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A Filosofia
de Descartes
Os Evangelhos·
Apócrífos
a Importância
do Trabalho
UrnCentro
de Estudos .
_Filosóficos . .
para ~ern busca
. viver filosoficamente,
. ~ .
.CURSOS CONFERENCIA.S
CICLOS CULTURAIS CON
CE·RTOS BIBLIOTECA FIL
MESEXPOSIÇOESCORAL
Rua Leôncio de Carvalho, 99 - Paraíso
São Paulo - SP- Fone: 288-7356
EDITORIAL
-INDICE-
A Filosofia da Descartes O Anel do Nibelungo, de Wagner (4' Parte)
- A. Vergez e D. Huisman 2 - Emílio Moufarrige Jr. 24
As Escolas Filosóficas da India (2' Parte) Os Evangelhos Apócrifos
- Lia Diskin
As Três Transformações
8 - David Cohen
Os Instrumentos de Arco (2' Parte)
...,
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2 THOT
FILOSOFIA
espírito humano (qualquer que seja a di- "Os Princípios de Filosofia", dedicado à
versidade dos objetos da pesquisa) deve princesa palatina Elizabeth, de quem ele é,
permitir a invenção de um método univer- em certo sentido, o diretor de consciência
sal. Em seguida, Descartes prepara uma e com quem troca importante correspon-
obra de física, o "Tratado do Mundo", a dência. Em 1644, por ocasião da rápida
cuja publicação ele renuncia visto que em viagem a Paris, Descartes encontra o em-
1633 tomá. conhecimento da condenação baixador da França junto à corte sueca,
de Galileu. É certo que ele nada tem a te- Chanut, que o põe em contato com a rai-
mer da Inquisição. Entre 1629 e 1649, ele nha Cristina.
vive na Holanda, país protestante. Mas Esta última chama Descartes para junto
Descartes, de um lado é católico sincero de si. Após muitas tergiversações, o fi-
(embora pouco devoto), de outro, ele an- lósofo, nao antes de encarregar seu editor
tes de tudo quer fugir às querelas e preser- de imprimir, para antes do outono, seu
var a própria paz. "Tratado das Paixões" - embarca para
Finalmente, em 1637, ele se decide a pu- Amsterdam e chega a Estocolmo em outu-
blicar três pequenos resumos de sua obra bro de 1649. É ao surgir da aurora (5 da
científica: "A Dioptrica", "Os Meteoros" e manhãl) que ele dá lições de filosofia car-
"A Geometria". Esses resumos, que quase tesiana à sua real discípula. Descartes, que
não são lidos atualmente, são acompanha- sofre atrozmente com o frio, logo se arre-
dos por um prefácio e esse prefácio foi que pende, ele que "nasceu nos jardins da
se tornou famoso: é o "Discurso sobre o Touraine", de ter vindo "viver no país dos
Método". Ele faz ver que o seu método, ursos, entre rochedos e geleiras". Mas é
inspirado nas matemáticas, é capaz de pro- demasiado tarde. Contrai uma pneumonia
var rigorosamente a existência de Deus e o e se recusa a ingerir as drogas dos charla-
primado da alma sobre o corpo. Desse tães e a sofrer sangrias sistemáticas ("Pou-
modo, ele quer preparar os espíritos para; pai o sangue francês, senhores"), mor-
um dia, aceitarem todas as conseqüências rendo a 9 de fevereiro de 1650. Seu ataúde,
do método - inclusive o movimento da alguns anos mais tarde, será transportado
Terra em torno do Sol! Isto não quer dizer para a França. Luís XIV proibirá os fune-
que a metafísica seja, para Descartes, um rais solenes e o elogio público do defunto:
simples acessório. Muito pelo contrário! desde 1662 a Igreja Católica Romana, à
Em 1641, aparecem as "Meditações qual ele parece ter-se submetido sempre e
Metaflsicas", sua obra-prima, acompanha- com humildade, colocará todas as suas
das de respostas às objeções. Em 1644, ele obras no Index.
. publica uma espécie de manual cartesiano,
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FILOSOFIA.
Por outro lado, o método é racionalista da razão que percebe diretamente os pri-
porque a evidência de que Descartes parte meiros princípios é a intuição. A dedução
não é, de modo algum, a evidência sensível limita-se a veicular, ao longo das belas ca-
e empírica. Os sentidos nos enganam, suas deias da razão, a evidência intuitiva das
indicações são confusas e obscuras, só as "naturezas simples". A dedução nada mais
idéias da razão são claras e distintas.O ato é do que uma intuição continuada.
A Rainha Cristina Cercada de Sábios, entre eles Descartes. Quadro de Dumesnil, Versalhes.
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FILOSOFLt
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FILOSOFIA
.\ I E \ " (
De l'Imprimcricdc rA~ M A I R z.
Frontísplclo de prlmelre edlçlo de "O Discurso sobre o r 1 :1 1, r x xx V f J.
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FILOSOFIA
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A escola Purv« Mimllnsll enflltizll o velor do ritual, do ce-
rimonial e o sentido do s8crifTcio védico. Na foto, o banho
ritual no rio Gllnges.
AsEscolas I'
Filosóficas da India
2!Parte
lU - Puna-Mimansa
pode ser descrita, então, como a busca da
o que caracteriza este sistema, em com- idéia escondida atrás da palavra, vale di-
paração com os outros até agora conside- zer, busca da solução para o importante
rados, é a sua adesão aos Vedas como au- problema que representa a relaçao entre
toridade infalível. Neste sentido, a Mi- discurso e pensamento. A partir do mo-
mansa coloca os Vedas, ou sruti, como fun- mento em que considera a linguagem
damento seguro de si própria. como sendo independente do uso indivi-
Com respeito ao lugar que concede à ra- dual, participa este sistema nas discussões
zão, é suficiente observar que, mesmo relacionadas com a psicologia social ou
quando autoritária em seu próprio direito, popular. Essas questões psicológicas con-
a verdade revelada chega a nós por inter- têm elementos valiosos para a moderna
médio de palavras, cuja interpretação não ciência da Semântica, o ramo do conheci-
é fácil. Daí a necessidade de mimansa, ou mento que se ocupa com o significado das
seja, a investigação dos princípios de palavras em relação à sua forma lingüís-
acordo com os quais devem ser interpreta- tica. A esse respeito, a Mimansa atua
dos os textos. Somente quando assim assis- corno o necessário complemento do
tidos pela razão, é que os Vedas desvelarão Vyakarana, ou Gramática, cujo tratamento
sua real importância. A meta principal da das palavras é principalmente formal. A
Mimansa, como ramo do conhecimento, vantagem indireta que daí resulta para a
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FILOSOFIA.
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FILOSOFIA
(kriya) ou processo (vyapara) e é natural- nirvikalpaka nao é uma mera hipótese for-
mente considerado como supra-sensível, mulada para dar significado a um aspecto
desde que se encontra em uma "substân- conhecido da experiência, mas sim é parte
cia" tão etérea como é o ser. Esta mu- da própria experiência. Assim como a
dança ou distúrbio que se produz no at- Nyaya-Vaisesika, a Mimansa também re-
man provoca uma espécie de relaciona- conhece manas como um sentido (indriya),
mento com o objeto conhecido. O ser, que se junta aos cinco outros admitidos
sendo por hipótese onipresente, está ne- comumente, e cuja cooperação é impres-
cessariamente relacionado com todos os cindível para todo jnana.
