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ALAGOAS

UMA AVENTURA CAETÉ

ÁGUAS, TERRA, GENTE, ARTE, CULTURA, ÍCONES,


MEMÓRIA, HISTÓRIA, SABERES POPULARES,
LITERATURA, ECOLOGIA, COSTUMES

PETRÚCIO PALMEIRA DOS ANJOS

Organização, pesquisa e textos

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RESUMO DO LIVRO

“A massa ainda comerá os biscoitos finos que fabrico”, dis-


se em seu tempo o escritor brasileiro Oswald de Andrade. É assim
que tratamos essa obra, no sentido de que ela ganhe corpo junto
aos alagoanos e brasileiros, numa tentativa de obter uma massa
crítica que reúna o essencial da “alma alagoense”: quem somos
nós? De onde viemos? Para onde vamos? A publicação traz um
verniz a mais, o coloquial, o compreensivo, uma lupa sobre os
maiores tesouros, os ícones, as incríveis estórias e histórias do po-
vo e da terra das Alagoas. Trata-se de uma ampla coleção de te-
mas, palavras e fragmentos reunidos ao longo de leituras, pesqui-
sas, investigações, vivência e reportagens. Os pedaços de cacos
foram recolhidos, reconstruídos e reconectados, em um esforço
arqueológico formal e investigativo, na tentativa de formação de
uma memória social e cultural de um povo. São textos apresenta-
dos de forma concisa, mas editados de modo a não comprimi-los
em excesso, para que a publicação cumpra com eficiência o seu
objetivo: instruir a todos sobre as coisas de Alagoas e tentar cons-
truir uma memória coletiva. Uma obra aberta, por certo.

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SUMÁRIO

PRIMEIRA PARTE

ÁGUA

Águas do Norte
Águas do Sul
Águas de Maceió
Águas do Velho Chico

TERRA

Terra de ícones
Terra das maravilhas
Terra de guerreiros
Terra de heroínas
Terra da poesia
Terra de campeões

GENTE

Profissões e ofícios
Índios das Alagoas
Negros de Alagoas

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Figuras populares
Figuras do Carnaval
Legião estrangeira

FOLCLORE & FOLGUEDOS/ SABERES

Grandes Mestres (as)


Pensadores do folclore
Fundamentos e ciclos do folclore

ARTE POPULAR

Grandes mestres de ofício


Diversidade dos fazeres
Principais Centros de produção

ARTES & ARTISTAS

Música
Teatro
Dança
Cinema
Artes Visuais

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SEGUNDA PARTE

ALAGOANOS UNIVERSAIS

LITERATURA ALAGOANA

MEMÓRIA SOCIAL

OUTRAS MEMÓRIAS

PATRIMÔNIO TOMBADO

BIODVERSIDADE/ FAUNDA E FLORA

CULINÁRIA DAS ALAGOAS

LIVROS PARA ENTENDER ALAGOAS

ÍNDICE REMISSIVO

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ÁGUA

“Alagoas nasceu assim, sem saber que nascia. Passou quatro-


centos anos pensando que era Pernambuco, e a partir da correntezi-
nha de água do riacho Persinunga já era Alagoas. E na parte Sul,
Alagoas se afaga nas águas mágicas e santas do forte do Penedo. E é
assim, Penedo nasce penha, e é pedra até hoje. Em Penedo nós ala-
goanos enterramos nossas almas. Em Penedo subimos o rio, e deixa-
mos nos seus conventos nossas orações. Em Penedo está a pedra que
fundou Alagoas. Em Porto Calvo o alemão Christoffer Linz cavou a
terra molhada das enchentes do rio Manguaba e criou canaviais. Em
Penedo se pôs a pedra e se construiu a fortaleza memorável. Em Por-
to Calvo se plantou a riqueza da sociedade colonial. Na rocha do
Penedo se plantou a fortaleza, e na moleza do massapé de Porto Cal-
vo se plantou o verde-mar das riquezas dos canaviais. Alagoas foi
feita dessa mistura da pedra do Penedo com o barro massapê das
colinas de Porto Calvo”.

Dirceu Lindoso, trecho do discurso do professor e antropó-


logo alagoano ao receber o título de Honoris Causa da Faculdade
de Direito da Ufal, em 2011

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ÁGUAS DO SUL

OSSADAS NA PRÉ-HISTÓRIA

São poucos, mas significativos, os vestígios dos povos an-


cestrais encontrados na pré-história de Alagoas. Entre os registros
iniciais daquele longínquo passado, como ossadas, inscrições ru-
pestres e objetos arqueológicos, foram desvendados ao longo do
tempo por historiadores alagoanos, como Alfredo Brandão, Mário
Marroquim e Jayme de Altavila. E até mesmo por cientistas inter-
nacionais, como o norte americano John Casper Branner, e o inglês
Richard Frances Burton, nos século IX e XX. Esqueletos de índios
achados no litoral Sul são as marcas dos tempos imemoriais. Al-
fredo Brandão, por exemplo, registra em seu livro “A escripta pre-
historica do Brasil”, a existência, em Coruripe, litoral Sul de Ala-
goas, de um grande sambaqui (montes de fósseis calcificados, com
ossos e esqueletos que chegam a alcançar dezoito metros de altu-
ra). Os sambaquis deixaram marcas que até hoje podem ser vistas
na região das lagoas, como depósitos de cascas de ostras, unha-de-
velho, taioba e restos de cerâmica, colares e artefatos indígenas.
Outros apetrechos achados estão sob a guarda do Instituto Históri-
co e Geográfico de Alagoas (IHGA), no Museu Arqueológico de
Xingó, em Canindé (Sergipe), no Museu Xucurus, em Palmeira
dos Índios e na Universidade Federal de Alagoas.

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“Um enorme sambaqui começava a ser explorado para o
fabrico de cal, e do qual se retiraram ossos, machados, armas de
guerra, pilões e outros artefatos de pedra. Posteriormente foram
identificados restos de sambaquis no litoral e nas ilhas das lagoas
desse Estado”.

Alfredo Brandão, em A escripta Prehistorica do Brasil, com


apêndice sobre a prehistoria em Alagoas, 1937, Civilização Brasi-
leira, da série Bibliotheca de Divulgação Scientífica, dirigida por
Arthur Ramos

MUNDO DE FÓSSEIS

Ainda em seu livro, o escritor alagoano Alfredo Brandão as-


sinala registros de fósseis em todo território alagoano, desde um
crânio petrificado encontrado em 1866, nas imediações da cachoei-
ra de Paulo Afonso, “dentro de uma pedra partida por um raio”, até
no outro lado do mapa, em Porto de Pedra, no litoral Norte de Ala-
goas, em uma gruta que guardava “grande quantidade de corpos
humanos ressequidos, quase petrificados”. Quanto às inscrições
rupestres, dois renomados exploradores, o americano Richard Bur-
ton e o inglês John Branner, em trabalho nas regiões do São Fran-
cisco e do Sertão de Alagoas, descobriram paredões “com estra-
nhos caracteres feitos nas pedras”, em Olho d´Água do Casado,
Piranhas e Santana do Ipanema.

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“Essas inscrições têm sido assinaladas em inúmeras partes
do território alagoano. Alfredo Brandão faz referências a algumas
delas, encontradas em rochedos de Viçosa, Capela, Atalaia, Porto
de Pedra, Anadia, Palmeira dos índios, e até em Maceió, no sítio
Leópolis, na localidade de Bica da Pedra. E consequentmentee, as
regiões alagoanas devem ser compreendidas entre aquelas que
ofereceram testemunho da pré-história americana”.

Por Jayme de Altavila, no livro História da Civilização das


Alagoas, reedições DEC 1962

TERRA PINDORAMA

A tela Descobrimento do Brasil, pintada por Cândido Porti-


nari, em 1956, mostra um ponto de vista genial do artista. No qua-
dro, Portinari mostra a visão da praia, no litoral Sul do Nordeste,
com índios em alvoroço, em gestos graves, e lanças para o alto, e
até um curumim na cena. O grupo olhava sobressaltado para as
caravelas do navegante português Pedro Álvares Cabral, que surgi-
am em 22 de abril de 1500, trazendo o advento “da civilização e da
fé cristã”. Os verdadeiros descobridores e donos daquela terra eram
os índios que habitavam a região, onde a esquadra de Cabral apor-
tou: os Caetés - do rio São Francisco até Igaraçu, em Pernambuco -
, os Potiguaras - de Porto Calvo até o Cabo de Santo Agostinho, no
litoral pernambucano -, e os Abacatiaras, Cariris e Aconãs nas
margens e nas ilhas formadas pelas cheias do São Francisco. Mal

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eles sabiam que era o último dia do paraíso perdido, a terra das
palmeiras, Pindorama, na língua tupi-guarani.

“Após uma seqüência infindável de dias iguais, o horizonte


já não era uma linha longínqua e vazia. No último ponto que os
olhos podiam vislumbrar, surgiam, agora, estranhas silhuetas.
Pareciam montanhas flutuantes singrando o oceano. Os homens
acotovelaram-se à beira-mar, com os olhos postos de encontro ao
céu matinal para vislumbrar a mais espantosa novidade de suas
vidas. Que tipo de canoas seriam aquelas, que pareciam ter asas,
tão brancas e tão amplas, e que avançavam junto com o sol? Tra-
riam boas novas ou más notícias? Vinham em paz ou prontas para
a guerra? Parecia miragem mas era real. De onde viriam os re-
cém- chegados? De uma ilha ou de alguma terra além-mar? Os
nativos avançaram cautelosamente e, após alguma hesitação, de-
puseram as lanças. Elas acomodaram-se nas claras areias da
praia. Uma nova era estava se iniciando em Pindorama, a Terra
das Palmeiras. Um velho mundo estava prestes a desaparecer”.

Eduardo Bueno, em Terra à vista! A aventura ilustrada do


descobrimento, L&PM, 2000

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ALAGOAS, TERRA À VISTA!

Para uma corrente de cientistas, formada por historiadores


locais e até internacionais do século passado, não foi em Porto Se-
guro, na costa baiana, que o navegante Pedro Cabral descobriu o
Brasil. Estes pesquisadores apontam as serras do litoral Sul de
Alagoas como a primeira visão de Cabral, em 1500. No famoso
livro do escritor alagoano Jayme de Altavila, A História da Civili-
zação das Alagoas, de 1962, o primeiro ponto avistado não foi o
monte Pascoal, na Bahia, mas a Serra da Nacêa, em Anadia. Em
um relato vibrante e histórico, mas sempre presumindo os fatos,
Altavila conta ainda que foi no litoral de Coruripe o “possível an-
coradouro da esquadra” de Cabral. Leia trecho do livro, colhido da
quarta edição, com o chancela do Departamento Estadual de Cultu-
ra e anotações do historiador Moacir Medeiros de Sant´Anna.

“O primeiro ponto avistado pela frota portuguesa é de se pre-


sumir que tenha sido um dos cabeços da Serra da Nacêa, no municí-
pio alagoano de Anadia. Esta é a minha opinião, fundamentada no
erudito Alexandre Von Humbolt. Ele afirmou que as primeiras terras
avistadas pela armada portuguesa estavam localizadas a 10 graus de
latitude Sul, por consequência entre Jequiá e Coruripe. O aspecto
físico da Baía de Cabrália que se aponta como ancoradouro das naus
portuguesas, é semelhante ao nosso, pelo menos com relação às bar-
reiras vermelhas e brancas, porquanto naquela região baiana não
existe nenhuma lagoa de água doce, existindo apenas “três pequenas

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lagoas salgadas, cujas comunicações com o mar, só se estabelecem
nas marés altas”.

Por Jayme de Altavila, no livro História da Civilização das


Alagoas, reedições DEC 1962

PIRATAS FRANCESES

Os franceses desde cedo, começaram a fazer incursões pela


região costeira alagoana, de olho no tráfico do Pau-brasil (Paubra-
silia echinata) árvore leguminosa nativa da Mata Atlântica, na
época com grande incidência em Alagoas e Pernambuco. O pau-
brasil foi a primeira atividade econômica dos colonos portugueses
para a obtenção de sua madeira e sua resina (extraída para uso co-
mo tintura em tecidos de alto luxo), e tinha seu preço regulado pelo
comércio europeu. Mas antes da chegada dos portugueses, o litoral
de Alagoas já era conhecido dos europeus, e os piratas franceses
que foram os primeiros homens brancos a por os pés no território.
Eles eram bem recebidos e festejados. Nos séculos XVI e XVII,
relatórios de portugueses recém instalados insistiam junto aos mo-
narcas portugueses da necessidade de combater o contrabando e a
aliança entre nativos e os franceses, que estavam em vários luga-
res, conhecendo a terra, seus rios e portos, organizando a derruba-
da e o carregamento das madeiras preciosas que alcançavam cota-
ção no mercado internacional.

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“Podemos dizer que nossa mestiçagem começou com eles.
Os primeiros mestiços de brancos com índios, os chamados mame-
lucos alagoanos certamente nasceram tingidos de Pau-brasil, mis-
to de caeté-francês. O grau de convivência, de relações amistosas,
dos ferozes caetés com os franceses é algo a se pensar. Talvez de
todos os indígenas brasileiros, foram os caetés os que mais detes-
taram os lusos e por eles foram perseguidos, torturados e mortos
até a quase exterminação. Lembremos que os franceses em outras
plagas tinham a mesma crueldade portuguesa com os nativos ao
ponto do pensador Montaigne ao escrever sobre o bom selvagem
considerar os seus compatriotas os verdadeiros bárbaros. O bom
relacionamento do indígena alagoano com o pirata francês foi
decisivo para a ocupação do Brasil, já assim denominado pela
importância do pau corante. Compreendeu Lisboa que se não o
fizesse já eles perderiam a antiga Terra de Santa Cruz para os
seus vizinhos da Gália. Sucessivas expedições e a criação das Ca-
pitanias Hereditárias e do Governo geral foram parte do novo
planejamento para consolidação da conquista”.

Por Douglas Apratto Tenório, no artigo Alagoas: A simbo-


logia do naufrágio de Coruripe, no suplemento Saber, do jornal
Gazeta de Alagoas, edição 7/03/2011

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TRÁFICO DO PAU-BRASIL

Na famosa carta de Pero Vaz de Caminha a Dom Manuel, o


Venturoso, há o trecho “pode-se dizer que nela não encontramos
nada de proveito, exceto a árvore de pau brasil”. A tarefa de cortar
as árvores, cujos troncos chegavam na base até 17 m e altura e 1
metro d e diâmetro e carregá-los até as embarcações era entregue
aos robustos nativos. As matas do sul de Pernambuco, na atual
Alagoas, eram ricas deste vegetal tão cobiçado. Dizem que eram as
mais exuberantes da Mata Atlântica da “terra brasilis”. As sucessi-
vas expedições repressoras do contrabando não sustaram o movi-
mentado negócio entre os índios do litoral alagoano e os mercado-
res franceses. Próximo a foz do rio São Miguel ficavam, o Porto
Velho e o Porto Novo dos Franceses e na enseada do rio Coruripe,
o Porto dos Franceses. Esses eram os mais destacados, mas outros
ancoradouros menores em Paripueira, Maragogi e Maceió também
tinham sua agitação.

“A passagem dos franceses pelas plagas alagoanas está com-


provada na denominação do porto que serviu, no período colonial,
para escoamento das mercadorias da região da lagoa Mundaú, o
Porto dos Franceses (hoje a praia do Francês), localizada a uns 12
quilômetros da Capital (Maceió), e que se acha consignado no cha-
mado mapa de (Gaspar) Barleus (historiador holandês), e que data
do longínquo ano de 1643. O contrabando de pau-brasil nas costas
alagoanas foi praticado até 1840, quando foi apreendido em Coruripe
um brigue francês, que se achava em parte carregado de pau-brasil.”

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Jayme de Altavila, História da Civilização de Alagoas, 1962
– com anotações de Moacir Medeiros de Sant´Ana

BELEZA DOS CAETÉS 1

Os índios Caetés – na língua nativa morador de grandes flo-


restas - eram conhecidos navegadores das costas brasileiras. Fazi-
am embarcações de junco e taboa e navegavam de Salvador à Ilha
de Itaparica (PE). Atacavam as naus portuguesas com flechas in-
cendiárias. Segundo o professor e historiador alagoano João Ribei-
ro Lemos, eles viviam nas Barreiras de Coruripe, em cima de uma
colina que se derramava sobre o mar, em um lugar chamado “Espia
Grande”. Lá, eles tinham sua aldeia e vigiavam o mar. De acordo
com notas do visconde de Porto Seguro, em seu livro “História
Geral do Brasil”, os Caetés eram os mais famosos navegadores das
costas brasileiras. Faziam embarcações para 15 guerreiros com
folhas de peri-peri (uma espécie de junco) e com elas desafiavam
tropas portuguesas e corsários. Em sua obra sobre a história de
Coruripe, João Lemos traça um magnífico perfil de como eram e
como viviam os caetés.

“Os Caetés eram criaturas de rara beleza, de corpo forte e


bem proporcionado, e certamente impressionaram Pero Vaz de Ca-
minha, pela forma como ele os descreve em sua famosa carta. Os na-
tivos ocupavam a região da atual Coruripe e se estendiam pelo terri-

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tório alagoano. Eles tinham estatura mediana, eram robustos e en-
troncados, de olhos pequenos de coloração negra, nariz meio achata-
do, boca grande e cabelos grossos e pretos. A pele tinha cor de folha
seca”.

Por João Ribeiro Lemos, professor e historiador alagoano


em História de Coruripe, 2004, edição do autor

BELEZA DOS CAETÉS 2

A carta que o escrivão Pero Vaz de Caminha escreveu ao


rei dom Manuel está entre os primeiros documentos oficiais da
nossa história, certamente o mais minucioso e importante do-
cumento sobre à viagem da esquadra de Cabral ao Brasil e foi
publicada pela primeira vez apenas em 1817, mais de trezentos
anos após haver sido redigida, como parte do livro Corografia
Brasílica, de autoria de Manuel Aires do Casal. Isto significa
que, até essa época, a história contada sobre a viagem de 1500
foi substancialmente diferente da narrada depois. Olha só o que
escreveu Caminha com relação aos primeiros índios que viu
pela frente.

“Andam nus sem nenhuma cobertura, nem estimam ne-


nhuma cousa de cobrir nem mostrar suas vergonhas e estão
acerca disso com tanta inocência como têm de mostrar no rosto.
(...) Eles andam muito bem curados e muito limpos e naquilo

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me parece ainda mais que são como as aves ou alimárias mon-
teses que lhes faz o ar melhor pena e melhor cabelo que as man-
sas, porque os corpos seus são tão limpos e tão gordos e tão
fremosos que não pode mais ser (...) Ali andavam entre eles três
ou quatro moças bem novinhas e gentis, com cabelo mui pretos
e compridos pelas costas e suas vergonhas tão altas e tão sara-
dinhas e tão limpas das cabeleiras que de as nós muito bem
olharmos não tínhamos nenhuma vergonha”.

Carta de Pero Vaz de Caminha. A El-Rei D. Manuel So-


bre o Achamento do Brasil, editora Martin Claret, 2014

BANQUETE DOS CANIBAIS

O episódio do banquete antropofágico ocorrido 56 anos


após a chegada de Pedro Álvares Cabral, quando os índios Caetés
devoraram o bispo primaz do Brasil, dom Pero Fernandes Sardi-
nha, marcou a história brasileira e a construção de uma identidade
alagoana. O fato simbólico e emblemático aconteceu em 1556,
com o naufrágio da nau Nossa Senhora da Ajuda entre Coruripe e
São Miguel, nos Baixios de Dom Rodrigo, em Coruripe, litoral Sul
de Alagoas. Nos dias subsequentes os índios, em uma festa antro-
pofágica, de caráter religioso, comeram boa parte do corpo do reli-
gioso. Mas o banquete terminou em tragédia: se deu o início do
processo de extermínio e do esquecimento do legado dos Caetés.
Em cinco anos de conflito, os portugueses mataram mais de 80 mil

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índios e passaram a colonizar a região onde eles habitavam. O reli-
gioso tentou controlar as ações dos colonos portugueses que vie-
ram para o Brasil. Ele tentava combater, por exemplo, o hábito de
fumar, adquirido com os indígenas, como impedir que os portu-
gueses se relacionassem sexualmente com as indígenas. À época,
Duarte da Costa era governador-geral do Brasil. Seu filho, Álvaro
da Costa, era um homem violento e que utilizava da força para
intimidar principalmente os indígenas. Durante um de seus ser-
mões, o bispo Sardinha condenou as ações de Álvaro da Costa, o
que resultou no início de um conflito entre o bispo e o governador-
geral. Como não tinha forças para enfrentar Duarte da Costa, o
bispo Sardinha decidiu voltar a Portugal para fazer suas reclama-
ções diretamente ao rei D. João III.

“Segundo Moreno Brandão e Craveiro Costa, apoiados em


Frei Vicente de Salvador, acompanhavam dom Fernandes Sardi-
nha nesta viagem a Lisboa, onde o bispo ia se queixar ao rei do
governador-geral, o provedor Antonio Cardoso e Barros, dois cô-
negos, duas mulheres honradas, muitos homens nobres e outra
muita gente, que por todo eram mais de cem pessoas. Rumando os
sobreviventes do naufrágio para Olinda, por terra, foram suplici-
ados pelos selvagens, salvaram-se apenas dois índios baianos e
um português por falarem a língua nativa”.

Por Elcio de Gusmão Verçosa, em nota do livro Cultura e


Educação nas Alagoas – História, histórias, Secretaria de Educação
-Maceió- 2001

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MASSACRE DOS CAETÉS

O início “oficial e legal” de cativeiro indígena ocorreu no


ano de 1537, quando foi expedida uma Carta Régia pela qual foi
permitida a escravização dos Caetés (Manuel Martin Pino Estrada,
no artigo Panorama Jurídico da Escravidão Indígena no Brasil,
Universidade Federal do Paraná, 2013). Mas o que ficou para a
história mesmo foi o episódio do naufrágio e morte do bispo Sar-
dinha e a tripulação, em 1556, que provocou uma grande ira entre
os homens da corte, os donatários e os senhores de engenho, e a
própria Igreja Católica, que ratificou um decreto da Corte Real,
que condenava os sobreviventes à escravidão perpétua. Segundo
Moreno Brandão, citado por Élcio Verçosa, o ato provocou uma
expedição punitiva, que se transformou em uma “guerra de exter-
mínio”. Os ataques foram comandados por Jerônimo Albuquerque,
cunhado de Duarte Coelho, donatário da capitania de Pernambuco.
A sanha assassina contra os índios Caetés se agravou ainda mais
com o casamento de Jerônimo com a filha do cacique da tribo Ta-
bajara, inimiga mortal dos Caetés.

“A aliança dos senhores das capitanias com os principais


inimigos dos Caetés parece ter sido o fato que mais acirrou o
combate sem tréguas dos índios alagoanos contra o colonizador.
Jerônimo Albuquerque, comandante das tropas portuguesas, pro-
vocou uma “guerra de extermínio”, nas palavras de Moreno

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Brandão: “Batendo os autóctones, numa fúria louca, aos impulsos
de um ódio desabrido”. Se não os exterminou, empurrou-os para
tão longe, interior a dentro, que os afastou das áreas de posterior
ocupação. As expedições contra os caetés duraram cinco anos, e
foi secundada por um edito real que condenou os sobreviventes à
escravidão perpétua... Depois dessa expedição que se estabelece o
projeto português de colonização das terras alagoanas”. .

Elcio de Gusmão Verçosa, em Cultura e Educação nas Ala-


goas – História, histórias, Secretaria de Educação -Maceió- 2001

FIM DA ALAGOÍNDIA

O termo Alagoíndia foi grafado pelo escritor alagoano Álva-


ro Queiroz, em seu livro Episódios da História de Alagoas, logo no
primeiro capítulo quando fala da organização dos indígenas na
economia, no social, em seus hábitos e costumes, quando viviam
do naturalismo, da liberdade, da vida comunitária, da caça e da
pesca, e que contribuíram de forma integral para a formação da
identidade alagoana. O uso da mandioca, do inhame, da abóbora,
da palha da bananeira e das palmeiras, da moqueca de peixe e fru-
tos do mar, das frutas e das raízes silvestres. Do cauim, a cachaça
da mandioca, da música e da dança, do deus Tupã, a lua e o sol. Os
mesmo índios que batizaram uma das primeiras terras alagoanas, a
sertaneja Pão de Açúcar, de Jaciobá, espelho da lua, quando o astro
refletia seu brilho nas águas do Velho Chico.

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“Há muito, muito tempo atrás, todos esses povos, viviam
aqui sob a égide do naturalismo e da liberdade, até chegarem os
homens brancos trazendo desgraças. Chegaram os europeus com
o advento da civilização e da fé cristã, mas com a destruição da
cultura, da liberdade, da vida de todas as sociedades nativas. Para
os portugueses, as tribos e as nações que não aceitavam seu poder
eram consideradas infiéis e a guerra contra eles revertia-se em
uma guerra santa, que tinham como finalidade precípua reduzir os
índios à escravidão, pois os senhores brancos, na ânsia de auferir
mais riquezas, queriam, constantemente, aumentar a mão de obra
escrava local na colônia”.

Álvaro Queiroz, em Episódios da História das Alagoas, 2ª


edição revista e ampliada, Edições Catavento, 1999

MANIFESTO ANTROPOFÁGICO

O ritual antropofágico do bispo Sardinha e dos outros náu-


fragos serviu para que os portugueses iniciassem a guerra de ex-
termínio e morte contra os índios Caetés, mas foi também o tema
principal do Manifesto Antropofágico, publicado com grande re-
percussão no Brasil, em 1928, pelo poeta e escritor paulista Os-
wald de Andrade, no “Ano 374 da Deglutição do Bispo Sardinha”,
que afirmava, com uma metáfora, que somente a antropofagia unia
os brasileiros, pois a formação da identidade da nação ocorreu após

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haver devorado e deglutido (digerido) as matrizes culturais euro-
peias, africanas e indígenas. Oswald busca uma marcação temporal
para a existência brasileira, que no Manifesto começa com o pri-
meiro ato antropófago conhecido oficialmente. Leia abaixo um
trecho do Manifesto Antropofágico:

Só a Antropofagia nos une. Socialmente. Economicamente.


Filosoficamente.
Única lei do mundo. Expressão mascarada de todos os indi-
vidualismos, de todos os coletivismos. De todas as religiões. De
todos os tratados de paz.
Tupi, or not tupi that is the question...
A alegria é a prova dos nove
No matriarcado de Pindorama...
Antropófagos.

Contra Anchieta cantando as onze mil virgens do céu, na


terra de Iracema.
A nossa independência ainda não foi proclamada. Frase tí-
pica de D. João VI: - Meu filho, põe essa coroa na tua cabeça,
antes que algum aventureiro o faça! Expulsamos a dinastia. É pre-
ciso expulsar o espírito bragantino, as ordenações e o rapé de
Maria da Fonte.
Contra a realidade social, vestida e opressora, cadastrada
por Freud - a realidade sem complexos, sem loucura, sem prosti-
tuições e sem penitenciárias do matriarcado de Pindorama.

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Por Oswald de Andrade, em Manifesto Antropofágico, Re-
vista de Antropofagia, Ano I, No. I, maio de 1928.

CAETÉS, ROMANCE SELVAGEM

Cinco anos após o aparecimento do Manifesto Antropofági-


co, Graciliano Ramos publica seu primeiro romance, em 1955:
Caetés. O livro foi escrito por Graça quando era prefeito de Pal-
meira dos Índios, e enfrentava a velha política do coronelismo, do
nepotismo e do mandonismo naquela pequena cidade alagoana. O
narrador do romance, João Valério, é um aristocrata decadente,
guarda-livros, que se valia da roda do poder, mas que teimava em
dizer ter raízes caetés. Mas ao final da trama, Valério abandona a
ideia de escrever um romance histórico sobre os caetés, alegando
ser inconveniente a literatura para um negociante como ele. Nessa
identificação com os índios, sobretudo usando o argumento ideo-
lógico da preguiça e inconstância em comum, está a ironia destila-
da por Graciliano no combate os estereótipos.

“Não ser selvagem! Que eu sou senão um selvagem, ligei-


ramente polido, com uma tênue camada de verniz por fora? Qua-
trocentos anos de civilização, outras raças, outros costumes. E eu
disse que não sabia o que se passava na alma de um caeté! Prova-
velmente o que se passava na minha, com algumas diferenças...
Um caeté. Com que facilidade esqueci a promessa feita ao Men-
donça! E esse hábito de fumar imoderadamente, este desejo súbito

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de embriagar-me quando experimento qualquer abalo, alegria ou
tristeza... Diferentes, é claro. Outras raças outros costumes. Mas
no íntimo, um caeté. Um caeté descrente”.

Graciliano Ramos, Caetés, 1933,

“ANTROPÓFAGO SOU EU”

O poeta alagoano Lêdo Ivo sempre gostava de falar sobre


sua ancestralidade indígena. Sua mãe Eurídice tinha sangue de ín-
dio Caeté. Como um dos fundadores da Geração de 45 do Roman-
ce Nordestino, Lêdo foi uma das vozes contra o movimento Mo-
dernista de 1922, da “paulista” Semana de Arte Moderna, e um dos
intelectuais que mais reagiram às ousadias do ideário modernista
“cunhado pelos moços de São Paulo”. E o poeta alagoano, até sua
morte, permaneceu com seu estilo sagaz, bem humorado, seguro
de suas raízes caetés e certeiro com quem não lhe agrada tanto.

“No meu caso pessoal, o lugar de nascimento, o berço, a


origem tem muita importância. De modo que minha poesia e mi-
nha prosa refletem muito esse universo da infância e da adoles-
cência e até da ancestralidade, que eu evoco à circunstância de a
família de minha mãe ter ancestralidade dos índios Caetés. Eu até
brinco muito com os antropófagos paulistas dizendo que eles não
comeram ninguém. O único antropófago da literatura brasileira

24
sou eu, e não o bestalhão do Oswald de Andrade. Eles roubaram a
antropofagia alagoana”.

Lêdo Ivo, em entrevista a Milena Andrade, na Revista Gra-


ciliano, nº7, dezembro de 2010

ÍNDIO NA REPÚBLICA

Dois grandes historiadores clássicos alagoanos – Abelardo


Duarte e Moreno Brandão – tentaram mostrar ao longo de suas
obras a importância do índio no processo de mestiçagem nas Ala-
goas. O renomado historiador Moreno Brandão confirma a impor-
tância dos silvícolas na formação da identidade alagoana, dos pri-
meiros tempos de ocupação da terra, até o período de colonização,
e da própria Proclamação da República. Um dos fundadores da
recém chegada República brasileira, por exemplo, foi um índio.
Moreno Brandão anotou traços indígenas na compleição do segun-
do presidente, o alagoano Floriano Peixoto, o marechal de Ferro.

“Embora Alagoas tivesse sido (um) dos (estados) que mais


cedo sofreram o processo de despovoamento indígena, principal-
mente pelo quase extermínio dos Caetés, seria um grave erro des-
considerar essa contribuição do aborígene para o caldeamento
das populações alagoanas”.

25
Abelardo Duarte, em Aspectos da Mestiçagem nas Alagoas,
1955.

“A colonização, que não se faz sem grandes esforços, aliou


ao sangue caboclo, sangue proveniente de uma parte da península
Ibérica, que, juntando-se ao índio, produziu tipos como aquele de
que é admirável espécie o marechal Floriano Peixoto, em cuja
fisionomia está perfeitamente marcada pelos traços do silvícola”.

Moreno Brandão, citado por Jurandir Gomes, em Quadros


da Historia de Alagoas, Casa Ramalho Editora, 1956.

POLOS PRIMITIVOS

Passados os tempos medievais, de caça, morte e esconjuro


dos caetés, se deu o início do projeto de colonização portuguesa,
com o surgimento das cidades-mães, os primeiros polos de desen-
volvimento e formação de Alagoas. De acordo com o historiador
alagoano, Manoel Diégues Junior, em seu livro O Banguê nas Ala-
goas, enuncia que foi durante a invasão holandesa (1621-1654) que
nasceram as três primeiras vilas alagoanas – Porto Calvo, Alagoas
e Penedo. Somente depois que os portugueses bateram os holande-
ses e retomaram o domínio do Nordeste, mais de um século depois,
em 1764, é que cria a quarta vila em território alagoano: a de Ata-
laia.

26
“É possível admitir-se que haja partido de três focos inici-
ais o povoamento do território alagoano. Um assentou no Norte, e
teve Porto Calvo como núcleo de irradiação. O segundo situa-se
no centro o litoral e se desenvolveu em torno das lagoas, que de-
ram nome ao povoado inicial: Alagoas ou Alagoa do Sul e Alagoa
do Norte. Prolongou-se pelo Vale do (rio) Mundaú, a cujas mar-
gens assentaram-se os fundamentos da economia local: os enge-
nhos de açúcar. O terceiro foco situou-se ao Sul, Penedo é seu
centro de expansão. Um quarto foco, complementar daqueles três
primeiros, surge já nos meados do século XVII, com Atalaia sendo
núcleo do quarto foco de povoamento, e seu aparecimento se deve
à luta contra os Palmares, que determina a expansão do povoa-
mento do interior. Completa-se a estruturação geográfico-social
das Alagoas”.

Manuel Diégues Júnior, no livro Banguê nas Alagoas - Tra-


ços da influência do sistema econômico do engenho de açúcar na
vida e na cultura regional, 3ª edição, Edufal, 2012

“CIVILIZAÇÃO DO COURO”

O polo de colonização de Penedo foi o primeiro na forma-


ção de Alagoas, além de ser o mais antigo é também o que experi-
mentou uma nova vocação econômica além da cana-de-açúcar. A
região gerou um tipo de sociedade formada de pastores, criadores
de gado bovino, que surgiu a partir da ocupação e conquista do

27
sertão e semiárido alagoano, com a criação da chamada “Civiliza-
ção do Couro” (termo cunhado pelo historiador cearense Capistra-
no de Abreu), e o rio também levou fama, sendo chamado de “Rio
dos Currais”. Uma sociedade de estrutura social mais simples, com
um mínimo de distância social entre os “donos” da terra e do gado
com o vaqueiro-tangedor, sem o uso do trabalho escravo negro
comprado dos navios negreiros.

“Os proprietários das fazendas de gado nem sempre sabiam


aonde iam os limites, pois não havia demarcação. O gado pastava
ao dará, e só nos rodeios se fazia a partilha do gado chucro. Era
uma sociedade – a do pastoreio são-franciscano – que punha co-
mo quase companheiros a vaqueirada-proprietária e vaqueirada-
tangedora. Não era visível a hierarquia da casa-grande, pelo fato
de não haver escravos negros africanos e porque os índios se
adaptavam à condição de servo-pastores e à vida do pastoreio”.

Dirceu Lindoso, em Primeiros Passos da Formação de Ala-


goas, livreto publicado pela Secretaria de Comunicação de Alago-
as, 2005.

RIOS E ESCRAVOS

Em Porto Calvo surgiu a sociedade dos donos de terras, no-


tadamente os senhores de engenho, do uso maciço da mão-de-obra
escrava negra e da fabricação do açúcar. Os engenhos se prolifera-

28
ram na zona das matas úmidas e litorâneas do Norte de Alagoas.
Os engenhos de açúcar nunca deixaram de prosperar. Os “donos”
da terra usavam rios e escravos para prosperar negócios. Pela exu-
berante hidrografia da região, com muitos rios, lagoas e mananci-
ais. Os engenhos permaneceram com o predomínio da economia
regional, mesmo em épocas de guerra, como entre Portugal e Ho-
landa, e com o uso intensivo de mão de obra de negros africanos.
No ensaio de Catarina Agudo, da Universidade Federal de Alago-
as, sobre Georg Marcgraf (cartógrafo alemão que em 1643 fez um
criterioso e pioneiro mapeamento dos rios e lagoas da costa alago-
ana, a pesquisadora cita (Cortesão, 1971) para mostrar como fun-
cionava o sistema entre os engenhos de cana e os rios.

“A cultura da cana procurou sempre as proximidades das


regiões de rios ou riachos, e não se distanciou, por interesses co-
merciais, do mar. É na água dos rios, dos pequenos rios, que o
senhor de engenho encontra o melhor colaborador para sua orga-
nização econômica. É nos rios que ele vai buscar não somente a
água para movimentar a moenda; nele está água para umidade ao
solo, para o transporte da produção, para o banho dos animais;
também para o seu banho e o da sua família”.

Catarina Agudo Menezes, no trabalho Alagoas de Marcgraf,


apresentado no 1º Simpósio de Cartografia Histórica, em Paraty
(RJ) – 2011.

29
MAPA DA VIDA COLONIAL

Ainda no registro do trabalho de Catarina Agudo, Marcgraf


esquadrinha toda a vida cotidiana da época na região das Matas e
do Litoral Norte de Alagoas, onde mostra uma casa de farinha, a
pesca do arrastão e até cenas de batalhas entre europeus e indíge-
nas, caças de animais, e os conflitos marítimos. Marcgraf, segundo
Catarina, identificou 63 rios, 12 lagoas, sendo seu trabalho bem
superior aos mapas confeccionados no século XVIII.

“No contexto alagoano, estes mapa consiste em uma rica


representação de diversos aspectos de seu território, como povoa-
dos, vilas, engenhos de açúcar, currais e alguns objetos arquitetô-
nicos. Entretanto, sua característica mais notável é o levantamen-
to cuidadoso dos rios e lagoas da costa alagoana, conhecidos até
então”.
Catarina Agudo Menezes, no trabalho Alagoas de Marcgraf,
apresentado no 1º Simpósio de Cartografia Histórica, em Paraty
(RJ) – 2011.

LAGOAS E LATIFÚNDIOS

Já o polo pioneiro da região das grandes lagoas (Mundau e


Manguaba), ocupado pouco depois do de Porto Calvo, nasceu tam-
bém da concessão (pela coroa portuguesa) de sesmarias aos aristo-
cratas de sua confiança, como Diogo Soares. Seu papel foi muito

30
semelhante ao de Cristóvão Lins no litoral Norte: ganharam da
Coroa portuguesa, durante as Capitanias Hereditárias, no sistema
de sesmarias, imensos nacos de terra. Os alcáides-mor beneficiados
pela doação fatiavam as sesmarias para a família.

“Para se ter uma ideia da dimensão dessas sesmarias, bas-


ta dizer que elas eram concedidas em léguas de terra, cabendo,
por exemplo, a Diogo Soares, uma extensão territorial que ia da
enseada da Pajuçara ao Porto do Francês (hoje praia do Fran-
cês), com cerca de seis léguas por sete léguas de fundo. Dá para
imaginar então a imensidão dos latifúndios que eram outorgados
oficialmente aos primeiros colonizadores, que, por sua vez, subdi-
vidiam seus domínios impossíveis de serem tocados como uma
única empresa”.

Elcio de Gusmão Verçosa, em Cultura e Educação nas Ala-


goas – História, histórias, Secretaria de Educação -Maceió- 2001.

31
ÁGUAS DO NORTE

CIVILIZAÇÃO DO AÇÚCAR

Os engenhos de açúcar foram o motor de expansão da colo-


nização portuguesa na região Norte de Alagoas. Entre 1575 e 1585,
por meio das incursões das Entradas e Bandeiras, que foi capitane-
ada pelo fundador de Porto Calvo Cristóvão Lins, surgiram os pri-
meiros engenhos, na esteira da expulsão dos índios potiguares de
suas terras, e a escravização daqueles feitos prisioneiros. E os en-
genhos foram se espalhando pelas províncias e vilas do Norte: Por-
to Calvo, Porto de Pedras, Passo de Camaragibe, Matriz de Cama-
ragibe, Maragogi, Japaratinga, Jacuípe, São Luiz do Quitunde e
Colônia Leopoldina. Este polo de colonização gerou um tipo de
sociedade cuja base era o trabalho escravo dos negros africanos,
em contrapartida à consolidação e expansão dos latifúndios e a
formação de uma aristocracia rural da cana de açúcar. De acordo
com o historiador Dirceu Lindoso, a destruição da resistência ne-
gra na Guerra dos Palmares e a tomada definitiva de Porto Calvo
do domínio holandês fez aumentar ainda mais o domínio da eco-
nomia canavieira.

“Esta junção (a queda de Palmares e Porto Calvo) possibi-


litou uma grande ampliação da área de cana-de-açúcar e dos en-
genhos e o crescimento de uma sociedade baseada no trabalho do
negro escravo, objetivando a produção de açúcar e sua exporta-

32
ção. A fixação da sociedade agrária nesta área se faz através da
extinção dos índios de corso (nômades) nos domínios agrícolas e
com a importação de escravos da África para o trabalho nas plan-
tações e engenhos”.

Dirceu Lindoso, no livreto Primeiros Passos da Formação


de Alagoas, publicado pela Secretaria de Comunicação de Alagoas,
2005.

EXPANSÃO NO FRONT

Mesmo durante os 24 anos de guerra entre portugueses e ho-


landeses, os engenhos de açúcar nunca deixaram de prosperar. Os
senhores de engenho usavam rios e escravos como modus operandi
de seu enriquecimento. Pela exuberante hidrografia da região Nor-
te do Estado, com muitos rios, lagoas e mananciais, os engenhos
permaneceram com o predomínio da economia regional. Os enge-
nhos de açúcar determinaram de maneira decisiva a formação dos
núcleos de povoamento rurais e urbanos e a forma como eles se
expandiram. Nessa passagem a exportação e o tráfico de pau-brasil
caíram, e entra em cena o absoluto domínio da cultura da cana de
açúcar.

“A cana de açúcar, e não mais o (contrabando e a explora-


ção) do pau-brasil, se tornou o eixo central da ocupação portu-
guesa. Constituía-se assim um empreendimento familiar, com gru-

33
pos entrelaçados por parentescos. Os engenhos e seus senhores
sempre formaram o verdadeiro centro social e político da região”.

Por Élcio Gusmão Verçosa, em Cultura e Educação nas


Alagoas, Secretaria de Educação, Maceió, 2001, 2ª edição

TRÁFICO NEGREIRO

O tráfico negreiro perdurou durante mais de três séculos,


principalmente nas capitanias portuguesas, como Pernambuco,
Bahia, Rio de Janeiro, que foram os grandes centros desse nefasto
negócio. Naquele mundo rural, patriarca e açucareiro, “os negros
eram os pés e as mãos do branco no Brasil”, já que os escravos
vindos da África, é que faziam todo trabalho braçal. No processo
social gerado pelos engenhos de açúcar, a Casa Grande, era a resi-
dência dos senhores de engenho, geralmente construídas nas en-
costas maiores, com ampla varanda e uma capela em anexo. No
engenho, perto do curso d´água, a cana virava açúcar. E na senzala,
o inferno dos navios negreiros continuava, os negros escravos se
aglomeravam em rústicas casas de taipa, sempre sob o tacão e o
olhar dos feitores.

“Vários pontos de Alagoas foram utilizados pelos contra-


bandistas, entre eles os agitados portos do Francês e o de Paripu-
eira, além dos de Penedo e Barra Grande, e das enseadas do Bo-
queirão, do Patacho, das Quintas, Tabuba, Mearim e o ancora-

34
douro de Sapucahy. Barcos e brigues evitavam os portos de maior
visibilidade para não atrair a atenção e faziam à larga o desem-
barque dos negros, usando barcaças e jangadas quando chegavam
mais perto do litoral. Os muambeiros eram conhecidos pela desfa-
çatez com que driblavam a proibição e praticavam o tráfico às
escâncaras, sob a proteção dos poderosos da época. Para comba-
ter a ilegalidade ou manter as aparências, o governo criou postos
militares ao longo do litoral alagoano. Barra de Coruripe, Fran-
cês, Peba, Poxim, Gamela e Ipioca foram usados como pretensa
medida de repressão ao contrabando, mas o comércio continuou
existindo e só foi reduzido, ma non troppo, a partir da Lei Euzébio
de Queiroz, em 1850”.

Douglas Apratto Tenório, professor e doutor em História,


no Caderno Saber, jornal Gazeta de Alagoas, edição de
01NOV2014

CICLO DA CANA

Os primeiros engenhos surgiram em Alagoas na esteira da


fabricação do açúcar ainda nos tempos do Brasil Colônia, e que no
final do século XVI era o produto de maior valor no comércio in-
ternacional. Estes engenhos, também chamados de banguês, come-
çaram suas atividades do litoral Norte, principalmente em Porto
Calvo, e foram ocupando terras, sempre sustentado pela mão de
obra escrava negra, por transportes de tração animal e a roda

35
d´água, passando pelos vales úmidos e os chamados “rios do açú-
car”: Manguaba, Camaragibe, Santo Antônio, Mundaú, Paraíba,
São Miguel, Jequiá e Coruripe. Em sua marcha para o Sul de Ala-
goas, engoliu intensas terras cobertas pela Mata Atlântica. No pe-
ríodo holandês, entre 1590 e 1637, já existiam 16 engenhos. O
mais antigo deles, o Buenos Aires, ficava em Passo de Camaragi-
be. Mesmo no processo de abolição, em 1888, os senhores de en-
genho não entraram e crise e nem diminuíram os ritmo.

“Depois de três décadas de resistência, o velho engenho


bangüê foi dando lugar à moderna unidade industrial. Essa revo-
lução correspondeu a duas outras mudanças: a primeira se deu
com a substituição de trabalho escravo pelo assalariado, estabele-
cendo uma nova relação entre a empresa e a força de trabalho; a
segunda, coma diferenciação entre usineiro e plantadores de cana.
E as usinas não pararam de se modernizar”.

Cícero Péricles, professor e economista, em Alagoas 200


Anos, encarte do jornal Gazeta de Alagoas, 2017

FOGO MORTO

Na última década do século XIX, a agroindústria da cana de


açúcar entrou na era moderna, com a inauguração da primeira usi-
na, em 1892, a Brasileiro, e na sequência chegaram a Central Leão,
Serra Grande e Conceição de Sinimbu. O final do processo de

36
transição do modelo descentralizado dos engenhos banguês para o
da concentração industrial das usinas coincidiu com a criação, já
no século XX, em 1933, do Instituto do Açúcar e do Álcool (IAA).
Os banguês agora eram “fogo morto”, com a oligarquia composta
pelos senhores de engenho, ameaçada com a chegada do capital
proveniente da industrialização. O escritor e poeta alagoano, Jorge
de Lima, relata o fim dos engenhos em dois textos líricos e dramá-
ticos: um em prosa, no romance Calunga (1943), e outro na poesia
Banguê, publicada em Poemas Negros (1947). Leia trechos:

“O trem entra em terras de Alagoas. As estações fervilham


de gente; cai uma tarde poeirenta; vêm meninos vender água a
cem reis o copo. Lá vem plantações de algodão. Lavoura de gente
pobre o algodão, tão diferente da cana dos senhores! Para isso
tanta desgraça planejada, banguês comidos, senhores reduzidos à
miséria, e atrás de tudo o homem do eito, da bagaceira, das lim-
pas, das fornalhas, cambiteiros, metedores de cana, caldeirei-
ro,trabalhadores da enxada, mal alimentados, malvestidos, des-
calços, trabalhando noite e dia para aguentar o banguê, para o
banguê ser devorado pela usina... Todo aquele chão tinha história
de espoliação e tirania”.

Jorge de Lima, no romance Calunga, de 1943

37
Banguê

Cadê você meu país do Nordeste


que eu não vi nessa Usina Central Leão de minha terra?
Ah! Usina, você engoliu os banguezinhos do país das Ala-
goas!
Você é grande, Usina Leão!
Você é forte, Usina Leão!
As suas turbinas têm o diabo no corpo!
Você uiva!
Você geme!
Você grita!
Você está dizendo que U.S.A* é grande!
Você está dizendo que U.S.A. é forte!
Você está dizendo que U.S.A. é única!
Mas eu estou dizendo que você é triste
como uma igreja sem sino,
que você é mesmo como um templo evangélico!

Onde é que está a alegria das bagaceiras?


O cheiro bom do mel borbulhando nas tachas?
A tropa dos pães de açúcar atraindo arapuás?
Onde é que mugem os meus bois trabalhadores?
Onde é que cantam meus caboclos lambanceiros?
Onde é que dormem de papos para o ar os bebedores de
resto de alambique?

38
E os senhores de espora?
E as sinhás-donas de cocó?
E os cambiteiros, purgadores, negros queimados na forna-
lha?
O seu cozinhador, Usina Leão, é esse tal Mister Cox que ti-
ra
da cana o que a cana não pode dar
e que não deixa nem bagaço
com um tiquinho de caldo
para as abelhas chupar!

[...]
Ah! Usina Leão, você engoliu
os bangüezinhos do país das Alagoas!
Cadê seus quilombos com seus índios armados de flecha,
com seus negros mucufas que sempre acabavam vendidos,
tirando esmola para enterrar o rei do Congo?
“Folga negro
Branco não vem cá!
Si vinhé,
Pau há de levá!”
Você vai morrer, banguê!

Jorge de Lima, no livro Poemas Negros, Cosac Naif,2004

39
VILLA DE PORTO CALVO 1

Há 150 anos o então presidente da Província de Alagoas,


José Bento da Cunha Figueiredo Junior, que governou Alagoas no
período imperial, de 1868 a 1871, organizou e realizou uma expe-
dição memorável no comando de uma frota de embarcações. A
comitiva partiu de Maceió, e seguiu pela região Norte de Alagoas,
passando em cidades, vilas e comarcas. A tripulação fez um rico
trabalho de pesquisa e reconhecimento da área por terras e águas
onde grandes episódios de luta na Guerra do Açúcar foram viven-
ciados: Camaragibe, Porto de Pedra, Rio Manguaba, Porto Calvo,
Gamela, São Bento, Barra Grande, Peroba, riacho Persinunga, São
Miguel dos Milagres. José Bento Junior já realizara outras expedi-
ções no Sul, como em Coruripe, Rio São Francisco - de Penedo a
Piranhas -, e na Zona da Mata, em União dos Palmares, Anadia e
Atalaia. Todo o percurso foi transformado em narrativas de via-
gem, e registrado em cadernos e separatas achados pelo atual pre-
sidente do Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas (IHGA),
Jayme Lustosa de Altavila, que em 2010 organizou e lançou o li-
vro Viagens de José Bento Cunha à Província de Alagoas, com o
diário de bordo da epopéia, em texto ainda prosaico, do tempo do
“y” como vogal, tipo a água de “crystal” do rio Manguaba. Escrito
por dois “expedicionários”: o jornalista e redator do Jornal de Ala-
goas, José Antônio Magalhães Bastos, e o advogado e escritor
Olímpio Euzébio de Arroxelas.

40
“A embarcação agitava a água com um ruído agradável,
que fazia estremecer de contente os habitantes daquela linda mar-
gem. A excursão estava agradável: o barco, cheio de amadores
(tripulantes), todos ávidos, contemplavam aquelas margens pito-
rescas. Quanto mais subia, o barco singrava ufano e veloz, e mais
deliciosas se tornavam as paysagens do Camaragibe. Sobre o Ca-
maragibe se divisa uma ponte em madeira, concluída em 1868, na
qual se dispensou sete mil réis. A noite estava com um lindo luar,
entre os deleitáveis passeios lá estava a ponte, onde os visitantes
dançaram, ouviram música. Duas grandes barcaças carregadas de
madeira, estavam atracadas no porto. Depois de pernoitar na ci-
dade, a expedição voltou e desceu o rio até fundear na litorânea
Vila de Ponta de Pedra, no delta do rio Manguaba”.

Viagens de José Bento Cunha Figueiredo Junior à Província


das Alagoas, 1869, reedição em 2010, IHGA e Governo do Estado

VILLA DE PORTO CALVO 2

Em Porto de Pedra, a trupe do presidente da Província foi


recebida com grandes festas, algumas ainda no mar, com paquetes
e embarcações embandeiradas. Todos foram hospedados pelo anfi-
trião, o comendador Jacinto Paes de Mendonça. Na cidade, a comi-
tiva visitou a igreja matriz, que ainda não tinha sido construída, e a
Cadeia Pública, construída em 1857, um imponente sobrado à bei-
ra-mar – que até hoje resiste ao tempo, mas que está com sua estru-

41
tura comprometida - onde os presos ficavam em “prisões espaço-
sas”, com sacadas de ferro, e vista para o mar. O vapor Mossoró
zarpou pelas águas do rio Manguaba, até a Villa de Porto Calvo,
distante sete léguas acima da foz, ao som de muito foguetório,
“que festejavam a feliz e esperançosa tentativa da navegação a va-
por naquelas águas”.

“O rio Manguaba apresentava novo aspecto. Na emboca-


dura é largo; seu leito é fundo, o curso desembaraçado e natural-
mente navegável. O Mossoró voava sobre aquellas águas, que
também correm em leito de areia, formando margens apreciáveis e
cultiváveis. E na subida do rio surgem os portos e as vilas, até o
ponto final da trilha: Campo Lindo, Castro de Baixo, Castro de
Cima, Porto Grande, Porto das Taboas, Preguinha, Taborá, Ca-
xangá, Espinheiro, Bergatim, Estaleiro, Camboa e Varadouro...
Há de converter a tradicionalmente celebre Villa de Porto Calvo
em grande empório comercial do centro da comarca, trazendo
para alli os productos da Colonia de Leolpoldina, cuja via de co-
municação reclama urgentes cuidados no duplo interesse de evitar
os escoamento de nossos gêneros, para a província de Pernambu-
co por intermédio da via-férrea, e convergir as relações crescentes
d´ aquella ubérrima zona para o centro natural, que é Porto Cal-
vo”.

Viagens de José Bento Cunha Figueiredo Junior à Província


das Alagoas, 1869, reedição em 2010, IHGA e Governo do Estado

42
ROTEIRO DA CIVILIZAÇÃO

O antropólogo, romancista e poeta alagoano Dirceu Lindo-


so, um nome seminal para entender a região Norte do Estado – ele
mesmo um nativo de Maragogi - em seu livro Formação de Alago-
as Boreal, mostra a importância do rio Manguaba para conhecer a
colonização da região, inserida no contexto do Ciclo da cana de
açúcar, onde os engenhos usavam da água do rio para seu funcio-
namento e desenvolvimento. Lindoso aponta o rio Manguaba como
um dos nossos roteiros da civilização, uma espécie de caminho
hídrico por onde a civilização européia dos séculos XVI e XVII
penetrou o interior de Alagoas Boreal. Caminho de índios, colo-
nos, escravos, espanhóis e portugueses, soldados e de comerciantes
das Índias Ocidentais.

“Em suas ribeiras plantaram-se os primeiros centros de co-


lonização e produção colonial. Estes engenhos ficavam, quase
sempre, nas margens do Manguaba e seus afluentes. A localização
de Porto Calvo como o centro motivo da irradiação dos engenhos
foi uma estratégia natural, pelas boas condições da terra com a
proximidade das águas, mas também uma tática política e econô-
mica, imposta pelo senhor de engenho e fundador de Porto Calvo,
Christopher Linz. Política por assegurar repasses vultosos para a
Coroa Portuguesa, que lhe deu de presente à sua terra, e uma es-
tratégia econômica, pelas facilidades do transporte do açúcar e o
escoamento da produção pelo rio Manguaba, até a foz. Apesar do
começo do fim dos engenhos e banguês, que já estavam em deca-

43
dência de sua produção por queima do carvão e a destruição das
matas (começava a faltar lenha para as fornalhas de cozimento do
açúcar), foi no coração dessa mata úmida, entre árvores magnífi-
cas e madeiras excelentes e às margens resplandecentes dos rios,
que começou a se erguer a civilização açucareira nestes núcleos
pioneiros das Alagoas”.

Dirceu Lindos, historiador e poeta, no livro Formação de


Alagoas Boreal, editora Catavento, Maceió, 2000

PRAIAS NA GUERRA

Em pleno “ciclo do açúcar”, quando os engenhos domina-


vam a economia, Alagoas entrou na guerra entre portugueses e
holandeses, em 21 de setembro de 1631, na praia de Barra Grande
(Maragogi), com o desembarque de tropas lusas com dez 10 cara-
velas e 400 homens para tentar retomar Porto Calvo dos holande-
ses. Foram batalhas ferozes entre vitórias e derrotas para ambos os
lados. Um ano depois, em outubro de 1632, na mesma praia de
Barra Grande, os comandantes holandeses, guiados por Domingos
Fernandes Calabar - lendário mestiço alagoano que passou a apoiar
os batavos – consegue reconquistar Porto Calvo e Porto de Pedras

“Após o assalto e tomada de Rio Formoso (PE), Calabar


lembrou a necessidade de transportar-se a campanha para Alago-
as. À frente de 400 homens, embarcados em seis navios e oito bar-

44
caças velejou para sua terra, trazendo o desígnio de apoderar-se
de Porto de Pedra e Porto Calvo”.

Moreno Brandão, História das Alagoas, Uneal – 2004, Ara-


piraca
.

DESERÇÃO DE CALABAR

Nos anos 1632 a 1635, um jovem mestiço alagoano de Porto


Calvo – na época ainda colônia de Pernambuco – Domingos Fer-
nandes Calabar, então com 23 anos, proprietário de três engenhos
de açúcar junto com sua mãe Ângela Alvarez, adere ao Exército
português entre 1630 a 1632. Idealista e exímio conhecedor de
toda a região, Calabar era prestigiado, sendo braço direito do gene-
ral e governador de Pernambuco, Matias de Albuquerque, até sua
deserção, quando passou para o campo das tropas holandesas, em
22 de abril de 1632.

“A adesão de Calabar aos holandeses coincidiu com o


avanço da conquista, até então restrita ao litoral de Pernambuco e
à Ilha de Itamaracá. Em 1635, a conquista holandesa no Nordeste
estava consolidada, inclusive na Paraíba e no Rio Grande do Nor-
te, além do interior pernambucano. Os cronistas portugueses des-
tacam muito o papel de Calabar, que conhecia trilhas e maneiras
de lidar com os índios, pois era mameluco e falava a língua de
tabajaras e potiguaras, além de aprender o holandês e o latim.

45
Parte dos historiadores, porém, vê um pouco de exagero na “glo-
rificação” de Calabar. Na verdade, o que contou mais para as
vitórias dos invasores foram o aumento dos investimentos da
Companhia das Índias e a troca do comando militar, com a che-
gada do coronel polonês Christoffel Artichewsky, que ouvia muito
os palpites do Calabar”.

Entrevista com o professor Ronaldo Vainfa, professor de


História da Universidade Federal Fluminense, na revista Continen-
te, Imprensa Oficial de Pernambuco, 2016

TÁTICAS DE GUERRILHA

Inicialmente, os holandeses não confiaram muito nele. No


entanto, dez dias depois Calabar provou pela primeira vez sua for-
ça como soldado e guerrilheiro. Ele levou as tropas do coronel Van
Waerdenburch a conquistar Igaraçu, segunda cidade de Pernambu-
co, para onde uma parte das riquezas de Olinda tinha sido transpor-
tada. Durante os meses seguintes, muitas campanhas foram feitas
pelas colunas volantes batavas sob a orientação de Calabar. Eles
atacaram à noite, de surpresa, com um esquadrão de poucas cente-
nas de homens, e lá apreenderam oitenta mil ducados em ouro e
joias, além de gado e outras provisões. Porto Calvo e Serinhaém
também foram vítimas dessa tática, mais eficiente do que a guerra
tradicional e sem grandes e custosos deslocamentos de tropas.
Muitos senhores de engenhos, temerosos de ver suas propriedades

46
saqueadas e destruídas, passaram a se comprometer, secretamente,
a não mais apoiar Matias de Albuquerque, em troca de serem pou-
pados.

“A lealdade de Calabar se expressa no decurso da guerra.


Segundo os cronistas portugueses, Calabar colaborou, guiou e
comandou muitas investidas holandesas no território através das
quais efetuou as tomadas de Igarassu em 1632, de Rio Formoso,
Itamaracá e Rio Grande do Norte em 1633 e de Nazaré do Cabo
em 1634, além de sitiar o Arraial do Bom Jesus em 1635”.

Romeu de Avelar, em Calabar (Interpretação romance-ada


do tempo da invasão holandesa), 2ª edição, 1973, edição do Depar-
tamento de Ciência e Cultura do Governo de Alagoas.

HOLANDA CAI, CALABAR MORRE

A participação de Calabar na invasão holandesa em Alagoas


durou exatamente três anos, de sua deserção das tropas portugue-
sas – em abril de 1632 – ao dia 22 de julho 1635, quando as tropas
holandesas capitulam diante o Exército português comandado pelo
general Matias de Albuquerque, em Porto Calvo, e Calabar é mor-
to e esquartejado, apesar da resistência dos oficiais batavos em
entregá-lo. A guerra entre portugueses e holandeses continuou em
Alagoas. O próprio chefe supremo holandês, Maurício de Nassau,
chega em janeiro de 1637, para reforçar as tropas. Neste mesmo

47
ano, depois de ganhar várias batalhas em solo alagoano, chega a
Penedo, onde constrói o famoso forte Maurício. Em 1640, neste
mesmo forte, a Holanda cai mais uma vez, acossada por tropas
portuguesas e deixa Penedo. A invasão holandesa no Brasil durou
de 1630 a 1654.

“Mas em 22 de junho de 1635, depois de várias escaramu-


ças do general português Matias de Albuquerque, com a ajuda de
Sebastião do Souto, contratado a peso de ouro para despistar as
tropas holandesas, apesar de Calabar insistir junto ao comando
para não confiar em Souto, Matias ganha a famosa batalha de
Mata Redonda e captura Calabar. Ele é preso pelo seu ex-
comandante, e é julgado por crime de Lesa Majestade, e em plena
praça pública, no adro da igreja, é enforcado e esquartejado, e
partes de seu corpo espalhados pela cidade, em postes e paliça-
das”.

Romeu de Avelar, em Calabar (Interpretação romance-ada


do tempo da invasão holandesa), 2ª edição, 1973, edição do Depar-
tamento de Ciência e Cultura do Governo de Alagoas.

UM ELOGIO Á TRAIÇÃO

Em Calabar – Um Poema Dramático, Lêdo Ivo lança mão


de um personagem histórico controverso para traçar uma crítica
política contra a exploração e opressão impostas ao povo humilde

48
e mestiço do Nordeste brasileiro, ao longo dos séculos. Descons-
truindo a história oficial, o Domingos Fernandes Calabar idealiza-
do por Ivo não é o traidor da pátria. Ele é a personificação do mar-
tírio perpetrado contra os que se insurgem, contra os que lutam
pelos seus ideais. O texto, originalmente lançado em 1985, discute
ainda sobre preconceito e traz uma das características mais mar-
cantes da obra do autor: sua intensa alagoanidade.

Entre os rios que cortam


Porto Calvo
passa Calabar montado
em seu cavalo branco
que nunca houve outro igual.

Entre os Cristos flagelados


da matriz de Porto Calvo
e a pólvora armazenada
nos engenhos fortificados
passa o major Calabar
vindo grandes batalhas...

Entre espadas e mosquetes


morcegos e caranguejeiras
e paus tostados
corre o Major Calabar
andando de serra em serra
e atravessa sesmarias

49
com a força de uma bala
entre nuvens de ouro fino...

E no Alto da Forca finda


bebido pelo mar
o dia de açúcar mascavo
e sangue derramado.

Lêdo Ivo um poema Dramático, reedição Imprensa Oficial


de Alagoas, 2017

HERANÇAS HOLANDESAS

Os holandeses chegaram às terras alagoanas em setembro de


1631 – com a invasão da praia de Barra Grande (Maragogi) - e
delas foram expulsas pelos portugueses em 1654 – depois da queda
do Forte Maurício em Penedo. Foram mais de 20 anos de ocupação
(dispersa). Neste tempo, Alagoas foi instituída como uma provín-
cia do Brasil holandês de Nassau, com direito a escudo e o dístico
Alagoas Ad Austrum.

“As províncias da Holanda no Nordeste brasileiro tinham


cada uma o seu escudo. O distrito das Alagoas também possuía o
seu, que constava de um rolo de pergaminho desenrolado, com
três (peixes) tainhas em faixa, sobreposta ao centro, e, numa fita,

50
por baixo, a legenda em latim – Alagoas ad Austrum (Alagoas da
parte sul), sendo o escudo encimado por duas asas espalmadas.”

Jayme de Altavila, no livro História da Civilização das Ala-


goas, edição do Departamento Estadual de Cultura – Maceió 1952

GUERRA DO AÇÚCAR

O professor e historiador Douglas Apratto - especialista no


período holandês em Alagoas – condensou os fatos mais relevantes
acontecidos durante os 23 anos em que duraram os combates e
conflitos, em dez pontos cruciais no desenrolar do front da Guerra
do Açúcar, até a capitulação final dos holandeses, comandados até
o fim pelo conde Maurício de Nassau.

1. A retirada do comandante das tropas portuguesas, o ge-


neral Matias de Albuquerque, após a queda de seu maior quartel-
general, o Arraial do Forte em Recife. Matias e mais de oito mil
homens, em “um verdadeiro êxodo dos vencidos”, bateram retira-
da para Alagoas.

2. O incêndio de Taperaguá e Madalena do Sul (hoje Mare-


chal Deodoro). No episódio, casas, igrejas e armazéns foram atin-
gidos por tropas holandesas. Os moradores foram presos e seus
bens saqueados. A igreja Nossa Senhora da Conceição foi total-
mente queimada.

51
3. A Batalha de Mata Redonda, ocorrida entre Porto Calvo
e Porto de Pedras, em janeiro de 1633, foi a “mãe” de todas as
batalhas, devido ao grande teatro de guerra montado, que envol-
veu tropas portuguesas, espanholas, holandesas, índios, negros e
mercenários europeus.

4. A chegada de uma tropa de soldados holandeses em Ma-


ceió foi outro fato marcante. Descrições do diário de bordo escrito
pelos invasores em sua viagem são preciosas. Elas apontam que os
batavos desembarcaram na Pajuçara e Jatiúca.

5. A entrada de Calabar na guerra como aliado dos holan-


deses, no famoso desembarque em Barra Grande. Auxiliados pelo
mameluco alagoano, os holandeses usaram o elemento surpresa,
com um ataque em pequenos barcos, para arrebatar o importante
ponto de resistência dos portugueses.

6. A viagem do chefe supremo dos holandeses, Maurício de


Nassau, pelo território alagoano, via Barra Grande (Maragogi) e
o bairro de Jaraguá, até Penedo, com a refundação do forte que
levou seu nome, “agora com a bandeira flamenga a tremular em
suas muralhas”.

7. A descoberta, por observadores holandeses, de terras


muito férteis, denominadas de Campos dos Arrozais de Inhaúns,

52
no território onde hoje estão os municípios de Anadia e São Mi-
guel dos Campos.

8. A queda de Porto Calvo, quando a praça forte mais im-


portante e mais estratégica da região Norte foi dominada. A forti-
ficação estava incomodando as tropas invasoras em sua passagem
para o Sul. Foi o primeiro grande assalto ao fortim, que depois foi
retomado pelos portugueses.

9. A heróica resistência dos moradores de santa Luzia do


Norte, sob o comando do capitão Antonio Lopes Figueira, que
morreu em combate e as investidas de Joan Blaer contra os Qui-
lombo dos Palmares.

10. A expulsão dos holandeses de Penedo e Porto Calvo.


Em 19 de setembro de 1645, os penedenses, tendo à frente Valen-
tim da Rocha Pita, auxiliados pelas forças baianas, expulsaram os
holandeses de Penedo e retomaram o forte construído por Nassau.

Douglas Apratto, em Alagoas 200 Anos, encarte do jornal


Gazeta de Alagoas, 2017

CARTOGRAFIA DO AÇÚCAR

Em sua tela sobre o cavalete datada de 1649, o pintor e ilus-


trador e paisagista Frans Post (1612- 1680), desenhou o que estava

53
à sua frente: um lindo horizonte de Porto Calvo. Mas ele inseriu os
outros elementos da paisagem – uma estradinha de terra, um casal
de brancos brincando na sombra de uma árvore, uma família de
negros apontando para o céu claro, mas cheio de nuvens, sob três
grandes montes, no do meio, uma estrada em aclive até o forte ho-
landês embandeirado. Esta pintura – uma litografia em aquarela
está entre as mais famosas de Frans Prost, que atuou como a me-
mória viva de Maurício de Nassau, acompanhando-o em todas as
suas viagens e campanhas militares. Ele fez parte da comitiva de
Nassau ao Brasil, juntamente com Albert Eckhout, George Ma-
cgraf e alguns naturalistas. É considerado o primeiro paisagista
estrangeiro com olhar no Brasil. O Instituto Ricardo Brennand, no
Recife, possui quinze quadros de Post. Os registros mais importan-
tes – mapas, iconografia, desenhos em aquarela e bico de pena -
revelaram os primeiros contornos da nascente Alagoas, durante a
ocupação holandesa.

“As edificações de segurança na vista de Porto Calvo, com


o forte encoberto pela cor verde, nenhum sinal de luta. Homens
descansam à sombra de uma árvore. À primeira vista opõe-se a
qualquer ideia vinda do campo do bizarro, do estranho, do caóti-
co. Mas, se se observa as cenas retratadas com o olho poliédrico
das moscas, constata-se que reserva na paisagem pequenos luga-
res par os sentimentos inversos à calmaria”.

Maria Angélica da Silva, arquiteta e professora da Ufal, pós


doutorada pela Universidade de Évora, Portugal, no estudo A con-

54
quista pela visão: mapas e pinturas, do livro O Olhar Holandês e
o Novo Mundo, Edufal 2011

GUERRA DOS CABANOS

A Guerra dos Cabanos foi um episódio esquecido pela his-


toriografia recente do país, no mesmo teatro de guerra onde houve-
ra as guerras do período colonial: a região Norte de Alagoas. Fo-
ram batalhas travadas entre o governo imperial e seus aliados civis,
os senhores de engenho, contra a rebeldia que queria seu espaço na
região e lutaram bravamente: os índios, brancos e mestiços lavra-
dores, moradores nas periferias dos engenhos, além de negros fu-
gidos passaram a ser identificados como “cabanos”, em alusão às
pequenas cabanas no meio do mato em que viviam.

“Foi a rebelião mais importante de nossa história política,


que correu na fronteira alagoano-pernambucana de 1832 a 1850,
numa área de 300 quilômetros de extensão e 60 kms de largura,
envolvendo cerca de 50 mil pessoas”.

Dirceu Lindoso, em Primeiros Passos da Formação de Ala-


goas, separata do Governo de Alagoas, com texto extraído do jor-
nal Gazeta de Alagoas, edição de 07/05/2005.

55
CAPITÃO DAS MATAS

Na verdade, o episódio dos Cabanos foi uma guerrilha en-


cravada na Zona da Mata alagoana, entre o governo imperial, e em
sua segunda frente, contra senhores de engenhos restauradores,
escravos foragidos – os famosos papa-méis, das Matas de Marago-
gi e de Jacuípe, de índios cariris aldeados, e de brancos pobres mo-
radores de engenho, sob a liderança de Vicente de Paula, que era
chamado de Capitão de Todas as Matas. Vicente de Paula liderou o
quanto pode o grupo que queria implantar uma nova sociedade
alternativa na mata alagoana. Mas os governantes de Pernambuco e
Alagoas fizeram um cerco em 1834, e decidiram atacá-los na mata,
com um exército de mais de 4.000 homens. Os cabanos seriam
sitiados. Foi dado um prazo para a população evacuar o espaço, o
que reduziu o número de integrantes dos grupos, limitados, agora,
aos mais comprometidos com a revolta e os escravos negros, por
preferirem a luta à escravidão. Outra tática utilizada pelos gover-
nadores foi a promessa de anistiar os dissidentes que se entregas-
sem. Em 1835, se renderam os derradeiros cabanos de Alagoas e
Pernambuco, mas Vicente de Paula foge para o sertão.

“Vicente de Paula será preso e remetido para (colônia pe-


nal) Fernando de Noronha. Dalí, voltará anos depois, velho, sem a
liderança anterior sobre as matas e começará uma espécie de pe-
dinte de terra, tentando a todo custo que o governo oficializasse a
sua. Mesmo velho, continuará a ocasionar temores; e reinstalação
do caudilho nas matas continuaria e perturbar o poder senhorial,

56
assim, conseguiu apenas o Maravano, onde já morava sua família.
No entanto, o velho caudilho vai assentar-se na região de Porto
Calvo, nas suas antigas terras. Ali morrrerá em torno de 1868”.

Luiz Sávio de Almeida, Memorial Biográfico de Vicente de


Paula, Guerrilha e Sociedade alternativa na mata alagoana. Edufal,
Maceió, 2008

UM NATIVO DO NORTE

Dirceu Aciolly Lindoso, 86 anos, tem mais um novo título


para comemorar em reconhecimento à sua carreira. Em 25 de mar-
ço de 2015, o mestre recebeu o título de Doutor Honoris Causa da
Universidade Federal de Alagoas, que ajudou a fundar. Dirceu é
jornalista, tradutor, poeta, romancista, antropólogo, etnólogo, his-
toriador alagoano e um entusiasmado pesquisador da cultura ala-
goana. Nasceu em Maragogi e só veio a Maceió já adulto, já que as
melhores estradas apontavam para Pernambuco. Estudou no Colé-
gio Batista do Recife, e depois no exterior. Por sua posição política
e a militância marxista esteve dez meses preso em Maceió. No dia
em que foi libertado, foi embora para o Rio de Janeiro. Membro da
Academia Alagoana de Letras (AAL), onde ocupa a cadeira núme-
ro um. E é sócio honorário do Instituto Histórico e Geográfico de
Alagoas (IHGAL). No seu discurso de posse no IHGA, em outubro
de 2009, além de dar uma aula de história alagoana ele fez várias

57
declarações de amor a sua terra, e na última ele fechou: “minha
profissão é ser alagoano”.

“Somos assim: pequenos, de vida independente curta, mas


de vida histórica densa, porque guardamos na nossa história dois
acontecimentos que traduzem toda nossa nacionalidade, como o
Quilombo dos Palmares no século XVII e a Guerra dos Cabanos
no meado de século XIX. Nele, pelo que aconteceu, se fizeram as
Alagoas, e assim juntas: a Alagoas do Norte e a Alagoas do Sul.
Com dois polos luminares: a cidade luso-flamenga do Penedo, nas
ribeiras altas do rio São Francisco, e a cidade luso-flamenga do
Porto Calvo, nas grandes matas do rio Manguaba e na ribeira do
porto antigo do Varadouro... Alagoas é para mim uma coisa mai-
or, e posso dizer monumental”.

Dirceu Lindoso, em seu discurso de posse no IHGA. Revis-


ta do IHGA, dezembro, 2005

CAPITANIA INDEPENDENTE

Passados episódios de relevância histórica e de formação da


identidade alagoana, como a Guerra do Açúcar, entre Portugal e
Holanda; a queda dos Quilombos dos Palmares, após batalhas san-
grentas entre negros rebelados e tropas do Exército, Alagoas deu o
primeiro salto para sua autonomia administrativa, quando por meio
de um decreto da Coroa Real, em 1817, deixa e ser uma comarca

58
de Pernambuco para conquistar a condição de capitania indepen-
dente. Dom João VI assinou o decreto e, logo após, iniciou-se um
período turbulento, o da fixação dos limites entre Alagoas e Per-
nambuco. É que o decreto régio não fixava os limites divisórios.
De 1817 até 1889, quando foi proclamada a República, foi imensa
a quantidade de políticos que assumiram o governo, que definiram
o nosso destino. Exatamente 139 homens administraram Alagoas.
Foram 72 anos de intrigas internas, confusões e muita discussão. A
agitação política foi de tal forma que poucos conseguiram deixar
marcas duradouras de sua passagem. Leia a íntegra do decreto,
escrita em português arcaico do século XVII.

Decreto de 16 de Setembro de 1817

“Convindo muito ao bom regimen d'este reino do Brasil, e a


prosperidade a que me proponho elevá-lo que a província das
Alagoas seja desmembrada da capitania de Pernambuco, e tenha
um governo próprio, que desveladamente se empregaria na apli-
cação dos meios mais convenientes para dela se conseguirem as
vantagens que o seu território e situação podem oferecer, em be-
nefício geral do Estado, e em particular dos seus habitantes, e da
minha real fazenda: sou servido isentá-la absolutamente da sujei-
ção, em que agora esteve do governo da Capitania de Pernambu-
co, erigindo-a em capitania, com um governo independente que a
reja na forma praticada nas mais capitanias independentes, com a
faculdade de conceder sesmarias, segundo as minhas reais ordens,
dando conta de tudo diretamente pelas secretarias de estado com-

59
petentes: e atendendo ás boas qualidades e mais partes, que con-
correm na pessoa de Sebastião Francisco de Melo: Hei por bem
nomea-lo governador dela, para servir por tempo de três anos, e o
mais que decorrer,/ enquanto lhe não der sucessor.

Palácio do Rio de Janeiro, em 16 de Setembro de 1817 -


Com a rubrica de S. Majestade, D. João VI

PROTAGONISTAS DA EMANCIPAÇÃO

Três anos depois de sua emancipação política, em 1819, um


novo recenseamento acusou uma população de mais de cento e
onze mil pessoas (111.973). Na nova província de Alagoas já tinha
oito vilas, 13 freguesias. O ouvidor Antonio José Ferreira Batalha,
foi o principal mentor da então comarca de Alagoas, aproveitando-
se da situação – ele não aderiu à revolução Pernambucana, ficando
fiel à Coroa Portuguesa - e infringindo as próprias leis régias, des-
membrou a comarca da jurisdição de Pernambuco e nela constituiu
um governo provisório. Esses atos foram suficientes para abrir ca-
minhos que levaram D. João a sancionar o desmembramento. Mas
o ouvidor perdeu a batalha para se garantir como líder do processo:
Sebastião Francisco de Melo e Póvoas foi governador nomeado,
mas que só assumiu em 22 de janeiro de 1819.

Acentuou-se a partir de então o surto de prosperidade de


Alagoas. Em 17 de agosto de 1831 apareceu o Íris Alagoense,

60
primeiro jornal publicado na província, assim considerada a par-
tir da independência do Brasil e organização do império. É certo
que os primeiros anos de independência não foram fáceis. Uma
sequência de movimentos abalou a vida provincial: em 1824, a
Confederação do Equador; em 1832-1835, a Cabanada; em 1844,
a rebelião conhecida como Lisos e Cabeludos; em 1849, a reper-
cussão da revolução praieira.

Larouse Cultural, Brasil A/Z, Editora Universo, 1991

CONTROVÉRSIAS NA HISTÓRIA

Depois de passados episódios e fatos, alguns deles ainda não


estão tão claros à luz da historiografia oficial, de como realmente
eles aconteceram. Entre estes fatos ainda controversos, por exem-
plo, estão a derrota dos Cabanos, o extermínio dos Quilombos dos
Palmares e o caso da “traição” de Calabar. Ainda há controvérsias
entre historiadores sobre o verdadeiro sentido do ato real: Se foi
um prêmio à fidelidade dos alagoanos em contrapartida à audácia e
ao sentimento de natividade dos pernambucanos, que tinham aca-
bado de vencer a Revolução Republicana, ou em consideração ao
nível de desenvolvimento que chegara à região. Alagoas, na época,
já havia ultrapassado, em índices de renda, em relação a algumas
capitanias, como a da Paraíba. Veja a seguir as análises de alguns
historiadores sobre o mais importante evento político da história de
Alagoas, até a chegada da República.

61
“O que parece é que de fato a autonomia de Alagoas resul-
tou da conjugação desses dois fatores: o político - como irão com-
provar as reações adversas da nova Capitania... e o econômico,
pelas novas conduções do controle administrativo criadas com a
nova unidade. Afinal, Alagoas já contava com 13 freguesias e oito
vilas, a maior parte delas distribuídas ao longo do litoral, mas já
com algumas a razoável distância da costa. A produção de açúcar
já era significativa e o número de engenhos tinha atingido, em
1802, a importante cifra de 180 unidades”.

Elcio de Gusmão Verçosa, em Cultura e Educação nas Ala-


goas – História, histórias, Secretaria de Educação -Maceió- 2001

“Na segunda década do século XIX a imagem do espaço


alagoano se achava completa, configurada na expressão territori-
al, social, política e econômica numa comarca sujeita à capitania
de Pernambuco. O decreto régio de 1817 é um reconhecimento,
em nível político, de realidades econômicas e demográficas jacen-
tes. Como escreveu o historiador Craveiro Costa (A Emancipação
de Alagoas, Arquivo Público, Maceió, 1967): em 1817 fatores
econômicos e demográficos, operando o desenvolvimento da co-
marca, haviam preparado o cenário do drama histórico da auto-
nomia”

Dirceu Lindoso, em Interpretação da Província Estudo da


Cultura Alagoana, Edufal, Maceió, 1985

62
“A separação não foi uma traição à Capitania de Pernam-
buco, tendo em vista que a solicitação da autonomia da Comarca
de Alagoas começou a ser feita muita antes da eclosão da Revolu-
ção Pernambucana. O espírito separatista era antigo, e vinha des-
de a época da Guerra do Açúcar. A fronteira do Rio Persinunga
(divisa dos municípios de Maragogi (AL), com o estado de Per-
nambuco) delimitava duas regiões com situações bem definidas.
Até o sotaque, por exemplo, já era distinto. Pernambuco era mais
urbano, mais ligada ao exterior, mais liberal; Alagoas era mais
rural, mais isolada, mais conservadora”.

Douglas Apratto, em Alagoas 200 Anos, encarte do jornal


Gazeta de Alagoas, 2017

“Com a emancipação em 1817, surge um novo ambiente


político influenciado pelas instituições criadas pelo estatuto da
independência, como o Governo Provincial e o Conselho Geral,
depois transformado em Assembleia Provincial. Nas sete décadas
do período colonial, Alagoas viveu sob o signo da instabilidade e,
por isso, assistiu a muitos acontecimentos policiais e mudanças
econômicas. Os anos iniciais de sua emancipação ficaram grava-
dos por três levantes originados e centralizados em Pernambuco,
com repercussões em Alagoas: a Revolução Pernambucana de
1817, a Confederação do Equador, em 1824, e a Revolução Prai-
eira, em 1848. (...) Essa decisão do governo português é motivo de
divergência entre os historiadores alagoanos, dividindo-se entre

63
os defensores da emancipação como prêmio e reconhecimento
pela contribuição alagoana à derrota da Revolução de 1817; e
outra corrente defensora a ideia de que, peã importância econô-
mica e social, a comarca ao já merecia o status de capitania”.

Cícero Péricles, professor e economista, no livro Formação


Histórica de Alagoas, 7ª edição, Edufal, 2017

64
ÁGUAS DE MACEIÓ

MASSAYÓ: ONDE TUDO COMEÇOU

“Maceió nasceu espúria, no pátio de um engenho colonial,


sem a ascendência conhecida e assentamento autorizado nas crôni-
cas do período histórico da luta pelo domínio do gentio e conquista
da terra”. Essa é a poética discrição que o historiador e memorialis-
ta alagoano, Craveiro Costa, faz na introdução de seu livro Maceió
(Editora Sergasa, 1981). Craveiro relatou exatamente o local do
primeiro núcleo de colonização da cidade, em meados do século
XVIII. Um dos primeiros - e talvez único - documentos que com-
provam o nascimento de Maceió é de 25 de abril de 1787, quando
o padre Antônio Ferreira da Costa, lavrou uma escritura fazendo a
doação de seus pertences em favor de Bento Ferreira Guimarães,
João Ferreira da Costa e Rita Maria da Boa Hora. “Na relação dos
bens constavam: casas de telha; uma capelinha e o sítio Massayó,
com todos seus acessórios". O sítio era um pequeno banguê “fogo
morto”, onde a seu redor se formou uma modesta povoação. O
local hoje é a praça Pedro II, no centro de Maceió, que foi o centro
de irradiação da nova urb da região.

“Maceió era uma pequenina povoação, habitada de alguns


vendilhões e pescadores, na qual o maior comércio era conduzir
madeiras para as praças, no que se ocupavam das embarcações

65
que ali vinham, e, também, com algumas sacas e caixas de alguns
engenhos próximos".

Texto de 1794, do padre Cipriano Lopes Arroxelas Galvão,


natural de Pernambuco

MAÇA-Y-OK: TAPANDO ALAGADIÇOS

Maceió é uma corruptela do tupi maça-y-ok, que significa


“o que tapa o alagadiço”, em consequência de sua área inicial ter
sido uma grande restinga habitada pelos índios. O entorno do pri-
meiro núcleo alcançava a baía de Jaraguá, em uma plataforma ao
nível do mar, onde os nativos já utilizavam a enseada, antes da
chegada dos portugueses, para comercializar com os piratas fran-
ceses, o valioso pau-brasil, extraído de sua Mata Atlântica. Em um
platô mais alto, pescadores faziam o trajeto diário do mar até o
povoado, onde ficava o engenho desativado. Havia ali também,
uma pequena capela dedicada a Nossa Senhora dos Prazeres, que
depois seria escolhida a padroeira da cidade, Hoje, o local é bas-
tante movimentado, e como um portal de alagoanidade, é só subir a
ladeira da Catedral Metropolitana, onde está encravada a praça
Pedro II, em frente à Assembleia Legislativa, para se sentir como
parte da história. Não há nenhum vestígio das antigas edificações,
mas um obelisco sujo e mal cuidado, com o busto de dom Pedro II
no alto do monumento.

66
“O historiador Moacir Medeiros de Sant´ana , ao encon-
trar, em 1972, um documento nos arquivos do Instituto Histórico e
Geográfico de Alagoas (IHGAL), trouxe inestimável contribuição
para o esclarecimento das origens e da formação da capital ala-
goana. Tratava-se do testamento ditado pelo capitão de Ordenan-
ças, Apolinário Fernandes Padilha, “nesse Massayó, Capella de
Nossa Senhora dos Prazeres e São Gonçalo, aos quinze dias do
mês de setembro de mil setecentos de vinte e quatro”.

Em Enciclopédia dos Municípios Alagoanos, Instituto Ar-


non de Mello, 2003

MACEIÓ: A NOVACAP

A posição marítima e topográfica de Maceió foram os ar-


gumentos usados pelo então presidente da província, Silva Neves,
para a transferência da capital de Alagoas do Sul (Marechal Deo-
doro) para Maceió, em 1839. No início do Segundo Império, pas-
sados mais de duas décadas desde que a antiga capitania fora
emancipada de Pernambuco, Alagoas continuava em “um estado
lastimoso de atraso e descultura” (Moreno Brandão, 1909). As
mudanças provocaram conflitos de sérias consequências, mas se
efetivou, quando o vice-presidente, João Lins Vieira Cansanção de
Sinimbu, o futuro Visconde de Sinimbu garantiu a transferência
para Maceió, do cofre e a organização da resistência política. De-

67
pois de trocas de deputados favoráveis à manutenção da capital em
Marechal Deodoro, a Câmara Municipal da cidade aprova a trans-
ferência da capital. Na sua mensagem aos deputados, assim justifi-
cou Silva Neves, sobre a importância da proximidade do mar para
a nova capital.

“Um de vós, senhores, não haverá, examinando a questão


pelo lado dos interesses públicos, que não reconheça que a vila de
Maceió, pela sua posição marítima e topográfica, é de todos os
pontos da Província, aquele que melhor condições reúne para ser
a capital. Colocado no centro da Província, na borda de um porto
vasto, capaz de entreter relações de comércio com as partes do
mundo... A vila de Maceió é hoje, pela natureza das cousas, o pon-
to principal da Província”.

Douglas Apratto, em Alagoas 200 Anos, encarte do jornal


Gazeta de Alagoas, 2017

CAPITAL DE PÓVOAS

Para o historiador Jayme de Altavila, a capital de Alagoas


passou a ser Maceió desde o dia em que o tenente-coronel Sebasti-
ão Francisco de Melo Póvoas desembarcou no ancoradouro de Ja-
raguá, em 24 de dezembro de 1818, para administrar a nova capi-
tania. O militar já fora designado como (o primeiro) governador de
Alagoas, por dom Pedro II, no famoso decreto régio de 18 de se-

68
tembro de 1817, que marcava a separação política e administrativa
de Alagoas de Pernambuco. Mas a capital permanecia em Santa
Maria Madalena ou Jaraguá do Sul. Porém, o governador - logo
após a sua posse - adotou Maceió como sua moradia, que causou
um rebuliço sem igual na recém emancipada capitania das Alago-
as. Melo Póvoas retornou à pequena e aprazível vila, onde, imedia-
tamente, começou a trabalhar. E tudo foi feito para favorecer Ma-
ceió nessa queda de braço.

“Entre os primeiros feitos da administração de Póvoas, que


serviram para evidenciar sua preferência pelo florescente lugar
situado mais próximo do mar, e contemplado pelo porto de Jara-
guá, foi a instalação da Junta da Real Fazenda (hoje o imponente
prédio da Associação Comercial, em Jaraguá). Póvoas também
ordenou que fosse levantada a planta da futura capital, e os prédios
da Alfândega, da Casa de Arrecadação e da Inspeção do Açúcar e
do Algodão”.

Em 200 anos de Maceió, texto de Valmir Calheiros, publi-


cado na revista Alagoas S.A. 2015

MARECHAL X MACEIÓ

Criada a capitania de Alagoas, só dois anos depois,


em 1819, é que assume o primeiro governador de Alagoas,
Sebastião Francisco de Mello Póvoas. Sua primeira provi-

69
dência foi criar a Junta de Arrecadação, a Alfândega e o
porto de Jaraguá, além de fortificar todo litoral. Tendo de-
sembarcado na Vila de Maceió, o governador foi ficando na
cidade, embora a capital fosse ainda Alagoas do Sul (hoje
Marechal Deodoro). Com interdição do Porto do Francês,
problemas de controle fiscal e dificuldades topográficas,
Alagoas do Sul ficou dependente de Maceió. Só o porto de
Jaraguá faria a diferença naquele tempo. Liderados por in-
dustriais e comerciantes ingleses, as pressões por mudanças
eram constantes, afinal o comércio internacional estava co-
meçando a deslanchar, e o setor tinha forte prestígio na área
de exportação. A confusão começou em 1839, quando o
presidente da província Agostinho da Silva Neves, decidiu
pela mudança da capital para Maceió, mas foi aprisionado
no Palácio Provincial, após uma rebelião formada pelo pai
do Marechal Deodoro, major Manuel Mendes e pelo notável
cidadão local Tavares Bastos (pai). Sebastião Neves foi for-
çado a renunciar e obrigado a embarcar no Porto do Fran-
cês, para o Rio de Janeiro.

“Uma verdadeira guerra foi declarada, com a partici-


pação de todas as cidades e Vilas de Alagoas. As tropas se
dividiram. A rebelião foi vencida pelos partidários da trans-
ferência, capitaneado pelo vice-presidente da província, o
Visconde de Sinimbu, que interceptou o Patacho, navio que
conduzia o presidente Silva Neves, e o reembolsou em Ma-
ceió”.

70
Douglas Apratto, em Alagoas 200 Anos, encarte do jornal
Gazeta de Alagoas, 2017

PITORESCOS PREGÕES

Félix Lima Júnior, com seus olhos e sua caneta afiados, re-
tratou Maceió de forma sem igual. O escritor, no livro Maceió de
Outrora (1976), estuda os aspectos pitorescos da Maceió antiga, os
costumes e hábitos do Centro, no começo do século passado. Os
amoladores de canivetes, facas e tesouras, os tocadores de realejo;
o vendedor de papagaios; os moleques de pés descalços que prego-
avam à porta dos teatros; o afenim, dedinho, broa de goma, tapioca
de eucalipto, broas de eucalipto, de goiaba e de mel de abelha; do
vendedor de leite tirado da vaca na frente do cliente, e ainda dos
pregões de Maceió.

“Num dos portões do Mercado Municipal aos domingos, o


doutor Raiz, xingando o “homem da cobra”, concorrente perigo-
so, no centro de um círculo e futuros fregueses, fazia propaganda
e suas misturas maravilhosas, suas garrafadas, suas ervas e raízes
infalíveis para qualquer doença, da lepra, à dor de barriga, da
“espinhela caída” ao câncer. Muito compenetrado, com ares de
verdadeira sumidade “soltava o verbo”. – Batata de purga! banha
de preguiça! Gitó! Pimenta d´água! Óleo de jibóia preta! Mangi-
roba! Catingueira rasteira! Mamão jaracatiá! Raiz de juá! Remé-

71
dio para mulher desconcertada! Garrafada das sete sementes! A
turma ria a bom rir enquanto dona Apolinária, antiga zeladora da
Confraria de Nossa das Vitórias, da Catedral, fechava a cara,
resmungando, e ia rogando pragas ao doutor”.

Félix Lima Júnior, Maceió de outrora, Imprensa Oficial


Graciliano Ramos, 2014

PRIMEIRA QUADRATURA

O Centro foi um dos bairros de Maceió que ao longo da his-


tória que mais sofreu intervenções em Seu entorno urbanístico.
Nos primeiro anos do século XX, a chamada Boca de Maceió –
onde a capital começou, era dominada por pescadores, vendedores
ambulantes, gente simples e trabalhadores que subiam da parte
baixa para a parte alta da cidade – mudou de forma irreconhecível
sua feição urbanística e social. As transformações começaram com
a edificação da Catedral Metropolitana de Maceió, que depois pon-
tificou a quadratura da nova face do Centro: a Praça Pedro II, a
Assembleia Legislativa, o Biblioteca Pública Estadual, o prédio da
Receita Federal. Sobre o começo desta mudança, fala o historiador
Felix Lima Júnior.

“Pela rua do Comércio, em tardes sonolentas, passava, a


pé, o governador Euclides Malta (governou Alagoas de 1906-
1909), acompanhado de amigos, inclusive os secretários de Estado

72
e o intendente Municipal (prefeito). Fechando o préstito vinha o
Cobrinha, cabo de Polícia, ordenança de Sua Excelência, condu-
zindo ao lado esquerdo, com a pose de um “Royal Horse Guard”
da Rainha Vitória e ares de mosqueteiro, velha espada de cavala-
ria que, de tão antiga, já deveria ter sido recolhida ao museu do
Instituto Histórico de Alagoas. Nessa mesma artéria, sentados em
cadeiras, na calçada, ou encostados em caixões vazios, negocian-
tes, magistrados, funcionários e professores conversavam e discu-
tiam, além da política, os acontecimentos sociais da cidade semi-
morta. À passagem da primeira autoridade do Estado levantavam-
se e respondiam, atenciosos, aos cumprimentos do supremo diri-
gente da terra de Deodoro”.

Felix Lima Júnior no artigo Evocação, do livro Festejos Po-


pulares em Maceió de Outrora, editado pela Associação Atlética
Banco do Brasil, Rio de Janeiro, 1956

POBREZA E RIQUEZA

No final do século XIX a capital de Maceió começa a ter


uma urbe mais moderna, deixando para trás aquela cidade pitores-
ca, com ruas cheirando a peixe frito, carroças passando, O cenário
já incluía senhores de chapéu coco e bengalas, mulheres de vesti-
dos rendados, coletes e matilhas, que se postavam em frente ás
lojas chiques, a Maison Elegante, o Café Colombo, o hipódromo
do Prado, o Clube Fênix, o Montepio dos Artistas. Antes desse

73
estágio Maceió disputava com outras cidades o deslumbramento de
grandes centros, puxados pela burguesia local. A aristocrática ci-
dade de Penedo e a lacustre Pilar, dominavam a cena. Esta Belle
Époque não chegou aos mais pobres. Estes já começavam a ser
segregados, longe dos belos sobrados.

“A maioria da população moravam em mocambos de pes-


cadores, em Pajuçara e na Ponta de terra ou, mais adiante, às
margens da lagoa ou nas encostas de Bebedouro. Gente sofrida,
mestiça, descendentes de escravos e índios, precocemente envelhe-
cida, que lava e faz biscates para sobreviver. Eles são os clientes
habituais do Asilo de Mendicância, as vítimas das altas taxas de
mortalidade e doenças mentais”.

Douglas Apratto Tenório, em Revista Graciliano, n 9, julho


de 2011, no artigo Maceió: da elevação a Vila às turbulentas pri-
meiras décadas republicanas

BOCA VIRA GLAMOUR

Durante os anos 1930 e 1950, enquanto o Mercado Munici-


pal continuava com seus pregões, sua venda de hortifrutigranjeiros,
suas quinquilharias e bugigangas, folhetos de cordel, e todo tipo de
ervas, a região já era então um local de pleno desenvolvimento, o
comércio vivia seu tempo de glamour. Em meio à massa proletária,
circulavam homens trajando paletós e mulheres lindamente vesti-

74
das nos “footings” de domingo. Em 1950, conforme aponta o anu-
ário Maceió de Bolso, organizados pelos jornalistas Ajérico Vieira
e Pedro Lopes Barbosa, o comércio de Maceió tinha 17 alfaiatari-
as, cinco camisarias, seis ateliês de corte e costura, cinco revende-
doras de automóvel, doze tipografias e livrarias. Os bares, restau-
rantes e cafés eram mais de 40, povoando as ruas do Comércio,
Senador Mendonça e Moreira Lima. Mas foram os cafés que fize-
ram sua fama no centro, como o Colombo, o Cristal, A Helvética,
do Cupertino (depois Ponto Central), Java e até restaurantes de
grife como o Elegante, na Rua do Comércio, 321, conforme anún-
cio no anuário.

“Restaurante e bar fundado em 1928, estabelecimento de


primeira ordem, adquirido pela firma Cunha & Cia, garantindo
um serviço a contento de seus fregueses, e espera a preferência do
mundo elegante de Maceió. Cozinha à vista do freguês, e sorti-
mentos completo de bebidas nacionais e estrangeiras. Pedidos à lá
carte e serviço rápido para o pessoal do salão”.

Ajérico Vieira e Pedro Barbosa, em Anuário Maceió de


Bolso, 1950

75
CAFÉ DO CUPERTINO

Muito já se escreveu sobre a celebridade de determinados


bares, cafés e restaurantes, que eram frequentados pela nata da in-
telectualidade – no caso dos bares, a nata da malandragem. O
exemplo mais falado, fotografado e ilustrado é o do Café e Confei-
taria Colombo, no Rio de Janeiro, no fim do século 19, que reunia
personalidades literárias como Olavo Bilac, o alagoano Guimarães
Passos, Emílio de Menezes e tantos outros. Em Alagoas, já no sé-
culo XX, nos primeiros anos da década de 1930, um pequeno café
localizado na Rua do Comércio, em Maceió, era frequentado por
grandes nomes das letras nordestinas.

“O café do Cupertino adquiriu celebridade, porque era fre-


quentado por Graciliano Ramos, José Lins do Rêgo, Rachel de
Queiroz, Santa Rosa, Valdemar Cavalcante, Aloísio Branco, Car-
los Paurílio, Alberto Guimarães Passos, José Auto, Aurélio Buar-
que de Holanda, Manuel Diégues Júnior, Théo Brandão, Raul Li-
ma e tantos outros intelectuais e escritores que formavam uma
roda permanente, sem qualquer característica boêmia, pois con-
sumiam sempre café pequeno e cigarros”.

Carlos Moliterno, no artigo Graciliano Ramos em Maceió,


na Revista Alagoana de Letras, no quatro, ano IV, dezembro de
1978

76
QUINTAL DE DELÍCIAS

A vida no Centro de Maceió, naqueles tempos de glamour e


tranquilidade, era um parque de diversão para a juventude. É de
dar água na boca o relato do jornalista Lauthenay Perdigão, que
nasceu e passou sua infância e adolescência na região. Um passado
que ficou na memória e que hoje não existe mais. Só em fotos em
preto e branco e nos antigos cartões postais da cidade.

“Nosso cotidiano era bom demais. Colégio Guido pela ma-


nhã, Centro do Comércio pela tarde e Praça Deodoro à noite. Tinha
o passeio rápido e gostoso pelo bonde, que passava na Rua do Co-
mércio, ia até a Assembleia e fazia o retorno pela Rua do Sol. Ti-
nha o lanchinho gostoso no Bar Colombo, sorvetes na Danúbio. O
corte do cabelo no amigo Zezé, na barbearia que ficava em frente à
drogaria Globo; O negócio era estudar e ir ao Cinema Ideal para
assistir a filmes de bangbang e musicais. Filmes de Gary Cooper,
John Wayne, James Stewart, Alan Ladd, Gregory Peck, Kirk Dou-
glas, Fred Astaire, Gene Kelly, Jane Power, Frank Sinatra e seria-
dos como Flash Gordon, Durango Kid, e seu lindo cavalo branco
Corisco, Bonanza, Rin-tin-tin, o cachorro herói e Tarzan, o rei da
floresta”.

77
VISÕES DA SERTANEJA

É de rara beleza o texto escrito pela educadora, antropóloga


e pesquisadora alagoana Luitgard Oliveira Cavalcanti Barros, nas-
cida em Santana do Ipanema, sobre o seu tempo de menina em
Maceió, quando morava no Centro de Cidade. Entre suas visões
estavam os bondes, a água encanada e a rádio Difusora, “nas noites
de grandes apresentações musicais”. Era o tempo da queda da oli-
garquia interiorana dos Malta e a chegada da modernidade.

“Morando na rua Dias Cabral e frequentando a igreja do


Livramento, o mais importante passeio da família era ver as retre-
tas da praça Deodoro, admirando o belíssimo conjunto arquitetô-
nico constituído pelos belos palacetes, o deslumbrante prédio do
Teatro Deodoro, o coreto onde se sentavam os músicos da banda,
os jardins e as estátuas. As árvores podadas em forma de cadeiras
ou animais eram verdadeiros deslumbramentos para sertaneja
acostumada com os retorcidos pés de pau da caatinga, enfeitada
pelas copas verdes dos umbuzeiros e juazeiros”.

Luitgarde Oliveira Cavalcanti Barros, no artigo Pensamen-


to Social em Alagoas: efemérides e esparsas reflexões, em Revista
do Arquivo Público no 2, Governo de Alagoas, 2012

78
TROMBA D´ÁGUA

Em 1949, uma tromba d´água se abateu sobre o Centro de


Maceió, com o epicentro da tragédia acontecendo exatamente onde
a capital foi fundada, nas encostas da Catedral Metropolitana. A
enxurrada provocou queda de barreiras e soterrou casas e pontes,
deixando 19 mortos. O cenário foi relatado pelo historiador Bráu-
lio Leite Júnior.

“Num sábado do mês de março, abriram-se as portas do


céu. Uma tromba d´água se abateu sobre Maceió. O Riacho Sal-
gadinho virou mar, casas foram soterradas, famílias inteiras mor-
reram. O bairro do Poço foi tragado. O morro onde estava o velho
farol de Maceió desabou em parte pela entrada do Poço. E ficou
rachado”.

Bráulio Leite, no livro Histórias de Maceió, Editora Cata-


vento, 2000

ÁGUAS DO AURÉLIO

Em 1923, o jovem alagoano Aurélio Buarque de Holanda


Ferreira (1910-1989) deixa sua cidade-berço Passo de Camaragibe,
e muda-se para Maceió, onde, aos 14 anos de idade, começou a dar
aulas particulares de português. Aos 15, ingressou efetivamente no
magistério: foi convidado pelo Ginásio Primeiro de Março a lecio-

79
nar em seu curso primário. Já naquela época passou a se interessar
por língua e literatura portuguesas. Formou-se em direito pela Fa-
culdade de Direito do Recife em 1936. Mestre Aurélio então subiu
o olimpo, tornando-se um intelectual de classe universal: foi lexi-
cógrafo, filólogo, professor, tradutor, ensaísta e crítico literário.
Foi o autor do Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa e membro
da Academia Brasileira de Letras. Aurélio passou a residir no Rio
de Janeiro a partir de 1938, onde ficaria até sua morte, em 1989.
Mas ele nunca esqueceria sua terra natal.

“Águas, águas. Marítimas, lacustres. Além das fluviais -


sobretudo as do São Francisco, muito lá - longe. Uma toponímia
úmida, aquosa. Desde o nome do estado, Alagoas, e o da capital -
talvez do tupi maçayó, o "alagado", ou o "que tapa o alagadiço".
Até os bairros - Poço, Levada, Bebedouro. Os de povoações do
município, como Riacho Doce, praia belíssima, cenário de um ro-
mance de José Lins do Rego, e famosa pelo seu petróleo, e os no-
mes de vários lugares do interior: Volta D' água, Bica da Pedra,
Água Branca, Barra Grande, Barra de Santo Antônio, Barra de
São Miguel, Minador do Negrão, Olho d' Água das Flores, Rio
Largo, Porto Calvo, Porto de Pedras, Porto Real do Colégio".

Aurélio Buarque de Holanda em Alagoas: roteiro cultural e


turístico. Pierre Chalita, Carmem Lúcia, Solange Berard. Maceió –
1979

80
CIVILIZAÇÃO DAS ÁGUAS

“A história da gente alagoana é a história de uma gente qua-


se anfíbia”. Assim o antropólogo, sociólogo e escritor pernambu-
cano Gilberto Freyre descreveu, em 1948, o povo nascido nas Ala-
goas. A frase serviria como epígrafe para o historiador e escritor
alagoano Dirceu Lindoso, que em seu livro Interpretação da Pro-
víncia, confirma a importância seminal do elemento água como
formador da índole alagoana. Leia trechos:

“Da história da gente alagoana já se disse ser a história de


uma gente quase anfíbia, e que no espaço de Alagoas – com tal
abundância de lagoas, rios e riachos – a importância da água foi
máxima na caracterização do complexo agrário... A água presen-
cia tudo: a economia, a vida literária, as formas de moradia, o
transporte e a fixação da vida rural e urbana”

“A alagoana é, de fato, uma civilização das águas: de chu-


vas, nas matas úmidas, onde amadurecem os canaviais; marinhas,
no recortado litoral de rios e manguezais; lacustres, nas lagoas
que se estendem esparsas de Maceió para o Sul; fluviais, na abun-
dância dos grandes rios – como o São Francisco – e nos pequenos
rios onde medrou a civilização do açúcar. São inúmeras as águas
que escorrem pelo recôncavo de Maceió, fazendo que a cidade
crescesse numa restinga seca a arenosa, e subisse ávida para os
tabuleiros do Farol, do Martins e do Jacutinga”.

81
Dirceu Lindoso, Historiador, trechos do livro Interpretação
da Província – Estudo da Cultura Alagoana, Edufal - 2005

TERRAÇO DE LÊDO

O poeta alagoano Lêdo Ivo, imortal da Academia Brasileira


de Letras, que morreu em 2012, em Sevilha, na Espanha, aos 88
anos, sempre acentuava a sua alagoanidade. Muitos de seus livros
retratam sua Alagoas, principalmente Maceió, como o romance
Ninho de Cobras. Traduzido para mais de 12 países, incluindo
EUA, Espanha, Itália, Inglaterra, Holanda e México, o poeta ala-
goano sempre mostrou a importância de sua terra natal em suas
poesias, em livros como Linguagem (1951); Estação Central
(1964); Calabar (1985); Curral de peixe (1995) e Finisterra (1972),
que traz a poesia Planta de Maceió, mostrada aqui em sua segunda
parte:

Foi aqui que nasci, onde a luz do farol


cega a noite dos homens e desbota as corujas.
A ventania lambe as dragas podres,
Entram pelas persianas das casas sufocadas
e escalavra as dunas mortuárias
onde os beiços dos mortos bebem o mar.

Mesmo os que se amam nesta terra de ódios


são sempre separados pela brisa

82
que semeia a insônia nas lacraias
e adultera a fretagem dos navios.
Este é o meu lugar, entranhado em meu sangue
como a lama no fundo da noite lacustre.

E por mais que se afaste, estarei sempre aqui


e serei este vento e a luz do farol,
e minha morte vive na cioba encurralada.

Lêdo Ivo, em Planta de Maceió, do Livro Finisterra, Top


Books, 1972,

LAGOAS DE OCTÁVIO

“Comecei a escrever Canais e Lagoas (1919) entre aratus e a


ventania de um desterro da Lagoa Mundaú”, dizia o autor do livro
considerado como o marco zero dos escritos sobre a relação água e
povo alagoanos, o ambientalista Octávio Brandão. Ele desvenda
um roteiro preciso do quanto era exuberante a região formada no
entorno das grandes lagoas Mundaú e Manguaba. Octávio Brandão
percorreu um total de 1.500 quilômetros, sendo 600 a pé, em via-
gens e excursões para escrever Canais e Lagoas. “Fiz penosas ca-
minhadas, atravessei Calunga, em novembro de 1916, lutei terri-
velmente para escapar ao naufrágio e morte”.

83
“Descobri as riquezas naturais em geral e indícios de pe-
tróleo em particular. Pesquisei a natureza viva, o povo e a histó-
ria. Coligi materiais folclóricos. Investiguei a formação e o desen-
volvimento da terra, as condições de vida e trabalho das popula-
ções. Convivi fraternalmente com os simples homens do povo –
pescadores, canoeiros, lavradores pobres. Publiquei o livro no Rio
de Janeiro, em 1919. Estuda a geografia, a mineralogia e a geolo-
gia da região dos canais e lagoas do Estado de Alagoas. Ataca o
regime dominante. Condena a exploração do Brasil pelos capita-
listas estrangeiros. Prega a divisão de terras. É um poema telúri-
co. Estuda a terra e o homem trabalhador. Protesta contra a misé-
ria e abandono do povo. Procura fundir a ciência com a poesia.
Aspira a fundir o realismo literário espontâneo com o romantismo
histórico”.

Octávio Brandão citado por J.R. Guedes (org.), Cartas de


Octávio Brandão, Editora da UFSC, 2005.

HIDROAVIÕES CATALINA

Na década de 1930, hidroaviões pousavam na lagoa Mun-


daú, na enseada natural ali existente, na entrada do canal, bairro da
Levada. Um píer de concreto facilitava o desembarque dos voos
regulares dos bimotores da companhia Catalina/Panair - tanto os
cargueiros, operados pela Força Aérea Brasileira (FAB), que man-
tinha uma base na rua Santo Antônio, no entorno do local – ao uso

84
civil, as aeronaves transportavam turistas para Alagoas e o Nordes-
te.

“Na Levada aterrissavam os aviões, de modo que o viajante


que chega a Maceió pelos ares tem um encontro pitoresco com a
cidade: através da lagoa. É um gosto ver-se aquilo lá de cima; é
um labirinto d’água, a que não faltam o colorido dos coqueiros, os
mangues extensos, os guiamuns pela areia e os pescadores apa-
nhando sururu em suas canoas”.

GOGÓ DA EMA, ADEUS!

Gogó da Ema era um coqueiro torto, empescoçado seme-


lhante ao da Ema (considerada a maior ave brasileira, que tem o
pescoço em forma de S). Em 2018, completaram 63 anos do dia
em que o Gogó da Ema tombou - em 27 de julho de 1955. Durante
todo tempo o coqueiro virou símbolo de Maceió, uma marca regis-
trada das praias da capital, principalmente Ponta Verde, onde nas-
ceu e cresceu o coqueiro. Os mais jovens só conhecem por ima-
gens de cartão postal, TV, jornal ou pela internet. É difícil precisar
sua idade, mas segundo o historiador Bráulio Leite Júnior, em His-
tórias de Maceió (2000), ninguém lhe dera atenção, “era apenas um
coqueiro torto que existia no sítio do Chico Zu, quem queria ver
tinha que pular o muro e correr do cachorro”. Mas o coqueiro se
transformou na atração da cidade, mil vezes foi fotografado, pinta-
do, traduzido em versos, contos e até uma lenda apareceu. Seu fi-

85
nal foi dramático, como uma cena de filme. Dois dias depois de
tombado, tentaram de tudo para reerguê-lo. Teve guindaste, agrô-
nomo, polícia, jornalistas, e o povo batendo palmas e dando salvas
com emoção. Mas nada adiantou.
“Foram três dias de peleja para aprumar a debilitada pal-
mácea. Os esforços chegaram ao limite, mas não adiantaram. De-
pois de muita amarração em cabos, que mantinham o coqueiro
imobilizado, o mar inclemente e impiedoso continuava a atacar.
Depois de 90 dias acabou o Gogó da Ema perdendo para o Ocea-
no Atlântico”.

Jornalista José Carivaldo Brandão, no artigo Paixão e Morte


de um Coqueiro.

CORES DO MAR

O famoso verso do maior poeta espanhol Federico Garcia


Lorca - "verde que te quero verde" – poderia cair como uma mol-
dura para as praias de Alagoas. Mas será que elas são verdes? Ou
azuis? Ou tonalidades diferentes que se alternam numa imagem
mais que perfeita? O que faz do mar de Alagoas tão bonito? A ge-
ografia e a biologia podem oferecer alguns motivos. O cantor Car-
los Moura entoava “Mergulhar no azul piscina do mar de Pajuça-
ra”. Djavan, o maior cantor das Alagoas, ao escrever “Azul”, pedia
que “alga marinha, vá na maresia buscar ali um cheiro de azul” e
confessava: “essa cor não sai de mim, bate e finca o pé”. O mar de

86
Alagoas é da cor do mar de Alagoas. O jornalista, poeta, escritor e
boêmio Noaldo Dantas, falecido em 1999, paraibano de nascimen-
to, fez de Alagoas sua terra natal. Aqui, viveu feliz, fundou jornais,
namorou, tomou um uisquinho, fez muitos amigos e curtiu como
nunca. Inspirado nas cores do mar, ele escreveu O dia em que Deus
criou Alagoas:

“Escrevi certa vez que Deus, além de brasileiro, era alago-


ano. Em verdade, não se cria um estado com tanta beleza, sem
cumplicidade. Sou capaz de imaginar o dia da criação de Alagoas.
Ô São Pedro, pegue o estoque de azul mais puro e coloque dentro
das manhãs encarnadas de sol; faça do mar um espelho do céu
polvilhado de jangadas brancas; que ao entardecer sangre o hori-
zonte; que aquelas lagoas que estávamos guardando para uso par-
ticular, coloque-as neste paraíso. E tem mais, São Pedro: dê a
esse estado um cheiro sensual de melaço e cubra os seus campos
com o verde dos canaviais. As praias... Ora, as praias deverão ser
fascinantemente belas, sob a vigilância de ativos e fiéis coqueirais.
Faça piscinas naturais dentro do mar; coloque um povo hospita-
leiro e bom; e que a terra seja fértil e a comida típica melhor que
o nosso maná. Dê o nome de Alagoas e a capital pela ciganice e
beleza de suas noites, deverá chamar-se Maceió e a padroeira:
Nossa Senhora dos Prazeres”.

87
PAJUÇARA DOS PESCADORES

Enseada de rara beleza, nos anos 1930, Pajuçara contava


apenas com casas de pescadores, cinco residências de veraneio,
castanheiras, coqueirais e jangadas ao mar. Na década de 1940 e
1950, novos moradores, veranistas e crescimento habitacional. Nos
anos 1960 e 1970, começo da especulação imobiliária e “expulsão”
dos pescadores de seu habitat, que formaram um novo bairro: a
Ponta da Terra. Anos 1980, 1990 e 2000, o “boom” imobiliário,
apartamentos de luxo, hotéis cinco estrelas, bancos, a Feira de Ar-
tesanato, a orla revitalizada com calçadão, barracas de alvenaria e
ciclovia. Pajuçara foi cantada em verso e prosa, mas uma ficou
famosa no cancioneiro popular, na voz de Luiz Gonzaga.

Ai, ai
Que saudade, ai que dó
Viver longe de Maceió
Alagoas
Tem joias tão caras
Que meus olhos
Não cansam de olhar
Uma delas és tu Pajuçara
Praia linda engastada no mar
Quando a lua no céu adormece
Pajuçara se enfeita ainda mais
Vem a brisa rezar uma prece
Entre as folhas dos seus coqueirais

88
As noitadas felizes nas ostras
Bons amigos que choram até
Que saudade de Bica da Pedra
E dos banhos lá no Catolé
Recordando estas coisas tão boas
Sou feliz não me sinto tão só
Toda gente que sai de Alagoas
Coração deixa em Maceió

PAJUSSARA DE CRAVEIRO COSTA

No começo, o bairro da Pajussara (era escrito com dois es-


ses) era habitado por pescadores, que moravam em mocambos à
beira-mar. Seu clima abrasivo e a bela faixa litorânea atraíram a
especulação imobiliária e o cenário mudou.

"Da Pajussara podemos dizer que se transformou num ar-


rebol dos banhos de mar. A princípio eram apenas casas de vera-
neio, que foram tornando-se fixas. Assim toda a comunidade de
pescadores que habitava a orla foi expulsa de seu habitat e formou
um novo arrabalde: a Ponta da Terra. Além das festas carnavales-
cas com os banhos de mar à fantasia, o Sábado de Zé Pereira,
existia a Procissão de Bom Jesus dos Navegantes, com os barcos
fazendo cortejo pela orla. E no meio do mar da Pajussara aquela
policromia de trajes dava um colorido pitoresco à procissão”.

89
Craveiro Costa, Maceió de Outrora, 1ª edição Arquivo Pú-
blico de Alagoas, 1976

A CIDADE QUE MORREU

Em 1959, o antropólogo Théo Brandão escreveu um notável


prefácio para a primeira edição do livro de Félix Lima Júnior, Ma-
ceió de Outrora, volume I, em que acenava como uma despedida
dos velhos tempos, da Maçayó antiga, para lembrança dos que aqui
hoje vivem.

“Que tempo era aquele que paulatinamente foi desapare-


cendo, a Maceió do Grande Ponto do Mesquita, da Chapelaria do
José Maria, da Porta do Sol, dos tamarindos da Praça São Bendi-
to, dos pavilhões de madeira da Praça da Catedral, dos trapiches
de Jaraguá. Da Ponte de Desembarque, dos botes e alvarengas do
porto, do telégrafo semafórico da encosta do Farol, das saídas do
Santíssimo, das ruas alcatifadas de folhas de pitangueira e das
janelas adornadas de colchas nos dias de procissão, dos maraca-
tus, das cavalhadas de máscaras, dos soldados do Tiro Alagoano,
chapéus de feltro quebrados de lado, dos sorvetes da “Santa Lau-
ra”, das retretas na Praça Deodoro, dos negros de ganho Quatro
Cantos”.

Théo Brandão, no prefácio do livro Maceió de Outrora vol.


I. Sergasa Maceió – 1959

90
DESVIARAM O SALGADINHO?!

Ainda no prefácio ao livro de Félix Lima Júnior, Théo


Brandão questiona a mudança de curso da foz do riacho Salgadi-
nho, que fluía suas águas por baixo da Ponte dos Fonseca, ao lado
do Clube Fênix, na Avenida da Paz, e desembocava na praia do
Sobral. A ponte foi destruída e arrastada pela enxurrada de 1949,
que se abateu no Centro de Maceió, mudando muito toda a geogra-
fia urbana naquela região. O Salgadinho hoje, sujo e degradado
lança suas águas na praia da Avenida.

“Em 19 de abril de 1924, uma sexta-feira da paixão, cho-


veu a noite toda. Caiu uma tromba d´água no Reginaldo, a primei-
ra que se tem notícia nesta capital. Tendo o rio recebido enorme
volume de água, como jamais recebera, ficou alagado todo o tre-
cho entre a ponte do Poço e a Estação Central da Great Western
(hoje a CBTU). Ruiu parte da Ponte dos Fonseca. Vinte anos de-
pois (1944), mudaram a foz do rio Salgadinho. Por que e para
quê? Encerrou-se, melancolicamente, um período da vida da cida-
de e as brincadeiras de muito menino vadio”...

Théo Brandão, no prefácio do livro Maceió de Outrora vol.


I. Sergasa Maceió – 1959

91
BYE BYE RUA DO SOL

Um dos filmes cult do cineasta alagoano Cacá Diegues, Bye


Bye Brasil (1979), traz como trilha a música de Chico Buarque,
que embalou a caravana Rolidei de Salomé (Bety Faria), Lorde
Cigano (José Wilker), Ciço (Fábio Júnior) e Zé da Luz, interpreta-
do pelo ator alagoano Jofre Soares, nas filmagens em Alagoas –
Piranhas, Murici, Maceió e Praia do Francês - Amazonas e Brasí-
lia. Um convite para passear nos sets do filme, 38 anos depois, em
algumas estrofes da música, está lá: a Rua do Sol.

Baby, bye bye


Abraços na mãe e no pai
Eu acho que vou desligar
As fichas já vão terminar
Eu vou me mandar de trenó
Pra Rua do Sol, Maceió
Peguei uma doença em Ilhéus
Mas já tô quase bom
Em março vou pro Ceará
Com a benção do meu orixá
Eu acho bauxita por lá
Meu amor.
Bye bye, Brasil
A última ficha caiu
Eu penso em vocês night and day
Explica que tá tudo okay

92
MENINOS DA AVENIDA

Nos anos 60 e 70, a praia da Avenida era a mais limpa e


linda de Maceió. Todo mundo corria para lá. Mais quem se diver-
tia mesmo eram os Meninos da Avenida. Garotos que viviam o
sonho da juventude, com o riacho Salgadinho limpinho, que dava
até para tomar um banho depois da praia. Os bailes eram no Clu-
be Fênix, tinha concurso de miss, o mago Frazão puxando a mo-
çada para a foto, e o Carnaval! Tinha jogo de futebol na praia;
soltar arraias, lutar de gata parida embaixo das amendoeiras,
garrafão no coreto, e as primeiras cachacinhas. Quem conta sobre
esse tempo é engenheiro Américo José Peixoto Lima, o Lelé, que
organizou o livro “Meninos da Avenida”, lançado em 2011, e que
hoje se transformou em um blog de sucesso. Mais de vinte colabo-
radores da turma “Meninos da Avenida” contaram e contam suas
histórias até hoje.

“É um tributo à amizade, recheado de fatos que fazem parte


da história da cidade, das memórias de um tempo que não volta
mais; de uma parte da cidade que teve seus anos de glória, no en-
torno da Avenida da Paz. Podemos dizer que vivíamos no paraíso,
e que o nosso compromisso era com a felicidade. Fizemos e vive-
mos muitas histórias.”

Américo José Peixoto Lima, em entrevista ao jornal Gazeta


de Alagoas em 25/12/2011

93
Estes são os Meninos da Avenida que escreveram no livro e
que hoje continuam a contar as histórias de Jaraguá, no blog: Al-
berto Cardoso (Cuca), Alberto Rego de Carvalho, Carlito Lima,
Eurico Uchoa, Francisco Nemésio (Chiquinho), Guilherme Pal-
meira, Humberto Gomes de Barros, João Kepler, Milton Hênio,
Mozart Cintra, Murillo Rocha Mendes, Paulo Ramalho de Castro,
Paulo de Castro Silveira, Ricardo Peixoto e Sônia Cardoso...

RUAS DE MACEIÓ

Rua da Alegria, do Alecrim, do Sol, do Cravo, do Capim, do


Araçá, do Cafundó, Augusta, Bela, da Imperatriz, dos Fogueteiros,
Formosa, do Abacaxi, das Vassouras, da Praia, da Harmonia,
Sovaco da Ovelha, do Veado, Beco do Mijo, Beco das Sete Faca-
das, Beco do Sapo, Beco da Baiana, do Bacalhau, Praça Rex,
Praça Rayol, Praça Montepio dos Artistas, Ladeira do Paraíso,
Ladeira do Cortiço, Ladeira do Urubu, Avenida da Paz, Avenida
Condor, Rua Cruzeiro da Favela. Todos esses nomes de ruas, lo-
gradouros, praças, becos e vielas, deixaram de existir já faz algum
tempo em Maceió. Em seu lugar as placas indicam nomes de per-
sonalidades da vida nacional e local, na maioria das vezes sem me-
recimento devido, nem a importância confirmada pelo veredito
popular. Apenas um livro registra com precisão as histórias e as
memórias dessas ruas. É a do velho historiador Félix de Lima Jú-
nior, que conseguiu catalogar quase por inteiro os nomes e as his-
tórias das ruas de Maceió. Este trabalho, interrompido com a morte

94
do escritor, foi compilado e revisado pelo radialista Edécio Lopes,
em 1974, já que no seu programa “Manhãs Brasileiras” os textos
de Félix eram lidos ao vivo no quadro o “Nome de Minha Rua”.

“Foi um trabalho exaustivo que seguramente esgotou o te-


ma. Sem dúvida é a melhor obra e o melhor registro sobre o as-
sunto, inclusive com partes que nem sequer foram impressas no
livro, uma crônica chamada “Rua da Amargura”, onde Félix de
Lima Júnior cria uma hipotética rua com seus personagens e fatos
marcantes”.

Edécio Lopes, em Revista Última Palavra, 1987

JARAGUÁ DE MAYA PEDROSA

Com uma sólida formação historiográfica, o respeitado inte-


lectual alagoano José Fernando de Maya Pedrosa conhece como
ninguém o lendário bairro de Jaraguá. Ele decifra todos os enig-
mas, conta as grandes histórias e as melhores recordações do bairro
no livro Histórias do Velho Jaraguá (1998). J. F. Maya Pedrosa
revela toda a saga do bairro, desde sua origem, que para ele se con-
funde com o nascimento da capital, com textos que reúne antigos
documentos coligidos, e até a recomposição da época, feita com
graça, simplicidade e muitos personagens e causos. Segundo o
cronista Luiz Nogueira Barros “o livro é um deleite, capaz de pro-
vocar saudades, montando pedrinhas sobre pedrinhas, em uma

95
varanda soprada por ventos suaves. E uma leitura caleidoscópica,
de uma época capaz de despertar os poetas, os cronistas e os pin-
tores, tal seu efeito hipnótico sobre o leitor”. Pedrosa divide seu
livro em três partes: o princípio, o ambiente e o homem.

O princípio

“Quando teria então surgido aquele pequeno braço do mar


que vimos correr por trás do (Clube) Fênix para desembocar no
Sobral? Como teria sido cavado aquele Salgadinho onde a gera-
ção dos anos 1930 pescava de tarrafa e pegava caranguejo? Por
força mutável por excelência? Sem nenhuma pretensão de resolver
o enigma, existe aí um fato que deve intrigar o pesquisador, por-
que, salvo melhor juízo, surge a hipótese daquele curso ter sido
cavado pela mão humana, a menos que as plantas (mapas) de
1803 e de 1820 tenham omitido sua representação por um engano
ou por um motivo qualquer Porteriormente, foi aquele curso
d´água que passava pela (praça) Sinimbu, desviado para o oitão
do Hotel Atlântico, por onde sai toda a poluição da cidade, infes-
tando a Praia da Avenida e toda enseada de Jaraguá, num autên-
tico desastre ecológico”.

O ambiente

“Os ruídos também fazem memória. Jaraguá chegava a ser


barulhento. Ouvia-se o ranger dos bondes em marcha, freando,
fazendo a curva, passageiros batendo nas sinetas, motorneiros

96
acionando a alavanca. Do cais do Porto, ouviam-se os apitos dos
rebocadores e o assovio de seus vapores, os troles dos trapiches
chiando por cima dos trilho, um o outro fordeco de comendador e
coronel de engenho com aquela buzina “aûa”. Na Sá e Albuquer-
que e na Barão de Jaraguá era o tilintar das rodas das carroças a
burro, com aqueles elos metálicos percutindo nas sobra dos para-
lelepípedos. Na noite lá estavam as pensões da Sá e Albuquerque
de cujas janelas altas saíam amplificados os boleros, tangos e val-
sas de suas vitrolas ou conjuntos ao vivo, de onde se destacavam
pistões e clarinetes, intercalados pelas palmas e vivas e às vezes
tiros de revólver de seus ruidosos frequentadores e os gritos de
mulheres se mostrando”.

O homem

“Como não podia deixar de ser, a humanidade dos trapi-


ches era exótica, desde o administrador melhorado, ou do proprie-
tário aristocrata, até os arrumadores, trapicheiros, estivadores,
vigias, operadores de guindaste, barcaceiros e marinheiros. Os
trapicheiros, vistos de longe, pareciam um formigueiro em ativi-
dade. Todos eram da mesma cor, faziam movimentos iguais, ágeis
e irrequietos, como se alguma coisa os fizessem agir por automa-
tismo. Na cabeça, um turbante enrolado para proteger o peso dos
sacos e fardos, um lenço à moda dos piratas ou simplesmente o
forro dos cabelos encarapinhados, sempre melados de garapa e
suor salgado do corpo”.

97
J. F. Maya Fernandes em Histórias do Velho Jaraguá, edição
avulsa (do autor), Gráfica e Editora Talento, 1998

JACINTO CANTA MACEIÓ

Jacinto Silva (1933-2001), um dos maiores forrozeiros ala-


goanos, representante máximo do coco sincopado como ritmo mu-
sical, foi também compositor e poeta, e dos melhores. Ele deixou
para nós essa letra ritmada, que fala de suas farras pelos bairros de
Maceió. O cantor, poeta, compositor e estradeiro – adorava fazer
shows Brasil à fora – cresceu ouvindo cantadores de coco, repen-
tistas, violeiros, mestres de reisado e de toré, guerreiros, cantadores
de sentinela e terço, e os grandes artistas da época de sua adoles-
cência: Orlando Silva, Francisco Alves, Bob Nelson e Luiz Gon-
zaga. Jacinto se tornou um exímio cantor, que virou um ícone do
baião, do xote, do xaxado, do coco alagoano, do arrasta-pé e da
marcha de roda.

Ô que saudade danada


não posso nem recordar
me lembrei do meu xodó
lá de Maceió
e da turma de lá

Eu tenho saudade do bairro do Poço


Trapiche da Barra, Mangabeira e o Farol

98
de Ponta da Terra e de Jaraguá
da festa do Prado eu era o maior

E em Ponta Grossa
no Vergel do Lago eu tinha um namoro
me deu saudade da turma de lá
E hei visitar o meu bairro Bebedouro

Ô que saudade danada


não posso nem recordar
me lembrei do meu xodó
lá de Maceió
e da turma de lá

Nunca mais eu vi um sururuzeiro


entrar na lagoa e tirar sururu
pegar siri ou caranguejo uçá
pescar carapeba, mandin e muçum
camarão e ostra também têm valor

Jacinto se lembrou de sua terra amada


tenho saudade do Gogo da Ema
e das morenas que tem na Levada

99
ÁGUAS DO VELHO CHICO

RIO DE CORPO E ALMA

Alagoas e o rio São Francisco são irmãos de sangue e ba-


tismo. Seu povo vive de suas águas como fonte de vida e trabalho,
vocações naturais e destino histórico desse poderoso rio, que co-
meça nas Minas Gerais e desemboca na foz, lá pelas bandas do
Pontal do Peba, em Piaçabuçu. Piranhas e Penedo trazem no nome
o amor do povo ribeirinho pelo velho e bom Chico. Porto Real,
Belo Monte, Água Branca, Pão de Açúcar, Traipu e Olho d´Àgua
do Casado também levam no nome a região. Delmiro Gouveia, lá
na ponta com a Bahia, onde foram plantadas as raízes da industria-
lização do Estado, e de onde partiu a força motriz para o Nordeste:
a energia das hidrelétricas. Mas que continua uma região pobre,
isolada, por conta de anos e anos de abandono e falta de políticas
públicas. As melhores histórias são as contadas pelo próprio povo
ribeirinho. É um rio que tem corpo e alma, com suas lendas, magi-
as e belíssimos cenários e símbolos: cânions, mangues, ilhas, tri-
lhas ecológicas, lagoas marginais, navios afundados, casarões e
igrejas centenárias, a arte barroca e popular, as festas e o folclore,
os montes e as pedras, e as embarcações com velas coloridas.

“Caminhei, caminhei, cheguei ao São Francisco, o maior


rio do mundo. Não se sabe onde acaba, mas, na opinião dos en-
tendidos, tem umas cem léguas de comprimento... Nunca vi tanta

100
água junta, meus amigos. É um mar: engole o rio Ipanema em
tempo de cheia e pede mais. Está sempre com sede”.

Graciliano Ramos, pelo personagem Mestre Gaudêncio, em


Alexandre e Outros Heróis

E o río Opara ouviu de seu leito de pedras


as litanias soturnas de Canudos
e plangências de aboiado,
metralhas de holandeses,
bacamartes de jagunços,
sermões de missionários
e as grandes vozes de clangores rubros
das maritacas,
seriemas,
saracuras,
e no fundo da silva horrida de Martius
o tapir arrancar e a sussuarana rugir.

