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DIREITOS HUMANOS

E CIDADANIA
Direitos Humanos e
Cidadania

Janaina Carla da Silva Vargas Testa


Rodrigo Eduardo Zambon
Wilson Sanches
© 2015 por Editora e Distribuidora Educacional S.A

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

Zambon, Rodrigo Eduardo


Z24d Direitos humanos e cidadania / Rodrigo Eduardo
Zambon, Wilson Sanches, Janaina Carla da Silva Vargas
Testa – Londrina: Editora e Distribuidora Educacional S.
A., 2015.
192 p.

ISBN 978-85-8482-115-0

1. Cidadania no Brasil. 2. Capitalismo. 3. Ordem social.


4. Direitos e garantias fundamentais. I. Sanches, Wilson.
II.Testa, Janaina Carla da Silva Vargas. III. Título.

CDD 360
Sumário

Unidade 1 | Processo de construção da cidadania 7


Seção 1 - O processo de construção do conceito de cidadania 11

Seção 2 - O processo de construção da cidadania no Brasil


introdução 25

Unidade 2 | A cidadania na sociedade capitalista 51


Seção 1 - A construção de uma cidadania da modernidade 55

Seção 2 - Liberdade, igualdade e fraternidade? 65


1.1 A interpretação durkheiminiana sobre democracia 70
1.2 Interpretação weberiana sobre a cidadania 71
1.3 Crítica ao estado burguês e ao modelo burguês de cidadania 73

Seção 3 - A cidadania no século XX e XXI 81

Unidade 3 | A organização do estado, dos poderes e da ordem social 103


Seção 1 - Tipos de estados que antecederam os modernos esta-
dos-nações 107
1 As cidades-estados e o ideal democrático 107
2 Roma: a república e o império 110
3 O estado feudal 114

Seção 2 - Fundamentação teórica do estado-nação moderno 119


1 A importância da teoria 119
1.1 O fundamento mundano do estado 120
2.2 A divisão dos poderes 126
2.3 Igualdade x liberdade 130
3 As formas de governo 134

Unidade 4 | Instituições de direito no Brasil e os direitos e garantias funda-


mentais 149
Seção 1 - Instituições de direito no Brasil e o estado democrático de
direito 153
1.1 O direito e a sua função social 153
1.2 Ramos do Direito 158
1.3 O Estado Democrático de Direito brasileiro 163

Seção 2 - Direitos e garantias fundamentais 167


2.1 Direitos individuais e coletivos 167
2.2 Garantias fundamentais 182
2.3 Direitos sociais 184
2.4 Nacionalidade 186
2.5 Direitos políticos 187
Apresentação

Olá pessoal! É com prazer que apresentamos neste livro alguns temas relevantes
para que você possa ter uma dimensão atual da realidade.

Na primeira unidade têm-se como reflexão o processo de construção de


cidadania e seu respectivo conceito dentro de uma concepção geral e ao mesmo
tempo o processo de construção da cidadania no Brasil. Partindo, portanto de
uma análise crítica e questionadora sobre a veracidade de sua ação prática em
contraposição à ação teórica.

Na segunda unidade perpassaremos pelas contradições da cidadania na


sociedade capitalista e por seu processo histórico. Neste contexto percebe-se um
distante consenso entre a teoria e a prática. Partiremos das comparações entre
a cidadania grega e a romana e suas especificidades históricas. Propõem-se,
portanto, nesta unidade entender o significado de cidadania a partir de sua origem
e seus significados em algumas nações as quais sugerem consequentemente
alguns modelos norteadores de democracia e cidadania. Nesta perspectiva
demostraremos a essência deste significado através de algumas das principais
correntes sociológicas como, por exemplo, a interpretação durkheimiana sobre
democracia e interpretação weberiana sobre cidadania. Nesta mesma sequência
de análise sobre os diferentes aspectos, perpassaremos pela crítica ao Estado
burguês e ao modelo burguês de cidadania na filosofia alemã de Karl Marx. Num
momento subsequente adentraremos numa nova expressão de cidadão a qual
ganha uma tríplice conotação. Assim, demonstraremos os diversos movimentos
sociais e sua importância na sociedade contemporânea.

Na terceira unidade a temática discorre sobre a organização do Estado, dos


Poderes e da Ordem Social a qual partirá de uma discussão contratualista tendo
como contribuição o pensamento de Rousseau e diversos outros autores como
Montesquieu e Tocqueville.

Diante desta perspectiva, na quarta e última unidade, buscaremos complementar


e entender as instituições de Direito no Brasil e os Direitos e Garantias Fundamentais,
pretendendo num primeiro momento, abordar os fundamentos e as características
do Estado Democrático de Direito e o entendimento do conceito de Estado
Democrático de Direito, para aí então despertar posteriormente uma consciência
sobre a crítica entre a teoria e a prática, entre o que está escrito e o que se pratica.

Partindo desta linha de pensamento, retornemos ao objetivo explícito de levar


o aluno a ter uma reflexão crítica da realidade buscando ao máximo desenvolver
uma opinião mais elaborada e realista, fugindo, assim, consequentemente, do
senso comum.

A linguagem em sua totalidade foi elaborada a partir de uma forma simplificada,


tornando-se um texto de fácil leitura para a compreensão do aluno, estando voltada
para as áreas humanas e especialmente sociológicas. Dentro dessa temática, o que
os autores deste livro alvitram, portanto, é ampliar os conhecimentos relacionados
às mais diversas terminologias dentro do tema proposto, assim como a sua devida
aplicação. Desejamos um excelente estudo aos nossos estudantes e leitores.

Prof. Sergio de Goes Barboza


Unidade 1

PROCESSO DE CONSTRUÇÃO
DA CIDADANIA

Rodrigo Eduardo Zambon

Objetivos de aprendizagem: Apreender de forma introdutória os


conceitos e contextos simbólicos e sociais que envolvem o processo de
construção da cidadania na contemporaneidade.

Seção 1 | O processo de construção do conceito de


cidadania
A palavra é o signo ideológico por excelência e esta se encontra na
arena da luta de classes. Desta forma, a disputa pelos significados de
temas como cidadania e participação faz parte da agenda da sociedade
de classes. Entender este contexto simbólico é fundamental para a
compreensão dos processos complexos e contraditórios que estão
postos, e que servem de base para uma leitura consciente em um
determinado momento histórico.
U1

Seção 2 | O processo de construção da cidadania no Brasil

Conhecer o arcabouço do processo de construção da cidadania no


Brasil se torna fundamental para que se possa ter uma leitura contundente
do movimento histórico que ocorre na sociedade. Nesta seção, vamos
conhecer brevemente este contexto e verificar seus rebatimentos na
contemporaneidade.

10 Processo de construção da cidadania


U1

Introdução à unidade

Pensar em cidadania possivelmente lhe traz bons sentimentos acerca de direitos


e de uma sociedade boa de viver. Mas você já parou para refletir se cidadania tem o
mesmo significado para todos? Nesta unidade vamos dialogar sobre isto. Também
vamos verificar como se deu a construção da cidadania no Brasil. Será que temos
políticas sociais que oportunizam um bem-estar aos nossos cidadãos?

Entendemos que atualmente a classe dominante procura medir e divulgar a


qualidade de vida de uma sociedade a partir de seu patamar de cidadania e bem-
estar social, principalmente através do que é transmitido pelas mídias de massa
e, por isso, o senso comum se encontra impregnado deste conceito na atual
conjuntura histórica.

Assim, nosso objetivo em trabalhar o conceito de cidadania não tem como


pretensão aprofundar a discussão teórica deste, que ocorre dentro da perspectiva
marxista ou fora dela. Nosso principal objetivo é demonstrar este conceito como
uma estratégia a ser usada pela classe subalterna frente às concepções liberais e
neoliberais.

Também dialogaremos acerca do conceito de participação, pois este está


indiscutivelmente atrelado ao processo de construção da cidadania. Tal conceito,
assim como a cidadania, não está isento à luta de classes e, historicamente, no
Brasil, é permeado por valores controladores e passivos, fugindo do seu ideal para
a classe trabalhadora, que chamamos de participação poder.

Na atual conjuntura do capitalismo, é importante percebermos como o


sistema trabalha as relações sociais e de produção, alienando cada vez mais a
classe trabalhadora e provocando uma assombrosa desigualdade social a partir
da mundialização do capital sustentada pelo tripé da reestruturação produtiva, da
financeirização do capital e pelo neoliberalismo.

No caso do processo de construção da cidadania no Brasil, uma das dificuldades


para sua consolidação é a inversão cronológica de sua construção no país. No
Brasil, a pirâmide dos direitos analisada por Marshall foi colocada de cabeça
para baixo. Nossas liberdades civis foram historicamente suprimidas enquanto o
Executivo praticou uma política paternalista de empregos e favores.

É o que veremos nas seções a seguir!

Processo de construção da cidadania 11


U1

12 Processo de construção da cidadania


U1

Seção 1

O processo de construção do conceito de


cidadania
Nesta seção vamos conhecer o processo de construção do conceito de
cidadania. Para isso, começaremos dialogando acerca do jogo de disputa de
interesses que os conceitos se encontram atualmente, inserindo o processo de
construção do conceito simbólico e social da cidadania, estando o mesmo tanto
para o favorecimento da classe dominante quanto da classe dominada.

Após, vamos discorrer acerca da construção histórica do conceito de cidadania,


onde trabalhamos atualmente com uma nova concepção, articulando-a com a
democracia. Abordaremos as contribuições do sociólogo britânico T. H. Marshall,
que definiu três níveis de direitos de cidadania.

Trabalharemos nosso texto entendendo que se torna estratégica a conquista


da cidadania plena, principalmente baseando-nos na teoria de hegemonia de
Gramsci. Para tanto, um dos conceitos fundamentais para se entender no processo
de construção da cidadania é o de “participação”, que se torna um exercício da
cidadania ativa.

Essa participação não nega a representação, mas tende a querer controlá-


la cada vez mais, política e juridicamente, usando e aperfeiçoando os canais de
participação institucionalizados e criando outros. É o que veremos a seguir!

O PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DO CONCEITO DE CIDADANIA

Antes de iniciarmos nosso diálogo acerca do processo de construção do


conceito de cidadania propriamente dito, é importante salientarmos que “[...] a
palavra é o fenômeno ideológico por excelência” (BAKHTIN, 1997, p. 36) e os
conceitos se encontram atualmente num jogo de disputa de interesses, conforme
podemos verificar na citação do autor a seguir.

Classe social e comunidade semiótica não se


confundem. Pelo segundo termo entendemos a
comunidade que utiliza um único e mesmo código

Processo de construção da cidadania 13


U1

ideológico de Comunicação. Assim, classes sociais


diferentes servem-se de uma só e mesma língua.
Consequentemente, em todo signo ideológico
confrontam-se índices de valor contraditórios. O
signo se torna a arena onde se desenvolve a luta de
classe (BAKHTIN, 1997, p. 47).

Por isso, além de nominar os conceitos utilizados ao longo do texto, também


expomos sinteticamente nossa opinião sobre eles a partir dos referenciais teóricos
que iremos utilizar, porque o processo de construção do conceito e do contexto
simbólico e social da cidadania pode estar tanto para o favorecimento da classe
dominante quanto da classe dominada.

Após o Renascimento, a história trabalhou uma nova concepção de cidadania,


articulando-a com a democracia. A democracia é sintetizada pelo autor como
soberania popular, ou seja, o conjunto de cidadãos tem uma participação ativa na
formação do governo e no controle da vida social. “E é a mais exitosa tentativa até
hoje inventada de superar a alienação na esfera política” (COUTINHO, 2005, p. 1).

Uma das ideias que melhor expressam a democracia é precisamente o conceito


de cidadania.

Cidadania é a capacidade conquistada


por alguns indivíduos, ou (no caso de uma
democracia efetiva) por todos os indivíduos, de
se apropriarem dos bens socialmente criados,
de atualizarem todas as potencialidades de
realização humana abertas pela vida social em
cada contexto historicamente determinado
(COUTINHO, 2005, p. 2).

Soberania popular, democracia e cidadania são expressões que, em última


instância, sintetizam a mesma coisa, e devem ser pensadas como processos
históricos de conquistas de novas determinações e não como algo dado, que vem
de cima para baixo (COUTINHO, 2000).

14 Processo de construção da cidadania


U1

No Brasil, vivemos uma soberania popular?

A noção de cidadania não surgiu nos tempos modernos, mas sim na Grécia
clássica, antes da era cristã, visto que os gregos estabeleceram relações em
que os cidadãos tinham direitos políticos e contribuíam para a formação do
governo. Porém, não eram considerados cidadãos: os escravos, as mulheres e os
estrangeiros, os quais, em conjunto, constituíam mais de três quartos da população
ateniense adulta.

E foi precisamente com base nisso que Aristóteles


definiu o cidadão: para ele, cidadão era todo
aquele que tinha o direito (e, consequentemente,
também o dever) de contribuir para a formação
do governo, participando ativamente das
assembleias onde se tomavam as decisões que
envolviam a coletividade e exercendo os cargos
que executavam essas decisões (COUTINHO,
2005, p. 3).

Ainda segundo Coutinho (2005, p. 3), citando John Locke, o autor coloca
que “[...] no mundo moderno, a noção e a realidade da cidadania também estão
organicamente ligadas à ideia de direitos, mas, num primeiro momento, ao
contrário dos gregos, precisamente à ideia de direitos individuais ou civis”. Locke
baseia seu pensamento na afirmação de que os seres humanos têm direitos
naturais independente da organização social em que vivem.

Coutinho (2005) explica que para Locke, a função fundamental do Estado é


a garantia destes direitos. Um dos direitos inalienáveis que Locke preconizava
era a propriedade – inclusive o direito do proprietário aos bens produzidos pelo
trabalhador assalariado –, na versão liberal, o Jus Naturalismo veio favorecer a
classe burguesa contra o absolutismo e na institucionalização da exploração do
capital frente o trabalhador.

De acordo com Coutinho (2005, p. 6), apesar de alguns limites da obra do

Processo de construção da cidadania 15


U1

sociólogo britânico T. H. Marshall, foi muito “[...] importante sua contribuição para a
compreensão da dimensão histórica da cidadania quando [...] definiu três níveis de
direitos de cidadania [...] (civil, político e social) e também de insistir na dimensão
histórica, processual, do conceito e da prática da cidadania na modernidade”.

Nesta configuração, podemos exemplificar esses direitos da seguinte forma:

Civis: relativos aos direitos à vida, à liberdade, à segurança pessoal, entre outros;

Políticos: dizem respeito à deliberação do homem sobre sua vida, ao direito


de ter livre expressão do pensamento, direito à prática política, de representação
direta e indireta, entre outros;

Sociais: referem-se às necessidades humanas básicas como o direito à


alimentação, habitação, saúde, educação, direito ao trabalho, entre outros.

Leia o livro do sociólogo T. H. Marshall acerca desta configuração da


cidadania. Um clássico!

MARSHALL, Thomas Humphrey. Cidadania e classe social. Leituras


sobre cidadania, Senado Federal, MCT/CEE, Brasília, 2002 Editora Zahar,
Rio de Janeiro, 1967. Editor: Senado Federal/Ministério da Ciência e
Tecnologia – CEE Ano: 2002.

Concordando com Hegel, Coutinho (2005) afirma que a cidadania é um


fenômeno histórico e que os direitos naturais não existem. Os direitos são
fenômenos sociais, resultados históricos de conquistas. Não obstante, o autor
concorda que os direitos naturais têm algo de verdadeiro no que diz respeito às
expectativas de direitos em dado momento histórico.

Sendo a cidadania um processo histórico, o autor discorda da tese de que exista


"democracia burguesa" e "democracia proletária" (tese principalmente advinda
de Lênin). “Segundo essa visão redutiva, só seria ‘proletária’ a democracia direta,
participativa, baseada nos conselhos ou sovietes” (COUTINHO, 2005, p. 11). E isto,
para Coutinho (2005), descaracterizaria o processo de conquistas de ampliação da
democracia pelos trabalhadores frente ao liberalismo burguês originário.

Assim, Coutinho (2005, p. 12) afirma que “[...] a ampliação da cidadania – esse
processo progressivo e permanente de construção dos direitos democráticos que
caracteriza a modernidade – termina por se chocar com a lógica do capital”. Ou
seja, no limite, a cidadania plena (democracia, soberania popular) só existirá numa

16 Processo de construção da cidadania


U1

sociedade sem classes (fora do sistema capitalista).

Baseando-se em Gramsci, Coutinho (2005) argumenta que a realização da


cidadania plena, o que também seria a superação do sistema capitalista, dá-se
principalmente na conquista de novos espaços na esfera pública. A correlação
de forças entre a burguesia e a classe subalterna se dá principalmente na nova
configuração do Estado, e que através de estratégias a classe trabalhadora pode
conseguir a hegemonia neste espaço e realizar seu projeto de emancipação e
construção de uma nova sociedade.

Para situar o leitor sobre a tese de Gramsci, citamos a síntese de Peruzzo (1998,
p. 49, grifo do autor):

[...] Sociedade civil é o mundo da ideologia, da


hegemonia, da cultura ou da ‘direção intelectual e
moral’, situando-se, junto com a sociedade política
(Estado), no nível da superestrutura. Esta incorpora,
assim, dois planos: ‘o que pode ser chamado
sociedade civil (isto é, os organismos comumente
chamados de privados) e o da sociedade política
ou Estado’, e corresponde à função de ‘hegemonia’
que o grupo dominante exerce em toda sociedade
e àquela de ‘domínio direto’ ou comando, que se
expressa no Estado e no governo jurídico’. O grupo
dominante, por seus intelectuais orgânicos, age
no seio da superestrutura, orientando a vida social
com base no consenso da população ou então na
coerção, por meio do aparato de repressão estatal
que assegura legalmente a disciplina dos grupos
que discordam.

Não obstante, torna-se importante salientar que, segundo Tonet (2014),


este tipo de emancipação refere-se apenas à emancipação política, pois esta
pertence à superestrutura. É no campo da infraestrutura que acontece realmente
a emancipação plena, com a instalação do trabalho associado e a superação do
sistema capitalista.

Contudo, entendemos que se torna estratégica a conquista da cidadania


plena, principalmente baseando-nos na teoria de hegemonia de Gramsci, pois,
conseguindo-se hegemonia no campo político, têm-se ferramentas poderosas
para conquistar hegemonia em outros campos, até mesmo no da infraestrutura. É
o que defende Peruzzo (1998, p. 50):

Processo de construção da cidadania 17


U1

Em determinados momentos, a supremacia do


grupo dirigente pode entrar em crise. Isto se
dá quando, embora se mantenha a dominação,
desaparece a capacidade dirigente; quando a
classe que detém o poder político não sabe mais
verdadeiramente dirigir, resolver os problemas
da coletividade; quando a concepção do mundo
que ela conseguia afirmar passa a ser rechaçada.
A classe social até então subalterna pode tornar-
se dirigente, por sua vez, quando indicar de modo
correto a solução para os problemas, quando
tiver uma concepção do mundo que conquista
novos aderentes, que unifica o alinhamento que
se forma em torno dela. É essa a concepção
gramsciana da hegemonia.

Para tanto, um dos conceitos fundamentais para se entender no processo de


construção da cidadania é o de “participação”. Pois, como vimos até o momento,
a cidadania não é algo que se ganha do “alto”, mas sim, que se conquista, e, para
ser conquistada, é necessário participar do processo de construção. Mas então, o
que é participação?

O que é participação?

Assim como os demais conceitos, o tema participação também sofre alterações


conforme sua definição:

O conceito de participação política é impregnado de


conteúdo ideológico e utilizado de várias maneiras,
tanto contestando e legitimando a dominação
mediante estratégias de manipulação como
negando-lhe qualquer papel de institucionalidade,
numa idealização da sociedade, em que esta ficaria
‘contra o Estado (TEIXEIRA, 2002, p. 25).

18 Processo de construção da cidadania


U1

Para Peruzzo (1998, p. 73), ocorreram várias intervenções históricas,

O termo ‘participação’ chegou a tornar-se um


modismo. Mas, depois de tantos usos diferentes
que lhe foram impingidos, podendo significar
desde o mero ‘assistir’ até o pleno ‘tomar parte
ativamente’, acabou passando por um desgaste.

Segundo Teixeira (2002, p. 27) “[...] independentemente das formas de que se


pode revestir, a participação significa ‘fazer parte’, ‘tomar parte’, ‘ser parte’ de um
ato ou processo, de uma atividade pública, de ações coletivas”. Mesmo que seja
uma participação por hora apenas simbólica ou principalmente orientada para a
decisão, de forma organizada, não episódica, para a concretização da cidadania.

A participação se torna exercício da cidadania ativa e “[...] entender a participação


como processo significa perceber a interação contínua entre os diversos atores
que são ‘partes’, o Estado, outras instituições políticas e a própria sociedade”
(TEIXEIRA, 2002, p. 30).

O autor aponta para uma participação cidadã:

Podemos, afinal, chegar a um entendimento


de participação cidadã: processo complexo e
contraditório entre sociedade civil, Estado e
mercado, em que os papéis se redefinem pelo
fortalecimento dessa sociedade civil mediante
a atuação organizada dos indivíduos, grupos
e associações. Esse fortalecimento dá-se, por
um lado, com a criação e exercício de direitos.
Implica também o controle social do Estado e
do mercado, segundo parâmetros definidos e
negociados nos espaços públicos pelos diversos
atores sociais e políticos (TEIXEIRA, 2002, p. 30).

Processo de construção da cidadania 19


U1

A participação cidadã não nega a representação, mas tende a querer controlá-


la cada vez mais, política e juridicamente, usando e aperfeiçoando os canais de
participação institucionalizados e criando outros.

Também fomenta novas formas de propriedade e de gestão que não querem


funcionar numa lógica mercantil, como a economia solidária e o terceiro setor;
autogestão, cogestão, cooperativização, propriedade pública não estatal.

Na perspectiva que adotamos, a participação


cidadã diferencia-se da chamada ‘participação
social e comunitária’, desde que não objetiva a
mera prestação de serviços à comunidade ou à sua
organização isolada. Tampouco se trata de simples
participação em grupos ou associações para
defesa de interesses específicos ou expressão de
identidades. Tais elementos podem estar presentes
no processo, porém seus objetivos são mais amplos.
Embora essencialmente política, constituindo-
se numa atividade pública e de interação com o
Estado, distingue-se da atividade política stricto
sensu, uma vez que se sustenta na sociedade civil
e não se reduz aos mecanismos institucionais
nem busca o exercício do poder. Não se confunde
também com a expressão ‘participação popular’
... que se restringe às camadas mais exploradas
(trabalhadores, favelados, desempregados) e exclui-
se os setores sociais de classe média, intelectuais,
profissionais, pequenos e médios empresários,
também dominados (TEIXEIRA, 2002, p. 32, grifo
do autor).

A participação cidadã visa à inclusão de todos no processo político-social numa


dimensão de exercício de direitos, inclusive daqueles em condições econômico-
sociais de exclusão, e também a superação de dicotomias entre representação e
participação.

Para Teixeira (2002, p. 32), “[...] a questão fundamental que se apresenta para a
teoria política diz respeito a quem e como – quem toma as decisões no Estado,
como isso acontece – ao sujeito e ao processo decisório”. Ou seja, elites técnicas
que devem decidir e governar, ou, se são cidadãos comuns que devem utilizar
mecanismos de expressão e deliberação.

20 Processo de construção da cidadania


U1

Delegam-se pessoas com total liberdade de ação, ou há critérios que facilitam


o controle e fiscalização dos cidadãos? Como se daria esta participação num
contexto histórico de sociedades complexas, quais os meios e/ou as situações em
que o cidadão deve participar?

A dimensão decisória da participação


está presente em todos os que trataram
da democracia. Rousseau já salientava a
importância da tomada de decisão, com o
envolvimento direto e permanente do cidadão,
sendo o governo um corpo intermediário,
encarregado da execução das leis e da
manutenção da liberdade, em nome do povo
que pode limitar, modificar e retomar o poder
quando lhe aprouver. É nula toda a lei que o
povo diretamente não ratificar (TEIXEIRA, 2002,
p. 34).

Ainda segundo Teixeira (2002, p. 36-37) a função pedagógica da participação,


desde que visem à emancipação da lógica do capital e sejam exercidas reflexões
sobre as ações tomadas – acerca dos erros e acertos – viabilizam habilidades e
procedimentos democráticos aos cidadãos, sem, contudo, esquecer-se dos
desafios postos por desigualdades econômicas, sociais, culturais e étnicas que
dificultam o processo de solidificação de uma sociedade democrática. O autor
comenta:

A participação passa a ser concebida como


aquisição e extensão da cidadania com a
inserção maciça dos indivíduos no processo
político, mediante a ampliação do sufrágio e,
mais recentemente, a construção de novos
direitos e a luta pela superação de vários tipos de
discriminação e desigualdades. Trata-se do tipo
de participação dos movimentos sociais, ONGs
e grupos de cidadãos, capaz de sedimentar um
sentimento maior de identidade e de integração
(TEIXEIRA, 2002, p. 38).

Processo de construção da cidadania 21


U1

Assim, a participação vai contra a lógica liberal (Estado mínimo); como noção
de soberania popular que detém o controle público do poder nos setores do
Executivo, do Legislativo e do Judiciário, e também, em toda esfera política,
inclusive na política econômica. TEIXEIRA (2002, p. 39) argumenta que,

Trata-se assim de uma noção de soberania


popular, no sentido não apenas do poder eleger
mandatários, mas, também, do poder exercer o
controle sobre o mandato de forma permanente
e não só por eleições. Há numerosas alternativas
institucionais para esse controle: mandato
imperativo e revogável, como propõe alguns
teóricos e juristas (Comparato, 1993); o recall,
utilizado em certos níveis de poder nos Estados
Unidos; a figura do ‘representante substituível’,
vinculado a instruções que recebe da base, como
sugere Bobbio (1986), e ainda, a censura jurídica
ou ética e a desconstituição de ato lesivo.

Este tipo de participação se torna fecundo no conceito de sociedade civil em


Gramsci, “[...] que vai apresentar elementos básicos para a compreensão atual,
definindo-a como o conjunto de organizações responsáveis pela elaboração
e difusão das ideologias pelas quais as classes buscam exercer a hegemonia”
(COUTINHO, 1981, p. 91 apud TEIXEIRA, 2002, p. 42). A participação se torna um
instrumento de aprofundamento e controle da representação para efetivação dos
direitos e criação de outros.

Segundo Peruzzo (1998, p. 76, grifo do autor), “a concretização da participação


no Brasil é algo difícil de ser alcançado devido à experiência histórica de valores
autoritários e paternalistas. A população brasileira está impregnada de alienação
e acomodação, ficando à espera de um ‘messias’. Não obstante, a participação é
algo que se conquista, e não que se ganha do alto”.

22 Processo de construção da cidadania


U1

Bordenave fala em graus de participação,


vendo-os mais especificamente na questão do
acesso ao controle das decisões, na relação
entre membros e dirigentes: o menor é o da
informação, seguido dos da consulta facultativa
ou obrigatória, elaboração/recomendação,
cogestão e delegação; o maior, o da autogestão.
Quanto à importância das deliberações de
que se toma parte, o autor identifica três
níveis: o da formulação da doutrina e da
política institucional; o da determinação de
objetivos estratégicos, da elaboração de planos,
programas e projetos, da alocação de recursos,
da administração e da execução das ações; e o
da Análise dos resultados, sendo este último o
mais baixo (BORDENAVE, 1988 apud PERUZZO,
1998, p. 76).

Para Peruzzo (1998), a participação pode ser passiva, controlada ou de poder.


Na participação passiva o poder é de tipo autoritário, em que o cidadão assume
uma postura de espectador e de conformismo; delegando cargos para que estes
governem.

A participação controlada tende a parecer democrática, contudo, também é


autoritária. Existe uma limitação de quem participa. Esta se dá quando as instâncias
detentoras do poder se sentem ameaçadas. Há também uma manipulação devido
a práticas clientelistas e paternalistas.

A participação poder é democrática, ativa e autônoma. As pessoas são tidas


como sujeitos. Por vezes é limitada, mas não passiva e nem manipulada; pois
partilha do poder. Ela pode ser dividida em cogestão e autogestão.

Na cogestão, existe a “[...] coparticipação ativa no gerenciamento de uma


instituição, uma associação, uma empresa ou um órgão público” (PERUZZO,
1998). Há uma participação ativa nas decisões, mas não se altera o poder central.
Funciona dentro de permissões, mas, promove a democracia.

A autogestão se refere à participação direta da população em enfatizar a tomada


de decisões em todas as esferas da vida: econômica, social, política, jurídica e
cultural. É a estrutura básica de uma sociedade democrática. Todas as decisões
são tomadas pela coletividade. A designação de representantes é indispensável,
contudo, na autogestão a coletividade elege e destitui os representantes sempre
que necessário.

Processo de construção da cidadania 23


U1

A autogestão implica o autogoverno, ou seja, a participação efetiva de todos.


Relaciona-se com a utopia de igualdade, liberdade e desalienação em busca de
uma nova sociedade e de um novo homem.

A representatividade é necessária, porém o coletivo deve ter acesso fácil para


eleger e destituir os representantes. A participação não deve ser “sacralizada”, ou
seja, o grupo é que decide quando deve ou não participar de atividades. O que
impera é a questão do poder, que deve ser coletivo.

As características de uma participação poder são: o poder vem de baixo para


cima; quem está no poder não é dono dele; o delegado presta contas à base
cotidianamente; todos os membros têm direito ativo e passivo ao voto e a ser
escolhido; e o exercício do poder é mediante regras pré-estabelecidas (DEMO,
1988 apud PERUZZO, 1998).

A participação é um processo; participação não é só presença, é um espaço


concreto de interação controle da decisão e do poder. A ideia é a prática da
participação quando dirigentes e reivindicar a participação quando dirigidos, a fim
de promover a cidadania plena.

Na esfera privada, a participação, para Singer (2002, p. 16), é caracterizada pela


heterogestão como:

Administração hierárquica, formada por níveis


sucessivos de autoridade, entre os quais as
informações e consultas fluem de baixo para
cima e as ordens e instruções de cima para
baixo. Os trabalhadores do nível mais baixo
sabem muito pouco além do necessário para
que cumpram suas tarefas, que tendem a ser
repetitivas e rotineiras.

As ordens fluem de baixo para cima, tanto na escolha da diretoria quanto nas
decisões complexas para o futuro da empresa. De certo modo, este modelo
acarreta uma sobrecarga nos trabalhadores e, às vezes, os conflitos de decisões
podem prejudicar a solidariedade entre eles.

Este modelo favorece a cooperação, não se tem mais o intuito de sonegar as


informações necessárias para as tomadas de decisão, visto que não há o interesse
em saber quem é o melhor; mas sim, que os resultados sejam para o bem de
todos, superando a competição e criando uma rede solidária interna.

24 Processo de construção da cidadania


U1

Segundo Singer (2002, p. 19), “[...] o maior inimigo da autogestão é o


desinteresse dos sócios, sua recusa ao esforço que a prática democrática exige”.
Muitos perdem o foco da participação e de construir um novo modo de produção
e, pela insuficiente formação democrática, tendem a deixar a gestão para os
encarregados e se preocupar apenas com sua tarefa laboral e com o retorno
financeiro da atividade.

Um exemplo bem sucedido de autogestão, de acordo com Singer (2002), é a


Corporação Cooperativa de Mondragón, situada ao norte da Espanha. Surgiu em
1956, por iniciativa do padre Arizmendi. Atualmente são mais de cinquenta mil
trabalhadores que praticam a autogestão. A corporação tem aumentado a cada
ano e tido sucesso tanto interno (entre os trabalhadores) quanto externo (entre a
população da cidade).

“Tanto a heterogestão como a autogestão apresentam dificuldades e vantagens”


(SINGER, 2002, p. 23). A heterogestão é boa para o sistema capitalista. A autogestão
favorece a democracia e a libertação de autoritarismos públicos e privados. Aliada
a lutas de emancipação tende a colaborar na construção de uma sociedade justa
e solidária.

Por fim, ressaltamos o conceito de participação segundo Nascimento (2004),


que leva à rejeição de três alternativas sociais: 1. A democracia liberal; 2. O
capitalismo de Estado; 3. O socialismo de Estado. Há ainda a alternativa societária,
que tem por base a economia solidária e a autogestão, e apresenta três instâncias
fundamentais:

1. A socialização dos meios de produção,


implicando a abolição da propriedade privada
dos recursos produtivos e sua substituição pela
propriedade social, ou seja, a AUTOGESTÃO
SOCIAL;
2 A socialização do poder político, a participação
dos cidadãos livres e iguais na formação coletiva
de uma vontade política e no exercício direto da
autoridade, ou seja, a DEMOCRACIA DIRETA;
3. Enfim, a transformação do mundo das relações
intersubjetivas, no sentido da afirmação da
solidariedade, ou seja, a REVOLUÇÃO CULTURAL
DO COTIDIANO (NASCIMENTO, 2004, p. 6).

Processo de construção da cidadania 25


U1

Acesse o site do Fórum Brasileiro de Economia Solidária e conheça uma


“outra economia”, movida pela autogestão. Navegue pelo site, você
encontrará muito material para estudo sobre participação, entre outros
relacionados à cidadania! O sítio é <http://www.fbes.org.br/>.

Dentre os avanços e retrocessos, percebe-se que a participação, entendida


como um processo e espaço de verdadeira interação e possibilidades de
intervenção, aliada a um projeto emancipador, são fundamentais para consolidar
um projeto de uma nova ordem societária.

1. A que nível de direitos se referem as necessidades humanas


básicas como o direito à alimentação, habitação, saúde,
educação, direito ao trabalho, entre outros?

2. O que é participação poder?

26 Processo de construção da cidadania


U1

Seção 2

O processo de construção da cidadania no


Brasil introdução

Nesta seção vamos conhecer o processo de construção da cidadania no


Brasil. Para isso, começaremos dialogando acerca das dificuldades históricas para
a consolidação de uma cidadania plena em nosso país, pois nossas liberdades
civis foram historicamente suprimidas enquanto o Executivo praticou uma política
paternalista de empregos e favores.

Houve historicamente uma valorização excessiva no Poder Executivo e a não


utilização de verdadeiras representações políticas na sociedade civil, ficando assim,
à espera de um “messias político”, com uma visão corporativista dos interesses
coletivos.

Com o golpe de 64, quase não havia lugar, na sociedade civil, para associações
livres, e foi longo o período de redemocratização do país. Apenas em 1986 foi
formada uma Assembleia Nacional Constituinte e em 1988 promulgada a nova
Constituição brasileira, assegurando aos cidadãos brasileiros os direitos de
cidadania.

Apesar dos direitos adquiridos na nova Constituição, a década de 1990 foi


marcada pelo avanço do neoliberalismo. Nossos direitos civis foram ameaçados
e houve um esvaziamento dos direitos políticos e uma desarticulação dos
movimentos sociais. O campo dos direitos sociais também foi afetado.

Desta forma, o Brasil apresenta um dos maiores índices de desigualdade do


mundo, quaisquer que sejam as medidas utilizadas. Por isso apresentaremos alguns
dados em relação à família, à criança e ao adolescente, ao mundo do trabalho, ao
meio ambiente, à pessoa com deficiência, à pessoa idosa, entre outros. Enfim, o
processo histórico de construção da cidadania pelo povo brasileiro, encontra-se
ainda em grande desafio. É o que veremos a seguir!

O PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DA CIDADANIA NO BRASIL.

Segundo Carvalho (2001), uma das dificuldades para a consolidação de uma


cidadania plena no Brasil é a inversão cronológica de sua construção no país.

Processo de construção da cidadania 27


U1

No Brasil, a pirâmide dos direitos analisada por Marshall foi colocada de cabeça
para baixo. Nossas liberdades civis foram historicamente suprimidas enquanto o
Executivo praticou uma política paternalista de empregos e favores.

Ainda conforme o autor, dentre as consequências que esta inversão gerou na


população brasileira, em contraste com a cidadania, uma delas foi a instituição de
uma cultura de “estadania”, ou seja, uma valorização excessiva no Poder Executivo
e a não utilização de verdadeiras representações políticas na sociedade civil;
ficando assim, à espera de um “messias político”.

Outra consequência foi a de “[...] uma visão corporativista dos interesses


coletivos” (CARVALHO, 2001, p. 223). Ou seja, cada grupo procura negociar com
o Governo ou com os legisladores (por troca de voto) seus benefícios particulares:
funcionários públicos, professores, banqueiros, empresários, centrais operárias
etc. Não há uma luta por interesses comuns, para o bem de todos.

Segundo Pereira (2005), no Brasil Colônia (1500-1822), não existia um padrão de


cidadania (direitos civis, políticos e sociais). Era um país colonizado, escravocrata e
agroexportador. De acordo com Carvalho (2001), a identidade nacional foi marcada,
desde a colonização, por uma visão edênica de cidadania (orgulho de ser brasileiro
por causa das belezas naturais e artísticas do país e não pela construção de um
Estado de direitos). Os momentos de crise no país foram sempre de negociações
(exemplo foi a nossa Proclamação da Independência).

Com a Proclamação da República em 1889, os direitos continuaram cerceados


devido à era do coronelismo. O movimento de luta por direitos no país só começa
a tomar certa forma com a vinda dos imigrantes europeus, principalmente entre o
período de 1884 e 1920. O Ideário anarquista europeu serviu de base para que os
operários reivindicassem por direitos trabalhistas.

De acordo com Pereira (2005), a partir de 1930 o populismo de Vargas criava


um sentimento de cidadania baseado em benefícios sociais e trabalhistas. Foi nesta
época a criação da Legião Brasileira de Assistência (LBA), que existiu com uma
enorme estrutura assistencial até os anos de 1995.

Ainda conforme Pereira (2005, p. 2), no período de 1945/64 – Período Nacional


desenvolvimentista e populismo – houve um “[...] alargamento dos direitos civis
e políticos (maior participação política/urbanização) e congelamento dos direitos
e das políticas sociais. Manteve-se o modelo de ‘cidadania regulada’ e a herança
deixada pelo período Vargas”.

Conforme Pereira (2005, p. 1), no período de 1964/1985 – Ditadura Militar –


houve uma “[...] modernização do país no quadro geral do capitalismo monopolista”.
Nesta época houve a supressão dos direitos civis e políticos e expansão dos direitos
sociais, criou-se o FGTS/PIS/PASEP e o FUNRURAL.

28 Processo de construção da cidadania


U1

Com o golpe de 64, quase não havia lugar, na sociedade civil, para associações
livres. Através das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), a Igreja Católica era
praticamente um dos únicos lugares em que a população podia se reunir para
dialogar sobre as dificuldades do cotidiano.

Na área acadêmica, um espaço aberto à crítica foi constituído pela Sociedade


Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) com seus imensos congressos anuais.
“Na sociedade faziam-se presentes a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a
Associação Brasileira de Imprensa (ABI) e a Conferência Nacional dos Bispos do
Brasil (CNBB)” (SOUZA, 1997, p. 78 apud ZAMBON, 2004, p. 28).

Com a posse do general Ernesto Geisel em 1974, começou o lento retorno da


democracia, com a chamada “abertura” política. O auge da mobilização popular
foi a campanha pelas eleições diretas, em 1984. Houve vários comícios pelo Brasil
todo, começando em Goiânia, com cinco mil participantes e chegando a reunir
um milhão de pessoas em São Paulo.

Mesmo com a derrota pela campanha “Diretas Já”, a era militar acabara com
a eleição de um civil para a Presidência da República após 21 anos de dominação
militar. O período de 1985/1988 foi um período de redemocratização. Em 1986
foi formada uma Assembleia Nacional Constituinte e em 1988 promulgada a
nova Constituição brasileira; assegurando aos cidadãos brasileiros os direitos de
cidadania.

No seu artigo primeiro estão os fundamentos da Carta Magna:

Art. 1º - A República Federativa do Brasil,


formada pela união indissolúvel dos Estados e
Municípios e do Distrito Federal, constitui-se
em Estado Democrático de Direito e tem como
fundamentos:
I - a soberania;
II - a cidadania;
III - a dignidade da pessoa humana;
IV - os valores sociais do trabalho e da livre
iniciativa;
V - o pluralismo político.
Parágrafo único - Todo o poder emana do povo,
que o exerce por meio de representantes eleitos
ou diretamente, nos termos desta Constituição
(BRASIL, 1988).

Processo de construção da cidadania 29


U1

Dentre os direitos civis estabelecidos, entre outros, estão:

[...] todos são iguais perante a lei, sem distinção


de qualquer natureza, garantindo-se aos
brasileiros e aos estrangeiros residentes no País
a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à
igualdade, à segurança; à propriedade (BRASIL,
1988).

Conforme o Artigo 6º da Constituição Federal de 1988 ficou assegurado,


dentre outras regulamentações, os seguintes direitos sociais: a educação, a saúde,
o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à
maternidade e à infância, a assistência aos desamparados.

No campo dos direitos políticos ficou garantida a soberania popular por meio
das seguintes características: sufrágio universal; voto direto e secreto; direito a
plebiscito; referendo e iniciativa popular; dentre outras regulamentações.

Outra importante mudança na nova Constituição foi seu cunho descentralizador,


abrindo novos espaços de participação política para a população, através de
conselhos e conferências. A população tem canais abertos para a criação, gestão
e controle das políticas públicas.

São espaços que permitem uma participação ativa da população, ao invés da


mera participação eleitoral, onde se podem tomar decisões sobre as políticas
públicas, deliberar prioridades, fiscalizar estas deliberações e garantir o uso dos
recursos públicos de acordo com as prioridades estabelecidas pela população.

Dentre os espaços de participação instituídos na nova Constituição, há também


o referendo e o plebiscito. São espaços que não ficaram muito bem assegurados
devido a sua burocratização. Estes espaços deveriam servir para que a população
tivesse um acesso fácil às medidas legislativas e assuntos de interesse da população.

30 Processo de construção da cidadania


U1

Você já conhecia esses e outros direitos da CF1988? Você


procura exercê-los, participando de alguma forma na vida
social do país?

Segundo Pereira (2005), apesar dos direitos adquiridos na nova Constituição,


a década de 90 – Governos Collor e FHC – foi marcada pelo avanço do
neoliberalismo. Os direitos civis foram ameaçados e houve um esvaziamento
dos direitos políticos e uma desarticulação dos movimentos sociais. O campo
dos direitos sociais também foi afetado. Conforme Behring e Boschetti (2008, p.
165), “[...] os recursos permanecem extremamente concentrados e centralizados,
contrariando a orientação constitucional da descentralização”.

A ofensiva neoliberal no campo das políticas sociais procura transferir as


políticas públicas para a esfera privada. Contudo, este “enxugamento do Estado” só
é incisivo aos direitos dos cidadãos; pois, com relação ao capital, o Estado pratica
uma política de proteção e de financiamento, exaltando o mercado. O cidadão fica
reduzido à condição de consumidor e a questão social se agrava.