objetos existentes; mas esta relação não é Os sentidos, incluindo manas, propiciam
a mesma que estamos considerando agora, as condições externas causadoras das mo-
pois, se assim fosse, jnana estaria presente dificações no ser, constituindo o conheci-
em todos os objetos durante toda sua exis- mento; e é a dissociação deles em moksha
tência. A relação resultante de jnana é o que liberará o ser, como na Nyaya-
única, e é descrita como "compensação" -Vaisesika,
(vyaptr-vyapyatava). O ato ou processo de Outro tema que deve ser abordado é o
jnana é considerado transitivo, ou seja, o modo pelo qual nos apercebemos de nosso
seu resultado tem de ser achado em al- "eu", o que é uma decorrência direta do
guma outra coisa e não onde se manifesta. aham-pratyaya, ou a "noção do eu". Sendo
O ato de cozinhar, por exemplo, é visto um ponto importante da doutrina, requer
como o agente (sujeito), mas seu resultado explicações. Kumarila entende a "cons-
- a brandura do cereal cozido - se encon- ciencia do eu" literalmente e considera
tra no alimento, quer dizer, no arroz (ob- que o eu pode ser, ao mesmo tempo, su-
jeto). Quando jnana se apresenta no ser jeito e objeto - o conhecedor e o conhe-
relacionando-o a um objeto, este é afetado cido (jada-bodhatmakai, mencionando·
de tal modo que a experiência, em sua to- como evidência o dito comum "eu me co-
talidade, não se restringe a uma modifica- nheçr-". A atribuição desse caráter apa-
ção subjetiva, senão que também há uma rentemente contraditório ao eu está de
modificação objetiva que lhe corresponde. acordo com o princípio dominante neste
O objeto se torna "iluminado" iprakasa- sistema de pensamento, qual seja o de que
-visistav; e assim podemos concluir que a natureza das coisas não pode ser rigida-
jnana esteve anteriormente presente no mente determinada tbhedabheda-vadas. A
ser. Jnana pode revelar outros objetos, consciência do eu é constante e acompa-
mas não tem o poder de manifestar-se. nha todos os estados de consciência, es-
Uma outra causa de percepção que tando ausente somente no estado de sono
resulta em conhecimento direto profundo, quando não há objeto conhe-
(visadavabhasa) é o contato dos sentidos cido. Por conseguinte, quando dizemos
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FILOSOFIA
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FILOSOFIA
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FILOSOFIA
IV - Vedanta
o monismo particular ensinado por San- quanto a Advaita supõe que derivam dos
kara é muito antigo e sua forma final rece- elementos, mais em concordância com
beu deste mestre uma importante contri- Nyaya-Vaisesika. O órgão interno
buição. O aspecto mais característico de (antahkarana) também é aqui concebido
sua teoria é a concepção de Nirguna Brah- como bhautica e constituído de todos os
man como a última realidade, com a I cinco elementos, embora predomine o ele-
crença implícita na doutrina de maya, na mento tejas, pelo que às vezes é descrito
identidade do jiva com Brahman e na con- como taijasa ("feito de tejas"). Conse-
cepção de moksha como emergindo do pri- qüentemente participa muito do caráter
meiro para o segundo. Quanto ao lado prá- deste elemento e é instável - sempre dis-
tico, advoga por karma-samnyasa, ou com- posto a alterar sua forma. Isto é, o antah-
pleta renunciação, com a implicação de karana está sempre ativo, a não ser no es-
que jnana e somente jnana possibilita a li- tado de shushupti, quando se torna latente.
beração. Cada uma das formas que adota, ao exer-
Os pontos principais da filosofia de San- cer essa atividade, é conhecida como
kara - os princípios básicos, tais como a
inaplicabilidade da noção de causalidade à
realidade última - se encontram no Karika
de Gaudapada, que se propõe a resumir os
ensinamentos do "Mandukya Upanishad",
mas que chega muito além, oferecendo um
admirável resumo da Advaita.
O mais importante dos trabalhos de San-
kara é o bhasya a respeito do "Vedanta-
-Sutra", notável não somente pelo encanto
de seu estilo, mas também pela consistên-
cia lógica de seus argumentos. Além deste,
Sankara escreveu comentários sobre os
principais Upanishads e sobre o "Bhagavad
Gita". Especialmente os comentários so-
bre o "Brhadaranyaka" e o "Chandogya
Upanishad" são de imenso valor para a
compreensão e apreciação da doutrina ad-
vaita.
A doutrina de Sankara foi defendida e
ampliada em alguns detalhes por pensado-
res posteriores, o que deu lugar a algumas
opiniões divergentes entre seus apreciado-
res. De tais diferenças resultaram duas es-
colas: a Vivarana - que tem suas origens
no "Panca-padika", fragmento de um co-
mentário ao Sutra Bhasya, de autoria de
Padrnapada, discípulo de Sankara - e a es-
cola Bhamati, ligeiramente posterior, re-
presentada por Vacaspati (c. 841 d.C.).
A Advaita nos recorda a Sankhya- Voga
quanto a sua concepção do veículo físico,
admitindo também a teoria do conheci-
mento representativo. A diferença é que, A Vedanta identifica o ser humano com a realidade pri-
de acordo com Sankhya- Voga os dez senti- meira e última e expõe as vias introspectives para realizar
dos são relacionados ao aham-kara, en- esse identificaç/Jo.
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FILOSOFIA
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FILOSOFIA
As Três
Transformações
Extraído do livro Assim Falava Zaratustra, de F. Nietzsche; Hemus, S. Paulo, 1977.
Os Cal'atel'es Cômicos
o Inltrumento de que nOI lervlmos para conhecer a vida,
legundo Henrl Berglon, é a Intulçlo, a qual percebe clara-
mente seu objeto sem a ajuda da Inteligência. E a intuJçio "é
o Inltlnto tornado conlclente de Ii mesmo, delintereuado,
capaz de refletir sobre leu objeto e ampliá-Io indefinida·
mente". Inllltlu ele no elforço que deve ser feito para retirar
01 hébltol mentall orlundol do comércio com 8S coisas e
com a linguagem, a fim de atingir a fluidez do tempo real em
seu fluxo indivislvel.
Podemol perceber Ilto nitidamente em sua obra "O RIso",
uma anéllse pllcol6glca que nos coloca no palco como ato-
rei, dramétlcol ou c6mlcos, ao mesmo tempo em que nos
desmascara.
Ap61 dedlcar-Ie 30 anos ao tema, Bergson elabora três
enlalol lobre o rllo, em que o analisa como algo que vive e
que nlo pode ser encerrado nos limites de uma defln~ção.
Nelte artigo, nos prenderemos mais ao último desses en-
saios: Os Caracteres Cóm/cos.
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o drama ocupa-se de indivtduos, e a comédia, pelo con-
trário, refere-se aos tipos generalizados, caracteres que
já vimos muitas vezes e que continuaremos vendo. (De-
talhe de Les Comédiens Italiens, de Watteau).
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LITEJUTUJU
-
desaparece, vivemos em um terreno fe- vendo. a personagem comico é sempre
chado onde medimos nossas forças com um distraído, rodeado de outros com as
outras forças. De quando em qua. -ío a na- mesmas características. a drama, por-
tureza engendra almas menos apegadas à tanto, ocupa-se dos indivíduos, e a comé-
vida e à ação. Não se faz referencia aqui dia, dos tipos.
ao desapego premeditado, surgido após a poeta ou autor de um drama, não
uma profunda reflexão ou através de uma passa a viver os seus personagens. Ele não
filosofia, e sim ao desapego natural, nas- precisa viver uma paixão para poder
cido junto com a estrutura dos sentidos ou transmiti-Ia. Shakespeare não foi um
da consciência, algo virgem, que descobre Otelo, um Romeu, um Hamlet, para
o mundo sem se prender à ação. É o artista descrevê-los depois. A imaginação poetica
que surge. Porém a Natureza também não não é outra coisa que uma visão mais com-
tira seu véu totalmente ao artista, porque, pleta da realidade. Não é uma observação
se assim fosse, todas as artes estariam reu- exterior, ao passo que a comédia é exata-
nidas em uma. Esta é, pois, a razão da di- mente fruto desta observação. A comédia
versidade das artes e artistas: a alguns, é- está entre a vida e a arte, atua na vida so-
-lhes revelada a magia das cores; a outros, a cial como um veículo próprio. a absurdo
magia das formas; a outros a dos atos e das que se encontra no cômico não é um ab-
palavras, ou a magia dos sons, etc. surdo qualquer, mas é um absurdo bem
A única missão da arte, então, seja na definido. É efeito e não causa; efeito do
pintura, na música ou na poesia, é a de reflexo da natureza, o que pretende mos-
afastar os símbolos convencionais corren- trar. Tomando como exemplo D. Quixote,
tes, aceitos de maneira generalizada pela que é um tipo generalizado de absurdo
sociedade, encobertos com máscaras, e risível: ele amolda os objetos às idéias, e
mostrar a verdadeira realidade. Entretanto, não as idéias aos objetos; vê diante de si o
a obra do artista só contém realismo que pensa, em vez de pensar no que vê.
quando em sua alma existe idealismo; só a Isto ocorre freqüentemente conosco. O
força de um ideal permite ao artista o con- obstinado amolda as coisas à suas idéias,
tato com a realidade. seguindo, pois, o caminho da ilusão.
