua questão
parece relevante, mas ele não sabe de por que Jesus disse para amar seus inimigos como a si
mesmo. Não se trata de nenhuma política social, nem é para uma mudança na sociedade, nem
para criar uma melhor sociedade, mas para lhe dar uma sensação de expansão do ser e da
consciência.
Se você puder incluir o inimigo dentro de você, ele não mais pode lhe fazer mal. Isso não
significa que ele não possa matá-lo: ele pode matá-lo, mas ele não pode fazer-lhe mal. No
momento em que você o exclui, você se torna o ego, separado, sozinho, cortado da existência. Se
você inclui o inimigo dentro de você, então, tudo fica incluído. Quando o inimigo pode ser
incluído, então, por que não as árvores e por que não o céu?
A ênfase no inimigo é porque, se você puder incluir o inimigo no seu ser, você pode incluir
tudo; então, não há nenhuma necessidade de excluir nada. Se você sentir que seu inimigo está
incluído dentro de você, então, mesmo seu inimigo lhe dará vitalidade, energia. Ele não pode ser
perigoso para com você. Ele pode matá-lo, mas mesmo ao assassiná-lo, ele não pode lhe fazer
mal. Esse mal vem de sua própria mente, quando você exclui.
Mas o nosso caso é total e diametralmente oposto – nem os amigos são incluídos. Os inimigos
são excluídos, e nem os amigos são incluídos. Nem seus amantes, suas amadas são incluídos.
Enquanto estiver com seu amante, sua amada, você não está se fundindo nele ou nela. Você
permanece separado, você se controla. Você não quer perder sua identidade. Por causa disso, o
amor se torna impossível.
A menos que você perca sua identidade, como você pode amar? Você quer permanecer você
mesmo, e seu amante quer permanecer ele mesmo, e ninguém está preparado para se fundir, para
incluir. Ambos excluem, ambos estão entre parênteses dentro deles mesmos: não há nenhum
encontro, nenhuma fusão, nenhuma comunhão. Se nem os amantes são incluídos, então,
fatalmente sua existência é a mais pobre possível. Você está sozinho, pobre, um mendigo. Com
toda a existência incluída, você é o imperador.
Assim, lembre-se disto: faça da inclusão um estilo de vida. Não somente uma meditação, mas
um estilo de vida, uma maneira de viver. Tente incluir cada vez mais e mais. Quanto mais você
incluir, mais você expande, mais suas fronteiras recuam até os cantões da existência. Um dia,
somente você é; toda a existência está incluída. Este é o pináculo de toda experiência religiosa.

Amada,
Neste momento
Deixe
a mente, o saber, a respiração, a forma, serem incluídas.
Capítulo 62

A META É AGORA MESMO



PERGUNTAS

Ontem, você disse que a pessoa deve ter pressa para atingir a meta, porque, seja quanto for, o
tempo que temos é muito pouco. Entretanto, algum tempo atrás, você também disse que todo o
processo de atingir a meta deve ser uma brincadeira sem esforço. Como Você reconciliaria as
duas palavras, ‘pressa’ e ‘brincadeira’? – porque aquele que tem pressa, nunca capta a
alegria da brincadeira.
Você disse: “Aprenda a incluir cada vez mais e mais da existência no seu ser. Absorva energia
desde a fonte-raiz de toda a existência. Seja inclusivo até de seus inimigos”. Como eu posso
ser inclusivo de meus inimigos, enquanto, ao mesmo tempo, estou cheio da emoção de ódio?
Isso não conduz à repressão?

Primeira pergunta:

Ontem, você disse que a pessoa deve ter pressa para atingir a meta, porque, seja quanto
for, o tempo que temos é muito pouco. Entretanto, algum tempo atrás, você também disse
que todo o processo de atingir a meta deve ser uma brincadeira sem esforço. Como Você
reconciliaria as duas palavras, ‘pressa’ e ‘brincadeira’? – porque aquele que tem pressa,
nunca capta a alegria da brincadeira.

A primeira coisa: não tente reconciliar técnicas diferentes. Quando eu digo “não tenha pressa,
esqueça o tempo completamente, não seja sério, não faça nenhum esforço, entregue-se, fique
num let-go”, trata-se de uma técnica diferente. Isto é adequado somente para uma parte da
humanidade – todos não podem fazer esta técnica – e o tipo de pessoa que pode fazer esta, não
pode fazer a técnica oposta.
Esta técnica é para a mente feminina. Todas as mulheres não são necessariamente femininas,
e todos os machos não são necessariamente machos, então, quando eu digo “uma mente
feminina”, eu não quero dizer mulheres. Uma mente feminina significa uma mente que pode se
entregar, que pode ser receptiva como um útero, que pode ser aberta, passiva. Metade da
humanidade pode ser deste tipo, mas a outra metade é totalmente oposta. Como o homem e a
mulher são duas metades da humanidade, do mesmo modo a mente feminina e a mente
masculina são as duas metades da mente humana.
A mente feminina não pode fazer esforço. Se ela fizer esforço, ela nunca chegará a lugar
nenhum. O esforço será o não-fazer para ela; ele somente criará angústia e tensão e nenhuma
realização. O próprio trabalho da mente feminina é esperar e permitir que as coisas aconteçam.
Exatamente como uma mulher: mesmo que ela esteja apaixonada, ela não tomará a iniciativa.
E, se uma mulher toma a iniciativa, você tem toda razão de ter medo e escapar, porque essa
atitude é a atitude masculina – no corpo feminino há uma mente masculina, e você terá
dificuldade. Se você for realmente um macho, imediatamente a mulher perderá a atração. Se
você for feminino – macho no corpo, mas feminino na mente – somente então você pode
permitir à mulher tomar a iniciativa, e você ficará feliz. Mas, então, fisicamente, ela é a mulher e
você é um homem; mentalmente, você é feminino e ela é masculina, ela é macho.
Uma mulher esperará. Ela nunca pronunciará as palavras “eu te amo”, antes de você as ter
pronunciado e ter se comprometido. Na própria espera, está o poder feminino. A mente
masculina é agressiva. Ela tem de fazer alguma coisa. Ela tem de se mover e ir em frente e tomar
a iniciativa.
O mesmo acontece no caminho espiritual. Se você tem uma mente agressiva, uma mente
masculina, o esforço é necessário. Então, apresse-se; então, não perca tempo nem oportunidade.
Então crie certa urgência e crie, de modo que você possa pôr todo o seu ser no seu esforço.
Quando seu esforço tornar-se total, você alcançará. Se sua mente é feminina, então, não há
nenhuma pressa absolutamente. Não existe nenhum tempo.
Você pode ou não ter observado que as mulheres não têm nenhum senso de tempo – elas não
podem ter. Assim, o marido está parado do lado de fora da casa e ele está apertando a buzina e
dizendo: “Venha logo!”. E a esposa diz: “Eu já lhe disse mil vezes que estou indo em um
minuto! Há duas horas estou lhe dizendo, que estou indo num minuto! Deixe de ser louco! Por
que você está tocando essa buzina?”.
A mente feminina não pode ter senso do tempo. É a mente masculina, agressiva, que é
preocupada com o tempo, que tem consciência do tempo. Elas são totalmente diferentes.
A mente feminina não é apressada – não há nenhuma presa. Realmente, não há nada para se
alcançar. Eis por que as mulheres não podem se tornar grandes líderes, grandes cientistas,
grandes guerreiros – elas não podem. E se às vezes há mulheres arrojadas, elas têm uma mente
masculina. Por exemplo: Joana D’Arc, ou Laxmi Bai: elas são femininas só no corpo; a mente
não é feminina absolutamente – ela é masculina.
Para a mente feminina, não há meta, e nosso mundo é orientado para o homem. Assim, as
mulheres não podem ser realmente grandiosas num mundo orientado para o homem, porque a
grandiosidade está relacionada à meta. Alguma meta tem de ser alcançada; então, você se torna
grande – e a mente feminina não está atrás de nenhuma meta. Aqui e agora ela está feliz. Aqui e
agora ela está infeliz. Não há necessidade de se mover para lugar nenhum.
A mente feminina existe no momento. Eis por que a curiosidade feminina nunca é pelo
distante – é sempre sobre a vizinhança. Ela não está interessada no que está acontecendo no
Vietnam. Ela está interessada no que está acontecendo na casa ao lado – no íntimo, no aqui. O
homem parece absurdo: “Por que você está preocupado sobre o que Nixon está fazendo ou o que
Mao está fazendo?”. A mulher está interessada em casos de amor que estão acontecendo em sua
proximidade. Ela tem curiosidade sobre o perto; o distante é sem sentido. O tempo não existe. O
tempo existe para aqueles que têm uma meta a alcançar. Lembre-se disto: o tempo só existe
quando você tem algum lugar para chegar lá. Se você não tem de chegar a lugar nenhum, qual é
o significado do tempo? Então, não há nenhuma pressa.
Olhe para esta situação de um ângulo diferente. O Oriente é feminino e o Ocidente é
masculino. O Oriente nunca esteve muito interessado no tempo; o Ocidente vive louco atrás do
tempo. O Oriente tem sido muito descansado: movendo-se vagarosamente como se não estivesse
se movendo absolutamente; nenhuma mudança, nenhuma revolução. Uma evolução tão
silenciosa, que não cria nenhum ruído em lugar nenhum. O Ocidente é simplesmente louco: é
necessário uma revolução diária, e tudo tem de virar uma revolução. A menos que tudo seja
mudado, parece que não estamos indo a lugar nenhum – nos tornamos estáticos. Se tudo for
mudando e tudo permanecer em convulsão, então, o Ocidente sente que algo está acontecendo. E
o Oriente pensa que se há convulsões, isso significa que estamos doentes. Algo está errado: eis
por que há mudança. Se tudo está bem, não há nenhuma necessidade de nenhuma revolução, de
nenhuma mudança.
A mente oriental é feminina. Eis por que, no Oriente, prezamos todas as qualidades
femininas: compaixão, amor, solidariedade, não-violência, aceitação, contentamento – todas
qualidades femininas. No Ocidente, todas as qualidades masculinas são prezadas: vontade,
desejo de poder, ego, autoestima, independência, rebelião – esses são os valores prezados lá. No
Oriente... – obediência, entrega, aceitação. A atitude básica é feminina no Oriente e masculina no
Ocidente.
Estas técnicas não são para serem combinadas, não são para serem de modo algum
sintetizadas. A técnica da entrega é para a mente feminina. A técnica do esforço, da vontade, do
empenho, é para a mente masculina. E elas fatalmente serão polos opostos; então, se você fizer
qualquer síntese entre os dois, você criará uma confusão – sem sentido, absurdo, e até perigosa.
Não será de nenhuma utilidade para ninguém.
Portanto, lembre-se disto: estas técnicas muitas vezes parecerão contraditórias, porque elas
são destinadas a tipos diferentes de mente, e não há nenhum esforço de se fazer nenhuma síntese.
Assim, se você sente que alguma coisa é contraditória, não fique incomodado por isso – é isso
mesmo. E somente mentes muito pequenas ficam com medo da contradição – mentes muito
pequenas, mentes ordinárias. Elas ficam pouco à vontade, sentem-se desconfortáveis. Elas
pensam que tudo deve ser não- contraditório, tudo deve ser consistente. Isso é absurdo, porque a
vida é inconsistente.
A própria vida é contraditória, então, a verdade não pode ser não-contraditória: só as mentiras
podem ser consistentes. A verdade está fadada a ser inconsistente, porque ela tem de cobrir tudo
que existe na vida. Ela tem de ser total. E a vida é contraditória. Há homem e há mulher: o que
eu posso fazer e o que Shiva pode fazer? E o homem é totalmente o polo oposto da mulher: eis
por que eles são atraídos. De outro modo, não haveria nenhuma atração. Na verdade, o tipo
oposto de ser, a diferença é que cria a atração. O polo oposto se torna uma força magnética. Eis
por que quando o homem e a mulher se encontram há felicidade, porque quando dois polos
opostos se encontram eles se anulam mutuamente. Eles se anulam porque são opostos. Eles se
anulam, e por um único momento, quando o homem e a mulher realmente se encontram – não
apenas corporalmente, mas totalmente; quando seus seres se encontram no amor – por um único
momento ambos desaparecem. Então, não há nem homem nem mulher; existe pura existência –
eis o que é a bem-aventurança.
O mesmo pode acontecer dentro de você também, porque análises profundas mostram que,
dentro de você também, há uma polaridade. Agora, a abordagem da moderna psicanálise
profunda revelou que a mente consciente e a mente inconsciente são polos opostos dentro de
você também. Se você é um homem, sua mente consciente é masculina, sua mente inconsciente é
feminina. Se você é uma mulher, sua mente consciente é feminina, sua mente inconsciente é
masculina. O inconsciente é o oposto do consciente. Em profunda meditação, acontece um
orgasmo, um intercurso, um amor, entre seu consciente e seu inconsciente – eles se tornam um
só. Quando eles se tornam um, você atinge a mais alta bem-aventurança possível.
Assim sendo, homem e mulher podem se encontrar de dois modos. Você encontra uma
mulher fora de você: então, este encontro pode ser somente momentâneo. Por um único segundo,
você chega ao auge e, então, as coisas começam a desvanecer. Há outro encontro de homem e
mulher, que acontece dentro de você: sua mente consciente e sua mente inconsciente se
encontram. Quando isto acontece, este encontro pode ser eterno. O prazer sexual é também um
vislumbre do espiritual – somente momentâneo. Mas, quando o encontro real acontece
internamente, então, ele se torna samadhi, então, ele se torna um fenômeno espiritual.
Mas você tem de começar a partir da sua mente consciente; assim, se sua mente consciente
for feminina, a entrega ajudará. E, lembre-se disto: ser uma mulher não é necessariamente
sinônimo com o ter uma mente feminina. Isso cria dificuldades. Caso contrário, tudo seria muito
fácil: então, as mulheres seguiriam o caminho da entrega e os homens seguiriam o caminho da
vontade. Mas não é assim tão fácil. Há mulheres que têm mentes masculinas – a própria
abordagem delas em direção à vida é agressiva. E elas estão aumentando em número a cada dia.
O movimento de libertação das mulheres criará cada vez mais e mais mulheres masculinas.
Elas serão cada vez mais e mais agressivas, e o caminho da entrega não é para elas então. E,
devido ao fato de as mulheres estarem se tornando competitivas com o homem, o homem está
saindo da agressividade: ele está se tornando cada vez mais e mais feminino. Cada vez mais o
caminho da entrega será útil para o homem, no futuro.
Sendo assim, você tem de decidir a seu respeito. E não pense em termos de valor. Não pense
que sendo você um homem, então, como você poderia ter uma mente feminina? Você pode ter, e
nada está errado nisso – é belo. E não pense que sendo você uma mulher, então, como poderia ter
uma mente masculina? Não há nada de errado nisso; é belo. Seja autentico para com sua própria
mente. Tente compreender que tipo de mente você tem, então, siga o caminho que é para você, e
não tente criar nenhuma síntese.
Não me pergunte como eu vou reconciliar essas duas. Eu não vou. Eu nunca fui a favor de
reconciliação, e eu não sou a favor das afirmações não-contraditórias. Elas são estúpidas e
infantis. A vida é contraditória, e é por isso que a vida é viva. Somente a morte é consistente e
não-contraditória. A vida vive através de oposições, através do enfrentamento dos polos opostos,
e esta oposição desafia, cria energia. Isso libera energia, e a vida se move através disso. É isto o
que os hegelianos dizem: um movimento dialético – tese, antítese e, depois, a síntese novamente
se torna uma tese que cria sua própria antítese – e assim por diante. A vida não é monótona. Ela
não é lógica. É dialética.
Você deve compreender a diferença entre lógica e dialética. A questão é devido a você pensar
que a vida é lógica, então, você pergunta como você reconciliará, porque a lógica sempre
reconcilia; a lógica não pode tolerar o contraditório. A lógica não tolera o contraditório. A lógica
de algum modo tem de explicar que aquilo não é contraditório e, se for contraditório, então,
ambos não podem ser verdadeiros: um deve estar errado. Ambos podem estar errados, mas
ambos não podem ser verdadeiros. A lógica tenta encontrar a não-contradição em toda parte.
A ciência é lógica. Eis por que a ciência não é totalmente verdadeira para com a vida – ela
não pode ser. A vida é contraditória, ilógica. Ela funciona através do oposto. Ela não tem medo
do oposto – ela usa o oposto. Os opostos são somente aparentemente opostos – lá no fundo, eles
funcionam juntos. A vida é dialética, não lógica. Ela é um diálogo entre os opostos – um
contínuo diálogo.
Pense por um único momento: se não houver nenhuma contradição, a vida será morta – por
que de onde virá o desafio? De onde virá a atração? De onde será liberada a energia? Ela seria
monótona, morta. A vida só é possível devido à dialética, devido ao oposto. Homem e mulher
são a oposição básica e, depois, o desafio cria o fenômeno do amor. E toda a vida se move em
torno do amor. Se você e seu amado, ou sua amada, se tornarem tão totalmente um, sem que haja
nenhum intervalo absolutamente, vocês dois estarão mortos. Vocês não serão capazes de existir
então. Vocês dois desaparecerão desse processo dialético.
Você só pode existir nesta vida, se a unidade nunca for total, e você tiver de sair sempre e
novamente para se aproximar. Eis por que os amantes brigam. Essa briga cria a dialética. Eles
brigarão o dia todo. Eles vão bem longe um do outro, viram inimigos. Isto significa que eles,
agora então, chegaram a ser realmente polos opostos; eles se afetaram tanto quanto possível. O
amante começa a pensar como matar aquela mulher, e a mulher começa a pensar como se livrar
daquele homem. Eles foram para o canto mais distante possível. E, depois novamente, à noite,
eles fazem amor.
Quando eles estão afastados, novamente a atração vem. Novamente eles se olham de um
ponto tão distante, que eles se sentem atraídos. Então, eles se tornaram simplesmente homem e
mulher novamente, não amantes. Eles são homem e mulher, estranhos. Eles se apaixonarão
novamente. Eles se aproximarão. Chegará um ponto em que eles se tornarão um por um único
momento, e essa será a felicidade deles, suas alegrias.
Mas no momento em que eles se tornam um, o processo de afastamento começa novamente.
No exato momento em que a esposa e o marido são um só, se eles puderem ser uma testemunha
disso, eles verão que começaram a ser separados novamente. No exato momento em que o ápice
acontece, o processo começa a ser diferenciado, a ser separado, a ser oposto. E isso continua
assim – nova e novamente você sempre se aproxima e se afasta. É isto o que quero dizer – a vida
cria energia através das polaridades. Sem polaridades, a vida não pode existir. Se dois amantes
realmente se tornam um só, eles desaparecem da vida. Eles são liberados realmente. Eles não
terão mais nenhum renascimento novamente; não mais haverá vida no futuro. Se dois amantes
podem se tornar um só, o amor deles se tornou a mais profunda meditação possível. Eles
atingiram o que Buda atingiu sob a árvore Bodhi. Eles atingiram o que Jesus atingiu na cruz. Eles
atingiram a não-dualidade. Agora, eles não podem existir.
A existência, como nós a conhecemos, é dual, dialética, e estas técnicas aqui são para você,
que existe na dualidade. Assim, haverá muitas contradições, porque estas técnicas não são
filosofia; estas técnicas existem para serem feitas e vividas. Elas não são fórmulas matemáticas:
são processos efetivos de vida. Elas são dialéticas, são contraditórias. Assim, não me peça para
reconciliá-las. Elas não são a mesma coisa, são opostas.
Tente descobrir qual é o seu tipo. Você pode relaxar? Você pode se entregar relaxadamente?
Você pode estar num momento passivo, sem fazer nada? – então, todas as técnicas que requerem
vontade firme não são para você. Se você não pode relaxar, e se eu digo para você relaxar e você
imediatamente me pergunta como relaxar, esse ‘como’ mostra sua mente. Esse ‘como’ mostra
que você não pode relaxar sem fazer certo esforço. Até para o relaxamento você precisa de
algum esforço, então, você pergunta ‘como’. Não existe nenhum ‘como’ para isso. Se você pode
relaxar, você sabe como relaxar. Você simplesmente relaxa. Não existe nenhum esforço, nenhum
método.
Exatamente como à noite, você vai dormir. Você nunca pergunta ‘como’ dormir. Mas há
pessoas que têm insônia. Se você diz para eles: “Eu apenas ponho minha cabeça no travesseiro, e
tudo bem, durmo logo”. – eles não acreditam em você. E a suspeita deles faz sentido. Eles não
podem acreditar em você; você está disfarçando – porque eles também põem suas cabeças no
travesseiro. Eles põem suas cabeças a noite toda – nada acontece.
Eles vão perguntar ‘como’ – como pôr a cabeça no travesseiro? Deve haver um segredo que
você não está lhes dizendo. Você está enganando; o mundo todo os está enganando. Todo mundo
diz: “Eu apenas vou dormir. Não há nenhum ‘como’ para isso. Não há nenhuma tecnologia”.
Eles não podem acreditar em você, e você não pode culpá-los. Você diz: “Nós simplesmente
deitamos nossas cabeças, fechamos nossos olhos, apagamos a luz e dormimos”.
Eles também fazem o mesmo procedimento, eles fazem o mesmo ritual, e eles o fazem mais
corretamente do que você tem feito, mas nada acontece. A luz está apagada, eles fecharam os
olhos, deitaram-se na cama – nada está acontecendo. Uma vez que você perca a capacidade de
relaxar, então, a técnica é necessária. Então, eles precisam da técnica; então, sem a técnica, eles
não serão capazes de dormir.
Assim, se você tem uma mente que pode relaxar, então, a entrega é para você. E não crie
quaisquer problemas – então, simplesmente se entregue. Pelo menos metade de você pode fazer
isto. Você pode não perceber, mas cinquenta por cento é a possibilidade, porque as mentes
masculinas e femininas existem numa certa proporção. Elas são sempre cinquenta por cinquenta,
quase cinquenta por cinquenta, em todos os reinos, porque um homem não pode existir sem uma
mulher opondo-se a ele. Há profundo equilíbrio na natureza.
Você sabia? Cento e quinze meninos nascem para cem meninas, porque os meninos são
menos resistentes do que as meninas; então, na hora em que eles estão sexualmente maduros,
quinze meninos já terão morrido. Cento e quinze meninos nascem para cada cem meninas. As
meninas são mais fortes: elas têm mais estamina, mais resistência. Os meninos são fracos, eles
não têm muita resistência, então, cento e quinze meninos nascem para cem meninas. Então,
quinze meninos morrem. No momento em que eles se tornam sexualmente maduros, por volta
dos quatorze anos, o número deles será o mesmo. Para cada homem existe uma mulher; para
cada mulher existe um homem, porque há uma tensão interna. Eles não podem existir sem ela;
aquele polo oposto é necessário.
O mesmo se dá no caso da mente interna também. A existência, a natureza, precisa de
equilíbrio, então, metade de você é feminino e pode estar profundamente em entrega muito
facilmente. Mas você pode criar problemas para si mesmo. Você até sente que pode se entregar,
mas aí você pensa: “Como eu posso me entregar?”. Você sente que seu ego pode ser ferido.
Você fica com medo da entrega, porque foi-lhe ensinado assim: “Seja independente. Permaneça
independente. Não se perca. Não dê o controle para qualquer outra pessoa. Esteja sempre no
controle”.
É isto que tem sido ensinado; estas são dificuldades ensinadas. Assim, você pode sentir que
pode se entregar, mas então surgem outros problemas que lhe foram dados pela sociedade, pela
cultura e pela educação. E eles criam problemas. Se você realmente sente que a entrega não é
para você, então esqueça-se dela. Não é para se preocupar a respeito. Então, aplique toda a sua
energia no esforço.
Esses são os dois extremos. O primeiro: se você é realmente uma mente feminina, você não
tem para onde ir. Não há nenhuma meta, nenhum Deus para alcançar, nenhum céu futuro – nada.
Não tenha pressa agora, permaneça verdadeiro para com o momento, e tudo o que pode ser
alcançado pela mente masculina através da pressa, do esforço, você alcançará aqui e agora sem
nenhum esforço. Exatamente agora você é a meta, se você puder relaxar.
A mente masculina tem de correr sempre dando voltas e voltas, até que esteja completamente
cansada e, então, desaba; somente então ela pode relaxar. Agressão, esforço, empenho, são
necessários para a mente masculina se exaurir. Quando essa exaustão acontece, então, torna-se
possível para a mente relaxar e se entregar. Essa entrega virá somente no fim. Mas para a mente
feminina é sempre no começo. Chega-se ao mesmo acontecimento, mas o caminho de chegar é
diferente.
Assim, quando eu disse ontem “não perca tempo”, eu o disse para a mente masculina. Se eu
dissesse “apresse-se e crie tal emergência, que toda sua energia e todo o seu ser se tornem
unidirecionados, concentrados; e somente nesse esforço concentrado sua vida se tornará uma
chama – isto é para a mente-macho, a mente masculina. Para a mente feminina, relaxe e você já é
uma chama.
Por causa disso, vocês têm Mahavir, vocês têm Buda, vocês têm Jesus, Krishna, Ram,
Zarathustra, Moisés... – mas vocês não têm uma lista similar de mulheres. Não porque as
mulheres não tenham atingido tal estado de mente. Elas atingiram, mas o modo delas é diferente.
E toda a História foi registrada pelo homem, e o homem somente pode compreender a mente
masculina. O homem não pode compreender a mente feminina. Eis o problema. É realmente
muito difícil.
Um homem não pode compreender que uma mulher, sendo tão simplesmente uma dona-de-
casa, possa alcançar algo que um Buda alcançou com tanta dificuldade, tão arduamente. Um
homem não pode conceber, é impossível para ele, ele conceber que uma mulher possa alcançar
sendo apenas um dona-de-casa: vivendo momento a momento, desfrutando o momento, bem
perto e aqui e agora, e não se incomodando com coisa alguma além – nenhuma meta, nenhuma
espiritualidade: só olhando os filhos, amando o marido, sendo apenas uma mulher comum, mas
venturosa. Nenhuma necessidade de fazer um esforço tão árduo como um Mahavir está fazendo
– doze anos de longo e árduo esforço. Mas o homem apreciará Mahavir, porque ele aprecia o
esforço.
Se você alcançar a meta sem o esforço, para o homem, isso não vale nada. Ele não pode
apreciar isso. Ele pode apreciar alguém, um Tensing, um Hillary, atingindo o Everest – não
porque o Everest seja valioso, mas porque muitíssimo esforço é necessário e é muito perigoso. E
se você diz que já está no Everest, ele ri, porque o Everest não é o significativo... – o esforço
para alcançá-lo é que é significativo. No momento em que o Everest se tornar fácil de ser
alcançado, para a mente masculina toda a atração foi perdida. Não há nada a ser alcançado no
Everest. Quando Hillary e Tensing chegaram lá, não havia nada lá para ser alcançado, mas a
mente masculina sente-se em imensa glória.
Quando Hillary chegou lá, eu estava na universidade; todos os professores ficaram
simplesmente emocionados. Eu perguntei a uma professora: “O que você diz de Hillary e
Tensing terem atingido o Everest?”.
Ela disse: “Eu não posso compreender por que há tanto estardalhaço sobre isso. Qual é o
caso? O que eles ganharam indo lá? Até mesmo ir ao mercado, para uma compra, teria sido mais
útil”.
Para a mente feminina tudo isso é inútil. Ir à Lua? Por que tanto perigo? Não há nenhuma
necessidade. Mas para a mente masculina, não se trata da meta. Realmente, o esforço é a coisa,
porque, então, ele prova que é masculino. O próprio esforço, a própria agressão, e a própria
possibilidade de morte lhe dá a emoção.
O perigo é muito apelativo para a mente masculina. Para a mente feminina, não tem apelo
nenhum, absolutamente. Devido a isso, a história humana é realmente registrada pela metade. A
outra metade ficou totalmente sem registro. Não sabemos como muitas mulheres se tornaram
budas; é impossível saber, porque nossas medidas, nossos critérios, não podem ser aplicados à
mente feminina.
Portanto, primeiramente decida sobre sua própria mente. Primeiro medite sobre sua própria
mente – que tipo de mente você tem –, depois, esqueça-se de todos os métodos que não lhe
pertencem. E não tente reconciliá-los.

Segunda pergunta:

Você disse: “Aprenda a incluir cada vez mais e mais da existência no seu ser. Absorva
energia desde a fonte-raiz de toda a existência. Seja inclusivo até de seus inimigos”. Como
eu posso ser inclusivo de meus inimigos, enquanto, ao mesmo tempo, estou cheio da emoção
de ódio?

Isso não conduz à repressão?

Eu disse para ser inclusivo até de seu inimigo, mas eu não disse para começar a partir do
inimigo. Comece a partir do amigo. Como você está agora mesmo, você não é inclusivo nem de
seu amigo. Comece a partir do amigo. Até isso é difícil – incluir o amigo no seu ser, permitir-lhe
entrar no seu ser, permitir-lhe entrar em você e penetrá-lo, ser aberto para com ele, vulnerável.
Comece a partir do amigo. Comece a partir do amante, da amada. Não pule logo para o inimigo.
E por que você pula para o inimigo? – porque, assim, você pode dizer que é impossível, que não
pode ser feito; então, você pode descartar isso.
Comece do primeiro passo. Você começa do último. Como pode a viagem ser possível? Você
sempre começa do último passo. O primeiro ainda não foi dado; então, o último está somente na
imaginação. E você sente que é impossível. É claro, é impossível assim. Como você pode
começar do fim? O inimigo é o último ponto a ser incluído.
Se você puder incluir seu amigo, torna-se possível, porque somente os amigos se tornam
inimigos. Você não pode fazer de alguém seu inimigo sem tê-lo feito primeiro seu amigo. Ou
pode? Antes, será necessária amizade, se você quiser fazer de alguém seu inimigo. A amizade
será o primeiro passo.
Consta que Buda disse: “Não faça amigos, porque esse é o primeiro passo em direção à
feitura de inimigos”. Buda diz: “Seja amistoso; não faça amigos. Se você fizer amigos, você já
terá dado o primeiro passo; agora, não está muito longe o dia em que você fará o inimigo”.
Inclua o amigo. Comece do próximo, comece do começo. Somente então, é possível. Você
não sente nenhuma dificuldade.
Quando você tem de incluir o amigo e ser incluído pelo amigo, é difícil, porque não se trata
de uma questão de amigo ou de inimigo. É uma questão de sua abertura. Mesmo para o amigo
você está fechado: mesmo com o amigo, você permanece guardado; mesmo com o amigo você
não revela seu ser totalmente; então, como você pode incluí-lo?
Você pode incluí-lo somente quando não houver mais nenhum temor, quando você não tiver
medo, quando você puder permitir-lhe se mover dentro de você, sem que você esteja tomando
atitudes de segurança. Mesmo com a amada você é fechado; você não abre sua mente. Ainda há
algumas coisas que permanecem secretas, particulares. Se você tem privacidade, você não pode
estar aberto, não pode ser inclusivo, porque, então, a privacidade pode ser conhecida, então, seus
segredos podem se tornar públicos. Não é fácil incluir até mesmo o amigo; assim, não pense que
é difícil incluir o inimigo – neste exato momento é impossível.
Eis por que os ensinamentos de Jesus tornaram-se impossíveis, e os cristãos se tornaram
falsos. Eles têm de ser, porque Jesus diz “ame seus inimigos”, e você não é capaz nem de amar
seus amigos. Ele lhe dá uma meta impossível. Você está fadado a se tornar hipócrita, falso; você
não será autêntico. Você falará sobre amor – amar seus inimigos – e você odiará seus amigos. Eu
não estou dizendo isso.
Assim, a primeira coisa: não pense em termos de inimigos por ora. Esse é um truque da sua
mente. Pense em termos de amigo. A segunda coisa: a questão não é incluir alguém; a questão é
ser inclusivo. Essa é uma qualidade da consciência. Crie a inclusão, crie a qualidade.
Como você pode criar a qualidade? – para isso existe a técnica. Você está sentado perto de
uma árvore. Olhe para a árvore. Ela é externa a você, mas, se ela é realmente externa a você,
você não pode conhecê-la. Alguma coisa dela já passou dentro de você; é por isso que você pode
saber que a árvore está ali. Ela é verde. Mas você sabe que o verde existe em você, não na
árvore? Quando você fecha os olhos, a árvore não é verde.
Agora os cientistas dizem isto – que a cor é dada por você. Tudo na natureza é sem cor: não
existe nenhuma cor. A cor entra no ser quando os raios viajando de um determinado objeto
encontram seu olho. Então, a cor é criada. Assim, a cor é dada pelo seu olho. É no encontro da
árvore com você que o verde acontece. As flores ali, florescendo: o perfume chega a você, e você
o sente. Mas essa fragrância também é dada por você: não está na natureza. Somente ondas vêm
na sua direção e você traduz como perfume. É o seu nariz que sente o cheiro. Se você não estiver
ali, não haverá nenhum perfume.
Tem havido filósofos como Berkeley ou Nagarjuna, Shânkara, que dizem que o mundo é
irreal, que ele existe em nossa mente, porque, seja o que for que conheçamos sobre o mundo, é,
na verdade, dado por nós. Por essa razão, Immanuel Kank, um pensador e filósofo alemão, diz
que a coisa, ela-mesma, não pode ser conhecida. O que quer que conheçamos não é a coisa em
si: é nossa projeção.
Seu rosto parece belo para mim. Seu rosto não é nem belo nem feio; é a minha atitude. Sou eu
que o faço belo ou feio. Depende de mim: trata-se de minha sensação. Se você estiver sozinho no
mundo e não houver ninguém para dizer que você é feio ou bonito, você não será nenhum dos
dois. Ou será? Se você estiver sozinho na terra, você será belo ou feio? Será inteligente ou tolo?
Você não será nada. Realmente, você não pode existir sozinho na terra. Você não pode existir.
Se você estiver sentado perto de uma árvore, medite. Abra seus olhos e olhe para a árvore e,
depois, feche seus olhos e olhe a árvore lá dentro de você. Se você tentar isso – novamente abra
os olhos, medite sobre a árvore e, depois, feche os olhos e olhe a árvore internamente – no
começo, a árvore interna será uma sombra pálida da árvore externa, mas, se você der
continuidade, em pouco tempo ela virá a ter a mesma realidade e será como a árvore externa.
E, se você continuar e persistir, o que é difícil, chega um momento em que a árvore externa se
torna apenas uma sombra da interna. A interna se torna mais bela, mais viva, porque agora sua
consciência interna é o solo para ela. Agora ela está enraizada na consciência interna. Agora, ela
é percebida na consciência, realmente. Isso é algo raro.
Assim, quando Jesus ou gente como Jesus fala sobre o reino de Deus, eles falam numa
linguagem tão colorida que pensamos que ou eles são loucos, ou estão simplesmente em
alucinação. Eles não são nem uma coisa nem outra. Eles aprenderam como incluir a existência.
Sua própria consciência interna se tornou agora um fenômeno doador de vida. Agora, seja o que
for que esteja plantado internamente, torna-se vivo. É mais colorido, mais perfumado, mais vital
– como se aquilo não pertencesse a este mundo, a este mundo mundano: aquilo pertence a algum
outro mundo. Os poetas conhecem isso um pouco. Os místicos conhecem isso mais
profundamente, mas os poetas também conhecem um pouco. Eles têm vislumbres. Eles podem
sentir o mundo incluído neles.
Tente isso – ser inclusivo. É isso o que eu quero dizer quando eu digo “seja inclusivo”: deixe
a árvore entrar e ser enraizada lá dentro. Deixe a flor entrar e permita-lhe florescer lá dentro.
Você não pode acreditar nisso, porque não há como, a menos que você experiencie o fato.
Concentre-se num botão, um botão de rosa. Concentre-se nele, vá se concentrando nele, e
permita-o ser transferido para o interior.
E quando realmente sua experiência interna do botão se tornar tão real que o externo, o botão
verdadeiro, o assim considerado botão verdadeiro, parecer ser apenas uma sombra dele – a ideia
verdadeira agora está lá dentro, a essência verdadeira está lá dentro, e o de fora é apenas uma
pálida cópia – quando você chegar a esse ponto, feche os olhos e concentre-se no botão interno.
Você ficará espantado, porque o botão interno começará a se abrir. Ele se tornará uma flor, e tal
flor você jamais viu parecida.
E você não pode encontrar tal flor aqui fora. Ora, trata-se de um fenômeno raro, quando algo
começa a crescer dentro de você, abrindo, florescendo.
Desse modo, seja inclusivo e, depois, em pouco tempo, permita suas fronteiras se
expandirem. Inclua seus amores, seus amigos, sua família, inclua estranhos e, depois, em pouco
tempo, você será capaz de incluir o inimigo. Este será o último ponto. E, quando você puder
incluir o inimigo e puder permitir-lhe entrar em você e ser enraizado lá e tornar-se parte da sua
consciência, então, nada é inimigo para você. Então, o mundo todo tornou-se seu lar. Então, nada
é estranho, ninguém é alheio, e você fica à vontade nele.
Mas fique atento com a esperteza da mente. A mente dirá sempre, para você, algo que você
não pode fazer e, quando você não pode fazer a coisa, a mente diz: “Essas coisas são absurdas.
Deixe pra lá!”. A mente fixará um alvo que não pode ser alcançado. Lembre-se sempre disso, e
não seja uma vítima da sua própria mente. Sempre comece de um ponto que seja possível; não
pule para o impossível. Se você puder crescer no possível, o impossível é apenas a outra
extremidade dele – não é oposto a ele; é somente a outra extremidade. É o mesmo espectro – a
outra extremidade do espectro.
Mais uma pergunta está incluída nesta: “Como eu posso incluir meus inimigos enquanto, ao
mesmo tempo, estou cheio de emoção e ódio? Isso não conduz à repressão?”
Este é um ponto sutil a ser compreendido profundamente. Enquanto você estiver sentindo
ódio, não digo que o suprima, porque tudo que é suprimido torna-se perigoso. E, se você reprime
algo, você não pode nunca ser aberto. Então, você cria um mundo particular, que não lhe
permitirá incluir os outros. Você ficará sempre com medo daquilo que você suprimiu, porque a
qualquer momento aquilo pode vir à tona. Assim, a primeira coisa: não reprima a raiva, o ódio,
ou qualquer coisa. Mas não há necessidade de expressá-lo em cima de ninguém. Você a expressa
em cima de alguém, porque você sente que o outro é responsável – isso está errado. O outro não
é responsável; somente você é responsável, porque você tem ódio dentro, e o outro somente lhe
deu uma oportunidade, nada mais. Se você vem e abusa de mim, você simplesmente me dá uma
oportunidade de trazer à tona seja o que for que esteja em mim. Se há ódio, sai ódio. Se há amor,
então, sai amor. Se houver compaixão, então, sairá compaixão. Você é apenas uma oportunidade
para que eu seja revelado para mim mesmo.
Se sair ódio, não sinta que o outro é responsável. Ele é apenas instrumental. Nós temos uma
bela palavra em sânscrito para isso: nirmit – instrumental. A outra pessoa não é a causa: a causa
está sempre dentro de nós. O outro é apenas o instrumento para trazer a causa para fora. Assim,
seja agradecido a ele – seja-lhe agradecido por ele tê-lo tornado ciente de seu próprio ódio
escondido. Ele é um amigo. Você o converte em inimigo, porque você impôs toda a
responsabilidade sobre ele. Você pensa que ele está criando alguma coisa em você, lembre-se
disto para sempre.
Se você for a Buda e abusar dele, ele não vai odiá-lo, ele não vai ficar com raiva de você. Seja
o que for que você faça, você não pode lhe provocar raiva. Não porque seu esforço seja menor,
mas porque a raiva não existe ali – você não pode puxá-la para fora. O outro não é a fonte do
ódio, então, não o atire nele. Seja grato a ele, seja cortês para com ele, e o ódio que está dentro de
você, jogue-o fora para o céu. Essa é a primeira coisa.
A segunda coisa: seja inclusivo quanto ao ódio também. Este é um reino mais profundo, uma
dimensão mais profunda. Seja inclusivo em relação ao ódio também.
O que eu quero dizer com isto? Sempre que houver algo ruim, sempre que alguma coisa que
você acha ruim, maléfica acontecer, você nunca a inclui dentro de si mesmo. Sempre que alguma
coisa boa acontece, você a inclui. Se você está amando, você diz: “Eu sou o amor”. Quando você
odiar, você nunca diz “eu sou o ódio”. Quando você sente compaixão, você diz: “Eu sou
compaixão”. Quando você tem raiva, você nunca diz “eu sou a raiva”. Você sempre diz “eu
estou com raiva” – como se a raiva tivesse acontecido a você; como se você não fosse a raiva –
apenas um acontecimento externo, algo acidental. E quando você diz “eu sou amor”, ele parece
algo essencial – não algo acidental que lhe tenha acontecido, algo que tenha vindo de fora. Ele
está vindo de dentro.
Tudo que é bom, você inclui; e tudo que é ruim, você não inclui. Seja inclusivo do ruim
também. Porque você é ódio, você é raiva e, a menos que você sinta isso profundamente, que “eu
sou ódio”, você nunca irá além dele.
Se você puder sentir “eu sou a raiva”, um processo sutil de transformação é acionado
imediatamente. O que acontece quando eu digo “eu sou a raiva”? Muitas coisas acontecem.
Primeiro: quando você diz “eu estou com raiva”, você é diferente da energia que você chama de
raiva. Isso não é verdadeiro e, de uma base não-verdadeira, nada verdadeiro pode acontecer. Isso
não é verdade – esta raiva é você; esta é sua energia. Ela não é algo separado de você.
Você se separa dela, porque você cria uma falsa imagem de si mesmo – que você nunca é
raivoso, que você nunca odeia, que você está sempre amando, que você está sempre gentil e
solidário. Você criou uma falsa imagem de si mesmo. Esta falsa imagem é seu ego. Esse ego
continua dizendo-lhe: “Corte a raiva, corte o ódio, eles não são bons!”. Não porque você saiba
que eles não são bons, mas porque eles não lhe dão a imagem; eles não alimentam seu ego e sua
imagem.
Você é um bom homem, respeitável, simpático, culto – você tem uma imagem. Às vezes você
cai dessa imagem – esses são acidentes. Você retoma sua imagem novamente. Eles não são
acidentes. Realmente, eles são mais verdadeiros sobre você. Quando você está com raiva, o seu
verdadeiro eu é revelado mais autenticamente do que quando você está sorrindo falsamente.
Quando você mostra seu ódio, você é mais autêntico do que quando você finge amor.
A primeira coisa é ser autêntico, verdadeiro. Inclua o ódio, inclua a raiva, inclua tudo que está
em você. O que acontecerá? Se você incluir tudo, sua imagem falsa cairá para sempre, e isso é
muito bom. É simplesmente belo, que você seja liberado da sua falsa imagem, porque ela
continua criando complexidades. Com a queda da imagem, seu ego cairá, o que é uma porta para
a espiritualidade.
Quando você diz “eu sou a raiva” – como você pode ter seu ego? Quando você diz “eu sou o
ódio”, “eu sou o ciúme”, “eu sou cruel”... “Eu sou violência” – como você pode ter o ego? O ego
pode ser tomado facilmente quando você diz “eu sou brama”, “eu sou o supremo Deus”. Então,
é fácil. “Eu sou o atma” – o supremo EU – aí é fácil. Mas, quando você diz “eu sou o ciúme, o
ódio, a raiva, a paixão, o sexo”, você não pode ter o ego. O ego vai embora junto com aquela
falsa imagem. Você se torna verdadeiro, natural. Então, é possível compreender sua realidade.
Então, você pode abordar sua raiva sem nenhuma atitude contrária. É você. Você tem de
compreender que é sua energia.
E, se você pode ter compreensão sobre sua raiva, a própria compreensão a muda e a
transforma. Se você pode compreender todo o processo da raiva e do ódio, eles desaparecem no
próprio processo da compreensão, porque o ingrediente básico para se ficar com raiva e cheio de
ódio é ser ignorante sobre isso, ser inconsciente, ser desatento quanto a isso. Assim, sempre que
você não está atento, você pode ficar com raiva. Quando você está alerta, você não pode ficar
com raiva. O estado de alerta absorve toda a energia que se torna raiva.
Buda disse repetidamente aos seus monges: “Eu não digo para não ter raiva. Eu digo que
enquanto estiver com raiva, fique alerta”. Isto é realmente um dos fundamentos para a mutação.
“Eu não digo que não fiquem com raiva. Eu digo: enquanto estiver com raiva, esteja alerta”.
Tente isso. Quando a raiva vier, fique alerta. Olhe para ela. Observe-a. Esteja cônscio dela. Não
fique sonolento. E, quanto mais alerta você ficar, menos raiva. No momento em que você estiver
realmente alerta, a raiva não existe – a mesma energia se torna estado de alerta.
A energia é neutra. A mesma energia se torna raiva. A mesma energia se torna ódio. A
mesma energia se torna amor. A mesma energia se torna compaixão. A energia é uma só – todos
esses aspectos são expressões. E há situações básicas nas quais a energia pode tomar um estado
determinado. Se você estiver desatento, a energia pode se tornar raiva, a energia pode ser tornar
sexo, a energia pode se tornar violência. Se você estiver alerta, ela não pode se tornar essas
coisas: o estado de alerta – a percepção, a consciência –, não permite que ela se mova nessas
rachaduras. Ela se move sobre um plano diferente – a mesma energia.
Buda diz: “Ande, coma, sente-se. Seja o que for que você faça, faça, mas faça com inteira
consciência, cuidadosamente, percebendo que você está fazendo aquilo”.
Certa vez aconteceu que Buda estava andando e uma mosca veio e pousou em sua cabeça, na
sua testa. Ele estava falando a alguns monges. Sem realmente prestar nenhuma atenção à mosca,
ele simplesmente a espantou com a mão e a mosca saiu de sua testa. Então ele percebeu que
tinha feito algo sem consciência plena, porque sua atenção estava dirigida aos monges a quem
estava falando. Então, ele disse aos monges; “Desculpem-me por um momentinho”. Ele fechou
os olhos e levantou sua mão novamente. Os monges ficaram espantados com aquilo que ele
estava fazendo, porque agora não havia mais nenhuma mosca. Ele levantou a mão novamente e a
aproximou do ponto em que estava a mosca – ela não estava mais lá. Ele trouxe de volta a mão e,
então, abriu os olhos e disse: “Podem perguntar agora”.
Mas os monges disseram: “Esquecemos o que íamos perguntar. Agora queremos perguntar-
lhe o que foi que você fez. Não havia mais nenhuma mosca – ela estava lá antes. O que você
fez?”.
Buda disse: “Eu fiz como deveria ter feito antes – erguer a mão com plena consciência. Não
foi bom para mim. Algo tinha sido feito inconscientemente, automaticamente, como um robô”.
Tal estado de alerta não pode se tornar raiva, tal estado de alerta não pode se tornar ódio –
impossível. Assim, primeiramente inclua o ódio, a raiva, tudo o que é pensado como sendo ruim.
Inclua isso em você mesmo, inclua isso na sua imagem, de modo que seu ego caia. Você desce
do céu para o chão. Você se torna verdadeiro.
Então, não jogue a raiva em cima de ninguém. Deixe-a estar e expresse-a para o céu. Esteja
completamente alerta. Se você estiver com raiva, entre em um quarto, fique só, fique com raiva e
expresse sua raiva – e sempre alerta. Faça seja o que for que você teria feito com a pessoa que foi
instrumento. Você pode levar para o quarto a foto da pessoa, ou apenas um travesseiro, e dizer:
“Você é meu pai” – e bata nele até não poder mais. Esteja completamente alerta. Esteja
completamente alerta sobre o que você está fazendo, e faça.
Isso será uma grande percepção. A raiva será expressa, e você estará alerta. E você será capaz
de rir; você ficará capaz de saber quão estúpidas são as coisas que você está fazendo. Mas você
poderia ter feito isso a seu verdadeiro pai – você está fazendo apenas com o travesseiro. E se
você realmente fizer isso autenticamente, você se sentirá muito gentil, muito amoroso em relação
a seu pai. Quando você sair do quarto e quando olhar para o rosto de seu pai, você se sentirá
muito solidário, muito amoroso. Você até gostaria de pedir-lhe perdão.
É isto o que eu quero dizer com “ser inclusivo”. Não significa supressão nenhuma. A
supressão é sempre perigosa, venenosa. Com qualquer coisa que você reprima, você está criando
complexos internos que continuam e que finalmente o deixarão louco. A repressão está fadada a
se tornar loucura. Expresse. Mas não expresse sobre ninguém. Não há nenhuma necessidade.
Isso é estúpido e cria um círculo vicioso. Expresse sozinho meditativamente, e esteja alerta
enquanto estiver expressando.
Capítulo 63

SEM MAPA PARA SEGUIR



OS SUTRAS

90. Tocando os olhos como uma pena,


A leveza entre eles abre-se no coração
E de lá permeia o cosmos.
91. Gentil Devi,
Entre na etérea presença
permeando acima e abaixo a sua forma.

Certa vez aconteceu numa igreja inglesa: depois de um sermão muito longo e árido, o
ministro anunciou que haveria um “meeting of the board”, logo depois da bênção. Depois dos
serviços, um estranho se aproximou do ministro; ele foi o primeiro a chegar. O ministro pensou:
“Deve ter havido alguma incompreensão...” – porque o homem era absolutamente estranho. Ele
nem ao menos parecia ser cristão – sua aparência era de muçulmano. Então, o ministro disse:
“Parece que você compreendeu mal o anúncio. Vai haver um ‘meeting of theboard’”.
O estranho disse: “Sei, eu também ouvi muito bem – e se houver aqui alguém mais
‘entediado’ do que eu, então, eu quero conhecê-lo.”[1]
Mas esta parece ser a situação de todo mundo. Olhe para o rosto das pessoas, ou para seu
próprio rosto num espelho, e você sentirá que você é o mais entediado, e parece impossível que
possa haver outra pessoa que esteja mais entendiada que você. A vida toda parece ser um longo
tédio – seca, enfadonha, insignificante; de algum modo você a está carregando como um peso.
Por que isto acontece? Vida não significa estar num enfado. Vida não significa estar sofrendo. A
vida é um festival, uma celebração, um pináculo de alegria – mas isso é só na poesia, nos sonhos,
nas filosofias. Às vezes, um Buda, um Krishna afiguram-se em profunda celebração, mas eles
parecem ser as exceções. Realmente, inacreditável: não real, apenas ideal. Parece que nunca
acontece. São desejos nossos, mitos, sonhos e esperanças, mas não realidades. A realidade parece
ser nosso rosto – aborrecido, angustiado, com o sofrimento impregnado – e a vida toda é apenas
um “vai-se levando”.
Por que isso acontece? E esta não deve ser a realidade básica da vida, não pode ser, porque
isso acontece somente ao homem. As árvores, as estrelas, os animais, os pássaros... em lugar
nenhum isso acontece. Com exceção do homem, ninguém está entediado. E mesmo que às vezes
o sofrimento aconteça, é momentâneo: nunca se torna uma angústia. Nunca se torna uma
constante obsessão; não permanece na mente. É algo momentâneo, um acidente; não é carregado
adiante.
Os animais podem sentir dor, mas eles não estão sofrendo. A dor parece acidental; eles
passam por ela – não a carregam. Ela não vira uma ferida interna. Aquilo é esquecido e
perdoado. Vai para o passado; nunca se torna parte do futuro. Quando a dor se torna algo
constante, uma ferida, não um acidente, mas uma realidade, essencial, como se você não pudesse
existir sem ela, então, ela se torna um problema – e esse problema surgiu somente na mente
humana.
As árvores não estão sofrendo. Parece não haver nenhuma angústia. Não que a morte não
ocorra a elas: a morte ocorre, mas não é um problema. Não que as experiências dolorosas não
existam: elas existem, mas não se tornam a própria vida. Elas acontecem apenas na periferia,
acontecem e desaparecem. Lá no fundo, no âmago íntimo, a vida permanece celebrativa. Uma
árvore continua celebrando. A morte acontece, mas acontece somente uma vez. Ela não é
carregada constantemente adiante. Exceto no que diz respeito ao homem, tudo permanece em um
estado celebrativo. Somente o homem fica aborrecido – o aborrecimento é um fenômeno
humano. O que deu errado? Algo deve ter dado errado.
De certo modo, isso pode ser um bom sinal também. O aborrecimento é humano. Você pode
definir o ser humano através do aborrecimento. Aristóteles definiu o ser humano como um ser
racional. Isso pode não ser exatamente verdade; não é cem por cento verdadeiro, porque a
diferença é somente de grau. Os animais também são racionais – menos racionais, mas não
absolutamente irracionais. Há animais que estão logo abaixo da mente humana. Eles também são
racionais do jeito deles; não tanto como o homem, mas não completamente destituídos de razão.
A diferença é somente de graus, e o homem não pode ser definido pela razão apenas. Mas
através do aborrecimento você pode defini-lo: ele é o único animal entediado.
E esse tédio, pode chegar a tal clímax, que o homem pode cometer suicídio. Somente o
homem comete suicídio; nenhum animal comete suicídio. Esse é um fenômeno absolutamente
humano. Quando o desgosto chega a um tal ponto que até a esperança se torna impossível, então,
você morre por conta própria, porque, então, não há mais nenhum sentido em carregar tudo
aquilo. Você pode carregar esse desgosto, essa dor, porque, de algum modo, ainda existe uma
esperança no amanhã. Está ruim hoje, mas amanhã algo acontecerá. Devido a essa esperança,
você vai levando.
Ouvi dizer que aconteceu certa vez de um imperador chinês ter sentenciado seu primeiro-
ministro à morte. No dia em que o primeiro-ministro ia ser enforcado, o imperador foi vê-lo para
dar-lhe um adeus. Ele tinha sido um servidor devotado durante muitos e muitos anos, mas, de
repente, fez algo que irritou tanto o imperador, que este teve de sentenciá-lo à morte. Mas
lembrando-se de que aquele seria seu último dia, o imperador foi encontrá-lo.
Quando o imperador chegou, ele viu o primeiro-ministro chorando. Lágrimas rolavam de seus
olhos. Ele não podia imaginar que a morte pudesse ser a causa, porque aquele era um homem de
coragem. Então, ele perguntou: “É impossível imaginar que estejas chorando porque vais morrer
esta noite. É impossível conceber isso. Tu és um homem corajoso, e eu conheci tua bravura
tantas vezes! Deve haver alguma outra coisa. O que é? Se eu puder fazer alguma coisa, farei”.
O primeiro-ministro disse: “Agora nada pode ser feito e é inútil dizer-vos. Mas, se insistis...
Eu ainda sou vosso empregado – vou obedecer e vos dizer”.
O imperador insistiu, então o primeiro-ministro disse: “Não é a minha morte, porque isso não
é de muita importância – o homem tem de morrer um dia; qualquer dia a morte virá – mas eu
estou chorando porque eu tenho visto seu cavalo parado lá fora”.
O imperador perguntou: “Por causa do cavalo? Por quê?”.
O primeiro-ministro disse: “Eu estive procurando por toda a minha vida por esse tipo de
cavalo, porque aprendi um segredo antigo – que eu posso ensinar os cavalos a voarem – mas
somente os de certo tipo. E é do tipo dele, e este é meu último dia. Não estou preocupado com
minha morte, mas só que uma arte ancestral será perdida comigo. Eis por que estou chorando”.
O imperador ficou emocionado, excitado – se o cavalo pudesse realmente voar, isso seria
algo! Então, ele disse: “Quantos dias isso vai levar?”.
O primeiro-ministro disse: “Pelo menos um ano – e, depois, este cavalo começará a voar”.
Então, o imperador disse: “Está certo, por um ano eu te deixarei livre. Mas, lembra-te disto:
se em um ano o cavalo não estiver voando, tu serás novamente sentenciado e enforcado; se o
cavalo estiver voando, serás perdoado. E não somente perdoado, dar-te-ei metade do meu reino,
porque eu serei o primeiro imperador na História que tem um cavalo voador. Assim, sai da cela e
para de chorar!”.
O primeiro-ministro, feliz e sorrindo, montou no cavalo e cavalgou até sua casa. Mas sua
esposa ainda estava se lamentando e chorando. Ela disse: “Eu ouvi tudo. As novas já chegaram
antes de você. Mas um ano somente!? E eu sei que você não conhece nenhuma arte, e que esse
cavalo não pode voar. Sei que isso é uma artimanha, uma trapaça. Então, se você pôde pedir um
ano, por que não pediu dez anos!?”.
O primeiro-ministro disse: “Isso seria demasiado. Assim como foi tratado, já é muito. O
cavalo voar já é demais. Então, pedir dez anos teria sido obviamente um truque. Mas não chore”.
Mas a esposa disse: “Isso me deixa ainda mais triste, porque agora estarei vivendo com você
e depois de um ano você será enforcado. Este ano vai ser um sofrimento!”.
O primeiro-ministro disse: “Agora eu lhe contarei um antigo segredo que você não conhece.
Neste ano, o rei pode morrer, o cavalo pode morrer, eu posso morrer. Ou, quem sabe – o cavalo
pode aprender a voar! Um ano!”.
Tenha esperança – e o homem vive através da esperança, porque ele está muito desgostoso.
Quando ele chega a um ponto no qual não pode ter esperança, quando a desesperança é absoluta,
ele comete suicídio. Tédio e suicídio são ambos humanos. Nenhum animal pode cometer
suicídio, nenhuma árvore pode cometer suicídio.
Por que isso aconteceu? Qual é a razão por trás disso? O homem esqueceu completamente
como viver, como celebrar, como ser festivo. Quando toda a existência é festiva, como o homem
retirou-se disso e criou um ambiente triste em torno de si?
Aconteceu certa vez... Os animais vivem pelo instinto. Não vivem através da consciência,
vivem através do instinto, mecanicamente. Nada tem que ser aprendido. Eles já nascem com tudo
o que precisam saber. Suas vidas seguem um fluente plano instintivo – não há aprendizagem.
Eles têm um programa embutido, uma matriz em suas células, com tudo o que precisam para
viver e ser feliz; e eles vão vivendo automaticamente.
O homem perdeu o instinto: agora não há mais uma matriz para se viver a partir dela. Você
nasceu sem uma matriz, sem nenhum programa embutido. Não há linhas demarcadas, sobre as
quais você não pode deixar de se mover. Você tem de substituir o instinto por algo que não seja
instinto, porque o instinto foi embora. Você tem de substituir seu instinto pela inteligência, pela
consciência. Você não pode viver mecanicamente. Você já foi além desse estágio, onde a vida
mecânica é possível – ela não mais é possível para você. Você não pode viver como os animais;
e você não sabe como viver de outro jeito – este é o problema. Você não tem um programa
natural embutido para seguir. Sem um programa, você tem de encarar a existência. E o tédio, o
sofrimento, está fadado a ser seu destino, caso você não possa criar tamanho grau de consciência
através da qual você possa viver ao invés de viver através do instinto. Você tem de aprender
tudo. Este é o problema. Nenhum animal precisa aprender qualquer coisa. Você tem de aprender
tudo e, a menos que você aprenda, você não pode viver. Você tem de aprender como viver.
Nenhum animal precisa disso.
Este aprendizado é o problema. Você aprende muitas coisas: você aprende a como ganhar
dinheiro, aprende matemática, aprende história, aprende ciência, mas você nunca aprende como
viver. Isso está criando o enfado, o aborrecimento. Toda a humanidade está enfastiada, porque a
coisa básica permanece intocada. E isso não pode ficar por conta do instinto, porque agora não
há instintos para se viver. Para o homem, o instinto foi embora. Esta porta está fechada. Você
tem de construir seu próprio programa. Você nasceu sem um mapa.
Isto é bom, porque a existência pensa que você é tão responsável, que criará seu próprio
mapa. Isto é uma glória. É magnífico. Isto torna o homem o mais elevado, o pináculo da
existência, porque a existência deixou-o livre. Nenhum animal é livre: ele tem de viver e seguir
um determinado programa que a existência lhe dá. Quando ele nasce, ele nasce com um
programa – ele tem de segui-lo. Ele não pode se extraviar, ele não pode escolher. Não há
alternativas dadas a ele. Para o homem, todas as alternativas estão abertas, e sem nenhum mapa a
partir do qual se mover.
Se você não aprender a viver, sua vida se tornará um incidente enfadonho. Já aconteceu.
Então, você pode continuar fazendo muitas coisas e, ainda assim, você sentirá que não está vivo
– morto. Lá no fundo, algo está morto, sem vida. Você continua a fazer coisas, porque você tem
de fazer. Só para viver, você continua fazendo coisas, mas esse “só pra viver” não é vida – não
há nenhuma dança, nenhuma canção. A vida tornou-se um negócio, não uma brincadeira.
Obviamente, você não pode desfrutá-la.
Estas técnicas do tantra são para ensiná-lo a viver. São para ensiná-lo a não depender do
instinto animal, porque ele não existe mais. Ele se tornou tão pálido que não pode atuar a seu
favor, ele não funciona.
Algo que já foi percebido e observado é que, se uma criança humana cresce sem a mãe, ela
nunca será capaz de amar, ela nunca será capaz de amar! Por toda a sua vida, ela permanecerá
sem amor, porque agora não há mais nenhum instinto; é preciso aprender. Até o amor tem de ser
aprendido. Uma criança que é criada sem amor, não pode aprendê-lo. Ela não será capaz de
amar. Se a mãe não existir, e se a mãe não se torna uma fonte de felicidade, de êxtase, então,
nenhuma mulher poderá se tornar uma fonte de felicidade e êxtase para aquela criança. Quando a
criança amadurecer, crescer, não será atraída pelas mulheres, porque agora o instinto não está
funcionando.
Isso não acontece aos animais: no momento certo, eles começarão a funcionar. Eles se
tornarão sexuais: eles se dirigirão ao sexo oposto – isso é instintivo, mecânico. Com o homem
nada é mecânico. Se você não ensinar a linguagem à criança, ela não aprenderá. Se você não a
ensinar, ela não terá a linguagem, pois esta não é algo natural; não há nenhum instinto para ela.
O que quer que você seja é devido ao seu aprendizado. O homem é menos natureza e mais
cultura. Os animais são simplesmente natureza.
O homem é menos natural e mais cultural, mas uma dimensão – a mais básica e fundamental
– permanece desaculturada. É a dimensão de estar vivo. Você toma isso como sé já o tivesse
garantidamente – isso está errado. Você não sabe como viver, porque respirar apenas não é
sinônimo de viver. Apenas comer e dormir e apenas cuidar dos assuntos do corpo não é sinônimo
de viver. Você está existindo, isso é certo, mas você não está vivo.
Um buda está vivo, não simplesmente existindo. Essa vivacidade só pode acontecer se você
aprendê-la, se você se tornar consciente dela, se você procurar por ela e se você criar situações
na qual ela possa evoluir. Lembre-se disto: para o homem, não existe evolução mecânica. A
evolução consciente tomou seu lugar e, agora, você não pode fazer nada em relação a isso – você
tem de se mover para o âmbito da evolução consciente. Você não pode retroceder. Mas você
pode ficar cravado onde está – então, você ficará entediado.
Eis o que está acontecendo. Você não está se movendo. Você continua acumulando coisas
físicas, então, as coisas vão se movendo, e você não. Suas riquezas vão se acumulando, vão
crescendo – sua conta bancária vai crescendo, mas não você. Você não está crescendo
absolutamente. Ao contrário, você pode estar encolhendo, minguando. Você não está crescendo.
A menos que você faça algo conscientemente, você está perdido. Não se pede isso dos animais,
porque eles não são responsáveis.
Assim, você tem de compreender uma coisa muito básica: com a liberdade vem a
responsabilidade. E você só pode ser livre se você for responsável. Os animais não são
responsáveis, mas eles também não são livres. Eles não são livres: eles têm de seguir
determinado padrão. Eles são felizes porque nada pode dar errado. Eles estão seguindo um
determinado curso: eles estão seguindo um padrão que foi elaborado há milênios, em séculos de
evolução. Ele foi elaborado e mostrou-se correto. Eles o estão seguindo. Não há nenhuma
possibilidade de dar errado.
Há toda a possibilidade de você dar errado, porque não há nenhum plano, não há nenhum
mapa, não há nenhum padrão. Sua vida adiante não está mapeada. Você é livre. Mas, então, uma
grande responsabilidade cai sobre os seus ombros, e essa responsabilidade é a de escolher
corretamente, funcionar corretamente, e criar seu futuro através do seu esforço. Realmente, o ser
humano tem de se criar através do seu próprio esforço.
O que os existencialistas no Ocidente dizem é verdade. Eles dizem que o homem nasce sem
uma essência ou, pode-se dizer, sem uma alma. Sartre, Marcel, Heidegger dizem que o homem
nasce sem uma essência. Ele nasce como uma existência e, então, através de seu próprio esforço,
ele cria a essência. Ele nasce somente como uma possibilidade e, depois, através de seu próprio
esforço, ele cria a alma. Ele nasce somente como uma forma e, depois, através de seu próprio
esforço consciente, ele cria a substância.
Bem ao contrário é o caso de toda a natureza: todo animal, toda planta, nasce com uma
essência, com uma alma, com um programa, com um destino fixo. O homem nasce como uma
abertura sem nenhum destino fixo – isso cria carga, cria responsabilidade. Isso lhe dá medo,
angústia, ansiedade. E então onde quer que você esteja, se você não fizer nada, você fica
estagnado ali. Essa estagnação cria o tédio.
Você pode estar vivo, feliz, celebrativo, alegre, somente quando você está se movendo,
quando você está crescendo, quando você está evoluindo, quando você está criando sua alma,
quando você está realmente grávido do divino, quando o divino está crescendo no seu útero,
quando você vai lhe dar nascimento.
Para o tantra, Deus não é começo, Deus está no fim. Deus não é o criador, mas o supremo
ápice, o ponto ômega, da evolução. Ele é o último, não o primeiro; não o alfa, mas o ômega. A
menos que você se torne grávido e a menos que você carregue uma criança dentro de você, você
ficará entediado, porque então sua vida é fútil – nada vai sair dela; nenhum fruto virá dela. Isso
cria o tédio.
Você pode tornar esta oportunidade uma fonte de evolução, ou você pode perder a
oportunidade e pode fazer disso um ponto-suicida. Depende de você.
Na mesma medida em que o homem pode se suicidar, somente ele pode crescer
espiritualmente. Nenhum animal pode crescer espiritualmente. Como o homem pode se destruir,
ele pode também se criar. Lembre-se disto: as duas possibilidades andam simultaneamente.
Nenhum animal pode se destruir – impossível! Você não pode conceber um leão pensando em
suicídio, pular de um desfiladeiro e terminar com a coisa toda – não, impossível! Nenhum leão
pode pensar nisso. Por mais corajoso que seja, nenhum leão pode pensar em terminar consigo
mesmo, destruir-se. Ele não é tão livre assim.
Você pode se conceber destruindo a si mesmo. É impossível encontrar um ser humano que
não tenha pensado várias vezes em se destruir. E se você puder encontrar um ser humano que
não pensou em cometer suicídio, então, ou ele é animal, ou Deus. Isso é algo muito basicamente
humano – a possibilidade de se destruir. Mas isso também abre uma outra porta.
Simultaneamente, ambas as portas se abrem – você também pode criar. Você pode criar a si
mesmo, porque você pode destruir a si mesmo.
Nenhum animal pode criar a si mesmo. Você pode criar a si mesmo e, a menos que comece a
criar, você estará destruindo. A menos que você crie a si mesmo... Comece a se criar. E criar a si
mesmo não se trata de uma coisa, trata-se de um processo – você tem de ir criando. A menos que
você chegue ao supremo, você tem de continuar se criando. A menos que Deus nasça dentro de
você, você tem de continuar se criando. Se você não estiver se criando, você ficará entediado –
vida sem criatividade significa tédio. Todas estas técnicas aqui são para ajudá-lo a criar,
renascer, tornar-se grávido.
Agora vamos às técnicas.

90 Toque seus olhos com leveza

A primeira técnica. Esta técnica é muito fácil e realmente maravilhosa. Você pode fazê-la,
qualquer um pode fazê-la. Não há nenhuma questão de tipo: qualquer pessoa pode fazer esta
técnica, e para todos ela será útil. Mesmo que você não possa se mover muito profundamente
nela, então também, ela será útil. Ela o refrescará.
Quando quer que você esteja entediado, ela o refrescará imediatamente. Quando quer que
você esteja cansado, ela o revitalizará imediatamente. Quando quer que você esteja num estado
em que se sinta de saco-cheio com a coisa toda, uma nova onda de energia fluirá dentro de você.
Assim, para cada um, mesmo que você não a esteja usando como meditação, ela será útil, uma
ajuda médica. Ela lhe dará saúde. E é muito fácil de fazer: sem pré-requisitos.
O sutra é este:

Tocando os olhos como uma pena,


A leveza entre eles
Abre-se no coração
E de lá permeia o cosmos.
Antes de entrar na técnica, alguns comentários introdutórios sobre ela. Antes de tudo, algo
tem de ser compreendido sobre o olho, porque toda a técnica depende disso.
A primeira coisa: o que quer que você seja, o que quer que você aparente por fora, é falso,
mas você não pode enganar seus olhos. Você não pode criar um falso rosto; você não pode
falsificar seus olhos. Isso é impossível – a menos que você se torne um mestre perfeito como um
Gurdjieff. A menos que você se torne perfeito mestre de todas as suas energias, você não pode
falsificar seus olhos. Nenhum ser humano comum pode fazer isso. Você não pode falsificar seus
olhos.
Eis por que se alguém olhar nos seus olhos, fixar o olhar nos seus olhos, você se sentirá
ofendido, porque essa pessoa estaria tentando descobrir a coisa verdadeira. E nesse ponto você
não pode fazer nada – seus olhos revelarão o verdadeiro eu. Assim, não é de boas maneiras fixar
o olhar nos olhos de alguém. Mesmo enquanto está conversando, você vai evitando os olhos. A
menos que você esteja apaixonado por alguém, a menos que alguém esteja pronto para ser
verdadeiro com você, você não pode fixar seus olhos. Há um limite.
Os psicólogos têm observado que trinta segundos é limite. Com um estranho, você pode fixar
o olhar por trinta segundos, não mais. Se você fixar por mais tempo, você começou a ser
agressivo, e o outro imediatamente começará a se sentir desconfortável. Você pode fixar seu
olhar de um ponto muito distante, porque então, ninguém estará percebendo. Se você estiver a
uns trezentos metros de distância, eu posso continuar olhando fixamente para você, mas se você
estiver a uns centímetros de distância, fica impossível.
Num trem lotado, ou num elevador lotado, sentados ou de pé, bem próximos, vocês nunca
olham uns nos olhos dos outros. Você pode tocar o corpo – isso não é tão ofensivo – mas vocês
nunca olham dentro dos olhos uns dos outros, porque isso seria demais, proximidade demais, e
você penetraria o homem real.
A primeira coisa a se lembrar: os olhos não têm nenhuma personalidade. Eles são pura
natureza. Eles não têm nenhuma personalidade. A segunda coisa a se lembrar: você anda no
mundo quase que somente com os olhos; dizem que oitenta por cento. Os que estiveram
trabalhando com os olhos, os psicólogos, dizem que oitenta por cento de contato com o mundo é
através dos olhos. Oitenta por cento de sua vida se passa através dos olhos.
Eis por que quando quer que você veja um cego, você sente pena. Você nunca sente tanta
pena e solidariedade quando você vê um surdo, mas quando você vê um cego, de repente você
sente solidariedade e compaixão. Por quê? – porque ele está oitenta por cento não-vivo. Um
surdo não é tão não-vivo. Mesmo que seus pés sejam cortados e suas mãos sejam cortadas, você
não será tão não-vivo, mas um cego está oitenta por cento fechado; ele vive somente vinte por
cento.
Através dos nossos olhos, saem oitenta por cento de nossa energia. Você se move no mundo
através dos olhos. Assim, quando você fica cansado, a primeira coisa são os olhos. Mais tarde,
outras partes do corpo serão afetadas; os olhos serão os primeiros a terem a energia drenada. Se
você puder refrescar seus olhos, você refresca todo o seu corpo, porque eles têm oitenta por
cento de sua energia. Se você puder revitalizar seus olhos, você revitalizou a si mesmo.
Num ambiente de natureza, você nunca se sente tão cansado como você se sente numa cidade
sem natureza, porque num ambiente natural seus olhos estão continuamente alimentados. O
verdor, a atmosfera fresca – tudo relaxa seus olhos e os alimenta. Numa cidade moderna, tudo
suga seus olhos e nada os alimenta. Assim, vá para uma cidade longínqua, ou para o alto de uma
colina, onde não há nada artificial, onde tudo é natural, e você verá um diferente tipo de olhos. O
piscar dos olhos, a qualidade, será diferente – como o olhar penetrante de um animal sadio, vivo,
dançante.
Numa cidade moderna, os olhos são mortos – vivendo no mínimo. Eles não conhecem o que é
festividade. Eles não conhecem o que é o frescor. Os olhos não percebem nenhuma vida fluindo
através deles; eles estão apenas sendo sugados.
Oitenta por cento de sua energia vem dos olhos. Assim, você deve ficar perfeitamente ciente,
e você deve aprender uma arte sobre esse movimento, essa energia, sobre a possibilidade dos
olhos.
Na índia, temos chamado os cegos de prajna-chakshu – olho-sábio – por certa razão, pois
cada infelicidade pode ser transformada numa grande oportunidade. Oitenta por cento da energia
se move através dos olhos e, quando alguém é cego, ele fica oitenta por cento não-vivo; com o
mundo, oitenta por cento do seu contato está perdido.
Ele é muito pobre no que tange ao mundo externo, mas se ele puder usar essa oportunidade,
essa oportunidade de ser cego, então, ele poderá usar oitenta por cento de sua energia a favor de
seu mundo interior – esses oitenta por cento, que você não pode usar de modo comum, a não ser
que conheça a arte. Assim, oitenta por cento de sua energia está com ele, é um reservatório, e a
energia que normalmente vai para fora, pode ir para dentro. Se ele souber como permitir que ela
se mova para dentro, ele se tornará um olho-sábio.
Um cego não é um prajna-chakshu, um olho-sábio, só por ser cego; mas ele pode ser. Ele não
tem olhos comuns, mas ele pode conseguir os olhos da sabedoria. A possibilidade existe. Nós o
chamamos de prahna-chakshu, apenas por torná-lo ciente de que ele não deveria ficar triste por
não ter olhos. Ele pode criar um olho interno, e oitenta por cento da energia está com ele, a qual
não está com os que têm olhos. Ele pode movê-la. Ele pode usá-la.
Mesmo que o cego não saiba, ele fica mais silencioso do que vocês. Ele fica mais relaxado.
Olhe para um cego. Ele é mais silencioso. Seu rosto é mais relaxado. Ele parece estar à vontade
consigo mesmo: nenhum descontentamento. Esse não será o caso com um surdo. Ele será menos
relaxado do que você, e se tornará esperto. Mas um cego nunca é esperto, nunca tenso, nunca
calculista; basicamente confiante, em profunda fé com a existência.
Por que isso acontece? – devido aos oitenta por cento de energia, mesmo que ele não saiba
nada sobre isso, ela está se movendo internamente. Torna-se uma queda constante, como uma
cachoeira. Mesmo sem perceber, ela vai caindo no seu coração. A mesma energia que se move
para fora, vai caindo no seu coração – isso muda a qualidade do seu ser. Na antiga Índia, o cego
era muitíssimo respeitado – muitíssimo respeitado. Em profundo respeito, nós o chamamos de
prajna-chakshu, olho-sábio.
Você pode fazer o mesmo com seus olhos, e esta técnica é para isso: ajudar sua energia que se
move para fora a cair de volta sobre você mesmo, sobre o centro do seu coração. Se ela cai no
coração, você se torna tão leve quanto possível. Você sente como se o corpo todo tivesse se
tornado uma pena: como se a gravidade não tivesse absolutamente nenhum efeito sobre ele. E,
imediatamente, você está conectado com a mais profunda fonte do seu ser, e isso o revitaliza.
Para o tantra, o sono profundo o revitaliza não devido ao sono, mas apenas porque a energia
que estava se movendo para fora, move-se internamente. Se você sabe o segredo, então, o que
um homem comum faz nas seis ou oito horas de sono, você pode fazer em minutos. O que um
homem comum faz nas oito horas, realmente não é ele que está fazendo. Ele está permitindo à
natureza fazer algo, e ele não está ciente do que é. Um processo misterioso está acontecendo em
seu sono. Uma das coisas básicas é que sua energia não está se movendo para fora; ela continua
caindo sobre seu coração, e isso o revitaliza. Você está num profundo banho com sua própria
energia.
Algo mais sobre essa energia movente. Você já deve ter observado que sempre que há um
homem dominador, ele sempre olha firmemente para os seus olhos. Sempre que há um homem
dominado, ele olha para baixo. Escravos, serviçais, ou qualquer pessoa que seja inferior a
alguém, jamais se fixa nos olhos do superior. Mas o superior pode fixar o olhar. Reis podem
fixar o olhar, mas diante de um rei, numa audiência do rei, não se espera que você o olhe
fixamente. Isso seria uma ofensa. Você tem de olhar para baixo.
Realmente, sua energia se move com os seus olhos. Ela pode se tornar uma violência sutil. E
não apenas no homem, até nos animais. Quando dois estranhos se encontram, dois animais se
encontram, cada um olha fixamente nos olhos do outro, para avaliar quem é superior e quem vai
ficar no papel do inferior. E uma vez que um deles olhe para baixo, a coisa está decidida. Então,
eles não lutarão; a coisa acabou. Agora, já está garantido quem é o superior.
Até crianças brincam de fixar o olhar um no outro, e aquele que afasta o olhar é derrotado.
Quando duas crianças olham fixamente uma nos olhos da outra, a primeira que se sentir
desconfortável e começar a ficar inquieto e começar a olhar para longe, evitando o olhar do
outro, é derrotada. A que continuar a olhar fixamente é mais forte. Se seus olhos podem derrotar
os olhos do outro, trata-se de uma sutil indicação de que você é mais forte do que o outro.
No palco, quando alguém vai falar ou atuar, ele fica com muito medo, um grande tremor
acontece. Mesmo com aqueles que estão há muito tempo na profissão, velhos atores... mesmo
quando eles entram no palco, um medo os agarra, porque há muitos olhos fixos sobre eles: há
muita energia agressiva. Há tanta energia vinda de milhares de pessoas olhando-os fixamente,
que eles, de repente, começam a tremer lá no fundo. Um medo os agarra. Uma energia sutil está
fluindo através dos olhos, uma energia muito sutil. As forças mais sutis, as mais refinadas, estão
fluindo através dos olhos. E a qualidade da energia muda de acordo com você. Dos olhos de um
buda, flui um tipo diferente de energia. Dos olhos de um Hitler, um tipo totalmente diferente. Se
você olhar para os olhos de um buda, eles o aceitam, eles o saúdam, tornam-se uma porta. Se
você olhar para os olhos de Hitler, eles o rejeitam, eles o condenam, eles o empurram para longe,
jogam-no para fora. Com Hitler, os olhos dele são como armas; com Buda, os olhos são
compaixão. A qualidade dos olhos muda. Mais cedo ou mais tarde, chegaremos a medir a energia
dos olhos e, então, não haverá nenhuma necessidade de saber muito sobre o homem. Basta a
energia ocular e sua qualidade mostrará o tipo de homem que está escondido ali atrás. Mais cedo
ou mais tarde, isso será possível.
Este sutra, esta técnica:

Tocando os olhos como uma pena,


A leveza entre eles
Abre-se no coração
E de lá permeia o cosmos.

Tocando os olhos como uma pena... Use suas duas palmas, ponha-as sobre seus olhos, e
permita que as palmas toquem as pálpebras – mas exatamente como uma pena, sem nenhuma
pressão. Se você pressionar, perderá o ponto, perderá a técnica toda. Não pressione; apenas toque
como uma pena. Você terá de ajustar, porque, no começo, você pressionará. Ponha cada vez
menos e menos pressão, até você estar tocando sem nenhuma pressão absolutamente – apenas
suas palmas tocam as pálpebras. Só um toque, apenas um encontro sem nenhuma pressão,
porque, se tiver pressão, então, a técnica não funcionará. Por isso... – como uma pena.
Por quê? Porque uma agulha pode fazer algo que uma espada não pode. Se você pressionar, a
qualidade mudou – você é agressivo. E a energia que está fluindo através dos olhos é muito sutil:
basta uma pequena pressão e ela já começa a lutar, e uma resistência é criada. Se você
pressionar, então, a energia que está fluindo através dos olhos, começará uma resistência, uma
luta: uma batalha se seguirá. Assim, não pressione; mesmo uma leve pressão é o bastante para a
energia ocular fazer a avaliação.
Ela é muito sutil, é muito delicada. Não pressione – como uma pena, apenas sua palma está
tocando, como se não tocasse. Tocar como se não tocasse, sem nenhuma pressão; só um toque,
uma leve sensação de que a palma está tocando o globo ocular, eis tudo.
O que acontecerá? Quando você simplesmente toca sem nenhuma pressão, a energia começa
a se mover internamente. Mas se você pressionar, ela começará a lutar com a mão, com a palma,
e escapará.
Basta um toque e a energia começa a se mover internamente. A porta está fechada;
simplesmente a porta está fechada e a energia retorna. No momento em que a energia retorna,
você sentirá uma leveza chegando por todo seu rosto, sua cabeça. Esse movimento de retorno da
energia deixa você leve.
E exatamente entre estes dois olhos está o terceiro-olho, o olho-sábio, o prajna-chakshu. Bem
entre estes dois olhos está o terceiro-olho. A energia retornando dos olhos atinge o terceiro-olho.
Eis por que a pessoa se sente leve, levitando, como se não houvesse nenhuma gravidade. E,
vindo do terceiro-olho, a energia cai no coração. É um processo físico: gota a gota, ele goteja, e
você sentirá uma sensação muito leve, entrando no seu coração. As pulsações baixarão, a
respiração baixará. Todo o seu corpo se sentirá relaxado.
Mesmo que você não esteja entrando em profunda meditação, isto o ajudará fisicamente. A
qualquer hora do dia, relaxe numa cadeira – ou, se você não tem nenhuma cadeira, quando está
simplesmente sentado num trem – feche seus olhos, sinta um ser relaxado em todo o seu corpo e,
depois, ponha as duas palmas sobre seus olhos. Mas não pressione – esta é a coisa mais
significativa. Apenas toque como uma pena.
Quando você toca e não pressiona, seus pensamentos pararão imediatamente. Numa mente
relaxada, os pensamentos não podem se mover: eles ficam congelados. Eles precisam de frenesi
e febre, eles precisam de tensão para se mover. Eles vivem através da tensão. Quando os olhos
estão silenciosos, relaxados e a energia está de volta, os pensamentos param. Você sentirá certa
qualidade de euforia, e isso se aprofundará a cada dia.
Assim, faça isso muitas vezes no dia. Mesmo por um único momento, será bom tocar. Sempre
que seus olhos sentirem-se exaustos, secos de energia, explorados – depois de ler, ver um filme,
ou ver TV – sempre que você sentir isso, basta fechar seus olhos e tocá-los. Imediatamente,
haverá o efeito. Mas se você quiser fazer disso uma meditação, então, faça isso pelo menos por
quarenta minutos. E a coisa toda é não pressionar. Porque é fácil por um momento ter um toque
de pena: é difícil por quarenta minutos. Muitas vezes você se esquecerá e começará a pressionar.
Não pressione. Por quarenta minutos, permaneça ciente de que suas mãos não têm nenhum
peso; elas estão apenas tocando. Continue ficando ciente de que você não está pressionando,
somente tocando. Isto se tornará uma profunda percepção, exatamente como a respiração. Como
Buda diz para respirar com plena consciência, o mesmo acontece com o toque, porque você tem
de estar constantemente atencioso de que você não está pressionando. Sua mão pode ser uma
pena, uma coisa sem importância, simplesmente tocando.
Sua mente será totalmente ali, alerta, perto dos olhos, e a energia estará fluindo sem parar. No
começo, ela estará caindo em gotas. Dentro de alguns meses, você sentirá que aquilo se tornou
uma correnteza, e dentro de um ano você sentirá que aquilo é uma inundação. E, quando isso
acontecer – Tocando os olhos como uma pena, a leveza entre eles – quando você tocar, você
sentirá a leveza. Você pode senti-la agora mesmo. Imediatamente, no momento em que você
toca, uma leveza surge. E essa leveza entre eles abre-se no coração; essa leveza penetra, abre-se
dentro do coração. No coração; somente a leveza pode entrar; nada pesado pode entrar. Somente
coisas muito leves podem acontecer ao coração.
Essa leveza entre os dois olhos começará a cair dentro do coração, e o coração se abrirá para
recebê-la – e de lá permeia o cosmos. E, à medida que a energia se torna uma corrente e depois
um rio e depois um transbordamento, você será lavado completamente, inundado. Você não
sentirá que você existe. Você sentirá simplesmente que o cosmos existe. Inspirando, expirando,
você sentirá que você se tornou o cosmos. O cosmos entra e o cosmos sai. A entidade que você
sempre foi, o ego, não estará presente.
Esta técnica é muito simples, sem nenhum perigo. Assim, você pode experimentar com ela,
quanto você queira.
Mas, devido a ser tão fácil, você pode não ser capaz de fazê-la. A coisa toda depende do
toque sem pressão; então, você a terá aprendido. Experimente. Dentro de uma semana
acontecerá. De repente, um dia, quando você estiver apenas tocando sem nenhuma pressão,
imediatamente você sentirá o que estou dizendo – uma leveza e uma abertura no coração, e algo
caindo da cabeça dentro do coração.

91 Experiencie seu corpo etérico

A segunda técnica:

Gentil Devi,
Entre na etérea presença
Permeando acima e abaixo a sua forma.

Gentil Devi, entre na etérea presença permeando acima e abaixo a sua forma.
A segunda técnica só deve ser feita se você tiver feito a primeira. Ela pode ser feita
separadamente também, mas, então, será muito difícil. Mas se você tiver feito a primeira, então,
é bom fazer a segunda e ela se torna fácil.
Sempre que isto acontecer – de você se sentir leve, levitando, como se pudesse voar –, de
repente, você ficará ciente de que, ao redor da forma do seu corpo, há uma luz azulada. Mas isso
só pode ser percebido quando você sente que pode levitar, que seu corpo pode voar, que ele se
tornou leve, completamente livre de qualquer carga, completamente livre de qualquer gravidade
puxando-o para a terra.
Não que você possa voar... – esse não é o pormenor,. Às vezes acontece. Às vezes acontece
de se chegar a um tal ponto de equilíbrio que seu corpo sobe. Mas essa não é a meta, e não pense
sobre isso de forma alguma. Este tanto servirá: se você sente, com os olhos fechados, que seu
corpo subiu. Quando abrir os olhos, você verá que você está simplesmente sentado no chão;
então, não se preocupe com isso. Se com os olhos fechados você sentir como se não houvesse
nenhum peso no corpo, isso é o bastante.
Para a meditação isto é o bastante. Mas se você estiver tentando aprender levitação, então,
não é o bastante. Mas eu não estou interessado nisso, e não lhes direi nada sobre isso. Este tanto
basta – que você sinta que seu corpo não tem peso, que ficou sem nenhum peso.
Quando quer que você sinta essa ausência de peso, com os olhos fechados, fique ciente da
forma do seu corpo. Com olhos fechados, sinta seus artelhos e suas formas, e as pernas e suas
formas e, então, a forma de todo o corpo. Se você estiver sentado na postura siddhasana, como
um buda, então sinta a forma ao estar sentado como um buda.Internamente, tente sentir a forma
do seu corpo. Ela se tornará aparente, aparecerá diante de você, e você, ao mesmo tempo, fica
ciente de que bem ao seu redor a forma existe como uma luz azulada.
Faça isso com os olhos fechados no começo. E, quando esta luz for se espalhando e você
sentir uma aura, uma aura azulada em torno de toda a forma, então, algumas vezes – quando
estiver fazendo isso à noite, em um quarto escuro sem nenhuma luz –, abra seus olhos e você a
verá exatamente em torno de seu corpo: uma forma azulada, apenas luz, uma luz azul, ao redor
de todo o corpo. Se você realmente quiser vê-la – não com os olhos fechados, mas com os olhos
abertos –, faça isso num quarto escuro, sem absolutamente luz nenhuma.
Essa forma azulada, essa luz azulada, é a presença do corpo etéreo. Você tem muitos corpos.
Esta técnica está interessada no corpo etéreo e, através do corpo etéreo, você pode entrar no mais
alto êxtase. Há sete corpos, e cada corpo pode ser usado para se entrar no divino; cada corpo é
simplesmente uma porta.
Esta técnica usa o corpo etéreo, e o corpo etéreo é o mais fácil de se perceber. Quanto mais
profundo o corpo, mais difícil; mas o corpo etéreo está bem próximo a você, bem perto do físico.
É bem perto mesmo. A segunda forma é a etérea – bem à sua volta, bem ao redor do seu corpo.
Ela penetra seu corpo e também está em torno de seu corpo, assim como uma luz em forma de
bruma, uma luz azul, em toda a volta, como uma túnica solta.

Gentil Devi,
Entre na etérea presença
permeando acima e abaixo a sua forma.

Acima, abaixo... – por toda parte em torno de sua forma. Se você puder ver essa luz azul ao
seu redor, o pensamento para imediatamente, porque, para o corpo etéreo, nenhum pensamento é
necessário. E a luz azul é tão suave, tão branda, tão relaxante... mesmo ordinariamente, a luz azul
é muito branda. Por quê? Porque ela é a luz do seu corpo etéreo. O céu azul é tão brando. Por
quê? Porque é a cor do seu corpo etéreo. E o corpo etéreo é muito brando.
Quando quer que alguém o ame, quando quer alguém o toque com profundo amor, ele está
tocando seu corpo etéreo. Eis por que você sente isso como uma coisa tão branda. Isso já foi
fotografado. Dois amantes em profundo amor, fazendo amor: se o intercurso puder continuar
além de certo limite, além dos quarenta minutos, e sem nenhuma ejaculação, em torno dos dois
corpos em profundo amor, aparece uma luz azul. Isso já foi fotografado.
E algumas vezes tem havido fenômenos muito estranhos, porque essa luz é uma força elétrica
muito sutil. Em todo o mundo, muitas vezes, aconteceu de um novo casal, hospedado num novo
quarto durante a lua-de-mel, ou na sua primeira noite, quando eles ainda não conhecem o corpo
um do outro e não sabem o que é possível... Se os dois corpos estiverem numa certa vibração de
amor, de atração, de profundo envolvimento e doação – abertos; vulneráveis um ao outro,
prontos para se tornarem um espaço – então, às vezes, acontece acidentalmente de seus corpos
eletrizarem-se tanto, seus corpos etéreos tornarem-se tão vividos, que as coisas dentro do quarto
começam a cair.
Um fenômeno muito estranho: uma estatueta em cima da mesa, de repente cai. O vidro da
mesa de repente se quebra. Não há mais ninguém lá, somente o casal se amando, e eles nem ao
menos tocaram o vidro. Ou de repente alguma coisa pega fogo. Esses casos têm sido contados
em muitas delegacias de polícia por todo o mundo, e muitas investigações têm sido feitas e,
então, descobriu-se que duas pessoas em profundo amor podem criar tanta força elétrica que
pode afetar as coisas ao redor.
Essa força também vem através do corpo etéreo. Seu corpo etéreo é seu corpo elétrico.
Sempre que você está transbordando de energia, você tem um campo maior para o seu corpo
etéreo. Sempre que você está triste, deprimido, você não tem nenhum corpo etéreo perto do
corpo físico. Ele recua para dentro de corpo. Assim, junto de uma pessoa triste, de uma pessoa
deprimida, você também se sentirá triste. Se uma pessoa realmente triste entrar nesta sala, você
sentirá que algo está errado, porque o corpo etéreo dessa pessoa afetará você imediatamente. Ele
se torna um explorador, porque suas próprias forças etéreas estão tão deprimidas que começam a
se alimentar dos outros.
Uma pessoa triste o tornará triste, uma pessoa deprimida o tornará deprimido, uma pessoa
doente o tornará doente, porque não é somente aquilo que é visível, mas alguma coisa escondida
está funcionando o tempo todo. Mesmo que a pessoa não tenha dito nada, mesmo que ela esteja
sorrindo por fora, se ela estiver deprimida, ela o irá explorar. Seu corpo etéreo perderá sua
energia – ele o explorará: ele se alimentará de você. Quando uma pessoa está feliz e entra,
imediatamente você sente felicidade ao seu redor, porque ela está irradiando muita força etérea.
Ela está realmente dando-lhe um banquete: ela o está alimentando. Ela tem muito, está
transbordando.
Quando um buda anda por aí, ou um Cristo, ou um Krishna, eles constantemente estão lhes
oferecendo um banquete, vocês são convidados permanentes. E, quando você volta, depois de
ver um buda, você se sente tão refrescado, tão vivo, tão vitalizado, tão rejuvenescido... O que
aconteceu? Buda pode não ter dito nada. Até um darshan, um olhar, e você sente que algo
mudou dentro de você, algo entrou em você.
O que está entrando? Ele está tão transbordante de energia... E quem quer que esteja em paz
consigo mesmo, está sempre inundado, porque sua energia não é desperdiçada em bobagens
desnecessárias, nas quais você está desperdiçando sua energia. Ele está sempre transbordante, e
quem quer que venha, pode absorver. Jesus diz: “Venham a mim. Se você está pesado, venha a
mim. Eu o descarregarei”. Realmente, ele não está fazendo nada: é simplesmente sua presença.
Dizem que sempre que um homem-deus – um teerthankara, um avatar, um Cristo – anda
pela terra, ao redor dele um determinado ambiente é criado. Os iôgues jainas até mediram o
tamanho. Eles dizem que são vinte e quatro milhas. Vinte e quatro milhas é o raio ao redor de um
teerthankara, e num raio de vinte e quatro milhas em torno dele, cada um está inundado com sua
energia: sabendo, não sabendo, amigo ou inimigo, seguindo-o ou se opondo a ele, não faz
nenhuma diferença.
Se você o estiver seguindo, você é mais inundado, porque você está mais aberto; se opondo,
você está inundado, mas não tanto, porque você está fechado – mas a energia está jorrando. Um
único homem pode ser tamanho reservatório! Um único homem, se imperturbado, silencioso, à
vontade, em casa, é tamanho reservatório, que num raio de vinte e quatro milhas em todas as
direções, um ambiente é criado. E nesse ambiente, você está num constante banquete.
Isso acontece através do corpo astral. O corpo astral é seu corpo elétrico. O corpo que vemos,
é o físico, o material. Este não é a vida realmente. A vida chega a seu corpo, devido ao elétrico,
ao corpo etéreo. Esse é o seu prana, essa é sua vitalidade.
Então, Shiva diz:

Gentil Devi,
Entre na presença etérea...

Primeiro você terá de tomar ciência da forma que cerca sua forma física e, quando você tiver
tomado ciência, então, ajude-a a crescer, ajude-a a aumentar e expandir-se. O que você pode
fazer?
Basta sentar-se silenciosamente, olhando para ela; sem fazer nada, apenas olhando para a
forma azulada ao seu redor; sem fazer nada, apenas olhando para ela, você sentirá que ela está
aumentando, se espalhando, tornando-se cada vez maior e maior. Porque quando você não está
fazendo nada, toda a energia vai para o etéreo. Lembre-se disto. Quando você está fazendo
alguma coisa, a energia é tirada do etéreo.
Lao-Tzu diz: ‘Fazendo nada, ninguém é mais forte do que eu. Fazendo nada absolutamente, e
ninguém é mais forte do que eu. Os que são fortes por fazer, podem ser derrotados’. – diz Lao-
Tzu. ‘Eu não posso ser derrotado, porque minha energia vem do não-fazer’. Então, o segredo é
não fazer nada. O que Buda fazia debaixo da árvore bódhi? Nada. Ele estava no não-fazer
naquele momento. Ele não existia. Simplesmente sentado, ele alcançou o supremo. Parece um
enigma. Nós estamos fazendo tanto esforço e nada é alcançado, e Buda não estava fazendo nada
debaixo da árvore bódhi e ele alcançou o supremo.
Quando você não está fazendo nada, sua energia não está se movendo. Ela vai para o etéreo.
Ali ela se acumula. Seu corpo etéreo se torna um reservatório elétrico. E quanto mais ele cresce,
mais você fica silencioso. Quanto mais silencioso você fica, mais você cresce. E, uma vez que
você saiba como dar energia para o corpo etéreo e como não desperdiçá-la sem necessidade,
você percebeu, você veio a conhecer uma chave secreta. Então, você pode ser festivo.
Realmente, somente então você pode ser festivo. Como você está agora, drenado de energia,
como você pode ser festivo? Como você pode celebrar? Como você pode florescer? As flores
fazem parte do luxo. Quando a árvore está transbordando de energia, então as flores surgem. As
flores são sempre luxo.
Se a árvore estiver faminta, as flores não virão, porque até mesmo para as folhas não há
bastante alimento. Há uma hierarquia: primeiro as raízes serão alimentadas, porque elas são o
mais básico. Se elas desaparecerem, então, não haverá nenhuma possibilidade para as flores.
Depois, o tronco será alimentado; depois os ramos serão alimentados. Se tudo estiver bem e a
ainda houver energia ali, então as folhas serão alimentadas, e se ainda houver alimento e a árvore
estiver totalmente satisfeita, sem necessidade de nenhum alimento, sem necessidade de mais
nenhuma energia para existir e sobreviver, de repente a árvore floresce. As flores são um
banquete para os outros. É uma apresentação. É um presente da árvore para você.
E a coisa acontece no homem também. Um buda é uma árvore que floresceu. Agora, a
energia está tão transbordante, que ele convida todo mundo a vir e compartilhar.
Primeiro tente a primeira técnica e depois tente a segunda. Você pode fazê-las separadamente
também, mas será mais difícil para perceber a forma azulada do corpo etéreo.

Nota

[1] As palavras ‘board’ e ‘bored’ têm a mesma pronúncia em inglês. O estranho havia entendido o ministro falar ‘meeting of the
bored’, significando ‘reunião dos entediados’. (N. da T.)
Capítulo 64

AUSÊNCIA DE ESCOLHA É FELICIDADE



PERGUNTAS

É verdade que ao homem restam somente duas alternativas – uma vida de tristeza e sofrimento,
ou uma de divindade e bem-aventurança – e que esta escolha repousa dentro dele? Como é
possível que a maioria tenha escolhido o caminho da tristeza e do sofrimento?
Na noite passada você falou sobre o tédio. Como podemos esperar por uma sociedade
iluminada, quando para manter a sociedade, a maioria das pessoas deve fazer tarefas
entediantes, monótonas e repetitivas?

Primeira pergunta:

É verdade que ao homem restam somente duas alternativas – uma vida de tristeza e
sofrimento, ou uma de divindade e bem-aventurança – e que esta escolha repousa dentro
dele? Como é possível que a maioria tenha escolhido o caminho da tristeza e do
sofrimento?

Pergunta muito significativa, mas muito delicada também. A primeira coisa a ser
compreendida é que a vida é muito paradoxal e, devido a isso, muitas coisas acontecem. Estas
são as duas alternativas: ou o homem está no céu ou no inferno. E não há uma terceira
possibilidade. Ou você está em profundo sofrimento, ou está sem sofrer e em profunda bem-
aventurança. Essas são as duas únicas possibilidades, duas aberturas, duas portas, dois modos de
ser.
Então, necessariamente surge a questão – por que o homem escolhe ser sofredor? O homem
nunca escolhe estar em sofrimento, o homem sempre escolhe ser feliz – e aí surge o paradoxo. Se
você escolhe ser feliz, você estará em sofrimento, porque ser feliz significa ausentar-se da
escolha. Este é o problema. Se você escolher ser feliz, você sofrerá. Se você não escolher, se
você simplesmente permanecer uma testemunha, sem escolha, você será feliz. Assim, não é uma
questão da escolha entre felicidade e sofrimento; lá no fundo, é uma questão de escolher entre a
escolha e a não-escolha.
Por que acontece que sempre que você escolhe, você está sofrendo? Porque a escolha divide a
vida: algo tem de ser cortado e jogado fora. Você não aceita o total. Você aceita algo naquilo e
você nega algo, eis o que a escolha significa. E a vida é uma totalidade. Se você escolhe algo e
nega algo, isso que você negou virá até você, porque a vida não pode ser dividida. E aquilo que
você nega, só porque você o nega, torna-se uma coisa poderosa em cima de você. Você
realmente fica com medo daquilo.
Nada pode ser negado. Você pode somente fechar seus olhos para aquilo. Você pode somente
fugir. Você pode se tornar desatento daquilo, mas aquilo estará sempre ali escondido, esperando
pelo momento de se afirmar. Assim, se você nega o sofrimento – se você diz que você não vai
escolher o sofrimento – então, de modo sutil você o escolheu. Agora, o sofrimento estará sempre
rondando. Esta é uma coisa.
Vida é totalidade – a primeira coisa. E a vida é mudança – a segunda coisa. Essas são
verdades básicas. Você não pode dividir a vida. Em segundo lugar: nada fica estagnado, e nada
pode ficar. Assim, quando você diz “eu não vou sofrer; eu vou escolher um modo feliz de viver”,
você se apegará à felicidade. E sempre que você se apega a alguma coisa, você a quer, você
espera que ela seja permanente. E nada pode ser permanente na vida. A vida é um fluxo.
Então, quando você se apega à felicidade, você está novamente criando sofrimento, porque
esta felicidade acabará; nada pode permanecer. É um rio, e no momento em que você se apega ao
rio, você está criando uma situação na qual você será frustrado, porque o rio continuará se
movendo. Mais cedo ou mais tarde, você descobrirá que o rio já foi bem longe. Ele já não está
com você agora: suas mãos estão vazias e seu coração está frustrado.
Se você se apega à felicidade, haverá momentos de felicidades, mas eles vão passar. A vida é
um fluxo. Nada pode ser permanente aqui, exceto você. Exceto você, nada é eterno aqui e, se
você se apegar a uma coisa mutante, quando ela se for você sofrerá. E não é somente que quando
ela se for você sofrerá: se você tem a mente de apego, enquanto ela estiver presente você não
será capaz de desfrutá-la, porque você ficará constantemente com medo de que ela vá ser
perdida.
Se você se apegar, você perderá a oportunidade também. Mais cedo ou mais tarde, você
sofrerá e agora mesmo você não desfrutará, porque o medo está sempre ao redor – mais cedo ou
mais tarde aquilo terá de ir embora. O convidado chegou à sua casa, e você sabe que ele é um
convidado e que amanhã de manhã ele irá embora. Você começa a sofrer pelo futuro – amanhã
de manhã ele irá embora – e essa dor, esse sofrimento, essa angústia, cai sobre você agora
mesmo. Você não pode ser feliz enquanto o convidado está em sua casa. Enquanto o convidado
está com você, você não pode ser feliz, porque você já está na ansiedade e na angústia de que
amanhã de manhã ele irá embora. Assim, enquanto ele estiver presente, você não será feliz, e
quando ele se for, você ficará infeliz. Isso é o que está acontecendo.
A primeira coisa: a vida não pode ser dividida. Se você divide, somente então você pode
escolher. E aquilo que você escolhe é como um fluxo – mais cedo ou mais tarde não terá valor –
e aquilo que você negou, cairá sobre você; você não pode escapar disso. Você não pode dizer “eu
viverei somente durante o dia e fugirei nas noites”. Você não pode dizer “viverei somente com a
respiração que entra e não permitirei a respiração que sai”.
A vida é um ritmo de opostos. A respiração entra e sai: entre esses dois opostos – entrando e
saindo – você existe. O sofrimento existe, a felicidade existe. A felicidade é apenas como a
respiração que entra, o sofrimento é apenas como a respiração que sai; ou dia e noite – o ritmo
dos opostos. Você não pode dizer “viverei somente se eu for feliz; quando não estiver feliz, eu
não viverei”. Você pode tomar essa atitude, mas esta atitude o fará sofrer mais ainda.
Ninguém escolhe sofrer, lembrem-se disto. Você pergunta por que o homem escolheu sofrer.
Ninguém escolheu sofrer. Você escolheu não sofrer, você escolheu ser feliz, e você escolheu
fortemente. Você está fazendo tudo para ser feliz e eis por que você está em sofrimento, por que
você não é feliz.
Assim, o que é para ser feito? Lembre-se de que a vida é total. Você não pode escolher – toda
a vida tem de ser vivida. Haverá momentos de felicidade e haverá momentos de sofrimento, e os
dois têm de ser vividos; você não pode escolher. Porque vida é ambos – caso contrário o ritmo
será perdido, e sem ritmo não haverá nenhuma vida.
É exatamente como a música. Você ouve uma música: há notas, sons, e depois de cada som
há silêncio, uma lacuna. Por causa dessa lacuna – o intervalo de silêncio – e do som, por causa
desses dois opostos, a música é criada. Se você diz “escolherei somente sons e não vou usar as
lacunas”, não haverá nenhuma música. Será uma coisa monótona, será morta. Aquelas lacunas
dão vida ao som.
Esta é a beleza da vida – que ela existe através dos opostos. Som e silêncio, som e silêncio –
isso cria a música, o ritmo. É o mesmo com a vida. Sofrimento e felicidade são dois opostos.
Você não pode escolher.
Se você escolhe, já se tornou uma vítima: você sofrerá. Se você se tornar consciente dessa
totalidade dos opostos e do modo como a vida funciona, você não escolherá – essa é a primeira
coisa. E quando você não escolhe, não há nenhuma necessidade de se agarrar, não há nenhum
significado no apego. Quando o sofrimento vem você desfruta o sofrimento, e quando a
felicidade vem, você desfruta a felicidade. Quando o convidado está em casa, você o desfruta,
quando ele se foi, você desfruta o sofrimento, a ausência, a dor. Eu digo para você desfrutar os
dois. Este é o caminho da sabedoria: desfrute ambos, não escolha. O que quer que caia sobre
você, aceite-o. É seu fado, é como a vida é, e nada pode ser feito quanto a isso.
Se você toma essa atitude, não há nenhuma escolha. Você se tornou ausente de escolha. E,
quando vive ausente de escolha, você se torna ciente de si mesmo, porque agora você não está
preocupado com o que acontece, você não está indo para fora.
Você não está preocupado com o que está acontecendo ao seu redor. Seja o que for que
aconteça, você desfrutará, você experienciará; e você ganhará algo a partir disso, porque toda
experiência é uma expansão da consciência.
Se não houver realmente nenhum sofrimento, você seria pobre por isso, porque o sofrimento
dá profundidade. Um homem que não sofreu sempre permanecerá na superfície. O sofrimento
lhe dá profundidade. Realmente, se não houver nenhum sofrimento, você será insosso. Você não
será nada, apenas um fenômeno entediante. O sofrimento lhe dá nuança, profundidade. Certa
qualidade vem até você, qualidade que somente o sofrimento pode dar. Um homem que
permaneceu sempre na felicidade, no conforto, que não sofreu, não terá nenhuma nuança. Ele
será apenas uma massa tosca do ser. Não pode haver nenhuma profundidade. Realmente, não
pode haver nenhum coração. O coração é criado através do sofrimento: através da dor você
evolui.
Se um homem tiver somente sofrido e não tiver conhecido nenhuma felicidade, então
também, ele não será rico, porque a riqueza vem através dos opostos. Quanto mais você se move
nos opostos, mais elevado, mais fundo você evolui. Um homem que simplesmente sofreu, tornar-
se-á um escravo. Aquele que não conheceu momentos de felicidade não estará realmente vivo.
Ele se tornará um animal; ele simplesmente existirá de algum modo. Não haverá nenhuma
poesia, nenhuma canção em seu coração, nenhuma esperança nos olhos. Ele se fixará em sua
existência pessimista. Não haverá nenhuma luta, nenhuma aventura. Ele não se moverá. Ele será
simplesmente um poço de consciência estagnada, e um poço de consciência estagnada não é
consciência – em pouco tempo ele se tornará inconsciente. Eis por que se há demasiado
sofrimento você cai inconsciente.
Assim sendo, apenas felicidade não será de muita ajuda, porque não haverá nenhum desafio.
Só sofrimento não será de muito crescimento, porque não haverá nada pelo que lutar, esperar,
sonhar; não haverá nenhuma fantasia. Ambos são necessários, e a vida existe entre os dois como
uma tensão muito delicada, uma tensão sutil.
Se você compreender isto, então, você não escolherá. Então você sabe como a vida funciona
– como a vida é. Este é o modo, este é o jeito da vida – ela se move através da felicidade, ela se
move através do sofrimento e lhe dá nuanças, e lhe dá significado, e lhe dá profundidade. Assim,
ambos são bons.
Eu digo que ambos são bons. Eu não digo para escolher entre os dois – eu digo que ambos
são bons, não escolha. Em vez disso, desfrute ambos; em vez disso, permita que ambos
aconteçam. Seja aberto sem nenhuma resistência. Não se agarre a um e não resista ao outro.
Deixe a não-resistência ser seu lema: eu não resistirei à vida. Seja o que for que a vida me dê,
eu estarei pronto para tomá-lo, estarei disponível, e aproveitarei. As noites também são boas e
belas, e o sofrimento tem sua beleza própria. Nenhuma felicidade pode ter essa beleza. A
escuridão tem sua própria beleza; o dia tem sua própria beleza. Não existe comparação e não
existe nenhuma escolha. Ambos têm suas próprias dimensões na qual funcionar.
No momento em que esta consciência surge em você, você não escolherá. Você será apenas
uma testemunha, e você desfrutará – essa atitude de ausência de escolha se tornará felicidade.
Esta atitude de ausência de escolha se tornará felicidade. Felicidade não é o contrário de
sofrimento; felicidade é uma qualidade que você pode trazer a qualquer coisa, seja o que for – até
mesmo para o sofrimento.
Um buda não pode sofrer, mas isso não significa que o sofrimento não lhe aconteça. Lembre-
se disto: o sofrimento acontece tanto a um buda quanto acontece a você, mas ele não pode sofrer
porque ele conhece a arte de desfrutá-lo. Ele não pode sofrer, porque ele permanece venturoso.
Mesmo no sofrimento ele permanece festivo, meditativo, vivo, desfrutando, aberto, não-
resistente. O sofrimento acontece a ele, mas ele não é tocado. O sofrimento vem e vai
exatamente como uma respiração entrando e saindo. Ele permanece ele-mesmo. O sofrimento
não pode arrastá-lo. O sofrimento não pode tirar seus pés do chão. Nada pode empurrá-lo – nem
o sofrimento, nem a felicidade. Você existe como um pêndulo: tudo o empurra – tudo. Você não
pode nem ao menos ser realmente feliz, porque a felicidade também o matará. Você fica
demasiadamente envolvido nela.
Estou me lembrando... Aconteceu certa ocasião a um pobre professor primário – muito velho,
pobre, aposentado. Ele ganhou na loteria. A esposa tinha medo e ela pensou: “Isso vai ser demais
para o velho. Cinco mil dólares é demais para ele. Até uma nota de cinco dólares lhe dá tanta
felicidade! Então, cinco mil dólares podem até matá-lo”.
Ela correu até a igreja mais próxima, e foi falar com o padre e contou o que tinha acontecido.
Ela disse: “O velho não está em casa, mas ele está voltando, esta é sua hora de voltar. Então, faça
alguma coisa! Cinco mil dólares – só essa notícia o matará!”.
O padre disse: “Não tenha medo. Eu conheço a mente humana e o jeito como ela funciona. Eu
conheço a psicologia. Vou até lá”.
Então, o padre foi até a casa. No momento em que eles chegaram, o velho também chegou.
Então, o padre começou. Ele disse: “Suponha que você ganhe cinco mil dólares na loteria. O que
você faria?”.
O velho pensou, ponderou sobre aquilo, e respondeu: “Eu daria metade do dinheiro para a
igreja”.
O padre caiu morto. Aquilo foi demais.
Até a felicidade o matará, porque você fica muito envolvido. Você não pode permanecer fora
da coisa. Sofrimento ou felicidade, o que vier à sua porta, você fica tão envolvido naquilo, que
simplesmente fica sem os pés no chão. Você não mais está presente. Basta chegar uma brisa na
casa e você não existe mais.
O que eu estou dizendo é que se você não escolher, se você permanecer alerta e perceptivo de
que é assim que a vida é – os dias e as noites vêm e vão, sofrimento e felicidade... – você
simplesmente testemunha. Não há apego à felicidade, nenhum anseio pela felicidade, e nenhuma
fuga do sofrimento. Você permanece em si mesmo – centrado, enraizado. É isto o que a
felicidade é.
Portanto, lembre-se: a felicidade não é algo oposto ao sofrimento. Não pense que quando
você se tornar feliz não haverá nenhum sofrimento – tolice. O sofrimento faz parte da vida. Ele
cessa somente quando você não existe. Quando você desaparecer completamente, o sofrimento
cessa. Quando não mais houver nenhum nascimento, o sofrimento cessa. Mas, então, você está
dissolvido na totalidade, então, você não existe mais – apenas uma gota que caiu no oceano e que
não existe mais.
Enquanto você existir, o sofrimento continuará. Ele faz parte da vida. Mas você pode se
tornar consciente: então, o sofrimento acontece em algum lugar à sua volta, mas ele nunca
acontece a você. Mas, então, a felicidade também nunca acontece a você. Não pense que a
felicidade continuará acontecendo a você e o sofrimento não acontecerá – ambos não
acontecerão a você. Eles acontecerão sim, mas ao seu redor, na periferia, e você permanecerá
centrado em si mesmo. Você os verá acontecendo, você os desfrutará acontecendo, mas eles
acontecerão ao seu redor: não acontecerão a você.
Isso se torna possível se você não escolher. Eis por que eu disse que isso é delicado, sutil.
Devido ao paradoxo da vida, você escolhe a felicidade e cai no sofrimento. Você tenta fugir do
sofrimento e, cada vez mais e mais o sofrimento é convidado. Assim, tome isso como uma lei
suprema: seja o que for que você escolha, o oposto será seu destino. Tome isso como uma
suprema lei: seja o que for que você escolha, o oposto será seu destino.
Assim, seja qual for seu destino, lembre-se, você o escolheu ao escolher o oposto. Se você
está sofrendo, você escolheu seu sofrimento escolhendo a felicidade. Não escolha a felicidade e o
sofrimento desaparece. Não escolha de jeito nenhum. Então, nada pode acontecer a você, e tudo
é um fluxo exceto você. Isso tem de ser compreendido profundamente.
Somente você é fator constante na existência, nada mais. Somente você é a eternidade, nada
mais. Sua consciência nunca é um fluxo. O sofrimento vem; você o testemunha. Então, a
felicidade vem; você a testemunha. Então, não vem nada; você o testemunha. Somente uma coisa
permanece constante: a consciência que testemunha – e a consciência que testemunha é você.
Você foi uma criança... Ou, se você for mais além lá atrás, uma vez você foi apenas uma
célula atômica. Você não pode nem imaginar isso – apenas uma célula atômica no útero de sua
mãe, nem mesmo visível a olhos nus. Se essa célula aparecesse diante de você e você a
encarasse, você não seria capaz de reconhecer que você certa vez foi aquilo. Então, você foi uma
criança; depois, você ficou jovem; e, agora, você está velho, ou deitado no seu leito de morte.
Muitas coisas aconteceram. Toda a sua vida foi um fluxo; nada permaneceu o mesmo nem por
dois momentos.
Heráclito diz que não se pode pisar duas vezes no mesmo rio – e isto ele diz para o rio da
vida. Você não pode ter dois momentos similares. O momento que se foi não pode ser repetido.
Ele se foi para sempre; você não pode tê-lo novamente. O mesmo não pode existir. Em tamanho
fluxo, somente uma coisa dentro de você permanece a mesma – a testemunha.
Se você pudesse ter testemunhado no útero de sua mãe, a qualidade da consciência teria sido
a mesma. Se você pudesse ter testemunhado quando você era uma criança, a qualidade da
testemunha teria sido a mesma. Jovem ou perto da morte, quando estiver morrendo na sua cama,
se você puder testemunhar, a qualidade da consciência será a mesma.
A única coisa lá no fundo de você é seu Eu testemunhal, sua consciência – ela permanece a
mesma; tudo o mais muda. E se você se agarrar a qualquer objeto do mundo da mudança, você
sofrerá. Nada pode ser feito quanto a isso. Você está tentando fazer o impossível, eis por que
você sofre. Eu sei que você nunca escolhe, mas esse não é o ponto. Se você sofre, você escolheu
isso indiretamente.
Uma vez que você se torne ciente dessa falta de direção da vida, desta qualidade paradoxal da
vida, você cessará de escolher. Quando a escolha acaba, o mundo desapareceu. Quando a escolha
acaba, você entrou no absoluto.
Mas isso é possível somente quando a mente escolhedora desaparece completamente. Uma
consciência ausente de escolha é necessária e, então, você estará na felicidade. Melhor: você será
a felicidade. E eu repetirei: o sofrimento continuará a acontecer, mas agora nada o fará sofrer.
Mesmo que você de repente seja jogado no inferno – apenas pela sua presença ali, para você,
aquilo não mais será o inferno.
Alguém perguntou a Sócrates onde ele gostaria de ir, então, Sócrates disse: “Eu não sei se há
um inferno e um céu. Eu não sei se eles estão lá ou não, mas eu não escolherei entre os dois.
Minha única oração será esta: ‘Permita-me estar alerta onde quer que eu esteja. Permita-me estar
completamente consciente onde quer que eu esteja’. Quer seja no inferno ou no céu, isso é
irrelevante”. Porque, se você estiver completamente alerta, o inferno desaparece – o inferno é seu
ser não-consciente. Se você estiver completamente alerta, o céu aparece – o céu é seu ser
completamente consciente.
Realmente, não há tais lugares geográficos como inferno ou céu. E não continue pensando em
termos infantis, que um dia você morrerá e Deus o mandará para o céu ou para o inferno, de
acordo com os seus feitos, de acordo com seja o que for que você tenha feito na terra. Não, você
carrega seu inferno e seu céu dentro de você. Aonde quer que vá, você carrega seu inferno ou seu
céu com você.
Nem Deus pode fazer nada. Se de repente você o encontrar, ele parecerá um inferno. Você
carrega seu inferno internamente; você o projeta onde quer que você esteja. Você sofrerá. O
encontro será mortal, intolerável. Você poderá ficar inconsciente. Seja o que for que lhe
aconteça, você o carrega internamente. A semente da consciência é a semente de toda a
existência.
Assim, lembre-se: se você sofre, você escolheu isso – conscientemente, inconscientemente,
diretamente, indiretamente – você escolheu assim. É sua escolha e você é responsável. Ninguém
mais é responsável.
Mas, na nossa mente, na nossa mente confusa, tudo está de cabeça para baixo. Se você sofre,
você pensa que sofre por causa dos outros. Você sofre por causa de você mesmo. Ninguém pode
fazê-lo sofrer – isso é impossível. E, mesmo que alguém o faça sofrer, é escolha sua ficar
sofrendo através dele. Você o escolheu e você escolheu um determinado tipo de sofrimento
através dessa pessoa. Ninguém pode fazer você sofrer – é escolha sua. Mas você sempre vai
pensando que se o outro mudasse, ou se o outro fizesse alguma outra coisa, você não sofreria.
Eu ouvi contar... Mulla Nasruddin estava respondendo a um repórter, porque ele tinha batido
no seu carro num estacionamento. Ele estava respondendo a um repórter, e muitas coisas foram
perguntadas. Quando ele chegou à parte onde lhe foi perguntado o que o motorista do outro
veículo poderia ter feito para evitar o acidente, ele respondeu: “Ele devia ter estacionado o carro
em outro lugar. O carro estava estacionado ali; ele devia ter estacionado noutro lugar – por causa
dele o acidente aconteceu”.
E isto é o que você está fazendo. Sempre o outro é responsável: ele devia ter feito assim ou
assado, e não teria havido nenhum sofrimento. Não, o outro não é responsável de jeito nenhum.
Você é o responsável e, a menos que você conscientemente tome sobre si a responsabilidade,
você não mudará. A mudança se tornará possível, facilmente possível, no momento em que você
percebe que você é responsável pelo sofrimento.
Se você sofreu, foi por escolha sua. É isto o que é a lei do karma, nada mais: você é
inteiramente responsável. Seja o que for que aconteça – sofrimento ou felicidade, inferno ou céu
– seja o que for que aconteça, no final você é totalmente responsável. Isto é que é a lei do karma:
a total responsabilidade é sua. Mas não tenha medo, não se apavore por isso, porque, se a total
responsabilidade é sua, então, de repente, uma porta de libertação se abre – porque, se você é a
causa do seu sofrimento, você pode mudar. Se os outros são a causa, então, você não pode
mudar. Como você poderia mudar? A menos que todo o mundo mude, você continuará sofrendo.
E parece não haver nenhum meio de se mudar os outros – então, o sofrimento não pode terminar.
Mas nós somos tão pessimistas, que até belas doutrinas, como a lei do karma, nós
interpretamos de tal modo que elas não nos livram nem nos libertam. Em vez disso, bem ao
contrário, elas nos fazem ainda mais sobrecarregados. Na Índia, a lei do karma tem sido
conhecida há pelo menos cinco mil anos ou até mais. Mas o que fizemos? Não tomamos
responsabilidade sobre nós mesmos. Jogamos toda a responsabilidade na lei do karma – que isso
está acontecendo por causa da lei do karma e não podemos fazer nada. Nada pode ser feito: “por
causa das vidas passadas, esta vida é assim”.
A lei do karma era para libertá-lo. Ela estava lhe dando total liberdade com relação a si
mesmo. Ninguém mais pode lhe causar qualquer sofrimento – esta era a mensagem. Se você está
sofrendo, você criou o sofrimento. Você é o mestre do seu destino e, se você quiser mudar isso,
você pode mudar imediatamente e a vida será diferente. Mas a atitude...
Ouvi contar que, certa vez, dois amigos estavam conversando. Um era um otimista de boa-fé;
o outro era um pessimista de boa-fé. Nem mesmo o otimista estava muito feliz com a situação. O
otimista disse: “Se esta crise econômica continuar e essas catástrofes políticas continuarem e o
mundo continuar como está, imoral, então, nós vamos ser reduzidos à mendicância muito
brevemente”.
Nem ele – o otimista – estava muito esperançoso sobre a situação. Quando ele disse: “vamos
ser reduzidos à mendicância”, o pessimista disse: “De quem? De quem vamos mendigar se esta
condição continuar?”.
Você tem uma mente e continua trazendo sua mente para tudo. Realmente, vocês
transformam a qualidade de qualquer doutrina ou ensinamento. Vocês derrotam os Budas, os
Krishnas tão facilmente, porque vocês convertem a coisa toda: você a colore do seu próprio jeito.
Você é totalmente responsável pelo que quer que você seja e pelo que quer que mundo, no
qual você está vivendo, seja. É tudo criação sua. Se isto for fundo em você, você pode mudar
tudo. Você não precisa sofrer. Não escolha, seja uma testemunha, e a felicidade lhe acontecerá.
A felicidade não é um estado morto. O sofrimento continuará passando ao seu redor. Assim, não
se trata de uma questão do que lhe acontece: é uma questão do como você é. Todo o significado
final vem de você, não do acontecimento.
Segunda pergunta:

Na noite passada você falou sobre o tédio. Como podemos esperar por uma sociedade
iluminada, quando para manter a sociedade, a maioria das pessoas deve fazer tarefas
entediantes, monótonas e repetitivas?

