Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
São Paulo
2020
1
São Paulo - SP
2020
2
AGRADECIMENTOS
Querelas do Brasil
Tinhorão, urutu, sucuri
O Jobim, sabiá, bem-te-vi
Aldir Blanc
4
RESUMO: O objetivo deste trabalho é olhar para todo o surgimento da Bossa Nova
e analisar o conflito entre os músicos do movimento e seu maior crítico e
antagonista, José Ramos Tinhorão. Um jornalista e crítico que ficou conhecido por
ser duro e rude com os músicos. Será exposto todo o surgimento do movimento e
diversas críticas à ele, não apenas as críticas sociais de Tinhorão, mas também de
outros músicos e críticos da época. Também analisaremos toda a base teórica de
Tinhorão, mostrando um pouco de suas maiores referências.
ABSTRACT: The objective of this work is to look at the whole movement of the
Bossa Nova, analise it’s rise and the conflict between the musicians of the
movement and it’s greatest critic, José Ramos Tinhorão. A journalist and critic who
was known by being hard and rude with the musicians. Here will expose the start of
the movement but also all the critics to it, not only the socials from Tinhorão, but also
from the other musicians and critics of the time. we will also analyse the theoretical
base from Tinhorão and show a little of his references.
5
SUMÁRIO
CONSIDERAÇÕES INICIAIS……………………………………………………… 6
2 A CRÍTICA DE TINHORÃO……………………………………………………... 16
3 O CONTRAPONTO AO TINHORÃO…………………………………………... 25
CONCLUSÃO……………………………………………………………………….. 33
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS………………………………………………. 35
6
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
até hoje repreensão por pessoas cegas de paixão pelo gênero. E responder então
as perguntas: por que essa paixão cega pela Bossa Nova? Como a Bossa Nova
afetou ideologicamente a sociedade?
A pesquisa será feita com base principalmente no trabalho de Tinhorão.
Serão utilizados os livros do autor e algumas entrevistas que ele deu ao Instituto
Moreira Sales. Também compõem a pesquisa artigos de outros autores, voltados
para as questões desse gênero musical, assim como pesquisas e documentos da
época.
Nova York, sendo esse o primeiro empréstimo oficial feito pelo Brasil junto aos
americanos, o que criou uma relação de dependência econômica dos EUA
semelhante à que havia antes com a Inglaterra.
A respeito da indústria cultural, até o século XIX, a única forma de
comercializar a música popular era com a venda de partituras para piano, que tinha
três agentes principais: o músico, que era quem compunha a música; a editora, que
lançava a partitura, e o vendedor de instrumentos, que vendia com a popularização
das músicas, produtos dos outros dois agentes.
Porém, com o surgimento das gravações, surgiram novos agentes, que
mudaram completamente a comercialização musical. Começaram a aparecer
cantores profissionais, arranjadores, passou a haver a participação maior de
instrumentistas, além das novas técnicas de produção, que precisavam de outra
matéria prima. Também passou a haver maior utilização de fábricas, que permitiam
a produção em massa. Esse mercado seria responsável também por diversos
avanços tecnológicos nas áreas audiovisuais, invenções como o áudio nos filmes,
as rádios, as gravações de fitas, e até mesmo, mais recentemente, a criação de
aplicativos, como o Spotify. Após a segunda Guerra Mundial, temos os EUA mais
uma vez se aproveitando do enfraquecimento da Europa para então impor
mundialmente sua cultura e sua ideologia, além também de sua indústria. Isso fica
especialmente evidente pelo blues e posteriormente o rock, que através das
técnicas comerciais das produtoras se tornaram fenômenos mundiais.
Junto da criação da Indústria Cultural, tivemos também uma mudança
ideológica nas produções artísticas que deixaram de seguir um padrão regido por
uma estética mais variada, para agora seguir um padrão estético baseado no
mercado. Portanto, a arte começou a ser vista como um produto, e junto disso
surgiu a massificação artística, que procurava deixar as produções mais
semelhantes entre si - isso porque “depois de obtida a massificação, basta produzir
o que o povo gosta” (TINHORÃO,1990, p. 248).
No final do século XIX e começo do XX, surgiu em Nova Orleans o Jazz,
gênero musical dos negros, que tinha uma grande representação de liberdade em
relação aos padrões estéticos europeus. Isso ocorreu, pois foi uma produção
cultural que vinha de uma raiz cultural afrodescendente: o forte improviso no gênero
é um exemplo disso, já que se trata de uma libertação da composição escrita.
