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CLÁUDIO EDUARDO REGIS DE FIGUEIREDO E SILVA

INTRODUÇÃO

O sociólogo francês JEAN LOJKINE analisa a


REVOLUÇÃO INFORMACIONAL a partir do marxismo,
para lançar uma luz sobre os reflexos das novas
tecnologias sobre o modo de produção capitalista, bem
como sobre as novas possibilidades que se desvendam
na busca de referências teóricas para o século XXI.
LOJKINE inicia identificando no tempo (final do
século XX) uma DOMINAÇÃO MUNDIAL DO
CAPITALISMO ao mesmo tempo em que as novas
tecnologias põem em questão o MONOPÓLIO DO
PENSAMENTO, característico da divisão do trabalho.

Passa a pergunta: é possível uma recomposição de


funções na divisão do trabalho, entre os que decidem e
os que executam?
Ilustrando as ENORMES POTENCIALIDADES dessa
transformação, define a REVOLUÇÃO
INFORMACIONAL como aquele que “nasce da
oposição entre a revolução da máquina-ferramenta,
fundada na objetivação das funções manuais, e a
revolução da automação, baseada na objetivação de
certas funções cerebrais desenvolvidas pelo
maquinismo industrial” (p. 14).

Diante da capacidade proporcionada pelas novas


tecnologias da informação, o problema central consiste
em saber “como se organizar para tomar decisões – ou
seja, como tratar a informação” (Herbert Simon, 1983).
Descreve uma crise do modelo americano que vê a informação
como mercadoria que “perde valor” ao ser compartilhada, para
considerá-la como INVESTIMENTO (cfe. Benjamin e a indústria da
comunicação), daí a importância do seu controle!

A obra se divide em três partes:

1ª – avalia a revolução informacional comparada à revolução


industrial;

2ª - trata do problema do controle da informação;

3ª - busca analisar as possibilidades da superação da divisão


entre produção e informação na organização do trabalho, entre
produtores e elaboradores, enfim, entre funções produtivas e
improdutivas.
Pretende “desmascarar o fosso” que divide os
ganhadores e os excluídos da modernização tecnológica.

Para discutir os novos problemas surgidos com a


informática, é necessário superar velhos conceitos:

● uma revisão crítica do taylorismo-fordismo (MITOS);

● definir a natureza e os tipos de informação tratados pela


revolução informacional (aberta e interativa ou fechada e
concentrada);

● distinguir a lógica da rentabilidade (MERCADO) da


lógica específica do tratamento da informação.
A revisão dos MITOS MOBILIZADORES da produção
começa com definições MICRO-ECONÔMICAS correntes (p.
31):

→ TAYLORISMO: divisão do trabalho em micro-tempos.


Cada trabalhador recebe a “atribuição” de produzir o número de
peças calculado para a jornada em razão do tempo atribuído
para cada tarefa.

→ FORDISMO: os trabalhadores são dispostos numa linha


mobilizada por uma cadência fixa (esteira) que impõe o ritmo de
trabalho.

Paralelamente, foram desenvolvidas máquinas


especializadas, com peças e produtos estandartizados que
facilitam a formação dos operários.
1) divisão de tarefas;

2) separação entre concepção / execução;

3) volume crescente de produto para um mesmo efetivo;

4) controle “’pelo alto” e tempo imposto pela cadeia;

5) regulação de preços e salários pela oferta de massa;

6) direção autoritária: estatismo, burocracia e Estado-providência.

“RIGIDEZ”
→ KAN-BAN (Niponismo ou Toyotismo)

Sistema adaptado à produção, em séries restritas,


de produtos variados.

O trabalhador do posto posterior recolhe, quando


necessita, as peças no posto de trabalho antecedente,
onde o incremento da fabricação só ocorre para
realimentar a produção que é vendida.
“FLEXIBILIDADE”.
Ocorre tanto em relações intra-empresas como inter-
empresas (terceirização).

1) polivalência no trabalho horizontal;

2) polifuncionalidade na relação vertical;

3) razão da diminuição de efetivos para uma mesma


quantidade de produto;

4) auto-controle do anterior pelo posterior “sob os olhos”;

5) regulação pela demanda diversificada;

6) negociações contratuais descentralizadas com atores


“autônomos”. Neoliberalismo e “democracia salarial”.
A flexibilidade afeta desde a regulação econômica e
sociopolítica até a divisão social do trabalho!

