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Título original: Opera on Valküre

Coordenação Editorial: Mariana Rolier


Revisão: Tulio Kawata
Capa: Osmane Garcia Filho
Imagem de capa: Other Images
Diagramação: Ana Dobón

Kniebe, Tobias
Operação Valquiria / Tobias Kniebe ; tradução Sandra Martha
Dolinsky. — São Paulo : Editora Planeta do Brasil, 2009.

Título original: Opera on Walkiúre.


ISBN 978-85-7665-426-1

1. Alemanha – Polí ca e governo – 1933-1945


2. Generais – Alemanha
3. Guerra Mundial, 1939-1945 – Alemanha
4. Hitler, Adolf, 1889-1945 – Tenta va de assassinato, 20 de
Julho de 1944
5. Movimento an nazista

08-11789.
CDD-943.086092

Índices para catálogo sistemá co:


Alemanha : Chefes de Estado : Período do 3º Reich : Biografia
943.086092

2009
Todos os direitos reservados desta edição à
Editora Planeta do Brasil Ltda.
Avenida Francisco Matarazzo, 1500 – 30 andar – conj. 32B
Edi cio New York
05001-100 – São Paulo – SP
www.editoraplaneta.com.br
I
A VISITA
Smolensk, Rússia,
13 de março de 1943

Na manhã de 13 de março de 1943, meia dúzia de soldados espera no


aeródromo da cidade russa de Smolensk. Seus dis n vos, quepes e
casacos cinza de campanha iden ficam-nos como oficiais da Wehrmacht.
Seu líder é um general, sua patente se reconhece pela brilhante cor
vermelha de suas lapelas. A pouca distância, esperam várias limusines
Mercedes. Perto de dois hangares, é possível ver alguns aviões-correio
Heinkel e aviões de ligação Fieseler do po Cegonha. Brilha o sol e a ampla
paisagem vazia está coberta de neve. O segundo e catastrófico inverno do
front russo aproxima-se do fim.
O marechal de campo Hans Günther von Kluge, de sessenta anos,
comandante-em-chefe do Grupo de Exércitos do Centro no front russo,
encontra-se junto ao oficial superior de seu Estado-Maior, o coronel
Henning von Tresckow, de 42 anos. Formam, junto com o chefe do Estado-
Maior, os assistentes e os demais oficiais, o comitê de recepção de Adolf
Hitler, o “Führer e chanceler do Reich” dos alemães, que se encontra no
décimo ano de seu poder sem limites.
Um adiantou-se para apertar a mão de seu líder e para, se possível,
convencê-lo de uma ofensiva sobre Kursk. O outro, para matá-lo.
Henning von Tresckow é um estrategista intelectual. Testa alta de
pensador, cabelo pouco abundante, um rosto aberto de traços finos, mas
decidido. Um sorriso irônico costuma rondar seus lábios. Trabalha há muito
tempo em um plano mor fero que hoje pode se tornar realidade. Além do
mais, os acontecimentos dos úl mos meses só reforçaram sua decisão.
Desde o Ano Novo, ninguém em sã consciência duvida do des no
reservado para a Alemanha. Stalingrado e a aniquilação do 6º Exército
fazem com que qualquer menção à Endsieg, a vitória final, soe a deboche;
Winston Churchill e Franklin D. Roosevelt anunciaram na Casa Branca o
obje vo de guerra dos aliados, a “capitulação incondicional” das potências
do Eixo. Hitler há muito tempo, com seus botões, dá a campanha da África
por perdida. Há apenas três dias, sob sigilo absoluto, ordenou ao marechal
de campo Rommel que voltasse da Tunísia e o subs tuiu no comando,
porque desconfiava dele. De fato, Hitler desconfia agora de muitos de seus
generais, e também não se sente muito mais seguro entre os oficiais do
Grupo de Exércitos do Centro, que deviam conquistar Moscou e já estão há
catorze meses mergulhados em duros combates contra o Exército
Vermelho.
Tresckow deve contar com a possibilidade de que a visita, anunciada há
semanas e adiada diversas vezes, possa tornar a ser cancelada no úl mo
minuto. É costume de Hitler tomar amiúde decisões de úl ma hora sobre
suas viagens. “Entendo muito bem por que 90% dos atentados come dos
ao longo da História veram sucesso”, afirmou o ditador no ano anterior ao
seu círculo privado. “O único meio de prevenção é uma vida irregular.” O
coronel respira aliviado quando finalmente soa ao longe o ruído dos
motores dos caças Messerschmidt que acompanham permanentemente o
Führermaschine, o avião do Führer. Pouco depois aterrissam com rapidez,
um atrás do outro, três grandes tetra motores Condor. Cada um leva duas
torretas ar lhadas no teto, grandes suás cas nas laterais da cauda e
cabeças de águia es lizadas na frente. Transportam Hitler e seu séquito. O
primeiro avião roda até chegar à frente dos que estão esperando. Passa-se
um tempo até que a porta se abra. Alguém olha para fora. Desce uma
escada. Finalmente aparece Hitler, usando um casaco de couro e quepe do
uniforme. Volta-se e desce cuidadosamente pela escada, de costas.
O ditador viaja, nesse dia, com uma grande comi va. Lá encontram-se
o chefe do Estado-Maior da Wehrmacht e o chefe do Estado Maior do
Exército. Também estão o destacamento permanente das SS, que é o
“estandarte de carne e osso de Adolf Hitler”, funcionários do serviço de
segurança do Reich, assistentes, membros do par do, repórteres gráficos,
o médico e o cozinheiro pessoais de Hitler. O ditador está cercado de
guardas armados com mini metralhadoras. Tresckow sabe que Hitler usa
um colete à prova de balas por baixo da roupa, e como comprovaram em
uma visita anterior, o quepe de seu uniforme também é reforçado com
aço. Após uma breve saudação do marechal de campo Kluge, Hitler entra
em um pesado Mercedes guiado por seu motorista pessoal. O veiculo foi
solicitado a Vinnitsa, cidade situada na Ucrânia, a 660 quilômetros de
distância, evidentemente em sigilo absoluto, expressamente para esse
propósito. Hitler já não confia em nenhum veículo alheio, e os seus
próprios estão blindados há quase um ano com 4,5 cen metros de grosso
vidro reforçado e 3,8 cen metros de blindagem. Como de costume, senta-
se na frente. O curto trajeto o leva a Krasnij Bor, situado diretamente a
oeste de Smolensk. Ali se encontra o quartel-general do Grupo de Exércitos
do Centro, a pouca distância do rio Dnieper, em um pitoresco bosque de
bétulas. O tráfego pela via férrea que cruza o caminho foi suspenso por
mo vos de segurança. O serviço de segurança e um pessoal das SS estão
há dias no local, preparando tudo para a visita.
Os oficiais do Exército encontram-se reunidos para a conferência com
Hitler na grande cabana de madeira que serve de quartel-general ao
marechal de campo Kluge. Tresckow também está presente. Convenceu os
assistentes de Hitler de que somente uma aparição pessoal do Führer
poderia dissipar as reservas dos comandantes contra a planejada Operação
Zitadelle, como se denomina o ataque a Kursk. Mas o discurso do ditador é
pouco arrebatador, fala depressa e mal olha para seus interlocutores. De
qualquer maneira, o que Tresckow pretendia era apenas rar Hitler de seu
bunker na Prússia oriental. E eis que nesse mesmo instante, a uns 300 m
de distância, em um an go lar infan l onde reside a chamada 1º Esquadra
do oficial superior do Estado-Maior, um oficial de óculos e risca no cabelo,
mas de aspecto pouco militar, encontra-se abrindo uma caixa. É Fabian von
Schlabrendorff, de 35 anos, tenente do Exército da reserva e ajudante de
Tresckow, seu homem de confiança mais próximo e também um
encarniçado opositor ao nacional-socialismo. Está abrindo com cuidado um
pacote preparado por Tresckow e ele mesmo após semanas de ideias e
tenta vas. Contém quatro minas an blindagem inglesas de po Clam,
procedentes do bu m tomado pela Abwehr, e amarradas de duas em duas
com fita adesiva. Formam dois blocos de uns 15 cm de altura e 8 cm de
largura. Os conjurados querem fazê-las passar por garrafas de licor de
Cointreau, escondidas em sua embalagem, aproveitando que têm mais ou
menos o mesmo tamanho.
Essas minas estão recheadas de explosivo plás co inglês de alta
potência, capaz de atravessar uma placa de aço de 25 mm de espessura e
de despedaçar uma torreta blindada russa, como comprovou Tresckow
após vários testes secretos. O detonador, também inglês e que parece um
lápis grosso, é a vado mediante pressão na ponta, e aciona um processo
químico inaudível. Um ácido corrói um arame e faz saltar uma mola, que
a va um percussor sobre o estopim, para assim desencadear a explosão. O
tempo de retardo foi calculado em trinta minutos. Schlabrendorff se
cer fica de poder pressionar o detonador por um buraco disfarçado na
embalagem sem ninguém perceber. Pega o pacote, sai para o frio e
ensolarado dia de março e percorre os limpos caminhos do nevado bosque
de bétulas onde se encontram os barracões do alto-comando. Sua meta é a
sala dos oficiais.
A sala dos oficiais é um amplo salão com um teto baixo de madeira,
mesas redondas e uma enorme chaminé de jolo no canto. Para ver o
Führer de perto, ali se reuniram mais de duzentos oficiais, cerca de metade
dos designados ao quartel-general do Grupo de Exércitos do Centro. Hitler
senta-se no centro da sala, com quatro membros das SS atrás dele. Como
sempre, o ditador pediu uma comida especial, que foi preparada por seu
cozinheiro pessoal, que viaja com ele, junto com seu médico pessoal, o
professor Morell. Experimenta-a diante dos olhos de todos. Isso pode ser
devido a mo vos médicos, mas também de outra índole. O veneno é um
dos meios clássicos de assassinato de ranos. Há onze anos, houve um
atentado com veneno contra Hitler no Hotel Kaiserhof, em Berlim, mas
ninguém saiu ferido. Durante a refeição, o ditador mantém sua mão
esquerda em cima da coxa, enquanto com a direita se serve dos mais
diversos pos de verdura. Para isso, deixa o braço apoiado em cima da
mesa e leva a boca à comida. “Minha mãe teria nos esbofeteado”, diz uma
testemunha para descrever a grotesca visão.
Formando um semicírculo perto de Hitler estão sentados seis oficiais
de cavalaria escolhidos, à frente dos quais está o capitão de cavalaria
Georg Freiherr von Boeselager, de 27 anos. Todos se comprometeram a
matar Hitler a ros. A pistola é parte do uniforme de qualquer oficial, de
modo que disporão das armas necessárias. Contudo, não podem agir. O
marechal de campo Kluge proibiu-os da ação após uma longa conversa
com Tresckow. Kluge sabe da existência do círculo de conjurados em seu
Estado-Maior, e garante estar do seu lado. Não obstante, afirma que um
atentado público contra a vida de Hitler desembocaria em uma guerra civil
contra Heinrich Himmler e suas SS. Uma guerra civil que o Exército, cujas
forças estão concentradas no front, não poderia ganhar. Desse modo, os
a radores permanecem sem fazer nada nesse momento, enquanto
Tresckow leva adiante seu plano reserva, do qual Kluge nada sabe. Um
plano que, além de tudo, tem a vantagem de parecer um acidente.
Depois da refeição, Hitler faz um curto discurso. É proibido fumar em
sua presença. Tresckow conversa com os oficiais que acompanham o
ditador. Tudo depende, agora, de conseguirem receber, por acaso, uma
informação decisiva. E a sorte o acompanha. O tenente-coronel Heinz
Brandt, de 36 anos, que também tem a patente de oficial superior e exerce
a mesma função que Tresckow no departamento de operações do alto-
comando do Exército, comenta que irá no avião de Hitler durante a volta.
Seu chefe está ocupado com o relatório sobre a situação militar. Tresckow
presta atenção no tenente-coronel, um condecorado oficial da cavalaria,
com a boca um tanto afilada. Ao fazer a pergunta crucial, tenta dar-lhe um
tom casual, como se não vesse maior importância. Estaria Brandt
disposto a levar ao alto-comando do Exército um pequeno pacote com
duas garrafas de um bom licor, que são o pagamento de uma aposta feita
com um general com quem tem amizade” Brandt aceita sem hesitar. Dessa
forma, o des no do homem que mas ga verdura a poucos metros de
distância parece selado.
Hitler deixa o acampamento de Krasnij Bor por volta das 14h30. Kluge e
Tresckow o acompanham de volta ao aeroporto. O tenente Schlabrendorff
chega ao aeródromo em outro carro, levando nas mãos o pacote
preparado. Espera até que Hitler se despeça dos oficiais e então pressiona,
sem ser percebido, pela pequena abertura do envoltório. Para se assegurar
de que a bomba realmente está a vada, não só pressiona com um dedo a
ponta do detonador, como também com a ponta de sua chave. Assim, tem
certeza de que a pressão foi suficiente para quebrar a ampola de líquido
corrosivo e para que o detonador seja a vado. Após um gesto de Tresckow,
dá o pacote a Brandt. Nesse momento, tem que se esforçar para manter a
expressão amistosa em seu rosto. Brandt não percebe nada e entra atrás
de Hitler no Führermaschine. A escada é re rada e a pesada porta metálica
do Condor é fechada pelo lado de fora. Os quatro caças da escolta sobem,
e Hitler está no ar por volta das 15h. Seu piloto ruma para os nevados
campos da Ucrânia. A rota os fará passar por Kiev e seguirá em direção à
Prússia oriental após uma escala em Vinnitsa, até chegar ao quartel-
general do Führer em Rastenburg, a Wolfschanze ou Toca do Lobo.
Antes da guerra, o avião cônico de elegantes linhas dos anos 1930
Focke-Wulf FW-200 Condor era o aparelho de ponta da frota civil da
Lu hansa. O piloto de Hitler gosta de chamá-lo de “o avião mais bonito
sobre a face da Terra”. Pode permanecer no ar mais de quinze horas, o que
lhe permi u fazer, em 1938, o primeiro voo de passageiros sem escalas até
Nova York. Contudo, para operações militares perigosas, mostrou-se muito
lento. O ditador voa em um modelo modificado que conta com quatro
motores de mil cavalos de potência. Sua cabine blindada tem acabamento
de madeira. Há comissários de bordo servindo os passageiros, e tanto a
travessa de porcelana quanto os talheres de prata têm o símbolo do
NSDAP, Par do Nacional Socialista Trabalhador Alemão. Hitler senta-se na
frente, à direita, em uma poltrona alta acolchoada e reforçada com placas
de aço que está acoplada a uma porta de alçapão de quase 1 m². Em caso
de perigo, pode acioná-la mediante uma alavanca vermelha que se
encontra debaixo da janela, à direita. Ao fazer isso, a por nha se abre para
deixar cair a poltrona, junto com seu ocupante. Há também um
paraquedas escondido no encosto. Tresckow e Schlabrendorff sabem de
tudo isso. Contudo, contam com que a explosão destrua também a cabine
blindada. Na pior das hipóteses, esperam que a bomba arranque um
pedaço tão grande da fuselagem que não haja possibilidade de escapar. Os
conjurados estão voltando a seu quartel-general com uma tensão febril. Ao
chegar, o tenente pede uma conexão com Berlim e transmite uma palavra
secreta acordada de antemão ao pessoal de confiança da resistência que
se encontra ali: O “acendimento inicial” está em andamento. É o sinal para
que vários comandantes que fazem parte da conspiração tomem os
pontos-chave da pátria assim que Hitler sofrer uma “trágica morte
acidental”.
No início de 1943, tal como se veria mais tarde, esse plano está longe
de ser ó mo. Mas baseia-se em uma ideia brilhante. Após a catástrofe do
inverno de 1941, com o fracasso da campanha russa às portas de Moscou,
Hitler e seu círculo interno já não estão seguros no que se refere à
denominada “frente interna”. A retaguarda poderia ser atacada,
paraquedistas inimigos poderiam aterrissar no território do Reich, nem
sequer se descarta uma revolta dos Zwangsarbeiter, os des nados a
trabalhos forçados, cujo número chega a vários milhões. O Gabinete Geral
do Exército em Berlim recebe a tarefa de criar medidas contra essa
ameaça. E, no início de 1942, emite uma série de ordens às formações do
Exército que não se encontram no front: unidades de instrução,
companhias da reserva, tropas para a proteção dos 21 distritos militares da
Alemanha e dos territórios ocupados.
Essas ordens, que permanecem nos cofres como Geheime
Kommandosache, assunto secreto reservado ao alto-comando, são
aprovadas por Hitler, mas pouquíssimas pessoas sabem de sua existência.
O plano contempla a “disposição das unidades operacionais em três fases”,
seu armamento e capacidade de combate contra qualquer inimigo
imaginável no interior do país. Henning von Tresckow e seus companheiros
planejam u lizar essas ordens legais para pôr o Exército em estado de
alerta e fazer com que as tropas isolem o bairro do governo em Berlim,
prendam os ministros e os líderes do par do, ocupem a rádio e desarmem
as formações das SS. Em outras palavras, planejam um verdadeiro golpe de
Estado. A primeira e única condição para desencadeá-lo é a morte de
Hitler. Sua aura mí ca é muito grande perante a população, assim como a
fé dos soldados rasos em sua suposta genialidade militar, que ainda
con nua garan ndo a “vitória final”. É impossível arrebatar-lhe o poder
enquanto es ver vivo. Se ocorrer um acidente ou um atentado pelo qual se
possa responsabilizar alguém, será dada a ordem de abrir os cofres e pôr
em andamento o plano de emergência. O plano recebe um nome inspirado
nas donzelas da mitologia nórdica que acompanham os guerreiros
tombados aos salões dos deuses: “Valquíria”.
Tresckow e Schlabrendorff estão sentados em seu quartel-general, com
o olhar fixo no relógio, cujos ponteiros avançam com uma len dão mortal.
Imaginam que a primeira no cia da explosão seja dada via rádio por um
dos caças da escolta, e esperam-na ao lado do aparelho, como se
enfei çados. Mas a meia hora se passa e nada acontece. Como úl ma
esperança, resta a possibilidade de que o frio do interior do
compar mento de carga tenha retardado o processo químico do
detonador. Mas o prazo dessa suposta demora também termina sem que
nada aconteça.
Finalmente, após mais de duas horas de extenuante espera, chega uma
mensagem com a qual ninguém contava: Hitler aterrissou são e salvo no
aeródromo de Rastenburg e chegou a seu quartel-general, a Toca do Lobo.
Segue-se um momento de desoladora decepção. Tornou a ficar evidente a
suposta invulnerabilidade de Hitler, que parece ter feito um pacto com o
diabo. Até esse momento, houve mais de vinte tenta vas documentadas
de matá-lo, mas até a mais sofis cada delas fracassou.
“Estávamos extremamente abalados”, afirma Schlabrendorff ao
recordar. Contudo, não resta muito tempo para tubear ou pensar. O
tenente deve ligar imediatamente para Berlim para transmi r a senha que
informa do fracasso do atentado, e que fará com que se suspenda toda e
qualquer a vidade instantaneamente. O coronel Henning von Tresckow se
prepara, por sua vez, para fazer uma ligação muito mais delicada.
Repassa uma vez mais em sua cabeça todas as opções. A seguir, pede
uma comunicação com o alto-comando. O tenente-coronel Brandt, o
homem que pegou a bomba, encontra-se em um centro de comando a
pouca distância de Rastenburg. Ele também já deve ter voltado a seu
escritório. Não poder entrar em contato com ele significaria a descoberta
do artefato explosivo e um grande perigo para todos os conspiradores. Mas
falar com ele pelo telefone também não representa nenhuma certeza; se
os serviços de segurança já descobriram o complô, Brandt pode estar
servindo de isca, para dar impressão de normalidade e conseguir chegar
até o mandante da tenta va de atentado.
Tresckow liga, estabelece-se a comunicação e ela ouve a voz de Brandt,
que soa sem nenhuma agitação, completamente normal. Tresckow
pergunta se já entregou o pacote com o licor a seu des natário. Brandt diz
que não, o pacote con nua com ele. Tresckow explica rapidamente que,
infelizmente, houve um engano e que agora mesmo está com o pacote
certo em mãos. A seguir, perguntar-lhe se seria possível que guardasse o
pacote errado. Schlabrendorff, seu ajudante, precisa ir ao alto-comando
em serviço oficial e pode trocar o licor errado pelo certo. Brandt está de
acordo. Tresckow se despede, desliga e diz a Schlabrendorff que, em sua
opinião, a bomba não foi descoberta. Schlabrendorff concorda, e está
disposto a assumir sua recuperação. A resposta à questão do perigo que
essa missão implica só a terá na manhã seguinte.
II
MISSÃO EM MAUERWALD
Massuria, Prússia Oriental,
14 de março de 1943

Na manhã de 14 de março de 1943, o tenente Fabian von Schlabrendorff


embarca em um avião de correio regular, que percorre os diversos centros
de comando da Wehrmacht, a caminho da Prússia oriental. Leva no bolso
um pacote que contém duas garrafas de Cointreau de verdade e que se
parece com o artefato explosivo que não explodiu. Enquanto o avião sobe
para empreender o voo de quase uma hora, Schlabrendorff não tem
nenhuma dúvida quanto à necessidade de sua missão. O ardente desejo de
fazer algo contra a ascensão e o domínio do nacional-socialismo consome-
o há mais de quinze anos.
Schlabrendorff provém de Halle na der Saale, e já como estudante de
Direito em sua cidade natal pertenceu ao grupo de jovens conservadores.
Em 1928, teve várias intervenções como orador em protestos contra os
nazistas, o que às vezes acabava em brigas. No ano de 1933, pouco depois
de Hitler ter tomado o poder, publicou um ar go na Mi eilungsbla der
Konserva ven Vereinigung, no qual denunciava a criação de um Estado
sem direitos e formulava seu repúdio total ao novo regime. A par r de
então, a revista foi proibida. Nesse mesmo ano, fez contatos com a
oposição evangélica, a católica e também com a de esquerda, e até
conseguiu libertar o conhecido socialista Emst Niekisch quando este esteve
preso em uma cela em Berlim por membros das AS. Quando as estruturas
de poder do Estado Nacional Socialista se tornaram todo-poderosas,
renunciou a seu posto no an go Ministério do Interior da Prússia. Atuou
como advogado em províncias, mas permaneceu a vo nos círculos da
oposição. Em agosto de 1939, pouco antes do começo da guerra, foi para a
Inglaterra para adver r vários interlocutores de alto nível do iminente
ataque de Hitler à Polônia e do pacto entre Hitler e Stalin. Entre eles
encontrava-se Churchill, a quem visitou em Chartwell, sua residência.
Schlabrendorff ficou profundamente impressionado por aquele incansável
vigilante do desejo germânico de poder a quem até então seu povo havia
ignorado. “Não sou um nazista, e sim um bom patriota”, afirma perante
seu anfitrião. “Eu também”, responde Sir Winston, a quem poucas
semanas separam de sua defini va tarefa: voltar ao governo britânico e
tomar as rédeas da luta contra Hitler.
Não obstante, todos esses esforços de Schlabrendorff foram em vão.
Fazia muito tempo que nha bastante claro em mente que os únicos que
podiam fazer alguma coisa contra Hitler eram os militares. Desse modo, o
homem de leis sem experiência militar foi requisitado em 1941 por seu
primo, Henning von Tresckow, para o Grupo de Exércitos do Centro. Diante
da surpresa da tropa, Tresckow transformou em seu conselheiro mais
próximo esse Schlabrendorff tão pouco marcial, a quem seu uniforme
nunca parecia lhe cair bem e que se destacava por sua inteligência,
discrição e sarcasmo mordaz. Juntos decidem derrotar o ditador mediante
a violência. Schlabrendorff transforma-se no emissário de Tresckow. Viaja
constantemente entre os grupos da resistência de Berlim e os diversos
Estados Maiores. Contudo, até agora conseguiu evitar chamar a atenção da
Gestapo e de seus informantes.
O avião-correio começa sua descida sobre a larga paisagem lacustre da
Massuria. O obje vo de Schlabrendorff encontra-se às margens do lago
Marmry, junto à via férrea entre Rastenburg, a Toca do Lobo e Angerburg. É
um grande acampamento militar que aparece nos planos de operações do
Exército com o nome de Mauerwald. Ali operam várias seções
administra vas do Exército e do alto-comando após o retrocesso no front
oriental. É possível ver altas torres de vigilância de madeira e edi cios
administra vos disseminados por uma super cie de uns 6 km². Também há
bunkers de concreto armado à margem do lago que parecem rochas de
milhares de toneladas lançadas por um gigante, e que estão flanqueados
por baterias an aéreas. Schlabrendorff é conduzido à seção de operações
e ao tenente-coronel Brandt. Se despertou as suspeitas de alguém, já é
muito tarde para dar meia-volta.
Com seus pequenos arvoredos, as numerosas cabanas de madeira
meio escondidas e as cercas feitas de finos troncos de bétula, o
acampamento do alto-comando transmite uma enganosa paz, similar à de
uma colônia de férias. Schlabrendorff finalmente chega ao edi cio em que
se encontra Brandt e entra. O tenente-coronel cumprimenta-o. Ao que
tudo indica, não suspeita de nada. Schlabrendorff percebe pela
tranquilidade com que Brandt manuseia O perigoso pacote. Agita o
artefato explosivo com tal força, daqui para lá, que o visitante fica
petrificado de medo. Afinal de contas, o detonador está a vado e a bomba
poderia explodir a qualquer momento. Schlabrendorff ra o pacote das
mãos do tenente-coronel e em seu lugar lhe entrega as verdadeiras
garrafas de Cointreau. A seguir, despede-se tão depressa quanto possível.
Mal acabou com isso quando se encontra com um novo problema. O que
vai fazer com o explosivo? O acampamento, onde há agora uns 1500
oficiais de serviço, parece lugar pouco apropriado para inspecionar o
pacote, ou para simplesmente jogá-lo. Poderia chamar a atenção e pôr em
perigo pessoas que não têm nada a ver com a história. Schlabrendorff não
pensa muito e diz a seu motorista que o leve de imediato a Korschen, a 40
km dali. Korschen é o entroncamento ferroviário central entre Berlim e
Tilsit, Königsberg e Rússia. Ali há vagões-leito preparados para que os
visitantes do alto-comando passem a noite. E ali Schlabrendorff quer que
lhe preparem um compar mento onde ninguém o incomode. Segura o
pacote nas mãos durante todo o trajeto, esforçando-se para evitar
qualquer movimento brusco.
Uma vez em Korschen, Schlabrendorff tranca a porta de seu
compar mento, ra uma lâmina de barbear e começa a abrir o pacote com
cuidado. Ao re rar o reves mento, descobre que as minas inglesas
con nuam do mesmo jeito. Desarma a bomba com cautela e ra o
detonador. Aparentemente, o mecanismo havia sido a vado da maneira
correta. A ampola com o ácido está quebrada, e este corroeu o arame de
segurança, como era previsto. O percussor moveu-se corretamente e até a
ponta detonadora está queimada e preta por fora. Mas algo deve ter dado
errado. Será que o aquecimento do Condor estava quebrado, o que ocorria
ocasionalmente, e isso havia esfriado muito o explosivo? Esta parece a
explicação mais plausível, mas para Schlabrendorff con nua parecendo
estranha. Quase o assalta a impressão de que um cruel poder do des no
tomou a se pôr do lado de Hitler.
Schlabrendorff sente ao mesmo tempo esperança e decepção.
Decepção pelo atentado falido, cujo fracasso parece devido a uma
“coincidência única”. Mas esperança porque o complô con nua sigiloso e é
possível tornar a tentar contra a vida de Hitler. Torna a sen r-se tão seguro
que não joga pela janela as minas e o detonador quando o trem se põe em
movimento em seu caminho noturno rumo a Berlim, e coloca tudo em sua
bagagem e decide apresentá-lo como prova aos conspiradores da capital
na manhã seguinte.
III
A RESISTÊNCIA
Smolensk, Rússia,
Março de 1943

Henning von Tresckow recebe o relatório telefônico de seu ajudante no


edi cio de comando de Smolensk. Não acredita nem no des no nem na
Providência, mas sim em ser decidido e em um bom planejamento. De
modo que não se permite lamentar o fracasso do atentado nem por um
segundo, e imediatamente dirige seu olhar para frente. Qual é o próximo
compromisso conhecido da agenda de Hitler? Quando terão oportunidade
de se aproximar dele? Lembra-se de um decreto do Führer de dois dias
atrás, possivelmente o mais curto já promulgado por Hitler. O texto
completo diz: “Este ano, o Heldengedenktag (Dia dos Tombados) é 21 de
março”. Com esse decreto, o feriado nacional é atrasado uma semana. As
decisões do ditador estão sendo tão errá cas que ninguém se espanta
diante da arbitrária e repen na mudança do dia da celebração. Não se dá
nenhum mo vo para isso.
Mas as aparições em público de Hitler e seus discursos aos alemães
tornaram-se mais escassos. De modo que o possível mo vo parece ser
esperar que antes haja um sucesso visível contra os russos. As esperanças
estão em Jarkov, na Ucrânia, que está sendo assediada pelas Waffen-SS
comandadas por Sepp Dietrich. A cidade cairá em mãos alemãs no prazo
previsto. Mas o que Tresckow vê nesse 21 de março, quando Hitler
aparecer no pá o de luzes do an go arsenal militar de Berlim e pronunciar
um discurso em público em homenagem aos tombados, é uma nova
oportunidade. A seguir, o ditador visitará uma exposição de troféus de
guerra que acontece todos os anos, e que dessa vez mostra fotografias e
armas apreendidas pelo Grupo de Exércitos do Centro, as tropas de
Tresckow.
Seu sangue-frio, clareza, talento organiza vo e cria vidade levaram
Henning von Tresckow à frente da resistência militar durante os úl mos
anos. E também é o oficial superior no front que entrou na oposição
polí ca com a decisão de eliminar Hitler. Os agentes da Gestapo dirão que
é o “ins gador” e o “espírito maligno” de 20 de julho. Sabe que contra esse
poderoso adversário não vale nenhuma tradição dis nta, nenhuma
condescendência nem nenhuma advertência eloquente. Só a decisão de se
atrever a lutar contra a loucura do nacional-socialismo. À questão do
juramento que, como qualquer soldado alemão, prestou à pessoa de Hitler
é algo que resolve de maneira muito pragmá ca: o juramento é uma
obrigação recíproca que Hitler quebrou milhares de vezes. Um passo lógico
que nunca darão, nem sequer mais tarde, muitos militares que há muito
tempo vêm maldizendo seu máximo superior. Mas a obs nada fidelidade
nibelunga¹ não combina nem com a origem de Tresckow nem com sua
personalidade.
Henning Hermann Robert Karl von Tresckow, nascido em Magdeburgo
em 1901, provém de uma família de oficiais prussianos com residência em
Gut Wartenberg, na parte de Neumark, ao leste do Oder. Suas origens
remontam até o século XIV. Um de seus antepassados ganhou fama como
general sob as ordens de Frederico II, o Grande. No final da Primeira
Guerra Mundial, Tresckow entrou, após ter sido rejeitado em um primeiro
momento por sua fraca compleição, no primeiro regimento de infantaria
da guarda prussiana, e com dezessete anos tornou-se o alferes mais jovem
da tropa. Um mês depois, recebeu a Cruz de Ferro por sua valen a. Seu
comandante profe zou que acabaria como chefe do Estado-Maior ou
como traidor no pa bulo.
Seu superior reconheceu naquele jovem uma grande inteligência
estratégica, mas também um repúdio fundamental à obediência cega. Nas
batalhas de Maas e Oisepo, Tresckow não posicionou as metralhadoras que
nha sob seu comando onde o chefe de sua companhia lhe havia
ordenado, e sim onde eram mais efe vas do ponto de vista tá co. Como
muitos outros, viveu o final da guerra e o Tratado de Versalhes como uma
profunda humilhação.
No início dos anos 1920, interrompeu sua carreira militar e atuou com
sucesso como banqueiro e agente da Bolsa. Viajou pelo mundo e passou
meio ano na América do Sul. Desse modo, quando renunciou ao dinheiro
fácil e entrou nas reinstauradas forças armadas do Reich, seu horizonte era
muito maior que o de seus camaradas. Em 1932, sendo um dos melhores
de sua turma na academia militar, acreditou nos nacional-socialistas e em
suas promessas. “Se tem fervor, vote em Hitler”, dizia em seu circulo
familiar.
Casado, tem dois filhos e uma filha. Vai todos os domingos à igreja, de
uniforme. Profundas convicções e princípios morais. Tudo isso faz com que
seus companheiros ponham em Tresckow o apelido O Santo. Sua carreira:
des nação ao Estado-Maior, oficial superior do Estado-Maior sob as ordens
de Von Rundstedt no front ocidental, e mesma função no Grupo de
Exércitos do Centro no front oriental. O que não consta dos registros
oficiais é seu desprezo crescente por Hitler e sua sede de guerra, da qual
não tem dúvida alguma.
Começou em 1937 com o ataque à Tchecoslováquia, de cujos planos
Tresckow par cipou, e em 1939 nha a convicção de que o “daroês
bailarino” e “ar fice de todos os males” deve ser de do. Nesse mesmo
ano, ocorre o primeiro encontro com seu primo Schlabrendorff, que lhe
transmite uma determinação comum à sua. “O dever e a honra exigem de
nós fazer todo o possível para derrotar Hitler e o nacional-socialismo na
primeira oportunidade e, assim, salvar a Alemanha e a Europa dos perigos
da barbárie.”
Não obstante, Tresckow con nuou prestando serviços além do dever
em tempo de guerra. Ganha fama de gênio da organização e de líder de
tropa de dotes excepcionais. Em uma ocasião, transmite diretamente a
Hitler o plano do comandante Von Manstein de avançar rapidamente em
território inimigo, um plano que os generais conservadores queriam
impedir. Esse plano torna possíveis os surpreendentes sucessos no front
ocidental. Sua posição de responsabilidade implica que se veja enredado
nas atrocidades da chamada “zona de retaguarda do exército”, na Rússia:
campos de prisioneiros nos quais milhões de russos morrem de fome;
milhares de civis, supostos guerrilheiros ou simpa zantes dos resistentes,
que são fuzilados; e assassinatos em massa de judeus pelo grupo B das SS
que opera em sua região.
Conhece os autores e mantém contato com eles. Essas ações do
Exército, que debocham dos direitos humanos e de qualquer po de
humanidade, são aprovadas e consignadas nos expedientes e se dão
dentro de seu âmbito de responsabilidade direto.
Cada vez tem mais sen mentos de culpa. Já em maio de 1941, pouco
antes do começo da campanha russa, entram em vigor o
Kriegsgerichtsbarkeit-Erlass, a permissão para a jurisdição dos tribunais
militares, e a Kommissarbefehl, a diretriz para o tratamento dos
comissários polí cos, duas das disposições criminosas de Hitler. A primeira
permite que “civis inimigos” possam ser levados perante um oficial — sem
a existência de um tribunal — e que este decida sobre seu possível
fuzilamento. Trata-se da eliminação total dos direitos civis, ordenada pela
mais alta instância. A segunda disposição exige que se separem dos demais
soldados todos os prisioneiros que forem comissários polí cos do Exército
Vermelho, e que sejam fuzilados de imediato no campo de batalha. Um
atentado brutal contra as regras de honra entre soldados que teria sido
inimaginável para qualquer um.
Tresckow tenta imediatamente conseguir que os três máximos
responsáveis militares pela campanha russa se neguem a acatar essas
disposições dez dias antes do começo do ataque. “Pense um pouco”, diz a
um amigo ín mo. “Se não conseguirmos [...] que essas ordens sejam
re radas, a Alemanha perderá sua honra defini vamente. E tal afronta
durará séculos. A culpa não recairá somente sobre Hitler, mas também
sobre o senhor e eu, sua mulher e a minha, seus filhos e os meus.” A
tenta va fracassa. Em novembro de 1942, informa a seu circulo que seus
piores temores se tornaram realidade faz tempo: na retaguarda ocorre a
“exterminação metódica de seres humanos”, cujo alcance supera
“qualquer fantasia”, e isso, para Tresckow, é uma “desonra para o sacri cio”
dos soldados do front.
Nesse momento, Henning von Tresckow vive dia a dia em uma
contradição absoluta. Exteriormente, trabalha com todas as suas forças
para manter em andamento a maquinaria de destruição de Hitler,
tornando possível, assim, novas mortes e crimes. Mas, em sigilo, trabalha
com o mesmo fervor para eliminar o ditador. No circulo dos conjurados há
uns quinze oficiais que conspiram no an go lar infan l onde o Estado-
Maior tem sua sede. Trocam informações dos enviados inimigos e mantêm
contatos com Berlim. Tresckow dispara, de vez em quando, com a pistola
na parede. Teme que haja microfones, e quer desligá-los dessa maneira.
Quando acaba o serviço, às onze da noite, e os informantes já foram
embora, amiúde joga xadrez com os conspiradores e discute as
possibilidades de um golpe de Estado. Entre eles encontra-se um coronel
responsável pelo contato com a Abwehr e pelo reconhecimento das forças
inimigas. No próximo plano de Tresckow, desempenhará um papel decisivo.
Rudolph-Christoph Freiherr von Gersdorff, de 37 anos, mora e trabalha
no mesmo edi cio que Tresckow. Seus companheiros o descrevem como
engraçado e tagarela, alegre e despreocupado. Em uma foto pica, está
com o quepe de oficial colocado de lado sobre o rosto e mostra um sorriso
desafiador. Proveniente de Lüben, na Silésia, serviu no quartel de
Kleinburg, no primeiro regimento de couraceiros da Silésia Grosser
Kurfürst, assim como seu pai e seu avô. É um homem profundamente
influenciado pelo código de honra dos tempos do cáiser. Já no ano de
1934, quando prestou juramento à pessoa de Hitler, considerava que era
um juramento “capcioso”.
Nem durante a guerra manteve em segredo sua oposição ao nacional-
socialismo. Conhece Henning von Tresckow em Coblenza, em maio de
1940, poucos dias antes do começo da campanha francesa. Durante uma
curta conversa, ambos percebem que compar lham uma grande
preocupação com o futuro da Alemanha e que têm um espírito parecido.
Tresckow pergunta se Gersdorff consideraria colaborar com ele um dia, e
este assente sem hesitar. Assim se fecha uma “aliança de vida ou morte”.
Um ano depois, Tresckow faz com que transfiram o oficial da cavalaria a
seu Estado-Maior. A caminho dali, Gersdorff faz escala em Berlim. Sua
mulher lhe fala, abalada, sobre as perseguições que estão acontecendo ali
contra os judeus.
O fuzilamento de judeus russos ocorre na retaguarda do exército desde
o começo da campanha contra a URSS. Gersdorff e outros oficiais do Grupo
de Exércitos do Centro ficam abalados diante de um massacre perpetrado
por tropas das SS no gueto de Borisov. Mas não conseguem nem impedir
nem fazer com que cas guem os responsáveis. Em um apêndice de seu
diário de guerra oficial, anota os desoladores fatos: “durante qualquer
conversa longa com algum oficial, sempre me perguntam pelos
fuzilamentos de judeus. Tenho a impressão de que quase todos os oficiais
os repudiam. [...] Os fuzilamentos serão vistos como um golpe contra a
honra do Exército alemão, e em especial contra a dos oficiais alemães”.
Aqui se veem os esforços de combater os piores excessos, mas, ao mesmo
tempo, também ocorrem, em parte sob a competência de Gersdorff, as
ações cada vez mais cruéis do Exército contra os guerrilheiros. Essas ações
implicam cada vez com maior frequência a execução de pessoas inocentes.
Tresckow e Gersdorff já compar lharam muitas experiências decisivas.
Por exemplo, a ação fracassada contra a Kommissarbefehl, quando
Gersdorff quis ajudar a fazer com que os máximos líderes do Exército na
Rússia se negassem a obedecê-la. Também era ele quem fornecia
explosivos e detonadores, graças a sua conexão com a Abwehr. Tudo isso,
evidentemente, em troca de recibos em seu nome. Ele sabe que Tresckow,
com esse material, realiza testes do efeito das explosões e de instalação de
detonadores, mas não conhece o propósito exato.
Uns dias antes de 21 de março, Tresckow convida Gersdorff para um
longo passeio. É uma desculpa para manter uma conversa confidencial,
uma conversa que não possa ser gravada nem ouvida. Andam pelo nevado
bosque de bétulas do quartel-general e ao longo do curso do Dnieper, que
corre, com uma largura de uns 50 m, por uma paisagem de prados.
Conhecem a beleza do entorno pelas saídas diárias a cavalo próprias de
qualquer oficial da cavalaria e também por alguns passeios de trenó com o
marechal para caçar lobos. Gersdorff percebe a pavorosa seriedade da voz
de seu amigo. Falam sobre a situação do Reich e a necessidade de impedir
a Alemanha de afundar, mas isso não é mais que a introdução. Tresckow
fala do fracassado atentado contra o avião de Hitler, e Gersdorff percebe o
propósito dos testes com explosivos. Contudo, Tresckow deve perguntar,
agora, algo que nunca perguntou a um companheiro, e que normalmente
nem sequer consideraria. Gersdorff estaria disposto a voar pelos ares junto
com Hitler? Gersdorff responde que é “a pergunta mais séria que já me
fizeram” e pede um momento de reflexão.
Um atentado suicida. Sacrificar a própria vida. Ninguém além de
Gersdorff pode fazer isso se quiserem que Hitler morra dentro de dois dias.
Gersdorff organizou e preparou, junto com sua seção, a exposição de
troféus de guerra em Berlim. Só ele tem uma desculpa para caminhar ao
lado de Hitler pelas salas e mostrar-lhe os objetos expostos. Uma desculpa
convincente e que não levantaria nenhuma suspeita. Schlabrendorff
con nua guardando o explosivo que não detonou no avião de Hitler em
Berlim. Cabe sem problemas no bolso de um casaco, mas só pode causar
danos mortais se explodir bem ao lado do Führer. Já preparou detonadores
apropriados, que o próprio Gersdorff conseguiu, com um tempo de retardo
de dez minutos.
A mulher de Gersdorff, Renata, faleceu repen namente um ano antes,
enquanto ele passava seu primeiro inverno na Rússia. Diz que se sente livre
para sacrificar sua vida. Pergunta se o ato tem sen do e se poderá ser
jus ficado perante a História. Ao que Tresckow responde que uma
organização preparada da resistência “entrará rapidamente em ação” para
capitular no front ocidental e manter o oriental para a salvação do Império
alemão. Tresckow sabe que a resposta é vaga e soa insegura. O que possa
acontecer depois da queda ou morte de Hitler é algo que é deba do
ardentemente na resistência há anos. As opiniões são muito dispares e os
planos mudam com cada virada da guerra. Mesmo assim. Tresckow quer se
concentrar primeiro em levar a cabo a ação decisiva. “Não é algo
monstruoso”, medita Tresckow, “que dois oficiais alemães do Estado-Maior
pensem juntos na maneira mais segura de acabar com a vida de seu
superior máximo?” Contudo, ao mesmo tempo, deixa evidente que para
ele já não há outra escolha. “Tem que ser sacrificado como um cão raivoso
que põe em perigo a Humanidade!” Gersdorff também sente essa
necessidade e aceita sem fazer mais perguntas.
Já de volta a seu escritório, Tresckow entra em ação de imediato. Liga
para Schlabrendorff, em Berlim, e diz-lhe que permaneça na cidade e que
mantenha o explosivo preparado. Depois, faz uma série de ligações para
que seu chefe, o marechal de campo Von Kluge, e sua mulher não
par cipem da visita à exposição de troféus de guerra. Hitler havia pedido
expressamente a presença de Kluge, mas o marechal de campo é
insubs tuível nos planos de Tresckow para aquilo que virá depois do golpe
de Estado. De modo que argumenta, sem dizer nada concreto, até que o
convence a permanecer no front. Desde que proibiu o atentado a bala na
semana anterior, Kluge é considerado pela resistência um candidato
inseguro.
A seguir, é imprescindível que Gersdorff, que até agora não havia
anunciado sua par cipação, entre na lista das pessoas que podem
acompanhar Hitler pela exposição. Outra dificuldade é saber qual é o início
exato da visita e a duração do passeio de Hitler pela exposição. As duas
coisas parecem quase impossíveis. O acesso ao ditador está há muito
tempo estritamente regulamentado, e o horário de todas as ocasiões em
que Hitler comparece em público é guardado como um segredo de Estado.
O assistente pessoal de Hitler nega as pe ções de forma implacável.
Mesmo assim, o acaso faz com que Model venha em ajuda aos
conspiradores. Ele é o oficial que irá a Berlim no lugar de Kluge, que não
sabe nada acerca do que está sendo preparado e é totalmente leal a Hitler.
Quer o horário a todo custo porque gostaria de visitar sua mulher. Além do
mais, não quer ir à exposição sem Gersdorff, a fim de estar preparado para
as perguntas do Führer. Assim, à véspera do início da exposição, Gersdorff
sabe que Hitler passará às 13h em ponto pela frente do arsenal militar. A
seguir, fará seu discurso no pá o interno e percorrerá a exposição durante
meia hora, tempo suficiente para que a bomba detone. Parece que a sorte
torna a sorrir para os conjurados.