Novamente: nada é tedioso, nada é repetitivo nem monótono – você é, e você traz sua
qualidade para tudo que você faz. Nenhum ato é entediante em si mesmo, e nenhum ato pode ser
não-entediante em si mesmo – é você quem o torna entediante ou não-entediante. E o mesmo ato
pode ser um tédio para você neste momento e, no próximo momento, ele pode ser uma coisa
abençoada. Não que o ato tenha mudado: seu estado, a qualidade que você traz para o ato,
mudou. Assim, lembre-se: você não está entediado porque atos repetitivos têm de ser feitos. Bem
ao contrário, você é que está entediado – eis por que eles parecem repetitivos.
Por exemplo, as crianças querem repetir as coisas. Elas continuam jogando o mesmo jogo
repetidamente. Você fica entediado. O que elas estão fazendo? O mesmo jogo sempre e
novamente? Elas continuam pedindo pela mesma história. Elas se divertem com ela
repetidamente, e elas dizem: “Conte-me aquela história de novo”.
O que é que há? Você nem pode conceber isso. Parece estúpido. Não é. Elas são tão vivazes
que nada é repetitivo para elas. Você está morto e tudo é repetitivo para você. Elas vão repetindo
o mesmo jogo. O dia todo elas podem continuar nele e, se você as interromper, elas gritarão,
chorarão e resistirão a você, dizendo: “Não destrua nosso jogo!”. E você não pode compreender
como elas estão fazendo aquilo o dia todo.
Elas têm uma qualidade de consciência diferente. Nada é repetitivo para elas. Elas se
divertem tanto que o próprio divertimento muda a qualidade e, então, elas se divertem
novamente – e elas se divertem mais ainda, porque agora elas sabem como. Na terceira vez elas
se divertirão ainda mais, porque agora elas estão familiarizadas com tudo. Elas não param de se
divertir: o divertimento delas vai aumentando. O seu divertimento vai diminuindo
O que é que há? O ato em si é tedioso, ou tem algo errado no seu modo de ser, no seu modo
de consciência?
Olhe para isso de outro ângulo. Dois amantes continuarão repetindo os mesmos atos todos os
dias. Eles se beijarão e se abraçarão – são os mesmos atos. E eles gostariam de continuar fazendo
aquilo ad infinitum. Se você lhes der tempo, eles continuarão repetindo até o fim da vida.
Olhando para dois amantes, você ficará entediado. O que eles estão fazendo? A mesma coisa
todo dia!? E se você lhes der o dia todo, eles continuarão se agarrando, se amando, abraçando,
beijando. O que eles estão fazendo?
Os amantes se tornaram crianças novamente. Eis por que o amor é tão inocente – ele o faz
virar criança novamente. Agora, eles estão se divertindo com o jogo. Eles são novamente
crianças. Todo o absurdo da maturidade, eles jogaram fora. Eles estão alisando o corpo um do
outro, e para eles nada é repetitivo. Cada beijo é algo absolutamente novo, único – nunca tinha
sido assim antes e nunca será a mesma coisa novamente. Cada momento de amor tem sua própria
existência individual, não-repetitiva; eis por que eles continuam se divertindo.
A lei econômica do retorno decrescente não se aplica a isso. Para os amantes, não há
nenhuma lei de retorno decrescente; ao invés, o retorno crescente. Eis por que os economistas
não compreendem o amor, os matemáticos não compreendem o amor. Todos os que são
eficientes em cálculos, não compreendem o amor, porque este é absurdo: ele desafia todas as
leis, todas as matemáticas – ele continua crescente.
Quando eu era um aluno e meu professor de economia explicou-nos sobre a lei do retorno
decrescente, eu perguntei-lhe sobre o amor: “O que você diz do amor?”. Ele ficou perturbado e
quando eu disse que exatamente o contrário – a lei do retorno crescente – aplicava-se ao amor,
ele me disse: “Saia da sala! Você não pode compreender economia. Esta lei é universal”. Eu
disse: “Não diga que é universal, porque... – e quanto ao amor?”.
Dois amantes nos parecem estar se repetindo. Para eles, eles não estão se repetindo. Mas para
uma prostituta a lei da economia se aplicará, porque para ela, o amor não é amor, é uma
mercadoria – algo a ser vendido, algo que pode ser comprado. Assim, se você vai e beija uma
prostituta, para ela é um tédio, uma repetição e, um dia, ela dirá: “Isto é um absurdo. Eu fico
entediada de ser beijada e de beijar o dia todo – isso é intolerável”. Ela dirá que aquilo é um ato
repetitivo.
Eis o que eu quero mostrar-lhes – a diferença. Para um amante, não é repetitivo; para uma
prostituta é repetitivo. Assim, realmente, o ato em si não é repetitivo; é a sua qualidade que você
leva a ele. Seja o que for que faça, se você amar aquilo, nunca será repetitivo. Se você ama seus
feitos, seus atos, não haverá nenhum tédio. Mas você não ama.
Eu falo com vocês todos os dias. Eu posso continuar assim ad infinitum. Eu amo isso. Não é
repetitivo para mim. Da eternidade para a eternidade eu posso continuar falando com vocês.
Comunicação, comunicar com seu coração, é amor para mim. Não é um ato repetitivo, caso
contrário, eu ficaria entediado.
Eu ouvi dizer, que uma criança pequena foi com seu pai e sua mãe à igreja num domingo. No
domingo seguinte também, e mais outra vez no outro domingo. No terceiro domingo, a
criancinha perguntou a seu pai: “O Deus deve estar ficando chateado, porque as mesmas caras
todo dia na igreja! Todos os três domingos que viemos aqui – as mesmas caras! O Deus deve
estar chateado, vendo todo mundo vindo aqui sempre, sem parar, todo domingo”.
Mas Deus não está chateado. Toda a existência tem se repetido sem parar. A nós, parece
repetição, mas, se há um ser, um ser total, alguma coisa como Deus, ele não está chateado. Se ele
estiver chateado, não haveria por que continuar. Ele pode parar. Ele pode dizer: “Basta!”. Ele
pode dizer: “Acabou!” Mas ele não está entediado. Por quê?
Ele ama – seja o que for que esteja acontecendo é seu amor. Ele é um criador, não um
trabalhador, não um funcionário. Ele é um criador.
Um Picasso não fica entediado, ele é um criador. Se seu ato se tornar criação, você não ficará
entediado. E seu ato se torna criação, se você o ama. Mas a dificuldade básica é que você não
pode amar o que for que você faça, porque você se odeia – eis o problema. Assim, seja o que for
que você faça, você odeia, porque basicamente você se odeia.
Você ainda não se aceitou; você ainda não agradeceu à existência por sua existência. Não há
nenhum agradecimento a Deus, vindo do seu coração. Realmente, você tem um rancor – “Por
que você me criou?” Lá no fundo, você continua perguntando. “Por que eu fui jogado na
existência? Qual é o propósito?” Pense: se de repente Deus o encontrasse, qual seria a primeira
pergunta que você faria? Você perguntaria: “Por que você me criou? Para sofrer? Para ficar nesta
agonia? Para ficar vagando sem nenhuma necessidade por vidas e vidas? Por que você me criou?
Responda!”.
Você não se aceitou, então, como você pode aceitar seus atos? Ame-se. Aceite-se como você
é. Porque a ação é secundária – ela flui do seu ser. Se eu me amo, então, seja o que for que eu
faça, eu amo aquilo. E se eu não amo aquilo, eu paro. Qual é a necessidade de continuar?
Mas você não ama, e a fonte é amada; então, os produtos dessa fonte não podem ser amados.
Seja o que for que você faça – você pode ser um engenheiro ou pode ser um médico ou um
químico ou um cientista – seja o que for que faça, você levará ódio àquilo. Seu ódio torna aquilo
repetitivo. Você odeia aquilo, e você continua encontrando desculpas de por que você o está
fazendo. Você diz: “Estou fazendo isso pela minha esposa, por meus filhos”. E seu pai estava
fazendo aquilo por você, e o pai dele estava fazendo aquilo por ele, e seus filhos farão pelos
filhos deles, e ninguém desfrutará a vida.
São truques. Você é simplesmente um covarde. Você não pode fugir daquilo, porque aquilo
lhe dá segurança, seguridade, renda, conta bancária. Como você é um covarde, você não pode
parar de fazer aquilo e não pode começar a fazer aquilo que ama. Então, você continua pondo
tudo sobre os filhos, sua esposa, e eles todos estão fazendo o mesmo.
Pergunte ao filho. Ele está indo para a escola, ele se sente entediado. Ele diz: “Estou fazendo
isso por meu pai. Ele fica feliz. Se eu não for, ele fica infeliz”. E sua esposa? – ela está fazendo
tudo só por você e pelos filhos. Ninguém está realmente existindo para si mesmo. Ninguém ama
a si mesmo o bastante para existir para si mesmo. Então, tudo sai errado. A fonte está
envenenada e, então, tudo o que sai dessa fonte está envenenado.
E não pense que se você mudar de trabalho, você amará o novo trabalho. Não, você levará
sua qualidade para o novo trabalho também. No começo, ele pode ser uma sensação, algo novo,
mas, mais cedo ou mais tarde, você se estabelece e ficará tudo no mesmo.
Mude a si mesmo, ame-se, e ame seja o que for que faça; por menor que seja, não faz
nenhuma diferença.
Estou me lembrando de uma história. Quando Abraham Lincoln se tornou presidente, no
primeiro dia em que estava inaugurando o senado, alguém que tinha inveja do seu poder, do seu
prestígio, do seu sucesso, levantou-se e disse a ele: “Lincoln, não se esqueça de que seu pai era
um sapateiro”.
Aquilo era absolutamente irrelevante, absurdo, e o homem que disse isso acrescentou: “Seu
pai era um sapateiro, e ele fazia sapatos para minha família. Não se esqueça dele”.
Aquilo era apenas para insultá-lo, e todo o senado riu, porque todos estavam com inveja. Lá
no fundo, todos estavam sentindo: “Esta cadeira devia pertencer a mim, e este homem a
usurpou”. Naturalmente, quando alguém obtém sucesso, ele obtém de algum modo esperto – só
você tem sucesso corretamente. É assim que nos conformamos com o sucesso dos outros – foi
esperteza, por algumas técnicas erradas, de algum modo ele chegou lá. É assim que toleramos a
coisa e nos consolamos. Assim, todo o senado riu.
Mas Abraham Lincoln disse algo que é belo. Ele disse: “Foi muito bom o senhor ter me
lembrado de meu pai. Eu sei que ele era um sapateiro – mas eu nunca vi sapateiro melhor. Ele
era único, ele era um criador, porque ele amava fazer sapatos. E eu não consigo me pensar tão
bem-sucedido quanto ele foi, porque eu não amo esta presidência tanto quanto ele amou seu
trabalho de fazer sapatos. Ele gostava daquilo, ele era feliz. Eu nunca serei tão feliz nesta
presidência como ele foi como um sapateiro”.
“Mas por que senhor me lembrou disso neste momento?” – perguntou Abraham Lincoln. “Eu
sei que meu pai fazia sapatos para sua família, mas eles nunca reclamaram; assim, imagino que
os sapatos estejam adequados. Mas como o senhor me lembrou dele neste momento, sem
nenhuma relevância, eu sinto que algum sapato possa estar apertando. Eu sou filho dele, eu posso
repará-lo.”
Se você se ama, se você ama seu trabalho, você vive num ambiente diferente. Nesse
ambiente, nada é repetido. A repetição aparece somente para uma mente entediada. Não diga que
você está entediado, por causa dos atos repetitivos. Os atos parecem repetitivos porque você é
entediado –, então, seja o que for que faça, parecerá repetitivo.
Mas olhe para a vida – a vida adora a repetição. As estações se movem em um círculo. O sol
se move num círculo – todo dia, toda manhã, ele surge. E lá vem o verão e lá vem o inverno e lá
vêm as chuvas e esse movimento continua. Num modo profundo, toda a existência está se
movendo repetitivamente. Parece que a criação é exatamente como uma criança brincando. As
árvores não estão entediadas, e o céu não está entediado. O céu nunca diz: “Ora bolas, nuvens de
novo?”. Durante tantos e tantos milênios, o céu tem visto nuvens – a cada estação chuvosa as
nuvens vêm e começam a se mover. Olhe a vida. Ela é repetitiva.
A palavra não é boa; a palavra ‘repetitiva’ não é boa. Em vez dela, seria melhor dizer que a
vida continua jogando o mesmo jogo. Ela desfruta tanto esse jogo, que ela quer repeti-lo sempre.
E o jogo vai crescendo – vai se dirigindo a um clímax.
Por que o homem fica entediado com a repetição? Não porque a repetição seja entediante,
mas porque você está tão entediado que qualquer coisa acabará sendo um tédio.
Certa vez Sigmund Freud estava fazendo perguntas a um paciente; perguntas preliminares
básicas que ele costumava fazer antes de começar a psicanálise. Ele perguntou: “Olhe para
aquela estante, e diga do que ela o lembra imediatamente?”.
O homem olhou para os livros, sem olhar realmente, e disse: “Me lembra uma mulher, uma
bela mulher”. Isso foi bom para Freud, porque estava se encaixando com sua teoria de que tudo é
sexual. Então ele pegou seu lenço e disse: “Olhe para isto. Do que ele o lembra imediatamente?
O que vem a sua mente?”.
O homem riu e disse: “Uma linda mulher”.
Freud estourava de alegria. Realmente, essa era sua teoria – que todo homem está
basicamente interessado em sexo e nada mais. O homem pensa em mulher, a mulher pensa em
homem, e esse é todo o pensamento. Assim, ele disse: “Olhe para aquela porta”. Não havia
ninguém à porta, não havia ninguém nem na rua. Ele disse: “Olhe, não há ninguém. Esta
ausência – o que você sente? Do que ela o lembra imediatamente?”.
O homem disse: “Uma bela mulher”.
Agora, até Freud ficou um pouco perturbado. Aquele homem está apenas enganando-o ou
não? Então, ele disse: “Parece que é demais. Tudo o faz lembrar uma mulher.”
O homem disse: “Esse não é o ponto. Seja uma estante ou um lenço ou uma porta aberta não
importa. Realmente, eu nunca penso em nada, exceto em mulher. Eu nunca penso em nada mais,
então, seja o que for que diga é irrelevante. Eu penso só em mulher. Não é que alguma coisa me
lembre delas; eu só penso em mulher – não é uma questão de algo me fazer lembrar.
Assim, realmente não é uma questão de que este ou aquele ato o deixe entediado, ou que a
repetição, ou a monotonia, ou o trabalho maçante o deixe entediado. A coisa real é que você é
entediado, quer faça alguma coisa ou não. Se você estiver simplesmente relaxando numa cadeira,
você ficará entediado. Sem fazer nada, você se entediará. Você dirá: “Não há nada a fazer e eu
estou entediado. Nada a fazer! Eu fico entediado”.
A semana toda você fica entediado por causa do trabalho maçante, e no fim de semana você
fica entediado porque não há nada para fazer. A vida toda você fica entediado por fazer um
trabalho repetitivo numa fábrica, num escritório, numa loja. Então, quando você se aposenta,
você fica entediado porque agora não há nada a fazer.
Não é uma questão de qualquer outra coisa. Não é algo que está criando tédio em você; você
está entediado, e você continua levando seu tédio para tudo que você toca. Você já ouviu falar do
Rei Midas – qualquer coisa que ele tocasse virava ouro. Você também é um Rei Midas –
qualquer coisa que você toca vira tédio. Você tem toque alquímico: você pode transformar tudo
em tédio; tudo, eu disse.
Não pense em se mudar dos empregos, em mudar as ações; pense em mudar a qualidade da
sua consciência. Seja mais amoroso com você mesmo. A primeira coisa a se lembrar é: ser mais
amoroso consigo mesmo. Os moralistas envenenaram o mundo todo. Eles disseram: “Não se
ame. Isso é egoísmo”. Disseram: “Ame os outros, não se ame. O amor a si mesmo é pecado”.
E eu lhe digo que isso é absoluto absurdo – e não somente absurdo: é um absurdo perigoso. A
menos que você se ame, você não pode amar ninguém, é impossível; porque um homem que não
ama a si mesmo não pode amar ninguém. Se você se ama, somente então, você pode transbordar
de amor e alcançar alguém.
Um homem que não se amou, odiará a si mesmo e, se você odeia a si mesmo, como pode
amar alguém? Você odiará os outros também. Você só pode fingir. E, quando você não pode
amar a si mesmo, como pode esperar que outros o amem? Todo mundo está condenado diante de
seus próprios olhos. Todo o ensinamento moralista lhe dá somente uma coisa: técnicas de
autocondenação – de como se condenar, de como você é mau: um criminoso, culpado, um
pecador.
O cristianismo diz que o fato de você ser um pecador não é uma questão do que você faz:
você já nasceu pecador. Não é uma questão de se você comete algum pecado ou não; não, você
já nasceu pecador. O homem nasce em pecado. Adão, o primeiro homem, cometeu o pecado e
vocês são descendentes. O pecado foi cometido, nada pode ser feito. Agora, não pode ser
desfeito, e você já nasceu em pecado – o pecado de Adão. Se você já nasceu em pecado, como
você pode se amar? Se seu próprio ser é culpado, como você pode se amar? E se você não pode
se amar, você não pode amar ninguém. O amor deve acontecer no lar primeiramente – você é o
lar – e somente quando ele transbordar é que ele pode alcançar os outros. E quando ele
transborda, transborda nos seus atos, em seja o que for que você faça. Quer você pinte ou faça
sapatos, ou qualquer outra coisa – até limpar a rua – seja o que for que você faça, se você estiver
em profundo amor, se você estiver em profundo amor consigo mesmo, ele fluirá para tudo que
você fizer. Ele flui até quando você não está fazendo nada. Ele não para de fluir, torna-se sua
própria existência. E, então, nada mais é tedioso.
As pessoas vêm a mim; às vezes, muito afetuosamente, alguns amigos me perguntam: “O dia
todo você fica sentado em uma sala, sem nem olhar pela janela. Você não fica entediado, não?”.
Eu estou comigo mesmo. Por que eu deveria ficar entediado? Eles dizem: “Sentado sozinho,
você não fica entediado?”.
Se eu me odeio, ficarei entediado, porque não se pode viver com quem se odeia.
Você fica entediado consigo mesmo. Você não pode ficar sozinho. Mesmo se você ficar
sozinho por apenas alguns momentos, você fica inquieto, fica sem lugar, surge um desconforto.
Você anseia encontrar alguém, porque você não pode permanecer consigo mesmo. A companhia
é tão aborrecida – sua própria companhia. Você não consegue olhar para seu rosto. Você não
toca suas mãos amorosamente; não – impossível.
Eles me perguntam – e a pergunta deles é relevante no que se refere a eles mesmos. Como
eles ficarão entediados se ficarem sozinhos – eles me perguntam: “Você não sai de vez em
quando?”. Não há nenhuma necessidade. Às vezes eles me perguntam: “As pessoas vêm a você
com o mesmo problema repetidamente. Você não fica entediado, não?”.
Todo mundo tem o mesmo problema. Você é tão sem originalidade, não cria nem um
problema original. Todo mundo tem o mesmo problema. Alguns estão relacionados com seu
amor, com seu sexo, com sua paz da mente, com sua confusão, ou com alguma outra coisa –
alguma psicologia, alguma patologia, alguma coisa –, mas o homem pode ser facilmente dividido
em sete categorias, e há sempre as mesmas perguntas, as sete questões básicas, e as pessoas
continuam as levantando. Então, os amigos me perguntam: “Você não fica entediado, não?”.
Eu nunca fico entediado, porque cada indivíduo é único para mim. E, por causa do indivíduo,
o problema que ele traz não é uma repetição, porque o contexto é diferente, o indivíduo é
diferente. Você vem com seu problema de amor, um outro vem com o problema de amor dele:
ambos parecem iguais, mas não são, porque dois indivíduos são muito diferentes – a diferença
deles muda a qualidade do problema.
Assim, se você categorizar, você pode categorizar em sete categorias, mas eu nunca
categorizo. Cada indivíduo é tão único que não pode ser colocado com nenhum outro. Nenhuma
categoria pode ser feita. Mas, então, você tem de ter uma percepção muito aguda para penetrar
até a raiz onde o indivíduo é único. Caso contrário, na superfície são todos parecidos. Só na
superfície todos são parecidos, com os mesmos problemas, mas se você penetrar profundamente,
se você estiver alerta e pronto para se mover com a pessoa até o mais fundo âmago do seu ser,
quanto mais fundo você for, mais original, individual e único um fenômeno se apresenta. Se você
puder enxergar até o próprio centro, esta pessoa diante de você é irrepetível. Ela nunca existiu
antes, ela nunca existirá depois novamente. Ela é simplesmente única. E o mistério então o
preenche – o mistério da pessoa única.
Nada é uma repetição se você sabe como penetrar, como ser amoroso e alerta. Caso contrário,
tudo é repetitivo. Você fica entediado porque você tem uma consciência que cria tédio. Mude a
consciência, e não haverá nenhum tédio. Mas você continua mudando os objetos – isso não fará
qualquer diferença.
Capítulo 65

A VIDA É UM MISTÉRIO, NÃO UM PROBLEMA



OS SUTRAS

92. Ponha a substância da mente


Em tal inexpressável excelência
Acima, abaixo e no seu coração.
93. Considere qualquer área
da sua forma presente
como ilimitadamente espaçosa.

A vida não é um problema, mas um mistério. Para a ciência, a vida é um problema, mas para
a religião ela é um mistério. Um problema pode ser solucionado, um mistério não pode ser
solucionado – ele pode ser vivido, mas não pode ser solucionado. A religião não oferece
soluções, respostas. A ciência oferece respostas; a religião não oferece nenhuma.
Esta é a diferença básica, e antes que você faça qualquer esforço para compreender o que é
religião, esta diferença básica na própria abordagem entre uma mente religiosa e uma mente
científica deve ser profundamente compreendida.
Quando eu digo que a ciência olha para a vida como um problema, como algo que pode ser
solucionado, toda a abordagem se torna intelectual. Então, a mente é envolvida, não você. Você
está fora disso. A mente manipula, a mente ataca, a mente penetra e analisa. A mente argumenta,
duvida, experimenta, mas você como uma totalidade está fora disso. Daí, este fenômeno muito
enigmático: um cientista pode ser um intelectual muito arguto, no que diz respeito a seu próprio
departamento de pesquisa, mas na vida comum ele será um ser humano tão comum quanto
qualquer outra pessoa – nada de especial, simplesmente comum. No seu próprio ramo de
conhecimento ele pode ser um gênio, mas na vida ele é simplesmente comum.
A ciência inclui somente o seu intelecto, não a sua totalidade. Um intelecto tem uma
violência, ele é agressivo. Eis por que muito poucas mulheres podem ser cientistas – a agressão
não é natural para elas. O intelecto é masculino, agressivo, violento: eis por que o homem é mais
científico e a mulher é mais religiosa. O intelecto tenta dissecar, dividir, analisar, e sempre que
você disseca uma coisa viva, a vida desaparece. Somente as partes mortas restam em suas mãos.
Eis por que a ciência nunca toca a vida. Realmente, seja o que for que ela toque, torna-se
morto. Quando a ciência diz que não há nenhuma alma ou que não há nenhum Deus, isso é
significativo; não porque não haja nenhuma alma ou nenhum Deus, mas porque isso mostra que
a própria abordagem da mente científica é de tal ordem, que não se pode tocar na vida em algum
lugar. Onde quer que a ciência toque, a morte acontece. No próprio método, no próprio meio, na
própria abordagem da divisão, da análise, da dissecação, a vida é posta entre parênteses.
Uma coisa: o intelecto é violento e agressivo, então, o resultado final através do intelecto só
pode ser a morte, não a vida. Ele é parcial, não total; e partes são coisas mortas. A vida é uma
unidade orgânica. Você conhece a vida através da síntese, não através da análise. Quanto maior a
síntese, mais elevadas são as formas de vida que se desdobram. Deus é a suprema síntese, a
unidade total, a integridade da existência. Deus não é um enigma, mas a suprema síntese de tudo
o que existe – a matéria é a suprema análise de tudo o que existe.
Então, a ciência chega à materialidade atômica; e a religião chega à consciência cósmica. A
ciência desce até o último denominador mais baixo e a religião sobe até o denominador mais
elevado. Elas se movam em dimensões opostas. Assim, a ciência transforma tudo num problema,
porque, se você tem de lidar com aquilo cientificamente, você primeiro tem de decidir se é um
problema ou não. A religião toma o mistério como base. Não há nenhum problema, a vida não é
um problema. A ênfase é que ela não pode ser solucionada. Um problema significa algo
solucionável, algo que pode ser conhecido, algo reconhecível – pode não ser conhecido
exatamente agora, mas não é irreconhecível. No máximo, ele pode ser desconhecido, mas esse
desconhecimento desaparecerá e aquilo será transformado em algo conhecido.
Assim a religião, realmente, não pode fazer perguntas do tipo “o que é a vida”. Isso é
absurdo. A religião não pode fazer perguntas como “o que é Deus”. Isso é absurdo. A própria
abordagem da religião não permite a criação de problemas. A religião pode perguntar “como ser
mais vivo”, “como ser a própria corrente da vida”, “como viver em abundância”; a religião pode
perguntar “como ser um deus” – mas ela não pode perguntar “o que é Deus”.
Nós podemos viver mistérios, podemos nos tornar um com eles, podemos nos perder neles,
podemos ter uma existência totalmente diferente – a própria qualidade muda – mas nada é
solucionado, porque nada pode ser solucionado. E tudo que parece ser solucionável, tudo que
parece ser conhecível, é somente porque estamos tomando-o fragmentariamente. Se olharmos
para o todo, então, nada é conhecível, vamos apenas empurrando o mistério cada vez mais para
trás. Todas as nossas perguntas são temporárias, elas parecem ser respostas somente para mentes
preguiçosas. Se você tiver uma mente penetrante, você irá se deparar novamente com o mesmo
mistério, somente que ele foi empurrado para trás, um passo atrás. Bem atrás das respostas, a
pergunta está escondida. Você simplesmente criou a fachada de uma resposta, apenas uma
cortina em cima do mistério.
Se você puder sentir a distinção, então, desde o começo a religião toma uma forma diferente,
uma cor diferente, e uma visão diferente. Muda toda a perspectiva. Estas técnicas que estamos
discutindo aqui não são para se solucionar nada – elas não tomam a vida como um problema. A
vida existe. Ela tem sido um mistério e permanecerá um mistério. Seja lá o que fizermos, não
podemos desmistificá-la, porque ser misteriosa é a própria qualidade dela. A vida ser misteriosa
não é algo acidental, não é algo que possa ser isolado, é a própria vida, a vida em si. Assim, para
mim, quanto mais se entra no mistério, no misterioso, mais religioso você se torna.
Um homem realmente religioso não dirá que acredita em Deus, não dirá que Deus existe.
Essas coisas parecem ser muito superficiais, parecem como respostas dadas a certas perguntas.
Um homem religioso, não pode pronunciar tais profanações – que Deus existe... É um fenômeno
tão profundo, algo tão misterioso, que dizer qualquer coisa será profano. Assim, sempre que
alguém perguntava a Buda se Deus existia ou não, ele permanecia calado. Você está perguntando
uma coisa que não pode ser respondida. Não que não haja Deus, mas responder tal coisa a
tornará respondível. Então, a vida se tornará um problema que pode ser respondido. Então, o
mistério desaparece. Então, Buda dizia: “Não me façam perguntas metafísicas”.
As perguntas podem ser somente físicas. A física pode respondê-las. As perguntas metafísicas
não existem, elas não podem existir, porque metafísica significa mistério.
Estas técnicas são para ajudá-lo a se mover mais fundo dentro do mistério, não no
conhecimento.
Ou você pode olhar para isso de um modo diferente: estas técnicas são para ajudá-lo a ser
aliviado do seu conhecimento. Elas não são para ajudá-lo a aumentar a extensão do
conhecimento, porque o acúmulo de conhecimento é a barreira. A porta então fica fechada para o
mistério. Quanto mais você sabe, menos você é capaz de penetrar fundo na vida. O
maravilhamento original deve ser recuperado, porque, na faculdade de maravilhar-se como uma
criança, nada é conhecido e tudo se torna um mistério. E se você se move no mistério, quanto
mais fundo você for, mais profundo o mistério se torna. Então, chega um momento em que você
diz que você não sabe nada. Este é o momento certo.
Agora, você se tornou meditativo. Quando você sente uma profunda ignorância, quando você
se torna ciente de que não sabe nada, você chegou ao ponto de equilíbrio de onde a porta do
mistério pode se abrir. Se você já sabe, então, a porta permanece fechada; se você é ignorante,
completamente alerta de que você não sabe nada, a porta de repente se abre. A própria sensação
de que você não sabe, abre a porta.
Portanto, tome estas técnicas não como conhecimento, mas como uma ajuda para torná-lo
mais inocente. A ignorância é inocente, o conhecimento é sempre uma espécie de esperteza, de
engenhosidade. Se você puder usar seu conhecimento para se tornar ignorante novamente, então,
você o está usando corretamente. Esta é a única utilidade de todas as escrituras, de todo o
conhecimento, de todo Os Vedas: torná-lo como criança novamente.

92 Fique consciente dos momentos de não-pensamento

Agora, a primeira técnica:

Ponha a substância da mente


Em tal inexpressável excelência
Acima, abaixo e no seu coração.

Três coisas. Primeira: se o conhecimento é importante, então, a cabeça é o centro; se a


inocência da criança é importante, então, o coração é o centro. A criança vive no coração; nós
vivemos na cabeça. A criança sente; nós pensamos. Até mesmo quando dizemos que sentimos,
nós pensamos que sentimos. O pensar torna-se primário para nós, o sentir torna-se secundário.
Pensar é a ferramenta para a ciência, sentir é a ferramenta para a religião.
Você deve começar a ser um organismo que sente, novamente. E ambas as dimensões são
diferentes. Quando você pensa, você permanece separado; quando você sente, você se funde.
Pense sobre uma flor, uma rosa. Quando você pensa, você está separado, há uma brecha, uma
distância, um espaço. Para pensar, é preciso espaço; para os pensamentos se moverem, a
distância é necessária. Sinta a flor e a separação desaparece, a distância some. Porque, para
sentir, a distância é a barreira. Quanto mais perto você chega, mais você sente. Chega um
momento em que até a proximidade parece ser uma espécie de distância – e, então, acontece a
fusão. Então, você não pode sentir as fronteiras de onde você está e de onde a flor está, de onde
você acaba e de onde a flor começa. Então, as fronteiras se fundem uma na outra: a flor entra em
você de certo modo, você entra na flor de certo modo. Sentir é perder as fronteiras; pensar é criar
as fronteiras. É por isso que o pensamento sempre insiste em definições, porque, sem definições,
você não pode criar fronteiras.
O pensar diz “defina antes”, e o sentir diz “não defina”. Se você define, o sentir para.
A criança sente; nós pensamos. A criança chega perto da existência, ela se funde e permite à
existência fundir-se nela. Nós somos isolados, aprisionados na cabeça. Somos como ilhas.
Este sutra diz para voltar-se para o centro do coração. Comece a sentir as coisas. Será um
grande experimento se você começar a sentir as coisas. Seja o que for que faça, dê uma
quantidade de seu tempo e energia para sentir. Você está sentado aqui, você pode me ouvir – mas
isso fará parte do pensamento. Você também pode me sentir aqui, mas isso não fará parte do
pensamento. Se você puder sentir minha presença, então, as definições são perdidas. Então se,
realmente, você chegar a um momento de sentir, você não sabe mais quem está falando e quem
está ouvindo. Isso pode acontecer neste exato momento. Então, o locutor se torna o ouvinte e o
ouvinte se torna o locutor. Então, realmente, eles não são dois; mais exatamente, eles são dois
polos de um fenômeno: num dos polos está o locutor, no outro polo está o ouvinte. Mas eles são
apenas polos, isolados. Eles não são reais. A coisa real está bem no meio desses dois – a vida, o
fluxo. Sempre que você sente, algo além de seu ego se torna importante. O objeto e o sujeito
perdem suas definições. Um fluxo, uma onda existe – num polo, o locutor; no outro polo, o
ouvinte. Mas a vida é a onda.
A cabeça lhe dá clareza e, devido a essa clareza, muito confusão foi criada, porque a cabeça
define claramente, marca fronteiras, faz mapas. Com a razão, tudo é bem delineado: nenhuma
imprecisão, nenhum mistério é permitido. Tudo que é vago é rejeitado; somente o que está claro
é real. A razão lhe dá certa clareza e, por causa dessa clareza, surge uma grande incompreensão.
Clareza não é realidade. A realidade é sempre sem clareza, imprecisa. Os conceitos são claros, a
realidade é misteriosa; os conceitos são racionais, a realidade é irracional. As palavras são claras,
a lógica é clara, a vida não é clara. O coração lhes dá uma fusão imprecisa. Ela chega à realidade
mais intimamente, mas ela não é clara. E, devido a termos escolhido a clareza como meta, nós
perdemos a realidade. Você deve ter olhos não-rígidos para entrar na realidade novamente. Você
deve ser mais indistinto, você deve estar pronto para entrar em algo que não pode ser
conceptualizado, em algo que não é lógico, em algo que é vacilante e real, vacilante e vivo.
A clareza está morta. Ela permanece fixa. A vida é um fluxo, nada é fixo, nada permanece o
mesmo no momento seguinte. Como você pode ter clareza sobre ela? Se você insistir
demasiadamente na clareza, você perderá o contato com ela. Eis o que aconteceu.
Este sutra diz que a coisa básica é voltar para o centro do coração – mas como chegar a ele?
Ponha a substância da mente em tal inexpressável excelência acima, abaixo e no seu coração. A
expressão “substância da mente” não é uma boa tradução para a palavra sânscrita original –
‘chitt’. Mas não temos nenhuma outra equivalente. Assim, é bom de certo modo, pois ela carrega
o significado – não de ‘mente’, mas de ‘substância da mente’.
Mente significa intelecção, pensar, pensamento; e substância da mente significa o fundo em
cima da qual esses pensamentos flutuam – assim como, no céu, as nuvens circulam. As nuvens
são pensamentos e o céu é o fundo sobre o qual elas circulam. Esse céu, consciência, tem sido
chamado de substância da mente. Sua mente pode existir sem pensamentos; então, ela é chitt,
então, ela é mente-pura. Quando tem pensamentos, ela é mente-impura.
Quando sua mente pode existir sem pensamentos, ela é muito sutil, a coisa mais sutil possível
na existência. Você não pode conceber uma possibilidade mais sutil. A consciência é a coisa
mais sutil. Então, quando não há quaisquer pensamentos na mente, você tem a mente-pura. A
mente-pura pode se mover na direção do coração, a mente-impura não pode. Por ‘impureza’, não
quero dizer algum pensamento imoral na mente; por ‘impureza’, quero dizer todos os
pensamentos – o pensamento como tal é impuro.
Mesmo que você esteja pensando em Deus é uma impureza, porque a nuvem está se
movendo. A nuvem é muito branca, mas ela está ali e a pureza do espaço não mais está presente.
O céu sem nuvens não existe mais. Uma nuvem pode ser preta, um pensamento sexual movendo
na mente, ou a nuvem pode ser branca, bela, uma oração se movendo na mente, mas em ambos
os casos a mente-pura não existe. Ela está impura, nebulosa. E se a mente está nebuloso, você
não pode se mover no coração.
Isto tem de ser compreendido, porque com os pensamentos você se agarra à cabeça. Os
pensamentos são as raízes, e a menos que essas raízes sejam cortadas, você não pode cair no
coração.
A criança permanece no coração somente até o momento em que os pensamentos se
cristalizam, em que os pensamentos começam a flutuar em sua mente. Então, eles começam a se
enraizar; através da educação, da cultura, do cultivo, eles vão se enraizando; então, em pouco
tempo a consciência se move do coração para a cabeça. A consciência só pode permanecer na
cabeça se houver pensamentos. Isso é básico. Se não há pensamentos, a consciência
imediatamente retorna à sua inocência original no coração.
Daí tanta ênfase na meditação, tanta ênfase no não-pensamento, na percepção sem
pensamentos, na percepção sem escolha, ou na “consciência atenta” de Buda, que é
simplesmente um estado de consciência sem nenhum pensamento, simplesmente pura percepção.
O que acontece então? Um grande fenômeno acontece, porque, quando as raízes são cortadas, a
consciência retorna imediatamente para o coração, para o lugar original onde já havia estado.
Você se torna uma criança novamente.
Jesus disse: “Somente aqueles que forem como crianças entrarão no reino de meu Deus”. Ele
se refere àquelas pessoas cujas consciências já retornaram para o coração. Elas se tornaram
inocentes, como crianças.
Mas o primeiro requisito básico é pôr a substância da mente em tal inexpressável
excelência...
Os pensamentos podem ser expressos. Não há um único pensamento que seja inexpressável,
nem pode haver. Se for inexpressável, não se pode pensar naquilo: se é possível pensar, é
expressável. Não há um único pensamento que se possa dizer que é inexpressável. No momento
em que você pensa, ele se tornou expressável – você já o expressou para si mesmo.
Consciência, a consciência pura, é inexpressável. Eis por que os místicos continuam dizendo
que não podem expressar o que eles sabem. Os lógicos sempre levantam essa questão – se você
sabe, então, por que não pode dizê-lo? E seus argumentos têm sentido e significância. Se você
realmente diz que sabe, então, por que não pode expressá-lo?
Para um lógico, o conhecimento deve ser expressável – aquilo que pode ser conhecido, pode
ser dado a conhecer a outros, não há nenhum problema. Se você sabe aquilo, então, onde está o
problema? Você pode torná-lo conhecido de outros. Mas o conhecimento místico não é dos
pensamentos. Ele não conheceu aquilo como um pensamento, ele conheceu como sentimento.
Assim, realmente, não é bom dizer “eu conheço Deus”. É melhor dizer “eu sinto”. Não é bom
dizer “eu conheci Deus”. É melhor dizer “eu o senti”. Esta é uma descrição mais acurada do
fenômeno, porque este conhecer acontece através do coração, vem como sentimento, não como
conhecimento.
Pôr a substância da mente em tal inexpressável excelência... A substância da mente, a
consciência, chitt, são inexpressáveis. Se um único pensamento estiver se movendo, ele é
expressável. Assim, pôr a substância da mente em tal inexpressável excelência significa ir até
um ponto onde você esteja consciente, mas não consciente de algum pensamento; onde você
esteja alerta, mas sem nenhum pensamento se movendo na mente. Este é um ponto delicado e
muito difícil – você pode perdê-lo facilmente.
Nós conhecemos dois estados de mente. Um é quando os pensamentos estão presentes.
Quando os pensamentos estão presentes, você não pode se mover até o coração. Depois
conhecemos um outro estado de mente – quando os pensamentos não estão presentes. Quando os
pensam não estão presentes, você adormece. Então também, você não pode se mover para o
coração. Toda noite, por alguns momentos, por algumas horas, você sai do mecanismo de pensar.
Os pensamentos cessam, mas você não alcança o coração, porque você está inconsciente. Assim
sendo, um equilíbrio muito delicado é necessário. Os pensamentos devem cessar como eles
cessam no sono, quando não há sonhos – e você deve permanecer tão alerta quanto está quando
acordado. Esses dois pontos devem se encontrar. A mente deve estar tão sem pensamentos
quanto ela fica em profundo sono, mas você deve estar perfeitamente alerta, consciente.
Quando a consciência e esse estado sem pensamento se encontram, acontece a meditação. Eis
por que Patânjali diz que o samadhi é como sushupti. O mais alto êxtase, o samadhi, é como o
mais profundo sono, com somente uma diferença: nele você não está dormindo. Mas a qualidade
é a mesma – sem pensamentos, sem sonhos, imperturbado, sem uma única onda, totalmente
calmo e sereno, mas alerta. Quando você estiver consciente e não houver nenhum pensamento,
você sentirá uma súbita transformação em sua consciência. O centro muda. Você é jogado de
volta – você é jogado no coração. E, a partir do coração, quando você olha para o mundo, não há
nenhum mundo, há somente Deus. Partindo da cabeça, quando você olha em direção à
existência, não há nenhum Deus, há somente a existência material.
A matéria, a existência material, o mundo, e Deus não são duas coisas, dois pontos de vista,
duas perspectivas. São o mesmo fenômeno olhado de dois centros diferentes do ser.
Ponha a substância da mente em tal inexpressável excelência, acima, abaixo e no seu
coração. Esteja totalmente envolvido, fundido, imerso. Seja simplesmente a consciência, acima,
abaixo, no coração; o coração todo cercado por pura consciência; sem pensar em nada em
particular, apenas permanecendo consciente, sem nenhuma palavra, sem nenhuma verbalização,
absolutamente sem pensar. Simplesmente ser.
Ponha a substância da mente acima, abaixo e no seu coração, e tudo se tornará possível para
você. Todas as portas da percepção serão purificadas e todas as portas dos mistérios se abrirão.
De repente, não haverá mais nenhum problema e, de repente, não haverá mais nenhuma
infelicidade – é como se a escuridão tivesse desaparecido completamente. Uma vez que você
conheça isto, você pode retornar para a cabeça, mas você não mais será o mesmo. Agora você
pode usar a cabeça como um instrumento. Você pode trabalhar com ela, mas agora você não
mais está identificado com ela, e mesmo enquanto trabalhando com ela e olhando o mundo
através dela, você saberá que seja o que for que esteja vendo é por causa do intelecto. Agora
você está familiarizado com um ponto de vista mais alto, uma visão mais profunda – e a qualquer
momento que queira, você pode descer.
Uma vez que você conheça a passagem e como a consciência desce; uma vez que você saiba
como sua idade, seu passado, sua memória e seu conhecimento desaparecem e você se torna um
recém-nascido novamente; uma vez que você conheça este segredo, esta passagem, você pode
viajar até este ponto tantas vezes quanto queira, e você pode ser repetidamente revigorado. Se
você tem de usar a cabeça, você pode usá-la; você pode se mover no mundo comum, trabalhando
mas não se misturando nele, porque lá no fundo você sabe que aquilo que é conhecido pelo
intelecto é parcial, não é toda a verdade. E uma verdade parcial é mais perigosa do que uma
mentira, porque ela parece ser verdadeira e você pode ser enganado por ela.
Mais alguns pontos. Quando você se move para o coração, você olha para a existência como
um ser total. O coração não é departamental, o coração não é um fragmento seu, o coração
significa você em sua totalidade. A mente é um fragmento, a mão é um fragmento, o estômago é
um fragmento, todo o corpo tomado em partes é fragmentado. O coração não é um fragmento.
Eis por que minha mão pode ser cortada fora e eu continuarei vivo. Mesmo meu cérebro pode ser
removido e eu ficarei vivo, mas, se o coração for tirado, eu vou embora. Realmente, todo o meu
corpo pode ser removido, mas se meu coração estiver batendo, eu estou vivo. O coração significa
sua inteireza, então, quando o coração falha, você não está mais ali. Todas as outras coisas são
apenas partes, disponíveis. Se o coração está batendo, você permanecerá intacto. O centro do
coração é o verdadeiro âmago da sua existência. Eu posso tocá-lo com minha mão. Esse toque
me dará certo conhecimento sobre você, sobre sua pele, se ela é macia ou não. A mão me dará
certo conhecimento, mas esse conhecimento será parcial, porque a mão não é minha totalidade.
Eu posso ver você – meus olhos me darão certo conhecimento, de um diferente ponto de vista,
mas isso não será o todo. Eu posso pensar sobre você – novamente, a mesma coisa. Mas eu não
posso senti-lo por partes. Se eu o sinto realmente, eu o sinto na sua totalidade. Eis por que, a
menos que você conheça através do amor, você nunca conhece a inteireza de nenhuma pessoa.
Somente o amor pode revelar a personalidade toda para você, o ser inteiro, o essencial, o
total. Porque amor significa conhecer através do coração, sentir através do coração. Assim, para
mim, o sentir e o conhecer não são dois fragmentos do seu ser. O sentir está relacionado a seu ser
inteiro; e o conhecer, a apenas um fragmento dele.
Para a religião o amor é o mais elevado conhecimento. Eis por que a religião é expressa mais
em termos poéticos do que científicos. Os termos científicos não podem ser usados, eles
pertencem ao reino do conhecimento. A poesia pode ser usada. E aqueles que vieram a conhecer
a realidade através do amor, seja o que for que digam se transforma em poesia. Os Upanishads,
os Vedas, as palavras de Jesus, ou de Buda, ou de Krishna, são todos afirmações poéticas.
Não é apenas uma coincidência que todas as velhas escrituras religiosas estejam escritas em
poesia. Isso tem uma significância. Isso mostra que há alguma afinidade entre o mundo de um
poeta e o mundo de um místico. O místico está também usando a linguagem do coração.
O poeta é somente um místico em certos momentos de vôo, exatamente como quando você
pula – você pode sair da gravidade da terra, mas você retorna novamente para ela. Um poeta
significa uma pessoa que entrou por alguns segundos num vôo para dentro do mundo dos
místicos. Ele teve algum vislumbre. Um místico é aquele que partiu para além da gravidade
completamente, que vive no mundo do amor, que vive através do coração. Este se tornou sua
própria morada. Para a pessoa poética, é só um vislumbre: às vezes ela cai da cabeça para o
coração. Mas isso é apenas por um tempo – novamente ela volta para a cabeça. Assim, se você
vir um belo poema, não tente ver o poeta que o escreveu, porque você não encontrará a mesma
pessoa. Você ficará desapontado, porque você encontrará um homem muito comum. Ele teve um
vislumbre. Em certos momentos, a realidade é revelada para ele e ele cai no coração. Mas ele não
conhece a passagem. Ele não é um mestre disso. Foi um acontecimento e ele não pode se mover
para aquilo por sua própria vontade.
Quando Coleridge morreu, ele deixou cerca de quarenta mil poemas incompletos. Ele
realmente completou só sete poemas em toda a sua vida. Ele tornou-se um grande poeta, um dos
maiores do mundo. Muitas vezes foi-lhe perguntado: “Por que você vai empilhando poemas
incompletos? Quando você vai completá-los?”. Ele dizia: “Eu não posso fazer nada. Às vezes
algumas linhas vêm a mim e depois param. Assim, como posso completá-los? Esperarei. Tenho
de esperar. Se acontecer novamente e o vislumbre vier a mim e eu novamente tiver a palavra
revelada, a realidade, então, eu os completarei. Mas por conta própria eu não posso fazer nada”.
Ele deve ter sido um poeta muito sincero. Encontrar poetas tão sinceros é difícil, porque a
tendência da mente é suprir. Se lhe chegaram três linhas, então, você suprirá a quarta, e a quarta
matará todas as três, porque ela chegará de um estado de mente muito mais baixo – quando você
já voltou à terra.
Quando você saltou e esteve livre da gravidade por alguns momentos, você tinha uma
dimensão de ser diferente.
Um poeta se move na terra, mas às vezes ele salta. Nesses saltos, ele tem vislumbres. Um
místico vive no coração. Ele não se move na terra, o coração se tornou sua morada. Assim, ele
realmente não cria a poesia, mas seja o que for que ele faça, torna-se poético, o que quer que
diga, torna-se poesia. Realmente, um místico não pode usar a prosa, porque sua prosa também é
poesia – ela está vindo através do coração, está vindo através do amor.
Ponha a substância da mente em tal inexpressável excelência acima, abaixo e no seu
coração. O coração é seu ser total e, quando você é total, você pode conhecer o total – lembre-se
disto. Somente o similar pode conhecer o similar. Quando você está fragmentado, você não pode
conhecer o total. Como é internamente, assim é externamente. Quando você é total internamente,
a realidade total externa é revelada a você – você se tornou capaz de conhecê-la, você ganhou o
direito de conhecê-la. Quando você é fragmentado internamente, a realidade é fragmentada
externamente. Assim, como você for internamente, será o externo para você.
No coração, o mundo todo é diferente, a gestalt é diferente. Eu estou olhando para você. Se
eu estiver olhando para você através da cabeça, através do intelecto, através de uma das minhas
partes do conhecer, então, alguns amigos estão aqui, egos individuais – separados. Mas, se eu
estiver olhando para você através do coração, então, os indivíduos não estão aqui. Então, apenas
uma consciência oceânica está aqui e os indivíduos são puras ondas. Se eu olhar para você
através do coração, então, você e seu vizinho não são dois, então, a realidade está entre você e
seu vizinho. Vocês são apenas dois polos, e o real está bem no meio.
Aqui há um oceano de consciência no qual vocês existem como ondas. Mas as ondas não
estão separadas, elas estão interligadas. E vocês estão se fundindo a cada momento uns nos
outros, quer saibam disso ou não.
A respiração que estava dentro de você agora mesmo saiu de você – agora ela está se
movendo para dentro de seu vizinho. Um momentinho antes, ela era sua vida e você poderia ter
morrido sem ela e, agora, ela está se movendo para dentro do vizinho. É a vida dele agora. Seu
corpo está continuamente irradiando vibrações, você é um radiador, então, sua energia vital está
constantemente se movendo para dentro do seu próximo e a energia vital dele está se movendo
para dentro de você.
Se eu olho para você a partir do coração, se eu olhar para você com olhos amorosos, se eu
olhar para você totalmente, então, você se torna apenas pontos radiantes, e a vida está se
movendo continuamente, de você para os outros e dos outros para você...
E não somente apenas nesta sala: todo este universo é um constante fluxo de energia vital,
que não para de se mover. Não há unidades individuais, é um todo cósmico. Mas, através do
intelecto, o cósmico nunca aparece, somente fragmentos, fragmentos atômicos aparecem. E isto
não é uma questão que possa ser compreendida através do intelecto. Se você tentar compreender
através do intelecto, será impossível compreendê- lo. É uma perspectiva totalmente diferente, de
um diferente ponto da existência.
Se você for total internamente, a totalidade externa é revelada a você. Alguns chamaram essa
revelação de ‘percepção de Deus’; outros a chamaram de ‘moksha’, liberação; outros ainda a
chamaram de ‘nirvana’, cessação. Palavras diferentes, palavras completamente diferentes, mas
elas significam o mesmo cerne, a mesma essência.
Uma coisa é básica a todas essas expressões – o indivíduo desaparece. Você pode chamá-la
de ‘percepção de Deus’, então, você não mais é um indivíduo; você pode chamá-la de liberação,
então, você não mais é um Eu; você pode chamá-la de cessação – como Buda a chamou – então,
exatamente como uma vela, uma chama, cessa de ser, desaparece, se dissipa, você não pode
encontrá-la em lugar nenhum novamente, não pode localizá-la, ela entrou no não-ser, da mesma
forma, o indivíduo desaparece. Mas este ponto tem de ser ponderado. Por que todas as religiões
dizem que o indivíduo, o Eu, o ego, desaparece quando você percebe a verdade? Se todas as
religiões enfatizam isso, isto significa que o Eu deve ser ilusório – caso contrário, como poderia
desaparecer? O Eu não deve existir realmente, somente então ele pode desaparecer. Pode parecer
paradoxal, mas é isso mesmo: somente aquilo que não existe pode desaparecer. Aquilo que existe
persistirá no ser, não pode desaparecer.
Apenas devido à cabeça, uma falsa entidade entra no ser – o indivíduo. Se você descer até o
coração, a entidade falsa desaparece. Ela era uma criação da cabeça. A partir do coração, o
cósmico existe, o indivíduo não existe; o todo existe, as partes não. E, lembrem-se disto: quando
você não existe, você não pode criar o inferno; quando você não existe, você não pode ser
infeliz; quando você não existe, não pode haver nenhuma ansiedade, nenhum sofrimento. Toda
ansiedade, todo sofrimento, existe por causa de você – a sombra da sombra. O Eu é irreal, o ego
é irreal, e devido a esse Eu irreal, muitas sombras irreais são criadas. Elas o seguem; você
continua lutando com elas, mas você nunca será o vitorioso, porque a base permanece escondida
dentro de você.
Swami Ramteerth disse que certa vez estava hospedado numa casa, na casa de um aldeão
pobre. O filho pequeno do aldeão estava brincando bem em frente da cabana. O sol estava
surgindo e o filho viu sua sombra. Ele tentava pegá-la, mas, quanto mais ele se movia, mais a
sombra ia adiante. O menininho começou a chorar. Ele estava fracassando. Ele tentava pegá-la
de todo jeito, mas era impossível. Pegar uma sombra é impossível – não porque a sombra seja
uma coisa muito difícil de se pegar; é impossível porque a criança estava se movendo para pegá-
la. Quando o garotinho se movia, a sombra ia adiante. Você não pode pegar a sombra porque a
sombra não tem substância, e somente uma substância pode ser pegada. Ramteerth estava
sentado, vendo aquilo. Ele ria e a criança chorava. A mãe estava sem saber o que fazer. Como
consolar o filho? Então ela disse a Ramteerth: “Swamiji, pode me ajudar?”. Ramteerth foi até a
criança, pegou a mão dela e colocou-a sobre a cabeça dela – a sombra foi agarrada. A criança
começou a rir, pois ela pôde ver que sua mão tinha pego a sombra.
Você não pode pegar uma sombra, mas pode pegar a si mesmo. E no momento em que você
se pega, você pega a sombra.
O sofrimento é apenas uma sombra do ego. Nós somos todos como aquela criança, lutando
com o sofrimento, a ansiedade, a angústia, e tentando dispersá-los. Nunca poderemos ser
vitoriosos. Não é uma questão de força – todo o esforço é absurdo, impossível. Você tem de
pegar o Eu, o ego e, uma vez que você o pegue, o sofrimento de repente desaparece. Era tudo
uma sombra.
Há pessoas que começam a lutar com o Eu. Foi ensinado assim: “Disperse o Eu, seja sem
ego, e você estará feliz”. Então, as pessoas começam a lutar com o Eu, com o ego. Mas, se você
lutar, você ainda estará acreditando que o Eu existe. Sua luta dará alimento a ele, ela se tornará
algo que dá energia para o ego; você o estará alimentando. Esta técnica diz para não pensar no
ego, para simplesmente sair da cabeça e o ego desaparecerá. O ego é uma projeção da cabeça.
Não lute com ele. Você pode continuar lutando durante vidas seguidas, mas, se você permanecer
na cabeça, você não poderá vencer.
Basta mudar de ponto de vista, saia da cabeça para um ponto de vista diferente, para um
ponto de vista mais profundo do ser, e a coisa toda muda, porque, agora, você pode olhar de uma
perspectiva diferente. A partir do coração, não há nenhum ego. Por causa disso ficamos com
medo do coração. Nunca permitimos que ele tome seu próprio caminho, sempre interferimos
nele, sempre trazemos a mente para ele. Tentamos controlar o coração através da mente, porque
temos medo – se você se move para o coração, você se perde. E esta perda é exatamente como a
morte. Desse modo, a incapacidade de amar, desse modo o medo de cair no amor. Porque você
se perde, você não mais está no controle. Algo maior que você o abarca e toma conta. Então,
você não tem certeza do chão e não sabe onde está pisando e não sabe por onde está andando.
Então, a cabeça diz: “Não seja tolo, use a razão. Não seja louco!”.
Sempre que alguém se apaixona, todos pensam que a pessoa ficou louca. Ela mesma pensa
que algo enlouqueceu: “Eu não estou no meu senso!”. Por que isso acontece? Porque agora não
há mais nenhum controle, ela não pode mais regular e manipular. Ao contrário, algo a está
manipulando, uma força maior tomou conta dela. Ela está possuída...
Mas, a menos que você esteja pronto para ser possuído, não pode haver nenhum Deus para
você. A menos que você esteja pronto para ser possuído não há nenhum mistério para você, e
nenhuma felicidade, nenhuma bênção. Alguém que está pronto para ser possuído pelo amor, pela
oração, pelo cosmos, significa alguém que está pronto para morrer como ego. Somente este pode
saber o que é a vida realmente, o que a vida tem para dar. O que é possível, torna-se
imediatamente real, mas você tem de se pôr em jogo.
Esta técnica é bela. Ela não fala nada sobre seu ego. Não fala nada a respeito dele. Ela
simplesmente lhe dá uma técnica e, se você seguir a técnica, o ego desaparecerá.

93 Considere o corpo sem nenhum limite

O segundo sutra:

Considere qualquer área


da sua forma presente
como ilimitadamente espaçosa.

É o mesmo, mas através de uma porta diferente. A essência básica é a mesma, ou seja,
destruir os limites. A mente cria limites. Se você não pensar, você entrará no ilimitado. Ou, de
uma porta diferente, você pode tentar com o ilimitado e você sairá da mente. A mente não pode
coexistir com o ilimitado, com o indefinido, com o sem fronteira, com o infinito. A mente não
pode existir sem fronteiras, então, se você puder tentar algo sem limites, a mente desaparecerá.
Esta técnica diz: Considere qualquer área da sua forma presente como ilimitadamente
espaçosa. Qualquer área. Basta você fechar seus olhos e imaginar que sua cabeça tornou-se
infinita. Agora, não há mais fronteiras para ela. E isso vai e vai e vai, e não há nenhuma
fronteira. Sua cabeça se torna todo o cosmo, sem nenhuma fronteira. Se você puder imaginar
isso, de repente os pensamentos irão parar. Se você puder imaginar sua cabeça como infinita, o
pensamento não estará presente. O ato de pensar só pode existir numa mente muito estreita.
Quanto mais estreita ela for, melhor para pensar. Quanto maior a mente, menor o pensar, e
quando a mente se torna espaço total, não há nenhum pensamento absolutamente.
Buda está sentado sob sua árvore bodhi. Você pode imaginar no que ele está pensando? Ele
não está pensando, absolutamente. Sua cabeça é o cosmos inteiro. Ele se tornou espaçoso,
infinitamente espaçoso. Esta técnica é boa para aqueles que podem imaginar, ela não será boa
para todos. Para aqueles que podem imaginar, e para quem a imaginação se torna tão real que
não se pode realmente dizer se é imaginação ou realidade, ela funcionará. Caso contrário, não
valerá muito. Mas não tenha medo, porque pelo menos trinta por cento das pessoas são capazes
de tal imaginação. Essas pessoas são muito poderosas.
Se sua mente não for muito educada, será fácil para você imaginar. Se for educada, então, a
criatividade é perdida, então, sua mente é apenas um espaço de armazenamento, um banco. E
todo o sistema educacional é um sistema bancário. Ele vai coletando e despejando matéria sobre
você, seja o que for que achem que tem de ser despejado sobre vocês. Eles usam sua mente como
depósito – então você não pode imaginar. Então, seja o que for que faça é apenas repetir aquilo
que lhe foi ensinado.
Assim, aqueles que não são instruídos, podem usar esta técnica muito facilmente. E aqueles
que saíram da universidade sem serem distorcidos por ela, estes podem também usá-la. Aqueles
que ainda estão realmente vivos, mesmo depois de tanta instrução, estes podem fazê-la. As
mulheres podem fazê-la mais facilmente que os homens. Todos aqueles que são imaginativos,
sonhadores, podem fazê-la facilmente.
Mas como saber se você pode fazê-la ou não?
Você pode fazer um pequeno experimento antes de entrar nisso. Basta juntar suas duas mãos
e fechar os olhos. Durante cinco minutos, a qualquer hora, relaxe-se numa cadeira, junte
fixamente suas duas mãos, e imagine que as mãos estão tão presas uma na outra que mesmo que
você tente, você não pode abri-las. Isso vai lhe parecer absurdo, porque elas não estão trancadas,
mas você continua imaginando que estão.
Por cinco minutos, continue pensando e, depois, diga três vezes na sua mente: “Agora eu
tentarei abrir minhas mãos, mas eu sei que é impossível. Elas estão trancadas e não podem ser
abertas”.
Então, tente abri-las. Trinta por cento de vocês não será capaz de abrir as mãos. Elas estarão
realmente trancadas e, quanto mais você tentar, mais você sentirá que é impossível. Você
começará a transpirar – você não pode abrir suas próprias mãos! Então, este método é para você.
Então você pode tentar este método.
Se você puder abrir suas mãos facilmente e nada aconteceu, este método não é para você.
Você não será capaz de fazê-lo. Mas não fique apavorado se suas mãos não abrirem, e não tente
demais, porque, quanto mais você tentar, mais difícil será. Feche seus olhos novamente e
imagine que agora suas mãos estão desgrudadas. Você precisará de cinco minutos novamente
para continuar imaginando que quando você tentar abri-las, elas se abrirão imediatamente.
Destrave-as do mesmo modo que você as travou, através da imaginação. E, se isto for
possível, suas mãos ficarem grudadas só pela imaginação e você não poder abri-las, então, esta
técnica operará milagres para você. E dentre essas cento e doze técnicas há muitas que
funcionam com a imaginação. Para todas essas técnicas, esse experimento de mãos-trancadas
será bom. Apenas lembre-se: experimente se a técnica é ou não adequada a você.
Considere qualquer área da sua forma presente como ilimitadamente espaçosa. Qualquer
área... Você pode considerar o corpo todo. Feche os olhos e considere que o corpo todo está se
expandindo, expandindo, expandindo e, então, as fronteiras são perdidas. Ele se tornou infinito.
O que acontecerá? Você não pode nem conceber o que acontecerá. Se você puder conceber que
você se tornou o cosmos, o infinito – que é o propósito –, tudo que está ligado a seu ego não será
encontrado ali. Seu nome, sua identidade, tudo estará perdido. Sua pobreza ou sua riqueza, sua
saúde ou sua enfermidade, suas misérias – tudo se perderá, porque estas são partes do seu corpo
finito. Com um corpo infinito, elas não podem existir. E uma vez que você saiba disso, você
pode retornar ao seu corpo finito. Mas agora você pode rir. E mesmo no finito você pode ter o
senso, o sentimento de infinitude. Então, você pode carregar isso.
Tente. Será bom se você tentar com a cabeça, porque essa é a base de toda insanidade. Feche
os olhos, deite-se no chão ou sente-se numa cadeira e relaxe. Simplesmente olhe dentro da
cabeça. Sinta as paredes da cabeça se estendendo, se expandindo. Se você sentir que será muito
perturbador, então, tente lentamente. Primeiro, pense que sua cabeça já ocupou o quarto todo.
Você sentirá sua pele tocando as paredes. Se você pode trancar suas mãos, isto acontecerá. Você
sentirá o frescor das paredes que sua pele está tocando. Você sentirá a pressão.
Continue. Sua cabeça já foi além – agora, a casa já foi para dentro de sua cabeça, então, toda
a cidade já entrou na sua cabeça. Continue expandindo. Dentro de três meses, lentamente, você
pode chegar ao ponto onde o sol nasce na sua cabeça, começa a se mover na sua cabeça. Sua
cabeça se tornou infinita. Isto lhe dará uma profunda liberdade, como você nunca conheceu. E
toda a miséria que pertence a esta mente estreita, desaparecerá. Nesse estado, os visionários dos
Upanishads dizem: aham brahmasmi – “eu sou o Divino, eu sou o Absoluto”. Foi em tamanho
êxtase que ‘analahak’ foi proferido.
Mansur gritou em êxtase: “Analahak!Analahak! – eu sou Deus”. Os muçulmanos não
puderam compreendê-lo. Realmente, nenhum sectário seria capaz de compreender tais coisas.
Eles acharam que ele havia ficado louco, mas ele não estava louco, ele era a pessoa mais
mentalmente sã possível. Eles pensavam que ele havia se tornado um egoísta. Ele dizia: “Eu sou
Deus!”. Então, eles o mataram. Enquanto ele estava sendo morto, já com as mãos decepadas, ele
ria e dizia: “Analahak, Aham Brahmasmi! – Eu sou Deus!”. Alguém lhe perguntou: “Mansur,
por que você está rindo? Você está sendo assassinado!”. Ele respondeu: “Vocês não podem me
assassinar. Eu sou o todo!”.
Você pode assassinar somente uma parte. Como poderia assassinar o todo? Seja o que for que
faça, não fará nenhuma diferença.
Conta-se que Mansur teria dito: “Se vocês realmente queriam me matar, você deveria ter
vindo pelo menos dez anos antes. Então, eu existia. Então, vocês teriam me matado, mas agora
vocês não podem mais me matar, porque eu não existo mais. Eu já matei o ego que você poderia
matar e assassinar”.
Mansur estava praticando certos métodos sufis deste tipo, o tipo no qual a pessoa vai se
expandindo até que a expansão se torne tão infinita que a pessoa não exista mais. Então, o todo
existe e o indivíduo não mais existe.
Nessas poucas décadas passadas, nessas duas ou três décadas passadas, no Ocidente, as
drogas psicodélicas tornaram-se muito significativas. E a atração é realmente esta, da expansão,
porque sob a influência da droga sua estreiteza mental, suas limitações são perdidas. Mas a droga
é uma mudança química, não há nada de espiritual acontecendo a partir dela. É apenas uma
violência forçada sobre o sistema – você força o sistema a falhar.
Você pode ter um vislumbre de que você não mais está confinado a nada, que você se tornou
infinito, liberado. Mas isto é devido à imposição química. Uma vez de volta, você estará
novamente no corpo estreito, e agora este corpo sentirá mais estreito do que antes. Novamente
você estará confinado na mesma prisão, mas agora a prisão será mais intolerável ainda, porque
você teve um vislumbre. E como esse vislumbre foi através da química, você não é o mestre
dele, você se tornará um escravo, você se tornará um viciado. Agora você precisará de cada vez
mais.
Esta técnica é um psicodélico espiritual. Se você a praticar, uma mudança espiritual, que não
é química e da qual você será o mestre, tomará lugar.
Tome isso como um critério: se você for o mestre, então, a coisa é espiritual. Se você for o
escravo, então, cuidado – a coisa pode parecer espiritual, mas não pode ser. Qualquer coisa que
se torne viciosa, poderosa, escravizante, aprisionante, está conduzindo-o em direção a mais
escravidão, a maior ausência de liberdade – não importa a aparência que tenha.
Portanto, leve isso como um critério do que quer que faça. Sua maestria deve crescer através
disso. Impõe-se que você se torne cada vez mais e mais o mestre disso. Dizem, e eu repito
sempre e novamente, que quando a meditação realmente acontecer a você, você não precisará
mais de fazê-la. Se você ainda precisa fazê-la, ela ainda não aconteceu realmente. Porque isso
também se tornou uma escravidão. Até a meditação deve desaparecer. Chega um momento em
que você não precisa fazer mais nada. Então, assim como você é, você é divino; assim como
você é, você é a bênção, o êxtase.
Mas esta técnica é boa para a expansão, para expandir a consciência. Antes de tentar fazê-la,
tente o experimento das mãos-trancadas, de modo que você possa sentir. Se suas mãos se
tornarem trancadas, você tem uma imaginação muito criativa, ela não é impotente. Então, você
pode fazer milagres através dela.
Capítulo 66

ILUMINAÇÃO – O MAIS COMUM



PERGUNTAS

Na noite passada você disse que quando não há nenhum pensamento na mente, ela se torna um
espaço vazio e as portas para todos os mistérios são abertas. Eu sinto este espaço interno
profunda e claramente, mas não há nada especial que eu sinta como mistério.
Poderia explicar o que você quer dizer por mistério e como ele é sentido?
Não somente na meditação, mas na vida rotineira também, eu constantemente sinto uma
unidade com a existência, ausência de ego, intemporalidade. Contudo eu me sinto comum. E eu
não encontro em mim a transformação total sobre a qual você fala frequentemente.
Você está frequentemente dizendo que isto é bom ou mau, ou que isto é certo ou errado. Essa é
uma linguagem apenas para nós porque não somos capazes de perceber a unicidade de tudo,
ou existe mesmo essa tal coisa de bom e mau?
É nossa imaginação, através das auto-sugestões, que nos estabeleceram no mundo do finito, no
mundo dos nomes e forma, no mundo das dores e dos prazeres. O mesmo instrumento pode ser
usado para se alcançar o infinito, o absoluto, a felicidade? O mesmo instrumento na ordem
reversa?

A primeira pergunta:

Na noite passada você disse que quando não há nenhum pensamento na mente, ela se torna um espaço vazio e
as portas para todos os mistérios são abertas. Eu sinto este espaço interno profunda e claramente, mas não há
nada especial que eu sinta como mistério.
Poderia explicar o que você quer dizer por mistério e como ele é sentido?

A vacuidade interior em si mesma é o mistério. Você não pode senti-lo e você não pode
conhecê-lo. Você se torna ele. Você é ele. Quando o espaço interno está presente, então, você
não está. Você não pode observá-lo. Se você puder observá-lo, então, o espaço interno ainda não
apareceu. Quem o observará? Se você puder observá-lo, você está separado dele, então, ele não é
interno, é externo – está “fora” de você. O espaço interno ainda não se tornou vazio, ele ainda
está preenchido. O ego está presente, numa forma muito sutil; como um observador ou um
espectador, ele está ali. O interior não está vazio ainda, porque, quando o interior está vazio,
você desaparece.
Assim, a primeira coisa a ser lembrada é que você não será uma testemunha para o mistério,
você será o mistério. Você não será capaz de observá-lo, porque você não pode estar separado,
não pode haver nenhuma dualidade.
Uma coisa... Quando o espaço interno está realmente vazio, você não existe, porque você é a
coisa pela qual o interno está preenchido. Por causa de você, ele não está vazio; por causa de
você, o espaço está coberto, ocupado. Quando você se dissolve, quando você simplesmente
desaparece, somente então, a vacuidade interna existe. Assim, você não será uma testemunha
para o mistério. Até que você não esteja presente, o mistério não será revelado: quando você não
estiver, o mistério será revelado. Assim, se você diz que você sente a vacuidade interna, isso
significa que você não é a vacuidade interna: a vacuidade interna é algo que está acontecendo a
você, ao seu redor, mas você não está vazio. Então, realmente, essa vacuidade é apenas um
“pensamento” de vacuidade – é por isso que você diz que agora seu espaço interno ficou vazio.
Isso é um pensamento – essa vacuidade não é real, esta vacuidade é simplesmente parte da
mente. Se o observador está presente, então, o objeto tem de estar presente. Você pode fazer da
vacuidade um objeto, um pensamento.
Conta-se que Bokuju se tornou vazio assim. Ele deve ter encontrado esse tipo de vacuidade.
Ele foi até o mestre e disse: “Agora não há nada, me tornei vazio”. O mestre disse: “Saia e jogue
fora esse nada também. Esse nada ainda é algo – por que você o está carregando? Se você
realmente se tornou nada, você não será capaz de relatar isso. Quem transmitirá isso? Quem
sentirá certa façanha nisso?”. O mestre disse a Bokuju: “Você fez bem, você se tornou vazio,
agora, vá e jogue fora esta vacuidade também”.
Você pode se rechear com a vacuidade – este é o problema. E, se você está cheio de
vacuidade, você não está vazio.
A segunda coisa... O que você quer dizer por “mistério”? Seja o que for que você compreenda
não é o que eu quis dizer; porque você pensa que um mistério deve ser algo muito espantoso,
assombroso, chocante, que vai atirá-lo ao chão. Esse não é o ponto. Mistério é a simples
existência pura, sem nada de espantoso, nada de assombroso. Você não será empurrado para o
lado, nem jogado ao chão, nem ficará chocado, nem atônito. O mistério não é nada misterioso na
verdade. Esta existência muito comum – aceite-a como ela é sem criar nenhum problema.
Quando você não cria um problema a própria existência é o mistério; quando você cria o
problema, você está destruindo o mistério – agora, você está em busca de uma solução, de
alguma resposta. A mesma mente continua funcionando. Quando você me ouve falando sobre o
mistério, você fica pensando sobre algo muito especial. Não há nada de especial na existência.
Somente para o ego é que palavra ‘especial’ existe.
Conta-se que quando Lin Chi alcançou a iluminação, ele riu. Seus discípulos perguntaram:
“Por que está rindo?”. Ele disse: “Estou rindo disto. Eu me esforçando durante milhares e
milhares de vida para isto. É tão comum!”.
Isto é o mistério – nada especial.
Dizem a respeito de Do-zen, outro mestre do zen, que quando ele alcançou a iluminação, os
discípulos lhe perguntaram: “Qual foi a primeira coisa que você quis fazer depois da
iluminação?”. Consta que Do-zen disse: “Eu quis uma xícara de chá”.
Era algo tão comum. Mas para o ego essas coisas não têm apelo. Se eu disser que a
iluminação é tão comum, que você gostaria de tomar uma xícara de chá depois dela, então, você
sentirá que a coisa toda é absurda – por que se esforçar? Então, o ego entra. O ego quer algo
especial, algo raro, algo que não seja usual acontecer, algo que aconteceu somente a você, que
não aconteceu a exatamente ninguém mais. O ego quer algo especial, extraordinário. Realmente
não é extraordinário: está acontecendo em todos os lugares. E se não aconteceu a você, então,
isso é especial! Porque ela está aí, sempre presente. Nem por um único momento ela está
ausente. A iluminação está acontecendo a todo momento: ela é a própria essência da existência –
mas você está surdo e cego. Ela não é nada especial.
Ser um buda, ser iluminado, é o fenômeno mais comum. Quando eu digo ‘comum’, eu quero
dizer: é não pode ser de outra forma. Se parece muito extraordinário é por causa de você, porque
você cria muitas barreiras – e você as adora. Primeiro você cria o obstáculo, e depois você tenta
ultrapassá-lo. E então você se sente muito jubiloso. Em primeiro lugar, não há nenhum
obstáculo. Mas seu ego não se sentirá bem – você tem de criar uma longa rota até chegar ao
ponto que era o mais próximo, o mais íntimo. E você nunca o tinha perdido!
Assim, não busque algo misterioso. Basta ser simples e inocente. E então toda a existência se
abre para você. Você não ficará louco, você simplesmente sorri diante do absurdo da coisa toda,
que estava tão perto, e você não a podia atingir. E não havia nenhuma barreira. Estava, em certo
sentido, sempre dentro de você. Foi um milagre como você permaneceu sempre perdendo-a.
Se o vazio for real, tudo está ali – o todo, a realidade, se abrirá para você. Não que ele esteja
fechado neste exato momento, ele está aberto. Você está fechado. Sua mente está ocupada.
Quando sua mente estiver vazia, desocupada, você está aberto, e haverá um encontro. E então
tudo é belo em sua total singeleza. Por isso diz-se que aquele que conheceu se torna
absolutamente comum. Ele é um com a realidade.
Ficar ansiando pelo especial é o caminho do ego, e todos os caminhos do ego criam lacunas e
distâncias entre você e o real. Esvazie-se e todas as coisas lhe acontecerão.
Não que você terá algo para relatar: não há nada para ser relatado. Pensa-se que os budas e os
krishnas ou aqueles que atingiram o supremo, não podem descrevê-lo porque ele é simples
demais. Coisas complexas podem ser descritas, lembre-se. Coisas simples não podem ser
descritas. Quanto mais complexa é a coisa mais fácil é a descrição, porque, na complexidade,
você pode dividir, contrastar, comparar. Com uma coisa simples, você não pode fazer nada.
Por exemplo, se eu lhe perguntar “o que é o amarelo”, o que você dirá? O amarelo é tão
simples, não há nada complexo sobre ele. Se eu perguntar “o que é água”, você pode dizer:
“H2O”. Isso é complexo: há hidrogênio, há oxigênio; aí então, você pode defini-la. Mas se eu lhe
pergunto “o que é o amarelo”, no máximo, você pode dizer que amarelo é amarelo. Mas isso é
uma tautologia, não faz sentido. O que você fará se eu perguntasse “o que é o amarelo”? Você
pode indicar uma flor amarela, pode indicar um sol nascente amarelo, mas você não está dizendo
nada, você está indicando.
Uma coisa simples pode somente ser indicada; uma coisa complexa pode ser definida,
dividida, analisada. Os budas são silenciosos, não por terem encontrado uma realidade muito
complexa. Eles são silenciosos por causa de um fenômeno tão simples, que só pode ser indicado,
não definido. Assim, eles podem conduzi-los em direção àquilo, mas não pode dizer nada sobre
aquilo.
Esse mistério não é uma coisa complexa, é muito simples, o mais simples possível. Mas você
pode somente encontrar com ele quando você também tiver se tornado simples. Se você for
complexo, você não pode encontrá-lo. Não há nenhum ponto de encontro. Somente quando você
se torna simples, totalmente simples, inocente, vazio, a realidade e você se encontram. Então, há
um reflexo dela em você. Ela ecoa em você. Ela entra em você.
Mas não espere por nada especial. O nirvana não é nada especial. Quando eu digo isto, o que
está acontecendo na sua mente? Quando eu digo que o nirvana não é nada especial, o que você
sente? Como você se sente? Você fica um pouco desapontado. Na mente, a pergunta deve estar
surgindo – então, por que lutar? Então, por que fazer algum esforço? Então, por que meditar?
Então, por que essas técnicas?
Olhe para essa mente; essa mente é o problema. A mente quer algo especial. E devido a esse
desejo, a mente continua criando coisas especiais. Na realidade, não há nada especial: ou o todo
da realidade é especial, ou nada é especial.
Devido a esse desejo, a mente criou céus, paraísos. E ela não fica satisfeita só com um, ela vai
criando muitos. Os cristãos têm um céu, os hindus têm sete – porque há tanta gente boa, que
deve haver uma hierarquia. Os que são supremamente bons, aonde eles deveriam ir? E não há
nenhum fim para isso. Nos dias de Buda, havia uma seita que acreditava em setecentos céus.
Você tem de colocar os egos: o mais alto ego deve ir para o mais alto céu.
Eu andei olhando num livro dos swamis Radha. Eles dizem que há muitas divisões – quatorze
divisões. Somente o guru deles chegou à última. Buda está em algum lugar no sétimo, Krishna
em algum lugar no quinto, Maomé em algum lugar no terceiro. Somente o guru deles chegou ao
décimo quarto. E a cada um dos demais é dado um lugar, categorizado. Somente o guru deles é
especial. Este é o desejo de ser especial. E a cada um de acordo com seu desejo.
Ouvi contar uma historieta. Numa escola dominical, o sacerdote estava dando uma lição
religiosa a garotos muito pequenos da vizinhança. Ele falou muito sobre o que as pessoas boas
alcançariam – as coroas da glória e uma recompensa celestial. Os que são bons seriam coroados
no céu. Então, ao final de sua pregação, ele disse: “Quem ganhará a maior coroa?”. Houve
silêncio por um momento. Então, um garotinho, o filho do chapeleiro, levantou-se
confiantemente e disse: “Quem tiver a maior cabeça”.
É isso que estamos todos fazendo. Nossa definição da maior cabeça pode ser diferente, mas
temos uma concepção de algo especial no fim e, devido a esse ‘especial’, continuamos indo
adiante. Mas lembrem-se: por causa desse ‘especial’, não estamos indo a absolutamente lugar
nenhum. Vocês estão se movendo nos desejos. E um movimento no desejo não é um progresso, é
circular.
Se você ainda puder meditar, sabendo bem que não vai acontecer nada especial, que você
chegará apenas a uma reconciliação com a realidade comum, que você ficará em harmonia com
esta realidade comum; se com esta mente você puder meditar, então, a iluminação é possível
neste exato momento. Mas você não se vê meditando com essa mente – você dirá: “Deixe pra lá!
Se nada de especial vai acontecer...”.
As pessoas vêm a mim e dizem: “Estive meditando por três meses e nada aconteceu ainda!”.
Um desejo – e esse desejo é a barreira. Pode acontecer num único momento, se o desejo não
estiver presente.
Portanto, não deseje o misterioso. Realmente, não deseje nada. Fique à vontade, em casa, com
a realidade como ela é. Seja comum – ser comum é maravilhoso. Porque então não há nenhuma
tensão, nenhuma angústia. Ser comum é muito misterioso, porque é muito simples. Para mim, a
meditação é uma brincadeira, um jogo – não é um trabalho. Mas para você ela vai continuar
sendo trabalho; você pensa em termos de trabalho.
Será bom compreender a distinção entre trabalho e brincadeira. Trabalho é orientado para o
resultado, não é bastante em si mesmo. Ele deve conduzir a algum lugar, a alguma felicidade, a
alguma meta, a alguma finalidade – ele é uma ponte, um meio. Em si mesmo, ele é
insignificante. O significado está escondido na meta.
A brincadeira é totalmente diferente. Não há meta para ela, ou ela mesma é a meta. A
felicidade não está além dela, fora dela: estar nela é ser feliz. Ela não lhe dará nenhuma
felicidade fora dela, não há nenhum significado além dela – tudo o que existe é intrínseco,
interno. Você brinca, não por alguma razão, mas porque você gosta e se diverte no momento. É
sem propósito.
Eis por que somente crianças brincam realmente; quanto mais você cresce, menos capaz você
se torna de brincar. Devido a cada vez mais e mais propósito, cada vez mais e mais você
pergunta: “Por quê? Por que eu devo brincar?”. Cada vez mais você se torna orientado para um
fim: algo deve ser alcançado através daquilo, a coisa em si mesma não tem sentido. Valores
intrínsecos perdem o significado para você. Somente as crianças brincam, porque elas não
pensam no futuro. Elas podem estar aqui fora do tempo marcado.
Trabalho é tempo; brincadeira é intemporal. A meditação deve ser como brincadeira, não uma
finalidade. Você não deve meditar para alcançar algo, porque então todo o ponto é perdido. Você
não pode meditar, absolutamente, se você estiver meditando por alguma coisa. Você só pode
meditar se estiver brincando, desfrutando, se nada está para ser alcançado fora disso, se isso for
belo em si mesmo. Meditação por amor à meditação... – então ela se torna intemporal. Aí então o
ego não pode surgir:
Sem desejo, você não pode se projetar no futuro; sem desejo, você não pode disparar
expectativas, e sem desejo, você nunca ficará desapontado. Sem desejo, o tempo realmente
desaparece: você vai de um momento de eternidade para outro momento de eternidade. Não há
nenhuma sequência... e, então, você jamais perguntará por que nada de especial está
acontecendo.
Quanto a mim, eu ainda não vim a conhecer o mistério. A própria brincadeira é um mistério:
ser intemporal, sem desejo, é o mistério. E ser comum é a ‘meta’ – se você me permite usar a
palavra. Ser comum é a meta. Se você pode ser comum, você está liberado, então, não há
nenhum sansar para você, nenhum mundo para você.
O mundo todo é uma batalha para ser extraordinário. Alguns tentam isso na política, alguns
tentam na economia, alguns tentam na religião. Mas a luxúria permanece a mesma.

A segunda pergunta:

Não somente na meditação, mas na vida rotineira também, eu constantemente sinto uma
unidade com a existência, ausência de ego, intemporalidade. Contudo eu me sinto comum.
E eu não encontro em mim a transformação total sobre a qual você fala frequentemente.

Isto é bom. Esta é a meta. Você não deve criar um problema a partir disso. Você deve relaxar
e ser comum.
Mas por que você sente assim? Por que você sente que permanece comum? Em algum lugar
deve haver o desejo de ser extraordinário, de não ser comum. Somente em contraste com isso
você pode se sentir comum, e então certa tristeza se seguirá. Mas por que não ser comum? O que
eu quero dizer quando digo “ser comum”. Eu quero dizer que seja qual for o caso – seja.
Um jovem veio a mim há poucos dias, e me disse: “Eu sou um egoísta e sempre que o escuto,
eu sinto que estou errado. Então, como ser sem ego?”. Eu lhe disse: “Seja simplesmente egoísta,
e aceite o fato de que você é assim e não lute. Não tente ser sem ego. Você é um egoísta, então,
sinta isso e seja isso”.
Ele ficou muito desapontado, porque realmente ele estava buscando um novo modo para o
ego. Ele estava procurando pela ausência de ego. E eu disse: “O que quer que você seja, seja”, de
modo que o desejo possa ser cortado e o ego não possa se mover. E eu também lhe falei:
“Durante três meses, não volte a mim e não lute contra o ego – aceite-o, ele existe. Ele faz parte
de você, é assim que você é. Não lute contra, e não pense em termos do contrário, de como ser
sem ego, porque isso é o jeito do ego. Aceite-o. A aceitação é a morte”.
Mas o jovem disse: “Mas toda religião diz para ser sem ego, e eu quero ser sem ego”. Quem é
este “eu” que quer ser sem ego? Os meios do ego são muito sutis. Quando eu estava falando com
ele, eu senti que ele não estava me ouvindo. Se eu lhe desse alguma técnica para ser sem ego, ele
estaria pronto, de acordo, receptivo, porque então o ego poderia começar a funcionar. Mas eu
estava dizendo: “Não fale sobre ausência de ego, seja o que você é. E durante três meses não
lute, então volte a mim”.
Ele tentou. Depois de três meses ele voltou novamente e me disse: “Tem sido muito difícil
aceitar, mas como foi você que me disse, eu tentei. Agora, me dê uma técnica, me dê uma chave
para ir além deste ego”. Todo o esforço era falso, porque, se você aceita, então não há nenhum
desejo de ir além.
Sempre que você se percebe sendo comum, você tenta ser extraordinário de algum jeito. Mas
todo mundo é comum: ser comum é ser real. Talvez, para você, alguém pareça extraordinário,
porque você se compara com ele, mas um gênio em si mesmo é tão comum quanto qualquer
pessoa, e ele se sente comum. Uma rosa é comum, uma flor de lótus é comum, mas se a rosa
começar a se comparar e a pensar em como ser uma flor de lótus, então, surge o problema. E se o
lótus começar a pensar sobre o delicioso perfume que vem da rosa, então, a rosa se torna
extraordinária.
Quando você compara, na comparação, a raridade acontece – caso contrário, tudo é comum.
Em si mesmo, cada coisa é como é. Não compare e não fique ansiando pelo que não é. Se você
estiver ansiando, então, a meditação o desapontará, porque a meditação o levará a um ponto onde
você sente a sua total condição comum. Seja receptivo a isso, dê as boas-vindas. Isso é bom.
Mostra que a meditação está progredindo, se aprofundando. Mas num canto qualquer o desejo
pela raridade ainda está presente e isso está criando a barreira.
Se esse desejo desaparecer, você não se sentirá comum. Você simplesmente existirá. Como
você poderá sentir que você é comum? Você simplesmente existirá, e existir, existir assim tão
simples que você nem sente se é comum ou extraordinário, é alcançar.
Isso é bom, não fique desapontado. Se você ficar desapontado, então, lembre-se de que você
está carregando um desejo, e esse desejo está criando veneno. Por que há essa loucura? Por que
isso surge e acontece a todo mundo? Esse mundo todo está louco por causa disto: todo mundo
está tentando ser especial de algum modo, ser alguém.
A vida acontece a você somente quando você é ninguém. Quando você está tão vazio que não
há ninguém, então toda a vida flui através de você sem nenhuma barreira, sem nenhum
obstáculo, sem nenhum impedimento. Então, o fluxo é total e completo.
Quando você é alguém, você se torna uma rocha, você perturba o fluxo – a vida não pode
correr através de você. Há uma luta, uma resistência, e é claro que você cria muito barulho. E
você pode achar que, como você faz muito barulho, por isso você é alguma coisa extraordinária.
Seja um vaso vazio, uma passagem, sem nenhuma resistência, de modo que a vida possa fluir
através dela, fluir facilmente através dela. Então, nenhum barulho será criado. Você pode não ser
capaz de sentir que você é, porque você somente sente que você é quando você luta. Quanto mais
você luta, mais você sente.
A vida flui tão suavemente através de você que você pode até se esquecer completamente de
que você existe. Não há nenhuma barreira, nenhuma resistência, nenhuma rejeição, nenhuma
negação. E você está tão receptivo, que até se esquece de que você existe.
Existiu um mestre-zen que chamava seu próprio nome muitas vezes durante o dia. De manhã
ele chamava: “Bokujo!” – e então ele respondia: “Sim, senhor, estou aqui”. Bokujo era seu
nome. Quando seus discípulos perguntavam por que ele fazia isso, ele dizia: “Eu vou me
esquecendo. Eu me tornei tão sereno, que tenho de me lembrar – “Bokujo!”. E então eu disse:
“Sim, senhor, estou aqui”.
A vida pode se tornar um fluxo tão suave, um rio tão silencioso, que nenhum barulho é
criado. Mas se você está inclinado a se tornar algo, alguém extraordinário, especial, então, a vida
não pode fluir através de você. Então, há uma luta constante entre a vida e você, entre seu
pequeno ego e o cosmos.
Isso está criando loucura. A terra toda se tornou um planeta louco. E essa loucura não pode
ser socorrida através de tratamentos, terapias, porque ela é um estilo de vida tão básico, que não
chega a ser uma patologia. É assim que estamos vivendo. Todo nosso estilo de vida é louco.
Assim você não pode ser ajudado através de terapias, a menos que todo o estilo de vida mude.
Há somente dois estilos de vida: de orientação egóica e de orientação não-egóica. Você tem
de ser alguém... – este é um estilo de vida. Então, a loucura é o resultado. Realmente, um louco é
o homem mais extraordinário. Ele alcançou a raridade, porque agora ele está completamente
desenraizado da realidade, não está, absolutamente, ligado à realidade. Agora, ele vive isolado
em si mesmo, ele criou seu próprio mundo. Agora o sonho é o real e o real se tornou apenas um
sonho. Está tudo de cabeça para baixo. Você não pode convencer um louco que ele está errado,
porque ele é muito lógico. Os loucos são muito racionais e lógicos.
Um louco saía de sua casa todos os dias pela manhã e, então, cantava uns mantras e fazia
alguns gestos. Assim, quem quer que passasse perguntava naturalmente o que ele estava fazendo.
E o louco dizia: “Eu estou protegendo esta vizinhança dos fantasmas”. Então, a pessoa que
perguntava dizia: “Mas não há nenhum fantasma nesta vizinhança”. E o homem respondia: “É
claro, como eu estou cantando mantras, não há fantasmas”.
Ele é racional, você não pode convencê-lo – os fantasmas não estão lá por causa de sua
cantilena. Mas ele vive agora no seu próprio mundo subjetivo de sonho.
Se você pensa que você é alguém – ninguém pode ser alguém que não esteja na natureza das
coisas – mas, se você pensa em si como alguém, então, uma parte sua ficou louca. Esse ser
alguém é sua loucura. E quanto mais esse câncer de ser alguém crescer, mais você será afastado
da realidade.
Um buda é um ninguém. Todas as suas portas estão abertas. O vento vem e sopra, a chuva
vem e cai, os raios do sol entram e passam, a vida flui, mas ele não existe. É isso que eu quero
dizer quando eu digo que a meditação aconteceu a você. E isto é muito comum, natural, real.

A terceira pergunta:
Você está frequentemente dizendo que isto é bom ou mau, ou que isto é certo ou errado.
Essa é uma linguagem apenas para nós porque não somos capazes de perceber a unicidade
de tudo, ou existe mesmo essa tal coisa de bom e mau?

Não, é simplesmente uma linguagem. Para mim, não há nada bom e nada mau. Mas isto será
perigoso demais para você. A verdade pode ser perigosa. Realmente, só a verdade pode ser
perigosa – as mentiras nunca são perigosas, porque elas não são potentes: não têm força
nenhuma nelas mesmas.
A verdade pode ser muito estilhaçante. É a verdade que não há nem bem, nem mal, que nada
é certo, nada é errado. Tudo é como é: toda condenação, divisão, é fútil – mas isto será perigoso
para vocês. Isto será demasiado para você, você o compreenderá mal. Você não pode
compreender isso; quando não há nada bom, nada mau, você não pode compreender, e você terá
sua própria interpretação do fenômeno.
Se eu digo que não há nada bom, nada mau, você pensará que seja o que for que você esteve
pensando ser mau até agora, não há nenhuma necessidade de pensar naquilo como tal. Assim,
isso se tornará uma licença para você e você começará um pensar duplo. Você pensará que para
você não há nada bom, nada mau; mas, para os outros, você não permitirá o mesmo.
Se você puder permitir o mesmo para os outros também, então você compreendeu: então, isso
não é uma licença, é uma liberdade. Mas a mente tem de ser uma – não deve haver padrões
duplos.
Por que eu digo que não há nada bom e nada mau? Porque a bondade e maldade são
interpretações, elas não são a realidade.
Se há uma flor lá fora no jardim, você pode chamá-la bela e outra pessoa pode chamá-la de
feia. A flor não é nenhum dos dois. A flor existe ali como é em sua autenticidade. E ela não está
nem aí para suas interpretações. Mas para você ela é bela ou não. Essa beleza e essa feiura são
interpretações, não a realidade. É a sua mente que diz que é belo ou feio. A flor não será afetada
por isso, mas você será. Se você diz que é bela, seu comportamento será de uma espécie; se você
diz que é feia, seu comportamento será diferente. Você será afetado pela sua interpretação.
E eu estou falando a você; assim, eu tenho de constantemente lembrar que seja o que for que
eu diga, seu comportamento será afetado. A menos que você chegue a um ponto onde toda a
ênfase tenha mudado do fazer para o ser – quando você não está interessado em fazer e está
somente interessado em ser –, você não pode compreender o que eu quero dizer quando digo que
não há nada bom ou mau. As coisas são como são.
Mas só é possível compreender isso, quando você está profundamente centrado no ser. E se
você estiver centrado no ser, então, seja o que for que você faça, será bom. Então, não há
nenhum perigo. Mas exatamente agora você não está centrado no ser, você está centrado na
periferia. Você está continuamente escolhendo o que fazer e o que não fazer.
Realmente, vocês não fazem a pergunta “o que ser?”. Vocês sempre perguntam o que fazer e
o que não fazer, e se será bom ou mau. Você nunca faz a pergunta “O que ser?”. A menos que o
ser se torne mais importante do que o fazer, há bem e há mal – para vocês. Então, algo deve ser
feito e algo não deve ser feito.
Como eu faço esta diferenciação e por quê? Se realmente não há nenhum bem e nenhum mal,
então, como e por que esta diferenciação é feita?
Para mim, esta é novamente uma diferenciação que faço por vocês: eu chamo algo de bom se
isso o conduz para o seu ser, onde tudo se tornará bom; e eu digo que algo é mau se isso o afasta
do seu ser. Se você permanecer afastado de você mesmo, tudo será mau.
Para ajudá-lo a ir para si mesmo, para seu lar, eu digo que algo é bom, que algo é mau; ou que
algo é certo, ou é errado. É melhor usar as palavras ‘certo’ e ‘errado’ do que as palavras ‘bom’ e
‘mau’, porque eu estou mais interessado nas técnicas de como trazê-lo para o seu ser. Assim,
uma técnica pode ser certa se ela o traz para o seu ser; uma técnica pode ser errada se ela não o
conduz para o seu ser, ou se ela se torna uma barreira, ou se o leva para um desvio, ou se o leva
por caminhos que se mostrarão sem- saída e que o levarão a lugar nenhum.
Mas se você me pergunta, essencialmente não há nada bom, nada mau, nada certo, nada
errado. E, se você puder compreender isto agora mesmo, então, comece a viver de um modo
onde nada é errado e nada é certo – e isto vale para você até o ponto em que você está
relacionado com os outros, e para os outros até o ponto em que estão relacionados com você.
Jesus diz: “Faça aos outros o que gostaria que eles lhe fizessem”. Este é o princípio básico de
‘padrão único’; e este é todo o ensinamento de todos aqueles que querem ajudar as pessoas a
voltarem-se para si mesmas – há um padrão no qual nada é bom e nada é mau, não apenas para
você, mas para todos e cada um.
É fácil dizer que roubar não é mau se você está roubando; mas se outra pessoa está roubando
alguma coisa de você, então, torna-se difícil dizer que roubar não é mau.
Eu ouvi contar sobre um ladrão... Ele tinha sido apanhado pela quarta vez e o juiz lhe
perguntou: “Toda hora você é preso! O que é que há? Se você não é tão eficiente, porque
continuar fazendo isso?”. O homem disse: “Não é uma questão de eficiência. Eu sou sozinho e o
trabalho é demais”. Então o juiz disse: “Então por que você não arranja uma companhia, um
parceiro?”. O ladrão disse: “A moralidade decaiu tanto, que você não pode depender de nenhum
parceiro”.
Até mesmo um ladrão pensa em termos da moralidade, para os outros – “A moralidade decaiu
tanto, que você não pode depender de nenhum parceiro. Então eu tenho de fazer todo o trabalho
sozinho e o trabalho é muito mesmo”.
Este é o ensinamento mais profundo de todos os sabedores: não há nada para se escolher.
Tudo é aceito. Se você aceitar isso na sua totalidade, você será transformado. Mas se você é
esperto e quer se enganar, então, toda essa aceitabilidade será perigosa. Assim, eu digo muitas
coisas para vocês, só por causa de vocês. E no meio eu também continuo comunicando o que eu
gostaria realmente de dizer a vocês. Mas isso só pode ser dado muito indiretamente. Você é tão
perigoso, tão suicida, que pode cometer algo que será nocivo a você.
Eu estou falando sobre uma verdade mais alta – não somente uma verdade mais alta, mas uma
suprema verdade. Naropa, na sua canção, diz que somente uma polegada de diferença põe o céu
e o inferno à parte. Uma polegada de diferença entre o que é bom e o que é mau colocam o céu e
o inferno à parte.
E você terá de viver angustiado, porque foi você quem criou a divisão.
Torne todas as dualidades mais próximas, traga-as para mais perto, e deixem-nas fundirem-se.
Deixem o bem e o mal fundirem-se um no outro, a escuridão e a luz fundindo-se uma na outra, a
vida e a morte fundindo-se uma na outra. Então, há o advit, então há unicidade. Essa unicidade
traz a liberdade, a transformação.
A quarta pergunta:

É nossa imaginação, através das auto-sugestões, que nos estabeleceram no mundo do


finito, no mundo dos nomes e forma, no mundo das dores e dos prazeres. O mesmo
instrumento pode ser usado para se alcançar o infinito, o absoluto, a felicidade? O mesmo
instrumento na ordem reversa?

Você veio a esta casa e logo, logo, você estará indo embora, e o mesmo caminho será usado
novamente – mas em ordem reversa. Enquanto você estava vindo para aqui, seu rosto estava na
minha direção e, quando você voltar, suas costas estarão voltadas para mim. Mas o caminho será
o mesmo. Não é preciso de nenhum outro caminho para voltar para casa. Muda só a direção.
O caminho que você viajou para vir para dentro da escuridão será o caminho; é o caminho, o
único caminho. Você terá de viajar de volta por esse caminho. O caminho que o trouxe para
dentro da miséria e da angústia será o caminho que o conduzirá em direção à felicidade e ao
êxtase. Não há outro caminho, nem é preciso. E lembre-se: não siga por nenhum outro caminho,
caso contrário, você nunca chegará em casa.
Você tem de estar alerta para seguir o mesmo caminho novamente. A única mudança é de
direção – é uma total meia-volta. Hipnose, auto-sugestão, elas criaram este mundo; ‘desipnose’,
'des-auto-sugestão’ o conduzirão de volta ao real.
Não existe nenhum mundo finito: o mundo é infinito. É a sua superimposição, a sua hipnose,
que o faz parecer finito. Desmanche sua hipnose e o mundo é infinito – ele sempre foi infinito.
Todas as técnicas de meditação são parecidas com a hipnose. Isso cria um problema. Cria um
problema quando as pessoas continuam perguntando sobre a diferença entre hipnose e
meditação. Não há nenhuma diferença. O caminho é o mesmo, mas a direção é diferente.
Na hipnose você está caindo cada vez mais e mais no sono, perdendo a percepção; na
meditação você está vindo do sono, ganhando percepção. O caminho é o mesmo. Na hipnose
você está se condicionando, na meditação você está se descondicionando – mas o processo é o
mesmo. Meditação é hipnose em reverso. Assim, seja o que for que você tenha feito consigo
mesmo, você tem de desfazer. Eis tudo.
Tente fazer um experimento muito simples, que será revelador: você mesmo pode se
hipnotizar. Feche seu quarto e deixe-o completamente escuro. Então, ponha uma pequena vela
bem em frente aos seus olhos. Sem piscar os olhos, olhe fixamente para a chama; e continue
pensando que você está caindo no sono, um sono profundo está descendo sobre você... – deixe
este pensamento ficar flutuando lá dentro. Continue olhando fixamente para a vela e deixe este
pensamento estar ali como uma nuvem pairando sobre você. Você está caindo no sono, você está
caindo no sono. Quando você fizer essa experiência, você deve dizer: “Estou caindo no sono. O
sono está descendo. Meus braços estão relaxando”.
Você sentirá imediatamente uma mudança sutil, e dentro de três minutos você sentirá que o
corpo ficou pesado. A qualquer momento você pode cair. As pálpebras dos olhos estão pesadas e
agora fica muito difícil continuar fixando o olhar na chama. Os olhos querem fechar. Tudo ficou
entorpecido.
Agora, você pode sentir a hipnose: ficar mais adormecido, caindo na imperceptividade,
tornando-se mais inconsciente. Sinta a sensação disso, do que está acontecendo, como sua mente
se tornou anuviada. A clareza se foi, a vivacidade se foi, você está se tornando morto. Seu corpo
se sente mais pesado. Isto lhe dará a sensação de como sua consciência pode se tornar
inconsciente.
Tente isto por sete dias de modo que você possa sentir completamente o que é, e como você
desce ao fundo do poço. Com cada vez mais e mais escuridão, mais sono, mais inconsciência, até
o momento em que de repente você não estará presente e a chama terá desaparecido. Você
completamente adormecido. Você pode sentir o túmulo.
Então, depois de uma semana, tente o outro experimento. Mantenha o mesmo quarto, a
mesma chama, o mesmo modo de olhar fixamente, mas um pensamento diferente na mente: “Eu
vou ficar mais alerta, estou ficando cada vez mais e mais alerta, mais vivo, mais alerta. O corpo
está ficando cada vez mais e mais sem peso”. Deixe esse pensamento estar presente e continue
olhando fixamente para a chama – você sentirá uma súbita onda de percepção e consciência de
vida.
Dentro de sete dias, você pode chegar a um ponto onde você se sente tão alerta, que sentirá
como se o corpo não existisse. Em um polo, todo o espectro está em profundo sono, onde você se
esquece de si mesmo completamente; no outro polo, há profunda percepção onde tudo o mais
está esquecido, você se lembra somente de si mesmo.
Então, há muitos estágios medianos. O estágio em que estamos está bem no meio – meio
dormindo, meio acordado. Assim, seja o que for que faça você o está fazendo meio dormindo,
meio acordado. Os dois processos são o mesmo – eles são o mesmo processo.
O pensamento num estado intenso se torna realidade; o pensamento condensado se torna uma
coisa. Um pensamento mantido continuamente na consciência o transforma, torna-se uma
semente. Assim, se você estiver lutando para se tornar cada vez mais e mais alerta, você está
descondicionando a si mesmo, indo na outra direção. Gurdjieff chama isso de recordação-de-si –
ele diz: “Continuamente lembre-se de si mesmo”. Buda diz: “Não se esqueça de si mesmo, seja o
que for que esteja fazendo; continuamente, vá martelando que você está fazendo aquilo”. E ele é
tão particular que diz a seus monges: “Enquanto estiver andando e seu pé esquerdo sobe, lembre-
se de que seu pé esquerdo está subindo: agora, o pé está descendo, agora o direito está subindo,
agora o direito está descendo. Lembre-se de que a respiração está entrando e saindo. Lembre-se
continuamente, seja o que for que esteja acontecendo, e use cada acontecimento como uma
situação para se lembrar. Não faça nada num estado inconsciente”. E Buda diz que isto basta. Se
você puder trabalhar assim durante as vinte e quatro horas, mais cedo ou mais tarde você terá se
desipnotizado. Você terá se tornado consciente, alerta.
Hipnose e meditação são o mesmo processo em direções diametralmente opostas. Você pode
usar a hipnose para acordá-lo; você pode usar a hipnose para cair em profundo sono. E se você se
tornar mestre da arte de hipnose, você terá conseguido a chave para abrir todas as portas da vida.
Se você não é o mestre da chave da hipnose, então, você é uma vítima de muitas e muitas
forças. Isto vale se compreender: se você não sabe o que é a hipnose, então, você é uma vítima.
Todo mundo está tentando a hipnose sobre você – eu digo todo mundo mesmo! Eles podem não
estar fazendo isso conscientemente, mas todos estão tentando. Há diferentes meios, métodos. O
mundo todo está cheio de truques hipnóticos: o mesmo anúncio nos jornais, na televisão e no
rádio. Isso vai martelando, torna-se uma coisa hipnótica.
Na mente você vai repetindo: “Lux é o melhor sabonete”. Você vai repetindo isso. Aonde que
quer que vá, isso está escrito nas paredes; você vê nos filmes, na tela da TV isso está presente, no
rádio está presente, nas revistas, nos jornais, em qualquer coisa: “Sabonete Lux”. E isso não para.
Você fica hipnotizado por isso. Então você vai à loja e o homem atrás do balcão pergunta: “Que
sabonete você quer?”. Você diz: “Sabonete Lux”. Você está dormindo. Você não está dizendo
isso conscientemente, isso tem sido martelado na sua cabeça e agora está embutido lá.
Crores[1] de rupias são gastos em propaganda só para hipnotizá-los. Esses anúncios têm de ser
repetidos continuamente. A repetição é o meio. Depois há os impressos. E você se torna
inconsciente disso; então, de repente, aquilo sai de sua boca: “Sabonete Lux”. E você pensa que
você está escolhendo. Não é você que escolhe.
Todo o sistema educacional é hipnótico. Eis por que para o professor é preciso um local mais
alto. Deve ser medido cientificamente, porque há uma altura determinada – o jeito que estou
sentado aqui está numa altura errada, não está certo. Seus olhos deveriam estar num olhar tenso
para mim, em muita tensão, não relaxados – então, vocês seriam facilmente hipnotizados.
Hitler usava toda a proporção. Ele tinha um comitê de peritos para medir qual a distância da
audiência e quanto de altura era necessário de modo que os olhos ficassem corretamente numa
tensão, onde eles eram facilmente hipnotizados e adormecidos. E então todas as luzes eram
apagadas – no saguão dos discursos de Hitler toda a luz incidia sobre Hitler. Ninguém podia ver
nada mais, e assim você era forçado a olhar somente para ele. Numa situação determinada, uma
determinada tensão era criada. Nessa tensão, ele ia dizendo alguma coisa por algum tempo. As
coisas que ele queria colocar dentro de você seriam ditas mais tarde, quando toda a audiência
estivesse adormecida. Então, as palavras simplesmente entravam no inconsciente e começavam a
funcionar.
Agora eles inventaram as propagandas subliminares nos filmes. Durante o filme, entre duas
cenas, por uma fração de segundos, a propaganda será inserida num flash. Você não será capaz
de lê-la, você nem ao menos saberá que aconteceu. Simplesmente enquanto estiver assistindo o
filme, de repente, por alguns segundos, a propaganda estará presente – mas você não estará
consciente dela.
Somente duas pessoas em cem podem sentir que algo aconteceu. Somente aqueles que têm
olhos muito aguçados podem sentir que havia algo no meio. Noventa por cento não sentirá nada,
mas o inconsciente leu. Aquilo entrou em você.
Houve um experimento relacionado a isso num filme americano. Eles colocaram um flash de
uma determinada marca de bebida gelada na tela, algo novo. Somente dois por cento das pessoas
tomaram ciência de que havia uma propaganda, noventa e oito por cento ficaram completamente
inconscientes daquilo, mas, no intervalo, muitas pessoas saíram e pediram a bebida. Elas não
estavam cientes de que tinha havido uma propaganda, porque foi muito rápido.
A hipnose está por todo lado. A educação a usa, os políticos a usam, o mercado a usa – todos
a estão usando. E, se você não estiver ciente, então, você é uma vítima. Torne-se ciente. Se você
se tornar ciente, você pode usá-la; não para hipnotizar os outros, mas para se desipnotizar. E se
você puder se desipnotizar completamente, você está livre, liberado.
E não há nenhum conflito entre meditação e hipnose. O conflito está nas direções – o
processo é o mesmo.