Questão social apreendida aqui,

Como o conjunto das expressões das


desigualdades da sociedade capitalista madura
tem uma raiz comum: a produção social é cada
vez mais coletiva, o trabalho torna-se mais
amplamente social, enquanto a apropriação dos
seus frutos mantém-se privada, monopolizada
por uma parte da sociedade (IAMAMOTO, 2003,
p. 27).
Atílio Borón, sociólogo argentino, sustenta
serem as políticas neoliberais presididas por uma
dupla articulação. Por um lado, a satanização
do Estado; o Estado é tido como o diabo,
responsável por todas as desgraças e infortúnios
que afetam a sociedade capitalista. Por outro

Processo de construção da cidadania 31


U1

lado, a exaltação e a santificação do mercado


e da iniciativa privada, vista como a esfera
da eficiência, da probidade e da austeridade,
justificando a política das privatizações. O
resultado é um Estado cada vez mais submetido
aos interesses econômicos e políticos
dominantes, renunciando a importantes graus
de soberania nacional, em um contexto no qual
há ampla prevalência do capital financeiro, ou
uma ‘financeirização da economia’, nas palavras
de Mattoso (IAMAMOTO, 2003, p. 35, grifo do
autor).

De acordo com Carvalho (2001), a cidadania no Brasil apresenta uma


sensação de incompletude em função do drama da desigualdade social no país.
Infelizmente, apenas o fato da instituição da Carta Constituinte de 88 não significa
a efetivação desses direitos ao cidadão. O Brasil apresenta um dos maiores índices
de desigualdade do mundo, quaisquer que sejam as medidas utilizadas.

No governo Lula, que defendia o projeto de democracia de massas dos anos


1980, que, durante toda a década de 1990, seu partido, PT, defendeu de forma
voraz a reversão do modelo econômico neoliberal, até o presente momento não
tem dirigido nenhuma ruptura a este modelo, conforme Netto (2004), mantém
a continuidade do comando do capital parasitário financeiro e assume a prática
neoliberal; haja vista que o governo Lula aumentou o superávit primário mais do
que o pedido pelo FMI e a Seguridade Social continua fragmentada, limitada pelo
ajuste fiscal neoliberal.

É o que ressalta Pereira (2005, p. 15-16):

[...] a Seguridade Social, proposta na


Constituição Federal, já era limitada, por
caracterizar-se como um sistema híbrido e
que se tornou extremamente dependente do
mercado de trabalho brasileiro. No entanto,
após mais de uma década da implantação
deliberada de políticas neoliberais e ajustes

32 Processo de construção da cidadania


U1

fiscais, a Seguridade Social encontra-se


dilapidada: (i) institucionalmente fragmentada,
com ministérios e secretarias específicas que
disputam seus recursos, (ii) financeiramente
usurpada, com seus recursos deslocados para
outras áreas e utilizados para gerar o superávit
primário, (iii) e politicamente fragilizada, com
seus mecanismos de participação e controle
extintos (Conselho Nacional de Seguridade
Social e conselhos locais de Previdência Social)
e a desarticulação dos Conselhos Nacionais de
Assistência, Saúde e Previdência.

De acordo com a autora, a política de previdência social continua a retórica


da era FHC de uma previdência “falida”; e a reforma da previdência favoreceu a
emergência da previdência Complementar e não resultou em nenhum avanço
para a classe trabalhadora.

No campo da saúde há uma política de precarização e terceirização dos


recursos humanos e de corte de investimentos, favorecendo o empresariado.
Alguns avanços foram a realização da conferência de saúde, luta pela Reforma
Sanitária, e a delegação de um representante da Central Única dos Trabalhadores
– CUT – na secretaria executiva do Conselho Nacional de Saúde – CNS.

A política de assistência social, segundo Yasbek (2005, p. 1-2, grifo do autor),

[...] dentre seus aspectos positivos, encontram-


se a incorporação das demandas da sociedade
na área da assistência social, a inovação
em trabalhar com a noção de território, a
centralidade da família e de sua proteção,
sobretudo pela perspectiva de constituição
do Sistema Único de Assistência Social –
SUAS. Seus aspectos negativos estão contidos
na visão de que a família pobre precisa ser
reestruturada do ponto de vista moral e afetivo
(visão de que a família pobre tem “algo” errado,

Processo de construção da cidadania 33


U1

quando precisa ser apoiada). A eliminação do


“economicismo” na determinação das condições
de vida da população usuária da assistência
social levou a uma desconsideração do peso das
condições econômicas na vida dessa população.

Ainda conforme Yasbek (2005, p. 3), “[...] outro ponto negativo é a


desconsideração de que essa população pertence a uma classe social e de que a
questão social é, sobretudo, uma questão política (não está clara a direção política
da Política de Assistência Social)”.

Assim, o processo de desmantelamento da Seguridade Social é resultado de


ações dos governos Collor, FHC e Lula, de opção pela classe dominante, regressão
dos direitos sociais, favorecendo o capital, principalmente o financeiro. São
fundamentais iniciativas políticas que afirmem os princípios da Seguridade Social
de caráter universal, para romper com a fragmentação e não correr riscos de uma
“compensar” a outra; e, pior, restar apenas uma política de assistência social para
aqueles em extrema situação de vulnerabilidade.

Assim, a tendência geral tem sido a de restrição


e redução de direitos, sob o argumento da crise
fiscal do Estado, transformando as políticas
sociais – a depender da correlação de forças
entre as classes sociais e segmentos de classe
e do grau de consolidação da democracia e da
política social nos países – em ações pontuais
e compensatórias direcionadas para os efeitos
mais perversos da crise. As possibilidades
preventivas e até eventualmente redistributivas
tornam-se mais limitadas, prevalecendo o
já referido trinômio articulado do ideário
neoliberal para as políticas sociais, qual seja: a
privatização, a focalização e a descentralização
(BEHRING; BOSCHETTI, 2008, p. 156).

34 Processo de construção da cidadania


U1

Já no Brasil, país que “[...] ocupa o segundo lugar mundial nos índices de
concentração de renda e de má distribuição da riqueza, mas ocupa o oitavo lugar
em termos do Produto Interno Bruto” (CHAUÍ, 2006 apud BARROCO, 2008, p.
225), os dados são revoltantes.

Leia o livro de José Murilo de Carvalho sobre a cidadania no Brasil. Esta


obra foi premiada internacionalmente!

CARVALHO, José Murilo. Cidadania no Brasil: o longo caminho. Rio de


Janeiro: Civilização Brasileira, 2001.

De acordo com o IBGE (2010), a diferença da renda média mensal per capita
da maioria das famílias, excluindo-se as que não têm nenhum rendimento, é
monstruosa. Enquanto os 10% mais pobres detém R$ 77,37, os 10% mais ricos
chegam a R$ 3.160,36. Considerando-se as medidas de pobreza (renda per capita
inferior a ½ salário mínimo), são cerca de 50 milhões de “cidadãos” brasileiros, e na
linha da indigência (renda per capita inferior a ¼ do salário mínimo), são quase 25
milhões de “cidadãos” brasileiros.

Cerca de 2% dos proprietários são donos de 48% das terras férteis do país.
Cinco por cento da população possui 75% de todas as riquezas do país. Dos
recursos destinados aos aposentados, quase a metade vai para os 10% mais ricos
da população. Sete grupos, em situação de monopólio, controlam a mídia e a
informação no país (CNBB, 2004).

Segundo o IBGE (2010), em relação ao campo do trabalho no Brasil, a taxa


de desemprego encontra-se superior a 9%. A quantidade de trabalhadores na
informalidade, sem proteção previdenciária e de outros direitos trabalhistas, é de
47,2% da população ocupada (IPEA, 2006). Em relação ao trabalho infantil, são
quase dois milhões de crianças entre 10 e 14 anos nessa situação. Por fim, ao
problema da desigualdade social no Brasil, deve somar-se a segmentação de
classes que se perpetua ao longo de nossa história. São 2% da alta burguesia; 10%
da burguesia; 20% da classe média; 40% de trabalhadores e 30% de excluídos
(CNBB, 2004).

Processo de construção da cidadania 35


U1

Omitindo muitas outras questões sociais que poderíamos abordar, tais como os
graves problemas nas áreas de habitação, saúde, segurança pública, discriminação
por raça e sexo, vamos deter-nos agora em apontar a situação da educação no
país, por ser o tema desta pesquisa e porque entendemos já ter abordado, mesmo
que sinteticamente, as principais questões, que são a renda e o trabalho, além de
outras brevemente citadas.

De acordo com o IBGE (2010), o acesso ao ensino fundamental é de 97,9%


das crianças brasileiras de 7 a 14 anos de idade, baseado nos dados da Pesquisa
Nacional por Amostra de Domicílios de 2008 (PNAD). No entanto, apesar da
aparente inclusão social desta política, quando se examina a sua qualidade é que
se tem uma visão melhor da realidade. É o que podemos verificar na citação a
seguir, extraída de Radar Social 2006, do Instituto de Pesquisas Aplicadas (IPEA):

Variados fatores, internos e externos à escola,


condicionam a precária qualidade do ensino no
país: infraestrutura física deficiente; professores
mal remunerados e, por vezes, desestimulados
e pouco qualificados para a intervenção
pedagógica junto a grupos e contextos sociais
desfavorecidos; necessidade da criança
de ingressar no mercado de trabalho para
complementar a renda familiar; falta de suporte
educacional dos pais e de acesso aos meios de
comunicação e veiculação do conhecimento
(IPEA, 2006, p. 46).

Tais informações, especialmente por virem de um órgão oficial do governo


brasileiro, demonstram a precariedade da educação no país, máxima por ser esta
uma política pública fundamental para o desenvolvimento do ser humano e da
coletividade como um todo, e seu conhecimento vai possibilitar aos sujeitos a
capacidade crítica e criativa para se organizarem e atuarem em busca de uma nova
sociedade. E os dados não param por aí.

Um dos grandes desafios apontados em relação à educação no Brasil refere-se à


realidade do ensino médio, apontado como essencial para a inserção do indivíduo
no mercado de trabalho. Segundo o IBGE (2010), como dificuldades, encontramos
as relacionadas ao acesso, permanência, ao desempenho e à conclusão do curso
pelos alunos. É de 84,1% a média geral da taxa de frequência dos adolescentes de

36 Processo de construção da cidadania


U1

15 a 17 anos de idade da população em geral.

No entanto, quando essa média é relacionada à renda da população, a


desigualdade social é gritante. Enquanto os 20% mais ricos têm taxa de frequência
de 78,4%, os 20% mais pobres têm apenas 30,5%. A segmentação continua quando
analisamos o status da escolaridade no país, medida pelo total de anos de estudo
das pessoas com 25 anos ou mais de idade. A média de estudo dos 20% mais
ricos é 10,3 anos de estudo, enquanto que os 20% mais pobres têm uma média de
estudo de 4,3 anos.

Apesar de alguns avanços no campo das políticas sociais em relação à família,


em especial na assistência social, que foi fundada no princípio da matricialidade
sociofamiliar, com diversos benefícios, programas, projetos e serviços que
buscam atender as demandas da família, a exemplo do Serviço de Proteção e
Atendimento Integral à Família (PAIF), no caso da Proteção Social Básica, e do
Serviço de Proteção e Atendimento Especializado a Famílias e Indivíduos (PAEFI),
na Proteção Social Especial, os serviços sociais para a família no Brasil ainda “[...]
são subdesenvolvidos, pois há a absorção de grande parte do orçamento da
assistência social em benefícios monetários” (TEIXEIRA, 2010, p. 81).

Outra política social que conta com uma atenção específica à família é a saúde.
O Sistema Único de Saúde (SUS) tem desenvolvido desde 1994 um modelo de
assistência designado “Saúde da Família”, que é realizado a partir da implantação de
equipes multiprofissionais em unidades básicas de saúde, conforme as explicações
do Departamento de Atenção Básica – DAB – do Ministério da Saúde do Brasil.

Apesar destas políticas sociais (assistência social e saúde) terem certa lógica
de ação a partir da família, há ainda a necessidade de superação do atual quadro
brasileiro. Um caminho para uma verdadeira “política familiar” ou políticas
públicas para a família necessita de uma efetiva responsabilização por parte do
Estado em relação à proteção social dos membros de suas famílias, conforme
as características apontadas pela autora: “[...] serviços universais, de acesso local,
em quantidade e qualidade, sistemáticos e continuados, que garantam direitos e
gerem independência para jovens, idosos, mulheres” (TEIXEIRA, 2009, p. 263).

[...] democratizando, assim, as relações familiares


e autonomizando os membros mais frágeis e
dependentes na hierarquia familiar, o que supõe
o rompimento da “antinomia” entre serviços para
segmentos e para a família, ou a sua necessária
articulação, interdependência e reorganização
em torno das demandas familiares (TEIXEIRA,
2010, p. 84, grifo do autor).

Processo de construção da cidadania 37


U1

O Plano Brasil Sem Miséria do governo federal e, mais especificamente o


programa Bolsa Família, talvez seja a única tentativa no Brasil de uma “política”
para a família. Todavia, seu alcance é precário, uma vez que foca quase que
prioritariamente na questão da renda para um público em situação de extrema
miséria.

Apesar da nossa crítica, é justo reconhecer a importância do plano para este


público, o que, caso não existisse, principalmente sem o programa Bolsa Família, a
desigualdade social estaria ainda mais acirrada no país.

Em suma, o que queremos refletir com você é que não há uma política pública
para família no Brasil, que, nos moldes discutidos, venha a ter a família como foco
integralmente, oferecendo serviços em todas as suas necessidades.

Em relação à criança e ao adolescente, que passaram a ser reconhecidos como


sujeitos de direitos, considerados em sua condição de pessoas em desenvolvimento
e a quem se devem prioridade absoluta na formulação das políticas públicas e
destinação privilegiada de recursos das diversas instâncias político-administrativas
do país a partir da CF1988 e do Estatuto da Criança e do Adolescente, os dados
também não são muito animadores.

Atualmente a população brasileira é composta por 190.732.694 milhões de


habitantes, desses mais de 60% são compostos pelo público infantil, adolescente
e jovem.

Na questão do estado nutricional há uma grande preocupação, pois ultrapassa


negativamente os padrões internacionais. A obesidade infantil já atinge 10% das
crianças, tal informação foi divulgada na Conferência Internacional de Obesidade
Infantil, realizada em julho de 2011, esse evento representou um passo importante
na discussão da problemática, tendo em vista que reuniu participantes de mais de
40 países, entre eles representantes governamentais, da Educação, da Indústria e
dos meios de comunicação.

Nessa mesma linha, citamos a mortalidade infantil. Embora ainda seja alto, o
índice diminui a cada ano no Brasil. Em 1995, a taxa de mortalidade infantil era de
66/1000, já em 2005, este índice caiu para 25,8/1000. Em países desenvolvidos
a taxa de mortalidade infantil é de aproximadamente, 5/1000, informações
oriundas da “Síntese das principais discussões sobre a dinâmica das mudanças na
mortalidade no período pós-guerra”.

Outro ponto importante a ser abordado no perfil da criança, adolescente e jovem


é a situação educacional. O Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais
– INEP – divulgou recentemente o Censo da Educação 2010. Segundo este
órgão, o número de estudantes atendidos em 2010 na Educação Básica pública
e privada, que é contemplada pela Educação Infantil, Ensino Fundamental 1 e 2 e

38 Processo de construção da cidadania


U1

Ensino Médio, além das modalidades: Educação Especial, Educação Profissional,


Educação de Jovens e Adultos e Indígenas, foi de 51,5 milhões, conforme aponta o
Censo escolar 2010. Desse total, 43,9 milhões estudam nas redes públicas (85,4%)
e 7,5 milhões em redes particulares (14,6%).

Porém, esse ainda é um índice insatisfatório, porque, para atender 100% das
crianças, adolescentes e jovens em idade escolar, o número de matrículas foi
menor que o ano anterior, 52,5 milhões de crianças atendidas na educação básica.

Em relação ao idoso, conceito definido pela OMS - Organização Mundial da


Saúde, pessoas acima de 60 anos, idade referente à população dos países em
desenvolvimento, para os países desenvolvidos a idade aumenta para 65 anos, a
Sinopse do Censo Demográfico 2010 revelaram que a população total do país já é
de 190.755.799 (primeiros resultados definitivos do XII Recenseamento Geral do
Brasil), deste total quase 20 milhões de pessoas são idosas com idade de 60 anos
ou mais (11% da população brasileira).

As mulheres são maioria, representam cerca de 60% das pessoas com mais de
60 anos, a maioria dos idosos são responsáveis pelos domicílios e têm em média,
69 anos de idade e 3,4 anos de estudo. Com um rendimento médio de R$ 657,00,
o idoso ocupa, cada vez mais, um papel de destaque na sociedade brasileira, tais
resultados estão na nova publicação do IBGE que traz números sobre a situação
no Brasil, nas Grandes Regiões.

A boa notícia é que: a expectativa de vida no país aumentou cerca de três anos
entre 1999 e 2009, atualmente é de 73,1 anos. Entre as mulheres são registradas as
menores taxas de mortalidade. No período avaliado, a expectativa de vida feminina
passou de 73,9 anos para 77 anos. Entre os homens, passou de 66,3 anos para
69,4 anos.

Nos próximos 40 anos, o total da população brasileira vai crescer a uma média de
apenas 0,3% ao ano, enquanto o número de idosos aumentará a uma taxa de 3,2%,
ou 12 vezes maior. O estudo mostra igualmente que a população brasileira está a
envelhecer a um ritmo mais rápido do que o registrado em países desenvolvidos. O
relatório afirma que as nações desenvolvidas ficaram ricas e depois envelheceram,
mas o Brasil e outros países emergentes estão a ficar velhos antes de enriquecer.
Enquanto a França levou mais de um século para duplicar a sua população acima
dos 65 anos, o Brasil passará pelo mesmo processo em duas décadas.

O cerne do problema é que o ritmo atual de envelhecimento da população


brasileira significará um aumento “substancial” dos gastos públicos, na área da
saúde, então o relatório sugere que o sistema de saúde brasileiro seja adaptado ao
perfil de uma população mais idosa.

Outra consequência é que a população idosa terá cada vez menos apoio

Processo de construção da cidadania 39


U1

familiar, por causa da presença feminina no mercado de trabalho e da mudança


nos valores familiares.

Essa tendência de crescimento só não se confirmará, de acordo com o Instituto


de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), se a fecundidade voltar a crescer.

O nível de escolaridade dos idosos é baixa, principalmente entre as mulheres,


há uma variação de acordo com a região, contempla mínimo 1,5 ano (região norte)
a 7,2 anos (região sul). A taxa de analfabetismo de acordo com dados do IBGE
(2010) ainda é alta: 5,1 milhões de idosos analfabetos.

Em suma, considera-se que há uma tendência mundial que é acompanhada


pelo Brasil: envelhecimento da população. Contudo, espera-se que ações sejam
tomadas em âmbito social, legal e, sobretudo, político, a fim de garantir a adaptação
dessa crescente população na sociedade brasileira.

Em relação à pessoa com deficiência, a história da humanidade comprova


que em todos os momentos elas foram alvos de comportamentos e reações
diversas, ora acolhedoras/integradoras, ora excludentes/contraditórias. Esses
comportamentos mudavam de acordo com as transformações sociais, avanços
científicos e tecnológicos e devido às mudanças culturais e econômicas que
atingiam a sociedade.

De acordo com a pesquisadora Kirakosyan (2006, p. 2), as pessoas com


deficiência no Brasil estão muito aquém de um patamar decente de cidadania,
para ela o “[...] cenário da deficiência no Brasil é a típica situação de um país em
desenvolvimento em que uma parcela significativa da população com deficiência
vive em situação de pobreza, de pouco acesso à educação, serviços de saúde,
trabalho e uma vida decente.”

Ainda, segundo suas pesquisas,

Aproximadamente 25% das pessoas com


deficiência frequentaram escola por menos
de um ano durante toda a vida, segundo os
dados do Censo de 2000. A educação superior
é somente para poucos escolhidos, e as
questões raciais pioram a situação no cenário
de empregabilidade, tendo em vista que apenas
0,27% dos universitários são estudantes com
deficiência, segundo dados de 2006 do MEC
(KIRAKOSYAN, 2006, p. 2).

40 Processo de construção da cidadania


U1

Dados do IBGE... (2005) apontam que 14,5% da população (mais de 24 milhões


de pessoas) possui algum tipo de deficiência, as mais comuns são: físicas e
intelectuais.

É importante destacar que a proporção de


pessoas portadoras de deficiência aumenta com
a idade, passando de 4,3% nas crianças até 14
anos, para 54% do total das pessoas com idade
superior a 65 anos. À medida que a estrutura da
população está mais envelhecida, a proporção
de pessoas com deficiência aumenta, surgindo
um novo elenco de demandas para atender as
necessidades específicas deste grupo (IBGE...,
2005).

Quanto à taxa de escolarização e a instrução, os dados não são nada animadores,

[...] das crianças de 7 a 14 anos de idade, 88,6%,


portanto seis pontos percentuais abaixo da taxa
de escolarização do total de crianças nesta faixa
etária que é de 94,5%; 32,9% da população sem
instrução ou com menos de três anos de estudo
é portadora de deficiência. As proporções
de portadores de deficiência caem quando
aumenta o nível de instrução, chegando a 10%
de portadores de deficiência entre as pessoas
com mais de 11 anos de estudo (IBGE..., 2005).

Por fim, dentre os diversos outros âmbitos de direitos de cidadania que


poderíamos abordar, mas por tratar-se de um tema fundamental para a vida
humana em sua plenitude, queremos chamar-lhes a atenção para a temática do
meio ambiente, que está intimamente atrelada à ação humana.

Processo de construção da cidadania 41


U1

Sabemos que a população mundial aumentou 10 vezes nos últimos três


séculos e hoje ultrapassa os 6,5 bilhões de pessoas e ainda há uma estimativa de
crescimento para nove bilhões em 2050.

Logo, necessitamos refletir acerca da nossa ação e suas consequências porque


dela dependerá nossa sobrevivência, diante disso apresentamos a seguir um breve
panorama dos problemas que envolvem a temática tanto em nível mundial como
nacional.

No campo de frente dos problemas ambientais encontra-se o Aquecimento


Global, responsável pela elevação dos valores médios da temperatura na superfície
do planeta. Entre 1995 e 2006 o mundo teve 11 dos 12 anos mais quentes já
registrados para a temperatura da superfície da Terra.

De acordo com informações colhidas do texto base da Campanha da


Fraternidade - CF 2011, a temperatura da superfície deve aumentar em cerca de 2ºC
até 2050 (mesmo se a humanidade mudar seu padrão de produção e consumo
imediatamente) e se nenhuma mudança for realizada, o aumento poderá chegar
a 4ºC.

Ainda segundo o texto base, o aquecimento global acarreta inúmeras


consequências negativas e perigosas como: as mudanças climáticas, alterações
no regime e intensidade das chuvas, derretimento das geleiras (Groenlândia
e Antártida), derretimento do gelo nos topos de montanhas, decréscimo na
produção de alimentos, escassez da água, doenças infecciosas endêmicas, secas
mais longas e intensas; chuvas mais fortes provocando graves enchentes.

A Amazônia Legal (área que abrange os estados do Acre, Amapá, Amazonas,


Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima, Tocantins e parte do Maranhão) cobre
aproximadamente 5 milhões de km². Desse total, a floresta ocupa 3,3 milhões de
km², ou 40% do território brasileiro.

Dois terços das florestas de todo o mundo estão


concentrados em 10 países, entre eles o Brasil
(576 hectares), hoje no mundo, 37% das florestas
existentes são do tipo primário, ou seja, que não
sofreram intervenção humana. No entanto,
organizações de defesa do meio ambiente
alertam para a expansão do desmatamento em
direção a áreas que abrigam espécies raras de
árvores, sobretudo as que têm madeiras de valor
elevado no mercado (DOIS..., 2014, p. 1).

42 Processo de construção da cidadania


U1

Merecem destaque alguns dados acerca da floresta Amazônica:

Além dos 18 milhões de pessoas que vivem


no local, habitam a região 1.500 espécies
catalogadas de peixes (o número real deve ser
pelo menos o dobro); cerca de 10 milhões de
espécies de insetos; 324 espécies de mamíferos
e 300 espécies de cobras e lagartos (répteis).
Entre as plantas, estima-se que existam de 5
milhões a 30 milhões de espécies, sendo que as
já identificadas chegam a 30 mil. (DOIS..., 2014,
p. 1).

Além disso, de toda a água derramada nos oceanos por todos os rios do planeta
1/5 vem da bacia amazônica, que cobre 3,9 milhões de km², ou 45% do território
brasileiro. O rio Amazonas tem mais de 7 mil afluentes e possui 25 mil km de vias
navegáveis, além de atingir profundidades de 120 metros em vários trechos.

Ainda de acordo com o portal, a Mata Atlântica se estendia por 1,3 milhão de
km², atravessando um território onde hoje se situam 17 estados (do Rio Grande
do Sul ao Piauí). Esse bioma ocupava 15% do território brasileiro antes do início da
colonização do país, além de partes onde atualmente estão Paraguai e Argentina.

Mais de 500 anos após o descobrimento do Brasil, no entanto, cerca de apenas


7% da vegetação foi mantida. O restante foi sendo devastado, ao mesmo tempo
em que surgiam os grandes centros urbanos em regiões próximas ao litoral, onde
se localizava a vegetação de Mata Atlântica.

Mesmo assim, esse bioma ainda engloba sete das nove maiores bacias
hidrográficas do país, além de lagos e rios (entre eles o São Francisco, o Paraná,
o Tietê, o Paraíba do Sul, o Doce e o Ribeira do Iguape). Nesses ecossistemas
vivem 261 espécies de mamíferos, entre mico-leão-dourado, onça-pintada, bicho-
preguiça e capivara, 620 espécies de aves, 200 de répteis, 280 de anfíbios e 350 de
peixes, sendo que 567 são endêmicas, ou seja, típicos só da região.

De acordo com o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais


Renováveis - IBAMA 2010, na Mata Atlântica vivem 383 das 633 espécies de animais
ameaçados de extinção no Brasil. A rica vegetação possui cerca de 20 mil espécies,

Processo de construção da cidadania 43


U1

sendo 8 mil delas endêmicas.

Os valores de áreas do Brasil foram recalculados pelo IBGE- Instituto Brasileiro


de Geografia e Estatísticas em 2002. Obteve-se para a área do Brasil o valor de
8.514.876,599 km2. Quanto à extensão territorial brasileira, o IBGE informa que os
valores das áreas das superfícies dos estados e municípios serão periodicamente
atualizados em face de dinâmica da Divisão Territorial Brasileira, em função de
alterações de natureza legal, judicial ou de representação cartográfica.

Dados do texto base da Campanha da Fraternidade (CNBB, 2007) revelam que


no país:

87% tem acesso à água e 70% tem acesso ao saneamento básico; (problema de

saúde pública);

Qualidade da água: 90% dos esgotos domésticos e 70% dos efluentes industriais

não são tratados;

Produção de lixo: 161.084 toneladas de lixo urbano por dia, cerca de 52 kg/dia

por pessoa, somente 56% das cidades brasileiras tem coleta seletiva do lixo.

Por fim, relatamos a mais recente e fracassada conferência mundial relativa à


questão do meio ambiente, a RIO+20. A Conferência das Nações Unidas sobre
Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20, foi realizada de 13 a 22 de junho de
2012, na cidade do Rio de Janeiro. Esta conferência traz o nome Rio+20 devido
a ocorrer após vinte anos de realização da Conferência das Nações Unidas sobre
Meio Ambiente e Desenvolvimento (Rio-92).

Participaram da RIO+20 representantes dos 193 Estados-membros da ONU


e variados setores da sociedade civil (organizações não governamentais, grupos
empresariais, comunidades indígenas, autoridades locais, organizações de
agricultores, grupos de crianças e jovens, trabalhadores e sindicatos, entidades de
mulheres, comunidade científica e tecnológica, entre outros). Os principais temas
foram: 1. A economia verde no contexto do desenvolvimento sustentável e da
erradicação da pobreza; e, 2. A estrutura institucional para o desenvolvimento
sustentável.

O documento final foi bastante criticado, principalmente pela Cúpula dos Povos
na Rio+20 por Justiça Social e Ambiental, evento paralelo à Conferência das Nações
Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (UNCSD), a Rio+20, organizado pelo
Comitê Facilitador da Sociedade Civil Brasileira para a Rio+20 (CFSC), composto
por 33 redes e organizações de representação nacional.

44 Processo de construção da cidadania


U1

Acesse os sites do IBGE e IPEA para verificar mais dados sociais


brasileiros! Conheça melhor o processo de construção de cidadania,
desvelando a realidade! Os sítios são www.ibge.gov.br/ e www.ipea.
gov.br/.

Diante deste assombroso contexto, é necessária a efetivação de um rigoroso


controle social por meio da participação dos usuários, profissionais e gestores
nos conselhos e em outras instâncias, para que se exija o financiamento e
cumprimento da Seguridade Social e das demais políticas públicas como um todo,
que se questione e restrinja o desvio das riquezas geradas pelos trabalhadores para
ajustes fiscais.

Política social e política econômica não podem ser tratadas separadamente;


é necessário uma política totalmente inversa à neoliberal que age em detrimento
da política social. Rompendo com a retórica que o simples desenvolvimento
econômico gera desenvolvimento social.

Você tem conhecimento de que esta retórica do


desenvolvimento econômico por si só não gera
desenvolvimento social? Se sim, de que forma podemos
argumentar em favor da classe trabalhadora? Se não, procure
ler os referenciais teóricos citados neste trabalho e outros da
teoria crítica, pois, já pensou por que o Brasil é um dos países
mais ricos e mais desiguais do mundo?

Fundamental a consolidação do SUAS enquanto política pública, no universo


dos direitos sociais e do alargamento da cidadania. Reconhecer os limites e
possibilidades da concretização da cidadania na ordem burguesa. Mas, sem deixar
de acumular esforços para patamares mais dignos de sobrevivência.

Dessa forma, a luta pela cidadania deve ter um aspecto estratégico, vinculado

Processo de construção da cidadania 45


U1

ao movimento da luta de classes, buscando alternativas e possibilidades frente a


questão social. Propiciando a democracia e a participação efetiva, compartilhando
decisões e poder. Contribuindo com a construção de uma cultura pública; “[...]
lutar contra o desmanche de direitos, aquisição de novos; e pela politização e
publicização das políticas sociais. A única medida da Política Social é o direito e seu
parâmetro é o da justiça social” (YASBEK, 2005, p. 3).

De acordo com Carvalho (2001, p. 224), o “[...] remédio para muitos estaria nas
reformas políticas eleitorais, partidária, forma de governo”. Mas, principalmente, o
caminho mais sólido a se percorrer é a organização da sociedade para a construção
de uma verdadeira cidadania democrática, através da participação da população
na efetivação dos direitos adquiridos e na luta por outros direitos.

Portanto, o processo histórico de construção da cidadania pelo povo brasileiro,


encontra-se ainda em grande desafio. Os direitos conquistados devem servir
como estímulo para a luta de um Brasil justo, democrático e que concretamente
assegure a dignidade do ser humano. Assim, além de reformas e políticas públicas
necessárias ao “andar da carruagem”, a revolução no Brasil só será concreta
quando o povo conseguir uma organização que os coloque como os verdadeiros
gestores dos interesses coletivos.

Dentre as formas de participação e exercício da cidadania alguns espaços


são: os Conselhos paritários e de direitos; os sindicatos e associações de classe;
o cooperativismo e a Economia Solidária; os partidos políticos; os movimentos
sociais; os fóruns; as ONGs; dentre outros de menor ou maior expressão.

Contudo, é imatura a cidadania praticada no Brasil. Sair desta condição passiva


que simplesmente procura observar o que está imposto para uma participação
ativa em que se é sujeito e protagonista requer um movimento de educação
libertadora. Tal libertação passa por um amplo e profundo debate.

Considerando o exposto até o momento, com a atual configuração do sistema


capitalista que interfere cada vez mais no processo de construção da cidadania,
é necessário não sucumbir. Pelo contrário, precisamos, mesmo que “remando
contra a maré”, ter esperança, segundo entende Freire.

Paulo Freire conferiu um sentido novo à palavra


esperança, lição que a gente deve repetir
sempre. Ele dizia que era preciso ter esperança,
mas esperança do verbo esperançar, e não do
verbo esperar. Porque a esperança que vem de
esperar é pura espera, ao passo que quando
proveniente de esperançar significaria se unir e
ir atrás, não desistir (CORTELLA, 2009, p. 43).

46 Processo de construção da cidadania


U1

Enfim, a realidade de cidadania em nosso país ainda está muito aquém do


necessário, mas é importante sabermos também valorizar as conquistas realizadas
e continuar, resistindo e lutando, por patamares cada vez mais universais.

1. Por que a cidadania no Brasil apresenta uma sensação de


incompletude?

2. O que é questão social?

• A palavra é o fenômeno ideológico por excelência e os


conceitos cidadania e participação são permeados por
tensões e luta de classes.

• Cidadania é a capacidade conquistada por alguns indivíduos,


ou (no caso de uma democracia efetiva) por todos os
indivíduos, de se apropriarem dos bens socialmente criados,
de atualizarem todas as potencialidades de realização
humana abertas pela vida social em cada contexto
historicamente determinado (COUTINHO, 2005, p. 2).

• A participação é um processo. Participação não é só


presença, é um espaço concreto de interação, controle
da decisão e do poder. A ideia é a prática da participação
quando dirigentes e reivindicar a participação quando

Processo de construção da cidadania 47


U1

dirigidos, a fim de promover a cidadania plena.

• A construção da cidadania no Brasil é marcada por paternalismos


e coronelismos. As expressões da questão social no país são
avassaladoras e aprofundam cada vez mais a desigualdade social.
O contexto de ofensiva do capital se fortalece na medida em que
os processos de construção da cidadania estão sendo ludibriados
pela ideologia pós-moderna de vida privada.

• Para que possamos garantir e conquistar cada vez mais direitos


e um patamar de cidadania plausível, cabe investigarmos a
realidade das expressões da questão social e das políticas sociais
para podermos, com senso crítico e criativo, desvela-la em sua
essência.

• Papel importante que devemos ter sempre conosco é o do


controle social.

Agora que você pôde apreender de forma introdutória os


conceitos e contextos simbólicos e sociais que envolvem o
processo de conquista da cidadania na contemporaneidade,
conhecendo os embates acerca dos conceitos de cidadania e de
participação, verificando o processo de construção da cidadania
no Brasil e seu breve panorama atual, reflita de que forma você
pode contribuir com a construção de uma sociedade mais justa
e solidária.

48 Processo de construção da cidadania


U1

1. O que é cidadania?

2. Quais são os três níveis de direitos de cidadania definidos por


Marshall?

3. O que é participação passiva?

4. Quais são as características de uma participação poder?

5. Em qual legislação está garantida a cidadania no Brasil?

Processo de construção da cidadania 49


U1

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52 Processo de construção da cidadania


Unidade 2

A CIDADANIA NA SOCIEDADE
CAPITALISTA

Wilson Sanches

Objetivos de aprendizagem: A presente unidade tem por objetivo


discutir as características da cidadania dentro do modo de produção
capitalista. A cidadania moderna é uma característica do Estado Moderno
que surge conjuntamente com o modo de produção capitalista, alguns
autores pensaram como se desenvolveu a ideia de cidadania e quais são
suas características mais elementares, além disto, refletiremos sobre a
cidadania a partir de alguns autores clássicos da sociologia.

Seção 1 | A construção de uma cidadania da modernidade


Faz a discussão sobre a relação entre a noção de cidadania dos antigos
e como se construiu a moderna noção de cidadania.

Seção 2 | Liberdade, igualdade e fraternidade?


Discute se a noção moderna de cidadania chega a todos e quais são
as implicações sociais desta noção, demonstra como os clássicos da
sociologia pensam a questão da cidadania.

Seção 3 | A cidadania no século xx e xxi


É uma visão de como a cidadania é pensada no século XX e XXI e
verificando as possibilidades e desafios da cidadania para uma sociedade
cada vez mais plural e mais dividida entre diversos grupos de interesses.
U2

54 A cidadania na sociedade capitalista


U2

Introdução à unidade

A maior parte da população do ocidente se sente cidadã de uma determinada


nação, ser cidadão implica, necessariamente termos direitos que são garantidos
pelo Estado ao qual pertencemos, mas também a cidadania nos confere alguns
deveres que precisamos observar.

A ideia de cidadania começa na Grécia Antiga, o surgimento da democracia


em Atenas será a referência para pensarmos a questão da cidadania. Para
podermos discutir com maior propriedade as características da cidadania em
Atenas precisamos, em primeiro lugar, definir democracia. A palavra Democracia
é formada por duas palavras gregas, a palavra “demos” significava os “[...] diversos
distritos que constituíam as dez tribos em que a cidade de Atenas fora dividida
por ocasião das reformas de Clístenes” (ARANHA; MARTINS, 2003, p. 215), com
o tempo esta palavra passou a significar comumente “povo”. A outra palavra que
forma o termo democracia é o termo “kratia”, kratia é derivada de kratos que
significa poder, governo, autoridade. Portanto, o termo democracia significa o
governo do povo, ou mais especificamente o governo de todos os cidadãos.

Em Atenas, os cidadãos se reuniam nas ágoras (praças públicas) para debater,


deliberar e decidir os destinos da polis (as cidades-estados gregas). Para esta forma
de democracia damos o nome de democracia direta, mas temos que ter alguns
cuidados ao pensarmos como a cidade de Atenas desenvolveu esta democracia.
Uma das críticas mais comum à democracia grega está relacionada à ideia de
quem era considerado cidadão e, por ser cidadão, poderia participar dos debates.
Atenas experimenta uma expansão populacional fantástica para sua época,
chega a ter mais de meio milhão de habitantes, no entanto para que o cidadão
pudesse desenvolver sua atividade política era preciso se liberar do trabalho braçal,
por conta disto havia, em Atenas, um grande número de escravos, chega-se ao
número de trezentos mil escravos. Os escravos não eram cidadãos, portanto
não participavam das atividades políticas, também os estrangeiros não podiam
participar das atividades políticas, conta-se que Atenas possuía cerca de cinquenta
mil estrangeiros (metecos). As mulheres também eram impedidas de participar das
atividades políticas. Portanto, chega-se a ideia de que apenas 10% da população de
Atenas podia ser considerada cidadã e gozar de plenos direitos políticos. “Apesar
de suas contradições, o ideal democrático surge como novidade em termos de
proposta de poder que, daí em diante, irá orientar as aspirações humanas por
sociedades mais justas” (ARANHA; MARTINS, 2003, p. 221).

A cidadania na sociedade capitalista 55


U2

As democracias como forma de governo só foram inspirar as sociedades muito


tempo depois da Antiguidade Clãssica Grega, mesmo depois da queda do Império
Romano do Ocidente, desta inspiração surge uma nova maneira de pensar a
democracia e uma nova forma de cidadania. Nosso objetivo é apresentar como
se estruturou a cidadania dentro das sociedades capitalistas, quais são as suas
características atuais e quais são seus desafios.

56 A cidadania na sociedade capitalista


U2

Seção 1

A construção de uma cidadania da modernidade

A ideia de cidadania parece estar presente desde sempre no mundo. Muitas


vezes, no campo da política, fazemos alusões à democracia grega e à participação
dos cidadãos nas discussões sobre os destinos das cidades. Mas será que existe
alguma relação desta forma de cidadania com a que exercemos hoje? Esta questão
se torna importante para compreendermos a construção do conceito de cidadania,
e a importância que damos a esta conquista, mas há outra questão importante: a
conquista da cidadania implica na conquista de direitos ou na conquista do direito
para lutar pelos nossos direitos? Esta última questão parece marcar decisivamente a
diferença entre o que os antigos apontavam como cidadania e o que os modernos
acreditam ser cidadania.

Qual é a relação entre a ideia de cidadania que temos hoje e


a ideia que se fazia antigamente?

Um Pequeno Escorço Teórico

O fenômeno denominado cidadania nos modernos Estados-nações é um


evento único na história, por mais que a inspiração esteja na antiguidade clássica
Grega, não houve um desenvolvimento progressivo, segundo Guarinello (2010),
que partisse do mundo antigo e chegasse por sucessões e aprimoramentos nas
democracias modernas e, por consequência, na forma moderna de cidadania. Se
não há esta relação direta entre a cidadania hoje e a cidadania dos antigos, por que
estudar o desenvolvimento da cidadania a partir de sua origem? Guarinello (2010,
p. 29-31) nos auxilia apontando que,

A cidadania na sociedade capitalista 57


U2

Se há contribuição cabível ao historiador


da Antiguidade, é justamente aproximar
dois mundos diferentes, mantendo sempre
a consciência dessa distinção, e evidenciar
processos históricos que podem iluminar os
limites e as possibilidades da ação humana
no campo das relações entre indivíduos. O
mundo greco-romano permite-nos isso, com a
vantagem de descortinar um panorama histórico
de longa duração, com amplo painel de sucessos
e fracassos da ação humana sobre a sociedade.
Talvez nos auxilie a projetar um futuro desejável
para a cidadania contemporânea e nos sirva de
alerta para os possíveis percalços.

Na tentativa de fazer uma aproximação dos problemas relativos ao estudo da


cidadania, temos que pensar na relação entre o Estado e seus cidadãos, este será o
nosso fio condutor, para mostrar as formas de Estado que se sucedem, da mesma
forma que as formas de pensar a cidadania também vai se alterando.

Nas cidades-estados gregas

Os cidadãos eram considerados como o povo


(dêmos), exercendo o controle político, e
não se confundiam com a população. A pólis
era a koinonía politiké, de homens adultos,
de condição livre eleutheroí, com direito à
participação política, à propriedade da terra e a
defesa do território cívico, soldados (hoplitas).
Eles tinham os mesmos direitos e deveres,
as mesmas instituições, os mesmos cultos e
gerenciavam coletivamente o interesse do
grupo (politaí) e da população global. Os politaí,
eleutheroí eram aqueles que possuíam os
direitos políticos, elegendo ou sendo eleitos para
exercerem uma função pública, participando
ativamente no espaço político. Cada cidadão
(polités/eleutheroí), na sua atividade pública,
representava as mulheres de sua família, seus
filhos, seus escravos, os metecoí, os órfãos,

58 A cidadania na sociedade capitalista


U2

as viúvas e os velhos. Mulheres, crianças, velhos,


escravos e metecos não eram compreendidos como
um conjunto em si mesmo, distinto e exterior à
pólis. Eles eram bem heterogêneos e desigualmente
integrados, mas eles eram indissociáveis do sistema
políade. O direito de cidadania em Atenas advinha
do fato de ser homem, livre, nascido em Atenas,
ser filho de pai ou mãe ateniense, ser reconhecido
pela phatria de seu pai, inscrito nos registros cívicos
(dêmos) e cumprir com as obrigações militares.
Assim sendo, a pólisera o conjunto dos cidadãos
(politaí), que não se confundiam com a população
do território cívico (THEML, 1988, p. 38-39).

Em Atenas, portanto, vemos uma cidadania bem restrita e delimitada. A polis,


mais do que um território, era uma comunidade de cidadãos.