Porém, com o surgimento dessa indústria cultural, a popularidade do Jazz começou
10
a crescer e então logo foi para Chicago, onde os brancos, empresários ricos,
tiveram seu primeiro contato com o gênero e logo viram nele as várias
possibilidades mercadológicas, levando então consigo para Nova York, onde seria
completamente apropriado pelos brancos e pela indústria cultural, semelhante ao
que aconteceria futuramente com o Samba e a Bossa Nova.
Visto isso, conseguimos perceber como a indústria cultural afetou o Jazz, que
logo se tornou um símbolo dela devido ao seu grande valor lucrativo e pela ideia de
liberdade que transmitia. Seu ideal de liberdade dialogava com a ideia liberalista da
indústria norte americana, tornando-se assim o símbolo perfeito para o imperialismo
musical estadunidense.
Copacabana, Ipanema e Leblon são bairros cariocas que passaram por uma
urbanização recente, são bairros que, como descritos por Julia O’ Donnell em seu
livro “Copacabana, Uma História”, formam o chamado CIL (Copacabana, Ipanema e
Leme, apenas futuramente se incorporaria o Leblon também). Desse modo,
formariam a chamada aristocracia cilense, que seria responsável por urbanizar a
praia e toda a Zona Sul carioca.
Primeiramente, até o século XIX, a praia de Copacabana era um lugar de
principalmente pescadores, já que fica na costa, com poucas pessoas, devido ao
difícil acesso. Foi assim até 1892, quando foi construído o túnel Real Grandeza,
atualmente chamado de túnel velho. Como era uma região nova, com apenas
alguns poucos pescadores, logo a elite viu lá uma possibilidade de um lugar só
deles, com muita exclusividade. Então começaram o processo de urbanização. Em
1903, fundaram o túnel do Leme, hoje conhecido como túnel novo, tornando o
acesso ainda mais fácil.
O projeto de urbanização dessa aristocracia cilense era o de criar um antro
de civilidade, um lugar só deles, com os moldes nas praias de Long-Island, Nova
York e em Biarritz na França (demonstrando as fortes influências internacionais
sobre a cultura brasileira da época). Essa transformação tornou-se um marco de
uma nova ideologia que surgiria nos anos 1920, a ideia de civilização beira-mar,
criando assim um modelo de beleza baseado em corpos bronzeados e malhados,
antes associados à pobreza, mas que agora eram os padrões de um estilo de vida
praiano que estava surgindo na zona sul carioca.
Em 1923, foi inaugurado o Copacabana Palace, que seria um marco da
civilidade e que até hoje continua sendo de extrema importância: foi ele o
responsável por trazer o turismo na região e começar a formação de um ideal de
cidade maravilhosa ao Rio de Janeiro, que iria ser a visão da cidade no mundo.
Junto do hotel, surgiram também cassinos, casas de jogos, e o famoso calçadão de
Copacabana.
Com o crescimento do turismo, do comércio a das migrações para região, o
CIL foi obrigado a aumentar as avenidas, duplicar os túneis, e sofreu um
crescimento vertical, a criação de prédios, que ocorreu principalmente devido ao
grande número de pessoas querendo ir para esse novo centro de civilidade, sendo
12
um lugar atraente para uma classe média alta e para a elite. A antiga aristocracia
cilense ficou muito infeliz com essa situação, pois a sua utopia de um lugar
exclusivo de elite, onde eles iriam ficar longe do resto da população, havia acabado.
A criação de prédios resultou também em uma diferença ainda maior entre a cultura
da nova classe média cilense e das antigas tradições cariocas representadas pelas
classes mais tradicionais cariocas.
Seria essa nova classe média da Zona Sul Carioca a responsável pela
criação do gênero Bossa Nova e por consequência a criação de uma nova imagem
para o Rio de Janeiro. A Bossa Nova seria futuramente uma das maiores
responsáveis por propagar a imagem de cidade maravilhosa que o Rio tem ainda
hoje, imagem essa baseada visão de antro de civilidade que a antiga aristocracia
cilense tinha sobre a zona sul carioca.
acordes comuns no gênero norte americano, porém com um ritmo de samba. Foi
através desses encontros entre os jovens, que podiam ocorrer em suas casas ou
até mesmo em bares, como foi o caso do Beco das Garrafas, um dos berços da
Bossa Nova, que surgiu o gênero. Porém, já era perceptível a influência do jazz em
muitas outras produções brasileiras, por exemplo de artistas como Dick Farney, e
Os Cariocas, que ocorreram antes da Bossa Nova e serviram de extrema inspiração
para a criação do gênero.
