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Maio a 2 de Setembro de 1945

Agonia da Alemanha, Agonia do Japão

Tópicos do capítulo:

Tschuikov recebe a oferta de capitulação


Suicídio de Goebbels. Bormann empreende
fuga
Últimos combates. O General Wedding
capitula
Doenitz, chefe de Estado. Esmagamento da
Alemanha
4 de maio; os exércitos do Norte capitulam
em Lüneburg
7 e 9 de maio: capitulações de Reims e de
Berlim
Fim do governo de Flensburgo. Doenitz
preso
Retorno de MacArthur. Batalha das
Filipinas
Nimitz decide combater em Iwo Jima
Okinawa é invadida no dia da Páscoa
Os kamikases impotentes
Um problema: o preço da invasão do Japão
1
Potsdam: Churchill perde o poder.
Desacordo dos Grandes
Alamogordo, 16 de julho: a primeira
bomba A
O 6 de agosto às 8h13 sobre Hiroxima
8 de agosto: a Rússia declara guerra ao
Japão
9 de agosto: o dramático conselho supremo
de Tóquio
15 de agosto: o imperador opta pela
capitulação
2 de setembro, 9h25, na ponte do Missouri:
o fim

Finale

O oficial russo que ataca Berlim é o mesmo


que defendeu Stalingrado, o General-de-
Exército W. I. Tschuikov. Ele instalou seu PC
no Schulenburgring, n° 3, nos arredores de
Tempelhof.

2
Informam-no, a 30 de abril, por volta de
meia-noite, de que um coronel alemão acabou
de apresentar-se com uma bandeira branca,
perto do Landwehrkanal, e pergunta em que
lugar o General Krebs, chefe do Estado-
Maior-Geral da Wehrmacht, poderia
atravessar as linhas para realizar uma missão
junto ao comandante soviético. Tschuikov dá
ciência disso ao Marechal Zhukov, que o
autoriza a receber o emissário inimigo.

Krebs chega ao Shulenburgring às 4 horas da


manhã com o coronel Von Duvfing, o tenente
intérprete Neilandis, SS letão, e um soldado
que traz uma bandeira branca. Os quatro
homens estão esgotados pela caminhada feita
no inferno de Berlim. Krebs solicita uma
conferência a Tschuikov; este responde que
só pode ouvir o parlamentar em reunião de
seu estado-maior.

A mensagem que lhe trago - decide declarar


Krebs - é de importância capital. Nossas
tropas de nada sabem ainda. Ontem, à tarde,
Adolf Hitler suicidou-se”. O russo
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(provavelmente fingindo) não se altera: “Eu
já sabia”. E acrescenta, de imediato: “V.Exa
vem trazer a capitulação geral e
incondicional? Válida para todos os aliados?

Perturbado, Krebs interrompe o intérprete e se


lança num discurso em russo. Vem, diz,
solicitar simplesmente um armistício local.
Não tem qualquer poder para capitular em
nome da Alemanha. O sucessor do Fuhrer é o
Grande-Almirante Doenitz, que se encontra
no Schleswig-Holstein: somente ele pode
tomar uma decisão global. E apressa-se em
acrescentar que, pessoalmente, não tem
qualquer consideração pelas potências
ocidentais, democracias decadentes, sobre as
quais o nacional-socialismo tem o mesmo
julgamento que o comunismo. Conhece a
União Soviética, tendo sido adido militar
junto a Moscou. Sempre deplorou a guerra
russo-alemã, nascida de um funesto mal-
entendido. É também o ponto de vista de
Goebbels e de Bormann, que esperam na
Chancelaria, o resultado de sua missão...
4
Tschuikov interrompe essa profissão de fé:
“Preciso apenas de um sim ou de um não.
Capitula, sim ou não?”. Krebs parece
consternado. Indaga se pode mandar o
coronel Duvfing à Chancelaria, para consultar
Bormann e Goebbels. O russo o permite. Mas
a luta continua sem tréguas.

Quando Duvfing se põe a caminho,


amanhece. A luta prossegue. O pesadelo
continua. A palavra não é demasiado forte.
Todas as informações das últimas horas de
Berlim são idênticas e todas são inexpressivas
em sua capacidade de atingir o nível do
horror que tentam descrever. Mortos por toda
parte, montões de mortos de ambos os sexos e
de todas as idades. Feridos por todos os
cantos, suplicando que os matem. Sempre
uma chuva de cinzas, abóbadas de chamas,
multidão de pessoas vagando no meio das
explosões, as salvas dos “órgãos de Stalin”
levantando nuvens de fragmentos, a passagem
ruidosa dos caças-bombardeiros, cortes
marciais no canto das ruas, enforcamento nas
ruínas - e, no meio desse pandemônio, grupos
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de homens e de meninos lutando como
demônios.

Quantos são? Provavelmente, bem poucos. As


divisões do 56o Pz K, principalmente a dos
voluntários estrangeiros, reduziam-se a
algumas centenas, ou mesmo a algumas
dezenas de homens. A Nordland contava
1.500 homens no início do cerco, quando
combatia em Neukölln; seu chefe, o
Brigadefuhrer Ziegler, reencontra 80 ao redor
da Porta de Brandeburgo. A Carlos Magno,
que defende o bunker de Hitler, não teve
jamais em Berlim senão um batalhão de 300
homens, sob a ordem do Hauptsturmfuhrer
Fenet. O Volkssturm, unidades improvisadas,
deixou de representar força efetiva, por falta
de Panzerfäuste, de cartuchos ou de ânimo.
Os grupos intrépidos da Hitlerjugend foram
dizimados. Calcula-se que havia, no início da
batalha de Berlim, cerca de 90.000
combatentes alemães de todas as
denominações. Não devem restar mais de
10.000, mas a bravura e a destreza os
multiplicaram.
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Charlottemburg resiste ainda. A luta continua
no Kurfürstendam. A igreja da guarnição e o
Hotel Eden ruíram, mas, do outro lado da
Budapesterstrasse, o Zoológico é defendido
encarniçadamente pela Divisão Müncheberg.
Ao lado, o Hochbunker troa sem descanso.
No bairro governamental, os russos ocuparam
o Ministério da Aeronáutica e isolaram a
Chancelaria, mas somente avançam passo a
passo. Já não se trata, em suma, de um
combate coordenado. O PC central da
Bendlerstrasse não mais funciona. As ordens
já não chegam aos diferentes setores. Cada
grupo luta por sua própria conta, com a pura
energia do desespero.

Para voltar às linhas alemães, Duvfing segue


pela Budapestestrasse. Neilandis e dois
oficiais russos o acompanham. Reconhecendo
uniformes alemães sob a bandeira branca, os
granadeiros da Divisão Müncheberg gritam:
“Traidores!”. E atiram. Neilandis é ferido, os
dois russos são mortos, Duvfing é salvo pela
intervenção de um oficial alemão, que manda
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cessar fogo. Ele encontra um telefone, põe-se
em comunicação com Goebbels, que lhe
ordena voltar a Tschuikov e trazer Krebs para
que faça pessoalmente seu relatório.

Rápidas assim contadas, estas coisas se


desenrolam lentamente. É meio-dia quando
Duvfing, de uniforme rasgado, chega ao
Schulenburgring. O primeiro dia de maio é
tão magnífico, que o sol chega, em alguns
lugares, a traspassar a nuvem de fuligem que
cobre Berlim. Krebs tentou entabular
conversações com os russos, lembrando que o
Primeiro de Maio é a festa comum do
Terceiro Reich e da União Soviética.
Ninguém lhe respondeu.

Os enclausurados do bunker esperavam o


retorno de Krebs com impaciência
devoradora. A morte de Hitler fora seguida de
uma luz de esperança. Sob as ruínas da
Chancelaria, sob o cadáver de seu Fuhrer, os
extremistas do nacional-socialismo estão
prontos a proclamar sua conversão ao
bolchevismo. Goebbels e Bormann pensam
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em lançar um apelo ao povo alemão para que
retorne à aliança russa concluída e
denunciada por Hitler.

O relatório de Krebs desfaz essa nova


quimera. Goebbels deixa escapar uma
exclamação de desespero - “Das ist das
Ende!”(É o fim!) - ao saber que os russos
recusam qualquer espécie de conversação,
exigem uma capitulação pura, simples,
imediata e total. O General Weidling declara
que é preciso curvar-se. De início, Goebbels
protesta com veemência; depois, resigna-se,
num silêncio melancólico, desliga-se da vida.
Weidling afasta-se do bunker para seu último
posto de comando, na Vosstrasse, ao lado da
Chancelaria. Ainda dispõe de um posto de
transmissão, com o qual tentará retomar
contato com Tschuikov.

Bormann deseja viver: prepara uma saída


noturna, evasão dos ocupantes do bunker.
Goebbels quer morrer. As cenas que
marcaram o suicídio de Hitler e de Eva Braun
se repetem com menos cerimonial. A família
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despede-se de seus companheiros; depois é
servida às seis crianças uma beberagem
envenenada, preparada pelo médico do
bunker. A seguir, Magda e Joseph sobem a
escadaria do jardim da Chancelaria, levando
como uma imagem um retrato do Fuhrer num
quadro de prata. Dois SS de tocaia os batem,
de acordo com a senha combinada. Os corpos,
borrifados de gasolina, queimam
superficialmente, bem pouco para os tornar
irreconhecíveis.

São 19h30 nesse momento. Três homens


decidiram permanecer no bunker e fazer
saltar os miolos no instante em que entrarem
os russos: Schelde, chefe da guarda de Hitler,
o General Krebs e o General Burgdorf, este
inteiramente bêbedo. Os demais, homens e
mulheres, saem em pequenos grupos, com o
defensor da Chancelaria, o SS Brigadefuhrer
Möhnke. O plano traçado por Bormann
consiste em atingir a estação da
Wilhelmstrasse, pelas garagens subterrâneas
da Chancelaria, depois atravessar a Spree,
para escapar em direção a noroeste. Muitos
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dos que participam dessa tentativa não
abandonaram o bunker desde o início do
cerco: ficam completamente sufocados ao
emergir no meio da cidade em chamas.

Alguns escaparão, sobreviverão para fornecer


testemunhos preciosos sobre os últimos
momentos de Hitler. Os mais favorecidos
como o motorista Kempka e as três
secretárias, Frau Christian, Frau Junge,
Fräulein Krüger, conseguirão atingir a
Alemanha ocidental. Outros, como o
Almirante Voss e o camareiro Linge, farão
grande circuito pelos cárceres soviéticos,
onde serão submetidos a pressões
extraordinárias para garantir que Hitler
continua vivo. Outros tombarão nas ruínas de
Berlim. Outros finalmente, desaparecerão
sem deixar sinais. Martin Bormann é um
destes. Ele foi morto provavelmente pelas três
horas da madrugada, ao mesmo tempo que o
Secretário de Estado Naumann, na
Friederichstrasse, pela explosão de um carro
perto do qual passava. Kempka viu-o
desaparecer numa chama resplandecente e o
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chefe das juventudes hitleristas de Berlim,
Axmann, afirma que o reconheceu no chão,
morto ou agonizante. Esses testemunhos não
serão julgados suficientes para anular a ação
pública. Bormann será condenado à morte, à
revelia, em Nuremberg.

Enquanto esses naufrágios individuais se


perdem na grande agonia de Berlim, o posto
de transmissão da Vosstrasse lança
repetidamente um apelo: “Fala o 56o Corpo
Blindado alemão. Pedimos uma trégua
imediata. Nossos parlamentares se
apresentarão no Potsdamerbrücke meia hora
depois da meia-noite. Sinal de
reconhecimento: uma bandeira branca sobre
um findo de luz vermelha. Rogamos resposta.
Esperamos...” O coronel Von Duvfing torna a
partir pela quarta vez sob a bandeira branca e,
às 5 horas da manhã, conduz ao último PC do
comandante de Berlim um carro blindado
soviético. Weidling nele toma lugar com os
generais Wetasch e Schmidt-Dankwart. O
carro da capitulação corre riscos ao
atravessar, perto do Anhalter Bahnholf,
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grupos de jovens combatentes ainda bem
equipados que vociferam à sua passagem. A
notícia da morte de Hitler começa a espalhar-
se pelos abrigos e pelas posições de
combates. Deixa indiferente a grande massa,
abatida pelo excesso de sofrimentos e de
terror, mas encontra incredulidade perigosa
dos fanáticos, que protestam contra o
derrotismo e a traição.

No Schulenburgring, Weidling assina com


mão trêmula o ato de capitulação de Berlim.
É conduzido, depois, a uma sala da
Johannisthal, onde deve aceitar a repetição da
cerimônia e proceder à leitura de uma
proclamação em que acusa Hitler de ter
deixado ao desamparo, “im Stich”, os que por
ele combateram até o final.

Ainda não é completamente o fim. Uma saída


desesperada se organiza. Uma multidão de
combatentes recusando a capitulação, reúne-
se em Charlottenburg. Coberto de sangue,
com a mão na tipóia, o comandante da
Divisão Müncheberg, Mummert, forma uma
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coluna, que lança sobre a ponte de Spandau.
A ponte é transposta num rush irresistível.
Uma massa humana precipita-se sob o fogo
da artilharia russa: soldados de todas as
formações da Wehrmacht, civis carregando
crianças e puxando velhos. Eles passam,
verdadeiramente falando, sobre uma papa de
carne humana. O nome que sustentou a
resistência de Berlim, Wenck, reapareceu em
todos os lábios. É a ele que buscam alcançar,
indo na direção de Potsdam.

Em Spandau, desenrolam-se encarniçados


combates ao redor da cidadela ocupada pelos
russos. Os desesperados passam a noite na
cidade avermelhada pelo incêndio de Berlim.
No dia seguinte, 3 de maio, a situação torna-
se trágica. Mummert é morto. Os combatentes
são embaraçados pelas hordas de refugiados
que morrem de fome. Apesar de tudo
avançam, atingem a sede da guarnição de
Döberitz. Os aviões e os tanques os
massacram. Apenas elementos isolados
conseguirão reunir-se ao exército de Wenck.
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Em Berlim, cessa o fragor da batalha. O
Hochbunker do Zoológico, último reduto da
capital, silencia. Multidões pálidas saem dos
abrigos, estupefatas por estarem vivas. É
espantoso o que vêem. A vastidão das ruínas
e maior do que tudo o que o furor dos homens
já perpetrou. Milhares de berlinenses estão
soterrados sob o cadáver ainda fumegante de
sua cidade. A sorte dos vivos pode invejar o
repouso dos mortos. Tudo o que fazia o
homem social está desfeito. Todas as
mulheres entregues à sanha dos vencedores.
Os bens são destruídos ou destinados ao
confisco. O ministro soviético da indústria,
Ivan Serov, chega para organizar
pessoalmente o transporte das fábricas
berlinenses para a URSS. A desmontagem
começou quando ainda se lutava, algumas
vezes à luz dos faróis. Trata-se antes de um
massacre. De 75 a 91% das diversas
indústrias berlinenses serão devastadas,
atingindo o saque um valor superior a 4
bilhões de marcos, mas é quase apenas sucata
o que chegará à Rússia.
15
As capitulações do Terceiro Reich

Por pouco o Grande-Almirante Doenitz não


foi capturado em seu confortável QG de
Bernau, ao norte de Berlim. Ele se fiava numa
promessa de Keitel: uma ofensiva, que não
teve êxito ao fim do terceiro dia. Na noite de
19 de abril, tomado de um pressentimento,
Doenitz ordenou aos seus oficiais estupefatos
a evacuação das posições. Uma hora depois, o
Oberkommando der Marine estava em
marcha. Outra hora depois, os tanques russos
chegavam a Bernau.

O novo PC instala-se em Plön, entre Lübeck e


Kiel. É aí que o Almirante Doenitz assume o
comando da Alemanha do Norte, com o
Marechal Busch sob suas ordens, como
comandante das forças terrestres. Ele recebe
notícias espantosas e sente pesarem sobre
seus ombros dramáticas responsabilidades.

16
A primeira surpresa - a menor - é o
rebaixamento de Goering. A segunda é um
radiograma de Bormann denunciando a
traição, as negociações clandestinas de
Himmler. “O Fuhrer - concluiu Bormann -
espera que V.Exa agirá imediata e
inflexivelmente contra todos os traidores”.