1 Na mitologia alemã, cada um dos anões que protegiam o tesouro dos


burgúndios. (N. da T.)
IV
ATENTADO SUICIDA
Berlim,
21 de março de 1943

O sol brilha por entre finas faixas de nuvens em Berlim no dia 21 de


março de 1943. Após a geada noturna, a temperatura sobe até os 14 graus.
A avenida Unter den Linde, que nos anos de guerra perdeu muitas lias e
se transformou em uma monumental super cie deserta, está cercada de
cordões de isolamento desde as primeiras horas da manhã. Os curiosos são
man dos à distância pela polícia. Não sabem quanto terão que esperar,
pois a hora exata de início da celebração não foi divulgada nem aos meios
de comunicação. O pico comitê de boas-vindas espera em frente às
esculturas de soldados de pedra do Arsenal Militar, que, como an go
arsenal de armas prussiano, sempre foi o lugar de celebração de tudo o
que se relacione com o militar. O comitê é formado por Hermann Göring,
com seu bastão de comando recoberto de diamantes, um casaco de oficial
de cor clara e botas de um vermelho-vivo feitas de marroquim. Atrás dele,
o marechal de campo Wilhelm Keitel, o grande almirante Karl Dönitz, o
Reichsführer das SS, Heimlich Himmler, o ministro da Propaganda, Joseph
Goebbels, e outros altos oficiais.
No recinto da entrada da exposição, Gersdorff também espera. As duas
minas inglesas encontram-se no bolso de seu casaco, uma no direito e
outra no esquerdo. Os detonadores de dez minutos já estão colocados. Na
tarde anterior, esteve vendo o Arsenal Militar por dentro e comprovou que
não há nenhuma possibilidade de colocar as bombas no atril de orador de
Hitler. Devem ser detonadas ao lado do corpo, na cercania imediata do
ditador, com todas as consequências que isso implica.
Gersdorff passou a noite no Hotel Eden. Por volta da meia-noite,
recebeu as minas de Fabian von Schlabrendorff, e Gersdorff não conseguiu
dormir nem um só minuto a noite toda. Sente-se “como um condenado em
sua cela antes da execução”.
Umas ordens gritadas apressadamente anunciam a chegada da
comi va de carros de Hitler. Sua Mercedes 770, de placa IA 148697, para
realizando um amplo arco diante da entrada principal. Enquanto ainda está
parando, o motorista desce com um salto e abre com rapidez a porta de
Hitler. Este parece mal-humorado, ergue brevemente o braço direito,
fazendo o Deutscher Gruss, e Göring avança para apertar-lhe
fervorosamente a mão. No ves bulo, a orquestra começa a tocar os
primeiros e apaixonados compassos da 7º Sinfonia de Bruckner. Depois,
Hitler pronuncia um discurso de uns quinze minutos. Fala da “crise e do
injusto des no” do Exército alemão, do “assalto da Ásia interior”, que está
quase superado, e da anulação da proibição de férias, que já dura vários
meses. Atrás de Hitler ondulam as bandeiras do an go exército, da
Wehrmacht e das Waffen-SS. E, como é habitual, há porta-estandartes,
duros como postes, escolhidos por seu queixo maciço, para serem
registrados pelas câmeras do no ciário semanal. Gersdorff está sentado
encaixado na tribuna da frente e não consegue acompanhar o discurso.
Engole um comprimido de Pervi n, um preparado de metanfetamina de
produção alemã que se distribuía aos soldados do front, em especial no
começo da guerra, para mi gar o medo e aumentar a capacidade de
concentração.
A celebração está sendo transmi da por todas as emissoras civis e
militares do Terceiro Reich. Henning von Tresckow também ouve em
Smolensk o que o repórter conta sobre o final do discurso de Hitler. “O
Führer saúda as bandeiras e começa a caminhar pelo corredor central para
a exposição do Arsenal Militar, dedicado à luta no front oriental. Nesta
exposição estão representadas todas as seções do front oriental. Mostram-
se troféus conquistados em batalha contra os bolcheviques. O Führer entra
agora na exposição. Voltaremos a falar durante a colocação das coroas de
flores no monumento comemora vo.” Tresckow sabe que, nesse
momento, Gersdorff entrará em ação em Berlim.
E assim ocorre. Gersdorff está na entrada do corredor junto ao
marechal de campo Model e um guia da exposição uniformizado. Quando
Hitler passa a sua frente com um pequeno séquito (Göring, Keitel, Dönitz,
Himmler e alguns ajudantes), Gersdorff saúda com o braço direito erguido.
Está com a mão esquerda no bolso do casaco, e nesse mesmo instante
quebra a ampola de ácido do detonador.
Mas não se atreve a colocar a mão direita no bolso para a var o
segundo detonador. Qualquer movimento que parecesse o de pegar um
objeto escondido seria suspeito e poderia alarmar os guardas. Hitler volta-
se novamente. Pede ao marechal de campo Von Bock, an go superior de
Gersdorff no Grupo de Exércitos do Centro, que também os acompanhe. E
automa camente junta-se ao grupo o ajudante de Bock, o tenente-coronel
Hans-Carl Graf von Hardenberg. Com o coração socando-lhe o peito,
Gersdorff percebe que agora está perto da bomba um velho amigo seu que
não sabe nada sobre o atentado, com quem serviu e que simpa za com a
resistência. Mas não adianta. As coisas seguem seu curso. Não pode
sequer pensar em avisá-lo. Gersdorff aproxima-se o máximo possível de
Hitler. O Arsenal Militar não tem aquecimento, e faz frio. Gersdorff espera
que o calor do interior de seus bolsos valha para que o processo químico
do detonador não se retarde muito, e que, assim, sua missão acabe logo...
Das baixas abóbadas ogivais do Arsenal Militar pendem murais com
fotografias e mapas, e diante deles há metralhadoras e canhões an aéreos
russos capturados. Também há uniformes russos pendurados em
estruturas metálicas. Gersdorff tenta se manter o mais perto possível de
Hitler, o que consegue sem muito esforço, pois, afinal de contas, tem que
estar disponível para qualquer pergunta. Uma fotografia rada nesse
mesmo instante mostra o grupo diante de uma peça de ar lharia russa.
Alguém está explicando alguma coisa, Hitler está com a mão dobrada à
frente do corpo, Göring agarra seu bastão de comando e Gersdorff está a
menos de um metro e meio do ditador.
Mas, então, ocorre algo imprevisto: Hitler decide encurtar sua visita.
Sem dizer uma palavra, começa a andar pelo corredor a bom ritmo. De
nada servem todas as tenta vas de Model, Gersdorff e até de Göring de
fazer com que se interesse por uma águia napoleônica que os sapadores
alemães encontraram durante a construção de uma ponte no leito fluvial
do Berezina. Será que está intuindo o perigo? Tem um sexto sen do para
as ameaças contra sua segurança? Provavelmente, devido a sua situação
cada vez mais desesperada, desenvolveu um fino olfato para detectar o
nervosismo em seu entorno. Talvez perceba a intranquilidade que emana
de Gersdorff. De qualquer maneira, em poucos minutos sai quase fugindo
da exposição.
Até esse momento, no rádio não se ouve mais que o chiado da está ca.
O locutor ficou mudo. Tresckow olha para o relógio fixamente. Tem um
sobressalto ao ouvir de repente um marcial “atenção” pelo receptor e
depois uma ordem incompreensível. A orquestra começa a tocar uma
marcha e o repórter de Berlim recupera a fala. “O Führer saiu do Arsenal
Militar. O tenente-coronel Gehrke, possuidor da Cruz de Cavaleiro, anuncia
a saída ao batalhão que homenageará os tombados no monumento
comemora vo a eles.” Tresckow não quer acreditar, não pode acreditar.
Hitler tornou a sair incólume!
O ditador deixou para trás boa parte de seus acompanhantes e
Gersdorff não o pode seguir do lado de fora. Fica olhando para o Führer,
abalado. Hitler percorre as filas do batalhão de guarda para a oferenda de
coroas de flores no monumento comemora vo em que se transformou o
edi cio da Nova Guarda, do arquiteto Schinkel, que se encontra ao lado do
Arsenal Militar. Pelo caminho, aperta a mão de vários feridos. Só agora
Gersdorff se lembra da bomba que carrega em seus bolsos, um sen mento
que mais tarde descreveria como “bastante desagradável”. Consegue rar
o detonador do explosivo e, com isso, o maior perigo desaparece.
Encaminha-se com muita pressa a um banheiro situado na saída oeste. Ali
faz o detonador desaparecer e depois sai. Lá fora levantou-se um forte
vento.
V
STAUFFENBERG
Tunísia,
6 e 7 de abril de 1943

Em 6 de abril de 1943, os aliados decidem expulsar defini vamente da


África as tropas alemãs e italianas. O marechal Montgomery e o 8º Exército
britânico já raram o Afrikakorps de Rommel do Egito e da Líbia, e
conseguiram controlar o sul da Tunísia, onde agora atacam uma posição
chamada Wadi Akarit. O próprio Rommel, a ul mamente pouco afortunada
Raposa do Deserto, já recebeu ordens de voltar à Alemanha, mas isso é
algo que a opinião pública alemã não deve saber. No oeste, na Argélia, o
tenente-general Pa on, com crescente sucesso, cas ga o inexperiente 2º
Korps. Quer atravessar a frente até chegar às posições de Montgomery e
no caminho para sua meta só encontra a 10º Divisão blindada alemã. Esta
se encontra sob forte fogo de ar lharia perto de El Gue ar e poderia ver
sua re rada interceptada, mas Hitler e o alto-comando da Wehrmacht têm
uma notória aversão a dar a ordem de re rada. E, mesmo que o fizessem,
chegariam 24 horas atrasados.
A divisão tem seu posto de comando em um ônibus arrebatado dos
britânicos, em um pequeno bosque de nodosas oliveiras perto do
cruzamento de Biar Zelloudja. As granadas norte-americanas caem muito
perto, e é possível ouvir fogo de infantaria a pouca distância. Quando os
disparos amainam, um homem sai enga nhando de um refúgio. Sacode a
poeira de seu uniforme cor de areia e entra no ônibus. Seus galões
mostram a estrela dourada de tenente-coronel e o vermelho-carmim das
armas do Estado-Maior. Trata-se de Claus Schenk, conde von Stauffenberg,
de 35 anos, oficial superior do Estado-Maior da divisão e responsável pela
direção operacional e tá ca. Recebe as ordens do comando supremo do
sul de Roma, mantém contato com o comandante da divisão e com os
chefes de brigada no deserto e os provê de informação e ordens escritas. É
um homem que se destaca. Mede 1,82 m de altura, é magro, tem olhos de
um azul-escuro metálico e cabelos pretos e ondulados.
Todas as rodas do ônibus estão destruídas. Mal Stauffenberg começa a
rar a poeira e os pedaços de vidro do mapa da situação, toca o telefone
de campanha. Um oficial, cujo batalhão também se encontra sob fogo
pesado dos norte-americanos e sofreu graves perdas, pede reforços ou
permissão para abandonar a posição. Stauffenberg não tem recursos de
reserva, mas suas ordens dizem que deve manter a frente a todo custo. E é
isso que transmite, sem dar margem a dúvidas, mas ao mesmo tempo
tenta dar a suas palavras um tom de companheirismo. “Cabeça erguida,
temos que aguentar juntos” — há apenas alguns instantes, ele mesmo se
jogou ao chão. Está completamente decidido a defender as posições até a
noite para proteger o flanco de seus aliados italianos. Logo chega outra
ligação. A situação no sul está piorando. Montgomery conseguiu quebrar a
frente.
E assim con nua: todas as unidades estão em apuros, mas não há
nenhuma ajuda. Stauffenberg permanece inamovível, mas encontra
palavras de es mulo. Seu es lo especial torna mais suportável para a tropa
até a mais dura ordem sua. Um oficial que combate com ele durante esses
dias descreve-o assim: “Tem esse natural encanto suábio ao qual ninguém
consegue resis r”.
Nesse momento, um tenente de 22 anos para na frente do ônibus. Por
seu uniforme limpo e de cores que não foram apagadas pelo sol africano,
pode-se ver que é um recém-chegado. Apresenta-se para o serviço.
Stauffenberg o cumprimenta e lhe mostra, em primeiro lugar, as posições
de controle que foram cavadas no solo do deserto: “Quando recomeçarem,
use o buraco direito, eu usarei o esquerdo”.
Então, começa uma conversa que é interrompida a todo momento.
Stauffenberg tem que con nuar falando ao telefone. Nas pausas, descreve
a situação da divisão com palavras claras, assim como a desesperada
situação global das tropas alemãs na África. Interessa-se pela família do
visitante e por suas experiências na guerra até a data. A seguir, pergunta-
lhe: “Em sua opinião, com que propósito você veio para a Tunísia?”. O
tenente engole em seco. O olhar aberto de Stauffenberg exige uma
resposta sincera. Ao mesmo tempo, o ques onado sente que não precisa
temer ser sincero com esse superior. “Para fazer prisioneiros”, responde,
deixando a frase no ar. Stauffenberg ri com sua pica risada sonora e
franca que todos aqueles que o conheceram recordam.
“Muito bem, então, boa sorte”, diz. “A guerra acabou para nós.” O
tenente está impressionado e mais tarde dirá que o homem parece “o
modelo ideal de oficial”. Exala uma autoridade natural, mas ao mesmo
tempo sabe como fazer desaparecer o medo em seus subordinados.
O tenente se despede e põe-se a caminho da unidade de que deve
pegar o comando no meio do ataque. Nunca tornará a ver Stauffenberg.
Claus Philipp Maria Schenk, conde von Stauffenberg, nascido em 1907
na cidade bávara de Je ngen, provém da an ga nobreza suábia e cresceu
no Jura da Suábia, em Stu gart e em Lautlingen. Seu irmão gêmeo morreu
após o nascimento. Chamava-se Konrad, mas Claus tem dois irmãos mais
velhos, Berthold e Alexander, que também são gêmeos. O pai foi um alto
funcionário da corte do úl mo rei de Wurtemberg. Entre seus
antepassados do ramo materno encontram-se os famosos militares
prussianos Gneisenau e Yorck. Quando era jovem, Stauffenberg tocava
violoncelo e, assim como seus irmãos, demonstrava interesses muito
amplos, desde arte até história e polí ca, passando pela poesia. Seus pais
queriam que ele fosse arquiteto, mas, após terminar o ensino médio, em
1926, entrou no 17º Regimento de Cavalaria de Bamberg como cadete
para começar a carreira de oficial. Ali chama a atenção porque recita
poesia diante de seus colegas e, em suas horas livres, pra ca com seu
instrumento. Mas ninguém dúvida de que sua maior paixão é o Exército. O
dom de comandar pessoas, de liderá-las e de arrastá-las consigo parece ser
inato nele. Por outro lado, não leva a sério a obtusa disciplina oficial. Seu
uniforme está sempre amassado e nunca se ajusta totalmente aos
regulamentos; maltrata seu quepe constantemente e, às vezes, até parece
que o coloca, de propósito, só na hora de evitar, por um triz, a reprimenda
de um superior.
Conclui a formação de cavalaria sem esforço e par cipa de vários
campeonatos como ginete. Com 22 anos, apresenta-se para o exame de
oficial e é o primeiro de sua turma. Permanece no regimento de Bamberg
até o verão de 1934, e ali vive a tomada de poder dos nacional socialistas.
Os relatórios que chegaram desse tempo sobre sua opinião de Hitler
mostram uma imagem contraditória. Do que não resta nenhuma dúvida é
que acompanhou os acontecimentos com paixão e nha grandes
esperanças em uma “mudança radical da nação”, da qual os militares
saíssem reforçados. Também está claro que muitos dos métodos dos
nacional-socialistas lhe pareciam repulsivos. Após a nomeação de Hitler
como chanceler em 30 de janeiro de 1933, disse diante de seus
companheiros: “O porco acabou conseguindo!”. Discu u-se muito se, na
noite desse mesmo dia, teria se juntado à mul dão que festejava a
nomeação de Hitler e se posto à frente deles de uniforme”? Não há
testemunhas oculares que assim confirmem, somente relatórios de
segunda e terceira mãos que não corroboram nada, embora também não
possam ser descartados com firmeza.
A par r de outubro de 1936, Stauffenberg estuda na academia militar
de Berlim. Ali, redige um estudo sobre a “Defesa contra paraquedistas
inimigos no território do país”, que então era um instrumento bélico
completamente novo. O estudo lhe rende um primeiro prêmio, e dois anos
depois con nua sendo uma obra fundamental sobre o tema. As
expecta vas são altas para o destacado jovem, que, com seu
temperamento e eloquência, é aprovado no curso sem que seja visto
trabalhar com muita frequência.
Um general da an ga escola recorda que pensava que Stauffenberg era
“genial” e que o via como um possível herdeiro dos grandes líderes do
passado. Outro companheiro afirma que apostaria tudo em que “esse
homem ainda esconde capacidades”. O escultor Ludwig Thormaehlen, a
quem Stauffenberg serve de modelo durante essa época, também
descreve o surpreendente efeito que este tem sobre seu entorno: “Não é
só que sua presença agradava, mas que despertava entusiasmo e encanto
de imediato, e em todos os lugares aonde ia. Sua alegria viva, sua a tude
em geral posi va eram tão contagiosas que arrastavam qualquer um [...] As
preocupações vitais, o ce cismo e os escrúpulos, se estavam presentes em
algum lugar, desapareciam por completo em sua presença”.
Como capitão de cavalaria e oficial do Estado-Maior da 1º Divisão
ligeira, Stauffenberg par cipa da ocupação dos Sudetos no outono de
1938. E, não muito depois, descobrirá aonde isso o levará. “O idiota vai
para a guerra”, diz sobre Hitler. Ele não é belicoso em absoluto, mas os
rápidos sucessos militares de Hitler o impressionam. Luta na campanha da
Polônia e, em maio de 1940, após o translado de seu regimento à 6º
Divisão Blindada, também par cipa da invasão da França. Quando as
vitórias alemãs também ficam evidentes ali, Stauffenberg concede a Hitler
um “olfato militar”. Ao contrário de seus generais, o Führer soube que as
linhas defensivas francesas podiam ser atravessadas. E diante de um
conhecido, com quem se encontra durante sua licença de volta para casa,
não quer tornar a desprezar o “Führer e chanceler do Reich” chamando-o
de “pequeno-burguês”. “O pai desse homem é a guerra”.
Stauffenberg deixa uma impressão duradoura na tropa. Um
companheiro dessa época o descreve como “venerado e admirado por
companheiros e subordinados, es mado por todos os superiores”. Em
qualquer situação era capaz de “encontrar o tom adequado e as formas
corretas... esplêndido e belo... um favorito dos deuses”. Os talentos do
oficial de 23 anos não passam despercebidos ao alto-comando da
Wehrmacht. Em maio de 1940, Stauffenberg é chamado à seção de
organização do Estado-Maior do Exército, onde dirige o relatório
Friedensheer [O Exército em tempos de paz], no qual estuda as
experiências com armas e tá cas das tropas em combate para transformá-
las seguindo novas diretrizes organiza vas. Vive no quartel-general os dois
anos e meio seguintes da guerra, o orgulho desmesurado do sucesso e o
começo do fim: o armis cio com a França, a guerra aérea na Inglaterra, a
invasão alemã dos Bálcãs, o desembarque em Creta, a campanha da
Rússia, a armadilha do inverno russo, a declaração de guerra alemã contra
os Estados Unidos, o avanço de Rommel até o Egito, o desembarque dos
aliados na África, a aniquilação do 6º Exército em Stalingrado.
Vai constantemente ao front para encontrar os estados-maiores e
receber novas informações sobre a guerra, de Borisov a Berezina, a
Crimeia, Finlândia, Belgrado, Paris e Atenas. Devido ao translado do
quartel-general para o leste, muda de des no com frequência: da Bélgica à
cidade de Märkische Heide, perto de Berlim, dali ao acampamento
Mauerwald na Prússia oriental, a Vinnitsa na Ucrânia e de volta a
Mauerwald. As tarefas de organização e burocrá cas não lhe parecem
pesadas. Seus companheiros o encontram quase sempre ao telefone, atrás
de montanhas de papéis. Ler, assinar, falar ao telefone, faz tudo ao mesmo
tempo, e ainda dita a toda velocidade observações sobre fichas, cartas e
notas. As jornadas de dezoito horas são sua norma, e seus companheiros
invejam sua capacidade de concentração. Seus “comentários fulminantes”
são temidos; muitas vezes, vão direto ao ponto e deixam seu interlocutor
em xeque.
Contudo, o desenvolvimento polí co e os crimes do regime nazista não
passam inadver dos a Stauffenberg, e também não o deixam indiferente.
Só de pensar no que ocorre em seu âmbito de competência, o
planejamento e organização dos soldados, já o assalta o desespero. As
grandiloquentes promessas de Göring sobre a capacidade da Lu waffe,
que nunca se cumprem, deixam-no irado, assim como a muitos soldados
do Exército. Quanto mais Hitler tenta vincular à sua pessoa o comando de
todas as operações militares, maior é o caos organiza vo que reina no nível
inferior. Stauffenberg se desespera diante da desagregação dos níveis de
decisão e de comando, com a realidade existente entre os diversos
estados-maiores e diante das intermináveis tomadas de decisões. Já em
1941, havia feito um discurso na academia militar dizendo que a estrutura
de comando alemã era mais absurda que se alguém a houvesse projetado
com a pior das intenções. Como especialista em aprovisionamento militar,
também percebeu que as reservas alemãs estavam esgotadas. Tentou
incessantemente montar grupos de voluntários no leste para resolver a
escassez, cada vez mais visível. Os habitantes dos territórios conquistados,
enquanto não fossem comunistas convictos, eram, para ele, valiosos
aliados contra Stálin, enquanto Hitler só via neles “infrasseres” eslavos.
Ao ver que esses e outros esforços não levam a nada, Stauffenberg dá a
guerra por perdida e fala disso com uma franqueza cada vez maior.
Contudo, ainda espera evitar pelo menos uma derrota no front oriental
mediante uma concentração de forças. Como ocorre com a maioria dos
oficiais alemães, o medo de ser invadido pelos bolcheviques gela seu
sangue. Trabalha com todo seu empenho para mudar o rumo das coisas,
mas a cegueira de Hitler torna-se mais aparente a cada dia que passa.
Stauffenberg percebe, antes do final do segundo inverno da campanha
russa, que a tarefa do Estado-Maior consiste apenas em enviar a uma
morte sem sen do centenas de milhares de soldados alemães. Justamente
no momento em que decide não seguir fazendo parte dessa loucura,
recebe a ordem de transferência para o front africano. Sabe que a derrota
e a captura ameaçam os alemães para ali des nados, mas recebe a no cia
com alívio. “É hora de eu sumir daqui”, diz a seus companheiros do alto-
comando. Chama sua transferência de “uma fuga do front”, que ra de
seus ombros toda responsabilidade na estratégia militar.
Na manhã de 7 de abril de 1943, a re rada da 10º Divisão Blindada
alemã está completamente em andamento. O avanço das tropas terrestres
norte-americanas se faz esperar, mas há caças-bombardeiros britânicos e
norte-americanos por todo o espaço aéreo da fronteira entre a Tunísia e a
Argélia. A visão está limpa e o solo, seco. As pistas de areia dos
aeródromos aliados estão operacionais. É um dia ideal para a Desert Air
Force e seu estrategista, Sir Arthur Coningham, o marechal de campo mais
jovem da história militar britânica. Nas úl mas semanas, manteve um
domínio aéreo sem limites sobre o deserto. Linhas de aprovisionamento
seguras e os recursos dos norte-americanos lhe permitem reforçar sua
frota semana após semana. Somente sua Tac cal Force conta, esses dias,
com quase seiscentos aviões opera vos, responsáveis pelo apoio direto às
tropas de terra. Os alemães se esforçam para recuperar os céus. Os caças-
bombardeiros de Coningham gostam de atacar de improviso após se
esconderem no resplendor do sol, fato pelo qual com frequência não são
vistos até úl ma hora. Os rápidos monomotores Spi ire britânicos soam
como marimbondos furiosos ao cair; os Cur ss P-40 Warhawk norte-
americanos emitem um inconfundível assovio pela enorme grade de seu
radiador; quando aparecem as altas caudas do bombardeiro Douglas A-20,
com suas brancas estrelas de cinco pontas, causam tanta destruição
quanto os Blenheim Bisley, com o círculo vermelho-branco-azul da Royal
Air Force, que cospem rajadas de metralhadora pela frente. A divisão de
Stauffenberg sofre enquanto avança por pistas do deserto estreitas e sem
proteção, situadas acima do passo de El-Hafay e ao longo da margem do
lago salgado Sebkret, em Noual.
O tenente-coronel recebeu relatórios catastróficos durante toda a noite
e deu instruções de re rada só para dar um pouco de ordem ao caos. Um
alferes do 90º Regimento de ar lharia pesada teve que informar que seus
homens estavam caindo “como patos de barraca de ro ao alvo” a menos
de cem metros de distância. As unidades do sul foram esmagadas por
Montgomery e 7 mil de seus soldados, feitos prisioneiros. À primeira hora
da manhã, os aviões de reconhecimento aliados haviam divisado os
movimentos de retrocesso alemães e, desde então, chegou onda após
onda de bombardeiros e de caças em voo rasante. Na parte alta dos
desfiladeiros há perigosos estreitamentos nos quais a re rada encalhava.
Os valiosos tanques Tiger da seção 501, que não deviam cair em mãos
inimigas de jeito nenhum, já haviam conseguido fugir, assim como o
batalhão motociclista. A retaguarda pôde finalmente se movimentar, e com
ela também Stauffenberg. Este viaja em um veículo de comando aberto, o
anguloso Kiübelwafen “Horch”, a versão militar do Volkswagen Fusca. Em
geral vai a pé, para poder ver o que acontece. É acompanhado por vários
veículos de rádio do departamento de sinais. Diante de Stauffenberg e de
sua pequena tropa há apenas uma planície que não oferece nenhum po
de proteção. Entre o lago salgado Sebkret, em Noual, e o desfiladeiro
seguinte, a planície se estreita. Essa manhã, o comandante da divisão
adver u especialmente acerca dos aviões em voo rasante. “Temos que ter
sorte para sair daqui hoje”, diz Stauffenberg a um tenente. “Como é
habitual, nós nos re ramos com 24 horas de atraso.”
Quando a coluna de Stauffenberg alcança o lago salgado, diante dos
homens surge uma visão aterradora: dúzias de Kübelwafen alemães, peças
de ar lharia e blindados da divisão voaram pelos ares, estão destruídos ou
queimando aqui e ali. Os restos oferecem objetos claramente
reconhecíveis e uivantes Spi ires e Warhawks precipitam-se a rando
diversas vezes sobre o local. A munição explode e os soldados correm em
busca de algum po de proteção. Quem ainda é capaz disso espera até que
o caça-bombardeiro inimigo já não possa mudar a direção de seus disparos
para se afastar no úl mo segundo. Os feridos não podem ser salvos. Assim
que uma onda de atacantes vai embora, os sobreviventes tentam pôr em
marcha os úl mos veículos que ainda funcionam antes que chegue a onda
seguinte.
Stauffenberg mantém a calma nesse inferno. Fica de pé sobre o veículo
e vai de uma unidade a outra, tentando organizar a fuga. Um avião inimigo
põe a frente do carro do oficial em seu ponto de mira e Stauffenberg pula
do veículo e se joga ao chão. Um ro atravessa o para-brisa, e o carro é
completamente esburacado. Stauffenberg é ferido gravemente. Um
soldado que passa a seu lado reconhece-o e grita que o oficial superior
está ferido. Dois ou três homens correm a ajudá-lo e chamam um veículo
médico, que chega imediatamente. Ao levantar Stauffenberg, descobrem
que está com um grave ferimento na cabeça. Além disso, seu olho
esquerdo sangra e suas mãos estão crivadas de balas. A seguir, todos os
que estão em condições vão embora do local do combate tão rápido
quanto podem. O comandante da divisão, que segundo as diretrizes de
segurança não pode viajar na mesma coluna que seu oficial superior, chega
uma hora depois e tem que se jogar na areia em várias ocasiões. Os caças
aliados con nuam atacando. Quando vê o veículo de Stauffenberg
abandonado e completamente crivado de balas, teme o pior.
VI
HOSPITAL MILITAR
Munique,
de abril a junho de 1943

A primavera do ano de 1943 traz à Alemanha um breve despertar da


Natureza. Pouco antes da Páscoa, as macieiras estão em pleno apogeu e as
cerejas quase deixaram para trás sua floração. A Sexta-Feira Santa cai em
23 de abril. O tempo é seco, ensolarado e quente como se fosse verão, um
contraste estranho com o triste mo vo dessa celebração cristã. Nina,
condessa von Stauffenberg, de trinta anos, corre pelas ruas de
Nymphenburg, bairro de Munique; é uma mulher magra e graciosa, de
olhar decidido, e usa o cabelo curto, segundo a moda da época. Sabe, há
onze dias, que seu marido foi gravemente ferido na África e que agora está
há dois dias no hospital militar da reserva de Munique, após ter sido
transladado de barco até Livorno e transportado de trem para o outro lado
dos Alpes.
Nina Stauffenberg deixou no Jura da Suábia seus quatro filhos, dos
quais o mais velho, Berthold, tem oito anos, e a menor, Valerie, dois. É ali
que moram todos há quase um ano, com sua sogra. Nina fez sozinha a
viagem a Munique. Agora está na rua, em frente ao enorme hospital
militar, uma visão que quase provoca medo. O enorme edi cio de três
andares, de jolo e de janelas brancas, ergue-se como um gigante
insuperável nesse bairro do noroeste de Munique. Quem chega pela
entrada principal mal pode abarcar com a vista a extensão dos corredores
laterais, que se estendem ao longo de mais de meio quilômetro. Lá se
encontram mais de oitocentos soldados feridos. É um símbolo das ví mas
que a guerra faz a cada dia, e parece di cil encontrar um determinado
quarto nesse labirinto. Nina Stauffenberg mal pode imaginar em que
estado encontrará seu marido. Mas, nessa época de morte por todo lado,
pelo menos está vivo.
Após o ataque dos aviões no deserto tunisiano, o motorista de
Stauffenberg, que não havia sido ferido, pôs o oficial de novo no veiculo.
Atrás de si deixaram o corpo de um tenente a ngido pelas balas. A
caminho do hospital de campanha mais próximo, encontraram um médico
auxiliar em um trailer médico tomado dos ingleses. Stauffenberg estava
plenamente consciente, mas não podia ver nada, devido às crostas de
sangue que cobriam seus olhos. O médico pôs uma bandagem com
sulfamida e explicou ao condutor como chegar ao posto de comando
seguinte. O tenente-coronel chegou, mais tarde, a um hospital de
campanha perto de Sfax. Ali, amputaram sua mão direita acima do pulso,
bem como os dedos mínimo e anular da mão esquerda. O olho esquerdo
também teve que ser re rado. Os médicos discu ram vários dias acerca do
direito, até que finalmente ficou claro que Stauffenberg o conservaria. O
transporte seguinte, assediado pelos caças rasantes, leva os feridos graves
do hospital de campanha para Túnis-Cartago, e dali sua família é informada
de seus ferimentos.
O conteúdo da mensagem é tão terrível que Nina Stauffenberg está
preparada para ver esses ferimentos: nunca teve nenhuma dúvida de que é
esposa de um soldado que porá princípios como a valen a,
companheirismo e cumprimento do dever à frente de sua própria
segurança. É verdade que diz de si mesma, brincando, que é uma “péssima
mulher de soldado”, mas acredita que sua obrigação é apoiar seu marido, e
não o sobrecarregar com seus problemas.
Nina Stauffenberg nasceu Nina, baronesa von Lerchenfeld, em 1913, na
cidade lituana de Kaunas, e cresceu em Bamberg como a filha do
tesoureiro real bávaro e de uma nobre bál ca. A casa de seu pai, que
também foi cônsul-geral do cáiser, era frequentada por oficiais do
regimento de cavalaria de Bamberg, entre eles Stauffenberg, que estava
realizando sua formação nesse regimento. O oficial conheceu a jovem
Nina, de dezesseis anos, “como manda o figurino”. em um baile. No início
ela não se impressionou muito, mas sua mãe ficou imediatamente
fascinada com os bons modos de Stauffenberg. E suas amigas não paravam
de falar nele. Por teimosia, a jovem decidiu não se deixar impressionar
pelo belo oficial, mas ele sim estava impressionado com ela. E as coisas
seguiram seu curso. Um ano depois, em novembro de 1930, o jovem
alferes e a estudante se comprometeram. Ela lhe perguntou por que a
havia escolhido, e ele afirmou que lhe parecia a mãe mais apropriada para
seus filhos. Diante de sua futura sogra, empregou uma citação de
Frederico. o Grande, segundo a qual a mulher de um oficial é só um mal
necessário. Os soldados não deveriam se casar, mas, pelo menos em
tempos de paz, é necessário atender à necessidade de uma família e de ter
descendência. Isso incomodou sua sogra, que também não podia entender
por que o trabalho de Stauffenberg lhe deixava tão pouco tempo para sua
noiva. Gosta de cri car a falta de formalidade dos soldados. Mas Nina
sente quão importante é o serviço e o dever para seu futuro marido. Diz
que para ela não há problema, e decide nunca se queixar da vida que vê se
abrir diante dela, pois já estava sob o encanto de Stauffenberg: “Ele nha
consciência, com toda a modés a, de ser alguém fora do comum, alguém
importante”, recorda Nina.
Não obstante, ainda não podiam se casar. Um soldado do exército do
Reich devia ter 27 anos ou ter passado oito anos de serviço para poder
fazê-lo, visto que, antes disso, seu salário não lhe permi a sustentar uma
família. Com um emprés mo de meio ano e o apoio financeiro do pai de
Nina, o casamento pôde ser celebrado, finalmente, no fim de setembro de
1933. Uma foto mostra os noivos nos degraus da Igreja de São Jacob de
Bamberg, onde an gamente eram celebrados os casamentos da guarnição.
Stauffenberg usa O uniforme de gala completo com o capacete de aço. Do
cinto pende o sabre de honra que ganhou como primeiro de sua turma. “O
casamento é um dever”, disse a sua esposa antes da cerimônia. Nina usa
um ves do de noiva branco de corte estreito e um véu com uma coroa de
flores. Sua aparência é de uma elegância simples e espontânea. O
banquete de casamento foi feito no Bamberger Hof e a lua de mel foi
passada na Itália, devido a um programa de visitas subvencionadas, uma
consequência das primeiras aproximações entre o nacional-socialismo e o
fascismo. A viagem incluía a visita a uma exposição em Roma, que
celebrava o aniversário dos dez anos de governo de Mussolini. Contudo, o
recém-casado Stauffenberg insis u muito em visitar igrejas e museus de
Verona, Os a e Florença.
Stauffenberg não tardou a fundar uma família. Dez meses depois do
casamento, em julho de 1934, nasce Berthold, seu primeiro filho. Dois
anos depois, chega Heimeran, o segundo. E de novo dois anos depois,
chega Franz Ludwig, o terceiro. A jovem família vive sua época mais feliz.
Stauffenberg não tem nada de marcial quando brinca com seus filhos
pequenos, que usam cabelo comprido. Seu caráter doce e entusiasta fica
evidente com seus filhos. Em setembro de 1938, retorna ao serviço militar
nos Sudetos. Nesse momento, surgem todos os sinais da iminente guerra.
Quando Nina se queixa, nas primeiras semanas, de que lhe escreve muito
pouco do front, ele decide registrar um diário com suas experiências
durante o avanço na Tchecoslováquia, e mais tarde o enviará a ela. A
anexação pacifica do território tcheco o decepciona, e ele a descreve como
uma “solução fraca”. Hitler se encarregará de que algo assim não tome a
acontecer, o que é bem recebido pelo Stauffenberg soldado. A campanha
da França, da qual par cipa no front ao lado de seu regimento, parece
evidenciar a habilidade militar de Hitler. A surpreendentemente rápida
vitória provoca a euforia e a conclusão completamente marcial que
Stauffenberg ra em relação à vida familiar. Em junho de 1940, escreve o
seguinte em uma carta a Nina: “Se ensinarmos a nossos filhos que só a luta
e o esforço constantes pela renovação podem nos salvar do declínio —
tanto mais quanto maior for o conseguido — e que a permanência, a
conservação e a morte são a mesma coisa, então teremos cumprido a
maior parte de nosso dever nacional rela vo à educação”.
Claus, conde von Stauffenberg, jaz agora em Munique, em um quarto
de dois leitos da seção II do hospital militar. Nessa Sexta Feira Santa, sua
situação é instável, está com febre alta. Ainda tem pedaços de metal pelo
corpo todo, e as feridas agora supuram, especialmente sob o couro
cabeludo e o braço. Tem uma inflamação no ouvido médio que lhe causa
fortes dores e que deve ser operada em breve. A ar culação do joelho
também preocupa os médicos. Suspeitam de um virulento e mortal tétano.
Stauffenberg rejeita os analgésicos e os soníferos, e, quando está
acordado, fica plenamente consciente. Nina Stauffenberg nunca contou o
que sen u no momento em que viu pela primeira vez nesse estado seu
enérgico e alegre marido: o toco do braço enfaixado onde até há pouco
tempo estava a mão com a aliança; a venda do olho que cobre um buraco
vazio. Combina com seu caráter e com sua educação aristocrá ca manter
uma a tude estoica e não deixar perceber seus sen mentos. Seu filho
Franz Ludwig diz, por exemplo, que nunca a viu chorar.
Tão ruim é a situação de Stauffenberg quanto bons os cuidados
médicos que recebe; o chefe do centro cirúrgico do hospital militar é o
doutor Max Lebsche, de 56 anos. Um bávaro dis nto, careca e de bigode,
um dos representantes mais conhecidos da escola de cirurgia de Ernst
Ferdinand Sauerbruch. É considerado o melhor para todo po de
ferimentos de guerra, e agora está explicando a Nina Stauffenberg a
possibilidade de colocar uma prótese de mão em seu marido. Essa
intervenção, que foi sendo adiada devido às complicações e que
finalmente será descartada, porá, mais tarde, Stauffenberg em contato
com o mestre da profissão, o próprio Sauerbruch. Talvez o que menos
passa pela cabeça do paciente Stauffenberg sejam as dificuldades de sua
recuperação. Pouco depois, pode-se constatar que, nos momentos em que
está acordado, coisas muito diferentes o preocupam. Segue suas
tendências literárias e se ocupa com a revisão de uma versão da Chanson
de Roland medieval, na qual um velho amigo trabalha, ou com a tradução
do sé mo canto da Ilíada, de Homero. Recebe muitas visitas de sua família
e de seus companheiros. Entre outros, seu an go chefe do Estado-Maior
em Mauerwald lhe entrega a condecoração de ouro por ter sido ferido em
combate. Fala com alguns dos visitantes sobre a catastrófica situação do
país e sobre a grande tarefa de cada indivíduo que ainda possa mudar
alguma coisa. “Sabe de uma coisa? Tenho a sensação de que agora tenho
que fazer alguma coisa para salvar o Reich. Como membros do Estado-
Maior, todos temos parte da responsabilidade.” Afirma isso enquanto fala
com Nina, acompanhando com uma risada. “Em seu estado atual, você não
é o mais indicado para isso”, responde ela. A preocupação e um pouco de
deboche ecoam em sua resposta, como também a suposição não expressa
de que ele não pode estar falando sério. Stauffenberg não responde, mas
seu silêncio dá a sua mulher a impressão de que a frase poderia ser séria.
Cada vez que recorda esse momento, está mais convencida de que nesse
instante, ao lado do leito do hospital em Munique, viveu o “momento no
qual ele amadureceu sua decisão”.
VII
A RESIDÊNCIA FAMILIAR
Lautlingen,
Julho de 1943

Em 5 de julho de 1943, uma locomo va a vapor das estradas de ferro do


Reich resfolega enquanto sobe as encostas do Jura da Suábia. É um dia
quente, mas o céu começa a se cobrir, à medida que avança a manhã.
Claus Stauffenberg, enfaixado e apoiado em uma bengala devido à
fraqueza de suas pernas, percorre o familiar caminho de sua infância. O
castelo de Sigmaringen ergue-se sobre o Danúbio; a bela estação fala da
“febre da estrada de ferro” da Gründerzeit², que também chegou aos
afastados povos do Jura. O trem segue seu caminho pelo vale do Schmeie
durante uma hora, passando pela divisória entre o Danúbio e o rio Neckar
até superar o ponto mais alto, em Ebingen, e tornar a descer
abruptamente rumo ao vale. A ladeira é tão pronunciada que, ao subir, a
locomo va às vezes fica parada, faz soar seu queixoso assovio e tem que
ser rebocada por um trem automotor. Lá se elevam as brancas rochas
calcárias da região do Albtrauf, e no vale encontra-se Lautlingen, um
povoadinho com cerca de mil habitantes. Quando o trem entra no local,
após passar pelo viaduto de Lautlingen, pode-se ver imediatamente a
residência familiar de Stauffenberg: um edi cio de es lo Biedermeier
sólido e de linhas quadradas, arrematado com um teto holandês e cercado
por quatro an gos muros com torres cobertas de hera, estábulos, a casa
para os empregados e uma casa de montaria decorada com treliça de
madeira. Pelo lado mais baixo da propriedade corre o Messte en,
atravessado por uma ponte de madeira. Até sua morte, o velho
Stauffenberg arrancava as ervas daninhas do jardim, enxertava as árvores
de frutas e até conseguiu cul var alcachofras no duro clima do Jura.
Per nho encontra-se a paróquia católica de São João, com sua torre
barroca e o jazigo familiar dos Stauffenberg. Lautlingen é uma exceção, um
dos dois povoados católicos que se encontram nesse ambiente
protestante.
O conde Claus von Stauffenberg adora esse lugar. É onde ele e seus dois
irmãos mais velhos, os gêmeos Berthold e Alexander, passavam todo ano
as férias de verão, e aqui pode se recuperar agora de seus ferimentos
durante mais de um mês, cercado por sua família. Como sempre que chega
um visitante anunciado, os habitantes da casa e os convidados vão até a
estação e esperam nas grades da plataforma. Após as felizes saudações e
as boas-vindas pela volta ao lar, a bagagem é posta em velhas carroças de
burros, mesmo não havendo mais nenhum burro como aquele em que
Stauffenberg montava quando era pequeno. Agora devem passar pelas
pequenas fábricas têxteis que trouxeram ao povo trabalho e um modesto
bem star, e pela frente do restaurante Kronenwirt para chegar à porta do
jardim do castelo. Ali esperam a condessa Caroline, de 68 anos, mãe de
Stauffenberg, e sua a Alexandrine, de setenta anos e enfermeira chefe da
Cruz Vermelha, que sempre usa a touca de seu uniforme. Ambas
pertencem à nobreza bál ca. Stauffenberg chega bem a tempo para a
crisma de Berthold, seu filho mais velho, que dois dias atrás completou
nove anos. O menino, a quem ninguém disse nada, tem uma feliz surpresa.
Chega em um carro alugado com seus pais à paróquia de Ebingen, onde o
bispo, que só realiza uma visita a cada quatro anos, espera a todos da
região que vão fazer a crisma.
Durante as semanas seguintes, Stauffenberg fica na cama com
frequência. Seu quarto no segundo andar oferece uma vista para o
sudeste. Pode ver a torre da igreja, o viaduto, o vale de Messte en e uma
colina povoada de bosques que os locais chamam de s’Hardt. Quando era
estudante, caminhava muito até ali. Sua prima Olga, estudante
universitária que está de visita, recorda que uma vez arrancou a janela do
quarto onde seu primo descansava. Isso fez com que debochassem de
Stauffenberg, dizendo que havia herdado a mania da ven lação de sua
mãe. Olga conta que nesse dia estava um pouco frio, e que nessas semanas
estava muito mais. Na região, tradicionalmente, julho é o mês mais
chuvoso do ano.
Pouco a pouco, Stauffenberg vai par cipando da vida co diana da casa.
Começaram as férias; seus filhos brincam com seus colegas de classe no
quintal, sob o choupo vermelho e junto à torre norte do muro, onde
Stauffenberg procurava um canto para ler e filosofar quando ainda era
estudante. Mika, a mulher de seu irmão Berthold, também está ali com
seus filhos, Alfred e Elisabeth. Stauffenberg está sentado entre as crianças
sob as macieiras do jardim. Usa bermudas e meias até os joelhos. Suas
pernas estão cobertas de cicatrizes; um pedaço de pano sob o tampão
preto protege a órbita do olho ferido; tem um aspecto decaído. O fato de
que vai pôr uma prótese de mão em Munique a ça a imaginação das
crianças. Falam alto e apostam em quem levará o primeiro “tabefe dado
com mão de madeira”. Franz Ludwig julga recordar que seu pai chegou a
empregar a expressão como ameaça cômica. Porém, sua mãe se choca
diante de tais conversas.
A vontade de viver de Stauffenberg retorna pouco a pouco. Pra ca
incansavelmente a escrita com a mão esquerda e ajuda-se a se ves r com
os dentes. Constantemente rejeita de mau humor a ajuda que lhe
oferecem. Todo domingo, ao se preparar para ir à igreja, onde os
Stauffenberg se sentam em seus assentos acima do coro, a colocação da
adaga de seu uniforme lhe custa, de início, um grande esforço. Contudo,
nunca iria à igreja sem a arma. Com o olho saudável, calcula as distâncias
durante os longos passeios pelos arredores. “Meu fortalecimento avança
vigorosamente” escreve a um amigo em 20 de julho. “Já subi as poucas
montanhas altas e não preciso mais de bengala.” O grande desafio
con nua sendo o Heersberg, cujas brancas rochas se erguem sobre o local
e convidam à ascensão pelo “caminho de mulas”, onde em anos anteriores
a infantaria de montanha fez manobras com seus animais de carga.
O dia a dia em Lautlingen transcorre entre calmos rituais: as grandes
mesas redondas na sala de jantar, onde as crianças têm que fazer silêncio;
o café após a refeição, tomado no jardim, onde a condessa Caroline pede
uma vez mais aos presentes que ajudem a rar as ervilhas das vagens,
“todos juntos, acabamos em cinco minutos”; as noites diante do retrato de
juventude da “bela Valerie”, como Stauffenberg chama sua avó falecida há
muito; ou os concertos caseiros na ala vienense do chamado “salão”. A
condessa Alexandrine, com seu uniforme de enfermeira, trabalha
diariamente no quintal e ajuda o jardineiro, Caroline recebe muitos
convidados e visita as famílias do povoado, que podem contar com sua
ajuda em caso de doença ou de necessidade. Caroline disse, em uma
oportunidade, que ninguém precisava da Volksgemeinscha ou
“comunidade do povo” que Hitler propunha. Em Lautlingen, essa
Volksgemeinscha entre a nobreza e os habitantes do povoado é uma
realidade há muito tempo.
A guerra e o des no do Terceiro Reich são vistos, aqui, como algo muito
distante. Mas Claus von Stauffenberg sabe que duras tarefas o esperam. Já
em maio, recebeu uma ligação de Berlim que significava muito mais que só
um novo posto no Estado-Maior. E sua decisão de aceitar esse posto já é
firme. Em 9 de agosto, está de volta ao hospital de Munique, onde lhe
colocam um olho de vidro. Também se fala da prótese da mão, mas a
operação tem que ser adiada por quatro semanas, porque o fragmento
incrustado no braço direito começou a supurar. Quando Stauffenberg ouve
isso, não espera mais e toma o próximo trem para Berlim.