Na prática, a Bossa Nova surgiu a partir do encontro de jovens de classe
média apaixonados por jazz, que tinham uma grande formação musical, tanto que
existem alguns elementos da música erudita no gênero, como a orquestração das
músicas; porém, os elementos de jazz são os mais perceptíveis: o contrabaixo, os
instrumentos, os acordes. Já do samba, vinham os ritmos, que ainda assim tinham
as suas variações.
Outro elemento marcante da Bossa Nova são as próprias letras, que se
tornam poesias que retratam uma realidade bela em que os jovens de Copacabana
viviam. Como passavam por menos dificuldades, podiam falar da beleza de uma
mulher passando pelo calçadão, ou das saudades que sentiam de seus amores, ou
ainda do simples problema de desafinar. Como podemos perceber na letra da
música “Chega de saudade”, escrita por Vinicius de Moraes e Tom Jobim (1956)
Chega de Saudade
Chega de saudade
A realidade é que sem ela não há paz
Não há beleza
É só tristeza e a melancolia
Que não sai de mim, não sai de mim, não sai
Não há paz
Não há beleza
É só tristeza e a melancolia
Que não sai de mim, não sai de mim, não sai
Eu vim de bem longe, eu vim, nem sei mais de onde é que eu vim
Sou filho de rei muito lutei pra ser o que eu sou
Eu sou negro de cor mas tudo é só amor em mim
Tudo é só amor, para mim
Xangô Agodô
15
Me faça sofrer
Ah me faça morrer
Mas me faça morrer de amar
Xangô, meu Senhor, saravá!
2 A CRÍTICA DE TINHORÃO
E então o capítulo será finalizado expondo a crítica que Tinhorão faz à Bossa
Nova. Mostraremos o que ele observou do ponto de vista sociológico em sua
análise da Bossa Nova. Ele foi sem sombra de dúvidas um dos maiores críticos do
movimento, acompanhando-o desde o começo. Aqui, serão expostos seus
argumentos e sua visão do movimento, e em alguns momentos até mesmo suas
expressões, e então, no capítulo seguinte, essa ideia será desconstruída. Será
analisada apenas parte de toda sua crítica, a parte central dela, até porque toda a
obra de Tinhorão sobre a Bossa Nova é muito extensa e impossível de cobrir em
apenas um TCC do Ensino Médio.
que Tinhorão encontrou diversos escritores, incluindo o próprio Karl Marx, que
causou uma admiração quase que imediata do jornalista pelo filósofo principalmente
devido ao seu método de análise. Porém Tinhorão nunca se colocou como
comunista, já chegou a ser criticado pela própria esquerda, ainda que sempre tenha
se colocado abertamente como marxista, por utilizar o método de análise de Marx
em suas obras.
Sua criação de moral pequeno burguesa segundo ele pode ser percebida
também por suas ambições, no caso ser advogado para assim tentar orgulhar seus
pais. Por esse motivo, ele começou a faculdade de Direito com 20 anos e chegou
até mesmo a receber o anel de rubi. Porém, segundo palavras do próprio Tinhorão,
essa faculdade foi como um “banho de carrapaticida de gado”, em que o gado entra
de um lado, toma o tal banho para espantar carrapato, e do outro lado sai igual a
como entrou. Portanto, a faculdade de Direito não fez diferença nenhuma para
Tinhorão e sua carreira.
Começou sua carreira de jornalismo no início dos anos 50. Em 1953, já
estava trabalhando no “Diário Carioca”; porém, em 1958, foi para o “Jornal do
Brasil”, onde ficou até 1963. Entre 1974 e 1982, atuou em sua carreira de crítico, em
que fazia publicações para diversos jornais (incluindo os que já havia trabalhado) e
para revistas. Nesse período, trabalhou com o “Correio da manhã”, ”O Jornal”,
"Última Hora”, “TV Globo”, “Veja”, ”Nova”, entre outros. Foram essas críticas que
despertaram todo o ódio dos amantes da Bossa Nova por Tinhorão e lhe deram o
apelido, que faz referência a uma planta venenosa.