Nota

[1] Crores of rupees – milhões de rupias.


Capítulo 67

NEM MENTE, NEM MATÉRIA



OS SUTRAS

94. Sinta sua substância – ossos, carne, sangue – saturada com a essência cósmica.
95. Sinta as finas qualidades da criatividade penetrando seu peito e assumindo delicadas
configurações.

Os filósofos por todo o mundo discutiram durante séculos sobre do que é feita a matéria do
universo, o que é a substância. Tem havido proposições, sistemas, que dizem que a matéria é a
realidade básica e que a mente é apenas um efeito; que a matéria é o básico e a mente é apenas
um subproduto, que a mente também é material, somente que sutil. Charwak propôs isto na
Índia, Epicuro na Grécia, e ainda hoje em dia, os marxistas e outros materialistas continuam
falando em termos de matéria. Oposto a isso, tem havido um segundo sistema de pensamento,
que diz que a mente – e não a matéria – é o ingrediente básico; e que a matéria não é nada mais
do que uma forma da mente. O Vedanta e outros filósofos idealistas do mundo reduziram tudo à
mente.
Bem no início deste século,[1] pensou-se que os materialistas tinham saído vitoriosos, porque a
física e outras investigações científicas estavam provando, ou pareciam estar provando, que a
matéria era a substância básica. Apenas há duas décadas, a coisa toda mudou completamente.
Um dos maiores cientistas desta era, Eddington, disse: “Agora podemos dizer que o universo
parece ser mais como um pensamento do que como uma coisa”. E à medida que os físicos, Max
Planck e Einstein, trabalharam mais profundamente: eles perceberam que quanto mais fundo se
penetra na matéria, mais a matéria desaparece – algo mais do que matéria, mais além da matéria,
parece estar ali. Você pode chamar isso de mente mais facilmente do que de matéria, porque é
uma forma de energia. Uma coisa é certa: no velho sentido, aquilo não é, de forma alguma,
material.
Para o tantra, para o iôga, não há nenhuma escolha. O tantra não diz que ou a matéria ou a
mente é a realidade básica. O tantra tem um terceiro ponto de vista, e eu penso que esse ponto de
vista é o que finalmente vai prevalecer. O tantra diz que a mente e a matéria são – ambas –
formas de algo que podemos chamar de ‘X’. Nem a matéria nem a mente são substanciais, mas
uma terceira entidade, que existe em ambas mas não está confinada a nenhuma das duas, é o real
– aquelas duas são as manifestações. Matéria e mente não são realidades, mas formas de uma
terceira realidade, uma realidade básica, que permanece oculta. Sempre que ela se manifesta, ela
se manifesta como matéria ou como mente.
Assim sendo, todo o conflito entre mente e matéria, e seus seguidores, é sem base, porque o
supremo substrato, que a física agora veio a conhecer, não é realmente nem algo como matéria
nem como mente. A divisão desapareceu, a dualidade desapareceu. O comportamento da
substância básica é muito vaga: às vezes ela se comporta como matéria, e às vezes ela se
comporta como mente. Vocês podem se surpreender com o fato de que a física não pode dizer
nada sobre átomos individuais – eles são imprevisíveis, exatamente como qualquer ser humano.
Nada pode ser dito sobre o átomo individual e como ele vai se comportar. Parece que ele tem
certa independência: nenhuma causalidade pode predizer como ele vai se comportar. Nós não
podemos predizer o comportamento de um átomo individual. Às vezes ele se comporta em
termos de causa e efeito, como a matéria, e às vezes ele se comporta como a mente, como se ele
tivesse uma vontade própria, como se ele tivesse uma escolha.
Com o tantra, esta ideia da física se ajusta muito bem. Mas por que o tantra diz que a
realidade básica é o terceiro, o desconhecido, o ‘X’? Não porque o tantra esteja interessado em
propor alguma teoria sobre a realidade, não. Isso é proposto apenas como uma ajuda para o
sadhana, apenas como uma ajuda para o crescimento espiritual. Se é assim – que a realidade é o
terceiro e a mente e a matéria são apenas duas manifestações –, então nós podemos entrar na
realidade através de duas portas: ou a da matéria ou a da mente. Se você tentar entrar através da
matéria, então, há certas técnicas para serem usadas. Hatha Yoga é a técnica para se entrar na
realidade através da matéria, através do corpo. Você tem de fazer algo com o corpo, você tem de
transformar o corpo, você tem de cristalizar certos fenômenos químicos no corpo e, depois, você
entrará na realidade. Ou você pode entrar diretamente através da mente. Raja Yoga e outros
métodos são usados para se entrar através da mente. E para o tantra, os dois estão certos.
Você não pode dizer para o tantra: “Como pode uma postura corporal, uma determinada
postura corporal, ajudar a entrar na realidade?”. O tantra diz que aquilo pode ser de ajuda. Certa
postura corporal não é meramente uma postura corporal, porque o corpo é a manifestação da
realidade. Assim, quando você dá a seu corpo certa postura, você está dando certa forma à
realidade. E há posturas com as quais você pode facilmente entrar em si mesmo. Certa prática de
respiração pode ajudar. Essas são coisas materiais – alimento, respiração, corpo. Mas você pode
entrar através deles. E igualmente é o caso com a mente: trabalhando com a mente também você
pode entrar. Muitas vezes pode ter surgido a questão em sua mente sobre Shiva estar falando a
Parvati certas técnicas que parecem só imaginárias. Esta questão está fadada a surgir: como a
imaginação pode ajudar?
Até a imaginação é um modo de realidade, porque a mente é uma manifestação da realidade.
E, quando você muda a imaginação na mente, você está mudando o modo da realidade. Para o
tantra, nada é irreal. Mesmo um sonho tem suas próprias realidades – e ela o afeta. Então, um
sonho não é meramente um sonho. Um sonho é tão real quanto qualquer outra coisa, porque ele o
afeta, ele o transforma. Você fica diferente, porque sonhou aquilo; você nunca será o mesmo,
devido a certo sonho ter acontecido. Assim, se você sonhar que você é um ladrão, de manhã você
dirá que isso não faz nenhuma diferença, que foi só um sonho. Mas para o tantra, não é assim,
não. Um sonho de roubo, de furto, mudou você. Sua realidade é diferente de manhã; você não
pode ser o mesmo. Quer você reconheça ou não, ele o afetou. Ele afetará seu comportamento,
seu futuro – ele se tornou uma semente.
Mesmo um sonho não é irrelevante. E você pensa que os sonhos são apenas sonhos. Não é
assim, porque você não pode criar um sonho conscientemente, você não pode escolher um
sonho. Ele acontece a você como qualquer outra coisa acontece a você. Você pode escolher um
sonho? Você pode pensar sobre um sonho que você terá esta noite? Você pode escolher o sonho?
Pode desejá-lo? Você não pode querê-lo, porque para querer um sonho você precisará de muitas
mudanças na sua realidade. Somente então um sonho virá.
Um sonho é apenas como uma flor. Uma rosa vem numa roseira, e você não pode mudar a
flor a menos que você mude todo o processo, a partir da semente. Você não pode mudar a flor.
Um sonho é um florescimento. Se você puder mudar o sonho, você pode mudar a realidade.
Assim, muitas vezes, muitas técnicas parecerão imaginárias – mas elas também são reais. E o
tantra está tentando mudar sua imaginação. Se a imaginação pode ser mudada, então, a realidade
escondida por trás dela automaticamente será diferente.
As técnicas que discutiremos hoje começam desde sua imaginação, de seu sonho, de sua
mente. Três coisas têm de ser lembradas. A primeira: seja o que for que aconteça à sua mente,
não é superficial – está acontecendo por sua causa, está acontecendo devido a você estar numa
determinada situação. Assim, duas coisas podem ser feitas: ou mudar a situação e, então, você
terá de começar desde o corpo, porque o corpo é a situação; ou, se você não estiver começando
com a situação, mudar o acontecimento. Ele persistirá, não será fácil mudá-lo, mas, se você fizer
um esforço e continuar fazendo o esforço, se você for obstinado e não for derrotado, então, o
próprio esforço mudará aquilo.
Uma coisa é certa: você pode não alcançar a meta na qual você estava pensando, mas o fato
de você fazer este esforço trará uma mudança. Você será diferente: quer você tenha sucesso ou
fracasse, você será diferente. O próprio esforço será incluído na contagem.
Em terceiro lugar, não pense que a mente é apenas mente, e não pense que sonhar é apenas
sonhar. Se você puder dirigir o seu sonho – e agora há uma terapia no Ocidente chamada
Directed Daydreaming[2] – se você puder dirigir seu modo de sonhar, você estará dirigindo a si
mesmo. E muitas coisas se tornarão diferentes.
Há uma velha técnica tibetana chamada “O Rugido do Leão”. Se você estiver com raiva, ou
sexual, ou cheio de ódio, de inveja, então, o mestre tibetano lhe dará esta técnica, “O Rugido do
Leão”. Você tem de sentar-se diante de um espelho, e tem de imaginar que você é um leão, não
um homem. Você tem de fazer do seu rosto o rosto de um leão, você tem de pôr sua língua para
fora, e tem de rugir. E terá de praticar isso de modo que a imaginação se torne tão verdadeira que
você esqueça que você é um homem imaginando que é um leão. E quando chega o ponto em que
você realmente se torna vítima da sua imaginação, você vira o leão, e um rugido verdadeiro sai
de você, de repente, você está transformado. Naquele rugido, todo o ódio, a raiva, o sexo
desaparecem, e você cairá num silêncio tão profundo, como você nunca conheceu antes. Nos
velhos mosteiros tibetanos, eles têm uma sala especial com muitos espelhos. Sempre que alguém
está sofrendo de algo como raiva, ódio, ou inveja, ele é enviado à sala dos espelhos e tem de
permanecer ali até chegar ao clímax. E quando ele chegar ao clímax, todo o mosteiro saberá,
porque um verdadeiro leão estará rugindo lá. Para nós, ele ficou louco. Todo o mosteiro se
reunirá e saudará o homem, e ele sairá um homem totalmente diferente.
Isso pode levar três dias, pode levar sete dias. O alimento lhe será dado, mas ele não tem
permissão de sair de lá. Ele tem de persistir na imaginação de que ele é um leão, até que, das
próprias raízes do inconsciente, venha o rugido. O corpo todo está envolvido, cada célula; cada
célula dele ruge. E nesse rugido tudo é jogado fora. É a mais profunda catarse possível. E você
jamais verá aquele homem com raiva novamente, porque agora o veneno não está mais presente.
Pela primeira vez, o rosto se tornará humano.
Seu rosto não pode ser humano, porque muitíssimo está reprimido ali. A inveja, o ódio, a
raiva que você tem reprimido, está nele – camadas sobre camadas estão escondidas sob a pele.
Elas estão fazendo o seu rosto. Mas elas podem ser liberadas – apenas com o daydream, a
imaginação dirigida.
No Ocidente, eles agora têm outra técnica, chamada de psicodrama. Este também é um dos
mais antigos métodos budistas – tornar-se parte de um drama, atuar tão totalmente que você se
esquece de que você está simplesmente atuando. A atuação se torna ação, e você não mais é o
ator, você se torna um verdadeiro agente naquilo. Isso o transforma. O tantra diz que se você
puder mudar o sonho, a imaginação, se você puder mudar sua mente e o padrão dela, a realidade
por trás será diferente. Porque a mente está profundamente enraizada na realidade, você pode se
mover através da mente. Essas técnicas são apenas para mudar o jeito e o estilo no qual sua
mente esteve se comportando até agora.

94 Sinta-se saturado

A primeira técnica:

Sinta sua substância – ossos, carne, sangue – saturada com a essência cósmica.

Tente com experimentos simples. Durante sete dias, tente um experimento simples: sinta seu
sangue, seus ossos, sua carne, seu corpo cheio de tristeza – cada célula do corpo, triste; noite
escura sobre você; muito pesado, deprimido; nem um único raio de luz; nenhuma esperança,
desânimo, assim como se você estivesse para morrer. A vida não está pulsando em você; você
está só esperando a morte. É como se a morte já tivesse se estabelecido, ou estivesse se
estabelecendo. Durante sete dias, contemple o sentimento de que a morte penetrou todo o corpo;
ela penetrou fundo nos ossos, na própria medula. Vá pensando deste jeito, não perturbe este
estado. E depois, depois de sete dias, veja como você se sente.
Você será apenas um peso morto. Todos os sentimentos terão desaparecido, o corpo não será
sentido como vivo. E o que você fez? Você esteve comendo, você esteve fazendo as coisas como
você sempre faz; a única mudança foi na imaginação – há um novo padrão de imaginação ao seu
redor.
Se você for bem-sucedido nisso... Você será bem-sucedido. Realmente, você já teve sucesso
nisso – você está fazendo isto, você é perito em fazer isto, sem saber. Eis por que eu digo para
começar com a tristeza. Se eu digo para ficar cheio de êxtase, será muito difícil. Você não pode
conceber isso. Mas se você puder fazer isso com a tristeza, então, você tomará ciência de que se
a tristeza pode acontecer a você, por que não a felicidade? Se você pode criar o ambiente de
tristeza ao seu redor e pode tornar-se uma coisa morta nele, então, porque você não pode criar
um ambiente vivo ao seu redor e ficar vivo, dançando? O outro lado se torna concebível.
Em segundo lugar, você se tornará ciente de que seja qual for a tristeza que você tem sofrido,
ela não é real. Você foi o criador dela, você foi o autor: sem saber, você esteve criando-a. Parece
difícil acreditar que sua tristeza é sua imaginação, porque então toda a responsabilidade cai sobre
você. Então, ninguém mais é responsável, então, você não pode jogar isso sobre Deus, sobre o
destino, nos outros, na sociedade, na esposa, no marido – você não pode jogar isso em lugar
nenhum. Você é o criador, e seja o que for que lhe esteja acontecendo, você o está criando.
Tente isso por sete dias, conscientemente. E depois, eu digo: você nunca mais ficará triste
novamente – porque você terá conhecido a chave.
Então, por sete dias, tente apenas estar num filão de felicidade – flutuando nela, cada
respiração dando-lhe êxtase: simplesmente sinta isso. Comece com a tristeza durante sete dias e,
depois, durante mais sete dias, vá para o contrário. E, quando você for para o oposto diretamente,
você sentirá ainda melhor, porque existirá o contraste.
Somente então, você pode tentar este experimento – porque ele é mais profundo do que a
felicidade. A tristeza é a superfície, a felicidade está no meio, e a essência cósmica é o último
cerne, o âmago mais profundo. Sinta sua substância – ossos, carne, sangue – saturada com a
essência cósmica, com vida eterna, com energia divina, com essência cósmica. Mas não comece
com ela diretamente, porque então você não será capaz de tocá-la. Comece da tristeza, então, vá
para a felicidade e, depois, tente a origem, a própria origem da vida – a essência cósmica. E
sinta-se repleto com ela.
No começo, você tomará ciência repetidamente de que você está simplesmente imaginando
aquilo, mas não pare. Até a imaginação é boa. Mesmo que você possa imaginar algo que
realmente vale a pena, é bom. Você está imaginando, e na própria imaginação você está
mudando. É você quem está imaginando. Continue imaginando, e em pouco tempo você se
esquecerá de que você está imaginando – aquilo se tornou uma realidade.
Um dos maiores livros já escritos é a escritura budista Lankawartar Sutra. Buda diz
repetidamente ao seu discípulo Mahamati, repetindo e repetindo: “Mahamati, isso é mente. O
inferno é mente. O céu é mente. O mundo é mente. A iluminação é mente”. Mahamati pergunta
várias vezes: “Tudo é mente? Apenas mente? Mesmo o nirvana, a iluminação, é apenas mente?”.
E Buda dizia: “Apenas mente, Mahamati”.
Quando você compreende que tudo é mente, você está livre. Então, não há nenhum limite,
então, não há nenhum desejo. No Lankawartar Sutra, Buda diz que o mundo todo é exatamente
como um mundo mágico, uma cidade de Gandharwa, como se um mágico tivesse criado o
mundo. Tudo parece existir, mas tudo está aí somente por causa da forma do pensamento.
Mas não comece com a realidade externa, que está muito longe. Ela também é mente, mas
muito distante de você. Comece do mais próximo, você possui os humores; e você será o mestre
se você puder sentir e saber que eles são sua própria criação.
Sempre que você começa a pensar em termos de tristeza, você fica triste, e você se torna
receptivo a todas as tristezas ao seu redor. Então, todos o ajudam a ficar triste. Todos ajudam, o
mundo todo está sempre pronto a ajudá-lo, seja o que for que você faça. Quando você quer ficar
triste, o mundo todo ajuda, coopera – você se tornou receptivo. Realmente, você cai numa certa
onda onde somente a tristeza pode ser recebida. Assim, mesmo que chegue alguém para levantar
seu moral, ele o deixará mais triste. Ele não parecerá amigável, ele não parecerá compreensivo:
você sentirá que ele o está insultando, porque você está tão triste e ele está tentando levantar seu
moral. Ele pensa que sua tristeza é superficial. Ele não o está levando a sério.
E quando você está pronto para ser feliz, você está numa onda diferente. Agora, você está
sintonizado a toda a felicidade que este mundo pode lhe dar, agora as flores começam a
desabrochar por todo lado, agora todo som e ruído se tornam musicais – e nada aconteceu. O
mundo todo permanece o mesmo, mas você está diferente. Você tem um padrão diferente de
olhar, uma atitude diferente, uma perspectiva diferente; através desta perspectiva, um mundo
diferente chega até você.
Mas comece com a tristeza, porque você é perito nisso. Eu estava lendo uma frase sobre um
velho místico hassídico – eu gosto muito dela. Ele diz que há certas pessoas que, se toda a vida
delas se tornar um mar de rosas, elas não serão felizes até que desenvolvam alguma alergia às
rosas. As rosas não as podem fazer felizes... – somente quando ficarem alérgicas, elas começarão
a se sentir vivas. Elas só podem se sintonizar à tristeza, à enfermidade, a doenças, elas não
percebem nada mais. Elas vão encontrando a tristeza em tudo. Elas são buscadoras do errado –
algo errado, algo triste, depressivo, escuro. Elas são orientadas pela morte.
Eu tenho me encontrado profundamente, intimamente, bem de perto, com centenas e centenas
de pessoas. Quando elas começam a falar sobre a tristeza delas, eu tenho que ficar sério – de
outro modo, elas não sentem que eu sou solidário, elas não se sentem bem a respeito; elas não
voltam novamente. Eu tenho que ficar triste com a tristeza delas e sério com a seriedade delas,
para ajudá-las a saírem daquilo... e aquilo é criação delas mesmas, e elas estão fazendo todos os
esforços para criar aquilo. E se eu tentar tirá-las dali, elas criam todos os tipos de barreiras – sem
saber, é claro, porque ninguém faria isso sabendo.
É isso o que os Upanishads chamam de ignorância. Sem saber, você continua perturbando a
sua própria vida, continua criando mais problemas e ansiedades, e, seja o que for que aconteça,
não fará nenhuma diferença, porque você tem um padrão – seja o que for que aconteça.
Há pessoas que vêm a mim e dizem: “Estamos sós”. E elas estão infelizes. No momento
seguinte, vem alguém e diz que não pode encontrar um lugar onde possa ficar sozinho. E, assim,
ele se sente infeliz. Então, há pessoas que trabalharam demasiadamente em suas mentes, e ficam
infelizes, e há pessoas que não têm nenhum trabalho e, então, ficam infelizes. Uma pessoa que é
casada é infeliz, uma pessoa que não é casada, é infeliz. Parece que para o homem é impossível
ser feliz. Eis o que eu quero dizer quando digo que vocês são peritos – vocês são muito eficientes
em descobrir caminhos e motivos para serem infelizes. E vocês sempre têm sucesso.
Comece a partir da tristeza e, durante sete dias seja completamente infeliz pela primeira vez.
Isso o transformará totalmente. Porque uma vez que você saiba que conscientemente você pode
ser infeliz, você ficará cônscio sempre que você ficar infeliz. Então, você saberá o que você está
fazendo: é seu próprio feito. E se você pode ser infeliz por sua própria mente, então, por que
você não pode ser feliz? Não há nenhuma diferença, o padrão é o mesmo. E então, você pode
tentar isto: Sinta sua substância – ossos, carne, sangue – saturada com a essência cósmica. Sinta
como se o Divino estivesse fluindo através de você: você não existe, mas o cósmico existe em
você, Deus existe em você. Quando você sente fome, ele sente fome – então, dar comida ao
corpo se torna uma devoção. Quando você sente sede, ele sente sede – o cósmico em você.
Quando você sente sono, ele sente sono, ele quer descansar, relaxar. Quando você é novo, ele é
novo em você. Quando você se apaixona, ele se apaixona. Fique saturado com ele, fique
totalmente saturado com ele. Não faça nenhuma distinção. Bem ou mal, seja o que for que
aconteça, está acontecendo a ele. Você simplesmente se retira, você não mais está ali, somente
ele existe. Assim, bom ou ruim, inferno ou céu, seja o que for que aconteça, acontece a ele. Toda
a responsabilidade é jogada sobre ele e você não existe mais. O ‘não-existir-mais’ que esta
técnica pode trazer a você, é o máximo em religião.
Mas você tem de estar saturado com ele. E você não sabe o que é saturação, você não sente
seu corpo em sua forma porosa, você não sente que em seu corpo a energia da vida está fluindo.
Você pensa em si como algo sólido, morto, particular. A vida só pode acontecer quando você
está vulnerável, aberto, não fechado. A vida se move dentro de você, e seja o que for que
aconteça, está acontecendo à energia de vida, não a você – você é apenas um fragmento. E todas
as fronteiras que você criou ao seu redor são falsas, elas não são reais.
Você não pode existir sozinho. Se você estivesse sozinho na terra, você poderia existir? Você
não pode existir sozinho. Você não existe sem as estrelas. Em algum lugar Eddington diz que
toda a existência é como uma teia de aranha – toda a existência é uma teia de aranha. Se você
tocar em qualquer lugar da teia, toda ela vibra; se você tocar em qualquer lugar da existência,
toda a existência vibra. Ela é uma. Se você tocar numa flor, você tocou no cosmos todo; se você
olha nos olhos de seus vizinhos, você está olhando dentro do cosmos. Porque a rede toda é uma
só. Você não pode tocar nenhuma parte sem tocar nela toda, e nenhuma das partes pode existir
sem o todo.
Quando você começa a sentir isto, o ego desaparecerá. O ego existe somente quando você
toma certa parte como se ela fosse o todo. Quando você faz parte do todo, o ego existe. Quando
você fica sabendo a proporção correta, que parte é parte e que o todo é íntegro, o ego desaparece.
O ego é apenas uma incompreensão.
E esta técnica, para se sentir saturado com o cósmico, é simplesmente maravilhosa!
Desde bem cedo na manhã, quando você sente a vida acordando, quando você sente que o
sono passou, o primeiro pensamento deve ser desta saturação – agora o Divino está se abrindo,
saindo do sono – não você. Assim, os hindus, que têm sido uma das raças mais penetrantes do
mundo, começam sua primeira respiração com o nome de Deus. Agora tornou-se uma
formalidade e o essencial foi perdido, mas esta foi a raiz: que no momento em que você fica
alerta de manhã, você não deve se lembrar de si mesmo, você deve se lembrar do Divino. O
Divino deve ser a primeira lembrança – e a última, à noite, quando você estiver caindo no sono.
O Divino deve ser lembrado: ele deve ser o primeiro e o último. E se ele for realmente o primeiro
de manhã e o último à noite, ele estará com você o dia todo, no intermédio também.
Você tem de cair no sono saturado com ele. Você ficará surpreso, porque a qualidade do seu
sono será diferente. Enquanto estiver começando a adormecer nesta noite, por favor, não caia no
sono, deixe o Divino cair no sono. Enquanto estiver preparando a cama, prepare-a para o Divino
– o convidado está chegando. Enquanto estiver deitando na cama, deixe o Divino existir, não
você – trate-se como o convidado. E enquanto estiver adormecendo, continue sentindo que o
Divino existe, ele satura cada respiração, ele pulsa no sangue, ele bate no coração. Agora, ele
está cansado depois de todo o dia de trabalho, agora ele quer dormir.
E de manhã você sentirá que você esteve dormindo de um modo diferente. A qualidade do
sono será cósmica, porque o encontro será profundo, na fonte.
Quando você se sente como o Divino, você cai no abismo, porque então, não há mais nenhum
medo. De outra forma, mesmo na noite, enquanto você está dormindo, você tem medo de cair
profundamente no sono. Muitas pessoas estão sofrendo de insônia – não por causa de qualquer
outra tensão, mas por causa do medo que elas têm de cair no sono, porque o sono aparece como
um abismo, uma coisa sem fundo. Eu conheci algumas pessoas que têm medo.
Um homem já idoso veio a mim e disse que não podia dormir porque ele tinha medo. Eu
perguntei: “Por que você tem medo?”. Ele disse: “Eu tenho medo porque se eu realmente dormir
e morrer, eu não estarei consciente, alerta. E eu posso morrer porque já sou velho – e eu não
gosto da ideia de morrer dormindo. Pelo menos, deixe-me ficar consciente e alerta do que está
acontecendo”. Vocês vão se agarrando a qualquer coisa e, então, você não consegue dormir. Mas
quando você sente que o Divino está presente, você aceitou; então, o abismo também é Divino.
Então, você cai muito profundamente na fonte original do seu ser – e a qualidade será diferente.
E quando você surge de manhã e sente que o sono acabou, lembre-se de que o Divino está
surgindo. O dia todo será diferente.
E sature-se! – seja o que for que faça, ou que não faça, deixe o Divino fazer aquilo –
simplesmente permita aquilo ser feito. Coma, durma, trabalhe, mas deixe o Divino fazer isso.
Somente então, você ficará saturado, você pode se tornar um com ele. E uma vez que você sinta,
mesmo que por um único momento – mesmo que por um único momento, eu digo – que o ápice
chegou, que você não existe, que o Divino o saturou completamente, você está iluminado. Nesse
momento único, nesse momento sem tempo, você ficará ciente de todo o mistério da vida. Então,
não há mais nenhum medo; e então não há nenhuma morte. Agora, você se tornou a própria vida.
Ela continua e continua; ela não termina nunca, não começa nunca. Então, a vida é êxtase.
E os conceitos de moksha, de céu e paraíso, são criancices, porque eles não são realmente
algo geográfico. São símbolos deste último estado de ser: quando o indivíduo se dissolveu no
cosmos ou quando o indivíduo permitiu que o cosmos se dissolvesse dentro dele; quando os dois
se tornaram um, quando mente e matéria, as duas manifestações, retornaram à fonte original... –
ao terceiro. Toda a busca é por isto. Esta é a única busca, e você não ficará satisfeito até que isto
seja alcançado. Nada pode ser um substituto disto. Você pode continuar se movendo por vidas e
vidas, mas a menos que isto seja alcançado, sua busca estará constantemente lhe acossando.
Você não pode descansar.
Esta técnica pode ser muito auxiliar e não há nenhum perigo nela; você pode praticá-la sem
um mestre. Lembre-se disto: todas as técnicas que começam com o corpo são perigosas sem um
mestre – porque o corpo é um fenômeno muito complexo, muito complexo. Ele é um
mecanismo, e sem alguém que saiba exatamente o que está se passando, é perigoso começar –
você pode perturbar o mecanismo, e depois será difícil repará-lo. Todas as técnicas que começam
diretamente da mente, são baseadas na imaginação, e não são perigosas porque o corpo não está
sendo tocado, absolutamente. Elas podem ser feitas até sem um mestre – embora seja difícil,
porque você não tem nenhuma autoconfiança. Um mestre não vai realmente fazer nada, mas ele
se torna um agente catalisador. Ele não está fazendo nada – realmente, nada pode ser feito – mas
com sua simples presença, sua confiança e sua fé são tocadas, e isso ajuda. Com a sensação de
que o mestre está ali presente, você vai com mais confiança. Porque ele está presente, você não
tem medo; porque ele está com você, você pode entrar no desconhecido, no inexplorado. Mas
com as técnicas do corpo ele é muito necessário, porque o corpo é um mecanismo e você pode
fazer algo que não possa facilmente ser desfeito. Você pode se machucar.
Um homem veio a mim, ele estava fazendo sirshasan – erguendo-se de ponta-cabeça durante
horas seguidas. No começo estava tudo bem. Ele se sentiu muito relaxado e calmo o dia todo.
Mas então os problemas se seguiram, e ele ficou perturbado quando a quietude desapareceu e ele
ficou quente por todo o corpo. Ele ficou quase louco. E como ele pensou que o sirshasan tinha
ajudado no começo, deixando-o muito calmo, integrado, silencioso, relaxado, ele fez mais ainda,
porque agora ele se sentia muito perturbado. Ele pensou que mais sirshasan o ajudaria – mas o
sirshasan era realmente a causa.
O mecanismo da mente, o cérebro, precisa somente de certa quantidade de sangue para
circular por ele: se menos sangue estiver circulando, você ficará em dificuldades. E com cada
pessoa é diferente. Depende. Eis por que você não pode dormir sem travesseiros. Se você tentar
dormir sem travesseiros, você não dormirá, ou dormirá menos, porque o sangue flui para dentro
da cabeça. Os travesseiros ajudam. Sua cabeça fica mais alta, então, menos sangue flui e, para
dormir, é preciso menos sangue. Se mais sangue flui, então, o cérebro fica alerta, ele não pode
relaxar. Se você faz demasiado sirshasan, seu sono pode ser completamente perdido. Você pode
não ser capaz de dormir, absolutamente. E há perigos. Está registrado que sete dias é o máximo
que se pode ficar sem dormir. Somente sete dias, depois disso, você ficará louco, porque os
tecidos extremamente sutis do cérebro se partirão; e eles não podem ser substituídos facilmente.
Enquanto você está de ponta-cabeça no sirshasan, todo o sangue está fluindo em direção à
cabeça. Assim, não conheço ninguém que esteja fazendo o sirshasan, que seja de algum modo
inteligente. Se uma pessoa estiver fazendo muito sirshasan, ela está fadada a se tornar estúpida,
porque, os próprios tecidos do cérebro, da maior sutileza, serão destruídos. Com tanto sangue
passando através deles, os delicados tecidos não podem existir.
Assim, tem de ser decidido por um mestre que saiba o quanto será auxiliar para você – alguns
segundos, ou alguns minutos. E este é um simples exemplo. Todas as posturas corporais, asanas,
as técnicas, têm de ser feitas com um mestre. Elas nunca são para ser feitas separadas, porque
você não conhece o seu corpo. Seu corpo é uma coisa tão grande, que você nem pode concebê-
lo. A pequena cabeça, a sua cabeça, tem setenta milhões de células. E esses setenta milhões de
células estão inter-relacionadas. Os cientistas dizem que o inter-relacionamento é tão complexo
quanto todo o universo.
Os antigos visionários hindus diziam que todo o cosmos existe dentro da cabeça, em
miniatura. Toda a complexidade do universo está ali em miniatura. Se todo o relacionamento de
todas as células puder ser compreendido, você compreendeu toda a complexidade do universo.
Você não está ciente de célula nenhuma, nem de algum relacionamento entre elas. E é bom que
você não perceba, caso contrário, você ficaria louco com tamanha guerra que está acontecendo o
tempo todo. Ela só pode continuar inconscientemente. O sangue circula, mas você não percebe
isso.
Há somente trezentos anos que foi descoberto que o sangue circula no corpo. Antes disso,
pensava-se que o sangue era estático, não circulante. A circulação é um conceito muito recente.
E o homem está na existência há milhões de anos, mas ninguém podia sentir que o sangue estava
circulando. Não se pode senti-lo. Muita velocidade, muito trabalho está sendo feito ali. É uma
enorme fábrica, seu corpo, e uma das mais delicadas. Ela está constantemente se reparando,
constantemente se renovando. Durante setenta anos, se você não criar nenhum problema para ele,
o sangue correrá suavemente. Nós não criamos até agora nenhum mecanismo que possa tomar
conta de si mesmo por setenta anos. Assim, quando você começar algum trabalho com o seu
corpo, lembre-se de ficar perto de um mestre que saiba sobre o que ele está dizendo para você
fazer. Caso contrário, não o faça.
Mas com a imaginação não há nenhum problema. Ela é um fenômeno simples. Você pode
começar com ela.

95 Concentre-se nos seios, ou na raiz do pênis

A segunda técnica:

Sinta as finas qualidades da criatividade penetrando seu peito e assumindo delicadas


configurações.

Alguns pontos importantes antes de entrar nisto...


Shiva está falando a Parvati, a Devi, sua consorte, então, esta técnica é especificamente para
mulheres. Há alguns pontos a serem compreendidos. Um: o corpo masculino e o corpo feminino
são parecidos, ainda assim, diferentes em muitos modos. E a diferença é sempre complementar.
Tudo o que é positivo no corpo masculino, será negativo no corpo feminino; e tudo o que é
positivo no corpo feminino, será negativo no corpo masculino. Eis por que quando eles se
encontram em profundo orgasmo, eles se tornam um organismo. O positivo encontra com o
negativo, o negativo encontra o positivo, e os dois se tornam um – um círculo de eletricidade.
Por isso tanta atração por sexo, tanto apelo. Esse apelo não é porque o homem é um pecador, ou
imoral; não é porque o mundo moderno ficou demasiadamente licencioso; não é por causa dos
filmes obscenos nem da literatura obscena – trata-se de algo muito profundamente enraizado,
muito cósmico.
A atração é porque os dois, macho e fêmea, são meio-circuito, e há uma tendência inerente na
existência para transcender seja o que for incompleto e se tornar completo. Esta é uma das
supremas leis – a tendência à completude. Onde quer que você sinta que está faltando algo, você
sente que você gostaria de completá-lo, torná-lo completo. A natureza abomina a incompletude,
qualquer tipo de incompletude. O macho é incompleto, a fêmea é incompleta, e eles podem ter
apenas um único momento de completude – quando seus circuitos elétricos se tornam um,
quando os dois são dissolvidos. Eis por que as duas palavras mais importantes em todas as
línguas são ‘amor’ e ‘oração’. No amor, você se torna um com um único indivíduo; na oração,
você se torna um com todo o cosmos. E amor e oração são similares no que diz respeito ao
funcionamento interno.
Os corpos do macho e da fêmea são parecidos, mas seus polos positivo e negativo são
diferentes. Quando uma criança nasce no útero materno, durante algumas semanas, pelo menos
seis semanas eu acho, ela é neutra – ela não é nem macho nem fêmea. Ele tem a tendência, mas o
corpo ainda está a meio-caminho. Então, depois de seis semanas, o corpo se tornará ou macho ou
fêmea. Se ele se tornar fêmea, então, a polaridade da energia sexual estará perto dos peitos, o
polo positivo – porque a vagina da fêmea é o polo negativo. Se a criança for macho, o centro
sexual, o pênis, será o polo positivo, e os peitos também estarão lá – todo o mecanismo está
presente – mas eles são o polo negativo. No corpo da fêmea, existe a contraparte do pênis, o
clitóris, mas ele não é funcional – ele não tem função.
Os fisiólogos têm levantado a questão sobre o porquê de haver peitos no corpo do macho,
quando não parece haver nenhuma necessidade, porque uma criança não vai ser alimentada ali.
Qual é a necessidade? Eles são polos negativos. Desse modo, tanta atração da mente do macho
em direção aos seios da fêmea – eles são eletricidade positiva. Tanta poesia, literatura, pintura,
escultura, tudo relacionado aos seios femininos. Realmente, parece que o homem é menos
interessado no todo do corpo feminino, e mais interessado nos seios. E isto não é algo novo. As
mais antigas pinturas primitivas, nas cavernas, são dos seios, tão enfaticamente dos seios, que
todo o corpo fica apenas ao redor deles. Os seios são básicos.
Esta técnica é para mulheres, porque seu polo de eletricidade positiva está nos seios.
Realmente, no que diz respeito à vagina, ela é mais ou menos insensível. Os seios são as partes
mais sensíveis, e toda a criatividade do corpo feminino está ao redor dos seios.
Eis por que os hindus dizem que a menos que uma mulher se torne mãe, ela não está
preenchida. O mesmo não é verdadeiro para o homem – ninguém diz que a menos que um
homem se torne um pai, ele não está preenchido. Ser um pai é acidental. Pode ser, pode não ser.
Não é muito básico, e um homem pode permanecer sem ser pai, sem perder nada. Mas uma
mulher perderá algo, porque toda sua criatividade, todo seu funcionamento, vem somente quando
ela se torna mãe. Quando seu peito se torna o centro do seu ser, ela se torna total. E ela não pode
chegar aos seios a menos que uma criança esteja lá para chamá-la. Assim, os homens se casam
com as mulheres para terem esposas, e as mulheres se casam com os homens para se tornarem
mães – não para terem maridos. O interesse o único interesse delas é ter um filho que chamará a
feminilidade delas. Assim, realmente, os maridos têm sempre medo, porque no momento em que
o filho nasce, eles são postos na periferia do interesse delas – o filho se torna o centro. O pai
sempre sente ciúme, porque o filho entra no meio. A mulher fica mais interessada nos filhos do
que no pai dos filhos. Ele se tornou uma existência periférica – necessário à sobrevivência, mas
não-essencial. Agora, a necessidade básica está preenchida.
No Ocidente agora há uma tendência, uma moda, de não alimentar os filhos diretamente nos
seios. Isso é muito perigoso, porque significa que a mulher não irá para o centro criativo de seu
ser. Quando um homem ama uma mulher, ele ama os seios dela, ele os amará, mas ele não pode
chamá-los de mãe. Somente uma criança pequena pode chamá-los de mãe. Ou se o amor for
muito profundo – tão profundo que o marido se torne parecido com um filho – aí então, é
possível. Então, a mulher se esquece completamente de que ela é uma consorte e se torna mãe do
seu amado. Então, não haverá nenhuma necessidade de um filho; ela se torna uma mãe e o centro
do ser pode acontecer perto dos seios.
Esta técnica diz: Sinta as finas qualidades da criatividade penetrando seu peito e assumindo
delicadas configurações. Toda a criatividade da existência feminina está enraizada na
maternidade. Eis por que as mulheres não estão interessadas em outro tipo de criatividade. O
homem é um criador; a mulher não é uma criadora. Ela não pintou grandes quadros; ela não
criou grande poesia, não escreveu grandes livros; não criou grandes religiões – ela não fez isso
realmente. Mas o homem continua criando, ele é louco. Ele continua inventando, criando,
fazendo, construindo. O tantra diz que isto é porque o homem não é um criador por natureza –
ele permanece não-preenchido, tenso. Ele quer se tornar uma mãe, ele quer se tornar um criador,
então ele cria poesia, ele cria livros, ele cria muitas coisas, ele ‘maternalizará’ muitas coisas. Mas
uma mulher está à vontade. Se ela pode realmente se tornar uma mãe, ela fica preenchida, ela
não está interessada. É apenas quando uma mulher não pode se tornar uma mãe – não pode amar,
não pode realmente chegar ao ápice de sua criatividade – que ela começará a pensar sobre fazer
outra coisa. Assim, basicamente, mulheres não-criativas se tornarão criadoras – poetas e pintoras
– mas elas serão sempre de segunda classe, elas não podem ser de primeira classe. É
simplesmente impossível a elas, serem criadoras de pinturas e poesia e de outras coisas, como é
impossível ao homem criar um filho. Ele não pode se tornar uma mãe – isso é biologicamente
impossível. E ele sente o vazio. Para preencher o vazio, ele vai fazendo muitas coisas. Mas,
ainda assim, mesmo um grande criador não fica tão repleto – ou somente muito raramente –
como uma mulher quando ela se torna uma mãe.
Um buda é preenchido porque ele criou a si mesmo. Ele é renascido, ele deu nascimento a ele
mesmo, ele é um novo homem, ele se tornou pai e mãe dele mesmo. Ele pode se sentir repleto.
Uma mulher pode mais facilmente se sentir preenchida. A criatividade dela está ao redor dos
seios. Eis por que em todo o mundo, as mulheres têm tanto interesse nos seus seios – é como se
toda a existência delas estivesse concentrada ali. Elas estão sempre alertas para seus seios –
escondendo ou exibindo, mas sempre interessadas. Os seios são a parte mais secreta delas, seus
tesouros, o centro do ser: do ser mãe, do ser criador.
Shiva diz: Sinta as finas qualidades da criatividade penetrando seu peito e assumindo
delicadas configurações. Concentre-se nos seios, torne-se um com eles, esqueça-se de todo o
corpo. Ponha toda sua consciência nos seios e muitos fenômenos acontecerão a você. Se você
puder fazer isto, se você puder concentrar-se totalmente perto dos seios, o corpo todo perderá
peso, e uma dulcíssima, uma profunda doçura a envolverá. Ela pulsará ao seu redor, dentro de
você, acima, abaixo, por todo o redor – uma profunda sensação de doçura.
Realmente, todas as técnicas que têm sido desenvolvidas, foram desenvolvidas mais ou
menos pelo homem, então, elas sempre dão centros que são mais fáceis para os homens
seguirem. Tanto quanto eu saiba, somente Shiva deu algumas técnicas que são basicamente para
mulheres. Um homem não pode fazer esta. Realmente se um homem tentar se concentrar
próximo dos peitos, ele ficará muito pouco à vontade. Tente. Até mesmo em cinco minutos, você
começará a transpirar e ficará muito incomodado, porque os peitos do macho são negativos, eles
lhe darão negatividade. Você se sentirá pouco à vontade, desconfortável, pois algo está indo mal
no seu corpo, doente.
Mas os peitos da fêmea são positivos. Se a mulher se concentrar perto dos seios, ela ficará
muito feliz, muito abençoada: uma doçura permeia todo o seu ser e seu corpo perde a gravidade.
Ela se sentirá leve, como se pudesse voar. E com essa concentração muitas coisas mudarão: ela
se tornará mais maternal. Ela pode não se tornar uma mãe, mas se tornará mais maternal. Com
todas as pessoas, seu relacionamento se tornará maternal – mais compaixão, mais amor
acontecerão.
Mas esta concentração perto dos seios deve ser feita muito relaxadamente, não tensamente. Se
você ficar tensa com isso, haverá uma divisão entre você e seus seios. Relaxe e funda-se neles, e
sinta que você não existe mais, que somente os seios existem.
Se o homem fizer o mesmo, ele tem de fazer com centro sexual, não com os seios. Desse
modo, a importância do primeiro chakra em todos os iôgas da kundalíni. Ele tem de se
concentrar exatamente na raiz do pênis – ali ele tem a criatividade, ali ele é positivo.
E lembre-se disto sempre: nunca se concentre em nada negativo, porque com o negativo tudo
que for negativo se seguirá. Com o positivo, tudo que for positivo se seguirá. Quando os dois
polos do homem e da mulher se encontram – o negativo está na parte superior do homem, o
positivo está na parte inferior; e o negativo está na parte inferior da mulher e o positivo na
superior –, quando esses dois polos de positivo e negativo se encontram um círculo é criado.
Esse círculo é venturoso, mas ele não é comum. No ato sexual comum, o círculo não acontece –
eis por que você se sente tão atraído pelo sexo, e tão repelido também. Você sente tanta vontade
dele, você precisa tanto dele, você pede tanto por ele, mas quando ele lhe é dado, quando ele está
presente, você sente frustração – não acontece nada. Só pode acontecer quando os corpos estão
bem relaxados e muito abertos um para o outro, sem nenhum medo, sem nenhuma resistência.
Então, a entrega é tão completa, que as eletricidades podem se fundir e se encontrar e formar um
círculo.
Então, há um fenômeno muito estranho... O tantra registrou-o, mas você pode não ter ouvido
falar nisso. Este fenômeno é muito estranho. Quando dois amantes realmente se encontram e se
tornam um círculo, então, acontece uma oscilação. Por um momento, o amante se torna a amada,
e a amada se torna o amante e, no momento seguinte, novamente, o amante é o amante e a amada
é a amada. O macho se torna fêmea por um momento, então, a fêmea se torna o macho por um
momento – porque a energia está se movendo, e ela se tornou um círculo. Assim, acontecerá de o
macho ficar ativo por alguns minutos e depois ele relaxará e a fêmea ficará ativa. Isso significa
que agora energia masculina passou para o corpo feminino e ela agirá enquanto o macho
permanece passivo. E isso continuará assim. Comumente, você é homem, ou é mulher. Em
profundo amor, em profundo orgasmo, acontecerá que por alguns momentos o homem se tornará
mulher, e a mulher se tornará homem. Será sentido, inteiramente sentido e reconhecido, que a
passividade muda.
Na vida há ritmo – em tudo há ritmo. Quando você toma uma respiração, a respiração entra –
depois, por alguns segundos ela para, não há nenhum movimento. Então, novamente ela se
move, ela sai – e novamente há uma parada, um intervalo, nenhum movimento. Movimento,
nenhum movimento, movimento... Quando seu coração bate, há uma batida, um intervalo, uma
batida, um intervalo. A batida significa macho; o intervalo sem a batida significa fêmea.
A vida é ritmo. Quando duas pessoas se encontram, macho e fêmea, isso se torna um círculo:
haverá intervalos para os dois. Você será uma mulher e de repente haverá um intervalo e você
não mais é uma mulher, você se tornou um homem. Você será homem, e mulher, e homem...
Quando esses intervalos são sentidos você pode sentir que você alcançou um círculo. Este
círculo é representado no símbolo de Shiva – o shiva-linga. Este círculo é representado pelo yoni
de Devi e o linga de Shiva. É um círculo. É um dos fenômenos de pico de duas altas energias se
encontrando.
Esta técnica será benéfica.
Sinta as finas qualidades da criatividade penetrando seu peito e assumindo delicadas
configurações. Simplesmente relaxe, mova-se para dentro dos seios, deixe seus seios se tornarem
todo o seu ser. Deixe todo o corpo ser apenas uma situação para os seios existirem, seu corpo se
tornou secundário, só um ambiente, e os seios são enfatizados. E você está totalmente relaxada
neles, se movendo neles. Então, sua criatividade surgirá. A criatividade feminina surge somente
quando os seios se tornam ativos. Dissolva-se neles e você sentirá a criatividade surgindo.
O que significa a criatividade surgindo? Você terá muitas visões ao seu redor. Buda e
Mahavir disseram que, em suas vidas passadas, quando nascessem, suas mães teriam certas
visões, certos sonhos. Por causa desses sonhos, puderam predizer que um buda ia nascer.
Dezesseis visões se seguiriam umas às outras.
Eu estive experimentando com isto. Se uma mulher realmente se fundir dentro dos seus seios,
certas visões se seguirão numa certa sequência. Ela começará vendo certas coisas. Para
diferentes mulheres haverá sequências diferentes, mas eu lhes direi algumas. Uma: haverá
figuras, figuras humanas e, se a mulher for dar nascimento a um filho, então, a figura do filho
aparecerá. Se tiver acontecido uma fusão total nos seios, então, a mulher pode ver que tipo de
filho irá nascer para ela. A figura aparecerá e, depois ficará mais nítida. Se ela não vai ser mãe
logo, ou se ela não estiver grávida, então, essências muito desconhecidas, perfumes pairarão ao
seu redor. Os seios podem se tornar fontes de perfumes muito delicados, que não são deste
mundo, que não podem ser criados quimicamente: sons, sons harmoniosos serão ouvidos; todos
os reinos da criatividade podem aparecer em novas e muitas configurações. Tudo isso que
aconteceu a grandes pintores e poetas acontecerá à mulher, se ela se puder se fundir em seus
próprios seios.
E isto será tão real, que mudará toda sua personalidade – ela se tornará diferente. E se ela
continuar com essas visões, em pouco tempo, elas sumirão, e chegará um momento em que o
nada, o vazio, a vacuidade acontecerá – o shunyata acontecerá. E shunyata é a mais alta das
meditações.
Assim, lembrem-se disto: se você é uma mulher, não se concentre no terceiro olho. Será
melhor para você se concentrar perto dos seios – nos seios, bem na ponta dos dois bicos dos
seios. Concentre-se ali. E a segunda coisa: não se concentre em um único seio – concentre-se em
ambos simultaneamente. Se você concentrar-se em um só, seu corpo será perturbado
imediatamente. Até a paralisia é possível se você se concentrar somente em um. Concentre-se
nos dois simultaneamente, dissolva-se dentro deles e permita acontecer o que quer que aconteça.
Vá observando e não se apegue a nenhum ritmo, porque os ritmos serão muito belos, celestiais.
Não se apegue. Continue observando-os e seja uma testemunha. Chegará um momento em que
eles começarão a desaparecer – e, quando shunyata, o nada, acontece, quando apenas o espaço
permanece e os seios desapareceram, então, você está sob a árvore bódhi.

Nota

[1] Século XX. (N. da T.)

[2] Directed Daydreaming – uma técnica de imaginação dirigida, relacionada à hipnose.


Capítulo 68

SE FICAR SÉRIO, VOCÊ PERDE O PONTO



PERGUNTAS

Tem sido dito que nenhum desejo, quer mundano quer religioso, pode conduzir em direção à
liberdade. Mas uma imaginação positiva de felicidade e bênção também é uma espécie de
desejo. Então, não é verdade que a imaginação também é uma espécie de desejo e desse modo
cria tensões?
Ontem, você disse que a mente é realidade, que o sonho é realidade. Então, porque os gurus
como você se dão ao trabalho de nos ensinar que a mente é a única barreira, que a mente é o
único obstáculo?
Você disse na noite passada que uma mudança externa ou interna e nos aspectos físicos ou
mentais podem trazer uma mudança na consciência. Isso significa que mudanças na periferia
também afetam a consciência, o centro. Mas então, por que você enfatiza a mudança de centro,
em vez de mudar o exterior, a periferia?
Por que haveria uma diferença entre técnicas para homens e para mulheres?

Primeira pergunta:

Tem sido dito que nenhum desejo, quer mundano quer religioso, pode conduzir em
direção à liberdade. Mas uma imaginação positiva de felicidade e bênção também é uma
espécie de desejo. Então, não é verdade que a imaginação também é uma espécie de desejo
e desse modo cria tensões?

A imaginação não é desejo. Imaginação é apenas uma brincadeira.


O desejo é uma coisa totalmente diferente. Você pode basear sua imaginação no desejo, você
pode projetar sua imaginação através do desejo – então, ela será um cativeiro. Se você
simplesmente brinca com a imaginação, sem nenhum desejo – não para chegar a algum lugar
fora dali, mas apenas como um jogo, então isso não é nem desejo nem amarração. Estas técnicas
de imaginação podem auxiliar somente se você estiver brincando com elas. Se você ficar sério,
você perdeu o ponto.
Mas a questão é relevante, porque, na verdade, você não pode conceber nada que você possa
fazer sem desejo. Mesmo que esteja brincando, você brinca somente para chegar a algum lugar,
para ganhar alguma coisa, para vencer. Se não houver nada no futuro, você perderá o interesse.
Você dirá: “Então, pra quê? Pra que brincar?”. Somos tão orientados pela meta, que
transformamos tudo em meio. Isto deve ser lembrado: a meditação é a última brincadeira, ela não
é um meio para alguma coisa, ela não é um meio para a iluminação. A iluminação acontece nela,
mas ela não é um meio para isso. Ela não é um meio para a suprema liberdade. A suprema
liberdade acontece nela, mas ela não é um meio para se alcançar isso. Você não pode usá-la
como uma causa para realizar alguma coisa. Esta tem sido uma das coisas mais enigmáticas –
através dos séculos, aqueles que conheceram sempre insistiram na meditação pela meditação:
não deseje nada em função dela, desfrute a meditação em si mesma, não saia dela – e a
consequência será a iluminação. Lembre-se: a consequência – não o efeito. A meditação não é
uma causa, mas, se você estiver em profunda meditação, a iluminação acontece. Realmente, estar
profundamente na brincadeira é iluminação.
Mas a mente sempre transforma tudo em trabalho. Ela diz: “Faça alguma coisa, porque você
terá esse lucro”. Imaginário ou real, a mente precisa de algo em que se fixar, em que se projetar.
Somente então, ela pode se devotar. É assim que a mente funciona – ela funciona no presente
para o futuro. O futuro pode ser ilusório, pode nem acontecer, mas se a mente puder esperar pelo
futuro, então, ela poderá trabalhar. É isso que se chama desejo: trabalhar no presente para o
futuro. A meta está sempre em algum outro lugar; o meio está aqui, mas a meta está em outro
lugar. Esta divisão de meta e meio, este intervalo, significa desejo. Se você estiver brincando,
não haverá nenhum desejo, porque a meta estará aqui e o meio estará aqui também. Durante a
brincadeira não há nenhum futuro; você está simplesmente tão dissolvido naquilo, que o futuro
desaparece.
Olhe para as crianças brincando. Olhe para seus rostos, para seus olhos: agora elas estão na
eternidade. Elas estão felizes porque estão brincando. A felicidade não resultará em um fim, ela
está aqui e agora. Momento a momento, elas estão felizes. Não que algo grande esteja para
acontecer mais tarde – já está acontecendo. Elas estão na eternidade. Mas suas mentes ainda não
estão desenvolvidas. Nós as forçaremos a se desenvolverem, porque este brinquedo não será de
muita ajuda no mundo. Elas terão de aprender o trabalho. Terão de fazer a divisão entre meio e
fim. Elas criarão uma brecha entre este momento e o futuro, e nós lhes ensinaremos a sacrificar o
presente pelo futuro. Este é o jeito do mundo, o jeito do mercado, o jeito do desejo. O desejo
torna tudo utilitário.
Na meditação você se tornará uma criança novamente, brincando, sem nenhuma ideia do
futuro, desfrutando este exato momento, desfrutando a própria ação em si mesma,
intrinsecamente. Então, a imaginação não é desejo. Então, você pode brincar com ela, e ela é
uma das coisas mais belas possíveis. E esta brincadeira, este estar no momento, totalmente
absorto, é iluminação. No momento em que isso acontece, você é transformado.
Sendo assim, a iluminação nunca está no futuro, ela está sempre no presente; e ela não é um
trabalho a ser feito, ela é um jogo a ser jogado.
Este é o significado do conceito indiano de leela.[1] Deus está brincando; ele não está
envolvido num trabalho. Este mundo não é utilitário, é apenas um jogo de energia. A energia se
compraz brincando; ela mesma se divide e então brinca de esconde- esconde. Assim é que,
realmente, os visionários indianos jamais disseram que Deus é o criador, eles dizem que Deus é o
jogador – porque a própria palavra ‘criação’ tem muita carga de seriedade em cima, como se
houvesse algum fim e alguma coisa tivesse de ser alcançada. Deus criando o mundo? Isto é
absurdo. Porque isso significaria que está faltando algo; então Deus está criando o mundo para
alcançar alguma coisa. Ou significa que há um futuro, então Deus também vive no desejo.
Os jainistas e os budistas não podiam compreender o conceito hindu de leela, então, eles
negaram Deus completamente. Porque, se Deus cria o mundo, então, ele deseja – assim, os
jainistas e os budistas dizem que, se Deus deseja, Deus faz parte do mundo. Ele próprio não é
livre, ele próprio não é liberado. Assim, eles negaram completamente o conceito de Deus, pois
dizem eles que Deus significa aquele que está além do desejo. E eles dizem que Mahavir é um
Deus, ele está além do desejo; mas Brahma não é um Deus, porque ele cria o mundo, ele deseja o
mundo. Eles não puderam seguir o conceito de leela.
O conceito de leela é totalmente diferente do conceito de criação. Deus está apenas brincando
e você não pergunta “por quê?”, pois uma brincadeira não tem nenhum “por quê” a ser
respondido. Se as crianças estiverem brincando você pode perguntar: “Por que vocês estão
brincando?”. Elas dirão: “Estamos brincando, por isso estamos brincando!”. Brincar é bom em si
mesmo – a energia está se movendo, uma energia abundante está transbordando.
Quanto mais você cresce, menos você brinca. Por quê? Porque agora sua energia não é tão
transbordante. Agora você se tornou econômico. Agora você sabe que tem certa quantidade de
energia e que você tem de canalizar essa energia para o trabalho, para alcançar alguma coisa. As
crianças estão simplesmente transbordando. A energia delas é demasiada, tanta que elas têm de
brincar. A brincadeira é apenas um transbordamento de energia, demasiada energia se movendo.
Então, elas desfrutam o próprio momento. Uma criança está pulando, correndo, mas não para
alcançar alguma meta. A própria corrida é uma bela experiência de vitalidade, uma experiência
de estar vivo, tão abundantemente, que você pode soltar a energia sem nenhuma mente
econômica por trás.
Deus significa absoluta energia, infinita energia. Deus não pode ser econômico. Ele tem
demasiado, tão infinitamente demais, que ele só pode brincar. E essa brincadeira continua sem
parar, não há fim para ela. Não pode haver, porque a energia é infinita. E você não pode
perguntar por quê. Se Deus criou o mundo, você pode perguntar: “Por quê? Por que você criou o
mundo?”. Mas se ele está simplesmente brincando, você não pode perguntar por quê.
Quando você também se torna um jogador na brincadeira, você se torna o Divino. Se você for
um trabalhador, você é humano; se você for um jogador, você se torna Divino. Então, você
participa no jogo. Eis por que nós chamamos Krishna de o absoluto Avatar. Não chamamos Ram
de absoluto Avatar, nós o chamamos parcialmente de Avatar – uma vinda parcial do Divino ao
mundo. Mas, em relação a Krishna, dizemos uma vinda absoluta. A diferença é que Ram é sério.
Ele ainda é utilitário, orientado para uma meta: isto é certo e aquilo é errado. Somente no
trabalho existe o certo e o errado: isto deve ser feito e aquilo não deve ser feito, isto é bom e
aquilo é mau. Para Krishna, tudo virou uma brincadeira; então, tudo é arbitrário – apenas regras
de um jogo.
Se você seguir as regras, e se você as seguir sabendo que é um jogo e que as regras têm de ser
seguidas, é bom. Se você não seguir, nada está errado; na verdade, você está brincando com o
jogo contrário de não seguir. Se você obedece, você segue o jogo da obediência; se você não
obedece, você segue o jogo da desobediência, o jogo da rebeldia. Mas nada está errado. O que
você quer jogar é de sua escolha. E se você não for sério e estiver feliz com o que quer que faça,
você está iluminado.
Há regras, porque um jogo tem de ser jogado com outros. Se você está brincando sozinho,
não existe a questão de regras; então, você pode mudar as regras a qualquer momento que queira.
Mas como você está jogando com outros, as regras têm de ser seguidas, de modo que você possa
brincar com eles. Não há nenhuma outra razão por trás das regras. A moralidade é uma regra, o
amor é uma regra, a sociedade é uma apenas uma regra – concordância sobre regras de que
vamos jogar um jogo e, então, concordamos. Se você não quiser brincar deste jogo, então, você
pode ser rebelde, mas não seja sério quanto a isso. Então, jogue o jogo de ser rebelde. E se
alguém o matar, o assassinar, ou o crucificar, você sabe que você está jogando o jogo de um líder
rebelde; então, você tem de ser morto. Não há nenhuma condenação. Você não estava de acordo
com as regras estabelecidas; as regras estabelecidas estavam contra você – tudo bem. Então, nada
está errado, e você não tem de reclamar. Quando você se tornar ciente de que o conceito de
trabalho, de utilidade, de se chegar a algum lugar, à meta, é o cativeiro, isso não significa que
você parou de jogar o jogo no mercado – você continua jogando. Mas você sabe que é um jogo.
Isso não significa que você se divorcie da esposa – você continua jogando o jogo do casamento.
Não fique sério sobre isso. E se você quiser jogar o jogo do divórcio, você pode jogá-lo, mas
lembre-se: não fique sério quanto a isso. Divórcio ou casamento – são jogos alternativos; ser um
homem mundano, ou se tornar um saniássin – esses são jogos alternativos. Mas não fique sério
quanto a isso. Seja despreocupado, festivo. E seja o que for que escolha, você pode jogar: e seja
quais forem as consequências que se seguem, você lhes dará as boas-vindas, porque não há nada
sério quanto a elas.
Uma vez que isto se aprofunde em sua consciência – e se aprofundará se você começar a
brincar com a meditação – será um bom começo. Porque, na meditação, você sozinho é o
jogador. Eis por que pode ser bom no começo, o começo adequado. Você está sozinho no jogo,
então, você pode se esquecer da sociedade; e a sociedade não virá interferir. Este é um jogo solo,
a meditação, um jogo solo. Você joga sozinho.
Assim, seja o que for que você queira jogar, você pode jogar, mas esqueça-se das metas. Se
houver metas, você transformou a meditação num trabalho. Brinque com ela, desfrute-a, ame-a.
Ela é bela em si mesma. Não há nenhuma necessidade de nenhuma outra meta para embelezá-la.
As pessoas vêm a mim e dizem: “Estamos adorando a meditação. Mas diga-nos o que está
para acontecer. Qual será o resultado final?”. Eu lhes digo: “Este é o resultado final – que você
está adorando. Desfrute-a mais!”. Mas então continuam insistindo: “Diga-nos algo sobre isso.
Qual será o resultado final? Aonde chegaremos?”. Essas pessoas não estão absolutamente
interessadas em onde estão: sempre estão interessados em onde vão chegar. A mente não pode
existir no presente; então, ela vai dando desculpas para se mover para o futuro. Essas desculpas
são os desejos. Então, se você deseja ser um deus, ser um buda, sua meditação será uma espécie
de desejo e, então, não será meditação. Se você não deseja nada, você simplesmente desfruta o
estar aqui, você simplesmente celebra estar vivo, você desfruta a energia interna brincando na
imaginação, nas visões, na vacuidade... Seja o que for que você escolha, você é totalmente um
com esse momento de satisfação; então, isso é meditação. Então, não há nenhum desejo, o
mundo some. Com o não-desejar, você entrou na mente brincalhona. Você já está nela.
Mas isto tem de ser martelado dentro de sua mente repetidamente, porque sua mente é um
transformista. Ela transforma qualquer coisa em desejo, qualquer coisa! Ela transforma até o
não-desejo em um desejo. As pessoas vêm a mim e dizem: “Como a pessoa atinge o estado de
não-desejo?”. Como atingir o estado de não-desejo? Agora isto virou o desejo. Sua mente tem
um mecanismo transformista: seja o que for que você coloque nela, sairá como um desejo.
Fique alerta disso e desfrute os momentos de tal forma, que nenhuma energia seja deixada
para se mover no futuro. Então, qualquer dia, a qualquer momento, acontecerá a você: de repente
toda a escuridão desaparece; de repente, tudo que é uma carga desaparece; de repente você está
livre. Mas a ênfase deve ser cada vez maior na brincadeira, no presente, no aqui e agora – e cada
vez menos no futuro.

Segunda pergunta:
Ontem, você disse que a mente é realidade, que o sonho é realidade. Então, porque os
gurus como você se dão ao trabalho de nos ensinar que a mente é a única barreira, que a
mente é o único obstáculo?

Gurus e discípulos são fenômenos da mente. Como sua mente precisa de gurus, há gurus.
Você os cria. Como você quer ser ensinado, há professores. Você precisa deles.
Isto é um jogo. Quando eu digo que o casamento é um jogo, não pense que eu não diria que
“guru e discípulos” não seja um jogo. É um jogo. Algumas pessoas gostam disso, então, elas
brincam com isso. Se você gosta, brinque com isso profundamente; se não gosta, esqueça. Mas
este é um dos jogos mais belos. Ele vai até mais fundo que o casamento.
É um dos jogos mais belos, mais refinados – e somente quando uma cultura alcança o seu
ápice é que este jogo se desenvolve, nunca antes. Assim, realmente, somente na Índia o jogo se
desenvolveu. O jogo do guru e do discípulo surgiu aqui. Agora o Ocidente está descobrindo isso
pela primeira vez, porque agora o Ocidente está chegando a um ápice. Este jogo é o maior luxo.
Ele não é comum, então somente as pessoas que podem se dar ao luxo podem jogá-lo. E se você
sabe que este é um belo jogo e você se deleita com ele, você pode brincar. Mas não seja sério
quanto a ele. Os discípulos podem ser perdoados se forem sérios à respeito. Mas, quando os
professores são sérios, isso é absurdo. Não pode ser perdoado eles nem sequer perceberem que
isso é um jogo.
Na realidade, todos os jogos desaparecem, mas para a mente, os jogos existem. Com isso não
estou dizendo que você deveria parar de jogar, estou somente dizendo que você deveria se tornar
ciente de que é um jogo e então, se você quiser desfrutá-lo, continue jogando. Se você não gosta
dele, então pare. Uma vez que você se torne ciente de que tudo na vida, todo relacionamento, é
uma espécie de jogo, você está realmente livre, porque você está no cativeiro somente porque
você pensa que tudo é muito sério. Nada é tão sério. Mas é difícil conceber esta vida toda como
um jogo.
Por que é tão difícil? Porque então o ego fracassa. Se tudo é um jogo, o ego não pode se
erguer. O ego precisa de alimento. A seriedade é o alimento. Ele se alimenta disso. Então,
quando você se torna um discípulo, se você estiver apenas brincando, seu ego não pode ficar
forte através disso, porque você sabe que isso é um jogo.
O que haveria nisso para se ser tão egoísta? As pessoas começam pensando que elas são
discípulas de um grande guru. O guru pode não ser grande ou talvez ele seja grande, esse não é o
ponto – mas o discípulo pensa: “Eu sou o discípulo do maior guru”. Isso se torna uma vitamina e
o ego cresce nisso, torna-se mais forte.
Eis por que os discípulos continuam brigando sobre gurus. Ninguém pode acreditar que seu
guru seja o número dois, ele é sempre o número um. E o caso não é o fato de ele ser número um
ou não – esse não é o ponto. É porque você só pode ser número um se seu guru for o número um.
O ego do discípulo depende da altura do guru. Se alguém diz algo contra seu guru, por que você
se sente ferido? Seu ego fica ferido. Seu guru quer dizer seu ego, incorporado, e se alguém diz
algo contra seu guru, você não pode tolerar – é impossível porque isso é uma pancada direta no
seu ego.
Mas para discípulos, isso pode ser tolerado. Eles são ignorantes e seja o que for que fizerem,
farão erradamente. Isso é reconhecido. Mas os supostos gurus também estão jogando o jogo
muito seriamente. Eles não podem rir; é-lhes impossível rirem sobre o jogo todo. Um guru é
realmente um guru quando ele sabe que a coisa toda é um jogo e que no jogo ele o está ajudando
a se tornar mais consciente. E chegará um momento em que você também rirá, chegará um
momento em que você será capaz de olhar para trás – e então você se sentirá muito agradecido,
porque, para você, isso era tão sério e para o guru nunca foi nada. Mas ele, para você, estava
jogando o jogo tão seriamente e fazendo todo esforço – como se ele estivesse conduzindo-o a
algum lugar.
Lembre-se disto: é “como se”, porque não há nenhum lugar para você ser conduzido. Você
tem de estar aqui. Então, todos os esforços que parecem estar conduzindo-o a algum lugar são
apenas artifícios. Você não pode ser conduzido a lugar nenhum. Você já está em casa, você
nunca a deixou. Você, na verdade, está enraizado na realidade. Portanto, todos esses jogos de
conduzir, de guiar, de ser um guru, são para levá-lo a situações onde você descobrirá que tudo
que você queria encontrar já está presente.
Mas vocês não podem compreender a não-seriedade. O ego não conhece essa linguagem.
Toda religião nasce como uma brincadeira, e toda religião se torna uma igreja, muito séria,
mortalmente séria. Toda religião nasce como uma dança, como uma canção, como uma
festividade celebrativa e, depois, tudo fica morto e sério. A religião realmente não pode ser séria.
Ela tem de ser extasiante. Ela deve ser o mais alto pico de bem-aventurança. Como ela pode ser
séria?
Os cristãos continuam pensando e acreditando que Jesus nunca riu. Olhe para Krishna – não
se pode encontrar nenhum ponto de contato entre eles. Não que Jesus fosse daquela forma, mas
os cristãos o fizeram sério, porque somente ao redor de um Jesus sério uma igreja séria é
possível. E então todo o jogo dos papas – tão sério, tão carregado. Jesus tem de ter sido um
homem muito alegre, rindo, desfrutando, comendo, bebendo, dançando. Ele deve ter amado a
vida muito profundamente.
Esse era o pecado. Essa era a razão pela qual ele foi crucificado. Aqueles que o crucificaram,
eram muito sérios. Eles eram da velha igreja estabelecida. Realmente, eles não crucificaram
Jesus: eles crucificaram sua festividade. E não teria havido nenhum cristianismo se ele não
tivesse sido crucificado, porque ele era um homem muito alegre. No momento em que os judeus
o crucificaram, a coisa toda ficou muito séria. A morte tornou-se o ponto. E a figura na cruz é
naturalmente muito séria – morte. E o cristianismo surgiu ao redor do corpo morto e da cruz. A
cruz tornou-se o símbolo – não Jesus rindo numa cidade, bebendo numa festa, comendo com
amigos, ou se hospedando na casa de uma prostituta. Não, essas coisas não serviriam como
símbolos. A cruz tornou-se o símbolo, e com a cruz, a seriedade – seriedade mortal. E por causa
dessa cruz e de Jesus crucificado, o cristianismo foi contra a vida. Tudo que é vivo vira pecado.
E toda religião continua fazendo isto do seu próprio modo.
Os que são muito sofisticados não farão isso desse jeito, eles o farão de outro modo. Nós não
transformamos Krishna – a Índia é uma terra muito sofisticada, ela não faria tal coisa – mas nós
nunca o levamos até o nosso coração. Ele é apenas um mito, belo.
O Gita se tornou mais importante do que Bhagvad. A vida de Krishna não é tão importante
para os hindus, mas sua mensagem dada sobre o campo de guerra é muito importante. Por quê?
Porque isso é uma coisa séria. Um campo de guerra está mais próximo da morte do que da vida.
A vida de Krishna é muitíssimo viva, mas ela se tornou um mito e ninguém se importa com ela.
Suas poucas palavras pronunciadas num campo de guerra se tornaram mais importantes do que
toda a sua vida. E então há pânditas que continuam explicando que sua vida é apenas simbólica,
não é real. Sua brincadeira com as gopis não é real – as gopis são apenas símbolos dos sentidos,
não reais. Elas não são mulheres reais de carne e osso, não. As gopis não são mulheres, elas são
simbólicas. E os pânditas são muito eficientes em criar tais truques. Eles dizem que Krishna é a
alma e as gopis são os sentidos do corpo – os sentidos estão dançando ao redor da alma. Este é
um país sofisticado. Eles matam Krishna, crucificam Krishna, mas de um modo muito
sofisticado. Sua festividade celebrativa está morta; tornou-se simbólica, sem sentido. E toda a
sua vida real foi posta de lado.
Ele estava dançando com mulheres de verdade, mas isso é chocante, porque nós não
concebemos Krishna dançando com mulheres reais. Nós permitimos que ele dance com mulheres
simbólicas, mas não com mulheres reais. Ficaríamos chocados. A vida nos choca. Nós nos
tornamos tão mortos, que qualquer coisa viva nos choca.
Toda religião nasce em festividade – e, quando a festividade morre, saiba bem que a religião
está morta. Sempre que uma nova religião nasce, todas as velhas religiões serão contra ela,
porque, novamente, a festividade estará presente. Exatamente como quando nasce uma criança –
toda criança nasce brincalhona, festiva, viva, celebrativa, irresponsavelmente celebrativa, não
acreditando no futuro, acreditando no aqui e agora – toda a sociedade ficará contra ela; toda a
sociedade tentará corrigi-la antes que ela se extravie. Ela deve ser posta nos trilhos.
O mesmo acontece com todas as religiões. Então, quando eu falo de meditação como uma
dança, ou quando eu falo sobre sânias como um espaço interno de celebração e felicidade, como
uma afirmação da vida, é claro que todos que pertencem às velhas tradições, dirão: “Você chama
isso de sânias?”. De certo modo, eles estão certos, porque, seja o que for que eles estiveram
acreditando que é o sânias, não é isto. Eles sempre acreditaram em homens mortos – quanto mais
morto, mais eles dizem: “Agora, isto é verdadeira renúncia”. Quando a vida é renunciada, eles
chamam isso de sânias – mas eu chamo de sânias quando a vida está sendo vivida na sua
totalidade.
Mas é assim que será sempre. Quando eu não existir mais, vocês tornarão isto numa coisa
séria. Vocês darão explicações de qual é o verdadeiro significado. Mas o verdadeiro significado é
sempre óbvio, não há nenhuma necessidade de dar alguma explicação. Todas as explicações são
para explicar satisfatoriamente – para introduzir algo que não estava ali.
Gurus, discípulos, acordados e ignorantes... este é um grande jogo, uma brincadeira cósmica.
Os ignorantes precisam dos acordados; os acordados não podem jogar em solo, sozinhos – eles
precisam dos ignorantes. Mas o mestre sabe que isto é um jogo e que não é sério quanto a isso.

Terceira pergunta:

Você disse na noite passada que uma mudança externa ou interna e nos aspectos físicos
ou mentais podem trazer uma mudança na consciência. Isso significa que mudanças na
periferia também afetam a consciência, o centro. Mas então, por que você enfatiza a
mudança de centro, em vez de mudar o exterior, a periferia?

Este é o problema: vocês continuam pegando as palavras e perdendo o significado.


A periferia também pertence a você; ela faz parte do centro. A periferia faz parte do centro,
ela é a parte externa do centro, mas ela não é diferente do centro. Você pode criar uma periferia
sem o centro? Ou você pode criar um centro sem a periferia? Eles não são separados, eles são um
só. A periferia é o centro olhado de fora. Se você mudar sua periferia, o centro também será
afetado por duas razões: primeiramente, a periferia é parte do centro; e em segundo lugar, o que
mudará a periferia, que não o centro? O que mudaria a periferia? O centro mudará a periferia.
Mas minha ênfase ao começar o trabalho a partir do centro ainda persiste, porque se você
começar mudando a periferia levará muito tempo até chegar ao centro. O que pode ser feito num
único momento pode levar muitas vidas, porque você tem de atravessar desde a periferia até o
centro – voltar da superfície até as profundezas. Se você começar o trabalho pelo centro, a
periferia automaticamente muda. Quando o centro estiver diferente, a periferia o seguirá, porque
a periferia não pode se afastar de você. Por exemplo: eu não lhe direi para tentar ser não-violento
na periferia – é um desperdício desnecessário de tempo e de esforço. Seja não-violento no
coração, seja compassivo, amoroso, no coração – e a periferia irá atrás. Você pode se esquecer
disso completamente, porque seja o que for que aconteça com a periferia vem do centro; assim,
se no centro você for compassivo, a periferia irá atrás. E esta compaixão será totalmente
diferente, porque a periferia não saberá que aquilo é compaixão; a periferia não se sentirá
exultante por que “isto” é compaixão: a periferia estará abençoadamente inconsciente – a
compaixão irá atrás de você como uma sombra. Este é o curso mais fácil.
O que eu quero dizer é isto: se você quer mudar uma árvore, mude as raízes. É claro, as folhas
da árvore também são a árvore, e você também pode tentar mudar as folhas. Se você mudar as
folhas, as raízes serão afetadas, mas isso será um processo muito longo, porque o fluxo vem das
raízes para as folhas, o fluxo não é das folhas para as raízes. Você está seguindo uma direção
reversa à natureza. Se você continuar mudando as folhas, depois de muitas, muitas vidas, você
poderá afetar o padrão das raízes, mas isto vai ser desnecessariamente demorado. Você pode
fazer isso imediatamente se você mudar o padrão das raízes. As folhas mudarão e serão
diferentes.
Assim, quando eu enfatizo o centro, eu não quero dizer que a periferia esteja separada do
centro. E quando eu enfatizo o centro, eu não quero dizer que você não pode afetar o centro a
partir da periferia – você pode, mas esta é a rota mais longa possível. Se você escolher viajar pela
rota mais demorada, é decisão sua. Não há nada de errado nisso. Se você gosta da viagem, então,
a rota mais demorada é boa. Se você quer apenas ver as paisagens laterais, então, a rota
demorada é boa. Caso contrário, comece a partir do centro.
É exatamente assim: estamos sentados aqui e vocês estão me ouvindo; então, um centro é
criado nesta sala – você se torna a periferia, eu me torno o centro. Uma alma de grupo existe.
Vocês estão centrados na minha direção. Se alguém quiser afetar esta sala e esta alma grupal, é
melhor começar por mim do que por vocês. Porque, se eu mudar minha mente, os efeitos virão
logo, mas se alguém começar por vocês vai ser um longo esforço. Porque vocês são muitos e
primeiro a pessoa terá de mudar um a um e, aí sim, ela tentaria me mudar através de vocês. Isso
irá demorar muito, e ela pode não conseguir nunca. O outro jeito é mais fácil. Se ela me mudar e
se vocês estiverem ligados a mim como o centro, imediatamente, haverá efeitos.
No seu corpo, no seu ser, o mesmo fenômeno está acontecendo. Há o centro e a periferia de
sua vida. Com uma pancada certeira no centro, a periferia irá atrás – ela tem de ir atrás, não há
outro jeito. Mudar a periferia é um trabalho fragmentário: você muda um fragmento e noventa e
nove outros fragmentos permanecem como do velho modo; depois, quando você se mover para
outro fragmento, aqueles noventa e nove outros mudarão aquele que você tentou mudar – eles o
tornarão velho novamente. Todo o padrão estará contra ele. Eu posso – com muito esforço –
mudar um hábito, mas não todo o seu padrão, porque seu centro continua lhe dando todos os
velhos hábitos. Eu mudei somente um hábito e há milhares de hábitos. Este hábito mudado é
apenas da superfície, forçado. No momento em que você ficar inconsciente, todos os outros
hábitos e o padrão o mudarão novamente para a velha forma. É muito esforço desperdiçado
quando se trabalha na periferia.
Eu tenho visto gente que esteve trabalhando sua vida inteira por coisas comuns. Por exemplo:
alguém vem tentando, sua vida inteira, parar de fumar. Esta tem sido a meta dessa pessoa – a
única meta –, e ela ainda não teve sucesso. Eu digo a tal pessoa: Mesmo que você venha a
alcançar isso, o que foi alcançado? Toda a vida é perdida só na tentativa para parar de fumar.
Não vale a pena. Quando você chegar à fonte Divina, a Deus, você somente será capaz de dizer
que você parou de fumar. Isto não vale a pena ser dito. E toda a sua vida tem sido gasta na
tentativa de parar de fumar e nem isso foi alcançado. Isso é um trabalho fragmentário. E o
problema não está no fumar: você está lutando contra a corrente mudando uma pequena onda – e
todo o rio continua fluindo. Se você mudar uma onda, todo o rio trará a onda de volta para o seu
próprio movimento, porque o padrão, o padrão integrado, continua sendo refletido do centro até
a periferia. É um programa integrado: o que quer que esteja acontecendo na periferia, já
aconteceu no centro. Eis por que está acontecendo aqui. A periferia passa a conhecer coisas que
vêm acontecendo muito profundamente.
Mova-se para a causa e não fique muito interessado no efeito.
Isto é científico. Mude o centro. Não tente parar de fumar, não tente parar isto e aquilo – siga
o padrão mais profundo. Por que acontece o fumar? Por que existe essa obsessão com sexo? Por
que esta obsessão com dinheiro? Por que você é um miserável? Por que você continua se
agarrando ao dinheiro morto? Você pode doá-lo – não fará nenhuma diferença. A doação não vai
ajudar; você juntará dinheiro de novo. E a própria doação será um investimento para o futuro, ela
será parte de sua conta bancária. Você não pode doar de forma leve, brincalhona, pode? Você
pode doar muito seriamente, quando é dito que a doação o conduzirá para o céu. Então, você
pode doar. Para mim, um doador que está dando seu dinheiro para algum futuro final no paraíso
é mais apegado ao seu dinheiro do que uma pessoa que pode jogar fora toda a sua fortuna num
jogo de cartas. Esta pessoa é menos ambiciosa. Ela pode brincar com isso, e seu alcance é mais
profundo. Ela pode parecer imoral, porque a moralidade é criada pelos doadores. Eles dirão:
“Você está desperdiçando dinheiro”. Eles nunca desperdiçam dinheiro; eles sempre o investem.
E este homem é louco, imoral, desperdiça dinheiro. Mas este homem é menos ambicioso, e este
homem pode ir mais fundo, muito mais facilmente do que o homem ambicioso que está doando
em função de algum paraíso ou algo assim.
Você pode mudar as coisas externas, mas até a mudança terá lá no fundo o mesmo padrão. O
padrão tem de ser desenraizado e transformado. Eis por que eu enfatizo o começar pelo centro.
Mas não pense que eu esteja dizendo que, se você não puder começar do centro, não comece da
periferia. Não é isso que eu estou dizendo. Se você não pode começar do centro, por favor,
comece da periferia. Alguma coisa é melhor do que nada. Levará muito tempo, ou você pode
mesmo nem ser capaz de fazê-lo, mas ainda assim o próprio esforço será bom.
Isso me lembra de um incidente. Numa sala de espera de um aeroporto, uma jovem estava
chorando copiosamente. Todo mundo estava vendo aquilo, mas ninguém sabia o que fazer.
Então, um cara tomou coragem. Ele chegou perto da mulher, tentou consolá-la, disse algumas
coisas simpáticas, pôs seu braço à volta dela, e perguntou: “O que eu posso fazer? Tem alguma
coisa que eu possa fazer para ajudá-la a parar de chorar?”. Mas ela não estava ouvindo. Ela
continuou berrando; então, ele a apertou um pouco mais, e perguntou novamente: “Tem alguma
coisa que eu possa fazer para você parar de chorar?”. A mulher disse finalmente: “Acho que não.
Isso é uma alergia, mas, ainda assim, por favor, continue tentando”.
Foi o que lhe disse. Da periferia fica difícil, porque é como alergia. É quase impossível, mas,
por favor, continue tentando. Alguma coisa pode acontecer. Quem sabe?
Mas se você está realmente interessado, comece do centro.

Quarta pergunta

Por que haveria uma diferença entre técnicas para homens e para mulheres?

Porque eles são diferentes. Eles são tão diferentes quanto possível. Eles são polos opostos.
Realmente, a pergunta mais relevante seria esta: por que deveria haver técnicas similares?
Há técnicas que estão sendo usadas por ambos, homens e mulheres, não porque elas se
ajustem às mulheres, mas realmente porque técnicas especiais nunca foram desenvolvidas para
elas. As mulheres têm sido a parte negligenciada da humanidade. Todas as técnicas foram
desenvolvidas por homens. Basicamente, o homem estava experimentando com ele mesmo: ele
conhecia seu padrão de energia, suas rotas de energia, suas passagens de energia. Ele trabalhou
em cima disso. E ele estava falando com outros homens – assim, as técnicas foram desenvolvidas
por homens para homens. As mulheres nunca foram consideradas.
As mulheres não podem entrar numa mesquita muçulmana. Elas não fazem parte do Islã
realmente: a mesquita existe somente para os homens. Durante muitos anos, Buda
insistentemente negou iniciação a mulheres. Mahavir iniciou muitas mulheres, ele nunca negou
iniciação, mas nenhuma técnica foi desenvolvida para elas. Todas as técnicas foram para os
homens. As mulheres trabalhavam através delas. Eis por que o resultado nunca foi tão
miraculoso, nunca; eles foram sempre assim, assim, não podia deixar de ser. Na verdade, não há
nenhuma necessidade de trezentas religiões no mundo, há somente necessidade de duas religiões:
uma para os homens e outra para as mulheres. E essas duas religiões não precisam estar em
nenhum conflito, elas podem se juntar num casamento. Elas se tornarão uma. Não há nenhuma
necessidade de qualquer conflito. Se um homem e uma mulher puderem se apaixonar e viverem
juntos como uma única unidade, aquelas duas religiões podem se apaixonar – elas devem se
apaixonar. Toda a psicologia, toda a psicologia, cada camada da consciência feminina é diferente
da do homem – não somente diferente, mas exatamente oposta. Por exemplo: o kundalíni iôga...
isso não é para as mulheres, de jeito nenhum. Mas muitos ficam chocados quando eu digo isso. E
principalmente as mulheres ficarão chocadas. Elas pensarão que algo lhes foi tirado das mãos.
Essa técnica não é para elas absolutamente, porque a kundalíni é baseada no centro sexual
positivo do homem. O centro sexual positivo está na raiz do pênis – para os homens, não para as
mulheres. Para as mulheres, esse centro é negativo, e a energia não pode ser erguida a partir de
um centro negativo. Assim quase sempre é o caso – esta é minha observação – que sempre que
as mulheres dizem que estão sentindo a kundalíni surgindo nelas, elas estão imaginando. Isso não
pode acontecer. Mas elas são muito imaginativas, mais imaginativas que os homens. Então, se eu
trabalho com dez mulheres e dez homens, nove mulheres sentirão a energia surgindo e somente
um homem sentirá a energia surgindo. Isso é um milagre, porque não pode acontecer! Elas
continuam vindo a mim e dizendo; “Tudo certo, está acontecendo!”. O que fazer? É impossível,
cientificamente impossível, porque a energia pode vir somente de um polo positivo.
Técnicas totalmente diferentes deveriam ser desenvolvidas, técnicas totalmente diferentes –
mas, como o homem e a mulher vivem tão perto, tão próximos um do outro, eles continuam se
esquecendo de que eles são diferentes. Não há nada parecido e é bom que nada seja parecido,
porque é por isso que eles podem se tornar um círculo de energia. Eles são complementares, eles
se ajustam um ao outro. Mas, por eles se ajustarem, não significa que sejam semelhantes – eles
se ajustam porque não são semelhantes.
E sempre que dois tipos de corpos e mentes semelhantes tentam se ajustar um ao outro, isso é
perversão. Assim, eu digo que a homossexualidade é uma perversão. No Ocidente, atualmente,
isso está se tornando cada vez mais e mais prevalente. Agora os homossexuais pensam que são
progressistas: eles têm seus clubes, suas festas, instituições, revistas, propaganda, tudo. E o
número deles está aumentando. Em certos países já chega perto de cerca de quarenta por cento.
Mais cedo ou mais tarde, a homossexualidade se tornará um padrão por toda parte, um padrão
normal. Agora, até certos Estados nos Estados Unidos estão permitindo o casamento de
homossexuais. Se as pessoas insistirem, você tem de permitir isso, porque o governo tem de
servir à população. Se dois homens querem viver juntos em casamento, não cabe a ninguém criar
obstáculos. Tudo bem. Se duas mulheres querem viver juntas, casadas, não é da conta de
ninguém. É assunto delas. Mas isso basicamente é não-científico. O assunto é delas, mas não-
científico. O assunto é delas e ninguém precisa interferir, mas suas mentes não estão conscientes
sobre o padrão básico da energia humana e seus movimentos. Os homossexuais não podem
desenvolver a espiritualidade. Todo o padrão de movimento de energia deles está perturbado.
Todo o mecanismo está abalado, pervertido. E agora se a homossexualidade crescer
demasiadamente no mundo, técnicas muito diferentes têm de ser desenvolvidas – desconhecidas
antes – para ajudá-los a se moverem em direção à meditação.
Quando eu digo que homem e mulher são duas contrapartes de um todo, eu quero dizer que
eles são complementares. E a complementaridade é possível somente quando seus polos opostos
se encontram. Olhe para isso deste jeito: a vagina é o polo negativo no corpo feminino e os seios
são o polo positivo. Este é o poder do magnetismo: o polo positivo perto dos seios, o polo
negativo perto da vagina. Para o homem, o polo negativo está no peito, e o polo positivo está no
pênis. Então, quando os peitos se encontram – macho e fêmea – negativo e positivo estão se
encontrando; e quando os centros sexuais se encontram no coito, o negativo e o positivo estão se
encontrando. Agora, os dois poderes magnéticos estão se encontrando nos seus polos opostos,
agora há um círculo – a energia pode fluir, a energia pode se mover. Mas este círculo acontecerá
somente quando um homem e uma mulher estiverem se amando. Se eles não estiverem se
amando, então, somente seus centros sexuais se encontrarão – um polo positivo se encontrará
com um polo negativo. Haverá uma troca de energia, mas linear. Um círculo não pode ser feito.
Eis por que sem amor você nunca fica satisfeito.
Sexo sem amor se torna apenas uma bagatela. Não há movimento profundo. A energia se
move, mas numa linha – um círculo não é feito. E, quando existe um círculo, vocês se tornam
um, não antes disso. Quando você está profundamente apaixonado, então, os peitos também se
encontram, nunca antes. Portanto o ato sexual é muito fácil; o ato de amor é mais complexo. O
ato sexual é apenas físico – duas energias se encontrando e se dissipando. Desse modo, se há
somente sexo, mais cedo e mais tarde você se sentirá frustrado: você desperdiça energia e nada é
ganho com isso. O ganho acontece somente quando há o círculo. Se o círculo está presente,
ambos os parceiros sairão do ato sexual mais energéticos, mais vivos, mais carregados, com mais
energia fluindo. Se houver somente o ato sexual, os dois parceiros sairão dele descarregados,
sem vigor. Eles perderam energia. O sono virá a seguir, porque eles estão se sentindo fracos.
Neste “encontro de um só polo”, os homens perdem mais do que as mulheres. Eis por que as
mulheres podem se tornar prostitutas – porque o polo positivo é o homem e o polo negativo é
mulher. A energia flui do homem para a mulher, mas não vice-versa. Assim uma mulher pode ter
vinte ou trinta atos sexuais em uma noite, um homem não pode. Um homem não pode estar em
dois. Depende da idade, de como a energia dele está se movendo – porque não há ganho algum.
Assim, para mim, se a prostituição é mim, não é por causa da prostituição, é porque um círculo é
impossível. Você não é carregado. Você simplesmente perde sua energia. Se houver amor, então,
o homem e a mulher se encontram em dois polos. O homem dá à mulher e a mulher retorna o
que recebe. Isto é recíproco, mútuo.
Para as mulheres, a meditação será boa se ela começar dos seios. Este é o polo positivo delas.
Por causa disso, muitas coisas estranhas se tornam possíveis, acontecem. O homem sempre gosta
de penetrar a mulher imediatamente. Ele não está interessando nas preliminares amorosas,
porque seu polo positivo está sempre pronto. E as mulheres são sempre relutantes para entrar no
ato sexual imediatamente, sem nenhuma preliminar, porque seu polo negativo não está pronto. E
ele não pode estar pronto. A menos que o homem inicie a amar a mulher a partir dos seios, o
polo negativo não estará pronto. Elas podem conceder, mas elas não participarão. E o homem
pensa que o ato sexual é simples. “Por que perder tempo? Penetre logo a mulher – e ele acaba em
minutos.” Mas a mulher não fez parte, ela não foi excitada. Eis por que as mulheres têm um
anseio de que seus amantes lhes toquem os seios, amem seus seios – um profundo anseio.
Somente quando seus seios se enchem de energia, o segundo polo do poder magnético, que é
negativo, responde. Então, elas estão vivas para isso, então elas podem participar, então, a
comunicação é possível – e, então, elas se fundem. As preliminares amorosas são imperativas.
Os casamentos se tornam secos porque, no começo, quando você encontra uma nova mulher,
você brinca com o corpo dela antes. Você não tem certeza de que ela permitirá uma abordagem
direta; então, você brinca. Você apenas sente o chão, para ver se ela está pronta. Mas quando ela
é sua esposa, você a toma como coisa garantida – não há nenhuma necessidade. As esposas estão
tão insatisfeitas com seus maridos, não porque seus maridos não estejam amando, mas porque
eles estão amando de modo errado. Eles não pensam que uma mulher existe de um modo
diferente; que o corpo dela responde de um modo diferente, bem oposto ao deles.
Esta concentração nos seios, fundindo-se neles, dará uma nova sensação à mulher meditadora
– uma nova sensação sobre seu corpo, porque agora, a partir do centro, ela sente todo o corpo
vibrando. Só por se amar os seios de uma mulher, ela pode ser levada a um profundo orgasmo,
porque o polo negativo continuará respondendo automaticamente
Há muitas outras coisas. Se você começar dos seios, meditando nos bicos, não siga a rota que
você leu nos livros, porque essa foi traçada para os homens. Simplesmente não siga nenhum
mapa, simplesmente permita à própria energia mover-se. Acontecerá deste jeito: com apenas
uma vaga sugestão seus seios se encherão de energia, eles irradiarão energia, eles se tornarão
quentes e, depois, imediatamente sua vagina responderá. E somente depois de sua vagina
responder e vibrar, sua kundalíni começa a funcionar. A rota será diferente e o modo da
kundalíni surgir será diferente.
No homem ela surge muito ativamente, violentamente. Eis por que eles a chamaram de
“subida da serpente”. Muito violenta, repentina, num movimento espasmódico, a serpente se
desenrola. E isso é sentido em muitos pontos. Esses pontos são chamados de chakras. Onde quer
que haja resistência, a cobra força por si. Exatamente como o pênis entra na vagina, assim a
passagem é similar para o homem. Quando a energia surge, é como se o pênis estivesse se
movendo por dentro.
E a cobra é um símbolo fálico. Realmente, para não usar a linguagem direta, não chamá-lo de
pênis, eles o chamaram de cobra. Vocês já devem ter ouvido contar a história de Jardim do Éden,
onde a serpente persuadiu Eva a comer do fruto da Árvore do Conhecimento. Agora, estudiosos
estão se debruçando sobre isso e eles dizem que esta serpente também é apenas um símbolo
fálico, usado assim para não ser dito diretamente. Assim, não é uma questão realmente de comer
o Fruto do Conhecimento; é uma questão de sexualidade.
O mesmo símbolo foi usado de modo semelhante na Índia: a serpente surge como um pênis
erguendo-se em espasmos, e movendo-se por dentro.
Esta não será a sensação para a mulher. A sensação será bem oposta. Da mesma forma que
uma mulher sente quando o pênis entra na vagina – a sensação de fusão, as boas-vindas, a vagina
abrindo caminho, vibrando muito delicadamente, de um modo muito receptivo, amoroso,
acolhedor – o fenômeno interno será o mesmo. Quando a energia subir, será uma subida
receptiva, passiva, como se uma passagem estivesse se abrindo – não uma serpente subindo, mas
uma porta se abrindo, e uma passagem se abrindo, e algo dando passagem. Será passivo e
negativo. Com o homem algo está entrando; com a mulher, algo está se abrindo, não entrando.
Mas ninguém jamais trabalhou nisso, nunca antes, porque ninguém tomou nenhum
conhecimento das mulheres. Mas para o futuro, eu penso que agora é imperativo – o corpo
feminino não deve ser negligenciado. Muita pesquisa e muito trabalho são necessários, mas é
muito difícil trabalhar, por causa de tanta tolice puritana, moralista. É muito difícil trabalhar e
criar um mapa de como o corpo feminino responderá ao fenômeno.
Mas é assim que sinto que será: tudo será exatamente o oposto. É imperativo que seja assim.
Não pode ser semelhante. Mas a coisa suprema será a mesma.

Nota

[1] Leela – brincadeira de Deus. (N. da T.)


Capítulo 69

VOCÊ É DESCONHECIDO DE SI MESMO



OS SUTRAS

96. Permaneça em algum lugar espacialmente sem fim, sem árvores, montanhas, habitações.
Daí surge o fim das pressões da mente.
97. Considere ser a amplidão seu próprio corpo de bem-aventurança.

O homem nasce sozinho e morre sozinho, mas, entre esses dois pontos, ele vive em
sociedade, ele vive com os outros.
Solidão é sua realidade básica; a sociedade é simplesmente acidental. E a menos que o
homem possa viver sozinho, possa conhecer sua solidão em sua total profundidade, ele não pode
se familiarizar consigo mesmo. Tudo o que acontece em sociedade é apenas externo: não é você,
são apenas suas relações com os outros. Você permanece desconhecido. Pelo lado de fora, você
não pode ser revelado.
Mas nós vivemos com os outros. Por causa disso, o autoconhecimento fica completamente
esquecido. Você sabe alguma coisa de você, mas indiretamente – é algo dito a você pelos outros.
É estranho, absurdo, que os outros devam lhe falar sobre você. Seja qual for a identidade que
você carregue, ela é dada a você pelos outros; ela não é real, é uma rotulação. Um nome é dado a
você. Esse nome é dado como um rótulo, porque será difícil para a sociedade se relacionar com
uma pessoa sem nome. Não somente o nome é dado, a própria imagem que você pensa ser é dada
pela sociedade: que você é bom, que você é ruim, que você é belo, que você é inteligente, que
você é moral, um santo, ou seja o que for. A imagem, a forma, também é dada pela sociedade, e
você não sabe o que você é. Nem seu nome revela nada, nem a forma que a sociedade lhe deu.
Você permanece desconhecido para si mesmo.
Esta é a ansiedade básica. Você existe, mas você é um desconhecido para si mesmo. Esta falta
de conhecimento da pessoa sobre ela mesma é a ignorância, e esta ignorância não pode ser
destruída por nenhum conhecimento que os outros possam lhe dar. Eles podem lhe dizer que
você não é este nome, que você não é esta forma, que você é uma “alma eterna”, mas isso
também está sendo dado pelos outros, isso também não é próximo. A menos que você chegue até
si mesmo diretamente, você permanecerá na ignorância. E a ignorância cria ansiedade. Você não
tem somente medo dos outros, você tem medo de si mesmo – porque você não sabe quem você é
e o que está escondido dentro de você. O que será possível, o que irromperá de você no momento
seguinte, você não sabe. Você permanece apreensivo e a vida se torna uma ansiedade. Há muitos
problemas que criam ansiedade, mas esses problemas são secundários. Se você penetrar
profundamente, então, cada problema no final revelará que a ansiedade básica, a angústia básica,
é que você é ignorante de si mesmo – da fonte de onde você vem, do fim para o qual você está se
movendo, do ser que você é exatamente agora. Daí, toda religião dizer para se entrar em solitude,
na solidão, de modo que você possa por um tempo deixar a sociedade e tudo o que a sociedade
lhe deu, e se encarar diretamente.
Mahavir viveu, por doze anos, sozinho na floresta. Ele ficou sem falar durante aquele tempo,
porque no momento em que você fala, você entra na sociedade. A língua é a sociedade. Ele
permaneceu completamente silencioso, ele não falava. A ponte básica foi cortada, de modo que
ele ficasse sozinho. Quando você não fala, você está sozinho, profundamente sozinho. Não há
como se mover até os outros. Durante doze longos anos ele viveu sozinho, sem falar. O que ele
estava fazendo? Ele estava tentando descobrir quem ele era. É melhor tirar fora todos os rótulos,
é melhor ir para longe dos outros, de modo que não haja nenhuma necessidade da imagem social.
Ele estava jogando fora todo o lixo que a sociedade lhe dera; ele estava tentando ficar totalmente
nu, sem nenhum nome, sem nenhuma forma. Eis o que significa a nudez de Mahavir. Não se
tratava apenas de jogar as roupas fora. Era algo mais profundo. Era a nudez de ficar totalmente
só. Você também usa roupas em função da sociedade: elas são para esconder seu corpo, ou elas
são para cobri-los aos olhos dos outros, porque a sociedade não aprova seu corpo todo. Assim,
seja o que for que a sociedade não aprove, você tem de esconder. Somente algumas partes do
corpo são permitidas ficarem descobertas. A sociedade escolhe você em partes. Sua totalidade
não é aprovada, nem aceita.
O mesmo está acontecendo com a mente – não somente com o corpo. Seu rosto é aprovado,
suas mãos são aprovadas, mas seu corpo todo não é aprovado, principalmente as partes do corpo
que possam insinuar alguma coisa de sexo. Elas são desaprovadas, não aceitas. Desse modo, a
importância das roupas. E isto está acontecendo com a mente também: sua mente toda não é
aceita, somente algumas partes dela. Assim, você tem de esconder a mente e reprimi-la. Você
não pode abrir sua mente. Você não pode abrir sua mente diante do seu mais íntimo amigo,
porque ele julgará. Ele dirá: “É isso o que você pensa!? É isso que se passa na sua mente!?”.
Então, você tem de lhe dar somente aquilo que pode ser aceito – uma parte muito diminuta – e
tudo o mais que existe em você, tem de ser escondido completamente. A parte escondida cria
muitas doenças. Toda a psicanálise de Freud consiste em trazer para fora a parte escondida.
Levam anos antes de a pessoa ser curada. Mas o psicanalista não está fazendo nada, ele está
simplesmente trazendo para fora a parte reprimida. Simplesmente trazê-la para fora se torna uma
força curativa.
O que isso significa? Significa que a supressão é a enfermidade. É uma carga, uma carga
pesada. Você gostaria de confessar a alguém; você gostaria de dizer, expressar; você queria que
alguém aceitasse você totalmente. É isso o que significa amor – você não será rejeitado. O que
quer que você seja – bom, mau, santo, pecador – alguém aceitará sua totalidade, não rejeitará
nenhuma parte sua. Eis por que o amor é a maior força curativa, ele é a mais antiga psicanálise.
Sempre que você ama uma pessoa, você está aberto a ela, e só por estar aberto, suas partes
cortadas, divididas são religadas – você se torna um.
Mas, até o amor se tornou impossível. Nem à sua esposa você pode dizer a verdade. Nem
com seu amante você pode ser totalmente autêntico, porque mesmo os olhos dele ou dela estão
julgando. Ele ou ela também quer uma imagem a ser seguida, um ideal – sua realidade não é
importante, o ideal é importante. Você sabe que se você expressar sua totalidade, você será
rejeitado, você não será amado. Você tem medo, e por causa desse medo o amor se torna
impossível. A psicanálise traz a parte escondida para fora, mas o psicanalista não está fazendo
nada, ele está ali sentado simplesmente ouvindo-o. Ninguém nunca o ouviu, parece. Eis por que
você agora precisa da ajuda de um profissional. Ninguém está pronto para ouvi-lo. Ninguém tem
tempo. Ninguém tem muito interesse em você. Assim surgiu a ajuda profissional. Você está
pagando alguém para ouvi-lo. E então entra ano, sai ano, ele o ouvirá todos os dias, ou duas
vezes por semana, ou três vezes por semana, e você será curado. Isto é milagroso! Por que você
deveria ser curado só por ser ouvido? É porque alguém lhe presta atenção sem nenhum
julgamento e você pode dizer qualquer coisa que esteja dentro de você. E, só por falar, aquilo
vêm à superfície e se torna uma parte do consciente. Quando você corta algo, proíbe algo,
reprime algo, você cria uma divisão entre o consciente e o inconsciente, o aceito e o rejeitado.
Essa divisão tem de ser jogada fora.
Mahavir buscou a solidão, de modo que ele pudesse ser como ele era, sem medo de ninguém.
Como ele não tinha que mostrar uma face para alguém, ele pôde jogar fora todas as máscaras,
todas as faces. Então, ele pôde ficar sozinho, totalmente nu, como se fica sob as estrelas, ao lado
do rio e na floresta. Não havia ninguém para julgá-lo e ninguém diria: “Você não tem permissão
de fazer isto. Você tem que se comportar. Você tem que ser deste modo assim e assim”. Deixar a
sociedade significa deixar a situação onde a repressão se tornou inevitável. Assim, nudismo
significa ficar como a pessoa é, sem barreiras, sem qualquer retenção. Mahavir entrou no
silêncio, na solitude, e disse: “A menos que eu me descubra – não o eu que outros me deram,
pois esse é falso, mas o Eu com o qual nasci –, eu não voltarei para a sociedade. A menos que eu
saiba quem eu sou, eu não voltarei para a sociedade. A menos que eu encare diretamente a minha
realidade, a menos que eu tenha encontrado o essencial no homem, não o acidental, eu não
falarei, porque é inútil falar”.
Vocês são acidentais. Seja o que for que você pense que você é, é a parte acidental. Por
exemplo: você nasce na Índia. Você poderia ter nascido na Inglaterra ou na França ou no Japão.
Isso é a parte acidental. Mas só por ter nascido na Índia, você tem uma identidade diferente.
Você é um hindu. Você se pensa um hindu – mas você poderia ter se pensado um budista no
Japão, ou um cristão na Inglaterra, ou um comunista na Rússia. Você não fez nada para ser um
hindu, é apenas um acidente. Onde quer que você estivesse, você teria se juntado à situação.
Você se pensa religioso, mas sua religião é puramente acidental. Se você tivesse nascido num
país comunista, você não teria sido religioso, você teria sido tão irreligioso lá, quanto você é
religioso aqui. Você nasceu numa família jainista; então, você não acredita em Deus, sem você
ter descoberto que não há nenhum Deus. Mas bem ao lado de sua casa, uma outra criança nasceu
no mesmo dia, e ela é hindu. Ela acredita em Deus e você não. Isso é acidental, não é essencial.
Depende das circunstâncias. Você fala híndi, um outro fala gujaráti, outro fala francês – estes
são acidentes. A língua é acidental. O silêncio é essencial. Sua alma é essencial; seu Eu é
acidental. E descobrir o essencial é a busca, a única busca.
Como descobrir o essencial?
Buda saiu em silêncio durante seis anos. Jesus também foi para o ermo. Seus seguidores, os
apóstolos, queriam ir com ele. Eles o seguiram e a certo momento, num certo ponto, ele disse:
“Parem. Vocês não devem vir comigo. Agora, eu devo ficar sozinho com meu Deus”. Ele entrou
no deserto. Quando ele saiu de volta, ele era um homem totalmente diferente: ele tinha se
defrontado consigo mesmo.
A solidão torna-se o espelho. A sociedade é o engano. Eis por que você tem medo de ficar
sozinho – porque você terá de se conhecer na sua nudez, na sua ausência de ornatos. Você tem
medo. Ficar sozinho é difícil. Sempre que você está sozinho, você imediatamente começa a fazer
alguma coisa, de modo a não ficar sozinho. Você pode começar a ler o jornal, ou talvez você
ligue a TV, ou você pode ir a um clube para se encontrar com alguns amigos, ou talvez visitar
alguém da família – mas você tem de fazer algo. Por quê? Porque no momento em que você está
sozinho sua identidade se derrete, e tudo que você sabe sobre si mesmo fica falso e tudo o que é
real começa a vir à tona.
Todas as religiões dizem que o homem tem de entrar em retiro para conhecer a si mesmo. A
pessoa não precisa ficar lá para sempre, isso é inútil; mas a pessoa tem de ficar em solitude por
um tempo, por um período. E a extensão do período dependerá de cada indivíduo. Maomé ficou
em solitude durante alguns meses; Jesus por somente alguns dias; Mahavir durante doze anos e
Buda durante seis anos. Depende. Mas a menos que você chegue ao ponto onde você possa dizer
“agora conheci o essencial”, é imperativo ficar sozinho.

96 Olhe para o espaço ilimitado

Esta técnica está relacionada à solidão.

Permaneça em algum lugar espacialmente sem fim, sem árvores, montanhas, habitações.
Daí surge o fim das pressões da mente.