A arte dramática não faz exceção. Bergson fala-nos ainda acerca de um es-
Se, por um lado, foi necessário que a so- tado do espírito, imitação cabal dalou-
ciedade calasse ou dominasse seus instin- cura, onde existem associações de idéias
tos, criando leis éticas, em benefício de si idênticas às da alienação mental e uma ló-
própria, por outro lado os sentimentos gica singular como a da idéia fixa: é o es-
passaram a ter um caráter superficial, es- tado de sonho. No sonho, o espírito, quase
condendo o fogo interior. Assim como a enamorado de si mesmo, busca no mundo
Terra apresenta repentinas explosões, externo só um pretexto para dar corpo às
através de seus vulcões, rompendo a ca- suas fantasias. Quem sonha, em vez de re-
mada fria que encobre o fogo e a força dos cordar tudo que conhece para interpretar
metais, assim também em relação ao ho- o que seus sentidos percebem, se serve do
mem: o drama tem essa finalidade, revela que percebe, para materializar suas recor-
I algo que está oculto em nosso ser, e que dações preferidas.
podenamos chamar o elemento trágico de Percebendo que o sonho tem r. mesma
nossa personalidade. lógica do cômico, chega Bergson à conclu-
a drama tende sempre para o indivi- são de que, como o sonho, o riso possui ou
dual. a fato de um sentimento ser conside- tem como efeito o repouso, 0U, antes, é
rado genericamente, não implica em uma um impulso de repouso, nos faz descansar
generalidade desse sentimento. Por exem- da fadiga intelectual.
plo, o personagem Hamlet é algo de muito As ondas chegam à superfície do oceano
singular, também ateio e Macbeth. Por sem cessar, embora no seu seio profundo
que os aceitamos? Como reconhecemos reine a paz. As ondas estão buscando seu
que tais personagens são verdadeiros? Isto equilíbrio até chegar à areia, e, ao colher
sucede pelo esforço a que nos obrigam, sua espuma, só nos fica na mão algumas
pelo nosso desejo de ver sinceridade. Não gotas de água, mais amarga e salgada do
os vemos do mesmo modo que o artista que a onda que a deixou. Assim como a es-
que os criou, porém o esforço que ele fez puma, brota o riso. Nós o chamamos ale-
para levantar o véu nos obriga a imitá-lo. gria; porém o filósofo, ao recolher essa
Toda obra deve ser medida pela eficácia alegria para saboreá-Ia, sentirá uma boa
da lição que transmite. dose de amargura e uma reduzida quanti-
A finalidade da comédia é outra. É dade de matéria.
apontar generalidades, caracteres que já
vimos muitas vezes e que seguiremos ELBA NOVELLO
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FILOSOFIA POLfTICA
A
Política
Segundo Platão
Na Grécia, obviamente, houve pensa-
mento político antes de Platão. Se se hou-
Seu Ideal de Justiça, sua exaltaçlo vesse conservado para a posteridade a
do Bem e da Verdade, como modelos obra dos pré-socráticos, seguramente
supremos, sua convlcçlo de que exIste teríamos de deter-nos por muito mais
um códIgo moral que rege as re/aç"és tempo no estudo desses autores. Não obs-
humanas e a conduta polftlca dos clda- tante, podemos afirmar que, antes de Pla-
dIas, bem como a clara condenaçlo de tão, não chegou a haver uma verdadeira fi-
toda forma de tIranIa, constItuem losofia política, algo mais que a simples
principIas de prIncipIas, que nlo devem alocução de algumas idéias ou conceitos
ser olvIdados, que se formularam nos sobre a política concreta. Nem nos gran-
albores de filosofia, porém para sem- des poetas épicos, Homero e Hesíodo,
pre. fontes permanentes de tantas reflexões, in-
clusive de ordem política; nem em legisla-
dores do porte de Solon; nem em políticos
A cidade excessivamente idealista de' PIatão necessitará, ativos da significação de Péricles; nem em
em muitos pontos, o contrapeso do realismo de Aristóte-
les. PIatão e Aristóteles: detalhe de A Escola de Atenas, filósofos do nível de Heráclito ou Demó-
de Rafael. crito; nem mesmo no orador Isócrates ou
no historiador Xenofonte, contemporâ-
neos de Platão, ambos altamente preocu-
pados com os problemas políticos. De
qualquer forma, é tarefa do historiador
continuar desentranhando elementos sig-
nificativos nos muitos autores que prece-
deram o filósofo da Academia, porque, se
nesse aspecto não é pouco o que já se fez
até hoje, é possível que ainda reste muito
mais por fazer.
Quanto aos sofistas, e ao próprio Sócra-
tes, não é possível pôr em dúvida a sua
contribuição à matéria que nos ocupa, e
pode até ser válida a opinião que lhes atri-
bui algo assim como a fundação, ou pelo
menos o intento, de uma ciéncia polztica.
Claro está que, como já havemos dito tan-
tas vezes, em filosofia de um modo geral,
ou em qualquer de seus ramos, não há fun-
dadores nem livros inaugurais, mas isto
não invalida a opinião de que, com estes
professores ambulantes, as assim chama-
das "ciências humanas" tenham tido um
avanço significativo. Acerca dos sofistas,
no entanto, praticamente só possuímos re-
ferências de terceiros, o que nos impede
de emitir a seu respeito um juízo mais afi-
nado. Sobre Sócrates (470 - 399 a.C.) em
particular, digamos que não expôs uma
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FILOSOFIA pOLir/CA
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A Acr6pole, para os gregos, representa o intento de per- apenas no aspecto social, mas principalmente no Intimo
feição, onde cada uma das partes se harmoniza com o de cada indivlduo. (Na foto, reconstituição de um dos ên-
todo. Na "República", PIatão busca essa perfeição não gulos do Pertenon}.
dos, muito além - ou, talvez, muito aquém as ações políticas devem ser confrontadas
- de todo empirismo ou utilitarismo. A com a justiça arquetípica. Toda a obra pla-
política, definitivamente, não é outra coisa tônica está, em definitivo, destinada a fa-
senão o exercício da justiça, suprema vir- zer esta nobre proposta.
tude, síntese das demais virtudes. Não há Por outro lado, e como conseqüência do
alternativa. Toda transgressão à justiça im- que foi dito, a vida em sociedade, para Pla-
plica em uma desvirtuacão da atividade tão, se subordina ao que chamaríamos
política. Assim, a política se transforma na uma lei natural ou - mais nos agrada -
aplicação da justiça arquetípica à socie- cósmica, e não ao capricho da vontade hu-
dade. mana ("Leis", 889d e ss), pronunciando-se
Estes postulados básicos constituem o assim contra as posteriores teorias do
legado permanente de Platão. Era neces- "pacto social". Platão é claro a esse res-
sário estabelecer certas pautas e relações, peito quando diz que as leis positivas "que
e Platão o fez. Poder-se-á dizer que isto se baseiam na natureza, são tão naturais
não é suficiente; poder-se-á dizer que a de- quanto a natureza mesma, posto que são
finição da justiça como "a relação harmô- fruto da razão" Ç'Leis" X, 890).
nica entre os três setores que integram a Os aspectos assinalados - que represen-
polis" (produtores, guerreiros e magistra- tam o mais importante da filosofia política,
dos: Rep., 476c e ss), hoje, resulta algo tão- e mesmo jurídica, de Platão - têm um
-somente declamativo; poder-se-ão dizer sólido sustentáculo ontológico, já que são
muitas outras coisas (1). Mas em momen- forçosas inferências da teoria das idéias,
tos inaugurais do pensamento científico sua metafísica.
ocidental - e após o relativismo sofístico,
especialmente o protagórico, a respeito da Mas Platão nos deixou também a conhe-
política - a contribuição platônica se cida sucessão dos diferentes regimes de
constitui em algo fundamental e perma- governo. A formulação foi feita com um
nente: há uma ética transcendente, a polí- certo sentido histórico, conquanto não
tica é parte da ética, a justiça é a virtude surja claramente a intenção do autor de fa-
suprema e deve ser buscada por si mesma, zer uma análise da história. Muito já se es-
THOT 21
FILOSOFIA POLfTICA
creveu a esse respeito, mas em nosso pare- da cidade" (Rep., 473c). Chama a atenção
cer o primordial não está na sucessão cro- que Platão fale de "filósofos" quando se-
nológica dos regimes, e sim no enunciado guramente deve ter pensado nos sábios em
dos mesmos, por duas razões: em primeiro geral. Não acreditamos que haja usado o
lugar porque .nos mostra o significado que termo "filósofo" como o entendemos
tinham, no século IV a.C,, certos termos hoje, mas, de qualquer forma, os que nos
fundamentais da ciência política; em se- ocupamos de filosofia temo-nos sentido
gundo lugar, porque Platão esboça assim sempre muito lisonjeados com a famosa
como que a primeira classificação ou tipo- sentença platônica.
logia das formas de governo com que con-
tamos, embora, a rigor, não seja isto. E acerca do "comunismo" de Platão? O
O governo ideal é, obviamente, o dos me- que primeiro devemos dizer é que Platão
lhores, o dos sábios. A este Platão denomi- não tem absolutamente nada a ver com o
na, com todo o rigor semântico, aristocracia, comunismo no sentido político atual do
logo aclarando que assim o designa quando termo, nem é tampouco precursor dos re-
são vários os govemantes, ao passo que, quan- gimes totalitários conforme consideram al-
do é um só, chama-se reino (Rep., 445d). Em guns autores, como Karl Popper, por
seguida vêm as diferentes formas que se exemplo, para citar o que nos parece mais
afastam progressivamente do ideal: a destacado.