2. Conhecida como “Época dos Fundadores”, é a fase de esplendor


econômico na segunda metade do século xix. (N. do E.)
VIII
A INICIAÇÃO
Berlim e Bamberg,
Agosto de 1943

Na terça-feira, 10 de agosto de 1943, Stauffenberg chega à estação de


Potsdam em Berlim. Nesse momento, ainda falta um mês e meio para que
tome posse de seu novo cargo.
Berlim já não é a cidade que Stauffenberg conhece de sua época na
academia militar. Começaram os grandes bombardeios de área dos aliados.
À noite, os aviões ingleses atacam; e durante o dia, os norte-americanos.
Está terrivelmente presente o exemplo de Hamburgo, que se transformou
em um inferno em chamas e foi arrasada pelas bombas há apenas duas
semanas, durante a Operação Gomorra, na qual faleceram 36 mil pessoas.
Há dias que está vigente um alerta geral para a evacuação da capital,
emi da por Joseph Goebbels na qualidade de Gauleiter. Um milhão de
habitantes já fugiu da cidade e, para acalmar os que permaneceram,
publicam doze Lufischutzgebote, diretrizes para a proteção an aérea. “As
bombas incendiárias são artefatos feitos pelo homem, pense nisso ao
enfrentá-las!”, diz uma delas. “O coração valente, o espirito decidido e o
sangue-frio são mais fortes que o terror provocado por nossos inimigos.”
Amiúde há aviões britânicos solitários sobrevoando Berlim em círculos
durante horas para obrigar seus habitantes a entrar nos refúgios e paralisar
a vida da cidade. Do front oriental e da Itália chegam más no cias.
Nesse dia, Stauffenberg conhece o homem que com tanta insistência
lhe ligou quando estava em seu leito de hospital em Munique. É o general
de infantaria Friedrich Olbricht, de 55 anos, líder da resistência militar de
Berlim. Olbricht mora com sua mulher, sua filha e o marido desta na parte
mais externa de Dahlem. A luxuosa vila de vários andares, com varandas e
pracinha, está situada bem no limite do bosque. Do outro lado da casa
começa o bosque e o povoado de Grunewald. É onde acontecem as
reuniões importantes dos conjurados, mas também se percebe o
esplendor da an ga proprietária: até dois anos atrás, residia na vila a
famosa atriz Zarah Leander. Era ali que recebia a sociedade berlinense para
suas famosas festas. Pela casa toda ouviam-se músicas como Kann denn
Liebe Sünde sein [Pode o amor ser pecado?]. O discreto endereço,
Wildpfad, 24, parece agora ideal para as reuniões conspiratórias.
Stauffenberg conhece o homem que o inicia nos planos para assassinar
Hitler por ter trabalhado com ele de maneira oficial. Durante três anos, até
fevereiro de 1943, eles se falaram muito por telefone, Olbricht em Berlim e
Stauffenberg nos diversos quartéis-generais do front oriental; um como
chefe do Gabinete Geral do Exército e o outro como membro da seção de
Operações do Estado-Maior do Exército. Já então se tratava da Operação
Valquíria, o plano aprovado por Hitler para a mobilização do Exército da
reserva na Alemanha e cuja ordem Olbricht assinou em maio de 1942. Os
dois oficiais aprenderam a se apreciar durante os esforços comuns para
chegar a decisões claras na confusão que reinava nas seções
administra vas do Estado-Maior. Foi assim que Olbricht teve a ideia de
chamar Stauffenberg a seu escritório de Berlim e oferecer-lhe o posto de
chefe de seu Estado-Maior. Após realizar hábeis sondagens, sabe que não
só ganha um grande talento organiza vo, como também alguém que está
disposto a se comprometer contra o regime com todas as suas forças, bem
como outros da seção.
Stauffenberg sabe, pela primeira vez agora, há quanto tempo Friedrich
Olbricht está lutando contra Hitler e que Operação Valquiria é, na
realidade, um codinome para um golpe de Estado. Olbricht é saxão, algo
que se nota amiúde em seu sotaque, além de um homem integro e gen l.
É de estatura média e usa óculos de armação metálica; seus subordinados
o apreciam por sua acessibilidade. Vê o nacional-socialismo como um
perigo desde a tenta va golpista de Hitler, e nas guarnições de Leipzig,
Dresden e Chemniz, onde serviu, encontra gente como ele. Durante os
assassinatos do chamado Golpe de Róhm, conseguiu evitar o fuzilamento
de alguns homens. Opôs-se a que Hitler afastasse do poder o comandante
da Reichswehr Fritsch, e isso o levou a se reunir com os líderes da
resistência. Viu o começo da guerra como comandante da divisão na
Polônia, onde foi condecorado com a Cruz de Cavaleiro. Já no Gabinete
Geral do Exército, em Berlim, ocupando um cargo mais burocrá co,
tornou-se, finalmente, coordenador da resistência militar.
Sua certeza de que Hitler devia ser eliminado só se reforçou após a
morte de seu filho de dezenove anos no front oriental. No começo da
campanha russa, profe zou sombriamente que o Exército alemão seria “só
um sopro de vento nas extensas estepes russas”. Agora que sua previsão é
uma amarga realidade, luta com uma ampla rede de colaboradores na
sombra contra o homem responsável por tamanha catástrofe. E a ideia de
transformar a Operação Valquíria em um instrumento para um golpe de
Estado também provém de Olbricht.
Há mais dois homens em Dahlem, e Stauffenberg conhece ambos de
passagem. O coronel Henning von Tresckow e seu oficial assistente, Fabian
von Schlabrendorff, encarregado das bombas do Grupo de Exércitos do
Centro. Tresckow, a quem Stauffenberg vê pela primeira vez em anos,
espanta-se ao ver o toco do braço e o tampão do olho, mas depois se
espanta com o espirito intacto do ferido. Ambos se conheceram em julho
de 1941, na cidade de Borisov, na Bielo-Rússia, onde se encontrava, então,
o quartel-general do Grupo de Exércitos do Centro. Stauffenberg chegou
como enviado do Estado-Maior. A conversa girou em torno da polí ca, e
Stauffenberg mostrou-se abertamente contrário ao nacional-socialismo.
Tresckow e Schlabrendorff veram a mesma impressão de estar diante de
um homem capaz e de grande lucidez, mas ainda não intuíam até onde
acabaria chegando sua cooperação.
Durante esse tempo, Tresckow visitou o quartel-general de Hitler em
Rastenburg e viu que é possível realizar um atentado durante as
conferências militares que acontecem ali. Contudo, pouco depois, seu
contato mais importante na Abwehr, o general de divisão Hans Oster, foi
expulso dessas reuniões. Agora, falta um homem decisivo em Berlim.
Desde o fracassado atentado suicida no Arsenal Militar, a resistência não
tornou a fazer nenhum progresso digno de nota. Por isso, Tresckow decidiu
abandonar o ameaçado Grupo de Exércitos do Centro e impulsionar o
assunto em Berlim. Está há dez dias na capital e renunciou a umas
longamente planejadas férias com sua mulher no castelo de Elmau, um
centro de descanso do Exército. O ataque a Hamburgo foi um sinal que lhe
mostrou que era preciso concentrar todas as forças uma vez mais. Seus
dois filhos estão no front oriental, suas duas filhas menores foram enviadas
ao campo, e ele mesmo vai todos os dias de Babelsberg a Berlim para se
reunir com par dários do golpe de Estado e traçar novos planos. De todas
essas reuniões, a man da com Stauffenberg é a mais importante; nela se
descobrem dois espíritos irmãos, e dois estrategistas somam suas forças.
Após a reunião, também não resta mais nenhuma dúvida sobre a
determinação de Stauffenberg.
Von Stauffenberg não pode reivindicar para si a oportuna lucidez de
Tresckow, Olbricht ou Schlabrendorff. Sua conversão a membro da
resistência foi um processo longo. Em uma carta escrita a sua mulher em
setembro de 1939, da frente polonesa, não se percebe nenhum
distanciamento do nacional-socialismo: “A população é uma turba incrível,
muitos judeus e muita gente misturada. Um povo que com certeza só se
sente bem sob chicote. Os milhares de prisioneiros farão muito bem a
nossa agricultura”. A frieza do observador aristocrata que escreve essas
palavras é algo de que se desprenderá nos anos seguintes. Quando, no fim
de 1941, apresentam-se diante
Dele resistentes do chamado Círculo de Kreisau, do conde Helmuth
James von Moltke, Stauffenberg já é da opinião de que os nacional.
Socialistas devem ser eliminados, mas ainda não acredita que seja o
momento propício. “Antes, precisamos ganhar a guerra”, diz. “Durante a
guerra, não se podem fazer essas coisas, em especial durante uma guerra
contra os bolcheviques. Mas depois, quando voltarmos para casa, vamos
nos encarregar da praga.” O pouco que sabe nesse momento sobre a
oposição civil não o convenceu. Chama ironicamente seus membros de
“pequenos a radores de bombas”.
Isso muda em abril de 1942. Na época, fala indignado com um major
amigo seu acerca do tratamento desumano que se dispensa aos civis no
front oriental, do assassinato dos judeus e da morte em massa dos
prisioneiros de guerra russos. Um mês depois, recebe um novo relatório
sobre fuzilamentos em massa come dos pelas SS na Ucrânia. A par r de
então, suas afirmações soam mais categóricas. “Só há uma solução: matá-
lo”, diz agora sobre Hitler a um colega de classe de Stu gart que o visita na
Prússia oriental. E em uma reunião de oficiais que propõem dizer a
verdade ao Führer de uma vez por todas, explode: “Não se trata de dizer-
lhe a verdade, e sim de matá-lo, e estou disposto a isso”.
Mas, na época, ainda não nha um plano concreto de atuação.
Stauffenberg vê os generais e chefes do exército mais na obrigação de fazê-
lo. Em janeiro de 1943, pouco antes de sua transferência para a África,
visita com esse mo vo o marechal de campo von Manstein, que é
considerado um brilhante estrategista e naquele momento está no
comando do Grupo de Exércitos do Don. Stauffenberg pede uma audiência
oficial e conversa longamente com Manstein. O marechal de campo
entende suas pouco veladas insinuações; ele também vê graves falhas na
direção da guerra. Mas ainda não a dá por perdida e rejeita qualquer ação
contra o Führer. “Esses caras ou se cagam de medo ou têm a cabeça oca.
Negam-se!”, diz Stauffenberg a seus companheiros como resumo de suas
conversações.
Nesse dia de agosto, não há nenhuma dúvida em Vila Olbricht acerca
do que se deve fazer. Agora, trata-se de dar os passos seguintes. Olbricht e
Tresckow põem Stauffenberg a par do plano Valquíria e de sua intenção de
con nuar definindo-o com a intenção de dar um golpe de Estado.
Stauffenberg reconhece de imediato o potencial da ideia: a ocupação do
bairro do governo com a jus fica va aparentemente legal de “distúrbios
internos”. Como perito em planejamento militar, está disposto a encontrar
as unidades disponíveis, a inves gar as forças das SS na capital e a
transformar toda a informação em planos de intervenção e ordens para o
dia D. Para tudo isso, trabalhará durante os dias seguintes no quartel-
general do distrito III, responsável por Berlim e Brandemburgo. Lá já há
alguns conspiradores; ali serão tramados numerosos fios da Operação
Valquíria e serão reescritas muitas ordens secretas. Promete a Olbricht e a
Tresckow estar a sua disposição para esse trabalho depois de sua cirurgia,
em setembro. Tresckow está impressionado. Por fim alguém que age como
ele, que faz os planos avançarem. Conta a sua mulher que a resistência
contra Hitler encontrou um homem brilhante, alguém que não “deixa que
tudo vá por água abaixo”.
Durante os úl mos dias de agosto, Claus von Stauffenberg retorna a
Lautlingen. Em casa, sempre falou muito pouco de seu trabalho, de seus
companheiros, de suas discussões polí cas e de seus encontros. O pouco
tempo que resta para sua mulher e filhos é, para ele, muito valioso para
desperdiçar com o tema da burocracia militar ou com discussões sobre o
eterno toma-lá-dá-cá da guerra. Nina Stauffenberg há muito já se
acostumou a não perguntar a seu marido sobre questões oficiais. Aceita
que ele não pode lhe contar tudo, e também que ela deve guardar algumas
coisas para si. Não dizer nada durante os maus momentos nem a vizinhos
nem a conhecidos, e nem mesmo a seus próprios pais, é algo que se
transformou em uma segunda natureza para ela. Sabe que essa a tude é
muito importante para seu marido.
Por sua vez, Stauffenberg desfruta o período em casa, mas nem ali sua
mente militar se desliga totalmente; é capaz de trabalhar sem nenhuma
dificuldade, concentrado em sua mesa, enquanto as crianças brincam a
seus pés. E quando Nina lhe conta, à noite, o que aconteceu durante o dia,
ela nunca pode ter absoluta certeza de que os pensamentos de seu marido
não estão em outro lugar. Um simples “Claus!” não o ra de seu
ensimesmamento, só um militar “Stauffenberg!” consegue atrair toda sua
atenção.
Nem após sua viagem a Berlim, Stauffenberg fala sobre o ocorrido. Mas
Nina recorda ter percebido uma grande mudança. Nota de imediato que,
dessa vez, não se trata das preocupações habituais. Encontra-o com a
expressão de quem está envolvido em algo “importante e secreto”, e
atenuando sua direta franqueza com um toque de ironia, pergunta-lhe:
“Claus, você está brincando de conspirador?”.
Ela sempre contou que Stauffenberg reagiu a essa pergunta surpreso e
quase assustado. Será que escondia tão mal seus pensamentos? Pergunta
a Nina como pode lhe ocorrer isso, mas ao mesmo tempo parece perceber:
men r não tem nenhum sen do. De modo que explica, em poucas
palavras, que o general Olbricht o chamou a Berlim e que vai par cipar de
um plano para eliminar Hitler e conseguir uma ordem melhor para a
Alemanha. Não revela quem mais par cipa nem como tudo vai se
desenrolar. “Quanto menos souber, melhor para você”. E, antes de sua
mulher conseguir assimilar essa tremenda no cia, acrescenta algo que soa
quase como uma ordem militar: “Se eu fracassar, eu a proíbo que me
apoie. A Gestapo virá até aqui e você se fingirá de pequena dona de casa
tola. Um de nós tem que ficar com as crianças. Isso é o mais importante”.
Nina Stauffenberg só chega a intuir o abismo de perigo, solidão e
abnegação que se abre diante dela nesse momento. É como se houvesse
dado uma olhada no futuro e este es vesse envolvido por escuras
sombras. Contudo, ao mesmo tempo, domina-a um sen mento mais forte
que todo o resto: a confiança em seu marido. Agora, fará todas as
perguntas que faz uma mulher em sua situação: “Por quê?”. E por que
você, que já está ferido e impedido? Não há nenhum outro, mais forte,
mais apropriado e que não tenha família a perder?”. E a questão em si: “É
realmente tão importante para você? É inevitável e necessário para nosso
pais?”. Todas essas perguntas estão ali, mas também sabe que seu marido
lhe dará respostas convincentes a todas elas. Se não fosse assim, não se
encontraria no ponto em que está. Aonde quer que seu caminho o
conduza, ela quer estar a seu lado.
IX
OBJETIVOS E SINAIS
Lautlingen,
Setembro de 1943

Quando Stauffenberg retorna a Lautlingen, espera-o um homem em cuja


opinião sobre questões polí cas confia mais que em qualquer outro. Não
empreenderá nenhuma ação sem seu conselho e aprovação. Trata-se de
Berthold, seu irmão mais velho. É Marineoberstabsrichter para questões
de direito internacional na seção de Operações da direção de Guerra Naval
em Berlim, mas agora está de férias até 7 de setembro.
O conde Berthold Schenk von Stauffenberg nasceu em 15 de março de
1905. Desde muito cedo, chamou a atenção por ser uma criança
extraordinariamente séria e cé ca. Com quatro meses de idade, sua mãe já
notou uma “expressão profundamente eloquente” em seus olhos que
quase a assusta. Desde o início, tem uma relação especial com seu irmão
Claus. Preocupa-se muito com o menino, cujo irmão gêmeo, Konrad, viveu
apenas um dia, e preocupa-se em explicar-lhe o mundo, sobre o qual ele
pensa de maneira precoce. Quando criança, e mais tarde adulto, é calado e
até mido. Às vezes parece um tanto desajeitado e inibido. É muito crí co
com os convencionalismos, com os indiscretos e com os presunçosos, e se
distancia de tudo isso com um sarcasmo mordaz. Por mais reservado que
aparente ser, às vezes espanta seus amigos com sua fibra. Estuda direito e
ciências polí cas, fala inglês e francês fluentemente e até aprende russo
para o primeiro exame estatal em Tübingen, coisa que entre seus colegas é
considerado como par cularmente di cil. Seu obje vo é a carreira
diplomá ca. Esse desejo o leva ao Ins tuto Berlinense de Direito
Internacional, e mais tarde ao Tribunal Internacional de Haia. Com o início
da guerra, é des nado à direção de Guerra Naval, um posto que logo lhe
permite ter uma visão clara do catastrófico desenrolar do nacional-
socialismo. Seus colegas recordam que ele jamais praguejou contra Hitler,
mas seu incorrup vel senso de jus ça logo o transforma em um calado,
mas implacável e profundamente decidido opositor ao regime. Antes
mesmo de Claus von Stauffenberg estabelecer contato com os círculos da
resistência, Berthold já se relacionava com eles. De certa maneira,
esperava o momento em que também seu irmão se visse impelido a agir.
Os Stauffenberg discutem em Lautlingen as no cias diárias com
preocupação: tropas britânicas desembarcam na Calábria, no extremo sul
da península italiana; há intensos ataques aéreos sobre Berlim, Mannheim
e Munique; no front oriental, os alemães abandonam a cabeça de ponte
do rio Kuban e a bacia do Donetz; por úl mo, foi anunciado o armis cio
entre os aliados e a Itália. Se vai acontecer alguma coisa contra Hitler, tem
que ser logo. Cada novo dia de guerra deixa incalculáveis ví mas e piora a
posição para negociações. Depois do café da manhã, os dois irmãos vão
passear pelos arredores, por esses caminhos que tão bem conhecem. Um
telegrama para Überlingen, no lago de Constança, traz outro companheiro
de ideias em 2 de setembro: o germanista Rudolf Fahrner, de quarenta
anos. O austríaco, cujos caracterís cos cachos parecem de um filósofo
grego, é um velho amigo de seus dias de estudante. Os dois irmãos sempre
debateram apaixonadamente com ele sobre filosofia e direito público,
sobre epopeias da An guidade e sobre polí ca modema. Deve-se
agradecer a sua memória por terem sido transmi das as grandes
proposições desses dias em Lautlingen.
Não se trata só da eliminação de Hitler. Deve surgir da conspiração e do
atentado uma nova e melhor ordem, uma ordem sobre a qual querem
refle r durante alguns dias. Stauffenberg não se vê, de jeito nenhum, como
instrumento militar da resistência. Quer par cipar poli camente e fazer
suas contribuições para as discussões acerca de como deve ser um mundo
depois de Hitler.
Os irmãos debatem sobre as palavras de Fahmer acerca da “união com
o divino”, sem a qual a existência humana não pode prosperar; sobre
“modos de vida e costumes apropriados” que não sejam meramente
subs tuídos por “ideias baseadas em preconceitos”; sobre um
“comportamento livre” quanto às “diferenças” de posição, patrimônio e
aparência “que surgem diversas vezes por necessidade” em uma
comunidade; sobre as possibilidades como as que os contrastes entre os
povos europeus agora “fazem fru ficar e acarretam disputa;” sobre o
ce cismo para com os par dos e sobre a igualdade social entre
empresários e trabalhadores, apoiada pelo “papel subsidiário” da técnica e
da indústria. A “força da renúncia voluntária” lhes parece apropriada para
evitar novas”fixações e dogma smos”. Porque, afinal de contas, trata-se é
de “criar e manter abertas as oportunidades para o desenvolvimento em
circunstâncias e com pessoas determinadas”. Essas reflexões são ao
mesmo tempo sonhadoras e pragmá cas. Por um lado, voltam aos an gos
valores conservadores, diante de cuja luz Hitler aparece como um arrivista
sem princípios. Por outro, são de uma modernidade atrevida e vão além de
sua época. Nisso se vê a marca da educação que os irmãos Stauffenberg
receberam, criados no seio da burguesia intelectual de Stu gart. Já em sua
época de estudantes do ensino médio, ambos se emocionavam
profundamente com o teatro e a música. Amiúde acompanhavam os
concertos da orquestra com a par tura na mão. Somente Wagner não era
do agrado de Claus Stauffenberg. Goethe, Schiller e Hölderlin eram seus
heróis, e há um poeta contemporâneo que teve uma influência decisiva em
sua juventude e a quem se sen rão profundamente unidos para sempre:
Stefan George.
Stefan Anton George, nascido em 1868 e falecido em 1933, era naquela
época não só famoso como poeta lírico simbolista e do neorroman smo.
Muitos jovens o consideravam, como Claus von Stauffenberg disse uma
vez, o “maior poeta de sua época”. Um homem que se sen a convocado a
ser não só o juiz esté co do presente, como também um educador, e que
não se incomodava que o comparassem com Sócrates. Nas diversas fases
de sua vida, reuniu a sua volta grupos de “discípulos” que se superavam
uns aos outros em sua adoração e que o celebravam como “sacerdote real”
e como “fundador de um reino espiritual”, formando, assim, uma espécie
de associação secreta.
Quando, em 1923, Berthold e Claus ingressaram no círculo de George,
em Heidelberg, o famoso poeta nha 55 anos. Claus havia completado
dezesseis, e sua mãe, Caroline, que ouvira falar do círculo de George,
estava compreensivelmente preocupada. Mas conhecia a fascinação de
seus filhos, que liam fazia muito tempo as poesias do “mestre” e o
consideravam uma espécie de professor espiritual. A mulher foi até
Heidelberg em pessoa para convencer-se de que tudo corria conforme o
devido. E o que encontrou ali a tranquilizou. Realmente reuniam-se ali
idealistas do espírito que procuravam com grande seriedade respostas às
perguntas mais urgentes do presente. “Alemanha secreta”, o tulo de uma
poesia do ciclo “O novo Reich”, transformou-se em uma espécie de senha
para a renovação. George odiava o pensamento burguês, a moral
congelada em forma de convenções e os tradicionais ritos da religião. O
anseio pelo novo, o esperado avanço rumo à “vida ardente” pareciam
aproximá-lo dos paté cos e delirantes conceitos do nacional-socialismo.
Goebbels também soube de sua influência, e pouco antes da morte de
George tentou torná-lo pai espiritual do movimento. Contudo, George
recusou de forma decidida e, após observar com mais atenção, sua arte
poé ca não é apropriada para defender, de jeito nenhum, uma polí ca
específica.
Quem quer enxergar compreende essa distância muito bem. “Buscar o
super-homem fomenta o surgimento do infra-homem”, afirma George em
uma oportunidade, dirigindo-se aos nacional-socialistas. “Não é melhor se
preocupar humildemente em fazer com que para o homem torne a bastar
a mais alta exigência?”. A Rassenpoli k é, para ele, uma “potenciação
maligna” do odiado século XIX: “uma raça nova e boa se consegue só
mediante o espirito, não mediante uma ins tuição de adestramento”.
Por outro lado, a pretensão de George de formar uma “nova elite”, uma
aristocracia intelectual a par r de seus alunos e adeptos, foi levada muito a
sério. A “descoberta” dos irmãos Stauffenberg, cuja linhagem cavalheiresca
estava afiançada, que encarnavam o ideal de masculinidade do poeta e
que pareciam estar predes nados a fazer grandes coisas, desencadeou o
entusiasmo no círculo de George. O próprio “mestre” considerou Berthold
e Claus, e pouco depois também Alexander, homens com uma
personalidade completa, a despeito de sua juventude, em quem restava
pouco ou nada a “formar”. Sua máxima é a disposição ao serviço e à
responsabilidade, à entrega e ao sacri cio. A pauta que guiaria o modo de
agir deveria ser uma nova lei moral que já não pode ser compreendida
com os an gos conceitos. Essa é ca é a é ca do ato, mas George não
explica o que deve ser feito: o chamado para isso reconhecerá por si
mesmo.
Claus von Stauffenberg tem um lugar preferido nas montanhas que há
ao redor de Lautlingen, o Torfels. Ali, na fronteira de uma colina de
bosques que os locais chamam de “s” Hardt”, erguem-se desmoronadas
formações calcárias que recordam os destruídos pilares de um grande arco.
Sobre elas crescem musgo, samambaias e pequenos e resistentes pinheiros
que se opõem ao vento e ao tempo. Mais abaixo, corre o Messte en, e do
outro lado encontram-se os municípios de Bünhl, Tierberg e Weichenwang.
Para um bom caminhante, este lugar fica a quase uma hora de subidão da
residência dos Stauffenberg. O jovem de dezoito anos se sentava aqui
amiúde durante horas, com a cabeça cheia de versos e ideias român cas;
foi aqui que trouxe um colega de classe durante as férias escolares do ano
de 1925, um ano antes de acabar o ensino médio. Saíram da casa
adormecida e empreenderam a subida bem cedinho. Passaram pela frente
do açougue Götz e da pousada Falken, e por baixo do viaduto. Subiram a
montanha ao lado do arroio, a roda do moinho Schemminger, por campos
de macieiras e pela frente dos postos dos caçadores. Até ficarem
envolvidos por frondosos choupos. Só quem conhece o caminho escondido
pode encontrar ali em cima a repen na abertura do bosque e sair, assim,
para o conjunto de rochas, como uma figura de costas do roman smo que
pudesse ter sido pintada por Caspar David Friedrich. O amigo do colégio
recorda que o jovem Stauffenberg falou, durante a excursão, da eclosão
dolorosa de uma nova Alemanha, das tarefas do Estado, das possibilidades
de agir sobre este, de esperanças e trabalhos sonhados. Os dois estudantes
não sabiam o que o futuro reservava, mas percebiam que nham diante de
si grandes mudanças. Em uma carta datada só com um “quarta-feira,
Lautlingen”, o jovem Stauffenberg escreve sobre aquele tempo
influenciado por Stefan George. Fala sobre uma sensação de crescente
distanciamento, de uma busca inú l de um sen do da qual só “a ação” o
poderia libertar se “uma hora desse o sinal, com toda a crueza, de sua
chegada, e com toda a dimensão de sua aparição”.
X
PONTO DE ENCONTRO:
TRISTANSTRASSE
Berlim,
De setembro a novembro de 1943

Em 10 de setembro de 1943, pouco depois das 20h, transmite-se um


discurso de Adolf Hitler pelas emissoras de rádio alemãs, no qual lamenta a
“entrega do governo italiano” aos “inimigos comuns”.
“A queda de Itália significa pouco militarmente”, garante a seus
ouvintes; contudo, vê-se na necessidade de destacar profusamente a
imperturbável determinação do governo alemão. Nunca haverá na
Alemanha “traidores como na Itália”, “a postura de meus colaboradores
polí cos, de meus marechais, almirantes e generais” é a de uma
“comunidade fana camente compacta”.
Nisso está enganado. Enquanto se encontra de novo no hospital militar
da reserva de Munique, esperando a cirurgia para a prótese da mão, o
conde Claus von Stauffenberg recebe uma ligação do general Olbricht, que
o chama a Berlim o mais rápido possível. A ligação do conspirador é tão
urgente que Stauffenberg cancela a cirurgia imediatamente e passa por
Bamberg, onde precisa pegar seu uniforme, para ir depois à capital. Ali
ficará e não voltará ao hospital de Munique.
Já encontrou onde morar — na casa de seu irmão Berthold. A esposa
deste, Mika, levou há muito tempo seus filhos e seus móveis para
Lautlingen, e ela mesma raras vezes está em Berlim. Berthold mora no
bairro de Nikolassee, não longe da autopista Avus e da estrada nacional
para Potsdam. Nesses becos de paralelepípedo há ostentosas e intrincadas
vilas de es lo rural sob altas árvores. Ali mora um general de ar lharia
aposentado, um advogado, além de um agente de câmbio. A casa da
Tristanstrasse, número 8, é a vila Tiedemann, projetada em 1896 para um
conselheiro secreto do governo para a Construção. O muro do jardim é de
pedra e a grade de ferro; tem artesoados de madeira, material do qual
também é feito o grande balcão, um pináculo escuro que arremata a obra.
O andar do balcão é alugado para os Stauffenberg. Claus conhece muito
bem os arredores. Durante sua passagem pela academia militar, morou na
vizinha Waltharistrasse com sua mulher, Nina, e seus filhos Berthold e
Heimeran.
Stauffenberg logo é apresentado aos homens mais importantes da
resistência. O general Olbricht organiza um encontro com o responsável
pelas Comunicações da Wehrmacht na segunda semana de setembro. Este
usa gel no escuro cabelo ondulado e grossos óculos pretos de aros de
tartaruga. Parece ter sempre uma careta sarcás ca nos lábios. E o general
Erich Fellgiebel, de 56 anos. Stauffenberg o conhece superficialmente de
sua passagem pelo Estado-Maior. Agora fica sabendo que Fellgiebel está há
meio ano preparando sua tropa para o golpe de Estado. Há uma grande
concordância quanto a ser chegado o momento de agir. Deve-se evitar a
todo custo uma tomada conjunta de Berlim por parte dos russos, ingleses e
norte-americanos. Fellgiebel se encarregará de que, após um atentado,
ocorra onde ocorrer, o círculo de Hitler se veja isolado o mais
completamente possível do mundo exterior, enquanto as comunicações
permanecem abertas para os oficiais da resistência. Essa promessa tem
muito peso ao sair dos lábios de um homem cujo talento organiza vo no
campo das comunicações militares é lendário. Mas, ao mesmo tempo,
Fellgiebel também adverte que um bloqueio total das comunicações é
pouco realista. O serviço de segurança e as SS têm suas próprias linhas
telefônicas entre os diversos quartéis-generais, que não podem ser
controladas totalmente, e ele só as conhece parcialmente. Fellgiebel, que
provém de perto de Breslau, na Silésia, não é considerado no círculo de
Hitler como exatamente fiel ao regime. Vai muito aos quartéis-generais,
mas há tempos não tem acesso direto ao Führer. Destacou-se muito por
seus mordazes comentários contra o nacional-socialismo e foi marcado
como “derro sta”. Se as comunicações do Exército não funcionassem tão
impressionantemente bem e se não fosse absolutamente insubs tuível
como perito, há muito tempo teriam recaído sobre ele medidas puni vas.
Um oficial que encontrou Fellgiebel bêbado e descontrolado, proferindo
insultos em um banheiro das dependências do alto-comando do
acampamento Mauersee, conta o seguinte: “Esse men roso! Esse porco!
Esse destruidor de nossa pátria!”, gritava Fellgiebel referindo-se a Hitler,
até que taparam sua boca. E à seguir disse, chorando: “Se vocês
soubessem o que nós, oficiais de comunicações, sabemos, não
acreditariam. É espantoso!”.
Em meados de setembro, começa para Stauffenberg e Tresckow o
trabalho para dar o toque final. Redigem os primeiros documentos no
quartel-general do distrito militar III, na Fehrbelliner Platz, onde queimam
planilhas e versões anteriores nos banheiros. O trabalho em si acontece
durante semanas em Babelsberg, onde a mulher de Tresckow, Erika, os
ajuda com a máquina de escrever, e mais tarde em outros lugares.
Além da mulher de Tresckow, par cipam da conspiração mais duas
da lógrafas; uma das duas é uma amiga da família, Margarethe von Oven.
Para os conjurados, é muito arriscado reunir-se na casa de um deles.
Combinam diversos pontos de encontro no povoado ou no bosque de
Grunewald, mas não os citam nem por telefone nem por correio. Não são
possíveis cancelamentos de úl ma hora, fato pelo qual os encontros
organizados com tanto cuidado amiúde não acontecem devido aos
bombardeios. Margarethe von Oven tem que usar uma máquina de
escrever emprestada e usar luvas. Tresckow insiste nisso. Teme que mais
tarde possam iden ficar suas impressões digitais. Tem todos os mo vos
para ser precavido.
“O Führer Adolf Hitler morreu!”, assim começa o primeiro telex que
será enviado aos postos militares decisivos no dia D. Quando Margarethe
von Oven ouve essas palavras que agora tem que da lografar, o medo se
apodera de seus membros. Está agitada, pois é cúmplice de alta traição. É
verdade que Tresckow lhe explicou que no leste morrem dezenas de
milhares de judeus das maneiras mais horríveis, e que em especial é isso —
e não tanto a fatal situação da guerra, que é “obra dos oficiais” — o que
obriga os conjurados a agir. Mas Stauffenberg fala com ela uma vez mais.
Sem rodeios, diz que ele mesmo é um católico crente, mas que agora
precisa enfrentar um pecado, o de ação ou o de omissão. O golpe é uma
tarefa enviada por Deus, à qual se dedica com todo seu ser. Margarethe
von Oven dirá, mais tarde, que Stauffenberg transmi a uma calma
profunda, “reflexo de um sereno fogo interno”, e que citou um poema de
Stefan George. Ela se declarou disposta a con nuar escrevendo.
No telex, Valquíria tornava responsável pela morte de Hitler um “grupo
de dirigentes do par do sem escrúpulos e que não conhecem o front”, e
fazia recair a culpa do atentado no Par do Nacional Socialista. A vava-se o
estado de exceção militar, transferia-se a “autoridade absoluta” à
Wehrmacht, subordinavam-se completamente as Waffen-SS ao Exército e
se instava a “anular sem contemplação” qualquer resistência. O que
Stauffenberg e Tresckow formulavam ali mostra sua vontade
inquebrantável de a ngir o sucesso. O golpe de Estado enfrentaria uma
grande resistência. Até o final do segundo telex não introduziam uma
referência a seus verdadeiros obje vos: não seriam tolerados “atos
arbitrários e de vingança [...] A população deve ter consciência da distância
em relação aos métodos arbitrários dos governantes anteriores”.
Procurando o homem que possa assinar essa explosiva ordem.
Tresckow encontra um aposentado de grande pres gio que é opositor de
Hitler há tempos: o marechal de campo Erwin von Witzleben, de 62 anos.
Como soldado de mais alta patente do golpe, será nomeado comandante-
em-chefe da Wehrmacht após o atentado.
O prussiano Witzleben, nascido em Breslau em 1881, era um frio
analista com finos traços aristocrá cos. Foi abordado em março por
homens da resistência, declarou-se incondicionalmente disposto e assinou
os importan ssimos documentos sigilosos.
Essa situação não era nada nova para ele. Já em 1938, estava
preparado, junto com suas tropas, para enfrentar o regime quando ainda
era comandante do distrito militar de Berlim. O chefe do Estado-Maior do
Exército, Franz Halder, preparou tudo naquela época para capturar e
eliminar Hitler se este provocasse a guerra durante as negociações de
Munique sobre a “crise dos Sudetos”. A surpreendente vacilação de
ingleses e franceses, assim como a celebração de Hitler como “protetor da
paz” após as negociações de Munique, puseram fim a esse plano. Halder
mudou de opinião e começou a planejar a desejada guerra de agressão de
Hitler.
Witzleben par cipou das campanhas da Polônia e da França como
oficial do Exército e, em maio de 1941, torna-se comandante-em-chefe do
front ocidental. Contudo, suas tendências opositoras não permanecem
escondidas. Em maio de 1942, foi des tuído do comando por Hitler em
pessoa, aparentemente por mo vos de saúde. Desde então, acompanhava
com amargura o transcorrer da guerra, e, por fim, sua saúde piorou de
fato. No mês de julho, passou muito tempo no hospital. Tresckow, Olbricht
e Stauffenberg não contavam tanto com sua par cipação a va quanto com
sua alta patente e nome.
Documentos como os que agora Witzleben assina implicam pena de
morte para qualquer um que seja pego com eles. Todos estão plenamente
cientes disso. A despeito de todas as precauções, os conjurados sentem-se
pegos em flagrante uma noite. Após ter feito seu trabalho, Tresckow,
Stauffenberg e a senhorita von Oven percorrem a rua Trabener, perto da
estação de trem de Grunewald. Levam toda a documentação consigo,
inclusive a própria máquina de escrever, o que os faz ficar com os nervos à
flor da pele. O coração fica a ponto de parar quando um veículo das SS
entra na rua, dirige-se a eles e para bem a seu lado.
Ouvem-se umas ordens e homens das SS pulam da parte de trás do
veiculo. Os três conspiradores esperam a detenção em silêncio. Mas, um
instante depois, a negra companhia desaparece na casa da frente. Nenhum
dos SS repara nos passeadores noturnos. Tresckow, Stauffenberg e Von
Oven se olham. Os três empalideceram.
Na época, Stauffenberg toma posse de seu posto como chefe do
Estado-Maior do Gabinete Geral do Exército. Sua entrada em serviço oficial
é em 1º de outubro, mas tomou contato com sua nova responsabilidade
durante as semanas anteriores. Agora trabalha no mesmo complexo
militar, entre o zoológico e o Landwehrkanal, no qual seu irmão Berthold
serve. Berthold está no alto-comando da Marinha que se ergue, imponente
e neoclássico, na rua Tirpitzufer. De seu novo escritório na ala leste, Claus
von Stauffenberg pode vê-lo. O gabinete do Exército, com sua fachada
cinza de pedra calcária, tem sua entrada pela Bendlerstrasse. Já em 1914, o
complexo serviu como sede da Marinha do Reich e almirantado, mais tarde
como Ministério da Reichswehr, defesa do império, e depois como
Ministério de Guerra, até que Hitler tomou o comando das Forças Armadas
e dissolveu as ins tuições em diversos altos-comandos e seções
administra vas. O Gabinete Central do Exército é só um desses centros de
comando que brigam constantemente por suas competências e
responsabilidades.
A proximidade oficial dos irmãos Stauffenberg não dura muito tempo.
No fim de novembro, o complexo militar é duramente a ngido pelos
bombardeios e parcialmente destruído. Enquanto o escritório de
Stauffenberg pode con nuar funcionando, seu irmão deve se transferir
para um quartel do Exército da reserva em Bernau, no norte de Berlim. Isso
significa que a volta diária para casa, na Tristanstrasse, será muito longa
para ele.
Stauffenberg descreve assim sua função no Gabinete Central do
Exército: “Agora tenho que tornar a me sentar a minha mesa e enviar
dezenas de milhares para uma morte sem sen do”. Encontra-se no
segundo andar, em um longo corredor de salas, bem ao lado do general
Olbricht. Sua tarefa são os reforços de pessoal e material para o front, em
par cular o recrutamento de novos soldados.
Há tempos, as perdas de vidas humanas que a guerra exige dia após dia
não podem ser cobertas, e cresce a pressão sobre a reserva de recrutas.
Stauffenberg dedica-se a essa impossível tarefa com rapidez e
me culosidade, com sua costumeira energia e capacidade de
concentração. Graças a seu trato gen l e aberto, logo se torna um homem
de confiança para muitos companheiros. Oficiais de mesma patente ou até
mais alta procuram seu conselho, e uma espécie de sexto sen do lhe diz,
sem dúvidas, em quem pode confiar e em quem não. Quando chega tarde
para almoçar, logo se diz: “Já há outro general com ele” contando-lhe suas
penas.
E, contudo, este trabalho diário é algo secundário. Toda a energia de
Stauffenberg é dedicada ao obje vo de fazer a Operação Valquíria avançar.
Mas ainda tem que conhecer muitas figuras-chave da resistência. Um
desses encontros secretos acontece na casa de seu amigo, o cirurgião
Ferdinand Sauerbruch, que põe à sua disposição sua casa da
Koblanckstrasse, no distrito de Wannsee. Sauerbruch oferece bebidas a
suas visitas e depois os deixa a sós durante horas. Olbricht apresenta a
Stauffenberg um homem que é, há muito tempo, uma eminência parda da
resistência: o coronel-general reformado Ludwig Beck, de 63 anos. Beck
está se recuperando de uma grave doença que o fez ser operado seis vezes
no Hospital de La Charité, entre março e junho. Seu rosto redondo, de
olhos profundos, tem um ar de melancolia que parece se acentuar com
cada má no cia que vem do front. A guerra está sendo a catástrofe que ele
já predisse em 1938. “A Alemanha claudicará diante de uma coalizão
mundial e se entregará finalmente à sua graça ou à sua condenação”,
escreveu então com grande clarividência. Agora exige a re rada completa
das frentes. E, a seus olhos, a morte de Hitler é a única coisa que pode
fazer com que se deem as condições para um rápido armis cio.
Beck, procedente de Wiesbaden, em Hesse, tem o maior respeito dos
resistentes. Para Schlabrendorff, ele dá a “impressão de ser um sábio”. Seu
cargo durante o golpe será de chefe de Estado civil. Terá que mostrar
tranquilidade e autoridade, duas caracterís cas que o dis nguiram como
primeiro chefe do Estado-Maior de Hitler.
Em 1935, teve um papel de destaque no rearmamento alemão. Mas se
recusou, em luta constante com o Ministério da Guerra, a elaborar planos
de ataque contra os estados vizinhos. Por isso, em março de 1938, foi
surpreendido pela anexação da Áustria e opôs-se com todas as suas forças
à invasão da Tchecoslováquia. Sua tenta va de pôr todo o generalato
contra Hitler fracassou. Seus memorandos foram ignorados, e em agosto
de 1938 comunicaram-lhe sua reforma. “A História depositará sobre os
chefes da Wehrmacht a culpa do sangue se não agirem seguindo seu saber
e consciência técnicos e polí cos”, afirmou Beck. “Sua obediência militar
tem um limite, e é onde o saber, a consciência e a responsabilidade
impedem a execução de uma ordem.” Enquanto a Wehrmacht con nua
disposta a apoiar Hitler na guerra, Beck foi reformado amargamente.
Esse primeiro encontro em Wannsee impressiona profundamente
Stauffenberg. A par r de então, falará sempre com Beck antes de todas as
ações importantes do golpe e se guiará por seu juízo nos momentos
delicados. Por sua vez, Beck está contente pelo fato de a resistência ter
ganho um novo organizador tão capaz. “Stauffenberg é o homem que
necessitamos!”, diz Olbricht a Beck.
Os encontros de Stauffenberg com outro dos idealizadores da
resistência se desenrolam com uma harmonia menor: trata-se de Carl
Goerdeler, de 59 anos. Goerdeler é o perito em intendência do grupo, e
tem esperanças de conseguir o posto de chanceler após o golpe de Estado.
É quem deve elaborar uma lista de responsáveis polí cos a quem se deve
avisar no início da operação. Fala brilhantemente sobre a situação
econômica e a catastrófica dívida da Alemanha, mas suas ideias sobre o
golpe são pouco realistas. Ele propõe não matar Hitler, e sim buscar uma
“conversa franca” com ele: “Uma boa causa pode se impor a qualquer
um!”. Essas ideias ilusórias mostram seu grande valor pessoal, mas levam a
que seja considerado inseguro como conspirador.
Goerdeler tem um rosto afilado de ave de rapina, com uma pequena
barbicha, aspecto nacional conservador e grandes reservas quanto a
socialistas e socialdemocratas. O prussiano Goerdeler, nascido em 1884 na
província de Posen, é tratado com ce cismo por muitos dos membros mais
jovens da resistência. Contudo, sua determinação na luta contra o
nacional-socialismo está fora de questão. Em 1937, não aceitou sua
reeleição como prefeito de Leipzig porque havia sido destruído, contra sua
vontade, um monumento ao compositor judeu Felix Mendelssohn-
Bartholdy. Um ano depois, qualificou o Tratado de Munique de uma
“categórica capitulação” do Ocidente. Está em contato com Tresckow
desde finais do outono de 1942, quando, arriscadamente, viajou até o
quartel-general do Grupo de Exércitos do Centro para conhecer os
pioneiros da resistência militar. A par r de então, sua colaboração era
questão fechada. Contudo, mais tarde cri caria Stauffenberg por ser um
“cabeça-dura”, que não sabia se limitar a seu papel de organizador militar e
que havia criado falsas ilusões polí cas. Mas essa oposição não se
manifesta ainda. Após o primeiro encontro, Goerdeler diz a um amigo de
confiança que foi nomeado um “oficial do Estado-Maior de grande
capacidade” para assumir o planejamento do golpe de Estado. Também diz
que o novo membro não conta ser des nado ao front devido a seus graves
ferimentos de guerra e poderá fazer as coisas avançarem em Berlim.
A relação de Stauffenberg com Julius Leber, de 52 anos e a quem
também conhece durante esse outono, desenrola-se muito melhor. Laber,
alsaciano, procede da classe trabalhadora. Uma bolsa de estudos lhe
permi u cursar o bacharelado e a Universidade de Friburgo, e em 1924
tornou-se deputado socialdemocrata no Reichstag. Ali, fez parte da jovem
geração que lutou contra a ancilose polí ca e ideológica de seu par do e
ingressou na Reichswehr voluntariamente. O que mais tarde será um ponto
de ligação com Stauffenberg. Quando, em março de 1933, quis entrar no
Reichstag como deputado reeleito, foi de do e preso no campo de
concentração de Sachsenhausen. Libertado ao cabo de quatro anos, tentou
a vida como comerciante de carvão, mas con nuou lutando
incansavelmente às escondidas. “Para chegar ao golpe de Estado”, disse
em uma ocasião, “eu estaria disposto a fazer um pacto com o diabo.”
Leber e Stauffenberg logo percebem que são espíritos afins. O papel de
direção dos militares no tempo de transição, de que Stauffenberg tem só
uma vaga ideia, é um tema que Leber estudou a fundo. Também acredita
que na Alemanha não se criará um comportamento democrá co da noite
para o dia, e pensa mais em uma paula na “desintoxicação”. As ideias de
Leber para conquistar a classe trabalhadora, que podem ser decisivas para
evitar o “perigo comunista”, impressionam Stauffenberg. Este logo dirá, em
par cular, que julga Leber “melhor chanceler” que Goerdeler. O nome de
Leber também será o único do círculo da resistência que Stauffenberg
pronuncia diante de sua mulher, com tom de verdadeira admiração.
Qualifica-o de “figura-chave” e de “grande personalidade”.
O tempo de escritos e reuniões acaba em 10 de outubro, quando
Henning von Tresckow recebe ordem de voltar ao front. Primeiro vai ao
Grupo de Exércitos do Sul, e no início de dezembro torna-se chefe do
Estado-Maior do 2º Exército do front oriental, onde dois meses depois é
promovido a general de divisão. Isso significa que deixa quase totalmente
de estar disponível para a resistência. Suas incansáveis tenta vas de
conseguir diversas vezes um posto perto de Hitler fracassam. Restalhe
como consolo ter encontrado em Stauffenberg o homem que seguirá seu
trabalho de forma decidida. Stauffenberg dispõe agora de um pacote de
explosivo plás co inglês que Tresckow trouxe para Berlim em setembro.
Sua tarefa mais urgente é encontrar um novo encarregado de levar a cabo
o atentado.
Em 28 de outubro de 1943, os irmãos Stauffenberg dão uma grande
festa familiar em Berlim-Zehlendorf. É o casamento de Olga von Üxküll-
Gyllenband, sua bela prima de 23 anos. Seu o Nikolaus, de 66 anos, é o
orgulhoso pai que a acompanha ao altar; Nina Stauffenberg chega de
Bamberg, e de Paris chega o primo Caesar von Hofacker, de 47 anos. Na
Tristanstrasse reina uma animada vida durante alguns dias, mas Claus e
Berthold mal ocultam suas perigosas a vidades. Por exemplo, Nina leva a
Bamberg uma mochila cheia de documentos da resistência que deverá
queimar no fogão a carvão. Rudolf Fahrner, o companheiro de estudos,
também está ali para escrever convocações ao golpe de Estado dirigidas ao
povo alemão. O o Nikolaus, que está há mais tempo que os irmãos no
círculo da resistência, também par cipa. Além do mais, Claus põe o primo
Hofacker a par. Têm uma longa conversa, após a qual Hofacker se declara
disposto a trabalhar pelo golpe de Estado com todas as suas forças. Nesse
momento, está se reunindo em Paris um circulo de decididos
conspiradores em torno do general Karl-Heinrich von Stülpnagel, o
dirigente militar na França, com quem agora manterá contato. Mika, a
mulher de Berthold, comparece às reuniões para servir como “povo”. Os
conjurados leem para ela as convocações e lhe pedem sua opinião. O
“povo” diz que, infelizmente, não entende uma palavra.
É Mika também quem se encontra com Claus em uma noite escura na
rús ca varanda de madeira da vila da Tristanstrasse, olhando para o
horizonte, onde se pode ver o reflexo vermelho da cidade. Berlim torna a
arder após fortes ataques aéreos. Claus recita de cor o poema do
Widerchrist, o An cristo, uma obra de Stefan George do ano de 1907 que
significa muito para ele. Nele aparece um sedutor de massas a quem
chamam de “príncipe dos borregos”. Stauffenberg Julga reconhecer nesse
personagem os traços de Hitler, e os versos sobre os enganados que
acabam vagando “desorientados como gado” por um mundo em chamas
parecem, essa noite, par cularmente profé cos.
O o Nikolaus von Üxküll-Gyllenband, que também é padrinho de
Claus, fica morando na Tristanstrasse e ajuda Claus no que pode, inclusive
a se ves r e no trabalho co diano. “Se toda esta conspiração tem alguma
oportunidade, é desde que Claus entrou nela”, diz a sua filha. “Ele é a força
impulsora que deu forma aos esforços que realizamos há anos. Também é
o dedo no botão.” O o acha ser muito velho para um papel a vo na
resistência, vê o ato de cuidar de seu sobrinho como a tarefa que deve
desempenhar. E se surpreende constantemente com a força deste:
“É incrível como este homem aguenta esses esforços monstruosos...
Chega em casa e, após um sono de poucos minutos, volta a ficar esperto e
disposto a travar conversações com a maior concentração. Embora
vivamos a maior parte do tempo na maior das tensões, é Claus quem
costuma quebrá-la com sua contagiosa risada.”
Stauffenberg está constantemente procurando jovens oficiais que
odeiem Hitler e que estejam dispostos a desempenhar um importante
papel na resistência, seja como colaboradores na Bendlerstrasse ou até
mesmo, se conseguirem acesso ao círculo interno do poder, como
executores do atentado. É assim que conhece o tenente do Exército da
reserva Werner von Hae en, de 35 anos. Esse atraente advogado
berlinense foi gravemente ferido no front oriental e agora é parte do
círculo da resistência de Kreisau, em cujas discussões rejeita um atentado
contra Hitler. Contudo, as ideias de Stauffenberg convencem Hae en. Este
lhe oferece sua colaboração e torna-se seu ajudante na Bendlerstrasse.
Não se vê como executor do atentado, “por convicção cristã”, mas apoiará
Stauffenberg com todas as suas forças.
Outro ajudante é o capitão Friedrich Karl Klausing, de 23 anos, que
quer entrar em ação há tempos. Foi ferido em Stalingrado e escapou da
destruição do 6º Exército. Durante o seguinte ataque no front oriental
tornou a caber-lhe par cipar. Ele se oferece como autor do atentado, mas
até agora não teve nenhuma oportunidade de chegar a Hitler.
O acesso ao ditador é o maior problema de Stauffenberg durante esses
meses. É verdade que há um coronel na seção de Organização do Exército
que se apresentou à resistência e que se reúne regularmente com o
ditador, mas não tem nervos de aço e não se confia muito nele. De fato,
curiosamente, todos os planos que passam por ele acabam em nada. Por
isso, Stauffenberg busca novas forças, e encontra um capitão de 24 anos, o
barão Axel von dem Bussche.
Este se oferece para voar pelos ares junto com Hitler em novembro. Na
Ucrânia, assis u ao fuzilamento em massa de judeus, o que é mo vo
suficiente para ele. A ocasião seria uma apresentação de novos uniformes,
durante a qual poderá passar perto do Führer. Mas a apresentação é
adiada. Bussche retorna à frente e é gravemente ferido. Não pode mais
realizar o atentado, e passam-se semanas após semanas sem que
Stauffenberg encontre um subs tuto.
XI
AVANÇOS E MOMENTOS DE CALMA
Bamberg e Berlim,
De dezembro de 1943 a março de 1944