Antes de entrarmos nesta técnica, três outros pontos sobre a solidão devem ser
compreendidos. Primeiro: ser sozinho é básico, fundamental – é assim que seu ser é. No útero
materno você era sozinho, totalmente sozinho, e os psicanalistas dizem que o anseio profundo
pelo nirvana, pela iluminação, pela salvação, pelo paraíso, é realmente uma memória
profundamente impressa da experiência do útero da mãe. Você já a conheceu – a total solidão e a
sua bem-aventurança. Você estava sozinho, você era Deus. Mais ninguém estava lá. Ninguém o
perturbava, ninguém interferia. Sozinho, você era o mestre. Sem nenhum conflito, a paz era
intrínseca. O silêncio estava presente, nenhuma linguagem. Você estava profundamente em você
mesmo. Conscientemente você não tem ciência do fato, mas ele está profundamente impresso,
ele está lá dentro escondido no inconsciente.
Devido a isso, os psicanalistas dizem que todo mundo pensa que a vida na infância foi bela.
E todo país e toda raça pensa que em algum lugar no passado foi a Idade do Ouro – lá no
passado, a vida era feliz. Os hindus chamam isso de satyayug, idade da verdade. No passado, em
algum lugar, lá no passado bem longe, antes da História começar, tudo era belo e abençoado.
Não havia nenhum conflito, nenhuma rivalidade, nenhuma violência. Somente o amor
prevalecia. Essa era a Idade de Ouro. Os cristãos dizem que Adão e Eva viviam no Éden, no
jardim, em absoluta inocência e bem-aventurança. Então, veio a queda. Assim, a Idade de Ouro é
antes da queda. Todo país, toda raça, toda religião, crê que a Idade de Ouro existiu em algum
lugar no passado. E a coisa estranha é que por mais fundo que se mova no passado, sempre se
acreditou ser assim, sempre.
Na Mesopotâmia, foi encontrada uma pedra que tem seis mil anos de idade. Há uma inscrição
nela. Se você a ler, você sentirá como se aquilo fosse o editorial do jornal da manhã de hoje. A
inscrição diz que esta idade é a idade do pecado. Tudo se desencaminhou. O filho não acredita
no pai, a esposa não acredita no marido. A escuridão tomou conta. Onde estão aqueles dias, os
dias do passado, aqueles dias de ouro? Esta é uma inscrição de seis mil anos de idade! Lao Tzu
diz que nos dias do passado, nos dias dos ancestrais, tudo era belo. Então, o Tao prevalecia,
então, não havia nada errado, e como não havia nada errado, ninguém precisava pregar. Não
havia nada errado para ser mudado, transformado, e não havia nenhum sacerdote, nenhum
pregador, nenhum líder moral, porque tudo era muito correto. Lao Tzu diz que naqueles dias, nos
velhos dias, não havia nenhuma religião. Não havia necessidade, porque o Tao prevalecia. Todos
eram tão naturalmente religiosos, que não havia nenhuma necessidade de religião. Não havia
nenhum sábio então, pois não havia pecadores. Todos eram tão sábios, que, naturalmente,
ninguém sabia quem era um sábio e quem era um pecador. Os psicanalistas dizem que este
passado nunca existiu. Esse passado é apenas a profunda memória do útero, que existe dentro de
cada indivíduo. Ele existiu. Realmente, o Tao estava no útero, e tudo era belo, tudo era como
devia ser. Completamente inconsciente do mundo, a criança vive na bem-aventurança.
A situação da criança no útero é exatamente como é para Vishnu no seu sheshnaga. Os
hindus acreditam que Vishnu está deitado num divã, num divã serpenteante, flutuando no oceano
da felicidade. Realmente, essa é a posição da criança no útero. A criança flutua. O útero materno
é exatamente como o oceano. E vocês talvez fiquem surpresos de saber que a água na qual a
criança flutua no útero materno tem os mesmos constituintes que a água do oceano – muito
parecido, os mesmos sais, tudo. É água do oceano suavizada. E o útero sempre mantém a
temperatura certa para a criança. A mãe talvez esteja tremendo de frio – isso não faz nenhuma
diferença. Para a criança é sempre a mesma temperatura no útero. Ela está aquecida,
abençoadamente flutuando, sem preocupações, sem ansiedades, sem responsabilidades, sozinha.
Ela não tem ciência da mãe – a mãe não existe para ela. Este sanskar, esta impressão, você traz
com você. Esta é a realidade básica, como você era antes de entrar na sociedade, e esta será a
realidade novamente quando você sair da sociedade e morrer. Você novamente estará sozinho.
E entre esses dois pontos de solidão, sua vida é preenchida com muitos eventos. Mas esses
eventos são acidentais. Lá no fundo, você permanece só, porque esta é a sua realidade básica. Em
torno dessa solidão, muitas coisas acontecem: vocês se casam, vocês se tornam dois, então, têm
filhos; e vocês se tornam muitos. Tudo vai acontecendo – mas só na periferia. O estrato profundo
permanece totalmente só. Esta é sua realidade. Você pode chamar isso de seu atma, sua essência.
Em profunda solitude, essa essência tem de ser recapturada. Então, quando Buda diz ter
alcançado o nirvana, na verdade, ele tinha alcançado esta solitude, esta realidade básica. Mahavir
diz que ter alcançado o kaivalya. A propria palavra ‘kaivalya’significa solidão, o solitário. Logo
abaixo do turbilhão de eventos, existe essa solitude. Ela corre através de você como um fio corre
num mala[1]. As contas são aparentes, mas o fio não é. Mas as contas estão penduradas no fio, e
as contas são muitas e o fio é um só. Realmente, o mala é um símbolo desta realidade. O fio é a
realidade e as contas são apenas os eventos que continuam pendurados nele. E, a menos que você
penetre e chegue ao fio básico, você estará em angústia, estará em sofrimento.
Você tem uma história – essa história é acidental. E você tem uma natureza – essa natureza é
não-histórica. Você nasceu numa certa data, através de certos pais, em certa sociedade, em certa
época. Você é educado de certo modo. Então, você entra numa determinada profissão, se
apaixona por uma mulher, tem filhos. Esses dramas são as contas, os eventos, a história, mas lá
no fundo você é sempre só. E se você se esquecer de si completamente, por causa desses eventos,
você perde o próprio propósito de estar aqui. Você se perdeu no drama e se esqueceu do ator que
não era parte disso, que estava apenas representando um papel. Todas essas coisas são papéis
representados.
Devido a isso, a Índia não escreveu histórias. Realmente, é muito difícil ter certeza sobre
quando Krishna nasceu, quando ele morreu; quando Ram nasceu, quando ele morreu – ou se ele
nasceu de fato ou não, se é apenas um mito. Nós não escrevemos a história dele, e esta é a razão:
na Índia, estamos interessados no fio e não nas contas. Realmente, no mundo religioso, Cristo é a
primeira pessoa histórica, mas tivesse ele nascido na Índia, não teria sido histórico. Na Índia,
estamos sempre procurando pelo fio, as contas são irrelevantes. Mas o Ocidente é mais orientado
na direção dos eventos, dos fatos – coisas temporais – do que no essencial e no eterno. A História
é uma representação. Na Índia dizemos que Ramas e Krishnas continuam nascendo em todas as
épocas. Eles já foram repetidos muitas vezes antes e serão repetidos muitas vezes depois. Assim,
não há nenhuma necessidade de cuidar dos relatos. Quando eles nasceram, é irrelevante. O que o
ser deles é – o fio – isso é o significativo. Assim, não estamos interessados se eles foram
realmente pessoas históricas ou não, não estamos interessados nas coisas externas que acontecem
a um ser, estamos interessados no próprio ser e se alguma coisa acontece a ele ou não.
Quando você entra na solitude, você está se movendo para o fio; quando você entra na
solitude, você está indo para dentro da natureza. Se você estiver realmente sozinho, sem nem
mesmo pensar em alguém, você sentirá o mundo da natureza ao seu redor pela primeira vez.
Você ficará sintonizado com ele. Neste momento você está sintonizado com a sociedade. Se você
sair dessa sintonia com a sociedade, você ficará sintonizado com a natureza. Quando as chuvas
chegam – elas estão sempre chegando, mas vocês não podem compreender a linguagem das
chuvas – elas não lhes dizem nada, elas não significam nada para vocês: no máximo, uma coisa
utilitária sobre a água de que precisamos é percebida. Assim, há uma utilidade, mas você não
tem nenhum diálogo, você não compreende a linguagem das chuvas, a chuva não tem
personalidade para você. Mas se você deixar a sociedade por um tempo e permanecer na solidão,
você começará a sentir um novo fenômeno: as chuvas virão e falarão com você. Então, você
sentirá os humores dela – num dia, a chuva está com muita raiva e, num outro dia, ela está muito
suave e amorosa. Num dia todo o céu está deprimido, e noutro dia ele está dançando. Num dia o
sol surge como que sem nenhuma vontade própria, forçado, fazendo seu trabalho; e num outro
dia nasce por conta própria... – agora não mais é um trabalho, mas uma brincadeira.
Você sentirá todos os humores ao seu redor. A natureza tem sua própria linguagem, mas ela é
silenciosa e, a menos que você seja silencioso, você não pode compreendê-la.
A primeira camada de sintonia é com a sociedade, a segunda camada de sintonia é com a
natureza; e a terceira camada, a mais profunda, é com o tao – ou o dharma. Esta é a pura
existência. Então as árvores, então as chuvas, então as nuvens, são deixadas para trás. Então,
apenas a existência... A existência não tem humores. A existência é sempre a mesma: sempre
festiva, explodindo de energia. Mas a pessoa tem de, primeiro, sair da sociedade para a natureza
– então, da natureza para a existência. Quando você está sintonizado com a existência, você está
totalmente sozinho, mas esta solidão é diferente daquela da criança no útero. A criança está
sozinha, mas não é que ela esteja realmente sozinha, ela está inconsciente de tudo o mais. Ela
está envolta na escuridão – eis por que se sente sozinha.
O mundo todo existe ao redor dela, mas ela não percebe isso. Sua solidão é aquela da
ignorância. Quando você se tornar silencioso conscientemente, um com a existência, sua solidão
não estará cercada pela escuridão, ela estará cercada pela luz.
Para a criança no útero, o mundo não existe, porque ela está inconsciente. Para você o mundo
não existirá, porque o mundo e você tornaram-se uma coisa só.
Quando você alcança o ser mais profundo, você está sozinho novamente, porque o ego foi
embora. O ego é dado pela sociedade. Ele pode durar um pouco, mesmo quando você está na
natureza, embora não seja tanto quanto é na sociedade. Quando você se move sozinho, seu ego
começa a desaparecer – porque ele é sempre um relacionamento. Olhe para este fenômeno:
diante de cada indivíduo seu ego muda. Se você está falando a um serviçal, olhe para dentro,
olhe para o ego, veja como ele é.
Se você estiver falando com um amigo, olhe para dentro, veja como o ego é.
Você está falando com a sua amada, olhe para dentro, veja se o ego existe ou não.
Se você estiver falando com uma criança inocente, olhe para dentro – o ego não estará
presente, porque seria estúpido ser um egoísta com uma criança inocente. Você sentirá que seria
estúpido; assim, enquanto brincando com crianças, você vira criança. A criança não conhece a
linguagem do ego. E sendo egoísta com uma criança, você se sentirá desajeitado. Então, quando
você brinca com crianças, elas o puxam para baixo. Elas o trazem de volta à sua própria infância.
Quando você está falando com um cachorro, ou brincando com um cachorro, o ego que a
sociedade lhe deu não pode existir, porque com um cachorro não há a questão do ego. Se você
está andando com o seu cachorro – um cão muito belo e caro – e alguém passa na rua, até o cão
parece lhe dar ego. Mas o cão não lhe está dando ego, é o homem que está passando. Você fica
ereto, sente-se animado porque você tem um cão muito belo e o homem ficou com inveja.
O ego existe. Se você for para uma floresta, o ego desaparece. Desse modo, a insistência de
todas as religiões para se ir, pelo menos por um tempo, para o mundo da natureza.
Este sutra é simples: Permaneça em algum lugar espacialmente sem fim – numa colina de
onde você possa ver infinitamente, de onde a visão jamais chega a um fim. Se você puder ver
infinitamente, sem que haja fim para sua visão, o ego será dissolvido. O ego precisa de limites,
fronteiras. Quanto mais definidas as fronteiras, mais fácil é para o ego existir.

Permaneça em algum lugar espacialmente sem fim, sem árvores, montanhas, habitações. Daí
surge o fim das pressões da mente.

A mente é muito sutil. Você pode viver em cima da colina onde não há ninguém, mas, se
você puder ver um casebre lá longe no vale, você começará a falar com o casebre, você estará em
relacionamento com ele – a sociedade chegou. Você não sabe quem vive lá, mas alguém vive lá,
e isso se torna a fronteira. Você começará a sonhar sobre quem vive lá e seus olhos buscarão a
cada dia descobrir quem vive lá. O casebre se tornará um símbolo da humanidade. Assim, o sutra
diz “sem habitações” – até mesmo sem árvores, porque já se descobriu que pessoas que vivem
sozinhas começam a falar com as árvores. Elas fazem amizade, criam um diálogo. Você não
pode compreender a dificuldade de um homem que saiu para estar sozinho. Ele quer alguém;
então, ele dirá “Alô!” para a árvore e “Como vai você?”. E as árvores são seres. Se você for
realmente honesto, elas começarão a responder, haverá uma resposta. Então, você pode criar uma
sociedade.
O significado é este: esteja num lugar e fique alerta para que você não crie uma sociedade
novamente. Você talvez comece tomando conta de uma árvore, amando uma árvore. Você pode
sentir que a árvore está sentindo sede, então você pode trazer alguma água – você começou um
relacionamento e com um relacionamento você não pode ficar sozinho. Então, esta é a ênfase: vá
para um lugar, mas tenha isto na sua mente, que você está indo para criar algum relacionamento.
Deixe todos os relacionamentos e o mundo do relacionamento para trás, e fique lá sozinho. No
começo vai ser muito difícil, porque sua mente foi criada pela sociedade. Você pode deixar a
sociedade, mas onde você deixará a mente? A mente o seguirá como uma sombra. A mente o
perseguirá. A mente começará a torturá-lo. Faces entrarão nos seus sonhos – elas tentarão puxar
você. Você tentará meditar, mas os pensamentos não cessarão. Você começará a pensar na sua
casa, você começará a pensar na sua esposa, nos filhos. É humano.
E isso não acontece a você somente – aconteceu a Buda e a Mahavir. Aconteceu a cada um.
Mesmo um Buda está fadado a pensar em Yashodhara durante seis longos anos de solidão. No
começo, quando a mente o estava seguindo, ele deve ter ficado sentado debaixo da árvore
fingindo meditar, e Yashodhara deve tê-lo acompanhado. Ele amava aquela mulher. E ele deve
ter se sentido culpado, porque ele a tinha deixado – e sem dizer nada a ela. Em lugar nenhum
isso é mencionado, que ele tenha pensado em Yashodhara, mas eu digo que ele tem de ter
pensado nela. É tão humano, é tão natural... Pensar que ele nunca pensou novamente em
Yashodhara seria muito inumano e não seria justo para com Buda. Somente pouco a pouco,
depois de longa luta, ele teria sido capaz de jogar fora a mente.
Mas a mente persistirá, porque ela não é nada mais que a sociedade – a sociedade
internalizada. A sociedade entrou em você – essa é sua mente. Você pode fugir da sociedade, da
realidade externa, mas a interna o seguirá.
Muitas vezes Buda deve ter estado falando com Yashodhara, com seu pai, com o pequeno
filho que deixou para trás. O rosto do seu filho deve tê-lo acompanhado. Ele estava na sua mente
quando ele saiu. Na noite em que ele saiu, ele foi ao quarto de Yashodhara, só para ver o filho
pela última vez. O filho estava somente com um dia de idade. Yashodhara estava dormindo e o
filho estava agarrado ao seu seio. Ele olhou para o filho. Ele queria tomar o filho nas mãos,
porque aquela era sua última oportunidade. Ele não tinha ainda tocado nele e agora ele talvez
nunca mais voltasse. Então não haveria mais nenhum encontro. Ele estava deixando o mundo.
Ele queria tocar e beijar o filho, mas então ele ficou com medo de que, se ele tomasse a criança
nos braços, Yashodhara talvez acordasse. Então, seria muito difícil para ele ir embora – ela
começaria a chorar e gritar. Ele tinha um coração humano. Foi belo que ele tenha pensado assim:
que se ela começasse a gritar seria difícil para ele ir embora. Então, tudo que ele tinha criado em
sua mente – que este mundo era inútil e fútil – desapareceria. Ele não seria capaz de ver
Yashodhara gritando. Ele amava a mulher. Assim, ele foi embora. Ele saiu do quarto sem fazer
nenhum ruído.
Este homem não poderia deixar Yashodhara e o filho facilmente. Ninguém poderia. Quando
ele estava mendigando, fatalmente vinha à sua mente – seu palácio e todas as coisas. Ele se
tornara um mendigo por escolha própria. O passado persistiria e martelaria na mente
repetidamente: “Volte!”. Muitas vezes ele pensaria: “Cometi um erro!”. Fatalmente é assim. Isso
não está registrado em lugar algum, e às vezes eu penso em fazer um diário sobre o que
aconteceu à mente de Buda durante aqueles seis anos – um diário sobre o que aconteceu à sua
mente, o que se passava lá.
A mente o seguirá como uma sombra, aonde quer que vá. Assim, não vai ser fácil. Nunca foi
fácil para ninguém. Será uma longa luta, você se fazer alerta sempre e repetidamente;
repetidamente ser uma testemunha; repetidamente não cair na condição de vítima.
E, até o último momento, a mente o segue. A menos que você fique desesperado, a menos que
sinta que é incurável, que nada pode ser feito, a mente continuará perseguindo-o. Ela tentará de
todo jeito. Ela criará fantasias, devaneios, sonhos; ela criará todos os tipos de fascinações,
seduções.
Está escrito na vida de todos os visionários que Satã vem – que o Demônio vem – para
seduzir. Não vem ninguém, não – apenas sua mente. Sua mente é o único Demônio e ninguém
mais. Ela tentará de todos os modos. Ela dirá a você: “Eu lhe darei o mundo todo. Volte!”. Ela o
deixará deprimido: “Você é um tolo! O mundo todo está desfrutando e você veio para o topo
dessa colina. Você é louco! Toda essa coisa religiosa é uma fraude. Volte! Olhe, o mundo todo
não é doido e eles estão se divertindo!”. E a mente lhe dará tão belas imagens de todos que estão
se divertindo. E o mundo todo parecerá mais atraente para você do que nunca. Tudo o que você
deixou para trás o puxará de volta.
Esta é a luta básica. E isto é só porque a mente é um mecanismo de hábitos, de persistência
mecânica. Lá no alto da colina, a mente sentirá o inferno – nada é bom lá, tudo está errado. A
mente criará negatividade por todo lado: “O que é que você está fazendo aqui? Você ficou
louco?”. O mundo que você deixou para trás, se tornará cada vez mais e mais belo aos seus
olhos; e o lugar no qual você está se tornará cada vez mais e mais feio. Mas, se você persistir e
permanecer ciente de que isso é o que a mente está fazendo – e é o que fatalmente ela faz – e não
ficar identificado com a mente, chegará um momento em que a mente o deixará, e com ela todas
as pressões. Quando a mente o deixa, você fica descarregado, porque ela é a única carga. Então,
não há nenhuma preocupação, nenhum pensamento, nenhuma ansiedade, você entrou no útero da
existência. Despreocupado, você flutua. Um profundo silêncio explode dentro de você. O sutra
diz: a multidão exerce uma profunda pressão sobre você, quer você saiba ou não.
Agora, depois de ter trabalhado com animais, os cientistas chegaram a uma lei muito básica.
Eles dizem que todo animal tem certo espaço como seu território. Se você entrar naquele espaço,
o animal ficará tenso e o atacará. Todo animal tem certo espaço no seu entorno. Ele não
permitirá a ninguém entrar, porque no momento em que alguém entra, ele sente a pressão.
Você ouve muitos pássaros cantando nas árvores. Você não sabe o que eles estão fazendo. Os
cientistas dizem agora, depois de anos de estudo, que sempre que um pássaro está cantando na
árvore, ele está fazendo muitas coisas. Uma delas: ele está chamando pela namorada. Outra: ele
está alertando a todos os machos competidores, que aquele é o seu território – não entre ali. E, se
alguém entrar no território, uma luta se seguirá. E a namorada apenas esperará e verá quem
vence, pois, quem conseguir o território, ficará com ela. Ela vai esperar e aquele que vencer
ficará ali e o que for derrotado terá de sair. De muitos modos o animal cria território: pelo som,
cantando, pelo cheio do corpo. Nenhum outro competidor deve entrar naquele território.
Vocês já devem ter visto cachorros urinando por toda a volta. Os cientistas dizem que eles
estão criando território ao urinar. O cão irá urinar neste polo e naquele. Ele não irá urinar num só
lugar – por quê? Ele poderia fazê-lo num único lugar, por que andar tanto? Ele está criando
território. Sua urina tem um cheiro particular e com isso ele cria um território. Ninguém pode
entrar ali, é perigoso. Ele mora isolado em seu próprio território, mestre dele.
Há muitos estudos em andamento. Eles têm experimentado colocar muitos animais em uma
jaula, com todas as suas necessidades preenchidas – melhor do que poderiam realizar por eles
mesmos, na floresta. Mas eles enlouquecem porque não têm espaço. Quando alguém está sempre
no entorno, eles ficam tensos, ameaçados, prontos para lutar. Essa constante prontidão para lutar
dá tamanha tensão, que o coração falha, ou eles enlouquecem. Os animais chegam a cometer
suicídio, porque a pressão se torna demasiada. E muitas vezes desenvolvem-se anomalias que
nunca foram vistas antes no estado selvagem. Os macacos na selva são totalmente diferentes.
Quando enjaulados no zoológico, eles começam a se comportar anormalmente. No começo,
pensou-se que era o cativeiro que estava criando o problema. Agora, sabe-se que não é o
cativeiro. Se lhes dermos o espaço apropriado que eles precisam na jaula, eles ficam felizes –
então, não há problema. Mas eles têm um sentimento intrínseco de espaço. Quando alguém entra
nesse espaço, a pressão vem às suas mentes. Suas mentes começam a ficar tensas, pressionadas:
eles não conseguem dormir, não se alimentam direito, não amam direito.
Por causa desses estudos, os cientistas agora dizem que toda a humanidade vai ficar
amalucada ou louca, devido à superpopulação. A pressão é muito grande. Você nunca está
sozinho: no trem, no ônibus, no escritório, em todo lugar, comprimido e pressionado. O homem
também tem uma necessidade de espaço, de ser deixado sozinho. Mas não há nenhum espaço,
você nunca fica sozinho. Quando você vai para casa, sua esposa está ali, seus filhos estão ali, e
os parentes continuam chegando. E eles ainda pensam que o convidado é Deus! E você já está
doido por causa da pressão ser demasiada por todo lado. Você não pode dizer “deixe-me
sozinho” a ninguém. Se você disser “deixe-me sozinho” para sua esposa, ela ficará com raiva:
“O que você quer dizer com isso!?”. Ela esteve esperando por você o dia todo! A mente precisa
de espaço para relaxar.
Este sutra é realmente belo e muito científico.Daí surge o fim das pressões da mente.
Quando você vai sozinho para o alto de uma colina, você tem espaço ao seu redor, espaço
sem fim. A pressão da multidão, a pressão dos outros ao seu redor, o abandona. Você dormirá
mais profundamente. Você terá outra qualidade de despertar, pela manhã. Você se sentirá livre.
Um círculo interno de pressão não existe mais. Você se sentirá desencarcerado, desagrilhoado.
Isso é bom. Mas nós ficamos tão viciados em agrupamentos, que somente por alguns dias –
três ou quatro dias – você se sentirá bem; então, surgirá novamente o desejo de ir ao encontro das
pessoas. Num feriado prolongado você pode ver: depois de três dias você quer voltar. Devido ao
padrão, ao hábito, você se sente inútil. Sozinho, você não pode fazer nada, e mesmo que você
faça algo, ninguém tomará conhecimento, ninguém o verá fazendo aquilo, ninguém o apreciará.
Você não pode fazer nada sozinho, porque toda a sua vida você esteve fazendo coisas para os
outros. Você se sentirá inútil.
Portanto, lembre-se: se alguma vez você tentar esta loucura solitária, abandone a ideia de
utilidade. Seja inútil. Somente assim você pode ficar sozinho. Porque, de fato, a utilidade foi
imposta à sua mente pela sociedade. A sociedade diz: “Seja de alguma utilidade. Não seja inútil”.
A sociedade quer que você seja uma unidade econômica, uma coisa, eficiente, utilitária. A
sociedade não quer que você seja uma flor. Não, mesmo que você seja uma flor, você tem de ter
valor para ser vendido. A sociedade precisa de você para estar no mercado, você deve ter alguma
utilidade. Somente então, você será de algum uso, caso contrário não. A sociedade continua
pregando que o uso é a meta da vida, o propósito da vida. Isto é um absurdo.
Eu estou dizendo para ser inútil. Eu estou dizendo que este uso não é a meta. Você tem de
viver na sociedade, ser útil a ela, mas permanecer capaz de ser inútil a qualquer momento. Essa
capacidade deve ser retida, caso contrário, você se torna uma coisa e não uma pessoa. Quando
você for para a solidão, para o estado solitário, isso se tornará um problema. Você se sentirá
inútil.
Eu estive trabalhando com muitas pessoas. Às vezes eu sugiro que elas saiam por três
semanas ou três meses para a total solitude, para o silêncio. E eu lhes digo que após sete dias,
elas quererão voltar, que suas mentes descobrirão todas as razões para não ficar ali, de modo que
possam retornar. Eu lhes digo para não darem ouvidos a esses argumentos e fazerem disto um
ponto: “durante o tempo que decidi ficar aqui, não irei embora”. Elas me dizem que vão por
vontade própria; portanto, por que voltariam? Eu lhes digo que elas não se conhecem. Aquela
vontade não existirá além de um período de três a sete dias; depois, elas ansiarão pela volta,
porque a sociedade virou uma bebida alcoólica, ela é um intoxicante. Em momentos de
sobriedade você pode pensar em ficar sozinho, mas quando você estiver sozinho, em três dias
você pensará: “O que eu estou fazendo?”.
Lembre-se disto: o uso é para a sociedade. A sociedade usa você e você usa a sociedade. Este
é um relacionamento recíproco.
Mas a vida não é para ser usada. Ela é não-utilitária, despropositada, é uma brincadeira, uma
celebração. Assim, quando você entrar no estado solitário para fazer esta técnica, esteja
preparado, desde o começo, para o fato de que você está indo para ser inútil, e desfrute isso, não
se sinta triste por isso. Você não pode conceber que argumentos a mente lhe trará. Você dirá: “O
mundo em tal confusão e você sentado em silêncio aqui! Olhe o que está acontecendo no Vietnã,
o que está acontecendo no Paquistão, o que está acontecendo na China! E o seu país está
morrendo, não há alimentos, não há água. O que você está fazendo aqui? Meditação? De que
vale isso? Isso trará o socialismo ao país?”. A mente trará lindos argumentos; a mente é o grande
argumentador. Ela é o Demônio – ela tentará persuadi-lo, ela o convencerá de que você está
perdendo tempo. Mas não lhe dê ouvidos. Desde o começo, esteja preparado: “Eu vou perder
meu tempo. Eu não serei de nenhuma utilidade. Eu simplesmente desfrutarei estar aqui”.
E não se preocupe com o mundo. O mundo continua. Ele está sempre numa confusão. Ele
sempre esteve em confusão e permanecerá sempre em confusão. Este é o jeito do mundo. Você
não pode fazer nada. Assim, não tente ser um grande reformador do mundo, um revolucionário,
um messias. Não tente isso.
Simplesmente seja você mesmo e desfrute seu estado de solidão, exatamente como uma rocha
ou uma árvore ou um rio. Inútil! Qual é a utilidade de uma rocha deitada lá sob as chuvas, sob o
sol, sob as estrelas? Qual é a utilidade desta rocha? Nenhuma utilidade – a rocha se compraz em
ser desse jeito. Seja uma rocha. Há jardins de rochas no Japão, nos mosteiros-zen; eles fazem
jardins de rochas, especialmente para isto. Não há árvores no jardim, só areia e pedra. Uma rocha
solitária, parada ali, e o mestre diz ao discípulo: “Vá e seja como uma rocha, exatamente como
uma rocha. Essa rocha permanece ali, aconteça o que acontecer ao mundo. Ela não se preocupa.
Ela está sempre em meditação”.
A menos que você esteja realmente preparado para ser inútil, você não pode ser solitário,
você não pode estar em solitude. E uma vez que você conheça a profundidade disso, você pode
retornar à sociedade. Você deve retornar, porque a solidão não é um estilo de vida – é apenas um
treinamento. Não é um meio de vida, é apenas um profundo relaxamento para mudar a
perspectiva. Trata-se apenas de se afastar um passo da sociedade para olhar para si mesmo, ver
quem você é, sozinho. Assim, não pense que isto é um estilo de vida. Muitos fizeram disso um
estilo de vida. Eles estão errados. Eles estão absolutamente errados. Eles transformaram um
remédio em alimento. Isso não é um estilo de vida, é apenas medicinal. Você sai por um tempo,
apenas para ter uma perspectiva, uma distância, para ver o que você é e o que a sociedade está
fazendo a você. Quando você está fora dela, você pode ver melhor. Você pode observar. Sem
estar ligado, sem estar naquilo, você pode se tornar um observador no topo da colina, pode se
tornar uma testemunha. Você está bem distante. Sem preconceitos, sem ser perturbado, você
pode olhar.
Assim, anote bem: isto não é um meio de vida. Eu não estou dizendo para deixar o mundo e
tornar-se um eremita em algum lugar nos Himalaias – não! Mas às vezes, saia, relaxe, seja inútil,
fique sozinho, exista como uma rocha, seja independente, livre do mundo, seja parte da natureza
– e você será rejuvenescido, renascido. Depois volte e entre na sociedade e na multidão
novamente. E tente levar aquela beleza, aquele silêncio que aconteceu a você, quando você
esteve sozinho. Agora leve adiante, não perca contato com isto. Vá fundo na multidão, mas não
se torne parte dela. Deixe a multidão ficar fora de você – você permanece sozinho.
E quando você se tornar capaz de ser sozinho no meio da multidão, você alcançou a
verdadeira solidão. É fácil ficar sozinho no alto de uma colina. Toda a natureza o ajuda, e nada é
uma barreira. Retornar ao mercado, às compras, ao escritório, à família, e permanecer sozinho –
isso é uma realização. Então, isso é algo que você tem de alcançar, não é algo acidental, algo que
aconteceu por causa das montanhas. Agora, a qualidade da consciência mudou. Então,
permaneça sozinho no meio da multidão. A multidão existirá fora, mas não lhe permita a entrada.
Proteja tudo que ganhou. Defenda-o, não permita que aquilo seja perturbado. E sempre que sentir
que o sentimento ficou obtuso, que você o está perdendo, que a sociedade perturbou aquilo, que
a poeira se juntou de novo, que o frescor da primavera já não é tão fresco, que está poluído – vá
de novo. Afaste-se da sociedade para renovar aquilo. Depois retorne e entre na multidão. E então
chegará um momento em que aquela primavera original permanecerá fresca e ninguém será
capaz de poluí-la ou contaminá-la. Então, não há necessidade de ir a lugar nenhum.
Assim sendo, isto é apenas uma técnica, não um estilo de vida. Não se torne um monge, não
se torne uma freira, não vá viver num mosteiro para sempre. Isso é tolice.
Se você viver num mosteiro para sempre, você nunca será capaz de saber se você conseguiu o
que atingiu, ou se o mosteiro simplesmente lhe deu aquilo. Talvez seja acidental, não essencial.
O essencial tem de ser testado. O essencial tem de ser ajustado contra a sociedade: ele tem de
ser levado à pedra[2] de toque. E, quando aquilo não parar nunca mais, quando você puder
depender daquilo, quando nada muda aquilo, então, aconteceu uma cristalização.

97 Sinta o espaço infinito com seu corpo de bem-aventurança

A segunda técnica:

Considere ser a amplidão seu próprio corpo de bem-aventurança.

Esta segunda técnica está ligada à primeira.Considere ser a amplidão seu próprio corpo de
bem-aventurança. Meditando no topo de uma colina, com o espaço sem fim diante de você, você
pode fazer isso. Considere tudo preenchido com seu próprio corpo de bem-aventurança.
Há sete corpos. O corpo de bem-aventurança é o último corpo, então, quanto mais você entrar
nele, mais você sentir-se-á bem-aventurado. Você está se aproximando do corpo de bem-
aventurança, a camada da felicidade. Ele existe em torno de sua alma essencial, que é o primeiro
corpo de dentro para fora, ou o último corpo de fora para dentro. Bem em torno do seu ser, a
alma essencial, está a camada da felicidade. Ela é chamada de corpo de bem-aventurança.
Sentado no alto da colina, olhando para o céu sem-fim, sinta que todo o espaço, todo a plenitude,
está repleta de seu corpo de bem-aventurança.
Como você vai sentir isso? Você não sabe o que é bem-aventurança, então, como imaginá-la?
Será melhor tentar primeiro sentir que todo o espaço está cheio de silêncio, não de bem-
aventurança. Sinta-o repleto de silêncio. A natureza ajudará, porque na natureza até os ruídos são
silenciosos. Nas cidades, até o silêncio é barulhento. Os sons naturais são silenciosos, porque
eles não perturbam. Eles são harmoniosos. Portanto, não pense que o silêncio é necessariamente
sem som. Não, um som musical pode ser silencioso, porque ele é muito harmonioso – não
perturba. Ao contrário, ele aprofunda seu silêncio. Então, quando você anda na natureza, a brisa
soprando, o córrego, o rio, o vento, ou qualquer som que ali exista, é harmonioso, eles compõem
o todo. Eles não perturbam. Você pode ouvi-los e a própria audição aprofundará seu silêncio.
Assim, primeiramente, sinta que todo o espaço está repleto de silêncio; sinta profundamente que
o silêncio cresce cada vez mais, que o céu se tornou silêncio em torno de você.
E quando você sentir que o céu se tornou silêncio, somente então, você deve tentar encher-se
de bem-aventurança. À medida que o silêncio for se aprofundando, você terá o primeiro
vislumbre da bem-aventurança.
À medida que as tensões aumentam, você tem o primeiro vislumbre da miséria, da contração;
à medida que o silêncio for se aprofundando, você se sentirá à vontade, em casa, relaxado, e o
primeiro vislumbre de bem-aventurança chega a você. E quando esse vislumbre surgir, então,
você pode imaginar que o espaço todo está preenchido com essa bem-aventurança.
Considere a amplidão sendo seu próprio corpo de bem-aventurança. Todo o céu se torna seu
corpo de bem-aventurança.
Você pode fazer esta técnica separadamente. Não há nenhuma necessidade de juntá-la à
primeira, mas o mesmo requisito é necessário – espaço sem-fim, silêncio, nenhum ser humano ao
redor.
Por que esta insistência em “nenhum ser humano ao redor”? Porque, no momento em que
você vê um ser humano, você começa a reagir nos velhos moldes. Você não pode ver um ser
humano sem reagir. Alguma coisa ou outra lhe acontece imediatamente. Ele o traz de volta aos
seus velhos padrões. Se você não vir seres humanos, você se esquecerá de que você é humano, e
esquecer que é humano – parte da sociedade – é bom.
É bom se lembrar de que você simplesmente é, mesmo que você não saiba o quê. Você não
pertence a ninguém, a nenhuma sociedade, a nenhum grupo, a nenhuma religião. Esse não-
pertencimento será de ajuda.
Assim, será bom se você sair sozinho para algum lugar e fizer isso, praticar isso. Sozinho,
esta técnica ajudará. Mas lembre-se de começar com algo que você pode sentir. Eu tenho visto
pessoas fazendo técnicas que elas não podem sentir. Se você não pode sentir, se você não tem
nenhuma experiência, um vislumbre sequer, então, a coisa toda torna-se falsa.
Um homem veio a mim e disse: “Estou praticando que Deus está em toda parte”. Então eu lhe
perguntei: “Como você pratica? O que você imagina? Você já provou, já teve alguma sensação
de Deus? Somente então, será fácil imaginar. Caso contrário, você ficará simplesmente pensando
que você está imaginando e nada acontecerá”.
Lembre-se disto para qualquer técnica que fizer – para começar, você tem de fazer algo com o
qual esteja familiarizado; você pode não estar totalmente familiarizado com aquilo, mas um
pequeno vislumbre será necessário. Somente então, você pode progredir, passo a passo. Mas não
salte para algo que seja absolutamente desconhecido para você, porque você não poderá imaginar
aquilo. Por causa disso, muitos mestres, principalmente Buda, abandonaram completamente a
ideia de “Deus”. Buda dizia: “Você não pode trabalhar com isso. Isso é lá no fim, e você não
pode trazer o fim para o começo. Então, comece do começo. Esqueça o fim, o fim se seguirá
automaticamente”.
E ele disse a seus discípulos: “Não pense em Deus. Pense em compaixão. Pense em amor”.
Assim, ele não diria para a pessoa sentir que Deus está em toda parte; deve-se simplesmente
sentir compaixão por todos que existem – pelas árvores, pelos seres humanos, pelos animais.
Simplesmente sinta compaixão. Sinta solidariedade, crie um amor – porque o amor você
conhece, mesmo que pouco. Já aconteceu algo como o amor na vida de todo mundo. Você talvez
não tenha amado, mas alguém pode tê-lo amado, sua mãe pelo menos. Você deve ter olhado nos
olhos dela: ela o amou.
“Simplesmente seja maternal para com a existência” – diz Buda – “e sinta profunda
compaixão. Sinta que o mundo todo está repleto com sua compaixão. Então, tudo o mais se
seguirá”.
Lembre-se disto como uma lei básica: sempre comece com algo que possa ser sentido por
você, porque, somente então, o desconhecido pode entrar através disso.

Nota

[1] Mala – em hindi, colar de 108 contas, usado por saniássins, simbolizando os 108 métodos de meditação. (N. da T.)

[2] Pedra escura e dura, onde se testam metais. (N. da T.)


Capítulo 70

SOLIDÃO É SOFRIMENTO

PERGUNTAS

O confronto consigo mesmo na solidão é muito amedrontador, muito doloroso. O que fazer?
Na noite passada, você disse que a total solidão é a essência da natureza, é a suprema
realidade do homem. Num outro dia, você explicou que a individualidade é falsa e que o
homem é uma onda num todo orgânico da existência. Como é possível uma reconciliação entre
a solidão e a totalidade?
Na primeira técnica da última noite, foi dito que permanecer na solidão é minimizar o
relacionamento. Mas em ocasiões anteriores, você disse que a pessoa deveria maximizar o
relacionamento com expansão ilimitada.
O homem tem um anseio inerente de retornar ao útero. Por gentileza, explique se essa sede do
homem pelo ato sexual, pela penetração, simboliza seu anseio inerente por esse retorno.
Você disse que nós estamos interessados no fio, na essência. Mas a quem você se refere
quando diz “nós estamos ”? Porque, como somos, nós estamos interessados nas contas, nos
eventos.

Primeira pergunta:

O confronto consigo mesmo na solidão é muito amedrontador, muito doloroso. O que


fazer?

É amedrontador e doloroso, e a pessoa tem de sofrer isto. Nada deve ser feito para evitá-lo,
nada deve ser feito para distrair a mente, nada deve ser feito para se escapar disso. A pessoa tem
de sofrê-lo e passar por isso. Esse sofrimento, essa dor, é um bom sinal de que você está próximo
de um novo nascimento, porque todo nascimento é precedido de dor. Ela não pode ser evitada, e
não deve ser evitada, porque é parte do seu crescimento. Esta dor e este sofrimento são
conhecidos na tradição como tapashcharya, austeridade. Este é o significado de tapas –
austeridade, esforço árduo.
Mas por que existe essa dor? Isto deve ser compreendido, porque a compreensão o ajudará a
passar pela dor, e se você passar por ela, e se você atravessá-la conscientemente, você sairá dela
mais facilmente, e mais cedo.
Por que existe sofrimento quando você está sozinho? A primeira coisa é que seu ego adoece.
Seu ego só pode existir com os outros. Ele cresceu no relacionamento, ele não pode existir
sozinho. Assim, se acontece uma situação em que ele não pode mais existir, ele se sente
sufocado, ele se sente à beira da morte. Este é o sofrimento mais profundo. Você se sente
exatamente como se estivesse morrendo... – mas não é você que está morrendo – mas somente o
ego que você considera ser você, com o qual você ficou identificado. Com você sozinho, ele não
pode existir, porque ele sempre lhe é dado por outras pessoas. Ele é uma contribuição.
Quando você deixa os outros, você não pode carregá-lo com você. Pense nisto deste jeito:
quando você está na sociedade, as pessoas pensam que você é uma pessoa muito boa. Essa
bondade não pode existir quando você está isolado e sozinho, porque aquilo é o que as pessoas
pensam de você. Agora, essas pessoas não mais estão presentes. Sua imagem não pode ser
amparada. Ela se tornou sem fundamento. Em pouco tempo, ela desaparecerá e você se sentirá
muito mal, porque você era uma pessoa tão boa e agora você não mais é. E não somente gente
boa sofrerá: se você for uma pessoa má, essa imagem também lhe foi dada pelos outros. Esse
também é um modo de chamar a atenção. Quando muitas pessoas o consideram mau, elas lhe
dão atenção. Elas não podem ficar indiferentes a você: elas têm de prestar muita atenção em
você. Você é alguém, um homem mau, perigoso. Quando você entra na solidão, você se torna
ninguém. Aquela imagem má desaparecerá e você era alimentado com ela, seu ego era
alimentado com ela. Assim, os homens maus e os bons não são basicamente diferentes – ambos
ganharam seus egos. Seus meios diferem, mas suas metas são a mesma.
O homem-mau depende dos outros, o bom também. Eles existem na sociedade. O santo e o
pecador: eles existem na sociedade. Sozinho, você não é nem um santo nem um pecador. Assim,
na solidão, tudo o que você conhece sobre você mesmo, despencará: em pouco tempo,
desaparecerá. Você pode prolongar seu ego por certo tempo – e mesmo assim terá de fazê-lo
através da imaginação – mas você não pode prolongá-lo por muito tempo. Sem a sociedade, você
está desenraizado: o solo de onde você tirava alimento não existe mais. Esta é a dor básica. Você
não tem mais certeza de quem você é: você é apenas uma personalidade se dispersando, uma
personalidade se dissolvendo. Mas isso é bom, porque o real não pode emergir, a menos que este
falso desapareça. A menos que você seja totalmente lavado e se torne limpo novamente, o real
não pode emergir.
Este falso você está ocupando o trono. Ele tem de ser destronado. Ao viver no isolamento,
tudo que é falso pode ir-se embora. E tudo que lhe é dado pela sociedade é falso – realmente,
tudo que lhe é dado é falso, tudo que nasceu com você é real. Tudo que você é por si mesmo,
sem ser contribuição de outra pessoa, é real, autêntico. Mas o falso tem de ir embora. E o falso é
um grande investimento: você investiu muito nele, você cuidou dele muito bem. Todas as suas
esperanças estão apoiadas nele. Assim, quando ele começa a se dissolver, você fica temeroso,
aflito, tremendo de medo. O que você está fazendo consigo mesmo? Você está destruindo toda a
sua vida, toda a estrutura.
Haverá medo. Mas você tem de passar por esse medo, somente então, você se tornará
destemido. Eu não digo que você se tornará bravo. Eu digo que você se tornará destemido. A
bravura é simplesmente parte do medo. Por mais bravo que você seja, o medo estará escondido
por trás. Eu digo destemido. Você não será bravo, não há nenhuma necessidade de bravura
quando não há medo. A bravura e o medo, ambos, tornam-se irrelevantes. Eles são dois lados de
uma mesma moeda. Assim, seus homens corajosos não são nada mais que você de cabeça para
baixo – num shirshasan. Sua coragem está escondida dentro de você e seu medo está na
superfície; o medo deles está escondido lá dentro e a coragem deles está na superfície. Assim,
quando você está sozinho, você é muito corajoso; quando você pensa sobre alguma coisa, você é
muito corajoso, mas, quando uma situação de verdade aparece, você tem medo.
Dizem que os soldados, os maiores soldados, antes de irem para o front, têm tanto medo
quanto qualquer um. Internamente, tremem, mas irão. Eles empurram esse tremor para dentro do
inconsciente. E quanto maior o tremor interno, mais eles criam uma fachada de bravura em torno
de si. Eles criam uma armadura. Você olha para aquela armadura – parece coragem, mas lá no
fundo estão morrendo de medo. A pessoa se torna destemida somente quando já passou pelo
medo mais profundo de todos, que é a dissolução do ego, a dissolução da imagem, a dissolução
da personalidade.
Isso é morte, porque você não sabe se uma nova vida vai emergir dali – durante o processo
você conhecerá somente morte. Somente quando você estiver morto como você é, como entidade
falsa, somente então, você saberá que a morte era apenas uma porta para a imortalidade. Mas
isso será o final. Durante o processo você estará simplesmente morrendo. Tudo que você cuidou
tanto vai sendo levado embora de você – sua personalidade, suas ideias, tudo que você pensou
que era belo.
Tudo está indo embora. Você está sendo desnudado. Todos os papéis e vestimentas estão
sendo jogados fora. No processo haverá medo, mas esse medo é básico, necessário, inevitável – a
pessoa tem de passar por isso. Você deve compreender isso, mas não tente evitá-lo, não tente
fugir disso, porque toda fuga trará você de volta novamente, você voltará para dentro de sua
personalidade.
Aqueles que entram em profundo silêncio e solidão, sempre me perguntam: “Haverá medo,
então, o que fazer?”. Eu lhes digo que não façam nada, simplesmente vivam o medo. Se vier o
tremor, trema. Por que impedi-lo? Se um medo interno existe, e você está tremendo com ele,
então, trema com ele. Não faça nada. Permita que aconteça. Ele irá embora por si mesmo. Se
você o evitar... – e você pode evitá-lo. Você pode começar a cantar Ram, Ram, Ram; você pode
agarrar-se a um mantra, de modo que sua mente seja distraída. Você será pacificado e o medo
não estará mais ali – você o empurrou para dentro do inconsciente. Estava saindo, o que era bom
– você estava para se livrar daquilo, estava saindo de você. E quando ele sair, você tremerá. Isso
é natural, porque a partir de cada célula do seu corpo, da sua mente, alguma energia que sempre
foi empurrada para baixo, está agora indo embora. Haverá um abalo, um tremor; será parecido
com um terremoto. A alma toda será perturbada por aquilo, mas deixe que seja assim. Não faça
nada. Esse é meu conselho. Nem ao menos entoe o nome de Ram. Não tente fazer nada, porque
tudo que você fizer será repressão novamente. Simplesmente por permitir o tremor, por deixar
que ele esteja ali, ele o deixará – e quando ele sair, você será um homem inteiramente diferente.
O ciclone se foi e você agora estará centrado, centrado como nunca esteve antes. E, uma vez
que você conheça a arte de deixar as coisas acontecerem, você conhecerá uma das chaves
mestras que abre todas as portas internas. Então, seja o qual for o caso, deixe-o acontecer, não o
evite.
Se apenas por três meses você ficar em total solitude, em total silêncio, sem lutar contra
qualquer coisa, permitindo que tudo aconteça, seja o que for, dentro de três meses o velho terá
ido embora e o novo estará presente. Mas o segredo é permitir acontecer, por mais amedrontador,
doloroso, por mais aparentemente perigoso, mortal. Muitos momentos virão em que você sentirá
como se fosse ficar louco se não fizer nada e, involuntariamente, você começará a fazer alguma
coisa. Você pode saber que nada pode ser feito, mas você não estará no controle e começará a
fazer alguma coisa.
É exatamente como se você estivesse andando numa rua escura à noite, no meio da noite, e
você sente medo, porque não há ninguém à volta e a noite está escura e a rua é desconhecida –
então, você começa a assobiar. O que o assobio faz? Você sabe que ele não pode fazer nada.
Então, você começa a cantar uma cantiga. Você sabe que nada pode ser feito – por cantar uma
canção, a escuridão não pode ser dispersa. Você permanecerá sozinho, mas, mesmo assim, isso
distrai a mente. Se você começa a assobiar, só por assobiar você ganha confiança novamente e se
esquece da escuridão. Sua mente entra no assobio e você começa a se sentir bem.
Nada aconteceu. A rua é a mesma, a escuridão é a mesma, o perigo – se houver algum –
permanece, mas você se sente mais protegido. Tudo é o mesmo, mas agora você está fazendo
alguma coisa.
Assim, você pode começar a chamar um nome, cantarolar um mantra, Ram, Ram, Ram – isso
será uma espécie de assobio. Isso lhe dará força. Mas essa força é perigosa, essa força se tornará
novamente um problema, porque essa força vai ser seu velho ego. Você o estará reanimando
novamente.
Permaneça uma testemunha; e permita acontecer seja o que for. O medo tem de ser encarado,
para se ir além dele. A angústia tem de ser encarada para se transcendê-la. E quanto mais
autêntica a confrontação, quanto mais cara a cara, quanto mais você olhar as coisas como elas
são, mais cedo o acontecimento estará presente.
Leva tempo somente porque sua autenticidade não é intensa. Assim, você pode levar três dias,
três meses ou três vidas – depende da intensidade. Realmente, três minutos podem ser suficientes
– três segundos podem bastar também. Mas, então, você terá de passar através de um tremendo
inferno, com tanta intensidade, que talvez você não seja capaz de suportar, de tolerar. Se a pessoa
puder encarar seja o que for que esteja escondido dentro dela, aquilo passa, e quando tiver
passado, você é diferente. Porque tudo que saiu de você fazia parte de você antes, e agora não
mais faz parte.
Assim, não pergunte o que fazer. Não há nenhuma necessidade de fazer nada. Não fazer,
testemunhar, encarar passivamente seja o que for, sem fazer nem mesmo um leve esforço, apenas
permitir que aconteça. Permaneça passivo e deixe aquilo passar. Sempre passa. Quando você faz
alguma coisa, isso significa desfazer, porque então você está interferindo.
E quem irá interferir? Quem está com medo? O mesmo que é a doença irá interferir. O
mesmo ego que tem de ser deixado para trás, irá interferir.
Eu disse que o ego faz parte da sociedade. Você deixa a sociedade, mas você não quer deixar
a parte que a sociedade lhe deu. Ele está enraizado na sociedade: ele não pode viver sem a
sociedade. Assim, ou você tem de abandoná-la, ou tem de criar uma nova sociedade na qual ele
possa viver. Então, você cria uma sociedade alternativa. Esse é um dos maiores truques da
mente. E foi sempre assim. Você pode criar uma sociedade diferente. Você pode criar um
ashram. Vinte pessoas, que pensam que querem viver em solidão, podem criar um mosteiro –
então, o mosteiro se tornou uma sociedade alternativa. Dessa forma, eles saem da sociedade, mas
criam outra sociedade; então, basicamente nada muda. Eles permanecem os mesmos. Bem ao
contrário, talvez eles se tornem mais egoístas, porque agora então eles são os poucos escolhidos,
os eleitos. Eles deixaram o mundo, mas criaram um outro mundo, e o mesmo padrão de
relacionamento entra novamente. Então, há o chefe, há os discípulos, há um mestre e toda a
hierarquia. E, assim, entra tudo, numa forma miniatural. E então há bons discípulos, há maus
discípulos, há os bem-sucedidos e há os malsucedidos... Portanto, fica no mesmo. Num pequeno
grupo, toda a sociedade está presente.
Isso não adianta. E agora isso está acontecendo no Ocidente. Um grande número de jovens
está deixando a sociedade, porque eles sentem que a sociedade está podre, decadente, morrendo.
Eles sentem que ela está tão decadente, que não pode ser mudada.
Esta é uma coisa muito nova. Gente jovem sempre acha que a sociedade está podre, mas
pensam que ela pode ser mudada, transformada; então, precisa-se de uma revolução. Somente no
último estágio de uma sociedade ou civilização acontece isto – as pessoas começam a pensar que
nada pode ser feito, que revolução é sem sentido, que a sociedade está tão morta, que ninguém
pode revivê-la, que ninguém pode mudá-la. Assim, você simplesmente se afasta dela.
Você não faz nada, a casa está pegando fogo – então, você simplesmente foge dela. Isto é o
que está acontecendo no Ocidente: os hippies, os beatniks, yippies e outros, todos abandonando a
sociedade. Mas eles estão criando outra sociedade, uma sociedade alternativa. Os próprios
hippies se tornaram uma sociedade alternativa.
Numa sociedade comum, se você tiver cabelos longos, os outros olharão para você como se
você tivesse se extraviado. Algo está errado. Na sociedade dos hippies, se você tiver cabelos
curtos, você está errado! Algo está errado com você. Qual é a diferença? Na sociedade comum,
se você vive de um modo sujo, você está errado – você é deseducado, inculto, sem instrução,
inaceitável. Mas numa sociedade hippie, se você viver muito limpo, então, algo está errado com
você. Então, você ainda está agarrado à velha mente que dizia que a limpeza está próxima de
Deus. Deus morreu há muito tempo, agora, a segunda coisa, a limpeza, também morreu. Ela não
pode existir sem Deus.
A mesma condenação e o mesmo apreço estão presentes. Você pode criar uma sociedade
alternativa exatamente com as regras opostas, mas isso não faz nenhuma diferença – seu ego
pode ser alimentado novamente. A coisa foi transplantada. Um novo solo foi formado.
Ser solitário significa não criar uma sociedade alternativa. Saia da sociedade e, então, o que
quer que a sociedade lhe tenha dado, irá embora de você. Aquilo só pode existir num ambiente,
no ambiente social. Não pode existir fora dele. Você terá de abandoná-lo. Será doloroso, porque
você está tão ajustado a ele, tudo é tão bem-arranjado. Ele se tornou um tamanho conforto, onde
tudo é conveniente. Quando você muda e sai sozinho, você está deixando todos os confortos,
todas as conveniências, tudo o que a sociedade pode dar.
E quando a sociedade lhe dá algo, ela também tira algo de você: sua liberdade, sua alma.
Assim, é uma troca.
E quando você está tentando chegar a sua alma em sua pureza, você tem de parar de
barganhar. Será doloroso, mas se você puder atravessar isso, a mais elevada bênção está bem
perto.
A sociedade não é tão dolorosa como a solidão; a sociedade é tranquilizadora; a sociedade é
conveniente, confortável. Mas ela lhe dá uma espécie de sono. Se você sair dela, o incômodo
fatalmente estará presente. Todos os tipos de incômodo existirão. Esses incômodos têm de ser
sofridos com a compreensão de que são parte da solitude, parte do resgate de si mesmo.
Isto é tapas, isto é austeridade, e você sairá disso renovado, com uma nova glória e dignidade,
uma nova pureza e inocência.

A segunda pergunta:

Na noite passada, você disse que a total solidão é a essência da natureza, é a suprema
realidade do homem. Num outro dia, você explicou que a individualidade é falsa e que o
homem é uma onda num todo orgânico da existência. Como é possível uma reconciliação
entre a solidão e a totalidade?
Não há nenhuma necessidade de reconciliação.
Solidão é totalidade. Mas esta solidão não significa individualidade. Você é um indivíduo por
causa da sociedade. Quando você está totalmente sozinho, você não será um indivíduo.
Um indivíduo significa uma parte da sociedade, uma unidade de uma sociedade. Quando você
está entre as pessoas, você é um indivíduo; quando você sai do meio das pessoas, não somente as
pessoas ficam para trás, o indivíduo também fica para trás. Esta individualidade lhe foi dada.
Individualidade e sociedade são dois polos de um só fenômeno. Sozinho, você não é um
indivíduo: o indivíduo tem de existir num padrão de sociedade. É exatamente como quando eu
digo que sozinho você não é nem bom nem mau; sozinho você não é nem sábio nem pecador;
sozinho, você não é nem belo nem feio; sozinho você não é nem sábio nem tolo. As dualidades
somem. A dicotomia desaparece.
O indivíduo existe na sociedade; o indivíduo é a unidade da sociedade. Sozinho, você não é
um indivíduo, então, não pense que você se tornará um indivíduo quando estiver sozinho. Não,
você não será um indivíduo. Se não houver nenhuma sociedade, como você poderá ser um
indivíduo? Você estará presente, essa solidão será totalidade. O ego sumirá, e é o ego que lhe dá
a sensação de individualidade.
Sozinho não significa que você é um indivíduo, sozinho significa que “agora” a dicotomia
entre o social e o individual não existe mais. Isso lhe dá inteireza. Você não faz parte de nada
agora. Você se tornou o todo.
Isto é difícil de ser expresso, porque na linguagem parece absurdo. Você não pode imaginar
como você deixará de ser um indivíduo se você estiver sozinho. Se você se pensar e se imaginar
no alto de uma colina, sentado sozinho em algum lugar numa caverna nos Himalaias, você
pensará em si mesmo como sendo um indivíduo – porque você não sabe o que é esta solidão.
Esta solidão significa que todo o pensamento, toda a mente, toda individualidade que lhe foi
dada pela sociedade ficou para trás. Você se torna apenas um espaço, uma vacuidade, ninguém.
Sentado numa caverna nos Himalaias, não haverá ninguém sentado ali, apenas um espaço.
Buda estava meditando sob uma árvore. Era uma noite de lua cheia e alguns jovens tinham
ido para a floresta. Eles tinham trazido muito álcool e uma jovem prostituta. Mas eles beberam
tanto álcool e ficaram tão intoxicados que a prostituta fugiu. Quando eles se deram conta de que
a moça os tinha deixado, começaram a procurar por ela. Aonde ela foi?
Na busca, eles chegaram até Buda, que estava sentado sob a árvore, meditando. Então, eles
disseram a ele: “Você deve ter visto uma linda jovem nua passar por aqui, porque este é o único
caminho e é noite de lua cheia. Então, você deve ter visto a bela jovem nua passando por aqui.
Você a viu?”.
Buda abriu os olhos e disse: “Passou alguém aqui sim, mas eu não sei dizer se quem passou
era uma mulher ou um homem. Não sei dizer se quem passou era belo ou feio. E não sei dizer se
a pessoa que passou estava vestida ou nua. Passou alguém sim – eu ouvi os passos”.
Eles ficaram espantados e disseram: “Isso é impossível!”. Buda disse: “Eu mesmo não
acreditaria nisto antes. Quando eu era parte da sociedade, teria sido impossível, mas agora que eu
deixei a sociedade, eu deixei todos os conceitos da sociedade também. Agora só a natureza
acontece ao meu redor. Sim, eu ouvi o som de alguém passando, apenas um som que chegou no
meu espaço interno, isso foi tudo. Alguém passou”.
Você se torna um espaço interno, silencioso. Você deixa de ser um indivíduo, porque você
não mais é uma mente. Para deixar a mente, a solitude é sugerida. E com a mente tudo cai.
Chega um momento em que você não sabe quem você é – e esse é o momento de onde o real
conhecimento começará.
Chega um momento em que você se esquece completamente de quem você é, e tudo que você
sabia antes não está mais ali, todas as folhas velhas caíram. Este é o momento. E agora haverá
um intervalo por um tempo. Esse intervalo será de muita angústia, porque o velho saiu e o novo
ainda não chegou. Quando as folhas velhas caírem da árvore, a árvore ficará nua por alguns dias,
esperando o novo emergir. As folhas novas estão vindo, estão a caminho, as velhas deixaram um
espaço. Agora que o espaço está vago, o novo está fluindo em direção a esse espaço e mais cedo
ou mais tarde as folhas novas emergirão. Mas você terá de esperar. Enquanto estiver meditando
na solitude, a sociedade sumirá, a mente sumirá, o ego sumirá, e haverá um intervalo. Você terá
de passar através desse intervalo também. Agora, a árvore está esperando pela chegada das novas
folhas, mas não se pode fazer nada. O que a árvore pode fazer? Nada pode ser feito para abreviar
a chegada, as folhas chegarão no seu próprio tempo...
É bom que o velho tenha caído – porque agora o lugar está vago. Existe o espaço para o novo
emergir. Agora não haverá mais nenhuma barreira.
Assim, há um outono da mente interna. As folhas cairão. Será doloroso. Você viveu com
essas velhas folhas por tanto tempo, que você sentirá que está perdendo algo. E então haverá um
inverno de espera, um inverno interno, quando você ficará nu – sem quaisquer folhas, uma
árvore nua contra o céu. E você não sabe o que vai acontecer. Agora, tudo parou. Agora nenhum
passarinho vem cantar nos seus galhos; agora ninguém vem sentar-se sob você, sob sua sombra
para esperar, para relaxar. Agora, você não sabe se você está morto ou se uma nova vida vai lhe
acontecer. Esta é a lacuna, o intervalo.
Os místicos cristãos chamaram-no de a noite escura da alma – antes do sol surgir. Todas as
luzes artificiais foram apagadas. A noite ficou muito escura. E, o momento mais próximo ao
surgimento do sol será o mais escuro.
Assim, há um inverno da alma interna, quando não há nenhuma folha, e nenhum canto de
pássaros, e ninguém chega para esperar sob você e relaxar. Você se sente morto. Tudo parou.
Todos os movimentos acabaram. Isso tem de ser atravessado – porque, então, haverá a
primavera: novas folhas chegarão, nova vida, novas flores. Uma dimensão totalmente nova
aparecerá dentro de você.
Mas, lembre-se do outono, lembre-se do inverno – somente então a primavera é possível. O
outono também faz parte da primavera – se você pode compreender: ele está abrindo o caminho
para a primavera acontecer. Assim, o outono não é contrário à primavera, ele é apenas o começo
dela. E o intervalo também é necessário, porque, no intervalo, você se prepara. O velho foi
embora. Você não está atormentado com ele agora, não está sobrecarregado por ele. Você está
grávido – mas gravidez é espera, um novo filho está crescendo. Antes de emergir, de se
manifestar no mundo, ele terá de se esconder profundamente no inconsciente, porque toda
semente tem de ir fundo na escuridão, ficar lá embaixo, escondida. Somente então, a vida
acontece a ela. Se você puser a semente na luz do sol, nada acontecerá a ela. Ela precisa de
profunda escuridão, de um útero. Assim, haverá inverno enquanto você estiver grávido: todos os
movimentos cessam; você apenas traz consigo a carga, conscientemente, compreensivamente,
amorosamente, esperançosamente, orando, esperando.
E então, haverá a primavera. Sempre foi assim. O homem também é uma árvore.
E lembre-se: solitude e totalidade não são contraditórias. O ego é parte, o ego é fragmentado,
o ego não pode ser inteiro, o ego é contra o todo. Na solitude, o ego desaparece. Você se torna
um com o todo e as fronteiras desaparecem. Quando você é realmente sozinho, você é o cosmos,
você é Brahma.

Terceira pergunta:

Na primeira técnica da última noite, foi dito que permanecer na solidão é minimizar o
relacionamento. Mas em ocasiões anteriores, você disse que a pessoa deveria maximizar o
relacionamento com expansão ilimitada.

Faça qualquer das duas. Expanda-se tanto, que nada permaneça não-relacionado a você –
então, você desaparecerá. Ou então seja tão totalmente sozinho, que nada permaneça relacionado
a você – então também, você desaparecerá.
Você está no meio, onde algo é relacionado e algo não é relacionado, onde alguém é um
amigo e alguém é um inimigo, onde alguém pertence a você e alguém não lhe pertence, onde há
uma escolha. Você vive no meio. Vá para um dos extremos. Torne-se relacionado a alguém, a
tudo que existe, e você desaparecerá. Trata-se de um fenômeno tão imenso – estar relacionado a
tudo –, que você não pode existir, você será inundado.
Seu ego é muito estreito, ele só pode existir com alguns relacionamentos – e nesses também,
ele é contra algo, caso contrário ele não poderia existir. Se você for amigável com tudo que está
no mundo, você desaparece. Se você quer existir como um ego, você pode ser amigável, mas tem
de ser inimigo de alguém. Você deve amar alguém e deve odiar alguém. Então, você existe entre
essas duas contradições – o ego pode existir. Ou ame tudo que existe e você desaparecerá, ou
odeie tudo e você desaparecerá. Parecem coisas contraditórias. Não são. A técnica é a mesma. A
técnica é a mesma quer você ame tudo ou quer você odeie tudo. O ódio a tudo é conhecido no
Oriente como vairagya, como renúncia. Isto é ódio por tudo, retirando seu amor completamente,
sentindo que tudo é inútil, não vale nada.
Se você puder odiar tão totalmente, você se tornará total – então, você não pode existir. Você
só pode existir quando duas contradições existem: amor e ódio. Entre esses dois, você balança. É
exatamente como um homem andando numa corda. Ele tem de se equilibrar entre a direita e a
esquerda. Se ele for para a esquerda completamente, ele cairá; se for para a direita
completamente, ele cairá. Assim, quer você vá para a direita ou para a esquerda, não faz
nenhuma diferença. Escolha um. Você cairá da corda.
Se você quer ser um homem numa corda-bamba, você tem de se equilibrar, às vezes para a
esquerda, às vezes para a direita. E realmente o equilíbrio é uma ciência. Sempre que você se
inclina para a esquerda, você imediatamente terá de se inclinar para a direita, porque a esquerda
criaria a possibilidade da queda. Para contrabalançar, você tem de se inclinar para a direita e,
quando você se inclina para a direita, vem a possibilidade de você cair. Assim, você terá de se
inclinar para a esquerda. Eis por que você vai se movendo entre amor e ódio, entre amigo e
inimigo, entre isto e aquilo, entre gostar e não gostar, atração e repulsão. Você está se movendo
numa corda-bamba, sem parar. Se você não compreender isto, sua vida será um equívoco total.
Eu tenho estudado muitas, muitas pessoas e este é um dos problemas básicos de todas. Elas
amam, então, elas odeiam, e não compreendem por que odeiam quando também amam. É assim
que eles se equilibram – e este equilíbrio lhe dá o ego, sua personalidade. Se você realmente quer
ser sem o ego, escolha um dos extremos. Vá para a esquerda, ame e não equilibre com a direita –
você cairá da corda. Ou ande para a direita, odeie, e odeie totalmente, e não se mova para a
esquerda. Você cairá da corda.
Mahavir diz: torne-se desapegado de tudo – isso é ódio. E Krishna diz: ame. Eis por que os
jainistas jamais compreendem a mensagem de Krishna. Impossível. E os hindus não deram a
menor bola para Mahavir. Eles nem sequer mencionam seu nome em suas escrituras. Nem uma
única menção. Nem sequer tomaram conhecimento, porque ele diz ser tão desapegado de tudo,
que isso vira ódio. Krishna diz: “ame, e ame tão profundamente até que o ódio suma
completamente da sua mente”. As duas coisas são o mesmo. Parecem contraditórias para vocês.
Não são.
Ou você se inclina para a esquerda ou para a direita – não faz nenhuma diferença: você cairá
no chão, não ficará na corda. Isso é certo. Essa corda é o ego ou o mundo, o sansar, e você está
se equilibrando nela. Muitas pessoas me amam, mas eu sei que mais cedo ou mais tarde elas
balançarão e me odiarão. E, quando elas odeiam, elas ficam perturbadas. Não deveriam ficar
perturbadas, porque essa é a maneira como elas podem ficar na corda. Mas elas não conseguem
odiar por muito tempo: novamente terão de se equilibrar.
De manhã você ama, de noite você odeia; de manhã você ama de novo. A menos que você
esteja pronto para deixar o ego, a oscilação vai continuar... Ela pode continuar infinitamente!
Infinitamente ela pode continuar. A corda é sem-fim. Mas uma vez que você fique cansado desse
jogo todo, uma vez que você sinta que ele é sem sentido – ficar oscilando toda hora entre ódio e
amor e sempre se movendo para a direção oposta, repetidamente, sem parar... É absurdo! Então,
você se move para um lado só, ou amor ou ódio, e cai da corda. Uma vez que você caia da corda,
você está iluminado. A oscilação é o sansar, o mundo.

A quarta pergunta:

O homem tem um anseio inerente de retornar ao útero. Por gentileza, explique se essa
sede do homem pelo ato sexual, pela penetração, simboliza seu anseio inerente por esse
retorno.

Sim. É parte disso. Tudo na natureza quer retornar à fonte. Essa é uma das leis. Seja lá o que
aconteça no entremeio é irrelevante: todo círculo chega ao fim, ou ao exato começo – à fonte
original.
O homem nasceu do útero. Sempre que ele está em aflição ou depressão, sempre que há
demasiada responsabilidade no mundo, demasiada carga, as coisas se tornam pesadas, ele quer
retornar para o útero. Daí a atração, a sede, de entrar numa mulher. Você não pode entrar, você
não pode se tornar uma criança novamente, então, o ato sexual se torna um ato simbólico. A
penetração se torna simbólica. Você está novamente no útero. Eis por que o sexo é tão relaxante,
tão calmante. Todas as tensões somem, sua mente é descarregada. Nesse momento, pelo menos,
você está extasiado. É uma catarse: você está expurgado de muita sujeira.
Assim, o sexo se torna um alívio, um relaxamento. E a mulher se torna um útero. Isso faz
parte da atração, parte da sede. Vocês talvez não tenham ciência disso, mas tudo o que criamos
para conforto é semelhante ao útero. Num quarto, fechado, na temperatura do corpo, silencioso,
você pode relaxar facilmente. Fica como o útero. E se todas as qualidades do útero estiverem
presentes no seu quarto de dormir, você dormirá profundamente. Até um relógio de parede o
ajuda. Ele vai tiquetaqueando, tiquetaqueando... É bem parecido com o coração da mãe fazendo
tique-taque, tique-taque, para o filho no útero. Ele fica ouvindo continuamente aquilo. O ritmo
do tique-taque ajuda: o colchão, os travesseiros, todas as coisas que usamos são realmente
semelhantes ao útero. Agora, os cientistas têm em mente que mais cedo ou mais tarde nós
faremos exatamente quartos de dormir bem parecidos ao útero, exatamente a mesma coisa,
porque eles lhes darão o sono mais profundo possível.
A suprema concepção de nirvana também é parecida com o útero. No útero, a criança está tão
livre, livre de todas as responsabilidades. Ela jamais chega a conhecer qualquer desejo. Antes do
desejo existir, ele é preenchido. É isso o que os hindus chamam de kalpavriksha: no céu, há
árvores sob as quais você se senta e, quando vem um desejo à sua mente, imediatamente ele é
preenchido. Não há nenhum intervalo, nenhum intervalo no tempo, entre o desejo, a exigência, e
o suprimento. Não há nenhum intervalo no tempo. Quando o desejo existe, ele é preenchido.
Isto está acontecendo no útero, é o kalpavriksha, a árvore dos desejos. Uma criança jamais
tem ciência de que ela está com fome – antes da fome surgir, ela já é satisfeita. A criança jamais
tem ciência de que ela tem sede – antes de haver sede, a sede foi saciada. Ela jamais tem ciência
de qualquer luta, qualquer esforço; ela é servida silenciosamente pelo cosmos ao seu redor. Os
psicólogos dizem que é por isso que a criança no útero não pode ter consciência. Porque, para a
consciência, a luta é necessária, a contenda é necessária. A consciência cresce somente quando
há demanda; então, há um intervalo de tempo e, depois, o suprimento. Esse intervalo de tempo o
torna ciente. Se não houver nenhum intervalo de tempo, se o que quer que você necessite for
realizado imediatamente, você permanece no sono. Assim, a criança dorme por nove meses o
tempo todo – nem por um único momento ela se torna alerta. Não há nenhuma necessidade de
estar alerta. Todas as necessidades estão preenchidas. Não há nenhuma dor, nenhum sofrimento,
nenhuma tensão; portanto, o estado de alerta não é possível.
A criança dorme, e quando ela nasce, o choque é tal, que Freud diz que ninguém jamais
consegue se recobrar dele. É traumático. Permanece como uma ferida em você. E eu penso que
ele está certo. Quando a criança nasce é um choque! Ela é tirada do Jardim do Éden, tirada do
paraíso. Tudo era tão lindo – era tão lindo que ela dormia. Era tão confortável, que não havia
nenhuma necessidade de estar acordada nem por um único momento. Era uma terra de sonho, e
agora ela foi tirada forçosamente. Há toda a possibilidade de que o inconsciente da criança lute
para permanecer no útero. É difícil dizer se é assim ou não, mas há toda a possibilidade de que o
inconsciente da criança lute para permanecer no útero. Ela cria todas as dificuldades na saída.
Daí a dor e a luta. Ela está sendo expelida, expulsa. E o primeiro momento fora do útero
fatalmente será o maior sofrimento que a criança possa ainda vir a sofrer. Nem a morte será de
tanto sofrimento. Porque no primeiro momento por conta própria, ela terá de respirar – e o
mundo começou com todas as suas preocupações. Agora, ela será o centro e será responsável e
terá de carregar sua própria carga. Ela foi tirada da mãe. Ela terá de respirar e terá de chorar
quando tiver fome. E agora nada mais é certo: se, quando tiver fome, ela será satisfeita ou não,
não é certo. Depende. Ela se tornou dependente. Agora, para cada necessidade, ela tem de lutar.
Mas então providenciamos todos os confortos para nossos filhos, de todos os modos; assim, o
choque não é tão grande, tão demasiado. A mãe vai preenchendo suas necessidades
imediatamente.
Devido a isto, a criança vem a sentir que é o centro do mundo e que o mundo todo tem de
segui-la. Basta um chorinho e todo mundo tem de cair a seus pés. Isto lhe dá um começo muito
egoístico. Então, toda criança é muito egoísta. E, então, outros choques fatalmente se seguirão,
porque este é apenas o primeiro nascimento, apenas o começo dos nascimentos. Os que
conhecem os fenômenos humanos profundamente, dizem que a vida inteira é um contínuo
nascimento. Há muitos nascimentos. Um dia virá em que a mãe se recusará a alimentar o filho no
peito. Agora ele tem de depender dos alimentos. Ele tem de mastigá-los. A responsabilidade
cresce. Agora, o alimento tem de ser mastigado, digerido. O leite era outra coisa. O filho não
fazia nada, simplesmente sugava. Ele era um sugador.
Todo dia as responsabilidades crescem e ele terá de ser atirado para mais longe, terá de se
afastar da mãe. E quanto para mais longe ele for atirado, mais o mundo o cercará. O mundo é
hostil – o útero nunca foi hostil, era muito amistoso. O mundo não é amistoso: há competição, e
cada um está interessado em si mesmo e ninguém está interessado em você. O mundo não é sua
mãe.
Quando uma criança vai para a escola, ela entra num mundo hostil, com traumas sobre
traumas e muito choques. E o processo continua. A quebra definitiva acontece quando o filho se
apaixona por uma mulher. Ele está se tornando adulto. Este é o último corte com a mãe; agora, o
último elo está quebrado. Entretanto, este homem-criança continuará se comportando como se
sua esposa fosse sua mãe. Ela não é. Ela está interessada nela mesma, e ele está interessado em si
mesmo. Ambos estão interessados em si mesmos. Eles são egos. E todo marido continua
tentando fazer com que a esposa se comporte como sua mãe. Essa é a luta. Ela não pode se
comportar assim – ela tem seus próprios interesses. A mãe era totalmente devotada.
Assim, todo homem é frustrado com a esposa, porque nenhuma esposa pode ser uma mãe.
Não é uma questão de boas e más esposas – nenhuma esposa pode ser uma mãe. Todo homem é
frustrado. Eu ainda não vi um homem que não seja frustrado com a esposa. Parece impossível
não ficar frustrado, porque o desejo é muito impossível.
Mas o marido se sente bem quando penetra a mulher, a esposa. Novamente, ele está no útero.
Esta é uma penetração simbólica. Naqueles poucos momentos ele se esquece de todas as
preocupações, do mundo, de tudo. Ele é novamente uma criança. Olhe para um homem
profundamente apaixonado por sua esposa, ou por sua amada – seu rosto parece o de uma
criança. Todas as tensões se foram. Assim, não é apenas coincidência que, quando apaixonada, a
mulher chame o marido de “neném”.
Eu estava lendo uma historieta. Era meia-noite e uma casa pegava fogo. No último momento
uma mulher foi empurrada pra fora da casa. Ela estava louca e chorando: “Meu neném, ficou lá
dentro!”. E de repente o neném apareceu – na varanda de pé, estava um homem de cento e
sessenta e cinco quilos e ele disse: “Não fique preocupada, eu estou vivo e estou saindo!”. E toda
a multidão em volta ficou imaginando o que era aquilo!
Mas eles estavam se amando, deitados juntos, e o homem era um neném naquele momento.
De todos os modos, a mente fica buscando um estado semelhante ao uterino, mas você não pode
entrar no útero, nem mesmo no ato sexual. Você apenas pensa estar.
A única possibilidade de entrar num útero novamente não é física, é psicológica, ou, em
camadas mais profundas, espiritual. Se você puder se tornar um com o cosmos, você estará no
útero novamente, e isto é algo que não pode ser tirado de você. Então, toda a existência se torna
uma mãe. Assim, para mim, aquelas religiões que dizem que Deus não é um pai, mas uma mãe,
são mais científicas. Aqueles que chamam seu Deus de “pai”, não são tão científicos. Porque um
pai não é uma coisa muito essencial. É puramente acidental. ‘Pai’ não existiu sempre. A palavra
‘mãe’ é muitíssimo mais velha do que a palavra ‘pai’. Até a palavra ‘tio’ é mais velha do que a
palavra ‘pai’. Porque, há cinco mil anos atrás, não existia casamento – as pessoas viviam em
grupos. O filho conhecia sua mãe, mas não sabia quem era o pai; assim, todos os machos
membros do grupo eram “tios”. Todos os machos eram tios, porque não havia nenhuma certeza
de quem era o pai.
O pai é um aparecimento tardio. No momento em que um macho dominou uma mulher e
empurrou os outros machos, o pai passou a existir. E não se tem certeza de que vá permanecer
dessa forma, porque a família está se dispersando. Ela não é algo eterno, é apenas institucional.
O pai parece estar acabando; não se pode dizer nada dele no futuro. Para o pai não há nenhuma
esperança! Ele cairá. Os tios novamente se tornarão importantes. A mãe é básica; o pai é social e
pode ser descartado. Tudo depende da instituição, no modo como a sociedade pensa. Mas a mãe
não pode ser descartada. Assim, aquelas religiões que pensam em Deus como a Mãe são
realmente mais profundas – quando você entra no Deus-mãe, e se torna um com ele, você entrou
no útero eterno. Agora não mais haverá nenhuma dor, não haverá nenhum sofrimento. Agora,
você jamais será atirado para fora.

A última pergunta:

Você disse que nós estamos interessados no fio, na essência. Mas a quem você se refere
quando diz “nós estamos”? Porque, como somos, nós estamos interessados nas contas, nos
eventos.

Quando eu digo que “estamos interessados no fio”, na essência, no fundamental, no real, por
“nós” eu não quero dizer “você”. Você como você está, não. Mas você, como você pode ser, sim.
Você é duplo, e isso que você é exatamente agora, não é o real. É apenas uma coisa falsa, só uma
imagem que pode ser descartada facilmente. O “você” real é aquilo que pode ser conhecido
somente quando todas as máscaras tiverem sido jogadas fora. Assim, quando eu digo “nós
estamos interessados no fio”, eu os incluo nas suas realidades – não como egos, mas como
almas. Vocês são dois: como você parece ser e como você é. O aparente está interessado nos
eventos, interessado nas contas, no superficial. O interno, aquele que você é, não está interessado
nos eventos: não está interessado no tempo, absolutamente. Está interessado no eterno.
Vou lhes contar uma história de uma das vidas passadas de Buda, quando ele ainda não era
um Buda. Naquela vida, Buda era tão ignorante quanto qualquer pessoa. Ele ouviu falar de um
homem que tinha se tornado iluminado. Então, ele foi lá para tocar-lhe os pés e para ter um
darshan. Ele tocou os pés do iluminado e, quando ele estava se levantando, ele ficou espantado
de ver o iluminado tocando os pés dele. Ele perguntou: “O que você está fazendo? Eu sou
ignorante, não-iluminado, um pecador, e você é iluminado, a mais pura luz que já vi. Por que
você tocaria meus pés? Eu vim para tocar-lhe os pés. Por que você tocaria os meus pés?
O iluminado riu e disse: “Eu não estou tocando os seus pés. Estou tocando os pés do
essencial, da alma que está escondida dentro de você. Essa já é iluminada. Você pode vir a
conhecê-la, mais tarde, e quando você conhecê-la, lembre-se. Um dia você virá a conhecer a
realidade diante da qual eu me curvei. Você não a conhece exatamente agora, seu próprio tesouro
você não conhece, mas eu conheço meu tesouro e no momento em que eu conheci meu tesouro,
eu conheci os tesouros de todo mundo”.
O iluminado disse a Buda: “No momento em que me tornei iluminado eu conheci a realidade
essencial de tudo. Você pode continuar se iludindo, isso é da sua conta; mas eu posso penetrar e
posso ver a mais pura luz dentro de você. Lembre-se de mim quando você se der conta dela”. E
quando Buda tornou-se iluminado na vida seguinte, ele disse a seus discípulos: “Eu não
compreendi o que aquele acordado estava dizendo. Era um mistério. Mas agora eu posso ver o
que ele quis dizer. Agora, tudo ficou claro. E seja o que for que seja agora, eu já o era naquele
momento também. Ele deve ter se curvado a isto”.
Assim, quando eu digo “nós”, eu incluo vocês nas suas possibilidades, não na sua aparência.
Sua aparência é apenas um sonho. Mas você não está ciente disso, porque se você se tornar
ciente de que você está sonhando, o sonho cessa. Você não está ciente da sua verdade. Se você
tomar ciência, a aparência desaparecerá.
Eu estou ciente. Assim, você pode compreender minha dificuldade – eu os vejo como
iluminados. Vocês já o são. Vocês estão apenas jogando o jogo de serem ignorantes, apenas
tentando se enganar, mas seja o que for que vocês façam, não faz nenhuma diferença para a
realidade mais profunda. Ela permanece inocente, pura, absolutamente pura.
Vocês estão aqui. Se eu olhar para suas superfícies, vocês têm de aprender muitas coisas. Mas
se eu olhar para sua interioridade, não há nenhuma necessidade de lhes ensinar nada, não há
nenhuma necessidade de fazer nada. É isso que eu quero dizer quando digo: “Nós estamos
interessados no fio, na essência, não nas contas, nos eventos, no exterior”.
Lembrem-se disto. Algum dia, quando vocês se tornarem iluminados, vocês saberão o que eu
quero dizer quando digo “nós”, e quem estava incluído. É certo que vocês não estão incluídos na
forma que vocês estão aqui, bem diante de mim, na aparência, não – mas como vocês sempre
foram e como vocês sempre serão quando essa cortina for retirada, quando essas nuvens
desaparecerem e o sol surgir. Eu posso ver o sol por trás das nuvens.
Vocês estão tão identificados com as nuvens que não podem nem acreditar em mim. Se eu
digo que vocês já são iluminados, como podem acreditar nisso? Vocês dirão que eu devo estar os
enganando ou usando uma artimanha. Esta é a verdade, mas a verdade é difícil de se
compreender. E vocês têm de caminhar muito antes de chegarem a si mesmos, vocês têm de
caminhar muito antes de perceberem que seu lar é a meta, que vocês sempre estiveram no lugar
que vocês queriam alcançar.
Capítulo 71

ESQUEÇA-SE DA PERIFERIA

OS SUTRAS

98. Em qualquer posição, gradualmente, penetre uma área entre as axilas, entrando em grande
paz.
99. Sinta-se como que penetrando todas as direções, longe, perto.

A vida do lado de fora é um ciclone – um conflito, um tormento, uma batalha constante. Mas
é assim somente na superfície – exatamente como na superfície do oceano há ondas, ondas
barulhentas, em constante batalha. Mas isto não é tudo da vida. Lá no fundo há também um
centro – sem som, silencioso, nenhum conflito, nenhuma batalha. No centro, a vida é um fluxo
silencioso, relaxado, um rio correndo sem nenhuma batalha, sem nenhuma luta, sem nenhuma
violência. Em direção a esse centro mais profundo é que se dirige a busca. Você pode ficar
identificado com a superfície, com o externo. Então, a ansiedade e a angústia vêm a seguir. É
isso que acontece com todo mundo: vivemos identificados com a superfície e com a batalha que
acontece lá.
A superfície está fadada a ser perturbada, e nada há de errado nisso. E, se você puder ficar
enraizado no centro, a perturbação se tornará bela, ela terá uma beleza própria. Se você puder
permanecer silencioso internamente, então, todos os sons externos se tornam musicais. Então,
nada está errado; tudo vira um jogo. Mas se você não conhecer o âmago mais profundo, o centro
silencioso, se você ficar totalmente identificado com a superfície, você ficará louco. E todo
mundo já é quase louco.
Todas as técnicas religiosas, técnicas do iôga, da meditação, do Zen, são basicamente para
ajudá-los a estarem novamente em contato com o centro: ir para dentro, esquecer-se da periferia;
deixar a periferia por um tempo e relaxar no seu próprio ser, tão profundamente que o exterior
desapareça completamente e somente o interior permaneça. Uma vez que você saiba como vir
para dentro, como descer para dentro de você mesmo, isso fica fácil, tão fácil quanto qualquer
coisa. Mas se você não conhece, se você conhece somente a mente agarrada à superfície, então, é
muito difícil. Relaxar dentro de si mesmo não é difícil; não apegar-se à superfície é.
Eu ouvi uma historieta sufi. Aconteceu certa vez de um faquir sufi estar viajando. Era uma
noite escura e ele se perdeu no caminho. Estava tão escuro, que ele não podia nem ver onde
estava andando. Então, de repente, ele cai num abismo. Ele fica aterrorizado. Ele não sabia o que
havia na escuridão lá embaixo, quão profundo era o abismo. Mas ele consegue se segurar num
galho e começa a rezar. A noite era fria. Ele grita, mas não há ninguém para ouvir, somente sua
própria voz ecoando de volta. E a noite era tão fria, que suas mãos estavam ficando congeladas.
E ele sabia que, mais cedo ou mais tarde, ele teria de soltar o galho – ia ficar cada vez mais
difícil manter-se seguro nele. Suas mãos estavam ficando tão congeladas, que já estavam quase
escorregando do galho. A morte estava absolutamente perto. A qualquer momento ele cairia e
morreria. E então chega o último momento. Vocês podem imaginar como é que ele estava
apavorado, vendo a morte chegar a cada momento. Chega o último momento e ele vê o galho
escorregando de suas mãos. E suas mãos estavam tão geladas, que não havia mais como se
segurar.
Então, ele teve que cair. Mas quando ele cai, ele começa a dançar. Não havia nenhum
abismo! Ele estava no chão firme. E ele tinha sofrido a noite toda...
Esta é a situação. Vocês continuam agarrados à superfície, temerosos de que, se deixarem a
superfície estarão perdidos. Na verdade, você está perdido por permanecer agarrado à superfície.
Mas lá no fundo há escuridão e você não pode ver nenhum chão – você não pode ver nada além
da superfície. Todas essas técnicas são para torná-los corajosos, fortes, aventureiros, para que
vocês possam parar de se agarrar e caiam dentro de si mesmos. O que parece um abismo, escuro,
sem fundo, é o próprio chão do seu ser. Uma vez que você deixe a superfície, a periferia, você
estará centrado.
Este centramento é o alvo. Uma vez que você esteja centrado, você pode sair para a periferia,
mas você será totalmente diferente. A qualidade da sua consciência terá mudado completamente.
Então, você pode ir para a periferia, mas você nunca será a periferia novamente – você
permanecerá no centro. E permanecer centrado na periferia é belo. Então, você a desfruta; ela se
tornará um belo jogo. Então, não há mais nenhum conflito – é um jogo. Então, ela não criará
tensões dentro de você e não haverá angústias e ansiedades em torno de você. E a qualquer
momento em que ela se torne demasiada, muito pesada para você, você pode retornar para a
fonte original – você pode dar um mergulho. Então, você será refrescado, rejuvenescido e poderá
andar pela periferia novamente. Uma vez que você saiba o caminho...
E o caminho não é distante. Você não está indo a lugar nenhum, exceto para dentro de você
mesmo; portanto, não é distante, é bem perto. A única barreira é seu apego, apego à periferia,
medo de que se a deixar você estará perdido. O medo é como se você estivesse para morrer. Ir
para o centro interior é uma morte – morte no sentido de que sua identidade com a periferia
morrerá, e uma nova imagem, uma nova sensação de seu ser surgirá. Então, se quisermos dizer
em poucas palavras o que são as técnicas do tantra, podemos dizer que elas são um profundo
relaxamento dentro de si mesmo, um total relaxamento em si mesmo.
Você está sempre tenso – isso é o querer se agarrar, a retenção. Você nunca está relaxado,
nunca em estado de let-go. Você está sempre fazendo alguma coisa: esse fazer é o problema.
Você nunca está num estado de não-fazer, quando as coisas estão acontecendo e você está
simplesmente ali sem fazer nada. A respiração entra, e sai, o sangue circula, o corpo está vivo e
pulsando, a brisa sopra, o mundo segue girando – e você não está fazendo nada. Você não é um
agente. Você está simplesmente relaxado e as coisas estão acontecendo. Quando as coisas estão
acontecendo e você não é um agente, você está totalmente relaxado. Quando você é atuante e as
coisas não estão acontecendo, embora estejam sendo manipuladas por você, você está tenso.
Você se relaxa parcialmente enquanto dorme, mas isso não é total. Mesmo no seu sono, você
vai manipulando, mesmo no seu sono, você não permite que tudo aconteça. Olhe um homem
dormindo: você verá que ele está muito tenso, todo seu corpo está tenso. Observe uma criança
pequena dormindo, ela está muito relaxada. Ou observe um animal, um gato – um gato está
sempre relaxado. Você não está relaxado nem enquanto dormindo; você está tenso, batalhando,
se mexendo, brigando com alguma coisa. No seu rosto, há tensões. Nos sonhos, você talvez
esteja lutando, se protegendo – fazendo as mesmas coisas como quando você estava acordado,
repetindo-as num drama interno. Você não está relaxado; você não está em profundo let-go. Eis
por que o sono está ficando cada vez mais e mais difícil. E os psicólogos dizem que, se a mesma
tendência continuar, logo, logo virá o dia em que ninguém será capaz de dormir naturalmente. O
sono terá de ser produzido quimicamente, porque ninguém será capaz de cair naturalmente no
sono. Esse dia não está muito longe. Vocês já estão no caminho em direção a ele, porque até
enquanto dormem vocês estão somente parcialmente adormecidos, parcialmente relaxados.
A meditação é sono mais profundo. Trata-se de total relaxamento e mais alguma coisa: você
está totalmente relaxado e, contudo, alerta. A percepção está presente. Sono total com
consciência é meditação. Completamente alerta, as coisas estão acontecendo, mas você não está
resistindo, não está lutando, não está fazendo nada. O agente não está presente. O agente entrou
no sono. Somente uma testemunha está presente, “uma disposição alerta não-agente” está
presente. Então, nada pode perturbá-lo.
Se você sabe relaxar, então, nada o perturba. Se você não sabe relaxar, então, tudo o
perturbará. Eu digo tudo. Não é que uma outra coisa o perturbe, qualquer coisa é apenas uma
desculpa. Você está quase sempre pronto para ser perturbado. Se uma coisa não o perturba,
então, outra coisa o perturbará – você ficará perturbado. Você está pronto, você tem uma
tendência a ficar perturbado. Se todas as causas forem afastadas de você, mesmo assim você
ficará perturbado. Você descobrirá uma causa, você criará uma causa. Se nada vier de fora, você
criará algo interno – algum pensamento, alguma ideia – e você ficará perturbado. Você precisa
de desculpas.
Uma vez que você saiba relaxar, nada mais pode perturbá-lo. Não que o mundo mudará, não
que as coisas serão diferentes. O mundo será o mesmo. Mas você não tem mais a tendência, você
não tem mais a loucura: você não está constantemente pronto para ser perturbado. Então, tudo
que acontece ao seu redor é suave – mesmo o barulho do tráfego se torna suave se você estiver
relaxado. Até o centro comercial se torna suave. Depende de você. Trata-se de uma qualidade
interna. Quanto mais você for para o centro, mais a qualidade surge e quanto mais você for para
a periferia, mais você ficará perturbado. Se você vive demasiadamente perturbado ou se você
está sempre propenso a ser perturbado, isso mostra somente uma coisa: que você está existindo
perto da periferia – nada mais. Isso é uma indicação de que você fez sua morada perto da
superfície. E esta é uma falsa morada, porque seu verdadeiro lar está no centro, no próprio centro
do seu ser.

98 Sinta a paz no seu coração

Agora, entraremos nas técnicas:

Em qualquer posição, gradualmente, penetre uma área entre as axilas, entrando em


grande paz.

Este é um método muito simples, mas funciona milagrosamente – tente fazê-lo. E qualquer
um pode tentar, não há nenhum perigo. A primeira coisa é ficar à vontade numa posição relaxada
– relaxado numa posição que seja confortável para você. Não tente uma posição específica ou
uma asana. Buda senta-se numa posição específica. Ela é fácil para ele. Ela também pode ser
fácil para você se você praticá-la por um tempo, mas no começo ela não será fácil para você. E
não há nenhuma necessidade de praticá-la: comece em qualquer posição que seja fácil para você
neste momento. Não lute com a posição. Você pode sentar-se numa cadeira confortável e relaxar.
A única coisa é que seu corpo deve ficar num estado relaxado.
Então, feche seus olhos e sinta o corpo todo. Comece pelas pernas – sinta se há alguma tensão
ou não. Se você sentir que há alguma tensão, faça uma coisa: torne-a mais tensa ainda. Se você
sentir que há alguma tensão na perna direita, então, torne essa tensão tão intensa quanto possível.
Leve-a ao máximo – então, relaxe de repente, de modo que você possa sentir como o
relaxamento se assenta por ali. Então, vá assim por todo o corpo, procurando os pontos onde haja
alguma tensão. Onde quer que você sinta a tensão, faça o mesmo, porque é mais fácil relaxar
quando a tensão é intensa. Num estado intermediário é muito difícil, porque você não pode senti-
la. É fácil mover-se de um extremo a outro, muito fácil, porque o próprio extremo cria a situação
de ir para o outro extremo. Assim, se você sentir algumas tensões no rosto, então, retese todos os
músculos do rosto tanto quanto possível, crie a tensão e leve-a ao máximo. Leve-a a um ponto
onde você sinta que mais não é possível – depois, relaxe de repente. Deste modo, sinta que todas
as partes do corpo, todos os membros estão relaxados.
E principalmente os músculos do rosto, porque eles carregam noventa por cento das tensões –
o resto do corpo carrega somente dez por cento. Todas as suas tensões estão na mente, então, o
rosto se torna o estoque. Assim, retese seu rosto tanto quanto possível, não seja reservado nisso.
Faça-o de modo intensamente aflitivo, ansioso – e depois de repente, relaxe. Faça isso por cinco
minutos, de modo que possa sentir que cada membro do corpo esteja relaxado. E isto numa
posição fácil para você. Você pode fazê-lo sentado, ou deitado na cama, ou onde quer que se
sinta bem.
Em qualquer posição, gradualmente, penetre uma área entre as axilas, entrando em grande
paz.
A segunda coisa: quando você sentir que o corpo conseguiu uma posição confortável, não dê
muita atenção a isso. Sinta apenas que o corpo está relaxado, então, esqueça-se do corpo. Porque,
realmente, lembrar-se do corpo é uma espécie de tensão. Eis por que eu digo para não dar muita
atenção a ele. Relaxe-o e esqueça-o. O esquecimento é relaxamento. Sempre que você se lembra
demais, essa própria lembrança traz a tensão ao corpo.
Talvez você não tenha observado isto, mas há um experimento muito fácil para tentar. Ponha
sua mão no pulso e conte a pulsação. Depois, feche seus olhos, leve toda a sua atenção para o seu
pulso durante cinco minutos, e depois conte. O pulso agora estará batendo mais rápido, porque a
atenção durante cinco minutos traz tensão a ele. Assim, realmente, sempre que um médico conta
seu pulso, aquilo nunca é a contagem verdadeira – ela é sempre mais do que era antes do médico
começar a contá-lo. Sempre que o médico segura sua mão na mão dele, você fica alerta. E se o
médico for uma mulher, você ficará mais alerta, e ele vai acelerar mais. Assim, sempre que uma
médica conta, seu pulso reduza umas dez batidas da contagem. Então, essa será exatamente a
contagem do seu pulso – caso contrário, haveria dez a mais na contagem por minuto.
Sempre que você traz sua consciência para qualquer parte do seu corpo, essa parte fica tensa.
Você fica tenso quando alguém o observa – todo o corpo se torna tenso. Quando você está
sozinho, você é diferente. Quando alguém entra na sala, você já não é o mesmo. O corpo todo
entra num ritmo mais rápido. Você fica tenso. Assim, não dê tanta atenção ao relaxamento, ou
você ficará obcecado por ele. Por cinco minutos simplesmente relaxe agradavelmente e esqueça.
Seu esquecimento será auxiliar e trará um profundo relaxamento do corpo.
(...), gradualmente, penetre uma área entre as axilas, entrando em grande paz. Feche os
olhos e simplesmente sinta a área entre as duas axilas: a área do coração, seu peito.
Primeiramente, sinta-a, bem entre as duas axilas, com sua total atenção, sua total percepção.
Esqueça-se de todo o corpo, lembre-se apenas da área do coração, entre as duas axilas, o peito, e
sinta-o cheio de grande paz. No momento em que o corpo está relaxado, a paz automaticamente
acontece em seu coração. O coração se torna silencioso, relaxado, harmonioso. E, quando você
se esquece do corpo todo e leva sua atenção só para o peito e conscientemente sente-o cheio de
paz, muita paz acontecerá imediatamente.
Há áreas no corpo, nos centros principalmente, onde determinados sentimentos podem ser
criados conscientemente. Entre as duas axilas está o centro do coração, e o centro do coração é a
fonte de toda a paz que acontece a você, sempre que ela acontece. Sempre que você está em paz,
a paz está vindo do coração. O coração irradia paz. Eis por que as pessoas em todo o mundo, de
todas as raças, sem qualquer distinção entre raça, religião, país, cultura, todas já sentiram isto:
que o amor surge de algum lugar perto do coração. Não existe nenhuma explicação científica.
Quando quer que você pense no amor, você pensa no coração. Realmente, sempre que você está
amando, você relaxa e, devido a estar relaxado, você fica cheio de uma certa paz. Essa paz surge
do coração. Assim, a paz e o amor tornaram-se conectados, associados. Sempre que você está
amando, você está em paz; sempre que você não está amando, você vive uma perturbação.
Porque a paz do coração se tornou associada ao amor.
Assim você pode fazer duas coisas. Você pode procurar o amor, então, às vezes você sentirá
paz. Mas este caminho é perigoso, porque a outra pessoa a quem você ama se tornou mais
importante do que você. E o outro é o outro, e você de certo modo está ficando dependente.
Então, o amor lhe dará paz algumas vezes, mas não sempre. Haverá muitas perturbações, muitos
momentos de angústia e ansiedade, porque o outro entrou em cena. Sempre que um outro entra
em cena, fatalmente haverá alguma perturbação, porque você só pode se encontrar com o outro
na superfície. A superfície será perturbada. Somente às vezes quando vocês dois estiverem em
profundo amor sem conflito, somente então, você ficará relaxado às vezes e o coração brilhará
intensamente com a paz.
Portanto, o amor somente pode lhe dar vislumbres da paz, mas nada realmente estabelecido,
enraizado. Nenhuma paz eterna é possível através dele, somente vislumbres. E entre dois
vislumbres haverá profundos vales de conflito, de violência, de ódio e raiva.
O outro modo é descobrir a paz não através do amor, mas diretamente. Se você descobrir a
paz diretamente – e este é o método para isso – sua vida se encherá de amor. Mas, agora então, a
qualidade do amor será diferente. Ele não será possessivo: ele não será centrado em torno de uma
pessoa. Ele não será dependente e não tornará ninguém dependente de você. Seu amor se tornará
apenas uma amorosidade, uma compaixão, uma profunda solidariedade. E agora ninguém, nem
mesmo uma amante, pode perturbá-lo, porque sua paz já está enraizada e seu amor vem como
uma sombra do seu espaço interior. A coisa toda se tornou reversa. Assim, Buda é também
amoroso, mas seu amor não é uma angústia.
Se você amar, você sofrerá, se você não amar, você sofrerá. Se você não amar, você sofrerá a
ausência de amor; se você amar, você sofrerá a presença do amor. Porque você está na superfície
e, seja o que for que faça, pode lhe dar somente satisfação momentânea – então, novamente, o
vale escuro.
Primeiramente, estabeleça-se na paz por conta própria, então, você fica independente, então, o
amor não é sua necessidade. Então, você jamais se sentirá aprisionado quando estiver amando:
você jamais sentirá que o amor se tornou uma espécie de dependência, uma escravidão, um
aprisionamento. Então, o amor será apenas uma doação: você terá muita paz, então você quer
compartilhá-la. Então, o amor será apenas uma doação sem nenhuma ideia de retorno: será
incondicional.
E é um dos segredos que, quanto mais você doa, mais ele acontece a você. Quanto você doa e
compartilha, mais ele se torna seu mesmo. Quanto mais fundo você entra na fonte do tesouro,
que é infinita, mais você pode continuar dando a todo mundo. É inexaurível.
Mas o amor deve lhe acontecer como uma sombra da paz interior. Comumente, o fenômeno é
inverso: a paz acontece-lhe como uma sombra do amor. O amor deve acontecer a você como
uma sombra da paz, então, o amor é belo. Caso contrário, o amor também cria feiura, torna-se
uma doença, uma febre.
(...) penetre uma área entre as axilas, entrando em grande paz.
Torne-se ciente dessa área entre as axilas e sinta que ela está cheia de uma grande paz.
Simplesmente sinta a paz ali e você sentirá que ela está repleta. Ela está sempre repleta, mas
você nunca esteve alerta em relação a isso. Esta técnica é apenas para aumentar seu estado de
alerta, para levá-lo para mais perto de casa. E quando você sente esta paz, você está muito
distante da superfície. Não que as coisas não estarão acontecendo lá – mas, quando você tentar
este experimento e quando você estiver cheio de paz, você sentirá uma distância; o barulho está
vindo da rua, mas há uma grande distância agora, um grande espaço. Ele acontece, mas não traz
nenhuma perturbação; ao invés, traz até você um silêncio ainda mais profundo. Este é o milagre.
As crianças estarão brincando, alguém estará ouvindo rádio, alguém estará brigando e o mundo
todo estará no entorno, mas você sente que uma grande distância surgiu entre você e tudo o mais.
Essa distância vem, porque você se retirou da periferia. As coisas estão acontecendo na periferia
e elas lhe parecerão como se estivessem acontecendo a outra pessoa. Você não está envolvido.
Nada o perturba; então, você não fica envolvido – você transcendeu. Esta é a transcendência.
E o coração é naturalmente a fonte de paz. Você não está criando nada. Você está
simplesmente chegando à fonte que esteve sempre ali. Esta imaginação o ajudará a ficar ciente
de que o coração está cheio de paz – não é que a imaginação crie a paz. Esta é a diferença entre a
atitude tântrica e a da hipnose ocidental.
Os hipnotizadores pensam que você a está criando pela imaginação, mas o tantra não pensa
que você a esteja criando com a imaginação, você está simplesmente se sintonizando com algo
que já existe lá. Porque seja o que for que você possa criar pela imaginação, não pode ser
permanente: se não for uma realidade, então, é falso, irreal, e você está criando alucinações.
Então é melhor ser perturbado e verdadeiro do que estar numa alucinação de paz, porque isso
não será um crescimento, você estará simplesmente intoxicado por aquilo. Mais cedo ou mais
tarde, você terá de sair, porque mais cedo ou mais tarde a realidade despedaçará a ilusão. A
realidade tem de despedaçar todas as ilusões: somente uma realidade maior não pode ser
despedaçada.
Uma realidade maior despedaçará a realidade que está na periferia, daí Shânkara e outros
dizerem que o mundo é ilusão. Não que o mundo seja uma ilusão, mas eles conheceram uma
realidade mais alta e dessa altitude este mundo parece fantasioso. Ele está tão distante, a
distância é tão infinita, que ele não pode ser sentido como real. O ruído na rua será como se você
estivesse sonhando aquilo – não é real. Não se pode fazer nada. Simplesmente acontece e passa,
e você permanece intocado. E quando você é intocado pela realidade, como você pode sentir que
ela é real? A realidade é sentida somente quando ela o penetra profundamente. Quanto mais
funda a penetração, mais você a sentirá como real.
Shânkara diz que o mundo todo é irreal. Ele deve ter chegado a um ponto de onde a distância
é tão vasta, tão estupendamente vasta, que tudo o que acontece se torna apenas como um sonho.
Aquilo vem, mas nenhuma realidade vem junto, porque aquilo não pode penetrar. A penetração é
a proporção da realidade. Se eu jogo uma pedra contra você, ela o atinge. A pancada penetra-o e
essa penetração torna a pedra real. Se eu jogo uma pedra e ela o toca, mas não o penetra, lá no
fundo você ouvirá o baque surdo da pedra caindo em você, mas não haverá nenhuma
perturbação. Você sentirá aquilo como algo falso, irreal, maya, ilusório. Mas você está tão perto
da periferia, que se eu lhe jogar uma pedra, você será ferido. Não o corpo – o corpo será ferido
nos dois casos. Se eu jogar uma pedra num buda o corpo dele será ferido, mas o buda não está na
periferia, ele está enraizado no centro. E a distância é tão grande que ele ouvirá o baque surdo da
pedra sem ser ferido. O ser permanecerá intocado, sem ferimento.
Este ser sem ferimento sentirá a pedra como se fosse algo jogado num sonho. É ilusório.
Assim, Buda diz que nada tem substância em si, tudo é insubstancial, sem nenhuma substância.
O mundo é vazio de substância – que é a mesma coisa do que Shânkara diz, que o mundo é
ilusório.
Tente isto. Sempre que você for capaz de sentir a paz entre as suas duas axilas o preenchendo,
permeando seu centro do coração, o mundo parecerá ilusório. Este é um sinal de que você entrou
em meditação – quando o mundo lhe dá a sensação de ser ilusório. Não pense que o mundo é
ilusório, não há nenhuma necessidade de pensar nisso – você sentirá isso. De repente, ocorrerá à
sua mente: “O que aconteceu ao mundo?”. O mundo de repente virou um sonho. Ele existe,
parece uma existência de sonho, sem qualquer substância. Parece tão real quanto um filme na
tela. Pode até ser tridimensional. Tem a aparência de alguma coisa, mas de uma coisa projetada.
Não que o mundo seja uma coisa projetada, não que ele seja realmente irreal – não. O mundo é
real, mas você cria a distância, e a distância fica cada vez maior. E você pode compreender se a
distância está ficando cada vez maior ou não, olhando como você se sente sobre o mundo. Eis o
critério. Trata-se de um critério meditativo. Não é uma verdade que o mundo seja irreal – se o
mundo se tornou irreal, você ficou centrado no seu ser. Agora, a superfície e você estão tão
distantes, que você pode olhar para a superfície como sendo algo objetivo, algo separado de
você. Você não mais está identificado.
Esta técnica é muito fácil e não levará muito tempo se você experimentá-la. Com esta técnica,
às vezes acontece de, com o próprio primeiro esforço, você sentir a beleza e o milagre dela.
Então, tente. Mas, se você não sentir nada com o primeiro esforço, não se desaponte. Espere. E
continue fazendo. E é tão fácil, que você pode continuar fazendo a qualquer hora. Simplesmente
deitado na sua cama, à noite, você pode fazê-la; bem cedinho, quando você está sentindo que vai
acordar de manhã, você pode fazê-la. Faça-a primeiro e depois levante-se. Até mesmo dez
minutos será o bastante. Dez minutos à noite, pouco antes de dormir, faça-a. Torne o mundo
irreal, e seu sono será tão profundo que você talvez nunca tenha ainda dormido assim antes. Se o
mundo se torna irreal pouco antes da hora de cair no sono, os sonhos serão em menor
quantidade. Porque se o mundo se tornou um sonho, então, os sonhos não podem continuar. E se
o mundo é irreal, você está totalmente relaxado, porque a realidade do mundo não se impingirá
sobre você, não aturdirá.
Eu tenho sugerido esta técnica às pessoas que sofrem de insônia. Ela ajuda profundamente. Se
o mundo se torna irreal, as tensões se dissolvem. E se você puder sair da periferia, você já se
moveu para um estado de sono profundo – antes do sono chegar, você já está profundamente
nisso. E então, de manhã, é lindo, porque você está tão renovado, tão jovem: toda a sua energia
está vibrando. É porque você está retornando do centro para a periferia.
E no momento em que você ficar alerta de que “agora” o sono acabou, não abra os olhos.
Primeiro faça este experimento por dez minutos, depois abra os olhos. O corpo está relaxado
depois da noite toda e se sentindo fresco e vivo. Você já está relaxado; então, não levará muito
tempo. Basta relaxar. Traga sua consciência para o coração, bem entre as duas axilas: sinta essa
região cheia de profunda paz. Por dez minutos, permaneça nesse espaço, então, abra os olhos. O
mundo parecerá totalmente diferente, porque essa paz também será irradiada a partir dos seus
olhos. E o dia todo você se sentirá diferente – não somente você se sentirá diferente, mas você
sentirá que as pessoas estão se comportando de forma diferente com você. Para cada
relacionamento, você contribui com algo. Se sua contribuição não estiver presente, as pessoas se
comportarão diferentemente, porque sentirão que você é uma pessoa diferente. Elas talvez nem
percebam isso. Mas, quando você está cheio de paz, todos se comportarão diferentemente com
você. Serão mais amorosos e delicados, menos resistentes, mais abertos, mais próximos. Existe
um magneto. A paz é o magneto. Quando você está em paz, as pessoas chegam mais perto de
você; quando você está perturbado, todos são repelidos. E isto é um fenômeno tão físico, que
você pode observá-lo facilmente. Sempre que você está em paz, você pode sentir que todos
querem ficar mais perto de você, porque essa paz irradia, ela se torna uma vibração ao seu redor.
Os círculos de paz se movem ao seu redor e quem quer que se aproxime quer ficar mais perto de
você – exatamente como quando você vai para debaixo da sombra de uma árvore e relaxa ali.
Uma pessoa que esteja em paz internamente, tem uma sombra ao seu redor. Aonde quer que vá,
todos gostariam de ficar mais perto dela, abertos, confiantes. Uma pessoa que tenha um tormento
interno, um conflito, uma angústia, uma ansiedade, tensões, repele as pessoas. Seja quem for que
se aproxime tem medo. Você é perigoso. Ficar perto de você é perigoso. Porque você dará seja o
que for que tenha, você está constantemente dando-o. Assim, você pode querer amar alguém,
mas, se você estiver muito perturbado internamente, até seu amado fugirá de você, porque você
drenará sua energia e ele não ficará feliz com você. E sempre que ele sair, você o deixará
cansado, exausto, porque você não tem uma fonte doadora de vida, você tem uma energia
destrutiva internamente.
Assim sendo, não somente você se sentirá diferente, os outros também sentirão que você está
diferente. Todo o seu estilo de vida pode mudar, se você for para um pouco mais perto do centro
– e assim toda a sua perspectiva e todo o resultado. Se você estiver em paz, o mundo todo se
torna pacífico para você. Ele é um reflexo. O que quer que você seja é refletido por todo lado.
Todos se tornam um espelho.

99 Expanda-se em todas as direções

A segunda técnica:

Sinta-se como que penetrando todas as direções, longe, perto.