Deve-se observar que mesmo existindo grupos semi-


autônomos ou “ilhas de montagem”, tais unidades não
recebem nenhuma prerrogativa para tomar iniciativas e
exercer responsabilidades.

Pelo contrário, “nova maneira de tirar partido da linha


de montagem clássica com fluxo contínuo e fracionamento
do trabalho” (p. 39).
Não há TRATAMENTO REFLEXIVO (cfe. Maria Alice
Rezende de Carvalho) da informação, apenas um
“fracionamento temporal” entre o ritmo de funcionamento das
máquinas e do trabalho humano possibilitado pela micro-
eletrônica.

As decisões estratégicas escapam completamente aos


operadores e até mesmo supervisores intermediários.

Mais que paradoxos: ao mesmo tempo cria funcionários


altamente qualificados com garantia de emprego vitalício (os
“colarinhos azuis” – a burocracia), flexibiliza e precariza a
mão de obra, permitindo a contratação temporária apenas
quando necessário, tornando a grande massa de operários
descartáveis (os “replicantes” em Blade Runner).
Isso evidencia que a lógica da rentabilidade não é
alterada pela inovação tecnológica.

O “número de peças X número de operários” ainda


serve de parâmetro para as escolhas e a confiabilidade
das máquinas assume maior importância que o trabalho
vivo:

“A PRODUTIVIDADE DEPENDE MAIS DO


EQUIPAMENTO DO QUE DO PESSOAL”.

Assim, a automação converte o computador (de


instrumento de transformação) em meio de alienação do
trabalho.
Parte da superação da teoria de Marx ao tratar
das “FORÇAS PRODUTIVAS” como meio de
transformação da natureza pelo homem, quando o
COMPUTADOR, mais que um meio de informação
(comunicação para Marx com atividade “improdutiva”)
mostra ser um poderoso instrumento de transformação
do mundo material e humano. Mais que isso, condição
essencial para elevação da produtividade do trabalho
humano (DESENVOLVIMENTO).
A REVOLUÇÃO INFORMACIONAL produzida pelos
CHIPS produz uma interpenetração entre o meio
material e o informacional, colocando em cheque a
divisão entre trabalho produtivo e improdutivo feita por
Marx, que já destacava a importância dos MEIOS DE
TRABALHO.

Porém, antes de adentrar no impacto social dessa


transformação, alerta que as tecnologias são
instrumentos passivos diante das ideologias e a
transformação de uma não implica mudança na outra!
Destaca a importância de estímulos para que sejam
atingidos os objetivos através do trabalho e que maior
deverá ser o estímulo quanto mais difícil for o trabalho.
Por isso a evolução do trabalho não implica
obrigatoriamente num evolucionismo social, mas em
avanços e retrocessos (Ex: a Revolução Industrial na 1ª
fase. Crítica a Pierre Lévy?).

A Revolução Tecnológica (informacional) tem a


mesma magnitude daquela da máquina-ferramenta, ou
ainda da descoberta, no neolítico, do instrumento.
Trata-se da passagem do HOMO FABER (H. Arendt?)
para o HOMEM DAS LINGUAGENS: dos
COMPORTAMENTOS AUTOMÁTICOS, diretamente ligados
à natureza do homem; evolui-se para COMPORTAMENTO
MAQUINAL, envolvendo séries operatórias adquiridas pela
experiência e educação; para chegar ao COMPORTAMENTO
LINGUÍSTICO, lúcido e consciente, onde a linguagem opera
de modo preponderante.

A “mão” deixa de ser o motor, que passa a ser o “cérebro”


essencial à atividade comunicativa.

A organização social e do trabalho idealizada por Marx


nunca imaginou tamanha evolução (ainda que tenha cogitado
a fábrica “totalmente automatizada”).
A AUTOMAÇÃO proporcionada pelos sistemas
eletrônicos é capaz de prever, antecipar e corrigir as
disfunções e, até mesmo, mudar a programação.

Ex: comando automático dos aviões (que também


caem!)

Mas até isso mostra a importância da


CONSCIÊNCIA REFLEXIVA PARA TOMADAS DE
DECISÃO!
Os imperativos da rentabilidade possuem papel predominante
no espaço da produção, o que limita a flexibilidade e o fluxo de
informações à relação PRODUÇÃO X RENTABILIDADE.