Em 25 de dezembro de 1943, dia de Natal, Claus von Stauffenberg retorna


a Bamberg, para junto de sua família. De repente, um carro oficial, um
Mercedes 170V, para diante da casa da Schützenstrasse. A visão de um
carro que tem permissão para circular nessa época, o que se nota pelo
brilhante canto vermelho da placa, é muito pouco habitual. Mas a grande
surpresa para as crianças é o fato de esse carro trazer seu pai, com um
cabo como motorista. A mãe não quisera antecipar a no cia. Stauffenberg
só pode ficar três dias.
Nesse momento, a condessa Stauffenberg mora com seus filhos, há
algumas semanas, na casa de seus pais, construída no es lo suntuoso da
Gründerzeit, no cruzamento da Schützenstrasse com a Amalienstrasse. É
um entorno tranquilo de casas de aluguel burguesas. O edi cio de dois
andares cor de areia tem uma bela varanda de ferro que dá para o norte.
Um relevo de pedra acima da porta de entrada mostra o escudo de armas
dos Stauffenberg: dois animais similares a um leão com caudas divididas
em quatro partes. Os Lerchenfeld moram no primeiro andar, e Nina e as
crianças no térreo. O velho barão está gravemente doente há tempos, e
Nina ajuda sua mãe. Esse também é o mo vo pelo qual foi embora de
Lautlingen.
Berthold, o mais velho, tem seu próprio quarto, e os outros três irmãos
dividem um quarto maior. Na casa também habitam Esther, a babá, e uma
empregada ucraniana. Berthold e Heimeran vão à escola Fischerei, ao lado
do encrave de pescadores construído sobre estacas de madeiras às
margens do Regnitz, conhecido carinhosamente como Pequena Veneza.
Nina ensinou às crianças que caminho devem percorrer até a escola. De
maneira nenhuma devem ir pela rua principal, que ela considera muito
perigosa.
Essa rua principal é a rua Lange, que então se chamava Adolf-Hitler-
Strasse. Também há rastros do nacional-socialismo em outros lugares do
bairro. A sinagoga judia, que ficava perto da casa dos Lerchenfeld, foi
queimada durante a Noite dos Vidros Quebrados de 1938 e foi demolida.
Quando soa o alarme aéreo, as crianças são mandadas da escola para casa,
mas, nesse momento, a cidade está sendo respeitada quase por completo
pelos ataques aéreos. Só em uma ocasião um avião aliado avariado solta
suas bombas, porque não tem outro remédio. Mas só a nge o zoológico,
na periferia da cidade.
A família comemora a festa de Natal, na qual as Springerle suábias de
Nina, biscoitos brancos de anis de diversas formas, desempenham um
importante papel. Durante os dois dias de festa, toda a família vai à missa
na Mar nskirche, no Grünen Markt, que está ligada à história familiar, pois
foi construída no século XVII por um bispo da família dos Stauffenberg. As
crianças recebem uma estrita educação católica, a missa dominical é
obrigatória. Nina é protestante e só vai a essas missas em ocasiões
especiais, mas tem muito cuidado para que as crianças cresçam na fé de
seu pai. Berthold foi até coroinha em Lautlingen.
Berthold, Heimeran, Franz Ludwig e Valerie nunca ouvem nenhuma
palavra nega va de seus pais sobre Hitler, uma medida de precaução
óbvia. Como quase todas as crianças de sua idade, os meninos brincam de
guerra em seu quarto e encarnam os heróis alemães. Em suas brincadeiras,
usam as queridas figuras Elastolin de então, uns soldados com todo po de
armamento. Os filhos de Stauffenberg também gostam dos chamados
Neuruppiner Bilderbögen, que contam feitos de guerra reais em forma de
melodramá cos e exagerados desenhos de intenção publicitária.
Todos os que se relacionaram com Claus von Stauffenberg em seu lar
falam de sua capacidade de se desligar das tensões da guerra e de seu
trabalho secreto na resistência. As crianças o recordam como um pai
risonho. Por sua vez, sempre tentavam mostrar sua melhor cara com as
poucas visitas. Nina, amiúde, se queixava de que seu marido só se
encontrava com umas criaturas angelicais, enquanto ela nha que lutar
com seus teimosos rebentos todos os dias.
Com o novo ano, Stauffenberg intensifica seus esforços em Berlim para
encontrar alguém que leve a cabo o atentado. E no fim de janeiro torna a
ter mo vos de esperança. O candidato seguinte chama-se Ewald Heinrich
von Kleist. Esse alferes mal chegou aos 21 anos, mas tem a vantagem de
ser filho de um conservador opositor de Hitler desde o início. Seu pai foi
um dos poucos que realmente leu, em sua época, o livro de Hitler, Minha
luta. Ele mesmo pediu contas ao autor no que se refere às passagens
pouco claras e rou as conclusões evidentes.
Stauffenberg fala durante seis horas com o jovem soldado sobre a
necessidade do golpe de Estado. Kleist lhe pede um dia de reflexão e busca
conselho em seu pai. Este diz que não deve se negar a uma tarefa como
essa. De modo que Kleist se põe à disposição de Stauffenberg. Contudo, a
ocasião em que podia se aproximar de Hitler não se materializa.
De novo, o atentado está prestes a acontecer. Dessa vez é Tresckow
quem recruta o executor: o capitão de cavalaria Eberhard von Breitenbuch,
de 33 anos. Acompanha-o como oficial do novo comandante-em-chefe do
Grupo de Exércitos do Centro ao quartel-general de Hitler em 11 de março
de 1944. No bolso da calça leva uma pistola que lhe parece mais segura
que o explosivo de Tresckow. Há uma bala para Hitler e outra para ele
mesmo. O experiente caçador confia em conseguir manter o controle. Mas
nesse dia, contra o costume, não lhe permitem assis r à conferência
militar com Hitler. Breitenbuch espera seis horas na antessala e acha que
vai ser de do a qualquer momento. Mas nada acontece. A tenta va
também não é descoberta.
XII
CARA A CARA
Berghof, Berchtesgaden,
7 de junho de 1944

À primeira hora da manhã de 6 de junho de 1944, meia hora antes da


saída do sol, um ataque de dimensões infernais se desencadeia na costa
atlân ca francesa. Ao amparo da escuridão e da névoa matu na, mais de
5300 barcos aliados colocaram-se em posição nas baías entre Cherburgo e
El Havre e a ram com todos os seus canhões contra as for ficações
costeiras alemãs. Têm o apoio de quase 12 mil aviões das forças aéreas. A
Operação Overlord, o maior desembarque da história da guerra, começou.
Até a noite, desembarcarão 170 mil soldados norte-americanos, ingleses,
canadenses e franceses, e conseguirão estabelecer várias cabeças de ponte
sob o intenso fogo dos bunkers alemães. As divisões blindadas alemãs, que
se aproximam para um contra-ataque imediato, são de das pelo alto-
comando da Wehrmacht. Só o próprio Hitler pode ordenar sua
intervenção. Mas este ainda dorme em seu quartel-general dos Alpes
bávaros. Ninguém de seu círculo pensa em acordá-lo, e ninguém acredita
que esse seja realmente o longamente esperado grande ataque no front
ocidental. O Estado-Maior alemão con nua contando com que o
desembarque principal do inimigo aconteça na região de Calais.
Claus von Stauffenberg recebe a no cia em Bamberg. Está há seis dias
ali com sua mulher e filhos, seis dias de valiosas férias após as tensões dos
úl mos meses. Nina Stauffenberg, que sente o atentado planejado como
uma espada de Dâmocles sobre ela, anima-se para que as crianças não
notem nada. Seu pai, doente do coração, morreu em janeiro, e sua mãe
agora a censura por não mostrar uma verdadeira tristeza. Não pode saber
que, com sua morte, Nina rou um peso do coração. Para o velho barão
von Lerchenfeld, teria sido terrível ver seu genro no centro de uma
conspiração.
Mas tudo isso não foi importante nos úl mos dias. Durante um curto
tempo, só a família conta. Claus, Nina e as crianças fizeram uma excursão
ao castelo Greifenstein, na Suíça francesa. Passando pela Schönleinplatz e
pelo Sophienbrüke, primeiro vão à estação no carro de cavalos dos
Stauffenberg, que agora chamam de Krümperwagen, em referência às
sacudidas e balanços da carruagem. Depois, o trem passa por Forchheim,
Ebermannstadt e Heiligenstadt, até o castelo, onde reside o o-avô
Berthold, um Stauffenberg do ramo francês da família. As crianças estão
muito impressionadas com o caminho da montanha, o grande caminho de
entrada com as an gas árvores e a bandeira familiar branca e azul, que
ainda ostenta a tarja de luto após a morte da a-avó, no inverno. Será a
úl ma lembrança que guardarão de uma viagem com seu pai.
As no cias da França põem fim às férias. Este é um dia decisivo para os
conjurados. Um ponto de inflexão, pois agora devem se perguntar se a
morte de Hitler mudará em algo as coisas. Os inimigos serão apaziguados
se a Alemanha for libertada de sua rania no úl mo momento? Ou, em
outras palavras, a ação agora faz sen do porque no front ocidental pode se
chegar a um rápido final da guerra, enquanto no oriental se pode con nuar
resis ndo? Durante essas deliberações, recebe-se uma ligação de Berlim. A
seriedade da situação foi compreendida no quartel-general do Führer, e o
circulo de Hitler procura respostas rápidas. Em especial, deve-se forçar e
reorganizar a mobilização da reserva. Para isso, são necessários os
conhecimentos do tenente-coronel Stauffenberg, e de imediato. É
esperado no dia seguinte para que informe a Hitler.
Berthold Stauffenberg tenta falar com seu pai sobre a no cia da
invasão, mas este evita o assunto. O filho mais velho, que lê muito e tem
interesse por técnica, começa a se interessar por coisas militares. Gostaria
de ser parte das Juventudes Hitleristas, onde já estão quase todos os de
sua classe. Mas em abril ainda era muito jovem para entrar. Nina fez um
trato com seu filho: se o médico da família desse seu consen mento após
examiná-lo, deixá-lo-ia se alistar. Berthold aceita, mas sua mãe combina
sigilosamente com o doutor para que negue seu consen mento. Seu pai
também tem um bom mo vo para não atender à vontade de seu filho de
ingressar nas Juventudes Hitleristas. Precisa concentrar-se nessa situação
completamente nova.
Por mais di cil que seja o fato de a obrigação voltar a ter preferência, a
ligação do quartel-general de Hitler é emocionante. Stauffenberg por fim
encontrará sua nêmesis. Finalmente poderá ter uma ideia própria das
medidas de segurança que cercam o Führer. E, defini vamente, já não
depende da aprovação de aliados instáveis para estar a vo no circulo
imediato de Hitler. Agora obterá o que seu precursor, Tresckow, sempre
procurou: o acesso pessoal ao centro do poder. Stauffenberg despede-se
de sua mulher e de seus filhos. Às duas da manhã do dia 7 de julho de
1944, toma o trem noturno para Berchtesgaden.
O homem que deve comparecer perante Hitler junto com Stauffenberg
é o coronel-general Friedrich Fromm, de 55 anos, comandante do Exército
da reserva e chefe de equipamento do Exército. Era o superior de
Stauffenberg na Bendlerstrasse, mas até agora mal haviam se encontrado.
Mas isso vai mudar. Fromm comunicou a Stauffenberg, oficialmente, que
está promovendo-o para que colabore mais estreitamente com ele. O
posto de um chefe do Estado-Maior fica livre, e em 1º de julho será
ocupado por Stauffenberg. Essa promoção pode ter muitos mo vos, mas
Stauffenberg ainda tem que descobrir quais são. O mais simples parece ser
que sua área de trabalho, o envio de novas tropas para o front, toma-se
mais importante a cada dia. Muitos homens importantes do Terceiro Reich
lutam por essas competências: Goebbels e Himmler tentam convencer
Hitler constantemente de que só eles podem desempenhar essas tarefas;
Keitel tem boas chances, desde que garan u o acesso direto à caixa de
recrutas, mas Fromm não se dá por vencido. Com Stauffenberg a seu lado
como perito, quer tornar a entrar no jogo.
Friedrich Fromm, nascido na Pomerânia em 1888, era um gigante de
largos quadris, nariz reto e queixo maciço. A ordem chegada de
Berchtesgaden representou uma mudança em sua carreira militar. Havia
caído em desgraça perante Hitler, pois o Führer não gostou de dois
memorandos nos quais alertava abertamente acerca da superioridade do
Exército Vermelho e aconselhava negociações de paz com Stalin. Ficaram
para trás os tempos em que no quartel-general o consideravam um
brilhante técnico de equipamento que podia mobilizar grandes forças para
a campanha russa, e que Hitler elogiava como “o homem forte da zona do
front interno”. Seu inimigo ín mo, Wilhelm Keitel, neutralizara-o uns dois
anos antes. Desde então, mal lhe permi am acesso ao ditador.
Contudo, nessa quarta-feira, tornam a entrar em vigor outras regras
devido ao desembarque na Normandia. O Exército da reserva de Fromm é
composto por 1,9 milhão de soldados na Alemanha e nos territórios
ocupados. Essas tropas são um valor em alta e um fator de poder que
agora pode ser decisivo. Dessas reservas sairão novas unidades para o
front.
Ao mesmo tempo, a posição de Fromm é de grande importância para a
resistência. Só ele, em seu cargo, pode dar a ordem Valquíria ao Exército da
reserva. Ser o chefe de seu Estado-Maior dará a Stauffenberg incalculáveis
vantagens no futuro. Mas o comportamento de Fromm perante um golpe
de Estado é um enigma para os homens da resistência; o coronel-general é
um tá co experimentado e se mostra impenetrável. Não há nenhum sinal
de que ficará do lado de Hitler no caso de uma tenta va de atentado, mas
também parece improvável que esteja à frente de um movimento golpista.
Stauffenberg deve agir com a maior precaução no que diz respeito a
Fromm.
Da estação de Berchtesgaden se pode ver a famosa face norte do
maciço Watzmann com seu duplo cume. Stauffenberg conhece a cidade,
que visitou há apenas dez dias. Fez uma visita ao alto-comando do
Exército. Quando Hitler se instala em seu quartel-general dos Alpes
bávaros, ali o segue o alto-comando do Exército e se instala em uns
quartéis de Strub. Stauffenberg reuniu-se ali e teve contato com membros
da resistência, entre os quais se encontrava o sarcás co general Fellgiebel.
Dessa vez, a visita é muito diferente. Um carro pega Fromm e
Stauffenberg. Sobem pela montanha por uma estrada de curvas fechadas
até o local onde se encontra a porta do refúgio do Führer, onde ninguém
pode entrar sem uma autorização especial. Vão se sucedendo pastagens e
bosques de lárix até que surge um enorme edi cio caiado. Com seus
rús cos travessões de madeira, parece uma chácara bávara
superdimensionada: é Berghof. Está cercado de pradarias e colinas
arborizadas. Atrás dele ergue-se, quase totalmente ver cal, a parede norte
do Hoher Göll.
Berghof era a casa de férias privada de Hitler. Desde que, em 1923, foi
como turista a Obersalzberg pela primeira vez, desenvolveu uma relação
especial com o lugar. Ali escreveu a segunda parte de Minha luta, ali alugou
a Haus Wachenfeld da viúva de um fabricante de ar gos de couro antes de
comprá-la, em 1932, por 40 mil marcos. Depois de numerosas reformas,
transformou-se, agora, em seu quartel-general, umã central de ordens
completamente equipada que também serve para receber convidados de
Estado. A sala da lareira e o terraço da an ga casa foram man dos por
desejo do ditador e integrados ao novo complexo.
São quase 16h quando Stauffenberg e o coronel-general Fromm se
apresentam à reunião extraordinária com Hitler. À frente de guardas das
SS, entram no salão de conferências de 30 m de comprimento, no térreo.
Uma sala com um alto artesoado e dominada por uma enorme porta de
vidro de 9 m de comprimento, que permite uma impressionante vista de
Berchtesgaden, o cume arborizado do pico Keifel e a afilada crista rochosa
do Hochthron. À frente há uma longa mesa de mármore com veios pretos
que reflete o panorama. Os visitantes que entram na sala e descem os
degraus para a mesa dos mapas veem, no início, somente enormes
sombras diante da luminosa janela, até que os olhos se acostumem à luz.
Uma grande silhueta com botas altas e riscas vermelhas nas calças deve ser
o marechal de campo Keitel. Junto a ele encontra-se Albert Speer, o
ministro de armamento e produção bélica do Reich, com sua eterna
expressão de aluno modelo no rosto. Estão cercados por outros generais.
No centro de todos eles está Hitler, com sua jaqueta de uniforme cinza
desprovida de qualquer enfeite.
Hitler já conhece o nome de Stauffenberg. Dizem que, pouco depois de
ler um memorando de Stauffenberg, gritou: “Por fim um oficial do Estado-
Maior com imaginação e entendimento!”. Além do mais, chamou a
atenção de Speer sobre o novo homem do equipamento do exército e
encarregou-o de trabalhar estreitamente com ele. O que primeiro chama a
atenção de Speer é o “encanto juvenil” de Stauffenberg, e depois sua
par cular forma de falar. Parece “especialmente poé ca e precisa ao
mesmo tempo”.
Stauffenberg está há nove meses planejando a violenta morte do
homem que agora está a sua frente. Propõe-se a observar estreitamente
não só a Hitler, como também a si mesmo. Notará o supostamente
hipnó co “olhar do Führer”, cercado de lenda, que tem um papel tão
grande na propaganda do nacional-socialismo? A presença do
comandante- em-chefe o esmagará, até fazê-lo desis r de seu propósito?
Stauffenberg é apresentado. Hitler lhe aperta a mão esquerda com as
duas mãos. Olham-se nos olhos. Stauffenberg não nota nada em absoluto.
“Nada de nada! É como olhar através de um véu!”, responderá mais tarde à
pergunta de sua mulher. Começa a reunião extraordinária. O ditador muda
de lugar mapas sobre a mesa de mármore com a mão trêmula, rejeita
sugestões, interrompe réplicas e sustenta com teimosia seu ponto de vista.
Stauffenberg vive uma estranha obra de teatro. Os generais que, em frente
à porta, haviam cri cado a gestão de Hitler, sentem-se em apuros, perdem
o fio, deixam-se contradizer ou se calam. O único, além de Stauffenberg,
que não se deixa impressionar é o coronel Brandt, o mesmo que há mais
de um ano pegou sem saber o pacote com a bomba que devia fazer voar
pelos ares o avião de Hitler.
Em uma oportunidade, Stauffenberg quase é surpreendido em suas
maquinações. Hitler fixa nele um longo olhar inquisi vo do outro lado da
mesa de mármore. Mas, aparentemente, sua fachada aguenta e o ditador
torna a olhar pouco depois para o general que tem a palavra. Na realidade,
o maior estrategista de todos os tempos tem uma personalidade fraca. E
sua segurança não era muito boa, observa Stauffenberg. Uma vez que se
tem acesso a ele, a pessoa pode se mover com rela va liberdade em suas
proximidades. A maior dificuldade sempre havia sido conseguir esse
acesso, mas agora parece que a resistência tem, por fim, um ás. A
Operação Valquíria entrará em uma fase decisiva, e Stauffenberg tem agora
uma ideia sobre quem acabará cometendo o atentado: ele mesmo.
O grupo que se reúne em torno à mesa redonda sob uma enorme
tapeçaria lhe parece uma espécie de curioso circo. Himmler também está
presente, com uns óculos bege, nuca depilada e grossos anéis nos dedos.
Stauffenberg considera-o um perigoso psicopata. Como Göring, cujo rosto
inchado dá a impressão de que acaba de se maquiar. Speer é o de
aparência mais normal. Falam das cifras da produção de munição, dos
canhões an tanque, de aviões, das medidas para a rápida mobilização de
tropas, de detonadores de indução que reagem a disposi vos de busca, e
de quatro “túneis do Führer” construídos como refúgio para os trens
especiais de Hitler. Só não se fala da seriedade da situação.
Depois de Hitler acordar, por fim, no dia da invasão, ordenou a
destruição total das cabeças de ponte aliadas. Mas não permi u a
intervenção das unidades blindadas que seus generais pediam. Dessa
forma, os norte-americanos, britânicos e canadenses aumentaram sua
presença na costa hora após hora. Um problema que os nacional-
socialistas ali reunidos estão simplesmente ignorando. Göring tornou a
fazer promessas insustentáveis acerca do que a Lu waffe pode fazer, e
todos querem acreditar nelas. Em Berghof reina uma atmosfera
fantasmagórica, uma mistura de negação da realidade e isolamento do
mundo exterior, que a Stauffenberg parece “corrupta e putrefata”. Sente-se
como se o ar lhe faltasse, e alegra-se quando, finalmente, pode sair ao ar
livre.
A estratégia para o atentado surge de forma mais clara que nunca,
Hitler declarou a mobilização de novas divisões da reserva como questão
vital, mo vo pelo qual, nas próximas semanas, haverá mais reuniões
extraordinárias. O próprio Stauffenberg poderia colocar a bomba perto do
ditador. Mas faz sen do dar esse passo, em vista da iminente derrota
militar? Stauffenberg toma a pedir conselho, o do homem de quem tomou
a direção da Operação Valquíria.
Sabe que Henning von Tresckow acaba de ser promovido a general de
divisão e que se encontra na Prússia oriental em uma reunião de chefes do
Exército, de modo que envia um membro da resistência, um conde, para
que faça essa pergunta decisiva. A resposta de Tresckow dissipa qualquer
dúvida: “O atentado contra Hitler deve ter sucesso a qualquer preço”, diz a
mensagem. “Mesmo que fracasse, o golpe de Estado deve ser tentado de
qualquer maneira. Pois já não se trata do sen do prá co, e sim de o
movimento de resistência alemão se atrever a dar o golpe decisivo diante
do mundo e diante da história, pondo em risco a própria vida. Todo o resto
é secundário.”
XIII
O JURAMENTO
Berlim,
Julho de 1944

Em 1º de julho de 1944, o conde Claus von Stauffenberg é promovido a


coronel. Agora tem uma segunda estrela dourada sobre seus ombros. Ao
mesmo tempo, ocupa seu novo posto oficial, para o qual se prepara há
semanas: chefe do Estado-Maior do coronel-general Fromm. De seu
anterior escritório com vistas para o jardim do an go Gabinete da Marinha
e para a fachada do Ministério da Guerra, muda-se para uma sala maior
que dá diretamente para a Bendlerstrasse. Um alto teto de estuque,
assoalho de carvalho, uma janela com balaustrada de ferro que chega até o
chão; seu novo posto tem um aspecto magnifico. Quem aproveita um
posto assim costuma chegar a general.
Por uma pequena sala de mapas chega-se a Fromm, cujo escritório é
ainda mais luxuoso, com cor nas e paredes reves das de carvalho.
Contudo, Stauffenberg tem uma antessala mais bonita, um longo salão
com portas de vidro de es lo art déco. Essa sala é chamada de Sala dos
Espelhos. Nela sentam-se as secretárias e os ajudantes em várias mesas,
saem e entram os oficiais ou conversam sentados nos estreitos sofás
apoiados nas paredes. Stauffenberg está um pouco afastado de Olbricht,
seu mais próximo companheiro de conspiração, mas trabalha no mesmo
edi cio e no mesmo andar. Em caso de urgência, pode estar a seu lado
rapidamente. Tudo isso será importante nos dramá cos acontecimentos
que logo se desenrolarão.
Sua primeira ação oficial no novo escritório é rar o retrato de Hitler de
seu campo de visão e desterrá-lo a suas costas. Logo fará quatro anos
desde que dissera a um amigo ín mo que queria estudar a foto do Führer
todo dia para ter diante de seus olhos a “desproporção” e a “loucura” de
seu rosto. Agora, o retrato serve a um novo propósito: sempre que um
companheiro ou um subordinado entra na sala e se queixa das ordens sem
sen do ou exigências do quartel-general impossíveis de cumprir,
Stauffenberg joga o toco de seu braço direito para trás com rapidez.
“Ordens deste aqui”, diz em tom sarcás co, e poupa, assim, qualquer
discussão posterior.
No dia de sua posse, Stauffenberg recebe um jovem tenente da
ar lharia que deseja conquistar para sua causa. Recebe-o com uma
jaqueta clara e calça de oficial cinza, dá-lhe a mão esquerda e age com tal
vitalidade e segurança que o visitante esquece logo suas limitações.
“Vamos começar in media res”, diz Stauffenberg sem dilação. “Cometo
alta traição com todos os meios a minha disposição.” Depois fala da
“ineludível” e “desconsoladora” situação militar, que nenhum golpe de
Estado mudará. “Mas é possível evitar muito sangue e um terrível caos”,
diz. “Devemos acabar com a desonra do governo atual. Podemos fracassar,
mas, pior que o fracasso, seria a vergonha de cair sem ter feito nada. Só
agindo podemos recuperar a liberdade dentro e fora do país.” O jovem
oficial está impressionado. Declara-se disposto a apoiar o plano com todas
as consequências.
Constantemente há um ir-e-vir no escritório de Stauffenberg. De vez
em quando aparecem civis que chamam a atenção no ambiente militar da
Bendlerstrasse. Ao coronel-general Fromm também não passa
despercebido o movimento. Pergunta espantado o que o chefe de seu
Estado-Maior está fazendo, e decide chamá-lo para pedir explicações.
Contudo, à onipresente polícia secreta não lhe é permi do vigiar seções
administra vas militares. Stauffenberg encontrou uma posição na qual
pode agir com rela va liberdade.
Após sua visita a Berghof, Fromm e Stauffenberg veram uma
aproximação. Após avaliar tudo o que conhece acerca da postura de
Fromm, Stauffenberg decide mostrar suas cartas. “Não acho que se possa
ganhar a guerra”, diz a seu superior. “Mas a culpa dessa derrota não é de
ninguém além de Hitler.”
Fromm dá a entender que está de acordo com essa afirmação.
Animado, Stauffenberg prossegue: só mediante o esforço de todas as
forças militares se pode chegar a negociações de paz, e com elas, talvez, a
pautas no plano bélico. Mas, para isso, é necessário matar Hitler e tomar o
poder no país. Ele quer tentar ambas as coisas em seu novo posto, e
acredita ser sua obrigação informar Fromm desses planos.
Este o ouve em silêncio, agradece a Stauffenberg sua franqueza e diz
que tem que voltar ao trabalho. Stauffenberg vê, assim, reafirmada sua
ideia de que pode falar com Fromm sobre qualquer coisa. O que o fechado
coronel-general não diz nesse momento é que ele mesmo espera tomar o
poder com seu exército da reserva quando as frentes caírem e os aliados
cruzarem as fronteiras do Reich. Mas só então, e não antes, o que é um
ponto decisivo para ele. Também não acha correta a eliminação de Hitler
mediante a violência. Sua queda deve acontecer publicamente, para que o
Führer perca defini vamente o apoio do povo.
Por isso transformou Stauffenberg em seu mais estreito colaborador?
Uma coisa é certa: Stauffenberg poderia ser muito ú l para seus planos
algum dia. Enquanto isso, Fromm acha que o pode controlar e domar. Um
grande erro, como se verá mais adiante.
De fora, Fromm parece bastante desinteressado e esforça-se para
manter essa fachada. Seu único filho tombou no front russo e o patrimônio
de sua família foi destruído durante os bombardeios noturnos. Em uma
ocasião, diz ao Polizeiprásident de Berlim, que é parte da conspiração: “O
melhor seria que o Führer se matasse”. Mas ninguém conta com isso. De
modo que Fromm deixa que as coisas sigam seu curso, pra ca sua paixão
pela caça nos arredores de Berlim e cuida de seu cão salsicha em sua
casinha junto ao Lebersee.
Ao contrário, o homem que Stauffenberg encontrou para seu an go
posto é enérgico e decidido: Albrecht Ri er Mertz von Quirnheim, de 39
anos. Um bávaro calvo que às vezes faz cara de poucos amigos por trás de
seus óculos redondos de aro de tartaruga, nascido em Munique em 1905 e
conhecido de Stauffenberg há quase vinte anos, quando os dois eram
ainda candidatos a oficial. De muito antes ainda data a amizade de Mertz
com o oficial Werner von Hae en, a quem conhece do colégio. Em meados
dos anos 1930, Mertz e Stauffenberg estudaram juntos na academia militar
e, após a campanha da França, encontraram-se de novo no Estado-Maior,
onde ambos ob veram um posto. Naquela época, Mertz estava perto do
nacional-socialismo e, assim como Stauffenberg, dava a Inglaterra por
pra camente vencida. Em uma conversa com vários oficiais, como porta-
vozes da geração mais jovem, esboçaram o des no final da hybris, a
desmesura, de Hitler: “Chegará o dia em ele terá que ser enfrentado pela
força”.
No início de maio, Mertz retorna ao lar após receber ordens de
abandonar as posições na Romênia, o que de início considera “um grande
azar”, pois acha que seu lugar é no front. Mas, quando fica sabendo que
Stauffenberg está por trás disso, e este lhe explica a verdade sobre a
situação militar e o introduz na conspiração, de repente se sente “como
libertado” e vê sua nova tarefa “num contexto apropriado”. A par r de
então, mora na casa dos Stauffenberg na Tristanstrasse. “Devemos agir
pela Alemanha e pelo Ocidente”, escreve a Hilde, sua mulher, com quem se
casou duas semanas antes. E dois dias depois: “Hoje me sentei na cadeira
de Stauff com um audível empurrão e com toda a segurança em mim
mesmo de que disponho. Minha cabeça ferve após os curtos seis dias de
preparação. Mas já é hora de me envolver e assumir minha própria
responsabilidade”. A vontade de agir que se depreende dessas palavras
dão novos ânimos a Stauffenberg. Encontraram outro companheiro.
Há muitas coisas que podem deixar os conspiradores nervosos nesses
primeiros dias de julho. Enquanto a Alemanha olha hipno zada para o
oeste, onde o 21º Grupo de Exércitos aliado amplia sua cabeça de ponte na
Normandia sob as ordens do marechal Montgomery, a catástrofe real se
desenrola no leste. O excessivamente dilatado front do Grupo de Exércitos
do Centro se par u. Em pouco mais de uma semana, o Exército Vermelho
decidiu o combate pela Bielo-Rússia: 28 divisões alemãs estão destruídas e
foram perdidos 350 mil homens, uma catástrofe que dobra a de
Stalingrado. O chefe do Estado-Maior do Exército, vituperado e acusado
por todos os lados, sofre um colapso e passa para a reserva. Henning von
Tresckow, como chefe do Estado-Maior do 2º Exército, também está no
meio dessa loucura contra a qual já vinha falando durante meses. Por
úl mo, começou a falsificar seus relatórios do front. Só assim recebeu
ordens de re rada de Hitler a tempo, e só assim conseguiu salvar a maior
parte de seus homens.
Stauffenberg se mostra extenuado de vez em quando. Enquanto explica
os planos do golpe de Estado a seu amigo, o cirurgião Ferdinand
Sauerbruch, este o interrompe de imediato. Tem que rar isso da cabeça.
Seus ferimentos são muito graves, seu estado sico muito ruim, e algo tão
ambicioso não é o mais adequado para seus nervos. Stauffenberg sente-se
ferido. Levanta-se e quer ir embora de imediato, e custa tornar a acalmá-
lo. Ninguém deve pôr em dúvida sua determinação.
Entre os homens da resistência, também há conflitos constantemente.
Stauffenberg é cri cado porque anunciou várias vezes tenta vas de
atentado que nunca aconteceram. Os civis do grupo se perguntam se os
militares falam sério, e mostram pouca compreensão diante das
dificuldades prá cas. Por sua vez, Stauffenberg ques ona a concepção
Polí ca do golpe de Estado, baseando-se nas ideias que desenvolveu
com seu irmão em Lautlingen. Especialmente o conservador Goerdeler
toma isso como uma agressão pessoal. Irrita-o o fato de Stauffenberg fazer
suas próprias indagações. Por sua vez, os planos de Goerdeler são atacados
duramente pelo realista e socialdemocrata Leber. A proposta expressada
amiúde de que a Prússia oriental, a Alsácia e Lorena e os Sudetos tenham
que permanecer em mãos alemãs após um acordo de paz é ridicularizada
por Leber como uma vã ilusão.
Mas Leber também não está livre de esperanças inúteis. Tenta fazer os
comunistas se juntarem à coalizão de opositores de Hitler e entra em
contato com o comitê central clandes no do par do. Isso é imensamente
perigoso, pois os comunistas foram brutalmente aniquilados no interior do
Reich, e os poucos a vistas que con nuam livres são vigiados de maneira
intensiva pela Gestapo. Mesmo assim, Leber afirma no círculo dos
conspiradores que há dois homens em quem pode confiar, e que com um
compar lhou durante anos o campo de concentração. O contato com os
comunistas é um tema controver do dentro do grupo, mas o encontro
acaba acontecendo. A reunião na casa de um médico berlinense transcorre
de maneira intranquila. Um terceiro homem desconhecido aparece sem
avisar e, contra todas as regras do movimento clandes no, pronuncia-se o
verdadeiro nome de Leber. Os comunistas também querem saber como o
golpe do dia D está planejado, ao que Leber responde, irritado, que para
responder a essa pergunta é preciso tempo. Contudo, em questões
polí cas, seus interlocutores mostram-se suspeitamente moderados.
Depois da reunião, Leber se pergunta se terá come do um erro ou se está
vendo fantasmas.
Enquanto isso, na casa dos Stauffenberg, na Tristanstrasse, Rudolf
Fahmer, o amigo do colégio, volta a viver como convidado. Junto com ele,
os irmãos ul mam as no ficações da resistência: são mais curtas e diretas,
e adequadas à situação de depois do desembarque na Normandia. Além
do mais, Claus e Berthold deixam seus mo vos plasmados para a
posteridade pela úl ma vez em um “juramento” que unirá eles e seus
amigos em um futuro incerto. “Acreditamos no futuro dos alemães”, diz o
juramento. “Sabemos que o alemão tem as forças que o convocam a levar
a comunidade de povos ocidentais a uma vida melhor. Aderimos em
espírito e ação às grandes tradições de nosso povo, que, mediante a fusão
de raízes helênicas e cristãs no ser germânico, criou a humanidade
ocidental. Queremos uma nova ordem que faça de todos os alemães os
suportes do Estado e que lhes assegure direito e jus ça, mas desprezamos
a men ra da igualdade e nos inclinamos diante da hierarquia natural.” E
assim con nua, ao longo de uma página que mostra as ideias dos irmãos
Stauffenberg pouco antes do ato: ideias de altas aspirações, mais
aristocrá cas que democrá cas e profundamente impregnadas do
significado do “ser alemão”. O impulso decisivo para agir não pode ser
separado da irredu vel consciência de sua missão que ecoa nessas
palavras. Ambas as coisas se condicionam mutuamente.
Apesar da dramá ca situação, Fahmer nota Claus von Stauffenberg
surpreendentemente tranquilo, “completamente livre em seu espirito,
fulgurante e produ vo”. Não dá nenhum conselho sem uma risada, suas
piadas con nuam como sempre. E, a despeito de suas imensas cargas,
encontra tempo para coisas aparentemente secundárias: por exemplo,
para os escritos de seu irmão Alexander que Fahmer trouxe, e que Claus,
sem que ninguém explique quando nem como, leu com atenção.
Fahrner, Claus, Berthold e Mertz von Quirnheim estão sentados juntos
durante o café da manhã, na varanda de madeira. Umas vespas voam ao
redor da mesa e Stauffenberg foge para o interior da casa. “Meus
ferimentos têm uma vantagem”, diz rindo. “Não tenho mais que esconder
meu medo de vespas”.
Em 4 de julho, enquanto fazem um longo passeio pelas ruas do distrito
de Wannsee, Fahmer e Stauffenberg falam de novo sobre a questão
decisiva: se o atentado con nua tendo sen do. Hitler não deveria ser
vencido do exterior? As forças de uma Alemanha melhor não poderiam,
então, pôr mãos à obra sem nenhum desgaste? Contra isso está a ideia das
vidas humanas, não só do lado alemão, que o ditador arrastará consigo em
sua queda. Quantas delas poderiam se salvar! E mais importante ainda: um
sinal de limpeza interna, uma tenta va de salvar a honra, não é isso o que
conta agora? Por mais que possa se distorcê-la e dar-lhe voltas, a questão é
assim: Hitler precisa morrer, e Stauffenberg tem que a var a bomba
pessoalmente. Ou não? Após uma curta reflexão, Fahmer também assente
diante dessa di cil pergunta. Nunca esquecerá a “indescri vel expressão”
que se acende a seguir nos olhos de seu amigo.
Essa mesma noite é muito agitada na Tristanstrasse. Uma cadeia
ininterrupta de conversas telefônicas que Fahmer ouve lhe mostra os
problemas com que Stauffenberg lida diariamente: desespero no front,
refugiados do front oriental que se movimentam aos milhares no Reich, a
luta pelo poder das diversas seções do par do — que estão levando a cabo
uma espécie de guerra dentro da guerra —, a necessidade pessoal de
conhecidos e amigos. Stauffenberg está sempre se mexendo enquanto fala
ao telefone. Vai levando o fio atrás dele, pulando, caminhando para frente
e para trás sem pausa. “O que dizia fazia-o ficar pensa vo, compassivo,
previsor, capaz de discriminar entre o urgente e o adi. Ável, O justo € O
injusto, seguindo uma questão ao longo de várias conversas até esclarecê-
la, ges onando, reforçando, animando, re. Jeitando, desligando.” Assim
como outros observadores antes dele, Fahrner mal consegue abarcar as
tarefas desse homem, e espanta-se muito quando se senta com os dois
irmãos para comer alguma coisa e tomar vinho por volta das onze da noite
e torna a ter a sua frente o outro Stauffenberg: completamente absorto
pelos poé cos versos do seu irmão, que os três juntos leem em voz alta
mais uma vez e os discutem apaixonadamente, mergulhados em questões
ar s cas como se não houvesse nada mais no mundo. Falta pouco para o
alvorecer quando vão dormir um pouco.
Duas horas antes, a resistência sofreu um severo golpe em Berlim-
Charlo enburg. Ali estava previsto um segundo encontro com os
comunistas clandes nos. O lugar era o metrô da Reichskanzlerplatz, que
agora se chama oficialmente Adolf-Hitler-Platz, uma ampla zona verde
entre as ruas do eixo leste-oeste. O belicoso socialdemocrata Leber não
apareceu por ali, talvez por causa de uma premonição. Outro resistente
socialdemocrata compareceu ao encontro e caiu nas mãos da Gestapo.
Provavelmente seja obra de um delator, o misterioso “terceiro homem”
que apareceu na úl ma vez. Com isso, sela-se O des no de Leber. Na
manhã seguinte, ligam para sua pequena “guarida de conspirador”, situada
perto da estação de Schôneberg, entre as montanhas de carvão da
empresa Bruno Meyer Nachfolger, onde trabalha. Mais uma vez em sua
agitada vida de resistente, é de do pela polícia secreta.
A no cia da detenção chega a Stauffenberg pela manhã, enquanto está
na Bendlerstrasse. Sabe que Leber tem muita experiência com os
interrogatórios da Gestapo, e que os anos nos campos de concentração
não conseguiram alquebrá-lo. Pode supor que a informação sobre o golpe
de Estado con nua segura. Contudo, está furioso, pois considerava o
valente socialdemocrata indispensável. “precisamos de Leber, eu o ro de
lá!”, diz a um de seus companheiros de conjura.
XIV
HEXONITA
Toca do Lobo, Prússia oriental,
15 de julho de 1944