Vem, vem, meu Debret ver o pitoresco desse rio,


o canoeiro pachola tocador de violão
que vai as jacarezadas
e dá adeus com seu lenço vermelho
às caboclas da margem.

Vem pintar, Henderson, urna pescaria de jereré,


de poita,

101
de groseira,
de tarrafa,
mas tem cuidado que as piranhas podem comer os teus pin-
céis

Jorge de Lima, no poema Rio São Francisco, do livro Anto-


logia Poética, editora Cosac Naify, 2014

"Quando escrevo, repito o que já vivi antes.


E para estas duas vidas, um léxico só não é suficiente.
Em outras palavras, gostaria de ser um crocodilo
vivendo no rio São Francisco. Gostaria de ser
um crocodilo porque amo os grandes rios,
pois são profundos como a alma de um homem.
Na superfície são muito vivazes e claros,
mas nas profundezas são tranquilos e escuros
como o sofrimento dos homens”.

João Guimarães Rosa

DESCOBERTA DO RIO

Há 518 anos, em quatro de outubro de 1501, o rio São Fran-


cisco, já habitado por índios, foi descoberto pelos navegantes
Américo Vespúcio e André Gonçalves. Para os índios ele sempre
se chamou opara (rio mar), mas foi o navegador italiano Vespúcio,

102
que o batizou de rio São Francisco, uma homenagem ao dia de
aniversário do santo católico São Francisco de Assis. No comando
de quatro caravelas, ele navegou a costa marítima das terras recém
descobertas, até chegar à foz do grande rio. Só em 1522, durante as
Capitanias Hereditárias, é fundado o primeiro núcleo de povoação
de todo Baixo São Francisco, hoje a cidade de Penedo. No período
das primeiras expedições, os índios Xacriabá ocupavam o encontro
das águas. Até hoje as populações indígenas vivem perto do rio e
têm um carinho muito especial com essas águas. É uma relação de
sobrevivência porque retiram dele água para irrigar a agricultura
familiar e pescam. Mas é também uma relação cultural, porque o
Velho Chico faz parte do rito de vida dessas pessoas.

AVENTURAS DO IMPERADOR

Em 1859, o último dos imperadores do Brasil, dom Pedro II


aportava em Alagoas. Numa viagem pelo rio São Francisco, o mo-
narca visitou quase todas as vilas ribeirinhas, a bordo de navios a
vapor. Muito dessa história está preservado, com belos casarões e
igrejas centenárias. O cenário natural reserva aos visitantes um rio
que se revela majestoso do alto dos mirantes. É impressionante o
relato do próprio imperador, que escreveu seu diário de bordo com
textos e ilustrações da aventura real. Os originais desse diário vie-
ram à tona no centenário da famosa expedição, em 1959, O livro
do imperador foi relançado e reorganizado pelo professor Louren-
ço Lacombe, com título original Diário de Viagem ao Norte do

103
Brasil, pela Universidade Federal da Bahia. Em 2003 saiu mais
uma edição revista e ampliada. Da viagem a Alagoas são 46 pági-
nas com os textos escritos pelo imperador, e que registra os dez
dias da viagem.

“Partimos de Salgado às 2 da madrugada e chegamos a


Paulo Affonso pouco depois das cinco e meia. Na distância de me-
nos de légua é que se ouviu o ruído da cachoeira. Logo que me
apeei comecei a vê-la. É belíssimo o ponto em que se descobrem
sete cachoeiras que se reúnem na grande, que não se pode desco-
brir daí, e algumas outras fervendo a água em caixão de encontro
à montanha que parece querer subir por ela acima; o arco-íris
produzido pela poeira da água completava esta cena majesto-
sa.Tentar descrever a cachoeira em poucas páginas, e cabalmente,
seria impossível, e sinto que o tempo só me permitisse tirar alguns
esboços muito imperfeitos”.

Do livro “Viagens pelo Brasil – Bahia, Sergipe e Alagoas –


1859, organizado pelo professor Lourenço Lacombe, 2003, Uni-
versidade Federal da Bahia

104
NAVEGAR É PRECISO

“Alerta Alerta! Quem dorme!


Cheguem moças à janela,
Venham ver a nau tirana
Como vai largando as velas

Tradicional cantoria de chegança

Se antes, as navegações de carga e passageiros feitas por


navios vapores, barcaças, lanchas e canoas de todos os tipos passa-
ram pelo esplendor dos anos 1920 até 1950, e resistiu até os anos
1960, hoje, estão em plena e irrefreável decadência. O Porto de
Penedo, por exemplo, irradiava saúde financeira, movimentando
um esplendoroso volume de negócios – em mercadorias e matérias
primas como algodão, madeiras de lei, cerâmica, produtos agríco-
las, animais e até peles tipo exportação. Existia até mesmo uma
alfândega, agência da Loyd Brasileiro e Capitania dos Portos. E lá
estavam os navios da Loyd, da Companhia Penedense de Navega-
ção, do grupo Peixoto; os oceânicos Luso Brasil e Brasil Luso; os
da CIP – Companhia Industrial Penedense, que incluía as duas
maiores canoas de tolda do Baixo, a Alagoana e a penedense Mari-
alva. As lanchas Tupã, Tupi, Tupigy e Moxotó, que ficou famosa
pelo seu naufrágio, e os navios a vapor Comendador Peixoto, Pe-
nedinho e Jiquitaia.

105
SONHOS FRUSTADOS

O desenvolvimento social e econômico gerado pelo porto de


Penedo e pelas grandes embarcações de curso e transporte em mas-
sa parecia estar de vento em popa, desde o primeiro impulso co-
mercial dado pela navegação a vapor pelo Baixo São Francisco, até
a implantação da Estrada de Ferro Paulo Afonso, que fazia a liga-
ção praia-sertão dos lados alagoano e pernambucano do Baixo. O
início desse ciclo de desenvolvimento se deu ainda com o impera-
dor Dom Pedro II, ainda no século XIX, em 1859, que assinou a lei
imperial que criou a Estrada de Ferro de Afonso (EFPA), cuja pri-
meira estação é preservada em Piranhas. Mas a EFPA foi desativa-
da em 1964, pelo governo militar. A população ribeirinha foi atin-
gida em cheio, perdendo a chance – talvez a única - de formar um
sistema de transporte modal hidroferroviário na parte baixa do rio.
Todo esse cenário acabou gerando estagnação social, econômica e
cultural.

“Era uma ferrovia maravilhosa, que casava bem com a rota


dos navios a vapor. Foi uma decisão muito impensada do movi-
mento de 1964, que não merece maiores considerações, em des-
manchar uma coisa daquelas. Foi uma ordem do governo federal
que extinguiu tanto a navegação a vapor como a ferrovia”.

Olavo de Freitas Machado, 83 anos, engenheiro e, na época,


durante o governo Juscelino Kubitschek (1956-1961), diretor da

106
Comissão do Vale São Francisco (hoje Codevasf), em Revista
Graciliano, Um mergulho no Rio São Francisco, junho 2010

VAPOR AFUNDADO

Cinco anos antes do fim da ferrovia, em 13 de dezembro de


1960, Penedo fazia festa para a volta do Comendador Peixoto to-
talmente restaurado no estaleiro da Fábrica da Passagem, em Ser-
gipe, pela Companhia de Navegação Peixoto, primeiros donos do
navio. Alguns anos depois da volta, o Comendador teve um triste
fim: adernou numa madrugada fria, quando estava ancorado, na
frente do Porto de Penedo. “O navio foi totalmente recuperado,
dentro de um projeto do Plano de Recuperação do São Francisco, e
lançado ao rio, de volta ao trecho entre Piranhas e Penedo”, lembra
Olavo Machado, principal responsável pela restauração do navio.
O guardião Lulu revela que, ao deixar o navio por um emprego
melhor, ainda deu uma olhada na sala de máquinas, onde trabalha-
va, e nos equipamentos do porão, mas tudo estava normal. “Nin-
guém sabe se foi uma chapa que rompeu e ele tombou, mas o ser-
viço estava todo em ordem antes de minha saída”.

“Foi uma década de vazante no rio, depois que fizeram esse


trabalho na Paulo Afonso (ampliação da usina) o Comendador Pei-
xoto deixou de navegar. As croas flutuavam e o navio não passava
com a hélice. Encalhamos na Ilha do Ouro, precisamos chamar
mergulhadores e o guincho. O afundamento foi a maior infelicida-

107
de para a pobreza, porque esse navio cabia a todos e era uma ri-
queza como transporte coletivo”.

José Augusto Xavier, 78 anos, o Flecha Negra do futebol


alagoano, ajudante de maquinista do Comendador Peixoto de 1954
a 1960

VIAGEM INESQUECÍVEL

Sem navios nem trens a única maneira de relembrar aqueles


velhos tempos é conversar com Maria Lucinda Peixoto, do grupo
que controla o Hotel São Francisco, e parente do comendador que
deu nome ao navio. Ela viveu uma dessas inesquecíveis viagens,
de Penedo à Cachoeira de Paulo Afonso, para admirar as quedas
d’água, no trajeto de navio Penedo-Piranhas, e na sequência, de
trem Piranhas-Delmiro Gouveia, com direito a janelas abertas para
o Vale do São Francisco! Essa viagem já foi feita por muita gente,
até o fim dos navios e da ferrovia. Ela lembra que no final da era
dos navios a vapor, Penedo também recebia aviões da Varig e hi-
droaviões da Catalina. Maria Lucinda conta ainda que o Porto de
Penedo vivia uma boa fase. Sua família tinha dois navios carguei-
ros considerados oceânicos, o Brasil Luso e o Luso Brasil, que leva
a produção do BSF para o porto de Santos (SP).

“Organizamos uma viagem pelo Penedo Tênis Clube. Logo


após os torneios levamos os tenistas do então campeão carioca

108
Fluminense a bordo do Comendador Peixoto., e depois nos vagões
da ferrovia, onde podíamos observar a linda paisagem do Rio São
Francisco, um belo cenário de todo o Vale”.

Maria Lucinda Peixoto, em Revista Graciliano, Um mergu-


lho no Rio São Francisco, junho 2010

FERROVIA DESATIVADA

A Estrada de Ferro Paulo Afonso (EFPA) - construída por


decreto imperial de 1878, mas só inaugurada em 1882 - viveu seu
apogeu até os dez anos que se seguiram à 2ª Guerra Mundial,
quando, nos seus 116 quilômetros de extensão, as marias-fumaças
circulavam lotadas de sertanejos. Mas uma série de fatores sociais
e econômicos contribuiu para a decadência e o fim da ferrovia. A
rápida expansão dos transportes rodoviários, o “boom” da emer-
gente indústria automobilística e a pobreza da região (incompatível
com o alto custo da manutenção), contribuíram de forma decisiva
para o fim da importante estrada de ferro. A estação do Talhado -
hoje apenas um pedaço de parede amarelado, com o nome da esta-
ção quase sumindo - já foi símbolo de uma era quando essa inte-
gração era uma realidade, ao longo dos trilhos da Estrada de Ferro
Paulo Afonso (1883-1964), que ligava Piranhas a Petrolândia, em
Pernambuco.

109
“O sistema de transporte hidroferroviário no Baixo São
Francisco não escapou a esse quadro geral de mudanças. A nave-
gação fluvial entrou em decadência e a Estrada de Ferro Paulo
Afonso, que já vinha enfrentando dificuldades há bastante tempo,
acabou sendo retomada pelo Estado (ela foi controlada pelo grupo
inglês Great Western de 1903 a 1950), através da Rede Ferroviá-
ria Federal. Todavia, o quadro de obsolescência e o enfraqueci-
mento econômico da região foram mais fortes que os estímulos
para a sobrevivência dessa ferrovia, que acabou sendo desativada
em 1964”.

Cláudia Nunes, professora e pesquisadora, no trabalho Inte-


gração Hidroferroviária no Baixo São Francisco, um olhar sobre o
passado de Piranhas.

NAUFRÁGIO DO MOXOTÓ

Um dos mais emblemáticos e trágicos acidentes da navega-


ção do Baixo São Francisco foi o naufrágio da embarcação Moxo-
tó, na tarde de 17 de janeiro de 1917. A viagem seguia normal,
desde a sua partida, do porto de Piranhas. Os passageiros permane-
ciam a bordo, em conversas animadas. A tripulação passaria a noi-
te em Pão de Açúcar e seguiria pela manhã até Penedo, fazendo a
linha regular Piranhas-Penedo. Em uma tarde fatídica, uma tor-
menta atingiu em cheio o navio, com fortes rajadas de vento, a frá-
gil embarcação não aguentou e naufragou e matou 18 pessoas, en-

110
tre passageiros e tripulantes. A Moxotó ainda repousa sobre os
bancos de areia da ilha do Belmonte e se torna visível a cada va-
zante mais severa do rio, como que para lembrar a maior tragédia
da navegação do Baixo.

“O Moxotó substituiu o Vapor Sinimbu que era de grande


porte e pouco efetivo, sobretudo em épocas de rio seco, quando
frequentemente encalhava em bancos de areia. A chata, não. Era
possível com ela navegar em qualquer época. O Moxotó transpor-
tava as pessoas mais abastadas de toda a região do Baixo São
Francisco: coronéis, fazendeiros, representantes comerciais. Todos
faziam o mesmo percurso até Penedo, donde se poderia embarcar
para Recife, Maceió ou para a Bahia, sem falar em outros destinos
menos procurados”.

Etevaldo Amorim, historiador, no blog


http://blogdoetevaldo.blogspot.com/

ÚLTIMO CARPINTEIRO

Apesar de pontuar pequenos estaleiros artesanais ao longo


dos 208 quilômetros de costa doce, os mestres carpinteiros navais
do Baixo São Francisco estão perdendo a corrida contra o tempo.
Não há mais embarcações para se fazer, o PVC substituiu a madei-
ra e o rio perdeu um grande volume de água a partir da construção
das barragens e das usinas hidrelétricas nos anos 1960, e os últi-

111
mos mestres carpinteiros não são incentivados a repassar seus co-
nhecimentos aos aprendizes. A construção de novos modelos não
está tão fácil como parece, pois não se trata de linha de montagem,
mas da pura arte de ofício dos velhos construtores de canoas que já
não são mais os mesmos e hoje alcançam o peso da idade. Como o
mestre carpinteiro e canoeiro Pedro de Aristides, que terminava
sua última canoa, como ele ressaltou, em um estaleiro artesanal do
porto de Penedo.

“Hoje não tem nem imitação do passado. O rio acabou. A


embarcação acabou. Hoje o povo só quer lancha de plástico e mo-
tor. Existem ainda grandes mestres em Pão de Açúcar. Mas a ca-
noas acabaram. O Porto de Penedo não cabia de tanta, eram umas
400 para cima e para baixo”.

Pedro de Aristides, em Revista Graciliano, Um mergulho no


Rio São Francisco, junho 2010

ATLAS DO VELHO CHICO

O engenheiro civil Henrique Guilherme Fernando Halfeld é


autor de uma obra prima com relação a mapas desenhados. O livro
Atlas e Relatório concernente à exploração do Rio de S. Francisco
desde a Cachoeira da Pirapora até ao Oceano Atlantico, lançado
em 1860, é uma obra que foi luxuosamente impressa, e dois anos
depois o governo imperial brasileiro mandou distribuir às bibliote-

112
cas européias uma série de exemplares. O Atlas reúne 48 mapas
litografados, parcialmente coloridos e em folha dupla, com repro-
duções dos resultados da viagem de Halfeld, que explorou a região
entre 1852 e 1854 a pedido do imperador dom Pedro II. A obra
apresenta sondagens, medições e indicações de detalhes sobre for-
mações geológicas e características da vegetação da área. Entre as
ilustrações há um mapa geral, perfil longitudinal do leito do rio,
além de vistas e mapas das cataratas e de afluentes.

"A viagem de exploração durou um ano e sete meses e foi


acompanhada de muitos incômodos e perigos. Halfeld e muitos
dos seus companheiros, assim como toda a expedição, sofreram
com as febres malignas, especialmente na região do Baixo Francis-
co. (...) Uma exposição cientificamente tão perfeita e fiel como
essa não havia até então no Brasil, a respeito de nenhum dos seus
grandes rios. Até o momento presente ainda não foi superada, co-
mo comprova a circunstância de ter sido utilizada para o planeja-
mento da construção da Usina Hidrelétrica de Paulo Afonso".

Johann Jakob von Tschudi, diplomata e naturalista suíço


que fez o relato da expedição

CANOA DE TOLDA

É o símbolo de prosperidade e resistência do Baixo São


Francisco, já que não se pode trazer de volta os navios a vapor e as

113
velhas embarcações, já ultrapassadas pelo tempo, cujo combustível
foi o desmatamento generalizado e criminoso da Mata Atlântica do
Vale do São Francisco, o Baixo resgatou as tradicionais e quase
extintas canoas de Tolda, que têm uma cabine na proa, com in-
fluências holandesa, portuguesa, oriental.

“A canoa de Tolda é o símbolo da prosperidade no Baixo


Chico. Havia cem, duzentas canoas aqui para cima e para baixo,
todas eram de tolda e chatas - a chata era uma canoa menor um
pouquinho, sem cabine na proa. A canoa carregava o arroz, o
barro, as pessoas, os recados. Ela era a força, o símbolo da eco-
nomia local, e pode vir a ser de novo o grande fator de agregação
da comunidade ribeirinha”.

Carlos Eduardo Ribeiro Junior, presidente da Sociedade


Ambiental Canoa de Tolda, em Revista Alagoas S.A, 2013

BENS TOMBADOS

O tombamento foi em 1996, na classificação Conjunto ur-


bano O tombamento incide sobre um conjunto de logradouros e
edificações em uma área da margem esquerda do Rio São Francis-
co, sobretudo no Centro Histórico da cidade.

Convento e Igreja de Santa Maria dos Anjos. Tombado em


1941 na classificação conjunto arquitetônico religioso. O conven-

114
to primitivo foi erguido em 1661, a pedido dos moradores. O atual
conjunto começou a ser erguido em 1682. A igreja e a capela-mor
ficaram prontas em 1689. Passou por diversas reformas no século
XVIII. O tombamento engloba todo o seu acervo.

Igreja de Nossa Senhora da Corrente. Tombado em 1964,


como Templo católico A construção da igreja foi iniciada em
1765, a partir da Capela Mor preexistente, por ordem do capitão-
mor José da Silva Reis. O tombamento incide sobre todo o seu
acervo

Igreja de São Gonçalo Garcia dos Homens Pardos. Tomba-


da em 1964, como templo católico. Erguida para substituir a cape-
la primitiva dos ermitões. A construção foi iniciada em 1758,
quando a irmandade foi organizada. O tombamento incide sobre
todo o seu acervo.

Sítio histórico e paisagístico de Piranhas. Única cidade do


semiárido nordestino tombada como patrimônio histórico nacio-
nal, Piranhas se destaca pelo seu casario colonial, disposto irre-
gularmente em morros e baixadas. O tombamento engloba diver-
sas edificações e logradouros públicos.

115
RELICÁRIO A CEU ABERTO

Penedo é um relicário vivo a céu aberto, joia da arte barroca


brasileira, a mais antiga povoação do Baixo São Francisco. Uma
janela maravilhosa para contemplar o esplendor do Velho Chico,
suas águas verdes peroladas, as velas multicoloridas dos barcos e
os rochedos encravados nas margens, de onde vem seu nome Pe-
nedo, uma pedra grande. A cidade impressiona pelo seu riquíssimo
casario de padrão colonial, seu patrimônio histórico e cultural,
construído por franceses, holandeses, portugueses, missionários
franciscanos, índios, negros e bravos alagoanos. Povo de uma ver-
ve hospitaleira e gentil que vai desde os canoeiros, os beiradeiros,
os pescadores, os mestres artesãos até as tradicionais famílias, os
barões do açúcar, do arroz e da indústria têxtil. Chamada pelo es-
critor Gilberto Freyre de a "Cidade dos Sobrados", Penedo viu sur-
gir seu atual cenário de belas igrejas e casarões entre finais do sé-
culo XVII e início do século XVIII. Entre as igrejas mais impor-
tantes estão o Convento de São Francisco e as igrejas de Nossa
Senhora dos Anjos e Nossa Senhora da Corrente.

PENEDO É POESIA

Tomar uma cerveja geladinha no Forte da Rocheira, no alto


das pedras, de olhos cravados no por do sol do Rio São Francisco,
comendo tilápias fritas cobertas com molho de maracujá; ou ficar
maravilhado com as luzes amarelas que cobrem a noite da cidade;

116
ou passear de mãos dadas com seu amor pelos becos escurinhos e
ruas cheias de sobrados coloridos e reluzentes; entrar pelos um-
brais das igrejas centenárias e conhecer as relíquias barrocas bor-
dadas a ouro e prata, sob a benção de santas, santos e altares sagra-
dos. Assim é Penedo. Uma cidade de sonhos e belezas inigualá-
veis, cheias de superlativos cantados em versos, prosas e canções:
a Cidade dos Sobrados, como diria Gilberto Freyre, ou a Ouro Pre-
to do Nordeste, ou a joia da arte barroca brasileira ou ainda um
relicário a céu aberto, como gostam de chamar as dezenas e cente-
nas de jornalistas e turistas em seus blogs e matérias depois de co-
nhecer Penedo.

SÍTIOS ARQUEOLÓGICOS

Os sítios arqueológicos recuperados e expostos em museus


de alta tecnologia ou registrados, ao natural, em pinturas rupestres
ao longo de nove mil anos de ocupação humana na região do Bai-
xo São Francisco, estão transformando o semiárido e toda a área
do bioma da Caatinga. A região vem atraindo, anualmente, milha-
res de turistas e investimentos de peso, com a criação de novos
museus e roteiros de turismo alternativo de história e de aventuras.
O Museu Arqueológico do Xingó (MAX), inaugurado em 2000, e
que hoje contabiliza mais de 55 mil peças arqueológicas, continua
a receber mais de 40 mil visitantes por ano, a maioria de estudantes
e pesquisadores. Localizado às margens do Rio São Francisco,
entre as eclusas da hidrelétrica de Xingó, o museu fica na con-

117
fluência das cidades de Canindé do São Francisco (SE) e Piranhas
(AL).

“O MAX é um dos principais e mais importantes centros


arqueológicos do país, que guarda todo o acervo da operação da
descoberta e do salvamento dos sítios pré-históricos da região,
antes das explosões para a construção da barragem da hidrelétri-
ca de Xingó, em 1985.”

Railda Nascimento Silva, mestre em Geografia e coordena-


dora do Museu, autora do livro “Sonhos em Pedra, estudos da Ca-
deia Operatória em Xingó”.

FESTIVAL DE PENEDO

O Festival de Cinema teve como palco o glorioso cine São


Francisco, nos anos 1970 e começo dos anos 1980. Era grande o
glamour e cenas do mainstream da sétima arte, onde grandes estre-
las do cinema desfilavam no tapete vermelho. E a efervescência do
Teatro Sete de Setembro, recebendo as grandes trupes nacionais e
os grupos locais que resistem ao tempo. E o brilho das estrelas não
parava aí. Pelo tapete vermelho passou meio mundo do cinema
brasileiro e internacional. Cacá Diegues, Nelson Pereira dos San-
tos, Sylvio Back, Hector Babenco, e tantos outros, lançaram seus
filmes, Eva Vilma era a lady de Penedo, sempre liderava as rodas.
A moçada do cinema alagoano: Elinaldo Barros, Beto Leão, Ro-

118
naldo Andrade, José Márcio Passos, Mário Aluízio, Celso Bran-
dão, Solange Lages e tantos e tantos outros. O ciclo original do
Festival de Penedo não existe mais, foi ótimo enquanto durou, de
1975 a 1982. O festival sempre acontecia no início de janeiro, jun-
to à procissão de Bom Jesus dos Navegantes, no Cine São Francis-
co.

O FORTE DE NASSAU

Em 27 de março de 1637, um ano depois que Penedo foi


promovida à condição de Vila, a cidade é conquistada pelos holan-
deses, liderados pelo próprio comandante-em-chefe João Maurício
de Nassau. No comunicado ao seu governo sobre a vitória do feito
militar, Nassau escreveu quea cidade seria chamada de “Maurícia”.
E para a defesa de seus domínios, construiu na Vila o Forte Maurí-
cio de Nassau. O domínio flamengo durou oito anos, aproximada-
mente, sob o comando do general Van Schkoppe, já que Maurício
teve que retornar em consequência de uma malária. No início de
Setembro de 1645, surgiu então uma reação motivada e iniciada
pelo capitão Valentim Pita, e João Fernandes Vieira, que queima-
ram o forte e ergueram uma cruz no local da última batalha.

“Nassau enxergou neste sítio importância estratégica. Do-


mando o Penedo, poderia resistir aos possíveis ataques dos portu-
gueses, abrigados na capitania da Bahia. Ou melhor, poderia to-
mar a própria Bahia, ampliando seu império. O Penedo de então

119
era um povoado perdido no vão da história, com 300 600 habitan-
tes espalhados por fazendas raquíticas, um povo formado por mui-
tos descendentes de franceses trazidos na ambição do pau-brasil”.

Francisco A. Sales, em Arruando para o Forte, edições


Bagaço, 2003

ADEUS AO MESTRE SALES

Penedo e o Rio São Francisco ficaram em setembro de


2018, com a morte, em Brasília, do fundador da Fundação Casa do
Penedo, Francisco Alberto Sales, aos 79 anos. A Casa, que guarda
um dos mais importantes acervos da história da cidade e de toda a
região do Baixo São Francisco, foi durante toda sua vida um traba-
lho que mais lhe dava prazer, ao resgatar e preservar a memória de
um dos mais importantes capítulos da história de Alagoas. Sales
tinha acabado de entregar o Chalé dos Loureiros, totalmente recu-
perado, que tem mais de cem anos de sua construção. Depois de
lutar contra um câncer inexorável e uma surdez que o incomodava
tanto, a ponto de deixá-lo inquieto por natureza, ele viu seu sonho
ser realizado, e mais que isso concedeu um presente para a cultura
de Alagoas e para o povo ribeirinho, que tanto amava, quando o
imóvel adquirido por ele foi doado à fundação, em mais um espaço
cultural de relevância para Alagoas e o Brasil.

120
“Francisco Alberto Sales nasceu, em 19 de novembro de
1939, se formou na primeira turma de Medicina da Universidade
Federal de Alagoas; foi médico psiquiatra, estava aposentado e
dedicou grande parte do seu tempo em transformar a cidade, atra-
vés da memória e da cultura”.

Werner Sales, cineasta e sobrinho de Francisco

121
TERRA

“O trem entra em terras de Alagoas. As estações fervilham


de gente; cai uma tarde poeirenta; vêm meninos vender água a
cem reis o copo. Lá vem plantações de algodão. Lavoura de gente
pobre o algodão, tão diferente da cana dos senhores! Para isso
tanta desgraça planejada, banguês comidos, senhores reduzidos à
miséria, e atrás de tudo o homem do eito, da bagaceira, das lim-
pas, das fornalhas, cambiteiros, metedores de cana, caldeirei-
ro,trabalhadores da enxada, mal alimentados, malvestidos, des-
calços, trabalhando noite e dia para aguentar o banguê, para o
banguê ser devorado pela usina... Todo aquele chão tinha história
de espoliação e tirania”.

Jorge de Lima, no romance Calunga, de 1943

122
TERRA DE ÍCONES

AUTO DOS GUERREIROS

O Auto dos Guerreiros é o símbolo máximo da tradição da


cultura alagoana, pela sua forte presença e por ser um folguedo
genuinamente alagoano, nascido em meados dos anos 1940, se-
gundo pesquisa do maior conhecedor dessa brincadeira popular, o
folclorista Théo Brandão. Segundo Théo, o Guerreiro nasceu a
partir de uma mistura do Reisado com o auto dos Caboclinhos. “É
um Reisado moderno, com maior número de figurantes e episó-
dios, e maior riqueza nos trajes e enfeites”. No livro Folguedos
Natalinos, um clássico sobre o folclore alagoano, Théo Brandão
reconhece que foi o antropólogo alagoano, Arthur Ramos, que des-
creveu pela primeira vez sobre o auto, mostrando “com muita se-
gurança” que o Guerreiro tem como elementos formadores folks
africanos e ameríndios, e como marca dominante o Bumba-meu-
Boi. Théo Brandão descreve com detalhes e muita precisão as can-
tigas, os trajes multicores dos brincantes e todos os personagens
que formam esse lindo auto dos Guerreiros.

“O Rei, a Rainha (às vezes em número de três: Rainha dos


Guerreiros, Rainha dos Caboclos, Rainha da Nação), a Lira, o Ín-
dio Peri e seus vassalos, o Mestre e a Contra-Mestre, os dois Em-
baixadores, o General, os dois Mateus, os dois Palhaços, (às vezes
a Catirina, homem travestido de mulher, de rosto pintado de preto

123
e com uma boneca nos braços), o Caboclinho da Lira, a Estrela de
Ouro, a Estrela Brilhante, a Banda da Lua, a Estrela Republicana, a
Borboleta, a Sereia, além das “figuras” como nos Reisados”.

Théo Brandão, em Folguedos Natalinos, Edufal, 3ª edição,


2003

BRASÃO DE ARMAS

Sob pseudônimo de Carlos Vilalva, o maior folclorista, et-


nólogo e antropólogo alagoano Théo Brandão, foi o autor do Bra-
são de Armas do Estado de Alagoas, e mais, da cidade de Maceió e
da Universidade Federal de Alagoas. O Brasão do Estado é um
primor de história e beleza. O brasão é originário da heráldica ho-
landesa, porém Théo Brandão construiu algo bem mais alagoano.
Um escudo de cores azul e vermelha, no meio uma ilustração de
um rochedo (alusão à Penedo), sobre três montes (alusão à Porto
Calvo), na fronte, um cardume de tainhas prateadas na contracor-
rente (alusão à cidade de Marechal Deodoro) e abaixo o mar ondu-
lado. Acima do escudo pontifica uma estrela. De cada lado, prote-
gendo o escudo, um ramo de cana de açúcar e outro do algodão,
ambos com suas flores. Abaixo os dizeres em latim: Ad Bonum et
prosperitate (algo como pelo bem e pela prosperidade).

124
CHAPÉUS DE GUERREIRO

Os chapéus do auto natalino dos Guerreiros, um dos mais


tradicionais do folguedos das Alagoas, caíram no gosto popular e
hoje são admirados como um objeto de arte símbolo de Alagoas,
um dos mais procurados por visitantes – principalmente sua minia-
tura. Os chapéus são “catedrais”, igrejas com torres, feitas de pape-
lão, madeira, espuma e revestidos com tecido coberto de lantejou-
las, contas, miçangas, cacos de espelho e bolas de árvore de natal,
enfim, toda sorte de material industrializado colorido e brilhante.
Estes chapéus com formas arquitetônicas, assim como as coroas e
diademas, são fabricados artesanalmente por pessoas ligadas aos
grupos que preservam essa tradição. O mestre do programa Patri-
mônio Vivo Alagoano Cícero Abdias, conhecido como Cicinho do
Campeão do Trenado, é um brincante do Guerreiro que se destaca
como artesão dos chapéus.

“Eu tinha dez anos quando comecei a fazer os chapéus de


guerreiro. Eu via o meu irmão fazendo e aprendi. É um trabalho
difícil, bonito e importante. Além de confeccionar os chapéus, eu
danço Guerreiro. Comecei com o Caboclinho e agora danço
Guerreiro. É uma tradição de família. Lá todos participam. Com a
morte de meu pai Nivaldo Abdias (também Mestre do Patrimônio
Vivo), hoje, eu estou à frente do Grupo Guerreiro Campeão do
Trenado. Sinto-me feliz por manter a tradição. Eu gosto do que
faço”.

125
Depoimento de Cicinho do Trenado, na série Algo Mais
Mestres Populares, no suplemento do Diário Oficial de Alagoas,
2003

CABEÇAS CORTADAS 1

Partiu de Alagoas o ataque final ao bando de Lampião. Na


madrugada do dia 28 de julho de 1938, no final de uma trilha de
caatinga seca e arbustos, na grota de Angico, em Poço Redondo
(SE), irrompeu o tiroteio entre as tropas volantes da polícia alago-
ana, comandada pelo tenente João Bezerra da Silva, em que morre-
ram Lampião, Maria Bonita, Enedina, Luiz Pedro, Mergulhão, ou-
tros seis cangaceiros. O governador de Alagoas, Osman Loureiro,
logo mandou exibir as cabeças cortadas nas escadarias da prefeitu-
ra de Piranhas. Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião, ao lado da
mulher, Maria Gomes de Oliveira, a Maria Bonita, e mais 10 can-
gaceiros, foram emboscados e mortos. Eram cinco horas da manhã,
quando uma volante (pelotão policial) comandada pelo tenente
João Bezerra, juntamente com o sargento Aniceto Rodrigues e sua
tropa, surpreenderam Virgulino e seu bando com uma chuva de
balas de revólveres, fuzis e até metralhadoras portáteis. Lampião,
protagonista do cangaço, fenômeno social brasileiro nos anos
1930, tinha então 40 anos, quando escolheu Angicos como escon-
derijo inexpugnável, cercado de pedras pontiagudas, cactus gigan-
tes, umburanas e uma vegetação fechada da caatinga, às margens
do rio São Francisco.

126
CABEÇAS CORTADAS 2

Depois da decapitação, historiadores apontam para uma


verdadeira caça ao tesouro dos cangaceiros, desde joias, dinheiro,
perfumes importados – Lampião usava o francês Fleur d´Amour -
tudo mais que tinha valor foi alvo da rapinagem promovida pela
polícia. Piranhas e Delmiro Gouveia são as cidades do Baixo São
Francisco alagoano mais importante para o Cangaço, junto com
Serra Talhada (PE) – onde nasceu Lampião, Jeremoabo (BA),
Uauá (BA), Floresta (PE), Poço Redondo (SE), Porto da Folha
(SE) e Glória (BA). Foram locais onde funcionaram as sedes das
volantes ou das passagens de Lampião. Hoje, a grota de Angicos se
transformou em uma trilha de aventuras, por caminhos íngremes,
até o local exato da chacina, onde grandes cruzes de madeira estão
fincadas nas pedras, com os nomes de todos os cangaceiros mor-
tos. O Museu do Sertão, em Piranhas, mostra o cotidiano do serta-
nejo, artigos de uso dos vaqueiros e fotografias históricas sobre o
ciclo do cangaço.

127
CAÇADOR DE CARANGUEJO 1

A caça ao caranguejo continua sendo uma profissão de sub-


sistência para muitas famílias moradoras do litoral e, principalmen-
te, na boca de manguezais, habitat das principais espécies em Ala-
goas, os caranguejos guaimum e uçá, o mais peludo, chamado pe-
los caçadores da foz do rio São Francisco, de Tony Ramos. Ho-
mens, mulheres e crianças avançam sobre as raízes dos mangues,
perseguindo a trilha deixada pelas patas dos animais, que saem das
tocas escuras para buscar comida. Quase sempre enfrentando mi-
lhares de pernilongos, com tochas acesas em latas ocas, e mergu-
lhando na lama preta do mangue, arrancando o caranguejo com a
mão - enfiada nos tocas – tentando fugir das mordidas. Ficou fa-
mosa a reportagem do jornalista alagoano Audálio Dantas, na icô-
nica revista Realidade, em março de 1970, com o título Povo Ca-
ranguejo.

“Os homens estão voltando do pântano. Vai começar o


drama de cada dia nas entranhas negras da lama onde vivem os
caranguejos. O grande silêncio que boiava sobre o mundo pegajo-
so do mangue começa a se desfazer à medida em que os homens
avançam: no princípio, galhos secos estalando sob os pés encou-
raçados, com a terra ainda firme; aos poucos, o ruído macio da
lama sendo pisada, e engolindo os pés, depois as pernas, coxas,
barrigas. Os homens estão chegando no centro do pântano. Os
caranguejos, assustados, refugiam-se nos buracos. Na superfície
escura fica apenas o rastro de suas patas – as marcas do longo

128
passeio em busca de comida. A vida dos caranguejos palpita de
sobressalto sob os pés dos homens. A luta está para começar”.

Audálio Dantas, em Povo Caranguejo, do livro Tempo de


Reportagens, editora Leya (SP), 2012

CAÇADOR DE CARANGUEJO 2

A vida do caçador de caranguejo também foi retratada no


cancioneiro popular em grande sucesso do compositor baiano Gor-
durinha, Vendedor de Caranguejo, cantada pelo também baiano
Gilberto Gil. A música canta o dia a dia do vendedor de carangue-
jo, e o drama vivido pelo que se chama homem-caranguejo, tam-
bém abordado nos estudos do famoso médico, filósofo e humanista
Josué de Castro, em seu livro Geografia da Fome.

Vendedor de Caranguejo

Gilberto Gil
Compositor: Gordurinha

Caranguejo Uçá
Caranguejo Uçá
Apanho ele na lama
e boto no meu caçuá

129
Tem caranguejo
tem gordo guaiamum
cada corda de dez
eu dou mais um
eu dou mais um
eu dou mais um
cada corda de dez
eu dou mais um

eu perdi a mocidade
com os pés sujos de lama
eu fiquei analfabeto
mas meus filho criou fama
pelos gosto dos menino
pelo gosto da mulher
eu já ia descansar
não sujava mais os pé

os bichinho tão criado


satisfiz o meu desejo
eu podia descansar
mas continuo vendendo caranguejo

130
CATEDRAL METROPOLITANA

O local de maior importância religiosa cristã de Alagoas, a


Catedral Metropolitana de Maceió, antiga igreja de Nossa Senhora
dos Prazeres, completa em 2019 seu bicentenário, desde que foi
tornada matriz da Vila de Maceió, em 1819. A igreja só foi tomba-
da em instância estadual em 1988, junto com as igrejas do Livra-
mento, Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, Bom Jesus dos Mar-
tírios e Capela de São Gonçalo do Amarante. A maior glória do
tempo foi receber, para sua inauguração, o casal real dom Pedro II
e a imperatriz dona Tereza Cristina, em 31 de dezembro de 1859.
Já com sua escadaria semicircular “imensa e majestosa”, os sobe-
ranos foram recebidos com toda pompa e circunstância, ao som de
música sacra e litúrgica, e a execução de um coro Te-Deum, “co-
mo um testemunho de entusiasmo, prazer, amor e gratidão que
consagram aos augustos visitantes”, como relatou em seu livro o
escritor alagoano Abelardo Duarte. A chegada se transformou em
um corre-corre geral.

“O templo viu ultimados efetivamente os retoque finais às


vésperas da chegada dos soberanos. Aliás, quando se realizava a
bênção da nova imagem de N. S. dos Prazeres, oferta do barão de
Atalaia, se teve conhecimento de que a esquadra imperial se apro-
ximava do porto de Jaraguá. Porém, o templo, já abençoado e
festivo, podia acolher dom Pedro e dona Maria Cristina. Os fiéis
enchiam o templo e se ajoelhavam diante da recém benta imagem
da padroeira da cidade”.

131
Abelardo Duarte, no livro Dom Pedro II e Dona Teresa
Cristina nas Alagoas, coleção Pensar, Imprensa Oficial Graciliano
Ramos, 2010

CARPINTEIROS RIBERINHOS

Até o final dos anos 1950, o rio São Francisco era um porto
seguro para barcos, navios a vapor, chatas, grandes canoas como a
Alagoana e a Canindé, que chegavam a carregar 1.200 sacos de
arroz. O porto de Penedo recebia grandes cargueiros, e navios a
vapor transportaram milhares de passageiros, como o mais famoso
deles, o Comendador Peixoto, que fazia a linha Penedo-Piranhas.
Mas hoje, o volume de água do Velho Chico não suporta mais esse
grande movimento de embarcações pelo baixo calado. Os navios
foram desativados, as embarcações bonitas só aparecem uma vez
por ano, sempre no começo de janeiro, na procissão naval de Bom
Jesus dos Navegantes. Com o fim das grandes embarcações, estão
desaparecendo também os pequenos estaleiros artesanais. Carpin-
teiros construtores, como Pedro de Aristides, conhecido em todo
Baixo São Francisco, e que participou da reforma e reestruturação
de grandes naus, lembra dos tempos áureos e a situação hoje no
Baixo.

“Hoje não tem imitação do passado. O rio acabou. A em-


barcação acabou. Hoje o povo só quer lancha de plástico e motor.

132
Existem ainda grandes mestres em Pão de Açúcar. Mas, as canoas
acabaram. O porto de Penedo não cabia de tanta embarcação,
eram mais de 400 para cima e para baixo”. Pedro Aristides em
depoimento à Revista Graciliano, 2009,

COLEÇÃO PERSEVERANÇA 1

A Coleção Perseverança é considerada uma das mais impor-


tantes e raras coleções etnográficas existentes no País com relação
À história do negro e afrodescendentes. O “tesouro” reúne objetos
resgatados do Dia do Quebra em que os terreiros de Maceió foram
destruídos e queimados por manifestantes anti-religiosos, integra o
acervo do Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas (IHGAL). A
coleção reúne esculturas que resistiram à perseguição e aos ataques
em fevereiro de 1912, quando as Casas de Xangô da capital alago-
ana foram alvo da intolerância religiosa e ficaram totalmente des-
truídas. Só o capacete de Ogun-China estava avaliado em 500 mil
réis. A organização e a reclassificação foram realizadas pelos fol-
cloristas Abelardo Duarte, Théo Brandão e Solange Berard Lages,
então diretora do Departamento de Assuntos Culturais da Secreta-
ria de Educação. São 85 peças classificadas pelo orixá pertencente
e a especificação. São fetiches e insígnias; esculturas e imagens;
instrumentos musicais, indumentárias, paramentos e mais muletas,
machados, espingardas e revólveres de oxum.

133
COLEÇÃO PERSEVERANÇA 2

Antes de a Coleção Perseverança chegar ao Instituto Histó-


rico, houve uma tentativa de compra da raridade por marchands
dos Estados Unidos. Eles souberam da existência das peças em
artigo do sociólogo Gilberto Freyre. Enviados da América chega-
ram a propor um lance ao museu da extinta Sociedade Perseveran-
ça e Auxílio dos Empregados do Comércio de Maceió, que era o
guardião da coleção. Rapidamente os intelectuais do IHGA se me-
xeram e conseguiram abortar a compra, e receber a coleção como
doação.

“O Instituto Histórico se esforçou para recolher ao seu


museu esse material, preservando-o da inevitável perda por falta
de conservação ou de sua evasão para coleções particulares, ou
para mãos inescrupulosas de meros exploradores”.

Abelardo Duarte, na abertura do Catálogo Ilustrado da Co-


leção Perseverança, IHGA – Maceió 1974

CARTÕES POSTAIS

Entra também para a história como um ícone de primeira


grandeza, o livro Cartofilia Alagoana Redescobrindo o Passado, de
Douglas Apratto Tenório e Cármem Lúcia Dantas, que com um
trabalho de garimpagem, conseguiram reunir de colecionadores

134
aficionados cartões postais de nosso estado de Alagoas, em um
impecável trabalho memorialístico e de uma memoráblia inacredi-
tável. No final do livro um postal-foto de um homem segurando
um guarda-chuva, sentado sabe onde? Na curva do famoso coquei-
ro Gogó da Ema!

“Alagoas também se inseriu nessa trajetória e foi fotogra-


fada nesse período, detendo a cartofilia uma memória histórica da
fisionomia arquitetônica, social e cultural da sua capital e de ou-
tras cidades interiorianas. Cartões de bela feição gráfica mostram
as cheias do Rio São Francisco, a Boca de Maceió, os antigos en-
genhos e banguês, a dança do coco no meio rural, populares can-
didamente conversando nas ruas vazias de automóveis”.

Douglas Apratto e Carmem Lúcia Dantas, em Cartofilia


Alagoana Redescobrindo o Passado, 2ª edição – Sebrae 2009

CACHAÇA AZULADINHA

Está lá no dicionário Caldas Aulete digital: Azuladinha. f. ||


(Bras., Alagoas) (pop.) cachaça, aguardente. F. Azulada. A famosa
cachaça de cor azulada, fabricada em Coruripe, litoral Sul, se tor-
nou um ícone, e apesar de ainda ser vendida não tem mais o sabor
de antes, como dizem os “especialistas”. Todo alagoano boêmio
tem alguma história para contar da aguardente de cana composta
de folhas de laranjeira adoçada. Em seu livro, A História do Tu-

135
rismo em Alagoas, o escritor Luiz Veras Filho, revela que quem
gostava mesmo da cachaça Azuladinha era a atriz francesa Jeanne
Moreau, e o designer de moda Pierre Cardin, italiano naturalizado
francês, que estiveram em Alagoas em 1973, para participar do
filme Joana Francesa, dirigido por Cacá Diegues e rodado no mu-
nicípio de União dos Palmares.

“O Cardin se vestia de maneira simples: camisa, calça e


sapatos sem meia e era chamado de “alfaiate rico da França”.
Por sua vez, Jeanne Moreau adorou a nossa cachaça, especial-
mente a famosa Azuladinha, de Coruripe. Ao se despedir, suas
últimas palavras foram: "Deixo muitas saudades em Maceió, e vou
levar comigo a frase que mais gostei: não tem problema”.

Luiz Veras Filho, A História do Turismo – Sergasa Maceió


- 1991

CAFÉ DO CUPERTINO

Em Alagoas, já no século XX, nos primeiros anos da década


de 1930, um pequeno café localizado na Rua do Comércio, em
Maceió, era frequentado por grandes nomes das letras nordestinas,
seguindo a febre que vivia no país de bares, cafés e restaurantes,
que eram frequentados pela nata da intelectualidade, como o Café
e Confeitaria Colombo, no Rio de Janeiro, no fim do século 19,
que reunia personalidades literárias como Olavo Bilac, o alagoano

136
Guimarães Passos, Emílio de Menezes e tantos outros. O Café de
Cupertino ficou famoso e fez história em Alagoas Imagine sentar
num banquinho de café, e ver Graciliano Ramos chegar e ficar to-
mando café e seu famoso cigarro da marca Selma, que fumava sem
parar.

“O café do Cupertino adquiriu celebridade, porque era


frequentado por Graciliano Ramos, José Lins do Rêgo, Rachel de
Queiroz, Santa Rosa, Valdemar Cavalcante, Aloísio Branco, Car-
los Paurílio, Alberto Guimarães Passos, José Auto, Aurélio Buar-
que de Holanda, Manuel Diégues Júnior, Théo Brandão, Raul Li-
ma e tantos outros intelectuais e escritores que formavam uma
roda permanente, sem qualquer característica boêmia, pois con-
sumiam sempre café pequeno e cigarros”.

Carlos Moliterno, no artigo Graciliano Ramos em Maceió,


na Revista Alagoana de Letras, no quatro, ano IV, dezembro de
1978

CALDO DE CANA

Contar a história do “casamento”, principalmente no Nor-


deste, entre o caldo de cana com o pastel não se tem tanta pesquisa,
já que o pastel veio da China, e o caldo do Nordeste do Brasil. Mas
se agente for lá trás nos engenhos, nas casas grandes e senzalas vai
saber de muita história. Os escravos foram os primeiros a experi-

137
mentar o caldo, porque essa era a bebida que restava dos tachos de
rapadura. Tudo começou com a chegada do açúcar no Brasil. A
partir daí se fez de tudo com o caldo da cana: cachaça, rapadura,
doce, garapa, melaço, rum, bagaço e etanol. O caldo com pastel
continua fazendo sucesso, mas a história que fica é o caldo da cana
no passado, que fazia a festa nos engenhos, desde quando as pri-
meiras canas foram para as moendas, que começaram a rodar.

“- Podem meter as canas! Gritou o senhor de engenho. Daí


por diante não faltou quem quisesse imitar os grandes senhores. O
caldo verde pardo, escuro e espumoso jorrava abundante de uma
bica que ia direto despejar em um vaso morto: a primeira caldei-
ra. O caldo escorria como uma cascata verde-oliva. Aquele povo
todo acorreu ao local, cada convidado conduzindo um coité. En-
chia a pequena cuia e bebia até não poder aguentar mais... Quan-
do o caldo, quase virando mel, borbulhava no caldeirote, aí o mes-
tre usava um caneco grande com cabo comprido, apressando-se
em passar o líquido estuante para a tacha de cozimento”.

Adalberon Cavalcanti Lins, no romance O Tigre dos Palma-


res, Imprensa Oficial Graciliano Ramos, 2008

138
CALUNGA

No pósfácio da segunda edição original de Calunga, de


1943, Jorge de Lima explica como construiu seu romance, conside-
rado um dos melhores já escritos na literatura alagoana. “Na histó-
ria que acabais de ler foi contar o que me contaram, mudando
algumas vezes os nomes da geografia e dos cambembes (cabo-
clos)”. O personagem Lula trava uma guerra contra o endiabrado
coronel Totô, nas águas lamacentas das lagoas Manguaba e Mun-
daú. O segredo do nome Calunga, para quem não sabia, é revelado
pelo autor no final da trama: um perigoso redemoinho nas águas da
lagoa. “Aí sentiu que a canoa rodava, rodava, num círculo ligeiro,
puxando-a para morte. Era o redemoinho, sim, senhor. Estava em
cima do Calunga, mesmo”. No livro, ele revela um fato considera-
do por muitos uma lenda, a do povo comer barro, com gosto, como
se fosse um biscoito.

“O hábito de comer terra era natural entre os cambembes:


nas bodegas do Pontal da Barra se vendia ao lado da meia-quarta
de bacalhau e dos dostões de sabão marmorizado, o tijolinho de
massapé cozido, vermelhinho, até doce; tinha gosto que só se co-
mendo se podia dar uma opinião... A lama generosa maternalmen-
te oferecia o sururu que ela gerava em seu seio, como guardando
o nutrimento debaixo do cabeção para a fome dos filhos fracos”.

Jorge de Lima, Calunga, Editora Alba (RJ), 2ª edição,


1943.

139
CAMARÃO DO BAR DAS OSTRAS

A receita do Camarão Alagoano, tradicional no mercado


gastronômico de Maceió, foi criada por dona Oscarlina e seu Pedro
há pelo menos 60 anos, e se tornou um bem imaterial tombado
pelo Estado de Alagoas. O camarão era servido no restaurante do
casal, o Bar das Ostras, que ficava às margens da lagoa Mundaú,
no Vergel do Lago. Na época era o restaurante O mais visitado e
conhecido da capital alagoana. Depois de fechado, a receita ficou
guardada a sete chaves, e foi tombada em 2011, como patrimônio
material, e agora que faz parte da gastronomia turística e pode ser
apreciada em qualquer mesa alagoana.

Preparo do Camarão Alagoano do Bar das Ostras

Colocar em água fervente os camarões, deixar por 10 minu-


tos. Em seguida retirar os camarões da água fervente e colocá-los
em água fria e descascar. Após limpar os camarões, colocá-los
novamente na água com um pouco de sal, deixar ferver por 5 mi-
nutos. Esfriar e reservar. Colocar no liquidificador o tomate, a
cebola, o pimentão, o coentro, vinagre e o extrato de tomate. Em
seguida colocar o molho liquidificado numa panela, leve ao fogo,
acrescentando o azeite, limão, deixe cozinhar por 10 minutos, sem
reduzir o volume. Mexendo sempre. Coloque a metade da mantei-
ga, os camarões e continue mexendo, acrecente o restante da man-
teiga, deixando ferver por 10 minutos em fogo baixo. Para a Faro-
fa: Em uma panela colocar o óleo e a cebola, levar ao fogo até

140
que fique transparente. Acrescente a manteiga, o extrato de tomate
e o colorau, mexer até dissolver. Aos poucos colocar a farinha
misturando com a colher.

CARAPEBA

.Fonte e fonte de renda e sobrevivência para pescadores,


principalmente em Alagoas, onde a carapeba chega a ser um sím-
bolo da terra, que se justifica pelo seu gosto saboroso. Foi canta-
da em verso e prosa, com direito a música de Luiz Gonzaga, o rei
do baião. Peixe outrora abundante no mar alagoano, carapeba é
palavra de origem tupi (peixe miúdo). Segundo o Dicionário Auré-
lio, trata-se de "peixe de corpo ovalado, boca pequena desprovida
de dentes, e com apenas dois raios ósseos na nadadeira anal".
Medindo até 30 cm, a carapeba é considerada uma iguaria de
grande prestígio na culinária alagoana - especialmente as fritas,
mas também ensopadas.

Carapeba
Luiz Gonzaga

Êi, lá vem esquema muié


Ê som, é gente, é vida, é pó

Êi, lá vem esquenta muié


Do meu sertão

141
Carapeba
Bandinha quente
Abrindo frente
Alegrando vai

Pife, pratos, tarol, zabumba


É tumba, tumba
E a folia sai

Bonifácio, Major do povo


Velhinho novo a comandar
Carapeba por onde passa
Faz som de graça pra se brincar

ESTÁTUA DE ZUMBI

Feita pelo escultor pernambucano José Faustino, em pedra


sabão, a estátua de Zumbi dos Palmares, na Serra da Barriga, em
União dos Palmares, tem três metros de altura. O líder negro está
de corpo inteiro, com o que parece um chocalho em uma mão e
uma lança na outra, ao lado de um garoto, com a mão segurando a
perna de Zumbi. Foi inaugurada em 20 de novembro de 1984, o
primeiro 20 como Dia Nacional da Consciência Negra. Foi uma
festa na serra. Na visita que fez ao sítio histórico, em 20 de no-
vembro 2003, nos 308 anos da morte de Zumbi dos Palmares, o
presidente Luiz Inácio Lula da Silva depositou flores ao pé da está-

142
tua. Desde aquele remoto 1984 se falava muito do tombamento, da
construção de museu vivo de Zumbi, do Memorial Zumbi, da re-
tomada arqueológica do que sobrou dos Quilombos.

ESTÁTUA DA LIBERDADE

Maceió tem uma réplica em menor escala da Estátua da Li-


berdade. A original, Statue of Liberty, uma das mais admiradas em
todo mundo, foi feita em 1886, toda em bronze, pelo escultor fran-
cês Frédéric Auguste Bartholdi. Com 46 metros de altura, ela se
ergue gloriosa e iluminada na entrada do porto de Harvard, em
Nova Iorque. A nossa “Liberty” está hoje no bairro de Jaraguá, em
um pedestal próximo ao Museu da Imagem e do Som, desprezada
e enferrujada, elevando sua tocha com uma das mãos, olhando o
mar de Jaraguá. Em 1922, uma famosa foto publicada no livro Ter-
ra das Alagoas, do escritor alagoano Adalberto Marroquim, mostra
a estátua embelezando a nova ponte de ferro de desembarque do
cais do porto de Jaraguá. Mas durante toda sua estadia em Maceió,
a estátua virou uma andarilha, rodando de praça em praça da capi-
tal, em pelo menos três logradouros: praça do Centenário (anos
1930), praça Abelardo Duarte, no início da bairro da Pajuçara
(anos 1950), onde soberanamente dominou o espaço, levando o
local a ser conhecido como praça da Liberdade, e finalmente, de
volta à Jaraguá (anos 1990), na praça 18 do Forte de Copacabana,
onde se encontra até hoje.

143
“A liberdade foi levada para a praça do Centenário, no Fa-
rol, onde, por algum tempo, iluminou com seu facho o tanque, em
cujo centro se erguia, e as florzinhas em volta, Depois, arrasta-
ram-na, ignominiosamente – uma liberdade sem mais liberdade –
e por muito tempo ficou tombada, uma corda no pescoço, na gra-
ça inculta da praça Manoel Duarte, até que recebeu alforria e de
novo a puseram de pé. Atualmente está na praça dezoito do Forte
de Copacabana . Lá Liberté éclairant Jaraguá”.

Bráulio Leite Júnior, no livro Histórias de Maceió, editora


Catavento, 2000

ESQUENTA MULHER

É uma tradição genuinamente alagoana e foi estudada pelo


folclorista Abelardo Duarte, que em sua síntese diz tratar-se de um
folclore negro. Para ele o conjunto musical das Alagoas “Esquenta
Mulher” é composto em sua essência por dois pifes, um bombo (ou
zabumba) e uma caixa, instrumentos toscos, de fabricação popular,
“os pífaros de taquara e os furos a fogo; o bumbo e a caixa, de ma-
deira oca, e cobertos com pelo de carneiro”. Um modo de fazer do
negro e do índio. Duarte também explica a razão do nome.

“O nome de Esquenta-Mulher, atribuído ao conjunto ins-


trumental nas Alagoas procede do alvoroço, da agitação, que as

144
músicas provocam no ânimo feminino. Apelidou-o, assim, o povo e
a denominação pegou para sempre”.

Abelardo Duarte, no artigo O Esquenta Mulher, em revista


da Academia Alagoana de Letras, nº 10 – dezembro de 1984

FEIRA DE ARAPIRACA

A Feira Livre da 2ª maior cidade alagoana é mais antiga que


a própria emancipação da cidade. As primeiras bancas começaram
a se aglomerar no século XIX, mas precisamente em 1884, de
acordo com o historiador e artista popular, Zezito Guedes. Ele rela-
ta em seu livro Arapiraca através dos tempos, que a feira começou
ao redor de uma tamarineira, “em cujos galhos os açougueiros
penduravam a carne para vender a população”. Quase 140 anos
depois, a feira livre se tornou a maior do Nordeste. Todas as se-
gundas-feiras, em 27 ruas do Centro, centenas de barracas vendem
de tudo e para todos: de lojinhas de secos e molhados, tecidos, cal-
çados, ferragens, aos pratos feitos de comida de feira mesmo, co-
mo sarapatel, bode assado, buchada e até carne de ave, como nam-
bu e rolinha. Neste caldeirão calorento do agreste, também estão os
artistas populares como repentistas, cordelistas, sanfoneiros. Foi
neste ambiente que Hermeto Pascoal, natural de Lagoa da Canoa,
buscou inspiração para sua formação musical, bem como os utensí-
lios que costuma usar em suas apresentações, como chaleira, bacia,
apito de caçar passarinho.

145
“No final dos anos 80, Arapiraca assumiu a condição de
cidade-polo da região e sua feira já era considerada a maior do
Nordeste. Com o inevitável declínio da cultura do fumo, intensifi-
cou-se o êxodo rural e os camponeses, com a falência da agricul-
tura, se refugiaram no centro urbano, aumentando as favelas e
milhares de cortiço, e se apegaram à feira de Arapiraca como úni-
ca tábua de salvação”.

Zezito Guedes, artista popular e escritor em Arapiraca atra-


vés do tempo, de 1999, edição do autor

FEIRA DE VIÇOSA

Em atividade há mais de 100 anos, quase sempre aos sába-


dos, a feira de Viçosa, sempre atraiu os mascates da região da Zona
da Mata alagoana. Lá se encontra de tudo: carnes, peixes, tempe-
ros, macaxeira, inhame, artesanato, calçados, roupas, e as indispen-
sáveis ervas medicinais da cultura popular tradicional, geralmente
vendidas em alto e bom som pelos comerciantes. A área total da
feira possui cerca de 500 pontos de vendas, que são bastante varia-
dos e setorizados, facilitando a localização por parte do comprador.
Em julho de 2017, o fotógrafo Juarez Cavalcanti e o poeta e escri-
tor Sidney Wanderley, lançaram o livro A Feira. O fotógrafo e o
poeta retornaram sete vezes “ao local do crime”, como explicou o
viçosense Sidney Wanderley, “para confirmar ou desmentir as im-

146
pressões, os cheiros, o burburinho, os detritos e as relíquias da
memória, que em mim fizeram morada”. O livro é uma viagem no
tempo, com fotos de Juarez e o texto supimpa de Sidney. Leia tex-
tos do livro:

O começo

“Nosso trabalho tinha início às cinco da matina do sábado,


envoltos numa bruma espessa e sufocante, à espera de que o Sol,
ainda indeciso e bocejante, irrompesse. Começávamos pelas ta-
rimbas dos marchantes, migrávamos para o galpão do milho, do
arroz e da farinha, assistíamos à impiedosa degola das galinhas, e
daí nos dividíamos a prosear e fotografar o mezinheiro, o fumeiro,
o bananeiro, o barbeiro, as fateiras, os verdureiros e uma fieira de
“eiros” e “eiras” que compõem e colorem a feira e a manhã.
Concluí um poema escrito há quase vinte anos com estes versos:
“Não retornes nunca ao lugar/ em que outrora/ infância e festa se
confundiram”. Retornei – para me confirmar, para me estranhar,
para me contradizer. Para ver a feira, para ler a feira, para sê-
la”.

Fim de feira

“Semelhantemente a certos amigos e animais de estimação,


a feira morre em suave agonia e gradativamente, legando-nos um
rastro de fetidez e decomposição. Melancias, jacas, abóboras e
bananas pisoteadas por pés humanos e reviradas pelos cães esqu-

147
álidos geram uma lama espessa e viscosa que os faxineiros muni-
cipais tentarão com esforço extremo e escasso sucesso debelar.
Desse caldo tenebroso, quiçá similar àquele em que a vida irrom-
peu há três e meio bilhões de anos, é que a feira renascerá, bro-
tando do chão ao sétimo dia, como Cristo ressuscitou ao terceiro,
porém com uma férvida alegria e uma estonteante irreverência
que jamais habitaram o Crucificado em seus trinta e três anos de
existência terrenal.

Sidney Wanderley e Juarez Cavalcanti, em A Feira, Editora


Imprensa Oficial Graciliano Ramos, 2018

FEIRA DO PASSARINHO

A Feira do Passarinho, que se chama hoje de Feira do Rato


– pelo grande número de objetos furtados vendidos ao público –
teve sua origem realmente com a venda dos emplumados. Segundo
o historiador Bráulio Leite Júnior, foi em volta de uma tamarineira
frondosa fincada nas proximidades da feira, que na década de 1930
começou a se aglomerar gaioleiros, “donos” de passarinhos, para
trocar e vender suas aves. A feira resistiu até hoje, superando “obs-
táculos” como a demolição do Mercado Público, a proibição da
venda de aves silvestres e a chegada dos modernos Veículos leves
sobre Trilhos, o VLT. Além do formigamento humano – multidões
ainda transitam pelo local – a feira se transformou em um cenário
de realismo fantástico, e perigoso também. Os ambulantes vendem

148
seus produtos, de autopeças à bicicletas de segunda mão, no meio
dos trilhos do trem. Quando o comboio dos VLTs passa, eles reti-
ram o material e voltam a repô-los no mesmo lugar, em um tira e
bota constante durante todo o dia. Recentemente, o fotógrafo e
cineasta Charles Northrup, lançou uma instalação, fotografias e um
curta metragem denominado Fim da Linha, que tenta colocar a
feira do passarinho como um patrimônio histórico e cultural na
memória de Maceió.

“Reuni fotografias, imagens, sons e objetos da própria feira,


e criei o projeto com projeções de vídeo, efeitos sonoros entre ou-
tras expressões artísticas, um ambiente onde o visitante poderá
conhecer um pedaço da poesia que a feira representou todo esse
tempo em que esteve viva”.

Chales Northrup, em texto do folder de divulgação do proje-


to

FARÓIS DE ALAGOAS

Eles são os olhos da cidade diante o oceano, para orientar


navios, mas são tidos como tesouros para quem observa de perto.
Em Alagoas são seis faróis espalhados ao longo da costa. Em Ma-
ceió são dois: o do bairro do Reginaldo e o da Ponta Verde, que
fica dentro do mar, encravado nas pedras. É o mais fotografado de
todos. Construído em alvenaria com fundação em concreto arma-
do, suas cores são branca e vermelha em listras horizontais. Possui

149
11 metros de altura, com alcance luminoso e geográfico de 13 mi-
lhas. Alagoas ainda tem os faróis do Pontal do Coruripe, Pontal do
Peba e São Miguel dos Campos, no litoral Sul; e Porto de Pedras,
ao Norte. O farol mais icônico, que fez história, e que hoje não
existe mais, era o velho farol da Jacutinga, que ficava ao fundo da
Catedral Metropolitana, ao seu lado tinha uma praça e um mirante
para o porto de Jaraguá.

“As famílias vinham aos domingos, e a praça ficava com ar


de festa. O velho farol era lindo como peça arquitetônica, resistiu
de 1851 a 1940. Num sábado do mês de março abriram-se as por-
tas do céu. Uma tromba d´água se abateu sobre Maceió. O riacho
Salgadinho virou mar, casas foram soterradas, famílias inteiras
morreram. O bairro do Poço foi tragado. O morro onde estava o
velho farol de Maceió desabou em parte pela entrada do Poço. E
ficou rachado”.

Bráulio Leite Júnior, Histórias de Maceió, editora Catavento


Maceió – 2000

FOTOMONTAGENS DE JORGE

As facetas do poeta alagoano Jorge de Lima são difíceis de


mensurar. Além da poesia, prosa, pintura, escultura, folclore, e,
médico com grande clientela no Rio de Janeiro, o “rei dos poetas”
foi o primeiro artista brasileiro a produzir fotomontagens. As tintas

150
eram surrealistas, mas com temas brasileiros. Cerca de onze origi-
nais sobreviveram nos arquivos de Mário de Andrade, e que se
encontra hoje no acervo do Instituto de Estudos Brasileiros
(IEB/USP). As fotos fizeram parte da mais recente exposição das
fotomontagens de Jorge, no Rio de Janeiro, em 2010: A Pintura em
Pânico.

“Ele investigou temas de formas fundamentais de brasili-


dade, moldando-as de acordo com sua visão do mundo, influenci-
ada também pela mística cristã. Regionalista e universal; popular
e erudito. É o caráter multifacetado de suas criações que desafiam
até hoje a compreensão por parte da crítica”.
José Nivaldo de Farias, estudioso de Jorge de Lima, profes-
sor de letras na Ufal, autor de “O Surrealismo na poesia de Jorge
de Lima, Editora PUC-RS, 2011

FOTOS DE AUGUSTO MALTA 1

O alagoano de Mata Grande Augusto Cesar de Malta Cam-


pos (1864-1957) foi o principal fotógrafo da evolução urbana do
Rio de Janeiro nas primeiras décadas do século XX, período de
acelerada – e por vezes traumática – modernização. Radicado na
cidade desde 1888, ano da Proclamação da República, trabalhou
inicialmente como comerciante de tecidos, até dar seus primeiros
passos como fotógrafo amador na virada do século.

151
“Contratado em 1903, como fotógrafo oficial da diretoria
geral de Obras e Viação da prefeitura do Distrito Federal, cargo
criado especialmente para ele, Malta teve como missão inicial
registrar imagens de todas as ruas que teriam seu traçado modifi-
cado pelo gigantesco projeto urbanístico do prefeito Pereira Pas-
sos, no período conhecido como “bota-abaixo”. Pereira Passos,
de quem o fotógrafo se tornou amigo, deixou a prefeitura em 1906,
mas Malta conservou-se no posto por mais 30 anos, registrando
desde grandes eventos, como a Exposição Nacional de 1908 e a
inauguração da estátua do Cristo Redentor (em 1931), até aspec-
tos da vida cotidiana da cidade”.

Texto de apresentação do portal do Instituto Moreira Sales


(IMS), que desde 2002 detém todo o acervo de fotos do alagoano

FOTOS DE AUGUSTO MALTA 2

Até os 24 anos Augusto Malta viveu entre Alagoas e Per-


nambuco. Em Mata Grande, sua família dominava toda a região,
indo até mais além, quando seu tio, Euclides Vieira Malta, tornava-
se governador de Alagoas. Em Recife, cumpriu o serviço militar,
quando esperava ser chamado para fazer carreira. Mas para decep-
ção de Augusto, fora dispensado. Foi aí que tomou coragem e par-
tiu para o Rio de Janeiro. Ele mudou-se para a Corte Imperial aos
24 anos, em 1888, e foi trabalhar com comércio de tecidos, mas
depois trocou seu tino comercial, pelas máquinas fotográficas.

152
“No Rio de Janeiro, a maior parte das fotografias de Au-
gusto Malta encontra-se dividida entre o Museu da Imagem e do
Som do Rio de Janeiro e o Arquivo Geral da Cidade do Rio de
Janeiro. São, ao todo, 80 mil fotos, incluindo 2.600 negativos em
vidro e 40 panorâmicas. Já no Museu da Imagem e do Som a cole-
ção reúne cerca de 27.700 fotografias do Rio de Janeiro, tiradas
por Augusto Malta durante o período em que atuou como fotógra-
fo oficial na gestão do prefeito Pereira Passos, no início do século
XX.

FOTOS PIERRE VERGER

Em duas passagens por Alagoas, em 1947 e 1951, o fotógra-


fo e etnólogo francês Pierre Verger (1902-1996), com sua máquina
Rolleiflex, retratou o rio São Francisco e seu entorno, que se trans-
formou no livro “Alagoas de Pierre Fatumbi Verger”, com 125
fotos, em que mostra a cultura, o povo, a poesia e a industrializa-
ção que começava na época, como a construção da usina hidrelé-
trica de Paulo Afonso, em Delmiro Gouveia. O livro foi organiza-
do pela museóloga Cármen Lúcia Dantas e conta com textos da
própria organizadora, e de Alex Baradel, responsável pelo acervo
fotográfico da Fundação Pierre Verger e do professor Douglas
Apratto Tenório. Ele adotou Salvador como sua casa, onde fundou
a Fundação Pierre Verger. Ali estão guardados mais de 63 mil fo-

153
tografias e negativos tirados até 1973, como também os documen-
tos dele e sua correspondência.

“O estudo desse período apresenta fotos e situações inéditas


de Alagoas, em meados do século XX, uma era de grandes trans-
formações na estrutura social, política e econônomica do Estado,
que revelam cidades e lugares esquecidos do interior alagoano,
ressaltam p importante episódio da construção da Chesf, a Compa-
nho9a Hidrelétrica do São Francisco, e valorizam, através das len-
tes de Pierre Verger, o cotidiano, o homem e a paisagem alagoa-
na”.

Cármem Lúcia Dantas e Alex Bradel, no Alagoas de Pierre


Fatumbi Verger, Fundação Pierre Verger, 2010

FOTOS MARCEL GAUTHEROT

O fotógrafo francês Marcel Gautherot (1910-1996) é o autor


da série de fotos numeradas, em preto e banco, dos Guerreiros de
Maceió, em 1943, hoje sob a guarda do Instituto Moreira Salles
(IMS), mas aberta ao público. A raridade é considerada – nos estu-
dos de antropologia sobre a fotografia – uma das mais importantes
coleções fotográficas sobre o Brasil no século XX. Gautherot che-
gou a registrar mais 25 mil fotogramas por todo o país, durante os
anos em que permaneceu no Brasil (1940 a 1980). O acervo foi
adquirido pelo IMS em 1999.

154
“Com formação em arquitetura, o fotógrafo busca nas pai-
sagens, nas comemorações e na vida cotidiana, na história vivida
das ruas, o equilíbrio minucioso das formas, o jogo com a profun-
didade e campo e o movimento, o registro calculado das luzes. Pré-
visualiza o momento particular em que as disposições do quadro
sintetizam como trama gráfica e representação o acontecimento.
Cabe relembrar que a formação fotográfica de Gautherot tem como
primeira referência seus experimentos com a revelação fotográfica
no laboratório do novo Musée de l´Homme, em Paris, como arqui-
teto decorador, do projeto de reorganização das exposições etno-
gráficas”.

Lygia Segala, pesquisadora da Universidade Federal Flumi-


nense, dos Anais do Museu Paulista, dezembro de 2005

FESTA DA ARTE NOVA

Em 1928, o movimento modernista em Alagoas chegou for-


te e provocou uma reviravolta na sonolenta Maceió. A Festa da
Arte Nova deu o impulso que faltava para a entrada dos modernis-
tas em Alagoas. A festa serviu para romper com o que se entendia
como arte e trazer o novo, a liberdade proposta pelo modernismo.
Dois livros do historiador Moacir Sant´Ana formam a melhor obra
escrita sobre o assunto: Documentário do Modernismo (1978) e
História do Modernismo em Alagoas (1980). Os livros trazem a

155
repercussão, em Alagoas, do Movimento Modernista, desencadea-
do, em fevereiro de 1922, na incensada Semana de Arte Moderna,
e não só desse movimento de vanguarda, mas também do Movi-
mento Regionalista do Nordeste. A Festa da Arte foi realizada em
17 de julho de 1928, promovida por intelectuais da terrinha, como
Mendonça Júnior, Valdemar Cavalcanti, Carlos Paurílio, Mário
Brandão e pelo pintor Lourenço Albuquerque. Aurélio Buarque de
Hollanda, um dos convidados para a festa, deu o tom do aconteci-
mento:

“Creio que a festa será brilhante. Escandalosamente bri-


lhante. Creio porque não temos dirigentes acadêmicos – imorta-
loides com admiráveis cérebros de consistência granítica. Quem
está à sua frente, na parte literária, é gente moça. É gente que
pensa e trabalha. Que tem alguma coisa na cabeça. Uma coisa
muito falada – por cuja posse endoidece certos velhotes e rapazo-
las imbecis de 50, laureados pelos noticiaristas safados dos jorna-
lecos e pelas academias de primeiras letras. Já todos sabem o que
é. Talento. Haverá um baile, para remate de tudo. É bom. Mas
muita gente não irá assistir.São os despeitados e ofendidos ...
Também não faz mal. Porque se fosse todo mundo, o prédio não
caberia tanta gente”.

Aurélio Buarque de Holanda, no artigo A Festa da Arte No-


va, do livro Documentário do Modernismo, de Moacir Sant´Ana,
Editora da Universidade Federal de Alagoas – 1978

156
GALO DO ROSÁRIO

Imponente e secular, no alto da torre da Igreja Nossa Senho-


ra do Rosário dos Pretos, na rua do Sol, centro de Maceió, o galo
foi colocado ali, por negros que construíram a igreja, no século
XIX. São várias histórias e lendas, mas ele foi colocado por ser
mais um simbolismo cristão, a vigilância (“Pedro, antes que o galo
cante, tu me negará três vezes”, reza a Bíblia); o mesmo galo “que
alerta o homem e a natureza quando dormem “. A igreja começou
a ser construída quando da expansão da irmandade católica da Se-
nhora do Rosário Preto, que se espalhou pelo litoral brasileiro, com
o intuito de integrar o negro a sociedade, com uma igreja construí-
da por eles e para eles. Só em Alagoas, são três os templos dedica-
dos à santa: Maceió, Penedo e Marechal.

“Realmente, a Igreja Católica, (que) muitas vezes (era) ma-


lhada, teve um papel importante na integração do negro com a
sociedade, pois, sabemos todos, quem eles eram tidos “como bes-
tas e ser tratado como tal, dentro da confraria, ele já é alguém”.

Padre Ernani Méro, no livro Igrejas de Maceió (1987)

157
IMAGEM DO BOM JESUS

No Brasil, a celebração ao Senhor dos Navegantes, foi in-


troduzida em 1808, com a chegada da Família Real ao Brasil. Em
Alagoas, os festejos dedicados ao santo só surgiram em janeiro de
1884, com a realização da primeira procissão. A imagem carregada
pelo povo era de um Cristo crucificado. Em 1915 pode-se conside-
rar a primeira procissão com um altar e um novo Bom Jesus, talha-
do em madeira, pelas mãos mágicas do lendário escultor penedense
Cesário Procópio dos Mártyres. Em vez do Cristo crucificado, um
Bom Jesus garboso, de pé, com sua manta azul cobrindo-lhe às
costas, e as mãos acenando para seus fiéis, sob as luzes do altar.

PROCISSÃO DOS NAVEGANTES

A imagem centenária feita Cesário Martyres é a atração


principal da Festa Bom Jesus dos Navegantes, que sai sempre na
segunda semana de janeiro. Nesse dia, milhares de fiéis acompa-
nham a imagem em procissão pelas ruas de Penedo, até a margem
do rio São Francisco, onde começa a procissão fluvial. Centenas de
barcos enfeitados percorrem as cidades ribeirinhas. Desde 1915, a
Festa do Bom Jesus dos Navegantes – protetor dos ribeirinhos – se
consolidou como a maior festa popular e religiosa do Baixo São
Francisco.

158
JANGADAS DA PAJUÇARA

Elas formam outro importante cartão postal de Maceió, e


movimentam uma economia solidária para os pescadores locais,
que fazem a travessia de turistas até a Piscina Natural da Pajuçara.
A jangada faz parte do cenário litorâneo alagoano - com seus paus
roliços e sua vela impulsionada pelo vento - mas as da praia da
Pajuçara estão na história. A música Minha Sereia, do cantor e
compositor alagoano Carlos Moura fez história.

Mergulhar no azul piscina


No mar de Pajuçara
Deixar o sol bater no meu rosto
Ai que gosto me dá.

E as jangadas partindo pra o mar


Pra pescar, minha sereia
Maceió, minha sereia

MUSEU THÉO BRANDÃO

O Museu Théo Brandão de Antropologia e Folclore - insta-


lado no lindo casarão da Avenida da Paz – fez 40 anos de sua fun-
dação em 2017. O museu é maior referência em cultura popular de
Alagoas. Ele surgiu pela determinação do maior folclorista alagoa-
no, Théo Brandão, que repassou todo seu acervo, garimpado du-

159
rante 25 anos de pesquisas ao longo de suas viagens de trabalho e
observação. Em seu discurso de inauguração do novo museu, Théo
afirmou que “a verdade verdadeira é que o Museu não passa de
uma sopa de pedras, que ainda está a ser cozinhada com vagar,
paciência e cautela”. Ele se referia que o “pequeno acervo” doado
à Universidade Federal de Alagoas, mantenedora do museu, não
passava de “materiais de uso comum e diário do nosso homem do
povo”. E assim ele resumia a conquista do prédio próprio, em seu
discurso de 20 de agosto de 1977, na sede do museu, durante a V
Festa do Folclore Brasileiro.

“Eis a razão pela qual o impertinente fradinho Théo Bran-


dão vai ao dono maior da Casa – o reitor Nabuco Lopes e pede-
lhe, agora oficialmente para lhe arranjar no Campus uma panela
maior para colocar suas pedrinhas e começar a esquentar o fogo
para fazer a sua “Sopa de Pedras”. Nabuco Lopes, em boa hora
assessorado por Manoel Ramalho e João Azevedo, seus pró-
reitores que certo dia, em visita ao Campus Tamandaré (onde
Théo guardava um acervo de mais 10 mil peças) passaram os
olhos no pequeno acervo que estava sendo arrumado e capacita-
ram-se da importância da manutenção da iniciativa, cedeu o pré-
dio, nessa ocasião já desocupado pela prefeitura da Ufal que fora
a casa de residência do comandante da antiga Escola de Aprendi-
zes de Marinheiros”.

Trecho do discurso de Théo Brandão no livro Vida em Di-


mensão, edição comemorativa ao Centenário do folclorista

160
1907/2007, organizado por Cármem Lúcia Dantas, Fernando Lôbo,
Vera Lúcia Calheiros Malta, editado pelo Governo de Alagoas

MUSEU DA MARINHEIRA

No coração da Mata Atlântica, entre as plantações de açai-


zeiros, cachoeiras e cascatas, na fazenda Bento Moreira, está o
Museu de Arte Popular Manoel da Marinheira. O escultor Manuel
Marinheira foi um dos grandes escultores das Alagoas. O talento
do artista fez com que suas obras o tornasse conhecido nacional-
mente. Foi na década de 1970, quando o fotógrafo e pesquisador
Celso Brandão e o pintor alagoano Fernando Lopes descobriram o
escultor, que o trabalho de Manoel da Marinheira ganhou mais
visibilidade. Eles começaram a divulgar as obras junto a artistas e
intelectuais da época. Daí em diante as obras dele ganharam o
mundo. Hoje o mestre tem peças nos Estados Unidos, Alemanha,
Inglaterra, França. Exemplo disso é uma onça suçuarana, exposta
no Memorial da América Latina, em São Paulo. O museu está lo-
calizado em Boca da Mata. no Balneário Águas de São Bento, com
curadoria do empresário Jorge Tenório, que desde os anos 1970
coleciona obras da família Marinheira. São mais de 1200 peças
espalhadas por dez salas, lotadas de obras de arte.

“Fiquei viciado por qualquer peça dele, comprava tudo,


mandava buscar as jaqueiras de caminhão. Minha casa tinha peça
para tudo quanto é lado, embaixo da cama, da mesa, minha casa de

161
praia estava lotada de peças. Tive uma ótima convivência com ele,
ele me adorava e eu adorava a ele. Cuido dos filhos dele até hoje”.

Jorge Tenório, em depoimento à Revista Graciliano Arte


Popular, 2018

MUSEU CHALITA

O Museu de Arte Pierre Chalita é uma instituição privada,


mantida pela Fundação Pierre Chalita. Foi fundado em 1980, sob a
denominação Museu de Arte Sacra, e mantém parte da coleção
particular do pintor Pierre Chalita, composta por obras provenien-
tes do Brasil e de outros países, executadas entre os séculos XVII e
XX, período de um importante núcleo de arte sacra. A coleção do
museu é constituída por parte pinturas, esculturas, desenhos, gra-
vuras, objetos decorativos e um núcleo substancial de arte sacra,
originários do Brasil e de outros países. Há um pequeno núcleo de
pinturas europeias, em que se destaca uma cópia do século XVII da
Transfiguração de Rafael, adquirida do Museu do Prado, Lavínia e
Vênus, ambas atribuídas a Ticiano, além de uma madona já credi-
tada ao ateliê de Leonardo da Vinci e cópias antigas de Caravaggio
e Guido Reni. Do Modernismo, há obras de João Câmara, Alfredo
Volpi, Carlos Scliar, entre outros. Dentre os artistas alagoanos, há
obras de Lourenço Peixoto, Rosalvo Ribeiro, Fernando Lopes, e
Vicente Ferreira de Lima, além de várias peças do próprio Pierre
Chalita e de sua esposa, Solange.

162
MUSEU FLORIANO PEIXOTO

O Museu Palácio Floriano Peixoto (MUPA) é a antiga sede


do governo de Alagoas. Seu acervo é constituído do mobiliário dos
séculos XIX e XX, prataria, cristais e objetos decorativos, além de
inúmeros quadros de pintores alagoanos, como os destacados José
Zumba, Luis Silva, Miguel Torres, Lourenço Peixoto e telas do
pintor alagoano Rosalvo Ribeiro, premiado em várias exposições
no Brasil e na França. Em 2010, o museu agregou ao seu acervo, o
Espaço Aurélio Buarque de Holanda e o Memorial Lêdo Ivo.

PINACOTECA

Criada em 1981, a Pinacoteca Universitária pertencente à


Universidade Federal de Alagoas, nasceu com o propósito de pre-
servar e difundir a memória artística e cultural de Alagoas, por
meio do incentivo à produção artística e à execução de projetos
educativos para o público estudantil dos diversos níveis e a comu-
nidade alagoana. A Pinacoteca, apesar da degradação em seu en-
torno, na Praça Sinimbu, se firma como lugar destinado a promo-
ver o conhecimento e o contato com a arte em geral e, em especial,
com a produção contemporânea, buscando ultrapassar o papel de
espaço de observação e lazer. Desde que se transformou em Museu

163
de Arte Contemporânea, a Pinacoteca o espaço educativo, demo-
crático e proativo foi consolidado.

PRAÇA DEODORO

O escritor Bráulio Leite Junior registra em seu livro Histó-


rias de Maceió que a praça “generalíssimo” Manoel Deodoro da
Fonseca, antes chamada de Largo do Cotinguiba e Largo das Prin-
cesas, foi idealizada pelo pintor Rosalvo Ribeiro, quando de sua
volta à Europa. O notável artista alagoano remodelou toda praça,
bem no feitio da famosa Place de la Condorde, em Paris, e colocou
no meio uma estátua equestre de Deodoro. A remodelagem da pra-
ça foi a pedido do então prefeito Demócrito Brandão Gracindo. No
entorno já pontificavam a primeira escola da capital, a Pedro II, o
Tribunal de Justiça e o Teatro Deodoro. Leite descreve no livro
uma foto da praça datada de 1920.

“Na estampa vê-se os oitizeiros plantados em seu derredor


ainda de baixo tamanho e os locais destinados às retretas, que
reuniam familiares maceionses nas tardes festivas e nas noites de
domingo. Canteiros, naturalmente, havia, mas existiam também
largos espaços e calçadas limpas para o passeio das melindrosas
e almofadinhas, olhares furtivos, acenos velados ou mesmo encon-
tros à luz de lindos e bem trabalhados postes de luz elétrica, em
forma de lampiões. Logradouro limpo. Arejado, espaçoso, que só
saudades trás aos setentões e oitentões de agora, espremidos e

164
emperrados entre ambulantes, ônibus, barracas, pipoqueiras,
montes de lixo”.

Por Bráulio Leite Pedrosa, em Histórias de Maceió, Edições


Catavento, 2000

RELÓGIO OFICIAL

“O hábil relojoeiro sr. Antônio Ferreira pôs em movimento


o Relógio Oficial na coluna construída às expensas do governo do
Estado à rua do Comércio, no seu entroncamento com a rua do
Livramento”, dizia o Jornal de Alagoas um dia depois da inaugura-
ção. O relógio foi inaugurado ao meio-dia de um sábado, mais pre-
cisamente no dia 11 de março de 1922. Ficava bem no centro de
Maceió e foi adquirido pelo então governador Fernandes Lima na
joalheria A Nacional, do Rio de Janeiro. Tinha como função ame-
nizar as reclamações de negociantes, fazendeiros e senhores de
engenho que perdiam a hora do trem e eram forçados a pernoitar
na capital.

"Desde as doze horas do dia 11 do corrente mês o relógio


do governo do Estado de Alagoas marca a hora do 3° fuso horá-
rio, contado do meridiano de Greenwich. De ordem da Superin-
tendência da Navegação, a Capitania dos Portos deste Estado as-
sume a responsabilidade da exatidão da hora marcada pelo mes-
mo relógio, acertado diariamente ao meio dia", escreveu o co-

165
mandante Aníbal Amaral que informava sobre a responsabilidade
da Capitania dos Portos em ajustar as horas do Relógio.

Moacir Medeiros de Sant`Ana, em Efemérides Alagoanas,


Instituto Armon de Melo, 1992

RELÓGIO OFICIAL 2

Do Relógio Oficial, partiam os bondes elétricos da Compa-


nhia Alagoana de Trilhos Urbanos, conhecida como Catu. Os veí-
culos ligavam o centro de Maceió aos bairros do Trapiche da Bar-
ra, Bebedouro, Jaraguá e Bom Parto. O movimento constante dos
pesados veículos que chegavam e saíam fazia trepidar o relógio,
que, dizia-se, não regulava bem.

"Aquele espaço era uma espécie de catedral da cultura, era


o coração da cidade, onde as pessoas ficavam sabendo das notí-
cias, onde tinham livrarias e onde se reuniam também muitas pes-
soas para beber, conversar e também criar boatos contra o Go-
verno", conta o doutor em História e membro da Academia Brasi-
leira de História, Douglas Apratto Tenório.

Moacir Medeiros de Sant`Ana, em Efemérides Alagoanas,


Instituto Armon de Melo, 1992

166
RELATÓRIOS DE GRACILIANO 1

Os famosos relatórios de prestação de contas do nosso mai-


or romancista, Graciliano Ramos, quando era prefeito de Palmeira
dos Índios estão entre os grandes tesouros da memória dos grandes
escritos de Alagoas. Os documentos, escritos entre 1928 e 1930,
eram enviados para o então governador de Alagoas, Álvaro Paes.
Mais de 90 anos depois, os relatórios se transformaram em um atu-
alíssimo manual de boas práticas políticas. Neles, Graciliano des-
crevia suas atividades e comentava os problemas da cidade. Obser-
vem o que ele falou em um dos relatórios:

“Não empreguei rigores excessivos. Fiz apenas isto: extin-


gui favores largamente concedidos a pessoas que não precisavam
deles e pus termo às extorsões que afligiam os matutos de pequeno
valor, ordinariamente raspados, escorchados, esbrugados pelos
exatores (cobradores)”.
Com ironia, ele escreveu, no relatório sobre o ano de 1929,
acerca dos mais ricos do município:
“Bem comido, bem bebido, o pobre povo sofredor quer es-
colas, quer luz, quer estradas, quer higiene. É exigente e resmun-
gão. Como ninguém ignora que se não obtém de graça as coisas
exigidas, cada um dos membros desta respeitável classe acha que
os impostos devem ser pagos pelos outros”.

167
Textos reproduzidos do livro Relatórios de Graciliano Ra-
mos Publicados no Diário Oficial, Imprensa Graciliano Ramos,
2013

RELATÓRIOS DE GRACILIANO 2

Os relatórios levaram à edição de seu primeiro romance Ca-


etés. De linguagem apurada e criativa, a qualidade “literária” do
relatório era completamente inesperada em informes daquele tipo.
O texto e seu autor atraíram a atenção de uma seleta roda de litera-
tos do Rio de Janeiro, na época capital política e cultural do país. O
editor carioca Augusto Frederico Schmidt foi o primeiro a supor
que atrás daquele texto de teor administrativo se escondia um es-
critor. Schmidt teria escrito ou mandado dizer a Graciliano: “Envie
o romance!”. Assim, em 1933, foi publicado o romance Caetés,
obra de estréia de um dos maiores romancista brasileiros. Leia ou-
tros trechos escolhidos.

Relatório ao sr. governador Álvaro Paes

Pensei em construir um novo cemitério, pois o que temos


dentro em pouco será insuficiente, mas os trabalhos a que me
aventurei, necessários aos vivos, não me permitiram a execução de
uma obra, embora útil, prorrogável. Os mortos esperarão mais
algum tempo. São os munícipes que não reclamam.

168
A prefeitura foi intrujada quando, em 1920, aqui se firmou
um contrato para o fornecimento de luz. Apesar de ser o negócio
referente à claridade, julgo que assinaram aquilo às escuras. É um
bluff (blefe). Pagamos até a luz que a lua nos dá.

Textos reproduzidos do livro Relatórios de Graciliano Ra-


mos Publicados no Diário Oficial, Imprensa Graciliano Ramos,
2013

RENDA E BICO SINGELEZA

A técnica renda e o bico Singeleza têm um nome: o da Dona


Marinita (1925-2006). Ela tinha o saber deste raro bordado. A ala-
goana Maria do Carmo Nunes da Silva, nome de batismo da gran-
de mestra, é considerada patrimônio vivo da história pelo Instituto
do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), em virtude
de ser a única artesã do mundo que dominava e produzia o bico
Singeleza. Marinita era filha única e aprendeu a técnica com sua
mãe, dona Filó, e após a morte desta, ela se enclausurou em casa e
aperfeiçoou o bico. Em 2015, uma grande reviravolta mudou a
história de Marinita e seu bico Singeleza. Antropólogas da Univer-
sidade de La Basilicata, na Itália, após intensa pesquisa de campo,
constataram que a Singeleza era similar ao Puntino ad Ago, um
tipo de renda desenvolvido por uma associação de bordadeiras da
região Tasselo, na Itália. Após visitas aos dois locais em Alagoas e
na Itália, a Universidade de Basilicata e a Universidade Federal de

169
Alagoas se uniram para realizar novas pesquisas. Os estudos vão
embasar o pedido à Organização das Nações Unidas para a Edu-
cação, Ciência e Cultura (Unesco), para a inscrição da candidatura
conjunta da Singeleza alagoana e do bordado italiano Puntino co-
mo bens culturais da Humanidade.

“A renda singeleza é a graça de minha vida. Esqueço o tem-


po. A gente vai fazendo com que a vontade aumente e não pode
tirar a vista. Brincou com a verdade erra, perde o ponto. Aí entron-
cha tudo e o bordado perde o caminho”.

Dona Marinita, em Mestre Artesãos das Alagoas, 2ª edição


atualizada, Instituto Arnon de Mello, 2014

SURURU ALAGOANO 1

Em novembro de 2014, o Conselho Estadual de Cultura


aprovou, por unanimidade, o registro do Sururu como Bem Cultu-
ral de Natureza Imaterial. O pedido de registro como patrimônio
imaterial foi solicitado formalmente pelo professor da Universida-
de Estadual da Alagoas, Edson Bezerra, autor do livro Manifesto
Sururu: por uma antropofagia das coisas alagoanas. Para Edson
Bezerra, esta é uma conquista do povo alagoano, que possui uma
cultura rica e forte, e tem o sururu inserido no contexto histórico
do estado. “É uma vitória importante, porque o Sururu está inse-
rido em nossa cultura. Desde o tempo dos escravos que o molusco

170
é utilizado em iguarias. Apesar de ser encontrado em outros esta-
dos também, ele ficou mundialmente conhecido como prato típico
de Alagoas.

“Sururus existem em quase todas as lagoas do Brasil. Po-


rém os desta lagoa, devido às circunstâncias especiais explicadas
pelos naturalistas, como mistura de água do mar com águas dos
rios que deságuam na lagoa, e outras causas, tornam-se como que
degenerados, pequenos, gordinhos, gostosíssimos”.

Jorge de Lima, Calunga – 2ª edição 1943

"Esse negócio de patrimônio é interessante. Se tem a neces-


sidade de um emburguesamento. Tirou-se o sururu da pobreza e
deu-se a ele uma condição nobre, mas deixando o povo de ser vis-
to. Temos que ver que, no meio desse sururu bonito, que a gente
come, está sendo vendido a quanto? Quanto esse cara ganha por
mês para dar comida para o filho dele".

Sávio de Almeida, em Gazeta de Alagoas, O Patrimônio que


vem das margens, por Larissa Bastos

SURURU ALAGOANO 2

O sururu pode ser encontrado em toda costa marítima nor-


destina, mas na terra dos canais e das lagoas ele está incrustado no

171
cotidiano e no imaginário do povo alagoano, como uma velha cas-
ca de ostra pregada nos manguezais. Ele está em todos os lugares,
na poesia, na música, no teatro, no folclore e no prato dos viajantes
e da população local, como fator sobrevivência. Muito propriamen-
te algum poeta inaugurou um novo gentílico, o alagoano é uma
papa sururu. Djavan, em seu disco Alumbramento revelou o sururu
de capote (Eh sarará é sucuri/ Eh sarará de pratagi/eis o siri-de-
coral/ sururu na casca é capote), um modo peculiar de preparo,
servido na própria concha e cozido no leite de coco. Em texto pu-
blicado na revista Carioca de 17 de setembro de 1938, o jornalista
e escritor alagoano Valdemar Cavalcanti identificou a culinária
alagoana como “de uma humildade sem nome. Cozinha de pobre.
De sururu e caranguejo. De siri de coral. De peixe frito ou ensopa-
do. De feijão com carne seca ou bacalhau e farinha”. Uma verda-
deira pérola foi achada pelo historiador Egberto Ticianeli em uma
pesquisa de fôlego que publicou em seu blog. È o cotidiano do
pescador de Sururu da Levada, divulgada nos anos 1930 por um
jornal do Rio de Janeiro. Aqui em um trecho condensado:

“E a Levada acorda, num demorado espreguiçamento de


proletária extenuada… O caboclo salta, então, para as canoas. Os
varejões fincam-se no fundo das águas. As barcaças começam a
agitar as suas grandes asas de lona. Breve, nas duas Lagoas, no
Afoga Frade, no Canal dos Caroços, no Canal do Trapiche, no
Canal Grande, já estão deslizando as canoas esguias, velas ao
vento. É a hora da pesca. Uns à procura das “pitimboias“, previ-
amente fincadas no fundo da lagoa; muitos entregues à pescaria

172
comum; grande parte em demanda do sururu. Uma canoa esguei-
ra-se para um mangue. Aí o caboclo sentiu a presença do marisco.
E — nu da cintura para cima e apenas com um pano á guisa de
tanga —atira-se n’água. Quando a profundidade exige, mergulha.
A água abre um largo círculo de pequenas ondas… E, passados
uns instantes, o caboclo volta, trazendo uma pasta negra e lama-
centa, escorrendo água. É aí que se encontra o molusco, como o
ouro se encontra na ganga impura… A canoa vai se enchendo.
Não precisa muito tempo, porém, para o pescador, já bronzeado
pelo sol, dar-se por contente”.

Afonso de Carvalho, em O Sururu, publicado na Revista da


Semana de 29 de março de 1930

SINOS DE MACEIÓ

Em 1885, chegava a Maceió o sino fundido em Paris, com


37 arroubas. Quatro anos depois, 31 de dezembro de 1859, o sino
badalava para chamar os fiéis na inauguração da Matriz da Nossa
Senhora dos Prazeres (hoje a Catedral Metropolitana). Um fato
curioso sobre o sino é contado no livro as Igrejas de Maceió
(1987), do padre Ernani Méro. Enquanto o sacristão fazia dobrar o
sino, ele despencou sobre o piso da torre, seria uma espécie de
maldição em torno da briga entre irmandades que queriam ser as
responsáveis pelo sino. “O fato é que havia uma briga constante
entre a irmandade do Sacramento e a Confraria das Almas pela

173
posse do sino, todavia nenhuma delas entrou com um tostão”. Ho-
je, os sinos não tocam mais na Catedral, um sistema de som emite
os badalos. Quem olha para cima, está lá o sino parado. Não há
mais sinos com antigamente, veja na poesia de Ledo Ivo.

Os sinos de Maceió
Lêdo Ivo

Não escuto os sinos


que sempre escutei
quando era menino.

Não escuto os sinos


que anunciam a morte
na cidade morta.

De manhã à noite
os sinos tocavam
nas velhas igrejas.

Sinos do Rosário
e do Livramento
e da Catedral
sinos da alegria
da fé e tormento
perdidos no vento

174
sinos dos Martírios
que se irradiavam
pelo firmamento.

SEREIA DA PRAIA

A construção da escultura da Sereia em Riacho Doce foi du-


rante a gestão (1961-1966) do governador Luís Cavalcante, popu-
larmente conhecido como o “Major”. A sereia começou a ser cons-
truída em 1962 – hoje uma balzaquiana de 57 anos em pedra. A
escultura de quase quatro metros de altura é de autoria do artista
plástico pernambucano Corbiniano Lins, feita em concreto e ci-
mento parecendo estar surfando nas cristas das ondas. O local,
desde a construção da Sereia, que passou a ser conhecido como
Praia da Sereia, fica em Riacho Doce. Em datas como oito de de-
zembro, dia de Iemanjá, centenas de pessoas costumam jogar suas
oferendas. Quem acompanhou a construção da sereia de Riacho
Doce foi o engenheiro Vinícius Maia Nobre, que era diretor do
DER da época. Foi ele que deu a ideia de erguer a estátua nos arre-
cifes.

“Falei para o major que tinha uma sereia de bronze na en-


trada do porto de Copenhague (Holanda) e ele aceitou a idéia. Em
seguida discutimos os detalhes com o artista. Deveria ser feita em
partes, a estrutura oca seria presa às pedras com concreto, pri-
meiro sua cauda, em seguida encher-se-ia de concreto os vazios

175
para depois serem colocadas as outras partes, durante a maré
vazante”.

Depoimento de Vinícius Maia Nobre, no livro Arte em Ala-


goas, de Tânia de Maya Pedrosa – Grafitex 2004

TEATRO DEODORO 1

“O majestoso Theatro Deodoro de portas abertas para o po-


vo alagoano”. Era a manchete dos pasquins locais, em 15 de no-
vembro de 1910, na inauguração da nova casa de espetáculos, mar-
cando os 21 anos da Proclamação da República. Na ribalta come-
çavam as peças teatrais “O Dote”, de Arthur Azevedo, e o drama
“Um Beijo”, do alagoano J. Britto, apresentado pelos atores Lucil-
la Peres e Antônio Ramos. Mas um primeiro “castigo” se abateu
sobre a nobre missão da casa, de mostrar teatro, dança e música.
Mesmo sob protestos dos intelectuais da época, quatro anos depois
de inaugurado o salão nobre passou a ser local de exibição de fil-
mes, com a chegada da época de ouro do cinema mudo americano,
os chamados “embaixadores de Hollywood”. Mas os salões do
Teatro Deodoro terminaram mesmo como equipamentos de múlti-
plas funções em sua história. Foi sede da Biblioteca Pública, da
Câmara dos Vereadores de Maceió e até da Justiça Federal. Em seu
ambiente também aconteciam bailes oficiais da Intendência Muni-
cipal (hoje Prefeitura de Maceió) e os banquetes que o governo do
Estado oferecia aos presidentes da República, como foi o caso de

176
Nilo Peçanha e Washington Luiz. Em 1954, na temporada da
Companhia Eva Tudor, o Teatro Deodoro sofreu um incêndio no
palco, destruindo, naquela ocasião, o seu "pano de boca" original,
que retratava a cachoeira de Paulo Afonso, trabalho notável do
cenógrafo italiano Orestes Scercoelli, também responsável pela
pintura do Salão Nobre do Deodoro, alterada na reforma de 1975.
Em 1957, o Deodoro foi reinaugurado com apresentação do notá-
vel ator Rodolfo Mayer, que encenou o monólogo de Pedro Bloch,
"As Mãos de Eurídice".

TEATRO DEODORO 2

O arquiteto italiano Luiz Lucariny, famoso pela obra do Te-


atro Sete de Setembro, em Penedo, foi o artista que traçou as linhas
clássicas que formam o Teatro Deodoro que, pelo estilo inovador
de sua arquitetura, em estilo neoclássico com reflexos do barroco,
é considerado hoje um dos mais bonitos do Brasil. Pelo palco do
Deodoro passaram astros e estrelas que encantaram o mundo, co-
mo a diva do canto lírico Bidu Sayão, Itália Fausto, Clara Wass,
Carmem Miranda. A lista é extensa e de grande valor na história
do teatro brasileiro: Procópio Ferreira; Paschoal Carlos Magno e o
ator Paulo Autran. O teatro também revelou “pratas da casa” e a
formação do teatro alagoano em sua essência, criando mitos como
Linda Mascarenhas, além de uma vasta constelação de astros da
nossa terra: Anilda Leão, Neilda Cavalcante, Everaldo Moreira,
Luiza Dutra, Otávio Cabral, Homero Cavalcante, José Márcio,

177
Guimarães Passos, Romeu de Avelar, Dias Cabral, Sávio de Al-
meida, Ronaldo de Andrade, Homero Cavalcanti. O orgulho dos
alagoanos na ocasião era descrito pelo jornal Tribuna de Alagoas,
então em circulação:

“O Teatro Deodoro é um primor de bom gosto arquitetôni-


co. A frente construída em estilo jônico e renascença tem três lar-
gas portas envernizadas, que, junto com louvores coloridos e dou-
rados no alto do frontispício, produzem agradável efeito”.

TESOUROS DO MESTRE GRAÇA

Na casa onde morou o prefeito da cidade de Palmeira dos


índios, Graciliano Ramos, há muitas relíquias acerca da vida e da
obra de Graciliano, como sua máscara mortuária, feito pelo artista
Honório Peçanha, com a face de Graciliano ao lado, de seus perso-
nagens em Vidas Secas, o vaqueiro Fabiano, sua mulher Sinhá Vi-
tória, os dois meninos e a cachorra Baleia. Também fazem parte do
acervo edições raras das obras publicadas em países como a Ucrâ-
nia, textos datilografados e revisados por Graciliano à mão – há
controvérsias sobre o fato de que Graciliano não teria escrito seus
textos em máquinas, mas com lápis ou caneta tinteiro. No museu é
possível ler Jorge Amado, em um prefácio que escreveu para a
edição portuguesa de Vidas Secas, que retrata um belo perfil do
alagoano Graciliano Ramos, na visão do baiano.

178
“Esse homem seco e difícil, seco de carnes, econômico em
sua literatura da qual eliminou qualquer gordura, cuja amizade
era moeda de câmbio alto, reservada para alguns, que começou a
escrever já maduro (aos quarenta e poucos anos de idade) e que
morreu cedo, em plena força criadora. Esse Graciliano Ramos do
interior de Alagoas, com algo de senhor feudal e de cangaceiro
reivindicador, foi um dos homens mais doces e ternos que conheci,
e um dos mais fiéis amigos. A lealdade era sua virtude fundamen-
tal”.

Jorge Amado, no prefácio à edição portuguesa de Vidas Se-


cas. Acervo da Casa de Graciliano

TREM DA GWBR 1

Foi em um dos vagões da estrada de ferro da empresa ingle-


sa Great Western of Brazil Railway (GWBR), que Jorge de Lima
escreveu parte de seu romance Calunga. É de grande beleza literá-
ria o relato da viagem de Lula Bernardo, personagem de Calunga,
nos anos 1940, em das janelas do trem, na linha Recife-Bebedouro,
onde Lula desembarcou para as lutas contra Dodô, nos lamaçais da
lagoa Mundaú. As “estaçãozinhas” em que Lula parava ao longo
do trajeto tinham gente e paisagens reais: mocambos, praias, caju-
eiros, mangabeiras, cambuí, coco, peixe, manga, tarecos, louças de
barro “e até uvas”. Era o fim dos banguês, o fogo morto, a fome
rondando o Nordeste. Jorge de Lima captou essa realidade dentro

179
do trem, passando pelos vagões e observando a paisagem. Leia
trechos de Calunga.

“Lula achava um encanto novíssimo nas casinhas das mar-


gens, na população esperando o trem de domingo: caboclos, cai-
xeiros, meninas namoradeiras, cegos cantando, aleijados, ferimen-
tos com úlcera cheia de moscas, expondo a moléstia aos passagei-
ros para arranjar esmolas... toda aquela gente tinha história de
espoliação e tirania”.

“Entravam pelos vagões da primeira classe senhores de en-


genho, de chapéus do Chile, guarda-pós de fazenda clara, fuman-
do charutos fumegantes como os bueiros das fábricas... A segunda
classe era gozada; ia entupida, soldados de polícia que voltavam
das escaramuças de Lampião; matutos que iam embarcar aos ma-
gotes para as lavouras de São Paulo; mulheres-damas ratuinas, de
tamanco, vestido de cassa, barrigudas, malamanhadas. A segunda
classe é religiosa: compra gravuras de “padrim” Cícero... ora-
ções fortes, caixilhos com imagens de santo”.

Jorge de Lima, em Calunga, editora Alba – RJ – 1943, 2ª


edição

180
TREM DA GWBR 2

As linhas férreas da GWBR impressionaram tanto e causou


tanto rebuliço no então jovem poeta e escritor, que além de jogar
lenha em seu livro Calunga, lhe inspirou de tal maneira, que escre-
veu um de seus mais longos e lindos poemas, intitulado G.W.B.R.,
publicado em sua primeira antologia poética. Leia os versos inici-
ais do poema e os finais em grande estilo, com exclamações de
louvor àqueles trens e àqueles trlhos.

Vejo através da janela de meu trem


os domingos das cidadezinhas,
com meninas moças,
e caixeiros engomados que vêm olhar
os passageiros empoeirados dos vagons.

Esta estrada de ferro Great Western


feita de encomenda pra o Nordeste
é a mais pitoresca do universo,
com suas balduínas sonolentas
e seus carrinhos de caixa de fósforo marca olho
(...)

A cobra vai beber água.


Fernão Velho!
Bebedouro!

181
Maceió!
Great Western of Brazil railway
feita de encomenda para o Nordeste,
minha primeira viagem deslumbrada!
Ferrugem. Fumaça. Meus brinquedos. Pó.

Jorge de Lima, em G.W.B.R., Antologia Poética, Cosac


Naify, 2014

ZEPELIM PRATEADO

Uma foto em preto e branco, tirada pelo cônsul francês em


Alagoas, monsieur Marcel Girard, residente na Praça São Gonçalo,
mostra um belo zepelin prateado cortando o antigo farol da Jacu-
tinga. O jornalista Floriano Ivo relatou ter visto, em 1935, em ple-
na Intentona Comunista, um desses dirigíveis que teria baixado em
um campo improvisado no Tabuleiro, com a ajuda de soldados do
20º Batalhão de Caçadores segurando as cordas para desembarque
dos passageiros.

“Maceió não tinha campo adequado para estes maravilho-


sos engenhos voadores, mas todo mundo via passar pelos céus, em
várias oportunidades, pelas madrugadas e outras vezes em dia
claro, entre os idos de 1931 a 1935. Toda a cidade parava apon-
tando para cima, com mãos protegendo os olhos da claridade”.
Bráulio Leite Júnior, Histórias de Maceió, Edições Cataven-
to, 2000.

182
TERRA DAS MARAVILHAS

CÂNIONS DO VELHO CHICO 1

O Monumento Natural Federal do Rio São Francisco é uma


unidade de conservação brasileira de proteção integral da natureza
localizada na divisa entre os estados de Alagoas, Bahia e Sergipe,
com território distribuído pelos municípios de Canindé de São
Francisco (SE), Delmiro Gouveia, Olho d'Água do Casado e Pira-
nhas (AL), Paulo Afonso (BA). Grande parte dos 65 quilômetros
de cânions navegáveis fica do lado de Alagoas, principalmente nas
encostas de pedra de Delmiro Gouveia e Olho d´Água do Casado,
mas os embarques eram feitos regularmente pelo lado de Sergipe.
Agora, com o novo ancoradouro de Xingó, as partidas rumo ao
maravilhoso mundo dos paredões e ao já famoso Banho do Talha-
do, também é feito pelo lado alagoano. O cânion do Velho Chico é
considerado o de maior trecho navegável do mundo, podem ser
praticados os esportes náuticos e aéreos. As rochas que compõem
as margens do cânion também podem ser utilizadas para a prática
do rapel e da tirolesa. Dentro do complexo hidrelétrico da Chesf
(Companhia Hidrelétrica do São Francisco), também existe o tele-
férico, situado sobre o cânion, que é utilizado como base de susten-
tação para saltos de bungee-jump.

183
CÂNIONS DO VELHO CHICO 2

Trespassado pelos cânions do Rio São Francisco, o monu-


mento foi criado por decreto, emitido pela Presidência da Repúbli-
ca em 5 de junho de 2009, com uma área de aproximadamente 26,7
hectares. Sua administração é de responsabilidade do Instituto Chi-
co Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). A unida-
de era prevista como medida compensatória da construção da Usi-
na Hidrelétrica de Xingó. Segundo resolução do Conselho Nacio-
nal de Meio Ambiente (Conama), o licenciamento de uma obra de
grande porte como esta teria que ser compensada com a implanta-
ção de uma unidade de conservação de proteção integral. Além da
caatinga muito conservada, a região possui a maior formação de
cânions do Nordeste, com mais de cem metros. Dentro de seus
limites estão protegidos sítios arqueológicos importantes, que estão
hoje ameaçados pela exploração irregular.

CACHOEIRA DE PAULO AFONSO

Formada por diversas quedas d’água que se espalham pela


rocha como imensas cascatas, a Cachoeira de Paulo Afonso está
situada no Baixo São Francisco, entre Alagoas e Bahia, O abun-

184
dante volume de água cai sobre os “degraus” formando imensas
áreas de espumas que descem pela rocha a uma altura de cerca de
80 metros. Dentre as inúmeras quedas d’água, destaca-se a Cacho-
eira Véu da Noiva, que abriga lindas quedas d´água e paisagens
naturais indescritíveis. Com a construção das usinas, as águas que
formam a cachoeira foram represadas, permanecendo apenas em
pequeno volume, o que permite observar melhor o belo conjunto
de rochas polidas pelas águas durante milhares de anos. Em épocas
programadas, as comportas da barragem são abertas, num espetá-
culo de impressionante beleza. A cachoeira de Paulo Afonso en-
contra-se situada no centro geográfico das regiões mais pobres dos
Estados da Bahia, Alagoas, Sergipe e Pernambuco. Seu mais ilus-
tre visitante foi D. Pedro II, em 1859. O poeta alagoano Jorge de
Lima, descreveu a beleza da cachoeira e ainda falou de Delmiro, o
“cearense que desceu com uma turbina na mão” e transformou as
águas da cachoeira em energia elétrica para fazer funcionar a pri-
meira hidrelétrica nordestina.

E o rio, o grande rio como a alma do sertão


desce de Paulo Afonso com sete ataques de doido, e ruge,
e espuma, e bate e dorme lá embaixo
como um gigante que sofre de ataques de convulsão.

Cachoeira de Paulo Afonso !


A água está doida !
Até os peixinhos fogem dela !

185
Até as pedras estremecem !
Até D. Pedro II teve medo da cachoeira!
E o cearense desceu com uma turbina na mão.

Delmiro vê que o rio era o monge de Assis,


e viu que era preciso descruzar outra vez
os braços do santinho.

E os braços edificaram a caatinga,


iluminaram os capões,
e quando o mestiço inspirado pelo santo
ia fazer o milagre da multiplicação
e salvar o nordeste e remir o sertão,
o trabuco do irmão lobo calou o grito da raça
Miserere mei.
Deus, secundum magnam misericordiam

ILHA DO FERRO

Em Pão de Açúcar, no sertão de Alagoas, fica a famosa Ilha


do Ferro, coração da arte popular ribeirinha do Baixo São Francis-
co, um lugar místico e encantado, onde quase todos os homens e
mulheres do distrito já nascem artista, como um dom natural, uma
arte que parece ser genética, de pai para filho. Das mãos dos escul-
tores do paraíso da Ilha do Ferro, são talhadas as madeiras que se
transformam em bichos, bonecos, embarcações, pássaros, flores,

186
saídos do espírito da arte ribeirinha. O Velho Chico é dono de uma
abundância cultural, onde homens e mulheres buscam na natureza
o seu modo de fazer único, são escultores, bordadeiras, pintores,
cantores, contadores de história. Quem conta os “causos” na ilha
do é o artista popular Aberaldo Sandes, 50 anos.

“Comecei a trabalhar a madeira com 19 anos, mas antes


disso eu já fazia canoinha, pois a vida da gente era aqui no São
Francisco, brincando e se divertindo, não tinha televisão não tinha
nada. Aí a gente juntava dez a doze meninos e ia para o rio tomar
banho, mergulhar e fazer canoas em miniaturas. Minha inspiração
veio do Velho Chico. Os barcos que chegavam carregando o arroz
e até naveguei num deles. Vi chegar, em um belo dia, um navio de
guerra da Marinha, que veio distribuir alimentos na cidade”.

Aberaldo Sandes, em depoimentos à Revista Graciliano Ar-


te Popular, 2018

GRANDE BARREIRA DE CORAIS

O litoral Norte de Alagoas tem a guarda, compartilhada com


Pernambuco, da maior barreira de corais do Brasil e a segunda
maior do mundo, só perdendo para os Grandes Corais da Austrália.
São 130 km realçados pelo verde dos coqueiros e o azul intenso do
mar. A exuberância das piscinas naturais e biodiversidade da vida
marinha são atrações à parte e de uma beleza indescritível. A Área

187
de Proteção Ambiental Costa dos Corais, entre Pernambuco e Ala-
goas – foi criada em 1997 para proteger os recifes costeiros e ecos-
sistemas associados, além de fauna ameaçada de extinção como o
peixe-boi marinho. A área estende-se de Tamandaré em Pernam-
buco até Maceió, em Alagoas. Embaixo da água fica um dos mais
ricos e importantes ecossistemas do mundo, uma barreira de recife
de corais que se estende, próxima a costa alagoana.

HOTEL BELLA VISTA

O espetacular Hotel Bella Vista, que emoldurou a belle épo-


que de Maceió, nos anos 1930, não existe mais. Em seu lugar está
o esqueleto do prédio que seria a sede da Previdência, parado des-
de que se descobriu que o elevador não cabia no vão, entre outros
motivos de cálculo errado Mas o Bella Vista tinha, foi o primeiro
empreendimento do Centro de Maceió a ter um elevador, e um
grande salão de luxo para receber os viajantes. Projetado pelo ar-
quiteto alemão Guilherme Jagerfeld, o Bella Vista foi inaugurado
em 1923, quando o Centro de Maceió ainda vivia tempos de gla-
mour, e durou até 1963, quando foi demolido. Do velho e charmo-
so hotel só as fotos em preto e branco, com suas torres enrodilha-
das (em forma de sorvete na casquinha). O hotel tinha três andares,
com trinta metros de altura, ocupava uma área de 1,4 mil metros
quadrados, com 40 quartos do mais puro luxo, cinco terraços de
mosaico e mármore, balaustradas em alto relevo, uma jóia perdida
da arquitetura clássica alagoana. No livro Memórias, Discursos,

188
Artigos e Rimas, de A. C. Simões, há uma referência à existência
de um elevador no hotel, e que este seria o primeiro de Maceió a
utilizar tal recurso. Para se ter uma ideia da importância do hotel
na vida da capital, a posse do governador Costa Rego, em junho de
1924, ocorreu em suas dependências.

MARITUBA DO PEIXE

Nas margens do Velho Chico estão as terras bonitas dos ar-


rozais e das vegetações rasteiras, uma várzea chamada Marituba,
no litoral Sul de Alagoas, que recebe enchentes anuais, provocadas
pelos rios Piauí, Perucaba, Marituba e Camundongo. Os cordões
arenosos fizeram com que a região ficasse conhecida como panta-
nal alagoano. Duas usinas e um projeto de irrigação fazem cons-
tantes pressões e potencializam riscos. Mas a paisagem é inesque-
cível, à noite alguns jacarés são vistos pelos olhos acesos. A Vár-
zea da Marituba fica a 20 km de Penedo, uma das mais importantes
cidades históricas de Alagoas, distante, por sua vez, 160 km de
Maceió. Marituba é uma Área de Preservação Ambiental (APA),
desde 1988, e surpreende por sua biodiversidade imensa – um pa-
raíso para biólogos, pescadores e para aqueles que curtem a Natu-
reza em toda a sua plenitude. Flores de vários tipos e cores, seme-
lhantes à vitória-régia, pássaros, aves e peixes de várias espécies,
além de animais silvestres são encontrados no local. No povoado
Marituba do Peixe, situado na zona rural de Penedo, os habitantes

189
são pessoas simples e hospitaleiras, que ganham a vida como pes-
cadores e artesãos.

MAR VERMELHO

O clima frio com e as característica serranas, em uma tem-


peratura média entre 26 e 13 graus, rendeu a Mar Vermelho a de-
nominação de Suíça das Alagoas. A cidade avança no setor de tu-
rismo com a chegada de novas pousadas no chamado circuito do
frio, no Vale do Rio Paraíba. Com atitude de 636 metros, Mar
Vermellho é uma considerada uma boa opção também para auxili-
ar no tratamento de doenças respiratória, com atestam médicos
especialistas. Mas são as belezas locais de cidade interiorana, com
inúmeras fontes de águas minerais, cachoeiras, passeios a cavalo.
Uma bonita estátua de pedra do Cristo Redentor e o portal na en-
trada da cidade recebem vistantes de todas as partes do país. Todos
os anos, na estação chuvosa, entre junho o julho, é realizado o Fes-
tival de Inverno na cidade.

MUTUM-DE-ALAGOAS 1

O Mutum-de-Alagoas é uma das maravilhas de Alagoas,


mas de forma trágica ele não existe na natureza, só em viveiros de
reprodução. Depois de muitos anos sem registro da ave na Mata
Atlântica, seu habitat, três exemplares foram encontrados no muni-

190
cípio litorâneo de Roteiro. As aves foram criadas e reproduzidas
em cativeiro. O Mutum é uma das mais raras do planeta. É genui-
namente alagoana, específica do litoral Sul, e começou a desapare-
cer por causa do desmatamento na região para a plantação de cana-
de-açúcar. Isso aconteceu na década de 1980 e desde então alguns
estudiosos brasileiros têm se empenhado na reprodução da espécie
em cativeiro para que ela possa voltar ao seu habitat. Mutum, na
língua tupi, significa grande pássaro preto. A espécie foi relatada
pela primeira vez no Brasil pelo matemático e naturalista George
Marcgraff no século 17, que escreveu:

“Esta ave se amansa facilmente; gosta de se assentar em


um lugar alto como o pavão e sobe também as árvores. Sua carne
é muito boa”.

MUTUM-DAS-ALAGOAS 2

Os bons resultados na reprodução da espécie Mutum-de-


Alagoas já abrem novos espaços, e o melhor: todos vão poder ver
os mutuns nascidos em Alagoas de perto, no novo parque Pedro
Nardelli, na cidade de Rio Largo. Pedro Nardelli é um dos respon-
sáveis pelo salvamento do Mutum-de-Alagoas em um trabalho de
reprodução iniciado há mais de 20 anos. Em 1979, mesmo ano em
que a espécie entrou na lista de extinção de animais brasileiros, o
pesquisador iniciou o seu criatório com dois machos e três fêmeas

191
“O Mutum de Alagoas é uma das duas únicas aves no
mundo que só existem em cativeiro; a outra é a ararinha azul.
Também em todo o mundo, só existem duas espécies salvas a par-
tir de um trio: o gavião que ocorre nas Ilhas Seychelles, na África,
e o nosso mutum. Diante dessa raridade, me empenhei todos esses
anos para reintroduzir essa espécie na natureza”.

Fernando Pinto, presidente do Instituto para Preservação da


Mata Atlântica (IPMA)

ORQUÍDEA ALAGOANA

O médico e ambientalista alagoano Luiz de Araújo Pereira,


considerado um dos mais importantes orquidófilos no país, foi o
descobridor de uma nova espécie vegetal (orquídea) designada
Epidendrum alagoensis, planta considerada “nova para a ciência”.
O achado científico da nova planta está nos Anais do 14º Congres-
so da Sociedade de Botânica do Brasil, e divulgada em publicações
especializadas no Brasil, Alemanha e Japão. Dentre seus títulos
publicados sobre o mundo das orquidáceas estão os livros: Orquí-
deas de Alagoas (1981), Aditamento à Orquideologia Alagoana
(1982), Orquídea: Lenda e Poesia (1983) e Álbum das Orquídeas
de Alagoas (2000). Nos seus livros, Pereira fala também da impor-
tância de outra planta: a Cattleya Labiata, a rainha do Nordeste,
que tem em Alagoas seu maior celeiro, em virtude do clima perfei-

192
to para o cultivo dessa espécie, principalmente em Chã Preta, Mar
Vermelho e Maravilha. Aqui em Alagoas são 160 espécies.

“Há 30 anos, a Cattleya Labiata florescia na quaresma, en-


tre o Carnaval e a Semana Santa. Num conjunto de 200 pés desta
planta, sobre árvores ou em vasos, não temos lembrança de haver
contemplado flores, senão na época citada; pois bem, agora, o que
se vê, num cultivo em tudo idêntico àquele mais antigo: flores du-
rante todo o ano!”.

Luiz de Araújo Pereira, em Orquídeas de Alagoas – Sergasa


Maceió – 1981

PENEDO 1

Penedo é um relicário vivo a céu aberto, joia da arte barroca


brasileira, a mais antiga povoação do Baixo São Francisco. Uma
janela maravilhosa para contemplar o esplendor do Velho Chico,
suas águas verdes peroladas, as velas multicoloridas dos barcos e
os rochedos encravados nas margens, de onde vem seu nome Pe-
nedo, tu és pedra! A cidade impressiona pelo seu riquíssimo casa-
rio de padrão colonial, seu patrimônio histórico e cultural, constru-
ído por franceses, holandeses, portugueses, missionários francisca-
nos, índios, negros e bravos alagoanos. Povo de uma verve hospi-
taleira e gentil que vai desde os canoeiros, os beiradeiros, os pes-
cadores, os mestres artesãos até as tradicionais famílias, os barões

193
do açúcar, do arroz e da indústria têxtil. Chamada pelo escritor
Gilberto Freyre de a "Cidade dos Sobrados", Penedo viu surgir seu
atual cenário de belas igrejas e casarões entre finais do século 17 e
início do século 19. Entre as igrejas mais importantes estão o Con-
vento de São Francisco e as igrejas de Nossa Senhora dos Anjos e
Nossa Senhora da Corrente.

PENEDO 2

Penedo foi fundada pelo donatário da Capitania de Pernam-


buco, Duarte Coelho de Albuquerque, em 1560, como marco da
vitória portuguesa contra os índios caetés e da conquista definitiva
de todo o Baixo São Francisco. A cidade assim foi descrita por
Barbosa Lima Sobrinho, em seu livro Pernambuco e o São Fran-
cisco: "... com o sinal indicativo da conquista, levantou-se à mar-
gem do São Francisco a povoação do Penedo, o primeiro arraial
que as águas do rio banharam". Penedo é terra de combates, como
o levante dos povos malês e as grandes batalhas travadas entre por-
tugueses e holandeses. À frente das tropas vencedoras, foi o pró-
prio príncipe flamengo Maurício de Nassau em pessoa, que em
1637 escolheu o local da construção do seu forte, para vigiar o São
Francisco, a última fronteira Sul. Ele se apaixonou pela região e
pensou em trazer colonos e iniciar uma ocupação mais efetiva e
duradoura. Mas nada deu certo. Acometido pela malária, volta para
Recife, e algum tempo depois perde o domínio da cidade, e os por-
tugueses retomam Penedo. Uma bela história.

194
PIRANHAS

A cidade-presépio alagoana está encravada em um vale em


garganta, quando o Rio São Francisco se fecha, e modela o maravi-
lhoso relevo de Piranhas. Das águas é possível viver um êxtase,
diante da visão do casario multicolorido, da torre da velha estação
de trem, das escadarias que serpenteiam a montanha, do cemitério
bem ao fundo, e do lindo campo de futebol de grama verdinha,
cercado pelas pedras dos cânions. Neste belíssimo lugar, habitado
por índios desde sempre, nos tempos colossais do Rio São Francis-
co, havia peixes que devoravam homens e animais, deixando ape-
nas os esqueletos. Daí, que o nome da cidade, Piranhas, peixe vo-
raz que faz fama em toda a bacia do rio, foi colocado pelos índios,
que chamavam o local de “pira + ãi”, o peixe tesoura. Piranhas já
foi um corredor de produção e escoamento entre Pernambuco e
Bahia. Desde 1867, com a abertura das navegações no Velho Chi-
co, Piranhas se desenvolveu intensamente, e mais ainda com a
chegada da Estrada de Ferro de Paulo Afonso, inaugurada em
1882, por decreto real.

195
RUÍNAS DO MOSTEIRO

O sítio arqueológico da igreja e mosteiro de São Bento de


Maragogi faz parte do Patrimônio Cultural Nacional, protegido
pela Constituição Nacional, mas que continua sob a pressão de
fatores externos como a degradação de suas ruínas, e a ação de
vândalos. De acordo com o estudo feito pelo Instituto Histórico e
Geográfico Nacional (Iphan), a igreja e o mosteiro foram construí-
dos no século XVII. O primeiro registro de que se tem notícia da
edificação data de 1643, em mapa produzido por Georg Marcgraf,
cartógrafo e pintor alemão. Construída no alto do morro, a igreja
sempre foi uma referência religiosa para a comunidade, sendo ce-
nário de festas e cultos de santos católicos. Na década de 1970,
uma nova igreja foi construída mais próxima do litoral, onde hoje
fica o centro de São Bento. A partir dessa mudança, o local come-
çou a sofrer um forte processo de degradação, que em pouco tempo
se transformou em um conjunto de ruínas. São estas ruínas que
hoje fazem parte da visitação turística, onde do alto do morro po-
de-se contemplar uma das mais lindas paisagens do mar de Mara-
gogi. Durante os séculos XVII e XVIII a igreja e o mosteiro eram
habitados por padres beneditinos e a servir de abrigo para viajantes
católicos durante suas peregrinações entre o interior e o litoral. No
local foram enterrados alguns destes religiosos, o que torna ainda
mais misteriosa a história do convento.

196
RIO SÃO FRACISCO

O Velho Chico banha Alagoas a partir dos grandes cânions,


a Noroeste, nas encostas do município de Delmiro Gouveia, e ser-
penteia até o extremo Sul do Estado, onde deságua no Oceano
Atlântico, numa foz de delta. O trecho alagoano se divide em três
subvales: Alto, Médio e Baixo. O Alto Vale compreende o começo
do lago Moxotó, a partir da cachoeira de Paulo Afonso, até Pira-
nhas, na extensão do cânion de 62,5 km, e de Piranhas até Entre-
montes, na confluência com o rio Capiá. O Médio Vale tem 113,5
km de extensão, da confluência do Capiá, ao riacho do Sampaio,
de Pão Açúcar a São Braz. E o Baixo Vale compreende o extremo
Sul de Alagoas, quando o rio São Francisco chega ao Oceano
Atlântico. Os povos do Baixo têm a vida ligada ao rio, que habitam
as ilhas e barrancos de rios como o São Francisco. Esses povos
ribeirinhos observam as cheias que trazem peixes e renovação para
a vida. Eles cultivam o arroz, o milho, o feijão; e o sustento da
pesca, agricultura e criação de animais. Em Alagoas, os ribeirinhos
são os moradores do Baixo São Francisco, formado pelas cidades
de Penedo, São Braz, Igreja Nova, Belo Monte, Traipu, Pão de
Açúcar, Piranhas e Delmiro Gouveia.

“A energia do trabalhador da margem são as lagoas mar-


ginais. Sem cheias elas não enchem. Como território, as margens
deveriam estar na mão do povo ribeirinho para mudar a história.
Plantar o arroz ou outro tipo de legume. Mas o que acontece. Es-
tão plantando é cana”.

197
Antônio Gomes dos Santos, Seu Toinho, presidente da Fe-
deração dos Pescadores de Alagoas e membro do Movimento Na-
cional dos Pescadores, em Agência Alagoas, fevereiro de 2010

RIACHO DOCE DE ZÉ LINS

Riacho Doce inspirou o escritor paraibano José Lins do Re-


go, que viveu um bom tempo em Alagoas, a escrever um romance
ficcional com o mesmo nome desta praia, em uma trama sobre
uma tórrida paixão entre dois personagens, Eduarda e Nô, tendo
como cenário uma pacata vila de pescadores. Em 1990, a rede
Globo lança uma das primeiras minisséries, transportando o livro
de Zé Lins para a telinha. Vera Fischer e Carlos Alberto Richelli
foram os atores que deram vida ao casal, com as filmagens no ce-
nário original de Riacho Doce. O livro Riacho Doce de Zé Lins,
lançado em 1939, apesar de ser ficcional, lança nas suas páginas
uma história real, o drama do petróleo. “Num dia qualquer, quan-
do mal se esperasse, o óleo subiria para o céu com uma força da-
nada, e todos ficariam ricos”, pag 113. Em 1932, sete anos antes
do lançamento do livro, Alagoas foi destaque no país quando pela
primeira vez jorrou petróleo em Riacho Doce, no poço São João,
da Companhia de Petróleo Nacional, do pioneiro alagoano Edson
de Carvalho.

198
SÍTIOS ARQUEOLÓGICOS 1

Os sítios arqueológicos recuperados e expostos em museus


de alta tecnologia ou registrados, ao natural, em pinturas rupestres
ao longo de nove mil anos de ocupação humana na região do Bai-
xo São Francisco, estão transformando o Semiárido e toda a área
do bioma da Caatinga. A região vem atraindo, anualmente, milha-
res de turistas e investimentos de peso, com a criação de novos
museus e roteiros de turismo alternativo de história e de aventuras.
O Museu Arqueológico do Xingó (MAX), inaugurado em 2000, e
que hoje contabiliza mais de 55 mil peças arqueológicas, continua
a receber mais de 40 mil visitantes por ano, a maioria de estudantes
e pesquisadores. Localizado às margens do Rio São Francisco,
entre as eclusas da hidrelétrica de Xingó, o museu fica na con-
fluência das cidades de Canindé do São Francisco (SE) e Piranhas
(AL).

“O MAX é um dos principais e mais importantes centros


arqueológicos do país, que guarda todo o acervo da operação da
descoberta e do salvamento dos sítios pré-históricos da região,
antes das explosões para a construção da barragem da hidrelétri-
ca de Xingó, em 1985”.

Railda Nascimento Silva, mestre em Geografia e coordena-


dora do Museu, autora do livro “Sonhos em Pedra, estudos da Ca-
deia Operatória em Xingó”

199
SÍTIOS ARQUEOLÓGICOS 2

Desde 1950 os paredões graníticos são alvos da ação da po-


pulação, que quebrava o granito para a produção e venda de parale-
lepípedo e brita. Em 1985, iniciou-se outra operação de salvamento
e descobrimento de sítios pré-históricos da região, antes das explo-
sões para a construção da hidrelétrica de Xingó. Grande parte do
acervo salvo está no Museu de Arqueologia de Xingó (MAX), que
fica na própria usina, e é hoje um dos principais e mais importantes
centros arqueológicos do país.

