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SOBRE / PT
»

A HYSTERIA . %

THESE
APRESENTADA

Á FACULDADE DE MEDICINA D O R I O D E JANEIRO ,


cm de Dezembro de 1844 v

PARA SER SUSTENTADA , AFIM DE OBTER O GR Á O DE DOUTOR EM MEDICINA ,

POR

ßcayru
' n
/ t /£niao </* ena ,
FILHO LEGITIMO DE THOMAZ JOS É DE SENA , NATURAL DA CIDADE DO RECIFE ,
PROV Í NCIA DE PERNAMBUCO .
. .
Quod scrips! Icei

R I O DR J A N E I R O ,
TYPOGRAPHIC IMPERIAL E CONSTITUCIONAL DK J. VILLENEUVE E COUP.
Ill A D'OUVIDOR , ti 63
’ . .
ïm .
DISSERTA ÇÃ O
sows i:

il ant 8 2UI 2Ht & »

PAUTE PRIMEIRA .

H I S T O R I A.

§ i .° Sem acreditarmos com Rousseau que por ser o estado selvagem o


mais natural , o homem que pensa é um animal depravado ; sem contestarmos as
.
vantagens do estado social , nem t ã o pouco o melhoramento que tem tido o gé ne-
ro humano depois dos progressos da civilisa çã o , n ã o podemos entretanto deixar
de confessar que á par destas vantagens surgem moles que envenenao o cora çã o e
.
pervertem o sentimento Estas proposições precis ã o sem duvida de algum desen -
volvimento : para isto estudaremos o homem em os 1res estados de selvagem , social
c civilisado ; mas isto n ã o quer dizer que nos faremos cargo de , respeitando todas
as regras , seguirmos o íio da historia na passagem d’ um estado par’outro , por -
que este trabalho , alé m de demandar conhecimentos profundos c talento raro
(o que nos fallcce) , nos levaria fó ra das balisas que rnarc ã o o fim a que nos pro -
pomos.
Se o homem pensa , é porque o p ódc fazer , isto é obvio ; logo, procurando elle
aperfei ç oar sua razã o e desenvolver sua intclligencia , n ã o faz mais do que exercer
um direito outorgado pela mesma natureza ( i ). E se quizermos altender As cir-
* cumslaucias em que se achava Rousseau , facilmente conheceremos que sé a boca
da desespera çã o poderia pronunciar aquellas palavras. Quando nos remontamos ás
primeiras idades do mundo , vemos que o homem t ã o puro como a agua que o re
frigera , tao innocente como o alimento que o nutre , e t ã o liso coí no o ar que elle
-
respira , dotado d’ uni cora çã o que só experimenta esto sentimento doce que une
uma llô r A outra íl ò r , de uma alma pobre sim de id é as , mas sempre cheia d’ um
só pensamento , o mais nobre sem duvida , o temor de Deos! Julgando se feliz
-
quando ama , c satisfeito quando sulca a terra que lhe prodigalisa fruclos deliciosos
cm recompensa de seu trabalho ; o homem assim constitu í do , sempre Alerta ao

( « ) Assim se exprime Carlos Bonnet.


1
2
brado ch natureza , promplamcnte satisfaz suas necessidade« guiado somente pelo
inslincto , cujo imp é rio subjuga enlao ao da raz ã o ; medindo o mundo pelo espa ç o
que elle percorre , ó constantemente o Teclado por um pequeno numero de objec
( -
tos , sua raz ã o é por conseguinte pouco desenvolvida ; seu corn çã o , n ã o sollrcndo
o duro embate das paixões , é calmo e sereno ; suas vistas n ã o podendo ultrapassar
as raias do pequeno circulo cm cujo centro elle gyra , n ã o p ódc multiplicar praze -
res , lendo uma imagina çã o fria que n ã o sabe inventar imagens e revesti -las de mil
*

cores ; seu sangue é suave licor que documente vivifica seusorgã os , modifican -
do-os nas suas inllucncias c equilibrando-os nas suas ac ções , donde nasce esta har-
monia t ã o neccssaria á vida. Ora , uma orgnnisa çã o t ã o feliz como n que acabamos
de pintar , c n ã o induenciada pela ac çã o corrosiva destes agentes que abal ã o o co-
ra ção c fal > ific ã o o espirito , deve gyrar d uma maneira regular c uniformo cm
torno dos dous põlos da composiçã o c decomposiçã o al ó locar o extremo final da
vida ; quer dizer , que uma tal organisa ç8o sendo refraelaria á acçã o dos agentes
morbificos , di ílicilmenlc as moléstias se aninh ã o em o seu seio , por conseguinte
seu numero deve ser assaz diminuto , maxime o daqucllas cujo desenvolvimento é
quasi devido ao fogo das paixões , como s ã o as n é vroses , entre as quaes occupa lu -
gar mui dislincto a hysteria. O estado social é sem duvida o mais vantajoso ao
gé nero humano, c o nosso gosto para a sociedade foi sanclificado pelo mesmo Crea -

dor quando disse : Non est boniim esse hominem solum : faciamus ei adjutorium si
mile sibi .
-
Assim os homens nrraslrados por este pendor natural consliluir ã o -se em socie -
dades ; mas ainda embrutecidos e ignorantes , longo de reunirem suas for ç as para
aperfeiç oar seu estado em proveito de todos , procurar ã o subjugar uns aos outros ;
«Tahi nascer ã o as guerras , a pilhagem , o roubo e todas as especies de crimes ; e
assim devia ser , porque o vicio c o crime , como diz um celebre escriptor , sã o
os mimosos filhos das trevas. Ent ão n ã o tardou que um pugillo de homens astu -
ciosos , valendo se da ignor â ncia e inexperiê ncia da multid ã o , se constitu íssem seus
tyrannas , estendendo sobr'clla uma m ã o de ferro , a cujo peso se curv á r ã o todas
as cabeç as , de modo que a inlelligencia foi dominada pelo erro , a luz da raz ã o
obumbrada pelas trevas da ignor â ncia , c o destino do milhares de homens pen-
dente do capricho dos Caligulas , dos Nero« , Sejanos , e Tiberios. Durante este»
séculos de barbaria , a pot ê ncia sacerdotal , tomando por lypo da perfei çã o do ho -
mem o erro c a ignor â ncia , invadio todos os poderes al ó o dominio do pensamen -
to ! E seja - nos licito dizer , que para vergonha do gé nero humano c ignominia de
seus vis oppressorcs , esta maldita influencia de horrivcl mem ó ria , n ã o ha muito
tempo , que expirou debaixo da mitra d’um papa c na pasta d’ um ministro do
estado. ,
Nesses tempos em que n superstiçã o c o fanatismo nbsorvi ão todas as id ó as ,
prostituindo a raz ã o c profanando a Divindade , levando tudo de rojo c deixando
—— 3
apôs si torrentes do lagrimas e de songuc ; nesses tempo* , digo , cm que 011alen
tos o as virtudes erâ o um crime , as moléstia » nervosa » se lorn ó r ã o muilo frequen
--
tes ; assim nao era raro ver se cm qualquer canto um grande num é ro de indiv í duos
indomoninhsdos , maleficiados , d é mentes , hypocondriacos , hyalcricos , clc. , etc .
Tudo isto ura devido sem duvida assim á educa çã o recheada do quanta feitiç aria
havia , c cheia de prejuizos Acerca d’ almas d’outro mundo, inferno, diahos, etc , .
.
como As torturas , aos cadafalsos ereclos por Ioda a parle As fogueiras c aos grito»
da victime, que , echoando nos arcs, lcvav ã o a desola ç ao o o terror no seio das fa -
m ílias , c pelo que , permitia - sc-nos dizer , mais duma vez a mesma natureza
estremeceu em os seus eixos ! Felizmente passAr ã o -so esses tempos calamitosos ,
.
n ã o sem detrimento aos progressos do genero humano A medida que , por expe -
riê ncia propria , os homens conhecerão seus deveres , as sociedades for ã o rcgnlarmen -
te constitu ídas , os factos convenienlemenle observados , e as trevos da ignor â ncia
dissipadas , o impé rio da razão appareceu erm toda a sua força c esplendor ; ent ã o
-
a instrue çao tornou se um dos primeiros elementos da felicidade dos homens , a
-
moral deixou de ser dominada pela superstiçã o c fanatismo ; seguirAo se os pro -
gressos das luzes , c a estes o nascimento das scicncias , que se tornar ã o , para
.
assim dizer , o patrim ó nio das grandes cidades c impé rios Mas 6 innegavcl que
desvantagens innumcras nascidas deste estado tenhao sido a causa destruidora de
tanta gloria e de tanto esplendor que outrora fulgurá r ão sobro a terra ; a qu óda do
Impé rio Romano è a prova perempt ó ria do que avan ç amos ; e segundo nos re -
fere o historiador Á mmiano Marcelino , no reinado do Imperador Jtili ã o ó luxo .
tinha de tal sorte enervado os Romanos , que quando viajav ã o sobre o Tybrc e nos
canaes de Veneza em gondolas bem cobertas , bastava que um raio de sol os tocas -
.
se para pô -los em convulsões For çoso é confessar que , apezar de 1er a civilisa çã o
actual tocado seu zenith de perfeiçã o , maxime na Europa , comtudo os modernos
tê m sido mais parcos nos seus excessos do que os antigos, naluralmcnte pelos exem -
plos que estes nos deix á r ã o ; entretanto a vida que se leva nas grandes cidades c
cò rles e a educa çã o maxime do hello sexo , n ã o deix ã o de ser assaz reprehcnsiveis ;
assim como diz Zimmermann , fallando d’AHcmanha , apenas os meninos princi -
pi ü o a ensaiar os passos , jA se os ageit ã o A etiqueta das visitas ; c como diz Gcor-
get , uma m ã i destas do grande tom experimenta grande desgosto vendo sua filha
ainda cm tenra idade n ã o manifestar jA grande vivacidade , ent ã o cm vez de acos-
ltima - la aos trabalhos d 'agulha , que Zimmermann considera como o mais forte de
lodos os poderes reunidos na terra para sopear as paix ões , ao contrario , lhe faci -
lita o estudo da mu « ica e pintura , c n leitura de livros os mais proprios a excitar
sua sensibilidade , nutrindo assim o espirito do sua filha com illusõcs e ideas con -
trarias ao estado real da sociedade ; a Indo isto accrescent as nindas que o luxo
.
acarreia , a frequenta çã o de sociedades numerosas , bailes , theatres , etc ; e nisto
cifra -»c toda a educa çã o c occitpa çã o da pobro menina , que , no meio deslas cir
!•
-
— h-
cumstancias , norde a Iranquillidado c a paz do sen cora çã o , sua sensibilidade cxol -
la -se , c tornando-se ardenlo sua imagina çã o , as vistas da natureza sã o illudidas ;
ent ão ella é acommellida do convuls ões , c facilmente pelo menor motivo , cem
breve
Comme uno íleur desscch éc
Tombe , la t ôle penchée ,
Feuille h feuille sur le sol.
Ainsi meurt la pauvre ( illc
En elle plus rien ne brille ,
Que les perles de son col.
L. A. Ilcnrii ten .

