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Colégio Ofélia Fonseca

Trabalho de Conclusão de Curso

Antônio Guedes Faria

CRÍTICA À BOSSA NOVA BASEADO NOS PENSAMENTOS DE JOSÉ RAMOS


TINHORÃO

São Paulo
2020
1

Antônio Guedes Faria

Crítica à Bossa Nova baseado nos pensamentos de José Ramos


Tinhorão

Trabalho de conclusão de curso


apresentado no Ofélia Fonseca com o
requisito para a conclusão do Ensino
Médio.

Orientador: Luis Fernando Massagardi

São Paulo - SP
2020
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AGRADECIMENTOS

Agradeço primeiramente ao professor Luís por ter me orientado, me ajudado


com todas as dúvidas que tive durante o desenvolvimento desta pesquisa, e
também por ter me ajudado a encontrar o caminho certo para esse trabalho.
Agradeço também à professora Tatiane, por ter orientado desde o projeto
deste TCC do Ensino Médio e por me ajudado com algumas revisões e
comentários.
Sou grato também a toda ajuda de meus familiares, em especial minha mãe,
meu pai e meu irmão, que me apoiaram muito, me dando dicas, fazendo revisões e
me ajudando na tomada de algumas decisões, além também de toda a experiência
que tinham, que foi muito importante para a conclusão deste trabalho.
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Querelas do Brasil
Tinhorão, urutu, sucuri
O Jobim, sabiá, bem-te-vi

Aldir Blanc
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RESUMO: O objetivo deste trabalho é olhar para todo o surgimento da Bossa Nova
e analisar o conflito entre os músicos do movimento e seu maior crítico e
antagonista, José Ramos Tinhorão. Um jornalista e crítico que ficou conhecido por
ser duro e rude com os músicos. Será exposto todo o surgimento do movimento e
diversas críticas à ele, não apenas as críticas sociais de Tinhorão, mas também de
outros músicos e críticos da época. Também analisaremos toda a base teórica de
Tinhorão, mostrando um pouco de suas maiores referências.

ABSTRACT: The objective of this work is to look at the whole movement of the
Bossa Nova, analise it’s rise and the conflict between the musicians of the
movement and it’s greatest critic, José Ramos Tinhorão. A journalist and critic who
was known by being hard and rude with the musicians. Here will expose the start of
the movement but also all the critics to it, not only the socials from Tinhorão, but also
from the other musicians and critics of the time. we will also analyse the theoretical
base from Tinhorão and show a little of his references.
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SUMÁRIO

CONSIDERAÇÕES INICIAIS……………………………………………………… 6

1 CONTEXTO HISTÓRICO DA BOSSA NOVA…………………………………. 7

1.1 Criação da Indústria Cultural…………………………………………. 8


1.2 Surgimento da Zona Sul Carioca…………………………………….. 11
1.3 Surgimento da Bossa Nova………………………………………….... 12

2 A CRÍTICA DE TINHORÃO……………………………………………………... 16

2.1 A Vida de Josè Ramos Tinhorão……………………………………... 17


2.2 As referências de Tinhorão……………………………………………. 19
2.3 A Crítica de Tinhorão à Bossa Nova…………………………………. 23

3 O CONTRAPONTO AO TINHORÃO…………………………………………... 25

3.1 A Crítica ao Tinhorão………………………………………………….... 26


3.2 A Crítica estética……………………………………………………….... 29

CONCLUSÃO……………………………………………………………………….. 33

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS………………………………………………. 35
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CONSIDERAÇÕES INICIAIS

A Bossa Nova foi um movimento musical que surgiu no Brasil durante os


anos 1960, aparecendo pela primeira vez na zona sul do Rio de Janeiro, onde ficam
as famosas praias de Copacabana e Ipanema, local em que ocorreu a ascensão de
uma nova elite carioca, que seria responsável pela criação da Bossa Nova.
Nessa mesma época, o jazz estava crescendo e havia se tornando um
fenômeno mundial; então, por consequência disso, ocorreu uma incorporação do
jazz na música popular brasileira da época pela classe artística pertencente à elite,
que trouxe elementos como progressão de acordes, instrumentos, e até mesmo
influenciou a maneira de cantar. Houve também diversos elementos próprios da
música erudita na Bossa Nova, como o uso do silêncio e a orquestração de algumas
músicas.
Algumas das personalidades mais importantes do início do movimento foram
João Gilberto, que apresentava uma extrema sutileza e calma quando tocava,
criando assim uma personalidade marcante para o gênero, e Tom Jobim, que por
sua vez era um grande maestro e compositor responsável por algumas das mais
belas orquestrações da Bossa Nova. Porém, não devemos nos esquecer também
de Vinícius de Moraes, que compôs algumas das letras mais importantes do gênero.
Há ainda muitos outros compositores, intérpretes, letristas, cantores e
instrumentistas que também tiveram muita participação na Bossa, como Elis Regina,
Baden Powell, Ronaldo Bôscoli, Nara Leão, Carlos Lyra, entre muitos outros.
A Bossa Nova foi muito bem aceita, tanto nacionalmente quanto
internacionalmente, sendo considerada um tesouro brasileiro até hoje. Porém, toda
a paixão que apareceu com seu surgimento foi acima de tudo em relação ao lado
musical do movimento, sendo essa a parte mais bela. Já o aspecto social foi
deixado mais de lado pelos amantes da Bossa Nova. O jornalista e pesquisador
José Ramos Tinhorão foi um dos únicos a demonstrar um olhar de fato crítico sobre
o gênero. Mesmo tendo uma grande biblioteca de livros, discos e documentos sobre
música popular, sendo então uma verdadeira autoridade no assunto, ele teve seu
trabalho repreendido por fãs da Bossa Nova que, pela paixão a ela, ignoraram os
argumentos e fatos apresentados por ele.
Tendo em vista tudo isso, o objetivo deste TCC é expor as críticas feitas por
José Ramos Tinhorão Tinhorão, que mesmo sendo de extrema importância sofrem
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até hoje repreensão por pessoas cegas de paixão pelo gênero. E responder então
as perguntas: por que essa paixão cega pela Bossa Nova? Como a Bossa Nova
afetou ideologicamente a sociedade?
A pesquisa será feita com base principalmente no trabalho de Tinhorão.
Serão utilizados os livros do autor e algumas entrevistas que ele deu ao Instituto
Moreira Sales. Também compõem a pesquisa artigos de outros autores, voltados
para as questões desse gênero musical, assim como pesquisas e documentos da
época.

1 CONTEXTO HISTÓRICO DA BOSSA NOVA

Neste capítulo, iremos entender e analisar os principais acontecimentos


históricos que antecederam a Bossa Nova. Começaremos falando das mudanças
culturais do final do século XIX e começo do XX, quando o epicentro da cultura
mundial passou não ser mais da França, mas sim do Estados Unidos, e como a
criação da indústria cultural influenciou nesse processo. Porém, iremos expor
também a ascensão americana pós Primeira Guerra Mundial e principalmente as
mudanças que esse fato trouxe para o cenário cultural brasileiro.
Depois, analisaremos o surgimento de Copacabana, que ocorreu no final do
século IX e início do XX, e como ela foi planejada desde a sua criação para ser um
retiro exclusivo da chamada “elite cilense”. Porém, todo o turismo e as migrações
para a região acabou ocasionando um crescimento vertical da zona sul, com a
construção de prédios e edifícios. Assim, serão também analisadas as mudanças
culturais que essa urbanização da zona sul resultou.
Por fim, será exposta a criação em si da Bossa Nova e a forma como todos
os pontos já citados anteriormente influenciaram seu surgimento: desde a estética à
ideologia da classe média cilense, além da maneira como o jazz foi incorporado à
música brasileira. Portanto, analisaremos como foi o encontro do jovens dessa nova
classe cilense que estava surgindo e como que ele resultou na Bossa Nova.
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1.1 A Criação da Indústria Cultural