O livro “A república”, é um diálogo socrático escrito por Platão no


século IV a.C. Neste livro Platão demonstra como seria a cidade Bela e
Justa, o ideal a se viver e demonstra as melhores formas de governos
bem como as divisões necessárias para que a cidade pudesse subsistir,
demonstra a ideia grega sobre o que seria a democracia e quem era o
cidadão.

A diferença fundamental entre a cidadania Grega e a cidadania romana está na


origem da cidadania e do Estado. Para os gregos a polis que possibilita a cidadania,
para os romanos o que formava a cidade era o conjunto de cidadãos. Roma passa
por três fases distintas. A primeira fase é a da realeza (753 a.C. até 509 a.C.), nesta
fase há duas classes sociais distintas, os Patrícios que eram uma oligarquia de
proprietários rurais que mantinham o monopólio dos cargos públicos, e, portanto,
o monopólio das decisões políticas, e os Plebeus que eram homens livres,
camponeses, artesãos, comerciantes sem direitos políticos. O período da República
romana (509 a.C. até 27 a.C.) tem como principal órgão de poder o Senado, o
cargo de senador só podia ser exercido por patrícios e este cargo era vitalício.
Com a expansão militar e comercial os plebeus começam a enriquecer e criam

A cidadania na sociedade capitalista 59


U2

o tribunal da plebe, para julgamento entre eles, conquista o direito ao casamento


misto (patrícios e plebeus) e a formulação da lei das doze tábuas. A lei das doze
tábuas é uma vitória da plebe, pois estabelece leis objetivas que servem para todos
sem distinção de classe, assim os patrícios e os plebeus estão sujeitos aos mesmos
direitos e deveres, a lei das doze tábuas dá origem ao direito civil. As lutas e tenções
entre plebeus e patrícios é que possibilita o surgimento de uma cidadania para os
plebeus. O período do Império (27 a.C. até 476 d.C.) há uma mudança no sentido
da cidadania, ser cidadão romano não implicava necessariamente participar das
decisões do Estado. Havia esferas próprias do poder, como o imperador, o senado
e o exército, a cidadania garantiria alguns privilégios que aos poucos foram se
perdendo.

Durante os dois primeiros séculos do principado,


a concessão da cidadania romana alastrou-
se até alcançar todos, ou quase todos, os
habitantes do império. Foi, ao mesmo tempo,
uma conquista e uma perda. As prerrogativas do
cidadão romano desapareceram, na medida em
que todos se tornaram súditos do imperador.
O estatuto privilegiado de cidadão romano
foi perdendo importância e as diferenças de
riqueza por todo o império passaram a garantir
o acesso privilegiado à justiça (que deixava de
ser igualitária) e às benesses distribuídas pelo
Estado, ao mesmo tempo em que o fosso entre
os mais ricos e os mais pobres não cessava de
aumentar. (GUARINELLO, 2010, p. 44).

A idade média foi fortemente marcada pelo cristianismo. O fim do império


romano propiciou um movimento de ruralização, o meio urbano não era visto
como seguro e a grande força agregadora era a força religiosa. Uma nova
concepção de homem se impõe, a de que o homem é pecador em sua natureza,
então se estabelece um tipo de Estado que teria por função vigiar e intimidar para
que todos agissem de maneira correta. Na idade média a estratificação social se
dá por uma condição de nascimento, assim, apesar de todos os homens serem
livres, alguns, por condição de nascimento, tinham mais privilégios que os outros,
neste sentido também o sentimento religioso era importante, uma vez que a única
possibilidade de uma vida digna seria no pós-morte para quem ganhasse o céu,
assim, a preocupação central foi a de difundir a ideia de que os homens estão
apenas de passagem por esta terra e o importante era ser um cidadão celeste.

60 A cidadania na sociedade capitalista


U2

Como pensar na cidadania se os interesses estão voltados


para os céus?

A renascença faz um retorno estético, mas também político, à antiguidade


greco-romana. Na área da política destacam-se nomes como Jean Bodin e Nicolau
Maquiavel. Temas como soberania e república aparecem, a soberania pertence ao
povo mas deveria ser transferida toda para um governante a fim de que este pudesse
conduzir a política de uma forma adequada. A participação da população não era
discutida, apenas as formas de conquista e manutenção do poder. Se bem que em
Maquiavel existe uma justificativa segundo Sadek (2006, p.37, grifo do autor),

Maquiavel sugere que há basicamente duas


respostas à anarquia decorrente da natureza
humana e do confronto entre os grupos
sociais: o Principado e a República. A escolha
de uma ou de outra forma institucional não
depende de um mero ato de vontade ou de
considerações abstratas e idealistas sobre
o regime, mas da situação concreta. Assim,
quando a nação encontra-se ameaçada de
deterioração, quando a corrupção alastrou-
se, é necessário um governo forte, que crie
e coloque seus instrumentos de poder para
inibir a vitalidade das forças desagregadoras
e centrífugas. O príncipe não é um ditador; é,
mais propriamente, um fundador do Estado,
um agente da transição numa fase em que a
nação se acha ameaçada de decomposição.
Quando, ao contrário, a sociedade já encontrou
formas de equilíbrio, o poder político cumpriu
sua função regeneradora e "educadora", ela
está preparada para a República. Neste regime,
que por vezes o pensador florentino chama de
liberdade, o povo é virtuoso, as instituições são
estáveis e contemplam a dinâmica das relações
sociais. Os conflitos são fonte de vigor, sinal de
uma cidadania ativa, e portanto são desejáveis.

A cidadania na sociedade capitalista 61


U2

A interpretação de Maria Tereza Sadek apresenta um Maquiavel republicano


entendendo que os conflitos dentro de uma sociedade sejam desejáveis desde que a
população seja educada para isto, assim os conflitos seriam sinais de uma cidadania
madura, o príncipe seria um momento necessário para que a República pudesse passar
a existir e uma nação de cidadãos plenos em direitos e deveres se estabelecesse.

O século XVII marca a era do grande racionalismo e a tendência do pensamento


a se secularizar, é neste contexto que começam algumas preocupações em explicar
a origem do Estado sem recorrer à intervenção divina, ou qualquer outro tipo de
pensamento religioso. Partindo destes pressupostos, o pensamento político do século
XVII e XVIII será marcado por uma explicação sobre a origem do Estado por meio
do contrato social. Aqui é preciso ter claro que a ideia de origem não se refere à
cronologia, não há uma preocupação em delimitar quando o Estado foi criado, mas a
ideia de origem está relacionada à razão de ser do próprio Estado. O que se procura é
“legitimidade da ordem social e política, a base legal do Estado” (ARANHA; MARTINS,
2003, p. 238). A corrente teórica que tratará desta legitimidade política por meio do
contrato social chama-se contratualismo.

Bobbio (1993) afirma que correntes teóricas muito diversas entre si podem ser
identificadas com o contratualismo, e, por esta razão a definição do termo é bastante
complexa. No entanto, este mesmo autor define este termo da seguinte maneira:

O Contratualismo compreende todas aquelas


teorias políticas que veem a origem da sociedade
e o fundamento do poder político (chamado,
quando em quando, potestas imperium, Governo,
soberania, Estado) num contrato, isto é, num
acordo tácito ou expresso entre a maioria dos
indivíduos, acordo que assinalaria o fim do estado
natural e o início do estado social e político. Num
sentido mais restrito, por tal termo se entende
uma escola que floresceu na Europa entre o
começo do século XVII e os fins do século XVIII
e teve seus máximos expoentes em J. Althusius
(1557-1638), T. Hobbes (1588 – 1679), B. Spinoza
(1632 – 1677), S. Putendorf (1632 – 1694), J. Locke
(1632 – 1704), J.-J. Rousseau (1712 – 1778), I. Kant
(1724 – 1804). Por escola entendemos aqui não
uma comum orientação política, mas o comum
uso de uma mesma sintaxe ou de uma mesma
estrutura conceitual para racionalizar a força e
alicerçar o poder do consenso (BOBBIO, 1993, p.
272, grifo nosso).

62 A cidadania na sociedade capitalista


U2

Podemos destacar aqui duas coisas importantes, a primeira que apesar do


contratualismo, num sentido estrito, estar delimitado ao século XVII e XVIII ele
ainda tem grande influência sobre o pensamento político moderno, segundo que
a fórmula básica do contratualismo é a passagem do estado de natureza ao estado
social, ou político. O problema desta última afirmação é que não há um consenso
entre os contratualistas sobre quais seriam as condições dos homens neste estado
de natureza e quais seriam as causas para que se deixasse o estado de natureza e
se passasse a um estado social ou político.

Thomas Hobbes, um dos contratualistas, parte do princípio de que o estado


de natureza é o estado de terror, da guerra de todos contra todos e de cada um
contra cada um, a plena liberdade não impediria o homem de fazer qualquer coisa
para que ele conseguisse o que queria, e também a plena liberdade faria com que
os homens fizessem tudo o que eles pudessem para se proteger e proteger as suas
posses. Assim, os homens decidem abrir mão de suas liberdades, e por meio de
um contrato social, transferem toda a sua liberdade a um soberano. Este soberano
tem por função trazer a paz aos homens que assinaram o contrato regulando suas
atividades e exercendo a violência, quando necessário, para que todos respeitem
o contrato. Desta forma a ideia da cidadania passaria pela ideia dos limites de
atuação do sujeito político. O dito popular “minha liberdade vai até onde começa
a liberdade do outro” indica uma cidadania baseada no dever, o dever para com
o que está contido no contrato social, mas também, de alguma forma, indica que
este dever se dá em troca de alguns direitos, basicamente, no caso de Hobbes, o
direito à paz e à vida e à propriedade privada. Em uma fórmula geral, começa-se a
pensar em um indivíduo dotado de direitos, garantidos pelo Estado, e deveres, que
é a parte que cabe ao indivíduo no contrato social, enfim falamos de um cidadão
já em uma concepção mais próxima da concepção moderna.

Para saber mais sobre o pensamento de Thomas Hobbes leiam o livro


“O leviatã”. Publicado em 1588, contém as razões, segundo Hobbes,
pelas quais os homens devem se submeter a um governo.

A cidadania na sociedade capitalista 63


U2

Este pano de fundo contratualista é fundamental para pensarmos o Estado


Absolutista. As alianças entre a burguesia comercial e os reis, fortalecendo os
poderes destes últimos que estavam desacreditados neste período da história, aos
poucos surgiu uma estrutura estatal que centralizou a justiça tendo por base o
Direito Romano para o desenvolvimento de um novo sistema jurídico, centralizou
as forças armadas formando um exército permanente, centralizou a administração
por meio de um aparato burocrático organizado de maneira hierárquica. Criou-se
um sistema de cobrança de impostos cuja arrecadação era capaz de manter este
aparato burocrático-jurídico-militar de maneira centralizada. O Estado moderno,
que dava seus primeiros passos, torna-se um elemento fundamental para o
desenvolvimento da indústria e do comércio interno e externo.

Segundo Quintaneiro et al. (2002, p. 10),

A dinâmica do desenvolvimento capitalista e


as novas forças sociais por ele engendradas
provocaram o enfraquecimento, mais ou menos
rápido, dos estamentos tradicionais – aristocracia
e campesinato – e das instituições feudais:
servidão, propriedade comunal, organizações
corporativas artesanais e comerciais. A partir
da segunda metade do século XVIII, com a
primeira revolução industrial e o nascimento do
proletariado, cresceram as pressões por uma
maior participação política, e a urbanização
intensificou-se, recriando uma paisagem social
muito distinta da que existia antes.

A Revolução Industrial criou o proletariado urbano e implicou o fortalecimento


da classe burguesa. A burguesia torna-se extremamente influente na criação das
condições de seu próprio fortalecimento e expansão. A Revolução Francesa é a
melhor expressão da influência da classe burguesa.

64 A cidadania na sociedade capitalista


U2

A Revolução Francesa é o fenômeno histórico


que reflete com mais perfeição as aspirações
e exigências da nova classe burguesa em
consolidação. De fato, a Revolução Francesa e a
Revolução Industrial, que ocorre paralelamente
na Inglaterra, constituem as duas faces de um
mesmo processo – a consolidação do regime
capitalista moderno (CASTRO; DIAS, 1975, p. 14).

A Revolução Francesa representa a luta política da classe burguesa que, de


certa forma, ventila novas propostas políticas para uma Europa marcada pela
decadência econômica da nobreza que mantinha o poder político.

O século XVIII é o século das grandes revoluções burguesas, apontamos uma


revolução que atinge diretamente a produção, que é a Revolução Industrial, e uma
revolução política, a Revolução Francesa. Aqui começa de fato um questionamento
sobre a cidadania sob a égide do capitalismo. Percebam que o capitalismo é um
modo de produção e não um sistema político, mas o cruzamento entre o político
e o econômico são fundamentais para a compreensão da questão da cidadania.
Algumas questões são importantes como elementos norteadores de nossos
estudos: Como o lema “Liberdade, Igualdade e Fraternidade” se desenvolveu nas
sociedades capitalistas? Quais as críticas que o modo de produção capitalista
recebeu em âmbito político? Numa sociedade extremamente diversificada e
urbana, como estabelecer uma cidadania que não seja apenas formal?

A cidadania na sociedade capitalista 65


U2

1. Pensar sobre a cidadania é pensar na relação entre o Estado e


seus cidadãos. Avalie as afirmativas abaixo e assinale aquela que
demonstra a relação correta entre o Estado e os cidadãos.
a. A cidadania grega surgia do reconhecimento da phatria que
garantiria direitos a todos os homens e mulheres nascidos na
cidade-estado.
b. O direito de cidadania em Atenas advinha do fato de ser homem,
livre, nascido em Atenas, ser filho de pai ou mãe ateniense, ser
reconhecido pela phatria de seu pai, inscrito nos registros cívicos
(dêmos) e cumprir com as obrigações militares.
c. No período do Império Romano (27 a.C. até 476 d.C.) há uma
mudança no sentido da cidadania, ser cidadão romano significa
necessariamente participar das decisões do Estado.
d. Na idade média a estratificação social se dá por uma condição de
nascimento, assim, apesar de possuírem status diferentes todos os
homens são livres e possuem os mesmo direitos.
e. O absolutismo representa um período em que se enfraquece
o poder do rei e aumenta o poder do povo, assim a cidadania
moderna já está bem estruturada neste período.

2. Em Thomas Hobbes temos a construção de uma explicação


teórica do estado, para este autor o homem vivia plenamente livre,
em um estado de natureza, nesta condição não havia leis que o
impedisse de fazer o que ele quisesse, este estado de natureza era
também considerado estado de terror da luta de todos contra todos
e de cada um contra cada um, para superar o estado de natureza
os homens formalizaram um contrato social em que perderam suas
liberdades, mas tiveram garantidas suas vidas e sua paz.
Assinale a alternativa que melhor traduz o homem no estado de
natureza hobbesiano.
a. O homem é o lobo do homem.
b. O homem é bom, a sociedade o corrompe.
c. O homem tende a felicidade e ao sumo bem.
d. O homem está em harmonia com o cosmo.
e. O homem é um cidadão celeste.

66 A cidadania na sociedade capitalista


U2

Seção 2

Liberdade, igualdade e fraternidade?

O pós-Segunda Guerra Mundial foi marcado pela Guerra Fria, a Guerra Fria é
uma expressão utilizada para caracterizar um tipo de conflito que se dá no plano
ideológico. A Guerra Fria dividiu (ideologicamente) o mundo em dois blocos: o
bloco comunista conduzido pela União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS)
e o bloco capitalista conduzido pelos Estados Unidos da América que ascendeu
no pós-Guerra como a principal potência mundial. Esta bipolarização do mundo
perdurou até o final da década de 1980 e o marco do fim desta divisão é a queda
do muro de Berlim.

O Filme “Adeus Lenin” é uma produção alemã de 2003 e retrata a vida


de um jovem que tem que criar um museu socialista para que sua mãe,
que teve um ataque cardíaco às vésperas da queda do muro de Berlim,
não tenha um choque ao perceber que o regime que ela apoiava não
estava mais em prática em seu país.

Os dois blocos tentavam legitimar suas visões de mundo, o bloco comunista


veiculava a ideia de igualdade como seu principal valor e o bloco capitalista defendia
enfaticamente a Liberdade. De fato, a defesa da liberdade está na constituição do
próprio Estados Unidos da América como país autônomo. Esta ideia de Liberdade
é muito importante para compreendermos a cidadania nas sociedades capitalistas.

Segundo Karnal (2010, p. 135) “A independência dos Estados Unidos da América


e suas implicações trouxeram para a história uma nova concepção política e

A cidadania na sociedade capitalista 67


U2

promoveram transformações importantes nos conceitos de cidadania e liberdade”.

A colônia inglesa que surgiu como sendo a Nova Inglaterra, em 1776 luta contra
seus colonizadores e constrói um ideário de liberdade sob o nome de Estados
Unidos da América.

Os EUA, o único país que nascia sem nome e


tomava o nome do equívoco francês [o nome
América foi dado em 1507 por um impressor
de mapas de Lorena que lera as cartas de
Américo Vespúcio] acrescido do toque federal:
Estados Unidos da América. Só a construção
de um determinado conceito de liberdade
poderia unir fazendeiros escravocratas da
Virginia, comerciantes e manufatureiros da
Nova Inglaterra, puritanos de Boston, católicos
de Maryland, quacres (sic) da Pensilvânia,
moradores das cidades como Nova York
e muitos alemães das colônias centrais. A
liberdade passou a ser constituída como fator
de integração nacional e de invenção do Estado
novo (KARNAL, 2010, p. 139-140).

A independência norte-americana, influenciada pelo contratualista inglês John


Locke, afirma, em sua declaração, que todos os homens “[...] foram criados iguais
e dotados pelo Criador de direitos inalienáveis, como a vida, liberdade e busca
pela felicidade” (KARNAL, 2010, p. 140). A liberdade individual é a pedra de toque
do Estado norte-americano, tanto é que diante de uma série de desconfianças
internas sobre a constituição de um governo federal, foram adicionadas, em 1791,
dez emendas constitucionais à constituição de 1787. As emendas garantem a
liberdade e expressão, o porte de arma ao cidadão comum, julgamento aberto e
com júri, as penas cruéis foram proibidas. As emendas consagram a “proeminência
do indivíduo sobre o Estado”.

A cidadania surgida nos EUA, foi uma cidadania liberal, esta cidadania obtida
nos primeiros anos após a independência estava em pleno acordo com o grupo de
pessoas que estiveram à frente do processo de independência. Portanto, o grupo
que dirigiu o processo de independência, segundo Karnal (2010), foi o grande
beneficiado por esta cidadania. Outros grupos como os indígenas, os negros (que

68 A cidadania na sociedade capitalista


U2

continuarão escravos após o processo de independência) e as mulheres quando


não apresentou uma sensível piora na sua forma de vida, não representou um
avanço no sentido de uma cidadania plena. Estas questões só foram debatidas nos
séculos que se seguiram com a guerra civil norte americana e com os debates
sobre o sufrágio universal em pleno século XX.

A análise do movimento de independência traz


a tona dois fatos aparentemente contraditórios.
Por um lado é evidente que o movimento
favoreceu mais ao grupo chamado pela gíria
de wasp (abreviatura de branco, anglo-saxão
e protestante). A independência trouxe aos
fazendeiros e comerciantes o controle político
do país, sem alterações expressivas do status
quo. Por outro lado, os princípios de liberdade
expressos na Declaração e na Constituição
passaram a ser invocados exatamente pelos
que não se sentiram beneficiados na prática.
Assim, não deveria ser desprezado o caráter
revolucionário da expressão “todos os homens
foram criados iguais”, pois foi em busca
do aspecto concreto desse princípio que
os movimentos de ampliação da cidadania
passaram a ocorrer (KARNAL, 2010, p. 144-145,
grifo do autor).

Os princípios trazidos pela independência norte americana foram evocados por


diversos países para alcançar também sua independência e se livrarem das tiranias
das monarquias europeias, o pressuposto da liberdade para todos era o ideal da
sociedade capitalista nascente. Todos são livres e iguais perante as leis, sim todos
são livres, mas as condições de nascimento, por vezes impedia que a igualdade
jurídica se transformasse em igualdade de fato. Ao longo dos anos a Declaração
de Independência, a Constituição e as dez emendas que foram acrescidas à
constituição constituíram-se o elemento fundamental para a construção de uma
cidadania mais plena, com direitos que pudessem ser considerados iguais para
toda a população norte americana.

Karnal (2010) chama a atenção para outra característica associada à democracia


e à cidadania norte americana, a ideia de que seus valores são universais e assim
se constituiria um dever cívico espalhar pelo planeta as virtudes de tais conquistas.

A cidadania na sociedade capitalista 69


U2

Como é comum ocorrer em leituras


universalizantes, mesmo as bem intencionadas
(e, talvez, principalmente estas), esta visão
de mundo tende a reduzir o outro a relações
autoritárias à medida que só pode existir o eu e
o antieu. A associação do conceito de liberdade
individual, defendida com tenacidade por muitos
norte-americanos, acaba sendo uma chave
de compreensão do universo que não pode
comportar alteridade (KARNAL, 2010, p. 151).

Desta forma podemos compreender, por exemplo, a invasão norte américa ao


Iraque sob o pretexto de implantar um sistema político mais justo em que todos
pudessem ter direitos, ou seja, implantar o sistema democrático liberal presente
nos Estados Unidos da América.

A crença dos norte-americanos de que o sistema implantado em seu país é o


melhor possível foi construída por uma série de monumentos, que ressaltam os
atos heroicos dos pais fundadores de sua nação e de seus presidentes e em seus
símbolos nacionais. Se a democracia falha, não é a democracia que falhou foram
as pessoas que falharam, assim o erro recai sobre a capacidade do sujeito de se
adaptar, ou não, à democracia, e a democracia é o princípio da cidadania.

O problema nunca está no sistema em si, mas na


incapacidade de alguns de se adaptarem a ele.
As falhas não são da estruturação canônica da
Constituição, mas da exegese ou do mau uso da
própria liberdade concedida por ela. Não está
aqui uma denúncia do chamado “imperialismo”
norte-americano, mas uma característica
básica da visão média dos EUA: a fusão entre o
significado e o significante, reforçado pelo fato
de os alunos dos EUA estudarem nas escolas
apenas a sua História. Assim constrói-se um
cidadão que se orgulha do seu país, não apenas
porque seu país é forte, rico e poderoso, mas
porque é o único universo de significação que
ele realmente vê (KARNAL, 2010, p. 153, grifo do
autor).

70 A cidadania na sociedade capitalista


U2

O modelo de liberdade individual surgido nos EUA foi norteador dos modelos
de democracia e cidadania no ocidente por conta dos valores que eles propagaram
por todo o mundo, este modelo aparece como ideal porque permite que o
indivíduo, dentro do âmbito da lei, possa se desenvolver e qualquer problema que
há, como por exemplo para os que não têm acesso ao sistema de saúde porque
não conseguem uma remuneração adequada, o problema não é do modelo de
democracia e de cidadania, o problema também é individualizado, o problema é do
indivíduo. Mas mesmo assim, a partir do pressuposto do modelo norte-americano
os indivíduos podem se associar para pedirem por mais direitos, aqui se constitui
uma ideia fundamental da cidadania moderna: a cidadania é uma construção diária
e nunca uma forma acabada e dada.

Um filme muito interessante sobre o empate entre liberdade e igualdade


é SICKO do diretor Michael Moore. Entre outras coisas ele aborda a
questão da seguridade social e de saúde nos Estados Unidos da América.

O modelo liberal de democracia apresentado pelos EUA foi importante na


constituição dos direitos civis, ou seja, no século XVIII a grande questão era garantir
a liberdade religiosa e de pensamento, o direito à liberdade, o direito de ir e vir,
o direito à propriedade, liberdade contratual e de escolher o trabalho, e a justiça
devia garantir todos estes direitos.

A corrente sociológica que nos ajuda a compreender esta ideia da construção


da cidadania e a necessidade de que todos partilhem do mesmo princípio é o
positivismo. O positivismo tem em Augusto Comte seu precursor, mas é Emile
Durkheim que atuará no sentido de transformar a sociologia em uma disciplina
independente das demais ciências sociais.

A cidadania na sociedade capitalista 71


U2

1.1 A INTERPRETAÇÃO DURKHEIMINIANA SOBRE DEMOCRACIA

É possível que uma sociedade baseada na diferença seja


harmônica?

Durkheim publicou As regras do Método Sociológico pela primeira vez em


1895. Sua preocupação em fazer da Sociologia uma ciência pode ser percebida
pelo primeiro parágrafo do prefácio da primeira edição do livro supracitado:

O tratamento científico dos fatos sociais é


tão pouco habitual que algumas proposições
contidas neste livro correm o risco de
surpreender o leitor. Todavia, se existe uma
ciência das sociedades, é de se esperar que ela
não se limite a ser paráfrase de preconceitos
tradicionais, e, sim, que mostre as coisas de
maneira diferente da encarada pelo vulgo pois
o objetivo de toda ciência é descobrir, e toda
descoberta desconcerta mais ou menos as
opiniões formadas. É preciso que o sociólogo
tome resolutamente o partido de não se intimidar
com os resultados alcançados pelas pesquisas,
quando metodicamente conduzidas, a menos
que, em sociologia, se conceda ao senso comum
uma autoridade que há muito tempo não goza
nas outras ciências e que aliás não vemos de
onde lhe poderia provir (DURKHEIM, 2002, p. xi).

72 A cidadania na sociedade capitalista


U2

O positivismo foi a corrente de pensamento que mais influenciou Durkheim


(2002), mas este autor também foi fortemente influenciado pelo organicismo de
Spencer. Durkheim é considerado o autor com quem a sociologia começa a ser
realmente científica.

Durkheim (2002) percebe que a moderna sociedade capitalista possui


qualidades diferentes das antigas sociedades feudais. Para este autor o que marca
a sociedade capitalista é sua complexidade e individualidade. A complexidade e
individualidade surgem do aumento da densidade populacional, o aumento da
densidade populacional conduz ao aumento da densidade moral, em outras
palavras, Durkheim aponta que o surgimento do capitalismo deu origem ao
fenômeno urbano, as cidades passaram a ser locus da produção e dos ganhos
para a manutenção da casa e da família, assim as pessoas deixam a área rural
onde suas famílias viveram por gerações e se dirigem para as cidades. As cidades
começam a abrigar um número enorme de pessoas, pessoas estas que possuem
diferentes crenças, diferentes valores morais e sociais, pessoas que se quer
querem se relacionar com as outras, como as sociedades capitalistas podem
permanecer unidas face à diminuição do poder da consciência coletiva e o
aumento da individualidade? Para Durkheim a base da coesão social e da cidadania
nas sociedades capitalistas está na solidariedade orgânica. A solidariedade orgânica
é baseada na diferenciação, e a esfera própria em que ocorre a interdependência
é a divisão social do trabalho. A sociedade se apresenta como um organismo
estruturado e os indivíduos devem desempenhar diferentes atividades para que
este organismo continue funcionando, cada um deve ser consciente do papel que
ele deve desenvolver, assim a prática social do indivíduo irá promover uma maior
integração social. Imaginem, por exemplo, que em uma sociedade precisamos
que os políticos desenvolvam suas atividades de maneira adequada, precisamos
que o médico, o mecânico, o motorista de ônibus, enfim todas as profissões que
existem em um sociedade, precisamos que todos estes profissionais desenvolvam
suas atividades de maneira correta, este desenvolvimento correto que possibilita a
existência de uma sociedade, esta solidariedade são relações de interdependência.
Quando os indivíduos participam da solidariedade social e seguem as leis e a moral
vigente em uma sociedade, o indivíduo desenvolve plenamente a sua cidadania, e
a própria sociedade pode se desenvolver de uma maneira mais harmônica.

1.2 INTERPRETAÇÃO WEBERIANA SOBRE A CIDADANIA

Weber irá empreender seus estudos sobre a sociedade partindo do pressuposto


que a sociedade não está acima dos indivíduos, a sociedade, segundo Weber,
nem mesmo está fora dos indivíduos. A sociedade surge das ações sociais
reciprocamente referidas. O que isto quer dizer?

A cidadania na sociedade capitalista 73


U2

A ação para Weber é toda conduta dotada de um significado subjetivo, isto é,


o sujeito que realiza a ação é que dá sentido a ação, quando esta ação é tomada
levando em conta a ação de outro, ou outros, esta ação se torna uma ação social.
A sociedade só pode ser compreendida na medida em que a ação social se
manifesta.

Além da categoria ação social, Weber constrói outro tipo de categoria para
compreender a política, a categoria criada por Weber é a categoria poder. Para
Weber, o centro da atividade política é a luta pela participação no poder ou na
busca por influenciar a repartição do poder. A definição de poder para Weber é a
possibilidade de um indivíduo, um grupo maior ou menor de indivíduos, imporem
sua própria vontade, contra a vontade dos outros.

O poder, para ser exercido por bastante tempo, precisa encontrar obediência
dentro de um grupo, mas não só obediência, é preciso encontrar um tipo de
obediência que não seja necessário impor a força e a violência a todo momento
para que as pessoas obedeçam. Portanto, a probabilidade de encontrar obediência
dentro de um grupo Weber chamou de dominação. A Dominação com capacidade
de longa duração e sem precisar do uso contínuo da força e da violência, foi
chamada de dominação legítima.

Weber apontou que há três tipos puros de dominação legítima: 1ª) Dominação
Tradicional, que é baseada em costumes que já estão enraizados em cada um de
nós; 2ª) Dominação Carismática – baseada nas qualidades extraordinárias do líder;
3ª) Dominação Racional/Legal, baseada na crença de que a melhor coisa que se
pode fazer é obedecer as leis, não porque as leis vieram de alguma força divina, ou
algo do tipo, mas porque há um entendimento racional de que as leis são formas
melhores para se viver em sociedade.

Para Weber, os Estados modernos tendem a ser cada vez mais burocráticos
e utilizar a dominação racional/legal para exercer seu poder dentro de um
determinado território, é claro que como o Estado tem que fazer com que suas leis
sejam cumpridas por todos aqueles que moram dentro de seu território, os Estados
modernos possuem o monopólio da violência legítima. Os Estados modernos
podem usar, por vezes, de violência, por meio de seus representantes legais, como
a força policial e o exército, para fazer com que suas leis sejam obedecidas, no
entanto ele não precisa usar de violência com a maior parte da sua população, pois
a maioria da população aceita as leis e creem racionalmente que estas leis são boas
para a manutenção da vida em sociedade. Então, por exemplo, a lei de trânsito
atua no sentido de organizar o trânsito, a maioria das pessoas obedecem estas
leis, não por terem medo de serem multadas ou terem seus carros apreendidos,
mas obedecem porque sabem que se não houvesse leis que regulamentassem o
trânsito ele se tornaria um caos.

74 A cidadania na sociedade capitalista


U2

Para Weber, os Estados modernos tendem a ficarem cada vez mais burocráticos,
assim qualquer tipo de cidadania nestes estados estariam vinculadas exclusivamente
às leis que possibilitassem tal cidadania. A cidadania se torna uma condição jurídica
e as lutas por igualdades, ou mesmo condições melhores, devem ser lutas para
alterar as leis de um país. Weber também aponta que o processo de burocratização
tende a impedir qualquer tipo de mudança. A ideia de que, no mundo moderno,
vivemos em uma gaiola de aço.

1.3 Crítica ao Estado Burguês e ao modelo Burguês de cidadania

É possível falar de cidadania plena em uma sociedade


marcada pela desigualdade?

Em meados do século XIX um alemão empreendeu diversos esforços para


se afastar do idealismo em que a filosofia alemã havia mergulhado e tentar
compreender os homens reais, homens de carne e ossos, que são movidos por
suas necessidades materiais e estão dentro de um contexto histórico. Karl Marx
(1818 – 1883) tentou explicar como os homens produzem sua existência social por
meio do trabalho, além disto, pintou um quadro bastante completo de como se
dá a emergência da burguesia e o surgimento do proletariado urbano, como, ao
mesmo tempo, surgia o capitalismo industrial e as nações e os Estado modernos
se consolidavam.

Para conhecer melhor o pensamento de Karl Marx, sugerimos o livro: O


que é Marxismo, de autoria de José Paulo Netto. Este livro foi publicado
pela editora Brasiliense e faz parte da coleção primeiros passos.

A cidadania na sociedade capitalista 75


U2

O surgimento do Estado moderno não está desvinculado das bases materiais,


em Marx, não há sentido estudar a política como se fosse algo desconectado dos
outros elementos da vida material, pois não é a política que diz como as coisas
são, é como as coisas são que diz como a política é. Vamos permitir que o próprio
Marx se explique:

O resultado geral ao qual cheguei, e que, uma


vez adquirido serviu de fio condutor aos meus
estudos, pode ser formulado brevemente
assim: na produção social de sua existência,
os homens entram em relações determinadas,
necessárias e independentes de suas vontades,
relação de produção que corresponde a um
grau de desenvolvimento determinado de suas
forças produtivas materiais. O conjunto dessas
relações de produção constitui a estrutura
econômica da sociedade, a base concreta sobre
a qual se ergue uma superestrutura jurídica e
política e à qual correspondem as formas de
consciências sociais determinadas. O modo
de produção da vida material condiciona o
processo de vida social, política e intelectual
em geral. Não é a consciência do homem
que determina o seu ser; é inversamente seu
ser social que determina a sua consciência
(MARX,1978, p. 4).

Portanto, em Marx, a sociedade precisa de um conjunto de forças produtivas e


relações sociais que são a base da sociedade, e é a partir desta base que se ergue
as instituições sociais e políticas, ou seja, é necessário uma infraestrutura (base
econômica em seu sentido mais amplo) para que exista uma superestrutura, as
relações de produção são a infraestrutura enquanto a política pertence à esfera da
superestrutura.

Se a política pertence à esfera da superestrutura, e esta por sua vez é erguida


sobre uma base material, as relações de produção reais, como é a política na
sociedade capitalista? Para compreender o pensamento de Marx sobre o Estado

76 A cidadania na sociedade capitalista


U2

moderno e a política é preciso entender sua visão sobre a história, e mais


especificamente como se deu a constituição da sociedade capitalista. Para Marx
(2003) a história da sociedade é uma sucessão de lutas de classes em que a classe
dominada se levanta contra a classe dominante. Esse levante revoluciona todo o
modo de produção, e por conseguinte, todas as relações sociais que emanam
das relações de produção. A burguesia, durante o período feudal, era a classe
dominada. Como classe dominada ela desempenhou seu papel revolucionário,
ou seja, se levantou contra a classe dominante e, ao revolucionar o modo de
produção, revolucionou todas as forças sociais, sobretudo a política.

Cada etapa no desenvolvimento da burguesia


acompanha-se de um progresso político
correspondente. Classe oprimida pela nobreza
feudal, associação armada administrando-se
a si própria na comuna; aqui república urbana
independente (como na Itália e na Alemanha), ali
terceiro Estado, tributário da monarquia (como
na França); depois, no período manufatureiro,
servindo a monarquia semifeudal ou absoluta
como contrapeso da nobreza, de fato pedra
angular das grandes monarquias em geral — a
burguesia, desde o estabelecimento da indústria
moderna e do mercado mundial, conquistou
finalmente a soberania política no Estado
representativo moderno. O Governo do Estado
moderno é apenas um comitê para gerir os
negócios comuns de toda a burguesia (MARX;
ENGELS, 2003, p. 28, grifo nosso).

A burguesia conseguiu moldar o mundo à “sua imagem e semelhança”. O


Estado moderno, assim como toda a política serve exclusivamente para gerir os
negócios da burguesia e atender aos seus interesses, ou seja, tornar o caminho
livre para que o capital possa se valorizar cada vez mais. O Estado dentro do
modo de produção capitalista é uma entidade de classe, da classe dominante. A
política aparece, neste sentido, como “[...] o poder organizado de uma classe para
oprimir outra” (BOBBIO, 1993, p. 741). Assim, a classe trabalhadora ficaria destituída
de sua cidadania, pois as conquistas das sociedades capitalistas são conquistas

A cidadania na sociedade capitalista 77


U2

que beneficiam exclusivamente a classe dominante. Há uma impossibilidade de


cidadania plena dentro do modelo capitalista, segundo o pensamento de Marx,
alguns ganhos para a classe trabalhadora acontecem apenas para manter a
dominação de uma classe sobre a outra.

No entanto, não foi só as condições para seu enriquecimento e dominação que


a burguesia criou, ela também criou o proletariado urbano, este proletariado que
será a classe dominada que deverá, ao seu tempo, cumprir seu papel revolucionário.
Vejam o que Marx e Engels falam no Manifesto do Partido Comunista (2003, p. 37):

A condição essencial para a existência e o


domínio da classe burguesa é a formação e o
crescimento do capital; a condição de existência
do capital é o trabalho assalariado. Este baseia-
se exclusivamente na concorrência entre os
trabalhadores. O progresso da indústria, cujo
agente involuntário é a própria burguesia,
substitui o isolamento dos operários, resultante
de sua associação. O desenvolvimento da
indústria moderna, portanto, abala a própria
base sobre a qual a burguesia assentou seu
regime de produção e de apropriação. O que
a burguesia produz principalmente são seus
próprios coveiros. Sua queda e a vitória do
proletariado são igualmente inevitáveis.

Ao cumprir seu papel revolucionário, o proletariado terá que se valer dessa


política para conseguir chegar a uma sociedade sem classes. No pensamento de
Marx, segundo Bobbio (1993), a luta de classe conduz à ditadura do proletariado
e, esta ditadura é apenas uma passagem para o fim da sociedade dividida em
classes. Apenas o processo revolucionário que conduz a sociedade capitalista a
uma sociedade sem classe pode de fato dar cidadania, no sentido de liberdade,
mas, sobretudo de igualdade aos homens. A ditadura do proletariado poderia ser
o caminho para uma sociedade sem classe, e por isto uma sociedade mais justa.

Qual é a diferença entre a ditadura do proletariado e da ditadura de outras


classes? Bobbio (1993, p. 743) nos ajuda a responder esta questão:

78 A cidadania na sociedade capitalista


U2

Todos os Estados que existiram foram ditaduras


de uma classe. A essa regra não faz exceção o
Estado em que o proletariado se torna classe
dominante, mas diferentemente da ditadura de
outras classes, que foram sempre ditadura de
uma minoria de opressores sobre uma maioria
de oprimidos, a ditadura do proletariado, sendo
a ditadura de uma enorme maioria de oprimidos
sobre uma minoria de opressores destinada
a desaparecer, é ainda uma forma de Estado,
mas tal que, tendo objetivo a eliminação do
antagonismo das classes, tende à gradual
extinção daquele instrumento de domínio de
classe que é o próprio Estado. [...] Estado em
que a classe dominante é o proletariado não é,
então, um Estado como os demais, porque está
destinado a ser o último Estado: é um Estado de
transição para a sociedade sem Estado. É um
Estado diferente de todos os demais, porque
não se limita a apoderar-se do Estado existente,
mas cria um novo Estado, tão novo que põe as
condições para o fim de todos os Estados. O
Estado de transição, enfim, se caracteriza por
dois elementos diferentes que não podem ser
confundidos: ele, apesar de destruir o Estado
burguês anterior, não destrói o Estado como tal;
todavia, construindo um Estado novo, já lança as
bases da sociedade sem Estado.

Neste texto, Bobbio (1993) apresenta um movimento complexo da teoria


marxista. O Estado não pode ser superado, ele deve desaparecer. Porém o que
deve desaparecer não é o Estado como tal, mas o Estado burguês. No entanto,
com a destruição do Estado burguês o Estado como tal entrará em extinção. A ideia
de cidadania moderna está ligada a um determinado tipo de Estado. A democracia
Liberal, fruto do Estado Burguês não é capaz de criar condições de igualdade nos
direitos civis, político e sociais.

Ainda hoje há uma série de influências da obra de Marx sobre a política. É evidente
que maior questão que se levanta sobre seus escritos é sobre a possibilidade de
haver, ou não, uma revolução. Quais são as reais possibilidades de uma revolução
do proletariado nos dias de hoje? Quem é o proletariado nos dias de hoje? Uma

A cidadania na sociedade capitalista 79


U2

crítica de vários marxistas da atualidade é de que as expressões que remetem à


ideia de classe aos poucos foram desaparecendo de nossa sociedade, ao invés de
se falar de classe fala-se de sociedade civil, este nome que não ajuda a entender o
caráter revolucionário da ideia de classe. A sociedade moderna é uma sociedade
dividida em classe, a política atual é marcadamente fruto da infraestrutura material,
e para a revolução acontecer é preciso lembrar da última frase do Manifesto do
Partido Comunista: “operários do mundo, uni-vos!”

1. Sobre MAX WEBER, analise as afirmativas a seguir tendo


como relação a sociedade e o indivíduo.
I. Para o autor, a sociedade pode ser compreendida a partir do
conjunto das ações individuais reciprocamente referidas;
II. Em seu pensamento, é a sociedade que pressiona o indivíduo,
temos aqui uma das características dos fatos sociais, ou seja, a
característica de exterioridade.
III. A forma como os homens produzem e reproduzem
suas vidas materiais, ou seja, o modo de produção de uma
sociedade, irá determinar a maneira como a sociedade vive.
Assinale a alternativa correta:
a. Apenas a proposição I está correta.
b. Apenas a proposição II está correta.
c. Apenas a proposição III está correta.
d. As proposições I e II estão corretas.
e. Todas as proposições estão corretas.

2. “O resultado geral ao qual cheguei, e que, uma vez adquirido,


serviu de fio condutor aos meus estudos, pode ser formulado
brevemente assim: na produção social de sua existência os
homens entram em relações determinadas, necessárias,
independente de suas vontades, relações de produção que
correspondem a um grau de desenvolvimento determinado de
suas forças produtivas materiais. O conjunto dessas relações
de produção constitui a estrutura econômica da sociedade, a
base concreta sobre a qual se ergue uma superestrutura jurídica
e política e à qual correspondem formas de consciências
sociais determinadas.” (MARX, 1978, p. 4).
Assinale a alternativa que melhor corresponde à afirmação de
Marx.

80 A cidadania na sociedade capitalista


U2

a) A superestrutura determina a base econômica da sociedade,


por isso ela tem esse nome, significa que ela está acima das
consciências comuns e determina estas.
b) Os homens só se relacionam para produzir, por isso
em primeiro lugar eles imaginam, pensam, ativam suas
consciências para depois começarem a produzir, por isso é
a consciência que determina os modos de produção.
c) A consciência do homem é determinada pela maneira como
estes produzem e reproduzem sua existência material.
d) Ao formular a questão desta forma Marx demonstra a
importância da questão jurídica para o estudo da sociedade.
e) Marx renega o materialismo com esta frase, ele não
acredita que o estudo da realidade material, e do trabalho
propriamente dito, possa ajudar a compreender o homem.