O tantra e o iôga pensam que sua estreiteza é o problema. Porque você se tornou tão estreito,
tão estreitamente apertado, que você sente sempre num aprisionamento. O aprisionamento não
está vindo de nenhum outro lugar: o aprisionamento está vindo da sua mente estreita. E ela vai se
tornando cada vez mais estreita e você fica, então, muito confinado. Esse confinamento lhe dá a
sensação de aprisionamento. Você tem uma alma infinita e um ser infinito, mas esse ser infinito
se sente aprisionado. Assim, seja o que for que você faça, você sente limitações em toda parte.
Aonde quer que você vá, aparece uma rua sem saída. Você não pode ir além dali. Em todo lugar
existe uma fronteira. Não há nenhum céu aberto para voar. Mas essa fronteira é criada por você –
esse limite é criação sua. Você o criou por certas razões: por seguridade, segurança. Você criou
um limite. E quanto mais estreito for o limite, mais você se sente seguro. Se você tem uma
fronteira muito vasta, você não pode tomar conta de toda a sua extensão, você não pode ficar
alerta e observar tudo. Fica vulnerável. Quanto mais reduzida a fronteira, mais você pode
observá-la, e permanecer fechado, não vulnerável, mais você se sente seguro.
A segurança, a seguridade criou a fronteira. Mas então você sente um aprisionamento.
É dessa forma que a mente é paradoxal. Você vai buscando mais segurança e continua
querendo mais liberdade. As duas coisas não podem coexistir. Se você quer liberdade, você terá
de perder a segurança, a seguridade – de qualquer forma, a seguridade é apenas ilusória, ela
realmente não existe. Porque a morte vai acontecer – seja o que for que você faça, você vai
morrer. Toda a sua seguridade, sua segurança, é apenas uma fachada, não adianta nada. Mas pelo
medo da insegurança, você cria barreiras, você cria grandes muros à sua volta e então o céu
aberto está fechado. E então você sofre! E então, você diz: “Onde está o céu aberto?” e “Eu
quero liberdade e quero me mover!”. Mas você criou essas barreiras.
Então, esta é a primeira coisa a ser lembrada antes de fazer esta técnica, caso contrário não
será possível fazê-la. Com suas barreiras intactas, você não pode fazê-la. A menos que você pare
de criar barreiras, você não será capaz de sentir ou de fazê-la.
...Sinta-se como que penetrando todas as direções, longe, perto. Sem fronteiras, tornar-se
infinito, tornar-se um com o espaço infinito... – isto será impossível com a sua mente. Como
você pode sentir isso? Como você pode fazer isso? Primeiro você tem de parar de fazer certas
coisas.
A primeira coisa é que se você está demasiadamente interessado em seguridade e segurança,
então, permaneça aprisionado. Realmente, a prisão é o lugar mais seguro. Ninguém pode feri-lo
lá. Ninguém de fora da prisão está tão seguro, tão guardado, como os prisioneiros. Você não
pode matar, você não pode assassinar um prisioneiro. É difícil. Ele é mais guardado que um rei.
Você pode assassinar um presidente, um rei, isso não é difícil. Todo dia eles vão sendo
assassinados. Mas você não pode matar um prisioneiro. Ele está tão seguro que aqueles que
querem ficar seguros, realmente devem ficar nas prisões, não devem viver aqui fora. Viver fora
de uma prisão é perigoso, é cheio de riscos. Qualquer coisa pode acontecer. Assim, temos de
criar prisões mentais à nossa volta, prisões psicológicas, e nós carregamos essas prisões conosco,
elas são portáteis. Você precisa permanecer com elas, elas o acompanham. Aonde quer que você
vá, sua prisão vai com você.
Você está sempre atrás de um muro. Somente às vezes, raramente, você estende sua mão para
fora dele e toca alguém. Mas somente a mão – você nunca sai de sua prisão. Assim, sempre que
nos encontramos, é simplesmente encontro de mãos fora da prisão. Fora das janelas, estendemos
a mão, amedrontados, apreensivos, e prontos para a qualquer momento recolhê-la. As duas partes
estão fazendo o mesmo – somente as mãos se tocam. E agora os psicólogos dizem que mesmo
isso é apenas uma aparência, porque as mãos têm suas próprias armaduras à volta delas.
Nenhuma mão fica sem luva. Não somente a Rainha Elizabeth usa luvas, você também tem
luvas, de modo que ninguém possa lhe tocar. Ou mesmo se alguém o toca, há somente a mão,
morta. Você já se retirou dela, com medo. Porque o outro cria medo. Como diz Sartre, o outro é
o inimigo.
Se você vive numa armadura, o outro certamente parecerá um inimigo. Com uma pessoa
armada, não pode haver nenhuma amizade. A amizade é impossível, o amor é impossível, a
comunhão é impossível. Você tem medo. Alguém talvez faça de você uma posse, alguém pode
dominá-lo, alguém pode escravizá-lo... Com medo disso, você cria uma prisão, um muro de
segurança ao seu redor. Você anda cautelosamente, dá cada passo cautelosamente. A vida se
torna um trabalho árduo, a vida se torna cansativa. Se você for muito cauteloso, a vida não pode
ser uma aventura. Se você está se protegendo demasiadamente, ansiando demasiadamente por
segurança, você já está morto.
Portanto, lembre-se da lei básica: a vida é insegurança. E se você já estiver pronto para viver
na insegurança, somente então, você ficará vivo. Insegurança é liberdade. Se você está pronto
para permanecer inseguro, constantemente inseguro, você será livre. E a liberdade é a porta para
o Divino.
Com medo, você cria prisões – você se torna morto, cada vez mais morto. E então você
chama: “Onde está Deus?”. E então você questiona: “Onde está a vida? Qual o significado da
vida? Onde está a bem-aventurança?”. A vida está aí esperando por você, mas você tem de
encontrá-la nos próprios termos dela. Você não pode ter seus próprios termos: permaneça
inseguro. Nada pode ser feito quanto a isso. Você só pode criar uma ilusão e nessa ilusão você
pode perder sua vida. Nada pode ser feito quanto a isso. O que quer que você faça, é
simplesmente um engano.
Se você se apaixona, você fica com medo de que essa mulher possa deixá-lo, ou esse homem
possa deixá-la. O medo entra imediatamente. Você não tinha medo quando não estava
apaixonado. Agora, você se apaixonou: a vida entrou e a insegurança entrou com ela. A pessoa
que nunca ama ninguém, nunca tem medo de que alguém a deixe. O mundo todo pode deixá-la,
ela não tem medo. Você não pode feri-la. Essa pessoa está segura. No momento em que você
ama alguém, a insegurança já entrou, porque a vida entrou. E com a vida, a morte também
entrou. No momento em que você se apaixona, você fica com medo: essa pessoa pode morrer,
essa pessoa pode ir embora, essa pessoa pode se apaixonar por outra pessoa! Agora, para tornar
as coisas seguras, você tem de fazer alguma coisa – você tem de casar. Então, é criada uma
barreira legal, de modo que agora fique difícil para esta pessoa deixá-lo. Agora, a sociedade irá
protegê-lo, a lei o protegerá, o policial, o juiz, todos o protegerão. Agora, se esta pessoa quiser ir
embora, você poderá levá-la ao Tribunal e, se ela quiser um divórcio, ela terá de provar algo
contra você. Mesmo então, levarão três ou cinco anos. Agora, você criou seguridade ao seu
redor. Mas no momento em que você se casa, você está morto. O relacionamento não é vivo.
Agora, ele se tornou uma lei, não um relacionamento. Agora é um fenômeno legal, não uma
coisa viva. O cartório não pode proteger a vida: a lei somente pode proteger leis. O casamento é
algo morto. Ele pode ser definido. O amor não pode ser definido. O casamento é definível, o
amor é indefinível. Agora você está submetido ao mundo das definições.
Mas o fenômeno já está morto. No momento em que você quis tornar a coisa segura, no
momento em que você quis encapsulá-la, de modo que nada novo acontecesse a ela, você ficou
aprisionado nela. Então, você sofrerá. Então, você dirá que esta esposa se tornou uma prisão para
você. O marido dirá que essa esposa se tornou uma prisão para ele. E então os dois lutarão,
porque cada um é uma prisão para o outro. Então vocês brigam. Agora o amor desapareceu, há
somente conflito. Eis o que acontece, por causa dessa ânsia pela seguridade.
E isso aconteceu em relação a todas as coisas. Lembre-se disto como algo básico: vida é
insegura. Esta é a própria natureza dela. Então, quando há amor, sofra o medo de que a amada
possa deixá-lo, mas não crie segurança. Então, o amor crescerá. A amada pode morrer e você não
pode fazer nada, mas isso não matará o amor – a seguridade pode matar –, o amor crescerá mais.
Realmente, se o homem fosse imortal, eu digo que o amor seria impossível. Se o homem
fosse imortal, seria difícil amar qualquer pessoa. Seria muito perigoso se apaixonar. A morte
existe e a vida é como uma gota numa folha tremulante. A qualquer momento a brisa virá e a
gota cairá e desaparecerá. A vida é um movimento vibratório. Devido a essa vibração, devido a
esse movimento, a morte está sempre presente. Ela dá intensidade ao amor. O amor é possível
somente porque há a morte. O amor se torna intenso, porque há a morte. Pense... Se você souber
que sua amada vai morrer daqui a pouco, toda a mesquinhez desaparecerá, todo o conflito
sumirá. E este único momento se tornará eternidade. E haverá tanto amor que todo o seu ser será
vertido nele. Mas, se você sabe que sua amada vai viver, não há pressa. Você pode brigar e pode
adiar o amor para mais tarde. Se a vida é eterna, se o corpo é imortal, você não pode amar.
Os hindus têm um lindo mito. Eles dizem que no céu onde Indra governa – Indra é o rei do
céu – não há amor. Há belas mulheres, mais belas que as da terra, e deidades. Então há sexo, mas
não há amor, porque eles são imortais.
Assim, está registrado numa das histórias indianas, que Urvashi, a chefe das garotas
celestiais, pediu permissão a Indra para ir até a terra por alguns dias para amar um homem. “Que
absurdo!” – disse Indra – “Você pode amar aqui! E você não encontrará pessoas tão belas na
terra”. Urvashi disse: “Elas são belas, mas são imortais, então, não há nenhum encanto. Elas
realmente estão mortas”.
Elas realmente estão mortas, porque não há nenhuma morte para fazê-las vivas. Elas existirão
sempre. Elas não podem morrer, então, como elas podem ser vivas? A vivacidade existe em
oposição à morte. Um homem é vivaz, porque existe a morte constantemente lutando. Contra o
pano de fundo da morte, a vida existe.
Então Urvashi disse: “Deixe-me ir à terra. Eu quero amar alguém”. A permissão foi dada, ela
desceu até a terra e se apaixonou por Pururuwa, um jovem rapaz.
Mas havia uma condição de Indra. Indra estabeleceu a condição de que ela poderia ir até a
terra, poderia amar alguém, mas ela deveria dizer ao homem que a amasse para não perguntar
nada sobre quem ela era. Isso é difícil para o amor, porque o amor é curioso. O amor quer saber
tudo sobre a amada, tudo. Todo o desconhecido tem de se tornar conhecido. Todo o mistério tem
de ser penetrado e descoberto. Assim, Indra espertamente criou uma condição, cuja astúcia
Urvashi não compreendeu. Assim, ela disse: “Está certo. Eu direi ao meu amado para não ficar
curioso sobre mim, para não me perguntar quem eu sou. E se ele perguntar, imediatamente eu o
deixarei, eu voltarei”. E ela disse a Pururuwa: “Não me pergunte nunca nada sobre mim, sobre
quem eu sou. No momento em que você perguntar, eu terei de deixar a terra”.
Mas o amor é curioso... Por causa disso, Pururuwa deve ter ficado ainda mais curioso sobre
quem era ela. Ele não conseguia dormir. Não parava de olhar para Urvashi. “Quem é ela? Mulher
tão bela, feita da matéria dos sonhos, não parece terrena, não parece substancial. Talvez ela
venha de outro lugar, de alguma dimensão desconhecida. Ele foi ficando cada vez mais curioso.
Mas ele também foi ficando cada vez com mais e mais medo, porque ela talvez fosse embora.
Ele ficou com tanto medo, que durante a noite quando ia dormir, segurava um pedaço do sári
dela nas mãos, porque não estava muito seguro de si mesmo. A qualquer momento ele poderia
perguntar, a pergunta estava sempre ali. E Urvashi dissera que nem no sono ele poderia
perguntar algo sobre ela. Assim, ele dormia com um pedaço do sári dela em sua mão.
Mas numa noite, ele não pôde se conter – ele pensou que “agora” ela o amava tanto, que não
poderia ir embora. Então, ele perguntou. E Urvashi teve de desaparecer – dela, só restou um
pedaço do sári nas mãos de Pururuwa. E dizem que ele ainda está procurando por ela.
No céu não pode haver amor, porque lá não tem vida realmente. A vida existe aqui na terra,
onde existe a morte. Sempre que você torna uma coisa segura, a vida desaparece. Permaneça
inseguro, esta é a verdadeira qualidade da própria vida. Nada pode ser feito quanto a isso. E isso
é belo!
Simplesmente pense se seu corpo fosse imortal – e ele fosse feio. Você começaria a descobrir
meios e mais meios de cometer suicídio. E se é impossível, contra a lei, você sofreria tanto que
nem pode imaginar. A imortalidade é uma coisa muito longa.
Agora, no Ocidente, pensa-se muito a respeito da eutanásia, porque as pessoas agora estão
vivendo mais tempo. Assim, uma pessoa que alcança a idade de cem anos, quer o direito de se
matar. E realmente o direito terá de ser dado. Nós criamos uma lei para não cometer suicídio
quando a vida era muito curta. Realmente, no tempo de Buda, ter quarenta ou cinquenta anos era
muito. A média de vida era uns vinte. Na Índia, há duas décadas apenas, a vida média era vinte e
três anos. Agora, na Suécia, a média de vida é oitenta e três. Assim, as pessoas podem muito
facilmente viver até cento e cinquenta anos. Na Rússia Soviética há mil e quinhentas pessoas que
chegaram à marca de cento e cinquenta anos. Agora, se eles disserem que têm o direito de se
matar, porque agora está demais, nós teremos de lhes dar o direito. Ele não lhes pode ser negado.
Mais cedo ou mais tarde o suicídio será um dos direitos de nascimento. Você não pode negá-lo
se uma pessoa quiser morrer – não por alguma razão específica, apenas porque agora a vida não
tem mais nenhum significado para ela. Já foi muito longa. Uma pessoa vivendo aos cem anos
não quer mais viver. Não que ela esteja frustrada, não que não haja alimento. Tudo está ali, mas a
vida não tem nenhum significado.
Então pense na imortalidade. A vida ficaria totalmente sem significado. O significado vem
com a morte. O amor significa porque o amor pode acabar. Então, a vida palpita, vibra, pulsa.
Ela pode ser perdida! Você não pode ter certeza de nada sobre ela! Você não pode pensar nada
sobre ela para amanhã, porque talvez ela não exista mais. Você tem de amar o amado e a amada
com a visão de que o amanhã pode não existir absolutamente. Então o amor se torna intenso.
Assim, primeiramente afaste seus esforços para criar uma vida segura. Só por afastá-los, os
muros ao seu redor cairão. Pela primeira vez, você sentirá as chuvas caindo diretamente em você,
o vento soprando diretamente em você, o sol erguendo-se diretamente para você. Você ficará sob
o céu aberto. É belo. E se isso lhe parece horrível, é somente porque você ficou acostumado a
viver numa prisão. Você terá de ficar acostumado a esta nova liberdade. Esta liberdade o torna
mais vivo, mais fluente, mais aberto, mais rico, mais radiante. Mas quanto mais radiante você
estiver, mais alto o pico da sua vivacidade, mais profunda será a morte próxima a você. Próxima.
Você pode se elevar somente contra a morte, o vale da morte. O pico da vida e o vale da morte
estão sempre próximos e em proporção.
Eis por que eu sempre digo que esta máxima de Nietzsche é para ser seguida. É uma sentença
muito religiosa. Nietzsche diz: “Viva perigosamente”. Não que você tenha de buscar o perigo
positivamente, não há nenhuma necessidade de buscar o perigo positivamente. Simplesmente
não crie proteções. Não crie muros ao seu redor. Viva naturalmente e isso será perigoso, perigoso
o suficiente. Não há nenhuma necessidade de buscar algum perigo.
Então você pode fazer esta técnica. Sinta-se como que penetrando todas as direções, longe,
perto. Então fica muito fácil. Se os muros não estiverem presentes, você já está se sentindo
permeando tudo. Então não há nenhum ponto onde você termine. Você simplesmente começa no
coração e termina em lugar nenhum. Você tem um centro e nenhuma periferia. A periferia vai se
expandindo, se expandindo... Todo o espaço é cercado por ela. As estrelas giram nela. Terras
nascem e se dissolvem. Planetas surgem e se põem. O cosmos todo se torna sua periferia. Nesta
vastidão, onde existirá o seu ego? Nesta vastidão, onde existirá o seu sofrimento? Nesta vastidão,
onde estará sua pobre mente? A mente medíocre, onde ela estará? Ela não pode existir em
tamanha vastidão, ela simplesmente desaparece. Ela só pode existir num campo estreito. Ela só
pode existir quando está emparedada, fechada, encapsulada. A encapsulação é o problema. Viva
perigosamente e esteja preparado para viver na insegurança.
E a beleza é que mesmo que você decida não viver em insegurança, você viverá! Você não
pode fazer nada!
Eu ouvi contar sobre um rei. Ele estava com muito medo da morte... Os reis têm muito medo.
Eles têm muito medo, porque eles exploraram tantas pessoas, empurraram, esmagam; fazem
tantos jogos políticos sobre tantas pessoas. Eles fazem inimigos. Um rei verdadeiro não tem
nenhum amigo. Não pode ter. Porque o amigo mais próximo é também um inimigo, apenas
esperando por uma oportunidade para matá-lo, para ficar no seu lugar. Um homem no poder não
pode ter amigos. Um Hitler, um Stalin, um Nixon não podem ter amigos. Eles têm apenas
inimigos à sua volta, como se fossem amigos, apenas esperando pela chance certa para empurrá-
los para fora do trono. Sempre que têm a chance, eles fazem qualquer coisa. Até o momento
anterior eram amigos, mas suas amizades são estratégias. A amizade deles é uma tática. Um
homem que está no poder não pode ter amigos. Assim, Lao Tzu diz: “Se você quer amigos, não
esteja no poder”. Então, o mundo todo lhe será amigável. Se você estiver no poder, então, você é
seu único amigo, todo mundo é seu inimigo.
... Então o rei estava com muito medo. Estava apavorado com a morte, ela estava por todo
lado. Ele vivia assombrado com a ideia de que todo mundo à sua volta iria matá-lo. Ele não
podia dormir. Então ele perguntou aos sábios, seus conselheiros, o que fazer. Eles lhe fizeram
um palácio com somente uma porta. Na porta ele deveria colocar guaritas para os militares: o
primeiro observando o palácio, o segundo observando o primeiro, o terceiro observando o
segundo. Com somente uma porta, ninguém poderia entrar e o rei ficaria a salvo.
O rei construiu o palácio com somente uma porta e com sete guaritas de soldados observando
um ao outro. As notícias se espalharam por todo canto; e outro rei do estado próximo veio ver
aquilo. Ele estava também com muito medo. As notícias chegaram a ele, de que seu vizinho
havia construído tamanho palácio, que era impossível matá-lo. Ele foi visitar o monarca vizinho
e juntos apreciaram muitíssimo a ideia de somente uma porta e toda aquela segurança; nenhum
perigo.
Enquanto eles estavam olhando para a porta, um mendigo que estava sentado ali bem no
canto da rua começou a rir. Então o rei, o dono do palácio, perguntou ao mendigo: “Por que você
está rindo?”. O mendigo respondeu: “Eu estou rindo porque Vossa Majestade cometeu um erro.
Vossa Majestade devia entrar, fechar-se e selar esta porta também. Esta porta é perigosa, alguém
pode entrar por ela. Porta significa que alguém pode entrar. Assim, Vossa Majestade deve fazer
uma coisa: vá para dentro e deixe a porta ser fechada também. Então, Vossa Majestade terá
realmente segurança, porque a morte não pode entrar”.
Mas o rei disse: “Isso quer dizer que eu já estaria morto, se eu fechasse esta porta também”. O
mendigo disse: “Vossa Majestade já está noventa e nove por cento morto. Vossa Majestade está
somente tão vivo quanto esta porta. Este é o perigo, este tanto de vida. Deixe essa vivacidade
também”.
Cada um, do seu jeito, vai criando um palácio ao redor de si, onde nada entra e a pessoa
permanece em paz. Mas então, você já está morto. E a paz acontece somente àqueles que estão
vivos; a paz não é uma coisa morta. Permaneça vivo, viva perigosamente, viva uma vida
vulnerável, aberta, de modo que tudo possa acontecer a você. E deixe tudo acontecer a você.
Quanto mais acontecer a você, mais rico você será.
Você pode praticar esta técnica. Esta técnica é então muito fácil: você não precisará nem de
praticá-la. Simplesmente pense, e você estará permeando todo o espaço.
Capítulo 72

APAIXONANDO-SE POR UMA PESSOA ILUMINADA



PERGUNTAS

Você disse que o amor só é possível com a morte. Então, poderia explicar o amor de Buda?
Na noite passada você disse que o amor é vivo, porque é inseguro; e que o casamento é morto,
porque é seguro. Mas não é verdade que o amor na profundidade espiritual se torna
casamento?
Pode uma pessoa que não seja iluminada, viver numa total insegurança sem ficar ansiosa,
deprimida e miserável?
Você disse ontem que a vida existe com a morte. Então, por favor, explique qual é a
necessidade da transcendência.

Primeira pergunta

Você disse que o amor só é possível com a morte. Então, poderia explicar o amor de
Buda?

Para uma pessoa ignorante, o amor faz sempre parte do ódio, ele sempre vem com ódio. Para
a mente ignorante, ódio e amor são apenas dois aspectos da mesma moeda. Para a mente
ignorante, o amor nunca é puro. E essa é a miséria do amor – porque o ódio se torna um veneno.
Você ama uma pessoa e você odeia a mesma pessoa também. Mas como você não pode fazer as
duas coisas ao mesmo tempo, você não fica ciente disso. Quando você ama uma pessoa, você se
esquece da parte que odeia, ela vai para baixo, ela entra no inconsciente e fica esperando ali.
Então, quando seu amor está cansado, ele cai no inconsciente e a parte que odeia vem à tona.
Então, você odeia a mesma pessoa.
E quando você odeia, você não está ciente de que você também ama – agora, o amor foi lá
para o fundo do inconsciente. Isso continua assim como a noite e o dia. Vai girando num círculo.
E se torna um tormento.
Mas para um buda, para a pessoa que é iluminada, a dicotomia, o dualismo, desaparece. De
todas as formas – não somente no que diz respeito ao amor – a vida toda se torna uma unidade.
Então, não há dicotomia, o oposto não mais existe.
Dessa forma, realmente, chamar de “amor” o amor de Buda não é muito bom, mas nós não
temos nenhum outro termo. O próprio Buda nunca usava a palavra ‘amor’. Ele usava a palavra
‘compaixão’. Mas ela também não é muito boa. Porque sua compaixão está sempre misturada
com sua crueldade, sua não-violência está sempre misturada com sua violência – o que quer que
vocês façam, terá sempre seu oposto bem perto. Você existe entre contradições; daí, a tensão, a
angústia, a ansiedade. Você não é uma pessoa apenas: você é sempre duas. Você é uma multidão,
dividida em muitos fragmentos, e esses fragmentos são opostos uns aos outros. Seu ser é uma
tensão; o ser de Buda é um profundo relaxamento. Lembre-se disto: a tensão existe entre dois
polos opostos, e o relaxamento fica exatamente no meio, onde dois polos opostos não mais estão
se opondo. Eles anulam um ao outro – e há uma transcendência. Assim, o amor de Buda é
basicamente diferente daquilo que você conhece como amor.
Seu amor é um in-cômodo; o amor de Buda é uma total comodidade. Não há componente
mental nele, então, sua qualidade muda completamente. Muitas coisas existirão no amor de Buda
que não podem existir no amor comum. Primeiramente, ele não pode ser quente. A quentura vem
do ódio. Ele não é paixão, é compaixão. Não é quente, é suave. Para nós, um amor suave é algo
que deu errado. O amor de Buda é suave, não há calor nele. Ele não é como o sol, ele é como a
lua. Ele não criará paixão em você, ele criará uma profunda suavidade.
Em segundo lugar, o amor de Buda não é verdadeiramente um relacionamento. O amor de
Buda é seu estado de ser. Realmente ele não o ama, ele é amor. Esta distinção deve ser
compreendida claramente. Se você ama uma pessoa, seu amor é um ato, você faz algo, você se
comporta de certo modo, você cria um relacionamento, uma ponte. O amor de Buda é apenas seu
ser, é simplesmente como ele é. Ele não é amoroso com você, ele é simplesmente amor. Ele é
como uma flor ali no jardim – você passa por lá e o perfume chega até você. Não é que a flor
esteja enviando seu perfume especialmente para você – quando não há ninguém passando por ali,
o perfume está presente. E se ninguém jamais passar por ali, o perfume ainda assim estará ali.
Quando seu amante não está com você, quando sua amada não está com você, o amor
desaparece, o perfume não existe. Ele é um esforço da sua parte, não é simplesmente seu ser.
Você tem de fazer algo para trazê-lo para fora. Quando não há ninguém e Buda está sentado
sozinho sob sua árvore bodhi, então também ele é um amante. Parece absurdo que nessa situação
também ele seja um amante. Não há ninguém para ser amado, mas ainda assim ele é um amante.
Este ser um amante é seu estado. E porque é seu estado, ele nunca é uma tensão. Buda não pode
ficar cansado do seu amor. Vocês ficarão cansados, porque ele é algo que você está fazendo.
Então, os amantes se cansam um do outro. Eles ficam cansados, eles precisam de uma pausa, de
um intervalo, para se recuperarem. Se você ficar com seu amante por vinte e quatro horas
seguidas, ele ficará de saco-cheio, porque isso é demasiada atenção. Vinte e quatro horas fazendo
algo é muito.
Buda não está fazendo nada, ele não fica cansado do seu amor. Este é seu próprio ser, é como
se ele estivesse apenas respirando. Assim como nunca se fica cansado de respirar, nunca se fica
cansado do ser; então, ele não fica cansado do seu amor.
E então a terceira coisa se segue: você fica ciente de que está amando; Buda nunca ficará
ciente disso. Porque a percepção precisa do contrário. Buda está tão repleto de amor que ele não
fica ciente disso. Se você lhe perguntar, ele dirá: “Eu o amo”. Mas ele não fica a par disso. O
fluxo vem dele tão silenciosamente, que se torna uma parte intrínseca da qual ele não fica a par.
Você ficará ciente de que ele o ama, e se você estiver aberto e receptivo, ficará mais ciente de
que ele o ama mais ainda. Depende da sua capacidade, o quanto você pode receber. Mas, para
ele, não é um presente. Ele não está dando nada a você – ele é desse jeito, acontece dele ser desse
jeito. Sempre que você se torna ciente do seu ser total, iluminado, liberado, a dicotomia
desaparece da sua vida. Então, não há nenhuma dualidade. Então, a vida se torna uma harmonia
– nada é contra nada.
Devido a essa harmonia, acontece muita paz. Não há nenhuma perturbação. A perturbação
não é criada pelo lado de fora, ela está dentro de você. A contradição vai criando a perturbação,
embora você possa encontrar desculpas externas. Por exemplo: observe o que acontece com o
seu amante, ou com um amigo, um amigo íntimo, muito íntimo, próximo. Viva com ele, e apenas
observe o que está acontecendo com você. Quando vocês se encontram, vocês ficam muito
exultantes, extasiados, dançando. Mas por quanto tempo você pode dançar? E o quanto pode se
sentir extasiado? Minutos mais tarde, você está desapontado, a exultação se foi, e depois de
algumas horas você está entediado, está pensando em fugir para outro lugar. E depois de alguns
dias vocês estarão brigando. Simplesmente observe o que está acontecendo. Está tudo vindo de
dentro de você, mas você encontrará desculpas externas. Você dirá que agora esse homem não
está tão amorável quanto antes, quando chegou; agora esse homem está me perturbando, está me
deixando com raiva. E você sempre achará que ele está fazendo algo contra você, você nunca
toma ciência de que sua dicotomia – a dualidade de sua mente, os opostos internos –, estão
fazendo alguma coisa. Nunca tomamos ciência do funcionamento de nossas próprias mentes.
Ouvi dizer que uma famosíssima atriz de Hollywood muito glamorosa foi ao estúdio para
buscar suas fotos, que haviam sido tiradas no dia anterior. O fotógrafo lhe apresentou a
fotografia, mas ela ficou ofendida, furiosa. Ela disse: “O que você fez? Você já tinha tirado fotos
minhas antes e elas ficaram maravilhosas!”. O fotógrafo disse à atriz: “Sim, mas você se
esqueceu de que eu era doze anos mais jovem quando tirei suas fotos. Eu era doze anos mais
jovem, se esqueceu disso?”. Nós nunca olhamos internamente para o que está acontecendo. Se a
fotografia não está muito boa para você, algo está errado com o fotógrafo. Não é que doze anos
se passaram e você está mais velho – é um processo interno, o fotógrafo não tem nada a ver com
isso absolutamente. Mas o fotógrafo deve ter sido um sábio de primeira! Ele disse: “Você se
esqueceu de que eu era doze anos mais jovem então”.
O amor de Buda é totalmente diferente, mas nós não temos nenhuma outra palavra para ele. A
melhor que temos é ‘amor’. Mas se você puder se lembrar disto, então, a qualidade muda
completamente.
E note uma coisa, pense sobre ela profundamente. Se Buda fosse seu amante, você ficaria
satisfeito? Não ficaria. Porque você sentiria que ele é frio, que ali não há paixão. Você sentiria
que ele o ama como ama a todos – você não é nada especial. Você sentiria que o amor dele não é
um presente – ele é desse jeito, eis por que é amoroso.
Você sentirá que o amor dele é tão natural, que você não ganhará satisfação com ele. Pense
internamente. Você não pode ficar satisfeito com um amor que não tem ódio. E você não pode
ficar satisfeito com um amor que é com ódio. Este é o problema. De qualquer jeito você ficará
insatisfeito. Se o amor é com ódio, você ficará insatisfeito, sempre infeliz, porque a parte do ódio
o perturbará. Se o amor é sem ódio, você sentirá que ele é frio. E ele está acontecendo a Buda tão
naturalmente, que mesmo que você não esteja presente ele estará acontecendo – então, ele não é
nada especial para você. Assim seu ego ficará insatisfeito. E a minha sensação é de que se você
tiver um buda ou um não-buda para escolher como seu amante, você escolherá o não-buda... –
porque você pode compreender sua linguagem. O não-buda pelo menos é parecido com você.
Vocês ficarão brigando, ficarão discutindo, a coisa toda vai ser uma trabalheira, uma trabalheira
louca, mas ainda assim você escolherá um não-buda. Porque o buda será tão elevado, que você
não poderá compreender seu jeito de amar, a menos que você se eleve também.
Com um não-buda, com uma pessoa ignorante, você não precisa se transformar. Você pode
permanecer o mesmo. Ela não é um desafio. Na verdade, acontece exatamente o contrário aos
amantes. Quando dois amantes se encontram e se apaixonam, ambos tentam convencer um ao
outro que eles são muito elevados. Eles expõem o melhor que há dentro deles. Eles parecem estar
num ápice. Mas isso consome esforço muito árduo! Você não pode permanecer no ápice. Então,
quando você começa a baixar para o seu nível, você desce à terra.
Assim, os amantes estão sempre frustrados um com o outro, porque eles pensavam que o
outro era divino, e quando eles se assentam, quando tudo se torna apenas mundano, bem comum,
eles pensam que o outro estava enganando. Não, ele não estava enganando, ele estava apenas se
apresentando nas suas melhores cores. Eis tudo. Ele não estava enganando ninguém, ele não
estava fazendo nada conscientemente. Era apenas a apresentação dele mesmo em suas melhores
cores. Mas você não pode continuar se apresentando assim por muito tempo, porque fica árduo,
difícil, pesado. Então você abaixa o nível.
Quando dois amantes se nivelam, quando eles começam a se sentir seguros em relação ao
outro, eles parecem muito medianos, muito medíocres, muito comuns – bem opostos ao que eles
aparentavam antes. Então eles eram anjos; agora parecem ser apenas discípulos do demônio.
Vocês caem, vão para seus níveis comuns.
Comumente, o amor não é um desafio, mas é raro se apaixonar com alguém que seja
iluminado. Só muito poucos felizardos caem em tal amor. É raro. Acontece somente quando
você andou procurando uma pessoa iluminada durante vidas seguidas. Somente se isto tiver
acontecido, você se apaixona por uma pessoa iluminada. Apaixonar-se por uma pessoa iluminada
é em si mesmo uma grande realização – mas então há um problema. O problema é que a pessoa
iluminada é um desafio. Ela não desce ao seu nível, isso não é possível, é impossível. Você terá
de subir até o pico onde ela está; você terá de viajar, você terá de se transformar.
Assim, o amor se torna um sadhana, se você se apaixona por um Buda – o maior sadhana
que é possível. Devido a isto, quando quer que haja um Buda, ou um Jesus ou um Lao Tzu,
muitos ao seu redor estão aptos a chegar ao topo em uma vida, o que não puderam fazer em
muitas vidas. Mas o segredo é que eles se apaixonem. Não é inimaginável, é imaginável. Você
talvez tenha vivido lá no tempo de Buda, você pode ter ficado por perto. Buda pode ter passado
na sua aldeia, na sua cidade, e você talvez nem tenha ouvido falar dele, você talvez não o tenha
visto. Porque até para ouvir um buda ou ver um buda ou se aproximar dele, um certo amor é
necessário da sua parte, uma certa busca é necessária.
Quando alguém se apaixona por uma pessoa iluminada é significativo, muito significativo.
Mas o caminho será árduo.
É fácil se apaixonar por uma pessoa comum, não há nenhum desafio, mas com uma pessoa
iluminada o desafio será demasiado, e o caminho será difícil, porque você terá de viajar sempre
para cima. E essas coisas serão perturbadoras. O amor dele será frio, parecerá como se fosse para
todo mundo, não terá a parte de ódio.
Esta tem sido a minha experiência. Muitas pessoas se apaixonam por mim e, depois, elas
começam a jogar o jogo – o jogo comum. Sabendo ou sem saber, elas começam a jogá-lo. De
certo modo é natural. Eles começam a esperar coisas de mim, expectativas comuns, e suas
mentes funcionam na dualidade. Por exemplo: se você me amar, você se sentirá feliz se puder me
fazer feliz. É assim que o amor sente, ele quer fazer o outro feliz. Se você puder me fazer feliz,
você ficará feliz – mas você não pode me fazer feliz, eu já sou.
Se você se apaixonar por mim, você ficará desanimado, você ficará muito desapontado,
porque você não pode me fazer feliz, você não pode me fazer mais feliz, não há nada mais. Se
você não puder me fazer feliz, você se sentirá infeliz e então tentará me fazer infeliz! Porque
pelo menos se você puder fazer isso, isso também será uma satisfação. Você tentará me fazer
infeliz – sem saber, pois você não está alerta, você não tem consciência disso. Se tivesse, você
não o faria. Mas você tentará – sua mente inconsciente tentará me fazer infeliz. Se você puder
me fazer infeliz, então, você pode ter certeza de que pode me fazer feliz também. Mas se você
não puder me fazer infeliz, você ficará totalmente desapontado. Então, você sentirá que não está
relacionado comigo, absolutamente, porque é isso que o relacionamento significa para você.
Comumente, o amor é um incômodo, porque a dualidade continua persistindo. E compreender
o amor de uma pessoa iluminada é difícil. Intelectualmente, não há meios de se compreender.
Você tem de se apaixonar. E então você tem de ficar alerta sobre sua própria mente, porque essa
mente continuará perturbando.
Buda ficou iluminado, então, ele retornou ao lar – ele voltou depois de doze anos. Sua esposa,
a quem ele tinha amado muitíssimo, estava com muita raiva, furiosa. Todos aqueles doze anos
ela tinha ficado esperando e esperando: “um dia esse homem voltará”. E ela tinha muita revanche
em sua mente, porque aquele homem fez uma injustiça com ela, ele foi desleal. De repente, no
meio da noite, ele desapareceu. Pelo menos poderia ter dito algo; então, teria sido aceitável. Mas
sem dizer nada, ele simplesmente desapareceu, deixando-a só com seu pequeno filho. Durante
doze anos ela esperou e, então, Buda veio. Ela estava furiosa, estava enlouquecida.
O discípulo mais próximo de Buda, o mais chegado, era Anand. Anand sempre o seguiu
como uma sombra. Quando Buda estava entrando no palácio, ele disse a Anand: “Por favor, não
venha comigo”. Anand perguntou por quê; porque ele tinha uma mente comum, ele não era
iluminado. Ele se iluminou somente quando Buda morreu. Ele perguntou: “Por quê? Você ainda
pensa em termos de marido e mulher, que você está indo se encontrar com sua esposa? Você
ainda está pensando em termos de marido e mulher!?”. Ele ficou chocado. Como pode um buda,
uma pessoa iluminada, dizer “não venha comigo; eu estou indo me encontrar com minha
esposa”?
Buda disse: “Essa não é a questão. Ela ficará mais furiosa vendo que eu vim com alguém. Ela
tem estado esperando por doze anos. Deixa-a ficar enfurecida sozinha. Ela pertence a uma
família muito antiga, muito culta. Então, ela não ficará com raiva diante de você, ela não
expressará nada – e ela esteve esperando por doze anos. Então, deixe-a explodir, não venha
comigo. Eu não sou um marido para ela agora, mas ela ainda é uma esposa. Eu mudei, mas ela
não mudou”.
Buda foi sozinho. É claro que ela estava furiosa, começou a soluçar e a chorar, a berrar e
dizer coisas. E Buda ouviu. Ela perguntava repetidamente: “Se você me amava mesmo, por que
me deixou? Por que você foi embora? E sem me dizer! Se você realmente me amou, diga-me
isto.”. E Buda disse: “Se eu não a amasse, por que eu teria voltado?”.
Mas são duas coisas diferentes, totalmente diferentes. Ela não estava preparada para ouvir o
que ele diria. Ela continuava insistindo: “Por que você me deixou sozinha? Diga-me que nunca
me amou, então fica tudo acertado”. E Buda disse: “Eu realmente a amei. Eu ainda a amo. Eis
por que voltei depois de doze anos”. Mas aquele amor era diferente: ela estava com raiva e Buda
não estava com raiva. Se ele ficasse com raiva também por ela estar gritando e chorando e se
lamentando, ela teria compreendido. Se ele também tivesse ficado com raiva e tivesse batido
nela, ela poderia ter compreendido. Então, tudo ficaria bem. Ele era o velho homem. Os doze
anos teriam desaparecido completamente e eles teriam se amado novamente. Não haveria
nenhum problema. Mas ele estava parado em silêncio e ela estava enlouquecida. Somente ela
estava enlouquecida, ele estava sorrindo. Aquilo era demais! Que tipo de amor é este!? Deve ter
sido muito difícil para ela compreender.
Só para insultar Buda, ela disse ao filho, que ainda não havia completado doze anos: “Este é
seu pai, olhe para ele, um fujão. Você tinha apenas um dia de vida quando ele fugiu. Este é seu
pai. Ele é um mendigo, e ele lhe deu nascimento. Agora, peça-lhe sua herança. Estenda suas
mãos diante dele, ele é seu pai. Pergunte-lhe o que ele tem para lhe dar”. Ela estava insultando
Buda, ela estava furiosa, naturalmente. E Buda chamou Anand, que estava parado do lado de
fora e disse: “Anand, venha e traga minha cuia de mendicância”. Quando a cuia foi dada a Buda,
ele a deu a seu filho, Rahul, e disse: “Esta é minha herança. Eu o inicio no sânias". Este era seu
amor. Mas Yashodhara ficou ainda mais enlouquecida. Ela disse: “O que você está fazendo!? Se
você ama seu filho, você não pode fazer dele um mendigo, um saniássin”. Buda disse: “Eu o
torno um mendigo, porque eu o amo. Eu sei qual é a verdadeira herança, e é isso que estou dando
a ele. Meu pai não era tão sábio, mas eu sei o que é digno de ser dado, e eu estou o dando”.
Estas são duas dimensões diferentes, duas linguagens diferentes – que nunca se encontram em
lugar nenhum. Ele está amando. Ele deve ter amado sua esposa – eis por que retornou. Ele deve
ter amado seu filho – eis por que o iniciou. Mas nenhum pai pode compreender isso.
Quando o pai de Buda ouviu sobre isso – ele já era um velho, doente – ele veio correndo e
disse: “O que você fez? Você está inclinado a destruir toda a minha família!? Você fugiu de casa,
era meu único filho. Agora, minha esperança está em Rahul, seu único filho. E você o iniciou no
sânias! Então minha família acabou. Agora não há mais nenhuma possibilidade para o futuro. O
que você está fazendo? Você é meu inimigo?”.
E Buda disse: “Porque amo meu filho, eu lhe dou o que é digno de ser dado. Nem seu reino
nem sua família e sua árvore são significativos. Não fará nenhuma diferença para o mundo, quer
esta árvore continue crescendo mais ou não. Mas o fenômeno do sânias no qual Rahul está
iniciado é algo significativo. Eu também amo meu filho”.
Dois pais falando... O pai de Buda estava novamente protestando contra ele: “Trate de voltar.
Eu sou seu pai. Estou velho. Estou irritado. Você me desapontou. Mas ainda assim eu tenho um
coração de pai e o perdoarei. Venha, minhas portas estão abertas. Volte! Jogue fora este sânias,
volte, minhas portas estão abertas. Este reino é seu, estou esperando. Estou muito velho, mas
tenho profundo amor por você e posso perdoar”. Isto é amor.
Então, há o outro pai, o próprio Gautama, O Buda, dando iniciação a seu filho para deixar o
mundo. Isto também é amor.
Os dois amores são tão diferentes, que nem é bom chamá-los do mesmo nome, uma só
palavra – mas não temos nenhuma outra.

A segunda pergunta

Na noite passada você disse que o amor é vivo, porque é inseguro; e que o casamento é
morto, porque é seguro. Mas não é verdade que o amor na profundidade espiritual se torna
casamento?

Não! Ele nunca se torna casamento. Quanto mais fundo ele for, mais amor se torna, mas
nunca um casamento. Por casamento eu quero dizer um vínculo externo, uma sanção legal, uma
aprovação social. E eu digo que o amor nunca se torna um casamento, porque ele nunca é seguro.
Ele permanece amor. Ele se torna mais amor, cada vez mais e mais, mas quanto mais ele é em
si, mais inseguro é também.
Não há nenhuma seguridade. Mas, se você ama, você não liga para a segurança
absolutamente. Quando você não ama, somente então, você cuida de seguridade. Quando você
ama, o próprio momento é tanto, que você não liga para o momento seguinte. O que acontece
amanhã não é uma preocupação – porque o que está acontecendo agora mesmo é tanto! É
demais. É insuportavelmente demais. Você não se importa. Por que a seguridade chega à mente?
Ela vem por causa do futuro. Realmente, você não está enraizado no presente. Você não está
vivendo no presente. Você não está desfrutando. Não se trata de uma bênção. O presente não é
uma bênção. Então, você almeja o futuro, então, você planeja o futuro, então, você quer garantir
toda a segurança para o futuro.
O amor jamais quer criar nenhuma segurança, ele é seguro em si mesmo. Este é o pormenor.
Ele é tão seguro em si mesmo que nunca pensa sobre alguma seguridade: o que acontecerá no
futuro não interessa absolutamente – porque o futuro vai crescer a partir do presente e, se o
presente é tão vivo, tão venturoso, o futuro crescerá a partir disso. Por que se preocupar com ele?
Quando o presente não é uma bênção, quando ele é uma miséria, então, você fica preocupado
com o futuro. Então, você quer torná-lo certo, seguro. Mas lembre-se: ninguém pode tornar nada
seguro. Isso não está na natureza das coisas. O futuro permanecerá inseguro. Você pode fazer
somente uma coisa: viver o presente mais profundamente. Isso é tudo que você pode fazer. Se
alguma segurança acontecer através disso, esta é a única segurança. E se não estiver
acontecendo, não está acontecendo – nada pode ser feito.
Mas nossa mente funciona de um modo completamente suicida. Quanto mais miserável o
presente é, mais você pensa sobre o futuro e quer torná-lo seguro. E quanto mais você se mover
para o futuro, mais o presente será miserável. Então, você está se movendo num círculo vicioso.
Este círculo pode ser quebrado, mas o único meio de se quebrá-lo é viver o momento presente
tão profundamente, que este momento se torne a eternidade em suas profundezas. O futuro vai
nascer disso – ele tomará seu próprio curso, você não precisa se preocupar.
Assim, eu digo que o amor jamais pensa em segurança, porque o amor é muitíssimo seguro
em si mesmo. O amor nunca tem medo da insegurança. Se ele estiver presente mesmo, se o amor
estiver absolutamente presente, ele não tem medo da insegurança. A vida é insegura, mas o amor
não tem medo da insegurança. Ao invés, o amor desfruta a insegurança, porque ela dá cor à vida,
mudando os temperos e os humores. Ela dá o tom. Isso é belo. A vida em mutação é bela, porque
existe sempre algo a ser descoberto, existe sempre algo com o qual se deparar, algo que é novo.
Na verdade, dois amantes andam numa constante descoberta um do outro. E a paisagem é
infinita. Um coração amoroso é uma paisagem infinita. Você jamais pode esgotá-la. Não há
nenhum fim para ela. Ela vai indo e indo... Ela é tão espaçosa quanto o próprio espaço. O amor
não está preocupado com insegurança, o amor pode desfrutá-la. Somente aqueles que não podem
amar, têm medo da insegurança, porque eles não estão enraizados na vida. Aqueles que não
podem amar estão sempre inseguros na vida. Eles perdem suas vidas só por fazê-las seguras – e
ela nunca é segura. Ela não pode ser. A segurança é a qualidade da morte. A vida é insegura, e o
amor não tem medo disso. O amor não tem medo da vida, da insegurança, porque ele é muito
enraizado. Se você não estiver enraizado e sentir um ciclone chegando, você ficará com medo.
Mas se você estiver enraizado, você saudará o ciclone, ele se tornará uma aventura. Se você
estiver enraizado, a passagem do ciclone se tornará um desafio. Você será sacudido por ele até as
próprias raízes; cada fibra se tornará viva. Então, quando o ciclone se for, você não pensará que
foi ruim, uma desgraça. Você dirá que foi uma felicidade, uma bênção, porque toda a parte morta
foi jogada fora pelo ciclone. Tudo que já estava morto foi embora com ele e tudo que estava vivo
se tornou mais vivo.
Olhe para as árvores depois de o ciclone ter ido. Elas estão vibrando com a vida, pulsando
com a vida, radiantes, vitais; a energia preenchendo-as. Porque o ciclone deu-lhes uma
oportunidade para sentirem suas raízes, para sentirem seu enraizamento. Foi uma oportunidade
para sentirem a si mesmas. Assim, quem está enraizado no amor, jamais tem medo de nada. Seja
o que for que venha é belo, uma mudança... – insegurança. O que quer que aconteça é belo.
Mas o amor nunca se torna um casamento. Quando eu digo que “ele nunca se torna um
casamento”, eu não quero dizer que os amantes não devam se casar, mas que o casamento não
pode se tornar um substituto para o amor. Ele deve ser apenas uma roupa externa, ele não deve se
tornar o substituto. E ele nunca se tornará um casamento, por que os amantes nunca têm um ao
outro como algo garantido.
O que eu quero dizer é que ele é profundamente psicológico – os amantes nunca se tomam
um ao outro como algo garantido. Uma vez que você começa a tomar o outro como algo
garantido, o outro se torna uma coisa. Agora, ele não é mais uma pessoa. Então, o casamento
reduz os parceiros a coisas, uma esposa é uma coisa... – previsível, muito previsível.
Eu me hospedei em casas de muitas famílias por todo o país, e eu vim a conhecer muitas
esposas e muitos maridos. Eles não são pessoas absolutamente. São previsíveis. Se o marido
afirma uma frase, pode-se até dizer o que a esposa dirá. É previsível como a esposa reagirá. E se
a esposa disser alguma coisa mecanicamente, o marido responderá a isso mecanicamente. Isso é
certo. Eles vivem representando o mesmo papel repetidamente. A vida deles é como um disco de
gramofone quando algo sai errado: a agulha vai repetindo a mesma coisa. É tão previsível como
isto. Você pode dizer o que vai acontecer sempre e novamente – o marido e a esposa estão
emperrados em algum lugar, viraram discos fonográficos. Então, eles vão se repetindo. Essa
repetição cria o tédio.
Uma vez estive hospedado na casa de uma família. O marido me disse: “Eu tenho medo de
ficar sozinho com a minha mulher. Só quando outra pessoa está presente, ficamos felizes. Não
podemos nem mesmo sair de férias sem levar alguém conosco, alguém que traga algo novo.
Caso contrário, sabemos o que vai acontecer. É tão previsível, que nada vale a pena. Já sabemos
de antemão como vai ser”.
É exatamente como se você estivesse lendo o mesmo livro, nova e novamente,
repetidamente... Os amantes não são previsíveis. Essa é a insegurança. Você não sabe o que vai
acontecer – e essa é a beleza. Você pode permanecer vigoroso e jovem e alegre. Mas nós
queremos transformar o outro numa coisa, porque uma coisa pode ser manipulada facilmente. E
você não precisa ter medo de uma coisa. Você conhece seu paradeiro, seu comportamento. Você
pode planejar de antemão o que fazer e o que não fazer. Por “casamento” eu quero dizer “um
trato”, no qual duas pessoas abaixam-se ao nível das coisas. O amor não é um trato: ele é um
momento para se defrontar, vivo. Cheio de perigo, é claro, mas a vida é assim. O casamento é
seguro, não há perigo; o amor é arriscado. Nunca sabemos o que vai acontecer, o momento
seguinte é desconhecido, permanece desconhecido.
Assim, o amor significa entrar a cada momento no desconhecido – eis o que Jesus quer dizer
por “Deus é amor”. Deus é tão desconhecido quanto o amor. E se você não estiver pronto para
estar vivo e amando e inseguro, você não pode ir em direção a Deus, porque esta é uma
insegurança maior, uma incógnita maior. Assim, o amor o prepara para a oração. Se você puder
amar, e permanecer com uma pessoa desconhecida sem reduzi-la a uma coisa, sem se tornar
previsível, encarando cada momento, então, você está preparado para orar. A oração não é nada
mais do que amor – amor por toda a existência. Você está vivendo com a existência como você
esta vivendo com seu amante: você não sabe qual será o tom, quais serão as nuances, você não
sabe o que está vindo. Nada é conhecido. Você vai descobrindo – é uma jornada sem-fim.

A terceira pergunta:

Pode uma pessoa que não seja iluminada, viver numa total insegurança sem ficar
ansiosa, deprimida e miserável?

Total insegurança e a capacidade de vivê-la são sinônimos de iluminação. Assim, a pessoa


que não é iluminada não pode viver em total insegurança, e aquele que não pode viver em total
insegurança, não pode se tornar iluminado. Não são duas coisas distintas, são apenas dois modos
de se dizer a mesma coisa. Assim, não espere se tornar iluminado para viver na insegurança, não!
Porque então você nunca se tornará iluminado.
Comece a viver na insegurança – esse é o caminho em direção à iluminação. E não pense
sobre insegurança total. Comece de onde você está. Assim como você está, você não pode ser
total em nada, mas a pessoa tem de dar a partida. No começo, isso criará ansiedade, no começo,
você se sentirá atormentado – mas somente no começo. Se você puder passar do começo, se você
puder tolerar o começo, o tormento desaparecerá, a ansiedade desaparecerá.
O mecanismo tem de ser compreendido. Por que você sente ansiedade quando você se sente
inseguro? Não é devido à insegurança, mas devido à necessidade de segurança. Quando você se
sente inseguro, você fica ansioso, a ansiedade surge. Ela não está surgindo por causa da
insegurança, ela está surgindo devido à necessidade que você tem de tornar a vida uma coisa
segura. Se você começar a viver inseguramente e a não demandar segurança, a ansiedade
desaparecerá no momento em que a demanda acabar. É a necessidade de segurança que cria a
ansiedade.
A insegurança faz parte da própria natureza da vida. Para um Buda, é um mundo inseguro;
para um Jesus, também é inseguro. Mas eles não ficam ansiosos porque eles aceitaram o fato.
Eles se tornaram maduros o bastante para aceitar uma realidade.
Esta é a minha definição de maturidade e imaturidade. Eu chamo de imaturo aquele que
permanece lutando contra a realidade, por ficções e sonhos. Este homem é imaturo. A
maturidade significa chegar a termos com a realidade, jogando fora os sonhos, e aceitando a
realidade como ela é. Buda é maduro. Ele aceita. É assim. Por exemplo: embora haja morte, uma
pessoa imatura continua pensando que todos talvez morram, mas ela não vai morrer. Uma pessoa
imatura continua pensando que, até ela morrer, algo vai ser descoberto, algum elixir médico, que
significa que ela não vai morrer. Uma pessoa imatura continua pensando que morrer não é uma
regra. É claro, muitos morreram, mas em tudo há exceções, e ela continua pensando que é uma
exceção.
Sempre que alguém morre, você se solidariza; você sente: “Coitado, ele morreu”. Mas nunca
vem à sua mente que a morte dele é também sua morte. Não, você passa batido. Você não toca
em assuntos tão delicados. Você continua pensando que uma coisa ou outra o salvará – algum
mantra, algum guru fazedor de milagre. Algo acontecerá e você será salvo. Você está vivendo
nas histórias, histórias infantis.
Uma pessoa madura é aquela que olha para o fato e aceita que a vida e a morte estão unidas.
A morte não é o fim, ela é o ápice da vida. Ela não é algo como um acidente que acontece à vida,
é algo que cresce no próprio coração da vida. Ela cresce e chega ao ápice. Assim, o fato é aceito
e, então, não há nenhum medo da morte. A pessoa aceita que a segurança não é possível. Você
pode criar uma fachada, você pode ter uma boa conta bancária, você pode doar muito dinheiro
para ter alguma segurança para entrar no céu – você pode fazer tudo, mas lá no fundo você sabe
que nada é realmente seguro. O banco pode lográ-lo, e ninguém sabe se o padre não é um logro,
o maior logro. Ninguém sabe. Eles escrevem cartas...
Na Índia, há uma seita muçulmana, cujo sacerdote superior escreve cartas a Deus. Você doa
um quantitativo em dinheiro e ele escreve uma carta. A carta vai junto com você na sua tumba,
na sua cova. Ela é colocada lá, com você. O dinheiro vai para o sacerdote, a carta vai com você.
Mas nada é seguro.
Uma pessoa madura entra em acordo com a realidade, ela a aceita como ela é. Ela não exige,
não é uma pessoa que demanda. Ela não diz: “Tem de ser assim”. Ela olha para o fato e diz:
“Sim, é assim”. Este acordo com a realidade torna impossível você ser infeliz – porque a
infelicidade vem quando você demanda. Realmente, a infelicidade não é nada mais do que uma
indicação de que você está se movendo contra a realidade. E a realidade não pode ser mudada
por você, você terá de ser mudado pela realidade. Você terá de chegar a termos com ela. Você
terá de se render.
Isto é o que significa entrega: você tem de ceder. A realidade não pode se render, a realidade
é como é. A menos que você se renda, você sofrerá. A infelicidade é criada por você, porque
você continua brigando. É exatamente como se a corrente de um rio estivesse fluindo em direção
ao mar e você estivesse tentando nadar corrente acima. Você sente que o rio está contra você.
O rio nem sequer ouviu falar de você. Ele absolutamente não o conhece. O rio está
simplesmente fluindo para o mar. É da natureza do rio fluir para o mar, mover-se para o mar e
cair dentro dele. Você está tentando se mover contra a corrente.
E talvez haja alguns tolos sentados ou parados na margem, que continuam inspirando-o:
“Você está indo bem. Não se preocupe, porque mais cedo ou mais tarde o rio terá de ceder. Você
está indo ótimo, continue fazendo isso! Os que são grandes têm de vencer o rio”. Sempre há
gente tola que continua lhe dando inspiração, mais entusiasmo. Mas nenhum Alexandre, nenhum
Napoleão, nenhum homem grande, nenhum deles jamais foi capaz de ir contra a corrente. Mais
cedo ou mais tarde a corrente toma conta. Mas, quando você está morto, você não pode desfrutar
a bênção que era possível enquanto você estava vivo: a felicidade da entrega, da aceitação, de
tornar-se tão um com o rio, que não há nenhum conflito.
Mas aqueles tolos que estão na margem, dirão: “Você se rendeu! Você foi derrotado, você
fracassou!”. Não os ouça, simplesmente desfrute a liberdade interna que vem com a rendição.
Não lhes dê ouvidos.
Quando Buda parou de tentar nadar contra a corrente, todos aqueles que o conheciam
disseram: “Você é um escapista. Você é um fracasso. Você aceitou a derrota”.
Não ouça o que os outros dizem. Sinta o sentimento interno. Sinta o que está acontecendo a
você. Se você se sente bem fluindo com a corrente, este é o caminho.
Este é o tao para você. Não ouça ninguém, apenas ouça ao seu próprio coração. A maturidade
aceita seja o que for que esteja presente.
Ouvi contar uma anedota. Uma pergunta foi feita a um muçulmano, a um cristão e a um
judeu. A pergunta era a mesma. Alguém perguntara aos três: “O que você fará se uma onda
gigantesca empurrar o oceano para dentro da terra e você estiver se afogando nela?”. O cristão
disse:
“Eu farei o sinal da cruz no meu coração, e rezarei a Deus para me permitir entrar no céu,
para abrir as portas para mim”. O muçulmano disse:
“Eu chamarei o nome de Alá, e direi que este é o kismat, este é o fado – e me afogarei”. O
judeu disse:
“Eu agradecerei a Deus e aceitarei sua vontade e aprenderei a viver debaixo d’água”.
Isto tem de ser feito. A pessoa tem de aceitar a vontade da existência, a vontade do universo,
e aprender a viver nela. Essa é toda a arte. Uma pessoa madura aceita o que for que esteja aqui;
não exige nada, não fala de nenhum céu.
O cristão estava fazendo uma coisa, estava pedindo, estava dizendo: “Abra as portas do céu”.
Mas ele também não era um pessimista que simplesmente aceita e é afogado. O muçulmano fez
isso. O judeu aceitou, deu as boas-vindas e disse: “Esta é a vontade, agora eu devo aprender a
viver debaixo d’água. Esta é a vontade de Deus”.
Aceitar a realidade como ela é, aprender como viver nela com um coração entregue, com um
ego que se rendeu.

Quarta e última pergunta:

Você disse ontem que a vida existe com a morte. Então, por favor, explique qual é a
necessidade da transcendência.

Esta é a necessidade. Há a necessidade. A vida existe com a morte... Se você puder


compreender isto, você transcendeu.
Você aceita a vida, você não aceita a morte. Ou aceita? Você aceita a vida, mas você rejeita a
morte e, devido a isso, você está sempre preocupado. Você está preocupado porque a morte faz
parte da vida. Quando você aceita a vida, a morte vai estar presente, mas você rejeita a morte.
Quando você rejeita a morte, você rejeitou a vida também, porque elas não são duas. Então, você
estará em dificuldade. Ou aceite tudo, ou rejeite tudo. Isso é transcendência.
E há dois meios de se transcender. Ou se aceita as duas, a vida e a morte juntas, ou se rejeita
as duas, a vida e a morte juntas – então, você transcende. Esses são os dois modos, o negativo e o
positivo. O negativo diz “rejeite as duas”. O positivo diz “aceite as duas”. Mas a ênfase é de que
ambas devem estar presentes, quer aceitas ou rejeitadas. Quando as duas estão presentes, elas se
negam mutuamente, exatamente como menos e mais. Elas negam uma à outra e, quando elas não
existem, você transcendeu. Você é ou apegado à vida ou apegado – às vezes – à morte, mas você
nunca aceita ambas juntas. Eu tenho encontrado muitas pessoas que são tão desalentadas com a
vida, que começam a pensar em cometer suicídio. Primeiro elas são apegadas à vida; depois a
vida frustra – não que a vida frustre, o apego frustra, mas elas pensam que a vida é frustrante.
Então, elas começam a se apegar à morte. Agora elas pensam em como destruir a si mesmas,
como cometer suicídio, como morrer. Mas o apego está presente. Anteriormente, era à vida,
agora é com a morte. Assim, uma pessoa que é apegada à vida e uma pessoa que é apegada à
morte não são diferentes. O apego existe e esse apego é o problema. Aceite ambas.
Pense bem. O que acontecerá se você aceitar as duas, a vida e a morte? Imediatamente um
silêncio chegará à mente, porque elas se negam mutuamente. A vida e a morte desaparecem
quando você as aceita – então, você transcendeu, foi além. Ou rejeite as duas – é a mesma coisa.
Transcendência significa ir além da dualidade.
Apego significa permanecer com a dualidade, apego a um contra o outro. Quando você aceita
os dois ou rejeita os dois, o apego cai. Seu nó é desfeito. De repente, você flui numa terceira
dimensão do ser, onde nem a vida nem a morte existem. Isso é o nirvana, isso é moksha – onde
as dualidades não existem mais, mas a unidade sim, a realidade do ser. E a menos que você
transcenda, você estará sempre na miséria.
Você pode mudar seu apego disso para daquilo, mas você permanecerá no tormento. O apego
cria o tormento. A rejeição também cria o tormento.
Seja o que for que você escolha, tanto faz. Você pode escolher um caminho positivo, como
Krishna. Ele diz: “Aceite. Aceite ambas”. Ou você pode escolher um caminho como Buda, que
diz: “Rejeite ambas”. Mas faça algo com ambas ao mesmo tempo; então, a transcendência se
segue imediatamente. Mesmo se você pensar em ambas haverá transcendência. E se você puder
fazer isso na vida real, um novo ser nascerá. Esse ser não pertence à terra da dualidade, esse ser
pertence a um reino desconhecido – o reino do nirvana.
Capítulo 73

O MEDO DA TRANSFORMAÇÃO

OS SUTRAS

100. A apreciação dos objetos e das pessoas é a mesma tanto para o iluminado quanto para
uma pessoa não-iluminada. O primeiro tem uma grandeza: ele permanece no estado subjetivo,
não perdido nas coisas.
101. Acredite-se onisciente, onipotente, onipresente.

Muitas pessoas parecem estar interessadas em meditação, mas esse interesse não pode ser
muito profundo, porque pouquíssimos são transformados através dela. Se o interesse for
realmente profundo, ele se torna um fogo por si mesmo. Através do intenso interesse você
começa a se tornar diferente. Surge um novo centro de ser. Assim, muitas pessoas parecem estar
interessadas, mas nada de novo surge nelas, não nasce nenhum centro novo, nenhuma
cristalização nova é alcançada. Elas permanecem as mesmas.
Isso quer dizer que elas estão se enganando. O engano é muito sutil, mas fatalmente existe. Se
você continua falando em remédios, fazendo tratamento e a doença permanece a mesma – bem
ao contrário, ela vai crescendo – então, seu remédio, seu tratamento fatalmente é falso. Talvez lá
no fundo você não queira ser transformado. Esse medo é muito real – o medo da transformação.
Então, na superfície, você continua pensando que você está profundamente interessado, mas lá
no fundo você continua se enganando.
O medo da transformação é exatamente como o medo da morte. Ela é uma morte, porque o
velho terá de ir embora e o novo nascerá. Você não mais estará ali, algo totalmente desconhecido
de você nascerá de você. A menos que você esteja pronto para morrer, seu interesse em
meditação é falso, porque somente aqueles que estão prontos para morrer renascerão. O novo não
pode se tornar uma continuidade com o velho. O velho deve ser descontinuado. O velho tem de
ir embora. Somente então, o novo pode surgir. O novo não é um produto do velho, o novo não é
contínuo a ele: o novo é totalmente novo. E ele chega somente quando o velho morre. Há um
corte entre o velho e o novo – esse corte lhe dá medo. Você tem medo. Você quer ser
transformado, mas ao mesmo tempo, você quer permanecer o velho. Aí está o engano. Você quer
crescer, mas você quer permanecer você. Então o crescimento é impossível; então, você pode
somente se enganar; então, você continua pensando e sonhando que algo está acontecendo, mas
nada acontecerá porque o ponto básico foi perdido.
Assim, há muitas pessoas por todo o mundo que estão muito interessadas em meditação,
moksha, nirvana, e nada está acontecendo. Há muito barulho sobre isso, mas nada real está
acontecendo. Qual é a questão?
Às vezes a mente é tão esperta, que, como você não quer ser transformado, cria um interesse
superficial, de modo que você possa dizer para si mesmo: “Você está interessado, você está
fazendo tudo o que pode ser feito”. E você permanece o mesmo.
E se nada acontece, você pensa que a técnica que você está usando, está errada; que o guru
que você está seguindo, está errado; que a escritura, o princípio, o método, seja o que for está
errado.
Você nunca pensa que mesmo com um método errado a transformação é possível se o
interesse real existir: mesmo com o método errado você será transformado.
Se você estiver realmente interessado na transformação, você se tornará diferente mesmo
seguindo um guru errado. Se sua alma e seu coração estão no seu esforço, ninguém pode
desencaminhá-lo, exceto você mesmo.
E nada é uma barreira para seu progresso, exceto suas próprias fraudes.
Quando eu digo que mesmo um mestre errado, um método errado, um princípio errado
podem conduzi-lo ao real, eu quero dizer que a verdadeira transformação acontece quando você
está intensamente envolvido nela, não através de algum método.
O método é apenas um artifício, o método é apenas uma ajuda: o método é secundário – você
estar envolvido naquilo é a coisa fundamental. Mas você continua fazendo uma coisa – nem
mesmo fazendo, você continua falando sobre fazer. E as palavras criam uma ilusão: como você
pensa tanto nisso, lê tanto sobre isso, você começa a sentir que está fazendo alguma coisa. As
pessoas supostamente religiosas têm desenvolvido muitos artifícios enganosos.
Eu ouvi contar que um motorista, dirigindo por uma estrada, viu o prédio de uma pequena
escola de uma aldeia pegando em fogo. O professor daquela escola era Mulla Nasruddin, que
estava sentado debaixo de uma árvore. O motorista chamou-o: “O que você está fazendo aí? A
escola está pegando fogo!”. Mulla Nasruddin disse: “Eu sei disso”. O motorista estava muito
nervoso. Ele disse: “Então por que não está fazendo alguma coisa?”. Mulla Nasruddin
respondeu: “Desde que o incêndio começou, estou rezando para chover. Eu estou fazendo algo”.
A oração é um truque para evitar a meditação e a mente supostamente religiosa desenvolveu
muitos tipos de oração. A oração também pode se tornar uma meditação – quando ela não é
somente oração, quando é um esforço profundo, um envolvimento profundo. A oração pode
também se tornar meditação, mas comumente a oração é apenas um escape. Para evitar a
meditação, as pessoas continuam orando. Para evitar fazer qualquer coisa, elas oram. A oração
significa que Deus tem de fazer algo. Outra pessoa tem de fazer. Oração significa que estamos
passivos – alguma coisa tem de ser feita para nós. Meditação não é oração nesse sentido:
meditação é algo que você faz por si mesmo. E quando você é transformado, todo o universo se
comporta de outra maneira com você, porque o universo não é nada mais do que uma resposta
para você, seja você quem for. Se você está silencioso, todo o universo responde ao seu silêncio
em milhares e milhares de modos. Ele o reflete. Seu silêncio é infinitamente multiplicado. Se
você está feliz, todo o universo reflete sua felicidade. Se você está infeliz, o mesmo acontece. A
matemática permanece a mesma, a lei permanece a mesma: o universo continua multiplicando
sua infelicidade. Rezar não adianta. Somente a meditação pode ajudar, porque a meditação é algo
para ser feito autenticamente por você, ela é algo que você faz.
Então, a primeira coisa que eu gostaria de dizer a vocês é esta: esteja constantemente alerta de
que você não está se enganando. Você pode estar fazendo algo e ainda assim enganando a si
mesmo.
Eu ouvi dizer que Mulla Nasruddin certa vez entrou correndo numa agência dos Correios,
segurou o carteiro pela lapela e começou a sacudi-lo dizendo: “Eu estou louco! Minha esposa
desapareceu!”. O carteiro ficou com pena e disse: “É mesmo?! Ela desapareceu? Infelizmente
aqui é só uma agência postal. O senhor tem de ir até a polícia para relatar este desaparecimento”.
Mulla Nasruddin balançou a cabeça negativamente e disse: “Eu não vou ser apanhado outra vez.
Da outra vez, minha esposa também desapareceu e quando eu fui reportar na delegacia de
polícia, eles a encontraram. Eu não vou ser apanhado novamente. Se você puder ir lá reportar,
faça isso; se não eu terei que ir.”
Ele quis contar para se sentir bem, para sentir que ele tinha feito tudo que podia ser feito. Mas
ele não queria ir à delegacia, porque ele tinha medo.
Você vai fazendo coisas só para se sentir bem, só para sentir que você está fazendo algo. Mas
na realidade você não está pronto para ser transformado. Então, tudo o que você faz passa a ser
apenas atividade inútil – não somente inútil: nociva também, porque é um desperdício de tempo,
de energia e de oportunidade. Essas técnicas de Shiva são somente para aqueles que estão
prontos para fazer. Você pode ponderar sobre elas filosoficamente – isso não significa nada. Mas
se você estiver realmente preparado para fazer, então, algo começará a lhe acontecer. Elas são
métodos vivos, não doutrinas mortas. Seu intelecto não é necessário; sua totalidade de ser é
exigida. E qualquer método serve. Se você estiver pronto para dar a ele uma chance, qualquer
método serve. Você se tornará um novo homem.
Métodos são artifícios, repetirei mais uma vez. Se você está pronto, então qualquer método
pode servir. Eles são apenas truques para ajudá-lo a dar o salto, eles são apenas como trampolins.
De qualquer trampolim você pode pular no oceano. O trampolim é insignificante: a cor que tem,
de que madeira é feito, tudo isso é irrelevante. Eles são simplesmente trampolins e você pode dar
um salto deles. Todos esses métodos são trampolins. Seja qual for o método que lhe agrade, não
continue pensando nele, faça-o!
Surgirão dificuldades quando você começar a fazer algo – se você não fizer nada, não haverá
dificuldade. Pensar é muito fácil, porque você não está realmente viajando, mas quando você
começa a fazer algo, as dificuldades surgem. Assim, se você vir que as dificuldades estão
surgindo, pode saber que você está na trilha certa – algo está acontecendo a você. Então, velhas
barreiras se quebrarão, velhos hábitos sumirão, haverá mudança, haverá perturbação e caos. Toda
criatividade sai do caos. Você será criado de novo somente se tudo isso que você é se tornar
caótico. Então esses métodos o destruirão primeiro, somente então, um novo ser será criado. Se
houver dificuldades, sinta-se afortunado – isso mostra crescimento. Nenhum crescimento é
suave... e o crescimento espiritual não pode ser suave, essa não é a natureza dele. Porque
“crescimento espiritual” significa crescer para cima, “crescimento espiritual” significa entrar no
desconhecido, entrar no não-cartografado. Dificuldades existirão. Mas lembre-se de que junto a
cada dificuldade que passe, você se cristaliza. Você se torna mais sólido. Você se torna mais real.
Pela primeira vez, você sentirá algo centrando dentro de você, algo se tornando sólido.
Como você está agora, você é apenas um fenômeno líquido, mudando a cada momento, nada
estável. Realmente você não pode proclamar nenhuma “eu” – você não tem um. Você é muitos
“eus” em um fluxo, como num fluxo de um rio. Você é uma multidão, não um indivíduo ainda.
Mas a meditação pode fazer de você um indivíduo.
Esta palavra, ‘indivíduo’, é bela: ela significa indivisível. Agora mesmo como você ainda
está, você é dividido. Você é apenas muitos fragmentos reunidos de algum modo, sem existir
nenhum centro, sem nenhum mestre na casa, somente criados. E por um momento, qualquer
criado pode tornar-se o mestre.
A cada momento você está diferente, porque você não é – e a menos que você seja, o Divino
não pode lhe acontecer. A quem ele pode acontecer? Você não está presente.
As pessoas vêm a mim e dizem: “Nós gostaríamos de ver Deus”. Eu lhes pergunto: “Quem
verá? Você não está presente. Deus está sempre presente, mas você não está presente para ver.
Isso é apenas um pensamento passando, que você quer ver Deus”.
No momento seguinte, elas não estão interessadas; no momento seguinte, elas já se
esqueceram tudo sobre isso. Um esforço intenso, persistente, e um anseio profundo são
necessários. Então, qualquer método servirá.
Agora podemos entrar no método.

100 Permaneça desatado

O primeiro método:

A apreciação dos objetos e das pessoas é a mesma tanto para o iluminado quanto para
uma pessoa não-iluminada. O primeiro tem uma grandeza: ele permanece no estado
subjetivo, não perdido nas coisas.

É um método muito belo. Você pode começá-lo como você está: nenhum outro pré-requisito
é necessário. O método é simples: você está cercado por pessoas, coisas e fenômenos – a todo
momento, algo está ao seu redor. As coisas existem, os eventos existem, as pessoas existem –
mas, devido a você não estar alerta, você não está presente. Tudo está presente, mas você está
dormindo a sono solto. As coisas se movem ao seu redor, as pessoas se movem ao seu redor, os
eventos se movem ao seu redor, mas você não está presente. Ou seja, está dormindo.
Assim, o que quer que aconteça ao seu redor se torna um mestre, se torna uma força acima de
você; você é arrastado por ela. Você não é somente impressionado, condicionado por ela, você é
arrastado por ela.
Qualquer coisa pode pegá-lo, e você a seguirá. Passa alguém – você olha, o rosto é belo – e
você é levado embora junto. O vestido é belo, a cor, o material é belo – você é levado embora. O
carro passa – você é levado embora. Seja o que for que aconteça à sua volta o captura. Você não
é poderoso. Tudo é mais poderoso que você. Qualquer coisa o muda. Seu humor, seu ser, sua
mente, dependem de outras coisas. Os objetos o influenciam.
Este sutra diz que as pessoas iluminadas e as pessoas não-iluminadas vivem no mesmo
mundo. Um buda e você, os dois vivem no mesmo mundo – o mundo permanece o mesmo. A
diferença não está no mundo, a diferença acontece no buda: ele anda de um jeito diferente. Ele
anda entre os mesmos objetos, mas ele anda de um modo diferente. Ele é seu próprio mestre. Sua
subjetividade permanece distante e intocada. Esse é o segredo. Nada pode impressioná-lo; nada
do lado de fora pode condicioná-lo; nada pode sobrepujá-lo. Ele permanece desapegado; ele
permanece ele mesmo. Se ele quiser ir a algum lugar, ele irá, mas ele permanecerá o mestre. Se
ele quiser perseguir uma sombra, ele a perseguirá, mas isso é sua decisão própria.
Esta distinção deve ser compreendida. Por ‘desapego’ eu não quero dizer uma pessoa que
renunciou ao mundo – então não haveria nenhum sentido e nenhum significado no desapego.
Uma pessoa desapegada é uma pessoa que está vivendo no mesmo mundo que você – a diferença
não está no mundo. Uma pessoa que renuncia o mundo está mudando a situação, não a si mesmo.
E você insistirá na mudança de situação se você não puder mudar a si mesmo. Essa é a indicação
de uma personalidade fraca.
Uma pessoa forte, alerta e perceptiva começará mudando a si mesma... – não a situação na
qual ela está. Porque, na verdade, a situação não pode ser mudada – mesmo que você possa
mudar a situação, haverá outras situações. A cada momento as situações vão mudando, e a cada
momento o problema se apresentará.
Esta é a diferença entre a atitude religiosa e a não-religiosa. A atitude não-religiosa é para
mudar a situação, o ambiente. Ela não acredita em você, ela acredita nas situações: quando a
situação estiver bem, você estará bem. Você é dependente da situação: se a situação não estiver
boa, você não estará bem. Assim, você não é uma entidade independente. Para os comunistas, os
marxistas, os socialistas, e todos aqueles que acreditam na mudança da situação, você não é
importante; realmente, você não existe. Somente a situação existe e você é apenas um espelho
que reflete a situação. A atitude religiosa diz que como você é você pode ser um espelho, mas
este não é seu destino – você pode se tornar algo mais, alguém que não é dependente.
Há três degraus de crescimento. No primeiro, a situação é o mestre, você é arrastado por ela.
Você acredita que você existe, mas você não existe. No segundo, você existe e a situação não
pode arrastá-lo, a situação não pode influenciá-lo, porque você se tornou uma vontade – você
está inteiro e cristalizado. No terceiro, você começa a influenciar a situação: só pelo seu estar
presente, a situação muda.
O primeiro estado é o do não-iluminado; o segundo estado é o da pessoa que está
constantemente consciente, mas ainda não-iluminada – ela tem de estar alerta, ela tem de fazer
algo para permanecer alerta. O estado de alerta não se tornou natural ainda; assim, ela tem de
lutar. Se ela perde a consciência ou a prontidão por um único momento, ela ficará sob a
influência das coisas. Assim, ela tem de erguer-se sobre seus pés constantemente. Ela é uma
buscadora, o sadhak, aquele que está praticando algo. O terceiro estado é aquele do siddha, o
iluminado. Ele não está tentando ficar alerta, ele simplesmente é alerta – não há nenhum esforço
nisso. A prontidão é exatamente como sua respiração: ela continua, ele não tem de mantê-la.
Quando a prontidão se torna um fenômeno como a respiração, natural, sahaj, espontânea, então,
este tipo de pessoa, este tipo de ser centrado, automaticamente influencia as situações. As
situações mudam ao seu redor – não que ele deseje que elas mudem, mas ele é poderoso.
O poder é a coisa a ser lembrada. Vocês estão sem poder, então, qualquer coisa pode
sobrepujá-los. E o poder vem através do estar alerta, do estar consciente: quanto mais alerta,
mais poderoso; quanto menos alerta, menos poderoso.
Olhe... Enquanto você dorme, até um sonho se torna poderoso, porque você está dormindo,
você perdeu toda a consciência. Mesmo um sonho é poderoso, e você é tão fraco que não pode
nem duvidar dele. Até num sonho absurdo você não pode ser cético, você terá de acreditar nele.
E enquanto ele dura, parece real. Você talvez veja apenas coisas absurdas num sonho, mas
enquanto você está sonhando, você não pode duvidar. Você não pode dizer “isto não é real”;
você não pode dizer “isto é impossível”. Você simplesmente não pode dizer isso, porque você
está dormindo mesmo. Quando a consciência não está presente, até um sonho o afeta. Quando
você acordar, você rirá e dirá: “Era um absurdo, impossível. Isso não pode acontecer. Este sonho
era ilusório”. Mas você não se deu conta de que enquanto o sonho estava presente, você estava
influenciado por ele, você estava totalmente dominado por ele. Por que um sonho era tão
poderoso? O sonho não era poderoso: você é que não tinha poder algum. Lembre-se disto:
quando você não tem poder, até mesmo um sonho se torna poderoso.
Enquanto você está acordado, um sonho não pode influenciá-lo, mas a realidade, a suposta
realidade ambiental, pode. Uma pessoa acordada, uma pessoa iluminada, se torna tão alerta, que
essa sua realidade também não pode influenciá-la. Se uma mulher passa, uma bela mulher, você
de repente é levado embora. O desejo surge, o desejo de possuir. Se você estiver alerta, a mulher
passará por você, mas o desejo não surgirá – você não foi influenciado, você não foi dominado.
Quando isto acontecer pela primeira vez – quando as coisas se movem ao seu redor e você não é
influenciado – você sentirá uma sutil alegria de ser. Pela primeira vez, realmente, você sente que
você existe; nada pode arrastá-lo para fora de você. Se você quiser ir atrás, isso é outra coisa. É
decisão sua. Mas não se engane. Você pode dizer: “Sim. A mulher não é poderosa, mas eu quis
segui-la, eu quis possuí-la”. Você pode se enganar. Muitas pessoas vivem se enganando. Mas é
inútil – você não está enganando ninguém, exceto a si mesmo. Basta olhar mais de perto: você
saberá que o desejo existe. O desejo vem primeiro e, então, você começa a racionalizá-lo.
Para uma pessoa iluminada, as coisas existem e ela existe, mas não há nenhuma ponte entre
ela e as coisas. A ponte foi quebrada. Ela segue sozinha. Ela vive só. Ela segue a si mesma. Nada
mais pode possuí-la. Devido a esta sensação, nós chamamos essa aquisição de moksha –
liberdade total, mukti. A pessoa está totalmente livre.
Por todo o mundo, o homem sempre está em busca da liberdade; você não pode encontrar um
homem que não esteja ansiando por liberdade do seu próprio jeito. Através de muitos caminhos,
o homem tenta encontrar um estado de ser onde ele seja livre, e ele se ressente de qualquer coisa
que lhe dê a sensação de limite. Ele odeia isso. Qualquer coisa que o impeça, que o faça
prisioneiro, ele luta contra. Ele luta contra aquilo. Por isso tantas lutas políticas, tantas guerras,
revoluções; por isso tantas brigas familiares – marido e mulher, pai e filho, todos brigam uns
com os outros. A briga é básica. A briga é por liberdade. O marido se sente confinado, a mulher
o aprisionou – agora sua liberdade foi cortada. E a mulher sente o mesmo. Ambos se ressentem
um do outro, ambos brigam, ambos tentam destruir o cativeiro. O pai briga com o filho porque
todo estágio de crescimento do filho significa mais liberdade para ele. E o pai sente que ele está
perdendo algo: poder, autoridade. Nas famílias, nas nações, nas civilizações, o homem está
correndo atrás de somente uma coisa – liberdade. Mas nada é alcançado através das lutas
políticas, das revoluções e das guerras. Nada é alcançado. Porque mesmo que você fique livre, é
superficialmente – lá no fundo, você permanece no cativeiro. Então, toda liberdade se mostra
uma desilusão.
O homem deseja tanto a riqueza, mas tanto quanto eu compreendo isso, não se trata de um
desejo de riqueza, é um desejo de liberdade. A riqueza lhe dá uma sensação de liberdade. Se
você é pobre, você está confinado, seus meios são limitados – você não pode fazer isto, você não
pode fazer aquilo. Você não tem dinheiro para fazer as coisas. Quanto mais dinheiro você tem,
mais você se sente livre – você pode fazer qualquer coisa de que goste. Mas quando você tem
todo o dinheiro e pode fazer tudo que deseja, imagina, sonha, de repente você sente que esta
liberdade é superficial, porque internamente seu ser sabe bem que você não tem poder e que
qualquer coisa pode atraí-lo. Você fica impressionado, influenciado, possuído pelas coisas e
pelas pessoas.
Este sutra diz que você tem de chegar a um estado de consciência onde nada o impressione,
onde você pode viver desapegado.
Como fazer isso? Durante todo o dia há sempre oportunidade de se fazer isso.
Eis por que digo que este método é bom para vocês fazerem. A qualquer momento, você pode
ficar ciente de que algo o está possuindo. Então, faça uma respiração profunda, inale
profundamente, exale profundamente, e olhe para a coisa. Enquanto você estiver exalando, olhe
para a coisa novamente, mas olhe só como uma testemunha, como um espectador.
Se você puder alcançar o estado de testemunha da mente, ainda que por um único momento,
de repente você sentirá que você está sozinho, que nada pode impressioná-lo – pelo menos
naquele momento, nada pode lhe criar desejo. Respire profundamente e exale o ar sempre que
você sentir que alguma coisa o está impressionando, influenciando-o, arrastando-o para fora de
você, tornando-se mais importante do que você mesmo.
E, nesse pequeno intervalo criado pela exalação, olhe para a coisa – uma bela face, um belo
corpo, um belo prédio, ou qualquer coisa. Se você sente que é difícil, se só por exalar você não
pode criar um intervalo, então, faça uma coisa mais: exale, e detenha a inalação por um único
momento.
A exalação jogou fora todo o ar. Pare, não inale. Então, olhe para a coisa. Quando você parou
de respirar, nada mais pode influenciá-lo. Nesse momento, você está desligado – a ponte está
quebrada. A respiração é a ponte. Tente fazer isso. Será apenas por um único momento que você
terá a sensação do testemunhar, mas isso lhe dará um sabor, isso lhe dará a sensação do que é o
testemunhar. Então, você pode prosseguir. Por todo o dia, sempre que algo o impressionar e
surgir um desejo, exale, pare no intervalo, e olhe para a coisa. A coisa estará ali, você estará ali,
mas não haverá nenhuma ponte. A respiração é a ponte. De repente você sentirá que você é
poderoso, que você é potente. E quanto mais potente você se sentir, mais você se tornará. Quanto
mais coisas caírem, mais cairá o poder delas sobre você, mais cristalizado você se sentirá. A
individualidade começou. Agora, você tem um centro ao qual se referir, e a qualquer momento,
você pode se mover para o centro e o mundo desaparece. A qualquer momento, você tem um
abrigo em seu próprio centro, e o mundo perde o poder.
Este sutra diz: A apreciação dos objetos e das pessoas é a mesma tanto para o iluminado
quanto para uma pessoa não-iluminada. O primeiro tem uma grandeza: ele permanece no
estado subjetivo, não perdido nas coisas.
Ele permanece no estado do subjetivo, ele permanece dentro de si mesmo, ele permanece
centrado na consciência.
Para se permanecer no estado subjetivo, tem-se de praticar. Quantas forem as oportunidades
que você tenha, tente isso. E a todo momento há uma oportunidade, a cada único momento há
uma oportunidade. Uma coisa ou outra o está impressionando, arrastando-o para fora, puxando-o
para fora, empurrando-o de dentro.
Estou me lembrando de uma velha história. Um grande rei, Bharthruhari, renunciou ao
mundo. Ele renunciou ao mundo porque já tinha vivido nele totalmente e percebera que tudo era
fútil. Isso não era uma doutrina para ele, era uma realidade vivida. Ele chegara à conclusão
através de sua própria vida. Ele era um homem de desejo forte, ele tinha sido indulgente na vida
tanto quanto possível; então, de repente, ele percebeu que aquilo era inútil, fútil. Assim sendo,
ele deixou o mundo, renunciou a ele e foi para a floresta.
Um dia ele estava meditando sob uma árvore. O sol estava surgindo. De repente, ele viu na
estrada – uma pequenina estrada que passava perto da árvore – um enorme diamante sobre o
chão. À media que o sol surgia, o diamante refletia intensamente seus raios. Nem mesmo
Bharthruhari tinha visto tamanho diamante antes. De repente, num momento de inconsciência,
surgiu o desejo de possuí-lo. O corpo permaneceu imóvel, mas a mente se moveu. O corpo
estava na postura de meditação, siddhasana, mas a meditação não mais estava ali. Somente o
corpo morto estava ali, a mente tinha se afastado – ela tinha ido para o diamante.
Antes que o rei pudesse se mover, dois homens montados em seus cavalos surgiram de
direções opostas e simultaneamente tomaram ciência do diamante sobre o chão. Ambos sacaram
suas espadas e cada um saiu clamando que tinha sido o primeiro a ver o diamante. Não havia
outro jeito de decidir; então, eles tiveram de lutar. Eles lutaram mataram um ao outro. Em
poucos momentos dois cadáveres estavam caídos bem perto do diamante. Bharthruhari riu,
fechou os olhos e entrou em meditação novamente.
O que aconteceu? Ele novamente percebeu a futilidade. E o que aconteceu aos dois homens?
O diamante tornou-se mais importante do que toda a vida deles. É isso o que a posse significa:
eles jogaram fora suas vidas apenas por uma pedra.
Quando existe o desejo, você não existe mais – o desejo pode levá-lo ao suicídio. Na verdade,
todo desejo está levando-o para o suicídio. Quando você está sob o poder do desejo, você não
está nos seus sentidos, você está simplesmente louco.
O desejo de possuir surgiu na mente de Bharthruhari também – num fragmento de um
momento o desejo surgiu. E ele talvez tivesse se movido para realizá-lo, mas antes que pudesse,
as outras duas pessoas chegaram e lutaram, e lá ficaram dois cadáveres estendidos na estrada,
com a pedra lá, no mesmo lugar. Bharthruhari riu, fechou os olhos e entrou em meditação
novamente. Por um único momento, sua subjetividade foi perdida. Uma pedra, um diamante, o
objeto, tornou-se mais poderoso. Mas, novamente, a subjetividade foi recuperada. Sem o
diamante, o mundo todo desapareceu, e ele fechou os olhos.
Durante séculos os meditadores têm fechado seus olhos. Por quê? É apenas simbólico de que
o mundo desapareceu, de que não há nada para se olhar, de que nada do mundo vale alguma
coisa, nem mesmo para se olhar.
Você terá de se lembrar continuamente de que sempre que surge o desejo, você sai da sua
subjetividade. Este é o mundo, este movimento. Recobre-se, volte, fique centrado novamente!
Você será capaz de fazer isso, a capacidade existe em cada pessoa. Ninguém jamais perde o
potencial interior, ele está sempre aí. Você pode se deslocar. Se você pode se deslocar para fora,
você pode se deslocar para dentro. Se eu posso sair de minha casa, por que eu não posso voltar
para dentro dela? É a mesma rota que tem de ser usada; são as mesmas pernas a serem usadas. Se
eu posso sair, eu posso entrar. A todo momento, você está saindo; mas sempre que sair, lembre-
se e, de repente, retorne. Fique centrado. Se você sentir dificuldade no começo, então, respire
fundo, exale, e pare. Nesse momento, olhe para a coisa que o está atraindo. Na verdade, nada o
estava atraindo, você estava atraído. Aquele diamante jogado ali na estrada, na floresta isolada,
não estava atraindo ninguém, ele estava simplesmente ali sendo ele mesmo. O diamante não
sabia que Bharthruhari tinha sido atraído, que alguém tinha saído de sua meditação, da sua
subjetividade, e voltado para dentro do mundo. O diamante não estava ciente de que duas
pessoas haviam lutado por ele e que perderam suas vidas.
Assim, nada o atrai – você é que fica atraído. Fique alerta e a ponte será quebrada e você
recuperará o equilíbrio interno. Continue fazendo isso cada vez mais e mais.
Quanto mais você fizer, melhor. E chegará um momento em que você não precisará mais
fazer isso, porque o poder interno lhe dará tamanha força, que a atração das coisas será perdida.
É a sua fraqueza que é atraída. Seja mais poderoso e nada mais o atrairá. Somente então, pela
primeira vez, você é o mestre do seu próprio ser.
Isso lhe dará uma liberdade verdadeira.
Nenhuma liberdade política, nenhuma liberdade econômica, pode ser de muita ajuda. Não que
elas não sejam desejáveis, elas são boas, boas em si mesmas, mas elas não lhe darão as coisas
pelas quais o âmago profundo do seu ser está ansiando – a liberdade das coisas, dos objetos, a
liberdade de ser si mesmo sem nenhuma possibilidade de ser possuído por nada ou por alguém.
101 Acredite que você é todo-poderoso

A segunda técnica é parecida de certo modo, mas ela é de uma dimensão diferente.

Acredite-se onisciente, onipotente, onipresente.

Esta também está baseada no poder interno, na força interna. Ela é bem do mesmo teor. Creia
que você é onisciente, sabedor de tudo; creia que você é onipotente, todo-poderoso; creia que
você é onipresente, permeando tudo... Como você pode acreditar nisso? É impossível. Você sabe
que você não é sabedor de tudo, você é ignorante. Você sabe que você não é todo-poderoso, você
é absolutamente sem poder, desamparado. Você sabe que você não é onipresente, você está
confinado num pequeno corpo. Assim, como você pode acreditar nisso? E se você acreditar
nisso, sabendo bem que este não é o caso, a crença será inútil. Você não pode acreditar contra si
mesmo. Você pode forçar uma crença, mas ela será inútil, insignificante. Você sabe aquilo não é
o caso. Uma crença se torna inútil somente quando você sabe que ela é o caso.
Isto tem de ser compreendido. Uma crença se torna poderosa se você sabe que aquilo é o
caso. Verdadeira ou não-verdadeira não é o que importa. Se você sabe que aquilo é o caso, uma
crença se torna verdade. Se você sabe aquilo não é o caso, então, nem uma verdade pode se
tornar uma crença. Por quê? Muitas coisas têm de ser compreendidas.
Em primeiro lugar, seja o que for que você seja, é sua crença: você acredita desse jeito, você
cresceu desse jeito; você foi condicionado desse jeito, então, você acredita desse jeito. E sua
crença o influencia. Ela se torna um círculo vicioso. Por exemplo, há raças onde o homem é
menos poderoso do que a mulher, porque aquelas raças acreditam que a mulher é mais forte,
mais poderosa do que o homem. A crença deles tornou-se um fato. Naquelas raças, o homem é
mais fraco e a mulher é mais forte. A mulher faz todo o trabalho que comumente, em outros
países, os homens fariam, e os homens fazem o trabalho que em outros países as mulheres
fariam. Não somente isso: seus corpos são fracos, sua estrutura é fraca. Eles acreditavam que é
assim mesmo. A crença cria o fenômeno. A crença é criativa.
Por que isso acontece? Porque a mente é mais poderosa do que a matéria. Se a mente
realmente acredita em algo, a matéria tem de seguir. A matéria não pode fazer nada contra a
mente, porque a matéria é morta. Até impossibilidades acontecem. Jesus diz: “A fé pode mover
montanhas”. A fé pode mover montanhas. Se ela não pode, significa somente que você não tem
fé – não que a fé não possa mover montanhas. Sua fé não pode movê-las porque você não tem fé.
Agora já há muitas pesquisas acontecendo sobre este fenômeno da crença, e a ciência está
chegando a muitas conclusões inacreditáveis. A religião sempre acreditou nelas, mas a ciência
está finalmente chegando às mesmas conclusões. Ela tem que chegar, porque muitos fenômenos
estão sendo investigados pela primeira vez. Por exemplo, você pode ter ouvido falar sobre os
remédios placebos. Há centenas e centenas de ‘patias’ no mundo – alopatia, ayurvedic, unani,
homeopatia, naturopatia – centenas, e todas elas proclamam que podem curar. E curam mesmo.
A alegação delas não é falsa. E esta é a coisa rara: seus diagnósticos são diferentes, seus
tratamentos são diferentes. Há uma doença e há cento e um diagnósticos, e cento e um
tratamentos, e todos eles ajudam. Assim, fatalmente surge a questão se é realmente o tratamento
que ajuda ou crença do paciente. Isto é possível.
De muitos modos, em muitos países, em muitas universidades, em muitos hospitais, eles estão
trabalhando com isso. Simplesmente água ou algo não medicinal é dado, mas o paciente acredita
que é um remédio que lhe foi dado. E não somente o paciente, o médico também acredita nisso,
porque ele também não está ciente. Se o médico estiver ciente se é remédio ou não, isso terá um
efeito, porque o médico dá uma crença ao paciente muito mais que um remédio. Assim, quando
você paga mais e tem um médico melhor, você melhora mais cedo. É uma questão de crença. Se
o médico lhe dá um remédio baratinho, você sabe muito bem que nada vai acontecer. Como pode
um paciente com tamanha doença, um fenômeno tão grande, ser curado por um remédio que não
custa nada? Impossível! A crença não pode ser criada. Todo médico tem de criar ao seu redor
uma aura de crença. Isso ajuda. Assim, se o médico sabe que aquilo é apenas água que ele está
dando, ele não lhe dará crença com fé. Seu rosto mostrará, suas mãos mostrarão, toda a sua
atitude e comportamento mostrarão que ele está dando apenas água, e o inconsciente do paciente
será afetado. O médico tem de acreditar. Quanto mais ele acredita, melhor, porque sua crença é
infecciosa. O paciente olha para o médico. Se o médico se sente confiante – “Não se preocupe,
este é um tratamento novo, um remédio novo, e ele vai ajudá-lo. É cem por cento certo. Não há
dúvida quanto a isso”. –, se toda a personalidade do médico der a impressão de que há cem por
cento de esperança, então, já, mesmo antes de tomar o remédio, o paciente está curado. A cura já
começou.
Agora eles dizem que seja o que for que se use, trinta por cento dos pacientes serão curados
quase que imediatamente. Seja o que for usado – alopatia, naturopatia, homeopatia, ou qualquer
das ‘-patias’ –, trinta por cento dos pacientes serão curados imediatamente.
Os trinta por cento são crentes. Eis a razão. Se eu olhar para vocês, para dentro de vocês,
trinta por cento são potentes, são aqueles que podem ser transformados imediatamente. Uma vez
que adquiram a crença, imediatamente a coisa começa a funcionar.
Um terço da humanidade pode ser imediatamente transformado, mudado, para novas ordens
do ser sem nenhuma dificuldade. A questão é somente de como criar a crença dentro desse terço
da humanidade. Uma vez que a crença esteja presente, nada mais pode excluí-la. Você talvez
seja um daqueles afortunados, um dos trinta por cento.
Mas um grande infortúnio aconteceu à humanidade: esses trinta por cento são condenados. A
sociedade, a educação, a civilização, todos os condenam. Pensa-se que eles são estúpidos. Não,
eles são mais potentes que as pessoas. Eles têm um grande poder, mas são condenados, e pessoas
intelectuais impotentes são louvadas – como elas podem louvar com a linguagem, com as
palavras, com a razão, elas são louvadas. Elas realmente são impotentes. Não podem fazer nada
no mundo real do ser interior, podem apenas continuar com suas mentes. Mas elas possuem as
universidades, possuem os meios de comunicação, são os mestres de certo modo. E são artistas
na condenação. Podem condenar qualquer coisa. E aqueles trinta por cento da humanidade que
são potentes, aqueles que acreditam e conseguem ser transformados, não são muito articulados –
não podem ser. Eles não podem arrazoar, não podem discutir; eis por que podem acreditar. Mas,
devido a não poderem discutir o caso deles, eles mesmos se tornaram autocondenatórios. Eles
pensam que há algo errado com eles. Se você pode acreditar, você começa a sentir que algo está
errado com você; se você pode duvidar, você pensa que alguma coisa grande está com você. Mas
a dúvida não é uma força. Através da dúvida, ninguém jamais chegou ao âmago mais profundo
do ser, ao supremo êxtase, ninguém, jamais. Se você pode acreditar, então, este sutra será
proveitoso. Acredite-se onisciente, onipotente, onipresente.
Você já é assim. Só por acreditar nisso, tudo o que está escondido em você, tudo que está
encobrindo-o, cairá imediatamente. Mas mesmo para aqueles trinta por cento, isso será difícil,
porque eles também estão condicionados a acreditar em algo que não é o caso. Eles também são
condicionados para duvidar; também são treinados para serem céticos. E eles sabem de suas
limitações; assim, como podem acreditar? Ou, se eles acreditarem, as pessoas pensarão que eles
são loucos. Se você diz que acredita que dentro de você está o que permeia tudo, o onipresente, o
onipotente, o Divino, o todo-poderoso, então, as pessoas olharão para você e pensarão que você
ficou louco. “Como você pode acreditar em tais coisas a não ser que você esteja louco?”
Mas tente de alguma forma. Comece bem do início. Se você puder ter um pouco da sensação
deste fenômeno, então, a crença se seguirá. Se você quer usar esta técnica, faça isto: feche os
olhos e simplesmente sinta que você não tem nenhum corpo, sinta como se o corpo tivesse
desaparecido, dissolvido por aí. Então, você pode sentir-se permeando tudo. Com o corpo é
difícil. Eis por que muitas tradições continuam ensinando que você não é o corpo, porque com o
corpo, entram as limitações. Não é difícil sentir que você não é o corpo, porque você não é o
corpo. Ele é só um condicionamento, ele é apenas um pensamento que foi forçado na sua mente.
Sua mente foi impregnada com o pensamento de que você é o seu corpo.
Há fenômenos que demonstram isso. No Sri Lanka, os monges budistas andam no fogo. Eles
fazem isso na Índia também, mas o fenômeno cingalês é muito raro – eles andam durante horas e
não se queimam.
Aconteceu certa vez há alguns anos, que um missionário cristão foi assistir à caminhada no
fogo. Eles costumam fazer aquilo na noite em que Buda se iluminou, numa noite de lua-cheia –
porque eles dizem que naquele dia foi revelado ao mundo que o corpo não é nada, que a matéria
não é nada; que o ser interior é que permeia tudo e que o fogo não pode queimá-lo. Mas para
fazer aquilo, por um ano, os monges que andam no fogo purificam seus corpos, através do
pranayama, processos respiratórios e de jejuns. Eles meditam para purificarem suas mentes,
esvaziar suas mentes. Durante um ano continuamente eles se preparam. Eles vivem em celas
isoladas simplesmente sentindo que eles não são seus corpos. Durante um ano continuamente,
um grupo de cinquenta ou sessenta monges permanecem pensando que não são seus corpos. Um
ano é muito tempo. Pensando a cada momento somente uma coisa, que eles não são seus corpos,
continuamente martelando que o corpo é ilusório, eles acabam acreditando nisso. Então também,
eles não são obrigados a andar no fogo. Eles são trazidos para o fogo e, então, quem quer que
pense que não será queimado, pula dentro dele. Alguns permanecem duvidando, hesitando – eles
não têm permissão de pular, porque isto não é uma questão de fogo queimar ou não, é uma
questão da dúvida deles. Se eles hesitam um pouquinho, eles são impedidos. Então, sessenta são
preparados e às vezes vinte, às vezes trinta pessoas pulam no fogo e dançam nele durante horas
seguidas, sem serem queimadas.
Um missionário foi ver aquilo em mil novecentos e cinquenta. Ele ficou muito surpreso, mas
pensou que se a crença em Buda podia fazer aquele milagre, então, por que não a crença em
Jesus? Então ele pensou por um momento, hesitou um pouco, mas, depois, com a ideia de que se
Buda podia ajudar, Jesus também poderia ajudar, ele pulou. Ele queimou-se, queimou-se
horrivelmente; ficou hospitalizado por seis meses. E ele não pôde compreender o fenômeno.
Não se trata de uma questão de Jesus ou de Buda, não é uma questão de acreditar em alguém,
é uma questão de acreditar. E essa crença tem de ser martelada dentro da mente. A menos que
aquilo alcance o próprio âmago do seu ser, não começará a funcionar.
Aquele missionário cristão voltou para a Inglaterra para estudar sobre hipnose, mesmerismo,
e fenômenos estranhos, e o que acontece durante a caminhada no fogo. Então, ele convidou dois
monges para virem a Universidade de Oxford e darem uma demonstração. Os monges foram. O
experimento foi tentado muitas vezes. Então, os dois monges viram que um professor estava
olhando para eles, e ele estava olhando tão profundamente e estava tão envolvido, que seus
olhos, seu rosto, estavam extáticos. Os dois monges foram até o professor e lhe disseram: “Você
também pode vir conosco”. Imediatamente, ele correu com eles, pulou no fogo e nada aconteceu.
Ele não foi queimado. O missionário cristão também estava presente, e ele sabia bem que aquele
professor era um professor de lógica, um homem que duvida profissionalmente, cuja profissão é
baseada na dúvida. Então, ele disse para o homem: “O quê?! Você fez um milagre! Eu não pude
fazer, e eu sou um crente!”. O professor disse: “Naquele momento, eu era um crente. O
fenômeno era tão real, tão fantasticamente real, que me pegou. Ficou tão claro que o corpo não é
nada e a mente é tudo; e eu me senti tão extaticamente sintonizado com os dois monges, que
quando eles me chamaram, não houve uma única hesitação. Foi simples andar, era como se lá
não houvesse nenhum fogo”.
Não houve nenhuma hesitação, nenhuma dúvida – essa é a chave.
Assim sendo, tente primeiro este experimento. Sente-se com os olhos fechados por alguns
dias só pensando que você não é o seu corpo – não somente pensando, mas sentindo que você
não é o seu corpo. E, se você se sentar de olhos fechados, uma distância é criada. Seu corpo vai
se afastando, se afastando... e você vai indo para dentro. Uma grande distância é criada. Logo,
logo, você sente que você não é o corpo, então, você pode acreditar que você é onipresente,
onipotente, onisciente, todo-sabedor, todo-poderoso. Todo esse poder ou toda essa onisciência
não tem relação com o que chamamos de conhecimento: é uma sensação, uma explosão de
sensações – que você conhece. Isto tem de ser compreendido, principalmente no Ocidente,
porque sempre que você diz que você sabe, eles dizem: “O quê? O que você sabe?’’. O
conhecimento deve ser objetivo. Você tem de saber algo. E se for uma questão de saber algo,
você não pode ser onipresente, ninguém pode ser, porque há fatos infinitos a serem conhecidos.
Ninguém pode ser onisciente nesse sentido.
Eis porque no Ocidente eles riem quando os jainas proclamam que Mahavir era sarvagya,
onisciente. Eles riem, porque se Mahavir fosse onisciente, então, ele devia ter sabido tudo o que
a ciência está descobrindo agora e até mesmo o que a ciência descobrirá no futuro. Mas isso não
parece ser o caso. Ele diz muitas coisas que são obviamente contraditórias para a ciência, que
não podem ser verdadeiras, que não são factuais. Seu conhecimento, se ele é onipresente, nunca
devia errar. Mas há erros. Os cristãos acreditam que Jesus era onisciente. Mas a mente moderna
rirá disso, porque ele não era onisciente – onisciente no sentido de saber tudo sobre os fatos do
mundo. Ele não sabia que a terra era circular, que a terra era um globo – ele não sabia. Ele sabia
que a terra era horizontalmente plana. Ele não sabia que a terra tinha estado na existência por
milhões e milhões de anos, ele acreditava que Deus criara a terra só a quatro mil anos antes dele.
Quanto aos fatos, no que tange os fatos objetivos, ele não era onisciente.
Mas esta palavra ‘onisciente’ é totalmente diferente. Quando os sábios orientais dizem
“onisciente”, eles não querem dizer ciente de tudo sobre os fatos – eles querem dizer consciência
total, percepção total, completamente dentro, completamente consciente, iluminado. Eles não
estão interessados em conhecer algo, eles estão interessados somente no puro fenômeno do
conhecer – não no conhecimento, mas na verdadeira qualidade do conhecer. Quando dizemos
que Buda sabe, nós não queremos dizer que ele sabe o que Einstein sabe. Ele não sabe aquilo.
Ele é um conhecedor. Ele conhece seu próprio ser e que o ser é onipresente. E nesse saber, não
sobra nada para ser conhecido – esse é o ponto. Agora não há mais nenhuma curiosidade de
conhecer nada. Todas as perguntas sumiram. Não que todas as respostas tenham sido alcançadas,
mas que todas as perguntas sumiram. Agora, não há mais perguntas a serem feitas. Toda a
curiosidade se foi. Não há mais nenhum problema a ser resolvido. Essa quietude interior, esse
silêncio interior, cheio de luz interior, é infinito conhecer. É isso que se quer dizer por onisciente.
Trata-se do acordar subjetivo.
Isto você pode fazer. Mas não acontecerá se você continuar acrescentando mais conhecimento
à sua mente. Você pode continuar acrescentando conhecimento durante vidas seguidas – você
saberá algo, mas nunca saberá tudo. O tudo é infinito: ele não pode ser conhecido desse jeito. A
ciência sempre permanecerá incompleta, ela nunca pode ser completa – isso é impossível. É
inconcebível que ela possa ser completa. Realmente, quanto mais a ciência sabe, mais ela fica
sabendo que há mais para saber.
Esta onisciência é uma qualidade interna do acordado.
Medite, e abandone os pensamentos. Quando você não tiver nenhum pensamento, você
sentirá o que esta onisciência é, o que esse conhecimento total. Quando não há pensamentos, a
consciência se torna pura, purificada; nessa consciência purificada, você não tem nenhum
problema. Todas as questões sumiram. Você conhece a si mesmo, seu ser, e quando você
conhece seu ser, você conheceu tudo, porque seu ser é o centro do ser de todo mundo.
Realmente, seu ser é o ser de todo mundo. Seu centro é o centro do universo. Nesse sentido, os
Upanishads declararam: “Aham Brahmasmi – eu sou o Brahman, eu sou o absoluto”. Uma vez
que você conheça este pequeno fenômeno do seu ser, você já conheceu o infinito. Você é como
uma gota no oceano: se apenas uma gota é conhecida, todos os segredos do oceano se tornam
revelados.
Acredite-se onisciente, onipotente, onipresente.Mas isto chegará através da fé, você não pode
argumentar consigo mesmo. Você não pode se convencer com algum argumento, você terá de
cavar fundo dentro de você para tais sensações, para as fontes de tais sensações.
O verbo “acreditar” aqui é muito significativo.
Ele não quer dizer que você tem uma convicção, porque convicção significa uma coisa
racional: você está convencido, você argumentou sobre aquilo, você tem provas para aquilo.
Crença significa que você não tem nenhuma dúvida sobre aquilo, não que você tenha provas.
Convicção significa que você tem provas. Você pode provar, você pode discutir. Você pode
dizer: “Isto é assim”. Você pode arrazoar sobre aquilo.
Crença quer dizer que você não tem quaisquer dúvidas. Você não pode discutir aquilo, você
não pode racionalizar – você será derrotado se lhe for perguntado a respeito. Mas você tem um
embasamento interior – você sente que aquilo é assim. Pronto! É uma sensação, não um
arrazoado. Mas lembre-se de que tais técnicas podem funcionar somente se você funciona com
seu sentimento, não com seu raciocínio. Assim, aconteceu muitas vezes de gente muito
ignorante, sem instrução, inculta, chegar às alturas da consciência humana e aqueles que são
muito cultos, instruídos, sensatos, racionais, perderem.
Jesus era apenas um carpinteiro. Friedrich Nietzsche escreve em algum lugar, que em todo o
Novo Testamento, somente uma pessoa era realmente digna de algo, o que era culto, instruído,
filosoficamente instruído, sábio – esse homem era Pilatos, o governador romano que ordenou a
crucificação de Jesus. Realmente, ele era o homem mais culto, o govemador-geral, o vice-rei. E
ele sabia o que era a filosofia: no último momento, quando Jesus estava indo para a crucificação,
ele perguntou: “O que é a verdade?”. Essa era uma pergunta muito filosófica. Jesus permaneceu
em silêncio – não porque esse enigma não fosse digno de ser respondido – Pilatos era a única
pessoa que podia compreender filosofia profunda. Jesus permaneceu em silêncio, porque ele
podia falar somente àqueles que pudessem sentir. Pensar não era de nenhuma utilidade.
Pilatos estava fazendo uma pergunta filosófica. Teria sido bom se ele tivesse perguntado
numa universidade, numa academia, mas fazer a Jesus uma pergunta filosófica era sem sentido.
Ele permaneceu em silêncio, porque era inútil responder. Nenhuma comunicação era possível.
Mas Nietzsche, um homem da razão, condena Jesus. Ele disse que ele era sem instrução, inculto,
não-filosófico – e ele não poderia responder, eis por que permaneceu em silêncio.
Pilatos fez uma bela pergunta. Se ele tivesse perguntado a Nietzsche, Nietzsche teria falado
sobre isso anos seguidos. “O que é a verdade?” Esta única pergunta é suficiente para se comentar
e se discutir durante anos. Todo o trabalho dos filósofos é este: “O que é a verdade?”. Uma só
pergunta e todos os filósofos estão envolvidos nela.
A crítica de Nietzsche é realmente uma crítica pela razão, uma condenação pela razão.
A razão sempre condenou a dimensão da sensação, porque a sensação é tão vaga, tão
misteriosa. Ela existe, e você não pode dizer nada sobre ela. Ou você a pegou, ou você não a
pegou; ou ela existe, ou ela não existe. Você não pode fazer nada quanto a isso, e você não pode
discuti-la. Você também tem muitas crenças, mas essas crenças são apenas convicções: não são
crenças realmente, porque você tem dúvidas sobre elas. Você já esmagou essas dúvidas com seus
argumentos, mas elas existem. Você está sentado em cima delas; elas existem. Você continua
lutando contra elas. Elas não estão mortas, não podem estar. Eis por que sua vida talvez seja a de
um hindu, ou de um muçulmano, ou de um cristão, ou de um jaina, mas isso existe somente
devido à convicção. A fé não está presente.
Vou lhes contar uma historieta. Jesus disse aos seus discípulos para irem de bote até a outra
margem do lago onde eles estavam. E ele disse: “Eu irei mais tarde”. Eles foram. Quando
estavam já no meio do lago, surgiu um vento forte que criou muita tormenta. Eles ficaram com
medo. O bote estava balançando e eles começaram a gritar: "Jesus, salve-nos!”. A margem onde
estava Jesus era muito distante, mas Jesus veio. Dizem que ele veio correndo sobre as águas. E a
primeira coisa que ele disse aos seus discípulos foi: “Homens de pouca fé, por que estão
gritando? Vocês não creem?”. Eles estavam assustados. Jesus disse: “Se vocês acreditam, então
saiam do bote e andem até aqui”. Ele estava parado sobre as águas. Eles viram com seus próprios
olhos que ele estava parado sobre as águas, mas ainda assim era difícil de acreditar. Eles devem
ter pensado em suas mentes que era um truque, ou que talvez fosse apenas uma ilusão, ou que
aquele não era Jesus. Talvez fosse o Demônio, tentando-os ou coisa parecida. Então, eles
começaram a olhar um para o outro: “Quem iria?”. Então, um dos discípulos pulou do bote e
caminhou. Realmente, ele conseguiu caminhar. Ele não podia acreditar em seus olhos. Ele estava
andando sobre a água. Quando ele chegou perto de Jesus, ele perguntou: “Como? Como isso está
acontecendo?”. Imediatamente o milagre todo desapareceu. O “como” – e ele estava debaixo
d’água. Jesus puxou-o para cima e disse: “Homem de pouca fé, por que perguntou como?”.
Mas a razão pergunta “por quê” e “como”. A razão questiona.
A fé é a queda de todos os questionamentos. Se você puder deixar todas as perguntas e
acreditar, então, esta técnica pode fazer milagres para você.
Capítulo 74

QUANTO MAIOR A SENSIBILIDADE, MAIOR O DESAPEGO



PERGUNTAS

Com o aprofundamento da meditação, a pessoa se torna cada vez mais e mais sensível aos
objetos, aos eventos e às pessoas. Mas devido a esta elevação da sensibilidade, a pessoa sente
uma espécie de profunda intimidade com tudo, e isto normalmente se torna a causa de apegos
sutis. Como ser sensível e, ainda assim, desapegado?
Se a fé pode mover as montanhas, por que você não pode curar seu próprio corpo?
Na noite passada você explicou detalhadamente como os buscadores enganam a si mesmos por
não fazerem esforços sinceros e verdadeiros em direção da meditação. Mas para muitos
buscadores que sinceramente lhe pedem técnicas de meditação, você simplesmente lhes diz
para deixarem tudo por sua conta e que você cuidará do progresso espiritual deles. Mas
muitos buscadores sentem-se insatisfeitos em relação à transformação espiritual dessa
maneira. Neste caso, por favor, explique como esses buscadores estão se enganando.
Você disse que Jesus não sabia que a terra é redonda. Então, para os cristãos que acreditam
que Jesus era Deus, isso parece muito estranho. Não fica implícito que um iluminado como
Jesus, que conhecia ciências ocultas profundas, devia também saber muitos fatos astronômicos
e astrológicos sobre os planetas, o universo, e a inter-relação entre os corpos celestiais? Por
favor, explique.

A primeira pergunta

Com o aprofundamento da meditação, a pessoa se torna cada vez mais e mais sensível
aos objetos, aos eventos e às pessoas. Mas devido a esta elevação da sensibilidade, a pessoa
sente uma espécie de profunda intimidade com tudo, e isto normalmente se torna a causa
de apegos sutis. Como ser sensível e, ainda assim, desapegado?