Antes de entendermos o surgimento da indústria cultural, temos que analisar


o contexto cultural do século XIX, em que tínhamos a Europa como epicentro da
cultura e a França como maior representante. Olhando a partir da perspectiva do
Brasil, recebíamos, naquela situação, uma forte influência europeia, a Inglaterra era
o maior polo econômico, e a França o maior cultural. Tinhorão descreve muito bem
essa dinâmica “ao fazer-se um vestido, o tecido era inglês, a modista francesa e o
cliente brasileiro” (TINHORÃO, 1991, p. 210), demonstrando assim uma
dependência brasileira da Europa, através da qual, em apenas um simples vestido,
a brasileira já pagava à Europa duas vezes, pelo tecido feito pela indústria inglesa e
pela modelagem feita pela França.
A classe média foi a mais afetada pelas influências internacionais, pois existia
uma negação dessa classe em relação à cultura autêntica e popular brasileira, que
tem suas origens ligadas às classes mais baixas (africanos, indígenas, sertanejos,
etc). Então, segundo Tinhorão, analisando o comportamento da classe média ao
longo da história da cultura brasileira, “passam a se contentar com o equivalente de
sua classe no país mais desenvolvido” (IMS, 2018).
A cultura popular produzida pela classe baixa brasileira recebia pouca
influência europeia e mantinha uma produção mais legítima brasileira, que trazia
elementos de uma ancestralidade africana, portuguesa e indígena. A origem
africana, por exemplo, pode ser muito perceptível nos toques de terreiro. Seriam
esses toques que futuramente iriam criar o samba, elemento essencial da Bossa
Nova. Foi o encontro das modas francesas trazidas pela classe média com os
tradicionais toques africanos, já incorporados na cultura brasileira, que resultaram
no surgimento do choro.
Os EUA, por sua vez, não eram figuras tão importantes no ramo cultural ou
econômico até o final da Primeira Guerra Mundial, a qual gerou um grande
enfraquecimento na Europa. E como os EUA já estavam em um período de
ascensão, aproveitaram-se da situação difícil que alcançou o mundo inteiro para
crescer e emergir: tornaram-se então o epicentro econômico e posteriormente
cultural, devido ao advento da indústria cultural. Suas relações internacionais se
intensificaram inclusive com o Brasil; tanto que, em 1921, o governo brasileiro fez
um empréstimo de 50 milhões de dólares com os banqueiros Dillon Read & Co de
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Nova York, sendo esse o primeiro empréstimo oficial feito pelo Brasil junto aos
americanos, o que criou uma relação de dependência econômica dos EUA
semelhante à que havia antes com a Inglaterra.
A respeito da indústria cultural, até o século XIX, a única forma de
comercializar a música popular era com a venda de partituras para piano, que tinha
três agentes principais: o músico, que era quem compunha a música; a editora, que
lançava a partitura, e o vendedor de instrumentos, que vendia com a popularização
das músicas, produtos dos outros dois agentes.
Porém, com o surgimento das gravações, surgiram novos agentes, que
mudaram completamente a comercialização musical. Começaram a aparecer
cantores profissionais, arranjadores, passou a haver a participação maior de
instrumentistas, além das novas técnicas de produção, que precisavam de outra
matéria prima. Também passou a haver maior utilização de fábricas, que permitiam
a produção em massa. Esse mercado seria responsável também por diversos
avanços tecnológicos nas áreas audiovisuais, invenções como o áudio nos filmes,
as rádios, as gravações de fitas, e até mesmo, mais recentemente, a criação de
aplicativos, como o Spotify. Após a segunda Guerra Mundial, temos os EUA mais
uma vez se aproveitando do enfraquecimento da Europa para então impor
mundialmente sua cultura e sua ideologia, além também de sua indústria. Isso fica
especialmente evidente pelo blues e posteriormente o rock, que através das
técnicas comerciais das produtoras se tornaram fenômenos mundiais.
Junto da criação da Indústria Cultural, tivemos também uma mudança
ideológica nas produções artísticas que deixaram de seguir um padrão regido por
uma estética mais variada, para agora seguir um padrão estético baseado no
mercado. Portanto, a arte começou a ser vista como um produto, e junto disso
surgiu a massificação artística, que procurava deixar as produções mais
semelhantes entre si - isso porque “depois de obtida a massificação, basta produzir
o que o povo gosta” (TINHORÃO,1990, p. 248).
No final do século XIX e começo do XX, surgiu em Nova Orleans o Jazz,
gênero musical dos negros, que tinha uma grande representação de liberdade em
relação aos padrões estéticos europeus. Isso ocorreu, pois foi uma produção
cultural que vinha de uma raiz cultural afrodescendente: o forte improviso no gênero
é um exemplo disso, já que se trata de uma libertação da composição escrita.
Porém, com o surgimento dessa indústria cultural, a popularidade do Jazz começou
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a crescer e então logo foi para Chicago, onde os brancos, empresários ricos,
tiveram seu primeiro contato com o gênero e logo viram nele as várias
possibilidades mercadológicas, levando então consigo para Nova York, onde seria
completamente apropriado pelos brancos e pela indústria cultural, semelhante ao
que aconteceria futuramente com o Samba e a Bossa Nova.
Visto isso, conseguimos perceber como a indústria cultural afetou o Jazz, que
logo se tornou um símbolo dela devido ao seu grande valor lucrativo e pela ideia de
liberdade que transmitia. Seu ideal de liberdade dialogava com a ideia liberalista da
indústria norte americana, tornando-se assim o símbolo perfeito para o imperialismo
musical estadunidense.

A progressiva dominação do mercado brasileiro pela música


importada dos grandes centros europeus e da América do Norte,
sedes também das gravadoras internacionais e da moderna indústria
de aparelhos eletrônicos e de instrumentos de alta tecnologia [...] a
música popular passou, de fato, a partir do século XX a situar se
dentro do mercado no mesmo plano dos demais produtos nacionais.
E, assim, tal como o crescente domínio econômico-financeiro do
país pelos capitais e tecnologias estrangeiros reduziu as
possibilidades de competição da indústria local em seu próprio
mercado, também a música popular brasileira veria sua possibilidade
de divulgação junto às camadas mesmas cujas características e
cultura procuravam reproduzir (TINHORÃO, 1990, p. 248).

Nesse trecho do livro História Social da Música Popular Brasileira (1990),


Tinhorão explica bem como a indústria musical afetou as produções brasileiras, nos
mostrando como, devido à forte dominação cultural norte-americana e europeia, o
Brasil não teria como competir nos ramos econômicos e agora nem culturais (devido
ao advento da indústria cultural que deixava a linha que separava economia e
cultura ainda mais tênue) contra essas grandes potências mundiais. Esse fato torna
as músicas e tradições americanas ainda mais populares, principalmente entre a
classe média, que buscava uma identificação maior com as maiores potências da
época, que seriam vistas como mais desenvolvidas.
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1.2 Surgimento da Zona Sul Carioca

Copacabana, Ipanema e Leblon são bairros cariocas que passaram por uma
urbanização recente, são bairros que, como descritos por Julia O’ Donnell em seu
livro “Copacabana, Uma História”, formam o chamado CIL (Copacabana, Ipanema e
Leme, apenas futuramente se incorporaria o Leblon também). Desse modo,
formariam a chamada aristocracia cilense, que seria responsável por urbanizar a
praia e toda a Zona Sul carioca.
Primeiramente, até o século XIX, a praia de Copacabana era um lugar de
principalmente pescadores, já que fica na costa, com poucas pessoas, devido ao
difícil acesso. Foi assim até 1892, quando foi construído o túnel Real Grandeza,
atualmente chamado de túnel velho. Como era uma região nova, com apenas
alguns poucos pescadores, logo a elite viu lá uma possibilidade de um lugar só
deles, com muita exclusividade. Então começaram o processo de urbanização. Em
1903, fundaram o túnel do Leme, hoje conhecido como túnel novo, tornando o
acesso ainda mais fácil.
O projeto de urbanização dessa aristocracia cilense era o de criar um antro
de civilidade, um lugar só deles, com os moldes nas praias de Long-Island, Nova
York e em Biarritz na França (demonstrando as fortes influências internacionais
sobre a cultura brasileira da época). Essa transformação tornou-se um marco de
uma nova ideologia que surgiria nos anos 1920, a ideia de civilização beira-mar,
criando assim um modelo de beleza baseado em corpos bronzeados e malhados,
antes associados à pobreza, mas que agora eram os padrões de um estilo de vida
praiano que estava surgindo na zona sul carioca.
Em 1923, foi inaugurado o Copacabana Palace, que seria um marco da
civilidade e que até hoje continua sendo de extrema importância: foi ele o
responsável por trazer o turismo na região e começar a formação de um ideal de
cidade maravilhosa ao Rio de Janeiro, que iria ser a visão da cidade no mundo.
Junto do hotel, surgiram também cassinos, casas de jogos, e o famoso calçadão de
Copacabana.
Com o crescimento do turismo, do comércio a das migrações para região, o
CIL foi obrigado a aumentar as avenidas, duplicar os túneis, e sofreu um
crescimento vertical, a criação de prédios, que ocorreu principalmente devido ao
grande número de pessoas querendo ir para esse novo centro de civilidade, sendo
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um lugar atraente para uma classe média alta e para a elite. A antiga aristocracia
cilense ficou muito infeliz com essa situação, pois a sua utopia de um lugar
exclusivo de elite, onde eles iriam ficar longe do resto da população, havia acabado.
A criação de prédios resultou também em uma diferença ainda maior entre a cultura
da nova classe média cilense e das antigas tradições cariocas representadas pelas
classes mais tradicionais cariocas.
Seria essa nova classe média da Zona Sul Carioca a responsável pela
criação do gênero Bossa Nova e por consequência a criação de uma nova imagem
para o Rio de Janeiro. A Bossa Nova seria futuramente uma das maiores
responsáveis por propagar a imagem de cidade maravilhosa que o Rio tem ainda
hoje, imagem essa baseada visão de antro de civilidade que a antiga aristocracia
cilense tinha sobre a zona sul carioca.