timocracia ou timarquia (timo significa Esse qualificativo resulta de uma das
"honor", "preço", "valor"), governo dos tantas transferências lingüísticas ou distor-
enriquecidos, geralmente guerreiros, am- ções semânticas a que assistimos diaria-
biciosos de honores e de poder, mas que mente. Platão é um construtor de ordens
não abandonaram de todo a sabedoria; a ideais, desde a teoria das idéias (sua me-
oligarquia, literalmente "governo' de pou- tafísica) até a concepção de sua cidade
cos", expressa o poder de um grupo de ideal, de uma polis surgida muito mais da
adinheirados que se desinteressa dos de- pura razão, e mesmo da imaginação, que
mais; a democracia, regime em que há li- da realidade em si. E o filósofo diz que se-
berdade para todos, mas uma liberdade ria benéfica a comunidade de bens e até da
desenfreada, sem respeito pelas hierar- família (475 e ss), o que não condiz com a
quias e pelos valores fundamentais; final- melhor tradição ocidental; porém, deve-
mente, a tirania, extrema degradação do mos recordar que essa prescrição é desti-
processo político e o pior de todos os regi- nada tão-somente à classe dirigente (para
mes, o da submissão aos caprichos do dés- que possa cumprir melhor sua função de
pota (Rep., VII). governar), e, em que pese aceitar-se que
Como se pode perceber, termos como algumas expressões da "República" deixam
aristocracia, oligarquia e tiraniu- já tinham estropiada a propriedade privada, e que o
em Platão o mesmo si~nificado que basica- estado aparece hipertrofiado, Platão está
mente conservam ate hoje; timocracia se bem longe do comunismo e facismo mo-
perdeu, e democracia tem sofrido várias' dernos. Toda sua cosmovisão, sua espiri-
mudanças em sua significação. tualidade, seu sentido transcendente, o
Independentemente desta prototipolo- fato de que o estado, mesmo em seus ex-
gia, há que se destacar algumas notáveis cessos, esteja ao serviço do indivíduo e
referências platônicas sobre o tema. não à inversa, bem como sua explícita con-
Desde logo, as palavras que dedica ao ti- denação do despotismo, o colocam como
rano nas últimas páginas do VIII e no IX antípoda de qualquer regime totalitário.
capítulos da "República", constituem uma Por outro lado, é bom que se diga, nas
caracterização de valor permanente. Outro "Leis", embora tenha acentuado certos
pensamento formidável é a~uele em que, controles oficiais, Platão revisou e mode-
recordando um verso da "Iliada", diz Pla- rou notoriamente suas idéias acerca da
tão: "Porque as constituições das cidades propriedade comum, convencido de que a
não procedem dos carvalhos nem das ro- condição humana é bem outra que a idea-
chas, mas sim dos costumes dos membros lização exagerada, que o óbvio utoJ,Jismo,
que as integram, e da orientação que esses com que havia trabalhado na "Republica"
costumes imprimem a tudo o mais" (Rep., (2).
433 b). Outras considerações, como, por exem-
Convém recordar também a conhecida plo, aquelas acerca da eugenesia, que com
opiniãode que "a não ser que os filósofos certeza também. chocariam à moderna
governem. .. ou os governantes filoso- consciência moral, não são o fundamental
fem ... Não haverá trégua para os males do sistema platônico e são próprias de sua
22 THOT
FILOSOFIA. POLfTICA.
mentalidade pagã. Este modo de pensar, sentido aristocratizante da vida. Seu ex-
praticamente comum a todos os pensado- cessivo idealismo necessitará, em muitos
res não judeus ou cristãos, leva-o a uma es- pontos, o contrapeso do realismo aristo-
pécie de divinização da cidade ou socie- télico. Não se nos ocultam os aspectos ne-
dade (que em tempos mais modernos se gativos de sua política, porém, na conti-
traduziria em uma divinização do estado nuidade do pensamento ocidental, Platão
ou, em outros casos, da pátria), nada sau- representa algo assim como a pedra funda-
dável para uma concepção humanista da mental, desde onde necessariamente se
política. Isto sim é importante, mas tal tem de partir. Nem tudo o que afirmou em
concepção, que hoje resulta ou deveria re- seu momento pode hoje ser aceito, mas
sultar chocante, é compreensível em um seu ideal de Justiça, sua exaltação do Bem
filósofo pagão do século IV a.C. e da Verdade como modelos supremos,
No que concerne às referências porme- sua convicção de que existe um código
norizadas acerca da polis (quer dizer, a so- moral que rege as relações humanas e, por
ciedade política autônoma, ou, como se conseguinte, a conduta política dos cida-
diz habitualmente, a cidade-estado), que dãos (a política é parte da ética), assim
não deveria exceder o limite de aproxima- como a clara condenação de toda forma
damente cinco mil famílias, carecem de de tirania, constituem princípios de princí-
significação para este trabalho. pios, que não devem ser olvidados,que se
Platão construiu uma cidade ideal, deri- formularam nos albores da filosofia, po-
vada de sua metafísica idealista e de seu rém para sempre.
(I) Autores como Kelsen consideram que Pla- (reconhecida por Platão em 473b) não nega
tão não chegou a definir a justiça - o que é a primeira, própria do estilo e da metodo-
discutível -, mas queremos, por isso logia platônica em toda sua filosofia. Por
mesmo, destacar o decisivo que é vincular isso nos parecem oportunas as reflexões de
a atividade pública à idéia arquetípica da Alexandre Koyré quando adverte - contra
justiça, independentemente de sua precisa outros intérpretes - que não há contradi-
definição. ção entre o título do livro (que faz referên-
(2) Não somos dos que consideram uma trans- cia à cidade e à política) e o subtítulo, que
formação radical nas "Leis" em relação à se refere à justiça. "Por que ver um divór-
"República". Não estamos, por exemplo, cio entre ambos?", pergunta Koyré. "Pla-
com Paul Janet, que chega a imputar a tão está isento da idolatria do estado, Ce
Aristóteles o não haver visto (o que é qui préocoupe Platon, ce n'est pas I'État, mais
certo) as "notórias diferenças" entre am- l'homme, construir uma cidade justa na
bas as obras. Porém tampouco estamos en- qual possam viver homens como Sócra-
tre aqueles que, como Jean Touchard, esti- tes". São de interesse as reflexões de Koyré
mam que as intenções mais realistas são sobre a cidade perfeita segundo Platão
apenas aparentes. Acreditamos, sim, que a (Int. á Ia Lécture de Platon, N.Y., 1945).
respeito da propriedade privada há uma
mudança significativa de atitude. Não
compartilhamos, além disso, a opinião de
Pabon e F. Galiano, de que a "República"
não é primordialmente a construção ideal
de uma sociedade perfeita de homens per- JORGE L. GARCIA VENTURINI
feitos, senão "a remedial thing", um tratado
da medicina política para aplicação sobre (Extrafdo do livro "Politeia"; Editorial
os regimes existentes. Esta segunda atitude Troquei S.A., Buenos Alres, 1978).
THOT 23
ARTE
° ANEL DO NIBELUNGO,
de Wag:ter
4ª Parte
24 THOT
Numa conversa íntima com seus irmãos, e
orgulhoso de seu poderio terrestre, Hagen
diz que apesar de grande e invejável sua
glória não está completa, pois sabe de
imensos tesouros ainda não conquistados;
há também o fato de ele ainda não ter uma
çompanheira, e tampouco Gutruna despo-
sou alguém. Fala ainda de uma mulher
perfeita, chamada Brunhilda, cuja morada
é uma montanha rodeada de chamas, e Cenário do segundo ato de O Crepúsculo dos Deuses:
Bayreuth, 1936.
que ninguém poderia conquistá-Ia a não
ser o predestinado Sigfrido, um welsungo,
o matador do dragão Neidhole que cui- este lhe respondera que não, pois a única
dava do tesouro dos nibelungos, tesouro mulher que poderia fazê-lo feliz habitava
bastante para torná-lo um senhor do uma montanha inacessívei, rodeada pelas
mundo. chamas, Sigfrido propõe então conquistá-
Nisso ressoa alegre a tocata da trompa -Ia em troca da mão de Gutruna, sem sa-
de Sigfrido. O herói vem com sua barca ber que quem iria conquistar era nada
Reno acima, navegando contra a corrente mais nada menos que o seu nume, a antes
como só ele pode fazer. Então, Hagen ter- adorada Brunhilda.