Do que levamos dito, facilmente sc dcprchcndc que nestes lugares populosos onde
o luxo ao lado da civilisa çã o subindo dos palacios e casas dos ricos tem minado
todas as classes da sociedade , as n évroses , opor conseguinte , a hysteria , sã o mais
frequentes do que no campo , onde as circumstancias hygienicas , sendo inteira -
-
mente differentes , leva se uma vida activa , isenta da influencia destes agentes que
.
envenen ã o o cora ç ao da mulher Entretanto releva observar que a solid ã o , a vida
monotana c algumas vezes ociosa quo se passa no campo , n ã o dcix â o de ser prejudi -
ciaes á mulher em certas circumstancias , na puberdade por exemplo , cm que a
mesma natureza a adverte de que cila vai viver , nao para si e sim para perpetuar
a cspecie ; a mais nobre de todas as paixões , o amor principia a dominar no seu
-
cora çü o ; pois que nem um objecto de dislrac çao se lhe offereça , sua imagina ção
-
viva inventa imagens , combina as com as id é as nascidas deste estimulo interior ,
- -
r as exagera revestindo as de mil cores ; ent ã o a raz ã o torna se unida para domi -
nar só e só mcnlo o amor como um lyranno implacá vel .
§ 2.“ Se fó ra do raciocí nio c do nosso proprio raciocinio n ã o ha poder no
mundo que seja capaz de levar ao nosso espirito a convicçã o da exist ê ncia d uma
-
verdade , scguc sc que a cren ç a deve ser obra da intelligencia e da raz ã o : ent ã o
nem a confian ç a , nem o respeito nos deve levar a abra ç ar um facto como verda -
-
deiro antes dc lermo lo analysado , calculado e bem concebido’ E baseados nestes
princí pios que n ós n ã o podemos considerar a hysteria como exclusiva do hello
.
sexo Os antigos fur ã o oplimos observadores , poré m baldos cm conhecimentos
exaclos dc anatomia c physiologia , commellcr ã o erros iunumeros ; c desejosos do
tudo explicar , invenl á rã o lheorias as mais absurdas : assim para a hysteria elles
-
admittir ã o, que o utero deslocando se viajava pelo ventre c peito, ia at é á garganta
*
produzir a suflóca çã o : esta opini ã o garantida por um nome illustre ( Hippocrates) ,
foi gerolmenle adaptada , e portanto a hysteria tida como propria e exclusiva da
.
mulher Depois que a anatomia ensinou a conhecer o verdadeira posi ção do utero -
e suas rela ções no seio do organismo , a lheoria hippocralica foi por lodos rejeitada ;
mas a opini ã o do venerando velho dc C ós leve seus partid á rios , em frente dos
< uacs
| -
— — 5
sc vc Louycr Villermay , sem duvida o mais acé rrimo dc lodos ; entretanto
eslo celebre autor , ao mesmo passo quo se esfor ç a cm provar que a hysteria
exclusiva da mulher , confessa , m á o prado seu , ter observado no homem plieno -
.
menos semelhantes & oquellcs que caracterisSo esta nevrose Oro , se d’ uin lado
vemos os defensores da opini ã o hippocratica se debaterem contra sua propria
convicçã o ; se d outro lado leinos um grande numero dciaclos , cada um abonado
por um nome prestigioso que prov ü o d’ uma maneira perempt ó ria a exist ê ncia da
hysteria no homem , conscienciosamente n ã o podemos deixar de considerar esta
.
aflec çã o como partilha dos dons sexos Os partid á rios desta opini ã o s ã o os seguin -
tes : Pisou , que assim se exprime : hysterica symptomata omnia fere viris cum mulie
.
ribus communia sunt Dc-lc - boó , Raullin , Cullen c Boerhaavc que diz : et in viris
-
similia ( fuandoifuc mala observantur , facile patct , uterum pro causa absoluta ct unica
.
passionis hystcriac haberi non posse I )c - Gorler a ílirma que a hysteria ataca as pes-
.
soas d' ambos os sexos , depois de evacua ções abundantes Frederico Hoflman
suppõo como causa da hysteria no homem , a pervers ã o í IO movimento peristallico
.
dos intestinos , c cila um facto cm abono de sua opini ã o Morgagni , Lc roy c!e -
Montpellier e Pomme proless ã o a mesma opini ã o , e esto ultimo at é considera a
hysteria como uma affccçã o muito coinmum no homem. Para terminarmos a
{numera çã o dos ficlos que fall ão cm favor dc nossa opini ã o , citaremos os insignes
professores Moisonneuvc , Gardien , ilallé , Georget , Trolliel e Brachct de Lyon .
.
os quaes adopl ã o a opini ã o dos Boerhaavcs, dos Iloirmans , etc , etc .
.
§ 3 » Dcsd’ a mais remota antiguidade alè n ós , os autores que se t ê m
occupatio da hysteria com igual interesso , t ê m procurado determinar sua sede o
natureza ; mas os antigos, interpretando mal os factos , nunca sahirAo do campo das
hypotheses ; e os modernos, apezar de evitarem os erros dc seus predecessores ,
abusar ã o entretanto do racioc í nio e da observa çã o , procurando cada um justificar
sua theoria com explica ções capciosas , c ailegando somente aqucllcs factos que
fallav ã o em favor delia . Para evitarmos confus ã o na {numera çã o das diversas
opiniões sobre este ponto , ainda leligioso , n ã o seguiremos a ordem chronologica ,
mas sim reuniremos aqucllas que s ã o mais idê nticas ou semelhantes , e cm quatro
.
grupos comprehcndcrcmos as principacs No primeiro se ach ã o todos os autores
que consider ã o o utero como a sé dc da hysteria ; destes uns admillcm as viagens
daquellc orgã o para explicar os phcnouicnos hystcricos ; esta opini ã o que Hvpo -
crates , arraslrado pelas ideas de Pytagoras , Plat ã o e Empedoclc seu mestre ,
admitlio, foi balida por Galeno, o primeiro que reconheceu sua falsidade ; portanto,
.
qualquer discuss ã o a seu respeito seria cousa ociosa Outros como o mesmo Ga -
.
leno , Ferrei , Sonnet , Chesneau , Reviere , etc , suppoem que o esperma , ou o
sangue retido no utero , c ahi alterando-se cxhnl ã o vapores malignos , que expan -
-
dindo sc em todo o organismo , produzem a hysteria ; esta opini ã o é inlciramcnle
infundada : i ° , porque muitas vezes o utero conserva sua integridade funccional ,
- — —
G

apresentando nem uma les ã o organic « ; u ° , porque n hysteria , ao direr de


li ã o
Brachet appareco em todas as idades ; assim nas religiosas, como nas prostitutas ;
.
e quando isto nao basto , o só lacto da hysteria no homem retira lodo o nosso
.
apoio a esta maneira do sentir Os ú ltimos , que considcr ã o o utero como a séde
tlcsta nevrose , admiltem , para explicar seu desenvolvimento , uma modifica ção do
system » nervoso uterino , reagindo sobre o system » nervoso gera ) ; esta opini ã o ,
-
apadrinhada por Actius , Aslruc , Cnllcn , Pinei , Louycr Yillé rmay , Dugés , Foville,
.
Dubois d’Amiens , etc , sendo verdadeira , tem o defeito de ser exclusiva , porque
entre as causas numerosas da hysteria , figur ã o as commo ções , os sustos , as pai-
x ões , etc , quo obrã o sobre o cerebro , c nestes casos o utero vem a so ílrcr sccun-
dariamenlc. No segundo grupo v è m se os autores que considcr ã o as outras visceras
como a sé de da hysteria : assim , segundo Purcell , Pitcarn e Vogel é o eslomago c
sua vizinhan ça ; os intestinos segundo Jo ã o Maria c Hamilton ; os pulm ões c o co -
ra çã o segundo Hygmorc ; etc. , etc. Todas estas opiniões s ã o inadmissí veis , porque
d’ um lado as lesões destes orgaos raras vezes determinao phenomenon hyslericos,
.
d’oulro lado s ó vem a soflrer sympalicamenle Para o terceiro temos os autores
.
que d ã o a sé de da hysteria no cerebro , os quacs sao Ch Lepois , Willis , Georget
e outros ; esta opinião, que encerra um fundo de verdade , para nao ser admillida ,
basta lembrar que este ultimo autor , creando sua doutrina em um thcalro assaz
propicio , n ã o apresenta um só facto de anatomia palhologica em apoio della ; c no
facto referido por W illis vê - sc que a doente, depois de longo tempo de soffrimento,
morrera subitamente d’ um ataque do apoplexia ; e a autopsia demonstrou a exis -
t ê ncia d’ um derramamento sangu í neo recente c nada mais. Ora , isto explicar á
por ventura o desenvolvimento da hysteria ? Cremos que nao , porque esta já exis -
.
tia antes , salvo se se quizer admitlir que o effeito precedera á causa Os autores
que form ã o o quarto e ultimo grupo colloc ã o a séde da hysteria no systema nervoso
em geral , dependendo ora d’ um a irrita çã o , ora de movimentos irregulares dos
nervos, umas vezes da altera çã o do fluido nervoso, outras da explosã o dos esp í ritos
animacs ; esta opiniã o , quo tom por partid á rios Dumaulin , Bocrhaavc , Raulin ,
. .
Pomme , lissol , etc , etc , cm esscncia é a que n ós adoptamos ; mas como n ã o ha
nada de mais vago e arbitrá rio do que invocar - se estes esp í ritos animacs , estas
.
altera ções do fluido nervoso , etc , para explicar os phenomenos hyslericos ; n ós
també m a rejeitamos .
§ diversidade das opiniões relativas á sé de c ó natureza da hysteria ,
nasceu a inexacliao nos caracteres principacs c essenciacs desta nevrose ; assim ,
uns a descrevem debaixo da denomina çã o de globo anli - pcrislallico , outros de as -
thmas ou siifloca ç ao ; estes debaixo da denomina çã o de vomitos , » quelles de c óli
. .
cas hyslericos , etc , etc , segundo que admiltiao os incoinmodos da virgindade ou
-
os appetites ven é reos , os fluxos brancos ou a supprcssao da menstrua çã o , as alte -
.
ra ções organicas do utero ou dos ov á rios , etc , produzindo a desloca çã o deste or
-
—7
.
glo ou a cxhaluç &o do vapore» maligno», ou n modifica çã o do » nervo» desta li*" r i
reagindo sobro o syslema nervoso om geral; ou quo acrodilav ã o terem a » paix ões ,
as contrariedades , os sustos , as surpresas , todas as circumstancias cmfitn q" < -
o fleetBo o cerebro , como « s causas unices da hysteria ; ou que attribuiao o doten -
volvimento desta alVec çã o aos alimentos mã os on mal elaborado » , aos vicios da
.
digest ã o , etc Do que fica dito , facilmente comprehcndemos quo n maior parto da <
descripções quo so encontr ão nos autores n ã o s ã o exactas , porque cada um procu-
rava eslndi- r a hysteria segundo uma idén anlicipada a respeito de sua sido e natu-
.
reza Esta discordância , que tem d' alguma maneira tornado diílicil c mesmo em-
bara ç oso o diagnostico desta né vrose, acompanhou os autores at é sua therapeutica ;
assim , uma immensidadc de inclhodos de traclamento , em numero igual oo das