O dia 15 de julho de 1944 caiu em um sábado. Alguns berlinenses


descreviam esse dia, mais tarde, como “de um calor sufocante”. A previsão
do observatório meteorológico de Dahlem foi de uma temperatura máxima
de 23 graus e um dia completamente nublado, o que não apoia esses
testemunhos. Por volta das sete da manhã, Claus von Stauffenberg, o
coronel-general Fromm e o capitão Karl Klausing encontram-se no
aeródromo militar de Rangsdorf, perto de Berlim. Stauffenberg usa sua
habitual jaqueta de verão clara. Entram em um Junker Ju-52, o animal de
carga mais confiável dentre os aviões de passageiros alemães. A ordem de
comparecer de novo para informar sobre a situação a Hitler chegou no dia
anterior. Não havia muito tempo para os prepara vos, mas os conjurados
da Bendlerstrasse estão preparados. Stauffenberg também deve voltar
para lá assim que se cometer o atentado. O coronel-general Beck, a maior
autoridade da resistência, enfa zou mais uma vez que de jeito nenhum
deve pôr em perigo a si mesmo. É imprescindível que o executor do
atentado con nue vivo para que o golpe de Estado tenha sucesso em
Berlim.
O coronel-general Fromm sabe do plano que está sendo desenvolvido
em seus escritórios. Há apenas dois dias expressou um desejo de maneira
discreta: “Pelo amor de Deus, não se esqueçam de Keitel quando derem o
golpe!”. A ideia de ver seu inimigo preso ou até mesmo morto enche-o de
certa alegria. Mas não conhece nenhum detalhe e não quer ter nada a ver.
Aparentemente, não lhe ocorreu a ideia de que um atentado contra Hitler
o possa pôr em perigo irremediavelmente.
Aos pés de Stauffenberg há uma pesada bolsa de couro marrom.
Dentro há uma calça, e embaixo dois pacotes cuidadosamente
embrulhados: duas massas de explosivo plás co de uns 20 cm de
comprimento, 8 de largura, 5 de espessura e uns 950 gramas de peso. Com
elas há dois detonadores, cargas de transmissão e quatro percussores de
fabricação inglesa. A Gestapo não pôde reconstruir a mistura exata do
explosivo depois do atentado. Uma das massas é hexonita, a variação
alemã de uma mistura explosiva inglesa, que pode ser moldada em
qualquer forma que se deseje. Foram ob das das reservas da Abwehr e
Stauffenberg a recebe no fim de junho. À outra massa poderia ser um
material inglês e provir diretamente de Henning von Tresckow. Desde o
começo da Operação Valquiria circulam diversas cargas explosivas no
circulo da resistência, passam de uns para outros e são escondidas nos
mais diversos lugares.
Em uma ocasião, no acampamento Mauerwald, a Feldgendarmerie
observou dois oficiais cavando e encontraram no buraco um pacote
explosivo. Os conspiradores da Abwehr precisaram se esforçar para que a
inves gação do caso recaísse sobre eles e para fazer o material retornar às
mãos dos conjurados. De modo que o segundo pacote que explode no dia
20 possivelmente tem uma história agitada.
Quando o avião decola, os conjurados começam seu trabalho. O
coronel Mertz, o decidido ajudante de Stauffenberg, ordena a Valquiria. O
oficial de guarda da Bendlerstrasse dá as ordens preparadas a vários
quartéis dos arredores de Berlim, onde os novos recrutas do Exército são
treinados. Entre eles encontram-se a escola de oficiais de Potsdam, a
escola de infantaria de Dóberitz e os granadeiros blindados de Co bus. As
ordens são formar as filas, criar unidades de combate, tomar as armas,
organizar o transporte e comunicar a iminente entrada em ação. Os
comandantes começam de imediato a execução das ordens. O que nem
soldados nem oficiais sabem ainda é onde devem agir. Esperam novas
instruções. A seguir, os conspiradores se atrevem a dar um valente passo:
entram em contato com a escola de tropas blindadas de Krampnitz. Os
oficiais da Bendlerstrasse não podem dispor sozinhos dos eficientes Panzer.
Seria necessário um acordo com o inspetor-geral da tropa blindada,
coronel-general Heinz Guderian, que é considerado um soldado fiel a
Hitler. Essa inicia va pode acarretar grandes dificuldades se as coisas não
seguirem o plano estabelecido. Essa manhã, o general Olbricht e sua gente
já estão correndo um risco considerável.
Carl Goerdeler, futuro chanceler, prepara-se em sua casa, após ter
instado durante os úl mos dias a “avançar para a frente”. Sob o pretexto
de uma grande blitz em busca de ladrões estrangeiros, os conjurados do
Polizeipräsidium berlinense mobilizam uma série de oficiais para que se
preparem para a detenção de vários líderes nazistas em Berlim. Também
esperam seu sinal alguns jovens oficiais da resistência, que irão à
Bendlerstrasse para reforçar os conspiradores. Todas essas medidas não
estão isentas de perigo, mas o sen mento de que dessa vez vai dar certo é
palpável no ar.
E chega a hora. Nada custou mais nervosismo no seio da resistência
que os frustrados ataques da semana anterior. Nos dia 6 e 11 de julho,
Stauffenberg foi de novo a Berghof para encontrar-se com Hitler. Uma vez
foi sozinho, e a outra com o coronel-general Fromm. Em ambas as
ocasiões, levava a bomba na bagagem e, pelo menos na segunda vez,
estava completamente decidido a agir; Witzleben e Goerdeler estavam
avisados. Só a ausência de Himmler, que devia morrer junto com Hitler,
evita o atentado mais uma vez. A lógica por trás disso está clara: um
Himmler com vida pode desencadear uma sangrenta guerra civil após a
morte de Hitler se ordenar a sua Sicherheitspolizei e a suas Waffen-SS que
lutem contra o Exército. O ideal seria fazê-lo voar pelos ares ao mesmo
tempo que Hitler.
A razão pela qual Hitler requer a presença de Fromm e Stauffenberg é a
seguinte: é preciso mobilizar quinze novas divisões no menor tempo
possível. Estas, conhecidas como Sperrdivisionen, ou divisões de
fechamento, são a única esperança de deter o avanço do Exército
Vermelho no front oriental. “O Exército de reserva perde muitos
instrutores e especialmente muito material valioso com essas
mobilizações”, anota Fromm em seu relatório oficial. Durante a úl ma
reunião com o ditador também se tratou, em uma irônica virada do
des no, do plano Valquíria. Hitler assina a úl ma versão e cede o poder à
Wehrmacht em caso de crise no país. Mas o tempo também urge nisso:
Goebbels está criando uma rede de Reichsverteidigungskommissaren,
comissários de defesa do Reich, em Berlim. Bormann gostaria de passar o
poder à estrutura do par do em caso de crise. Ambos viram a importância
da intervenção de unidades armadas se enfrentarem um ataque no
interior. Cada nova decisão de Hitler sobre essa situação faz com que o
plano Valquiria se transforme em papel velho.
O conde Claus von Stauffenberg assegurou ao futuro chefe de Estado,
Ludwig Beck, que a tenta va seguinte terá sucesso a todo custo. E
Goerdeler já emi u uma acalorada opinião sobre os resistentes militares:
“Eles não fazem a coisa nunca!”. O conservador de Leipzig atacou
especialmente Stauffenberg e suas ideias polí cas: “Nem quer renunciar
ao totalitarismo, nem ao militar, nem ao socialismo”. Mas nada disso pode
fazer com que Stauffenberg detenha sua marcha.
O des no de hoje não é Berghof, e sim a Toca do Lobo, na Prússia
oriental. Todo o quartel-general do Führer foi transferido no dia anterior.
Antes da par da de Berchtesgaden, Hitler passeou com a tude deprimida
pelas dependências de Berghof, e falou a sua companheira, Eva Braun, de
uma obscura “premonição”. O ditador nunca voltará a Berchtesgaden. Sua
decisão de voltar à Toca do Lobo preocupa as pessoas próximas. O Exército
Vermelho se encontra, enquanto isso, em Augustowo, a uns 100 km de
distância do quartel-general do Führer.
Contudo, Hitler é supers cioso e está firmemente convencido de que
sua presença na Prússia oriental reforçará o moral das tropas e deterá o
avanço do inimigo.
O lento Junker 52, cuja velocidade máxima é de apenas 290 km/h,
precisa de umas duas horas e meia para percorrer os 550 km que há entre
Berlim e Rastenburg. Stauffenberg, Fromm e Klausing aterrissam pouco
depois das 9h30 no aeródromo de Gut Wilhelmsdorf. Um tenente do
comando do quartel-general pega-os em seu Opel Admiral. O pesado carro,
com sua grande grade de ven lação, circula pela estrada em direção a
Lötzen. Perto de Gut Queden, o motorista desvia para o norte, por um
idílico e pouco firme caminho que atravessa as landas de Queden.
Solitárias bétulas e alguns zimbros marcam a paisagem, e sobre a urze o
calor vibra. Constantemente aparecem pequenos lagos de nomes
român cos, como Essência de Ondina, e solitárias propriedades, como a
neoclássica Gut Görlitz, em frente à qual passam pouco antes de chegar ao
quartel-general. Depois de 6 km, chegam ao chamado “alambrado
externo” e ao cinturão de minas que delimita a área de 10 há do quartel-
general.
A Toca do Lobo foi ba zada assim pelo próprio Hitler. Seus amigos o
ba zaram há anos como Wolf, lobo, e Schanze é uma an ga palavra usada
para designar uma instalação militar de defesa. Encontra-se a uns 8 km ao
leste de Rastenburg e a 100 km de Königsberg. Foi construída em 1941 e
1942 em um terreno pantanoso do bosque de Rastenburg. As companhias
de guardas têm que usar véus contra os mosquitos, e Hitler gosta de ouvir
o coaxar das rãs ao adormecer. Sempre que o ditador instala seu quartel-
general ali, moram e trabalham lá Keitel e Jodl, o chefe do Estado-Maior da
Wehrmacht, o ministro de Assuntos Exteriores Von Ribbentrop, e, desde
1944, também Göring, além de Bormann; todos eles com seus oficiais e
ajudantes. O chefe de imprensa do Reich, o médico pessoal de Hitler, o
serviço central de comunicações telefônicas e o de estenografia também
estão ali, bem como um regimento em serviço de escolta que se esconde
nos bosques próximos com canhões an aéreos, ar lharia an blindagem e
veículos an -incêndios. No total, mais de 2100 soldados e civis.
O veículo de Stauffenberg passa pelo posto de guarda oeste. Um
caminho alargado leva através de um bosque de bétulas, pinheiros,
carvalhos e choupos. A rota segue pelo perímetro de segurança II, até a
área de segurança do Estado-Maior da Wehrmacht e a Kommandantur. De
ambos os lados do caminho veem-se numerosos trabalhadores da
Organização Todt. Estão ocupados reforçando os bunkers e for ficações,
plantando grama e árvores, e escondendo tudo com tecido de
camuflagem. O serviço de no cias informou que os norte-americanos
estão usando bombas de seis toneladas que poderiam ser perigosas
mesmo para as for ficações mais reforçadas. Contudo, a reforma é pura
medida de precaução. Até agora não houve nenhum ataque aéreo sobre a
Wolfschanze, e os poucos aviões de reconhecimento russos que foram
vistos parecem não ter descoberto o que se esconde sob a frondosa
folhagem do bosque de Görlitz.
Quando passa os postos do perímetro de segurança II, Stauffenberg vê
uma fila de barracões de madeira que estão protegidos com muros de
jolos contra metralhas. No centro encontra-se o an go balneário de
Görlitz, cujo telhado arqueado se estende formando um grande terraço.
Em tempos melhores, os excursionistas da cidade recebiam ali docinhos,
Streuselkuchen e leite fresco. Agora está sendo esperado pelo comandante
do quartel-general com alguns oficiais de seu Estado Maior. Primeiro
tomam café da manhã. Stauffenberg sabe esconder sua tensão. Seu
comportamento parece aos presentes completamente impessoal. Fala
pouco e de forma obje va, e só sobre coisas oficiais. Contudo, durante
esses minutos cria um contato importante com os homens do comando.
Durante o café da manhã, Stauffenberg pede licença por um momento,
precisa fazer uma ligação. Liga para dois conspiradores do acampamento
Mauerwald, um dos quais é o chefe de comunicações, o sarcás co general
Fellgiebel. Então, recebe uma no cia que o perturba e aborrece. Os
dirigentes da resistência em Berlim comunicam que desta vez também
deve tentar fazer Hitler e Himmler voarem pelos ares juntos; senão, não
deve a var a bomba. Isso contradiz os imensos prepara vos que estão se
desenrolando nesse momento e que não permitem nenhum adiamento.
Enquanto Stauffenberg se arrisca mais uma vez a ser descoberto e a perder
a vida, na capital parece que o debate voltou a ser aberto, e pelo jeito
reina a indecisão. Será que ainda tem o apoio total dos principais
conspiradores e pode dar o passo decisivo hoje? Só há uma coisa que o faz
ser o mista nesse momento: Himmler envolveu-se muito na mobilização
das quinze novas Sperrdivisionen, de modo que se pode supor que
dificilmente perderá a reunião de hoje.
Perto das 22h45, Stauffenberg, Fromm e Klausing partem para o
perímetro de segurança I. Aqui erguem-se grandes estruturas de concreto,
nas quais estão trabalhando nesse momento. São os bunkers de Hitler,
Göring, Bormann e Keitel. Essa área cercada dispõe de seus próprios
postos de guarda. Lá dentro fica o barracão do marechal de campo Keitel.
Nesse barracão debate-se outra vez, durante duas horas, sobre novas
mobilizações, mas Stauffenberg tem preocupações muito diferentes. Pensa
em como pode a var as bombas. Está claro que precisa de um momento
no qual ninguém o observe, senão será di cil conseguir quebrar a cápsula
do detonador e a vá-la com seus três dedos e os alicates especialmente
dobrados. O tempo de retardo do detonador inglês é de trinta minutos,
mas sabe perfeitamente que o calor do verão pode acelerar o processo e
fazer a carga detonar em catorze minutos. Quando for confirmada a
presença de Himmler, Stauffenberg só terá a possibilidade de sair no meio
da conferência militar, a var o detonador e depois voltar com o explosivo
em marcha. E, menos de dez minutos depois, tornar a sair.
Finalmente chega a hora da verdade. Fromm, Stauffenberg e Keitel vão
até o chamado “barracão de conferências”. De novo devem passar por um
posto de guarda para chegar ao recinto interno e mais estreitamente
protegido do quartel-general, o chamado “recinto de segurança do
Führer”. Ali, só o círculo mais próximo de Hitler tem acesso; os oficiais do
exterior precisam de um passe expressamente concedido para a visita.
Stauffenberg sabe que as revistas sicas e de bagagem não são habituais.
Contudo, está completamente tenso quando o soldado de guarda armado
franqueia seu passo.
Hitler vive esses dias no bunker de convidados, que se encontra ao lado
do barracão de conferências. É o único bunker que já está protegido pela
nova cobertura de concreto de 7 m de espessura. À entrada do barracão,
Stauffenberg e Keitel falam com um general das forças aéreas, e depois
saem três homens do bunker: um contra-almirante com o uniforme azul da
Marinha, um oficial do “serviço de segurança do Reich” e Hitler. Este úl mo
saúda os presentes com um movimento de mão. A poucos metros do
grupo encontra-se aquele que é o fotógrafo de Hitler desde seus dias de
Munique, que sempre pode estar perto do Führer. O fotógrafo aciona o
disparador e, assim, se bate uma famosa foto, a única que mostra, juntos,
o ditador e o autor do atentado. A jaqueta cinza de Hitler parece
amassada. O conde Claus von Stauffenberg, com sua jaqueta de uniforme
de cor clara, destaca-se acima do grupo. Está muito ereto. Seus pés,
calçados com botas altas, estão colados um junto ao outro, quase como se
houvesse adotado a posição de sen do. Seu comportamento não revela
nada, e torna a passar a imagem de oficial gravemente ferido, mas
fana camente leal a Hitler. Mas a hora da verdade, na qual poderá
finalmente re rar esse disfarce, aproxima-se cada vez mais.
Começa a “conferência do meio-dia”, o relatório habitual sobre a
situação dos fronts e os úl mos acontecimentos militares. Depois será feita
a reunião extraordinária com Hitler, na qual Stauffenberg e Fromm devem
informar acerca da mobilização das Sperrdivisionen. Essa sessão não serve
para o atentado, pois Stauffenberg estará presente como orador. Se a
bomba deve ser detonada hoje, tem que ser durante a “conferência do
meio-dia”.
O barracão das conferências é um edi cio de madeira e jolo pintado
com listras cinza, com uma cobertura de concreto reforçado contra
bombas incendiárias. Antes ficavam ali os gabinetes dos ministros do Reich
para Armamento e Munição, e mais tarde derrubaram umas paredes para
criar uma sala de reuniões maior. Agora, mede uns 12 m de extensão e 5 m
de largura, e tem janelas em três lados, que estão abertas de par em par
devido ao calor do verão. Cada lufada de ar brinca com as cor nas
quadriculadas. De resto, o aposento é bastante monótono. No centro há
uma grande mesa de carvalho maciço de uns 6 m de comprimento sobre
três grandes suportes. Sobre ela há mapas. Junto à porta de entrada há
umas mesas menores para colocar pastas e documentos.
A primeira coisa que Stauffenberg nota é que Himmler também não
está presente dessa vez. Isso torna mais di cil a situação, pois agora não
pode agir sem consultar Berlim. Coloca-se no grupo de umas vinte pessoas
que se amontoam ao redor de Hitler. Não está documentado onde deixa a
bolsa nesse momento, mas é certeza que o detonador não está a vado.
Hitler passa aos relatórios dos fronts. Normalmente, falaria agora o chefe
do Estado-Maior do exército, mas teve uma indisposição há pouco. O posto
ainda está vago, e hoje fala um representante. Stauffenberg aproveita a
primeira oportunidade para sair da sala e falar pelo telefone, o que não
chama a atenção. Durante as conferências militares, há um permanente,
embora discreto, ir-e-vir.
Na sala con gua há telefones para conversas urgentes sob a vigilância
de um primeiro-sargento. Stauffenberg pede uma comunicação com a
Bendlerstrasse, e em Berlim o coronel Mertz pega o aparelho. A no cia
que Stauffenberg lhe dá decepciona seu companheiro de luta. Falando em
código, comunica que Himmler não está presente e pede autorização para
levar a cabo o atentado a despeito disso. Mertz diz que vai se cer ficar e
que Stauffenberg deve esperar até então. A seguir, ocorrem agitadas
conversas telefônicas entre os conspiradores de Berlim. Ao que tudo
indica, Mertz fala com Olbricht, Beck e outros. Só causam mais confusão.
Mertz não consegue receber um “sim” claro. Após meia hora, não lhe resta
mais remédio senão comunicar a Stauffenberg a imprecisa situação.
“Você sabe que, em úl ma instância, isso é um assunto entre você e
eu”, diz Stauffenberg. “O que me diz?”
Metz não pensa nem um segundo sequer.
“Faça-o”, responde.
Stauffenberg desliga, decidido a agir, e percebe no mesmo instante que
a oportunidade passou. As portas da sala de reuniões se abrem
surpreendentemente e saem os primeiros oficiais. A conferência do meio-
dia, que em geral se estende muito, já acabou. De modo que tem que
voltar a se comunicar via telefone com a Bendlerstrasse. Sua declaração é
breve e clara: o plano fracassou por hoje. As medidas do plano Valquíria
em curso devem ser interrompidas o antes possível. Mal desligou quando o
chamam para que retorne à sala de conferências. A sessão con nua com a
reunião extraordinária. Stauffenberg se levanta. O ditador espera o
relatório de um jovem oficial do Estado-Maior comprome do com a causa,
e isso é o que vai receber.
No final da reunião extraordinária, Hitler pede a Fromm e à
Stauffenberg que se aproximem. Diz em poucas palavras que são
esperados no quartel-general de campanha de Himmler, Hochwald. Tomou
a firme decisão de passar o controle das recém-mobilizadas divisões ao
Reichsführer das SS. O próprio Himmler lhes explicará todo o resto. Este é
um novo golpe para o Exército. Stauffenberg mal pode esconder sua
indignação. Fromm, que se encontra finalmente privado de poder, não
deixa que se note nada. Após cinco minutos, esse encontro desolador
também acaba.
Stauffenberg se dirige para o estacionamento, onde é esperado pelo
capitão Klausing com o Opel. “Não conseguimos nada de novo”, diz. Ao
lado do carro encontra também o general Fellgiebel e outro conspirador.
Combinam que Fellgiebel também irá ao quartel-general do Führer durante
a tenta va seguinte para pôr em andamento imediatamente o bloqueio de
comunicações dos conspiradores. Antes da desagradável reunião com
Himmler, comem em um confortável trem especial, o centro de comando
móvel de Keitel. O trem está parado nos trilhos que atravessam os terrenos
da Toca do Lobo.
Depois de comer, o motorista leva Fromm e Stauffenberg ao quartel-
general de campanha que o Reichsführer das SS instalou em Grossgarten.
Altos burocratas das SS par cipam da reunião, da qual só nos chegou uma
ata: o derrotado Fromm deve aceitar prover pessoal e material, mas
subordinar a mobilização das novas tropas às Waffen-SS. Stauffenberg tem
medo especialmente pelas unidades de treinamento dos arredores de
Berlim, os pilares mais importantes da Operação Valquíria. Se Himmler
assumir o controle delas, desaparece a oportunidade de um rápido golpe
de Estado, pois as tropas da reserva são ameaçadas pelo esgotamento. A
luta pelos úl mos homens do país “aptos para prestar serviço militar”, e
com isso pelo direito de enviar a uma morte sem sen do milhares de
pessoas, ganhou ma zes surrealistas. Se o atentado ainda pudesse ser
mais urgente do que é, agora seria o momento.
Em Berlim reina uma a vidade frené ca após o fracasso de
Stauffenberg. O plano Valquíria é cancelado. Desde o início, tudo se
apresentou como um exercício, mas Olbricht tem a genial ideia de apoiar
essa afirmação com uma visita às tropas que “fazem parte do exercício”.
Pede que o levem às unidades que foram alertadas antes do meio-dia e as
encontra prontas para entrar em ação. À seguir, expressa seu
reconhecimento aos comandantes e revela que foi tudo um treino
prevendo uma ação. Finalmente, faz com que as tropas desfilem mais uma
vez diante dele e anula a ordem de alerta. Só a brigada de Panzergrenadier
de Co bus, que também foi alertada, prossegue seu avanço para Berlim,
onde chegará bem cedinho. A mobilização desse dia funcionou de maneira
eficaz, e ninguém levantou suspeitas.
Stauffenberg e Klausing encontram-se na manhã seguinte em Berlim.
Não voaram de volta com Fromm no Junkers; pegaram um trem noturno.
Stauffenberg analisa a tenta va frustrada e aprende a lição. Na próxima
tenta va, esperará até a conferência militar começar com Hitler para
entrar atrasado na sala com a bomba a vada debaixo do braço. Será uma
decisão exclusivamente sua. E não terá nenhuma importância estarem ou
não presentes Himmler ou Göring. O coronel Mertz, que viveu em primeira
mão a hesitação dos líderes da resistência, faz um balanço do que
aconteceu diante de sua esposa:
“Quando só o que vale é a coragem necessária e a extrema
determinação”, diz, “a gente se vê sozinho.”
Também decidi não se permi r nenhuma dúvida na próxima ocasião.
XV
GLADIUM A DEO
Berlim,
De 16 a 19 de julho de 1944

Ao meio-dia de 16 de julho, uma tempestade cai sobre Berlim. Nessa


tarde, Stauffenberg fala com o coronel-general Ludwig Beck, o futuro chefe
de Estado, em sua casa da Goethestrasse, em Lichterfelde. Trata-se de uma
modesta casa de aluguel em uma tranquila rua da periferia. Beck sempre
rejeitou viver com a pompa de um alto oficial do Estado-Maior, o que foi
até 1938. A conversa entre os dois trata dos atentados fracassados até o
momento e do que aprenderam com eles. Stauffenberg reafirma mais uma
vez sua determinação de agir a qualquer preço da próxima vez. Beck
comemora, mas não pode esconder suas dúvidas por completo. Falando
com um amigo ín mo, Beck diz que um cavalo que evitou o obstáculo duas
vezes também não pulará
Da terceira vez.
Mais tarde, Stauffenberg fala com sua mulher pelo telefone. Em
Bamberg, começaram as férias de verão. No exame de admissão para o
ins tuto de humanidades que Berthold teve que fazer em um refúgio
an aéreo, foi aprovado como o melhor de sua turma. Os estudos não são
uma dificuldade para ele. O pequeno Franz Ludwig já está matriculado no
ensino fundamental. Nina quer levar as crianças para Lautlingen dentro de
dois dias, para a casa da família. É o ritual habitual de cada verão. Em
Lautlingen esperam também a mulher de Berthold e seus filhos, e todos
aguardam com alegria o reencontro. Stauffenberg pede a Nina que adie a
viagem por ora: “Melhor não ir por esses dias”, diz a ela. Mas o que quer
dizer com isso? Está preocupado com os ataques aéreos? Vê outros
perigos? Stauffenberg não dá nenhuma explicação. Na realidade, quer
saber que pode entrar em contato com Nina e as crianças em Bamberg
antes da próxima tenta va de atentado. Mas isso sua mulher não pode
saber. Mas, como já comprou as passagens, ela não muda de ideia:
“Lamento, minha bagagem já está a caminho”. Nina Stauffenberg recorda a
conversa como simples, mas não muito harmoniosa. Contudo, essa será a
úl ma vez que ouvirá a voz de seu marido.
Às 19h, os muitos resistentes reúnem-se de novo no quarto dos
Stauffenberg, na Tristanstrasse. O primo Caesar von Hofacker chegou de
Paris, e também estão presentes os membros da chamada Grafenrunde, o
grupo dos condes: Fritz-Dietlof von der Schulenburg, Peter Yorck von
Wartenburg, Adam Tro zu Solz e Ulrich Wilhelm Schwerin von
Schwanenfeld, além dos coronéis Mertz von Quirnheim e Georg Hansen da
Abwehr, bem como Claus e Berthold. São todos opositores ao regime que
falam claro e já man veram muitas conversações; todos estão preparados
para o dia do atentado. Hofacker informa sobre uma reunião com o
marechal de campo Rommel, que agora comanda o Grupo de Exércitos B
na França. As tropas podem resis r, no máximo, catorze dias à
impressionante superioridade das tropas de desembarque aliadas. Além
disso, Rommel profe za que a guerra no front ocidental acabará em seis
semanas. Diante dessa situação, mostrou claramente que simpa za com a
resistência e que está disposto, em caso de emergência, a “abrir” o front
para os ingleses e norte-americanos. Isso é recebido como um sinal de
esperança. O popular marechal de campo, transformado em herói nacional
pelo próprio Hitler, poderia aparecer perante o povo alemão e explicar com
credibilidade o fracasso do ditador e a situação militar sem saída.
Com a emoção e muito vinho, torna a ser deba da a “solução
ocidental”. Não se poderia chegar a um armis cio com norte-americanos e
britânicos, com Rommel à frente, negociando de militares para militares?
Então, todas as tropas da reserva alemã estariam livres para enfrentar os
russos nas “fronteiras do Reich” do front oriental. De novo, discutem se
Hitler deve morrer. Não bastaria isolar o quartel-general do Führer e
ordenar, de Berlim, que as tropas se re rassem? Uma vez que todos os
efe vos militares houvessem voltado, as ordens seriam defini vas e não
haveria volta. Nem mesmo um Hitler com vida poderia evitar a re rada. É a
chamada Berliner Lösung, a solução de Berlim. Mas, quanto mais a noite
avança, mais claro fica que somente a Zentrale Lösung, solução central,
pode funcionar: A tomada do poder na capital e a morte do ditador. E
assim acaba o domingo anterior ao golpe de Estado.
A segunda-feira, 17 de julho de 1944, é um dia chuvoso em Berlim. Na
Bendlerstrasse, o general Friedrich Olbricht foi convocado ao luxuoso
escritório do coronel-general Fromm. Fromm exige que lhe expliquem o
que foi aquele exercício Valquíria do sábado. E por que, por Deus, não
havia sido informado antes. Olbricht desculpa-se e diz que algo assim não
tornará a acontecer. Com isso, mantêm as aparências, mas Fromm não
duvida nem por um momento do verdadeiro obje vo da ação:
Stauffenberg e companhia pretendiam fazer o atentado. Fromm sabe que
não pertence ao círculo dos conspiradores que receberão um aviso caso
ocorra o atentado. A conspiração escapou a seu controle. Não obstante,
não pretende descobrir os planos de seus subordinados, mas percebe
muito claramente o perigo que agora o ameaça. Mas só exterioriza isso
com uma suave reprimenda. Cri ca a mobilização dos blindados, que
poderia tê-los desvinculado completamente do Exército da reserva, o que
Olbricht admite de imediato. O assunto parece solucionado.
Mas, provavelmente, Fromm decide nesse momento não tornar à voar
com Stauffenberg para nenhum encontro com Hitler. Deve, inclusive, não
estar localizável, na medida do possível, quando se ameaçar uma nova
tenta va de atentado. Fromm prefere evitar a responsabilidade que se
aproxima irremediavelmente dele, e Stauffenberg nota isso com uma
clareza cada vez maior. “Prefiro ficar colado dez vezes nos morros a mover
um único dedo por Fromm”, ouve-se ele blasfemar na antessala de
Olbricht.
Ao meio-dia desse mesmo dia, um importante contato dos conjurados
nas SS ouve uma conversa durante a hora da refeição no Gabinete Central
de Segurança do Reich da Prinz-Albrecht-Strasse. Altos oficiais da Gestapo
conversam sobre a iminente detenção de um incômodo opositor ao
regime. O nome mencionado a va o alarme no circulo de conspiradores. É
Carl Goerdeler. O líder polí co do golpe de Estado encontra-se, nesse
momento, em Leipzig com sua família, mas é esperado em Berlim na
manhã seguinte. Decide-se que, após sua volta, deve passar
imediatamente à clandes nidade. Ao cair da noite chega uma nova má
no cia: o marechal de campo Rommel, em quem os resistentes haviam
depositado suas esperanças, estará incapacitado durante os próximos
meses. Por volta das 16h, seu veiculo foi atacado na França por um avião
inglês, e agora encontra-se gravemente ferido em um hospital.
Na terça-feira, 18 de julho de 1944, Carl Goerdeler apresenta-se
repen na e inesperadamente na antessala da Bendlerstrasse. Stauffenberg
fica furioso quando o visitante lhe é anunciado. O homem contra quem, a
qualquer momento, será expedida uma ordem de prisão tem que vir
justamente ao centro da resistência? Explica a ele, em poucas palavras,
que um grande perigo o ameaça e que precisa desaparecer de Berlim de
imediato. Mas o teimoso conservador não quer entender nem dar seu
braço a torcer. Torna a advogar apaixonadamente pela “solução ocidental”
e expressa seu desejo de voar para a França ipso facto e atrair aquele que
subs tuiu o ferido Rommel, para que abra o front. Este é um velho
conhecido, o marechal de campo Hans Günther von Kluge, cuja
volubilidade já desesperava Tresckow no Grupo de Exércitos do Centro.
Con nua mantendo contato ocasional com a resistência, mas ninguém
apostaria em que desse as caras no momento decisivo. Stauffenberg
explica a Goerdeler com aspereza que nesse momento não pode nem
pensar em uma viagem como essa, que nisso está completamente de
acordo com o coronel-general Beck. Dessas palavras, Goerdeler deduz que
Stauffenberg quer isolá-lo e anulá-lo dentro do círculo dos conjurados,
mas, por fim, cede e lhe dá um endereço onde o poderão alertar se o golpe
de Estado ver sucesso: o Hotel Gut Rahnisdorf em Herzberg, no estado de
Brandemburgo. Stauffenberg lhe faz a promessa de que o alertarão assim
que começar o golpe. Contudo, Goerdeler con nua sem entender
totalmente quão séria é sua situação, e passará a noite em Potsdam antes
de abandonar a cidade.
Nesse dia chegam muitas más no cias à Toca do Lobo, na Prússia
oriental. Quase 2 mil bombardeiros aliados atacam a fortaleza de Caen, na
Normandia, onde os defensores alemães enfrentam, desesperados, as
tropas de desembarque. Os atacantes conseguem penetrar na cidade pelo
lado leste ao longo da tarde. Só então Hitler permite a intervenção da 116°
Panzerdivision, admi ndo, assim, pela primeira vez, que se enganou o
tempo todo. O segundo desembarque dos ingleses e norte-americanos em
Calais já não acontecerá. Na Itália, cai Livorno. No front oriental, a situação
do Grupo de Exércitos da Ucrânia do norte torna-se cada vez mais crí ca; o
13º Korps está prestes a ser capturado. Os recrutas da Prússia oriental
devem ser transferidos para lá com urgência. Hitler ordena a mobilização
imediata de duas divisões compostas por an gas turmas do Landwehr. E,
para isso, Fromm e Stauffenberg tornam a ser necessários. Ambos devem
comparecer a uma reunião extraordinária dentro de dois dias.
O telefone toca à tarde na Bendlerstrasse. É uma ligação da Toca do
Lobo. Assim fica fixada a data seguinte para o atentado. Por volta das 17h,
a no cia se estende entre os membros da resistência: o dia decisivo é 20
de julho.
De novo começam os prepara vos, avisam os familiares com cautela e
debatem as úl mas medidas em caso de fracasso. O conde Schulenburg vai
ao campo nessa mesma tarde para comemorar o aniversário de sua
mulher, que na realidade é em 20 de julho. Mas explica a ela que nesse dia
não estará disponível.
Claus von Stauffenberg não consegue contatar seus entes queridos. Na
casa há um telefone, o primeiro de todo o vale, mas as comunicações da
Alemanha mal funcionam durante essas semanas. Possivelmente também
tem a ver com o bombardeio à vizinha Ebingen. Em 11 de julho, centenas
de bombardeiros norte-americanos retornavam de Munique sobrevoando
o Jura da Suábia, e os úl mos aviões da esquadrilha bombardearam a
localidade. Quase trezentas bombas explosivas assolaram o lugar, deixando
61 mortos e 209 feridos. Desse modo, Nina von Stauffenberg, que chegou
a Lautlingen com seus filhos, só pôde enviar uma carta a Berlim para
informar que estão sãos e salvos. Claus liga para Bamberg e fala com a mãe
de Nina, a velha baronesa Lerchenfeld. Ela lhe conta que Nina e as crianças
par ram, como estava previsto.
O dia 19 de julho de 1944, quarta-feira, é quase totalmente ocupado
com os despachos das tarefas administra vas normais. Stauffenberg e
Werner von Hae en, seu ajudante, recebem ali, às dez, um comandante
dos granadeiros blindados que mandaram chamar em Co bus. O
comandante informa sobre o exercício Valquíria da semana anterior, no
decorrer do qual seu grupo chegou até Lichtenrade. A equipe e o moral de
seus 8 mil homens são bons. O que é uma grata no cia para o decisivo dia
de amanhã.
O alarme an aéreo soa várias vezes em Berlim ao longo do dia. Um
oficial da Prússia oriental com quem Stauffenberg precisa falar sobre
medidas de proteção interna entra na Bendlerstrasse por volta das 14h,
passa pelo pá o interno e sobe a vermelha escadaria de mármore da
entrada principal. Nesse momento, soa o alarme e metade do Estado-
Maior cruza com ele a caminho do refúgio. Contudo, Stauffenberg con nua
trabalhando no segundo andar e recebe o visitante ves ndo sua jaqueta
clara, a mesma que quase todos os oficiais da Bendlerstrasse usam nesses
dias de tanto calor. A seguir, o visitante par cipa de uma reunião com
quase trinta oficiais dirigida por Stauffenberg de forma calma e eficiente.
Chama à ordem os jovens oficiais, que estão de muito bom humor, e em
cerca de duas horas acabam com uma longa ordem do dia. Quando
finalmente Stauffenberg se despede do visitante, que está voltando para as
ameaçadas províncias do front oriental, anima-o e lhe estende a mão:
“Talvez tudo saia muito diferente do que pensamos”, diz com um sorriso
que diz tudo. Por mais improvável que pareça, emana tranquilidade e uma
calma absoluta.
A dois aposentos de distância, o coronel-general Fromm tenta não
comparecer à reunião do dia seguinte. Ao receber a ligação da Toca do
Lobo no dia anterior, fez alusão a assuntos urgentes que precisava resolver
em Berlim e disse que o capaz Stauffenberg poderia se virar sozinho. Está o
dia todo tentando conseguir uma reunião com o ministro de Armamento,
Speer, para conseguir uma desculpa. Mas Speer não tem tempo.
Finalmente combina com sua filha que pegará seu neto na tarde de 20 de
julho na Prússia ocidental e que o levará para sua casinha no Lebersee.
Para isso, terá que dirigir quase 100 km e não estará localizável durante
várias horas. Uma excursão privada muito incomum no meio de uma
semana de trabalho, mas, para alguém que não sabe para que lado correr,
talvez pareça um plano brilhante.
Por volta das 16h começa a chover. O motorista de Stauffenberg, o
cabo Karl Schweizer, pega de novo em Potsdam a bolsa marrom-clara que
já conhece de sobra. Um tenente-coronel que a guardou durante os
úl mos dias a entrega a ele. Schweizer a leva à vila da Tristanstrasse e
coloca-a ao lado de sua cama. Então, a curiosidade o vence e ele olha o
conteúdo. Contudo, não vê nada além de dois pacotes firmemente
amarrados e um pouco pesados.
Ao acabar o trabalho, Stauffenberg visita um amigo e companheiro de
conspiração que trabalha no Ministério de Assuntos Exteriores até quase
as 21h. Depois, faz que Schweizer, seu motorista. O pegue. Vão para casa,
na Tristanstrasse. No caminho, Stauffenberg pede para parar em uma
igreja. Hoje não se sabe ao certo de que igreja se tratava. Schweizer disse,
após o final da guerra, que deve ter sido em Dahlem. Em meados dos anos
1960, se corrigiu. Teriam ido para Steglitz. Se par rmos da ideia de que o
católico Stauffenberg procurava uma igreja católica, e o contrário seria
di cil de imaginar, a contradição pode se resolver: a Rosenkranz-Basilika da
rua Kieler fica na fronteira entre Dahlem e Steglitz, e é a única igreja
católica da região; todas as outras são protestantes. Além do mais, ao lado
da basílica passa a an ga Reichsstrasse 1, a estrada mais rápida para o
sudoeste de Berlim e o caminho de volta mais óbvio para sua casa. Deve-se
acrescentar que a basílica não sofreu nenhum dano no verão de 1944 e
que oferecia asilo a muitos católicos de Berlim.
De modo que não é completamente impossível que o conde Claus von
Stauffenberg se encontrasse, na tarde de 19 de julho, diante do
impressionante edi cio construído em 1900 com jolos, segundo o modelo
das igrejas bizan nas e ao es lo do roman smo tardio. Schweizer recorda
que estavam celebrando o o cio de vésperas. Stauffenberg entrou e
permaneceu na nave traseira da igreja.
Dentre todos os mo vos que levaram à decisão de Stauffenberg de
atentar contra Hitler, não se deve subes mar sua fé católica. É verdade
que, segundo conta seu irmão, ia muito de vez em quando aos serviços
religiosos e nunca se confessava, mas falou certa vez a um coronel que,
diante das grandes decisões, contava com o apoio de um sacerdote.
Registrou um encontro no início de 1944 com o bispo católico de Berlim, o
conde e cardeal Conrad Preysing. Mais tarde, este escreveu à mãe de
Stauffenberg que, naquela ocasião, não se falou diretamente de planos de
atentados e coisas similares, e sim, em linhas gerais, da necessidade de
uma mudança radical, no que se entrevia a questão da morte do rano. O
cardeal recorda que não podia lhe dar a bênção da Igreja, mas que deu a
Stauffenberg sua própria bênção sacerdotal.
Stauffenberg concorda com seu irmão e com outros conjurados: o
cris anismo devia ser uma “força espiritual fundamental do futuro”. Suas
esperanças de uma Alemanha melhor eram, também, as esperanças de
uma volta à religião, e é da fé que rava forças para dar o úl mo e decisivo
passo em sua ação. Em 1943, disse a um major do regimento de cavalaria
de Bamberg que o juramento dos soldados, que “em si mesmo deve ser
considerado sagrado”, no caso de Hitler não é válido, ao contrário. “Um
católico é, de fato, obrigado a agir contra esse juramento.” Disse ao jovem
Axel von dem Bussche, a quem nesse mesmo ano quis cooptar e
encarregar da execução do atentado: “Evidentemente que nós, católicos,
temos uma postura diferente, porque, na Igreja católica, há uma espécie
de acordo implícito que pode jus ficar um atentado polí co em condições
específicas. Nisso, a doutrina evangélica é mais estrita, mas Lutero também
permi u o uso úl mo da violência em uma situação extrema”.
Stauffenberg fica um tempo na igreja. Talvez fique olhando a placa de
mármore — com o nome dos mortos da paróquia na Primeira Guerra
Mundial — pendurada atrás da entrada, bem à esquerda. E possivelmente
observa também a imagem vo va da Virgem do Rosário, que dá seu nome
à igreja, com são Domingo. A imagem tem uma inscrição do an go
testamento, do segundo Livro dos Macabeus: “Accipe Sanctum Gladium A
Deo” recebe esta espada sagrada como presente de Deus”.
Claus von Stauffenberg passa o resto da tarde com seu irmão Berthold
e com Schweizer, o motorista, na Tristanstrasse. Deixa seu irmão olhar mais
uma vez na bolsa marrom, mas este vê só a camisa branca sob a qual estão
escondidos os pacotes explosivos. De resto, não se sabe nada do que
aconteceu nessa tarde. Contudo, pode-se ver a disposição de ânimo de
Stauffenberg a par r de uma série de citações que foram transmi das. “É
hora de fazer algo, agora”, diz poucos dias antes do ataque à mulher de um
an go companheiro do regimento de Bamberg. “Aquele que se atrever a
fazer algo, deve estar ciente de que entrará para a história alemã como um
traidor. Mas, se não fizer nada, então seria um traidor diante de sua
própria consciência.” À secretária de Olbricht diz: “Agora já não se trata do
Führer nem da pátria, nem de minha mulher e meus quatro filhos. Agora
trata-se de todo o povo alemão”.
O conde von Stauffenberg não se ilude acerca do ingrato des no que o
espera mesmo em caso de sucesso. “Não importa como acabar, tanto se
ver sucesso como se fracassar, estamos de qualquer maneira na primeira
linha para receber a merda”, afirmou a seu primo Hans-Christoph. E a
outro conjurado disse: “Se sou eu que tenho a responsabilidade principal,
não quero exigir de ninguém que faça o trabalho sujo”.
XVI
VALQUÍRIA
Toca do Lobo, Prússia oriental,
20 de julho de 1944