Durante o final dos anos 70, Tinhorão começou a deixar sua carreira de
jornalismo de lado, passou a se focar em pesquisas e em acumular um grande
acervo para realizar essas pesquisas na área de música popular. Então se mudou
para a rua Maria Antônia, em São Paulo, onde morava em um apartamento de 30
metros quadrados, lotado do chão ao teto por seu enorme acervo. Essa sua coleção
particular é composta pelos mais diversos documentos que ajudam a compreender
a música popular brasileira e toda sua trajetória histórica, documentos que ele foi
atrás de conseguir. Ele chegava até a colocar anúncios de jornal comprando
qualquer coisa que o pudesse ajudar. Entre esses documentos se encontram
partituras, letras de músicas, livros, jornais, fotografias, discos de vinil, revistas, etc.
Em 2001, Tinhorão disponibilizou todo seu acervo acumulado para o IMS, onde está
até hoje.
19
por ser diferente, mas ainda assim consegue se destacar de algum jeito, é logo
apropriado pela indústria Um exemplo é o rap, que, a princípio, foi uma produção
cultural da periferia norte-americana: no início do movimento, foi marginalizado,
considerado música de bandido; porém continuou crescendo nas camadas
populares dos Estados Unidos e logo foi apropriado pela indústria e pelas
gravadoras, que viram o potencial de lucro do gênero. Atualmente, até mesmo o
rap, que surgiu como uma maneira de mostrar como é a vida nas periferias, é
ouvido pela elite que tanto marginalizou o gênero
Já a dominação feita pela indústria através do entretenimento (produto da
cultura) tem como um de seus objetivos nos tornar alienados e diminuir nosso
pensamento crítico; a falta de diversidade cultural acaba gerando isso, um
pensamento homogêneo, criado pela própria indústria, para assim evitar qualquer
revolta nesse sistema.
Outra ideia propagada pela indústria cultural é a da necessidade de ter o
pensamento que para ser feliz é necessário possuir bens materiais, uma casa
grande, um carro rápido ou até mesmo um celular moderno. O capitalismo nos faz
acreditar que temos uma necessidade de possuir tudo isso, o que na prática não é
verdade. A criação de um ideal inalcançável é outra característica da dominação
cultural, é criada uma imagem de um ideal de vida impossível de uma pessoa
normal chegar, mesmo que ela passe sua vida inteira tentando; o fracasso, dessa
forma, mostra-se inevitável e acaba por gerar uma insatisfação pessoal, uma
infelicidade. Um exemplo disso são os próprios super-heróis, que têm um valor ético
muito forte (que aliena a criança fazendo-a seguir os padrões éticos da indústria) e
que são colocados como um ideal de pessoa que jamais será alcançado por
ninguém, e os modelos que apresentam um ideal de beleza inalcançável. E até
mesmo os ricos (que controlam a indústria) representam um modelo de vida
extremamente luxuoso, que se apresenta como ideal para muita gente, porém não
passa de um sonho, pois na realidade apresenta padrões quase impossível de
serem alcançados.
Porém, se ignorarmos todos esse fatores e pensarmos apenas na
experiência que a obra de entretenimento da indústria nos proporciona, se
ignorarmos as características de padronização e dominação que a cultural passou a
ter, e ignorarmos também que esse entretenimento serve apenas para preencher
um vazio existencial dentro de nós, causado pelo esclarecimento do Iluminismo -
22
Tinhorão, como já foi dito anteriormente, viveu junto da Bossa Nova: ele
assistiu a todo o movimento desde antes de 1958, ano de lançamento do disco
“Chega de Saudade”, que consolidou sua criação. Ele já criticava a Bossa Nova nos
jornais em 1959 e, em 1966, ele lançou o livro “Música Popular um Tema em
Debate”, em que ele expôs duras críticas ao movimento.
23
Os jovens da Bossa Nova não aceitaram bem essas críticas: não sabiam
argumentar contra os fatos trazidos por Tinhorão, então apelavam para o
sentimental, acusando Tinhorão de ataque pessoal.
Tinhorão, em sua crítica, define a Bossa Nova como tendo uma mãe muito
clara, o jazz, a cultura norte americana, porém ele sempre teve mais dificuldade de
definir quem era de fato o pai do movimento, seria João Gilberto, Tom Jobim,
Vinícius de Moraes, Johnny Alf, Laurindo de Oliveira ou ainda o americano Harry
Babasin. O fato é que a Bossa Nova não surgiu de uma hora para a outra, cada
músico trouxe de certa forma algum traço da identidade para o novo gênero.