“A construção da usina, a partir de 1988, levou a Universi-


dade Federal de Sergipe a desenvolver o projeto de salvamento
arqueológico na área que seria inundada pelo reservatório da
nova usina. Essa pesquisa permitiu vislumbrar a existência de uma
cultura xingoana na região a partir de nove mil anos até o presen-
te”.

Cleonice Vergne, coordenadora de Pesquisa Arqueológica


do MAX

SANTUÁRIO DO PEIXE BOI

No litoral Norte de Alagoas, em Porto de Pedra, fica o san-


tuário dos peixes-bois marinhos. Em maio de 2015, o Instituto
Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) inau-

200
gurou a nova base, que se estende em toda a Área de Proteção
Ambiental (APA) Costa dos Corais, maior unidade de conservação
da Marinha do Brasil. A base tem como principais finalidades am-
pliar as ações de proteção, conservação e manejo da biodiversidade
marinha na região; desenvolver as atividades de aclimatação, soltu-
ra e monitoramento de peixes-boi marinhos na natureza. O casal de
peixe-boi Astro e Lua foi o primeiro a mergulhar no mar das Ala-
goas, depois de passar por ações de proteção, aclimatação e soltu-
ra. Eles saltaram das lonas plásticas que o levavam e mergulharam
no mar de Porto de Pedra, e vivem até hoje entre grandes estuários
de rios, ou na faixa litorânea mais próxima do litoral. A espécie é
considerada criticamente ameaçada de extinção no Brasil. Estima-
se que existam apenas 500 indivíduos. No estado, a pesca predató-
ria, a poluição e a destruição dos manguezais, estão empurrando
peixe-boi para a sua extinção

SERRA DA BARRIGA

O Parque Memorial Quilombo dos Palmares foi tombado


em 1986, incide sobre a parte mais alta (o topo) da serra que abri-
gou, no século XVII, o Quilombo dos Palmares e seu principal
líder, Zumbi. O Parque foi implantado em 2007, em um platô (área
plana) do alto da Serra da Barriga. O local recria o ambiente da
República dos Palmares – o maior, mais duradouro e mais organi-
zado quilombo já implantado nas Américas. Em tamanho natural,
foram reconstituídas algumas das mais significativas edificações

201
do Quilombo dos Palmares. Com paredes de pau-a-pique, cobertu-
ra vegetal e inscrições em banto e yorubá, avista-se o Onjó de fari-
nha (Casa de farinha), Onjó Cruzambê (Casa do Campo Santo),
Oxile das ervas (Terreiro das ervas), Ocas indígenas e Muxima de
Palmares (Coração de Palmares). O poeta alagoano Jorge de Lima,
eternizou a Serra.

Serra da Barriga
Jorge de Lima

Serra da Barriga!
Barriga de negra-mina!
As outras montanhas se cobrem de neve,
de noiva, de nuvem, de verde!
E tu, de Loanda, de panos-da-costa,
de argolas, de contas, de quilombos!

Serra da Barriga!
Te vejo da casa em que nasci.
Que medo danado de negro fujão!

Serra da Barriga, buchuda, redonda,


de jeito de mama, de anca, de ventre de negra!

Mundaú te lambeu! Mundaú te lambeu!


Cadê teus bumbuns, teus sambas, teus jongos?

202
Serra da Barriga,
Serra da Barriga, as tuas noites de mandinga,
cheirando a maconha, cheirando a liamba?
Os teus meio-dias: tibum nos peraus!
Tibum nas lagoas!

Pixains que saem secos, cobrindo


sovacos de sucupira,
barrigas de baraúna!

Mundaú te lambeu! Mundaú te lambeu!


De noite: tantãs, curros-curros
e bumbas, batuques e baques!
E bumbas!
E cucas: ô ô!
E bantos: ê ê
Aqui não há cangas, nem troncos, nem banzos!
Aqui é Zumbi!

Barriga da África! Serra da minha terra!


Te vejo bulindo, mexendo, gozando Zumbi!
Depois, minha serra, tu desabando, caindo,
levando nos braços Zumbi!

Jorge de Lima, Serra da Barriga, em Poemas Negros de


1947

203
SERRA DOIS IRMÃOS

A serra dos Dois Irmãos é o ponto culminante do município


de Viçosa, atingindo cerca de 400 metros de altura, e sua impor-
tância é histórica: Foi o último refúgio do Tigre dos Palmares, o rei
negro Zumbi, instituído como herói brasileiro, a exemplo de Tira-
dentes. Seu nome deriva de seus cabeços mais importantes – os
Dois Irmãos - separados entre si pela cachoeira do rio Paraíba e
que se situam na divisa entre os municípios de Viçosa e Cajueiro.
O historiador Alfredo Brandão criou, em 1900, uma bela “estória”
para “explicar” a gênese dos Dois Irmãos – a lenda de Inhamunhá,
a meiga e sedutora iara que teria cometido o suicídio (convertendo-
se após a morte na cachoeira do Paraíba) para evitar o combate de
morte entre os irmãos guerreiros e indígenas Pirauê e Pirauá, dese-
josos de desposá-la. Enlouquecidos com o trágico desaparecimento
da pretendida, os dois irmãos, possuídos por infinita melancolia,
acabaram por transformar-se em gigantescas pedras que são hoje a
serra dos Dois Irmãos. O certo e indiscutível é que a serra dos Dois
Irmãos serviu de refúgio e esconderijo para o herói Zumbi e seus
seguidores, fato este comprovado através de minuciosas pesquisas
empreendidas por Alfredo Brandão e constantes em seu livro Vi-
çosa de Alagoas. Ou nas palavras do historiador:

204
“Não é de admirar que o Zumbi se tivesse refugiado a prin-
cípio no Sabalangá e mais tarde na serra que lhe fica próxima – a
serra dos Dois Irmãos – a qual, por causa dos seus desfiladeiros,
seus penhascos abruptos e suas gargantas profundas, por uma das
quais se precipita o Paraíba, poderia oferecer todas as condições
de estratégia e resistência”.

Alfredo Brandão, em Viçosa das Alagoas, publicado em


1914

SERRA TALHADA

A Reserva Biológica Federal de Pedra Talhada – que man-


tém a guarda dos últimos remanescente da Mata Atlântica alagoana
– tem 50 km quadrados de área e fica entre os municípios de Que-
brangulo, Chã Preta, Lagoa do Ouro e Correntes (Estados de Ala-
goas e de Pernambuco). O clima de Pedra Talhada é marcado por
duas estações: uma estação seca, de setembro a fevereiro, e uma
estação chuvosa, de março a agosto. A riqueza de espécies, tanto
animal quanto vegetal, deve-se, principalmente, a três fatores de-
terminantes: O tipo de relevo, que permite a diversidade da flora e
da fauna, com uma variação de altitude de mais de 900 metros en-
tre o fundo dos valões e o topo rochoso. A localização geográfica
fica no ponto de convergência de três ecossistemas florestais: Mata
Atlântica, Cerrado e Caatinga. A abundância de água fornecida

205
pelas 165 nascentes que formam inúmeros riachos e brejos do topo
da montanha até nas pastagens do entorno.

Para saber mais sobre a Reserva leia o livro Biodiversidade


da Reserva Biológica de Pedra Talhada, 2016, de autoria do en-
genheiro agrônomo alagoano Rodrigo Guimarães e do suíço Louis
Nusbaumer. O livro é resultado do levantamento de 30 anos de
pesquisadores brasileiros, americanos, holandeses, suíços, mexi-
canos e franceses na região de Pedra Talhada. São 2.500 fotos,
artigos de 74 cientistas internacionais, sobre a importância da
reserva em áreas como flores e vegetações, biótipos, e toda a fau-
na e flora locais

206
TERRA DE GUERREIROS

HERÓIS DO PETRÓLEO

A história dos heróis alagoanos do petróleo começa no sécu-


lo XIX, no distrito de Riacho Doce, quando surgem os pioneiros da
prospecção, o geólogo alemão José Bach, o aviador Paulo Martins
e o engenheiro Edson de Carvalho. A história envolve boicote do
governo Getúlio Vargas em favorecimento às multinacionais do
óleo; a morte insolúvel de um estrangeiro em Alagoas, e o fim Do
campo de petróleo em Riacho Doce, onde jorrou pela primeira vez.
Dois livros são essenciais para conhecer esta história: O Drama da
Descoberta do Petróleo (1958), de Edson de Carvalho, e o Escân-
dalo do Petróleo (1959), de Monteiro Lobato. O livro de Lobato é
um libelo em favor da luta dos alagoanos pelo Petróleo, chegou a
ter sua venda proibida pelo governo Vargas, pelo seu conteúdo
explosivo e denunciante.

A misteriosa morte de Bach

José Bach, um incompreendido sábio alemão que o destino


fez encalhar em Alagoas, levou 13 anos a estudar aquele trecho da
costa nordestina e a fazer levantamentos geológicos. Com base
nesses estudos, proclamou a tremenda riqueza oleira do Riacho
Doce: “Há aqui petróleo para abastecer o mundo”, dizia sempre.
E formou uma modesta empresa. Súbito, morre afogado. Ao atra-

207
vessar um braço da lagoa Mundaú, conduzido por um canoeiro que
não era o habitual, a embarcação revira e o pobre sábio perece.

“O canoeiro limitou-se a um banho. Dias antes, a 26 de


agosto de 1918, havia Bach enviado ao chefe da polícia o seguinte
apelo: `Exmo. Sr. Achando-me com minha família residindo em
Garça Torta, onde exerço as funções de diretor técnico da Empre-
sa de Minas Petrolíferas, e achando-me sem garantias pessoais e
materiais, venho solicitar a V. Ex. as necessárias providências,
afim de que sem receio possa aqui residir e exercer minhas fun-
ções”.

Monteiro Lobato, em O Escândalo do Petróleo e Ferro, edi-


tora Brasiliense, 1959, exemplar original numerado 132

Outro mártir: o herói aviador

O desaparecimento de Bach retardou muitos anos a mobili-


zação do petróleo em Riacho Doce. Mais tarde, um senhor de Ma-
ceió adquire da viúva de Bach os direitos sobre os estudos e os
projetos do geólogo, e associasse ao aviador cearense Euclides
Pinto Martins, um herói nacional dos anos 1920, quando fez a pri-
meira viagem aérea dos Estados Unidos ao Brasil. Pinto Martins
(hoje nome do aeroporto internacional de Fortaleza) já era famoso,
quando após ao famoso "raid" entrou no negócio do petróleo em
Alagoas. Ele foi encontrado morto em seu quarto com um tiro na
cabeça, em um episódio até hoje insolúvel, em 12 de abril de 1924.

208
“O povo o aclamou como herói nacional, O Congresso
concede-lhe um prêmio de 200 contos, que ele não chegou a rece-
ber. Suicida-se antes disso em um quarto de hotel, sem que nin-
guém compreendesse semelhante tragédia. Era o petróleo. Na vés-
pera do “suicídio” Pinto Martins havia telegrafado ao seu sócio
em Maceió: ´Negócio fechado; assinarei contrato dentro de três
dias`. A sua papelada – mapas, relatórios e mais os estudos de
José Bach em seu poder – tudo desapareceu do hotel”.

Monteiro Lobato, em O Escândalo do Petróleo e Ferro, edi-


tora Brasiliense, 1959, exemplar original numerado 132

Pioneiro morre pobre

Dois meses depois da morte de Pinto Martins, ainda segun-


do o relato de Monteiro Lobato, descobre-se em Recife que “dois
caribes andavam aliciando capangas para uma ´caçada de gente`
em Riacho Doce. A chefatura da polícia em Alagoas é informada
de que a vida de Edson de Carvalho corria perigo. A polícia monta
guarda à casa do pioneiro e à sonda. O golpe falha, e o nome do
terceiro mártir fica em branco”. Edson Martins sobreviveu, mas
morreu pobre. Ele descreveu toda sua epopéia no livro O Drama da
descoberta do Petróleo Brasileiro (1958). Edson narra como fun-
dou a empresa Companhia de Petróleo Nacional, tendo com sócio
o próprio Monteiro Lobato.

209
“Começam as perfurações, o então Departamento Nacional
de Produção Mineral abre campanha contra a empresa. Recorre à
imprensa. Procura desmoralizar os pioneiros. Assaca-lhes as mai-
ores infâmias. Nada consegue. Em 1932, o poço São João, em Ri-
acho Doce, com 250 metros de perfuração, irrompe com um fortís-
simo jato de gás de petróleo. Tinha vencido!”.

O Drama da descoberta do Petróleo brasileiro, de Edson


Carvalho, Imprensa Oficial Graciliano Ramos – 2010, coleção
Pensar Alagoas.

Um rebelde do petróleo

Em 1939, morria o poeta, jornalista, advogado e deputado


federal alagoano Emílio Elizeu de Maya, autor do relevante O Bra-
sil e o Drama do Petróleo (José Olympio: Rio de Janeiro, 1938),
que por muito tempo foi usado como bandeira nacionalista pelos
que defendiam o petróleo brasileiro. “Sua posição em relação ao
petróleo, ainda nos idos do fim da década de trinta, criou especula-
ções”, lembraria muitos anos depois o ex-governador Divaldo Su-
ruagy. “Seria Emílio um fanático radical de esquerda? Buscamos
ainda em (José Fernando de) Maya Pedrosa a resposta a tais inda-
gações: Nem fanático, nem visionário, nem utópico. Emílio de
Maya foi, na verdade, um democrata autêntico, que levou ao deba-
te público, através do livro, as posições assumidas na Câmara dos
Deputados”.

210
“A singularidade de Emílio de Maya (além de ser um pre-
cursor de atitudes) consiste na rebeldia orgânica, pacata, de ope-
rar resoluções sem derramamento de sangue e em acompanhar a
marcha do progresso sem renegar a liberdade do homem – condi-
ção essencial para a vida de qualquer homem de qualquer raça”

Por Breno Accioly (1921-1966), escritor alagoano

Petrobras não reconhece pioneiros

O engenheiro Vinícius Maia Nobre, na apresentação que faz


do livro de Edson Carvalho, em edição fac-símile lançada em
2010, pela Imprensa Oficial Graciliano Ramos, afirmava que a
Petrobras, estranhamente, não reconhecera o trabalho do engenhei-
ro Edson Carvalho em busca do petróleo. “Cabe a nós, brasileiros,
lendo este livro, enaltecer essa figura heróica de nossa história”.
Já o jornalista Bartolomeu Dresch, que ganhou prêmios nacionais
ao fazer reportagens sobre o assunto, também passou por dificul-
dades pela falta de dados, de fontes e da má vontade das autorida-
des. Foi quando conheceu Vicentina Alves de Oliveira, viúva de
Edson.

“Em determinado dia, no entanto, adentra na redação do


Jornal de Alagoas, com um bau debaixo do braço, uma senhora
baixinha, cara e jeito de guerreira. Era Vicentina Alves de Olivei-
ra, viúva de Edson de Carvalho, que levava seus pertences pesso-
ais. Foram dez reportagens especiais, com direito a ameaças,

211
prêmios, e reconhecimento na Câmara Federal e Assembleia Le-
gislativa, e repercussão em toda a imprensa nacional. A Petrobras
resolveu abrir seus arquivos a respeito das explorações petrolífe-
ras desenvolvidas em Riacho Doce. Novos estudos foram progra-
mados. Seguiram-se diversas outras publicações”.

Bartolomeu Dresch, na apresentação do livro O Drama da


descoberta do Petróleo brasileiro, de Edson Carvalho, Imprensa
Oficial Graciliano Ramos – 2010, coleção Pensar Alagoas.

JANGADEIROS: SAGA DE HERÓIS

Os jangadeiros alagoanos Umbelino José dos Santos, com


45 anos e mestre da embarcação, natural de Passo de Camaragibe;
Joaquim Faustilino de Sant’Ana (41), de Barra de São Miguel;
Eugênio Antônio de Oliveira (25) e Pedro Ganhado da Silva (36),
de Coruripe, são verdadeiros heróis esquecidos em sua terra. Muito
mais que a homenagem que receberam ao ganhar o nome de uma
importante rua no bairro da Pajuçara, em Maceió, eles hoje deveri-
am estar no panteão dos grandes heróis e dos grandes feitos de
Alagoas, e do Brasil. Em 1922, o grupo partiu de Maceió na pe-
quena jangada de seis paus, chamada Independência – uma home-
nagem à esta efeméride brasileira – e, após percorrerem em linha
reta mais de 1.100 milhas, o equivalente a aproximadamente dez
mil milhas, e 98 dias de viagem, os tripulantes desembarcam no

212
cais do Arsenal de Marinha, no Rio de Janeiro, quando foram re-
cebidos pelo presidente da República Arthur Bernardes.

“A ousada viagem fazia parte de uma série de homenagens


que várias Colônias de Pescadores realizaram como contribuição
aos festejos do Centenário da Independência do Brasil, que acon-
teciam na então capital federal, o Rio de Janeiro. Vários estados
brasileiros enviaram embarcações, mas poucas navegaram por
todo o trajeto e nenhuma teve a ousadia de utilizar uma frágil jan-
gada. A ideia desta homenagem partiu de Homero Galvão, presi-
dente da Colônia Cooperativa dos Pescadores Almirante Jace-
guay, que conseguiu a autorização do capitão dos Portos Antônio
Viera Lima e do governador do Estado Fernandes Lima”.

Por Moacir Medeiros de Sant’ana, em Efemérides Alagoa-


nas; com os jornais A Noite, O Paiz e Jornal do Recife.

Jangadeiros: a odisséia

Na tarde de 1º de setembro, a jangada Independência foi vis-


ta passando pela barra do Rio São Francisco, entrando no litoral
sergipano. Cinco dias depois passou pela capital baiana, cumprin-
do o planejado e mantendo a possibilidade de chegar ao seu desti-
no. Entretanto, a partir de Salvador os navegantes passaram a en-
frentar mal tempo. Um temporal na costa baiana lançou todos ao
mar, onde perderam suas provisões, roupas e a vela. A nado, os
pescadores rebocaram a jangada até à praia, quando foram bem

213
recebidos pela população.Informado da situação, o governador da
Bahia, José Joaquim Seabra, telegrafou para o intendente do muni-
cípio e recomendou que proporcionasse “tudo quanto for preciso
para que os mesmos possam concluir o seu percurso oceânico”.

“Eles ingressaram na Baía da Guanabara somente no dia 2


de dezembro. Na capital federal, acompanhados pela jangada
transportada em um caminhão, foram levados pelo presidente da
Confederação dos Pescadores do Brasil, Paulo Vianna, até o Palá-
cio do Catete onde foram recebidos pelo presidente da República
Arthur Bernardes”.

Por Moacir Medeiros de Sant’ana, em Efemérides Alagoa-


nas; com os jornais A Noite, O Paiz e Jornal do Recife.

Jangadeiros: volta de navio

Após deixarem a jangada no Rio de Janeiro, que foi ofereci-


da ao Museu Histórico Nacional, os jangadeiros voltaram a Maceió
a bordo do vapor Santos, do Lloyd Brasileiro. Já dentro da enseada
de Jaraguá, às 8 horas da manhã do dia 21 de dezembro, foram
recebidos por flotilhas de jangadas floridas, de canoas embandei-
radas — vindas das lagoas Mundaú e Manguaba — dos saveiros,
de onde soltavam foguetes, — cujo espocar juntava-se ao som dos
apitos das lanchas e dos navios fundeados no porto — de lanchas
repletas de famílias, de rebocadores levando a reboque lanchões
com o pessoal da estiva que levantava seguidos vivas aos bravos

214
nautas que retornavam. Os jangadeiros estavam cobertos de flores
e vestiam uniformes de reservistas da Marinha de Guerra, de cor
azul ferrete, e exibiam as medalhas de ouro a eles concedidas pela
colônia alagoana na Bahia.

“As homenagens continuaram com a construção de um mo-


numento na Praia da Pajuçara, inaugurado no dia 11 de junho de
1923, e que hoje não mais existe. Outra homenagem foi proposta
pelo deputado Costa Rego, que solicitou ao governador a cunha-
gem de sete medalhas de ouro na Casa da Moeda para lembrar o
feito e homenagear os intrépidos jangadeiros”.

Por Moacir Medeiros de Sant’ana, em Efemérides Alagoa-


nas; com os jornais A Noite, O Paiz e Jornal do Recife.

MORTOS PELA DITADURA

Seis alagoanos, e um destino em comum: foram presos, tor-


turados, censurados e mortos pela ditadura militar, que durou de
1964 até o final dos anos 1980. Considerados pelos militares como
"inimigos do Estado", eles foram vítimas do terror institucionali-
zado e não tiveram a mesma sorte de outras centenas de milhares
de militantes que foram beneficiados pela Lei da Anistia, em 1979.
Essa "operação caça às bruxas" deixou famílias inteiras aflitas,
traduzida em dor, sofrimento e a brutal violação dos mais elemen-

215
tares direitos humanos. Estes são os alagoanos corajosos militantes
que deram a vida pela democracia.

Luiz de Almeida Araújo. Nasceu em Anadia, em 27 de agos-


to de 1942. Em 1957 estava em São Paulo, com sua mãe e irmãos,
onde começou trabalhando como office-boy. Através do movimen-
to estudantil conseguiu ser chefe da organização Ação Libertado-
ra Nacional (ALN). Em 68, viajou para Cuba, de onde voltou em
70, já na clandestinidade. Em uma de suas prisões, em 24 de junho
de 71, Luiz Araújo, nunca mais foi visto. Antes de ser trucidado,
foi obrigado a assistir a uma sessão de espancamento, em plena
Avenida Angélica, no coração de São Paulo, de sua companheira
Mércia de Almeida, grávida de seu filho. Foi morto aos 29 anos.

Gastone Lúcia Beltrão. Nasceu em Coruripe, em 12 de ja-


neiro de 1950. Tinha temperamento calmo e doce. Estudou nos
colégios Imaculada Conceição, Moreira e Silva, mas fez segundo
grau no Rio de Janeiro, onde entrou para o movimento estudantil.
Em 68, fez vestibular de Economia na Universidade Federal de
Alagoas (UFAL). Em 69, viajou para a Europa e Cuba. Na ilha,
recebeu treinamento militar de guerrilha. Esteve no Chile, de onde
voltou na clandestinidade ao Brasil. Militava na Ação Libertado-
ra Nacional (ALN). Em janeiro de 1972, cinco anos antes da Anis-
tia, em uma emboscada preparada pelo delegado Sérgio Paranhos
Fleury, Lúcia foi sumariamente metralhada ao reagir à voz de
prisão, no centro de São Paulo: tinha 22 anos.

216
Manoel Lisboa de Moura. Nasceu em Maceió, em 27 de fe-
vereiro de 1944. Iniciou sua atividade política logo jovem, no mo-
vimento estudantil do Colégio Liceu Alagoano (Colégio Estadual
de Alagoas), foi membro da União dos Estudantes Secundaristas
(UESA) e participou do Movimento Popular de Cultura. Militou
na Juventude Comunista, no PCB e no PC do B. Em 64, era estu-
dante de medicina da UFAL, quando teve sua casa invadida por
policiais e teve que fugir para Recife e depois para o Rio. Fundou
o Partido Comunista Revolucionário (PCR). Em 1973, foi visto
com vida por mais de dez dias nas celas do IV Exército, em Recife.
Foi transferido para São Paulo, onde continuou sofrendo torturas.
Em setembro desse mesmo ano, o governo paulista informava a
morte oficial de Manoel Lisboa, em um tiroteio no bairro da Mo-
ema, com 29 anos. Existem versões de que Manoel Lisboa tenha
sido morto nas celas do IV Exército, por tortura.

Odijas Carvalho de Souza. Nasceu em Atalaia, em 21 de ou-


tubro de 1945. Estudante de agronomia da Universidade Rural de
Pernambuco, ele militou no Partido Comunista Revolucionário
(PCBR). E, em janeiro de 71, junto com a estudante Lilian Guedes,
foram presos na praia de Maria Farinha, em Paulista (PE). Leva-
dos ao Dops e torturados barbaramente, Odijas não escapou. De-
pois da sessão de tortura foi recolhido ao hospital militar do Reci-
fe, com retenção de urina, vomitando sangue, ossos fraturados e
ruptura de rins, baço e fígado. Ele morreu em fevereiro, aos 25
anos. No atestado de óbito falava em embolia. Foi enterrado com
o nome de Osias, o que dificultou na identificação do corpo.

217
José Dalmo Guimarães Lins. Nasceu em Maceió, março de
1933. Estudou no Colégio Marista e entrou para o PCB ainda
adolescente. Trabalhava como representante comercial. Entre 62 e
63 esteve em Cuba, na União Soviética, onde cursou Ciências Po-
líticas. José Dalmo volta Maceió e integra-se à executiva estadual
do PCB. Ficou algum tempo em Alagoas, cursou Direito, mas foi
expulso, acusado de subversão. Em 67, seu apartamento foi inva-
dido pela polícia e Dalmo levado ao DOI-CODI. Dalmo foi obri-
gado a assistir sessões de torturas em sua mulher. Depois desse
episódio ficou distante e não conseguiu recuperar o trauma. No
dia 11 de fevereiro de 1971, Dalmo pôs fim a sua agonia jogando-
se do sexto andar do prédio onde morava, no Leblon. Tinha 37
anos.

Jaime Amorim de Miranda. Nasceu em Maceió, 18 de julho,


dirigiu a Voz do Povo - órgãos oficial do PCB - que circulava em
Alagoas desde 1947, até ser fechado pelo golpe militar de 64.
Sempre ligado aos movimentos populares, foi preso diversas vezes,
uma em 1964 e cassado, como jornalista profissional do Rio de
Janeiro, onde trabalhou em redações e traduções - falava fluente-
mente o francês e o inglês.

Perfis extraídos do Documento da Comissão Mista do Con-


gresso Nacional sobre a Anistia e depoimento de familiares e do
livro Dos filhos deste solo, de Nilmário Miranda e Carlos Tibúrcio,
editora Boitempo – 1999

218
TEOTONIO: DIRETAS JÁ!

O nome Teotônio tem origem grega e significa popular, que


vem do povo. Não poderia ser a maneira mais apropriada para o
casal Elias Brandão Vilela, o capitão Sinhô, e Isabel Brandão Vile-
la, a dona Bilinha, batizar o sétimo dos seus 10 filhos. Nascido há
100 anos, em Viçosa, no interior alagoano, a figura e os ideais de
Teotônio Vilela (1917-1983) estão mais vivos do que nunca não só
pela celebração de seu centenário, mas pela força de seu nome
quando se fala em democracia, em movimentos por eleições dire-
tas.

"Ele foi o grande detonador das Diretas Já. Quase sempre


falava no assunto em palestras para públicos mais restritos. Teo-
tônio morreu em novembro de 1983 e a campanha das diretas co-
meçou pra valer no início de 1984, mas ele era sempre lembrado e
citado. Teotônio Vilela seria absolutamente vital neste atual cená-
rio do país".

Por Carlos Marchi, jornalista e autor do livro Senhor Repú-


blica – A vida aventurosa de Teotônio Vilela, Editora Record, em
entrevista a Ana Clara Brant, no jornal Estado de Minas, em
28/05/2017

219
Teotônio: a canção do peregrino

Marchi foi repórter em Brasília durante as décadas de 1970


e 1980 e além de ter convivido com o político de Alagoas foi ami-
go pessoal dele. A relação próxima é anunciada já nas primeiras
páginas da obra. Em uma tarde de 1983 sem grande movimento e
sem notícias nos corredores do Senado, o jornalista foi surpreendi-
do: "Por onde você vai, cabra? Vem comigo pra ver uma coisa
bonita", convocou o então senador. Era a gravação em estúdio da
música Menestrel das Alagoas, composição de Milton Nascimento
e Fernando Brant em homenagem a Teotônio Vilela, que se tornou
um hit nacional na voz de Fafá de Belém.

Menestrel das Alagoas


Milton Nascimento e Farnandoi Brant

Quem é esse viajante


Quem é esse menestrel
Que espalha esperança
E transforma sal em mel?
Quem é esse saltimbanco
Falando em rebelião
Como quem fala de amores
Para a moça do portão?
Quem é esse que penetra
No fundo do pantanal
Como quem vai manhãzinha

220
Buscar fruta no quintal?
Quem é esse que conhece
Alagoas e Gerais
E fala a língua do povo
Como ninguém fala mais?
Quem é esse?
De quem essa ira santa
Essa saúde civil
Que tocando a ferida
Redescobre o Brasil?
Quem é esse peregrino
Que caminha sem parar?
Quem é esse meu poeta
Que ninguém pode calar?
Quem é esse?

Teotônio Vilela e a luta armada

Teotônio Brandão Vilela foi empresário, escritor e político


brasileiro, em mandatos de deputado estadual, vice-governador e
senador por Alagoas. Teotônio, com seu cajado e chapéu preto,
retratado pelo cartunista Henfil, ficou para sempre como símbolo
das Diretas Já. No ano de 1937, abandona os estudos e volta para
Alagoas, onde passou a trabalhar com seu pai, que era proprietário
rural. Como o pai, virou agropecuarista e, em seguida usineiro,
fundando uma usina de açúcar, a Usinas Reunidas Seresta. A data
27 de novembro de 1983, há 33 anos, é para ficar na história dos

221
alagoanos e brasileiros. Exatamente no mesmo dia do primeiro
comício que marcou a campanha das Diretas Já – em um dos maio-
res movimentos de massa já vividos pelo País - morria em Maceió
o menestrel das Alagoas. Teotônio Vilela, que deu o grito das Di-
retas Já, não viu nascer a primeira eleição presidencial que pôs um
ponto final ao período de 20 anos da ditadura militar.

Evangelho segundo Teotônio

Um ano depois de sua morte, o cineasta Vladimir de Carva-


lho, lança o filme “O Evangelho segundo Teotônio”. O filme é
quase didático, em uma longa e derradeira entrevista com o menes-
trel, onde entre coisas confirmou seu apoio ao golpe militar, e
manteve esse apoio nos anos da guerrilha armada, só retirando
quando enxergou a lentidão da abertura. Com a voz cansada, esgo-
tada pelo câncer, Teotônio lança seu entrecortado recado final no
filme de Vladimir::

“Se eu fosse, hoje, um jovem na América do Sul, eu me in-


gressaria na luta armada para defender o povo da opressão”.

Por César Fonseca, em reportagem na Folha de São Paulo


“A luta armada, segundo Teotônio Vilela”, de 2407/1984

222
VLADIMIR E A ESTUDANTADA DE 68

Vladimir Gracindo Soares Palmeira nasceu em Maceió, em


dezembro de 1944, quando a Força Aérea Brasileira partia para a
Itália com 23 mil pracinhas que iriam lutar na 2ª Guerra Mundial.
Filho de família tradicional de Alagoas - o pai, Rui Palmeira, sena-
dor (1954) e o irmão Guilherme governador (1979, 1982), mas
Vladimir nasceu para a guerra. Foi no Rio de Janeiro onde Vladi-
mir construiu sua militância política. Com 22 anos, em 1966, as-
sumiu a presidência do CACO (Centro Acadêmico Cândido de
Oliveira), a ponta de lança do movimento estudantil contra a dita-
dura, e em 1967 era presidente da União Metropolitana dos Estu-
dantes (UME). Com um banquinho, um megafone e sua voz, in-
flamou a juventude carioca. Foi preso da polícia. Mas não adian-
tou. Em 1968, as manifestações estudantis foram lideradas por
Vladimir, contra o regime militar, que culminaram com a passeata
dos 100 mil, no Rio. Vladimir foi preso e banido do país. Viveu
em Cuba, na Argélia e na Bélgica. Foi o último a voltar pela Lei da
Anistia. Foi deputado federal pelo PT em 1986 e reeleito em 1990.
Vladimir Palmeira saiu do Partido dos Trabalhadores em junho de
2011.

“Os estudantes e o povo voltam às ruas porque o governo


se negou a atender às nossas exigências. À série de reivindicações
que fizemos, a ditadura respondeu não. Pois, não, respondemos
nós. Não à repressão, não à dominação estrangeira, não à explo-

223
ração de um povo, não à miséria deste povo, não à morte deste
povo. Os estudantes cumprem seu papel de denúncia da ditadura”.

Vladimir Palmeira, discurso na Passeata dos 100 mil - Rio


de Janeiro, 26 de Junho de 1968, Centro do Rio

224
TERRA DE HEROÍNAS

ACOTIRENE DOS PALMARINOS

A história de Acotirene exemplifica bem a visão mítica e, ao


mesmo tempo real, dos Quilombos dos Palmares. Enquanto mito
era a conselheira de todos os palmarinos; como fato real, seu nome
é dado a um importante mocambo, instalado no litoral dos estados
de Pernambuco e Alagoas. Acotirene foi uma das primeiras negra
que habitou a Cerca Real dos Macacos, no topo da Serra da Barri-
ga, o primeiro povoado quilombola. Ela liderou e influenciou os
negros fugitivos que se chegavam e multiplicavam. Reinou absolu-
ta, até mesmo quando Ganga Zumba assumiu o poder. Era consul-
tada para tudo, de problemas familiares e decisões políticas e mili-
tares. Outro mito criado é que, mesmo morta, aparecia aos chefes
quilombolas para orientá-los..

“Há indícios de que Acotirene e Aquatune eram lideranças


femininas em Palmares. Mas poderia haver outras. Como eram as
vidas das mulheres em Palmares? Mas não é difícil imaginar o
cotidiano de uma mulher no quilombo. De personagens como
Dandara e Acotirene pouco sabemos. A primeira teria sido uma
brava guerreira que teria acompanhado Zumbi logo após o assas-
sinato de Ganga Zumba, em 1678. Acotirene teria sido uma lide-
rança feminina dos primeiros tempos de Palmares, influenciando
as lideranças posteriores como Zumbi e Ganga Zumba. Ao que

225
parece a mãe do rei de Palmares residia no quilombo denominado
Aqultune. Nunca é bom esquecer que Palmares era sociedade em
guerra permanente, portanto sua estrutura sócio-econômica era
igualmente militar. O desequilíbrio de sexos entre a população
escrava também evidenciou”.

Eduardo Oliveira, em Quem é quem na negritude brasileira,


Congresso Nacional Afro-Brasileiro, 2006

ANA LINS: ATÉ O ÚLTIMO TIRO

Ana Maria José Lins (17../ 1839) é considerada a primeira


heroína alagoana. Nascida e criada em berço de ouro, filha e mu-
lher de proprietários rurais, Ana Lins aderiu aos ideais da Revolu-
ção Francesa de 1817, e lutou de arma na mão para derrubar o re-
gime colonial. São célebres os episódios em que resistiu até o úl-
timo tiro contra a invasão de seu engenho Sinimbu, em São Miguel
dos Campos, em 1824 – até a rendição e prisão, junto com seu fi-
lho João Lins, futuro Barão de Sinimbu. Ou quando se envolveu na
fuga de seu marido e seu filho mais velho de uma prisão em Reci-
fe. Sua feição, de acordo com o historiador Craveiro Costa, “era
alta, esbelta, de fisionomia enérgica, patenteando no rosto a an-
cestralidade paterna (Ana era descendente de holandês e de Cris-
tovão Lins, que tinha sangue índio e mestiço), dotada de uma edu-
cação intelectual, em um tempo em que poucas mulheres sabiam
ler e escrever”.

226
“Mulher em quem se fixaram as mais fortes, mais vivas,
mais enérgicas qualidades de uma matriarca. Era uma mulher
simples e magnífica esposa brasileira. Heróica nos gestos e na
ação militar. A força da ancestralidade do 1º século, o sentimento
de brasilidade sempre crescente, concentrou e plasmou nela a fi-
gura da matriarca nem sempre compreendida diante do patriarca-
do vigente, sobretudo da classe a que pertencia: a de senhora de
engenho”.

Manuel Diégues Júnior, em Dona Ana Lins Matriarca, Diá-


rio de Pernambuco, 26/08/1951.

CAPITÃ OLÍMPIA NO FRONT 1

A alagoana Olímpia de Araújo Camerino, nascida nos pri-


meiros anos do século XX, em 1906, era capitã enfermeira e che-
gou a escrever o livro A Mulher Brasileira na Segunda Guerra
Mundial. Aos 38 anos, comandou um grupo de 67 enfermeiras que
voluntariamente se apresentaram para acompanhar os nossos com-
batentes da Força Expedicionária Brasileira (FEB) e do 1º Grupo
de Caça, no front da guerra, na Itália.

“A capitã Olímpia foi sempre considerada a líder das en-


fermeiras, por suas qualidades excepcionais de bondade, bom sen-
so e equilíbrio, a par de seus dotes de competência profissional. A

227
ela todos recorriam nas horas de dúvidas, de incerteza e de conse-
lho. Além dos serviços inestimáveis que prestou na guerra e na
paz, em longa carreira de enfermeira militar, a capitã Olímpia
aparece agora nos brindando com o livro que estava faltando,
relatando, com dados estatísticos e testemunhos valiosos, o que foi
a organização do “Quadro de Enfermeiras” para servir na Se-
gunda Guerra Mundial, como essas enfermeiras, todas voluntá-
rias, se prepararam para a missão e como a cumpriram nos cam-
pos de batalha na Itália. Esta enfermeira alagoana da Segunda
Guerra Mundial renova em nós valores morais e de bravura de
nossa gente, demonstrados nas horas difíceis de conflitos bélicos
inevitáveis”.

Carlos de Meira Matos, general do Exército, R1, consulta ao


portal da FEB, em 27/08/2017

CAPITÃ OLÍMPIA NO FRONT 2

No seu livro, Olímpia Camerino conta aspectos do que foi a


adaptação do grupo de enfermeiras em meio a um campo minado
de guerra, em hospitais norte-americanos. Ela fala da rotina do
trabalho nesses hospitais, “as horas incansáveis de vigília, atenção
e cuidados com os pracinhas hospitalizados, a extraordinária força
moral necessária para assistir à chegada de nossos feridos do front”
– cabeças dilaceradas, pulmões perfurados, intestinos expostos,
pés, pernas e braços arrancados e a dependência a elas de muitos

228
desses pracinhas carentes de olhos e membros, exigindo-lhes muito
mais que o serviço de enfermagem. No livro da capitã pode-se ler
um precioso depoimento extremamente útil aos estudiosos de nos-
sa história militar e aos pesquisadores de psicologia e sociologia,
por oferecer precioso manancial de observações sobre o caráter do
brasileiro. Na apresentação do livro, a heroína de guerra alagoana
fala com saudades de sua terra.

Meu uniforme

Como me orgulho de ti!


Dize-me se te honrei e onde guardar-te.
As medalhas do Brasil
A Coroa Dourada do 5º Exército Americano
Que trazes em ti, são a prova de que te honrei.
O lugar onde te guardei,
no Museu da minha terra,
Alagoas, que é a Terra de Rosa da Fonseca, é bem um al-
tar.

Por Olímpia Camerino, capitão enfermeira do Exército Bra-


sileiro, em trecho extraído do livro A Mulher Brasileira na Segun-
da Guerra Mundial, Capemi Editora e Gráfica, 1983

229
CLARA MARIGHELLA

Filha de judeus russos de Odessa, Clara Charf nasceu em


Maceió, em 17 de julho de 1925, aos 25 se transformou em mili-
tante política, aos 90 continua na luta, com participação em orga-
nismos nacionais e internacionais em favor da mulher e dos Direi-
tos Humanos, que a consagrou como uma das maiores ativista polí-
tica do país. Em março de 2015, recebeu o prêmio Excelência Mu-
lher, do Centro das Indústrias do Estado de São Paulo. Clara foi
presa pela ditadura militar, era mulher do inimigo número um dos
ditadores de plantão, Carlos Marighella (1911-1969), até seu as-
sassinato, em São Paulo, pela polícia comandada pelo delegado
Sérgio Paranhos Fleury. Vítima de perseguição, Clara partiu para o
exílio, em Cuba, e voltou em 1979, nas asas da Anistia. Filiou-se
ao PT, foi candidata a deputada estadual, mas não levou. Passou a
vida inteira no resgate da vida de Marighella –, em 1996 o Estado
brasileiro reconheceu os direitos dos mortos e desaparecidos.

“Aqui se inicia uma jornada de resgate da memória de Ma-


righella, ela também resgatará a história verdadeira de tantos
outros revolucionários que deram sua vida pelo povo e foram en-
xovalhados pela ditadura”.

Declaração de Clara Charf em 1979, durante o traslado dos


ossos de Marighella para a Bahia, sua terra-natal, por Yara Falcón,
em Mulheres Alagoanas, suplemento da Gazeta Alagoas, em 2001

230
CECI CUNHA: A CERIMÔNIA DO ADEUS

Era um dia de muito orgulho para a deputada federal reeleita


Ceci Cunha, em sua diplomação no fórum de Maceió, quando uma
tragédia aconteceu, na conhecida Chacina da Gruta (bairro de Ma-
ceió). Um tiro a queima-roupa de escopeta em seu pescoço acabou
com a vida da deputada, na noite de 16 de dezembro de 1998, ho-
ras depois da sua diplomação. O crime abalou Alagoas e o Brasil.
Após o discurso de posse, já no início da noite, Ceci tirou a históri-
ca foto com os deputados federais e estaduais eleitos. Era a ceri-
mônia de adeus

"É por essa história de desafio, de luta, de muita coragem,


que hoje estou aqui. Não foi o acaso. Foi a sensação de que a to-
dos é dada a oportunidade; mas a poucos a emoção da chegada.
Vou me esforçar também para manter o tratamento a todos, de
modo equitativo, jamais abrindo mão de minha autoridade, porque
não tenho medo do desconhecido. O perigo poupa sempre aqueles
que o desafiam de frente”.

231
Trecho do discurso de Ceci Cunha, jornal Gazeta de Alago-
as, dezembro de 1998

CECI: VIDA POLÍTICA

Josefa Santos Cunha (1949-1998), médica, vereadora e de-


putada federal, nasceu em Feira Grande, no agreste alagoano, mas
fez sua carreira política e profissional na vizinha Arapiraca. In-
gressou na Faculdade de Medicina da Universidade Federal de
Alagoas e fez residência médica no Hospital no Hospital Souza
Aguiar, no Rio de Janeiro, assumindo a obstetrícia como ramo da
medicina a realizá-la profissionalmente. Talhada para servir à co-
munidade, em 1988 foi convocada para participar do processo elei-
toral, tendo sido eleita vereadora pelo PSDB, com a maior votação
obtida entre os concorrentes. Em 1989 participou ativamente da
campanha de Mário Covas à Presidência da República. Em 1994, é
eleita deputada pelo PSDB. Em 1998 foi reeleita deputada federal,
com consagradora votação, representada por 55 mil (quase o dobro
da votação da eleição de 1994). Leia também o verbete: Ceci Cu-
nha: a cerimônia do adeus.

232
GRACILIANA DESAFIA DEPUTADO

Filha do cacique xukuru-kariri Manoel Selestino da Silva e


Maria de Lourdes Gomes da Silva, Graciliana Selestino Gomes da
Silva, é uma líder indígena, e nasceu em Palmeira dos Índios. Pre-
sidente do Comitê Intertribal de Mulheres Indígenas, Graciliana
Celestino, ela representa sua tribo de forma incontestável. Em
2003, Graciliana foi manchete nos jornais ao repercutir uma notícia
de que um deputado insinuou “que Palmeira não é mais dos Ín-
dios”. Ela tomou um susto com a idéia do deputado Gervásio Rai-
mundo (PTB), e ficou estarrecida com o argumento do político.
“Palmeira não é mais dos índios, porque eles não existem mais.
Palmeira hoje é uma terra dos empresários que fazem o progresso
da região (sic)”, afirmava Gervásio, em pronunciamento na tribuna
de Assembléia Legislativa, na defesa de seu projeto de lei de tirar o
aposto “dos Índios” do nome da cidade de Palmeira, terra secular
dos xucurus, da tribo de Graciliana. Ela rasgou o verbo:

“É uma afirmação muito grave de uma pessoa sem cultura,


é um desrespeito aos nossos povos. Ninguém vai nos tirar o direito
de ficar na nossa terra. Não tenho outra palavra a não ser dizer
que o desequilíbrio é o pior do sentimento humano. Pena que os
alagoanos elegeram um cidadão desta natureza. E não é só ele,
tem deputado que a gente quer ver longe. Eles vão ver o que é bom
nas próximas eleições, quando não terão voto de ninguém. A terra
é nossa e de nossos ancestrais, e não vai ter deputado nenhum que
vá tirar a gente de lá, nem trocar nome de nada”.

233
Índia Graciliana, em depoimento ao jornal Primeira~Edição,
2003

GAJURU: DONA DO GUERRERO

Maria Joana da Conceição (1866-1986), a Joana Gajuru,


nasceu na cidade alagoana de Lagoa da Canoa. A data é imprecisa
porque naquela época não se usava o registro em cartório das me-
ninas negras nascidas no engenho. Mesmo assim Joana foi batiza-
da na Igreja e depois ganhou o apelido de "gajuru", dado a todos os
negros nascidos por lá. Joana Gajuru começou a dançar o Guerrei-
ro, segundo ela própria, quando tinha apenas 15 anos. Naquela
época a festa era feita e protagonizada apenas por homens. Joana
nem quis saber: logo rompeu a tradição e passou a organizar, ela
própria, a sua festa do Guerreiro. Depois disso não parou mais e,
durante 70 anos, Joana Gajuru levou sua festa por todo o estado de
Alagoas, começando na noite de Natal, passando pelo Dia de Reis
e se estendendo durante os meses de janeiro e fevereiro. Gajuru
conseguiu viver mais de 120 anos. As poucas fotografias suas que
restam são de uma das últimas festas que promoveu, mas quando
já estava bem velhinha e com a saúde abalada. Mesmo assim Joana
Gajuru dançou seu Guerreiro, fumou seu cigarro de corda e bebeu
sua cachacinha. Morreu, gloriosa, no ano de 1986.

Fonte: Portal dos Amigos Associados de Lagoa da Canoa

234
GAJURU E SEUS FILHOS

A guerreira Gajuru não está mais no plano presente, mas sua


imagem forte e sua vida de heroína da cultura alagoana, deixou
plantada suas sementes na Associação Teatral Joana Gajuru, com
22 anos de fundação, e que foi o primeiro grupo de teatro de rua de
Alagoas. O Joana Gajuru se notabilizou no Estado e no Brasil por
seu trabalho, ligado sempre à pesquisa e aos estudos do fazer tea-
tral na rua e também no palco, e ao uso em suas montagens das
culturas populares nordestina e brasileira. Esse trabalho está pre-
sente em A Farinhada, espetáculo com mais de 20 prêmios e que
marcou o teatro alagoano. O Joana Gajuru surgiu a partir de uma
oficina de teatro de rua ministrada pelo grupo Imbuaça-SE, em
1994, em Maceió. No grupo pioneiro estão os atores: Abides de
Oliveira, Aílton Protásio, Diva Gonçalves, Jairo Bezerra, Jorge
Adriani, Regis de Souza, Vlademir Dantas e Tereza Gonzaga.

JAREDE EDUÇÃO E MILITÂNCIA

Jarede Viana de Oliveira (1938-2008) foi uma militante de


fibra, atuando como educadora e no movimento estudantil, liderou
muitos atos públicos contra a ditadura e pela anistia. Entrou na
política como vereadora em Maceió pelo MDB e pelo PC do B,
partido no qual militou até o início dos anos 90. Militante da Edu-
cação foi fundadora do Sindicato dos Trabalhadores pela Educa-
ção. Como militante feminista, era coordenadora da Marcha Mun-

235
dial das Mulheres em Alagoas. Na infância e adolescência ficou
duas fortes influências – o cristianismo de sua mãe evangélica e o
socialismo de seu pai comunista. Logo após a sua morte, o movi-
mento Marcha Mundial das Mulheres publicou uma mensagem
emocionante para sua mais nobre integrante. Quando morreu, Jare-
de lutava contra um câncer há dois anos e meio e ainda estava ativa
na militância.

“Sua forma de viver e ver o mundo a levava a estar e ocu-


par todos os espaços que julgava importante para construir a boa
luta. Assim ela construiu sua vida pública sempre atenta e indig-
nada com as desigualdades e injustiças sociais. Assim, estava
sempre à frente das lutas anti-imperialista no seu estado e na
construção do feminismo como luta política das mulheres. Com
ela, em nossa convivência na militância feminista, aprendemos a
arte de olhar para frente e “saber viver”. Ela acreditava que era
possível mudar o mundo e a vida das mulheres. O seu descanso
causa ao movimento feminista, a MMM uma lacuna sem preceden-
tes, sentiremos sua falta e estamos tristes. Mas somos mais fortes e
aguerridas por termos tido ela como companheira de luta e de
sonhos”.

Trecho do Manifesto da Marcha Mundial das Mulheres em


sua homenagem, 2008

236
LINDA, A DONA DO PALCO

Lindinaura Vieira Mascarenhas, a teatróloga e atriz alagoa-


na Linda Mascarenhas (1895-1991), apresentou-se pela primeira
vez em um palco em 1956, então com 61 anos, quando recebeu o
prêmio de melhor atriz, na peça Mulheres Feias, de Achille Saita.
Eleita a primeira dama do teatro alagoano fundou a Associação
Teatral de Alagoas, a ATA, em 1955, onde fez escola e reuniu o
melhor das artes cênicas de Alagoas, no núcleo formador da ATA,
entre os atores da geração de Linda, e que hoje lutam para manter
em cena o teatro de Alagoas estão Homero Cavalcante, Sávio de
Almeida, Ronaldo de Andrade, Beatriz de Sá Brandão (Tisinha),
José Marcio Passos, José Correia da Graça, Dário Bernardes, Lau-
ro Gomes, Octávio Cabral Linda atuou em diversas montagens,
ganhando um prêmio pelo papel na peça Dona Xêpa, de Pedro
Bloch, com a qual percorreu várias capitais nordestinas. O atual
presidente da ATA, Ronaldo de Andrade, em seu livro “O teatro e
Linda Mascarenhas” conta sua convivência com Linda, desde que
a conheceu com 76 anos e explica como foi essa transição de car-
reira até chegar ao teatro.

"Durante toda a vida ela participou de eventos, espetáculos,


saraus e declamando poesias, que era uma prática muito comum
no início do século 20 e 30. Mas foi só em 1952, quando Luiz Gu-
temberg e Noémia Ambrósio, dois estudantes de Juazeiro, convi-
dam Linda para dirigir um espetáculo. A partir desse novo mo-
mento ela se mantém no teatro, como se fosse destino, e aí surge o

237
desejo de se tornar atriz. Sua estreia como atriz no teatro aconte-
ceu aos 61 anos, em 1956, quando interpretou “Lizaveta”, na peça
“O Idiota”, de Léo Vital, baseada no romance homônimo de Dos-
toievski, com direção de Heldon Barroso”.

Do livro O Teatro e Linda Mascarenhas, de Ronaldo de An-


drade e Izabel Brandão (orgs), Edufal, 2011

LINDA, A ATIVISTA

Linda foi também, e principalmente, uma militante em defe-


sa dos direitos das mulheres. Junto com a deputada e médica ala-
goana, Lily Lages, ajudou a criar a Federação Alagoana pelo Pro-
gresso Feminino (FAPPF). A instituição, de cunho feminista, luta-
va pelos direitos civis das mulheres, como o voto. Foi a primeira
vez que mulheres se reuniram para uma prática de luta pela defesa
e progresso da mulher em Maceió. Na FAPPF, Linda Mascarenha,
praticou o “feminismo possível”, como chama Ronaldo de Andra-
de em seu livro.

“Era o que ela podia fazer dentro das limitações políticas e


ideológicas do período em que viveu. Ela defendia uma melhor
educação para as mulheres para que elas pudessem ter sua inde-
pendência. Para isso, ela criou em sua própria casa uma escola
para domésticas com o nobre objetivo de alfabetizá-las. Também

238
organizava palestras cujos temas versavam sobre os direitos das
mulheres”.

Do livro O Teatro e Linda Mascarenhas, de Ronaldo de An-


drade e Izabel Brandão (orgs), Edufal, 2011

LILY LAGES: 1ª DEPUTADA

A médica alagoana Maria José Salgado Lages (1907-2003),


Lily Lages, foi a primeira parlamentar a ser eleita pelo voto dos
alagoanos, em 1934. Lily foi uma destemida deputada, e participou
ativamente na redação da Constituinte Estadual. Emplacou leis
importantes de proteção à mulher e à criança, como a destinação de
7% dos cofres do Estado para a Saúde Pública, e mais 3% para
aplicação no amparo à maternidade e à infância. Foi fundadora da
Federação Alagoana pelo Progresso das Mulheres, a primeira a ser
reconhecida por um governo, em 1993, como de utilidade púbica.
Foi médica otorrinolaringologista - rodou o mundo para se especia-
lizar – e professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro,
onde morou até a sua morte. Quando da sua formatura, era conhe-
cida como “gata angorá”, inspirado pelos seus olhos verdes. Em
uma entrevista ao Jornal do Brasil, do Rio, quando foi premiada
pela líder feminista Bertha Lutz, em 1933, por seu trabalho em
Alagoas, ela resumiu suas ações:

239
“Tenho segurança de que a mulher triunfará sempre e que
resume uma força estupenda de ação, com o direito, portanto, de
interferir mais assídua e intimamente no trabalho de reorganiza-
ção de nossas leis e códigos, reparando a injustiça dos homens e
defendendo os princípios fundamentais da imprescindível e urgen-
te renovação social”.

Lily Lages, em Memórias Legislativas, revista da Assem-


bléia Legislativa Alagoana nº 18

MAJOR ELZA NA 2ª GUERRA

A major Elza Cansanção Medeiros (1921-2009) foi uma mi-


litar brasileira, uma das primeiras oficiais-enfermeiras do Exército,
sendo a mulher mais condecorada por serviços na guerra (mais de
40 honrarias). Filha de pais alagoanos - Aristhéa Cansanção e do
médico alagoano sanitarista Tadeu de Araújo Medeiros - amigo de
Alberto Santos Dumont e auxiliar direto de Oswaldo Cruz na cam-
panha contra a febre amarela. Major Elza foi a primeira brasileira a
se apresentar como voluntária, na Diretoria de Saúde do Exército,
para lutar na Segunda Guerra Mundial, aos dezenove anos. Embora
sonhasse em lutar na linha de frente, teve que se conformar em
seguir como uma das setenta e três enfermeiras da Força Expedici-
onária Brasileira (FEB), uma vez que o Exército Brasileiro, à épo-
ca, não aceitava mulheres combatentes. Sua atuação na 2ª Guerra
Mundial começou em Alagoas, prestando socorro aos náufragos do

240
navio Itapagé, torpedeado na costa brasileira pelo submarino ale-
mão U-161. Também enveredou pela música, teatro e jornalismo.
Natural do Rio de Janeiro, carioca do bairro de Copacabana,
aprendeu música e idiomas. Por indicação de Arnon de Mello, in-
gressou na Associação Brasileira de Imprensa. Estreou, com Fer-
nando Torres, Nathália Timberg e Sérgio Brito no Teatro Universi-
tário, com a peça Dama da Madrugada. Formou-se em Jornalismo
pela Faculdade Nacional de Filosofia.

Sangue de heroína alagoana

Todo seu destemor tem uma explicação genealógica. Major


Elza era descendente em quarta geração de dona Ana Lins de Vas-
concelos, mãe do Visconde de Sinimbu. Ana Lins foi o último ba-
luarte da Revolução Nacionalista de 1824. "Lutou até o último de-
dal de pólvora e foi presa, levada a pé até a cidade de Alagoas (ho-
je, Marechal Deodoro). Por toda parte em que ela passava, levan-
tava o povo, de modo que ficou pouco tempo presa. A única be-
nesse que pediu foi a de ficar com o filho, que veio a ser o Viscon-
de de Sinimbu, Primeiro Ministro do Império, ocupando todas as
pastas, exceto a da Marinha", dizia, orgulhosa, a Major Elza. Foi
membro da Academia Alagoana de Cultura, quando se dedicou à
preservação da memória fotográfica da FEB. Sempre que falava
sobre sua carreira, ela não deixava de lembrar seu vínculo com
Alagoas, a ponto de dizer que gostaria que, quando morresse, me-
tade de suas cinzas ficasse no Rio e a outra metade viesse para
Maceió. E como era a vida de enfermeira de guerra no front?

241
“O ferido não tem posto nem nacionalidade. Quem tem priori-
dade é a doença. Eu fui lutar contra os alemães, mas a saúde do ser
humano é outra coisa. Na verdade, os alemães eram os feridos mais
obedientes e mais tranquilos que nós tínhamos. Porque eles estão
acostumados a obedecer. Para exemplificar, naquela época o remédio
principal era, além da penicilina, a sulfa. Então a primeira dose de
sulfa a se dar são oito gramas, portanto, dezesseis comprimidos de
sulfa e trinta e dois de bicarbonato, que o desgraçado precisava to-
mar de uma vez só. O brasileiro sempre reclamava, o alemão não.
Você entregava o monte de comprimidos, ele arregalava os olhos,
pegava a caneca de líquido, enchia a boca e engolia tudo de uma
vez”.

MACABÉA ALAGOANA DE CLARICE

Em seu último romance – A Hora da Estrela (1977) -, Clari-


ce Lispector encontrou o seu “espelho” na protagonista do livro, a
alagoana Macabéa, moça pobre de Maceió, onde os Lispector se
estabeleceram ao chegar ao Brasil, em 1920, fugidos da 1ª Guerra
Mundial. Foi em Maceió que a escritora e romancista mudou seu
nome original Chaya, por Clarice. O romance narra a história da
datilógrafa Macabéa, que migra para o Rio de Janeiro. “É a histó-
ria de uma moça que era tão pobre que só comia cachorro-quente.
Mas não é só isso. A história é sobre uma inocência pisada, uma
miséria anônima”, dizia Clarice em “A última entrevista de Clari-

242
ce”, por Júlio Lerner. Clarice projetou em Macabéa seu próprio
final trágico, quando alguns dias depois da publicação do livro,
faleceu, no Rio de Janeiro, de câncer no ovário. “Macabéa reduzi-
ra-se a si. Também eu, de fracasso em fracasso, me reduzi a mim,
mas pelo menos quero encontrar o mundo e seu Deus”.

“Como nordestina, há milhares de moças espalhadas por


cortiços, vagas de cama num quarto, atrás de balcões trabalhando
até a estafa. Não notam sequer que são facilmente substituíveis e
que tanto existiriam como não existiriam. Poucas se queixam e ao
que se saiba nenhuma reclama por não saber a quem. Esse quem
será que existe?”,

Clarice Lispector trecho do livro A Hora da Estrela, 1977,


reedição 2015, editora Rocco

Clarice “atropelou” Macabéa

No livro A Hora da Estrela, por mais que quisesse não matar


Macabéa – por páginas e mais páginas, Clarice retém o destino da
moça em suas mãos: “Por enquanto não passava de um vago sen-
timento nos paralelepípedos sujos”. Mas ela termina sendo vítima
fatal de um atropelamento por um carro Mercedez Benz amarelo,
quando saía de uma cartomante. “Clarice converteu-se na sua pró-
pria ficção. É o melhor epitáfio possível para Clarice”, escreveu o
jornalista Paulo Francis, na obra “Clarice: impressões de uma mu-
lher que lutou sozinha”.

243
“Ainda podia voltar atrás em retorno aos minutos passados
e recomeçar com alegria no ponto em que Macabéa estava na cal-
çada – mas não depende de mim dizer que o homem alourado es-
trangeiro a olhasse. É que fui longe demais e já não posso retro-
ceder”.

Clarice Lispector, em Clarice uma biografia, de Benjamim


Moser. Rio de Janeiro, Editora Cosac Naif, 2014

PRAZERES: PADROEIRA DE MACEIÓ

Nossa Senhora dos Prazeres, também conhecida como NS


das Sete Alegrias, ganhou grande impulso em sua “adoração”, se-
gundo a Igreja Católica, depois de sua aparição no século XVI, em
Portugal. A disseminação de sua devoção é de origem franciscana,
isto porque os prazeres, ou alegrias de Nossa Senhora foram escri-
tos por um franciscano. São elas: A Anunciação, a saudação de
Isabel, o Nascimento de Jesus, a visitação dos Reis Magos, o en-
contro com Jesus no Templo quando ele conversava com os douto-
res da Lei, a aparição de Jesus Ressuscitado e a coroação de Maria
no céu.

“Como padroeira de Maceió, o marco zero foi o dia 31 de


dezembro de 1859, quando após a benção da nova imagem da pa-
droeira – doada pelo Barão de Atalaia – foi inaugurada, com a

244
presença da Família Real, na Catedral Diocesana, antiga Matriz
da NS dos Prazeres, hoje Catedral Metropolitana, administrada
pela Arquidiocese de Maceió, completando 158 anos de história e
religiosidade”.

Ernani Méro, Igrejas de Maceió. Funted – 1987

PERÓE E SEU CIRCO SOCIAL

Peronilda Batista de Andrade, a Peró, é uma alagoana arre-


tada. Com toda simplicidade de sua alma e de seu semblante, ela
tem uma trajetória espetacular, no sentido literal da palavra. Seu
palco é o circo, o picadeiro, onde já formou centenas de meninos e
meninas na arte circense, tirando-as da rua, do lixo, da violência,
das drogas. Produtora e diretora teatral, Peró começou no teatro
quando ainda era bem jovem. Hoje, com 65 anos, Peró orgulha-se,
com razão e reconhecimento, de ser a criadora do projeto social
“Sua Majestade, o Circo”, com o apoio do grupo canadense Cirque
du Soleil, que leva espetáculos para o mundo todo. O Circo da Pe-
ró não trabalha apenas com arte circense, mas com teatro, dança,
música e canto, além de realizar diversas atividades educativas,
como o Picadeiro da Leitura e o Picadeiro da Matemática. O obje-
tivo é possibilitar a construção da cidadania e o resgate da cultura
circense no Brasil. O projeto é ligado à Rede Circo do Mundo Bra-
sil, que integra o projeto social do Cirque du Soleil. Comandado
por Peró de Andrade, o projeto reúne 179 crianças, adolescentes e

245
jovens carentes, na faixa etária de 5 a 26 anos, sendo 90% delas da
comunidade da Vila Emater II, favela do lixão de Maceió.

“Eu comecei com circo profissional, mas depois da primei-


ra experiência acabei me apaixonando pelo circo social. É muito
bom poder ver meus alunos trabalhando em empresas e serem
elogiados por seu comportamento, pelo diferencial que cada um
possui como pessoa humana. nunca me senti obrigada a formar
artistas – por se tratar de uma escolha individual -, mas sempre
me senti responsável pela formação das crianças enquanto cida-
dãs”.

Entrevista a Elayne Pontual, na Revista Graciliano, agosto


de 2012

ROSA FONSECA: A MÃE DA REPÚBLICA

Rosa Maria Paulina da Fonseca (1802-1873) é conhecida


nos meios militares como a patrona da família do Exército Brasi-
leiro, e por ser a mãe do proclamador da República, marechal De-
odoro da Fonseca. Ela nasceu na então Cidade de Alagoas, capital
da Província de mesmo nome, atual município de Marechal Deo-
doro. Em 1824, casa-se com o major do Exército Imperial Manoel
Mendes da Fonseca, valoroso militar e monarquista convicto. Mu-
lher de caráter varonil, sempre o apoiou em suas resoluções e o
acompanhou, intimorata, nos transes da vida, até seu falecimento,

246
já reformado no posto de Tenente-Coronel, em 24 de agosto de
1859. Dessa união nasceram dez filhos, sendo duas mulheres, Emí-
lia e Amélia, e oito varões. Todos os homens abraçaram a carreira
das Armas, ocupando posições de destaque na vida militar.

Filhos mortos em combate

Rosa da Fonseca perdeu grande parte de seus filhos no front


das guerras, quando sete de seus filhos seguiram para os campos
de batalha. Permaneceu junto a ela seu filho Pedro Paulino, tenente
reformado do Exército, literato e estatístico, futuro governador de
Alagoas e senador federal por esse Estado. Morreram os filhos
Afonso Aurélio; o capitão de Infantaria Hyppólito; o major de In-
fantaria Eduardo Emiliano; ficaram feridos Hermes da Fonseca e o
próprio Deodoro, sendo que esse último recebera três ferimentos
por tiros de fuzil. Durante as comemorações pela vitória em Itoro-
ró, quando foi informada da morte de Eduardo e da situação de
Hermes e Deodoro, teria dito: "Sei o que houve. Talvez até Deodo-
ro esteja morto, mas hoje é dia de gala pela vitória; amanhã, cho-
rarei a morte deles". Seu neto, o Marechal Hermes Rodrigues da
Fonseca, foi o 8º Presidente da República, exercendo seu mandato
entre 1910 e 1914. Ao instituir o dia 18 de setembro, data natalícia
de Rosa da Fonseca, a matriarca exemplar, como o Dia da Família
Militar, o Exército Brasileiro presta a devida homenagem à famí-
lia, na figura de Rosa da Fonseca, reconhecendo a importância do
espírito de sacrifício e de luta.

247
SELMA BANDEIRA; 1ª PRESA POLITIA

Selma Bandeira (1944-1986), médica sanitarista e deputada


estadual (PMDB), sertaneja de Delmiro Gouveia, foi a primeira
presa política a ser beneficiada pela Anistia, depois de um ano e
três meses de prisão em Pernambuco, quando militava pelo Parti-
do Comunista Revolucionário (PCBR). Desde 1973 vivia clandes-
tinamente em consequência da perseguição política, em Recife,
onde foi presa, em 1978. Na prisão, foi submetida a sessões de
torturas. Eleita deputado estadual em 1982, tendo com bandeira a
luta pelo direito das mulheres, Selma Bandeira morreu aos 49
anos,em 1986, em um acidente automobilístico, durante sua cam-
panha pela deputada federal.

Dicionário Mulheres de Alagoas ontem e hoje, obra de


Enaura Quixabeira e Edilma Acioli Bomfim, Edufal 2007, com
prefácio de Solange Chalita

TIA MARCELINA: RESISTÊNCIA NEGRA

Tia Marcelina construiu o primeiro terreiro de Xangô exis-


tente em Maceió, como lugar de congregação da identidade de uma
nação africana. Apesar da importância de Tia Marcelina para o
Xangô, não se pode atribuir a ela o título de maior representante da

248
cidade, devido a existência de outros importantes representantes e
fundadores de terreiros, como Chico Foguinho, pai Adolfo, mestre
Roque, Manoel Loló e outros.

“A perseguição e a discriminação aos negros em Alagoas


existiram desde a época do Quilombo dos Palmares, pois a ordem
era exterminar, eliminar, massacrar todos os Quilombolas. Em
Alagoas, uma das vítimas desta perseguição foi Tia Marcelina
uma figura semelhante à Mãe Menininha do Gantois. Tia Marceli-
na era uma ex-escrava africana de Janga, Angola, era uma des-
cendente do Quilombo dos Palmares e de família real africana e,
junto com Manoel Gelejú, Mestre Roque, Mestre Aurélio e outros
fundaram os primeiros Xangôs do Brasil, no bairro de Bebedouro,
em Maceió. Ela tinha o saber, o carisma e a voz viva dos Orixás,
sendo contemplada com a coroa de Dadá, homenagem outorgada
pelos oráculos do continente africano, era o posto mais alto da
hierarquia religiosa africana no Brasil”.

Histórias não contadas de Tia Marcelina, texto de Edson


Moreira, um griot (contador de histórias), Coletivo AfroCaeté, 21
de julho de 2010

Versões da morte de Tia Marcelina

Informações colhidas do mestre Zumba, filho de dona Hor-


tência,que era a filha de Santo de Tia Marcelina, e que ouvia mui-

249
tas histórias dos antigos Babalorixás e da escravidão, revelam co-
mo foi a morte de Tia Marcelina, para a qual existem duas versões.

A primeira versão foi ao saber que ia ser visitada pela Liga


dos Republicanos Combatentes (organização que perseguia os
Xangôs em Alagoas e seus seguidores) com sede em Alagoas, che-
fiada pelo sargento que não tinha uma das pernas e ex-combatente
da Guerra dos Canudos, Manoel Luiz da Paz, ela preferiu atirar-se
na cacimba existente no quintal de seu terreiro. A Segunda Versão,
contada por sua filha de Santo Hortência, foi que por não aceitar
submeter-se a aquelas humilhações, teria sido espancada e morta
com ferimentos de sabre na cabeça. Uma das causas da persegui-
ção religiosa das matrizes africanas em Maceió em 1912, foi a di-
vergência de duas facções políticas. Uma que frequentava e era
adepta dos terreiros e a outra não simpatizante. Esta última para
atingir seus opositores realizou o “Quebra”, como ficou conhecido
esta violência religiosa. O Quebra era a destruição dos terreiros de
Alagoa”.

Histórias não contadas de Tia Marcelina, texto de Edson


Moreira, um griot (contador de histórias), Coletivo AfroCaeté, 21
de julho de 2010

250
VERA ARRUDA: MUNDO FASHION

A estilista alagoana Vera Arruda (1966-2004) nasceu em


Palmeira dos Índios. Em 1986, aos 20 anos, foi eleita Miss Alago-
as, chegando a participar do concurso Miss Brasil do mesmo ano.
Sua vida como artista e design de moda iniciou-se fazendo bijute-
rias, que vendia para amigas, em um cômodo de seu apartamento o
ateliê dos seus trabalhos. Desde criança, gostava de desenhar suas
próprias roupas, talento que herdou de sua avó, e contratava costu-
reiras para executá-las. Em 1997 mudou-se para São Paulo em
busca de novos horizontes. Em 1998, resolveu participar do
Phytoervas Fashion Awards, evento que daria origem ao São Paulo
Fashion Week. Não deu outra, foi escolhida a melhor estilista do
evento. Logo em seguida foi convidada para estudar no Studio
Berçot, em Paris, e começou a desenvolver acessórios para grifes
como Ellus e Rosa Chá e roupas para socialites, tendo como a
maior incentivadora Adriana Galisteu. Nos últimos anos, fez figu-
rinos para artistas como Ivete Sangalo, Astrid Fontenelle, Marga-
reth Menezes, Xuxa. Nos anos 90, foi a primeira estilista a resgatar
o nacionalismo criando um vestido de franjas com a Bandeira do
Brasil. Seu nome está imortalizado em Maceió, que reconheceu o
seu talento e criou no bairro Stella Maris, um corredor cultural
com seu nome, numa imensa praça, onde são expostos permanen-
temente a história de alagoanos ilustres e ícones da cultura local.

“No final dos anos 1990, boa parte das grandes marcas se-
guiam os padrões minimalistas, geométricos e com modelos an-

251
dróginos para tentar se adequar ao mercado internacional. Vera
Arruda seguiu na contramão e sacudiu o mercado ao apresentar
peças que resgatavam as cores, a exuberância e a feminilidade da
mulher brasileira”.

Por Aline Amaral, jornalista e produtora de moda Alina


Amaral, no portal TNH, Agenda “a”, 31 de julho de 2014

252
TERRA DA POESIA

ANILDA LEÃO: QUEBRANDO TABUS

Mulher de palavra firme e ideias de vanguarda, Anilda Leão


(1923-2012) foi atriz, poeta, cantora, escritora e militante feminis-
ta. Desde os 13 anos, Anilda mergulhou na poesia e no jornalismo,
trazendo à tona, em uma época conservadora, temas considerados
tabus como virgindade e homossexualismo, em textos escritos para
diversas publicações alagoanas, nas revistas Caetés e Mocidade e
nos diários Jornal de Alagoas e Gazeta de Alagoas. Com 27 anos, à
frente da Federação Alagoana pelo Progresso Feminino, se tornou
uma mulher libertária e uma militante pelos direitos das mulheres.
Em 1963 marcou presença no Congresso Mundial de Mulheres
realizado em Moscou. Em 1953, chocou a sociedade alagoana ao
se casar com o jornalista e escritor Carlos Moliterno, que era des-
quitado. Na época, ainda não existia divórcio no Brasil. Em 1961
publicou o seu primeiro livro, Chão de Pedras. Em 1973 escreveu
um volume de contos, Riacho Seco, com o qual conquistou o Prê-
mio Graciliano Ramos da Academia Alagoana de Letras. Como
atriz, foi a alagoana que mais trabalhou em filmes e novelas brasi-
leiras. Pela rede Globo, ele atuou em Lampião e Maria Bonita, Ór-
fãos da terra; no cinema brilhou em filmes como Bye bye Brasil e
Deus é Brasileiro, do também alagoano Cacá Diégues, e em Me-
mórias do Cárcere, de Nelson Pereira dos Santos, quando contra-
cenou com Glória Pires e Carlos Vereza. Em 2003 lançou seu livro

253
de memórias Eu em Trânsito, onde reafirmou o seu amor pela vida
e seu modo livre e ousado de ser. Na poesia deixou sua marca entre
as melhores de sua geração.

De dentro da lagoa
emergem as casas tristes
de moradores mais tristes ainda
a água parada fedendo
poluindo a meninada
que brinca de tomar banho.

De dentro das lagoas


a boca aberta dos sapos
engolindo outros bichos

E a sujeira boiando
lavando os trapos da gente
que mora por perto
gente triste sambuda doente.

Todo dia tem menino morrendo


todo dia morrendo.
Lagoa assassina!
A Lagoa!?
Ou quem? ...

254
Anilda Leão em Revista da Academia Alagoana de Letras,
nº 10, 1984

ARRIETE VILELA: RAÍZES DA POESIA

Arriete Vilela nasceu em Marechal Deodoro. Aos nove


anos, mudou-se para Maceió e estudou no Colégio de São José;
graduou-se em Letras, na Universidade Federal de Alagoas e fez
mestrado em Literatura na Universidade Federal da Paraíba, de-
fendendo, com louvor, a dissertação A revista Novidade: contri-
buição para o estudo do Modernismo em Alagoas. Pertence à Aca-
demia Alagoana de Letras. A autora já recebeu mais de 30 prê-
mios, dentre eles onze nacionais, concedidos pela União Brasileira
de Escritores, em sessões da Academia Brasileira de Letras. Fanta-
sia e avesso, uma prosa poética pontuada pelo discurso erótico-
amoroso e pela paixão ao fazer literário, atualmente na 5ª edição,
foi adotado no vestibular da Ufal, por três anos e proporcionou à
autora vários prêmios, inclusive nacionais. Em 2005, foi editado o
primeiro romance de Arriete Vilela, Lãs ao vento, que recebeu o
prêmio da União Brasileira de Escritores e o Prêmio Internacional
de Literatura, da Academia Feminina Mineira de Letras. Em 2011,
Arriete Vilela teve cinco poemas traduzidos para o espanhol e pu-
blicados na Antologia de poetas brasileños actuales pela Paralelo
Sur Ediciones, Barcelona, Espanha. O livro Maria Flor foi adapta-
do pela Panam Filmes, produtora alagoana, e exibido em outubro
de 2012 com o título “Farpa”.

255
Pedem-me notícias de mim.
Eu as dou assim: em versos.

Há tempos não permitia que pedras


rolassem com o limo macio das palavras.
Eu usava arpões para não fisgar
as minhas fragilidades.

Mas, porque me pedem notícias de mim,


eu as dou assim: em versos.

Uso a máscara dos antigos bailes


e danço ao som de um clarinete
que sempre imaginei ser do avô.

(O avô - ah, os equívocos da infância!


o avô tocava bumbo.)

Porque me pedem notícias de mim,


confidencio afetos em palavras
que os contradizem, em excesso de murmúrios,
já que as tardes concretas silenciaram
os meus antigos (des)amores.

Pedem-me notícias de mim.

256
Eu as dou assim: em versos
que me desmentem.

Arriete por Arriete

“A literatura – renda em papel – é a minha trincheira de


resistência. A vida me dói? Escrevo. A paixão amorosa me privile-
gia e me desassossega? Escrevo. A morte mostra a cara quando
leva algum amigo? Escrevo. Alguém me atraiçoa, negando-me a
inteireza do afeto? Escrevo. A minha alma amanhece com a sensa-
ção de desamparo, sabendo-se sem um colo acolhedor? Escrevo.
E, ao escrever, teço-me de renda. Sou linha e sou bilro e sou almo-
fada recheada com a folha da bananeira. Sou neta maravilhada
diante de uma avó no oitão da casa, à fresca da tarde, espiando as
folhinhas novas da pitangueira, mas sou, também, avó seduzida
pelos risos infantis que, hoje, enchem a minha casa e o meu cora-
ção. Escrevo, escrevo, escrevo. Apaixonadamente. Com a alegria e
com as contradições de uma alma que nasceu poética, que sofreu
muitos reveses e que insiste em não ser enrodilhada, mas rendi-
lhada”.

Palavras em travessia, em Gazeta de Alagoas, edição de


13/12/2013

Empilho palavras
sob o sol ardente,
para não empalhar mágoas

257
à sombra dos amores.

Observo como o vento rendilha


a árvore para que eu consiga,
nessa azulada manhã de frio,
rendilhar-me
e deixar de ser, repetidamente,
a palavra que te aflige
e te pereniza.

Caminho à beira-mar
para aprender a ser cais, somente,
e não mais âncora ou elos,
nem casco musgoso de barcaça.

Empilho palavras
para que, ao sol ardente,
virem cinza em cores
e me surpreendam a cada estação
com a sempre nova e rotineira
des/ventura do amor.

CARALÂMPIA E OS MENINOS PELADOS

O romancista alagoano Graciliano Ramos escreveu literatu-


ra infantil, talvez querendo espantar seus próprios fantasmas. O

258
livro A Terra dos Meninos Pelados foi escrito por ele logo após ser
solto da prisão da Ilha Grande, num quarto de pensão no Rio de
Janeiro, e foi concluído em 1937, um ano antes de seu quarto, úl-
timo e decisivo romance: Vidas Secas. O mestre Graça fez mais
dois livros infantis: Alexandre e outros heróis e Pequena História
da República. Em “A Terra dos Meninos Pelados, uma novela cur-
ta, com 18 capítulos, Raimundo e Caralâmpia vivem em um mun-
do de sonhos. O autor criou a personagem espelhada em sua amiga
a psiquiatra Nise da Silveira, que fora sua companheira na prisão.

Aí Raimundo entristeceu e enxugou os olhos:


— É uma obrigação. Vou-me embora. Vou com muita sau-
dade, mas vou.
Tenho saudade de vocês todos, as pessoas melhores que já
encontrei. Vou-me embora.
— Volte para viver conosco, pediu Caralâmpia.
— É, pode ser. Se acertar o caminho, eu volto.
— Adeus, meus amigos. Lembrem-se de mim uma ou outra
vez, quando não tiverem brinquedos, quando ouvirem as conversas
das cigarras com as aranhas.
Fiquei gostando muito delas, fiquei gostando de vocês to-
dos. Talvez eu não volte.
Vou ensinar o caminho aos outros, falarei em tudo isto, na
serra de Taquaritu, no rio das Sete Cabeças, nas laranjeiras, nos
troncos, nas rãs, nos pardais e na guariba velha, pobrezinha, que
não se lembra das coisas e fica repetindo um pedaço de história.
Quero bem a vocês. Vou ensinar o caminho de Tatipirun aos me-

259
ninos da minha terra, mas talvez eu mesmo me perca e não acerte
mais o caminho.

Graciliano Ramos, em A Terra dos Meninos Pelados, edição


FNDE/ Ministério da Educação, 2003

COOPER: POETA MAIOR

O poeta Jorge Cooper (1911-1991) é alagoano, mas durante


a juventude passou algumas décadas no Rio de Janeiro e em São
Luiz (MA). Cooper foi bancário e servidor público federal. Seus
poemas trazem a marca da brevidade, da ausência da pontuação, da
escolha de palavras de uso cotidiano; os temas enfocam, princi-
palmente, as memórias do poeta e o próprio exercício da poesia.
Em 2011, a Imprensa Oficial do Governo de Alagoas lançou o li-
vro Poesia Completa de Jorge Cooper, em que foram reunidos to-
dos os poemas do autor em homenagem ao seu centenário. Em
2013, sua vida e obra viraram filme, dirigido por Victor Guerra, e
acabou por ganhar o Prêmio Guilherme Rogato, promovido pela
Secretaria de Cultura de Maceió. Um dos organizadores do livro
Obras Completas de Jorge de Lima, o professor e poeta, Fernando
Fiúza, fala sobre a obra de Cooper. Uma poesia de Cooper encerra
o verbete.

“A presença de Cooper [...] um signo da continuidade de


uma poesia áspera, enxuta e contundente, livre de penduricalhos

260
mitológicos e malemolência brejeira, e de uma postura poética
que dá as costas (melhor seria uma banana) à oficialidade e à re-
verência acadêmicas”.

Fernando Fiúza, em Poesia Completa de Jorge Cooper,


2011, Imprensa Oficial Graciliano Ramos

Maceió
ausente
fácil se me afigura
inteiro caber dentro de
Maceió
Mas se nas descidas da vida
o torna-caminho
é Maceió
claro então me volta à memória
o beco sem saída
o jogo de gata-parida
que é
Maceió
para o pobre de Jó.

Obras Completas, Jorge Cooper, 2011, p. 182

261
De Lêdo para Jorge

“Agrada-me principalmente nos poemas de Jorge Cooper a


identidade que existe entre o poeta e seu panorama natal. Projetan-
do em seus versos as preocupações de ordem metafísica ou psico-
lógica, a que nenhum poeta verdadeiro pode fugir, animando-os
com a força de um talento que o tempo só poderá tornar mais lím-
pido e sequioso. Jorge Cooper decerto enriquece sua geração com
uma poesia em que são muitas as originalidades substanciais e fe-
lizes soluções arquiteturais. Contrariando o comportamento de
seus jovens pares, que comumente se evadem para as paisagens
inventadas, muitas bebidas nas terras de ninguém dos panoramas
de poetas europeus, Jorge Cooper não fugiu: é com uma dignidade
de um participante e de um intérprete de seu dramático mundo na-
tivo que ele nos fala na terra natal, das redondezas da terra, da la-
goa e das estrelas.”

Por Lêdo Ivo, no argumento do documentário Jorge Cooper


– A Cidade é do Poeta, direção de Victor Guerra

Um estandarte da poesia

O poeta Jorge Cooper foi o estandarte e a revolução da


troupe dos anos 1980 na provinciana Maceió. Há histórias incrí-
veis, sobre o barulho que estes meninos impossíveis causaram na
cena literária local. O filho de Jorge, o também poeta Charles Coo-
per, relata um desses episódios, de movimentação produzida pelos

262
jovens intelectuais. Há a história da panfletagem feita por Marcos
de Farias Costa, acompanhado pelo amigo também poeta, Norton
Sarmento em um evento na Reitoria da Universidade Federal de
Alagoas (Ufal), onde o meio universitário e a Academia Alagoana
de Letras estavam homenageando outro poeta, outro Jorge, o Jorge
de Lima.

“O teor do panfleto era na realidade um manifesto que se fa-


lava da existência de dois Jorges: um extremamente conhecido
poeta, romancista, o autor de Invenção de Orfeu; e outro, o Jorge
Cooper, poeta intimista, hermético, inédito, comunista, um senhor
simpático, culto e sem frescura que ouvia, lia e opinava em meio à
novíssima geração que precisava de um referencial. Surtiu efeito o
panfleto-manifesto, chamando atenção de uma professora da Uni-
versidade de Roma, Luciana Stegagno Picchio (1920-2008), erudi-
ta, estudiosa da literatura portuguesa e brasileira, amiga do home-
nageado Jorge de Lima. Pelo seu interesse pelo Jorge pouco co-
nhecido, foi à procura do mesmo no dia seguinte, ciceroneada por
Marcos de Farias Costa. Aquele encontro produziu uma frase dita
como de autoria da italiana sobre Jorge Cooper ‘um cacto solitário
da poesia alagoana’. O reconhecimento dos companheiros de ge-
ração de Cooper foi acontecendo quase diariamente, não sei com
certeza, se de modo espontâneo ou de modo contingencial. A his-
tória da inédita obra cooperiana em se tornar pública e acessível a
todos, a partir daí, vai ser longa”.

Por Charles Cooper, em seu blog

263
FERNANDO FIÚZA: CONTEMPORANEIDADE

Fernando Otávio Fiúza Moreira, 56 anos, escreveu seu pri-


meiro livro de poesia – O vazio e a Rocha – com 31 anos, em
1992. Na década de 80, Fernando Fiúza forma-se em Economia
pela Universidade Federal de Pernambuco, entretanto, nunca exer-
ceu a profissão, e partiu para construir sua trajetória como poeta,
compositor, tradutor, crítico literário, professor e dramaturgo. Fer-
nando Fiúza seguiu os passos de grandes intelectuais alagoanos, e
embarcou na diáspora literária, deixando Maceió para aportar no
Rio de Janeiro e lá viveu até meados da década de 90, período –
segundo o próprio poeta - de maior produção do autor. Em 1995,
resolve ir para França estudar, voltando em 2000 com os títulos de
mestre e doutor em Langue et Littérature Françaises, pela Univer-
sité Stendhal Grenoble. Ao terminar o doutorado, volta para Ma-
ceió. Em 2001 ingressa na Universidade Federal de Alagoas, como
professor da graduação e pós-graduação do curso de Letras. Refe-
rente à sua produção poética, Fernando Fiúza lança seu segundo
livro em 2004: Tira-prosa; em 2008, Alagoado; já em 2012 é lan-
çado Outdó. Em 2013, o poeta resolve enveredar pelo ramo da
dramaturgia, e vê no palco Balanço Final – um monólogo, com
direção de Homero Cavalcante e interpretação de José Márcio Pas-
sos. No livro Alagoados, Fernando retoma seu umbigo, e reúne 20
anos de poesia sobre sua terra, Alagoas. “Alagoado não procura a
alagoanidade (apenas um dado, viciado): sua baliza é porto, lugar
permanente de passagem, a primeira terra, a última água, o fim do
mar, lugar de bandeiras e neurto, ou quase: uma nação visitando

264
outra, em casco, gente e fardos. A bússsola artesanalmente fabri-
cada às duras penas – e a-partes”.

O Mapa

Há quem perceba no mapa


geográfico de Alagoas
o formato de um revólver.

O lado externo do cabo


é de esmeralda corrente
e um morno colar de areia;

O de dentro, também verde,


de canaviais e mangue,
lagoa, riacho e rio.

O cão seria em Penedo


e a mira na Paulo Afonso
onde Delmiro se fez.

O lado externo do cano


é também feito de água
cansada do São Francisco.

O gatilho mais preciso


presisamente em Palmeira

265
- ou seria em Quebrangulo?

Searas gracilianas
- agrestes de talo e prego,
rifle, cinema e calor.

Mas não foi arma que vi


no mapa das Alagoas,
foi um alvo negro e úmido.

A virilha da direita
é de esmeralda corrente
e um morno colar de espuma;

Da sinistra sabe o rio


que dá diamba e melão
e na foz fez um deserto.

Sob os pelos afiados


- palha de cana e caatinga
- dorme uma carne macia.

- Pedra mole e massapé –


sangue velho, muita rima,
rendado, ostra e espelho.

Mas a greta é imprecisa:

266
Paraíba ou Mundaú?
Neste aí Jorge de Lima

na leda da margem porosa


fundou seu mundo de luz
sob as mangueiras em flor.

Fernando Fiúza, poesia coligida do livro Alagoado, 2008,


Belo Horizonte

GONZAGA LEÃO: LIRISMO NA VEIA

Alagoano de União dos Palmares, Luiz Gonzaga Leão


(1929-2018) está sempre avant la lettre, com seus livros sendo
lançados, e ele não pára de fazer versos. Na literatura, tem diversos
livros de poemas publicados e sua obra foi reconhecida por escrito-
res como Carlos Drummond de Andrade. É membro da Academia
Alagoana de Letras e Academia de Letras e Artes do Nordeste.
Gonzaga Leão não negou sua pena, em poemas de alto lirismo,
para expressar o repúdio às tentativas contra a dignidade humana,
mas sua poesia é marcada pela simplicidade e leveza. Como ele
mesmo fala na apresentação do seu livro Tijolo sobre Tijolo, Pala-
vra sobre Palavra (Imprensa Oficial Graciliano Ramos, 2012), de
onde extraímos o poema que vem logo a seguir. “É uma poesia
simples, nada complicada e, para entendê-la, não precisa decifrá-
la ou levá-la aos divãs da psicanálise. Nenhuma conotação mora-

267
lista, conceituosa, filosófica. Enfim, é uma poesia leve, onírica,
intimista mas também contemplativa, de um lirismo, acho, quase
em extinção, que se coloca sempre ao lado da vida, tantas vezes
amarga, suja, violenta, mas que nos deixa, como raspa no fundo
do tacho, alguma coisa de sua beleza. De sua sensualidade. É
quando poeta acorda e a poesia acontece”.

Que mar é esse?

Que mar é esse que cala


quando me faço presente?
que mar é esse que fala
bem fundo se estou ausente?

Que mar é esse tão grande


(parece que não tem fim)
Que começa pelas ondas
e sempre termina em mim?

Que mar é esse que sabe


tudo de mim e que ama
partilhar comigo a casa
partilhar comigo a cama

e se possível querer-me
e se possível tocar-me
e se possível possuir-me

268
e se possível anular-me

para me dizer que sou


aquele astuto marujo
que só viaja nos mares
que escuta dentro dos búzios

Gonzaga Leão, em Tijolo sobre Tijolo, Palavra sobre Pala-


vra (Imprensa Oficial Graciliano Ramos, 2012),

Fé no amor e no ser humano

Bacharel em direito e funcionário do Banco do Brasil, achou


nas letras os caminhos de sua vida e poesia, sem cansar de expres-
sar sua fé no amor e na criatura humana, como ele mesmo escre-
veu: “A vida, tantas vezes amarga, suja, violenta, mas que nos dei-
xa, como raspa no fundo do tacho, alguma coisa de sua beleza, de
sua sensualidade”. Poeta cuidadoso e atuante, gostava de enviar
para os amigos e colegas de arte, pelos correios, em envelopes bem
cuidados e devidamente selados, os seus livros publicados, devi-
damente autografados, entre estes estão: Casa somente canto, casa
somente palavra (1995), Preparação da manhã (2005) e Tijolo so-
bre tijolo, palavra sobre palavra (2012). Desde o seu nascimento,
no distrito de Rocha Cavalcante, em União dos Palmares, em 1929,
até a sua morte, em Maceió, aos 89 anos incompletos, o que Gon-
zaga fez mesmo, e melhor, foi ser poeta, poeta dos bons, daqueles

269
que conseguem falar à nossa alma como se dissessem as coisas
mais simples.

“Para Alagoas, o desaparecimento de um ser humano da


categoria de Gonzaga Leão representa um doloroso desfalque lite-
rário e humano. Discreto em demasia, beirando a timidez, o meu
pranteado amigo era um sentimental. Amava a família, os amigos,
a literatura. Não creio que Gonzaga tenha morrido. Só o seu cor-
po adormeceu para sempre, com a glória de ter sido o que ele foi –
“partir como sei bem partir de mim/ que é como faço e sempre fiz
e agora/ saudoso de partir e não voltar”.

Diógenes Tenório Júnior, artigo publicado na Gazeta de


Alagoas, edição de 08/06/2018

HERMETO: POESIA TIRADA DO SOM

Nascido em Lagoa da Canoa, agreste alagoano, em 22 de


junho de 1936, Hermeto Pascoal, o albino brasileiro mais conheci-
do no mundo, com sua barba e cabelão galego crespo, olhos estrá-
bicos bem abertos, e seus óculos fundo de garrafa, faz música des-
de menino. Aos sete anos começou a tocar sanfona de sete baixos e
flautas rudimentares feitas por ele mesmo. Ao longo de toda a car-
reira, a criatividade de Hermeto tem se mostrado inesgotável. Entre
os sons que ele tira em suas músicas estão desde o grunhido do
porco ao alvoroço das galinhas. Como num passe de mágica, os

270
objetos em sua volta têm sonoridade e harmonia: chaleira, panela,
ferro, madeira. Mas ele virou estrela internacional como multi ins-
trumentista. O “bruxo” alagoano das canoas, toca, compõe e escre-
ve, até em um papel de hotel, todas as cifras de sua música, inclu-
indo um hino para Alagoas. Hermeto toca tudo com perfeição e
ousadia: saxofone, bateria, piano, escaleta, flauta, violão, contra-
baixo, bombardino, sanfona, que sola de forma magistral. Em Ca-
lendário do Som (2000), chegou ao requinte de criar uma composi-
ção diferente para cada feriado e dia de santo. Ele já tinha criado
uma canção para o Dia de São Antonio.

Vem uma pessoa e diz


Amanhã tem acompanhamento
Que santo? É Santo Antonio

E sai todo mundo


De chapéu na cabeça
Com o Santo Antonio na caixa
E aquela meninada atrás
E sai de casa em casa

Esmola pra Santo Antonio


Esmola pra Santo Antonio
Ajudar você

Pode dar ovos, pinto, abóbora, o que tiver


Quando é a festa?

271
É dia 13, dia de Santo Antonio
Ô de casa
Ô de casa

Esmolinha prá Santo Antonio


Santo Antônio casamenteiro.

Hermeto Pascoal, transcrição do áudio do disco Zambumbê-


Bum-Á – 1979 – Warner Arquivos

JORGE: O MENINO IMPOSSÍVEL

O Mundo do Menino Impossível, poema de Jorge de Lima


(1893-1953), publicado em 1927, foi a primeira manifestação do
autor no movimento Modernista da literatura brasileira. Gilberto
Freyre e Manoel Bandeira aclamaram o poema; José Lins do Rego
definiu “O Mundo...” como “os mais belos versos que a gente po-
de ler em português”. O menino de engenho do poema abandona
os brinquedos antigos e estrangeiros, para buscar, sozinho, sua cri-
ação autêntica, aplicando a criação e a tradição do faz-de-conta aos
objetos de seu ambiente. Jorge de Lima foi um dos estandartes pa-
ra a chegada do Modernismo em Alagoas, liderando, junto com
Lins do Rego, a abertura oficial do movimento, em Maceió, com a
famosa Festa da Arte Nova, em junho de 1928. Vale ler a poesia
inteira, sem edição ou cortes:

272
O mundo do menino impossível

Fim da tarde, boquinha da noite


com as primeiras estrelas
e os derradeiros sinos.

Entre as estrelas e lá detrás da igreja,


surge a lua cheia
para chorar com os poetas.

E vão dormir as duas coisas novas desse mundo:


o sol e os meninos.

Mas ainda vela


o menino impossível
aí do lado
enquanto todas as crianças mansas
dormem
acalentadas
por Mãe-negra Noite.
O menino impossível
que destruiu
os brinquedos perfeitos
que os vovós lhe deram:

o urso de Nurenberg,

273
o velho barbado jugoeslavo,
as poupées de Paris aux
cheveux crêpés,
o carrinho português
feito de folha-de-flandres,
a caixa de música checoslovaca,
o polichinelo italiano
made in England,
o trem de ferro de U. S. A.

e o macaco brasileiro
de Buenos Aires
moviendo la cola y la cabeza.

O menino impossível
que destruiu até
os soldados de chumbo de Moscou
e furou os olhos de um Papá Noel,
brinca com sabugos de milho,
caixas vazias,
tacos de pau,
pedrinhas brancas do rio...

“Faz de conta que os sabugos


são bois...”
“Faz de conta...”
“Faz de conta...”

274
E os sabugos de milho
mugem como bois de verdade...

e os tacos que deveriam ser


soldadinhos de chumbo são
cangaceiros de chapéus de couro...

E as pedrinhas balem!
Coitadinhas das ovelhas mansas
longe das mães
presas nos currais de papelão!

É boquinha da noite
no mundo que o menino impossível
povoou sozinho!

A mamãe cochila.
O papai cabeceia.
O relógio badala.

E vem descendo
uma noite encantada
da lâmpada que expira
lentamente
na parede da sala...

275
O menino pousa a testa
e sonha dentro da noite quieta
da lâmpada apagada
com o mundo maravilhoso
que ele tirou do nada...

Xô! Xô! Pavão!


Sai de cima do telhado
Deixa o menino dormir
Seu soninho sossegado!

Obra prima redesenhada

O poema O Mundo do Menino Impossível de Jorge de


Lima, que marca sua entrada no Modernismo, foi lançado
em 1927, em uma brochura feita pelo próprio autor, confec-
cionada em uma tipografia do Rio de Janeiro (Rio Typogra-
phia), com apenas 300 exemplares numerados e rubricados
pelo poeta. Segundo o historiador Moacir Sant´Ana dois
exemplares foram especialmente compostos em “finíssima
cambraia”, destinados a Oswald de Andrade, e a seu irmão
caçula, Hidelbrando de Lima, que coloriu as páginas. Em
2017, noventa anos depois, a Imprensa Oficial Graciliano
Ramos, lançou uma nova edição do ‘Meninos Impossíveis’,
no formato de literatura infantil, ilustrado em forma de his-
tórias em quadrinhos, pela design alagoana Chris K. O lan-

276
çamento foi na Academia Alagoana de Letras. Pela primeira
vez, uma editora de Alagoas publicava um título do poeta.
Para o presidente da Academia Alagoana de Letras, Carlos
Méro, o livro foi um marco na literatura alagoana.

“Trata-se de uma obra importantíssima para a literatura


alagoana, a entrada do poeta na vanguarda das letras nacionais, o
Modernismo. Em um bom momento, a Imprensa Oficial resgata
esta poesia, e o melhor de tudo, traz em roupagem infantil, para
que as novas gerações conheçam a poesia mágica de Jorge de Lima”.

Meninos impossíveis do Modernismo

Com a adesão de Jorge de Lima ao Modernismo, principal-


mente depois da publicação de O Mundo... , surge o grupo alagoa-
no literário que iria divulgar e incorporar o movimento. Passam a
ser denominados “os meninos impossíveis” das Alagoas, que vão
dominar a cena literária do fim dos anos 1920, até os anos 1930,
quando surge o Romance Nordestino.

“Nas colunas de vários jornais periódicos de nossa provín-


cia, foram estampados noticiários, crônicas e estudos, de autoria
entre outros, de Jorge de Lima, José Lins do Rego, Tavares Bas-
tos, Emílio de Maya, Pontes de Miranda, Barreto Falcão, Arnon
de Mello, Valdemar Cavalcanti, Guedes de Miranda, Paulo Malta
Filho, Manuel Diegues Júnior, Aurélio Buarque de Holanda, Raul
Lima, Luiz Lavenère, José Aloísio Vilela, Costa Aguiar, Carlos

277
Paurílio, Carlos J. Duarte, Renato Alencar, Aloísio Branco, Mário
Marroquim, Lobão Filho e Alberto Passos Guimarães”.

Moacir Sant`Ana, em História do Modernismo em Alago-


as,Edufal, 1980 e Documentário do Modernismo, Edufal, 1978.

JACINTO: PASSEIO POR MACEIÓ

Jacinto Silva (1933-2001), um dos maiores forrozeiros ala-


goanos, representante máximo do coco sincopado como ritmo mu-
sical, foi também compositor e poeta, e dos melhores. Ele deixou
para nós essa letra ritmada, que fala de suas farras pelos bairros de
Maceió. O cantor, poeta, compositor e estradeiro – adorava fazer
shows Brasil à fora – cresceu ouvindo cantadores de coco, repen-
tistas, violeiros, mestres de reisado e de toré, guerreiros, cantadores
de sentinela e terço, e os grandes artistas da época de sua adoles-
cência: Orlando Silva, Francisco Alves, Bob Nelson e Luiz Gon-
zaga. Jacinto se tornou um exímio cantor, que virou um ícone do
baião, do xote, do xaxado, do coco alagoano, do arrasta-pé e da
marcha de roda.

Ô que saudade danada


não posso nem recordar
me lembrei do meu xodó
lá de Maceió

278
e da turma de lá

Eu tenho saudade do bairro do Poço


Trapiche da Barra, Mangabeira e o Farol
de Ponta da Terra e de Jaraguá
da festa do Prado eu era o maior

E em Ponta Grossa
no Vergel do Lago eu tinha um namoro
me deu saudade da turma de lá
E hei visitar o meu bairro Bebedouro

Ô que saudade danada


não posso nem recordar
me lembrei do meu xodó
lá de Maceió
e da turma de lá

Nunca mais eu vi um sururuzeiro


entrar na lagoa e tirar sururu
pegar siri ou caranguejo uçá
pescar carapeba, mandin e muçum
camarão e ostra também têm valor

Jacinto se lembrou de sua terra amada


tenho saudade do Gogo da Ema

279
e das morenas que tem na Levada

LÚCIA GUIOMAR: ÍCONE DA POESIA

Volto à minha terra


em prateados cavalos alados
quem nasce caetés
morre caetés

Em Poemeu, 1977, São Paulo

Lúcia Guiomar Porciúncula Teixeira (1943-2016), a nossa


Lúcia Guiomar, foi a mais sensível, grandiosa e genial poeta ala-
goana, e deixou um rastro de luz por onde passou. Médica, com
especialidade em psiquiatria, ela se tornou uma referência na saúde
mental entre os profissionais de sua geração. Ao mesmo tempo,
com a mesma sensibilidade, Lúcia Guiomar fez da poesia sua ins-
piração e sua arte, foi o coração acelerado da vanguarda e do mo-
vimento underground dos 1960 e 1970, com posições firmes de
enfrentamento à repressão da ditadura militar. Inspirou outras ge-
rações, mergulhou de cabeça na superestrutura do mundo. Irriqui-
eta por natureza criou eventos que se tornaram cultuados. Lúcia foi
uma das idealizadoras do Festival de Verão de Marechal Deodoro,
cujo primeiro se realizou em 1968, como também do Prêmio Guer-
reiro Alagoano. Uma das idealizadoras, também, do Primeiro
Stand'Art, na década de 70, onde selecionou textos nos quais foram

280
incluídas poesias de autores alagoanos, no espetáculo “Poesia e
Expressão Corporal”, que apresentou e dirigiu. No Segundo Stan-
d'Art, dirigiu o espetáculo denominado Ilha, no Teatro de Arena
Sérgio Cardoso, composto, em especial, de poesias de Jorge de
Lima e Beto Leão. Criadora do projeto "Ética e Estética das
Águas". Editora de O Clínico, jornal do Diretório Acadêmico da
Faculdade de Medicina e onde iniciou a publicação de poemas de
sua autoria. Na década de 60 começou a publicar poesias no su-
plemento literário da Gazeta de Alagoas.

Obras: Poemeu, São Paulo, Gráfica Bentívegna Editora,


1973; Araterra, Maceió, Editora Grafitex, 1981; Os Bons Demô-
nios, Maceió, Grafitex , 1981 (poesia de cordel); Poemas Gerados
no Hiato - Poemas Gerados no Exílio, Maceió, Grafitex, 1981;
Expressão Guaruaba, ilustrações de Reinaldo Lessa, São Paulo,
Massao Ohno Editor, 1992. Uma das alagoanas citadas no Dicio-
nário Crítico de Escritoras Brasileiras de Nely Coelho. Sobre sua
obra poética foi publicado Lira e Angústia, de autoria de Raquel
Villard Miranda, São Paulo, Edicon, 1988. E a obra completa de
suas poesias reunidas em Negro e Azul como a Alma, de 2001,
editado pelo seu grande amigo, Beto Leão. Com as poesias Atlan-
tis, Natura, Caeté 89, Narciso: Da Natureza e do Ser participou de
A Poesia das Alagoas, Recife, Edições Bagaço, 2007.

Narciso: da natureza e do ser

quando alcei voo

281
voei por partos pragas e partidas
de maceió às vagas estrelas
das manguabas às madrugadas

quando partida pedaços cantei


fiz-me
absinto
trombeta
virada
e virei
as teorias dos planctos
poeiras
pedaços de estrelas

ex-fera em contato com a beleza


mar se marco
navegante sem rastros
rastreadora de mim
para lá das tordesilhas
navego minha jangada

_____________

Caeté 89

conservo em minha alma


o manto do mantra

282
o verde do verbo minha língua
restingas vertigens
mistura de dores tambores
celestiais sabores
como as estrelas do arco-íris
persigo perigos
sete fadas
sete risos
cavalgados até o âmbar
toda luta toda paz
cochilo o conflito da andorinha
pasto raro
ave de rapina
curva de coqueiro
infinito retorno à madrugada
parto das enseadas
agridoce planctons da vida
saboreando néctares e nabos
como em uma grande gargalhada

Poemas coligidos do livro A Poesia das Alagoas, organiza-


do por Edilma Bomfim e Carlito Lima, Edições Bagaço, 2007,
Recife

283
LUIZ GONZAGA CANTA ALAGOAS

Com letra de Edu Maia, violonista dos anos 1980, Pedaço


de Alagoas foi um sucesso nacional na voz do rei do Baião, Luiz
Gonzaga, quando mostra seu amor por Alagoas. Sua voz soa vigo-
rosa para cantar Alagoas e sua beleza, quem não ainda ouviu corra
para ouvir. Pedaço de Alagoas aparece em seu último trabalho, o
LP Vou te Matar de Cheiro, editado pela gravadora Copacabana, e
também tece elogios a pontos famosos como a Praia do Francês e a
Lagoa Mundaú. De Lourival Passos ele gravou “Maceió”, na qual
também exalta a beleza inconfundível da capital mais bonita do
Brasil, “Ai, ai, qua saudade, ai que dó. Viver longe de Maceió”.
Com o estouro da música, o autor de Pedaço de Alagoas, Edu Maia
gravaria um compacto da música por um selo paulista com vocal
de Silvinha Araújo e participação de Oswaldinho do Acordeon.

Pedaço de Alagoas

Luiz Gonzaga
Letra da música: Edu Maia

Areia branca à beira-mar


Ai que saudade
Qualquer dia desse eu volto lá.

Quem é que não gosta de carinho


Quem é que não gosta de um xodó

284
Quem é que não sente saudade
De um dia de sol em Maceió.

Num passeio de barco ou de jangada


E a velha piscina do meio do mar
Levar sua namoradinha
Pra um dia feliz e regressar.

Num domingo de sol bem cedinho


Passear na Lagoa de Mundaú
Tomar uma cachaça no trole
E pedir tira-gosto de caju.

Tomar banho na Bica da Pedra


Rever a Praia do Francês
E a Barra de São Miguel
Cururipe tem praias tão lindas
Que se confundem com o mar
São José de Coxinho abençoe
Lagoa do Pau pra marujo que há.

MARCOS FARIAS AVANT LA LETTRE

Marcos de Farias Costa, 64 anos, é até hoje o que se pode


considerar o enfant terrible da literatura alagoana. Irrequieto por
natureza, o bardo alagoano vive, pensa e transborda poesia, de to-

285
das as formas que se possa imaginar. Desde os anos 1980, quando
“militava” em um grupo de intelectuais “sobreviventes” que até
hoje forma a turma da cena contemporânea das artes e manhas das
Alagoas. Entre os que constituem este importante grupo estão Sid-
ney Wanderley, Marcondes Costa, Diógenes Tenório Junior, Elício
Murta, Luis Costa Pereira Junior, Susana Souto, Luzia Helena
Wittmann, Norton Sarmento Filho. Na cena atual cada um foi em
busca de seus sonhos, cada um foi buscar seu pão e sua cachaça,
mas nunca abandonaram o front das letras. Marcos Farias publicou
livros de poemas carnalmente eróticos; escreveu ensaios sobre lite-
ratura universal, editou a revista cultural Dialética, dedicada a te-
mas como tradução de poesia, literatura comparada e crítica literá-
ria. Recentemente lançou dois CDs com músicas autorais, em sua
própria voz. E no momento organiza uma antologia de letras de
música que citem ou façam alusão a Maceió. Alagoano da gema,
ele tem na versatilidade de estilos o seu talento para as artes: para
além de poeta, ele é cantor, tradutor, editor, livreiro, compositor
(de sambas e chorinhos), e nas horas vivas dedica-se à crítica lite-
rária, “sempre se opondo ao mau-mocismo das velhas práticas
provincianas dos elogios entre amigos e do puxa-saquismo auto-
congratulatório”, como ele próprio assinala. Formado em Psicolo-
gia, nunca exerceu a carreira, preferindo optar pela poesia. É tradu-
tor da língua alemã. Compositor bissexto, com prêmios e reconhe-
cimentos. Em 2017, lança pela Imprensa Oficial Graciliano Ramos
o livro A História de um Soldado, uma tradução da obra do suíço
C. F. Ramuz.

286
Oficina do soneto
Pra cometer um soneto é preciso
dosar-se muito bem amor e morte
e da mistura então glosar o mote,
assim como quem monta um paraíso.

Um soneto se faz com azar e sorte,


uns lances de loucura e de juízo -
um soneto se arma em pranto e riso,
o coração ao sul e a mente ao norte.

Mas fazê-lo perfeito, necessário


o tom mais pessoal, e o verbo vário,
senão resta somente artifício.

E eis que chego ao fim do impune vício,


ponho o verso final, branco no preto,
e pronto, terminei este soneto.
_______________

Os bagos da fé

Eu juro
pelos pentelhos da Virgem
que o meu futuro
é pura vertigem.

287
Eu prometo
pelas barbas de Maomé
botar cianureto
no teu café.

Eu garanto
pelas trombetas de Jericó
que o meu canto
supera a clave de dó.

Eu testemunho
sem cruzar os dedos
que o mês de junho
não tem segredos.

Eu asseguro
por meus testículos
que não aturo
quaisquer versículos.

Eu abjuro
todas as juras
todos os muros
e sepulturas.

288
Obras: O amador de sonhos (1982), Ócios do ofício (1984),
A quadratura do círculo (1991), A comédia de Eros (1997), Doce
Estilo Novo (2000), O Jardim Selvagem (2013), A História do
Soldado, tradução de C. F. Ramuz (2017), pela Imprensa Oficial
Graciliano Ramos

NEGRA FULÔ: BELEZA E SENSUALIDADE

Do cultuado poema Negra Fulô, não se sabe se é uma per-


sonagem fictícia ou uma aventura sensual do poeta Jorge de Lima
(1893-1953), onde relembra sua infância como menino de enge-
nho, e mescla a dura vida a que eram submetidos os escravos aos
aspectos sensuais e sedutores das escravas, das mucamas, que en-
chiam de desejos os homens brancos da corte. Seu poema Essa
Negra Fulô foi publicado pela primeira vez na editora Casa Tri-
gueiros, em Maceió, em 1928.

Essa Negra Fulô

Ora, se deu que chegou


(isso já faz muito tempo)
no banguê dum meu avô
uma negra bonitinha,
chamada negra Fulô.

Essa negra Fulô!

289
Essa negra Fulô!
Ó Fulô! Ó Fulô!
(Era a fala da Sinhá)

— Vai forrar a minha cama


pentear os meus cabelos,
vem ajudar a tirar
a minha roupa, Fulô!

Essa negra Fulô

Essa negrinha Fulô!


ficou logo pra mucama
pra vigiar a Sinhá,
pra engomar pro Sinhô!

Essa negra Fulô!


Essa negra Fulô!

Ó Fulô! Ó Fulô!
(Era a fala da Sinhá)
vem me ajudar, ó Fulô,
vem abanar o meu corpo
que eu estou suada, Fulô!

vem coçar minha coceira,


vem me catar cafuné,

290
vem balançar minha rede,
vem me contar uma história,
que eu estou com sono, Fulô!

Essa negra Fulô!


....

O Sinhô foi açoitar


sozinho a negra Fulô.
A negra tirou a saia
e tirou o cabeção,
de dentro dêle pulou
nuinha a negra Fulô.

Essa negra Fulô!


Essa negra Fulô!

Ó Fulô! Ó Fulô!
Cadê, cadê teu Sinhô
que Nosso Senhor me mandou?
Ah! Foi você que roubou,
foi você, negra fulô?

Essa negra Fulô!

291
RENAULT: MOTOR DA NOVA POESIA

Paulo Renault Braga Villas Boas (1958-2003) era irrequieto


por natureza, boêmio por excelência, poeta humanista, mas de face
amarga, contra a hipocrisia do mundo. Morreu aos 48 anos, mas
deixou uma obra densa, forte, que se encaixaria bem no Brasil de
hoje. A Saga do Toureiro foi seu primeiro livro, lançado em 1994,
pela editora da Universidade Federal de Alagoas. Segundo Edson
Mario de Alcântara, que faz a apresentação, “o poeta desmascara o
falso bem, desmascara a bondade formal e mentirosa... não há
poema que não denuncie o estado do mundo”, e das Alagoas.

Se vocês pensam...

Se vocês pensam que eles vão parar por aí,


Estão enganados.
É que as gaiteiras, manimbus e aratus
Já estão dizimados.
A jaracuçu, a cobra verde,
O uçá e o guaiamum
Já boiam de barriga para cima
Entre o pântano e a lagoa.

E o que há de mais de podre nesta cidade,


(afora os discursos políticos, claro),
Tomam o rumo das lagoas, do mar e dos rios.
Mas eles não vão parar por aí não!

292
Ainda haver-se-á de passar pelas praias
Vestidos de astronautas,
Não que iriam transformar as águas em lua,
Mas, ao contrário, em anti-lua.

Já expulsaram os atores dos palcos,


Os quadros de vanguarda das galerias,
Já acabaram com os museus,
Orquestras e centros de arte.
Mas eles não vão parar por aí!

E só restará como música


A buzina dos automóveis,
E quem quiser assistir a uma peça,
Terá que se dirigir à Assembleia Legislativa,
E quem quiser ver um quadro,
Só nas salas de aula, quer dizer, vazias.
Porque eles já deram um jeito de expulsar
Professores e alunos.
Mesmo assim eles não vão parar aí!

Quando restar só o cadáver,


Eles irão arrancar as carnes,
Engolir o sangue coagulado,
Roer os ossos,
Comer os miolos e dar descarga no que sobrar.

293
Depois vão colorir a cidade para dizer
Que está tudo bonitinho.

Paulo Renaul, em Saga do Toureiro, Fundação Teatro Deo-


doro, 1994

Poesia, militância e música

A política foi um dos assuntos que mais atraiu Paulo Re-


nault, além da poesia, da música e da boemia com os amigos. Che-
gou a militar no Partido Comunista Brasileiro (PCB), mas não re-
sistiu aos dogmas do “Partidão”, mas ele tinha nas veias o sangue
do histórico militante comunista Júlio de Almeida Braga, seu avô e
um dos fundadores do PCB, em Alagoas. Mas o caminho da poesia
e da musica escolhidos, levou com ele os conceitos aprendidos na
militância. Paulo Renault foi parceiro musical, como compositor,
dos músicos alagoanos Chico Elpídio, Eliezer Setton, Marcondes
Costa e Carlos Moura. Integrou com eles um dos mais importantes
grupos musicais de Alagoas, o Grupo Terra, no final dos anos 70 e
até o início dos oitenta.

O mundo boêmio de Renault

Paulo Renault vivia de forma simples e franciscana, entre o


trabalho, a família, os livros e os amigos nos botecos, ali bem per-
tinho, no bairro de Jaraguá, onde morava e adorava os papos e dis-
cussões acaloradas com amigos, da tardinha ao amanhecer. Ali,

294
buscava o fermento de sua árida poesia. Poeta, compositor, funcio-
nário público, trabalhou na Fundação Cultural Cidade de Maceió e
Fundação Teatro Deodoro, Paulo Renault foi até vendedor da
Brahma, mas sempre atento ao mundo.

“O boteco com três mesinhas à beira do riacho do Salgadi-


nho era um termômetro da sua satisfação. Agora imaginem os fi-
nais de tarde no Largo do Mercado de Jaraguá, no alegre Buraco
da Zefinha? Um típico copo-sujo da cidade, mas que durante mui-
tos anos foi frequentado por boêmios de várias extrações sociais.
Era o local onde o poeta pontificava com mais assiduidade. O
samba cantado pelo cantor Zé Paulo era o que havia de melhor e
diferente nas tardes de sábado em Maceió. Os intervalos invaria-
velmente eram destinados aos recitais dos poemas de Renaul e de
outros poetas. Os amigos, depois de tomar muitas cervejas, insis-
tentemente solicitavam que Paulo Renault declamasse Vou embora
pra New York, o seu mais conhecido poema. Palmas, assovios,
gritos e mais bebidas, sempre”.
Por Geraldo de Majella, no endereço
http://majellablog.blogspot.com.br/2010/06/poeta-
compositor-e-boemio.html

Vou embora para New York

Vendi minha alma ao diabo.


A preço bom é claro.

295
Vendi-a, porque Deus não quis comprá-la
Se quisesse,
Teria me oferecido pelo menos um dólar.
Ao que o velho satã pagou-me cinco...

Para isso
Pretendo viajar o mundo inteiro:
Ao mercado negro da Pérsia,
Às catacumbas do Egito,
À terra dos pigmeus,
Às calcinhas de lycra das bonecas de Paris,
Ou quem sabe,
Aos mictórios imundos,
Fedorentos de Istambul.
Talvez, nestes lugares encontre
Alguma coisa nova
Menos desprezível que a Rua do Comércio
Ou o bar do Chopp.
Ou a praça dos Martírios
(nunca vi um nome tão feliz para uma praça
Que não significa absolutamente nada).
Cidade bonita é New York
Com milhares de pessoas a passarem pela Wall
A avenida sem almas.
Cidade maravilhosa...

Minha alma, sem dúvida,

296
Quero dizer, minha nova alma
Comprarei em New York.

Paulo Renaul, em Saga do Toureiro, Fundação


Teatro Deodoro, 1994

ROSÁLIA: POETISA PIONEIRA

Rosália Sandoval (1876-1956) foi poetisa, cronista, jornalis-


ta, professora. Rosália é reconhecida com a primeira poetisa a lan-
çar seus versos em Alagoas. Aos 32 anos foi transferida da cadeira
de professora primária de Tatuamunha, em Porto de Pedras, litoral
norte de Alagoas, para a de Jussara em União dos Palmares. Do
litoral ao sertão o que lhe importava era ser educadora. Dirigiu o
Colégio Parthenon, onde foi professora de Português e Francês.
Viveu no Rio de Janeiro a partir da década de 1920. Ficou órfã de
pai ainda criança, e perdeu o irmão poeta (Sebastião Sandoval)
muito nova. Rosália escreveu versos, contos, fábulas, anedotas,
prosa poética intimista, crítica literária e literatura infantil. Na épo-
ca, Rosália era um furacão que transformava aquele ambiente mor-
no, em um caldeirão.

Boemia

Loura boemia segue em longa estrada,


cabelos soltos, bandolim vibrando,

297
olhos no espaço, trêmula, cantando,
cantando a mágoa que em seu peito mora.

Pés descalços, o rosto cor da aurora,


vai pelas ruas todas esmolando...
esmola? Não. Desde que vai cantando
recebe o prêmio da arte que enamora.

... Na blusa clara dois remendozinhos


ocultando a maldade que fizeram
as travessas roseiras do caminho.

Formosa e jovem passa pela vida,


sem ter os sonhos que seus pais tiveram
sem amor, sem vaidade, sem guarida!

Publicado no jornal maranhense Pacotilha, em 28 de março


de 1917, disponível em memória.bn.br

ROSÁLIA BRANDÃO NO TABLADO

No final de novembro de 2015, Alagoas ficou mais triste


com a morte da poetisa, escritora, advogada e procuradora de Esta-
do, Rosália Brandão. Rosália era a felicidade em pessoa, fez parte
da geração dos 1980/1990, em Maceió. Foi, ao lado de sua grande
amiga, Aline Marta, as rainhas loucas dos palcos na cena musical

298
alagoana, com os grupos Caçoa Mas num Manga, quando realiza-
ram o antológico show Babe Bicho, que reuniu no palco Júnior
Almeida, Nelsinho Braga, Jorge Barboza, Gal Monteiro, Aline
Marta, Rosália Brandão, Emídio Magalhães, e uma “cozinha” ma-
ravilhosa: Zé Barros, Zé Carlos e Baygon, Mirna Porto e Eliane
Vielmond. Rosália escreveu o livro Racional Radical, prefaciado
por Lucy Brandão, com projeto gráfico da jornalista Patrícia Pavas
e capa do teatrólogo e artista plástico Lael Correa. Rosália repre-
sentou uma geração alagoana que namorava o rock, o pop, o dark,
o gótico, o trash.

“Poemas ácidos, verdadeiros, por vezes ferinos, cruéis, co-


mo a vida, muitas vezes”.

Rosália Brandão, em Racional Radical,1983

SIDNEY WANDERLEY: POETA BRASILEIRO

O poeta, cronista, contista, prosador, revisor e leitor de


grandes figuras literárias, Sidney Wanderley, 62 anos, sendo 26 de
poesias, desde o lançamento de seu primeiro livro em 1991, até o
mais recente, em 2017, teve uma carreira de ascensão fulgurante
em sua sina de poeta e cronista, já batizado como poeta brasileiro,
pois rompeu fronteiras literárias. Sidney trocou cartas e ganhou
elogios do poeta Carlos Drummond de Andrade; e se tornou amigo
influente do escritor paulista Raduan Nassar. Ao mesmo tempo

299
transformou sua cidade natal Viçosa das Alagoas, em um burgo
contemporâneo e universal, com grandes histórias e grandes perso-
nagens. Permaneceu em Viçosa até os quinze anos de idade. A
literatura ganhou força em sua vida entre os 17 e 18 anos, quando
cursava medicina, curso que não gostava. “No primeiro ano de
Medicina, ao cursar Anatomia, percebi a absoluta falta de voca-
ção para esse curso e essa profissão. Danei-me a escrever poemas
(na época, lia um bocado Drummond, Pessoa e João Cabral), e
até hoje não me curei desta doença”. Sidney chegou a trocar car-
tas com o grande poeta mineiro, em uma delas Drummond rasga
seda em um perfil de seu missivista alagoano:

“Sua poesia é certeira e comunicante, exprimindo embora


um jeito muito especial de ser e reagir diante da vida. Você se
afirma, se define, ao mesmo tempo dá a dimensão geral do ho-
mem, na complexidade do ser presente e sentinte. E compõe um
verso forte, provocador, que não deixa o leitor indiferente”

Palavras de Carlos Drummond de Andrade endereçadas a


Sidney, impressas na orelha do livro Na pele do lago (1999)

Inequação

Não se entra e sai da amada


como se entra e sai do teatro.
Do teatro se entra e sai
da mesma forma e maneira:

300
com cinco dedos por mão,
com vinte dedos no corpo,
trinta ideias na cabeça,
algum dinheiro no bolso;
com vida, se entrarmos vivos;
defuntos, se entrarmos mortos.

Na amada mergulhamos
por completo, inteiramente,
e quando à tona tornamos
há em nós algo de menos:
pode ser nosso suor
a encharcar nossas vestes;
nosso sangue, nosso sêmen
que em seu ventre floresce;
pode ser nossa agonia,
nossa careta de gozo ou
nossa contrição de prece.

O fato é que algo resta


longe de nós, naufragado,
e não mais somos quem éramos
quando cansados fugimos
do mar gozoso da amada.

Não se entra e sai da amada

301
como se entra e sai de um auto.
Num auto se entra e passeia
por ladeiras e ruas planas,
por campos, charcos, desertos,
asfalto, barro batido,
canaviais, açucenas,
e ao final da jornada
restamos inteiros e vivos,
de igual forma como entramos.

Na amada mergulhamos
por completo, inteiramente,
e quando à tona tornamos
há em nós algo de excesso:
pode ser o seu perfume
reacendendo em nossa pele,
a mancha do seu batom
tatuada em nosso ombro,
um pelo do negro púbis
boiando em nossa saliva,
ou o nosso peito inflado
de senhor dono do mundo
(porque senhores da amada).

O fato é que ao final


da batalha sem porfia
em nosso corpo habita

302
algo que antes não havia:
um sargaço, um crustáceo,
sal, areia, maresia,
ou algo que antes no mar
gozoso da amada dormia,

Em verdade não se entra


como se sai da amada:
em nós algo se acrescenta,
ou em nós algo há que falta.

Do livro Desde Sempre, 2000

Drummond e Raduan no radar do poeta

Sidney Wanderley iniciou a troca de correspondência com


Carlos Drummond de Andrade em abril de 1980, quando o jovem
poeta de 21 anos, recebeu a primeira das dez cartas do poeta Sid-
ney Wanderley. Aos 78 anos e reconhecido então como o maior
poeta brasileiro, Drummond enviou a carta a Sidney após ler “Poe-
sia, Canção Suicida”, ensaio do alagoano de Viçosa premiado em
concurso pela Academia Alagoana de Letras que analisava a ideia
do suicídio nos primeiros dez títulos da obra de Drummond. “Gra-
ta, muito grata surpresa, a leitura do seu trabalho, tão discreta-
mente enviado, e a revelar a existência de um amigo distante,
cheio de simpatia compreensiva para com a minha versalhada, a
remota e a de agora”. Drummond faleceu em 17 de agosto de

303
1987, e ainda em abril Sidney receberia sua última carta. Em 1991
data de publicação de Poemas post-húmus, Sidney se aproxima de
outro monstro da literatura brasileira, o escritor paulista e Best sel-
ler, Raduan Nassar. Motivado pela obra Poemas post-húmus que
recebeu de um jornalista. Raduan entra em contato com Sidney
Wanderley através de carta, gerando uma aproximação que se
transformou em influente amizade. Leia a poesia que encantou
Raduan, Poemas post-húmus:

crepúsculo.
mudo faz-se o mundo
e loquaz a luz
**
do derradeiro canto
do pomposo cisne
ri-se o riacho irônico.
**
sem culpa ou agasalhos,
plácidos peixes passeiam
no estreito mar do aquário.
**
cauda e crina equinas
eriçam quando roçam
carnes femininas.
**
na cozinha da casa-grande
entre a fuligem e os temperos

304
o tricô dos fuxicos se expande.
**
com frieza assassina
engole bois e pastagens
a espessa neblina.
**
talvez celebre a andorinha
morta no campanário
o repique desses sinos.
**
bem hajam os que ouvem
átomos, galáxias,
brumas e Beethoven.

Sidney Wanderley, no livro Hai Quase, Editora Guararapes


(PE)

VERA ROMARIZ: POESIA NO SANGUE

Vera Romariz, 65 anos, é poetisa, cronista e crítica literária,


professora e doutora em letras e pesquisadora. Ela já nasceu com a
palavra declamada e a dramatização de textos e agora: “sou uma
mulher de letras e palavras”. Vera é neta de um dos maiores ex-
poentes do romantismo parnasiano brasileiro, o poeta Sabino Ro-
mariz (1873-1913). Seu pai, João Romariz, lhe fazia ficar rodeada
de livros; seu irmão Sabino Romariz, jornalista e poeta também lhe

305
deu luzes e vozes. “Era uma família de boa tradição da escrita, to-
mei gosto e tino e estou aqui”. Sua poesia, como explicou no lan-
çamento de seu livro mais recente (Pincéis, 2017), “é fruto da ob-
servação e da experiência, transformando em palavra poética, ale-
gre, triste, densa”, como em Pincéis, que traz líricas sobre a morte
do renomado pintor alagoano Pierre Chalita.

“A poesia é um exercício diante do mundo, que eu aprisio-


no com sentidos e trituro, mentalmente, até convertê-lo em lingua-
gem poética. As experiências infantis, as perdas familiares, a as-
sunção prazerosa ou doída do ser feminino, as contradições soci-
ais configuradas nas ruas de minha cidade, meu próprio rosto,
perplexo, ao espelho”.

Campo Minado

Campo minado, coração de mulher


bala explosiva em tempo de repouso
Pise devagar ou não pise
erga as mãos em ninho
e segure com dedos
de casca de ovo

Campo minado, coração


de mulher
a fúria do temporal

306
antes de parir chuvas
nuvens densas
fúria reservada

E atrás dos olhos


na história do antes
das janelas abertas
retrato da fêmea
face fada
varinha de condão
mas - atenção ! –
que muda
e medra
terra em ensaio de terremoto
atenção !
a mina medra
e é rastro na mão que mexe.
Campo minado, coração
de mulher
pise devagar
ou não pise
erga as mãos em ninho
e segure com dedos
de casca de ovo
Sem Óculos

N a cama te quero

307
sem óculos
esquadro e régua
sem limites nas dobras
dos lençóis
mais moderno
selvagem
das entradas e bandeiras
petróleo sem surpresas
ciências plataformas
correntes colossais
Na cama te faço
objeto de pesquisa
sem financiamento
externo
materialista dialético
de roucas práxis
rituais diabólico jeito de ser Deus
sem cruz
cruzando corpos desiguais
Na cama te quero
vivendo papéis profanos
motor ligado
jato de gás em fogo
fósforo que vira tocha
no sair da caixa
e incendeia jardins, plantas, flores
canaviais

308
Obras de Vera Romariz: Cacos, 1977; Quase Pássaro
(1986); Campo Minado (1986); Amor aos Cinqüenta (2004) e Pe-
lícula (2008); Camões: O Poliedro da Poética Portuguesa (1980);
Quem é Você, Manuel Bandeira? Ensaio literário para o público
infantil em co-autoria com Edilma Acioli Bomfim (1986). Recebeu
da Academia de Letras da Bahia em 1990, o prêmio nacional de
Ensaio Literário Adonias Filho pelo trabalho Identidade e Alterati-
dade Culturalno Romance Luanda Beira Bahia; Amor aos Cin-
quenta (poesia), 2004; Tomá Lá, Dá Cá (resenhas críticas (2011).

.
ZÉ DA FEIRA: A POESIA POPULAR

José Alves Feitosa, jornalista profissional (repórter fotográ-


fico) e poeta. Nasceu em 29 de março de 1951 na cidade de Paulo
Jacinto, Alagoas. Filho do cearense Antonio Alves Barbosa e de
Rosa Feitosa Barbosa. O pai “seu” Antonio, trabalhador, passou
parte da vida entre Alagoas e o Ceará, mas em 1960 o velho arte-
são toma uma decisão definitiva na vida: fixou-se em Paulo Jacin-
to, região serrana no agreste alagoano. José, o segundo dos filhos,
depois de perambular como cigano com o pai entre Alagoas e Jua-
zeiro do Ceará, foi estudar em Viçosa. O contato com os cantores,
a música popular e a poesia de cordel, abriu uma janela na vida do
adolescente que mais tarde se tornaria poeta. O ambiente de boe-
mia em Viçosa, terra de grandes figuras, como o músico Zé do
Cavaquinho, Teotônio Vilela, Octavio Brandão, José Maria de Me-

309
lo, José Pimentel, José Aloísio Brandão, Alfredo Brandão, Sidney
Wanderley, Denis Melo, Eloi Loureiro Brandão, Nelson Almeida e
outros. Feitosa, diz sempre que: “Foi em Viçosa que iniciou o
aprendizado do jornalismo e de minha profissão de repórter foto-
gráfico”. Trabalhou como repórter fotográfico em todas as reda-
ções de Alagoas, dos extintos Jornal de Alagoas, o mais antigo do
Estado, que pertencia aos Diários Associados e Jornal de Hoje,
Gazeta de Alagoas, Tribuna de Alagoas. O olho de repórter e a
sensibilidade de poeta caminharam juntos. Em todos esses momen-
tos esteve presente o jornalista e poeta José Feitosa, o Zé da Feira.

Sequidão

A terra queima ardente


Nem sequer pode chorar,
Não germina a semente
Porque água não há.

É a seca devorando
O que existe no chão,
Bebendo a água da terra
Do esperançoso sertão.

O sol no alto inclemente,


Tão quente, abrasador...
Espelhando fome e pavor.

310
É a terra tremendo
O gado gemendo,
A lavoura morrendo...
É só desolação!
É a terra queimando,]
O povo chorando,
Pedindo, implorando
A salvação...
nas águas da irrigação!