1.3 Surgimento da Bossa Nova

O crescimento vertical, essa mudança de realidade pela qual a nova classe


média carioca de Copacabana passou, criou um distanciamento das antigas
tradições cariocas, o que pode ser explicado primeiramente pelo isolamento da zona
sul carioca do resto da cidade e também pela ideologia da classe média de querer
se espelhar pelo seu semelhante de um país desenvolvido querendo se distanciar
de suas raízes populares, além também das diferenças ao ser criado em
apartamento e em casa.
Logo a classe média cilense começou a se espelhar na classe média
americana; com a indústria cultural surgindo também, logo as produções de cinema
de hollywood começaram a ganhar força. Conseguimos perceber esse fenômeno
até mesmo na estética do jovem de classe média de Copacabana, que usava óculos
Ray-Ban, mocassins e camiseta escrito Harvard, símbolos da estética norte
americana. Na música, o jazz, que já era um elemento apropriado pela indústria
cultural, ganhou popularidade entre esses jovens. Outro exemplo da influência
americana na música da época podemos perceber junto à obra do próprio
Pixinguinha, que em 1920 fez um foxtrot.
A partir dessa influência de jazz, esse jovem começa a fazer as chamadas
“samba-session”, em que tocava samba como se fosse jazz, com improvisos e
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acordes comuns no gênero norte americano, porém com um ritmo de samba. Foi
através desses encontros entre os jovens, que podiam ocorrer em suas casas ou
até mesmo em bares, como foi o caso do Beco das Garrafas, um dos berços da
Bossa Nova, que surgiu o gênero. Porém, já era perceptível a influência do jazz em
muitas outras produções brasileiras, por exemplo de artistas como Dick Farney, e
Os Cariocas, que ocorreram antes da Bossa Nova e serviram de extrema inspiração
para a criação do gênero.
Na prática, a Bossa Nova surgiu a partir do encontro de jovens de classe
média apaixonados por jazz, que tinham uma grande formação musical, tanto que
existem alguns elementos da música erudita no gênero, como a orquestração das
músicas; porém, os elementos de jazz são os mais perceptíveis: o contrabaixo, os
instrumentos, os acordes. Já do samba, vinham os ritmos, que ainda assim tinham
as suas variações.
Outro elemento marcante da Bossa Nova são as próprias letras, que se
tornam poesias que retratam uma realidade bela em que os jovens de Copacabana
viviam. Como passavam por menos dificuldades, podiam falar da beleza de uma
mulher passando pelo calçadão, ou das saudades que sentiam de seus amores, ou
ainda do simples problema de desafinar. Como podemos perceber na letra da
música “Chega de saudade”, escrita por Vinicius de Moraes e Tom Jobim (1956)
Chega de Saudade

Vai, minha tristeza


E diz a ela que sem ela não pode ser
Diz-lhe numa prece
Que ela regresse
Porque eu não posso mais sofrer

Chega de saudade
A realidade é que sem ela não há paz
Não há beleza
É só tristeza e a melancolia
Que não sai de mim, não sai de mim, não sai

Mas, se ela voltar


Que coisa linda, que coisa louca
Pois há menos peixinhos a nadar no mar
Do que os beijinhos que eu darei na sua boca

Dentro dos meus braços


Os abraços hão de ser milhões de abraços
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Apertado assim, colado assim, calado assim


Abraços e beijinhos, e carinhos sem ter fim
Que é pra acabar com esse negócio de você viver sem mim

Não há paz
Não há beleza
É só tristeza e a melancolia
Que não sai de mim, não sai de mim, não sai

Não quero mais esse negócio de você longe de mim


Vamos deixar desse negócio de você viver sem mim

Nessa letra acima transcrita, conseguimos perceber as preocupações dos


jovens que faziam Bossa Nova: no caso a saudade que o eu lírico sente de sua
amada. Temos no começo da canção um tom mais triste e melancólico, o eu lírico
não aguenta mais saudade que sente de sua amada, como ele mesmo diz,”chega
de saudade” o instrumental acompanha isso com um tom lento que acompanha a
melancolia do eu lírico. E então o tom da música muda completamente, quando o eu
lírico começa a descrever o que faria se encontrasse novamente a sua amada de
quem tanto sente falta; o instrumental também segue a letra e se torna mais alegre
e animado. Então temos nessa letra o tema da saudade que o eu lírico sente por
seu amor, sendo essa uma preocupação comum entre os jovens da Bossa Nova
Ainda falando sobre as letras, é impossível falar da Bossa Nova sem falar de
Vinicius de Moraes, que trouxe, junto de Baden Powell, uma identidade legítima
brasileira, a afrobrasileira, com o lançamento de uma das maiores obras da música
brasileira, “Os Afrosambas” (1966). Nesse álbum, ele trouxe letras que falavam
sobre a cultura afrobrasileira e elementos do candomblé e do samba em suas letras,
além também do violão da próprio Baden Powell, que trazia uma pegada única dos
ritmos afrobrasileiros para a música e os misturando com alguns elementos do jazz,
fazendo a sua pegada de mão direita ser alvo de estudos de diversos músicos.
Podemos ver todos esses elementos na música escrita por Vinicius de Moraes
”Canto de Xangô”
Canto de Xangô

Eu vim de bem longe, eu vim, nem sei mais de onde é que eu vim
Sou filho de rei muito lutei pra ser o que eu sou
Eu sou negro de cor mas tudo é só amor em mim
Tudo é só amor, para mim
Xangô Agodô
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Hoje é tempo de amor


Hoje é tempo de dor, em mim
Xangô Agodô

Salve , Xangô, meu Rei Senhor


Salve meu Orixá
Tem sete cores sua cor
sete dias para a gente amar

Mas amar é sofrer


Mas amar é morrer de dor
Xangô, meu Senhor, saravá!

Me faça sofrer
Ah me faça morrer
Mas me faça morrer de amar
Xangô, meu Senhor, saravá!

Nessa música, além de diversas referências aos povos africanos sendo


levados para o Brasil (“eu vim de bem longe, eu vim nem sei mais de onde é que eu
vim”), temos também várias referências à própria cultura que foi trazida junto deles,
como a imagem de Xangô, um orixá, ou seja uma entidade comum no candomblé
(religião africana). O Violão do Baden é outro elemento da música que nos remete a
esse traço de nossa ancestralidade, que é feita principalmente pela maneira com
que ele trabalha o ritmo, pela sua pegada de mão direita. Baden foi provavelmente o
violonista do movimento com maior pegada rítmica, conseguindo fazer uma conexão
entre a harmonia e os tradicionais ritmos do samba como nenhum outro músico da
época. Seus baixos também se tornaram extremamente característicos, sendo um
bom exemplo o do próprio “Canto de Xangô”
No entanto, “Os Afrosambas” é um álbum que surgiu apenas em 1966. A
Bossa Nova em si tem sua criação em 1958, com a música “Chega de Saudade”,
gravada antes por Elizeth Cardoso, e um ano depois por João Gilberto. A versão do
cantor baiano foi a responsável por popularizar a Bossa Nova em todo mundo e
fazê-la ter o reconhecimento que tem hoje.
É impossível falar da Bossa Nova sem citar entre os principais nomes para
sua criação, João Gilberto, que trouxe um jeito de tocar único; com sua calma,
simplicidade, e sutilezas, ele deu um verdadeiro rosto ao gênero; Tom Jobim, que
tinha as mais geniais orquestrações, e também foi responsável por compor diversas
músicas lindas; Vinicius de Moraes, já citado anteriormente, que escreveu algumas
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letras de extrema importância, como por exemplo Garota de Ipanema; Baden


Powell, que trouxe uma personalidade legitimamente brasileira ao gênero; Nara
Leão, uma das principais vozes, entre muitos outros artistas.
Com tudo isso, podemos perceber que a Bossa Nova foi um gênero musical
que surgiu em um bairro que foi criado para servir a elite, e conseguimos perceber
as várias influências recebidas dos EUA e da recém criada indústria cultural.
Percebemos também como o jazz participou em tudo isso e como foi a criação
desse gênero. Uma síntese musical envolvendo o samba e o jazz de uma nova
classe média que estava surgindo, a classe média cilense.