Doenitz não é uma cabeça política. Deixou-se


levar pela influência de Hitler, mas não gosta
nem de Bormann, nem de Goebbels, nem de
Himmler. Todavia, hesita. Ao invés de se
fixar neste “imediata e inflexivelmente”,
solicita uma entrevista ao acusado e aceita o
encontro que lhe é concedido no Quartel dos
SS de Lübeck. Ele escapa são e salvo, com
grande ajuda de seus colaboradores. Himmler
afirmou sua fidelidade incondicional ao
Fuhrer e sustentou que estava sendo o objeto
de intrigas.

Nova mensagem assinada por Bormann chega


a Plön. Comunica a Doenitz que o Fuhrer o
designou seu sucessor, em lugar do ex-
Reichsmarschall Goering. Chegar-lhe-ão
17
poderes por escrito. “Mas desde já, cabe-lhe
tomar todas as medidas determinadas pela
situação...” O despacho não esclarece se
Hitler foi morto ou renuncia a sua funções,
abdicando no desastre, como Guilherme II,
em 1918.

O primeiro a ser informado é Himmler.


Convocado a Plön, chega com seis oficiais SS
armados. Doenitz recebe-o de revólver sobre
a mesa. À leitura do telegrama de Bormann,
Himmler empalidece de ira. “Espero - diz
acremente - que V.Exa me permita ser a
segunda pessoa de seu Estado”. A Alemanha
desmorona, os homens do nacional-
socialismo são todos marcados para fins
infames, e contudo eles lutam pelo poder com
um encarniçamento - e uma encenação - de
gangsters.

A morte de Hitler foi confirmada no dia


seguinte, 1o de maio, às 7h40, por um novo
telegrama de Berlim. A ambigüidade, todavia,
ainda não se dissipou completamente. É o
seguinte o texto: “Testamento em vigor.
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Alcançá-lo-ei logo que puder. Até lá
aconselho retardar a divulgação pública.
Bormann”. Este ainda se apega à ambição,
manobra, prepara seu futuro!

Doenitz recusa o conselho contido no


telegrama. A proclamação que ele irradia fala
de um Hitler morto em seu posto de combate,
lutando até o último alento contra o
bolchevismo. Todavia, quando recebe um
novo - e último - telegrama da Chancelaria,
resumindo-lhe o testamento e indicando a
lista de seus principais colaboradores, resolve
não tomá-lo em consideração. O Chanceler
será o Ministro das Finanças Schewerin von
Krosigk, rolha flutuando sobre todas as
ondas. Alfred Speer não tem pasta ministerial,
mas se mantém ao lado do Grande-Almirante
como uma eminência-parda. Convence-o a
mandar prender Bormann e Goebbels, se estes
chegarem a sair de Berlim.

A 1o de maio, o grupo de exércitos de


Montgomery, estacionado, havia 10 dias,
diante de Bremen e Hamburgo, retoma
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repentinamente o avanço. Atravessa o Elba e
invade o Oeste de Mecklemburgo. Doenitz
deixa Plön, recua até Mürwik, perto de
Flensburgo, na fronteira dinamarquesa. O
OKW instala-se a seu lado, depois de uma
viagem dramática pelos caminhos da derrota.
A intoxicação hitlerista permaneceu tão forte
em Keitel e Jodl, que eles saúdam a súbita
ofensiva britânica, vendo nela a marcha de
aproximação das hostilidades que vão
irromper entre os ocidentais e os soviéticos.
Hitler sustentou até o fim que o
prolongamento, aparentemente sem
esperança, da resistência alemã tinha como
sentido um Zeitgewinn, um ganho de tempo,
permitindo esperar a reversão das alianças.
Seus dois comandantes supunham ver
realizar-se a profecia.

Em Flensburgo, Doenitz dita a seu ajudante-


de-campo, o capitão-de-corveta Ludde
Neurath, um resumo da herança que lhe
coube. Na Itália, o grupo de exércitos de
Vietinghoff acaba de capitular, entregando
aos Aliados perto de um milhão de
20
prisioneiros. Na Alemanha do Norte, Berlim
foi perdida e todos os exércitos em campanha
se aproximam da desagregação. Na Alemanha
do Sul a situação é quase a mesma. O 3o
Exército americano completa a conquista da
Saxônia. Munique foi tomada há dez dias
pelo 7o Exército americano. Tendo
conquistado a Floresta Negra e tomando
Stuttgart, o 1o Exército francês atinge o lago
de Constança. A Luftwaffe está quase anulada
e, no pouco que resta da Alemanha, a
produção de guerra está praticamente
paralisada pelo esgotamento das matérias
primas e pela desorganização total dos
transportes.

É fora da Alemanha que a Alemanha continua


forte. O grupo de exércitos de Blaskowitz
conserva a maior parte da Holanda,
compreendidas Amsterdã e Roterdã. Na
França, os Aliados franquearam a
embocadura do Gironde (destruindo Royan),
mas Dunquerque, Calais, Bologne, Lorient,
Saint-Nazaire, La Rochelle, bem como as
ilhas anglo-normandas, ainda são mantidas
21
por fortes guarnições. No Mediterrâneo, a
Alemanha conserva possessões tão distantes
como Rodes e Creta. Na Europa Central, o
grupo de exército de Löhr mantém o Norte
dos Bálcãs, o grupo de exércitos de Schörner
ainda domina toda a Tchecoslováquia. Três
milhões de soldados alemães continuam em
armas do cabo Norte ao mar Egeu, enquanto o
próprio Reich está perdido!

Os refugiados agravam esta situação tão


singular. São milhões, ninguém sabe quantos
- talvez 5, talvez 10 ou mais. Muitos foram
alcançados pelo avanço russo ou recobertos
pelo avanço anglo-americano, mas sua
densidade não deixa de aumentar no território
cada vez mais reduzido conservado pelas
armas do Reich. As perdas e sofrimentos dos
alemães são espantosos. A retomada da
ofensiva britânica é acompanhada do
bombardeio de todas as estradas da Alemanha
do Norte, que provoca uma hecatombe de
civis. Estes bastam, aliás, para neutralizar
essas estradas metralhadas. Os próprios
oficiais de estado-maior já não conseguem
22
ultrapassar a onda humana, quando se dirigem
para o Leste, nem se livrar dela, quando sua
missão os chama para o Oeste. O
prosseguimento da luta em tais condições é
tão-somente um cruel, um criminoso absurdo.

Chegando a essa conclusão, Doenitz examina


a alternativa em que se encontra. O inimigo
proclama, desde a Conferência de
Casablanca, que exigirá uma capitulação
incondicional. Não mais deixa ignorar, desde
a Conferência de Quebec, que pretende
efetuar a dissolução total do Estado Alemão.
Alimenta, por isso mesmo, a tentação de
recusar à capitulação que ele exige, de se
abandonar pura e simplesmente, entre suas
mãos, como um corpo morto. Não apenas o
Exército alemão, mas a própria Alemanha
prisioneira de guerra, inerte sob o peso dos
vencedores...

O Grande-Almirante repele esta solução de


desespero. Tem esperanças de que o extremo
rigor da posição aliada continuará teórico, e
que ele sobrenadará pessoalmente como o
23
chefe de um governo indispensável.
Capitulará, portanto, mas tentará fazê-lo com
discernimento: o mínimo de capitulação em
relação ao russos; o máximo de capitulação
para os ingleses e americanos.

Os acontecimentos, contudo, se antecipam.


Desfaz-se o aparelho centralizado do
comando. A capitulação de Vietinghoff, na
Itália, representa a primeira de uma série. Por
toda parte, os exércitos alemães renunciam
por si mesmos à luta, tentam constituir-se
prisioneiros dos ocidentais.

Sem condições de prosseguir a marcha para


Berlim, Wenck coloca-se na defensiva em
Havel. A 2 de maio, é alcançado pelo 9o
Exército por um caminho doloroso, desde o
Óder, através das massas inimigas. O último
pensamento estratégico de Hitler fora o de
reunir os dois exércitos para esmagar os
russos contra o muros de Berlim. Mas Hitler
está morto e o exército de Busse reduz-se a
uma trintena de milhares de esqueletos, que,
tendo perdido até a força de temer o cativeiro
24
soviético, se deixam cair de esgotamento.
Wenck organiza um transporte ferroviário
para evacuá-los em direção a oeste, e coloca-
se diante do problema suspenso na noite de
22 de abril pela chegada de Keitel a seu QG:
como fazer passar às linhas americanas o
maior número de militares e civis?

A 4 de maio, o General Barão Von


Edelsheim, comandante do 48o Corpo
Blindado, atravessa o Elba, sob a bandeira
branca. Leva as propostas de Wenck:
rendição do 9o e do 12o Exércitos aos
americanos; abertura do Elba aos feridos, aos
militares desarmados, aos fugitivos civis,
enfim aos combatentes que protegerão o
êxodo o maior tempo possível contra a
ofensiva soviética. Conduzido a Stendal, ao
QG do 9o Exército americano, o barão recebe
uma acolhida cortês, e todas as suas propostas
são aceitas com exceção de uma única: os
civis não poderão atravessar o Elba! Muitos
vem da Prússia Oriental, da Silésia, das
províncias polonesas reanexadas pelo
Terceiro Reich. Puseram-se a caminho no
25
meio das tormentas de neve, marcharam
1.000 km, tiveram milhares de mortos,
deixara atrás de si milhares de cadáveres.
Resta-lhes apenas atravessar o Elba para
encontrar inimigos que consideram que a
guerra não suprime todas as leis da
humanidade. Mas o Elba é declarado
intransponível por decreto americano!

Wenck reenvia Edelsheim a Stendal. A


súplica que ele transmite é ouvida com
incredulidade. Os oficiais americanos não
compreendem por que tantos milhares de
civis querem afastar-se ainda mais de seus
lares, já tão distantes, quando as hostilidades
estão a ponto de terminar. Recusam-se a ouvir
a narrativa das atrocidades russas. Imaginam
uma manobra alemã para dividir os Aliados.
De resto, as instruções do SHAEF são claras.
A capitulação das unidades inimigas deve ser
exclusivamente o caráter de rendição militar
local. O comandante do 9o Exército considera
que exorbitaria seus poderes e que
reconheceria indiretamente a barbaria russa se
abrisse sua frente aos refugiados.
26
É forçoso inclinar-se. A capitulação é
assinada. Os feridos, os militares desarmados
e o pessoal dos serviços começam a transpor
o Elba, enquanto a 48a Pz e o 20o Corpo
formam uma cabeça-de-ponte nas
proximidades de Tangermünde. Às margens
do rio, milhares de refugiados se acumulam.
O canhão soviético troa muito perto. A
aviação russa metralha os acampamentos.
Muitos se atiram a nado, sobre pranchas, em
tonéis, mas na maior parte são repelidos pelo
fogo. No dia 7, os combatentes começam a
passar por sua vez. Wenck atravessa ao cair
da noite, num barco perseguido pelas balas de
uma metralhadora russa. Aproximadamente
100.000 soldados e alguns milhares de
refugiados trazidos por eles alcançam assim o
Ocidente. O desespero apodera-se dos que
ficam. Famílias inteiras suicidam-se ou,
tentando, apesar de tudo, atravessar o rio,
desaparecem nas ondas. Ao norte do exército
de Wenck combate o grupo de exércitos que
traz ainda o nome de Wiechsel: 3o Pz e o 21o
Exército. Em verdade, como na França em
27
1940, as palavras majestosas de exército e de
grupo de exército perderam o sentido. O
comandante provisório do grupo, General
Von Tippelkirsch, não consegue ultrapassar a
maré de refugiados para ir ver onde se
encontram suas grandes unidades. Decide
capitular, apresenta-se pessoalmente como
parlamentar, consegue chegar ao comandante
da 81a US Airbone, gavin. Como Simpson,
este aceita os soldados e recusa civis. Todas
as súplicas são inúteis. Longas colunas de
Feldgrauen marcham para um cativeiro
relativamente suaves. As mulheres e as
crianças ficam em seu desespero.

Doenitz pessoalmente entrou em


conversações com os vencedores. Na noite de
2 de maio, durante sua fuga em direção a
Flensburgo, deteve-se na ponte de
Levensauer, no canal de Kiel, para atribuir ao
comandante-chefe da Kriegsmarine,
Almirante Von Friedeburg, a missão de
render-se a Montgomery. Ele deve apresentar
a capitulação de todos os exércitos alemães da
28
Alemanha do Norte e solicita-lhe ajuda para
aliviar a miséria dos refugiados.

A viagem de Friedeburg vinga todos os


plenipotenciários da derrota que, desde 1938,
tiveram de depor aos pés de Hitler a
submissão de suas nações. O General Kinzel,
chefe do Estado-Maior do Marechal Busch, e
o próprio chefe de seu estado-maior, Contra-
Almirante Wagner, acompanham-no, bem
como um major Friedel. As estradas estão
bloqueadas pelos refugiados, atravancadas de
coisas abandonadas, constantemente
ensangüentadas pela aviação aliada. Nas
ruínas de Hamburgo, o Gauleiter Kauffmann
prende os parlamentares e fala em mandar
fuzilá-los. Só no fim da manhã eles
conseguem chegar à mata de Lüneburgo,
onde se encontra o PC ambulante de
Montgomery. Este desce de seu carro-
alojamento. Os alemães saúdam sobre as
dobras da Union Jack, que balança
alegremente na brisa. Monty aponta-os com
gesto indiferente: “Quem são esses? Que
desejam?” Momento supremo... Solicitada a
29
capitulação, Montgomery repele-a. Os
exércitos que se rendem a ele combatiam
contra os russos: que se rendam aos russos.
Friedeburg responde que nenhum soldado
obedecerá à ordem de depor as armas diante
deles - não por questão de honra, mas
unicamente porque o cativeiro sob os russos
significa sujeitar-se a tratamento mais bárbaro
que a morte. Em vez de responder,
Montgomery manda entrar Friedeburg no
carro-alojamento e mostra-lhe seus mapas.
Ao redor de um fragmento da Alemanha,
forças gigantescas dispõem-se para a
ofensiva. O almirante alemão prorrompe em
soluços. A hora do almoço fornece o
anticlímax. Montgomery manda servir os
alemães numa barraca à parte. Friedeburg
salga com suas lágrimas a comida inglesa. A
entrevista prossegue na grande barraca do
Comando, sempre no meio dos mapas
inexoráveis. Monty formula uma
contraproposta. Sugere a capitulação imediata
de todas as forças alemães terrestres, aéreas e
navais que se encontram nos flancos oeste e
norte de seu grupo de exércitos, isto é, na
30
Holanda, nas ilhas da Frisa, em Heligoland,
no Schleswig-Holstein, na Dinamarca. Sob
estas condições, todos os soldados alemães
que se apresentarem aos postos avançados
britânicos, individualmente ou em grupos,
serão tratados como prisioneiros de guerra.
Quanto aos refugiados, Montgomery reitera
que não pode oficialmente autorizá-los a
atravessar suas linhas. Mas promete estudar
os meios de reduzir-lhes os sofrimentos. “Não
sou - diz ele - um homem desumano...” E o
demonstra, mandando suspender os
bombardeios aéreos, sem esperar a assinatura
da capitulação.

Friedeburg responde que não tem poderes


necessários para fazer capitular as forças
alemães da Holanda e da Dinamarca. Acerta-
se que ele vá obtê-los em Flensburgo. O
Almirante Wagner e o General Kinzel
permanecerão no QG inglês. A data-limite
fixada para a assinatura é o dia seguinte, 4 de
maio, às 18 horas.

31
Enquanto isso, importantes deliberações
foram tomadas em Flensburgo. Doenitz
convocou as principais autoridades civis e
militares dos territórios ainda ocupados pela
Wehrmacht. Seyss-Inquart veio da Holanda;
Terboven e o General Boehm, da Noruega; o
Dr. Best e o General Lindemann, da
Dinamarca; o General Foertsch, chefe do
Estado-Maior do Grupo Norte, da Curlândia;
o Reichsprotektor Franz e o General Von
Natzmer, chefe do Estado-Maior do Grupo
Centro, da Tchecoslováquia. Todos
concordaram em que a situação é
desesperadora. Seyss-Inquart revela que já
determinou conversações, e Franz informa
que negocia com os políticos burgueses de
Praga para que tomem o poder e chamem as
tropas americanas. Natzmer, todavia, declara
que não pode responder pelo seu chefe, o
Marechal Schörner, capa de querer defender-
se, até o último alento, no quadrilátero
boêmio.