A cidadania na sociedade capitalista 81


U2

82 A cidadania na sociedade capitalista


U2

Seção 3

A cidadania no século XX e XXI

A expressão cidadão ganha uma tríplice conotação. Ser cidadão significa possuir
direitos civis, que surgiram nas lutas contra a nobreza e os colonizadores no século
XVII e XVIII, direitos políticos, que envolve os direitos eleitorais e a formação dos
Estados Nacionais, e direitos sociais, que significa ter acesso à saúde, programas
habitacionais, educação etc. Segundo Tomazi (2000, p. 139),

Esses direitos não foram conferidos, mas


exigidos, integrados e assumidos pelas leis,
pelas autoridades e pela população em geral. A
cidadania também não é dada, mas construída
em um processo de organização, participação
e intervenção social de indivíduos ou de grupos
sociais. Só na constante vigilância dos atos
cotidianos o cidadão pode apropriar-se desses
direitos, fazendo-os valer de fato. Se não houver
essa exigência eles ficarão no papel.

A história da cidadania se confunde com a história das sociedades modernas,


surge com o surgimento dos Estados Nacionais e das sociedades capitalistas. A
cidadania surge como luta contínua, luta pelos direitos. No caso dos direitos já
existentes a luta é para que eles sejam colocados em prática, ou então temos a luta
pela criação de novos direitos, em função de novas demandas sociais.

Segundo Marshall (1967), a complexidade das sociedades capitalistas é tão


grande e a desigualdade tão profunda que não é possível classificar a cidadania
como sendo direitos civis, direitos políticos e direitos sociais, é preciso pensar
também em outras duas categorias de análise, ou dois tipos distintos de cidadania,

A cidadania na sociedade capitalista 83


U2

a cidadania formal e a cidadania real, ou substantiva.

A constituição de um país determina legalmente quais são os deveres do Estado


e quais são os direitos e deveres dos cidadãos. Assim, por exemplo a constituição
brasileira em seu artigo 5º afirma (BRASIL, 2013) “Todos são iguais perante a lei, sem
distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros
residentes no País a inviolabilidade do direito à vida”, isto está no papel, está
formalizado, por isto a cidadania assim estabelecida é uma cidadania formal, muito
importante porque abre um precedente para que se possa lutar pela realização do
que está garantido na constituição. No entanto, é preciso pensar como a cidadania
está se dando no dia a dia, em nosso cotidiano, por exemplo, podemos afirmar
que todos são de fato iguais, ou há grupos que são discriminados? Estas questões
nos levam a pensar na cidadania substantiva ou real. Uma das frentes de estudo
importante dentro da sociologia é pensarmos como a cidadania real está se dando
e quais sãos as frentes que estão se levantando para que a cidadania possa de fato
ser de todos.

A Importância dos Movimentos Sociais.

O livro “Cidades Rebeldes” apresenta algumas interpretações sobre


os protestos que marcaram o mês de junho de 2013 no Brasil. O livro
apresenta uma coletânea de artigos que trazem reflexões sobre este
movimento e as possibilidades políticas do país.

Os movimentos sociais são importantes formas de luta pelos direitos, são ações
coletivas que têm por objetivo manter ou mudar alguma situação. Os movimentos
sociais lutam por reconhecimento de direitos, por igualdades ou mesmo por
reconhecimento de identidade.

As greves são importantes instrumentos de ação coletiva, é possível observar


o aumento deste tipo de ação a partir de 1880 e se aprofundarem no início do
século XX. Desde o início do processo de industrialização existem greves, estes
movimentos geralmente ocorrem em busca de melhores salários, mas ao longo
dos anos as greves foram importantes instrumentos de luta na regulamentação
do trabalho infantil, do trabalho feminino, diminuição da jornada de trabalho e
por melhores condições de trabalho. Vários benefícios que os trabalhadores

84 A cidadania na sociedade capitalista


U2

conseguiram ao longo do século XX, como previdência social, férias, aposentadoria,


seguro desemprego, entre outros, foram graças à organização trabalhadora.

As greves foram extremamente importantes uma vez que a maioria das pessoas
nas sociedades capitalistas são trabalhadores, mas ao longo do século XX outras
demandas foram aparecendo e os movimentos sociais foram assumindo novas
facetas. Uma destas facetas nova é o movimento ambiental.

O movimento ambiental é um movimento pela cidadania? Claro que sim,


uma vez que luta pelo direito das gerações futuras receberem um mundo em
que os recursos naturais não tenham sido destruídos pela ganância de alguns, luta
também pelo direito da atual geração ter melhores condições de vida.

O movimento ambientalista inicia-se no final do século XIX, conjuntamente com


a ascensão da indústria, mas ganha força nos anos 1970, ganha força com relatório
“Nosso futuro comum” de 1987 e a atuação dos ativistas acabam por influenciar a
política tradicional a adotar uma série de leis regulamentando o comportamento
do setor industrial, bem como instaurando órgãos fiscalizadores para medir os
impactos ambientais do desenvolvimento industrial em uma dada região.

A LUTA DAS MULHERES

Apesar da Independência norte-americana e da Revolução Francesa terem


declarado que todos nascem iguais perante a lei, as mulheres não foram
contempladas em seus direitos civis e políticos de imediato. Tomazi (2000, p. 136)
aponta que,

Com a Revolução Francesa (1789), os direitos


baseados nos princípios da liberdade e da
igualdade foram declarados universais, ou seja,
válido para todos os habitantes do planeta.
Entretanto, esses direitos, expressos na
Declaração de Direito do Homem e do Cidadão
aprovada pela Assembleia Nacional francesa,
não se estendia às mulheres. Embora não seja
muito citado nos livros de História, é sempre
bom lembrar o caso de Olympe de Gouges (1748
– 1793), ativista e dramaturga francesa que, em
1791, propôs uma declaração dos direitos da
mulher e acabou na guilhotina.

A cidadania na sociedade capitalista 85


U2

Olympe foi morta, mas várias foram as ativistas que continuaram a luta pelos
direitos das mulheres. A própria Olympe inconformada com a discriminação da
mulher questionou a Revolução Francesa: “[...] quem te deu o direito soberano de
oprimir o meu sexo? [...] esta revolução só se realizará quando todas as mulheres
tiverem consciência de seu destino deplorável e do direito que elas perderam na
sociedade” (TOMAZI, 2000, p. 136).

Pinsky e Pedro (2010) apontam que o século XIX foi um século de distribuição
deficiente dos direitos dos cidadãos na sociedade como um todo, e as mulheres
constituem um caso a parte, pois houve casos em que os avanços na legislação
significaram prejuízo para elas.

Aos olhos da lei, todas as mulheres casadas


foram classificadas em uma categoria única e
colocadas ao lado de grupos excluídos da vida
jurídica (como crianças, insanos e criminosos). [...]
os códigos de lei nacionais negaram às mulheres
casadas o controle de suas propriedades e
ganhos e dão a autoridade primária da família
apenas ao marido. A superioridade do homem,
que deve proteger a mulher, decorre da ideia
de fragilidade do sexo feminino. [...] Em todos
os países, o direito de participar na política em
âmbito nacional é negado às mulheres em nome
dos males e perturbações que tal desafio às leis
da natureza sobre os papéis dos sexos traria à
sociedade (PINSKY; PEDRO, 2010, p. 272-273).

A ideia de fragilidade da mulher e o ideal de que as atividades domésticas são


de responsabilidade feminina em virtude de uma série de características que foram
atribuídas a elas como sendo coisas naturalmente femininas serviram de justificativa
para a negação de uma cidadania plena às mulheres. No entanto, várias lutas
ocorreram durante o século XVIII e XIX em que as mulheres pediam uma cidadania
plena com direitos políticos e sociais. Neste sentido, temos o Movimento Pelos
Direitos Iguais que era um grupo feminista que reivindicava “[...] que as mulheres
tivessem os mesmos direitos políticos e civis que os homens” (PINSKY; PEDRO,
2010, p. 287). A partir do século XIX desenvolveu-se o socialismo feminista, que
acreditava que a mudança no modo de produção poderia criar novas bases sociais
em que o machismo fosse superado e as mulheres pudessem ter direitos plenos.

86 A cidadania na sociedade capitalista


U2

Segundo Pinsky e Pedro (2010, p. 293), “[...] o século XX foi chamado de


‘século das mulheres’”. Este título se deu porque foi no século XX que muitas das
reivindicações dos movimentos feministas foram atendidos, no entanto, as autoras
ressaltam que

Se a cidadania pode ser pensada como “o direito


de ter direito”, ou seja, como igualdade e como
eliminação de formas de hierarquias relacionadas
ao “natural”, não podemos, ainda, considerar
que o século XX tenha fornecido às mulheres a
plena cidadania. Mas devemos reconhecer que
algumas conquistas foram efetivadas (PINSKY;
PEDRO, 2010, p. 294, grifo do autor).

No início do século XX, vários países concederam o direito ao voto às mulheres


e o direito de concorrer a cargos públicos, nos Estados Unidos da América nove
estados da federação permitiam que as mulheres votassem ou fossem eleitas em
1913. O século XX se constitui em longas lutas pelos direitos políticos das mulheres
e o que se percebe em pleno século XXI é o aumento da participação política das
mulheres em todos os níveis de governos, incluindo a presidente do Brasil nos
mandatos 2010-2014 e 2015-2019 Dilma Rousseff.

Os direitos sociais foram também alvo das lutas femininas no século XX,
sobretudo no que diz respeito ao fim da segregação ocupacional por conta do
sexo. Durante o período das grandes guerras que ocorreram no século XX foi
testemunhada o ingresso maciço das mulheres no mercado de trabalho, sempre
em condições salariais piores que dos homens. A persistência da diferença salarial
entre homens e mulheres que ocupam os mesmos cargos é um indício desta
segregação que foi combatida ao longo do século XX, mas ainda está presente no
século XXI.

A luta das mulheres não ocorre apenas no plano político e econômico, mas
atinge outras esferas da vida como os direitos sexuais e reprodutivos. Estas lutas,
“[...] significa para as mulheres, o direito de decidir sobre sua própria sexualidade
e sua capacidade reprodutiva, bem como de exigir que os homens assumam
também a sua parcela de responsabilidade nesta questão” (PINSKY; PEDRO, 2010,
p. 301).

A cidadania na sociedade capitalista 87


U2

O movimento feminista exige, portanto, o direito das mulheres decidirem sobre


seu corpo e sua sexualidade, são várias as leis que surgem ao longo do século XX
que irão oportunizar estes avanços às mulheres, no entanto em vários países do
ocidente essa realidade está longe de acontecer.

A luta por direitos civis, políticos e sociais para as mulheres está longe de cessar.
Há várias frentes que precisam ainda serem discutidas e avançar em relação a estes
direitos, mas o engajamento, não só feminino, mas masculino pelos direitos das
mulheres, pode ser decisivo nestes avanços.

CIDADANIA E A QUESTÃO RACIAL NO BRASIL

O Brasil é um país sem preconceito?

Como afirmamos anteriormente, a declaração de independência norte-


americana em 1776 não implicou em liberdade e igualdade para todos, os Estados
Unidos da América tiveram em seu passado a escravatura como principal sistema
produtivo. A questão racial foi o estopim da Guerra Civil norte-americana que opôs
o norte, que tinha sua economia baseada na pequena propriedade e no trabalho
livre, ao Sul, aristocrático, latifundiário e baseado no trabalho escravo. Por fim, o
que estava em jogo eram concepções distintas de cidadania. A vitória do Norte
conduziu, em 1865, à abolição da escravatura nos Estados Unidos. No entanto, a
abolição da condição de escravo não conduziu a população negra norte americana
à cidadania plena, segundo Demant (2010, p. 369) “[...] o fim do problema escravo
deu nascimento à questão racial, até hoje não exorcizada”.

A luta da população negra norte americana foi, e continua intensa no sentido


de conseguir os direitos que foram negados historicamente e para que a cidadania
desta população seja uma cidadania plena e real e não apenas formal. Houve,
segundo Demant (2010) três frentes de lutas pelos direitos da população negra
norte americana:

88 A cidadania na sociedade capitalista


U2

Uma primeira forma pode-se definir como


quietista: desiludidos com a eficiência política do
Estado para realizar os direitos civis dos negros
e obter mudanças estruturais, seus aderentes
preconizavam esforços econômicos e individuais
na esperança de que esses gradualmente
permitiriam aos negros integrarem a classe
média e realizar desta maneira uma integração
“tácita”. A segunda opção, mais assertiva e
associada ao nome W.E.B. Du Bois, esperava
chegar à integração e “melhoramento” dos
negros por meio de um ativismo institucional
conjuntamente com brancos progressistas. A
terceira escola, de Marcus Garvey, propunha
resgatar com o separatismo, a dignidade e o
poder perdido dos negros: seus projetos incluíam
o estabelecimento de redes econômicas
separadas e totalmente negras; um racismo
invertido insistindo na supremacia negra e na
necessidade de manter sua pureza; até um
sionismo negro propondo a volta para a África e
o estabelecimento de um novo estado negro ali
(DEMANT, 2010, p. 369, grifo do autor).

Os empates foram muitos na sociedade norte-americana para que o ideal


de cidadania proclamada pela Independência e pela Constituição pudessem se
efetivar para toda a população, estes empates continuam a acontecer com outras
estratégias, novas reivindicações, enfim a luta pelos direitos é uma constante
dentro de uma sociedade democrática.

Sempre foi complexa a discussão das questões raciais e étnicas no Brasil, seja
porque existe um preconceito velado e a crença de que se ninguém falar sobre o
assunto ele não existe, seja porque durante muitos anos se vendeu a ideia de que
o Brasil é um país miscigenado. Assim quando começa-se a discutir as políticas
de promoção de igualdade no país aparecem várias vozes afirmando que é um
despropósito ações afirmativas em um país miscigenado como o Brasil. Na verdade
esta tem sido a imagem de nosso país no exterior a de um “paraíso racial”. No
Brasil, segundo vários estudiosos norte-americanos não há a “linha de cor”. A linha
de cor, ou color line em Inglês, é a nomenclatura usada nos Estados Unidos que
definia a segregação racial. Essa concepção de um país miscigenado fica evidente

A cidadania na sociedade capitalista 89


U2

na fala de Frederick Douglas, que era um abolicionista norte-americano do século


XIX, ele afirmou em 1858:

Mesmo um país católico como o Brasil – um


país que nós, em nosso orgulho, estigmatizamos
como semibárbaro – não trata as suas pessoas
de cor, livres ou escravas, do modo injusto,
bárbaro e escandaloso como nós tratamos. [...]
A América democrática e protestante faria bem
em aprender a lição de justiça e liberdade vinda
do Brasil católico e despótico (apud AZEVEDO,
1996, p. 150).

Percebam que o Brasil oferecia, ainda no período da escravidão, a ideia de


um “paraíso racial” em que não se trata suas pessoas de “cor” de modo injusto
e bárbaro. Você não acha interessante essa visão otimista em um país ainda
escravocrata? Mas esta é a visão de um estrangeiro sobre terras brasileiras, teremos
que ver como o próprio povo brasileiro foi construindo a ideia de uma sociedade
que não faz distinção entre as diversas etnias que habitam seu território.

Gilberto Freyre foi o primeiro a falar dos aspectos democratizantes do povo


brasileiro. Freyre, em 1937, fez uma palestra na Conferência “Aspectos da influência
da mestiçagem sobre relações sociais e de cultura entre portugueses e luso-
descendentes” e afirma que a grande contribuição luso-brasileira à humanidade é
a democracia social que se dá, sobretudo, pela mistura das raças. Esta democracia
é muito superior, segundo Freyre, à democracia inglesa, pois a democracia inglesa
é simplesmente política, direitos iguais a todos, a democracia brasileira é social, nas
palavras do próprio Freyre (1938 p. 14):

Há, diante desse problema de importância


cada vez maior para os povos modernos – o
da mestiçagem, o das relações de europeus
com pretos, pardos, amarelos – uma atitude
distintamente, tipicamente, caracteristicamente
portuguesa, ou melhor luso-brasileira, luso-
asiática, luso-africana, que nos torna uma

90 A cidadania na sociedade capitalista


U2

unidade psicológica e de cultura fundada sobre


um dos acontecimentos, talvez se possa dizer,
sobre uma das soluções humanas de ordem
biológica e ao mesmo tempo social, mais
significativas do nosso tempo: a democracia
social através da mistura de raças.

Somente a democracia social por meio da mestiçagem é imune ao racismo, a


democracia política é limitada neste sentido.

Em Gilberto, esse caráter [ibérico] responsável


pela harmonia social, leva a que a democracia
política passe a segundo plano, uma vez
substituída pela democracia étnica/social.
Mais ainda, justifica a não adoção, no Brasil,
de medidas sociais e políticas universais, pois
as mesmas não caberiam em uma sociedade
marcada pela heterogeneidade, caracterizada
por uma formação não tipicamente ocidental
(BASTOS, 2001 apud GUIMARÃES, 2013, p. 6-7).

Precisamos compreender as motivações de Freyre para colocar a democracia


política em segundo plano, ele está escrevendo nos anos de 1930, um período
conturbado, Guimarães (2013) traça um quadro geral do período em que Gilberto
Freyre começa a forjar a ideia de democracia social:

Freyre forja a ideia de “democracia social” ainda


nos anos 1930, contra o fato patente da ausência
de democracia política, quer no Brasil ou em
Portugal. Ou seja, põe-se o desafio de traçar a

A cidadania na sociedade capitalista 91


U2

inserção luso-brasileira no concerto das nações


democráticas, contra todas as semelhanças e
simpatias dos regimes autocráticos de Vargas
e de Salazar com o fascismo. Sua linha de
argumentação apoia-se no fato de que a cultura
luso-brasileira é não apenas mestiça, como
recusa a pureza étnica, característica dos regimes
fascistas e nazistas da Itália e da Alemanha. Do
ponto de vista “social”, portanto, estes regimes
seriam democráticos, posto que promovem a
integração e a mobilidade social de pessoas de
diferentes raças e culturas. (GUIMARÃES, 2013, p.
7).

Gilberto Freyre é um intelectual que tentou a seu tempo interpretar o


Brasil, é importante conhecer sua obra, para saber mais sobre ele acesse
o site da fundação Gilberto Freyre: <http://www.fgf.org.br/>.

Percebemos que Freyre está preocupado com a contribuição luso-brasileira


à humanidade e a uma ideia mais ampla de democracia, mas a expressão que se
tornará famosa será a de “democracia racial”. Esta expressão Freyre só utilizará
em 1967 como uma reação sobretudo aos escritos de Guerreiros Ramos e Abdias
Nascimento que tentam inserir o conceito de “Negritude” nas discussões brasileiras.

Meus agradecimentos a quantos, pela sua


presença, participam este ano, no Rio de
Janeiro, da comemoração do Dia de Camões,
vindo ouvir a palavra de quem, adepto da "vária
cor" camoneana, tanto se opõe à mística da
"negritude" como ao mito da "branquitude":
dois extremos sectários que contrariam a já

92 A cidadania na sociedade capitalista


U2

brasileiríssima prática da democracia racial através


da mestiçagem: uma prática que nos impõe
deveres de particular solidariedade com outros
povos mestiços. Sobretudo com os do Oriente
e os das Áfricas Portuguesas. Principalmente
com os das Áfricas negras e mestiças marcadas
pela presença lusitana” (FREYRE, 1962 apud
GUIMARÃES, 2013, p. 7).

A aceitação, ou a insistência, de que o Brasil é um país em que impera a


democracia racial trará uma série de consequências. Segundo Jaccoud (2008a,
p. 52),

Contudo, a democracia racial fornece uma nova


chave interpretativa distinta para a realidade
brasileira: a recusa do determinismo biológico e
a valorização do aspecto cultural, reversível em
suas diferenças. O progressivo desaparecimento
do discurso racista e sua substituição pelo mito
da democracia racial permitiram a alteração
dos termos do debate sobre a questão racial no
Brasil. A ideia de raça foi gradativamente dando
lugar, nas ciências sociais, à ideia de cultura, e o
ideal do branqueamento foi ultrapassado, em
termos de projeto nacional, pela afirmação e
valorização do “povo brasileiro”. O fenômeno da
miscigenação teria possibilitado a formação da
nação, ultrapassando e fundindo os grupos raciais
presentes em sua formação, e dando espaço ao
nascimento de uma nação integrada, mesmo que
heterogênea. [...] A democracia racial passou de
mito a dogma no período dos governos militares.
Em 1970, o Ministro das Relações Exteriores
declara que “não há discriminação racial no Brasil,
não há necessidade de tomar quaisquer medidas
esporádicas de natureza legislativa, judicial ou
administrativa para assegurar a igualdade de

A cidadania na sociedade capitalista 93


U2

raças no Brasil”. De fato, a questão racial desaparece


do debate público nacional. É somente com o
processo de redemocratização do país que o tema
das desigualdades raciais retorna à cena, mas
largamente diluído no debate sobre justiça social.
Apoiada na interpretação do desenvolvimento como
a questão nacional maior, a temática da desigualdade
se identifica quase que exclusivamente com a da
distribuição de renda.

Quando o foco passa a ser exclusivamente a renda há certas consequências


para o movimento negro que desde 1945 com o Teatro Experimental Negro (TEN)
se coloca contra a ideia de uma democracia racial. O preconceito racial continua a
existir tolhendo a oportunidade de competição dos negros bem como restringindo
a mobilidade social deste grupo. Continua a existir uma desqualificação daqueles
que não são considerados brancos, desqualificação esta que remonta ao início do
século XX quando começou a ocorrer migração de trabalhadores europeus para o
Brasil. Este fato já havia sido apontado por Florestan Fernandes (1975) em seu livro
chamado “A integração do Negro na sociedade de Classe”. Segundo Fernandes
(1975), o trabalhador europeu era compreendido como o agente natural do
trabalho livre, portanto onde quer que tenha chegado um trabalhador europeu no
pós-abolição eliminava completamente a chance do negro ser contratado como
trabalhador livre. Outro fato importante para compreender a situação do negro
na sociedade de classe segundo Fernandes (1975), era o fato de muitos patrões
serem ex-senhores de escravo, desta forma não conseguiam manter uma relação
contratual livre com os trabalhadores negros reproduzindo um sistema muito
parecido com o escravocrata. Segundo Fernandes (1975, p. 250, grifo do autor),

Dessa forma, a luta dos negros por um espaço


naquela sociedade (início do trabalho livre) era
desumana; estavam sozinhos “abandonados
à própria sorte”. O Estado, por sua vez, não
propôs nenhum plano de assistência que
visasse à inclusão dos ex-cativos na nascente
sociedade de classes. Eles precisavam competir
com a quantidade de libertos existente, com
o “inimigo” imigrante mais bem estruturado,

94 A cidadania na sociedade capitalista


U2

contra o preconceito que decaía sobre seus


ombros pela sua recente história de escravidão
e, principalmente, pelo seu habitus (no sentido
bourdieusiano), mediante a socialização, a que
fora submetido.

Assim, não há no Brasil uma linha de cor, uma lei que estabeleça distinções
entre brancos e negros, mas há a realidade que todos os dias bate a porta e mostra
algo diferente do que a teoria nos diz. O Brasil é de fato um país miscigenado,
portanto não há uma linha de cor (color line) como nos Estados Unidos da América
para estabelecer uma segregação social explícita, mas no Brasil se produz uma
ideologia em que se afirma que há igualdade onde não há.

Dentro do contexto acima exposto é que aparece o pensamento de Abdias


Nascimento. Abdias nasce na cidade de Franca no estado de São Paulo em
1914, se engaja na frente Negra Brasileira em 1930, funda o Teatro Experimental
Negro (TEN), em 1946 propõe a inclusão de políticas públicas para população
afrodescendente e tenta definir discriminação racial como um crime contra a
pátria. Foi deputado entre 1983 e 1987 e Secretário de Defesa e Promoção da
População Afro-Brasileira do Estado do Rio de Janeiro. Abdias Nascimento afirmou
em 1968 que a ideia de raça que foi ao longo do tempo manipulada pelo homem
branco não permite que o negro tome consciência do engodo que é a ideia de
democracia racial no Brasil.

Entendo que o negro e o mulato – os homens


de cor – precisam, devem ter uma contra-
ideologia racial e uma contra-posição em
matéria econômico-social. O brasileiro de cor
tem de se bater simultaneamente por uma
dupla mudança: a) a mudança econômico-
social do país; b) a mudança nas relações
de raça e cor. Aqui entra a Negritude como
conceito e ação revolucionários. Afirmando
os valores da cultura negro-africana contida
em nossa civilização, a Negritude está
afirmando sua condição ecumênica e seu

A cidadania na sociedade capitalista 95


U2

destino humanístico. Enfrenta o reacionário


contido na configuração de simples luta de classe
do seu complexo econômico-social, pois tal
simplificação é uma forma de impedir ou retardar
sua conscientização de espoliado por causa da cor
e da classe pobre a que pertence (NASCIMENTO
apud GUIMARÃES, 2013 p. 14, grifo nosso).

Mesmo após as críticas de Abdias Nascimento e as constatações de Fernandes


(1975) sobre a discriminação de fato no Brasil, Jaccoud (2008b, p. 53) afirma
que “[...] o ideal da democracia racial impõe-se, entretanto, como hegemônico,
vigorando praticamente sem contestação até o final dos anos 1980”. Esta mesma
autora aponta que entre 1940 e 1990 a posição de negros e brancos na hierarquia
social não obteve nenhum tipo de mudança substancial. Este fato dificilmente
chama a atenção pois há uma naturalização da condição subalterna da população
negra.

Segundo o Boletim de Políticas Sociais do Ipea (2008, apud JACCOUD,


2008a, p. 58) “[...] em 1987, uma em cada cinco crianças negras não tinha acesso
à escolarização elementar e 63% não tinham acesso à educação média”. Neste
período o debate sobre políticas afirmativas no Brasil ainda “[...] não havia começado
e não contava com o apoio do Movimento Negro”. A discussão sobre a falta de
mobilidade da população negra, a falta de perspectiva como condição histórica
começa a ganhar força com a Marcha Zumbi dos Palmares contra o racismo,
pela Cidadania e pela Vida que se realizou em 1995.

O documento elaborado pela Marcha e entregue


ao governo defende a implementação de
políticas específicas nos campos da educação
(incluindo capacitação dos professores
para lidar com o tema da diversidade
racial e com as práticas discriminatórias),
saúde, trabalho, violência e cultura. Propõe
também a instituição de ações afirmativas
para o acesso a cursos profissionalizantes
e às universidades, assim como demanda a

96 A cidadania na sociedade capitalista


U2

representação proporcional dos grupos raciais


nas campanhas de comunicação do governo e
de entidades a ele vinculadas. As demandas por
políticas específicas se aprofundaram durante
o processo de preparação da participação do
Brasil na III Conferência Mundial de Combate
ao Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e
Intolerância Correlata. Sua consolidação como
pauta do Movimento Negro levou, em 2003,
à criação da Secretaria Especial de Políticas
de Promoção da Igualdade Racial – Seppir.
Ao mesmo tempo, foram sendo consolidadas
pautas setoriais e começaram a ser desenhadas e
implementadas ações e programas nos campos
da educação e da saúde, com foco no combate
ao preconceito e à discriminação (JACCOUD,
2008b, p. 58-59, grifo nosso).

A redemocratização do Brasil possibilitou uma constituição que pensasse na


universalização dos direitos, esta universalização implica a necessidade de que
cada camada da população não seja tratada de maneira igual, pois suas condições
são distintas. O movimento negro no período posterior à constituição conseguiu
elaborar uma pauta para as reivindicações para que o acesso aos direitos civis
pudesse ser amplamente desfrutado pela população negra.

A cidadania na sociedade capitalista 97


U2

1. Assinale a alternativa correta sobre a contribuição luso-


brasileira à humanidade, segundo Gilberto Freyre.

a. A contribuição luso-brasileira à humanidade foi a democracia


política, capaz de superar os preconceitos raciais.
b. A contribuição luso-brasileira à humanidade foi o
segregacionismo, capaz de superar os preconceitos raciais.
c. A contribuição luso-brasileira à humanidade foi a democracia
social que se dá pela mistura das raças.
d. A contribuição luso-brasileira à humanidade foi a democracia
nacional, capaz de superar os preconceitos pela mistura das
raças.
e. A contribuição luso-brasileira à humanidade foi a ideia de
negritude que surge em nosso país.

2. A redemocratização do Brasil possibilitou uma Constituição


que pensasse na universalização dos direitos.
O que esta universalização significa na prática?
a. Esta universalização significa que todos são iguais perante a
lei simplesmente.
b. Esta universalização significa retomar as discussões sobre a
centralidade da questão econômica nos problemas sociais.
c. Esta universalização significa um processo de
aprofundamento dos preconceitos no Brasil.
d. Esta universalização implica a necessidade de que cada
camada da população não seja tratada de maneira igual,
pois suas condições são distintas.
e. Esta universalização significa o fim de toda a liberdade e
individualidade.

Nesta unidade você aprendeu:

- A ideia de cidadania que temos nos Estados Modernos não


são uma continuação das ideias de cidadanias que tínhamos
em outras épocas históricas, portanto a cidadania atual é

98 A cidadania na sociedade capitalista


U2

algo específico.

- A ideia de cidadania surge das revoluções burguesas do século


XVIII e o principal valor difundido pela burguesia era o da
liberdade, então a cidadania surge nos estados democráticos
liberais.

- as diversas correntes sociológicas construíram concepções


diferentes para interpretar a cidadania: em Marx temos a ideia
da impossibilidade de uma cidadania nas sociedades capitalistas,
em Durkheim temos a necessidade da conformação de todos
os valores sociais e em Weber a burocratização de todos os
aspectos da vida é o elemento fundamental do moderno Estado-
Nação.

- Percebemos também que a cidadania está em contínua


construção e isto fica evidenciado pelas lutas das chamadas
minorias, em especial analisamos o caso das mulheres e dos
negros.

A cidadania como entendemos hoje é algo sui generis, surge


conjuntamente com a democracia nos modernos Estados
Nacionais, estes, por sua vez, surgem conjuntamente com o
modo capitalista de produção, assim associa-se diretamente
a ideia de cidadania ao capitalismo, temos que ter cuidado,
pois o capitalismo não é um sistema político, assim, por
exemplo, tivemos durante o século XX estados ditatoriais, ou
seja, estados em que a cidadania é solapada, e estes estados
nunca deixaram de ser capitalistas. Talvez, a associação que
se faz entre cidadania e capitalismo esteja associada ao valor
da liberdade que amplamente se divulga nas propagandas que
visam ratificar este modo de produção, a liberdade que para
muitos grupos parece distante. As democracias atuais precisam
pensar em como o direito à cidadania plena pode ser pensado
em sociedades cada vez mais fragmentadas em diversas
minorias, nesta unidade falamos sobre as mulheres e sobre os
negros, mas poderíamos falar sobre os movimentos pelo fim
da discriminação pela orientação sexual, o movimento dos sem

A cidadania na sociedade capitalista 99


U2

moradia, dos sem terras, dos despossuídos de uma maneira geral,


os despossuídos de bens e direitos, a constituição de cidadania
plena passa, necessariamente, pela luta por estas cidadanias, por
isto estas definições não são acabadas.

1. Leia atentamente as proposições abaixo:


I. Os cidadãos eram considerados como o povo (dêmos), exercendo
o controle político, e não se confundiam com a população.
II. A lei das doze tábuas é uma vitória da plebe, pois estabelece leis
objetivas que servem para todos sem distinção de classe, assim
os patrícios e os plebeus estão sujeitos aos mesmos direitos e
deveres, a lei das doze tábuas dá origem ao direito civil.
III. O estatuto privilegiado de cidadão foi perdendo importância e
as diferenças de riqueza por todo o império passaram a garantir
o acesso privilegiado à justiça (que deixava de ser igualitária) e
às benesses distribuídas pelo Estado, ao mesmo tempo em que
o fosso entre os mais ricos e os mais pobres não cessava de
aumentar.
Assumindo G para o que for referente à política grega e R pra o
que for referente à política romana, assinale a alternativa que traz a
sequência correta.
a. G/G/R.
b. G/R/R.
c. R/R/R.
d. R/R/G.
e. R/G/G.

2. Observe as afirmativas abaixo


I. Uma ação de cidadania exige, necessariamente, interesse pelo
bem comum e participação política por parte da sociedade,
sobretudo na luta por seus direitos.
II. Uma ação de cidadania não precisa estar comprometida com o
bem comum ou com as questões políticas. Prova disto é que para
ser cidadão basta que o indivíduo possua os documentos exigidos

100 A cidadania na sociedade capitalista


U2

por lei, como a carteira de identidade e o título de eleitor.


III. A cidadania pode ser entendida como um meio de expressão e
afirmação da democracia.
Assumindo V para o que for verdadeiro sobre a ideia de cidadania
e F para o que for falso, assinale a alternativa que traz a sequência
correta.
a. V/V/F.
b. V/F/F.
c. F/F/F
d. V/F/V.
e. F/V/F.

3. Nicolau Maquiavel foi um teórico florentino que escreveu o livro “O


príncipe” considerado por muitos como um manual para conquista
e manutenção do poder. Segundo o pensamento de Maquiavel é
correto afirmar:
a. Que o governante que quiser conquistar e manter o poder não
pode se render aos ditames da moral convencional entendendo
que a política possui uma ética própria.
b. Que o governante deve utilizar todos os esforços para conquistar
o amor do povo, somente o amor do povo dará poder ao
governante.
c. Que o poder deve ser exercido em conformidade com a virtús,
este termo estabelece a necessidade de se atender a moralidade
cristã.
d. Que o governante precisa de muita sorte para governar um povo,
esta sorte ela está relacionada ao acaso, coisas que o governante
não pode controlar.
e. O príncipe, segundo Maquiavel, deve servir ao povo e evitar as
decisões que desagradem o povo.

4. Emile Durkheim, Karl Marx e Max Weber são considerados os


teóricos clássicos da sociologia, assinale a alternativa que traz, de
maneira correta, o pensamento destes autores.
a. Para Weber a coesão das sociedades capitalistas está baseada
na solidariedade orgânica em que os indivíduos permanecem
unidos em virtude das diferenças; Durkheim observou que os
Estados modernos são marcados pelo aumento da burocracia e
Marx afirmou que o Estado moderno é um comitê para gerir os
negócios comuns da burguesia.
b. Para Marx a coesão das sociedades capitalistas está baseada na
solidariedade orgânica em que os indivíduos permanecem unidos

A cidadania na sociedade capitalista 101


U2

em virtude das diferenças; Weber observou que os Estados


modernos são marcados pelo aumento da burocracia e Durkheim
afirmou que o Estado moderno é um comitê para gerir os negócios
comuns da burguesia.
c. Para Durkheim a coesão das sociedades capitalistas está baseada
na solidariedade orgânica em que os indivíduos permanecem
unidos em virtude das diferenças; Marx observou que os Estados
modernos são marcados pelo aumento da burocracia e Weber
afirmou que o Estado moderno é um comitê para gerir os
negócios comuns da burguesia.
d. Para Marx a coesão das sociedades capitalistas está baseada
na solidariedade orgânica em que os indivíduos permanecem
unidos em virtude das diferenças; Durkheim observou que os
Estados modernos são marcados pelo aumento da burocracia e
Weber afirmou que o Estado moderno é um comitê para gerir os
negócios comuns da burguesia.
e. Para Durkheim a coesão das sociedades capitalistas está baseada
na solidariedade orgânica em que os indivíduos permanecem
unidos em virtude das diferenças; Weber observou que os
Estados modernos são marcados pelo aumento da burocracia e
Marx afirmou que o Estado moderno é um comitê para gerir os
negócios comuns da burguesia.

5. Algumas pessoas que são contra as ações afirmativas, dizem que


estas ações ferem o artigo 5º da constituição que diz que todos
somos iguais perante a lei sem distinção de qualquer natureza.
Assinale a alternativa que melhor explique por que as ações
afirmativas não ferem o artigo 5º da constituição.
a. Não há problemas aparentes neste artigo, ele deve ser respeitado
e as ações afirmativas abolidas, pois elas são danosas ao país.
b. O problema deste artigo é que ele se refere a uma igualdade
formal, genérica, abstrata. O problema é que essa forma genérica
de tratar o indivíduo não é eficiente quando se pensa nas práticas
cotidianas concretas.
c. O problema deste artigo é que ele se refere a uma igualdade
concreta. Muitas pessoas que são contra as ações afirmativas se
valem deste artigo para dizer que tais ações são constitucionais,
pois não tratam as pessoas de maneira igual perante a lei.
d. O problema é que essa forma genérica de tratar o indivíduo é
eficiente quando se pensa nas práticas cotidianas concretas.
e. O problema deste artigo é que ele se refere a uma igualdade
concreta. O problema é que essa forma concreta de tratar o
indivíduo é eficiente quando se pensa nas práticas cotidianas
concretas.

102 A cidadania na sociedade capitalista


U2

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104 A cidadania na sociedade capitalista


Unidade 3

A ORGANIZAÇÃO DO
ESTADO, DOS PODERES E DA
ORDEM SOCIAL

Wilson Sanches

Objetivos de aprendizagem: O objetivo da presente unidade é discutir,


a partir do pensamento sociológico e do pensamento político os elementos
essenciais dos modernos Estados-Nações. Assim, partindo do entendimento
sobre o estudo da realidade social debateremos como o Estado se organiza,
qual a estrutura de poder e como se estabelece a ordem social dentro
destes Estados.

Seção 1 | Tipos de estados que antecederam os modernos


estados-nações

Nessa seção, discutiremos sobre os tipos de Estados que antecederam


os modernos Estados-Nações, analisando de uma maneira cronológica
os fundamentos de poder na Grécia, bem como em Roma e na Idade
Média.

Seção 2 | Fundamentação teórica do estado-nação moderno

Nessa seção, discutiremos os fundamentos da organização dos


modernos Estados-Nações.
U3

106 A organização do estado, dos poderes e da ordem social


U3

Introdução à unidade

Pensar nos modernos Estados-Nações, em sua organização, em seus poderes e


na ordem social que ele proporciona significa pensar em um determinado processo
histórico que deu origem a estes Estados e nas relações sociais que o estruturaram.
A discussão em torno deste tema deve superar a visão evolucionista simplista, pois
esta visão tende a apresentar as coisas sociais como sendo naturais. O que se quer
dizer com isto? Que, se pensarmos que a sucessão de etapas pré-determinadas
fizeram com que o homem deixasse as formas arcaicas de associação passando
a formas cada vez mais complexas até chegar ao atual modelo de Estado fosse
um caminho necessário e inevitável, tiraríamos o protagonismo humano na
construção de seu destino e afirmaríamos que a única coisa que ele fez foi seguir o
fluxo contínuo dos acontecimentos pré-determinados sem nenhuma consciência
sobre a construção de seu futuro. No entanto, a sociologia não surge para esvaziar
a ação humana de significado, mas para demonstrar como as ações de mulheres
e homens interferiram na construção daquilo que é tipicamente social. Segundo
Simmel (2006, p. 19) a sociologia faz as seguintes questões:

[...] o que ocorre com os seres humanos e


segundo que regras eles se movimentam –
não exatamente quando eles desenvolvem
a totalidade de suas existências individuais
inteligíveis, e sim quando eles, em virtude de
seus efeitos mútuos, formam grupos e são
determinados por essa existência em grupo?

O Estado não nasce de uma “evolução natural”, acontece a partir das relações
sociais e estas formas de associações surgidas das relações sociais influenciam
a forma como os indivíduos se relacionarão, bem como estas novas relações
irão influenciar a sociedade, assim, a própria sociedade, a maneira como nos
organizamos, não é definitiva, está em constante mudança.

A sociologia nos ajuda a compreender que a formação do Estado não é obra de

A organização do estado, dos poderes e da ordem social 107


U3

um único indivíduo, um gênio que liderou os outros homens para que se fundasse
o Estado, mas há todo um contexto coletivo que está pesando sobre os eventos
sociais.

108 A organização do estado, dos poderes e da ordem social


U3

Seção 1

Tipos de estados que antecederam os modernos


estados-nações

Na unidade anterior discutimos a questão da cidadania no capitalismo. Para


falar sobre o capitalismo foi inevitável discutir o surgimento dos modernos Estados-
Nações, mesmo que de forma rápida. Agora para pensarmos como um Estado se
organiza precisamos novamente recorrer a este método, evidente que tentaremos
imprimir um novo prisma sobre essa discussão.

O Estado moderno surge da desagregação do mundo feudal! Esta é uma


informação importante porque remete à ideia de uma criação social do Estado,
o Estado não é uma entidade que surge do nada, mas ele é criado pela ação das
mulheres e dos homens na história.

Na unidade anterior vimos que o Estado dos antigos era qualitativamente


diferente dos Estados que temos hoje, a ideia de território, poder, participação
política era consideravelmente diferente, vamos verificar algumas formas de Estado
que existiram em outras épocas a fim de que possamos compreender como a
organização do Estado se entrelaça com a ordem social.

1. AS CIDADES-ESTADOS E O IDEAL DEMOCRÁTICO

Como construir uma cidade bela e justa em que os cidadãos


se sintam parte dela?

A organização do estado, dos poderes e da ordem social 109


U3

As cidades-estados gregas tinham uma noção de participação política


extremamente restrita, Atenas que foi a cidade em que surgiu a Democracia
(demos=povo; cratos= governo) tinha uma noção de povo muito distinta da nossa.

Quem era considerado o “povo” em Atenas? Eram aqueles que cumpriam


alguns requisitos exigidos para ter acesso a essa condição, os requisitos foram:

[...] ser homem, livre, nascido em Atenas, ser


filho de pai ou mãe ateniense, ser reconhecido
pela phatria de seu pai, inscrito nos registros
cívicos (dêmos) e cumprir com as obrigações
militares. Assim sendo, a pólis era o conjunto
dos cidadãos (politaí), que não se confundiam
com a população do território cívico (THEML,
1988, p. 38-39).

Atenas ao considerar que apenas os homens gregos que cumprem determinados


requisitos podem ser considerados cidadãos, relega a maior parte dos habitantes
da cidade à condição de não cidadão. É importante ressaltar que esta forma de
organização estatal está presente em outros momentos da vida social grega, aliás
a própria organização política da cidade-estado de Atenas reflete sua organização
social. A divisão do trabalho para os gregos relacionava a posição social com o
trabalho a ser exercido, os cidadãos gregos tinham como trabalho a práxis. Práxis
é a atividade em que se utiliza a palavra como seu instrumento mais importante. O
cidadão é aquele que utiliza a palavra para discutir todas as coisas públicas, todas
as coisas da cidade, portanto, a atividade política é a o próprio trabalho do cidadão.
Para que os cidadãos gregos pudessem se dedicar à política era necessário que
outro estrato social se preocupasse com as coisas necessárias para a sobrevivência
de todos, alguns, os não cidadãos desprovidos de posses e os escravos, se
dedicavam ao trabalho braçal, este trabalho era chamado de labor. O labor se
caracterizava por ser um trabalho físico, submisso e passivo, pois o trabalhador
tinha que se submeter ao ritmo da natureza, dos climas, da estação para cultivar as
terras e obter os meios necessários para que a cidade pudesse se alimentar. Entre
o trabalho dos cidadãos, que era o mais distinto de todos, pois tratava das coisas
importantes como a política, e o trabalho dos trabalhadores braçais, tido como os
baixos, pois não precisava de uma intervenção ativa do intelecto, havia o trabalho
artesão, também chamado de poiesis. A estrutura da divisão de trabalho também
implicava uma estrutura de divisão de poder, os cidadãos que administravam
as cidades, os artesãos e os trabalhadores braçais e escravos, estes últimos não
tinham nenhum tipo de influência sobre as decisões políticas, e por mais que os

110 A organização do estado, dos poderes e da ordem social


U3

gregos sejam nossa grande referência sobre filosofia e política nenhum de seus
filósofos, em suas obras, rompeu com a estrutura social a qual pertencia. Platão
escreve o livro A República em que debate sobre o ideal de uma cidade, neste
debate as divisões sociais continuam a existir.

