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STALINGRADO: A BATALHA DECISIVA DE DUAS GUERRAS

José Renato Ferraz da Silveira1

Resumo

A História das Relações Internacionais é marcada por luta pela ordem e pelo poder. Numa
perspectiva realista, os Estados – protagonistas do sistema internacional – buscam sobreviver e
maximizar o poder. Algumas grandes potências, ao longo do “breve século XX”, buscaram
manter o status quo, enquanto outras buscaram romper a manutenção da ordem internacional.
A Alemanha, nas duas Guerras Mundiais, foi o Estado agressor e causador da instabilidade
internacional. Em específico, na II Guerra Mundial, o ponto de virada é a batalha sangrenta de
Stalingrado (1942-1943), que envolveu alemães e soviéticos. Foram seis meses de confrontos
(23 de agosto de 1942 a 2 de fevereiro de 1943) que deixaram cerca de dois milhões de mortos.
A batalha de Stalingrado é considerado o momento em que o avanço alemão foi detido e mudou
os rumos da Guerra. No presente estudo, buscamos apresentar além das razões para a vitória
dos soviéticos sobre os alemães nesta batalha, propor que esse evento também foi decisivo para
elevar o status dos soviéticos para superpotência e, evidentemente, o futuro confronto com os
americanos na Guerra Fria. A hipótese do trabalho pressupõe que Stalingrado foi uma batalha
decisiva para determinar o desfecho da II Guerra Mundial e o início da Guerra Fria. Numa visão
interpretativa tradicional da Guerra Fria, podemos considerar que os soviéticos a partir da vitória
na Batalha de Stalingrado, além de abrir a ferida no Reich que o fez sangrar até a morte, foram
responsáveis pelo início do conflito complexo e multifacetado chamado de Guerra Fria.

Palavras-chave: Stalingrado; II Guerra Mundial; Guerra Fria

Abstract

The History of International Relations is marked by struggle for order and power. In a realistic
perspective, states - protagonists of the international system - seek to survive and maximize
power. Some great powers throughout the "brief twentieth century" sought to maintain the status
quo, while others sought to break the maintenance of international order. Germany, in both World
Wars, was the aggressor state and the cause of international instability. Specifically, in World War
II, the turning point is the bloody battle of Stalingrad (1942-1943), which involved Germans and
Soviets. It was six months of confrontations (August 23, 1942 - February 2, 1943) that left about
two million dead people. The battle of Stalingrad is considered the moment when the German
advance was stopped and changed the direction of the War. In the present study, beyond the
reasons for the victory of the Soviets over the Germans in this battle, we seek to propose that this
event was also decisive to elevate the status of the Soviets to superpower and, of course, the
future confrontation with the Americans in the Cold War. The working hypothesis assumes that
Stalingrad was a decisive battle to determine the outcome of World War II and the beginning of
the Cold War. In a traditional interpretive view of the Cold War, we can consider that the Soviets
from the victory in the Battle of Stalingrad, in addition to opening the wound in the Reich that
made it bleed to death, were responsible for the beginning of the complex and multifaceted conflict
called the Cold War .

1 José Renato Ferraz da Silveira é Professor Associado do Departamento de Economia e


Relações Internacionais da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM).
jreferraz@hotmail.com
Keywords: Stalingrad; World War II; Cold War.

1 Introdução

Era uma bela manhã de céu azul em Berlim: dia 21 de junho de 1941. Nos
cafés, dois temas deram lugar a conversas acaloradas: a suposta fuga do líder
nazista Rudolf Hess para a Grã-Bretanha e a iminente invasão da União
Soviética.
Àquela altura, cerca de 3 milhões de soldados alemães encontravam-se
na Finlândia ao mar Negro, próximo da fronteira com a URSS, aguardando a
ordem para atacar. Vale destacar, que eles contavam ainda com um numeroso
exército aliado, formado sobretudo por romenos, húngaros e italianos, que
elevavam para 4 milhões de combatentes. Juntos, eles compunham a maior
força de invasão já vista até então2. Além disso, contavam com 3.350 tanques,
cerca de 7 mil canhões e mais de 2 mil aviões da Luftwaffe.
“O mundo vai prender o fôlego”, disse Adolf Hitler, empavonado, durante
sessão de planejamento da ação batizada de Operação Barbarossa.
Na madrugada de 22 de junho, o comandante russo da Frota do Mar
Negro, Nicoali Kuznetsov, comunicou um ataque repentino à base naval de
Sebastopol. Ondas de caças e bombardeiros alemães voaram em direção ao
espaço aéreo soviético e a artilharia deu início às suas primeiras ações em
terras. Pontes foram capturadas e os guardas de fronteira foram rendidos. Duas
horas depois, o embaixador alemão, conde Friedrich Werner von der
Schulenburg, entregou a declaração de guerra ao ministro das Relações
Exteriores soviético, Viacheslav Molotov3.
A partir daí a imensa e motivada força alemã dominou a região do mar
Negro, tomando Sebastopol e subindo dali em direção a Stalingrado.