Mesmo as cooperativas de artesãos sucumbem a esta lógica


de “MONETARIZAÇÃO” que produziu:

● ruptura das cadências por “STOCKS TAMPONS”;

● rotatividade dos postos e das tarefas;

● ampliação das tarefas (às vezes todas na oficina!).


Surge a figura do “gerente de produção”, que
administra e aloca o pessoal, assumindo sua gestão.

Raramente, porém, esse profissional terá acesso à


informação que lhe permita participar do processo
decisório, diagnosticando os incidentes e otimizando o
funcionamento.

Começa aqui a pressão para ultrapassar as divisões


hierárquicas e substituí-las por gradações flexíveis →
DEMOCRATIZAÇÃO E TRANSPARÊNCIA
(semelhança com o Judiciário!).
“Formalista”
► CRÍTICA A HABERMAS “reducionista”, “obscuro”
“pense”, “procure”, “substime”

Não se pode separar a transformação da natureza material


(diálogo homem-máquina) do grande desenvolvimento das
funções informacionais.

HABERMAS põe a atividade comunicativa em detrimento


do ato de trabalho “como se uma substituísse o outro”.

Critica a visão procedimentalista da democracia, sendo


irreal a participação apenas por “elites instruídas” no processo
comunicativo.
Metáfora do “impossível diálogo entre o cego e o
mudo” para ilustrar a necessidade de acesso à palavra
por todos que estão privados do debate.

Crise de gestão e dos poderes relacionados à débil


mobilização sindical e política com o reflexo das lutas de
classe a partir dos anos 80.

Também a questão do acesso ao trabalho e o


problema do controle da comunicação de massa não são
enfrentado por Habermas junto com o “conteúdo” do
discurso.
Dentro das novas possibilidades surgidas na revolução
informacional, passa a dedicar-se ao TRATAMENTO DADO À
INFORMAÇÃO e à RELAÇÃO HOMEM-MÁQUINA.

O debate sobre a INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL discute a


capacidade das novas gerações de computadores de “pensar”
como o homem (sistemas inteligentes).

Voltamos à questão: os computadores estão a serviço de quem?


A fórmula não muda (Simon):

● tomadas de decisão não programadas reservadas aos


dirigentes;

● tomadas de decisão programadas para quadros


intermediários.
Para Herbert A. Simon a automação e o computador são
um meio de “inserir logaritmos na manufatura como alfinetes”
de Adam Smith. Todos os problemas são passíveis de
resolução através de bases simples, bastando encontrar a
resposta na memória.

“Não há diferença substancial entre o cérebro do homem ou


da formiga” (behaviorismo de Skinner).

* Também no judiciário, imprensa, etc.

A crítica de Hubert Dreyfus a Simon é relativa à


capacidade do homem de aprender (diferente da formiga),
sendo que o enxadrista avalia apenas as melhores opções,
enquanto o computador verá as 26.000 jogadas possíveis.
A mesma polêmica divide N. Wiener, fundador da
cibernética, cuja idéia central está na não
previsibilidade do programa ou do cálculo, com uma
lógica analógica de retroação (FEEDBACK), contra Von
Neumann, o pai do computador, que defende a
formalização e o cálculo exaustivo de todos os casos
possíveis, “estratégia” utilizada na TEORIA DOS
JOGOS, onde é preciso conhecer todas as
possibilidades postas pela identificação do conjunto dos
futuros possíveis, com os jogadores conscientes das
alternativas desde o início. A máquina digital já conhece
todas as jogadas A PRIORI, sem necessidade de
feedback, ignorando o aprendizado.
Wiener advertiu contra o emprego da teoria dos
jogos de Von Neumann pelas organizações
governamentais com objetivos militares, mas não foi
por acaso que o COMPUTADOR surgiu por demandas
do Pentágono às Universidades americanas na II
Guerra (ENIAC, 1945) e na Guerra Fria (ARPA, 1957):
o modelo hierárquico idealizado por Simon é
praticamente intangível, levando a reduzir o papel dos
trabalhadores no mito da “FÁBRICA SEM HOMENS”
que voltará a ser questionado com a crise americana e
o desenvolvimento da Web.
A subordinação entre homem/máquina vista nos atuais
sistemas administrativos (Ex. bancos) e nos serviços de
diagnóstico médico, leva a questionar a importância da
interação com o cérebro humano: um sistema não pode
funcionar sozinho. Ele só adquire sentido num diálogo
com um sujeito.