mina recomendando a Gunther que se es- Os dois guerreiros terminam de selar sua
force por fazer o herói apaixonar-se por fraternidade com o pacto do sangue: fin-
Gutruna. Para tanto, bastará fazê-lo tomar cam as espadas em seus respectivos bra-
de um só gole aquela beberagem mágica ços, deixando correr o sangue na taça de
do esquecimento. vinho que bebem em conjunto. Hagen,
Sigfrido chega à margem do rio, com que se encontra entre ambos, sem querer
seu cavalo Grane, cedido por Brunhilda, o participar do juramento por sua condição
único que esta conservara do perdido es- inferior de bastardo, rompe a taça com sua
plendor de valquíria. A trompa do herói espada, enquanto Sigfrido e Gunther es-
desperta as chorosas filhas do Reno. Gun- treitam fraternalmente as mãos e partem
ther e Hagen recebem-no pomposamente, rumo às margens do rio, de onde Sigfrido
conduzindo-o depois até o imponente palá- segue em demanda da projetada con-
cio. Gutruna, púdica e ao mesmo tempo quista. Hagen, ao longe, saboreia infame o
prendada, se oculta. Ao chegarem, Sig- fruto cruel de sua vileza, digna da raça ni-
frido propõe a Gunther o dilema de luta- belunga.
rem ou tornarem-se amigos, diante do que Brunhilda, desconhecendo totalmente
este se oferece como incondicional aliado. tudo o que acontece, encontra-se sentada
Através do pacto de eterna fraternidade, à entrada da gruta,contemplandoabsorta e
unem-se estes irmãos de armas, bebendo beijando mil vezes a prenda do seu amor: o
uma taça de vinho na qual foram previa- anel de Sigfrido. Nesse momento, ressoam
mente mesclados os sangues de suas veias. pelos ares os relinchos bélicos da valquíria
Gutruna, então, apresenta-se ruborizada e Waltraute, que chega apreensiva. Cor-
terna, trazendo ao herói outra taça na qual rendo o risco de provocar a cólera do pai,
Hagen havia vertido algumas gotas do li- vem para prevenir sua infeliz irmã do imi-
cor do Leteo, o rio das águas do esqueci- nente perigo que a ameaça: se não devol-
mento. ver prontamente às desoladas filhas do
O efeito é instantâneo; Sigfrido, que Reno o maldito anel, este virá a ser a causa
brindara por Brunhilda, sua amante, de todos os males e ruínas que ameaçam
esquece-a no exato momento que retira a os deuses e o mundo. Enamorada e feliz,
taça dos lábios, ficando cegamente apaixo- alheia por completo à desgraça que se avi-
nado por Gutruna. O jovem declara impe- zinha, esquecendo-se de tudo quanto sabia
tuosamente seu amor; e como, ao pergun- em sua condição anterior de virgem-
tar se seu novo irmão tinha companheira, -guerreira, Brunhilda nega-se absoluta-
THOT 25
ARTE
26 THOT
Sigfrido, Gutruna e Gunther. personagens de "O Crepúsculo dos Deuses".
fatídicos corvos, as aves de mau agouro, Terra libertada e apta a inaugurar a nova
que revoluteiam sobre a cabeça de Sig- Idade de Ouro ...
frido; quando o herói se volta para Em seguida, monta de um salto o seu fiel
contemplá-l os, Hagen, o traidor, ataca-o cavalo Grane, e ambos se lançam sobre a
pelas costas vingativamente, sem que ardente pira que os consome e dissolve o
Gunther pudesse impedi-Io. anel maldito, restituindo os seus puríssi-
Sigfrido, o herói sem par, o redentor do mos elementos ... O fogo cresce, cresce,
mundo, morre assim entre os tristíssimos assume proporções gigantescas, e atinge
acordes da mal chamada Marcha Fúnebre, finalmente as alturas do Walhalla, cujo pa-
que em verdade representa a solene mar- lácio de orgulho começa a arder até
cha do triunfo sobre a morte, com as nos- desfazer-se em cinzas. As águas sagradas
tálgicas entradas do Canto da Primavera. do Reno, o Pai-Rena eterno, dilatando-se
Ela e os subseqüentes Lamentos de pelos âmbitos do Universo, ascendem gi-
Brunhilda são os temas que se apresentam, gantescas até apagar no seio de suas ondas
enquanto os seguidores de Gunther con- os restos de todo aquele incêndio cós-
duzem o cadáver sobre o escudo em dire- mico ... As filhas do rio avançam transfigu-
ção à montanha. radas e solenes recolhendo de novo o ouro
Gutruna, desolada, recebe do próprio purificado; duas delas afogam entre seus
Hagen a notícia da morte de seu amado braços o infame Hagen, que, enlouque-
sob as garras de um feroz javali. Gunther, cido por ver escapar sua presa, lança-se às
por sua intuição, percebe a perfídia de Ha- águas, para recolher o anel. Floshilda,
gen e a inocência de Sigfrido. Maldiz o a irmã maior das ondinas, radiante de
crime daquele bastardo que se vangloria júbilo, qual divina Custódia, levanta no
publicamente de ser o assassino vingador e alto o ouro reluzente, abafando com os úl-
de ter, portanto, o direito de possuir o timos acordes da orquestra o tema glo-
anel. No instante, porém, em que vai rioso de Sigfrido, o da Maldição de Albe-
arrancar-lhe dos dedos, aparece Brunhil- rico. Surge então o canto da Majestade do
da,radiante como uma nova deusa. Todos, Walha lia , o rutilar do Fogo Encantado, o
então, maldizem o bastardo, e Brunhilda dulcíssimo Canto de Woglinda e o amargo
manda erguer uma pira funerária seme- Crepúsculo dos Deuses, e finalmente o
lhante a um trono, retira o rutilante anel e, canto inefável da Redenção pelo Amor, sem
ateando fogo na pira, pronuncia, com a qual retornaria muito em breve ao Caos
acentos de Sibila iluminada pelo entu- todo o edifício do mundo ...
siasmo da sua já consciente divindade, a
magna profecia: a divinização do Homem
redimido, a queda dos deuses, a devolução
do anel fatal às ondinas primordiais e a EM/LlO MOUFARRIGE
chegada da aurora de um novo dia apo- Baseado no livro "vVagner, Mit61ogo y Ocul-
calíptico, no qual a eterna tirania dos deu- tista", de Mario Roso de Luna; Editorial Glem,
ses sobre os homens já não existirá sobre a Buenos Aires, 1 958.
THOT 27
RELIGIÃO
OS EVANGELHOS I'
APOCRlFOS
28 THOT
RELIGIÃO
THOT 29
RELIGIÃO
30 THOT
RELIGIÃO
Maria e disse-lhe: "Predileta como és de apear ... dizendo: "Onde poderia eu levar-te
Deus, como fizeste isto? Esqueceste do Se- para resguardar teu pudor?" (17, 1-3).
nhor, teu Deus?" E ela chorou dizendo: E encontrando uma gruta introduziu-a, e,
"Pura eu sou e não conheço homem algum" havendo-a deixado com seus filhos, foi-se em
(13, 1-3). busca de uma parteira hebreia, na 'região de
Mas eis que um anjo do Senhor lhe apare- Belém (18, 1).
ceu em sonhos, dizendo: "Não temas por esta Ao chegar ao lugar da gruta parara, e eis
donzela, pois o que leva em suas entranhas é que esta estava sombreada por uma nuvem lu-
fruto do Espírito Santo. Dará à luz umfilho e minosa . .. de repente brilhou uma luz tão
lhe colocarás o nome de Jesus ... " (14, 2). grande que os olhos não lhe podiam resistir
E veio uma ordem do imperador Augusto, (19,1).
para que se fizesse o censo de todos os habi- Então sobreveio um grande tumulto em
tantes de Belém da Judéia ... e, aparelhando Belém, pois vieram uns magos dizendo:
seu asno, fez acomodar-se Maria sobre ele, "Onde se encontra o nascido Rei dos Judeus?
enquanto seu filho ia adiante, levando a besta Porque vimos uma estrela no Oriente, e vie-
pelo cabresto ... E ao chegar à metade do ca- mos para adorá-Io ". E naquele momento a
minho (de Belém}, disse Maria a José: estrela ... voltou de novo a guiá-los até que
"Baixa-me porque o fruto de minhas entra- chegaram à gruta, e pousou-se na entrada
nhas está por vir a luz ". E ajudou-a a desta (21,1-4).