2 A CRÍTICA DE TINHORÃO

Neste capítulo, iremos analisar a crítica que o jornalista, crítico e pesquisador


José Ramos Tinhorão faz ao movimento da Bossa Nova. Sendo Tinhorão uma
pessoa que esteve analisando todo o movimento desde de sua criação, e ainda
fazendo críticas a ele desde o começo, ele acaba sendo também um grande
pesquisador dos aspectos sociais da bossa nova.
Este capítulo começa com uma pequena biografia de José Ramos Tinhorão,
para assim entendermos como ele se tornou um jornalista e crítico, que ficou
conhecido e foi odiado por muitos devido à sua crítica crua à Bossa Nova (daí o
apelido “Tinhorão”, nome dado a uma planta venenosa). Irei também expor dois
livros dele que representam bem seu trabalho, sendo eles “A História social da
música popular brasileira” (1990), em que ele traz todo um panorama histórico
envolvendo a música popular brasileira; e o livro “Música Popular: um Tema em
Debate” (1966), livro em que podemos ver como Tinhorão fazia sua crítica ao
gênero. Por ser um livro que surgiu no auge da Bossa Nova, ele acaba sendo muito
importante para entendermos o início do movimento.
Em seguida veremos as inspirações na crítica de Tinhorão. Irei mostrar os
pensamentos de Theodor Adorno e de Walter Benjamin, sendo ambos críticos da
chamada indústria cultural, um tema extremamente presente na crítica de Tinhorão.
Dito isso, a indústria cultural será um dos principais temas dessa parte, juntamente
com a teoria do materialismo dialético de Karl Marx, no qual também é baseada a
teoria crítica de Tinhorão.
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E então o capítulo será finalizado expondo a crítica que Tinhorão faz à Bossa
Nova. Mostraremos o que ele observou do ponto de vista sociológico em sua
análise da Bossa Nova. Ele foi sem sombra de dúvidas um dos maiores críticos do
movimento, acompanhando-o desde o começo. Aqui, serão expostos seus
argumentos e sua visão do movimento, e em alguns momentos até mesmo suas
expressões, e então, no capítulo seguinte, essa ideia será desconstruída. Será
analisada apenas parte de toda sua crítica, a parte central dela, até porque toda a
obra de Tinhorão sobre a Bossa Nova é muito extensa e impossível de cobrir em
apenas um TCC do Ensino Médio.

2.1 A vida de José Ramos Tinhorão

Nasceu como José Ramos (ganhou o apelido Tinhorão posteriormente, em


sua carreira de jornalista), no dia 7 de fevereiro de 1928, atualmente tem 92 anos.
Seu pai, assim como várias outras crianças, emigrou de Portugal para o Brasil,
levado por um amigo do avô de Tinhorão com apenas 12 anos, para tentar uma vida
melhor em Santos, onde chegou a ter diversos empregos para sobreviver, nunca
algo muito fixo. Por ser português, tinha acesso ao Gabinete Português de Leitura
de Santos; esse acesso também valia para o Gabinete Português do Rio de Janeiro,
que seria essencial para a formação da base do pensamento crítico de seu filho
Tinhorão.
Tinhorão nasceu em Santos e foi para o Rio de Janeiro com 8 anos. Ele
descreve sua criação como sendo pobre, porém com princípios morais de pequeno
burguês, o que pode ser visto com ele sendo obrigado a ir para a igreja todo o
domingo. Um dia, na igreja, Tinhorão, ainda criança, ouve uma história de um
menino que sente um certo desconforto causado por uma pedra em seu sapato,
porém ele não tira a pedra, pois esse desconforto seria um sacrifício para Deus.
Essa história fez o Tinhorão ficar indignado, e mostrou os primeiros sinais de um
ateísmo que o faria se aproximar dos ideais marxistas.
Ele chegou a ter algumas aulas de francês na escola, porém com o acesso
que tinha para o Gabinete Português de Leitura do Rio de Janeiro, Tinhorão
conseguiu aprender francês de uma maneira praticamente autodidata, através do
uso de dicionário e livros em francês. Foi através do seu aprendizado em francês
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que Tinhorão encontrou diversos escritores, incluindo o próprio Karl Marx, que
causou uma admiração quase que imediata do jornalista pelo filósofo principalmente
devido ao seu método de análise. Porém Tinhorão nunca se colocou como
comunista, já chegou a ser criticado pela própria esquerda, ainda que sempre tenha
se colocado abertamente como marxista, por utilizar o método de análise de Marx
em suas obras.
Sua criação de moral pequeno burguesa segundo ele pode ser percebida
também por suas ambições, no caso ser advogado para assim tentar orgulhar seus
pais. Por esse motivo, ele começou a faculdade de Direito com 20 anos e chegou
até mesmo a receber o anel de rubi. Porém, segundo palavras do próprio Tinhorão,
essa faculdade foi como um “banho de carrapaticida de gado”, em que o gado entra
de um lado, toma o tal banho para espantar carrapato, e do outro lado sai igual a
como entrou. Portanto, a faculdade de Direito não fez diferença nenhuma para
Tinhorão e sua carreira.
Começou sua carreira de jornalismo no início dos anos 50. Em 1953, já
estava trabalhando no “Diário Carioca”; porém, em 1958, foi para o “Jornal do
Brasil”, onde ficou até 1963. Entre 1974 e 1982, atuou em sua carreira de crítico, em
que fazia publicações para diversos jornais (incluindo os que já havia trabalhado) e
para revistas. Nesse período, trabalhou com o “Correio da manhã”, ”O Jornal”,
"Última Hora”, “TV Globo”, “Veja”, ”Nova”, entre outros. Foram essas críticas que
despertaram todo o ódio dos amantes da Bossa Nova por Tinhorão e lhe deram o
apelido, que faz referência a uma planta venenosa.
Durante o final dos anos 70, Tinhorão começou a deixar sua carreira de
jornalismo de lado, passou a se focar em pesquisas e em acumular um grande
acervo para realizar essas pesquisas na área de música popular. Então se mudou
para a rua Maria Antônia, em São Paulo, onde morava em um apartamento de 30
metros quadrados, lotado do chão ao teto por seu enorme acervo. Essa sua coleção
particular é composta pelos mais diversos documentos que ajudam a compreender
a música popular brasileira e toda sua trajetória histórica, documentos que ele foi
atrás de conseguir. Ele chegava até a colocar anúncios de jornal comprando
qualquer coisa que o pudesse ajudar. Entre esses documentos se encontram
partituras, letras de músicas, livros, jornais, fotografias, discos de vinil, revistas, etc.
Em 2001, Tinhorão disponibilizou todo seu acervo acumulado para o IMS, onde está
até hoje.
19

Tinhorão escreveu dois livros especialmente importantes; “Música Popular


um Tema em Debate” (1966, primeira edição) e “História Social da Música Popular
Brasileira” (1990, primeira edição). O primeiro foi escrito na época do auge da Bossa
Nova, portanto temos nele uma visão muito direta do Tinhorão sobre esse
movimento. Nesse livro também temos uma crítica muito direta e rígida beirando o
rude, o que justifica seu apelido “Tinhorão”, fazendo então referência a planta
venenosa de mesmo nome. Porém, a crítica que ele fez no livro não perde sua
legitimidade devido à crueza de suas palavras: continua sendo um ótimo livro,
apresentando diversos argumentos criticando o movimento. Já no livro “História
Social da Música Popular Brasileira”, Tinhorão mostra seu lado pesquisador, ele
utiliza seu enorme acervo cultural para entender melhor as mudanças na cultura
popular. Nesse livro ele nos mostra a origem da música popular brasileira desde o
final da Idade Média em Portugal, até o Tropicalismo e a Jovem Guarda. Temos na
obra um método de análise marxista, em que ele apresenta antes o contexto da
infraestrutura para depois analisar as consequências dela na música popular
brasileira.