opiniões , foi posta cm uso, dos quaos uns , por extravagantes o immorncs , s ã o
boje com horror rcpcllidos da pratica , outros ainda sao empregados debaixo d’on-
tras .
vistas Agora tra ç aremos em breve quadro esta parle hist órica da oflec çã o que
nos occupa .
Fazer a historia fiel de todos os melhodos dc traclamento que tem havido desde
Hippocrates at é nós, c procurar determinar o justo valor dc cada um, seria uni tra -
balho gigantesco , que sobrepuja as nossas forç as ; portanto contcntar-nos- hemos
em mostrar d'nma maneira succinta , fyial a influencia que esta diversidade de opi -
.
niões tem exercido sobre o traclamento da hvsleria Com Brachel admitliinos dun«
parles muito distinctas, na ihcropcnlica desta nevrose , uma empirica c outra dog-
m á tica ; u primeira , pobre na origem da medicina , tendo por ém em seu favor a ex -
periência c a observa ção , (irmou suas raizes sobre os factos, c assim baseada , p ôde
atravessar a noite dos séculos e estender sua influencia at é os nossos dias ; mas pre-
ciso é confessar que esta parte t ão importante da therapeutica , cuja influencia
acompanhar á as idades do mundo , se acha recheada de muitas impuridades , cuja
eliminação exige mao mais habit quo a nossa ; porquanto estamos convencidos de
que dons ou 1res medicamentos bem experimentados e seguros cm seus cffeitos
produzir ão vantagens muito mais reacs do que aqucllas que rcsultao deste immcnso
arsenal thcrapculico, que indica mais falta do quo fartura , ou mais pobreza que
.
riqueza A segunda, ou dogmatica , nascendo com as doutrinas , com estas experi-
mentou as mesmas revoluções no andar dos sccnlos ; dos seus
preceitos , nns morrê-
rto com a influencia c prestigio dos seus autores, outros forlo . repudiados por
extravagantes o contrario» á moral ; restou um pequeno numero , que , por scr
sanccionado pela obscrvaçio , ainda hoje é empregado, nBO debaixo das me >mnsin -
.
dicações, porquoos antigos lanç av áo mã o délies A opinião que considera o utero
como um animal dentro do outro poucj influencia exerceu sobre a
therapeutica da
hysteria, porque Hippocrates , seu autor, sendo optima observador c zelo o amigo
da humanidade , sempre procurou o apoio da cxprriencia ; entretanto elln deu ori -
gem a pratica dc sc exercer com as mans sobro o hypogaslrio fortes pressões, com o
— 8

iiin dt* lcrar- sc o utero para a kacia , e aki cont é lo : estocostumc , ao dizer de Kra -
chet , ainda linjeolgun* medicoa pratic&O no , mas sómcnlo com o fini de sustar o
*
movimentos espasm ódicos quo ngit ã o esto organ. A opiniã o que fazia depender os
phenonienos hystericos dos vapores malignos provenientes do esperma on do san -
gue corrompidos no utero , ou « la altera çã o geral da massa sangu í nea , deu nasci-
mento a essa polypharmacia monstruosa , que forma a riqueza das okras de muitos
autores , sokrctudo a do famoso Thesouro da Pratica de Medicina de Burnet , onde
se v ê que, conforme a cspcc:e de humor ou de doutrina humoral reinante , assim se
empregar ã o do preferencia os á cidos aos alkalis , os tonicos aos diaphorcticos , etc.
Ora , alguns dc > tcs agentes hoje tamhcm sã o empregados quando as altera çõ ,
es
cujo Iractamento est á subordinado a estes dillerentes meios therapeulico ,
s sao, para
assim dizer , o divertieulo da hysteria . A opini ã o do clylorismo ou
nus , donde nasceu a pratica do excrcer-sc a copula durante o
paixan de Ve
accesso hvstcrico ,
-
-
ou de litilar se o clytoris , exercendo -se ao mesmo tempo fricções na
mucosa va -
-
ginal ; aulorisou o aconselhar se o casamento á s virgens e á s viuvas ; ainda hoje
sc considera ser este ineio o unico de curar a hysteria quando esta
dependa da
inae çã o dos org ã os sexuaes ou da abstinência dos prazes ven é reos , porque fó ra
des -
.
tes casos a mol éstia nao só persiste , como faz progressos Aquclles
que considc -
rao o ccrebro como a sede desta allêc çã o , aconsclh ã o quasi exclusivamente os
meios hygienicos , como os passeios , as dislrac çóes , o evitar a presen ça
de ob -
jectes que firao de um modo desagradarei os sentidos , o fugir ãs
contrarieda -
des , etc. ; cm verdade estes cuidados sao assaz en é rgicos , mas por si só nem
sem-
pre bast ã o. Os autores que colloc ã o n séde da hysteria no systcma nervoso geral
para combat ê-la punhao em contribui çã o certos meios , c d’ uma maneira cxclu
siva ; assim Pomme nunca sahio dos seus banhos e caldos
-
de frango , c os bons
cfleilos que quasi sempre elle obtinha é mais natural altriLuir sc à confian
- ç a que
.
os doentes nellc depositar ão Willcs , arrastrado pela idéa de
fraqueza dos nervos ,
com pertin á cia persistia no emprego dos calmantes tonicos ,
. .
etc , etc Bem sc vc
que estes autores , por systhomaticos e exclusivos , tornarão mais
embara çoso o
tratamento da hysteria , já t ã o difficil pelas suas indica ções variareis
, como s ã o as
causas que o podem produzir .
-
S 5 . Segundo o quo temos expendido, facilmente se vê que as n é vroses nao
furã o desconhecidas dos antigos, conhecimento este que data ’
d uma época muito
anterior ú quclla em que viveu o verdadeiro fundador da
medicina , assim a historia
nos ensina que os Egypcios e Hebreus linhão conheciment
o de algumas destas af-
fecções, o que prova a melancolia de Sa úl , curada
pela harpa de David , a febre
maligna de que Lazaro foi viclima , aqucllc indemonin
hado curado por um Judeo ,
segundo nos refere Vespasiano , a epilepsia , de que falia
o Evangelho , em um me-
-
nino que foi apresentado a Jesus Christo quando
Arabes est ã o no uicsuio caso , entre estes , nquellc
descia do monte Tabor , etc. Os
que mais se distinguio foi o cc -
— — 0
lebre Ulias és , quo sendo bom medico o lamoso chimico , era grande musico *• o
.
melhor philosopho do seu tempo ; foz os maiores esforços para cslud ir OS D « TVOS <•
suas alterações , c com rfiuilo fei elle quem descobrio que o nervo recurrent« do -
lado direito algumas vezes é duplo. Entretanto estes observadores da nature /.a n á u
tinbao ideas justas a respeito destas allecçõesi porquanto , possu ídos do respeito
que a religi ã o lhes inspirava para com os mortos , n ã o ousavSo cultivar o estudo
da anatomia sobre o cadaver ; ent ã o n ã o podiã o 1 er o justo valor destes phenome-
nos que uns altribuiã o ao Demon , como Arclco fallando da epilepsia , outros á
colcra Divina , donde nasceu a denomina çã o dc morbus divinas dada a esta affecçao
por Plat ã o , etc. E isto lambem deu lugar a que muitas moléstias intciramenle
diffé rentes fossem confundidas com as n é vrosés; assim Hippocrates chamou sciati-
ca á d òr ( pie sobrevé m na articula çã o superior da coxa , invadindo lodo o membro,
o que nem sempre é uma nevroso. O principe da medicina (Galeno) comprchen -
deu , debaixo desta mesma denomina çã o , todas as aflecções que atacã o aquclla
-
articula çã o; mas preciso é notar se que o medico dc Pergamo tinha conhecimen -
tos mais exactos a respeito dos nervos do que o velho dc C ós ; porquanto , elle
considerava a sec çã o destes como um meio curativo dc algumas n é vroses , etc.
Como quer que seja , os progressos d 'analomia dat ã o d » restabelecimento da es-
cola de Salermo c da funda çã o da de Montpellier pelos Arabes , as quaes se occu -
p á r ã o sobretudo com o estudo dos nervos c suas aficc çõcs ; ainda assim o conhe -
cimento das n é vroses at é o fim do scculo XVI só oílcrecia duvidas e incertezas ;
n ã o havia nem - uma classifica çã o , c nem t ã o pouco se conhecia o caraclcr distinc-
-
tive dc cada uma destas moléstias , de maneira que foi facil confundir se a hysteria
com a epilepsia ou com a hipocondria , etc. , etc. No principio do scculo XMI
appareceu Cullen , loi elle o primeiro que , debaixo da denomina çã o de nevrose ,
comprebcnden um certo numero de aflecções dos nervos ; sua classifica çã o ló i gc-
ralmcntc adopta d a at é 1799 , é poca cm « pie Pinei , estudando melhor estas molé s-
tias , dividio-as cm duas classes ; na primeira elle collocou aquellas que dependem
da inflaninia çã o 011 d uma altera çã o qualquer na cslruclura dos nervos ; na segun -
-
da elle reunio aquellas que n ã o s ã o acompanhadas dc nem uma altera çã o apreci á vel
destes orgã os; as primeiras elle chamou nevralgias , c as segundas n é vrosés. Nes-
ta classe n ós comprcbendcmos a hysteria , porque a autopsia ainda n ã o demons -
trou nem -uma altera çã o da parte dos nervos. Aqui terminamos a parle hist ó rica
do nosso trabalho , certos de que deixamos muito a desejar.

PARTE SEGUNDA .
Alaslando - nos das formulas escol ásticos , julgamos ser mais philosophico o d é
terminar a sé dc e natura dn hysteria , antes dc entrarmos em suadescrip çã o.
-
S, > •* No pequeno esbo ç o que fizemos da historia desta nevrose , vimos que o*
diversos autores , procurando determinara sua sédc , s ómcnle esludnvao a » alter .1
J
-
10

çõc* daqucllo orgã o onde collocav ä o n’a , considerando estas mesma * altera ções ,
como os caractere* principaes eosaenciaes da hysteria : assim cada um por sun vez .
encontrando tal orgão afleclado com exclusã o dos outros , resultou dnhi a grande
.
discord â ncia na sé dc desta aiTecçã o Ent ã o como sahiremos n ós deste embara ç o ?
Resolvendo as seguintes quest ões : ou a hysteria tem sua sé dc em todos os orgã os
ao mesmo tempo ; ou em algum dé lies dc uma maneira exclusiva ; ou íinalincntc cm
algum apparelho commum a todos elles. A primeira hypoth èse é inteiramente ab -
surda , porque se assim fò ra , a hysteria seria a express ã o das altera ções de lodos
os org ã os ao mesmo tempo , o que n ã o tem lugar ; porquanto , mais d’ uma vez se
tem visto todas as funeções se executarem regularmente , c a autopsia n ã o demons-
.
trar a menor lesã o organica A segunda ó t ã o destituida de fundamento como a pri -
meira , porque seria preciso que sempre o mesmo orgã o fosse constantemente allec-
tado , o que est á em opposi çã o com as opini ões dc tantos autores igualmenle rc -
commendaveis pels seu prestigio c saber. Resta - nos agora resolver o terceiro e ul-
timo problema , isto ó , sc a hysteria reside cm algum apparelho , syslema ou te -
cido commum a todos os orgã os. N ós sabemos que cada org ã o , alé m de seu tecido
proprio é composto dos tecidos geracs seguintes , nervoso , sangu í neo , lymphati-
.
co e cellular Ora , so esses sã o os elementos chamados geradores ; se o nosso espi -
rito n ã o p óde ir mais longe , seguc -se que a aiTecçã o que nos occupa deve 1er sua
sé dc cm algum destes svstemas ; ent ã o a quest ã o fica reduzida a determinar se ,
.
qual d'elles é afleclado de maneira a produzir os phenomenos hyslcricos Ser á o te -
cido cellular ?
Neste caso a molé stia seria tanto mais fá cil quanto mais abundante e profun -
damente alterado fosse este tecido ; o contrario poré m é o que tem lugar ; porque
n ã o só as pessoas gordas sã o menos sujeitas a esta nevrose , como porque os cochins
dc tecido cellular , que occup ã o os flancos , a bacia c as regi ões subcut â neas podem
ser alterados, e profundamente, sem que a hysteria se desenvolva ; depois vemos que
os orgã os , que alterados as mais das vezes dclcrmin ã o a hysteria , como o utero , os
ov á rios , o fí gado , o ba ço c a membrana mucosa gaslro intestinal sã o quasi despidos
.
deste tecido Será o systems lymphatico ? Cré mos que n ã o : i °, porque os indiv í -
duos , em quem este temperamento predomina , s ã o menos expostos aos ataques
hyslcricos ; 2°, porque estes vasos , e sobretudo os ganglios , podem ser e s ã o mui -
tas vezes engorgitados , inflammados ou suppurados , como acontece nas scrophulas,
.
sem que tenha lugar o apparecimento da hysteria Será o systema vascular san -
gu í neo ? I )e certo que n ã o , porque d’ um lado o temperamento sanguinco n ã o c
favoravel ao desenvolvimento dos phenomenos hyslcricos , e as inllamma ções agu -
das , proprias deste systema , raras vezes determin ã o esta nevrose ; d’ oulro lado
estes vasos , podendo ser alterados de mil maneiras , o mal quasi sempre lica limita -
do no ponto afleclado , c quando se estende é de camada em camada ou por conti -
nuidade de tecidos , de modo que nunca Iransmitle ao longo c com rapidez sua in
— 11