2Maior mobilização militar da história.


3Stalin ignorou todos os indícios de invasão. O serviço secreto russo enviou mais de 80 avisos
ao Kremlin sobre as intenções de Hitler.
O 6° Exército, sob o comando do general Paulus, foi
encarregado de tomar a cidade. Os habitantes de Stalingrado
não estavam muito confiantes nas forças responsáveis por sua
defesa. Além do mais, já tinham conhecimento suficiente das
atrocidades cometidas pelas tropas nazistas. Em poucas
palavras, o moral estava bastante baixo. Entre setembro e
outubro, as forças alemãs já tinham alcançado as estradas para
Stalingrado (MAGNOLI, 2008, p. 374).

Stalingrado (atualmente Volgogrado), cidade que se estendia por cerca


de 50 km ao longo do Volga e ficava a quase mil km a sudeste de Moscou. Para
Cawthorne (2010, p.222): “era uma cidade industrial nova e enorme, aclamada
como uma das maiores conquistas do sistema soviético. Ela também carregava
o nome do líder da União Soviética”.
Stalin sabia que a cidade precisava ser mantida a todo custo. Se ela
caísse, ele também cairia. Para Hitler, Stalingrado era crucial4. A cidade era um
dos símbolos do comunismo e tinha de ser derrotada. Ressalte-se que
Stalingrado era um importante centro de produção de armamentos em massa.
O presente estudo trata desse confronto militar entre alemães e
soviéticos. Enfatizando a batalha de Stalingrado. Considerada o ponto de virada
– turning point - da II Guerra Mundial. Foram seis meses de confrontos (23 de
agosto de 1942 a 2 de fevereiro de 1943) que deixaram cerca de dois milhões
de mortos.
A batalha de Stalingrado é considerado o momento em que o avanço
alemão foi detido e mudou os rumos da Guerra. No presente estudo, buscamos
apresentar além das razões para a vitória dos soviéticos sobre os alemães nesta
batalha, propor que esse evento também foi decisivo para elevar o status dos
soviéticos para superpotência e, evidentemente, o futuro confronto com os
americanos na Guerra Fria.
A hipótese do trabalho pressupõe que Stalingrado foi uma batalha
decisiva para determinar o desfecho da II Guerra Mundial e o início da Guerra
Fria. Numa visão interpretativa tradicional da Guerra Fria, podemos considerar

4A estratégia alemã era vencer em Stalingrado e o exército vitorioso iria até o Volga para cercar
Moscou. Cortar a veia fluvial, simbolizada pelo rio Volga era o grande objetivo estratégico que
Hitler esperava para dobrar a resistência soviética.
que os soviéticos a partir da vitória na Batalha de Stalingrado, além de abrir a
ferida no Reich que o fez sangrar até a morte, foram responsáveis pelo início do
conflito complexo e multifacetado chamado de Guerra Fria.