À meia-noite, Friedeburg reaparece, pálido de


fadiga. O exame das condições que ele traz
32
continua diante de Keitel, Jodl e Schwerin. A
obrigação de entregar intactos os navios
detém um momento o Grande-Almirante,
depois ele cede, dá a Friedeburg os poderes
para assinar a capitulação de todos os
exércitos do Norte. Pede-lhe que prossiga,
depois, sua missão até Reims, para oferecer
aos americanos uma rendição semelhante dos
demais exércitos.

Às 18 horas do dia 4 de maio, Friedeburg


apresenta-se novamente à caravana de
Montgomery. Este lhe faz uma única
pergunta: “Sim ou não?” “Very dejected”, diz
Montgomery; o alemão responde: “Sim”.
Vinte minutos depois, diante dos
correspondentes de imprensa, fotógrafos,
cinegrafistas, microfones de rádio, ele apõe
sua assinatura no ato de capitulação. Um
avião inglês leva-o de volta a Flensburgo, de
onde, na manhã seguinte, uma avião alemão
levanta vôo, para conduzi-lo a Reims.

O tempo mudou. Friedeburg teve de pousar


em Bruxelas seguindo de automóvel para
33
Reims, onde chega ao fim da tarde,
acompanhado do General Kinzel e de um
coronel Poleck. A acolhida que recebe de
Bedell Smith faz-lhe esperar a mesma
compreensão tácita de Montgomery. A ilusão
desfaz-se quando Smith retorna, depois de ter
conferenciado com Eisenhower. Os termos
são de um rigor implacável. A capitulação
deve ser assinada por todos os exércitos
alemães, e do mesmo modo para os russos
como para os ocidentais. Desde o momento
em que entrar em vigor, os soldados alemães
se tornarão prisioneiros no local onde se
encontrem, sem direito de fazer qualquer
movimento, sob pena de se colocarem fora
das leis da guerra. Friedeburg invoca as
concessões que obteve de Montgomery, mas
Smith responde que se tratava, em
Lüneburguer Heide, de uma capitulação
estratégica, enquanto em Reims se trata de
uma capitulação global. Não diz que Ike ficou
violentamente contrariado com a atitude de
Montgomery. “Ele esteve pensativo durante
todo o almoço - disse seu ajudante-de-campo
naval, Butler - perguntando-se em que
34
situação ficaria ao aceitar uma capitulação
que os russos se recusassem a reconhecer...”

Intimado de novo a dizer sim ou não,


Friedeburg consegue o envio de um relatório
a Flensburgo. Kinzel parte e presta contas.
Doenitz decide enviar Jodl para uma suprema
tentativa. A escolha não é muito diplomática,
mas Jodl tem fibra. Francis de Guingand, que
o conduz ao PC estratégico de Montgomery a
Reims, nota sua calma imperturbável e
confessa-se inquieto por encontrar-se no
mesmo avião com o homem que foi a alma
danada de Hitler. Jodl mostra-se aliás tão
impotente quanto Friedeburg. Tentando
ganhar tempo, propõe que a capitulação se
realize em duas etapas: uma etapa durante a
qual os movimentos de tropas continuarão
autorizados e outra em que serão proibidos.
Eisenhower manda-lhe responder que, se a
assinatura alemã ainda se faz esperar, dará
ordens para fechar completamente ocidental e
de atirar sobre qualquer soldado alemão,
mesmo desarmado, que venha-se render.
35
Esgotaram-se todos os recursos. À meia-
noite, Jodl telegrafa a Flensburgo que não vê
outra saída: a assinatura ou o caos. A resposta
de Keitel chega-lhe à 1h30: “Plenos poderes
são conferidos a V.Exa. para assinar pelo
Grande-Almirante Doenitz”.

O salão da Escola Profissional foi preparado


para esse momento solene: a capitulação da
Alemanha depois de 68 meses de
hostilidades. Repentinamente, é dada ordem
para retirar os refletores e os gravadores. Os
16 correspondentes trazidos de Paris num C-
47 são avisados de que devem assistir (em
caráter confidencial) ao acontecimento para o
qual foram convocados. A capitulação da
Alemanha aos Aliados deve ser clandestina.
Eisenhower resolve não comparecer ao ato. A
cerimônia é presidida por Bedell Smith, tendo
à direita o almirante inglês Harold Burrough e
à esquerda o general russo Ivan Susloparoff,
modesto chefe de um destacamento de
ligação. Dois aviadores, um americano e um
inglês, Karl Spaatz e J.M. Robb, o general
inglês Frederick Morgan, finalmente o
36
general francês François Sevez, este
convidado no último instante, completam o
lado aliado da mesa. Em frente, Jodl,
Friedeburg e o Major-General Wilhelm
Oxenius, enviado para representar a
Luftwaffe. Foi tudo liquidado em alguns
minutos, depois de uma declaração de Jodl
dizendo que o povo alemão apelava para a
generosidade dos vencedores. A conclusão da
assinatura de Reims é uma nova capitulação
diante de Stalin. Sua cólera parece ter
mergulhado o SHAEF num estado de pânico.
Rapidamente, combina-se que a verdadeira
cerimônia será realizada dois dias depois, em
Berlim, no meio dos exércitos soviéticos
vitoriosos. Apesar de tudo, o mundo ocidental
foi informado dos fatos, graças à coragem
cívica do corresponde da Associated Press,
Edmund Kennedy, que protestou contra a
proibição ignominiosa e frustrou a censura.
Mas foi preciso evitar que o Generalíssimo do
Ocidente, Dwight Eisenhower, se precipitasse
para Berlim, a fim de desempenhar o segundo
papel, atrás do Marechal Zhukov. “O Estado-
Maior de Ike - disse Butler - interpreta a
37
exigência soviética como um ato de
propaganda. O Primeiro Ministro já havia
manifestado sua oposição. Ike cedeu a custo.
Ele desejava ver Berlim e encontrar os
russos...”

Berlim continua a arder. As ruínas são


sacudidas pelas explosões dos depósitos de
munições ou de bombas aliadas a que o
incêndio dá a segunda oportunidade. Os
aviões de transporte conduzindo as
delegações ocidentais foram submetidos a
formalidades minuciosas, e escoltados por
caças soviéticos até o aeroporto de
Tempelhof, juncado de ruínas da batalha. Por
mais preparado que estejam os ocidentais, o
sobrevôo da capital destruída os transtorna.
Os russos, por motivos que só eles sabem,
evitam fazê-los atravessar os quarteirões do
Centro e os conduzem, por um longo circuito,
até Karlshorst, subúrbio distante
relativamente poupado. A população foi
convidada a desaparecer do percurso; o
trânsito é dirigido por mulheres de calças
curtas, manejando, com destreza de
38
autômatos, bandeirolas vermelhas e amarelas,
e as tropas postadas nos cruzamentos tem
bom aspecto. De Lattre, cuja chegada não era
esperada nem desejada, parece ter tomado
outro itinerário. É o único a falar das “filas
miseráveis e intermináveis de mulheres,
crianças e velhos desnorteados, munidos dos
recipientes mais estranhos para recolher um
pouco de água nas fontes públicas e nos
hidrômetros”. Observa também os contrastes
do Exército Vermelho, das unidades
blindadas de uniformes perfeitos e, “mais
adiante, comboios de longas e estreitas
carroças empoleiradas sobre rodas muito altas
e que conduzem soldados mal vestidos, com
gorros de astracã e velhas cobertas atiradas
sobre os ombros”...

A participação do general francês na


cerimônia foi cercada de sérias dificuldades.
Depois de haver conquistado a Floresta
Negra, seu exército contornou o lago de
Constança, penetrou na Áustria, tomou
Bregens e Feldkirch, no caminho de Brenner.
De Lattre encontra-se em Lindau quando
39
recebe do General De Gaulle ordem de
“participar da assinatura do ato solene da
capitulação de Berlim”. O SHAEF concorda,
fornece o avião, mas os russos começam a
levantar dificuldades. De Lattre e seus
companheiros, coronel Demetz e capitão
Bondoux, vêem-se como três palhaços numa
sala comum, e imediatamente, procuram em
vão chegar até o Marechal Zhukov. Ignora-se
em que condições e em vista de que
considerações Moscou abrandou
repentinamente sua atitude. Estabelecera-se
que a capitulação seria concluída pelo
Marechal Zhukov e pelo Marechal-do-Ar
Tedder; este, representante de Eisenhower. O
general americano Spaatz e De Lattre
assinaram como testemunhas. O amor-próprio
francês foi salvo.

No dia 9 de maio, pouco depois da meia-


noite, a sessão foi aberta no salão nobre da
Escola de Suboficiais de Karlhorst. Dez
minutos depois da meia-noite, Zhukov manda
introduzir no recinto a delegação alemã.
Doenitz designou para chefiá-la o Marechal
40
Keitel. Este entra numa atitude que as
testemunhas qualificarão de arrogante, mas na
qual cabe ver a inflexibilidade respeitável de
um soldado realizando o mais doloroso dos
atos de abnegação. Em saudação, ele ergue
seu bastão de marechal, mas não recebe
resposta. A seu lado toma lugar o Almirante
Friedeburg, cadavérico, e o Coronel-General
Stumpf, representante do Marechal Von
Greim, que, ferido em Berlim, está recolhido
a um hospital bávaro. Atrás, alinham-se seis
oficiais “verdadeiramente magníficos - diz o
oficial Bondoux - trazendo todos a cruz de
cavaleiro, com espada, e que permanecem
imóveis, mordendo os lábios para não
chorar”... Imagem comovedora de um
valoroso exército vencido.

É lido o acordo. A delegação alemã


reconhece a rendição incondicional de todas
as forças armadas alemães - a qual, segundo
os termos de Reims, já entrara em vigor na
véspera, às 23h01. Keitel solicita prazo de 24
horas para notificar os exércitos. Zhukov
responde que o pedido já fora rejeitado.
41
Trocam-se as assinaturas. Keitel torna a
saudar com o bastão de comandante. Os
vencedores permanecem sentados. Os
vencidos se retiram.

Alguns dias mais tarde, o Almirante


Friedeburg envenena-se. O General Kinzel
estoura os miolos. Himmler, depois de ter
girado em torno de Doenitz, ainda
alimentando vagas intrigas, acaba por
entregar-se a um posto inglês, mas, no
momento em que começa a revista pessoal,
parte entre os dentes uma pastilha de cianeto
e tomba morto. Greim também se envenena.
Outros, que se incluíam entre os mais
fanáticos, tentam sobreviver. O Gauleiter
Hanke, que decretou a defesa de Breslau “até
o último homem e até a última mulher”, foge
da cidade agonizante num Fieseler Storch. O
Gauleiter Koch escapa de Pillau a bordo de
um quebra-gelo, que transformara em “arca
de Noé” particular, e ganha a costa
dinamarquesa. Perdem-se ambos no caos da
Alemanha derrotada.
42
Na Curlândia, tudo o que pode navegar
abandona os portos de Libau e de Windau
durante o dia 8 de maio, repatriando-se
28.000 homens, elevando-se a 2.204.722 o
número de militares e civis arrancados dos
bolsões do Leste pela Marinha alemã, mas
deixando prisioneiros 230.000 soldados. Nos
Bálcãs, os 400.000 soldados do Grupo de
Exércitos Löhr tem de render-se aos
guerrilheiros de Tito, que lhes infligem
vinganças cruéis. Na Áustria, o Grupo de
Exércitos Rendulic, com efetivo de 600.000,
conseguiu entregar-se aos americanos.

Na Tchecoslováquia, Praga rebelou-se a 6 de


maio. Patton encontra-se em Pilsen, a 80 km
da capital. Solicita autorização para atacar e,
sem esperá-la, antecipa a remessa de um
destacamento blindado. Bradley intervém.
Praga, como Viena e Berlim, é reserva de
caça soviética. É chamado o destacamento
que já atingira Praga.

O socorro que chega aos insurretos é de


natureza inesperada. Hitler decidira à tarde,
43
permitir a constituição de um exército
Vlassov. Apenas uma divisão pôde ser
equipada. Ela chega a Praga, sob o comando
do general ucraniano Bunitchenko e, ao invés
de reprimi-la adere à insurreição. Vêem-se
uniformes alemães combater outros
uniformes alemães. O próprio Vlassov acorre,
após o esmagamento da guarnição alemã, e
conduz cerca de 100.000 soldados às linhas
americanas. Patton determina que eles sejam
tratados como prisioneiros de guerra. Depois,
serão entregues aos russos, com Vlassov à
frente.

Schörner comunica a capitulação a seu QG de


Josephstadt, nos montes Sudetos. Possui sob
suas ordens três exércitos intactos, o 3o, o 17o
e o 4o Pz, totalizando 1.200.000 homens.
Algum tempo antes da investida de Berlim,
ele fora a Hitler, com o objetivo de levá-lo ao
quadrilátero boêmio, prometendo-lhe uma
defesa desesperada. Garantiria também sua
comitiva. Sabendo que tudo estava terminado,
ele veste trajes civis, guarda no bolso suas
condecorações de brilhantes, e escapa em seu
44
Fieseler para a Baviera, sua terra natal, onde
preparou um refúgio com provisões para um
ano. Denunciado por guerrilheiros, é preso
pelos americanos, que o entregam aos russos.
Estes o libertarão ao fim de alguns anos, com
honras que vão até uma recepção em Berlim
Oriental, dada por Walter Ulbricht. Bem
poucos soldados escaparão dos campos
russos; a maioria não retornará jamais.

O fantasma do governo de Flensburgo divide


os Aliados. Churchill vê nele “um
instrumento útil”, e deseja conservá-lo.
Eisenhower alarma-se com as disposições
anti-soviéticas de Doenitz, que claramente faz
passar para o Ocidente os cientistas alemães
procurados pelos russos - e destinados a se
tornarem cidadãos americanos. Keitel é o
primeiro a ser detido; depois, a 22 de maio, o
Grande-Almirante é convocado a ir, com Jodl
e seus colaboradores, a bordo do Patria, que
serve, no porto de Flensburgo, de sede à
missão de controle interaliada. Enviado pelo
SHAEF, o general americano Rooks manda
encarcerá-los. O Grande-Almirante e seus
45
oficiais são obrigados a baixar as calças para
a revista pessoal.

Humilhação simbólica. A Alemanha não foi


apenas vencida. Perdeu completamente a
existência política e mesmo toda a natureza
jurídica. Não foi apenas vencida, foi, no
sentido exato do termo, aniquilada.

Reconquista de Manila; tomada de Iwo


Jima; o Japão em apuros

Terminou a guerra na Europa. A guerra na


Ásia continua. Em princípios de 1945, a
situação do Japão permanece impressionante
no mapa. Os japoneses retinham, então,
imensas faixas do continente asiático: a
Coréia, a Manchúria, todo o Norte da China e
importantes áreas costeiras no Sul, a
Indochina francesa, a Malásia, a Tailândia e
metade da Birmânia. Na Ásia insular,
possuíam ainda a totalidade das Índias
Holandesas e, nas Filipinas, apenas uma ilha
importante, Leyte, lhe havia sido tomada.
Além dela, o balanço das conquistas perdidas
46
reduz-se à Nova Guiné, às ilhas Salomão,
Marshall, Gilbert e Marianas e a uma faixa da
Birmânia. Tendo de abandonar alguns postos
avançados, o Japão passou da ofensiva à
defensiva, mas, três anos após sua entrada na
guerra, o império que desde então havia
edificado permanecia substancialmente
intacto.

A 9 de janeiro, reinicia-se a ofensiva


americana. MacArthur teve ainda ganho de
causa. O Almirante King desejava deixar para
trás as Filipinas, a fim de atacar diretamente
Formosa. Contra essas razões estratégicas
MacArthur desdobrou de novo seus
argumentos sentimentais e políticos: “A
ocupação total do arquipélago das Filipinas é
um dever nacional e uma necessidade
política. Abrir mão de alguma ou de todas as
ilhas seria destruir a honra e o prestígio
americanos em todo o Extremo Oriente, senão
no resto do mundo”. Os almirantes Leahy e
Nimitz apegaram-se a essa tese. Foi
determinada a invasão de Luzon, ilha
principal das Filipinas.
47
O conquistador de Cingapura, Yamashita,
defende-a. Suas forças elevam-se, no total, a
uma dezena de divisões, isto é, 262.000
homens. O bloqueio naval e aéreo torna as
provisões extremamente difíceis. Em
dezembro, nenhum comboio conseguiu entrar
na baía de Manila. A ração diária dos
soldados foi reduzida de 1.4 kg de arroz a
menos de ½ kg. Os filipinos suportam
privações ainda mais severas e, nos campos
de concentração, os europeus prisioneiros,
militares ou civis, morrem de inanição.