“A máquina informacional não substitui o homem - ao


contrário, reclama a sua presença e a interatividade,
ampliando e liberando não só a sua memória, mas
também a sua imaginação criadora” (p. 137) - V.
YOUTUBE, ORKUT, MYSPACE...
As alternativas indicam PERSPECTIVAS
ANTAGÔNICAS:

► substituição do homem, com reforço da


dominação;

► prolongamento das funções informacionais com


diálogo progressivo com o operador humano numa
lógica de direção.
*Como o computador não é neutro, mas um instrumento
de quem o programa, seu uso tem sido reforçando a
programação e a formalização (INFORMÁTICA) contra a
construção de sistemas capazes de aprender e assimilar
elementos novos (CIBERNÉTICA), de forma aberta e
flexível.

Assim, o debate da INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL envolve


a passagem de mecanismos automáticos pré-determinados
para processos mais autônomos, não programados
previamente.

Na AUTOMAÇÃO, a máquina controla e corrige a


máquina, ao passo que o AUTÔMATO é apenas uma
máquina que move a si mesma.
● sistema de controle e de informação distinto do
sistema de transformação e transmissão de energia;

● mensuração da diferença entre objetivo e resultado;

● redução dessa diferença e

● adaptação flexível ao contexto, valorizando a


capacidade de auto-organização e criatividade de
cada sujeito.
A TEORIA DOS JOGOS (behaviorista) valoriza:

→ o individualismo e o utilitarismo (Bentham e Smith);

→ a teoria de troca mercantil e

-→ o equilíbrio estético e conservador entre os atores


da “transação” (LEI DO REFORÇO RECÍPROCO).

Tal modelo de previsibilidade remete diretamente à


BUROCRACIA que já era descrita por HOBBES como
uma máquina na célebre passagem do Leviatã (p. 147),
também em Weber na Economia e Sociedade (p. 175).
INFORMAÇÃO E PODER:

Os confrontos de poder estão na base das grandes


organizações. As concepções antagônicas acerca do
uso político do computador e suas redes; por um lado
uma concepção elitista e tecnocrática; e por outro uma
concepção verdadeiramente revolucionária, que implica
no acesso de todos a todas as informações, e no
autogoverno dos homens.

Michel Crozier aponta 4 FATORES PARA


CÍRCULOS VICIOSOS no “fenômeno burocrático”:
1) IMPESSOALIDADE DAS REGRAS que prescrevem
minuciosamente as tarefas dos operários e da gerência;

2) CENTRALIZAÇÃO DE TODAS AS DECISÕES, tanto


ditar quanto interpretar as regras;

3) ISOLAMENTO e FALTA DE COMUNICAÇÃO ENTRE


CADA CATEGORIA HIERÁRQUICA;

4) DESENVOLVIMENTO DE PODERES PARALELOS


em torno de áreas de incerteza (semelhança com o PODER
JUDICIÁRIO!!!).

E acrescenta: “toda tentativa de modificação das regras


pelo alto provoca o reforço do bloqueio comunicacional”.
Além disso, o critério de economia da massa
salarial sempre intervém, de uma maneira ou de outra.

Acrescentam-se, recentemente, as pressões


acumuladas pela eficácia (EFICIÊNCIA), em
detrimento da competência profissional (Ex: operação
“Kendal”).

O sistema de informação integrado pode ser visto


como um “espião”, gerando desconfiança e retração
por parte dos profissionais.
Por outro lado, se as informações forem coordenadas
com o pessoal, poderão servir não só para aumentar a
eficiência, mas para o aumento das competências de cada
um!

Por que isso não acontece?

Tudo depende dos contextos sociais em que se inserem


as relações interindividuais, com relação de confiança e
reconhecimento recíproco da complementaridade das
competências.

“Trabalharemos para uma máquina inteligente ou


seremos pessoas inteligentes dirigindo uma máquina?”
Para um “aprendizado coletivo” é necessário romper lógicas
corporativas, protecionistas que aprisionam em áreas de
competência e autonomia.

Mesmo na “autogestão” sempre haverá hierarquia


“piramidal”. Como não existe “sociedade virtuosa”, a
transformação só pode vir através das trocas de informações
contínuas, com a tomada de decisão por grupos bem informados
e envolvidos na produção.

Passagem da pirâmide para diamante (p. 163), distinguindo o


nível estratégico e o operacional, com organização, supervisão e
coordenação.