Como ser sensível e, ainda assim, desapegado? Essas duas coisas não são contrárias, elas não
são opostas. Se você estiver mais sensível, você estará desapegado; ou, se você estiver
desapegado, você se tornará mais e mais sensível. Sensibilidade não é apego, sensibilidade é
percepção. Somente uma pessoa perceptiva pode ser sensível. Se você não for perceptivo, você
será insensível. Quando você é inconsciente, você é totalmente insensível – quanto mais
consciência, mais sensibilidade. Um buda é totalmente sensível, ele tem máxima sensibilidade,
porque ele sentirá e estará ciente de sua total capacidade. Quando você é sensível e consciente,
você não pode ser apegado. Você será desapegado, porque o próprio fenômeno da consciência
quebra a ponte, destrói a ponte, entre você e as coisas, entre você e as pessoas, entre você e o
mundo. A inconsciência, a falta de perceptividade, é a causa do apego.
Se você está alerta, a ponte de repente desaparece. Quando você fica alerta não há nada que
ligue você ao mundo. O mundo existe, você existe, mas entre os dois a ponte desapareceu. A
ponte é feita de sua inconsciência. Assim sendo, não pense que você ficou apegado porque você
está mais sensível. Não. Se você estiver mais sensível, você não ficará apegado. O apego é uma
qualidade muito grosseira, não é sutil. Para o apego, você não precisa estar consciente e alerta.
Não há nenhuma necessidade. Até os animais podem se apegar muito facilmente, até mais
facilmente. Um cão é mais apegado ao seu dono do que qualquer homem pode ser. O cão é
completamente inconsciente, então o apego acontece. Eis por que nos países onde os
relacionamentos humanos se tornaram pobres, como no Ocidente, o homem continua procurando
relacionamento com os animais, porque os relacionamentos humanos não existem mais. A
sociedade humana está desaparecendo e todo homem se sente isolado, alienado, sozinho. A
multidão existe, mas você não está relacionado com ela. Você está sozinho na multidão e esta
solidão apavora. A pessoa se torna amedrontada e temerosa.
Quando você está relacionado, apegado a alguém, e alguém está apegado a você, você sente
que você não está sozinho no mundo, neste mundo estranho. Alguém está com você. Essa
sensação de pertencer lhe dá uma espécie de segurança. Quando o relacionamento humano se
torna impossível, então os homens e as mulheres tentam se relacionar com animais. No Ocidente,
eles vivem muito profundamente relacionados a cães e a outros animais, mas, aqui no Oriente,
embora você possa estar reverenciando as vacas, você não tem relação com elas. Você pode
continuar dizendo que você reverencia a vaca como um animal divino, mas sua crueldade não
tem fim.
No Oriente, você é tão cruel com os animais, que o Ocidente não pode sequer conceber como
você pode continuar pensando que você é não-violento. Por todo o mundo, principalmente no
Ocidente, há muitas sociedades para proteger os animais contra a crueldade dos homens. Você
não pode bater num cão no Ocidente. Se você bater nele, será um ato criminoso e você será
punido por isso. O que está acontecendo realmente, é que o relacionamento humano está se
dissolvendo – mas o homem não pode viver sozinho. Ele tem de ter um relacionamento, sentir
que pertence, ter uma sensação de que alguém está com ele. Os animais podem ser muito bons
amigos, porque eles ficam se apegam muito; ninguém, nenhum homem, pode se apegar dessa
forma.
Para o apego, a consciência não é necessária; ao contrário, a consciência é a barreira. Quanto
mais consciente você se torna, menos você será apegado, porque a necessidade de apego
desaparece. Por que você quer estar apegado a alguém? Porque sozinho você sente que você não
se basta. Você sente falta de alguma coisa. Algo fica incompleto em você. Você não é inteiro.
Você precisa de alguém para completá-lo. Daí, o apego. Se você está consciente, você está
completo, você é inteiro – o círculo está completo agora, não está faltando nada em você – você
não precisa de ninguém. Você, sozinho, sente uma total independência, uma sensação de
inteireza.
Isso não quer dizer que você não amará as pessoas; ao contrário, somente você pode amar.
Uma pessoa que seja dependente de você não pode amá-lo: ela o odiará. Uma pessoa que precisa
de você não pode amá-lo. Ela o odiará, porque você se torna o cativeiro. Ela sente que sem você
ela não pode viver, sem você ela não pode ser feliz, então, você é a causa das duas coisas, da
felicidade e da infelicidade dela. Ela não pode se dar ao luxo de perdê-lo e isso lhe dará uma
sensação de aprisionamento: ela é sua prisioneira e se ressentirá disso; ela lutará contra isso. As
pessoas odeiam e amam ao mesmo tempo, mas este amor não pode ser muito profundo. Somente
uma pessoa que seja consciente, pode amar, porque esta pessoa não precisa de você. Mas então o
amor tem uma dimensão totalmente diferente: ele não é apego, ele não é dependência. A pessoa
não é sua dependente e não o fará dependente dela: a pessoa permanecerá uma liberdade e lhe
permitirá permanecer uma liberdade. Vocês serão dois agentes livres, dois seres totais, inteiros,
se encontrando. Esse encontro será uma festividade, uma celebração – não uma dependência.
Esse encontro será uma alegria, uma brincadeira.
Eis por que nós chamamos a vida de Krishna de Krishnalila, a brincadeira de Krishna. Ele
ama tantas pessoas, mas não há nenhum apego. O mesmo não é verdade da parte das gopis e dos
gopals, os amigos e as namoradas de Krishna. O mesmo não é verdadeiro... Eles se apegaram,
então, quando Krishna sai de Brindavan para Dwaraka, eles se lamentam e choram e sofrem. A
angústia deles é enorme, porque eles pensam que Krishna se esqueceu deles. Ele não se
esqueceu, mas não há nenhuma dor, porque não havia nenhuma dependência: ele está inteiro e
feliz em Dwaraka como esteve em Brindavan e seu amor está fluindo tanto em Dwaraka quanto
fluía em Brindavan. Os objetos do amor mudaram, mas a fonte do amor permanece a mesma.
Assim, quem quer que chegue perto dele, recebe o presente. E este presente é incondicional:
nada é exigido como retribuição, nada é pedido em retorno.
Quando o amor vem através de uma consciência perceptiva, ele é apenas um puro presente
sem qualquer condição, e a pessoa que está dando é feliz porque está dando. O próprio ato de dar
é sua felicidade, seu êxtase.
Assim, lembre-se de que se você sente que através da meditação você se tornou mais sensível,
então, automaticamente, você se tornará menos apegado, mais desapegado. Porque você estará
mais enraizado em si mesmo, você estará mais centrado em si mesmo, você não usará nenhuma
outra pessoa como seu centro. O que o apego significa? O apego significa que você está usando
outra pessoa como seu centro de ser – Majanu é apegado a Laila: ele diz que não pode viver sem
Laila. Isso significa que o centro de seu ser foi transferido. Se você diz que não pode viver sem
isto ou aquilo, então, sua alma não está dentro de você. Então, você não está existindo como uma
unidade independente, seu centro se moveu para algum outro lugar.
Essa transferência do seu centro para outra coisa, para o outro, é o apego. Se você for
sensível, você sentirá o outro, mas o outro não se tornará o centro de sua vida. Você permanecerá
o centro e a partir desse centramento o outro receberá muitos presentes de você. Mas eles serão
presentes, eles não serão barganhas. Você simplesmente dará porque tem demais, você está
transbordando. E você será agradecido de que o outro tenha recebido o presente. Isso será
suficiente e será o fim. Eis por que eu continuo dizendo que a mente é uma grande enganadora.
Você pensa que está meditando e que é por isso que você se tornou mais sensível. Então surge a
questão do por que você se apega. Se você se apega, isso é um claro sintoma de que a
sensibilidade não existe por causa da consciência. Na verdade, não é sensibilidade de modo
algum. Pode ser sentimentalismo: uma coisa totalmente diferente. Você pode ser sentimental:
você pode suplicar e chorar por pequenas coisas, você pode ser tocado por alguma coisa e um
turbilhão pode se criar muito facilmente dentro de você – mas isso é sentimentalismo, não
sensibilidade.
Deixe-me contar-lhe uma história. Buda estava numa cidade. Uma mulher chegou a ele,
suplicando e chorando e berrando. Seu filho, seu único filho tinha morrido de repente. Como
Buda estava na cidade, as pessoas disseram: “Não se lamente. Vá até esse homem. As pessoas
dizem que ele é de infinita compaixão. Se ele quiser, seu filho pode reviver. Então, não chore, vá
até Buda”. A mulher foi até ele com o filho morto nos braços, em prantos, se lamentando, e toda
a cidade a seguiu – toda a cidade tinha sido afetada. Os discípulos de Buda também foram
afetados; eles começaram a orar mentalmente para que Buda tivesse compaixão. Ele deve
abençoar a criança, de modo que ela reviva, ressuscite.
Muitos discípulos de Buda começaram a chorar. A cena era muito tocante, profundamente
mobilizadora. Todos estavam imóveis. Buda permaneceu silencioso. Ele olhou para a criança
morta, depois, olhou para a mãe em prantos e disse à mulher: “Não se lamente; faça uma coisa e
seu filho viverá novamente. Deixe esta criança morta aqui, volte à cidade, vá de casa em casa e
pergunte a cada família se alguém já morreu na família, em sua casa. E, se você encontrar uma
casa onde ninguém jamais tenha morrido, então, peça-lhes algo de comer... um pão, um arroz ou
qualquer coisa – mas da casa onde ninguém tenha morrido. E esse pão, ou esse arroz, reviverá a
criança imediatamente. Vá! Não perca tempo!”.
A mulher ficou feliz. Ela sentiu que agora sim, o milagre ia mesmo acontecer. Ela tocou os
pés de Buda e correu até a cidade, que não era uma cidade muito grande, poucas cabanas, poucas
famílias. Ela foi de família em família, fazendo a pergunta. Mas toda família dizia: “Isso é
impossível. Não há uma única casa – não só nesta vila, mas em toda a terra – não há uma única
casa onde jamais ninguém tenha morrido, onde as pessoas nunca tenham sofrido a morte e o
infortúnio e a dor e a angústia que vêm disso”.
Em pouco tempo, a mulher percebeu que Buda tinha lhe aplicado um truque. Aquilo era
impossível. Mas, ainda assim, a esperança estava lá. Ela foi perguntando até rodar toda a cidade.
Suas lágrimas secaram, sua esperança morreu, mas de repente ela sentiu uma nova tranquilidade,
uma serenidade chegando até ela. Agora ela percebera que seja o que for que nasça, terá de
morrer. Uns morrerão mais cedo, outros mais tarde, mas a morte é inevitável. Ela voltou e tocou
os pés de Buda novamente e disse a ele: “Como dizem as pessoas, você realmente tem uma
profunda compaixão pelas pessoas”. Ninguém podia compreender o que tinha acontecido. Buda
iniciou-a no sânias, ela tornou-se uma bhikkhuni, uma saniássin. Ela foi iniciada.
Anand disse a Buda: “Você poderia ter feito o garoto reviver. Era uma criança tão linda e a
mãe estava tão angustiada...”. Buda, então, disse: “Mesmo que o filho ressuscitasse, ele teria de
morrer. A morte é inevitável”. Anand replicou: “Mas você não parece ser muito sensível com as
pessoas, com seu sofrimento e angústia”. Buda respondeu: “Eu sou sensível; você é sentimental.
Só porque você começa a lamentar, você pensa que você é sensível? Você é infantil. Você não
compreende a vida. Você não percebe o fenômeno”.
Esta é a diferença entre o cristianismo e o budismo. Cristo é mostrado como tendo feito
muitos milagres de reviver pessoas. Quando Lázaro estava morto, Jesus toucou nele e ele voltou
à vida. Nós no Oriente não podemos conceber Buda tocando um cadáver e trazendo-o de volta à
vida. Para gente comum, para a mente comum, Jesus pareceria mais amoroso e compassivo do
que Buda. Mas eu lhes digo que Buda é mais sensível, mas compassivo, porque mesmo que
Lázaro tenha revivido, não fez nenhuma diferença. Ele ainda teria de morrer. Finalmente, Lázaro
teria de morrer. Então, esse milagre foi inútil, de nenhum valor supremo. Não se pode conceber
Buda fazendo tal coisa.
Jesus teve de fazer aquilo, porque ele estava trazendo algo novo, uma nova mensagem para
Israel. E a mensagem era tão profunda que as pessoas não a compreenderiam, então, ele tinha de
criar milagres ao redor da mensagem – porque as pessoas podem compreender milagres, mas
elas não podem compreender a mensagem profunda, a mensagem esotérica. Elas podem
compreender milagres, então, através de milagres, elas talvez se tornassem abertas e capazes de
receber a mensagem. Jesus estava carregando a mensagem budista para uma terra que não era
budista; uma mensagem oriental para um país que não tinha tradição de iluminação de muitos
budas.
Nós podemos conceber que Buda era mais sensível do que seus discípulos que estavam
lamentando e chorando. Eles eram sentimentais.
Não confunda sua sentimentalidade com sensibilidade.
A sentimentalidade é comum; a sensibilidade é extraordinária. Ela acontece através do
esforço. Ela é uma aquisição. Você tem de ganhá-la. A sentimentalidade não é algo a ser
adquirido: você nasce com ela. Ela é uma herança animal que você já tem nas células do seu
corpo e de sua mente. A sensibilidade é uma possibilidade. Você ainda não a tem. Você pode
criá-la, você pode trabalhar para isso – então, ela lhe acontecerá. E sempre que acontecer, você
estará desapegado.
Buda era totalmente desapegado. A criança morta estava ali, mas ele absolutamente não
parecia afetado. A mulher, a mãe, estava miserável e ele estava lhe pregando uma peça. Esse
homem parece ser cruel e aquela peça que ele estava pregando parece ser demais para uma mãe
cujo filho morreu. Ele estava lhe dando um enigma e sabia que ela voltaria de mãos vazias.
Mas eu digo novamente que ele tem a verdadeira compaixão, porque ele estava ajudando
aquela mulher a crescer, a se tornar madura.
A menos que você possa compreender a morte, você não é maduro; e a menos que você possa
aceitar a morte, você não tem um centro dentro de seu ser. Quando você aceita a morte como
uma realidade, você a transcendeu.
Buda aproveitou a situação. Ele estava menos interessado na criança morta e mais interessado
na mãe viva, porque ele sabia que o filho morto voltaria à vida novamente – não havia nenhuma
necessidade do milagre. Mas se o filho fosse revivido, a mãe talvez tivesse perdido uma
oportunidade. Durante vidas seguidas ela talvez não tivesse novamente um encontro com um
buda. Assim, no Oriente, somente saddhus de terceira classe têm feito milagres; os de primeira
classe jamais fizeram algum – eles funcionam num nível mais elevado. Buda também está
fazendo o milagre, mas o milagre é feito num nível mais alto. A mãe está sendo transformada.
Mas é difícil de compreender, porque nossas mentes são grosseiras e só compreendemos o
sentimentalismo, não podemos compreender a sensibilidade. Sensibilidade quer dizer um estado
de alerta que sente tudo que acontece ao redor. E você pode sentir somente quando você não está
apegado. Lembre-se disto: se você estiver apegado, você não mais está ali para sentir, você saiu
de você.
Assim, se você quer saber a verdade sobre alguém, não pergunte aos amigos dele. Eles estão
apegados. E não pergunte aos inimigos. Eles também estão apegados, na ordem inversa.
Pergunte a alguém que seja neutro – nem um amigo nem um inimigo – somente este pode dizer a
verdade. Os amigos não podem ser acreditados; mas nós acreditamos ou nos amigos ou nos
inimigos. Os dois estão fadados a estar errados, porque eles não têm uma visão neutra, não têm
uma visão desapegada. Não podem ficar distantes e olhar, porque têm um investimento na pessoa
em questão. Os amigos têm um investimento e os inimigos têm um investimento. Ambos veem
de acordo com um ponto de vista determinado, ambos estão apegados. No momento em que você
sente que está apegado, você adquiriu um ponto de vista. A totalidade está perdida; somente uma
coisa fragmentária está em suas mãos. E os fragmentos sempre são mentirosos, porque somente o
todo é verdadeiro.
Medite, torne-se mais sensível, e tome isto como um critério, que você continuará se tornando
cada vez mais e mais desapegado. Se você sente que o apego está crescendo, então, você está
errando em algum ponto na sua meditação. Este é o critério.
E para mim, o apego não pode ser destruído e o desapego não pode ser praticado. Você pode
somente praticar a meditação – e o desapego se seguirá como uma consequência, como um
subproduto. Se a meditação realmente florescer dentro de você, você terá uma sensação de
desapego. Então, você pode ir a qualquer lugar e você permanecerá intocado, destemido. Então,
quando você deixar seu corpo, você o deixará sem arranhões. Sua consciência será
absolutamente pura, nada estranho entrou nela. Quando você está apegado, as impurezas entram
em você. Esta é a impureza básica: que você está perdendo seu centro e alguém ou algo está se
tornando o centro do seu ser.

A segunda pergunta

Se a fé pode mover as montanhas, por que você não pode curar seu próprio corpo?

Eu não tenho nenhum corpo.


Esta sensação de que você tem de um corpo é absolutamente errada. O corpo pertence ao
universo: você não o possui, ele não é seu. Assim, se o corpo está doente ou se o corpo está
saudável, o universo cuidará dele. E uma pessoa que está em meditação deve permanecer uma
testemunha, quer o corpo esteja saudável ou doente.
O desejo de estar saudável faz parte da ignorância.
O desejo de não estar doente também faz parte da ignorância. E esta não é uma pergunta nova
– esta é uma das mais velhas perguntas. Ela foi feita a Buda; ela foi feita a Mahavir. Desde que
houve iluminados, os não-iluminados sempre trazem esta pergunta.
Olhe... Jesus disse que a fé pode mover montanhas, mas ele morreu na cruz. Ele não pôde
mover a cruz. Você ou alguém como você deve ter estado presente lá esperando. Os discípulos
estavam lá esperando, porque eles conheciam Jesus, ele tinha dito repetidamente que a fé podia
remover montanhas. Então, eles estavam lá esperando que algum milagre acontecesse – e Jesus
simplesmente morreu na cruz. Mas este era o milagre: ele podia ser uma testemunha de sua
própria morte. E o momento de testemunhar a própria morte é o maior momento enquanto se está
vivo.
Buda morreu de comida envenenada. Ele sofreu durante seis meses sem parar. E havia muitos
discípulos que estavam esperando que ele fizesse um milagre. Mas ele sofreu silenciosamente e
morreu silenciosamente. Ele aceitou a morte. Havia discípulos tentando curá-lo, muitos remédios
lhe foram dados.
Um grande médico daqueles dias, Jeevak, era médico pessoal de Buda. Ele o acompanhava a
toda parte que ele fosse. Muitas vezes as pessoas devem ter se perguntado: “Por que Jeevak vai
com ele?”. Mas era o apego do próprio Jeevak. Jeevak ia com Buda devido a seu próprio apego,
e os discípulos que estavam tentando ajudar o corpo de Buda a permanecer vivo por mais tempo
neste mundo, ainda que somente por alguns dias mais, também estavam apegados.
Para Buda, doença e saúde eram a mesma coisa. Isso não quer dizer que a doença não causará
dor. Causará! A dor é um fenômeno físico, ela acontecerá. Mas ela não perturbará a consciência
interna. A consciência interna permanecerá imperturbada, ela permanecerá equilibrada como
sempre. O corpo sofrerá, mas o ser interno permanecerá apenas uma testemunha de todo o
sofrimento.
Não haverá identificação – e isto eu chamo de milagres. Isto é possível através da fé. E
nenhuma montanha é maior do que a identificação – lembre-se disto. Os Himalaias não são nada;
sua identificação com seu corpo é uma montanha maior. Os Himalaias talvez possam ser
movidos ou não através da fé, isso é irrelevante, mas sua identificação pode ser destruída. Mas
não podemos conceber nada que não saibamos, podemos pensar somente de acordo com nossas
mentes. Pensamos conforme o ponto em que estamos; o padrão permanece o mesmo.
Às vezes, meu corpo está doente, e as pessoas vêm a mim e dizem: “Por que você está
doente? Você não deveria ficar doente; um iluminado não deveria ficar doente”. Mas quem lhes
disse que é assim? Eu nunca ouvi dizer de nenhum iluminado que não ficasse doente. A doença
pertence ao corpo. Ela não tem nada a ver com a sua consciência, ou se você é iluminado ou não.
E às vezes acontece de pessoas iluminadas serem mais doentes do que as não-iluminadas. Há
razões. Agora que elas não pertencem ao corpo, não cooperam com o corpo; lá no fundo, elas se
separaram do corpo. Assim, o corpo permanece, mas o apego e a ponte estão cortados.
Muitas doenças acontecem por causa da separação que aconteceu. Elas estão no corpo, mas a
cooperação delas não mais está presente. Eis por que dizemos que uma pessoa iluminada jamais
nasce novamente – porque agora ela não pode mais fazer nenhuma ponte com um corpo
novamente. A ponte está quebrada. Enquanto ela está no corpo, então também, realmente, ela
está morta.
Buda alcançou a iluminação quando ele estava perto dos quarenta anos. Viveu quarenta anos
mais – morreu aos oitenta. No dia, em que estava morrendo, Ananda começou a chorar e disse:
“O que acontecerá a nós? Sem você, cairemos na escuridão. Você está morrendo e nós ainda não
nos tornamos iluminados. Nossa própria luz ainda não está acesa e você está morrendo. Não nos
deixe!”.
Conta-se que Buda disse: “O quê? O que você está dizendo, Anand? Eu morri há quarenta
anos. Esta existência foi apenas a existência fantasma, uma existência de sombra. Ela ia indo
adiante de algum modo, mas a força não estava ali. Era só um momentum do passado”.
Se você está pedalando uma bicicleta e, depois, você para e não há mais nenhum pedalar,
você não está dando nenhuma cooperação à bicicleta, ela continua se movendo por um tempo só
por causa do momentum, da energia que você lhe deu no passado.
No momento em que alguém se torna iluminado, a cooperação é quebrada. Agora, o corpo
tomará seu próprio curso. Ele tem um momentum. Desde muitas vidas no passado, o momentum
tem lhe sido dado. Ele tem um espaço de tempo próprio, que se completará, mas agora, devido à
força interna não mais estar com ele, o corpo está propenso a tornar-se mais doente do que
comumente. Ramakrishna morreu de câncer; Raman morreu de câncer. Para os discípulos, foi
um grande choque, mas devido à ignorância deles, não podiam compreender.
Uma coisa mais tem de ser compreendida. Quando uma pessoa se torna iluminada, esta vai
ser sua última vida. Então, todos os karmas passados e todo o continuum têm de ser preenchidos
nesta vida. O sofrimento – se ela tiver alguma coisa a sofrer – se tornará intenso. Para vocês, não
há nenhuma pressa, seu sofrimento será espalhado em muitas vidas. Mas para um Raman, esta é
a última vida. Tudo que está ali desde o passado tem de ser completado. Haverá uma intensidade
de tudo, de todos os karmas. Esta vida se tornará uma vida condensada.
Às vezes é possível – isto é difícil de se compreender – sofrer em um único momento o
sofrimento de muitas vidas. Num único momento, a intensidade se torna demais, porque o tempo
pode tanto ser condensado como dispersado.
Você sabe que às vezes, quando está dormindo, você tem um sonho e, quando você acorda
novamente, você sabe que esteve dormindo por somente alguns segundos. Mas você teve um
sonho enorme. É possível que até mesmo uma vida inteira possa ser vista num único sonho.
O que aconteceu? Num período tão pequeno de tempo, como você poderia ver um sonho tão
longo? Não existe apenas uma única camada de tempo como comumente compreendemos – há
muitas camadas de tempo. O sonho tem sua própria existência. Mesmo enquanto acordado, o
tempo vai mudando. Ele talvez não mude de acordo com o relógio, porque um relógio é uma
coisa mecânica, mas o tempo psicológico continua mudando.
Quando você está feliz, o tempo voa. Quando você está infeliz, o tempo não passa. Uma
única noite pode ser a eternidade se você estiver sofrendo, e uma vida pode se tornar um único
momento se você estiver feliz e extasiado.
Quando uma pessoa se torna iluminada, tudo tem de ser fechado: este é um tempo de
fechamento. Muitos milhões de vidas têm de ser fechadas e todas as contas têm de ser liberadas,
porque não haverá mais nenhuma chance. Depois de sua iluminação uma pessoa iluminada vive
num tempo completamente diferente e seja o que for que lhe aconteça é qualitativamente
diferente. Mas ela permanece uma testemunha.
Mahavir morreu de dor no estômago, algo como uma úlcera – ele sofreu durante anos. Seus
discípulos devem ter ficado em dificuldade, porque eles criaram uma história à volta disso. Eles
não podiam compreender por que Mahavir devia sofrer; então, eles criaram uma história que
mostra algo sobre os discípulos, não sobre Mahavir.
Eles dizem que uma pessoa que tinha um espírito muito ruim, Goshalak, tinha sido a causa do
sofrimento de Mahavir. Ele jogara sua força maligna sobre Mahavir e Mahavir absorveu-a
somente devido a sua compaixão – e é por isso que ele sofreu. Isto não mostra nada de Mahavir,
mas algo sobre a dificuldade dos discípulos. Eles não podiam conceber o sofrimento de Mahavir,
então, eles tinham de descobrir uma causa em algum outro lugar.
Um dia, eu estava passando por um resfriado – ele é minha companhia constante. Então,
alguém veio e disse: “Você deve ter pego o resfriado de alguém”. Isso não mostra nada sobre
mim, mostra algo sobre essa pessoa. É difícil para ela conceber-me sofrendo. Então ela disse:
“Você deve ter pego o resfriado de alguém”. Eu tentei convencê-la, mas é impossível convencer
discípulos. Quanto mais você tenta convencê-los, mais eles acreditam que estão certos. No final,
ela me disse: “O que quer que você diga, eu não vou ouvir. Eu sei! Você pegou a doença de
alguém”.
O que fazer? A saúde e a enfermidade do corpo é algo que tem a ver com ele mesmo. Se você
quiser fazer algo a respeito, você ainda está apegado a ele. Ele seguirá seu próprio curso: não há
necessidade de ficar muito preocupado com isso.
Eu sou somente uma testemunha. O corpo nasceu, o corpo morrerá; somente a testemunha
estará presente. Ela irá permanecer para sempre. Somente a testemunha é algo absolutamente
eterno – tudo o mais vai mudando, tudo o mais é um fluxo.

A terceira pergunta
Na noite passada você explicou detalhadamente como os buscadores enganam a si
mesmos por não fazerem esforços sinceros e verdadeiros em direção da meditação. Mas
para muitos buscadores que sinceramente lhe pedem técnicas de meditação, você
simplesmente lhes diz para deixarem tudo por sua conta e que você cuidará do progresso
espiritual deles. Mas muitos buscadores sentem-se insatisfeitos em relação à transformação
espiritual dessa maneira. Neste caso, por favor, explique como esses buscadores estão se
enganando.

Primeiramente, quando eles pedem uma técnica, eu lhes dou uma técnica. Esta é uma técnica:
“Deixe tudo por minha conta”. Esta é uma das mais poderosas técnicas possíveis. E não pense
que é fácil! É muitíssimo difícil, às vezes impossível. É difícil deixar tudo por conta de alguém,
mas se você puder... Nessa própria entrega, seu ego desaparece; nessa própria entrega, seu
passado desaparece; nessa própria entrega, nasce um novo ponto – você está diferente. Até
agora, você esteve vivendo com o seu ego; daqui em diante, você viverá sem o ego, você estará
seguindo um caminho de entrega. Assim, não pense que isto não é uma técnica! É uma técnica –
uma das técnicas mais básicas. E eu não dou essa técnica para qualquer um e para todo mundo.
Eu a dou somente para determinadas pessoas que são muito egoístas, porque para elas qualquer
técnica criará problemas. O ego delas irá tirar partido dela. Elas se tornarão mais egoístas através
dela. Elas podem praticar qualquer outra coisa, exceto esta aqui, mas com essa prática o ego
delas não irá ser destruído; ao invés, ele ficará mais preenchido ainda. Essas pessoas se tornarão
grandes “meditadores”. Elas podem renunciar ao mundo, mas o ego delas se fortalecerá, seja o
que for que façam. Sempre que eu sinto que um buscador tem um ego tão sutil que qualquer
método será venenoso para ele, então, somente, eu digo isto: “Deixe tudo por minha conta”. Não
que isto vá ser o fim. Isto será o começo. E este será o começo certo para todos aqueles que são
egocentrados. Se eles puderem deixar tudo comigo, então, começarei a lhes dar outras técnicas –
mas só então. Então, outras técnicas não se revelarão venenosas. Uma vez que o ego não mais
esteja presente, essas técnicas as transformarão. E se a rendição delas for tão total que nada sobre
para ser transformado, então, não haverá necessidade de nenhuma outra técnica. Isso também é
possível, e é possível somente para aquelas pessoas que são muito egoístas – somente elas podem
se render totalmente.
Isso parecerá confuso, paradoxal – mas lembre-se: você pode deixar algo somente se você o
tem. Se você não tem um ego muito forte, o que você pode deixar? O que você pode entregar? É
o mesmo que pedir a um mendigo que entregue todos os seus bens. Ele estará pronto, ele dirá:
“Tudo bem” – mas seu “tudo bem” não significa nada. É absolutamente fútil, porque ele não tem
nada a perder. E se você tem um ego muito forte – isso significa um ego muito concentrado,
cristalizado – você pode deixá-lo totalmente, porque será difícil deixá-lo por partes. Ele é tão
concentrado e cristalizado que será difícil abandoná-lo fragmentadamente. Ou você o abandona
ou não. Este é um dos paradoxos da vida, que, para a rendição, em primeiro lugar é necessário a
existência de um ego muito autêntico.
Então, para mim, uma educação correta consistirá em criar egos fortes, no máximo extremo,
de onde nasça um grande sofrimento, e então... – a rendição. Somente então a entrega é possível.
Esta tem sido a minha experiência. As pessoas que vêm do Ocidente têm egos mais fortes do
que as pessoas orientais, porque, no Ocidente, não há o conceito de entrega, o conceito de
obediência, o conceito de guru e discípulo. Realmente, a mente ocidental não pode conceber o
que seja um guru. E elas não podem conceber alguém se render a uma pessoa. Toda a educação
ocidental, a cultura e a civilização são baseadas no ego, na realização do ego. E os psicólogos
ocidentais dizem que para se ser mentalmente sadio, você tem de ter um ego forte. Assim, todos
os psicólogos ocidentais ajudam o ego a ser forte: o ego de uma criança deve ser fortalecido de
todos os modos, caso contrário ela será mentalmente doente. Mas as religiões orientais dizem
que a menos que você abandone seu ego, você não pode conhecer a suprema verdade, você não
pode saber o que é o mistério da vida. As duas concepções parecem contraditórias, mas não são.
Para mim, o treinamento ocidental deve existir no começo, com cada pessoa em todo o mundo.
A toda pessoa deve ser dado um ego forte. Por volta dos trinta e cinco anos, você deve chegar ao
pico de seu ego; aos trinta e cinco, ele deve estar no máximo, forte, tão forte quanto possível.
Somente então, a entrega acontecerá. Assim, sempre que buscadores ocidentais vêm a mim e eu
lhes digo para deixarem as coisas por minha conta, eles ficam muito hesitantes, relutantes
mesmo. E parece impossível, mas às vezes, quando a entrega acontece, eles alcançam uma
realização muito mais profunda.
Com os orientais a entrega não é muito difícil. Eles estão preparados. Você diz: “Renda-se”.
Eles dizem: “Sim”. Não há uma única hesitação da parte deles. Eles não têm egos fortes, muito
desenvolvidos. Eles podem se entregar, mas essa rendição é impotente. Ela não ajudará. Assim,
quase sempre acontece que, com o oriental, eu imediatamente lhe dou uma técnica a ser
trabalhada, de modo que ela ajude seu ego. Com os ocidentais eu imediatamente digo:
“Entregue-se”. Eles já alcançaram aquele ponto dentro deles, então, eles podem se render: a
hesitação deles mostra que podem se render. Mas a entrega deles será uma luta, e quando ela é
uma luta, ela é sadhana. Quando ela é uma luta, significa algo: a luta irá transformá-los.
Assim, primeiramente, quando eu digo “deixe tudo por minha conta”, isso é uma técnica; e eu
digo isso somente para pessoas que têm egos muito desenvolvidos.
Em segundo lugar... “Mas muitos buscadores sentem-se insatisfeitos em relação à
transformação espiritual dessa maneira”. Certo, essas são as pessoas para quem eu digo
“entregue-se”. Elas ficam muito insatisfeitas. Eles querem algo para fazer, eles não querem se
entregar. Eu sei que elas ficam insatisfeitas, porque seus egos resistirão – o ego tentará de todo
modo não se render. Mas isso não pode ser evitado. Elas terão de passar por essa insatisfação, e
terão de compreender que deixar tudo por minha conta é apenas o começo. Se elas não puderem
fazer isso, não lhes darei nenhuma técnica naquele momento. Elas podem ir embora, ou
deixarem tudo comigo. Não há nenhuma outra alternativa. Uma vez que eu diga a alguém “deixe
tudo por minha conta”, eu não vou lhe dar mais nenhuma outra técnica. Eu sei que será difícil e
árduo – mas terá de ser assim. Quanto mais difícil, mais árduo, melhor, porque isso significa que
a pessoa tem um ego mais desenvolvido e que ele está lutando. Ela terá de vir algum dia – para
mim ou para outra pessoa, é irrelevante – e terá de render o ego.
O mestre não é tão relevante; a rendição é relevante. Onde a rendição acontece não tem
importância nenhuma. Você pode se entregar a um Buda de pedra. Servirá. A entrega o
transforma. Ela significa pôr seu ego de lado, descarregar-se; viver pela primeira vez não a partir
do passado, mas andando no presente, novo e vivaz, descarregado.
E a terceira coisa: "Neste caso, por favor, explique como esses buscadores estão se
enganando ”. Eles podem enganar a eles mesmos. Eles podem me dizer “sim, deixaremos tudo
com você” e continuarem segurando tudo. Eles podem se enganar dizendo que se entregaram e
podem continuar insistindo em seus próprios costumes. A entrega não pode ser parcial, ela só
pode ser total – e, depois, você não pode estabelecer condições, seus gostos e desgostos.
Aconteceu há bem poucos dias. Um homem veio a mim e disse: “Eu deixarei tudo com você.
Seja o que for que você diga, eu o farei”. Eu lhe disse: “Repita isso novamente, devagar: ‘Seja o
que for que você diga, eu o farei’”. Ele repetiu. Eu lhe disse que repetisse novamente e mais
devagar. Ele ficou um pouco perturbado e perguntou: “Por quê?”. E ele também ficou consciente
do por quê de eu estar dizendo “repita-o devagar”. Ele disse: “Você talvez esteja certo. Eu não
deveria dizer isto, porque é muito difícil deixar tudo para você e será difícil seguir tudo o que
você diga”.
Assim, eu lhe disse para tornar aquilo condicional, para ser preciso, de modo que ele não
pudesse mudar. Ele disse: “Está certo. Seja o que for que eu queira – dê-me a liberdade de
escolher”.
É assim que vocês se enganam. Internamente, você permanece sendo o mestre: você continua
escolhendo o que fazer e o que não fazer. E assim como acontece, seja o que for que você
escolha sempre vai estar errado, porque a mente que está escolhendo é errada, caso contrário, não
teria havido nenhuma necessidade de vir a mim. Quando eu digo “entregue-se”, significa que
agora você não mais escolherá: agora eu escolherei e você seguirá. E se você seguir totalmente,
não estará longe o dia em que direi: “Agora não precisa mais. Agora você pode escolher”.
Você tem de desaparecer: a superfície, o ego superficial tem de desaparecer. Então, seu
próprio ser floresce. Eu não vou mantê-lo seguindo-me para todo o sempre – isso não é algo
muito feliz. Quando seu ego não mais existir, seu próprio guru, o seu mestre interno, terá
existência real. O guru externo não é nada mais que um representante do interno. Uma vez que o
interno esteja presente, o externo não mais é necessário. E seu próprio guru lhe dirá: “Agora siga
a si mesmo. Vá sozinho. Agora você não precisa de ninguém para guiá-lo, o guia interno já
tomou forma. Agora, você tem sua própria luz. Você pode ver através dela. Ela lhe mostrará o
caminho”.
Mas neste momento, assim como você está, é impossível. Você não tem nenhuma luz. Você
não pode ver. E aonde quer que sua mente o conduza, você estará errado. Esta mente o tem
guiado durante vidas e sempre o conduz dentro de determinados padrões. Ela tem velhos hábitos
e ela o conduz de acordo com eles. A mente é uma coisa mecânica. Para dar um freio nela, a
entrega é necessária. Se você se entregar a alguma coisa, mesmo por alguns dias, haverá um
intervalo entre o agora e seu passado. Uma nova força entrou dentro de você. Agora você não
mais pode continuar com o passado: seu caminho, como ele sempre foi, não poderá existir mais.
Uma virada acontecerá. Este intervalo é o que eu quero dizer por entrega.
Mas você pode se enganar. Você pode dizer: “Sim, eu me entrego”, e talvez não tenha se
entregado. Ou você pode pensar que se entregou, mas inconscientemente você está lutando. Não
somente na entrega, mas em todas as coisas onde um ‘let-go’ é necessário, nós lutamos.
No Ocidente, muitas pesquisas estão indo adiante sobre o fenômeno do sexo, porque as
pessoas estão se tornando cada vez menos e menos capazes de orgasmos profundos. Elas fazem
sexo, mas nenhum êxtase vem dele. Ele se tornou um fazer entediante. As pessoas se sentem
apenas frustradas, enfraquecidas através dele. E então o sexo vira uma rotina. Não se sabe o que
fazer. Sua significância estaria num profundo êxtase através do orgasmo. Se isso não acontece, o
sexo se torna fútil e inútil, e até danoso. Muitas escolas de psicologia continuam trabalhando
nesta questão: “O que aconteceu ao homem? Por que ele não está conseguindo alcançar o
orgasmo através do sexo? Por que há tanta insatisfação?”. Todas as pesquisas indicam que a
razão é que o homem não consegue se entregar – eis por que ele não atinge o orgasmo. Mesmo
enquanto está fazendo amor, mesmo em sexo profundo, a mente permanece no controle. Você
não está num ‘let-go’. Você tem medo de se entregar, porque se você permitir que a energia
sexual se mova incontroladamente, você não sabe onde aquilo irá parar. Você pode ficar louco,
você pode até morrer. Eis o medo. Assim você permanece no controle.
Você vai manipulando seu corpo. Esta manipulação da mente não permite que o corpo inteiro
se torne um fluxo de energia. Então, o sexo se torna uma questão localizada, o corpo todo não
está envolvido, o corpo todo não está numa dança interna: o êxtase é perdido. Você perde energia
e não ganha nada – fatalmente, haverá frustração. Assim, os psicólogos dizem que você não
alcançará um êxtase profundo a menos que você esteja num profundo ‘let-go’, a menos que a
mente não esteja presente e o ego não esteja ali; a menos que o corpo tenha assumido o comando
com sua própria força, seu próprio momentum, e esteja se movendo a partir de suas próprias
forças inconscientes; a menos que você não esteja presente. Esse êxtase pode lhe dar o primeiro
vislumbre do supremo êxtase, que acontece num total ‘let-go’ do seu ego com o Divino, com o
universo.
Samadhi, o supremo alvo de todo iôga e do tantra, é um profundo orgasmo com o universo,
com a própria existência. O guru apenas tenta ajudá-lo, levá-lo a um ponto onde você possa pelo
menos render o ego. Então, um profundo êxtase acontecerá entre você e seu mestre. Onde quer
que haja uma entrega, o êxtase acontece – esta é a lei.
Assim, se você puder se render a um guru, não ouça a mais ninguém. Mesmo que o mundo
todo diga que “este” guru está errado, não dê ouvidos a isso. Se você puder se entregar, “este”
guru é o certo. Você atingirá um momento extático através dele. E se todo o mundo disser que
“este” guru é certo, e você não consegue se entregar, ele é inútil para você. Assim sendo, onde
quer que você tenha o sentimento de entrega, aí está o seu guru, o seu mestre.
Procure um lugar, procure a pessoa em cuja presença você possa permitir um ‘let-go’, em
cuja presença você possa abandonar sua mente mesmo que por um tempo. Uma vez que esta
força externa entre em você, seu caminho será diferente, sua vida dará uma nova virada.
Você pode se enganar: você pode continuar pensando que se entregou, mas internamente
você sabe bem que não se entregou. E lembre-se: você não pode enganar um mestre – ele sabe. E
ele continuará insistindo, a menos que o ‘let-go’ realmente aconteça. Você pode manobrar, você
pode jogar, mas você não pode enganar um mestre. Você pode pôr sua cabeça aos pés dele, mas
esse gesto não significa nada. Talvez seja apenas um gesto superficial, você não está se curvando
mesmo. Mas se você estiver realmente se curvando, o mestre pode trabalhar;
Assim, sempre que eu digo “entregue-se”, ou “deixe tudo comigo e eu tomarei conta”, eu
quero dizer isso mesmo. Exatamente assim: o que quer que eu diga, eu quero dizer isso mesmo.
Eu quero criar uma lacuna dentro de você, uma descontinuidade com o passado. Uma vez que a
lacuna exista, você mais cedo ou mais tarde se torna capaz de ir por si mesmo. Mas antes disso,
se você for por si mesmo, você continuará a história do passado. Nada novo é possível. Para o
novo, algo externo deve entrar em você, deve empurrá-lo num novo caminho.

A última pergunta:

Você disse que Jesus não sabia que a terra é redonda. Então, para os cristãos que
acreditam que Jesus era Deus, isso parece muito estranho. Não fica implícito que um
iluminado como Jesus, que conhecia ciências ocultas profundas, devia também saber
muitos fatos astronômicos e astrológicos sobre os planetas, o universo, e a inter-relação
entre os corpos celestiais? Por favor, explique.

Não, Jesus não estava interessado. Quando Jesus disse que o mundo era horizontalmente
plano, ele estava usando o conhecimento que prevalecia naqueles dias. Ele não estava
interessado se o mundo era redondo ou plano; isso era insignificante para ele. Ele estava mais
interessado naquelas pessoas que viviam nesta terra ‘horizontalmente plana’, ou ‘redonda’.
O interesse dele tem de ser compreendido. Era absolutamente fútil para Jesus, discutir essas
coisas. Que diferença isso faz? Por exemplo: você sabe por livros de geografia que o mundo é
redondo. Se seu livro de geografia estava ensinando que o mundo era plano, como se ensinava no
passado, que diferença isso fará para você? Você será um homem melhor? Você será mais
meditativo numa terra horizontalmente plana ou numa terra redonda? Que diferença fará para o
seu ser e para a qualidade da sua consciência? É irrelevante.
Jesus estava interessado em sua consciência, e ele não iria desnecessariamente discutir sobre
coisas que são inúteis. Somente pessoas não-iluminadas são arrastadas para coisas
desnecessárias. Se você tivesse dito a Jesus que o mundo era redondo, ele teria dito “sim”... Isso
não faz nenhuma diferença para ele, porque esse não era seu interesse. A ideia prevalecente era
de que o mundo era plano. E, realmente, para a mente comum, o mundo ainda é horizontalmente
plano. Ele parece assim. O arredondamento é um fato científico, mas Jesus não era um cientista.
Por exemplo: eu sei que é um fato científico que o sol nunca nasce nem se põe. A terra está se
movendo em torno dele, não é o sol que está se movendo. Mas eu uso as expressões “pôr-do-sol”
e “nascer do sol”. O “nascer do sol” é basicamente errado. A própria expressão é errada, porque
o sol jamais nasce. “Pôr-do-sol” é errado, o sol nunca se ‘põe’. Assim, depois de dois mil anos,
alguém pode dizer que este homem não era iluminado porque ele dizia “o sol nasce”, “nascer do
sol”, “pôr-do-sol”. Ele não sabia essas pequenas coisas?
Mas se eu tiver de mudar essas expressões, então, estarei lutando sem necessidade e isso não
vai ajudar ninguém. Jesus simplesmente usava o conhecimento prevalecente – e a ideia
prevalecente era de que a terra era horizontalmente plana. Ele não estava interessado nisso. Se
ele estivesse aqui atualmente, ele diria que a terra é redonda. Mas mesmo assim isso não é
exatamente científico, porque a terra não é exatamente redonda. Agora eles dizem que ela é
como um ovo, não exatamente redonda. A forma é como a de um ovo. Mas quem sabe? Amanhã
eles talvez mudem e digam que não é bem assim. A ciência vai mudando, porque à medida que
ela se torna mais acurada, à medida que ela atinge mais conhecimento, à medida que mais fatos
são conhecidos, que mais experimentos são feitos, as coisas mudam. Mas uma pessoa como
Jesus, ou Buda, não está interessada nesses fatos.
Lembrem-se de uma coisa: a ciência está interessada nos fatos, a religião está interessada na
verdade.
Os fatos não são do seu interesse; a verdade é do seu interesse. Os fatos são sobre objetos, a
verdade é sobre você, sua consciência. Assim, toda pessoa iluminada tem de usar o
conhecimento prevalecente sobre os fatos. Mas você não deve julgar Jesus ou Buda por isso –
você está julgando erroneamente. Eles podem ser julgados somente pelo que disseram sobre a
verdade, sobre a verdade intrínseca da consciência humana. Sobre isso eles estão absolutamente
certos, embora a linguagem deles difira.
Um Buda fala uma linguagem, Jesus outra diferente, Krishna ainda outra. Eles usam
conhecimentos factuais diferentes, eles usam técnicas diferentes, artifícios diferentes, mas o
centro de seus ensinamentos é o mesmo. E é assim, se você me permite dizê-lo, que se atinge a
consciência total.
A consciência é o ensinamento básico de todos os iluminados. Eles usam muitas parábolas,
técnicas, artifícios, símbolos, mitos, mas tudo isso é irrelevante. Você pode jogar tudo isso fora,
você pode colocar de lado e trazer apenas o centro básico.
O âmago de toda pessoa iluminada é a consciência. Assim, Jesus continua dizendo a seus
discípulos como estar mais acordado – não permanecer sonolento, não andar sonhando, mas estar
alerta, acordado.
Ele costumava contar uma parábola. Ele contou certa vez que um grande senhor, um grande
mestre, um homem muito rico, saiu numa viagem para bem longe. Ele disse aos seus serviçais
que eles tinham de ficar sempre alertas, porque ele poderia estar de volta a qualquer momento, a
qualquer momento. E quando ele voltasse, a casa deveria estar preparada para ele. Ele podia
voltar a qualquer momento. Os serviçais tinham de permanecer alertas, não podiam nem dormir.
Mesmo durante a noite ele podia chegar a qualquer momento.
Jesus dizia que você tem de estar alerta a todo momento, porque a qualquer momento o
Divino pode descer em você. Você pode perdê-lo. Se o Divino bater à sua porta e você estiver
dormindo, você perderá. Você tem de estar alerta. O convidado pode vir a qualquer momento, e
o convidado não irá informá-lo com antecedência, que ele está vindo. Jesus falava exatamente
como aquele senhor a seus serviçais: permaneçam alertas continuamente, permaneçam
perceptivos, esperando, observando, porque a qualquer momento o Divino pode penetrá-lo. E se
você não estiver alerta, ele virá, baterá e irá embora. E esse momento talvez não se repita tão
cedo; ninguém sabe quantas vidas levam até que o Divino bata novamente à sua porta. E se você
tem vivido habitualmente dormindo, talvez já tenha perdido essa batida muitas vezes, e você
talvez a perca nova e novamente.
Fique alerta. Este é o âmago básico. Tudo o mais é somente para ser usado para se chegar a
esse ponto. Assim, só porque Jesus diz que a terra é plana, ele não se torna não-iluminado. E só
porque você sabe que a terra é redonda, você não se torna iluminado. Não é tão fácil assim!
Capítulo 75

A BUSCA PELO RITMO DOS OPOSTOS



OS SUTRAS

102. Imagine o espírito dentro de você e simultaneamente à sua volta, até que todo o universo
se espiritualize.
103. Com sua consciência inteira bem no início do desejo, da percepção, saiba.
104. Ó Shakti, cada percepção específica é limitada, desaparecendo na onipotência.
105. Em verdade, as formas são inseparáveis. Inseparáveis são o ser onipresente e a sua
própria forma. Perceba que tudo é feito dessa consciência.

Consta que um dos maiores poetas, Walt Whitman, uma vez disse: “Eu me contradigo,
porque eu sou grande; eu me contradigo, porque eu contenho todos os opostos, porque eu sou
tudo”. A mesma coisa pode ser dita sobre Shiva, sobre o tantra.
O tantra é a busca pelo ritmo dos opostos, das contradições. Pontos de vista contraditórios,
opostos, se transformam em um no tantra. Isto tem de ser profundamente compreendido,
somente então, você será capaz de entender por que há tantas técnicas contraditórias, diferentes.
A vida é um ritmo entre opostos: macho e fêmea, positivo e negativo, dia e noite, nascimento e
morte. Entre esses opostos move-se o rio da vida. Os opostos são as margens – eles parecem ser
contraditórios, mas são cooperativos. A aparência é falsa. A vida não pode existir sem este ritmo
entre os opostos. E a vida contém tudo. O tantra não é favorável a isto, nem favorável àquilo – o
tantra é favorável a tudo. O tantra não tem um ponto de vista particular, realmente. Todos os
pontos de vista que são possíveis estão contidos nele. Ele é grande. Ele pode contradizer a si
mesmo, porque ele contém tudo. Ele não é parcial, ele é o todo. Daí ele ser sagrado.
Todos os pontos de vista parciais estão destinados a serem profanos; eles não podem ser
sagrados se não contêm o oposto. Eles podem ser lógicos e racionais, mas não podem ser vivos.
Onde quer que exista vida, ela existe através de seus opostos. Ela não existe separada, o oposto é
imperativo.
Na mitologia grega, dois deuses estão em polos opostos: Apolo e Dionísio. Apolo é o deus da
ordem, da disciplina, da virtude, da moralidade, da cultura; e Dionísio é o deus da desordem, do
caos, da liberdade, da natureza. São polos opostos. Quase todas as religiões são mais ou menos
baseadas no ponto de vista apolíneo. Elas acreditam na razão, acreditam na ordem, acreditam na
virtude, acreditam na disciplina, no controle... – realmente elas acreditam no ego.
Mas o tantra é basicamente diferente: ele contém os dois pontos de vista. Contém o ponto de
vista dionisíaco também. Ele acredita na natureza, acredita no caos, acredita na risada e na dança
e na canção; ele não é sério simplesmente – ele é ambos, sério e não- sério. Nietzsche escreve
em uma de suas cartas: “Eu acredito somente num deus dançante”. Ele não pôde descobrir
nenhum deus dançante. Tivesse ele conhecido alguma coisa sobre Shiva, então, a história de sua
vida teria sido totalmente diferente. Shiva é o deus que dança. Nietzsche conhecia somente o
deus cristão. E este é o único ponto de vista: muito sério. Às vezes a seriedade do deus cristão
chega a parecer absurda, infantil, porque o oposto é negado completamente. Você não pode
conceber um deus cristão dançando. Impossível! Dançar parece muito terreno. E você não pode
conceber um deus cristão rindo – ou pode? É impossível. O deus cristão não pode rir. O riso
parece mundano demais. O deus cristão é o próprio espírito da seriedade e Nietzsche não podia
acreditar nele.
E eu penso que ninguém acredita em tal deus, porque ele é metade, ele não é inteiro. Somente
pessoas como Billy Graham podem acreditar nele. Em algum lugar Billy Graham diz muito
seriamente que, quando você está lendo uma revista de sexo, você precisa se lembrar de que
Deus está olhando para você. Isso e ridículo. Você está lendo uma revista sobre sexo e Deus está
vendo você ler a revista de sexo! A própria atitude é estúpida. Estúpida porque não contém o
oposto. Você se torna estúpido e morto se o oposto é negado. Mas, se você puder se mover até o
oposto facilmente, sem nenhuma contradição – se você puder ser sério e puder rir, se você puder
se sentar como um Buda e dançar como um Krishna e não houver nenhuma oposição inerente
entre esses dois polos, se você puder se movimentar da condição de um Buda para a de um
Krishna facilmente e tranquilamente – se você puder fazer isso, você estará vivo. Se você pode
fazer isso, você é um tântrico, porque o tantra é a busca básica pelo ritmo que existe entre os
opostos, pelo rio que flui entre os opostos.
Assim, o tantra trabalha com todas e cada técnica possível. O tantra não é para alguém, ele é
para todos. Todo tipo de mente pode transitar através do tantra. Não é todo tipo de mente que
pode ser cristã, nem todo tipo de mente que pode ser hindu, nem todo tipo de mente que pode ser
budista. Um determinado tipo de mente será atraído por Buda, outro tipo de mente por Jesus,
outro tipo de mente por Maomé. Shiva contém tudo. Shiva tem o poder de atrair todos os tipos
possíveis. O total, o todo está incluído, não é um ponto de vista parcial. Eis por que o tantra não
tem seitas. Você não pode criar uma seita em torno do todo, você pode criar uma seita em torno
de um fragmento. Você pode viver o todo, mas você não pode criar uma seita. Uma seita pode
ser criada somente quando você é a favor de alguma coisa e contra outra coisa. Se ambos os
opostos estão contidos, como você pode criar uma mente sectária? O tantra é a religião
essencial, não é uma seita. Por isso tantas técnicas.
As pessoas continuam chegando a mim e dizendo: “Há tantas técnicas e uma técnica
contradiz a outra!”. Sim, uma técnica contradiz a outra, porque cada uma foi criada para um
determinado tipo de mente. Nessas cento e doze técnicas, todos os tipos, todos os possíveis tipos
de humanidade estão incluídos. Por favor, não se envolva com todas as técnicas, caso contrário,
você se confundirá. Simplesmente descubra aquela que se ajusta a você, aquela que apela a você.
Você sentirá uma profunda afinidade com ela, uma atração; você se apaixonará por ela. Então,
esqueça-se de todas as cento e onze técnicas restantes. Esqueça-se delas. Simplesmente firme-se
naquela que funciona para você. Nessas cento e doze técnicas, somente uma técnica é para você.
Se você tentar muitas técnicas, você se confundirá, porque para tentar muitas técnicas você
precisará de uma mente muito grande que possa absorver a contradição. Isso não é possível neste
momento. Um dia, talvez, torne-se possível – você se torna tão completo que pode se mover
facilmente com muitas técnicas. Então, não haverá nenhum problema. Mas então também não
haverá nenhuma necessidade! A necessidade existe agora. Descubra sua técnica.
Eu posso ser de ajuda para que você descubra que técnica será apropriada a você. E se você
sentir que outras técnicas são contraditórias à técnica que se ajusta a você, não pense sobre elas.
Elas são contraditórias. Mas elas não são para você. Pelo menos, não são para você agora. Um
dia pode se tornar possível, quando você não tiver o ego internamente, e poder se mover para o
oposto sem nenhum problema. É o ego que cria o problema. Ele fica emperrado em algum lugar,
agarrado em alguma coisa, não é líquido, não pode fluir. E Shiva está fluindo em todas as
direções.
Portanto, lembre-se: não comece a pensar sobre essas técnicas: que esta técnica é contra
aquela outra. Shiva não está tentando criar um sistema, ele não é um criador de sistemas. Shiva
está oferecendo todas as técnicas sem nenhuma sistematização. Elas não podem ser
sistematizadas, porque um sistema significa que o contraditório, o oposto, tem de ser negado. E
aqui o oposto está incluído – ambos, Apolo e Dionísio; ambos, sério e risonho; ambos, imanente
e transcendente; ambos, terreno e não-terreno – porque Shiva é tudo.
Agora, podemos entrar nas técnicas:

102 Imagine o espírito dentro e fora

A primeira técnica:

Imagine o espírito dentro de você e simultaneamente à sua volta, até que todo o universo
se espiritualize.

Primeiramente você deve compreender o que é a imaginação. Ela é muitíssimo condenada


atualmente. No momento em que você escuta a palavra ‘imaginação’, você diz que isso é inútil,
pois queremos algo real, não imaginário. Mas a imaginação é uma realidade, ela é uma
capacidade, ela é uma potencialidade dentro de você. Você pode imaginar. Isso mostra que seu
ser é capaz de imaginação. Esta capacidade é uma realidade. Através da imaginação você pode
destruir ou criar a si mesmo. Depende de você. A imaginação é muito poderosa. Ela é poder
potencial.
O que é a imaginação? É entrar numa atitude tão profundamente, que a própria atitude se
torna realidade. Por exemplo: você talvez tenha ouvido falar sobre uma técnica que é usada no
Tibete. Eles a chamam de iôga do calor. A noite está fria, a neve está caindo, e o lama tibetano
ficará nu sob o céu aberto. A temperatura está abaixo de zero. Você simplesmente começaria a
morrer, ficaria congelado. Mas o lama está praticando uma determinada técnica. Esta é a técnica:
ele está imaginando que seu corpo é uma fogueira acesa e que ele está transpirando – o calor é
tanto, que ele está transpirando. E ele realmente começa a transpirar, embora a temperatura esteja
abaixo de zero e o sangue devesse estar se congelando. Mas ele começa a transpirar.
O que está acontecendo? Essa transpiração é real, seu corpo está realmente quente – mas esta
realidade é criada através da imaginação.
Tente com alguma técnica simples, de modo que você possa sentir como a realidade pode ser
criada através da imaginação. A menos que você sinta isso, você não pode trabalhar com esta
técnica.
Conte sua pulsação. Sente-se num quarto fechado e conte seu pulso. E então durante cinco
minutos imagine que você está correndo. Imagine que você está correndo, que está quente, que
você está respirando profundamente, que você está transpirando, e o ritmo do seu pulso vai
aumentando. Depois de imaginar isso por cinco minutos, conte sua pulsação. Você verá a
diferença: o ritmo de seu pulso será mais elevado. Você trabalhou só com a imaginação, você
não estava realmente correndo.
No velho Tibete, os monges budistas faziam exercícios somente através da imaginação. E
aquelas técnicas podem ser muito úteis para o homem moderno, porque é difícil correr na rua,
difícil fazer uma longa caminhada, difícil encontrar uma rua vazia. Você pode simplesmente
deitar-se no chão do seu quarto e imaginar que, por uma hora continuamente, você está fazendo
uma longa e rápida caminhada. Apenas na imaginação continue caminhando. E atualmente até
médicos especialistas dizem que o efeito seria o mesmo, como se fosse uma caminhada real.
Uma vez que você se sintonize com sua imaginação, o corpo começa a funcionar. Você já está
fazendo muitas coisas sem saber que é sua imaginação trabalhando. Muitas vezes você cria
muitas enfermidades só através da imaginação: você imagina que há uma doença infecciosa, que
está acontecendo por toda parte. Você se tornou receptivo; agora, existe toda a possibilidade de
que você caia doente – e essa doença é real. Mas foi criada através da imaginação. A imaginação
é uma força – uma energia – e a mente se move através dela. E quando a mente se move através
dela, o corpo segue.
Aconteceu certa vez no alojamento de uma universidade nos Estados Unidos, que quatro
alunos estavam tentando um experimento em hipnose. A hipnose não é nada mais do que o poder
da imaginação. Quando você hipnotiza uma pessoa, ela está realmente caindo em profunda
imaginação, e seja o que for que você sugira começará a acontecer. Então, eles sugeriram muitas
coisas a um rapaz que eles haviam hipnotizado. Quatro rapazes tentando hipnotizar um. Eles
tentaram muitas coisas e tudo que eles diziam, o rapaz imediatamente fazia. Quando eles diziam
“Pule!”, o rapaz começava a pular. Quando eles diziam “Chore!”, o rapaz começava a chorar.
Quando eles diziam “Lágrimas estão caindo dos seus olhos”, as lágrimas começavam a cair.
Então, só de gracejo eles disseram: “Deite-se. Você está morto!”. E o rapaz deitou-se e morreu.
Isto aconteceu em mil novecentos e cinquenta e dois. Depois disso, eles fizeram uma lei contra a
hipnose nos Estados Unidos. Ninguém deve experimentar a hipnose, a menos que alguma
pesquisa esteja envolvida; a menos que algum instituto de medicina, ou algum departamento de
psicologia de alguma universidade autorize. Somente então você pode experimentar. De outra
forma, é perigoso – o rapaz simplesmente acreditou, imaginou que estava morto, e morreu.
Se a morte pode ocorrer através da imaginação, por que não a vida, por que não mais vida?
Esta técnica está baseada no poder da imaginação. Imagine o espírito dentro de você e
simultaneamente à sua volta, até que todo o universo se espiritualize.
Basta sentar-se num local onde ninguém possa perturbá-lo – um quarto isolado servirá. Ou se
você conseguir um lugar ao ar livre será melhor, porque, quando você está perto da natureza,
você é mais imaginativo. Quando há somente coisas fabricadas à sua volta, você é menos
imaginativo. A natureza é imaginativa, e ela lhe dá uma força imaginativa. Sozinho, você se
torna mais imaginativo: eis por que você fica com medo quando está sozinho. Não é que
fantasmas venham lhe perturbar, mas, sozinho, sua imaginação pode funcionar. E sua
imaginação pode criar fantasmas ou qualquer coisa que ela queira criar. Quando você está só, sua
imaginação é mais potencial; quando há mais alguém, sua razão fica no controle. Porque sem a
razão você não pode se relacionar com os outros. Quando não há ninguém presente, a mente
relaxa e você regressa para uma profunda camada imaginativa do ser. Quando você está só, a
imaginação começa a funcionar.
Muitos experimentos têm sido feitos com a privação sensorial. Se uma pessoa puder ser
privada de todos os estímulos sensoriais – se você está fechado num quarto a prova de som, sem
nenhuma luz entrando, nenhuma possibilidade de estar relacionado a qualquer outro ser humano,
nenhum retrato nas paredes, nada no quarto com o que você possa se relacionar – depois de uma,
duas, três horas, você começará a se relacionar com você mesmo. Você se tornará imaginativo.
Você começará a falar sozinho. Você perguntará e você mesmo responderá. Um monólogo
começará, no qual você está dividido. Então, de repente, você começará a sentir muitas coisas
que você não pode compreender. Você começará a ouvir sons, mas o quarto é à prova de som,
nenhum som pode entrar nele. Agora, você está imaginando. Você talvez comece a sentir
perfumes, mas não há nenhum perfume ali. Agora você está imaginando. Depois de trinta e seis
horas de privação do sensorial, você não poderá diferenciar entre o que é real e o que é
imaginário – impossível. Depois de trinta e seis horas de privação do sensorial, a imaginação se
torna realidade e a realidade se torna ilusória.
Eis por que os buscadores dos velhos tempos iam para as montanhas, para lugares isolados,
onde eles pudessem perder a distinção entre o real e o irreal. Uma vez que a distinção seja
perdida, sua imaginação está à plena carga. Então, você pode usá-la e ser criativo através dela.
Para esta técnica, sente-se num lugar solitário: se o ambiente for natural, é bom; se não, então
um quarto também pode funcionar. Então, feche seus olhos e imagine que uma força espiritual é
sentida por dentro e por fora. Dentro de você, um rio de consciência está fluindo e ele vai
tomando todo o quarto, transbordando. Dentro e fora, à sua volta, em todos os lugares, o espírito
está presente, a energia está presente. E não somente imagine isso apenas na mente: comece a
sentir dentro do corpo – seu corpo começará a vibrar. Quando você sentir que o corpo já
começou a vibrar, isso mostrará que a imaginação já começou a funcionar. Sinta que todo o
universo está espiritualizado – tudo, as paredes do quarto, as árvores à sua volta, tudo se tornou
imaterial, tornou-se espiritual. A matéria não existe mais.
Esta é a realidade também. Os físicos dizem que a matéria é ilusória e que a energia é real, e
sempre que você vê coisas sólidas, essa solidez é apenas uma aparência, não existe de fato. À
medida que a Física penetra mais profundamente no mundo da matéria, a matéria desaparece.
Somente energia – a energia imaterial – permanece indefinível.
Através da imaginação, você está chegando a um ponto onde, por seu esforço consciente,
você está destruindo as estruturas do intelecto – os padrões do intelecto. Você sente que não
existe matéria alguma, somente energia, somente o espírito, dentro e fora. Logo, logo, você
sentirá que o dentro e o fora desapareceram. Quando seu corpo se torna espiritual e você o sente
como energia, então, não há nenhuma distinção entre o dentro e o fora. As fronteiras se perdem.
Agora, há somente um fluxo, um oceano, vibrando. Isto também é real – e você está chegando ao
real através da imaginação.
O que a imaginação está fazendo? A imaginação está somente destruindo os velhos conceitos,
a matéria, os velhos padrões da mente que continuam olhando para as coisas de certo modo. A
imaginação está destruindo-os. E então a realidade será revelada.
Imagine o espírito dentro de você e simultaneamente à sua volta, até que todo o universo se
espiritualize – até você sentir que todas as distinções desapareceram, todas as fronteiras se
dissolveram e o universo se tornou apenas um oceano de energia. Este é o fato, também. Mas
quanto mais fundo você prosseguir na técnica, mais assustado você ficará. Você sentirá como se
você estivesse ficando doido. Porque sua sanidade consiste em distinções, sua sanidade mental
consiste nessa suposta realidade e, quando essa realidade começar a desaparecer, você sentirá
que sua sanidade mental está desaparecendo. Os santos e os insanos se movem num mundo que
está além de nossa suposta realidade. Os dois se movem, mas a pessoa insana cai e o santo vai
além. A diferença é muito pequena, mas é muito grande também. Se sem nenhum esforço de sua
parte você perde sua mente e as distinções, o real e o irreal, você se tornará insano. Mas se você
destrói os conceitos com esforço consciente, você se tornará “in-sano”, não insano. Essa “in-
sanidade” é a dimensão da religião. Está além da sanidade. Mas o esforço consciente é
necessário. Você não deve ser uma vítima, você deve permanecer um mestre. Quando é seu
esforço que está destruindo seus padrões mentais, você olha para dentro da realidade não-
padronizada.
A realidade não-padronizada é a única realidade; a realidade padronizada é simplesmente
imposta. Eis por que agora os antropólogos dizem que toda sociedade, toda cultura, olha para a
mesma realidade, mas descobre ali uma realidade diferente, porque seus padrões, seus conceitos
são diferentes. Há muitas culturas no mundo, culturas primitivas. Elas olham para o mesmo
mundo de jeito muito diferente: a interpretação delas é totalmente diferente. A realidade é a
mesma para nós e para elas, mas o padrão através do qual ela é vista, é diferente. Por exemplo:
os budistas dizem que não há nenhuma substância no mundo, que o mundo é um processo. Não
há nada de substancial. Tudo está em movimento – ou até isso talvez não seja a coisa certa a ser
dita. O movimento é a única coisa. Quando dizemos que tudo está em movimento, novamente há
a velha falácia – é como se houvesse algo que esteja se movimentando. Buda diz que não há
nada que esteja se movimentando – somente o movimento existe. Isto é tudo o que existe. Assim,
em países budistas como a Tailândia ou Birmânia, atual Mianmar, eles não têm nenhuma palavra
correspondente para “existir” em sua língua. Quando a Bíblia foi transcrita na língua tai pela
primeira vez, tornou-se um problema traduzi-la, porque na Bíblia dizem que “Deus existe”. Você
não pode dizer “Deus existe” em birmanês ou em tai – não se consegue dizer isto. Seja o que for
que eles digam, significará “Deus está se tornando”. Tudo está se movendo, nada existe. Quando
um mianmarense olha para o mundo, ele olha para o movimento. Quando nós olhamos, quando
principalmente a mente ocidental de orientação greco-romana olha, não há nenhum processo,
somente substância. Há coisas mortas, não movimentos. Mesmo quando você olha para um rio,
você vê o rio que “existe”. O rio não existe – o rio apenas significa movimento, algo que está
constantemente se tornando. E nunca chega ao ponto de se dizer que ele se tornou, ele é um
processo sem fim. Quando olhamos para uma árvore vemos a árvore que “existe”. A língua
mianmarense não tem nada a dizer. Eles lá podem apenas dizer que a árvore está fluindo, a
árvore está crescendo, a árvore está em processo. Se a criança é educada neste padrão de mente,
então, tudo é um processo – o mundo, a realidade serão totalmente diferentes. Para você é
diferente – e a realidade é uma e a mesma. Mas que mente você traz para interpretá-la? Então ela
muda.
Lembre-se de uma coisa básica: a menos que o padrão de sua mente seja jogado fora, a menos
que você se torne despadronizado, a menos que seu condicionamento seja jogado fora e você se
torne descondicionado, você não saberá o que é a realidade – você conhecerá somente as
interpretações. Essas interpretações são trabalhos de sua própria mente. A realidade
despadronizada é a única realidade. E esta técnica é para ajudá-lo a despadronizar, a
descondicionar, a dissolver as palavras que se juntaram na mente. Você não pode ver, por causa
delas. Seja o que for que se mostre real para você, deixe isso ser dissolvido. Imagine a energia, a
não-substância, nada estático, mas um processo, movimento, ritmo, dança, e continue
imaginando até que o universo inteiro se espiritualize. Se você persistir, em três meses de
trabalho intensivo por apenas uma hora por dia, você poderá chegar até esta sensação. Em três
meses, você poderá ter uma sensação diferente de toda a existência à sua volta. A matéria não
mais existe; existe somente o imaterial, a existência oceânica, simplesmente ondas, vibrações.
Quando isso acontece, então, você conhece o que é Deus. Esse oceano de energia é Deus. Deus
não é uma pessoa. Deus não está em algum lugar sentado num trono, no céu. Toda a energia
criativa da existência é Deus. Mas nós temos padrões de pensamento. Nós dizemos que Deus é o
criador. Deus não é o criador. Mais exatamente, Deus é a força criativa, apropria criação em si
mesma.
Isto foi imposto repetidamente em nossas mentes; que em algum lugar no passado, Deus criou
o mundo e, desde então, a criação acabou. Os cristãos têm uma história de que Deus criou o
mundo em seis dias e que no sétimo dia ele descansou. Eis por que o sétimo dia, domingo, é um
feriado. Deus repousou nesse dia. Em seis dias ele criou o mundo, para todo o sempre – e desde
então não houve mais nenhuma criação. Desde aquele sexto dia, não há nenhuma criação. Este é
um conceito muito morto. O tantra diz que Deus é própria criatividade. A criação não é um
evento histórico que aconteceu em algum lugar no passado – ela está acontecendo a cada
momento, Deus está criando a cada momento. Mas novamente a linguagem cria um problema e
nós dizemos: “Deus está criando”. Parece que Deus é alguém que continua criando. Não, a
própria criatividade que continua se movendo e se movendo a cada momento, essa própria
criatividade é Deus. Então, você está na criação a cada momento. Este é um conceito muito vivo.
Não é que Deus tenha criado algo em algum lugar e desde então não tenha mais havido nenhum
diálogo entre o homem e Deus, realmente nenhuma conexão, nenhum relacionamento – ele criou
e a coisa estava terminada. O tantra diz que a cada momento você está sendo criado, a cada
momento você está em profundo relacionamento com o divino, com a fonte da criatividade. Este
é um conceito muito vivo.
Através desta técnica, você terá vislumbres da força da criatividade, dentro e fora. E uma vez
que você possa sentir a força da criatividade e tocá-la, com o impacto disso, você se tornará
totalmente diferente, você jamais será o mesmo novamente. Deus entrou em você. Você tornou-
se uma morada.

103 Não lute contra os desejos

A segunda técnica:

Com sua consciência inteira bem no início do desejo, da percepção, saiba.

A coisa básica sobre esta técnica é “consciência inteira”. Se você puder trazer sua
consciência inteira para qualquer coisa, isso se tornará uma força transformadora. A
transformação acontece sempre que você estiver inteiro – em qualquer coisa. Mas essa é a
dificuldade, porque onde quer que estejamos, estamos somente em parte, nunca inteiramente.
Você está aqui me ouvindo. Esta própria audição pode tornar-se uma transformação. Se você
estiver inteiramente aqui, neste exato momento aqui e agora, se a audição for sua inteireza, essa
audição se tornará uma meditação: você entrará numa esfera diferente de êxtase, uma realidade
separada. Mas você não permanece inteiro. Este é o problema da mente humana: ela é sempre
parcial. Uma parte está ouvindo. A outra parte pode estar noutro lugar, ou talvez adormecida, ou
talvez pensando sobre o que está sendo dito, ou discutindo internamente. Isso cria uma divisão e
a divisão é uma dissipação de energia. Assim, ao fazer qualquer coisa, traga seu ser inteiro para
aquilo. Quando você não estiver retendo nada, quando nem mesmo uma pequena parte estiver
separada, quando você tiver dado um salto, total, inteiro e todo o seu ser tenha entrado nisso,
então, qualquer ato se torna meditativo.
Conta-se que um dia Rinzai estava trabalhando no seu jardim – Rinzai era um mestre-zen – e
alguém se aproximou. O homem tinha ido fazer alguma pergunta filosófica. Ele era um buscador
filosófico. Ele não sabia que o homem que estava trabalhando no jardim era o próprio Rinzai.
Pensou que aquele devia ser um jardineiro, um empregado. Então ele perguntou: “Onde está
Rinzai?”. Rinzai disse: “Rinzai está sempre aqui”. É claro que o homem pensou que aquele
jardineiro devia ser doido, porque ele disse que Rinzai estava sempre aqui. Então ele pensou que
não seria bom perguntar nada a esse homem novamente e começou a se afastar para perguntar a
outra pessoa. Rinzai disse: “Não vá para nenhum lugar, porque você não o encontrará em lugar
algum. Ele está sempre aqui”. Mas ele fugiu desse louco.
Então ele perguntou a outros e eles disseram: “O primeiro homem que você encontrou é
Rinzai”. Então ele voltou e disse: “Perdoe-me, sinto muito, pensei que você fosse louco. Vim
para perguntar sobre algo. Quero saber o que é a verdade. O que eu deveria fazer para conhecê-
la?”. Rinzai disse: “Faça o que quiser fazer, mas faça inteiramente”.
A questão não é o que você faz, isso é irrelevante. O ponto é que você faça com integridade.
“Por exemplo” – disse Rinzai –, “quando estou cavando este buraco na terra, minha inteireza
está presente no ato de cavar. Não há nenhuma parte de Rinzai fora disso. O todo entrou no ato
de cavar. Na verdade, não resta nem mesmo um escavador, somente o ato de escavar. Se restar o
escavador, então, você está dividido”.
Você está me ouvindo. Se restar o ouvinte, então, você não está inteiro. Se há somente o ouvir
e não subsiste nenhum ouvinte, você está inteiro, aqui e agora. Então, este exato momento se
torna uma meditação. Neste sutra, Shiva diz: Com sua consciência inteira bem no início do
desejo, da percepção, saiba. Se um desejo surgir dentro de você, o tantra não dirá para você
lutar contra ele. Isso é inútil. Ninguém pode lutar contra um desejo. É tolice também, porque
sempre que você começa a lutar contra alguma coisa dentro de você, você está lutando contra
você mesmo. Você se tornará esquizofrênico, sua personalidade ficará dividida. E todas essas
supostas religiões ajudaram a humanidade a, pouco a pouco, se tornar esquizofrênica. Todo
mundo está dividido, todo mundo está dividido e lutando contra si mesmo, porque as supostas
religiões lhe disseram: “Isto é mau. Não faça isto”. Se o desejo surge, o que fazer? Você continua
lutando contra o desejo.
O tantra diz: não lute contra o desejo. Mas isso não significa que você se torne uma vítima
dele. Isso não significa que você seja condescendente com ele. O tantra lhe dá uma técnica muito
sutil. Quando surgir o desejo, fique alerta bem no começo, com sua inteireza. Olhe para ele com
sua inteireza. Torne-se o olhar. Não deixe o observador para trás. Traga sua total consciência
para o desejo que está surgindo. Este é um método muito sutil, mas maravilhoso. Seus efeitos são
miraculosos.
Três coisas têm de ser compreendidas. Primeiro: quando o desejo já surgiu, você não pode
fazer nada. Então, ele tomará seu curso completo, ele completará seu círculo, e você não pode
fazer nada. Só no começo alguma coisa pode ser feita – a semente deve ser queimada nessa hora.
Uma vez que a semente tenha brotado e a árvore tenha começado a crescer, fica difícil, quase
impossível, fazer alguma coisa. Seja o que for que você faça, criará mais angústia, dissipação de
energia, frustração, fraqueza. Quando o desejo surgir, bem no começo, no primeiro lampejo dele,
no primeiro sinal de que um desejo está surgindo, traga sua total consciência, a inteireza do seu
ser para olhar para ele. Não faça nada. Nada mais é necessário. Com a inteireza do seu ser, o
olhar é tão flamejante que a semente é queimada, sem nenhuma luta, sem nenhum conflito, sem
nenhum antagonismo. Basta um profundo olhar com o ser inteiro e o desejo emergente
desaparece completamente. E quando um desejo desaparece sem uma luta, ele o deixa poderoso,
com tamanha energia, com tamanha percepção, que você nem pode imaginar. Se você lutar, você
será derrotado. Mesmo que você não seja derrotado e você derrote o desejo, isso também
equivalerá à mesma coisa. Não restará nenhuma energia. Você se sentirá frustrado quer você
vença ou seja derrotado. Em ambos os casos, você ficará fraco no fim, porque o desejo estava
lutando com sua energia e você estava lutando com a mesma energia. A energia estava vindo da
mesma fonte – assim, a fonte será enfraquecida seja o qual for o resultado. Mas se o desejo
desaparece logo no começo, sem nenhum conflito – lembre-se, isto é básico –, sem qualquer luta,
apenas com um olhar, nem mesmo um olhar antagonista, nem mesmo com uma mente pronta
para destruir, sem nenhuma inimizade, apenas um olhar total, na intensidade desse olhar total, a
semente é queimada. E quando o desejo, o desejo emergente, desaparece como fumaça no céu,
você é deixado com tremenda energia – essa própria energia é uma bênção. Isso lhe dará uma
beleza própria, uma graça.
Os supostos santos que estão lutando contra seus desejos são sempre feios. Quando eu digo
feio, eu quero dizer que eles estão sempre pobres, lutando. Toda a personalidade deles se torna
sem graça. E eles estão sempre fracos, com falta de energia, pois toda a energia deles é usada
nessa luta interna. Um buda é totalmente diferente. E a graça que brota na personalidade de Buda
é a graça do desejo desaparecendo sem nenhuma batalha ou luta, sem nenhuma violência interna.
Com sua consciência inteira bem no início do desejo, da percepção, saiba. Neste exato
momento, simplesmente saiba, olhe, veja. Não faça nada. Nada mais é necessário. Tudo que é
necessário é que seu ser total deve estar presente. Sua presença total é necessária. Este é um dos
segredos para se alcançar a suprema iluminação sem nenhuma violência. E lembre-se, você não
pode entrar no reino de Deus com violência. Não, aquelas portas jamais se abrirão para você, por
mais que você bata. Bata na porta continue batendo. Você talvez quebre sua cabeça, mas aquelas
portas nunca se abrirão. Mas para aqueles que no fundo são não-violentos e que não estão
lutando contra coisa alguma, aquelas portas estão sempre abertas, elas nunca estão fechadas.
Jesus disse: “Bata e as portas serão abertas para você”. Eu lhes digo que não há nem necessidade
de bater. Olhe, as portas estão abertas. Elas sempre estiveram abertas. Elas nunca estiveram
fechadas. Basta apenas um olhar profundo, íntegro, total, inteiro.

104 Os limites da percepção

A terceira técnica:

Ó Shakti, cada percepção especifica é limitada, desaparecendo na onipotência.

Tudo o que vemos é limitado, tudo o que sentimos, é limitado; todas as percepções são
limitadas. Mas, se você puder se tornar ciente disso, então, toda coisa limitada vai desaparecendo
dentro do ilimitado. Olhe para o céu. Você verá uma parte limitada dele, não porque o céu seja
limitado, mas porque seus olhos são limitados, seu foco é limitado. Mas se você puder se tornar
ciente de que esta limitação é devido ao foco, por causa dos olhos, que não é o céu que é
limitado, então, você verá as fronteiras se dissolvendo no ilimitado. A existência é ilimitada, tudo
está se fundindo com outra coisa. Tudo vai perdendo suas fronteiras, a todo momento as ondas
vão desaparecendo no oceano – e não há nenhum fim para nada e não há nenhum começo. Tudo
é tudo o mais também.
A limitação é imposta por nós. É por nossa causa, porque não podemos ver o infinito, que o
dividimos. Nós fazemos isso com todas as coisas. Você faz uma cerca ao redor de sua casa e
você diz: “Esta terra me pertence e além da cerca é terra de outra pessoa”. Mas lá no fundo, sua
terra e a terra do seu vizinho são uma só. A cerca é apenas por sua causa. A terra não é dividida,
os vizinhos são divididos – por causa de sua mente.
As nações são divididas por causa de sua mente. Em algum lugar, a Índia termina e o
Paquistão começa, mas a Índia estava onde agora está o Paquistão. Naquele tempo, a Índia ia
acima dos limites do Paquistão, dos limites atuais. Mas agora o Paquistão está separado, há uma
barreira. Mas a terra permanece a mesma.
Eu ouvi contar uma história que aconteceu quando a Índia e o Paquistão foram separados.
Havia um hospício, um asilo de loucos, bem na fronteira entre a Índia e o Paquistão. Os políticos
não estavam muito preocupados com a questão de onde o hospício deveria ficar: se ele
pertenceria ao Paquistão ou à Índia, mas o superintendente estava muito preocupado. Então, ele
perguntou onde o hospício ia ficar, se na Índia ou no Paquistão. Alguém de Delhi informou-lhe
que ele deveria perguntar aos internos, aos loucos do hospício. Então, fizeram uma votação para
saber onde eles queriam ficar.
O superintendente era o único homem que não era louco e ele tentou explicar. Reuniu todos
os loucos de uma vez e lhes disse: “Agora, é com vocês, pra onde vocês querem ir? Se vocês
quiserem ir para a Índia, vocês podem ir para a Índia. Se vocês quiserem ir para o Paquistão,
podem ir para o Paquistão”. Mas os loucos disseram: “Queremos ficar aqui. Nós não queremos ir
a lugar nenhum”. Ele tentou repetidamente explicar. Ele disse: “Vocês ficarão aqui. Não se
preocupem quanto a isso. Vocês permanecerão aqui, mas onde vocês querem ficar?”. Aqueles
loucos disseram: “As pessoas dizem que somos loucos, mas você parece mais louco. Você diz
que ficaremos aqui, então, por que se preocupar sobre ficar em outro lugar?”. O superintendente
estava sem saber como explicar a coisa toda.
Havia só um jeito. Ele levantou um muro, e dividiu o hospício em duas partes iguais. Uma
parte se tornou Índia, a outra se tornou Paquistão. E conta-se que às vezes os loucos do hospício
do Paquistão subiam no muro, os loucos da Índia pulavam para o outro lado do muro... Eles
estavam muito confusos com o que estava acontecendo. “Nós estamos no mesmo lugar, e você
foi para o Paquistão e nós fomos para a Índia, e ninguém saiu do lugar!”.
Nós continuamos dividindo. A vida, a existência, não é dividida. Todas as demarcações são
feitas pelo homem. Elas são úteis, se você não ficar louco com elas, e se você souber que elas são
simplesmente artificiais, criadas pelo homem, utilitárias, não reais, não verdadeiras, que são
apenas mitos, que podem ajudar, mas não vão mais fundo do que isso.
Ó Shakti, cada percepção especifica é limitada, desaparecendo na onipotência. Assim,
sempre que você vir alguma coisa limitada lembre-se sempre de que além do limite ela está
desaparecendo, a limitação está desaparecendo. Sempre olhe além e mais além.
Você pode tornar isto uma meditação. Basta sentar-se sob uma árvore e olhar, e seja o que for
que venha à sua visão, vá além, olhe além, e não pare em lugar nenhum. Apenas descubra onde
essa árvore está se fundindo. Aquela árvore, aquela pequena árvore no seu jardim, tem o todo da
existência nela. Ela está se fundindo a todo momento. Se o sol não surgir amanhã, esta árvore
morrerá, porque a vida desta árvore está fatalmente ligada à vida do sol. A distância entre eles é
muito grande – para os raios do sol chegarem à terra leva tempo, o tempo de dez minutos. O
tempo de dez minutos é muito longo, porque a luz viaja numa velocidade muito rápida,
fantástica. A luz viaja cento e oitenta e seis mil milhas em um segundo e leva dez minutos para
chegar do sol até esta árvore. A distância é imensa, vasta. Mas se o sol não existir mais, a árvore
imediatamente desaparece. Eles existem juntos. A árvore está se fundindo a cada momento
dentro do sol e o sol está se fundindo dentro da árvore. A todo momento o sol está entrando na
árvore, deixando-a viva... Outras coisas ainda são desconhecidas pela ciência, mas a religião diz
que outra coisa está também acontecendo – porque na vida nada pode existir sem uma resposta.
Se o sol está dando vida à árvore, a árvore deve estar retornando vida para o sol, porque na vida
há sempre uma resposta. E a energia equaliza-se. A árvore deve estar dando vida ao sol. Eles são
uma coisa só. Então, a árvore desapareceu, a limitação desapareceu.
Sempre que você olhar, olhe para além e não pare em lugar nenhum. Vá indo, indo, indo... até
você perder sua mente, até você perder todos os seus padrões limitados. De repente, você será
iluminado. Toda a existência é uma. Essa unicidade é a meta. E, de repente, a mente torna-se
cansada do padrão, da limitação, da fronteira – e à medida que você insiste em continuar indo
além, à medida que você vai mais e mais além, a mente escorrega, de repente ela cai, e você olha
para a existência como uma vasta unicidade, todas as coisas fundidas uma na outra, tudo
mudando dentro do outro.
Ó Shakti, cada percepção específica é limitada, desaparecendo na onipotência. Você pode
fazer disso uma meditação. Sente-se por uma hora e trabalhe nisso. Não crie qualquer limite em
lugar algum. Seja qual for o limite, basta tentar descobrir o além, e mover-se e continuar se
movendo. Logo, logo, a mente fica cansada, porque a mente não aguenta o ilimitado. Somente
com o limitado ela pode se relacionar. Com o ilimitado, ela não pode se relacionar: ela fica
entediada, ela se cansa, diz: “Chega, agora pare!”. Mas não pare, continue indo. Chega um
momento em que a mente é deixada para trás e somente a consciência está se movendo. Nesse
momento, você terá a iluminação da unicidade, da não-dualidade. Esta é a meta. Esse é o mais
alto pico de consciência. E esse é o maior êxtase possível para a mente humana, e a mais
profunda bênção.

105 Perceba a unicidade da existência

A quarta técnica:

Em verdade, as formas são inseparáveis. Inseparáveis são o ser onipresente e a sua


própria forma. Perceba que tudo é feito dessa consciência.

Na verdade, as formas são inseparáveis. Elas parecem separadas, mas toda forma está unida a
outras formas. Nossa realidade é uma coexistência. É realmente uma inter-realidade, uma inter-
subjetividade. Por exemplo: pense em você sozinho na terra. O que você seria? Toda a
humanidade desapareceu, você foi deixado sozinho depois da terceira guerra mundial, sozinho
nesta terra. Quem você seria? A primeira coisa é que é impossível conceber-se sozinho. É
impossível, eu digo, conceber-se sozinho. Você tentará e tentará e verá alguém ali – sua esposa,
seus filhos, seus amigos – porque você não pode existir sozinho, nem na imaginação. Você existe
com os outros. Eles lhe dão existência. Eles contribuem. Você contribui com eles e eles
contribuem com você.
Quem você seria? Você seria um homem bom ou um homem mau? Nada pode ser dito,
porque a bondade e a maldade existem relacionadas. Você seria belo ou feio? Nada pode ser dito.
Você seria homem ou mulher? Nada pode ser dito, porque seja o que for que você seja, você é
relacionado com alguém mais. Você seria sábio ou tolo? Em pouco tempo, você veria que todas
as formas desapareceram. E com essas outras formas, todas as formas dentro de você também
desapareceram. Você não é nem tolo nem sábio, nem bom nem mau, nem feio nem belo, nem
homem nem mulher. Então, o que você será? Se você for eliminando todas as formas, logo, logo,
você perceberá que somente o nada permanece. Nós vemos as formas separadas, mas elas não
são. Toda forma está ligada com outras. As formas existem num padrão.
O sutra diz: Em verdade, as formas são inseparáveis. Inseparáveis são o ser onipresente e a
sua própria forma. Até sua forma e a forma de toda a existência são inseparáveis. Você é um
com ela. Você não pode ser sem ela. E a outra coisa é também verdadeira, mas difícil de se
conceber: o universo não pode existir sem você. O universo não pode existir sem você,
exatamente como você não pode sem o universo. Você sempre existiu em muitas e muitas
formas e você existirá sempre em muitas e muitas formas. Você é uma parte intrínseca do
universo. Você não é um alienígena, você não é um estrangeiro para ele, você não é um estranho.
Você é uma pertencente, uma parte intrínseca. E o universo não pode se dar ao luxo de perder
você, porque se ele o perder, ele mesmo estará perdido. As formas não são separadas, elas são
inseparáveis. Elas são uma só. Somente a aparência dá as demarcações e as fronteiras. Isto pode
se tornar uma percepção se você ponderar sobre isto, penetrar nisso. É uma percepção da
realidade, não uma doutrina, não um pensamento, mas uma percepção de que: “Sim, eu sou um
com o universo e o universo é um comigo”.
Era isso o que Jesus estava dizendo aos judeus. Mas eles se sentiram ofendidos, porque Jesus
disse: “Eu e meu pai no céu somos um só”. Os judeus se ofenderam. O que ele estava dizendo?
Estaria ele dizendo que ele e Deus eram um só? Isso era uma blasfêmia. Ele tinha de ser punido.
Mas ele estava simplesmente ensinando uma técnica, nada mais. Ele estava simplesmente
ensinando uma técnica de que as formas não são separadas, que você e o todo são um só – “Eu e
meu pai no céu somos um só”. Mas isto não era uma alegação, era apenas uma técnica sugerida.
E quando Jesus dizia “eu e meu pai somos um só”, ele não queria dizer que você e o pai e o
divino são separados. Quando ele dizia “eu”, todos os “eus” estavam representados. Sempre que
o “eu” existe, esse “eu” e o divino são um só. Mas isso pode ser malcompreendido, e ambos,
judeus e cristãos, compreenderam-no mal. Até os cristãos compreenderam mal, porque eles
dizem que ele era o único filho de Deus, de modo que ninguém mais pode clamar que também é
um filho de Deus.
Eu estive lendo um livro muito engraçado. O título é “Três Cristos”. Num hospício, havia três
homens, e todos três clamavam que eles eram o Cristo. Isto é um fato verdadeiro, não uma
história. Então, um psicanalista estudou todos os três. Então veio um pensamento à sua mente o
pensamento de que seria muito engraçado os três serem apresentados entre si para ver o que
aconteceria – como cada um se apresentaria e o qual seria a reação deles. Então, ele reuniu os
três e deixou-os numa sala para se apresentarem. O primeiro disse: “Eu sou o único filho de
Deus, Jesus Cristo”. O outro riu e na sua mente pensou que o cara devia ser louco. Ele disse:
“Como você pode ser!? Eu sou Jesus Cristo. Você também faz parte desse todo. Um fragmento
dessa consciência também está em você. Mas Jesus Cristo, o único filho de Deus – este sou eu”.
O terceiro pensou que os dois eram tolos, que ambos tinham ficado loucos. Ele disse: “Do
que vocês estão falando!? Olhem para mim. O filho de Deus está aqui”.
Então, o psicanalista perguntou a eles, separadamente: “Qual foi a sua reação?”. Todos eles
disseram: “Aqueles dois ficaram doidos”.
E isto não é somente o caso com os loucos. Se você perguntar aos cristãos o que eles pensam
de Krishna, porque ele se diz Deus, eles dirão que há somente um único, uma única penetração
do além, e que esta aconteceu com Jesus Cristo. Que só uma vez na História, Deus penetrou no
mundo, e que foi com Jesus Cristo. Krishna é bom, um grande homem, mas não divino, não o
próprio Deus.
Se você perguntar aos hindus, eles rirão de Jesus. A mesma loucura continua, e a realidade é
que todos somos filhos únicos de Deus – todo mundo. Não é possível ser de outra maneira. Você
vem da mesma fonte, quer você seja Jesus ou Krishna, ou A, B, C, ou qualquer um, você vem da
mesma fonte. E cada “eu”, cada consciência, está imediatamente relacionada ao Divino. Jesus
estava somente dando uma técnica. Ele foi malcompreendido. Esta técnica é a mesma. Em
verdade, as formas são inseparáveis. Inseparáveis são o ser onipresente e a sua própria forma.
Perceba que tudo é feito dessa consciência. Não somente perceba que você é feito desta
consciência, perceba que tudo à sua volta é feito desta consciência. Porque é muito fácil perceber
que você é feito desta consciência, isso pode lhe dar uma sensação bem egóica, isso pode ser um
profundo preenchimento para o ego. Mas perceba que o outro também é, então, isso se torna
humildade. Quando tudo é Divino, você não pode ter nenhuma mente egoísta. Quando tudo é
Divino, você fica humilde. Então, não há a questão de você ser alguém, ou alguma coisa acima.
Então o todo da existência é Divino, e para onde quer que você olhe, você olha para o Divino.
Aquele que olha e o que é olhado são ambos Divinos, porque as formas são inseparáveis.
Debaixo de todas as formas, o sem-forma está escondido.
Capítulo 76

O ORGASMO INTERNO DO BUDA



PERGUNTAS

Sempre ouvimos dizer que o tantra basicamente se interessa pela energia sexual e por técnicas
relativas ao centro sexual, mas você diz que o tantra é todo-inclusão. Se há alguma verdade no
ponto de vista antigo, a maioria das técnicas no Vigyana Bhairava parecem ser não-tântricas.
Isso é verdade?
Você disse que a existência é um todo, que tudo está relacionado, que as coisas estão se
fundindo umas nas outras, que a árvore não pode existir sem o sol e que o sol também não
pode existir sem a árvore. Em referência a isso, por favor, explique como a ignorância e a
iluminação estão relacionadas uma com a outra.
Você poderia nos dizer, por favor, por que Krishnamurti é contra as técnicas, enquanto Shiva é
a favor de tantas técnicas.
Você disse que Shiva não é um sistematizador e que seitas não podem se formar em torno de
seus ensinamentos. Mas pessoas como Buda, Mahavir, Jesus, Gurdjieff, parecem ser grandes
sistematizadores. Por que eles têm de ser sistematizadores? Por favor, explique os prós e
contras da sistematização.
Você é um multissistematizador?

Primeira pergunta:

Sempre ouvimos dizer que o tantra basicamente se interessa pela energia sexual e por
técnicas relativas ao centro sexual, mas você diz que o tantra é todo-inclusão. Se há alguma
verdade no ponto de vista antigo, a maioria das técnicas no Vigyana Bhairava parecem ser
não-tântricas. Isso é verdade?

A primeira coisa é compreender a energia sexual. Do jeito que vocês a compreendem, ela é
apenas uma parte, uma única parte, um fragmento da força da vida, mas como o tantra a
compreende, ela é sinônimo de ‘vida’. Ela não é uma parte, não é um fragmento – é a própria
vida. Assim, quando o tantra diz energia “sexual”, isso significa energia “vital”.
O mesmo é verdade quanto aos conceitos freudianos de energia sexual. Freud também foi
muito malcompreendido no Ocidente. Parecia às pessoas que ele estava reduzindo a vida ao
sexo, mas ele estava fazendo a mesma coisa que o tantra tem feito por tanto tempo. A vida é
sexo. A palavra ‘sexo’ não está confinada à reprodução, todo o jogo da energia da vida é sexo. A
reprodução é apenas uma parte do jogo. Onde quer que haja fusão de duas energias – negativo e
positivo – o sexo entrou.
É difícil compreender. Por exemplo: você está me ouvindo. Se você perguntar a Freud, ou se
você perguntar aos mestres do tantra, eles lhe dirão que a audição é passiva, feminina; e que
falar é masculino. Falar é uma penetração e você está receptivo a ela. Entre um falante e um
ouvinte, um ato sexual está acontecendo porque o falante está tentando penetrá-lo e o ouvinte
está recebendo. A energia no ouvinte se tornou feminina, e se o ouvinte não se tornar feminino
não haverá fenômeno algum de audição. Eis por que o ouvinte tem de estar totalmente passivo.
Ele não deve pensar enquanto ouve, porque pensar o tornará ativo. Ele não deve continuar
argumentando internamente, porque o argumento o tornará ativo. Enquanto estiver ouvindo, ele
deve simplesmente ouvir, não fazer nada mais. Somente então, a mensagem penetra e se torna
iluminada. Mas então o ouvinte se tornou feminino.
A comunicação acontece somente quando uma parte se tornou masculina e a outra parte se
tornou feminina, caso contrário, não haverá comunicação. Onde quer que o negativo e positivo
se encontrem, o sexo aconteceu. Pode ser no plano físico – eletricidade positiva e negativa se
encontram, e o sexo acontece. Onde quer que as polaridades se encontrem, que os opostos se
encontrem, é sexo. Assim, o sexo é um termo muito vasto, muito espaçoso, ele não tem a ver só
com a reprodução. A reprodução é somente um tipo de fenômeno que está incluído no sexo. O
tantra diz que quando a suprema êxtase e bem-aventurança acontece dentro de você, isso
significa que seus próprios polos positivo e negativo se encontraram – porque todo homem é
ambos, homem e mulher, e todas as mulheres são os dois, homem e mulher. Você nasceu não
somente de uma mulher ou de um homem, você nasceu do encontro dos opostos. Seu pai
contribuiu, sua mãe contribuiu. Você é metade sua mãe e metade seu pai e eles dois coexistem
dentro de você. Quando eles se encontram internamente, o êxtase acontece.
Buda sentado sob a árvore bodhi está em um profundo orgasmo interno. As forças internas se
encontraram, elas se fundiram uma na outra. Agora, não há nenhuma necessidade de buscar uma
mulher no exterior, porque o encontro já aconteceu com a mulher interior. E Buda é não-
apegado, ou desapegado, da mulher exterior, não porque ele seja contra a mulher, mas porque o
supremo fenômeno já aconteceu internamente. Agora, não há nenhuma necessidade. Um círculo
interno está completo. Eis por que tanta graça vem do rosto de um ser completo. Agora, nada
está faltando, um profundo preenchimento já aconteceu, agora, não há mais nenhuma jornada
adiante. Ele já atingiu o supremo destino. As forças internas chegaram a um encontro e agora não
há mais nenhum conflito. Mas trata-se de um fenômeno sexual. Meditação é um fenômeno
sexual, eis por que é dito que o tantra é baseado no sexo, orientado pelo sexo – e todas essas
cento e doze técnicas são sexuais.
Na verdade, nenhuma técnica de meditação pode ser não-sexual. Mas você tem de
compreender a vastidão do termo “sexo”. Se não compreender, você ficará confuso, e a
incompreensão se seguirá.
Assim, sempre que o tantra diz “energia sexual”, isso significa o “élan-vital”, a própria
energia-vital. São sinônimos. O que quer que chamemos de sexo, é apenas uma dimensão da
energia-vital. Há outras dimensões. E realmente deve ser assim. Você vê a semente brotando, de
algum lugar as flores estão vindo à árvore, os pássaros estão cantando – todo o fenômeno é
sexual. É a vida manifestando a si mesma de muitas formas. Quando o pássaro está cantando, é
um chamado sexual, um convite. Quando a flor está atraindo borboletas e abelhas, é um convite,
porque as abelhas e as borboletas carregarão as sementes da reprodução. As estrelas estão se
movendo no espaço... Ninguém ainda trabalhou sobre isso, mas é um dos mais antigos conceitos
do tantra, que há planetas masculinos e planetas femininos – caso contrário não haveria nenhum
movimento. Deve ser assim, porque a polaridade é necessária, o oposto é necessário para criar o
magnetismo, para criar a atração. Os planetas devem ser machos e fêmeas. Tudo deve ser
dividido nessas duas polaridades. E a vida é um ritmo entre esses dois opostos. Repulsão e
atração, aproximação e afastamento... esses são os ritmos.
O tantra usa a palavra ‘sexo’ onde quer que os opostos se encontrem. Trata-se de um
fenômeno sexual. E como fazer seus opostos internos se encontrarem, é todo o propósito da
meditação. Assim, todos esses cento e doze métodos são sexuais. Não pode ser de outra forma,
não há nenhuma possibilidade. Mas tente compreender a vastidão do termo “sexo”.

Segunda pergunta:

Você disse que a existência é um todo, que tudo está relacionado, que as coisas estão se
fundindo umas nas outras, que a árvore não pode existir sem o sol e que o sol também não
pode existir sem a árvore. Em referência a isso, por favor, explique como a ignorância e a
iluminação estão relacionadas uma com a outra.

Elas estão relacionadas. Iluminação e ignorância são dois polos opostos. A iluminação só
pode existir porque existe a ignorância. Se a ignorância desaparecesse do mundo, a iluminação
desapareceria ao mesmo tempo. Mas devido ao nosso pensamento dualístico, sempre pensamos
que os opostos são opostos. Eles são complementares, eles não são realmente opostos. São
complementares, porque um não pode existir sem o outro. Assim, eles não são inimigos. O
nascimento e a morte não são inimigos, porque a morte não pode existir se não houver um
nascimento. O nascimento cria a base para a morte existir, mas se não houvesse nenhuma morte,
o nascimento não poderia existir. A morte cria a base – então, sempre que alguém está morrendo,
outra pessoa está nascendo. Num ponto há a morte; no outro ponto, imediatamente, há
nascimento. Eles parecem opostos, funcionam em oposição no que tange à superfície, mas lá no
fundo eles são amigos ajudando um ao outro. É fácil compreender sobre a ignorância e a
iluminação, porque pensamos que quando um homem se ilumina, a ignorância desapareceu
completamente. Este é o ponto de vista comum sobre iluminação – que a ignorância desapareceu
completamente. Não. Isso não está certo. Bem ao contrário, quando uma pessoa se torna
iluminada, a iluminação e a ignorância desapareceram juntas. Porque se uma existir, a outra
fatalmente estará presente; uma não pode existir sem a outra. Elas existem juntas ou
desaparecem juntas. São aspectos de uma só coisa, duas faces da mesma moeda. Você não pode
fazer só um lado da moeda desaparecer e ficar com o outro.
Assim, quando uma pessoa se torna um buda, nesse momento as duas desaparecem – a
ignorância e a iluminação, ambas. Resta apenas pura consciência, puro ser, e o conflito, a
oposição, os opostos que se ajudam, desapareceram. Eis por que quando perguntam a Buda o que
acontece a um iluminado, ele permanece silencioso muitas vezes. Ele diz: “Não pergunte isso,
porque seja o que for que eu diga será inverídico. Seja o que for que eu diga, não será verdadeiro.
Se eu digo que ele se tornou o silêncio, isso significa que o oposto do silêncio imperativamente
existe, caso contrário, como você pode sentir o silêncio? Se eu digo que ele se tornou bem-
aventurança, então, a angústia deve existir ainda, lado a lado. Como você pode sentir a bem-
aventurança sem a angústia?”. Buda diz: “Seja o que for que eu diga será inverídico”. Assim, ele
permanece consistentemente silencioso sobre o estado de uma pessoa iluminada, porque todos os
termos são duais. Se você diz luz, e se alguém insiste: “Defina a luz”. Como você vai defini-la?
Você terá de introduzir a escuridão; somente então, você pode defini-la. Você dirá que a luz é
onde a escuridão não existe – ou alguma coisa parecida.
Um dos maiores pensadores do mundo, Voltaire, dizia que você só pode se comunicar se você
definir seus termos antes. Mas isso é impossível. Se você tem de definir a luz, você terá de
introduzir a escuridão. E depois, se lhe perguntarem o que é a escuridão, você terá de defini-la
pela luz, que é indefinível. Todas as definições são circulares. Costumava-se perguntar “O que é
a mente?” e a definição era: “Não é matéria”. E “O que é matéria?”. A definição era: “Não é
mente”. Os dois termos são indefiníveis e você está pregando uma peça em você mesmo. Você
define um termo pelo outro termo, o qual ele mesmo precisa de definição. Toda língua é circular
e o oposto é necessário.
Assim, Buda diz: “Eu nem direi que a pessoa iluminada existe”. Porque a existência só é
possível se a não-existência também estiver presente. Então, ele não dirá nem que você existe
depois da iluminação, porque a existência tem de ser definida pela não- existência. Nada pode
ser dito então, porque todas as línguas consistem de polos opostos. Eis porque nos Upanishads é
dito que se alguém disser que ele está iluminado, saiba bem que ele não está. Porque como ele
pode sentir que está iluminado? Alguma ignorância imperativamente permanece, porque um
contraste é necessário.
Se você escreve num quadro-negro com giz branco – quanto mais negro o quadro, mas branca
será a escrita. Você não pode escrever num quadro-branco com giz branco. Se você o fizer, não
haverá nenhuma escrita. O contraste é necessário. Se você sente que está iluminado, isso mostra
que o quadro-negro está bem ali – somente então você poderia sentir isso. Se o quadro-negro
tivesse realmente desaparecido, a escrita também teria desaparecido. Acontece simultaneamente.
Então, um buda não é nem ignorante nem sábio, ele simplesmente é. Você não pode pô-lo em
nenhum dos polos, em nenhuma dualidade. Os dois polos desapareceram.
Quando eles desaparecem, como acontece? Quando ambos os polos se encontram, eles se
negam mutuamente e desaparecem. De uma outra forma pode-se dizer que Buda é ambos, a
pessoa mais ignorante e a mais iluminada. A polaridade chegou a seu ponto extremo, ouve um
encontro, e o encontro cancelou ambos. O menos e o mais juntaram-se. Agora, não há nem
menos nem mais, porque eles se cancelaram um ao outro. O menos cancelou o mais e o mais
cancelou o menos, ambos desapareceram e sobrou um puro ser, um ser inocente. Você não pode
dizer que ele é sábio, você não pode dizer que ele é ignorante – ou, você pode dizer que ele é
ambos.
Iluminação significa o ponto de onde você salta para dentro do não-dual. Antes desse ponto
só existe dualidade. Tudo está dividido.
Alguém perguntou a Buda: “Quem você é?”. Ele riu e disse: “Isso é difícil de dizer”. Mas o
homem insistiu: “Alguma coisa pode ser dita, porque você existe. Alguma coisa significativa
pode ser afirmada, porque você existe”. Mas Buda disse: “Nada pode ser dito. Eu sou, mas até
mesmo dizer isto me conduz ao inverídico”. Então, o homem tomou outra rota. Ele perguntou:
“Você é uma homem ou uma mulher?”. Buda disse: “É difícil de dizer. Uma vez eu fui um
homem, mas então todo o meu ser era atraído na direção das mulheres. Quando eu era um
homem, minha mente era cheia de mulheres, e quando as mulheres desapareceram da minha
mente, meu homem também desapareceu com elas. Agora eu não sei dizer. Eu não sei quem eu
sou e é muito difícil definir”.
Quando a dualidade não existe mais, nada mais pode ser definido. Assim, se você está ciente
de que você se tornou sábio, isso significa que a tolice persiste. Se você pensa que você se tornou
bem-aventurado, isso significa que você ainda está no mundo, no reino da angústia. Se você diz
que você sente um bem-estar muito profundo, uma saúde, isso significa que a enfermidade ainda
é possível. O oposto se seguirá; se você carrega um, o outro acompanhará. Você tem de
abandonar os dois. E o abandono acontece quando os dois se encontram. Assim, a ciência básica
de toda religião é como permitir o encontro, de modo que eles desapareçam sem deixar um rastro
sequer. Você desaparecerá com o desaparecimento dos opostos. Você, como você é, não mais
estará presente e algo totalmente novo e desconhecido, alguma coisa inimaginável surgirá. Esta
“alguma coisa” é chamada de Brahma – você pode chamá-lo de Deus. Buda prefere o termo
“nirvana”. A palavra ‘nirvana’ simplesmente significa “cessação do passado”. E você não pode
usar as experiências do passado e o conhecimento para definir este novo. Este novo é indefinível.
Ignorância e iluminação são também parte da dualidade. Para nós, Buda parece iluminado
porque nós estamos na ignorância. Para Buda, ele mesmo não é nem uma coisa nem outra. É
impossível para ele pensar em termos de dualidade.

Terceira pergunta:

Você poderia nos dizer, por favor, por que Krishnamurti é contra as técnicas, enquanto
Shiva é a favor de tantas técnicas.