O plano americano de reconquista baseia-se


no plano de conquista japonês. O 4o Exército
dos EUA, do General Walter Krueger,
desembarca na mesma baía de Lingayen, que,
a 22 de dezembro de 1941, viu surgir as
tropas japonesas do General Homma. A baía
constitui a extremidade marítima do grande
vale que monopoliza a riqueza e reúne as vias
de comunicação. Como os japoneses em seu
tempo, programaram os americanos, no Sul
de Manila, um ataque suplementar confiado
48
ao 8o Exército, do Tenente-general Robert
Eichelberger.

O desembarque na baía de Lingayen não


encontra grandes dificuldades. Embora os
americanos os tenham imitado, os japoneses
são inteiramente surpreendidos. Os ataques
dos kamikazes destroem alguns navios, mas
cessam rapidamente, não por falta de
voluntários, mas de aparelhos. Desde o dia 9,
à noite, 100.000 homens do 1o e 14o corpos
foram postos em terra e a cabeça-de-ponte é
contínua. No decorrer dos dias seguintes, a
ofensiva depara com linhas de defesa cada
vez mais fortes. MacArthur contava estar em
Manila 15 dias depois do desembarque
principal. A 27 de janeiro, acaba de tomar
apenas o aeródromo de Clarkfield, a meio
caminho.

A 31 de janeiro, o desembarque secundário é


realizado na baía de Nacugbu. A resistência
japonesa é desprezível e, através de uma
região montanhosa, a 11a Divisão
Aerotransportada progride velozmente em
49
direção à Manila. Quando atinge a orla
meridional, o 14o Corpo se apresenta pelo
lado oposto e uma incursão do 8o Regimento
de Cavalaria livra os 3.500 prisioneiros da
Universidade de Santo Tomás, apenas menos
esqueléticos que os mártires de Buchenwald.
Depois da tomada de Clarkfield, a resistência
japonesa fraquejou repentinamente e os
americanos puderam avançar rapidamente
para a capital.

Permanecendo disponível seu 9o Corpo,


MacArthur joga-o contra a península de
Bataan, a fim de apressar a abertura da baía
de Manila. O exército americano volta aos
funestos campos de batalha de 1942, aos
desfiladeiros que não conseguiram defender,
às encostas cobertas de matas do monte
Natib, nas quais sofreram a superioridade dos
guerreiros amarelos embriagados pelas
vitórias. As condições mudaram
prodigiosamente. Ao poderio, à variedade das
armas, juntam-se uma capacidade combativa
e uma flexibilidade de organização que
transformam o jovem exército americano num
50
formidável instrumento de combate. O novo
desembarque não custa um só homem. A
península de Bataan é rapidamente isolada. O
9o Corpo faz junção com a direita do 14o
Corpo, cujo flanco esquerdo é protegido, pelo
1o Corpo, contra a massa principal do
inimigo, o Grupo Shobu, que ocupa as
montanhas do Norte da ilha. Manila está
totalmente cercada.

Fortes laços sentimentais prendem MacArthur


a Manila. “Meu pai venceu aí, minha mãe aí
morreu, cortejei aí minha mulher, meu filho
nasceu aí...” Ele premeditou tomar a ilha
intacta. Proibiu a aviação e a artilharia de
bombardeá-la. Yamashita, por sua vez,
resolveu não defendê-la, em vista de seu
perímetro excessivamente extenso. Mas o
Exército e a Marinha japonesa são dois rivais.
O Almirante Okoshi recusa-se a aceitar a
decisão do general-chefe e ordena ao
Almirante Iwabushi disputar Manila palmo a
palmo.

51
Trava-se a batalha. A parte da cidade situada
ao norte de Passig é conquistada com relativa
facilidade, mas os quarteirões situados ao sul
do rio exigem uma luta encarniçada. Duas
divisões americanas, a 37a e a 1a de Cavalaria,
esmagam um a um os ninhos de resistência: o
Estádio Rizel, o Parque Harrison, a
Municipalidade, o Correio Central, o Hotel
Manila. MacArthur assiste à tomada deste
último e vê as chamas devorarem o alpendre -
ainda guarnecido por seus livros e por seus
móveis - onde ele tantas vezes meditou
contemplando a baía luminosa. Os últimos
marinheiros do Almirante Iwabushi
entrincheiraram-se na cidade colonial Intra
Muros, atrás do baluarte espanhol do século
XVIII. MacArthur nega ainda aos seus
generais a autorização para arrasar esse
reduto com a ajuda de um ataque aéreo, mas
teve de autorizar o emprego do canhão; uma
preparação de artilharia de cinco dias reduz
Intra Muros a escombros. O assalto é
realizado por escalada, a 23 de fevereiro. Os
últimos japoneses são eliminados a 3 de
52
março. Os americanos tiveram 1.010 mortos e
5.565 feridos. Manila é um campo de ruínas.

Nessa data, a península de Bataan foi varrida.


O rochedo de Corregidor foi tomado pela
conjunção de uma descida de pára-quedistas e
de uma operação anfíbia. Topside e seu
extenso quartel, onde MacArthur estabelecera
domicílio durante o cerco de 1941, são
conquistados com grande luta. O túnel de
Malinte Hill, de onde milhares de americanos
saíram de braços levantados, foi bloqueado
pelos dois extremos. Mas os japoneses não se
rendem. Uma terrível explosão subterrânea,
lançando torrentes de chamas pelas duas
saídas, anuncia o suicídio de seus defensores.
A 26 de fevereiro, o arsenal subterrâneo de
Michey Point explode por sua vez, cobrindo
Corregidor de destroços. Toda resistência
organizada chega ao fim. Numa guarnição de
4.000 homens, os americanos fizeram apenas
20 prisioneiros.

No dia seguinte, 27, MacArthur instala


Osmena no quase poupado Palácio
53
Presidencial de Malaccanan: ele prorrompe
em lágrimas no meio de suas palavras.
Grande parte de Luzon e certo número de
ilhas, entre as quais Mindanao, estão ainda
ocupadas pelos japoneses; porém, a
formidável campanha desejada por
MacArthur, mais como um marechal das
Filipinas do que como um general do Estados
Unidos, está fundamentalmente terminada.
Não ficou demonstrado que ela tenha
desempenhado na derrota do Japão um papel
proporcional à sua amplidão e a seu custo. Ao
contrário, sua justificativa indireta pode
encontrar-se no fato de que, depois da guerra,
somente a República das Filipinas, em todo o
Sudeste Asiático, permaneceu fiel à amizade
americana e aos princípios da democracia.
Enquanto MacArthur reconquista as Filipinas,
a aviação dos EUA prossegue o bombardeio
do Japão, e a Marinha americana desenvolve
a estratégia dos atóis. Estão ligadas as duas
coisas. Cada ilha conquistada no caminho de
Tóquio permite aos aviadores infligir golpes
cada vez mais concentrados e seguros.
54
Com bases nas Marianas, os B-29 da 2a Força
Aérea estão apenas a 1.000 milhas do Japão.
Os reides multiplicam-se e intensificam-se
contra as instalações militares e os
estabelecimentos industriais. Aumenta a
tentação de incendiar as cidades japonesas,
madeira e papel. Todavia, faz-se sentir a
necessidade de uma base avançada para dar às
superfortalezas-voadoras uma escolta de
caças e para recolher, de retorno, os aviões
danificados.

Não é ampla a escolha. Entre as Marianas e


Honxu existe um arquipélago, uma extensa
cadeia de pequenas ilhas, que os japoneses
denominam Nampo Shoto. Somente duas
servem para o estabelecimento de uma base
aérea: Xixijima, no grupo das ilhas Bonin, e
Iwo Jima, no grupo das ilhas Vulcano. O
Almirante Nimitz escolhe esta última,
ligeiramente menor, porém, pouco menos
acidentada. O desembarque ocorre a 19 de
fevereiro. Duas divisões de Marines, a 5a à
esquerda e a 4a à direita, lançam-se à ofensiva
numa manhã radiosa e em perfeita ordem. A
55
aviação naval e terrestre trabalhara durante
semanas para enfraquecer as defesas; mas
recusou-se ao general comandante do Corpo
Expedicionário, Holland Smith, a semana de
preparação de artilharia que ele pedira, e os
porta-aviões do Almirante Halsey saem para
uma incursão-monstro contra Honxu, em vez
de cooperar na invasão de Iwo Jima. Reina o
otimismo. Cota-se tomar a ilha em quatro
dias.

Seu nome, Iwo Jima, significa ilha sulfurosa.


É escarpada. Com uma extensão de 8 km, por
4 de largura, é constituída de rochas
vulcânicas e coberta de espessa camada de
cinzas negras. Seu longo perfil lembra uma
sela. A extremidade sul é um pequeno vulcão
de 173.5 metros, quase extinto, o monte
Suribachi. A extremidade norte é formada por
um grupo de colinas, pelas quais sobem rolos
de fumaça, e cujo solo é tão abrasador que é
quase impossível cavá-lo. No centro, o
terreno é menos acidentado. Os japoneses
construíram aí dois campos de aviação e
iniciaram um terceiro.
56
Não reina entendimento entre os defensores.
Marinheiros e soldados discutem. Uma cólica,
que parece ligada à natureza sulfurosa da ilha,
põe de lado centenas de homens. Falta água
potável. Kuribayashi fez evacuar os 1.200
habitantes e demoliu a única localidade,
Motoyama, para obter alguns materiais de
construção. Desistiu de defender as praias e,
desejando resistir o mais tempo possível,
organizou a defesa em torno das dias
extremidades da ilha. As cavernas naturais
foram preparadas, ligadas por túneis aos
observatórios e aos locais de combate. A
guarnição constitui-se de aproximadamente
21.000 homens, pertencentes, na maioria, à
106a Divisão de Infantaria. Kuribayashi
lamenta a deficiência de parte de suas tropas e
especialmente o treinamento imperfeito de
seus artilheiros. A ilha foi atravessada e o
monte Suribachi isolado desde o primeiro dia.
No decorrer dos dias seguintes, o 28o
Regimento de Marines, galga, metro a metro,
as encostas acantiladas do vulcão, limpando
cada caverna com lança-chamas. A 23 de
57
fevereiro, 40 marines, conduzidos pelo
Tenente Harold Schrier, atingem o topo e,
içando a bandeira estrelada, fornecem à
iconografia da Segunda Guerra Mundial um
de seus mais célebres documentos. Mas é
preciso que esse gesto simbólico consagre a
conquista de Iwo Jima. Kuribayashi
concentrou o grosso de suas forças nas
colinas do Sul. Prossegue uma luta selvagem.

As dificuldades são imensas. O solo


movediço torna tudo difícil, desde o
descarregamento do material até o rastejo dos
soldados de infantaria. Chegando como
reforço, a 3a Divisão do Marine Corps
aumenta a ocupação das praias e
intensificam-se as perdas. Cada abrigo
japonês só é conquistado depois de morto seu
último defensor. Uma posição como a colina
362 A é uma imensa toca de raposas, cujos
corredores devem ser fechados sobre os
obstinados que aí se enfurnam. Na segunda
semana de março, os japoneses sobreviventes,
cerca de 1.500, são encurralados num
minúsculo bolsão, próximo ao pico de Kitano.
58
Iwo Jima é oficialmente declarada “segura”,
mas um último grupo de aproximadamente
500 homens resiste ainda num desfiladeiro
selvagem, no meio das fumaças sulfurosas
que saem do solo. A perícia americana triunfa
com a ajuda de minas cuja explosão abala
toda a ilha. Jamais se pôde saber como foi
morto o herói desta defesa épica,
Kuribayashi.

Pereceram 23.703 japoneses, para 216 feitos


prisioneiros. Os Marines perderam 278
oficiais e 5.653 homens mortos ou
desaparecidos. A Marinha de Guerra
acrescenta, a estes 881 vítimas e o porta-
aviões Saratoga, danificado por um kamikaze.
Os poucos quilômetros quadrados de Iwo
Jima custam quase tanto sangue quanto
Luzon - argumento de que se servem os
jornais de Hearst para pedir que se dê a
MacArthur o comando de todo o Pacífico,
“porque ele salva a vida de seus próprios
homens”.

59
Durante a feroz batalha, a aviação estratégica
inflige ao Japão um golpe terrível. Em 9 de
março, 334 B-29 decolam das Marianas
carregados de 2.000 toneladas de bombas
incendiárias. Os quarteirões de Tóquio que as
recebem possuíam cerca de 55.000 habitantes
por km², e a superfície dos tetos atinge a
metade da área total. Um mar de chamas,
atiçado por um tufão, traga esse aglomerado
de construções frágeis e a humanidade que
elas abrigam. São destruídas 267.711 casas;
há 83.793 mortos. Multidões atiraram-se nos
canais e morreram escaldadas. Sobrevoando o
braseiro, mordendo seu grande charuto, o
chefe da hecatombe, o General Curtis Le
May, disse: “Reconduziremos o Japão à Idade
da Pedra”. As fotografias tiradas nos dias
seguintes mostram imensas manchas
enegrecidas, correspondentes aos quarteirões
carbonizados. De 44 bombardeiros atingidos
pela DCA apenas 14 não regressaram. As
tripulações de 5 destes foram salvas no mar, o
que reduz a 45 vidas americanas o custo do
ataque.
60
Os golpes multiplicam-se. Os exércitos de
MacArthur aceleram a reconquista das
Filipinas. O exército de Lorde Mountbatten
aproxima-se de Rangum. O esquadrão aéreo
de Le May projeta estender a todas as cidades
japonesas o tratamento infligido a Tóquio. E,
antes mesmo que a batalha de Iwo Jima tenha
chegado ao fim, a frota e o exército do
Almirante Nimitz atacam o arquipélago
Riuquiú, ante-sala do Japão.

O arquipélago, Nansei Shoto em japonês,


constitui-se de uma cadeia de cerca de 150
ilhas, da costa oriental de Formosa ao
extremo sul de Quiuxiú. A ilha principal,
Okinawa, com uma centena de quilômetros de
extensão por 12 km de largura, situa-se no
centro, a 800 milhas de Tóquio. É
montanhosa, tropical, fértil, superpovoada
pelo agrupamento da população indígena e de
intensa imigração japonesa. A densidade
humana atinge, no Sul da ilha, 6.000
habitantes por km². Os estados-maiores
consideram que as condições de combate
61
serão semelhantes às que seriam de esperar
em caso de desembarque no Japão.

A invasão de Okinawa ultrapassa todas as


operações anteriores, no Pacífico. Apesar da
fúria de Le May, que requer para ele a corte
marcial, Nimitz exige que mesmo os B-29
suspendam seus reides incendiários sobre o
Japão, para participar da neutralização das
bases inimigas. Os nadadores de guerra são
utilizados em grande escala. Os japoneses
contavam com seus elementos suicidas,
equivalentes naval dos kamikases: os
americanos liquidaram 350 destes,
desembarcando de surpresa no grupo de ilhas
Kerama, a oeste de Okinawa. As forças
terrestres foram agrupadas num 10o Exército,
sob as ordens do Tenente-General Simon
Bolivar Buckner. Filho de um general sulista
da guerra da Secessão, chefe rigoroso, ele
refreou seu ódio durante muito tempo no
Alasca, longe dos campos de batalha
principais, caçando o urso de Kodiak como
derivativo para seu furor de combater. A
campanha de Okinawa que traz uma
62
compensação. Foi-lhe confiado o 3o Corpo
Anfíbio, composto das 1a, 2a e 6a Divisões de
Marines, e o 24o Corpo, composto das 7a, 27a,
77a e 96a Divisões do Exército. Uma oitava
divisão, a 81a, ficou de reserva em Numéia.

Os japoneses defendem energicamente as


cercanias de Riuquiú. Um ataque dos
kamikazes contra os porta-aviões do
Almirante Mitscher transformou o Franklin
num montão de ferragens que por um milagre
não afunda: o navio, ensangüentado por 724
mortos e 265 feridos, consegue ser rebocado,
pôr as máquinas, depois, em movimento e
chegar ao Havaí. Dois porta-aviões novos,
herdeiros de nomes gloriosos, Wasp e
Yorktown, sofrem igualmente avarias. Mas a
supremacia naval não pode ser posta em
dúvida. Aliás, a frota dos EUA recebe
poderoso reforço: 2 couraçados, 4 porta-
aviões, 5 cruzadores, 15 destróieres, que a
eliminação da esquadra alemã permitiu à
Inglaterra enviar ao Pacífico.