Cabe lembrar que descentralização não é a mesma coisa


que autogestão, e por isso mesmo tendem a surgir novos
conflitos e reivindicações mais complexas.
Pode-se confundir os suportes físicos da produção ou do
tratamento da informação com o efeito da atividade, opondo-se à
transformação da natureza?

O estatuto social privilegia há milhares de anos os agentes que


controlam a escrita na relação social. Ex. Sumérios + de 3.000 a. C.;
sociologia da dominação em Weber; olhos arrancados como pena em
Roma.

Contudo, não há idéia de troca, para caracterizar comércio, mas


sim o papel do sujeito numa ordem social.
A idéia nas sociedades modernas, é que todos possam escrever e
ter acesso à informação.
De acordo com Boccara (p. 187):

→ o prestador de informações não se separa da informação;

→ não há informação sem interatividade entre interlocutores;

→ aquele que recebe a informação, tratando-a, enriquece-a;

→ a riqueza informacional não é redutível à acumulação de


mercadorias privadas

A troca de informações não preenche os requisitos descritos


por Marx para a troca de mercadorias, nem pelos
antropólogos, como Maus e Lévi-Strauss (Ex.: troca de irmãs
p/ casamento entre primos como ‘troca não mercantil’).
A valorização dos serviços não-mercantis na atualidade
indica que “a roda da história estaria andando para trás”,
contrariando o “triunfo do individualismo e da lei do mais rico”,
diante da desregulamentação dos serviços públicos.

Outros exemplos: a tendência à proteção das informações


científicas e a cooperação entre laboratórios públicos e
empresas privadas, com o patenteamento das descobertas.

Verifica-se um debate entre tendências contraditórias, onde


o todo é maior que a soma das partes: projeto GENOMA,
Programa Europeu de Biotecnologia, financiamentos públicos,
quebra de patentes, pirataria na internet, etc.
Dificuldade em ‘colocar equivalência’ quando se trata
de informação, conhecimento científico e cultural. Ex.
Coquille Saint-Jacques (p. 205) – “3 milhões de
pesquisadores não controlam 5 bilhões de homens!”
(Latour, p. 210).

Nos EUA, a pesquisa é financiada em 47% pelos


contribuintes (Bay-Dole Act, de 1980).

O pesquisador brasileiro não existiria sem


financiamento público! (98%)

Para Bourdieu: “a representação cognitiva, tomada


como modelo epistemológico, é exclusivamente
perceptiva, discursiva e simbólica” (p. 218).
O modelo “turbilhonário” da inovação, em oposição ao
mecanicista, aponta aberturas, circulação da informação,
articulação, adaptação e flexibilidade, sublinhando o modelo do
“envolvimento” e a dimensão coletiva e ativa da inovação: deve-se
partilhar as informações entre os que as concebem e seus
usuários (MIT – p. 224).

“A referência mítica ao mercado como norma suprema do


trabalho das redes tecno-científicas se mostra incapaz de dar
conta do divórcio entre o horizonte a curto prazo do lucro e da
rentabilidade, e do horizonte a longo prazo da inovação.” (p. 225)

A crítica ao dogma mercantil único pede novos critérios, com


indicadores que reflitam melhor a qualidade do trabalho,
produtividade, tempo de concepção, tempo para levar ao mercado,
preservação do meio-ambiente, emissão de carbono e outros
critérios não-mercantis de qualidade!
É possível superar a divisão entre os que
produzem e os que pensam a produção?

Como fica essa divisão na relação internacional?


Três objeções na ordem mundial:

1) Divisão PAÍSES RICOS X PAÍSES POBRES – hoje, Brasil


e Coréia do Sul possuem indústria de alta tecnologia e
exportam mão de obra qualificada, indicando uma nova
divisão mundial do trabalho.

2) As MULTINACIONAIS introduziram filiais no Terceiro


Mundo onde a complexidade das tarefas e a remuneração
são equivalentes aos EUA (México/Brasil).

3) Os altos índices de DESIGUALDADE e INFORMALIDADE


no trabalho, outrora característicos do Terceiro Mundo, são
hoje uma tendência em TODOS os países capitalistas, na
mesma forma que o neoliberalismo e a flexibilização das
relações formais de trabalho.
O QUE DISTINGUE O CENTRO DA
PERIFERIA É O CONTROLE DAS
INFORMAÇÕES ESTRATÉGICAS e “a
revolução da informação exacerba o debate
sobre sua significação e seu uso social” (p. 237).
Questionamento radical da divisão milenar entre “escribas” e “obreiros”:

DANIEL BELL: na sociedade “PÓS-INDUSTRIAL” haveria a


SUBSTITUIÇÃO da produção industrial pela informação e da experiência
profissional pela ciência, dos operários pelos engenheiros, com “centralidade
do saber teórico, tanto gerador da inovação quanto das idéias-matrizes que
inspiram a coletividade”.