Ser contra as técnicas é simplesmente uma técnica. Não somente Krishnamurti está usando
essa técnica, ela foi usada muitas vezes antes. Ela é uma das mais velhas técnicas, não há nada de
novo nela.
Dois mil anos atrás, Bodhidharma usou-a. Ele introduziu na China o que hoje é conhecido
como Chan ou Zen-budismo. Ele era um monge hindu, um monge vindo da Índia. Ele acreditava
na não-técnica. O zen é baseado na não-técnica. Os mestres do zen dizem que se você fizer
alguma coisa, você perderá, porque... – quem fará? Você? Você é a doença, e de você não pode
nascer nada além disso. Quem se esforçará? Sua mente. E sua mente tem de ser destruída – e
você não pode destruir a própria mente, com a ajuda dela. Seja o que for que você faça, sua
mente ficará mais fortalecida.
Assim, o Zen diz que não há nenhuma técnica, nenhum método, não há nenhuma escritura e
não pode haver nenhum guru. Mas a beleza é que o zen criou os maiores dos gurus e os mestres
do zen escreveram as melhores escrituras do mundo. E através do zen, milhares e milhares de
pessoas atingiram o nirvana – mas eles dizem que não há nenhuma técnica.
Assim, tem de ser compreendido que a não-técnica é realmente uma das técnicas mais
básicas. A ênfase cai sobre o “não”, de modo que sua mente seja negada. A mente tem duas
atitudes – sim ou não. Essas são as duas possibilidades, as duas alternativas, exatamente como
em todas as coisas. O “não” é o feminino e o “sim” é o masculino. Você pode usar o método do
não ou pode usar o método do “sim”. Se você seguir o método do “sim”, então, há muitos
métodos – mas você tem de dizer “sim” e pode haver muitos “sins”. Se você seguir o “não”,
então, não há muitos métodos, somente um, porque não pode haver muitos “nãos”.
Olhe para isto: há tantas religiões no mundo, muitos tipos de teísmos. Há pelo menos
trezentas religiões presentes neste momento. Assim, o teísmo tem trezentos templos, igrejas,
escrituras. Mas há somente um tipo de ateísmo, não pode haver dois. Os ateus não têm nenhuma
seita. Quando você diz que não há nenhum Deus, a coisa acaba. Você não consegue diferenciar
entre dois “nãos”, você não faz nenhuma diferença. Mas, quando você diz “sim, existe Deus”,
então, há a possibilidade de diferenciação. Porque meu “sim” criará meu próprio Deus e o seu
“sim” criará seu próprio Deus. Seu “sim” talvez seja para Jesus, meu “sim” talvez seja para
Krishna – mas, quando você diz “não”, então, todos os “nãos” são similares. Eis por que na terra
não há nenhuma seita dentro do ateísmo.
Os ateístas são todos parecidos. Eles não têm nenhuma escritura, não têm nenhuma igreja.
Quando não se tem nenhuma atitude positiva, não há nada sobre o que diferir – um simples
“não” é suficiente. O mesmo aconteceu com as técnicas: o “não” tem somente uma técnica, o
“sim” tem cento e doze, ou muitas mais até são possíveis. Você pode criar novas combinações.
Alguém já disse que o método que eu ensino, o método dinâmico de meditação, não está
incluído nesses cento e doze métodos. Não está incluído, porque se trata de uma nova
combinação, mas tudo que existe nele está incluído nos cento e doze métodos. Algumas partes
estão em uma técnica, outra parte está em outra técnica. Estas cento e doze técnicas são os
métodos básicos. Você pode criar milhares a partir deles. Não há fim para isso. Qualquer número
de combinações é possível.
Mas os que dizem que não existe nenhum método, podem ter apenas um método. Você não
pode criar muito a partir do “não”. Assim Bodhidharma, Lin Chi, Bokuju, Krishnamurti, têm
somente um método. Krishnamurti vem após uma sucessão de mestres do zen. Ele está falando
zen. Nada é novo nisso. Mas o zen sempre parece novo, e a razão é que o zen não acredita em
escrituras, não acredita em tradições, não acredita em técnicas.
Assim, quando quer que o “não” surge novamente, ele vem fresco e novo. O “sim” acredita
na tradição, nas escrituras, nos mestres. Sempre que existir o “sim”, haverá um longo período de
tradição sem começo. Aqueles que disseram “sim”, Knshna ou Mahavir, dizem que não estão
dizendo nada novo. Mahavir diz: “Antes de mim, vinte e três teerthankaras ensinaram o
mesmo”. E Krishna diz: “Antes de mim, este vidente deu essa mensagem para aquele vidente;
este vidente passou a mensagem para aquele outro, e vem sendo assim até agora. Eu não estou
dizendo nada novo”.
O “sim” sempre será velho, eterno. O “não” sempre será novo, como se ele tivesse surgido de
repente. O “não” não tem raízes tradicionais. Ele é desenraizado. Eis por que Krishnamurti
parece novo. Ele não é.
O que é esta técnica de “negar a técnica”? Ela pode ser usada. É um dos caminhos mais sutis
para matar e destruir a mente. A mente tenta se agarrar a alguma coisa que sirva como apoio; a
mente precisa de apoio para existir, ela não pode existir num vácuo. Então, ela cria vários tipos
de apoios – as igrejas, as escrituras, a Bíblia, o Alcorão, o Gita – então, ela fica feliz, há algo em
que se agarrar. Mas então, com essa ligação, a mente permanece.
Esta técnica da não-técnica insiste em destruir todos os apoios. Assim, ela insistirá que não há
nenhuma escritura. Nenhuma Bíblia pode ser de auxílio, porque a Bíblia não é nada além de
palavras; nenhum Gita pode ser de auxílio, porque seja o que for que você venha a saber através
do Gita, será um empréstimo, e a verdade não pode ser tomada emprestado. Nenhuma tradição é
de qualquer ajuda, porque a verdade tem de ser alcançada autenticamente, individualmente. Você
tem de chegar a ela, ela não pode ser transferida para você. Nenhum mestre pode dá-la a você,
porque ela não é algo assim como uma propriedade. Ela é intransferível, não pode ser ensinada,
porque não se trata de uma informação. Se um mestre lhe ensina, você pode aprender somente
palavras, conceitos, doutrinas. Nenhum mestre pode torná-lo uma pessoa realizada. Essa
realização tem de acontecer sem nenhuma ajuda. Se ela acontece através de alguma ajuda, então,
ela é dependente e então não pode conduzi-lo à suprema liberdade, à Moksha.
Essas são as partes desta não-técnica. Através dessas críticas, negações e discussões, os
apoios são destruídos. Então você é deixado sozinho sem nenhum guru, sem escritura, sem
tradição, sem igreja, sem ter para onde se mover, nenhum lugar para ir, nenhum lugar do qual ser
dependente. Você é deixado em um vácuo. E realmente, se você puder conceber este vácuo e
estiver pronto para estar nele, você será transformado. Mas a mente é muito esperta. Se
Krishnamurti diz a você que estas são as coisas – nenhum apoio, nada no qual se agarrar,
nenhuma escritura, nenhuma técnica – você se agarrará a Krishnamurti. Há muitos agarrados a
ele. A mente já criou de novo um apoio e aí fica tudo perdido. Muitas pessoas vêm a mim e
dizem: “Nossas mentes estão angustiadas. Como chegar à paz interior, como atingir o silêncio
interior?”. E se eu lhes dou uma técnica, elas dizem: “Mas as técnicas não podem ajudar, porque
nós estivemos ouvindo Krishnamurti”. Então, eu lhes pergunto: “Então por que vieram até mim?
E o que vocês pretendem quando perguntam como atingir o silêncio. Vocês estão pedindo uma
técnica e ainda continuam indo ouvir Krishnamurti. Por quê? Se não há nenhum mestre e se o
real não pode ser ensinado, então por que vocês vão lá para ouvi-lo? Ele não pode ensinar-lhes
nada. Mas vocês continuam ouvindo-o e sendo ensinados. E agora vocês começaram a se agarrar
a esta não-técnica. Então, sempre que alguém lhes dá uma técnica, vocês dizem: ‘Não. Nós não
acreditamos em técnicas’. E vocês ainda estão não-silenciosos. Então o que aconteceu? Onde
perderam o trem? Se vocês realmente não precisam de nenhuma técnica, se vocês não tem
nenhuma técnica – vocês devem ter alcançado. Mas vocês não alcançaram”.
O ponto básico foi perdido: o ponto básico é que, para esta técnica não-técnica funcionar,
você deve destruir todos os apoios, não deve se agarrar a nada. E isso é muito árduo. É quase
impossível. Eis por que tantas pessoas, nesses últimos quarenta anos, estiveram ouvindo
Krishnamurti, mas nada aconteceu a elas. É muito árduo e difícil, quase impossível permanecer
sem apoio, permanecer totalmente sozinho e ficar alerta para a mente não ter permissão de criar
nenhum apoio. Porque a mente é muito ladina, ela pode criar apoios sutis repetidamente. Você
pode jogar fora o Gita, mas então você enche o espaço com os livros de Krishnamurti. Você pode
rir de Mahavir, mas, se alguém rir de Krishnamurti, você fica com raiva. Novamente, de modo
nebuloso, você criou um apoio, você se agarrou.
O não-agarramento é o segredo deste método. Se você puder fazer isso, é bom; se não puder,
então, não se engane. Então, há métodos. Use-os! Então tenha clareza de que você não pode estar
sozinho; assim, você receberá alguma ajuda. A ajuda é possível. Através da ajuda também, a
transformação é possível. Estes são os opostos – “não” e “sim”. Você pode partir de qualquer um
deles, mas você tem de decidir sobre sua própria mente e seu funcionamento. Se você sente que
não pode ficar sozinho...
Certa vez, quando estava hospedado em um pequeno povoado, um homem veio a mim e
disse: “Eu estou confuso. Minha família está tentando arranjar um casamento para mim”. Ele era
um jovem, recém-saído da universidade. Ele disse: “Eu não quero ficar envolvido nessa coisa
toda. Eu quero me tornar um saniássin, quero renunciar a tudo. Qual é o seu conselho?”. Eu lhe
disse: “Eu nunca fui perguntar a ninguém, mas você veio pedir meu conselho. Quando você vem
pedir conselho, isso mostra que você precisa de apoio, que você precisa. Será difícil para você
viver sem uma esposa. Isso também é um apoio”.
Você não pode viver sem uma esposa, você não pode viver sem seu marido, mas você pensa
que você pode viver sem um guru? Impossível! Sua mente precisa de apoio de todo jeito. Por
que você vai a Krishnamurti? Você vai para aprender, você vai para ser ensinado, você vai para
pegar conhecimento emprestado. Caso contrário, não há nenhuma necessidade. Muitas vezes
acontece de amigos dizerem: “Seria bom se você e Krishnamurti se encontrassem”. Então eu lhes
digo: “Vá e pergunte a Krishnamurti. E se ele quiser o encontro, eu irei. Mas o que aconteceria
nesse encontro? O que faríamos? Do que falaríamos? Nós podemos permanecer em silêncio.
Qual é a necessidade? Mas eles dizem: “Seria bom se os dois se encontrassem. Seria bom para
nós. Ficaremos felizes de ouvir o que você diz”.
Então eu lhes contei uma história.
Uma vez aconteceu de um místico muçulmano, Farid, estar viajando. Quando eles chegaram
perto da cidade de Kabir, outro místico, os seguidores de Farid disseram que seria muito bom se
eles dois se encontrassem. E quando os discípulos de Kabir tomaram conhecimento disso,
também insistiram: como Farid estava de passagem, eles deviam convidá-lo. Kabir disse que
estava bem. Farid também disse: “Está bem. Nós iremos, mas não digam nada quando eu entrar
na cabana de Kabir: permaneçam bem silenciosos”.
Por dois dias, Farid hospedou-se na cabana de Kabir. Houve silêncio total. Eles se sentaram
silenciosamente por dois dias e então Kabir foi até a fronteira da sua cidade, para a despedida de
Farid – e em silêncio eles se separaram. No momento em que se separaram, os seguidores dos
dois começaram a perguntar. Os seguidores de Kabir lhe perguntaram: “O que foi aquilo? Virou
um tédio. Vocês permaneceram sentados em silêncio durante dois dias, nem mesmo uma única
palavra foi dita. E nós estávamos tão ávidos para ouvir”. Os seguidores de Farid também
disseram: “O que foi que aconteceu? Tão estranho! Dois dias contínuos, ficamos observando e
observando e observando... e esperando por algo que viesse desse encontro. Mas não veio nada”.
Consta que Farid disse: “O que vocês pretendiam? Duas pessoas que sabem, não podem falar;
duas pessoas que não sabem, podem falar muito, mas é inútil, até perigoso. A única possibilidade
é uma pessoa que sabe, falando para uma que não sabe” – E Kabir disse: “Quem quer que
pronunciasse uma única palavra teria provado que não sabia”.
Vocês continuam buscando conselho, vocês continuam buscando apoios. Perceba bem isso –
se você não pode permanecer sem apoio, então, é bom descobrir um apoio, um guia,
conscientemente. Se você acha que não há nenhuma necessidade, que você se basta, então, pare
de procurar Krishnamurti ou qualquer outro. Pare de ir e fique sozinho.
Aconteceu também a pessoas que estavam sozinhas, mas o fenômeno é muito raro. Às vezes
acontece a uma pessoa entre milhões – e isso também não é sem alguma causa. Essa pessoa deve
ter estado buscando durante muitas vidas; talvez tal pessoa tenha descoberto muitos apoios,
muitos mestres, muitos guias e, agora, chegou um ponto onde ela pode ficar sozinha. Somente
então acontece. Mas sempre que acontece de uma pessoa alcançar a suprema solidão, ela começa
a dizer que pode acontecer com você também. É natural.
Como aconteceu a Krishnamurti sozinho, ele continua dizendo que pode acontecer a você.
Isso não pode acontecer a vocês! Vocês estão em busca de um apoio e isso mostra que sozinhos
vocês não conseguem fazê-lo. Assim, não seja enganado por si mesmo! Seu ego talvez se sinta
bem: “Eu não preciso de nenhum apoio!”. O ego sempre pensa em termos de “eu sozinho me
basto”, mas o ego não ajudará. Isso se tornará a maior barreira possível. A não-técnica é uma
técnica, mas somente para pessoas bem específicas. Para aqueles que já batalharam em muitas
vidas e agora chegaram a um ponto onde conseguem ficar sozinhos, esta técnica é útil. E se você
é esse tipo de pessoa, eu sei bem que você não estará aqui. Assim, não me preocupo com essa
pessoa – ela não pode estar aqui. Não somente aqui. Em lugar nenhum ela pode estar com um
mestre, ouvindo, buscando, procurando, praticando. Ela não será encontrada em lugar nenhum.
Então, podemos deixá-la, não precisamos discuti-la.
Essas técnicas são para vocês. É assim que concluirei: Krishnamurti está falando para pessoas
que não podem estar lá e eu estou falando para pessoas que estão aqui. Seja o que for que
Krishnamurti esteja dizendo é absolutamente certo, mas as pessoas para as quais ele está falando
são absolutamente as erradas. As pessoas que podem ficar sozinhas, que podem alcançar sem
nenhum método, nenhum apoio, nenhuma escritura, nenhum guru, não irão ouvir Krishnamurti,
porque não há nenhuma necessidade, não há nenhum significado em ir lá. E aqueles que vão para
ouvir, não são desse tipo; eles ficarão em profunda dificuldade – e já estão. Eles precisam de
apoio e a mente deles continua pensando que não há nenhuma necessidade de apoio. Eles
precisam de um guru e a mente deles continua dizendo que o guru é uma barreira. Eles precisam
de técnicas e logicamente eles já concluíram que as técnicas não ajudam. Eles estão em profunda
confusão mental, mas a confusão é criada por eles mesmos.
Antes de você começar a fazer alguma coisa, você deve tentar compreender que tipo de mente
você tem, porque essencialmente o guru não é significativo, essencialmente nossa mente é que é
significativa. A última decisão virá através da sua mente, o destino será preenchido através da
sua mente – então, compreenda-a, sem nenhum ego lhe trazendo confusão. Simplesmente
compreenda se você precisa de apoio, direção, técnicas, métodos para trabalhar. Se você precisa
deles, encontre-os. Se você não precisa, não há problema: fique sozinho, separado, ande só, sem
se apoiar em nada. O mesmo acontecerá através de ambos os caminhos.
“Sim” e “não” são dois opostos e você tem de descobrir dentre os dois qual é o seu caminho.

A última pergunta:

Você disse que Shiva não é um sistematizador e que seitas não podem se formar em torno de seus
ensinamentos. Mas pessoas como Buda, Mahavir, Jesus, Gurdjieff, parecem ser grandes sistematizadores. Por
que eles têm de ser sistematizadores? Por favor, explique os prós e contras da sistematização.
Você é um multissistematizador?

Estas são as duas possibilidades: você pode criar um sistema para ajudar as pessoas, criar
multissistemas para ajudar as pessoas; ou a outra possibilidade – você pode tentar destruir
sistemas para ajudar as pessoas. Novamente, o “sim” e o “não”. Novamente os polos opostos.
Bodhidharma é um destruidor de sistemas, Krishnamurti é um destruidor de sistemas, toda a
tradição do zen é destruidora de sistemas. Mahavir, Maomé, Jesus, Gurdjieff, são grandes
sistematizadores. Os problemas é que não conseguimos compreender a essas duas coisas
contraditórias simultaneamente juntas: pensamos que uma delas pode estar certa, mas as duas
não. Se os sistematizadores estão certos, então, nossa mente diz que os destruidores de sistemas
devem estar errados. Ou se os destruidores de sistemas estão certos, então, os sistematizadores
devem estar errados. Não. Ambos estão certos.
Um sistema significa um padrão para se seguir, um mapa bem definido para se seguir, de
modo que não surja nenhuma dúvida, não surja nenhuma indecisão e você possa seguir com
absoluta fé. Lembrem-se disto: um sistema é criado para criar fé, para criar confiança. Se tudo
estiver claro, então, haverá confiança mais facilmente. Se todas as suas perguntas forem
respondidas matematicamente, então você estará num estado em que não há dúvidas e você
poderá prosseguir. Assim, às vezes, Mahavir responde suas perguntas absurdas também. São
perguntas fúteis, insignificantes, mas ele responderá. E ele responderá de tal modo que o ajude a
ter confiança, porque essa qualidade de confiança é necessária.
Quando alguém tenta penetrar no desconhecido, é preciso uma profunda confiança, caso
contrário fica impossível se mover. Será tao perigoso, que você ficará com medo. É escuro, o
caminho não é claro, tudo é caos e cada passo o conduz para dentro de cada vez maior
insegurança. Daí é preciso de um sistematizador, de modo que tudo esteja planejado: você sabe
tudo sobre céu e inferno e o supremo moksha, de onde você partirá, por onde você passará. Cada
polegada foi mapeada. Isso lhe dá uma segurança – uma sensação de que tudo vai indo bem. As
pessoas já estiveram por ali antes e você não está andando em terra de ninguém, você está
andando para dentro do desconhecido. Um sistema faz parecer como se aquilo fosse conhecido.
Isso é para ajudá-lo, só para lhe dar apoio. E se você tem fé, então, você terá energia para seguir.
Se você tem dúvida, você dissipará energia e seguir será difícil.
Os sistematizadores tentaram responder a todos os tipos de perguntas e criaram um mapa
claro e nítido. Com esse mapa nas mãos, você sente que tudo está bem, que você pode
prosseguir. Mas eu lhes digo: todo sistema é puramente artificial. Todo sistema é apenas para
ajudá-lo. Ele não é verdadeiro. Nenhum sistema pode ser verdadeiro – ele é um estratagema. Mas
ele ajuda, porque toda a sua personalidade é tão não-verdadeira que até estratagemas inverídicos
ajudam. Você vive em mentiras e você não pode compreender a verdade. Um sistema significa
menos mentiras e, então, ainda menos mentiras e então, pouco a pouco, gradativamente, você
chega cada vez mais e mais perto da verdade. Quando a verdade é revelada a você, o sistema fica
sem significado, ele simplesmente some.
Quando Sariputta se tornou iluminado, chegou à realização final, ele, daquele ponto, olhou
para trás e viu que todo o sistema tinha desaparecido. O que quer que ele tivesse aprendido, não
existia mais. Então, ele disse a Buda: “O sistema todo que me foi ensinado, desapareceu”. Buda
lhe disse, então: “Mantenha silêncio, não diga aos outros! Desapareceu, tinha de desaparecer,
porque ele nunca existiu, era um faz-de-conta. Mas ele o ajudou a chegar a este ponto. Não diga
àqueles que ainda não chegaram, porque se eles souberem que não há nenhum conhecimento
aonde estão indo, eles abandonarão. Eles não podem entrar no desconhecido desguarnecidos, não
podem ir sozinhos”. Acontece muitas vezes. Esta tem sido minha própria experiência, que as
pessoas vêm a mim e dizem: “Agora a meditação está indo fundo, mas eu estou apavorado”.
Uma última sensação fatalmente virá quando você sentir um medo “mortal”, como se a morte
estivesse chegando bem perto. Quando a meditação chega ao seu ápice, ela é parecida com a
morte. Eu digo a eles: “Não se preocupe, estou com você”. Então, eles se sentem bem. Eu não
posso estar lá – impossível! Ninguém pode estar lá, você estará sozinho. Esse ponto é de total
solidão. Mas, quando eu digo “eu estarei lá, não se preocupe, vá em frente”, eles se sentem bem
e seguem. Se eu disser: “Você estará sozinho e ninguém vai estar lá” – eles recuarão. Chegou o
ponto onde o medo fatalmente estará presente. O abismo está ali e eles vão cair – eu devo ajudá-
los a cair. Então eu digo que estou ali, apenas pule: E eles pulam! Depois do salto, eles ficarão
sabendo que ninguém estava lá, mas agora, agora a coisa toda acabou. Eles não podem retornar.
Este é o estratagema.
Todos os sistemas são artifícios para ajudar: para ajudar pessoas que estão cheias de dúvidas,
para ajudar pessoas que não têm confiança. Para ajudar pessoas a se moverem para o
desconhecido sem medo, os sistemas são criados. Nesses sistemas, tudo é apenas como um mito,
eis por que há tantos sistemas. Mahavir cria seu próprio sistema – esse sistema é criado de
acordo com as necessidades dos seus seguidores. Assim, ele cria um sistema. Aquilo é um mito,
mas que ajuda muito, porque muitos se moveram através dele e chegaram à verdade. E quando
eles chegaram, eles souberam que o sistema era falso – mas funcionou.
Buda define a verdade como “aquilo que funciona”. Sua definição de verdade é esta, “aquilo
que funciona”. Se uma mentira funciona, ela é verdadeira, e se uma verdade não funciona, ela é
falsa.
Há muitos sistemas, e todo sistema ajuda. Mas não é todo sistema que pode ajudar todo
mundo. Eis porque as velhas religiões insistiram que uma pessoa não devia ser convertida numa
nova religião, porque embora a mente possa ser condicionada depois de certo tempo num sistema
e ser mudada, lá no fundo você nunca mudará, e um novo sistema jamais será útil para você. Um
hindu pode se tornar um cristão, um cristão pode se tornar um hindu, mas depois da idade de sete
anos a mente está quase fixamente determinada, condicionada. Assim, se um hindu vira um
cristão, ele permanecerá um hindu lá no fundo e o sistema cristão não o ajudará. E ele perde
contato com seu próprio sistema, que poderia já ter funcionado.
Os hindus e os judeus sempre foram contra a conversão. Não somente contra a conversão – se
alguém quiser entrar na religião deles voluntariamente, eles resistirão. Eles dirão: “Não, siga seu
caminho.”. Porque um sistema é um grande fenômeno inconsciente; ele tem de ir fundo no
inconsciente, somente então, ele pode ajudar. Caso contrário, ele não pode ajudar e fica uma
coisa artificial. Ele é como uma língua. Você jamais pode falar uma língua como você fala sua
língua materna, é impossível. Nada pode ser feito quanto a isso. Por mais eficiente que você se
torne noutra língua, ela permanecerá superficial. Lá no fundo sua língua materna continuará a
influenciá-lo. Seus sonhos serão na sua língua materna; o inconsciente funcionará com a língua
original. Qualquer coisa pode ser imposta sobre e acima dela, mas ela não pode ser substituída.
Os sistemas religiosos são como a língua, eles são línguas diferentes. Mas se eles penetram
fundo, ajudam, porque você sente confiança. O sistema é irrelevante, mas a confiança é
relevante. Você sente confiança, então, você se move com passos firmes – você sabe aonde vai.
E esse saber ajuda.
Mas há destruidores de sistemas também e eles também ajudam. Existe um ritmo circular,
assim como o dia e noite – de novo vem o dia, de novo vem a noite. Eles ajudam porque às vezes
acontece que quando há muitos sistemas as pessoas ficam confusas, e em vez de se moverem
com os mapas, os mapas se tornam tão pesados, que elas não conseguem carregá-los mais. Isso
acontece sempre.
Por exemplo: uma tradição, uma tradição bem antiga, é de ajuda, porque ela dará confiança,
porque é muito velha. Mas, devido a ser tão velha, ela é pesada também, ela tornou-se um peso
morto. Então, em vez de auxiliá-lo a se mover, você não pode se mexer, por causa dela. Você
tem de ser descarregado. Então, há sistemas destruidores que destroem o sistema da sua mente e
o descarrega e o ajuda a se mover. Ambos ajudam, mas depende. Depende da época, depende das
pessoas que estejam sendo ajudadas.
Nesta época, os sistemas se tornaram muito pesados e confusos. Por muitas razões, todo o
pormenor foi perdido. Antes, cada sistema vivia em seu próprio mundo: um jaina nascia jaina,
vivia jaina, morria jaina. Ele não estudava as escrituras hindus, elas eram proibidas. Ele não
podia ir à mesquita nem à igreja, isso era pecado. Ele vivia dentro das paredes de seu sistema.
Nada alheio jamais penetrava na sua mente, então, nenhuma havia confusão. Mas tudo isso foi
destruído e todo mundo está familiarizado com tudo o mais. Os hindus estão lendo o Alcorão e
os muçulmanos estão lendo o Gita. Os cristãos estão vindo para o Oriente e o Oriente está indo
para o Ocidente. Está tudo confuso. A confiança que vinha de um sistema não mais existe. Tudo
penetrou sua mente e as coisas estão misturadas. Jesus não mais está sozinho lá, Krishna
penetrou e Maomé também penetrou. E eles se contradizem um ao outro dentro de você. Agora,
nada mais é certo.
A Bíblia diz isto, o Gita diz exatamente o contrário. Maomé diz isto, Mahavir é exatamente o
oposto. Eles se contradizem. Você não está mais em algum lugar. Você não pertence, você está
simplesmente parado, confuso. Nenhum caminho é seu. Em tal estado de mente, o destruidor de
sistemas pode ajudar. Daí o grande apelo de Krishnamurti no Ocidente. Ele não tem tanto apelo
no Oriente, porque o Oriente ainda não está tão confuso quanto o Ocidente, porque o Oriente
ainda não é tão instruído sobre os outros sistemas. O Ocidente é obcecado em a conhecer sobre
outros. Eles sabem demais. Agora, nenhum sistema é real, eles sabem que tudo é um faz-de-
conta, e uma vez que você saiba disso, ele deixa de funcionar.
Krishnamurti apela a eles, porque ele diz “deixem todos os sistemas”. Se você deixar todos os
sistemas, você ficará confuso – mas isso depende de você. Talvez aconteça, como acontece
quase sempre, que todos os sistemas permaneçam aí e este novo sistema de destruir todos os
sistemas entre também. Assim, mais uma doença é acrescentada.
Jesus continua falando, Krishna continua falando – e, então, Krishnamurti também entra. Sua
mente se torna a Torre de Babel – tantas línguas e você não pode compreender o que está
acontecendo. Você se sente enlouquecido.
Se você puder acreditar num sistema, tanto melhor; se você não puder acreditar em nenhum
sistema, então abandone todos. Então, fique completamente limpo, descarregado. Mas não fique
no meio dessas duas alternativas. E parece que todos estão apenas no meio. Às vezes você vai
para a direita, às vezes para a esquerda; depois, novamente, para a direita e depois para a
esquerda – como um pêndulo de um relógio. Você vai deste lado para aquele, desse outro lado
para aquele outro. Esse movimento talvez lhe dê a impressão como que você esteja
prosseguindo. Você não está prosseguindo para lugar nenhum. Cada passo anula o outro, porque
quando você anda para a direita e depois para a esquerda, você vai se contradizendo. No final,
você está apenas confuso, desorientado, um caos.
Se você ficar descarregado completamente, isso será de auxílio. Você ficará limpo, inocente,
como criança; e você pode voar. Ou, se esta compreensão parece perigosa demais para você, se
você está com medo de descarregar, porque isso o conduzirá para dentro do vácuo, para dentro
do vazio, se essa compreensão mostrar-se perigosa e você se apavorar, então, escolha um
sistema.
Mas há muitos que vão continuar lhe dizendo que é tudo o mesmo: o Alcorão diz o mesmo, a
Bíblia diz o mesmo, o Gita diz o mesmo, a mensagem deles é a mesma. Essas pessoas são os
grandes criadores de confusão. O Alcorão, a Bíblia, o Gita não dizem o mesmo, eles são
sistemas. Sistemas bem delineados. Diferentes. Não somente diferentes, mas às vezes
contraditórios e opostos.
Por exemplo: Mahavir diz que a não-violência tem de ser a chave. Se você for violento,
mesmo levemente violento, a porta da suprema realidade estará fechada para você. Esta é uma
técnica. Tornar-se totalmente não-violento precisa de uma completa limpeza da sua mente e do
seu corpo – de ambos. Você tem de ser purificado completamente, somente então, você se
tornará não-violento. Este processo de se tornar não-violento o purificará tão totalmente que o
próprio processo se tornará o fim.
Bem o oposto é a mensagem de Krishna. Ele diz para Arjuna: “Não tenha medo de matar,
porque a alma não pode ser morta. Você matará o corpo, mas você não pode matar a alma.
Assim, por que temer? E o corpo já está morto, de modo que o que é morto ficará morto e o que
é vivo permanecerá vivo. Você não precisa se preocupar. É só uma brincadeira”. Ele também
está certo, porque se você pode perceber este ponto – que a alma não pode ser destruída – então,
a vida toda se torna um jogo, uma ficção, uma peça teatral. E se a vida toda se torna uma peça
teatral, até assassinar e suicidar se torna uma peça para você, não apenas em pensamento, mas
você percebe o fato de que tudo é apenas um sonho. A morte também o tornará uma testemunha,
e esse ato de testemunhar se tornará transcendência... – você transcenderá o mundo. O mundo
todo se torna uma peça teatral – não há nada bom, nada mau, apenas um sonho. Você não precisa
se preocupar.
Mas essas duas coisas são totalmente diferentes. Elas conduzem ao mesmo ponto finalmente,
mas você não deve misturá-las. Se você as mistura, você sofrerá. Os sistematizadores existem
para ajudá-lo, os destruidores de sistemas existem para ajudá-lo. Mas parece que ninguém foi
capaz de ajudar. Você é tal, tão inflexível e tão esperto, que você sempre descobre alguma
escapatória para fugir. Buda e Krishna e Jesus – há séculos vêm ensinando certas coisas. Você
continua ouvindo, mas você é muito esperto. Você ouve e ainda assim você não ouve. E você
sempre encontra alguma coisa, algum furo, por onde você pode fugir.
Agora o truque da mente moderna é que se há um sistema, se Gurdjieff está ensinando, então,
as pessoas irão a ele e dirão: “Krishnamurti não tem nenhum sistema”. Essas mesmas pessoas
irão a Krishnamurti – Krishnamurti ensina o não-sistema – e eles dirão: “Mas Gurdjieff diz que
sem um sistema nada pode ser feito”. Assim, enquanto perto de Gurdjieff elas usam
Krishnamurti como um buraco para escapar; quando perto de Krishnamurti, elas usam Gurdjieff
como um truque para escapar. Mas elas não estão enganando ninguém, simplesmente estão
destruindo a si próprias.
Gurdjieff pode ajudar, Krishnamurti pode ajudar, mas eles não podem ajudar contra você.
Você precisa estar certo sobre certas coisas. Uma: ou você precisa de ajuda ou você não precisa.
Segunda: ou você pode andar no desconhecido sem nenhum medo, ou não pode. E terceira: sem
nenhum método, sem nenhuma técnica, sem nenhum sistema, você pode prosseguir uma única
polegada ou não? Essas três coisas você tem de decidir dentro de você: analise sua mente, abra-
se, olhe dentro e decida que tipo de mente você conseguiu. Se você decidir que não pode fazer
sozinho, então, você precisa de um sistema, de um mestre, de uma escritura, de uma técnica. Se
você pensa que pode fazer sozinho, então não há necessidade de nada mais. Você é o mestre,
você é a escritura, você é a técnica. Mas seja honesto, e se você sente que é impossível decidir –
não é fácil decidir –, se você se sente confuso, então, primeiro, tente um mestre, uma técnica, um
sistema. E vá fundo, até o fim, de modo que se algo tiver de acontecer, aconteça. Se nada
acontecer, então, você chega ao ponto onde você decide que agora você terá tudo, você ficará
sozinho. Isso também será bom.
Mas minha sugestão é que você deva sempre começar com um mestre, com um sistema, com
uma técnica, porque em ambos os modos, será bom. Se você puder alcançar através disso, é bom;
se você não puder alcançar dessa forma, então, a coisa toda se torna fútil e você pode abandoná-
la e então você pode prosseguir sozinho. Então, você não precisará de Krishnamurti para dizer a
você que nenhum mestre é necessário, você saberá disso. Então, você não precisará de nenhum
ensinamento zen para lhe dizer para jogar fora suas escrituras e queimá-las, você já as terá
queimado.
Assim, é bom prosseguir com um mestre, com um sistema, com uma técnica – mas seja
sincero. Quando eu digo seja sincero, eu quero dizer que você deve fazer seja o que for que possa
fazer com um mestre, de forma que se algo possa acontecer, que aconteça. Se nada acontecer,
então, você pode concluir que este não é o caminho para você e que você pode seguir sozinho.
Capítulo 77

TORNE-SE CADA SER



OS SUTRAS

106. Sinta a consciência de cada pessoa como sua própria consciência. Assim, deixando de
lado o interesse pelo Eu, torne-se cada ser.
107. Esta consciência existe como cada ser; e nada mais existe.
108. Esta consciência é o espírito de direção de cada um. Seja este um.

A existência como tal é una. O problema humano surge por causa da autoconsciência
humana. A consciência dá a cada um uma sensação de que somos separados, e a sensação de que
você é separado da existência cria todos os problemas. Basicamente, esta sensação é falsa, e o
que quer que seja baseado numa falsidade criará angústia, criará problemas, criará confusão. E o
que quer que você faça, se for baseado nessa falsa separação, acabará dando errado.
Assim sendo, desde seu início, o problema da angústia humana tem de ser tocado: como ela
surge?
A consciência lhe dá uma sensação de que você é o centro do seu ser, e a consciência o torna
ciente de que os outros são “o outro”, que você é diferente deles. Esta diferença é simplesmente
por causa de sua autoconsciência. Enquanto você está dormindo, não há nenhuma diferença –
você está novamente fundido com o universo. Por isso, tanta bênção vem do sono. De manhã
você se sente refrescado, rejuvenescido, novamente vivo, novo.
O que está acontecendo no sono profundo? Você está perdendo seu ego, você está se
perdendo, você está caindo dentro de uma unidade com o universo. Esse retorno dentro da
unidade o deixa renovado, vivo, e de manhã você se sente alegre, satisfeito. Todas as angústias
desaparecem; todos os conflitos, toda a perturbação, desaparecem; todo o medo, toda a morte
desaparece – porque a morte é possível somente se você está separado. Se você não está
separado, então, a morte é impossível. Quem vai morrer, se você não está separado? Quem pode
sofrer se você não está separado? Assim, todos os métodos – tantra, iôga e outros métodos de
meditação – são apenas para torná-lo ciente de que a separação é falsa e que a inseparabilidade é
real. E se você puder se tornar ciente disso, você será totalmente diferente, porque o centro terá
desaparecido de você e ele tomará seu lugar de direito no universo. Você será apenas uma onda
neste vasto oceano. Você não estará separado; então, você não terá medo. Você não se sentirá
inseguro. Você não sentirá a angústia da aproximação da morte e do aniquilamento. Tudo isso
desaparece com o ego.
Os hindus sempre acreditaram que o samadhi é sono consciente. No sono, acontece
automaticamente de você não existir mais. A existência existe, você não mais existe; mas você
está profundamente inconsciente; assim, você não sabe o que está acontecendo. Se este mesmo
fenômeno acontece conscientemente, você se torna iluminado. Buda se move para a mesma
fonte, para a mesma fonte na qual você se move toda noite em sono profundo, no sono sem
sonho. Mas Buda se move para essa fonte conscientemente, alerta, perceptivo. Ele sabe para
aonde ele está se movendo, ele sabe o que está acontecendo. E quando ele volta dessa fonte
profunda, ele volta totalmente diferente. O velho desapareceu e um novo ser, uma nova energia
surgiu dali. Deste ser, o centro é o universo; e com esta transferência de centro, todas as
preocupações, toda a angústia, todo o inferno desaparece, simplesmente desaparece. Nada é
resolvido, simplesmente não existe mais. Não pode existir sem o ego.
Então como estar dormindo profunda e conscientemente? Como se mover no sono
conscientemente? Como permanecer alerta enquanto você está perdendo o ego?
O ego é um subproduto, um subproduto de toda a sua educação, um subproduto do curso
natural da vida. Ele tem de existir. Não há outra forma. Nenhum ser pode evoluir sem ser
envolvido com o ego. Mas chega a um ponto em que o ego pode ser abandonado e deve ser
abandonado, e o ser deve transcendê-lo.
O ego é apenas como a casca do ovo. Ela é necessária, ela protege. Exatamente como a casca
de uma semente, ela é necessária, ela protege. Mas a proteção pode se tornar perigosa também,
se ela proteger demasiadamente. Se ela for protegendo e não permitir que a semente brote, então,
ela se torna uma barreira. Ela deve se dissolver na terra, de modo que a vida interior evolua a
partir daí. Ela tem de morrer. A semente tem de morrer. Todo homem nasce como uma semente.
O ego é a cobertura externa: ela protege a criança. Se uma criança nascer sem a possibilidade do
ego, sem ter a sensação de que “eu existo”, ela não poderá sobreviver. Ela não será capaz de se
proteger, não será capaz de lutar, não será, de forma alguma, capaz de existir. Ela precisa de um
centro forte. Mesmo que seja falso, ele é necessário. Mas chega um momento em que essa ajuda
se torna um estorvo. O ego o protege do lado de fora, mas se torna tão forte que não permite que
você, seu ser interno, se expanda, vá além dele, floresça. Assim, o ego é necessário – mas depois
a transcendência do ego é necessária.
Se alguém morre com o ego, morre como uma semente. Morre sem realmente atingir o
destino que era possível, sem alcançar a existência conscientemente. Essas técnicas são de como
destruir a semente.

106 Torne-se cada ser

A primeira técnica:

Sinta a consciência de cada pessoa como sua própria consciência. Assim, deixando de
lado o interesse pelo Eu, torne-se cada ser.

Sinta a consciência de cada pessoa como sua própria consciência. Na realidade é assim
mesmo, mas não é sentido assim. Você sente sua consciência como sua, e a consciência dos
outros, você nunca sente. No máximo, você infere que os outros também têm consciência. Você
infere, porque você pensa que devido a você ter consciência, outros seres como você devem ter
também. Esta é uma inferência lógica: você não os sente com consciência. É exatamente como
quando você tem uma dor de cabeça: você sente a dor de cabeça, você tem consciência dela. Mas
se alguém tem uma dor de cabeça, você infere – você não pode sentir a dor de cabeça alheia.
Você simplesmente infere que seja o que for que ele esteja dizendo deve ser verdade e ele deve
ter algo como você. Mas você não pode senti-lo.
Você só pode sentir isso se você se tornar cônscio sobre a consciência dos outros – caso
contrário, é uma inferência lógica. Você acredita, você confia, que os outros estão dizendo algo
honestamente, e que seja o que for que estejam dizendo, vale a pena acreditar, porque você
também tem esses tipos de experiências.
Há uma escola de lógica que diz que nada pode ser conhecido sobre o outro, é impossível. No
máximo pode haver uma inferência, mas nada certo pode ser sabido sobre os outros. Como você
pode saber que os outros sentem dor como você, que os outros têm ansiedade como você? Os
outros estão aí, mas nós não podemos penetrá-los, podemos apenas tocar suas superfícies. O ser
íntimo permanece desconhecido. Nós permanecemos fechados em nós mesmos.
O mundo ao nosso redor não é um mundo sentido, é apenas inferido – logicamente,
racionalmente. A mente diz que existe, mas o coração não é tocado por isso. Eis por que nos
comportamos com os outros como se eles fossem coisas, não pessoas. Nosso relacionamento
com as pessoas é também como é com as coisas. Um marido se comporta com sua esposa como
se ela fosse uma coisa: ele a possui. A esposa possui o marido assim como possui uma coisa. Se
nos comportássemos com os outros como se fossem pessoas, então, então, não tentaríamos
possuí-los, porque somente as coisas podem ser possuídas.
Uma pessoa significa liberdade. Uma pessoa não pode ser possuída. Se você tentar possuí-la,
você a matará, ela se tornará uma coisa. Nosso relacionamento com os outros realmente não é
um relacionamento de “eu-tu”. O outro é apenas uma coisa para ser manipulada, para ser usada,
explorada. Eis por que o amor se torna cada vez mais e mais impossível, porque amor significa
tomar o outro como uma pessoa, como um ser de consciência, como uma liberdade, com algo tão
valioso quanto você.
Se você se comporta como se tudo fosse uma coisa, então, você é o centro e as coisas são para
serem usadas. O relacionamento se torna utilitário. As coisas não têm valor algum em si mesmas
– o valor é que você possa usá-las, elas existem para você. Você pode estar relacionado com sua
casa – a casa existe para você. Ela é uma utilidade. O carro existe para você, mas a esposa não
existe para você e o marido não existe para você. O marido existe para ele mesmo e a esposa
existe para ela mesma. Uma pessoa existe para si mesma – é isso o que ser uma pessoa significa.
E se você permite que a pessoa seja uma pessoa e não a reduz a uma coisa, você começará em
pouco tempo a senti-la. Caso contrário, você não pode sentir. Seu relacionamento permanecerá
conceitual, intelectual, de mente para mente, de cabeça para cabeça – mas não do coração para o
coração.
Esta técnica diz: Sinta a consciência de cada pessoa como sua própria consciência. Isto será
difícil, porque primeiramente você tem de sentir a pessoa como pessoa, como um ser de
consciência. Até mesmo isso é difícil.
Jesus diz: “Ame seu vizinho como você ama a si mesmo”. É a mesma coisa – mas o outro
deve primeiramente se tornar uma pessoa para você. Ele deve existir por seu próprio direito, não
como algo a ser explorado, manipulado, utilizado; não como um meio, mas como um fim em si
mesmo. Primeiro o outro deve se tornar uma pessoa; o outro deve se tornar um “tu”, tão valioso
quanto você. Somente então, esta técnica pode ser aplicada. Sinta a consciência de cada pessoa
como sua própria consciência. Primeiro sinta que o outro tem uma consciência, e então isto pode
acontecer – você pode sentir que o outro tem a mesma consciência que você tem. Realmente, o
“outro” desaparece, somente uma consciência flui entre você e ele. Vocês se tornam polos de
uma consciência fluente, de uma corrente.
Em profundo amor, acontece de duas pessoas não serem duas. Surge algo entre as duas e elas
se tornam apenas dois polos. Algo está fluindo entre elas. Quando este fluxo existe, você se sente
abençoado. Se o amor lhe dá enlevo, ele lhe dá somente devido a isto: essas duas pessoas, por
um único momento, perdem seus egos – o “outro” se perde e, por um momento, acontece a
unicidade. Quando ela acontece, é extasiante, é uma bem-aventurança, você entrou no paraíso,
por um momento. E isso pode ser transformador.
Esta técnica diz que você pode fazer isto com cada pessoa. No amor, você pode fazer isso
com uma pessoa, mas em meditação você tem de fazer isso com cada pessoa. Seja quem for que
se aproxime de você, simplesmente dissolva-se dentro dele e sinta que vocês não são duas vidas,
mas uma vida, uma vida que flui. Isso é apenas uma mudança de gestalt. Uma vez que você
saiba como, uma vez que tenha experimentado, fica muito fácil. No princípio parece impossível,
porque estamos muito fincados em nossos egos. É difícil perdê-lo, difícil se tornar um fluxo.
Assim, será bom se no começo você tentar com alguma coisa que não lhe deixe muito apavorado
ou com medo. Você terá menos medo de uma árvore, então será mais fácil. Sente-se perto de
uma árvore, sinta a árvore e sinta que você se tornou um com ela. Que há um fluxo dentro de
você, uma comunicação, um diálogo, um encontro. Sente-se perto de um rio fluindo,
simplesmente sinta o fluxo, sinta que você e o rio se tornaram um. Deitado sob o céu, sinta
apenas que você e o céu se tornaram um. No começo, será pura imaginação, mas em pouco
tempo você sentirá que você está tocando a realidade através da imaginação.
E depois, tente isso com as pessoas. Isso é difícil no começo, porque há um medo. Como você
esteve reduzindo as pessoas a coisas, você tem medo de que, se você permitir a alguém ser muito
íntimo, essa pessoa também o reduzirá a uma coisa. Este é o medo. Assim, ninguém permite
muita intimidade: guarda-se sempre uma distância para se proteger. Demasiada proximidade é
perigoso, porque o outro pode convertê-lo numa coisa, ele pode tentar possuí-lo. Esse é o medo.
Você tenta converter os outros em coisas, e os outros estão tentando converter você – e ninguém
quer ser uma coisa, ninguém quer se tornar um meio, ninguém quer ser usado. Este é o fenômeno
mais degradante: ser reduzido exatamente a um meio para alguém conseguir alguma coisa, não
valioso em si mesmo. Mas todos estão tentando. Devido a isso, há um profundo medo e será
difícil começar tal técnica com as pessoas.
Assim sendo, comece com um rio, com uma colina, com as estrelas, com o céu, com as
árvores. Uma vez que você saiba a sensação do que acontece quando você se torna um com uma
árvore; uma vez que você saiba quão venturoso você se tornou, quando você se torna um com o
rio, como, sem perder nada, você ganha toda a existência – então, você já pode tentar com as
pessoas. E se é tão venturoso com uma árvore, com um rio, você nem imagina quão mais
venturoso será com uma pessoa, porque uma pessoa é um fenômeno mais elevado, o ser mais
altamente desenvolvido. Através de uma pessoa, você pode alcançar os mais altos picos de
experiência. Se você se torna extasiado até com uma pedra, com uma pessoa você sente um
êxtase Divino acontecendo a você.
Mas comece com alguma coisa da qual você não tenha muito medo, ou, se há uma pessoa que
você ama, um amigo, uma amada, um amante do qual você não tenha medo, com quem você
possa ficar realmente íntimo e próximo, sem nenhum medo, com quem você possa se perder
sem, lá no fundo, ficar temendo que ele, ou ela, possa transformá-lo num objeto – se você tem
alguém assim, então, tente esta técnica. Perca-se conscientemente nele. Quando você se perde
conscientemente dentro de alguém, esse alguém se perderá dentro de você; quando você está
aberto e flui para dentro do outro, o outro começa a fluir dentro de você e há um profundo
encontro, uma comunhão. Duas energias se fundem uma na outra. Nesse estado, não há nenhum
ego, nenhum indivíduo – simplesmente consciência. E se isto é possível com um indivíduo, é
possível com todo o universo. O que os santos chamaram de êxtase, samadhi, é apenas um
profundo amor entre a pessoa e todo o universo.
Sinta a consciência de cada pessoa como sua própria consciência. Assim, deixando de lado o
interesse pelo Eu, torne-se cada ser. Sempre estamos interessados com o nosso próprio eu.
Mesmo quando amamos, estamos interessados com o nosso próprio eu – eis por que o amor se
torna uma miséria. Ele pode se tornar o céu, mas ele se torna um inferno, porque até mesmo os
amantes estão interessados em seus próprios eus. O outro é amado porque ele lhe dá felicidade, o
outro é amado porque você se sente bem com ele, mas o outro ainda não é amado como se ele
tivesse alguma coisa valiosa nele ou nela. O valor vem através do seu prazer. Você fica
gratificado, fica satisfeito de algum modo, eis por que o outro se torna significativo.
Interesse pelo eu significa exploração do outro. E a consciência religiosa só surge quando o
interesse pelo eu é perdido, porque então você se torna não-explorador. Com a existência, seu
relacionamento se torna um, não pela exploração, mas por puro compartilhar, por pura bênção.
Você não está usando, você não está sendo usado – isso se torna uma pura celebração do ser.
Mas o interesse pelo eu tem de ser jogado fora... – e ele está muito profundamente enraizado.
Ele é tão profundamente enraizado, que você nem tem ciência dele. Em um dos Upanishads se
diz que o marido ama sua esposa, não pela esposa, mas por ele mesmo; e a mãe ama o filho, não
pela criança, mas por ela mesma. O interesse pelo eu é tão profundamente enraizado que seja o
que for que você faça, você faz por você mesmo. Isso significa que você está sempre gratificando
o ego, alimentando o ego, alimentando um falso centro que se tornou uma barreira entre você e o
universo.
Perca o interesse pelo eu. Se mesmo às vezes, mesmo por alguns momentos, você perder o
interesse pelo eu e ficar interessado no outro, pelo eu do outro, você estará entrando numa
realidade diferente, numa dimensão diferente. Daí, tanta ênfase no servir, no amor, na
compaixão. Porque compaixão, amor, serviço, significa interesse pelo eu do outro, não pelo seu
próprio.
Mas olhe... a mente humana é tão ladina que converteu o serviço, a compaixão e o amor em
interesses para o eu. Um missionário cristão serve, e seu serviço é sincero. Realmente, ninguém
mais serve tão profunda e intensamente como um missionário cristão. Nenhum hindu faz isso,
nenhum muçulmano faz isso, porque Jesus enfatizou muito o serviço. Um missionário cristão
serve gente pobre, gente enferma, gente doente, mas lá no fundo ele está interessado nele
mesmo, não nos outros. Este serviço é apenas um método para chegar ao céu. Ele não está
interessado nos pobres, ele não está realmente interessado neles mesmo, ele está interessado no
seu próprio eu. Através do serviço, ele alcança um grande eu. Então, ele está fazendo o serviço,
mas ele perdeu o ponto básico, porque ‘serviço’ significa interesse pelo outro – o outro é o centro
e você se tornou a periferia.
Tente isso alguma vez. Torne alguém o centro – então a felicidade dele se torna a sua
felicidade, sua miséria se torna sua miséria. Seja o que for que aconteça, acontece a ele e flui
para você. Mas ele é o centro. Se uma vez, ao menos uma vez, você sentir que o outro é o centro
e você se tornou apenas uma periferia para ele, você entrou num tipo diferente de existência,
numa dimensão diferente de experiência. Porque nesse momento você sentirá uma profunda
bem-aventurança, antes desconhecida, inexperienciada antes. Só por fazer do outro o interesse,
você perderá toda a miséria. Nesse momento, não haverá nenhum inferno para você; você entrou
no paraíso.
Por que isso acontece? Acontece porque o ego é a raiz de toda miséria. Se você puder
esquecê-lo, se você puder dissolvê-lo, toda a miséria se dissolve com ele.
Sinta a consciência de cada pessoa como sua própria consciência. Assim, deixando de lado o
interesse pelo Eu, torne-se cada ser. Torne-se a árvore, torne-se o rio, torne-se a vida, torne-se o
marido, torne-se o filho, torne-se a mãe, torne-se o amigo – isso pode ser praticado a todo
momento da vida. Mas no começo será difícil. Então, faça isso por pelo menos uma hora todo
dia. Nessa hora, seja o que for que passe por você, torne-se aquilo. Você pode ficar imaginando
como isso acontece. Não há nenhum outro meio de saber como acontece – você tem de praticá-
lo.
Sente-se com uma árvore e sinta que você se tornou a árvore. E quando o vento vier e toda a
árvore começar a balançar e a tremer, sinta esse balanço e o tremor em você; quando o sol surgir
e a árvore toda se tornar viva, sinta essa vivacidade em você; quando uma chuva vier e a árvore
toda ficar satisfeita e contente – uma enorme sede, uma grande espera desapareceu e a árvore
está completamente satisfeita e contente –, sinta-se satisfeito e contente com a árvore. E depois
você se tornará ciente dos humores sutis, das nuanças de uma árvore.
Você tem visto essa árvore durante tantos anos, mas você não conhece seus humores. Às
vezes, ela está feliz; às vezes está infeliz. Às vezes está triste, morta, preocupada, frustrada; às
vezes está muito venturosa, extasiada. Há humores. A árvore está viva e sente. E se você se
tornar um com ela, então, você a sentirá. Então, você sentirá se a árvore é jovem ou velha; se a
árvore está descontente com sua vida ou satisfeita; se a árvore está em amor com a existência ou
não – está antagonista, contrária, furiosa, com raiva; se a árvore está violenta ou se há nela
profunda compaixão. Como você está mudando a cada momento, a árvore também está mudando
– se você puder sentir uma profunda afinidade com ela, o que chamam de empatia.
Empatia significa que você se tornou tão empático, que realmente vocês se tornaram um. Os
humores da árvore se tornam seus humores. E então, se isso for cada vez mais fundo, você pode
conversar – ter uma comunicação com a árvore. Uma vez que você conheça seus humores, você
começa a compreender sua linguagem, e a árvore compartilhará sua mente com você. Ela
compartilhará suas agonias e seus êxtases.
E isto acontece com todo o universo.
Por pelo menos uma hora todo dia, tente estar em empatia com alguma coisa. No começo,
você parecerá tolo para si mesmo, Você pensará: “Que espécie de estupidez eu estou fazendo?”.
Você olhará ao redor e sentirá que se alguém olhar ou ficar sabendo o que você está fazendo irá
pensar que você ficou louco. Mas somente no começo. Uma vez que você entre neste mundo da
empatia, todo o mundo parecerá louco para você. Eles estão perdendo tanto, sem nenhuma
necessidade. A vida dá em tamanha abundância e eles a estão perdendo. Eles estão perdendo
porque estão fechados: eles não permitem que a vida entre dentro deles. E a vida pode entrar em
você somente se você entrar na vida, através de muitos, muitos meios, através de muitos
caminhos, através de multidimensões. Esteja em empatia por pelo menos uma hora todo dia.
Este era o significado da oração no começo de toda religião. O significado da oração era estar
em afinidade com o universo, estar em uma profunda comunicação com o universo. Na oração,
você está falando com Deus – Deus significa a totalidade. Às vezes você pode estar com raiva de
Deus, às vezes agradecido, mas uma coisa é certa: você está se comunicando. Deus não é um
conceito mental, ele se tornou um relacionamento íntimo, profundo. É isso que significa oração.
Mas nossas preces apodreceram, porque não sabemos como nos comunicar com os seres. E se
você não pode se comunicar com os seres, você não pode se comunicar com o Ser – o Ser com S
maiúsculo. É impossível. Se você não consegue se comunicar com uma árvore, como pode se
comunicar com a existência total? E se você se sente tolo falando com uma árvore, você se
sentirá mais tolo ainda falando a Deus.
Ponha de lado uma hora por dia para um estado de mente oracional, e não faça de sua oração
um assunto verbal. Faça dela uma coisa sensível. Em vez de falar com a cabeça, sinta. Vá e toque
a árvore abrace a árvore, beije a árvore: feche seus olhos e fique com a árvore como se você
estivesse com sua amada. Sinta-a. E logo, logo, você chegará a uma profunda compreensão do
que significa pôr o eu de lado, do que significa se tornar o outro. Sinta a consciência de cada
pessoa como sua própria consciência. Assim, deixando de lado o interesse pelo Eu, torne-se
cada ser.

107 Saiba que só existe consciência

A segunda técnica:

Esta consciência existe como cada ser, e nada mais existe.

Os cientistas costumavam dizer no passado, que somente a matéria existia; nada mais.
Grandes sistemas de filosofia surgiram baseados no conceito de que somente a matéria existia.
Mas mesmo aqueles que acreditavam que a matéria existia, tinham de conceder que havia
alguma coisa parecida com a consciência. Então, o que seria aquilo? Eles diziam que a
consciência era apenas um epifenômeno, apenas um subproduto da matéria. Ela não era nada
mais que matéria disfarçada, algo muito sutil, mas ainda assim, material. Mas este meio século
viu um grande milagre acontecer.
Os cientistas tentaram repetidamente descobrir o que era a matéria, mas quanto mais
tentavam, mais percebiam que não havia nada parecido com matéria. A matéria era analisada e
descobria-se que ela tinha desaparecido. Nietzsche tinha dito há cem anos: “Deus está morto”.
Com Deus morto, não pode haver nenhuma consciência, porque Deus significa a totalidade da
consciência.
Mas em cem anos a matéria está morta – e ela está morta não porque as pessoas religiosas
acreditam que é assim, mas porque os cientistas chegaram a uma conclusão definitiva: que a
matéria é pura aparência. Ela parece ser como é, porque não podemos ver muito profundamente.
Se pudermos ver profundamente, ela desaparece, e então sobra só energia.
Este fenômeno de energia, esta força de energia não-material, tem sido conhecida dos
místicos desde longa data. Nos Vedas, na Bíblia, no Alcorão, nos Upanishads – por todo o mundo
os místicos têm penetrado na existência e concluído que a matéria é apenas uma aparência: no
fundo, não há nenhuma matéria, somente energia. A ciência concorda com isto agora. E os
místicos disseram uma coisa a mais, com a qual a ciência ainda tem de concordar – e ela terá de
concordar um dia! Os místicos chegaram a outra conclusão também. Eles dizem que quando
você penetra fundo na energia, a energia também desaparece e somente a consciência
permanece.
Assim sendo, estas são as três camadas. A matéria é a primeira camada, a superfície. Se você
penetra a superfície, então, a segunda camada se torna aparente: você percebe a segunda camada
que é energia. Então, se você penetra a energia, a terceira camada se torna iluminada – essa
terceira camada é a consciência. No começo, a ciência dizia que os místicos estavam apenas
sonhando, porque a ciência somente via matéria e nada mais. Então, a ciência tentou penetrá-la, e
a segunda camada dos místicos foi descoberta: a matéria é apenas aparente – no fundo, ela não é
nada além de energia. E o outro clamor dos místicos é este: penetre mais na energia e a energia
também desaparece – permanece somente a consciência. Essa consciência é Deus. Esse é o
âmago mais profundo possível.
Se você penetrar no seu corpo, essas três camadas estarão aí. Bem na superfície está o seu
corpo. O corpo parece material, mas, mais profundamente, há correntes de vida, o prana, a
energia vital. Sem essa energia vital, seu corpo seria apenas um cadáver. Ele é vivo, com alguma
coisa fluindo dentro dele. Essa “alguma coisa” que flui é a energia. Mas, mais fundo, ainda mais
fundo, você é consciência, você pode testemunhar. Você pode testemunhar ambos, seu corpo e
sua energia vital. Esse testemunhar é sua consciência.
Toda a existência tem três camadas.
A mais profunda é a consciência testemunhante. No meio está a energia vital e bem na
superfície está a matéria, um corpo material.
Esta técnica diz: Esta consciência existe como cada ser, e nada mais existe. O que você é?
Quem é você? Se você fechar seus olhos e tentar descobrir quem você é, finalmente você terá de
chegar à conclusão de que você é consciência. Tudo mais talvez pertença a você, mas você não é
isso. O corpo pertence a você, mas você pode tomar ciência do corpo – e aquilo que toma ciência
do corpo torna-se separado. O corpo se torna um objeto de conhecimento e você se torna o
sujeito. Você pode conhecer seu corpo. Não somente isso. Você pode manipular seu corpo, você
pode ativá-lo ou torná-lo inativo. Você é separado. Você pode fazer alguma coisa com seu corpo.
E não somente você não é o seu corpo, como você não é a sua mente tampouco. Você pode se
tornar ciente da sua mente também. Se os pensamentos se movem, você pode vê-los, e você pode
fazer algo com eles: você pode fazê-los desaparecer completamente, você pode se tornar sem
pensamento. Ou você pode concentrar sua consciência em um só pensamento e não permiti-la
mover-se dali. Você pode focar-se nele e fazê-lo ficar ali. Ou você pode permitir um fluxo
contínuo de pensamentos. Você pode fazer algo com seus pensamentos. Você pode até dissolvê-
los completamente até que não haja mais nenhum pensamento – mas ainda assim você existe.
Você saberá que não há nenhum pensamento, que surgiu um vácuo; mas você estará ali,
testemunhando esse vácuo. A única coisa da qual você não pode se separar é de sua energia
testemunhante. Isso significa que você é aquilo. Você não pode se separar dela. Você pode se
separar de tudo o mais: você pode saber que você não é seu corpo, nem é sua mente, mas você
não pode saber que você não é o seu testemunhar, porque seja o que for que você faça, você será
a testemunha. Essa testemunha é a consciência. E a menos que você chegue ao ponto de onde a
separação se torne impossível, você não chegou a si mesmo.
Assim, há métodos pelo qual o buscador vai eliminando – primeiro o corpo, depois a mente, e
depois ele chega ao ponto onde nada pode ser eliminado. Nos Upanishads, eles dizem neti, neti.
Este é um método muito profundo: “Isto não é, aquilo não é”. Assim, o buscador vai
conhecendo: “Isto não é, isto não é, isto não é”. Ele continua e continua, até que, finalmente, ele
chega a um ponto onde ele não pode dizer “isto não sou eu”. Só um eu testemunhante
permanece. A pura consciência permanece. Esta pura consciência existe como cada ser.
Seja o que for que esteja na existência é apenas um fenômeno desta consciência, apenas uma
onda, apenas uma cristalização desta consciência – e nada mais existe. Mas isto tem de ser
sentido. A análise pode ser de ajuda, a compreensão intelectual pode auxiliar, mas tem de ser
sentido que nada mais existe, somente a consciência. Então, comporte-se como se somente a
consciência existisse.
Ouvi contar sobre Lin Chi, um mestre-zen. Ele estava sentado um dia em sua cabana, quando
alguém foi vê-lo. O homem que veio estava com raiva. Ele podia ter estado brigando com sua
esposa ou com seu chefe ou coisa parecida – mas ele estava com raiva. Ele abriu a porta com
raiva, jogou no chão seus sapatos com raiva e, então, se aproximou muito respeitosamente e
curvou-se para Lin Chi. Lin Chi disse: “Primeiro vá e peça desculpas à porta e aos sapatos”. O
homem deve ter olhado para Lin Chi com muita estranheza. Havia outras pessoas sentadas lá e
elas começaram a rir. Lin Chi disse: “Parem!”. E depois disse para o homem: “Se você não fizer
isso, então, saia. Eu não terei nada a fazer com você”. O homem disse: “Parece loucura pedir
desculpas para os sapatos e para a portal”. Lin Chi disse: “Não era loucura quando você
expressou raiva. Agora é loucura? Tudo tem uma consciência. Então vá; e a menos que a porta o
perdoe, eu não vou lhe permitir a entrada”.
O homem sentiu-se constrangido, mas teve de ir. Mais tarde ele mesmo se tornou um monge
e se tornou iluminado. Quando ele se iluminou, ele contou o caso todo e disse: “Quando eu parei
diante da porta, pedindo desculpas, eu me senti muito constrangido, um tolo. Mas depois pensei
que se Lin Chi disse aquilo, deveria haver alguma coisa ali. Eu confiei em Lin Chi. Então, pensei
que mesmo que fosse tolice fazer aquilo... No começo, o que quer que dissesse para a porta, era
apenas superficial, artificial; mas em pouco tempo, eu comecei a ficar cordial. E Lin Chi ficou
esperando e disse que ele iria ficar observando. Se a porta me perdoasse, somente então eu
poderia entrar; caso contrário, eu teria de ficar lá até ter persuadido a porta e os sapatos a me
perdoarem. Em pouco tempo eu fiquei cordial. Eu esqueci que muitas pessoas estavam olhando.
Eu me esqueci de Lin Chi – e, então, o interesse se tornou sincero e real. Eu comecei a sentir que
a porta e os sapatos mudavam de humor. E no momento em que percebi que a porta e os sapatos
tinham mudado e que eles estavam se sentindo felizes, Lin Chi imediatamente disse que eu podia
entrar. Eu tinha sido perdoado”.
Este incidente se tornou um fenômeno transformador em sua vida, porque pela primeira vez
ele tomou ciência de que tudo é realmente uma cristalização de consciência. Se você não pode
vê-lo, é porque você é cego. Se você não pode ouvir, é porque você é surdo. Não há nada de
matéria com as coisas ao redor. Tudo é consciência condensada. O problema está com você –
você não está aberto nem sensível.
Esta técnica diz: Esta consciência existe como cada ser, e nada mais existe. Viva com esta
noção. Seja sensível para isto e aonde quer que vá, vá com esta mente e este coração – de que
tudo é consciência e nada mais existe. Mais cedo ou mais tarde, o mundo mudará sua face. Mais
cedo ou mais tarde, objetos desaparecem e pessoas começam a aparecer em toda parte. Mais
cedo ou mais tarde, o mundo todo será, de repente, iluminado e você saberá que você esteve
vivendo num mundo de coisas mortas apenas por causa de sua insensibilidade. Caso contrário,
tudo é vivo – não somente vivo, tudo é consciência.
Tudo, no fundo, não é nada mais que consciência. Mas se você deixar isso como uma teoria,
se você acreditar nisso como uma teoria, então, nada acontecerá. Você terá de fazer disso um
meio de vida, um estilo de vida – comportando-se como se tudo fosse consciência. No começo
será um “como se”, e você se sentirá tolo, mas se você persistir na sua tolice, e se você puder
ousar ser tolo, logo, logo, o mundo começará a revelar seus mistérios.
A ciência não é a única metodologia que pode se usar para se entrar nos mistérios da
existência. Na verdade, ela é a metodologia mais rude, a mais baixa. Um místico pode entrar na
existência num único momento. A ciência levará milhões de anos para penetrar tanto. Os
Upanishads dizem que o mundo é ilusório, que a matéria é ilusória, mas somente depois de cinco
mil anos a ciência pôde dizer que a matéria é ilusória. Os Upanishads dizem que, no fundo, a
energia é consciência – a ciência levará outros cinco mil anos mais. O misticismo é um salto; a
ciência anda muito devagar. O intelecto não pode saltar; ele tem de discutir – discutir cada fato,
provar, desaprovar, experimentar. Mas o coração pode saltar imediatamente.
Lembre-se: para o intelecto, um processo é necessário; depois vem a conclusão lógica – o
processo primeiro, então, a conclusão. Para o coração, a conclusão vem primeiro, depois, o
processo. É bem o reverso. Eis por que os místicos não podem provar nada. Eles têm a
conclusão, mas eles não têm o processo.
Você talvez não esteja ciente, você talvez não saiba, que os místicos simplesmente falam
sobre as conclusões. Se você ler os Upanishads, você descobrirá somente conclusões. Quando
pela primeira vez eles foram traduzidos para as línguas ocidentais, os filósofos ocidentais não
entenderam o pormenor – porque não havia nenhum argumento. Como você chega a esta
conclusão? Qual é a prova? Sob que premissas você declara “há o Brahma”? Os Upanishads não
dizem nada, eles simplesmente chegam a uma conclusão imediatamente. E quando a conclusão é
alcançada, você pode criar o processo. Eis o significado de ‘teologia’.
Os místicos chegam à conclusão e os teólogos criam o processo. Jesus chegou à conclusão e
depois os teólogos – Santo Agostinho, São Tomás de Aquino – criaram o processo. Ele é
secundário. A conclusão tem de ser alcançada, então você tem de descobrir as provas. A prova
está na vida do místico. Ele não pode discutir sobre isso. Ele mesmo é a prova – se você puder
ver. Se você não puder ver, então, não há prova nenhuma. Então a religião é absurda. Não faça
teoria destas técnicas. Elas não são. Elas são saltos dentro da experiência, saltos dentro da
conclusão.

108 Torne-se seu próprio guia interior

A terceira técnica:

Esta consciência é o espírito de direção de cada um. Seja este um.

A primeira coisa é que você tem o guia dentro de você, mas você não o usa. E você não o usa
há tanto tempo – durante muitas vidas –, que você pode nem mesmo perceber que ele existe
dentro de você. Eu andei lendo o livro de Castañeda. Seu mestre, Don Juan, lhe dá um belo
experimento para fazer. É um dos experimentos mais antigos.
Numa noite escura, numa trilha escarpada, perigosa, sem nenhuma luz, o mestre de Castañeda
disse: “Simplesmente creia no guia interior e comece a correr”. Era perigoso. Era uma trilha
escarpada, desconhecida, com árvores, arbustos, abismos. Ele podia cair em qualquer lugar.
Mesmo na luz do dia ele tinha de estar alerta ao andar por ali, e à noite tudo era breu. Ele não
podia ver nada e seu mestre disse: “Não ande, corra!”. Ele não podia acreditar naquilo! Era
simplesmente suicida. Ele ficou apavorado – mas o mestre correu. Ele saia correndo como um
animal selvagem, e voltava correndo. E Castañeda não podia compreender como ele fazia aquilo.
Ele não apenas corria naquela escuridão, mas toda vez ele voltava correndo na direção dele, era
como se ele pudesse ver. Então, em pouco tempo, Castañeda criou coragem. Se aquele velho
podia fazer isso, por que não ele? Ele tentou e, em pouco tempo ele começou a sentir uma luz
interna chegar. Então, ele começou a correr.
Você somente é quando você para de pensar. No momento em que você para de pensar, o
interior acontece. Se você não pensar, fica perfeito – é como se um guia interno estivesse
funcionando. Sua razão o tem desviado. E o maior desvio tem sido este: você não pode acreditar
no guia interior.
Primeiramente, você tem de convencer sua razão. Mesmo que seu guia interior diga “vá em
frente”, você tem de convencer sua razão e, então, você perde as oportunidades. Porque há
momentos... Você pode usá-los ou você pode perdê-los. O intelecto leva tempo, e enquanto você
está ponderando, contemplando, pensando, você perde o momento. A vida não fica esperando
por você. A pessoa tem de viver imediatamente. A pessoa tem de ser realmente um guerreiro –
como eles dizem no zen – porque quando você está lutando no campo com sua espada, você não
pode pensar. Você tem de se mover sem pensar.
Os mestres-zen usavam a espada como uma técnica para a meditação, e eles dizem no Japão
que se dois mestres-zen, duas pessoas meditativas, estiverem lutando com aquelas espadas, não
pode haver nenhuma conclusão. Ninguém pode ser derrotado e ninguém será o vencedor, porque
ambos não pensam... As espadas não estão apenas nas mãos deles, elas estão nas mãos dos seus
guias internos – o guia interior sem pensamento – e antes do outro atacar, o guia sabe e defende.
Você não pode pensar, porque não há tempo. O outro está apontando para o seu coração. Num
flash de segundo a espada penetrará no coração. Não há tempo de pensar, pensar sobre o que
fazer. Quando o pensamento “penetre o coração” ocorre a ele, simultaneamente, o pensamento
de “defenda-se” tem de ocorrer a você – simultaneamente, sem nenhum intervalo – somente
então, você pode se defender. Caso contrário, você não existirá mais.
Eles ensinam a esgrima como uma meditação e eles dizem: “Fique momento a momento com
o guia interno, não pense. Permita o ser interior fazer o que quer que aconteça a ele. Não use a
mente. Não interfira”. Isso é muito difícil, porque nós somos treinados com nossas mentes.
Nossas escolas, nossas faculdades, nossas universidades, toda a cultura, todo o padrão de
civilização, ensina nossas cabeças. Nós perdemos o contato com o guia interior. Todos nascemos
com esse guia interior, mas ele não tem permissão de trabalhar, de funcionar. Ele é quase
paralítico, mas ele pode ser revivido.
Este sutra é a favor desse guia interior.
Esta consciência é o espírito de direção de cada um. Seja este um. Não pense com a cabeça.
Realmente, não pense de modo algum. Não pense com a cabeça. Realmente, não pense de forma
alguma. Mova-se. Tente isso em algumas situações. Será difícil, porque o velho hábito será
começar pensando. Você tem de ficar alerta: não pensar, mas sentir internamente o que está
vindo à mente. Você talvez fique confuso muitas vezes, porque você não será capaz de saber
sequer se está vindo do guia interior ou da superfície da mente. Mas logo, logo, você saberá
sentir a diferença.
Quando alguma coisa vem de dentro, ela vem do seu umbigo para cima. Você pode sentir o
fluxo, o calor, vindo do umbigo até em cima. Sempre que sua mente pensa, é só na superfície, na
cabeça e, depois, desce. Se sua mente decidir alguma coisa, então, você tem de forçar essa coisa
para baixo. Se seu guia interno decide, então, algo borbulha subindo dentro você. Vem do âmago
profundo do seu ser em direção à mente. A mente recebe aquilo, mas aquilo não é da mente.
Vem do além – e é por isso que a mente tem pavor disso. Para a razão, não é confiável, porque
vem por detrás – sem nenhuma razão ao lado, sem quaisquer provas. Simplesmente sobe
borbulhando.
Tente isso em certas situações. Por exemplo: você se perdeu na floresta. Tente fazer isso. Não
pense – feche os olhos, sente-se, fique meditativo, e não pense. Porque é inútil – como você pode
pensar? Você não sabe. Mas o pensamento se tornou tamanho hábito, que você continua
pensando mesmo nos momentos em que nada pode sair dali. O pensamento pode pensar somente
sobre alguma coisa que ele já conheça. Você está perdido numa floresta, você não tem nenhum
mapa, não há ninguém a quem perguntar. Sobre o que você vai pensar? Mas ainda assim você
pensa. Esse pensamento será apenas preocupação, não um pensamento. E quanto mais
preocupado, menos o guia interior pode ser competente. Fique despreocupado. Sente-se debaixo
de uma árvore, e simplesmente permita os pensamentos caírem e se depositarem. Não crie o
problema, apenas espere. E quando você sentir que um momento de não-pensamento chegou,
então, levante-se e comece a andar. Para onde quer que seu corpo se mova, permita-lhe mover-
se. Seja apenas uma testemunha. Não interfira. O caminho perdido pode ser encontrado muito
facilmente. Mas a única condição é esta: “Não interfira com a mente”.
Isso já aconteceu muitas vezes sem saber. Grandes cientistas dizem que sempre que uma
grande descoberta foi feita, ela nunca foi feita pela mente; ela foi sempre feita pelo guia interior.
Madame Curie estava tentando, de todas as formas, resolver um problema matemático. Ela
fez seu melhor, tudo o que era possível. Então, ela se cansou. Durante dias seguidos, semanas
seguidas, ela tinha estado trabalhando e não vinha nada. Ela se sentindo quase louca. Nenhum
caminho conduzia à solução. Então, uma noite, simplesmente exausta, ela caiu e dormiu. E na
noite, num sonho, a conclusão borbulhou para cima. Ela estava tão interessada na conclusão, que
o sonho foi interrompido. Ela acordou. Imediatamente, ela escreveu a conclusão – porque não há
processo no sonho, só uma conclusão. Ela anotou num papel e depois dormiu novamente. De
manhã, ela ficou espantada: a conclusão estava certa, mas ela não sabia como ela tinha sido
conseguida. Não havia nenhum processo, nenhum método. Então, ela tentou descobrir o
processo: agora era uma tarefa mais fácil, porque a conclusão estava em suas mãos, e é fácil
voltar a partir da conclusão. Ela ganhou o Prêmio Nobel por causa desse sonho – mas ela ficou
sempre imaginando como aquilo acontecera.
Quando sua mente fica exausta e não pode fazer mais nada, ela simplesmente se recolhe.
Nesse momento de recolhimento, o guia interno pode lhe dar pistas, indícios, chaves. O homem
que venceu o Prêmio Nobel pela estrutura interna de uma célula humana, viu tudo num sonho.
Ele viu toda a estrutura da célula humana, a célula interna, num sonho, e então de manhã, ele
simplesmente fez o desenho dela. Ele mesmo não podia acreditar que ela pudesse ser daquele
jeito. Então ele teve de trabalhar durante anos. Depois de anos de trabalho, ele pôde concluir que
o sonho era verdadeiro. Com Madame Curie aconteceu que quando ela ficou sabendo desse
processo interno do guia interior, ela decidiu experimentá-lo. Uma vez houve um problema que
ela queria resolver, então, ela pensou: “Por que me preocupar com isso e ficar tentando?”. Ela foi
dormir, mas não houve nenhuma solução. Então ficou intrigada. Ela tentou muitas vezes: quando
havia um problema ela imediatamente ia dormir. Mas não havia nenhuma solução. Primeiro o
intelecto tem de ser treinado, completamente; somente então, a solução pode borbulhar lá de
dentro. A cabeça tem de estar completamente exaurida, caso contrário, ela continua funcionando,
mesmo num sonho.
Então agora, os cientistas dizem que todas as grandes descobertas são intuitivas, não
intelectuais. Isto é o que se quer dizer por guia interior.
Esta consciência é o espírito de direção de cada um. Seja este um. Perca a cabeça e
abandone-se dentro deste guia interno. Ele está aí. As velhas escrituras dizem que o mestre, ou o
guru “externo”, pode somente ajudar a descobrir o guru interno. Isso é tudo. Uma vez que o guru
externo o ajudou a encontrar o guru interno, a função do guru externo não existe mais.
Você não pode chegar até a verdade através de um mestre; você pode apenas chegar até o
mestre interior, através de um mestre – e, então, este mestre interno o conduzirá até a verdade. O
mestre externo é apenas um representante, um substituto. Ele tem seu mestre interno também,
porque os dois existem num comprimento de onda – os dois existem na mesma sintonia e na
mesma dimensão. Se eu descobrir meu guia interno, eu posso olhar dentro de vocês e sentir o
guia interno de vocês. E se eu sou realmente um guia para vocês, toda a minha liderança será
para conduzi-los até o guia interior de vocês.
Uma vez que você esteja em contato com o guia interior, eu não mais sou necessário. Agora
então, você pode andar sozinho. Assim, tudo o que um guru pode fazer é empurrá-lo da sua
cabeça até seu umbigo, do seu raciocínio até sua força intuitiva, da sua mente argumentativa até
seu guia confiável. E isso não é assim somente com seres humanos, é assim com os animais, com
os pássaros, com as árvores, com tudo. O guia interior existe, e muitos novos fenômenos,
misteriosos, têm sido descobertos.
Há inúmeros casos. Por exemplo: a mãe-peixe morre imediatamente após botar o ovo. Então,
o pai ajuda o ovo a ser fertilizado e depois morre. O ovo permanece sozinho sem mãe e sem pai.
Ele amadurece. Então, nasce um novo peixe. Este peixe não sabe nada sobre pai, mãe, avós; ele
não sabe de onde ele veio. Mas embora este determinado peixe viva numa determinada parte do
mar, ele nadará até a parte de onde seu pai e sua mãe vieram para deitar os ovos. Ele irá até a
fonte. Isto acontece sempre e repetidamente, e quando quer que a fêmea queira botar um ovo, ela
irá até aquele banco de areia, deitará o ovo, e morrerá. Assim, não há nenhuma comunicação
entre os pais e seus filhos, mas os filhos, de algum modo, sabem aonde devem ir – e eles nunca
erram. E vocês não conseguem desviá-los. Já foi tentado, mas não se consegue desorientá-los.
Eles chegarão até a fonte. Algum guia interno está funcionando.
Na Rússia Soviética, eles estiveram experimentando com gatos, com ratos, com muitos
pequenos animais. Uma gata, uma mãe-gata, foi separada de seus filhos e os filhos foram levados
para o fundo do mar; ela não podia saber o que estava acontecendo aos filhos. Todo tipo de
instrumento científico foi fixado no corpo da gata, para medir o que estava se passando dentro da
mente e do coração dela e, então, um filho foi morto, no fundo do mar. Imediatamente a mãe
tomou ciência. O ritmo do sangue mudou. Ela ficou espantada e preocupada, sua pulsação
aumentou tão logo o filho foi morto... E o instrumento científico mostrou que ela estava sentindo
dor aguda. Então, depois de algum tempo, tudo voltou ao normal. Então, outro filho foi morto –
novamente a mudança. E o mesmo com o terceiro filho. Aconteceu todas as vezes, exatamente
ao mesmo tempo, sem nenhum intervalo de tempo. O que estava acontecendo?
Agora, dizem os cientistas soviéticos que a mãe tem um guia interno, um centro de
sentimento interno e que este está ligado aos filhos dela, onde quer que estejam. E ela
imediatamente sente um relacionamento telepático. A mãe humana não sentirá tanto. Isto é
espantoso. Devia ser bem ao contrário: a mãe humana deveria sentir mais, porque ela é mais
evoluída. Mas ela não é, porque a cabeça tomou tudo em suas mãos e os centros internos estão
todos paralisados.
Esta consciência é o espírito de direção de cada um. Seja este um. Quando quer que você
esteja enrascado numa situação e não puder ver como sair dela, não pense: simplesmente fique
num profundo não-pensar e permita que o guia interior o guie. No começo, você sentirá medo,
ficará inseguro, mas logo, logo, quando você chegar sempre à conclusão certa, quando você
chegar toda vez à porta certa, você criará coragem e se tornará confiante.
Quando esta confiança acontece, eu a chamo de fé. Isto realmente é a fé religiosa: a confiança
no guia interior. A razão é parte do ego. Ela é você acreditando em si mesmo. No momento em
que você vai mais fundo dentro de você, você terá chegado à própria alma do universo. Seu guia
interior é parte da direção Divina. Quando você o segue, você segue o Divino; quando você
segue a si mesmo, você fica complicando as coisas, e você não sabe o que você está fazendo.
Você pode se achar muito sábio. Você não é.
A sabedoria vem do coração, ela não é do intelecto. A sabedoria vem das profundezas mais
profundas do seu ser, ela não vem da cabeça. Corte fora sua cabeça, seja sem-cabeça – e siga o
ser, seja o que for, para onde for que ele o conduza. Mesmo que ele o conduza para dentro do
perigo, entre no perigo, porque este será o caminho para você e seu crescimento. Através desse
perigo, você crescerá e se tornará maduro. Mesmo que o guia interno o conduza para a morte,
entre nela, porque isso vai ser o caminho para você. Siga-o, confie nele, e vá com ele.
Capítulo 78

O GUIA INTERNO

PERGUNTAS

Algumas destas técnicas dentre os cento e doze métodos, parecem ser resultados finais, e não
técnicas, como aquelas que dizem para “tornar-se a consciência universal ” ou “seja este um
” etc. Parece que precisamos de técnicas para chegar a estas técnicas. Técnicas como estas
são para pessoas adiantadas que podem apenas se tornarem cósmicas por uma mera
sugestão?
Como diferenciar entre os ditados da mente inconsciente e aquele do guia interno? Como a
pessoa pode reconhecer que o guia interno entrou em função?
Quando essa intuição começa a funcionar, a entrega é a única técnica para essa intuição, ou é
o guia interno? Uma pessoa vivendo através da intuição sempre tem sucesso? Como você
avalia o sucesso e o fracasso? Não é verdade que a pessoa vivendo intuitivamente se tornará
intelectualmente fraca?

A primeira pergunta:

Algumas destas técnicas dentre os cento e doze métodos, parecem ser resultados finais, e
não técnicas, como aquelas que dizem para “tornar-se a consciência universal” ou “seja
este um” etc. Parece que precisamos de técnicas para chegar a estas técnicas. Técnicas
como estas são para pessoas adiantadas que podem apenas se tornarem cósmicas por uma
mera sugestão?

Tais técnicas foram feitas não para pessoas adiantadas, mas para pessoas muito inocentes –
simples, inocente, confiante. Então, uma sugestão é suficiente. Você tem de ter alguma coisa
para fazer, porque vocês não podem confiar. Vocês não têm fé. A menos que você faça alguma
coisa, nada pode acontecer a você, porque você acredita na ação. Se alguma coisa acontece a
você repentinamente, sem nenhum fazer da sua parte, você ficará apavorado e vai desviar-se
daquilo – você talvez nem deixe marcar na mente que aquilo aconteceu. A menos que você faça,
você não pode sentir alguma coisa acontecendo a você – este é o jeito do ego. Mas para uma
pessoa inocente, de mente aberta, só uma sugestão basta. Por quê? Porque realmente o ser mais
íntimo não é algo para ser alcançado no futuro – ele está aqui e agora, ele já é a causa. Seja o que
for que seja alcançado já está aqui, presente dentro de você neste exato momento. Se você
pudesse confiar sem nenhum esforço, ele se revelaria. Não é uma questão de tempo, de você ter
de elaborar. O ser não está em algum lugar distante a ponto de que você tenha de viajar. Ele é
você. Você pode chamá-lo de Deus, você pode chamá-lo de nirvana, ou seja lá do que for que
goste – ele já é você. Assim, até uma sugestão, se acreditada totalmente, pode revelá-lo a você.
Eis por que tanto significado é dado para shraddha, confiança, fé. Se uma pessoa pode acreditar
no mestre, apenas um indício, uma sugestão, uma indicação – e num clarão tudo será revelado.
O ponto básico a ser compreendido é este: há coisas que você não pode atingir agora mesmo,
porque o tempo será necessário para produzi-las. Elas não estão com você. Se eu lhe dou uma
semente, ela não pode virar uma árvore imediatamente. Será necessário tempo, e você terá de
esperar e trabalhar. Então a semente não pode se tornar uma árvore imediatamente. Mas você
realmente já é a árvore. Não se trata de uma semente que tem de ser trabalhada, trata-se de uma
árvore que está coberta, é uma árvore para a qual você está desatento também – eis tudo. Sua
desatenção é a cobertura. Você não está olhando para ele, eis tudo. Você está olhando para
algum outro lugar e é por isso que você o está perdendo. Num momento de confiança, o mestre
pode lhe dizer, só por sugestão, que ele está aqui. E se você puder acreditar, se você puder olhar
dentro dessa dimensão, em confiança, ele será revelado a você.
Estas técnicas não são para gente adiantada: elas são para gente simples, inocente. Gente
adiantada, de certo modo, é difícil. Essas pessoas não são inocentes, elas já andaram trabalhando,
já atingiram alguma coisa, e elas têm um ego sutil por detrás delas. Elas sabem algo, então, elas
não são inocentes, elas não podem acreditar. Você terá de argumentar e convencê-las – e depois
também elas terão de fazer alguns esforços. Por uma mente inocente, eu quero dizer uma mente
que não fica argumentando. Ela é exatamente como uma criança pequena. O filho vai com seu
pai de mãos dadas, ele não tem medo. Ao que for que o pai o esteja conduzindo, ele deve estar
fazendo na direção certa. O pai sabe – então, o filho não precisa se preocupar com aquilo. Ele
não está pensando no futuro, o que vai acontecer não é da sua conta. Ele está desfrutando a
própria jornada; o fim não é problema de modo algum. Para o pai pode ser um problema. Ele
talvez tenha medo. Ele talvez fique imaginando se eles perderam o caminho ou não, se eles estão
no caminho certo ou não. Mas para o filho, isso não é problema. Ele sabe que o pai sabe. Eis
tudo. E aonde quer que o pai o leve, ele seguirá – e ele fica feliz naquele exato momento.
Um discípulo confiante, uma mente inocente, é apenas como uma criança – e o mestre é mais
do que um pai. Uma vez que o discípulo se entregue, ele confia. Então, a qualquer momento,
quando o mestre sente que o discípulo está sintonizado, que o discípulo está em harmonia, ele
apenas lhe dará uma pista.
Eu ouvi contar sobre um mestre-zen, Bokujo. Ele batalhava firmemente para alcançar a
iluminação, mas nada acontecia. Realmente, com uma batalha dura às vezes nada acontecerá,
porque a batalha dura é através do ego. E através da batalha dura, o ego se torna mais firme
ainda. Ele faz tudo que podia ser feito, mas a meta não ficava mais perto. Em vez disso ao
contrário, ela se afastava mais – mais longe do que quando ele começou a jornada. Ele ficou
espantado, confuso, então foi até seu mestre. O mestre disse: “Por alguns anos, apenas pare
completamente qualquer esforço, qualquer meta, qualquer destino. Esqueça-se, e viva momento
a momento perto de mim. Não faça nada. Simplesmente coma, durma, ande e apenas fique perto
de mim. E não levante nenhuma pergunta... apenas me veja, a minha presença. E não faça
nenhum esforço, porque nada há para ser alcançado. Esqueça a mente alcançadeira, porque a
mente alcançadeira está sempre no futuro – eis por que ela vai perdendo o presente. Esqueça-se
de que você tem de alcançar alguma coisa.
Bokujo acreditava em seu mestre. Ele começou vivendo com ele. Por alguns dias, alguns
meses, as ideias flutuavam lá dentro, os pensamentos vinham e, às vezes ele ficava
desconfortável e pensando: “Eu estou perdendo meu tempo. Eu não estou fazendo nada. Como
pode acontecer sem eu fazer nada? Se não pôde acontecer através de esforço tão duro, como vai
ser facilmente alcançado por não fazer nada?”. Mas, ainda assim, ele acreditava no mestre. Em
pouco tempo, a mente acalmou e, na presença do seu mestre, ele começou a sentir uma sutil
calmaria fluindo – um silêncio caía desde o mestre até ele. Ele começou a sentir uma fusão.
Passaram-se os anos. Ele se esqueceu completamente de que ele existia. O mestre se tornou o
centro e ele começou a viver como uma sombra. Então, o milagre é possível – este próprio
acontecimento é o milagre. Um dia de repente, o mestre chamou seu nome: “Bokujo, você está
aqui?”. E ele disse: “Sim, mestre”. E dizem que ele se iluminou.
Não houve nada como uma técnica, nem mesmo uma sugestão – só: “Bokujo, você está
aqui?”.
A presença total tinha sido chamada: “Você está aqui, não andando por aí, não indo a algum
outro lugar? Com total intensidade, você está presente aqui?”. E Bokujo disse: “Sim, mestre”.
Nesse “sim”, ele se tornou totalmente presente ali.
Dizem que o mestre começou a rir e Bokujo começou a rir, e o mestre disse: “Agora você
pode ir. Agora você pode sair e ajudar outras pessoas com sua presença”. Bokujo nunca ensinou
nenhum método. Ele simplesmente pedia isto: “Fique aqui perto. Permaneça presente”. E sempre
que um discípulo estava sintonizado, ele chamaria o nome do discípulo e perguntava: “Você está
aqui?”. Esta era toda a técnica.
Mas esta técnica precisa de um embasamento da sua mente, uma profunda inocência. Há
muitas técnicas que são simples, as mais simples possíveis: basta dizer “Seja este um”. – só uma
pista. Mas isso deve ser dito pelo mestre em certa hora. “Seja este um” não pode ser dito sempre.
Deve ser dito em certa sintonia, quando o discípulo estiver totalmente um com o mestre, ou
totalmente com o universo, dissolvido. Então o mestre diz “Seja este um” – e de repente, o foco
mudará e a última parte do ego se dissolverá.
Estes métodos funcionavam no passado, mas agora é difícil, muito difícil, porque vocês são
muito calculistas, são muito inteligentes. E ser inteligente é apenas ser contra a inocência. Você é
tão calculista, você sabe aritmética demais. Esse cálculo vai entrando e entrando na mente: seja o
que for que faça, é sempre calculado, planejado. Você nunca é inocente, nunca aberto, receptivo;
você acredita muito em si mesmo. Daí, continua perdendo. Estes métodos não serão auxiliares
para vocês a menos que se preparem. Essa preparação pode ser muito longa, e você é muito
impaciente.
Esta época é basicamente a mais impaciente época que já aconteceu na terra. Todo mundo é
impaciente, todo mundo é muito consciente do tempo, e todo mundo quer fazer tudo
imediatamente. Não que isso não possa ser feito – pode ser feito imediatamente. Mas com tanta
consciência temporal fica impossível. As pessoas vêm a mim e dizem que vieram somente por
um dia. No dia seguinte, elas vão a Sai Baba, e depois de encontrá-lo, elas irão a Rishikesh, e
depois irão a algum outro lugar. Então elas voltam frustradas e pensam que não há nada que a
Índia possa dar. Não se trata de a índia poder dar algo ou não, a questão é sempre se você recebe
ou não. Você está com muita pressa e quer a coisa imediatamente. Como café instantâneo, você
pensa em meditação instantânea, nirvana instantâneo. Isso não é possível. O nirvana não pode
ser empacotado, não pode ser feito instantâneo. Não que seja impossível fazê-lo instantâneo, ele
pode tornar-se instantâneo – mas pode tornar-se instantâneo somente com a mente que não esteja
atrás do momento. Eis o problema. O nirvana não pode tornar-se instantâneo. Imediatamente,
neste momento, pode acontecer. Nem mesmo um momento é necessário. Mas somente para
alguém que esteja relaxado sobre o tempo completamente, para quem pode esperar infinitamente
– para este acontecerá instantaneamente.
Parece paradoxal, mas é assim. Se você puder esperar pela eternidade, você não precisará
esperar de jeito nenhum. Mas se você não puder esperar nem por um único momento, você terá
de esperar pela eternidade. Você terá de esperar, porque a mente que diz: “Que aconteça logo!” –
é a mente que já saiu do momento. Ela está correndo, está parada em algum lugar, está apenas no
movimento. A mente que está no movimento, no caminho, não pode ser inocente.
Você talvez não esteja ciente disso, mas gente inocente está sempre sem consciência do
tempo. O tempo passa lentamente. Não há nenhuma pressa de ir a lugar nenhum, elas não estão
correndo. Elas estão desfrutando momento a momento. Elas estão mascando cada momento. E
cada momento tem seu próprio êxtase para entregar. Mas você está com tanta pressa que aquilo
não pode ser entregue. Enquanto você está aqui, suas mãos estão no futuro, sua mente está no
futuro – você perderá este momento. E este será sempre o caso: você sempre perderá o agora. E
agora é o único tempo! O futuro é falso, o passado é pura memória. O passado não existe mais, o
futuro ainda está para ser – e tudo que sempre acontece é o agora. Agora é o único tempo.
Assim sendo, se você pode ser preparado para baixar um pouquinho a bola, tornar-se não-
calculista, brincar como criança, aqui e agora, então, estas simples técnicas podem fazer
milagres. Mas este século é demasiado cônscio do tempo. Eis por que você pergunta: ... parece
que precisamos de técnicas para chegar a estas técnicas. Não. Estas são técnicas, não resultados
finais. Elas parecem resultados finais, porque você não pode nem conceber como elas
funcionam. Elas podem funcionar em certas mentes; elas não podem funcionar em outros tipos
de mente. E realmente, aqueles que sabem dizem que todas as técnicas no final os levará para a
inocência, onde o fenômeno acontece. Quando o fenômeno acontece, ele existirá, porque as
técnicas o terão levado para a inocência – se a inocência existe.
Mas é difícil agora, porque em nenhum lugar a inocência é ensinada; em todo lugar nós
estamos ensinando esperteza. As universidades não existem para torná-los inocentes, elas
existem para torná-los espertos, espertalhões, calculistas. Quanto mais esperto você fica, melhor
será na luta pela vida. Você pode ganhar muitas riquezas, prestígio, poder, se você for calculista.
Se você for inocente, você se mostrará estúpido; se você for inocente, então, você ficará em lugar
nenhum neste mundo competitivo. Este é o problema: neste mundo competitivo, você talvez não
fique em lugar nenhum, mas naquele mundo não-competitivo do nirvana, se você for inocente,
você estará em algum lugar. Se você for calculista, você não ficará em lugar nenhum no mundo
do nirvana, mas neste mundo você ficará em algum lugar. E nós escolhemos este mundo para ser
nossa meta.
As antigas universidades diferiam completamente, a orientação delas era totalmente diferente.
Nalanda, Takshshila – eles não ensinavam cálculo, eles não ensinavam espertezas. Eles
ensinavam inocência. A orientação deles era diferente da de Oxford ou Kashi ou Cambridge. A
orientação deles era totalmente diferente – eles estavam criando um tipo diferente de mente.
Assim, quase aconteceu de uma pessoa que estudava em Takshshila ou Nalanda se tornar um
bhikkhu, um saniássin finalmente. Quando a pessoa se graduava na universidade, ela renunciaria
este mundo. Aquelas universidades eram antimundo; elas estavam preparando para alguma outra
dimensão. Elas os estavam preparando para alguma coisa mais que não pode ser medida em
termos de palavras. Estas técnicas eram para aquele tipo de pessoa. Ou elas são inocentes pela
própria natureza delas, ou elas se treinavam para serem inocentes.
Quando Jesus disse a seus seguidores “se lhe baterem numa bochecha, dê-lhe a outra”, o que
ele pretendia fazer? Ele estava tentando torná-los inocentes. Somente uma pessoa tola faria isso.
Quando alguém lhe bate de um lado do rosto, uma mente calculista dirá: “Bata-lhe duro, bata
logo!”. E uma mente realmente calculista dirá: “Antes que alguém lhe bata, bata nele. Porque a
melhor defesa é o ataque”. Pergunte a Maquiavel – ele é a mente mais esperta. Ele diz: “Antes
que alguém o ataque, ataque-o, porque a melhor defesa é o ataque. Uma vez que alguém o
atacou, você já enfraqueceu: ele já ganhou de você. Agora a corrida está desigual. Ele está à sua
frente. Portanto, não permita que o inimigo saia na frente. Ataque antes de qualquer pessoa
atacá-lo”.
Isto é uma mente calculista; isto é uma mente inteligente. Maquiavel foi lido por todos e cada
príncipe em todos os reinos na Europa Medieval – mas ele era uma pessoa tão inteligentemente
esperta, que nenhum rei lhe dava emprego. Ele era lido – seu livro era a “bíblia” para o poder
político, todo príncipe devia ler seu livro, O Príncipe, e eles o seguiriam – mas nenhum rei estava
preparado para um homem tão espertamente inteligente. Era melhor mantê-lo distante – ele era
perigoso; ele sabia demais. Ele disse: “A virtude não é boa, mas fingir ser virtuoso é bom. Não
seja virtuoso, mas finja sempre que você é virtuoso. Esse é o bem real, porque então você ganha
de ambos os lados: ganha do vício e da virtude também”. Assim é a mente calculista. Continue
fingindo que você é virtuoso, e louve sempre a virtude. Mas nunca seja realmente virtuoso.
Louve sempre a virtude, assim os outros sabem que você é uma pessoa virtuosa. Sempre condene
o vício – mas não tenha medo, use-o.
Jesus diz: “Quando alguém lhe bater numa bochecha, dê-lhe a outra. E se alguém tomar seu
casaco na marra, dê-lhe a camiseta também. E se alguém o forçar a carregar sua mala por uma
milha, diga-lhe que você está pronto para carregá-la por duas milhas”. Isto é tolice patente, mas
muito significativa. Se você puder fazer isso, essas técnicas serão para você. Jesus está
preparando seus discípulos para a iluminação súbita. Pense nisso. Se você pode ser tão inocente,
tão confiante, que, se o outro está lhe batendo, ele deve estar lhe batendo para o seu bem – então
dê-lhe a outra bochecha, e deixe-o bater nela. A bondade do outro é acreditar nisso, confiar
nisso; ninguém é seu inimigo. Quando Jesus diz “ame seu inimigo”, é este o significado.
Ninguém é seu inimigo; não veja o inimigo em lugar nenhum. Isso não significa que não haverá
inimigos e que não haverá gente que o explorará. Haverá. Eles o explorarão. Mas seja explorado
– e não seja esperto. Olhe para esta dimensão: ser explorado, mas não ser espertalhão. Seja
explorado, mas não seja desconfiado, não desacredite, não perca a fé. Isso é mais valioso do que
alguns outros que possam debochar de você. Nada mais é tão valioso.
Mas como nossas mentes funcionam? Se um homem o engana, toda a humanidade é má. Se
um homem é desonesto ou você acha que ele é desonesto, então, você não acredita em nenhum
outro homem de jeito nenhum. Então toda a humanidade se torna desonesta. Se um judeu é
miserável, então, toda a raça de judeus é miserável. Se um muçulmano é fanático, então, todos os
muçulmanos são. Basta um para nós perdermos a nossa fé em tudo. Jesus diz: “Mesmo que todos
sejam desonestos, você não pode perder a fé, porque a fé é mais valiosa do que o que esses
desonestos podem tomar de você com a desonestidade deles”. Assim, realmente, se você perde
sua fé, você perde algo; caso contrário, nada é perdido.
Para pessoas inocentes, estas técnicas bastam, elas não pedirão por mais nada. Você diz, e
lhes acontece. Só por ouvirem o mestre muitos se iluminaram – mas no passado, não nestes
tempos.
Ouvi contar uma história sobre Rinzai. Ele era um paupérrimo bhikkhu, um pobre saniássin,
um mendigo. Assim que ele dormiu em sua cabana, um ladrão entrou. Não havia nada na cabana,
exceto um lençol que ele mesmo estava usando. Ele estava dormindo no chão, coberto com seu
lençol. Então, ele ficou muito incomodado e começou a pensar: “Que cara azarento! Veio de
uma cidade tão longe para encontrar alguma coisa, e não há nada na minha cabana. Que miséria!
Como ajudá-lo? A única coisa é este lençol”. E ele estava debaixo dele e o ladrão não teria
coragem de pegar o lençol, então ele saiu de debaixo dele, deixou-o lá e ficou num canto escuro.
O ladrão pegou o lençol e foi embora. A noite estava fria, mas Rinzai estava feliz de que o ladrão
não tinha ido embora de mãos vazias.
Então, ele sentou-se na janela de sua cabana. A noite estava fria, e a lua cheia estava no céu.
Ele escreveu um pequeno haikai, um poema. No haikai ele disse: “Se eu pudesse ter dado esta
lua para aquele ladrão, eu teria dado”. Que mente! O que ele tinha perdido? Apenas um lençol. O
que ele ganhara? O mundo todo, tudo o que pode ser ganho. Ele ganhara inocência, confiança,
amor.
Para este homem, nenhuma técnica é necessária. Seu mestre dizia: “Olhe. Perceba. Fique
alerta”. E isso funcionava.

Segunda pergunta:

Como diferenciar entre os ditados da mente inconsciente e aquele do guia interno?


Como a pessoa pode reconhecer que o guia interno entrou em função?

A primeira coisa: devido a Freud, muita incompreensão surgiu ao redor do mundo


“inconsciente”. Freud compreendeu isso muito mal, interpretou mal a coisa. E ele tinha se
tornado a própria base do moderno conhecimento da mente. Para Freud, o inconsciente significa
simplesmente o consciente reprimido, a parte reprimida do consciente. Assim, tudo que é ruim e
mau, imoral, tem sido reprimido. Como a sociedade não pode permiti-lo, tem de ser reprimido
internamente. Para Freud, essa parte reprimida é o inconsciente – mas não para os místicos.
Freud não é um místico; ele não entrou em seu próprio inconsciente. Ele esteve simplesmente
observando os casos de pacientes: gente doente, anormal, louca, insana, patológica. Ele esteve
estudando a mente patológica, e através do estudo da mente patológica – e essa, também, por
fora – ele concluiu que bem debaixo do consciente existe uma mente inconsciente. Essa mente
inconsciente carrega tudo que tem sido reprimido desde a infância, tudo o que a sociedade
condenou. A mente tem suprimido isso, só para se esquecer de que aquilo existe.
Mas existe – e continua funcionando. E é muito poderoso: aquilo vai mudando o consciente,
pregando peças no consciente. O consciente é realmente impotente diante daquilo, porque seja o
que for que seja reprimido, é reprimido somente porque é tão poderoso que a sociedade não pode
cooperar com ele. Assim, a sociedade tem reprimido isso e a sociedade não sabe o que mais fazer
com isso. Por exemplo, o sexo. Ele é tão poderoso que se você não reprimi-lo, você não saberá o
que fazer com ele. Ele o conduz para dentro de perigosos caminhos. E o sexo é uma energia de
força tão poderosa, que toda a sociedade se tornará caótica se ele for permitido completamente.
Nenhum casamento existiria, nenhum amor existiria: tudo seria apenas um caos se lhe fosse dada
total liberdade – porque então o homem se comportaria como um animal. Se não houvesse
casamento, família, toda a sociedade seria destruída. A sociedade depende da unidade da família;
a família depende do casamento; o casamento depende da repressão sexual. Tudo o que é natural,
forçosamente, tem de ser inibido, tornado tabu – tão forçosamente, que você se sente culpado
quanto ao fato; e você vai lutando contra aquilo. A sociedade criou somente policiais externos,
sua consciência – um arranjo duplo, de modo que você não se extravie, de modo que você não
possa ser natural, você tem de ser antinatural.
Agora, a moderna psicologia diz que a insanidade faz parte da civilização – nenhuma
civilização existe sem a loucura. Mas a pessoa louca está sofrendo, porque você impôs tais
ordens por cima dela, que seus instintos naturais são esmagados. Eles foram deformados. Talvez
seus loucos sejam mais poderosos do que vocês, eis por que seus instintos internos se revoltaram
e eles jogaram fora suas consciências, suas mentes; tudo transborda. Eis por que eles são loucos.
Um melhor conceito de humanidade, uma melhor organização, uma melhor disciplina com mais
conhecimento e sabedoria, pode usá-los. Eles podem mostrar-se gênios – eles talvez mostrem
muita gente talentosa. Eles são. Mas eles têm tamanha força em si, que eles não podem se
reprimir. E a sociedade não lhes permitirá moverem-se, porque eles são selvagens. Freud chegou
à conclusão de que a civilização precisa do inconsciente, da parte reprimida. Mas realmente, para
o tantra e o iôga, este inconsciente não é o inconsciente; e o inconsciente fica bem entre o
consciente e o inconsciente, uma pequena fronteira. É o subconsciente. O consciente obriga algo
a se esconder, mas o consciente sabe daquilo. Não é realmente inconsciente, você sabe daquilo.
Talvez você queira ficar atento àquilo, porque você tem medo de que se você lhe der atenção,
aquilo vem à tona. Você forçou-o a entrar na escuridão, mas você tem consciência disso. O
inconsciente Freudiano não é realmente inconsciente, é somente o subconsciente. Ele não é noite
escura, está sob a luz, você pode vê-lo.
O tantra fala sobre o real inconsciente, que não está reprimido por você, mas que é seu mais
profundo ser. E seu consciente é apenas uma parte dele que chegou à luz, uma décima parte que
viu a lua, que se tornou consciente. Nove partes, nove décimos estão bem escondidos por baixo.
Esse inconsciente é realmente sua fonte de energia vital, do ser. Sua mente consciente é um
décimo de toda a mente; e esta mente consciente cria seu próprio centro: esse centro é o ego.
Este centro é falso, porque ele não pertence à mente inteira, ele não é o centro de toda a mente. É
apenas uma parte, um fragmento. O fragmento criou seu próprio centro e esse centro continua
fingindo que é o centro de todo o ser. Não, sua mente inteira tem um centro: esse centro é
chamado “o guia”. Esse centro está no inconsciente e será revelado somente quando cinco
fragmentos, ou metade da mente, vierem à luz. Então, o centro que é o guia será revelado. Ele
está escondido no inconsciente.
Assim sendo, você não precisa ter medo do inconsciente: é do inconsciente freudiano que
você tem medo. Ele é algo a ser temido mesmo. Mas este inconsciente freudiano pode ser jogado
fora numa catarse. Daí minha grande insistência na catarse. Este inconsciente freudiano pode ser
jogado fora na catarse: seja o que for que você queira fazer e não tenha feito, faça-o
meditativamente. Não o faça a ninguém, porque isso criará uma cadeia de eventos – e você não
será capaz de controlar. Simplesmente faça-o num vácuo. Se você está com raiva, faça-o em um
vácuo. Se você sente sexualidade, jogue-a no céu. Se você sentir qualquer coisa, simplesmente
permita-a mover-se de dentro para fora. Expresse-a. Uma catarse meditativa o aliviará do
inconsciente freudiano. Com a técnica que estou ensinando – se ela for seguida – o inconsciente
freudiano simplesmente desaparece. E somente quando este inconsciente desaparece, você pode
penetrar no real inconsciente. Ele fica bem no meio, entre o consciente e o inconsciente. Você
apenas vai jogando fora suas coisas sujas num quarto, que você feche; você vai acumulando
refugo – o inconsciente freudiano é apenas refugo. Não o jogue para dentro – eu digo, jogue-o
para fora. Quando ele entra, você se tornará patológico, você vai ficar insano. Quando ele se
move para fora, você se tornará refrescado, jovem, descarregado. Nestes tempos, a catarse é um
imperativo. Ninguém pode alcançar o guia interno sem a catarse. E uma vez que você esteja em
profunda catarse, você não precisa ter medo. Então, o inconsciente real começará a se revelar;
então, ele penetrará no seu inconsciente e, depois, pela primeira vez, você se tornará ciente do
seu vasto território. Você não é esse pequeno fragmento, você tem um muitíssimo vasto ser, e
este vasto ser tem um centro – este centro é o guia interno.
Como diferenciar entre o inconsciente e o guia interno? Como diferenciar entre o
inconsciente freudiano e o guia interno? Será difícil se você não for através da catarse. Mas você
pode sentir uma diferença em pouco tempo, porque o inconsciente freudiano é apenas uma coisa
reprimida. Se algo aparece em você com uma força violenta, saiba bem que esta força violenta
está vindo porque você a reprimiu, em primeiro lugar. Se algo simplesmente aparece em você
sem nenhuma violência, simplesmente borbulha para cima silenciosamente, facilmente, sem
nenhum ruído, até mesmo silenciosamente, então, saiba que isto é o real inconsciente. Do guia,
algo está vindo a você. Mas você se tornará proficiente somente quando passar pela catarse.
Então você saberá o que está acontecendo. Sempre que alguma coisa vem do inconsciente
freudiano, você se sentirá perturbado, ela o deixará inquieto, desconfortável; e sempre que
alguma coisa vem do guia, você se sentirá muito sereno, você se sentirá muito feliz, muito à
vontade – sentir-se-á tão em casa, que você nem imagina o quanto. Você simplesmente sentirá
que “eis aí a coisa”. Seu ser total está em harmonia com ele, não há nenhuma resistência. Você
sabe que “isto” é o certo, “isto” é bom, “isto” é verdade – e ninguém pode convencê-lo do
contrário. Com o inconsciente freudiano, você jamais fica sereno, você jamais fica quieto e
calmo; você ficará perturbado. Ele é uma espécie de enfermidade, que tem vindo à tona – e
haverá uma luta com ele. Assim, é melhor se você passar através de profunda catarse, então, o
inconsciente freudiano se tornará silencioso, em pouco tempo.
E assim que as borbulhas sobem desde o leito do rio, sobem para a própria superfície da água,
você sentirá as borbulhas subindo desde o leito do seu ser. Elas virão da sua mente consciente.
Mas sua própria vinda lhe dará uma profunda tranquilidade – uma sensação de que nada pode ser
mais correto do que aquilo. Mas antes que isso aconteça, você terá de descarregar-se do
inconsciente freudiano. E isso só pode acontecer se você estiver num relaxamento – entrega, let-
go, porque o âmago mais íntimo do ser é tão não-violento, que ele nem mesmo se afirma: a todo
momento ele fica tentando se afirmar e você o empurra de volta. Essa é a diferença. Ele quer se
afirmar: ele quer se tornar ativo, ele quer conduzi-lo a algum lugar, ele quer manipulá-lo – e você
fica resistindo a ele, brigando com ele. O inconsciente real, o guia, não é assertivo. Se você lhe
der permissão, se você o convidar, completamente suplicante, ele virá até você exatamente como
um hóspede convidado. Você tem de estar num let-go. Somente então, ele virá. Quando ele sente
que você está pronto, quando ele sente que não vai ser negado, rejeitado, quando ele sente que
receberá as boas-vindas, então, ele virá até você. Assim, você tem de fazer duas coisas: a catarse
para o inconsciente freudiano, e um treinamento em let-go e entrega para o guia real, o
inconsciente real. Essas duas coisas feitas, você saberá a diferença.
A diferença realmente não pode ser ensinada a você – você a conhecerá. Quando ela
acontecer, você a conhecerá. Como você sabe a diferença entre quando há dor no seu corpo e
quando o corpo todo sente um bem-estar? Quando todo o corpo é preenchido com bem-estar e
quando sua cabeça tem uma dor de cabeça, como você sente qual é a diferença? Você
simplesmente sabe disso: você sabe o que é uma dor de cabeça e sabe o que é bem-estar.
O verdadeiro guia sempre lhe dará uma sensação de bem-estar, e o inconsciente freudiano
sempre lhe dará uma sensação de dor de cabeça. É um tormento, é um conflito interno, é
angustiante, é dor reprimida. Então, sempre que vier, você sentirá dor por todo o corpo.
Devido a esse inconsciente freudiano, muitas coisas se tornaram dolorosas sem serem
naturalmente dolorosas. Por exemplo, o sexo. Devido à sociedade ter reprimido o sexo, ele se
tornou doloroso. Uma das coisas mais venturosas na vida natural é o sexo. Mas ele se tornou
doloroso. Se você se move no sexo, você se sentirá frustrado, você se sentirá culpado, no final
você se sentirá enfraquecido. E você decidirá nunca mais ter sexo novamente. Isso não é devido
ao sexo natural, isso é por causa do inconsciente. O sexo tornou-se doloroso. Ele foi tão
reprimido, que se tornou algo feio e doloroso. Caso contrário, ele é um dos êxtases mais natural.
Se uma criança nunca aprender que o sexo é mau e um pecado, ela o desfrutará, e toda vez ela
sentirá um profundo bem-estar fluindo por todo o corpo.
Os homens sentem mais bem-estar do que as mulheres – porque as mulheres são mais
reprimidas. Ninguém requer que um rapaz seja virgem, mas todos requerem, até o próprio rapaz,
que a garota que com ele vai se casar deva ser uma virgem. Até os plavboys requerem que a
garota seja uma virgem. O inconsciente das mulheres foi mais reprimido do que o dos homens;
eis por que somente algumas mulheres atingem o orgasmo. E isso também no Ocidente – no
Oriente não mais de cinco por cento das mulheres, no máximo, atingem algum desfrute no sexo.
Noventa e cinco por cento estão simplesmente de saco-cheio dele. Eis por que quando sadhus e
monges ensinam que o sexo é pecado, as mulheres sempre concordam. Eles se juntam aos
montes ao redor dos monges, porque a coisa apela a elas, aquilo está certo. Porque elas estão tão
reprimidas, que nunca conheceram nenhuma bênção vinda do sexo. Na Índia, enquanto fazendo
amor, não se espera que a mulher se mexa, que seja ativa. Se elas são ativas, o homem se tornará
suspeito: eles estão desfrutando o sexo e isso não é sinal de boa mulher. Uma boa mulher é
aquela que não desfruta. No Oriente, eles dirão que se você quer casar, case com uma boa
mulher, e se você quer desfrutar, então tenha uma amizade com uma mulher má, porque somente
mulheres más desfrutam. Isto é desafortunado. Não se supõe que a mulher se mexa, seja ativa:
ela deve estar apenas morta. Como ela pode atingir o orgasmo, quando a energia não está se
movendo?
E se ela não pode desfrutar o sexo, ela está fadada a ser contra o marido e está fadada a pensar
que o marido é mau. Todos os dias as indianas vêm a mim e dizem que elas estão de saco-cheio
do sexo e que seus maridos as ficam obrigando repetidamente a ter sexo. Elas não gostam disso,
elas estão repugnadas. E por que os maridos não estão assim tão repugnados? Por que as
mulheres estão repugnadas? A razão é que elas têm um inconsciente reprimido sobre sexo maior
que os homens.
O sexo tornou-se doloroso. Se você o reprimiu, ele é uma dor de cabeça. Qualquer coisa pode
se tornar uma dor de cabeça – basta reprimi-la, eis o truque. Essa coisa se tornará um sofrimento.
E qualquer pode se tornar venturosa – basta expressá-la, não a reprima.
Esse inconsciente freudiano é tudo que você conhece exatamente agora. Você não conhece
nada do real inconsciente, o inconsciente tântrico – eis por que você tem medo. E com medo,
você não pode relaxar. Com medo você não pode perder o controle; imediatamente os instintos
reprimidos tomam conta. Imediatamente, qualquer coisa que você tenha reprimido virá à mente e
insistirão em ser representadas. Eis por que você tem medo. A catarse é necessária antes, assim o
medo se vai. E depois você pode relaxar. E se você relaxar, uma força muito silenciosa começará
a fluir para a sua mente consciente e você sentirá um bem-estar: você sentirá que está em casa,
você sentirá que tudo é bom, você sentirá que você é abençoado.
Como a pessoa pode reconhecer que o guia interno entrou em Juncionamento? Este será o
primeiro sinal: você começará a se sentir bem, a estar bem consigo mesmo. Lembre-se: você
sempre se sente mal sobre si mesmo. Eu quase nunca encontro uma pessoa que se sente bem
sobre si mesma, todo mundo pensa que é mau. E quando você pensa que você é mau, como você
supõe que outra pessoa vai amá-lo? E quando ninguém o ama, você se sente frustrado. Mas você
mesmo não se ama. Você tocou sua mão amorosamente, você nunca sentiu seu corpo
amorosamente, você nunca agradeceu a Deus por ele ter lhe dado tão belo corpo, um organismo
tão belo. Não, você apenas sente repulsa. E as religiões, as supostas religiões ensinaram-nos a se
sentirem condenados – este corpo é uma mala de pecados. Você está cuidando de uma carga.
Quando o inconsciente é liberado, você sentirá de repente que você é aceito, que você não é
mau. Nada é mau. A vida toda se torna lá no fundo uma bênção. Você se sente abençoado. E no
momento em que você se sente abençoado, todos os outros ao redor se tornam abençoados; você
pode abençoá-los, você pode se sentir feliz. Porque você se sente condenado e pensa o mesmo
dos outros. Como você pode amar outro corpo, se você condena o seu próprio corpo? Se você é
contra seu próprio corpo, como você pode amar outro corpo? Você condenará – lá no fundo você
condenará.
Realmente, as religiões os prepararam para se tornarem apenas fantasmas. Eles não querem
que vocês fiquem com seus corpos, eles querem que vocês sejam apenas espíritos incorpóreos.
Tudo foi tão condenado... e você tomou as condenações como coisa certa. Eu vi nas escrituras,
em muitas escrituras, onde está escrito que seu corpo não tem nada além de sangue, gordura,
catarro – só para condená-lo. Eu não sei o que essas pessoas que andaram escrevendo essas
escrituras queriam. Será que queriam encontrar ouro ali? Por que o sangue é ruim? O sangue é
vida! Mas eles o condenaram e nós aceitamos a condenação. Eles deviam ser loucos, insanos.
Os jainas sempre dizem que seus teerthankaras nunca urinavam; eles não defecavam – coisas
tão ruins... Mas por que a urina é má? O que você gostaria de urinar ao invés de urina? E o que
há de ruim nela? Mas ela é uma coisa muito ruim. E os psicólogos dizem que, devido ao centro
sexual e o órgão da urina serem o mesmo no homem, o sexo tem de ser condenado. E na mulher
o centro do sexo fica bem no meio, de um lado a defecação e de outro lado a urinação, o sexo
não pode ser bom se está entre duas coisas ruins. A condenação do sexo surgiu porque tínhamos
condenado a defecação. Mas por quê? Por que a condenamos? O que há de mau? Mas nós
aceitamos a condenação e quando aceitamos, então, não há problemas.
Todo o seu corpo é condenado por gente neurótica. Elas podem ter escrito escrituras, mas isso
não faz nenhuma diferença. Elas podem ter sido grandes líderes – neuróticos quase sempre eles
são. Eles são grandes líderes porque são tão fanáticos que podem imediatamente ter seguidores.
E há sempre gente que venera o fanatismo. Qualquer um que diga fortemente alguma coisa, terá
pessoas caindo a seus pés, dizendo que ele é o líder certo – e ele talvez seja apenas neurótico,
puro louco. Essa gente neurótica os tem condenado e vocês os têm aceitado: vocês foram
condicionados por eles.
Quando o inconsciente flui em você, um sutil bem-estar chegará. Você se sentirá bem: tudo
está bom, e tudo é Divino. Seu corpo vem do Divino, seu sangue também, sua urina também.
Tudo é Divino. Quando o inconsciente flui em você, tudo é Divino, tudo se torna espiritual. Nada
é ruim, nada é condenado. Este será o sentimento e, então, você voará. Você se tornará tanta luz,
que não pode nem andar. Então, nada é uma carga na sua cabeça. Então, você pode desfrutar
pequenas coisas de um modo muito grandioso. Então, todas as coisas triviais se tornam uma
beleza. Mas essa beleza é dada por você – seja o que for que toque, torna-se ouro, porque lá no
fundo você está pleno de beatitude.
Isto será a primeira coisa que acontecerá a você – uma divindade sobre si mesmo. E quando o
inconsciente começa a fluir na sua consciência, a segunda coisa será que você se tornará menos
orientado pelo mundo, menos intelectual, mais total. Então, se você está feliz, você não apenas
dirá que está feliz: você dançará. Só dizer “eu estou feliz” é insípido, insignificante. Eu vejo
pessoas que dizem “eu estou feliz” – mas basta olhar seus rostos! Eu conheço gente que diz “eu o
amo”, mas seus corpos não estão expressando nada. As palavras são mortas, mas nós as
substituímos pela vida. Quando o inconsciente fluir em você, esta será a diferença: você viverá
com seu ser total. Quando você se sentir feliz, você dançará. Então, você não dirá simplesmente
“estou feliz” – você estará feliz: essa é a diferença. Você não dirá “eu sou feliz” – não haverá
necessidade de dizer isso, porque você estará feliz. Então, não haverá necessidade de dizer a
ninguém “eu te amo” – você será amor. Todo seu ser mostrará a sensação, você vibrará com
amor. Qualquer um passando por ali sentirá que você ama: qualquer um apenas tocado por suas
mãos sentirá uma sutil energia entrando nele. Há uma quentura na sua presença, uma felicidade.
Esta será a segunda coisa. Primeiramente, você sentirá uma generosidade sobre você e sobre
tudo; e segundo, você será total. Quando o guia o assume, você será total.

