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ADEUS, meu irmão branco, O menino negro não entrou na roda

ADEUS, meu irmão branco, boa viagem! O menino negro não entrou na roda
das crianças brancas - as crianças brancas
Chegou a hora de você voltar que brincavam todas numa roda viva
para a Europa, a sua terra. de canções festivas, gargalhadas francas...
Quando você chegar, há-de falar
dos encantos que encerra O menino negro não entrou na roda
esta África Negra, tão distante,
tão distante, irmão branco... E chegou o vento junto das crianças
Pois eu quero, neste instante - e bailou com elas e cantou com elas
da partida, pedir-lhe uma promessa: as canções e danças das suaves brisas,
-Não se esqueça da alma do negro, as canções e danças das brutais procelas.
não se esqueça!
E o menino negro não entrou na roda.
Você há-de falar das terras africanas,
da mata e da cubata, Pássaros, em bando, voaram chilreando
dos montes e das chanas; sobre as cabecinhas lindas dos meninos
mas não se esqueça da alma. e pousaram todos em redor. Por fim,
Você há-de falar do sol fogoso, bailaram seus vôos, cantando seus hinos...
de caçadas e queimadas,
das noites que viveu em batucadas E o menino negro não entrou na roda.
no mais feiticeiro gozo; "Venha cá, pretinho, venha cá brincar"
mas não se esqueça da alma. - disse um dos meninos com seu ar feliz.
A mamã, zelosa, logo fez reparo;
Vai falar do café, do algodão, do sisal, o menino branco já não quis, não quis...
da fruta tropical, enfim de toda a flora;
mas não se esqueça da alma. E o menino negro não entrou na roda.
Você há-de falar dos negros no seu mato,
da negra tentadora O menino negro não entrou na roda
de corpo sensual, das crianças brancas. Desolado, absorto,
mostrando até retrato; ficou só, parado com olhar cego,
mas não se esqueça da alma. ficou só, calado com voz de morto.

Adeus, meu irmão branco! Lá na Europa,


quando falar da tropical paisagem, Geraldo Bessa Victor
não se esqueça da alma do negro.

Adeus, meu irmão Branco, boa viagem!

Tomás Vieira da Cruz


N'gola - Flor de Bronze Kiôca
Filha de branco que morreu na guerra Chamam-te negra e tu
e de uma preta linda do Libolo, ficas triste e pensativa
o teu olhar até de noite encerra cismando...
todo o luar das lendas do Catolo!
E o teu olhar que cativa
Ó flor estranha! já não tem consolo esta minha escravidão
a tua magoa, a tua dor na terra! tem lágrimas de luz
Ó flor estranha do febril Capolo chorando!
neta dum soba que perdeu a guerra!
Chamam-te negra,
Estátua ardente em bronzeadas chamas mas fica certa e atende
que tentação e perdição derramas esta grande afirmação:
por sobre a história negra, quase finda! a tua cor não distingue
nem ausenta, —
Neta dum soba que acabou chorando, motivos que possam ter
filha de branco que morreu lutando certas cores de perdição...
e duma preta tristemente linda!
Negros foram teus pais,
que em longes tempos passados
Tomás Vieira da Cruz o mar, chorando, dispersou no mundo.

E nunca mais foram voltados


nunca mais!
à sua terra de encantos...
Soneto ao mar africano
Pobres escravos proscritos
Ó grande mar, que banhas estas plagas que morreram quase santos!
africanas, em ti ouço recados
dum mundo a outro mundo, nos teus brados Chamam-te negra para te ofender
de prantos, risos, orações e pragas! e até fazer chorar...

Na dramática voz das tuas vagas, Também o céu é mais negro


escuto os que, nos séculos passados, quando, em noites de tormenta,
choraram nesse canto dos teus fados, molha o cálice das rosas,
cantaram nesse choro em que te alagas… e as raízes alimenta.

Na tua voz eu ouço o branco bravo, Ó escultura de ferro,


que semeou Portugal nestes recantos ferro em brasa, que me quis
africanos, e ainda o negro escravo porque me queima...

- ao mesmo tempo indómito e servil – És negra, andas de luto


que regou com seu sangue e com seus prantos por tua raça infeliz!
a semente fecunda do Brasil!

Tomás Vieira da Cruz


Geraldo Bessa Victor

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