Para Tinhorão, porém, não importa quem é o pai: ele considera a Bossa
Nova como sendo um produto completamente americano. Segundo ele, todos os
músicos que participaram do movimento, de uma maneira ou de outra, já estavam
alienados pela indústria, massificados, imersos no modelo da indústria cultural. Isso
pode ser vistos por seus nomes, versões americanizadas de nomes brasileiros:
Johnny Alf (João Alfredo), ou ainda o apelido do Antônio Carlos Jobim, Tom Jobim
(aliás Tom, normalmente, se remete a Thomas, ou seja, inegavelmente se associa a
um apelido em língua inglesa).
Indícios da Bossa Nova já existiam desde 1920, com o chorão Pixinguinha já
trazendo elementos da cultura norte-americana para o Brasil, com a composição de
um fox trot (ritmo estadunidense). Em 1932-33, Vinícius de Moraes compôs outros
sete fox trots, fox-canções e fox-blues (outros ritmos americanos), sendo eles; “Dor
de uma Saudade”, “O Nosso Amor de Criança”, “Namorado da Lua”, “Honolulu”,
“Diga Moreninha”, “Loura ou Morena” e “Doce Ilusão”. O be-bop (sub-gênero do
jazz”) já aparecia em 1949 com Dick Farney. Portanto o surgimento da Bossa Nova
está diretamente associado ao salto da indústria norte-americana, devido à sua
economia de guerra, que gerou altos lucros para o país nas duas Grandes Guerras.
Esse fato levou a um crescimento da indústria cultural nos Estados Unidos, o que a
levou a começar a se massificar. Aqui no Brasil tivemos a Bossa Nova como
resultado dessa massificação. Os traços da cultura europeia, que até naquele
momento eram ainda comuns e populares, foram se tornando antiquados, e a
novidade cultural trazida pelos EUA era muito atraente para os jovens da época.
Algo interessante que o Tinhorão traz em seu livro “Música Popular um tema
em Debate” é a história de como surgiu o termo Bossa Nova. Segundo Tinhorão, o
jornalista Sérgio Porto foi engraxar seu sapato novo, um sapato sem cadarço,
24
A criação da Zona Sul carioca gerou uma certa segregação cultural entre
uma cultura legitimamente popular, no entanto também vista como marginal (outro
traço da indústria cultural, marginalizar o diferente) da Zona Norte, onde ficavam os
25
3 O Contraponto a Tinhorão
Tinhorão sempre foi uma figura muito polêmica, seus métodos marxistas não
eram bem vistos pelos conservadores, seu jeito rude nas críticas aos músicos criava
uma certa inimizade com eles também, e sua falta de dogmatismo acadêmico
deixava até mesmo os intelectuais com um pé atrás ao tratar de sua pessoa. Porém,
eram os bossa-novistas os que mais o odiavam. Tanto que existe uma lenda de que
Tom Jobim tinha um vaso de tinhorão na entrada de sua casa, em que ele urinava
todos os dias.
Na quarta edição do livro “Música Popular: um tema em debate” podemos
perceber essa animosidade de forma bem clara:
27
Tinhorão, por mais rude e ríspida que seja, foi necessária e mesmo não sendo muito
bem aceita revolucionou toda a discussão da música popular.
ligação mais coesa entre esses elementos dava à melodia a mesma importância
que os outros campos da música; portanto, a voz do cantor tinha tanta importância
na música quanto a base, que era feita juntando os elementos rítmicos e
harmônicos. Isso permitia ao músico cantar de uma maneira mais tranquila, sem
precisar exagerar em efeitos de voz ou no volume que se cantava. Graças a isso,
João Gilberto, por exemplo, era capaz de cantar baixinho, quase sussurrando.
Assim como Brito disse: ”A valorização do cantor surgirá na medida em que ele co-
participará da elaboração musical e não na medida em que ele procura se afirmar
sobre a obra” (BRITO, 1960, p. 22). Portanto o cantor agora não mais precisa de
exageros, ele agora faz tanto parte da obra quanto os instrumentos.