A República para Platão deveria ser organizada como um corpo, todas as partes
do corpo possuem uma virtude e a justiça é produzida pela harmonia entre todas
as virtudes, observe o quadro abaixo:

Quadro 3.1: Cidade Bela e Justa


Parte do corpo Responsabilidade Virtude
Cabeça Administração da

JUSTIÇA É A VIRTDE PRODUZIDA PELA HARMONIA


cidade (deve ser
exercida por um rei
Sabedoria
filósofo auxiliado

ENTRE TODAS AS OUTRAS VIRTUDES


por conselho de
anciãos)
Tronco/coração Guardiões da Prudência
cidade (a função
destes guardiões é
proteger a cidade
das ameaças
externas e internas)
Baixo ventre A r t e s ã o s Temperança
(produzem os
bens materiais
necessários para
que a ordem social
possa se manter)
Fonte: O autor (2014)

Os cidadãos iriam ocupar cada um destes estratos sociais – administração,


guardiões ou artesãos – de acordo com suas capacidades e da necessidade da
cidade. Esta organização da cidade é apenas uma organização ideal, aqui Platão
pensa como os cidadãos podem ocupar os cargos que são melhores, ou para
os quais se preparam, no entanto o autor ateniense não se preocupa com a
situação das mulheres, dos estrangeiros ou mesmo dos escravos, a estrutura social
permaneceria inalterada.

A organização do estado, dos poderes e da ordem social 111


U3

A organização das polis era sempre discutida a partir de um modelo que se


julgava ideal, portanto, por mais que tenhamos como referência a democracia
ateniense como inspiração para nossos modelos democráticos, estes modelos
foram muito mais teóricos do que práticos. No entanto, há outra sociedade que
possui uma característica muito mais pragmática.

2. Roma: a República e o Império

Como vimos no capítulo anterior, Roma passou por diversas fases, a monarquia,
a República e o Império. O monarca governava de maneira absoluta, deste período
destacou-se a preocupação do rei Tarquínio em embelezar a cidade e construir
o esgoto principal e do rei Sérvio Túlio que proclamou as primeiras leis sociais
de Roma e levantou a primeira muralha da cidade. Com a queda da monarquia
romana, a cidade foi governada por uma aristocracia formada pelos patrícios e
a figura do rei foi substituída por dois cônsules e por um senado formado por
300 membros vitalícios formado exclusivamente por patrícios, mas quem eram os
patrícios?

Os patrícios eram os descendentes das famílias que teriam participado da


fundação de Roma, ele formava uma espécie de aristocracia agrária e o chefe
da família (pater familae) era quem ocupava cargo no senado. Outra classe
importante para entender a estrutura social romana é a dos plebeus. A plebe era
livre, no entanto, não possuía direitos políticos e não participavam do governo. A
plebe era constituída por estrangeiros e romanos cujas famílias não participaram
da fundação da cidade. A situação de não participação política dos plebeus durou
até o início da República, época em que as lutas entre os plebeus e os patrícios
resultaram em ganhos de direito por parte dos plebeus e da promulgação da lei
das XII tábuas.

A lei é a única responsável por uma existência ética dentro de


um determinado Estado?

Para os romanos a lei e a possibilidade de uma tribuna que tenha competência


para julgar a causa tanto de patrícios quanto de plebeus estabeleceu um Estado
que se sobrepõe às vontades individuais, ou seja, o Estado romano é impessoal e
prático e a lei das XII tábuas “[...] é o ideal empírico da igualdade entre os homens”
(ARAÚJO, 2013, p. 231) expressa em uma lei objetiva, escrita.

112 A organização do estado, dos poderes e da ordem social


U3

A lei das XII tábuas criada no ano 450 a.C. ditava várias normas e
eliminava a diferença entre as classes no que tange às leis. A lei das XII
tábuas deu origem ao direito civil. Os temas são divididos da seguinte
forma: Tábuas I e II: Organização e procedimento judicial; Tábua III
- Normas contra os inadimplentes; Tábua IV - Pátrio poder; Tábua V
- Sucessões e tutela; Tábua VI - Propriedade; Tábua VII - Servidões;
Tábua VIII - Dos delitos; Tábua IX - Direito público; Tábua X - Direito
sagrado; Tábuas XI e XII - Complementares.

Os romanos possuem um sentido prático da vida muito mais aguçado que os


gregos. Neste sentido, a lei civil, representada pela lei das XII tábuas. A lei apareceu
como expressão das vontades civis, segundo Araújo (2013, p. 230) “Os romanos dão
à lei um caráter eminentemente civil, que os levará a entendê-la como instrumento
de afirmação das vontades individuais concretas, significando um acordo de união
de vontades em uma determinada situação”.

Com o passar do tempo, os plebeus conseguiram o direito de participar das


assembleias dos cidadãos e participar das decisões da cidade, mas se mantinha
uma divisão em virtude das riquezas, ou seja, os plebeus enriquecidos, em virtude
do comércio, tinham um status diferente do restante da plebe.

Como entre os gregos, as mulheres romanas


não podiam tomar parte dos cargos no governo.
Os homens cidadãos da República romana se
reuniam em assembleias e escolhiam os tribunos
da plebe, magistrados que tinham direito a
veto sobre as decisões do Senado e dos outros
magistrados. Os romanos utilizavam-se da sigla
SPQR (Senatus Populusque Romantis) para se
referir ao seu próprio estado: “O Senado e o povo
de Roma”. Embora o poder estivesse, em termos
formais, dividido entre Senado e Povo, a influência
dos senadores predominava, pois as assembleias
populares mais importantes eram aquelas que
reuniam os homens em armas e nas quais os
poderosos tinham muito mais votos do que os

A organização do estado, dos poderes e da ordem social 113


U3

simples camponeses. O conceito de cidadania


romana era muito mais amplo e flexível do que o
ateniense, que vimos anteriormente. Tornavam-se
romanos, por exemplo, os ex-escravos alforriados,
chamados libertos, ainda que os plenos direitos
políticos só fossem adquiridos pelos filhos de
libertos, já nascidos livres. Os romanos concediam,
também, a cidadania a indivíduos aliados e, até
mesmo, a comunidades inteiras. Alguns estudiosos
veriam nisto um dos motivos do dinamismo romano,
pois a incorporação de pessoas à cidadania romana
permitiu que os romanos fossem cada vez mais
numerosos (FUNARI, 2002, p. 85).

Com o crescimento do número de cidadãos romanos, a própria cidade de


Roma começou a expandir. Roma se destacou no campo militar e criou o primeiro
exército permanente que se tem notícia. A partir deste momento a guerra não seria
travada apenas em uma determinada época do ano para não atrapalhar a colheita
com a retirada de homens do campo para irem para as guerras que começaram
a serem feitas em terras cada vez mais longínquas. A existência de um exército
permanente com soldados que recebiam salários para estarem no exército fez
com que o poder dos generais crescesse, pois os soldados eram fiéis a quem lhe
pagava e quem lhe dava oportunidade de ficar com os espólios de guerra e na
aposentadoria alguns eram agraciados com terras. O poder dos generais cresceu
a tal ponto que começou a ter disputa entre os generais e Roma mergulhou numa
série de guerras civis até que Caio Júlio Cesar, que era um general que pertencia
à aristocracia, conquistou a região da Gália e o senado, na tentativa de barrar seu
poder que crescia entre o povo, tentou impedi-lo de continuar a comandar suas
tropas. Então, no ano de 49 a.C. o general Caio Júlio Cesar toma a cidade de
Roma e tornou-se um ditador. O senado romano assinou o ditador no ano de
44 a.C., no entanto no ano de 31 a.C. Otávio, sobrinho de Júlio Cesar, derrota
os outros generais de igual importância e torna-se o principal general, ou seja, o
“príncipe”, o próprio senado o reconhece desta forma. Além do título de príncipe,
Otávio recebe, também, o título de “Augusto”, que quer dizer “o venerável”. A partir
de então o regime político que temos em Roma é o Império, pois o termo em
latim “imperator” quer dizer general vitorioso do exército.

114 A organização do estado, dos poderes e da ordem social


U3

Castigada após tantas guerras civis, Roma


adotou o regime imperial de governo. Os
imperadores tinham grandes poderes, mas não
eram reis, nem a sucessão era, necessariamente,
hereditária. No período imperial, a administração
dos domínios romanos foi reorganizada, visando
maior centralização do poder; o imperador
passou a acumular todos os poderes apesar de
continuarem a existir os órgãos administrativos
da República (FUNARI, 2002, p. 90).

O Império Romano se destacou pela maneira como as áreas conquistadas


foram administradas. Aos povos conquistados, os romanos ofereciam tratados e,
em alguns casos, distribuíam a cidadania. Os cidadãos romanos eram assentados
em colônias.

No início do Império, no século I a.C., havia


dois tipos de províncias: as senatoriais, com
governadores apontados pelo Senado e sem
tropas, e as imperiais, com administradores
militares indicados pelo imperador. As províncias
imperiais, com tropas romanas, estavam em
áreas de fronteira ou ainda não pacificadas. Cada
província tinha uma capital, onde o governador
era também assistido por um conselho provincial,
formado pela elite dos romanos da região, e por
funcionários administrativos, em geral libertos
imperiais. Cada província era dividida em regiões
administrativas, cada uma com uma capital,
o que facilitava principalmente a cobrança
de impostos, a manutenção das estradas, dos
aquedutos e da administração em geral. Na
base, estavam as cidades, cada uma com grande
autonomia na gestão de seus assuntos, com
constituição própria, câmaras municipais (ordo
decurionum) e magistrados locais (duúnviros)
(FUNARI, 2002, p. 91-92).

A organização do estado, dos poderes e da ordem social 115


U3

A organização do Estado Romano serviu de inspiração aos Estados modernos,


os Estados de direito com uma legislação escrita, as diferentes instâncias de
se exercer o poder que são característicos dos modernos Estados-nações se
inspiraram na organização pragmática romana.

3 O ESTADO FEUDAL

O ideal romano de um império forte e bem estruturado foi se esfacelando aos


poucos. Os imperadores já não eram vistos como os grandes heróis ou generais,
o exército formado, em sua maioria, por mercenário e o senado não representava
mais o povo, junte-se a isto as invasões bárbaras a partir do século V que tornaram
as cidades lugares com pouca segurança. O império romano urbanizado, aos
poucos cede lugar para uma Europa ruralizada, com o modo de produção feudal
e uma nova organização política.

O feudalismo como estrutura social funda-se em pactos de lealdade de cunho


pessoal entre senhores e vassalos. Estes pactos obrigam o senhor a fornecer
proteção aos seus vassalos, bem como a seus vassalos prestarem serviços aos
seus senhores.

Do ponto de vista social, o seu desenvolvimento


pode ser atribuído proximamente à clientela
romana – instituição de caráter puramente
econômico, que se estabelecia pelo vínculo
de pessoas livres, de origem estrangeira, com
um pater família, para o qual devia fidelidade
em troca de proteção e dependência – que se
desenvolveu e se adaptou na Europa graças ao
pequeno índice populacional e à insegurança
provocada pelas lutas internas e a invasão dos
bárbaros. (ARAÚJO, 2013, p. 239).

Organizado por feudos – que pode, resumidamente, ser definido como porções
de terra herdadas ou recebidas por herança ou como pagamento por serviços
de guerra – a idade média experimentou um despotismo aristocrático em que o
“feudatário” não experimentava limite para o poder que exercia dentro dos limites
de sua terra.

No plano institucional, o cristianismo foi o grande poder presente durante o


período medieval. A hierarquia era organizada a partir do Papa tanto no plano da
hierarquia católica quanto da hierarquia política em geral.

116 A organização do estado, dos poderes e da ordem social


U3

O filme “O nome da Rosa” foi gravado em 1986 dirigido por Jean-


Jacques Annaud, é uma adaptação para o cinema do livro que tem o
mesmo nome do escritor italiano Umberto Eco, nesta obra é possível
ter uma visão mais ampla sobre a vida e as estruturas de poder na
Europa Feudal.

A religião passa a ser a tônica da vida na idade média, Araújo (2013, p. 240)
afirma que

Sob a influência agostiniana da Cidade de Deus, o


feudalismo estava impregnado de um profundo
espírito de hierarquia por subordinação de toda
a cristandade ao Sumo Pontífice, que governava
espiritualmente os homens, os Impérios, os
Reinos, os Ducados e os nobres feudais, e aos
governantes impunha soluções atinentes ao
poder temporal em nome dos objetivos eclesiais
da salvação dos homens.

Durante um determinado período da Idade Média a discussão política tentava


definir qual a instituição detinha mais poder. Os nobres, com desejos de se livrar
de intervenções da Igreja, afirmavam que o poder temporal era o poder supremo
na terra, enquanto os religiosos diziam que aquele que governa as almas é mais
poderoso do que os que só governam os corpos. Por fim, São Tomás de Aquino
tenta uma fórmula para conciliar as duas posições afirmando que o poder temporal
– dos reis e nobres – deveria se submeter moralmente ao poder religioso, pois
caso contrário, o poder temporal seria extremamente cruel, pois os governantes
cederão às tentações egoísticas, mas a posição de São Tomás acaba agradando os
governantes porque apresenta as duas ordens de poder – o religioso e o temporal
– como pertencendo às esferas distintas.

A organização do estado, dos poderes e da ordem social 117


U3

Se com São Tomás de Aquino, como também


com Aristóteles, Deus é também ratio fiendi e o
poder secular pertence à ordem natural, não há
mais uma ordem unitária encimada pelo poder
religioso, mas duas ordens distintas em que
algumas esferas pertencem à Igreja e outra aos
governantes. [...] é um grande impulso à civittas
terrena, não mais fruto do pecado original, mas
do direito natural e, em consequência é essa
doutrina, a um tempo só, satisfatória para as
pretensões do papado, como para as pretensões
dos governantes leigos (ARAUJO, 2013, p. 245).

Esta formulação das relações de poder que se mostra benéfica para as


pretensões tanto dos governantes temporais como dos governantes dos bens
celestes, abre caminho para a construção dos modernos Estados-nações.

Araújo (2013) demonstra que outra peculiaridade do feudalismo contribui para o


aparecimento dos modernos Estados-nações, há, do ponto de vista político, duas
ideias antagônicas entre si: a ideia de rei, como figura centralizadora e integradora,
mas que não consegue se impor como tal em virtude das dificuldades técnicas e
econômicas, e a figura da autoridade real, exercida por cada senhor feudal local,
por isto mesmo pluralista, e organizadas por estamentos.

A compreensão dos estamentos é fundamental para compreender a ordem


social na sociedade feudal. Os estamentos se definem por um conjunto de direitos
e privilégios, bem como de deveres e obrigações que são aceitos e mantidos
pelas autoridades oficiais. Estes direitos e deveres são diferenciados em função do
nascimento do indivíduo, ou seja, se o indivíduo nasce de uma família que ocupa
determinado lugar no estamento, ou determinado estado ou status, ele poderá
ter uma série de direitos que os outros indivíduos não possuem porque nasceram
em estamentos diferentes. Assim, nascer em uma família nobre lhe dá o direito
à terra, a ocupar determinado lugar social, ao passo que nascer em uma família
camponesa lhe dá o direito de trabalhar e ser servo de algum senhor. Pode-se
dividir os estamentos da seguinte forma: estamentos privilegiados que incluem o
rei, o alto clero e a alta nobreza além do baixo clero e da pequena nobreza - claro
que há uma hierarquia dentro desta divisão; e os estamentos não privilegiados
que incluíam os camponeses e os servos. Nesta sociedade é a propriedade da
terra que define o prestígio, a liberdade e a riqueza, esta propriedade só era
direito dos estamentos privilegiados, o restante sempre era uma classe política e
economicamente dependente.

Apesar do rei ser uma figura integradora no período feudal, era uma figura

118 A organização do estado, dos poderes e da ordem social


U3

também esvaziada de poder uma vez que a autonomia dos nobres para elaborar
leis e exercer o mando em seus feudos fazia com que eles fizessem aliança e
determinassem o apoio ao rei em função dos benefícios que poderiam ter, muitas
vezes, se fosse benéfico para um feudo de fronteira não apoiar o rei em alguma
incursão militar não o fazia.

Segundo Araújo (2013, p. 247), as características políticas do feudalismo são:

• Pluralidade de unidades políticas, em uma


unidade mal articulada, de estrutura frouxa;
• Inexistência de submissão direta do conjunto
do povo ao rei;
• Interposição entre o centro e a base de uma
pluralidade de poderes mediatos, exercidos a
título próprio e patrimonialmente disponíveis;
• Imunidade dos poderes particulares diante do
poder do rei;
• Predomínio da vinculação política pessoal
sobre a institucional;
• Adaptação da organização política
à constelação de poderes de fato às
circunstâncias concretas de pessoas e lugares,
em vez da organização objetiva funcional.

Esta situação muda com o fortalecimento da figura do rei em virtude do apoio


financeiro da burguesia comercial. A idade média começa com o enfraquecimento do
comércio, após as cruzadas e o restabelecimento do comércio com diversos países
europeus, começa a aparecer e se fortalecer economicamente a figura do burguês
e por conseguinte há o reaparecimento das cidades como centros de comércio. No
entanto, a fragmentação da Europa em inúmeros feudos que possuem leis, moedas e
impostos próprios dificulta a atividade destes novos agentes.

A partir do século XIV existe um processo de centralização dos poderes que irá
submeter os senhores feudais ao poder central do governante da nação. O Estado
neste sentido passa a centralizar as forças armadas e a estrutura jurídica, ou seja, não
mais vários exércitos cada um pertencendo a um feudo e uma diversidade de leis,
mas há um conjunto de leis elaboradas por um poder central que todos os estados
(estamentos) devem obedecer. Os impostos também foram centralizados e passou a
existir funcionários especializados para administrar o patrimônio público.

As forças sociais começam a dar uma nova configuração à sociedade feudal,


os nobres continuam mantendo seus privilégios, o clero igualmente, e os servos e

A organização do estado, dos poderes e da ordem social 119


U3

camponeses continuam mantendo sua condição de miséria e submissão, no entanto


a ascensão da burguesia revela uma classe descontente com as condições sociais
impostas e procuram meios de superar esta situação. A primeira forma foi apoiando o
rei e a centralização do poder. Esta centralização começa a ser alvo das preocupações
teóricas de diversos autores a partir do século XVI, esta construção teórica do Estado
moderno é o que veremos na próxima seção.

1. A nação pertence a seu povo e este povo deve decidir


politicamente o futuro desta nação. Esta frase poderia ser aplicada
ao Estado Moderno em que a ideia de povo se confunde com
a ideia de cidadão. Outras realidades políticas não estabelecem
uma relação direta entre povo e cidadania, sendo assim assinale
a alternativa correta sobre quem era cidadão em Atenas.
a. Ser homem, livre, nascido em Atenas, ser filho de pai ou mãe
ateniense, ser reconhecido pela phatria de seu pai, inscrito
nos registros cívicos (dêmos) e cumprir com as obrigações
militares.
b. Ser filhos das famílias patrícias e ligado a um pater família como
cliente, bem como ter prestado serviços militares.
c. Ser maior de 18 anos, estar em dia com as obrigações civis e
militares e não ter se afastado da pátria nos últimos 12 meses.
d. É preciso fazer um juramento ao Imperador prometendo
obediencia e renegando outros senhores, a partir disto
analisa-se se o indivíduo possui propriedade, e se possuir será
considerado cidadão.
e. Ser homem, livre, nascido em Atenas, ser filho de pai ou mãe
estrangeiro, ser reconhecido pela phatria de seu pai, inscrito
no serviço militar.

2. Leia atentamente as proposições abaixo:


• Pluralidade de unidades políticas, em uma unidade mal
articulada, de estrutura frouxa;
• Inexistência de submissão direta do conjunto do povo ao rei;
• Interposição entre o centro e a base de uma pluralidade de
poderes mediatos.
Podem ser consideradas características políticas do feudalismo:
a. Apenas a proposição I.
b. Apenas a proposição II.
c. Apenas a proposição III.
d. Apenas as proposições I e III.
e. Todas as proposições.

120 A organização do estado, dos poderes e da ordem social


U3

Seção 2

Fundamentação teórica do estado-nação


moderno

Por que os homens aceitam receber ordem de outros


homens?

A existência de leis e a probabilidade de que elas sejam seguidas fundamenta


o tipo de dominação dos modernos Estados-Nações de acordo com Max
Weber. No entanto, temos que nos indagar sobre as condições que levaram os
indivíduos a aceitarem um governo civil. Perceba que a ideia de um governo civil
é extremamente complexa, pois implica aceitar as ordens de uma pessoa comum.
Nas formas antigas de Estado, como vimos na seção anterior, o fundamento da
força do Estado estava ou na tradição ou no carisma do governante, ou seja, os
Estados antigos fundamentavam sua dominação como sendo de tipo tradicional
ou carismático, portanto o povo obedecia ou por ser um costume ou por conta
da condição, ou investidura, divina de seus governantes, mas como chegamos ao
governo dos comuns?

1. A IMPORTÂNCIA DA TEORIA

Por vezes afirmamos que a teoria é uma coisa e a prática é outra. Esta é uma
afirmação que precisa ser discutida de maneira mais profunda. Quando falamos em
teoria em Sociologia, estamos discutindo de que forma o ambiente social pode ser
mais bem interpretado, quais os dados que devemos coletar, como coletar, enfim
toda uma discussão que é resultado de um determinado paradigma. O paradigma é
um modelo, um padrão que é assumido em uma determinada época e lugar e que
orienta, de alguma forma, as maneiras de pensar. Compreendemos a importância
da cientificidade porque estamos em um paradigma técnico científico, em outras

A organização do estado, dos poderes e da ordem social 121


U3

épocas houve outros paradigmas, por isto que é interessante verificarmos os


escritos e os teóricos da Ciência Política para compreendermos o paradigma a
que estes estavam submetidos e mostrar que as mudanças na forma de organizar
o Estado e o poder e as mudanças das estruturas sociais não são obras do acaso,
mas que foram fruto de um processo social que resultou em várias concepções
que temos hoje de política e de poder.

1.1. O FUNDAMENTO MUNDANO DO ESTADO

O poder na sociedade feudal estava ligado ao fundamento religioso do


poder dos nobres, assim as condições sociais, as razões das desigualdades e os
fundamentos do poder nunca foram questionadas, pois pertenciam a uma esfera
que superava a vida humana, a esfera divina.

O período conhecido como Renascimento marca algumas mudanças nesta


concepção de mundo. O Renascimento buscava seus fundamentos na antiguidade
greco-romana, assim, aquilo que parecia estar morto, um determinado tipo de arte
e um determinado tipo de pensamento, começa a ressurgir. A arte, por razões
óbvias, demonstra melhor este espírito do Renascimento, mas no campo da
política é possível perceber também este movimento.

Maquiavel é o autor renascentista que sempre é citado quando tentamos


conhecer melhor os fundamentos do Estado Moderno. Maquiavel busca os
fundamentos mundanos do poder quando afirma que sua preocupação recai
sobre a verdade efetiva das coisas, e, como vimos na unidade anterior, o seu livro
“O Príncipe” demonstra como se deve agir para conquistar e manter o poder.

Maquiavel afirma que todos os homens são mentirosos, covardes e ávidos


de lucro (SADEK, 2006) e que o governante – o príncipe, conforme os escritos
deste autor – deve ser alguém virtuoso para conseguir governar estes homens. No
entanto, a ideia de virtude em Maquiavel se afasta das “virtudes cristãs”, justamente
por isto ele utiliza a expressão virtú. A virtú remete à ideia de que o governante deve
ter coragem de fazer tudo o que for necessário para conquistar e manter o poder,
e não apenas fazer todo o necessário, mas tudo isto deve ser feito no momento
mais adequado. Somente desta forma o governante conseguiria conquistar e
manter o poder, sendo assim, o fundamento do poder do governante não está
na origem divina, mas na habilidade deste governante em se manter no poder.
Ainda que a discussão de Maquiavel não se preocupa com a participação popular,
ainda as figuras da nobreza que estão se digladiando pelo poder, o interessante
é que Maquiavel aponta para um poder que só pode ser conquistado e mantido
pela habilidade do nobre, neste sentido, também, Maquiavel se afasta da moral
religiosa, a política, no autor florentino, possui uma ética própria.

122 A organização do estado, dos poderes e da ordem social


U3

A leitura do livro “O príncipe” é fundamental para compreensão do


pensamento de Maquiavel, mas também sugerimos a leitura do texto
de Maria Teresa Sadek intitulado: “Nicolau Maquiavel: o cidadão sem
fortuna, o intelectual de virtú” como um guia para auxiliar na leitura do
texto de Maquiavel. O artigo de Sadek encontra-se em: <http://www.
ceap.br/artigos/ART13102011193159.pdf>.

Na unidade anterior vimos também que outros autores tentaram compreender


esta origem mundana do Estado. Vimos que no século XVII, o paradigma era
explicar tudo a partir de uma construção racional, a tendência do pensamento
era buscar uma explicação secularizada. O Estado precisa ser explicado sem se
recorrer à intervenção divina, ou qualquer outro tipo de pensamento religioso.
Partindo destes pressupostos, o pensamento político do século XVII e XVIII será
marcado por uma explicação sobre a origem do Estado por meio do contrato
social. Aqui é preciso ter claro que a ideia de origem não se refere à cronologia,
não há uma preocupação em delimitar quando o Estado foi criado, mas a ideia
de origem está relacionada à razão de ser do próprio Estado. O que se procura
é “[...] legitimidade da ordem social e política, a base legal do Estado” (ARANHA;
MARTINS, 2003, p. 238). A corrente teórica que tratará desta legitimidade política
por meio do contrato social chama-se contratualismo.

Como o contratualismo é uma corrente teórica bastante importante e suas


explicações, por vezes, carecem de significado, achamos importante retomarmos
o pensamento de Bobbio (1993, p. 272, grifo nosso) para explicar esta corrente
teórica:

O Contratualismo compreende todas aquelas


teorias políticas que veem a origem da
sociedade e o fundamento do poder político
(chamado, quando em quando, potestas
imperium, Governo, soberania, Estado) num
contrato, isto é, num acordo tácito ou expresso
entre a maioria dos indivíduos, acordo que
assinalaria o fim do estado natural e o início
do estado social e político. Num sentido mais

A organização do estado, dos poderes e da ordem social 123


U3

restrito, por tal termo se entende uma escola que


floresceu na Europa entre o começo do século
XVII e os fins do século XVIII e teve seus máximos
expoentes em J. Althusius (1557-1638), T.
Hobbes (1588 – 1679), B. Spinoza (1632 – 1677),
S. Putendorf (1632 – 1694), J. Locke (1632 –
1704), J.-J. Rousseau (1712 – 1778), I. Kant (1724
– 1804). Por escola entendemos aqui não uma
comum orientação política, mas o comum uso de
uma mesma sintaxe ou de uma mesma estrutura
conceitual para racionalizar a força e alicerçar o
poder do consenso.

Apesar da fórmula básica do contratualismo ser a passagem do estado de


natureza ao estado social, ou político, os diferentes autores do contraturalismo
propuseram diferentes formas e diferentes fundamentos para esta passagem.

Na unidade anterior vimos brevemente que Thomas Hobbes aponta que a saída
do estado de natureza se deu porque o estado de natureza era também o estado de
terror em que os homens eram plenamente livres e não havia nada que impedisse
estes homens de fazer o que queriam, assim estes submetem suas liberdades ao
poder de um soberano que poderá agir com violência contra aqueles que não
respeitam o contrato social para manter a paz, assim o soberano é alguém dotado
de espada para poder cumprir sua parte no contrato social. Em Hobbes o locus
do poder não muda, o poder ainda está centrado na autoridade de um soberano
absoluto, mas o fundamento de seu poder não é de origem divina, mas de origem
mundana, esta é a contribuição de Hobbes para pensarmos o Estado Moderno.

Jean-Jacques Rousseau, outro contratualista, tenta também entender os


fundamentos do poder. Rousseau nasce em Genebra (Suíça) e com 30 anos
muda-se para Paris, local que estavam em efervescência os ideais que culminariam
na Revolução Francesa (1789). Rousseau viveu em pleno Iluminismo, período que
se apostava nos poderes da Razão, porém, não tinha muito otimismo em relação
aos poderes da técnica e do progresso. “Rousseau valorizava o sentimento em um
ambiente sobremaneira racionalista” (ARANHA; MARTINS, 2003, p. 249). Rousseau
escreve peças de teatro, romance, escreve sobre música e, evidentemente, sobre
política.

124 A organização do estado, dos poderes e da ordem social


U3

Os temas mais candentes da filosofia política


clássica, tais como a passagem do estado de
natureza ao estado civil, o contrato social,
a liberdade civil, o exercício da soberania, a
distinção entre o governo e o soberano, o
problema da escravidão, o surgimento da
propriedade, serão tratados por Rousseau de
maneira exaustiva, de um lado, retomando
as reflexões de autores da tradicional escola
do direito natural, como Grotius, Putendorf
e Hobbes e, de outro, não poupando críticas
pontuais a nenhum deles, o que o colocará
o século XVIII em lugar de destaque entre os
que inovaram a forma de se pensar a política,
principalmente ao propor o exercício da
soberania pelo povo, como condição
primeira para sua libertação (NASCIMENTO,
2000, p. 194, grifo nosso).

A posição de Rousseau em distinguir o conceito de governo e soberania é, de


algum modo, inovadora. Duas obras deste autor são importantes para compreensão
de seu pensamento político por comporem uma unidade temática, são elas: do
Contrato Social e do Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade
entre os homens. Para compreender unidade temática desta obra é interessante
observarmos a afirmação do próprio Rousseau no primeiro capítulo da obra Do
contrato social: “O homem nasceu livre, e por toda parte geme agrilhardado; o que
julga ser senhor dos demais é de todos o mais escravo. Donde veio tal mudança?
Ignoro-o. Quem a legitima? Esta questão creio poder responder” (ROUSSEAU,
2004, p. 23). O autor suíço irá resolver a questão da legitimidade das mudanças que
levaram o homem livre à condição de escravo na obra Do Discurso sobre a origem
e fundamentos da desigualdade entre os homens, é nesta obra que ele constrói a
história hipotética da humanidade. Nesta construção os homens viviam em estado
de natureza, “[...] bons, sadios e felizes, cuidando de sua própria sobrevivência até
o momento em que surge a propriedade e uns passam a trabalhar para os outros
gerando escravidão e miséria” (ARANHA; MARTINS, 2003, p. 250). Esta escravidão
e miséria surgem de um primeiro pacto, um falso pacto social apresentado pelos
que possuíam propriedade a fim de defender sua propriedade, eis a proposta:

A organização do estado, dos poderes e da ordem social 125


U3

Unamo-nos para defender os fracos da


opressão, conter os ambiciosos e assegura a
cada um a posse daquilo que lhe pertence,
instituamos regulamentos de justiça e de paz,
aos quais todos sejam obrigados a conformar-
se, que não abram exceção para ninguém e
que, submetendo igualmente a deveres mútuos
o poderoso e o fraco, reparem de certo modo
os caprichos da fortuna. Em uma palavra,
em lugar de voltar nossas forças contra nós
mesmos, reúnamo-nos num poder supremo
que nos governe segundo sábias leis que
protejam e defendam todos os membros da
associação, expulsem os inimigos comuns e
nos mantenham em concórdia eterna.

Foi preciso muito menos do que o equivalente


a este discurso para arrastar homens grosseiros
e fáceis de seduzir [...] Todos correram para
suas cadeias de ferros, acreditando assegura a
própria liberdade. [...] Tal foi ou deve ter sido a
origem da sociedade e das leis, que deram novos
entraves aos fracos e novas forças aos ricos,
destruíram sem remédio a liberdade natural,
fixaram para sempre a lei da propriedade e da
desigualdade, de uma astuta usurpação fizeram
um direito irrevogável, e, para o proveito de
alguns ambiciosos, sujeitaram para o futuro
todo gênero humano ao trabalho, à servidão e
à miséria (ROUSSEAU, 2014, p. 113-115).

O filme V de Vingança dirigido por James McTeigu é um excelente


exemplo de um falso pacto.

Este primeiro pacto é falso porque beneficia exclusivamente aos que possuem
a propriedade, no Contrato Social (2004), o que Rousseau pretende estabelecer

126 A organização do estado, dos poderes e da ordem social


U3

são as condições de possibilidade para um pacto legítimo, neste pacto os homens,


depois de terem perdido a liberdade natural, ganham a liberdade civil, para que
isto aconteça é necessária “A alienação total de cada sócio, com os seus direitos,
a toda a comunidade; pois, dando-se cada um por inteiro, para todos é igual a
condição, e, sendo ela para todos igual, ninguém se interessa em torná-la aos
outros onerosa” (ROUSSEAU, 2004, p. 31).

Para conhecer melhor as condições para um pacto legítimo, sugerimos


a leitura dos capítulos VI, VII e VIII do Livro I do Contrato Social
(Rousseau).

Aqui se estabelece uma condição de igualdade que legitima o pacto, ninguém


sai prejudicado neste tipo de contrato,

[...] pois o corpo soberano que surge após o


contrato é o único a determinar o modo de
funcionamento da máquina política, chegando
até mesmo a ponto de poder determinar
a forma de distribuição da propriedade, já
que a alienação da propriedade de cada
parte contratante foi total e sem reservas
(NASCIMENTO, 2000, p. 196).

Aqui, Nascimento (2000), já da pista da ideia de soberania em Rousseau, ou seja,


para o autor suíço o soberano é o corpo coletivo que expressa sua vontade geral
por meio de leis. A soberania do povo se manifesta pelo legislativo e é inalienável,
ou seja, não pode ser dado a outros, o povo não pode ser representado, qualquer
lei que não seja validada pelo povo é nula.

O governo, seguindo os princípios citados anteriormente, não é constituído


por senhores do povo, mas antes são os oficiais do povo podendo ser eleitos e
destituídos conforme a conveniência e os interesses do povo. A democracia direta
é a melhor forma de governo para Rousseau, os cidadãos devem ser consultados
constantemente por meio de assembleias, o governo constituído apenas executa

A organização do estado, dos poderes e da ordem social 127


U3

as leis do soberano que é o povo. Mas como pode haver um governo em que o
governante não se torne um tirano? Não dando todos os poderes a ele. E como
governar sem ter em mãos todos os poderes?

2.2 A DIVISÃO DOS PODERES

Charles-Louis de Secondant (1689 – 1755) nasceu em Brède perto de Bordéus


na França, filho de família nobre foi chamado de barão de la Bréde e, mais tarde,
barão de Montesquieu. Montesquieu recebeu formação iluminista, esta formação
fez com que ele se tornasse um crítico ferrenho do clero e do absolutismo que
estava em franca decadência.

Uma das possíveis definições de Absolutismo é “[...] sistema político em


que se concretiza juridicamente através de uma forma de Estado e que
toda autoridade (poder legislativo e executivo) existe, sem limites nem
controle, nas mãos de uma única pessoa” (BOBBIO, 1993, p. 2).

Montesquieu é uma figura paradoxal dentro da história do pensamento, pois


antes de ter ultrapassado Locke, foi discípulo direto dele,

[...] e do constitucionalismo britânico. No Ensaio


Sobre o Poder Civil encontram-se ao mesmo
tempo, como observa o decano Davy, “a teoria
do poder limitado pelas leis fundamentais
do bem público e da liberdade privada e a
famosa repartição das funções, garantia da
liberdade”. Porém, Montesquieu é sucessor do
tradicionalismo aristocrático, do qual deriva
uma parte das suas concepções. Se bem que
esteja ligado pela sua condição à nobreza de
toga, está próximo, pelo espírito, dos grandes
senhores, de Fénelon e de Saint-Simon, e
documenta-se junto com Le Laboureur e

128 A organização do estado, dos poderes e da ordem social


U3

de Boulainvilliers. [...] Assegurando a confluência


das duas tendências, Montesquieu é talvez o mais
temível adversário do absolutismo, por ser mais
realista. O verdadeiro processo para enfraquecer
o poder no interesse da liberdade individual, não é
dividi-lo como proporá Rousseau, mas sim partilhá-
lo. Ora, esta partilha pode ser feita de duas maneiras;
no sentido vertical, através da interposição entre
o poder e os súditos de corpos intermediários que
serão, segundo a tradição aristocrática, depositários
de uma parte do poder, e no sentido horizontal,
através do reconhecimento de um poder legislativo,
de um poder executivo, e de um terceiro poder que,
para Locke era “federativo” e que, para Montesquieu
será “judiciário”. Estes três poderes equilibram uns
aos outros (PRELÓT, 1974, p. 51-52, grifo do autor).

Agora entramos em algo que está presente em nosso cotidiano, quantas vezes
você ouviu falar dos poderes executivo, legislativo e judiciário no Brasil? Pois é, a
teoria dos três poderes, ou a teoria da separação dos poderes, aparece na obra
de Montesquieu, mas não só isso. Montesquieu também tratará das tipologias dos
governos.

Nosso nobre barão contribuiu também para a adoção do conceito de leis


científicas nas ciências humanas, ou seja, Montesquieu afirmou que haveria certas
uniformidades, certas constâncias na forma como os homens se organizam.
Assim, Montesquieu rompe com a tradição que submete a política à teologia,
afirmando que há uma regularidade na política e que é possível estudá-las desde
que se observe as leis que derivam das relações políticas. “As leis que regem as
instituições políticas, para Montesquieu, são relações entre as diversas classes,
as formas de organização econômica, as formas de distribuição de poder e etc.”
(ALBUQUERQUE, 2000, p. 115). Especificamente o que Montesquieu elege como
sendo seu objeto de estudo são as instituições que os homens criam para reger suas
relações com os outros homens, é por conta deste objeto que ele se interessará
pelas formas de governo, sua preocupação não está em perceber a existência de
instituições políticas, mas compreender como elas funcionam.

Em seus escritos, Montesquieu considera duas formas de funcionamento


político das instituições: 1ª A natureza, que diz respeito a quem detém o poder;
2ª o princípio de governo, é a paixão que move os governos, é o modo de
funcionamento do governo. São três os princípios de governo. Tentaremos mostrar
como estas duas dimensões se articulam.

A organização do estado, dos poderes e da ordem social 129


U3

Quadro 3.2 Tipos de governo segundo sua Natureza e Princípio


DIMENSÕES
Tipo de Governo
Natureza Princípio
Um só governa, por meio
Monarquia Honra
de leis fixas e instituições.
Governa o povo no todo
República ou em parte (Repúblicas Virtude
aristocráticas).
Governa a vontade de um
Despotismo Medo
só.
Fonte: Do autor (2014)

O despotismo é um regime, segundo Montesquieu, que se situa no limiar da


política, é quase uma extensão do estado de natureza (o mesmo estado de natureza
que discutimos anteriormente com Rousseau), os homens agem movidos pelos
instintos e apenas orientados para a sobrevivência, por isto este regime está fadado
à autofagia, ou seja, um tipo de governo em que o princípio é o medo está fadado
à autodestruição.

A honra, própria dos governos monárquicos, não é uma paixão política,


propriamente dita, antes de tudo ela é uma paixão social. “Ela corresponde
a um sentimento de classe, a paixão da desigualdade, o amor aos privilégios e
prerrogativas que caracterizam a nobreza” (ALBUQUERQUE, 2000, p. 117). É por
meio da honra que a nobreza pode transformar seu apetite em bem público.

Só a virtude é uma paixão propriamente política:


ela nada mais é do que o espírito cívico, a
supremacia do bem público sobre os interesses
particulares. É por isso que a virtude é o princípio
da república. Onde não há leis fixas nem poderes
intermediários, onde não há poder que contrarie
o poder como a nobreza contraria o rei e este
à nobreza, somente a prevalência do interesse
público poderia moderar o poder e impedir
a anarquia ou o despotismo, eternamente a
espreita dos regimes populares (ALBUQUERQUE,
2000, p. 117).

Se pudéssemos classificar em termos cronológicos o que Montesquieu pensa


a respeito dos tipos de governo poderíamos dizer que a República é o governo do
passado, uma vez que precisaria estar em lugares em que se reunia um pequeno

130 A organização do estado, dos poderes e da ordem social


U3

número de homens com certas igualdades para decidir as coisas referentes à


política. O despotismo é uma ameaça futura, pois a época em que Montesquieu
está escrevendo, ele está muito presente a monarquia absolutista que abolira
os privilégios da nobreza e apenas o executivo governava sozinho. Apenas a
monarquia é o governo do presente, uma que é o governo das instituições.

Que tal acompanhar os poderes de nossa República, Câmara dos


deputados Federais (http://www2.camara.leg.br/) e Senado Federal
(http://www.senado.gov.br ); a presidência da República (http://www2.
planalto.gov.br); e o Judiciário (http://www.stf.gov.br ).

O autor francês, em uma de suas muitas viagens, vai à Inglaterra o que poderia
dar equilíbrio à monarquia. Na Inglaterra ele analisa o Parlamento inglês dividido
em suas duas câmaras – o sistema bicameral em que há a Câmara dos Lords
(constituída pela Nobreza) e a Câmara dos Comuns (eleita por voto popular) – e a
função dos três poderes: executivo, legislativo e judiciário.

A teoria dos três poderes de Montesquieu também é conhecida como


separação dos poderes, ou ainda, equipotência. O Estado de direito só pode existir
na medida em que os três poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário) estiverem
separados e dotados de igual poder. Segundo Bobbio (1993), o que Montesquieu
gostaria de apresentar era a teoria de um “Governo Balançado” em que os diversos
organismos, por meio de um jogo de peso e contrapeso, realizariam um “equilíbrio
constitucional” que impediria a consolidação de um poder absoluto.

Você percebeu como a teoria dos três poderes está presente hoje e é uma das
bases da República que vivemos? Você também deve ter percebido que o autor
que estamos estudando falou que a república era coisa de um passado em que os
homens poderiam se reunir para discutir as coisas, então qual a tendência política
de Montesquieu?

Para responder a esta questão vamos pedir o auxílio de Aranha e Martins (2003,
p. 249, grifo do autor),

A organização do estado, dos poderes e da ordem social 131


U3

Embora o pensamento de Montesquieu tenha


sido apropriado pelo liberalismo burguês, as
suas convicções dão destaque aos interesses
de sua classe e, portanto, aproximam dos
ideais de uma aristocracia liberal. Ou seja,
critica toda forma de despotismo, mas prefere
a monarquia moderada e não aprecia a ideia
de ver o povo assumindo o poder. Aliás, com
exceção de Rousseau, o pensamento liberal do
século XVIII permanece restrito aos interesses
dos proprietários e, portanto, elitista. Mesmo
para o ideal republicano de Kant, “o empregado
doméstico, o balconista, o trabalhador, ou
mesmo o barbeiro não são membros do Estado,
e assim não se qualificam para ser cidadãos”. É
preciso esperar o século XIX para ver alterações
na política.