Terceira pergunta:

Quando essa intuição começa a funcionar, a entrega é a única técnica para essa intuição,
ou é o guia interno? Uma pessoa vivendo através da intuição sempre tem sucesso? Como
você avalia o sucesso e o fracasso? Não é verdade que a pessoa vivendo intuitivamente se
tornará intelectualmente fraca?

A entrega é a única técnica para o ser interno tornar-se ativo.


Uma pessoa vivendo através da intuição sempre tem sucesso? Não, mas ela está sempre feliz
– quer tenha sucesso ou não. E a pessoa não vivendo intuitivamente é sempre infeliz, quer tenha
ou não sucesso. O sucesso não é o critério, porque o sucesso depende de muitas coisas. A
felicidade é o critério, porque a felicidade depende somente de você. Você pode não ter sucesso,
porque os outros lá são competidores. Mesmo você trabalhando intuitivamente, os demais talvez
estejam trabalhando de forma mais canalha, mais esperta, mais calculista, mais violenta, mais
imoral. Assim, o sucesso depende de muitas outras coisas; o sucesso é um fenômeno social.
Você talvez não tenha sucesso.
Quem pode dizer que Jesus teve sucesso? A crucificação não é um sucesso, é o maior
fracasso. Um homem crucificado quando tinha apenas trinta e três anos – que tipo de sucesso é
este? Ninguém o conheceu. Só alguns aldeões, gente sem instrução, eram seus discípulos. Ele
não tinha nenhuma posição, nenhum prestígio, nenhum poder. Que tipo de sucesso é este? Não
se pode dizer que a crucificação é um sucesso. Mas ele estava feliz. Ele estava totalmente
venturoso – mesmo quando estava sendo crucificado. E aqueles que o crucificaram ficaram vivos
durante muitos anos, mas permaneceram na miséria. Então, realmente, quem estava bancando a
crucificação? Este é o pormenor. Os que crucificaram Jesus, eles eram os que suportavam a
crucificação? Ou foi Jesus, quem foi crucificado? Como você pode crucificar a felicidade? Jesus
estava extático. Como você pode crucificar o êxtase? Vocês podem matar o corpo, mas não
podem matar a alma. Os que o crucificaram, estes viveram, mas a vida deles não foi mais que
uma lenta crucificação – miséria e miséria, e miséria...
Assim, a primeira coisa é que eu não digo que se você seguir o guia interno você sempre terá
sucesso – no sentido em que o mundo reconhece o sucesso; mas no sentido em que um Buda, ou
um Jesus, reconhece o sucesso, você será bem-sucedido. Mas esse sucesso é medido por sua
felicidade, sua bem-aventurança – seja o que for que aconteça é irrelevante, você será feliz. Quer
o mundo diga que você tem sido um fracasso, ou que o mundo faz de você uma estrela, um
sucesso, não faz nenhuma diferença. Você será sempre feliz, seja lá o que aconteça; você será
bem-aventurado. Bem-aventurança é sucesso para mim. Se você puder compreender que a bem-
aventurança é sucesso, então, eu lhe digo que você será bem-sucedido sempre.
Mas para vocês a bem-aventurança não é sucesso; o sucesso é alguma outra coisa. Talvez até
seja miséria. Mesmo que você saiba que vai ser uma miséria, você anseia profundamente pelo
sucesso. Pergunte aos líderes políticos – eles estão na miséria. Eu ainda não vi nenhum líder
político feliz. Eles são bem miseráveis, mas ainda assim eles estão lutando pelos postos mais
altos, tentando conseguir ainda uma escada mais alta. E aqueles que já estão acima destes já
estão na miséria, e eles sabem disto. Mas nós estamos prontos para sermos miseráveis, se o
sucesso vier até nós. Então, o que é o sucesso para nós? O sucesso é um preenchimento
egoístico, não bem-aventurado. Ele é só de modo que as pessoas digam que você teve sucesso.
Você talvez tenha perdido tudo – você talvez tenha perdido a própria alma; você talvez tenha
perdido toda aquela inocência que lhe dá a bem-aventurança; você talvez tenha perdido toda a
paz, o silêncio, que traz você para mais perto do Divino; você talvez tenha perdido tudo, tenha
ficado louco – mas o mundo dirá que você é um sucesso.
Para o mundo, gratificação do ego é o sucesso; para mim não é. Para mim, ser venturoso é
sucesso – quer alguém saiba ou não. É irrelevante se alguém o conhece ou não, quer você viva
totalmente desconhecido, inaudito, despercebido. Mas se você é bem-aventurado, você é bem-
sucedido.
Portanto lembrem-se desta distinção, porque há muitas pessoas que gostariam de ser intuitiva,
que gostariam de descobrir o guia interno, só para ter sucesso no mundo. Para estes, o guia
interno será uma frustração. Em primeiro lugar, eles não podem descobri-lo. Em segundo lugar,
mesmo que o descubram, eles serão miseráveis. Porque o que ele está mirando é o
reconhecimento do mundo, o preenchimento do ego – não a bem-aventurança.
Tenha clareza de mente – não seja orientado pelo sucesso. O sucesso é o maior fracasso do
mundo. Assim, não tente ter sucesso, caso contrário, você será um fracasso. Pense em ser bem-
aventurado. A todo momento, pense em ser cada vez mais e mais bem-aventurado. Então, o
mundo todo pode dizer que você é um fracasso, mas você não será um fracasso. Você terá
alcançado.
Buda foi um fracasso aos olhos dos amigos, da família, da esposa, do pai, dos professores, da
sociedade – ele foi um fracasso. Ele se tornou um mendigo. Que tipo de sucesso é este? Ele
podia ter sido um grande imperador: ele tinha as qualidades, ele tinha a personalidade, ele tinha a
mente. Ele podia ter sido um grande imperador, mas se tornou um mendigo. Ele era um fracasso
– obviamente. Mas eu lhes digo: ele não foi um fracasso. Se ele tivesse se tornado um imperador
ele teria sido um fracasso, porque ele teria perdido a vida real. O que ele alcançou sob a árvore
bodhi, foi o real e o que ele perdeu foi o irreal.
Com o real, você terá sucesso na vida íntima; com o irreal... Eu não sei. Se você quer sucesso
no irreal, então, siga o caminho daqueles que estão funcionando na safadeza, na esperteza, na
competição, na inveja, na violência. Siga o caminho deles, o guia interno não é para você. Se
você quer ganhar algo do mundo, então, não ouça ao guia interno. Mas finalmente você sentirá
que embora você tenha vencido o mundo todo, você se perdeu. Jesus diz: “E o que ganha um
homem que consegue, se ele perde sua alma e ganha o mundo todo?”. A quem você dirá ser um
sucesso: Alexandre Magno ou Jesus, O Crucificado?Assim, se – e esse “se” tem de ser
compreendido bem – se você está interessado no mundo, então, o guia interno não é um guia
para você. Se você está interessado na dimensão interior do ser, então, o guia interno, e somente
o guia interno, pode ajudar.
Capítulo 79

SUNYAWAD – A FILOSOFIA DO VAZIO



OS SUTRAS

109. Suponha que sua forma passiva seja um quarto com paredes de pele – vazio.
110. Com leveza, brinque. O universo é uma concha vazia na qual sua mente se diverte
infinitamente.
111. Medite no saber e no não-saber, no existir e no não-existir. Então deixe ambos de lado,
para que você possa ser.
112. Entre no espaço, sem apoio, eterno, silencioso.

Estas técnicas estão relacionadas com o vazio – elas são as mais delicadas, as mais sutis. Até
mesmo conceber a vacuidade parece impossível. Buda usou todas essas quatro técnicas com seus
discípulos e bhikkhus, e devido a essas quatro técnicas, ele foi totalmente incompreendido. O
budismo foi completamente desenraizado do solo indiano, só por causa dessas quatro técnicas.
Buda disse que não há Deus. Se Deus existe, você não pode ser totalmente livre. Você pode
não existir, mas Deus existirá, o Divino existirá. E sua mente pode enganá-lo, porque o “seu”
Divino talvez seja apenas sua mente pregando peças. Buda disse que não existe alma, porque se
houver uma alma, o atma, você poderá esconder seu ego por trás dela. Seu ego será difícil de ser
deixado se você sentir que há algum Eu interno. Então você não pode ficar totalmente vazio,
porque você estará presente. Para preparar o terreno para estas técnicas da vacuidade, Buda
negou tudo. Ele não era um ateu, mas ele parecia ser um ateu, porque ele dizia que não há Deus,
ele dizia que não há alma, ele dizia que nada é substancial na existência – a existência é vazia.
Mas isto era apenas para preparar o terreno para estas técnicas. Uma vez que você entre na
vacuidade, você entrou em tudo – você pode chamá-lo de Divino, você pode chamá-lo de Deus,
ou de atma, alma, seja o que for que você queira, mas você só pode entrar na verdade quando
você estiver totalmente vazio. Não deve sobrar nada de você.
Os hindus pensavam que Buda estava destruindo a religião, que estava ensinando irreligião. E
as pessoas que o ouviram, nem elas puderam segui-lo, porque sempre que se vai a um lugar, você
vai buscar alguma coisa – você nunca vai para buscar a vacuidade. Então, aqueles que foram
ouvi-lo, estavam buscando alguma coisa: o nirvana, o moksha, o outro mundo, o céu, a verdade
– mas estavam buscando alguma coisa. Tinham vindo satisfazer seus últimos desejos: descobrir a
verdade. Este é o último desejo. Mas a menos que você esteja completamente sem desejos, você
não pode conhecer a verdade; a própria condição para conhecer é estar totalmente sem desejo.
Assim, uma coisa é certa: você não pode desejar a verdade. Se você a deseja, o próprio desejo
se torna a barreira. Houve mestres antes de Buda que ensinaram: “Não deseje, seja sem desejo”.
Mas eles falavam sobre Deus, sobre o reino de Deus, o céu, o paraíso, moksha, a suprema
liberdade e a liberação. E eles diziam: “Sejam sem desejo”.
Buda sentiu que você não consegue ser sem desejos se há algo a ser alcançado. Você pode
fingir que está sem desejo, mas essa pretensão, a ausência de desejos, vem também de algum
desejo de ser preenchido. Não é real. Os mestres dizem que você não pode atingir a felicidade
suprema com desejo, e você quer por que quer atingir a felicidade suprema – então, você começa
a ser “sem desejo”, você tenta ser sem desejo, de modo que possa atingir a suprema bem-
aventurança. Mas o desejo está presente. Você está tentando ser sem desejo só por causa do
desejo. Então, Buda disse que não há nenhum Deus a ser alcançado. Mesmo que você deseje, não
há ninguém a ser alcançado... – então, seja sem desejo... Não há nenhum moksha em algum
lugar, não há nenhuma meta. A vida é sem sentido e sem meta.
Sua ênfase é bela e maravilhosa – ninguém havia tentado desse jeito. Ele destruiu todas as
metas só para ajudá-lo a existir sem desejo. Se as metas existem, como você pode ficar sem
desejo? E se você não existir sem desejo, você não atingirá a meta – este é o paradoxo. Ele
destrói todas as metas – não que aquelas metas não existam, elas existem e podem ser atingidas –
mas se você quiser atingi-las, se você desejar atingi-las, tornar-se-á impossível. A condição
básica principal é que você imperativamente esteja sem nenhum desejo – então, o supremo
acontece a você. Assim, Buda diz que não há nada a ser desejado, o desejo é inútil. Abandone
todos os desejos e, quando não houver mais nenhum desejo, você estará esvaziado.
Imagine! Se não houver desejo dentro de você, o que você será? Você não é nada mais que
um fardo de desejos. Se todos os desejos sumirem, você simplesmente desaparece. Não que você
não exista – você existirá, mas como uma vacuidade. Você estará presente, apenas como uma
sala vazia: não há ninguém lá, só um sunya, um “nada”. Buda chamou esse “nada” de anatma,
anatta, “nenhuma alma”. Você não sentirá nenhum centro, aquele “eu sou”; haverá apenas o
“sou”, mas nenhum “eu”, porque o “eu” não é nada mais que desejos acumulados, desejos
condensados, desejos cristalizados – um acúmulo de desejos se tornou seu “eu”.
É exatamente como na física. Os físicos dizem que se examinarmos a matéria, então a matéria
não é nada mais que átomos; não há nada para unir os átomos, cada átomo é cercado por um
espaço vazio. Se você tem uma pedra na mão, não existe nenhuma pedra ali, só átomos de
energia e, entre dois átomos, espaço infinito. Até mesmo uma pedra é espaçosa, porosa. Eles
dizem que logo, logo, seremos capazes de extrair esse espaço de qualquer coisa.
H. G Wells escreveu uma história.
No século XXI, um passageiro começa a chamar pelos carregadores numa enorme estação.
Os outros passageiros que estavam viajando no mesmo compartimento com aquele passageiro
não podiam compreender, porque ele não tinha bagagem, só um pacote de cigarros e uma
pequena caixa de fósforos. Essa era toda a sua bagagem. E ele continuava chamando os
carregadores. Foi juntando gente e um passageiro perguntou: “Por quê? Por que você está
chamando? Você não tem nada. Essa caixinha e esse pacote de cigarros, você pode levar na mão.
O que você vai fazer com essa dúzia de carregadores?”. O passageiro riu e disse: “Tente, tente
carregar esta caixa de fósforos. Essa caixa de fósforos não é comum. Há uma locomotiva
condensada dentro dela”.
Será possível em breve. O espaço poderá ser sugado e depois poderá ser recolocado
novamente, e o mecanismo tomará sua forma novamente. Então, coisas grandes poderão ser
carregadas sem muito problema. O peso permanecerá o mesmo, mas a forma se tornará menor,
cada vez menor. Uma caixa de fósforos pode conter uma locomotiva, mas o peso permanecerá o
mesmo, porque o espaço não tem peso. Você pode extrair o espaço, mas não pode extrair o peso.
O peso permanecerá o mesmo, porque o peso está contido nos átomos, não no espaço. Eles
dizem que a terra toda pode ser condensada na forma de uma maçã, mas o peso permanecerá o
mesmo. E se você extrair todos os átomos; se você for tirando um átomo, e depois outro; e
depois mais outro; extraindo-se todos os átomos, não sobrará nada. Então, a matéria é apenas
uma aparência.
Buda analisou a mente de um modo muito simples: ele é um dos maiores cientistas possível.
Ele diz que seu ego não é nada mais que desejos, desejos atômicos. Há milhões de desejos; são
eles que formam o ego. Se você continuar extraindo os desejos um a um, chega um momento em
que não sobra mais nenhum desejo, e você desapareceu... – apenas espaço, apenas espaço vazio
permanece. E isto, diz Buda, é o nirvana. Isto é a cessação do seu ser completamente; você não
existe mais. E Buda diz que o silêncio acontece assim. A menos que você tenha ido embora
completamente, o silêncio não pode descer sobre você. Buda diz que você não pode ser
silencioso, porque você é o problema; você não pode ter paz, porque você é a doença; e você
jamais pode ser venturoso, porque você é a única barreira. A felicidade pode vir a qualquer
momento, mas você é a barreira. Quando você não existir, existirá a felicidade suprema; quando
você não existir, existirá a paz; quando você não existir, o silêncio estará presente; quando você
não existir, existirá o êxtase. Quando seu ser interno estiver totalmente vazio, essa vacuidade em
si é a felicidade suprema. Eis por que os ensinamentos de Buda são chamados de sunyawad, a
filosofia do vazio, ou a filosofia do zero.
Estas quatro técnicas são para se atingir este estado de ser. Ou você pode dizer ‘estado de
não-ser’ – não faz nenhuma diferença. Você pode lhe dar um termo positivo, como os hindus e
os jainistas lhe deram: alma. Ou você pode lhe dar um termo mais apropriado, porém negativo,
como Buda fez: anatta, não-eu ou ninguém. Depende de você. Mas seja como for que o chame,
não há ninguém a ser nomeado, há apenas espaço infinito. Eis por que eu digo que estas são as
técnicas supremas, as mais delicadas, as mais difíceis – mas as mais maravilhosas. E se você
puder trabalhar com qualquer uma dessas quatro técnicas, você ganhará o inatingível.

109 Sinta seu corpo vazio

A primeira técnica:

Suponha que sua forma passiva seja um quarto com paredes de pele – vazio.

Suponha que sua forma passiva seja um quarto com paredes de pele... – mas dentro, tudo
vazio. Esta é uma das mais belas técnicas. Simplesmente sente-se numa posição meditativa,
relaxada, sozinho, sua coluna reta e todo o corpo relaxado – como se o corpo todo estivesse
suspenso pela coluna. Então feche os olhos. Por alguns momentos, vá se sentindo relaxado, cada
vez mais e mais relaxado, tornando-se cada vez mais calmo e ainda mais calmo. Faça isso por
alguns momentos, só até se sintonizar. E depois, de repente, comece a sentir que seu corpo é
feito de paredes de pele e que não há nada dentro, não há ninguém – a casa está vazia. Às vezes
você sentirá os pensamentos passando, as nuvens de pensamentos se movendo, mas não pense
que eles lhe pertencem. Você não existe. Simplesmente pense que eles estão vagando num céu
vazio – eles não pertencem a ninguém, eles não têm quaisquer raízes.
Realmente é isto: os pensamentos são apenas como nuvens passando no céu. Elas não têm
quaisquer raízes e não pertencem ao céu, elas simplesmente vagueiam no céu. Elas vêm e vão e o
céu permanece intocado, não-influenciado. Sinta que seu corpo é apenas paredes de pele e que
não há ninguém lá dentro. Os pensamentos ainda continuarão – devido ao velho hábito, ao velho
ímpeto, à velha cooperação, os pensamentos continuarão vindo. Mas é só pensar que eles são
nuvens desenraizadas movendo-se no espaço – eles não lhe pertencem, eles não pertencem a
ninguém. Não há ninguém a quem eles possam pertencer – você está vazio. Será difícil, mas
devido aos velhos hábitos – nada mais. Sua mente gostaria de agarrar algum pensamento, ficar
identificado com ele, mover-se com ele, desfrutá-lo, deliciar-se nele. Resista! Diga que não há
ninguém para deliciar-se, não há ninguém para lutar, não há ninguém para fazer qualquer coisa
com este pensamento. Dentro de alguns dias, algumas semanas, os pensamentos se acomodarão,
eles se tornarão cada vez menos e menos. As nuvens começarão a desaparecer, ou mesmo que
venham, haverá grandes intervalos de céu sem nuvens, sem nenhum pensamento. Um
pensamento passará. Então, outro não virá durante algum tempo. Então, outro virá e depois
haverá novamente um intervalo. Nesses intervalos você conhecerá pela primeira vez que a
vacuidade existe. E o próprio vislumbre dela o encherá de tamanha bem-aventurança, que você
nem pode imaginar.
Realmente, é difícil dizer qualquer coisa sobre isso, porque seja o que for que dissermos na
linguagem se referirá a você, e você não estará presente. Se eu disser que você se encherá de
felicidade, será absurdo. Você não estará presente, então, como eu posso dizer que você se
encherá de felicidade? A felicidade existirá. Dentro das quatro paredes de sua pele, a felicidade
existirá, vibrando – mas você não estará presente. Um profundo silêncio descerá sobre você,
porque, se você não existir, ninguém poderá criar uma perturbação. Você continua sempre
pensando que outra pessoa o está perturbando; o barulho do tráfego na rua, crianças brincando ao
redor, a esposa trabalhando na cozinha... – alguém o está perturbando. Ninguém o está
perturbando: você é a causa da perturbação. Como você existe, qualquer coisa pode perturbá-lo.
Se você não estiver presente, então, as perturbações virão e passarão através da vacuidade, sem
tocá-la. Mas você está presente – muito suscetível, uma ferida; qualquer coisa imediatamente o
fere.
Eu ouvi uma história de ficção científica. Aconteceu depois da terceira guerra mundial, que
todos morreram; não havia mais ninguém na terra, somente permaneceram as árvores e as
montanhas. Uma árvore dessas bem grandes pensou em provocar um grande barulho, como ela
fazia no passado. Ela caiu de um rochedo enorme, fez tudo que era possível, mas não aconteceu
barulho nenhum. Porque para haver barulho seus ouvidos são necessários, para haver som seus
ouvidos são necessários. Se você não estiver ali, o som não pode ser criado. É impossível. Eu
estou falando aqui. Eu estou fazendo som, porque você está aqui. Se ninguém estiver aqui, eu
talvez continue falando, mas o som não pode ser criado. Mas eu mesmo posso criá-lo, porque eu
mesmo posso ouvi-lo. Se ninguém estiver aqui para ouvi-lo, o som não pode ser criado, porque o
som é uma reação de seus ouvidos. Se não houver ninguém aqui na terra, o sol surgirá, mas ele
não poderá criar a luz. Parece absurdo. Nós não concebemos assim, porque sempre pensamos
que o sol surgirá e haverá luz. Seus olhos são necessários. Sem seus olhos, o sol não pode criar
luz. Ele pode continuar surgindo, mas será inútil, porque os raios passarão na vacuidade. Não
haverá ninguém que possa reagir e que possa dizer que “isto é luz”. A luz é um fenômeno dos
olhos. Você reage. O som é um fenômeno de seus ouvidos. Você reage. O que você acha? Uma
rosa está ali no jardim, mas, se ninguém passar, haverá perfume? Uma rosa sozinha não pode
criar o perfume. Impossível. Você e seu nariz são necessários – alguém para reagir e interpretar
que “isto é perfume”, “isto é perfume de rosa”. Por mais que uma rosa tente, sem um nariz ela
não será uma rosa de jeito nenhum.
A perturbação na rua não está realmente lá, ela está dentro do seu ego. Seu ego reage e diz
que aquilo é uma perturbação. É uma interpretação sua. Talvez, num humor diferente, você até
aprecie aquilo. Então, não será uma perturbação. Você pode apreciar aquilo num diferente
estado. E então você dirá: “Que belo! Que música!”. Mas num momento triste, até a música se
tornará um incômodo. Mas, se você não estiver ali, apenas o espaço, a vacuidade, não pode haver
nem perturbação nem música. As coisas simplesmente passarão por você, sem serem notadas.
Porque sem colisão, não haverá ferida para reagir, não haverá ninguém para responder; nem
mesmo um ego será criado. É a isso que Buda chama de nirvana.
E esta técnica pode ajudá-lo.
Suponha que sua forma passiva seja um quarto com paredes de pele – vazio. Sente-se num
estado de passividade, inatividade, sem fazer nada... Porque sempre que você faz alguma coisa,
aquele que age entra. Realmente, não há nenhum agente. Somente devido ao fazer, você imagina
que há. Buda é difícil somente por causa disto. Somente por causa das formas linguísticas os
problemas surgiram. Nós dizemos que um homem está andando. Se você analisar esta frase, ela
significa que há alguém que está andando. Mas Buda diz que há somente um processo de andar,
não há ninguém que esteja andando. Você está rindo. Devido à linguagem, parece que há alguém
que parece que está rindo. Buda diz que há o riso, mas ninguém dentro que esteja rindo. Quando
você ri, lembre-se disto, e descubra quem ri. Você jamais encontrará alguém – há simplesmente
o riso. Não há ninguém por trás fazendo aquilo. Quando você está triste, não há ninguém que
esteja triste, há apenas a tristeza. Olhe para ela. Simplesmente tristeza. É um processo:
simplesmente riso, simplesmente felicidade, simplesmente infelicidade. Não há ninguém por trás
disso.
Só por causa da linguagem, nós pensamos em termos de dois. Se há movimento, dizemos que
deve haver alguém que se moveu – o movente. Nós não podemos conceber o movimento
sozinho. Mas alguma vez você já viu o movente? Alguma vez você já viu aquele que ri? Buda
diz que há vida, o processo de vida, mas ninguém lá dentro que esteja vivo. E então há a morte,
mas ninguém morrendo. Para Buda, você não é uma dualidade – a linguagem cria uma
dualidade. Eu estou falando, não há ninguém que esteja falando. É um processo. Não pertence a
ninguém.
Mas para nós é difícil, porque nossa mente está profundamente enraizada no dualismo.
Sempre que pensamos em alguma atividade, concebemos algum ator interno, algum agente. Eis
porque uma forma passiva, inativa, é boa em meditação, porque então você cai na vacuidade
mais facilmente. Buda diz: “Não medite. Esteja em meditação”. A diferença é vasta. Repetirei.
Buda diz: “Não medite. Esteja em meditação”. Porque se você meditar, o agente tem de entrar –
você continuará pensando que você está meditando. Então, a meditação tornou-se um ato. Buda
diz: “Esteja em meditação”. Isso significa ser totalmente passivo, não fazer nada, e não pensar
que há algum agente. Eis por que às vezes, quando o agente se perde no fazer, você sente uma
onda repentina de felicidade. Com um dançarino, chega um momento em que a dança toma
conta, o dançarino desaparece – então acontece uma súbita bênção, uma súbita beatitude, um
súbito êxtase. Ele fica repleto de uma bênção desconhecida. O que aconteceu? Somente o fazer
permaneceu e o agente não existe mais.
Na frente de guerra, os soldados às vezes atingem a um êxtase muito profundo. É difícil
conceber isso, porque eles estão tão próximos da morte... – a qualquer momento podem morrer.
No começo, isso os deixa com medo – eles tremem de medo. Mas não se pode continuar
tremendo de medo todos os dias continuamente. A pessoa se acostuma, aceita a morte – então, o
medo desaparece. E quando a morte está tão próxima, e com qualquer movimento errado você
pode morrer imediatamente, o agente fica esquecido, e somente o dever permanece – somente o
fazer permanece. E você tem de estar tão profundamente no fazer, que não pode continuar se
lembrando de que “eu sou”. Esse “eu sou” criará problema. Você perderá. Você não estará
totalmente na atividade. E a vida está em risco; assim, você não tem recursos para a dualidade. A
ação se torna total. Quando a ação é total, você de repente sente que você está feliz como nunca
esteve antes. Guerreiros têm conhecido fontes de alegria muito profundas, que a vida comum não
pode lhes dar. Talvez esta seja a razão de por que a guerra é tão atraente. E talvez seja a razão de
os kashatriyas, os guerreiros, terem atingido moksha mais do que os brahmins; porque os
brahmins estão sempre pensando e pensando – muita atividade mental. Os vinte e quatro
teerthankaras, Ram, Krishna, Buda, todos eles eram kshatriyas, guerreiros. Eles atingiram o
mais alto pico.
Nunca se ouviu dizer que algum negociante tenha atingido aquele ápice. Ele vive com tanta
seguridade, que tem recursos para ser dual. O que quer que esteja fazendo, nunca é total. O lucro
não pode ser uma atividade total. Você pode desfrutá-lo, mas ele jamais é um problema de vida e
morte. Você pode brincar com ele, mas nada está em perigo. Aquilo é um jogo. Um negociante
está jogando, o jogo do dinheiro. O jogo não é muito perigoso; assim, os negociantes quase
sempre permanecem medíocres... Até mesmo um jogador pode atingir picos mais altos de
felicidade do que um negociante, porque um jogador move-se no perigo. Ele coloca em risco
tudo que conseguiu – naquele momento de risco total, o agente some.
Essa pode ser a razão do jogo ser tão atraente, a guerra ser tão atraente. Tanto quanto posso
compreender, por trás do que quer que seja atraente, deve haver um êxtase escondido em algum
lugar, alguma pista do desconhecido em algum lugar, algum vislumbre do profundo mistério da
vida escondido em algum lugar. Caso contrário, nada seria atraente.
Passividade... Qualquer posição física que você assuma na meditação, deve ser passiva. Na
Índia, nós desenvolvemos a asana mais passiva, a postura mais passiva, que é a siddhasana. E a
beleza é que nesta posição de siddhasana, como Buda se senta, o corpo fica no estado mais
profundo de passividade. Até mesmo deitado, você não está tão passivo; mesmo dormindo, sua
posição física não é tão passiva, é ativa. Por que a siddhasana é tão passiva? Por muitas razões.
Nesta posição, o corpo fica trancado, fechado. O corpo tem circuito elétrico: quando o círculo é
fechado e trancado, a eletricidade se move em círculos dentro do corpo, ela não vaza. Agora é
um fenômeno científico comprovado, que em certas posições seu corpo vaza energia. Quando o
corpo está perdendo energia, ele tem de criar energia continuamente. Ele é ativo. O dínamo do
corpo tem de trabalhar continuamente, porque você está deixando escapar energia. Quando a
energia está escapando a partir do corpo externo, o corpo interno tem de ficar ativo para repô-la.
Assim, o estado mais passivo será quando nenhuma energia estiver vazando.
Agora, nos países do Ocidente, principalmente na Inglaterra, eles tratam os pacientes apenas
fazendo um círculo de sua eletricidade corporal. Em muitos hospitais, estas técnicas estão sendo
usadas e elas ajudam muito. Uma pessoa deita-se no chão numa rede de fios. A rede de fios é
apenas para fazer um círculo com a eletricidade do seu corpo. Basta meia-hora, e a pessoa se
sente relaxada, tão cheia de energia, tão forte, que não pode acreditar que quando chegou estava
tão fraca.
Em todas as culturas antigas, as pessoas costumavam dormir numa determinada direção
durante a noite, apenas de modo a que a energia não vazasse – porque a terra tem uma força
magnética. Para usar essa força magnética, você tem de se deitar numa determinada direção –
então, a força na terra o magnetizará durante toda a noite. Se você estiver deitado na posição
oposta a ela, a força fica lutando com você e sua energia é destruída. Muitas pessoas, pela
manhã, sentem-se deprimidas, muito enfraquecidas. Não deveria ser assim, porque o sono é para
rejuvenescê-lo, dar-lhe mais energia. Mas há muitas pessoas que estão energéticas quando vão
dormir, mas de manhã estão quase mortas. Pode haver muitas razões para isso, mas esta talvez
seja a número um: elas estão se deitando na direção errada. Se elas estiverem se deitando contra
o magneto da terra, elas se sentirão esmaecidas.
Assim, agora os cientistas dizem que o corpo tem um circuito elétrico que pode ser fechado, e
eles têm estudado muitos iôgues sentados em siddhasana. Nesse estado o corpo perde o mínimo
de energia; a energia é preservada. Quando a energia é preservada, as baterias internas não
precisam trabalhar, não há nenhuma necessidade de qualquer atividade. Assim, o corpo fica
passivo. Nessa passividade, você se torna mais esvaziado do que quando está ativo.
Nesta postura da siddhasana, sua coluna vertebral fica ereta e todo o corpo também fica reto.
Atualmente, muitos estudos têm sido feitos. Quando seu corpo está reto, totalmente reto, você é
menos influenciado pela gravitação da terra. Eis por que se você se senta numa postura
inconveniente, numa postura que você chama de inconveniente, a inconveniência é causada
porque seu corpo é afetado por mais gravidade. Se você estiver sentado reto, então, a força da
gravidade é menos efetiva, porque ela pode puxar apenas sua coluna, nada mais. Eis por que é
difícil dormir de pé. É quase impossível dormir de pé numa shirshasana, sobre a cabeça. Para
dormir, você tem de se deitar. Por quê? Porque então a terra exerce a maior força de atração
sobre você – e essa força de atração sobre seu corpo o deixa inconsciente. Para dormir você tem
de se deitar no chão, então, a gravitação da terra toca todo seu corpo e exerce atração sobre todas
as células dele. Então, você se torna inconsciente. Os animais são mais inconscientes do que o
homem, porque eles não podem ficar eretos. Os evolucionistas dizem que o homem pôde evoluir
porque pôde se erguer ereto, sobre os dois pés. A gravidade exerce menos força. Devido a isso,
ele pôde se tornar um pouco mais consciente.
Na siddhasana, a força gravitacional está no seu mínimo. O corpo fica inativo e passivo,
fechado internamente – ele se tornou um mundo em si mesmo. Nada está saindo, nada está
entrando. Os olhos estão fechados, as mãos estão bloqueadas, os pés estão bloqueados – a
energia se move em círculos. E sempre que a energia se move em círculos, ela cria um ritmo
interno, uma música interna. Quanto mais você ouve essa música, mais você se sente relaxado.
Suponha que sua forma passiva seja um quarto vazio – exatamente como um cômodo vazio –
com paredes de pele. Continue caindo dentro dessa vacuidade. Chega um momento em que você
sente que tudo já desapareceu; que não há ninguém, ninguém mesmo, a casa está vaga, o dono da
casa desapareceu, evaporou. Nessa lacuna, nesse intervalo, quando você já não mais está
presente lá dentro, o Divino estará presente. Quando você não está, Deus está. Quando você não
está, a bem-aventurança está. Assim, tente desaparecer. Tente desaparecer a partir de dentro.

110 Seja brincalhão na atividade

A segunda técnica:

Com leveza, brinque. O universo é uma concha vazia na qual sua mente se diverte
infinitamente.
Esta segunda técnica está baseada na dimensão da brincadeira. Isso tem de ser compreendido.
Se você está inativo, é bom cair em profunda vacuidade, no abismo interior. Mas você não pode
ficar vazio o dia todo e você não pode ficar passivo o dia todo. Você terá de fazer alguma coisa.
A atividade é um requisito básico, caso contrário, não se pode ficar vivo. Vida significa
atividade. Então, você pode ser inativo por algumas horas, mas pelo resto das vinte e quatro
horas você tem de ser ativo. E a meditação deve ser algo que se torne seu estilo de vida, ela não
deve ser um fragmento. Caso contrário, você ganhará vida e perderá vida.
Se você for inativo durante uma hora, então durante vinte e três horas você será ativo. As
forças ativas serão maiores, e elas destruirão o que quer que você tenha atingido na sua
inatividade. As forças ativas destruirão aquilo. E no dia seguinte você fará o mesmo novamente:
durante vinte e três horas você acumula o agente e por uma hora você terá de abandoná-lo. Será
difícil. Assim, sua mente deve mudar de atitude com relação ao trabalho e à atividade. Daí, a
segunda técnica.
O trabalho deve ser considerado como brincadeira, não como trabalho. O trabalho deve ser
considerado como brincadeira, apenas um jogo. Você não deve ser sério quanto ao trabalho; você
deve ser como crianças brincando. É insignificante, nada é para ser alcançado; simplesmente a
própria atividade é desfrutada. Você pode sentir a distinção, quando você brinca às vezes.
Quando você trabalha é diferente: você fica sério, sobrecarregado, responsável, preocupado,
ansioso, porque o resultado, o resultado final, é o motivo. O trabalho em si não é digno de
desfrute. A coisa real está no futuro, no resultado. Na brincadeira, não há nenhum resultado
realmente. O próprio processo é bendito. E você não está preocupado, ele não é uma coisa séria.
Mesmo que você pareça sério, é só um faz de conta. Na brincadeira, você desfruta o próprio
processo; no trabalho o processo não está sendo desfrutado – a meta, o fim, é importante. O
processo tem de ser tolerado de algum modo. Ele tem de ser feito, porque o fim tem de ser
alcançado. Se você pudesse alcançar o fim sem o processo, você largaria a atividade e pularia
para o fim.
Mas na brincadeira você não faria isso. Se você pudesse alcançar o fim sem brincar, o fim
seria inútil. Ele tem significado somente através do processo. Por exemplo: dois times de futebol
estão no campo. Só por jogarem uma moeda eles podem decidir quem vencerá e quem perderá.
Por que passar por tamanho esforço, se exercitando tanto e sem necessidade? A coisa pode ser
resolvida muito facilmente, apenas lançando uma moeda. O fim estará ali. Um time vence, o
outro é derrotado. Por que trabalhar para isso? Mas então não haverá nenhum significado,
nenhuma significância. O fim não é significativo, o próprio processo, sim, é significativo.
Mesmo que ninguém vença e ninguém perca, o jogo valeu à pena. A atividade em si é
desfrutada.
Esta dimensão do jogo tem de ser aplicada em toda a sua vida: seja o que for que esteja
fazendo, esteja nessa atividade tão totalmente, que o fim seja irrelevante. Ele pode vir, ele tem de
vir, mas ele não está na sua mente. Você está brincando, você está desfrutando.
Eis o que Krishna quer dizer quando ele diz a Arjuna para deixar o futuro nas mãos do
Divino. O resultado da sua atividade está nas mãos do Divino. Você simplesmente faz. Este
“simplesmente fazer” torna-se uma brincadeira. E é isso que Arjuna acha difícil compreender,
porque ele diz que se é só brincadeira, então, por que matar, por que lutar? Ele compreende o que
é o trabalho, mas ele não compreende o que é brincar. E a vida inteira de Krishna é só uma
brincadeira. Você não pode encontrar em lugar nenhum um homem tão brincalhão. Toda a sua
vida é apenas uma brincadeira, um jogo, um teatro. Ele se diverte com todas as coisas, mas ele
não leva aquilo a sério. Ele não se preocupa com o resultado. O que acontece é irrelevante.
Compreender Krishna é difícil para Arjuna, porque ele pensa em termos de resultado final.
Ele diz no começo do Gita: “Essa coisa toda parece ser absurda. De ambos os lados meus amigos
e meus parentes estão prontos para lutar. Seja quem for que vença, será uma perda, porque minha
família, meus parentes, meus amigos serão destruídos. Mesmo que eu vença, não valerá nada,
porque... – a quem eu vou mostrar minha vitória? As vitórias são significativas, porque os
amigos, os parentes, a família poderão desfrutá-las. Mas não haverá ninguém, a vitória será
apenas sobre cadáveres. Quem a apreciará? Quem dirá ‘Arjuna, você fez uma façanha! ’? Assim,
quer eu seja vitorioso ou derrotado, parece absurdo. A coisa toda é absurda!”. Ele quer renunciar.
Ele está mortalmente sério. E qualquer um que calcule, estaria assim, mortalmente sério.
O cenário do Gita é único: a guerra é o assunto mais sério. Você não pode ser brincalhão em
relação a ela, porque vidas estão envolvidas, milhares de vidas estão envolvidas – não se pode
ser brincalhão. E Krishna insiste que mesmo lá você tem de ser brincalhão. Você não deve
pensar sobre o que acontecerá no fim, você deve apenas ficar aqui e agora. Seja apenas um
guerreiro brincalhão. Não se preocupe com o resultado, porque o resultado está nas mãos do
Divino. E esse nem é o ponto, se o resultado está nas mãos de Deus ou não. O ponto é que o
resultado não deve estar em suas mãos. Você não deve carregá-lo. Se você o carrega, então, sua
vida não pode se tornar meditativa.
A segunda técnica diz: Com leveza, brinque. Deixe toda a vida ser apenas uma brincadeira.
O universo é uma concha vazia na qual sua mente se diverte infinitamente. Sua mente
permanece brincando infinitamente: a coisa toda é apenas como um sonho num cômodo vazio.
Enquanto está meditando, a pessoa tem de olhar para a mente de modo divertido, como crianças
brincando, pulando de tanta energia que transborda, isso é tudo. Pensamentos saltando,
brincando – apenas uma brincadeira. Não seja sério com relação a eles. Mesmo se um
pensamento ruim estiver presente, não se sinta culpado. Ou, se há um pensamento ótimo, um
pensamento muito bom – que você queira servir à humanidade e transformar o mundo todo, que
você queira trazer o céu para a terra – não ponha muito ego nisso, não sinta que você se tornou
ilustre. É a mente se divertindo. Às vezes, ela baixa, às vezes ela sobe – é apenas energia
transbordando, tomando muitas formas diferentes. A mente é apenas uma fonte transbordando,
nada mais.
Seja brincalhão, Shiva diz; “Com leveza, brinque”. A atitude de um jogador significa que ele
está se divertindo na atividade, ela é boa em si mesma. Nenhuma motivação de lucro está
envolvida; ele não é calculista. Olhe para um negociante. O que quer que esteja fazendo, ele está
calculando sobre o lucro, o que ele vai atingir a partir disso. Um freguês entra. O freguês não é
uma pessoa, ele é apenas um meio. O que se pode lucrar com ele? Como ele pode ser explorado?
Lá no fundo ele está calculando o que deve ser dito, o que deve ser feito. Tudo é calculado,
apenas para manipular, para explorar. Ele não está interessado naquela pessoa, não está
interessado na negociação, não está interessado em nada – ele está interessado somente no
futuro, no lucro.
Olhe para o Oriente: nas aldeias, ainda, um negociante não é apenas um agente do lucro, e o
freguês não tem de vir apenas para comprar alguma coisa. Eles gostam do jogo. Eu me lembro de
meu avô. Ele era um comerciante de roupas e eu e toda a minha família ficávamos espantados,
porque ele se divertia muito com aquilo. Durante horas seguidas, era um jogo com os fregueses.
Se algo valia dez rupias, ele pedia cinquenta rupias por aquilo. E ele sabia que era absurdo. E
seus fregueses sabiam disso também. Sabiam que devia valer por volta de dez rupias, mas eles
começariam oferecendo duas rupias. Então, seguia-se um longo regateio – horas seguidas. Meu
pai e meus tios ficavam com raiva. “O que se passa aqui? Por que não diz logo que o preço é
tanto?”. Mas ele tinha seus próprios fregueses. Quando eles vinham, eles perguntavam: “Onde
está Dada, onde está o vovô? Porque com ele é um jogo, uma brincadeira. Quer ganhemos ou
percamos uma rupia ou duas, um pouco mais, ou menos, não é o que interessa!”.
Eles se divertiam. A atividade em si era algo digno de se passar por ela. Duas pessoas
estavam se comunicando através dela. Duas pessoas estavam jogando e as duas sabiam que era
um jogo – porque é claro que um preço fixo era possível.
No Ocidente eles têm preços fixos, porque as pessoas são mais calculistas e mais movidas
pelo lucro. Elas não podem conceber a perda de tempo. Por que perder tempo? A coisa pode ser
acertada em minutos. Não há nenhuma necessidade. Você pode escrever logo o preço certo. Por
que ficar lutando durante horas seguidas? Mas então, o jogo fica perdido e a coisa toda vira
rotina. Até as máquinas podem fazer assim. O negociante não é necessário; o freguês não é
necessário.
Eu ouvi contar sobre um psicanalista que era um homem tão ocupado e tinha tantos pacientes,
que ficou difícil ter um contato pessoal com eles todos. Então, ele passou a gravar uma fita para
determinado paciente e o gravador dizia tudo que aquele psicanalista queria dizer para o
paciente.
Uma vez aconteceu de a hora estar marcada para um paciente que era muito rico. O
psicanalista estava entrando num hotel. De repente ele viu o paciente sentado lá. Então, ele
perguntou: “O que você está fazendo aqui? Era sua hora comigo?”. O paciente disse: “Estou tão
ocupado que gravei minhas palavras no meu próprio gravador. Os dois gravadores estão
conversando um com o outro. Seja o que for que você tenha a me dizer, meu gravador já gravou,
e seja o que for que eu tenha a lhe dizer, seu gravador já gravou isso do meu gravador. Assim,
nesta mesma hora, estamos os dois livres”.
Se você é demasiadamente calculista, então as pessoas desaparecem, e cada vez mais e mais
entra a mecanização. Mesmo agora nas aldeias da Índia, o regateio ainda continua. É um jogo
que vale a pena desfrutar. É um jogo entre duas inteligências, e duas pessoas entram em
profundo contato. Mas isso não economiza tempo. Os jogos jamais podem economizar tempo. E
nos jogos você não se preocupa com o tempo. Você fica despreocupado, e seja o que for que se
passe, você desfruta-o naquele momento.
Ser brincalhão é uma das mais profundas bases de todo o processo meditativo. Mas nós
somos como homens de negócio; fomos treinados dessa forma. Assim, mesmo quando
meditamos, ficamos de olho no final, no resultado. E o que quer que aconteça, você ficará
insatisfeito.
As pessoas vêm a mim e dizem: “Sim, a meditação está crescendo, progredindo. Estou me
sentindo mais feliz, um pouco mais silencioso, mais à vontade, mas nada mais está
acontecendo”. O que mais querem? Eu sei que pessoas desse tipo estão fadadas a virem algum
dia e dizerem: “Sim, estou me sentindo no nirvana, mas não está acontecendo nada mais. Estou
feliz, mas nada mais está acontecendo”. O que querem mais? Essa pessoa está procurando algum
lucro e, a menos que um lucro muito visível apareça em suas mãos, algo que ela possa depositar
num banco, ela não fica satisfeita. Silêncio e felicidades são tão vagos – você não pode possuí-
los, não pode mostrá-los a ninguém.
Todos os dias acontece de pessoas virem a mim e dizerem que estão muito tristes. Elas ficam
esperando o que não deve ser esperado nem mesmo nos negócios – e ficam esperando nas suas
meditações! A mente negociante vem para a meditação com todo o treinamento dos negócios –
que lucro pode se tirar dela?
O homem de negócios não é brincalhão. E se você não é brincalhão, você não pode ser
meditativo.
Seja mais brincalhão. Perca tempo em brincar. Brincar com as crianças ajudará. Mesmo que
não haja ninguém, você pode pular e dançar sozinho no quarto e ser brincalhão. Divirta-se. Mas
a sua mente continuará insistindo: “O que você está fazendo, perdendo tempo? Você pode
ganhar alguma coisa nesse tempo. Você pode fazer algo, e fica aí pulando, cantando, e dançando.
O que você está fazendo? Ficou louco?”.
Tente. Agarre o tempo que puder deixar dos seus negócios, e seja brincalhão. Com o que for.
Pinte, toque um sitar, ou o que você goste – mas seja brincalhão. Não procure lucro nisso, não
veja futuro nisso, só o presente. E então, então você poderá ser brincalhão por dentro também.
Então, você poderá pular sobre os seus pensamentos, brincar com eles, jogá-los aqui e ali, dançar
com eles, mas não seja sério com relação a eles.
Muitas pessoas estão simplesmente inconscientes no que tange à própria mente. Seja o que
for que aconteça em sua mente, elas estão inconscientes a respeito: elas vão à deriva com ela,
sem saber aonde a mente as leva. Se você puder ficar ciente de qualquer trajetória da mente, você
ficará espantado com o que está acontecendo. A mente se move através de associações. Um cão
late na rua. O latido chega à sua cabeça – e agora você já começou. Você pode ir até o fim do
mundo a partir desse latido do cachorro. Você talvez se lembre de um amigo que tinha um cão.
Então, aquele cão fica para trás e esse entra em sua mente. E ele tinha uma esposa e a esposa era
bela... – e agora você já está no movimento. Você vai até o fim deste mundo e jamais se lembrará
de que foi um cão que lhe pregou uma peça – ele apenas latiu, e o colocou numa trilha e você
começou a andar.
Você se sentirá muito desconfortável com o que dizem os cientistas sobre isto. Eles dizem
que essa trilha está fixa em sua mente. Se o mesmo cão na mesma situação latir novamente, você
seguirá esse caminho novamente: o amigo, o cão, a esposa – a bela esposa – você irá pelo mesmo
caminho novamente.
Agora eles têm tentado muitos experimentos com eletrodos no cérebro humano. Eles tocam
certo ponto no cérebro e então determinada memória é liberada. De repente, você vê que tem
cinco anos de idade, brincando num jardim, correndo atrás de uma borboleta. Então, toda a
sequência aparece – você está feliz, tudo é belo, o ar, o jardim, o cheiro, tudo se torna vivo. Não
se trata de simples memória, você libera aquilo. Então, o eletrodo é tirado e a memória para. Se o
eletrodo tocar novamente o mesmo ponto, novamente a mesma memória volta novamente. É
como se você estivesse se lembrando de alguma coisa mecânica. E começa sempre num certo
ponto e termina num outro ponto determinado; e então recomeça outra vez... Como se você
tivesse gravado algo num gravador. Seu cérebro tem milhões de memórias, milhões de células
gravadas, e é tudo mecânico.
Esses experimentos no cérebro humano são muito estranhos e muito reveladores. As
memórias podem ser revividas sempre nova e novamente. Um experimentador tentou trezentas
vezes e a memória era a mesma – ela estava gravada. A pessoa em quem o experimento era feito,
tomou ciência e sentiu que aquilo era muitíssimo esquisito, porque ela não era o mestre, ela não
podia fazer nada. Quando o eletrodo tocava o lugar, a memória começava e ela tinha de ver
aquilo. Durante trezentas vezes ela em pouco tempo tornou-se uma testemunha. Ela começava
vendo a memória, mas, então, começou a tomar ciência de que ela e a memória eram diferentes.
Este experimento pode ser de auxílio, de muito auxílio para meditadores, porque quando você
sabe que sua mente não é nada além de um mecanismo gravando à sua volta, você já está
separado.
Esta mente pode ser tocada. Agora, os cientistas dizem que mais cedo ou mais tarde nós
eliminaremos todos os centros que nos dão angústia, ansiedade, porque sempre e repetidamente a
mesma coisa é tocada e a coisa toda tem de ser liberada.
Eu andei tentando muitos experimentos com muitos discípulos. Faça a mesma coisa e eles
agem do mesmo jeito num círculo vicioso, nova e novamente, nova e novamente – a menos que
se tornem uma testemunha de que é uma coisa mecânica. Você sabe que se você disser a mesma
coisa à sua esposa toda semana, a mesma coisa, ela reagirá. Depois de sete dias, quando ela já
tiver se esquecido, diga a mesma coisa: ela reagirá. Então, grave – a reação vai ser a mesma.
Você sabe, sua esposa sabe, um padrão se tornou fixo – e vai continuar. Até um cachorro começa
seu padrão ao latir. Algo é tocado, um eletrodo entra – você começou a viagem.
Se você for brincalhão na vida, então, você pode ser brincalhão internamente, com a mente
também. Então, fique como se estivesse vendo algo na tela da TV: você não está envolvido, você
é apenas um espectador, uma testemunha. Olhe, e divirta-se. Não diga bom, não diga mau, não
condene, não aprecie, porque essas são coisas sérias. Se uma mulher nua entrar na tela, não diga
que é mim, que o demônio está lhe pregando uma peça. Nenhum demônio está lhe pregando uma
peça. Olhe para ela como se ela estivesse na tela, na tela de um filme. E seja brincalhão – diga à
senhora: “Espere...”. Não tente tirá-la da tela, porque quanto mais você a pressionar para fora,
mais ela irá entrar – senhoras são difíceis. E não a siga. Se você a seguir, então, você estará em
dificuldades. Não siga, não lute – esta é a regra. Simplesmente olhe e seja brincalhão. Diga “oi”
ou “bom-dia”. Apenas olhe e não se perturbe de jeito nenhum. Deixe a dama esperar. Ela irá
embora por ela mesma, como veio: ela se move por conta própria. Ela não tem relação com você,
ela é algo na sua memória. Mobilizada por alguma situação, ela surge, só uma imagem. Seja
brincalhão com isso. Se você puder ser brincalhão com sua mente, ela cairá logo, logo, porque a
mente só pode existir se você for sério. A seriedade é o elo de ligação, a ponte.
Com leveza, brinque. O universo é uma concha vazia na qual sua mente se diverte
infinitamente.

111 Além do conhecer e do não-conhecer

A terceira técnica:

Medite no saber e no não-saber, no existir e no não-existir. Então deixe ambos de lado,


para que você possa ser.

Medite no saber e no não-saber, no existir e no não-existir. Medite no aspecto positivo da


vida e depois no negativo – depois ponha os dois de lado, porque você não é nenhum dos dois.
Então deixe ambos de lado, para que você possa ser.
Olhe deste modo. Medite sobre um nascimento: uma criança nasce, você nasce. Então você
cresce, você se torna jovem – medite sobre todo esse crescimento. Então você fica velho, então
você morre.
Bem do começo... Imagine o próprio momento em que seu pai e mãe o conceberam, e dentro
do útero da mãe da qual você veio. Exatamente a primeira célula. De lá, olhe para o fim, onde
seu corpo está sendo queimado numa pira funerária e todos os seus parentes ao seu redor. Então,
ponha as duas coisas de lado – o que nasceu e o que morreu. Ponha ambos de lado e depois olhe
internamente. Ali está você – aquilo que nunca nasceu e nunca irá morrer.
...saber e não-saber, existir e não-existir. Então deixe os dois de lado, para que você possa
ser. Você pode fazer isso com qualquer polaridade positivo-negativo. Você está sentado aqui. Eu
olho para você. Eu sei de você. Quando fecho meus olhos, você não mais está aí, eu não sei de
você. Então, ponha ambos de lado: o conhecimento de que eu sei de você e o conhecimento de
que eu não sei de você – você ficará vazio. Porque quando você põe os dois conhecimentos de
lado, você se esvaziará.
Há dois tipos de pessoas: uns estão cheios de conhecimento e outros estão cheios de
ignorância. Há pessoas que dizem: “Nós sabemos”. O ego delas está amarrado ao conhecimento
que têm. E há pessoas que dizem: “Nós somos ignorantes”. Estes estão preenchidos com a
ignorância que têm. Eles dizem “somos ignorantes, não sabemos nada”. Uns estão identificados
com o conhecimento e outros estão identificados com a ignorância, mas ambos possuem alguma
coisa, ambos acalentam alguma coisa. Ponha ambos de lado, o conhecido e não conhecido, de
modo que você não seja nem o ignorante nem o conhecedor. Ponha ambos de lado, o positivo e o
negativo. Então, quem é você? De repente, o “quem” será revelado a você. Você ficará ciente do
além, daquilo que transcende. Ao pôr de lado ambos, o positivo e negativo, você será esvaziado.
Você não será nem um, nem outro, nem o sábio, nem o ignorante. Ponha ambos, o ódio e o amor,
de lado; ponha de lado a amizade e inimizade... – quando ambas as polaridades são postas de
lado, você é esvaziado.
Mas este é um truque da mente: ela pode pôr uma coisa de lado, mas nunca as duas juntas –
você pode pôr de lado a ignorância, então você se apega ao conhecimento. Você pode pôr a dor
de lado, mas então você se apega ao prazer. Você pode pôr os inimigos de lado, mas então você
se apega aos amigos. E há algumas pessoas que são exatamente o inverso: elas colocarão os
amigos de lado e se apegarão aos inimigos, elas colocarão o amor de lado e se apegarão ao ódio,
elas colocarão a riqueza de lado e se agarrarão à pobreza, e elas porão o conhecimento, as
escrituras de lado e se apegarão à ignorância. Essas pessoas são grandes renunciantes. Seja ao
que for que você se apegue, elas deixam isso de lado e se apegam ao oposto – mas elas se
apegam do mesmo modo.
O apego é o problema, porque se você se apega, não pode ficar vazio. Não se apegue – esta é
a mensagem desta técnica. Não se agarre a nada, positivo ou negativo, porque, com o não-apego,
você encontrará a si mesmo. Você está aí, mas devido ao apego, você está escondido. Com o
não-apego, você será exposto, você será descoberto. Você explodirá.

112 Entre no espaço dentro de você

A quarta técnica:

Entre no espaço, sem apoio, eterno, silencioso.


Entre no espaço, sem apoio, eterno, silencioso. Três qualidades de espaço têm de ser dadas na
técnica. Sem apoio: não pode haver nenhum apoio no espaço. Eterno: ele não pode terminar
nunca. Silencioso: ele não terá som, será silencioso. Entre neste espaço. Ele está dentro de você.
Mas a mente sempre busca apoio. As pessoas vêm a mim e se eu lhes digo “sente-se em
silêncio, de olhos fechados, e não faça nada”, elas dizem: “Dê-me algum avalamban, algum
apoio. Dê-me algum mantra como apoio, porque eu não posso simplesmente me sentar”. É
difícil apenas estar sentado. Se eu lhes der um mantra, tudo bem. Elas podem continuar
repetindo o mantra. Então, fica fácil.
Com apoio você nunca fica vazio, eis por que é fácil. Alguma coisa deve continuar lá dentro,
você deve estar fazendo alguma coisa. Fazendo, o agente permanece: fazendo, você fica
preenchido. Você talvez fique preenchido com aumkar, Aum, Ram, Jesus, Ave Maria, qualquer
coisa – você pode ficar preenchido com qualquer coisa, mas você está preenchido. Então, você
está bem.
A mente resiste à vacuidade. Ela quer sempre estar repleta com alguma outra coisa, porque se
ela estiver preenchida, ela existe. Se ela não estiver preenchida, desaparecerá. No vazio, você
alcançará à não-mente. Eis por que a mente busca apoio.
Se você quer entrar no espaço interior, não busque por apoio. Abandone todos e quaisquer
apoios: mantras, deuses, escrituras, seja o que for que lhe dê apoio. Se você sentir que você está
sendo apoiado, abandone aquilo, e vá para dentro – sem apoio. Será temível, você ficará com
medo. Você está se movendo para um espaço onde você pode se perder completamente. Você
talvez não seja capaz de voltar, porque todos os apoios estarão perdidos. Seu contato com a
margem está perdido e para onde este rio o conduzirá, ninguém sabe. Seu apoio está perdido.
Você talvez caia num abismo infinito. Consequentemente, esse medo agarra-se em você, e você
busca por algum apoio. Mesmo que seja um falso apoio, você gosta. Mesmo que seja um falso
apoio, ajuda. Porque para a mente não faz nenhuma diferença se o apoio é real ou falso – deve
ser um apoio, esse é o ponto. Você não está sozinho, alguma coisa existe ali e lhe dando apoio.
Aconteceu uma vez que um homem veio a mim. Ele estava vivendo numa casa onde ele
sentia que havia espíritos e fantasmas. E ele estava muito preocupado. Em meio às preocupações,
ele começou a ver mais ilusões e ficou doente, fraco. Sua esposa disse: “Se você ficar mais
tempo nesta casa, eu vou embora”. Seus filhos foram mandados para casa de parentes.
O homem veio a mim e disse: “Agora ficou muito difícil. Eu os vi claramente. Eles andam à
noite. A casa toda está cheia de espíritos. Ajude-me!”. Então, eu lhe dei um dos meus retratos e
disse: “Leve isso. Agora eu me atraco com aqueles espíritos. Você simplesmente dorme em
silêncio, não precisa se preocupar. Eu os verei e os agarrarei. Agora isso é um assunto meu. E
não interfira. Agora você não precisa ficar ligado nisso”. O homem voltou no dia seguinte. Ele
disse: “Eu dormi, foi tão bom! Você fez um milagre!”.
E eu não tinha feito nada, mas dei um apoio. Através do apoio, a mente foi preenchida. Ela
não mais estava vaga: alguém estava ali.
Na vida comum, você está apoiado em muitos falsos apoios, mas eles ajudam. E a menos que
você fique forte o bastante, você precisará deles. Eis por que eu digo que esta é a última técnica –
nenhum apoio.
Buda estava morrendo e Anand lhe perguntou: “Agora você está nos deixando, o que
devemos fazer? Como iremos atingir? Como devemos prosseguir agora? Quando o mestre se vai,
ficamos vagando na escuridão por vidas e muitíssimas vidas. Não há ninguém lá para nos
conduzir, nos guiar... – a luz está indo embora”. Então Buda disse: “Será bom para vocês.
Quando eu não existir mais, você se tornará sua própria luz. Vá sozinho, não peça nenhum apoio,
porque o apoio é a última barreira”.
E aconteceu. Anand não tinha se tornado iluminado. Durante quarenta anos ele esteve com
Buda. Ele era o discípulo mais próximo – era como uma sombra para Buda, andava com ele,
morava com ele; ele tinha tido o mais longo contato possível com ele. Durante quarenta anos, a
compaixão de Buda caía sobre ele, chovia sobre ele – durante quarenta anos. Mas nada
acontecia, Anand permanecia tão ignorante quanto sempre. E no dia seguinte à morte de Buda,
Anand se iluminou – no dia seguinte, exatamente no dia seguinte. O próprio apoio tinha sido a
barreira. Quando Buda não existia mais, Anand não pôde encontrar nenhum apoio. É difícil. Se
você vive com um buda, e o buda se vai, então, ninguém pode ser um apoio para você. Agora
não haverá ninguém a quem valha a pena se apegar. A pessoa que esteve apegada a um buda,
não pode se apegar a qualquer um neste mundo. Este mundo todo estará vago. Uma vez que você
tenha conhecido um buda e seu amor e sua compaixão, então, nenhum amor, nenhuma
compaixão pode se comparar. Depois de você ter provado aquilo, nada mais vale a pena provar.
Então, Anand ficou sozinho pela primeira vez em quarenta anos, totalmente sozinho. Não havia
jeito de encontrar um apoio. Ele tinha conhecido o mais elevado apoio: agora, apoios mais
baixos não funcionariam. No dia seguinte, ele tornou-se iluminado. Ele deve ter se movido para
o espaço mais interior, sem apoio, eterno, silencioso.
Portanto lembre-se: não tente encontrar nenhum apoio. Fique sem apoio. Se você tentar fazer
esta técnica, então, fique sem apoio. É isso que Krishnamurti está ensinando: “Fique sem apoio.
Não se agarre a um mestre. Não se agarre à escritura. Não se agarre a nada”. É isso que todo
mestre faz. Todo o esforço do mestre é primeiramente atraí-lo em direção a ele, de modo que
você comece a se apegar a ele. Quando você começa a se apegar a ele, quando você se torna
próximo e íntimo dele, então, ele sabe que o apego tem de ser cortado. E você não pode se
apegar a ninguém mais agora – isso acabou. Você não pode se mover para mais ninguém – é
impossível. Então, ele corta o apego e de repente você é deixado sem apoio. Isso será doloroso
no início. Você irá chorar e se lamentará e gritará e todo o seu ser sentirá que está perdido. Você
cairá no mais profundo sofrimento. Mas de lá a pessoa ergue-se sozinha, sem apoio.
Entre no espaço, sem apoio, eterno, silencioso. E esse espaço não tem começo, nem fim. E
esse espaço é absolutamente silencioso. Não há nada – nem mesmo uma vibração sonora, nem
mesmo uma onda. Tudo é silencioso.
Esse ponto está bem dentro de você. A qualquer momento você pode entrar nele. Se você
tiver a coragem de ficar sem apoio, neste exato momento você pode entrar nele. A porta está
aberta. O convite é para todos, todos e cada um. Mas a coragem é necessária; a coragem de ser
sozinho, a coragem de ser esvaziado, a coragem de se fundir e se dissolver, a coragem de morrer.
E se você puder morrer dentro do seu espaço mais íntimo, você atingirá à vida que nunca morre
– você atingirá ao amrit, à imortalidade.
Capítulo 80

TUDO E NADA SIGNIFICAM O MESMO



PERGUNTAS

Você disse que realmente não há ninguém dentro de nós, há somente um vazio, uma vacuidade,
mas então por que você frequentemente chama isso de ser, de centro?
Se há absoluta vacuidade dentro de um iluminado, então, como é que ele parece estar tomando
decisões, discriminando, gostando disto e desgostando daquilo, dizendo sim ou não?
Você disse que o ruído e as perturbações não estão do lado de fora no mundo, mas são devido
às nossas próprias mentes e egos. Mas por que os santos e os místicos sempre moram em
lugares sem ruído, sem muita gente?
Uma coisa é perceber a consciência cósmica na terra, e transcender o corpo. Mas como os
realizados sabem com certeza que esta consciência é eterna e permanecerá depois da morte do
corpo?
Eu certamente quero me tornar iluminado. Mas se eu ficar, que diferença isso fará para o resto
do mundo?

A primeira pergunta:

Você disse que realmente não há ninguém dentro de nós, há somente um vazio, uma
vacuidade, mas então por que você frequentemente chama isso de ser, de centro?

Ser ou não-ser, nada ou tudo – eles parecem contraditórios, mas eles dois significam o
mesmo. Tudo e nada significam o mesmo. Nos dicionários eles são opostos, mas na vida eles não
são dois. Ninguém compreende. Olhe para isso deste jeito: se eu digo que eu amo todos, ou se eu
digo que eu não amo ninguém, isso significa o mesmo. Se eu amo alguém, somente então, há
uma diferença. Se eu amo todos, significa o mesmo que não amar ninguém. A diferença é
sempre em graus, relativa. E esses são dois extremos, eles não têm quaisquer graus: o total e o
zero não têm graus. Assim, você pode chamar o total de um zero, ou você pode chamar um zero
de o total. Eis por que algumas pessoas iluminadas chamaram o espaço interno de vacuidade,
shunya, o vazio, o coisa-nenhuma, o não-ser, anatma – e alguns o chamaram de ser interior, o ser
absoluto, o Brahma, o atma, o supremo Eu. Esses são os dois modos de descrevê-lo. Um é
positivo, o outro é negativo. Ou você tem de incluir tudo, ou tem de excluir tudo – você não pode
descrevê-lo com qualquer termo que seja relativo. Um termo absoluto é necessário. Os dois polos
contraditórios são termos absolutos.
Mas deve haver alguma pessoa iluminada que tenha permanecido totalmente silenciosa. Eles
não devem tê-la chamado de nada, porque seja o que for que se a chame – quer você a chame de
ser ou não-ser – no momento em que você lhe dá um nome, um termo, uma palavra, você já
errou, porque a iluminação inclui os dois polos. Por exemplo: se eu digo “Deus está vivo”, ou
“Deus é a vida”, isso é insignificante, porque então quem será a morte? Ele inclui tudo. Ele deve
ter a morte nele mesmo como tão completamente quanto a vida, caso contrário, a quem a morte
pertence? E se a morte pertence a outra pessoa e a vida pertence a Deus – então, há dois Deuses,
e então haverá muitos problemas que não podem ser resolvidos. Deus deve ser os dois, o criador
e o destruidor. Se você diz “Deus é o criador”, então quem é o destruidor? Se você diz “Deus é
bom”, então quem será o mal? Devido a essas dificuldades, os cristãos, os zoroastrianos, e
muitas outras religiões criaram um Demônio lado a lado com Deus, porque a quem o mal
pertencerá. Elas criaram um Demônio. Mas nada está resolvido – o problema está apenas
empurrado um passo atrás, porque então pode ser relevantemente perguntado: “Quem criou o
Demônio?”. Se o próprio Deus criou o Demônio, então ele é o responsável. E se o Demônio é
algo independente, sem relação com Deus, então, ele próprio se torna um Deus, um supremo
poder. E se Deus não criou o Demônio, como pode Deus destruí-lo? É impossível. Os teólogos
continuam dando algumas respostas a uma questão, mas essa resposta novamente cria mais
questões.
Deus criou Adão, então Adão se tornou o mal. Ele foi expulso. Ele desobedeceu a Deus e foi
expulso do mundo celestial. Tem sido perguntado repetidamente, e relevantemente, por que
Adão se tornou o mal? A possibilidade deve ter sido criada por Deus nele – a possibilidade de ser
mau, de agir errado, de desobedecer. Se não houvesse nenhuma possibilidade, nenhuma
tendência inerente, então, como Adão poderia agir errado?” Deus deve ter criado a tendência. E
se a tendência para o mal existe, outra coisa também é certa: a tendência para encobri-lo não era
tão forte – a tendência para lutar contra não era tão forte. A tendência para o mal era forte. Quem
criou esta força? Ninguém exceto Deus pode ser responsável. Então, a coisa toda parece ser um
logro. Deus cria Adão: ele cria nele uma tendência para o mal, uma forte tendência para o mal
que não pode ser controlada; então ele age errado, então ele é punido. Deus deveria ser punido,
não Adão! Ou, você tem de aceitar que existe alguma outra força lado a lado com Deus. E essa
outra força imperativamente é mais forte do que Deus, porque o mal pode tentar Adão e Deus
não pode protegê-lo. O Demônio pode provocar e seduzir e Deus não pode proteger. O Demônio
parece ser mais forte que Deus.
Há uma igreja, recentemente criada nos Estados Unidos da América, chamada de igreja de
Satan, a igreja do Demônio. Eles têm um sumo sacerdote, assim como o papa do Vaticano. E
eles dizem que a História prova que o verdadeiro Deus é o Demônio. E eles parecem lógicos.
Eles dizem: “Seu Deus, o Deus do bem, sempre foi derrotado, e o Demônio sempre saiu
vitorioso. O todo da História prova isso. Assim, por que adorar um Deus fraco que não pode
protegê-lo? É melhor seguir um Deus mais forte que possa seduzi-lo, mas que possa protegê-lo
também – porque ele é mais forte”. A igreja do Demônio atualmente é uma igreja em
crescimento. E eles parecem lógicos. Isto é o que a História prova.
Esta dualidade – para livrar Deus do polo negativo – cria os problemas. Na Índia, nós não
criamos o outro polo. Nós dizemos que Deus é os dois: o criador e o destruidor, o bom e o mau.
Isto é difícil de se conceber, porque no momento em que dizemos “Deus”, não podemos
concebê-lo sendo mau. Mas na Índia nós tentamos penetrar no mistério mais profundo da
existência – que é: a unicidade. De algum modo, bom e mau, vida e morte, negativo e positivo,
encontram-se em algum lugar, e esse ponto de encontro é a existência, a unicidade. Do que você
chamaria esse ponto de encontro? Ou você terá de usar um termo positivo, ou um negativo,
porque nós não temos quaisquer outros termos. Se você usa os termos positivos, então, você
chama-o de “Ser” com um S maiúsculo – Deus, Absoluto, Brahma. Ou se você quer usar termo
negativo, então, você o chama de nirvana, o coisa-nenhuma, shunya, não-ser, anatma. Os dois
indicam o mesmo. Trata-se dos dois; e seu ser interior também é os dois. Eis por que às vezes eu
o chamo de Ser e às vezes de não-Ser. Ele é ambas as coisas. Depende de você. Se o positivo lhe
apela, então, chame-o de Ser. Se o negativo lhe apela, então, chame-o de não-Ser. Depende de
você. O que lhe parecer bom, quando quer que sinta que lhe dará maturidade, crescimento,
evolução, chame-o disso.
Há dois tipos de pessoas: uma que não pode sentir nenhuma afinidade com a negatividade e a
outra que não pode sentir nenhuma afinidade com o positivo. Buda é o tipo negativo. Ele não
pode sentir afinidade com o positivo, ele sente afinidade com o negativo. Ele usa todos os termos
negativos. Shânkara não sente afinidade com o negativo. Ele fala sobre a suprema realidade em
termos positivos. Ambos dizem a mesma coisa. Buda chama isso de Shunya, e Shânkara chama
de Brahma. Buda chama de vazio, o nada, e Shânkara chama de Absoluto, o Todo. Mas eles
estão dizendo exatamente a mesma coisa.
Ramanuja, um dos maiores críticos de Shânkara, diz que Shânkara é apenas um budista
escondido. Ele não é um hindu, ele somente parece ser, porque ele usa termos positivos. Essa é
toda a diferença que existe. Onde quer que Buda diz ‘nada’, ele diz ‘brahma’ – tudo o mais é o
mesmo. Ramanuja diz que Shânkara é o grande destruidor do hinduísmo, porque ele trouxe o
budismo pela porta dos fundos, apenas por usar um truque – onde quer que seja usado um termo
negativo, ele usa um termo positivo, eis tudo. Ele o chama de um prachanna-buddha, um
criptobudista. E ele está certo de certo modo, porque não há nenhuma diferença. A mensagem é a
mesma.
Assim, depende de você. Se você sente uma afinidade com o silêncio, o nada, então, chame
esse grande ser de vacuidade. Se você não sente uma afinidade, se você sente medo, então,
chame essa vacuidade de O Grande Ser. Mas então suas técnicas serão diferentes. Se você tem
medo da vacuidade, da solitude, do coisa-nenhuma, então, a quarta técnica que lhe falei na noite
passada não será de bom alvitre para você. Esqueça-se delas. Há outros métodos sobre os quais
eu já andei falando. Use técnicas positivas.
Mas se você está pronto para ter a coragem de ser sem apoio, de mover-se na vacuidade,
sozinho, pronto para parar completamente, então, essas quatro técnicas o ajudarão
tremendamente. Depende de você.

A segunda pergunta:

Se há absoluta vacuidade dentro de um iluminado, então, como é que ele parece estar
tomando decisões, discriminando, gostando disto e desgostando daquilo, dizendo sim ou
não?

Isto realmente parece um paradoxo. Se um iluminado é simplesmente vacuidade, então, para


nós, torna-se um paradoxo. Então, por que ele diz sim ou não? Por que ele escolhe? Por que ele
gosta de algumas coisas e desgosta de outras coisas? Por que ele fala? Por que ele anda? Por que
ele afinal vive?
Para nós isso é um problema; mas para o iluminado não é um problema. Tudo é feito a partir
da vacuidade. O iluminado não está escolhendo. Parece escolha para nós, mas o iluminado
simplesmente move-se numa direção – essa direção vem da própria vacuidade. É bem assim:
você está andando. De repente um carro chega na sua frente e você sente que um acidente
acontecerá. Você não decide o que fazer. Você decide? Como você pode decidir? Não há tempo.
Uma decisão tomará tempo. Você terá de ponderar e pensar, pesar os prós e os contras, decidir se
pula deste ou daquele jeito. Você não decide. Você simplesmente pula. De onde veio esse pulo?
Entre o pulo e você não houve nenhum processo de pensamento. De repente, você se torna ciente
de que o carro está na sua frente e você pula. O pulo acontece primeiro. Depois mais tarde você
pode pensar. Naquele momento, você não pode pensar. Naquele momento, você pula através da
impetuosidade: todo seu ser pula sem nenhuma decisão.
Lembrem-se: a decisão é sempre da parte, ela nunca vem do todo. Decisão significa que há
um conflito. Uma parte do seu ser estava dizendo “faça isto”, e outra parte estava dizendo “não
faça isto”. Eis por que a decisão era necessária. Você teve de decidir, discutir, e uma parte tem de
ser posta de lado. Eis o que significa decisão. Quando sua totalidade existe, não há necessidade
de decidir. Não há nenhuma alternativa. Uma pessoa iluminada está totalmente dentro dela
mesma – total vacuidade. Assim, seja o que for que venha à tona, vem desta totalidade, não de
alguma decisão. Se eu digo “sim”, isso não é uma escolha: não havia nenhum ‘não’ para ser
escolhido, não havia nenhuma alternativa. “Sim” é a resposta do ser total. Se ele diz “não”,
então, ‘não’ é a resposta do ser total. Eis por que um iluminado não pode nunca se arrepender.
Você se arrependerá sempre. Seja o que for que faça, não faz nenhuma diferença – seja o que for
que faça, você se arrependerá. Se você quer casar com uma mulher, se você decide pelo “sim”,
você se arrependerá; se você decide pelo “não”, você se arrependerá. Porque seja o que for que
decida, é uma decisão parcial, a outra parte está sempre contra. Se você decide “sim, vou me
casar com esta mulher”, uma parte de seu ser está dizendo “não faça isso, você se arrependerá”.
Você não é total.
Quando as dificuldades surgem... – elas fatalmente surgem, porque quando duas pessoas
diferentes começam a viver juntas, as dificuldades fatalmente surgem. Haverá conflitos, haverá
luta para dominar, haverá poder político. Então, a outra parte dirá: “Olhe! O que foi que eu
disse? Eu andei insistindo para que você não fizesse aquilo; e você fez”. Mas isso não significa
que se você tivesse seguido a outra parte, não teria havia arrependimento. Não! O
arrependimento terá de existir, porque, então, você teria se casado com alguma outra mulher, e o
conflito e a briga teriam acontecido. Então, a outra parte estaria dizendo: “Eu lhe dizia para se
casar com a primeira mulher. Você perdeu a oportunidade. Perdeu o céu, e casou-se com o
inferno”.
Você se arrependerá, seja qual for o caso, porque sua decisão não pode ser total. Ela é sempre
contra uma parte, e essa parte tomará a revanche. Assim, seja qual for sua decisão, se você fizer
o bem você se arrependerá, se você fizer o mal você se arrependerá. Se você fizer o bem, então,
sua mente, a outra parte, continuará dizendo que perdeu uma oportunidade. Se você fizer o mal,
então, você se sentirá culpado. E o ser iluminado nunca se arrepende. Realmente ele nunca olha
para trás. Não há nada para ver lá atrás. Seja o que for que esteja feito, está feito com sua
totalidade.
Assim, a primeira coisa a ser compreendida é que ele nunca escolhe. A escolha acontece à sua
vacuidade – ele nunca decide nada. Isso não significa que ele é indeciso. Ele é absolutamente
decisivo, mas ele nunca decide nada. Tente compreender-me. A decisão acontece na sua
vacuidade. É assim que todo seu ser age: não sobra nada para ele. Se você está andando e uma
cobra cruza seu caminho, você pula de repente – eis tudo. Você não decide. Você não consulta
um mestre e um guia. Você não vai procurar nos livros na biblioteca sobre o que fazer quando
uma cobra cruza o caminho – como fazer com ela, qual é a técnica. Você simplesmente pula. E
lembre-se: esse pulo está vindo do seu ser total, ele não foi uma decisão. Seu ser total agiu desse
jeito. Eis tudo. Não há nada mais que isso. Para você parece como se um iluminado estivesse
escolhendo, decidindo, discriminando, porque você está fazendo isso a toda hora. E você não
pode compreender algo que você não conhece absolutamente. Um iluminado faz coisas sem
tomar nenhuma decisão, sem nenhum esforço, sem nenhuma escolha – ele é sem-escolha. Mas
isso não significa que se você lhe der comida e pedras, ele começará a comer as pedras. Ele
comerá o alimento. Para você isso parecerá como se ele tivesse decidido não comer as pedras,
mas ele não decidiu. Isso é simplesmente tolice. Não lhe ocorre tal coisa. Ele come a comida.
Isto não é uma decisão – somente um idiota decidiria se come pedras ou o alimento. As mentes
estúpidas decidem; as mentes iluminadas simplesmente agem. E quanto mais medíocre a mente,
mais esforços têm de ser feitos para uma decisão.
É isso que significa preocupação. O que é preocupação? Há duas alternativas e nenhum meio
de decisão entre elas – e a mente vai numa hora deste lado e noutra hora daquele lado. É isso o
que é preocupação. Preocupação significa que você tem de decidir e você está tentando decidir,
mas não pode decidir. Assim, você fica preocupado, confuso, girando num círculo vicioso. Um
iluminado nunca fica preocupado. Ele é total. Tente compreender isto. Ele não é dividido, ele
não é picado, não há dois seres nele. Mas em vocês há uma multidão: não somente dois, há
muitas, muitíssimas pessoas vivendo em você, muitas vozes, uma multidão. Um iluminado é
uma profunda unidade, ele é um universo. Você é “multiverso”. Esta palavra ‘universo’ é bela.
Ela significa unidade – uni. Você é um “multiverso”, há muitos mundos em você.
A segunda coisa a ser compreendida é que seja o que for que você faça, antes de fazê-la, há o
pensar, o pensamento. Seja o que for que uma pessoa iluminada esteja fazendo, não há nenhum
processo do pensar, nenhum pensamento. Ele está fazendo aquilo.
Lembre-se: o pensar é necessário, porque você não tem olhos de ver. Pensar é um substituto.
É como um cego tateando seu caminho com uma bengala. Um cego pode perguntar às pessoas
que têm olhos como elas tateiam, que tipo de bengala elas usam para tatear passagem no
caminho. E elas simplesmente rirão; elas dirão que elas não precisam de bengalas. Elas têm
olhos. Elas veem onde está a porta, elas não precisam tatear para isso. E elas nunca pensam sobre
onde a porta está. Elas a veem e passam por ela. Mas um cego não pode acreditar que você possa
simplesmente passar através de uma porta. Primeiro você tem de pensar antes sobre a porta e
onde ela está. Primeiro você tem de perguntar. Se alguém estiver lá você terá de perguntar onde
está a porta. E mesmo se a direção lhe for dada, você terá de tatear com sua bengala para
encontrá-la – e, depois também, talvez haja muitas ciladas ocultas. Mas quando você tem olhos,
se você quer sair, você simplesmente olha... –você não pensa sobre onde está a porta, você não
decide. Você simplesmente olha, a porta está ali, você passa por ela. Você nunca pensa que “esta
é a porta” – você simplesmente a usa e age.
A mesma é a situação com as mentes dos não-iluminados e com as mentes dos iluminados.
Uma mente iluminada simplesmente olha. Tudo é claro. O iluminado tem uma clareza. Todo o
seu ser é luz. Ele olha à volta e simplesmente se mexe, age – ele nunca pensa. Você tem de
pensar, porque você não tem olhos. Só homens cegos pensam; eles têm de pensar porque eles
não têm olhos. Eles precisam de olhos substitutos, e pensar provê isso. Eu nunca disse que Buda
ou Mahavira ou Jesus são grandes pensadores. Isso seria puro absurdo. Eles não são pensadores
absolutamente. Todos são conhecedores, não pensadores. Eles têm olhos, podem ver, e através
de suas visões, eles agem. Seja o que for que venha de um buda, vem da vacuidade, não da
mente repleta de pensamentos. O que ele diz vem de um céu aberto. É a resposta da vacuidade.
Mas, para nós, é difícil, porque nada vem a nós dessa maneira. Nós temos de pensar sobre o
assunto. Se alguém faz uma pergunta, você tem de pensar sobre ela. E mesmo então você nunca
tem certeza de que o que você está dizendo seja a resposta. Um buda responde; ele não pensa.
Você lhe pergunta e a vacuidade simplesmente responde. Essa resposta não é um pensamento
sobre alguma coisa. É uma resposta total. Seu ser se porta desse jeito. Eis por que você não pode
pedir a um buda certa consistência. Não pode. Os pensamentos podem ser consistentes, um
pensador tem de ser consistente – mas uma pessoa iluminada não pode ser consistente, porque
cada momento a situação muda. E cada momento as coisas vêm de sua vacuidade. Ele não pode
forçar. Ele não pode pensar. Ele realmente não pode se lembrar do que disse ontem. Cada
pergunta cria uma nova resposta. E toda pergunta cria uma nova resposta. Depende de quem
pergunta.
Buda chegou num vilarejo. Um homem pergunta: “Deus existe?”. Buda diz: “Não”. De tarde,
outro homem pergunta: “Deus existe?”. Buda diz: “Existe”. Então, à noite, outro homem
pergunta: “Existe Deus?”. Buda fica silencioso. Em um único dia: de manhã, não; de tarde, sim;
de noite, silêncio – nem sim nem não.
O discípulo de Buda, Anand, ficou confuso. Ele tinha ouvido todas as três respostas. À noite,
quando todos saíram, ele perguntou a Buda: “Eu posso lhe fazer uma pergunta? Em um único
dia, você respondeu a uma mesma pergunta de três modos diferentes, não somente diferentes,
contraditoriamente. Minha mente está confusa. Eu não posso dormir se você não responder. O
que você quis dizer? De manhã você disse “sim”, de tarde você disse “não”, de noite você ficou
em silêncio. E a pergunta era a mesma.”. Buda disse: “Os questionadores eram diferentes. E
como é que questionadores diferentes podem fazer a mesma pergunta?”. Isto é realmente belo,
muito profundo. Ele disse: “Como é que questionadores diferentes podem fazer a mesma
pergunta? Uma pergunta vem de um ser, é um crescimento. Se o ser é diferente, como a pergunta
pode ser a mesma? De manhã, quando eu disse “sim”, o homem que estava perguntando era um
ateu. Ele tinha vindo para conseguir minha confirmação de que Deus não existe. E eu não podia
confirmar seu ateísmo, porque ele estava sofrendo por causa disso. E como eu não podia tomar
parte no seu sofrimento, e quis ajudá-lo, eu disse ‘sim, Deus existe’. Foi assim que tentei destruir
seu suposto ateísmo. De tarde, quando a outra pessoa estava lá, ele era um ateu e estava sofrendo
seu ateísmo. Eu não podia dizer ‘sim’ a ele, porque isso teria sido uma confirmação – pela qual
ele veio. Então, ele iria embora e diria ‘sim, fosse o que fosse que eu dissesse estaria certo; até
Buda diz assim’. E o homem estava errado. Eu não podia ajudar um homem errado no seu erro,
então, eu tive de dizer ‘não’ para destruir o que fosse que ele é, para despedaçar sua mente. E o
homem que veio à noite não era nenhum dos dois. Ele era simples, inocente e não estava pedindo
nenhuma confirmação. Ele não tinha nenhuma ideologia; ele era realmente uma pessoa religiosa.
Assim, eu tive de ficar silencioso. Eu lhe disse: ‘Seja silencioso quanto a isso. Não pense nisso’.
Se eu tivesse dito ‘sim’, teria sido errado, porque ele não estava ali para descobrir uma teologia.
Se eu tivesse dito ‘não’, teria sido errado, porque ele não estava ali para confirmar algum
ateísmo. Ele não estava interessado em pensamentos, em ideias, em teorias, doutrinas, não; ele
era um real homem religioso. Como eu poderia pronunciar alguma palavra diante dele? Eu tinha
de estar silencioso. Ele compreendeu meu silêncio. Quando ele se foi, sua religiosidade tinha se
aprofundado”.
Buda disse: “Três pessoas não podem fazer a mesma pergunta. Eles podem formulá-la de
modo parecido – isso é outra coisa. As perguntas eram todas ‘Deus existe mesmo?’. A
formulação era a mesma, mas o ser de onde vinha a pergunta era totalmente diferente. Elas
significam coisas diferentes – seus valores eram diferentes; suas associações com as palavras
eram diferentes”.
Eu me lembro que certa vez aconteceu de Mulla Nasruddin voltar para casa certa noite. O dia
todo ele esteve envolvido numa partida de futebol. Ele era um fã. À noite, quando ele entrou em
casa, sua esposa estava lendo um jornal, e ela disse: “Olhe, Nasruddin, há uma coisa aqui para
você. Estão dizendo aqui que um homem pagou com a esposa um carnê para a próxima
temporada de futebol. Você também é um fã, um fã enlouquecido, mas eu não o imagino fazendo
a mesma coisa. Ou faria? Você me trocaria por uma temporada de futebol?”.
Nasruddin pensou, pensou, e então ele disse: “Claro, eu não faria isso – porque é ridículo e
criminoso. A temporada já vai pelo meio”.
Toda mente tem sua própria orientação. Você pode usar as mesmas palavras, mas devido a
você ser diferente, essas mesmas palavras não podem ser as mesmas.
Então, Buda disse outra coisa, e essa é até mais significativa. Ele disse: “Anand, por que você
está perturbado? Você não era uma parte. Você não deveria ter ouvido, porque nem uma única
resposta foi dada a você. Você deveria ter ficado indiferente, caso contrário, você ficará louco.
Não ande comigo, porque eu estarei envolvido com muitos, muitos tipos de pessoas. E se você
ouvir a tudo que não lhe é dito, você ficará confuso e maluco. Me deixe. Caso contrário. Lembre-
se de ouvir somente quando eu falo com você; nas outras vezes, não ouça. Seja o que for que eu
digo não é da sua conta. Isso não foi dito para você, e absolutamente não era pergunta sua.
Assim, por que você ficaria preocupado? Você não faz parte. Alguém perguntou, alguém
respondeu. Por que você sem nenhuma necessidade disso se preocupa? Se você tem a mesma
questão, pergunte; e depois eu responderei. Mas lembre-se: minhas respostas não são para as
perguntas, mas para quem pergunta. Eu respondo. Olho para o homem, vejo através do homem, o
homem se torna transparente – e esta é minha resposta. A pergunta é irrelevante; quem pergunta
é relevante”.
Você não pode pedir consistência de uma pessoa iluminada. Somente não-iluminados –
pessoas ignorantes – podem ser consistentes, porque elas não têm de olhar. Elas apenas seguem
algumas ideias. Elas carregam ideias mortas, consistentemente. Por toda a vida, elas carregarão
alguma coisa e permanecerão consistentes naquilo. Eles são estúpidos, eis por que eles podem
permanecer consistentes. Eles não estão vivos. Estão mortos. A vivacidade não pode ser
consistente. Isso não quer dizer que a vivacidade seja consistente, mas muito profundamente, não
na superfície. Buda é consistente em todas as três respostas, mas sua consistência não está nas
respostas – sua consistência está no seu esforço para ajudar. Ele queria ajudar o primeiro homem.
Ele quis ajudar o segundo homem. Ele quis ajudar o terceiro homem. Por todos três, havia
compaixão, havia amor. Ele queria ajudá-los – essa é a sua consistência. Mas trata-se de uma
correnteza profunda. Suas palavras são diferentes, suas respostas são diferentes, mas sua
compaixão é a mesma.
Assim, quando uma pessoa iluminada fala, responde, essa resposta é uma resposta total da sua
vacuidade, do seu ser. Ele o ecoou, ele o refletiu, ele é um espelho. Ele não tem nenhuma face
sua mesma. As faces são espelhadas no coração dele. Assim, se um idiota vem encontrar um
buda, este encontrará um idiota – o buda é apenas um espelho. E esse homem irá e espalhará o
boato de que o buda é um idiota. Ele se viu dentro do buda. Se alguém sensível, compreensivo,
maduro, desenvolvido vem, ele verá outra coisa no buda: ele verá sua própria face. Não há outro
jeito – você continua vendo espelhos nas pessoas que estejam totalmente esvaziadas. Seja o que
for que você carregue, é sua interpretação.
Dizem nas velhas escrituras que quando você chegar numa pessoa iluminada permaneça
totalmente silencioso. Não pense, caso contrário, você perderá a oportunidade de encontrá-lo.
Permaneça silencioso. Não pense. Absorva-o, mas não tente compreendê-lo através da cabeça.
Absorva-o, beba-o, permita seu ser total ser aberto para ele, deixe-o mover-se dentro de você,
mas não pense sobre ele – porque se você pensar, então sua mente será ecoada. Deixe seu ser
total ser banhado na presença dele. Somente então, você terá um vislumbre de que tipo de ser, de
que tipo de fenômeno você entrou em contato com ele. Muitos vêm ao buda. Eles vieram e se
foram. Eles carregaram consigo suas próprias opiniões, e saíram por aí espalhando-as. Muito
poucos, realmente pouquíssimos, compreenderam – e é assim que deveria ser, porque você só
pode compreender de acordo com você mesmo. Se você estiver pronto para se fundir e mudar e
ser transformado, somente então você compreende o que uma pessoa iluminada, o que um ser
iluminado é.

Terceira pergunta:

Você disse que o ruído e as perturbações não estão do lado de fora no mundo, mas são
devido às nossas próprias mentes e egos. Mas por que os santos e os místicos sempre
moram em lugares sem ruído, sem muita gente?

Porque eles ainda não são nem santos nem místicos. Eles ainda estão se esforçando, ainda
estão trabalhando. Eles são buscadores, não siddhas. Ainda não chegaram. O barulho os
perturbará, o ajuntamento de pessoas os perturbará. As pessoas o puxarão para trás até seu
próprio nível. Eles ainda estão fracos, eles ainda precisam de proteção. Eles ainda não são
confiantes. Não podem se mover na tentação. Eles têm de se proteger numa solitária solitude,
onde eles possam crescer e tornarem-se fortes. Quando eles ficam fortes, não mais haverá
problema. Mahavir foi para o deserto. Durante doze anos ele ficou sozinho, silencioso, sem falar,
sem andar por vilas e cidades. Então, ele se iluminou. Depois ele voltou para o mundo. Buda
ficou em total silêncio durante seis anos. Depois, ele voltou para o mundo. Jesus ou Maomé, ou
qualquer outro – quando eles estão crescendo eles precisam de condições protegidas. Quando
eles cresceram, então não há mais nenhum problema.
Assim, se você encontra um místico com medo de entrar na multidão, então saiba bem que
ele ainda é uma criança, está crescendo. Caso contrário, por que deveria um místico ter medo de
se mover no meio da multidão? Nada pode ser feito a ele pela multidão, pelos objetos do mundo.
Com toda essa loucura à volta dele, nada pode ser feito a ele. Ele não pode ser tocado. Ele não
pode se mover e ele pode viver – para sua vacuidade viver, ele pode viver em qualquer lugar.
Mas no começo é bom ficar sozinho, estar num ambiente natural, harmonioso. Portanto
lembre-se, não pense que porque você vive numa Bombaim barulhenta que você é um místico,
ou que se desenvolveu e se tornou um siddha. Se você quer crescer, você terá também de ir
algumas vezes, por períodos definidos, na solitude – fora da turba, fora do que interessa ao
mundo, relações do mundo, objetos do mundo – em tal lugar onde se possa ficar sozinho e sem
perturbação dos outros. Como você está agora, você pode ser perturbado, mas uma vez que tenha
a força, uma vez que tenha o poder interior, uma vez que esteja cristalizado e você sabe que
agora ninguém pode estilhaçar seu centro mais interno, você pode ir aonde quiser. Então, o
mundo todo é solitário. Então, onde quer que esteja, você está no deserto. Então, o espaço de
silêncio se move com você, porque você é o criador dele. Então, ao seu redor, você cria seu
próprio silêncio interior, e aonde quer que vá, você está em silêncio. Nenhum ruído pode
perturbar esse silêncio.
Mas a menos que a cristalização já tenha acontecido, não acredite que você não será
perturbado. Você é perturbado quer saiba disso ou não saiba disso. Realmente, você é tão
perturbado que nem pode saber disso. Você já se acostumou com a perturbação. Cada nervo está
no limite; você está continuamente perturbado. Agora mesmo; você não sente a perturbação –
para sentir a perturbação, às vezes você precisa não ser perturbado. Somente então, você pode
senti-la em contraste. Você está continuamente perturbado, mas já se acostumou com isso, está
habituado a isso. Você pensa que é assim que a vida é. Teria sido bom se você fosse para os
Himalaias por uns tempos. Seria bom ir para algum vilarejo, uma floresta remota, e ficar sozinho
lá por uns dias, em silêncio –como se o todo da humanidade tivesse desaparecido. Então, volte
para Bombaim. Então você saberá dentro de que perturbação você vivia. Você será perturbado de
repente. Agora você tem um contraste. Você tinha uma música interna, agora ela foi
despedaçada. Para os buscadores o eremitério é bom; para os siddhas, é irrelevante.
E há dois tipos de pessoas erradas. Com o primeiro tipo, se você diz a elas que são elas que
são perturbadas, a situação é irrelevante, então, elas nunca entram num eremitério para ter um
vislumbre do que é o silêncio. Então, elas permanecerão aqui e elas dirão: “Nada nos perturba.
Somos nós realmente, não o ambiente. Então, fiquem aqui”. E elas são perturbadas, mas suas
teorias se tornarão uma racionalização. Então há outras pessoas, o outro tipo de gente errada, que
se você lhes diz para irem para dentro do silêncio, da solitude, porque isso ajudará, eles irão –
mas depois eles jamais voltam. Então, aquilo tornou-se um vício e eles permanecem fracos para
sempre, eles sentirão sempre medo de retornar para o mundo. Então, seu eremitério não foi
auxiliar; em vez disso, ele tornou-se uma barreira. Eles não ficaram mais forte através dele, elas
se tornaram mais fracos. Agora, eles não mais podem se mover no mundo. Ambos os tipos estão
errados.
Seja o terceiro tipo, que é o tipo correto. No começo, saiba bem que você é perturbado pelas
circunstâncias; então, às vezes, tente, dê um jeito de ir para longe delas. Então, quando você
estiver fora das tais circunstâncias, seja qual for o silêncio que atinja; leve-o na volta para as suas
circunstâncias e tente preservá-lo. Se você puder preservá-lo nas circunstâncias, somente então a
teoria terá se tornado uma experiência. Então, você sabe finalmente que é você quem é
perturbado ou não perturbado. Mas torne isso uma experiência – só como teoria é inútil.

Quarta pergunta:

Uma coisa é perceber a consciência cósmica na terra, e transcender o corpo. Mas como
os realizados sabem com certeza que esta consciência é eterna e permanecerá depois da
morte do corpo?

A primeira coisa é que eles não se importam com isso. Eles não ficam preocupados se aquilo
vai ficar ou não. São vocês que se preocupam. Eles não pensam no momento seguinte. A
próxima vida é simplesmente irrelevante; até o dia seguinte, o momento seguinte, eles não são
ponto de interesse. É você quem está sempre perguntando sobre algo no futuro, algo do futuro.
Por quê? Porque seu presente está simplesmente vazio, seu presente é simplesmente nada, seu
presente é simplesmente podre, seu presente é de tamanho sofrimento que você o tolera somente
se continuar pensando no futuro e no paraíso e na vida seguinte. Bem, aqui agora não há
nenhuma vida, então, você arremessa sua mente no futuro só para escapar do presente, o presente
horroroso. A pessoa que é realizada fica aqui e agora, totalmente viva. Tudo o que possa
acontecer já aconteceu. Não há nenhum futuro nisso. Quer a morte venha matá-lo ou não, não é
de interesse nenhum. Dá no mesmo. Quer ele desapareça ou permaneça, não faz nenhuma
diferença. Este momento é tão rico, tão absolutamente rico, este momento é tão intenso, que todo
o seu ser está aqui e agora.
Anand perguntou a Buda repetidamente: “O que lhe acontece quando seu corpo morre?”. E
Buda insistiu repetidamente: “Anand, por que você é tão preocupado com o futuro? Por que você
não olha para mim, para o que está acontecendo agora?”. Mas novamente, depois de alguns dias,
ele perguntaria: “O que acontece a um iluminado quando seu corpo morre?”. Ele está com medo
por ele mesmo. Ele tem medo. Ele sabe que quando o corpo morre, não há nenhuma
possibilidade de revivê-lo, não há nenhuma possibilidade de permanecer, não há nenhuma
possibilidade de ser. E ele ainda não atingiu nada. A luz simplesmente sairá – ela tem sido uma
coisa inútil. Se isso acontece sem ele alcançar nada, ele simplesmente desaparecerá. Então, a
coisa toda era insignificante, o sofrimento todo era insignificante, conduzindo a lugar nenhum.
Ele estava interessado. Ele queria saber se algo sobrevive depois do corpo. Mas Buda diz: “Eu
estou aqui e agora. O que acontecerá no futuro não tem interesse, absolutamente”.
Assim, a primeira coisa é que um realizado não se incomoda com isso. Esse é um dos sinais
de uma pessoa realizada – ele não se incomoda com o futuro.
E a segunda coisa – você pergunta: como ele sabe com certeza? O conhecimento está sempre
certo. A certeza é inerente, intrínseca ao conhecimento. Você tem uma dor de cabeça. Eu posso
lhe perguntar como você tem certeza de que tem dor de cabeça? Você dirá: “Eu sei”. Eu posso
perguntar: como você tem certeza de que seu conhecimento está certo ou errado? Mas ninguém
faz tais perguntas sem sentido. Quando a dor de cabeça existe, ela existe – você a conhece. O
conhecimento é intrinsecamente certo. Quando a pessoa é iluminada, ela sabe que é iluminada;
ela sabe que não é o corpo; ela sabe que internamente ele é apenas um vasto espaço. E o espaço
não pode morrer. As coisas podem morrer; o espaço não pode morrer.
Pense sobre este espaço. Nós podemos destruir esta construção, este bosque, mas não
podemos destruir a espacialidade desta sala. Você pode destruí-la? As paredes podem ser
destruídas, mas nós estamos sentados aqui nesta espacialidade, o espaço. As paredes podem ser
destruídas, mas como se pode destruir esta sala – não as paredes, o espaço aqui? O bosque todo
pode desaparecer – ele desaparecerá um dia – mas este espaço permanecerá. Seu corpo
desaparecerá e como você não conhece o espaço interno, você tem medo. Você quer saber isso
com certeza. Mas um iluminado sabe que ele é o espaço – não o corpo, não as paredes, mas o
espaço interno. As paredes cairão, elas já caíram muitas vezes, mas o espaço interno
permanecerá. Isso é algo para o qual ele tem de descobrir provas, é seu conhecimento imediato.
Ele sabe – eis tudo. O conhecimento é intrinsecamente certo.
Se seu conhecimento é incerto, então, lembre: não é conhecimento. As pessoas vêm a mim e
dizem: “Nossa meditação está indo muito bem. Estamos nos sentindo muito felizes”. E então
subitamente me perguntam: “O que você diz disso? Nossa felicidade realmente existe? Nós
estamos realmente felizes?”. Eles me perguntam! Eles não têm certeza sobre a própria felicidade
deles. Que tipo de conhecimento é este? Eles estão simplesmente fingindo. Mas eles não
conseguem se enganar. Eles estão pensando, estão esperando, estão desejando – mas eles não
estão felizes. Caso contrário, qual é a necessidade de me perguntar? Eu jamais irei perguntar a
alguém se eu estou feliz ou não. Por que eu deveria? Se eu estou feliz, eu estou feliz. Se eu não
estou, não estou. Quem mais pode dar provas disso? Se eu não posso ser uma testemunha, quem
será uma testemunha para mim, e como outra pessoa pode ser uma testemunha? Assim, às vezes
eu prego peças. Às vezes eu digo: “Sim, você está feliz. Você está absolutamente feliz”. E eles
ficam felizes só por me ouvirem! E às vezes eu digo: “Não, você não mostra nada. Não há
nenhuma indicação. Você não está feliz. Você deve estar sonhando”. E eles caem, a felicidade
deles desaparece, eles ficam tristes. Que tipo de felicidade é esta? Só por dizer que você está
feliz, ela aumenta; e só por dizer que você não está, ela desaparece! Essas pessoas estão apenas
tentando ser felizes, mas elas não são. Isso não é conhecimento, isto é apenas cumprimento de
desejo. Elas esperam, e pensam que podem se enganar. Por pensar que são felizes, acreditando
que são felizes, descobrindo alguma prova, descobrindo algum certificado de algum lugar que
eles são felizes, eles pensam que criarão felicidade. Não é tão fácil assim. Quando algo acontece
no mundo interior, você sabe que aconteceu. Você não precisa de nenhum certificado, você não
precisa de ninguém! A própria busca de alguém para aprovar é infantil. Mostra que você anseia
pela felicidade, mas não a conhece. Ela ainda não aconteceu a você.
A pessoa que realizou está sempre certa, e quando eu digo certa, segura, absolutamente
segura, eu não quero dizer que ele sente alguma incerteza em algum ponto, e contra essa
incerteza ele se sente certo – não. Ele está simplesmente certo. Não há nenhuma questão de
incerteza. Eu estou vivo. Tenho certeza disso, estou seguro disso? Não há questão a respeito.
Não há a questão de certeza. É absolutamente certo. Não há o que ser decidido. Eu estou vivo.
Sócrates estava morrendo e alguém lhe perguntou: “Sócrates, você está morrendo tão
facilmente, com tanta felicidade. O que é que há? Você não está apavorado?”. Sócrates disse
uma bela coisa; ele disse: “Somente duas coisas são possíveis depois de eu morrer: ou eu
existirei ou eu não existirei. Se eu não existir, então, não há nenhuma questão. Ninguém está ali
para saber disso, saber que ‘eu não existo’. A coisa toda simplesmente desaparece. E se eu
existir, então, não há nenhuma questão tampouco – ‘eu sou’. Somente duas são as possibilidades:
ou eu existirei, ou eu não existirei, e ambos vão bem. Se eu sou, então a coisa toda continua. Se
eu não sou, então, não há ninguém para saber, então, por que se preocupar?”.
Ele não é um iluminado, mas ele é um homem muito sábio. Lembre-se: esta é a diferença
entre um sábio e um iluminado. Um sábio pensa profundamente, penetra intelectualmente em
tudo, e chega a uma conclusão. Ele é um homem muito sábio. Ele diz que só há duas alternativas.
Logicamente ele penetra no fenômeno da morte: “somente existem duas possibilidades: ou eu
simplesmente desapareço, não existo mais; ou permanecerei”. Há uma terceira alternativa? Não
há terceira alternativa. Assim, Sócrates diz: “Pensei sobre ambos. Se eu permaneço, então, não
há nenhuma questão com que se preocupar. Se eu não existo mais, não há ninguém para se
preocupar. Então, por que se preocupar agora? Eu verei o que acontece”. Ele não está no
conhecimento, ele não conhece o que vai acontecer, mas ele pensou sobre aquilo sabiamente. Ele
não é um buda, ele é o mais penetrante intelectual possível. Mas se você se torna sábio – não
iluminado, porque a iluminação não é nem sabedoria nem ignorância, a dualidade foi
transcendida – mesmo se você se torna sábio, você se sentirá relaxado; mesmo se você se torna
sábio, você sente-se muitíssimo contentado.
Mas a sabedoria não é a meta nem do tantra, nem do iôga. O tantra e o iôga miram o super-
homem, o ponto onde a sabedoria e a ignorância são ambas transcendidas: onde a pessoa
simplesmente conhece e não pensa, onde a pessoa simplesmente olha e toma ciência.

A última pergunta:

Eu certamente quero me tornar iluminado. Mas se eu ficar, que diferença isso fará para
o resto do mundo?

Mas por que você está preocupado com o resto do mundo? Deixe o mundo se preocupar
consigo mesmo. E você não está preocupado com o que acontecerá ao resto do mundo se você
permanecerá ignorante...
Se você for ignorante, o que acontece ao resto do mundo? Você cria miséria. Não que você
faça isso sabendo que está fazendo, você é a miséria – portanto, o que quer que faça, você semeia
miséria ao redor. Sua esperança é insignificante; seu ser é significativo. Você talvez pense que
está ajudando os outros – você os está impedindo de passar. Você talvez pense que ama os outros
– talvez você esteja simplesmente matando-os e assassinando-os. Talvez você pense que está
ensinando os outros, mas talvez você esteja simplesmente ajudando-os a permanecerem
ignorantes para sempre – porque o que você espera, o que você pensa, o que você deseja, não é
significativo.
Todos os dias eu vejo pessoas ao redor que estão se amando, um ao outro – mas eles estão
matando uma ao outro. Eles pensam que estão amando; e eles pensam que estão vivendo pelo
outro e que sem eles a vida de sua família, seus amados, seus filhos, suas esposas, seus maridos,
serão miseráveis – mas a família é miserável com eles. E eles tentam de todo modo, mas o que
quer que façam, dá errado. Está fadado a ser assim, porque eles são os errados. O fazer não é de
muita importância, o ser de onde vem o fazer, de onde se origina, é. Se você é ignorante, você
está ajudando o mundo a se tornar um inferno. Ele já está. O que está aí aconteceu através de
vocês. Onde quer que toquem, criam o inferno. Se você se tornar iluminado, o que quer que faça
– ou nem precisa fazer nada; seu ser, sua presença ajudará outros a florescerem, a serem felizes,
a serem bem-aventurados.
Mas isso não devia ser da sua conta. A primeira coisa é como ficar iluminado. Você me diz:
“Eu quero ficar iluminado”. Mas esse querer parece ser muito impotente, porque imediatamente
você diz “mas”. Sempre que o “mas” entra, ele mostra que o desejo é impotente. “Mas o que
acontecerá ao mundo?” Quem é você? O que você pensa de si mesmo? O mundo depende de
você? Você o está girando? Administrando-o? Você é responsável? Por que você se dá tanta
importância? Por que se sente tão importante?
Essa sensação faz parte do ego e essa preocupação sobre os outros jamais lhe permitirá ir até
o pico da realização, porque esse pico é atingido somente quando você deixa todas as
preocupações. E você é muito eficiente em acumular preocupações de que você é simplesmente
maravilhoso. Não somente você mesmo, você continua acumulando as preocupações dos outros
– como se as suas não bastassem. Você continua pensando sobre os outros – e o que você pode
fazer? Você só pode ficar cada vez mais e mais preocupado e maluco.
Eu andei lendo um jornal do vice-rei. O jornal de Lord Wavell. O homem parece ser muito
sincero, profundamente honesto, porque alguns comentários que ele fez são simplesmente
soberbos. Um dos comentários que ele fez num jornal é este: “A menos que estes três velhos –
Gandhi, Jinnah e Churchill – morram, a Índia estará com problemas”. Esses três homens,
Gandhi, Jinnah, Churchill – ...e esses três estavam ajudando de todos os modos! O próprio vice-
rei de Churchill escreve num jornal que esses três homens deveriam morrer logo. E ele
esperançosamente dá até suas idades: Gandhi, 75; Jinnah, 65; Churchill, 68. Vocês podem pensar
em Gandhi imaginando ser ele o problema – ou Jinnah, ou Churchill? Todos eles estão dando o
melhor de si para resolver o problema deste país! E Wavell disse que esses três são o problema,
porque todos os três são inflexíveis, teimosos; cada um desses três tem a absoluta verdade e os
outros dois estão absolutamente errados. Esses três absolutos não podem se encontrar em lugar
nenhum – os outros dois estão simplesmente errados. Sobre isso, não há discussão.
Cada um pensa como se ele fosse o centro e não tem nenhuma preocupação sobre o mundo
todo, e mudam o mundo todo, transformam o mundo todo, criam uma utopia. Tudo o que você
pode fazer é mudar a si mesmo. Você não pode mudar o mundo. Você pode criar mais dano
tentando mudar o mundo; você pode criar mais caos; você pode ferir; e pode desorientar. O
mundo já está muito desorientado. Você pode desorientá-lo mais, confundi-lo mais.
Por favor, deixe o mundo por conta própria. Você pode somente fazer uma coisa, e esta coisa
é: você atingir o silêncio interior, a bem-aventurança interna, a luz interna. Se você alcançar isso,
você ajudou ao mundo muitíssimo. Só por mudar um ponto de ignorância numa chama
iluminada, só por mudar uma pessoa da escuridão para a luz, você já mudou uma parte do
mundo. E esta parte mudada terá suas próprias reações em cadeia. Buda não está morto. Jesus
não está morto. Eles não podem estar mortos, porque há uma reação em cadeia – de uma vela, de
outra chama, mais outra chama toma conta. E um sucessor é criado, e eles continuam vivendo.
Mas se sua luz não existe, se sua vela está apagada, você não pode ajudar ninguém. A
primeira e básica coisa é que você imperativamente atinja à chama interna. Então, outros podem
compartilhar. Então, você pode acender outras luzes também. Então, isso se torna uma sucessão.
Então, você talvez desapareça do corpo, mas sua chama continua passando de mão em mão. Até
a eternidade ela continua indo adiante. Os budas nunca morrem, os iluminados nunca morrer,
porque a luz deles se torna uma reação em cadeia. Pessoas não-iluminadas nunca vivem, porque
elas não podem criar nenhum encadeamento, eles não têm nenhuma luz para compartilhar,
nenhuma vela para acender a chama de outra pessoa.
Por favor, interesse-se por si mesmo somente. Seja egoísta, eu digo, porque essa é a única
maneira de você se tornar sem o ego, essa é a única maneira de você se tornar uma ajuda e uma
bênção para o mundo. Não se preocupe com ele; isso não é de sua conta. Quanto maiores suas
preocupações, mais você pensa que as responsabilidades existem. E quanto maiores suas
responsabilidades, mais você se sente como um grande ser. Você não é. Você é simplesmente
louco. Saia dessa loucura e ajude os outros. Ajude-se. Eis tudo o que pode ser feito.
E então, muitas coisas acontecem... Mas elas acontecem como uma consequência. Uma vez
você se tornou a fonte de luz, as coisas começam a acontecer. Muitos irão compartilhá-las, o
homem se iluminará através disso, muitos alcançarão a vida, a mais vida, vida abundante através
disso. Não pense sobre isso. Você não pode fazer nada sobre isso, conscientemente. Somente
uma coisa pode ser feita e essa é: você tornar-se cônscio. Então, tudo se segue.
Jesus diz em algum lugar: “Entre no reino de Deus primeiro. Procure primeiro o reino de
Deus, então, tudo o mais lhe será dado por acréscimo”. Eu repito o mesmo.
Sobre o Autor

Os ensinamentos de Osho desafiam qualquer categorização. Eles cobrem tudo, da busca individual por significados às
mais prementes questões sociais e políticas encaradas pela sociedade atualmente. Seus livros não são escritos, mas
transcritos de gravações em áudio e em vídeo de palestras extemporâneas dadas a audiências internacionais durante um
período de 35 anos. Osho foi descrito pelo Sunday Times de Londres como um dos “Mil Construtores do Século XX” e
pelo autor americano Tom Robbins, como “o homem mais perigoso desde Jesus Cristo”.
Com relação a seu trabalho, Osho diz que está ajudando a criar condições para o nascimento de um novo tipo de ser
humano. Com frequência ele caracteriza esse novo ser humano como “Zorba, o Buda” – capaz de desfrutar tanto os
prazeres terrenos de um Zorba, como a serenidade silenciosa de um Gautama, o Buda. Como um fio que corre através de
todos os aspectos do trabalho de Osho está uma visão que abarca ambos, a sabedoria atemporal do Oriente e o mais alto
potencial da ciência e da tecnologia ocidentais.
Encontra-se disponível em língua portuguesa um trabalho autobiográfico do autor: “Autobiografia de um Místico Espiritualmente
Incorreto”, Editora Cultrix, S.Paulo.

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