2 Desenvolvimento

No segundo dia do combate, a Luftwaffe já havia abatido 2 mil aviões


soviéticos. Nas primeiras 3 semanas de conflito, o Exército Vermelho havia
perdido 2 milhões de homens – entre mortos, feridos e prisioneiros -, 3500
tanques e mais 6 mil de aeronaves. Os números eram assustadores. A Blitzkrieg
(ou “guerra relâmpago”) parecia fazer mais uma vítima da Europa. Um dado a
destacar é que os soviéticos – além de serem subestimados pelos comandantes
alemães – lutariam até o fim, mesmo quando cercado ou superado militarmente.
A forte resistência do Exército Vermelho é um elemento fundamental para
compreender como o componente psicológico é uma variável não desprezível
na análise de estratégias e táticas de guerra. No verão de 1941, cerca de 4
milhões de pessoas ofereceram-se como voluntárias para a “Grande guerra
Patriótica”, como Stalin definiu o conflito. Era um exército destreinado, muitas
vezes sem armas e com trajes civis. No entanto, em muitos casos, admite-se
que deram um tempo precioso para o Exército Vermelho reorganizar-se e
despertar para a batalha.
A lista de obstáculos crescia quanto mais os alemães avançavam para o
interior da Rússia. Listemos algumas debilidades que afligiam o exército alemão:
a) A vastidão da Rússia: O horizonte parecia ilimitado. O marechal-de-
campo Gerd von Rundstedt, escreveu à mulher: “A vastidão da Rússia
nos devora”. A distância também atrapalhava a comunicação entre as
divisões. A infantaria alemã caminhava longas distâncias (por dia): 64 km,
com 25 kilos de equipamento nas costas;
b) Os motores de tanque e outros veículos entupiam com os grãos de areia
das nuvens de poeira;
c) Peças de reposição eram escassas e colunas de panzers paravam por
falta de combustível;
d) As chuvas transformavam as estradas em grandes atoleiros5.
e) De acordo com o historiador britânico Antony Beevor, “a logística seria um
fator tão decisivo quanto o poder de fogo, o potencial humano, a
mobilidade e o moral das tropas”.
f) Outro grande problema eram as constantes mudanças de estratégia de
Hitler, que atrasavam ainda mais o avanço de seu exército. Havia uma
indecisão e conflito entre os oficiais do Alto Comando: alguns defendiam
o cerco de Moscou, que além de ser a capital do país, era um importante
centro de indústrias de armamentos6.
g) Por fim, o grande obstáculo: o clima polar da União Soviética7.

2.1 Stalingrado e os elementos fundamentais para a vitória dos soviéticos

Os soviéticos transformaram Stalingrado numa grande fortaleza quando


os alemães chegaram ao Volga, em 23 de agosto de 1942. Não era uma tarefa
fácil. Principalmente por causa do rio que corria atrás da cidade e que dificultaria
uma eventual – porém impensável – retirada para a margem oriental. Os
soviéticos estavam praticamente encurralados.

g Alguns imprevistos eram superados com ideias para lá de estarrecedoras. Quando não
encontravam troncos de bétula para improvisar pistas, os alemães usavam cadáveres de civis
ou soldados inimigos como pranchas, para atravessar o terreno lamacento.
6 Hitler tentou evitar o caminho de Moscou a todo custo. Supersticioso, não queria seguir os

passos de Napoleão. Muitos generais de Hitler defendiam o avanço em direção à cidade. Moscou
era um importante centro de comunicações e de indústrias de armamentos. Se caísse, também
aceleraria a destruição do Exército soviético. Depois de não desejar a invasão de Moscou, Hitler
aprovou a Operação Tufão, que levaria suas tropas direto para Moscou.
7 O frio de 20 graus negativos castigava os soldados, que não vestiam roupas adequadas para

o clima polar. Há relatos de que a temperatura chegou à cerca de 40° C abaixo de zero em
Stalingrado.
Hitler mudou seu quartel-general para a Ucrânia, a fim de
acompanhar mais de perto o desenrolar da batalha que, para
ele, tinha um significado não só estratégico, mas simbólico. Era
a cidade com o nome de Stalin que, destruída, anunciaria a
destruição do regime soviético e a subordinação da Rússia e dos
povos eslavos. O general Paulus falou pessoalmente, por rádio,
com Hitler em 25 de outubro e garantiu ao Führer que
Stalingrado estaria tomada até 10 de novembro. Já na cidade,
lutando casa a casa, os alemães não se deram conta de que
estavam entrando numa imensa armadilha (MAGNOLI, 2008, p.
375).