A música brasileira, no geral, também sempre teve muita influência da
música estrangeira no geral. No maxixe, por exemplo, temos diversos gêneros
hispano-africanos da América e até mesmo a polca (estilo de dança comum no leste
europeu), exercendo uma influência muito direta. Portanto, é normal para a nossa
música e cultura no geral a influência estrangeira. No caso da Bossa Nova, temos o
início da influência norte-americana na cultura. Como vimos anteriormente, isso
começa a aparecer ainda na década de 1930, com o fox trot aparecendo em nossa
música nacional, através de músicas escritas por Vinícius de Moraes ou ainda
compostas por Pixinguinha. Tinhorão afirmava que essa influência era um traço da
dominação americana, enquanto outros críticos diziam que isso era apenas mais
uma influência da cultura internacional aparecendo na música, como ocorreu outras
vezes, sendo então algo natural de ocorrer. Tinhorão dizia também que isso era
uma descaracterização na música popular, enquanto outros diziam o oposto, que a
Bossa Nova estaria honrando suas origens ao deixar bem claro de onde veio, e que
seria um gênero que ia contra a música industrial ao invés de estar colaborando
com ela, como afirmava Tinhorão. Brito foi capaz de expor isso de maneira bem
clara:
Já nas letras da Bossa Nova foram agregados, para além dos valores
poéticos, valores também musicais da palavra; nas composições, já não eram mais
feitas separadas das letras, mas sim ambas feitas juntas. Isso é algo que pode ser
muito bem visto em duas das mais importantes músicas do movimento: Desafinado
e Samba de uma nota só, ambas escritas por Newton Mendonça e compostas por
Tom Jobim.
Desafinado
Quanta gente existe por aí que fala tanto e não diz nada
Ou quase nada
Já me utilizei de toda a escala e no final não sobrou nada
Não deu em nada
Já nessa música temos uma base simples, de apenas uma nota. Então, à
medida que a música segue, temos a base e a melodia se utilizando das variações
que a própria letra sugere. Quando é cantado ”outras notas vão entrar” aparecem
32
outras notas na música, então a letra segue: ”mas a base é uma só” nesse
momento a melodia volta de novo para a nota principal que já estava sendo usada
de base. Em outro trecho, o eu lírico começa a cantar e brincar com as outras notas
da escala, e ao final disso a poesia brinca: “já me utilizei de toda escala e no final
não sobrou nada, não deu em nada”, mostrando que não adianta utilizar de outras
notas da escala, no final ele só se importa com sua nota e acaba voltando para ela,
assim como ele sugere logo em seguida: “e voltei para minha nota como volto para
você”. Portanto temos nessa música uma grande brincadeira envolvendo a letra e
os elementos musicais presentes nela.
Portanto conseguimos perceber que apesar das críticas pesadas de
Tinhorão, a Bossa Nova não pode se limitar a apenas uma análise histórico-social:
ela também foi um movimento muito bem pensado, com músicos que estavam muito
à frente de seu tempo. É inegável que a grande maioria desses músicos são
burgueses da classe média e da elite; porém, querendo ou não, através da Bossa
Nova, eles conseguiram eruditizar a música popular brasileira, foram capazes de
fazer isso ao mesmo tempo em que criavam uma imagem do Brasil no mundo, a
qual até hoje persiste. A Bossa Nova foi um movimento moderno, que revolucionou
a música e inspirou diversos músicos e continua inspirando ainda hoje.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
No início da pesquisa, o trabalho tinha um visão muito mais favorável às
críticas de Tinhorão, ele seria a principal fonte e, portanto, sua crítica seria a mais
considerada. Tanto que todo o trabalho giraria em torno dele e responderia a
pergunta: porque o ódio a Tinhorão? Logo, para entendermos isso, precisaríamos
antes entender sua crítica, e para isso, entender o seu maior antagonista, a Bossa
Nova.
Começamos analisando o contexto histórico. Descobrimos as origens da
indústria cultural, e da cultura norte americana, e assim entenderíamos parte da
origem da Bossa Nova. Logo fomos entender o berço da Bossa Nova, no caso
Copacabana, um lugar que seria, desde a sua criação, um antro da elite, já que
seria isolado do resto do Rio de Janeiro. Só então fomos entender o surgimento da
Bossa Nova, toda a história de sua criação até o grande sucesso de “Chega de
Saudade”.
33
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CARDOSO, Luciene. Copacabana, uma História. In: Acervo, rio de janeiro, v. 28, n.
1, p. 262-265, jan./jun. 2015 – p. 265
COISA mais linda. Direção: Paulo Thiago. Produção: Glaucia Camargos. Roteiro:
Paulo Thiago. SONY PICTURES. 2005.
TINHORÃO, José Ramos. História social da música popular brasileira. São Paulo:
Editora 34, 1998.
TINHORÃO, José Ramos. Música popular um tema em debate. São Paulo: Editora
34, 2012.
VALENÇA, Rachel; LEME, Bia; FREITAS, Janio. Entrevista José Ramos Tinhorão
ao IMS. Mar., 2013 Disponível em
<https://www.youtube.com/playlist?list=PLC90FSGUmLhRzBiVdux33rDBxwK_LDxk
k> Acesso em: 27 out. de 2020.