Zé da Feira, em O Sonho do Zé da Feira, Sergasa, 1983 –


Maceió

311
TERRA DE CAMPEÕES

AMARO: O ALAGOANO PAI DE MANÉ

Manoel dos Santos, o Mané Garrincha (1933-1983), um dos


maiores jogadores do futebol mundial de todos os tempos, bicam-
peão do mundo pela Seleção Brasileira na Suécia (1958) e no Chile
(1962), tem suas raízes plantadas em Alagoas. Seu pai, Amaro
Francisco dos Santos, é alagoano de Quebrangulo, que como o avô
do jogador, Manoel Francisco, vivia como índio nômade, fugindo
do jugo da escravidão imposta pelo colonialismo, até a chamada
diáspora, quando o pai do craque e sua família fugiram de Águas
Belas (PE), para o agreste de Alagoas. A incrível aventura de Ma-
né Garrincha passa por Alagoas, de suas raízes caetés às visitas que
fez à terra de seus pais, como um craque saltimbanco, jogando pelo
CSA e ASA de Arapiraca. A história começa entre as regiões do
Agreste e Sertão de Alagoas e Pernambuco, com os índios Fulniô,
uma tribo formidável que resiste ao tempo e preserva sua própria
identidade: a língua yathê, o ritual sagrado ouricuri e o amor pela
bola e pelo futebol. O Rio de Janeiro foi o destino do alagoano
Amaro, que deixou Quebrangulo, onde nasceu e viveu até os 26
anos, para reforçar os movimentos migratórios de nordestinos para
o Sul, fugindo da pobreza. Garrincha poderia ser mais um daqueles
anjinhos da morte do Sertão alagoano. naqueles rituais de caixão-
zinhos de cor branca, cenário até pouco tempo visto nos lugarejos
pobres do Nordeste.

312
“(Os pais de Garrincha) contentaram-se em reproduzir em
Pau Grande o mesmo estilo de vida que levavam nas Alagoas.
Talvez porque o cenário fosse parecido: em Quebrangulo, o hori-
zonte era a Serra da Barriga; em Pau Grande, a Serra dos Ór-
gãos. As malas e os sacos de aniagem que abriram ao chegar po-
diam conter somente as alpercatas de couro e uma ou duas cami-
sas de riscado. Mas eles traziam também os invencíveis costumes
do Sertão: as superstições, os desafios de viola, as redes de dor-
mir, o sexo sempre em riste, a naturalidade com que se produziam
filhos fora do casamento.”

Rui Castro, mais importante biógrafo de Mané Garrincha no


livro Estrela Solitária, de 1997.

Em busca do pai de Mané

Em 2014, dezessete anos após o lançamento do livro semi-


nal de Ruy Castro, o jornalista alagoano Mário Lima, retomou o
fio da meada, em uma reportagem para a Gazeta de Alagoas, e
que depois se transformaria em livro – A Flecha Fulniô das Ala-
goas. Nas visitas que fez a Águas Belas (PE) e Quebrangulo (AL),
o jornalista achou dificuldades em refazer a trilha seguida por
Ruy Castro, mas encontrou personagens importantes que confir-
maram a bela história.

313
“Em Quebrangulo, já não existem mais aldeias de fulniô, e
a população desconhece o pai de Garrincha, Amaro Francisco dos
Santos, que morreu aos 63 anos, em outubro de 1980. E não existe
nos cartórios e nem nos batistérios qualquer registro de nascimen-
to. Nem com a ajuda de fotografias de Amaro, mostradas aos an-
ciões da cidade, abriu qualquer pista para a investigação da vida
dos pais de Garrincha na cidade alagoana. Mas em Águas Belas,
o cacique João Francisco dos Santos, que tem o mesmo sobrenome
de Garrincha afirmava: “Não me admira não se encontrar ne-
nhum documento sobre os pais dele. Naquele tempo índio não ti-
rava nem identidade nem nada. Que diabo gostaria de ser índio
naquela época”.

Mário Lima, em trecho do livro A Flecha Fulniô das Alago-


as, Mestiçagem, Futebol-arte, Crônicas Pioneiras, Imprensa Ofi-
cial Graciliano Ramos, 2014

Amaro parte para o Rio

“Aos 26 anos, Amaro tinha ido tentar a vida como sapatei-


ro em Olinda, Pernambuco. Sabia cortar couro, bater pregos,
aplicar os ilhoses para os cadarços das botinas e mais nada. Nun-
ca aprendera a ler, escrever ou contar. Em 1924, Amaro casa com
a pernambucana Maria Carolina, mulata clara e magra de 23
anos. Ela estava grávida de Rosa, a primeira filha dos mais de 25
rebentos que a lenda conta que Amaro teve ao longo de sua vida,
com sua mulher e as amantes, por onde passou: Quebrangulo,

314
Olinda e Pau Grande. Vinte dias depois do parto, com a pequena
Rosa grudada no peito da mãe, Amaro e Carolina pegaram o va-
por para o Rio de Janeiro. Oito anos depois do nascimento de
mais quatro filhos – José, Cícero, Jorge e Lourdes - Maria Caroli-
na dá á luz ao quinto filho que viria a ser “a alegria do povo”, o
“anjo das pernas tortas”, “o demônio que veio de outro planeta”,
“a estrela solitária”, batizado de Manoel dos Santos, uma home-
nagem ao tio, Mané Caieira. Depois dele, com longos intervalos,
viriam outros quatro: Josefa, Antônia, Teresinha”.

Mário Lima, em trecho do livro A Flecha Fulniô das Alago-


as, Mestiçagem, Futebol-arte, Crônicas Pioneiras, Imprensa Ofi-
cial Graciliano Ramos, 2014

Traços marcantes de um índio

São claros e cristalinos os vínculos espirituais, comporta-


mentais e biológicos de Mané Garrincha com sua descendência
mestiça, como um cafuzo filho de índio das Alagoas e do Pernam-
buco. O apetite sexual (Garrincha teve 15 filhos e filhas, um deles
sueco), dezenas de amantes, entre elas vedetes do teatro de revista,
cantoras famosas (Elza Soares) e mulheres simples e suburbanas –
como Nair a mulher que lhe deu oito filhas; a tendência atávica ao
alcoolismo (desde bebê a mãe de Garrincha lhe dava o cachimbo
“medicinal” que misturava mel de abelha com aguardente); o gosto
pela caça e pela pesca – se deixava tirar fotos com espingarda e
uma corda de passarinhos abatidos na mão; sua simbiose com a

315
natureza selvagem, seu jeito puro de ser, de corpo aberto com ber-
muda e descalço jogando bola nas clareiras das florestas; ingênuo
no trato com dinheiro; irresponsável com seus compromissos soci-
ais (era como um adulto com personalidade de criança, inimputá-
vel, como os índios).

“Todas essas características de Garrincha são congênitas,


similares a de seu pai, o alagoano Amaro dos Santos, que convivia
com a bebida alcoólica como um vício caseiro. No final da vida,
era alcoólatra em estágio agudo, e morreu exatamente em conse-
quência do vício (como Mané). Adorava criar e matar cabras para
servir a carne a amigos e a família. Sempre foi insolente com o
trabalho, como Garrincha se instruiu muito pouco, só que seu
Amaro não sabia nem escrever, e Garrincha fez a até o segundo
ano primário. Até mesmo o gosto pelo futebol. “Já joguei um bo-
cado de bola lá em Alagoas”, gostava de dizer Amaro.

Mário Lima, em trecho do livro A Flecha Fulniô das Alago-


as, Mestiçagem, Futebol-arte, Crônicas Pioneiras, Imprensa Ofi-
cial Graciliano Ramos, 2014

Anjo das pernas tortas volta à terra-mãe

Em Alagoas, Mané Garrincha não foi uma estrela solitária,


apesar da flagrante decadência física em que se encontrava. A tor-
cida lotou os dois estádios que receberam o Anjo das Pernas Tortas
na Terra dos Marechais, em dois desses incontáveis jogos de exibi-

316
ção, Mané virou espécie de artista saltimbanco pelo Brasil. As du-
as cidades contempladas foram Maceió e Arapiraca. Era 19 de se-
tembro de 1973, data que muitos nunca esqueceram. Foi como um
sonho, em verdade, para muitos torcedores do CSA. Afinal, dois
ídolos do futebol brasileiro vestiriam a camisa azulina no mesmo
dia.

“Foi um dia inesquecível, uma feliz coincidência, A camisa


do CSA tinha praticamente as mesmas cores da primeira grande
conquista do Brasil, em 1958: um azul muito parecido com a que a
seleção usou na Suécia”.

Lauthenay Perdigão, jornalista esportivo em depoimento no


encarte Cadernos da Copa, 2018, no jornal Tribuna de Alagoas.

DIDA CAMPEÃO DO MUNDO

O atleta alagoano Edvaldo Alves de Santa Rosa (1934-


2002), o Dida, jogava originalmente como ponta de lança, e deu
azar de ser a mesma posição que o Pelé. Na Copa de 1958, come-
çou como titular, mas depois perdeu a vaga para o “rei”, mas foi
Campeão do Mundo na Suécia. Artilheiro do Flamengo antes da
era Zico (com 244 gols), o alagoano Dida nasceu em Maceió
(1924) e morreu no Rio de Janeiro (2002) foi campeão do Mundo
em 1958, pela Seleção e campeão carioca pelo Flamengo 1954,
1955 e 1963. Ponta de lança de muitas qualidades (velocidade,

317
drible, impulsão, perfeita colocação na área e chute preciso com os
dois pés), Dida foi descoberto por um olheiro do rubro negro em
viagem pelo Nordeste. Dida jogou como titular contra a Áustria no
primeiro jogo do Brasil, mas foi barrado pelo técnico Vicente Feo-
la no segundo jogo, para a entrada de Vavá, que não saiu mais.
Pelé só entrou no terceiro jogo. Seu temperamento irascível, como
explica em sua autobiografia escrita junto com o radialista e irmão
Luiz Alves, o fez comprar sérias brigas com a imprensa, e os pró-
prios dirigentes. No capítulo “a força de um falso diamante”, o
craque aponta toda sua ira contra o ex-jogador Leônidas da Silva, o
Diamante Negro, então comentarista na Copa pela imprensa pau-
lista.

“Chamaram-me de grosso, de medroso, graças a um tal de


Leônidas Silva, um dos homens fortes da Comissão Técnica, em-
bora seu nome não fizesse parte da mesma. Este senhor, conforme
soube mais tarde, sem poder negar suas raízes, sem olvidar a inve-
ja de por ter sido eu quem superou seu prestígio no Flamengo,
tornado-se então o maior ídolo de todos os tempos na história da
Gávea (sic), valeu-se de um microfone para soltar sua peçonha
contra mim que, inocente, dentro de campo, dava tudo de mim e
corria horrores” (ALVES, 1993).

Luiz Alves, Histórias de um Campeão do Mundo, 1993,


edição do autor

318
Lauthenay: um amigo para sempre

O mais importante jornalista esportivo alagoano, Lauthenay


Perdigão, é o maior conhecedor do craque Dida, e se tornou um
amigo, tão amigo, que batizou o seu Museu dos Esportes – que
completa 25 anos como um dos maiores acervos do Brasil – com o
nome Edvaldo Alves Santa Rosa. Lauthenay acompanhava as jo-
gadas de Dida, amigo de colégio, de onde fugia das aulas para ver
as diabruras daquele menino mirradinho, mas que jogava um bo-
lão. Anos e anos se passaram, até Lauthenay se transformar em um
jornalista, e seu amigo Dida sua fonte de reportagem, como joga-
dor profissional de futebol, e antes mesmo disso nos tempos ama-
dores do Monte Castelo, do América, e do CSA – dos juniores a
campeoníssimo no azulão, e depois no Flamengo. Lau estava em
todos os momentos cruciais na vida do craque, inclusive em sua
frenética negociação com o Flamengo do Rio de Janeiro. Lauthe-
nay mostrava nos jornais todos os desdobramentos, como a notícia
da “invasão” da casa de Dida por visitantes ilustres, e uma delega-
ção do rubronegro carioca, portando um convite do presidente do
clube para uma experiência da revelação azulina no time da Gávea,
e uma promessa salarial de quatro mil cruzeiros.

“Foi depois de um jogo entre as Seleções de Alagoas e da


Paraíba, quando Dida assinalou dois golaços e realizou uma exi-
bição maravilhosa, que veio o convite do Flamengo do Rio. Tor-
cedor do clube rubronegro, Dida terminou realizando seu grande
sonho de vestir a camisa do seu querido Flamengo. Durante dez

319
anos jogou pelo Flamengo, onde foi campeão, convocado para a
Seleção Carioca e para a Seleção Brasileira. Seu amor pelo clube
da Gávea era tão grande que sempre assinou seus contratos em
branco. Com o passar dos anos, o Flamengo engoliu toda sua mo-
cidade, sugou todas as suas energias e terminou mandando o arti-
lheiro embora depois de um desentendimento com o treinador Flá-
vio Costa. Os dribles e os gols maravilhosos já tinham sido esque-
cidos. Apesar das grandes alegrias que teve vestindo a camisa do
Flamengo, ele não pôde esquecer a ingratidão que sofreu de seus
dirigentes”.

Lauthenay Perdigão, no livro Dom Lauthenay o Quixote do


Esporte Alagoano, 2019, no prelo

EDUARDO CANUTO: PUNHOS DE AÇO

O vereador alagoano Eduardo Canuto seguiu a vida política,


mas deixou um legado gigantesco no esporte, para não dizer uma
herança pesada, onde chegou ao estrelato mundial na luta livre,
como campeão mundial de kickboxing, Eduardo encerrou sua car-
reira nas arenas com um cartel de 40 lutas, sendo 36 vitórias e ape-
nas quatro derrotas. Com 50 anos, em 2012, Canuto se despediu
com uma vitória no IV Coliseu Extreme Fight, no ginásio do Sesi
em Maceió. Já passaram doze anos que ele tinha abandonado os
ringues, quando construiu uma carreira de sucesso. Simples, emo-
tivo, vencedor, atravessou cada dificuldade com a serenidade de

320
um verdadeiro campeão. Lutador referência chegou ao topo do seu
esporte com títulos mundiais, recordes de público em ginásios e
lutas memoráveis. O agora ex-lutador de kickboxing Eduardo Ca-
nuto, ao se despedir, emocionado, ao aposentar suas luvas, agrade-
ceu ao povo alagoano.

“Muito obrigado a todos os alagoanos. Queria agradecer a


minha família pelo apoio durante todo este tempo. Foi muito difícil
acreditar, voltar e viver tudo isso novamente. Estou feliz e como
sempre fiz em toda a minha carreira, honrei meu Estado”

Depoimento de Eduardo Canuto ao jornal Gazeta de Alago-


as, na edição de 29/05/2012

FÁTIMA PINTO E O VÔLEI DOURADO

Nos anos 1960 e 1970, Alagoas vivia uma efervescência em


seu voleibol feminino, a adrenalina e os hormônios pulavam em
jogos eletrizantes entre os times do Clube Fênix Alagoana, do CSA
e do CRB, e lá fora, a seleção alagoana papava campeonatos regi-
onais e nacionais. Desse caldo, saiu uma jogadora poderosa, Fáti-
ma Pinto, convocada pela primeira vez para a Seleção Brasileira de
Voleibol principal, em 1973, aos 17 anos Nos anos setenta, passou
cinco anos com as meninas do vôlei brasileiro, nas quadras inter-
nacionais em campeonatos na América do Sul e ainda os paname-
ricanos e mundiais. Participou de etapas decisivas na Coréia, Ja-

321
pão, Argentina e no México, dentro de um Estádio Azteca lotado –
onde a seleção brasileira conquistou o tricampeonato mundial –
“com os mexicanos gritando Brasil e jogando os sombreros para
alto”. Aos 65 anos, Fátima Pinto é chef gourmet, e mantém seu
portal Ciscando na Cozinha com opções de comida regional. Mas
ela não esquece as amigas e colegas que formaram com ela a gera-
ção de ouro do voleibol feminino alagoano: Alzira, Luana, Ana,
Denise, Silvana, Simone, Cristina, Nina, Cilza, Tereza, Rosa, Lucy
Fireman, Clarissa, Socorrinho, Lucia Sarmento, Vanessa, Suzana,
Noêmia e Kátia Born. Fátima Maria Mendes Pinto nasceu em Ma-
ceió no dia 02 de março der 1956. Seu pai, Fernando Alberto
Mendes Pinto era um português que nasceu na cidade de Figueira
da Foz. Veio para o Brasil e casou com dona Nilda Neves. Fátima
jogou voleibol na Fenix e no CRB e passou três anos na Seleção
Brasileira.

FIRMINO: DE ALAGOAS PARA O MUNDO

O atacante Roberto Firmino, 26 anos, foi o único atleta nor-


destino entre os 23 convocados pelo técnico Tite para defender a
Seleção Brasileira na Copa do Mundo da Rússia. O craque alagoa-
no, que nasceu em Maceió, chega voando para enfrentar as melho-
res seleções do mundo, depois de brilhar nos campos europeus, em
campeonatos como o inglês, e a Liga dos Campeões. Mas não é
somente com a camisa amarela da seleção – onde marcou sete gols
em 21 jogos - que Firmino se tornou uma estrela na constelação do

322
futebol mundial. De vermelho para vermelho, a camisa de Bobby
the best, como os ingleses o chamam, veio lá de trás, quando aos
17 anos começou sua meteórica carreira, na base do alvirrubro
Clube Regatas Brasil (CRB), e quase dez anos depois foi compra-
do pelos reds do Liverpool, por 41 milhões de euros, equivalente a
142 milhões de reais, na época, em 2015, a segunda contratação
mais cara da história do clube. Depois de jogar no CRB, de 2005 a
2008, foi transferido já como profissional para o Figueirense, onde
foi o maior responsável pelo acesso do time de Santa Catarina à
primeira divisão do Brasileirão, e eleito o melhor jogador da Série
B. O atacante alagoano não demorou muito no Figueira, em 2010
assinou contrato com o Hoffenhein, da Alemanha. O jogador reno-
vou o contrato por mais três anos e terminou a temporada (2013-
2014) da Bundesliga como quarto maior artilheiro, com 16 gols.
Como jogador profissional, Firmino já ultrapassou a média de um
pouco mais de cem gols marcados.

Origem humilde do craque

Roberto Firmino tem uma origem bastante humilde, nasceu


no entorno do estádio Rei Pelé, no bairro Trapiche da Barra, filho
de José de Oliveira, um ex-vendedor ambulante, que usava a bici-
cleta para vender refrigerantes, água e cerveja em bailes, shows e
boates, e da dona de casa, Mariana Cícera, que queria dar o nome
ao filho de Robert Richard. Ela sempre gosta de falar que o Rober-
tinho sempre pulava o muro de sua casa para jogar bola nos aterros
da Virgem dos Pobres, ali na Orla da Lagoa Mundaú. “Ele vive

323
bola, respira bola”, disse a sorridente Cícera, na entrevista ao re-
pórter Tino Marcos, em reportagem para o Jornal Nacional da Re-
de Globo, no começo de junho de 2018. Firmino aposta forte tam-
bém nas redes sociais, e vem crescendo para se tornar querido no
Brasil (@bobbyfirmino), só perdendo na seleção para ativos Ney-
mar e Gabriel Jesus. Segundo sua assessoria, o atacante tem quatro
milhões de seguidores e cresceu, nos últimos três meses, 31% no
Instagram.

Um casamento das Arábias

Em junho de 2017, quando o atacante do Liverpool e da Se-


leção Brasileira, se casou com a bela modelo Larissa Pereira, em
uma cerimônia reservada e repleta de astros do futebol, que foi
realizada no Café de La Music, em Maceió. Entre os convidados,
estavam os companheiros do jogador no clube inglês: Philippe
Coutinho, Lucas Leiva, Alberto Moreno e Allan Souza. Os atletas,
inclusive, mostraram muita empolgação com os shows da noite.
Thiaguinho, a dupla Matheus e Kauan, Jonas Esticado e Gabriel
Diniz se apresentaram na festa, que durou até o amanhecer. Hoje, o
casal mora em Londres e vive junto há mais de três anos, já tem as
filhas Valentina e Bella. Entre seus gostos pessoais está a relação
com a música, sendo fã declarado do cantor Wesley Safadão. Ele
chegou a jogar com um penteado à lá Safadão, com rabo de cavalo
e tudo. Em sua casa de Londres mantém um estúdio musical, onde
“arranha” as batidas na bateria, percussão e cordas. Mas ele adora
mesmo é seu super som UBL portátil, que carrega para onde vai,

324
com ou sem o headphone no ouvido. No seu closet estão coleções
de paletós estilosos e coloridos, tênis extravagantes e sandálias de
todo tipo. Firmino adora usar também calças jeans estilizadas.

Textos extraídos do suplemento especial História das Copas,


no jornal Tribuna Independente, junho e julho de 2018

JACOZINHO E SUAS HISTÓRIAS

O lendário ponta-direita Jacozinho ganhou quase tudo no


CSA, foi defendendo o time azul, de 1981 a 1987, que conquistou
cinco títulos de campeão alagoano e três vezes vice da Taça de
Prata. E se tem festa para Jacó, tem alegria também para a moleca-
da. Ídolo do CSA dentro de campo e fora dele, Jacozinho, se nota-
bilizou com seu jeito excêntrico, moleque. Era um eterno menino,
bon vivant, que sempre cativou adultos e crianças. Driblava como
poucos e tinha o poder de despertar as multidões. Ele dominava a
bola, domava seus marcadores e hipnotizava o público. Desembar-
cou em Maceió em 1981 e multiplicou os torcedores do CSA. Em
campo, fazia estragos por onde passava; fora dele, cativava até os
rivais com um jeito que chegava até mesmo lembrar um tal Garrin-
cha das Alagoas. Passou por diversos clubes ao longo da sua car-
reira, entre eles Jequié (BA), Galícia (BA), Lêonico (BA), Corin-
thians de Presidente Prudente (SP), ABC (RN), Baraúnas (RN),
Rio Branco FC (AC), Nacional (AM), Santa Cruz (PE) e Ypiranga
(PE). Mas a fase de maior sucesso foi defendendo o CSA.

325
Textos do jornalista Wellington Santos, para a série Ídolos e
Fatos, no jornal Gazeta de Alagoas, 2013

O dia em Zico ficou p... da vida

Em 1986, Zico promoveu uma grande festa no seu retorno


ao Flamengo. Na partida especial, o craque defendeu o rubro-negro
no duelo com uma seleção formada por grandes nomes do futebol
mundial, entre eles o argentino Diego Armando Maradona. A saga
começou quando Jacozinho foi jogar com o CSA contra o Cruzei-
ro, em Belo Horizonte, e resolveu tentar a sorte no Rio de Janeiro.
Ele foi assistir a um jogo do Vasco no Maracanã, e o repórter da
Rádio Globo Washington Rodrigues ao ver o “astro” no estádio,
convidou Jacó para comentar a partida. Ele assumiu o comando da
jornada e não teve pra ninguém. A torcida do Vasco deixava de
prestar atenção no jogo para ouvir as histórias do boleiro. Naquela
mesma semana, Zico programava sua festa no Maracanã, e o repór-
ter Márcio Canuto tentou colocar o craque do CSA no “script”.
“Com aquele jeitão todo dele, o Márcio Canuto me disse: ‘vamos,
Jacó, vou lhe apresentar ao Zico e você vai entrar nessa festa, meu
filho. O povo quer que você jogue.” Na apresentação ao craque do
Flamengo, o sergipano percebeu que as coisas não seriam tão fá-
ceis assim. “O Zico mal pegou na minha mão e virou de costas.
Quis ir embora, mas já tinha feito amizade com outros jogadores,
como o Júnior, e o Márcio me convenceu a ficar”.

326
Passe de Maradona... drible no goleiro... goool

Jacozinho contou que ficou esperando ansioso pela oportu-


nidade de entrar no jogo de despedida de Zico no Flamengo, contra
a seleção do técnico Telê Santana. Que assistia ao jogo tranquila-
mente, sentado no banco de reservas dos jogadores convidados
para a “festa”. “Eu estava aperreado porque queria mostrar o meu
futebol. Era a chance. No segundo tempo, a partida estava morna e,
de repente, a massa começou a gritar meu nome: ‘Jacozinho! Jaco-
zinho! Jacozinho! Eu era o circo que o povo queria, e o Telê resol-
veu atender à torcida. Ele me chamou para conversar e mandou
entrar no lugar do Falcão”. Jacó entrou endiabrado em campo.
Buscando o jogo a toda hora, o jogador percebeu em certo momen-
to que Maradona havia recebido a bola sozinho no meio-campo.
Partiu em velocidade e foi lançado por Maradona no meio da defe-
sa do Flamengo. O ponta dominou a bola em velocidade, deu um
drible da vaca no goleiro Cantarelle, ganhou do zagueiro Figueire-
do na corrida e encostou para o gol vazio. “Consagração geral.
Depois daquele gol, amigo, a torcida esqueceu o Zico e só gritava
o meu nome. Saí do Maracanã consagrado. No outro dia as man-
chetes destacavam: Jacozinho rouba a festa de Zico”, conta Jacó.
Toda essa fama, rendeu a Jacó entrevistas nas mais conceituadas
revistas de esporte do País, como a capa de Placar com a camisa da
seleção brasileira.

327
JUVENAL, O JÓQUEI HEXACAMPEÃO

O maior e mais talentoso jóquei de todos os tempos no Bra-


sil, pentacampeão do Grande Prêmio Brasil, o mais importante do
país, é um vaqueiro alagoano de Delmiro Gouveia, Juvenal Ma-
chado da Silva. Aposentado, com 63 anos, ele deixou as glórias de
lado, e agora vive no sertão alagoano, brincando com os netos e
cuidando de sua terra. A vida de Juvenal virou filme, Lá Vem o
Juvenal, do cineasta alagoano Hermano Figueiredo, de 2012. Dono
de uma tocada com a canhota que poucos conseguem chegar perto,
Juvenal ainda possui uma legião enorme de fãs. Ele chegou ao Jó-
quei Clube do Brasil, no Rio de Janeiro aos 16 anos para ingressar
na Escola de Profissionais do Turfe em 1971, onde aprendeu a ler e
escrever, até conquistar sua primeira vitória. Juvenal foi hexacam-
peão da estatística de jóqueis, de 1976 a 1981, dono de mais 4000
vitórias, somente no Hipódromo da Gávea. Ele só perdeu o hepta
para Jorge Ricardo em 1982. Em sua trajetória de sucesso, fez o
público vibrar com belas vitórias. Todos que o acompanharam nes-
tes 33 anos, jamais vão esquecer do jóquei alagoano. E todo o seu
público também conhece o famoso bordão: “Lá vem o Juvenal!”,
criado pelo locutor oficial do Jockey Club Brasil: Ernani Pires Fer-
reira.

“Juvenal Machado tem ainda, tanto no aspecto físico como


no seu comportamento, todas as características de suas raízes in-
dígenas. E como índio, é um homem que não se deslumbra com o

328
sucesso, nunca perdeu a simplicidade e serenidade; sendo acima
de tudo uma pessoa do povo que gosta de viver em contato com a
natureza, numa relação de harmonia com a terra, com os animais.
Este talvez seja o segredo de sua genialidade.”

Hermano Figueiredo, diretor do filme Lá vem o Juvenal, de


2012

MARTA VIEIRA NO HALL DA FAMA

Aquela menina magrelinha, nascida em Dois Riachos, ser-


tão de Alagoas - que vendia geladinha (sorvete em saco plástico) e
puxava carroça na feira de gado, matava rolinha para comer e que
fugia da aula para bater bola com os meninos na terra rachada, em-
baixo da ponte - agora é a rainha Marta, atacante de futebol, seis
vezes eleita a melhor jogadora do mundo e embaixadora das Na-
ções Unidas (ONU) para a infância e juventude Marta Vieira da
Silva joga hoje no time feminino do Orlando Pride, na Flórida. No
Brasil, a camisa 10 da seleção pôs no peito a medalha de ouro dos
Jogos Pan-Americanos de Santo Domingo (2003) e do Rio de Ja-
neiro (2007), e a de prata na Olimpíada de Atenas (2004) e na Co-
pa do Mundo feminina (2007), num jogo em que Marta perdeu um
pênalti – fazendo a mãe desmaiar na sala de casa. Após grandes
exibições recentes, Marta chegou a ser comparada a Pelé, sendo
chamada pelo mesmo de o "Pelé de Saias". Além disso, entrou na
calçada da fama do Maracanã, em 2007, após o ouro no Pan do

329
Rio, sendo a primeira e, até agora, a única mulher a deixar a marca
dos pés neste local. No final de 2018 a cena se repetiu no Maraca-
nã, o estádio alegou que a peça original de 2007 tinha sumido. Aos
32 anos, Marta é a única atleta - contando as modalidades masculi-
na e feminina - que conseguiu o prêmio de melhor jogadora do
mundo em seis oportunidades (2006, 2007, 2008, 2009, 2010 e
2018).

“Voltar ao Maracanã, receber essa homenagem novamente,


relembrar os momentos que a gente esteve aqui, tudo o que futebol
feminino vivenciou aqui é fantástico. É algo incrível e estou muito
feliz com mais esse reconhecimento. É mais uma cerejinha do bolo
representando todas as mulheres que lutam constantemente no
esporte em geral, então eu fico muito feliz. Da primeira vez, em
2007 (se referindo ao Pan-Americano), eu espero que eu não seja
a única e que venham outras mulheres a deixar suas marcas
aqui”.

Marta ataca na Copa da Rússia

Além de continuar jogando e papando títulos por onde pas-


sa, Marta atacou de cronista esportiva do jornal inglês "The Guar-
dian", na cobertura da Copa da Rússia, em 2018, onde comentou o
desempenho do Brasil. A atacante do Orlando Pride (EUA) avaliou
que a seleção de Tite fez o suficiente para vencer o jogo, mas
apontou que "esperava muito mais".No texto, Marta destacou que a
Suíça entrou "agressiva" em campo e logo mostrou que o jogo se-

330
ria difícil, sobretudo pela marcação cerrada em Neymar. Para ela,
Neymar ficou irritado e incomodado com as faltas que recebeu e
não mostrou seu melhor jogo, o que repercutiu no resultado do
grupo. Marta diz também que o árbitro errou por não ter marcado
falta no empurrão em Miranda no empate e nem o pênalti em Ga-
briel Jesus. "Apesar das decisões (do árbitro), eu acho que o Bra-
sil fez o suficiente para ganhar o jogo: teve melhores chances e
não pareceu que a Suíça ameaçou o gol de Alisson depois do em-
pate. Mas, por todo o trabalho que o time e a comissão técnica
colocaram no preparo para este torneio, eu esperava muito mais
do Brasil. Mas este foi apenas o primeiro jogo do torneio", escre-
veu a estrela.

MARINA NO TOP DO TÊNIS

A atleta alagoana Marina Tavares, 31 anos – começou jogar


aos oito -, tem um cartel qualificado e com muitas vitórias. Marina
já esteve no topo ranking brasileiro de dupla profissional, e se
manteve entre as 100 primeiras tenistas no ranking mundial juvenil
em simples e duplas, durante os anos 1998, 1989 e 2001, quando
viveu sua fase de ouro nas quadras de grama e saibro. Ela foi con-
vocada várias vezes para integrar a Confederação Brasileira de
Tênis em Campeonatos Mundiais. Hoje, afastada das quadras, ela
não perdeu o ímpeto de campeã, agora fora de campo, quando cri-
ou em Maceió um projeto para ensinar tênis a crianças carentes,
uma forma de inclusão social através do esporte. Nascia, assim, o

331
Instituto Marina Tavares (IMT). Marina Tavares vai encarar mais
um desafio na sua vida: a alagoana recebeu um convite para inte-
grar o Comitê Rio 2016, grupo organizador das Olimpíadas e Pa-
raolimpíadas, disputadas na Cidade Maravilhosa.

“Eu acho um esporte fantástico. Gosto de esporte em geral,


mas o tênis é disparado. Então, o conselho que dou é que, se gos-
ta, se vê que tem alguma identificação, se tem talento, vai fundo.
Se não tiver, vai no esforço. Vale à pena persistir, porque no fim
das contas o único foco não é você ser tenista profissional. No meu
caso sim, porque foi e é o meu objetivo. Mas através do esporte é
possível ganhar uma bolsa de estudos, numa boa universidade
americana, por exemplo. O tênis abre portas e, mesmo que se jo-
gue num nível amador, sempre abre espaços”

PEPE, O BAD BOY CAMPEÃO

Sempre candidato ao posto de bad boy, o zagueiro alagoano


de Maceió e naturalizado português, Képler Laverán Lima Ferrei-
ra, o Pepe, chegou a sua terceira copa na Rússia, em 2018, pela
seleção portuguesa com 35 anos, mas desde 2007 atua no time Lu-
so; em 2016 conquistou a Eurocopa pelo país. Pepe jogou mais de
dez anos pelo Real Madrid, e em julho de 2017, firmou um contra-
to de duas temporadas como Besiktas, da Superliga da Turquía.
Considerado violento, o jogador já foi expulso em uma Copa do
Mundo, a de 2014, na partida em que Portugal fazia sua estreia no

332
torneio disputado no Brasil. Após acertar uma cotovelada no rosto
do atacante Müller, da Alemanha, Pepe completou o trabalho com
uma cabeçada no rival, ainda no primeiro tempo, quando seu time
já perdia por 2 a 0. O jogo terminou em 4 a 0 para os alemães e o
destempero do zagueiro rendeu comentários pouco honrosos nas
redes sociais. O defensor deixou o Brasil aos 17 anos, onde atuou
nas categorias de base do CRB e o do Corinthians Alagoano. Em
Portugal, seu primeiro clube foi o Marítimo, mas foi no Porto que
o zagueiro se apresentou à Europa. A qualidade no sistema defen-
sivo e o perfil forte chamaram a atenção do Real. No verão de
2007, o Real Madrid da Espanha anunciou a transferência dos di-
reitos federativos do jogador, com a compra de seu passe por 30
milhões de euro. No Real Madrid jogou com Cristiano Ronaldo,
Gareth Bale, Zinedine Zidane, Kaká, Luka Modrić, Luís Figo, Ro-
naldo, David Beckham, Arjen Robben, Nicolas Anelka, Asier Illar-
ramendi o Xabi Alonso. Neste universo de craques, Pepe jogou na
defesa central, um defensor líbero que tem muita potência no chute
a média distância, e também é considerado um bom cabeceador.

PELÉ: O REI EM MACEIÓ

O maior jogador de futebol do mundo, o mineiro Edson


Arantes do Nascimento, o rei Pelé, que dá o nome a um dos mais
importantes estádios do futebol nordestino e brasileiro, também
conhecido como Trapichão, por ficar no bairro do Trapiche da Bar-
ra, esteve em Maceió por três vezes. A primeira no jogo de entrega

333
de faixas de campeão ao CRB, em 1965, no antigo e hoje extinto
estádio Severiano Gomes. A segunda vez foi na inauguração do
estádio que leva seu nome, em 1970, quando o Santos aplicou uma
goleada na Seleção Alagoana, e em 2010, após sobrevoar os muni-
cípios atingidos pela cheia, ele participou da reinauguração e revi-
talização do estádio, 45 anos depois daquela partida no acanhado
estádio da Pajuçara, que foi vendido a grupos supermercadista.

1965: Pelé apupado dá o troco à torcida

Muitos jogos dramáticos e sensacionais aconteceram no es-


tádio Severiano Pedrosa, a casa do CRB, no coração da Pajuçara.
Mas naquela tarde de maio de 1965, todo foco era em Pelé, que
ainda vivia o auge de sua fama no Santos. A torcida começou a
chegar às dez da manhã, todos queriam ver o rei. As arquibancadas
e as cadeiras sociais estavam lotadas, como também os muro e ár-
vores ao redor do campo. O primeiro tempo, que terminou em zero
a zero, e Pelé chegou a ser apupado pela torcida alvirrubra. E olhe
que era apenas um amistoso, contra o Santos, e toda sua constela-
ção,que ao final “carimbou” a faixa do campeão alagoano do CRB
com uma goleada e show de Pelé.

“Mangaram do Pelé e ele se encabulou, mas deu a troco no


segundo tempo. Eu já estava na banheira me ensaboando, pois
tinha sido substituído pelo Humaitá, quando ouvi os gritos de fora,
gol do Pelé! e depois outro. Ele fez dois, o CRB perdeu de seis a
zero. Não sei para que o povo foi mexer com o Pelé”.

334
José Augusto Xavier, o Flecha Negra, atacante do futebol
alagoano, em depoimento no encarte Cadernos da Copa, 2018, no
jornal Tribuna de Alagoas.

1970: Na inauguração do Rei Pelé

A camisa número 10 de Pelé, que jogava pelo Santos, auto-


grafada pelo ídolo quando esteve em Maceió para a partida de
inauguração do estádio que leva seu nome, em 25 de outubro de
1970, como uma das atrações do Museu dos Esportes Dida, é a
prova viva da presença do rei na primeira partida oficial naquele
gramado, diante quase 40 mil pessoas. O time do Santos ganhou da
Seleção Alagoana por seis a zero, com dois gols de Pelé. O time do
Santos de Pelé era considerado, na época, um dos melhores times
do mundo. A badalação sobre a equipe paulista era tão grande que
no dia anterior à inauguração, as autoridades alagoanas ofereceram
um jantar aos jogadores do time paulista no Clube Fênix Alagoana.

2010: Em meio à tragédia das chuvas

Em 25 de junho de 2010, após fazer um sobrevoo com o


governador Teotonio Vilela, para ver os estragos provocados pelas
enchentes, que deixaram um rastro de mortes e 70 mil desabriga-
dos, Pelé desembarcou de helicóptero no estádio. Ele entrou pela
porta lateral de acesso aos novos vestiários, que estava sendo inau-
gurado naquele dia. Depois de circular pelo novo equipamento,

335
Pelé concedeu uma tumultuada e disputada entrevista. Depois ele
subiu o túnel de acesso ao gramado. No centro do campo, com a
bola na marca de saída, Pelé bate para Teotonio, e o prefeito Cícer-
to Almeida. Tudo muito rápido. O governo de Alagoas cancelou a
programação festiva da reinauguração do estádio em consequência
da tragédia que abalava Alagoas. Mas Pelé deixou a marca dos
seus pés no Hall da Fama do Museu dos Esportes Dida.

Pelé: um pequeno perfil

Tricampeão do mundo pelo Brasil nas Copas de 1958, 1962


e 1970, Pelé é considerado o maior jogador de futebol de todos os
tempos, e o atleta do século, pelo jornal francês L´Equipe, supe-
rando lendas como o velocista Jesse Owen, o pugilista Muhammad
Ali e o nadador Mark Sptiz. Pelé começou a jogar pelo time do
Santos aos 15 anos, pela seleção nacional aos 16, e venceu sua
primeira Copa do Mundo FIFA aos 17. Com o Rei no elenco, o
Santos atingiu seu auge nos anos de 1962 e 1963, anos em que
conquistou o título mundial. A técnica de Pelé e sua capacidade
atlética natural foram universalmente elogiadas e durante sua car-
reira, ficou famoso por sua excelente habilidade de drible e passe,
seu ritmo, chute poderoso, excepcional habilidade de cabecear, e
artilharia prolífica.

336
ROBERTO MENEZES: LENDA DOS GRAMADOS

Roberto Gonçalves de Menezes, ou simplesmente Roberto


Menezes, nasceu no dia 9 de maio de 1948, e desfilou sua arte en-
tre 1965 e 1975 por três clubes: CRB, CSA e o Vitória da Bahia.
Mas foi no Galo da Pajuçara, seu time de coração, onde o craque
mostrou sua arte por mais tempo (entre 1965, ainda nos juvenis,
até 1973). A torcida do Alvirrubro não esquece aquele jeito elegan-
te e único de tratar a bola. Estilo clássico, cabeça sempre levanta-
da, lançamentos precisos, peito estufado: era o estilo do “Galego”
– como era chamado por alguns amigos. Parecia andar na ponta
dos pés para jogar com a cabeleira elegante, que, não raro, encan-
tava a mulherada nos estádios. Elegante mesmo era seu futebol,
cuja habilidade quase lhe rendeu um prêmio nacional: a disputadís-
sima “Bola de Prata”, condecoração que a revista Placar elegia os
melhores jogadores do Brasil nos anos 1970. E foi a partir da dis-
puta da Bola de Prata contra ninguém menos que o quarto-zagueiro
mineiro Wilson Piazza, tricampeão mundial em 1970 pelo Brasil,
que Menezes saiu do patamar de craque para virar uma lenda dos
gramados do Brasil e de Alagoas. Roberto Menezes faleceu há
doze anos, vítima de câncer em um dos olhos.

“Lembro-me, como uma das mais arrebatadoras das mi-


nhas lembranças infantis, a elegância majestosa do seu futebol. O
prazer voluntarioso e apaixonado com que a bola deixava-se le-
var, submetida a seus pés, à sua volúpia, a seus caprichos de jo-

337
gador refinado, elegante e objetivo. As nossas ruas confluíam,
apontando para a Praça Sinimbu, onde fomos criados quase ma-
loqueiros, jogando pelada em um campo vasto, pois a Praia da
Avenida era nossa, e Roberto Menezes, futuro engenheiro e já ído-
lo de futebol, mostrava-nos gratuitamente o engenho de sua arte,
para nós mais que complicada, insondável. Hoje eu sei porque as
bolas do mundo inteiro tinham uma grande paixão por ele, que as
tratava com respeito e indiferença”.

Cláudio Canuto, jornalista e cientista social em seu artigo


Eu o vi jogar, na Tribuna de Alagoas, 2003

SÔNIA: A MAIOR PARAOLÍMPICA ALAGOANA

Com 27 anos de experiência paraolímpica, Sônia Maria de


Gouveia viveu sua glória como atleta, quando lançou Alagoas nos
esportes paraolímpicos, com seu recorde mundial no lançamento
de dardo. Ela participou de vários Parapans, sendo o último no Rio
de Janeiro, onde ganhou a primeira medalha do Brasil. Sônia tam-
bém participou de duas paraolimpíadas na Grécia e Pequim. Quan-
do abriu a contagem de medalhas do Brasil no Parapan-americano
do Rio de Janeiro, em 2007, com o bronze no lançamento de dar-
do, e prata no disco, Sônia se transformou em uma lenda ns espor-
tes da terrinha. Ela também estufou no peito muitas medalhas em
campeonatos nacionais, internacionais, no Mundial de Assen, na
Holanda, em 2006, com medalha de bronze no lançamento de dar-

338
do. Com dois anos foi acometida pela poliomielite, mas seguiu sua
estrela, primeiro na natação, depois se consolidou no dardo e no
disco. Desde 1989 vem ganhando campeonatos em todo mundo,
com medalhas no Brasil, na Venezuela, na Inglaterra. Em 2016,
Sônia representou Alagoas no revezamento da Tocha Olímpica
Rio-2016, em Arapiraca.

“Para mim é um privilégio conduzir pela segunda vez a To-


cha Olímpica. Quando recebi a confirmação do comitê organiza-
dor do Rio 2016 informando que minha participação seria em
Arapiraca, fiquei bastante honrada. Estou bastante confiante para
as Olimpíadas, principalmente por ser no meu País e com grandes
chances de medalhas”.

Depoimento de Sônia Gouveia ao portal


http://diarioarapiraca.com.br/editoria/arapiraca/recordista-
mundial-sera-uma-das-condutoras-da-tocha-olimpica-em-
arapiraca/1/15988

YOHANSSON É OURO EM LONDRES

Seu nome é Yohansson Nascimento Ferreira, 25 anos, con-


sagrado mundialmente pelo ouro nas paraolimpíadas de Londres,
em 2012. Veio ao mundo e cresceu sem as duas mãos, fruto de um
problema congênito durante sua formação no ventre da mãe. “Eu
acho que já nasci um paratleta”. O velocista alagoano se notabili-

339
zou como o atleta mais rápido do mundo nos 200m rasos T46 (ca-
tegoria para pessoas com amputações) nas Paraolimpíadas de Lon-
dres, quando conquistou a medalha de ouro. Nessa prova, Yohans-
son fez o tempo de 22s05, batendo o recorde mundial. Resultado:
foi ao lugar mais alto do pódio ao conquistar a medalha de ouro
para o paratletismo brasileiro. Hoje, o campeão acumula cerca de
150 medalhas desde que fincou pé no atletismo, fruto de várias
competições em que participou no Brasil e no exterior. Garoto hu-
milde, do bairro do Vergel do Lago, desde que ingressou no atle-
tismo em 2005 até o ano de 2008 a barra foi pesada. “Sempre trei-
nei em pistas sem condições e sem um centavo de patrocínio. Mas
sempre acreditei no meu sonho.”

ZAGALLO O MEGACAMPEÃO

O alagoano de Maceió, Mário Jorge Lobo Zagallo chega aos


89 anos com um dos maiores ícones brasileiros, quando o assunto
é futebol. O velho Lobo é o único ser humano na face da terra a ter
quatro títulos em Copas do Mundo: duas com jogador (1958, na
Suécia e em 1962, no Chile), uma como técnico em 1970, no Mé-
xico, e mais uma como coordenador-técnico: em 1994, nos Estados
Unidos. Em 2002, o Brasil conquistou o penta sem Zagallo. Na
Copa de 2006, ele voltou a ser coordenador-técnico, mas após a
eliminação do Brasil acabou se afastando do futebol. Como treina-
dor, Zagallo ganhou fama mundial por montar o maior time de
todos os tempos: o Brasil da Copa do Mundo de 1970, no México.

340
Ao apostar em uma formação mágica, que combinava os talentos
de Pelé, Rivellino, Tostão, Jairzinho, Gérson, Carlos Alberto Tor-
res e outras estrelas, encantou o mundo e alterou os paradigmas do
futebol para sempre. Pelé, o rei do futebol, depois de resgatar uma
foto icônica sua e de Zagallo, com a jaqueta verde e amarela da
seleção de 1970, saudou o mestre em um de seus quase noventa
aniversários. Pelo Facebook, o eterno camisa dez da seleção brasi-
leira parabenizou o mestre do futebol mundial. Eles foram campe-
ões na Suécia e no Chile, e tri no México, quando Zagallo foi o
técnico.

“Feliz aniversário Mário Zagallo! Você é um irmão para


mim. Nunca esquecerei a minha chegada à Suécia em 1958. Eu
era o mais novo do time e você me orientou”.

Zagallo “Coração de Leão”

Com fama de pão-duro e supersticioso, Zagalo cerca-se de


amuletos e manias, incluindo uma fixação pelo número 13. Como
jogador, além de ter sido tricampeão pelo Flamengo (1953/54/55),
foi bicampeão pelo Botafogo (1961/62). Como treinador conquis-
tou o Campeonato Carioca de 1972 pelo Flamengo e o bicampeo-
nato pelo Botafogo (1967/68). Zagallo, como jogador, foi o perso-
nagem da semana do jornalista Nelson Rodrigues, na coluna que
escrevia para a Manchete Esportiva, em agosto de 1958, no jogo
Flamengo 2 x 2 Botafogo.

341
“Começa o jogo. Zagallo se atira na batalha. Ele quer ser o
Zagallo campeão do mundo. Lá, sempre apanhava a bola, ele fazia
lembrar o Tom Mix do cinema mudo: partia em todas as direções.
Despontava atrás, na frente, na meia-canja, e tudo ao mesmo tem-
po, numa presença múltipla e constante. Seu tórax magro esconde
um coração, um coração tremendo. Walter Scott, se o reconheces-
se diria: “Zagallo, Coração de Leão”.

Nelson Rodrigues, em O Berro Impresso nas Manchetes,


editora Agir/ RJ - 2007

A “forminguinha” veloz

Atuando como ponta-esquerda, conquistou títulos de cam-


peão carioca e foi convocado para a seleção brasileira, que disputa-
ria a Copa do Mundo de 1958 na Suécia. Era o armador pela es-
querda, o desafogo da defesa, o idealizador do contra ataque, o
ajudante no lateral, o “formiguinha” do time campeão do mundo.
Como jogador, em clubes, iniciou sua carreira nos aspirantes do
America carioca, onde chegou a conquistar o Torneio Início em
1949; transferiu-se, e foi posteriormente para o Flamengo e Bota-
fogo. No alvinegro carioca, ele participou da fase áurea do time,
jogando ao lado de astros como Garrincha, Didi e Nilton Santos.
Seus títulos cariocas e a conquista da Taça Brasil o levaram a sele-
ção brasileira de futebol.

342
GENTE

“Tão largo que é quase como se incluísse tudo que, na his-


tória de Alagoas, é socialmente importante. Pois da história da
gente alagoana se pode generalizar, como no passado do carioca,
que é a história de uma gente quase anfíbia. Não se deve deixar de
considerar a grande influência, sobre a formação do alagoano,
que vendo sendo o açúcar através do latifúndio, da monocultura e
da escravidão. Através do sistema patriarcal e quase feudal de
relações entre senhores de terras com lavradores, de donos de
casas-grandes com escravos de senzalas ou quilombos de mocam-
bos: de homens com mulheres; de brancos com pretos, de euro-
peus com indígena; do homem com a natureza – com as terras,
com as matas, com as águas”.

Gilberto Freyre, no prefácio ao livro de Manoel Diégues Jú-


nior, O Banguê das Alagoas - traços da influência do sistema eco-
nômico do engenho de açúcar na vida e na cultura regional, EDU-
FAL 2012- Coleção Nordestina

343
PROFISSÕES & OFÍCIOS

ACENDEDOR DE LAMPIÃO

O lampião a gás que iluminou muitas ruas de cidades no sé-


culo XIX foi um grande acontecimento. Ele foi inventado na Ingla-
terra em 1792, a intenção principal era aumentar os turnos nas fá-
bricas. Mas ao transplantá-los para as ruas o lampião ganhou vida.
Hoje não dá para imaginar ruas escuras, é bem possível que al-
guém denuncie se uma luz estiver queimada. Mas durante muito
tempo as cidades ficavam às escuras. Ou se contava com a lua
cheia ou era preferível ficar em casa. O lampião ajudou nisso. E aí
surgiram os acendedores de lampiões, eles saiam ao cair da tarde
acendendo a fonte de luz, ao amanhecer eles os apagavam e davam
a manutenção necessária. Nas Alagoas dos velhos tempos, a pro-
fissão – hoje extinta – do acendedor de lampião foi imortalizada
pelo poeta Jorge de Lima, em um poema que entrou para a literatu-
ra nacional.

O acendedor de lampiões

Lá vem o acendedor de lampiões da rua!


Este mesmo que vem infatigavelmente,
Parodiar o sol e associar-se à lua
Quando a sombra da noite enegrece o poente!

344
Um, dois, três lampiões, acende e continua
Outros mais a acender imperturbavelmente,
À medida que a noite aos poucos se acentua
E a palidez da lua apenas se pressente.

Triste ironia atroz que o senso humano irrita:


Ele que doira a noite e ilumina a cidade,
Talvez não tenha luz na choupana em que habita.

Tanta gente também nos outros insinua


Crenças, religiões, amor, felicidade,
Como este acendedor de lampiões da rua!

Poesia de Jorge de Lima, com informações da Revista de


História da Biblioteca Nacional, ano 7, nº 85 out. 2012

BORDADEIRA/ RENDEIRA

Mulher que faz bordado ou renda. As alagoanas estão entre


as melhores do Brasil. É um trabalho delicado e detalhista. Entre
os bordados que são genuinamente alagoanos estão o filé, labirinto,
bilro, singeleza, meia noite. Todo trabalho artesanal reúne uma
tradição de conhecimentos que são repassados por gerações. Esses
conhecimentos são também aprimorados com o passar do tempo,
acrescentando-se melhorias e inovações ao produto ou ao modo de
produzi-lo. Trata-se de um ofício em que mãos e mentes laborio-

345
sas, debruçadas sobre uma mesma atividade feita à mão, geralmen-
te sem uso de livros ou manuais técnicos, aprendem a fazer fazen-
do. Ficou famosa a música de Zé do Norte, Mulher Rendeira, em
sua letra original.

Olê, mulher rendeira


olê mulher rendá
a pequena vai no bolso
a maior vai no emborná.

Se chora por mim não fica


só se eu não puder levar
o fuzil de Lampião
tem cinco laços de fita
o lugar que ele habita
não falta moça bonita

BARRANQUEIRO/ RIBEIRINHO

Povos que têm a vida ligada ao rio, que habitam as ilhas e


barrancos de rios como o São Francisco. Esses povos ribeirinhos
observam as cheias que trazem peixes e renovação para a vida.
Eles cultivam o arroz, o milho, o feijão; e o sustento da pesca,
agricultura e criação de animais. Em Alagoas, os ribeirinhos são os
moradores do Baixo São Francisco, formado pelas cidades de Pe-

346
nedo, São Braz, Igreja Nova, Belo Monte, Traipu, Pão de Açúcar,
Piranhas e Delmiro Gouveia.

“A energia do trabalhador da margem são as lagoas mar-


ginais. Sem cheias elas não enchem. Como território, as margens
deveriam estar na mão do povo ribeirinho para mudar a história.
Plantar o arroz ou outro tipo de legume. Mas o que acontece. Es-
tão plantando é cana!”.

Por Antônio Gomes dos Santos, Seu Toinho, presidente da


Federação dos Pescadores de Alagoas e membro do Movimento
Nacional dos Pescadores, em Agência Alagoas, entrevista à revista
Graciliano, da Imprensa Oficial Graciliano Ramos, em fevereiro de
2010

CORTADOR DE CANA

Eles ajudam a produzir o álcool dos automóveis e o açúcar


que usamos em casa. São os “boias-frias”, porque a comida que
levam para o campo costuma esfriar antes da hora do almoço. No
Nordeste, são assalariados e quase sempre não têm os direitos ele-
mentares garantidos. Sua tarefa é cortar a maior quantidade de ca-
na possível, braçada por braçada. Cada trabalhador é responsável
por uma fileira de pés de cana; conforme vai cortando, ele faz uma
pilha. O fiscal vem e mede as pilhas com um compasso. Para cada
metro de cana empilhada, o cortador ganha de 5 a 10 centavos, na

347
safra de 2016. Entre os instrumentos usados pelo canavieiro está o
podão (faca grande e comprida) para não se machucar. A safra da
cana dura seis meses. No resto do ano, enquanto espera a cana bro-
tar de novo, o cortador faz sua plantação de subsistência ou emigra
para as capitais à procura de trabalho. O setor sucroalcooleiro já
chegou a empregar dois milhões de pessoas na atividade durante o
Proálcool, programa de estímulo à produção de etanol. Hoje, são
cerca de 500 mil trabalhadores.

Em lugares distantes
onde não há hospitais nem escola
homens que não sabem ler e morrem de fome aos 27 anos
plantando e colhendo a cana que viraria açúcar
em usinas escuras, homens de vida amarga e dura
produziram esse branco e puro açúcar com que adoço meu
café nessa manhã
em Ipanema

“O Açúcar” de Ferreira Gullar, em Antologia Poética, 1997

DESTALADEIRA DE FUMO

O cultivo do fumo foi a principal atividade econômica por


mais de cinco décadas em Arapiraca, no agreste alagoano, onde as
mulheres trabalhavam horas a fio sentadas no chão nos “salões de
fumo”, destalando e selecionando as folhas já colhidas ao som de

348
cantigas entoadas para espantar o sono durante as madrugadas. As
cantigas tiveram seu período áureo nas décadas de 1940 e 1950.
Eram versos de amor o dia inteiro, numa alegria contagiante e que
atingia o seu ponto máximo no chamado derradeiro dia de fumo,
quando era encerrada a destalação da safra e o patrão oferecia uma
buchada de um carneiro gordo, e muita bebida para comemorar o
encerramento da colheita.

Rapaziada adeus, adeus


Adeus, adeus que já me vou
Eu levo pena e saudade
Do moreno que ficou

Adeus Cajueiro
Adeus Cajuí
Adeus que eu vou-meimbora
Para o ano eu volto aqui

Despedida meu bem despedida


A nossa função se acabou
Vamos deixá para o ano
Se nós todos vivo for

349
JANGADEIRO

Em Alagoas, existem alguns tipos de atividade entre os jan-


gadeiros, além da profissão mítica de buscar o peixe no mar, e às
vezes não voltar como na música O Pecador de Dorival Caymmi.
Em Alagoas, o jangadeiro diversificou sua produção, e hoje tam-
bém garantem o sustento com a travessia para galés e piscinas na-
turais; há os que pescam em alto mar, com linha de mão; e os la-
custres, que percorrem as ilhas das lagoas. Em Maceió existe a Rua
Jangadeiros Alagoanos, entre Ponta da Terra e Pajuçara, que presta
uma homenagem aos pescadores Umbelino Santos, Eugênio de
Oliveira, Joaquim Tertuliano e Pedro Ganhada, tripulantes da jan-
gada “Independência”, que zarparam pelas águas do Oceano Atlân-
tico até a capital da República, em 1922, o Rio de Janeiro, para
comemorar o 1º Centenário da Independência.

Suíte do Pescador
Dorival Caymmi

Minha jangada vai sair pro mar


Vou trabalhar, meu bem querer
Se Deus quiser quando eu voltar do mar
Um peixe bom eu vou trazer

Meus companheiros também vão voltar


E a Deus do céu vamos agradecer

350
Adeus, adeus
Pescador não esqueça de mim
Vou rezar pra ter bom tempo, meu nêgo
Pra não ter tempo ruim
Vou fazer sua caminha macia
Perfumada com alecrim

MARISQUEIRA E DESPINICADEIRA

Quase sempre um trabalho para as mulheres na cadeia do


pescado, principalmente o sururu, o massunim e outros moluscos
das Alagoas. São profissões antigas do povo ribeirinho dos mares e
lagoas. A marisqueira cata e a despenicadeira tira o marisco da
concha, como no caso do sururu de capote. A letra da música Péro-
la, de Altair Pereira, fala desse universo:

Tapete negro
Que a água esconde
Lugar comum entre lugares onde eu cresci
Tuas pontes, teus mangues mistérios
Mundaú das ilhas, dos casebres, a lagoa mãe
És senhora de rara beleza
Eu vi a pérola
Eu vi a Pérola
Eu vi a pérola
Na concha de um Sururu

351
PESCADOR

Alagoas contava, em 2016, com mais de 32 mil pescadores


registrados nas colônias espalhadas pelo estado, que tem quatro
grandes polos de atividade: Rio São Francisco; Maceió e litorais
Sul e Norte; o mais o Complexo Lagunar Mundaú e Manguaba; e
os criatórios de peixe em cativeiro, principalmente a tilápia. De
acordo com o IBGE, há os pescadores envolvidos com a atividade
industrial (assalariados), e os sem registro (carteira de trabalho).
Os profissionais são aqueles que pescam para a subsistência de
suas famílias, mas conseguem gerar excedentes que são comercia-
lizados no mercado. Os pescadores de subsistência são aqueles que
pescam, para a manutenção de suas famílias.

“Nossa profissão estava atrelada à Marinha, hoje está lá,


no artigo oitavo da Constituição, que garante nossa livre associa-
ção. Foi uma luta nossa. Foi um avanço, mas temos que combater
esses outros problemas que estão chegando. Agente não precisa de
grandes projetos, precisamos também dos pequenos projetos. Os
pescadores não podem entrar na onda dos grandes projetos. Quem
tem um Rio São Francisco como esse tem que lutar pela liberdade
do rio, pela revitalização do rio”.

Por com Antônio Gomes dos Santos, Seu Toinho, presidente


da Federação dos Pescadores de Alagoas e membro do Movimento
Nacional dos Pescadores, em fevereiro de 2010

352
TIRADOR DE COCO

O tirador de coco é o morador dos sítios de coqueiros do li-


toral. Usa as peias feitas de cipó, com que sobe nos coqueiros e faz
o corte dos frutos com uma foice de cabo curto. É comum ver, no
litoral do Nordeste, profissionais que ganham a vida subindo em
coqueiros para colher frutos. Embora não pareça, tirar coco é uma
atividade de extremo risco, pois sem qualquer equipamento de se-
gurança, esses homens arriscam suas vidas subindo em coqueiros
com até 30 metros de altura. Nessa arriscada atividade, eles portam
apenas um facão “rabo de galo”, muito utilizado no corte de cana-
de-açúcar e um recipiente plástico tipo spray, geralmente embala-
gem vazia que reaproveitam, colocando óleo diesel, arma contra os
marimbondos caboclos e outros animais peçonhentos que habitam
as copas dessas palmeiras. No Congresso Nacional tramita um pro-
jeto de regulamentação da atividade profissional dos tiradores de
coco que beneficiará uma massa de trabalhadores. O escritor pau-
lista Mário de Andrade, em seu famoso livro Turista Aprendiz
(1983), na viagem etnográfica pelo Nordeste teve os tiradores de
coco, em sua atividade profissional como personagens de seus re-
gistros fotográficos. Em seu trabalho constatou a precariedade das
condições de vida e saúde destes trabalhadores que colocam em
nossas mesas a deliciosa água de coco.

353
Pra Tirar Côco
Messias Holanda

Eu quero me trepar no pé de coco


Eu quero me trepar pra tirar coco

Depois eu quero quebrar o coco


Pra saber se o coco é oco
Pra saber se o coco é oco

Tem gente dizendo que eu sou louco


Que eu só falo em tirar coco

Realmente eu quero tirar o coco


Pra depois quebrar o coco
Pra saber se o coco é oco

VAQUEIRO

O tradicional vaqueiro, aquele que, montado em cavalo, bo-


ta o boi para correr, no meio do mato, trespassando galhos e grave-
tos, em uma arte sem igual, virou mais uma tradição que trabalho.
Mas eles ainda estão espalhados pelo sertão à fora, nas fazendas de
gado, muitos com dupla função: são capatazes, que cuidam do ga-
do e da fazenda inteira. Muito diferente de tempos atrás, como re-

354
lata Graciliano em Vidas Secas, quando seu personagem, o vaquei-
ro Fabiano, corria também atrás da fome.

“Chape-chape. As alpercatas batiam no chão rachado. O


corpo do vaqueiro (Fabiano) derreava-se, as pernas faziam dois
arcos, os braços moviam-se desengonçados. Parecia um maca-
co.Vivia longe dos homens, só se dava bem com animais. Os seus
pés duros quebravam espinhos e não sentiam a quentura da terra.
Montado, confundia-se com o cavalo, grudava-se a ele... A pé, não
se aguentava bem. Pendia para um lado, para outro, cambaio,
torto e feio”.

Graciliano Ramos, em Vidas Secas, 1938, 16ª edição 1992,


Editora Record

LAVADEIRA

Em Alagoas, são as lavadeiras do rio São Francisco e dos


grandes vales dos rios Mundaú e Paraíba, enxaguando e lavando a
roupa nas pedras, que estão no imaginário popular alagoano. Gra-
ciliano Ramos se espelhou no trabalho cuidadoso delas, para cons-
truir uma analogia no trato com a palavra, com a língua pátria, o
português.

“Deve-se escrever da mesma maneira com que as lavadei-


ras lá de Alagoas fazem em seu ofício. Elas começam com uma

355
primeira lavada, molham a roupa suja na beira da lagoa ou do
riacho, torcem o pano, molham-no novamente, voltam a torcer.
Colocam o anil, ensaboam e torcem uma, duas vezes. Depois en-
xáguam, dão mais uma molhada, agora jogando água com a mão.
Batem o pano na laje ou na pedra limpa, e dão mais uma torcida e
mais outra, torcem até não pingar do pano uma só gota. Somente
depois de feito tudo isso é que elas dependuram a roupa lavada na
corda ou no varal, para secar. Pois quem se mete a escrever devia
fazer a mesma coisa. A palavra não foi feita para enfeitar, brilhar
como ouro falso; a palavra foi feita para dizer”.

Graciliano Ramos, em Linhas Tortas – 1962.

CANOEIRO/ BARQUEIRO

O canoeiro vive em vários habitats de Alagoas. No ambien-


te das lagoas Mundaú e Manguaba, na pesca do sururu e em aluvi-
ões dos sítios e das ilhas; e no Rio São Francisco, onde são em
grande número nos portos naturais, como o de Piaçabuçu.

“- Canoeiro, me leva para a ilha de Santa Luzia. Porquanto


me leva, canoeiro?
- Déistão ida, déistão volta, patrão.
O canoeiro ficou besta, quando Lula lhe passou uma pelega
de cinco. Lula compreendeu como se explorava ali o trabalho do

356
pobre já acostumado a pedir por mais quatro horas de remo con-
tra as correntes do canal, um preço ínfimo.

- Vambora, patrãozinho!
- Vamos”.

Jorge de Lima, em Calunga, 1943.

357
ÍNDIOS DAS ALAGOAS

Não se sabe com exatidão o número de indígenas que habi-


tavam o Brasil antes da chegada dos colonizadores (1500), porém,
estima-se que houvesse entre 4 e 5 milhões de índios em terras
brasileiras. Esse número foi drasticamente reduzido em conse-
quência dos massacres realizados pelos colonizadores e, posteri-
ormente, os conflitos com fazendeiros e garimpeiros que invadiram
terras indígenas. Conforme dados da Fundação Nacional do Índio
(Funai) existem, atualmente, 460 mil índios residindo em aldeias
no Brasil, correspondendo a 0,25% da população brasileira. São
mais de 107 milhões de hectares (12% do território brasileiro) di-
vididos em 656 diferentes áreas indígenas. No entanto, a população
indígena no Brasil é maior, pois esses números não incluem os
índios que residem em locais fora de aldeias, estima-se que esses
somam cerca de 100 mil. Em Alagoas temos os Aconã (Traipu),
Geripancó (Pariconha), Kalankó (Água Branca), Karapató (São
Sebastião), Kariri-xocó (Porto Real do Colégio), Karuazu (Parico-
nha), Katoquim (Pariconha), Koiupanká (Inhapi), Tingui-botó
(Feira Grande), Xucuru-kariri (Palmeira dos Índios), Wassu cocal
(Joaquim Gomes). No estado de Alagoas existem hoje doze nações
indígenas, somando mais de vinte mil índios.

358
ACONÃ: terra conquistada

O povo Aconã habita a região do rio São Francisco, no po-


voado de Bom Jardim, na cidade ribeirinha de Traipu, apresentava,
em 2017, uma população estimada de 73 famílias índias em uma
área de 281 mil hectares com demarcação de reserva indígena,
concedida no ano de 2003 pela Fundação Nacional do Índio (Fu-
nai). A tribo vive em uma área com urbanização precária, com
água encanada, luz, e uma escola para doze índios. A história dos
índios Aconãs remonta meados do século 17, quando os jesuítas
fundaram em Porto Real do Colégio, um convento e um colégio
com o propósito de catequizar as tribos indígenas da região. Em
1703, a Carta Régia dava a cada família terra para plantar e colher.
Em 1759, os jesuítas foram expulsos abandonando o colégio e o
convento. Outro fato marcante, é que não existem mais índios, e
sim caboclos, juntos e misturados índios e negros. Em 1859, D.
Pedro II, esteve com os índios, ocasião em que foi concedida uma
área de terra para sua sobrevivência. Por fim, a Funai assegura a
Terra Indígena Aconã, com toda documentação, comprovando que
eles são os donos da terra.

“Desde 25 de Novembro de 1979 iniciava-se o processo de


reconhecimento oficial do seu povo pela Funai tendo como princi-
pal nome e representante legal do pajé João Ferreira o então, Jo-
sé Saraiva Irmão que lutou arduamente em nome de seu povo con-
seguindo reconhecimento em cinco de maio de 1983. A primeira
gleba de terra foi adquirida em agosto de 1984. Em 13 de Outu-

359
bro 1984, Adalberto Ferreira, cacique da aldeia, assumiu a mis-
são de pajé após o falecimento de seu irmão João Ferreira pas-
sando a missão de cacique para José Saraiva Irmão em cerimônia
religiosa sob práticas de rituais”.

Arquivo Pessoal de José Saraiva Irmão, em 03/05/2014, no


portal wikinativa/Aconã

“Terra Protegida, identifique-se”

Para chegar até a reserva Aconã, vive-se uma aventura ini-


gualável. Partindo da cidade de Piaçabuçu, embarca-se em canoas
ou lanchas, que partem cortando as águas do São Francisco, em
direção à foz. A lancha percorre o trajeto bem perto das margens,
ao lado de paisagens deslumbrantes de mangues, paredões de areia
caindo pela força das águas e milhares de caranguejo entrando nas
locas de lama preta dos mangues. Em 40 minutos se chega ao po-
voado de Bom Jardim, onde ficam as terras demarcadas pela Funai
na aldeia Aconã. Apesar da sisudez da placa indicativa, “Terra Pro-
tegida, Identifique-se”, o visitante é muito bem recebido por um
incessante cheiro de sândalo e pelo cacique José Saraiva, em sua
casa, com mulher e filhos, aos 77 anos. Óculos escuros tipo Wal-
dick Soriano, o cacique solta o verbo e diz que está esperando uma
equipe de TV para fazer uma séria denúncia: “Todo nosso cedro
está sendo destruído e levado por pescadores para fazer canoa”,
diz.

360
Palavra do cacique

O cacique José Saraiva, disse que já ganhou muito dinheiro


e sustentou a família vendendo cocais de pena, brincos, pulseiras e
até colar de dente de macaco, para turista no Mercado Modelo de
Salvador. Mas encerrou a carreira de empresário, em 1983, para
liderar a tribo no processo de criação do posto pela Funai e na de-
marcação de treze tarefas de terra, onde de quinze em quinze dias
acontecem os rituais, que branco nenhum pode ver, “nem antropó-
logo e nem sociólogo”, avisa. E o cacique, fumando um cachimbo,
cheio de colares no peito e o relógio dourado abriu o verbo:

“Hoje não diferenciamos quem é A ou B em razão da mistu-


ra. A própria história do Brasil não conta nada, foi feita no es-
trangeiro. Só é boa quando é contada pelos próprios índios, que
continuam contando histórias de 600 anos atrás, como nossos pais
nos informaram”.

“Éramos seis milhões na zona litorânea. Os portugueses,


os franceses e os holandeses usavam os índios para produzir gente
de forma mais rápida para se manter no poder”.

“Nós vivia (sic) com soberania, com civilização própria,


amando a natureza, sem ambição com as mulheres nem com o di-
nheiro. Tínhamos peixe e caça para comer e todas as plantas me-
dicinais”.

361
“Meu maior desgosto da vida é ver a situação a que che-
gou o São Francisco; quando ele morrer e não podermos dar mais
jeito. Como é que ficam os governantes, os prefeitos das cidades
ribeirinhas que não se levantaram para proteger o rio dos desvios
da transposição. Daqui a uns 70 anos, vamos atravessar o São
Francisco a pé”.

ABACATIARAS: tribos remanescentes das ilhas

Em um tempo do passado, ainda no Baixo São Francisco


alagoano, havia tribos indígenas de três raças: Tupi, Tapuia e Cara-
íba. Os caetés pertenciam à raça Tupi e, segundo a historiadora
Isabel Loureiro, “habitavam às margens do rio São Francisco,
próximo da embocadura e em todo o litoral, até além do rio Igara-
çu. Numerosos, viviam em constante correria, eram irrequietos e
antropófagos”. Os abacatiaras, também da raça Tupi, ocupavam as
ilhas do São Francisco, viviam da pesca e eram exímios canoeiros.
Os moriquitos, da raça Tapuia, viviam no seio das matas próximas
ao rio São Francisco, no litoral e nas margens das lagoas. Já os
umaús habitavam o extremo território alagoano, nas adjacências
dos atuais municípios de Mata Grande e Água Branca, próximo do
rio Moxotó. Muitas dessas tribos foram dizimadas, e hoje não exis-
tem mais, a não ser àquelas que empreenderam fugas para o sertão,
adentrando terras do oeste, longe das águas do Velho Chico e dos
mares de Alagoas. O historiador Pero de Magalhães Gandavo, ain-
da nos anos 1570, publicava o importante livro História da Provín-

362
cia de Santa Cruz, onde dá sua visão do que teria acontecido. No
livro, o índio tem uma primeira apresentação extremamente realis-
ta, pois a real intenção dos portugueses era a de realmente dominar
a terra e se apossar dos bens que aqui existiam, desprezando todo e
qualquer habitante que, porventura, viesse a atrapalhar os objetivos
da corte portuguesa, como se vê claramente no trecho:

“Junto dellas havia muitos Indios quando os Portuguezes


começaram de as povoar; mas porque os mesmos Indios se levan-
tavão contra elles e lhes fazião muitas treições os Governadores e
Capitães da terra destruirão-nos pouco a pouco, e matarão muitos
deles: outros fugirão pera o sertam e assi ficou a terra desocupada
de gentio ao longo das Povoações. Algumas aldeãs destes Indios
ficarão todavia orredor dellas, que sam de paz e amigos dos Por-
tuguezes”.

Pero de Magalhães Gândavo, em Tratado da Terra do Bra-


sil; História da Província Santa Cruz, Belo Horizonte-MG: Itatiaia,
1980

GERIPANKÓ: viagens de fuga

A nação Geripankó tem uma população de 4.629 índios


(Funai, 2011), e suas terras estão localizadas próxima à cidade de
Pariconha, alto sertão de Alagoas. São descendentes dos Pankararu
do Brejo dos Padres. Fizeram uma 'viagem de fuga' devido às per-

363
seguições e falta de terra pela colonização. Os Geripancó vivem
em oitos comunidades e, devido às necessidade de subsistência,
trabalham como meeiros de fazendeiros da região, nos meses que
correspondem ao inverno. No verão, geralmente vão para o corte
da cana-de-açúcar nas usinas de Alagoas e em outros Estados vizi-
nhos. Eles retornam ao fim da moagem para plantar feijão, milho e
mandioca durante o inverno. O solo não é adequado para cultivar
muitos frutos, mas tem caju, pinha, jaca e manga e o umbu no in-
verno. As tradições da tribo que deu origem ao Gerinpakó estão
mais vivas que nunca, principalmente entre os mais velhos, que
seguem participando de rituais, como a Corrida do Imbu, o Menino
do Rancho, os Encantados e a dança dos Pássaros. Neste último, os
índios incorporam “espíritos antepassados”, e fazem a imitação de
animais. Descendente dos Pankararu, o povo Gerinpakó foi o pri-
meiro a se organizar e reivindicar o reconhecimento em Alagoas.
A etnia começou a ocupar a região no final do século XIX, com o
casal Zé Carapina e Izabel.

“Em 1852, o índio Zé Carapina fugiu da perseguição dos


colonizadores, atravessou o rio Moxotó e se fixou em uma terra
que tinha mata, caça e pesca. Mas muito mais a paz. Ali, se casou
com a prima e começou a formação do povo”.

Depoimento do cacique Genésio Miranda, em reportagem


de Larissa Bastos, na Gazeta de Alagoas 03/04/2016

364
KARIRI-XOCÓ: luta pela demarcação

Um dos principais exemplos de resistência em Alagoas é o


dos Kariri-Xocós, que, mesmo tendo as terras tomadas por coloni-
zadores, conseguiram resistir e, atualmente, se fixaram em Porto
Real do Colégio. Com uma população de 2,3 mil pessoas divididas
em 400 famílias, eles ainda hoje praticam os costumes religiosos –
durante quinze dias de janeiro, todos eles se voltam para o Ouricu-
ri, o lugar sagrado. Mesmo encurralada por fazendas e pelo centro
urbano, a tribo conseguiu manter cem hectares para a prática reli-
giosa, mas ficou espremida no local conhecido como Rua dos Ca-
boclos. Desde 1940, as lideranças lutam, com apoio dos Xucuru-
Kariri, pelo reconhecimento étnico e pela demarcação das terras.
Da área tradicional de sete mil hectares, apenas 700 estão em posse
dos indígenas e um relatório de identificação já reduziu o território
para quatro mil hectares. Porto Real do Colégio, a antiga Aldeia do
Colégio, foi um dos núcleos pioneiros na colonização e desbrava-
mento da região são-franciscana de Alagoas. Além da violência
imposta pelos colonizadores, havia grandes rivalidades e lutas en-
tre as tribos cariris, aconãs e carapotós. O colégio citado no nome
da cidade é uma escola com um convento de padres jesuítas de
Pernambuco que vieram catequizar os índios e os nativos, ainda no
século XVIII. Já no começo do século XIX, a Ordem dos Jesuítas
foi extinta por determinação do marquês de Pombal, primeiro mi-
nistro português. Hoje não existem mais vestígios do colégio dos
jesuítas, sua própria existência é colocada em questão.

365
Guardião das tradições Kariri-Xocó

O professor, antropólogo e historiador Luiz Sávio de Al-


meida é uma fonte essencial em pesquisas sobre os índios alagoa-
nos. É de autoria dele importantes trabalhos de resgate da vida des-
ses povos. Em dois livros organizados por Sávio – Dois dedos de
prosa com os Karapatós (1998) e Índios do Nordeste: temas e pro-
blemas (2000) – estão histórias, pesquisas e depoimentos que mos-
tram como viviam e como vivem estes índios, trazendo relatos so-
bre rituais, espoliação de terras, violência e superação. Um desses
depoimentos é de José Nunes de Oliveira, considerado o guardião
da história das tradições Kariri-Xocó. “Nunes é das beiradas do
Rio São Francisco. Passei um bom tempo conversando com ele e
tentando conseguir que assentasse suas lembranças num pedaço de
papel”, registrou Sávio antes do início da conversa. Veja a seguir
trechos (tematizados) da entrevista do Zé Nunes ao mestre Sávio:

Aldeamento

“Na realidade, a história das origens de meus pais, é, em


certa medida, da homogeinização dos meus avós em cruzamentos
de etnias diferentes entre Kariri, Natu, Xocó e Pankararu que ha-
bitaram as margens do rio São Francisco desde os tempos imemo-
riais, atualmente sob o denominativo genérico de índios Kariri-
Xocó”.

366
Perdendo a identidade

“Muitos nomes tradicionais desapareceram por ocasião do


SPI (Serviço de Proteção ao Índio, que antecedeu à Funai). O
agente do posto (indígena) exigiu o registro de todos os índios no
Cartório de Registro Civil; na aquisição de Certidão de Nascimen-
to e Casamento, muitas famílias mudaram de nome por exigência
do escrivão do cartório de não considerar vocabulário ameríndio
na denominação das pessoas”.

Extinção das aldeias

“Como aconteceu em Sergipe, com os Xocós, as aldeias in-


dígenas foram extintas legalmente em Alagoas no ano de 1873. A
expropriação levou, ao longo dos anos, a população indígena a se
fixar em Porto Real do Colégio numa rua da periferia da cidade. A
aldeia foi o cenário da história da vida em comunidade de nosso
povo sofrido, junto com o Ouricuri (ritual sagrado dos índios)
unindo a todos na preservação de nossas crenças, costumes e nos-
sa cultura”.

Discrição da aldeia

“Eis a aldeia segundo a tradição dos velhos: casas de taipa


cobertas de palha, rua de terra batida, arvoredos de pés de inga-
zaeira em cujas sombras existiam pilões, também ponto de reuni-
ões e conversas. Meninos nus descalços brincando, índias traba-

367
lhando na cerâmica utilitária, homens chegando da pescaria. Em
1941 casaram Maria de Lurdes e Alírio, meus pais. Numa casinha
de palha também foram morar: uma cama de vara, fogo de lenha
no chão, vasilhames de barro, potes e pratos todos feitos pelas
mãos de minha mãe completavam a arrumação. Juntamente com
os artifícios de pesca trabalhados por meu pai: jereré, kuvú, tarra-
fa e puçá”.

A arte da cerâmica

“Na aldeia, quando uma mãe de família não plantava arroz


de meia (de meeira, contrato com os fazendeiros de forma quase
assalariada e desigual), a alternativa foi sempre o trabalho com o
barro. Mamãe, a filha mais velha, ajudava minha avó, que lhe
passou o segredo da cerâmica; quando se casou, sabia todo o ma-
nejo da palheta do coité. Ela carregava a louça queimada no for-
no para a canoa grande de Cícero Catingueira, um branco da ci-
dade; subia ao sertão pelo rio São Francisco vendendo potes e
panelas pelas cidades e povoados até o município de Pão de Açú-
car”.

Cenas de espancamento

“Os brancos da cidade, principalmente a polícia, perse-


guiam os indígenas. Esse pessoal era malvado, espancava índios
com chibata, montavam no índio (homem) como se fosse animal,
com esporas nos pés e feriam àqueles que não tinham a quem acu-

368
dir. Certa vez, quando os índios dançavam toré na rua em que mo-
ravam, entre eles estavam alguns brancos da cidade que observa-
vam o fato... No momento da dança o índio Pedro Tinga pisou no
pé duma mulher branca sem querer e ela caiu fazendo cena de
drama. Alguém deu queixa e a polícia chegou, acabou com a dan-
ça e pegaram Pedro Tinga e começaram a espancá-lo desde a rua
até a delegacia, arrastado pelo chão”.

Brincadeiras de indio

“A meninada gostava de brincar de cozinhada, em que cada


um dava um pouco para fazer a misturada. As meninas davam as
panelas, sal e arrumavam lenha, além de varrerem o pé do velho
ingazeiro. Os meninos saiam para o mato colher frutos silvestres e
caçar passarinho de peteca, e peixe no rio... Quando estava arran-
jado, os meninos levavam a caça, a pesca e a colheita para que as
meninas começassem a cozinhada”.

XUKURU KARIRI: na terra das palmeiras

Grupo indígena oriundo do município de Palmeira dos Ín-


dios, no estado de Alagoas, surgiu como nação da união de duas
etnias distintas, Xucuru e Kariri. Em Alagoas, eles habitam as
áreas indígenas da Mata da Cafurna, Xucuru-Kariri e Fazenda Can-
to, e às margens do lago formado pela Barragem de Moxotó, no
município de Glória, na Bahia. Uma história parecida de resistên-

369
cia é vivida pelos Xucurus, em Palmeira dos Índios. Com uma po-
pulação estimada de três mil pessoas divididas em diversas comu-
nidades, eles tinham uma área tradicional de 36 mil hectares, tendo
a catedral de Nossa Senhora do Amparo ao centro, mas vêm sendo
expulsos de seu habitat natural desde 1770, com a chegada do frei
Domingos de São José. A luta pela demarcação é longa e vem des-
de 1822, ainda sem uma solução.

“O povo Xucuru-Kariri comemorou a publicação da porta-


ria 4.033, de 2010, pelo ministro da Justiça, Luiz Paulo Barreto,
reconhecendo 6.927 hectares de parte de seu território tradicio-
nal. A declaração é uma conquista de extrema importância para o
povo, em vista de sua longa história de resistência e luta por auto-
nomia e dignidade”.

Jorge Vieira, antropólogo indigenista, m depoimento ao jor-


nal Gazeta de Alagoas 30/10/2015

Lenda de Tilixi e Txiliá

Segundo a lenda, Palmeira dos Índios teria sua origem liga-


da ao casal Tilixi e Txiliá. Conta-se que, há mais de 200 anos, Txi-
liá estava prometida ao cacique Etafé, mas era apaixonada pelo
primo Tilixi. Um beijo proibido o condenou a morte por inanição.
Ao visitar o amado, Txiliá foi atingida por uma flecha mortal de
Etafé, morrendo ao lado do primo. No local, nasceu a palmeira,
símbolo do amor intenso do casal. Em uma das versões, conta-se

370
ainda que ela teria plantado uma cruz ao lado do amado, dada por
frei Domingos de São José, rogando que Tilixi pudesse ter alguma
sombra para aliviar seu sofrimento. Milagrosamente a cruz trans-
formou-se na dita “palmeira dos índios”. A história, porém, foi
concebida e escrita pelo romancista Luiz Torres (1926-1992), em
A terra de Tilixi e Txiliá: Palmeira dos Índios Séculos XVIII e
XIX, de 1973. A confusão foi desfeita pelo antropólogo Clóvis
Antunes na obra Waokna-Xukuru-Kariri, também de 1973, que
traz a ressalva do cacique Miguel Celestino. Segundo ele, tal lenda
era desconhecida entre seu povo. A índia Iraci Lourenço de Melo
conta que o nome, na verdade, seria derivado de uma palmeira que
era “a mãe de todas as palmeiras”. De tão alta, ela poderia ser avis-
tada de qualquer ponto da planície e servia de referência a quem
vinha de longe.

“Minha avó falava que, antigamente, no tempo dos nossos


antepassados, tinha uma índia novinha que tava grávida, já ga-
nhando neném, e saiu para o meio da mata com o índio e, quando
chegou nessa rodagem, não tinha rodagem! Era só a palmeira no
meio e mata! Mata virgem mesmo.”

Luiz B Torres, em A terra de Tilixi e Txiliá: Palmeira dos


Índios Séculos XVIII e XIX, 1973

371
Fundação do Museu Xucuru

Na área de pesquisa, Luiz Torres trouxe à tona a história da


cidade de Palmeira dos Índios. Descobriu documentos dos séculos
XVIII e XIX, fatos reais ocorridos no desenvolvimento do peque-
no arraial, e definiu datas históricas. Em 1971, fez o mesmo trajeto
que os oficiais da Guarda Nacional fizeram em 1822, quando, por
ordem do Imperador, delimitaram as terras destinadas aos índios
xucurus e kariris. Encontrou os marcos e também suas testemu-
nhas, que serviram como indicativos fronteiriços dessa área. Des-
cobriu seis cemitérios indígenas e neles desenterrou 35 igaçabas.
Encontrou panelas, machados, pontas de flechas e outros instru-
mentos pertencentes à civilização indígena no passado. Em 1971,
Luiz Torres funda o Museu Xucurus de História, Artes e Costu-
mes, e nele coloca todos os materiais pertencentes ao passado, en-
contrados por ele, além de arrecadar junto à população outros ins-
trumentos pertencentes às famílias mais tradicionais da tribo Xucu-
ru-Kariri. Em 1966, o então prefeito José Duarte Marques sanciona
a lei 691, onde determinava como símbolos oficiais da cidade de
Palmeira dos Índios, o Hino, o Brasão e a Bandeira confeccionados
por Luiz Torres em co-parceria com outros palmeirenses. Em
1988, produziu e dirigiu um documentário sobre a lenda da funda-
ção da cidade de Palmeira dos Índios, tendo como protagonistas os
próprios descendentes dos índios Xucuru-Kariri. Em 1989, filma a
história do fundador da primeira tipografia da Vila de Palmeira dos
Índios, bem como a fundação do seu primeiro jornal.

372
Índia xucuru “enquadra” deputado

Em outubro de 2006, o clima ficou tenso no Hotel Enseada,


no bairro da Pajuçara, em Maceió, durante a realização do 1º En-
contro da Mulher Indígena do Nordeste, quando índios e caciques
leram os jornais do dia e se depararam com a notícia de que o de-
putado estadual Gervásio Raimundo (PTB) pediu, em sessão da
Assembleia Legislativa alagoana, que a cidade de Palmeira dos
Índios fosse chamada apenas de Palmeira. “Palmeira não é mais
dos índios, porque eles não existem mais. Palmeira hoje é uma
terra dos empresários que fazem o progresso da região (sic)”, afir-
mava Gervásio, em seu pronunciamento na tribuna, em defesa de
seu projeto de lei de tirar o aposto “dos Índios” do nome da cidade
de Palmeira dos Índios, terra secular dos Xucurus. A presidente do
Comitê Intertribal de Mulheres Indígenas, a xucuru Graciliana Ce-
lestino, uma alagoana com então 24 anos de idade, filha do cacique
Celestino, ficou estarrecida com a notícia. Ela classificou a afirma-
ção como uma mentira deslavada e que só mostrava o total desco-
nhecimento do deputado pela cultura a história, já que seu povo
Xucuru-Kariri habita a região de forma secular. Nos anos 1980,
fazendeiros e índios xucurus travaram verdadeiras guerras cam-
pais, inclusive com mortes, quando nasceu a Fazenda Canto, o nú-
cleo de resistência xucurus. Gervásio Raimundo não é mais parla-
mentar, e em 2006 foi um dos acusados da Operação Taturana,
quando deputados teriam desviado R$ 300 milhões da Assembleia.

373
“É uma afirmação muito grave de uma pessoa sem cultura,
e mais que isso é um desrespeito a um povo que chegou a Palmei-
ra dos Índios muito antes que o homem branco, e tem uma história
que ainda é viva e reconhecida internacionalmente. Temos todo
direito à terra e esse bem ninguém vai nos tirar. Não tenho outra
palavra, a não ser dizer que o desequilíbrio é o pior sentimento
humano. Pena que os alagoanos elegeram um cidadão desta natu-
reza. Eles vão ver o que é bom nas próximas eleições, quando não
vão ganhar voto de ninguém. A terra é nossa e de nossos ances-
trais, e não vai ter deputado nenhum que vá tirar a gente de lá,
nem trocar nome de nada”.

Depoimento de Graciliana Celestino, filha do cacique Celes-


tino, em reportagem do jornal Primeira Edição, em 27/10/2003

Mulher de palavra

Graciliana Celestino voltou a conversar sobre o Primeiro


Encontro de Organizações e Intercâmbio da Mulher Indígena no
Nordeste. Ela estava lá, de cocar florido na cabeça, calça de brim
azulada, belos colares no pescoço e de camiseta vermelha com as
inscrições “A palavra da mulher é sagrada como a terra”. Ela pediu
apoio do governo e denunciou a precária situação dos povos indí-
genas do sertão de Alagoas, que estão passando por fome e sede.
Leia alguns trechos de sua fala.

374
“Eles são os mais atingidos, pois perderam toda a safra e
são tribos que sobrevivem da agricultura. Se não forem tomadas
as ações imediatas, os katoquin, kaiponká, jaripatreô, kalnakó
estão correndo perigo”.

Sobre a saúde indígena: “Eles não têm capacitação e nem


respeito para trabalhar em nossa linha de medicina tradicional,
que é o que nós aprendemos como nossos ancestrais e líderes espi-
rituais para cuidar de nossa saúde”.

Sobre educação: “Os próprios professores são brancos e


sem nenhuma identidade cultural com os índios. Nossa idéia é
formar turmas de pedagogos saídas da própria tribo”.

Sobre a violência no campo: “Somos duplamente atingidas


pela violência, por sermos mulheres e por sermos índias. Na ver-
dade, queremos fortalecer as organizações indígenas das mulhe-
res, para termos mais espaço nas decisões políticas e fazer com
que os direitos dos índios sejam cumpridos”.

Depoimento de Graciliana Celestino, filha do cacique Celes-


tino, em reportagem do jornal Primeira Edição, em 27/10/2003

375
KARAPATÓ: a reconquista da terra

Os karapatós habitam a aldeia Plak-ô e o povoado Terra


Nova, situados no município de São Sebastião, no estado de Ala-
goas. É de etnia Kariri, a língua falada é tupi guarani, de acordo
com o Censo Funai de 2000, eram 364 indivíduos. Nessa mesma
região do São Francisco muitas tribos foram dizimadas pelos ban-
deirantes no século XVI para limpeza étnica imposta pela Coroa
Portuguesa contra os Caeté no litoral alagoano e indiretamente a
outros grupos principalmente os Kariri e Karapotó. Com a implan-
tação das fazendas de criação de gado no Rio São Francisco os
colonizadores moveram outros massacres para ocupar os territórios
indígenas, isso foi se concretizando aos longos dos anos. Os Kara-
potó viveram em várias missões em Porto Real do Colégio, Águas
Belas (PE) e Penedo. Mas este grupo viveu mesmo muito tempo na
Missão de Colégio onde foram reunidos pelos padres jesuítas com
os Kariri, Karapotós e Aconãs. Hoje, os Karapotós se estabelece-
ram no Rio Boa Cica ode vivem atualmente a maioria deste povo
indígena. No século XVIII a Companhia de Jesus deixou o Brasil
por ordem do Marques de Pombal, ministro de Portugal , os padres
jesuítas foram expulsos da colônia . As fazendas foram leiloadas e
vendidas aos colonizadores, assim os Karapotó ficaram a mercê da
própria sorte. A população foi dispersa nas imediações passando a
negar sua identidade para sobreviver frente aos poderosos da épo-
ca, os indígenas passaram a trabalhar para os fazendeiros e senho-
res de engenho. Tempos depois já no período da República lutaram
pelos seus direitos e conseguiram reaver parte de seu antigo territó-

376
rio no rio Boa Cica e construiram uma nova Aldeia Karapotó Pla-
ki-ó.

Perda irreparável em acidente

Em outubro de 2014, a nação Karapotó sofreu um abalo ir-


reparável, com a morte, em acidente automobilístico, de cinco
grandes líderes da tribo. O grupo se dirigia a Maceió para partici-
par de um protesto pela construção de casas populares e pela rei-
vindicava do pagamento de indenização pelas terras indígenas in-
vadidas durante a obra de duplicação da rodovia BR-101. Os cor-
pos dos indígenas foram enterrados em Porto Real do Colégio,
com cânticos indígenas entoados com tristeza pelos índios Karapa-
tó e Kariri-Xocó. Entre os mortos estavam o cacique Antônio José
Filho, conhecido como Antônio Izidoro, e o filho dele, Rosivan
Izidoro, eram os líderes da comunidade que reúne mais de 800 fa-
mílias, na zona rural de São Sebastião.

“Meu pai não era um administrador, mas era um conselhei-


ro a quem todos procuravam para resolver os problemas da co-
munidade. Ele herdou essa posição pelo respeito e confiança que
ganhou de toda a comunidade, e meu irmão estava seguindo o
mesmo caminho. Esse acidente tirou o rumo da nossa comunidade.
Sem eles dois, não sabemos mais a quem recorrer. Perdemos
guerreiros. Eles viviam para a causa indígena e morreram por

377
causa dela. Não dá para explicar a dor que nós todos estamos sen-
tindo”.

Depoimento Rosicleide Izidor, filha do cacique, ao jornal


Gazeta de Alagoas, 13/09/2014

TINGUI BOTÓ

A família Botó tem como tronco o capitão de aldeia Pedro


Lolaço, que gerou três filhos: João Xavier, Rosa e Vicente Ferrei-
ra. Ludovico, irmão de Pedro, gerou um filho que ficou na história
local como o chefe tribal Manoel Baltazar, aquele que recebeu o
imperador Pedro II em visita a Porto Real do Colégio, em 16 de
outubro de 1859. Entre os filhos de Pedro Lolaço, João Xavier teve
outros três filhos com sua esposa Francisca: José Botó, Cícero e
Nezinho, Foram estes filhos que saíram de Colégio em 1915 para
Feira Grande, e ali começou a formação da tribo Tingui-Botó (em
Índios do Nordeste: temas e problemas, Luiz Sávio de Almeida,
Marcos Galindo e Juliana Lopes Elias). Os Tingui-Botó habitam a
comunidade Olho D´Água do Meio, no município alagoano de
Feira Grande. Até o início da década de 80, eram conhecidos como
"caboclos", quando foi reconhecida a identidade indígena pela Fu-
nai. Desde esse período preservam dois hectares de mata para rea-
lizar o ritual secreto do Ouricuri, principal emblema de sua identi-
dade, que continuam resguardando das populações vizinhas.

378
WASSU COCAL

Povo indígena que habita a zona da Mata Alagoana, entre os


municípios de Joaquim Gomes e Novo Lino, e a região dos vales
do Paraíba e Mundaú. Os Wassu Cocal são da etnia Kariri. Eles
possuem um grupo de apresentações do toré, formado por seis ho-
mens e seis mulheres, e é apresentado no Dia do Índio para o pú-
blico que visitar a comunidade. Na parte religiosa, possuem tradi-
ções, cultura, costumes. Possuem um sincretismo, com uma missa
inicial com padre, e após uma cerimônia de oito dias na qual só
participam os índios, por possuírem rituais secretos, na qual ocor-
rem curas e outras manifestações que o branco não pode ficar sa-
bendo.

KALÁNKÓ

A área onde atualmente vive o grupo da etnia Kalankó está


localizada próxima aos municípios alagoanos de Água Branca e
Mata Grande. O grupo reivindica parentesco e descendência com
os Pankaruru de Brejo dos Padres, Pernambuco. É que entre o final
do século XIX e início do século XX uma parte deste grupo teria
migrado em direção ao sertão alagoano.

379
KARUAZU

O longo processo de migração experimentado por famílias


pankararu desde a extinção oficial do aldeamento de Brejo dos
Padres, no penúltimo quartel do século XIX, promoveu a formação
recente de coletivos de identidade indígena genealógica e cultu-
ralmente ligados aos índios Pankararu (PE).

UM ÍNDIO PROLETÁRIO

Um dos maiores pensadores sobre questões indígenas no pa-


ís, o professor e historiador alagoano Luiz Sávio de Almeida, na
aula inaugural do mestrado em História da Universidade Federal
de Alagoas (Ufal), em agosto de 2014, alertou aos futuros historia-
dores sobre a atual situação do ensino e da realidade indígena nas
escolas e universidades brasileiras. Ele sugeriu novas perspectivas
para o estudo desses povos, e vaticinou: “A maior aldeia indígena
será Maceió”.

“Os estudos sobre os indígenas estão muito focados em


questões como identidade, cultura, religiosidade, mas estão esque-
cendo de analisar a história dos índios e sua relação com a urba-
nização e a interferência do modelo econômico capitalista. A ra-
zão do capitalismo não permite a lógica do aldeamento e não res-
peita as fronteiras étnicas e políticas. Esse sistema quer configu-
rar o índio na condição de proletariado, transformando a pobreza

380
indígena em reserva de mão-de-obra, por isso é de interesse o ín-
dio pobre. Ele vai da pobreza rural à pobreza urbana. Não tenho
dúvidas de que, no próximo censo, a maior aldeia indígena de
Alagoas vai ser Maceió. Não me interessa se você é marxista ou
não; não interessa que corrente ideológica você segue; o que inte-
ressa é que a universidade tem responsabilidade por uma coisa
que se chama povo. Ninguém é objeto de estudo, a academia não
elimina a desigualdade. É importante sabermos o quanto precisa-
mos aprender com esse povo".

ESTEVÃO PINTO: PAI DA ANTROPOLOGIA

Estevão de Menezes Ferreira Pinto (1895-1968) nasceu na


Rua do Açougue (hoje Moreira Lima), centro comercial de Ma-
ceió, na capital de Alagoas. Humanista, considerado um dos pio-
neiros da antropologia no Brasil, Estevão Pinto teve uma relevante
atuação como historiador, sociólogo, antropólogo e folclorista,
especializando-se na área de etnologia indígena, especialmente da
região Nordeste do Brasil. Foi aluno do Colégio Diocesano, em
Maceió, mudando-se para o Recife, em 1912, onde cursou o Prepa-
ratório para ingressar na Faculdade de Direito do Recife, bachare-
lando-se em Ciências Jurídicas e Sociais, no ano de 1917. Foi co-
lega de faculdade de Barbosa Lima Sobrinho e Sylvio Rabello. Foi
um dos principais responsáveis pela criação, em 1950, da Faculda-
de de Filosofia de Pernambuco e o seu primeiro diretor, além de ter
sido o primeiro professor titular de Antropologia e Etnografia. A

381
obra de Estevão Pinto, segundo o sociólogo paulista Florestan Fer-
nandes, equipara-se às pesquisas de Couto de Magalhães, Nina
Rodrigues e do alagoano Arthur Ramos. O folclorista alagoano
José Maria Tenório Rocha escreveu o livro Estevão Pinto, um dos
pioneiros da antropologia no Brasil. Fortaleza: Fundação Walde-
mar Alcântara, 1994.

ZONAS DE EXTINÇÃO

Atualmente em Alagoas existem doze povos, mas as tribos


Wassu, de Joaquim Gomes; Xucuru-Kariri, de Palmeira dos Ín-
dios; Kariri-Xocó, de Porto Real do Colégio; e Kalancó, de Água
Branca, são as que estão mais ameaçadas de perderem seus territó-
rios, por já estarem em áreas reduzidas a pouco mais de 2 mil hec-
tares, quando, originalmente, deveriam ter mais de 30 mil hecta-
res.Com a chegada do novo governo eleito em 2018, os riscos de
extinção de tribos brasileiras e alagoanas voltam a correr sério pe-
rigo, A partir de 2019 a Fundação Nacional do Índio (Funai) pode
não ser mais vinculada ao Ministério da Justiça. O órgão, que cui-
da dos direitos dos índios brasileiros, está lá desde que foi fundado
em 1967, em pleno regime militar. De acordo com antropólogo e
indigenista alagoano Jorge Vieira, a ameaça a esses povos é a pos-
sibilidade de revisão das áreas já demarcadas pelo governo federal
e, com isso, algumas áreas poderão ser perdidas ou reduzidas ainda
mais.

382
“Esta proposta tem um único objetivo: financeiro. Boa par-
te dos deputados federais e senadores são agropecuaristas, e
áreas indígenas o interessam apenas para fins comerciais. Eles
alegam que a demarcação só atrasaria ainda mais o desenvolvi-
mento do País”.

383
NEGROS DE ALAGOAS

ALAGOAS E O TRÁFICO NEGREIRO

Não é tarefa fácil encontrar material para conhecer cinco sé-


culos da história negra no antigo território das Alagoas. Mas sabe-
se, por exemplo, como os primeiros negros escravos chegavam
aqui: aprisionados no continente africano em criminosa e rentável
operação comercial, chegavam por meio dos denominados navios
negreiros, com a facilitação do desembarque em portos com pouco
ou nenhuma vigilância sobre esse tráfico de pessoas negras. Salva-
dor e Recife eram os pontos mais importantes da região nessa ope-
ração. Maceió, decididamente, não estava na relação. Após a proi-
bição do tráfico no século XIX, o Porto de Galinhas, em Pernam-
buco, ficou famoso pela movimentação clandestina do nefando
comércio, naquele momento considerado ilegal.

“Mas vários pontos de Alagoas foram utilizados pelos con-


trabandistas, entre eles os agitados portos do Francês e o de Pari-
pueira, além dos de Penedo e Barra Grande, e das enseadas do
Boqueirão, do Patacho, das Quintas, Tabuba, Mearim e o ancora-
douro de Sapucahy. Barcos e brigues evitavam os portos de maior
visibilidade para não atrair a atenção e faziam à larga o desem-
barque dos negros, usando barcaças e jangadas quando chegavam
mais perto do litoral. Os muambeiros eram conhecidos pela desfa-
çatez com que driblavam a proibição e praticavam o tráfico às

384
escâncaras, sob a proteção dos poderosos da época. As sucessivas
denúncias não surtiam efeito, como hoje o são as de corrupção
com o dinheiro público, porque gente influente, do topo da pirâ-
mide social, estava por trás e auferia gordos lucros. Para comba-
ter a ilegalidade ou manter as aparências, o governo criou postos
militares ao longo do litoral alagoano. Barra de Coruripe, Fran-
cês, Peba, Poxim, Gamela e Ipioca foram usados como pretensa
medida de repressão ao contrabando, mas o comércio continuou
existindo e só foi reduzido, ma non troppo, a partir da Lei Euzébio
de Queiroz, em 1850”.

Douglas Apratto Tenório, no suplemento Alagoas 200 anos,


no jornal Gazeta de Alagoas, 2017

De onde vieram nossos negros?

Mesmo diminuindo o tráfico internacional, o interno alcan-


çou proporções gigantescas. E muitos saíram das plantações de
cana de açúcar e eram vendidos a peso de ouro para as capitanias
do Sul, principalmente para os campos de café. Pela documentação
deficiente, ou inexistente, não há certeza completa sobre a proce-
dência do enorme contingente de escravos que desembarcaram
aqui. Angola, Congo, Rebolo, Angico, Gabão e Moçambique fo-
ram os locais citados pelo cronista Henry Koster, filho de ingleses
nascido em Portugal, que viveu no Nordeste. Em documento assi-
nado em 1647, por ocasião da Guerra do Açúcar, Henrique Dias
diz que o seu regimento era composto de negros das nações Mina,

385
Ardas, Angola e Croulos, cada um com características bem pró-
prias.

“Eles eram arrebanhados de lugares diferentes, mas sabe--


se, por exemplo, que o grupo majoritário da população do Quilom-
bo dos Palmares era banto. Há uma multiplicidade de grupos cultu-
rais – sudaneses, guineanos-sudaneses islamizados e bantos entre
os primeiros, assim como inúmeras tribos compondo um complexo
mosaico de povos e culturas. Temos registros brandos da existên-
cia de grupos islamizados em Penedo, guineenses e sudaneses e de
outros grupos menores, mas não há dúvida de que os bantos for-
mavam a maioria dos que vieram para esta região. Consideremos
também que o termo banto é muito amplo. Traduz-se como a gente
de uma região espaçosa do vasto continente africano, do Golfo da
Guiné às margens do Rio Zambeze, englobando Angola e Congo”.

Douglas Apratto Tenório, no suplemento Alagoas 200 anos,


no jornal Gazeta de Alagoas, 2017

A ÁFRICA É AQUI

É inegável a forte presença negra na formação da identidade


alagoana, apesar da frágil documentação – algumas queimadas por
inteiro por tabeliães inescrupulosos da colônia – eles estão em to-
dos os quadrantes de nossa história. Na cultura popular, na música,
no sincretismo religioso, na culinária, na alimentação e na denomi-

386
nação de acidentes geográficos e no cotidiano do povo alagoano.
Nos nossos folguedos e danças pode se afirmar com certeza que a
grande maioria foi originada das congadas, dos rituais africanos e
da própria vitalidade dos negros. Autos de nosso folclore, o Guer-
reiro, o Reisado, o Bumba-meu-Boi, as festas de Reis de Congo, o
Maracatu, a Taieira, o Samba-de-Matuto, o Quilombo, as Negras
da Costa, as Baianas, que são motivos de orgulho do alagoano,
nasceram com o negro escravizado. A energia do batuque nos ter-
reiro contagiava todos, da casa grande à senzala. Na Zona da Mata
dos engenhos de açúcar, foi aonde Alagoas se tornou um celeiro de
manifestações folclóricas – o Estado tem o hoje o maior e mais
diversificado números de folguedos do país.

“Foram dessas realidades negociadas a partir das fazen-


das e engenhos alagoanos que brotaram formas culturais ambiva-
lentes ou ambíguas quanto ao reconhecimento social dos teores de
negro-alagoanidades que as preenchem. Isso transparece com
nitidez no chamado "folclore negro", que para Alagoas os estudos
de Abelardo Duarte listaram: as danças do coco alagoano, do
buá, do bate coxa, e ainda do lundu; as músicas do esquenta-
mulher e dos barbeiros; a literatura oral negra do ciclo do Pai
João, das cantigas de ninar e dos adágios populares; a escultura,
como a estatuária fantástica, radicalmente distinta da européia; as
profissões "de ganho", como os vendedores ambulantes e as baia-
nas quituteiras da velha Maceió, no centro e em Jaraguá, lembra-
das por Félix Lima Jr; e os folguedos populares, hoje mais ou me-
nos vivos e mais ou menos mortos, como o Bumba-meu-Boi, o Rei-

387
sado, o Guerreiro, as desaparecidas Taiêras, as Baianas, o Qui-
lombo, e o finado Maracatu”.

Por Bruno César Cavalcanti, no artigo Bantas Coisas de


Alagoas - culturas negras, passado e presente, em 12 de Dezembro
de 2005

O LEGADO DAS PALAVRAS

Muito dos estudos sobre nomes de lugares e coisas, a topo-


nímia - do grego topos e onyma nome de lugar - alagoana, são de
origem negra. Localidades como Mutange e Cambona, bairros da
capital, e Quebrangulo, o município, têm nomes de origem africa-
na. Diversas outras expressões foram catalogadas pelo estudioso e
lexicógrafo pernambucano, de Água Preta, e radicado em Maceió
(AL), Mário Marroquim, em seu primoroso livro A língua do Nor-
deste, enuncia que o elemento indígena brasileiro e o elemento
escravo, este vindo em grandes massas da África, tenham deixado
na língua da região pedaços de seu vocabulário. Marroquim cita
muitas outras palavras africanas que entraram no vocabulário da
língua representando desde utensílios a objetos e coisas africanas,
e que depois, não pela vontade do negro, passaram a batizar aci-
dentes geográficos. São elas: macaco, cacimba, cacimbinha, caba-
ço, banguê, banana, cachimbo, lumbi, quilombo, mulungu, mole-
que, mucambo, bugiganga, caxambu, jiló, João-Congo, marimbon-
do, quiabos, tapa-cacimba, quebra-bunda e muitas outras.

388
“É a afirmação eterna de sua passagem. A lembrança da
espoliação de uns e do sacrifício de outros”.

Mário Marroquim, em A Língua do Nordeste, 3ª edição


1996, HD Livros Editora, por ocasião do centenário de nascimento
do cientista das palavras

AS IGREJAS “NEGRAS”

Ainda no século XVI os jesuítas criaram uma confraria reli-


giosa chamada Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Pre-
tos, com subentendido de acolher os negros escravos, introduzin-
do-os no meio social, “não para dar-lhes condição humana, mas,
para torná-los dóceis às necessidades do uso, como força humana
para a economia portuguesa”, aponta o professor Ernani Méro em
seu livro Igrejas de Maceió (1987). Ainda segundo Melo, a irman-
dade ganhou força no litoral brasileiro e no interior de Alagoas,
como em Penedo, Marechal Deodoro e Maceió, onde em cada uma
dessas cidades foi erigido templos dedicados à Senhora do Rosário
dos Pretos. E assim foi edificada a igreja na atual Rua do Sol, com
seu galo encimando o topo do templo. Porém, um detalhe do esta-
tuto da irmandade aprovado em 1837, pelo bispo de Olinda, dizia
em seu capítulo primeiro: “... e sendo cativo se aplicará o mesmo,
tendo licença de seu senhor, que deverá apresentar por escrito”. A
igreja foi construída com o esforço dos negros, que além de todo

389
alicerce viviam sob absoluta dificuldade econômica. Foi preciso a
ajuda da comunidade e do concurso de loterias. Um fato provocado
pelos políticos locais tentou desmoralizar o templo sagrado.

“Um fato de importância política envolve o tempo da rua


João Pessoa. Em 1840, Sinimbu designou o consistório daquela
igreja para uma reunião da Assembleia Legislativa Municipal. Os
legisladores não aceitaram. Diz Craveiro Costa em seu livro Ma-
ceió na página 107 ‘A Assembleia não aceitou sob à legação – a
indecência do lugar e sua inconstitucionalidade’ ”.

Ernani Méro, no livro Igrejas de Maceió, 1987, edição do


autor

ESPANCARAM O NEGRO BENTO!

O historiador alagoano Abelardo Duarte relata, por meio de


sua vasta documentação anotada e coligida, que os negros preferi-
am prestar seus serviços ao governo ao invés de particulares devi-
do às malvadezas que recebiam destes. E quando eram feitas de-
núncias às autoridades, especialmente ao Curador de Africanos,
nada era resolvido nos inquéritos. Eles preferiam morrer de fome a
receber os castigos implacáveis dos seus empregadores, como no
caso do negro Bento, que foi recolhido ao Hospital de Caridade em
estado lastimável e cego de um olho pelos maus-tratos que lhe fo-
ram infligidos pelo comendador J. M, de Porto Calvo. Feitores e

390
fazendeiros, políticos e empresários não ligavam a mínima para a
alforria. Os negros emancipados continuavam sendo tratados da
mesma forma como eram na condição de escravos. A má vontade
em dar-lhes a liberdade era patente.

“Engana-se quem imagina que a situação dos negros que


iam sendo libertos era diferente da de vinte ou trinta anos atrás,
quando não existiam as leis emancipacionistas. A título de ilustra-
ção, recordemos que em 24 de janeiro de 1832 o jornalista redator
do Íris Alagoense, o francês Bois Garin, foi alvejado a tiros em
plena capital por ter tido a “audácia” de noticiar nas páginas do
primeiro órgão da imprensa alagoana, mantido pelo governo pro-
vincial, o espancamento cruel praticado por um influente potenta-
do rural e político, em pleno centro comercial de Maceió, contra
um escravo pertencente a um padre, por questão sem nenhuma
importância. Talvez porque não tivesse dado um bom-dia mais
sonoro, ou repetido! Os recém-emancipados preferiam obter seu
próprio sustento vendendo nas ruas, ou então prestar seus serviços
nos órgãos governamentais como o Hospital Militar, Secretaria de
Polícia, Hospital de Caridade, Correios, Cadeia Pública, constru-
ção do Farol de Maceió, cemitérios públicos etc.“.

Douglas Apratto Tenório, no suplemento Alagoas 200 anos,


no jornal Gazeta de Alagoas, 2017

391
PALMARES: A GUERRA DE UM LADO SÓ

Na historiografia brasileira nenhum episódio foi contado à


luz de apenas um lado do fato, por mais relevante e imprescindível
que ele seja. A guerra de Palmares talvez seja a única – sem contar
os “esquecimentos” de outros tantos episódios da Colônia e da Re-
pública - que seja contada por análises e interpretações de docu-
mentos, “pelo fato de que não possuímos fontes oriundas dos pró-
prios palmarinos, mas, tão-somente, dos seus inimigos”. A consta-
tação é do professor e historiador gaúcho Décio Freitas (1922-
2004), um dos mais importantes pesquisadores sobre o período dos
Quilombos dos Palmares, que colaborou de forma decisiva sobre
os fundamentos e a compreensão da capacidade de organização da
Cerca Real do Macaco, onde os negros foram batidos depois de
mais de 70 batalhas contra as tropas coloniais. Lanças contra balas
de canhão.

“No dia em que forem resgatadas da grande face oculta


brasileira – face mais ampla e importante que a visível e oficial -,
as revoltas escravas projetarão luz sobre um sem número de con-
tradições históricas que de outro modo sempre permanecerão in-
compreensíveis. Na imensa e tumultuada história das revoltas es-
cravas, a de Palmares ocupa lugar ímpar. Não foi apenas a pri-
meira, mas a maior envergadura”.

Décio Freitas, Palmares A Guerra dos Escravos, 1978, Edi-


tora Graal

392
A fundação de Palmares

A organização política e social da Serra da Barriga, nas


guerras promovidas pela Coroa Portuguesa e seus prepostos colo-
niais contra o Quilombo dos Palmares, projetava um modelo de
sociedade soberana, auto-sustentada, encabeçada pela experiência
vinda do continente africano e sua mistura já bem brasileira, em
contraponto ao modelo escravagista português. Os fatos e datas da
história registram que a criação do Império Colonial português nas
Américas, coincide com a organização do Quilombo dos Palmares.
As principais bibliografias sobre o período apontam para o ano de
1597, com a construção dos primeiros mocambos nas encostas da
Serra da Barriga.

“O Quilombo dos Palmares foi uma recriação dos mundos


africanos aqui no Brasil, composto de vários grupos étnicos, além
dos nascidos no quilombo, criaram uma sociedade com caracterís-
ticas próprias. No espaço, novas relações sociais, culturais e polí-
ticas foram reelaboradas. Para a sobrevivência da população,
atividades econômicas foram desenvolvidas tendo como base a
propriedade como um bem coletivo, com atividades produtivas
diversificadas e a distribuição dos produtos em conformidade com
a carência de cada família”.

Zezito de Araújo, historiador, no artigo A Organização Polí-


tica e Social da Serra da Barriga no Contexto do Quilombo dos

393
Palmares, no livro Bicentenário em Prosa, 200 Anos de Alagoas,
Imprensa Oficial Graciliano Ramos, 2017

Preparação para a guerra

A preparação da Serra da Barriga para se proteger do inimi-


go, em uma região serrana de difícil acesso, foi feita de imediato,
com a fortificação de toda área central do principal mocambo, Cer-
ca Real do Macaco, e nos vales e encostas, e que funcionava tam-
bém como treinamento militar. Além dos líderes Ganga Zumba e
seu sobrinho Zumbi, comandante em chefe da guerra, tinham tam-
bém os negros africanos radicais, querendo liberdade a qualquer
custo. A escolha da região não foi ao acaso, mas uma decisão polí-
tica-militar na construção do quilombo, seguindo a tradição dos
negros africanos quando em conflitos, que era a construção de for-
tificações como: paliçadas, armadilhas e casamatas em regiões
íngremes e altas, como a Serra da Barriga. Parte do grupo de ne-
gros que veio para o Brasil na condição de escravo já tinham expe-
riências em guerras no continente africano.

“Por questões de segurança, os portugueses exportavam


para a então colônia os jagas belicosos que caiam em suas mãos e
foram esses jagas, que só admitiam a liberdade absoluta, os insti-
tuidores dos primeiros quilombos no soe oriental da Serra da Bar-
riga, Em Alagoas”.

394
Décio Freitas, Palmares A Guerra dos Escravos, 1978, Edi-
tora Graal
Holanese

Holandeses e a “guerra total”

A segunda fase do Quilombo dos Palmares é marcada pela


invasão holandesa no Nordeste, no começo dos anos 1930. Nesta
etapa a vida pulsava na Serra, mocambos já se espalhavam em
quase toda a região, talvez favorecidos pela mudança de foco dos
portugueses de olho no invasor batavo, e também pela desorgani-
zação na produção de cana de açúcar. Os domínios dos negros fu-
gitivos, que iriam formar o primeiro e mais importante centro de
resistência negra nas Américas, já ocupavam uma área que ia des-
de o Cabo de Santo Agostinho em Pernambuco, até o rio São Fran-
cisco, em Penedo. Na terceira fase, nas batalhas que resultou na
expulsão dos holandeses, em 1654, os confrontos entre quilombo-
las, a Colônia e os senhores de engenho se recrudesceu. Os portu-
gueses não iriam desistir, pois o projeto de derrotar os negros –
como fez com os índios Caetés – era a única forma de assegurar o
projeto de expansão colonial.

“Foi quando surgiu o grande problema para o Estado Co-


lonial: como tomar terras do massapé dos negros fugitivos, para
nelas implantar os engenhos de açúcar e os canaviais? A resposta
a essa pergunta foi a guerra decretada pela Colônia contra os
Quilombos dos Palmares, guerra total, de vários anos de assaltos

395
militares, de prisão e morte de negros mocambeiros e quilombo-
las, de destruição e ocupação dos redutos construídos pelos ne-
gros nas matas”.

Dirceu Lindoso, historiador alagoano, no livro A razão qui-


lombola: estudo em torno do conceito quilombola de nação etno-
gráfica, 2011, Edufal

Surge Zumbi: bravo guerreiro quilombola

É no período da derrocada holandesa que, acredita-se, tenha


surgido o lendário Zumbi, como líder do Exército de Ganga Zum-
ba, exatamente quando as autoridades portuguesas intensificaram o
cerco a Palmares. Após quatro anos de combates intensos, em
1674, o governador de Pernambuco, dom Pedro de Almeida, envia
representantes de suas forças para oferecer um tratado de paz a
Ganga Zumba. O acordo foi aceito, e em 18 de junho de 1678, uma
representação formada por 15 palmarinos chegou ao Recife, dentre
eles estavam três filhos de Ganga Zumba. Em um dos itens acerta-
dos no tratado diz que “seriam livres os negros nascidos em Palma-
res, conforme propunha a lei Ganga Zumba. Um grupo de quilom-
bola liderado por Zumbi rechaçou o tratado de paz, as medidas
eram tímidas e não garantia a liberdade de todos. As lideranças
negras sabiam que o que estava em jogo era a luta pela posse da
terra onde eles moravam, e tinham construído sua nação. Na época,
segundo cálculos dos próprios oficiais das tropas portuguesas, o
quilombo concentrava mais de 20 mil negros no teatro de guerra.

396
“Estabelecido o conflito pelo poder, Ganga Zumba foi as-
sassinado e o grupo liderado por Zumbi dos Palmares assumiu o
comando político, administrativo e militar do Quilombo dos Pal-
mares, não reconhecendo o acordo de paz. O governador de Per-
nambuco se antecipou e acionou seu maior cão de guarda, o ban-
deirante Domingos Jorge Velho, no sentido de tê-lo como coman-
dante de um exército para destruir Palmares, com autorização do
rei e Portugal. O bandeirante organizou o maior contingente mili-
tar da história colonial brasileira para destruir a sociedade pal-
marina”.

Zezito de Araújo, historiador, no artigo A Organização Polí-


tica e Social da Serra da Barriga no Contexto do Quilombo dos
Palmares, no livro Bicentenário em Prosa, 200 Anos de Alagoas,
Imprensa Oficial Graciliano Ramos, 2017

O cerco final a Macacos

O cerco final à Serra da Barriga começou em 1692, quando


toda liderança dos quilombolas estavam na Serra da Barriga, sob o
comando de Zumbi, para resistir o quanto fosse possível. Porém,
dois depois de lutas ferrenhas entre as partes, na madrugada de
fevereiro de 1694, a capital palmarina, Cerca Real dos Macacos,
no santuário da Serra da Barriga, foi tomada pelas tropas de Do-
mingos Jorge Velho, depois dias de 22 dias cercados. Nessa bata-
lha morreram mais de 500 palmarinos. Zumbi consegue fugir com

397
um grupo e refugia-se na serra Dois Irmãos. Entre os documentos
achados que contam como foi a invasão, está o relato do governa-
dor de Pernambuco, mais oficial que nuca::

“Ao raiar o dia 6 de fevereiro de 1694, paulistas, alagoanos


e pernambucanos penetraram as fortificações do Zumbi, capturan-
do a bagagem dos quilombolas e a população não combatente –
mulheres e crianças – do Macaco”.

Edison Carneiros, no livro O Quilombo dos Palmares, 1988,


Brasiliense

Tortura, traição e morte

A morte do líder Negro Zumbi dos Palmares se transformou


em uma lenda, com muitas versões e muito imaginário popular,
mas a história que a grande maioria dos historiadores reproduz é
que ele tenha escapado do cerco, fugindo para a Serra Dois Irmãos,
em Viçosa, onde se escondeu em um sumidouro rochoso entre os
rios que cercam a região. Ele já teria 39 anos, com pelo menos 24
de luta contra o poder estabelecido. Cansado e ferido, foi encontra-
do morto pelas forças do comandante das forças invasoras, André
Furtado. Mas em outras versões, como a do historiador Joel Rufino
dos Santos, em seu Livro Zumbi, tratou-se de mais uma traição,
como foi a morte de Calabar. Um dos homens de confiança de
Zumbi, Antônio Soares, foi emboscado perto de Penedo, e levado
preso para Recife, e já no meio do caminho encontrou as tropas de

398
André Furtado, que o sequestrou e o torturou para tentar a confis-
são sobre o paradeiro de Zumbi. Tinha se encerrado uma história
começou há mais de cem anos. Numa noite qualquer do ano de
1597, quando quarenta escravos fugiram de um engenho no sul de
Pernambuco, formando o primeiro grupo na Serra da Barriga.

“Nada conseguiu até que mudou a tática: a garantia de vi-


da e liberdade se cooperasse. Zumbi confiava em Soares, e quando
este lhe meteu a faca na barriga se preparava para um abtraço.
Seis guerrilheiros apenas estavam com ele naquele momento; cin-
co foram mortos imediatamente pelos homens de André. Zumbi,
ainda ferido, matou um e feriu vários, vindo e falecer por volta das
cinco horas da manhã de 20 de novembro de 1695”.

Joel Rufino, Zumbi, Editora Moderna Coleção Biografias,


1985

As várias mortes de Zumbi

A luta de Zumbi na Serra da Barriga não foi em vão, e ape-


sar da queda as conquistas aconteceram e vêm acontecendo, tanto
pela continuidade da luta pela consolidação dos direitos dos negros
e minorias, como pela herança deixada por ele: o estabelecimento
do dia 20 de novembro como Dia Nacional da Consciência Negra
no Brasil e a inscrição de Zumbi no livro de tombo do panteão de
herói nacional, a exemplo de Joaquim José da Silva Xavier, o Ti-
radentes. Esses títulos acabam de uma vez com o mito da morte de

399
Zumbi, já que mais de uma vez os chefes militares da época, men-
tiam para seus superiores, afirmando ter matado Zumbi, e acabado
com o “Estado Negro”.

“Inúmeros comandantes ou participantes de expedições,


apregoaram ao longo do tempo haver dado morte ao negro Zumbi,
general dos palmarinos... aumentava-se o número de mortos ou de
mocambos destruídos por juma expedição, objetivando dessa for-
ma fazer jus às mercês prometidas pela coroa. Mais de um gover-
nador anunciou categoricamente ao soberano de Portugal, haver
extinguido “definitivamente” o Estado Negro”.

Décio Freitas, no livro República dos Palmares Pesquisa e


comentários em documento históricos do século XVII, 2004, Edu-
fal

A cabeça de Zumbi

A capital palmarina, a Cerca Real do Macaco, na Serra da


Barriga, em União dos Palmares, foi tomada em 6 de fevereiro de
1694, pela expedição das tropas imperiais sob o comando de Do-
mingos Jorge Velho – ex-bandeirante e mercenário sob o soldo do
governo português, dos comerciantes lusos e senhores de engenho.
Os negros fugitivos, denominados quilombolas, sob o comando de
Zumbi dos Palmares, resistiram durante 27 anos aos ataques, com
perdas e ganhos ao enfrentar os canhões de Exército imperial. O
líder negro Zumbi, foi anunciado como morto em várias batalhas,

400
mas nunca se teve certeza. Vários governadores das províncias e
chefes militares falaram até em cabeça cortada. Historiadores, co-
mo Dirceu Lindoso, sempre duvidaram do fato, na verdade seria
uma mentira oficial para ocultar a força do líder negro.

“É mais fácil crer que Zumbi – pelo guerreiro que era – fu-
giu ou foi preso e não reconhecido, e vendido como outros. Das
cabeças que chegaram aos representantes do rei, nenhuma era a
cabeça de Zumbi, como o império romano, que nunca teve em suas
mãos a cabeça de Spartacus. Zumbi é uma figura histórica de
grande relevância, é a maior figura de herói de nosso povo afro-
alagoano e afro-brasileiro, e que nós, brancos, vivemos a mentir-
lhe a história”.

Dirceu Lindoso, O Poder Quilombola, Edufal – 2007.

Encontro de heróis

Construída em 1661, a igreja Nossa Senhora da Apresenta-


ção, em Porto Calvo, não tem torres e obras barrocas, e no seu in-
terior só madeiras toscas. Mas esse templo é o único que continua
erguido e que pode ter sido o local do encontro dos heróis, em
tempos e contextos diferentes. Essa mesma igreja foi onde Calabar
resistiu aos ataques portugueses, quando as tropas holandesas a
transformaram em forte e quartel-general da guerra. Lá também
estão os santos que a mão poderosa de Zumbi cansou de limpar.
“No livro de tombo, em Portugal, está a prova do batizado de

401
Zumbi e esta igreja é o único lugar onde Zumbi esteve e que per-
manece de pé”, afirma o atual pároco, padre Abelardo. A versão
que faz o encontro dos dois heróis alagoanos, que tem Porto Calvo
como fio condutor da história, está no livro do historiador alagoano
Audemário Lins - Zumbi, o Rebelde Negro, que fala da infância do
líder negro em Porto Calvo. Há 400 anos, durante a ocupação ho-
landesa (1630-1654), o então subcomandante do Exército invasor e
ex-oficial da Coroa Portuguesa, major Domingos Fernandes Cala-
bar (1600/1635), capitulou diante das tropas portuguesas no adro
da igreja de Nossa Senhora da Apresentação. “Depois da derroca-
da de Calabar e das tropas holandesas, Matias obrigou a popula-
ção de Porto Calvo a lavar a cidade e não deixar rastros de san-
gue do herói”, relata Audemário Lins. Trinta e nove anos depois,
na mesma igreja onde tombou Calabar, o líder negro Zumbi, então
com 12 anos, limpava as imagens dos altares e servia como “coro-
inha” ao padre Antônio Melo, que o criava depois que Zumbi foi
capturado em Palmares. O padre lhe ensinava latim, português e
religião. Aos 15 anos, atendendo a um pedido de seu tio, Ganga
Zumba, foi para a Serra da Barriga, em União dos Palmares.

Jorge Velho: carrasco de Zumbi

No século XVII, prevalecia no Brasil as expedições de ban-


deirantes para conquistar territórios indígenas que ainda não havi-
am sido tomados pelos colonizadores portugueses. Na segunda
metade deste século, Domingos Jorge Velho seria o bandeirante
que mais se destacaria nesta função. Natural da cidade de Vila de

402
Parnaíba (SP), ele nasceu em 1641, 50 anos mais tarde já era co-
nhecido como um fervoroso caçador de índios, e de negros. Do-
cumento publicado no livro República dos Palmares, do historiador
Décio Freitas (Edufal, 2004, pag. 118), mostra como foi o acordo
entre o “mercenário” Domingos Jorge Velho, com o apoio do
Exército Português e de empresários escravagistas, para entrar na
guerra genocida e racial. O documento mostra o contrato celebrado
entre a coroa portuguesa, por meio do governador de Pernambuco,
João da Cunha Souto Maior, e o paulista Domingos Jorge Velho,
para a destruição de Palmares. Entre as condições estavam:

“Que depois de extinguir os ditos negros senão poderá ser-


vir deles nestas Capitanias e será ele Domingos Jorge a mandar
por nesta praça do Recife todas as presas, para dali as mandar
vender ao Rio de Janeiro e Buenos Aires. O governador lhe dispo-
rá em que conformidade o que há de fazer, e só poderão ficar nes-
tas capitanias os negros filhos dos Palmares de idade de sete até
doze; que uns e outros serão vendidos por conta do dito coronel
Domingos Jorge Velho e de sua gente; por que para ele será sua
valia”.

Décio Freitas, República dos Palmares, Edufal 2004

403
NEGROS MUÇULMANOS NAS ALAGOAS

Escritores e antropólogos alagoanos como Arthur Ramos e


Abelardo Duarte, e o maranhense Nina Rodrigues - pioneiro nos
estudos sobre a cultura negra no país -, registraram a presença de
negros muçulmanos em Alagoas, em uma história marcante, mais
praticamente desconhecida, desses negros escravos maometanos e
seguidores de Alá e do Corão, chamados de malês. Eles foram tra-
zidos para a Bahia, mas há fortes indícios de sua presença em Pe-
nedo, no Baixo São Francisco, em Alagoas, no início do século
XIX. O nome malê teria vindo de negros muçulmanos originários
de Mali, mas segundo o antropólogo Arthur Ramos, que também
confirmou a presença malê em Alagoas, o gentílico não agradava
aos adeptos, que era dito de forma pejorativa.

“Os malês são adeptos, no Brasil, de um islamismo sui ge-


neris, que já veio deturpado da África por aluviões fetichistas, e se
transformou aqui no contato com outras religiões”.

Arthur Ramos, em O Negro Brasileiro, 1940, Coleção Bra-


siliana

Rebelião malê em Penedo

O livro “Negros Muçulmanos nas Alagoas (Os Malês)” de


Abelardo Duarte, edição de 1958, considerado uma raridade bibli-
ográfica, é um dos mais importantes sobre a presença dos escravos

404
muçulmanos em Alagoas. Abelardo apresenta o livro como uma
memória lida no Instituto Histórico e Geográfico da Bahia, em
1956, sobre a vida e obra de Nina Rodrigues, que previu a extinção
dos negros muçulmanos no Brasil. O livro registra a rebelião Malê,
em 1817, nas ruas de Penedo. Os negros escravos muçulmanos
vestiam túnicas até os pés, usavam gorro e conservavam as barbas,
e traz importantes registros como fotos dos Malês, após a insurrei-
ção.

“Até em Alagoas chegou o reflexo desse irredentismo ne-


gro-muçulmano, com a esboçada e fracassada insurreição Malê
de 1815, que a sagacidade e a diligência do ouvidor da comarca
das Alagoas, Antonio Ferreira Batalha, fizeram abortar, prenden-
do os cabecilhas, tomando medidas preventivas e cuidando caute-
losamente de verificar a existência de negros fugitivos vindos da
Bahia, impedindo o intento da “intimação criminosa” como disse
o ouvidor Batalha em seu ofício ao governador e capitão mor de
Pernambuco”.

Abelardo Duarte, em Negros Muçulmanos em Alagoas (Os


Malês) Memória, edições Caeté, Maceió, 1958

A festa dos mortos

O médico e folclorista alagoano Mello Moraes Filho (1844-


1919) tem entre suas crônicas publicadas em Festas e tradições
populares do Brasil (Editora do Senado, Brasília, 2002), a exímia

405
narrativa sobre a “Festa dos Mortos”, celebrada duas vezes por ano
pelos escravos negros muçulmanos de Penedo, segundo ele, até
1888, ano da Abolição. Antropólogos e folcloristas, como Abelar-
do Duarte e Nina Rodrigues, confirmam a importância do relato de
Melo Moraes, mas que ainda precisa de uma maior confirmação do
que ele viu, ou ouviu dizer, e até mesmo questionam o “sentido
folclórico” do texto. Mello Moraes Filho descreve a cerimônia,
mas não faz referência ao islã, indicando apenas “origens do hebra-
ísmo” nos ritos dos observados.