O dia 20 de julho de 1944 promete ser muito quente. Claus von


Stauffenberg, seu irmão Berthold e seu motorista, Schweizer, saem por
volta das sete da Tristanstrasse. Schweizer leva a bolsa. O caminho direto
para o aeródromo de Rangsdorf passa junto ao terrapleno da estrada de
ferro, em direção a Potsdam, depois em frente a uma vasta e cercada
“Instalação de Testes para Armas de Fogo” e por Stahnsdorfer Damm,
rumo ao campo. Ao lado do município de Kleinmachnow, passam pelas
comportas do canal de Telesto, com suas estalagens, depois pelos
povoados e intermináveis arvoredos de Potsdam-Mi elmark, em direção
sul por Malow, Glasow e Dahlewitz. Veem-se várias passagens de nível com
guarda-barreiras, os trilhos das vias férreas Frankfurt Munique e Leipzig-
Dresden atravessam a estrada. O pequeno aeródromo militar encontra-se
em Zossen, bastante afastado, mas muito adequado para os membros do
Estado-Maior.
Quando Schweizer e os irmãos Stauffenberg chegam a Rangsdorf, o
tenente von Hae en, seu ajudante, já espera ali. Ainda há neblina, mo vo
pelo qual o voo atrasa. Ali se encontram, adormecidos, o balneário e o
cassino. Antes da guerra, esse era um lugar de encontro de pilotos
amadores. Estrelas de cinema como Heinz Rühmann aterrissavam aqui
seus aviões par culares. Agora só decolam esquadrilhas médicas ou de
transporte, e do lado de lá estão as instalações do fabricante de aviões
Bücker. Stauffenberg toma o avião-correio, novamente um Junkers Ju-52.
Despede-se de seu irmão sem chamar a atenção dos presentes. Só alguém
que fizesse parte da conspiração poderia ver, talvez, uma estranha
intensidade no aperto de mãos, o mudo desejo de que dessa vez possam
ter sucesso. Hae en diz a Schweizer que fique perto do aeródromo até que
Steuffenberg volte, à tarde. Depois, entram no avião. Schweizer coloca a
bolsa ao lado do assento de seu chefe, onde Hae en deixou uma segunda
bolsa com documentos. Quando o Junkers decola, Berthold se põe a
caminho e guia até seu local de trabalho no quartel-general da
Seekriegsleitung, a direção de Guerra Naval no acampamento próximo à
Bernau cujo codinome é Koralle.
O avião-correio aterrissa às 10h15 na Prússia oriental. O comandante
do quartel-general do Führer, como de costume, mandou um carro para
pegar Stauffenberg. Dessa vez, trata-se de um Horch de oito cilindros
conversível. O motorista é um alferes. Stauffenberg, Hae en e um general
de divisão que viajou com eles percorrem agora os já familiares 6 km até o
balneário do perímetro de segurança II. Assim como na semana anterior,
servem ali um café da manhã que dessa vez é tomado sob o grande
carvalho em frente ao balneário. Stauffenberg marca com os comandantes
do quartel general para almoçar ao meio-dia, o que parece um disfarce,
visto que sabe muito bem que precisará fugir da Toca do Lobo antes. Além
disso, conversa com um capitão de cavalaria chamado Möllendorf, a quem
já conhece da úl ma visita. Os acontecimentos do dia tornarão a reuni-los
mais uma vez.
Nesse momento, ainda não está acontecendo nada em Berlim. O plano
Valquíria, posto em prá ca há cinco dias, chamou muito a atenção e os
resistentes não podem se permi r um segundo alarme falso. Além do
mais, o coronel-general Fromm ficou em Berlim, fato pelo qual Olbricht, o
organizador, não pode agir com total liberdade. Dessa vez, tudo começará
quando a no cia da morte de Hitler chegar.
A reunião com Keitel começa às onze. Como de costume, no perímetro
de segurança I, no barracão do Estado-Maior da Wehrmacht. Nessa
ocasião, comparece um general da não distante Königsberg para falar das
novas companhias, que devem evitar que o Exército Vermelho penetre na
Prússia oriental.
Nesse momento, também aparece na Toca do Lobo o general
responsável pelas comunicações, com seus caracterís cos óculos pretos de
aro de tartaruga e sua expressão sarcás ca: Erich Fellgiebel. Apresenta-se
perante um tenente-coronel chamado Sander, responsável pelo serviço de
comunicações do quartel-general, a quem não dá nenhum mo vo para sua
visita. É algo pouco habitual para o ocupado oficial, cujo escritório se
encontra no complexo Mauerwald, a 20 km de distância. O tenente-
coronel Sander entende que o assunto é sigiloso. Não pode saber que
Fellgiebel também espera o atentado hoje.
Para começar, Fellgiebel fala ao telefone com seu próprio gabinete e dá
a ordem de alerta às centrais de comunicações mais importantes, os
escritórios Anna, em Mauerwald, e Zeppelin, em Zossen, junto com Berlim.
Ali, há oficiais a quem cooptou há muito tempo. A ligação seguinte de
Fellgiebel fará com que fiquem bloqueadas todas as comunicações com a
Toca do Lobo. A seguir, quer localizar Stauffenberg e assegurar-se de que o
atentado segue adiante. Imagina que deve estar com Keitel e pede que
façam uma ligação para o barracão deste.
Stauffenberg está efe vamente com Keitel, onde já transcorre a
reunião. Ali se cria um pouco de agitação quando Keitel recebe uma
ligação do ajudante de Hitler e este lhe diz que a conferência militar foi
antecipada em meia hora. A chegada à Alemanha do deposto Benito
Mussolini foi anunciada da Itália para depois do meio-dia, e Hitler quer
estar na estação, pontualmente, para recebê-lo. O ditador fascista,
derrubado há um ano, de do após a capitulação da Itália e libertado de
maneira espetacular por paraquedistas alemães, quer falar sobre quatro
hipoté cas divisões italianas. Mas Hitler rejeitou o plano faz tempo.
Depois, anunciam que os membros do alto-comando do Exército já estão
ali, o que obriga Keitel a se apressar ainda mais.
Stauffenberg sabe desde a semana anterior que esse momento é sua
única oportunidade. Somente os minutos anteriores ao encontro com
Hitler lhe oferecem a possibilidade de a var o detonador e, com ele, a
bomba. De modo que pergunta onde pode trocar de camisa antes da
reunião com o Führer. O ajudante de Keitel leva-o junto com Hae en, que
ficou esperando no corredor, até um dormitório próximo. Ali Hae en
ajudará o impossibilitado Stauffenberg a se trocar. Fecham a porta, que
abre para dentro. Stauffenberg apoia suas costas nela para se proteger
contra intrusos inesperados. Nessa ocasião, devem conseguir.
O pequeno quarto está ocupado por uma cama, sobre a qual Hae en
está rando a bomba. Lá estão os explosivos. Em cada um há não só um
detonador inglês, mas dois. Além de duas mechas de vinte gramas. Essa
precaução múl pla mostra que os conjurados aprenderam com suas
tenta vas frustradas. Não mais acontecerá uma falha como a que ocorreu
no avião de Hitler. Com os três dedos que lhe restam na mão esquerda,
Stauffenberg usa os alicates dobrados para juntar as pontas dos
detonadores. As ampolas de ácido de seu interior se quebram. Colocam o
explosivo na bolsa. A primeira carga está pronta. Anéis coloridos nos
detonadores mostram o tempo padrão até a explosão: trinta minutos. Mas
talvez o calor do verão o reduza a catorze minutos, como bem sabem os
conjurados por seus testes.
Nesse momento, batem à porta. Stauffenberg e Hae en ficam
petrificados, e um instante depois a porta se abre. Ou se abre pelo menos
até a metade, pois se choca com as costas de Stauffenberg. Do lado de fora
está um jovem sargento enviado por Keitel para que se apressem: todos já
estão esperando em frente ao barracão. O mensageiro diz que há uma
ligação para Stauffenberg: o general Fellgiebel. Pela fresta da porta, o
sargento vê que Stauffenberg e Hae en estão manipulando uma bolsa e
que há papéis espalhados em cima da cama. Mas não suspeita de nada.
Stauffenberg diz que sairá imediatamente e o sargento fica em frente à
porta.
Stauffenberg e Hae en respiram fundo, estão com os nervos à flor da
pele. O tempo corre e o ácido faz seu silencioso trabalho no detonador.
Como Stauffenberg sabe, o barracão das conferências fica a 400 metros de
sua posição atual. O primeiro explosivo está a vado. Isso deveria bastar.
Diz a Hae en que torne a levar consigo o segundo pacote, que recolha
tudo e que espere no estacionamento, com o motorista e o carro. Depois,
pega a bolsa com a bomba e sai do quarto. Hae en fica ali com um quilo
de explosivo na mão. Não devia ter colocado esse explosivo na bolsa de
Stauffenberg, junto com o outro”? A detonação do primeiro pacote não
faria o outro explodir? Havia lugar para os dois, estava medido com
precisão. Na agitação do momento, ocorreu uma falha evidente. Uma falha
que pode mudar tudo.
Stauffenberg é esperado com impaciência diante do barracão. Tornou a
recuperar a calma. Os oficiais poem-se a caminho. A despeito da pressa, o
conde não está nervoso e vai conversando animadamente com um dos
generais. Rejeita vários oferecimentos para que carreguem sua bolsa.
Passam os guardas que ficam à frente do recinto de segurança do Führer.
Tudo caminha sem nenhum problema. Pouco antes do barracão das
conferências, Stauffenberg entrega a pesada bolsa nas mãos do ajudante
de Keitel. “Pode colocar o mais perto possível do Führer?”, pede. “Assim,
poderei fazer melhor minha intervenção.” Sabe que a bolsa precisa ficar
perto do ditador. O tempo passa inexorável. O ajudante promete fazer o
que puder. Quando Stauffenberg entra na antessala do barracão de
conferências, verifica que a reunião já está em andamento. Deve ter
começado às 12h30 em ponto. É perfeito: Hitler está ali. Não pode mais
haver hesitações, de modo que Stauffenberg põe rapidamente seu cinto de
soldado e seu quepe no cabide.
No interior da sala reina um calor asfixiante, a despeito das janelas
abertas. O tenente-general Adolf Heusinger, representante do chefe do
Estado-Maior, que está doente, tem a palavra. Mais tarde, reproduzirá com
bastante exa dão o que foi dito nesses minutos. Hitler pergunta e o
tenente-general responde.
“Alguma novidade no front romeno?”
“Excetuando algumas escaramuças pontuais, o front está tranquilo.”
“Sabe-se onde ficaram os blindados russos?”
“Faz algum tempo que não aparecem na telefoto. Pode ser que
permaneçam em suas an gas posições. Também é possível que já estejam
em marcha em direção a Lemberg. Ainda não apareceram nessa parte do
front.”
“O reconhecimento aéreo descobriu alguma coisa?”
“Infelizmente, não. A crescente a vidade an aérea russa só permite
que nossos poucos aviões de reconhecimento penetrem raras vezes suas
defesas.”
A tensão é palpável no ar. Uma série de más no cias pode causar em
Hitler explosões de ira acompanhadas de terríveis insultos. Mas agora não
explode:
“Prossigamos! Qual é a situação ao leste de Lemberg?”
“A situação piora cada vez mais. Pra camente já não se pode evitar que
as duas cunhas de ataque russas se unam. Nossas reservas estão
esgotadas. Temos que prestar ajuda com rapidez ao General.
Gouvernement.”
Nesse momento, entram na sala Stauffenberg, o ajudante de Keitel e
outro general que se atrasou. Stauffenberg dá uma olhada nos rostos dos
presentes: Himmler e Göring estão ausentes de novo, mas isso já não é
determinante. Hitler está de costas para a porta e todo seu corpo está
inclinado sobre a pesada mesa com os mapas. Usa óculos de armação
dourada, sem os quais não pode estudar os movimentos do front com
precisão. Os demais são os par cipantes habituais, a quem Stauffenberg já
conhece de outras conferências militares. Pouco mais de vinte pessoas,
mas o número varia, pelo con nuo ir-e-vir.
Keitel nota o recém-chegado e o anuncia a Hitler. Stauffenberg
cumprimenta. Hitler olha para ele fixamente sem dizer palavra e lhe
estende a mão, depois torna a se voltar para prestar atenção ao relatório
de Heusinger. O ajudante pede a um contra-almirante que se encontra à
direita de Hitler que deixe seu lugar para Stauffenberg e coloca no chão a
bolsa com o explosivo. O contra-almirante muda-se para o outro lado da
mesa. Posto que estão tratando da mobilização de tropas na Polônia
ocupada, que na linguagem do nacional-socialismo recebe o nome de
Generalgouvernement, Keitel faz uma proposta.
“Meu Führer, talvez Stauffenberg possa apresentar seu relatório agora
mesmo.”
“Não. Primeiro quero ouvir os relatórios dos demais fronts. Depois, no
final, falaremos disso”, diz Hitler.
Stauffenberg respira fundo. Isso é bom. Se vesse que falar de
imediato, teria sido impensável sair da sala sem mais nem menos. De
repente, o magnicídio teria se transformado em um atentado suicida.
Agora, inclina-se com decisão para a enorme mesa de mapas para
empurrar a bolsa o mais perto possível de Hitler. Chega só até o canto
direito. A posição não é perfeita. Entre Hitler e a bomba está o grosso pé
da mesa, mas não pode fazer melhor.
O homem que mais incomoda Stauffenberg é um velho conhecido: o
coronel Brandt e seu rosto de cavalheiro de traços afilados. O mesmo
Brandt que há treze meses possibilitou a primeira tenta va da Operação
Valquíria, quando embarcou, sem saber, a “bomba Cointreau” no avião de
Hitler e depois a guardou até a manhã seguinte. O des no parece colocá-lo
na primeira fila sempre que se vai detonar uma bomba perto de Hitler. Não
sobreviverá ao atentado.
Stauffenberg murmura algo, diz a Brandt que tem que deixar a bolsa
um instante e que voltará logo, e volta-se para trás, em direção à porta. Faz
um sinal ao ajudante de Keitel para que o acompanhe até o corredor. Lá
Stauffenberg lhe explica que precisa fazer uma chamada rápida e pede
uma ligação para falar com o general Fellgiebel. O telefonista da antessala,
um primeiro-sargento, disca o número. Também tem uma mensagem para
Stauffenberg: chegou uma ligação com a mensagem de que o coronel deve
se apresentar imediatamente após a reunião ao oficial de comunicações no
edi cio dos ajudantes pessoais. Stauffenberg interpreta isso como sinal de
que Fellgiebel o espera ali. Assente e pega o telefone para falar com ele. O
ajudante retorna à sala de conferências. Assim que desaparece lá dentro,
Stauffenberg solta o fone sem falar nada e sai do barracão de conferências
a passo rápido. O primeiro-sargento percebe que ele deixou o cinto e o
quepe no cabide.
No interior do barracão, o representante do chefe do Estado-Maior
con nua falando. Con nua dando somente más no cias.
“O propósito do Grupo de Exércitos de limpar as zonas de invasão sul e
norte, ao leste de Lemberg, pode ser considerado fracassado. O 13º Korps
vai ser capturado.”
Hitler não pode con nuar ouvindo mais.
“As forças do Generalgouvernement voltarão a abrir caminho.”
“Essas forças não são apropriadas para um ataque. Só poderão intervir
como uma linha de amor zação.”
“Veremos. Qual é a situação no Grupo de Exércitos do Centro?”
“Na parte sul do Grupo, a chegada de reforços deu resultado. Os russos
encontram-se com uma crescente resistência e agora só avançam
tubeantes. Talvez consigamos detê-los na fronteira polonesa.”
“Isso deve acontecer a todo custo! Quando restabelecermos a ordem
ali, também acabaremos com a ofensiva em Lemberg.”
Como vem sendo habitual, Hitler se mostra afastado da realidade e
incorrigivelmente obcecado. Depois, voltam ao tema sobre o qual
Stauffenberg deve falar. E então percebem que ele não está lá, o que é
desconfortável, especialmente para Keitel. Onde seu brilhante homem está
escondido? Um dos generais vai para o corredor procurá-lo e retomar
irritado. Aos pés da mesa, o ácido já quase corroeu o finíssimo arame que
prende o percussor.
Enquanto isso, Stauffenberg passou o posto da guarda do recinto de
segurança do Führer e chegou ao gabinete do oficial de comunicações
Sander. Diante dele encontra seu Horch com seu motorista. Tudo está
preparado. No gabinete de Sander esperam também Hae en e o general
Fellgiebel, a quem Stauffenberg cumprimenta aliviado. O general acaba de
transmi r a ordem de cortar o sistema de comunicações a um coronel que
faz parte da conspiração na instalação de Mauerwald. É um sinal de que o
atentado vai acontecer. Após recebê-lo, entrarão em marcha todas as
medidas para o bloqueio das comunicações. Fellgiebel e Stauffenberg vão
até a porta, seguidos por Sander, falando de trivialidades pouco suspeitas.
Stauffenberg olha expectante para seu relógio. Faltam quinze minutos para
as treze horas.
No barracão de conferências, a reunião con nua. No interior há 24
pessoas agora. Hitler está dizendo que os russos nunca porão um pé na
Prússia oriental, “Model e Koch garan ram isso”.
“Farão todo o possível”, responde o chefe do Opera onsabteilung.
“Talvez, nesse momento, a Prússia oriental não seja seu obje vo. Talvez
primeiro queiram aniquilar o Grupo de Exércitos do Norte.”
Para estudar a posição do Grupo de Exércitos do Norte, Hitler e o
general que está dando os informes precisam se inclinar muito sobre a
mesa. Seus corpos estão tocando a pesada madeira de carvalho.
“Isso ainda tem que passar”, diz Hitler. “Não fez nada para proteger seu
flanco direito com um ataque para o sul.”
“Os russos estão cercando o Daugava pela parte oeste, em direção
norte, com grandes forças. Sua vanguarda já está ao sudoeste de
Daugavpils, na Letônia. Se o Grupo de Exércitos do lago Peipus não
retornar de uma vez, estaremos diante de uma catástrofe...”
Nesse momento, uma poderosa explosão estremece o barracão.
Do lado de fora, Stauffenberg estremece. Fellgiebel faz uma expressão
de assombro pouco convincente. Nenhum dos dois consegue dis nguir
nada, pois não têm uma visão direta do barracão de conferências.
Do lado de dentro, o tampo da mesa é lançado para cima junto com
Hitler, que estava inclinado sobre ela. Parte-se ao meio € cai ao chão em
pedaços. Elevam-se labaredas e o mapa da situação voa queimando pelo
ar. Os cabelos pegam fogo, chovem cacos de vidro, as pessoas se estatelam
no chão ou na parede.
No meio do caos, a primeira voz que se ouve é a de Keitel:
“Onde está o Führer?”
O tenente-coronel Sander, que está do lado de fora com Stauffenberg e
Fellgiebel, parece não ter se impressionado. Provavelmente tenha sido um
animal selvagem que voou pelos ares do lado de fora do cinturão devido à
uma mina. É algo que acontece constantemente. Stauffenberg se despede
rapidamente e diz que vai para a Kommandantur. Troca um olhar com o
general Fellgiebel. Ambos sabem o que se deve fazer agora e quantas
coisas dependem dos minutos seguintes. Stauffenberg entra no Horch no
banco da frente, ao lado do motorista, e Hae en atrás. Antes de arrancar,
o motorista diz que Stauffenberg esqueceu seu quepe e seu cinto.
Stauffenberg replica com aspereza que cuide de seus próprios assuntos.
O caminho através da Toca do Lobo leva diretamente ao local da
explosão. Ao passar pela frente, Stauffenberg e Hac en veem que uma
grande nuvem de fumaça se eleva. O barracão de conferências foi
gravemente afetado. Há papéis calcinados revoando pelo ar e os médicos
correm para o local. Hitler não é visto. Mas eles não têm tempo para ficar e
procurar.
Dentro do barracão de conferências, os oficiais e estenógrafos vão
recuperando a consciência pouco a pouco. Levantam-se e se arrastam para
fora com seus uniformes em frangalhos. Dois deles perderam as pernas,
um foi atravessado por um pedaço de madeira. As tapeçarias pendem em
farrapos na parede, os caixilhos das janelas estão destruídos, as cor nas
arrancadas, há cacos de vidro por todo lado, as cadeiras são só farpas.
Onde estava a bolsa há agora um profundo buraco no solo.
Hitler está no centro de tudo. Apoiado por Keitel e outros assistentes,
cambaleia em direção a seu bunker com a roupa chamuscada. Suas calças
pendem em farrapos de suas pernas e seus mpanos estouraram. Está com
um hematoma no cotovelo direito, a pele do dorso da mão esquerda está
escoriada, o pelo das pernas queimado e tem centenas de farpas de
madeira cravadas pelo corpo. Mas não está morto, nem gravemente ferido.
A ausência do segundo explosivo o salvou. A despeito dos mpanos
estourados, pode ouvir com rela va normalidade.
Quando Stauffenberg e Hae en chegam ao posto de guarda que fecha
o recinto de segurança II, o alferes responsável já está em alerta. Embora
só tenha ouvido a explosão e ainda não tenha recebido informação
alguma, mantém a barreira abaixada e pede explicações, Stauffenberg
responde com grande decisão que precisa chegar ao aeródromo
imediatamente e, após uma curta troca de palavras, permitem que passe.
Nesse momento, chega um mensageiro ao gabinete do oficial de
comunicações. Sander é chamado ao bunker de comunicações, que fica
bem em frente ao bunker de convidados de Hitler. Põe-se a caminho a
passo ligeiro e Fellgiebel o segue. No bunker, encontram-se com um
ajudante coberto de sangue, mas ao que parece capaz de trabalhar – um
coronel da Lu waffe.
“Houve um atentado contra o Führer”, exclama, “mas ele con nua vivo.
Nada deve sair daqui! Peça pessoalmente ao Reichsmarschall e ao
Reichsführer das SS que compareçam diante do Führer.”
Fellgiebel fica petrificado durante um instante. É possível que Hitler
tenha escapado? De novo? Enquanto Fellgiebel parece incapaz de fazer
qualquer coisa, Sander ordena re rar todos os conectores da central
telefônica para cortar assim, de repente, todas as conversas em curso. À
seguir, o pessoal de comunicações deve afastar suas cadeiras a um metro
das mesas e ninguém pode se aproximar dos aparelhos. Sander só deixa
que se estabeleça uma conexão para ele próprio: primeiro com Himmler, e
depois com Göring. A ambos dá a instrução de ir imediatamente à Toca do
Lobo.
Fellgiebel vê que o plano dos conjurados de isolar a Toca do Lobo do
mundo externo está sendo posto em prá ca nesse mesmo instante, sem
que precise intervir. Agora, tem de conseguir que lhe esclareçam 0 estado
de Hitler. De modo que sai para observar a situação do recinto de
segurança do Führer com seus próprios olhos. Olha por entre as árvores c o
vê: em carne e osso, com calças recém trocadas e uma nova jaqueta, e
aparentemente quase incólume. Anda de um lado para o outro pela frente
do bunker e fala com seus acompanhantes.
Hitler está mandando revistar seu bunker em busca de mais bombas.
Por ora, sente-se mais seguro ao ar livre. A primeira suspeita recaiu sobre
os numerosos trabalhadores que estão reforçando os bunkers da Toca do
Lobo. Já foram postos sob vigilância. Os médicos também já examinaram o
ditador e fizeram alguns cura vos. Está fora de si, mas também mostra
alívio diante de seu ajudante, um Untersturmführer das SS. Não deixa de
repe r que sabia fazia muito tempo que havia traidores em seu círculo
próximo. E que agora vai “descobrir” a conspiração inteira. Além do mais,
fala com tristeza de suas calças e enfa za que eram completamente novas.
O general Fellgiebel acompanha tudo de perto e não consegue
entender. Até chamou a atenção de Hitler, e este olha fixamente para ele.
Nesse momento, chega o oficial de comunicações Sander e leva Fellgiebel.
O tenente-coronel tem ordens estritas de evitar qualquer encontro entre o
Führer e seu imprevisível e crí co general.
Fellgiebel está nesse momento diante de uma decisão crucial: que
no cia deve transmi r ao mundo exterior? Somente a morte de Hitler
pode garan r o sucesso da conspiração e fazer com que a fé dos alemães
no Führer hesite. E se der uma no cia falsa? Se fosse possível isolar o
ditador e fazer o povo acreditar durante meio dia que ele voou pelos ares,
não daria na mesma estar vivo ou morto? Não poderiam ser dados passos
para os quais não haveria volta quando a verdade viesse à tona?
Precisa tentar essa úl ma estratégia. Também não há outra alterna va,
e também não há volta. Ou os conspiradores, e dentre eles o próprio
Fellgiebel, conseguem o poder sobre a Alemanha antes da noite e
neutralizam os nacional-socialistas mais importantes, ou conhecerão as
torturas nos porões da Gestapo, julgamentos de men ra perante o
Volksgerichtshof, o Tribunal do Povo, e acabarão, no fim, na forca.
Mas se, de qualquer maneira, ninguém tem alterna va, por que
Fellgiebel amarraria seus companheiros com a informação de que Hitler
sobreviveu? Quem julgar que o ditador está morto poderá levar a cabo o
plano Valquíria sem nenhum problema. Mas, quem souber da verdade,
precisará de uma enorme determinação para isso. E, depois, teria que se
aferrar com firmeza a uma men ra perante seus subordinados.
Após essa reflexão, Fellgiebel decide comunicar a verdade a seus
aliados em Berlim. Todos os conjurados estão flertando com a morte há
meses, e até anos. O respeito exige que possam agir tendo plena
consciência das consequências. Cada um dos resistentes tem, agora, três
possibilidades. Em primeiro lugar, esconder, encobrir o que sabem, ir
embora e lutar ao lado do regime. Em segundo lugar, desanimar e
submeter-se sem fazer nada. E, em terceiro lugar, mobilizar de novo todas
as forças para completar o plano. Cada envolvido na Operação Valquíria
terá que tomar sua própria decisão.
Apesar do bloqueio das comunicações, Fellgiebel pede uma conexão
extraordinária com Berlim. Seu interlocutor é o tenente-general Thiele, da
Bendlerstrasse, responsável pelas comunicações no centro da conspiração.
Fellgiebel só pode ligar para ele sem despertar as sus” peitas dos presentes
no bunker de comunicações. Essa é a única ligação que tem
correspondência com a cadeia de comando habitual das tropas de
comunicações. Primeiro fala com uma secretária. Fellgiebel lhe comunica
que houve um ataque contra Hitler, mas que este sobreviveu. Pouco
depois, fala com o próprio Thiele. Dessa vez, usa palavras cifradas que
dizem que Hitler está vivo, mas que o bloqueio de comunicações está em
andamento e que a Operação Valquíria deve prosseguir, com todas as
consequências.
A terceira conversa de Fellgiebel é com seu homem de confiança, em
seu próprio gabinete no acampamento Mauerwald. Aqui ninguém o
observa e pode falar com clareza.
“Aconteceu algo terrível”, diz. “O Führer con nua vivo.”
“Que devemos fazer agora?”, pergunta o outro.
“Bloquear tudo!”
Com essa ordem, o general toma sua decisão. Con nuará com o golpe
de Estado e cumprirá suas obrigações para com a resistência.
Enquanto isso, o oficial de comunicações Sander vai apressadamente à
presença de Hitler. O ditador quer saber quando poderá dar um discurso
pelo rádio que seja transmi do por todas as emissoras do Reich. A resposta
que recebe de Sander é que não pode ser antes da noite. Entre outras
coisas, primeiro têm que fazer chegar à Toca do Lobo um veículo de
gravação e outro de transmissão.
Por sua vez, Stauffenberg e Hae en passaram pelo recinto de
segurança I e poucos minutos depois encontram-se em frente ao posto de
guarda sul do cinturão de segurança externo, o úl mo obstáculo para sua
volta a Berlim. Aqui já foi dado o alarme e há barreiras portáteis e ar lharia
an tanque bloqueando o caminho. O sargento de brigada do posto de
guarda tem ordem estrita de não deixar ninguém passar. Stauffenberg
também tenta, dessa vez, conseguir passar com um tom energé co, mas o
oficial de guarda não se deixa amedrontar. Então Stauffen. Berg diz que
quer fazer uma ligação, o que lhe é permi do de imediato na guarita junto
à barreira. Pede uma ligação para o comandante do quartel-general.
Analisando friamente, trata-se de algo muito ousado, Stauffenberg quer
falar com o homem com quem marcou o almoço, e que, portanto, lhe fará
algumas perguntas di ceis. Por outro lado, é sua única oportunidade. Ele e
Hae en não podem fazer nada contra os bem armados soldados de
guarda. Nesse momento, a comunicação se estabelece. No aparelho está o
capitão de cavalaria Möllendorf, com quem Stauffenberg tomou o café da
manhã. Este informa que o comandante está com o Führer. Stauffenberg
diz a Möllendorf que deve lhe possibilitar imediatamente a saída do
recinto.
Möllendorf não sabe do almoço planejado nem tem nenhuma ideia de
por que foi dado o alarme. Mas sabe que Stauffenberg é um visitante
oficial, e isso lhe basta. Ultrapassando claramente suas competências,
pede que ponha na linha o chefe do posto de guarda e lhe ordena que
deixe o coronel passar. Diante disso, não resta outra opção ao sargento de
brigada que deixar a passagem livre. A encenação de Stauffenberg
funcionou.
Torna a entrar no Horch e o motorista pisa no acelerador. A despeito do
estreito caminho cheio de curvas, o coronel Stauffenberg pede que se
apresse, e Hae en joga o pacote que contém o segundo explosivo para
fora do carro o mais disfarçadamente possível. Infelizmente, o disfarce não
foi suficiente, como mais tarde se comprovará.
O motorista viu perfeitamente que alguma coisa saiu voando para os
arbustos que estão ao lado da estrada, e contará isso aos encarregados da
inves gação do Gabinete Central de Segurança do Reich. Mas primeiro leva
seus dois passageiros para o aeródromo de Rastenburg, como é seu dever.
Stauffenberg e Hae en descem do carro na barreira do aeródromo e
percorrem a pé os úl mos 100 m até chegar ao avião que os espera. A
volta a Berlim não pode ser feita em um avião-correio regular, nem no
rela vamente lento Junkers Ju-52. O Generalguar ermeister do Exército,
que também é parte da conspiração, colocou a sua disposição seu próprio
avião a hélice, um rápido Heinkel He-111 de dois motores, com lugar para
seis passageiros. Quando o avião decola, uma fria rajada de vento sopra
pelas torretas das metralhadoras que estão abertas. São 13h15.
Durante as horas seguintes, Stauffenberg não tem nenhuma tarefa.
Enquanto está a caminho, o sucesso da Operação Valquíria recai sobre
outros ombros. Não sabe que Hitler está vivo, mas outros sabem, e agora
podem dar os passos corretos. Tudo depende do que Os conspiradores de
Berlim fizerem.
Nesse momento, o telefonista que viu Stauffenberg ir embora vai daqui
para lá, pelos arredores do barracão de conferências da Toca do Lobo. Não
tem que par cipar da inves gação, mas há algo que gostaria de comentar.
Tenta comunicar a vários oficiais que viu Stauffenberg ir embora, mas eles
o chamam à ordem com brusquidão e não querem saber de uma suspeita
contra um coronel com tão excelente reputação.
O primeiro-sargento, que se sente chamado a fazer papel de dete ve,
não se rende e acaba finalmente falando com Mar n Bor. Man, o
secretário do Führer, que nesse momento é pra camente q nacional-
socialista com mais poder depois de Hitler. Este o ouve, e o primeiro-
sargento lhe conta, agitado, que Stauffenberg é quem deve ter come do o
atentado, porque foi embora apressadamente do barracão de conferências
sem sua bolsa, nem quepe, nem cinto, Bormann não dúvida nem um
instante e leva o homem diretamente perante Hitler. Pouco depois,
confirma-se a suspeita, e prometem ao primeiro-sargento uma
recompensa de 20 mil marcos e uma casinha perto de Berlim.
Na Bendlerstrasse, os conjurados esperam no cias da Toca do Lobo,
especialmente o general de infantaria Friedrich Olbricht e o coronel
Albrecht Mertz von Quirnheim. Para eles, cada minuto que passa conta,
pois a execução do plano Valquíria será, hoje, mais complicada que na
semana anterior. Perto deles encontra-se, em seu escritório, o coronel-
general Friedrich Fromm. Ele planejava sair mais cedo do trabalho para
pegar seu neto, mas vê-se constantemente re do. Enquanto está ali, está
no comando de todas as tropas do território nacional. É impossível ocultar
dele as ordens durante muito tempo, pois a ele chegam todas as perguntas
e pedidos de confirmação. Também está completamente descartado
introduzi-lo na conspiração antes do tempo. No máximo, após a morte de
Hitler, disso não há nenhuma dúvida, Fromm se decantará para um dos
bandos.
Mas agora o tempo urge. A Operação Valquíria já está valiosas horas
atrasada, e Olbricht e Mertz não receberam no cia alguma da Prússia
oriental. Começam a intuir que algo não vai bem, mas o que não sabem é
que seu problema está, nesse momento, a duas salas de distância. Ali
hesita e tubeia o homem que já sabe de tudo, desde a explosão da
bomba até o fato de Hitler ter sobrevivido. É o tenente-general Thiele, das
tropas de comunicações, a quem Fellgiebel alertou pessoalmente da Toca
do Lobo. Thiele garan u aos conjurados sua lealdade e par cipação, e
agora não teria que fazer mais nada além de ir até Olbricht e transmi r-lhe
a no cia.
Mas isso é justamente o que não faz. Não faz nada em absoluto.
Provavelmente perdeu a cabeça, deixou de acreditar no sucesso do golpe
de Estado e não é capaz de agir com clareza. De qualquer maneira, diz que
precisa sair urgentemente e re ra-se seu escritório a toda pressa, sem ter
comunicado a ninguém sua valiosa informação. Permanecerá não
localizável durante três horas, depois retornará e só transmi rá meias
verdades que negam toda ajuda aos resistentes, e mais tarde tentará salvar
sua própria vida mediante confusas contraordens. Stauffenberg e os
demais líderes da resistência sabiam que haveria oficiais que se
comportariam assim na hora da verdade. Mas não que um fracassaria tão
rapidamente e em um posto tão importante.
Assim, é pouco surpreendente que Olbricht e Mertz relaxem a par r de
um dado momento e que, por volta das duas. Suponham que “a reunião
do meio-dia” com Hitler deveria ter acabado. O fato de não ter recebido
no cias de Fellgiebel e de Thiele só leva a uma suposição: Stauffenberg
tornou a fracassar e, ao que parece, não teve tempo de comunicar pelo
telefone o estado das coisas. É perfeitamente plausível. A situação recorda
a fracassada tenta va da semana anterior, com a diferença de que até
agora não se deu nenhuma ordem das previstas no plano Valquíria.
Portanto, há pouco a fazer por ora, exceto lamentar uma nova
oportunidade perdida. Nessa situação, Olbricht toma uma decisão
completamente absurda. Vai almoçar com toda a tranquilidade. E não
retorna ao escritório antes das três da tarde.
O general Fellgiebel permanece, enquanto isso, na Toca do Lobo, onde
cada vez aparecem mais e mais homens do Reichssicherheitsdienst. Pouco
depois da uma, Himmler ligou para seus homens de Berlim para mandar
que fossem à Prússia oriental a fim de inves gar o atentado. O bloqueio
das comunicações não funciona. Uma hora depois, está claro que o
suspeito Stauffenberg fugiu de Rastenburg em um avião. Himmler dá a
ordem de derrubá-lo no ar ou capturá-lo no lugar que deu como des no:
Rangsdorf. Fellgiebel vê Himmler entrar em ação e ele recebe as primeiras
queixas sobre o bloqueio das comunicações. Dizem que todas as
comunicações com o front foram interrompidas, o que é uma situação
insustentável para as tropas que estão em combate. Por volta das três,
Himmler decide levantar o bloqueio das comunicações, pelo menos para
conversas oficiais sob controle. Fellgiebel não pode evitar e retorna
resignado a seu escritório de Mauerwald, a 20 km dali. Muitas coisas, entre
elas sua própria vida, dependem do que esteja acontecendo em Berlim.
XVII
A DECISÃO
Berlim,
20 de julho de 1944