flucncia morbific». E o sangue ? íi um a vcrdadc , mas esta doutrina humoral , ad
missí vel para explicar o desenvolvimento «Kontras moléstias cabo por terra quan
-
-
do procura se applica - la í hysteria. Com efleito , snpponhamos que um principio
deleterio introduzido na circula ção vicio toda a massa sanguinea ; agora pergunta sc -
o que deverá acontecer ? É que o sangue assim alterado devo exercer sua in íluen -
cia maligna de uma maneira constante c uniforme sobre toilos osorgã os e tecido « ;
ent ã o os phenomenos que hoje se manifestarem , reproduzir -se-hao amanh ã a d 11 m
modo n ã o interrompido , porque o contacto do sangue com os nossos tecidos , sendo
permanente , sua influencia deve ter igual dura çã o , c por conseguinte estes phe-
nomenos só cessaráõ com esta influencia. Ora , nos ataques hyslcricos inlcrmc-
dei ã o sedias , semanas , mezes c mesmo annos , umas vezes n ã o se reproduzem ,
outras rcapparcccm do uma maneira s ú bita sem ser acompanhados nem precedidos
de nem - uma altera çã o deste syslcma ; logo elle n ã o pódc ser a séde da hysteria.
Ser á o syslcma nervoso ?
Pelo que precede naluralmenle lemos chegado a esta conclus ã o ; mas se o
argumento por exclusã o é sem replica na maioria dos casos , elle perde de seu valor
« piando se procura penetrar o sanctuario onde sc occull ã o os mysteriös da organi -
sa çã o ; conscguintcmenle novos argumentos busquemos em apoio de nossa opini ã o .
N ós sabemos que a séde de uma moléstia é o lugar onde se manifesl ã o seus symp-
tomas essenciaes ou caraclerislicos ; ora , estes sendo, como diz o Dr. Broussais, os
grilos de d ó r do orgã o doente , seguc-sc que o sou conhecimento suppõc a exist ê n -
cia dos phenomenos morbides , mas estes n ã o sendo outra cousa mais «lo que mo-
difica ções «los phenomenos que lé m lugar no estado sã o , é claro que o estudo deste
deve preceder a outro qualquer, sem o que nunca chegaremos ao conhecimento da
.
verdade O numero , a variedade c natureza dos actos do syslcma nervoso lhes d ã o
incontestavelmente grande superioridade a todos os outros ; com efleito , é em seu
seio onde sc passa esta ac çã o molecular que produz o sentimento da nossa propria
exist ê ncia , onde tem lugar estas modifica ções malcriacs correspondentes ás varie-
.
dades do pensamento, das inclina ções , etc , etc.
A incita çã o que determina os motimcnlps volunt á rios, como a que produz os
movimentos org â nicos reconhecem a influencia nervosa ; a respira çã o , a circula -
çã o , a producçã O d’ urn certo gr á o de calor independente do meio em que vive o
animal , a absorpçã o , a transpira çã o , a exhala çã o pulmonar e cutanea , a nutriçã o,
os phenomenos de reprodu çã o , os phenomenos sympalicos, tudo tudo, fiualinehtc,
.
est á debaixo do impé rio da enerva çã o Pois que. os phenomenos inlcllecluacs , mo
rses ou instinclivos , sensitivos c motores form ã o o lodo das funeções do syslema
-
-
nervoso , segue se que a altera çã o destes phenomenos exprime uma modifica çã o
.
qualquer deste syslcma , por outra , « pie 6 esto syslcma a séde desta altera çã o Agora
vejamos de que natureza sã o os phenomenos que caracteriã o a hysteria .
( juando consultamos os autores a este
respeito , vemos que lodos elles d ã o a
2•
— —
12
prrda mais on menos complota « lo conhecimento , a perversã o no sentimento c
movimento , e a altera çao nas funeções tanto da vida do rela çã o , como da vida
orgâ nica , como phenomenon proprios da hysteria : alé m disto , todos fallflo nessa
bola mysteriös« que so eleva do hypogaslrio ao eslomago, e dalii ao peite » at ó a
.
garganta , produzindo a estrangula ç ao , etc Ora , todos estes phenomenos est ã o
inncgavclmento debaixo do dominio da inllncncia nervosa ; logo a allera ç ao qoc
os determinar deve existir no syslema nervoso ; porquanto , assim como nSo
podemos admillir gastrite sem estomago , nao concebemos tambem phenomenos
.
nervosos sem nervos Se « ] nal| .
( ucr que seja o orgao n (Teclado , o utero , o ligado

.
o ba ço , etc , lem lugar estas perturba ções nas funeções do syslcma nervoso , sc-
gue-se que a hysteria nao pôde 1er sua stide no especial de cada um destes org ã os
. exclusiv ameute ; enlao somos for çados atirar esta conclus ã o, que a né vrose que
nos occupa , tem sua s«;dc no syslema nervoso cm geral , dependendo de uma mo-
difica çã o cujo ponto de partida varia conforme os orgã os ou as partes deste syslema
sobre « jue actu ã o as causas inciladoras ; o que explica salisfacloriamente a varie -
dade desta affecç ao, já na manifesta ção c succcssao de seus symplomas , c já na
gra \ idade do seu prognostico.
Dado pois como verdadeiro o que fica dito , nada ha mais facil do que explicar
« • desenvolvimento dos phenomenos hyslcricos, qualquer que seja a causa c o ponto
sobre que ella obre : supponhamos que este seja o utero : n ós sabemos que os ner -
vos disseminados cm toda a economia estabelecem esta commtmica ç ao do todo .
« londc nasce a harmonia e esta cspecie de solidariedade, cm \ irlude das quaes ns
funeções tnarchao regular c uniformcmenlc para o mesmo fim , que é a conserva çã o
do indiv íduo; mas todos estes phenomenos se passando debaixo da infiiicncin nervosa ,
solicitada pelas impressões, segue-sc que os nervos sao os org ã os transmissores assim
destas como daquellas : ora , se o estado palhologico n ã o é sen ã o uma modifica çã o
do estado pbysiologico , temos que os nervos neste caso devem ainda preencher o
mesmo fim ; ent ã o suppondo uma altera çã o no utero capaz do produzir essa modi
fica çã o especial que d á Inga r aos phenomenos hyslcricos , os nervos desta parte
-
-
recebendo esta modifica çã o resentem se delia c transmiltcm-na ao plexo hypo
-
gá strico , dalii ella passa aos plexos sacros mcscntcricos c gá stricos , communica - sc
com o oitavo par, cnnseguinlemcnte com o ccrcbro, c p ôde ir alt; a medulla pelos
.
cord ões que ella envia aos orgã os abdoininacs , etc ; assim , á medida que se effec
tua *csla erradia ção, v ã o-sc desenvolvendo os phenomenos hyslcricos, de modo que
-
completaudo-sc o circulo destas cointnunica çõcs lem -se desenrolado o immcnso
|< uadro onde a hysteria apparecc revestida de mil cores .
Supponhamos agora que seja o ccrebro seu ponto de partida : ent ã o a pertur
ba çã o nas luucçõcs deste orgao precederá á quellas de lodos os outros que est ã o
-
.
debaixo da inducncia da sua csphcra do aclividadc O que acabamos de dizer lodo
o mundo facilmente couiprchcndc , mas estar á livre dc contesta ções ? Cremos que
Ia
nao : com efleilo, nos dons exemplos quo rcfoiimos so póde direr quo o t « ri brn
» « ndo sempre afl'cctadn cm um caso direcla , no oufro iiidiroctamcnlc ; conseguinte
monlo ó a sê do da liysioria : aom negarmos o facto, contestamos a consequ ê ncia ;
-
I * , porque a experiê ncia tem demonstrado a presen ça da hysteria sem perlurha çfio
nos actos cerebraes ; a" , porque muitas moléstias aflect ã o synipalliicamcnte o
corckro como uma gastrite, por exemplo, e entretanto ningu é m dirá que esta a ílcc-
çao tem sua sêdo naquellc orgao ; fmalmcnte , se allcndermos que nem todos os
org ã os gozao da mesma import â ncia , o que esta gradua çã o se d á nas diversas
parles do syslema nervoso , sem repugn â ncia admitlircmos a possibilidade do
desenvolvimento dos phenomenos bystcricos independcnlcmente do ccrebro Só .
um septicismo descomedido , que a philosophia n ãoadmillc , poderá oppó r-se á
.
saneçã o desta verdade Pois quo a hysteria tem sua sê de no syslema nervoso em
geral , resta mostrar agora se ella coinprehcndo os dons syslcmas ao mesmo tempo,
.
ou só menle um delles Sem nos fazer cargo de mostrar se o syslema nervoso
ganglionar é ou nao uma depend ê ncia do cncephalo - rachidiano, daremos uma idó a
geral da disposiçã o tanto d’ um como d outro , c das funeções que sao exclusivas
deste ou daquclle , ou communs a ambos dies no estado phisiologico ; depois fa -
remos o mesmo esludo debaixo do ponto de vista patbologico , c desta maneira
tocaremos o lim a que nos propomos.
Podemos representar os dous syslcmas divididos cada um em duas partes
muito dislinclas, uma irradiada, a outra central ; aquelia é representada pelos ner -
vos , e esta pelo cnccplialo e medulla no syslema nervoso da vida de rela çã o , e
pelos ganglios no da vida organica ; a porçã o irradiada do primeiro, depois de guar-
necer os org ã os dos senlidos, fô rma uma rede que involve o indiv íduo, para assim
dizer, por dentro c por fó ra , sendo destinada a receber as impressões assim exter -
nas como internas ; as quaes s ã o levadas ao centro da percepção por uma ordem
dc nervos dispostos cm cord ões pertencentes ao mesmo syslema , os quaes s ã o tam -
bé m o caminho da influencia nervosa que se diftunde em todo organismo , tanto para
os aclos volunt á rios, como para as funeções orgâ nicas : os nervos do syslema gan -
glionar sã o dc 1 res ordens , uns servem dc communicar os ganglios entro si , outros
-
anastomosando se com aqucllcs do dominio cnccphulico vao com elles alê os orgã os ;
os outros finatmenle v ã o directamcnlc se distribuir no interior dc lodos ou dc quasi
todos os org ã os : ora , segundo esta disposi çã o, vê- se já a depcndencia dos dous
syslcmas ; agora , sc atlcndcrmos que os cord ões nervosos deste ultimo se continua «»
com os nervos do primeiro, n ã o deixaremos dc considera - los també m como org ã os
ificilndorcs, quer dizer, quo as impressões que parlem da intimidade dos orgã os
antes de chegarem aos nervos cercbro-cspinhacs t ê m de atravessar aqucllcs e
- .
vice vcrsa
Por limitados que sejã o nossos conhecimentos physiologicos, quando contem
piamos o quo se passa cm n ós, sentimos que de certos phenomenos temos conscicn -
— — Ml
cia , c sobre os quaes a vont ado exerce todo seu imp é rio , tacs sao a » funeções dot
aentidos; que , ha uns que, sendo percebidos, sobro elles a vontade impera até certo
ponto, c outros cm fim de que nao temos consci ê ncia , como as secre ções ; cites sao
-
dodominio dosystema nervoso ganglionar; os primeiros do do enccphalo racbidiano,
c outros sao do dominio de ambos , o que est á en > harmonia com sua disposi çã o
anat ó mica. Isto, que tem lugar no estado pliysiolngico, sc manifesta d 'uni modo
espantoso no estado palhologico, c mesmo aqucllas fune ções que parcciao|>crtcncer
exclusivamenle ao dominio deste ou daqucllc, s ã o modificadas pela influencia m ó r-
bida de ambos : os factos que fall ão cm favor desta verdade sao bem conhecidos
do todos para que nos julguemos dispensados de apresenta los. Firmados em taes
-
bases, sem receio dc errar, avan ç amos que a hysteria tem sua séde sobre os dous
systemas nervosos.
§ 2.° Entendemos por natureza dc moléstia , o modo dc ser da parle doente ;
agora , sc isto se refere a essa perturba çã o particular na ac çü o intima dos orgaos ,
causa primaria dos phenomenos morbides , ent ã o devemos concordar em que se
nao conhece ainda a natureza das moléstias , porquanto sc n ós ainda n ã o sabemos
bem a textura intima dos nossos tecidos , maxime do syslema nervoso ; tambem
nao nos é dado conhecer sua acç ao intima ; conscguinlcmenlc qualquer altera çã o
neste sentido escapar á sempre a todos os nossos meios investigadores ; e a este res-
peito as luzes da anatomia palhologica nao lem podido atravessar o denso véo que
envolve, este myslcrio da organisa çã o. Sc poré m o modo de scr da parte doente se
refere simplesmente á sua organisa çao , ent ã o gra ças á anatomia palhologica , que
nos ensina a achar no mesmo org ã o as causas malcrinc 6 da perturba çã o de suas
fun ções ; mas ainda assim , cila n ã o merece da nossa parte tanta import â ncia
quanta desejá ramos dar-lhe , porque d’ um lado n ós sabemos que uma moléstia ,
desde seu principio at é seu termo funesto, passa por differentes gr á os , de modo
que deve perder seu caracter primitivo ; c quando vamos examinar as altera ções
que cila produzio , temos debaixo dos olhos , n ã o n natureza doente regida pelas
for ç as da vida , mas sim a natureza morta abandonada ás leis geraes da mat é ria ;
d’outro lado , quando procuramos conhecer os motivos dc tantos gritos de dor, que
o orgã o dera durante o curso dc uma moléstia , c para isto consultamos a anato -
mia palhologica , o silencio ó sua unica resposta : desgra çadamente é sempre o que
succé d é para com as n é vroses. Entretanto a priori n ã o podemos deixar de admit -
tir uma modifica çã o qualquer da porte do syslema nervoso , porque se n ã o conce -
bemos phenomenos funccionaes sem orgã os , conseguintemente n ã o podemos dar
molé stia sem perturba çã o nas disposi çãos organicas. Fazendo applica çã o deste prin
-
cipio no nosso caso , temos que a hysteria , residindo no cystoma nervoso , deve re -
conhecer por causa uma altera çã o qualquer que modifique este syslema : mas de
que natureza será esta altera çã o que determina phenomenos t ã o variados , pelos
quaes sc lem comparado esta n é vrose á s métamorphoses de l’roteo ou á s cores do
- 15 -
earaolefto ? N ã o snhomos : para o quo cm vao sc torn rocorrido It anatomia patholo -
gic!» cujo archote , ainda pouco luminoso , sc apaga de lodo quando com dl" I""
curamos dissipar ns trovas undo sc occultao tairez os phenomenos mais impor lau
tes dn orgnnisa çã o. Agora vejamos so esta modifica çã o será uma excita çã o, irrita çã o
ou inll anima çã o do syslcma nervoso. Sc altcndcrmos quo as irritações, as in 11a mm ar -
ções e perturba ções funccionacs dos orgãos , que s ã o ordinariamente os pontoa de
partida da hysteria, nem sempre determin ã o esta alllccçã o ; que mi! irrita ções physi -
cas , mortes ou m ó rbidas tem lugar no syslcma nervoso, sem que se desenvolva a hjstc -
ria , decerto quo n ã o poderemos dar a esta molcslia o caractcr irritatorioou infiamma -
orio ; á vista poré m dos phenomenos caraclerislicos da hysteria , que nos rcvcl ã o um
augmento do actividadc nasfuneções do systema nervoso, scr - nos- ha licito o duvidar
da exist ê ncia de uma excita çã o ? Cré mos que n ã o : mas de que natureza é esta ex-
.
cita çã o toda especial ? Nós a ignoramos É pois o quanto podemos dizer á cerca da
natureza da hysteria .
.
§ 5 ° As causas da hysteria s ã o prcdispoucnlcs e occasionnes , aqucllas s ã o to-
das as circumstancias debaixo do cuja influencia so desenvolve isto qne se cbauia
susccplibilidado , irritabilidade ou mobilidade dos autores; assim o sexo já por $ i s ó
é uma predisposiçã o ; portanto n ã o admira que a mulher seja mais sujeita a esta af -
fccçã o do que o homem ; c desgra ç adamente , alé m do predominar nella o tempe-
ramento nervoso , circumstancias diversas , existentes em di íTerenlcs épochas de
sua vida , influem poderosamente para o desenvolvimento deste fiagollo.
A mulher , collocada no centro da crca çã o , contempla as maravilhas da natu-
reza c a succcss ã o dos seres, admira a delicadeza de sua pelle, eo mimoso das formas
de seu corpo ; c embevecida á vista do panorama que se desenrola debaixo de seus
pés , deixa pender a cabeça sobre seu boiubro , c neste momento uma voz , que
tem origem cm seu cora çã o , vem ferir sua orelha ; « Tua vida ser á a vida do gé-
nero buinano : n ti c a li t ã o só mente pertence perpetuar a cspccic. » Ent ã o cila
experimenta sensa ções inefiaveis que annunci ão o Iriumpho dc uma nova vida .
Aqui seja - nos licito repetir as palavras dc Santa Thcrcza : • Durante a minha
vida só foi feliz quando mais sollri. »
Com effeilo , ó na época da puberdade que a hysteria apparcce com mais fre-
qu ê ncia ; entretanto se tem visto esta allecçã o coincidir com estas perturba ções que
annunci ã o a primeira menstrua çã o , assim na idade critica como em uma muito
mais avan ç ada ; por exemplo : Chambon refere no seu tratado das molé stias de
mulheres um facto de hysteria em uma sua parente quo contava S õ annos dc idade.
A virgindade lambem muito contribue para o desenvolvimento desta allecçã o ,