O século XIX será marcado pelos governos liberais, como vimos na unidade
anterior, as revoluções burguesas farão com que o ideal liberal se torne a tônica
para reger os Estados europeus, no entanto a democracia liberal precisa conciliar
dois temas difíceis: Liberdade e Igualdade.

2.3 IGUALDADE X LIBERDADE

Qual é a importância da liberdade para você? Será que em


uma sociedade democrática todos somos iguais? Até que
ponto a igualdade não interfere na liberdade?

Estas e outras questões possivelmente passaram pela cabeça de Alexis de


Tocqueville. Falar de Tocqueville é falar da democracia, da liberdade e da igualdade.

Alexis de Toqueville (1805 – 1859) nasceu em uma família aristocrática


que pertencia à pequena nobreza do antigo regime. Foi historiador, escritor e

132 A organização do estado, dos poderes e da ordem social


U3

pensador político que viveu durante o século XIX na França. Sua principal obra é “A
Democracia na América”.

Em 1832, Tocqueville foi encarregado de estudar o regime penitenciário


nos Estados Unidos, ao chegar em terras norte-americanas ele descobre uma
sociedade civil nova em que a igualdade civil e a preponderância da classe média
estavam em um patamar que a velha Europa nunca havia imaginado. Segundo
Prelót (1974, p. 172), “Tocqueville descobre que a democracia como fenômeno
social existe e explica aos seus contemporâneos que essa democracia constitui
inevitavelmente o futuro”.

Gostaria que você percebesse aqui um elemento importante: a descoberta


da democracia como fenômeno social. A democracia é uma palavra antiga, o
conceito desta palavra todos sabem é governo do povo, então porque Prelót (1974)
fala de descoberta? Porque uma coisa é o conceito teórico, ou seja, saber o que a
palavra democracia significa buscando a sua etimologia, outra coisa é percebê-la
como fenômeno social. Você se lembra do que estudamos sobre Montesquieu?
Uma República, ou seja, coisa de todos, em que todos opinem (democracia) é
coisa do passado, de sociedades pequenas. Tocqueville, no entanto, descobre
a democracia como fenômeno social, ou seja, ela existe, está em curso, e não
apenas nos livros. Mas, por que o pensador político francês se encantou com os
Estados Unidos?

O filme Lincoln (2013) se passa durante a guerra civil norte-americana,


em meio à guerra havia outra preocupação, a de formar uma única nação
e para isto a aprovação da lei contra a escravidão era fundamental.

Porque o processo em curso nos Estados Unidos apontava para uma igualdade
crescente entre os cidadãos, ao mesmo tempo em que estes cidadãos conseguiam
preservar a liberdade. Para Tocqueville isto era fantástico, mas por quê? Nosso autor,
desde que se deparou com os contratualistas clássicos, formulou uma questão
central para todos os seus estudos: “O que fazer para que o desenvolvimento da
igualdade irrefreável não seja inibidor da liberdade, podendo por isso vir a destruí-
la?” (QUIRINO, 2000, p. 152).

Para Tocqueville a questão fundamental é que o avanço da igualdade pode


levar ao fim da liberdade, porque em nome de uma sociedade mais igualitária os
indivíduos deveriam abrir mão de uma série de coisas, inclusive de si mesmos.

A organização do estado, dos poderes e da ordem social 133


U3

Abordar, portanto, a questão da liberdade e da


igualdade em Tocqueville, é necessariamente
falar em democracia. Em primeiro lugar porque
Tocqueville identifica, esclarecendo, igualdade
com democracia. Em segundo lugar porque ao
não trabalhar apenas com indagações abstratas
procura entender a questão da liberdade e
da igualdade, onde, acredita, elas não foram
contraditórias. Isto é, onde um processo de
igualização crescente se dava ao mesmo tempo
em que preservava a liberdade, melhor dizendo,
onde a democracia se realizava com liberdade.
Para ele, isso estava acontecendo nos Estados
Unidos da América, por volta de 1830 (QUIRINO,
2000, p. 153).

O interesse de Tocqueville não é apenas conhecer a democracia na América,


mas, construir um conceito definidor de democracia. Ele tenta pintar traços gerais
das sociedades democráticas. Vejamos então, o conceito de democracia já existe na
época de Tocqueville, o conceito é dado pela própria etimologia da palavra, então
demo=povo e cracia=governo, então em uma definição abstrata democracia é o
governo do povo, mas o que isto quer dizer na realidade concreta? Esta é a questão
em Tocqueville, para além da mera abstração, o que se pretende é formular um
conceito de democracia que toque as sociedades reais, concretas. A democracia
foi definida por Tocqueville como o governo no qual o povo desempenha um
papel considerável, o significado da democracia está intimamente ligado à ideia
de liberdade política.

Apesar do seu [Tocqueville] conceito de


democracia ter sido construído a partir
principalmente da realidade sociopolítica
americana e Tocqueville considerar que era nos
Estados Unidos que o processo democrático
apresentava-se mais desenvolvido, isto não
quer dizer que neste país a democracia já
esteja plenamente realizada ou que o processo
igualitário se repetirá da mesma forma, vindo a
cumprir as mesmas etapas em outros lugares.

134 A organização do estado, dos poderes e da ordem social


U3

Pelo contrário, para ele, cada país, cada nação terá


o seu próprio desenvolvimento democrático. Porém,
sem dúvida, todas caminharão para uma situação
cada vez mais ampla de igualdade de condições.
Nessa diversidade de caminhos que as nações podem
percorrer para a realização da democracia, o fator
mais importante para defini-los é a ação política de
seu povo (QUIRINO, 2000, p. 154).

No entanto, no horizonte de nosso autor há alguns problemas que o


desenvolvimento democrático pode ter de enfrentar. O primeiro problema é a
aparição de sociedade de massa, esta sociedade de massa poderia destruir
as possibilidades das manifestações de minorias, ou mesmo de indivíduos
diferenciados. Isto é definido por Tocqueville como a Tirania da Maioria. Outro
problema vislumbrado pelo pensador francês é o surgimento de um Estado
autoritário-despótico. O individualismo, alimentado pelo desenvolvimento do
industrialismo capitalista em que o interesse mais alto é o lucro pode gerar um
descaso nos indivíduos em relação à coisa pública, assim o Estado, aos poucos,
tomara para si todas as atividades públicas e começará a decidir sozinho em todos
os assuntos públicos, e aos poucos irá intervir nas liberdades individuais.

Um livro bastante interessante sobre como a igualdade pode pôr fim à


liberdade é “1984” de George Orwell. O romance mostra uma época
em que, em nome da igualdade se viola a liberdade do indivíduo. Há
pelo menos duas versões para o cinema deste livro.

Tocqueville aponta que para diminuir os perigos para democracia é preciso,


no mundo moderno, que os cidadãos participem das atividades políticas, assim
dificilmente o Estado poderá tomar as decisões sozinho, pois a sociedade não é
uma sociedade de massa, mas uma sociedade de cidadãos. Além disto, é preciso
primar pela existência e manutenção de certas instituições que podem dificultar o
aparecimento de um Estado autoritário.

Apesar dos riscos que estão no horizonte da democracia, da liberdade e da


igualdade, Tocqueville não faz longas considerações tristes sobre estas ameaças,

A organização do estado, dos poderes e da ordem social 135


U3

antes ele tenta indicar aos homens o que é preciso fazer para escaparem à tirania
e à degradação.

3. AS FORMAS DE GOVERNO

No dia 21 de abril de 1993 houve um plebiscito para que os cidadãos escolhessem


qual seria a forma de governo do Brasil, bem como qual seria o sistema de governo.
Entre as formas de governo estavam as opções Monarquia e a República, e entre
os sistemas de governo estavam o Presidencialismo e o Parlamentarismo. Como
você pôde ter percebido, venceu a República e o Presidencialismo. Segundo o
Tribunal Superior Eleitoral (2013):

O plebiscito foi determinado pelo artigo 2º do


Ato das Disposições Constitucionais Transitórias
(ADCT) da Constituição Federal de 1988. Pelo
artigo, a consulta popular estava marcada
originalmente para ocorrer no dia 7 de setembro
de 1993, mas foi antecipada para 21 de abril de
1993 pela Emenda Constitucional nº 2, de 25 de
agosto de 1992.
De um universo de 90.256.461 eleitores na
época, compareceram às urnas 66.209.385
(73,36%), sendo que 551.043 votaram em
trânsito na ocasião. A República foi escolhida
por 43.881.747 (66,28%) eleitores, sendo que a
Monarquia recebeu 6.790.751 (10,26%) votos.
Votaram em branco neste item 6.813.179
(10,29%) eleitores, e 8.741.289 (13,20%) anularam
o voto.
Já 36.685.630 (55,41%) eleitores optaram pelo
sistema presidencialista de governo, e 16.415.585
(24,79%), pelo parlamentarista. Votaram em
branco neste item 3.193.763 (4,82%) eleitores, e
9.712.913 (14,67%) votaram nulo.

Percebam que os números acima mostram a esmagadora vitória da República


sobre a Monarquia e uma vitória mais modesta do Presidencialismo sobre o
Parlamentarismo. No entanto, há aqui um primeiro problema de ordem conceitual.
Qual é a diferença entre Formas de Governo e Sistemas de Governo?

Na forma como foi usada no plebiscito, as formas de governo se distanciam

136 A organização do estado, dos poderes e da ordem social


U3

da conceituação das formas de governo em Aristóteles. Bobbio (1998, p. 56) cita


Aristóteles mostrando que para este autor “[...] governo é o poder soberano da
cidade, é necessário que esse poder soberano seja exercido por 'um só', por 'poucos'
ou por 'muitos'”. O próprio Aristóteles explica os seus conceitos apresentando três
formas boas destas três formas de governos serem exercidas, bem como três
formas más, neste sentido há seis formas de governo em Aristóteles:

Chamamos 'reino' ao governo monárquico


que se propõe a fazer o bem público;
'aristocracia', ao governo de poucos [...]
quando tem por finalidade o bem comum;
quando a massa governa visando ao bem
público, temos a 'polida', palavra com que
designamos em comum todas as constituições
[...]. As degenerações das formas de governo
precedentes são a 'tirania' com respeito ao
reino; a 'oligarquia', com relação à aristocracia;
e a 'democracia', no que diz respeito à 'polida'.
Na verdade, a tirania é o governo monárquico
exercido em favor do monarca; a oligarquia
visa ao interesse dos ricos; a democracia, ao
dos pobres. Mas nenhuma dessas formas mira a
utilidade comum (ARISTÓTELES apud BOBBIO,
1998, p. 56, grifo do autor).

Para Aristóteles a classificação das formas de governo é feita a partir de dois


critérios simples, (1º) “quem governa” e (2º) “como governa”. A expressão “quem
governa” indica se o governo é exercido por um só, por poucos ou por muitos, e
o “como governa” indica se a forma de governo é boa ou má.

Quadro 3.3: Formas de Governo e seus desvios segundo Aristóteles

Forma de exercício do Formas de Governo Formas de desvio do


poder soberano governo
Governo de um só Monarquia Tirania
Governo de poucos Aristocracia Oligarquia
Governo de muitos Polida Democracia

Fonte: O autor (2014)

A organização do estado, dos poderes e da ordem social 137


U3

Modernamente, no entanto, há uma outra forma de descrever as formas de


governo. Giddens (2005) mostra que um dos aspectos importantes da sociedade
contemporânea é o governo e a política. Para este autor,

O governo refere-se à representação regular


de políticas, decisões e assuntos de Estado
por parte dos servidores que compõe um
mecanismo político. A política diz respeito
aos meios pelos quais o poder é utilizado para
influenciar o alcance e o conteúdo das atividades
governamentais (GIDDENS, 2005, p. 342).

O governo, portanto, é exercício da política por parte de quem está no poder,


sendo assim, em Giddens (2005), não há o estudo das formas de governo, já que estas
seriam transitórias, mas de regimes políticos. Para ele há três tipos fundamentais de
regimes políticos na contemporaneidade: monarquia, democracia e autoritarismo.

A monarquia é o sistema político liderado por um único indivíduo, este poder,


geralmente, é herdado da família. “A autoridade das monarquias é legitimada pela
força da tradição, e não da lei” (GIDDENS, 2005, p. 343). Na idade Antiga e Média
houveram várias monarquias, na atualidade ainda existem em Estados como a Grã-
Bretanha e a Bélgica. A diferença entre as monarquias antigas e as novas é que as
monarquias da atualidade são monarquias constitucionais, ou seja, o poder do
monarca é restringido pela constituição do país, esta mesma constituição confere
autoridade aos representantes eleitos pelo povo.

A democracia é um sistema político em que quem governa é o povo. O


problema desta definição tão simples é que ao longo da história a expressão “povo”
assumiu significados diferentes, algumas vezes seu significado foi de homens com
propriedades, homens brancos, homens adultos, homens e mulheres que sabem
ler e escrever etc. Como vimos anteriormente com Tocqueville, a democracia diz
respeito à igualdade e à liberdade, na atualidade a democracia é vista como um
sistema capaz de assegurar o bem comum. A democracia também pode ser de
duas formas diferentes, a democracia direta ou participativa, em que as decisões
são tomadas por todos aqueles que serão afetados por ela, e a democracia
representativa, em que se elege representantes para tomar as decisões em nome
de toda a sociedade.

O autoritarismo é o regime político no qual a participação do povo é repudiada,


ou restringida. Neste tipo de regime o interesse do Estado tem prioridade em
relação aos interesses comuns dos cidadãos.

138 A organização do estado, dos poderes e da ordem social


U3

O filme “A Onda” do diretor Dennis Gansel, mostra um professor durante


um projeto da escola em que durante uma semana ele precisaria
ministrar um curso sobre autocracia. Seu projeto aborda a manipulação
das massas.

Mas voltando a falar do plebiscito de 1993, as formas de governo em que se podia


votar eram República ou Monarquia. A monarquia foi explicada anteriormente, este
conceito está evidente, não é? Mas, e República, o que é? Vamos a ela.

República é uma nova palavra que surge em Roma para definir uma nova forma
de organização do poder após a saída dos reis. Segundo Bobbio (1993, p. 1107,
grifo do autor),

[...] res publica [sic] quer pôr em relevo a coisa


pública, a coisa do povo, o bem comum, a
comunidade, enquanto quem fala de monarquia,
aristocracia, democracia, realça o princípio de
Governo (archia). Foi Cícero sobretudo quem
definiu conceitualmente o significado de res
publica, ao demonstrar que por povo se há de
entender “non omnis hominum coetus quoquo
modo congregatus sed coetus moltitudinis iuris
consensu et utilitatis communione sociatus”
(não uma multidão unida de qualquer maneira,
mas sim uma multidão unida pelo consenso do
direito e pela utilidade comum).

Vemos na afirmação anterior que a República romana já dá importantes pistas


de como ela irá se diferenciar das monarquias e dos governos injustos. No entanto,
apesar do termo república originalmente ter se originado em Roma, na atualidade
ele assume alguns contornos diferentes, sobretudo em função da Revolução
Americana.

A organização do estado, dos poderes e da ordem social 139


U3

Com a revolução americana, este significado


da palavra República mudou totalmente: os
americanos (John Adams, Alexander Hamilton)
chamaram ao Estado e à Federação, Repúblicas,
não só porque não existia instituição monárquica,
mas também porque a sua democracia era
uma democracia representativa, baseada na
separação dos poderes e num sistema de pesos
e contrapesos entre os vários órgãos do Estado
(BOBBIO, 1993, p. 1108).

Portanto, a República é a coisa de todos em que todos podem, a partir das leis
vigentes, influenciar em suas decisões mediante os diversos organismos sociais que
permitem haver um equilíbrio entre as forças do Estado, pela divisão dos poderes, e
dos cidadãos, pelo acesso à participação nas decisões que os afetam diretamente.

Maluf (2013, p. 187) apresenta uma definição mais sucinta de República: “República
é o governo temporário e eletivo”. No plebiscito feito em 1993 se pensava na separação
entre Monarquia e República neste sentido, se o chefe de Estado seria um cargo
temporário exercido por alguém escolhido pelo povo (República) ou se seria alguém
vindo de uma família cujos valores tradicionais lhe garantiriam ficar como chefe do
Estado de maneira vitalícia (Monarquia).

E quanto ao Parlamentarismo e Presidencialismo, qual é a diferença entre eles?

O governo parlamentar se encontra tanto em repúblicas como em monarquias.


A origem do governo parlamentar está nas monarquias europeias, principalmente a
monarquia inglesa. Em realidades bipartidárias (somente dois partidos disputando a
preferência dos cidadãos) o partido que obtiver a maioria dos votos deve escolher
o chefe de governo, tornando-se assim responsável pelo governo. Em realidades
multipartidárias, diferentes partidos podem se unir para formar um governo de coalizão.

O filme “A Dama de Ferro”, dirigido por Phyllida Lloyd, conta a história


da primeira ministra britânica Margareth Thatcher. Outro filme
interessante é “A rainha” filme de Stephen Frears, em que, depois da
morte da princesa Diana, mostra a relação entre o Chefe de Estado
(Rainha Elizabeth II) e o chefe de Governo (1º ministro Tony Blair).

140 A organização do estado, dos poderes e da ordem social


U3

Nos governos parlamentares existe uma divisão entre o chefe de governo,


que é o responsável pela administração do Estado, nomeação dos ministros,
articulação política com o parlamento etc., e o chefe de Estado que pode ser
um monarca ou um presidente. O chefe de Estado tem por atribuição exercer
as relações diplomáticas com outros países, fortalecer as instituições do Estado
e servir como poder moderador entre as forças partidárias. Maluf (2013, p. 270),
afirma que “[...] teoricamente, o parlamentarismo é o mais perfeito sistema de
governo democrático, e a primeira razão está em que permite o funcionamento
normal do sistema representativo sem impedir a manifestação plena e contínua da
soberania nacional”.

Permite a soberania nacional porque não precisa esperar quatro anos para
escolher novos representantes, se o chefe do governo não atende aos anseios da
população ele pode ser destituído pelo parlamento mesmo que não seja o período
eleitoral. Da mesma forma que o parlamento pode ser dissolvido pelo chefe de
Estado se este não atende os seus cidadãos. A consulta pública é constante.

O presidencialismo só pode ocorrer nas repúblicas. O presidente deve acumular


os cargos de chefe de Estado e de chefe de governo. Ele é eleito pelo voto da
população, como é eleito pela totalidade do corpo eleitoral sua posição é central
em relação a todas as instituições que compõe o Estado.

Segundo Maluf (2013, p. 257), “O sistema presidencial consiste, em última


análise, numa transferência do poder de soberania ao governo. E quando isso
ocorre, o sistema de governo é democrático no tocante à sua origem, mas não na
sua realização”.

Por que Maluf (2013) fala da transferência da soberania? Porque no sistema


presidencial o povo pode escolher periodicamente seus representantes e estes
exercerão o poder de acordo com suas convicções e motivações pelo período em
que estiver ocupando o cargo. Apesar de haver uma separação entre os poderes,
o presidente eleito pelo voto direto é representante da soberania nacional tanto
quanto o congresso. Por isso ele pode enviar leis de sua autoria para aprovação no
congresso, bem como vetar artigos de lei, linhas ou uma só palavra daquilo que é
elaborado pelo congresso. O presidente só poderá ser destituído das suas funções
caso ele tenha cometido algum crime no conceito específico da lei penal, mas
caso apenas tome decisões erradas, ou que desagrade aos cidadãos não poderá
ser cassado.

Bem, como vimos, as formas de governo são importantes porque elas


influenciam diretamente a vida de todos nós, e vimos também que hoje moramos
em uma República Presidencialista pela livre escolha nossa.

A organização do estado, dos poderes e da ordem social 141


U3

1. Nicolau Maquiavel foi um teórico florentino que escreveu


o livro “O príncipe” considerado por muitos como um
manual para conquista e manutenção do poder. Segundo o
pensamento de Maquiavel é correto afirmar:
a. Que o governante que quiser conquistar e manter o poder
não pode se render aos ditames da moral convencional
entendendo que a política possui uma ética própria.
b. Que o governante deve utilizar todos os esforços para
conquistar o amor do povo, somente o amor do povo dará
poder ao governante.
c. Que o poder deve ser exercido em conformidade com a
virtús, este termo estabelece a necessidade de se atender a
moralidade cristã.
d. Que o governante precisa de muita sorte para governar um
povo, esta sorte está relacionada ao acaso, coisas que o
governante não pode controlar.
e. Nenhuma das respostas anteriores é correta.

2. Segundo Hobbes, “O fim último, causa final dos desígnios


dos homens (que amam naturalmente a liberdade e o domínio
sobre os outros), ao introduzir aquela restrição sobre si
mesmos sob a qual vemos viver nos Estados, é o cuidado com
a própria satisfação e com uma vida mais satisfeita.” (HOBBES,
Thomas. O leviatã, ou matéria, forma e poder de um Estado
eclesiástico e civil. São Paulo: Abril Cultural, 1996. p. 107).
Tendo como base o texto acima e os conhecimentos
adquiridos na disciplina assinale a alternativa correta.
a. Segundo Hobbes, os homens juntam-se e fazem o contrato
social para terem plena liberdade.
b. Segundo Hobbes, o estado de natureza da plena liberdade é
o estado de terror e para fugir do terror os homens fazem o
contrato social.
c. O contrato social, segundo Hobbes, faz com que os
homens deixem seu estado de homem artificial e passem a
ser homens naturais.
d. Os homens, em estado de natureza é bom, no entanto, seus
ideais são plenamente realizáveis apenas depois do contrato
social.
e. Todo poder emana do povo e o soberano é servo de todo
povo.

142 A organização do estado, dos poderes e da ordem social


U3

Nesta unidade você aprendeu:

• Que a formação política de uma sociedade é resultado das


relações das forças sociais em processo.

• Que as sociedades buscaram uma forma de fundamentar o


poder de um grupo sobre os outros.

• Que na Grécia Antiga a sociedade era dividida entre os cidadãos


e os não cidadãos e que os destinos políticos da cidade eram
decididos pelos cidadãos que era uma pequena parte da
sociedade.

• Que os filósofos que escreveram sobre a política na Grécia


Antiga jamais quiseram colocar fim a esta forma de organização
social, e que o ideal da cidade bela e justa era um ideal pensado
apenas para os cidadãos.

• Que entre os romanos havia um sentimento mais pragmático


do que entre os gregos o que fez com os que os romanos
nunca dicotomizassem entre a sociedade real e a sociedade
ideal, entre as leis e a moral, assim a lei era a moral.

• O período conhecido como período de Roma República foi


de avanços na construção de um código de leis civis e da
possibilidade de direitos mais iguais entre homens de classes
diferentes.

• O avanço de Roma em suas conquistas fez com que a forma de


República fosse substituída pelo Império, algumas instituições
criadas na República foram mantidas no período Império.

• A sociedade feudal se mostrou extremamente fragmentada


tanto em sua estrutura social quanto na estrutura política, aliás,
a fragmentação política é reflexo da fragmentação social.

• A condição de fragmentação só foi superada pela centralização


do Poder e esta centralização pode ser tomada como o ponto
de partida do Estado moderno.

• O Estado Moderno é um Estado em que a forma de dominação

A organização do estado, dos poderes e da ordem social 143


U3

está assentada nas leis e na racionalidade das leis.

• Os fundamentos do poder foram sendo construídos ao longo


dos anos e assim a ideia de que a sociedade surge de um
contrato social é extremamente importante, pois fundamenta
a origem mundana do poder.

• Montesquieu estabeleceu e preocupou-se em discutir uma


estrutura de poder que possa favorecer o Estado Moderno e ele
elaborou o princípio da equipotência.

• Tocqueville discutiu como as democracias modernas devem se


comportar para que não se tornem a ditadura da maioria.

• Por fim, discutimos as formas de governo dentro de um Estado


democrático.

Depois de um longo percurso teórico tivemos a oportunidade


de perceber como em todo tempo e lugar sempre se buscou
um fundamento para o poder de alguns sobre muitos. Todas as
sociedades humanas possuem uma determinada forma de tratar
as coisas públicas, uma determinada forma de organização
e uma determinada estrutura e a forma que temos nos dias
atuais não é a melhor e, possivelmente, não é a última forma
de estrutura e organização do poder, mas é a forma que foi
construída ao longo dos anos pela ação das mulheres e homens
em sociedade. Percebemos também que as estruturas sociais
estão tão interligadas que é quase impossível isolar um aspecto
desta estrutura para compreender o Estado, mas é fundamental
compreender o Estado como resultado da formação social, pois
caso contrário, a sociologia não poderia compreendê-lo.

144 A organização do estado, dos poderes e da ordem social


U3

1. As ideias de Montesquieu apontam para a necessidade da


divisão dos poderes, a ideia fundamental é evitar o arbítrio e a
violência.
Com base na afirmação acima e nos seus conhecimentos,
assinale a alternativa que coincide com o pensamento de
Montesquieu sobre os três poderes.
a. O poder executivo e o legislativo não precisam ser divididos,
pois quando na mesma pessoa ou no mesmo corpo
de magistratura o poder executivo está unido ao poder
legislativo, somente aí há liberdade, pois o julgamento se
daria de maneira imparcial.
b. O poder deve ser dividido para que haja liberdade, pois se os
poderes de julgar e de fazer leis estivessem na mão de um
único homem detentor também do poder executivo, as leis
poderiam ser tirânicas e o juiz um opressor.
c. A divisão dos poderes é fundamental para qualquer
democracia, no entanto para que uma democracia funcione
perfeitamente estes poderes devem ser exercidos pela mesma
pessoa, assim se evitaria o conflito de interesses.
d. Montesquieu ao elaborar a teoria do contrato social estabelece
a necessidade dos homens renunciarem a seus direitos, por
isso qualquer um que exerça qualquer dos três poderes vai,
em última instância, ser o tirano do povo.
e. Montesquieu estabelece que os poderes devem ser exercidos
exclusivamente por um soberano despótico. Esta é a condição
básica, segundo este autor, para que a tirania não reine em
um determinado Estado.

2. Em 1832, Tocqueville foi encarregado de estudar o regime


penitenciário nos Estados Unidos, ao chegar em terras norte-
americanas ele descobre uma sociedade civil nova em que a
igualdade civil e a preponderância da classe média estavam
em um patamar que a velha Europa nunca havia imaginado.
Segundo Prelót (1974, p. 172), “Tocqueville descobre que a
democracia como fenômeno social existe e explica aos seus
contemporâneos que essa democracia constitui inevitavelmente
o futuro”.
Assinale a alternativa que melhor estabelece as ideias de
Tocqueville sobre esta democracia que se constitui no inevitável
futuro.
a. Segundo Tocqueville, a primeira realização da democracia

A organização do estado, dos poderes e da ordem social 145


U3

é a aparição de sociedade de massa, esta sociedade de


massa poderia ser a possibilidade da minoria, ou mesmo
de indivíduos diferenciados, poderem se manifestar e
conquistar seus direitos.
b. A democracia se constituía no inevitável futuro porque,
segundo Tocqueville, o processo em curso nos Estados
Unidos apontava para uma igualdade crescente entre
os cidadãos, ao mesmo tempo em que estes cidadãos
conseguiam preservar a liberdade.
c. A democracia na América, segundo Tocqueville,
demonstrava como este regime tinha características
tirânicas. Os seus métodos eram tão incisivos e despóticos
que não haveria povo que conseguiria se livrar deste
sistema medonho de governo.
d. A principal característica da democracia, e a que deve
ser melhor cultivada para que a democracia se torne
sinônimo de liberdade e igualdade é a de o Estado tomar
as decisões sozinho sem que os cidadãos possam opinar.
e. A democracia se constituía no inevitável futuro porque,
segundo Tocqueville, o processo em curso nos Estados
Unidos apontava para a construção de uma sociedade
que se tornaria uma nova potência mundial suprimindo a
liberdade de seus cidadãos e de todos os povos que eles
dominavam.

3. Leia atentamente as proposições abaixo.


I. Em um sistema presidencialista o presidente deve
acumular os cargos de chefe de Estado e de chefe de
governo. Ele é eleito pelo voto da população, como é
eleito pela totalidade do corpo eleitoral, sua posição é
central em relação a todas as instituições que compõem
o Estado.
II. Em um sistema parlamentarista o primeiro-ministro deve
acumular os cargos de chefe de Estado e de chefe de
governo. Ele é eleito pelo voto da população, como é
eleito pela totalidade do corpo eleitoral, sua posição é
central em relação a todas as instituições que compõe o
Estado.
III. Nos governos parlamentares existe uma divisão entre o
chefe de governo, que é o responsável pela administração
do Estado, nomeação dos ministros, articulação política
com o parlamento etc., e o chefe de Estado que pode ser
um monarca ou um presidente. O chefe de Estado tem

146 A organização do estado, dos poderes e da ordem social


U3

por atribuição exercer as relações diplomáticas com outros


países, fortalecer as instituições do Estado e servir como
poder moderador entre as forças partidárias.

Tendo por base os seus conhecimentos sobre o sistema


presidencialista e parlamentarista assinale a alternativa correta.
a. Somente a proposição I está correta.
b. Somente a proposição II está correta.
c. Somente a proposição III está correta.
d. As proposições I e II estão corretas.
e. As proposições I e III estão corretas.

4. Sobre o pensamento político de Jean-Jacques Rousseau,


qual das afirmativas abaixo melhor representa suas ideias?
a) Rousseau defende a democracia sem governo para os
países capitalistas, onde cada indivíduo pode opinar e decidir
diretamente os assuntos de seu interesse.
b) A melhor forma de governo, para Rousseau, é a monarquia
constitucional, por ser capaz de garantir a divisão dos três
poderes.
c) A liberdade e a igualdade de direitos são princípios que devem
ser defendidos por um governo democrático, conforme
afirma Rousseau.
d) Rousseau foi um dos maiores defensores do liberalismo
político, pela ênfase dada ao direito à propriedade privada.
e) Em seus estudos sobre a democracia Rousseau procurou
comparar os sistemas políticos dos Estados Unidos e da
França, dando mais credibilidade ao primeiro.

5. Alguns dos pensadores clássicos da filosofia política


moderna defenderam que todo Estado deve ter um
governo que seja capaz de assegurar sua própria
soberania, garantindo a execução das leis, da ordem
social, e do desenvolvimento da sociedade. Sobre
isto analise as alternativas abaixo e assinale a opção
INCORRETA:
(A) O conceito de Estado Moderno surge no pensamento
político após a Revolução Industrial, no século XX, inspirado
pelos ideais burgueses republicanos mais adequados à
ordem social capitalista.
(B) Os chamados filósofos contratualistas não chegaram a
tratar do conceito de “sociedade civil”, termo que surgiu
somente no século XVIII. Até então, concebia-se a ideia de

A organização do estado, dos poderes e da ordem social 147


U3

que a sociedade se organizava coletivamente, pactuando


um “contrato social” inicialmente informal, e depois na
forma de leis formais.
(C) A construção histórica, política e social do Estado
Moderno encontra-se vinculada às profundas
transformações ocorridas principalmente nos séculos
XIV, XV e XVI, quando começa a gradativa superação do
modo de produção feudal e o surgimento do capitalismo
mercantil.
(D) O movimento intelectual do Iluminismo foi fundamental
para a substituição da ideia de “vontade divina” como
fundamento dos governos monárquicos, pela ideia dos
“direitos naturais” e do papel do Estado na realização do
bem comum, promovendo os ideais republicanos.
(E) O Estado Moderno é formado pela sociedade civil, e
esta, por sua vez, dele depende, especialmente para a
formulação e execução de leis, organização e controle
das instituições sociais, entre outros.

148 A organização do estado, dos poderes e da ordem social


U3

Referências

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Ubirajara Coelho Neto, 2013.

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Ed. Ridendo Castigat Mores. Disponível em: <http://www.ebooksbrasil.org/
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U3

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SIMMEL, Georg. Questões fundamentais da sociologia: indivíduo e sociedade. Rio


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THEML, Neyde. Público e privado na Grécia do VIII ao IV séc. a.C.: o modelo


ateniense. Rio de Janeiro: Sette Letras, 1988.

TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL. Plebiscito sobre forma e sistema de governo


completa 20 anos. 22 de abr. de 2013. Disponível em: <http://www.tse.jus.br/
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20-anos>. Acesso em: 11 dez. 2014.

150 A organização do estado, dos poderes e da ordem social


Unidade 4

INSTITUIÇÕES DE DIREITO
NO BRASIL E OS DIREITOS E
GARANTIAS FUNDAMENTAIS

Janaina Carla da Silva Vargas Testa

Objetivos de aprendizagem: A intenção do estudo desta unidade


é introduzir você no campo maravilhoso do Direito. Objetiva-se, neste
nosso primeiro encontro, um contato com as primeiras lições do direito
para, então, abordarmos os fundamentos e características do Estado
Democrático de Direito. Por fim, almeja-se que, com o entendimento do
conceito de “Estado Democrático de Direito”, você compreenda a dimensão,
as características e a importância dos direitos e garantias fundamentais
previstos constitucionalmente, tais como os direitos individuais, direitos
sociais, direitos políticos e os remédios constitucionais.

Seção 1 | Instituições de direito no Brasil e o estado


democrático de direito

Conhecer o papel do Direito e sua finalidade, por meio de um breve


estudo sobre o papel e a finalidade do Direito, bem como acerca dos
ramos do direito. Objetiva-se também discorrer sobre um importante
instituto deste campo do conhecimento: o Estado Democrático de
Direito.
U4

Seção 2 | Direitos e garantias fundamentais


A seção objetiva apresentar os direitos e garantias fundamentais
previstos na Constituição Federal como condição para a concretização
do Estado Democrático de Direito.

152 Instituições de direito no Brasil e os direitos e garantias fundamentais


U4

Introdução à unidade

Olá! Preparados para iniciar uma viagem em busca do Direito? Espero que sim!

Para começar a nossa conversa, propus a você uma noção introdutória do


Direito. O assunto “instituições de direito no Brasil” nos remete, justamente, a lições
preliminares deste campo do conhecimento. Você sabe da importância que o
direito tem para a sociedade? Qual a dimensão da responsabilidade do direito ao
regulamentar a vida em sociedade? É o que iremos descobrir. Por isso, o nosso
estudo começará com uma breve discussão acerca do papel do direito e de sua
função social.

Ultrapassada esta etapa, vamos juntos refletir sobre os ramos do direito. A


intenção deste estudo é a de levar ao seu conhecimento o fato de que o direito é
dividido em campos ou ramos, os quais, provavelmente, você já ouviu falar. A título
de exemplo, podemos citar o Direito do Trabalho, o Direito de Família, o Direito
Empresarial, o Direito Financeiro, o Direito Tributário, o Direito Orçamentário.
Pois bem, são todos ramos do direito. Claro que o objetivo não é conhecer
profundamente cada campo do direito, já que foge aos objetivos desta disciplina.
A intenção é apenas saber que, didaticamente, o direito é dividido em ramos.

Após esta conversa introdutória sobre o “mundo do direito”, será o momento


de você se concentrar no papel do Estado Democrático de Direito e no seu
compromisso de efetivar direitos fundamentais.

Imagino que você, em algum momento da sua vida, deve ter ouvido falar que o
nosso país é um Estado federal. Acredito também que, em algum momento, você
ouviu ou leu a expressão “Estado Democrático de Direito”. Pois bem, mas o que
significa esses termos? Você já refletiu sobre isso?

Em que momento, na história do país, a República Federativa brasileira, conforme


menciona a Constituição Federal de 1988, passou a ser um Estado democrático e
de direito?

Estas e outras questões serão debatidas nesta unidade.

Na segunda seção, iremos estudar de modo reflexivo e crítico os direitos e


garantias fundamentais previstos na Constituição Federal de 1988. Você conhece
todos os seus direitos políticos, sociais e individuais? Conhecê-los e exercê-los é
um ato de cidadania.

Instituições de direito no Brasil e os direitos e garantias fundamentais 153


U4

Ser cidadão significa ser, ao mesmo tempo, detentor de direitos e de deveres.


Isso quer dizer que não basta exigir do Estado ou da sociedade que seus direitos
sejam respeitados, porque ser cidadão requer também atitude, no sentido de lutar
pelo que é correto e justo. Além disso, exige cumprimento de dever, com o fim de
se apresentar, para a sociedade, com um exemplo de bom cidadão.

A nossa atual Constituição Federal, em 1988 (BRASIL, 1988) estabeleceu


a cidadania como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil e do
Estado Democrático de Direito. Este modelo de Estado pressupõe um conteúdo
de transformação da sociedade, do status quo, sendo a lei um instrumento de
transformação, no sentido de organizar democraticamente a sociedade. Você
acha isso possível?

Com o objetivo de refletir sobre todas estas problemáticas, propomos nesta


unidade um estudo preliminar do Direito, cujo conteúdo é essencial ao seu
aprendizado, para, então, direcionar a nossa conversa para o estudo dos direitos
fundamentais, com o intuito não só de conhecê-los, mas de criar mecanismos para
a sua efetivação, já que sem esta efetivação não há possibilidades de construção
de um Estado democrático de Direito. Bom proveito!

154 Instituições de direito no Brasil e os direitos e garantias fundamentais


U4

Seção 1

Instituições de direito no Brasil e o estado


democrático de direito
Nesta primeira seção, você poderá refletir sobre as diversas concepções da
palavra Direito. O que é Direito para você? Depende em qual contexto estivermos
usando a palavra, não é mesmo? Por isso, se faz necessário, numa discussão
introdutória do Direito, conhecer as várias concepções desta palavra, estudar
sobre o papel do Direito, ou seja, a finalidade deste conhecimento, bem como a
sua relação com a moral.

A temática acerca da discussão sobre as instituições de direito no Brasil nos


remete a um estudo sobre noções gerais de direito. Por isso, esta seção objetiva
apresentar um breve estudo dos ramos do direito.

Para finalizar a primeira seção, faremos um estudo acerca de um importante


instituto de direito no Brasil que é o Estado Democrático de Direito, por meio
das características do federalismo brasileiro, dos objetivos e dos fundamentos do
Estado Democrático. Concentre-se e faça um excelente estudo.

1.1 O direito e a sua função social

Tenho certeza de que será muito proveitoso o seu estudo, não só para a sua
vida profissional, mas também para sua vida pessoal. Tendo em vista que esta
unidade introduz o estudo do direito, faz-se necessário antes de começar qualquer
discussão, conhecer alguns elementos, conceitos e institutos do direito, com o fim
de entender um pouco melhor esse ramo do conhecimento.

Na verdade, a intenção desta primeira unidade é a de apresentar para você


noções e acepções da palavra “direito”, com o intuito de introduzi-lo no mundo
jurídico, bem como permitir que você passe, aos poucos, a se familiarizar com o
assunto.

Não há como iniciar uma discussão sobre o Direito sem apresentar uma noção
basilar sobre o assunto. O jurista Reale (2006), em seu clássico Noções Elementares
do Direito, ao citar o grande pensador Martin Heidegger, chama a atenção para o
fato de que não é possível estudar um assunto sem ter dele uma noção preliminar.
É neste sentido que proponho a você uma breve análise introdutória sobre o
Direito.
Instituições de direito no Brasil e os direitos e garantias fundamentais 155
U4

Desta feita, pergunto: O que é o Direito para você? Ordem e lei? Um conjunto
de regras obrigatórias que garante a convivência social? Se assim entender, pode-
se, então, afirmar que o Direito corresponde à exigência para uma convivência
ordenada, sendo que nenhuma sociedade poderia existir sem um mínimo de
ordem. Ordem esta dada pelo Direito.

Pois bem. Partindo deste pressuposto, ou seja, de que o Direito tem o objetivo
de trazer harmonia social, é que Reale (2006, p. 2) concluiu que: “[...] ubi societas,
ibi jus, (onde está a sociedade está o Direito)”.

Com fulcro nesse adágio, você poderia concluir que o Direito é um fato ou
fenômeno social, não existe senão na sociedade e não pode ser concebido fora
dela.

O Direito, portanto, está em cada comportamento humano, em cada ação


do ser humano ao se relacionar com outro ser humano. Por exemplo, um
empregador que contrata um empregado pratica um ato jurídico, já que deste ato
profissional, há inúmeras consequências. Essa relação jurídica (entre o empregador
e o empregado) possui a proteção do Direito, por meio de diversas leis que
regulamentam e protegem um bem jurídico: o trabalho.

O Direito é um manto protetor que organiza e dirige os comportamentos sociais.


Pode-se assim dizer, que para ser possível ao Direito tutelar os comportamentos
humanos, é que existem as regras, as normas do direito como instrumento para
proteger e amparar a convivência social.

Quer saber mais sobre o que é o direito, não deixe de ler o texto: Afinal,
o que é direito? Disponível em: <http://www.sociologiajuridica.net.br/
lista-de-publicacoes-de-artigos-e-textos/66-historia-e-teoria-do-
direito-/99-afinal-o-que-e-direito>.

O Direito pode ser visto como instrumento de controle social, mas é importante
que você saiba que ele não é o único responsável pela harmonia da vida em
sociedade, uma vez que a religião, a moral, as regras de trato social igualmente
contribuem para o sucesso das relações sociais.

Para o estudioso Betioli (2011) a finalidade do direito é regrar a conduta social,


com vistas à ordem e à justiça, e apenas os fatos sociais mais importantes para o
convívio social é que são juridicamente disciplinados.

156 Instituições de direito no Brasil e os direitos e garantias fundamentais


U4

Veja que o direito não visa ao aperfeiçoamento interior do homem, sendo este
o objetivo da moral. O direito também não pretende preparar o ser humano para
uma vida supraterrena, ligada a Deus, finalidade buscada pela religião. O direito
não se preocupa, da mesma forma, em incentivar a cortesia, o cavalheirismo
ou as normas de etiqueta, campo este específico das regras de trato social, que
procuram aprimorar o nível das relações sociais.

Na próxima seção, você irá estudar um pouco mais sobre os campos direito e
moral. Agora, basta que você perceba a diferença entre uma regra do direito, uma
regra moral e uma regra de cunho religioso, ainda que todas estas regras sirvam
de controle social.

O fato é que o direito provoca, pela precisão de suas regras e sanções, um grau
de certeza e segurança no comportamento humano, que não é o mesmo pelos
outros tipos de controle social.

E por que o direito traz um grau de certeza e segurança no comportamento


humano? Porque o direito age preventivamente e define com clareza as suas
normas e, diante de um conflito concreto, o direito apresenta solução de acordo
com a natureza do caso, seja para definir quem é o titular do direito, determinar
a restauração de uma situação anterior ou aplicar a penalidade de diferentes
tipos: “O direito procura, assim, responder às necessidades de ordem e justiça da
convivência em sociedade” (BETIOLI, 2011, p. 46).

O direito ordena as relações sociais por meio de regras obrigatórias de


comportamento e de organização. Segundo Reale (2006), o direito é a ordenação
das relações de convivência ou a disciplina da convivência.

Convido você agora a pensar sobre a ideia de conhecimento jurídico e de


ciência jurídica.