2.2 As referências de Tinhorão

Para entendermos a crítica de Tinhorão temos antes que entender as raízes


de seu pensamento. Em seu trabalho, conseguimos perceber a influência de Marx,
principalmente em sua metodologia crítica; porém, temos também a ideia de
indústria cultural, apresentada pelos filósofos da escola de Frankfurt, como um
elemento importante na crítica de Tinhorão. Aqui será dado um enfoque especial
nos pensamentos de Walter Benjamin e Adorno sobre a indústria cultural.
Começaremos falando um pouco sobre o método marxista de análise
utilizado por Tinhorão. Tomando por base a ideia de dialética apresentada por Hegel
― em que a partir de uma tese surge sua antítese e então, desses conceitos
conflitantes, temos uma síntese ― Marx propôs um novo modelo dialético. Nesse
novo modelo, ele diz que os conflitos que ocorrem no mundo material, um exemplo
seria o conflito de classes, geram um impacto direto no mundo das ideias. Em
outras palavras, os conflitos na infraestrutura (mundo material) causam uma
consequência direta na superestrutura (mundo das ideias). Mas o que seria o
20

mundo material e o mundo ideal? O mundo material é o mundo físico, onde se


encontra nosso corpo, onde interagimos com outros, onde conseguimos sentir
diretamente as mudanças sociais; nele se encontra por exemplo a economia. Já o
mundo ideal é onde se encontra nossa maneira de pensar, onde temos a ética, a
cultura, a ideologia.
A partir dos pensamentos de Marx, surge na Alemanha no começo do século
XX a Escola de Frankfurt de filosofia. Nela, diversos pensadores e sociólogos
alemães desenvolveram conceitos até hoje de extrema importância para a Filosofia
e a Sociologia. Alguns exemplos de pensadores dessa escola de pensamento são
Theodor W. Adorno, Walter Benjamin, Max Horkheimer entre outros, e um dos
conceitos idealizados por eles é a ideia de indústria cultural e a dominação que ela
exerce.
Antes de aprofundar um pouco mais a questão da indústria cultural, será
apresentado um pouco do básico da dialética do esclarecimento de Adorno.
Segundo ele, o pensamento racional propagado pelo Iluminismo europeu tem o
efeito de desencantar o homem e, ao mesmo tempo em que desaliena, também
desmistifica a consciência humana. O pensamento racional cria um vazio ético e
existencial dentro das pessoas, que só pode ser preenchido pelo entretenimento.
Logo, o entretenimento, produto da Indústria cultural, começa a ser usado como
uma ferramenta de dominação: o patrão passa a ter controle sobre o lazer do
trabalhador.
Segundo a lógica capitalista, tudo o que fazemos gira em torno de gerar lucro
e capital. Com o surgimento da indústria cultural ― que aparece como
superestrutura, consequência da Revolução Industrial ― as produções culturais
passaram a ter esse objetivo também. Agora um produto cultural se baseia em
massificar (criar um público consumidor da cultura) e controlar (deixar as pessoas
alienadas pelo constante entretenimento que diminui o pensamento crítico).
A indústria cultural tem diversas características, que visam acima de tudo a
massificar e controlar. É importante criar um padrão, para assim marginalizar o
diferente e manter a cultura da indústria dominante. Cria-se ainda uma falsa
diversidade, uma vez que o mesmo produto assume diversas capas diferentes, para
assim atrair consumidores diferentes - um exemplo disso são os gêneros de filmes,
em que, na prática, todos são o mesmo produto da indústria, porém com
embalagens diferentes para atrair pessoas diferentes. Quando algo é marginalizado
21

por ser diferente, mas ainda assim consegue se destacar de algum jeito, é logo
apropriado pela indústria Um exemplo é o rap, que, a princípio, foi uma produção
cultural da periferia norte-americana: no início do movimento, foi marginalizado,
considerado música de bandido; porém continuou crescendo nas camadas
populares dos Estados Unidos e logo foi apropriado pela indústria e pelas
gravadoras, que viram o potencial de lucro do gênero. Atualmente, até mesmo o
rap, que surgiu como uma maneira de mostrar como é a vida nas periferias, é
ouvido pela elite que tanto marginalizou o gênero
Já a dominação feita pela indústria através do entretenimento (produto da
cultura) tem como um de seus objetivos nos tornar alienados e diminuir nosso
pensamento crítico; a falta de diversidade cultural acaba gerando isso, um
pensamento homogêneo, criado pela própria indústria, para assim evitar qualquer
revolta nesse sistema.
Outra ideia propagada pela indústria cultural é a da necessidade de ter o
pensamento que para ser feliz é necessário possuir bens materiais, uma casa
grande, um carro rápido ou até mesmo um celular moderno. O capitalismo nos faz
acreditar que temos uma necessidade de possuir tudo isso, o que na prática não é
verdade. A criação de um ideal inalcançável é outra característica da dominação
cultural, é criada uma imagem de um ideal de vida impossível de uma pessoa
normal chegar, mesmo que ela passe sua vida inteira tentando; o fracasso, dessa
forma, mostra-se inevitável e acaba por gerar uma insatisfação pessoal, uma
infelicidade. Um exemplo disso são os próprios super-heróis, que têm um valor ético
muito forte (que aliena a criança fazendo-a seguir os padrões éticos da indústria) e
que são colocados como um ideal de pessoa que jamais será alcançado por
ninguém, e os modelos que apresentam um ideal de beleza inalcançável. E até
mesmo os ricos (que controlam a indústria) representam um modelo de vida
extremamente luxuoso, que se apresenta como ideal para muita gente, porém não
passa de um sonho, pois na realidade apresenta padrões quase impossível de
serem alcançados.
Porém, se ignorarmos todos esse fatores e pensarmos apenas na
experiência que a obra de entretenimento da indústria nos proporciona, se
ignorarmos as características de padronização e dominação que a cultural passou a
ter, e ignorarmos também que esse entretenimento serve apenas para preencher
um vazio existencial dentro de nós, causado pelo esclarecimento do Iluminismo -
22

enfim, se ignoramos todos esses fatores mencionados, o entretenimento se tornaria


legítimo?
Antes de responder essa pergunta, deve-se aprofundar algumas diferenças
entre arte e entretenimento. A começar que a arte traz reflexão e não apenas
preenche um vazio existencial como o entretenimento; por esse motivo, por trazer
reflexão, a arte perde sua força na indústria cultural; portanto, na indústria, a arte
assume um papel menos importante.
Há ainda uma outra maneira pela qual a indústria cultural afeta a arte.
Segundo Walter Benjamin, a possibilidade de reprodução criada pela evolução
industrial da técnica capitalista diminuiu o fator da aura na arte. Benjamin já dizia:
“Mesmo na reprodução mais perfeita, um elemento está ausente: o aqui e agora da
obra de arte, sua existência única, no lugar em que ela se encontra. E nessa
existência única, e somente nela, que se desdobra a história da obra” (BENJAMIN,
1955, p. 2).
A sensação causada pelos elementos espaciais e temporais que afetam a
maneira com a qual uma obra de arte é apreciada é chamada de aura. A aura é
alcançada pela singularidade do momento. Já a reprodução em massa de algo tira
os fatores espaço-tempo envolvendo a obra, já que é possível apreciá-la em
qualquer lugar e em qualquer momento. Um exemplo é um show: a experiência de
um show não pode ser replicada de nenhuma maneira, em nenhum outro lugar;
pode-se até ouvir uma gravação de um show, porém a experiência, a aura, é
impossível de ser reproduzida. Agora, voltando à pergunta feita anteriormente: o
entretenimento não têm aura, não tem nada de especial, é puramente fabricado
para nos controlar. Portanto, uma vez que não é possível se desconsiderar todos
esses fatores, a resposta seria não: o entretenimento não pode ser legitimado.