“A Festa dos Mortos, que o dr. Mello Moraes desenha em


Penedo é com certeza uma festa muçulmana. A prática de reza e
longos jejuns, a abstinência de bebidas alcoólicas, as relações da
festa com as fases lunares, o sacrifício de carneiros, a vestimenta
de largas túnicas alvas, a descrição de todas as práticas e costu-
mes malês, que não se encontram nas festas dos negros fetichistas.
De que nacionalidade eram esses malês, e que o autor não disse,
não indagou, nem tenho dados para julgar”.

Raimundo Nina Rodrigues, em Os Africanos no Brasil,


1933

As negras muçulmanas

As professoras e pesquisadoras Mariza de Carvalho Soares e


Priscilla Leal Mello, do Programa de Pós-graduação em História
da Universidade Federal Fluminense, colocaram mais luzes sobre o

406
livro de Abelardo Duarte, além da descrição da rebelião no ano de
1815. Segundo as pesquisadoras, Duarte se preocupou em mostrar
que os muçulmanos permaneceram em Penedo após a prisão de
muitos de seus grupos, anexando ao texto foto de 1887. No verso
da foto – que reúne cinco homens e quinze mulheres, consta:
“Candomblé — Brinquedo dos Africanos de Penedo”. Para as pes-
quisadoras, a foto exibida sugere uma comparação com as duas
imagens que ilustram o capítulo A Festa dos Mortos, de Moraes. A
primeira delas é a do “Chefe Sacrificador”; a outra, a da “Boiádera
Negra”, “de turbantes e panos da costa, de saias rendadas e leves
chinelinhas, as mulheres negras prodigalizavam aos convivas do
estranho festim comidas à moda de seu país. Graciosa e vistosa-
mente trajada, recobria-lhes a mão suspensa uma chuva de fitas de
todas as cores, e mais missangas e búzios que a adornavam de um
palmo”, disse o memorialista.

“Uma explicação possível para essa distorção numérica en-


tre homens e mulheres africanas islamizadas pode ser encontrada
na economia do tráfico entre os muçulmanos na África e no Atlân-
tico. No contexto da escravidão muçulmana, as mulheres eram
prioritariamente destinadas às regiões árabes: as mais desejadas
eram tomadas como concubinas, e as demais relegadas às tarefas
mais baixas e trabalhosas. Isso talvez explique a dificuldade, até o
momento, de os historiadores encontrarem vestígios significativos
de mulheres muçulmanas escravizadas o que torna a foto ainda
mais significativa, colocando em destaque uma questão de gênero
importante: a diversidade das práticas religiosas, das relações

407
entre sexos, assim como a indumentária como uma importante
fonte de informação sobre as relações sociais”.

Por Mariza de Carvalho Soares e Priscilla Leal Mello, no ar-


tigo “O resto perdeu-se” História e Folclore: O caso dos muçulma-
nos das Alagoas, de 2006

408
FIGURAS POPULARES

ALDEMAR PAIVA NO FREVO

Aldemar Paiva (1925-2014) é alagoano, mas pernambucano


de coração, parceiro do compositor pernambucano Nelson Ferreira.
Juntos fizeram uma das poesias que mais marcaram o carnaval
pernambucano, o frevo canção “Frevo da Saudade”. Aldemar es-
creveu a letra e Nelson a música. Na literatura Aldemar Paiva foi
um exímio contador de causos. Um dos mais famosos dele é: Mo-
nólogo de Natal. Aldemar Paiva também foi poeta, cordelista, ator,
radialista, jornalista, compositor, produtor artístico e publicitário.
Nasceu em Maceió, foi um dos fundadores da Rádio Difusora, mas
seguiu sua carreira artística em Pernambuco, onde durante muitas
décadas comandou programas de enorme sucesso.

Frevo da saudade

Nelson Ferreira - Aldemar Paiva

Quem tem saudade


Não está sozinho,
Tem o carinho, da recordação...
Por isso quando estou
Mais isolado
Estou bem acompanhado

409
Com você no coração...
Um sorriso, uma frase, uma flor,
Tudo é você na imaginação..
Serpentina ou confete...
Carnaval de amor...
Tudo é você no coração...
Você existe
Como um anjo de bondade
E me acompanha
Neste frevo de saudade

ALDEMAR: CANÇÃO À TERRA NATAL

O script que se tornou modelo para o programa protagoni-


zado por Chico Anisio e foi sucesso nacional - a Escolinha do Pro-
fessor Raimundo - foi uma criação de Aldemar Paiva. Em 1948,
fundou a Rádio Difusora de Alagoas, transferindo-se em 1951 para
o Recife. Substituiu ninguém menos que Chico Anísio no cast da
Rádio Clube. Ocupou os cargos de diretor artístico da PRA-8 (Rá-
dio Clube) e de diretor-geral da emissora e da Rádio Tamandaré
(ambas dos Diários Associados). Assinou colunas de humor nos
jornais Diário de Pernambuco, Diário da Noite e Jornal do Com-
mercio. Durante um quarto de século comandou o programa de
auditório “Pernambuco, Você É Meu”, líder nacional de audiência.
Participou como produtor e ator dos programas ‘Som Brasil’, ‘Pra-
ça da Alegria’ e ‘Chico City’, na rede Globo. Aldemar compôs

410
marchas carnavalescas e frevos pernambucanos em parceria com
grandes compositores do Recife, entre eles, Capiba e Nelson Fer-
reira. Mas ele também cantou sua terra natal em lindas palavras,
como autor da música Pajuçara.

Eu que conheço meu Brasil


Sei muito bem
Das lindas praias, coqueirais, que ele tem
Por isso afirmo nestes versos que compus
Em Pajuçara há mais encanto, há mais luz
Pajuçara, onde o mar beija as areias
Com mais alma e mais amor
Pajuçara, lindo berço de sereias
Que nos deu o criador
Pajuçara que refletes num sorriso

O teu coqueiral em flor


Tens uma beleza rara
Pajuçara.

CHICO NUNES DAS ALAGOAS

“Sou natural de Alagoas/ nasci para cantador/ Francisco


Nunes Brasil/ poeta improvisador”. Este é o carimbo que Chico
Nunes usava para marcar a autoria de sua obra. Francisco Nunes de
Oliveira (1904-1953), o Chico Nunes das Alagoas, um dos maiores

411
artistas populares do Nordeste, era um ilustre iletrado. Suas impro-
visações, versos, desafios e canções foram anotados e compilados
por estudiosos folcloristas, amigos, filhos e fãs. É um imenso re-
pertório de mais de 300 canções, sem um verso escrito por ele, mas
cantados e interpretados por onde passasse.

“Chico Nunes foi um desses repentistas que ainda glosa


com o copo na mão. Sem tribuna e nem local fixo para se apresen-
tar, os improvisos vão se largando nos caminhos, bares, bordeis...
O tempo distorce e tumultua, porque nada fica em letra de forma
para se eternizar. A figura do poeta se folcloriza e a ele passa a
atribuir-se todos os improvisos que andam no ar. Seu repertório
acaba se tornando maior que as chamadas anedotas de Bocage”.

Por Mário Lago, no livro Chico Nunes das Alagoas, da edi-


tora Civilização Brasileira, edição 1975

Chico no Trovador Berrante

Mário Lago escreveu a biografia do Rouxinol de Palmeira


dos Índios depois de conhecer Chico, nas gravações do filme São
Bernardo, em Viçosa, no bar Trovador Berrante, na praça central
de Viçosa, no início dos anos 1970, durante as gravações do filme
São Bernardo, baseado na obra de Graciliano, dirigido por Leon
Hirszman. O bar era de um amigo de ambos, o lendário boêmio
músico e artista popular Zé do Cavaquinho, que chamou Mário
para conhecer o poeta. “Você nunca ouviu falar do Chico?”, e fo-

412
ram assim em noites de intensas farras, conversas, rodas de música
e um interminável conhecer, de varar noites a fora, que Mário La-
go, Chico Nunes e Zé do Cavaquinho, foram amigos até o fim co-
mo relata Mário Lago.

“Lembra mais alguma coisa do Chico Nunes, Zé? Era sem-


pre assim com essa pergunta que eu entrava no Trovador Berran-
te, pouco importando que ele repetisse o já contado na véspera.
Escutava pacientemente, na certeza de que, de um momento para
outro, surgiria um detalhe esquecido. Procuro reproduzir aqui
tudo que ele contou, conversando a sua maneira solta e despreo-
cupada de dizer as coisas. Se falhei no intento de repetir o Chico
Nunes que eu ouvi, azar do poeta, que era bom às pampas. Aos
quatro anos, em consequência de um sarampo, ele adquiriu uma
forte miopia, que lhe cortou os passos nos estudos. Apesar dos
óculos, com enorme sacrifício conseguiu ler ou escrever alguma
coisa”.

E na sequência, Mário mostra um verso de Chico Nunes.

Não tenho sabedoria


Porque não me interessei
Muito pobre, não alisei
Os bancos da academia

413
EDÉCIO: EMBAIXADOR DO FREVO

Pernambucano de nascimento, alagoano de coração, Edécio


Lopes (1933-2008) é referência quando o assunto é Carnaval em
Alagoas. Coroado Embaixador do Frevo, o radialista, escritor e
compositor, que se notabilizou e influenciou milhares de alagoanos
entre os anos 1970 e 1980, quando por mais de 30 anos apresentou
o programa Manhãs Brasileiras. Notabilizou-se pelo brilhantismo
com que conduzia suas entrevistas, pela boa música que divulgava,
pela liberdade de expressão e por sua paixão pelo carnaval, em
especial o de Alagoas. Sua obra-prima foi o frevo-canção “Cidade
Sorriso”

Subi a ladeia do Farol


fiquei no mirante a olhar
os raios dourados do sol
no azul imenso do mar.
Olhei a Cidade Sorriso
eu vi Maceió tão feliz
mostrando tanta riqueza
ao povo desse País.
Eu vi eu vi eu vi eu vi!
Vi tanta coisa boa
no mundão de lagoa
um barco a deslizar

Eu vi eu vi eu vi eu vi!

414
Trapichão enfeitado
CRB no gramado
com CSA a jogar

Jatiuca, Pajuçara
Ponta Verde joia rara
Avenida Jaraguá

Depois de ver coisas tantas


eu vi afinal de contas
que terra mais linda não há.

Edécio Lopes, música e letra

EDÉCIO: “MANHÃS BRASILEIRAS”

A voz do radialista Edécio Lopes ainda ecoa nos ouvidos


dos alagoanos, nos anos 1970, que não perdiam o programa “Ma-
nhãs Brasileiras” na espera de novas canções. O programa influen-
ciou gerações inteiras de alagoanos entre os anos 70 e 80. Seus
repertórios, suas seleções são insuperáveis, e entraram para a histó-
ria do rádio alagoano. Edécio era dono de um invejável acervo so-
bre a história da música popular brasileira e, nesse rol, o frevo ti-
nha lugar cativo. Desde 2010, todo seu acervo está sob a custódia
do Museu da Imagem e do Som (Misa), no Memorial do Rádio

415
Alagoano Espaço Edécio Lopes. Radialista com mais de 50 anos
de atuação, foi também poeta e escritor com três livros publicados.
O Manhãs Brasileiras esteve no ar de 1975 a 2008, com 33 anos de
muita música, papo, entrevistas e “aulas” sobre o carnaval alagoa-
no.

FERNANDO DA ILHA DO FERRO

O escultor Fernando Rodrigues dos Santos (1928-2009), ou


Fernando da Ilha do Ferro, em Pão de Açúcar, não precisou sair do
sertão para ser reconhecido no mundo da arte popular no Brasil e
no Exterior, como um dos grandes nomes em arte bruta na madei-
ra, com seus famosos bancos rústicos, que o tornou uma referência
nacional. A arte de seu Fernando levou o mundo a conhecer Ilha
do Ferro, região ribeirinha do rio São Francisco, onde formou uma
grande escola de escultores de arte popular, hoje tão ou mais famo-
so que ele. Artista popular fantástico, Seu Fernando não é letrado,
mas autor de um livro muito curioso. Ele organizou na memória
uma impressionante coleção de relatos, que garante serem total-
mente verdadeiros, e ditou linha a linha para seus filhos e amigos.
São histórias de caças hilariantes, testemunhos sobre Lampião e
seu bando e aventuras inimagináveis, tudo saído de sua cabeça de
pensador.

416
“Em seu caderno, mestre Fernando (re) produziu cultura,
registrou os fatos históricos, alguns pintados com um tom fantásti-
co e contribuiu, através do ato de criar, para a construção de uma
identidade cultural do território, sendo, portanto, verdadeiro
agente mediador entre aquela pequena fatia da população alago-
ana e mundo externo em diálogo cada vez mais acentuado em nos-
sa contemporaneidade. E para que os escritos do mestre Fernando
não sejam lidos somente por aqueles que adquiriram suas escultu-
ras em vida”.

Por Jairo Campos, reitor da Universidade Estadual de Ala-


goas, Jairo Campos

Mangação na escola

Em uma parte de seus “escritos”, seu Fernando fala de sua


infância, das difíceis condições da família, e de sua decepção ao
chegar pela primeira vez a uma escola, em uma experiência nada
agradável e que marcou sua vida, já que largou os estudos, que
nem começara. Até chegar ao estrelato como um dos maiores artis-
tas populares de Alagoas e do Brasil, Fernando Rodrigues teve
infinitas profissões. Além de “agradecer a Deus pelo dom e cora-
gem de ser caçador”, ele foi pescador, bodegueiro (foi dono do
Redondo o bar mais animado da Ilha), foi sapateiro, servente de
pedreiro, poeta (“fazedor de rimas”), farinheiro, criador de bode,
gado e galinha de Guiné, e até jogador de futebol.

417
“Em 1940, eu com 10 anos de idade, minha roupa da escola
minha mãe é quem fazia na mão, uma roupa de saco de açúcar, o
calção era no meio das pernas. Minha mãe ia no mato para tirar
rapa de umbuzeiro para pintar minha roupa. Ninguém sabia no
mundo que cor era, e o sapato era de pano também, O livro que eu
levava para escola era do 4º grau e eu não sabia nem o ABC.
Quando chegava lá, as meninas só eram para mangar dos meus
trajes”.

Jairo José Campos da Costa (Org.), professor e ex-reitor da


Uneal, no livro “Um Jeito de olhar: Fernando Rodrigues dos San-
tos”, Uneal, 2018

JACINTO: O “REI” DO COCO

Sebastião Jacinto da Silva (1933-2001) se tornou um ícone


da música popular nordestina, considerado um dos maiores forro-
zeiros do país, profundo conhecedor e inventor do coco sincopado,
abandonou a escola logo cedo, mas foi criado ouvindo os coquis-
tas, repentistas, violeiros, mestres de reisado, e no rádio os suces-
sos de Orlando Silva, Francisco Alves, Luiz Gonzaga. Começou a
cantar ainda pré-adolescente.

“Em 1945, com doze anos, envolvido pela música e pelo jo-
go de futebol no campo da estação, Jacinto é mais uma vez repro-
vado no exame de promoção da 1ª série. Depois disso, abandonou

418
definitivamente os estudos. Ainda adolescente começou a frequen-
tar feiras, festas e os cabarés da Rua Pernambuco Novo, em Pal-
meira dos Índios, cantando embolada, coco de roda e forró”

Luciano José, professor e biólogo Luciano José, no livro


Canções, mprensa Oficial Graciliano Ramo, 2013

JACINTO: FORROZEIRO DO BRASIL

O forrozeiro alagoano Jacinto Silva deixou uma obra de


mais duzentas composições, vinte LPs, dois CDs, um gravado na
França. Jacinto começou sua vida de sucesso em 1959, quando o
primeiro disco pela gravadora pernambucana Mocambo, no ano
seguinte “estoura” no mercado musical com seu primeiro sucesso
que tinha o refrão Chora Bananeira, Bananeira Chora. Viveu seu
período áureo nos anos 1960 e 1970. Sua estreia como artista foi
em 1955, na rádio Difusora de Alagoas, assinou contrato com a
CBS (hoje a Sony), e fez carreira nacional; participou como com-
positor em trabalhos de grandes estrelas da MPB, como Abdias dos
Oito Baixos, Ângela Maria, Clemilda, Coronel Ludugero, Geni-
valdo Lacerda, Marinês, Quinteto Violado, Trio Nordestino, Xan-
gai e Silvério Pessoa.

“A cultura musical nordestina autêntica e original – que


foge do atual padrão de forró estilizado, com simulação de ritmo
caribenho e mexicano, untada de baixo calão – pode ser definida a

419
partir de quatro figuras emblemáticas: Luiz Gonzaga (inventor e
divulgador do baião), Jackson do Pandeiro (intérprete habilidoso
de senso ritmo invejável), Dominguinhos (virtuoso instrumentista
de herança gonzaguiana), e Jacinto Silva (cantador especialista
em várias modalidades de coco e forró). Ao popularizar o coco
sincopado – gênero musical que fundia trava-língua com pique de
embolada – Jacinto conseguiu desenvolvê-lo de forma complexa e
sofisticada, tanto no modo compor como na de interpretar”.

Luciano José, professor e biólogo Luciano José, no livro


Canções, mprensa Oficial Graciliano Ramo, 2013

MAJOR LUIZ E O ROLETE DE CANA

De 1961 a 1966 o então governador de Alagoas Luiz Caval-


cante (1913-2002) turbinou os rumos do desenvolvimento do Esta-
do. Ele chegou a patente de general-de-brigada. Mas ficou conhe-
cido como major Luiz. Construiu escolas, estradas e uma peniten-
ciária, equipou hospitais, mas ficou conhecido como o governador
que gostava das crianças e de chupar rolete de cana (pedaços da
cana enfiados em cachos de palito fino de madeira), uma tradicio-
nal iguaria do Nordeste.

“Mesmo tendo chegado à patente de general, o Major Luiz,


como era conhecido, parecia demonstrar mais apreço ao reconhe-
cimento popular do que às honras militares. Adotou tal simplici-

420
dade à frente do Governo que se tornou conhecido por passear
sem segurança pelas ruas da capital. No lugar de assessores mili-
tares, preferia a companhia de crianças e pobres com quem divi-
dia roletes de cana que o tornou personagem recorrente da crôni-
ca política alagoana. E, de tão cristalizada, essa imagem folclóri-
ca do “Major” quase se sobrepôs às realizações de sua gestão”.

Radjalma Cavalcante e Felipe Cavalcante, em crônica da


Gazeta de Alagoas, edição 03/08/2003.

MOSSORÓ, O REI DA NOITE

“Quem passa, hoje, pela Rua Jequiá, no bairro do Canaã,


Maceió, e não conhece o seu passado, nem vai desconfiar que du-
rante quase um quarto de século (de 1967 ao início dos anos 90)
por ali passavam e estacionavam, durante longas horas, os melho-
res carros de Maceió, levando empresários, políticos, advogados,
jornalistas, literatos, gente de poder e influência. Ali ficava um
endereço conhecido em toda Alagoas - a boate Areia Branca. Seu
dono era um homem que, ainda em vida, virou folclore, quase len-
da: Benedito Alves dos Santos, o Mossoró. Benedito Mossoró foi
um personagem de Maceió que ganhou a camaradagem e o respei-
to das personalidades da terra. Acabou se tornando parte da cul-
tura popular alagoana. Negro e praticamente analfabeto, saiu do
nada para se tornar um próspero empresário do prazer, o rei da

421
noite. Virou letra de um samba de sucesso nacional (Só em Ma-
ceió, com Martinho da Vila)”.

Por Plínio Lins, trecho da reportagem na Gazeta de Alagoas,


edição de 26/06/2005

Só em Maceió
Martinho da Vila

Teka, rendeira
Eliane, praiera
Vamos pra Paripueira
Vamos pra Paripueira
Vai ter sururu
Vai ter sururu
E o Maré fica na beira
Da Lagoa de Mundaú
Vou tomar uma azuladinha
E vou convidar vocês
Pra comer uma agulhinha
Lá na Praia do Francês

E um casadinho de feijão
Lá na casa do Seu João
E depois vou vadiar
Com as meninas do Mossoró
Só em Maceió

422
Só em Maceió
É que se pode vadiar
Com as meninas do Mossoró
Com as meninas do Mossoró

NÔ PEDROSA: SANTO ANARQUISTA

Walfredo Pedrosa de Amorim, o Nô Pedrosa (1940-2017), o


mais famoso anarquista alagoano foi misteriosamente assassinado
em dezembro de 2017, junto com outra vítima que dormiam na
casa “aberta” onde recebia todos os amigos. Nasceu em Santa Lu-
zia do Norte em 1940. Ele é conhecido por todos que frequentam
os arredores da praça Pedro II e Assembleia Legislativa, e tem de-
putado que desvia seu percurso para não levar uma chamada de Nô
e sua “brigada vermelha”. Nô Pedrosa pertence a uma família com
tradição e militância política na esquerda alagoana. O irmão mais
velho, o escritor Valter Pedrosa foi o primeiro que iniciou a mili-
tância no Partido Comunista Brasileiro (PCB), na segunda metade
da década de 1950. O ativismo do jovem Nô Pedrosa ajudou a
formar vários núcleos de jovens militantes comunistas no movi-
mento estudantil secundarista e universitário. Em 1964 foi preso
pela ditadura, junto Valter e os irmãos Jaime e Nilson Amorim
Miranda, dirigentes do PCB em Alagoas. Ao sair da prisão conti-
nuou a militância política, e a sonhar com uma possível resistência
armada, e dessa maneira derrotar a ditadura. O tempo passou, pri-

423
sões voltaram a acontecer, líderes estudantis foram presos e sub-
metidos a tortura em Alagoas e por todas as partes do país, a anis-
tia chegou, e Nô voltou a suas origens de libertário, louco e anar-
quista, no céu ele deve estar formando novos quadros de esquerda.

“... Ele era um misto de Novo e Velho Testamentos, um


Messias e, ao mesmo tempo, um Profeta insultado por nossa Jeru-
salém. Era um Nô Pedrosa que viajava da Guerrilha do Preá à
casa aberta que acolhia a quem chegasse, não importando quem
era e de onde vinha. Talvez o antigo sentimento católico esteja me
invadindo, mas tratava de fazer o bem sem saber a quem, domi-
nando a cena da Praça da Catedral e mantendo uma permanente
cátedra na frente de onde estava o Arquivo Público. Ele ensinava
em um lugar onde refez a agora ateniense. E nisto, o filósofo não
precisava de lanterna para clarear caminhos, bastava gritar por
Nô e ouvir seu oi! “.

“... Pedro Cabral, vou te fazer uma proposta: com o seu


poder de arregimentação, junte o remanescente da antiga Família
Josefina e Confraria do Sardinha (e mais gente) e vamos colocar
uma placa na porta do Arquivo dizendo assim, do mesmo jeito que
havia o recado para o Ernesto: “Aqui sentou Nô Pedrosa. Aceite
nossa saudade. Assinado, o povo de Maceió!”.

Sávio de Almeida, professor, no artigo Meu Amigo Nô Pe-


drosa, em Gazeta de Alagoas

424
ODETE; MORENA SESTROSA

Odete Augusto dos Martírios, a Negra Odete (1928-2006)


era a morena mais bonita e charmosa de Maceió, e a preferida de
dez entre dez jovens alagoanos, que viviam no auge da juventude,
entre os anos 1950 e 1960. Eles ficavam loucos quando passava
aquela mulata sestrosa, com o corpo cheiroso e vestido apertadi-
nho, no auge de sua vida sexual, até a decadência. Um tabu perma-
nece até os dias de hoje, mas pouca gente fala: quem levou a Nêga
Odete para a cama? Aos coqueirais na penumbra ou as areias no-
turnas do mar de Jaraguá? Odete nasceu em uma família pobre, foi
criada pela avó no bairro da Levada. Cresceu uma menina alegre,
cativante. Tinha as ruas, as praças, a lagoa Mundaú para brincar,
pescar e catar sururu. Criou-se livre, sem estudar, correndo e per-
correndo toda biboca da cidade. Um de seus maiores fãs, e amigo,
o escritor Carlito Lima, autor de muitas histórias sobre ela, não
poupa elogios à beleza da mulher que dedicou sua vida aos praze-
res sexuais – que sempre assegurou nunca ter recebido nada pelas
noitadas que oferecia aos “sortudos” que escolhia – e bagunçou a
sociedade conservadora da capital. Odete seria hoje a nossa Gabri-
ela Cravo e Canela.

“Tornou-se uma moça bonita, rosto oval, cabelos negros,


olhos penetrante. Corpo roliço, bem moldado, cheio de curvas
acentuadas na cintura e nos quadris. Pele macia, sedosa como
jamais alguém teve. Odete despertava desejo nos homens quando
andava, rebolado natural, cadenciado, como se flutuasse ouvindo

425
música... Assim foi se espalhando a história da beleza daquela
negra alegre de belo sorriso, dentes brancos, lábios grossos, uma
loba no amor. Muitos homens desejaram, muitos homens foram
rejeitados. Odete se transformou num mito, figuras das mais popu-
lares de Maceió. Adorava dançar, como não podia frequentar clu-
bes, partia para as boates de Jaraguá apenas para rodopiar ao
som dos conjuntos tocando os boleros. Muitos parceiros de dança
tentaram levá-la para o quarto, ela recusava, queria apenas dan-
çar. O único local que aceitava uma empregada, negra, analfabe-
ta, no salão de dança, era a zona. Noite alta, com o sapato pendu-
rado entre os dedos, voltava para seu quarto, sua casa na Praça
Sinimbu”.

Carlito Lima, no blog Meninos da Avenida, em 19/12/2014

SANDOVAL CAJU: DISCURSO DO MARECHAL

O nome do sertanejo paraibano Sandoval Caju (1923-1974)


chegou aos ouvidos dos alagoanos pela rádio Difusora, onde nar-
rava programas humorísticos de auditório, como o Palito de Fósfo-
ro, que incendiou os auditórios e fez sua popularidade. Em 1960,
Caju arriscou-se a competir com caciques da política alagoana na
disputa pela prefeitura de Maceió. Ele ganhou. Nos três anos que
governou a cidade construiu 36 praças e modernizou 22 delas,
sempre com o “S” marcado em bancos, rela-relas e balanços. Ele
usou bordões famosos como: “vim de branco para ser mais cla-

426
ro”, que o ator alagoano Paulo Gracindo confessou ter “tomado
emprestado” para seu personagem Odorico Paraguassu, na novela
O Bem Amado.

“E tanto foi de branco e tanto foi claro que acabou prefeito


de Maceió, com espetacular votação. Inclusive com o apoio de
Floriano Peixoto. Diante da estátua do Marechal de Ferro, falava
um dia ao povo. De repente, abriu os braços:
- Marechal Floriano, vós que sois o patrono da terra das
Alagoas, dizei a este povo se estais ou não apoiando a candidatura
de Sandoval Caju à prefeitura de Maceió.
A praça calada como quarto de freira, e Sandoval, braços
ao vento, insistia:
- Respondei, Marechal, respondei!
Depois, num soluço, os olhos molhados de gratidão, gritou:
- Obrigado, Marechal. Obrigado. Quem cala, consente.

Sebastião Nery, Folclore Político: 1950 - Geração Editorial,


2002.

SILVESTRE E O CAJUEIRO

Conhecido pelo seu gênio temperamental e explosivo, Sil-


vestre Péricles de Góis Monteiro (1896-1972) foi governador de
Alagoas de 1947 a 1951. Sua sucessão foi marcada por uma guer-
ra, com muitas mortes de mando político, envolvendo parlamenta-

427
res e a família Góis Monteiro. Em seu tempo o Estado recebeu a
alcunha de Alagóes, quando família exerceu o mandarinato em
Alagoas durante o Estado Novo. O presidente Getúlio Vargas no-
meou seus irmãos, Pedro Aurélio, como o poderoso ministro da
Guerra, e Edgar para ocupar o governo de Alagoas. Eleito gover-
nador em 1947, Silvestre comandou o Estado com punhos de ferro,
mas um episódio tirou o personagem do sério. Ele convocou todos
seus secretários, já na madrugada, com uma ordem inusitada: ouvi-
lo recitar uma poesia de sua lavra. Depois de percorrer as ruas de
Maceió com a comitiva, ele pediu que todos os carros oficiais
apontassem sua luz para o tal cajueiro solitário, e falou aos presen-
tes.

“Convoquei os senhores para que tenham a primazia de


ouvir uma das obras primas da poesia brasileira. Acabei, a poucos
momentos, de compor um poema dedicado a este cajueiro solitá-
rio, e pensei premiar os meus diletos amigos com a honra de sua
audição”, e com entusiasmo leu a poesia. Os espectadores se en-
treolharam sarcasticamente, porém aliviados pelo grande susto
que passaram.

Mário de Carvalho Lima, em Sururu Apimentado Aponta-


mentos para a História Política de Alagoas – 2ª edição, Editora
Imprensa Oficial Graciliano Ramos, 2008.

428
TENÓRIO CAVALCANTI E A METRALHADORA

Natalício Tenório Cavalcanti de Albuquerque (1906-1987)


nasceu em Palmeira dos Índios, viveu em Alagoas até aos 15 anos,
em 1924, quando mudou para Caxias, na Baixada Fluminense, no
Rio de Janeiro, onde fez sua história política. Dominou a política
na baixada entre 1933 a 1964, foi conselheiro do presidente João
Goulart, e eleito governador do Rio, mas imediatamente cassado
pelo golpe, em 1964. Conhecido como o “Homem da Capa Preta”
– que virou filme, em 1986, do diretor Sérgio Resende e José Wil-
ker no papel principal – que a usava para esconder sua magreza e a
famosa metralhadora Lurdinha. Ficou famosa a briga que teve com
o então de deputado baiano Antonio Carlos Magalhães.

O fato é que numa das sessões na Câmara Federal, no iní-


cio dos anos 60, Tenório Cavalcanti discursava contundentemente
contra o ex-presidente do Banco do Brasil e então Ministro da
Fazenda de Jânio Quadros, Clemente Mariani, conterrâneo de
ACM, então ainda jovem, pediu um aparte e retrucou as acusações
de Tenório. "vossa excelência pode dizer isso e mais coisas, mas
na verdade o que vossa excelência é, mesmo, é um protetor do jo-
go e do lenocínio, porque é um ladrão”. Ao ouvir isso, Tenório
Cavalcanti disse "vai morrer agora mesmo", no que foi contido
por vários deputados, que agarraram o revólver de Tenório, impe-
dindo a morte de ACM, que a essa altura já tinha tido uma incon-
tinência urinária e, diante da impossibilidade de ser alvejado,
bradava no microfone “atira, atira”. Ao ver a poça de urina no

429
chão, cena constrangedora em que se encontrava ACM, Tenório
Cavalcanti começou a rir dele e disse: "Podem sossegar. Eu só
mato homem”.

http://jornalggn.com.br/blog/alessandre-de-argolo/o-dia-em-
que-toninho-malvadeza-se-urinou-de-medo-do-homem-da-capa-
preta

DUDA CALADO. “GUARDIÃO” DO INFERNO

O doutor e professor Luiz Duda Calado (1927-1995) foi


uma das figuras alagoanas mais instigantes e emblemáticas da his-
tória cotidiana de Alagoas. O lendário médico legista foi durante
mais de 40 anos o “guardião” do Instituto Médico Legal Estácio de
Lima – desde sua fundação em 1947 - e exumou milhares de cadá-
veres. Morreu esquecido. Seus alunos da Faculdade de Medicina
Legal eram fãs de Duda, tanto pela sua simplicidade como pela sua
habilidade em lidar com corpos expostos nas aulas de anatomia.
Ele os abria com um bisturi afiado e uma leveza formidável. Ele
ficou conhecido nacionalmente pelo uso de folhas de manjericão
no nariz ao fazer a exumação dos cadáveres. “O manjericão tem
uma essência natural que impede que o cheiro da putrefação entre
pelo nariz”, atesta Manoel Cassiano, auxiliar de necropsia e que
acompanhou Duda por 19 anos no IML. Entre suas exóticas mani-
as estava a de colecionar as armas dos crimes mais bárbaros. De
acordo com João Aurélio, filho de Duda, essa “coleção” está guar-

430
dada no museu Théo Brandão. Para Duda Calado, “trabalhar com
defunto é uma vocação natural”. Mas ele jamais esqueceu o caso
da jovem assassinada pelo marido ciumento, com 129 facadas des-
feridas por todo o corpo da mulher.

Revista Última Palavra, 1989

“Morto não dá voto”

Desde aquele tempo, Duda Calado já denunciava o IML


como uma casa dos horrores, abandonada pelo poder público.
Formado pelo Instituto Nina Rodrigues, da Bahia, um dos mais
importantes centros de medicina legal do País, e dono da cadeira nº
25 da Academia Nacional de Medicina Legal. Ele teve como mes-
tre o próprio Estácio de Lima, alagoano que deu nome ao IML.
Nos 40 anos, quando se manteve como diretor do IML, Duda Ca-
lado contabilizou a dança das cadeiras de 98 secretários de Segu-
rança Pública. Ele revelava, na época, que a única geladeira do
IML “foi, durante muito tempo, a câmara frigorífica da Colônia de
Pescadores de Penedo”. A câmara foi adaptada e utilizada para
guardar os corpos, que acabavam podres, pois a câmara não tinha
temperatura ideal para conservação.

“Nunca, em nenhum governo, o IML foi olhado ou tratado


como deveria. Sempre ficou jogado ao segundo plano, sem apoio
de ninguém. Morto não dá voto, no entanto temos que enterrá-los

431
em covas rasas e, às vezes, sem a presença da família, como um
indigente”.

Revista Última Palavra, 1989

ZÉ DO CAVAQUINHO NA BOEMIA

O bar de nome Trovador Berrante, localizado na praça Apo-


linário Rebelo, talvez não tivesse a magia se não fosse pela figura
de seu proprietário, José Rodrigues de Moura, o Zé do Cavaquinho
(1911-1981). Músico autodidata, seresteiro, trovador e recordista
de farras. Zé com os seus chorinhos, muitos dos quais de improvi-
so, reunia autoridades, curiosos, farristas e turistas. O mestre nas-
ceu em Viçosa e segundo ele mesmo começara a vida de boêmio
muito cedo, aos 11 anos, e já em 1929 compôs o seu mais conheci-
do choro, o Escorrego do Urubu. Zé com seu dom artístico tivera
muitos saudosos amigos, como o velho senador Teotônio Vilela e a
“lenda” Waldir Azevedo, o criador do choro “Brasileirinho”. Zé
sem dúvida era o que mais bebia, pois bebia com todos os fregue-
ses, muitas vezes o velho senador ia de manhãzinha arrancá-lo da
cama, ainda bêbado e dormindo, amarrava-o na sela de um cavalo
manso e seguiam em bando para onde tivesse farra. Em 2005 foi
lançado um CD com suas músicas mais conhecidas, interpretadas
pelos seus filhos, todos músicos.Zé do Cavaquinho faleceu em
abril de 1981. Seu histórico bar foi totalmente reformado, ganhan-
do placas comemorativas e galeria de fotos e artigos, continuando

432
a ser o reduto dos boêmios de Viçosa.Foi pai de quinze filhos, to-
dos eles exímios tocadores de cavaquinho e violão.

FIGURAS CARNAVALESCAS

FOLIÕES DA ERA DE OURO

Nos anos da década de 1930, Maceió iniciava o período


considerado como sendo a época de ouro do Carnaval alagoano.
Nos clubes e nas ruas, as marchinhas dominavam, mas já começa-
vam a sentir a crescente presença do frevo pernambucano, princi-
palmente tocados pelas orquestras dos blocos nas ruas da cidade. O
tradicional Banho de Mar à Fantasia da Avenida da Paz arrastava
multidões para as manhãs dos domingos anteriores ao Carnaval.
Por lá desfilavam blocos, troças, ranchos e mascarados. Do sábado
de Zé Pereira até a terça-feira gorda, a festa se transferia para a
Rua do Comércio, incluindo a Praça dos Martírios. O corso e os
carros alegóricos abriam as noites que quase sempre acabavam,
para parte da população, nos clubes. Nos bairros, o carnaval acon-
tecia na Praça Moleque Namorador e em Bebedouro, na ainda Pra-
ça Major Bonifácio Silveira, que viria a ser a Coronel Lucena Ma-
ranhão.

433
JANUÁRIO GUSMÃO, O CANHOTO

Januário foi uma das figuras mais populares de Maceió, em


um tempo onde o Carnaval de rua fazia a festa de multidões. Cha-
mado de Januário Canhoto era um exímio violonista e um “bamba
no bandolim”, de acordo com o radialista Jorge Lins que acompa-
nhou de perto toda emoção transmitida por Januário nas festas de
Momo. De sua profissão de marinheiro – trabalhava na Alfândega
de Maceió e no Cais do Porto – também tirou sua diversão: Januá-
rio foi fundador e organizador do bloco carnavalesco “Os Maru-
jos”, que desfilava pelas ruas da Pajuçara e Ponta da Terra na dé-
cada de 1950 e arrastava centenas de pessoas. Ele também organi-
zava festas juninas e de Natal com quadrilhas, pastoris (inclusive o
dos homens vestidos de mulheres com maracujás imitando os
seios), reisados, fandango (ou marujada) no Largo de Nossa Se-
nhora de Fátima, na Ponta da Terra. Morreu de infarto do miocár-
dio no Sábado de Zé Pereira, em pleno Carnaval de 1963, a festa
de que ele mais gostava. O amigo da família, Jorge Lins, relem-
brou Januário e sua importância para o Carnaval.

“O Januário é um nome que tem que ser lembrado, princi-


palmente falando em festas, animação e cultura. Foi uma figura
lendária e popular, que animava o Carnaval, onde tocava seu
bandolim e violão como se fosse um regional e sua orquestra com
som amplificado nos alto falantes espalhados em postes pela rua,
as chamadas cornetas. Ele também animava o São João, e realiza-
va todos os tipos de brincadeira, como quebra pote e pau de sebo.

434
Era bonito vê-lo vestido de marinheiro, sua boina branca e cami-
sa de marinheiro, de azul. Ele marcou a minha infância”.

Jorge Lins, radialista alagoano, em janeiro de 2016

JARARACA RODA O MUNDO

“Mamãe eu quero, mamãe eu quero, mamãe eu quero ma-


mar”. Este é o refrão da música de Carnaval considerada a de mai-
or sucesso de todos os tempos, tanto no Brasil como no mundo. O
autor é um alagoano da gema e do ovo, José Luiz Rodrigues Cala-
zans (1896-1977), o Jararaca, da dupla Jararaca e Ratinho (Severi-
no Rangel, baiano de Itabaiana). A dupla foi sucesso no Brasil ao
longo de 54 anos. A marca da dupla foram as gags humorísticas.
Mamãe eu quero foi gravada em 1937, e a letra é de autoria de Ja-
raraca. Mas o sucesso estrondoso da música, que conquistou os
EUA, foi na voz da portuguesa naturalizada brasileira, famosa no
cinema de Hollywood, Carmem Miranda. A música foi traduzida
pelo estrelado ator e dançarino Bing Crosby, e foi incluída no fil-
me “Serenata Tropical”, em 1940, na voz de Carmem Miranda. A
dupla deixou mais de 80 discos de 78 rpm e dois LPs onde alterna-
vam números musicais com vasto anedotário.

Mamãe eu quero, mamãe eu quero,


Mamãe eu quero mamar!
Dá a chupeta! Dá a chupeta! Ai! Dá a chupeta

435
Dá a chupeta pro bebê não chorar!

Dorme filhinho do meu coração!


Pega a mamadeira e entra no meu cordão.
Eu tenho uma irmã que se chama Ana:
De piscar o olho já ficou sem a pestana.

Eu olho as pequenas, mas daquele jeito


E tenho muita pena não ser criança de peito!...
Eu tenho uma irmã que é fenomenal:
Ela é da bossa e o marido é um boçal!

Música e letra: José Luiz Calazans

Jararaca e Tom Jobim

José Luís Rodrigues Calazans (1896-1977), o Jararaca, nas-


ceu em Maceió, mas viveu sua infância na cidade do Pilar, filho de
Ernesto Alves Rodrigues Calazans, poeta e professor muito conhe-
cido, e de Amélia Alves Rodrigues Calazans. Começou a tocar sua
viola aos oito anos de idade, inspirado em seus irmãos que também
eram violeiros e seresteiros. Ainda criança conviveu muito com os
boiadeiros que vinham das Minas Gerais, ouvindo diversas histó-
rias, que mais tarde iriam influenciar a sua música. Uma jararaca e
um ratinho não podem estar muito bem: o mais frágil tem que fugir
do outro. Mas no caso da dupla Jararaca e Ratinho, tudo foi dife-
rente. A dupla se deu muito e “estouraram” na cena musical brasi-

436
leira nos anos 1920 e 1930. O alagoano também foi parceiro do
lendário maestro Antônio Carlos Jobim, o Tom Jobim, na música
O Boto, que abre seu disco Urubu, lançado nos Estados Unidos,
em 1976, e gravado também por Elis Regina. A música tem um
refrão que fala de sua lagunar Pilar.

Bôto

Composição: Antonio Carlos Jobim e Jararaca

Na praia de dentro tem areia


Na praia de fora tem o mar
Um bôto casado com sereia
Navega num rio pelo mar

O corpo de um bicho deu na praia


E a alma perdida quer voltar
Caranguejo conversa com arraia
Marcando a viagem pelo ar

Ainda ontem vim de lá do Pilar


Ainda ontem vim de lá do Pilar
Já tô com vontade de ir por aí

Ontem vim de lá do Pilar


Ontem vim de lá do Pilar
Com vontade de ir por aí

437
Na ilha deserta o sol desmaia
Do alto do morro vê-se o mar
Papagaio discute com jandaia

Jararaca e Ratinho

Jararaca e o paraibano Ratinmtoho, nascido Severino Ran-


gel de Carvalho, trabalharam juntos por 55 anos. A dupla deixou
80 discos de 78 rpm e dois long plays, onde alternavam números
musicais com um vasto anedotário. No começo dos anos 1920,
Ratinho e Jararaca se conheceram quando passaram a integrar o
Bloco dos Boêmios e, em 1921, formaram o grupo Os Boêmios.
Tempos depois o grupo passou a ser conhecido como Os Turunas
Pernambucanos e cada um dos integrantes adotou o nome de um
animal. Foi quando José Luiz resolveu adotar o nome de Jararaca.
Em 1922, a dupla topou com músico Pixinguinha, já famoso, em
turnê pelo Nordeste, que os incentivou a ir para o Rio de Janeiro.
Na Rádio Nacional eles se transformaram em estrela de primeira
grandeza, e foram sucesso em programas de auditório durante dez
anos, batendo recorde de audiência, sob o patrocínio da pasta Eu-
calol (que não existe mais). Em 1924, o grupo se desfez no Uru-
guai, durante uma excursão pelo sul do continente. Jararaca mon-
tou outro grupo, já no Rio Grande do Sul, e estava em Santo Ânge-
lo, em outubro daquele ano, quando o capitão Luiz Carlos Prestes
inicia a revolta que se transformaria na coluna Prestes. Tentou
atravessar a linha de combate, mas foi impedido. Fez vários shows

438
para os soldados em armas. Em 1964, por sua proximidade com
Prestes e o Partido Comunista, é afastado da Rádio Nacional. Jara-
raca costumava discursar e cantar nos comícios do PC. Nesse perí-
odo que surge a embolada “Espingarda – pá! Faca de ponta – tá”,
sucesso gravado também pelos “Oito Batutas”, o grupo do genial
Pixinguinha.

Espingarda / Pa, pa, pa, pa


Faca de ponta / Ta, ta, ta, ta,
Espingarda / Pa, pa, pa, pa
Faca de ponta / Ta, ta, ta, ta,

Jacarecica, Ponta Verde e Morro Grosso,


Levada, Cambona e Poço
Bebedoro, Jaraguá - ôi.
Coquero Seco d'outro lado da Lagoa
Se atravessa na canoa
Camarão é no Pilá - ôi.

Minha espingarda
Tem a boca envenenada
De matá onça pintada
Caititú, tamanduá - ôi.
Eu dei um tiro
Na cabeça da guariba
Que a bala passo pra riba
Matou dois Maracajá ...

439
,,, Pegue pra qui
E arrepare o companhero
Vou lhe dá um granadero
Sem coronha, sem fuzi,
Dou-lhe mais uma espingarda
E lhe puxo pra caçada
Da mata do Calumbi - ôi.

JUCÁ SANTOS: POESIA E CARNAVAL

Antes era tudo de Pernambuco, principalmente o frevo e as


canções de Capiba. Depois Alagoas se firmou, quando começou a
luzir a estrela dos grandes compositores, maestros e carnavalescos
de Alagoas. "A crítica social, de forma mordaz, porém alegre e
graciosa, era o tom das nossas genuínas composições de carna-
val”, relembra o jornalista e compositor Jucá Santos, que sabe tudo
de música carnavalesca. Chegou até mesmo a emplacar um bolero
nas paradas de sucesso na voz de Waldick Soriano. A composição
de Jucá teve direito a mais de 10 regravações em Long Plays, os
saudosos “bolachões” de 78 RPMs, quando Maceió aderiu ao disco
de frevos autênticos, tocadas por orquestras que marcaram época
nos anos 70, como a Big Band Show, do maestro Ivanildo Rafael,
e o Carnaval Temperatura, do maestro arapiraquense Jovelino Li-
ma.

440
“Essa foi a era de ouro das composições de carnaval em
Alagoas. Época que tínhamos o Banho de Mar à Fantasia que
ocorria uma semana antes do carnaval e a pessoas iam à praia e
sabiam as músicas de cor. Também tínhamos os blocos “Amigo da
Onça” e “Vulcão” que arrastavam milhares de foliões na praia da
Avenida, ao som do frevo autêntico com marchinhas e bordões. A
composição de Jucá teve direito a mais de 10 regravações em
Long Plays, os saudosos “bolachões.”.

MAESTRO MANEZINHO

Manuel Tenório de Moura (1922-2003), o carnavalesco ma-


estro Manezinho, era louco por carnaval, foi o fundador, em se-
tembro de 1940, do Bloco Carnavalesco Sai da Frente, que detêm o
maior número de títulos (32) nos concursos de bloco. Ele faleceu
aos 92 anos, bem vividos, de bem com a vida. Louco por carnaval.
O Sai da Frente, do bairro do Prado, era puxado pelo maestro que,
como porta-bandeira levava cm orgulho um pedaço de pano que
fazia as bandeiras e ia para as ruas, onde começou a arrastar uma
quantidade significativa de participantes.

“Certa vez (o jornalista) Denis Agra, teve uma ideia de


animar as caminhadas do (vereador) Freitas Neto, candidato a
vereador pelo PCB, e chamou Manezinho e sua orquestra para
fazer um arrastão na Rua do Comércio com o nosso gordo candi-
dato do Partidão. O maestro não contou duas vezes, acertou a

441
apresentação e fez mais, na ausência de músicos, arregimentou os
integrantes da banda da Polícia Militar para tocar na orquestra
que iria animar a candidatura comunista”.

Régis Cavalcanti, em Gazeta de Alagoas, 26/ 10/ 2013.

MISS PARIPUEIRA FASHION

Ambrosina Maria da Conceição (1910-1995), a miss Pari-


pueira, foi uma das mais conhecidas figuras públicas que fez fama
nos carnavais. Segundo o professor e sociólogo José Maria Tenó-
rio, Ambrosina foi “uma mulher baixinha, morena, feia, e se traja
com rotos vestidos de gala, peruca loura, barangandãs, mil enfei-
tes, faixa de miss e coroa. Vive dizendo que vai casar com Salgado
Filho (o ator Jonas Melo) e detesta quem a chame de “Canela de
sabiá” e diga que a miss Barra de Santo Antônio é mais bonita do
que ela”. Ela foi coroada miss durante um corso da rapaziada no
Carnaval de Paripueira, nos anos 1970, e a daí por diante assumiu
o título até morrer. Ambrosina era figura assídua nas festas da ci-
dade, como a de Santo Amaro. Ela chegava toda serelepe, psicodé-
lica da cabeça aos pés, a moçada fazia a maior zoeira. Ela coletava
todas as roupas e acessórios pelas casas de veraneio da cidade.

“A sedução de Miss Paripueira eram suas narrativas fan-


tásticas, suas criações ousadas – peruca, vestido longo, bolsa,
colar e óculos sempre enormes. Sua originalidade era infinita,

442
uma estética naif-fashion, encantava pela extravagância. Foi du-
rante anos personalidade dos verões alagoanos do litoral do lito-
ral Norte”.

Luciano Padilha, professor-doutor da Ufal, em Arte Popular


de Alagoas – 2004.

MOLEQUE NAMORADOR

Armando Veríssimo Ribeiro (1921-1949), O Moleque Na-


morador foi um modesto e pobre vendedor de jornais - nascido em
São Luis do Quitunde - que transformou o Carnaval alagoano, com
seus ousados passos de frevo, sua camisa colorida, seu boné e a
sombrinha. Levou o Carnaval para as ruas de Maceió e para os
palcos, quando o passista brilhou no Teatro Deodoro. Boêmio o
tempo inteiro, deu vida às festas de momo nos anos 1930 e 1940.
Ainda é até hoje símbolo do carnaval alagoano e virou nome de
praça, no bairro do Prado. Aos dezoito anos, enfrentou o Concurso
de Passo de 1937, com certame de nome Festa do Passo, realizado
no Teatro Deodoro e organizado pelo futuro sociólogo e historia-
dor Manuel Diégues Júnior, onde Armando foi classificado em
primeiro lugar, representando o Clube Carnavalesco Cavaleiro dos
Montes. A partir dessa vitória retumbante, várias companhias de
Teatro de Revista do Rio de Janeiro e de São Paulo, o convidaram
para integrar o seu elenco. Mas preferiu ficar em Maceió, como um
genuíno maloqueiro, junto com amigos “barra pesada” a viver in-

443
tensamente nos baixos meretrícios, ou como dizia na época, nas
gandaias do bairro do Ouricuri, e no Alto do Urubu, uma localida-
de do bairro de Bebedouro, onde nas décadas de 1930 era o foco da
malandragem da capital alagoana. Foi verdadeiramente conquista-
dor e farrista de tempo integral, e isso o fez “gastar todo o orga-
nismo antes dos trinta anos”.

“Paraibano dos sete costados, Sandoval Caju, escritor,


poeta e político, tornou-se prefeito de Maceió... tomando conheci-
mento que em Maceió existira um passista que era o melhor do
Brasil, não pensou duas vezes, preparou uma grande homenagem,
uma praça situada na Rua Paissandu, bairro de Ponta Grossa em
local para onde confluem cinco ruas, em uma dessas ruas existiam
danças e muitos pequenos bares sendo muito frequentadas, é lá em
frente, que foi dado o título de Praça Moleque Namorador, sendo
colocado no centro do logradouro, uma estátua de passista, em
estilo moderno, de ferro batido. Tal homenagem foi inaugurada no
dia 7 de setembro de 1961 e ficou sendo até os dias atuais “O
Quartel General do frevo”.

Egberto Ticianelli, historiador, no seu portal


https://www.historiadealagoas.com.br/moleque-namorador.html

444
MAJOR BONIFÁCIO, O FESTEIRO

Bonifácio Magalhães da Silveira nasceu no dia 14 de maio


de 1867 em Recife, Pernambuco. Era um dos grandes entusiastas
do Carnaval alagoano. Comerciante e defensor dos direitos dos
negros,era um lutador para que a cultura e os festejos populares
saíssem da margem e viessem desfilar suas cores, danças e alegrias
no Centro da cidade. Fazia de Bebedouro um reduto festeiro. A
praça principal virava um imenso parque de diversões. Nos carna-
vais de Maceió, o nome Major Bonifácio era sinônimo de folia.
Graças a ele, seu bairro ficou conhecido como a República da Ale-
gria. Criou e incentivou a Sociedade Bebedourense, que tanto
promoveu as artes cênicas no início do século em Bebedouro. Em
sua chácara, improvisou um pequeno teatro e depois fundou o Tea-
tro Santo Antônio, que funcionou entre 1909 e 1930. Era famoso o
Clube Carnavalesco das Ciganinhas do Major, que reunia mulheres
do bairro, a maioria era de empregadas domésticas. Também foi
criação do Major Bonifácio o bloco Os Gigantes. Os desfiles deles
em direção ao centro de Maceió eram aguardados com muita ex-
pectativa. O Indicador Geral do Estado, de 1902, editado e impres-
so pela Typographia Commercial, de M. J. Ramalho & Murta.,
primeiro trabalho do gênero a ser produzido em Alagoas, registra
que naquele ano Maceió teve três intendentes (prefeitos da época),
entre eles estava Bonifácio Magalhães, o folião de ouro.

445
MARCIAL LIMA: UM TRIBUTO

Considerado um dos mais representativos pesquisadores e


incentivadores das tradições populares alagoanas, Marcial Lima,
que faleceu aos 67 anos, em 2011, deixa importante legado á cultu-
ra, ao folclore e à memória do Estado; sócio-fundador do bloco
Pinto da Madrugada e ex-secretário de Cultura do Município. Mar-
cial Lima era funcionário aposentado do Banco do Brasil. Filho do
radialista Lima Filho, um dos fundadores da Rádio Difusora, ainda
jovem despertou interesse pela cultura. Foi ator, compositor e agi-
tador cultural. Participou de várias peças teatrais, entre elas a "His-
tória do Amarelinho e o Valente Secundino" escrita por Wolney
Leite e Gercino Souza. Para o ator Chico de Assis a morte de Mar-
cial “representa uma perda muito grande para Alagoas, pois com
ele morre parte da nossa cultura. O legado de seu trabalho ficará
para sempre marcado pela dedicação e alegria”. Marcial também
teve passagem por empresas de publicidade e ficou famoso nos
anos 1980 como garoto-propaganda da empresa AGEAL, que pres-
tava serviços terceirizados de higiene, limpeza, dedetização e ou-
tros executados em prédios e domicílios. Na propaganda, Marcial
dizia o bordão: “Ageal, limpeza total”.

http://www.tribunahoje.com/noticia/5588/alagoas/2011/09/1
7/morre-um-dos-principais-fundadores-do-pinto-da-
madrugada.html

446
NEGA JUJU É DA FAVELA

Personagem lendária da marcha “Sururu da Nega”, compos-


ta em 1934, por Pedro Nunes e Aristóbulo Cardoso, e muita execu-
tada nos carnavais de Maceió. “A letra do publicitário Pedro Nu-
nes exalta o trabalho da catadora de sururu, representado pela
Nega Juju, fantástica personagem que esbanja sensualidade, ape-
sar de sua deplorável condição social. Na segunda parte denuncia
o fato de a cidade não possuir um porto marítimo, na época, para
o escoamento de petróleo, quando o “ouro negro” foi descoberto
em Alagoas”, registra Luiz Barroso Filho, membro da Comissão
Alagoana de Folclore, em Gazeta de Alagoas, 20/04/2005

“É da favela? Não, nega Juju


Nasceu num rancho da terra do sururu
Quadris roliços, o cabelo atrapalhado
Quem vê diz que traz feitiço no olhar apimentado
Cavando a vida no Canal do Mundaú
Pesca caboclo, maçunim e sururu

Em Bebedouro, no Farol, na Ponta Grossa


Com o sururu da nega a folia é nossa
Não há petróleo, não há porto, não há nada
O bom problema é o sururu lá na Levada”.

Aristóbulo Cardoso e Pedro Nunes - 1934

447
PEDRO TARZAN: HERÓI NO CARNAVAL

Um homem corpulento e de pele negra, Pedro Ferreira Auta


(1929-2001) mantinha uma espécie de “ritual” para confeccionar
suas fantasias carnavalescas. Para evitar ser incomodado pelos co-
mentários alheios sobre os trajes que produzia, ele buscava se iso-
lar do contato com as pessoas. “Não queria ouvir a opinião de
ninguém”, confessou ao cineasta alagoano Pedro da Rocha, no
documentário: Memórias de um herói de carnaval (1988). Não era
segredo para ninguém. Bastava perguntar para Pedro Ferreira de
onde vinha a inspiração para criar as suas fantasias que ele revela-
va sem nenhum rodeio: “Através dos filmes que vinha assistindo,
como O Grande Guerreiro, com Victor Matuse, Um Passo da
Morte, com Kirk Douglas, Talhado em Granito, com Randolph
Scott e O Último Guerreiro, com Jack Palance”. Desfilando pelas
ruas durante as festas momescas vestido de heróis dos épicos hol-
lywoodianos, ele logo se tornou “o rei do Carnaval alagoano”.

“Sua paramentação de cacique era de um legítimo pele-


vermelha sioux ou qualquer tribo distante de todas as nações indí-
genas. O povo ainda hoje imagina o nativo a cavalo, saudando os
caras-pálidas com um sonoro ugh!”.

Ênio Lins, em Arte Popular de Alagoas – 2004.

448
PINTO DA MADRUGADA: ALEGRE MANHÃ

Em 2000, um grupo de amigos, entre eles: Eduardo Lyra,


Marcial Lima, Marcos Davi e Braga Lyra, formaram o núcleo cria-
dor do bloco Pinto da madrugada, com a ideia de resgatar as tradi-
ções culturais da terra, ligadas ao carnaval. Seu nome de batismo
está ligado ao famoso Galo da Madrugada, de Recife. O Pinto é
hoje uma grande festa familiar, onde não existe cordão de isola-
mento e as pessoas colocam na pista, ou melhor, na orla, toda sua
imaginação e irreverência. O Pinto fez sua primeira apresentação, a
Cerimônia de Batizado, em janeiro de 2000, quando homenageou
as grandes figuras que contribuíram com o carnaval na história de
Alagoas, que receberam a “Comenda da Ordem do Pinto“, entre-
gues a ilustres representantes do verdadeiro carnaval, como o foli-
ão Prego, o maestro Manezinho, o radialista Edécio Lopes. A folia
do Pinto da Madrugada tem dia e hora para desfilar, na orla de Ma-
ceió, todo sábado que antecede o carnaval, logo cedinho.

RÁS GONGUILA; REI DE ETIÓPIA

Figura de proa do carnaval alagoano, Rás Gonguila era um


homem do povo, um engraxate. Ele fundou um dos primeiros e
mais importantes blocos carnavalescos, o Cavaleiro dos Montes.
Negro forte, espirituoso e alegre, Rás Gonguila dizia que era rei da
Etiópia. O local onde trabalhava como engraxate, na Rua do Co-
mércio, tornou-se ponto de encontro de boêmios, poetas e até figu-

449
ras políticas. Morador da Ponta Grossa, era muito respeitado e tido
como um líder da comunidade.

“Todo ano desfilava à frente do bloco arrastando uma mul-


tidão com orquestra de frevo. Atrás do bloco misturavam-se pe-
dreiros, engenheiros, médicos, enfermeiros, desocupados, prostitu-
tas e soldados. Tinha até uma história engraçada do Arnon de
Mello, que era candidato a senador na época, e o Teobaldo Bar-
bosa levou o Arnon para o Vergel do Lago e Ponta Grossa, onde o
Gonguila era liderança; aí o Arnon se apresentou e deu a mão
para ele e disse: ‘Muito prazer, seu Gorila’ e ele respondeu: ‘gori-
la é a p.q.p., seu Arnon, meu nome é Gonguila’ e assim Arnon
conseguiu todos os votos da região”.

Carlito Lima, no endereço


http://meninosdaavenida.blogspot.com.br

SERESTEIROS DA PITANGUINHA

Grupo musical criado em 1994 que revive os passeios musi-


cais noturnos pela cidade. Ao longo de sua existência, percorre os
bairros da cidade e já se apresentou em dezenas cidades do Estado.
Desde o ano de 2001 trouxe de volta a tradição dos bailes carnava-
lescos de clubes, realizando o seu anual Baile de Máscaras. Gravou
dois discos resgatando a memória dos antigos e atuais composito-
res alagoanos e tem um livro que narra a sua história inicial. Atu-

450
almente reúnem-se a cada primeira sexta feira do mês no bairro
que tem o seu nome, promove passeios na cidade, bailes temáticos
e participa com a sua alegria em reuniões culturais e científicas do
Estado. A partir do ano de 1994 um grupo de amigos transformou
a paixão pela música em uma ação de resistência cultural e partici-
pação cidadã, contribuindo para a melhoria da qualidade de vida da
população, além de manter uma atividade de fundamental impor-
tância para a preservação e incremento da vida cultural da cidade.

SETTON NETO: ETERNO REI MOMO

Salomão Setton Neto (1920-1994) foi o gordo mais simpáti-


co e brincalhão que Alagoas já conheceu. Com este primeiro nome
de rei, Setton nasceu para ser monarca: durante 19 anos foi o rei-
momo oficial do Carnaval de Maceió, de 1970 a 1988. Sua vida de
artista começou na juventude. Aos 28 anos, como cantor, Setton
integrou o cast da Rádio Difusora de Alagoas, em sua inauguração,
em 1948.

“Figura marcante do Carnaval alagoano foi, sem sombra


de dúvida, o Setton Netto. Comerciante do ramo de tecidos – a
Casa Setton era de seu pai –, Setton era cantor de samba, do
“cast” da Difusora. Sabia e interpretava todos os sambas canções
do saudoso e famoso Cyro Monteiro – o “Formigão”. Foi o Rei
Momo de reinado de maior duração. Folião por excelência, sabia,

451
mais de que ninguém, desempenhar o papel de Monarca da Folia.
Levava o cargo a sério.”

Jornalista Alves Damasceno, no blog Alagoas é muito mais


– entrada em 17/11/2011.

SALEIRO PITÃO: REI DA PÍSTA

No carnaval do Clube Fênix Alagoana,o folião Cláudio Sa-


leiro Pitão (1920-1990) era o rei da pista e do salão. Suas fantasias
eram caprichadas, de lantejoulas e paetês. Na rua, sempre estava ao
lado do rei-momo, e antes de brincar o Carnaval, corria as rádios
de Maceió para cantar suas marchinhas. “Certa vez meu pai fez
uma fantasia Amolador de Língua de Sogra que provocou uma
polêmica danada”. Cláudio Saleiro Pitão Filho, em Revista Graci-
liano, na reportagem Cortejo Fantástico – edição Março 2014

452
LEGIÃO ESTRANGEIRA

ALTEMAR DUTRA: “NASCI EM PIRANHAS”

O acesso à cidade Piranhas, único patrimônio tombado na


região do semi-árido alagoano, é pela rodovia Altemar Dutra
(1940-1983), uma descida sinuosa onde se vê a cidade por inteiro e
o Velho Chico no fundo. Um visual deslumbrante. Por isto o “rei
do bolero” e seresteiro inveterado dizia sempre: “nasci no dia que
conheci Piranhas”. A orla com as praias fluviais também leva seu
nome, com a estátua em bronze do cantor, em pé, abraçado ao seu
violão. Altemar, mineiro de Aimorés, está na memória dos mora-
dores mais antigos e também é nome de rua, pizzaria, lanchonete.
Quem apresentou Piranhas ao cantor foi o legendário Chico Dou-
tor, o empresário da construção civil Francisco Martins de oliveira,
construtor bem-sucedido nos anos 1960 a 1970. Chico começou
como pedreiro e mestre de obras e se transformou em um magnata
do Sertão, na esteira da construção de estradas e das hidrelétricas
da Chesf. Mas sua paixão era o show business, e trouxe para o ser-
tão alagoano, como promotor de eventos, o rei Roberto Carlos,
Luiz Gonzaga, Ângela Maria, e mais uma constelação de estrelas.
Mas a maior delas foi Altemar Dutra, que se apaixonou pela cida-
de. Ele, que se estivesse vivo estaria com 79 anos, cantou músicas
que viraram pérolas da MPB, como “Sentimental Demais”, “O
Trovador”, “Brigas” e “Que Queres Tu de Mim”. Sempre gostou
de festa, seresta e a sua “sagrada” pescaria em Piranhas, até sua

453
morte, em Nova Iorque, aos 43 anos, em pleno palco, quando apre-
sentava um show para a comunidade latino-americana, no clube
noturno El Continente.

“Com o seresteiro, Chico Doutor fez amizade de irmão. A


amizade entre os dois era tão forte que Chico Doutor fez uma casa
onde Altemar passou suas férias com freqüência, na famosa Ilha
do Cidadão, em Piranhas. O Altemar via meu pai como se fosse
um repouso, um descanso pra alma. Ele não queria saber de ga-
nhar dinheiro, queria descansar, se sentia protegido. Altemar foi o
visitante mais presente na chácara de meu pai. Era comum a gente
ainda criança e adolescente ver os dois embaixo de um umbuzeiro.
Ele pegava o violão e cantava, cantava, sempre acompanhado de
uma cachacinha”.

Depoimento de Fátima Martins, filha de Chico Doutor, ao


jornalista Wellington Santos, em reportagem do jornal Tribuna
Independente, 31/12/2018

ANITA STUDER: GUARDIÃ DA MATA

A ornitóloga suíça e doutora em botânica Anita Studer, hoje


com 74 anos, chegou ao Brasil em 1976, em busca de uma peque-
na ave preta chamada anumará, que fora vista por cientistas pela
última vez na Mata de Pedra Talhada, em Quebrangulo, Alagoas.
Com seus binóculos profissionais, a paixão pela pesquisa e sua

454
alma de passarinho, ela avisou ao seu supervisor acadêmico em
São Paulo sobre a descoberta do pássaro, que lhe daria uma boa
tese para seu mestrado, mas ouviu um alerta: “Seu estudo requer
pressa. A floresta desaparecerá em nove ou dez anos”, previu o seu
superior, referindo-se ao rápido desmatamento da área. Ela respon-
deu de bate pronto: “Primeiro eu vou salvar a floresta, e em se-
guida eu tenho todo o tempo do mundo para estudar o anumará”.
Desde sua chegada no coração da mata de Serra Talhada, em 1980,
até hoje, Anita repovoou os céus da região com novas espécies de
anumarás, plantou mais de um milhão e meio de árvores nativas
em grandes viveiros, com a ajuda da população, criou a Associação
Nordesta, com trabalhos ambientais em 16 estados, inclusive na
Amazônia, mas, segundo a própria Anita, as ações estão mais con-
centradas no Nordeste brasileiro, nos estados de Alagoas e Per-
nambuco.

“Foi aqui onde tudo começou. Tinha que fazer uma tese de
mestrado e meu orientador falou de um pássaro raro que tinha
sumido há muito tempo. Fui seguindo as pistas, e, numa tarde
quente de dezembro de 1980, um menino me mostrou um ninho de
anumará na fazenda Riachão, em Quebrangulo. E aí não parei
mais. Fomos criando ações na educação, convidando as crianças
a participar do plantio, pois a mão que planta não destrói mais a
natureza”.

Entrevista de Anita Studer à rádio França Brasil (FRI Bra-


sil), no programa Vozes do Mundo, em 07/05/2016

455
A luta pela Reserva Biológica

Anita e seu português de estrangeira, “com sotaquezinho de


nordestina”, como gosta de brincar, além de se tornar especialistas
em pássaros, ela virou uma militante da sustentabilidade do meio
ambiente e da educação. E começou a ganhar apoio de proprietá-
rios de terra – que começaram a permitir o replantio nas margens
dos rios – ambientalistas, população local, comunidades científicas
e grandes corporações internacionais. Foi quando em 1989 o go-
verno federal torna uma faixa 4,5 hectares de Mata Atlântica local
a Reserva Biológica de Serra Talhada, com proteção integral de
toda a área. Assim se formou uma parceria entre a Associação
Nordesta Reflorestamento e Educação e o Instituto Chico Mendes
de Biodiversidade, a IMBio, para a gestão da floresta. Desde o iní-
cio da parceria mais de dois milhões de árvores já foram plantadas.
Ela ajudou a construir também um posto de saúde, duas escolas e
um centro de educação ambiental. Anita recebeu o Rolex Awards,
premiação da relojoaria suíça que completa 40 anos. “Mas o nosso
trabalho não acabou”, afirma. Aos 74 anos, ela se empenha em
uma cruzada para cessar, de vez, a extração de madeira.

“Entre os fundamentos da Nordesta estão a proteção das


florestas tropicais, especialmente no Brasil, com uma missão de
ajudar a população do entorno da floresta, com ações de cidada-
nia, meio ambiente e educação. Tentamos trabalhar sempre em
paz, pois gera muito mais resultados e rende mais a longo prazo”.

456
Entrevista de Anita Studer à rádio França Brasil (FRI Bra-
sil), no programa Vozes do Mundo, em 07/05/2016

ABDIAS: CINZAS NA SERRA

Nos 100 anos de um dos maiores líderes negros do país - o


poeta, escritor, professor, ativista dos direitos civis e humanos e
ex-deputado - Abdias do Nascimento (1914-2011), sua cinzas fo-
ram lançadas nas terras da Serra da Barriga, em novembro de
2011. Em 1985, como deputado federal pelo PDT do Rio de Janei-
ro, teve sua atuação marcada pela defesa dos direitos humanos e
civis dos negros no Brasil. Procurando mostrar o racismo e a dis-
criminação racial como questões nacionais, propôs a criação de
uma Comissão do Negro na Câmara, e assinalando a importância
de Zumbi dos Palmares como herói da pátria. Foi ele que propôs e
conseguiu aprovar entre os parlamentares o estabelecimento de
feriado nacional no dia 20 de novembro — aniversário da morte de
Zumbi — como Dia Nacional da Consciência Negra. Antes de
morrer pediu á família que suas cinzas fossem lançadas no topo da
Serra da Barriga. Nascido em Franca, no interior de São Paulo, e
vida política feita no Rio de Janeiro, Abdias era filho de uma do-
ceira e um músico e sapateiro, de família pobre, ele chegou à fa-
culdade, e se formou em Economia. Foi o primeiro negro a ocupar
as vagas de deputado federal e de senador da República no Brasil.
“Ele dizia que queria voltar para o solo sagrado. Foi uma refe-

457
rência a história que ele tanto cultuou, pois o quilombo foi um
entrelaçar de lutas. Não foi um espaço só de negros, mas que
abarcou as diferenças em busca de uma causa comum: a liberda-
de”, assinalou Arísia Barros, militante da causa negra e coordena-
dora do Instituto Raízes da África, responsável pela cerimônia na
Serra

“Foi a volta do meu marido, da matéria dele, para o lugar


onde seu espírito sempre esteve. Sua vida foi lutando pela liberda-
de e o desejo dele era ter suas cinzas jogadas no local da resistên-
cia de todos os povos africanos”.

Elisa Larkin, socióloga, viúva de Abdias Nascimento

ANTONIO CÂNDIDO EM MACEIÓ

O mais celebrado crítico literário brasileiro, Antônio Cândi-


do (1918-2017), esteve em Maceió, em 1984, nos 50 anos do livro
Caetés de Graciliano Ramos. Ele deu palestras e escreveu a abertu-
ra do livro comemorativo 50 Anos do Romance Caetés, publicado
pelo Departamento de Assuntos Culturais (DEC). Ele falou e con-
firmou a importância do grupo formado na capital alagoana, nos
anos 1930, que seria a base do chamado novo Romance Nordesti-
no. O romancista paraibano, José Lins do Rego e a escritora cea-
rense Rachel de Queiróz, que nesse tempo viviam na capital alago-
ana, formaram com os alagoanos - Graciliano Ramos, Jorge de

458
Lima, Aurélio Buarque de Holanda, José Auto, Valdemar Caval-
canti, Alberto Passos Guimarães, Raul Lima, Tomás Santa Rosa -
uma trupe literária que se tornou um dos mais denso e permanente
núcleo da literatura brasileira. Disse o mestre Cândido:

“Não sei se este conjunto de autores já foi estudado de ma-


neira sistemática. Se não foi, deveria ser, porque representa um
fato de importante de sociabilidade literária, considerada como
estímulo à produção e à formação de juízos críticos. O que signifi-
ca que pode ter influído na própria natureza do discurso que por
aqui se elaborava ou se projetava a partir daí”.

Antônio Cândido, na abertura do livro comemorativo 50


Anos do Romance Caetés – Departamento de Assuntos Culturais
(DEC) – 1984

BERTHOLET: O SONHO VIROU AÇÚCAR

Se não fosse o sonho e a coragem do suíço René Bertholet


não haveria em Alagoas a Cooperativa Pindorama de Colonização
Agropecuária e Industrial, a maior cooperativa agro-industrial do
Nordeste. E para chegar até ela, René viveu a aventura dos grandes
homens da história. Nascido de pais operários, em 1907, na Suíça,
o jovem René cursou filosofia na Escola Internacional Socialista,
na Alemanha. Aos 26 anos, viu chegar o horror do nazismo e a 2a
Guerra Mundial. René combateu Hitler, arriscou sua vida levando

459
mensagens secretas para os aliados, liderou movimentos de apoio
aos judeus, furando o cerco dos soldados para levar comida e re-
médios nos campos de concentração. Para sobreviver se transfor-
mou em repórter dos jornais operários da Alemanha, e foi até jor-
nalista correspondente de guerra na Espanha. Por suas atividades
anti-nazistas, amargou três anos na prisão e foi expulso do país. Na
França continuou sua luta contra o invasor, que tinha ocupado Pa-
ris, pela resistência francesa. Em 1945, com a vitória dos países
aliados ajudou a reconstruir a Europa devastada. Em 1950, René
aportou no Brasil e nunca mais deixou o país. Ele veio com a mis-
são de recolher alimentos para os Europeus no pós-guerra e desco-
briu que o Brasil poderia ser um grande lugar para que os refugia-
dos refizessem sua vida.

A semente de Pindorama

Depois de fundar a Cooperativa de Guarapuava no Paraná,


impressionado com o número de nordestinos que já naquela época
fugiam da seca em busca de melhores oportunidades no Sul, René
decidiu aceitar um convite do Ministério de Agricultura e encarar
um novo desafio: participar de um projeto de colonização agrária
no Nordeste. Estava lançada a semente de Pindorama. No começo
dos anos 60, Bertholet já era diretor técnico da Companhia Pro-
gresso Rural. A empresa ameaçou fechar a colônia, mas Renê e a
turma pioneira decidiram transformar a colônia em cooperativa.
Ele mesmo comprou terras e doou a colonos, com a missão de ob-
ter terra produtiva e divisão de trabalho e renda. E nunca mais Pin-

460
dorama parou. Pelo contrário, Renê liderou com apoio dos coope-
rados de 1963 a 1967, mecanizando a lavoura, implantando os
primeiros geradores para fazer funcionar as caldeiras de fabricação
do suco de Maracujá, onde tudo começou. O suco ganhou outras
frutas e outros gostos, ultrapassando as fronteiras do Brasil e ga-
nhando o mundo; a agricultura se diversificou; a irrigação moder-
nizou plantações e garantiu mercado; a reforma agrária nesse pe-
queno espaço de terra chamado Pindorama se deu de forma natural
e sem conflitos; a produção de açúcar e álcool que durante séculos
era monopólio de grandes indústrias, agora também está nas mãos
dos pequenos produtores que hoje disputam o mercado.

Fonte: Dictionare Historique de la Suisse e Asociativismo e


Cooperativismo, e depoimento do professor João Lemos

CLARICE LISPECTOR EM MACEIÓ

Clarice Lispector (1920-1977), premiada escritora e jorna-


lista brasileira nascida na Ucrânia, logo que chegou ao Brasil de-
sembarcou em Alagoas. Ela morou em Maceió durante parte da
infância. Foi na capital que recebeu o seu novo nome (Clarice). De
acordo com um de seus biógrafos, o norte-americano Benjamim
Moser, foi em Maceió que a família adotou nomes brasileiros. A
família chegou a Maceió em março de 1926, sendo recebida por
Zaina, irmã de Mania, e seu marido e também primo, José Rabin.
“O pai Pinkhas, virou Pedro, a mãe Mania, ficou Marieta, as ir-

461
mãs Leah, virou Elisa e Tania adotou o mesmo nome. Já Clarice,
que tinha um ano e meio, não teria nenhuma lembrança de Chaya
(seu antigo nome) nem dos horrores da Ucrânia” (Benjamim Mo-
ser, em Clarice, uma biografia - editora Cosacnaify, 2011). Com
dificuldades de relacionamento com Rabin e sua família, Pedro
decide mudar-se de Maceió para o Recife, centro urbano mais im-
portante da Região Nordeste na época. O poeta Ledo Ivo também
falou sobre a passagem de Clarice por Alagoas.

“Em Maceió, nas ruas que cheiravam a açúcar e maresia,


que declinavam para o mar de navios ancorados, a menina ucra-
niana foi tocada para sempre pelo que haveria de ser o emblema
do seu destino: a luminosidade solar. Após os dias e meses iniciais
de neve e bruma, e de céus fechados e sombrios, ela conheceu o
sol, o mormaço, e o vento do mar”.

Ledo Ivo, em O Vento do Mar, editado pela Academia Bra-


sileira de Letras – 2011.

DOM HÉLDER MANDANDO BRASA

No primeiro número da revista Última Palavra, que circulou


nos anos 1980, em Maceió, a reportagem “As Revelações sobre
Alagoas” mostrava matéria baseada no conteúdo de papéis com a
chancela do Serviço Nacional de Informações (SNI), carimbados
como Secreto e Confidencial. A reportagem dava um raio-x com-

462
pleto de como os espiões da ditadura analisavam a vida de militan-
tes políticos. Em uma desses episódios, com a presença de Dom
Hélder em um encontro com estudantes em Maceió, os documen-
tos apontam para a fala do religioso.

“Mesmo considerando o clero no estado “absolutamente


conservador”, na pessoa do arcebispo Dom Adelmo Machado, o
núcleo do SNI tinha uma constante preocupação com as visitas do
arcebispo de Olinda e Recife, Dom Helder Câmara. Só em 1968,
dom Hélder esteve em Maceió mais de três vezes. Na última, num
encontro com estudantes e jovens trabalhadores, os “olheiros” do
SNI resgataram essa pérola dele, que está expressa no relatório:
“É preciso o calor da juventude para continuar mandando brasa”.

Trecho da reportagem As Revelações sobre Alagoas, revista


Última Palavra – nº 1, 1987.

FÉLIX E GUSTAVE: BARÕES FRANCESES

Nascidos na França, os irmãos Félix e Gustave Vandesmet


foram os primeiros usineiros de Alagoas, quando em 18 de janeiro
de 1892, fundaram a Usina Brasileiro Filhos de um industrial fran-
cês proprietário de uma fábrica de fiação e lã, o Baron du Saint
Siége Félix Eugène Vandesmet, o Barão de Vandesmet escolheu as
terras férteis de Atalaia para implantar a unidade. As irmão ~~aso
o . nova uni, em 1891, a Usina Brasileiro, a primeira usina de açú-

463
car de Alagoas. Antes de chegar ao Brasil, os irmãos estiveram em
Guadalupe, nas Antilhas, onde fundaram uma usina de açúcar.
Chegando ao Brasil, desembarcou no Rio de Janeiro e procurou o
imperador Dom Pedro II, em sua residência de verão em Petrópo-
lis, em busca de investimentos para seus negócios, mas nada con-
seguiu. Depois de tentar negócios na Bahia, desembarcou em Ala-
goas, no Pilar, na época o mais importante empório comercial do
interior, onde construiu a mais moderna usina de açúcar de Alago-
as. Todos os equipamentos foram importados da Europa, detentora,
na época, da mais avançada tecnologia do ramo açucareiro.

“Quando de seu surgimento (a Usina Brasileiro), o estado


de Alagoas enfrentava desfalque de braços, inclusive na área da
cultura a cana de açúcar, devido ao engajamento de centenas de
trabalhadores destinados às obras do porto de cidade de santos,
em São Paulo”.

Moacir Medeiros de Sant’ Ana, no livro Efemérides Alago-


anas, 1992, Instituto Arnon de Mello

GLÓRIA PIRES: DUPLA ALAGOANIDADE

Da atriz carioca Glória Pires pode-se dizer que ela possui


dupla alagoanidade, pois interpretou no cinema, com maestria,
duas grandes personagens alagoanas, como protagonistas dos fil-
mes O Coração da Loucura, no papel da médica psiquiátrica alago-

464
ana Nise da Silveira, em 2016; e Memórias do Cárcere, 1984,
quando foi Heloísa Ramos, mulher de Graciliano Ramos (Carlos
Vereza), que mostra o período em que o Mestre Graça estava preso
no Rio de Janeiro. Glória e Heloísa assistiram juntas a avant pemi-
ere do filme, em São Paulo. “Ela olhava para tela não parava de
chorar, e eu também”, disse Glória à Folha de São Paulo. Sobre a
filme biográfico de Nise, ela afirmou: “Nise era uma intelectual
guiada pelo afeto. A humanidade dela esteve sempre em primeiro
plano sem que isso a transformasse em paternalista ou melosa”.

GUSTAVO PAIVA

O industrial paraibano Gustavo Pinto Guedes de Paiva


(1892-1947) fez sua história na cidade de Rio Largo, onde além de
construir seu império durante o Ciclo do Algodão, em torno da
Companhia Alagoana de Fiação e Tecidos, foi considerado um
patrão exemplar, com a criação de escolas, creches e departamento
de saúde para seus operários. Após concluir seus estudos em Pena-
fiel, Portugal, e com a morte prematura da mãe, Gustavo Paiva
resolveu voltar ao Brasil para tentar a carreira comercial. Com 18
anos de idade, em 1913, desembarcou no Rio de Janeiro. Na capi-
tal do país trabalha como subgerente da Companhia Petropolitana,
uma fábrica de tecidos de Petrópolis. No dia 25 de novembro de
1916, casa-se com Judith Teixeira Basto, filha do comendador José
Antonio Teixeira Basto, que negociava em Alagoas. Convidado
pelo sogro para assumir a empresa, Gustavo Paiva muda-se com a

465
esposa para Maceió, onde chega em meados de 1917. Um ano de-
pois falece seu sogro, o comendador Teixeira Basto, deixando para
ele, então com 26 anos de idade, o desfio de representar os interes-
ses da família de sua esposa na Companhia.

Comendador comunista

Gustavo Paiva ganhou o título popular de “Comendador do


Povo” e foi taxado de comunista. À frente das empresas e do seu
tempo, Gustavo Paiva revelou-se um empresário muito diferente
dos tradicionais líderes de uma economia atrasada e ainda carrega-
da das relações escravistas abolidas poucos anos antes no país. As
leis trabalhistas engatinhavam no Brasil quando Gustavo Paiva
passou a adotar relações mais humanizadas entre a empresa que
administrava e os trabalhadores, fazendo investimentos para pro-
porcionar educação, saúde, lazer e cultura aos operários. Aos 37
anos de idade, após receber homenagens dos operários em Rio
Largo, Gustavo Paiva agradeceu e disse que persistiria na sua cru-
zada para melhorar as condições de vida dos operários, e revelou
que por ter esta postura, já o tinham chamado até de comunista. O
comendador morreu em outubro de 1947. O jornal Gazeta de Ala-
goas assim noticiou o fato.

“A partir da Rua Dr. Pontes de Miranda, os operários e


funcionários oriundos do local das fábricas, retiraram o corpo do
coche fúnebre conduzindo-o à mão até o cemitério. Ali se compri-

466
mia uma compacta multidão, calculada em muitos milhares de
pessoas”.

GRACINDO: O BEM-AMADO

Pelópidas Guimarães Brandão Gracindo, o grande ator naci-


onal Paulo Gracindo (1911-1995) nasceu carioca, mas sempre se
considerou alagoano, pois foi viver em Maceió ainda bebê. Sonha-
va ser ator, mas o seu pai, o político alagoano Demócrito Gracin-
do, era uma pedra no sapato, e lhe dizia sempre: “No dia em que
você subir a um palco, saio da plateia e te arranco de lá pela gola”.
Ele respeitou a proibição até a morte do pai. Aos vinte anos, mu-
dou-se para o Rio, dormiu na rua e passou fome. Batizado Pelópi-
das, no palco mudou o nome: “Uns me chamavam de Petrópolis,
outros de Pelopes. A empregada me chamava de Envelope”. Num
dos primeiros trabalhos, a personagem de Gracindo ficava dois
minutos no palco, o que levou um crítico a fazer o seguinte comen-
tário: “De onde veio esse rapaz que não faz nada e aparece tan-
to?”. Participou das maiores companhias teatrais dos anos 30 e 40.

Carioca criado em Alagoas

O ator Paulo Gracindo, 84, morreu ontem de madrugada


(05/09/95) no Hospital Samaritano, em Botafogo (zona sul do
Rio). Pelópidas Guimarães Brandão Gracindo (seu nome de batis-
mo) tinha um câncer na próstata e estava internado desde 27 de

467
agosto. Carioca criado em Alagoas, Gracindo era casado há 53
anos com Dulce Xavier da Silva Gracindo. Ele tinha quatro filhos:
o ator Gracindo Júnior, Lucila, Lenora e Teresa. Há três anos Gra-
cindo sofria também do mal de Alzheimer (doença degenerativa do
sistema nervoso) e nos últimos meses não reconhecia mais nin-
guém. O trabalho de Gracindo mais conhecido na Rede Globo foi
em "O Bem-Amado'', novela de Dias Gomes em que fez o prefeito
Odorico Paraguaçu. O sucesso foi tanto que, em 80, a emissora
transformou a novela em seriado. Em maio de 2017, Paulo Gracin-
do ganhou uma escultura em bronze, da cabeça aos pés, que hoje
está fincada no calçadão da orla de Maceió, em uma homenagem
da prefeitura da capital.

JEANNE MOREAU: A FRANCESA

A premiada atriz francesa Jeanne Moreau – que faleceu em


julho de 2017, aos 89 anos – estrelou em 1973 o filme “Joana a
Francesa”, com locações em Maceió e União dos Palmares, sob a
direção do cineasta alagoano Cacá Diégues. Joanna faz o papel de
uma francesa gerente de um bordel em São Paulo em 1930, que
decide aceitar a proposta de um coronel e vai morar em sua fazen-
da de cana em Alagoas, onde as transformações políticas e o pro-
gresso econômico mostram a decadência dos antigos engenhos. O
drama tem a participação do estilista, também francês, Pierre Car-
din, e de artistas locais como Beto Leão. A voz de Jeanne foi du-
blada pela atriz Fernanda Montenegro. A atriz francesa já tinha

468
sido dirigida por grandes diretores como Michelangelo Antonioni,
François Truffaut, François Ozon, Louis Malle e Orson Welles,
entre outros.

“Foi na década de 1970 que fiquei apenas de longe, atento,


assistindo à movimentação daqueles que viriam a ser meus com-
panheiros de arte e noitadas, festas e festivais. Eles, orgulhosos
com a companhia de Jeanne Moreau e Pierre Cardin, iam de Ma-
ceió a União dos Palmares, de trem ou no volks do poeta Pedro
Nicácio, como para uma Woodstock caeté. Aquela eufórica inquie-
tação possuía um mentor. Ela era provocada por Cacá Diégues.
Foi de longe que acompanhei o acontecimento, mas assisti de per-
to à première alagoana, do filme Joana, a Francesa, no Cine São
Luis”.

Ronaldo de Andrade, ator, em Gazeta de Alagoas, edição


02/06/2012.

JORGE E GRAÇA: LAÇOS DE FAMÍLIA

Uma raríssima foto de Zélia Gattai (1916-2008), fotógrafa,


escritora e mulher de Jorge Amado (1912-2001), com dedicatória
de 1961, faz parte do acervo da Casa Graciliano Ramos, em Pal-
meira dos Índios. A foto em preto e branco retrata seu marido Jor-
ge Amado, e a viúva de Graciliano, Heloísa Ramos, com a neta
Fernanda Ramos Amado, filha de Luíza Ramos Amado, única filha

469
viva do mestre Graça, que vive em Salvador, com James Amado
(1922-2013), irmão de Jorge. Jorge se interessou por Ramos quan-
do leu os originais de Caetés, pelas mãos do livreiro e editor Au-
gusto Frederico Schmidt, que publicaria o livro em 1933. Ele ficou
tão fascinado pela obra que decidiu ir à Maceió conhecer o autor
em “viva voz”.

“Em meados de 1933 embarquei num paquete da Lloyd


Brasileiro, do tamanho de uma caixa de fósforo, arribando do porto
do Rio de Janeiro para o porto fluvial da cidade de Penedo, no Rio
São Francisco, no então distante Estado das Alagoas. Levava-me o
objetivo único de conhecer pessoalmente o romancista Graciliano
Ramos, nome àquela data sem qualquer ressonância junto aos lei-
tores e críticos: ainda não havia editado nenhum livro. Acontecera-
me ler, porém, os originais de Caetés, tomara-me de tamanho entu-
siasmo que decidi viajar até Alagoas para comunicar ao autor mi-
nha admiração de viva voz. Tinha eu vinte e um anos incompletos
e acabara de publicar Cacau... A viagem, em estrada de terra e bu-
racos durou o dia inteiro. Cheguei a Maceió no final da tarde, co-
berto de poeira, no hotel tomei um banho, saí em busca do roman-
cista, fui encontrá-lo num bar, bebia café negro em xícara grande,
cercado pelos intelectuais da terra – todos eles reconheciam a as-
cendência do autor ainda inédito, era o centro da roda. Ficamos
amigos na mesma hora”.

Jorge Amado, em trecho do livro de Memórias Navegação


de Sabotagem, editora Record 1992

470
MANÉ NO CSA E ASA

Manoel dos Santos, o Mané Garrincha (1933-1983), nasceu


em Pau Grande (RJ), mas tem uma história bonita em Alagoas. Um
dos maiores jogadores do futebol mundial de todos os tempos, bi-
campeão do mundo pela Seleção Brasileira na Suécia (1958) e no
Chile (1962), Garrincha tem suas raízes plantadas em Alagoas. Seu
pai, o índio fulniô Amaro Francisco dos Santos, é alagoano de
Quebrangulo. A vida de Garrincha é uma história de tirar o fôlego.
Os vínculos do inventor do futebol-arte com sua terra máter se es-
tendem aos times alagoanos, quando chegou a jogar e a vestir o
manto sagrado do Centro Sportivo Alagoano (CSA) e do gigante
alvinegro ASA de Arapiraca. Amigo de Mané, o jogador alagoano
Edvaldo Santa Rosa, o Dida, dedica um capítulo inteiro a Garrin-
cha em seu livro autobiográfico.

“Garrincha foi um fenômeno sem igual. Um verdadeiro gê-


nio do futebol, infelizmente não compreendido e reconhecido por
muita gente. A humildade de “seu” Mané ninguém, jamais, conse-
guirá ter. Fomos amigos, e ele me ajudou em Alagoas, nos idos de
1972, vestindo a camisa azul e branco do CSA, em um amistoso
contra o ASA. Foi última vez que o estádio Trapichão recebeu seu
Mané”.

Dida Histórias de um Campeão do Mundo, escrito pelo jor-


nalista Luiz Alves (Sergasa – 1993).

471
MÁRIO DE ANDRADE: DOMINGO FRUGAL

Nas cartas que escreveu ao poeta Manuel Bandeira, Mário


de Andrade (1893-1945) menciona a viagem que fez ao Nordeste
entre 1928 e 1929, quando escreveu: “Pois é, estou de viagem
marcada pro norte. Vou na Bahia, Recife, Rio Grande do Norte,
onde vive um amigo do coração Luís da Câmara Cascudo”. A via-
gem foi descrita no livro O Turista Aprendiz (Belo Horizonte -
editora Itatiaia: 2002). O fato não está neste livro, mas Mário mu-
dou seu itinerário, e passou um domingo em Maceió, onde o ilustre
viajante foi recebido pelo poeta Jorge de Lima e o romancista José
Lins do Rego, “em um almoço com comidas e refrescos da terra”.

“Pelo “Manaus” passou domingo (9 dez. 1928) pelo nosso


porto o escritor paulista Mário de Andrade que vem gozar suas
férias pelo Nordeste. Dele tem se dito tudo: que é um gênio, que é
“blaguer”, que é apenas um fazedor de tolices. Por todos estes
ataques Mário tem atravessado sem perder a sua serenidade. De
volta a São Paulo, o escritor de Macunaíma visitará o nosso ser-
tão, por quem manifesta desejo de entrar em contato”.

Moacir Medeiros Sant´Ana, em Documentário do Moder-


nismo (Alagoas: 1922/31), MEC e Ufal – 1978.

472
MÁRIO LAGO DAS ALAGOAS

O ator, poeta, compositor carioca Mário Lago (1911-2002) é


um dos estrangeiros que aportaram em Alagoas e deixaram trilhas
de emoção e paixão. Autor de sambas populares como "Ai que
saudade da Amélia" e "Atire a primeira pedra", ambos em parceria
com Ataulfo Alves, ele escreveu o livro Chico Nunes das Alagoas
(Civilização Brasileira, 1975), hoje uma raridade bibliográfica.
Lago começou a contar a história de um dos maiores artistas popu-
lares alagoanos depois de conhecer Chico, nas gravações do filme
São Bernardo, em Viçosa. Lago encontrou Chico no bar Trovador
Berrante, na praça central da cidade, no início dos anos 1970, du-
rante as gravações do filme, baseado na obra de Graciliano, dirigi-
do por Leon Hirszman. O bar era de um amigo de ambos, o lendá-
rio boêmio e músico Zé do Cavaquinho, que chamou Mário para
conhecer o poeta. “Você nunca ouviu falar do Chico?”, e foi assim
em noites de intensas farras, conversas, rodas de música e um in-
terminável conhecer, de varar noites à fora, que Mário Lago, Chico
Nunes e Zé do Cavaquinho, ficaram amigos até o fim, como relata
Mário Lago.

“Lembra mais alguma coisa do Chico Nunes, Zé? Era sem-


pre assim com essa pergunta que eu entrava no Trovador Berran-
te, pouco importando que ele repetisse o já contado na véspera.
Escutava pacientemente, na certeza de que, de um momento para
outro, surgiria um detalhe esquecido. Procuro reproduzir aqui
tudo que ele contou, conversando à sua maneira solta e despreo-

473
cupada de dizer as coisas. Se falhei no intento de repetir o Chico
Nunes que eu ouvi, azar do poeta, que era bom às pampas”.

Mário Lago em Chico Nunes das Alagoas, editora Civiliza-


ção Brasileira, 1975

Mário Lago: militante comunista

Filho do maestro Antônio Lago e de Francisca Maria Vi-


cencia Croccia Lago, e neto do anarquista e flautista italiano Giu-
seppe Croccia, formou-se em Direito pela Universidade do Brasil,
em 1933, tendo nesta época se tornado marxista. A opção pelas
ideias comunistas fez com que fosse preso em sete ocasiões. Foi
casado com Zeli, filha do militante comunista Henrique Cordeiro,
que conhecera numa manifestação política, até a morte dela em
1997. O casal teve cinco filhos: Antônio Henrique, Graça Maria,
Mário Lago Filho, Luís Carlos (em homenagem ao líder comunista
Luís Carlos Prestes) e Vanda.E com apuro, Lago também pesqui-
sou a infância pobre do poeta, e fala das dificuldades de Chico Nu-
nes para estudar, ler ou escrever. “Aos quatro anos, em consequên-
cia de um sarampo, adquiriu uma forte miopia, que lhe cortou os
passos nos estudos. Apesar dos óculos, com enorme sacrifício con-
seguiu ler ou escrever alguma coisa”.

474
MARECHAL DEODORO VIRA SUCUPIRA

Em 2009, a cidade de Marechal Deodoro se transformou na


cidade cenográfica de Sucupira, do filme O Bem Amado, do dire-
tor pernambucano Guel Arraes. Nas ruas históricas, grandes nomes
do cinema nacional, como Marco Nanini, Andréa Beltrão, Zezé
Polessa e Drica Moraes. Marco Nanini foi intérprete do prefeito de
Sucupira, herança artística de Paulo Gracindo. Foram mais de
quatro mil pessoas de Marechal Deodoro e região que se inscreve-
ram para participar da figuração do longa. O Bem Amado foi pro-
duzido pela empresária Paula Lavigne, em parceira com a Globo
Filmes e a Buena Vista Internacional. Integram o elenco José Wil-
ker (Zeca Diabo), Maria Flor (Violeta), Matheus Nachtergaele
(Dirceu Borboleta), Caio Blat (Neco Pedreira) e Tonico Pereira
(Vladimir).

“Marcos Nanini, maior ator brasileiro da atualidade, está à


vontade na roupagem de Odorico Paraguaçu. Lembrei-me do ex-
prefeito de Maceió, Sandoval Caju, quando Nanini (Odorico) no
palanque inicia o discurso mostrando seu terno de linho: “Vim de
branco para ser mais claro”. Fui testemunha dessa tirada de San-
doval nos anos 60. As irmãs Cajazeiras que eram sisudas solteiro-
nas na série, tornaram-se sensuais, menos carolas, até gostosas. A
participação de José Wilker como Zeca Diabo foi pequena, mas
decisiva no desenrolar da trama”.

475
Por Carlito Lima, na época secretário de Cultura de Mare-
chal Deodoro, em entrevista à TV Gazeta de Alagoas

NELSON PEREIRA: ETERNO ALAGOANO

O cineasta paulista, morador do Rio de Janeiro e alagoano


de coração, Nelson Pereira dos Santos, 87 anos, dirigiu o filme
Vidas Secas (1963), baseado no romance de Graciliano Ramos
(Vidas Secas, 1938) - um dos filmes brasileiros mais premiados em
todos os tempos, sendo reconhecido como obra-prima. “Eu gosto
muito do povo de Alagoas. Quando eu cheguei ao Rio de Janeiro
(depois das filmagens, entre 1962 e 1963), eu disse: Agora eu sou
alagoano”. Nelson ainda teve um segundo encontro com Gracilia-
no no filme Memórias do Cárcere (1984), uma adaptação livre do
livro, com a espetacular atuação do ator Carlos Vereza no papel do
Mestre Graça. O cineasta foi fundador do Cinema Novo, junto com
Glauber Rocha, é imortal da Academia Brasileira de Letras. Nel-
son esteve em Alagoas em 2010, para conferências e a realização
de um documentário, produzido pelo seu filho, e que mostrou os
bastidores desse reencontro com Alagoas e as paisagens de Vidas
Secas.

“Quero rever as locações, conversar com as pessoas e es-


tou torcendo para que a situação tenha melhorado, pois acredito
no princípio de que o espírito humano resiste e é capaz de encon-
trar alternativas para sair das situações mais negativas. Acredito

476
que o retrato da miséria e da seca continue, mas torço para ser
surpreendido com mudanças”.

Fernando Coelho, na reportagem especial Vidas Secas 70


anos, Gazeta de Alagoas, 28/12/2008

PAPA POLONÊS REZA NA MUNDAÚ

O papa polonês João Paulo II (1920-2005), líder mundial da


Igreja Católica, pontificou no Vaticano de 1978 até a sua morte,
esteve em Maceió em 19 de outubro de 1991, onde orou para mi-
lhares de fiéis no papódromo, construído para receber o papa, loca-
lizado às margens da lagoa Mundaú, no conjunto Virgem dos Po-
bres. Em sua homilia ele saudou o povo alagoano, falou das nossas
belezas naturais, empregos e moradias.

“Queridos irmãos e irmãs de Alagoas e do Brasil! De vossa


bela terra que deu tantos filhos ilustres à pátria, quero elevar a
Deus minha prece pelo homem brasileiro que precisa de trabalho
e de teto. Um país tão jovem precisa cada ano de ver crescer os
postos de trabalho. Um país de tal expressão demográfica necessi-
ta com urgência de uma política habitacional inteligente, baseada
no fato evidente de que a casa não é algo mais, mas um compo-
nente fundamental de qualquer política autêntica!”.

Texto reproduzido do portal da Arquidiocese de Maceió.

477
PAULO ALTRAN: LIBERDADE LIBERDADE

Nos tempos de ditadura, os estudantes alagoanos desafiaram


a polícia e venceram a censura em Alagoas, durante o governo
Lamenha Filho, com um feito monumental. O relato é do econo-
mista e professor Radjalma Cavalcante, e que à época era o presi-
dente do Diretório Central dos Estudantes e viveu toda esta histó-
ria. A peça Liberdade Liberdade de Millôr Fernandes, protagoni-
zada pelo autor Paulo Autran, um marco da resistência contra o
regime militar, quase que não chega a Maceió, se não fosse a atua-
ção dos estudantes. Autran, que estava em Recife apresentando a
peça, foi intimado pela Secretaria de Segurança Pública de Alagoas
a não apresentar a peça em Alagoas. Mas diante de um grande ba-
rulho dos estudantes alagoanos, a peça foi liberada. Liberdade foi
apresentada por um público exultante que lotou o Teatro Deodoro
por dois dias. No final o DCE afixou uma placa na entrada do tea-
tro, com frase cunhada pelo jornalista Luiz Gutemberg: "Nesse
teatro, Paulo Autran cantou a liberdade".

“Não foi fácil, mas conseguimos. Fui ao Recife contatar


Paulo Autran, perguntamos a ele, que se a gente conseguisse, ele
faria a peça em Maceió. Autran concordou. Fomos ao Diário de
Pernambuco, que tinha boa circulação em Maceió, e falamos da
censura da peça em Alagoas. A notícia foi um estrondo. O gover-
nador ligou para o delegado da ordem pública e perguntou o que

478
era aquilo, ele confirmou a censura. Horas depois, fui chamado
pelo governador, que liberou a peça. O delegado ficou possesso”.

Depoimento de Radjalma Calcanti, na Revista Última Pala-


vra, 1987

RACHEL E O GRUPO DE 30

A romancista e jornalista cearense Rachel de Queiroz


(1910-2003), a primeira mulher a ingressar na Academia Brasileira
de Letras, também morou em Maceió, onde se casa com o poeta
alagoano José Auto. Muda-se de Fortaleza para Maceió, em 1935,
onde faz amizade com Jorge de Lima, Graciliano Ramos e José
Lins do Rego. Rachel integrou em Maceió o chamado Grupo de
30, quando por feliz coincidência ou uma conspiração do bem,
formaram um grupo que iria lançar a literatura nordestina no cená-
rio nacional, formando o que foi batizado de Romance Nordestino
dos anos 1930. Trabalhavam e passeavam em Maceió nesse tempo,
José Lins, Graciliano Ramos, Jorge de Lima, Aurélio Buarque e a
própria Rachel, que tinha casado com o poeta alagoano José Auto..

“Nesse período em Maceió, por coincidência, Zé Lins mo-


rava lá, engraçado. Ele era fiscal de imposto de consumo. lá. E o
Aurélio Buarque de Holanda também morava lá. Era uma roda de
tantos que depois vieram para cá! Então a gente tinha um bote-
quim, um café, um ponto chique de Maceió, onde a gente reunia-se

479
todas as tardes a tomar um chopinho, um cafezinho, a conversar.
Depois viemos para cá [Rio], o Alberto Passos Guimarães, Val-
demar Cavalcanti, Aurélio Buarque de Holanda, eu e Zé Lins”.

Por Rachel de Queiroz, em O Globo, 17/10/2000

SCOLARI: O GAÚCHO AZULINO

O ex-técnico da Seleção Brasileira, tetracampeão do mundo


na Copa do Japão, em 2002, Luiz Felipe Scolari, o Felipão, come-
çou sua carreira de treinador no Centro Sportivo Alagoano (CSA).
O gaúcho foi contratado pelo azulão de Alagoas em 1981 e con-
quistou no Mutange o seu primeiro título como jogador. Após le-
vantar a taça do Estadual, ele pendurou as chuteiras aos 33 anos,
em 1982, e iniciou a carreira de treinador no CSA, comandando a
equipe no Brasileiro da Série A por sete partidas. Um dos articula-
dores para que Felipão continuasse no CSA como técnico foi o
empresário e ex-depurado federal, Augusto Farias, irmão de Paulo
César Farias, na época vice-presidente do clube, liderado pelo em-
presário João Lyra. Um de seus maiores orgulhos é ter lançado o
treinador pentacampeão do mundo, na função em que lhe rendeu
bons frutos.

“No CSA de Alagoas Scolari foi, pela primeira vez, campe-


ão como jogador. Eu que o lancei e coloquei o apelido de Felipão.
Quando subia a casamata, na sua estreia, ele tinha uns bons quilos

480
de bunda, e no gramado a torcida gritava: vovô! vovô! Com trei-
nador, poupava ele do desgaste do plantel, e combinei para não se
envolvesse”.

Depoimento de Augusto Farias, no livro João Feijó, O Des-


cobridor de Craques, no prelo

STUCKER : POSTAIS DE MACEIÓ

A vida de um dos pioneiros e mais consagrado repórter fo-


tográfico do Brasil, Eduardo Roberto Stucker, tem uma bela passa-
gem em Maceió, onde durante a década de 1950 seus cartões pos-
tais em preto e branco com as paisagens da capital faziam sucesso
de público e venda. Eduardo chegou ao país vindo da Suíça, logo
após o fim da Primeira Guerra Mundial. A família desembaraçou
no porto de Cabedelo, em João Pessoa (PB). O patriarca da famí-
lia, Eduard Francis Rudolf Deglon Stuckert, era um homem de
múltiplos ofícios profissionais, era fotógrafo, desenhista, escultor e
intérprete em oito línguas estrangeiras. Em João Pessoa, fixa resi-
dência e começa a trabalhar como fotógrafo, em companhia dos
filhos Manfred, Gilberto e Eduardo Roberto. O filho caçula, Edu-
ardo Roberto, na década de 1950 deixa João Pessoa e ao passar por
Maceió (AL), emprega-se no jornal Gazeta de Alagoas e se torna o
precursor do fotojornalismo. É dessa época a coleção de cartões
fotográficos ou postais impressos e distribuídos nacionalmente.

481
Uma família de fotógrafos

Stucker deixa Maceió e muda-se para a então capital fede-


ral, Rio de Janeiro, e passa a trabalhar no jornal O Globo. Em
1957, durante o governo Juscelino Kubitschek, é destacado pela
direção do jornal para fazer uma longa reportagem da construção
de Brasília. Eduardo trabalhou durante um ano fotografando a
construção da nova capital do país e registrando o cotidiano da
construção e dos trabalhadores. Quando é chamado de volta ao Rio
de Janeiro, deixa o filho Roberto Stuckert a documentar a constru-
ção de Brasília. Poucos meses antes de Brasília ser inaugurada,
Eduardo Roberto retorna com toda a família para o Planalto Cen-
tral, onde fixa residência. Na década de 1970, com os filhos Rober-
to, Rodolfo, Eduardo e Rosiane, funda a Stuckert Press, empresa
de fotojornalismo.

SÃO PIXINGUINHA NO CHORO ALAGOANO

Alfredo da Rocha Vianna Filho (1897-1973), Pixinguinha,


considerado maior músico brasileiro de todos os tempos - pai do
choro como ritmo musical e exímio flautista, saxofonista, compo-
sitor e arranjador brasileiro – teria vindo à capital alagoana, em
1922, com sua banda Oito Batutas, logo depois de seu show em
Recife. Mas a historiografia ainda é frágil sobre o assunto.

482
“Há indícios de atividades chorísticas aqui em nosso Esta-
do, pelo menos, desde 1922, quando o correu a Semana de Arte
Moderna, coincidentemente o ano em que Pixinguinha e seu grupo
Oito Batutas estiveram em Maceió, e também excursionaram a
Paris e Buenos Aires. Infelizmente a passagem destes artistas ain-
da não foi devidamente avaliada”.

Marcos de Farias Costa, em Aqui, Pixinguinha de outros


chorões – Revista Graciliano, nº 9, junho e julho de 2011.

ZÉ LINS SOBREVOA MACEIÓ

O escritor paraibano José Lins do Rego (1901-1957) morou


em Maceió, e nesta cidade formou o núcleo do novo Romance
Nordestino, junto com Graciliano Ramos, Rachel de Queiroz, Au-
rélio Buarque de Holanda e Jorge de Lima. Na capital alagoana
escreveu Menino de Engenho. Dez anos depois partiu para o Rio
de Janeiro, em 1935, conquistou ainda mais a crítica e colaborou
para a imprensa, escrevendo para os Diários Associados e O Glo-
bo. Em 30 de janeiro de 1951, como jornalista, acompanhou a pos-
se do governador Arnon de Mello, na reportagem para os Diários,
“Alagoas liberta”.

“O avião militar começou a sobrevoar a cidade. Lá estava


a Lagoa Manguaba, o coqueiral, o mar verde, o porto, como uma
figura de geometria, na praia desenhada. Olhei pelo vidro e o meu

483
coração estremeceu de saudades dos tempos felizes. Revi Alagoas
da minha mocidade, dos meus anos decisivos da vida, cidade que
me deu a paz maior do coração, e o gosto para ser tudo o que sou,
a força para poder arrancar do barro informe da memória os li-
vros que foram o sangue, a carne e o espírito dos meus tempos
fecundos. Vi a cidade de Maceió debaixo da maior alegria. En-
quanto o automóvel rodava pela estrada, o cheiro da terra nordes-
tina tomava conta de mim. Senti-me o paraibano chegando a Ala-
goas em 1926, para fazer amizades duradouras. Então, uma gera-
ção de meninos grudou-se comigo. Seriam eles os meus melhores
amigos.”

Citado no livro Sururu Apimentado, Apontamentos para a


História Política de Alagoas, de Mário de Carvalho Lima, 2ª edi-
ção, Editora Imprensa Oficial Graciliano Ramos, 2008.

484
CULTURA POPULAR/ SABERES

“Estão se tornando cada vez mais escassos os grupos fol-


clóricos provenientes do ciclo dos engenhos do Nordeste. É natu-
ral que assim seja, porquanto lhes falta a dinâmica de sua fonte
inspiradora. Falta-lhes o suporte da aristocracia rural de outrora.
São manifestações híbridas, estáticas. Perderam o seu conteúdo
social. Não mais contribuem para o fortalecimento e permanência
do sistema vigente. Para que esta herança cultural permaneça, ao
menos representativa, são criados atualmente grupos folclóricos
em escolas e associações, bem como ainda recebem incentivos de
instituições culturais e turísticas uns poucos remanescentes dos
chamados “grupos autênticos”, embora deslocados de seu tempo e
de sua função social”.

Cármen Lúcia Dantas, em Aspectos da Cultura Popular de


Alagoas, Universidade Federal de Alagoas – 1987

485
MESTRES (AS) DO FOLCLORE

Reunidos em só local, estão aqui nossos artistas populares,


mestres e mestras do guerreiro, do reisado, quadrilha, pastoril, co-
co de roda, chegança, as baianas; os homens e mulheres do barro,
do bilro, da madeira, a música do pífano, viola, rabeca. São os he-
róis da cultura popular, do alto de sua idade e de sua sabedoria,
desvendando histórias de vida e trabalho. Seu dia a dia é de muito
sacrifício, são quase sempre pobres, e isolados do mundo. Vivem
em comunidades como quilombos, pés de serra, no meio da mata,
na cidadezinha da praia ou nas periferias rurais e urbanas. Mas na
hora de dançar, do fazer, de repassar para as futuras gerações os
seus saberes, eles e elas vestem suas mais belas roupas para as jus-
tas homenagens: o reconhecimento histórico do ofício de mestre.
Uma herança viva, para a posteridade dos rituais, canções, poesias
e a cena teatral. Eles e elas integram uma galeria esplendorosa,
ajudados pelo estado não de forma como nossos idosos brincantes
merecem. Uma lei estadual nº 6.513, do Registro do Patrimônio
Vivo (RPV), que desde 2004 vem selecionando novos mestres a
cada morte dos que partem, com uma bolsa mínima de subsistên-
cia, para pelo menos manter acesa a chama do folclore alagoano,
que um dia foi mais vistoso, mais visto pelo povo. Todos eles são
detentores dos conhecimentos e das técnicas necessárias para a
preservação da cultura tradicional ou popular da terra dos Caetés.
Vamos a eles, muitos faleceram e outros estão sempre lutando pela
vida, mas as almas e as histórias ficam.

486
NELSON DA RABECA
Luthier e rabequeiro - Marechal Deodoro

Do corte da cana ao Jô Soares

A história de Nelson dos Santos, o Nelson da Rabeca, bem


que poderia ser a de um filme. Aos 54 anos, o cortador de cana viu
na televisão um homem a tocar violino. Ele quis fazer igual. Foi no
meio do mato, arranjou madeira e construiu, a seu modo, um ins-
trumento. “O som não era muito bom”, avalia. Passadas quase três
décadas, Nelson da Rabeca é músico conhecido no país inteiro. Foi
ele mesmo que apareceu na TV, programa do Jô Soares, na Rede
Globo. A sonoridade de Seu Nelson é admirada por instrumentistas
dos quatro cantos do mundo e até sua rabeca ganhou nome entre os
estudiosos, chama-se Deodora. Nelson da Rabeca é da terra dos
marechais. Quando questionado sobre a idade, responde, meio sem
jeito: “Não sei. Acho que 83”. Além do violino, o mestre carrega
uma ingenuidade que cativa. É generoso no riso. Ele se diz grato
pela vida que leva hoje: longe da lavoura, com uma casinha e a
música, de companhia.

“Esse homem quando começa com a rabeca, não para


mais”, entrega Benedita Duarte dos Santos, esposa do artista. O
casal está junto há 50 anos. “Quando ele disse que ia fazer um
violino, a gente não acreditou. Todo mundo ‘mangou’ e veja só,
conseguiu”.

487
A música que sai da madeira

Se a alma é música, que a casa seja um pedacinho dela tam-


bém. Na entrada de Marechal Deodoro, todos sabem onde mora o
instrumentista. “A casa de Seu Nelson fica logo mais na frente, é
laranja com verde, tem porta marrom e uma rabeca em cima”, foi
essa a descrição de um ciclista anônimo. Da calçada, já se ouve o
som da Deodora. “Podem entrar, fiquem à vontade”, diz Nelson da
Rabeca. As visitas são levadas logo para um quarto, fechado a
chave. Porta aberta, o mundo de Nelson à vista. As paredes estão
cobertas de fotografias. O homem é mesmo uma celebridade. No
canto do quarto, um baú, também trancado. Findo o mistério, o
tesouro impressiona: muitas rabecas. O trabalho como luthier co-
meça cedo, no quintal. “Às 5 horas, eu já estou aqui, fazendo rabe-
ca. Eu passo meu dia cortando madeira, serrando. As ferramentas
fui eu mesmo que construí”, conta.

MARIA FLOR DOS SANTOS


Mestra Guerreira - Maceió

Dona do Guerreiro Vencedor

Há mais 70 anos, Maria Flor dedica a vida ao guerreiro. Foi


estrela de ouro, rainha e mestra. Hoje, embala a tataraneta com
canções do folguedo. Maria Flor dos Santos é mulher vaidosa. Aos

488
79 anos, não abre mão dos anéis nem dos colares. As unhas estão
sempre bem pintadas. É uma rainha. Já foi também estrela de ouro
e por último, mestra. Tem saber reconhecido pela Lei do Patrimô-
nio Vivo de Alagoas. Desde menina, dedica a vida ao guerreiro.
Nascida no Engenho Prazeres, na cidade de Flexeiras, Maria Flor,
com 10 anos, começou a brincar no folguedo. “Ninguém na minha
família dançava. Só eu. Muito nova, fui estrela de ouro e rainha.
As meninas tinham inveja de mim”, lembra. Pouco tempo depois
de chegar a Maceió – “com 20 e poucos anos” –, foi participar do
grupo de Jorge Ferreira, em Chã de Bebedouro. Nesse, passou dois
anos. Mas era preciso criar o próprio guerreiro, ser a dona da brin-
cadeira. Há 25 anos, ela criou o Guerreiro Vencedor Alagoano, na
Chã da Jaqueira. E já tem sucessoras na família. Dona Flor, como é
mais conhecida, vive hoje com uma bisneta e a única tataraneta, e a
pequena Rita de Cássia, seu xodó. “Ela canta toda manhã, só mú-
sicas do guerreiro. Os meninos enchem a casa e ela se distrai,
brinca com eles, lembrando das apresentações”, revela a neta,
Aurizete Flor dos Santos.

489
CLARICE SEVERIANO DOS SANTOS
Rendeira de bilro - São Sebastião

A encantada renda de bilro

Dona Clarice é uma mestra consagrada. Desde ficou conhe-


cida na cidade de São Sebastião – onde dava aulas de bilro – ela
vendia peças para todo Brasil. A renda de bilro é uma tradição no
município de São Sebastião, localizado a 100 km de Maceió. A
prefeitura do lugar mantém até uma escola para que a arte não se
perca. Na sala de aula, ficam meninas entre 8 e 12 anos, e mulhe-
res, poucas, que ainda teimam em aprender o ofício. Para todas,
Clarice Severiano dos Santos, foi um exemplo. Não há quem não a
conheça na cidade. A mestra, uma profissional de longa data, diz
que já passou um ano para fazer uma colcha. Além dessa dança de
bilros, levada por mãos habilidosas, a rendeira dá aulas na escola.
É professora exigente. “A peça para ficar boa é preciso firmeza.
Os pontos têm que sair bem fechados, senão a renda fica frouxa.”
As peças dela, feitas com muito primor, são vendidas pelos quatro
cantos do país. O talento garantiu até um encontro com o empresá-
rio Roberto Marinho.

“Ele viu meu trabalho numa revista. Gostou e me convidou


para fazer parte da Feira da Providência, em 1984. Eu fui para o
Rio de Janeiro por conta da Globo. Era um luxo só. Tinham arte-

490
sãos do Brasil todo. Na abertura, ele foi lá nos conhecer. O ho-
mem era uma simpatia, muito distinto”.

Arte é repassada para netas

No cotidiano, a força de vontade de dona Clarisse impressi-


ona. Ela faz renda todo dia. Com essa peleja toda, a vista e a colu-
na reclamam. As costas doem. Passar o dia inteiro sentada nessa
cadeira não é brincadeira. Os óculos ficam bem rentes ao rosto.
São aliados inseparáveis. O ofício foi repassado às três filhas, Ma-
ria, Josefa e Djenalva, e à neta, Amélia. Quanto aos bilros – as pe-
ças de madeira, que mais lembram piões –, a mestra conta que po-
dem chegar até 180. Para dar sustentação a todas essas ferramen-
tas, um tamborete, com os pés para o alto. Interessante também são
os nomes dos pontos. As alunas sabem de cor: olho de pombo, tra-
cinho, bico Ester, feixe de lenha. Tem também o dedo do cão, mas
Dona Clarice pede que esse não seja pronunciado. “É feio, prefe-
rimos dizer Serra de Catatu”,

“Com oito anos, eu já colocava as meninas para aprender o


bilro. Segui a lição da minha mãe, Maria das Dores. Criança, eu
já ganhava meu dinheirinho. Comprava boneca, casinha. A peça
para ficar boa é preciso firmeza. Os pontos têm que sair bem fe-
chados, senão a renda fica frouxa”.

491
DJALMA JOSÉ DE OLIVEIRA (MESTRE JAYME)
Guerreiro - Coruripe

“Guerreiro é tudo, só está abaixo de Deus”

Djalma José de Oliveira, também conhecido como Jaime,


caminha lentamente. “As minhas pernas já não são boas, mas gra-
ças a Deus, eu ainda vou para todo lugar que eu quero”, diz. É com
essa determinação que ele sai da cidade de Coruripe, onde vive há
28 anos, e vai a Maceió para as apresentações do guerreiro Leão
Devorador, “da finada Mestra Vitória”, emenda. No folguedo,
mestre Djalma é responsável pelos versos, pela música. “Eu não
tenho preguiça de nada nessa minha vida, muito menos de cantar.
Eu sou bom na rima e no improviso”, anuncia. De repente, começa
a encher a sala de lembrança que não se toca. São as peças, todas
compostas por ele. Para agitar o sangue, pede um cafezinho quen-
te. A inspiração surgiu com a cantoria de vaqueiros:

“Eu estava na Cachoeira do Meirim, com 13 ou 14 anos,


quando ouvi: ‘A usina de mercê/ planta cana pra moar/ o curumba
vem de cima/ trabalhando pra ganhar/ quando o passageiro passa/
corta cana pra chupar/ grita boi, ê/ grita boi, á. Era assim mesmo.
Eu nunca esqueci uma palavra. Foi essa música que abriu a chave
da minha cabeça. Na minha vida o guerreiro é tudo. Só está abai-

492
xo de Deus. Foi o que me deu a capacidade de lidar com as pesso-
as. É a minha origem. É tudo mesmo”.

ELIAS PROCÓPIO
Cordel e viola - Maceió

Do coco ao cordel

O garoto Elias Procópio, aos 10 anos, não podia ver uma la-
ta. Ele pegava, começava a bater e já fazia uma cantoria. Nascido
em Murici, o violeiro foi levado criança para Atalaia. Foi nessa
cidade, que começou toda a história de versos. No início, os ensai-
os não foram com a viola. “Eu era cantador de coco e pagode.
Tocava para o pessoal das fazendas dançar. Essa era a minha fes-
ta.” O primeiro instrumento foi o cavaquinho. “Eu tinha 10 ou 12
anos. Carreguei cinco contos da minha irmã e comprei. Meu pai,
quando soube, devolveu o dinheiro a ela e não achou ruim. Sem-
pre me apoiou.” O ofício como repentista começou em 1975.

“Antes disso, eu sustentava a minha família com o cordel.


Vendi muito. Eu fazia feito em novela: contava uma parte da histó-
ria e deixava o melhor em suspense. Não tinha quem não com-
prasse”.

493
Pavão Misterioso foi a inspiração

Elias Procópio seguiu sua vida cantando e tocando, mas teve


suas inspirações e ensinos ao longo da carreira; como mestres ele
cita grandes cordelistas: João Martins de Athayde, Leandro Gomes
de Barros e Francisco Sales de Arêda. “Na minha casa ainda guar-
do esse cordel legítimo. Que é meu preferido: A história do Pavão
Misterioso, de José Camelo de Melo Rezende. É boa demais”. Já
na moda de viola suas referências foram Rouxinol do Norte, João
de Lima e Thiago Passarinho. Com tamanho conhecimento, passou
a conciliar a literatura com a viola.

“Durante o dia, eu andava com um baú de folheto e caixa


de som, microfone. Quando era perto da noite, eu escondia tudo
no meio do mato e saía para tocar nas festas. Essa era minha vida.
Alimentei sete filhos assim.”

JOSÉ PEREIRA LIMA (DEDECA)


Reisado - Água Branca

A dança do azul e encarnado

Chegar até José Pereira Lima, Seu Dedeca, não é das tarefas
mais fáceis. O mestre do reisado mora no alto da Serra do Cavalo,
em Água Branca. O caminho é de ruas de barro, ladeira dificultosa.
Não pense que o carro vai até a porta. É preciso andar por meio do

494
mato. Terminada a maratona, não se acha o homem. “Ele está na
Jurema”, diz a companheira Maria Aparecida. Jurema é uma la-
voura, a uns 40 minutos do local. Ela pede a um sobrinho para
buscar o mestre. Durante a espera, um passeio na comunidade. As
meninas do reisado vivem na Serra do Cavalo. Depois de um giro
rápido, todas estão concentradas na casa de Seu Dedeca. Fazem um
furdunço só. Passado esse tempo todo, Seu Dedeca aparece. Como
o interesse era o de conhecer o grupo de reisado, Seu Dedeca se
põe logo a se arrumar e a pedir que a garotada também o faça. As
meninas respeitam o mestre como se fosse um avô, pedem até a
bênção. Depois chegaram a figura do Mateu e o tocador. O apito
do mestre dá início aos passos ensaiados, à disputa do azul contra o
encarnado, com direito a espadas, e o canto das meninas.

“Do céu, eu escolhi uma estrela/ Do jardim, eu escolhi


uma flor/ Da terra, eu escolhi minha mãe para ser meu grande
amor”, a mãe referida na toada é Nossa Senhora Aparecida, a
homenageada por esse auto-popular que pertence ao ciclo natali-
no”.

495
MARIA BENEDITA DA SILVA
Folguedo Mané do Rosário - Poxim, Coruripe

De Maria para Maria, desde 1762

A negra Maria Benedita dos Santos, aos 54 anos, tem um


rosto exuberante e alegre, coberta pelo manto que marca o folgue-
do Mané do Rosário, que só existe no povoado de Poxim, em Co-
ruripe – a 85 km de Maceió. Maria Benedita é quem lidera o fol-
guedo, considerado único no Brasil, foi criado em 1762 e é repas-
sado ao longo do tempo pela mesma família e agregados. Homens
e mulheres, com o rosto coberto, participam da manifestação, que
acontece religiosamente todo o dia 19 de março, dia de São José,
padroeiro de Poxim, em frente à igreja da comunidade. A depender
das novas Marias, as filhas de Benedita, o Mané do Rosário segue
firme. Maria José dos Santos, 29, tem cinco crianças. “Dois já
brincam com a gente, um menino de 12 anos e uma menina de 10.
Os menores ficam ansiosos, logo estarão na brincadeira”, revela.
A caçula, Maria Lurdes, a pequena Bidô, com 13 anos, confessa:
“Se eu não participo, eu choro”.

“Eu tenho oito filhos vivos e todos participam do Mané do


Rosário. Os netos também estão na brincadeira. Minha mãe, Ma-
ria do Carmo dos Santos, 84, é a integrante mais experiente. Ela
era a dona do grupo. Já recebeu essa herança da minha avó, Ma-
ria Josefa da Cunha. Mas com a idade, passou para mim”.

496
Mané foi exímio dançador

Os demais integrantes são vizinhos da família dos Santos.


Os palhaços carregam chocalhos na cintura e têm a face pintada de
carvão. Com os passos, uma festa tumultuada. A música é feita
com tarol, caixa, surdo e pífano. Nada de vozes. O folguedo é todo
instrumental. O Mané do Rosário está registrado no trabalho de
Câmara Cascudo, Dicionário do Folclore Brasileiro. É definido
como teatro popular. No livro, conta-se que foi mesmo em 1762
que apareceu uma dupla de mascarados, que brincava e dançava na
porta da igreja. A folia deles foi até 1766, quando sumiram, sem
deixar identidade. Foi a partir deste ano, que a comunidade se reu-
niu, copiando os trejeitos dos dois, e prosseguiu com a festa. Mas a
autoria foi atribuída a Manoel do Rosário, um conhecido dançador
de reisado e maracatu. Por isso, o nome Mané do Rosário. Ao to-
do, participam 36 integrantes. Os dançadores se apresentam com
roupas femininas e aventais. Escondem o rosto com panos brancos
e na cabeça, chapéus de palha.

497
JOSÉ RICARDO NETO
Dança de São Gonçalo - Água Branca

Tradição, música, dança e fé

Homens e mulheres vestidos de branco e com as cabeças


cobertas. Estão ajoelhados e de pés descalços. Rezam, entoam la-
dainhas. Durante uma hora, eles se preparam para a Dança de São
Gonçalo, oferecida aos mortos. O ofício acontece numa capela
simples, no Alto Sertão de Alagoas. O mestre, José Ricardo dos
Santos Neto, 59, é o guardião dessa história. O santuário fica no
povoado Cal, na cidade de Água Branca – a 320 km de Maceió.
Depois do asfalto, é necessário passar por estradas de terra batida.
Em tempos de chuva, a travessia se torna uma verdadeira prova-
ção. A tradição está na família de José Ricardo, o Seu Deca, há
muitas décadas. A música é muito bonita. Antes da dança e nos
intervalos das jornadas, o mestre afina minuciosamente seu ins-
trumento, uma rabeca, seu José Carlos de Santos, fica com o adufe
– um pandeiro pequeno, de madeira leve, e tem ainda os vizinhos:
o violão de Cícero Gonçalves, e o pandeiro de Ademar Ricardo
dos Santos.

“Eu sou mestre há 35 anos, mas lembro do São Gonçalo


desde criancinha. Aprendemos com o nosso povo da Bahia, vindo
da cidade de Santa Brígida. Somos quase todos da mesma família,
mas pode participar também quem tenha boa vontade”.

498
São Gonçalo tocava viola

São Gonçalo é santo português, festejado no dia 10 de janei-


ro – data em que faleceu, em 1259. De acordo com o professor
Luís da Câmara Cascudo (1898-1986), no Dicionário do Folclore
Brasileiro, São Gonçalo, eremita, deixou tradições populares vivas.
Fez uma ponte de pedra. Tocava viola. Na obra, Câmara Cascudo,
nordestino do Rio Grande do Norte, revela ainda que o santo con-
vertia mulheres, dançando com elas, alegremente, mas tendo nos
sapatos pregos que o feriam nos pés. Em Água Branca, os devotos,
quase todos familiares de Seu Deca, dançam durante horas. Os
movimentos são ordenados. Remetem às fases da lua e à posição
das estrelas. No grupo, participam 12 mulheres e quatro homens,
os tocadores. Apesar da música e dos passos animados, a festa a
São Gonçalo é levada com seriedade pelos participantes. Quase
todas as mulheres têm mais de 60 anos. Durante cada uma das jor-
nadas, que tem duração média de 30 minutos, elas giram e se ajoe-
lham com a força de jovens.

“Quando eu danço, eu sinto uma zonzeira. Mas venho todas


as vezes. Participo do ofício e de toda a parte que é ajoelhada.
Vim a pé. Passei 13 dias caminhando. Se Deus quiser, volto ano
que vem”.

499
BENON PINTO DA SILVA
Guerreiro - Maceió

Treme Terra, o guerreiro vencedor

Benon Pinto da Silva nasceu em Pernambuco, mas com dois


meses de nascido, veio para Alagoas. Foi nesta terra que conheceu
o guerreiro, mais precisamente na cidade de Cajueiro. “Antigamen-
te, tinha muita festa. Com 7 anos, eu me metia no meio. Tinham
todos os folguedos, mas eu só me interessava pelo guerreiro”,
afirma. Foi caboclinho no famoso grupo de Mestra Gajuru, aos 10
anos. Ele foi de tudo no guerreiro: caboclinho, vassalo, peri, em-
baixador. Ainda em Cajueiro, criou o Barreira Pesada, e finalmente
o Treme Terra, em Maceió, na década de 1980. Em São Paulo o
Treme Terra já foi campeão. “Eu me vi no meio de 22 Estados,
num festival. Antes da nossa apresentação, o Rio Grande do Sul
era o primeiro. Mas quando a gente fez a guerra, vencemos. A
bandeira de Alagoas ficou lá no alto”.

“Em Alagoas, eu trabalhava como investigador da Polícia.


Gostava de prender bandido grande. Mas quando era sábado e
domingo, eu era do guerreiro. Passava a noite inteira acordado,
chegava na segunda-feira com sono mas ia para a luta”.

500
JOSÉ SEBASTIÃO DE OLIVEIRA
Mestre de Guerreiro - Viçosa

Dança de pisado forte

José Sebastião de Oliveira, 61, nasceu na cidade de Atalaia.


Mas há 33 anos, mora em Viçosa, que fica a 86 km da capital. Foi
o município que deu nome ao folguedo dele, o Guerreiro da Viço-
sa. Na mocidade, o mestre deu a partida como cantador de pagode.
Depois, conheceu a viola. Mas a paixão é mesmo pelo guerreiro –
auto surgido em Alagoas e que nas palavras de Sebastião, “é filho
do reisado”.

“Já sabiam que eu era cantador de pagode e repentista.


Por isso, me pediram para montar um grupo de guerreiro. Já faz
quase 30 anos. Sempre achei bonito. Menino, eu não participava.
Mas gostava muito de ver os mestres Adelmo, Juvenal, Venâncio e
Benon. Hoje, eu sinto meu joelho. Mas ainda faço uma hora e
meia de apresentação. O pisado continua forte, parece estremecer
o chão”.

501
JUVENAL LEONARDO JORDÃO
Mestre Guerreiro - Maceió

Felicidade é um apito e chão

Juvenal Leonardo Jordão é um guerreiro de verdade. Alago-


ano nascido em Boca da Mata, vai ao mercado todos os dias e ne-
gocia camisa, relógio antigo, tudo que chega em suas mãos, para
vender, Mas quer saber a alegria desse homem? “A minha felici-
dade é pegar meu ‘apitozinho’ e brincar com meu povo”, diz. Esse
é o mestre Juvenal, um dos criadores do Guerreiro Vencedor Ala-
goano. “Com 12, 13, 15 anos, eu trabalhava e brincava. Já fiz de
tudo nessa minha vida. Para o roçado, eu ia com 4 anos. Limpava a
terra para a macaxeira era com a mão, que nem enxada eu podia
pegar ainda. Depois, já rapaz, eu passei a tirar sururu da lagoa. Foi
com esse intento, que eu vim para Maceió. Tinha 24 anos’. Na ca-
pital, firmou-se como mestre da cultura popular. “Durante 15 anos,
eu tive meu guerreiro na Chã da Jaqueira. Tenho essa arte como
um dom.O mestre tem que ter juízo saber inventar a cantoria, e
sem esse dom nem adianta brincar”.

