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Noite de Conflitos

Era de costume que a casa dos Garcia tivesse um clima harmonioso entre os
integrantes da família. É certo que cada um possuía suas particularidades, mas isso
nunca foi problema, até esta noite. Ernesto, o pai, abriu a porta sem muito cuidado,
com feições cansadas. Deixou sua maleta encima da mesa, e respirou fundo, relaxando
por milésimos de segundo, até ouvir uma discussão que, pelo som, parecia ocorrer
dentro do quarto de seu filho mais velho, Henrique. Mesmo sem muita coragem para
encarar mais estresse, Ernesto subiu até o quarto, encontrando sua esposa a
esbravejar com o jovem rapaz. Silvania repetia pela décima vez o discurso que falara
para o filho desde que o buscou na escola, completamente decepcionada, porém não
surpresa.
Todos conheciam bem o jeito de Henrique. Um garoto arteiro e inconsequente desde
a infância, nunca se deu bem com nenhum professor que tivera, pelo contrário, fazia
questão de tornar a vida deles muito complicada. E, mesmo depois de crescido, já em
seu último ano da escola, continuava com as mesmas atitudes estúpidas para com seus
educadores. Naquela manhã, na aula de química, arranjou uma grande briga com a
professora por não ter feito a lição de casa, e tendo dado um soco na cara de um
colega que o chamou de folgado, foi suspenso por três dias. Ao chegar na escola, sem
saber onde enfiar a cara de tanta vergonha, Silvana foi até a sala da diretora, e
conversou com ela, sem se quer voltar o olhar para o filho. Saíram de lá com grande
tensão entre si, esperando por Luiza, a irmã mais nova, no portão da escola.
No carro, a discussão entra mãe e filho era intensa, coisa que mais parecia um dejavú,
pois já ocorrera várias outras vezes. Luiza, acostumada com a situação, apenas
observava a paisagem, que passava rápido pela janela, com as mãos tapando os
ouvidos. Em casa, ao longo do dia, Silvana fazia questão de relembrar o mais velho da
vergonhosa situação na escola, e de como não sabia mais o que fazer ele, o que se
estendeu até o cair da noite, com a chegada de Ernesto. Contou todos os detalhes do
ocorrido ao marido, esperando uma reação furiosa de sua parte. No entanto, o que
obteve foi apenas murmúrio desconfortável e a frase: “podemos conversar sobre isso
amanhã?”. Indignada e totalmente esgotada, respirou profundamente e se retirou do
quarto.
— Ufa, finalmente ela se mandou. Valeu, pai. – disse Henrique.
— Não comemore tão cedo. Conhecendo bem sua mãe, essa conversa ainda não
terminou.
Os dois, já um tanto quanto aborrecidos, ouviram a pequena Luiza chamar para
jantarem. Ao sentarem-se todos na mesa, o clima tenso instaurou-se novamente.
Ernesto fitava de relance sua esposa, e podia perceber nitidamente seu
descontentamento, sabendo que aquele seria um longo jantar. Silvana, percebendo o
olhar, viu o momento certo para voltar com suas reclamações.
— É sempre assim, Ernesto, você nunca se posiciona sobre nada, me deixando com a
fama de má, e ainda fica me olhando, como se esperasse que eu me esquecesse de
tudo! – esbravejou a mãe.
— E eu lá sou besta de entrar de cabeça com você em suas brigas sem fim? Se for falar,
é melhor que fale sozinha.
O sangue de Silvana ferveu ao ouvir as palavras do marido. Todos tinham consciência
do quanto era importante para ela o apoio de suas pessoas próximas, pois isso a
mantinha confiante de que estava fazendo o certo. Com isso, quando deixavam de
apoia-la, sentia que não fazia mais sentido lutar por sua opinião.
— Por que você é assim, tão desinteressado com a sua família? Nosso filho está indo
cada vez pior na escola, e parece que nunca há disposição para corrigi-lo da forma
certa, sobra tudo pra mim.
— Ora, parece que se esqueceu que quem trabalha nessa casa e traz todo o conforto
para cá sou eu. Quer maior demonstração de interesse no bem-estar coletivo que isso?
– diz Ernesto, irritado com a falta de empatia da mulher.
— O que está insinuando? Que só o senhor que se esforça aqui? Eu cuido dessas
crianças o dia todo, mantenho tudo em perfeitas condições, para você vir me dizer que
eu não faço nada. Tenha santa paciência, isso eu não mereço, nem sei porque ainda
estou com você!
A discussão começara a sair do controle, e o mal-estar era real. Lágrimas começaram a
se formar nos olhinhos de Luiza, enquanto o irmão segurava sua mão por debaixo da
mesa, tão assustado quanto a menor. Conflitos eram normais de se ocorrer, mas
jamais seus pais chegaram ao ponto de ameaçar

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