2.3 A Crítica de Tinhorão à Bossa Nova

Tinhorão, como já foi dito anteriormente, viveu junto da Bossa Nova: ele
assistiu a todo o movimento desde antes de 1958, ano de lançamento do disco
“Chega de Saudade”, que consolidou sua criação. Ele já criticava a Bossa Nova nos
jornais em 1959 e, em 1966, ele lançou o livro “Música Popular um Tema em
Debate”, em que ele expôs duras críticas ao movimento.
23

Os jovens da Bossa Nova não aceitaram bem essas críticas: não sabiam
argumentar contra os fatos trazidos por Tinhorão, então apelavam para o
sentimental, acusando Tinhorão de ataque pessoal.
Tinhorão, em sua crítica, define a Bossa Nova como tendo uma mãe muito
clara, o jazz, a cultura norte americana, porém ele sempre teve mais dificuldade de
definir quem era de fato o pai do movimento, seria João Gilberto, Tom Jobim,
Vinícius de Moraes, Johnny Alf, Laurindo de Oliveira ou ainda o americano Harry
Babasin. O fato é que a Bossa Nova não surgiu de uma hora para a outra, cada
músico trouxe de certa forma algum traço da identidade para o novo gênero.
Para Tinhorão, porém, não importa quem é o pai: ele considera a Bossa
Nova como sendo um produto completamente americano. Segundo ele, todos os
músicos que participaram do movimento, de uma maneira ou de outra, já estavam
alienados pela indústria, massificados, imersos no modelo da indústria cultural. Isso
pode ser vistos por seus nomes, versões americanizadas de nomes brasileiros:
Johnny Alf (João Alfredo), ou ainda o apelido do Antônio Carlos Jobim, Tom Jobim
(aliás Tom, normalmente, se remete a Thomas, ou seja, inegavelmente se associa a
um apelido em língua inglesa).
Indícios da Bossa Nova já existiam desde 1920, com o chorão Pixinguinha já
trazendo elementos da cultura norte-americana para o Brasil, com a composição de
um fox trot (ritmo estadunidense). Em 1932-33, Vinícius de Moraes compôs outros
sete fox trots, fox-canções e fox-blues (outros ritmos americanos), sendo eles; “Dor
de uma Saudade”, “O Nosso Amor de Criança”, “Namorado da Lua”, “Honolulu”,
“Diga Moreninha”, “Loura ou Morena” e “Doce Ilusão”. O be-bop (sub-gênero do
jazz”) já aparecia em 1949 com Dick Farney. Portanto o surgimento da Bossa Nova
está diretamente associado ao salto da indústria norte-americana, devido à sua
economia de guerra, que gerou altos lucros para o país nas duas Grandes Guerras.
Esse fato levou a um crescimento da indústria cultural nos Estados Unidos, o que a
levou a começar a se massificar. Aqui no Brasil tivemos a Bossa Nova como
resultado dessa massificação. Os traços da cultura europeia, que até naquele
momento eram ainda comuns e populares, foram se tornando antiquados, e a
novidade cultural trazida pelos EUA era muito atraente para os jovens da época.
Algo interessante que o Tinhorão traz em seu livro “Música Popular um tema
em Debate” é a história de como surgiu o termo Bossa Nova. Segundo Tinhorão, o
jornalista Sérgio Porto foi engraxar seu sapato novo, um sapato sem cadarço,
24

conhecido como mocassim, na época popular nos Estados Unidos, e o engraxate,


vendo o sapato novo, olha para o jornalista e diz: ”Bossa Nova, heim chefe?”, se
referindo ao estilo diferente de sapato. Portanto, o termo Bossa Nova seria usado
para se referir a esse novo estilo americanizado que estava surgindo na tal classe
média cilense. Porém o termo bossa já havia aparecido na música antes da Bossa
Nova: o termo já havia sido usado antes para descrever o samba de breque, que
apresentava pequenas pausas na música para se encaixarem as frases faladas. De
qualquer forma, o termo só passou o ser amplamente utilizado quando um grupo de
“samba session” (mistura de samba com jazz session norte americana) foi tocar no
Grupo Universitário Hebraico Brasileira, nas Laranjeiras. O termo Bossa Nova já era
utilizado pelos jornais para representar esse grupo de cultura americanizada. Logo
as pessoas já estavam fazendo perguntas como: “vocês é que são os Bossa
Nova?”, batizando então oficialmente o movimento como Bossa Nova.
Para Tinhorão, a ancestralidade africana dos negros trouxe uma tradição
rítmica que se baseia muito na intuição: toques fortes que agem de uma maneira
direta no inconsciente, dando assim uma vontade quase que inconsciente de
dançar. O samba tem em suas raízes esse ritmo africano, sendo essa, na verdade,
uma das únicas características do gênero que não sofreu mudanças desde seu
início, isso até a Bossa Nova chegar. ”O aparecimento da chamada Bossa Nova na
música urbana do Rio de Janeiro marca o afastamento definitivo do samba de suas
origens populares”. (TINHORÃO, 2012, p. 36). Os jovens da Bossa Nova não
tinham a capacidade de sentir a intuição natural da herança africana no samba, por
isso começaram a esquematizá-lo, pensar nele de uma maneira técnica, pois
apenas assim para eles conseguirem aprender o ritmo do samba, porém isso fez a
essência do samba se perder, como diz Tinhorão:

Tal acontecimento, resultante da incapacidade dos moços da Bossa


Nova de sentir, na própria pele a assimetria característica do ritmo
dos negros, seria representado pelo substituição da intuição rítmica
tradicional pela esquematização (TINHORÃO, 2012, p. 37).

A criação da Zona Sul carioca gerou uma certa segregação cultural entre
uma cultura legitimamente popular, no entanto também vista como marginal (outro
traço da indústria cultural, marginalizar o diferente) da Zona Norte, onde ficavam os
25

morros e as comunidade periféricas, e da cultura moderna, de uma classe mais


elitizada na Zona Sul, onde se encontravam as praias, e a cultura industrial
americana. Por esse afastamento, os jovens da Bossa Nova tiveram pouco contato
com o samba e a cultura popular dos morros, o que explica sua dificuldade com os
ritmos. As camadas populares chegaram a ter contato com o ritmo norte americano
e europeu através dos bailes de gafieiras durante a década de 30. Porém, isso foi
antes desse movimento de segregação cultural.
Essa segregação fez as produções culturais dos morros se tornarem a
princípio livres da influência da música norte americana e da indústria cultural. Isso
também fez com que faltasse algo essencial para o movimento, uma identidade,
pois até aquele momento a Bossa Nova já estava bem estruturada, porém ainda lhe
faltava a identidade do movimento. Isso até o violonista baiano João Gilberto
aparecer, ele chegou a ter mais contato com a cultura popular já que não fazia parte
da classe média da Zona Sul carioca, portanto não tinha essa segregação cultural.
Então João Gilberto tinha algo que nenhum outro músico do movimento tinha até o
momento: identidade. João Gilberto era a peça que faltava para o surgimento do
gênero.
Com isso, concluímos que a Bossa Nova é reflexo da dominação cultural
norte americana sobre a cultura brasileira. O gênero em si possui poucas diferenças
com o jazz, podendo ser considerado talvez até um subgênero do mesmo. Outro
sinal disso era na própria maneira como os americanos viam a Bossa Nova, uma
modalidade nova de jazz, porém vinda do Brasil. Isso pode ser visto a partir do
convite feito a músicos de Bossa Nova para tocarem na consagrada casa de shows
Carnegie Hall, em 1962, em que no convite está escrito “Bossa Nova (new brazilian
jazz)”.

3 O Contraponto a Tinhorão

De fato, Tinhorão apresentava críticas duras à Bossa Nova e a seus músicos,


como vimos no capítulo anterior: ele não poupava ninguém, costumava chamar os
músicos do movimento de alienados e acreditava que eles não eram legitimamente
brasileiros. Tinhorão era um crítico extremamente tradicional, que não enxergava na
26

Bossa Nova um gênero moderno, mas sim um gênero americano travestido de


música brasileira.
Visto isso, este capítulo mostrará o outro lado da discussão: portanto, que a
Bossa Nova não é apenas um movimento musical imperialista, que propaga a
música americana, mas é também um gênero revolucionário, que inspirou diversos
músicos por todo o Brasil e inspira ainda hoje.
Começaremos o capítulo expondo uma crítica ao próprio Tinhorão. Ele
sempre foi uma figura muito polêmica, com opiniões fortes e não poupava suas
palavras, e de fato foi muito criticado. Tinhorão é constantemente acusado de
maniqueísmo, reducionismo e isso de fato é algo que é perceptível em suas obras.
Portanto mostraremos essas acusações, as quais serão feitas com base principal no
o artigo “Um marxismo sincopado, método e crítica em José Ramos Tinhorão”, de
Manoel Dourado Bastos, junto a outras referências.
Na sequência, será apresentada uma crítica mais estética do gênero. A
crítica de Tinhorão era baseada principalmente nas questões sociais envolvendo a
Bossa Nova, utilizando como base a metodologia marxista para isso. Porém ele
nunca se aprofundou muito nas questões estéticas; portanto, o objetivo desta parte
é expor essa crítica estética e assim provar que a Bossa Nova foi, além de tudo, um
movimento musical revolucionário. Como base para essa crítica, será utilizada a
obra “Balanço da Bossa e outras bossas”, do poeta e crítico Augusto Campos.