.
maxime quando a joven é dominada pelo vicio da nianslurba çio , ou quando perdi
• In t ui , i MpoNjiçi deathar mn marido , rendo quo ai flores , que vi ç osas de >.ihm
-
ch á r à o na primavera dc seus dias , v ã o sendo esmagadas uma por uma pela pesada
.
m ã o do tempo Tamb é m figur ã o como causas prcdispoucnlcs da hysteria as
alle «;
10
roes moraes frequentes , as contrariedades , os tormentos , as sensa ções forte» »le
calor on de frio , todas as bebidas e alimentos estimulantes , o uso quotidiano do
. .
ch á o do café , etc , etc ( i ) Alé m destas causas, os autores aponl ão a heredit á rio
dade també m como uma predisposiçã o ; ora , i > lo posto que n ã o esteja ainda veri -
ficado a respeito da hysteria , comludo n ós nao temos nom- uma repugn â ncia em
adeplar , porque , assim como herdamos a physionomia de nossos pais , seu caractcr,
seus costumes, e. mesmo sua inlelligcncia , lambem herdamos disposi ções para nas
mesmas circumstancias adquirirmos as moléstias dc < jue elles for ã o viel imas ; e nisto
lodos os autores est ã o concordes , pois nao é raro ver-sc filhos de pais phlhisicos , cs-
crophulosos morrerem das mesmas enfermidades ; por conseguinte , uma mulher < jue
tiver sido victima de ataques hystcricos repetidos c por muito tempo , vindo ater
filhos , estes podem herdar estas disposições , para nas mesmas circumstancias , e
mais facilmente, serem atacados da mesma moléstia ; o que ningu é m ter á duvida cm
admittir se se lembrar que muitas vezes as perturba ções determinadas por um ac-
cidente qualquer na economia durante a prenhez , se communicã o ao producto da
concep çã o .
A historia falia bem alio em favor do que avan ç amos ; ella nos conta que Maria
Stwarl , estando gravida de Jacques I , fora sorprendida por seu esposo , que com
alguns amigos entrá ra no seu gabinete no momenlo em que cila ia commctter um
crime ; ao retinido das espadas , ella estremece e cabe cm convulsões ; seu filho , que
reinou no throno de Inglaterra , durante toda sua vida , foi viclima de convulsões, e
por mais esfor ç os que fizesse , n ã o lhe # ra possivcl deixar de estremecer ao retinir
.
da espada , vibrada mesmo ao longe Al é m deste , outros muitos factos prov ã o o
poder da imagina çã o da mulher sobre o producto da concep çã o.
Quando a mulher já sc acha predisposta , seja pela educa çã o mal dirigida ,
seja por outras circumstancias que exaltem sua sensibilidade , como as pinturas vo -
luptuosas , scenas tocantes , o contacto de indiv í duos de outro sexo , etc , ent ã o .
uma contrariedade , a perda d’ um objecto querido , uma noticia triste ou mesmo
alegre , uma conversa çã o erotica , a impressã o de uma musica sombria e mystcrio -
.
sa , palhetica ou muito animada , etc , bast ã o para produzir os phenomenos hyste -
ricus ; entretanto as cansas occasionacs mais frequentes s ã o as affccçõcs moraes ,
.
vivas , como a cólera , o terror subito , o surpresa , etc : iiaturalmcnlc lembramo-
. .
nos dc alguns factos que vamos referir O Dr Vautré falia d’ um a joven de
17 annos , que era atacada de convulsões sempre que ouvia soar cinco horas ;
esta tinha sido a hora cm que seu pai havia morrido! (lolombal cita o facto d um
-
ex preparador de anatomia , na faculdade de medicina de Paris , que fò rn viclima
d’ um accesso hystcriformo , por ter encontrado inesperadamente o cortejo que
.
acompanhava ao paiihuio o celebre medico Castin També m n ã o nos devemos cs -
. . .
( I ) Uni protessor desta escola , o lllm Sr Dr Antonto Feliz Martins , em uma dc suas li ções »lo hygiene
. -
ifTlrmou uos| i uc 0 enté além, dc produalr perturba ções 110 systems nervoso, gora da propriedade aphrodlslaca
17