RICHTA: descreve uma SUBSTITUIÇÃO: “a ciência impregna o


conjunto do processo de produção, tornando-se progressivamente a força
produtiva central da sociedade e, praticamente, o fator decisivo do
crescimento das forças produtivas.”

P/ LOJKINE, “as premissas da revolução informacional, no contexto


atual de crise e reestruturação capitalistas, discutem a idéia de uma
substituição da produção pela informação, defendendo a tese de uma
interpenetração complexa entre indústria e serviços, concepção e
fabricação, ciência e experiência e, conseqüentemente, entre assalariados
da produção e assalariados da concepção.” (p. 238)
Crítica à concepção substitucionista da inovação “pelo alto”, que
conduz “a reduzir a automação a uma simples substituição dos homens por
máquinas” buscando o ideal da “fábrica totalmente automatizada” (Marx),
onde o valor-trabalho da sociedade industrial (capitalista) seria substituído
pelo valor-saber da sociedade pós-industrial:

1) Existe uma reciprocidade, e não uma ruptura entre o saber abstrato


e a experiência concreta dos usuários das novas tecnologias (pesquisa
científica, desenvolvimento, métodos, fabricação e marketing);

2) Não há crescimento de atividades de serviço (informacional) sem


crescimento de atividades industriais;

3) A teoria dos três setores (primário, secundário e terciário de Clarque-


Fourastié-Bell) não corresponde nem à realidade nem às principais
tendências perceptíveis;

4) Não ocorreu uma substituição da classe operária por uma nova


classe de trabalhadores da informação.
Há uma contradição aberta entre as novas
potencialidades tecnológicas, que demandam um
desenvolvimento dos homens e de suas capacidades, e
os critérios dominantes da avaliação do progresso
técnico pela economia do trabalho vivo.

A tendência hegemônica da vontade patronal de


centralizar e monopolizar as decisões faz com que os
investimentos em tecnologia sejam justificados
unicamente como uma substituição capital/trabalho
(reduzir o pessoal para produzir mais).
Os defeitos e perda de qualidade e quebra na produção por tempo
parado nos sistemas automatizados faz com que o operador, em princípio
eliminado, recupere um papel importante no sistema, pela necessidade de
interação com a máquina para controlar a variabilidade do sistema. (v.
Dilema de W. Baumol nos serviços)

Zuboff e Walton, da Harvard Business School, propõem que se


permute a lógica da automatização-substituição (to automate) pela lógica
da informação (to informate), onde: “a tecnologia da informação é
empregada para oferecer aos operadores uma nova informação, que lhes
serve para melhorar seu processo de tomada de decisões e sua produção.”
(p. 246)

Isso permite alto grau de envolvimento espontâneo e saberes


cognitivos de alto nível, que podem chegar ao que Walton chama de self-
manegement (autogestão). Ao mesmo tempo, tal nível de conhecimento e
partilha da informação põe em causa o sistema hierárquico. Para superar
esse efeito, é necessário ampliar o espaço da interatividade, para que ela
não seja apenas transitória, mas inerente ao próprio sistema tecnológico.
Exemplo desse conflito: na informatização da
imprensa, diretores de jornais usaram a ocasião para
reduzir os efetivos operários, com uma tendência de
super-investimento em materiais tecnológicos de
rápida obsolescência, colocando em questão o
trabalho do próprio jornalista, que se vê obrigado a
substituir o antigo tipógrafo na elaboração da matéria
(crise de identidade).