“O guerreiro é o prazer que eu tenho na minha vida. O


cardiologista já me disse que cantar faz bem para o meu coração.
“Eu tenho essa arte como um dom. O mestre tem que ter juízo,
saber inventar a cantoria. Quem não tiver esse dom nem adianta
brincar”.

502
MARIA JOSÉ DOS SANTOS
Baiana - Coruripe

Saias rodadas dão cores praieiras

Maria José dos Santos, 63, nasceu nas Barreiras, povoado da


cidade de Coruripe. Criança, ela já tinha como diversão a dança do
pastoril. O amor pela cultura popular veio do berço. O pai, Dioní-
sio Faustino dos Santos, contava histórias para a comunidade,
sempre em versos. A mãe, Terezinha Maria, não perdia de ver uma
disputa entre o azul e o encarnado. Com 11 anos, já estava no pas-
toril, mas o grupo não durou muito tempo. Entre tantas brincadei-
ras, a mestra das Barreiras nunca deixou de lado as baianas. Foi
esse folguedo que garantiu a Maria José o título de patrimônio vivo
alagoano. Há oito anos, ela criou o grupo Baianas Praieira, numa
referência ao belo cenário do Litoral Sul. Com elementos do pasto-
ril e do coco, a festa reúne 12 mulheres, três tocadores e um rima-
dor, todos moradores das Barreiras.

“O povo daqui não dá valor. Diz que é um bando de velhas en-


xeridas. Gostamos mesmo é de nos apresentar em outros lugares. Mas
quando eu paro um pouco com os ensaios, as outras baianas vêm logo
aqui, dizendo: Vamos dançar que a gente está enferrujando os ossos”.

503
NELSON VICENTE ROSA
Coco de Roda - Arapiraca

Mutirão de casas na batida do pé

Nelson Vicente Rosa, falecido em 2017 aos 80 anos, foi o


típico lavrador nordestino. Nasceu na Vila Fernandes, comunidade
agrícola da cidade de Arapiraca, e nunca arredou pé do lugar. Cri-
ou os sete filhos graças à benevolência da terra e a muito trabalho.
Foi no povoado que o mestre presenciou as primeiras manifesta-
ções culturais. Mas só depois dos 30 anos, nos anos 1970, que ele
começou a fazer as festinhas no estilo do coco de roda. Ele levou
seu conhecimento ainda à escola do povoado. O esforço valeu à
pena. Hoje, os garotos estão afinados, sabem de cor os versos do
coco. A batida dos pés é cheia de vigor. As vestimentas estão nos
conformes, alinhadas. A voz de Seu Nelson também impressiona.
Faz gosto assistir à brincadeira. Na família, a tarefa de quebrar o
coco foi repassada hoje aos três netos: Wesley, 10, José Wellerson,
11, e Wilianny Karlly, 13. A tradição está garantida na Vila Fer-
nandes.

“No meu tempo de infância o coco estava no começo, eu me


lembro das casas de taipa. A construção era feita com a ajuda de
toda a comunidade. Para aterrar o piso, o povo fazia o samba pi-
sado, o pagode. Era uma festa. Tinha mutirão também no trabalho
com a terra. Todo mundo se reunia para a limpeza dos terrenos,

504
no plantio da mandioca. Não tinha pagamento. No final, a satisfa-
ção era chamar uns tocadores e fazer um samba”.

ÁUREA BARROS TAVARES


Pastoril e Quadrilha - Maceió

Dos cordões ao casamento matuto

Áurea Barros Tavares poderia ser daquelas senhoras quieti-


nhas, de voz pausada. Mas a alagoana, que nasceu em Satuba, co-
manda ensaios de quadrilha, pastoril e coco de roda. Por mais de
sete décadas, foi aplaudida pelo azul e o encarnado do seu grupo
“Mensageiros de Fátima”. A festa acontecia no Tabuleiro dos Mar-
tins, na capital, e reúne jovens de toda a região. “Eu comecei no
pastoril com 5 anos, como borboleta. Aos 13, já tinha o meu pró-
prio grupo. Sempre fiz de coração”, afirma. Como toda arte apai-
xonada, a de mestra Áurea conquista muitos discípulos. Durante
toda a conversa, a criadora da quadrilha Alegria do Sertão, que tem
45 anos de existência, é cercada por muitos jovens. Mestra Áurea
revela o segredo da Alegria do Sertão: “Tudo na minha quadrilha é
original. O casamento é matuto, sem essa história de muito exage-
ro. O matuto usa chapéu de palha e camisa de xadrez”.

“Desde os cinco anos me dediquei à cultura popular. Tenho


amor também a todos que participam do meu pastoril, da quadri-
lha, do coco. São como meus filhos. O pastoril é uma história que

505
está dentro da Bíblia, sobre o nascimento de Jesus menino. O fol-
guedo representa a visita dos pastores ao estábulo de Belém, com
cantos e louvações. Tem como origem os dramas litúrgicos, mos-
trados nas igrejas. Essa é mais uma festa do ciclo natalino”.

LUZIA SIMÕES DA SILVA


Chegança - Coqueiro Seco

A barca dos brincantes

Na cidade de Coqueiro Seco, às margens da Lagoa Man-


guaba, Luzia Simões da Silva, é figura popular. Nascida no muni-
cípio, Mestra Luzia participou do primeiro grupo de cultura popu-
lar ainda adolescente. “Meus pais não gostavam de brincadeira.
Eu fui contra a vontade deles.” Surgia assim o encantamento pelos
folguedos. A mestra ensaia pastoril, baianas e chegança. “Comecei
na chegança da mestra Lila. Eu era contramestra e mouro. Ainda
hoje é o meu folguedo preferido, sempre foi”, diz. Com 75 anos,
Luzia Simões sente dores fortes na coluna. “Eu não consigo ficar
em pé por muito tempo, mas canto nos ensaios quase todos os dias.
É só deixar uma cadeira reservada para mim.” A chegança tem
origem nas lutas em mar aberto entre cristãos e mouros. Entre as
personagens, está o almirante, o capitão de mar-e-guerra, o mestre-
piloto, os embaixadores. Luzia Simões conta que o nome Silva
Jardim, do seu grupo, foi inspirado numa grande embarcação, vin-
da de Portugal para o Brasil.

506
“Eu tenho fé de ter uma barca construída aqui, em Coquei-
ro Seco. A chegança precisa de um lugar próprio para se apresen-
tar. Ela canta a música tradicional da chegança: Viva o sol, a lua
e as estrelas/ Viva o céu e a terra/ Eu dou viva à bandeira brasi-
leira/ Viva o cruzeiro do norte/ Viva o cruzeiro do sul/ Eu dou viva
ao Silva Jardim/ Naqueles mares tão fortes”.

JOSÉ FELIX DOS SANTOS


Pífano - Maceió

Jota do Pife e flauta de taboca

O mestre do pífano José Félix dos Santos faz questão de ir


todos os anos ao Juazeiro do Norte, acompanhado do pífano e de
uma bandinha, construída há 30 anos. A vida é marcada por coin-
cidências. Aos 7 anos, o cearense José Felix ouviu uma banda de
pífano. No comando dos instrumentos, “era meu xará que estava
passando pela fazenda onde morávamos e eu me encantei. Pedi a
meu pai: O senhor podia fazer um ‘pifinho’ pra mim?”, lembra. O
menino foi atendido e logo estava afiado na flauta de taboca. Com
dez dias, estava tocando Vitalina, uma música bem conhecida na
época. De Vitalina para cá, já se passaram 64 anos. “Esse é meu
único vício. Eu não bebo, não fumo. Mas não sei ficar sem tocar.
Mesmo quando estou só, pego meu pife e faço um sonzinho”, con-
ta José Felix, mais conhecido como Jota do Pife. Aos 71 anos, o

507
homem ainda mantinha os pulmões firmes. Emenda uma canção na
outra. Entre as músicas mais queridas estão as romarias. Mestre
Jota é pifeiro de muita fé. Em casa, uma parede inteira dedicada
aos santos. Todos os anos, ele vai pelo menos uma vez a Juazeiro
do Norte (CE). “Essa minha banda é leve. Faço questão de levar
comigo e tocar entre as orações”, diz.

“Cheguei a Maceió ainda na minha mocidade, com 15


anos. Meus avós, meu pai e minha mãe nasceram aqui, em Murici.
Por isso, todos os meus documentos têm como se eu fosse alagoa-
no. Esse é o meu lugar”.

A “banda leve” do Jota Pife

Para a surpresa dos ouvintes, José Felix conduz a banda e


não se trata de outros músicos. José Felix toca o prato, o tarol, o
bumbo e o surdo. Como ele consegue? Por meio de uma engenho-
ca, criada pelo artista há 30 anos. Todos os instrumentos estão uni-
dos por uma caixa. O som é orquestrado pela batida do pé. Nas
mãos, apenas o pífano. A referência do músico, no início da jorna-
da, foi o Rei do Baião. “Eu entrei pesado no Luiz Gonzaga. Era um
sucesso só”, lembra. E Jota do Pife tinha era um destes iluminados
e coroados.

“Eu gosto de todo mundo e todo mundo gosta de mim. É um


querer bem danado, tenho uma infinidade de afilhados, só na rua
onde moro são seis crianças. Eles estão sempre por aqui. Gosto de

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ter a casa cheia, de animação. Eu e Maria (José da Conceição)
tivemos 16 filhos: oito homens e oito mulheres. Deus levou meta-
de: quatro homens e quatro mulheres. Eu ficava triste porque não
é brincadeira você perder uma criança de 4 anos, já crescidinha.
Dos que ficaram, eu só tenho alegria. Na família, são 22 netos. O
primeiro bisneto está a caminho”.

IRINÉIA ROSA NUNES DA SILVA


Ceramista - Muquém - União dos Palmares

Uma arte quilombola no barro

A mestra Irinéia Rosa Nunes da Silva é a moradora do po-


voado Muquém, comunidade quilombola, que abriga os descen-
dentes de Zumbi, na cidade de União dos Palmares, berço da resis-
tência negra no Brasil, no pé da Serra da Barriga. Nas ruas estrei-
tas, todos se conhecem. “Aqui, somos de uma família só. São pri-
mos, tios, irmãos”, conta Irinéia, que já foi selecionada pela Orga-
nização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura
(Unesco), recebeu as maiores honrarias do governo do Estado e é
considerada patrimônio vivo alagoano. Das mãos de Irinéia surge
rendeira apoiada no bilro, mãe com bebezinho no colo e até Santo
Antônio. Sem falar na infinidade de cabeças. As mulheres seduzem
pelos cabelos enrolados. “Eu gosto de fazer essas neguinhas. Ca-
pricho nos detalhes”. No Muquém, as peças de cerâmica são uma
tradição. “Minha mãe fazia panela. Ela aprendeu com a minha

509
avó. Esse trabalho aqui tem muita história”, anuncia. Mas há 30
anos, a mestra resolveu inovar, decidiu criar os “brinquedos” –
como ela mesma definiu suas maravilhosas cabeças de gente no
barro.

“Eu já passei por muito sofrimento. Nem casa eu tinha. Vi-


via era debaixo de ponte e de madeira velha. Mas hoje, eu estou
em paz. E é com sossego que produzo minhas peças, de 10 a 12
peças por dia. Começo às 8 da manhã e vou até o final da tarde.
Levo esse tempo todo e faço só umas cabeças, umas panelas Por
mim, chegava mais cedo, 5 da manhã. Mas tenho que arrumar as
coisas em casa, fazer o meu chazinho. Quando me abuso, deixo
tudo por conta das minhas filhas e fico com os meus bonecos.”

NIVALDO ABDIAS BOMFIM 1932- 2013


Guerreiro - Maceió

Sangue guerreiro campeão

“É Deus quem ajuda. Eu faço tudo na hora, feito repente.


Guerreiro para ser bom tem que cantar bem; as figuras devem ser
animadas e dançar bonito.” É a palavra de ordem do mestre Nival-
do Abdias, que reúne filhos e netos no grupo Campeão Trenado, na
Chã da Jaqueira. O guerreiro está no sangue da família. Com nove
filhos, o mestre tem oito no folguedo. O neto mais novo, também
Nivaldo Abdias, já veste os trajes de índio Peri. A criança tem 7

510
meses e bate os pezinhos ao ouvir os versos do avô. A esposa dele,
Creuza Bomfim, é a rainha da brincadeira. A paixão pela cultura
popular começou ainda na infância, em Palmeira dos Índios. Lá,
com 8 anos, participava do reisado da mestra Zefa Bispo. Seu pai,
Agápito Bomfim, era o mateu. Aos 12 anos, era mestre no guerrei-
ro da comadre Joana Gajuru, em Maribondo. A mãe de Seu Nival-
do era curandeira. Quando lembra dos antepassados, ele fala: “Nós
somos índios, xucurus-kariris”.

“A próxima geração já está envolvida na arte. Esse meu neti-


nho, o Nivaldo, já brinca de ser índio. Tenho uma neta de 10 anos, a
Nadja, que já sabe toda a parte da estrela de ouro. Todos que entram
nessa família gostam do guerreiro, inclusive os genros e as noras”.

MANOEL VENÂNCIO DE AMORIM 1924-2008


Guerreiro - Maceió

Mensageiro de Padre Cícero

Manoel Venâncio de Amorim, que viveu 84 anos, foi reco-


nhecido como mestre do guerreiro, no comando do grupo Mensa-
geiros de Padre Cícero, e cantador de pagode, no Tira-Teima. Ve-
nâncio, nascido no município de Cajueiro (AL), foi dançador me-
nino. Os primeiros passos aconteceram no reisado de João Vieira
de Melo, padrinho dele. O homem era dono do engenho Monte
Alegre, lugar propício para as brincadeiras, e berço do mestre.

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Com 14 anos, já era contramestre. Foi nessa época também que
deu um abraço na viola. O primeiro instrumento foi feito por ele,
com a palha do coco catolé. Domada a viola, passou a acompanhar
o pai, o mestre de reisado Cícero Venâncio de Amorim, conhecido
como Gavião. Após a morte de Venâncio, a festa segue. Agora,
sob a regência do mestre André Joaquim dos Santos, 61. O senhor
de riso fácil assumiu o Mensageiros de Padre Cícero a pedido de
Augusta Maria da Conceição, amiga do cantador e baiana conheci-
da, do herdeiro de Manoel Venâncio, Petrúcio, que é tambozeiro
no guerreiro.

MARIA VITÓRIA DA SILVA 1938-2008


Guerreiro - Maceió

Na pele do índio Peri

Maria Vitória da Silva, que morreu aos 70 anos, foi a única


mulher em Alagoas a representar o índio Peri, no guerreiro. Nasceu
na cidade de Viçosa, mas foi na capital que fez história com o fol-
guedo. Na juventude, fundou o grupo Leão Devorador acompa-
nhada pelo mestre Djalma de Oliveira. Foi apresentada à brincadei-
ra menina, aos 8 anos. Foi na Viçosa, no guerreiro de Das Dores
Jupi. Essas informações fazem parte do acervo da Associação dos
Folguedos Populares de Alagoas (Asfopal). São anotações dos
pesquisadores Ranilson França (1953-2006), um folclorista que
ainda vive no coração dos mestres, e da presidente da entidade,

512
Josefina Medeiros. O pai de Maria Vitória era brincante também.
Jacinto Marques da Silva era festeiro dos bons. Em Maceió, parti-
cipou do Vencedor Alagoano. Era rainha. Aos 26 anos, foi mãe do
Leão Devorador. Foi também para Josefina Medeiros que a mestra
confidenciou que, na sua falta, gostaria que o Leão Devorador fi-
casse sob os cuidados da filha, Anadege Moraes da Silva, 53, e
com o apito de Seu Djalma, 70. “Essa foi a herança que eu recebi
da minha mãe. No início, foi muito difícil. Quando eu ouvia a mú-
sica do guerreiro, eu chorava,”, conta Anadege. Pouco antes de
morrer, viu concretizado o sonho de ter a própria sede. A conquista
se deu com o prêmio Culturas Populares – Humberto Maracanã,
em 2008. “A inauguração da sede foi o dia mais feliz da minha
vida. Já posso morrer em paz”, disse à presidente da Asfopal.

SEVERINO JOÃO DA SILVA (JAÇANÃ)


Pandeirista - Maceió

Na batida do couro

É na batida rápida do pandeiro que o artista de alma simples


Severino João da Silva, o mestre Jaçanã, transforma em música o
que vê a sua volta. O talento veio de nascença: o avô era tocador
de viola e o pai, de harmônico. Rodeado de batutas, ele aprendeu
rápido e, aos 12 anos, já animava as festas de Panelas, cidade per-
nambucana onde nasceu. Não demorou muito para que o local fi-
casse pequeno para ele. Depois de passar por Recife e São Paulo,

513
escolheu Maceió como lar. Foi em Alagoas que o violeiro e repen-
tista fez amigos, teve filhos, se casou e consolidou sua arte. Foi
aqui também que veio o reconhecimento: aos 53 anos, seu Severi-
no é um dos 11 novos selecionados para o Registro do Patrimônio
Vivo da Secretaria de Estado da Cultura (Secult). A vitória veio,
segundo ele, para coroar tantos anos de dedicação. “Sei que fui
contemplado porque mereci, por todo o tempo dedicado à minha
arte”.

ANÉSIA MARIA DA CONCEIÇÃO 1902-2014


Rezadeira - Santa Luzia do Norte

A famosa rezadeira de Santa Luzia

Se tem uma personalidade que encarna fielmente a honraria


de ser um Registro do Patrimônio Vivo das Alagoas, essa pessoa
se chama Anézia Maria da Conceição. Do alto dos inacreditáveis
109 anos de idade, já é considerada uma lenda no mais populoso
bairro da pequena cidade de Santa Luzia do Norte, a 63 km de Ma-
ceió. Mesmo sem enxergar e andar, mas absolutamente lúcida e de
bom-humor, dona Anézia é a rezadeira mais famosa e a primeira
parteira de Santa Luzia do Norte. “A grande maioria do povo aci-
ma dos 30 anos aqui do bairro do Quilombo nasceu pelas mãos de
mamãe”, atesta a filha da mestra, Maria Anunciada Silvestre.

514
JOÃO PEREIRA DE LIMA
Viola e Repente - Porto Real do Colégio

Uma palavra, e o repente começa

Basta dizer uma única palavra para que o mestre João Perei-
ra de Lima, ou João de Lima das Alagoas, como ele gosta de ser
chamado, comece a criar. Em poucos minutos, dezenas de estrofes
e rimas feitas pelo senhor de 68 anos já pairam no ar. A inspiração
é constante e, nas mãos do talentoso artista, pode virar música,
poesia ou cordel. Assim como o formato, os temas também são
variados – os mais citados, porém, são a saudade e a infância no
campo, assuntos que muitas vezes acabam por se combinar. A pre-
ferência tem explicação: as imagens de Porto Real do Colégio,
onde nasceu e se criou, continuam fortes na mente do violeiro,
cordelista e trovador. Foi na cidade que ele começou a vida artísti-
ca. Ainda criança, acompanhava o pai, que era cantador, nas festas
pelas fazendas do município e, ensinado pelos primos, aprendeu a
tocar e afinar sua viola. A profissionalização aconteceu mais tarde,
por volta dos 20 anos, quando decidiu tentar a vida em Maceió.

515
ARTHUR MORAES DOS SANTOS
Guerreiro - Maceió

Ao som da Lira do guerreiro

A voz sai com dificuldade, em função de problemas de saú-


de, mas a força de vontade e o sangue de guerreiro encorajam o
mestre Artur Moraes a entoar um dos versos do Guerreiro das Ala-
goas, onde atuou por mais de 70 anos. “Ô minha Lira, a rainha
primeira; encruza a perna, seja mais ligeira...”, canta o velho brin-
cante. É assim ritmando que mestre Artur Moraes dos Santos, 86
anos, comandou por muitos anos o Guerreiro Santa Isabel, locali-
zado no bairro de Chã da Jaqueira, em Maceió. Ele nasceu em
1925, em Fernão Velho, mas foi criado na cidade de Satuba. O
gosto de dançar guerreiro veio aos 10 anos no grupo do mestre
Manoel Vicente, no distrito de Rio Novo, quando o velho povoado
ainda se chamava Carrapato. Lá foi bandeirinha e depois brincou
como embaixador.À frente do guerreiro Mensageiro Padre Cícero,
mestre André comanda a brincadeira no bairro Santos Dumont e
leva a alegria aonde for convidado

516
ANADEJE MORAIS
Guerreiro - Maceió

A dama do Leão Devorador

A vida de Anadeje Morais se confunde com a trajetória do


guerreiro Leão Devorador, do qual participa desde os 5 anos, in-
centivada pela mãe. Ela cresceu com o folguedo e perpetua o lega-
do da Mestra Vitória e de José Tenório, idealizadores do guerreiro
da Chã de Jaqueira. O trabalho persistente pela preservação do
saber e da tradição popular foi reconhecido pelo Conselho Estadual
da Cultura, que a escolheu como Mestra do Patrimônio Vivo de
Alagoas. O grupo de dona Anadeje conta com 30 participantes de
diferentes faixas etárias, dos 10 aos 70 anos, misturando experiên-
cia de várias gerações. “Tudo começou como brincadeira, pois
quando criança, não percebíamos a grandiosidade do guerreiro.
Hoje ele representa para mim um dos fatores mais importantes na
minha vida, sinto-me realizada em cada apresentação, que são
únicas.”

517
MARIA NEIDE MARTINS (MÃE NEIDE)
Mãe de santo - Maceió

A sacerdotisa da cultura afro

Aos 51 anos, Maria Neide Martins, a Mãe Neide Oya


D’Oxum, trabalha com entusiasmo para manter o trabalho que de-
senvolve no Grupo Espírita Santa Bárbara, localizado no Village
Campestre em Maceió. A entidade foi criada em 1984 para incen-
tivar e disseminar os costumes e tradições da cultura afro-
brasileira, com foco no respeito aos rituais de religiões de matriz
africana. Mãe Neide conta que começou a participar de cultos afro-
brasileiros em 1983. Com a fundação do grupo, em 1994, ela pas-
sou a trabalhar a religião associada a trabalhos sociais. O trabalho
envolve 148 jovens no projeto Inaê de inclusão social, onde são
oferecidos cursos de cabeleireiro, culinária dos orixás, sala de biju-
terias e ateliê. O centro também mantém uma creche, onde as mães
da comunidade que trabalham e estudam podem deixar seus filhos
no período da manhã até as 16h. Neste período, as crianças têm
aulas voltadas à alfabetização e fazem três refeições por dia.

518
MARIA DE LOURDES MENEZES
Bonequeira - Piaçabuçu

Uma boneca de carne e osso

As mãos de dona Maria de Lourdes Menezes têm muita his-


tória para contar. Mesmo já marcadas pelos sinais que o tempo
insiste em imprimir, elas ainda guardam as lembranças do batente
nas casas de família de Piaçabuçu e nas plantações de arroz da ci-
dade. O trabalho sempre ajudou no sustento, mas não escondeu o
verdadeiro dom: é por meio das mãos que a senhora de 69 anos
transforma retalhos e linhas para dar vida a delicadas bonecas de
pano. Foi às margens do São Francisco que a bonequeira profissi-
onal – e agora mestra do Patrimônio Vivo de Alagoas – nasceu e
iniciou, ainda menina, vendo a avó costurar bibelôs próprios, sua
trajetória. A técnica, contudo, foi modificada e aperfeiçoada. “As
da minha avó eram bem diferentes, não eram como as minhas.
Quando comecei também não fazia bonecas tão elaboradas. Com o
tempo fui aperfeiçoando cada vez mais”, conta ela. A profissiona-
lização veio aos 22 anos, sem ajuda de professores. “Aprendi
mesmo sozinha e posso dizer que é um dom que Deus me deu. Tu-
do que aprendi foi vontade própria, até porque, naquela época,
não tinha quem ensinasse”, conta ela. Hoje, no entanto, a realidade
já é bem diferente: ainda às margens do rio, a até então única artis-
ta de bonecas da região não só vende sua produção como também
divide o conhecimento com as mulheres do local. Os ensinamentos

519
são repassados em oficinas realizadas pela Ong Velho Chico, que
tem ajudado dona Lourdes em seu trabalho.

EXPEDITO TAVARES DOS SANTOS


Reisado - Viçosa

Com o reisado nas veias

Herdeiro de uma tradição iniciada pelo avô, mestre Expedi-


to Tavares comanda com energia um dos últimos grupos dedicados
a esse folguedo em Alagoas. Quem vê o senhor franzino, até meio
tímido, não imagina a força que ele carrega dentro de si. Mas, co-
mo diz o ditado popular, as aparências enganam e mestre Expedito
Tavares logo trata de mostrar o motivo pelo qual foi escolhido co-
mo Registro do Patrimônio Vivo de Alagoas. Dono de uma pisada
forte e de um ritmo marcante é ele quem comanda o histórico rei-
sado Virgem dos Pobres, localizado no povoado de Bananal, em
Viçosa, e um dos últimos do Estado. A liderança do grupo foi pas-
sada pelo pai, o também mestre Osório Tavares, e abraçada por
mestre Expedito com todo vigor. O talento para dar continuidade à
tradição – que se iniciou com o avô e mestre Terto Tavares – foi
revelado ainda na infância, quando, aos 8 anos, ele entrou no fol-
guedo como figurante. “No início, achava que não conseguiria
dançar e disse isso para o meu pai, mas ele me encorajou muito,
até que realmente consegui”, conta.

520
JORGE CALHEIROS
Literatura de Cordel - Pilar

Cotidiano com rima, sonoridade e inspiração

O mestre Jorge Calheiros faz literatura de cordel há 36 anos.


Autodidata, ele conta que foi apresentado ao mundo da leitura pela
irmã e sua primeira expressão nesse universo foi seu nome escrito
com uma pedra de carvão. Desde então, apaixonou-se pelas pala-
vras e tornou-se referência na arte de contar histórias, ofício que
lhe garantiu o título de Mestre do Patrimônio Vivo de Alagoas.
Aos 74 anos, o cordelista tem 86 títulos publicados. Em seus tex-
tos, ele mistura humor, romance, drama, crítica para contar histó-
rias do cangaço, crendices, sátiras políticas e aspectos do cotidiano
alagoano. Natural do município de Pilar, ele afirma que quando era
criança e morava na zona rural, só existia uma pessoa que sabia ler
e escrever na vizinhança. Quando anoitecia, era comum as crianças
se reunirem em volta de uma fogueira para escutar a leitura de li-
vros infantis.

MESTRE ZÉ HUM
Chegança e Pastoril - Coqueiro Seco

Este puxador das cantorias da Chegança e do Pastoril tor-


nou-se autodidata e ainda hoje, ensina com entusiasmo jovens
sobre o manejo e os segredos do pandeiro. E o mais importante: a

521
preservar a cultura popular na região com os folguedos populares.
Mestre Zé Hum também empresta seu talento de pandeirista à
Chegança e ao Pastoril e por causa de um curioso apelido que ga-
nhou fama na região. “Por volta de quatro ou cinco anos de idade,
eu tinha mania de fazer ‘hum, hum’ em tudo que minha mãe me
dizia ou perguntava. Daí, me puseram o apelido de Zé Hum”, ex-
plica José Gomes Pureza, o famoso Mestre Zé Hum, um dos mais
novos Mestres do Registro do Patrimônio Vivo de Alagoas. Aos 71
anos, Mestre Zé Hum conta que se apaixonou pela Chegança e
Pastoril quando contava 15 anos de idade. “Via dois tocadores de
pandeiro em ação, o Tatá e o Luís da Betila, gostei e passei a to-
car até hoje.”

RAUL VICENTE DE QUEIROZ


Repentista e violeiro - Maceió

O trovador das Alagoas

Nem as marcas dos 82 anos de vida enfraqueceram a poten-


te voz que ainda enche a sede da Associação dos Violeiros e Tro-
vadores de Alagoas. Raul Vicente de Queiroz, fundador da entida-
de em 1976, é um dos artistas que receberam o certificado de mes-
tre do Registro do Patrimônio Vivo de Alagoas. Nascido em São
Joaquim do Monte, interior de Pernambuco, Raul chegou a Alago-
as após rodar o Brasil como feirante e repentista. “Alguém disse
que eu era a pessoa certa para montar a Associação e eu resolvi me

522
mudar de Aracaju para cá. Foi assim que vim parar em Maceió”,
conta. A primeira trova e muitas mais – Era o primeiro dia do mês
de outubro de 1940 quando o céu de Pernambuco escureceu às 9h
da manhã. Na pequena São Joaquim do Monte, um menino corre
para buscar lápis e papel. Enquanto muitos observavam o fenôme-
no, Raul Vicente, com apenas 12 anos, tratava de escrever o que
viria a ser o seu primeiro livro de cordel. Mas as palavras escritas,
sozinhas, não lhe contentavam. Faltava-lhes volume e voz. Foi aí
que as poesias ganharam ritmo e viraram repente na boca do seu
Raul. Nas feiras do interior de Pernambuco, as trovas criativas aju-
davam a vender os seus cordéis e medicamentos caseiros.

JOSÉ GONÇALVES DOS SANTOS


Pandeiro - Capela

O poeta cantor Hilton do Pandeiro

José Gonçalves dos Santos nunca havia visto um pandeiro.


Sua batucada ecoava de latas vazias na fazenda onde morava, em
Capela, até que, aos 12 anos, ganhou de presente o instrumento ao
qual tem dedicado a vida. A partir de então, o menino José virou
Hilton do Pandeiro. Com 78 anos, o poeta-cantador entrou para o
Registro do Patrimônio Vivo Alagoano, recebendo o título de mes-
tre. Suas inúmeras cantigas já chegaram à Alemanha, aos Estados
Unidos e à Suécia, onde foram elogiadas, segundo o mestre, por
nomes importantes da cultura alagoana, como Pedro Teixeira e

523
Théo Brandão. Apesar de ser funcionário da prefeitura de Capela
há quase 30 anos, mestre Hilton teve na agricultura seu principal
ganha-pão. Mas o pandeiro tocado ali, no meio da feira capelense,
já chegou a suprir as despesas de casa em apenas duas horas de
apresentação. Quando perguntado em que se inspira para criar suas
peças, Hilton responde com altivez: “Não preciso de nada disso de
inspiração, não. Faço cantiga aqui, na brincadeira”. Basta dar-lhe
um mote – ou seja, um tema ou algumas palavras – e deixar o resto
a cargo da criatividade. A boa memória compensa o pouco que
sabe ler. Toda sua criação está guardada na cabeça.

LIZANEL CÂNDIDO (JACARÉ)


Mestre de Capoeira - Maceió

A capoeira como filosofia

A expressão cultural desenvolvida no Brasil por escravos


está muito bem representada em Alagoas. Em 1984, Lizanel Cân-
dido da Silva, o mestre Jacaré, voltou do Estado de São Paulo, tra-
zendo em sua bagagem a arte afro-brasileira que envolve luta, dan-
ça, cultura popular e música. A plástica dos movimentos e a ginga
contagiante embalada pelo berimbau foram os principais motivos
que levaram o mestre a começar a praticar a luta, que hoje ele con-
sidera como uma verdadeira filosofia de vida. Em seus 40 anos de
dedicação à capoeira, sendo 26 em Alagoas, mestre Jacaré já re-
passou seus ensinamentos para cerca de duas mil pessoas. Hoje ele

524
ensina jovens e crianças de escolas públicas em quatro municípios
do Estado – Maceió, União dos Palmares, Branquinha e Murici – e
é com o público infantil que o mestre se diz mais feliz em traba-
lhar.

“Costumo passar para as crianças lições educacionais, psi-


cológicas e de conscientização. A capoeira vai muito além dos
movimentos, das músicas. É muito mais que uma luta. Ela traz um
conjunto de ensinamentos em todos os aspectos para quem pratica
e vive intensamente essa arte fascinante”.

JOSÉ CÍCERO BONFIM (CICINHO)


Guerreiro - Maceió

Artesão e dançarino

O artesão José Cícero Abdias Bonfim, o Índio Cicinho, é


mais um representante da cultura popular alagoana que será home-
nageado com o título de mestre do Registro do Patrimônio Vivo
Alagoano. Entusiasmado com o reconhecimento do Estado ao tra-
balho que aprendeu aos 10 anos de idade com um de seus irmãos,
mestre Cicinho diz que a paixão pelo guerreiro é herança do pai,
mestre Nivaldo Bonfim. Mestre Cicinho foi agraciado pelo seu
traço inconfundível na confecção de chapéus de guerreiros. Não
apenas com amor, talento e dedicação, o agora mestre Cicinho faz
os chapéus desde a década de 1980. Os chapéus da estrela de ouro,

525
estrela do Norte, estrela brilhante, coroa da rainha, de índio, de
vassalo, de caboclinha, todos os ricos personagens do Guerreiro
alagoano foram agraciados com sua arte marcante. Cicinho, que
assume o personagem Índio no grupo, conta que a origem do nome
do Guerreiro que sua família dança – já que 90% dos membros são
formados por filhos, noras, irmãos, sobrinhos e esposa do mestre
Nivaldo – se deu em homenagem a um amigo do patriarca, o Fran-
cisco Jupi, conhecido como Campeão Treinado.

JOÃO GALDINO (MESTRE BIA)


Pífano -Viçosa

A música como arte e profissão

“Oh, Viçosa do meu Brasil! Eu venho de ti, a saudade me


mata. Eu amo é Viçosa, Princesa da Mata”. Os versos singelos,
mas profundos, saem de dentro da alma de um cantador, para ser
mais exato, da alma de um soprador, que fez do pífano sua profis-
são e vida. Foi assim, entoando versos na companhia de seu inse-
parável instrumento, que João Galdino da Silva, o mestre Bia, 78
anos, foi homenageado ao receber o certificado de Mestre do Re-
gistro do Patrimônio Vivo da Cultura alagoana. Sua trajetória de
pifeiro tevê início lá nos idos de 1950, quando, pela primeira vez,
viu e ouviu o instrumento em uma das famosas festas do pé-de-
serra de Viçosa. A partir de então, mestre Bia formou seu próprio

526
conjunto e começou enveredar nos tons do pífano com sua bandi-
nha.

“Aquele som penetrou na minha alma e não saiu mais de


mim. Logo depois de um ano que me apaixonei pelo som do ins-
trumento, começamos a tocar de graça, depois a gente já ganhava
uns trocados da redondeza e, em seguida, mais conhecidos, come-
çamos a ganhar o nosso dinheirinho”.

TEÓFANE SILVEIRA (PALHAÇO BIRIBINHA)


Arte Circense - Arapiraca

A arte de fazer rir

Ele estreou no circo aos 7 anos de idade, por influência do


pai, à época proprietário do Circo Mágico Nelson. Com 52 anos de
carreira dedicados à arte de fazer rir, Teófanes Silveira Júnior,
mais conhecido como palhaço Biribinha, torna-se Patrimônio Vivo
alagoano, após aprovação de seu registro pelo Conselho Estadual
de Cultura do governo do Estado. O reconhecimento público mar-
ca mais uma etapa na vida deste artista, que adotou a cidade de
Arapiraca como sua terra, após passagens por vários estados brasi-
leiros. Com 59 anos de idade, Biribinha atualmente representa um
ícone do circo em Alagoas. A carreira artística ele herdou dos pais,
o ator e produtor Nelson Silveira, e a também atriz caricata e sam-
bista, Expedita Silveira, conhecida como Ditinha Silveira. Ainda

527
garoto, nos anos de 1940, Biribinha acompanhava a família nas
apresentações por cidades de Alagoas, principalmente Arapiraca,
onde residiam. Com o falecimento dos pais, o artista herdou o ofí-
cio, contagiando dois dos filhos a também seguir no mundo das
artes.

“Agradeço a Deus e ao público que me é fiel. Dedico este


reconhecimento a todas as pessoas que de alguma forma contribu-
íram para que eu continuasse com esta trajetória, durante esses 52
anos de carreira. Teófanes Silveira veio para este mundo para ser
o palhaço Biribinha. Eu fico muito feliz com este reconhecimen-
to”.

PENSADORES DO FOLCLORE

Escola Folclorista de Viçosa

De acordo com Abelardo Duarte, foi o escritor Manuel Dié-


gues Junior que “batizou” como Escola de Viçosa, o quarteto for-
mado por Théo Brandão, José Maria de Melo, José Aloísio Vilela,
e José Pimentel do Amorim, que viriam a se tornar os maiores pen-
sadores do folclore alagoano, com importante recorte de Viçosa,
que serviu como base da cultura popular que buscavam: os folgue-
dos, os autos, as danças, a alegria do povo, e levando para Alagoas
a sistematização desse folclore, a explicação – pelas raízes – da
dança, do som, das palavras que os brincantes traduziam nas ruas.

528
Eles dividiram as tarefas de pesquisa, cada um em uma linha fol-
clórica, para depois fazer o encontro dos mestres. Théo fixava-se
nos folguedos tradicionais: guerreiros, reisados, pastoris; José Alo-
ísio Vilela, na poesia popular, na dança de coco, repentistas e can-
tadores; José Maria de Melo, nos contos, sentinelas e adivinhas e
José Pimentel na medicina popular, no curandeirismo, rezas e ben-
zeduras. O padrinho da escola, Manuel Diégues, incluiu no grupo o
folclorista Pedro Teixeira de Vasconcelos, também nascido em
Viçosa, o mais novo da turma, que tinha como marca o pastoril –
foi o maior animador da brincadeira em Maceió, partidário do cor-
dão azul. Os trabalhos iniciados em Viçosa e sistematizado em
Alagoas, culminou com a criação da instituição guardiã dos inte-
resses do folclore do estado, a Comissão Alagoana do Folclore
(CAF), fundada há 67 anos.

THÉO BRANDÃO

O poeta do folclore das Alagoas

O maior folclorista das Alagoas, Théo Brandão, nascido


Theotônio Vilela Brandão (1907-1981), também foi poeta, profes-
sor, pesquisador, médico, farmacêutico e secretário de Estado. Em
Maceió, o museu que leva seu nome, é hoje um dos mais importan-
tes do Nordeste, antigo Museu de Antropologia e Folclore, da Uni-
versidade Federal de Alagoas, da qual foi fundador. Para o novo
museu, Théo Brandão cedeu seu acervo pessoal, considerado um
dos melhores em antropologia e folclore. Foi poeta modernista,

529
professor, mas sua paixão sempre foi o folclore. Neto de senhores
de engenho, toda sua família é marcada pela intelectualidade. Em
1931, publica seu primeiro trabalho de caráter folclórico – “Folclo-
re e Educação Infantil”. A partir de 1949, começa a ganhar prê-
mios locais e nacionais pela sua obra, como “Folclore de Alagoas e
Reisado Alagoano. Estudiosos dos EUA, Itália e Portugal propaga-
ram a obra de Théo Brandão no Exterior. Entre seus grandes livros
estão Folclore de Alagoas (1949), Folguedos Natalinos de Alagoas
(1961, na terceira edição), Cavalhada das Alagoas (1969), Qui-
lombo (1969).

“Quando fui proposto para o Instituto Histórico de Alago-


as, 1937, resolvi então abraçar o folclore. De forma que meu dis-
curso de posse é exatamente, ao lado do elogio do folclore, o elo-
gio dos folcloristas, inclusive com dados biográficos dos que me
precederam. Daí por diante era natural que eu começasse a me
dedicar mais ao folclore porque havia assumido esse compromis-
so”.

Do livro “Théo Brandão, Mestre do Folclore Brasileiro”, do


amigo e também pesquisador José Maria Tenório Rocha.

“Folclorista não é profissão para ganhar dinheiro”

A frase é de Théo Brandão expressa toda sua dedicação às


artes populares de Alagoas. Morto aos 74 anos em setembro de
1981, o também médico Théo Brandão se imortalizou pela coleta e

530
estudo quase obsessivo das manifestações artísticas populares. “É,
de longe, o pesquisador alagoano que mais registrou, analisou e
escreveu sobre a cultura popular dos quatro cantos do Estado”,
assinala o jornalista cultural Roberto Bonfim. Não é à toa que o
acervo deixado por ele deu para fundar o museu que leva o seu
nome e funciona no belo palacete amarelo em frente a praia da
Avenida da Paz. Sete anos após a morte do amigo, o também pes-
quisador José Maria Tenório Rocha lançava “Théo Brandão, Mes-
tre do Folclore Brasileiro”. No ensaio biográfico, no primeiro capí-
tulo “O Homem”, é o próprio Théo que se revela:

“Eu nunca fui um pesquisador que saísse para fazer uma


pesquisa armado de todo aquele aparato dos sociólogos e de uma
equipe que pudesse ajudar. Eu saía sozinho, às vezes acompanha-
do. Mas isso tudo eu fazia roubando sábados e domingos da minha
atividade de médico. Sabendo que não tinha memória extraordiná-
ria, logo cedo verifiquei que teria de gravar. Em 1948 adquiri, às
minhas custas, um gravador de fita para fazer as minhas grava-
ções, sobretudo de músicas. O financiamento de tudo era feito pela
minha própria bolsa. Então eu tinha de poupar o material, às ve-
zes eu gravava apenas o começo da música, então mandava que
eles cantassem de novo eu copiava à mão para poupar o materi-
al”.

Do livro “Théo Brandão, Mestre do Folclore Brasileiro”, do


pesquisador José Maria Tenório Rocha.

531
Memória de Théo, por seu discípulo Pedro

Outro integrante da Escola de Viçosa que foi discípulo de


Théo Brandão, Pedro Teixeira de Vasconcelos, escreveu um bri-
lhante ensaio biográfico sobre o mestre, no Boletim Alagoano de
Folclore, em 1982, alguns meses após sua morte. “Falar sobre
Théo Brandão é muito fácil pois a sua vida terrena foi tão simples
como simples foi a sua alma privilegiada”

“Nascido nas terras dadivosas da Princesa das Matas (Vi-


çosa) passou sua infância na gleba natal, ouvindo o marulhar so-
noro das águas do velho Paraíba... Sentiu o cheiro do mel quente
fervendo nas tachas de cobre do velho Engenho Boa Sorte. Esteve
presente às festas do Senhor Bom Jesus do Bonfim, assistindo às
cavalhadas puxadas pelo destro caveleiro Quincas Vilela, da In-
gazeira, e gravando na memória os pregões de Chico Doninha nos
célebres leilões de prendas e de gado. Bateu palmas aos cantado-
res de coco e repentistas nas tradições dos serões da casa do pa-
triarca José Aprígio dos Passos Vilela, seu avô materno. Embeve-
ceu-se com as apresentações dos reisados, dos Quilombos e das
Taieiras nas festas de Natal e São Sebastião. Foi neste ambiente
que o menino de engenho cresceu e alçou vôo para as alturas em
demanda da glória da fama, levando sempre no coração e nos
lábios a imagem querida da terra que o viu nascer”.

532
JOSÉ ALOÍSIO BRANDÃO VILELA

Ensaísta, folclorista e jornalista José Aloísio (1903-1976) ti-


nha uma memória privilegiada, sabia de cor um inesgotável reper-
tório de peças de todos os folguedos, aboios, cantorias, poemas e
histórias. Tinha uma vasta coleção de folhetos de cordel, doada ao
Museu Théo Brandão após sua morte. Seu ingresso na vida jorna-
lística ocorreu em 1924, no A Lanceta, em Viçosa. Tornou-se
grande autoridade em poesia popular, e foi o último dos quatro da
Escola Folclorista a deixar Viçosa. Viveu entre sua biblioteca e a
convivência com os caboclos dos engenhos Mata Verde e Boa Sor-
te. Dessa vivência diária com o homem do povo conseguiu reco-
lher subsídios do saber popular que enriqueciam suas conferências.
Em outubro de 2015, a Ufal relançou sua importante obra Coletâ-
nea de Assuntos Folclóricos. A Coletânea reúne cinco trabalhos,
escritos em diferentes épocas da vida do autor, sobre temas do fol-
clore alagoano, como: manifestações populares de Viçosa, cantoria
de viola, vaquejada, danças e folguedos.

“Não era somente um investigador da cultura popular, mas


constituía a própria cultura popular, no esplendor de sua legitimi-
dade. Uma enciclopédia de conhecimentos folclóricos. Sabia muito
sobre tradições de sua terra, sobre a origem e significado das
danças, dos cantos e folguedos populares tradicionais”.

Por Luiz Câmara Cascudo, folclorista

533
JOSÉ MARIA DE MELO

Logo cedo, na mocidade, José Maria de Melo (1906-1984)


juntou-se a um grupo de estudiosos que iria formar o núcleo da
Escola Folclorista de Viçosa, e se tornou “um escritor de fino trato,
o amoroso de Viçosa, o estilista do folclore, o autor seguro de
Enigmas Populares, sua grande obra”, disse dele o escritor Abelar-
do Duarte. Foi nessa obra, que José Maria Duarte confirmou sua
intuição para o folclore. “Menino de Engenho, criado a ouvir histó-
rias de Trancoso, a brincar de bacondê e a decifrar advinhações,
dormindo ao doce embalo da rede, arrepiado com as façanhas do
papa-figo, do lobisomem, e da caipora ou enlevado dom as enter-
necedoras cantigas de adormecer, não é de se estranhar que cedo
me aperfeiçoasse ao folclore”. (Enigmas Populares, Rio de Janeiro,
1950). Durante 18 anos presidiu a Academia Alagoana de Letras.
Em 1971, deixa o plano da pesquisa folclórica e surpreende o
mundo literário com seu romance Canoés, que focaliza a vida nos
engenhos de açúcar.

JOSÉ PIMENTEL AMORIM

É médico formado pela Faculdade de Medicina da Bahia


(1932). Além de 17 trabalhos sobre Esquistossomose, José Pimen-
tel (1904-1980) escreveu três volumes sobre Medicina Popular em
Alagoas, em segunda edição, reunindo rezas, orações curativas e
orações fortes, remédios e práticas obstetrícias. Menino de interior,

534
Zeca estudaria no Instituto Viçosense do educador Ovídio Edgard
de Albuquerque (1891-1955), dividindo carteira com outros nomes
de literatos da cidadezinha. Na capital, cursou os secundários no
Diocesano e no Ginásio de Maceió.

PEDRO TEIXEIRA

Folclorista, historiador e professor, Pedro Teixeira (1916-


2000) nasceu em Chã Preta, terra do melhor regional, sua cavalha-
da faz 100 anos de apresentação em 2015. Foi nesse berço de cul-
tura popular que ele nasceu, cresceu e voltou como um guerreiro
do folclore. Um dos últimos da linhagem da Escola de Viçosa,
Teixeira presidiu a Comissão de Folclore Alagoano. Sua vocação
sempre foi o magistério, ensinou Línguas e Folclore em vários co-
légios e ajudou a fundar diversos estabelecimentos de ensino. Or-
ganizou e animou vários grupos folclóricos e folguedos populares,
como: reisado, guerreiro, baiana, taieira, pastoril, quilombo, pago-
de, samba-trupé, coco, maracatu, nega da costa e outros. Era reco-
nhecido pelos inúmeros convites para apresentações, palestras e
seminários pelo Brasil e exterior.

“Numa métrica incomum, muito há de poesias cantadas


nos grupos folclóricos de Alagoas, esta sobressai. Não simples-
mente, pelo fato de exaltar o nosso Estado, mas também por ser
criação de uma mente genial, chamada Pedro Teixeira de Vascon-
celos”.

535
Por Olegário Venceslau da Silva, escritor e poeta

ABELARDO DUARTE

Professor, jornalista e médico, Abelardo Duarte (1900-


1992) na verdade foi um múltiplo intelectual para o seu tempo,
escreveu os livros e que depois viraram clássicos: Dom Pedro II e
Dona Cristina em Alagoas (1975); Um folguedo do Povo: Bumba
meu Boi e sua mais importante e seminal obra Folclore Negro
(1974), quando entrou em definitivo para a grande escola dos pen-
sadores do folclore alagoano. Em sua passagem pelo Instituto His-
tórico e Geográfico, no mesmo ano, fez outro trabalho de vulto:
classificou, junto com Théo Brandão, a Coleção Perseverança, um
dos mais ricos acervos sobre memória negra no Brasil, formada
pelas peças que foram recuperadas no episódio do Dia do Quebra
(1912), em que os terreiros de Maceió foram destruídos por mili-
tantes da direita. Foi um dos poucos talentos alagoanos que não
partiram na “diáspora” para outros estados e países, escolheu ficar
em Alagoas.

“Música e dança são inseparáveis da vida do negro. Os po-


vos afro-negros, em seu habitat original, dela se utilizam larga-
mente nas suas cerimônias mágico-religiosas e guerreiras. Claro é
que, atirado de chofre num status social diverso do seu de origem,
o escravo negro introduzido no nosso país não abdicaria facilmen-
te do cultivo dessas manifestações artísticas, a esses derramamen-

536
tos, a que o próprio senhor branco não se opôs e com que conti-
nuou, indiferente aos sofrimentos físicos e morais, a pautar os atos
da vida social no seu novo mundo atribulado”.

Abelardo Duarte, em Folclore Negro das Alagoas, capítulo


do livro, na revista Academia Alagoana de Letras, nº 12 – 1986.

RANILSON FRANÇA

Herdeiro de uma das mais reconhecidas escolas de pesquisa


da cultura popular - onde constam nomes como Aloísio Vilela,
Théo Brandão, Manuel Diégues Júnior, José Pimentel Amorim,
José Maria de Melo, Félix Lima Júnior e Pedro Teixeira, com mui-
tos dos quais conviveu -, Ranilson França (1953-2006) soube co-
mo poucos compreender a riqueza do processo criativo que nasce
no seio das comunidades. Foi o último presidente, dessa geração
de ouro do folclore, da Comissão Alagoana de Folclore (criada por
Théo Brandão em 1948). Também presidiu a Associação dos Fol-
guedos Populares de Alagoas (Asfopal), coordenou a diretoria de
Ação Cultural da Secretaria Estadual de Educação e foi assessor de
assuntos estudantis e comunitários do Cesmac. Dentre as suas rea-
lizações está à criação do programa Balançando Ganzá, da Rádio
Educativa FM desde 1987.

537
A NOVA ESCOLA DO FOLCLORE ALAGOANO

Os ensinamentos de nossos folcloristas pioneiros foram de


tal importância que Alagoas não teria como imortalizá-los, se não
fosse pelo trabalho contínuo, pelas sementes germinadas por novos
folcloristas, aqueles que aprenderam com Théo Brandão, fora do
âmbito da escola de Viçosa. Sua extraordinária contribuição como
professor da Universidade Federal de Alagoas, deixou uma outra
academia, a dos novos mestres.

“Théo Brandão formou a seu redor, na academia federal


alagoana, um círculo de discípulos que continuaram o trabalho
após seu desaparecimento – figuras de proa como Carmem Lúcia
Dantas, Vera Lúcia Calheiros, Fernando Lobo, Luiz Sávio de Al-
meida, Nuzi Mendonça, Severina Abreu, Tereza Wucherer Braga e
Josefina Novaes. Seus dois discípulos mais atuantes, porém, foram
José Maria Tenório Rocha e Ranilson França”.

Douglas Apratto, em Alagoas Popular Folguedos e Danças


de nossa Gente, Instituto Arnon de Mello, 2ª edição 2014

CICLOS DO FOLCLORE ALAGOANO

O Boletim Alagoano do Folclore, organizado pela Comissão


Alagoana de Folclore (CAF), na edição especial dos 53 anos de
atividade, EM 2001, mostra o artigo Sistematização do Folclore

538
Alagoano, do professor e folclorista, Théo Brandão. Na publica-
ção, ele divide e classifica o folclore e os folguedos de Alagoas em
ciclos. O Marítimo ou Costeiro, o Agrícola e o Pastoril, ou Serta-
nejo. Dos folguedos populares de Alagoas vejam os mais significa-
tivos.

REISADO

Auto popular profano-religioso, formado por grupos de mú-


sicos, cantores e dançadores que vão de porta em porta, no período
de 24 de dezembro a 06 de janeiro, anunciar a chegada do Messias,
homenagear os três Reis Magos e fazer louvação aos donos das
casas onde dançam. De origem portuguesa, sua principal caracte-
rística é a farsa do boi que constitui um dos entremeios, onde ele
dança, brinca, é morto e ressuscita. O traje são saiotes de cetim
enfeitados com fitas douradas e prateadas, coletes com espelhos
aplicados e camisa branca. Os personagens: rei, rainha, mestre,
contramestre, embaixadores, mateus, catirina, palhaço.

Ó que noite linda, raiou a lua


Ela flutua no céu azulado;
Mimosa istrêla vem dispontando,
Ela vem guiando nosso Reisado.

Ó que noite linda, raiou a lua


Ela flutua na imensidão

539
Mimosa istrela vem dispontando
Ela vem guiando nossa fonção.

Música colhida por Théo Brandão, publicada em seu livro O


Reisado Alagoano, Edufal 2007. O livro original foi publicado em
1951, e ganhou o prêmio Mário de Andrade de livro do ano.

GUERREIRO

Théo Brandão classifica o Guerreiro como sucessor e “alter-


ego” do Reisado. O folguedo Guerreiro é característico de Alagoas
e o mais apreciado, por ser também o mais rico, o mais colorido, o
mais bonito e por isso mesmo o mais frequente nas festas popula-
res. Surgiu em Alagoas entre os anos de 1927 e 1929, sendo resul-
tado da fusão do Reisado alagoano e do antigo e desaparecido Au-
to dos Caboclinhos, da Chegança e dos Pastoris. Possuem em mé-
dia 36 personagens entre rei, rainha, mestre, contramestre, palhaço,
índio Peri, cboclinho da lira, estrela de ouro, banda da lua e estrela
republicana.

“Quanto é deslumbrante a apresentação de um Guerreiro!


A beleza das vestes, de cores variadas, o esplendor dos chapéus,
das coroas, dos diademas, cheios de espelho, de contas de aljofre,
de fitas, de areia brilhante, trazendo formatos exóticos, copiando o
feitio de igrejas e mesquitas orientais. E a melodias dos cantos, a
dinâmica da difícil coreografia, o gingado do corpo, a agilidade

540
das figuras na parte da Guerra, do Índio Peri, da Sereia, da Lira e
dos “Caboclinhos da Lira”:

“Vamos matar nossa Lira,


Antes que ela venha do porto
Não cabem duas rainhas
“Nessa aldeia de caboclo”

Pedro Teixeira de Vasconcelos, em Transição: reisado X


guerreiro, Boletim Alagoano de Folclore, nº 1 – 2001

Guerreiro!
Cheguei agora
Nossa Senhora é nossa defesa
menina me dê um beijo
só não quero no pescoço
quero no bico do peito
que é lugar que não tem osso.

Guerreiro!
Cheguei agora
Nossa Senhora é nossa defesa
tristeza pode ir "simbora"
neste terreiro
ninguém sofre
ninguém chora

541
Ô minha gente!
dinheiro só de papé
carinho só de mulhé
capitá só Maceió

Cancioneiro popular alagoano

MESTRAS DO GUERREIRO

Nenhum folguedo se iguala ao guerreiro em matéria de


animação nos passos de batida forte, nos gestos e nas ações. Ainda
mais quando quem comanda a brincadeira são as rainhas guerrei-
ras, que tem uma forte tradição em Alagoas. Nomes emblemáticos
como Maria Odilon, Zeca Bispo, Joana Gajuru e mestra Virginia,
que abrem a voz para fazer sua estação:

Eu sou a mestra Virgínia


Eu sou a rainha do fogo
Eu sou a dona dos raios
E do corisco e do trovão
Todos me prestem atenção
Eu vou vencer minha batalha
Á vista de Santa Bárbara
Com o cálice na mão

542
Boa noite meus senhores
Boa noite eu venho dar
Que a Gajuru falada
Chegou hoje no lugar.
Pega a peça figurá
Verde, encarnado, azul
Guerreiro da Gajuru
Ta em primeiro lugar

PASTORIL

É o mais conhecido e difundido folguedo de Alagoas. É


uma fragmentação do Presépio, sem os textos declamados e sem
diálogos, constituídos apenas por jornadas soltas, canções e danças
religiosas ou profanas de épocas e estilos variados. Como os Pre-
sépios, origina-se de autos portugueses antigos, guardando a estru-
tura dos Noéis de Provença, França. As pastorinhas dividem-se em
dois cordões, o azul e o encarnado e no centro fica a diana, que
defende os dois partidos.

“Eu sou a mestra do cordão encarnado,


O partido eu sei dominar,
Eu peço palmas, peço fitas e flores
Aos meus senhores peço proteção.

Azul é o céu,

543
Azul é o mar,
Azul é a rainha
Que vamos coroar!

Estrela do Norte,
Cruzeiro sagrado,
Vamos dar um viva,
Ao cordão encarnado

Sou a Diana, não tenho partido,


O meu partido são os dois cordões,
Eu peço palmas
Peço fitas e flores
Ô meu senhores sua proteção

Adeus minha gente,


Queiram me desculpar,
Que a nossa jornada,
Já vai terminar!
Adeus, é tarde,
Já vamos partir.
O dia amanhece
Preciso dormir!

544
PRESÉPIO

O Auto, também conhecido como pastoril dramático ou auto


das pastorinhas, é apresentado em três atos que versa sobre o nas-
cimento de Jesus Cristo. Origina-se dos antigos autos portugueses
que eram formados de dramatização medieval, entre os figurantes
estão a mestra, contramestra, Diana, caçadora, pastores, anjo Ga-
briel e Lusbel.

Estrêla do Norte
Cruzeiro do Sul,
Viva a cor do céu –
O celeste azul.

Quando raia a aurora


Quando o dia luz
Lindo, o cor de rosa
É o que mais seduz,

Théo Brandão, em Folguedos Natalinos Chegança, Coleção


Folclórica da Ufal – 1976

CHEGANÇA

Auto de temática marítima versando temas vinculados à vi-


da no mar, às dificuldades como tempestade, contrabando, briga

545
entre marujos e lutas entre cristãos e mouros infiéis, seguidores de
Maomé. Deriva-se das “mouriscadas” peninsulares ou das lutas e
danças entre cristãos e mouros da Europa. É de origem ou acultu-
ração européia.

No dia segunda-feira
Que esta nau parti queria
Na terça embarca os marinhêros
Na quarta a munição e artilharia.

Choram belas alagoanas


Neste embarque arrigoroso,
Militá e marinhêros
Que são homes caprichosos

Adeus, adeus, Alagoas


Saudade eu vou levar
De nossa pátria querida
De nossa terra natá,
Vamos marchá para a guerra
E vê o má de Lisboa.
Adeus, adeus, Alagoas
Até quando eu vortá.

Théo Brandão, em Folguedos Natalinos Chegança,


Coleção Folclórica da Ufal 25 - 1976

546
FANDANGO

Auto de assunto marítimo que corresponde a Marujada,


Barca e Nau Catarineta de outros Estados brasileiros. Não possui
enredo ordenado e lógico. É apresentado em um barco construído
em terra, com palanque, onde são entoados cantigas náuticas de
diversas épocas e origens. Possui nítida formação portuguesa.

BAIANAS

Grupos de dançadores trajados com vestes convencionais de


baianas, que dançam e fazem evoluções ao som de instrumentos de
percussão. Constitui uma modificação rural dos maracatus de Per-
nambuco com elementos dos pastoris e dos cocos com a denomi-
nação de Samba-de-Matutu ou Baianal. Não possui enredo deter-
minado. As baianas cantam uma sequência constituída de marchas
de entrada ou abrição de sede, peças variadas e, por fim, a despe-
dida.

Baianas vamos saudar,


Nossa tia Marieta
A dona deste lugar
E a maio deste planeta.

A nossa estima por ela,

547
É grande, de mais valor
E a alegria nossa é dela,
E todo esse nosso imenso amor.

QUILOMBO

Não existe, de nenhum modo, ligação entre o fato histórico


dos Quilombos dos Palmares com o folguedo. O Quilombo é uma
adaptação local ou uma reinterpretação de origem branca e erudita
de danças brasileiras e européias que demonstram lutas ora entre
negros e brancos ou, mouros e cristãos ou negros e índios (cabo-
clos). O auto é apresentado em barracas ou ranho de palha, enfei-
tado com bandeirinhas e realiza-se em três etapas. É acompanhado
pelo som do Esquenta Mulher (banda de pífano).

Folga negro,
Branco não vem cá,
Se vier,
Pau há de levar.

Folga negro,
Branco não vem cá
Se vier,
O diabo vai levar

548
CAVALHADA

Desfile, corrida de cavalos e jogos de argolinha, realizado


em amplas praças próximas às igrejas. Teve origem nos torneios
medievais, tendo como participantes doze cavalheiros ou pares que
são divididos em cordão azul e encarnado. As cavalhadas são en-
contradas em quase todos os municípios de Alagoas e se apresen-
tam por ocasião do Natal ou festas de Santos.

“À tarde, devidamente paramentados, em dupla fila, mar-


cham os cavaleiros compassadamente ao som da orquestra regio-
nal de pífanos e zabumba denominada “Esquenta Mulher”, com
direção à capela ou igreja mais próxima. Chegados à sua frente,
fazem a saudação ritual, tirando os gorros, benzendo-os, benzen-
do-se, arrancando as facas das bainhas e beijando-as como sinal
de fidelidade à religião que professam. Desmontam e seguida diri-
gem-se ao altar para depositar seus buquês, para felicidade ao
torneio que vai começar... A torcida do azule do encarnado, de um
lado e do outro da pista, mesmo arrostando a seus cavaleiros, pu-
la, berra, joga chapéus ao ar quando seus favoritos conseguem
fazer a lança, isto é, colher a argolinha... consistem as carreiras
de argolinhas em procurar o cavaleiro em disparada, enfiar a lan-
ça no anel de ferro, recolhendo-a da garra”.

549
Théo Brandão, em Folguedos Natalinos Taieiras,
Coleção Folclórica da Ufal 32 - 1976

FOLGUEDOS CARNAVALESCOS

Essas manifestações são resíduos importantes dos folguedos


natalinos alagoanos - em alguns casos havendo transposição direta
- como é o boi-de-carnaval, que foi extraído de entremeios dos
guerreiros e dos reisados. As músicas tocadas têm ritmo forte, con-
tagiante, algumas são chamadas de “pancadas-motor”.

BOI DE CARNAVAL

Boi feito com armação de madeira e coberto com tecido vis-


toso ou chitão. Sai às ruas durante os três dias de carnaval fazendo
pedidos de dinheiro, de bebida ou vendendo o boi. Sua origem é
européia, africana e ameríndia. Os bois que surgem em Alagoas
recebem influência dos bumbas, reisados e guerreiros.

URSOS DE CARNAVAL (LA URSA)

Grupos de carnavalescos que saem às ruas brincando com


um urso feito de estopa e fibras vegetais. Sai da sede e dança de

550
porta em porta fazendo pedidos de dinheiro, bebidas e gêneros
alimentícios.

OS GIGANTÕES (BONECAS)

Bonecas gigantes que possuem de dois a três metros de altu-


ra. Veste-se com tecido colorido de chitão. De origem européia são
comuns em procissões e festas. A boneca é conduzida por um ho-
mem localizado no seu interior. O cortejo é formado ainda pelos
tocadores e eventuais participantes.

COBRA JARARACA

Grupo constituído de dez a quinze pessoas que trajando


short, lambuza-se com tintas e pós e brincam durante o carnaval
amarrados por uma corda. A brincadeira foi criada por um pesca-
dor chamado Mané do Balaio há muitos anos passados.

TORÉ DE ÍNDIO

De aculturação indígena, os caboclos dançam em círculos,


fazendo movimentos coreográficos simples e ritmados para agra-
decer e agradar as divindades ou para rezar suas orações.

551
Dá-lhe toré
Dá-lhe toré
Faca de ponta
Não mata mulher

TORÉ DE XANGÕ

De origem indígena, o toré é prática de terreiro afro-


brasileiro. Corresponde ao catimbó e a pajelança de outros Esta-
dos. É a reunião dos crentes com a finalidade de encontrar remé-
dios para os doentes, que são recebidos através dos caboclos que
“baixam” e receitam ao som dos maracás. Como manifestação fol-
clórica, comparável no sentido de apresentações, a um folguedo
qualquer, um reisado, um guerreiro, etc.

NEGRAS DA COSTA

Dança cortejo, sem enredo ou drama, formada por homens


vestidos com trajes convencionais de baianas, que dançam ao som
de ganzás e reco-reco. São adaptações alagoanas dos maracatus
pernambucanos, sem nenhuma ligação com as religiões afro-
brasileiras.

Ô raia o sol,
Suspende a lua,

552
Negra da Costa
Quem anda na rua!

Ô tuê, ô tuê
Ô tuê, ô tuá
Negra da Costa
Mandou me chamar!

Abra a roda, yoyô


Abra roda, yayá
A Negra da Costa
Chegou pra brincar

SAMBA-DE-MATUTO

Dança cortejo, sem enredo ou drama, na qual as cantigas


dançadas fazem referência a Santos católicos, a espíritos das reli-
giões afro-brasileiras e as cenas do cotidiano. Possui identificação
com os terreiros de xangôs. Antes de cada apresentação o mestre
acende três pontos de velas para que os orixás permitam o bom
andamento do folguedo.

Eu ontem fui à a maré


Fazer uma pescaria
Quando amanheceu o dia
Ia arribando até

553
Na cabeça da galé
Aboiou um cação
Ouvi o nome de Tião
Namorador de Zezé.

Acredite se quiser
Tire o meu cartaz de bamba
O meu fracasso é o samba
E carinho de mulher

Canção de Mestre Amaro

CABOCLINHAS

Dança cortejo, sem enredo ou drama semelhante aos baia-


nais e samba-de-matuto. Os personagens trajam-se com reisados e
cantam fazendo referência a caboclas, temas do cotidiano e de
amor acompanhados por bandas de pífanos. Não possui influência
ou ligação com os caboclinhos de Pernambuco.

Estava na beira da praia


Vendo a maré que fazia
Quando eu ia, ela voltava
Quando eu voltava, ela ia.

554
Dei laço na fita verde
Dei outro na verde rama
Benzinho você não sabe
Quem é cativo não ama

FOLGUEDOS DE FESTAS RELIGIOSAS

No calendário cultural do Estado de Alagoas vamos encon-


trar as Festas de Santos Católicos. Essas festas, geralmente monta-
das na Matriz local, contam, além da parte religiosa (missas, nove-
nas, procissões), com quermesses, leilões, jogos de azar, bares, etc.
Contam também com a presença de folguedos oriundos do período
natalino e carnavelesco.

MANÉ DO ROSÁRIO

Grupo de mulheres e homens mascarados que dançam, pu-


lam e se requebram ao som da dança de pífanos. Surgiu em 1762,
durante a festa em homenagem ao Santo quando apareceram dois
mascarados que brincavam e dançavam na porta da Igreja. Todos
os anos, por ocasião da festa, sugiram os mascarados e ninguém
conseguia saber quem eram. Em 1776, sumiram. A comunidade
resolveu copiar os trejeitos e as danças e, como não soubessem o
nome da brincadeira, atribuíram o fato ao morador Manoel do Ro-
sário, pessoa que gostava de dançar reisado e maracatu.

555
Chegamos na porta da Igreja
Para louvar o senhor São José
Com o nosso Mané do Rosário
Até para o ano, se Deus quiser!
Ele haverá de querer!

BANDOS

Grupos de mascarados, uns a cavalos, outros a pé, que fa-


zem corridas pelo povoado anunciando, com antecedência a festa
do Santo (Santa Luzia) que irá acontecer em breves dias. O grupo
corre e dança ao som do Esquenta Mulher e participam da procis-
são e convocam o povo a participar da festa.

MARACATU

Dança processional e cortejo real, parte dos reinados dos


congos. A palavra maracatu é de origem africana que significa
dança ou batuque. O Maracatu pernambucano penetrou com tanta
intensidade em Alagoas que criou formas alagoanas dessa manifes-
tação, assim como as cambindas, o samba-de-matuto, as negras da
costa, baianas e as caboclinhas.

Ê, ê, ê, maracatuê

556
Baiana do Centro todos venham vê.

Cantemos, cantemos, maracatuê


Cambindas do Pôrto todos venham vê.

Brilha o só e brilha a lua


E brilha as Cambindas hoje na rua.

Cambinda Nova que guerra venceu:


Foi Pôrto-Rico que apareceu.

Cantou, canto, ó meu meu secretaro,


Cambindas do Pôrto é da Pajuçara.

A estrêla d´arva e quem vem coroando


Cambinda do Pôrto é quem vai brilhando.

Théo Brandão, em Folguedos Natalinos Maracatu,


Coleção Folclórica da Ufal 21 - 1976

TAIEIRAS

Dança cortejo de caráter religioso afro-brasileiro que faz


louvação a São Benedito e Nossa Senhora do Rosário, padroeiros
dos pretos. De aculturação africana, ligados aos reinados dos con-

557
gos e estrutura na época da escravidão, seus principais personagens
são: rei, rainha, mateu, catirina, crioula, figural e africanas.

Taiêiras do Pôrto
Foi quem nos guiou,
Estrela do céu
Foi quem nos coroou

Dançai, taiêirinhas,
Na ponta do pé,
Fazei cortezia
Ao sinhô São José

Théo Brandão, em Folguedos Natalinos Taieiras,


Coleção Folclórica da Ufal 28 - 1976

BUMBA-MEU-BOI

Auto popular de temática pastoril que tem na figura do boi o


personagem principal. Aparece em todo o Brasil com nomes pare-
cidos. Em Alagoas a apresentação do Bumba é semelhante a um
teatro de revistas, com desfiles de bichos ao som de cantigas ento-
adas por cantadores do conjunto musical que faz o acompanha-
mento.

A chã de dentro,

558
É pra seu coroné.
A chã de fora
É pra dona Aurora.
A passarinha
é de dona Aninha.
O coxão,
É pra seu João.
Mocotó do pé
É pra seu Zé.
Mocotó da mão
É pra seu Lesbão.

Os miúdos
É pra seu Joca.
Os miolo
É pra Mané Crioulo.
A aparação
É pra seu Tubarão.
A rabada
É pra negrada.
A tripa gaiteira
É pra dona Eleuza.
A tripa fininha
É pra dona Chiquinha.
O figo do animal
É pro pessoal.
Resta pouco pra repartir

559
Tou com pressa pra sair.

Embaixada colhida por Abelardo Duarte, em Taperaguá,


Marechal Deodoro

MARUJADA

A marujada que aparece em Alagoas possui elementos de


folguedos náuticos, reisados, taeiras, pastoris etc. Por ser variante
do Fandango, possui origem lusitana, juntando-se a outras culturas.

CAMBINDA

Dança-cortejo, sem enredo ou drama, na qual as cantigas


dançadas fazem referências a assuntos do cotidiano e santos católi-
cos. Embora cultuem São Benedito, nos cânticos não há a menor
referência a seu nome, nem o grupo possui ligações com as religi-
ões afro-brasileiras. Cambindas são sinônimos ou adaptações ala-
goanas dos Maracatus de nação, oriundos de Pernambuco, pene-
trados em Alagoas através dos municípios da região norte do Esta-
do. Cabinda, Cambinda ou Kabenda, segundo Mário de Andrade,
era um reino de gente africana próximo de Loanda, Angola. Nina
Rodrigues identifica os Cambindas aos conguenses.

560
COCO ALAGOANO

O Coco alagoano é uma dança cantada, sendo acompanhada


pela batida dos pés ou tropel. Também é denominada de Pagode ou
samba. Surge na época junina ou em outras ocasiões que se quer
festejar acontecimentos importantes nas comunidades rurais. Por
ocasião da tapagem de casa, o coco aparece em todo o seu esplen-
dor. Tem origem africana, filiada ao batuque angola-conguense.
Talvez tenha surgido na zona fronteiriça de Alagoas e Pernambu-
co, no cordão de serras ocupadas no século XVIII pelo célebre
Quilombo dos Palmares. Dessa região espalhou-se por todo o Nor-
deste, onde recebeu nomes e formas coreográficas diferentes, co-
mo: Coco Praieiro, na Paraíba; Bambelô ou Coco de Zambê, no
Rio Grande do Norte; Tará ou Coco de Roda, em Pernambuco;
Samba de Aboio e Samba de Coco, em Sergipe.

“Em breve chegou uma dessas noites de luar do Norte. Lula


saiu para ver a noite. Andou, andou; parou numa casa de esquina
onde dançavam o coco. O ganzá animava os pares suarentos: um
negro cantador tirava a embolada, e a macacada, homens e mu-
lheres, de mãos pegadas, davam umbigadas bem unidos um no
outro, e depois sob o ritmo da dança se esbarravam em novas um-
bigadas nos demais pares que compunham a roda. A embolada do
preto era como toda embolada uma lambança em que se prometia
fazer e acontecer. Vinha um pituim enjoativo, misturado de Oriza,

561
lá dentro, mas as palmas e o sapateado cadenciado eletrizavam o
pessoal que respondia ao refrão”.
Jorge de Lima, em Calunga – Editora Alba (RJ) 1943 – 2ª
edição

DANÇA DE SÃO GONÇALO

Dança religiosa de origem e aculturação portuguesa, inici-


almente apresentada nos templos religiosos católicos, com o obje-
tivo de catequizar os pecadores. Foi considerada de caráter munda-
no, sendo proibida pelas autoridades, passando a ser cantada e dan-
çada nas zonas rurais, onde ainda hoje é aceita e praticada. Tem
como personagens o Mestre, tocador de viola; o Contra-Mestre,
tocador de meia-cuia ou meia cabaça, dois Guias que são sempre
os segundos de cada cordão e os demais participantes dançadores,
todos vestidos de brancos, com quepes e turbantes. Em Alagoas, a
dança, oriunda do estado da Bahia, encontra-se no município de
Água Branca, tendo como mestre José Ricardo dos Santos, Mestre
Deca, que preserva o único grupo existente no estado.

562
ARTE POPULAR DAS ALAGOAS

“Mãos que tecem os bordados, que talham a madeira, que


amassam o barro e alinhavam palhas – e que fazem das dádivas
da natureza um artesanato singular, reconhecido e apreciado pelo
Brasil - estão transformando vidas e provocando uma “revolução
silenciosa” em todos os recantos de Alagoas. Um talento que se
torna uma marca nossa, de todos os alagoanos. O artesanato e
arte popular de Alagoas, feitos à mão é um patrimônio, uma joia
da cultura brasileira, um elemento importantíssimo na composição
da história, do desenvolvimento social e econômico, e na própria
identidade de um povo. São os mestres e mestras artesãs que colo-
caram Alagoas no mercado nacional e internacional do artesana-
to, e seus herdeiros e herdeiras que de posse do conhecimento mi-
lenar de seus avós multiplicaram sua arte, repassaram seus co-
nhecimentos. Ou aqueles que chegam agora, com a força do novo,
em um círculo virtuoso de concepções artísticas que nunca vai
acabar”.

Texto de abertura do livro Catálogo do Artesanato Alagoa-


no, Secretaria de Planejamento, 2014

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ARTISTAS POPULARES

A arte popular de Alagoas é hoje uma referência importante


no mercado de arte nacional e internacional. Cada vez mais o uni-
verso de colecionadores aumenta e nos itens mais cobiçados, estão
os artistas alagoanos. Esta constatação não vem somente da análise
de especialistas, mas também, de quem acompanhou de perto o
nascimento, a evolução e a consagração de nossos artistas. Pessoas
apaixonadas pela arte, que dedicaram grande parte de sua vida no
garimpo de obras populares em todas as regiões das Alagoas. É o
profissional ou o artista que tem o talento do “fazer popular”, tira
das riquezas naturais e culturais o material para seu trabalho. Em
Alagoas entre as mais importantes matérias primas para uso arte-
sanal estão o a madeira (principalmente a mangueira), o barro (ce-
râmica); cipós (cestarias); couro do bode, do boi e do peixe; metal
(esculturas), rendas e bordados, tecelagem.

ANTONIO DEODATO
Escultor e santeiro - Marechal Deodoro

Um santo presepeiro de ofício

O escultor e santeiro de ofício, Antonio Deodato Sobrinho


(1926-2012) era um negro forte e alto, com mais de 1,80 de altura,

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em seus últimos momentos vivia na ponte aérea Maceió - São Pau-
lo, onde montou uma oficina onde era professor de Artes . Sua
vida é uma história de cinema. Começou fazendo bonecos de bar-
ro, que vendia na feira do Passarinho. Foi descoberto por Théo
Brandão, o mais importante folclorista alagoano. Théo, com seu
olhar de descobridor, levou Deodato para estudar no Liceu de Ar-
tes e Ofícios, em Maceió. O garoto cresceu, fazendo de tudo nas
artes, mas sua escolha foi a madeira. Começou como santeiro, e
seu primeiro sucesso veio com as centenas de imagens de São
Francisco, que talhou de todas as formas e tamanhos para o mundo
inteiro. No Liceu, ele se transformou em monitor, depois foi pro-
fessor de Arte na Universidade Federal de Alagoas, por notório
saber. Com trabalhos de todos os tipos e formas, o mestre Deodato
foi um daqueles artistas mambembes que não faz catálogos, nem
tampouco sabe onde estão suas obras. Na pedra, no cimento, no
barro, na madeira, nas tintas, na cerâmica e em tudo que lhe traga
inspiração, é da alma do artesão de onde vem a sua essência.

"A fonte de meu trabalho vem da alma, só pode ser da al-


ma. Quando vejo um tronco de madeira já fico ligado, sacando,
olhando, até que me dá um estalo. Mas é da alma e do coração
onde tudo flui".

No Rio, com Cartola e Dona Zica

Deodato resolveu partir para o Sul Maravilha. A primeira


parada foi no Rio de Janeiro, onde desembarcou em 1947, depois

565
da Segunda Guerra, com a vontade imensa de ter seu trabalho re-
conhecido. Viajou na terceira classe de um Ita do Norte, saindo do
porto de Jaraguá, em Maceió. Levou com ele uma única mala, e
que maaaala ele levava! "Era uma mala mesmo, daquelas de ma-
deira forrada com pano e pintada por mim. De um lado uma onça
brigando com a cobra, do outro um pavão vistoso com um rabão
enorme. Ela foi meu travesseiro no navio". Quebrado e cansado,
Deodato foi parar aonde todo nordestino parava naquele tempo, na
Feira de São Cristóvão, que lhe deu abrigo. Lá, Deodato fez de
tudo, peças em madeira, pinturas e até lameiras de caminhão com a
máxima "Deus te Guie". Mas Deodato tinha estrela, e daquelas que
encandeia. Ele resolveu subir o morro, onde passou um tempo de
ouro, convivendo com Cartola e Dona Zica e os sambistas da velha
guarda da Estação Primeira da Mangueira, onde Deodato começou
a fazer arte nos barracos da Escola.

"Minhas alegorias eram feitas de papel marchê. Hoje é tudo


feito de resina e poliéster. Os carros quando entravam na avenida
tremiam, era um visual deslumbrante".

A imagem de cristo sangrada

“É ele!". E as beatas correram até os pés do santeiro Antô-


nio Deodato. Postado na entrada da igreja Cristo Ressuscitado, no
bairro de Butantã, em São Paulo, o mestre alagoano em artes de
santo estava lívido e espantado com a recepção. A algazarra das
devotas tinha um motivo fora do comum: o cristo em madeira ta-

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lhado por Deodato sangrava no altar, um líquido vermelho pingava
o chão. "As mulheres pulavam no meu pescoço, se ajoelhavam, me
chamavam de milagreiro, até um velhinho deixou as muletas e se
esparramou aos meus pés". O “sangue” era a tinta de resina des-
prendida da madeira, que deu a Deodato a fama do santeiro que
virou santo, em uma reportagem no programa Fantástico da Rede
Globo.

Dos urubus aos ringues de Box

A arte e a criação sempre estiveram perto de Deodato, desde


sua infância sofrida em Maceió, quando ganhava tostões para es-
pantar urubu com vara nos matadouros de carne, até o momento
máximo do esporte, como estrela do boxe nos ringues brasileiros.
Deodato brilhou no Clube Espéria, em São Paulo e nas manchetes
da Gazeta Esportiva, até beijar a lona, com soco de seu adversário,
o Demolidor. "Um dia meti o focinho na lona e passei 22 dias in-
ternados no Hospital Beneficência Portuguesa, com o nariz arre-
bentado, parecendo mais uma tromba. O nocaute afastou de mim
os amigos, as namoradas e os fãs”. Uma de suas últimas obras foi
é o busto do Marechal Deodoro, que fica no trevo de acesso ao
Francês, da rodovia AL 101 Sul

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ABERALDO SANTOS
Escultor em madeira - Ilha do Ferro – Pão de Açúcar

Pássaros, bichos e bonecos

Os pássaros em madeira do artesão Aberaldo Santos são es-


tilizados, coloridos, de todos os tamanhos e... só falta eles canta-
rem. E não seria impossível em um cenário mágico como a Ilha do
Ferro, em Pão de Açúcar. Filho de um fabricante de canoas, Abe-
raldo começou a trabalhar com a madeira desde muito cedo. Po-
rém, não seguiu a carreira do pai; foi com a arte figurativa que
Aberaldo mais tarde veio a se tornar um dos escultores populares
mais prestigiados do Brasil. Aberaldo já participou de grandes ex-
posições nacionais para mostrar e vender suas peças, esculpidas em
mulungu, uma madeira com textura mole, de onde tira seus pássa-
ros, rostos de figuras humanas, barcos e cobras. Começou na roça,
criando gado e ovelha no sítio do pai, Manoel da Costa Lima. Mas
ele ficou fascinado com o mundo do Velho Chico e seus grandes
navios, barcos, lanchas e canoas. Hoje seu forte são seus pássaros e
bonecos com raízes de pau. A madeira, geralmente, é o mulungu,
mais fácil de manusear e dar o entalhe. Ele também faz gaviões,
corujas, banquinhos rústicos e todo tipo de boneco, alguns, revela
“são auto-retratos meus, é o que comentam”.

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“A Ilha do Ferro é cercada por dois riachos, quando chovia
e tinha muita trovoada, que se transformava em enxurrada. E lá
vinham aquelas madeiras como um presente abençoado que en-
costavam-se à beira do riacho e nas pedras. Aí a gente começou a
se aproveitar dessas madeiras. Hoje não tem mais isso, a chuva
que bate é tão pouca que não dá nem para encher os riachos”.

ARLINDO MONTEIRO
Escultor em palito fósforo - Maceió

A arte em um palito

Faça-se a luz, em latim fiat lux. Foi assim, num lampejo de


um sonho, que o artista popular pernambucano, Arlindo Monteiro,
56 anos - que vive em Alagoas há mais de 40 anos – deixou de
trabalhar com escultura em troncos de coqueiro, de até quatro me-
tros e meia tonelada de peso, para começar suas obras primas em
miniaturas de palito de fósforo, com quatro centímetros de com-
primento, e peso quase zero. Hoje ele faz miniaturas como nin-
guém, de São Jorge no seu cavalo a todos os personagens do alto
de Guerreiro, folclore mais conhecido e admirado de Alagoas. No
tablado de seu ateliê é possível ver, protegidos por tubos de ensaio,
vidros de válvula e bolas de cristal, personagens do cotidiano e da
história popular, como pescador, surfista, bailarina, aviador, Lam-

569
pião e Maria Bonita, e peças complexas como o bumba meu boi, a
primeira missa do Brasil. E santos, muitos santos.

“Tudo começou quando um amigo me avisou que tinha na


praia da Avenida mais de dez coqueiros derrubados. Fui lá e trou-
xe até aqui, no meu ateliê do Mercado Central, empurrando os
rolos com os pés e cortando no braço as toras em 20 pedaços. Fi-
quei com as mãos sangrando. Cheguei lá em casa e pensei: meu
Deus, porque a gente trabalha tanto e passa tanta dificuldade. Fui
dormir e tive um sonho com um cristo entalhado em um palito de
fósforo. Quando acordei me veio a inspiração. Eu tinha em casa
um pacote de fósforo com dez caixas e gastei todas as dez para
fazer o Cristo crucificado. Não tinha pintura, não tinha nada, mas
fiquei feliz por ter feito algo diferente”.

DONA IRACEMA
Bordadeira - Entremontes

Em Entremontes, distrito da cidade de Pìranhas, uma bucó-


lica paisagem de pracinhas, ruas estreitas e antigos casarões colo-
niais. O cotidiano de homens e mulheres é diferente, mas similar.
Os homens, que vivem da pesca no Velho Chico, costuram as re-
des de pesca de náilon rompida por peixes e pedras do rio, na som-
bra dos arvoredos. E as mulheres bordam. Dona Iracema Araújo
Sarmento, trabalha com bordado desde os oito anos. "A arte do
bordado saiu da minha própria cabeça e aprendi por conta pró-

570
pria. Aos 10 anos comprei meu primeiro bastidor (armação re-
donda em madeira para dar apoio ao bordado) e a agulhinha de
costurar. Hoje sou uma das lutadoras do corte e do bordado", se
orgulha Iracema. Com dificuldades de visão, "pelas noites de bor-
dado na luz do candeeiro", dona Iracema diz que só vai deixar o
bordado quando não enxergar mais. Com o dinheiro ganho da cos-
tura ela compra roupas para os filhos e filhas.

Ivete Sangalo se rendeu ao bordado

O facebook da Companhia de Bordados de Entremontes –


dona Iracema é uma das fundadoras – registra a visita, em abril de
2015, da cantora brasileira Ivete Sangalo. Que lá mesmo brilhou
com seu vestido branco todo bordado, em frente à sede da compa-
nhia. São 70 costureiras e bordadeiras que integram a companhia,
fundada em 2002, que faz do bordado em linho Panamá e cambraia
um caso de sucesso na inclusão social em uma das regiões mais
pobres do país. As peças são vendidas para todo o país, e já foram
expostas no exterior, como em Milão, polo mundial de moda. Na
cidade, a tradição do bordado foi passada de mãe para filha desde o
século 19, quando a colonização portuguesa trouxe os primeiros
desenhos de ponto e linha como o labirinto, o rendendê e o ponto
de cruz.

571
ERALDO DIAS LIMA
Escultor em madeira - Ilha do Ferro – Pão de Açúcar

O mais telúrico dos mestres

Eraldo Dias Lima, com 70 anos, é o mais telúrico dos mes-


tres, e o mais humilde e introspectivo. Não sai de sua ilha por na-
da, principalmente depois que sofreu um acidente em quase perde
a perna. Ele é assim, dramático e comovente. Quando a reportagem
o avistou, ele estava embaixo de uma frondosa mangueira, em seu
quintal, trabalhando um relevo de mulher. A peça tinha um pouco
de sangue, saído da mão do artesão ao cortar o dedo com a faqui-
nha de talhar (“Ah! Meu filho isso faz parte da profissão, um corti-
nho aqui outro cortinho ali”. E de onde vem tanta inspiração?

“A inspiração vem daqui mesmo. Quase todo mundo sabe


fazer, são pessoas inteligentes, muitos não fazem por preguiça. E
eu, assim doente desse jeito, não sei ficar parado, compro meu
material, boto no quintal e vou fazendo, fazendo. Ninguém me en-
sinou nada não. Olhe moço, que eu não vou na casa de ninguém
para espiar. Gosto de fazer o que sai da minha cabeça. Tudo no
mundo eu faço, se botar pra fazer eu faço. É de família, todos

572
eram artistas, meu pai era sapateiro, meus primos faziam anel e
alianças, e até espingarda”.

FERNANDO DA ILHA DO FERRO


Escultor em madeira - Ilha do Ferro – Pão de Açúcar

O encantador de madeira

“O que mais me encanta no artesanato é o resultado.


Quando eu estou fazendo uma coisa assim (uma peça), vem outra
na minha cabeça e aí eu deixo aquela e já começo a outra. E eu
não sei quando termina, quem diz é a peça”. As palavras são do
mestre popular Fernando Rodrigues, uma das muitas almas imor-
tais do rio São Francisco, que deixou a sua história gravada nas
madeiras, nas pedras e nos íngremes caminhos das caatingas que
cercam a Ilha do Ferro, em Pão de Açúcar, um lugar idílico e en-
cantado, onde nasceu, viveu e morreu. O mestre faleceu no dia 10
de janeiro de 2009. A tradição da arte popular da madeira vem
desde a origem secular do vilarejo. Mas foi o escultor Fernando
Rodrigues dos Santos (1928-2009), ou Fernando da Ilha do Ferro,
ou Fernando da Calu, ou ainda, Fernando do Japão (nome da vila
onde nasceu), que fez a Ilha ficar famosa. Ele inventou o design
em arte bruta, quase selvagem, de mesas, cadeiras e bancos rústi-
cos, que o tornou uma referência nacional em arte popular, pontu-
ando a Ilha do Ferro entre os maiores polos de arte popular do Bra-
sil, na configuração de arte como forma de expressividade de artis-

573
tas do povo, a exemplo do mestre Vitalino, de Caruaru (PE), Seve-
rino de Tracunhahém (PE) e os mestres populares do Vale do Je-
quitinhonha, em Minas Gerais, e de Juazeiro do Norte, no Ceará.

JOÃO DAS ALAGOAS. BARRO COLORIDO


Escultor em madeira - Capela

João Carlos da Silva, o João das Alagoas, é o porta-


estandarte do artesanato alagoano, além de apoiar os artistas em
feiras e exposições pelo Brasil, ele passa todo seu saber para o que
ele chama de “discípulos”. Seu território é o ateliê na cidade de
Capela, com espaço para exposição, criação e o forno. É um mes-
tre da cerâmica responsável por recriar o boi do bumba-meu-boi,
peça tão comum na arte figurativa popular brasileira. Com as
mãos, João faz surgir do barro grandes bois com seus mantos es-
culpidos em baixo e alto relevo, representando histórias do folclore
nordestino, das brincadeiras de rua, dos casamentos, dos batizados,
enfim, as histórias do povo e suas tradições. O barro é levemente
colorido, numa técnica singular. João é autodidata, sempre fez tudo
sozinho. Desde pequeno, já se destacava na escola através de seus
desenhos. Usava o barro como brincadeira para fazer boizinhos.
Ele conta que aprendeu com a experiência e a observação, e que a
sua inspiração vem de outros grandes artistas brasileiros, como o
mestre Vitalino, sua principal referência.

574
Prêmios internacionais

Há mais de dez anos, João das Alagoas vive de sua arte.


Tem um currículo imponente: ganhou vários prêmios de melhor
artesão em alguns Estados; uma menção honrosa, em Córdoba,
Argentina e muitas de suas obras integram importantes coleções de
arte popular que estão expostas em galerias do Recife, de São Pau-
lo, de Belo Horizonte, de Porto Alegre e do Rio de Janeiro. João
tem peças expostas também no exterior, como o Museu de Cerâ-
mica do México.

A Infância do mestre

Mas a arte está na vida de João da Alagoas desde pequeno.


Era do barro que ele, quando criança, criava seus próprios brinque-
dos. Cavalos, bois, vaqueiros e cangaceiros faziam parte de sua
criatividade. Desde 1987, João das Alagoas sobrevive exclusiva-
mente da sua arte. Sua trajetória assemelha-se a de outros artistas,
também conhecidos mundialmente, como o mestre Vitalino, sua
maior inspiração, e Marliete, ambos do Alto do Moura, em Caru-
aru, e tantos outros artesãos do qual considera suas grandes fontes
para seu aprendizado. O conhecimento também veio dos livros e
das matérias em revistas sobre os artistas pernambucanos. A seme-
lhança com eles não é apenas pelas dificuldades com que deu iní-

575
cio ao sonho de viver da arte do barro em sua cidade, mas por for-
mar discípulos de sua obra.Com as mãos meladas de barro, água e
manuseando uma faquinha, diariamente seu João vai dando forma
ao barro.

A arte do bumba meu boi

O Bumba meu Boi é sua marca registrada, inspirado pelos


artesãos do Alto do Moura e que trouxe a estabilidade do mestre na
década de 90. Em seu ateliê, João das Alagoas trabalha ao lado de
outros artesãos que também viajam pelo mundo por meio de suas
obras e sobrevivem, exclusivamente, do trabalho deles com o bar-
ro. Segundo o mestre, as orientações que ele deu não devem ser
vistas como ensinamentos e sim como oportunidades para que cada
um expressasse a sua história, seu talento, seus sonhos. Tanto é
que as obras são diversificadas, cada uma tem um estilo próprio.

“Antes de produzir bois, minha vida era bastante sacrifica-


da e o dinheiro arrecadado com a venda das outras peças mal da-
va para fazer minha feira. Vivíamos assando e comendo. Mas com
os três prêmios que conquistei na Fenearte (Feira Nacional de
Negócios do Artesanato) proporcionaram minha estabilidade. Na
época eu não tinha minha casa própria e com esses prêmios com-
prei um terreno e construí minha casa”.

576
JOSÉ PETRÔNIO DOS ANJOS
Escultor de madeira - Pão de Açúcar

Arte em um lugar mágico

Com 49 anos, Petrônio já foi um assentado em acampamen-


to do Movimento dos Sem-Terra (MST) e hoje divide seu dia a dia
entre a pesca profissional (de subsistência) e o seu trabalho de ar-
tista da madeira. Petrônio é um dos mais expressivos artesãos do
local, o mais imagético de todos eles. Em seu sítio Estrelo, onde
está sua oficina, na entrada da Ilha do Ferro, o acesso cercado por
bonecos estranhos e totens de madeira fincados no pau do arame
farpado, ou espalhados pelo caminho. São dezenas de troncos ve-
lhos esculpidos em que aparecem monstros, lobisomem, carcaça de
lagarto e calangos, cabeça de índio, papa vento, olhos de sogra
(uma imburana com olhos para todos os lados). Petrônio iniciou
sua carreira de artista popular em 2001, mas na infância já reinava
nas artes do brinquedo – fazia miniatura de aviões e carrinhos -
pois não podia comprar, por ser de uma família sem posses. Mas o
jogo virou quando conheceu o escultor Fernando Rodrigues, que
lhe lançou um desafio: fazer ex-votos de madeira (cabeças, pés,
mãos). “Ele me deu as ferramentas, uma glosa e um serrote, e fui
fazendo mais e mais. Eu ganhava de R$ 10 por semana, e ele me

577
pagou os mesmo R$ 10 numa única peça. Por isto estou aqui até
hoje”.

“De início não foi inspiração, mas necessidade e precisão.


Mas a vida com o artesanato e a pesca melhorou muito minha si-
tuação. Faço o que gosto, meu trabalho vai do imaginário ao utili-
tário, bancos, mesas, cadeiras, banquinhos, ex-votos, um pouco de
tudo da arte. Sempre inventando novas formas e sempre observan-
do a natureza”.

MANOEL DA MARINHEIRA
Escultura de madeira - Boca da Mata

O mágico da jaqueira

Em Boca da Mata, a 80 km de Maceió, está um santuário de


arte popular em troncos de madeira, também conhecida por ser a
cidade onde nasceu o artista Manoel da Marinheira (1917-2012).
Suas esculturas representam um legado para Alagoas, com reco-
nhecimento no Brasil e no mundo. Sua família e seus discípulos
continuam a tirar dos troncos de jaqueira peças que mostram o
imaginário da fauna do planeta - de miniaturas a obras colossais -
como onças, leões, peixes, macacos, tatus, bois, gatos, elefantes,
jacarés, ursos com peixe na boca, esculturas imensas de várias fa-
ces. Manoel da Marinheira também incentivou os filhos que se
interessavam pela arte. Antônio, Maria Cícera e Severino são fi-

578
lhos do primeiro casamento. Maria Cícera foi a única que não se-
guiu os passos do pai, mas do avô. Ela é escultora de imagens sa-
cras, que podem ser vistas em seu ateliê e no museu da cidade. Já
Manoel da Marinheira Filho e André da Marinheira são os filhos
do segundo casamento seguem também a arte do pai. Aos 12 anos,
Manoel começou a esculpir “escondido” do pai, quando foi “fla-
grado” por Liberalino. Quem conta essa história do despertar de
Manoel para as artes, é um de seus filhos, André da Marinheira,
numa manhã de verão, em seu ateliê na Boca da Mata.

“Meu avô perguntou – o que você leva escondido aí, rapaz


– meu pai ficou aperreado e derrubou as ferramentas e o coelho
que havia começado. Meu avô deu um sorriso e devolveu a peça a
Manoel. E ele começou a fazer peças uma atrás da outra, e prese-
padas com suas fantasias. Uma vez ele colocou uma de suas onças
em uma corrente amarrada no esteio de sua casa. Um agente da
Sucam (que trabalhava no controle da malária) ao ver a onça pu-
lou pela janela e saiu correndo em disparada, morrendo de me-
do”.

A tradição continua

André é um dos 20 filhos que Manoel teve em dois casa-


mentos, dez do primeiro e mais dez do segundo. Quinze estão vi-
vos, e cinco seguiram a carreira do pai: Maria Cícera, Antônio e
Severino, mudos de nascença – conhecidos como os mudinhos, e
Manoel e André da Marinheira. Assim como seu pai, Dete Barros,

579
esposa de Severino, é quem cuida do ateliê dos irmãos surdos, e
resolve problemas de encomendas e das participações em feiras e
exposições. O ateliê dos surdinhos é na garagem da casa onde vi-
vem, bem próximo a entrada de Boca da Mata. De lá saem peças
maravilhosas, bem similares as que eram esculpidas pelo pai, que
são mais rústicas. André começou a fazer sua arte em madeira aos
12 anos, quando esculpiu sua primeira peça, um tatu; com 15 anos
se especializou e refinou sua produção, e aos 48 anos mostra a for-
ça de sua produção, e diz estar feliz por contar a história das gera-
ções da família Marinheira. O artista diz que já ensinou o ofício a
mais de uma dezena de discípulos. E a saga da família Marinheira
vai seguir em frente, com a quarta geração. Depois do bisavô LIbe-
ralino, do avô Manoel e do pai André, o garoto Andrezinho, com
nove anos, já está na boca do povo. “Outro dia ele chegou para
mim e disse: painho rabisque um peixe para eu cortar. Ele fez e um
cliente comprou a peça, eu noto que ele está inspirado”, finaliza
André, com uma ponta de sorriso.

Marinheira ganha o mundo

O talento do artista fez com que suas obras o tornasse co-


nhecido nacionalmente. Exemplo disso é uma onça suçuarana, ex-
posta no Memorial da América Latina, em São Paulo. Mas aqui
mesmo, no Balneário Águas de São Bento, em Boca da Mata, está
o Museu Manoel da Marinheira, com curadoria do empresário Jor-
ge Tenório, desde os anos 1970 coleciona obras da família Mari-
nheira. São mais de 1200 peças espalhadas por dez salas, lotadas

580
de obras de arte. Foi também na década de 70, quando o fotógrafo
e pesquisador Celso Brandão e o pintor alagoano Fernando Lopes
descobriram o escultor, que o trabalho de Manoel da Marinheira
ganhou mais visibilidade. Eles começaram a divulgar as obras jun-
to a artistas e intelectuais da época. Daí em diante as obras dele
ganharam o mundo. Hoje o mestre tem peças nos Estados Unidos,
Alemanha, Inglaterra, França.

MESTRE DEDÉ DE CANOA


Escultor - Lagoa da Canoa

Uma arte para sempre

Em Lagoa da Canoa, no agreste alagoano, o escultor Antô-


nio Alves dos Santos, o mestre Dedé, não pára. Patrimônio Vivo
de Alagoas, 64 anos, talhava com uma enxó a sua última peça, an-
tes de se internar em um Hospital de Arapiraca, por recomendação
de sua médica. Ele estava com lesão no estômago e um câncer
provocado por 30 anos de tabagismo, 30 anos de fumo de corda em
cigarros de palha. Até então seu único vício, pois não toma bebidas
alcoólicas. No quintal de sua casa, onde gosta de fazer suas peças,
o mestre estava sorridente, para ele “o que importa é ser feliz e
fazer o que gosta”. Sua face negra está cortada por sulcos, bem
diferente quando tinha 50 anos. Os cabelos estão brancos, o sorriso
sempre presente, muito simpático, responde bem às perguntas. A
gente vê que é mestre de verdade. Ele mostra seus três totens que

581
estavam em seu ateliê com figuras cumpridas e delgadas, muita
expressividade nas figuras talhadas, e dramaticidade nas cores, que
são as marcas mais evidentes de sua obra.

“Faço maior, faço menor, faço o que a pessoa quiser, ou


levar da maneira que está. Comecei sem compromisso, mas hoje
minhas histórias são civilizadas e contemporâneas. Tenho estilo
próprio, e sei que muita gente admira e do meu jeito acho bonito o
que faço. Desde criança trabalhava fazendo arte, e ainda estou
aqui, mas acho que não somos valorizados como trabalhadores de
baixa renda. Um totem desses poderia valer até R$ 50 mil, tenho
meus gastos com a peça, mas o pessoal quer comprar por R$ 2
mil, R$ 3 mil”.

RESÊNDIO
Escultor de madeira - Porto Real do Colégio

Os bonecos do mestre Resêndio

Do alto de seus 72 anos, o escultor Resêndio da Silva, vive e


trabalha em sua casa-ateliê, em Porto Real do Colégio, no Baixo
São Francisco alagoano, terra onde nasceu, e faz desde os 60 anos
seus belíssimos bonecos de madeira, para o Brasil e para o mundo.
Mesmo com seu jeito tímido, simples e franciscano, mestre Resên-
dio vive hoje sua fase consagradora, como um dos maiores artistas
populares do Brasil, muito requisitado por galerias de arte, coleci-

582
onadores, decoradores e especialistas de arte e design de todo país.
Segundo o fotógrafo e pesquisador de arte popular Celso Brandão,
um museu de arte contemporânea da cidade americana de Palo
Alto, na Califórnia, está preparando um salão para receber uma
coleção de bonecos do mestre Resêndio. Na galeria Karandash, em
Maceió, a proprietária, a artista visual Maria Amélia Viera, come-
mora a boa fase do mestre, com um estoque de mais de 100 peças
compradas a Resêndio.

“Eu estive lá e vi que tem mesmo. Um dos espaços estava


lotado de bonecos meus, e no andar de cima tinha outros tantos.
Hoje não tenho a mínima ideia de quantos bonecos eu já fiz, mas
tenho peças espalhadas por todo o país, São Paulo, Rio, Bahia,
Minas Gerais”.

PEDROCA
Escultor em pedra e madeira - Maceió

O poeta da madeira

Mestre Pedrocas nasceu em Viçosa, foi criado em Olho


d´água do Casado, e até 1978 fez suas artes em Arapiraca, onde foi
discípulo de Zezito Guedes, consagrado escultor. Pedrinho, como
era chamado na infância, começou a esculpir em legumes arranca-
dos da roça da família. A batata doce e a macaxeira viravam maca-

583
cos, passarinhos. Mas pra seu desconsolo, dois dias depois a peça
estava seca e mofada.

“Minha trajetória do escultor teve início aos sete anos, por


influência de minha mãe, que fazia arte em argila. Vendo diaria-
mente ela transformar o barro em utensílios de louça utilitária,
como panelas, frigideiras, potes de todos os tipos. Eu comecei da
argila, já que minhas esculturas em legumes não duravam muito.
Depois conheci e me apaixonei pela madeira, pedra, resina e hoje
faço artes até em coco”.

RAIMUNDO DAS FAVELAS


Escultura em madeira - Lagoa da Canoa

A escultura migratória

A vida do escultor popular Raimundo Batista de Oliveira,


55 anos, é o próprio roteiro e enredo de um filme sobre um rapaz
nordestino que, como tantos outros, deixa sua terra natal em busca
de emprego no “Sul Maravilha”. Uma saga muitas vezes vista, es-
crita, contada e cantada. Raimundo das Favelas, nome de artista,
como se auto-denominou, mostra em sua obra a importância de
suas mudanças e adversidades no processo de migração a que foi
submetido, de certa forma determinante na construção de sua per-
sonalidade e de sua linguagem artística. Ele nasceu na comunidade
rural de Alto Cruzeiro, município de Lagoa da Canoa, no agreste

584
alagoano. Na sua via-sacra morou em Arapiraca (AL), Aracaju
(SE) e em São Paulo. Nesta última viveu até os vinte anos. Na ca-
pital paulista trabalhou na fábrica de calçados Lambert, com os
restos do couro fazia artesanato para vender em frente ao Museu
do Ipiranga. De volta a Alagoas começou a trabalhar com artesana-
to. Raimundo foi descoberto pelo mestre Zezito Guedes, escultor
popular de infinita grandeza, reconhecidamente um formador de
novos talentos, nascido na Paraíba, mas que escolheu Arapiraca
como sua terra há muitos anos.

“A partir do momento que me tornei discípulo de Zezito as


portas do circuito nacional da arte popular brasileira se abriram
para mim, além do estímulo que me fez buscar novas formas para
minha escultura. Logo me vieram as lembranças do que eu havia
vivido em São Paulo, as paisagens urbanas e a forma de morar e
viver das pessoas em encostas e favelas, ambiente em que vivi
também”.

SIL E AS TORRES DE CERÂMICA

Ex-cortadora de cana, Maria Luciene da Silva, a Sil, uma


ex-cortadora de cana que se tornou uma das mais expressivas e
talentosas artistas populares do Brasil. Sil faz parte da escola de
ouro do artesanato de barro de Capela, e teve como mestre, o fa-
moso João das Alagoas. Mas ele confirmou o valor de sua obra, e
João disputa o mesmo espaço na casa-ateliê de Capela. Suas torres

585
gigantes, escarpadas de bonecos de barro, com paisagens no fundo,
é algo espetacular. Seu casamento de matuto virou peça de traba-
lho. Todo mundo quer. Na primeira visita que fez ao ateliê do
mestre já foi para ficar. E suas primeiras peças?

“Foi um cavalinho. No começo eram cavalinhos, bois e pe-


quenos bonecos. O nome Sil vem do tempo de criança, era assim
como era chamada pelos seus pais; meus pais não conseguiam
chamar o nome completo dos meninos, aí cada um tinha seu apeli-
do... Aí eu comecei a assinar como Sil, eu pensei em assinar Luci-
ene, mas não, Sil é um nome que eu trago de muito tempo”.

VALMIR LESSA
Escultor em madeira - Ilha do Ferro

O herdeiro de Fernando

Walmir é o mais próximo herdeiro de Fernando Rodrigues,


tanto pela forte influência no modo de fazer como de parentesco:
Valmir casou com a filha de Fernando, Rejânia. Mas a família tem
outros artistas como os netos de Fernando, Bedeu, Vandinha e
Camila. Valmir trabalha no Boca do Vento, ateliê que foi de seu
Fernando, que continua a ter uma forte presença no local. Valmir
abriu um pequeno quarto, com uma lâmpada pendurada no teto,
onde entre teias de aranha e muita poeira, surgiram obras primas
do mestre, entre ex-votos, bonecos e cadeiras. A reportagem foto-

586
grafou as peças. Valmir estava trabalhando o entalhe de um totem,
de madeira crua, com sua faca amolada. Ele conta que gosta mes-
mo e se sente à vontade fazendo as cadeiras de raízes de pau, aque-
las que tornaram seu sogro famoso. “Eu já fazia as cadeiras com
ele, desde buscar as madeiras na serra, até o corte, a armação, o
alongamento dos galhos e cipós. Por isto faço com sabedoria, foi
ele que me passou tudo”.

“A maioria das coisas já vem pronta. Já são feitas pela na-


tureza. Tem uma cadeira aqui que eu só coloquei o pé. O povo diz
que eu sou bom, mas eu olho a madeira morta e digo: ‘Isso aqui
vai dá um pássaro. Ou, isso aqui dá uma cadeira’. Enxergo o que
já existe ali”.

VAVAN
Escultor em madeira - Ilha do Fero

Impecável na arte final

Edvan Alves de Lima, 56 anos, é outro estreante como artis-


ta de madeira da Ilha do Ferro, e já chega com uma coleção peças
de encher os olhos: onças, peixes, pavões, luminárias ornada de
pássaros, lagartos, em uma fauna colorida e imaginativa. Seu ateliê
às margens do São Francisco estava repleto de peças, com uma
variedade incrível de arte figurativa. Ele trabalhava na olaria do pai
fazendo telha, “quase como um trabalho escravo, 12 horas por

587
dia”, quando há quatro anos se libertou do duro trabalho e mergu-
lhou no universo da madeira. Mas Vavan já fazia canoinhas, e pe-
gou uma encomenda de seis unidades da prefeitura de Piranhas. E
a partir daí não parou mais.

“O artesanato na minha vida esteve sempre presente, desde


cedo, quando “reinava” com um serrote fazendo peças, princi-
palmente canoas que até hoje é a que mais gosto. Minha inspira-
ção vem desde menino, tenho uma visão muito na frente, meu dese-
jo é sempre transformar e buscar algo novo. Qualquer pau eu
transformo numa peça. Muitos aí trabalham com o pau feito. Eu
olho o que tenho em mãos, vejo as formas, e deixo minha imagina-
ção fluir”.

VIEIRA
Escultor em madeira - Ilha do Ferro

Pássaro, gente e barquinho

José Bezerra Sandes Viera, o Vieira, 54 anos, também é ou-


tro grande escultor de madeira da Ilha e um dos preferidos dos ga-
leristas de Alagoas e de todo o Brasil. Seu talento é inigualável e
suas peças são reconhecidas num simples olhar, são objetos de arte
singulares, seus pássaros são minuciosamente talhados. Todos be-
líssimos. Antigamente ele criava os bichinhos de verdade na gaio-
la. “Mas eu deixei, não quero mais prendê-los. Presos, só estes

588
meus pássaros de madeira”. Vieira começou no roçado, depois se
transformou em carpinteiro, quando começou a trabalhar as escul-
turas. Viera também fez muitos galos-de-campina, araras e sabiás,
como também centenas de miniaturas da famosa canoa de Tolda,
embarcação do Velho Chico.

“Tem que ter cabeça para saber o que você vai fazer da
madeira. Eu de imediato já vejo formas nela. Mas prefiro desenha
primeiro no papel e depois ir elaborando a obra. Gosto de mistu-
rar as cores, acho que fica tão bonita quanto à natureza do lu-
gar”.

ZÉ CRENTE
Escultor de madeira - Ilha do Ferro

Obras de arte no quintal

José Alvaci Dias de Melo, o Zé Crente 55 anos, vai logo fa-


lando sem se importar com qualquer pieguice ou vanglória, mas de
forma natural: “Meu nome é Zé Crente, sou conhecido no Brasil
todo, já saí na Globo News, e tenho peça até nos Estados Unidos”.
Ele é mesmo uma figura extrovertida, um grilo falante, que divide
seu cotidiano entre sua arte em madeira, e as profissões de pedreiro
e coveiro do cemitério da Ilha. Ele não pára na sua lida diária, con-
tinua a trabalhar em seu quintal, enquanto não constrói seu ateliê.
Guarda a suas peças em uma geladeira quebrada.

589
“Eu brincava com a madeira desde criança, juntava a me-
ninada fazia cobra, passarinhos, índios, Lampião e barquinhos.
Quando meu pai morreu meti a cara no trabalho e aprendi a arte
do artesanato. Foi quando entrou na minha vida o seu Fernando,
conselheiro de todas as horas. Nós íamos para mata pegar os
paus, e comia rapadura com farinha e queijo”.

DIVERSIDADE DA ARTE

BORDADO DE FILÉ

Ainda nos anos 1990, a mais lendária estilista alagoana Vera


Arruda (1966-2004), já usava o bordado filé em suas roupas tropi-
calistas, com as cores do Brasil, nas passarelas nacionais e interna-
cionais. E o filé pegou. De acordo com percentual do Programa do
Artesanato Brasileiro em Alagoas (PAB), mais de nove mil arte-
sãos inscritos no Sistema de Cadastramento do Artesanato Brasi-
leiro, 70% trabalham com o filé, o bordado tradicional alagoano.
Pronto para seu reconhecimento como Patrimônio Cultural do Es-
tado, o filé é a principal fonte de renda das famílias do Pontal da
Barra e de várias comunidades de Marechal Deodoro. O filé é bas-
tante valorizado no resto do país pela tradição, autenticidade e ri-
queza de detalhes em todas as peças.

590
BORDADO MEIA NOITE

Na Ilha do Ferro vivem cerca de 200 famílias, que se susten-


tam por meio da pesca, de atividades agrícolas e, sobretudo, do
artesanato. Junto às esculturas e aos móveis de madeira, o bordado
boa-noite é um dos pilares desse artesanato. Criado há mais de um
século, o bordado é uma variação da técnica do redendê, um ponto
descoberto por países nórdicos (Dinamarca, Finlândia, Islândia,
Noruega e Suécia), e que chegou a nossas plagas graças à herança
portuguesa nas comunidades ribeirinhas do São Francisco. Dentre
as flores da localidade, foi em especial a flor denominada “boa-
noite” que serviu de inspiração para os primeiros bordados, aplica-
dos sobre os fios desfiados de linho, e acabou por dar nome à nova
técnica. A Cooperativa Art-Ilha, onde se reúnem mais de 40 mu-
lheres bordadeiras de todas as idades, é a maior responsável pela
produção e comercialização dos artigos de cama, mesa e banho,
que apresentam ricos detalhes feitos com o bordado boa-noite.

RENDA DE BILRO

São Sebastião - no Agreste alagoano – é a capital dos bilros


de Alagoas. A renda de bilro é uma tradição no município, locali-
zado a 100 km de Maceió. A prefeitura mantém uma escola para
que a arte não se perca. Na sala de aula, estão meninas entre 8 e 12
anos, e mulheres, que ainda teimam em aprender o ofício. Para

591
todas, Clarice Severiano dos Santos, 74, é exemplo. Não há quem
não a conheça na cidade. As peças dela, feitas com muito primor,
são vendidas pelos quatro cantos do país. No cotidiano, a força de
vontade dessa mestra impressiona. “Eu faço renda todo dia. Só
paro à noite, depois das 11 horas, quando a minha filha mais nova
chega da faculdade. Ela estuda em Penedo”, conta. Com essa pele-
ja toda, a vista e a coluna reclamam. “As costas doem. Passar o dia
inteiro sentada nessa cadeira não é brincadeira”, admite. Os óculos
ficam bem rentes ao rosto. São aliados inseparáveis. O ofício foi
repassado às três filhas, Maria, Josefa e Djenalva, e à neta, Amélia.
“Com 8 anos, eu já colocava as meninas para aprender o bilro. Se-
gui a lição da minha mãe, Maria das Dores. Criança, eu já ganhava
meu dinheirinho. Comprava boneca, casinha”, diz. Interessante
também são os nomes dos pontos. As alunas sabem de cor: olho de
pombo, tracinho, bico Ester, feixe de lenha. Tem também o dedo
do cão, mas Dona Clarice pede que esse não seja pronunciado. “É
feio, preferimos dizer Serra de Catatu”, afirma. Trata-se de mais
uma superstição da mestra de São Sebastião.

BARRO OU CERÂMICA

No romance Calunga, de Jorge de Lima, ao falar da pobreza


entre os ribeirinhos das lagoas, ele escreveu que o povo já estava
acostumado a comer “barro cru, tijolinho de massapé cozido –
vermelhinho – e mascar bolões de barro cozido, cacos de telha e
balas de badoque”. Mas isto deve ter ficado no passado, porque o

592
barro virou matéria prima nobre para uma arte que tornou Alagoas
conhecida dentro e fora do país. Em todas as 11 cidades ribeirinhas
do Rio São Francisco tem produção ceramista. O movimento na
feira do barro de Penedo é grande, a de Porto Real do Colégio, é
outro polo, neste último, as ceramistas são chamadas de louceiras,
e as peças louças. A cerâmica indígena de Porto Real também é
forte. Existem outros centros produtores de barro, como Lagoa da
Canoa, Matriz de Camaragibe e Viçosa.

As cabeças de barro de Dona Irinéia

A artesã Dona Irinéia, mestra do Patrimônio Vivo de Alago-


as, liderança do povoado quilombola do Muquém, em União dos
Palmares, apesar da idade, está sempre em ritmo de produção, aju-
dada pelo marido Antonio Nunes. Em 2014, o barro de Alagoas foi
atração na Copa do Mundo do Brasil, quando artesãos da terra
mostraram seu trabalho em exposição itinerante pelas cidades-sede
da Copa. Mas o maior sucesso mesmo, foram as cabeças da artesã.
Suas peças rodaram por São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador e Bra-
sília, com mais 90 diferentes peças de artesanato alagoano. Só para
a Copa, ela teve que confeccionar 300. “Estou bastante contente
em participar com a minha arte nesse evento tão importante para os
brasileiros. É a cerâmica de Alagoas vista pelo mundo”, vibrou.
Dona Irinéia entende do riscado. Ela faz de uma bola de barro a
arte crua dos bonecos há 37 anos, e foi vencedora de inúmeros
prêmios municipais, estaduais e nacionais, tem esculturas expostas
por todo o território nacional. Através delas dá seguimento aos

593
ideais de liberdade, motivo de orgulho para os alagoanos, em espe-
cial, às mulheres da comunidade quilombola que têm em sua ima-
gem, exemplo vivo de resistência.

FIBRA

Ao lado da cerâmica (barro e argila) e da madeira, a fibra de


uso artesanal é a de maior atividade e geração de emprego no Bra-
sil, e também em Alagoas. Foram os índios que criaram as técnicas
originais de trançar as fibras vegetais; principalmente pela diversi-
ficação desta fibra. Em Alagoas existem centros de produção de
fibras de coqueiros, palmeiras e bananeiras, folhas de taboa e a
planta trepadeira - o cipó. É um artesanato leve, não pesa, basta ter
habilidade na mão, no manuseio da costura e na inventividade do
artesão. Os objetos são os mais diversos, vão desde os artefatos
indígenas – até hoje produzidos – como máscaras, cocares, tiaras e
braceletes, até todo tipo de cestaria.

BANANEIRA (PALHA E TRONCO)

Em Maragogi, litoral Norte, as conhecidas "Mulheres de Fi-


bra", devido a matéria-prima que usam para fabricação de peças de
artesanato, vendem sua produção em assentamentos agrários (Água
Fria e Massangana). Ao desfibrar a folha e o tronco da bananeira, e
transformá-los em fios de tecer, elas produzem objetos utilitários –

594
passadeiras, jogos americanos, porta copos, bolsas e carteiras, co-
mercializados em feiras de diversos Estados do Brasil.

PALMEIRA OURICURI (PALHA)

Existem centros de produção e venda em cidades do litoral


Sul, como Penedo, Feliz Deserto e Coruripe, mais propriamente no
Pontal do Coruripe, onde se instalaram as artesãs. Com o uso da
palha elas realizam a própria preservação do meio ambiente, com a
reciclagem da matéria-prima, e garantem o sustento da família. O
trabalho das cesteiras é conhecido em todo Brasil e exterior. A
marca do artesanato são cestas, bolsas e objetos decorativos a par-
tir da palha, e depois coloridas com anilina e polidas.

TABOA (FOLHA)

Em Feliz Deserto, Litoral Sul de Alagoas, a folha de taboa -


uma planta aquática encontrada em áreas de várzeas, brejos e man-
guezais – está mudando a vida de uma geração inteira de mulheres.
Há mais de 20 anos, elas usam dessa tradição, talento e criação,
apara a confecção de pufes, bolsas, tapetes, cestos e outros objetos
de decoração. O beneficiamento da palha de taboa deu tão certo,
que hoje famílias inteiras na cidade vivem deste artesanato.

595
CIPÓ (PLANTA TREPADEIRA)

Nas regiões mais altas de Água Branca, entre as serras da


região, o cipó - plantas trepadeiras de hastes finas e flexíveis que
pendem das árvores – é trançado e usado na confecção de um arte-
sanato com fibras maiores, e mais duráveis. O beneficiamento do
cipó está centralizado nas comunidades de Serra do Paraíso, Serra
da Laranjeira e Sitio Baixa do Pico que ficam a uma distância de
aproximadamente 4 Km da cidade. Entre os produtos comerciali-
zados estão cestas, caçuá, caqueiras, cadeiras, balaios.

BRINQUEDOS
Um mundo mágico

Tudo pode ter começado pelo pião de madeira que rodopia


no chão, ou as bonecas de pano, e caminhões de madeira com
chassis de lata. Em Alagoas, quem não brincou com o Mané Gos-
toso. Um boneco de madeira fina e leve, que fica no meio de duas
barras, com cordão trespassado, que quando se aperta as dobras,
ele faz malabarismo nas barras, do modo de atletas olímpicos. O
bambolê de hoje é de plástico, mas o antigo era feito de bambu ou
taquara.

“Através da recreação a criança se relaciona com o mundo


e constrói seu próprio universo. Aqui nas Alagoas, como em qual-
quer outra parte do Brasil, há brincadeiras e brinquedos das mais

596
variadas formas – simples e funcionais, feitas por mãos sensíveis
que enriquecem a nossa cultura e mantém viva nossas tradições”.

Mestres Artesãos das Alagoas, 2ª edição, Instituto Arnon de


Mello, 2014

Os mestres do brinquedo em Alagoas

Alagoas se transformou em um celeiro de mestres populares


do brinquedo como artesanato. Um dos mais famosos colecionado-
res de brinquedos do Brasil é David Glat, que tem mais de 3.000
peças, e faz exposições itinerantes por todo o país. A coleção tem
exemplares de artesãos de todo país. São brinquedos de madeira,
tecido, lata, metal, fibras naturais, sementes, cabaça, pedra, borra-
cha, papel maché, papelão, jornal, lona, arame, raízes, palha, cou-
ro, barro, areia, além de brinquedos reciclados construídos a partir
dos mais diversos rejeitos da sociedade industrial e da vida urbana.
De Alagoas, Davi Glat destacou 11 alagoanos, que tem peças exi-
bidas no Museu do Brinquedo.

Mestre Lampião, de Arapiraca. Aluízio Nogueira Motas é


natural de Santana de Ipanema. Produz arte popular desde os seus
tempos de adolescente. Por 35 anos cumpriu jornada de trabalho
como mecânico na indústria de fumos Cacique de Arapiraca, mas
nunca deixou de produzir grande variedade de brinquedos. Mané-
gostoso, piões, caminhões, aviões, brinquedos de cabo, rodas gi-
gantes e cata-ventos. Ele cita também Zezinho, de Arapiraca, que é

597
discípulo do mestre Lampião . e mais: Adailton Rodrigues dos
Santos, de Lagoa da Canoa; Cicinho de Pão de Açúcar; João Car-
los da Silva, João das Alagoas, de Capela; Nan, da Ilha do Ferro;
José Nilson Barbosa, de Palmeira dos Índios e Nena, de Capela,
Sil, de Capela; Nilson, de Viçosa; Valmir, da Ilha do Ferro.

CABAÇA

Lembranças de curvas femininas

A cabaça é um fruto, de formato oval, oco por dentro, que


às vezes parece as curvas de corpo feminino. Classificada como
fruto da cabaceira, tem em todo o Nordeste, e dependendo da re-
gião tem vários nomes: cumbuca, maracaxá, poronga, purunga,
taquera e outras mais. Além do artesanato, ou sua venda in natu-
ra, as cabaças estão no folclore alagoano, como instrumento mu-
sical. Peças de percussão como o Xequerê, que é uma espécie de
chocalho feito com miçangas coloridas envolvendo cabaças secas,
usado no Maracatu Baque alagoano.

Mestres Artesãos das Alagoas, 2ª edição, Instituto Arnon de


Mello, 2014

598
COURO CRU

Em Dois Riachos é do bom

No fim do século XVII, devido à expansão da conquista ter-


ritorial, os rebanhos de bois foram distribuídos ao longo de Ala-
goas, desde as regiões são franciscanas até o Agreste o Sertão. O
corte, a carne, o couro e o leite foram condições sem as quais o
sertanejo estaria mais ainda isolado. Mas a cultura permaneceu, e
em algumas áreas com tradição rural, como Batalha, Major Isido-
ro, Viçosa, Chã Preta, Água Branca, Piranhas, Delmiro Gouveia,
Palmeira dos Índios e Dois Riachos, sustentam o mercado de cou-
ro da região. E para fazer celas, correias, chibatas, chapéus, gi-
bão de vaqueiro, e até sandálias xô boi, os artesãos usam instru-
mentos pesados como facas e facões, máquinas de costura de linha
grossa, pregos, alicates, martelos, sovelas e tesouras. O produto
ainda é garantido com a venda de couro cru, ou dos curtumes da
região, na feira de Dois Riachos, a maior de Alagoas na comercia-
lização de animais. A feira é aberta, onde circulam todos os per-
sonagens como vaqueiros, compradores, açougueiros, artesãos, e
tocadores de viola.

Mestres Artesãos das Alagoas, 2ª edição, Instituto Arnon de


Mello, 2014

599
SUCATA
Esculturas de Zezito Guedes

Mestre do Patrimônio Vivo de Arapiraca, José Gomes Pe-


reira, mais conhecido Zezito Guedes, nome que ganhou de seu fa-
moso fã, Ariano Suassuna, é um artista intelectual. Além de botar a
mão na massa para fazer de sucatas de ferro esculturas geniais –
também trabalha faz com madeira, gesso e pedra -, ele é um reno-
mado escritor, com livros importantes como “Cantigas das Desta-
ladeiras de Fumo”, “A Feira de Arapiraca”, “Folclore da Seca”,
“Tabira e Outras Manifestações Populares” e “Arapiraca Através
do Tempo”, alguns deles publicados pela Fundação Joaquim Na-
buco, de Pernambuco, e pela Editora da Universidade Federal de
Alagoas (Edufal). Em 2009, a Prefeitura de Arapiraca inaugurou o
Museu Zezito Guedes, na Praça Luiz Pereira Lima, que tem acervo
de grande porte do escultor. Ariano Suassuna, autor de obras como
“Auto da Compadecida” e “Pedra do Reino”, elogiou o escultor em
texto publicado no catálogo da Mostra Individual Zezito Guedes,
na Fundação Joaquim Nabuco, em 1975. Segundo Zezito, foi Ari-
ano quem colocou sua alcunha de Zezito Guedes.

“Com Zezito Guedes, surge, mais uma vez, a confirmação


daquilo que vivo dizendo a respeito do Nordeste e do nosso grande
povo: ambos têm reservas maravilhosas de invenção e criação, e
de vez em quando como acontece agora com Zezito Guedes, ir-
rompe de todas as deformações que andam fazendo, para aparecer

600
com uma obra pura e forte, como é sem dúvida, a escultura em
madeira desse moço”.

Ariano Suassuna, sobre Zezito Guedes

XILOGRAVURA
Pica pau, ou mestre Enéias

A xilogravura é uma das técnicas mais antigas, vindas da


Idade Média. Em Alagoas, Enéias Tavares dos Santos, o Pica-Pau,
é o nosso maior xilógrafo. Enéias continua a encantar o mundo
com sua arte. Chegou a ser tema de livros e pesquisas, como a pu-
blicada por Denilda Moura no livro O Poeta e Xilógrafo Enéias
Tavares dos Santos, em 1983. O processo para produzir um quadro
em xilogravura e passá-lo para uma ilustração de cordel não é tão
simples quanto o resultado final tenta sugerir. Uma vez riscada, a
madeira é talhada. Com o desenho esculpido, a peça vai para uma
prensa que reproduz as cópias em papel. Aos 74 anos de idade,
Enéias Tavares diz que aprendeu todo o processo sozinho. A rela-
ção com a arte brotou quando ainda era criança, aos 11 anos. "Vi
um camarada fazendo carimbos, achei bonito e aquilo entranhou
meu espírito. Dos carimbos com nomes de amigos e parentes, fui
fazendo desenhos e depois rumei para a xilogravura”.

601
PAPEL MACHÊ
As máscaras de Achiles Escobar

O artesão e artista plástico Achiles Escobar é o mestre das


máscaras, principalmente as de Carnaval, que corta, desenha, pinta
e borda com todo tipo de material. São máscaras que relembram os
bailes carnavalescos e também a cultura alagoana, com a presença
de chita e franjas. Ele utiliza a técnica de papel colê e machê e o
trabalho de pintura manual, o artista plástico fez uso de material
reciclável para elaborar as peças decorativas.

Mais diversidade do artesanato alagoano

Alpercata xô boi – Batalha


Arte plumária indígenas – Porto Real
As louças de Porto Real do Colégio
Cadeira de tronco de coqueiro – São Miguel dos Milagres
Cadeiras e bancos com madeira de mangue – Ilha do Ferro
Candeeiro de flandres – Feira de Arapiraca
Casca de coco, ou quengo do coco: ladrilhos, jangadas, bo-
necos, arranjos
Cestos e caçoás de cipó para lombo de animal – Região
Agreste e Sertão
Chapéu de coro. Sebastião Belarmino: o último chapeleiro
– Arapiraca

602
Chapéu de palha moldado por pilão – Litoral Norte
Covos (armadilha para peixes) feitos de taboca e cipó – Je-
quiá da Praia
Esculturas de Geraldo Dantas – Arapiraca
Esteira de piripiri –Vale do Mundau
Imagens sacras de Saturnino João – Arapiraca
Peneiras ou urupemas (quadrada ou circular) – Litoral Sul
Rabecas construídas com a melhor madeira – Marechal
Deodoro
São Francisco talhado em madeira – Antonio Deodato
Tecelãs de Água Branca – Povoado Quixabeira
Utensílios da palha de ouricuri tingidas por anilina – Feliz
Deserto e Coruripe

Principais centros de produção

Água Branca. Cestaria em palha de ouricuri e cipó


Batalha. Sandálias sertanejas em couro
Boca da Mata. Escultura em madeira e patchwork
Cajueiro. Colchas de retalho e artesanato em bambu
Coruripe. Cestaria em palha de Ouricuri
Capela. Barros e argila (cerâmica)
Delmiro Gouveia. Tecelagem
Feliz Deserto. Cestaria em palha de taboa
Maceió (Pontal da Barra). Bordado Filé
Maragogi. Artesanato em fibra da bananeira e quenga de coco

603
Marechal Deodoro. Bordados: Filé e Labirinto
Palmeira dos Índios. Artesanato em palha da bananeira e ce-
râmica indígena
Pão de Açúcar (Povoado Ilha do Ferro). Bordado Boa-noite
Penedo (Povoado de Marituba do Peixe)
Cestaria em palha de ouricuri
Piranhas (Povoado de Entremontes). Bordados Rendendê e
Ponto de Cruz
Porto Real do Colégio. Bordados Rendendê e Ponto de Cruz
São Sebastião. Renda de bilro
União dos Palmares. Artesanato em cerâmica

Fonte: Secretaria de Planejamento, 2014

604
ARTES & ARTISTAS

“Alceu Mainard recolheu de Igreja Nova a Piaçabuçu (ci-


dades do Baixo São Francisco) mais de 200 melodias dos planta-
dores de arroz. Roda, Reisado, Pastoril, Chegança, Quadrilha. Os
folguedos crescem e se multiplicam por toda a parte. Louve-se
Viçosa das Alagoas, que nos idos de trinta criou o Guerreiro, o
mais brilhante folclore do Brasil. Em cada povoado, em cada re-
canto, em cada vila, sabia-se das cantigas dos folguedos. As Baia-
nas, as Taieiras, o Pastorial, tudo se cantava... O mundo evoluiu.
O popular é cada vez mais local! Até mesmo as grandes figuras
que seriam grandiosas em seu mundo, passam aos grandes centros
e se tornam populares para alguns e que balançam a cabeça dian-
te da telinha e, em seguida mudam de canal e nem se lembram o
que ele cantou”.

Benedito Fonseca, maestro e regente de Coro, professor de


técnica vocal, em Arte Popular em Alagoas, Pesquisa e Organiza-
ção, Tânia de Maya Pedrosa. Maceió, Grafitex, 2004

605
MÚSICA

AUGUSTO CALHEIROS
A patativa do Nordeste

O cantor e compositor alagoano Augusto Calheiros (1891-


1956) nasceu numa família com boa situação financeira. Mas aos
nove anos viu a família passar dificuldades. Transferiu-se rapazola
para Garanhuns. Ali trabalhou como dono de bar, fabricante de
sapatos, hoteleiro, subdelegado e até carcereiro. Paralelamente le-
vava sua vida musical cantando nos cinemas locais.Jovem ainda,
foi para Recife, onde conheceu Luperce Miranda, tendo sido con-
vidado a participar, como cantor, do grupo formado pelos irmãos
Luperce (bandolim), João (bandolim) e Romualdo Miranda (vio-
lão), e mais os violonistas Manuel de Lima (que era cego) e João
Frazão (Periquito). Por sugestão do historiador Mário Melo, o gru-
po passou a chamar- se Turunas da Mauricéia, numa alusão ao go-
vernador holandês do séc. XVII, Maurício de Nassau.Foi logo ape-
lidado de “A patativa do Norte”, pela sua voz afinadíssima e estilo
peculiar de cantar, que o tornariam um dos cantores mais originais
do seu tempo. Descendente de índio, Augusto fez um tributo a seus
ancestrais com a música Senhor da Floresta, que se tornou um de
seus maiores sucessos.