3.1 A Crítica à Tinhorão

Tinhorão sempre foi uma figura muito polêmica, seus métodos marxistas não
eram bem vistos pelos conservadores, seu jeito rude nas críticas aos músicos criava
uma certa inimizade com eles também, e sua falta de dogmatismo acadêmico
deixava até mesmo os intelectuais com um pé atrás ao tratar de sua pessoa. Porém,
eram os bossa-novistas os que mais o odiavam. Tanto que existe uma lenda de que
Tom Jobim tinha um vaso de tinhorão na entrada de sua casa, em que ele urinava
todos os dias.
Na quarta edição do livro “Música Popular: um tema em debate” podemos
perceber essa animosidade de forma bem clara:
27

Assim, enquanto os produtores teatrais Miéle e Bôscoli encenavam


em 1966, no Teatro Princesa Isabel, no Rio de Janeiro, um show
intitulado “Primeiro Tempo 5x0”, com o cantor Taiguara atirando
longe o livro “Música popular: um tema em debate” com a frase “ o
livro de Tinhorão dura apenas cinco minutos, a bossa nova já vai
fazer dez anos, meu tempo de artista”(TINHORÃO, 2012, p. 30-31).

Nesse trecho conseguimos perceber que, de fato, as duras críticas de


Tinhorão aos músicos não eram bem aceitas, e eles chegaram até mesmo a jogar o
livro dele longe durante a uma apresentação. Porém, até mesmo o próprio Tinhorão
percebe o quão apaixonado ele era naquela época. Durante sua entrevista ao IMS,
em 2013, ele diz: “Quando você escreve um tema histórico, e você é personagem
do momento histórico que está sendo escrito, você não se livra das paixões”
(TINHORÃO, 2013). Portanto, nessa entrevista, ele reconhece que escreveu muita
coisa no calor do momento, o que pode justificar seu tom rude naquele livro e em
suas críticas. Tanto que é perceptível a mudança de sua linguagem, que foi se
tornando menos ríspida e mais acadêmica. Com o passar dos anos, na medida que
seus estudos se intensificaram e sua linguagem ficou mais refinada, Tinhorão se
torna uma figura mais respeitada, e trabalhos como “A história social da música
popular brasileira” passaram a ter grande prestígio.
Entretanto, mesmo se tratando de um livro antigo, não devemos, por esse
motivo, desconsiderar qualquer crítica feita a ele, afinal de contas “Música popular:
um tema em debate” não foi sua única obra. Tinhorão escreveu inúmeros textos que
apresentam sua perspectiva da música popular nacional, textos que foram ao
mesmo tempo bem aceitos por alguns e criticados por outros. Não devemos
desconsiderar, por exemplo, que ele foi de fato extremamente maniqueísta em sua
crítica à Bossa Nova, que ele vilanizava os músicos do movimento simplesmente
por utilizarem a música americana como referência, que os chamava de alienados,
e os acusava eles antipatriotismo e apoiadores do projeto imperialista norte
americano.
Pode-se, assim, perceber que Tinhorão era um jornalista com ideais
extremamente tradicionais da música popular. Acreditava que a única música
legitimamente brasileira era aquela das camadas mais baixas, demonstrando assim
uma clara militância sobre a música, fazendo críticas mais pesadas à burguesia
principalmente devido à posição social que ela ocupava.
28

Porém, com essas duras críticas, Tinhorão estava acima de tudo


desconsiderando muito da ideia do projeto modernista, ou seja, a ideia de que trazer
a cultura de fora também faz parte da cultura brasileira. Assim como Bastos disse
em sua crítica ao Tinhorão:

A hipótese de que a expressão “moderna” e estrutura “tradicional” se


amalgamassem musicalmente (mesmo que em contradição) era
impensável para Tinhorão, visto que qualquer expressão que não
esteja de acordo com o padrão tradicional deveria ser compreendida
diretamente como uma aparição estética do imperialismo, e aqueles
músicos que cederam à pressão do influxo externo estariam assim
compactuando com a política acachapante norte-americana, já que
esta conduta seria a aparição do desregramento ideológico da
classe média (BASTOS, 2011, p. 292)

Percebemos, nesse trecho; que o Tinhorão de fato não era capaz de


perceber que a Bossa Nova não está necessariamente desrespeitando as antigas
tradições, mas sim se aproveitando dela para criar algo novo, e para isso se utiliza
também da música norte-americana. E ainda segundo Bastos, Tinhorão estaria
desmerecendo os músicos do movimento devido à posição social deles, a classe
média, e isso seria um reflexo de sua militância.
Para Bastos a militância de Tinhorão e sua falta de conhecimento técnico e
estético da música faziam ainda o argumento dele ser reducionista em relação ao
gênero:
Não se encontrava no argumento de nosso Autor, de princípio,
nenhum dos elementos que deram àquelas formas de canção em si
mesmas seus contornos históricos; a bem da verdade, tais gêneros
eram só anunciados, mas não explicados em seus aspectos técnicos
e estéticos.(BASTOS, 2011, p. 293)

Portanto, temos na crítica de Tinhorão um certo reducionismo do gênero,


limitando-se, assim, ao social; e se aprofundando pouco no técnico e estético. Sua
crítica estética se limitava muito ao que ele conseguia ler e enxergar nas partituras,
o que pode ser justificado por uma simples falta de conhecimento na área.
Apesar de tudo isso, não podemos esquecer de toda a importância de
Tinhorão quando se trata da discussão da música popular. Mesmo sendo
maniqueísta e Reducionista ele trouxe para essa discussão toda uma perspectiva
que nunca antes havia sido apresentada. Através de seu método marxista, Tinhorão
foi capaz de expandir essa discussão agora também para a área social, antes dele a
crítica feita à música era muito voltada apenas à estética. Portanto, a crítica de
29

Tinhorão, por mais rude e ríspida que seja, foi necessária e mesmo não sendo muito
bem aceita revolucionou toda a discussão da música popular.

3.2 A crítica estética

Como vimos anteriormente a crítica de Tinhorão não deixa de ser


esteticamente pobre, chegando a ser até mesmo reducionista por esse motivo.
Porém ainda assim tivemos diversas críticas nessa área feita pelos mais diversos
autores, alguns exemplos são Brasil Rocha Brito, Augusto Campos, Júlio Medaglia,
entre outros. No livros “Balanço da Bossa e outras bossas”, escrito por Augusto de
Campos, temos um compilado de matérias e artigos que expõe essa crítica estética
ao movimento. Para a crítica que será feita neste capítulo, esse livro será a base
principal.
Até a chegada da Bossa Nova tínhamos na música popular um foco maior na
melodia, o objetivo dos músicos e compositores era criar algo marcante e fácil de se
memorizar. Um exemplo fácil de se dar é o grande clássico “Carinhoso”, de
Pixinguinha, uma das mais populares e famosas músicas brasileiras. Ainda hoje,
mesmo tendo se passado décadas de sua composição, é comum ouvirmos em
shows coros de pessoas cantando essa música, de uma maneira quase que
instintiva, o que comprova como sua melodia ficou marcada na identidade brasileira.
Porém esse foco melódico deixava, por exemplo, a harmonia, em segundo plano.
Com a chegada da Bossa Nova tivemos uma integração muito maior entre os
campos da harmonia, ritmo e melodia. A harmonia ganhou um foco maior devido
também à influência do jazz; o ritmo vinha de uma influência maior do samba e a
melodia continuou rica como era. Brito bem descreve essa dinâmica entre os
elementos musicais em sua crítica intitulada ”Bossa Nova” de 1960:

Na Bossa-Nova procura-se integrar melodia, harmonia, ritmo e


contraponto na realização da obra, de maneira a não se permitir a
prevalência de qualquer deles sobre os demais, o que tornaria a
composição justificada somente pela existência do parâmetro posto
em evidência. (BRITO, 1960, p. 22).