De fato, era uma armadilha. “Forças do norte e do sul fecharam, como


uma enorme pinça, os alemães dentro de Stalingrado” (MAGNOLI, 2008, p. 375).
O Volga seria o principal meio pelo qual chegariam todos os suprimentos e
reforços dos soviéticos. Além disso, os soviéticos – com esse movimento de
pinça – impediram os alemães de receberem esforços e material. Qualquer
esforço era inútil.
A defesa da cidade mobilizou toda a população8. Mulheres e crianças
ajudavam a cavar fossos antitanques de quase dois metros de altura. Baterias
antiaéreas foram postas nos dois lados do Volga para defender instalações-
chave9.
Os primeiros ataques a Stalingrado começaram no dia 23 de agosto
(domingo). Bombardeiros Junkers 88 e Heinkel 111, acompanhados por levas
de Stukas, despejaram – impiedosamente – mil toneladas de bombas em ações
por turnos10. Os ataques aéreos continuaram. E as ruas de Stalingrado tornaram-
se um monte de entulhos, destroços, um ossuário e ruínas fantasmagóricas. A
sensação dos alemães era de triunfo.

8
Ninguém escapava ao trabalho. Ou se escapasse, ia parar no tribunal. Pessoas eram intimidadas a
denunciar seus próprios familiares que desertassem ou não se alistassem conforme Antony Beevor.
9
Usina elétrica de Beketovka, ao sul, e as grandes indústrias, ao norte. Ali, operários de linhas de produção
de armas trabalhavam a pleno vapor. A fábrica de tratores foi reformada para a construção de poderosos
tanques T-34.
10
Estimativas apontam que cerca de 600 mil pessoas estavam em Stalingrado naqueles dias, das quais
morreram 40 mil morreram na primeira semana de bombardeio – incluindo civis, que não foram evacuados
para a outra margem porque o Exército Vermelho tinha prioridade no uso das embarcações.
A ideia era desmoralizar os defensores e gerar pânico nos
cidadãos. A maioria da população civil fugiu para o outro lado da
Volga, e as autoridades começaram a evacuar as fábricas
maiores. Quando Stalin soube disso, interrompeu as
evacuações. O resultado foi que as compras se tornaram centros
de resistência. Os trabalhadores da fábrica de tratores
continuaram a produzir novos tanques e carros blindados até os
alemães chegarem às suas portas. Quando isso acontecia, eles
penduravam cintos com munição por cima de seus macacões,
pegavam granadas, rifles, e armas antitanques, e assumiam
posições nos pontos de disparo ou abrigos com seus camaradas
do Exército Vermelho. As mulheres, as crianças e os idosos
restantes se escondiam em porões, esgotos e cavernas nos
penhascos acima do Volga (CAWTHORNE, 2010, p. 225).

Apesar do cerco dos alemães, eles nunca dominaram completamente a


cidade. Os progressos aconteciam na periferia a oeste e sul de Stalingrado. Mas
os soviéticos resistiam em instalações importantes. Esse é um aspecto positivo
para determinar o êxito dos soviéticos na batalha. Hitler – sempre subestimando
os soviéticos – acreditava que eles ficariam sem reservas a qualquer momento.
No entanto, o exército nazista também dissipava rapidamente seus recursos e
materiais. Impressionava a tenacidade dos combatentes do Exército Vermelho
que desanimava os invasores.

Para os alemães, dois meses de lutas por uma estreita faixa da


cidade arruinada de Stalingrado era um desastre de
propaganda. O povo alemão havia sido informando que os
russos estavam jogando onda após onda de homens na batalha
e estavam exaurindo suas reservas. No fundo, a verdade era
exatamente o oposto. Durante setembro e outubro, os alemães
lançaram menos que dezenove brigadas armadas e 27 invasões
de infantaria recém-formadas na batalha. Nesse mesmo
período, apenas cinco divisões russas cruzaram o Volga.
Zhukov só enviava o mínimo necessário para segurar os
alemães, de modo que ele pudesse reunir forças para um contra-
ataque (CAWTHORNE, 2010, p. 228).

A batalha parecia longe de terminar. As ruínas de Stalingrado criaram a


condição perfeita para a luta de rua dos soldados soviéticos. Os combates eram
feitos corpo a corpo e cada esquina era disputada sob forte fogo cruzado. Outro
elemento fundamental para a vitória dos soviéticos. Os alemães começaram a
perder força por exaustão e falta de munições. O general alemão Karl Strecker
escreveu a um amigo: “O inimigo é invisível...emboscadas saídas de buracos no
solo e das ruínas das fábricas causam muitas baixas”. Setembro, outubro,
novembro de 1942, o conflito ficava mais sangrento e feroz.