63
A invasão de Okinawa começa no dia de
Páscoa, Easter Sunday, 1o de abril. A zona
escolhida para o desembarque é o centro da
ilha, de um lado e de outro de um pequeno rio
denominado Busha. Sob as ordens do
Almirante Raymond Turner, 1.213 navios
põem em terra a 6a e a 1a Divisões de
Marines, a 7a e a 96a Divisões do Exército.
Não há qualquer resistência: dir-se-ia não
haver inimigos em Okinawa. A ilha é
atravessada de um lado a outro desde o
primeiro dia e a conquista dos aeródromos de
Yontan e de Kadena custa apenas dois
mortos. O coronel de um regimento que
recebe o batismo de fogo fanfarroneia:
“Mandem-me um japonês, vivo ou morto.
Meus homens jamais viram isso...”

O comandante da ilha é o General Mitsuru


Ushijima, tendo por chefe do Estado-Maior o
brilhante Major-General Isamu Cho. Seu
pequeno 32o Exército compõe-se da 24a e da
62a Divisões de infantaria; mais a 44a Brigada
Independente. Seus efetivos elevam-se a
100.000 homens, dos quais 24.000 fornecidos
64
pela brigada local. Renunciando à defesa da
totalidade da ilha, os japoneses concentraram
as forças no Sul, ao redor da velha capital,
Shuri, e da nova capital, Naha. No Norte, um
destacamento guarda a península de Motobu e
a ilha de Jima, que a prolonga. O resto,
compreendidos os grandes aeródromos de
Yontan e de Kadena, foi abandonando.

Manobrando, respectivamente, para norte e


para sul, o 3o Corpo Anfíbio e o 24o Corpo
dirigem-se para essas duas linhas de
resistência através de caminhos estreitos e
verdejantes. O bom tempo do dia pascoal não
durou. Uma chuva fria e esverdeada inunda
Okinawa.

No Japão, o novo desembarque americano


produz suas conseqüências. No dia 5 de abril,
o Primeiro-Ministro Kurichi Koiso confessa
seu fracasso, apresenta ao Imperador Hirohito
a renúncia de um gabinete de oito meses,
quatro vezes modificado. Os prudentes, o
Príncipe Konoye, o Conde Kido, o Almirante
Okada e o Barão Hiranuma, fazem designar
65
como novo chefe do governo o Almirante
Kantoro Suzuki, de 77 anos, que teve seus
primeiros combates na guerra sino-japonesa
de 1894. Em 1936, inculpado de crime de
moderantismo, foi abatido pelos jovens
oficiais insurretos e de tal modo julgado
morto, que os assassinos queimaram incenso
sobre seu corpo. Assumindo o poder, ele não
deixa de pronunciar as palavras rituais:
“Levar o Japão até o esmagamento de seus
inimigos”. Todavia, o Marquês Matsudeira,
secretário particular do conselheiro secreto
Conde Kido, faz uma visita a Shiganori Togo,
que voltou para o Ministério das Relações
Exteriores. “Parece - diz-lhe - que o
Imperador examina os meios de terminar a
guerra...” O novo chefe da diplomacia
japonesa não procura saber mais nada. Foi
transmitida a mensagem.

Para salvar Okinawa, o Japão desenvolve um


esforço heróico. A 6 de abril, começa uma
contra-ofensiva aeronaval: 699 aviões e 355
kamikazes lançam-se contra a esquadra
americana. À noite, o total das perdas dos
66
EUA é enorme: 60 navios, dos quais 2
couraçados, afundados; 61 navios
danificados, entre os quais vários porta-
aviões. Nenhum dos 355 kamikazes
regressou; e, das 444 tripulações que tinham
feito pacto com a morte, 341 são igualmente
dadas como perdidas. Os 121 navios inimigos
destruídos ou postos fora de combate são
imaginários. O dia custa aos EUA 3
destróieres, 1 LST e 2 transportes de
munições, bem como 10 navios danificados
nas categorias menores, O Estado-Maior
Imperial sonhara que o sol de poria sobre uma
esquadra americana dizimada e tomada de
pânico. Esperava que a força naval do
Almirante Seiichi Ito, surgindo nessa
confusão, faria aí uma carnificina. A frota
americana está intacta e Ito investe contra um
muro.

Ele deixou Tokuyama, no mar Interior, a 6 de


abril, às 15 horas. Sua esquadra compõe-se do
supercouraçado Yamato, comandado pelo
Contra-Almirante Ariga, do cruzador ligeiro
Yahagi e de 3 destróieres. Restam à marinha
67
japonesa alguns outros cascos mais ou menos
intactos, como os couraçados Ise e Huyga,
remanescentes da batalha de Leyte, mas a
carência de combustível lhe tira a honra de
participar do cortejo heróico e fúnebre. As
2.500 toneladas dos paiós do Yamato não lhe
permitem sequer voltar de Okinawa. Ele parte
como kamikaze gigante do mar.

Às 8 horas da noite os navios japoneses saem


do mar Interior pelo lado ocidental, o estreito
de Bongo. No dia 7, às 4 horas da manhã,
dobram o cabo de Quiuxiú e preparam um
longo gancho para o oeste, a fim de
surpreender o inimigo. Foram, porém,
percebidos à saída do estreito pelos
submarinos Hackleback e Threadfin, e às 6
horas um observador do porta-aviões Essex
os reencontra. O Almirante Mitscher ordena
ao Almirante Deyo colocar entre a esquadra
japonesa e a frota de invasão seus 6
couraçados, 7 cruzadores e 21 destróieres.
Ordena ao porta-aviões da Task Force 58,
navegando a leste de Okinawa, um
bombardeio geral. Várias centenas de
68
bombardeiros e de caças voam em vagas
sucessivas contra o inimigo. O Yamato é
atingido pela primeira vez, por duas bombas
perto do mastro traseiro, às 12h41. Quatro
minutos depois, um primeiro torpedo o atinge
a bombordo, na dianteira. O navio desenvolve
uma velocidade de 22 nós, mas, após um
espaço de 15 minutos, 5 torpedos atingem em
sucessão rápida o flanco esquerdo do gigante.
Às 14h02, 3 novas bombas o atingem a meio-
corpo, depois uma rajada de 4 ou 5 torpedos
lhe chegam por estibordo. Nenhum navio foi
mais solidamente construído do que esta
soberba embarcação de 263,2 metros de
comprimento e de 72.000 toneladas de
deslocamento. Mas os golpes que recebe são
excessivamente numerosos. A velocidade cai
para 12 nós. O lado de bombordo eleva-se 20
graus. Toda a artilharia foi inutilizada,
incluída as peças gigantes, cujo calibre era
segredo até para os oficiais de bordo. O
Contra-Almirante Ariga manda inundar as
máquinas e os fornos de estibordo para tentar
nivelar seu couraçado, afogando igualmente
no fundo centenas de homens. Quase
69
imobilizado, com uma única hélice ainda
girando, o navio continua a adernar sobre o
lado esquerdo. Quando o costado alcança 35
graus, o Almirante Ito despede-se de seu
estado-maior, tão cerimoniosamente quanto
lhe permite a inclinação da ponte de
comando, e encerra-se em sua sala. Alguns
minutos depois, às 14h23, o Yamato explode
num fantástico feixe de chamas. De uma
equipagem de 2.767 homens, apenas 23
oficiais e 246 marinheiros serão retirados da
água. O Yahagi e quatro destróieres partilham
a sorte do navio-capitânia, elevando as perdas
japonesas a 3.665 mortos. Os americanos
perderam 10 aviões e 12 aviadores.

Nos dias seguintes, prosseguem os ataques


maciços de kamikazes. Um novo engenho
suicida, o baka, estréia afundando o destróier
Mannert Abele. É uma bomba-voadora
pilotada, simples planador, levado até
próximo de sua vítima sob o ventre de um
bimotor Betty e munido de foguetes que
aceleram sua velocidade até 800 km/hora. Os
reides de bombardeiros convencionais
70
entremeiam-se com essas formas de guerra
aérea. Uma trintena de navios americanos são
afundados; 350 sofrem avarias, entre estes o
grande porta-aviões Enterprise, veterano de
toda a guerra no Pacífico. A censura
americana teve de desfazer o engano a
respeito dos kamikazes. Eles causam uma
impressão profunda, alimentam a convicção
de que o Japão só poderá ser vencido pela
exterminação dos japoneses. E, no entanto, os
kamikazes se esgotam! Diante do radar de
grande penetração, das patrulhas de caça
permanentes, de uma DCA aperfeiçoada, o
suicídio útil torna-se difícil. Os golpes
atingem sobretudo as embarcações leves,
LST, transportes, destróieres. Nenhum grande
navio vai ao fundo. O fanatismo patriótico e a
honra asseguram o recrutamento dos
voluntários da morte, mas, antes dos homens,
faltam os aviões. A segunda ofensiva, a 12 de
abril, não lança mais que 185 kamikazes;
depois, os efetivos se reduzem ainda mais, a
ponto de não ultrapassar uma quarentena de
aparelhos em cada ataque. Aproximadamente
1.900 kamikazes são sacrificados durante a
71
batalha de Okinawa sem atingir
provavelmente os resultados que igual
número de pilotos teria obtido. No total, a
aviação japonesa perde na batalha de Riuquiú
7.800 aviões, abatidos em combates ou
destruídos no solo. É um balanço de derrota.

Em terra, o 3o Corpo Anfíbio atinge, a 4 de


abril, o extremo Norte da ilha. Apodera-se a
seguir de Ie Xima, onde morre o mais famoso
dos correspondentes de guerra, Ernie Pyle.
Tendo isolado a península de Motobu, o 3o
Corpo aniquila um a um os defensores.

A luta prossegue no Sul. O terreno escarpado,


dividido, extremamente fortificado, permite
uma defensiva encarniçada, mas Ushijima
não se contenta com uma resistência passiva;
ambiciona expulsar o inimigo de Okinawa.
Em 4 de maio, lança sua 24a Divisão de
Infantaria, zelosamente mantida em reserva,
numa contra-ofensiva; porém superestimou
demasiadamente suas forças e teve de
interromper o ataque já no dia seguinte. Os
americanos retomam a pressão metódica
72
contra o labirinto de fortificações de
campanha construídas ao redor de Ximu. Sob
prolongados tiros de artilharia o terreno toma
o aspecto lunar dos campos de batalha da
Primeira Guerra Mundial. As chuvas tropicais
enchem as trincheiras, expulsam os artilheiros
das posições de bateria, inundam os
depósitos. Sugar Hill, Half Moon Hill, Wana
Ridge, Conical Hill, os cimos de Ximu e,
finalmente, Ximu são arrebatados em ataques
sistemáticos. A 27 de maio, Ushijima resolve
abandonar Naha, mas tranqüiliza Tóquio,
dizendo-lhe que seu exército está intacto e
que a luta continua sem fraquejamento. A
população japonesa participa dela. Os
estudantes fornecem um corpo de 1.500
jovens e as estudantes acrescentam 600
moças dispostas a morrer. As privações, a
intensificação dos bombardeios sobre uma
região superpovoada retiram, aliás, à
condição de não-combatente todos os motivos
de inveja. Os suicídios coletivos de civis se
multiplicam.

73
Em 4 de junho, o 32o Exército conta ainda
30.000 homens, mas consistem
principalmente em soldados dos serviços e
milicianos. Quatro quintos das armas pesadas
estão perdidos. Os americanos arrasam as
cidades, inutilizam as estradas, encurralam os
defensores nas cavernas, onde são
exterminados com lança-chamas. A 18 de
junho, o General Simon Bolivar Bucker é
morto, num observatório de artilharia, por um
dos últimos obuses japoneses. Quatro dias
depois, os americanos ocupam toda a costa.
Os japoneses apenas ainda resistem em
alguns abrigos esparsos. Num deles, junto da
encosta 89, de que o 32o RIUS ocupa a crista,
os generais Ushijima e Cho fazem o haraquiri
formal. Cho escreve este epitáfio: “Chi
Isumo, Tenente-Coronel do Exército Imperial
japonês. Idade da partida: 51 anos. Morro sem
arrependimento, sem medo, sem desonra e
sem dívidas”. Os prisioneiros serão
relativamente numerosos, 7.400, tendo alguns
grupos ouvido os auto-falantes dos
americanos de origem japonesa (niseis), que
os exortam a sobreviver. As perdas japonesas
74
elevam-se a 131.000 mortos, dos quais 42.000
civis. As perdas dos US Army e do US
Marine Corps atingem a 7.213 mortos. A US
Navy acrescenta a estes 4.907 mortos ou
desaparecidos, a maior parte vítima dos
kamikazes. Esse preço de sangue parece
gigantesco para a opinião pública americana,
e as críticas levantadas pela campanha de Iwo
Jima ressoam de novo.

Iwo Jima e Okinawa apresentam contudo uma


pergunta terrível: pelo número de vidas
humanas que devoraram, quanto custará a
invasão, a derrota final do Japão?

Segundo todas as normas razoáveis, o Japão


já está vencido. Sua Marinha está
inteiramente destruída. Sua Força Aérea é
impotente. O bloqueio esgota os recursos da
indústria e faz surgir a ameaça de uma fome
monstruosa. A produção de guerra foi
reduzida em três quartos. Os B-29 incendeiam
sistematicamente as cidades e, com a queda
de Iwo Jima e de Okinawa, os bombardeiros
médios vão juntar seu peso ao das
75
superfortalezas-voadoras. A capitulação
alemã libera forças esmagadoras para o
Pacífico. Enfim, a 5 de abril, Moscou
denunciou o pacto de neutralidade, presságio
da entrada da URSS na guerra.

Entretanto, nada anuncia a resignação do


Japão. A capitulação da Alemanha é recebida
com tranqüilo despreza pela frouxidão e
fraqueza dos ocidentais. Apesar do
rompimento do pacto de neutralidade, Togo
entabula conversações com o embaixador
Jacob Malik, objetivando uma mediação
soviética; Moscou, todavia, abstém-se de
informar seus aliados sobre o assunto. Eles o
conhecem apenas pela decifração de alguns
radiogramas interceptados. Exteriormente, o
Japão continua determinado a combater
dentro do espírito de Tarawa e de Iwo Jima;
prefere o extermínio à rendição.

Em junho, realizam-se na Casa Branca várias


conferências sobre a guerra do Pacífico. O
Almirante Leahy combate a invasão do Japão,
sustentando que o bloqueio e o bombardeio
76
devem bastar para induzi-lo a pedir
misericórdia. King e Marshall exprimem
opinião contrária; e, adotando Truman a
opinião destes, são ratificadas as proposições
dos Joint Chiefs of Staff. A invasão do Japão
se realizará em duas etapas. Quiuxiú, a mais
meridional das quatro ilhas japonesas, será
invadida a 1o de novembro de 1945: Plano
Olympic. Honxu, a principal, será invadida a
1o de março de 1946, mediante um
desembarque na baía de Tóquio: Plano
Coronet. Iniciam-se os gigantescos
preparativos. A escala normanda foi, desta
vez, ultrapassada. O 6o e o 10o Exércitos, mais
o 1o Exército, vindo da Europa, participarão
do desembarque. Reunirão 36 divisões,
totalizando 1.532.000 homens. Com a Força
Aérea, a Marinha, os serviços, a massa
humana que se porá em movimento para
esmagar o Japão atingirá 5 milhões de
homens. Reafirma-se que é desejável a
intervenção da Rússia na Manchúria.
Contudo, a ênfase não é a mesma de Ialta. Os
Estados Unidos podem encarregar-se
sozinhos de liquidar o último inimigo.
77
Mas a questão do preço continua aberta. Os
chefes de estado-maior calculam que o
exército metropolitano japonês tem 26
divisões, num total de 1.800.000 homens. O
equipamento, o armamento e os estoques
deixam a desejar; porém, sobre o solo sagrado
da pátria, deve-se esperar uma luta
desesperada. O país não é propício à guerra
mecanizada, mas, ao contrário, a uma luta
meticulosa, reproduzindo em grande escala os
combates de Iwo Jima e Okinawa. As perdas
americanas serão forçosamente muito
pesadas. Marshall prevê a cifra de 500.000
mortos! Jamais os Estados Unidos
conheceram semelhante hecatombe. A
Primeira Guerra Mundial deixou-lhes um
saldo de 53.000 mortos. O triunfo que
obtiveram sobre a Alemanha não lhes chegou
a custar 200.000 vidas humanas. Os
americanos devem esperar perder o triplo,
para consolidar uma vitória virtualmente
ganha contra o Japão.