Um índio guerreiro da raça tupi


Vivia pescando

606
Sentado na margem do rio Chuí
Seus olhos rasgados, no entanto
Fitavam ao longe uma taba
Na qual habitava
A filha formosa de um morubixaba.

Um dia encontraram
Senhor da floresta no rio Chuí
Crivado de flechas,
De longe atiradas por outro tupi
E a filha formosa do morubixaba
Quando anoiteceu, correu
Subindo a montanha
No fundo do abismo desapareceu.

Naquele momento
Alguém viu no espaço, à luz do luar
Senhor da floresta de braços abertos
Risonho a falar:

Ó virgem guerreira
Ó virgem mais pura que a luz da manhã,
Iremos agora unir nossas almas
Aos pés de Tupã

Fonte: Dicionário Cravo Albin da Música Popular Brasilei-


ra, 2012

607
Sucesso no Rio de Janeiro

Em janeiro de 1927, os Turunas desembarcaram no Rio de


Janeiro, com suas roupas sertanejas e chapéus de aba larga. Estrea-
ram com muito sucesso no Teatro Lírico, em espetáculo patrocina-
do pelo jornal Correio da Manhã, cantando emboladas, cocos e
outros ritmos, apresentando-se depois na Rádio Clube. Como solis-
ta gravou canções sertanejas na Casa Edison, obtendo grande su-
cesso com os Turunas, no Carnaval de 1928, com a embolada Pini-
ão, de autoria de Luperce Miranda, que não participou dessa gra-
vação. No ano seguinte o grupo se desfez e o cantor passou a atuar
individualmente. Em 1923 foi para Recife, PE, onde começa a can-
tar na recém-inaugurada e segunda rádio transmissora brasileira,
Rádio Clube de Pernambuco. Calheiros, a partir de 1929, fez tam-
bém sua carreira solo, mantendo um estilo próprio cantando músi-
cas sertanejas.No auge de sua popularidade, dividindo com Jarara-
ca e Ratinho, Dercy Gonçalves, Arthur Costa e outros, cantava na
Casa de Caboclo, famosa casa de espetáculos inaugurada em 1932,
localizada na Praça Tiradentes, onde era divulgada a música regio-
nal brasileira. Ao todo gravou 80 discos 78 rpm com 154 músicas.

608
BANDAS E FILARMÔNICAS

As chamadas sociedades musicais alagoanas viveram um


período de ouro, entre os últimos anos do século XIX e as primei-
ras décadas do século XX. Mas, as dificuldade em sua manutenção
e a falta de prioridade do setor público está deixando acabarem
em Alagoas as bandas de música. “A mais antiga instituição liga-
da à criação e à preservação da tradição musical brasileira. Nun-
ca deixou de cumprir o papel de escola livre de música, verdadei-
ro conservatório do povo. Notadamente em pequenas cidades inte-
rioranas, desenvolve importante trabalho educativo e social, pro-
piciando oportunidade de uma vida mais digna a centenas de jo-
vens carentes”, afirma o pesquisador Wilson Lucena, detentor do
saber sobre a trajetória das filarmônicas. Ainda de acordo com
Wilson, embora Maceió tenha sido uma das precursoras das cha-
madas “furiosas”, ele só perdurou no interior do Estado, onde
elas resistem ao tempo, e formam um circuito musical encantador:

Trecho da reportagem do jornalista cultural e presidente do


IZP, Roberto Amorim, na revista Graciliano, nº 9 – junho/julho de
2011

Coqueiro Seco. Sociedade Musical Professor Francisco Pe-


drosa, a Furiosa, regida pelo policial militar Maestro Silvestre

Piaçabuçu. Filarmônica Euterpe São Benedito, que descen-


de da banda de rabecas que tocou para o imperador Pedro II, no

609
século XIX. Há 50 anos ela existe pela abnegação dos maestros
Euclides, Francelino e João Ferreira, este último já falecido.

Pão de Açúcar. Banda de Música Guarany. Regida por Pe-


trúcio Ramos, oficial-regente reformado da base da Banda da Base
Aérea de Salvador.

Marechal Deodoro. A casa verde da Filarmônica Santa Ce-


cília é a mostra da resistência dessa banda, em ação desde 1910, há
105 anos. É um orgulho para a cidade, músicos e alunos vestem
seus fardamentos nas apresentações. São 100 alunos e 80 músicos
mantidos pela prefeitura. É a de maior atividade em Alagoas.

Marechal Deodoro. Sociedade Musical Carlos Gomes,


fundada em 1915

Traipu. Filarmônica Lira Traipuense, regida pelo maestro


Antônio Basílio, e conta com mais de 70 músicos.

BANDA MOPHO
Psicodelismo e Beatles na veia

A banda alagoana Mopho, desde 1996, é uma pedra rolando


na cena do rock psicodélico, do hard e folk rock de Alagoas, com
fãs espalhados pelo país, por gravadoras cult, como a Baratos e
Afins. Nas horas inspiradas, fazem shows com a banda cover Alma

610
de Borracha, uma alusão ao disco Rubber Soul, dos Beatles, de
1965, onde cantam os Fab-four. Seus integrantes são João Paulo
(guitarra e voz), Hélio Pisca (bateria), Junior Bocão (baixo e voz) e
Dinho Zampier (teclado). O tecladista da formação original é Leo-
nardo Luiz. A Banda tem suas origens em 1989 na cidade de Ara-
piraca, agreste alagoano, quando João Paulo e Junior Bocão for-
mam uma banda cover dos Beatles. Em 1994, João Paulo muda-se
para Maceió e forma a banda Água Mineral, de Rock and Roll e
Blues, e em 1996, muda o nome da banda para Mopho. O nome é
originado de brincadeiras de amigos que, na efervescência do mo-
vimento Manguebeat em Recife, disseram que a banda ia "mofar"
no estúdio.

Álbum Mopho: sucesso de crítica e público

O disco Mopho, lançado em 2000 pelo selo paulistano Bara-


tos Afins, foi aclamado pela crítica nacional e projetou a banda em
importantes festivais de música independente como Abril Pro
Rock, Porão do Rock, Balaio Brasil, Festival de Inverno De Gara-
nhuns. Com o disco, a banda chegou a figurar em um TOP 35 da
rádio californiana KALX, de Berkeley, e arrancou vários elogios
como do ex-Mutantes Arnaldo Baptista, do maestro Rogério Du-
prat, até de uma banda americana Wondermints, que acompanhava
o Brian Wilson, do The Beach Boys, em turnê. Este álbum é con-
siderado um dos melhores álbuns da década de 2000. Após o gran-
de sucesso do primeiro álbum, a banda se dissolve em 2003 quan-
do estava prestes a lançar o segundo trabalho. Junior Bocão e Hé-

611
lio Pisca vão para São Paulo e formam a banda Casa Flutuante,
enquanto João Paulo grava com Leonardo o Sine Diabolo Nullus
Deus, lançado pela Baratos Afins em 2004. Em 2008, após cinco
anos separados, o grupo anuncia o retorno e com planos para um
novo disco. Em 2011, o disco "Volume 3" é lançado pela Pisces
Records.

Um Lindo Dia de Sol


Banda Mopho

Veja só meu amor


Leve embora meu coração
Nunca mais quero ser
Aquele tolo homem feliz

Eu, que lembro bem, vou seguir


A minha estrada sem fraquejar
Vou sorrir como nunca
Sem tentar me enganar
Quem sabe esqueça

Se você encontrar
Alguém perfeito eu vou rezar
Vou ficar, vou morrer
Vai ser um lindo dia de sol

Eu, que lembro bem, vou seguir

612
A minha estrada sem fraquejar
Vou sorrir como nunca
Sem tentar me enganar
Quem sabe esqueça

BANDA CACHORRO URUBU


O melhor do Raul

Em 2013, Mariano Lanat, baixista da banda (a primeira) de


Raul Seixas, em Salvador, 'Raulzito e os Panteras', declarou que a
Cachorro Urubu foi a melhor banda que ele viu interpretar as can-
ções de Raul Seixas. Ele participou inclusive de um ensaio da ban-
da nos preparativos para um 'Tributo' a Raul, e ainda aproveitou a
deixa para tocar ao vivo com eles a música "Maluco Beleza". A
banda está há mais de 10 anos fazendo shows, principalmente os
Tributos a Raul Seixas, no Clube Fênix Alagoana, sempre na data
de aniversário do lendário cantor Raul Santos Seixas (Salvador, 28
de junho de 1945). Ele morreu em 1989, é considerado um dos
pioneiros do rock brasileiro. Sua obra musical é composta por 17
discos lançados em seus 26 anos de carreira. Em todas as apresen-
tações, a banda veste literalmente a aura do cantor. Calças bocas-
de-sino, botas, "camisas psicodélicas" e performances. E no come-
ço, trazem ao palco um rádio velho, sintonizando em diversas esta-
ções, passando por "Rebolations" da vida, até chegarem em "Se o
rádio não toca", de Raul e Paulo Coelho.

613
"Raul era um figura; um personagem. Desde os cinco anos
de idade, guardava tudo num baú dele. O baú do Raul. O artista
era único. E é difícil de tocá-lo! Há toda uma complexidade nos
arranjos vocais e nas músicas", salienta o cantor Phillipe.

BANDA XIQUE BARATINHO


O rock –and-roll nordestino

Festejada em Alagoas e admirada por onde passa, a banda


Xique Baratinho situa-se no patamar das raras que conseguem ex-
trair originalidade na mistura de rock e regionalismos. Formada em
98, a rapaziada conquista fácil o público com um rock brejeiro de
pegada maliciosa. A banda é formada por Railton Sarmento, Aldo
Jones, Lelo Macena e Tárcio Rodrigues, e misturam ritmo grove,
guitarras criativamente pesadas e sopros de melodias marcantes.
Uma dose generosa de tempero pisado na cultura popular alagoana
e eis a artimanha sonora do Xique Baratinho. Na poesia, a turma
ora entorta ora apruma canções populares e cantigas de mestres do
folclore, sem deixar de lado as composições próprias que seguem a
mesma linha, numa reverência explícita aos brincantes da região.
Matreiros na habilidade de cadenciar o rock com coco de embola-
da, eles vão decodificando extratos poéticos da sabedoria popular
capturados nas feiras, esquinas, praças e praias das Alagoas.

614
CARLOS MOURA
A sereia de Maceió

Antigo parceiro de baile e barzinhos, no circuito estudantil,


do cantor Djavan. Natural de Palmeira dos Índios, Carlos Moura
começou a se apresentar junto com os Bárbaros, tocando em bailes
e matinês nas tardes de domingo em Maceió, no início da década
de 1970. Mais tarde no Grupo Vento, começou a compor e cantar
suas próprias canções. Mudou-se para o Rio de Janeiro, onde deu
início a carreira solo, gravando em 1980, "Reviravolta", o seu pri-
meiro LP. Mas foi com seu segundo disco, "Rosa de Sol", que veio
torná-lo reconhecido nacionalmente com a música "Minha Sereia",
uma homenagem à Maceió, colocando-o entre os destaques da
MPB. A confirmação do sucesso do cantor e compositor alagoano
concretizou-se com os discos: "Água de Cheiro" e "Estrela Cor de
Areia". Essa boa sequência de sucessos fez com Carlos Moura fi-
zesse apresentações no programa Som Brasil (Globo); Empório
Brasileiro (BAND); Jô Soares Onze e Meia (SBT) e Fantástico
(Globo) que exibiu um clip da música "Cometa Mambembe",
grande sucesso nacional. Durante o São João pelo Brasil, apresen-
tou-se ao lado de figuras como Dominguinhos, Genival Lacerda,
Zé Ramalho e Geraldo Azevedo. Nos anos 1990 fez uma série de
apresentações pelo Canadá.

Mergulhar no azul piscina


No mar de Pajuçara
Deixar o sol bater no meu rosto

615
Ai que gosto me dá

Mergulhar no azul piscina


No mar de Pajuçara
Deixar o sol bater no meu rosto
Ai que gosto me dá

E as jangadas partindo pra o mar


Pra pescar, minha sereia

Maceió, minha sereia


Maceió, minha sereia

Mergulhar no azul piscina


No mar de Pajuçara
Deixar o sol bater no rosto
Ai que gosto me dá

E as jangadas partindo pra o mar


Pra pescar, minha sereia

CHAU DO PIFE
Um chorinho para Alagoas

José Prudente de Almeida recebeu o apelido de Chau quan-


do adolescente, no município de Boca da Mata, interior de Alago-

616
as. Ao começar a tocar o pífano ou pife, foi batizado de Chau do
Pife, descobrindo o amor pelo instrumento, que já dura mais de 35
anos. Por volta dos 50 anos, casado há mais de 15 anos, com três
filhos, vive exclusivamente da música. Chau toca hoje em um pí-
fano de alumínio com sete furos que ele mesmo faz. O pai de Chau
era agricultor em Boca da Mata e plantava feijão, mandioca e mi-
lho. Para proteger a plantação de milho dos pássaros que atacavam
logo cedinho, seu pai lhe deu um pífano de quatro furos para que
ele “apitasse” para espantá-los. “E eu tinha que apitar muito, por-
que se ele pegasse algum milho comido, eu apanhava”, disse Chau.
Com o tempo seu pai percebeu o interesse que ele tinha pelo “pe-
daço de cano” que ele furava, a taboca, e deu ao pequeno Chau um
pife de seis furos para tocar. E assim começou a história musical
de Chau do Pife. Sua primeira apresentação foi numa Feira em
Atalaia, aos 14 anos. Ganhava dinheiro com essas apresentações e
ficava umas quatro semanas sem ir cortar cana, “um serviço muito
ruim”, diz. Música própria, ele só começou a fazer há 16 anos, na
banda Forró e Xodó. Hoje, os músicos que tocam com Chau são:
Irineu e Lula Sabiá (sanfonas); Xéxéu (Zabumba); Renato (triângu-
lo) e Deda (baixo). Vivendo exclusivamente da música, Chau bus-
ca inspiração para suas composições no seu dia-a-dia, como Me-
mória dos Pássaros, música que dá nome ao seu primeiro CD. Em
2006 lançou seu segundo CD, Ninguém Anda Sozinho.

617
CÍCERO FLOR
O cantor underground

Com canções de folk-rock rural, e muitas baladas melancó-


licas e românticas, Cícero Vieira fez de seu disco Trilha, um clás-
sico alagoano. Músico rodado, com estilo próprio, de vanguarda,
Cícero ficou algum tempo fora da cena musical, marcado pelo seu
lado introspectivo de poeta urderground. Amigo de infância do
músico Fernando, da dupla Duofel, teve seu CD definido assim por
um jornalista alagoano que o ouviu: "Se o CD do Duofel foi o lan-
çamento do ano (2006), o disco do Flor surpreendeu". Pura verda-
de. Muitos nunca tinham ouvido a voz rouca cheia de um estilo
próprio e cativante de Flor. E quando ouviam percebiam quanto
tempo perderam. O nome artístico Cícero Flor, vem de suas bases
roqueiras do Flower and Power (Flores e Poderes), no final dos
anos 1960, quando os hippies entraram em cena. E ele sempre foi
assim, franciscano, sandália lep-lep, bolsa de couro, e o violão, que
toca de forma magistral. Aos 13 anos, cantava em programas de
auditório da Rádio Difusora de Alagoas, em praças públicas, festas
de aniversários, colégios. Em 1978, no 1.º Festival Estudantil de
Música, promovido pelo extinto Departamento de Assuntos Cultu-
rais, hoje Secretaria da Cultura, foi eleito o melhor intérprete, com
uma músicas de sua autoria: “Saudações a um Velho Companhei-
ro”. Em 1979, participou do Show da UNE (União Nacional dos
Estudantes), na Faculdade Santa Úrsula, no Rio de Janeiro ao Lado
de Joyce, Originais do Samba, Carlos Lyra, Terezinha de Jesus,

618
entre outros artistas de consagração nacional. Tocou no programa
de Adelson Alves na Rádio Globo e no programa do cantor e com-
positor Luiz Vieira, na Rádio Nacional do Rio de Janeiro. Em
2000, lança seu melhor trabalho: “Trilha”, depois de uma batalha
de longa data.

DYDHA LYRA
Pintor-cantor-poeta

Alagoano de São José da Laje, Dydha Lyra é múltiplo: Poe-


ta, pintor, cantor, compositor, desenhista, escultor. O artista plásti-
co disse que desde criança já se destacava pelos seus desenhos na
escola, e também quando cantava nas festas da cidade onde nasceu.
O artista é integrante do grupo Movimento da Palavra, que reúne
poetas alagoanos. O último lançamento do grupo foi o livro de po-
emas Antologia Poética, que teve a participação de Lou Correia,
José Alberto Costa, Cavalcante Filho, Arlene Miranda, Valderez
Barros e Lys Carvalho. Mas nas artes plástica ele vê uma situação
nada boa. Na opinião do artista, os grandes pintores de Alagoas
estão acabando, e se preocupa com a não renovação da classe. “Os
grandes pintores alagoanos estão morrendo, e não estão aparecen-
do novos artistas. Outra grande deficiência em Maceió é a não
existência de uma escola de arte, ou a realização anual de um salão
de arte, para incentivar s mostrar o trabalho dos nossos artistas”.

619
Entrevista a Thayanne Magalhães, jornal Primeira Edição,
em 18/07/2011

DJAVAN
Fato consumado

Nascido em Maceió, capital de Alagoas, filho de uma mãe


negra e de um pai branco que trabalhava como ambulante. Sua
mãe, lavadeira, entoava canções de Ângela Maria e Nelson Gon-
çalves. Djavan poderia ter sido jogador de futebol. Lá pelos 11, 12
anos, o garoto Djavan Caetano Viana divide seu tempo e sua pai-
xão entre o jogo de bola nas várzeas de Maceió e o equipamento de
som quadrifônico da casa de Dr. Ismar Gatto, pai de um amigo de
escola. Da primeira paixão, despontava como meio-campo no time
do CSA (Maceió), onde poderia ter feito até carreira profissional.
Aos 23, chega ao Rio de Janeiro para tentar a sorte no mercado
musical. É crooner de boates famosas - Number One e 706. Com a
ajuda de Edson Mauro, radialista e conterrâneo, conhece João Mel-
lo, produtor da Som Livre, que o leva para a TV Globo. Passa a
cantar trilhas sonoras de novelas, para as quais grava músicas de
compositores consagrados como "Alegre Menina" (Jorge Amado e
Dorival Caymmi), da novela "Gabriela"; e "Calmaria e Vendaval"
(Toquinho e Vinícius de Moraes), da novela "Fogo sobre Terra".
Em três anos, nas horas vagas do microfone, compõe mais de 60
músicas, de variados gêneros. Com uma delas, "Fato Consumado",
tira segundo lugar no Festival Abertura, feito pela Rede Globo, e

620
chega ao estúdio da Som Livre. Em 1976 sai "A voz, o violão, a
música de Djavan", um disco de samba sacudido, sincopado e dife-
rente de tudo que se fazia na época. O seu primeiro álbum trouxe o
"carro-chefe": "Flor de Lis" que se torna um grande hit nas rádios.
No primeiro disco, Alagoas, Djavan cantou sua terra.

Ô Maceió
É três mulé prum homem só
Ô Maceió
É três mulé prum homem só
Eu fui batizado na capela do farol
Matriz de Santa Rita,
Maceió
Eu fui batizado na capela do farol
Matriz de santa Rita,
Maceió
mas foi beirando estrada abaixo que eu piquei a mula
Disposto a colar grau na escola da natura
Se alguém me perguntar
Não tenho nada a dizer
Pois eu, pra me realizar
Preciso morrer
Mas foi beirando estrada abaixo que eu piquei a mula
Disposto a colar um grau na escola da natura
Se alguém me perguntar
Não tenho nada a dizer
Pois eu, pra me realizar preciso morrer

621
Você me deu liberdade
Pra meu destino escolher
E quando sentir saudades
Poder chorar por você
Não vê, minha terra mãe
Que estou a me lamentar
É que eu fui condenado a viver do que cantar

ELIEZER SETTON
Forró com marca própria

Eliezer Otílio Setton nasceu em Maceió, em Janeiro de


1957, é cantor e compositor brasileiro de Forró e MPB. Filho de
Salomão Setton Neto, o eterno Rei Momo do Carnaval de Maceió
por 19 anos consecutivos, e de Terezinha Otílio Setton, Eliezer
Setton começou a compor em 1976 e no ano seguinte participou do
seu primeiro festival de música, o que resultou em sua primeira
música gravada, Desesperança, e lhe proporcionou o ingresso no já
existente Grupo Terra, grupo musical que foi um marco da cultura
alagoana do final dos anos 70 e início dos anos 80. Em 1983, de-
pois de distinguir-se no IV Festival Universitário de Música, pro-
movido pelo Diretório Central Estudantil da Universidade Federal
de Alagoas, conquistando o segundo e terceiro lugares como com-
positor, além do prêmio de melhor intérprete, aventurou-se como
músico da noite atuando em Maceió, São Paulo (1984) e Rio de
Janeiro (1985-1989), fazendo o tradicional voz e violão.

622
A canção épica em tributo à terra natal

De volta a Maceió, em 1989, continuou sua trajetória de fes-


tivais, culminando com as participações no Canta Nordeste (trans-
mitido ao vivo pela Rede Globo para toda a Região), onde foi fina-
lista em 1994 e 1995. Compositor eclético, é na música nordestina
que vem colhendo os melhores frutos. Da parceria com Pedro Ser-
tanejo, pai de Oswaldinho do Acordeon, surgiu Campo Formoso, o
primeiro forró com sanfona e tudo, gravado por Eliezer num disco
de Pedro Sertanejo, em 1982. Da parceria com Oswaldinho do
Acordeon, nasceu, dentre outras, Na hora H, música que Elba Ra-
malho gravou em 1992 e foi indicada para o VI Prêmio SHARP. O
casamento com o Forró estava sacramentado e o compositor pas-
sou a ser gravado pelos intérpretes do cancioneiro nordestino. Em
2011, Eliezer volta ao Forró no CD "O Quelso", que apresenta uma
exclusiva e interessante versão da popular "My way", que ganha
ares forrozeiros e ficou "Bem a meu jeito". “O Forró é a cara do
Nordeste, por isso nunca teve ascensão. Sempre foi discriminado,
assim como o nordestino. A música nordestina está diluída. Na
hora que começou a valer dinheiro na boca das bandas de som ele-
trônico, deixou de ser autêntico". Eliezer Setton, em entrevista ao
"O Jornal", em 06/06/2010. Mas Eliezer também canta sua terra,
resgata pérolas de músicas antigas, principalmente as carnavales-
cas. Mas seu mais bonito tributo está na canção Não há quem não
morra de amores pelo meu lugar:

623
Eu sou da terra onde há lagoas
Da terra onde há marechais
De tantos risos de tantas loas
Tantas ilhas tantas croas
À sombra dos coqueirais

Ah! Calabares de Holanda


Mares de uma banda
E o Velho Chico ao sul
Esse Graciliano
Esse Jorge de Lima
Essa Nêga Fulô
Ah! Marechal Floriano
De ferro e de flores
Não há quem não morra de amores
Pelo meu lugar

Ah! Mais que um solo de cana


Essa terra tem gana
De fumo e algodão
Djavan, Jararaca
Hermeto, Paurílio
Maestro Fon-fon

Ah! É Zumbi dos Palmares


União de cores
Não há quem não morra de amores

624
Pelo meu lugar

Ah! Cabanada no norte


Um bispo sem sorte
Os Caetés
Teotônio Vilela
Pontes de Miranda
Aurèlio de A a Z
Ah! Mesa rica de renda
E de tantos sabores
Não há quem não morra de amores
Pelo meu lugar

Ah! Brincadeira é chegança


E o guerreiro que dança
Faz tremer o chão
Zé Maria Tenório
Entra! Pedro Teixeira
Theo Brandão
Ah! Dos Prazeres Senhora
Abençoe os senhores
Não há quem não morra de amores
Pelo meu lugar

625
FERNANDO MELO
Violão alagoano conquista mundo

Nascido em Arapiraca, Fernando Melo já tocou no mesmo


palco onde se apresentaram nomes como Eric Clapton, B. B. King
e Herbie Hancock. Fanático por música o instrumentista diz que
ouve de tudo. Com 50 anos de idade, o instrumentista Fernando
Melo é apontado como um dos maiores virtuoses da música brasi-
leira, ao lado de seu companheiro de estrada, o paulistano Luiz
Bueno, com quem criou, há 27 anos, o Duofel - duo instrumental
que figura entre os mais respeitados do Brasil e do exterior. Em
1985, formaram o duo, que passou a acompanhar Tetê Espíndola.
Nesse mesmo ano, atuou ao lado da cantora na interpretação de
"Escrito nas estrelas", tendo sido responsável também pelo arranjo
da canção que venceu o "Festival dos Festivais" (TV Globo). O
músico, autodidata, sentiu cedo, nas veias, o desejo de se expressar
por meio da música. Aos 6 anos, ainda em sua cidade natal, deixa-
va a mãe cabreira ao cantar na porta da sorveteria do cinema do
município, quase sempre em troca de guloseimas e de ingressos
para as matinês. Em meados de 1970, Fernando decidiu deixar
para trás a capital alagoana, rumo à selva de pedra, São Paulo/SP.
Sofreu com a mudança, assim como todo nordestino que se aventu-
ra por aquelas bandas. Hoje, com uma carreira consolidada, ele
experimenta o sabor da superação, encantando espectadores mundo
afora com sua música inventiva e autêntica. Com um currículo
que exibe shows em países como Bélgica, França, Suíça e EUA.

626
FLORENTINO DIAS
Monstro sagrado da regência

Com seis anos de idade, o alagoano Florentino Dias come-


çou a estudar música. Aos nove, mudou-se com a família para o
Rio de Janeiro, onde pôde, tempos depois, concretizar o sonho de
infância: tornar-se maestro de orquestras. A trajetória do musicista
inclui o curso de graduação em Música na UFRJ, o mestrado em
Regência de Orquestra nos Estados Unidos e a carreira de docente
universitário. É fundador e Regente titular da Orquestra Filarmôni-
ca do Rio de Janeiro há 26 anos. Também é membro da Academia
Internacional de Música na Cadeira de "Richard Strauss" e da
América Symphony Orchestra League. Foi o primeiro e único re-
gente brasileiro homenageado com uma Batuta de Ouro, represen-
tando o Brasil como Membro Internacional Order of Merit. Pelos
Estados Unidos recebeu do América Biographical Institute, "The
Presidencial Seal of Honor" por sua exemplar realização no campo
da música. Florentino é fundador de três orquestras no Rio de Ja-
neiro. Em 1962, a Orquestra Filarmônica Estudantil do Diretório
Acadêmico Padre José Maurício, da Escola de Música da UFRJ.
Em 1969 fundou a Orquestra Sinfônica e Coral da Universidade
Federal do Rio de Janeiro. Com ela realizou mais de 150 concertos
pelo interior do Rio de Janeiro, Minas Gerais e Espírito Santo.
Conseguiu que a Universidade reconhecesse o Coral como disci-
plina, com publicação em Boletim.

627
Alagoano cria Filarmônica carioca

Em 1978 criou a Orquestra Filarmônica do Rio de Janeiro,


da qual é Regente Titular. É formado pela Universidade Federal do
Rio de Janeiro e professor titular da mesma Escola. Concluiu mes-
trado em Regência na Washington University, USA, e frequente-
mente tem sido regente convidado dos Festivais de Verão na Flóri-
da e em Nova York. Estudou com grandes mestres, como Francis-
co Mignone, Eleazar de Carvalho, Robert Wykes, Harold Blumen-
feld e outros. É membro da Academia Internacional de Música e da
American Symphony Orchestra League e em 1987 foi homenagea-
do com uma "Batuta de Ouro" e com o Título de Cidadão do Esta-
do do Rio de Janeiro pela Assembléia Legislativa do Estado do Rio
de Janeiro. Foi homenageado com dois valiosos prêmios no Fórum
Mundial em Washington D.C. O American Biographical Institute
criou uma fundação com seu nome, "Florentino Dias Award
Foundation", e pelo International Biographical Centre, da Inglater-
ra, foi eleito "International Professional of the Year 2007", em sua
especialidade. Em setembro de 2014, o maestro Florentino Dias,
há 35 anos à frente da Orquestra Filarmônica do Rio de Janeiro,
finalmente aposentou sua batuta.

628
GERSON FILHO
Forrozeiro danado de bom

Segundo o pesquisador José Gama Lessa, o penedense Ger-


son Filho foi um dos precursores e fundadores do que se consoli-
dou como Forró. Exímio tocador do "Fole de Oito Baixos", marcou
época. Será lembrando, entre outras personalidades locais marcan-
tes da música “forrozeira”. Gerson Filho nasceu no dia 12 de mar-
ço de 1915, na Fazenda Mundeis, em Penedo. Iniciou sua vida ar-
tista tocando ganzá no grupo folclórico na fazenda de seu pai.Aos
10 anos, no caminho da Escola, ouviu o som da sanfona de Zé Mo-
reno e ao regressar da aula, localizou a casa do músico e pediu ao
mestre para tocar. Em 1927, aos 12 anos, fez sua apresentação co-
mo sanfoneiro de Oito Baixos e, no mesmo ano, compôs sua pri-
meira música: "Choveu em Minha Roça" - o primeiro forró como
gênero musical. Gerson Filho usou os pseudônimos de Penedo,
Baianinho da Sanfona, Zé Piaba, Zé Mamede, Baianão da Sanfona,
Zé Piatã, Gerson e seu 8 Baixos - só para citar alguns. Ele foi o
responsável pelo lançamento da conterrânea Clemilda e viveu com
ela por 28 anos.Brilhou como sanfoneiro contratado, no Rio de
Janeiro, pelas mais famosas rádios de seu tempo: Tamoio, Guana-
bara, Mayrink Veiga e Rádio Nacional (no Programa apresentado
pelo alagoano Paulo Gracindo e com participação também de Jack-
son do Pandeiro e Almira). Atuou por muito tempo em Sergipe, na
Rádio Difusora (hoje Fundação Aperipê) e Rádio Liberdade.

629
Por José Lessa, em ensaio sobre personalidades alagoanas
no universo do Forró, publicado na edição de Junho de 2017 no
Almanaque Alagoas 200 anos

GUSTAVO GOMES
A fábrica de som

O cantor e compositor alagoano Gustavo Gomes diz que


tem mais de 500 músicas compostas e que, em 2012, lançou quatro
discos autorais simultaneamente. O primeiro álbum, Solidão Nun-
ca Mais (2009) levou 10 anos para ser lançado. A longa gestação
inicial foi compensada recentemente com a gravação de seis álbuns
até 2012. Inicialmente considerado sambista, Gustavo ampliou sua
área de visão musical e abriu outras trilhas sonoras, como reggae,
forró, soul music, pop e até música erudita. “Hoje eu componho
reggae, amanhã valsa, de outra vez, frevo... Não estou comprome-
tido com nenhum estilo musical popular ou erudito. Componho por
intuição e, muitas vezes, lembrando os compositores já existentes”.

JOÃO DO PIFE
Shows com Ludugero

João Bibi dos Santos (1932-2009) nasceu lá para as bandas


de Porto Real de Colégio, quando ele nasceu não tinha a ponte Por-
to Real- Propriá (Sergipe), sobre o Rio São Francisco. Mas como

630
um legítimo ribeirinho, aprendeu logo as coisas. Músico, instru-
mentista. Analfabeto, aprendeu a tocar pífano ainda criança, quan-
do ajudava os pais na lavoura de fumo, em Arapiraca. Autodidata,
porém dono de uma musicalidade ímpar, o menino logo começou a
ganhar fama e a ser reconhecido pelo seu talento. Do final da dé-
cada de 1960 até o fim da década de 1980, viveu a fase áurea de
sua carreira artística, realizando shows em todo o Brasil, acompa-
nhando o humorista Coronel Ludugero e tocando com artistas de
renome nacional, como Luiz Gonzaga e Dominguinhos. Conside-
rado por Hermeto Pascoal como um gênio da arte de tocar o pífano
e um ícone da cultura popular nordestina. Recebeu da Prefeitura de
Arapiraca, o Troféu Arraiá da Integração, em reconhecimento á
preservação da Música de Raiz e a Cultura Popular. Discografia:
LP´s: O Rei do Pife; Coletânea Pau de Sebo, sucesso na década de
1970; João do Pífaro no Sertão.

JOTA DO PIFE
Mestre de banda de pífano

José Félix dos Santos (1938-2011), 0 Jota do Pife, sempre


foi mestre de Banda de Pífano. Começou a tocar pífano sozinho,
aos sete anos de idade. Com 16 veio para Maceió ser animador de
festas de fazendas na Zona Rural, passando a ser conhecido como
seu Jota. No início dos anos 1960, criou a Banda de Pífano Con-
sagrada Jesus Maria e Todos os Santos, também conhecida como a
Bandinha do Jota, composta por seis músicos, e formada por tarol,

631
bumbo, surdo e pratos. Confeccionava seus próprios instrumentos:
a flauta é de tubo PVC e tem pife de cano de alumínio, de taquara
e de taboca. Todo este conhecimento e arte tem sido repassado às
crianças da comunidade de Poço Azul. Em 2007 recebeu o Certi-
ficado do Registro do Patrimônio Vivo de Alagoas.

JOÃO DE LIMA
O violeiro “corda de aço”

Foram essas vivências que fizeram João de Lima amadure-


cer na vida, desde que fugiu do sítio dos pais, aos 16 anos, para
subir em pau-de-arara rumo ao interior de São Paulo. Ainda sem a
companhia da viola, haveria de se embrenhar nos campos de cafe-
zais, algodão e amendoim para, só aos 20 anos, de volta a Alagoas,
virar mestre em tirar versos e rimas das cordas de aço. E, ele re-
corda sua primeira apresentação em público. "Foi no sítio Poço
Comprido, em Limoeiro de Anadia. Eu e o cantador José Francisco
das Alagoas. Foi complicado porque eu nem sabia ainda afinar a
viola, que naquele tempo era guardada coberta com uma toalha
cheia de broches. Mas, naquela noite ganhei um bom dinheiro e
consegui comprar meu primeiro violão, em Arapiraca. Ainda me
lembro. Era azul, com cordas de aço, custou treze mil reis e, eu
afinava como viola. O mestre folclorista Théo Brandão o encami-
nha à rádio Difusora de Alagoas, onde passou a atender ao pedido
dos ouvintes com seus repentes e modas no programa A Hora dos
Municípios, na época reproduzido para todo o Nordeste. A cantoria

632
de sua viola também chegou ás rádios Palmares, Progresso e ou-
tras. Ainda nos anos 1970, João de Lima começou a construir sus
história em programas de TV de repercussão nacional. No Rio de
Janeiro: "Fui para o trono do Show de Calouros de Cassino do
Chacrinha!. Participou dos programas O Povo na TV, no SBT e
Sem Censura, na TV Educativa. Chegou ás ondas das rádios Naci-
onal, MEC, Globo, Tupi, Mauá... Ao palco do Sílvio Santos. Até
ao programa do Jô Soares...

Texto da jornalista Elô Baêta, no Caderno 2, em O Jornal -


2012

JACINTO SILVA
Ícone da música nordestina

Jacinto Silva (1933-2001) nasceu no povoado de Canudos,


hoje município de Belém, Alagoas. Mas sua família fixou residên-
cia em Palmeira dos Índios. O cantor, poeta, compositor e estradei-
ro – adorava fazer shows Brasil à fora – cresceu ouvindo cantores
de coco, repentistas, violeiros, mestres de reisado e de toré, guer-
reiros, cantadores de sentinela e terço, e os grandes artistas da épo-
ca de sua adolescência: Orlando Silva, Francisco Alves, Bob Nel-
son e Luiz Gonzaga. Jacinto se tornou um exímio cantor, que virou
um ícone do baião, do xote, do xaxado, do coco alagoano, do ar-
rasta-pé e da marcha de roda. Viveu seu período áureo nos anos
1960 e 1970. Sua estreia como artista foi em 1955, na rádio Difu-

633
sora de Alagoas, assinou contrato com a CBS (hoje a Sony), e fez
carreira nacional; participou como compositor em trabalhos de
grandes estrelas da MPB, como Abdias dos Oito Baixos, Ângela
Maria, Clemilda, Coronel Ludugero, Genivaldo Lacerda, Marinês,
Quinteto Violado, Trio Nordestino, Xangai e Silvério Pessoa. Ao
longo da carreira, foram quatro discos 78 RPM, dois compactos,
vinte long-plays e três CDs.

“A cultura musical nordestina autêntica e original – que


foge do atual padrão de forró estilizado, com simulação de ritmo
caribenho e mexicano, untada de baixo calão – pode ser definida a
partir de quatro figuras emblemáticas: Luiz Gonzaga (inventor e
divulgador do baião), Jackson do Pandeiro (intérprete habilidoso
de senso ritmo invejável), Dominguinhos (virtuoso instrumentista
de herança gonzaguiana), e Jacinto Silva (cantador especialista
em várias modalidades de coco e forró). Ao popularizar o coco
sincopado – gênero musical que fundia trava-língua com pique de
embolada – Jacinto conseguiu desenvolvê-lo de forma complexa e
sofisticada, tanto no modo compor como na de interpretar”.

Luciano José, autor do livro Jacinto Silva As Canções, Ma-


ceió, Imprensa Oficial Graciliano Ramos – 2013, que contém todas
as letras e músicas de Jacinto.

634
Jacinto: o mestre do coco sincopado

E Jacinto Silva seguiu os passos da escola do cantor e com-


positor de forró e baião, o paraibano Jackson Pandeiro - a ponto de
alguns críticos afirmarem que Jacinto seria um imitador de Jack-
son. Mas hoje não existem mais dúvidas, embora continuasse sem-
pre a cultuar e seguir seu mestre Jackson, Juvenal sempre teve seu
estilo próprio, seu ritmo sincopado e diferente e sua grande dedica-
ção aos ritmos regionais nordestino, como o coco e o forró, de
forma autêntica e autônoma, é considerado atualmente um clássico
alagoano.

“Em minha opinião de apaixonado pela música popular


brasileira, temos quatro compositores contemporâneos, no quadro
do forró alagoano, que se enquadram no teorema das gerações:
Juvenal Lopes, Luiz Wanderley, Jacinto Silva e Florival Ferreira.
A citação seletiva não desmerece a contribuição musical do forro-
zeiro Gerson Filho, nem ao mestre Zinho; tampouco as composi-
ções de Tororó do Rojão, ou a de José Candido, seja no forró pé
de serra ou em suas variantes menos tradicionais”.

Por Marcos Farias Costa, poeta, livreiro, boêmio e especia-


lista em música de Alagoas, na abertura do livro de Luciano José -
Jacinto Silva As Canções, Maceió, Imprensa Oficial Graciliano
Ramos – 2013

635
Silvério Pessoa traz à tona Jacinto

Em 1995, o cantor, poeta, compositor e pesquisador per-


nambucano, Silvério Pessoa encontrou o forrozeiro Jacinto Silva,
em Caruaru (PE). Buscava alguma música para seu repertório. Mas
tudo se transformou, Silvério viu que a obra de Juvenal era muito
maior. Em 2000, Silvério Pessoa deixa de lado sua produção de
compositor, e abraça a produção de gravar Jacinto Silva, e lança o
CD Bate no Mancá. Nesse CD, Silvério Pessoa, logo após sair da
banda Cascabulho, realizou um trabalho de resgate da obra de Ja-
cinto Silva e regravou alguns de seus grandes sucessos. Regravou
de forma espetacular, com muito bom gosto e altíssima qualidade.
No início de cada faixa, há uma fala do próprio Jacinto Silva, fa-
lando sobre as frugalidades do forró, e com isso passando um pou-
co do romantismo da história e origem desse ritmo nosso, tão que-
rido e que, aos poucos, vai se perdendo, assim como todo o conhe-
cimento que não é transcrito e fica somente na memória dos mais
antigos. “Silvério Pessoa é cantor e compositor, nascido na zona da
mata no norte de Pernambuco, na cidade de Carpina. Cresceu ou-
vindo músicos de forró no Rádio e passou a admirar o estilo de
Jacinto Silva de quem se tornou fã. Sua mãe, professora de acorde-
on e sua vó, frequentadora assídua dos programas de auditório de
Recife nas décadas de 1940 e 1950, tiveram grande influência em
sua formação musical, na qual também muito contribuíram as pro-
gramação das rádios do interior”, Texto do encarte do CD Bate o
Mancá (O Povo dos Canaviais) 2000 – Natasha.

636
Quadra e Meia
Jacinto Silva

Coco de embolada é diferente do coco de roda


Coco de roda não é coco de embolada
No coco de improviso canta quem sabe rimar
Quem canta fica calado, quem não sabe quer cantar

Galope à beira-mar é diferente de uma sextilha


Uma sextilha não pode ser um mourão
Preste bem atenção, é uma quadra, quadra e meia
É um martelo alagoano, é um quadrado é um quadrão

Não é todo cantor que canta coco do jeito que eu canto


Do jeito que eu canto, eu quero ver você cantar
É um nó é um garrancho é um garrancho é um nó
Cantador tenha cuidado pra língua não embolar

Chora Bananeira
Jacinto Silva

Chora bananeira, bananeira chora


Chora bananeira, o meu amor já foi embora

Menina se quer ir, vamos, não se ponha a imaginar


Quem imagina cria medo, quem tem medo não vai lá

637
Foi embora meu amor, eu sei onde ele está
Eu tenho o endereço mas não vou procurar

Menina cor de canela, não olhe pra mim chorando


Porque a sua família já esta desconfiando

Nosso amor tão passageiro, eu não posso recordar


Se o passado voltasse eu voltava a te amar

O dia já clareou, vou fazer minha obrigação


e dar viva a São Pedro, Santo Antônio e São João

Chora bananeira, bananeira chora


Chora bananeira, meu amor já foi embora

JÚNIOR ALMEIDA
Música no embalo do coração

Genuíno representante da geração 1980, principalmente no


circuito de Maceió, Júnior Almeida sempre estava junto com seu
violão e as meninas, sempre apaixonado; daí suas românticas bala-
das musicais. Surgiu em estilo avant gard para uma Maceió sono-
lenta, com o grupo “Caçoa mas num manga" – Nelsinho Braga,
Jorge Barbosa, Gal Monteiro, Aline Marta, Rosália Brandão, Emí-
dio Magalhães. Foi uma época de afirmação de uma geração de

638
músicos talentosos que nem sempre continuaram nos palcos alago-
anos, pois alguns se dedicaram a outras atividades profissionais,
como o jornalismo, a arquitetura, a carreira jurídica. Em 1985,
classificado em primeiro lugar no V Festival Universitário de Mú-
sica da UFAL com "Lúcia Coragem", decidiu seguir a carreira ar-
tística solo. De lá pra cá são mais de 20 anos de estrada, contabili-
zando inúmeros shows. Apresentações realizadas em praticamente
todos os palcos alagoanos, em diversos palcos do País, como For-
taleza, Paraíba, Recife, Salvador, Porto Alegre, Santa Maria, Blu-
menau, Florianópolis São Paulo e Rio de Janeiro e, também no
exterior. O cantor também tocou ao lado de Milton Nascimento no
Show Crooner. Júnior Almeida passou a atrair a curiosidade de
produtores e cantores de todo o Brasil depois que teve a música "A
Cor do Desejo" (de Júnior Almeida e Ricardo Guima) gravada pelo
cantor Ney Matogrosso em seu mais recente trabalho, o CD Beijo
Bandido. A sonoridade de Júnior Almeida já foi conferida na Fran-
ça, quando, a convite da Aliança Francesa, participou do Festival
do Sul na cidade de Marselha. Depois seguiu em turnê em outras
seis cidades. Em São Paulo, tocou ao lado de talentos como Her-
meto Pascoal, Leila Pinheiro e Duofel. Em 2015, foi autor da mú-
sica que marcou os 200 anos da cidade de Maceió.

Maceió, meu xodó


Autor: Júnior Almeida

Toquei meus pés neste chão


deixei o mar me levar

639
plantei flores no coração
Morena
Nas ruas desse meu lugar
Ruas tão cheias de vida
Gente que quer ser feliz
Querer paz e justiça
Morena
Tudo que a gente sempre quis

Onde quer que eu vá, cidade


Levarei seus pedaços comigo
O calor deste sol que nos arde
E o azul desse céu infinito
Que a cidade se faça verdade
E acolha com carinho e zelo
Cada filho que dela é parte
Cada parte deste canto inteiro.

Ô Maceió
Parabèns para você agora
Com seus 200 anos de história
Com seus 200 anos de amor

640
JUVENAL LOPES
O comandante do Samba

O cantor e compositor Juvenal Lopes (1930-1999) nasceu


no bairro de Laranjeiras, Rio de Janeiro, mas a família volta depois
para Maceió, no bairro do Prado. Sempre esteve no meio das rodas
de samba. Em 1950 compõe seus primeiros sambas, embora tenha
feito de obras musicais de todos os gêneros: do maxixe ao choro,
da vala ao baião, do frevo ao samba, mas foi no estilo regional que
criou suas obras-primas: Pisei no Lírio e Chuva Pedida. Sua maior
obra é o disco CD Brinquedo Acabado, lançado em 1999, que re-
cebeu novos e modernos arranjos do maestro Almir Medeiros,
produtor do disco, que soube recriar a atmosfera dos anos 1940 e
1950, que resgata o clima daqueles anos. Outro fato que resgatou a
importância de Juvenal Lopes no cenário musical alagoano foi o
lançamento, em 2007, do livro do poeta Marcos Farias Costa, Ju-
venal Lopes - O Comandante do Samba, que resgata a vida e a
obra do sambista. A obra de Juvenal Lopes ganhou o país, na voz
de Clemilda, Marinês, Noite Ilustrada entre outros. Juvenal foi, na
realidade, um dos maiores compositores da música alagoana em
todos os gêneros musicais. Um boêmio, um homem do povo, mas,
sobretudo, foi um homem que tinha grande sensibilidade, que sabia
colher da alma do nosso povo e transmitir a alegria, a dor e o sen-
timento do alagoano, Juvenal foi um sociólogo e transmitiu a espe-
rança do povo nordestino que, como diz na composição “Chuva
Perdida”:

641
Meu povo pediu pra chover
Mais a chuva pedida aqui não chegou
O gado ta todo morrendo
Ta tudo sofrendo, meu Deus que horror
Mandacaru já virou pó
Nordestino sofre e chora, seu moço
Chega a fazer dó
Essa gente precisa ter
Saúde e educação
Falta água, não vem chuva
Pra vingar a plantação
Tem tanto caboclo rezando
Olhando o céu sem chover
E não vem um pingo d'água
Pra molhar o meu sofrer
Eita que seca malvada
Racha a alma na terra até

Mais enquanto a chuva não chega


Nordestino morre de fé

Do livro Juvenal Lopes, O Comandante do Samba, de Mar-


cos Farias Costa, Ideário 2007

642
LUIZ WANDERLEY
Rei do forró pé de serra

O cantor e compositor alagoano, Luiz Wanderley de Almei-


da (1931-1993) nasceu em Colônia Leopoldina, e se tornou o rei
do forró pé-de-serra. Começou sua vocação pela Música Popular
Brasileira aos l6 anos, quando via e ouvia o sanfoneiro dos oito
baixos, João Luiz. Entusiasmado com as pancadas dos oito baixos,
e inspirado pela originalidade da música nordestina, Luiz Wan-
derley rumou para o Rio de Janeiro a fim de tentar a carreira ar-
tística. Antes de firma-se definitivamente. Luiz Wanderley lutou
muito e passou uma série de dificuldades, até o dia em que o ma-
estro Ubirajara dos Santos, o convidou para crooner de sua or-
questra no cabaré Novo México, no bairro da Lapa. Ele cantava
todos os gêneros, sem contudo deixar de interpretar um gostoso
coco, baião ou mesmo um samba de breque, pois sendo fã incondi-
cional de Moreira da Silva, gostava de interpretar músicas de seu
repertório. Viajou constantemente por todo o Brasil, do Norte ao
Sul, o que lhe possibilitou tornar-se um dos mais populares artis-
tas do País, pois, em toda Cidade que passou deixou no gosto po-
pular um pouquinho da sua arte interpretativa. Luiz Wanderley
não foi somente um grande cantor, foi também compositor, inclu-
sive venceu um concurso carnavalesco no Rio de Janeiro... Além
de tudo, participou de filmes nacionais.

Fonte: Dicionário Cravo Albin da Música Popular Braslieira

643
MÁCLEIM
Voz da música e da crítica

O alagoano Mácleim é compositor, cantor, produtor musi-


cal, arranjador, jornalista, blogueiro e crítico musical, que não pára
diante dos entraves colocados diante à cultura alagoana, principal-
mente quando se trata de sua categoria. Já compôs trilhas para tea-
tro e também já foi colunista do Jornal "Extra-AL", em Maceió.
Começou sua carreira participando de diversos festivais universitá-
rios. Na década de 1980 foi para o Rio de Janeiro, estudou no Con-
servatório Villa Lobos, cantou na noite carioca e trabalhou em vá-
rios estúdios, entre eles Master, Drum e Verd. Já tocou e cantou ao
lado de importantes artistas como Djavan, Elba Ramalho, Milton
Nascimento, entre outros. Viveu um período na Europa, realizando
inclusive, turnês artísticas por Londres, Paris e Amsterdã. A mistu-
ra de Jazz, MPB e ritmos regionais levada pelo alagoano encantou
muita gente e abriu caminhos para a consolidação de sua carreira
artística. Integrou o grandioso Projeto Pixinguinha, criado há pela
Fundação Nacional das Artes para fomentar e difundir a MPB, nos
anos 1970 e 1980. Participou de uma caravana musical acompa-
nhado pelo Grupo Vocal 4, do Rio de Janeiro e do baixista mineiro
Ezequiel Lima. A cada apresentação, os três interagem no palco,
unidos pela linguagem universal da música.

644
ROBERTO BECKER
A voz popular das Alagoas

O cantor alagoano Domingos Annunziato Litrento (1939-


2012), mais conhecido como o cantor e compositor brega–pop ala-
goano Roberto Becker tem na bagagem mais de 1.000 músicas,
entre marchinhas, serestas e forrós. No ano de 1970, Becker e seu
grupo Os Golden Lions gravaram um raríssimo compacto duplo
independente pela gravadora Rozemblit, com influências da Tropi-
cália e, num estilo que. para muitos, assemelhava-se ao Mangue-
Beat. Gravou em 78 rotaçoes, compactos, Lps e CDs. É o composi-
tor do hino do estádio Rei Pelé. Fez muitos jingles para políticos.
Participou na TV canal 2 do Recife - Jornal do Comércio, no Pro-
grama "Você Faz o Show", de Fernando Castelão. Na rádio Pro-
gresso de Alagoas, através de Jurandir Costa, passou um ano, de
muito sucesso, com o Programa Becker Show. Musicou muitos
poemas de Alceu Vamose, Olavo Bilac, Castro Alves, Alvares de
Azevedo, dentre outros.Compôs, aos nove anos, a marcha Serpen-
tina, e posteriormente, entre outras De Bandinha, Entre suas
composições, destaque para Fricó Forró. Em parceria com sua
filha Ádila Becker compôs Não Foi o Vento.

645
SÓSTENES LIMA
Uma trajetória surpreendente

O alagoano José Sóstenes Nascimento de Lima, ou Sóstenes


Lima, como é conhecido, é compositor, cantor, escritor e produtor.
Formado em Arquitetura e Urbanismo, pela Universidade Federal
de Alagoas e em Direito, pelo Centro de Estudos Superiores de
Maceió. Nascido em Alagoas, iniciou sua trajetória artística no
circuito dos festivais universitários nos anos 1980, fundando os
Grupos "Arte Nova" e "Âmago de Rio". Entre 1991 e 1999 conso-
lidou uma carreira dentro do universo Gospel, com as bandas
"Blues 126" e "Êxodus", vencendo diversos Festivais da Juventude
Batista. Em 2000 retornou ao trabalho com MPB. Tendo o seu tra-
balho calcado nos ritmos brasileiros, especialmente nordestinos, a
exemplo do Xote, Baião, Coco, Maracatu, Boi de Carnaval. Com
destacada participação em diversos Festivais do Brasil, enrique-
cendo sua discografia com gravações em CDs desses eventos.
Apresentou, em 2000, o show “De vento e de silêncio” no Teatro
de Arena. Em 2001 produziu a 1ª Mostra Alagoana de Música,
evento que conjugou música, artes plásticas, dança e literatura, em
duas edições e apresentou o show “Casa de Silêncio e Verso”, com
o poeta Otávio Cabral e Wilma Araújo, no Sururu de Capote. Em
2002, integrando a Caravana Alagoana de Música realizou shows
em Maringá (PR), Paranaguá(PR), Florianópolis(SC) e Porto Ale-
gre(RS). Ainda em 2002 venceu o e-festival IBM, com a música
“Noites de Bar”, abrindo show de Zélia Duncan, numa das etapas,
e de Jorge Benjor, na final. Participou do Projeto Música é o Maior

646
Barato em dezembro do mesmo ano. O show "Todas as carapuças"
é o registro da trajetória do compositor Sóstenes Lima, nos últimos
vinte anos.

TORORÓ DO ROJÃO
Uma explosão de estrelas

Ele é o estrondo, o ribombar do trovão, o trupizupe - raio da


silibrina. É o novo big bang das galáxias e estrelas. Não é brinca-
deira não! Esse cara existe, é “o diabo na rua, no meio do redemoi-
nho”, nas palavras de João Guimarães Rosa, em Grande Sertão.
Ele é cantor, compositor e excepcional intérprete. Com vocês, To-
roró do Rojão, o alagoano de Matriz de Camaragibe, Manoel Apo-
linário da Silva, 73 anos de vida bem vivida, junto com muita gen-
te boa do xote, do xaxado, do forró e do baião brasileiros, e bote
frevo, e bote rock nessa fusão de sons. Foi zabumbeiro de Luiz
Gonzaga, e companheiro de peripécias do rei da sanfona. Tocou o
triângulo na gravação original da música “Ovo de Codorna”. O
parceiro e irmão Jacinto Silva, outro forrozeiro de ouro de Alago-
as, foi a fonte onde Tororó buscou sua sonoridade musical, ao rit-
mo do coco e da embolada, e mergulhado também na música do
paraibano Jackson do Pandeiro, o rei do ritmo. Jackson para Toro-
ró é o palco, a cena, o bom humor, o jogo de cintura, a alegria ges-
tual. Mas acima de todos eles, está o Vavá dos Oito Baixos, o mes-
tre sanfoneiro com quem formou “Os inseparáveis do Forró”. Nos
seus dois Long Plays e três CDs gravados, Tororó toca e canta de

647
tudo: Boemia, malandragem, sexo, linguagem profana, brega, pop,
a temática social, e também muita sacanagem e “fuleiragem” nas
canções. Ele é único nesse ponto. Mas sua espinha dorsal é o forró,
na versão mais genuína.

“Ô Cabra bom!”

Era com esse gentílico que Tororó se apresentava, sempre


de bom humor, para quem sofreu na pele a pobreza, no corte e na
limpa da cana-de-açúcar. Mas a vida sorriu para Tororó, pelas on-
das da Rádio Difusora, no programa de Odete Pacheco, lá pelos
idos de 1950. Dali em diante sua carreira decolou, tornando-o re-
conhecido e aplaudido como o autêntico forrozeiro das Alagoas.
Tororó era múltiplo e versátil, une gerações de artistas, dividiu o
palco com legendas como Tom Zé, Duofel, Wado, Mopho e Xique
Baratinho, no Festival de Música Independente (FMI), em Maceió.
O despertar musical chegou logo cedo, escutando sua mãe Maria a
cantar o coco, em sua cidade natal, Matriz do Camaragibe. Daí em
diante, o artista já começava a sonhar em ser uma estrela da música
popular, um artista de verdade, de carteirinha e tudo. Assim foi a
vida do grande Tororó. Muita luta, muita garra pela vida de quem
venceu a pobreza com seu talento, apesar de continuar pobre, vi-
vendo e ajudando toda a família com sua aposentadoria de funcio-
nário público da Petrobras. Muito pouco, por sinal. O que valia era
seu plano de saúde, por uma velhice mais segura. Mas o que ele
queria mesmo era voltar aos palcos. Tororó deixou marcas na mú-
sica, e uma legião de fãs. Uma delas, a jornalista Paula Félix, que

648
produziu um documentário sobre o cantor. O líder da banda Xique
Baratinho, Railton Sarmento, prepara um novo show com várias
bandas da cena musical alagoana apresentando as músicas de To-
roró. As luzes da ribalta estão acesas, o palco está pronto para mais
um espetáculo do mestre do forró, seja aonde for, assim na terra
como no céu. Tomara que ele volte iluminado, endiabrado, angeli-
cal, pronto para outras traquinagens. Salve Tororó pelos séculos!”.

WADO
O mais alagoano dos estrangeiros

Wado é o nome artístico de Oswaldo Schlikmann Filho, um


cantor e compositor brasileiro de música popular brasileira, nasci-
do em Florianópolis e radicado em Maceió desde os oito anos de
idade. Seu estilo musical possui influências do samba, do rock e
inúmeros representantes da MPB. É formado em Jornalismo pela
Universidade Federal de Alagoas. Seu álbum de estréia, "Manifes-
to da Arte Periférica" em 2001, foi aclamado pela crítica. A partir
de então, passou a se apresentar em inúmeros festivais e eventos
regionais, nacionais e internacionais. No ano seguinte, lançou o
álbum "Cinema Auditivo" e em 2004 lançou "A Farsa do Samba
Nublado", ambos igualmente bem recebidos pela crítica especiali-
zada. Em meados de 2005, junto com os parceiros Alvinho Cabral
e Marcelo Frota, deu início ao projeto que criaria o grupo Fino
Coletivo. O músico se desligaria da premiada banda mais tarde,
para dar continuidade seus projetos solo. Em 2008 lançou seu

649
quarto álbum solo, "Terceiro Mundo Festivo". Ainda em 2008 foi
premiado pelo Projeto Pixinguinha, que o permitiu se apresentar
em diversas cidades de Alagoas, bem como produzir de forma in-
dependente seu quinto álbum, "Atlântico Negro". "Atlântico Ne-
gro" possui duas faixas com trechos do escritor africano Mia Cou-
to, com quem assinou parceria para este trabalho

Uma carreira construída em Maceió

No ano de 2011 Wado lançou seu álbum intitulado "Samba


808" com participações de grandes nomes da musica nacional co-
mo: Zeca Baleiro, Marcelo Camelo, Mallu Magalhães e outros. Em
2013 lançou "Vazio Tropical" (com produção de Marcelo Came-
lo), álbum que teve ótima recepção da crítica, considerado um dos
melhores discos de 2013. Fã assumido do escritor do poeta africa-
no Mia Couto, Wado conseguiu efetivar uma parceria importante,
que se torna simbólica em sua carreira de compositor: duas de suas
músicas foram feitas com a colaboração do escritor moçambicano
que conta histórias de seu povo utilizando palavras híbridas de dia-
letos tribais. Seu disco Atlântico Negro foi eleito pela Rolling Sto-
ne Brasil como o nono melhor de 2009. E Wado ainda ficou em
sétimo lugar na lista dos dez melhores da década, numa votação
com cerca de 70 jornalistas, críticos e especialistas de renome na
área musical. Apesar de morar em Alagoas, Wado mantém uma
agenda constante de shows pelo Brasil.

650
Atlântico Negro
Wado

E o Atlântico assim o fez


Essa é a morte da raça
A inevitável hibridez
É lindo que assim se faça
Foi fruto do Atlântico
Culpa do Atlântico
Em branco e preto
Negro, pardo, parto
No mar azul
Atlântico negro vai renascer

Discografia

(2015) 1977. Deck


(2014) O ano da serpente. Saravá Records
(2013) Vazio Tropica. Oi Música
(2011) Samba 808. Independente
(2009) Atlântico negro. Independente
(2008) Terceiro mundo afetivo. Mubi
(2007) Fino coletivo (c/ grupo Fino Coletivo). Universal
Music
(2004) A farsa do samba nublado. Tratore
(2002) Cinema Auditivo. Tratore
(2001) O Manifesto da Arte Periférica. Dubas

651
MÚSICA INSTRUMENTAL

ZÉ BARROS
O guitarrista que abriu o rock

Antes mesmo de surgir em meados da década de 1980, os


primeiros cantores e cantoras contemporâneos de Alagoas, como
Eliezer Setton, Ricardo Mota, Chico Elpídio, Deyves, Máclein,
Júnior Almeida e a primeira musa, Leureny, entre muitos outros,
desde 1960 já começava a ser formada a usina de som, liderada
pelo pessoal da cozinha, os instrumentais pioneiros, que no final
também ampliaram suas performances na direção, produção e
montagem de discos e shows. Pioneiro dos pioneiros é o guitarrista
José Barros, que aos 15 anos já tocava guitarra, com a ajuda da
irmã, Leureny, lá pras bandas de Paulo Jacinto, onde morava. Ele
foi responsável por popularizar a música instrumental em Alagoas.
Tocou com vários nomes da música nacional, em letras de artistas
como: Geraldo Azevedo, Teca Calazans, Reginaldo Rossi, Núbia
Lafaiete, Orlando Dias, João do Vale, Peninha, entre outros.

BANDA PORÃO
A primeira do rock de Alagoas

Zé Barros é um pioneiro da música instrumental no Estado.


Em 1976, fez seu primeiro show com o tecladista Luizinho Assis;

652
e em 1977, com Félix Baigon e Beto Batera, em seguida formou a
Banda Porão. Em 1982, ao lado de Nelson Braga e José Cícero
(Jatiúca), formou a primeira banda de rock, a Banda Porã, oda qual
gravou seu trabalho em Alagoas.

FÉLIX BAIGON
O “dono” da cozinha

É praticamente impossível falar em música instrumental


produzida em Alagoas sem esbarrar, diversas vezes, no nome do
contrabaixista Félix Baigon. Nos últimos 30 anos, ele tem figurado
como músico e produtor de vários artistas da terra, como Júnior
Almeida, Mácleim e Fernanda Guimarães. Em 2008, Baigon deixa
a cozinha musical, e mostra seu lado desconhecido: o de composi-
tor. “É o momento de revelar o resultado do processo de criação de
muitos anos. É o divisor de águas do seu trabalho enquanto músi-
co”.

BETO BATERA (1949-2010)


O legendário das baquetas

A morte do mais lendário baterista alagoano, Roberto Anto-


nio Vieira Gomes, o Beto Batera, aos 61 anos, foi a crônica de uma
morte anunciada, por seus sérios problemas com o alcoolismo.
Mas ele sempre foi assim, irrequieto, doidão, genial nas baquetas e

653
amigo de verdade. Toda turma ia vê-lo sempre, às sextas-feiras e
sábados no Trilha do Mar, na Garça Torta, sempre acompanhado
de ótimos músicos e fazendo jazz de primeira qualidade. O bateris-
ta geralmente se apresentava com nomes de peso na cidade, a
exemplo do grupo Power Jazz: Everaldo Borges, Felix Baigon,
Geraldo Benson e Carlos Balla.

NAIPE DE OURO DE INSTRUMENTISTAS ALAGO-


ANOS

Antonio Carmo: Piano


Carlos Bala: bateria
Café de Jesus: Bateria
Chico Eupídio: compositor e violonista
Dário Américo e Paulo Lenilson: Violinos
Dudu de Athaíde: Bateria
Estácio: Surdo, caixa, tamborim
Everaldo Borges: Sax e Flauta
Fábio Valois: Piano e teclados
Genaro: Acordeom
Ilê: Percussão
Jiuliano Gomes: teclado
Lucas Farias: Saxofone
Luiz Pompe: Violão de nylon
Marcius Campelo: Bateria
Neném: Viola

654
Noberto Vinhas: Violões e guitarras
Nilton Souza: Maestro
Orquestra de Tambores de Alagoas: Batuque
Pinduca: Violão
Quartinha: Zabumba e Triângulo
Ricardo Lopes: Guitarra
Ronalso: Percurssão
Roni: Trombone
Selma Brito: Piano
Siqueira Lima: Trompete
Toni Augusto: Guitarra
Tião Marcolino: Sanfona
Welington Sarmento: Cavaquinho
Wilbert Fialho: Violão de 7 e de 6 cordas
Van Silva: Baixo
Zailton Sarmento: Flauta e Teclado
Zé Vicente: Cavaquinho

655
CANTORAS ALAGOANAS

CRIS BRAUN
Cantora Cult do Brasil

A cantora e compositora Cris Braun nasceu em Estrela (RS),


e mudou-se na década de 70 para Maceió, onde estudou violão,
sendo aconselhada por seu professor a cantar. Posteriormente estu-
dou percussão, teclados e composição. Começou a fazer shows em
1985, acompanhada por baixo e teclado. Apresentou-se no Mistura
Fina (RJ) nessa época. Foi um dos membros do grupo de rock Sex
Beatles, com quem lançou dois discos, "Automobília" (1994) e
"Mondo Passionale" (1995). Em 1998, participou do projeto "No-
vo Canto", da Rádio JB FM, que apresentava novos talentos da
música brasileira. No ano seguinte, gravou seu primeiro CD, "Cui-
dado com pessoas como eu", pelo selo Fullgás, de Marina Lima. O
CD foi bem recebido pela crítica, destacando-se a faixa-título (Cris
Braun, Nilo Romero e William Magalhães) e uma releitura
drum'n'bass de "Brigas" (Evaldo Gouveia e Jair Amorim). Em
2002, apresentou-se no Bastidores (RJ), com o show "Artérias",
interpretando composições próprias como "Filme antigo", "Con-
tradição" e "Gávea Posto 6" (com Paula Toller e George Israel) e
clássicos como "Brigas" (Evaldo Gouveia e Jair Amorim) e "Bom
conselho" (Chico Buarque). Como compositora tem parcerias com
Alvin L. e Paula Toller. Sua composição "Como é que eu vou em-
bora?", gravada pelo Kid Abelha, entrou na lista das mais tocadas

656
em 1997, e "Menos carnaval" foi gravada com relativo sucesso por
Belô Velloso. Em 2005 lançou o segundo disco solo, "Atemporal",
com composições próprias, como "Entre o céu e a terra", "Atempo-
ral" e a releitura de "Nenhuma dor" (Caetano Veloso). Em 2012,
Cris Braun lançou o CD "Fábula", com músicas autorais, além
composições de Wado e uma parceria de Marina Lima e Alvin L,
entre outras.

CLEMILDA
A forrozeira invocada

Clemilda Ferreira da Silva (1936-2014) nasceu em São José


da Laje, em 1936, e se tornou uma cantora brasileira premiada,
estourou nas paradas de sucesso com a música “Prenda o Tadeu”,
em 1985, e a partir de então participou de vários programas de rá-
dio e TV, entre eles o “Clube do Bolinha”, na Rede Bandeirantes, e
o “Cassino do Chacrinha” e "Os Trapalhões", na Rede Globo. Nes-
se mesmo ano ganhou seu primeiro Disco de Ouro e em 1987, com
o disco “Forró Cheiroso”, mais conhecido como “Talco no Salão”,
ganhou seu segundo Disco de Ouro. “Foram os dois momentos
mais importantes pra mim”. Clemilda passou a infância e a adoles-
cência em Palmeira dos Índios, Zona da Mata de Alagoas. No co-
meço da década de 1960 decide viajar para o Rio de Janeiro para
"tentar a sorte", onde então consegue emprego como garçonete.
Até então ainda não havia descoberto o dom artístico que tinha.
Em 1965, consegue cantar pela primeira vez na Rádio Mayrink

657
Veiga no programa "Crepúsculo sertanejo", dirigido por Raimundo
Nobre de Almeida, que apresentava profissionais e calouros. Nessa
ocasião, conhece o sanfoneiro Gerson Filho, contratado da grava-
dora e também alagoano como ela, que popularizou o fole de oito
baixos e já era artista com disco gravado. Com ele Clemilda viria a
se casar. Fez algumas participações em dois LPs do esposo, e a
partir de 1967 começou a gravar seu próprio disco. Sua carreira
tomou impulso com os shows que fazia em Sergipe, onde vive há
mais de duas décadas, sempre acompanhada pelo marido. Após
1994, com a morte do companheiro, a forrozeira-mor afastou-se
dos shows e se dedicou como apresentadora do programa “Forró
no Asfalto”, na TV Aperipê de Aracaju, programa há mais tempo
no ar da emissora. A forrozeira que é considerada 'Rainha do For-
ró' se consagrou como um dos maiores ícones da música sergipana
com 50 anos de carreira, gravação de 40 discos e seis CDs. Ela tem
dois discos de ouro e dois de platina. A cantora faleceu em novem-
bro de 2014, em Aracaju, onde morava há mais de 20 anos. Ela
tinha ainda histórico de hipertensão e Parkinson.

ELAINE KUNDERA
A voz da MPB em Alagoas

O gosto pela MPB foi estimulado desde cedo, quando ainda


era criança. Em sua casa ouvia músicas de ícones da MPB, a
exemplo de Clara Nunes e Cartola. E assim foi sendo construída a
base musical de uma das vozes de destaque do cenário musical

658
alagoano. O seu nome é Elaine Kundera. A sua voz e interpretação
dispensam apresentação. Aos 17 anos de carreira, a intérprete se
prepara para mostrar o seu talento em seu primeiro CD solo. O
projeto está sendo montado em parceria com a ONG Candeeiro
Aceso e está em fase de captação de recursos, escolha das músicas
e detalhes da produção. O trabalho vai trazer 15 faixas, onde todas
as músicas são inéditas e de cantores alagoanos. Enquanto os deta-
lhes da gravação do CD estão sendo acertados, Kundera continua
com a sua agenda de shows e participações em projetos culturais.
A intérprete está sempre recebendo convites e marcando a sua pre-
sença em grandes produções alagoanas, a exemplo do Teatro Soli-
dário, Divas alagoanas, Dose Dupla e Viola Enluarada. Apesar de
ter nascido em São Paulo e morado em Minas Geras durante um
bom tempo, Elaine se considera arapiraquense. Ela veio morar na
cidade com a sua família na década de 1980. E, desde então, onde
quer que vá leva o nome de Arapiraca. Quando canta, Elaine Kun-
dera dá vida as músicas. Ela justifica que somente canta quando
consegue sentir a música.

"Viver de arte é complicado no Brasil, e principalmente no in-


terior alagoano. Mas é possível realizar um bom trabalho fazendo o
que realmente se gosta”.

Elaine Kundera, em entrevista a Ana Cavalcante, no jornal


Alagoas em Tempo, 2004

659
FERNANDA GUIMARÃES
A voz de veludo

A paixão natural por música ensinou Fernanda Guimarães a


cantar. Cantora, compositora e instrumentista com quase 14 anos
de carreira vivida em Alagoas e pelo Nordeste, Fernanda Guima-
rães já foi vocalista e instrumentista de duas bandas – a extinta
FatorRH e a ativa Zero82 – ganhou reconhecimento em boa parte
do Nordeste com visitas competentes e particulares pelo rock pro-
gressivo, o folk e o pop rock, criando identidade própria na inter-
pretação das músicas de suas influências musicais. Mais madura e
intimista, tomou para si a gravidade aveludada e refinada da voz e
decidiu criar o grupo 4Jazz reunindo no repertório Jazz e Sambas.
Recentemente participou do projeto “Elas Cantam Bossa Nova” ao
lado das melhores cantoras do estado. Intérprete finalista do Festi-
val de Música Alagoana do Sesc em 2002 e 2004 e segunda colo-
cada no Festival CantaCUT de São Paulo, Fernanda conquistou
currículo suficiente para abrir com primor os shows de Paralamas
do Sucesso, Flávio Venturini, Vanessa da Mata, Djavan (com
quem dividiu palco num dueto memorável em Maceió) e Maria
Rita. Considerada a revelação da música alagoana, Fernanda alça
outros voos e apresenta-se com frequência nos palcos do Rio de
Janeiro, São Paulo e Maceió. Morando no Rio de Janeiro, Fernan-
da Guimarães lançou o seu primeiro CD intitulado "Verbo Livre"
em 2010.

660
“O meu trabalho tem pitada de jazz, tem latinidade e tem
brasilidade e por outro lado segue uma linha pop marcante, pelo
menos essa é uma grande influência, já que quase sempre gostei
de atuar na música pop”.

Fernanda Guimarães, no jornal Gazeta de Alagoas – edição


de 03/03/2010

IRINA COSTA
A voz que veio da África

Dona de uma das melhores e mais versáteis vozes de Ma-


ceió, a cantora Irina Costa navega por vários estilos primorosa-
mente. Nascida em Angola, mas brasileira e alagoana de coração, a
cantora já participou de vários concursos musicais. Dentre eles,
venceu o Lusavox por escolha do público e se apresentou no canal
RTPi para mais de 141 países. Origem angolana, ascendentes por-
tugueses e criação em Alagoas. Talvez seja por isso que a trajetória
da cantora Irina Costa, cuja família saiu de Angola para Alagoas
em meio à guerra no país, em 1975, seja marcada, assim como o
Oceano Atlântico, pela confluência entre Portugal, África e Brasil.
Em outubro de 2014, a intérprete fez, no Teatro Deodoro, o maior
show de sua carreira, “O Mar Fala de Mim”, espécie de superpro-
dução síntese de suas raízes com a participação de mais de 40 mú-
sicos do Estado em um repertório que vai de Madredeus a Caetano
Veloso, de Caymmi a Ennio Morricone.

661
LEURENY
A diva da música alagoana

Leureny Barros é considerada uma diva no meio artístico


alagoano. Aos 70 anos continua em plena atividade cantando mú-
sica de boa qualidade para um público que a acompanha, desde que
estreou na carreira em 1970, cantando no programa “A Grande
Chance”, de Flávio Cavalcante, na então TV Tupi do Rio de Janei-
ro. Lá obteve a nota máxima de todos os jurados e conquistou um
contrato com a gravadora Copacabana, onde gravou dois discos
cantando músicas de Marcos e Paulo Sérgio Valle, Eduardo Souto
Neto, Sérgio Bittencourt e Geraldinho Carneiro. Leureny Barros,
portanto, enriquece o meio artístico alagoano hoje ajudando a for-
mar novas gerações de artistas com quem tem dividido os palcos
desta terra. Em maio de 2015, ela lançou seu novo show: “Leureny
– De volta pra casa”, em Paulo Jacinto, que representou um retorno
afetivo à cidade e ao carinho dos inúmeros amigos e familiares que
vivem na zona da mata alagoana. Com essa apresentação ela con-
tribuiu para a reabertura do Clube Recreativo Paulojacintense, se-
guindo assim os passos de sua mãe, dona Zefinha, que décadas
atrás criou na cidade o famoso Baile da Chita. A intérprete e canto-
ra Leureny Barbosa é natural de Paulo Jacinto, onde viveu sua in-
fância e adolescência, mudando-se para Quebrangulo, onde se des-
cobriu artista. A partir daí, não parou mais. Foram vários shows
Brasil afora. Gravou disco em parceria com grandes nomes da

662
MPB, entre eles Leila Pinheiro e a grande violonista Rosinha de
Valença (considerada a maior violonista brasileira de todos os
tempos). Em 1996 se apresentou no Festival de Jazz de Montreux,
na Suíça. Em 2004 participou do projeto “Alagoas de Corpo e Al-
ma”, cantando no Canecão, no Rio de Janeiro, para mais de duas
mil pessoas. Participou também de um concurso musical com a
famosa Beth Nascimento. Sua grande influência foi Rosinha de
Valença que generosamente doou a Canção "Dama da Noite" para
Leureny. Amiga e parceira musical de Djavan e outros artistas. Em
outubro de 2014, nos seus 70 anos, ela reuniu seis grandes cantoras
da cena alagoana: Elaine Kundera, Fernanda Guimarães, Irina Cos-
ta, Nara Cordeiro, Wilma Araújo e Wilma Miranda, além da banda
formada por músicos notáveis como Zé Barros, Everaldo Borges,
Carlos Bala e Jiuliano Gomes.

MILLANE HORA
The Voice Brasil por um triz

Millane Fabrícia da Hora Figueiredo Fortes (Arapiraca, 22


de maio de 1983) é uma cantora e compositora brasileira. Advoga-
da e cantora, Millane começou sua carreira com 13 anos, em 1997,
e já participou de diversas bandas, de ritmos diferentes, desde o
forró ao axé. Hoje em dia faz um som autoral, com influências que
vão do jazz à MPB. Sua carreira autoral começou com a gravação
do seu 1º DVD promocional: “Despertar meu Destino”, em 2007.
Em 2011 gravou seu primeiro CD intitulado VentVert. Millane já

663
participou de festivais de música influentes como a Femusesc
(2009, 2010 e 2011) e representou Alagoas na Femucic, em Ma-
ringá em 2010. Participou de programas televisivos, como Fama 4,
Ídolos 1 e Domingão do Faustão, onde foi escolhida por votação
popular para cantar com a baiana Ivete Sangalo, no Carnaval de
Salvador 2010. Foi uma das participantes da 3ª temporada do talent
show The Voice Brasil, sendo eliminada na fase tira-teima.

WILMA ARAÚJO
Canções da cultura popular

Wilma Araújo iniciou a sua brilhante carreira artística em


1993, participando do Festival Nacional dos Empregados da Caixa
Econômica Federal. Obteve o 1º lugar na eliminatória de Alagoas e
o prêmio de melhor intérprete na final realizada em São Luiz do
Maranhão. Em seu repertório, Wilma sempre inclui, pérolas e clás-
sicos da MPB, que na sua voz requintada se transformam em boas
lembranças e em delicadas interpretações. Ela sempre tem um cui-
dado especial com o seu figurino e uma excelente presença de pal-
co. Veterana em festivais de músicas, já teve a oportunidade de
participar de produções como o Femusesc (Mostra de Música do
Sesc Alagoas) e o Banco de Taletos Febraban (Festival de Artes de
Federação dos Bancos). Wilma Araújo é intérprete de canções da
MPB. Sempre grava e canta em seus shows músicas de composito-
res alagoanos como Gustavo Gomes, Junior Almeida, Macléim, e
outros. Ela já regravou canções do Maestro Fon Fon e cantos do

664
Grupo de Baianas Mensageiras de Santa Luzia, resgatando assim a
nossa autêntica cultura popular.

WILMA MIRANDA
Nossa Elza Soares

A cantora Wilma Miranda é dona de uma das vozes mais


bonitas de Alagoas, com suingue que parece com os melhores
momentos de Elza Soares ou Nana Caymmi, mas ela não imita.
Faz de sua voz um momento único, de acelerar corações. Concluiu
o curso secundário no Colégio Conceição, onde aos 10 anos, cos-
tumava cantar na igreja e a convite das freiras, que em troca a aju-
davam com roupas e lanche. Iniciou o curso de Letras na UFAL,
instituição onde participou do 1º Festival de Música Natalina, ob-
tendo o 1º lugar como cantora. Em viagens ao exterior sempre que
tinha oportunidade divulgava as composições brasileiras. Realizou
cursos de francês e inglês, em São Paulo, além de estudar violão e
técnica vocal na Escola Play de Música. Retornou a Maceió e teve
aulas de piano com a professora Selma Brito. Durante sua trajetó-
ria artística, participou de alguns festivais ligados à música, atuan-
do como cantora e intérprete, entre os quais se destacam: Festival
de Maringá (1998), primeiro lugar em música e arranjo e Festival
Ver, com Confirmar, música de sua autoria, obtendo o primeiro
lugar como intérprete. Após um câncer na tireoide sublingual e
corda vocal, não parou de cantar. Em 2004, no show nacional

665
MPB Petrobrás, Wilma Miranda abriu a cena para a apresentação
de Ângela Maria, foi um grande show.

TEATRO

ASSOCIAÇÃO TEATRAL DE ALAGOAS


O palco sempre iluminado

Fundada pela primeira dama do teatro alagoano Linda Mas-


carenhas (1895-1991), em 12 de outubro de 1955, a mais impor-
tante instituição teatral de Alagoas comemora 60 anos. Linda pre-
sidiu a associação até o seu falecimento, com mais de 90 anos de
idade. Funcionava na residência da presidente, na Ladeira da Cate-
dral. Após a morte de Linda Mascarenhas, reduziu suas atividades.
Foi a instituição que promoveu o primeiro concurso de peças tea-
trais em Alagoas. Em 1999, sua diretoria era assim formada: Presi-
dente, Ronaldo de Andrade; vice-presidente, José Márcio Passos;
tesoureiro: José Correia da Graça; diretor artístico: Homero Caval-
cante; diretor de divulgação: Geusa Correia; presidente de honra:
Anilda Leão. Uma foto surpreendente, registrada no livro Arte Po-
pular das Alagoas (2004), de Tânia Maya Pedrosa, mostra como
foi um dos melhores momentos vividos pelo teatro alagoano, ainda
com Linda Mascarenhas viva, e bem na foto. O documento é de
1983, com foto tirada no salão Nobre do Teatro Deodoro (sem os
devidos créditos do fotógrafo). Na foto lá estão: Linda Mascare-
nhas, Anilda leão, Gustavo Leite, Ronaldo de Andrade. Homero

666
Cavalcante, Lídia e Dário Bernardes, Beatriz Sá Brandão (Tisi-
nha), Jorge Barbosa, Virgílio Palmeira, Edberto Ticianeli, Kátia
Born, Roberto Lopes, Douglas Apratto

Arte Popular em Alagoas, Pesquisa e Organização, Tânia de


Maya Pedrosa. Maceió, Grafitex, 2004

O MANIFESTO MAKAMÃDI
Em busca da perfeição

A partir de 1995, nos cem anos de nascimento de Linda


Mascarenhas, a ATA lança o manifesto Makamãdi – baseado na
autonomia criativa e no profissionalismo do teatro alagoano - que
dá partida a uma nova fase nas atividades da associação, princi-
palmente quanto às montagens. O marco inaugural foi a peça
“Comeram o Bispo Dom Pero Fernandes Sardinha”, sob a direção
de José Márcio Passos, em 1980, no teatro Deodoro. Nesta fase
foram sete montagens, entre elas, Quando se deu o eclipse, 1980;
Duvidamos, 1981; fazendo Chuva, 1982; os últimos dias de soli-
dão de Robson Crusoé, 1987; Itinerário de Graça, 1993 e A Man-
drágora, 1994.

“Foi uma “crise” que nos levou a redimensionar a trajetó-


ria da ATA. Aqueles apelos anunciados por Lauro Gomes, com o
teatro de participação e vanguarda, por José Márcio Passos, em
na montagem de Dom Pero, receberam o incremento do desejo de

667
criação de um “teatro alagoano para os alagoanos”. Daí promo-
vemos o reencontro de todo o núcleo de sócios da ATA: o autor
cedendo o seu texto inacabado (da peça) “A farinhada”.

Artigo de Ronaldo de Andrade, na revista Graciliano, nº 2,


novembro de 2008.

A peça “A Farinhada” estoura no Brasil

A peça “A Farinhada”, de Luiz Sávio de Almeida, trilha so-


nora de Maclén Carneiro e direção de René Guerra, foi sugerida ao
grupo Joana Gajuru em 1997, e depois de uma leitura dramatizada
realizada pela ATA, estourou na cena teatral alagoana e brasileira.
A montagem foi um marco do teatro alagoano. A peça “A Fari-
nhada” se passa numa casa de farinha do interior e conta a história
de amor, entre Pedro Bom e Rosa Maria, ambos perseguidos pelo
dono do local. A peça também aborda conflitos sociais, com triste-
zas e alegrias andando de mãos dadas, onde todos se encontram e
conversam sentados em tocos de pau, Antonios, Chico Chalés, Ra-
imundas, Inácias das Pedras e Rosas Marias. A peça continua a
fazer sucesso todas as vezes que entra em cartaz.

“Para entender o sucesso da montagem de “A Farinhada”,


dirigida por René Guerra e Flávio Rabelo, com mais de 150 apre-
sentações em mais de 30 cidades brasileiras, 36 prêmios e 57 indi-
cações em festivais nacionais, é necessário entender o processo.
Todos os artistas e técnicos chamados eram energicamente positi-

668
vos, nada nos atrapalhava, não havia dificuldades, tudo acontecia
de maneira certa, porque queríamos que assim ocorresse. A equi-
pe soube vencer, fomos maiores”.

Artigo do ator Régis de Souza, na revista Graciliano, nº 2,


novembro de 2008

BRÁULIO LEITE JÚNIOR


O mecenas das artes alagoanas

O teatrólogo, jornalista, diretor e ator de teatro e advogado,


Bráulio Leite Júnior (1931-2013) foi o mais longevo mecenas das
artes alagoanas. Ele comandou o teatro Deodoro durante 11 gover-
nos – de Muniz Falcão a Afrânio Lages. É de sua lavra na antiga
Fundação Teatro Deodoro, o Teatro de Arena Sérgio Cardoso. Foi
fundador também do Museu da Imagem e do Som e do Centro de
Belas Artes Alagoano. Atuou no grupo formado pelo Teatro de
Amadores de Maceió (TAM). Fundou e dirigiu o grupo teatral "Os
Dionísios", bem como o Teatro Operário do SESI, o Teatro Uni-
versitário de Alagoas, o Teatro de Brinquedos de Maceió, o Teatro
Alfredo de Oliveira e o Grupo dos Quatro. Presidente, por três
anos, da Sociedade de Cultura Artística de Alagoas.. Fundador das
orquestras: Filarmônica de Alagoas e de Câmara de Alagoas, do
Quinteto de Metais e da Sala de Concertos Musicais Heckel Tava-
res. Delegado, por 13 anos, em Alagoas e Sergipe, do Serviço Na-
cional de Teatro. Delegado, e ainda, por quatro anos, do Instituto

669
Nacional de Cinema, do MEC. E, por fim, delegado da Sociedade
Brasileira de Autores Teatrais - SBAT, por 11 anos. Secretário
Executivo da Sociedade Nacional de Teatro Prêmio de Melhor
Ator, do Festival Nacional de Estudantes, no Rio de Janeiro, com
bolsa de estudo na Academia de Arte Dramática de Nice (França).
Por 11 anos consecutivos recebeu o prêmio Melhor Ator, conferido
pela Associação de Cronistas Teatrais de Alagoas. Membro do
Conselho Estadual de Cultura, do Conselho de Folclore Alagoano
e da AAI. Coordenador e realizador do 1º e 2º Festivais de Arte de
Penedo, bem como do 1º Festival Alagoano de Teatro.

ABC das Alagoas, Francisco Reinaldo Amorim de Barros,


Edições do Senado – Brasília 2005

EDU PASSOS
Pioneiro da dança afro

Bailarino, coreógrafo, professor. Pioneiro da dança Afro no


estado de Alagoas desde 1985. Formou-se em Minas Gerais e de-
pois em Dança pela UFAL. Em 2000 foi bailarino e coreógrafo no
espetáculo Tambores dos Palmares apresentado em 20 de novem-
bro, em comemoração ao dia da Consciência Negra, no Museu
Vivo Zumbi dos Palmares, na Serra da Barriga em União dos Pal-
mares promovido pelo cenógrafo Gustavo Leite. Professor de dan-
ça afro e expressão corporal no Centro de Belas Artes de Alagoas.

670
Recebeu o 1º Prêmio de Expressões Culturais Brasileiras, patroci-
nado pela Petrobrás em 2010.

ABC das Alagoas, Francisco Reinaldo Amorim de Barros,


Edições do Senado – Brasília 2005

ELIANE CAVALCANTI
A primeira escola de balé

Fundada em 1973, foi a primeira Escola de Balé de Alago-


as. Em 1972, a bailarina Eliana Cavalcanti, egressa da posição de
primeira bailarina do Grupo de Ballet do Recife e de professora de
balé do Curso de Danças Clássicas Flávia Barros (Recife), resolve
ensinar em Maceió, numa das dependências do Colégio Santíssimo
Sacramento. No ano seguinte, já morando em Maceió, funda o Bal-
let Eliana Cavalcanti, instalado no Centro da cidade. Em 1975,
realiza o primeiro de seus espetáculos anuais, no Teatro Deodoro.
Com o aumento do número de alunos, em 1977, transfere a sua
sede para a Rua Barão de Alagoas, também no Centro. Em 1981, é
inaugurada a sede definitiva do Ballet Eliana Cavalcanti, localiza-
da no Farol e, ao mesmo tempo, surge o Ballet Íris de Alagoas.

ABC das Alagoas, Francisco Reinaldo Amorim de Barros,


Edições do Senado – Brasília 2005

671
EMÍLIA CLARCK
O balé da modernidade

Emília Clarck é bailarina profissional alagoana, graduada


em Serviço Social pela Universidade Federal de Alagoas, pós-
graduanda em Metodologia do Ensino das Artes Cênicas pela Uni-
versidade Internacional de Curitiba. Integrou o Balé Stagium por
uma década, participando dos principais festivais de dança mundi-
ais, como Bienal de Lyon (França), Acordanse (Suiça), L'áquila
(Itália), Havana (Cuba), Cadiz (Espanha), Guanajato (México),
Joinville (Brasil), Festival de Dança (Hungria), etc. Atualmente
possui a Academia e Companhia de Dança Maria Emília Clark, e o
Projeto voluntário Dança a Serviço da Educação, iniciado em seu
Estado desde 1999. A coreógrafa e bailarina Maria Emília Clark
comemorou em 2014 os 15 anos da escola de dança que mantém
em duas unidades em Maceió, nos bairros do Jaraguá e Ponta Ver-
de. O balé reúne dançarinos formados com Maria Emília e, tam-
bém, os estudantes – desde os mais jovens, incluindo a meninada.
“Este nosso novo trabalho da escola reúne diversos balés do reper-
tório clássico, como “O Corsário”, “O Pássaro azul”, “Giselle”,
“Dom Quixote” e “Esmeralda”, além do musical contemporâneo”,
diz a bailarina, destacando a “atitude memorialista com as cores e
as obras” da artista visual Eva Lecampion.

672
TELMA CÉSAR DE CARVALHO
A arte da dança

Professora e mestra em Arte, formada pela Universidade de


Campinas (Unicamp-SP), a alagoana Telma César, com mais de 25
anos de cena, palco e performance, é uma das referências quando
se fala em dança e música em Alagoas. Múltipla profissional, Tel-
ma foi uma das primeiras integrantes da banda pernambucana Co-
madre Florzinha, sucesso em todo país, nos anos 1990. No grupo,
Telma fazia vocal, rabeca e percussão, em ritmos como coco, baião
e ciranda. Atualmente é professora do Curso de Licenciatura em
Dança da Universidade Federal de Alagoas, integra o Grupo de
Pesquisa Danças do Brasil do Conselho Nacional de Desenvolvi-
mento Científico e Tecnológico e dirige a Cia. dos Pés, como fun-
dadora, bailarina e coreógrafa. Um de seus últimos espetáculos,
“Encontros”, é apresentado pela companhia desde 2010.

HOMERO CAVALCANTI
Pai dos Filhinhos da Mamãe

Ator, escritor, advogado, teatrólogo, e professor alagoano.


Formou-se em Direito pela UFAL (1973). É também carnavalesco,
como um dos líderes do famoso bloco Filhinhos da Mamãe, que
anima todos os carnavais desde que saiu pela primeira vez, em
1983, sempre da praia da Avenida, em frente ao museu Théo
Brandão. É Professor do Curso de Artes Cênicas do Instituto de

673
Ciências Humanas, Comunicação e Artes, da UFAL. Foi, junta-
mente com Linda Mascarenhas e Lauro Gomes, um dos responsá-
veis pelo desenvolvimento e sustentação da Associação Teatral das
Alagoas (ATA). Foi, ainda, o representante, em Alagoas, da Soci-
edade Brasileira de Autores Teatrais. Fundador, com Ronaldo de
Andrade, em 1976, da revista Bruzundanga. Entre suas peças tea-
trais de sucesso estão Quando se Deu o Eclipse; Fazendo Chuva;
Uma Flor de Outra Cor, Duvidamos, esta última peça teatral em
parceria com Ronaldo de Andrade; e os escritos: A Estrela-Guia
Que Não Sabia Para Onde Ia, Maceió, EDUFAL, 1998; Liberdade,
Sonho em Cena, Maceió, CESMAC/UFAL, 2009; Linda Masca-
renhas, a Diretora, in O Teatro & Linda Mascarenhas.

CHICO DE ASSIS
Dom Quixote da cena alagoana

Enfrentando os moinhos, com sua careca lustrada, sua


echarpe de renda filé sobre a camisa arregaçada, e a voz de poeta
tenor declamando Essa Negra Fulô, de Jorge de Lima, Chico de
Assis comemora 40 anos de vida artística, em 2016. E no clímax
de uma novela das nove da noite da Rede Globo, Velho Chico. No
papel do personagem Coronel Salgado, ele participou dos primei-
ros 20 capítulos da novela, uma superprodução rodada em Alago-
as, com imagens em 45 mm, película de cinema. Nessa mesma
época, Chico de Assis atuou em quatro espetáculos diferentes: O
Diário de Anne Frank; Graciliano, um brasileiro alagoano; Memó-

674
rias de Heloísa. Chico virou multimídia, com seu programa Café
com Poesia, na TV Assembleia. Em Alagoas, Chico ainda prota-
gonizou campanhas nacionais de divulgação do estado, o Alagoas
de Corpo e Alma, nos anos 2000, durante o governo de Ronaldo
Lessa.

“Comecei minha carreira artística como ator em 1966


quando tinha apenas oito anos de idade em Maceió, Alagoas, um
dos lugares mais lindos do mundo. Tudo teve inicio no grupo esco-
lar Dr. José Maria Correia das Neves, popularmente chamado de
“Frango Assado”. Meu primeiro mestre foi o folclorista Pedro
Teixeira que tomei como padrinho. Minha genitora Dona Tereza
Romeiro; escritora, leitora da bíblia, mãe de seis filhos sendo três
homens e três mulheres, cada um com uma penca de filhos. Fran-
cisco meu pai, já falecido, quando em vida foi funcionário dos
Correios e gostava de tocar clarinete. Meu tio Otaviano Romeiro,
conhecido como maestro Fon Fon; um grande músico brasileiro
fez bastante sucesso no Brasil e no exterior, vindo a falecer na
Grécia”.

Chico e o cinema nacional

A arte de Chico de Assis ultrapassou as divisas de Alagoas e


chegou à cena nacional em novelas e cinemas. Seu primeiro traba-
lho no cinema como ator foi com Nelson Pereira dos Santos em
1982, no filme Memórias do Cárcere, obra de Graciliano Ramos.
Depois viriam outros como “Deus é Brasileiro” (2003), Espelho

675
d’água (2010) e em minisséries para TV Globo como Memorial de
Maria Moura, e na clássica novela Irmãos Coragem, em 1995, que
Dias Gomes readaptou do original de Janete Clair, em 1970.

“Não existe maneira melhor de celebrar esse momento, se-


não atuando, exercendo meu ofício. Dele sobrevivo, com ele vive-
rei até o último dia em que respirar o ar dessa terra de Tupã. Ter-
ra de Olorum. Terra de meu Deus...”

Chico de Assis em entrevista a jornalista Lívia Vasconcel-


los, na Agenda A portal TNH, em 22/02/2016

OTÁVIO CABRAL
O poeta da cena

Otávio Cabral é ator, escritor e professor de Literatura Dra-


mática na Universidade Federal de Alagoas (UFAL). Natural do
município de Pilar, despertou o interesse pelo teatro na década de
50, quando era aluno do Grupo Escolar Experimental, em Maceió.
Frequentemente assistia espetáculos infantis como atividade com-
plementar da escola no Teatro Deodoro, e uma certa, vez ao presti-
giar uma montagem de Pluft, o Fantasminha, manifestou o desejo
de pisar em um palco. Alguns anos depois, em 1966, participou da
montagem da Associação Teatral das Alagoas – ATA, com a peça
de Pirandello, "As laranjas da Sicília", sob a direção de Linda

676
Mascarenhas. No mesmo ano, participou da segunda e a terceira
peça "O Telescópio", de Jorge Andrade, pela ATA e "A História
de João Rico", de Volney Leite, e Gercino Souza, pelo Teatro de
Amadores de Maceió - TAM. No ano seguinte (1967), participou
da peça "Riacho Doce", de Lauro Barros, pelo Os Independentes;
"Chapeuzinho Vermelho", adaptação de Volney Leite, pelo Grupo
Teatral Educação e Cultura – GTEC e "Os Ossos do Barão", de
Jorge Andrade pela ATA. Em 1969, foi eleito presidente do Teatro
Universitário de Alagoas – TUA, e juntamente com o grupo mon-
tou "Antígona", de Sófocles, como uma forma de combater a dita-
dura e discutir o autoritarismo com a sociedade, através de um tex-
to irrecusável pela censura. A peça foi montada, o que arrebatou de
melhor espetáculo, melhor direção (Alfredo de Oliveira) e melhor
ator coadjuvante (Otávio Cabral). Ao lado das atividades artísticas,
Otávio Cabral passou a exercer, desde 1994, a função de professor
de Literatura Dramática, do Curso de Licenciatura em Artes Cêni-
cas, da Universidade Federal de Alagoas, tendo defendido a tese
intitulada O Riso e o Social - O poder transformador da comédia
na trilogia cômica de Volney Leite e Gercino Souza, que resultou
na publicação do livro intitulado O Riso Subversivo.

PEDRO ONOFRE
Pioneiro das artes cênicas

Teatrólogo, ator, roteirista de cinema, advogado, pintor, po-


eta, escritor, jornalista, administrador cultural, analista judiciário

677
aposentado do TRT da 19ª Região. Estudou no Instituto São Luís,
no Ginásio Nossa Senhora do Bom Conselho e no Colégio Porto
Carrerro, no Recife, onde terminou o ginasial. Retorna a Maceió,
em 1955, e estudou no Colégio Guido de Fontgalland e na Escola
Técnica de Comércio. Em 1956 foi um dos fundadores, em Ma-
ceió, do Centro Alagoano de Estudos Cinematográficos, bem como
da Associação Alagoana do Rádio. Um dos primeiros dirigentes do
Museu da Imagem e do Som , em 1961. A partir de 1964 passa a
morar no Recife e a seguir volta a viver em Maceió. Funda o Insti-
tuto de Estudos Culturais, Políticos e Sociais do Homem Contem-
porâneo - IECPS. Foi presidente da Fundação Teatro Deodoro.
Coordenador de Planejamento Cultural da Sercretaria Estadual de
Cultura, no governo Divaldo Suruagy e presidente da Fundação
Teatro Deodoro, no governo José Tavares. Um dos fundadores de
AML. Membro da Academia de Letras e Artes do Nordeste, com
sede em Recife e da Academia Alagoana de Cultura Membro,
desde 1956, da Associação Alagoana de Imprensa Membro, tam-
bém, do Conselho Municipal de Meio Ambiente.

ABC das Alagoas, Francisco Reinaldo Amorim de Barros,


Edições do Senado – Brasília 2005

678
RENÉ GUERRA
Do teatro para o cinema

Diretor teatral alagoano, em 2002, foi estudar cinema na


Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP), em São Paulo,
cidade na qual passou a residir. Desde 1990 desenvolveu proces-
sos teatrais educacionais no colégio Marista de Maceió e no Curso
Contato e System, tendo dirigido 22 espetáculos. Trabalhos de di-
reção profissional: 1997: A Farinhada, com o Grupo Joana Gaju-
ru. 1998: Além do Ponto, Cia. Das Mãos; Terra Terta, Cia. Pene-
dense de Teatro, em Penedo . 1999: Vida, espetáculo do Balé Íris
de Alagoas, no qual atuou como encenador. 2000: Dois Perdidos
Numa Noite Suja, no Curso de Formação do Ator, em Maceió;
Fulaninha e Dona Coisa, Cia das Mãos; Tambores dos Palmares,
promovido pelo Governo do Estado em União dos Palmares, e do
qual foi encenador. 2001: Alagoas, Terra da Liberdade, igualmen-
te promovido pelo Governo do Estado, no qual foi, também, ence-
nador. 2002: Quase Tudo Sobre Quase Nada, espetáculo de balé no
qual Isabelle Rocha era a principal bailarina. Prêmios: 1995: Me-
lhor Diretor no Festival Estudantil Alagoano, 1997: Melhor Dire-
tor, no 5º Festival Nacional de Teatro Isnard Azevedo, em Santa
Catarina; 1998: Melhor Diretor no Festival de Teatro de Nova
Hamburgo; 1999: Melhor Diretor, no 3º Festival de Teatro do
Mercosul, Curitiba (PR). Revelação, na 19º edição do Festiva1 de
Curta-metragem de São Paulo. Participou, em 2006, das oficinas
do Festival de Cinema de Berlim - na Berlinale Talent Campus -,
onde trabalhou no desenvolvimento de projetos de ficção e de do-

679
cumentação sobre personagens considerados marginais pela socie-
dade. O filme, um curta de ficção, Os Sapatos de Aristeu, com o
qual estreou como diretor de cinema, levou praticamente os cinco
anos do curso da FAAP para ser terminado. Este curta-metragem
teve sua première, em 11 de novembro de 2008, no Cine Sesi Pa-
juçara .

ABC das Alagoas, Francisco Reinaldo Amorim de Barros,


Edições do Senado – Brasília 2005

RONALDO DE ANDRADE
Em todas as cenas

O professor, teatrólogo poeta e dramaturgo Ronaldo de An-


drade é a alma, junto com o inseparável Homero Cavalcanti, da
Associação Teatral de Alagoas (ATA). Fundador, em 1976, com
Homero Cavalcante Nunes, da revista Bruzundanga. Graduou-se
em Psicologia, CESMAC (1980). Especialização em Teatro, UFPB
(1986) com o TCC: Os Acadêmicos: Um Capítulo do Teatro Ala-
goano. Mestrado em Artes e Teatro, pela Escola de Comunicações
e Artes da USP (1996) com a dissertação: Teatro Amador no Ma-
ceió das Alagoas (1940-1970): A Trajetória do Efêmero. Professor
do Curso de Artes Cênicas do Instituto de Ciências Humanas, Co-
municação e Artes, da UFAL, desde 1983. Sócio do IHGAL e da
ATA. Ronaldo sempre estava ao lado da cultuada Linda Mascare-
nhas, desde a fundação da ATA, e hoje é motor de combustão da

680
companhia. São 63 anos de história e mais de 80 produções. Em
dezembro de 2018, a Associação Teatral das Alagoas montou o
espetáculo Macbeth: Ambição e Sangue, de William Shakespeare.
A montagem é adaptação de uma das obras mais importantes do
escritor britânico, principal nome da dramaturgia no mundo. No
lançamento da peça, Romero lançou seu livro Antes da Cena - pe-
ças alagoanas. O compêndio reúne três de suas criações: "Estrela
Radiosa", "Dona Magda vai ao trono" e "João e Josefa". "Celebrar
os 63 anos da Associação Teatral das Alagoas é se sentir com a
responsabilidade de lutar para não deixar que desapareça um le-
gado teatral como a ATA. Me sinto muito feliz por estar contribu-
indo para a realização desta façanha", disse Ronaldo de Andrade

MAURO BRAGA
Grupo Cena Livre

Há 37 anos, mais precisamente em 15 de novembro de


1979, a inquietação de Mauro Braga – ator e diretor alagoano for-
mado em São Paulo – formou o Grupo Cena Livre. Desde então, a
companhia, que atualmente é coordenada pela dramaturga, atriz e
diretora Ana Sofia Oliveira, já montou 40 espetáculos e desenvol-
veu oficinas e projetos que movimentam o segmento até mais re-
cente espetáculo montado pelo grupo, Zelodaro Come Pano, do
professor e escritor Luiz Sávio de Almeida. Entre os muitos espe-
táculos que se destacam durante a trajetória de atuação da compa-
nhia, estão Ararinha, o Anjo Azul, de Mauro Braga, que ganhou

681
Melhor Direção e Melhor Espetáculo na Mostra Alagoana de Tea-
tro, em 1996, com 174 apresentações e recorde de público no esta-
do; Igreja Verde, com texto de Luiz Sávio de Almeida, que teve a
atuação de Chico de Assis e coreografia de Edu Passos premiadas
em Festival Nacional em São Paulo; e Hello Boy, com montagem
do diretor e dramaturgo paulista Roberto Gill Camargo, com a
qual participou de eventos importantes como o Janeiro de Grandes
Espetáculos, em Recife, e realizou a primeira edição Teatro é o
Maior Barato.

Do livro Graciliano Arte, editora Imprensa Oficial Gracilia-


no Ramos, 2017

TEATRO JOANA GAJURU


Herança da mestra guerreira

São mais de 20 anos em atividade, dez espetáculos monta-


dos e mais de 20 prêmios Brasil afora. Tempo mais do que sufici-
ente para deixar o nome marcado no teatro Alagoano. Com espetá-
culos que tem como base a cultura do imaginário popular, a litera-
tura de cordel e o cotidiano nordestino, a Associação Teatral Joana
Gajuru – nome dado em homenagem à mestra de Guerreiro Maria
Joana da Conceição, uma das mais importantes figuras dos folgue-
dos alagoanos – surgiu em 1995, com o espetáculo “Uma Canção
de Guerreiro no Chumbrego da Orgia”, retirado da literatura de
cordel, que conta em versos a chegada de Lampião e de uma pros-

682
tituta no céu. Com apoio e direção de Lindolfo Amaral, integrante
de um dos mais importantes grupos de teatro de rua do Brasil, o
Imbuaca (SE), a Joana Gajuru iniciou sua trajetória, que viria a ser
mais conhecida pelo espetáculo A Farinhada. Com texto de Luís
Sávio de Almeida, direção de René Guerra e Flávio Rabelo, a peça
viajou o Brasil por mais de oito.

Do livro Graciliano Arte, editora Imprensa Oficial Gracilia-


no Ramos, 2017

ZÉ MÁRCIO PASSOS
Referência no palco

Ator, autor e diretor de Teatro José Márcio Vieira Passos,


65 anos, é um dos nomes mais respeitados do meio cultural alago-
ano. Não apenas pelo talento indiscutível que Deus lhe deu, mas
sobretudo pelo caráter digno que carrega consigo desde o berço
que o criou na pequena Viçosa, outrora Princesa das Matas. Incan-
sável na promoção do meio cultural alagoano, José Márcio é uma
referência de qualidade não só para o Estado, como para o Brasil.
Durante décadas foi um dos principais atores e diretores da ATA –
Associação Teatral de Alagoas – entidade cultural fundada pela
saudosa Linda Mascarenhas. São incontáveis as peças em que atu-
ou no Estado. Na televisão brasileira atuou na TV Globo, nos anos
80, na novela Brilhante, de Gilberto Braga e dirigida por Daniel
Filho. Atuou ainda no filme Deus é Brasileiro e Bye Bye Brasil, de

683
Cacá Diegues. José Marcio Passos é um orgulho alagoano pelo
bem que faz ao nome dessa terra.

CINEMA

BETO LEÃO
Lenda do cinema alagoano

O artista visual, ator, cenógrafo e diretor de cinema Beto


Leão morreu aos 66 anos, em Maceió, em outubro de 2015, vítima
de complicações causadas pelo câncer. Ele vinha lutando contra a
doença há oito anos. Nascido em Quebrangulo, Leão viveu muitos
anos no Rio de Janeiro, onde trabalhou como cenógrafo e diretor
de arte em novelas e seriados da TV Globo. Mudando para São
Paulo nos anos 1990, atuou na extinta TV Manchete e no SBT.
Retornando a Maceió no início dos anos 2000, Beto Leão foi se-
cretário de Estado da Cultura no governo de Ronaldo Lessa, diri-
gindo e produzindo em 2005 o documentário “Jayme Miranda,
Vida e Luta”, último trabalho cinematográfico. Outros momentos
no cinema são os filmes de Cacá Diegues “Joana francesa” (1973)
e “Xica da Silva” (1976), além do épico histórico de Paulo Thiago
“A Batalha dos Guararapes”, rodado em 1978. Em março de 2014
realizou na galeria Fernando Lopes (Cesmac), sob curadoria de
Carol Gusmão, a exposição “Ofícios”, em que apresentou 60 qua-
dros pintados ao longo de 30 anos.

684
Roteiro de um filme inacabado

O cineasta e artista plástico alagoano Beto Leão, contou em


seis takes, a história do cinema em Alagoas, no artigo “Roteiro de
um filme inacabado”, para o Caderno de Debates do Conselho Es-
tadual de Comunicação – A Cultura em Alagoas, em junho de
2003. Vale a pena conhecer os trechos desse artigo, que na verdade
conta a história do cinema alagoano:

Take 01

Plano Geral da enseada da Pajuçara, com seus intocados


coqueirais, suas jangadas. O silêncio é quebrado pelo apito de um
vapor que surge no horizonte. Corria o ano de 1918, quando pro-
vavelmente com uma câmara na mão e cheio de idéias na cabeça,
desembarcava no cais de Jaraguá, Guilherme Rogato, um dos pio-
neiros do cinema alagoano. Em 1921, depois de voltar da Europa,
se instala em Maceió onde roda dois curtas: “Carnaval em 1921”
e “A inauguração da ponte em Victoria”. Nascia aí o cinema ala-
goano. E seguiu-se o movimento, com a realização do mítico “Ca-
samento é Negócio”, de Guilherme Rogato, para muitos, o marco
zero do cinema ficcional alagoano. O filme tratava da exploração
do petróleo em Alagoas.

685
Take 02

Passaram-se 33 anos e eis que em 1967, o curta “Rosa Pe-


reira a Silva”, de Júlio Simom e Teógenes Nunes, se destaca no
extinto festival JB/ Mesbla. A repercussão do filme junto à impren-
sa e apaixonados pela 7ª arte incentivou o produtor José Wander-
ley a rodar “A volta pela estrada da violência”. Sucesso em Ala-
goas, mas que infelizmente não teve acesso à distribuição nacio-
nal. Fade-out.

Take 03

Sala de visitas. Numa tela improvisada são projetadas ima-


gens coloridas, num ritmo acelerado. Vozes, discussões, apartes.
São jovens alagoanos exibindo seus experimentais filmes em su-
per-8. A luz acende-se! Silêncio. Sem dúvida o maior e mais profí-
cuo movimento do cinema alagoano, foi facilitado pelo advento do
super-8. Equipamento prático e de baixo custo, possibilitou a pro-
dução e realização de filmes de diretores que marcaram profun-
damente a década de 70. Desde a “A Busca” de Carlos Bezerra,
de 1972, a “Enigmas Populares”, de Celso Brandão, em 1978.
Ano do último Festival de Cinema Brasileiro de Penedo.

686
Take 04

Interior noite. Cine São Francisco. Glamour, burburinho,


nervosismo. E lá estavam Júlio Simom, Joaquim Alves, Celso
Brandão, José Márcio Passos, Carlos Hora, José Geraldo Mar-
ques, Edson Silva, Cícero Amorim, José Maria Tenório, e dezenas
de outros jovens realizadores, a espera das premiações. Ah! Quan-
ta saudade! Quanta irresponsabilidade, deixarem o Festival de
Penedo desaparecer.

Take 05

Plano fechado Cinema São Francisco. Letreiro apagado.


Bilheterias fechadas. Onde guardaram as fotos de Marylin Mon-
roe, Clarck Gable, Sofia Loren, James Dean que enfeitavam a sala
de espera? Onde se encontram os garotos que colecionavam apai-
xonadamente pedaços de negativos de seus ídolos. O projetor está
enferrujado e morto. E o cine Lux, o Cine Plaza. O Cine Rex, o
Cine São Luiz. Black out.

Take 06

Exterior dia. Amanhecer. Equipe de cinema arma o set na


caatinga – É Nelson Pereira dos Santos. Filma “Vidas Secas” em
Alagoas. Assim é que resta do cinema alagoano. Apenas servem

687
aos cineastas, as suas histórias, sua gente, sua paisagem. Assim se
dá com nosso maior cineasta Cacá Diegues, que aqui rodou “Joa-
na Francesa”, “Bye Bye Brasil” e o belo “Deus é brasileiro. E eis
que meio cabisbaixo finalizo o roteiro desse filme alegre, às vezes
triste, mas cheiuo de esperança para que o cinema alagoano –
feito fênix – renasça.

Em Caderno de Debates do Conselho Estadual de Comuni-


cação – A Cultura em Alagoas, em junho de 2003

BALEIA: DE VIDAS SECAS A CANNES

O cineasta Nelson Pereira, diretor do premiado longa Vidas


Secas (1963), baseado no romance de Graciliano Ramos, viveu um
momento tenso no Festival de Cannes em 1964, quando levou a
cachorra Baleia, personagem do livro de Mestre Graça, em carne e
osso para pisar suas patas no tapete vermelho. Só que o filme mos-
tra a cena em que Fabiano mata a cachorra, de tão magra que esta-
va. Só que a Baleia teve uma morte técnica, estava vivinha dentro
do avião que a levou a Cannes.

“Uma condessa italiana ficou furiosa com o filme, disse


que só povo subdesenvolvido, para fazer o filme, e matar o animal.
Mas foi a Air France que ofereceu uma passagem para a Baleia ir
para Cannes. A história estourou, mas a tal defensora dos animais
seguiu cética, argumentando que, na verdade, a produção encon-

688
trou uma nova cachorra apenas para exibir aos desconfiados –
porque vira lata é tudo igual”.

Nelson Pereira dos Santos, em talk show da Feira Literária


de Paraty, em 2013, que homenageava Graciliano.

Jofre Soares “dirigiu” Baleia

Sobre o mesmo assunto, o cineasta detalhou que pretendia,


em princípio, trabalhar “cientificamente” com a cachorra para diri-
gi-la, usando um “método pavloviano, de reflexo condicionado”.
Na prática, confessou Nelson Pereira, a ideia era deixá-la sem co-
mer e, apenas na hora das filmagens, distribuir porções de refeição
estrategicamente pelo set, conforme a necessidade de movimentá-
la pelo espaço. De acordo com ele, contudo, o plano fracassou.
Quem sabotou foi um próprio integrante da equipe, descoberto
após alguns dias. Era o Jofre Soares, responsável pelo papel de
Fabiano, que dividia clandestinamente seu almoço com Baleia. “O
Jofre não comia junto com a equipe, saía andando e ia derrubando
pedaço de carne para ela comer. Eu falei: ‘Já que você deu de co-
mer, você vai dirigir a baleia!’”. Leia trecho de Vidas Secas, em
que Graciliano descreve a morte real da Baleia do livro.

"A cachorra Baleia estava para morrer. Tinha emagrecido,


o pelo caíra-lhe em vários pontos, as costelas avultavam num fun-
do róseo, onde manchas escuras supuravam e sangravam cobertas
de moscas. As chagas da boca e a inchação dos beiços dificulta-

689
vam-lhe a comida e a bebida. Por isso Fabiano imaginava que ela
estivesse com um princípio de hidrofobia e amarrara-lhe no pes-
coço um rosário de sabugos de milho queimados. (...) Então Fabi-
ano resolveu matá-la. Foi buscar a espingarda de pederneira, li-
xou-a, limpou-a com o saca-trapo e fez tenção de carregá-la bem
para a cachorra não sofrer muito. (...) Pobre Baleia. Escutou, ou-
viu o rumor do chumbo que se derramava no cano da arma, as
pancadas surdas da vareta na bucha. Suspirou. Coitadinha da
Baleia”.

Graciliano Ramos em Vidas Secas, 1938, 62ª edição 1992,


Editora Record

CACÁ DIEGUES

O co-fundador do Cinema Novo

Nascido em Maceió, em 1940, Carlos José Fontes Diegues,


o cineasta, jornalista e advogado Cacá Diegues, com seis anos mu-
da- se para o Rio de Janeiro, acompanhando seu pais. Formou-se
em Direito pela Universidade Católica do Rio de Janeiro. Estudan-
te fez jornalismo, em especial no jornal O Metropolitano, editado
pela União Metropolitana de Estudantes (UME), tendo sido, ainda,
participante ativo da política estudantil, bem como do movimento
cineclubista. Um dos realizadores mais ativos do lançamento do
Cinema Novo, movimento que ajudou a criar, ao lado de Glauber

690
Rocha, Leon Hirzsman, Joaquim Pedro de Andrade, Davi Neves,
Gustavo Dahl e Paulo César Saraceni. Neste período é quando di-
rige os filmes em longa metragem: Ganga Zumba, Rei dos Palma-
res (1964) cujo tema retomaria, vinte anos depois, com Quilombo
(1984). Às inquietações do Cinema Novo, A Grande Cidade- 1966;
Os Herdeiros, 1969, de tom alegórico e tropicalista, aliam-se ao
desejo de chegar mais perto do público em Quando o Carnaval
Chegar (1972) e Joana a Francesa (1973 ) -- uma das primeiras co-
produções internacional do país, protagonizado pela estrela france-
sa Jeanne Moreau -- e em especial no sucesso de bilheteria de Xica
da Silva (1976).

ABC das Alagoas, Francisco Reinaldo Amorim de Barros,


Edições do Senado – Brasília 2005

De Chuvas de Verão à Tieta

Depois da crônica da vida suburbana em Chuvas de Verão


(1978), o vasto painel de um país que se transforma em Bye, Bye
Brasil ( 1980). Os conflitos da juventude são o tema de Um Trem
para as Estrelas (1987); seguem-se Dias Melhores Virão (1990)
lançado primeiro na televisão; Veja Esta Canção, (1994), um longa
metragem em quatro episódios, co-produzido pela TV Cultura de
São Paulo e primeiramente exibido na emissora; Tieta do Agreste,
(1996), Orfeu, 1999 e Deus é Brasileiro (2002 ), este último filma-
do, em grande parte, em Alagoas. Seus filmes estão associados
com a música popular, em episódios inspirados e musicados por

691
canções de Caetano Veloso, Chico Buarque, Gilberto Gil e Jorge
Benjor. Seu 16º. Filme de longa metragem O Maior Amor do
Mundo, com José Wilker e Taís Araújo, 2006, que recebeu, em
2007, o titulo de Melhor Filme no Festival de Cinema Brasileiro,
em Paris. Homenageado numa retrospectiva de sues filmes, em
Roma, ganhou da Fundação Roberto Rosselini, pelo .conjunto da
obra e importância no cinema mundial., o Prêmio Rosselini, bela
estatueta de bronze desenhada por Federico Fellini.

ABC das Alagoas, Francisco Reinaldo Amorim de Barros,


Edições do Senado – Brasília 2005

Cacá Diegues: um pensador cosmopolita

A maioria dos 18 filmes de Diegues foi selecionada por


grandes festivais internacionais, como Cannes, Veneza, Berlim,
Nova York e Toronto, e exibida comercialmente na Europa, nos
Estados Unidos e na América Latina - o que o torna um dos reali-
zadores brasileiros mais conhecidos no mundo. É oficial da Ordem
das Artes e das Letras (l'Ordre des Arts et des Lettres) da Repúbli-
ca Francesa. Também é membro da Cinemateca Francesa. O go-
verno brasileiro também lhe concedeu o título de Comendador da
Ordem de Mérito Cultural e a Medalha da Ordem de Rio Branco, a
mais alta do país. Tem dois filhos, Isabel e Francisco, do seu ca-
samento com a cantora Nara Leão. Tem três netos: José Pedro Di-
egues Bial (2002), filhos de Isabel; e Monah André Diegues (2004)
e Mateo André Diegues (2005), filhos Francisco. Desde 1981, é

692
casado com a produtora de cinema Renata Almeida Magalhães.
Além do cinema, publicou as obras: O Diário de Deus é Brasileiro,
Objetiva, 2003; Dias Melhores Virão: Do Roteiro Escrito por An-
tônio Calmon, Vicente Pereira, Vinicus Viana e Carlos Diegues,
Baseado em Argumento de Antônio Calmon, Rio de Janeiro, Ed.
Record, 1990; Palmares: Mito e Romace da Utopia Brasileira, Rio
de Janeiro, Rio Fundo Editora, 1991, juntamente com Everardo
Rocha; Chuvas de Verão: Um Filme, Rio de Janeiro, Civilização
Brasileira.

CELSO BRANDÃO
O olho da cultura popular

Celso Quintela Brandão é fotógrafo, cineasta, professor - e


tem uma coleção importante de registros em preto e branco em
fotos e objetos da cultura popular alagoana, sobretudo os folclores
e folguedos. Licenciado em Comunicação Visual pela Universida-
de Federal de Pernambuco (1977). Especialização em Fotografia
como Instrumento de Pesquisa na Comunicação Social, UCAM
(2004). Professor na UFAL, desde 1998, especializou-se em do-
cumentários sobre aspectos da vida do povo nordestino. A partir de
1982, professor de Fotografia nos cursos de Jornalismo e Arquite-
tura da UFAL. Entre seus trabalhos fotográficos se destacam: le-
vantamentos fotográficos do artesanato das cidades de Alagoas,
Santana do Ipanema; do artesanato em cerâmica de Carrapicho -
SE, para ilustrar o livro Carrapicho - Cerâmica e Arte; da Coleção

693
Arqueológica Indígena, da Coleção Etnográfica Indígena e peças
do acervo histórico, artístico e antropológico do Museu do IHGAL.
Cabe ressaltar, ainda, a documentação fotográfica das comunida-
des pesqueiras de Santa Luzia do Norte e Coqueiro Seco; fotogra-
fia do poeta e xilógrafo Enéas Tavares dos Santos, para ilustrar o
livro Poesia de Circunstância num Folheto de Cordel e, por fim,
toda a documentação audiovisual do museu Théo Brandão, entre
1977 e 1986. Na cinematografia, seus trabalhos foram: Reflexos,
produzido em 1975, primeiro colocado no I Festival de Cinema de
Penedo.

A luz de Theo Brandão

Esteve ao lado, o tempo todo enquanto durou, da escola fol-


clorista de Viçosa, com Théo Brandão, José Maria de Melo, José
Aloísio Vilela e José Pimentel do Amorim. Só tinha uma “concor-
rência” entre os mestres, a máquina fotográfica Rolleyflex de Theo
Brandão, queria tirar todas as fotos. Uma foto icônica de Celso
mostra Théo e sua Rolley. Em 1982, produz: O Guerreiro de Ala-
goas; Conversa com Fernando Lopes; Chão de Casa, sobre as di-
versas etapas da construção de uma casa de barro, madeira e palha
da região lacustre de Barra Nova, ao som do pandeiro e dos versos
do Coco de Roda, puxado por Mestre Fagundes.

694
ELINALDO BARROS
O Senhor Cinema

O jornalista Elinaldo Barros começou na crônica esportiva


do Diário de Alagoas. Universitário, passa a escrever sobre cine-
ma no Jornal de Alagoas. Formado em Letras pela UFAL (1970),
foi professor do Colégio Guido de Fontgalland e do Curso de Edu-
cação Artística da CESMAC. Foi funcionário do Departamento de
Assuntos Culturais (DAC) e participou da organização do Festival
do Cinema Brasileiro de Penedo, entre 1975 a 1982. Colaborou,
ainda, na organização de Festivais Estudantis de Música Popular.
Dirigiu, por dois anos, o Museu da Imagem e do Som (MISA).
Pela Secretaria de Cultura, participou da organização de outros
eventos: Festival de Fotografia, Salão de Humor, Festival de Ma-
rechal Deodoro, e Seminários de Literatura. Com sua mulher -
Maria Flora de Melo Soares e Ismar Gato produziram o programa
Difusão Cultural, pela Rádio Educativa FM. Atua em tele-
jornalismo na TV Gazeta, comentando sobre cinema. Obras:

Panorama do Cinema Alagoano, apresentação de Jorge Bar-


bosa, capa e montagem fotográfica de Esdras Gomes, Maceió,
DAC/Senec/Sergasa, 1983

695
HERMANO FIGUEIREDO
Mestre do áudio-visual

Cineasta. Criou uma inusitada forma de exibir filmes: em


velas de jangadas à beira-mar, pelo litoral de Alagoas, em um pro-
jeto intitulado Acenda uma Vela, realizado pelo Ideário Comuni-
cação e Cultura, com patrocínio do Ministério da Cultura. Em
2004, produziu o filme de média metragem: Mirante Mercado,
além do curta em 35 mm. Choveu. E Daí ? este premiado no Fes-
tival de Cinema de Recife (PE) com o laurel Gilberto Freyre. Em
2005, produziu A Última Feira. Em 2007, foi selecionado no con-
curso de roteiros DOCTVAL com o vídeo Calabar, no qual mistu-
ra ficção e documentário. Em 2008, passa a coordenar, nacional-
mente, o Programa Olhar Brasil, criado pela Secretaria do Audio-
visual do Ministério da Cultura. Em 2009, produziu Lá Vem o
Juvenal. Sua última realização foi a iniciação em ficção com o
curta Um vestido para Lia onde divide a direção com Regina Célia
Barbosa (prêmio de melhor roteiro na categoria curta-metragem
nacional no 5º Festival de Cinema de Triunfo, em Pernambuco) e
selecionado para Circular Festival Brasileiro de Filme Infanto-
juvenis em Londres.

696
PEDRO ROCHA
O cinema popular

Nasceu em Junqueiro-AL em 1957, é cineasta, produtor,


membro da Associação Brasileira de Documentaristas e Curtame-
tragistas – Secção AL. Entre os filmes realizados em vídeo estão
Botija, Lobisomem, Mula Sem Cabeça, as três animações são de
1997, Em Nome do Pai, do Filho e da Folia - com o qual recebeu o
1º lugar na I Mostra Competitiva de Vídeos Alagoanos - e Raul
Vicente – Entre Pelejas e Amores, ambos de 1998 e os documentá-
rios Carnaval Temperatura e Memórias de um Herói de Carnaval,
os dois de 2003, documentários. Sanfona Sinfônica, de 2007, His-
tórias da Difusora em Estrelas Radiosas, de 2008, documentários,
Sandoval Caju – Além do Conversador, de 2011. Pedro da Rocha é
um dos poucos diretores de cinema em Alagoas, se não o único,
que vive exclusivamente dos filmes que produz. A intimidade com
o universo do cinema é antiga – remonta ao final da década de
1980. “Na época eu trabalhava na Secretaria de Cultura (Secult), e
lá havia uma câmera que usávamos para documentar a cultura po-
pular alagoana, preservando-a dessa forma. Foi a partir daí que
minha relação com o cinema se estreitou.”

697
WERNER SALLES
O cinema peninsular

Werner Salles Bagetti nasceu em Brasília no ano de 1972, e


radicou-se em Maceió em 1984, onde se graduou em Jornalismo
pela Universidade Federal de Alagoas. Apesar da formação, nunca
atuou no ramo, dedicando sua carreira inicialmente a atividade
publicitária, e futuramente também a realização de obras audiovi-
suais. Após diversas experimentações em vídeo, ele estreou com o
documentário Imagem Peninsular de Lêdo Ivo, em 2003, projeto
vencedor do edital DocTV, promovido pela TV Cultura. Como o
título explica, a produção biografa o poeta que é hoje o mais im-
portante representante vivo da literatura alagoana. Em 2005, Wer-
ner voltou a ser contemplado no mesmo prêmio, dessa vez com
História Brasileira da Infâmia, documentário que propõe uma re-
flexão sobre a escrita da história ao defrontar versões para a morte
do 1º Bispo do Brasil, Dom Pedro Fernandes Sardinha, ocorrida há
mais de 450 anos. Além dos DocTVs, o cineasta realizou alguns
filmes institucionais, entre eles O Homem, o Rio e o Penedo, pro-
jeto do Programa Monumenta, da Unesco. Com Interiores ou 400
Anos de Solidão, projeto contemplado no Programa Petrobras Cul-
tural, o diretor faz seu filme mais ousado e subjetivo até aqui ao
assumir uma linguagem experimental e polissêmica.

698
SADI CABRAL
Um artista do Brasil

Nascido em Maceió, em 10 de setembro de 1906, Sadi Ca-


bral (1955-1986) tornou-se ilustre pela dedicação e paixão pelas
artes em geral. Trabalhou no rádio, no teatro, na televisão, no ci-
nema, além de ter sido bailarino, compositor e professor. Aos 17
anos, Sadi tinha clara a sua vocação. Já morava no Rio de Janeiro
quando começou a atuar no teatro, nas companhias de Lucília Pé-
rez, depois na de Leopoldo Fróis e, então, na de Abigail Maia, na
qual estreou profissionalmente, em 1924, na peça Secretário de
Sua Excelência. No início da carreira, cursou dança e coreografia
no curso de Maria Ollenewa e Richard Nemanoff e participou de
alguns espetáculos no Teatro Municipal como bailarino. Adepto do
sistema de realismo psicológico do teatrólogo russo Constantin
Stanislavski (1863-1938), Sadi dedicou-se também a estudá-lo.
Stanislavski discriminou um conjunto de regras para a vivência de
emoções autênticas em cena, com o objetivo de que o ator mergu-
lhasse em sua memória emocional e estudasse cada intenção do
personagem, de modo a dar a ele a sensação de realidade. Era me-
ados da década de 1940 quando esse alagoano participou do Teatro
Experimental Negro, atuando em O imperador Jones, de Eugene
O’Neill, apresentando no Teatro Municipal do Rio de Janeiro a
situação do negro após a abolição. Em junho de 1949, passa a leci-
onar, desde o início, no Curso Prático de Teatro, que Santa Rosa
conseguiu instalar junto ao Serviço Nacional do Teatro. Em 1956,

699
Sadi Cabral entrou para o Teatro Brasileiro de Comédia e, pela
atuação em Eurydice, de Jean Anouilh, direção de Gianni Ratto,
recebeu o Prêmio Saci do jornal O Estado de S. Paulo. Nesse
mesmo ano, lançou pela Sinter o LP Sadi Cabral interpreta poemas
de Luiz Peixoto, em que declamava poemas de Bandeira.

Sadi Cabral: 40 filmes e novelas

O currículo de Sadi incluiu participações em mais de 40


filmes, entre eles, Pureza; Vinte e quatro horas de sono; O dia é
nosso; Terra violenta; Inconfidência Mineira e Escrava Isaura.
Depois do primeiro convite da TV Tupi, em 1967, para que Sadi
Cabral participasse de Paixão proibida, de Janete Clair, vieram
muitos outros. Entre as décadas de 1970 e 1980, ele fez parte do
elenco de diversos folhetins de televisão. Passou pelas TVs Ban-
deirantes, Excelsior, Tupi; Cultura e Globo. Nesta, interpretou o
personagem Seu Pepê, que fez Sadi conquistar definitivamente os
telespectadores e ganhar popularidade. A história do poderoso
Hipólito Peçanha, que, confundido por Patrícia como um faxineiro
da fábrica da qual era dono, faz-se passar por Seu Pepê, virou,
inclusive, tema de uma marchinha de carnaval no ano de 1972.
Seu último trabalho na televisão foi em Maçã do amor, novela exi-
bida pela TV Bandeirantes. Na música, Sadi Cabral fez a primeira
composição em 1938, em parceria com Custódio Mesquita. A ope-
reta A bandeirante, apresentada em outubro do mesmo ano no
Teatro São Pedro, na capital gaúcha, Porto Alegre, deu início a
uma amizade que rendeu outras canções. Sadi tornou-se letrista,

700
escrevendo com Custódio, nos anos seguintes, as valsas Velho rea-
lejo, O pião, Bonequinha, além do fox Mulher, que tornaram-se
grandes sucessos na voz de Sílvio Caldas, Carmen Costa, Carlos
Galhardo e do grupo Anjos do Inferno. Com Davi Raw, compôs os
choros Sapoti e Cachorro Vagabundo, além do samba Ciúmes,
gravado por Rubens Peniche.