A ciência jurídica é uma ciência social normativa e se distingue da história do


direito, da psicologia forense, da sociologia jurídica, que embora sejam ciências
sociais (tem por objeto o comportamento humano), são ciências sociais causais.

Para Kelsen (2009), a ciência social causal se ocupa do comportamento do


homem segundo o princípio da causalidade, procurando explicar aquela conduta tal
como é de fato. A ciência social normativa, por sua vez, trata da conduta recíproca
dos homens, não como efetivamente se realiza, mas como ela, determinada por
normas positivas, deve ser. As ciências sociais normativas procuram compreender
as normas e ensina como o ser humano deve se comportar (KELSEN, 2009).

É importante entender, então, que a ciência jurídica é uma ciência social


normativa que não cria normas, mas compreende as normas criadas pelo Direito e
estuda como devem ser as condutas humanas.

Para a doutrinadora Diniz (2011), a expressão “ciência do direito” (ou ciência

Instituições de direito no Brasil e os direitos e garantias fundamentais 157


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jurídica) pode ser empregada em sentido amplo e em sentido estrito. Em sentido


amplo, o termo ciência do direito indica qualquer estudo metódico, sistemático e
fundamentado dirigido ao direito, abrangendo nesta acepção as disciplinas jurídicas,
tidas como ciências do direito, como a sociologia jurídica, a história do direito
etc. (DINIZ, 2011). Em sentido estrito, a ciência do direito consiste no pensamento
tecnológico que busca expor metódica, sistemática e fundamentadamente as
normas vigentes de determinado ordenamento jurídico-positivo, e estudar os
problemas relativos a sua interpretação e aplicando, procurando apresentar
soluções viáveis para os possíveis conflitos, orientando como devem ocorrer
os comportamentos procedimentais que objetivam decidir questões conflitivas
(DINIZ, 2011).

Das explanações acima, você deve ter entendido que a ciência do direito,
sucintamente, é o campo do conhecimento que estuda o direito e as normas
jurídicas.

Tendo em vista que você acabou de entender o termo “ciência do direito”, é


o momento de questionar se este campo do conhecimento tem relação com a
disciplina que apresenta o estudo preliminar do direito, a Teoria Geral do Direito.

A teoria do direito estaria entre a filosofia do direito e a ciência do direito: “[...]


ela é o aspecto científico da filosofia do direito e o aspecto filosófico da ciência
jurídica” (DINIZ, 2011, p. 236). Em alguns momentos, a teoria do direito é científica
porque considera o direito positivo, seus conceitos são alcançados a partir da
experiência do direito posto. Mas tem um aspecto filosófico porque indaga sobre
as condições da experiência jurídica.

Isso significa que a Teoria Geral do Direito fornece estudos sobre elementos
importantes para a ciência do direito, tais como “fonte jurídica”, “relação jurídica”,
“fato jurídico”, “sujeito de direito”, “norma jurídica”. Mas a Teoria do Direito também
busca na filosofia pressupostos importantes para o seu estudo. Por isso, todos
estes campos do conhecimento – Filosofia do Direito x Ciência do Direito x Teoria
do Direito – estão interligados.

Você pode não ter percebido, mas, acima, acabei por mencionar um importante
elemento da Teoria Geral do Direito: o direito positivo. Você sabe o que é direito
positivo?

Está claro que o termo “direito” pode se referir à norma jurídica, mas também
pode ser utilizado como sinônimo de “justo”, de “autorização”, de “permissão”, de
“correto” etc. Enquanto norma jurídica, pode-se afirmar que o direito positivo é um
conjunto de normas estabelecidas pelo poder político que se impõem e regulam
a vida social de um dado povo em determinada época.

O direito positivo é formado por normas positivas, reconhecidas e estabelecidas


na Constituição Federal e na legislação brasileira, formando o ordenamento

158 Instituições de direito no Brasil e os direitos e garantias fundamentais


U4

jurídico brasileiro. Quem exerce o poder político no país tem o poder de exigir o
cumprimento da norma, sob pena de sofrer uma sanção.

A propósito, o que é ordenamento jurídico? O que é Constituição Federal? O


que é sanção? Veja abaixo a indicação de textos e vídeos para enriquecer o seu
conhecimento.

O que é ordenamento jurídico, assista ao vídeo disponível em: <www.


youtube.com/watch?v=3iuRN97yuhc>.

Para saber o que é Constituição Federal, leia o artigo em: <http://www.


professorevandro.com/2010/08/o-que-e-uma-constituicao-federal.
html>.

Para saber o que é sanção, veja: <http://jus.com.br/artigos/3117/


sancao-e-coacao-a-organizacao-da-sancao-e-o-papel-do-estado>.

Importante saber também a diferença entre direito objetivo e direito subjetivo.


Direito objetivo é o complexo de normas jurídicas que regem o comportamento
humano, prescrevendo uma sanção no caso de violação da norma. Direito
subjetivo é a permissão, dada por meio de norma jurídica válida, para fazer ou não
fazer alguma coisa, para ter ou não ter algo, ou, ainda, a autorização para exigir,
por meio dos órgãos, o cumprimento da norma infringida ou a reparação do mal
sofrido.

Veja que a diferença entre direito objetivo e subjetivo está, essencialmente, no


fato de que o direito objetivo não permite uma faculdade de exercer o direito, mas
uma sanção, caso a norma não seja respeitada. O direito subjetivo é a faculdade de
exercer aquele direito estabelecido na norma (pelo direito objetivo). Por exemplo,
todo mundo tem direito de casar e constituir família; usar, gozar e dispor de sua
propriedade etc.

Por isso, é correto dizer que o direito objetivo é sempre um conjunto de


normas impostas ao comportamento, autorizando o indivíduo a fazer ou não fazer
algo, prescrevendo medidas repressivas em caso de violação de normas. O direito
subjetivo é sempre a permissão que tem o ser humano de agir conforme o direito
objetivo. Portanto, um não pode existir sem o outro. O direito subjetivo, por sua
vez, constitui-se de permissões dadas por meio do direito objetivo (DINIZ, 2011).

Instituições de direito no Brasil e os direitos e garantias fundamentais 159


U4

Gostou do assunto? Leia em:


<http://entendeudireito.blogspot.com.br/2013/03/direito-objetivo-x-
direito-subjetivo.html>.

1.2 Ramos do Direito

Agora é o momento de aprofundarmos um pouco mais o nosso estudo sobre


o Direito. Questiono se você sabe o que é relação jurídica? Qualquer ato humano
ou fato histórico, econômico, social, pode se apresentar como relação jurídica, ou
seja, uma relação social prevista em lei.

As pessoas, o tempo todo, estão se relacionando entre si, sob diversos fins e
interesses. Quando uma relação social passa a ter a proteção de uma norma jurídica,
podemos dizer que se trata de uma relação jurídica. Imaginemos, por exemplo, a
relação social entre um vendedor e um comprador de uma casa: teríamos aqui
uma relação jurídica por meio de um contrato de compra e venda, orientado por
uma norma do Código Civil. No caso de conflito nesta relação social, o Direito
(normas do Código Civil) passaria a tutelar esta relação jurídica.

Deste modo, conforme ensinamento de Reale (2006), quando uma relação


social passa sob a ação da norma, é que elas adquirem o significado de relação
jurídica.

E como a relação jurídica é constituída? Toda relação jurídica possui quatro


elementos: o sujeito ativo (que é o beneficiário da relação); o sujeito passivo (que
o devedor da relação); o vínculo (capaz de ligar uma pessoa a outra); objeto (razão
do ser do vínculo).

Veja, então, que toda relação jurídica pressupõe estes elementos. As pessoas,
às quais as regras jurídicas se destinam, chamam-se sujeitos de direito, que podem
ser uma pessoa natural ou física, ou uma pessoa jurídica (empresa).

Todos nós estamos, sempre, nos relacionando socialmente e podemos, em


qualquer momento, fazer parte de uma relação jurídica que, aliada aos elementos
citados acima, será regida por uma norma ou regra jurídica. Diante disso, questiono:
qual norma deverá ser aplicada? A resposta para este questionamento dependerá
do “tipo” ou objeto da relação jurídica existente. Se a relação for entre empregador
e empregado, teríamos as normas do Direito do Trabalho a serem aplicadas. Se
a relação ocorrer entre fornecedor e consumidor, teríamos as normas do Direito
do Consumidor. Se a relação for entre Estado e contribuinte, teríamos as normas

160 Instituições de direito no Brasil e os direitos e garantias fundamentais


U4

do Direito Tributário. O que eu quero dizer a você é que o Direito, tanto para fins
didáticos, quanto para atender ao objeto da relação jurídica, é dividido em campos
ou ramos do Direito.

A primeira grande divisão atine ao Direito Público e o Direito Privado. O


primeiro diz respeito às coisas do Estado, enquanto que o segundo seria pertinente
ao interesse de cada um (REALE, 2006).

O conteúdo/objeto da relação jurídica tem o poder de determinar se esta será


abrangida pelo Direito Público ou pelo Direito Privado. Assim, se o conteúdo da
relação jurídica buscar o interesse geral, o Direito é Público. Se o conteúdo visar
ao interesse particular, o Direito é Privado; se a relação jurídica é de coordenação,
trata-se de Direito Privado; se a relação jurídica é de subordinação, trata-se de
Direito Público.

É perceptível que o Direito Público sempre buscará atender a um interesse de


caráter mais geral. Pois bem, dentro desses dois campos do Direito – Direito Público
e Privado – é que se inserem os ramos do Direito, tais como o Direito Internacional
Público, Direito Constitucional, Direito Administrativo, Direito Processual, Direito
Penal, Direito do Trabalho, Direito Internacional Privado, Direito Financeiro e
Direito Tributário, Direito Civil, Direito Empresarial, Direito Agrário.

Para entender melhor, não deixe de ler o artigo “Direito Público e Direito
Privado: uma eterna discussão”. Disponível em: <http://www.ambito-
juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_
id=9178>.

Embora essas divisões não sejam determinadas e estanques, estudiosos tentam


enquadrá-las no campo do Direito Público e do Direito Privado.

Passaremos agora, de forma muito sucinta, a conceituar cada um desses


ramos. Dentro do Direito Público, destacamos: o Direito Constitucional, Direito
Administrativo, Direito Processual, Direito Penal, Direito Internacional Público,
Direito Financeiro, Direito Tributário.

O Direito Constitucional tem por objeto o sistema de regras referente à


organização do Estado, à distribuição das esferas de competências do poder
político, os direitos fundamentais dos indivíduos perante o Estado. O autor
Reale (2006) explica que o Direito constitucional é o Direito primordial porque

Instituições de direito no Brasil e os direitos e garantias fundamentais 161


U4

condiciona os demais, conferindo-lhes estrutura diversa de Estado para Estado.


Importante ainda salientar que as normas constitucionais são normas supremas,
às quais todas as outras têm de se adequar, a Constituição, além de delimitar as
esferas de ação do Estado e dos particulares, prevê as formas preservadoras dos
direitos fundamentais de todos os cidadãos brasileiros.

O Direito Administrativo é o ramo que tutela os órgãos e servidores públicos,


ou seja, os membros e instituições do poder executivo. O Estado precisa se
organizar para servir e, enquanto se organiza para atender a fins sociais e
econômicos, constitui-se como um sistema de serviços públicos (REALE, 2006).
Para esclarecer, os serviços públicos são os meios e processos através dos quais
a autoridade estatal procura satisfazer às aspirações comuns da convivência. O
Direito Administrativo é, então, de certa maneira, o Direito dos serviços públicos
e das relações constituídas para a sua execução. Reale (2006) destaca ainda que
a atividade do Estado pode ser de várias espécies: ora é legislativa, para edição
de normas legais de organização e de conduta; ora é jurisdicional, como quando
o juiz toma conhecimento de uma demanda e profere a sua decisão; ora é de
cunho administrativo, para consecução de objetivos da comunidade que o Estado
executa como próprios. Assim, o que o Estado visa, com a função administrativa,
não é declarar o Direito, mas realizar obras e serviços destinados, de maneira
concreta, a propiciar benefícios à coletividade, ou preservá-la de danos, segundo
critérios próprios de necessidade, de oportunidade ou de conveniência (REALE,
2006). O Direito Administrativo tem por objeto o sistema de princípios e regras,
relativos à realização de serviços públicos, destinados à satisfação de um interesse
que é do próprio Estado, mas em razão da sociedade ou do bem comum.

O Direito Processual é regido por princípios e regras aplicadas ao processo em


si, à ação judicial. Pelo Direito Processual o Estado também presta um serviço na
medida em que dirime as questões que surgem entre os indivíduos e os grupos, e
estes e as diversas áreas do governo. São temas principais do direito processual:
a ação, o processo e a lide, que constituem os meios mediante os quais quem
tenha interesse legítimo (autor da ação) recorre ao Estado para que este declare,
ou constitua um direito, ou condene o réu a uma prestação, ou mande que algo
seja ou não feito ou, então, que algo seja executado como consequência de
decisão judicial (REALE, 2006). Subdivide-se em três ramos: Direito Processual Civil
(regras a serem aplicadas nos processos de conflitos de ordem privada); Direito
Processual Penal (regras a serem aplicadas nos processos de infrações penais)
e Direito Processual do Trabalho (regras a serem aplicadas nos processos que
envolvem conflitos na relação de trabalho).

O Direito Penal estabelece regras jurídicas para as sanções penais (criminais).

O Direito Internacional Público tem por objeto as relações jurídicas entre o


Brasil e a comunidade internacional. Quando o Brasil mantém contato com outros
países para a solução de problemas, tais relações ficam sob a ação ou incidência

162 Instituições de direito no Brasil e os direitos e garantias fundamentais


U4

do Direito Internacional.

O Direito Financeiro tem por objeto a atividade do Estado, regulando a forma


de realizar as despesas e receitas estatais. Já o Direito Tributário regula a relação
entre o Estado e o contribuinte, por meio da imposição, fiscalização e arrecadação
de tributos.

Dentro do Direito Privado, destacamos: o Direito Internacional Privado, Direito


Civil, Direito Empresarial, Direito Agrário, Direito do Trabalho.

O Direito Internacional Privado regula e estuda um conjunto de regras que


determina a lei aplicável às relações jurídicas particulares exteriores.

O Direito Civil que é conhecido também como Direito Comum, eis que disciplina
o modo de ser e de agir das pessoas. Protege as relações sociais particulares, no
seio da família (o Direito de Família se insere no campo do Direito Civil), a relação
das pessoas com os seus bens, as relações obrigacionais, as relações empresariais.

O Direito Empresarial regulamenta propriamente o empresário e as sociedades


empresárias.

O Direito Agrário propõe regulamentar relações pertinentes à agricultura e à


pecuária. Para Reale (2006), o Direito Agrário é o ramo do Direito que disciplina as
relações jurídicas privadas que se constituem e se desenvolvem em função e para
os fins da atividade agrícola ou pastoril.

O Direito do Trabalho é constituído de princípios e regras destinadas a disciplinar


a relação entre empregadores e empregados e seus órgãos representativos
(sindicato, por exemplo).

Como você pode perceber, o Direito é dividido, didaticamente, em áreas.

A estrutura do poder Judiciário também tende a se dividir por matérias. O que


significa? Significa que alguns juízes e tribunais são competentes apenas para julgar
processos relacionados a algumas matérias. Por isso, temos no Brasil diversos
tribunais e uma hierarquia entre eles.

A Justiça do trabalho, por exemplo, é uma justiça especializada. Ela tem


competência apenas para julgar processos que envolvem a relação de trabalho.
Veja, abaixo, a estrutura e hierarquia da Justiça do Trabalho:

Juízes de primeiro grau (varas – Juiz do Trabalho) → Tribunais Regionais do Trabalho


(TRT) → Tribunal Superior do Trabalho (TST) → Supremo Tribunal Federal (STF).

Cada Estado, geralmente, tem um TRT. O Paraná, por exemplo, tem o TRT da 9ª
Região.

Instituições de direito no Brasil e os direitos e garantias fundamentais 163


U4

A Justiça Eleitoral também é uma justiça especializada. Ela tem competência


apenas para julgar processos que envolvem o direito eleitoral. Veja, abaixo, a
estrutura e hierarquia da Justiça Eleitoral:

Juízes de primeiro grau (Juízes eleitorais) → Tribunal Regional Eleitoral (TRE) → Tribunal
Superior Eleitoral (TSE) → Supremo Tribunal Federal (STF).

A Justiça Comum estadual tem competência para julgar todas as matérias


(cíveis, penais, tributárias, administrativas etc.) que NÃO sejam da esfera federal.
Veja, abaixo, a estrutura e hierarquia da Justiça Comum Estadual:

Juízes de primeiro grau (varas – Juiz Estadual) → Tribunais de Justiça (TJ) → Superior
Tribunal de Justiça (STJ) → Supremo Tribunal Federal (STF).

Cada Estado tem um TJ. O Paraná, por exemplo, tem o TJPR.

A Justiça Comum federal tem competência para julgar todas as matérias


(cíveis, penais, tributárias, administrativas etc.) que NÃO sejam da esfera estadual.
Veja, abaixo, a estrutura e hierarquia da Justiça Comum Federal:

Juízes de primeiro grau (varas – Juiz Federal) → Tribunal Regional Federal (TRF) →
Superior Tribunal de Justiça (STJ) → Supremo Tribunal Federal (STF). Os TRFs são
divididos por região. Por exemplo, o TRF da 4ª Região abrange o estado do Paraná,
Santa Catarina e Rio Grande do Sul.

Você deve ter verificado que o STF (Supremo Tribunal Federal) é a última instância
de todas as áreas (comum estadual, comum federal, trabalhista, eleitoral). Isso
ocorre porque o Supremo é o tribunal guardião da Constituição Federal, ou seja,
julga processos, em última instância, que discutem leis e fatos que supostamente
violaram a nossa Constituição.

Você acredita que a estrutura do Poder Judiciário contribui


para a morosidade da justiça?

164 Instituições de direito no Brasil e os direitos e garantias fundamentais


U4

A título de curiosidade, no site do STF existe uma estatística indicando


a quantidade de processos julgados pelo tribunal por ramo de direito.
Veja a tabela pelo link:
<http://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.asp?servico=estatistica&p
agina=pesquisaRamoDireito>.

1.3 O Estado Democrático de Direito brasileiro

Ultrapassada a discussão introdutória sobre o Direito, agora que você já está


familiarizado com este assunto, vamos nos concentrar em um ramo do Direito: o
Direito Constitucional, ao estudar a organização do Estado, o Estado Democrático
de Direito brasileiro e, na próxima seção, os direitos e garantias fundamentais
previstos no texto constitucional.

Você já aprendeu que o Direito Constitucional é o ramo do direito que estuda


o maior documento jurídico: a Constituição Federal. Pois bem, este documento
jurídico prevê a forma e a organização do Estado, bem como apresenta os direitos
fundamentais.

Quando pensamos a organização de um Estado, temos de analisá-la sob três


aspectos: forma de governo, sistema de governo e forma de Estado. Diante disto,
pergunto: qual seria a forma de Estado, a forma de governo e o sistema de governo
do Brasil?

Para responder o questionamento supracitado, convido-o a ler os artigos 1º e


18 da Constituição Federal (BRASIL, 1988):

Art. 1º A República Federativa do Brasil,


formada pela união indissolúvel dos Estados e
Municípios e do Distrito Federal, constitui-se
em Estado Democrático de Direito e tem como
fundamentos [...].
Art. 18. A organização político-administrativa
da República Federativa do Brasil compreende
a União, os Estados, o Distrito Federal e os
Municípios, todos autônomos, nos termos desta
Constituição.

Instituições de direito no Brasil e os direitos e garantias fundamentais 165


U4

Por meio da leitura dos artigos constitucionais transcritos acima, é possível


afirmar que o Brasil, ou a República Federativa do Brasil, adota a forma republicana
de governo, o sistema presidencialista de governo e a forma federativa de Estado.
Além disso, a República Federativa do Brasil é organizada pela junção da União
(governo federal), os Estados, o Distrito Federal e os Municípios.

Leia o texto indicado a seguir sobre o Estado federal <http://portal.


estacio.br/media/3327503/10-o-federalismo-brasileiro-uma%20
forma-estado-peculiar.pdf>. Assista também ao vídeo: <http://www.
youtube.com/watch?v=xt6yES_mo3Y>, que apresenta aulas ricas sobre
a organização do Estado.

Pela leitura dos artigos 1º e 18 da Constituição Federal, transcrito retro, é


possível compreender que o nosso país se representa como uma República, como
um Estado Democrático de Direito, como um Estado federativo e possui como
entes da Federação: a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, que
são todos autônomos. A partir destas premissas, você poderá conhecer agora os
princípios e fundamentos do Estado Democrático de Direito.

Os fundamentos do Estado Democrático de Direito estão estatuídos no artigo


1º da Constituição Federal, conforme destacado a seguir (BRASIL, 1988):

Art. 1º A República Federativa do Brasil,


formada pela união indissolúvel dos Estados e
Municípios e do Distrito Federal, constitui-se
em Estado Democrático de Direito e tem como
fundamentos:
I - a soberania;
II - a cidadania;
III - a dignidade da pessoa humana;
IV - os valores sociais do trabalho e da livre
iniciativa;
V - o pluralismo político.
Parágrafo único. Todo o poder emana do povo,
que o exerce por meio de representantes eleitos
ou diretamente, nos termos desta Constituição.

166 Instituições de direito no Brasil e os direitos e garantias fundamentais


U4

Assim, para que a República Federativa do Brasil se constitua como um Estado


Democrático e de Direito, o Brasil deve preservar a sua soberania, permitir o
exercício da cidadania, preservar a dignidade da pessoa humana, se nortear pelos
valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, respeitar a pluralidade e diversidade de
ideias, e jamais violar a soberania popular por meio da democracia representativa.

A República Federativa do Brasil também possui objetivos, ou seja, ideais que


busca alcançar, previstos no artigo 3º da Constituição Federal (BRASIL, 1988):

Art.3º Constituem objetivos fundamentais da


República Federativa do Brasil:
I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;
II - garantir o desenvolvimento nacional;
III - erradicar a pobreza e a marginalização e
reduzir as desigualdades sociais e regionais;
IV - promover o bem de todos, sem preconceitos
de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer
outras formas de discriminação.

Deste modo, para efetivar o Estado democrático de direito, a República


Federativa do Brasil precisa criar mecanismos para alcançar os objetivos
fundamentais propostos.

Em suas relações internacionais, a República Federativa do Brasil deve seguir os


seguintes princípios (BRASIL, 1988):

Art. 4º A República Federativa do Brasil rege-se


nas suas relações internacionais pelos seguintes
princípios:
I - independência nacional;
II - prevalência dos direitos humanos;
III - autodeterminação dos povos;
IV - não-intervenção;
V - igualdade entre os Estados;
VI - defesa da paz;
VII - solução pacífica dos conflitos;
VIII - repúdio ao terrorismo e ao racismo;

Instituições de direito no Brasil e os direitos e garantias fundamentais 167


U4

IX - cooperação entre os povos para o progresso


da humanidade;
X - concessão de asilo político.
Parágrafo único. A República Federativa do Brasil
buscará a integração econômica, política, social
e cultural dos povos da América Latina, visando à
formação de uma comunidade latino-americana
de nações.

Em relação ao previsto no parágrafo único do artigo 4º da Constituição, transcrito


acima, importante lembrar que o Brasil, por meio do Mercosul – Mercado Comum
do Sul – busca a integração econômica, política, social e cultural dos povos da
América Latina, e isso é possível por meio da existência de zona de livre comércio,
união aduaneira e mercado comum. A título de curiosidade, informa-se que a zona
de livre comércio representa a existência de um comércio sem barreiras, a união
aduaneira pela existência de taxa externa comum ao comércio com terceiros e o
mercado comum se constitui pela livre circulação de capital e trabalho.

1. Pela Constituição de 1988, a federação brasileira é


constituída pela união indissolúvel:
a) da União, Estados, Distrito Federal e Municípios.
b) da União, Estados e Distrito Federal.
c) da União, Estados, Distrito Federal, Municípios e Territórios.
d) da União, Estados e Municípios.
e) da União, Estados, Distrito Federal e Territórios.

2. Ao consagrar o pluralismo político, a Constituição do Brasil


institui:
a) os sindicatos como representantes das categorias sociais da
produção.
b) um dos fundamentos da República.
c) a multiplicidade de legendas partidárias.
d) o princípio da cooperação entre os povos.
e) o princípio da democracia direta.

168 Instituições de direito no Brasil e os direitos e garantias fundamentais


U4

Seção 2

Direitos e garantias fundamentais


Agora que você já compreendeu algumas das instituições de direito no Brasil,
inclusive sobre o Estado Democrático de Direito, será o momento de entender
a dimensão dos direitos conhecidos como fundamentais. Esta seção objetiva
apresentar os direitos e garantias fundamentais previstos na Constituição Federal
como condição para a concretização do Estado Democrático de Direito.

2.1 Direitos Individuais e Coletivos

Você já aprendeu que a nossa Carta Magna é o maior documento, a maior Lei
do nosso país. Isso significa que nenhuma lei brasileira poderá violar o contido na
Constituição. Inclusive, o Supremo Tribunal Federal (STF) serve justamente para
julgar lides que discutem violações à Constituição Federal.

Na última Constituição brasileira, promulgada em 5 de outubro de 1988,o


nosso país adotou um Estado Democrático de Direito, comprometido com os
direitos sociais e com a construção de uma sociedade mais justa, livre e solidária,
conforme os fundamentos e os objetivos da República Federativa do Brasil,
assuntos discutidos na seção anterior.

A Constituição Federal é o mais importante sistema de regras e princípios


no ordenamento jurídico brasileiro. É ela quem estabelece as diretrizes para a
organização e a regulamentação do Estado, bem como os limites dos poderes
e a definição de direitos e deveres dos cidadãos e, consoante destacado acima,
nenhuma lei ou regra no país pode violar o contido na Constituição Federal.

O que isso significa na prática? Significa que, geralmente, a Constituição traz as


diretrizes gerais, e as leis regulamentam essas “diretrizes”.

Vamos a um exemplo: a Constituição, em seu art. 5º, XXXII, estabelece que o


Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor. Isso quer dizer que a
Constituição garante o direito ao consumidor, mas foi necessária a publicação da
Lei nº. 8.078/90, para regulamentar este direito, definindo o Código de Defesa do
Consumidor.

Você também pode estar perguntando o que significa “Estado Democrático


de Direito”. O modelo de Estado Democrático de Direito adotado na Constituição

Instituições de direito no Brasil e os direitos e garantias fundamentais 169


U4

Federal de 1988 deve ser capaz de propiciar a garantia, a efetividade e a


implementação dos direitos fundamentais, efetivando, assim, os direitos
fundamentais como a única forma de promover o desenvolvimento social.

Não sei se você tem conhecimento, mas os “direitos fundamentais” são todos
aqueles direitos inerentes a qualquer vida digna, tais como o direito à vida, à saúde,
à educação, à liberdade, à propriedade, à igualdade, ao trabalho digno etc.

Em outubro de 2014, vamos celebrar 26 anos de Constituição (BRASIL, 1988)


e 66 anos da Declaração Universal dos Direitos do Homem (1948), dois dos mais
importantes documentos a respeito dos direitos fundamentais. Embora a nossa
Constituição tenha sido chamada de “cidadã” e a Declaração de “universal”,
questionamos se, de fato, somos cidadãos e até que ponto universalizamos os
direitos estatuídos nos dois documentos citados.

Cabe a todos nós, então, contribuir para a consolidação da Constituição e, ao


mesmo tempo, universalizar os direitos sociais.

No contexto da globalização econômica, é comum surgirem discussões no


sentido de minar as normas jurídicas que protegem os trabalhadores mediante a
flexibilização ou até mesmo a desregulamentação dos direitos trabalhistas.

Ora, não podemos esquecer que “os valores sociais do trabalho” se constituem
como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil. Além disso, temos
que questionar qual é o papel da cidadania na ordem econômica. A ordem
econômica, segundo o art. 170 da Constituição, está fundada na valorização do
trabalho humano, tendo por fim assegurar a todos existência digna. Isso significa
que o qualificativo “humano” é no sentido de distinguir um tipo de trabalho, que
é prestado pelo homem, sem as formas desumanizadoras de trabalho, como o
trabalho escravo, por exemplo.

O trabalho deve permitir a realização do homem enquanto ser humano! Caso


contrário, não estaremos a concretizar o direito ao trabalho digno, como quer a
Constituição Federal.

Não nos esquecemos, ainda, que a função social da propriedade (e das


empresas) se insere neste contexto, na medida em que a empresa não pode estar
alheia ao seu papel social, que é, dentre outros, promover a oferta de trabalho
humano e ambiente de trabalho digno a todos.

Aliás, urge ressaltar que estes direitos são fundamentais porque são inerentes a
qualquer vida digna. É impossível sermos exemplo de Estado democrático sem a
efetivação dos direitos fundamentais, como também é impossível preservarmos a
dignidade da pessoa humana sem a concretização destes direitos.

Você passará, então, a seguir, a conhecer cada um destes direitos ditos


fundamentais.

170 Instituições de direito no Brasil e os direitos e garantias fundamentais


U4

Se você quiser ler a Constituição Federal (recomendo, pois todos os


brasileiros deveriam conhecê-la), acesse o site do planalto:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/
constituicaocompilado.htm>.

Seria muito legal também assistir ao vídeo indicado abaixo quando o


Jornal Nacional anunciou a nova Constituição Federal de 1988:
<http://www.youtube.com/watch?v=G1KfnfgTdeM>.

Dentre os maiores bens jurídicos, sem dúvida, destaca-se a vida. Afinal, sem ela
não é possível preservar ou tutelar os demais bens jurídicos. O direito à vida, em
que pese seja um direito evidente ou natural, está previsto expressamente no caput
do art. 5º da Constituição Federal. Assim, todos têm o direito de não ser morto,
de não ser privado da vida, e de ter uma vida digna. Por isso, no nosso país há a
proibição da pena de morte.

Por muito tempo, se discutiu se a Lei da Biossegurança, ao permitir pesquisas


com células-tronco, estaria a violar o direito à vida. Em 2008, o STF julgou a lei
constitucional, permitindo a realização das pesquisas com células-tronco, por
entender que a vida começa a partir da fecundação. A permissão é para utilização
de embriões (células-tronco embrionárias) para fins de pesquisa e terapia, apenas
nos casos de fertilizações in vitro, embriões inviáveis ou congelados há pelo menos
três anos, desde que com consentimento dos genitores, e controle por comitê de
ética em pesquisa, proibida a comercialização.

Em relação à proteção do direito à vida, o aborto é considerado crime no Brasil,


sendo permitido apenas em casos de anencefalia, quando há a antecipação do
parto do feto com má formação no cérebro; nos casos de estupro e risco de vida
para a mãe.

Com o objetivo também de proteger o direito à vida, a eutanásia é proibida no


nosso país. Ela consiste na prática da abreviação da própria vida, em razão de uma
patologia grave e incurável. Trata-se de morte voluntariamente provocada a fim
de abreviar o sofrimento da vítima, por meio de uma doença que não apresenta

Instituições de direito no Brasil e os direitos e garantias fundamentais 171


U4

possibilidades de recuperação. Na Bélgica, a prática é permitida. A eutanásia passiva


(o desligamento das máquinas de doentes em estágio terminal e sem diagnóstico
de recuperação), que revela o direito à vida digna, vem adquirindo defensores,
assim como o suicídio assistido.

E você o que pensa sobre a eutanásia? Você acha que o


Estado deveria permiti-la? Basta ter direito à vida ou se faz
necessário que a vida seja digna?

O princípio da igualdade ou princípio da isonomia, conhecido também como


direito à isonomia ou direito à igualdade, está previsto no art. 5º, caput, e no inciso
I, quando a Constituição Federal estabeleceu que homens e mulheres são iguais
em direito e deveres. Quando também a Constituição Federal estabeleceu no art.
5º, caput, que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
estabeleceu, na verdade, a igualdade formal, consagrada pelo liberalismo clássico.
A igualdade material, que pretende tratar igualmente os iguais e desigualmente
os desiguais, na medida de suas desigualdades, surgiu com o Estado Social, na
busca de uma igualdade mais real perante os bens da vida, diversa daquela apenas
formalizada perante a lei.

É possível verificar esta igualdade/isonomia material na Constituição Federal em


vários dispositivos constitucionais: art. 3º, I, III e IV; Art. 4º, VIII; art. 5º, I, XXXVII, XLI
e XLII; art. 7º, XX, XXX, XXXI, XXXII e XXXIV; art. 14, caput; art. 23, II e X; art. 24, XIV;
art. 43, caput; art. 206, I; art. 226, § 5º; art. 231, §2º.

Com o objetivo de atender à igualdade material é que existem as discriminações


positivas, por meio da proteção de certos grupos que merecem tratamento
diverso. A ideia não é discriminar de forma pejorativa, mas sim tratar certos grupos
diferentemente porque, de fato, são diferentes. Se observarmos a realidade
histórica de marginalização social de alguns grupos sociais ou de hipossuficiência,
percebemos a necessidade de estabelecer medidas de compensação, buscando
concretizar, ao menos, uma igualdade de oportunidades com os demais indivíduos
que não sofreram as mesmas espécies de restrições.

Um exemplo de ação afirmativa importante a se destacar é o programa do


governo federal conhecido como PROUNI – Programa Universidade para Todos –
mediante a concessão de bolsas de estudo integrais e parciais de 50% ou de 25%
para estudante de graduação em instituições privadas, com ou sem fins lucrativos.

172 Instituições de direito no Brasil e os direitos e garantias fundamentais


U4

Este assunto sobre a igualdade formal, a igualdade material e a busca


de medidas de compensação no sentido de tratar diferentemente
certos grupos sociais, é importantíssimo. Para se aprofundar no
assunto, leia os textos indicados a seguir e assista à palestra do grande
constitucionalista Barroso também indicado pelo link abaixo:

<http://www.egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/anexos/32745-
40386-1-PB.pdf>
<http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_
leitura&artigo_id=8420&revista_caderno=9>
<http://www.youtube.com/watch?v=jqEtZQFQQQM>.

Outro princípio importante que se relaciona diretamente com os direitos


fundamentais é o princípio da legalidade, estatuído expressamente no art. 5º, II,
da Constituição Federal. A ideia da legalidade surgiu com o Estado de direito e tem
a pretensão de garantir que o cidadão comum, o particular, somente será obrigado
a fazer algo ou a deixar de fazer algo se não em virtude de lei.

Qualquer cidadão, de forma a também garantir um direito individual fundamental,


tem o direito de não ser torturado. A proibição da tortura (art. 5º, III, CF/1988) no
país a caracteriza como crime inafiançável (art. 5º, XLIII/CF1988). Além disso, a
Constituição também proíbe qualquer tratamento desumano e cruel.

A Constituição Federal, em seu art. 5º, incisos IV e V, permitiu a liberdade de


manifestação de pensamento, garantindo o direito fundamental de liberdade de
expressão, mas proíbe o anonimato. No mesmo sentido, preservou a liberdade
de consciência, crença e culto (art. 5º, incisos VI a VIII, CF/1988). Assim, a lei
deve garantir a proteção aos locais de culto e liturgias, o livre exercício dos cultos
religiosos, não podendo privar ninguém de direitos por motivo de crença religiosa,
convicção filosófica ou política. Importante lembrar que o Brasil é um Estado
laico e não tem religião oficial. A intenção de garantir estes direitos é enaltecer
o princípio da tolerância e o respeito à diversidade, no sentido de que ninguém é
obrigado a aderir à religião alguma, sendo permitido, inclusive, ser descrente, ateu
e agnóstico. Em contrapartida, não se pode usar o ritual religioso para cometer
crimes (homicídio, sacrifício de crianças) e, obviamente, que a liberdade de culto
não justifica o consumo de droga ilícita.

Importante destacar, ainda, em relação à liberdade de consciência, crença e

Instituições de direito no Brasil e os direitos e garantias fundamentais 173


U4

culto, que a escola não pode reprovar um aluno pelo fato de não frequentar a
aula de ensino religioso. Aliás, o art. 210, § 1º, CF/1988, estabelece que o ensino
religioso é de matrícula facultativa.

Você pode se perguntar: se o Brasil é um país laico porque há tantos feriados


religiosos? Veja que não há mais possibilidades de se estabelecer novos feriados
religiosos e os já existentes são mantidos em decorrência de seu caráter histórico-
cultural.

Um fato interessante a respeito da liberdade de crença se refere à celebração


de casamento. Sabe-se que o casamento é civil e gratuita a celebração (art. 226, §
1º, CF/1988), bem como que o casamento religioso tem efeito civil (art. 226, § 2º,
CF/1988). Isso significa que o casamento religioso celebrado na Igreja Católica ou
Evangélica teria efeito de casamento civil. O problema é que casamentos religiosos
celebrados, por exemplo, em centros espíritas ou em ritual do candomblé, não
têm sido aceitos com o fim de estabelecer os efeitos civis. Há entendimentos de
que esta restrição estaria violando o princípio da igualdade.

Há decisões judiciais que reconheceram, por exemplo, o efeito civil de


casamento realizado por um centro espírita. Alguns juízes entenderam que o
casamento celebrado por líder de qualquer religião ou crença tem o mesmo efeito
civil do casamento realizado por religião católica (MS n. 34.739-8/2005- Bahia / AC
70003296555 – 8ª C. Cível – Rel. Des. Rui Portanova – julgado em 26.06.2002).

Você concorda com o posicionamento adotado por


alguns juízes no sentido de reconhecer o efeito civil de um
casamento celebrado por outras religiões que não sejam
a católica ou evangélica? Esta restrição, para você, viola o
princípio da igualdade?

Ainda em relação à liberdade de crença e culto, interessante mencionar o caso


de testemunhas de Jeová. É sabido que os seguidores desta religião não realizam
transfusão de sangue. Forçá-los a fazer transfusão seria o mesmo que violar a
liberdade de crença. Entretanto, há muitas decisões judiciais que determinaram
a realização da transfusão quando não houver outra possibilidade e o paciente
estiver diante de perigo de vida. Neste caso, o direito à vida irá prevalecer sobre o
direito à liberdade de crença e culto.

Para finalizar esta discussão sobre liberdade de consciência, crença e culto,

174 Instituições de direito no Brasil e os direitos e garantias fundamentais


U4

a título de curiosidade, vamos citar mais dois temas correlacionados com este
direito individual. Os crucifixos existentes em repartições públicas no Brasil são
vistos como símbolos culturais e não religiosos, devido à laicidade do Estado.
Outro aspecto interessante é o caso das pessoas que seguem a religião Adventista.
Os adventistas não podem estudar e nem trabalhar nas sextas, no período noturno,
e aos sábados. Neste sentido, para garantir a liberdade de culto dos adventistas,
a escola, por exemplo, deve criar alternativas para que haja cumprimento das
atividades realizadas nos horários supracitados. Veja abaixo a decisão judicial do
Estado de Santa Catarina que determinou a uma universidade a criação de tarefas
alternativas, bem como o abono de faltas das aulas de sexta-feira à noite:

Ementa: AGRAVO POR INSTRUMENTO EM MANDADO


DE SEGURANÇA. ENSINO SUPERIOR. LIBERDADE
DE CRENÇA RELIGIOSA. PEDIDO DE LIMINAR
VISANDO POSSIBILITAR A REALIZAÇÃO DE PROVAS
E TAREFAS ALTERNATIVAS DE DISCIPLINA DO
CURSO DE ADMINISTRAÇÃO DE EMPRESAS,
MINISTRADO ÀS SEXTAS-FEIRAS, NO PERÍODO
NOTURNO, EM OUTROS DIAS, À EXCEÇÃO DE
SÁBADO. AGRAVANTE MEMBRO DA IGREJA
ADVENTISTA DO SÉTIMO DIA. DOUTRINA RELIGIOSA
QUE OBSERVA A GUARDA SABÁTICA. RESPEITO AO
“SÁBADO NATURAL”. APLICABILIDADE DO ART. 2º
, DA LEI ESTADUAL N. 11.225 /99, A QUAL PREVÊ O
ABONO DE FALTAS E A REALIZAÇÃO DE PROVAS
E ATIVIDADES ALTERNATIVAS, COM O FITO DE
RESPEITAR SUAS ATIVIDADES RELIGIOSAS. DECISÃO
INTERLOCUTÓRIA REFORMADA. RECURSO PROVIDO.
No presente caso, a agravante comprovou ser membro
em exercício da Igreja Adventista do Sétimo Dia, religião
que observa o “sábado natural”, o qual consiste na
guarda sabática e impõe aos fiéis que se abstenham de
atividades no período compreendido entre o pôr-do-sol
de sexta-feira ao pôr-do-sol de sábado. Demais disso,
prevê a Lei Estadual n. 11.225 /99, aplicável à hipótese
vertente que, comprovado tratar-se o aluno de membro
da Igreja Adventista do Sétimo Dia, os estabelecimentos
de ensino devem abonar as faltas dos acadêmicos que,
por crença religiosa, não possam frequentar as aulas
ministradas no período compreendido entre as 18
(dezoito) horas de sexta-feira e as 18 (dezoito) horas de
sábado, sendo-lhes facultado, de outro lado, o direito
de realizar tarefas alternativas parar suprir as faltas
abonadas (BRASIL, 2011, grifo do autor).

Instituições de direito no Brasil e os direitos e garantias fundamentais 175


U4

Mais um direito individual fundamental é aquele assegurado pelo art. 5º, incisos
IX e X, da CF/1988 referente à liberdade de atividade intelectual, artística, científica
ou de comunicação e indenização em caso de dano. É livre a expressão da atividade
intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura
ou licença. Por isso, veda-se a censura de natureza política, ideológica e artística
(art. 220, § 2º, CF/1988). Por meio da lei federal, deverá haver regulamentação das
diversões e espetáculos públicos (informar natureza delas, as faixas etárias, locais
e horários da apresentação). No mesmo sentido, deverá haver impedimento de
propaganda de produtos, práticas e serviços que possam ser nocivos à saúde e ao
meio ambiente (art. 220, § 3º, I e II, CF/1988), e se houver violação da intimidade,
vida privada, honra e imagem das pessoas, será assegurado o direito à indenização
pelo dano moral e material (art. 5º, X, CF/1988).

Sabe-se que o domicílio é um local inviolável, não é mesmo? Ninguém, a


princípio, pode adentrar em nossa residência, em nosso quarto de hotel, em nosso
escritório. Por isso, a Constituição Federal, em seu art. 5º, inciso XI, quis preservar
a inviolabilidade domiciliar. Entretanto, a palavra domicílio aqui é usada não apenas
para se referir a casa/residência, abarcando também ao escritório, oficina, garagem,
quarto de hotel etc. A violação de domicílio apenas é permitida por determinação
judicial, desde que de dia, em caso de flagrante delito, desastre ou para prestar
socorro, durante o dia e noite.