qucccr de quo ns lesões organicas on funccionacs cm geral sao ou ï ras tantas can
sas occasionaos ou determinantes da hysteria : assim Amiral refere a observa çã o de
uma mo ç a , que , cm conse| ( uencia d ' um tumor inkislado que trazia no seio , lor -
-
n à ra se hysterica , e do que ficou livre depois da opera çã o ; de todas as altera ções
organicas , aqucllas que as mais das vezes determin â o esta afl’ecç no sSo as do utero
e de suas dependencias , de modo que o esfor ço menstrual na época da puberdade ,
a suppressà o das regras , o seu corrimento difiicil , pletora uterina , a continê ncia
for ç ada , o abuso do coito , a manslurba çã o , c todas as circumstancias capazes de
produzir , dc entreter , ou de augmenlar a irrita çã o deste orgã o ou dos ov á rios, d ã o
lugar ao apparccimenlo da hysteria. Levado por estes factos , Andrai conclue que
a modifica çã o do syslcma nervoso , capaz de produzir estes phenomenos , pódc ser
determinada pelas lesões orgâ nicas , c quo de todos os orgá os è o utero o mais favo-
r á vel; entretanto , segundo o mesmo autor , nem sempre esta n évrose coexiste
com altera ções deste orgã o , o que ó confirmado pelas autopsias feitas em mulheres
mortas durante o acccsso. Entre as causas determinantes da hysteria , a imita çã o
occupa lugar mui dislinclo , o que é devido sem duvida á grande vivacidade de que
é dotada a imagina çã o da mulher. Zimmermann , fallando a este respeito , assim
-
se exprime : « N ão 6 fabula o dizcr sc que as cabeç as da maior parle das mulheres se
mud áo de casa logo que encontr ã o algum ponto inllammavcl em sua alma. » E
para provar a grande facilidade que ha nellas dc imitarem uma as outras , lembra
alguns factos : « Uma religiosa , pondo-sc mn dia a miar cm um convento muito
populoso , suas companheiras n ã o tardar ã o em imita la ; finalmente , correndo o
tempo , acoslum á rã o-se a miar cm cô ro todos os dias por espa ço de algumas horas ,
o que , incommodando aos habitantes da vizinhan ça , obrigou -os a queixarem -se á
policia , que fez saber a essas religiosas , por uma escolta postada á porta do conven -
to , que todas scri ã o a çoutadas nuas uma por uma , so n ã o deixassem dc miar : com
. -
e íTeilo cessou immcdialamcnlc a musica gatuna I )eclarou se entre as moç as de Milet
uma epidemia que as levava a so enforcarem em chusma : o mesmo aconteceu á s
mulheres dc Ly ã o , as quacs afogav ã o se dc parceria. » Cadran conta que , em um
claustro allcm ã o do século XV , uma religiosa leve a extravagancia dc morder a uma
dc suas irm ã as ; pouco tempo depois todas as freiras se espeda çav ã o á s dentadas :
-
a noticia desta raiva mulheril foi sc commuuicando de convento cm convento em
grande parle da Allcmanha : ao depois penetrou os conventos da llollnnda , e at é
.
em Roma as freiras se morderã o Andrai refere no seu curso de clinica a observa -
çã o d' uma jovenqueem um collcgio foi atacada de hysteria , logo depois todas as
collcgiacs furã o iscadas da mesma moléstia , pelo que se fechou o dito collcgio. Tu -
ret e Bayllc cil ã o um lacto an á logo que tivera lugar em um dia de primeira cum -
miinh ã o cm S. Roque .
-
§ 4 * As mulheres que sã o predispostas ou afiecladas dc hysteria , em geral ,
têm um caractcr que 6 o expressã o da volubilidade ou da obstina çã o a mais nota -
— 18

vel . sso caprichosas o irascíveis ; um nonadn as faz passar da mais viva alegria , dos
carinhos os mais affectnosos , para uma Iristcza profunda acompanhada dc suspi -
ros lagrimas , solu ços , queixumes amargos , ctn íim ellas experiment Ao ao ultimo
gr o um estado do anxiedado e de soIVrimcnlos ineflaveis , os quaes sao caracteris
^ -
ticos das eminenlemcntc nervosas. Non est morbus amis , sed poilus morborum co
hort : assim so exprime F. Kollmann fallando da hysteria. Com cfTeito os scus
-
symplomas sao , para assim dizer , a expressã o das altera ções de todas as fune ções
assim da vida dc rela ç ao , como das da vida organica. A perda do conhecimento
mais ou menos completa , algumas vezes uma grande actividndc revel ã o a allera -
ç ao das faculdades inlellecluaes. Pomme conta que uma joven dc 17 annos bor -
dava cxccllcntemcnte , c fazia bons versos durante o paroxysmo , o quo depois nSo
era capaz dc cumprir, llumauld a ílirma que outra , durante um acccsso hysterico ,
fizera uma predic çao que se rcalisou . O odio declarado contra individuos que lhe
s 3o caros , ou a manifesta çã o dc uma amizade terna para com pessoas desconhe-
cidas prov ã o altera çã o c perversã o nas faculdades a íFcctivas d’ uma hysterica. A
sensibilidade umas vezes é diminu í da c mesmo abolida , outras vezes , ao contrario ,
é exaltada ou pervertida ; assim se tem visto mulheres hystericas , cujo olphato , o
tacto , a audiçã o e a vista sc lorn ã o muito mais delicados durante o acccsso do
que crã o antes ; de modo que umas ouvem tudo quanto se diz mesmo cm voz bai
xa ; outras , segundo Raulin , cahem em syncope , qnando no mesmo comparti -
-
mento existe algum objecto que lhe inspira anlipathia , ainda que n ã o o vejã o , etc.
A perturba çã o nos movimentos é tambem muito not á vel , variando quanto á inten -
sidade do ataque : assim umas vezes limita -se nos musculos da face , outras tem
lagar nos membros , ora ó circurnscripta nos musculos do tronco , ora cm todo o
corpo. O estomago 6 doloroso , vomitos sobrevé m , os quaes , zombando de todos
os meios , muitas vezes vem a desapparccer subitamente ; nos argã os digestivos se
desenvolvem gazes que , deslcndcndo o ventre de maneira a simular a prenhez no
nono mez , sã o cxpcllidos pela boca c recto ; algumas vezes poré m o ventre se aba-
te tendo existido a lympanile , sem comludo haver a expuls ã o do gazes inodoros ,
o que nos leva a ndmiltir sua rcabsorp çã o. O cora çã o é sédc de palpita ções que si -
mul ã o uma molcslia organica , a respira çã o é perturbada sobrevindo dyspnéas ,
suflbca çoes , etc. ; as secre ções s ã o lambem alteradas , e dc todas a que merece mais
atlcn çSo é a da ourina , que ó tenue o clara como agua da fonte.
Do todos os phenomenos o mais particular desta allec çã o é 0 globo hysteri -
co , cuja sensa çã o, assemelhando-se iiquclla ( pie produziria uma csphcra movida no
abdomen , sc remonta d’a hi at ó a garganta ; seu ponto de partida p ódc ser o hy-
pogastrio , 0 epigastrio , ou outra qualquer parte do abdomen ; no ventre tem lugar
verdadeiras conlracçõcs ondulat ó rias dos musculos abdominacs ; no thorax , alé m
da conslricçã o desta parle , a doente experimenta um sentimento de oppress ã o se -
melhante /iquclle que produziria uma barra do ferro collocada sobre o estomago :
— — 19
c*le sentimento ó acompanhado do difliculdade na respira çã o , e mesmo du mi fl o -
ca çã o ; no pescoç o tem lugar a eslrangulo ç&o : nestas circumslancías , a face é ani -
mada , rubra , iujectadn c vultuosa , se movem os membros com for ç a e violê ncia ,
executando grandes movimentos de cxlens ã o e flex ã o , os m ú sculos toro ã o-sc rijos,
e se rciaxão depois ; í f nalmente a doente rasga seus vestidos , arranca seus ca
- . .
bcllos , contunde seu corpo , debate se cm seu leito , etc , etc Todos estes symp -
.
tomas tao variados s ã o not á veis pela sua marcha e inconst â ncia Ordinariamente
depois do ataque a doente readquire sua saude sem restar-lhe nem - um soflrimento,
e sómente um estado de abatimento e fadiga indefin íveis , maxime quando o ata -
que tem sido violento ; casos ha poré m cm que persistem certos incommodos que
.
durfio muito tempo Andral refere o facto d’ uma joven que era atormentada de
eructa çõcs afadigosas durante mezes inteiros sem cessar um só instante ; que cm
uma outra o cora çã o era a sédo de dures nervosas tamb é m muito duradouros , etc.
Agora vejamos o que se passa durante um ataque hystcrico, c ainda uma vez dei-
.
xemos lallar o autor a quem nos referimos (o Dr Andral ) : t Ainda que o acccsso
hystcrico se declare algumas vezes subitamente sem nem-um phenomeno percur -
sor , na maioria dos casos elle é annunciado , minutos , horas c mesmo um ou dous
dias antes , por uma perturba çã o da economia , um sentimento incommodo inde-
(inivel , o langor , a agita çã o , etc. ; tudo isto é acompanhado de bocejos , pandicu -
la ções , calor para a face , frio nas extremidades , palpita ções , suspiros , solu ç os
lagrimas , etc. » Os accidentes que constituem um ataque de hysteria vari ã o quanto
á natureza , intensidade e extens ã o ; geralmenlc admilte-se 1res gr á os na sua
succcssã o , os quaes sã o os seguintes : No primeiro , que é o mais fraco , tem lu-
gar os bocejos , pandicula çõcs , choros ou risos sem motivos , movimento convul -
sivo na face ; um pouco mais tarde a respira çã o lorna -se di ílicil , o ventre se entu -
mece , os movimentos torn ã o-sc autom á ticos , a intelligencia se enfraquece , as
id éas se desarranj ã o , e ao mesmo tempo apparecc a sensa çã o do globo hystcrico.
Este estado, que p ó dc durar muitos minutos , e mesmo horas , algumas vezes termi -
na o acccsso depois d’ um copioso suor ou d’ um corrimento abundante dc lagri -
mas ou de ourinas ; outras vezes , ao contrario , estes accidentes s ã o , para assim
.
dizer , o preludio dos novos phenomenos que irã o constituir o segundo gr á o Neste
a sensa çã o do globo hystcrico é mais forte , a face c o pescoço se entumecem , a
respira çã o torna - se cada vez mais di ílicil , sendo brusca ou interrompida , ou por
inspira ções longas c profundas , gritos penetrantes c mui caractcrislicos se fazem
ouvir , a doente cabe umas vezes sem sentidos ; outras vezes , n ã o podendo sómcnlc
lallar , ouve c vé tudo quanto so passa cm roda dc si , o que conta com toda a
cxac çã o depois do acccsso ; sobrevé m movimentos convulsivos geraes ou parciaes ,
consistindo cm conlorsões violentas c irregulares , bruscas c en é rgicas , e tao en é r -
gicas , que di ílicilmcnlc a for ç a de muitas pessoas robustas p ódc conter a doente O.
terceiro gr á o apresenta os mesmossymptomas , por é m cm exagera çã o ; assim a perda
3*
— — 20
do conhecimento p ôde ser completa , uma paralysie mais ou menos extensa pódc so.
brevir , e dcsappareccr algum tempo depois do ataque, a respira çã o pôde cessar , a
circula çã o parar , o suspcndendo-sc todas as funeções a doente licar immovel e in-
scusivcl sem dar o menor signal devida , o que mais d’uma vez tem illudido a
muitos pr á ticos , tomando como real este estado de morte apparente ; por exem -
pio : A. Parôo conta que um celebro anatomico (Vesale ) sendo chamado para fazer a
autopsia no cadaver de uma mulher que se dizia 1er morrido d’ uma suflbca çã o do
utero , pasm á ra ao ver que depois do segundo golpe de escalpelo o corpo princi-
piára a mover-se e dar signacs de vida. Por esto facto , Vesale, chamado á cò rtc de
llcspanha por Carlos V , fora condcmnado pela Santa Inquisição a uma pena in -
famante a qual depois fò ra commutada por Filippc II em peregrina çã o pela Ter -
ra -Santa.
^
L ò-sc nos jornncs dos sá bios de 1740 a observa ção de Lady Russell , que , du -
rante oito dias , n ã o dera signacs de vida ; como seu corpo n ã o exhalasse m ã o chei -
ro , seu marido , que conlinuamenlc banhava de lagrimas essa m ã o fria que elle
tanto prezava , sc oppôz ao enterramento do corpo de sua mulher ; no oitavo dia ,
o cauipanario d’ uma igreja vizinha , volvendo -sc em seus eixos , resliluio a vida a
Lady Russell , que , reganhando sua saude , ainda viveu muito tempo para satisfa-
çã o de seu bom esposo c melhor amigo. Escusado é dizer que a diminuiçã o , quanto
ao numero c intensidade destes phenomenos , anuuncia a termina çã o do accesso ;
sc se interroga a doente a este respeito , cila responde sem quasi nunca en -
ganar se.
- »