Potsdam e Alamogordo
78
Enquanto isso, a bomba atômica toma corpo.
No início de maio, o General Groves informa
Truman do estado de adiantamento dos
trabalhos. Little Boy, a bomba de plutônio,
estará pronta no início do verão. Fat Man, a
bomba de urânio, venceu as imensas
dificuldades técnicas apresentadas pelo
processo de separação isotópica por difusão
gasosa. Uma formação especial de B-29, o
509o Composite Group, comandado pelo
Coronel Paul Tibbets, prepara-se, desde o fim
de 1944, para lançar bombas postiças com as
correspondentes características previstas para
os dois engenhos. Stimson, enérgico
protagonista do plano da bomba, já constituíra
um Target Commitee, encarregado de propor
os objetivos mais convenientes. O Comitê
apresentou a seguinte lista: 1. Hiroxima
(grande porto e cidade militar importante); 2.
Kokura (principal arsenal japonês); 3. Niigata
(grande porto, refinaria de petróleo, fábrica de
alumínio, etc.); 4. Quioto (grande diversidade
de indústrias de guerra). Apesar dos protestos
de Groves, Stimson riscou Quioto, em razão
79
de seus tesouros artísticos, e substitui-a por
Nagasáqui.

Assim, estava tudo preparado para o


acontecimento da bomba atômica - enquanto
não se sabia ainda se ela não passava de uma
quimera. Um problema prejudicial, porém, se
apresenta: concebida contra a Alemanha,
deverá ser empregada contra o Japão?

Diante dessa transferência de objetivo,


surgem os escrúpulos de consciência. “Aos
olhos de certo número de cientistas
refugiados nos Estados Unidos para escapar
às perseguições raciais - escreve o General
Groves - Hitler era o inimigo supremo, que
devia ser aniquilado por todos os meios. Eles
sentiam menor grau de entusiasmo pela
destruição do militarismo japonês”. O Dr.
Leo Szilard, que insistiu com Einstein para
propor a Roosevelt a utilização militar da
energia nuclear, foi o primeiro a experimentar
a dúvida, e procura meios de fazer Truman
também participar dela. Outros, como o Dr.
Frank, pensam que a bomba atômica deve ser
80
lançada numa área desabitada, talvez sobre o
Fujiama, a fim de que os japoneses tenham
uma demonstração de seu poderio e
resolvam-se a capitular.

A 9 de maio, a conselho e sob a presidência


de Stimson, Truman constitui um Comitê
Consultivo encarregado de estudas as
conseqüências da nova arma e de emitir sua
opinião sobre a oportunidade do emprego
contra o Japão. Participaram três cientistas:
Karl Compton, presidente do Massachusetts
Institut of Technology; Vanevar Bush,
presidente do Institut Carnegie, e James
Connant, presidente da Universidade de
Harvard. Eles próprios se cercam de outros
luminares científicos: Arthur Compton,
Enrico Fermi, E.O. Lawrence, Oppenheimer,
etc. A 1 de junho, o Comitê envia ao
Presidente um relatório nestes termos: 1. A
bomba atômica deve ser utilizada contra o
Japão; 2. Deve ser lançada sem aviso prévio;
3. Deve exercer, sem equívoco, seu poder de
destruição. “Os membros do Comitê - disse
Truman - concluíam que nenhuma
81
demonstração técnica, como uma explosão
numa ilha deserta, seria suscetível de
conduzir ao fim da guerra; era necessário
lançar a bomba contra um objetivo real”. A
única opinião contrária não vinha de um
homem de ciência, mas do Secretário-adjunto
da Marinha, Ralph Bard.

Em 18 de junho - enquanto as ruas de


Washington ecoam de exclamações, saudando
o retorno dos heróis de Eisenhower - o
problema da bomba atômica é apresentado
aos planejadores da estratégia americana. Eles
consideram, por unanimidade, que a questão é
sobremodo aleatória para entrar em linha de
conta nos seus projetos. Leahy reitera seu
ceticismo categórico. Os demais vêem na
energia nuclear um explosivo como qualquer
outro, que tem necessidade de fazer suas
provas. Os planos de invasão do Japão,
Olympic e Coronet, são confirmados.

Nesse momento, estão em preparativos dois


grandes acontecimentos: o teste de bomba
atômica e a conferência de Potsdam.
82
A iniciativa da conferência voltou a
Churchill. A 6 de maio - anteriormente, por
conseqüência, à capitulação alemã - ele
sugere a Truman novo encontro dos Três
Grandes. Expõe as razões, numa série de
observações de acento angustiado. Sobre a
Europa devastada, politicamente anulada, se
adensa a sombra da Rússia. A Polônia está
“completamente engolfada e enterrada
profundamente nas terras ocupadas pelos
russos”. A fronteira soviética se estenderá do
“Cabo Norte a Isonzo”, englobando os países
bálticos, o Leste da Alemanha, toda a
Tchecoslováquia, grande parte da Áustria, a
Hungria, a Romênia, a Bulgária, a Iugoslávia,
talvez a Grécia, “todas as grandes capitais da
Europa Central, incluindo Berlim, Viena,
Budapeste, Belgrado, Bucareste e Sófia...”.
Os exércitos ingleses e americanos
ultrapassaram, em seu último avanço, as
linhas convencionadas como limite da zona
de ocupação: se recuarem, “isto significará
um avanço da maré de dominação russa de
cerca de 200 km numa frente de 480 ou 640”.
83
Existem fatos mais graves ainda. O Exército
dos EUA vai retirar-se da Europa. O Exército
britânico vai ser dissolvido. “Os franceses são
fracos e de trato difícil”. Qual será a situação
da Europa quando nada mais se equiparar ao
Exército russo, vitorioso e colossal? Eis por
que ele, Churchill, insiste em que a situação
da Europa seja esclarecida “antes de
debilitarmos mortalmente o nosso exército ou
nos retirarmos para as zonas de ocupação”. É
indispensável um encontro com Stalin, seja
para chegar a um acordo com a Rússia, seja
para traçar disposições das quais ela mostrará
as conseqüências necessárias.

Por temperamento, Truman está bastante


disposto a entender essa linguagem. Já
mandou os russos to hell (ao inferno), cortou
rente a Lei de Empréstimos e Arrendamentos
e sustentou com Molotov violenta discussão.
“Mantenha seus compromissos - retorquiu o
americano - e lhe falarão noutro tom”. Em
São Francisco, a conferência para a
Organização das Nações Unidas gera atritos.
84
Em Washington, multiplicam-se os
conselheiros que advertem a Casa Branca
contra as intenções soviéticas. É o caso de
dois representantes dos Estados Unidos em
Moscou, o Embaixador Averell Harriman e o
chefe da Missão Militar, General Deane. É
também o caso do Subsecretário do Estado,
Joseph Grew, que acha inevitável a guerra
com a Rússia.

Todavia, o rooseveltismo está fortemente


arraigado para ser eliminado em algumas
semanas. Truman considera excessiva os
alarmas de Churchill, conserva a esperança de
levar Stalin à moderação por meio de bons
processos políticos e de uma pressão
econômica apropriada. Aceita a idéia de uma
nova conferência, mas recusa-se a precipitá-la
e sobretudo de fazê-la surgir como um
confronto do bloco ocidental com a União
Soviética. Dois representantes típicos do
rooseveltismo são enviados para prepará-la:
um, Harry Hopkins, com a missão de procurar
junto a Stalin todos os caminhos da
conciliação; o outro, Joseph Davies, com a
85
tarefa de moderar e em caso de necessidade,
de falar severamente com Churchill.

Para Hopkins, é a sua última viagem antes da


morte. Stalin recebe-o amigavelmente,
concorda com a conferência, sob a condição
de que se realize em Berlim, no meio dos seus
exércitos vitoriosos. Mas sete encontros, entre
os quais um demorado colóquio, não
conseguem aplainar qualquer das dificuldades
renascentes desde Ialta. Hopkins volta de
Moscou, concluindo: “As palavras não tem o
mesmo sentido para os russos e para nós”.

O encontro Churchill-Davies é tormentoso.


Davies, industrial milionário, foi o primeiro
embaixador dos Estados Unidos em Moscou e
sua russofilia resistiu a essa prova comumente
fatal: “Fiquei demasiadamente chocado -
escreve ele a Truman - de encontrar no
Primeiro-Ministro uma atitude tão violenta e
tão acerba a respeitos dos russos... uma tal
falta de confiança em sua boa-fé... Não pude
evitar dizer a Churchill que me admirava não
declarasse ela ao mundo que ele e o povo
86
britânico se tinham enganado ao combater
Hitler, uma vez que expressava a própria
doutrina que Hitler e Goebbels haviam
constantemente sustentado”. Davies
acrescenta que Churchill é um inglês “first,
last and all the time”, e muito mais
interessado na preservação do imperialismo
britânico que no estabelecimento da paz. É
para utilizar as tropas americanas para fins
ingleses que ele tenta mantê-las na Europa,
contrariamente às intenções de Eisenhower e
aos desejos do povo americano.

Davies é portador de uma proposta singular


do novo Presidente dos Estados Unidos: um
encontro Truman-Stalin em qualquer parte da
Europa, para o qual o Primeiro-Ministro
britânico seria convidado ao fim de alguns
dias. Churchill responde que somente aceitará
um encontro tríplice, no qual os interlocutores
de Teerã e Ialta estejam em pé de igualdade
completa. Truman não insiste.

Berlim está de tal modo destruída, que não é


possível realizar aí a Conferência. Os russos
87
instalam as delegações nas mansões intactas
de Babelsberge e restauram, em Potsdam,
para as sessões plenárias, a residência de
verão do ex-Kronprinz imperial Cecilienhof.
As hostilidades terminaram, mas as medidas
de segurança são ainda mais severas do que
em Ialta. Os ingleses e os americanos tem a
impressão de encontrar-se num campo de
concentração. Como em Ialta, o anfitrião,
Joseph Stalin, chega atrasado. Truman trava
conhecimento com ele e descobre semelhança
com seu antigo chefe de Kansas City, Tom
Pendergast. Encontra Churchill, igualmente,
pela primeira vez. O Primeiro-Ministro acha-
se numa estranha situação política. Alguns
dias depois da capitulação da Alemanha, os
trabalhistas retiraram-se da coligação
governamental. Realizaram-se eleições gerais
a 5 de julho, mas a apuração foi adiada para o
dia 25, a fim de que o voto dos soldados
dispersos pelo mundo inteiro tenha tempo de
chegar às circunscrições. O destino político
de Winston Churchill encontra-se nas urnas
lacradas, que devem revelar seu segredo bem
no meio das deliberações de Potsdam. Para
88
que a continuidade destas não seja
interrompida, o sucessor eventual, Clement
Attlee, acompanhou o Primeiro-Ministro e
senta-se ao seu lado. Ninguém sabe qual dos
dois ingleses aporá sua assinatura abaixo das
decisões da conferência.

Os americanos - alguns americanos - levam


um segredo de gravidade diversa daquela que
encerram as urnas eleitorais inglesas. Estão
em andamento os preparativos para a
explosão da primeira bomba atômica.

O polígono da experiência é uma propriedade


da Air Force, numa serra deserta do Novo
México, junto às montanhas Sangre de Cristo.
A localidade mais próxima é a sede do
Condado de Otero, uma aldeia de 3.000
habitantes denominada Alamogordo. Foi
construída uma torre de aço de 30 metros de
altura, sobre a qual se colocou a bomba, unida
à cidade secreta de Los Alamos. O explosivo,
plutônio, vindo de Hanford, foi
cuidadosamente colocado no interior, a 15 de
julho, pelo General Thomas Farrell, adjunto
89
do General Groves: “Senti-lhe o calor nas
mãos como o de um animal”. A bomba,
coberta por um toldo, foi deixada durante a
noite sob a guarda do físico Bainbridge e, no
alto da torre, de um capitão de metralhadora à
mão. O tempo não é favorável. Chove, e o
vento sopra em direção da cidade texana de
Amarillo, relativamente próxima. Um abrigo
de concreto, com numerosos instrumentos de
comando, de controle e de medidas foi
construído a 10.000 metros da torre. O campo
de base está a 18.000 metros e um posto de
observação instalado a uns 40 km. Fermi,
Bush, Connant, uma quarentena de outros
cientistas, um punhado de oficiais e de
soldados cercam Groves e Oppenheimer.
Alguns estão de tal modo fatigados que
dormem na lama.

Na véspera, em Chicago, Leo Szilard reuniu


60 assinaturas de cientistas hostis à utilização
da bomba. Em Alamogordo, aposta-se a favor
e contra sua detonação. Enrico Fermi, que
conseguiu a primeira reação em cadeia, a 2 de
dezembro de 1942, declara que a bomba
90
mandará pelos ares o Novo México. Outros
crêem que ela abrasará a atmosfera. Outros,
ainda, um em dez aproximadamente,
predizem que ela não funcionará.

Começa o dia 16 de julho. As primeiras horas


escoam numa ansiedade quase insuportável.
Às 4h45, Groves e Oppenheimer consultam-
se pela décima vez. Parou a chuva. Brilham
algumas estrelas. A sondagem meteorológica
indica que o vento mudou de direção e que
mais nenhuma aglomeração importante se
encontra no percurso eventual da nuvem
radioativa. Groves ordena o início da
contagem regressiva. Cinco minutos antes do
fim, deitam-se todos, com o rosto colado ao
chão. A explosão ocorre precisamente às 5
horas e 30 minutos. Todas as informações
concordam sobre a intensidade indescritível
do clarão: “Muitas, muitas vezes mais
brilhante que a luz do sol no Novo México ao
meio-dia do mais radiante dia de verão”.
Todas as descrições concordam igualmente
sobre a beleza diabólica dos fenômenos
subseqüentes ao clarão prodigioso. “Uma
91
gigantesca bola de fogo... Uma onda amarelo-
vivo elevando-se no horizonte completamente
violeta... Espirais rosas, púrpuras, furta-cores
escurecendo-se em alguns trechos e
irradiando-se de novo, como se bolhas de gás
incandescente viessem espocar na
superfície...”. Contrastando, a onda de
choque, que sobreveio 50 segundos mais
tarde, pareceu fraca, quase decepcionante.
Mas o estrondo que a acompanhou pareceu
vir das próprias entranhas da terra, reboando
no deserto com uma solenidade dramática.

A torre de aço desapareceu, completamente


volatizada. A explosão rebaixou o solo 1.80
metros e vitrificou-o. O clarão foi percebido
em Albuquerque, Santa Fé e El Paso, isto é,
num raio de cerca de 300 km. Os jornais
locais, o correspondente da Associated Press
e uma cadeia de rádio mencionaram a terrível
deflagração e o comandante da base de
Alamogordo publicou a nota, enganosa, de
que um depósito de munições explodira
acidentalmente. Nada, aliás, transpira nos
92
grandes jornais americanos, nem virá ao
conhecimento do mundo exterior.

Em Potsdam, o primeiro a ser informado foi o


Secretário da Guerra, Stimson: um telegrama
comunica-lhe que a operação teve êxito além
de todas as expectativas e que os doutores
estão entusiasmados. Dois dias depois, um
mensageiro leva um longo relatório ao
General Groves, no qual considerações
filosóficas, expressões de entusiasmo,
descrições poéticas misturam-se à sobriedade
da linguagem técnica. À leitura do relatório,
Truman fica “imensamente arrogante”.
Apenas iniciada, a conferência arrasta-se,
tropeça numa indolência que exaspera os
ocidentais. Truman acomoda-se à situação
com maiores dificuldades que Churchill e
começa a jurar que jamais se deixará
embarcar em semelhante canoa. Sua bomba
dá-lhe repentinamente uma segurança cuja
razão as testemunhas ignoram.