São já mais de três horas quando Stauffenberg aterrissa em Berlim. Há


versões sobre onde desceu; provavelmente não aterrissou em Rangsdorf,
como estava previsto e onde Schweizer, seu motorista, o esperava, tal
como haviam combinado. O coronel desviou O avião para outro
aeródromo berlinense. O que ainda hoje não é certeza é para qual, mas o
mo vo parece claro. Stauffenberg previu a arapuca de Himmler e reagiu de
acordo. Não tem nenhuma vontade de ser recebido por um destacamento
das SS ao aterrissar em Berlim.
De modo que Stauffenberg e Hae en descem do avião em Tem. Pelhof
ou em Gatow e sondam a situação. Tudo parece completa. Mente calmo. O
calor de julho em Berlim transformou-se, enquanto isso, em um sufocante
calor que mal se pode suportar. Ninguém os espera ali, isso está claro.
Contudo, a medida de precaução tem uma desvantagem: agora não têm
nenhum carro disponível que os leve à cidade.
De modo que vão ao gabinete da Lu waffe do local para pedir um
veículo. Hae en consegue ligar para a Bendlerstrasse dali. Do outro lado da
linha está a secretária de Olbricht, a quem pede que envie Schweizer, mas
este não está localizável em Rangsdorf. Depois fala o próprio Olbricht e
pergunta o que está acontecendo, o que irrita sobremaneira Hae en.
“Como? Não chegou a mensagem, há horas, de que a bomba explodiu
conforme o plano e que Hitler está morto?”
“Pelo amor de Deus, não.”
“Isso quer dizer que não acionaram a Operação Valquíria?”
“Não. A no cia não chegou.”
O fato abala a ambos os interlocutores. Perderam irremediavelmente
horas valiosíssimas. Mas de nada serve lamentar, agora só resta a fuga para
frente. Hae en afirma que Stauffenberg e ele vão arranjar um carro por si
mesmos e chegarão à Bendlerstrasse tão rápido quanto possam.
Lá estão Olbricht e Mertz entrando em uma frené ca ação: à Operação
Valquíria deve entrar em andamento de imediato. Pegam as ordens
preparadas do cofre de seu escritório e convocam os oficiais do Estado-
Maior do Gabinete Geral do Exército. Anunciam que Hitler morreu ví ma
de um atentado e que a Wehrmacht tomou o poder sob o comando do
marechal de campo Von Witzleben para manter a ordem e a calma, e
con nuar com a luta no front; a responsabilidade do governo recai sobre o
coronel-general Beck. Ninguém dúvida de suas palavras. Um major recebe
a instrução de transmi r as primeiras ordens de imediato, e atende
prontamente.
O distrito militar III, que compreende Berlim e o estado de
Brandemburgo, tem uma grande importância em tudo isso.
Lamentavelmente, seu chefe, um corpulento general da infantaria, é um
nazista convicto. E por isso lhe pedem que compareça logo à
Bendlerstrasse, para pô-lo fora de combate quando chegasse. Ao mesmo
tempo, partem enviados da resistência para insis r nas ações que devem
ser realizadas. Todas as unidades que se encontram fora de Berlim,
inclusive as unidades de treinamento do Exército em Potsdam, Krampnitz,
Glienicke e Döberitz, devem se dirigir à cidade, como na semana anterior, e
ocupar ali suas zonas de intervenção, especificadas no plano Valquíria.
Também a chamada Stadtkommandantur é importante, centro de
comando da Wehrmacht em Berlim. Seu oficial no comando, o tenente-
general Hase, é parte da conspiração e apoia firmemente o grupo da
resistência. Todos sabem que, embora o levantamento deva se produzir de
Paris a Praga, o sucesso ou o fracasso da missão será decidido em Berlim.
Ali se deve conseguir o desarme das SS e a detenção dos nacional-
socialistas mais importantes antes da noite. Do contrário, a Operação
Valquíria fracassará. Portanto, o Stadtkommandant Hase alerta suas tropas
imediatamente: as escolas de técnicos em explosivos e de armeiros, os
batalhões de Landesschiitzen e especialmente o batalhão de guarda
Grossdeutschland da Kruppstrasse de Moabit. Essas unidades têm a
decisiva tarefa de isolar o bairro do governo e controlar, assim, o centro de
comando do Terceiro Reich. Os comandantes das unidades recebem a
ordem de comparecer logo perante o Stadtkommandant Hase no edi cio
Unter deen Linden 1. Em Moabit, põe-se a caminho um jovem major
chamado O o Ernst Remer, que foi transferido do front para Berlim há
pouco tempo para assumir o comando do batalhão de guarda. São 16h10.
Mais ou menos ao mesmo tempo, Hitler se encontra na estação de
Görlitz para receber Benito Mussolini. Concede grande importância a uma
aparência serena. Pouco antes, mandou chamar uma de suas secretárias,
como de costume, para que esteja presente durante a refeição. Diz que
estão em um ponto de inflexão para a Alemanha e que agora tudo voltará
a melhorar; alegra-se de que esses malditos cães tenham se exposto. E
rejeita a objeção da secretária que diz que ele não pode receber Mussolini
nesse momento. Precisa recebê-lo; o que diria a imprensa mundial se não
o recebesse? Além disso, manda chamar o chefe de imprensa do Reich,
que está preparando uma curta no cia sobre o atentado e informar que
Hitler sobreviveu a ele. Esta será enviada a Goebbels, em Berlim, para que
se espalhe por toda a Alemanha pela rádio e pelos serviços de no cias.
O sufocante calor do dia de verão transformou-se em uma leve chuva
que traz um pouco de frescor. Hitler está pálido. Ves u uma longa capa de
chuva preta e está sendo filmado para o no ciário semanal. Quando
Mussolini desce do trem, estende-lhe a mão esquerda e este a estreita
vigorosamente. Hitler ainda não consegue mexer bem o braço direito, está
tremendo.
Mussolini se assusta quando lhe contam sobre o atentado. “Diga ao
Duce”, diz Hitler ao intérprete, “que há poucas horas ve a maior sorte de
toda minha vida.” Caminham ao lado de Göring, Himmler, Ribbentrop,
Bormann e outros até o local do fato. Os dois ditadores entram no
barracão devastado. “É realmente terrível”, diz Mussolini.
“Foi aqui que aconteceu”, diz Hitler. “Eu estava aqui, ao lado desta
mesa. Estava apoiando o braço direito sobre a mesa para ver um pouco
mais de perto o mapa quando, de repente, o tampo da mesa saiu voando
para cima de mim.” Logo começa a ser usada a palavra “milagre” no grupo,
e Mussolini a emprega de imediato com fascinação. Ele fala de um “sinal
do céu”, enquanto Hitler fala sobre “a grande causa comum” que agora
poderão “felizmente completar”. Além disso, torna a lamentar-se por suas
calças.
Finalmente, os dois ditadores e seus séquitos tomam o chá. É servido
por criados ves dos de branco. Mussolini recebe um copo de leite,
prescrito devido a um mal estomacal, Hitler recebe os coloridos
comprimidos contra dor do doutor Morell, que masca em cada refeição, e
que outros médicos descobriram que con nham veneno. Hitler e Mussolini
estão em silêncio, e começa uma forte discussão entre o resto do grupo. As
vozes se tornam cada vez mais fortes, todos se culpam mutuamente pela
fatal situação.
Generais contra ministros e vice-versa, e até Göring e Ribbentrop
discutem com fúria. Mussolini faz bolinhas com miolo de pão. De repente,
o rosto de Hitler fica vermelho e ele se levanta em um salto, “Hoje, tenho a
sensação de que a Providência me ampara como nunca antes”, grita. “E sei
que, com a Providência a meu lado, levarei à guerra a um final vitorioso.
Mas, antes, acabarei com todos aqueles que se puseram em meu caminho!
Vou esmagar, ex rpar e exterminar os elementos criminosos que
cometeram traição contra seu próprio povo! Acabarei com eles!” Sai
espuma de sua boca e ameaça com terríveis penas inclusive mulheres e
crianças. Delira durante meia hora e finaliza com a seguinte frase: “Começo
a duvidar que o povo alemão seja digno de meus grandes ideais”. A seguir,
de todos os lados fazem ardentes proclamações de lealdade. Abalado,
Mussolini desculpa-se e foge para fora.
Depois de entrarem em marcha as primeiras medidas em Berlim,
Olbricht encontra-se diante de sua tarefa mais delicada pouco depois das
quatro da tarde. Stauffenberg ainda não chegou à Bendlerstrasse, de modo
que terá que passar sozinho para a fase seguinte da Operação Valquíria.
Seis degraus separam o corredor do Gabinete Geral do Exército, onde se
encontra ele, do centro de comando superior do Exército de reserva, onde
se encontra o coronel-general Fromm. É hora de torná-lo par cipe do
assunto. Com a revelação de que Hitler está morto, Olbricht espera que
Fromm dê seu consen mento para o resto do plano. Não espera uma
par cipação a va, pois Fromm só se porá completamente do lado dos
conspiradores após o sucesso do golpe de Estado.
Olbricht passa voando pela antessala de Fromm e não se deixa deter.
Fromm está em uma reunião e se encontra muito irritado. Na realidade,
gostaria de ter ido embora do escritório há muito tempo, mas ainda não
conseguiu. Seu plano de ir para o campo e não ser localizado pelo resto do
dia fracassa no momento em que Olbricht lhe comunica que Hitler morreu
ví ma de um atentado. Agora Fromm está implicado. O que ocorre agora
ele contou mais tarde a um dos conjurados enquanto estavam na prisão.
“Quem lhe informou sobre isso?”, pergunta.
Olbricht responde que a no cia provém diretamente do quartel-
general de Hitler.
“Diante das circunstâncias, proponho executar o plano Valquíria e dar
as ordens per nentes a todos os Generalkommando adjuntos e, assim,
passar o poder execu vo do Estado a nós, a Wehrmacht.”
Fromm toma a se mostrar cauteloso e diz que só poderia dar uma
ordem dessas se vesse certeza da morte de Hitler.
Olbricht não vê nenhum problema nisso. Pega o telefone e pede uma
comunicação urgente com o marechal de campo Keitel na Toca do Lobo.
Logo o põem em contato com ele. Keitel atende e Fromm pega o aparelho.
“O que está acontecendo no quartel-general? Aqui em Berlim, estão se
espalhando os mais diversos rumores”, diz Fromm.
“E o que teria que acontecer? Tudo está em ordem”, responde Keitel.
Suas palavras não soam totalmente convincentes. No quartel-general do
Führer também não há interesse algum, nesse momento, de transmi r a
todo o mundo a no cia do atentado.
Mas Fromm insiste.
“Acabaram de me informar que o Führer morreu vi ma de um
atentado.”
“Isso é uma bobagem. É verdade que houve um atentado, mas
felizmente não teve sucesso. O Führer está vivo e está ferido apenas
superficialmente.”
Nesse momento, Keitel parece perceber alguma coisa. Fromm está
pra camente porta com porta com esse Stauffenberg que dizem que é o
possível autor do atentado.
“A propósito, onde está o chefe de seu Estado-Maior, coronel von
Stauffenberg?”, pergunta Keitel. Seu tom de voz não deixa claro o sem.
Tido da pergunta, mas Fromm imagina.
“Stauffenberg ainda não se apresentou”, responde.
Assim acaba a conversa. Fromm volta-se para Olbricht e lhe comunica
que, diante das circunstâncias atuais, não está disposto de jeito nenhum a
pôr em andamento o plano Valquíria. Hitler está vivo, e parecem ter a
situação sob controle na Toca do Lobo. Ele não tem nenhum mo vo para
duvidar das palavras de Keitel. Como de costume, deixa entrever que
conhece as intenções dos conjurados e que em princípio não as rejeita. Ao
mesmo tempo, dá a entender que é muito perigoso levar a cabo um golpe
de Estado nessas circunstâncias. E, assim, dá por concluída a conversa.
Fromm não se surpreende com o comportamento de Olbricht, mas sim
com as palavras de Keitel. O marechal de campo não deu a impressão de
estar men ndo nem de querer convencer desesperadamente o mundo da
sobrevivência de um ditador que na realidade estaria há muito tempo
morto. Suas afirmações sobre o estado de Hitler pareciam áspera
evidência. Pela primeira vez, Fromm não tem certeza do quê realmente
aconteceu na Toca do Lobo.
Pouco antes das quatro e meia, o comandante do batalhão de guarda,
major O o Ernst Remer, entrou na Stadtkommandantur Unter den Linden,
em frente ao monumento à Ewigen Wache. Remer, de 31 anos, é um
galhardo oficial com um rosto fino e bem perfilado e grandes orelhas. Suas
origens são simples. Desde muito jovem, viu a si mesmo como uma
espécie de enérgica criança modelo. Fala com sotaque berlinense, usando
um tom especialmente militar e entrecortado, e sua dedicação vai além do
exigido. Primeiro foi líder das Juventudes Hitleristas; desde 1933, cadete da
Reichswehr, depois Kompaniechef e Bataillonskommandeur no front. Ali foi
ferido em várias ocasiões. Recebeu a Nahkampfspange de prata por 48
“dias em combate corpo a corpo”, além da Cruz de Ferro por valen a
extraordinária. Em novembro de 1943, Hitler concedeu-lhe pessoalmente o
grau seguinte da ordem, a Cruz de Ferro com folhas de carvalho, e
conversou com ele durante cerca de uma hora sobre suas experiências no
front.
Remer considera seu cargo de comandante do Wachbataillon como um
período de repouso. Passou a manhã do quente dia na piscina do
Poststadion, que fica ao lado do quartel. Mas agora torna a sen r o
chamamento do combate. Mostra pouco respeito pelos oficiais do
Generalstab, seus superiores, a quem gosta de chamar pejora vamente de
“indispensáveis soldados na pátria”.
Remer se apresenta a seu superior, tenente-general Hase, que se
encontra firmemente do lado da resistência. Mandam-no entrar de
imediato.
“O Führer sofreu um acidente mortal!” diz Hase. “Começaram
distúrbios no interior. O Exército vai tomar todo o poder!”
O Wachregiment recebe a tarefa de isolar o bairro do governo com
ajuda de uma forte intervenção das tropas da reserva. Deve ser fechado
tão herme camente que nem um general nem um ministro possam passar
pelo cordão de isolamento!
Remer estremece. Até esse momento, havia acreditado na prome da
vitória final, mas, com a morte de Hitler, vê desaparecerem de uma vez
todas as possibilidades de que isso ocorra. Mais tarde, afirmaria ter feito
uma série de perguntas. “O Führer está realmente morto? Foi um acidente
ou se trata de um atentado? Onde começaram os distúrbios? Por que o
poder passa à Wehrmacht? Quem sucederá o Führer? Segundo o
testamento de Hitler, seu sucessor tem que ser automa camente o
Reichsmarschall Hermann Göring! Deu alguma ordem?”
Já é impossível saber se o major formulou realmente essas dúvidas
assim, se as pensou para si em silêncio ou se, nesse momento, não pensou
em nada. O mesmo se aplica a sua posterior afirmação de que tentou
imediatamente ver a assinatura da ordem que estava em cima da mesa, o
que aparentemente lhe foi negado com veemência.
De qualquer maneira, recebeu um mapa da cidade com indicações de
como devia isolar o bairro do governo. Tratava-se de uma espécie de
pentágono entre o centro do bairro do governo e o zoológico, limitando
com a Potsdamer Platz, a Saarlandstrasse, a Anhalterstrasse, a
Wilhelmstrasse, a Kochstrasse, a Friedrichstrasse, a Dorotheenstrasse e a
Hermann-Göring-Strasse. Dizem a ele que à polícia prestará ajuda durante
o isolamento e a seguir dispensam-no.
Volta de imediato a seu regimento para pôr a ordem em andamento.
Reflete com toda a certeza, que após a morte de Hitler reinará um grande
desconcerto. Possivelmente haja vários líderes nazistas que tentem
enfrentar seu sucessor e surjam lutas abertas pelo poder. Sabe muito bem
que, como comandante da tropa de segurança no perímetro municipal de
Berlim, deve ser uma figura decisiva nesses planos. Poderia ser enganado e
usado pelo bando errado, levado a cometer erros mortais. Sua
preocupação começa a crescer.
Ao mesmo tempo, o coronel Mertz von Quirnheim está muito
impaciente em seu gabinete da Bendlerstrasse. Não se convence de que
Olbricht tenha falado com Fromm sobre a aplicação da Operação Valquíria.
Cada minuto pode ser decisivo, depois ninguém perguntará se as ordens
seguiram a cadeia de comando. De jeito nenhum devem se repe r os fatos
de cinco dias atrás. De modo que toma uma decisão por sua própria conta.
Tendo total consciência das consequências, pega a minuta do comunicado
mais comprometedora de todas e uma lista dos vinte postos da
Wehrmacht mais importantes aos quis deve ser enviada. Dá as duas ao
competente capitão Karl Klausing. “Enviar imediatamente”, ordena. O
capitão vai de imediato ao alferes encarregado pelo serviço de
comunicações, entra apressadamente em seu escritório e joga as folhas
sobre a mesa. “Enviar imediatamente!”, repete.
“O Führer Adolf Hitler morreu”, lê o alferes na primeira frase da
primeira página. Exatamente como Henning von Tresckow, Stauffenberg e a
senhora von Oven passaram para o papel há nove meses, durante suas
reuniões em Grunewald. Engole em seco. Não é uma comunicação
ordinária. Não deveria ter maior prioridade? E não teria que ser
classificada como altamente sigilosa? Levanta o olhar, mas o capitão já
desapareceu. Sai atrás dele pelo corredor e lhe pergunta. A brusca
resposta é que faça exatamente assim, Desse modo, o perigoso papel
começa a percorrer seu caminho, mas houve um erro.
Para classificar uma mensagem no grau de maior sigilo são necessários
os chamados G-Schreiber, que trabalham com uma complicada codificação.
Assim, só pode ser enviada a um des natário de cada vez. No segundo
andar da Bendlerstrasse, há quatro desses codificadores, manipulados por
operadoras que haviam prestado juramento e que são vigiadas por um
suboficial. Elas começam imediatamente a trabalhar, mas os codificadores
precisam de quase três horas para vinte des natários, e isso só para a
primeira ordem. E chegarão mais. Assim, tornam a perder um tempo muito
valioso. A transcrição dura até quase a noite, e de fato algumas mensagens
ficarão sem ser enviadas.
Os des natários mais importantes desses comunicados são os
comandos dos distritos militares. Há, no total, 21 distritos desse po, cujas
sedes correspondem às capitais de estado do Reich e dos territórios
ocupados, de Königsberg a Paris e de Hamburgo a Praga. Para fundamentar
a a vação do plano Valquiria, os conjurados inventaram que membros do
par do quiseram dar um golpe de Estado. Os primeiros pontos do
comunicado não deixam nenhuma dúvida a respeito:
I. Distúrbios internos . Uma camarilha sem escrúpulos de líderes do
par do que não conhecem o front quiseram aproveitar a situação para
tentar atacar pelas costas e se apropriar do poder para seus próprios fins.
II. Neste momento de grande perigo, o governo do Reich decretou
estado de exceção militar para manter a paz e a ordem, e transferiu-me o
comando de todo O poder, passando por cima da Wehrmacht.
E con nua com as medidas individuais que devem ser tomadas, em
especial com a neutralização e possível desarme das Waffen-SS, do Serviço
de Trabalho do Reich, de todas as autoridades públicas, de toda a polícia,
do Par do Nacional Socialista e de todos os seus ramos, a proteção das
instalações de transmissão de no cias e a eliminação do Sicherheitsdienst.
No fim, vê-se a assinatura do marechal de campo reformado von
Witztleben, que Tresckow procurou anteriormente. Na Bendlerstrasse
esperam o resistente reformado a qualquer momento.
Uma segunda mensagem, que deve ser enviada obrigatoriamente com
a primeira, está assinada por Von Stauffenberg. Contém indicações mais
precisas e, no final, uma mida referência ao verdadeiro propósito dos
golpistas. Não serão tolerados “atos arbitrários e de vingança”, diz ali: “A
população deve ter consciência da distância existente em relação aos
métodos arbitrários do governo anterior”.
Então, ocorre algo completamente imprevisto. Devido a um
acoplamento das conexões que os conjuradores desconhecem, os telex
chegam também à central de comunicações da Toca do Lobo. O nome de
Witzleben dispara todos os alarmes ali. O nome do an go marechal de
campo só pode significar uma coisa: que em Berlim. O exército ali
destacado está dando um golpe de Estado, e o coronel general Fromm, de
cujo gabinete provém a mensagem, parece estar implicado nisso. Himmler
apresenta o telex a Hitler e propõe dar autorização plena à Gestapo para
deter todos os oficiais da Wehrmacht suspeitos de pertencer à
conspiração. Ele mesmo daria as ordens ao exército de subs tuição. Hitler
está de acordo e envia o Reichsführer a Berlim para restabelecer “a ordem
e a calma”.
Ao mesmo tempo, Keitel toma rápidas contra medidas. Envia uma
mensagem urgente por rádio aos distritos militares: “Mensagem urgente!
... O Führer con nua vivo! Completamente saudável! O Reichsführer das SS
está no comando do exército de subs tuição, só suas ordens valem. Não
acatar ordens do coronel-general Fromm nem do marechal de campo von
Witzleben! Manter o contato com os chefes de distrito e os altos
comandos da Polícia!” Esse acontecimento, do qual nada sabem os
resistentes no início, significa uma catástrofe para eles. A resposta da Toca
do Lobo não só chega muito antes do esperado, como também, ao
contrário das comunicações da resistência, não vai pelos lentos canais das
mensagens cifradas, e sim pelas rápidas ondas de rádio militares.
Quando o general Olbricht volta a seu escritório após a conversa com
Fromm, lança com decepção o plano Valquíria sobre a mesa. “Fromm não
quer assinar”, diz. O coronel Mertz von Quirnheim não faz nenhum gesto e
diz que ele mesmo já começou a segunda fase da operação.
Nesse momento, Olbricht percebe que perdeu o controle da situação.
As ordens para o golpe de Estado estão em andamento contra Fromm. E a
isso deve-se acrescentar a insegurança que despertou à ligação para a Toca
do Lobo. Pode ser que Stauffenberg e Hae en estejam enganados? Já não
há nada que ele possa descartar. Olbricht quer esclarecer as coisas de uma
vez e faz com que um de seus ajudantes o ponha em contato com o
general Fellgiebel em Mauerwald.
Ele já está no aparelho também, mas se nega, surpreendentemente, à
falar com Olbricht. “Já não tem sen do algum!”, diz, e desliga antes de se
estabelecer a comunicação entre ambos. Assim começam a se acumular os
mal-entendidos. Feligiebel supõe que Olbricht e seus homens já conhecem
a inequívoca no cia de que Hitler sobreviveu e não vê nenhum sen do em
manter mais conversas telefônicas. Pensa que em Berlim agora se deve
agir, e não falar. Ao contrário, Olbricht supõe que Fellgiebel está se
re rando. “É o primeiro que abandona o barco”, diz furioso.
E, nessa caó ca situação, Olbricht toma sua decisão. Decide seguir o
que o enérgico Mertz já começou. De modo que pega o telefone para dar
os passos seguintes. Por exemplo, agora deve distribuir os planos de
Berlim. Estes contêm números para todos os postos importantes que se
devem ocupar e vão à Stadtkommandantur e à sede do distrito militar III. A
lista está ordenada por prioridade. Em primeiro lugar vem o Amt IV do
Gabinete Central de Segurança do Reich, mais conhecido como Gestapo.
Em segundo lugar vem o Reichsführer das SS, com seus colaboradores
pessoais, mas está claro que Himmler não está em Berlim, e que con nua
mexendo os pauzinhos na Toca do Lobo. O terceiro lugar é para o SS-
Führungsamt da Kaiserallee, o quarto para o chefe das SS e da polícia da
Königsallee, o quinto para o chefe de telecomunicações das SS da
Wilhelmstrasse. E assim con nua. Outros postos importantes são a
imprensa nacional do Reich (número nove) e o organismo central de
propaganda nacional-socialista, o Völkische Beobachter (número dez). O
Ministério do Reich de Educação Popular e Propaganda, e com ele o
ministro e chefe de distrito de Berlim, Joseph Goebbels, que está na
cidade, encontram-se na posição 19. O Ministério do Interior, Correios, o
Preussisches Staatsministerium, a direção das Juventudes Hitleristas, a
Frente Alemã do Trabalho, o Ministério de Assuntos Exteriores, o Motor-
Obergruppe Ost, o Presepoli sche Amt, e a lista con nua. As tropas que
devem levar a cabo essas ordens, contudo, ainda têm que ser organizadas.
O coronel-general reformado Ludwig Beck chega à Bendlerstrasse às
16h30. Deixou seu uniforme em casa de propósito. Agora é o chefe de
Estado civil, portanto usa um terno. Seu rosto redondo parece marcado
pela preocupação, como de costume, mas por baixo se esconde a mais
absoluta determinação. A incerteza sobre o estado de Hitler não o
impressiona muito, e começa a dizer que se deve agir de tal ou qual
maneira. Junto com ele entram outros membros da resistência civil. Dentre
estes, Berthold von Stauffenberg com seu uniforme da Marinha, o agente
da Abwehr, os serviços de Hans-Bernd Gisevius, o conde Fritz-Dietlof von
der Schulenburg, o conde Yorck von Wartenburg, o conde Ulrich Wilhelm
Schwering von Schwanenfeld e o teólogo Eugen Gerstenmaier, que aparece
com uma Bíblia e uma pistola nos bolsos e exige que se a re
imediatamente em alguns nazistas. Também se deve alertar Carl Goerdeler
em seu esconderijo, mas ainda se espera para ver o desenrolar da situação.
Nesse momento, Stauffenberg e Hae en chegam finalmente à
Bendlerstrasse. Logo são assediados por perguntas. Em primeiro lugar,
apresentam-se a Olbricht e Mertz, a quem Berthold vor Stauffenberg
acompanha. Os irmãos se cumprimentam aliviados.
É Claus quem informa.
“Eu vi tudo do lado de fora. Estava em pé ao lado do general Fellgiebel
do lado de fora do barracão. Dentro, houve uma explosão, e então só vi um
grande número de médicos correndo para o local, e carros também. A
detonação foi como se houvesse explodido lá dentro um obus de 150 mm.”
E, a seguir, acrescenta sua própria es ma va sincera, “É quase impossível
que alguém tenha saído vivo.”
Essa descrição convence Olbricht. Propõe imediatamente que
Stauffenberg apresente esse mesmo relato ao coronel-general Fromm, que
não poderá ignorar o relato de uma testemunha ocular. E põem-se a
caminho.
Fromm se alegra pouco de ver Olbricht de novo em seu escritório, mas
este lhe explica imediatamente que Stauffenberg pode confirmar de
maneira defini va a morte de Hitler.
“Em vista da situação, já demos a ordem aos Generalkommando
adjuntos rela va aos distúrbios no país”, acrescenta Olbricht.
Isso deixa Fromm abalado. Levanta-se de um salto e bate na mesa com
o punho:
“Isso é uma insubordinação total! O que quer dizer com “demos”?
Quem deu a ordem?”
“O chefe de meu Estado-Maior, coronel Mertz von Quirnheim”
responde Olbricht.
“Traga-me aqui imediatamente o coronel Mertz!”
Mertz comparece e admite prontamente ter dado o código Valquíria
aos distritos militares e a outros des natários importantes sem ter
autorização para isso.
“Por ora, está de do, depois veremos”, diz Fromm resfolegando.
“Hitler está morto”, diz sucintamente Stauffenberg.
“Você estava lá?” pergunta Fromm.
Stauffenberg repete o que contou a Olbricht e aos outros.
“Houve uma explosão, como se houvesse caído um obus de 150 mm.
Ninguém que es vesse na sala pode con nuar vivo.”
“Isso é impossível. Keitel me garan u o contrário”, bufa Fromm, “E ele
con nua vivo. Quando ocorreu a explosão?”
“Durante o relatório do meio-dia. O marechal de campo Keitel está
men ndo, como de costume. Eu mesmo os vi re rando Hitler morto.”
“Então, deve haver mais alguém do circulo do Führer envolvido”,
exclama Fromm, irritado.
Nesse momento, Stauffenberg se levanta. Sua voz soa agora
completamente decidida.
“Coronel-general, eu mesmo a vei a bomba durante a reunião com
Hitler.”
Fromm permanece impassível:
“Von Stauffenberg, o atentado falhou. De modo que já sabe o que deve
fazer.”
“Não farei isso de jeito nenhum.”
“Stauffenberg, tem uma pistola?”
“Não.”
Fromm volta-se para Mertz.
“Traga uma pistola!” “Estou de do”, diz Mertz, não sem certa ironia.
Olbricht volta a apelar a Fromm.
“Coronel-general, chegou o momento de agir. Se não o fizermos agora,
nossa pátria afundará para sempre.”
“Considerem-se de dos a par r deste instante”, grita Fromm.
“Está enganado acerca da verdadeira situação do poder”, diz
Stauffenberg com frieza. “Se alguém aqui deveria ser de do, esse alguém é
o senhor!”
Nesse momento, Fromm explode irado.
“Uma pistola!”, grita.
Hae en e outro ajudante, o valente Ewald-Heinrich von Kleist, que já
esteve disposto a levar a cabo o atentado, irrompem na sala e se jogam
sobre o gigantesco Fromm. Ocorre uma briga, na qual imobilizam Fromm e,
por fim, o mantêm na linha sob a mira da pistola. É uma humilhação quase
inimaginável segundo todas as regras do corpo de oficiais. Em geral, quem
põe a mão em um oficial de maior patente arruína sua vida. Fromm não
consegue entender.
Quando lhe colocam uma pistola no estômago, afunda por trás de sua
mesa.
“Sob estas circunstâncias, declaro-me à margem do que ocorrer”,
declara com pesar.
Depois, é obrigado a entrar com seu ajudante em sua própria antessala
€ a permanecer ali sob vigilância. Cortam o cabo do telefone e colocam um
guarda diante de cada uma das pesadas portas entalhadas de carvalho. Já
são 17h.
Um coronel-general reformado, Erich Hoepner, par dário da resistência
e que apareceu com Beck, recebe a instrução de assumir a função de
Fromm de maneira formal. Me culoso, pede uma ordem escrita, que é
redigida. Depois, entra onde está Fromm, diz o quanto lamenta e informa
que foi obrigado a assumir seu posto. O porquê de sua par cipação no
golpe de Estado con nua sendo um enigma. O resto da tarde passará se
comportando de maneira passiva.
Quando chegam as ligações dos desconcertados oficiais dos distritos
militares, ele diz, fundamentalmente, que decidam eles mesmos o que
julgarem correto,
O coronel-general Fromm não é vigiado com par cular intensidade.
Seu ajudante logo descobre uma possibilidade de fuga, mas o de do se
nega. Mais tarde, pede conhaque e lhe dão. Por volta das 21h, também
aceitam sua palavra de honra de que não usará o telefone nem fugirá se o
deixarem ir para sua casa oficial. Essa casa oficial fica um andar acima de
seu escritório. Ali ficará sentado sem fazer nada em absoluto até que o
golpe de Estado dê uma nova virada, duas horas depois.
Enquanto isso, o major O o Ernst Remer, encarregado do isolamento
do bairro do governo, voltou a Moabit para junto de suas tropas. Às 17h,
reúne seus oficiais e anuncia a morte de Hitler. Todos se alarmam ao ouvir
a no cia. Remer estende o mapa da cidade e distribui as tarefas para as
diversas companhias. Casualmente, está presente um alferes inválido de
guerra cuja profissão civil é de historiador fervorosamente nacional-
socialista, e que também atuou como orador no ministério da Propaganda
de Goebbels. Justamente nesse meio-dia deu uma conferência histórico-
cultural aos subordinados de Remer para reforçar seu moral. Quando ouve
falar de “isolamento” e de “distúrbios”, as ordens lhe parecem um pouco
estranhas. Seu an go superior, Goebbels, também parece se encontrar
entre os “isolados”. De modo que diz a Remer que há alguma coisa
estranha. Este não compar lha sua opinião, mas concorda em enviar o
alferes até Goebbels o antes possível para perguntar o que está
acontecendo na realidade. Goebbels é também comissário da defesa do
Reich de Berlim e, ao mesmo tempo, chefe de distrito da capital, portanto,
deve ser informado. Também há outro relatório que inquieta Remer. Uma
parte de seu regimento está des nada de forma ro neira como companhia
de guarda da Bendlerstrasse. O capitão no comando ali informa que
recebeu de um tal coronel Mertz von Quirnheim a ordem de fechar todas
as entradas e abrir fogo contra possíveis grupos das SS que tentarem
entrar. Se o exército e as SS estão se enfrentando de maneira tão aberta, as
coisas podem ficar bastante feias.
Não obstante, em um primeiro momento, Remer decide que ordens
são ordens e que não há dúvida de que o isolamento deve ser feito.
Ordena que suas companhias entrem imediatamente nos caminhões e que
partam para o centro da cidade. Assim começa o fechamento do bairro do
governo, que exigirá cerca de uma hora e meia. Ao mesmo tempo, o
alferes cujas suspeitas foram despertadas vai ver Goebbels. Posto que
conhece de primeira mão uma parte do plano Valquíria, mais informações
decisivas poderiam cair nas mãos do inimigo.
Resolvido o caso com Fromm, Stauffenberg pode se sentar, finalmente,
a sua mesa e pôr em andamento a arma mais importante do golpe de
Estado: seu telefone. Junto com ele encontra-se o coronel general Beck
para prosseguir algumas das conversas e apresentar-se como o novo chefe
de Estado civil. Posto que agora há declarações contraditórias sobre o
estado de Hitler, os conspiradores devem contar com a confusão em toda a
cadeia de comando, tanto entre os que estão a par da conspiração quanto
entre os que não estão. Diante da caó ca situação, é necessário descobrir
o mais rápido possível quem se mantém no rumo determinado, quem está
hesitando e quem pactua com o lado contrário. Stauffenberg tem certeza
de que qualquer oficial que faça parte da conspiração, mesmo que seja de
longe, pode contar com a pena de morte se o golpe de Estado fracassar. A
questão é se os próprios afetados têm consciência disso.
À primeira ligação é para o Generalguar ermeister, que se encontra
estacionado fora de Berlim, no quartel-general Zossen. Foi ele quem
emprestou seu avião a Stauffenberg para o voo de volta, mas agora não
parece tão confiante. Beck segue a conversa e se apresenta como o líder
civil do golpe de Estado. O Generalquar ermeister o ouve. Não o contradiz
diretamente, mas se comunica de imediato com Keitel, junto com outro
oficial que os resistentes também julgam parte firme de seu circulo. Dessa
forma, há importantes pilares da operação que passam para o inimigo
nesse momento.
Stauffenberg comunica-se, em Paris, com seu primo Caesar von
Hofacker, mas este já foi informado. O decidido círculo de conspiradores
em torno do líder militar da França, general S lpnagel, prepara todas as
medidas necessárias.
Contudo, o inimigo também não permanece ina vo. Himmler con nua
na Prússia oriental, sobretudo porque não quer aparecer em Berlim até
que a situação seja um pouco segura. Soube que Stauffenberg não
aterrissou em Berlin-Rangsdorf como estava planejado, e que agora se
encontra em seu escritório da Bendlerstrasse. Portanto, ordena a seu
quartel-general da Prinz-Albrecht-Strasse que detenha Stauffenberg de
imediato. A central das SS fica a uns quatro minutos de carro do edi cio da
Bendlerstrasse. Contudo, só um Oberführer com vários acompanhantes
são mandados para deter Stauffenberg. Ele chega à Bendlerstrasse e
declara que quer manter uma conversa com o suspeito. Respondem
tranquilamente que isso é impossível e que, em vez disso, pode se
considerar de do. Pouco depois, é desarmado e re do em uma sala da
Bendlerstrasse, sem opor nenhuma resistência.
Enquanto isso, também chegou à Bendlerstrasse o Polizeiprásident de
Berlim, um conjurado que já recebeu as primeiras ordens do Valquíria.
Como na simulação da semana anterior, agora quer preparar a detenção
dos líderes nacional-socialistas. O coronel-general Beck lhe diz que na Toca
do Lobo negam a morte de Hitler. Olbricht não quer entrar nesse debate e
afirma que isso são men ras do marechal de campo Keitel. Mas Beck diz
que a no cia da sobrevivência de Hitler pode ser espalhada logo por
telégrafo e que deveriam estar preparados para isso. “Para mim, esse
homem está morto”, diz, em sua maneira clara e sóbria. A morte de Hitler
deve ser a máxima que guie a atuação, independente de qual seja a
verdade. E, quando tomarem o poder, o resto não terá nenhuma
importância. O Polizeiprásident promete agir seguindo esse princípio.
Enquanto isso, chegou ao edi cio o corpulento comandante do distrito
militar III. Esse general de infantaria é conhecido como um firme nacional-
socialista, e justamente por isso o convocam; para que, sem sua presença,
os conjurados possam neutralizar e controlar seu gabinete, que é
responsável por todas as tropas da área de Berlim e Brandemburgo. Agora
está sentado na sala con gua ao escritório de Olbricht e espera que o
levem ao escritório de seu superior, coronel-general Fromm. Este, por sua
vez, está de do e não tem contato com o mundo exterior. Finalmente,
chegam Olbricht e Beck e dizem ao general que deve executar o plano
Valquíria em seu distrito militar. Hitler está morto. O corpulento
comandante nega com veemência.
Pressente a conspiração e percebe que dois jovens oficiais o vigiam
disfarçadamente. De modo que se arma de coragem e se precipita para a
porta. Corre pelo corredor tão rapidamente quanto seu peso lhe permite.
São só 20 m até as escadas, por onde espera poder fugir.
“O general foi embora”, exclama imediatamente um oficial. E outro
grita:
“Cuidado, a saída!”
Ao lado da porta, há dois jovens resistentes que apontam suas pistolas
para o gordo oficial. O gesto surte efeito.
O fugi vo é levado de volta aos gabinetes enquanto respira
pesadamente. Vai murmurando algo sobre o juramento da bandeira e a
traição, mas depois se acalma e diz que não tem nada a ver com um golpe
de Estado e que não está à altura de tais cargas. Um pouco mais tarde, diz
que gostaria de ir para casa e trabalhar no Jardim, mas seus captores não
lhe permitem. Então, diz, que se vai con nuar de do ali, por favor façam
os prepara vos para seu pernoite.
Dos quartéis alertados em Berlim e arredores começam a chegar
confirmações de que estão preparados para a mobilização. Ao mesmo
tempo, chegam também as primeiras perguntas sobre as ordens, se são de
verdade e se devem ser executadas. Há dúvidas em especial no distrito
militar III, que se acentuam quando seu chefe não retorna de sua visita à
Bendlerstrasse.
O desconfiado alferes que quer informar Goebbels já está dentro do
bairro do governo com a moto que o major Remer pôs a sua disposição.
Não encontrou Goebbels no ministério da Propaganda, mas ali lhe
disseram que o ministro par u para sua residência, que também se
encontra no mesmo bairro. Goebbels reside em frente ao Reichstag e à
Porta de Brandemburgo, na Hermann-Göring-Strasse, nº 20, que, antes da
tomada de poder por parte dos nacional-socialistas, se chamava Friedrich-
Ebert-Strasse. Da parte traseira da casa pode ver-se o jardim da chancelaria
de Hitler.
O alferes se apresenta à porta da vila, coroada por águias de pedra. São
quase 17h30 quando por fim o fazem entrar. Goebbels ouve a história e no
início não quer acreditar. Um golpe de Estado dessas dimensões lhe parece
inconcebível. Entre seus numerosos cargos está o de Protektor da divisão
Grossdeutschland, e, portanto, do batalhão de guarda. Há pouco, convidou
alguns soldados do batalhão para uma festa de verão e, antes disso, o novo
comandante, Remer, apresentou-se a ele. E agora esses homens estão
marchando contra ele?
“Isso é completamente impossível”, diz queixoso.
Diante disso, o alferes pede que se aproxime da janela e mostra-lhe um
caminhão cheio de soldados do batalhão de guarda que passa pela frente
da casa nesse momento.
Goebbels fica petrificado no lugar. De repente, entende as dimensões
da Operação Valquiria.
“O que faremos?”, exclama.
O alferes propõe chamar imediatamente o major Remer. “Podemos
confiar em seu comandante?”, pergunta Goebbels. O alferes assente com
decisão:
“Não há dúvida alguma acerca da lealdade de Remer para com Hitler.”
Goebbels ordena que encontrem Remer e que seja levado até ali. Deve
mostrar-lhe o mais rápido possível que está agindo em favor dos
conjurados. Ao mesmo tempo, alerta as tropas das SS do Leibstandarte
Adolf Hitler, em seu quartel de Lichterfelde, mas as SS ainda não podem
agir. Goebbels também tem muito a perder no círculo interno do Führer e
tampouco sabe quem está controlando a situação. De qualquer maneira,
não tem mo vos para confiar nas SS mais que no exército. Além do mais,
acredita que nesse momento talvez se possa deter o plano dos resistentes
de outras formas, sem que se trave uma guerra civil nas ruas. Acabou de
enviar o alferes em busca de Remer quando toca seu telefone branco.
Do outro lado da linha está Hitler. O Führer foi comunicado há tempos
que a situação em Berlim é perigosa e pergunta, irritado, o que aconteceu
com o aviso emi do sobre sua “salvação”. Goebbels diz que ainda está
preparando um comentário que o acompanhe, mas Hitler não quer ouvir
nada disso. A no cia deve ser transmi da de imediato. Após essa conversa,
Goebbels liga para Albert Speer, o ministro de Armamento. Poderia ir a sua
casa? Ao que parece, há um golpe de Estado em andamento que deve ser
impedido a todo custo. E ele, Goebbels, tende a reagir desmesuradamente
em sua excitação. O temperamento tranquilo de Speer pode ajudá-lo a
manter a mente limpa. Speer aceita e chega pouco depois.
Agora, esperam ansiosos no cias do major Remer.
“Tudo depende desse major”, diz Goebbels. “Se ficar do nosso lado,
acabaremos com o levante. Senão, as coisas estão feias.” Da janela, Speer e
Goebbels observam os soldados pulando dos caminhões e fechando a
Porta de Brandemburgo para o tráfego.
Depois passa pela frente uma nova tropa, que se posiciona em frente à
vila de Goebbels. Dois homens fortemente armados se separam do grupo,
atravessam a Hermann-Göring-Strasse e se posicionam na entrada da casa.
Nesse momento, o ministro da Propaganda decide que já viu o suficiente.
Vai para seu dormitório e coloca no bolso duas ampolas de vidro cheias de
cianureto de potássio, o veneno de efeitos imediatos que seus médicos
prepararam para ele.
“Agora não pode me acontecer nada mais”, diz a Speer.
Mas onde está Remer? Não é possível encontrar o jovem major tão
rapidamente quanto o alferes esperava. Dizem que já está no bairro do
governo, controlando pessoalmente o isolamento. Ainda levará uma hora
para receber a mensagem urgente de Goebbels.
Um oficial de comunicações que chega ao escritório de Stauffenberg às
19h tem a impressão de que o coronel con nua sendo o mista. De
qualquer maneira, agora, Stauffenberg admite diante de outras pessoas,
pela primeira vez, que já não acredita que a bomba tenha acabado com
Hitler.
“O sujeito não está morto, mas o assunto está em andamento; não se
pode dizer nada.”
Mas essa confiança é da boca para fora, pois também pergunta por que
não ocuparam as salas de telégrafos e como pode ser que as emissoras de
rádio con nuem transmi ndo sem problemas. Seu interlocutor responde
que os oficiais encarregados da ocupação das emissoras estão prontos na
Stadtkommandantur, mas que não receberam nenhuma ordem.
No gabinete de Stauffenberg há um ir-e-vir con nuo. Ele está
informando a três comandantes que Fromm renunciou e está sob custódia
preven va, e ao mesmo tempo envia mensagens. O telefone toca sem
cessar com perguntas procedentes dos distritos militares, de Paris até
Praga. Devem ser enviados novos telex e ditadas novas ordens de
mobilização. Distribuem-se cartões de iden ficação para poder entrar e
sair do edi cio. Um dos conjurados civis propõe enviar tropas de assalto e
“mandar para o paredão” pelo menos Goebbels e Heinrich Müller, o chefe
da Gestapo. Stauffenberg encarrega um coronel de fazer a detenção, mas
este não a pode levar a cabo por falta de tropas leais.
Berthold Stauffenberg, ves ndo seu uniforme azul da Marinha, vai de
um lado para o outro da antessala sem descanso. Não pode fazer nada
além de observar a a vidade febril de seu irmão. Uma secretária traz uns
pratos frios. Os outros conspiradores que chegaram à Bendlerstrasse
também são pouco mais que meros comparsas.
Sua intervenção começará quando os obje vos mais importantes da
capital houverem sido controlados pelas tropas.
Às 19h30, o coronel-general Beck se encarrega de sondar a situação na
França. Será que o líder militar da França, Stülpnagel, manterá sua
promessa de agir com determinação? Beck lhe pergunta se tem no cias
dos acontecimentos em Berlim e se adere ao golpe. Stülpnagel diz que sim
para as duas coisas. Já mandou deter o Sicherheitsdienst, as SS e a
Gestapo. Essa é a melhor no cia que têm até o momento. Por fim, há um
comandante que age com a decisão necessária. Por outro lado, Paris está
longe, a situação de Berlim é mais decisiva. Ou não? Se o comandante-em-
chefe do oeste, o marechal -de campo von Kluge, aderir também ao golpe
de Estado e abrir o front aos norte-americanos e britânicos, poderiam
começar as negociações, de militar para militar. E o novo governo alemão
teria, talvez, a oportunidade de manter o front oriental contra os russos.
No círculo dos conjurados con nua-se sonhando com a “solução
ocidental”, alimentada pela ideia completamente ilusória de cravar uma
unha na aliança entre os norte-americanos e britânicos e os russos. Esse é
o obje vo de Stülpnagel para visitar o quartel-general de Kluge em La
Roche-Guyon e tentar convencê-lo com uma argumentação apaixonada.
Por menos que o realista Beck acredite em um sucesso no oeste, deve
tentar de todas as formas ganhar para a causa o volúvel Kluge. Sua ligação
para La Roche-Guyon também chega, mas o marechal de campo já recebeu
a no cia de que Hitler está só levemente ferido. De modo que Beck não
consegue nada com suas promessas. Kluge fala vagamente e evita
afirmações diretas. Mais tarde, quando Stülpnagel e Hofacker chegam,
negará qualquer conhecimento dos planos da resistência e aconselhará os
golpistas a “desaparecerem como civis em algum lugar”. De novo é
impossível conseguir algo com o marechal de campo, a quem Hitler
costuma chamar de “klugen Hans” [Hans, o esperto).
Nesse mesmo momento, o major Remer já controlou a mobilização de
seu batalhão de guarda no bairro do governo. Tudo está pronto. Se tem
alguma dúvida acerca de sua tarefa, não deixa que ninguém note. Manda a
no cia de que a missão foi realizada ao Stadtkommandant Hase em Unter
den Linden. A seguir, ouve Hase deliberar em voz baixa com um tenente-
coronel. Trata-se da detenção de Goebbels. O tenente-coronel
desaconselha que Remer seja encarregado disso. Goebbels é o protetor do
batalhão de guarda e seria demais pedir à tropa de Remer a sua detenção.
Nesse instante, o alferes, que está de volta da casa de Goebbels, seguiu
o rastro de Remer até a Stadtkommandantur. Contudo, já não se atreve a
entrar no edi cio. Supõe que há conspiradores por todos os lados. De
modo que manda uma mensagem a Remer com sua teoria: “A situação
mudou por completo! Trata-se, muito provavelmente, de um golpe militar!
Não se sabe nada mais específico, mas o comissário da defesa do Reich
pede que se apresente a ele tão rápido quanto possível! Se não
comparecer diante dele em vinte minutos, terá que supor que o estão
retendo à força. Então, ver-se-á obrigado a alertar as Waffen-SS”.
Remer já não sabe o que fazer. Leva o mensageiro ao
Stadtkommandant Hase e o faz repe r a no cia. Depois, pede-lhe
permissão, com um rigoroso respeito pela cadeia de comando, para ir à
casa de Goebbels. Hase nega, pois vê nisso um grande perigo para a
operação.
“Remer, você permanecerá aqui!”
Anteriormente, quando os líderes da resistência debateram sobre
Remer e expressaram sua preocupação com ele, Hase afirmou que Remer
era em primeiro lugar um soldado, e que obedeceria como tal. E agora
parece confiar que assim seja.
Remer encontra-se em um sério dilema e fala com seu assistente.
“Agora minha cabeça está em jogo”, diz.
Embora esteja entregue a Hitler, isso não quer dizer que possa confiar
em Goebbels. É incapaz de discernir quem está agindo segundo a vontade
do Führer e quem não. De modo que caminha indeciso à frente do
monumento de Unter den Linden. Finalmente, decide ignorar a ordem de
Hase e reunir-se com Goebbels. Não obstante, leva um grupo de soldados
consigo para que o esperem em frente à vila do ministro. Diz a eles que, se
não ver saído em quinze minutos, devem assaltar o edi cio e libertá-lo à
força.
Aproximadamente às 18h45 está caminhando, pistola enga lhada na
mão, pelo jardim da frente da vila de Goebbels rumo à porta de entrada.
Ali o esperam ansiosamente e pedem que entre. Pergunta ao ministro de
Propaganda o que está acontecendo. Mas este responde que gostaria de
saber da boca do próprio Remer. O major descreve as medidas que foram
tomadas como parte da Operação Valquíria, mas omite por precaução o
que sabe da planejada detenção de Goebbels. A seguir, este pergunta,
expectante, o que o major pretende fazer. Remer responde que se sente
ligado a sua consciência como oficial e a seu juramento, mesmo se o
Führer es ver morto.
Com isso Goebbels não havia contado. Olha para Remer, como este
contaria mais tarde, completamente surpreso.
“Como?”, pergunta. “O Führer con nua vivo. Acabo de falar
Com ele. O atentado fracassou! Você foi vi ma de um engano!”
Agora cabe a Remer surpreender-se. No início, mal pode acreditar.
Goebbels lhe pergunta se é nacional-socialista, ao que Remer diz que sim.
Em contrapar da, pede a Goebbels sua palavra de honra de que está do
lado do Führer incondicionalmente. Em vez de responder, Goebbels pede
que o ponham em contato com a Toca do Lobo. Vê como o major está
obcecado com Hitler e quer aproveitar a oportunidade. Após um minuto,
sua conexão está pronta e, para grande surpresa de Remer, o próprio Hitler
atende. Goebbels lhe explica a situação em poucas palavras e depois lhe
passa o aparelho.
“Major Remer, ouça, reconhece minha voz?”, diz Hitler.
“Sim.”
Remer pensa que se pode imitar a voz de Hitler. Mas o homem que
está falando soa exatamente como aquele que há quase um ano lhe
outorgou a Cruz de Ferro com folhas de carvalho. Suas dúvidas
desaparecem. Hitler, por sua vez, não imagina que possam pensar que é
um imitador.
“Como pode ver, estou vivo”, diz-lhe. “O atentado fracassou por obra
da Providência Divina. Um pequeno grupo de oficiais ambiciosos, desleais
e traidores quis me matar. Mas agora temos os sabotadores do front.
Acabaremos com esses insetos traidores usando, se preciso, toda nossa
força. Você, major Remer, recebe de mim neste exato instante plena
autorização para agir em Berlim, e é responsável somente perante mim, e
mais ninguém, de restabelecer imediatamente a paz e a segurança na
capital do Reich. Cuidará dessa incumbência até que o Reichsführer
Himmler chegue aí e assuma sua responsabilidade.”
Assim acaba a conversa. O major Remer não tem mais nenhuma
dúvida: agora age sob ordens diretas de Hitler. A pedido de Goebbels,
repete a conversa. O ministro lhe pede que estabeleça um posto de
combate nas dependências inferiores da casa. Remer aceita e começa
imediatamente a enviar oficiais para deter as tropas que se encontram em
marcha. Transmi rão a mensagem de Hitler, declararão inválidas as ordens
dos conspiradores e pedirão a todos os comandantes da Hermann-Göring-
Strasse que se submetam à autoridade de Remer. A Operação Valquíria
sofreu um duro golpe, que acabará sendo mortal.
Mas as medidas seguem segundo o plano, tal como Stauffenberg havia
previsto. Os Panzerpioniere e Panzerfunker de Co bus ocuparam a
emissora Deutschlandsender de Herzberg conforme suas ordens e outra
companhia controla a emissora de Königswusterhausen. Os líderes do
par do e das AS do lugar, assim como os SS-Wachen e as unidades das SS
estacionadas perto dali, submeteram-se sem resistência à ordem do
exército. Mas há uma incerteza acerca do que se deve fazer a seguir; de
qualquer maneira, as tropas não estão tomando as emissoras, que estão
em funcionamento. A mais importante é a emissora municipal da
Masurenallce. Agora está ocupada por um batalhão de quatrocentos
homens da escola de infantaria de Döberitz; portanto, nas mãos dos
conspiradores. Um major recebeu a ordem por telefone da Bendlerstrasse
e a executou de imediato. Não houve nenhuma resistência, inclusive a SS-
Wache permaneceu sentada e obediente. Agora há metralhadoras
assegurando a entrada e lança-granadas no pá o interno. A emissora está
perfeitamente segura contra um ataque do exterior. Mas Stauffenberg e
seus companheiros, que esperam essa no cia com impaciência, não sabem
disso. O major recebeu um número de telefone da Bendlerstrasse ao qual
devia ligar para comunicar o sucesso da operação. Mas ninguém atende.
De modo que age por sua conta e ordena ao intendente que suspenda
a transmissão. Este lhe mostra a sala de controle principal, explicando que
está desligada. Uma men ra absoluta. A sala de controle parece estar
ina va, mas só porque está há muito tempo sem ser usada. Para protegê-la
dos ataques aéreos, a emissora propriamente dita não se encontra no
edi cio. Está em um bunker con guo de construção recente. O aparelho
emissor con nua funcionando nesse momento sem ser interrompido.
Só um oficial de comunicações com a devida formação poderia ter
notado o engano. Espera-se que chegue um à emissora, mas por ora não
aparece. Problemas para entrar em acordo, oportunidades que escapam
por um fio, fracassos em posições chave... Devagar, mas sem pausa, os
planejadores da resistência perdem o controle.
Contudo, os golpistas ainda têm muitas esperanças no poder da rádio.
Espera-se um general com o discurso preparado, mas não acham esse
discurso, e infelizmente só há um exemplar do manuscrito. O coronel-
general Beck está fora de si. O anúncio do novo governo deve ser
transmi do o mais cedo possível; de outro modo, deixa-se o campo livre
para o odiado regime. De modo que se deve escrever um novo discurso.
Beck solta palavras-chave para o agente da Abwehr Gisevius e este as
anota aplicadamente. Tanto faz ser anunciado pela propaganda do
nacional-socialismo, tanto faz se Hitler está morto ou se con nua vivo. Um
Führer a quem seus próprios oficiais e seus colaboradores mais próximos
queriam assassinar está moralmente morto. É hora de um novo começo
para Alemanha. Gisevius anota. Senta-se na antessala de Stauffenberg, a
longa “sala dos espelhos”, e tenta se concentrar. Na sala con gua está
Stauffenberg ao telefone, ordenando, animando e suplicando a oficiais de
todo o território do Reich que executem o plano Valquíria. Também
comunica a Gisevius suas próprias ideias e palavras-chave. E este acaba
ficando incapaz de pensar com clareza.
Con nua sem haver comunicação entre a Bendlerstrasse e a emissora
ocupada. Ali é transmi do agora, depois de, finalmente, Goebbels enviar o
anúncio preparado na Toca do Lobo; debaixo do nariz dos guardas, mas
sem que percebam. O anúncio é um tanto pobre na redação, confuso pela
quan dade de nomes e surpreendentemente seco em seu tom. Contudo,
contém as informações decisivas que acabarão com as úl mas chances do
golpe de Estado.
“Hoje houve um atentado com um artefato explosivo contra o Führer.
Houve graves feridos entre os que estavam com ele. O tenente-general
Schmundt, o coronel Brandt, o colaborador Berger. Os seguintes sofreram
ferimentos menores: o coronel-general Jodl, os generais Korten, Buhle,
Bodenschatz, Heusinger e Scherff, os almirantes Voss e Von Pu kamer, o
capitão da zur Marina Assmam e o tenente-coronel Borgmann. O próprio
Führer sofreu leves queimaduras e contusões, mas nenhum ferimento.
Voltou ao trabalho no ato e, como estava previsto, recebeu o Duce, com
quem manteve uma longa conversa. Pouco depois do atentado, o
Reichsmarschall apresentou-se diante do Führer.”
Não se pode reconstruir com exa dão o momento preciso em que se
pôde ouvir essa no cia em Berlim, pois as lembranças das testemunhas se
contradizem. Mas está claro que é repe da constantemente e passa por
todas as agências de no cias: pelo serviço nacional da Deutsches
Nachrichtenbüro, de onde é captada pelo serviço de escuta dos ingleses;
pelo serviço alemão da Deutsches Rundfunk; pelo serviço telegráfico para
o Extremo Oriente, em língua inglesa pelo Afrikadienst, depois em turco,
árabe, etc. É anunciado, com música de Wagner, um discurso pessoal do
Führer para mais tarde. Ao que tudo indica, será transmi do essa mesma
noite.
Para muitos soldados que estão fazendo parte da Operação Valquíria,
este anúncio ou o simples rumor dele, que se espalha como ras lho de
pólvora pela tropa, significa o fim da obediência às ordens que chegam da
Bendlerstrasse.
Outros acreditam que é uma men ra. Por exemplo, Henning von
Tresckow, o primeiro estrategista da operação, ouve a no cia na Polônia,
no Grupo de Exércitos do Centro. Antes disso, recebeu uma ligação do
coronel Mertz von Quirnheim de Berlim: o atentado que ele planejou
durante tanto tempo teve finalmente sucesso com Stauffenberg. Após o
anúncio pela rádio, Tresckow con nua acreditando no sucesso da
resistência e supõe que é uma men ra de urgência dos fiéis a Hitler. Ficará
desconcertado quando, pouco depois, chegar ao Grupo de Exércitos o
decreto da Toca do Lobo de não aceitar mais nenhuma ordem de Berlim.
Nina von Stauffenberg está no jardim da residência familiar de
Lautlingen e aproveita a tarde de verão. Seus filhos ainda não sabem, mas
está grávida de novo e se encontra no quarto mês. Após a agitação da
viagem, a calma lhe faz bem. A viagem de trem com bagagem e babá, uma
parte na segunda classe e a outra na terceira, é sempre um grande desafio.
Mika, sua cunhada, de 44 anos e mulher de Berthold, está com ela. Mika e
seus dois filhos, Alfred e Elisabeth, acabam de chegar também a Lautlingen
de Berlim. As férias de verão são a época de voltar para casa. As crianças
correm pelo quintal e pela casa, fascinados pelo reencontro com primas e
primos, e com os parentes mais velhos: a avó, a quem chamam de Duli, o
o-avô Nicholaus von Üxküll-Gyllenband, a a-avó. O tranquilo vale
convida Nina e Mika von Stauffenberg a esquecer um pouco o medo que
sentem. Este promete ser um verão maravilhoso.
Nesse momento, chega uma das jovens criadas. Estava ou. Vindo rádio
e informa sem fôlego que houve um atentado contra o Führer. As duas
mulheres se olham assustadas, mas não deixam que se perceba nada. Só
quando estão de novo sozinhas Nina encontra palavras para descrever a
no cia: “Então, eles fizeram!”
Sabem que seus maridos têm a ver com o assunto. Somente isso já é
perigoso. Mas não têm nem ideia de quem a vou a bomba, do desespero
da luta pelo poder em Berlim, nem do que Claus e Berthold estão fazendo
nesse momento. Nessa mesma tarde, Nina verá que não pode fazer nada
senão esperar. Assim como os outros, irá para a cama e dormirá, a despeito
de sua preocupação, antes de acabar o drama de 20 de julho.
Em Berlim, Claus von Stauffenberg também não se deixa consternar
pelo anúncio. Chama imediatamente uma secretária a seu escritório e
começa a ditar um novo e breve telex. “O comunicado transmi do pela
rádio não corresponde à verdade. O Führer morreu. As medidas ordenadas
devem ser levadas a cabo com a maior velocidade possível.” Como
remetente, escreve: “Chefe do Exército de subs tuição e comandante-em-
chefe do comando do Interior”. Quando o papel sai da máquina de
escrever e é apresentado a Stauffenberg para que o assine, este u liza a
abreviatura de seu nome, “St”. Duas letras apressadas que mostram a
urgência desesperada desse momento.
O telefone con nua tocando sem descanso. Ligam altos oficiais de toda
a Alemanha e dos territórios ocupados perguntando por Valquíria,
estranham o anúncio transmi do, e têm na mão contraordens
provenientes da Toca do Lobo. Stauffenberg tenta mantê-los do seu lado,
com determinação, sempre agindo formalmente a serviço de Fromm. O o
John, testemunha presencial, descreve como ele agia: “Aqui Stauffenberg,
isso mesmo... con nuam vigentes... levar a cabo todas as ordens... Devem
ocupar imediatamente todas as estações de rádio e de comunicações...
qualquer resistência será eliminada... provavelmente receba contraordens
do quartel-general do Führer... não estão autorizadas... a Wehrmacht
recebeu autoridade plena... entendeu? Isso mesmo... o Reich está em
perigo... como sempre ocorre nos momentos de maior necessidade, o
soldado tem a autoridade absoluta... sim, Witzleben foi nomeado
comandante-em-chefe... Está claro? Hell!”.
Todas as testemunhas que viveram a energia e a vidade de
Stauffenberg nesses momentos nunca esquecerão.
“É o momento de o oficial se fazer valer!”, exclama ao telefone.
Quem liga para a Bendlerstrasse e pergunta por Fromm fala com
Stauffenberg. Este passa de um aparelho para o outro sem descanso, mal
consegue responder a todas as perguntas. Enquanto isso, muitos dos que o
deveriam ajudar ficam sem fazer nada a sua volta.
O coronel luta por cada aliado. Quando chega o aviso de que o major
Remer ficou do lado de Hitler, ordena sua neutralização imediata, mas
faltam as tropas leais que a levem a cabo. Umas vezes fala com um duro
tom impera vo, outras de forma melosa, outras apela à amizade e à
camaradagem.
“É verdade que posso confiar em você...? Precisa aguentar... Faça com
que seu chefe permaneça forte... Confio em você... Por favor, não me
decepcione também... Temos que aguentar!”!
Contudo, com certeza nesse momento, sente que a luta será em vão.
Em treze dos 21 distritos militares não houve nenhuma reação clara. Por
um lado, estão as contraordens de Keitel; por outro, há comandantes que
decidiram não fazer nada. Em Praga, há uma espécie de acordo para não
incomodar os líderes nazistas; em Viena, foram implementadas
temporariamente as ordens do plano Valquíria, mas não vão além de uma
espera conjunta e de uma discussão acalorada. Só Paris dá esperanças a
Stauffenberg. Ali se prepara seriamente a detenção dos grupos das SS e da
polícia: 1200 homens e seus líderes ficarão nas mãos do Exército. Os
juristas do Estado-Maior já elaboraram acusações escritas por deportações
de judeus, a explosão da sinagoga de Paris e outros crimes. Os tribunais
estão preparados, e no pá o da École Militaire empilham-se sacos de areia
para os pelotões de fuzilamento...
Outra medida tomada por Stauffenberg é ligar para o Grupo de
Exércitos do Norte, que se encontra em grave perigo. Con nua ameaçado
de ser esmagado pelo Exército Vermelho. Hitler nega há semanas a ordem
de re rada. Stauffenberg diz ao chefe do Estado-Maior de lá:
“Para o novo governo, a salvação da província oriental do Reich
depende [...] de o Grupo de Exércitos retroceder de imediato.”
Depois, passa o telefone ao coronel-general Beck, que confirma a
ordem como chefe de Estado. Mas não passa de uma ação simbólica. As
tropas já foram informadas há tempos de que as ordens da Bendlerstrasse
não têm nenhuma validez.
Os subordinados de Hitler em Berlim podem contemplar, agora, o
golpe de Estado desmoronar lentamente. Na escola de infantaria de
Döberitz, os oficiais não sabem o que fazer, as perguntas vêm e vão, e
então chega o anúncio de que Hitler está vivo. As unidades esperam em
estado de alerta, mas não se movem. Finalmente o fazem, mas depois são
de das. Na Escola de tropas blindadas de Krampnitz, um coronel exclamou
após receber o primeiro anúncio da Operação Valquíria: “Ajudante, uma
garrafa de champanhe, o porco morreu!”. Mas depois a saída dos Panzer é
atrasada; a seguir, chega uma ligação do quartel-general do Führer dizendo
que as ordens não são verdadeiras. Portanto, outro comandante vai com
várias unidades à Bendlerstrasse, fala com Olbricht e Mertz e se recusa a
seguir suas ordens. Posto que insiste que só está sob as ordens do inspetor
geral da tropa blindada, de quem há tempos não chegam no cias, os
Panzer são, durante um tempo, um fator de incerteza para os dois lados.
Na escola de armeiros do Exército de Treptow, cujos homens estão a
cargo da ocupação do Palácio de Berlim, estão prontos para par r em duas
companhias, mas faltam os caminhões para o transporte. Em seu lugar, os
soldados vão de bonde para a cidade, mas os armeiros do major Remer já
isolaram tudo. Os armeiros tentam levar a cabo sua tarefa de algum modo
e há disputas com o batalhão de guarda, mas não enfrentamentos
armados. No final, veem que não tem sen do con nuar tentando.
Os técnicos em explosivos do Exército de Lichterfelde mobilizam-se só
parcialmente porque precisam vigiar o quartel vizinho, do Leibstandarte
Adolf Hitler das SS, que foi alertado por Goebbels. Uma tropa de assalto
recebe do Stadtkommandant Hase a ordem que este não comunicou ao
major Remer: ocupar o Ministério da Propaganda e deter Goebbels. O
capitão que deve executar a ordem consegue chegar até Remer com
algumas dificuldades. Este lhe explica a situação tranquilamente, faz
referência à ordem direta do Führer e exige obediência. Diante disso, o
capitão abandona sua tarefa, fica sob as ordens de Remer e reforça com
sua tropa o zoológico. Uma nova tenta va de Stauffenberg de conseguir
que Goebbels passe às mãos do Exército fracassa desde o começo, pois a
tropa de reforço já recebe ordens de Remer.
Em seu posto de comando provisório na vila de Goebbels, o major
Remer recebe afirmações de lealdade dos líderes das diversas tropas, que
se põem sob suas ordens sem replicar. A no cia de que Hitler con nua vivo
chegou a todos os lugares. Em muitos casos, os interlocutores da
Bendlerstrasse já não estão disponíveis. Mesmo aqueles oficiais que horas
antes se alegravam com a falsa no cia da morte do Führer reconhecem
agora que não faz sen do prosseguir com o golpe de Estado. Remer deixa
no jardim de Goebbels uma forte reserva de assalto, e o ministro,
obcecado como sempre pela propaganda, faz um discurso para os homens
com Remer a seu lado. O efeito se faz sen r. Se fosse necessária uma
intervenção armada contra os golpistas, esses soldados atuariam como
lhes fosse ordenado.
Por volta das oito da noite, quando pra camente tudo acabou, chega o
marechal de campo Witzleben ao edi cio da Bendlerstrasse. Antes esteve
em Zossen, às portas de Berlim, onde se encontra o centro de comando da
Wehrmacht, cuja direção devia tomar, segundo os planos da resistência.
Contudo, ali somente encontra oficiais que já abandonaram a luta.
Zangado com tanto caos e incerteza, voltou a Berlim. Qualquer um pode
ouvir que a rádio não está nas mãos dos conspiradores e, como
experimentado comandante, sabe imediatamente que as tropas da cidade
não estão com a resistência. Procura Stauffenberg com rosto sombrio e
pede um relatório imediato. Este descreve a situação, tão comba vamente
quanto a situação permite.
“Bela porcaria”, diz Witzleben com secura. Pergunta onde está seu
superior; como militar de mais alta patente do golpe, é subordinado de
Beck, o chefe de Estado civil. É levado a ele e ambos desaparecem nos
aposentos de Fromm. De fora podem-se, ouvir palavras de irritação. Pouco
tempo depois, chamam Stauffenberg. Witzleben cobre-o de censuras
enquanto bate na mesa com o punho. Stauffenberg afirma que o anúncio
de que Hitler con nua vivo é men ra, mas Witzleben se nega a acreditar.
Beck repete sua opinião de que, independente das circunstâncias reais,
para ele Hitler está morto. Witzleben pergunta o que imagina que se deve
fazer se nem sequer tem tropas leais a sua disposição, e diz que não quer
ter nada mais a ver com um assunto sem futuro como esse. Após um longo
debate, o velho marechal de campo já tem o suficiente. Levanta-se, sai
iracundo do quarto e afirma que regressa para casa e que não vai voltar.
Ninguém se atreve a detê-lo.
Quando, por volta das dez, o Stadtkommandant Hase fica sabendo que
Remer está do lado do regime, que montou seu centro de comando na
casa de Goebbels e que recebeu plenos poderes de Hitler, sabe que
perdeu. Atende à exigência de Remer de ir à casa de Goebbels e tenta com
todas as suas forças apagar seu rastro. Agradece a Remer por sua
intervenção e também afirma diante de Goebbels que não sabia do mau
uso do plano Valquíria. Goebbels não acredita, mas não o deixa saber, e
exige a Hase que permaneça na casa para poder voltar a lhe fazer
perguntas. Servem-lhe comida e Goebbels até lhe pergunta se prefere
beber vinho do Reno ou do Mosela. Assim, os adversários disfarçam
durante um tempo, enquanto um planeja uma sangrenta vingança e o
outro se prepara para um amargo fim. Mais tarde, a Gestapo levará Hase.
Apesar de tudo, Remer e Goebbels ainda não sabem que os líderes da
conspiração se encontram na Bendlerstrasse. De fato, o major até re ra
seus homens dali. Isso tem como primeira consequência o fato de os
resistentes terem que cuidar eles mesmos da vigilância de sua central.
Ás 22h15, Olbricht reúne em seu escritório os oficiais do Gabinete
Geral do Exército. Encarrega-os da proteção do edi cio. O tenente-coronel
Franz Herber pede mais unidades, mas Olbricht só responde que se trata
de manter a paz e a ordem, e que todas as ordens devem ser cumpridas.
“Meus senhores”, diz, “estamos há muito tempo contemplando os
acontecimentos com grande preocupação. Sem dúvida nenhuma, começou
uma catástrofe. Deviam ser tomadas medidas para acabar com este
assunto. E essas medidas chegaram a sua aplicação. Peço-lhes que me
apoiem.”
E, assim, dá por encerrada a reunião.
O tenente-coronel Herber, responsável pela logís ca e pela munição no
Gabinete do Exército, recebeu ordens do coronel Mertz à tarde e ajudou
na aplicação do plano Valquíria. Além do mais, mandou trazer armas à
Bendlerstrasse. Contudo, seus companheiros e ele encontram-se
alarmados. Discutem no corredor o que devem fazer diante da vaga
informação dada por Olbricht. Está claro que estão tentando um golpe de
Estado, mas reconhece que a essa altura não os incluirão na conspiração.
Contudo, a estratégia de Olbricht é óbvia: não quer transformar mais
homens em conspiradores diante do desespero da situação.
Herber e seus companheiros decidem, após um curto debate, salvar
suas próprias cabeças, se possível. Querem falar com o homem a quem
reconhecem como legí mo superior, mas que não é visto em parte
alguma: o coronel-general Fromm. Para isso, estão dispostos à violência e
se armam de pistolas, fuzis, mini metralhadoras e granadas de mão.
O o John, encarregado de questões da polí ca externa, está se
despedindo nesse instante. A situação é muito confusa. Só poderá fazer
algo razoável na manhã seguinte. Ao sair, encontra Von Hae en, o
ajudante de Stauffenberg, e lhe diz que ligará no dia seguinte às oito.
“Talvez amanhã já tenham nos enforcado a todos”, responde Hae en
com secura; depois sorri e diz: “Adeus.”
A seguir, Hae en dá indicações ao motorista Schweizer, que também
está no edi cio, para que prepare um carro de fuga. John conseguirá sair
tranquilo.
Um chefe de companhia, por fim, leva a Remer, por volta das 22h30, a
no cia de que se concluiu que a sede dos conspiradores está na
Bendlerstrasse. Levam-no imediatamente a Goebbels, que liga de novo
para Hitler e pede permissão para assaltar imediatamente o Bendlerblock.
A ordem é dada e as tropas do batalhão de guarda partem de novo.
A tropa dos oficiais do Gabinete do Exército leais ao regime, liderados
por Herber, regressam ao escritório de Olbricht enquanto isso. No
corredor, encontram os jovens auxiliares da resistência, que não podem
fazer nada e são desarmados. Os oficiais entram, a seguir, no escritório de
Olbricht e exigem uma resposta direta a suas perguntas: Hitler con nua
vivo ou não? As medidas ordenadas vão contra o Führer? Olbricht
responde que há informes contraditórios e que não pode dizer mais nada.
Ao ouvir isso, Herber fica enfurecido. Diz a Olbricht que não sairá da sala e
exige falar com o coronel-general Fromm de imediato. Nesse momento,
entram Mertz e Stauffenberg. Herber tenta detê-los também. De repente,
Stauffenberg corre para a porta e é seguido por Herber e um major. Forma-
se um tumulto. Stauffenberg consegue escapar para o corredor e os outros
se precipitam atrás dele. Ouvem-se ros no corredor, e o capitão Klausing
a ra em Herber. Stauffenberg segura sua pistola belga sob o toco, carrega-
a com sua mão esquerda e a ra. Depois, é a ngido no braço esquerdo.
Pelo corredor, estende-se uma poça de sangue.
O roteio acaba tão rápido como começou e é um sinal dos nervos à
flor da pele de todos. Ninguém tem a intenção de resolver a situação em
um combate corpo a corpo. Em primeiro lugar, deixam o ferido
Stauffenberg descansar. Herber e sua gente vão ao escritório de Fromm,
onde encontram, entre outros, o coronel-general Beck e Werner von
Hae en. O jovem tenente está de cócoras no chão, queimando papéis.
Herber exige falar com Fromm. Finalmente, alguém diz que Fromm está
em sua casa oficial e que o podem encontrar ali.
Herber envia um capitão.
Stauffenberg sangra profusamente e se sentou na antessala de Fromm.
Re rou o tampão preto que cobre seu olho direito. Os presentes assustam-
se ao ver a órbita do olho vazia. Pede que seu primo Hofacker, em Paris,
mas só liguem para encontrar o chefe do Estado-Maior de lá. As no cias de
Paris con nuam sendo boas. De veram as SS e a Polícia, bem como seus
oficiais máximos. Mais de mil homens encontram-se na prisão. Mas
Stauffenberg perdeu a fé e diz aos parisienses que tudo acabou.
“Já ouço os esbirros pelo corredor”, diz, antes de desligar.
“Todos me deixaram na mão”, afirma diante da secretária.
A expressão de seu rosto é desoladora. O firme Olbricht também faz
um balanço em seu escritório.
“Stauffenberg era nosso Têrtenreiter”, diz a seu genro, um oficial da
Lu waffe que foi à Bendlerstrasse à tarde para apoiá-lo. Emprega a palavra
que se usa em cavalaria para designar o homem que lidera a formação em
doma clássica. “Nunca se deixa um Têrtenreiter na mão.”
Herber, que con nua dando as ordens, reúne os conspiradores no
escritório de Fromm. Declara que todos estão de dos. Chegam as unidades
do batalhão de guarda. Todo o complexo de edi cios é isolado e os guardas
das entradas presos. Quando os homens de Remer entram, comprovam
que Herber já assumiu o controle.
O capitão que havia sido enviado para buscar Fromm sobe por uma
escura escada de madeira de carvalho que não para de ranger até chegar
ao terceiro andar da Bendlerstrasse. Não encontra nenhum guarda diante
da porta, só o consternado ajudante coxo do coronel-general. Este diz que
seu chefe está na casa e que tenta ouvir o rádio. Ouvem-se uns passos
perto da porta e a governanta de Fromm olha para fora.
“Por favor, posso falar com o coronel-general?”, pergunta o capitão,
como se fosse uma visita de cortesia e a mulher não vesse os olhos fixos
no cano de uma mini metralhadora.
Seu rosto desaparece e nada ocorre durante um instante. Depois, a
mulher reaparece e pede ao visitante que entre.
Fromm encontra-se na pequena sala de visitas da casa. O capitão se
desculpa por sua entrada marcial e diz que Fromm pode se considerar um
homem livre. Este lhe estreita a mão emocionado e agradece por ter vindo.
“Eu lhe mostrarei o que está acontecendo”, diz Fromm.
Juntos descem a escada. No caminho, encontram um tenente-coronel
do batalhão de guarda a quem Fromm conhece. Acaba de chegar do
exterior e anuncia que uma companhia está isolando o edi cio.
Quando Fromm retorna a seu escritório, perto das onze, nas salas ao
redor já se amontoam dúzias de oficiais para acompanhar, através das
portas, os dramá cos acontecimentos. Entre eles está Berthold von
Stauffenberg. Os de dos estão calmos, a hora de lutar já passou.
“Bem, meus senhores”, diz Fromm. “Agora farei com vocês o que
fizeram comigo hoje de manhã.”
Alguns dos presentes têm a impressão de que ele está profundamente
irritado, como se um sen mento de vingança impregnasse sua voz.
“Agora entregarão suas armas”, anuncia, “e serão acusados de alta
traição. Foram descobertos em flagrante. Vamos submetê-los a um
conselho de guerra.”
Desse modo, entregam suas armas: o coronel Claus von Stauffenberg,
íntegro; o coronel Ri er Mertz von Quirnheim, com silencioso desprezo; o
general Friedrich Olbricht, marcado pela dura luta pelo poder; o tenente
Werner von Hae en, teimoso e disposto a brigar; o coronel-general
reformado Hoepner, que con nua não se sen ndo completamente parte
da conspiração; e o coronel-general Beck, cujo rosto parece mais triste que
nunca.
“A mim, seu an go superior, não pretenderá exigir isso”, responde Beck
tranquilamente a Fromm. “Eu mesmo resolverei esta infeliz situação.”
Pede, então, para guardar sua pistola para “uso privado”. Fromm lhe
permite. Então faz todos os espectadores saírem, exceto dois oficiais, e
manda fechar as portas.
Quando Beck começa a dizer algo mais sobre os velhos tempos, Fromm
o interrompe bruscamente:
“Não queremos desenterrar isso. Peço que aja.”
Beck emudece. Senta-se meio de lado em uma poltrona e levanta a
pistola à altura da cabeça. Depois aperta o ga lho, estremece e o sangue
corre por suas têmporas, mas não foi mortalmente ferido. Stauffenberg
aproxima-se dele e lhe oferece apoio. Beck ergue a pistola, com
dificuldade, uma segunda vez e torna a a rar. Então, desaba e a arma cai
de suas mãos. Levam-no para fora, mas con nua vivo.
O coronel-general Hoepner pede para não ser subme do a conselho de
guerra. Diz que estava envolvido só de modo marginal e espera poder
comparecer perante um tribunal ordinário. Escreverá imediatamente uma
declaração. Fromm concorda e lhe oferece sua mesa.
A seguir, Olbricht pergunta se pode escrever umas linhas à sua mulher.
A frieza cortante de Fromm se desvanece durante um momento.
“Vá à mesa redonda”, diz, “na qual sempre se sentou em frente a mim.”
Na sala, ouve-se o ruído de duas penas, os caminhões que rodam,
embaixo, cheios de soldados e os passos das botas no corredor.
Stauffenberg, Mertz e Hae en esperam seu des no imóveis e em silêncio.
O tempo parece parar.
“Meus senhores, acabaram?”, pergunta Fromm após uma eternidade.
“Por favor, apressem-se para não tornar tudo mais di cil para os outros.”
Então, sai da sala. Já fora, ordena a um oficial do batalhão de guarda que
forme um pelotão de fuzilamento de dez suboficiais. O pelotão estará sob
o comando de um alferes e tomará posição no pá o. É meia-noite. O dia 20
de julho de 1944 acabou. Com ele morre a esperança de deter a loucura de
um homem e de um sistema que sobreviverá durante dez meses, dez
meses nos quais enviará mais seres humanos à morte que em todos os
anos de guerra anteriores.
Quando Fromm retorna, os soldados e oficiais entram atrás dele. Ficou
fora só cinco minutos. O gigantesco oficial emprega agora um brusco tom
formal.
“Em nome do Führer, uma corte marcial excepcional formada por mim
emi u um veredicto. O coronel do Estado-Maior von Mertz, o general
Olbricht, o coronel cujo nome não quero citar e o tenente von Hae en
foram condenados à morte.”
No aposento reina um silêncio absoluto. Agora está claro que a
Situação, por outro lado dramá ca, beira o absurdo. O anúncio de um
conselho de guerra excepcional deve ter parecido apressado e exagerado
aos presentes. Fromm teria seguido as normas com uma simples detenção
e com a entrega dos conspiradores ao batalhão de guarda. Está agindo
contra o estabelecido, de maneira irracional e vinga va. É verdade que se
contempla esse po de conselho de guerra em casos de “ataques sicos
contra um superior” e “sublevação”. Mas é algo pensado para o front,
quando há perigo em caso de demora, e mesmo nesse caso a burocracia
militar alemã age. Deve-se formar um organismo sentenciador com vários
oficiais que realizem um processo rápido, mas formal e regrado. No curto
espaço de tempo em que Fromm esteve fora da sala, é impossível que
tudo isso tenha acontecido. E, após as inves gações posteriores, não se
encontra ninguém que tenha feito parte dessa suposta “corte marcial”.
Fromm quer mandar fuzilar o mais rápido possível os conspiradores,
sem nenhuma base legal. Por quê? Seu comportamento nesse momento é
contraditório. Flutua constantemente entre a sede de vingança e um
vislumbre de clemência. Talvez seu “veredicto” tenha um pouco das duas
coisas. O sen mento de que nesses úl mos minutos precisa saldar uma
afronta pessoal e a certeza de que, dessa forma, seus an gos camaradas
não cairão nas mãos dos sequazes de Himmler. Seu comportamento o
prejudica, disso tem consciência. A Gestapo espera, mediante tortura,
poder arrancar até o úl mo detalhe dos de dos. No Volksgerichtshof, o
infame juiz Roland Freisler já está preparado para gritar com eles e
humilhá-los sem descanso, e Hitler também se alegrará par cularmente
com o sofrimento de seus inimigos. Nesse momento, Fromm está agindo
por conta própria e sozinho.
Até então, Stauffenberg permaneceu em silêncio e furioso. Agora diz
que ele tem toda a responsabilidade pelo golpe de Estado e que os outros
seguiram suas ordens como soldados. Uma tenta va nobre, mas
justamente por isso pouco convincente, visto que Olbricht é de patente
superior e Mertz tem o mesmo grau de Stauffenberg. Fromm nem sequer
responde, e se afasta para deixar livre o caminho, para que saiam. Os
quatro “condenados” saem da sala em silêncio, cruzam a antessala,
passam pela frente da janela de um pá o de luzes e chegam ao corredor.
Vão escoltados por soldados. A seguir, descem lentamente as escadas para
o pá o. Seus passos ecoam nos degraus de mármore desgastados pelas
botas de tantos soldados. O jovem Hae en torna a enfurecer-se na escada.
É agarrado e tenta durante um curto instante se soltar. Quando os
prisioneiros chegam ao pá o, está calmo novamente.
Fromm não segue os homens que acaba de enviar à morte. Fala com o
prisioneiro que fica, o coronel-general Hoepner, novamente a sós. “Como
pessoa e velho amigo”, promete-lhe a transferência para a prisão da
Wehrmacht. Enquanto no pá o sua brutal ordem é executada, aqui torna a
mostrar seu lado sen mental. Depois, retorna a seu escritório e começa a
ditar um breve telex.
Quando os quatro condenados saem para o pá o, são banhados por
uma luz intensa. Incontáveis faróis de carro apontam para o pá o, para a
saída e para todo o edi cio. Na Berlim escurecida para proteção an aérea,
o Bendlerblock reluz como o dia e seu brilho chega até a Tirpitzufer e além
do zoológico. É uma visão surrealista. Os prisioneiros são levados a um
monte de areia que casualmente se encontra na parte da frente do pá o
devido a uma obra. Devem avançar um a um. Depois, tudo ocorre de
maneira rápida e sem cerimônias. O primeiro da fila é o general Olbricht. A
salva de ros ecoa e ele cai para trás, sobre a areia. O seguinte é q coronel
Claus von Stauffenberg. Grita uma frase que ecoa por todo o pá o e que
muitos dos presentes ouvem. Contudo, até hoje não há acordo sobre o que
disse. Três testemunhas julgam ter ouvido: “Viva a santa Alemanha”, entre
eles o motorista de Stauffenberg, o leal Schweizer. Outros ouvem a
“sagrada Alemanha”, e outros a “secreta”. O que é certo é que
Stauffenberg grita por uma Alemanha melhor contra o Estado injusto que o
está sentenciando. Por um país pelo qual arriscou sua vida.
Quando soam os ros, o tenente Werner von Ha en se joga na frente
de Stauffenberg e é a ngido pelas balas, enquanto o coronel con nua em
pé. A salva seguinte o derruba. O úl mo é o coronel Mertz von Quirnheim.
Passa meia hora da meia-noite.
A essa hora, colocam na emissora de Königsberg o disco que Hitler
gravou à tarde na Toca do Lobo com a ajuda de um veículo de gravação. O
discurso, anunciado há horas, começa e transcorre entre ruídos e chiados
por todas as emissoras da Grossdeutscher Rundfunk.
“Companheiros e companheiras do povo alemão! Não sei quantas
vezes já planejaram e cometeram atentados contra mim. Se hoje estou
falando com vocês é por duas razões. A primeira: para que ouçam minha
voz e saibam que estou incólume e saudável. A segunda: para que saibam
de um crime que não tem igual na história alemã. Um pequeno grupo de
ambiciosos oficiais sem escrúpulos e ao mesmo tempo criminosos e
estúpidos urdiram um complô para me eliminar e, comigo, exterminar todo
o Estado-Maior da direção da Wehrmacht. A bomba colocada pelo coronel
von Stauffenberg detonou a 2 m a minha direita. Feriu gravemente vários
de meus fiéis colaboradores, um dos quais morreu.”
Nesse momento, sai o telex de Fromm da central de comunicações da
Bendlerstrasse para a cúpula da Wehrmacht e os escritórios
administra vos do Exército de subs tuição. “Tenta va de golpe por parte
de irresponsáveis generais eliminado a sangue. Vários líderes fuzilados”,
assim diz a mensagem, e con nua: “Recuperei o comando após ter sido
de do a pistola. Ass. Fromm, coronel-general”.
Quando Fromm desce ao pá o, os corpos dos sentenciados já foram
jogados na caçamba de um caminhão. Fromm manda que sejam
enterrados imediatamente e sem cerimônias, sem esperar as instâncias
civis. Como local de enterro, indica o cemitério da Igreja de São Mateus,
em Tiergarten, que fica a apenas duas ruas do Bendlerblock. Então,
informam-lhe que o coronel-general Beck, que fez Jus ça com sua própria
arma, ainda luta com a morte em uma das salas superiores. Fromm ordena
que lhe deem o ro de misericórdia. Isso ocorre e o corpo de Beck é
carregado escadas abaixo. Deixa um rastro de sangue e a seguir é jogado
com os outros mortos no caminhão. Fromm recebe o relatório da execução
da sentença e emite um Heil ao Führer.
A voz de Hitler con nua ecoando nos rádios do povo alemão e também
nas salas da Bendlerstrasse.
“Eu mesmo estou completamente incólume, exceto por algumas
contusões, esfolamentos e queimaduras. Recebo isso como sinal da
Providência de que devo prosseguir com minha tarefa, como fiz até agora.
Pois posso afirmar com júbilo, diante da nação inteira, que, desde o dia em
que entrei na Wilhelmstrasse, só tenho um pensamento: cumprir meu
trabalho na medida de meu conhecimento e capacidade, e que, desde que
vi claramente que a guerra era inevitável e que não podia con nuar sendo
postergada, só ve preocupação e trabalho. Durante incontáveis dias e
noites em claro só vivi por meu povo!
“Em um momento no qual os exércitos alemães estão em uma di cil
situação, tanto na Itália quanto na Alemanha, houve um pequeno grupo
que achava poder cravar o punhal pelas costas como no ano de 1918. Mas,
desta vez, enganaram-se por completo. Quero rejeitar neste instante as
afirmações dos usurpadores de que não estou vivo, posto que estou
falando com vocês, meus queridos companheiros do povo. O círculo
formado pelos usurpadores é menor do que se possa pensar. Não tem
nada a ver com a Wehrmacht e em especial com o Exército alemão. Trata-
se de um pequeno grupo de elementos criminosos que agora está sendo
eliminado sem piedade. Por isso, ordeno neste momento:
“Em primeiro lugar, que nenhuma autoridade civil aceite nenhuma
ordem que provenha de uma dependência em poder dos usurpadores.
“Em segundo lugar, que nenhuma instância militar, nenhum
comandante nem nenhum soldado obedeça a nenhuma ordem desses
usurpadores. Que, ao contrário, todos estão obrigados a deter
imediatamente o transmissor ou o emissor de tal ordem ou de eliminá-lo
se opuser resistência.
“Para conseguir uma ordem defini va, nomeei chefe do Heimatheer o
ministro do Reich Himmler. Chamei ao Estado-Maior o coronel-general
Guderian para subs tuir o chefe do Estado-Maior, que se encontra
indisposto devido a uma doença, e nomeei outro comandante acreditado
do front oriental como seu assistente.
“Nas demais instâncias do Reich, nada mudou. Tenho certeza de que,
com o aparecimento desse pequeno grupo de traidores e conspiradores, se
criará na retaguarda da pátria a atmosfera que os combatentes necessitam
no front. Pois é impossível que ali haja centenas de milhares e milhões de
valentes dando tudo enquanto em casa um pequeno grupo de ambiciosas
e miseráveis criaturas tentam acabar com essa a tude. Desta vez,
ajustaremos as contas como costumamos fazer como nacional-socialistas.”
Nesse momento, chega também o major O o Ernst Remer ao local dos
fatos. Há pouco, acaba de chegar à casa de Goebbels o aviso de que os
soldados de seu batalhão de guarda estão realizando fuzilamentos no pá o
da Bendlerstrasse.
“Provavelmente estão eliminando conspiradores com valiosa
informação”, disse Goebbels de imediato. “Temos que impedir a todo
custo!”
Remer põe-se a caminho imediatamente para acabar com a ação
assassina. Como seu carro não está disponível, Speer lhe oferece levá-lo
pessoalmente em seu carro espor vo. Remer se surpreende enormemente
com essa oferta par ndo de um ministro, mas aceita agradecido.
Após uma corrida de cinco minutos por uma Berlim às escuras,
encontram-se diante do iluminado Bendlerblock. Em frente à grande
entrada da Bendlerstrasse, encontram o chefe do Gabinete Central de
Segurança do Reich, que começou a inves gação, e um Stürmbannführer
das SS especialmente duro e cheio de cicatrizes que está assumindo o
controle junto com suas tropas. Himmler deu a ordem de que o grupo de
conspiradores lhe seja entregue vivo. Contudo, os corpos dos
sentenciados, cujo rápido final agora até parece piedoso, já foram
transportados. Escaparam das garras das SS por poucas horas.
Uma sombra aproxima-se de Remer e Speer, uma gigantesca silhueta
que se recorta contra o iluminado muro da Bendlerstrasse. Trata-se de
Fromm, completamente sozinho, que deixa o local com passo pesado.
“Trancaram-me em minha própria sala”, diz a Speer. “O chefe de meu
Estado-Maior e meus colaboradores mais imediatos.” Em sua voz con nua
havendo irritação. Como autoridade, era obrigado a presidir um conselho
de guerra contra todos os par cipantes do golpe. Mas suas palavras soam
a desculpas, e acrescenta em voz baixa: “O general Olbricht e o chefe de
meu Estado-Maior, coronel von Stauffenberg, já estão mortos.”
Então Remer percebe que chegou muito tarde para intervir. Fromm
entra em seu carro, que espera na Bendlerstrasse, e anuncia que volta para
casa. Contudo, dá outro des no ao motorista: a vila de Goebbels.
No rádio, o discurso de Hitler chega ao fim:
“O des no da Alemanha, se o ataque de hoje vesse sucesso, é algo
que talvez poucos possam imaginar. De minha parte, agradeço à
Providência e a meu Criador não por ter me salvado, pois minha vida é só
preocupação e trabalho por meu povo, mas agradeço por me darem a
possibilidade de prosseguir com essa preocupação e com meu trabalho,
tão bem como posso responder com minha consciência e diante dela.
“Foram dadas ordens a diversas tropas. Foram seguidas cegamente,
como cabe à obediência que o Exército alemão conhece. Devo alegrar-me
de novo especialmente por vocês, meus an gos companheiros de luta, por
me ser concedido escapar de um des no que não escondia algo terrível
para mim, mas que teria trazido o temor ao povo alemão. Vejo, portanto,
um gesto da Providência para que con nue com meu trabalho, e por isso
con nuarei!”
O sargento de brigada encarregado do rápido enterro dos executados
já encontrou o cemitério da Igreja de São Mateus. Não Se encontra junto à
igreja de mesmo nome, e sim a uns 3 km de distância, na
Grossgörschenstrasse, em Schöneberg. Ali estão cavando a terra
apressadamente. O sacristão e a polícia, que foi avisada, reconhecem a
ordem de Fromm e ajudam a enterrar os cinco corpos. São sepultados de
uniforme e com todos os seus galões. A seguir, fecham-se os túmulos e
apaga-se O rastro tão bem quanto possível. Mas não serve de nada. Ao
despontar do amanhecer, as SS encontram o lugar e desenterram os
mortos, seguindo ordens de Himmler, para iden ficá-los oficialmente e
depois queimá-los em um crematório da Gerichtsstrasse de Wedding. Para
que os resistentes não tenham um lugar de descanso, as SS espalham suas
cinzas pelos campos de irrigação de Berlim.
XVIII
VINGANÇA
Berlim e Bialystok, Polônia,
de julho de 1944 a abril de 1945