A informação como serviço público (CF, arts. 5º,


XIV; 222 e 223) se vê confrontada com um produto
mercantil “serializado”; “esquadrejado” e
“segmentado” em função do público que pretende
atingir. (p. 249 e 284)
Outra mudança é a inovação: na visão
tecnocrática, a pesquisa tecnológica precede e é
completamente divorciada da produção. No novo
modelo, ao contrário, a inovação deve ser concebida
e desenvolvida no interior do próprio processo de
produção – “todos os recursos humanos, em todos os
momentos do processo de produção, são envolvidos
pela inovação” – traduzindo uma correlação entre
capacidade de produzir e capacidade de inovar.
Cuidado: isso não significa subordinação da
pesquisa científica à produção – p. ex. questão
ambiental, saúde pública, defesa do consumidor, etc.
(p. 252)
Interpenetração recíproca entre o material e o informacional na
formação do capital fixo das empresas, com crescentes despesas relativas
à pesquisa, formação, organização, gestão, marketing e programas de
informática. Cada vez é menor a despesa com material e maior o gasto em
“recursos humanos”: as matérias-primas necessárias aos componentes
microeletrônicos vão de 2 a 3% do seu custo de fabricação. Segundo o
FMI, desde 1900 a quantidade de matérias-primas necessárias à produção
diminuiu anualmente em 1,25%, e essa redução deve se acelerar.

Ao mesmo tempo, cresce a participação do setor “terciário” na


economia, principalmente nos serviços públicos (de 14 a 36% nos Estados
Unidos, e de 27 a 40,5% na França). Crescem na proporção de
equipamentos sem os quais os serviços não funcionam: equipamentos
médicos, computadores, redes informáticas e telemáticas, sistemas
urbanos, habitação, etc.

A interpenetração se verifica com a transferência da população do


setor agrícola para o industrial, e do setor industrial para os serviços.
Algumas tendências:

● em oposição ao setor terciário público, o setor terciário “móvel”


desempenha um claro papel de acolhimento e redistribuição de jovens
e desempregados, com salários muito baixos, particularmente os
estagiários com contrato de prazo determinado. (p. 265)

● a crise decorrente da baixa do financiamento público envolvendo


empregos muito qualificados (médicos, professores) e a pressão das
ideologias liberais (New Public Management) tende transferir o
terciário “público” pelo “móvel” com terceirizações e privatizações.
(quadro p. 267)

● o imediatismo de curto prazo incide sobre a pesquisa das


utilizações eficazes de novas tecnologias da informação, com uma
tendência hegemônica de aquisição dos equipamentos informáticos
para substituir pessoas, sem criação de novos empregos qualificados
exigidos pela revolução informacional.
● no médio prazo, o desenvolvimento informacional suporá a
diminuição global do emprego ocupado com o aumento maciço da
população em formação; e uma diminuição maciça do tempo
trabalhado com um aumento maciço do tempo disponível para
atividades criadoras de alto nível.

● será necessário reconsiderar completamente as nomenclaturas


da contabilidade nacional no que se refere ao “ciclo da vida” que
separa a “vida ativa” da dita “inativa” (aposentados, jovens
escolares, períodos de aprendizagem e reciclagem), porque “a
revolução informática exige uma baixa maciça do tempo de
trabalho em proveito da formação permanente, de uma formação
inicial de alto nível e, mais largamente, do tempo criativo, para
além do tempo dos ‘lazeres tranqüilizantes’.” (p. 268)
Em cento e cinqüenta anos, nada de fundamental teria mudado?

Persiste a completa separação entre a propriedade do capital e o


trabalho de direção e de gestão, confiado a certos gerentes
assalariados?

Na grande indústria, o que faz da ciência uma força produtiva


independente do trabalho e o coloca a serviço do capital?

No Brasil, Coréia do Sul, Índia e China não se verifica uma simples


repetição da revolução industrial do século XIX. O subdesenvolvimento
coexiste com o florescimento da sociedade de informação, colocando
em questão a divisão entre trabalho manual e trabalho intelectual.
Distinguir:

● os “improdutivos produtivos”: além daqueles encarregados


pelo enquadramento da produção (o ‘maestro descrito por
Marx), o engenheiro que concebe um software e o técnico que o
realiza são improdutivos de valor, mas em troca, quando este
software implementa um novo método de usinagem e assim
contribui para a fabricação de produtos materiais, o engenheiro
se torna produtivo de valor.

● os “produtivos improdutivos”: desenvolvimento de funções


informacionais no trabalho produtivo; como por exemplo as
oficinas autorizadas e concessionárias criadas no processo de
trabalho da indústria automobilística (venda e pós venda), onde
o engenheiro-chefe da oficina é simultaneamente produtivo e
improdutivo.
Tais características dão ênfase à polifuncionalidade
característica do trabalho informacional, onde o tempo de
trabalho é uma mescla entre atividades produtivas e
improdutivas integradas à produção.