Sendo a bomba um empreendimento anglo-


americano, Churchill recebe comunicação do
93
relatório Groves: faz observar imediatamente
que a participação da União Soviética na
guerra do Pacífico é menos útil, portanto,
completamente indesejável. Apresenta-se o
problema a respeito de Stalin: que se lhe deve
dizer? Stimson, num memorando ao
Presidente, aconselha-o a dosar a quantidade
de revelações conforme a atmosfera da
conferência. Truman, consequentemente,
limita-se a dizer a Stalin que os Estados
Unidos descobriram uma nova arma, de
extraordinária capacidade destruidora. Stalin
não manifesta interesse particular, nem faz
uma só pergunta sobre a natureza do engenho.
“Espero - limita-se a responder - que a utilize
contra os japoneses”. Jamais se soube que tal
indiferença se devia ao fato de que Stalin,
informado por sua espionagem, já sabia de
tudo, ou ao fato de que ele não imaginava a
natureza revolucionária do engenho.

A conferência de Potsdam pertence


essencialmente à história do pós-guerra.
Firma a divisão da Europa, esquartejando a
Alemanha entre o mundo livre e o mundo
94
comunista; engendra a aliança defensiva do
Atlântico Norte, perpetua a presença das
forças americanas na Europa. Sua mais
espetacular peripécia foi o desaparecimento
do lutador Winston Churchill. Ele deixou
Berlim, a 24 de julho, cheio de confiança no
veredicto eleitoral. Os trabalhistas tiveram
maioria esmagadora. Os conservadores
perderam 193 cadeiras. Em sua própria
circunscrição, Churchill tivera como
adversário apenas um galhofeiro limpador de
chaminés, que preconizava a semana de
trabalho de um dia. E este obteve mais de
10.000 votos, contra os 27.000 do Primeiro-
Ministro. Attlee retorna sozinho a Potsdam, e
foi como se a Inglaterra se descolorisse. O
próprio Stalin contemplava o pequeno homem
grisalho e taciturno com uma surpresa
magoada, lamentando sem dúvida o
adversário com quem trocara tantos golpes.

A agonia do Japão continua. A batalha de


Okinawa terminou a 2 de julho. Mountbatten,
depois de ter celebrado em Rangum a
reconquista da Birmânia, empreende a da
95
Malásia. Em Bornéu e nas Filipinas, as
guarnições japonesas são sistematicamente
exterminadas. A 3a Esquadra não mais
abandona as águas inimigas e liquida, nos
portos e enseadas, os últimos navios de guerra
japoneses, os couraçados Ise, Haruna e
Huygal; os porta-aviões Amagi, Katsuragi e
Ruyho; os cruzadores Tone, Ahoba, Oyodo,
Iwette, Izumo e Settsu. Os revides consistem
quase unicamente em alguns torpedos
humanos ou kaitens. A mais importante de
suas vítimas é o destróier de escolta
Underhill.

Esses fatos de guerra são eclipsados pelo


fenômeno que ultrapassa até o castigo
infligido à Alemanha: a destruição do Japão
pelo fogo vindo do espaço.

Atacada em pleno dia, Nagóia está em


chamas a 14 de maio. Dois dias depois
Tóquio é bombardeada com tanta violência
quanto a 9 de março. Na noite seguinte, sob
um luar resplendente, os B-29 incendeiam o
centro da cidade, reduzindo a cinzas o Palácio
96
Imperial. Dois dias após, Iocoama, poupada
ate então, arde sem que a população, que foge
loucamente, tente ao menos circunscrever o
incêndio. A vez de Osaca chega a 1 de junho,
depois a de Cobe, depois novamente Osaca,
depois Tóquio ainda, depois Cobe, outra vez,
e assim sucessivamente. Os reides são todos
do mesmo tipo: cerca de 500 B-29
transportando 3.000 toneladas de bombas
incendiárias e escoltados por caças P-51, que,
não encontrando adversário para abater,
metralham as multidões. As perdas não
atingem 2% dos efetivos.

No fim de julho, as cinco principais cidades


japonesas, Tóquio, Osaca, Nagóia, Cobe e
Iocoama, são destruídas em proporções que
vão de 40 a 65%. Os principais objetivos
industriais, atacados um a um, estão em
ruínas. As cidades secundárias são objeto de
um programa incendiário especial, efetuando-
se reides de 30 a 200 B-29. De 17 de junho a
14 de agosto, são atacadas 60 destas, cuja
população varia dos 323.000 habitantes de
Fucuoca aos 31.250 de Tsuruga. Muitas são
97
incendiadas numa proporção de 60, 70, 80%
de sua área, e uma delas, Toiama (127.860
habitantes), na de 99.5%. Aproxima-se do
milhão o número de vítimas. Sobrevêm a
fome. A propaganda continua, no mesmo
grau, a proclamar a invencibilidade do Japão.
Seu raciocínio é o seguinte: será preciso
matar-nos a todos para nos vencer; ora, somos
100 milhões e é materialmente impossível,
mesmo aos americanos, exterminar 100
milhões de seres humanos. Somos
invencíveis; portanto, venceremos!

A este país desesperado, os Estados Unidos


desejam oferecer uma chance de sobreviver.
A 2 de julho, isto é, antes da explosão de
Alamogordo, Stimson envia a Truman uma
comunicação em que lhe sugere dirigir ao
Japão uma última intimação para depor as
armas. No Departamento de Estado, Grew,
que foi embaixador em Tóquio, luta com
todas as suas forças para que se faça chegar
ao conhecimento dos japoneses que os
vencedores não exigirão a destruição do trono
imperial. A discussão prossegue em Potsdam.
98
Prepara-se um texto no qual é assegurado ao
Japão que poderá escolher livremente a forma
de governo que desejar. Consegue-se uma
fórmula mais explícita: “Isto pode
compreender uma monarquia constitucional
sob a atual dinastia...”. Fica especificado que
a soberania japonesa será limitada às quatro
ilhas metropolitanas - Hocaido, Honxu,
Xicocu e Quiuxiú - portanto que todas as
conquistas do Japão a partir do imperador
Meiji serão perdidas. Em contrapartida, e
sempre exigindo uma capitulação
incondicional e sem demora, os Aliados
prometem o repatriamento e a libertação das
tropas japonesas, a permanência das
indústrias necessárias à vida nacional e uma
participação do Japão no comércio mundial.
“A alternativa para o Japão é a imediata e
total destruição...”

Radiografada a Chiang Kai-chek, a


proclamação de Potsdam recebe a sua
assinatura. Churchill apõe também a sua,
concluindo seu último ato de Primeiro-
Ministro de guerra. Os russos, não estando em
99
estado de beligerância com o Japão, não
foram consultados. Não escondem sua
indignação. De resto, eles não desejavam nem
objetivavam um rápido fim da guerra do
Pacífico. Calculando que a luta duraria até o
outono de 1946, propõem-se a participar dela
em grande escala, contam intervir na invasão
do arquipélago e, em conseqüência, esperam
associar-se à ocupação do Japão. Desejam,
em particular, que seja abolida a monarquia e
que Hirohito, julgado como criminoso de
guerra, seja enforcado.

A proclamação aliada é divulgada a 26 de


julho. No mesmo dia, a carcaça de uma
bomba atômica, embarcada no cruzador
Indianapolis, chega à ilha de Tinian. Sua
carga explosiva é o urânio 235, que,
contrariamente ao plutônio de Alamogordo,
ainda não foi submetida a testes. Uma parte é
transportada pelo Indianapolis. A quantidade
necessária para completar a massa crítica
chega a bordo de um C-54. Em Honolulu, os
transportadores da bomba tem grandes
dificuldades com as autoridades da base
100
aérea, que, apoiadas nos regulamentos, não
admitem que um grande avião atravesse o
Pacífico com uma carga de algumas dezenas
de quilos e insistem em carregá-lo até
completar-lhe a capacidade. Um recurso a
Washington os faz abrir mão da exigência,
sem refrearem a indignação.

Diante da intimação, o governo japonês se


divide. Togo observa que a linguagem com o
Japão contrasta com a brutalidade dos termos
ditados à Alemanha e que, mantida no texto, a
capitulação incondicional é efetivamente
abandonada. Assinala que todos os outros
caminhos estão fechados. Encarregado de
solicitar ao governo soviético acolhida ao
Príncipe Konoye, com o objetivo de procurar
os meios de restabelecer a paz, o Embaixador
Sato não conseguiu ser recebido nem por
Stalin nem por Molotov. Cessar
imediatamente uma luta sem esperanças e
apelar para a compreensão dos Estados
Unidos é a única maneira de evitar a
“destruição total”, de que foi ameaçado o
Japão por ultimato.
101
O romantismo nacional, porém, se rebela. O
chefe da intransigência é o Ministro da
Guerra, General Anami. “Capitulação sem
condições”- sustenta ele - “é para o Japão um
termo não somente inaceitável, mas
inconcebível. Os Estados Unidos, de resto,
não estão preparados para pagar o aterrador
preço de sangue que lhes custaria uma
invasão. Amolecerão ainda, concordarão com
condições mais favoráveis, se continuarmos a
opor-lhes as resoluções de desespero”.

A resposta do Japão é formulada a 29 de


julho, por meio de um comunicado da agência
de notícias Domei. O governo imperial decide
“ignorar” o ultimato. Ignorar não é de todo
repelir. Sob o ponto de vista japonês, a
fórmula não fecha a porta, atenua a
veemência da recusa. Para os Estados Unidos,
ao contrário, ela contém uma significação de
intransigência, de provocação, quase de
desprezo.

102
De Tinian, chega a Potsdam, via Washington,
um relatório: o 509o Grupo compósito da US
Air Force está pronto, dependendo das
condições meteorológicas, a realizar a missão
de que foi encarregado. O comandante da
aviação estratégica, Spaatz, recusou-se “a
matar talvez 100.000 pessoas mediante
simples instruções verbais” e exigiu ordens
por escrito. Recebeu-a em 25 de julho,
assinada por Stimson e Marshall. Todavia,
ainda se trata de ordem preparatória. A ordem
de execução somente pode ser dada pelo
comandante-chefe das Forças Armadas, o
Presidente.

Todas as disposições foram tomadas. Niigata,


de pequena extensão, foi riscada da lista dos
objetivos. Hiroxima continua em primeiro
lugar, seguida de Kokura e de Nagasáqui..
Um B-29 sobrevoará cada uma das três
cidades, para confirmar a visibilidade. O
transportador da bomba foi batizado de Enola
Gay, nome da mãe do piloto, o coronel
Tibbets em pessoa. Dois outros B-29 o
acompanharão, um cheio de cientistas, outro
103
para eventualmente substituir o Enola Gay, na
escala de Iwo Jima. A bomba, de aspecto
bastante comum, até feia, mede três metros de
comprimento por um e meio de diâmetro, e
pesa aproximadamente 4,5 toneladas. A
montagem deve ser concluída durante o vôo,
pelo capitão-de-mar-e-guerra William
Parsons. A bomba será regulada para detonar
a 600 metros acima do solo. Ignora-se
absolutamente o efeito de uma bomba
atômica a tal atitude e naturalmente se o
bombardeiro terá tempo de afastar-se
suficientemente para não ser desintegrado.

Resta uma tarefa a cumprir: avisar


MacArthur, que não foi informado do Projeto
Manhattan mais do que o último de seus
soldados. Spaatz faz a viagem a Manila,
duvidando da acolhida que o espera. Mas o
grande Mac recebe sem reação a nova que vai
privá-lo da conquista do Japão.

A 5 de agosto, depois de uma longa espera, a


ordem de execução - ordem de Truman -
chega ao 509o Air Group. No dia 6, à 1h37, os
104
três B-29 de reconhecimento partem de
Tinian. O Enola Gay segue-os meia hora
depois. Aos nove homens da tripulação
regular, reúnem-se Parsons e dois outros
técnicos. O vôo noturno realiza-se em
condições ideais. Às 6h40, o Enola Gay
começa a subir de sua altitude de cruzeiro,
2.745 metros, para a altitude de bombardeio,
9.150 metros. Às 7h09, o B-29 Straight Flush
anuncia que o céu está limpo acima de
Hiroxima. A cidade aparece às 8h11, muito
clara sobre os sete dedos desenhados pelos
promontórios de Ota e intacta, tendo sido
conservada virgem para o seu batismo
atômico. Às 8h13min30seg, Tibbets dá a seu
bombardeiro, o Major Tom Ferebee, uma
simples ordem: “Agora!”

A bomba deixa o paiol exatamente às


8h15min17seg. Aliviado de 4,5 toneladas, o
Enola Gay dá um salto para o céu. A
tripulação sabe que devem percorrer 45
segundos antes da explosão e que nesse
instante o avião se encontrará a 19 km do
105
“ponto zero”. Cada homem conta: “42... 43...
44...”

Como em Alamogordo, um clarão prodigioso


brota do coração da matéria, ofuscando os
aviadores atrás de seus óculos de soldadores
ao trabalhar com solda autógena. Depois, um
imenso cogumelo incandescente eleva-se e
expande-se no céu...

Truman está no mar, a bordo do cruzador


Augusta. A Conferência de Potsdam terminou
melancolicamente, na verificação de que um
desacordo histórico está aberto entre os
Estados Unidos e a União Soviética. O
Presidente nada tinha de bom humor. Na
véspera, da Sala de Comando do Augusta,
dera ordem de empregar a bomba atômica.
Passara a manhã à espera, espreguiçando-se
no tombadilho, ouvindo a orquestra de bordo.
A seguir, como bom demagogo, foi sentar-se
no refeitório do cruzador e participar do
almoço com a tripulação. Nisto, chega um
ajudante-de-campo com um despacho,
anunciando a explosão de Hiroxima:
106
“Resultados precisos bem sucedidos sob
todos os aspectos. Efeitos visíveis maiores do
que em quaisquer testes”.

Em suas Memórias, Truman solenizará sua


reação. Na realidade, ele cacareja de alegria.
“Rapazes, nós lhe atiramos no coco um tijolo
equivalente a 20.000 toneladas de TNT!”. Os
marinheiros explodem em aclamações. Os
dramas de consciência, a angústia e os
remorsos misturados ao triunfo são uma falsa
reconstituição histórica. É verdade que
algumas pessoas, entre as quais Eisenhower,
protestaram espontaneamente contra o
emprego da bomba, considerando que isso
não era necessário para pôr o Japão de
joelhos. Mas a imensa maioria viu no
aparecimento da nova arma simplesmente o
fim imediato da guerra, e a conseqüente
economia de sangue. Por dedução, os que
deploraram seu lançamento contra Hiroxima
teriam aclamado seu lançamento contra
Berlim.

107
O rádio espalha a notícia. Antes de embarcar,
Truman gravou uma mensagem anunciando
que o mundo entrara na era atômica. Por aí e
pelos comentários da Rádio de São Francisco
é que o Ministro dos Negócios Estrangeiros
do Japão, Shigenori Togo, soube da natureza
do projétil que acabava de ferir seu país.
Informa seu colega da Guerra, solicitando-lhe
pormenores sobre a explosão. Os militares,
porém, são evasivos. Reconhecem
simplesmente que os danos sofridos por
Hiroxima são muito importantes. O
comunicado, que eles esperarão o dia seguinte
para divulgar, fala unicamente de um “novo
tipo de bomba”, a respeito da qual estão
sendo feitas investigações. De Hiroxima
restam apenas somente alguns esqueletos de
edifícios de concreto. A cidade começava seu
dia de trabalho. Seguindo a regra, o alarma
não foi dado para os aviões isolados que a
sobrevoam. Um clarão aterrador devorou-a,
deixando atrás um incêndio colossal, atiçado
e propagado em um segundo. Os bondes
permaneceram cheios de passageiros
calcinados, oprimidos nos bancos, ou
108
amontoados em pé nas plataformas. Um vento
de 1.200 km/hora pôs abaixo paredes num
raio de 1.500 metros, indo estilhaçar janelas a
12 km do “ponto zero”. Um ciclone de fogo,
semelhante aos que centenas de bombardeiros
atearam em Dresden, Hamburgo e Tóquio,
redemoinhou durante seis horas. Em seguida,
verificaram-se nos sobreviventes estranhos
fenômenos: vômitos, diarréias de
extraordinária intensidade, uma infinidade de
pequenas hemorragias na boca e na garganta.
Muitas vítimas portadoras desses sintomas
agonizam. O balanço, que será levantado
depois, acusará 78.150 mortos, 9.284 feridos
graves e 13.938 desaparecidos. Não
computará os militares, em número de
40.000, cuja metade talvez tenha sido vítima
da explosão. O QG do 2o Exército, a sede do
Comando Territorial do Oeste, a escola e o
hospital dos militares foram destruídos.