Após o conselho de guerra contra seu irmão, o conde Berthold von


Stauffenberg é trancado em seu escritório junto com outros conspiradores.
Ainda não sabe o que aconteceu no pá o, mas pode imaginar. Os ali
reunidos, entre os quais se encontram Schulenburg, Yorck, Schwerin e
Gerstenmaier, contam ser os seguintes a ser julgados. Estão queimando
todos os documentos comprometedores que encontram no escritório.
Alguns tentam abrir caminho pelo corredor, mas acabam caindo nas mãos
das tropas das SS que entraram no edi cio. Nenhum dos de dos, formados
segundo as regras de honra do an go código de oficiais, pode imaginar o
tratamento desumano que os espera. Desconhecem a experiência dos
resistentes franceses; em média, só se consegue aguentar um
interrogatório da Gestapo durante 24 horas.
Nas atas de interrogatório, nos arquivos processuais e nas gravações do
Volksgerichtshof que foram parcialmente conservados, pode ver-se,
contudo, a assombrosa coragem desses homens durante seus úl mos dias
e horas. Quando o vociferante Juiz Freisler lhes permite tomar a palavra,
insistem nos crimes do nacional-socialismo e cer ficam sua obrigação
religiosa e é ca de fazer parte da resistência. O conde Peter Yorck von
Wartenburg é sentenciado à morte em 8 de agosto e enforcado no mesmo
dia na prisão de Plötzensee. Berthold von Stauffenberg e Fritz-Dietlof von
der Schulenburg sofrem o mesmo des no em 10 de agosto. Cinco dias
depois, são seguidos do amigo Adam von Tro zu Solz, que havia sido
de do pouco depois do frustrado golpe de Estado, e em 21 de agosto é a
vez de Ulrich Wilhelm Schwerin von Schwanenfeld.
Na Prússia oriental, o general de comunicações Erich Fellgiebel é um
dos primeiros de dos. Na mesma tarde do dia 20 de julho, já lhe haviam
pedido que voltasse à Toca do Lobo, sua visita da manhã sem mo vo e
seus contatos com Stauffenberg haviam chamado a atenção. À pergunta de
seu assistente: “vai suicidar-se?”, responde: “Um homem enfrenta os fatos,
não faz isso!”. Depois, despede-se com estas palavras: “Se eu acreditasse
na Eternidade, diria *Até a vista.” Os interrogatórios começam de imediato,
mas só três semanas depois começarão a descobrir seus mais estreitos
colaboradores, e, destes, só poucos. Um sinal da firmeza que mostrou
durante as torturas da Gestapo. Fellgiebel foi sentenciado à morte em 10
de agosto e executado em 4 de setembro.
O general de divisão Henning von Tresckow, estrategista desde o
primeiro momento, foi dormir na noite de 20 de julho. Nesses dias, sua
divisão encontra-se perto de Bialystok, na Polônia. Seu assistente, o
tenente Fabian von Schlabrendorff, ouve o discurso de Hitler pela rádio,
acorda Tresckow e transmite-lhe a má no cia do fracasso defini vo. “Vou
rar minha vida com um ro”, diz Tresckow de imediato. “Durante a
inves gação, chegarão a mim. Tentarão me arrancar o nome de outros
implicados. Para evitar isso, vou me matar.” Conhece muito bem os
métodos da Gestapo e não se vê capaz de suportar as torturas.
Schlabrendorff o contradiz e aconselha-o a esperar. Passam a noite
inteira falando sobre isso, mas é impossível fazer Tresckow mudar de
opinião. Ao chegar a manhã, ambos se despedem. Tresckow parece
tranquilo.
“Agora, o mundo inteiro cairá sobre nós e nos amaldiçoará”, afirma.
“Mas con nuo tendo firme certeza de que agimos de modo justo. Não só
considero Hitler o arqui-inimigo da Alemanha, como também o arqui-
inimigo do mundo. Quando, dentro de algumas horas, comparecer perante
o juízo de Deus para dar conta de meus atos e omissões, acho que posso
fazê-lo com boa consciência acerca do que fiz ao lutar contra Hitler. Assim
como Deus prometeu a Abraão que não aniquilaria Sodoma se encontrasse
dez justos nela, espero eu também que Deus não destrua à Alemanha por
nossa causa. Nenhum de nós pode se queixar de Sua morte. Quem entrava
em nosso círculo estava pondo a corda no pescoço. O valor moral de uma
pessoa não começa enquanto não está disposta a dar sua vida por suas
convicções.”
Tresckow viaja para a 28º Divisão de Caçadores no front, vai a uma
zona afastada sem acompanhamento e simula uma troca de ros com duas
pistolas. Depois, explode a si mesmo com uma granada. Assim foi man da,
durante um tempo, a lenda de que havia morrido nas mãos de
guerrilheiros. Schlabrendorff acompanha o translado do morto a
Wartenburg, onde Tresckow é enterrado ao lado de seus pais. No fim de
agosto, quando o alcance de seu envolvimento na resistência se torna mais
evidente, as SS desenterram o caixão. O cadáver meio putrefato é levado
ao campo de concentração de Sachsenhausen e apresentado a
Schlabrendorff, que, nesse meio-tempo, também fora de do, com a
esperança de fazê-lo falar. Inquebrantável, guarda silêncio. Finalmente, os
restos mortais de Tresckow são incinerados.
Também não escapam os demais líderes da resistência. O marechal de
campo von Witzleben é de do um dia depois da tenta va de golpe de
Estado em Seesen, aonde havia ido após sair, encolerizado da
Bendlerstrasse. No início, nega qualquer envolvimento na conjura, até que
percebe que a Gestapo tem informações e sabe quem já foi acusado. Mais
tarde, diante do Volksgerichtshof, demonstra sua a tude digna e superior.
Pertence ao primeiro grupo de acusados. Dizem que suas palavras finais,
dirigidas a Freisler, foram assim: “Podem nos pôr nas mãos do verdugo.
Dentro de três meses, o povo lhe pedirá contas, indignado e torturado, e
arrastarão seu corpo com vida pela lama das ruas”, Em 8 de agosto, foi
sentenciado à morte e executado nesse mesmo dia. Com ele morre
também o coronel-general Erich Hoepner, que esperava poder se jus ficar.
Mas seu comportamento passivo no dia do golpe de Estado não lhe serve
de nada.
Para os nacional-socialistas, o ajuste de contas com Julius Leber tem
uma importância especial. O juiz Freisler o chama de “a figura mais
importante da polí ca da resistência”. Em sua úl ma mensagem a um
amigo, Leber escreve: “Arriscar a própria vida é o preço adequado para
uma coisa tão boa e justa. Fizemos tudo o que estava a nosso alcance Não
é culpa nossa que tudo tenha saído assim e não de outra maneira”. É
executado no dia 5 de janeiro de 1945.
Carl Goerdeler, a cabeça polí ca conservadora do movimento,
consegue evitar sua detenção durante um pouco mais de tempo. O
proprietário do Hotel Gut Rahnisdorf, onde esperou durante o dia 20 de
julho, é de do no dia seguinte, mas, então, Goerdeler já havia ido embora.
No início de agosto fica sabendo, por uma no cia transmi da pela BBC,
que oferecem um milhão como preço por sua cabeça. Esconde-se ainda
alguns dias em Berlim e depois vai para a Prússia oriental, onde é
reconhecido, denunciado e de do. Desde o primeiro instante, Goerdeler
faz amplas declarações; quer mostrar aos nacional-socialistas quão forte
era realmente a oposição, e até o úl mo momento tem esperanças de
poder ficar cara a cara com Hitler ou Himmler para poder esfregar-lhes a
verdade na cara e, talvez, até conseguir fazer com que deem marcha a ré. É
sentenciado à morte em 8 de setembro, mas só é enforcado em Plötzensee
cinco meses depois, em 2 de fevereiro de 1945.
O primo de Stauffenberg, Caesar von Hofacker, é de do em Paris em 25
de julho e levado à Alemanha. Diante do Volksgerichtshof, responde ao
presidente do tribunal com valen a: “Cale-se, senhor Freisler! Hoje é
minha cabeça que está em jogo.
Mas, dentro um ano, será a sua!”. Hofacker morre na forca em 20 de
dezembro.
Com ele também é julgado Carl-Heinrich von Stülpnagel, o líder militar
na França. Este recebe, na manhã seguinte ao fracasso do golpe de Estado,
uma ordem de Keitel para que volte de Paris a Berlim imediatamente.
Despede-se de seus companheiros e pede que o levem a Verdun, onde
lutou na Primeira Guerra Mundial. Ali, desce a ladeira para o canal do
Mosa e seus acompanhantes ouvem um ro. Mas conseguem rá-lo da
água e não está morto, apenas cego. Os acusadores nacional-socialistas
encarrega-se dele até que se recupera e é apresentado ao Volksferichtshof.
A pena de morte é executada em 30 de agosto.
O marechal de campo Hans Günther von Kluge, do front ocidental, que
negou toda ajuda aos conspiradores da França na hora decisiva, faz agora
todo o possível para se colocar do lado vencedor. Delata S lpnagel a Keitel
e envia um telegrama de lealdade a Hitler: “Meu Führer, o ataque contra
sua vida executado por uma assassina mão infame falhou graças a uma
bendita intervenção da Providência”. Contudo, Hitler deixou de confiar
nele. Em meados de agosto, é des tuído e obrigado a comunicar seu novo
local de residência. Em 19 de agosto, Kluge pede que o levem aos campos
de batalha da Primeira Guerra Mundial e toma veneno ali. Deixa uma
úl ma carta para Hitler, na qual aconselha chegar a um tratado de paz no
front ocidental e lhe garante de novo sua “lealdade inquebrantável”.
O marechal de campo Erwin Rommel também não sofre um des no
muito diferente quando são conhecidos seus planos para abrir o front
ocidental. Em 14 de outubro de 1944, Hitler o obriga a se suicidar sob
ameaça de enfrentar uma acusação de alta traição.
Outros implicados no golpe de 20 de julho logo descobrem que estar a
par da conspiração e não ter agido significa a mesma sorte daqueles que
lutaram heroicamente. Seus espetaculares fuzilamentos não ajudam o
coronel-general Friedrich Fromm. Após tê-los realizado, Goebbels pede a
seu convidado que espere em seu palacete. Liga para Hitler, descreve
Fromm como um “absoluto traidor” a quem quer ver morto. Fromm é
de do imediatamente e deve passar a noite em uma residência das SS em
Wannsee. Mais tarde, é acusado de “covardia”, uma censura mal
construída e par cularmente infame. Fromm torna a se defender com
bons argumentos, mas em vão. O juiz Freisler o condena à morte. Em 12 de
março de 1945, é fuzilado na prisão de Brandemburgo. Também morrem o
tenente-general Fritz Thiele — que não transmi u a no cia do atentado e
da sobrevivência de Hitler, e mais tarde se voltou contra os conjurados e
outros generais envolvidos que, no início do dia 20, começaram a trabalhar
contra os conspiradores.
Contudo, o jovem comandante do batalhão de guarda, major Remer, é
amplamente recompensado. Por volta da uma da manhã de 21 de julho,
voltou a seu posto de comando na residência de Goebbels e passou o
comando a Himmler. Assim terminou sua intervenção. Durante os dias
seguintes, foi apresentado como herói pela propaganda nazista e
promovido a coronel pelo próprio Hitler como agradecimento, pulando,
assim, um grau na hierarquia. Também pronuncia um discurso com voz
estentórea para seu batalhão de guarda, para que seja gravado pelo
Deutsche Wochenschau, bole m informa vo, veículo de propaganda
nazista. “Graças a Deus, hoje somos soldados polí cos!”, grita. “Nossa
incumbência polí ca é a seguinte: a segurança de nosso espaço vital, a
defesa de nossa pátria alemã e a defesa de nosso ideal nacional-socialista!
E levaremos a cabo estas tarefas polí cas sob qualquer circunstância até
nossa vitória final!” Dois meses depois, é nomeado Kamp ommandant do
quartel-general do Führer e comandante da Führerbegleitbrigade. Depois,
voltará ao front. O agradecido Estado nacional-socialista transforma-o,
pouco antes do final da guerra, em um dos mais jovens generais da
Wehrmacht. Após a destruição de sua divisão perto de Dresden, vai para o
oeste ves do à paisana e ali é feito prisioneiro pelos norte-americanos.
Após a guerra, Remer torna-se a vista de par dos de extrema direita.
Sempre fala com orgulho de seu papel no golpe de 20 de julho e, a
despeito de diversas condenações e detenções, nunca deixa de negar o
Holocausto e de injuriar a memória dos combatentes da resistência. No
ano de 1994, foge para a Espanha para evitar a prisão e ali morre, três anos
depois, em Marbela.
Só poucos homens da resistência sobrevivem. Um deles é o leal
ajudante de Tresckow, Fabian von Schlabrendorff. Este permanece em seu
posto da Polônia até ser de do, em 17 de agosto. Pensa em acabar com
sua vida, mas um sen mento ins n vo lhe diz que superará todos os
perigos. Essa certeza não o abandonará nunca, nem mesmo nos piores
momentos passados na prisão da Gestapo da Prinz-Albrecht-Strasse, onde
se reencontra com Goerdeler, Schulenburg e o coronel-general Fromm,
entre outros. Nega insistentemente sua par cipação na resistência, e
muitos que o poderiam culpar também se calam. Quando comparece
diante do Volksgerichtshof em fevereiro de 1945, o impacto de uma
bomba aliada mata o juiz Freisler no pá o do tribunal. E o processo de
Schlabrendorff também é destruído por completo. É absolvido em uma
audiência posterior, mas a Gestapo ignora o veredicto. Após uma odisseia
pelos campos de concentração de Flossenbiirg, Dachau e Innsbruck, acaba
finalmente em Pustertal, perto de Toblach, onde é libertado por tropas
norte-americanas. O brilhante letrado será nomeado juiz do Tribunal
Cons tucional da Alemanha na jovem República Federal nos anos 1960.
Dos par cipantes que se encontravam na Bendlerstrasse, o teólogo
Eugen Gerstenmaier escapa da morte. Após uma hábil defesa perante o
Volksgerichtshof, só é condenado a sete anos de prisão. Depois da guerra,
torna-se polí co da CDU e presidente do Bundestag. O processo de
inves gação contra o jovem Ewald-Heinrich von Kleist, par cipante a vo
na Bendlerstrasse que em Janeiro de 1944 estava disposto a voar pelos
ares com Hitler, é suspenso. O jovem é enviado de novo ao front e
sobrevive à guerra. Já seu pai, Ewald von Kleist-Schmenzin, um dos
primeiros e mais ferozes opositores de Hitler, não oculta seu desprezo pelo
regime perante o Volksgerichtshof. É executado em 9 de abril de 1945.
O barão Rudolph-Christoph von Gersdorff, outro dos possíveis
executores do atentado desde o primeiro momento, nem sequer é preso.
Todos aqueles que o poderiam ter acusado calam sua par cipação.
Con nua sendo soldado e é condecorado por sua valen a extraordinária.
Em 1944, é des nado ao Muro do Atlân co e recebe a Cruz de Ferro
durante o verão desse mesmo ano pelo planejamento do ataque na
batalha da Bolsão de Falaise. É promovido a general de divisão durante o
úl mo ano da guerra. Feito prisioneiro pelos norte-americanos, estes O
libertarão em 1947. Sua reincorporação ao Exército Federal nunca
acontecerá, coisa que o afeta amargamente. Contudo, torna-se presidente
fundador e membro do conselho de administração da Johanniter-Unfall-
Hilfe, uma organização humanitária, durante muitos anos. O barão Axel
von dem Bussche, que também se apresentou como voluntário para o
atentado no fim de 1943, e que também sobreviveu à guerra, tampouco foi
acusado. Dentre outras coisas, foi segundo secretário da embaixada alemã
em Washington.
Poucos sobreviveram à vingança do regime. O dia 20 de julho é só o
início de uma onda de detenções sem igual que, segundo dados da
comissão especial das SS responsável, foi saldada com milhares de pessoas
presas. Recebeu o nome de Ak on Gewi er [Operação Tempestade) e não
se dirigiu apenas contra os homens da Operação Valquíria, e sim contra
toda a resistência e a oposição. A crueldade e a incapacidade de um
ditador que estava desmoronando exigiam incalculáveis ví mas. Um
relatório do Almirantado britânico aponta um número que é u lizado
desde então, S mil mortos após o 20 de julho. Este número se refere ao
total de execuções registradas no Ministério da Jus ça durante esse
período. É muito alto, com certeza.
É especialmente pérfido o sistema nacional-socialista da Sippenha , ou
cas go de familiares. Não só são presos e executados os membros a vos
da resistência, como também suas mulheres, filhos, pais e irmãos, que
frequentemente eram inocentes e nem sequer sabiam da conspiração.
Mesmo os parentes distantes dos conspiradores foram desapossados de
suas propriedades e presos.
Para todos os portadores do sobrenome Stauffenberg, para as famílias
Hae en, Olbricht, Mertz, Tresckow, Goerdeler, Beck e muitos outros,
começava uma verdadeira odisseia por prisões e campos de concentração.
Mas isso não bastava. Em um discurso perante os Gauleiter, Heinrich
Himmler entrou em um verdadeiro delírio criminoso retórico.
“Basta ler os poemas épicos e as sagas alemãs”, exclamou. “Quando
expulsavam uma família e a declaravam fora da lei, ou quando se
estabelecia uma vingança de sangue contra uma família, então se era
muito consequente. Quando se declarava a família fora da lei e ela era
expulsa, diziam: Este homem cometeu traição, seu sangue é ruim, nele há
sangue de traidor, deve ser ex nto. E era ex nto mediante a vingança de
sangue, que chegava até o úl mo ramo de toda a árvore genealógica.
Arrancaremos até o úl mo ramo da família Von Stauffenberg.”
Até esse pesadelo bárbaro iria tornar-se realidade?
XIX
ODISSEIA E VOLTA PARA CASA
Ravensbrück, Bad Sachsa, Lautlingen,

Entre as sete e as oito da manhã de 21 de julho, Nina von | Stauffenberg é


acordada em Lautlingen. Sua sogra, de quase setenta anos, está ao lado de
sua cama, agitada. O ferreiro Leibold abordou-a muito cedo no jardim do
castelo para contar-lhe o rumor que circula pelo povoado. As no cias do
exterior espalham-se lentamente pelo vale do Eyach. No Krone contam que
“um Stauffenberg” está envolvido no atentado. Avisam o o Nikolaus, e
este vai imediatamente para a estalagem próxima para saber em primeira
mão. Ali ouve, no rádio, que Hitler sobreviveu e sobre a corte marcial no
Bendlerblock. Não há nenhuma dúvida de que seu sobrinho Claus está
morto, e, como an go combatente contra Hitler, ele também deve contar
com a pior. Retorna ao castelo tão rápido quanto pode. Ali, conta à
condessa Caroline o des no de seu filho. “Nunca esqueça que ele agiu no
mais alto cumprimento do dever”, diz a ela. Caroline, por sua vez,
encarrega-se de acordar Nina e de transmi r-lhe a no cia. No início, ela só
pode pensar em uma coisa: ele mesmo o fez!
Nina Stauffenberg sabe que não lhe resta muito tempo. Terá que pegar
as crianças antes que os homens dos casacos pretos os prendam. Mas o
que lhes dirá? Berthold e Heimeran talvez sejam subme dos a
interrogatório, com dez e oito anos de idade são já suficientemente
grandes para isso. Se isso acontecer, as crianças devem confirmar a men ra
que Claus lhes transmi u tão enfa camente. Que o homem que queria
matar Hitler deixou uma família que não sabia de absolutamente nada.
Vai ao quarto do primeiro andar, que chamam de “biblioteca”, onde as
crianças costumam brincar. Franz-Ludwig recorda a frase decisiva: “Tenho
que lhes dizer algo muito triste: papai morreu”. Ainda não assimilaram a
no cia quando Nina chama os dois mais velhos, Berthold e Heimeran, que
já ouviram falar do atentado, e fala a sós com eles.
“Quem colocou a bomba foi papai”, diz.
Apesar do pouco tempo que podia estar com sua família, Claus von
Stauffenberg era um herói para seus filhos. O mundo caía sobre a cabeça
das duas crianças. Heimeran começa a chorar imediatamente. Berthold
relembra a primeira coisa que pensou: “Como foi capaz... o Führer!”.
“Ele pensava que devia fazer isso pela Alemanha”, con nua dizendo
Nina. E, segundo suas próprias lembranças, acrescenta: “Mas se enganou.
À Providência protege nosso querido Führer.”
Berthold, por sua vez, tem certeza, hoje em dia, de que no final
acrescenta uma no cia alegre:
“Mas também tenho algo bom para lhes dizer. Vocês vão ter um
irmãozinho.”
Quase ao mesmo tempo, batem à porta da casa de Bamberg, na
Schützenstrasse. A baronesa Anna von Lerchenfeld, mãe de Nina, de 65
anos, encontra-se ali, mas não há nenhum outro membro da proscrita
família. A velha mulher, que tão amiúde insultou Hitler, enfrenta os
homens da Gestapo com orgulho. Afirma que sua filha par u dias atrás. Os
homens da Sicherheitspolizei deixam-na em paz por ora. Mas voltarão e
prenderão a frágil dama. Será levada ao campo de concentração de
Ravensbrück, onde pode ver sua filha Nina pela fresta da porta quando
esta passa em frente a sua cela. Morre no ca veiro em fevereiro de 1945.
A mulher de Berthold, Mika, vai embora de Lautlingen sem nenhum
dos dois filhos. Sua meta é Berlim. A despeito dos perigos que a esperam
ali, sua decisão é firme. Tem que tentar salvar Berthold. Toda a família
ajuda a conseguir alimentos. Com sua par da, acaba o dia seguinte ao
atentado em Lautlingen.
Mika espera ingenuamente poder subornar alguns agentes da Gestapo
em Berlim com coisas de valor como leite, ovos e farinha. Mas não
conseguirá nada. É de da uma hora depois de sua chegada à capital. Sua
odisseia por campos e prisões do regime acabará levando-a a Capri, onde
os aliados reuniram importantes opositores ao regime.
No dia seguinte, sábado, não acontece nada no povoado. Mas, sobre a
residência dos Stauffenberg, paira um ominoso presságio sobre o que está
por vir. Por mais temida que seja a polícia secreta, não está em situação de
encontrar imediatamente os “inimigos do Estado” em Lautlingen. Nina dá
longos passeios. Tenta recuperar a compostura e viver conscientemente as
úl mas e valiosas horas junto a sua família. Diz que a calma antes da
tempestade é um “presente do céu”.
Finalmente ocorre durante a noite do sábado para o domingo: os
homens de preto aparecem com grande alvoroço e começam com os
interrogatórios ali mesmo. Quando as crianças acordam pela manhã, Nina
e o o Nikolaus desapareceram. Levam-nos à prisão de Ro weil. Nikolaus
von Uxkaill-Gyllenbad é levado logo a Berlim, onde o prendem. Em sua
audiência perante O Volksgerichtshof, rejeita a escapatória que lhe é
oferecida pelo presidente Freisler: que, devido a sua idade, não foi capaz
de compreender a situação; ele afirma que agiu com plena consciência e
com clara convicção do que fazia e que tornaria a fazê-lo. Em 14 de
setembro morre fiel a seu lema: “Desse monte de criminosos, só a morte
pode me separar”.
Um dia depois de Nina e o o Nikolaus serem de dos em Lautlingen,
são seguidos pelas duas senhoras: a a Alexandrine, enfermeira-chefe, e
Caroline, mãe de Claus e Berthold. São levadas a Balingen e postas em
regime de isolamento.
No dia 17 de agosto, parece que o bárbaro anátema de Himmler contra
os Stauffenberg — “a exterminação até o úl mo de seus membros” — vai
se tornar realidade: os filhos de Claus e de Berthold também são de dos.
Suplicam desesperados que Esther, a querida babá, vá com eles, ou pelo
menos Mali Amalie, a governanta. As mulheres também pedem que as
crianças não façam a cruel viagem sozinhas. Mas é em vão. O filho de
Berthold é quem pior encara a despedida, mas o mais velho de Claus
surpreende os adultos pela integridade que demonstra e pelo modo como
assume, de maneira natural, a condução do pequeno grupo. À governanta
acompanha as seis crianças até o pá o paroquial, onde o pároco lhes dá
sua bênção com lágrimas nos olhos.
Por mais fundamentados que estejam os piores temores, a hora da
derrota está muito próxima para a vingança desumana de Hitler e Himmler.
Os pequenos Stauffenberg são alojados, Junto com os filhos de outros
membros da resistência, como os Hofacker ou as duas filhas de Tresckow,
em um lar infan l nacional-socialista em Bad Sachsa, no maciço do Harz.
Permanecem ali até a capitulação alemã. Uma tenta va de transferência
ao campo de concentração de Buchenwald fracassa devido à destruição de
uma estação de estrada de ferro por um ataque aéreo. As crianças não
guardarão uma lembrança traumá ca do lar em si. Heimeran tem
escarla na em uma ocasião e recebe sua própria árvore de Natal. Franz
Ludwig é transferido durante um tempo para um hospital de Erfurt para
uma operação no ouvido. Quando o chamam para o raio X por um nome
errado, o menino responde insolente: “Eu sou um Stauffenberg...”.
Depois de oito dias na prisão de Ro weil, Nina von Stauffenberg é
transferida para Berlim. Levam-na primeiro ao quartel-general da Gestapo,
na Prinz-Albrecht-Strasse. Ali, na realidade, só pegam seus dados; seu
périplo con nua na cadeia infestada de traças da Alexanderplatz. No fim de
agosto, sofre outra transferência, dessa vez para o campo de concentração
de Ravensbrück, onde passa cinco meses em regime de isolamento. Não
obstante, Nina não é maltratada e, como grávida, recebe comida extra.
Depois de um tempo, fica sabendo por meio de outras prisioneiras que
sua mãe não está em Bamberg, agora também está no campo, mas não a
consegue ver mais que duas vezes pela fresta da porta de sua cela. Para
não enlouquecer de solidão, recita poesias que consegue lembrar, desde O
canto do sino, de Schiller, até Shakespeare. Canta para si mesma peças de
música, faz tranças com a franja da manta de viagem e cria cartas de
baralho com caixas de cigarros. Pensar no filho que está para nascer lhe dá
força. Pouco antes do nascimento, em janeiro, é transferida para uma
maternidade nacional-socialista, € depois será transferida de novo. Sua
filha Konstance chega ao mundo em 27 de janeiro, em uma clínica
par cular em Frankfurt. Mas os russos também avançam para ali, e ela é
transferida, no trem médico militar, para o Josephs-Krankenhaus, em
Postdam. Nina fica gravemente doente, a recém-nascida tem abscessos,
erisipela, bronquite e uma inflamação pulmonar. Recebe o ba smo diante
do perigo de morte e as freiras do hospital temem por sua vida. Mas mãe e
filha conseguem sobreviver.
Já é abril quando ambas são transportadas pela Alemanha a caminho
de uma nova internação. Um Feldgendarm teria que conduzir as
prisioneiras, mas qualquer ves gio de ordem no país acaba de
desaparecer. Na região, há mortos pendurados nas árvores com cartazes
de “desertor” no pescoço. Finalmente Nina afirma que não con nuará
avançando e escreve ao Gendarm um cer ficado dizendo que ele cumpriu
sua tarefa, e depois disso ele parte aliviado. A poucos quilômetros de
distância reside a an ga família nobre dos Feilitzsch, bons amigos da
família. Nina e Konstanze encontram refúgio ali. Mas que será das outras
crianças? O úl mo rumor que Nina ouviu de uns parentes dizia que haviam
sido levados de Bad Sachsa com des no indeterminado.
A incógnita a respeito das crianças também preocupa o resto da
família. No fim de maio, as duas grandes senhoras reencontram-se em
Lautlingen. A condessa Caroline, mãe do autor do atentado, havia voltado
ao castelo após sua prisão em Balingen, e permaneceu sob vigilância até o
final da guerra. Após a capitulação e a ocupação francesa de Lautlingen,
sua irmã Alexandrine, a enfermeira da Cruz Vermelha, também volta para
casa sã e salva. A menção de Bad Sachsa basta para despertar de novo o
espírito desta úl ma, testado em diversas intervenções em zonas de
guerra. Junto com uma colega enfermeira, consegue um veículo militar
francês e começa, assim, a viagem através da Alemanha devastada.
Quando as duas mulheres chegam a Bad Sachsa, temem o pior. O
rús co lar parece abandonado, as primeiras casas de madeira em que
entram estão vazias. Somente ao chegar ao sexto edi cio ouvem vozes de
crianças. E lá estão os jovens Stauffenberg e um grande grupo de filhos de
resistentes. A diretora do lar: fugiu, mas uma cuidadora permanece com as
crianças. O júbilo é grande e se decide que todos par rão. Mas são tantas
que a enfermeira tem que arranjar um ônibus para transportar as crianças
resgatadas. Os filhos de Claus e Berthold finalmente chegam a Lautlingen
sãos e salvos, enquanto os russos avançam sobre Bad Sachsa. Agora, só
falta a mãe.
Quando a no cia de onde Nina encontrou asilo chega a Lautlingen, seu
filho mais velho decide ir buscá-la. A colega de sua a-avó o acompanha e
um funcionário da jus ça de Lautlingen lhes serve de motorista. A viagem
dura o dia todo, depois param em frente da casa dos Feilitzsch e Nina mal
consegue acreditar que pode apertar nos braços seu filho são e salvo.
Berthold não se dá conta de tudo que sua mãe passou, pois ela dá uma
impressão estoica e íntegra. Mas, na realidade, não a conhece de outra
maneira. Decidem voltar a Lautlingen de imediato, onde também está
Mika, a mulher de Berthold. Mika, antes de atrever-se a ir ao castelo,
perguntou primeiro nos arredores se seus filhos ainda estavam vivos.
Quando finalmente chega, reparte objetos de grande valor que trouxe do
acampamento norte-americano, o que entusiasma as crianças. Nina não
pode oferecer algo assim, mas diz que ela também trouxe um presente.
Konstanze, sua nova irmãzinha.
Que reencontro! As crianças agradecem em suas orações noturnas
porque todos estão juntos de novo. O povo inteiro festeja. É verdade que o
jardim é, agora, um terreno abandonado e que não têm nem um tostão,
mas a grande casa está intacta. E em toda a região da Zollernalb arraigou-
se a firme convicção de que o sobrenome Stauffenberg protegeu o
povoado de ataques aéreos e a residência condal do saque. Os habitantes
de Lautlingen, que no início toleravam a invasão da Gestapo como se fosse
uma colheita ruim ou um inverno par cularmente duro, viram-se
possuídos pelo espírito da resistência quando levaram as crianças. Tão
grande foi sua indignação que, durante os úl mos dias do regime, teriam
protegido a vida da velha condessa usando a força. O homem do moinho,
Schemmingen, dá a eles sua melhor farinha, os granjeiros lhes trazem leite,
ovos e verduras. Nada será como antes, mas cada dia é, agora, como um
presente inesperado. Começa uma nova vida.
E Nina e as crianças serão acompanhadas por um poema. Um que ela
mesma compôs durante sua prisão na solitária em 1944, escrito
primorosamente em uma pequena folha branca de papel e emoldurado
com uma modesta moldura de madeira. Em cima está escrito: nosso papai.
Durante décadas, esse papel fez Berthold, Heimeran, Franz Ludwig, Valerie
e Konstanze acreditarem que era seu pai que falava por meio dele. Só
muito mais tarde entenderam que o poema é, na realidade, uma espécie
de diálogo. Um diálogo entre Nina no momento de maior desânimo e seu
Claus assassinado, que na realidade nunca a abandonou.
AGRADECIMENTOS

Muitas pessoas apoiaram a pesquisa realizada para este livro. Em


primeiro lugar, deve-se citar Berthold e Franz Ludwig von Stauffenberg,
filhos do autor do atentado, Claus von Stauffenberg. Ambos se dispuseram
a longas entrevistas para recordar os acontecimentos, transcorridos entre
1943 e 1945, que eles viveram quando crianças. Em que pese a grande
distância cri ca com que julgam o trabalho dos historiadores a respeito de
seu pai, sua disposição de compar lhar essas lembranças teve um
significado especial para o autor. Durante uma visita à propriedade da
família Staufenberg em Lautlingen, as lembranças de Olga von Sauckens,
nascida Uxkaill-Gyllenbad e prima de Claus von Stauffenberg, foram muito
reveladoras, assim como a conversa com Veronika Beck, que trabalhou ali
como empregada. Também se deve mencionar o trabalho do pesquisador
de Lautlingen, Peter Melle. Por sua vez, as lembranças de Philipp von
Boeselager foram par cularmente valiosas para os capítulos que
concernem à resistência no Grupo de Exércitos do Centro, em especial as
tenta vas de atentado de março de 1943.
Quero agradecer também a Rolf Bernstengel, de Pharus Verlag, por me
fornecer material cartográfico histórico; ao senhor Hoffmann, do serviço
meteorológico alemão, pelo acesso aos dados do serviço meteorológico do
Reich; a Paula Kohlmann por seu trabalho de pesquisa adicional, bem
como ao Memorial à Resistência Alemã, ao Arquivo Federal e Militar de
Friburgo e ao Ins tuto de História Contemporânea de Munique.
Desnecessário dizer que um livro como este não seria possível sem o
meritório trabalho de décadas de historiadores como Eberhard Zeller,
Peter Hoffmann, Chris an Müller, Bodo Scheurig, Bernhard Kroener e
muitos outros. Suas pesquisas são a base imprescindível de qualquer
descrição dos acontecimentos. Em www. Opera onwalkuere.de é possível
entrar em contato com o autor para perguntas, comentários e para receber
mais detalhes sobre as fontes.

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