Evangelho de Pseudo Tomás chegou-se a José e lhe disse: "Vejo que tens
um filho sensato e inteligente. Confia-o a
Tomás, suposto autor deste evangelho mim para que aprenda as letras. Eu lhe ensi-
da infância, não foi identificado como o narei toda classe de sabedoria e a arte de sau-
apóstolo de mesmo nome senão no século dar aos mais velhos ... "
IH, quando seu culto já se estendia por E lhe disse as letras com grande esmero e
todo o Oriente. Segundo alguns estudio- clareza, desde o alfa até o ômega. Mos Jesus
sos, seu autor deveria ser um cristão hele- fixou sua vista no rabino e disse-lhe: "Como
nizado, mas outros vêem neste apócrifo te atreves a explicar aos demais o Beta, se tu
fortes influências hindus, sobretudo em al- ignoras a natureza do Alfa? Hipócrita! Ex-
gumas narrações semelhantes às de plica primeiro o Alfa, se o sabes, e logo acre-
Krishna e Buda, e mesmo em certos estilos ditaremos no que disseres em relação ao
literários comuns ao Oriente. A redação Beta''. Depois começou a interrogar acerca
deste texto remonta ao século lI. da primeira letra, mas o rabino não pôde
Eu, Tomás Israelita, tendo julgado neces- responder-lhe (6, 1-3).
sário dar a conhecer a todos os irmãos prece- E enquanto os judeus se entretiam em
dentes da bondade da infância de Nosso Se- aconselhar Zaqueo, o menino começou a rir
nhor, e quantas maravilhas realizou depois de com muita vontade e disse: "Frutifiquem
nascer na nossa terra. O principio é como se agora tuas coisas e abram à luz os olhos dos
segue ... (1, 1). cegos de coração. Eu vim desde cima para
Este menino Jesus, que contava com cinco maldizê-los e chamá-Ios depois para o alto,
anos, encontrava-se um dia brincando num pois esta é a ordem d'Aquele que por vocês me
riacho. .. depois fez uma massa mole de enviou". Quando o menino acabou de falar,
barro, com a qual modelou doze passari- sentiram-se imediatamente sãos todos aque-
nhos ... Jesus bateu palmas e, dirigindo-se les que tinham caído sob sua maldição (8,
às figuras, disse-lhes: "Marchem". E os pas- 1-2).
sarinhos voaram todos, gorgeando (2, 1-5).
Já outra vez, atravessando um povoado, Estes pequenos excertos podem pôr de
um menino que vinha correndo chocou-se em relevo a importância de que estão revesti-
seu costado'. Irritado, Jesus disse-lhe: "Não dos os textos apócrifos para a história do
continuarás teu caminho" e imediatamente o Cristianismo. Devemos ver neles não ape-
rapaz caiu morto. Alguns que presenciaram o nas alguns dados conceituais, mas também
acontecido, disseram: "De onde terá vindo perceber, ainda que vagamente, o espírito
este rapaz, que todas as suas palavras termi- que existia na época, misto de religiosi-
nam em fatos consumados?" (4, 1). dade e crenças, mas que apontava para
... Certo rabino de nome Zaqueo ... uma única direção: o Reino dos Céus.
DAVID COHEN
THOT 31
-Os Instrumentos de Arco-
2~Parte
lismo". Que outra mentalidade! ...
A partir deste ponto, passaremos a des- Cordas de tripa, depois tripa e bordão,
crever as duas mais importantes famílias em geral de cobre; arcos frouxos, seguros
antigas dos arcos, que representam a feliz também pela palma da mão do executante,
culminância dos primeiros enumerados, e em oposição a técnica atual, braços largos
deram origem ao moderno quarteto de ar- e com trastes nas primeira posições (hoje o
cos, violino, viola, violoncelo e contra- quarteto de arcos não tem trastes), e, veja-
baixo; as violas da gamba, por um lado, e as -se, também de tripa! Cavaletes baixos e "
violas da braccio. sutis, finos estandartes, volutas trabalha-
Essas violas, abauladas ou abobadadas, das ... era a viola da gamba, uma grata com-
porque introduziam o tampo harmônico e binação de elementos. As caixas de resso-
o fundo abaulados, o que substancialmente nância eram harmoniosas, vez por outra
alterava (e refinava) a sonoridade, foram o com finos ornamentos, cabeças humanas
fator mais importante da música instru- esculpidas na voluta; excelentes madeiras
mental dos séculos XV a XVIII, em toda a em geral, lisas ou rajadas; grão fino,
Europa. Todas as formações, conjuntos, sensibilità di soglia muito alta (sensibili-
ensembles ou consorts foram empregues; a dade aos mais débeis impulsos), vernizes
músicâ era solística ou de conjunto, reli- ideais, simetria, polimento, eram perfeitos
giosa ou profana, instrumental apenas ou esses exemplares. pelas reconstituições
também vocal. que hoje se fazem, e se comerciam ampla-
As variedades das violas padrões, pro- mente, como as da Early Music Shop, de
fundamente inspiradas, orientadas pelo Bradford, na Inglaterra, ou pelas peças
muito fino senso artístico de artesãos, cha- conservadas em museus ou coleções parti-
mados o luthier ou o liutaio, ou seja, o culares, podemos imaginar como não se-
construtor de luth e de liúto, alaúde, que riam aquelas sessões de música, e qual o
po r exte n são c on struíam vio/as, espírito daqueles músicos, aqueles musi-
constituem a delícia do .musícista ou musi- cistas e aqueles artesãos, algo inteiramente
cólogo modernos, ou mesmo do estudioso diverso de tudo quanto hoje nos encurta a
amante da arte. Aliado aos resultados so- vida.
noros desses incomparáveis instrumentos, A característica que as tipificava, espe-
que era a sua finalidade última, eram eles cialmente às gambas, entre os restantes
peças tão preciosas como o produto do ou- instrumentos de arco, eram três: o número
rives ou do escultor; a música que para es- das cordas e a sua afinação (cordatura); os
sas peças era escrita era arte para execução trastes de tripa envolvendo o ponto e o
por obras de arte. A cordatura, ou seja, a largo braço; a maneira de tocá-Ias.
afinação das cordas desses instrumentos As cordas das gambas, que começavam
bem refletia o senso artístico de que eram a ter número certo e rígido, em relação à
frutos: acordes românticos, maiores, per- família dos violinos, ou violas da braccio
feitamente consonantes, harmoniosos. Li- (em alemão bratsche), eram maiores, mais
mitavam, é bem verdade, as possibilidades leves e menos tensas; o cavalete mais
técnicas de execução, como no caso de baixo e menos curvo; eram mais profundas
grandes escalas,' rápidas, ou acordes de que aqueles, especialmente os pequenos
grandes intervalos, e encurtavam a exten- instrumentos. Nao tinham forma rigorosa-
são total dos instrumentos, mas o timbre e mente definida, e cada artesão as fabri-
a doçura das cordas, tocadas singular- cava segundo seu gosto. Antes de passar-
mente ou em acordes, é até hoje inexcedí- mos mais especificamente às gambas,
vel - nunca foi igualada. Eram cordaturas lembremo-nos de que, já mais próximo de
para acordes, não resta a menor dúvida; nós que o rabab tunisino, e apresentando
talvez o espírito dos inventores fosse mais outra evolução, encontramos o predeces-
coletivo, o que nos instrumentos se refletia .sor imediato das violas <da braccio, o en-
como para proporcionar sinfonias, conso- cantador fiedel (ou fiddle, na Inglaterra, ci-
nâncias, não uma só linha solística, ou tado no início), que era, literalmente, um
mesmo um muito acendrado "individua- violino antigo, de cinco cordas, sem "CC"
32 THOT
ARTE
como os modernos violinos, caixa suave, às de língua inglesa, é associada a violino rús-
vezes adornada, cabeça cordiforme, ponto tico ou "rabeca".
curto, estandarte antecipando o das gam- A figo 25 mostra catorze arcos diferen-
bas, dois orifícios em "C", do seculo IX e tes, conforme a época e os instrumentos a
X. Fig. 24. A palavrafiddle hoje, nos países que se destinavam.
Século XII
Século XIV
Século X
Século XVI
Século XI
Desde o século XVII em diante, o arco se encaminha sempre mais para a forma
atual As principais mudanças. Que determinaram sue forma definitiva, podem
ser constatadas neste grMico:
Corelli 1700
Mersenne 7620
1-· )
Cramer 1770
Casrrovi/lari 1660
Fig. 24 - Fiedel Fig. 25 - Evolução do arco desde o século VIII até hoje.
Violas da gamba
A família era extensa e variada. As gam- full tenor 53 em, a da division bass 65 crn e
bas podiam ser sopranino (pardessus de da consort bass 71 em. O violone, descrito
viole), soprano (dessus de viole), alto (a pa- por alguns autores como um monstro, e
drão viole), tenor pequena, tenor grande curiosamente, pois que autores como
(high tenor ou full tenor), às vezes barítono, Bach escreviam normalmente para ele,
baixo (bass de viol: division bass ou consort soava uma oitava mais baixo que a viola
bass), contrabaixo (violone). A caixa da so- baixo. Assim, sua nota mais grave seria ré,
pranino tinha 28 em, a da soprano 36 em, a imediatamente inferior ao mi grave do mo-
da alto 40 em, a da high tenor 48 em, a da derno contrabaixo!