A gestão de informações se torna uma função central


para o desenvolvimento do trabalho, zelando pela relação
entre prestadores e clientes, numa nova confusão de papéis.

“De um lado, abrem-se ofícios operários às competências


“relacionais”; de outro, ao contrário, parece-se dar marcha-à-
ré no processo, procurando dividir, parcelarizar o trabalho
complexo dos serviços, para melhor mensurá-lo com os
parâmetros do trabalho simples.” (p. 288)
Novamente, coexistem tendências contraditórias: a
recomposição enriquecedora de atividades relacionais voltadas
para contados com os usuários; e tentativas de estandartização e
desqualificação dos trabalhos considerados mais rotineiros,
menos relacionais.

A longo prazo, com a revolução informacional, vem à tona


uma tendência irreversível para abrir todas as atividades
produtivas às funções de serviços e todas as atividades de
serviço às funções produtivas.

Contudo, a lógica de mercado permanece dominante, com a


tendência de eliminação do trabalho vivo para economizar
pessoal, com a intensificação do trabalho e as reduções maciças
de pessoal que bloqueiam as capacidades inovadoras e
paralisam os esforços para melhorar a circulação da informação.
(p. 290)
No ensino, a mesma tendência: de um lado, os
chefes dos processos de projetos, arquitetos de
sistemas e de redes informacionais egressos de
grandes escolas de engenharia; de outro lado, os
técnicos superiores e egressos de pequenas escolas,
submetidos a uma certa estandartização de tarefas em
gabinetes de programação e grandes escritórios de
projetos, sofrendo uma perda da sua autonomia, e
desvalorização do seu estatuto, onde o desemprego
cresce mais rapidamente. Percebe-se uma crise de
identidade que se reflete em grandes incertezas que
pesam sobre as qualificações das gerações futuras.
O operário profissional experimenta, principalmente a
sensação do ‘roubo do seu saber’ e da sua ‘desqualificação’;
tendo se tornado técnico mediante a qualificação no próprio
trabalho, está convencido de que a informatização nada lhe
oferecerá de positivo. Surge a política deliberada de
promover a concorrência entre duas gerações de operários e
de técnicos, onde os novos técnicos são vistos como
‘privilegiados’, ‘ganhadores das mutações tecnológicas’. (p.
294)

Contudo, são ‘técnicos especialistas’ sem


responsabilidades e com ínfimas chances de se tornarem
diretores, pois sua formação não lhes ensinou a comunicar.
Desse “desencanto entre os jovens diplomados” cresce o
individualismo que se reflete na baixa adesão ao movimento
sindical.
As causas dessa desmobilização política cada vez
maior em todo o mundo são apontadas como:

1) O esgotamento das utopias e dos projetos políticos


que mobilizaram os operários e os trabalhadores ao longo
de dois séculos;

2) A incapacidade do movimento operário ocidental


em superar no seu interior a delegação de poder e a
hierarquia piramidal na divisão entre a esfera das
reivindicações sociais e a esfera administrativas;

3) A falta de capacidade de construir, autonomamente,


regras de gestão diversas daquelas da rentabilidade e do
lucro.
“Somos todos nós, conscientemente ou não, usuários das
Novas Tecnologias da Informação, que devemos buscar
autonomia e cooperação contra o individualismo estéril dos que
querem manter o monopólio da formação e das informações
estratégicas, quando o próprio controle da informação exige a
mobilização de todas as inteligências.” (p. 309) 

Enquanto dirigentes empresariais, assalariados e cidadãos


estiverem persuadidos de que a tomada de decisões
estratégicas (na economia e na política) é um problema da elite,
assistiremos a uma aceleração das crises informacionais e
organizacionais provocadas pelas Novas Tecnologias da
Informação.
O estoque informacional não pode ser gerido como
um capital, porque a máxima acumulação de
informações não produz a riqueza, mas a asfixia. Ao
longo do tempo mostra-se ineficaz, na medida em que
não se partilha e não se faz circular as informações,
reproduzindo o círculo vicioso dos surdos (os
dirigentes) e dos mudos (os executores).

É preciso mudar as regras do jogo. Contudo, eles


ainda não sabem como fazê-lo.
LOJKINE, Jean. A Revolução Informacional.
Trad. De José Paulo Netto. 3ª ed. São
Paulo: Cortez, 2002.

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