A volta dos ataques hyslericos cm inlcrvallos irregulares na maioria dos ca -


sos coincide com a época da menstrua çã o ; muitas vezes , ao contrario , tem lu -
gar depois deste periodo. A dura çã o desta nevrose é lambem variavel ; é raro que
cila persista alé m dos quarenta annos. Quando a hysteria leni durado muito tempo,
determina frequentemente moléstias do cora çã o , do abdomen e peito , e augmenta
a tal ponto a irritabilidade do system » nervoso , que as causas as mais ligeiras pro -
duzem movimentos de impaciê ncia c palpita ções do cora çã o t ã o fortes, que algu-
mas vezes sã o acompanhadas de syncope. A morte raras vezes é a consequ ê ncia
desta a ílcc çã o , oquesô tem lugar quando as lesões organicas, a que a hysteria tem
dado nascimento , deteriorando a economia , por si s ós bast ã o para determinar a
morte .
g 5.° Em geral , o diagnostico da hysteria ó fá cil ; mas como cila ,
além dos pontos de contacto que tem com a hypocondria , epilepsia , etc , .
coincide muitas vezes com estas aflccções , julgamos indispensá vel 0 estudo do
diagnostico differencial. E foi sem duvida esta circumslancia que levou Sydenham a
confundir a hysteria com a hypocondria , accrcscendo a isto que o thealro onde
elle fez suas observa ções foi mui propicio ao seu erro : com efleito todo o mundo
•abc quanto 6 frequente na Inglaterra a hypocondria , conhecida com 0 nome do
. — - 21
phvm Alu a hysteria nuuca ou quasi mmen apparece no sou oslado do simplicid .
de ; é sempre mascarada do phenomonos liypocondriacos : porlanlo doaculp a mo
.
reco o encano cm que cahio aquello celebre cscriptor A liypocondria , sondo quasi
exclusiva do homem , so declara ordinariamente em uma idade avan ç ada , cnlrctsii
to que a hysteria , nao sóé mais frequente na mulher , comoapparccc mesmo auto -
da é poca da puberdade ; declarando -se algumas vezes subitamente c sempre por ac-
cesses , determina perturba ções em todas as fuucçõcs , as quaes tom ã o seu rythmo
natural logo que cessa o ataque : a hypocondria , principiando lenta c gradualmcn -
tc, é continua ; apresentando apenas ligeiras remissões, produz desarranjos nas fanc -
ções digestivas c uma certa perturba çSo nas id éas, donde nascem as differentes espe-
cies de monomanias , das quaos a mais frequente na Inglaterra be o tedium vita ou o
splceui ; alé m disto , na hypocondria nunca se manifesto contorsões espasm ódi-
cas e convulsivas , e muito menos os choros , risos , suspiros , desprendimento de
.
gazes , etc , que annunci ã o muitas vezes o termo d’ um ataque hyslerico A epi -.
lepsia diffè re da hysteria debaixo de muitas rela ções assaz sensí veis : assim perda
subita de conhecimento e sentimento , suspensã o completa do exerc ício dos senti -
dos , lace rubra , l í vida ou violacia , espuma na boca cobrindo os l á bios, pulso forte,
respira çã o acompanhada de uni stcrlô r medonho , olhos torcidos e convulsos , em -
baciados c salientes , pupillas dilatadas , l á bios entumecidos c disformes , uma
especio de vapor que principia ordinariamente por um dedo ou um artelho , consti
luindo isto que se chama aura epilé ptica ; taes sao os symplomas desta affecçã i ,
aos quaes sc unem movimentos convulsivos , que affeclSo parlicularmcnle os m ú s-
culos do tronco cface , sendo mais pronunciados d’ urn lado do que d outro , sem
nunca 1er lugar o sentimento de cslrangula çü o c a sensa çã o do globo hyslerico. \ a ,

catalepsia , os olhos sao abertos c fixos , os membros rijos c immovcis , conservando


a posi çã o cm que se acbavao antes do ataque ; mas quando este nao é muito inten -
so , os membros sao flexiveis , e neste caso ainda conserv ã o qualquer posiçã o
.
que se lhes dè A syncope diffé ré da hysteria pela cessa ção completa dos batimen -
tos do cora çã o , pallidcz do rosto , frio glacial dos membros , ausê ncia dos movi-
mentos convulsivos , c pela curta dura ç ao do ntaque , que , sendo muito prolongado ,
.
a morte será sua consequ ê ncia. A plenitude do pulso, a paralysia , a tortura oris elc , .
distinguem a apoplexia da lijstcria .
Vindo n ós de tratar do diagnostico differencial da moléstia que nos occupa ,
julgamos nao ser fóra de proposito darmos alguns preceitos a observar no caso de
simula çã o, nao só para evitarmos o rid ículo, como para nao sermos causa de gra
ves inales sendo a hysteria verdadeira .
Moç as ha que , com o lim de obterem de seus pais o consentimento para uma
uni ã o a que elles se oppocin , tem a habilidade do simular esta aflecç& o ; c o mais
insupportavel é que muitas senhoras casadas , pela menor contrariedade em algum
dos seus muitos o variados desejos, sc entregao a movimentos convulsivos , fatem
— — 22
trcgeilos o caretas tic loda u espccic , chor ã o , jç riUo , arranc ã o seus cahellos , de * •
-
ut é fazer se lhes sua santa vonlude ; destas, algumas s ã o t ã o avisadas, que n ã o fallã o
para n ã o responderem á s quest ões que se lhes enderessa ; outras , pelo contrario,
.
lullando, dizem que o n ã o podem fazer Nós tivemos occasi ã o de observar uma se -
nhora que só lallava para queixar -se amargamente de seu marido, aliá s bom homem.
Quando o nosso espirito nutra duvidas sobre a realidade da moléstia , sahiremos do
embara ço com toda a dignidade, informando- nos primeiramente das pessoas com
quem se acha a doente , se cila tem ou n ã o interesse em simular este estado ; depois
procuraremos p ô - la em conlradicçã o comsigo mesma , perguntando - lhe se experi-
menta incommodos que n ã o corresponderem aos symplomas observados, ou que
fô rem incompat í veis com aquelles proprios da moléstia ; tendo sempre em alten çã o
isto, que as vcrdadciramenle hystcricas pedem sem cessar rem é dios que as tirem
.
deste estado, o contrario tem lugar no caso de simula çã o Desta maneira chegare-
mos, n ã o sem difliculdade, a descobrir a verdade.
Releva por é m observar que nunca devemos dar a perceber á mulher que n ós
duvidamos da realidade dos seus soílrimentos, porque no caso dc serem verdadei
ros, nossa conducta aflligindo a doente , seu estado tornar-se- ha mais grave ; e mesmo
-
quando seja reconhecido o fingimento, o medico devendo ser assaz delicado, maxime
para com o hello sexo , e isto por tantos tilulos , presentes os circumstantes nunca
t á r á cahir a seus p és a mascara da hypocrisia de uma mulher que muitas vezes
espera dcllc como do melhor amigo o promplo soccorro para obter um fim que
p óde ser justo, a que entretanto um pai desarrazoado c tyranno ou um marido
estonteado se opponha. Ent ã o o medico procurará saber da doente imaginaria o
justo motivo de seus males, o que lhe n ã o ser á diflicil , captando sua conlian ç a ;
desta maneira , seus conselhos, sendo o remédio mais salutar, restituiráõ o socego e
a Iranquillidadc no seio das familias.
§ G.° Todos os autores consider ã o a hysteria como mais espantosa do que
perigosa. Vera hysterica passio ut vaille dira ct terribdis videatur, diz llo ü mann , in
.
se non adeo periculosa est Riviè re assim se exprime : Jiaro hic a / fectus inter ficit
agrotantes. Senmert diz : Malum i/ uid an plcrumque feminis letliale non est , ipsis
.
tarnen ct domesticis raldc molest um , ct terroris plenum est Em outro lugar o mesmo
autor accrcsccnta : Aliquando tarnen , superveniente syncope , aut graviùus convulsioni
bus , aut calore nativo extinclo , agra; ct vita tolluntur . Em geral , quando a molés-
-
tia é recente , do accessos curtos e separados por longos inlervallos , restabclccen -
do-sc nestes o cxercicio das fune ções ; a causa tendo obrado de uma maneira
inslantanca , é susceplivcl de ser removida , c a mulher sendo moça é pouco irrit á -
vel , póde-so quasi com certeza esperar a cessa çã o definitiva da hysteria , sendo
cuidadosanuntc combatida. Sc, pelo contrario, a mulher fò r idosa ou mesmo moça ,
poré m d uma constituiçã o fraca c nimiamente irrit á vel ; se os accessos fô rem
fre-
quentes c de longa dura çã o, acompanhados de symplomas violentos
c aterradores
— —
23
como phenomcnos «U», epylopsia , do. calalcpsia , clc. ; se a hysteria fó r antiga
coexistindo com lesões organicas do utero , ov á rios , etc. , ent ã o o tratamento ser á
,

assaz longo e a cura duvidosa : entretanto nunca devemos desesperar de obl é la . -


Finalmente, o prognostico da hysteria está subordinado A gravidade das suas com
plica çõcs , a todas as circuinstaucias individnacs c A natureza das causas , debaixo
de cuja influencia cila desenvolver-se p ódc.
£ 7. Combater o accosso e prevenido , eis as duas indica ções que oflcrccc
®

ao pratico a therapeutics da hysteria : una in paroxismo , altera extra paroxismum .


assim se exprimem Senmert c Rivière. Procurando-se diminuir 0 quanto ser
possa a tor ça 0 dura çã o do acccsso ; remover as causas c combater seus efleitos,
assim ser ã o satisfeitas estas duas indica ções.
No primeiro caso , o medico fará soltar todas as ligas que di ílicultar possã o
a respira çã o e circula çã o da doente, deitada em um leito largo, de maneira que a
cabeç a fique mais elevada quo o tronco c os membros inferiores ; conservará nu
compartimento sómente aquellas pessoas que fô rem indispens á veis para servi - lo e
conter a doente , nunca pcrmillindo que se opponhao fortes resist ê ncias aos seus
movimentos afim de evitar o abatimento c fadiga , consequ ê ncia necessá ria dos
esfor ços que cila fará para vencer estas resist ê ncias. Finalmcnle, o lugar onde se
tiver do prestar estes cuidados deve ser espa çoso para que a doente tenha de res -
pirar um ar livre c o mais puro possí vel. Depois o medico procurar á combater o
acccsso ; para isto muitos sao os meios que elle tem á sua disposiçã o , os cheiros
fortes c penetrantes como os do ether , acido acé tico , amouiaco liquido ; os vapo-
res fé tidos do certas substancias lan çadas sobre brasas , como pennas , couro velho,
.
laa , etc ; a agua fria projectada sobre o rosto , um aballo ao leito ou ura estrondo
repentino ( 1 ) , muitas vezes bastao para fazer cessar o ataque hyslcrico. Colomba!
aconselha a applica çao d’ agua da Colonia ou de vinagre dcluido na agua pura ,
sobre as t ê mporas c fronte , uma colher d’ agua fria com addiçã o de duas ou 1res
-
gotas de amoniaco liquido , os clysteres c as poções ante cspasinodicas basta»
quando o acccsso é ligeiro , sendo poré m violento c acompanhado de slhenia , a
sangria do bra ço ou do pé tem todo o lugar ; no contrario, seguido de asthenia nao
deve-se exilar no emprego dos revulsivos ; n ã o havendo poré m predom í nio de nem um
d’estes estados, o reclamo dos antc-espasmodicos é urgente , podendo-se combina -
los com a mcdica çü o aslhenica dirccia ou indirecla. Os narcó ticos lambem figurã o
n’esto immense* arrcnal iheropeutico : Bichat diz 1er curado 1 res jovens hyslericas
.
.
por meio da injecçã o na vagina , de 100 a i 5o gotas de laudano A segunda indica -
çã o , dissemos , consiste cm remover as causas 0 combater seus efleitos ; para isto ,
proccitos hygienicos c pliarmacculicos sao necessá rios , os quaes tra çaremos en »