O dia 7 de agosto decorre em confusão. A 8,


Togo foi convocado pelo Imperador. O irmão
deste, o cientista Príncipe Takamatsu,
presidiu uma comissão de físicos que
109
negaram a possibilidade de uma bomba
atômica na guerra em curso - mas o
desmentido é indiscutível e o soberano
concorda em que o prosseguimento da guerra
é totalmente impossível. Togo responde-lhe
que, tendo terminado a Conferência de
Potsdam, espera ansiosamente que o
Embaixador Sato seja recebido por Molotov e
que o Príncipe Konoye possa viajar para sua
missão de negociações. Na mesma noite,
chega a notícia impacientemente esperada de
Moscou. Molotov, enfim, convocara o
Embaixador Sato. Era para notificar-lhe a
declaração de guerra da URSS ao Japão!

No dia seguinte, 9 de agosto, sucedem-se as


deliberações governamentais. São
entrecortadas de informações militares
desoladoras; 1.500 aviões da US Navy
castigam o Norte de Honxu. Os russos
tomaram a ofensiva na Manchúria. Enfim e
principalmente uma segunda bomba atômica
cai sobre o Japão.

110
Sob o ponto de vista americano, o reide não
se desenvolveu nas condições de perfeição
obtidas em Hiroxima. A bomba, com carga de
plutônio, era destinada a Kokura, mas as
nuvens cobriam a ilha de Quiuxiú e o chefe
da expedição, major Sweney, teve de desviar-
se para o alvo de substituição, Nagasáqui. A
explosão, mais violenta ainda que a de 6 de
agosto, por pouco não desagregou o B-29,
que, abalado, foi descer, como pôde, em
Okinawa. As colinas de Nagasáqui, porém,
atenuaram os efeitos da deflagração,
reduziram a importância dos danos e o
número de vítimas. Depois disso, o arsenal
atômico está vazio. Várias semanas
decorrerão antes que Hanford e Oak Ridge
produzam as quantidades de matéria físsil
necessária para novas explosões.

Isso, o governo japonês ignora. O


interrogatório de um piloto de B-29 abatido
leva-o mesmo a pensar que uma terceira
bomba está reservada para Tóquio, no dia 12
de agosto.
111
Togo interroga os militares: alimentam ainda
a menor esperança de vitória? O Almirante
Yonai, Ministro da Marinha, responde não,
empertigadamente. O General Anami
argumenta. A batalha suprema, a do Japão,
não se travou, e a possibilidade de lançar ao
mar uma invasão não está abolida. Anami
declara que concordará, entretanto, em depor
as armas, se, além da preservação da
monarquia, os Aliados renunciarem à
ocupação do Japão, permitindo ao Exército
japonês desmobilizar-se por si mesmo, e
concordarem em que os criminosos de guerra
sejam julgados por tribunais japoneses. O
General Umazu, chefe do Estado-Maior do
Exército, e o Almirante Toyada, chefe do
Estado-Maior da Marinha, adotam as
conclusões do Ministro da Guerra.

Pouco antes da meia-noite, o Conselho


Supremo reúne-se pela segunda vez no dia,
no abrigo imperial. Estatutariamente,
compõe-se de seis membros: o Primeiro-
Ministro, o Ministro dos Negócios
Estrangeiros, os ministros e chefes de estado-
112
maior da Guerra e da Marinha. Nas
circunstâncias, o presidente do Conselho
Privado, Barão Hiranuma, foi também
convocado. Nenhuma formalidade protocolar,
inclusive o fraque dos membros civis, faltou à
cerimônia. Uma lua soberba brilha sobre os
veneráveis pinheiros poupados pelo incêndio
do Palácio Imperial e, excepcionalmente,
nenhum alarma soou em Tóquio.

Hirohito preside. Não há exemplo de que


tenha intervindo numa deliberação, de que
tenha sido outra coisa senão a encarnação
muda do poder divino.

As posições, porém, estão congeladas e as


forças iguais. Togo, Yonai e Hiranuma
aceitam a capitulação. Anami, Umazu e
Toyoda recusam-na, apresentando condições
de antemão rejeitadas pelos vencedores.

O Primeiro-Ministro, o velho Almirante


Suzuki, deixou a discussão prosseguir sem
tomar parte. Repentinamente, levanta-se. São
2 horas das manhã do dia 10 de agosto.
113
“Senhores - disse ele - discutimos durante
horas, quando a decisão que devemos tomar
não pode esperar um minuto. Proponho
apelarmos para a inspiração imperial e
substituir a nossa decisão pela de Sua
Majestade, o Imperador”.

Movimento surpreendente. Suzuki dramatiza-


o, prosternando-se diante de Hirohito. Este
ordena-lhe que se levante e retome seu lugar.
Depois fala. Censura os militares: muitas
vezes, prometendo-lhe vitórias e não lhe
trouxeram senão resultados decepcionantes.
Como teria ele confiança em novas garantias
de sua parte, quando a situação se tornou tão
desfavorável para o Japão? Está transtornado
pelos sofrimentos do seu povo. Ele tem na
conta de nada seu destino pessoal e de sua
dinastia. Aceita as condições dos Aliados, por
mais duras, humilhantes e implacáveis que
sejam.

A noite continua a decorrer placidamente em


seu banho de lua. No Ministérios dos
Negócios Estrangeiros, atrás das janelas
114
camufladas, redige-se o comunicado que será
transmitido, nas primeiras horas da manhã, às
legações japonesas em Berna e em
Estocolmo. Contém a aceitação da
Declaração de Potsdam, com uma condição:
“Ficando entendido que a referida Declaração
não comportará nenhuma exigência com
diminuição de prerrogativas de Sua Majestade
o Imperador como poder soberano”.

A resposta americana é conhecida no dia 12,


às 4 horas da manhã, pelo rádio. É
confirmada, algumas horas depois, pelo canal
da Legação suíça. A respeito da condição
formulada, o Governo dos Estados Unidos
fixa sua posição nos seguintes termos: “A
partir da capitulação, a autoridade do
Imperador ficará subordinada à do
Comandante-chefe das Forças Aliadas”. O
autor desta fórmula é o novo secretário de
Estado, James Byrnes. Constitui um termo
médio entre os extremados, como Owen
Lattimore, que desejam perseguir o
Imperador como criminoso de guerra, e os
realistas, como Grew e Leahy, que aceitam
115
pura e simplesmente a manutenção da
monarquia. Em Tóquio começa um violento
desentendimento. Togo sustenta que a
resposta americana é satisfatória e que os
japoneses se devem submeter. Hiranuma,
invertendo sua posição moderada, sustenta, ao
contrário, que é inaceitável a subordinação do
soberano a uma autoridade estrangeira,
porque destrói a estrutura do Estado japonês.
Os partidários da luta a todo transe retomam
terreno. Anami dirige um apelo ao Exército,
prometendo-lhe a vitória se ele dispuser a
todos os sacrifícios para repelir a invasão.
Uma excitação extraordinária desponta em
alguns corpos de tropas. Suzuki, Togo e
Yonai são apontados como traidores e
ameaçados de castigos impiedosos.

O Conselho Supremo de 14 de agosto


encontra-se no mesmo impasse que o de 9.
Termina da mesma maneira. Hiroihito
intervém. Compreende, diz, os sentimentos
dos patriotas, mas o seu dever, como
imperador, é de salvar a nação. É inevitável a
aceitação das condições aliadas. Ele se
116
dirigirá pessoalmente ao seu povo, para dizer-
lhe, para pedir-lhe que se incline diante do
presente, a fim de salvaguardar o futuro.

À noite, estoura a rebelião militar. Um


tenente-coronel Hatamaka conduz um grupo
de oficiais ao General Mori, comandante da
Guarda Imperial, e intima-o a prender os
derrotistas. Mori recusa. Uma rajada de
metralhadora o abate. Os conjurados ocupam
a Rádio de Tóquio, procuram destruir o disco
em que o Imperador gravou sua mensagem à
nação. Outros incendeiam as residências de
Suzuki e de Hiranuma. Soa o alarma, aviões
roncam sobre Tóquio, a população apavorada
foge em todas as direções. Os rebeldes se
agitam, porém não tem mais chefe. Ao
reentrar no Conselho Supremo, o General
Anami rasgou o ventre e fez com que lhe
fosse cortada a cabeça, para expiar a
necessidade em que se encontrou de opor-se
ao Imperador.

O General Tanaka, comandante-chefe do


Exército do Leste, acorre ao quartel da
117
Guarda e, depois de três horas de sermão,
leva os soldados à obediência. Tendo
cumprido um dever em desacordo com a sua
consciência, ele, por sua vez, pratica o
haraquiri.

A 15 de agosto, às 16 horas, entre as ruínas


das cidades e nas praças das aldeias, todo o
Japão se reúne em torno dos auto-falantes.
Jamais alguém ouvira a voz do Imperador.
Ninguém sabe por que ele convocou todo o
seu povo. A maioria pensa que ele vai lançar
um apelo para a luta a todo custo. A voz
eleva-se, estranha, surda, sufocada. A
linguagem formalista, arcaica, é quase
ininteligível. Entretanto, o sentido da
mensagem não escapa a ninguém. O
Imperador deseja a suspensão da guerra, que
se aceite o inconcebível, a derrota, a
humilhação, a ocupação.

Numerosos japoneses se recusam. Em alguns


quartéis, o sangue dos suicidas corre em
cascata pelas escadarias. Kamikazes tomam
seus aviões e vão afogar-se na baía de
118
Tóquio. Grupos vem prosternar-se em
silêncio diante da Ponte Niju Bashi, entrada
principal do Palácio imperial, e muitos não se
erguem mais, tingem o chão com o próprio
sangue. Cenas semelhantes ocorrem em todos
os lugares sagrados. Em Tóquio, uma
multidão de amotinados se reúne em Atago
Yama, onde a união de Izanani e de Izagani
gerou o Japão. Os aviadores da base de
Atsugi estão em rebelião declarada.
Sobrevoam o palácio, em vôos rasantes,
atirando panfletos em que insultam os
traidores e proclama que a luta continua
gyakusai - até o último extremo.

O Almirante Suzuki exonerou-se. Falta tempo


para consultar os velhos homens de Estado,
que temperam com uma gerontocracia a
nervosa e violenta política japonesa. O
Imperador toma a decisão de nomear
Primeiro-Ministro seu tio, o Príncipe
Higashikuri. Outros quatro membros da
família imperial são enviados aos exércitos de
ultramar, para assegurar sua obediência.
119
A dinastia se pronuncia pelo “Caminho do
Grou sagrado”- pela paz. Ela tem por si o
verdadeiro sentimento nacional. O povo
japonês aceita morrer - mas prefere viver. Ele
vê, pelas ruínas que desmoronam sobre si,
que a guerra está perdida. Mede a
profundidade da mentira em que o
mergulharam afirmando que o Japão era
invencível. O romantismo sanguinário de
algumas dezenas de milhares de fanáticos é
impotente diante da inércia de 100 milhões de
seres humanos. A agitação acalma-se. A
resignação vence. Prevalece a vida.

A manhã de 2 de setembro é nublada e fria.


Às 5 horas, um cortejo deixa a sede provisória
do governo, o Palácio Akasaka, que
permaneceu de pé no meio de um quarteirão
queimado até o solo. O percurso até Iocoama
é a travessia de um deserto de cinzas. À
entrada do grande porto, reluzem baionetas
americanas. Elementos da 11a Airbone
chegaram dois dias antes, com o General
Eichelberger, precedendo de apenas três horas
o comandante-chefe, Douglas MacArthur,
120
designado para receber a capitulação do Japão
e para reorientar a história. O próprio governo
solicitou que ele não pousasse em Atsugi,
onde tanto fanatismo borbulhara tão
recentemente. MacArthur passou adiante - e
30.000 soldados japoneses lhe depuseram as
armas, desde Atsugi até Iocoama. Ele está
agora na baía de Tóquio, a bordo do Missouri,
esperando a rendição dos vencidos.

Não foi fácil a composição da delegação.


Julgaram impossível que fosse presidida pelo
Primeiro-Ministro, parente próximo do
Imperador, e várias personalidades civis e
militares que preferiam suicidar-se a ter de
participar do ato. O novo Ministro dos
Negócios Estrangeiros, Mamoru Shigemitsu,
ofereceu-se e, embora tendo combatido a
capitulação, o General Umazu obedeceu à
ordem de representar as Forças Armadas. Foi-
lhe retirado o sabre, do mesmo modo que
foram retirados os estandartes das viaturas.
Os dois plenipotenciários e os nove
diplomatas ou oficiais que os acompanham
embarcam, a seguir, num destróier. O céu
121
desanuviou-se. Brilha um sol límpido. A baía
de Tóquio está coberta, a perder de vista, de
navios aliados embandeirados em arco.

Nas superestruturas do Missouri, centenas de


marinheiros estão sentados com as pernas
pendentes, sem consideração pela solenidade
do momento. Shigemitsu, que perdera uma
perna em Xangai, 15 dias antes, sobe
penosamente a escada do portaló e avança
pela ponte, apoiando-se na bengala. No
tombadilho, uma mesa coberta por um pano
verde com os documentos da capitulação.
Atrás dela, alinham-se as delegações aliadas.
A Austrália é representada pelo General
Blamey, a Nova Zelândia pelo Vice-
Marechal-do-Ar Isitt, o Canadá pelo Coronel
Moore-Cosgrave, a China pelo General Hsu
Yen-tchang, a Inglaterra pelo Almirante
Frazer, a França pelo General Leclerc, os
Países Baixos pelo Almirante Helfrich, a
URSS pelo General Derevyanko. Apesar de
sua intervenção, in extremis, esta última
potência não pôde conseguir dos Estados
Unidos participação da ocupação do Japão.
122
Não tardará a declarar que seu representante
na Comissão Interaliada de Controle é tratado
“como um traste” e que considera por isso
supérflua a sua presença.

Decorrem cinco longos minutos. Os


japoneses devoram suas lágrimas. Aparece
MacArthur. É seguido pelo Almirante Nimitz
e pelo Almirante Halsey - foi necessária uma
difícil arbitragem presidencial para
determinar as honras do US Army e da US
Navy. Dois vencidos, esqueléticos, em
virtude de um longo cativeiro, estão
igualmente associados ao triunfo: o inglês
Percival, que se rendeu em Cingapura, e o
americano Wainwright, em Corregidor.

Não estava previsto qualquer discurso.


MacArthur, porém, reservava uma surpresa.
Fala. Fala magnificamente. Celebra a paz
restaurada. Repudia todo espírito “de
desconfiança, malícia ou ódio”, associa os
vencedores e os vencidos, “ambos vitoriosos
e derrotados”, pedindo-lhes um esforço
comum para elevar-se à mais alta dignidade
123
humana. Compromete-se, no que lhe diz
respeito: “Como Comandante-Supremo das
Forças Aliadas, declaro meu firme propósito,
de acordo com a tradição dos países que
represento, de proceder com justiça e
tolerância no desempenho de minhas
responsabilidades”. O vento sopra do alto-
mar e sopra do futuro. As bandeiras panejam
ao sol. É surpreendente o contraste com as
sombrias cerimônias noturnas de Reims e de
Berlim, cheias de jactância e de ódio.
Segundo as palavras de uma das testemunhas
japonesas, o diplomata Kase, a generosa
inspiração de MacArthur transformou o
Missouri, gigantesca máquina de guerra,
“num altar da paz”.

Os japoneses assinam. Assinam os Aliados.


São 9h25. Os japoneses retiram-se, saudados
no portaló pelo apito do primeiro-mestre e
pelo Estado-Maior do Missouri, em guarda.

A Segunda Guerra Mundial terminou em seu


2.194o dia, quase na mesma hora, seis anos
depois do início; 61 nações e de 100 a 110
124
milhões de homens participaram do conflito.
As hostilidades desenrolaram-se sobre 22
milhões de km². Foram sacrificadas entre 32 e
53 milhões de vidas humanas. As perdas
materiais não foram jamais calculadas com
aproximação satisfatória, mas está fora de
dúvida que ultrapassam de longe as que foram
acumuladas por todos os conflitos anteriores.
É uma homenagem à elasticidade da espécie
humana que esta prova formidável tenha
interrompido apenas por tão poucos anos a
marcha da humanidade para o progresso.

125

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