O ataque transformou-se em bolsões esporádicos de


desesperado combate corpo a corpo em cavernas escondidas
sob os escombros, e, em ambos os lados, os homens lutavam
com uma selvageria absurda. As tropas estavam nojentas,
fedorentas, barbadas e com olhos vermelhos. Eles estavam
embriagados com vodca e anfetamina. Nenhum homem são e
sóbrio poderia lutar nessas condições. Depois de quatro dias,
sobraram apenas russos. Então, um silêncio terrível caiu sobre
Stalingrado – o silêncio da Morte (CAWTHORNE, 2010, p. 231).

Os alemães estavam exauridos. O general Vassili Zhukov11 construía


intensamente um novo exército – outro elemento importante de análise para a
vitória dos soviéticos. “Zhukov reuniu 900 tanques T-34 totalmente novos, 115
regimentos dos temidos lançadores Katyusha de vários foguetes, 230
regimentos de artilharia e 500 mil soldados de infantaria” (CAWTHORNE, 2010,
p. 231).

2.2 A derrocada da máquina de guerra nazista

Em dezembro, a situação piorou para os alemães. O frio rigoroso, a falta


de munições e abastecimento agravavam a situação crítica. “A ração de pães foi
cortada pela metade, e um quilo de batatas tinha de alimentar quinze homens.
Os cavalos da cavalaria romena foram comidos” (CAWTHORNE, 2010, p. 235).

O Sexto Exército agora estava entregue ao destino. Era irreal


acreditar que ele conseguiria manter sua posição durante todo o
inverno. A infantaria estava ficando sem munição, e a alocação
máxima era de trinta balas por dia. Os russos agora mantinham
os 250 mil alemães sitiados por cerca de 500 mil homens e 2 mil
armas (CAWTHORNE, 2010, p. 235).

11O general Zhukov fazia parte de uma nova geração de comandantes enérgicos e impiedosos,
que ficavam furiosos com as humilhações sofridas pelas tropas soviéticas e mandavam executar
desertores com frieza. Coordenou a resistência de Stalingrado nos momentos mais difíceis.
Depois, ele teria a missão de marchar até Berlim em 1945 e tomar a capital do Reich.
Em 8 de janeiro, os soviéticos propuseram a Paulus a oportunidade de se
render nas melhores condições possíveis. De acordo com Cawthorne (2010, p.
235): “Haveria alimentos para os famintos, cuidados médicos para os feridos,
repatriação garantida para todos, no final da guerra, e os oficiais teriam até
mesmo permissão para manter suas armas”. Hitler recusou essas condições.
“Os soldados deveriam morrer como exemplo de heroísmo”. E promoveu Paulus
a marechal de campo. “Não há registros da história das Forças Armadas da
Alemanha a rendição de um marechal”.
Estava em prática a operação Urano12. A ofensiva foi rápida. Batalhas
esmagadoras, com baixas para os dois lados. Cada vez mais, faltava munições
e a fome transformava-se no pior inimigo dos alemães. “Cachorros, gatos,
corvos, ratos, tudo que os soldados encontravam nas ruínas era consumido. A
única água potável vinha da neve derretida” (CAWTHORNE, 2010, p. 235).

Quando o laço russo apertou e forçou os soldados a recuarem,


os alemães descobriram que estavam fracos demais para cavar
novas trincheiras. Eles dormiam com as cabeças sobre
travesseiros de neve. Havia uma endemia de ulcerações
causadas pelo frio, e qualquer ferida significava que a morte era
quase inevitável. Mesmo que os camaradas dos soldados
feridos estivessem fortes o suficiente para carregá-los até o
posto médico mais próximo, havia poucos suprimentos médicos
e havia pouca coisa que os médicos pudessem fazer. O suicídio
era tão comum, que Paulus teve de publicar uma ordem especial
declarando-o como uma desonra. Mesmo assim, quando surgiu
o rumor de que os russos não iam levar prisioneiros, todos
mantiveram as últimas balas para si mesmos (CAWTHORNE,
2010, p. 236).