Devido a essa integração maior dos elementos melódicos, harmônicos, e


rítmicos, o cantor agora não precisava se firmar tanto dentro da música. Essa
30

ligação mais coesa entre esses elementos dava à melodia a mesma importância
que os outros campos da música; portanto, a voz do cantor tinha tanta importância
na música quanto a base, que era feita juntando os elementos rítmicos e
harmônicos. Isso permitia ao músico cantar de uma maneira mais tranquila, sem
precisar exagerar em efeitos de voz ou no volume que se cantava. Graças a isso,
João Gilberto, por exemplo, era capaz de cantar baixinho, quase sussurrando.
Assim como Brito disse: ”A valorização do cantor surgirá na medida em que ele co-
participará da elaboração musical e não na medida em que ele procura se afirmar
sobre a obra” (BRITO, 1960, p. 22). Portanto o cantor agora não mais precisa de
exageros, ele agora faz tanto parte da obra quanto os instrumentos.
A música brasileira, no geral, também sempre teve muita influência da
música estrangeira no geral. No maxixe, por exemplo, temos diversos gêneros
hispano-africanos da América e até mesmo a polca (estilo de dança comum no leste
europeu), exercendo uma influência muito direta. Portanto, é normal para a nossa
música e cultura no geral a influência estrangeira. No caso da Bossa Nova, temos o
início da influência norte-americana na cultura. Como vimos anteriormente, isso
começa a aparecer ainda na década de 1930, com o fox trot aparecendo em nossa
música nacional, através de músicas escritas por Vinícius de Moraes ou ainda
compostas por Pixinguinha. Tinhorão afirmava que essa influência era um traço da
dominação americana, enquanto outros críticos diziam que isso era apenas mais
uma influência da cultura internacional aparecendo na música, como ocorreu outras
vezes, sendo então algo natural de ocorrer. Tinhorão dizia também que isso era
uma descaracterização na música popular, enquanto outros diziam o oposto, que a
Bossa Nova estaria honrando suas origens ao deixar bem claro de onde veio, e que
seria um gênero que ia contra a música industrial ao invés de estar colaborando
com ela, como afirmava Tinhorão. Brito foi capaz de expor isso de maneira bem
clara:

O movimento bossa-nova, reconhecendo haver nascido por forças


de mutações ocorridas no seio da música popular brasileira
tradicional, não pode ser adverso dessa música da qual provém.
Será, isto sim, contra a submúsica, mal idealizada, mal elaborada,
de exploração das conveniências puramente comerciais (em seu
sentido pejorativo), que vive à custa de recursos fáceis e
extramusicais, categoria na qual pode se incluir grande parte da
produção dos últimos anos (BRITO,1960, p. 26).
31

Já nas letras da Bossa Nova foram agregados, para além dos valores
poéticos, valores também musicais da palavra; nas composições, já não eram mais
feitas separadas das letras, mas sim ambas feitas juntas. Isso é algo que pode ser
muito bem visto em duas das mais importantes músicas do movimento: Desafinado
e Samba de uma nota só, ambas escritas por Newton Mendonça e compostas por
Tom Jobim.

Desafinado

Se você disser que eu desafino, amor


Saiba que isto em mim provoca imensa dor
Só privilegiados têm ouvido igual ao seu
Eu possuo apenas o que Deus me deu

Nesse trecho da música Desafinado, percebemos que quando é cantada a


palavra “desafinado”, temos junto disso uma passagem harmônico-melódica que
sugere uma desafinação, o que sugere um casamento muito maior entre a letra e os
elementos naturais da música. Em muitos outros momentos da música temos outras
passagens que sugerem uma desafinação; porém, não deixam de ser propositais, já
que se trata muito da sensação que a música quer transmitir.

Samba de uma nota só


Eis aqui este sambinha feito numa nota só
Outras notas vão entrar, mas a base é uma só
Esta outra é consequência do que acabo de dizer
Como eu sou a consequência inevitável de você

Quanta gente existe por aí que fala tanto e não diz nada
Ou quase nada
Já me utilizei de toda a escala e no final não sobrou nada
Não deu em nada

E voltei pra minha nota como eu volto pra você


Vou cantar em uma nota como eu gosto de você
E quem quer todas as notas: Ré, mi, fá, Sol, lá, si, dó
Fica sempre sem nenhuma, fica numa nota só

Já nessa música temos uma base simples, de apenas uma nota. Então, à
medida que a música segue, temos a base e a melodia se utilizando das variações
que a própria letra sugere. Quando é cantado ”outras notas vão entrar” aparecem
32

outras notas na música, então a letra segue: ”mas a base é uma só” nesse
momento a melodia volta de novo para a nota principal que já estava sendo usada
de base. Em outro trecho, o eu lírico começa a cantar e brincar com as outras notas
da escala, e ao final disso a poesia brinca: “já me utilizei de toda escala e no final
não sobrou nada, não deu em nada”, mostrando que não adianta utilizar de outras
notas da escala, no final ele só se importa com sua nota e acaba voltando para ela,
assim como ele sugere logo em seguida: “e voltei para minha nota como volto para
você”. Portanto temos nessa música uma grande brincadeira envolvendo a letra e
os elementos musicais presentes nela.
Portanto conseguimos perceber que apesar das críticas pesadas de
Tinhorão, a Bossa Nova não pode se limitar a apenas uma análise histórico-social:
ela também foi um movimento muito bem pensado, com músicos que estavam muito
à frente de seu tempo. É inegável que a grande maioria desses músicos são
burgueses da classe média e da elite; porém, querendo ou não, através da Bossa
Nova, eles conseguiram eruditizar a música popular brasileira, foram capazes de
fazer isso ao mesmo tempo em que criavam uma imagem do Brasil no mundo, a
qual até hoje persiste. A Bossa Nova foi um movimento moderno, que revolucionou
a música e inspirou diversos músicos e continua inspirando ainda hoje.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
No início da pesquisa, o trabalho tinha um visão muito mais favorável às
críticas de Tinhorão, ele seria a principal fonte e, portanto, sua crítica seria a mais
considerada. Tanto que todo o trabalho giraria em torno dele e responderia a
pergunta: porque o ódio a Tinhorão? Logo, para entendermos isso, precisaríamos
antes entender sua crítica, e para isso, entender o seu maior antagonista, a Bossa
Nova.
Começamos analisando o contexto histórico. Descobrimos as origens da
indústria cultural, e da cultura norte americana, e assim entenderíamos parte da
origem da Bossa Nova. Logo fomos entender o berço da Bossa Nova, no caso
Copacabana, um lugar que seria, desde a sua criação, um antro da elite, já que
seria isolado do resto do Rio de Janeiro. Só então fomos entender o surgimento da
Bossa Nova, toda a história de sua criação até o grande sucesso de “Chega de
Saudade”.
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Seguindo a pesquisa buscamos compreender a figura do Tinhorão: sua


metodologia crítica e as inspirações de seu pensamento. Para isso começamos com
uma pesquisa biográfica sobre Tinhorão para assim de fato o conhecermos. Então,
fomos descobrir a origem de sua crítica, de sua metodologia, que no caso
corresponde ao pensamento de Karl Marx, e analisamos de maneira superficial seu
materialismo dialético, além também dos filósofos da escola de Frankfurt, que muito
criticavam a indústria cultural, pelas teorias de Adorno e Walter Benjamin.
E nesse momento, quando entendida toda sua base teórica, fomos enfim
para a crítica de Tinhorão, e logo de cara é possível perceber, pelo tom de seus
textos, pois no começo de sua carreira era mais ríspido com suas palavras, o que
justifica seu apelido de Tinhorão, e parte do ódio a sua pessoa. Porém, sua crítica
continuava sendo social, ao dizer que a Bossa Nova é um instrumento de
dominação americano e que ela surgiu de burgueses da classe média e da elite
brasileira que se formava em Copacabana.
Foi a partir do terceiro capítulo que a pesquisa se desviou de sua proposta
original, e se tornou um pouco menos determinista em relação à Bossa Nova como
sendo apenas um movimento da elite, com fortes inspirações da música norte-
americana. Para tomar esse novo rumo, começamos apresentando uma crítica ao
próprio Tinhorão, para então entendermos algumas falhas em seu argumento -
porém, sem esquecer ainda sua grande importância na crítica da música popular, já
que ele apresentou a metodologia marxista para essa discussão. Então, para
mostrar que a Bossa Nova não é apenas esse movimento da elite de dominação de
massas, fomos para uma crítica na área da estética, em que usamos como base
teórica o livro “Balanço da Bossa e outras bossas”, de Augusto Campos. E aqui,
percebemos que, apesar de tudo, a Bossa Nova foi um movimento revolucionário
para época, com músicos à frente de seu tempo, que sabiam manipular
perfeitamente as letras, a melodia, a harmonia e o ritmo a seu favor.
Com tudo isso, concluímos que não se deve ser maniqueísta, seja em
relação à Bossa Nova ou ao próprio Tinhorão, ambos possuem suas qualidades
mas também pontos a serem criticados e ambos foram importantes para sua época
e de certa forma até mesmo revolucionários para suas respectivas áreas. E em
relação ao ódio ao Tinhorão é algo que pode ser justificado pela época em que tudo
ocorreu, Tinhorão era mais jovem, imaturo, e ao mesmo tempo apaixonado, da
mesma forma que as pessoas que tanto o criticaram na época. Seus textos tinham
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um tom ríspido, e seguiam a metodologia marxista, portanto os músicos, por se


sentirem ofendidos e atacados, o odiavam, e os outros pensadores mais
conservadores também não aceitavam seu método. Mas é inegável que houve um
amadurecimento de todos os lados e atualmente tanto Tinhorão quanto a Bossa
nova carregam seu prestígio.

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