THOT 33
ARTE
A afinação das gambas era em geral a pernas do executante, pois não tinham,
seguinte (na França e Alemanha): como nosso moderno violoncelo, pontilhão,
sopranino (pardessus) - dó, mi, lá, ré, menos os violones que tinham um apoio
sol. muito similar aos atuais contrabaixos. Seu
soprano (dessus) - ré, sol, dó, mi, lá, ré. estandarte (peça que segura as cordas
alto - dó, fá, si, bemol, ré, sol, dó. perto do cavalete) era mais leve, mas sutil,
tenor (taille) - sol, dó, fá, lá, ré, sol. menos abaulado que os atuais e em geral
baixo (bass de vio!) - ré, sol, dó, mi, lá, baixo, madeira alaranjado-escura.
ré. Prendia-se-o ao botão, por uma corda de
Havia essas sutilezas, tenor pequena, te- tripa que passava por dois furos que ele ti-
nor grande, division bass, consort bass; a te- nha na frente, por dois nós. Todas as gam-
nor era chamada tail/e. Ás vezes se as de- bas serviram magnificamente aos compo-
nominava soprano-tenor, ou sopranino- sitores, como Bach, Vivaldi, Haendel ou
-alto, ou mesmo contrabaixo, ao invés de Corelli, que lhes dedicaram obras inex-
violone. Existiam baixos de sete cordas, de cedíveis, muita vez dificilmente substituí-
cinco, gambas com cordas simpáticas e veis por violoncelo; por exemplo, a ária,
mais um sem-número de aplicações. para baixo, Komm, siisses Kreuz, da
As mais altas podiam-se escrever em Paixão segundo São Mateus, de Bach, tem
clave de sol, as médias em clave de dó. e uma parte para viola da gamba que não
essa é sua clave característica, e as graves pode ser substituída, a não ser que se a
em fá. Eram tocadas e apoiadas entre as mutile miseravelmente.
Fig. 26 - viote da gamba Fig. 27 - Viola da gamba Fig. 28 - Viola de Klotz, Fig. 29 - Viola d'emore.
{padrão}. de Heel, 1 706. 1 734.
Violas da braccio
Também tratadas como familia dos violi- essa classificação é meramente referen-
nos, porque eram tocadas como violino, cial, comparativa, como assim seria "viola
apoiadas no ombro e seguras pelo pescoço pequena, média" ... A viola de hoje é o
e queixo do executante, tinham, é evi- magnífico contralto do quarteto, ao passo
dente, ainda, menor acessibilidade que as que a viola da braccio que tinha a sua afina-
gambas, pois na posição não é possível to- ção, dó, sol, ré, lá, aqui mencionada, é a
car uma viola barítono grande, ou uma soprano. Havia uma, mais rara, denomi-
baixo, nem mesmo um instrumento con- nada por um autor viole da braccio, que ti-
sideravelmente largo. Não obstante, assim nha a cordatura exata do violino atual, sol,
se diz da família: ré, lá, mio
soprano - dó, sol, ré, lá. A figo 26 é de uma viola da gamba pa-
tenor - fá, dó, sol, ré. drão, não pelo tamanho, pois é uma sopra-
baixo - si bemol, fá, dó, sol. nino, ou pardessus de viole, mas pelo for-
A quem está habituado à cordatura da mato. A figo 27 mostra a viola de Heel, de
moderna viola, esses dados são estarrece- desenho diferente mas sem alteração no
dores! Como podia um instrumento da que importa. A figo 28 é de uma viola
braccio ter a afinação daquela tenor, ou, alemã, de Klotz, magnífico exemplar de
muito pior, da baixo? Que volume poderia sete cordas, sem simpáticas. Importante:
ter, se mesmo a corda dó da moderna viola esta última já é uma viola da braccio. A figo
o' tem fraquíssimo, ainda que de extraordi- 29 é uma viola d'amore, com oito cordas
nária beleza? Percebe-se, também, que principais, digitáveis, e oito SImpáticas,
THOT
que passam no meio do cavalete, sob o
ponto, e prendem-se no mesmo cravelhal
daquelas.
As principais variações, algumas tão
aberrantes que quase refogem ao grupo,
são as seguintes:
Viola d'amore - já mencionada e ilus-
trada, seu nome deve provir de moure, ou
moro, árabe. Seria uma viola mourisca, de Fig. 32 - Viola pomposa, Fig. 33 - Arpeggione,
origem, e não uma viola de amor. como os lhadíssimo, para as simpáticas, e o outro
franceses a traduzem. Sua grande carac- simples, liso, para as principais; o crave-
terística são as cordas simpáticas, por lhal é imenso, triangular; a voluta tem às ve-
baixo do ponto das principais, quase sem- zes duas cabeças esculpidas; o estandarte
pre em número ímpar, em geral sete, que é artisticamente trabalhado; a profundi-
eram afinadas, como aquelas, no mesmo dade da caixa de ressonância é grande e o
acorde de ré maior. Escreviam os compo- som ... um mistério! Haydn compôs para
sitores para ela notáveis maravilhas, como ela mais de 170 peças. Fig. 31.
os concertos de Vivaldi, as obras de Bach Viola pomposa - ideada por Bach e
(a Paixão segundo São João tem também construída em 1.720 por Hoffmann, em
partes para ela) ou as lezioni-sonate de Leipzig, é uma viola da braccio mais mo-
Ariosti. Algumas cordaturas: lá, ré, lá, ré, fá derna, alto, que ao formato e cordatura da
sustenido, lá, ré; ré, fá sustenido, lá, ré, fá viola moderna apenas incorporava a corda
sustenido, lá, ré; ré, lá,' ré, fá sustenido, lá, mt do violino, como quinta corda. Difícil
ré, a última, portanto, um hexacordo. Sua de manejar, mas excelente instrumento,
clave era dó. para a qual compôs Bach sua VI suíte;
Quinton - ascendente direto do violino, hoje, a execução dessa peça em violoncelo
tinha cinco cordas e era menor que a viola é extremamente árdua. Fig. 32.
da braccio standard. Arpe~gione - viola da gamba ernforrna
Viola bastarda - também chamada lira- de violao, sem "CC", com trastes, seis cor-
- viola ou lira-da braccio. Tinha cinco cordas das e elegante voluta, abaulada. Schubert
no ponto e duas fora dele. Sua caixa era si- compôs para ela a célebre sonata
milar à do violino' moderno, mas não seu Arpeggione. Fig. 33.
cravelhal, em forma de pingente. Fig. 30. Viola da spalla - era uma viola similar
Seu baixo, não muito parecido, descrito em tamanho à moderna mas de ponto
adiante, era chamado lira da gamba, lirone, curto, outra cordatura e menor extensão.
arquiviola, acorde ou acordo. Não se a deve Mais rústica, devia ser de sonoridade
confundir com a lira de viola, antiga viola muito inferior à do violino piccolo. Fig. 34.
de três cordas, de caixa arredondada. Era usada pelos spalle das orquestras, ou
Barítono, baryton, viola de bordão ou viola seja os violinistas principais sentados à
paradon - é um esplêndido instrumento, frente e que devem orientar os demais.
hoje raro e de que se conservam alguns Violino piccolo - família dos violinos, afi-
exemplares em museus da Europa. Baixo navam uma terça menor mais alto que o
da viola de seis ou sete cordas essenciais violino moderno, portanto si bemol, fá, dó,
de tripa e dezesseis simpáticas, de aço. É sol, o que lhe conferia maior secura e me-
chamada bastarda impropriamente, já nor ressonância, além de timbre um pouco
que esse é um dos designativos da lira- nasal. Bach compôs excelentes trechos
-viola.Os cortes em "r' são duplos e os bra- para ele, como nos Brandemburgueses ou
ços, colocados lado a lado, são, um, traba- nas maiores cantatas. Fig. 35.
Fig. 30 - Lira da breccio. Fig, 31 - Bar/tono. Lira da gamba - magnífico instrumento,
baixo da lira-viola. Tinha quase vinte cor-
das no ponto larguíssimo, mais algumas
poucas fora dele. Era robusta, de belo for-
mato, seu c"a velhal parecia um grande co-
ração, e o cavalete, naturalmente chato,
quase reto, permitia tocar grandes acordes
de uma só vez, o que lhe- valeu a denomi-
nação, também, de acorde ou acordo. Fig.
36, lirone ou acorde de Tieffenbrucker.