Em 30 de janeiro de 1943, o posto de comando de Paulus foi invadido e


ele foi capturado. A batalha tinha sido um banho de sangue. “Cerca de 300 mil
homens treinados haviam sido perdidos. Eles eram insubstituíveis”
(CAWTHORNE, 2010, p. 236). De acordo com Pedro Tota (Apud Magnoli, 2008),
“terminava assim uma das grandes batalhas da história”.

12Contra-ataque simples, porém, ambicioso, que cercaria o Sexto Exército desde as estepes
entre o Don e o Volga.
Stalingrado foi a batalha decisiva na Frente Oriental e nos rumos da II
Guerra Mundial.
Em 5 de fevereiro de 1943, o jornal do Exército Vermelho, a Estrela
Vermelha, publicou:

O que foi destruído em Stalingrado foi a flor da Wehrmacht


alemã. Hitler tinha um orgulho especial do 6° Exército e de sua
grande força destruidora. Sob o comando de von Reichmann, foi
o primeiro a invadir a Bélgica. Ele entrou em Paris. Participou da
invasão da Iugoslávia e da Grécia. Antes da guerra, tinha
participado da ocupação da Tchecoslováquia. Em 1942, ele
avançou da Carcóvia até Stalingrado (CAWTHORNE, 2010, p.
236).

Com a destruição do Sexto Exército em Stalingrado, a ofensiva alemã na


Rússia havia acabado. A partir de então, o Exército Vermelho empurraria a
Wehrmacht de volta para Berlim e além.
A história do Exército Vermelho na Batalha de Stalingrado abriu uma
ferida no Reich que o fez sangrar até a morte. Os efeitos do conflito foram
sentidos em todo planeta. Com armas ligeiras, granadas, rifles de precisão e o
tanque T-34, o 62° Exército Soviético pararam a máquina de guerra nazista.
Vale reforçar que o general Zhukov, responsável pela ferrenha defesa da
cidade, desenvolveu na prática uma série de novos conceitos sobre luta urbana.
De acordo com o prof. Wilson Barbosa, da Universidade de São Paulo: “o 62°
Exército tornou-se mestre em armar emboscadas para tanques ou para as tropas
(...) eles quebraram a lógica da Blitzkrieg”.
O tanque T-34 foi um dos melhores carros de combate de toda a guerra,
o T-34 era um tanque médio e foi o principal modelo produzido pelos soviéticos
durante o conflito. Apresentava excelente performance nos quesitos de poder de
fogo, defesa e mobilidade. Outro ponto de destaque, o tanque conseguia
transitar com desenvoltura pelo difícil terreno soviético, como nos lamaçais. Os
alemães fugiam desse tipo de solo.
Com a vitória dos soviéticos em Stalingrado, dividiu a História da Segunda
Guerra em duas partes. Serviu para impulsionar o comunismo ao redor do
mundo e colocou a União Soviética em um novo status. A União Soviética
emergia no mapa mundial como mais uma superpotência.

2.3 Visão tradicionalista da Guerra Fria

Desse modo, na visão tradicionalista que sustenta à pergunta sobre quem


começou a Guerra Fria, a resposta é: Stálin e a União Soviética. Na visão
tradicionalista, “a diplomacia americana era defensiva, ao passo que os
soviéticos eram agressivos e expansivos” (NYE, 2009, p. 143). Algumas
evidências reforçam a visão tradicionalista:

Imediatamente depois da guerra, os Estados Unidos propunham


uma ordem mundial e uma segurança coletiva universais por
intermédio da Organização das Nações Unidas. A União
Soviética não levou a ONU muito a sério porque queria expandir
e dominar sua própria esfera de influência na Europa Oriental.
Depois da guerra, os Estados Unidos desmobilizaram suas
tropas, ao passo que a União Soviética deixou grandes exércitos
na Europa Oriental. Os Estados Unidos reconheceram os
interesses soviéticos; por exemplo, quando Roosevelt, Stálin e
Churchill reuniram-se em fevereiro de 1945 em Yalta, os
americanos desviaram do caminho previsto para conciliar os
interesses soviéticos. Stálin, porém, não cumpriu seus acordos,
especialmente ao não permitir eleições livres na Polônia. O
expansionismo soviético confirmou-se posteriormente quando a
União Soviética demorou a retirar suas tropas do norte do Irã
depois da guerra. Finalmente, elas foram retiradas, mas apenas
sob pressão. A União Soviética bloqueou Berlim em 1948 e
1949, tentando apertar os governos ocidentais. E, em 1950, os
exércitos da Coreia do Norte comunistas cruzaram a fronteira
para a Coreia do Sul. De acordo com os tradicionalistas, esses
acontecimentos despertaram gradualmente os Estados Unidos
para a ameaça do expansionismo soviético e desencadearam a
Guerra Fria (NYE, 2009, p. 143).