-
( < ) A proposllo vem nos naluralmcnlo à lembrança a pratica brutal d 'alpins habitadores dos nosso
«vl ões , que combalcrn 0 febre Intermittente no per í odo nervoso com tiros disparados ou na vlilnhança
.
da habita çã o do doente , ou mesmo dcbalso de seu leito de ddr
- 24-
. -
breve quadro Os nntc-cspnsmodicos , ante flogisticos , revulsivos c tonicoi : tae >
sao os meios dc que o pratico pódc lançar mao para combater a hysteria , cujo
emprego osl á subordinado á muitas c variadas circumstancias ; assim se esta aflec -
- -
çfo coexistir com a amcnorrhea , empregar se hao os anle -ílogislicos ou os lonicos .
conforme a mulher for fraca natural ou accidentalmcnle c d ’ uni temperamento
Lvmphotico , ou d’uma constitui çã o forte e temperamento sanguinco , etc. ; o
- .
mesmo deve se entender para as outras lesões organicas ou funccionaes quer aejao
causas , elicit os ou complica ções , servindo sempre de guia as circumstancias indi-
viduacs , variaveis ao infinito. Os narcó ticos lambem n ã o devem ser esquecidos :
Cb. Coindct teve a temeridade de injectar nas veias d uma hysterica uma prepara -
ção dc opio, mas o successo obtido foi passageiro. O acido hydrocianico medicinal
na dose d’ uma a duas gotas cm uma on ç a d'agua tem produzido optimos resul -
tados, segundo o testemunho dc Colombal.
Muitos autores npont ã o o casamento como um meio, por cxccllencia , capaz
de curar a hysteria , por observarem que as funeções do utero se regularisflo depois
deste acto , desapparccendo conjunctamcntc os ataques hystcricos que tinh ã o lugar
antes dellc : mas n ã o vemos n õs todos os dias mulheres casadas hyslcricas ? N ã o é
ella t ã o frequente nas prostitutos ? N ã o se tem visto apparccercm uma idade avan -
ç ada , quando o utero , lendo perdido todos os seus direitos , j á n ã o exerce nem -
uma influencia sobre a economia ? Outros autores entretanto (c s ã o os que
d ã o a side da hysteria no ccrcbro ) n ã o esper ã o do casamento um successo t ã o feliz ,
maxime quando , alé m d’ uni so íTrimenlo habitual , que atormenta este orgã o , a
mulher tem um temperamento nervoso c exaltado ; na verdade , em taes circums-
tancias , uma excita çã o para o utero , reagindo sobre o ccrcbro já irritado , obrar á
da mesma maneira que o terror , o susto , a sorpresa , as paix ões , etc. ; c a copula
n ã o será um excitante do apparelho da gera çã o ? E se o utero estiver lesado em suas
propriedades organicas ou funccionaes , n ã o redobrar á de intensidade a excita çã o
Sympathien sobre o systcma nervoso ? O que devemos esperar , sobrecarregando
nosso cstomrgo já in ílammado dc alimentos c bebidas estimulantes ? Depois , n ã o é
o abuso nos prazeres ven é reos que determina a nymphomania , esta excita çã o in
fernal , que leva o doente á sepultura ? N ã o se tem visto (como aflirma Colombal )
-
desenvolvcr-sc phenomenos nervosos de toda a cspecio , e mesmo accessos hysteri-
cos durante o orgasmo voluptuoso que tom lugar na copula ?
Se o medico n ã o deve contentar - se sòmcnte em contemplar o presente , mus
lambem procurar prevenir o futuro quanto ser possa , segue-so que cllo nunca de-
verá combater um mal com aquillo que para o diante venha a produzir o mesmo
ou males maiores. Ora , o casamento produzir á sempre esse doce balsamo que ali -
ment ã o dons cora ções amantes , que uno duas almas extremosas , ambas iguacs nos
prazeres c nas d ô ros ? Produzirá sempre essa felicidado que os mesmos anjos inve-
jao ? Cremos que n ã o ; porquanto d’ um lado , a corrupçã o do século , tudo pro -
— — 25
phanando , faz com qno ricos cabcdaes c a realisa çá o do desejo ardente de achar
um marido , sej ã o muitas vezes as ú nicas bases deslc contracto , o qual é de mai* a
niais sanctificado ante o altar c á lace do céo e da terra ! Oh ! meu Dcos ! que o
homem , fascinado pelo interesse , at é no crime procure ser feliz ! Que a mulher,
obra prima da natureza , mimoso lhesouro de delicias incxgotavel , linda fl ô r cujo
aroma vivifica o mundo , sumindo em raro véo pudor , vergonha , tudo íinalmenle ,
se arroje no abysmo , onde acabrunhada , ralada e cspcsinbada , definha c morre !
E porque ?,.. De outro lado , quando o casamento é obra do cora çã o procurada
pelo amor , cm seus resultados nem sempre corresponde á sua feliz concep çã o , o
,

que depende do muitas e variadas circunislancias , dc todos niais ou menos conhe -


cidas* Ent ão poderemos considera-lo ainda , como dc todos os calmantes, o calman -
te mais poderoso para curar um ccrebro escaldado ou uma imagina çã o afogueada ?
Nao ser á um casamento desgra çado , causa dc muitos males ? E sc elle tiver sido
contrahido debaixo dc vistas bygicnicas , nao abrir á de novo c facilmente a ferida
que a principio parecia tcr-sc cicatrisado ? Cremos que isto é evidente. Finalmente
o nosso espirito ainda vacilla quando vemos que Colombat , celebre medico c famo -
so clinico , dcclarando-sc contra a pratica immoral dos antigos, no tratamento da
hysteria n ü o falia do casamento. Entretanto preciso é que sc nosentend ã o : com o
nosso arrazoado nao temos a louca preten çao de nos oppô r a este estado , sem du -
vida o mais conforme á felicidade , ao bem estar e á sande do homem ; n ã o , certa-
meute , porque acreditamos com Vircy que a virgindade , nas nossas instituições
civis , é uma violê ncia contra as impulsões naluracs , de modo que os males que re-
sultao dos desejos violentos suscitados nos cora ções das jovens por causados costu -
mes actuacs da sociedade , só o casamentopó dc cura -los quando o desenvolvimento
completo c a perfcctibilidadc do organismo o perm it tem : conseguintemente o ca -
samento para unia mulher d’ uni ccrebro irrit á vel , d' uma susceplibilidadc nervosa ,
extrema , c d’ uma sensibilidade uterina , cxquisila , será o mais forte paradeiro, dc
todos os meios hygienicos o mais poderoso , a opp ô r se contra o desenvolvimento
dos phenomenos hystericos. Mas , do nosso enunciado , també m resulta que , o
n ã o complemento ou impcrfcctibilidadc do organismo , so opp õc á consumma çã o
d’este acto ; assim os vicio# dc conforma çã o dos orgaos scxuaes ou da bacia , a
idade mui tenra c certas moléstias heredit á rias ou adqueridas, persistindo at é a é po -
ca da puberdade ou depois d’este pci iodo , sao outras tantas circunislancias que
contra indic ã oo casamento ; ora , a hysteria , como acrcdilao muitos autores , pòde
ser heriditaria ; c scella continuar depois da puberdade , nao ser á dc certo do ca
samento que devemos esperar sua cura ( i ) : depois , todos os autores considcrao a
-
epilepsia como um motivo dc opposiç ao ao casamento , o n ós bem sabemos com quo
facilidade a hysteria sc reveste do caracter é pileptiforme ; Íinalmenle , quando esta
(«) out ftrnilnis quum men*« eruprrliit lis , ronseneserre . .
roiuurirruiil ( Hlppocralt* $<*i ill
•ph. Mj
4
— — 20
ailecçao fò r entretida por moléstias do utero ou ov á rios , on por uma irritabilidade
habitual do cerebro , acompanhada de certas aflecçõea , como do cora çao , etc. ;
acreditamos que o casamento , longe do cura -la , nao far á mais do que aggravar to -
dos estes incommodes , pondo cm risco os dias da doente. Aqui terminamos nossa
tarefa coin estas proposi ções , naturalmcntc deduzidas do nosso trabalho.
.
1 * A historia da hysteria conta épocas nos tempos antigos , mas ó á sua fre -
quê ncia cm datas posteriores que a pathologia deve os avan ços do estudo desta
moléstia .
.2 * O sexo n ã o é um privilegio que a hysteria respeite ; todavia , como as
crian ças para os vermes , é a mulher viclima predilccta delia .
3.* O temperamento nervoso e o calor das paix&os sã o seios fecundos onde
se gera a hysteria .
.k * A hysteria acerta todas as idades , mas é a puberdade seu alvo mais
exposto .
.5 * O bolo hystcrico revela a hysteria como a sombra o corpo que intercepta
os raios luminosos.
.0 * Como outro Protheo da fabula , a hysteria mais espanta do que deve
aterrar no maravilhoso de sua express ã o.
.7 * Contra a opini ã o dc quasi todos os autores, os systcmas nervosos das duas
vidas se idcntific ã o quando so attenta a séde da hysteria ; do utero ou do cerebro
irradia -se o seu desenvolvimento , mas qualquer outro ponto pó dc ser o fó co pri-
mitivo.
.8 * Pelo seu predicado de n é vrose, a hysteria acha -se affecta á uma modifica -
çã o toda especial do systcma nervoso ; lesões organicas, maxime as do utero , podem
determina -la.
-
9.* Casai vos para nao arder , c tereis opposto á hysteria o meio preventivo o
mais poderoso .
.
10 * A hysteria aninha-se dc preferencia nas cortes e nas cidades ; no entanto
ella nao tem patria exclusiva , pousa muitas vezes no campo c na solid ã o .

Antes de depor a pcnna , seja- nos licito darmos uma pequena prova de
,
reconhecimento , agradecendo ao lll. n ° Sr. Dr. Francisco Julio Xavier o obséquio
que nos fez em aceitar a presid ê ncia dc nossa these .
BMMSBAtlB APRORÏSIWS.
ooo'

1.

Vila brevis , ars longa , occasio preccps , experientia iallax , judicium diflicile .
Nee solum se ipsum oportet præstarjopportuna lacicntcm , sed et ægrum et assidentes
et exteriora . — .
Sect i * , Aph. i °
II.
.
Cum initio et fine morborum , omnia imbecilliora , circa vigorem omnia
fortiora .—
Sect 2 * , Aph 5o. . .
III.
His qu æ ex ratione levant , confidcre non oportet , neque admod ù m formidarc

sont , n ée perscverarc , et diuti ùs durarc consueverunt .

IV .

mala qu æ prœ tcr ralionem eveniunt : plurima enim horum inslabilia et infirma
Sect . 2 * , Aph. 27.

Menstruis abundantibus , morbi eveniunt , et subsistenlibus , accidunt ab


utero morbi

. Sect 5* , Aph 5 y .
V.
. .
Mulieri hysterics aut di íTicultcr paricnli slernutamentum superveniens bo -
num . — .
Sect 5* , Aph 55 . VI
.
.
Si muliebri pro fluvio , convulsio et animi dcfectus superveniant , malo
.
est
— .
Sect 5* , Aph. 56.

. . .
Rio de Janeiro Typ lup e Con I dr J .. . VILLENEUVE eC., ma doOavidor « . 65.
«

Esta These est á conforme os Estatutos. Rio de Janeiro , 1 8 de novembro


de 1844 -
Dr. Francisco Julio Xavier .

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