Octobaixo - J. B. Vuillaume o construiu,
em 1~49; esse sim, era um monstro verda-
deiro. Quase quatro metros de altura, afi-
nava uma oitava abaixo do contrabaixo
THOT 36
ARTE
moderno! Tinha três cordas, com pedais e viola d'amore, o violoncelo tenor e o pie-
alavancas para permitir tocá-Io. A inten- colo, o violonceau, a violotta, a violet, a
ção do famoso violeiro era dotar a orques- violetta marina, a violetta piccola, a via/a di
tra do registro de 32 pés, que só o órgão fagotto, o violino tenor, a viola alta, a viola
possui, e Berlioz chegou a prescrever qua- baixa, o rebe/ à violino, o ribechino, o
tro deles como componentes de sua orquestra discant-geige, mas, entre confusões, sinôni-
ideal, de mais de duzentos e cinqüenta mos e imprecisões, nem é de bom alvitre
instrumentos; os resultados não o justifica- prolongar a enumeração, que parece não
ram, no entanto, e ele foi abandonado. ter fim. Foram esses últimos, antes de in-
Fig. 37. Teve o mesmo destino sua venções originais, confusões históricas, e
contra/to, curiosa viola larguíssima. ao estudioso nem se recomenda muita de-
Houve, além dessas, inúmeras tentativas dicação aos nomes, que só o irão confun-
de criar instrumentos originais, como o dir.
nail violine (violino de arame, feito de uma
roda de pregos), o violino-bengala, o vio-
IVAN BARBOSA RIGOLlN
lino dos mendigos, o violino de Savart, tra-
pezoidal, o violino de Chanot, os violinos
mudos, para estudo, sem caixa de resso- OBRAS CONSULTADAS:
nância, o violino d'amore, que era pequena 1. ACLAP (Associação Cremonesa de Liutai)
Fig. 36 - Ura da gamba. Fig. 37 - Oetobaixo.
- Il Liutaio, Libreria dei convegno, Cre-
mona, 1973.
2. Grove, Charles - Dictionary of Music and
Musicians, ç, I vol., 5~ ed., Mac Millan
3. Lopes Graça - Tomás Barba - Dicionário de
Música (Ilustrado), 2 vol.,· Lisboa
4. Otterbach, Friedemann - Schõne Musikins-
trumente, ed. Schuber Verlagsgemein-
schaft, Munique.
5. Pasquali, G. - Principe, R. - El Violin, ed.
Ricordi Americana, Buenos Aires, 1952.
6. Sachs, Curt - History of Musical1nstruments,
ed. J.M. Dent & Sons Ltd., Londres, 1977.
7. Buchner, Alexander - Colour Encyclopedia
of Musical Instruments, ed. Hamlyn, 1980.
36 THOT
FILOSOFIA
Da
Importância
do
Trabalho
o trabalho é amor feito visivel.
G.K. Gibran
THOT 37
FILOSOFIA
38 THOT.
FILOSOFIA
THOT 39
3'ÁGINA
Prezados Senhores:
DOS LEITORES
Igreja se constituia verdadeiramente em um
I Tenho a honra de dirigir-me a V.Sas. no grande Estado espiritual: contava com um
sentido de oferecer-Ihes o trabalho anexo pontífice único e supremo, cinco patriarcas
("Normas de conduta de valor universal"), de (que residiam em Roma, Constantinopla, Ale-
cunho filosófico-intuitivo,que reputo de suma xandria, Antioquia e Jerusalém), os arcebispos
importância para todos os seres humanos no e um corpo episcopal (institutdo desde o sé-
que concerne à concórdia universal. culo 111).As primitivas irmandades eram assis-
Isto representa o resultado de minhas refle- tidas pelos presblteros e "governadas" pelos
xões, o qual submeto à apreciação dessa con- bispos.
ceituada entidade.
M.C. - São Paulo, SP. Correções
THOT: Apresentamos os nossos agradeci-
mentos ao leitor e comunicamos já ter sido en- l . No número anterior, por um lapso da re-
viada a matéria para a Comissão Editorial, para visão, não foi publicado integralmente o cré-
apreciação. De momento, aproveitamos para dito referente ao artigo "Os Seres Imagi-
manifestar todo o nosso apoio a iniciativas nários", que é este: "Extreldo de O LIVRO
como esta, pois, no nosso mundo tão dividido DOS SERES IMAGINÁRIOS, de Jorge Luis
e de tanta vioténcie. sempre serão bem-vindos Borges. Tradução de Carmen Vera Cirne Lima.
todo trabalho, toda reflexão e todo esforço que Direitos exclusivos de edição, em I1nguaportu-
tenham como objetivo a fraternidade guesa, da Editora Globo SA."
universal. 2. Corrigimos também o preço doi números
atrasados, que, na edição de n" 2 7, foi assina-
Prezados Senhores: lado como sendo Cr$ 200,00, por exemplar; o
Na oportunidade em que me congratulo correto é Cr$ 250,00, preço do número atual.
pela excelência do artigo ':,4 Cidade de Deus Encontram-se à disposição para vende os nú-
de Santo Agostinho", de autoria do prof? Igná- meros 12, 13, 14 e de 16 a 27.
cio da Silva Telles (THOT nQ 27, pp. 2 a 9), 3. No número 26, no artigo "Os Sólidos
gostaria, se possível, que me fosse satisfeita Platônicos" (p. 29), houve um equIvoco na ta-
uma curiosidade: na época de Agostinho, já se bela referente ao número de supertlcies, vérti-
encontrava inteiramente estruturada a Igreja ces e arestas dos poliedros regulares. O nú-
Cristã? mero de arestas do tetraedro é 6, e não 4
S.R. - São Paulo, SP
como erroneamente indicado, e no icosaedro o
THOT: Depois das dificuldades iniciais, das número de arestas é 30, e não 20 .. Isto se
perseguições contra os seus militantes, o Cris- pode perceber facilmente pelo teorema de Eu-
tianismo foi paulatinamente conquistando ter- ler, segundo o qual, em cada poliedro regular
reno, até que, durante o reinado de Constan- fechado, se dá a relação F + V = A + 2, sendo:
tino (306 - 337), alcançou a condição de reli- F - número de faces (superttcies):
gião estatal, consolidada pelo imperador Teo- V - número de vértices;
dôsio em 393. Em 311 o edito -de Gelério ter- A - número de arestas.
minava com as perseguições anticristãs e, em Então: A = (F + V) - 2. Para o tetraedro, o
313, o edito de Milão garantia aos cristãos o número de arestas A = (4 + 4) - 2 = 6; para o
direito de praticar livremente sua religião. Por icosaedro, A = (20 + 12) - -2 = 30.
essa época, as instituições básicas do Cristia- Houve engano também na descrição das fi-
nismo encontravam-se já bastante organiza- guras da página 30: a figura 2 representa o
das, sendo a Igreja universal dividida em múlti- icosaedro, e a figura 3 o dodecaedro, e não ao
plas comunidades submetidas à autoridade do contrário como sti se encontra.
bispado. Ainda com o incentivo do impera,dor
Constantino, realizou-se em Nicéia, na Asia Atenção leitores: as cartas devem ser dirigi-
Menor, em 325, o primeiro concílio ecumê- das à Revista THOT - Seção de Correspondên-
nico, que definiu o credo cristão contra as pri- cia e Assinaturas: rua Leôncio de Carvalho, 99
meiras heresias. - CEP 04003 - São Paulo - SP.
A época de Santo Agostinho (354 - 430), a
Assinatura THOT:
Para receber uma assinatura anual da revlata cuHural THOT (sela nú-
meros), envie cheque nominal, no valor de Cr$ 1.500,00, para AssoclaçAo
Palas Athena do Braall, Junto comaeu nome e endereço completoa.
Rua Le6nclo de Carvalho, 99 - Paralso
04003 - 810 Paulo - SP.
40 THOT
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a sua \ns
para o ..
INTRODUÇÃO AO
PENS~ME'NTO
FILOSOFICO
tTICA: espectos ético-filosóficos do Bramanismo e Bu-
dismo (leitura comentada de Bhagavad Gita. A
Voz do Silêncio e Dhammapada); o pensamento
ético de Aristóteles, Plotino, Kant e Bertrand Rus-
seI; a ética cristã.
FILOSOFIA DA HIST6RIA: introdução ao caráter geral da História; Iundemen- .
tos teoréticos; ciclos e ritmos históricos;. História e
Mitoiogia; teorias históricas de Cícero e PIatão.
S6CIO-PoLlTlCA: análise comparativa de indivlduo, sociedade e es-
tado, na visão clássica e moderna; a moral como
fundamento do direito social e do dever polltico;
estado liberal e estado dirigido.
. 00 '0'·
.
• . F0TOLl~O POLYCHROM - AV. IMP.' LEOPOLDINA, 1434