A visão soviética da ordem pós-guerra oscilava entre a desconfiança e o


medo. Stálin não acreditava na política externa da boa vontade coletiva ou no
direito internacional.
Segundo Kissinger (1999, p. 462): “para ele, a diplomacia era apenas um
aspecto da luta mais ampla e inevitável, definidora da relação de forças”.
Para o Kremlin, defender as terras soviéticas estava no centro de todos os
desígnios do mundo pós-guerra. “Bloquear a rota de invasão polonesa, ou, o
“Portão”, era prioridade máxima nesse sentido” (McMAHON, 2012, p. 20). Para
Stálin, a Polônia era questão de vida ou morte. Enquanto o mundo ainda era
maleável, Stalin desejava que as fronteiras soviéticas fossem expandidas até o
máximo de sua extensão pré-revolucionária (o que significava a anexação
permanente dos Estados bálticos e da região oriental da Polônia pré-guerra; e
que a Alemanha fosse dividida, sofresse uma desindustrialização sistemática e
pagasse enormes reparações de guerra. A ideia de Stalin baseava-se na antiga
fórmula de segurança-expansão. Essa evidência revela como a única moeda
que pagaria as perdas humanas e materiais da União Soviética era territorial.
Como manter a estrutura de cooperação com os Estados Unidos e a Grã-
Bretanha? Kissinger responde (1999, p. 462-463):

E os únicos passos que Stalin levaria a sério eram aqueles cujas


consequências pudessem ser analisadas em termos de custo e
benefício. Como os aliados não pressionaram, Stalin,
simplesmente não fez nada.
Stalin teve, em relação aos Estados Unidos, a mesma atitude
sarcástica que, em 1940, adotara com Hitler. Em 1945, a União
Soviética, debilitada em virtude de dezenas de milhões de baixas
e da devastação de um terço do seu território, enfrentou um país
ileso e com o monopólio atômico; em 1940, confrontara uma
Alemanha que dominava o resto do continente. Em ambos os
casos, sem fazer concessões, Stalin considerou a posição
soviética e tentou blefar com seus adversários potenciais,
fazendo-os crer que marcharia ainda mais para o oeste, em vez
de recuperar. E em cada caso, calculou mal a reação dos
oponentes. Em 1940, a visita de Molotov a Berlim fortaleceu a
decisão de Hitler de invadir a URSS; em 1945, o mesmo ministro
do exterior conseguiu transformar a boa-vontade americana na
confrontação da Guerra Fria.

A reação gradativa americana ao ímpeto expansionista e agressivo de


Stalin gerou a Guerra Fria. No princípio, os americanos acreditavam que os
“desentendimentos com os soviéticos se davam não a interesses geopolíticos
conflitantes, mas ao “mau comportamento”, “à imaturidade política”
(KISSINGER, 1999, p. 461). Mas, com os evolução dos fracassos nas
negociações, e o ponto de partida para a mudança dos americanos foi o Longo
Telegrama escrito pelo diplomata George Kennan. Os americanos começaram
a compreender que as metas e filosofias deles e soviéticos eram inconciliáveis.
Kennan disse que os americanos não deveriam se culpar pela intransigência
soviética:

as fontes da política externa soviética brotavam nas profundezas


do próprio sistema soviético. Na essência, expôs ele, a política
externa soviética era um amálgama do fervor ideológico
comunista com o velho expansionismo czarista.
Segundo Kennan, a ideologia comunista era o cerne da visão
mundial de Stalin. Stalin considerava as potências capitalistas
ocidentais irrecuperavelmente hostis. O atrito entre a União
Soviética e os Estados Unidos não era, pois, um mal-entendido
ou uma falha de comunicação entre Washington e Moscou, era
inerente à percepção de mundo da União Soviética
(KISSINGER, 1999, p. 484-485).