O sigilo de correspondência e comunicações também foi objeto de proteção


constitucional e visa a resguardar o direito à intimidade e privacidade das
pessoas. Prevista no art. 5º, inciso XII, da CF/1988, o sigilo de correspondência e
comunicações, em regra, é inviolável, salvo nas hipóteses de decretação de estado
de defesa e de sítio, que poderá ser restringido. Mas, o direito também pode ser
afastado na interceptação de uma carta enviada por sequestradores (LENZA, 2010).

Vale mencionar que, em decorrência do direito em manter o sigilo de


correspondência e comunicações, o sigilo bancário só pode ser violado se
houver autorização judicial. O sigilo fiscal também deve ser preservado, mas
faculta-se à administração tributária identificar, respeitados os direitos individuais
e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas
do contribuinte (art. 145, § 1º, CF/1988). A quebra do sigilo das comunicações
telefônicas é permitida na forma que a lei estabelecer e para fins de investigação
criminal ou instrução processual penal. Caso o indivíduo, que sofrerá a quebra de
sigilo fiscal ou bancário, se sinta lesado, poderá buscar judicialmente a proteção
do sigilo. O habeas corpus é medida idônea para impugnar decisão judicial que
autoriza a quebra de sigilos fiscal e bancário em procedimento criminal, haja vista
a possibilidade destes resultarem em constrangimento à liberdade do investigado.

A liberdade de profissão, de informação e de locomoção também não


poderiam deixar de estar expressamente previstas na Constituição. Estes direitos
são amplamente protegidos pelo texto constitucional no art. 5º, incisos XIII, XIV,

176 Instituições de direito no Brasil e os direitos e garantias fundamentais


U4

XV, XXXIII e LXI. A liberdade de profissão é norma constitucional de eficácia


contida e possibilita a imposição de critérios para o exercício da profissão. A
liberdade de informação apenas pode ser restringida nos casos em que o sigilo
seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado. Inclusive, no caso de
concurso público – exame psicotécnico – é assegurado o direito de exigir do órgão
público o esclarecimento de situação de interesse pessoal. O exame psicotécnico
não pode ter critério sigiloso, sob pena de infringir o princípio da publicidade. Para
garantir o direito à liberdade de informação, a Constituição também permitiu a
obtenção de certidão de órgãos públicos (art. 5º, XXXIV, b, CF/1988). A liberdade de
locomoção, por sua vez, prevista no art. 5º, incisos XV e LXI, da CF/1988 prescreve
que a locomoção é livre, salvo nos casos de transgressão militar ou crime militar.
O direito só poderá ser restringido se houver estado de defesa ou estado de sítio
ou guerra declarada. A prisão, ou seja, a restrição da liberdade de locomoção só
ocorre em flagrante delito por ordem escrita de autoridade judiciária.

É assegurado a qualquer cidadão o direito de reunião, nos termos do art.


5º, inciso XVI. O aviso prévio da reunião é necessário para que a autoridade
administrativa tome todas as providências necessárias relacionadas ao trânsito,
organização etc. O direito de reunião pode ser restringindo na vigência de estado
de defesa e estado de sítio.

Você sabe o que é estado de defesa e estado de sítio? Leia o artigo


indicado a seguir para esclarecer as suas dúvidas: <http://jus.com.br/
artigos/18117/a-possibilidade-de-decretacao-do-estado-de-defesa-
ou-estado-de-sitio-ante-o-recente-caos-instalado-pelos-traficantes-
de-drogas-na-cidade-do-rio-de-janeiro>.

Também é conferido ao brasileiro o direito de se associar, nos termos do art.


5º, incisos XVII, XVIII, XIX, XX e XXI, da CF/1988. A liberdade de associação para
fins lícitos, vedada a de caráter paramilitar, é plena. Se associado, poderá deixar
de ser quando quiser e a criação de associações e cooperativas é livre e vedada
a interferência estatal. A única forma de dissolver uma associação já constituída
será mediante decisão judicial transitada em julgado. As entidades associativas
têm legitimidade para representar seus filiados judicial ou extrajudicialmente,
como substitutos processuais, para defender, em nome próprio, o direito de seus
associados.

O direito de propriedade é assegurado pela Constituição Federal, desde


que a propriedade atenda a sua função social (art. 5º, incisos XXII, XXIII, XXIV,

Instituições de direito no Brasil e os direitos e garantias fundamentais 177


U4

XXV e XXVI, CF/1988). Este direito poderá ser restringido quando a propriedade
for desapropriada por necessidade ou utilidade pública. Tanto a propriedade
agrária, quanto a propriedade urbana devem atender a sua função social, sob
pena de sofrer uma desapropriação-sanção. No caso da propriedade agrária, a
desapropriação ocorre se não houver produção na terra. No caso da propriedade
urbana, a desapropriação-sanção é a última medida, mas é possível impor o
IPTU (Imposto Predial Territorial Urbano) progressivo, caso o proprietário não
mantenha de forma adequada a propriedade. O direito de propriedade também
poderá ser restringido através de requisição, no caso de iminente perigo público.
No caso de glebas de qualquer região onde forem localizadas culturas ilegais de
plantas psicotrópicas, haverá expropriação (e não desapropriação) sem qualquer
indenização ao proprietário (art. 243, CF/1988). É garantida a pequena propriedade
rural desde que trabalhada pela família.

Em relação à propriedade, urge ressaltar outra proteção constitucional: os


direitos de propriedade intelectual (art. 5º, XXVII, XXVIII, XXIX). Os direitos de
propriedade intelectual abrangem a propriedade industrial e os direitos do autor. Ao
autor pertence o direito exclusivo de utilização, publicação ou reprodução de suas
obras, transmissível aos herdeiros pelo tempo que a lei fixar, bem como a proteção
às criações industriais, à propriedade das marcas, aos nomes de empresas e a
outros signos distintivos.

O direito de herança (art. 5º, XXX e XXXI, CF/1988) é corolário do direito de


propriedade. São as normas de direito privado que regulamentam a herança,
assim o texto constitucional apenas prescreve o direito. No caso de herança de
estrangeiro,aplica-se a lei estrangeira quando for mais benéfica ao cônjuge e filhos
do de cujus.

Direito essencial nos dias atuais devido à complexidade do “mundo das compras”,
a defesa do consumidor também é considerada um direito fundamental. O art. 5º,
XXXII, CF/1988 previu a defesa do consumidor, regulamentada pelo Código de
Defesa do Consumidor – Lei 8.078/1990. O respeito ao consumidor é princípio
da ordem econômica no Brasil (art. 170 CF/1988) e suas normas de proteção são
normas de ordem pública e interesse social. Sobre elas não se opera a preclusão e
as questões que delas surgem podem ser decididas e revistas a qualquer tempo e
grau de jurisdição (LENZA, 2010).

Relacionado diretamente com o direito de informação, o direito de petição e a


obtenção de certidões (art. 5º, XXXIV. CF/1988) permitem o direito de peticionar nos
Poderes Públicos em defesa de direito ou contra ilegalidade e abuso de poder e de
obter certidões em repartições públicas, para defesa de direitos e esclarecimento
de situações de interesse social. O direito de petição se define como o direito que
pertence a uma pessoa de invocar a atenção dos poderes públicos sobre uma
questão ou situação. Trata-se do exercício de prerrogativa democrática – levar
ao conhecimento do Poder Público a informação ou notícia de um ato ou fato

178 Instituições de direito no Brasil e os direitos e garantias fundamentais


U4

ilegal, abusivo ou contra direitos, para que este tome as medidas necessárias. Não
se pode confundir direito de petição com a necessidade de preenchimento de
capacidade postulatória para a obtenção de pronunciamento judicial a respeito da
pretensão formulada. O direito de petição não assegura, por si só, a possibilidade
de o interessado ingressar em juízo sem advogado.

Vale informar que a Lei 9.051/95 dispõe que as certidões para defesa de
direitos e esclarecimentos de situações, requeridas aos órgãos da administração
centralizada ou não, devem ser expedidas no prazo improrrogável de quinze dias.
Faz-se necessário esclarecer os fins e as razões do pedido. Registrado o pedido
de certidão e não sendo atendido, cabe mandado de segurança e não habeas
data. Pode-se destacar como exemplo o pedido de certidão perante a autoridade
administrativa para requerer a aposentadoria. O direito pode ser negado em caso
do sigilo ser imprescindível à segurança da sociedade ou do Estado.

O princípio da inafastabilidade da jurisdição, previsto no art. 5º, XXXV,


CF/1988, possibilita o exercício do direito de ação e o princípio do livre acesso ao
Judiciário, além de garantir o livre acesso e a busca da tutela jurisdicional de forma
preventiva e repressiva. Não se admite mais a jurisdição condicionada ou instância
administrativa de curso forçado, não sendo necessário o prévio esgotamento das
vias administrativas para ingressar na seara judicial na busca da tutela de um direito.

Conforme dispõe o art. 6º da LINDB (Lei de Introdução às normas do Direito


brasileiro), há limites à retroatividade da lei, uma vez que não poderá atingir o
direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada. Neste contexto, o
art. 5º, XXXVI, CF/1988, previu exatamente os limites à retroatividade da lei, no
sentido de proteger os direitos fundamentais e a dignidade da pessoa humana. A
lei nova não pode prejudicar o direito que se teve início no exercício da lei velha.
Isso significa que a lei nova não pode ofender o direito adquirido. Entretanto,
não se pode confundir direito adquirido com mera expectativa de direito. O ato
já consumado (ato jurídico perfeito) segundo a lei vigente ao tempo em que se
efetuou também não é atingido. A decisão judicial que não caiba mais recurso
(coisa julgada) também não é atingida. A exceção aos limites da retroatividade da
lei é o princípio da retroatividade da lei mais benéfica, prevista no art. 5º, XL, da
CF/1988, na qual a lei irá retroagir para beneficiar o réu.

O art. 5º, XXXVII e LIII, CF/1988 prescreve o princípio do juiz natural ou legal
com o objetivo de proteger o cidadão na medida em que ninguém será sentenciado
ou processado senão pela autoridade competente. Assim, não haverá juízo ou
tribunal de exceção. Em que pese no Brasil seja vedado a criação de um tribunal
de exceção (tribunais temporários para julgar crimes de guerra, por exemplo),
o país aderiu ao Tratado de Roma que criou o Tribunal Penal Internacional (art.
5º, § 4º, CF/1988). Sendo assim, a República Federativa do Brasil pode entregar
um nacional (brasileiro) ao Tribunal Penal Internacional (TPI) para ser julgado por
crimes de guerra, crime contra a humanidade, crimes de agressão e genocídio.

Instituições de direito no Brasil e os direitos e garantias fundamentais 179


U4

Isso não quer dizer que o TPI esteja substituindo a justiça brasileira, pois com base
no princípio da complementaridade, um brasileiro só será julgado pelo TPI se a
justiça brasileira se omitir. Ao contrário do que estabelece a Constituição brasileira,
o TPI prevê a pena de prisão perpétua.

sobre o Tribunal Penal Internacional, assista a este vídeo disponível em:


<http://www.youtube.com/watch?v=3rwxr6C6DXY>. Veja qual foi o
primeiro caso julgado pelo Tribunal que resultou na condenação de
um líder do Congo por recrutar crianças para a guerra.

Tendo em vista que alguns crimes tipificados no nosso país têm por objeto
proteger a vida, o texto constitucional e o direito penal brasileiro resolveram tratar
de forma diferenciada estes crimes ao criar o Tribunal do Júri. Previsto no art. 5º,
XXXVIII, CF/1988, o tribunal do júri tem competência para julgar os crimes dolosos
contra a vida: homicídio, aborto, infanticídio, induzimento ao suicídio. Por isso,
todas as pessoas que cometem estes crimes serão julgadas por um tribunal do júri
formado por pessoas comuns.

No campo destinado aos direitos individuais e coletivos, a Constituição Federal


buscou tutelar diversos direitos relacionados ao preso/detento. Isso ocorre porque,
historicamente, a restrição da liberdade de locomoção, as prisões ilegais e o
tratamento desumano destinado ao preso eram comuns. Deste modo, buscou-se,
com a construção do Estado Democrático de Direito brasileiro, garantir inúmeros
direitos àquele que tenha cometido um crime ou esteja em processo de acusação
criminal. Vamos conhecê-los?

O art. 5º, incisos XXXIX a LXVII, da CF/1988 estatui acerca de vários direitos
relacionados à segurança criminal. O princípio da anterioridade e legalidade,
e da retroatividade da lei mais benéfica no sentido de beneficiar o réu estão
previstos nos incisos XXXIX e XL. Os incisos XLI a XLIV prescrevem acerca dos
crimes considerados imprescritíveis, inafiançáveis, insuscetíveis de graça ou anistia:
tortura, racismo, terrorismo, tráfico ilícito de entorpecentes, crimes hediondos. A
Constituição Federal tratou de forma diferenciada tais crimes devido ao seu alto
teor ofensivo.

Ainda em relação à segurança criminal, os incisos XLV a XLVIII estabelecem


regras sobre as penas, ao afirmar que a pena é personalíssima e pode ser adotada
pelas seguintes modalidades: privação ou restrição de liberdade, perda de bens,

180 Instituições de direito no Brasil e os direitos e garantias fundamentais


U4

multa, prestação social alternativa, suspensão ou interdição de direitos. No mesmo


sentido, o texto constitucional veda as penas de banimento, morte (com exceção
em tempo de guerra declarada), caráter perpétuo, trabalhos forçados, banimentos
e penas cruéis.

Os incisos XLIX a L, LXII a LXIV prescrevem vários direitos assegurados aos


presos, tais como: assegurar aos presos o respeito à integridade física e moral;
assegurar que a pena seja cumprida em estabelecimentos distintos, de acordo
com a natureza do delito, a idade e o sexo do apenado; assegurar às presidiárias
condições para que possam permanecer com seus filhos durante o período de
amamentação; determinar que a prisão de qualquer pessoa e o local onde se
encontre sejam comunicados imediatamente ao juiz competente e à família do
preso ou à pessoa por ele indicada. Se você tiver interesse em conhecer todos
os direitos constitucionais destinados ao preso, faça uma leitura dos incisos
supraindicados.

Interessante destacar que, no campo dos direitos individuais e coletivos,


a Constituição Federal estabeleceu algumas disposições sobre o instituto da
extradição. Você sabe o que é extradição? A extradição consiste no ato de entrega
de uma pessoa, acusada ou condenada por crimes comuns, para o país em que
cometeu o crime. Trata-se de um ato de cooperação internacional entre os países
soberanos. Imagine a situação em que um italiano, que cometeu crime no seu
país, venha se refugiar no Brasil. Se o país italiano pedir a extradição, o Brasil
deverá entregá-lo à Itália. Obviamente que há algumas regras que regulamentam
o procedimento e que estabelecem limites à extradição. Em que pese tal fato, o
importante para o nosso estudo é que você conheça as regras constitucionais
por se tratar de direitos fundamentais previstos no campo de direitos individuais e
coletivos.

A extradição está prevista nos incisos LI e LII do art. 5º da CF/1988. O brasileiro


nato nunca será extraditado, ainda que tenha cometido crime em outro país. O
brasileiro naturalizado poderá ser extraditado em caso de crime comum antes da
naturalização ou em caso de envolvimento com tráfico ilícito de entorpecentes e
drogas afins, antes e após a aquisição da naturalização brasileira. O estrangeiro, por
sua vez, poderá ser extraditado a qualquer tempo, salvo em caso de crime político
ou de opinião. O que isso significa? Que se o estrangeiro estiver sendo perseguido
por outro país por crime político ou de opinião, o Brasil não irá extraditá-lo.

Para finalizar as questões atinentes à segurança criminal, faz-se necessário


comentar, ainda que brevemente, acerca da presunção da inocência, prevista no
art. 5º, inciso LVII, cabendo ao Ministério Público o ônus de provar a autoria e a
materialidade do crime, sendo que o réu apenas será considerado culpado após
o trânsito em julgado. A identificação criminal, prevista no inciso LVIII do referido
artigo, se refere ao fato de que somente é feita a identificação criminal do preso
por processo datiloscópico e fotográfico se não houver possibilidades de realizar

Instituições de direito no Brasil e os direitos e garantias fundamentais 181


U4

a identificação civil, no caso de falta de documento, documento rasurado ou com


indício de falsificação.

A Constituição Federal, por meio do inciso LIX do art. 5º, possibilitou ao cidadão
ajuizar ação penal, no caso de inércia do Ministério Público, por meio de ação
privada subsidiária da pública. O MP é parte legítima para entrar com ação penal
porque representa o interesse do Estado/sociedade/coletividade, mas se diante
de um crime permanecer inerte e não ajuizar a ação, é assegurado à vítima ajuizar
ação privada subsidiária da pública.

Um último aspecto sobre segurança criminal importante a destacar é a


determinação para que a prisão ilegal seja imediatamente relaxada e que a prisão
civil, no Brasil, apenas se admite no caso de devedor de pensão alimentícia (art. 5º,
LXI, LXV a LXVII, CF/1988).

O art. 5º, LIV e LV, CF/1988 prevê o princípio do devido processo legal, do
contraditório e da ampla defesa, ao prever que ninguém será privado da liberdade
ou de seus bens sem o devido processo legal; e garantir aos litigantes, em processo
judicial ou administrativo, e aos acusados em geral, o contraditório e a ampla
defesa, com os meios e recursos a ela inerentes. Ofende a garantia constitucional
do contraditório fundar a condenação exclusivamente em elementos informativos
do inquérito policial não ratificados em juízo (LENZA, 2010).

Não são admitidas, em regra, no direito brasileiro as provas ilícitas, conforme


preceitua o art. 5º, LVI, CF/1988. Exemplo de provas ilícitas seriam aquelas gravações
realizadas sem a permissão do judiciário e sem a anuência das pessoas envolvidas.
As provas derivadas de provas obtidas por meios ilícitos também estarão maculadas
pelo vício da ilicitude, portanto, também são inadmissíveis (teoria dos frutos da
árvore envenenada). Excepcionalmente, tais provas serão aceitas, em respeito às
liberdades públicas e ao princípio da dignidade da pessoa humana na colheita de
provas e na própria persecução penal do Estado (LENZA, 2010). A convalidação
da prova ilícita implementa-se em razão da legítima defesa e pode ser pensada na
intercepção de uma carta de sequestrador ou na gravação de uma cena de babá
espancando uma criança.

Como forma de garantir o direito de informação do cidadão, a Constituição


Federal, em seu art.5º, LX, determinou a publicidade de atos processuais e o
dever de motivação das decisões judiciais. Isso significa que os juízes devem ser
imparciais e todas as decisões judiciais devem ser fundamentadas.

Àquele que não possui condições financeiras de arcar com um processo judicial
sem comprometer o seu sustento e de sua família, foi assegurada a assistência
judiciária integral e gratuita (art. 5º, LXXIV, CF/1988), por meio da isenção de
taxas e do uso da defensoria pública. O STJ (Superior Tribunal de Justiça) tem
entendido que o cidadão, cuja remuneração mensal não ultrapasse a quantidade
de 10 (dez) salários mínimos, poderá requerer a assistência judiciária gratuita. A

182 Instituições de direito no Brasil e os direitos e garantias fundamentais


U4

pessoa jurídica (empresa) também poderá requerer a assistência judiciária gratuita,


desde que comprovada a sua insuficiência financeira. Para exemplificar tal fato, leia
abaixo a ementa de uma decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande de Sul que
reconheceu este direito a uma pessoa jurídica:

Ementa: AGRAVO DE INSTRUMENTO. ASSISTÊNCIA


JUDICIÁRIA GRATUITA. PESSOA JURIDICA.
DEFERIMENTO. TRATANDO-SE DE PEDIDO
DE GRATUIDADE JUDICIÁRIA FORMULADO
POR PESSOA JURÍDICA, INDISPENSÁVEL A
PRODUÇÃO DE PROVA ROBUSTA DA ALEGADA
INSUFICIÊNCIA ECONÔMICA. SITUAÇÃO DE
DEFICIÊNCIA FINANCEIRA DA EMPRESA QUE
RESTOU DEMONSTRADA NOS AUTOS. SÚMULA
481 DO STJ. BENEFÍCIO CONCEDIDO. AGRAVO
DE INSTRUMENTO PROVIDO.
(BRASIL, 2012).

O erro judiciário obviamente não passou despercebido pela Constituição Federal,


conforme preceitua o art. 5º, LXXV, como nos casos em que há erro na decretação da
prisão ou o preso permanece detido em tempo superior ao condenado. Nestes casos,
o Estado deverá indenizar o condenado pelo erro, bem como aquele que permanecer
preso além do tempo fixado na sentença. Trata-se de responsabilidade objetiva do
Estado.

Também como forma de garantir o direito fundamental do cidadão, a Constituição


garantiu a gratuidade das certidões de nascimento e de óbito (art. 5º, LXXVI) somente
para os reconhecidamente pobres.

As ações de habeas corpus e habeas data também são gratuitas, nos termos do
art. 5º, LXXVII, CF/1988. Adiante, veremos o conceito e o objetivo das ações de habeas
corpus e habeas data.

A celeridade processual, em que pese tenha sido garantida pela Constituição


Federal (art. 5º, LXXVIII), não tem sido respeitada pelo Poder Judiciário. Infelizmente,
os processos judiciais no Brasil não são céleres. No entanto, trata-se de um direito
fundamental por meio da busca da efetividade do processo. Nos últimos anos,
foram criados alguns mecanismos ou instrumentos de forma a permitir a celeridade
processual, tais como os Juizados Especiais, a informatização do processo, a fase
de cumprimento das sentenças, as semanas de conciliação promovidas pelo CNJ
– Conselho Nacional de Justiça, a edição de súmula vinculante para pacificar alguns
entendimentos judiciais.

Instituições de direito no Brasil e os direitos e garantias fundamentais 183


U4

2.2 Garantias Fundamentais

Você faz ideia da diferença entre direitos e garantias fundamentais?

Segundo o doutrinador Moraes (2013), a distinção entre direitos e garantias, no


direito brasileiro, remonta a Rui Barbosa, ao estabelecer que os direitos representam só
por si certos bens e as garantias destinam-se a assegurar a fruição desses bens, de tal
modo que os direitos são principais e as garantias são acessórias. Em outras palavras,
as garantias seriam os meios ou instrumentos necessários para tutelar/garantir os
direitos fundamentais. Dentre estas garantias, que protegem os direitos fundamentais,
destacam-se os remédios constitucionais.

E o que seriam os remédios constitucionais? Como o próprio nome diz, trata-se de


ações que buscam remediar uma situação e garantir a tutela de um direito fundamental,
por isso são chamadas também de ações constitucionais. Os remédios constitucionais
previstos no art. 5º da CF/1988 são: habeas corpus, mandado de segurança, mandado
de injunção, habeas data e ação popular. Você já ouviu falar dessas ações? Todo
cidadão brasileiro tem o dever de conhecê-las devido à sua importância sob o ponto
de vista democrático. A partir de agora, então, você irá saber o conceito, a natureza
jurídica e os objetivos de cada remédio constitucional.

A ação de habeas corpus, prevista no art. 5º, LXVIII, é usada em casos de lesão à
liberdade de ir e vir. Todas as vezes que houver possibilidade de restrição de liberdade,
de forma ilegal, a ação de habeas corpus será o melhor remédio para proteger este
direito. Qualquer pessoa física, o Ministério Público e a pessoa jurídica podem impetrar
esta ação para defender pessoa física. Pode ser formulada sem advogado e sem
formalidade processual ou instrumental. O habeas corpus pode ser interposto para
trancar ação penal ou inquérito policial, ou em face de particular (hospital psiquiátrico
que priva o paciente de sua liberdade e age ilegalmente, por exemplo). A ação tem viés
preventivo (ameaça de restrição da liberdade) ou repressivo para cessar a violência. No
caso de ação preventiva, o autor irá obter o salvo-conduto para garantir o livre trânsito
de ir e vir.

O art. 5º, LXIX e LXX, da CF/1988 prevê acerca da ação de mandado de segurança.
Trata-se de ação constitucional de natureza civil que protege direito líquido e certo, não
amparado por habeas corpus e habeas data. A prova no mandado de segurança deve
estar pré-constituída, já que não se admite instrução processual. O réu no mandado
de segurança é a autoridade pública ou pessoa jurídica no exercício do poder público
quando age na ilegalidade ou abuso de poder. É admitido o mandado de segurança
coletivo para proteger direitos individuais homogêneos e coletivos. Neste caso, pode
ser impetrado por partido político com representação no Congresso, por organização
sindical, por entidade de classe ou associação, em defesa dos membros ou associados.

O mandado de injunção, por sua vez, previsto no art. 5º, LXXI, CF/1988, é a ação
que visa a proteger um direito diante da ausência de uma norma regulamentadora que
torna inviável o exercício de outros direitos relacionados às liberdades constitucionais

184 Instituições de direito no Brasil e os direitos e garantias fundamentais


U4

e prerrogativas inerentes à nacionalidade, soberania e cidadania. Para exemplificar,


imagine a seguinte situação: a Constituição Federal estatui acerca de um direito,
mas informa que deverá haver uma lei para regulamentar o exercício deste direito.
Entretanto, o poder legislativo, responsável pela elaboração de leis no país, permanece
omisso e não cria a lei. Assim, para garantir o exercício deste direito, diante da omissão
do poder público em criar uma lei que o regulamente, o cidadão pode ajuizar o
mandado de injunção e requerer que o Poder Judiciário permita o exercício do direito
mesmo diante da inexistência da lei. Exemplo comum desta hipótese que ocorreu no
país é a ausência de lei de greve para os servidores públicos. Veja que a constituição
garantiu o direito de greve a todos os trabalhadores, informando que deveria ser criada
uma lei para regulamentar este direito. No entanto, existe no país apenas a lei de greve
dos trabalhadores privados. Assim, por meio de uma ação de mandado de injunção,
o Supremo Tribunal Federal, determinou que os servidores públicos fizessem uso da
lei de greve dos trabalhadores privados para que pudessem exercer o seu direito de
greve.

Leia a notícia do Supremo Tribunal Federal garantindo o direito


de greve aos servidores públicos por meio do mandado de
injunção em: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.
asp?idConteudo=75355>.

O habeas data, garantido pelo art. 5º, LXXII, CF/1988, visa a assegurar o
conhecimento de informações relativas à pessoa do impetrante, constantes de
registros ou banco de dados públicos e para assegurar a retificação de dados do
impetrante, tais como informações erradas, imprecisas; ou corretas e verdadeiras,
mas desatualizadas, constante em sistema de dados públicos ou governamentais.
Essa garantia não se confunde com o direito de obter certidões ou informações de
interesse particular, coletivo ou geral. Havendo recusa no fornecimento de certidões
para a defesa de direitos ou esclarecimento de situações de interesse pessoal,
próprio ou de terceiro, o remédio constitucional é o mandado de segurança. Se
for relativo à pessoa do impetrante, o remédio é o habeas data. Qualquer pessoa
física ou jurídica poderá ajuizar a ação. O polo passivo é preenchido pela pessoa
jurídica do banco de dados.

O art. 5º, LXXIII, da CF/1988 prevê o remédio constitucional conhecido


como ação popular. A ação popular pode ser ajuizada quanto houver ato lesivo
ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe; à moralidade
administrativa; ao meio ambiente; ao patrimônio histórico e cultural. Só o cidadão
pode ajuizar (brasileiro nato ou naturalizado em gozo de direitos políticos). O

Instituições de direito no Brasil e os direitos e garantias fundamentais 185


U4

polo passivo (réu) na ação popular pode ser preenchido pela pessoa jurídica ou
pelo agente que praticou o ato, pelos beneficiários do ato lesivo etc. O Ministério
Público atuará como fiscal da lei, mas pode promover o prosseguimento da ação,
se o cidadão desistir.

2.3 Direitos Sociais

Você gostou de conhecer todos os direitos individuais e coletivos previstos na


Constituição federal? É importante conhecê-los não apenas para fins profissionais,
mas porque se tratam de direitos de todo e qualquer cidadão brasileiro. Sem a
efetivação de todos os direitos discutidos no tópico anterior não há possibilidades
de se concretizar o Estado Democrático de Direito. Não basta, entretanto, conhecer
apenas os direitos individuais, pois os direitos sociais também são essenciais para
a existência de uma vida digna, como também os direitos políticos e os direitos
inerentes à nacionalidade que serão abordados em tópicos seguintes, cabendo-
nos, agora, neste tópico, abordar apenas os direitos sociais.

Os direitos sociais estão previstos no art. 6º da CF/1988. São eles: a educação,


a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência
social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados.

Estes direitos disciplinam situações subjetivas pessoais ou grupais de caráter


concreto, são considerados direitos de segunda dimensão e apresentam-se como
prestações positivas a serem implementadas pelo Estado. Isso significa que, para
garantir os direitos sociais, o Estado necessita criar formas e políticas públicas para
efetivá-los, exigindo sempre uma atuação positiva.

Imperioso destacar que, diante da ausência do Estado em efetivar tais direitos,


é possibilitado ao cidadão o ajuizamento de ação para que o judiciário determine
ao executivo a efetivação de um direito social, como por exemplo, a matrícula
de crianças em escolas, o pagamento de cirurgias para garantir o direito à saúde
ou o fornecimento de medicamentos. Isso é chamado pelos estudiosos de
judicialização dos direitos sociais. Muitas vezes o poder público alega a reserva
do possível, informando que não tem possibilidades financeiras de arcar com a
efetivação de um determinado direito social naquele caso concreto.

Se você gostou do assunto “judicialização dos direitos sociais”, leia o


artigo disponível em:
<http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_
artigos_%20leitura&artigo_id=12526>.

186 Instituições de direito no Brasil e os direitos e garantias fundamentais


U4

Reflita sobre a questão da judicialização dos direitos sociais:


você acha que quando o Estado atua em determinados
casos concretos, atendendo pedidos individuais por meio do
fornecimento de medicamentos ou custeando cirurgias, pode
haver um comprometimento do atendimento à coletividade?
(Exemplo: deixar de enviar medicamentos a postos de saúde).

Particularmente, em relação aos direitos sociais, cumpre esclarecer que o direito à


educação é dever do Estado e da família (e de toda a sociedade), conforme destaca
o art. 205, CF/1988. O direito à saúde também é direito de todos e dever do Estado
(art. 196, CF/1988). O direito ao trabalho é fundamento da ordem econômica (art. 170,
CF/1988) e da República Federativa do Brasil (art. 1º, IV, CF/1988). O direito à moradia
vem sendo efetivado por meio de programas de construção de moradias (direito à
habitação digna). O direito ao lazer também está previsto no art. 217, § 3º, CF/1988,
que incentiva o lazer como forma de promoção social. O direito à segurança está
ligado à segurança pública, como dever do Estado e responsabilidade de todos, para
manter a incolumidade das pessoas e do patrimônio. O direito à previdência se refere
a um conjunto de direitos relativos à seguridade social (Art. 194, CF/1988). A proteção
à maternidade e à infância é um direito assistencial e previdenciário. A proteção à
infância é um direito assistencial que visa a proteger a criança e o adolescente (art.
227, CF/1988). A assistência aos desamparados, prevista no art. 203 CF/1988, visa a
amparar quem necessitar, sem contribuição à seguridade social.

Os direitos relativos aos trabalhadores se inserem no campo dos direitos


sociais. Assim, seria interessante que você fizesse a leitura minuciosa
dos arts. 7º ao 11 da Constituição Federal. Acesse o link para conhecer
todos os direitos trabalhistas: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/
constituicao/constituicao.htm>.

Para facilitar o seu estudo, saiba que o art. 7º prevê os direitos individuais
dos trabalhadores, enquanto os artigos 8º ao 11º preveem direitos coletivos dos
trabalhadores (relacionados aos sindicatos, por exemplo).

Instituições de direito no Brasil e os direitos e garantias fundamentais 187


U4

2.4 Nacionalidade

Saiba que o direito de nacionalidade é um direito fundamental. A qualquer pessoa


é assegurada o direito de ter uma nacionalidade, para não se tornar um apátrida
(pessoa sem nacionalidade). Preocupada com isso, a Constituição Federal criou as
possibilidades de aquisição da nacionalidade brasileira.

A nacionalidade pode ser conceituada como um vínculo jurídico-político que une


um indivíduo a um Estado. Está relacionada à qualidade da pessoa que vive em uma
sociedade/Estado. Daí a necessidade de separar os nacionais e os estrangeiros.

A nacionalidade, no Brasil, pode ser primária ou originária, adquirida pelo nascimento;


ou secundária, que é aquela adquirida por meio do processo de naturalização. Na
nacionalidade adquirida ou secundária, o indivíduo deve manifestar a sua vontade e o
Estado dar o seu consentimento.

Importante mencionar que a nacionalidade originária no Brasil leva em consideração


dois fatores: o jus solis (local de nascimento) e o jus sanguinis, que leva em conta
a consanguinidade, assim, a princípio, é nacional o indivíduo filho de nacionais e o
indivíduo que nasce em território brasileiro.

A Constituição Federal de 1988 estabeleceu as regras de quem pode ser


nacional brasileiro nato (nacionalidade originária) e nacional brasileiro naturalizado
(nacionalidade adquirida) (BRASIL, 1988):

Art. 12. São brasileiros:


I - natos:
a) os nascidos na República Federativa do Brasil, ainda que de
pais estrangeiros, desde que estes não estejam a serviço de
seu país;
b) os nascidos no estrangeiro, de pai brasileiro ou mãe
brasileira, desde que qualquer deles esteja a serviço da
República Federativa do Brasil;
c) os nascidos no estrangeiro de pai brasileiro ou de mãe
brasileira, desde que sejam registrados em repartição brasileira
competente ou venham a residir na República Federativa do
Brasil e optem, em qualquer tempo, depois de atingida a
maioridade, pela nacionalidade brasileira;
II - naturalizados:
a) os que, na forma da lei, adquiram a nacionalidade brasileira,
exigidas aos originários de países de língua portuguesa apenas
residência por um ano ininterrupto e idoneidade moral; (as
etapas para adquirir a nacionalidade brasileira estão previstas no
Estatuto do Estrangeiro – Lei nº. 6.815/80).
b) os estrangeiros de qualquer nacionalidade, residentes

188 Instituições de direito no Brasil e os direitos e garantias fundamentais


U4

na República Federativa do Brasil há mais de quinze anos


ininterruptos e sem condenação penal, desde que requeiram
a nacionalidade brasileira.

Você pode se perguntar se é possível perder a nacionalidade brasileira. Sim,


é possível. O art. 12, § 4º, CF/1988, estabelece que seja declarada a perda da
nacionalidade do brasileiro que (BRASIL, 1988):

I - tiver cancelada sua naturalização, por sentença judicial,


em virtude de atividade nociva ao interesse nacional;
II - adquirir outra nacionalidade, salvo nos casos:
a) de reconhecimento de nacionalidade originária pela lei
estrangeira;
b) de imposição de naturalização, pela norma estrangeira,
ao brasileiro residente em estado estrangeiro, como
condição para permanência em seu território ou para o
exercício de direitos civis.

2.5 Direitos Políticos

Para concluir o nosso estudo sobre direitos fundamentais, iremos estudar, a


partir de agora, ainda que de forma sucinta, os direitos políticos.

Os direitos políticos são os instrumentos por meio dos quais a Constituição


Federal garante o exercício da soberania popular, atribuindo poderes aos cidadãos
para interferirem na condução da coisa pública, seja diretamente (por meio da
democracia direta), seja indiretamente (por meio da democracia representativa).

Os institutos da democracia direta estão previstos na Constituição Federal:


plebiscito, referendo, iniciativa popular, ação popular. Você já aprendeu sobre a
ação popular, devendo conhecer agora os institutos de plebiscito, referendo e
iniciativa popular.

O plebiscito se trata de uma consulta prévio à população, que antes do ato


legislativo ou administrativo, irá por meio do voto aprovar ou denegar o que
lhe tenha sido submetido à apreciação. Primeiro, consulta-se o povo, para só
depois tomar a decisão política de elaborar a lei ou de realizar o ato político. A
título de exemplo, podemos destacar o plebiscito de 1993, em que a população
escolheu a forma de governo (república e monarquia) e do sistema de governo
(presidencialismo e parlamento).

Instituições de direito no Brasil e os direitos e garantias fundamentais 189


U4

No referendo, o sistema é contrário ao plebiscito. Aqui primeiro ocorre o ato


legislativo ou administrativo, para somente depois submetê-lo à apreciação do
povo, que o ratifica ou o rejeita. Como exemplo de referendo no Brasil destaca-se
a apreciação da população em relação à lei do desarmamento, em 2005.

A iniciativa popular consiste, no âmbito federal, na apresentação do projeto de


lei à Câmara dos Deputados, subscrito no mínimo de 1% do eleitorado nacional,
distribuído por, pelo menos, cinco Estados, com não menos de 0,3% dos eleitores
de cada um deles. É o povo quem elabora um projeto de lei que será submetido
ao Congresso Nacional.

Os direitos políticos podem ser divididos em positivos e negativos. Os direitos


políticos positivos são aqueles relacionados ao direito de sufrágio, constituído pela
capacidade eleitoral ativa (direito de votar, capacidade de ser eleitor, alistabilidade)
e pela capacidade eleitoral passiva (direito de ser votado, elegibilidade). Os direitos
políticos negativos privam o cidadão do exercício de seus direitos políticos,
impedindo-o de eleger um candidato e de ser eleito, por meio das inelegibilidades,
suspensão e perda de direitos políticos.

Para saber quem possui capacidade eleitoral ativa, ou seja, quem tem direito
ao voto, leia o art. 14, §1º e §2º da CF/1988. Para saber quem possui capacidade
eleitoral passiva, ou seja, tem direito de ser votado, faça a leitura do art. 14, §3º, da
CF/1988. Se você quer conhecer as inelegibilidades que impedem o cidadão de
eleger-se, com o intuito de proteger a probidade administrativa e a moralidade para
o exercício do mandato, faça a leitura do art. 14, § 4º, § 5º, § 6º, § 7º, da CF/1988.

Não se esqueça de que o voto é direto, secreto, universal, periódico, livre,


personalíssimo e com valor igual para todos.

Pode haver a suspensão do direito de votar, ou seja, o cidadão ser privado de


votar e ser votado por um período, conforme preceitua o art. 15 da CF/1988.

1. A respeito dos direitos fundamentais, julgue as afirmativas a


seguir e assinale a resposta correta.
a) A Constituição Federal não estabeleceu o livre exercício de
cultos religiosos, nem a liberdade religiosa.
b) A Constituição Federal vedou a censura de natureza política,
ideológica ou artística.
c) É permitida a violabilidade domiciliar no caso de flagrante
delito, desde que de dia.

190 Instituições de direito no Brasil e os direitos e garantias fundamentais


U4

d) A desapropriação é uma forma de sanção no caso de


propriedade que atende a sua função social.
e) A empresa que não respeita os direitos do consumidor está
atendendo a sua função social.

2. Indique dois direitos sociais previstos na Constituição


Federal e explique como o Estado brasileiro tem buscado
garantir estes direitos.

Por meio das reflexões traçadas nesta unidade, você


certamente conheceu e aprendeu que:

• O Brasil tem a Federação como forma de Estado, a República


como forma de governo e o Presidencialismo como sistema
de governo;

• A República Federativa do Brasil é constituída por um Estado


Democrático de Direito e tem fundamentos e objetivos;

• Para concretizar o Estado Democrático de Direito, faz-se


necessária a efetivação dos direitos fundamentais;

• Os direitos fundamentais são inerentes à dignidade da


pessoa humana;

• A Constituição Federal de 1988 estabeleceu diversos


direitos e garantias fundamentais, constituídas pelos
direitos individuais e coletivos, direitos sociais, direitos de
nacionalidade, direitos políticos e remédios constitucionais.

Instituições de direito no Brasil e os direitos e garantias fundamentais 191


U4

Realize uma pesquisa nos sites jurídicos (<www.jus.uol.com.


br>; <www.juridico.com.br>; <www.interlegis.leg.br>; <www.
jurisway.org.br>; <www.direitonet.com.br>), a fim de aprofundar
o seu conhecimento acerca da formação de Estado e dos direitos
fundamentais. Há inúmeros artigos e conteúdos jurídicos sobre
o tema.

Busque também no site do Supremo Tribunal Federal <www.


stf.jus.br>, no item “jurisprudência”, decisões sobre casos que
envolvam a violação de direitos fundamentais.

É importante que você, além de conhecer a teoria sobre o papel


do Estado Democrático de Direito, conheça casos reais que
foram apreciados judicialmente no sentido de dar efetividade
aos direitos sociais, individuais, políticos e de nacionalidade.
Afinal, a lei não consegue abordar e prever todas as situações
possíveis, por isso, muitas vezes o juiz, no caso concreto, faz
uso de princípios e normas de outros campos do Direito para
fundamentar as decisões judiciais.

É imprescindível, ainda, que você faça a leitura dos artigos 1º a 16


da Constituição Federal, conforme link indicado ao longo desta
unidade.

1. A respeito dos direitos políticos, explique a diferença entre:


iniciativa popular, referendo e plebiscito.

2. O Art. 1º da Constituição Federal estatui que a República


Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados
e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado
Democrático de Direito e tem como fundamentos (BRASIL,
1988, s/p):

192 Instituições de direito no Brasil e os direitos e garantias fundamentais


U4

a) a soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os


valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e o pluralismo político.
b) a soberania, a função social da propriedade, a liberdade e a
dignidade da pessoa humana.
c) a cidadania, a dignidade da pessoa humana, o trabalho digno, a
livre concorrência e a pluralidade de partidos políticos.
d) a cidadania, o trabalho digno, os valores sociais do trabalho e da
livre iniciativa, a educação e a saúde.
e) os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, a educação, a
saúde, a moradia e assistência aos desamparados.

3. O Direito, academicamente, é classificado em Direito Público e


Privado. Trata-se de uma clássica divisão que não é absoluta, pois
embora tenham, em certos aspectos, suas peculiaridades, são dois
campos que se interagem.
Assinale a alternativa que apresenta, corretamente, uma
característica do Direito Público:
a) Predominância do interesse privado sobre o interesse público.
b) A não ingerência do Estado nas soluções de conflitos.
c) Baseia-se no princípio da autonomia da vontade.
d) As pessoas têm a faculdade de estabelecer, entre si, as normas
que desejarem.
e) O Estado atua com seu poder em temas de relevante caráter
social e organizacional da sociedade.

4. Indique dois remédios constitucionais e explique qual a finalidade


de cada um.

5. Segundo Miguel Reale (2006) “O Direito é, por conseguinte, um


fato ou fenômeno social; não existe senão na sociedade e não pode
ser concebido fora dela”.
Isso significa que:
a) O Direito é um conjunto de regras e princípios imutável e alheio
à sociedade.
b) O Direito é contingente e imutável, varia no tempo e no espaço,
de modo que o direito de hoje de um país é o mesmo de ontem e
o mesmo de amanhã.
c) Não há uma interação entre o sistema jurídico posto e a sua
aplicação na sociedade.
d) Uma das características da realidade jurídica é a sua sociabilidade,
a qualidade de ser social.
e) O Direito tem sempre a finalidade de satisfazer a vontade humana.

Instituições de direito no Brasil e os direitos e garantias fundamentais 193


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Referências

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194 Instituições de direito no Brasil e os direitos e garantias fundamentais

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