Continua Kennan (apud Kissinger, 1999, p. 485): “desde tempos imemoriais, os


czares desejaram expandir seu território”. Ter a Polônia como dependente; a
Bulgária na esfera de influência e ter acesso as águas quentes do mar Negro.
Após o Longo Telegrama, os americanos iniciaram exposições sistemáticas
desse novo conflito: o Memorando Matthews (1° de abril de 1946), o estudo ultra-
secreto escrito por Clark Clifford (24 de setembro de 1946, “a bíblia da política
de contenção”, o artigo “ As fontes da Conduta soviética, de George Kennan
publicado na revista Foreign Affairs em julho de 1947 e o documento do
Conselho de Segurança Nacional (NSC-68), redigido em abril de 1950, a posição
americana oficial em estratégia da Guerra Fria.
“O mundo dividiu-se em campos ideológicos e descambou para uma
batalha longa e dolorosa para alcançar, após a guerra, aquele acordo que
escapara aos líderes antes do seu fim” (KISSINGER, 1999, p. 455).

3 Conclusão
O presente trabalho intitulado Stalingrado: a batalha decisiva de duas
Guerras, que se insere na área temática de História Militar e da Guerra (AT6),
identificada na relação entre guerra e política, apresentou os seguintes pontos:
o início da guerra entre Alemanha e União Soviética; as debilidades estratégicas
dos alemães; os aspectos táticos e estratégicos que conduziram a vitória dos
soviéticos na Batalha de Stalingrado, além do início da Guerra Fria na rivalidade
entre americanos e soviéticos.
A hipótese do trabalho se comprovou na prática a partir de duas
assertivas: a batalha de Stalingrado modificou o curso dos acontecimentos da II
Guerra Mundial possibilitando a vitória dos Aliados, logo, a ruína alemã; dois, a
União Soviética saiu da Guerra com status de superpotência e rival dos
americanos.
Utilizamos a visão tradicional, a qual imputa a responsabilidade pelo início
da Guerra Fria a União Soviética.
A partir de diversas evidências, procuramos demonstrar que a política
externa agressiva e expansionista de Stalin – baseada no princípio de
segurança-expansão - provocou gradativamente reação na percepção-ação-
decisão dos americanos que endureceram as negociações e viam com
desconfiança-temor o comportamento hostil e intransigente do Kremlin.
O trabalho promove um importante debate no campo da História das
Relações Internacionais, na História militar e da Guerra, no que tange as análises
das guerras, de batalhas, estratégias e doutrinas militares. E apresenta uma
perspectiva sobre a origem da Guerra Fria (visão tradicional). O trabalho
possibilita que novos estudos e pesquisas confirmem ou refutem a hipótese
apresentada (visão revisionista13 e pós-revisionista14).

13 A visão revisionista entende que os norte-americanos foram os responsáveis pelo início da


Guerra Fria. Há dois níveis de análise: a revisionista de primeiro nível e de segundo nível. Ver
Nye (2009).
14 A pós revisionista compreende que o vácuo de poder deixado pelas potências europeias foi

substituído pelo surgimento do condomínio bipolar.


Referências

BEEVOR, Anthony. Stalingrado – O cerco fatal. Editora Record, Rio de Janeiro,


2005.
CAWTHORNE, Nigel. As maiores batalhas da História: Estratégias e táticas de
Guerra que definiram a História de países e povos. São Paulo, M.Books do Brasil
Editora Ltda, 2010.

Grandes Guerras. Revista Aventuras na História, São Paulo, ed. 12, 2006.
KISSINGER, Henry. Diplomacia. Rio de Janeiro, Francisco Alves Editora S.A,
1999.

MAGNOLI, Demétrio (org). História das Guerras. São Paulo: Contexto, 2008.

McMahon, Robert J. Guerra Fria. Porto Alegre, L&PM, 2012.

NYE Jr, Joseph S. Cooperação e conflito nas relações internacionais: uma leitura
essencial para entender as principais questões da política mundial. São Paulo:
Editora Gente, 2009.

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