701
ARTISTAS VISUAIS

Quer saber sobre um segmento da cultura alagoana que por


si só encheria um mini-dicionário, é o das artes plásticas: pintura,
escultura, fotografia - das artes populares às clássicas, das primiti-
vas ao neoclássico, dos abstratos aos surrealistas, dos naifs aos
digitais. Teria que ser uma imensa lista. Escolhemos os artistas em
um universo de dois grandes livros, na verdade catálogos raríssi-
mos, da genial Tânia de Maya Pedrosa. Expostos nos volumes
Arte em Alagoas (1993) e Arte em Alagoas II (1994), ambos edi-
tados pelo Ministério da Cultura e Secretaria da Cultura do Estado
de Alagoas. No catálogo, com textos explicativos de críticos literá-
rios, estão obras de artistas plásticos alagoanos, que representarão
os grandes pintores e pintoras, já que Alagoas, na pintura e escultu-
ra, além da quantidade de artistas, tem também, e, sobretudo, qua-
lidade. Tentamos reparar essa ausência incluindo alguns novos e
contemporâneos pintores, pintoras e escultores (as).

702
ARTE-NAIF
Simplicidade e esplendor

Tânia de Maya Pedrosa nasceu em 1933 em Maceió, Alago-


as, e poder ser considerada a porta estandarte das artes alagoanas,
tanto às belas artes como a arte popular. Tânia é uma pesquisadora
instintiva, “descobriu” os grandes escultores e artesão de Alagoas.
Guarda em sua casa um verdadeiro santuário de obras de arte po-
pular. Formou-se em Direito, cursou Letras (Francês) e fez especi-
alizações em literatura e artes em geral. Pintora de arte naïf - do
francês, arte ingênua, ou arte primitiva moderna, caracteriza-se
pela simplicidade - foi várias vezes premiada, participou e curado-
ra de exposições no Brasil, na França e na Suíça. Tem obras expos-
tas em museus e embaixadas e tem sido citada por seu trabalho em
diversas publicações especiais. Tânia iniciou sua carreira como
pintora naïf na década de 1990, tendo porém mantido sua pintura
escondida durante anos até que amigos a convenceram a enviar
duas telas de sua autoria ("Devoções Populares" e "Crenças Popu-
lares") para participar da Bienal Naïf de 1998 em Piracicaba, pro-
movida pelo SESC/SP. Desde então participou de inúmeras expo-
sições no Brasil e no exterior e foi premiada mais três vezes nas
Bienais Naïfs do Sesc/SP, tendo recebido seu último prêmio na
Bienal no ano de 2006.

"Tânia de Maya Pedrosa é uma guardiã de tesouros. A sua


vida tem sido uma sucessão de descobertas inclusive a descoberta
de si mesma, como apreciada artista plástica. O seu olhar está

703
sempre voltado para uma das fortunas das Alagoas: a nossa arte
popular, que é ao mesmo tempo o espelho e o sonho de um povo, o
dia da festa e a noite do canto e da dança. Nas pinturas, esculturas
e objetos que Tânia de Maya Pedrosa soube acumular, conferin-
do-lhes a hierarquia de um museu real, a criação artística, anôni-
ma ou portadora do selo de uma autoria, testemunha o que o ho-
mem tem de mais belo e nobre, no seu trajeto terrestre: o fazer
criativo”.

Ledo Ivo, poeta alagoano, membro da Academia Brasileira


de Letras.

A invenção da terra

Desde 2013 como mostra permanente na Casa do Patrimô-


nio de Maceió, sede do Instituto do Patrimônio Histórico Nacional
(Iphan), no bairro de Jaraguá, está a exposição “A invenção da
Terra”, que traz parte da coleção de arte popular de Tânia de Maya
Pedrosa, e é aberta à visitação pública. Compõem a coleção peças
de artistas populares de vários estados do nordeste, com diferentes
bases materiais – cerâmica, madeira, pedra e sucata – e diversas
técnicas produtivas, dando conta de um rico acervo que até então
mantinha-se fora do alcance da população, privando a sociedade do
contato com esse rico patrimônio cultural. No catálogo da exposi-
ção Tania Pedrosa conta sobre seu longo percurso na construção de
sua coleção:

704
“Neste “rumo eterno da vida” entrei como se entra em ve-
redas sertanejas, vendo caatingas, casinhas a beira do rio São
Francisco, percorrendo o agreste, a zona da mata, o litoral, ob-
servando nossa diversidade cultural singular, resultado da misci-
genação, e nossas etnias variadas, além dos diversos materiais e
formas imaginárias da nossa arte, influenciada pelos brancos co-
lonizadores, negros africanos e índios. E assim passei mais de
quarenta anos dedicando-me ao ideal de realizar o que ora se en-
contra concretizado na Exposição do Instituto do Patrimônio His-
tórico e Artístico Nacional”.

Em A invenção da terra: arte popular – coleção de Tania de


Maya Pedrosa / Instituto do Patrimônio Histórico e Artistico Naci-
onal (iphan). Maceió, AL: Iphan-AL, 2013.

AGÉLIO NOVAIS
A arte da colagem

O artista plástico Agélio Novaes não usa tinta e nem faz


pinturas. A cor de suas obras vem de recortes de revistas e folders
que usa para compor seus quadros. Nascido em Viçosa, o artista
plástico que morou e estudou no Recife e que há 20 está de volta a
Maceió. São obras feitas a partir de colagens confeccionadas com
papel couchê e cola líquida transparente. A técnica de arte no papel
surgiu ainda da infância. Quando menino, nos trabalhos escolares,
ele já fazia muita coisa com colagem em cartolinas.

705
“O que se vê nas minhas colagens é parte da minha vivên-
cia em Jaraguá, onde morei; são cenas da movimentação no cais,
da boemia... Sem falar no tempo que vivi no Centro do Recife, re-
gião que é um celeiro e tanto para observação”.

ALBA CORREIA
Simplicidade de uma naif

Alba do Nascimento Correia, pintora alagoana, começou


suas atividades artísticas em Manaus com Giselda Ribeiro. Em
Maceió, freqüentou a escola Rosalvo Ribeiro com o professor Lou-
renço Peixoto, grande talento alagoano. Suas obras são marcadas
pela simplicidade e franqueza, além da ingenuidade e espontanei-
dade que lhe são peculiares, características de uma artista de estilo
Naif. Marcou presença em eventos importantes como o XXV Sa-
lão de Arte Moderna no Rio de Janeiro, I e II Salão de Arte Global
de Pernambuco. Seus Jardins são muito admirados por poetas e
pessoas sensíveis de um modo geral, graças à singeleza e capaci-
dade de transportar as pessoas para um mundo de sonhos e paz.

706
ALEX BARBOSA
Fortes tons em pastel

Alagoano de Maceió, o arquiteto e artista plástico Alex Tei-


xeira Barbosa fez sua formação Arquitetura e Urbanismo na Uni-
versidade Santa Úrsula, no Rio de Janeiro, e fez estágio no escritó-
rio de m dos maiores arquitetos do Brasil, Sérgio Bernardes. Mas
antes já descobrira sua vocação artística. No começo era desenhos
a bico-de-pena, em 1969 já fazia sua primeira individual. Mais
tarde descobriu o pastel, cujos segredos passaram a dominar, com
curso de aprimoramento em Paris, em 1973. “Desde então é com o
pastel que o artista vem criando o melhor de sua obra, que distribui
em dias vertentes distintas: as composições com figuras humanas
ou com frutas, objetos e paisagens. Particularmente notáveis são
suas paisagens de manguezais”, assinalou o crítico de Arte, Romeu
Loureiro, no livro Arte Alagoas II, 1994.

Alex tira da prancheta projeto de Niemayer

Na arquitetura, Alex Barbosa nunca deixou de brilhar cm


seus projetos, com presença garantida nas edições da Casa Cor,
desenvolvendo projetos com ambiente funcionais, diferenciados e
iluminados. Mas o que marcou seus trabalhos foram duas grandes
obras, que hoje são equipamentos importantes na urbanização de
Maceió. O Memorial Teotônio Vilela, inaugurado em abril de
2005, quando tirou da prancheta os desenhos criados por Oscar
Niemayer; e o Memorial da República, n Praia da Avenida, com

707
seu pavilhão das bandeiras e os bustos dos generais de ferro. Um
espaço muito procurado por turistas e pelos alagoanos.

BÁRBARA LESSA
Esculturas de vanguarda

A escultora, pintora, e pesquisadora Bárbara Heliodora


Uchoa Lessa, está entre os artistas alagoanos de vanguarda, com
trabalhos expressivos e talentosos, baseado em pesquisas sobre o
contexto social e político de seu Estado e do país. É uma expertise
em uso de material reciclado, que acompanha as tendências da arte
clássica e popular.

“Os trabalhos de vanguarda de Bárbara Lessa mostram


uma nova linguagem. Na escultura e na pintura, encontramos
sempre algo novo e descobrimos em seu trabalho uma bela cons-
trução de luz e sombra. Pintar é uma bela linguagem, u meio ma-
ravilhoso de comunicação e é justamente isso o que Bárbara Lessa
para os sensíveis apreciadores da arte. E como isso não bastasse,
a artista mostra um intenso e belo estilo criador, personalíssimo,
forte , mágico, como deve ser o seu mundo interior”.

Por Anilda leão, em Arte Alagoas, Ministério da Cultura,


1994

708
DINAH DE OLIVEIRA
A pintura começou aos 60

A pintora, costureira e professora Bernardina Dinah de Oli-


veira, a Dinah (1921-2011) também foi costureira e formou-se em
pedagogia. Fundadora, juntamente com algumas senhoras, do Lar
da Menina. Iniciou sua carreira na pintura aos 60 anos, após sua
aposentadoria. Sua formação artística se deu no ateliê Pierre Chali-
ta. Participou de inúmeras exposições individuais e coletivas. É um
dos artistas divulgados na obra Arte Alagoas II, publicada quando
da exposição em homenagem ao centenário de nascimento de Jor-
ge de Lima, pela Fundação Casa de Rui Barbosa, Rio de Janeiro,
sob a curadoria de Lula Nogueira e Tânia Pedrosa.

BETO NASCIMENTO
O grito das aquarelas

O pintor alagoano Beto Nascimento também um mestre do


designer, como programador visual, arte-finalista, paginador, cria-
dor de murais, editor. Morou em Brasília nos anos 1980 e retornou
a Maceió, em 1992, quando se incorporou a vida artística da capi-
tal. Participou de dezenas de exposições com coleções temáticas,
principalmente em aquarela, como a série Entradas e Bandeiras,
onde mostrou bandeiras esfarrapadas, sujas, uma tradução plástica
da situação política do Brasil. Logo depois, segundo o crítico de
artes, Romeu Loureiro, mudou suas concepções. “Como se a luz

709
alumbrante de sua terra natal tivesse-o ajudado a exorcizar suas
angústias existenciais, o artista apresenta-se bem introspectivo”.
Romeu Loureiro, no livro Arte Alagoas II, 1994.

BETO E MÁRCIA NORMANDE


Iirmãos também na arte visual

Beto e Márcia Normande vão além dos laços de família.


Eles são autores de uma arte harmônica e delicada que une traços
em comum em telas que impressionam. O mais recente trabalho, a
exposição “Texturas e cores abstratas e expressionistas”, em no-
vembro de 2015, foi sucesso de visitação. “Com a curadoria de
Carol Gusmão, a mostra apresenta o trabalho recente desses dois
artistas veteranos, que criaram uma identidade conjunta de concei-
tos que se reflete nos trabalhos primorosos e inventivos que reali-
zam. Entre a decoração de festa de Réveillon, que realizaram em
dupla para o evento “Absoluto“ de 2012, e os trabalhos isolados de
cada um, seja no teatro ou em exposições, Normande e Normande
compõem a fina flor das artes visuais maceioenses. Grafismo tam-
bém é outra característica dos trabalhos de Beto e Márcia. Márcia
Normande participou da montagem “O Diário de Anne Frank”,
como membro do grupo decano Cena Livre, assumindo a direção
de arte do espetáculo. Beto Normande é um dos artistas que traba-
lharam na recente exposição itinerante “Velas Artes”, pintando em
estilo abstrato e expressionista as ondas do mar e o sol da Pajuçara,

710
no pano de uma das 15 velas de embarcações da Associação dos
Jangadeiros que compuseram a mostra ao ar livre”.

BETUCA LIMA
As igrejas de Maceió

O pintor alagoano Mario Humberto Peixoto Lima, o Betuca


Lima, é um autodidata, mas com talento de mais para fazer de uma
tela uma obra de arte rústica, quase naif, mas com identidade pró-
pria, estilo próprio. A sua série Igrejas de Alagoas é reconhecida e
muito procurada. Realizou exposições na Galeria da Universidade
Federal de Alagoas, por duas vezes, e na Galeria Mário Palmeira.
É um dos artistas divulgados no livro Arte Alagoas II, publicada
quando da exposição em homenagem ao centenário de nascimento
de Jorge de Lima, pela Fundação Casa de Rui Barbosa, Rio de Ja-
neiro, sob a curadoria de Lula Nogueira e Tânia Pedrosa. Betuca
Lima é economista, foi por muito tempo dos quadros da UFAL,
trabalhou na Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste
(Sudene) e líder estudantil. Betuca Lima é casado com Tânia Ca-
lheiros Lima, tem um filho, dois netos, e integra o Movimento Fa-
miliar Cristão.

711
BISMARCK
O operário da arte

Pintor e professor, Fernando Bismarck (1934-2013) nasceu


no Recife, onde estudou, nos anos 50, no ateliê do restaurador
Abelardo Rodrigues, com quem fez curso livre de Pintura e Histó-
ria da Arte. Em 1968, aos 34 anos passa a viver em Maceió. Na
capital, Bismarck foi coordenador do Centro de Belas Artes, cura-
dor da Galeria Rosalvo Ribeiro. Genioso, dono de um lirismo co-
movedor, não as más condições de seu povo, “operário da arte,
retratista do cotidiano, fermentou sua dor em dias de poucas pala-
vras, afogou no chope, amargou sua solidão, brandiu seu pincel
contra os moinhos de vento”, escreve o escritor Ezequias da Ro-
cha.

“Há a beleza plástica dos sobrados, os velhos casarões re-


visitados, pelo boêmio nas noites recifenses, expurgando fantas-
mas do passado. Antigas residências dos senhores do açúcar, o
sobrado, nem processo revolucionário, foi invadido pelo povo,
abriu suas portas ao comércio miúdo, pequenas oficinas e baixo
meretrício – era o povo no poder”

Trecho do ensaio do escritor Ezequias da Rocha, no livro


Arte Alagoas II, sob a curadoria de Lula Nogueira e Tânia Pedrosa.

712
CESÁRIO PROCÓPIO
Santeiro de ofício

O escultor alagoano Cesário Procópio dos Mártyres (1884-


1956) ainda criança já demonstrava paixão pela arte de esculpir.
Usava casca da Cajazeira para esculpir bonecos. Em Penedo, onde
nasceu, entrou para a oficina do mestre Júlio Phidias, e seu talento
correu o mundo. Em 1929 Cesário recebeu encomendas da Casa
Luneta de Ouro, do Rio de Janeiro. No Rio, Cesário fez várias
obras de escultura na madeira, destacando-se São João Evangelista
que se encontra em uma igreja no bairro de Botafogo. Cesário era
um escultor fiel a escola Barroca. O seu estilo inspirado na gramá-
tica Luso-Brasileira não aceitava a deturpação de seu potencial
criativo. São inúmeras as obras de Cesário, todavia, o Bom Jesus
dos Navegantes tem uma história. O escultor tem esculturas de
madeira espalhadas por todo o Brasil.

A tradição dos santeiros de Penedo

O ofício de santeiro é uma tradição tricentenária em Penedo.


Claudionor Higino, mestre do Patrimônio Vivo de Alagoas, é o
mais novo, e, talvez, o último representante da escola gloriosa de
santeiros penedenses. Ele faz parte da quinta geração como discí-
pulo do mestre Antônio Pedro dos Santos, o pioneiro na arte de
esculpir imagens sacras, arte que veio de Portugal com os francis-
canos. A segunda geração foi liderada pelos mestres Júlio e Dio-

713
clécio Fídeas; a terceira, com o mestre Cesário Procópio Martyres,
depois com o filho dele, mestre José Vécio Martyres, que é padras-
to do mestre Claudionor Higino. Além de Claudionor, há outros
santeiros famosos na cidade, como Antônio Francisco dos Santos e
George de Carvalho Andrade.

“A gente espera encontrar nas novas gerações um discípu-


lo que queira continuar. Temos que ter uma escola para repassar
essa arte. Deus nos livre, mas se os mestres que temos hoje aqui
morrerem, essa arte de esculpir santos vai acabar porque não es-
tamos formando mais as novas gerações e acaba um capítulo im-
portante da história dos santeiros de Penedo”.

Claudionor Higino, em entrevista a Arnaldo Ferreira em re-


portagem jornal Gazeta de Alagoas, edição 25 de outubro de 2015

CARLOS FIÚZA
As espinhas de peixe

O artista plástico alagoano Carlos Fiúza, com seus 52 anos,


já tem 32 de trabalho profissional, além da sólida formação: estu-
dos de desenho e pintura com Vânia Lima (Maceió) e Rubens
Guerchman (MAM-RJ); Arquitetura e Urbanismo (UFPE), douto-
rado em Educação (PUC-Rio) e pesquisador e professor da Fiocruz
(RJ). Em 1984 fez sua 1ª coletiva no Rio de Janeiro, a mostra
‘Como Vai Você, Geração 80?’, realizada no Parque Laje e em

714
2014. Também no Rio, a exposição Litorais, divididas em quatro
núcleos: litoral dos coqueiros-pintura, litoral dos peixes-estrutura,
litoral de cajus-desenho, litoral do ciclista estrutural e dos cachor-
ros desconstruídos. São trabalhos em tinta acrílica sobre tela e so-
bre MDF, com o uso das técnicas de velatura e de monotipias que
compõem mosaicos. Há influências indiretas da obra de José Pan-
cetti, no que se referem aos temas e algumas formas (cajus, barcos
e linhas de areia), e de Leonilson, na alusão ao bordado.

“Já pintei selvagens lobos, guarás e macacos que são pura


linha. Já dissequei cajus em planos de cores e gosto de “cortar”
na tela espinhas de peixes; fazendo dos restos desse saudável ali-
mento litorâneo um dos principais elementos de nossas represen-
tações”.

Por Carlos Fiúza, em 1996, no livro Arte Alagoas II, sob a


curadoria de Lula Nogueira e Tânia Pedrosa.

CARMEN OMENA
Pintora preservacionista

A artista plástica Carmem Lúcia Barbosa de Omena (1994-


2012) desde cedo despertou a vocação pelo estudo das Artes. Ao
longo de décadas dedicou sua vida à causa da Cultura Popular,
sendo o Folclore sua maior paixão, dentro deste emaranhado de
inteligência, cultura e vocação artística. Iniciou-se na arte em 1968.

715
Fez curso de desenho e pintura com os professores Lourenço Pei-
xoto, Pierre Chalita e Maria Teresa Vieira. Fez parte do Simpósio
Internacional do Centenário de Nascimento de Graciliano Ramos e
de outros inúmeros eventos e exposições.

“Sua temática preservacionista da natureza pretende ser


uma bandeira de luta contra a destruição ambiental. Há uma pre-
dominância de composição horizontal, onde a cor define a inten-
ção da artista na abundância do verde e na presença de tons azuis
se insinuam de céu e mar. Carmem Omena retoma a natureza no
que tem demais saudável e exuberante, e ingressa na galeria de
pintores alagoanos pelo contínuo exercício de coragem, de persis-
tência w de talento”.

Por Cármen Lúcia Dantas, em 1996, no livro Arte Alagoas


II, sob a curadoria de Lula Nogueira e Tânia Pedrosa.

Carmem Omena: a paixão pelo folclore

No dia de seu falecimento, em 28 de janeiro de 2012, os


jornais e portais “esqueceram” da pintora, e deu destaque a seu
lado mais contemporâneo, seu lado mais amado: a cultura popular.
“Morreu a folclorista e pesquisadora Carmem Omena, presidente
da Comissão Alagoana de Folclore e diretora da Associação de
Folguedos Populares de Alagoas. Segundo a ex-presidente da As-
sociação, Josefina Novaes: Alagoas perdeu hoje mais uma grande
defensora da cultura popular alagoana... uma entusiasta e uma pes-

716
quisadora da arte popular no estado”. Entre 1990 e 2002 realizou a
curadoria de cerca de 20 exposições. Lançou, numa parceria com o
SESC/AL e Atelier Casa 50, o CD “Folguedos Natalinos Alagoa-
nos /Pastoril” dentro da Coleção Memória Musical produzido pelo
Centro de Difusão e Realizações Musicais do SESC/AL. Era admi-
radora e colecionadora de lapinhas e presépios feitos por artesãos
populares, possuindo um acervo de mais de 70 conjuntos, de várias
cidades e países, que eram expostas anualmente, no mês de de-
zembro.

Dicionário Mulheres de Alagoas, Ontem e Hoje - por Enau-


ra Quixabeira e Edilma Bonfim, 2007, Edufal, e no endereço:

CELI LEITE
A pintura antropológica

Celi Bezerra de Melo dos Santos, mais conhecida como Celi


Leite, “é uma pintora que trabalha o imaginário com tintas frescas
e poesia”, afirma Solange Lages Chalita, sobre o perfil de Celi. Os
a animais, a arte primitiva, incentivada pela antropologia são traços
constantes nos óleos de Celi. São pássaros tropicais piando em
florestas exuberantes, são tigres representando a criação da mãe
natureza. Ela estudou pintura no ateliê de Pierre Chalita. Celi Leite
é uma das artistas divulgadas na obra Arte Alagoas II, publicada
quando da exposição em homenagem ao centenário de nascimento

717
de Jorge de Lima, pela Fundação Casa de Rui Barbosa, Rio de Ja-
neiro, sob a curadoria de Lula Nogueira e Tânia Pedrosa.
CERES VASCONCELOS
A arte no topo do Brasil

A arquiteta e artista plástica alagoana Ceres Vasconcelos é


uma das mais premiadas e reconhecidas no país. Estudou pintura
acadêmica, inglês, piano, violão, história das artes, francês, balé
clássico, tênis e expressão corporal. Muito jovem ganhou o primei-
ro lugar no Concurso Nacional de Desenho Livre, promovido pela
Embaixada da França. Graduou-se em Arquitetura e Urbanismo,
UFAL (1982). Participou da Exposição Arte de Alagoas, realizada
em 1993 na Fundação Casa de Rui Barbosa, no Rio de Janeiro.
Vencedora do concurso promovido pela DECA (1998), quando
teve seu projeto exposto no Museu de Arte Moderna de São Paulo.
Em 1999, recebeu o prêmio Design e foi considerada Arquiteta do
Ano. Em 2000, volta a receber o título e, em 2002, em São Paulo, é
agraciada com o título Super Cap de Ouro. Participou da Bienal
Internacional de Arquitetura em São Paulo; participa da Mostra
Casa Cor, em Pernambuco, desde 1997. Possui trabalhos publica-
dos em revistas nacionais como Casa Cláudia, Casa & Jardim, Ca-
sa Cor Brasil, Viver Bem, Espaço D, Banheiro Deca 1998 e Arte
Alagoas I entre outras; e em publicações internacionais: Decora-
tion Show Houses IV - 2000, Décor Year Book Nordeste 2000 e
2001. Participou ainda das mostras: Instituto dos Arquitetos do
Brasil (1993, 1997 e 1999) no Rio Grande do Norte, de Ideia Natal
1996; Mostra VB Móveis e Mostra Florense 2000; HOTAL, Per-

718
nambuco e Expoarte 2000; Mostra Arfetacto, Mostra Novi-
tá/APALA e Mostra Designer´s/Pinacote UFAL em 2001. Foi
convidada especial de Alagoas para participar do megaevento Casa
Plural Fashion e Arte, mostra de maior porte do Nordeste, em
2002.

CORREIA FLORES
A fúria das cores

O pintor, cenógrafo e ativista cultural alagoano Marcos Cor-


reia Flores é um agrestino de Quebrangulo, terra natal de Gracilia-
no Ramos, que ganhou o mundo das artes e do glamour. Foi
aprendiz do mestre Lourenço Albuquerque, e reaprendiz da mestra
Maria Tereza Vieira. Flores teve sua arte e a “fúria dos coloridos
sofisticadamente feéricos” no auge dos anos 1970 e 1980. É um
dos artistas divulgados na obra Arte Alagoas II, sob a curadoria de
Lula Nogueira e Tânia Pedrosa.

“Não deve ser em vão que ele repete tanto – “minha pintu-
ra é a minha psicoterapia”... Para com estes artistas, cujos mer-
gulhos sofridos são verdadeiras realizações vicariantes, mergu-
lhos nossos que os medos cotidianos impede-nos de possuí-los,
uma dívida coletiva sempre há de permanecer e uma gratidão legí-
tima há que vir desde o recôndito espírito. Apresentar Correia
Flores é, sem dúvida, uma tarefa que me faz bem. Aos olhos e a

719
alma. Fazendo-o, espero estar contribuindo para que a nossa com
este artista possa ir-se apagando”.

Por José Geraldo Marques, Arte Alagoas II, sob a curadoria


de Lula Nogueira e Tânia Pedrosa.

DALTON E MARIA AMÉLIA


Heróis da resistência

Os artistas visuais Maria Amélia Vieira e Dalton Costa são


o que podemos chamar de heróis da resistência. Eles mantêm um
dos raros espaços particulares em Alagoas destinados a preserva-
ção da cultura popular local. Ao todo, mais de duas mil peças cria-
das pelas mãos de artesãos, que vivem nos desconhecidos rincões
deste país, além das obras de seus fundadores, estão salvaguarda-
das no espaço. Não há dúvida de que o casal é obstinado e apaixo-
nado pelo trabalho que realizam, afinal, a galeria (Karandash) nes-
te ano completa 28 anos de fundação. Mesmo diante de realidades
adversas, os galeristas buscaram alçar novos voos. Desde 2008,
eles desenvolvem, com o apoio de instituições privadas e públicas,
os projetos Tecendo a Manhã e O Museu no Balanço das Águas.
Ambas as ações possuem um caráter sociocultural e levam para
crianças, jovens, escultores, artesãos e bordadeiras de povoados às
margens do rio São Francisco a oportunidade de obterem novos
conhecimentos sobre o fazer artístico.

720
Texto de Francisco Ribeiro, na Revista Graciliano e na Gra-
ciliano online, em outubro de 2013

Diálogo entre arte popular e contemporânea

O jornalista e diretor de cinema digital Cláudio Manoel


Duarte lançou na internet, em 2015, o vídeo “Karandash”, que faz
uma investigação sobre o trabalho realizado pelos artistas Dalton
Costa e Maria Amélia Vieira à frente da galeria Karandash, que é,
também, o museu Coleção Karandash de Arte Popular e Contem-
porânea. A discussão do vídeo gira em torno dos conceitos e prá-
tica da arte e dos possíveis caminhos que ela pode trilhar. Nesse
contexto, o trabalho realizado pelo casal, como galeristas garim-
pando obras entre excepcionais artistas populares do Nordeste,
acaba influenciando a própria produção dos dois artistas, identifi-
cados com as obras coletadas por eles em povoados e cidades ri-
beirinhas do São Francisco pelo Sertão afora. Como diz Maria
Amélia no vídeo, “a Karandash cria um diálogo entre a arte popu-
lar e contemporânea”. Esse trabalho de quase 30 anos de Maria
Amélia e Costa, importantíssimo e único, cruzando as fronteiras
do Estado, navegando com um barco próprio, o chamado Museu
no Balanço das Águas, às margens de povoados como Ilha do Fer-
ro em Pão de Açúcar e Entremontes em Piranhas, e outras comu-
nidades do lado sergipano do rio, construindo assim uma ponte
entre a caatinga e a urbanidade da capital Maceió.

721
DELSON UCHOA
Um universo fantástico

Inevitável não ter o olhar preso pelas cores de Delson


Uchôa, em suas pinturas e fotografias. A mistura das referências
do cotidiano, do universo popular de diversas regiões do Brasil cria
obra de forte impacto visual. O artista participou de importantes
exposições como a célebre mostra Como vai você? Geração 80 e
outras em instituições como o Instituto Tomie Ohtake (São Paulo),
Museu de Arte Moderna Aloísio Magalhães (Recife). Suas obras
fazem parte de importantes acervos como o do Museu de Belas
Artes do Rio de Janeiro, de Gilberto Chateaubriand (MAM-RJ), de
João Sattamini (MAC-Niterói), do Museu de Arte Moderna Aloí-
sio Magalhães (Recife). Com paleta vibrante e em escala mural, as
pinturas de Delson Uchôa trazem desenhos geométricos e abstratos
que nos remetem a símbolos. Formas que por vezes se repetem
padrões que se aproximam da estamparia. Suas criações fazer refe-
rência a universos fantásticos, como em Atlântida (1998) e popula-
res como Tudo que reluz é ouro (2000). Em uma de suas mais re-
centes exposições, em 2014, Delson Uchoa continua a se reinven-
tar. Com fotografias em duratrans sobre backlight, ele traz sombri-
nhas coloridas usadas pela população nordestina para a proteção do
sol, que foi transformada em uma série, chamada “Bicho da Seda”.
Através dela, o artista pesquisou as cores do nordeste e criou um

722
personagem para isso, o qual carrega constantemente sombrinhas,
em cores e estampas variadas.

DÊNIS MATOS
Natureza alagoana

Iniciou o seu estudo de Arte Moderna em 1970, por inter-


médio do Departamento de Arte e Cultura (DAC) de Alagoas. Fez
vários cursos nas áreas das Artes Plásticas e participou de inúme-
ras coletivas e individuais, ao longo de sua carreira como pintor,
conquistando lugar de destaque no cenário das artes em nosso Es-
tado. Em algumas de suas obras usa técnicas misturadas, com per-
manent marker, tinta e verniz acrílico sobre tela, como é a série
Monumentos da Natureza da Terra Alagoana.

EDGAR BASTOS (1935 - 2002)

O pintor estudou no Grupo Escolar Fernandes Lima. Em


1967, expôs, em mostra conjunta, na Galeria Rosalvo Ribeiro, da
Prefeitura Municipal de Maceió: da qual foi funcionário. Sua pri-
meira individual foi em 1977, no Salão de Recepção do hotel Ilhe-
na, na Base Naval de Aratu (BA). Em São Paulo: tomou parte em
coletiva no Paço das Artes (1983), no Rio de Janeiro, na Galeria
Sérgio Milliet, da FUNARTE (1979) e no Senado Federal, em
Brasília (1985). Participou, em AL, do Grupo Vivarte. Outras cole-
tivas: Centro de Arte e Cultura de Alagoas (1980) Galeria Karan-

723
dash (1982) Galeria de Arte Grafitti (1984) Galeria -Oficina de
Arte R.G.- (1989), todas em Maceió. Um dos seus trabalhos parti-
cipou da exposição Arte Popular Alagoana 2003, realizada na Ga-
leria SESC/Centro, de 19/08 a 05/09/2003. É um dos artistas di-
vulgados no livro Arte Contemporânea das Alagoas, publicado em
Maceió: em 1989, sob coordenação de Romeu de Mello-Loureiro.
Participou, em 1993, da Exposição Arte de Alagoas, na Fundação
Casa de Rui Barbosa, no Rio de Janeiro.

ABC das Alagoas, Dicionário Biobliográfico e Geográfico


de Alagoas, por Francisco Reinaldo Amorim de Barros, Edições do
Senado Federa, 2005

EDNA CONSTANT
A dona da Casa da Arte

A artista plástica, pesquisadora e professora Edna Constant


Mendes, é uma senhora fora de série, ativa e serelepe, que brilha
como uma estrela no bairro da Garça Torta. Nascida em Palmeira
dos Índios em 1933, ela concluiu o primário e o antigo curso gina-
sial. Mas seguindo seus sonhos e desafios, ela fez de sua casa, des-
de 1985, um projeto social: a Casa da Arte, na Praça São Pedro,
185. A casa levantou vôo e se transformou em uma organização
não governamental, com parcerias nacionais e internacionais, entre
elas a Universidade Federal de Alagoas e o Ministério da Cultura.
Além da casa, Edna foi vice-presidente da Associação dos Mora-

724
dores de Garça Torta, e presidente da Associação Casa da Arte,
como coordenadora do projeto Poleiro dos Anjos.

Uma casa para pintar o sete

Bem na beirada do mar, na bela praia de Garça Torta, bairro


periférico no litoral norte de Maceió, se encontra este lugarzinho má-
gico. Galeria de arte, centro de estudos, espaço aberto pra reflexão,
produção e interação cultural. Porto seguro para as obras de artistas
de todos os lugares e para os olhares curiosos da comunidade local,
que dificilmente encontraria oportunidade de vivenciar a experiência
artística através de outros canais. É a Casa da Arte de Dona Edna,
uma mulher cativante e dedicada que deu inicio a este projeto há vin-
te e um anos e que hoje é um dos Pontos de Cultura do estado de Ala-
goas, dentro do Programa Cultura Viva do Governo Federal. A Casa
da Arte atende atualmente 100 crianças e jovens entre cinco e 18 anos
de idade em aulas de música, pintura, teatro, e dispõe de um labora-
tório de línguas (português, inglês e espanhol). Dona Edna Constant
conta um pouco da história do lugar. “Já vínhamos a um longo tempo
utilizando a casa para exposições, aberta para a comunidade daqui.
Foi quando, a partir do natal de 1999, resolvemos mudar um pouco,
expandir as atividades, incluir a comunidade e seus meninos e meni-
nas como protagonistas dessa história, eles já viviam sempre por aqui
mesmo, mas como espectadores, a partir deste momento eles passa-
ram a ser atores”.

725
Texto do jornalismo Macelo Cabral no overmundo, em no-
vembro de 2006
http://www.overmundo.com.br/overblog/a-casa-da-arte-de-
dona-edna
EVA LE CAMPION
O lado social da arte

A pintora, ceramista, escultora e professora alagoana Eva Le


Campion é formada em Letras pela Universidade Federal de Ala-
goas. Estudou pintura na Escola de Artes Visuais do Parque Laje,
no Rio de Janeiro. Cursou, e também ensinou desenho e pintura no
Ateliê da Fundação Pierre Chalita. A artista desenvolveu trabalhos
artísticos com jovens carentes e em situação de risco, na Cruz
Vermelha de Alagoas, com programas de atividades com oficinas
de tecelagem e cerâmicas que a artista realizou com a comunidade
carente de Maceió. A Cerâmica Cruz Vermelha foi montada pela
própria artista em Maceió. Fez especialização em língua inglesa,
na Bonners Ferry High Schoool (EUA) e em língua francesa, na
Universidade de Lyon. Cursou História da Arte na PUC-RJ. Sua
mais recente exposição foi Pinacoteca Universitária, em novembro
de 2015. A exposição Moira foi composta de pinturas em tecidos e
cerâmicas, a mostra reúne obras que refletem a trajetória da artista
e a construção de uma poética própria. As moiras, na mitologia
grega, eram responsáveis por tecer, cortar e determinar o fio da
vida dos deuses e dos humanos.

726
ABC das Alagoas, Dicionário Biobliográfico e Geográfico
de Alagoas, por Francisco Reinaldo Amorim de Barros, Edições do
Senado Federa, 2005

EDMILSON OLIVEIRA
Um pintor contemporâneo

Mergulhado no universo de cores desde os 10 anos, Edmil-


son Silva de Oliveira, o Ed Oliveira, pintou seu primeiro quadro
aos 11 anos e de lá prá cá não parou mais. Natural de Paulo Jacin-
to, Alagoas, o artista plástico passeou por vários estilos, mas se
considera um pintor contemporâneo. Não é a toa que criou seu jei-
to próprio de fazer arte, dando asas à imaginação, quebrando bar-
reiras e paradigmas, indo mostrar o que melhor sabe fazer (arte)
pelas bandas da Europa. Autodidata, Ed Oliveira pôde mostrar seu
talento de maneira mais ampla aos 17 anos quando aceitou o con-
vite do pároco de sua cidade natal para restaurar o acervo da igreja
Matriz de Nossa Senhora das Graças. E sob as graças da padroeira
dos paulo-jacintenses percebeu que poderia trilhar caminhos mais
longos e vencer qualquer desafio. Prova disso é que naquele mes-
mo ano realizou sua primeira exposição, em Palmeira dos Índios.
Sem medo de arriscar, o artista enveredou por várias ramificações
e em 1994 foi convidado pela ONG Nordeste Reflorestamento e
Educação, com sede em Genebra, Suíça, a ensinar desenho e pintu-
ra para jovens na cidade alagoana de Quebrangulo. Naquele ano,
participa ainda de três exposições coletivas em Maceió, através do

727
Projeto Alagoas Presente. Após revelar vários talentos e aprimorar
sua arte, em 2002 a cultura teve uma baixa com o fechamento da
escolinha de pintura. Em 2011 a carreira de Ed deu um salto maior
e foi encantar o público europeu. O sucesso foi tanto que durante
exposição em Genebra, na Suíça, no Salle Communale de Plainpa-
laisem, em comemoração aos 25 anos da Associação Nordeste, em
apenas um dia vendeu 70 obras.

Edmilson e seus escultores aprendizes

Quem passeia pelas ruas de Quebrangulo pode esbarrar e se


deslumbrar com esculturas gigantes - esculpidas pelas mãos de
aprendizes sob o olhar e orientação de Edmilson. São tatus, taman-
duás, borboletas, corujas, além de uma variedade de pássaros. Vale
ressaltar que a inspiração para este trabalho veio da Serra de Pedra
Talhada - área de reserva da Mata Atlântica preservada há mais de
20 anos pela Nordeste, associação ligada a uma ONG Suíça, coor-
denada pela ambientalista Anita Studer. Além do que, o interesse
de Ed por material reciclado surgiu em 2004, incentivado pelo am-
bientalista suíço, Dlan Barckler, quando prestava serviço a Nordes-
te. Ainda em Quebrangulo, dois bonecos gigantes do grupo folcló-
rico Nega da Costa ganham vida nas mãos do artista. O artista
plástico alagoano que tem como carro chefe de suas carreiras pin-
turas em óleo sobre tela com papel reciclado, destacando figuras
surrealistas.

728
FERNANDO LOPES
Consagrado pintor alagoano

José Fernando de Lima Lopes (1936-2011), Fernando Lo-


pes, fez seus estudos em Garanhuns (PE). Começa a pintar em
1951, mas já desenhava desde criança, quando se encontrava em
Recife, onde estudava piano e viria a formar-se em Direito. Não
exerce essa atividade, dedicando-se à arte com exclusividade.
Nascido na cidade de São Miguel dos Campos, filho de família
tradicional e descendente de imigrantes espanhóis. Conhecido
mundialmente, Fernando Lopes despontou nas artes plásticas ala-
goanas por volta de 1959. Firmou-se no cenário nacional como
possuidor de uma consistente e fecunda inventiva. Sua obra im-
pregnada do místico espírito do seu povo identifica os anjos e os
santos, a realidade empírica de sua data e do seu ambiente, foi um
historiador preocupado com o rigor da perspectiva e do volume,
representando o mundo através de elementos alegóricos de rara
beleza e muita vitalidade plástica, expirando-se sempre nos antigos
casarões de sua terra natal, inovando e experimentando novas téc-
nicas.

729
Admiradores famosos e exposições internacionais

Em seu círculo de amizade e admiradores constatavam


grandes personagens nacionais, como Jorge Amado, Aurélio Buar-
que de Holanda, Lêdo Ivo, Francisco Brennand e o pintor Di Ca-
valcanti. Fernando Lopes admirava e colecionava artes plásticas e
do Barroco brasileiro, ouvia constantemente música clássica e eru-
dita enquanto desenvolvia sua arte. Fernando Lopes participou de
exposições coletivas nas Embaixadas do Brasil em Paris, Roma,
Israel, Estados Unidos; participou de Bienais nas mais importantes
cidades do país. Chegou a expôs em Londres em 1970 por três ve-
zes com outros artistas da América do Sul. Seus quadros estão ex-
postos em museus e em importantes coleções particulares brasilei-
ras, como: Museu Bloch, Manchete Vieta, Abril Cultural, Giovan-
na, Bonino, Aloísio de Paula Machado, Museu de Olinda, Funda-
ção Armando Álvares Penteado - SP, Museu do Sol- SP e Alfredo
Knope Nova York.

GASPAR LUIZ
As mais lindas mulheres

Gaspar Luiz Rodrigues Costa (1954 - 2005) desde a adoles-


cência já iniciou na pintura com desenhos de tipos humanos da
década de 20, que conheceu em documentação iconográfica. Poste-
riormente, suas telas passam a ter tipos femininos, envoltos em
tecidos transparentes. Estudou pintura, com Roberto Lopes e Fer-

730
nando Lopes. No livro Arte Alagoas II, de 1994, é o próprio Gas-
par Luiz que faz a apresentação de sua obra no catálogo, organiza-
do por Tânia Maya Pedrosa Lula Nogueira.

“Procuro ser artista cada dia que passa e ainda não encon-
trei o verdadeiro caminho. Faço parte de uma leva que acredita
na inspiração, se vier acompanhada da transpiração; produzo
todos os dias e sem preocupação com “ismos” ou correntes daqui
ou de lá; apenas tento dar uma linguagem amena e despretensiosa
para que o meu público lide com naturalidade com minhas peças;
o dever do alquimista pictórico é este”.

Gaspar Luiz em , no livro Arte Alagoas II, 1996, sob a cu-


radoria de Lula Nogueira e Tânia Pedrosa.

HÉRCULES MENDES
A arte da charge jornalística

Hércules de Almeida Mendes tem formação acadêmica em


Ciências Econômicas, com vários cursos de especialização e em
nível de pós-graduação. Apesar de ser designer gráfico autodidata
fez cursos e estágios na Escola de Belas Artes de Pernambuco,
IUB, Ministério da Educação, agências Norton e Vicar Publicida-
de. Colaborou em vários jornais e revistas, onde se destacam as
tiras diárias publicadas no jornal Gazeta de Alagoas, charges e
ilustrações nas revistas Última Palavra e Evidência, bem como no

731
Jornal de Alagoas. Participou de inúmeras mostras e concursos em
Maceió, Recife, Rio de Janeiro, Curitiba, Piracicaba, Salvador,
Brasília, Salvador, Caratinga, Teresina, Roma, Espanha, Bélgica,
Coréia, China, Irã, Romênia. É também escultor e trabalha em cri-
ação de marcas e peças publicitárias. Publicou junto com Nunes
Lima e Manoel Viana, o Livro de Graça. Executou o Mural do Es-
tádio Rei Pelé e arte final do Brasão de Armas e Bandeira do Esta-
do de Alagoas em parceria com o Doutor Théo Brandão. A carica-
tura foi a porta de entrada de Hércules Mendes na charge.

“Cheguei por acaso, fazendo logo de início, caricaturas de


pessoas. Os franceses chamam de Portrait Charge, a essa modali-
dade de humor gráfico. É uma varredura crítica do personagem,
os seus traços característicos, suas deformações físicas, suas des-
proporções, sua expressão facial e corporal. A charge transfere
esses componentes para o fato, o acontecido ou mesmo ainda, pa-
ra o que está por acontecer. A memória, a informação, a irreve-
rência ou o espírito crítico, alimentam a criatividade. Claro que
tem que haver uma certa habilidade para o desenho caricatural”.

ISMAEL PEREIRA
Uma arte multicultural

Ismael Pereira Azevedo nasceu em Capela, não a cidade


alagoana do Vale do Paraíba, mas de Sergipe, em 1940. Aos cinco
anos de idade muda com sua família para Aracaju onde prosseguiu

732
seus estudos. Casado duas vezes, teve cinco filhos. Em Aracaju
tornou-se empresário do ramo da publicidade e artista plástico.
Realizou sua primeira exposição individual em Aracaju, na Galeria
de Artes Álvaro Santos, em 1965. Neste mesmo ano, mudou-se
para Arapiraca. Ali foi fundador da Câmara Júnior de Arapiraca e
de uma emissora de radio, foi integrante da Maçonaria e partici-
pante de diversas entidades no campo artístico e cultural da cidade.
Ingressou na vida pública em 1973, sendo eleito vereador por Ara-
piraca. Ismael Pereira foi também deputado estadual pelo Estado
de Alagoas por três legislaturas. Em outubro de 2015, Ismael fez
sua mais recente exposição “ReVivendo”, com estilos que passam
como uma linha do tempo de sua obra, que ganhou um teor multi-
cultural.

“Retornar a esta terra se constitui como uma forma singular


do renascimento que me permite mostrar obras da minha lavra aos
amantes das artes e da cultura e reavivar, com meus olhos de ago-
ra, as imagens dos tantos cantos e recantos desta bela e acolhedora
Cidade Sorriso onde vivi”.

Guerreiros, cajus, jangadas e mandalas

Ainda criança, Ismael dava sinais nítidos de familiaridade


com o desenho. Com um pequeno pedaço de lápis, caco de prato,
pedaço de pedra, desenhava figuras nas paredes, nas calçadas ou
pedaços de papel. Já adulto, os primeiros trabalhos de Ismael Pe-
reira eram figurativos, pautados especialmente na cultura do interi-

733
or de Alagoas. Com a passar do tempo, o artista inovou ao lançar a
série “Guerreiro das Alagoas”. Nesta série, os característicos cha-
péus dos integrantes desse folguedo lhe inspiraram composições
geométricas, cujas linhas retas eram quebradas por estratégicas
colagens de chita. Depois ele criou a série “Jangadas das Alagoas”,
mostrando velas reduzidas a simples triângulos, agrupadas em so-
breposições ou servindo de suportes a elementos decorativos. Mais
inovadora ainda foi a série dos “Cajus”, na qual desconstruiu a
fruta símbolo de sua terra, a ponto de transformá-la, num violão
muito bem ornamentado. Na sequência, o artista descobriu a man-
dala, uma de suas obras mais famosas; dela se apoderou para criar
composições com grande riqueza de detalhes.

JOSÉ ZUMBA
A visão negra da arte

José Zumba (1920-1996) foi um artista plástico negro, ala-


goano, nascido em Santa Luzia do Norte. O artista aprendeu artes
plásticas quando morou em Pernambuco e deixou suas impressões
em telas que retratam figuras humanas, predominantemente negras,
paisagens, manifestações culturais, festas e costumes populares de
Alagoas. Os traços e tons presentes em suas obras marcaram as
artes plásticas e a cultura do Estado, e seu legado pode ser encon-
trado em todo o território alagoano, em prédios públicos, museus e
residências. Cursou a Escola de Belas Artes do Recife, onde estu-
dou Artes Plásticas. Exposições individuais e fez exposições em

734
Londrina-PA, 1953; Curitiba-PA, São Paulo e Recife, 1957. Parti-
cipou de diversas coletivas, bem como da Exposição Arte Popular,
Coleção Tânia de Maia Pedrosa, realizada no Museu Théo Bran-
dão, em Maceió, jan. 2002. Tem trabalhos em acervos de museus
da França, Itália, Rússia e Argentina. Sua pintura remete às raízes
africanas ao retratar Zumbi, pretos velhos e mães de santo e ganha
uma nova dimensão antropológica e sociológica. Em 2013, Zumba
foi homenageado com uma exposição no Dia da Consciência Ne-
gra, com 80 telas de sua autoria mostradas no hall do Museu Palá-
cio Floriano Peixoto.

“Este alagoano de Santa Luzia do Norte foi um grande ba-


talhador. Sustentou esposa e filhos com sua arte, pintando diaria-
mente e saindo para vender as telas pelas ruas da cidade, reparti-
ções públicas e casas de colecionadores. Sua pintura remete às
raízes africanas ao retratar Zumbi dos Palmares, pretos velhos e
mães de santo e ganha uma dimensão antropológica e sociológica
quando nos apresenta os saberes e fazeres alagoanos, em especial
as manifestações folclóricas e usos e costumes, como o não mais
existente vendedor de mel”.

Por Oswaldo Viégas, no caderno Saber, Gazeta de Alagoas,


em dezembro de 2011

LOURENÇO PEIXOTO
O decano de gerações

735
O pintor, escultor e professor de arte Lourenço Albuquerque
(1897-1986) nasceu há dois séculos, e morreu aos 90 anos deixan-
do uma geração inteira de pintores e pintoras que passaram pelas
suas mãos. Quando aprovava com louvor alguma pintura assinava
em baixo. Era observador, detalhista, mas quem passava por ele
estava pronto para seguir as belas artes. Estudou no Colégio Dio-
cesano e no Liceu Alagoano. Em 1913, passa a trabalhar na Lito-
grafia Trigueiros, a fim de estudar gravura e pintura com Karl Mi-
chael e Sigismund Gobat, temporariamente em Maceió. O primeiro
contato com a pintura e o desenho deu-se em 1915, quando foi
discípulo de Carlos Leão Xavier, no Liceu de Artes e Ofícios.

O Instituto de Belas Artes

Para ministrar o ensino das Artes Plásticas, criou, em 1925,


o Instituto de Belas Artes de Alagoas que, posteriormente, iria
chamar-se Instituto de Belas Artes Rosalvo Ribeiro, responsável,
nos fins da década de vinte, pela promoção de vários salões de arte,
dos quais participaram alunos do estabelecimento (Violeta Leite e
Tarcila Pitanga - escultura) e artistas independentes: Zaluar de
Sant`Ana, Moreira e Silva, Eurico Maciel, Luis Silva, Durval Ho-
nório, Calheiros Gomes (pintor e escultor), Cícero Leandro (carica-
turista) e o próprio Lourenço. Teve, ainda, atividade destacada na
Festa da Arte Nova, em 1928, cujo programa constou de uma se-
ção literária e uma exposição de pintura de alguns dos seus traba-
lhos. Sua temática oscilou entre a fixação de tipos locais e paisa-

736
gens. Fundou, a 29/09/1928, juntamente com Aloísio Branco, Car-
los Paurílio, Waldemar Cavalcanti e Diégues Junior, entre outros, a
Revista Maracanã, dedicada às artes e letras e da qual só um núme-
ro foi publicado.

ABC das Alagoas, Dicionário Biobliográfico e Geográfico


de Alagoas, por Francisco Reinaldo Amorim de Barros, Edições do
Senado Federa, 2005

LULA NOGUEIRA
As cores do cotidiano

O artista plástico Luiz Nogueira Gomes, Lula Nogueira,


nasceu em Maceió, em 1960. Lembra-se de pintar desde criança.
Começou com dez anos de idade, retratando os cortadores de cana,
as estações de trem, as cenas do cotidiano da fazenda do avô no
interior. Tudo isso pintado a guache em cadernos de desenho. Ao
mesmo tempo, tinha um verdadeiro “museu” no seu quarto. Cole-
cionava objetos, postais, pendurava-os pelas paredes, improvisava
as primeiras colagens. O artista Pierre Chalita, amigo da família,
viu seus desenhos e recomendou que lhe dessem telas, tintas, pin-
céis. Aos onze anos ingressou no curso de pintura de Vânia Lima,
onde aprendeu a trabalhar com outras técnicas, como o fusain, o
óleo, o nanquim. Aos quatorze anos foi para Recife cursar o se-
gundo grau. Lula escolheu Engenharia, levou nove anos para con-
cluir o curso, com várias interrupções. Nesses intervalos, viajou

737
para os Estados Unidos, França, entre outros países. Porém nunca
desistiu da arte. Aos dezenove anos fez oito meses de curso no
ateliê de Pierre Chalita. Mas seu espírito irrequieto queria mais,
conhecer novas técnicas, experimentar outros materiais. Sua pri-
meira exposição foi aos vinte anos, na cidade de Marechal Deodo-
ro. Pintava sanfoneiros, pastoris, gaiolas de pássaros, casarios,
lembranças da infância.

Um pintor naif contemporâneo

Lula Nogueira é considerado um dos destaques das artes


plásticas do estado de Alagoas. Ele é um artista que privilegia ce-
nas representativas da vida e cultura alagoana, pintando seu cotidi-
ano, além dos aspectos culturais e históricos do estado. Descrita
como "viva, alegre e buliçosa", a arte de Lula Nogueira realmente
não faz concessões à mistura de cores: usa e abusa das cores, adi-
cionando um caráter eufórico ao seu ato criativo. Além disso, mui-
tas de suas telas assemelham-se a folhetins multicoloridos, isso
sem desmerecer nenhum dos dois gêneros. Para o escritor alagoano
Lêdo Ivo, a arte de Lula Nogueira é naif, mas também pop. Já Vi-
viane Duarte acredita que ele é naif contemporâneo. Para o crítico
de arte Ruy Sampaio, considerar o pintor alagoano um represen-
tante da arte naif é um verdadeiro equívoco. Num ponto todos con-
cordam: Lula Nogueira, ao retratar o cotidiano da vida urbana e
rural de Alagoas, o faz de uma maneira muito simples e intensa,
mas sem folclorismo.

738
“Meu trabalho é carregado de referências musicais e per-
sonalidades (algumas desconhecidas) que já ajudaram a mudar o
mundo de alguma forma, como cientistas, astronautas, vencedores
do prêmio Nobel da Paz, causas de proteção a animais e ao meio
ambiente, entre outros elementos que trazem vibrações positivas
para as pessoas”.

ORLANDO SANTOS
Um cubista alagoano

Artes Plásticas e Cultura Popular: a união dessas vertentes


se torna um prato cheio nas mãos do cubista alagoano Orlando
Santos, que consegue transmitir com pinceladas a grandeza e o
colorido das manifestações folclóricas do Nordeste. Apesar de o
cubismo ter sido um movimento artístico de curta duração, com
apenas cinco anos, Orlando, aos 46 anos de idade, consegue eterni-
zar o estilo no movimento circular dos vestidos usados pelas dan-
çarinas do Reisado, na cauda triangular dos peixes do Rio São
Francisco ou nos quadros em zigue zague das calças dos próprios
pescadores. “O Cubismo é uma temática versátil, de grandiosidade
e movimento muito marcante da arte. Meu trabalho é influenciado
por mestres como Picasso, Portinari e Di Cavalcanti”. Orlando
estudou Artes na Fundação Pierre Chalita, em Maceió, e na Escola
Nacional do Desenho, em Porto Alegre. Ele já fez mais de 20 ex-
posições individuais e coletivas e trabalha sempre com o acrílico
sobre tela, retratando temas regionais.

739
PAULO CALDAS
As cores do Nordeste

Pintor e desenhista. Autodidata, desenha desde os onze


anos. Começou, em 1979, a pintar a pastel e, posteriormente, a
óleo. Residiu em São Paulo, onde realizou uma exposição indivi-
dual em 1980. A partir de 1981 se instala definitivamente em Ma-
ceió. Desenvolveu, com Ricardo Maia, as Jornadas da Cruzada
Plástica, com o fito de divulgar os artistas alagoanos. Nos anos
2000, Paulo Caldas, depois de dar uma pausa nas obras surrealis-
tas, ele colocou em prática o colorido projeto Cordão Nordeste. A
partir daí, Paulo começou a transformar em pinturas as histórias de
trancoso e da carochinha contadas pela avó; os cenários, persona-
gens e as brincadeiras do mundo real, além do farto universo do
folclore alagoano. As telas são recortes de um Nordeste colorido,
vivo, alegre e lúdico. Uma realidade recriada para ser entendida e,
ao mesmo tempo, seduzir crianças e jovens. "Não podemos deixar
nossa juventude crescer sem contato com a arte e os artistas da
terra. Sem isso, que referência eles terão do lugar onde nasceram e
vivem?", alerta. Para isso, ele apresenta ao público infanto-juvenil
os coloridos trabalhos povoados de cangaceiros, guerreiros, carros
de lata, cirandas, circo, pau de sebo, mamulengos e muitas outras
referências guardadas no seu imaginário de criança curiosa e artista

740
observador e saudosista dos tempos que jogava ximbra nas ruas de
barro de Maceió.

ABC das Alagoas, Dicionário Biobliográfico e Geográfico


de Alagoas, por Francisco Reinaldo Amorim de Barros, Edições do
Senado Federa, 2005; com Roberto Amorim, em fevereiro de
2009 no Link:

PEDRO CABRAL
Arquiteto projeta o artista

Dizem que arte e arquitetura caminham de mãos dadas. Ve-


lhas conhecidas. Talvez irmãs gêmeas (que foram pelo menos du-
rante um longo período), vistas como divisões de um mesmo todo
– sendo a arquitetura considerada parte da história da arte e presen-
te na quase totalidade de livros sobre o assunto. No caso de Pedro
Cabral, essas duas vertentes andam mesmo juntas. Arquiteto por
formação, artista por vocação, ele engloba em si um pouco de cada
uma delas. A formação na ciência de projetar e organizar espaços,
criar ambientes, deu o embasamento para o lado pintor. Dois as-
pectos indissociáveis, afirma – tanto no mundo como na vida dele.

“Elas são indissociáveis, mas a arquitetura é mais comple-


xa. Reúne arte, tecnologia e normas impostas. Gosto muito da ar-
quitetura. Só não gosto de depender de normas, leis, burocracias,
dinheiro dos outros para realizar a minha arquitetura. Já a minha

741
arte são todos os traços e cores que herdei da arquitetura. Uma
comunhão de pensamentos e atos”.

Pedro Cabral em entrevista a jornalista Larissa Bastos no


link:
http://gazetaweb.globo.com/gazetadealagoas/noticia.php?c=
274634

Pedro Cabral e as razões do coração

Pedro Cabral - arquiteto, urbanista, professor, artista plásti-


co, poeta e cronista - tem vários substantivos (na verdadeira con-
cepção da palavra: substância), que podem ser colados à sua pes-
soa: lírico, brilhante, inteligente e simples. Pedro é daquelas figu-
ras que parece que você conheceu há muito tempo, já na primeira
mirada. Ele está sempre feliz, com seu ar de pessoa de fina estam-
pa. É, ao mesmo tempo, um grande poeta e pintor, e um cronista de
primeira qualidade. Tive a grata satisfação de lançá-lo como cola-
borador da imprensa. É autor de belas crônicas e ensaios nos jor-
nais Gazeta de Alagoas, O Jornal, Extra e O Dia. Nos anos 1990 e
2000 foi um dos primeiros alagoanos a fazer sucesso na internet,
com seu delicioso blog Pois É, no começo distribuído nos e-mails
dos amigos. Em 2015/2016 lançou sua principal e mais importante
exposição: as razões do coração, na galeria Fernando Lopes, no
Cesmac.

742
PIERRE CHALITA
Percursor da pintura em Alagoas

Pierre Gabriel Najm (1930-2010) foi um pintor, escultor,


desenhista, professor e colecionador de arte brasileiro. Filho de
família de imigrantes libaneses, é arquiteto formado pela Faculda-
de de Arquitetura do Rio de Janeiro. Estudou, também, na Acade-
mia de Belas Artes San Fernando (Madrid – 1957) e na Escola de
Belas Artes de Paris (1958). Por indicação da Fundação das Na-
ções Unidas para a Arte e Cultura (Unesco) foi o decorador-chefe
do filme Les Mimes Orienteaux et Occidenteaux, de Jean Doat e
Paul Bordry (Paris – 1960). Sua obra é marcada pelo trágico da
condição humana, pela exaltação do sentimento e pelo calor da
carne. A sedução do movimento e a profusão de cores estão sem-
pre presente em seu mundo e em suas alegorias pictóricas. Em
1950 matriculou-se na Faculdade de Arquitetura do Recife e estu-
dou pintura sob a orientação do professor Murillo Lagreca, no Re-
cife. Em 1982, foi nomeado professor de História da Arte, na
UFAL.

“Desde a década de 50, marco do início de sua carreira,


ele imprimiu ao fazer estético uma estrutura sólida que lhe permi-
tiu evoluir, resistindo à efemeridade dos modismos. Esta estabili-
dade se sedimenta nos conceitos plásticos que a arquitetura lhe

743
forneceu, na autenticidade do conteúdo social da mensagem veicu-
lada, no domínio de uma técnica com novas possibilidades, sem
romper, contudo, com a tradição universal da pintura que usa o
suporte na tela, como instrumento de trabalho, pincéis, e material,
pigmentos dissolvidos no óleo. Se tivéssemos de rotular a arte des-
se grande mestre brasileiro, da segunda metade do século XX, nós
a chamaríamos de Transexpresionista, pois nela os problemas
psicológicos são filtrados à luz dos critérios sócio-econômicos”.

Por Solange Chalita, textos do livro Fundação Perre Chalita,


um Exercício de Cidadania, 1991, edição numerada editada e pa-
trocinada pela Salgema Indústrias Químicas

RICARDO MAIA
O Movimento Vivarte

Nascido em Maceió, capital do estado de Alagoas, já na in-


fância fez contatos com a música, a pintura, o desenho e o teatro. É
graduado em psicologia pelo Centro de Estudos Superiores de Ma-
ceió e mestre em psicologia social pela Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo. Por dez anos e meio, ensinou na rede públi-
ca e privada de ensino superior. Nesse período, pesquisou no Insti-
tuto Histórico e Geográfico de Alagoas estimulando a pesquisa
sobre o campo artístico alagoano. Criou informalmente, com alu-
nos e alunas, o Grupo de Estudos em Ciências Organizacionais
Não Industriais (GECONI) para conhecer as idéias de Domenico

744
De Masi sobre criatividade e grupos criativos. Criou inclusive a
linha de pesquisa “Arte, Artista e Cultura na Sociedade Alagoana”.
Nos anos 1980, foi um dos criadores do Grupo Vivarte (1984-85) e
das “Cruzadas Plásticas” (1987-88): dois importantes movimentos
das artes visuais pelo modernismo em Alagoas.

“O Grupo Vivarte (1984-1985) e a sua “Cruzada Plástica”


(1987-1988) agitaram o campo artístico, dividindo-o e dividindo-
se, de modo micropolítico, entre vivartistas e chalitista; entre ar-
tistas novos e novíssimos; entre vivartistas “revoltados” e vivartis-
tas “apenas insatisfeitos”. Ou, ainda, de maneira mais didática,
para se pensar dialeticamente o processo histórico da arte, em
Alagoas, entre artistas “figurativista” e “abstraconistas-caetés”.
A conseqüente reação de pânico simbólico por parte das chama-
das “elites pictóricas” da Maceió artística, eliciada por esse vi-
vartístico “aluvião de mudanças”, foi, com toda certeza, mais um
desses desdobramentos, visivelmente notáveis, acarretados pela
participação simbolicamente subversiva e semioticamente auto-
atualizada de Maria Amélia Vieira; personificando, assim, um
sinal de identidade (e, portanto, de diferença) entre os ânimos po-
líticos, que, no referido campo, se dividiam ― e, de certo modo,
ainda se dividem ― entre chalitismo e vivartismo”.

Ricardo Maia, na página de seu facebook, em 20 de junho


de 2014, no artigo “Mamélia, a Vivartista”

745
ROBERTO ATAÍDE
Uma trajetória interrompida

O pintor e arquiteto alagoano Roberto Ataíde (1962-1995),


iniciou sua carreira como estudante de Desenho e Pintura na Fun-
dação Pierre Chalita (1981-85). Mas teve sua carreira interrompi-
da, quando morreu aos 33 anos, vítima da Aids. Estudou Serigra-
fia, Desenho Livre com Jadir Freire e fez diversos cursos no cam-
po da arte, dentre eles o Curso de Criatividade, Análise Crítica e
Problemas de Composição na Linguagem Visual, com Fayga Os-
trower. Em meados dos anos 80 foi Técnico de Artes Plásticas do
SESC. Participou de várias exposições coletivas. Em 1982, no
Concurso Carlos Moliterno (IHGA) recebeu o prêmio de 1º lugar.
Neste mesmo ano conquistou o 1º lugar no concurso Graciliano
Ramos de Artes Plásticas, promovido pela Ufal. Recebeu o prêmio
Industrial Ernesto Maranhão com a aquarela A Ilha, em homena-
gem aos 70 anos do poeta Carlos Moliterno. Pouco documentado,
no entanto, e com uma curtíssima carreira, Ataíde deixou marcas
profundas (e desconhecidas do grande público) trazidas por seu
trabalho de pintor, que dominava várias técnicas (carvão, acrílica,
óleo…) e criava um caminho próprio estético, principalmente num
“semi-abstracionismo” onde pesquisava volumes, criados por cores
intensas e formas não precisas que por vezes geravam sensações de
vagas figuras.

746
“Roberto é sempre lembrado por sua doçura, certa inge-
nuidade em lidar com o mundo, como uma aventura poética que o
fazia um artista de cores e formas, um embelezador da vida. Mi-
nhas lembranças sobre ele remetem sempre a de um menino lindo,
crescido e feliz. Com um sorriso iluminadíssimo e sem nenhuma
dúvida sobre seu amor pelas artes. Uma vida tão breve mas que
nos deixou mais que traços e cores”, relata o videoprodutor ala-
goano Cláudio Manoel, que lançou em 2014 um documentário
sobre o pintor – Traços e Cores - com cerca de 25 minutos de du-
ração, realizado pelas produtoras Imaginário é TV e Meu Bolso
Produções Artísticas.

ROSALVO RIBEIRO
Belas artes em Paris

Rosalvo Alexandrino de Caldas Ribeiro (1865-1915) nasceu


na antiga Santa Maria Madalena da Lagoa do Sul, atual Marechal
Deodoro, e foi um dos filhos de uma cidade que também exporta-
ria para o Brasil, além de marechais, políticos da estatura e porte
de um Tavares Bastos, músicos como Misael Domingues ou des-
bravadores como Ladislau Neto. Rosalvo Ribeiro, além de reno-
mado artista plástico, foi também paisagista, músico e professor.
Todavia, foi nas artes plásticas a sua melhor performance, e, atra-
vés dela, com uma técnica apuradíssima, ele transitaria com leveza
e maestria em temas históricos, militares, retratos, paisagens, regis-

747
tros cotidianos e ainda, cenas de gênero. Mestre da pintura alagoa-
na, Rosalvo é um artista de sólida formação, que percorre as mes-
mas etapas dos artistas brasileiros mais destacados da segunda me-
tade do século XIX. Estudou na Academia Imperial de Belas Artes
do Rio de Janeiro, viaja, em 1889, para Paris para continuar seus
estudos na Escola de Belas Artes e na Acádemie Julian. Retorna ao
Brasil em 1901. Torna-se Diretor da Biblioteca Pública Estadual
de Alagoas em 1902. Em 1910, assume o projeto da estátua eques-
tre do Marechal Deodoro da Fonseca e da praça que leva o nome
do militar, em Maceió. Aos 48 anos, morre de tuberculose. A te-
mática e estilo de Detaille exercerão grande influência na produção
francesa de Rosalvo Ribeiro, manifestos inclusive na tela La char-
ge ("A carga"), de tema militar, exposta no Salon de 1898 com
relativo sucesso (mais tarde doada ao governo de Alagoas, na con-
dição de "envio".

Rosalvo Ribeiro, por Moreno Brandão

“O nosso pintor, nascido na lendária ex-metrópole de Alagoas


(26 de novembro de 1867), tem em mente preparar uma tela histórica
sobre o incêndio ateado na mesma cidade pelos holandeses. Enquanto
não desempenha essa grandiosa recepção, dedica-se, desde de sua
volta da Europa, à feitura de retratos e pochades. Também de Rosal-
vo Ribeiro muito se tem exigido, sendo o complacente artista forçado
a malbaratar muito talento em obras subalternas e em trabalhos como
as praças Deodoro e Tavares Bastos, tão severamente criticadas por
estetas e críticos de fancaria. Nos quadros por ele plasmados verifi-

748
cam-se, entretanto, as qualidade primaciais de um verdadeiro artista,
que detesta as cores vivazes, sabendo, porém, imprimir a seus painéis
os traços inconfundíveis peculiares aos mestres. Ao que aí fica apenas
nos cumpre acrescentar que o nosso grande pintor era filho do major
Felippe Angelo Ribeiro, conhecido pela força assombrosa e proverbi-
al de que era dotado, e da exma. sra. d. Josefina de Caldas Ribeiro. A
morte de Rosalvo ocorreu a 20 de abril de 1915, sendo o seu cortejo
constituído por vinte e cinco pessoas! As suas telas são, além das que
já foram citadas (L’ Innocence, La Sommission, La Charge, Le Facti-
onaire, Le Régiment, Vielle Bretonne), Vieux Baron, Pequeno Tam-
bor, Garotos de Paris, No Atelier, Oficina de Ferreiro, Cabeças de
Expressão, O Dragão, Pequeno Mendigo, A leitura, Mulher Russa
(estudo do nu), A Índia, etc”.
Texto de Moreno Bradão publicado originalmente no Diário
de Pernambuco de 7 de novembro de 1925 com o título As artes
plásticas em Alagoas

ROSITA PEIXOTO LIMA


A arte Bauer rústica

A pintora alagoana Rosita Maria Peixoto Lima, aos 81 anos,


continua com sua paixão acesa pelos pincéis, pelas telas, pelas co-
res fortes de seus quadros. Sua pintura foi modelada nos ateliês
Lourenço Peixoto e Pierre Challita. Lourenço chegou a assinar em
baixo de suas pinturas, e Chalita afirmava gostar das cores fortes
dos óleos de Rosita. Hoje, por sua idade, deixou o óleo e passou a

749
pintar com tinta acrílica. Na sua temática estão paisagens, as lagoas
de Maceió, jangadas, as pastoras do Pastoril, a elegância das mu-
lheres, naturezas mortas. Atualmente, ela pinta uma coleção inspi-
rada na arte alemã Bauernmalerei, que significa, em tradução lite-
ral, "pintura campestre". É um estilo rústico floral, cujas origens
remontam ao século XVII. Ele caracteriza-se especialmente pelas
pinceladas livres e espessas de temas florais, com traços de branco
e fundo patinado. Supõe-se que a técnica era inicialmente empre-
gada para aprimorar a arte no ambiente, a partir do reaproveita-
mento artesanal de objetos metálicos ou de madeira durante a II
Guerra na Europa. Nos dias de hoje, ela é bastante difundida em
todo o mundo graças à sua aura campestre e romântica. Rosita,
além das telas em acrílico, pinta também objetos inspirados na arte
Bauer alemão, como travessas e pratos de madeira, baldes e obje-
tos de latão, banquinhos e estantes.

SOLANGE CHALITA
Textura e tintas acrílicas

É artista plástica, tendo se iniciado no Ateliê livre de Pierre


Chalita. Seu itinerário plástico apresenta duas fases: a primeira,
figurativa e uma segunda, abstrata. Trabalha com tinta acrílica so-
bre tela, e usa texturas. Realizou várias exposições no Brasil e no
exterior, entre elas várias capitais brasileiras e no exterior: Roma e
Madri. Em parceria com seu marido, o decano Pierre Chalita fez
exposições em Buenos Aires e Lima, no Peru. Autora de cerca de

750
10 livros, Solange Lages lembra que sua influência foi seu pai, o
médico José Lages Filho, da tia Lily Lages e da professora Edla
Braga no estimulo à leitura. Comenta também sobre a influência
que sofreu dos autores Machado de Assis e Malba Tahan, que a
inspiraram na adolescência e na vida adulta. Ela também colabora
com assuntos culturais nos jornais de Maceió. Foi colaboradora
semanal na área de Literatura do Jornal “Gazeta de Alagoas”, no
caderno “Mulher”, durante dois anos. Atualmente, é presidente do
Conselho Deliberativo da Fundação Pierre Chalita, sediada em
Maceió e vice-presidente da Academia Alagoana de Letras.

Mais Pintores

Aloisio Coimbra
Carlos Xavier da Costa
Eurico Maciel
Joaquim Brígido
Luiz Silva
Messias de Melo
Miguel Torres
Natalício Barros
Reinaldo Lessa
Ricardo Sarmento (escultor)
Teixeira da Rocha
José Rodrigues de Miranda

751
José Paulino Lins
José Menezes
Virgílio Maurício
Fredy Correia
Paulo Caetano
Virgílio Maurício
Zaluar de Sant´Ana

Mais pintoras

Alba Nascimento Correia


Ângela Nadir Oiticica
Augusta Martins
Carmem Correia Acioli (1897-2001)
Célia Malta
Ceres Vasconcdelos
Creusa de Souza Accioly
Cristiane Acioli Jatobá
Darcy de Farias Costa
Denise Fereira Jambo
Fátima Leão
Irene Duarte Silva
Lysete Alves de Carvalho
Maria José Lima Soares
Maria Luiza Pontes de Miranda
Maria Rosa Maia Nobre Piatti
Marisa Gatto

752
Martha Sraújo
Miriam Falcão Lima
Morgana Maria Pita Duarte
Naná Loureiro
Nelza Amorim de Miranda
Noêmia Duarte (1897-1962)
Sandra Pereira das Neves
Stela Maria Mota
Vera Gama

753
ALAGOANOS UNIVERSAIS

ARTHUR RAMOS. CIENTISTA DA CIVILIZAÇÃO

Arthur Ramos de Araújo Pereira (1903-1949), o aclamado


“cientista da civilização”, morreu em Paris, aos 46 anos, depois de
deixar uma vasta obra de mais de 300 livros, principalmente sobre
o negro no Brasil. Era um humanista por convicção e, através de
suas ideias libertárias, lutou contra o imperialismo e o preconceito
racial. Chegou ao ápice de sua carreira como diretor do Departa-
mento de Ciências Sociais do Fundo das Nações Unidas para Edu-
cação, Ciência e Cultura (Unesco), quando passou a morar em Pa-
ris, em 1949. Na capital francesa, neste mesmo ano, quando come-
çava construir um Plano de Paz para o mundo, ao lado de Bertrand
Russel, Jean Piaget, Maria Montessori e Julien Huxley, ele morre
em Paris, vítima de um edema pulmonar. Antropólogo, médico,
escritor e folclorista, Arthur Ramos foi brilhante como estudioso
do negro africano, e depois do negro brasileiro. Lançou três obras
fundamentais nesta área de pesquisa: O Negro Brasileiro (1934), A
Mestiçagem no Brasil (1951) e O negro na Civilização Brasileira
(1956). Passa a ser considerado como “o maior africanista do Bra-
sil”, por intelectuais como Gilberto Freyre, Jorge Amado e soció-

754
logo francês Roger Bastide, autor da obra 0 Candomblé na Bahia
(1961), que escreveu sobre Arthur Ramos:

“Seu mérito está no método. Arthur Ramos desprendeu-se


de todo e qualquer preconceito, quer de raça, quer de religião.
Ensinou aos africanistas brasileiros o valor da objetividade cientí-
fica”.

Roger Bastide citado em Arthur Ramos em significativas


passagens, de Dídimo Ottto Kummer, Edições Catavento, 2003.

Muitos textos publicados

Apesar de morrer muito novo, Arthur Ramos devotou mais


da metade deles aos estudos sobre psicanálise, psicologia social,
ecologia, educação, antropologia e o folclore alagoano. Um legado
que o situa entre os mais respeitados intelectuais de todo o mundo.
Além de diversos livros, o prodigioso alagoano deixou registrado
quase seiscentos artigos - cerca de duzentos elaborados nos últimos
quatro anos de vida - sobre as ciências acima citadas, mas princi-
palmente sobre a condição do negro na sociedade brasileira.

Infância e carreira

O garoto Arthur, com nove anos, fez seus estudos primários


no Externato Progresso Pilarense, fundado pelo professor João
Frederico da Costa, terminando em 1914, quando o mestre decla-

755
rou: “Levem daqui este menino, comigo nada mais tem que apren-
der”. E Arthur foi longe, e até hoje seu trabalho repercute. Em
2003, no centenário de AR, sai pela Coleção Nordestina, uma pu-
blicação coletiva das universidades federais da região: A Mestiça-
gem no Brasil. O livro foi lançado em 1951, em edição francesa
(Le Métissage au Brésil), e só agora, 64 anos depois, saiu esta edi-
ção, traduzida pela professora e antropóloga alagoana Luitgarde
Oliveira Cavalcanti Barros, da Universidade Estadual do Rio de
Janeiro, uma das maiores estudiosas de Arthur. Ela atesta a atuali-
zação da obra de Arthur Ramos:

“Nada tão interessante como, num momento em que os polí-


ticos transformaram o problema racial no Brasil num empreendi-
mento eleitoreiro, a publicação de um livro síntese sobre os deba-
tes em que se digladiaram intelectuais, de todas as correntes do
pensamento social brasileiro, na primeira metade do século XX,
sobre essa questão”.

Luitgarde Oliveira Cavalcanti Barros, no posfácio do livro


A Mestiçagem no Brasil, de Arthur Ramos, Edufal – 2003

Fundador de museu no RJ

Escreveu seu primeiro artigo literário aos 15 anos no sema-


nário O Pilar, que era impresso na cidade desde 1918, com seu
irmão, Nilo Ramos, sendo redator-chefe. Em 1921, já estava em
Salvador, onde se formou médico em 1926. A partir de 1932 ga-

756
nhou o mundo, primeiro o Rio de Janeiro, onde se formou em An-
tropologia. Entre 1926 a 1949, Arthur Ramos produziu mais do
que qualquer outro escritor brasileiro, em igual período de tempo.
Foi traduzido para o espanhol, inglês, alemão e tcheco. Nas come-
morações de sua data festiva, não é somente Pilar e Alagoas que
realizam homenagens ao autor, mas São Paulo, Salvador, Rio de
Janeiro, onde fundou o Museu de Arte Afro-brasileira, em 1944,
até então o único no gênero do país, também festejam o mestre.
Nos Estados Unidos ensinou e fez pesquisas nas Universidades de
Louisiana, Califórnia, Harvard e Columbia, ao lado de grandes
nomes das Ciências Sociais. Em Pilar, a casa natal do cientista se
transformou na Casa de Cultura Arthur Ramos, tombada pelo Pa-
trimônio Histórico Estadual em 1986.

Preso pela ditadura Vargas

Firme em suas convicções libertárias, Arthur Ramos foi pre-


so duas vezes pelo Departamento de Ordem Social (Dops), na di-
tadura do presidente Getúlio Vargas. Sua prisão ocorreu em outu-
bro de 1937, quando estava em seu consultório, no Edifício Odeon,
na Cinelândia, Rio de Janeiro, acusado de ser membro da Liga dos
Intelectuais Antifascistas. “Foi um ato para me amedrontar. O que
eles visavam era impedir que eu usasse minha cátedra, para des-
mascarar as doutrinas em voga, que difundiu a grandeza da Ale-
manha nazista”. Mas sua voz não calou:

757
“Sabemos quais foram os resultados dessas doutrinas de
pureza racial, de crença na supremacia do dolicéfalo louro: a dis-
criminação e a luta de raças, o anti-semitismo, o anti-negrismo, o
ódio aos povos de cor... Essas atitudes e opiniões do europeu face
aos indígenas nada mais são do que racionalizações da política de
dominação imperialista”.

Arthur Ramos, em texto da contracapa do livro A Mestiça-


gem no Brasil, Edufal – 2003

Luta contra o imperialismo

Arthur Ramos era um humanista e, por meio de suas ideias


libertárias, lutou contra o imperialismo e o preconceito racial. Ele
ainda teve problemas com autoridades além das fronteiras. Ao de-
nunciar a presença de soldados norte-americanos em bases brasilei-
ras, o alagoano entra em choque com o governo daquele país e é
impedido de entrar nos EUA. O arquivo de Arthur Ramos foi ofe-
recido à venda pela viúva Luisa Ramos para o Ministério da Edu-
cação em 1954, cinco anos após a morte dele. Em 1956, o acervo
foi efetivamente comprado pela Biblioteca Nacional. Em Paris, no
ano de 1949, foi diretor do Departamento de Ciências Sociais da
Unesco. Mas ele morre na capital francesa, aos 46 anos de idade,
vítima de um edema pulmonar, no dia 31 de outubro de 1949.
Nunca esqueceu sua terra. Percebe-se isso quando escreveu:

758
“A minha recompensa maior será a de estar ouvindo aque-
las vozes queridas que os ventos constantemente trazem-me do
Pilar distante para a música do meu coração”.

CALABAR. UM GUERRILHEIRO IDEALISTA

Nos anos 1632 a 1635, um jovem alagoano de Porto Calvo –


na época ainda anexado a Capitania de Pernambuco – Domingos
Fernandes Calabar (1609-1635), então com 23 anos, proprietário
de três engenhos de açúcar junto com sua mãe Ângela Alvarez,
adere ao Exército português entre 1630 a 1632. Idealista e exímio
conhecedor de toda a região, Calabar era prestigiado, sendo braço
direito do general e governador de Pernambuco, Matias de Albu-
querque, até sua deserção, quando passou para o campo das tropas
holandesas, em 22 de abril de 1632. Ele levou para o front das tro-
pas batavas suas táticas de guerrilha e ajudou a conquistar quase
todas as capitanias na região Nordeste sob o domínio luso-
espanhol, na chamada Invasão Holandesa no Brasil, que durou de
1630, com a 1ª invasão malograda em Salvador até a expulsão de-
finitiva dos holandeses, em 1654.

Calabar conquista todo Nordeste

A situação de virtual equilíbrio no teatro de guerra entre lu-


sos e espanhóis, de um lado, a Holanda de outro, inverteu de forma
notável, quando o mestiço Calabar, soldado português, tornou-se

759
um dissidente e passou a apoiar as tropas financiadas pela Compa-
nhia das Índias Ocidentais, braço político e econômico da Holanda.
Calabar chegou a ter a patente de major. A adesão de Calabar aos
holandeses coincidiu com o avanço da conquista, até então restrita
ao litoral de Pernambuco e à Ilha de Itamaracá. Em 1635, a con-
quista holandesa no Nordeste estava consolidada, inclusive na Pa-
raíba e no Rio Grande do Norte, além do interior pernambucano.
Os cronistas portugueses destacam muito o papel de Calabar, que
conhecia trilhas e maneiras de lidar com os índios, pois era mame-
luco e falava a língua de tabajaras e potiguaras, além de aprender o
holandês e o latim.

Major holandês e o batismo “herege”

Antes das guerras, Domingos Fernandes Calabar foi educa-


do por padres jesuítas, mas em 20 de setembro de 1634, já do lado
dos holandeses, batizou o filho Domingo Fernandus, na igreja re-
formada do Recife, de orientação luterana, os “hereges” segundo a
crônica portuguesa. O registro está no livro de batismo da igreja,
que notifica também a presença de todo o alto comando do Exérci-
to Holandês, incluindo o padrinho do filho de Calabar, o lendário
coronel Sigismund Von Schoppe, e mais o coronel polonês Chres-
tofile Arciszewski e o almirante Jan Cornelisz Lichthart. Imagens
de Calabar são raras, restritas a alguns desenhos e gravuras, e sua
própria compleição física é um mistério. Existem historiadores que
o descrevem como mulato, fruto de um homem branco com uma
mulher negra, e outros pesquisadores que o dizem mameluco, her-

760
deiro de um português e de uma índia – uma “negra da terra”, co-
mo também se denominava os indígenas na capitania de Pernam-
buco do século 17. Nem seu sobrenome é dado concreto. Uns sus-
tentam que Calabar é uma alusão a uma cidade nigeriana de onde
viriam escravos para a maior colônia de Portugal. O historiador
pernambucano Evaldo Cabral de Mello, em O Brasil Holandês
(2010), chama-o de “Domingos Fernandes, o Calabar”; a historio-
grafia oficial brasileira, quase sempre qualificam-no como “o
grande traidor”.

Derrota, traição e morte

Em julho de 1635, tudo corria bem para Domingos Fernan-


des Calabar. Aos 26 anos de idade, tinha o posto de major holan-
dês e gozava de muito prestígio nas tropas flamengas que, desde
1630, tentavam se apossar de Pernambuco. E a vitória estava pró-
xima. Finda a guerra, coberto de glória, Calabar pretendia, agora,
desfrutar a paz ao lado de Bárbara, sua mulher, e dos seus meni-
nos. O futuro lhe sorria. Antes, porém, ele resolveu acompanhar
uma coluna flamenga destacada para ocupar a vila de Porto Calvo,
vinte léguas ao sul do Recife. Era a sua terra natal e ele tinha al-
guns assuntos pessoais a resolver, por lá. Mas em 22 de junho de
1635, depois de várias escaramuças do general português Matias
de Albuquerque, com a ajuda de Sebastião do Souto, contratado a
peso de ouro para trair Calabar e despistar as tropas holandesas,
apesar do mameluco insistir junto ao comando para não confiar em
Souto, Matias ganha a batalha e captura Calabar. Ele é preso pelo

761
seu ex-comandante, e é julgado em plena praça pública, é enforca-
do e esquartejado, e partes de seu corpo espalhados pela cidade,
em postes e paliçadas.

“Outro gesto digno de Calabar verificou-se quando do as-


salto das tropas portuguesas ao forte de Porto Calvo. Tendo Ma-
thias de Albuquerque mandado um parlamentar à presença de
Alexandre Piccard (comandante holandês), para exigir a entrega
do guerrilheiro portocalvense, o comandante mandou informar
àquele general de que todos morreriam em seus postos mas que
não entregariam o preso; porém, Calabar resolve sacrificar-se
pela guarnição holandesa e faz questão de se entregar “a mercê
de El-Rey”... Entretanto, mal os tambores flamengos deixavam o
recinto da fortaleza, Piccard abraçava chorando o herói que se
sacrificava por um ideal – incompreendido até hoje – Mathias de
Albuquerque, faltando a palavra de cavalheiro, reúne um conselho
de guerra e dita a sentença de morte”.

Jayme de Altavila, em História da Civilização de Alagoas,


4ª edição, do Departamento Estadual de Cultura – Maceió, 1962

Exageros na “glorificação”

Parte dos historiadores, porém, vêm um pouco de exagero


na “glorificação” de Calabar. Na verdade, o que contou mais para
as vitórias dos invasores foram o aumento dos investimentos da
Companhia das Índias e a troca do comando militar. A chegada do

762
coronel polonês Christoffel Artichewsky, que ouvia muito os pal-
pites do Calabar sobre como fazer a chamada guerra brasílica. Foi
apenas por um breve período, três anos e três meses, mas que teve
consequências para toda a época da invasão flamenga. Calabar não
foi o único a passar para o outro lado, mas sem dúvida foi o mais
importante entre eles. Era um homem inteligente e grande conhe-
cedor da região, desenvolvia táticas de guerra e escaramuças mor-
tais contra os luso-espanhóis. Entre seus serviços, constavam: a
orientação das tropas neerlandesas em solo colonial; o planejamen-
to e a direção das entradas no território; o ensino dos segredos do
terreno e da arte das guerrilhas; além do comando das tropas dos
nativos com as quais Calabar facilmente conseguia se comunicar.

Olhares contemporâneos sobre Calabar

A Imprensa Oficial Graciliano Ramos lançou em julho de


2017 a obra Calabar – Um poema dramático, do escritor alagoano
Lêdo Ivo. E para celebrar o resgate editorial do livro, fora de catá-
logo há 32 anos, a editora decidiu levar aos palcos pela primeira
vez esse poema teatral escrito pelo autor alagoano, realizando um
sonho cultivado por ele desde seu processo de criação. A leitura
dramática do texto foi realizada por um grupo teatral, dirigido por
José Márcio Passos. O elenco contou com Homero Cavalcante,
representando O Alagoano; José Márcio Passos, interpretando O
Turista; Avaristo Martins, como O Escrevente; e Diva Gonçalves,
representando A Viúva de Calabar. Em entrevista à escritora Leila
Míccolis, autora do livro Passagem de Calabar – Uma análise do

763
poema dramático de Lêdo Ivo, o escritor revelou sua frustração em
não ter concretizado a ambição de ver os personagens de Calabar
ganharem vida no tablado. “Eu chegava a visualizar a sua encena-
ção. Esperava que ele fosse representado, o que não ocorreu. Na-
turalmente escrevi Calabar para ser encenado. Ao escrevê-lo, eu o
encenava, como um diretor de teatro. É um poema dotado de visu-
alidade. Entretanto, ele jamais foi representado”.

Uma Voz

Do livro Calabar, um poema dramático, por Lêdo Ivo

Calabar mora no túmulo


secreto dos guerrilheiros.
Mora na cova escondida
dos que morreram querendo
mudar a ordem do mundo.
Seus restos esquartejados
estão dispersos na vala
dos desconhecidos
Que, embora pertençam à morte,
ainda pertencem à vida,
Vivos enterrados
enterrados vivos.
Calabar mora no sol
que ilumina a flor do açúcar.
Mora na cbuva do vento

764
Na luz cega do farol
No cajueiro florido
No caminho percorrido
pelo peregrino.
Calaabar mora na terra
dos que não têm terra nenhuma.
E seu cavalo salta
a cerca do arame farpado
que divide o mundo.

DEODORO. PROCLAMADOR DA REPÚBLICA

Primeiro presidente do Brasil Republicano, o marechal Ma-


noel Deodoro da Fonseca (1827-1892) governou o país de 1889 a
1891, nasceu na cidade de Alagoas, atual Marechal Deodoro, no
dia 5 de agosto de 1827 e estudou em escola militar desde os 16
anos. Em 1848, aos 21 anos, integrou as tropas que se dirigiram a
Pernambuco para combater a Revolução Praieira e participou ati-
vamente de outros conflitos durante o Império, como a brigada
expedicionária ao rio da Prata, o cerco a Montevidéu e da Guerra
do Paraguai. Ingressou oficialmente na política em 1885, quando
exerceu o cargo de presidente (equivalente ao atual de governador)
da província do Rio Grande do Sul. Assumiu a presidência do Clu-
be Militar de 1887 a 1889 e chefiou o setor antiescravista do Exér-
cito. Com o título de marechal, Deodoro da Fonseca proclamou a
república brasileira no dia 15 de novembro de 1889 e assumiu a

765
chefia do governo provisório. A primeira constituição republicana
estabelecia que as eleições no Brasil seriam diretas e que o presi-
dente e seu vice seriam eleitos pelo voto popular. Entretanto, de-
terminava também que, em caráter excepcional, o primeiro presi-
dente e o primeiro vice seriam eleitos indiretamente, isto é, pelo
Congresso Nacional. Foi o que aconteceu. No dia seguinte à pro-
mulgação da Constituição, o Congresso elegeu de forma indireta
os marechais Deodoro da Fonseca para presidente e Floriano Pei-
xoto para vice-presidente, em 25 de fevereiro de 1891.

“No dia 13 de novembro o marechal Deodoro, prevendo a


necessidade do golpe, declarou ao futuro marechal Ilha Moreira:
“A república é nossa única saída, é a salvação do Exército; depois
é conveniente irmos ao encontro da vontade do povo; talvez pos-
samos evitar o derramamento de sangue. E assim sendo, na manhã
de 15 de novembro de 1889, Deodoro toma uma atitude decisiva
em face da dubiedade do momento e transpõe o umbral da porta
do Quartel General, para declaração imediata da República. “Os
minutos de incerteza que eu passei em frente ao Quartel General
valeu para todos os anos da minha vida”.

Trecho do livro História da Civilização Brasleira, de Jayme


de Altavila, edição do Departamento Estadual de Cultura, 1962

Abolição apressa chegada da República

766
A abolição da escravatura, em 13 de maio de 1888, pela
princesa Isabel, apressou a proclamação da República, como um
dos estopins que provocou a queda do Império. Já próximo à deci-
são da princesa Imperial Regente, deu um passo avançado contra o
escravagismo nacional, como registra Jayme de Altavila em seu
livro:

“Deodoro representou perante ao trono contra a ordem im-


perial que transformava o Exército em figuras fardadas de “capi-
tães do mato”, pois era ele obrigado a capturar pelo interior das
províncias os miseráveis escravos fugitivos do jugo desumano dos
seus senhores. Há quem assevere que a abolição da escravatura
foi o cupim que corroeu o trono do Império, pois os grandes se-
nhores, prejudicados com a falta de braço africano, arruinaram-se
e começaram a cercar fileira em oposição à monarquia”.

Trecho do livro História da Civilização Brasleira, de Jayme


de Altavila, edição do Departamento Estadual de Cultura, 1962

Briga entre titãs: Deodoro versus Floriano

Por dois anos, Deodoro presidiu a República, com decisões


graves, como o fechamento do Congresso. O governo do Marechal
deveria terminar em 1894, mas o período registrou sérios proble-
mas políticos e econômicos. A política econômica, que tinha como
ministro da Fazenda Rui Barbosa, foi marcada pelo "encilhamen-
to", que se caracterizou pelo incentivo à emissão de moeda por

767
alguns bancos e pela criação de sociedades anônimas. Como resul-
tado, houve forte especulação financeira e falência de bancos e
empresas. A formação de um novo ministério liderado pelo barão
de Lucena, político vinculado à ordem monárquica, a tentativa de
centralização do poder e às resistências encontradas no meio mili-
tar conduziram o país a uma crise política, que teve seu ápice na
dissolução do Congresso Nacional. Ao mesmo tempo crescia no
meio militar a influência de Floriano Peixoto, que também fazia
oposição a Deodoro juntamente com as forças legalistas que leva-
ram à renúncia de Deodoro da Fonseca em 23 de novembro de
1891. Neste mesmo dia, Deodoro declarou aos seus partidários:

“Não quero aumentar o número de viúvas e de órfãos em


meu país. Mandem chamar o Floriano. Não sou mais presidente
da República e vou pedir minha aposentadoria”.

“E Floriano Peixoto, chamado ao poder no caráter de vice-


presidente, encontrado a nação explorada pelos pedagogos, teve
que usar de manopla de aço e sustentar a república que ia pericli-
tante. Passou à história a sua célebre resposta aos que pergunta-
vam como havia de receber a esquadra inglesa caso ela viesse até
nós: - à bala’”.

Trechos do livro História da Civilização Brasleira, de Jayme


de Altavila, edição do Departamento Estadual de Cultura, 1962

768
DOM AVELAR. PRIMAZ DO BRASIL

Dom Avelar nasceu em Viçosa, 13 de junho de 1912, de


morreu em Salvador, 19 de dezembro de 1986. Com uma atividade
pastoral intensa, Dom Avelar foi nomeado, em 1971, Arcebispo
Primaz do Brasil e 23º Arcebispo de Salvador. Dom Avelar Bran-
dão Vilela tem seu nome gravado na história da Igreja Católica,
como um dos representantes mais lúcidos, ponderados e virtuosos.
Iniciou seus estudos no Seminário de Maceió e no Seminário de
Olinda. Foi ordenado em 27 de outubro de 1935. Membro do corpo
docente e orientador espiritual do Seminário de Aracajú, foi secre-
tário da diocese de Aracajú. Foi capelão diocesano da Ação Católi-
ca. Com apenas 33 anos foi sagrado bispo de Petrolina, sendo con-
sagrado em 27 de outubro de 1946, pelo bispo Dom José Thomas
Gomes da Silva, bispo de Aracaju, tendo como co-consagrantes
Dom Adalberto Accioli Sobral, bispo de Pesqueira e Dom Mário
de Miranda Vilas-Boas, arcebispo de Belém do Pará.

No concílio do Vaticano

Em 5 de novembro de 1955, é elevado a arcebispo de Tere-


sina. Frequentou o Concílio Vaticano II, entre 1962 e 1965. Foi
eleito presidente do Conselho Episcopal Latino-Americano (CE-
LAM), mandato que exerceu entre 1966 e 1972. Frequentou a Pri-
meira Assembleia Ordinária do Sínodo dos Bispos, na Cidade do
Vaticano, entre 29 de setembro e 29 de outubro de 1967, a primei-
ra Assembleia Extraordinária do Sínodo dos Bispos, entre 11 a 28

769
de outubro de 1969 e a II Assembléia Ordinária do Sínodo dos
Bispos, entre 30 de setembro e 6 de novembro de 1971. Em 25 de
março de 1971 foi transferido para a Arquidiocese de São Salvador
da Bahia. Em 5 de março de 1973, foi criado cardeal no Consistó-
rio Ordinário Público de 1973, recebendo o barrete cardinalício das
mãos do papa Paulo VI e o título cardinalício de São Bonifácio e
Santo Aleixo. Em 1975 requereu da Santa Sé o Título já consagra-
do da primazia de sua arquidiocese, o Santo Padre enviou seu re-
presentante o núncio apostólico para conferir o título numa ceri-
mônia na Catedral-Basílica Primacial de São Salvador, em 25 de
outubro de 1980.

FLORIANO. O “MARECHAL DE FERRO”

Com a fama de valentão, por tomar medidas corajosas, o se-


gundo presidente da República, Floriano Vieira Peixoto (1839-
1895) recebeu a alcunha de “marechal de ferro”, que governou o
Brasil de 1891 a 1894. Floriano nasceu no dia 30 de abril de 1839
no engenho Riacho Grande, em Ipioca, distrito de Maceió. Filho de
lavradores pobres, foi criado pelo tio e padrinho, o coronel José
Vieira de Araújo Peixoto. Cursou o primário em Maceió e a Escola
Militar no Rio de Janeiro, para onde foi mandado aos 16 anos. Re-
velou distinção e bravura no exército, especialmente na Guerra do
Paraguai, da qual participou até o desfecho, em Cerro Corá. Como
lembrança, guardou a manta do cavalo de Solano Lopes. Exercia o
papel de ajudante general-de-campo, segundo posto abaixo do mi-

770
nistro do Exército, o visconde de Ouro Preto, quando teve início o
movimento republicano em 1889. Recusou-se a fazer parte da
conspiração, mas também não se dispôs a combater as tropas repu-
blicanas rebeladas.
Movimentos rebeldes

Com a proclamação da República, ocupou o Ministério da


Guerra, em 1890, e foi eleito vice-presidente de Deodoro da Fon-
seca no ano seguinte. Com a renúncia de Fonseca, assumiu a presi-
dência e governou no regime que ficou conhecido como "mão de
ferro" até o final do mandato, em 1894. Venceu um período con-
turbado por movimentos rebeldes, entre eles a Revolta da Armada,
no Rio de Janeiro, e a Revolução Federalista, que começou no Rio
Grande do Sul e tinha como objetivo destituir Peixoto do poder.
Neste movimento, o conflito aconteceu entre republicanos de ori-
entação positivista e liberais, liderados por Silveira Martins, políti-
co de destaque durante o Império. Em sua homenagem o governa-
dor catarinense Hercílio Luz decretou a mudança de nome da capi-
tal, de Desterro para Florianópolis em 10 de outubro de 1894.
Abandonou a carreira política assim que deixou o cargo de presi-
dente. Morreu em Divisa, hoje distrito de Floriano, no município
de Barra Mansa, Rio de Janeiro, em 26 de junho de 1895.

Um índio no berço da República

Dois grandes historiadores clássicos alagoanos – Abelardo


Duarte e Moreno Brandão – tentaram mostrar ao longo de suas

771
obras a importância do índio no processo de mestiçagem nas Ala-
goas, e que tinha o marechal Floriano Peixoto como uma “admirá-
vel espécie”

“Embora Alagoas tivesse sido (um) dos (estados) que mais


cedo sofreram o processo de despovoamento indígena, principal-
mente pelo quase extermínio dos caetés, seria um grave erro des-
considerar essa contribuição do aborígene para o caldeamento
das populações alagoanas”.

Abelardo Duarte, em Aspectos da Mestiçagem nas Alagoas,


1955.

Um índio no berço da República 2

Já Moreno Brandão, citado por Jurandir Gomes, vê traços


indígenas na compleição de Floriano Peixoto, o marechal de Ferro
e co-fundador da República.

“A colonização, que não se faz sem grandes esforços, aliou


ao sangue caboclo, sangue proveniente de uma parte da península
Ibérica, que, juntando-se ao índio, produziu tipos como aquele de
que é admirável espécie o Marechal Floriano Peixoto, em cuja fisi-
onomia está perfeitamente estereotipados os traços do silvícola”.

772
Moreno Brandão, citado por Jurandir Gomes, em Quadros
da Historia de Alagoas, Casa Ramalho Editora, 1956.

GRACILIANO. ROMANCISTA UNIVERSAL

“Nasceu em 1892, em Quebrangulo, Alagoas. Casado duas


vezes, tem sete filhos. Altura: 1,75 metros; sapato 41; colarinho
39. Prefere não andar. Não gosta de vizinhos. Detesta rádio, tele-
fone e campainhas. Tem horror às pessoas que falam alto. Usa
óculos. Meio calvo. Não tem preferência por nenhuma comida.
Indiferente à musica. Não gosta de frutas nem de doces. Sua leitu-
ra predileta: a Bíblia. Escreveu Caetés com 34 anos de idade. Não
dá preferência a nenhum dos seus livros publicados. Gosta de be-
ber aguardente. É ateu. Indiferente à Academia. Odeia a burgue-
sia. Adora crianças. Romancistas brasileiros que mais lhe agra-
dam: Manuel Antônio de Almeida, Machado de Assis, Jorge Ama-
do, José Lins do Rego e Rachel de Queirós. Gosta de palavrões
escritos e falados. Deseja a morte do capitalismo. Escreveu seus
livros pela manhã. Fuma cigarros “Selma” (três maços por dia).
É inspetor de ensino, trabalha no “Correio da Manhã”. Apesar de
o acharem pessimista, discorda de tudo. Só tem cinco ternos de
roupa, estragados. Refez seus romances várias vezes. Esteve preso
duas vezes. É-lhe indiferente estar preso ou solto. Escreve à mão.
Seus maiores amigos: Capitão Lobo - oficial comandante do quar-
tel em que esteve preso, em 1936, no Recife; Cubano - ladrão que

773
o escritor conheceu na prisão, José Lins do Rego e José Olympio.
Tem poucas dívidas. Quando prefeito de uma cidade do interior,
soltava os presos para construírem estradas. Espera morrer com
57 anos”.

Por Graciliano Ramos, no livro Cartas, MPM Comunica-


ções, Rio de Janeiro, 1980

Os “Garranchos” de Graciliano

Um livro com oitenta textos inéditos de Graciliano Ramos


foi lançado em 2012, para marcar os 120 anos de nascimento do
romancista alagoano, confirmar a perenidade de sua obra e torná-lo
atual para as novas e futuras gerações. O livro Garranchos (editora
Record) foi organizado pelo professor doutor da Universidade de
São Paulo (USP), Thiago Mio Salla, um dos mais proeminentes
estudiosos de Graciliano. No livro estão reunidas crônicas, epi-
gramas, artigos de crítica literária e cartas, ao longo de sete anos de
pesquisa, inclusive em Alagoas. Mio Salla confere a Garranchos o
mérito de permitir ao leitor acompanhar a "evolução estilística" de
um autor que, ao experimentar diversos gêneros (crônica, poesia,
conto, ensaio político), encontrou seu nicho quando abandonou
seus pseudônimos. E eram vários, de J. Calisto a Anastácio Ana-
cleto.

“Atualidade de Graciliano se faz presente em grande par-


cela das publicações recolhidas em Garranchos. Contudo, mais

774
especificamente, podemos destacar a série de textos que dá nome
ao livro. Trata-se de 14 crônicas publicadas no pequeno jornal O
Índio, de Palmeira dos Índios. Nesse conjunto de escritos, já po-
demos encontrar um Graciliano interessado pela coisa pública,
que assumia a condição de defensor da população da referida ci-
dade interiorana, reivindicando, sobretudo, o incremento da edu-
cação no município. Em linhas gerais, já se observa aqui o pre-
núncio do Graciliano prefeito de Palmeira dos Índios e diretor da
Instrução Pública do Estado de Alagoas. Sua batalha pelo apri-
moramento do ensino é uma bandeira que até hoje se faz urgente
em praticamente todos os cantos do país”.

Entrevista de Thiago Mio Salla no suplemento do Diário


Oficial, edição especial 120 anos de nascimento de Graciliano Ra-
mos, em 26 de outubro de 2012

Audálio é o universo de Graça

O jornalista Audálio Dantas foi o organizador e curador, em


2003, da maior e mais importante exposição já vista sobre a vida e
a obra de Graciliano Ramos: O Chão de Graciliano, que percorreu
muitas cidades brasileiras, e marcou os 110 anos de nascimento do
autor e os 70 anos do primeiro romance “Caetés”. Em 2007, foi
lançado o livro de arte-reportagem “O Chão de Graciliano”, edita-
do pela Tempo d’Imagem, com texto de Audálio Dantas e fotogra-
fias de Tiago Santana, e mostra a região de nascimento e criação
literária de Graciliano Ramos. A obra, com versão em inglês e

775
espanhol, é o resultado de várias viagens ao sertão de Alagoas e
Pernambuco, a partir de 2002, quando foi feito o primeiro ensaio
fotográfico para a exposição “O Chão de Graciliano”.

“Quero deixar uma importante reivindicação, que faço no


sentido de que o Graciliano Ramos seja lembrado não naquele
sentido clássico de fazer um monumento, aquelas besteiras que se
fazem. É um absurdo que se tenha um patrimônio dessa grandeza
e ele praticamente seja abandonado. Você passa em Viçosa a casa
em que ele viveu não existe mais. não há um pequeno museu em
Viçosa com o nome de Graciliano Ramos; passa em Quebrangulo
que é a cidade natal, e tem a casa de nascimento que pertence a
um cidadão que tem muito boa vontade mas ele até vive, desculpe
a expressão, de saco cheio de pessoas que chegam lá e perguntam
“ah! essa era a casa do Graciliano”. O Estado não fez nada, está
lá uma escola que tinha o nome de Graciliano Ramos em Que-
brangulo, não sei se vocês sabiam disso, foi mudado o nome, tem o
nome de uma diretora do colégio”.

Audálio Dantas, em O Chão de Graciliano, 2007

Biógrafo revisita Mestre Graça

Reavaliada 120 anos depois de seu início, em 27 de outubro


de 1892, a extraordinária trajetória pessoal, literária, intelectual e
política de Graciliano Ramos contada por seu melhor biógrafo ga-
nhou nova edição, ampliada e revisada, pela Boitempo Editorial

776
em 2012. A nova versão da biografia O Velho Graça foi original-
mente publicada há 20 anos pelo professor de literatura Dênis de
Moraes. Entre as novidades, estão um bem cuidado caderno icono-
gráfico, com imagens raras e até inéditas, e a mais esclarecedora
entrevista concedida pelo escritor, em 1944, nunca antes publicada
em livro. A garimpagem em arquivos públicos e privados de Rio
de Janeiro, São Paulo e Alagoas, assim como as dezenas de teste-
munhos de amigos, parentes, artistas, intelectuais e companheiros
de geração enriqueceram sobremaneira o trabalho. Com argúcia de
historiador e sensibilidade literária, Moraes traça a interligação
entre as várias personagens de Graciliano Ramos: o menino trau-
matizado pelas surras na infância; o jovem autodidata que lia Bal-
zac, Zola e Marx em francês; o mítico comerciante da loja Sincera;
o revolucionário prefeito de Palmeira dos Índios; o zeloso diretor
da Imprensa Oficial e da Instrução Pública de Alagoas; o preso
político no inferno da Ilha Grande; o escritor sufocado por apuros
financeiros; o estilista da palavra na redação do Correio da Manhã;
o militante comunista aos esbarrões com a burocracia partidária.
Leia um trecho do livro:

“Fico imaginando o que Graciliano acharia de ter sido bi-


ografado. Talvez fingisse desprezo por sua escolha. O que me leva
a crer nisso? Uma declaração feita por ele, em novembro de 1937,
em uma carta ao tradutor argentino Raúl Navarro, que lhe pedira
um currículo sumário para anexar a um conto em vias de publica-
ção em Buenos Aires: ‘Os dados biográficos é que não posso ar-
ranjar, porque não tenho biografia. Nunca fui literato, até pouco

777
tempo vivia na roça e negociava. Por infelicidade, virei prefeito no
interior de Alagoas e escrevi uns relatórios que me desgraçaram.
Veja o senhor como coisas aparentemente inofensivas inutilizam
um cidadão. Depois que redigi esses infames relatórios, os jornais
e o governo resolveram não me deixar em paz. Houve uma série de
desastres: mudanças, intrigas, cargos públicos, hospital, coisas
piores e três romances fabricados em situações horríveis – Caetés,
publicado em 1933, S. Bernardo, em 1934, e Angústia, em 1936.
Evidentemente, isso não dá para uma biografia. Que hei de fazer?
Eu devia enfeitar-me com algumas mentiras, mas talvez seja me-
lhor deixá-las para o romance’”.

GRACILIANO DE A À Z

Por Dídimo Otto Kummer, em Pequeno Dicionário Graciliâni-


co, Edições Catavento 2001 (texto editado e resumido). O livro tem
mais de 200 verbetes, sendo escolhido um por cada letra.

Academia. Certa vez Graciliano explicou ao filho Ricardo


Ramos o porquê da sua ausência nos “quadros” da Academia Bra-
sileira de Letras (ABI), alegando três motivos: “primeiro, teria que
mendigar votos; segundo, não sou de beijar mão e terceiro, o far-
dão, sendo este o pior dos motivos. O fardão me lembra fantasia de
guerreiro ou mateu; depois, ao vestir o fardão, eu me sentiria um
século mais velho”.

778
São Bernardo. Grande parte do livro escrito na sacristia da
Igreja Nossa Senhora do Amparo, onde antes funcionara uma esco-
la, da qual Graciliano fora professor. Inicialmente foi publicado
pela editora Ariel, do médico Gastão Cruls. O livro foi concluído
em 1932, escrevendo-o em dez meses, de fevereiro a novembro,
sendo lançado apenas em 1934. São Bernardo foi publicado em
Portugal (1958), Alemanha (1960), Hungria (1961), EUA (1979).
Em 1949, o livro virou uma rádio-novela pela Rádio Globo do Rio.
Em 1972 virou filme (dirigido por Nelson Pereira dos Santos). Au-
rélio Buarque de Holanda classificou o livro como “um Balzac
rural”. Segundo o jornalista e biógrafo de Graciliano, Dênis de
Moraes, o conto “A carta”, escrito por volta de 1925, teria sido a
semente da obra São Bernardo.

Cinema. Quatro de seus romances viraram filmes: Vidas


Secas, São Bernardo, Memórias do Cárcere e Insônia. São Bernar-
do, produzido em 1972, ganhou o troféu Margarida de Prata da
CNBB. Dirigido por Leon Hirszman, foi filmado na fazendo Boa
Esperança em Viçosa, com atuação magistral de Othon Bastos, no
papel de Paulo Honório. Vidas Secas virou filme em 1963, dirigido
por Nelson Pereira dos Santos. Um fato merece destaque: Vidas
Secas não tem trilha sonora, som mesmo só o rangido dos carros
de boi. Integravam o elenco Átila Iório (Fabiano), Maria Ribeiro
(Sinhá) e Jofre Soares, que na época era um simples aposentado
cabo da Marinha em Palmeira dos Índios. O filme foi vencedor da
Palma de Ouro em Cannes. Memórias do Cárcere, também de Nel-
son Pereira dos Santos, foi filmado em 1984, e ganhou mais uma

779
vez o festival de Cannes. O ator Carlos Vereza fez o papel de Gra-
ciliano e atriz Glória Pires interpretou Heloísa Ramos. O quarto
filme foi Insônia, filmado em 1980, realizado pelo Sindicato dos
Artistas do Rio de Janeiro, em três episódios, com um elenco ma-
gistral: Joel Barcelos, Wanda Lacerda, Bete Mendes, Otávio Au-
gusto e Ney Santana.

Deputado. É quase desconhecido que Graciliano tenha sido


candidato a deputado federal por Alagoas pelo Partido Comunista
Brasileiro (PCB), em 1942, ainda morando no Rio de Janeiro. Re-
cebeu uma decepcionante votação: 62 votos. Antes das eleições,
Graciliano redigiu um manifesto intitulado Carta aos Alagoanos,
que foi distribuída entre o eleitorado de Alagoas. Alguns trechos
são muito interessantes: “Depois de uma longa ausência (ele não
voltaria a Alagoas depois de sua prisão) aqui me vejo a conversar
com vocês, como se nos achássemos em Palmeira dos Índios ou no
café do Cupertino, onde batíamos papo. Convém, talvez, lembrá-
los: não é que resolveram fazer de mim candidato a deputado?
Vejam só! Na Câmara é certo que me dariam um papel bem chin-
frim... Até hoje, com franqueza, o que foi que os nossos deputados
representaram?”.

Escrever. Graciliano tinha por hábito escrever pela manhã


cedinho e ia até perto do meio-dia. Escrevia a lápis e usava qual-
quer folha de papel (até notas de venda da loja Sincera – de seu
pai), depois seria datilografada, dificilmente por ele. Escandaliza-
va-se com as notícias de que havia colegas escritores ditando para

780
gravador. No costume de escrever cedinho, tinha como companhia
um dicionário (Caldas Aulete), dois ou três maços de cigarros, pre-
ferindo o da marca Selma em Palmeira dos Índios, e Astória ou
Colúmbia, no Rio de Janeiro, e mais fósforos, uma garrafa térmica
de café e, uma vez por outra, uma garrafa de cachaça, de preferên-
cia tipo cabeça.

Falecimento. Graciliano faleceu em 20 de março de 1953,


no Rio de Janeiro. Na Casa de Saúde São Vítor, na praia de Bota-
fogo. Estavam presentes Dona Heloísa, a filha Clara e a irmã Aná-
lia. Morreu na cidade one chegara pela primeira vez há 40 anos,
então muito jovem com o sonho de vencer na cidade grande. Prati-
camente terminou sua vida pobre, tanto que as despesas da hospita-
lização seriam pagas com recursos levantados por uma comissão
de intelectuais. Seu corpo foi velado na Câmara Municipal. Dis-
cursaram o senador Ezequias da Rocha, e os deputados federais
por Alagoas, Madeiros Neto e Muniz Falcão. O enterro foi pago
pelo jornal Correio da Manhã, do Rio de Janeiro, onde trabalhava
desde a década de 1940.

Golfo. Em determinada ocasião desejou que Alagoas fosse


transformada num golfo (parte do mar que penetra nas terras, cuja
abertura é extremamente larga), já que a forma de Alagoas bem se
prestava para tal, além do mais geograficamente o Brasil não tinha
nenhum. Isto em decorrência do ressentimento grande que sentia
pelo Estado, por conta de sua prisão injusta, covarde e movida à

781
traição. À dona Heloísa Ramos afirmou que só voltaria a Alagoas
“se pudesse oferecer a isso um terremoto que acabasse tudo”.

Homenagens. Em Alagoas, o escritor foi homenageado de


diversas formas. Identificam-se um conjunto habitacional; a Im-
prensa Oficial de Alagoas, batizada de Graciliano Ramos, bem
como sua publicação principal a revista Graciliano, que completa
em 2018, dez anos de circulação. E mais: um viaduto na Avenida
Fernandes Lima, um colégio no bairro do Poço, a Casa Museu
Graciliano, em Palmeira dos Índios, um posto de saúde em Ma-
ceió. A Câmata Municipal instituiu a comenda Graciliano Ramos,
concedida a personalidades nacionais e estrangeiras.

Inspetor. Em agosto de 1939, Graciliano foi nomeado Ins-


petor Federal de Ensino Superior, junto ao ginásio que funcionava
no Mosteiro de São Bento, no Rio de Janeiro. O cargo foi conse-
guido pelo amigo e poeta Carlos Drummond de Andrade que, na
época, era assessor de Gustavo Capanema, então ministro.

Juventude. Os filhos de Graciliano, Márcio e Junio, faziam


parte da Juventude Comunista de Maceió, e comandaram uma rea-
ção estudantil contra à visita do integralista Plínio Salgado. No
teatro Deodoro, a estudantada dera uma vaia, após o discurso do
visitante, acompanhada de estouro de traques tipo cabeça-de-
negro. O chefe integralista “camisa verde” teve que fugir pelos
fundos do teatro. Acharam que tinha o dedo do Velho Graça no
complô.

782
Leitura. Até os nove anos de idade o nosso grande escritor
não tinha leitura, como se diz aqui no Nordeste, quando se refere a
alguém analfabeto. Segundo Graciliano, isso foi em decorrência da
improvisação de professoras a que foi submetido. Apontava ainda
a deficiência das escolas no interior, usando as seguintes palavras:
“Não existe prisão pior que uma escola do interior. A escola era
um lugar onde se enviava crianças rebeldes”.

Luiza Amado. Filha mais velha de GR, atual controladora


da empresa HG (Herdeiros de Graciliano), com 14 membros. Úni-
ca filha viva, ela sempre contestou a acusação da irmã Clara de que
Ricardo Ramos (outro irmão) teria publicado o original errado de
Memórias do Cárcere, já que Graciliano revisava seus textos à mão
na mesa cativa da Livraria José Olympio. Clara publicou um livro,
Cadeia, contestando a edição póstuma, e desuniu mais a família.
Em 2023, os livros de Graciliano cairão em domínio público. A lei
determina que a família detenha os direitos por 70 anos depois da
morte. Até lá, a editora é a Record.

Memórias. O “livro da cadeia” como Graciliano chamava


Memória do Cárcere. Escrito em 1946 (dez anos após sua prisão).
O livro seria publicado somente em 1953, pela Editora José Olym-
pio. Incrível a memória de Graciliano que, sem ter anotado nada no
período da prisão, consegue dez anos depois escrever o livro, che-
gando, inclusive, a citar 260 nomes de pessoas que ele conviveu na
prisão. Promessa cumprida ao diretor da do presídio, no exato dia

783
de deixar a prisão: “Hei de pagar um dia a hospitalidade que os
senhores me deram... Pagar como? Contando lá fora o que existe
em Ilha Grande... escrevendo, ponto tudo no papel. – O senhor é
jornalista? - Não senhor. Faço livros. Vou fazer um... duzentas
páginas ou mais. Os senhores me deram um assunto magnífico.
Uma história curiosa, sem dúvida”.

Nise da Silveira. A lendária psiquiatra alagoana Nise da


Silveira (1905-1999) foi companheira de prisão de Graciliano ra-
mos, falou sobre o escritor conterrâneo: “Realmente fomos bastan-
te amigos, uma amizade singela nos quais duas pessoas se comu-
nicam de verdade, íntimo a íntimo”. Em defesa da sisudez de Gra-
ciliano, Nise assim define: “Compreende-se que pessoa assim afi-
nada para captar o bem, nos mais variados cumprimentos, de on-
de fosse do mesmo modo sensível e quaisquer manifestações da
brutalidade, de perfídia, do mal. Tinha, pois, que tomar suas me-
didas de defesa. Vestir carapuça dura, ou enrolar-se com arame
farpado”. Nise foi presa no próprio hospital onde trabalhava, de-
nunciada por uma enfermeira, com a acusação de ser marxista. Foi
libertada um mês antes de Graciliano.

Obsessivo. Tinha o hábito de, às 11 horas da manhã, tomar


demorados banhos. Tinha obsessão pela limpeza, inclusive adotava
o ritual de lixar suas mãos com pedra de pome, para livrar-se da
nicotina. Também era obsedante com as unhas, aparando-as diari-
amente. Lava as mãos com frequência e suas roupas tinham que
estar imaculadas.

784
Patrão. Embora tendo bom relacionamento com seu chefe,
Paulo Bittencourt, diretor do jornal Correio da Manhã, no Rio de
Janeiro, não compareceu ao aniversário do chefe. Alegou para
Conde, jornalista da revista O Cruzeiro, que o convidou, “que ja-
mais sentaria na mesma mesa com o patrão, ainda mais para bater
palmas e cantar parabéns, pois todo patrão é filho da puta” .

Quebrangulo. Pequena cidade alagoana, berço do escritor,


nascido às 16 horas de 27 de outubro de 1892, na Rua Nova, 11.
Saiu do lugar aos dois anos. A casa onde nasceu, ao longo dos
anos, sofreu alguma descaracterização. Necessita, urgentemente,
ser tombada. Sobreo município: foi criado em 1872, quando des-
membrado de Viçosa. Pelo censo de 2000, Quebrangulo conta
13.384 habitantes. A única referência encontrada sobre Graciliano
é uma placa na entrada da cidade, com a seguinte mensagem: “Vo-
cê chegou em Quebrangulo, terra natal de Graciliano Ramos”.

República. Sobre o proclamador da República, marechal


Deodoro da Fonseca, Graciliano explicita o seguinte: “Era um po-
brezinho. Dom Pedro o recolhera, educara, dera-lhe posição e
dragonas (condecoração militar). Em paga a tantos favores, uma
rasteira no protetor bambo. Ingrato. Devia ter esperado que o ve-
lhinho desse o couro às varas”. Pior foi saber que Dom Pedro e
família deixaram o Brasil no navio chamado Alagoas.

785
Sincera. Era a denominação de seu estabelecimento comer-
cial, em Palmeira dos Índios. Loja Sincera foi transformada hoje
nas lojas Guido, situada vizinha à prefeitura. A Sincera tinha pro-
paganda tipo: “vendemos com 2% de juros, cobrados só após 80
dias, ou então, “magnífico sortimento de fazendas, miudezas, fer-
ragens, tintas etc”. E ainda: “preço sem competição”. Com a che-
gada da loja Pernambucana, a Sincera foi falindo aos poucos. Gra-
ciliano foi um verdadeiro dublê de negociante e intelectual. Ainda
bem que fracassou como negociante, ganhando todos, com ele co-
mo escritor.

Testamento. Três meses antes de falecer, Graciliano cha-


mou o seu filho Ricardo e conversaram sobre os cuidados necessá-
rios para com seu “testamento literário”: “Preste atenção ao que
não está nos livros. Se assinei com meu nome, pode publicar. Se
usei as iniciais G.R. leia com cuidado. Se usei as iniciais R.O.
(Ramos Oliveira) ou G.O (Graciliano Oliveira), tenha mais cuida-
do ainda. O que fiz sem assinatura ou iniciais não vale nada, deve
se besteira. Já com pseudônimo, não, não deixe sair. Tome conta,
pode ter importância. Talvez um dia os livros rendam alguma coi-
sa- bom para sua mãe e as meninas”.

Viçosa. Graciliano foi morar em Viçosa com seus pais em


1900, onde tinha parentes. Iniciou, nesse lugar, a leitura de roman-
ces, vivendo aí parte da infância e adolescência. A cidade é cha-
mada de Atenas alagoana, tendo sido o município criado em 1831,

786
quando foi desmembrado de Atalaia. Morava na casa de seus pais,
na rua Juazeiro. Em Viçosa fundou dois jornais.

Zelo. Foi o que Graciliano demonstrou quando da sua pri-


meira prisão (1930). Recomendou à dona Heloísa que tivesse cui-
dado com as crianças, na saíds de casa e guardasse com cuidado os
originais de Caetés, indicativo do carinho nutrido pelo “primeiro
rebento literário”, segundo a irmã Marili. O que elas fizeram jun-
tas? Enterraram os originais numa lata, embaixo de um pé de sapo-
ti, no quintal da casa da irmã Otília, que morava no bairro de Jara-
guá.

HECKEL TAVARES. O MAESTRO MAIOR

O compositor, maestro e arranjador Heckel Tavares (1896-


1969) nasceu em Satuba, Alagoas. Estudou piano com uma tia e
ainda criança aprendeu harmônica e cavaquinho, mas sua maior
paixão sempre foi a música popular. Heckel adorava ouvir canta-
dores de desafios e reisados. Foi para o Rio de Janeiro em 1921 e
lá começou a estudar orquestração com o maestro J. Otaviano. Ao
lado de Waldemar Henrique, Marcelo Tupinambá, e Henrique Vo-
geler, sob a influência nacionalista da Semana de Arte Moderna
(1922), criou um tipo de música situado na fronteira do erudito e
do popular. Sua primeira composição de sucesso foi Suçuarana
(parceria com Luiz Peixoto), lançada em 1927. Em 1927, o com-
positor se viu na contingência de voltar às revistas mais populares

787
dos teatros da Praça Tiradentes. Na parceria com o compositor
Luiz Peixoto, obteve seu maior êxito popular com a música Casa
de Caboclo gravada por Gastão Formenti na Parlophon, em 1928.
Ainda neste ano, Patrício Teixeira gravou Eu Ri da Lagartixa,
também lançada na Parlophon. Já no início da década de 1930,
Hekel Tavares compôs com muitos parceiros entre os quais Joraci
Camargo com quem fez Favela e Leilão, com Ascenso Ferreira a
Chove!… chuva!… E com Álvaro Moreira Bahia, Murilo Araújo
Banzo e Luís Peixoto, as músicas Na Minha Terra Tem e Felicida-
de. Autor de mais de 100 músicas, de 1949 a 1953 percorreu quase
todo o Brasil, em missão especial do então Ministério da Educação
e Saúde Pública, pesquisando motivos folclóricos que utilizaria em
diversas obras.

Suçuarana
Composição: Heckel Tavares - Luiz Peixoto

Faz três sumana


Que na festa de Sant'Ana
O Zezé Suçuarana
Me chamou pra conversar
Dessa bocada
Nóis saímo pela estrada
Ninguém não dizia nada
Fomo andando devagar

A noite veio

788
O caminho estava em meio
Eu tive aquele arreceio
Que alguém nos pudesse ver
Eu quis dizer
Suçuarana, vamo imbora
Mas Virgem Nossa Senhora
Cadê boca pra dizer

Mais adiante
Do mundo, já bem distante
Nóis paremo um instante
Predemo a suspiração
Envergonhado
Ele partiu para o meu lado
Ó Virgem dos meus pecados
Me dê a absorvição

Foi coisa feita


Foi mandinga, foi maleita
Que nunca mais indireita
Que nos botaram, é capaz
Suçuarana
Meu coração não me engana
Vai fazer cinco sumana

Uma sinfônica do coco alagoano

789
Heckel Tavares fez peças clássicas como o Concerto para
Piano e Orquestra em Formas Brasileiras, obras para piano e violi-
no, coro misto, solistas e coros infantis entre outros motivos folcló-
ricos e regionais, como Engenho Novo, Bia-tá-tá. Ainda com o
material obtido na viagem, em 1955, fez Oração do guerreiro, para
baixo profundo. Compôs ainda o Concerto, para piano e orquestra;
o Concerto em formas brasileiras, para violino e orquestra; O sapo
domado e A lenda do gaúcho. Deixou inacabados, Rapsódia nor-
destina e Fantasia brasileira, ambas para piano e orquestra, além do
drama folclórico Palmares. Infelizmente, Heckel Tavares não é
muito conhecido pela maioria dos brasileiros por causa da retirada
da educação musical das escolas em 1960, motivo pelo qual nós
brasileiros ficamos a mercê de uma formação musical totalmente
influenciada pelo mercado discográfico.

HERMETO PASCOAL. O BRUXO DO SOM

Compositor. Instrumentista. Toca acordeão, flauta, garrafa,


piano, bacia, saxofone e sintetizador, entre outros instrumentos
musicais. Nascido na cidadezinha de Lagoa da Canoa, município
de Arapiraca, em Alagoas, não foi trabalhar na roça porque não
podia pegar sol – é o mais famoso albino brasileiro. Ia para a roça
em um carro de boi com seu pai e ficava deitado em uma árvore,
ouvindo passarinhos. Autodidata, aprendeu a tocar praticamente
sozinho. Começou a tocar acordeon aos 10 anos de idade. Apren-

790
deu junto com o irmão José Neto, tocando na harmônica de oito
baixos do pai, que a deixava em casa para ir trabalhar. Os dois pas-
saram a revezar-se tocando acordeão em festas de casamentos, ba-
tizados e bailes ao ar livre, debaixo de árvores, os chamados bailes
de pé-de-pau, comuns no Nordeste e no Norte. O pai chegou a
vender duas vacas para poder pagar um acordeão de 32 baixos para
os filhos. Em 1950, sua família mudou-se para o Recife.

Ensaio do dicionarista Cravo Albim

“Tempos atrás, durante um especial gravado na Rádio


MEC, Hermeto me comoveu quando falou das crianças. E por uma
razão muito simples: ele se orgulha de preservar a simplicidade
das crianças, segundo ele o caminho mais direto para o encontro
da divindade ou de Deus. E Hermeto – compreendi isso agora –
conseguiu o impossível, que é ser um arauto da modernidade, da
invenção, do passo à frente e ser de uma simplicidade cativante,
de um despojamento de que só mesmo ou os gênios ou os santos
são capazes. Ele me falava outro dia que sua carreira internacio-
nal (começada a partir de 1970) só lhe trouxe alegrias, como as de
ser gravado por Miles Davis, seu fã número um e que lhe abriu as
portas do jazz mundial. “Pois é, o Miles gostou tanto que queria
gravar todo um elepê só comigo e com músicas minhas. Mas eu
tive que voltar para fazer um sonzinho lá no Jabour (distante su-
búrbio carioca) e me mandei. Por isso não fiz”. Atualmente, Her-
meto Pascoal apresenta-se com cinco formações: Hermeto Pasco-
al e Grupo, Hermeto Pascoal e Aline Morena, Hermeto Pascoal

791
Solo, Hermeto Pascoal e Big Band e Hermeto Pascoal e Orquestra
Sinfônica. Diz ele que, por enquanto, é só!!”.

Dicionário Cravo Albim de Música Popular Brasileira

Doutor Honoris Causa nos EUA

Aos 80 anos, Hermeto Paschoal conquistou sua glória até


mesmo no meio acadêmico internacional. Em maio de 2017, o
“bruxo” alagoano - um dos músicos de jazz mais reverenciados de
todo o mundo – recebeu o título de “Doutor Honoris Causa” pelo
New England Conservatory, em Boston, nos EUA.

“Olha, primeiro eu vou te falar que você precisa agora me


tratar como doutor, porque agora eu sou doutor. Eu recebi nos
Estados Unidos o prêmio de doutor honoris causa na maior uni-
versidade de Boston. Então agora, minha filha, já me chame de
Doutor Hermeto, tá? O doutor Hermeto, albino e autodidata, re-
cebe um prêmio que antigamente tinha que ter diploma. Eu digo
que o meu diploma é o meu coração. Fiquei muito feliz com isso.
Estou passando a notícia porque, se eu tivesse dado um tapa na
subida da escada do avião, o Brasil todo já saberia, e um negócio
desse a gente precisa dizer. Infelizmente, é assim mesmo. O povo
está muito interessado na música que eu chamo de universal, que
abrange todos os estilos, desde que sejam bem-tocados”.

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Hermeto Pascoal em entrevista à Revista Continente, edita-
da pela Imprensa Oficial de Pernambuco, edição de Novembro de
2017

“Eu nasci música”

“A música não envelhece. A música é como o vento, ela se


espalha pelo mundo inteiro e vai para qualquer lugar… A música
está sempre em todos os contextos” completa Hermeto Pascoal em
uma das frases que mais gosta de falar: Eu nasci música! Hermeto
nasceu em Arapiraca, no interior de Alagoas, e desde pequeno
aprendeu a tocar flauta e sanfona. Os sons da natureza o fascina-
ram desde pequeno. A partir de um cano de mamona de jerimum
(abóbora), fazia um pífano e ficava tocando para os passarinhos.
Ao ir para a lagoa, passava horas tocando com a água. O que so-
brava de material do seu avô ferreiro, ele pendurava num varal e
ficava tirando sons. Até o acordeão de oito baixos de seu pai, de
sete para oito anos, ele resolveu experimentar e não parou mais.
Dessa forma, passou a tocar com seu irmão mais velho José Neto,
em forrós e festas de casamento, revezando-se com ele no acor-
deão e no pandeiro. Mas uma coisa Hermeto não largou, seu jeito
de ser menino brincalhão, como até hoje ele é:

“Eu não consigo viver na idade que eu sou, cronológica…


É uma coisa que eu me vejo menino. Uma criança, até briguei com

793
minha mãe, ela estava com seus… da minha idade mais ou menos,
muito debilitada já pro fim, adoentada. E eu estava conversando
com uns amigos, eu converso brincando, assim, e ela deitada no
sofá, disse: “meu filho, eu nunca vi você homem”, e eu: mãe, pelo
amor de Deus, eu estou brincando com seus netos aqui, que é isso,
como a senhora diz que eu não sou homem? Ela riu e disse: “meu
filho, não foi com essa intenção que eu falei, é que você brinca
como você brincava quando era menino, eu vejo você menino,
brincando ainda”. Aí eu falei, mãe, você não me vê de fora para
dentro, como eu também não vejo as pessoas, eu vejo todo mundo
no seu interior, eu também me vejo no meu interior. Eu me amo,
eu me amo de verdade… Eu me lembro de quando fui criado na
minha terra, até uns quinze anos, não tinha nada de relógio, não
tinha luz elétrica, e a gente almoçava tudo na hora certa” …

Hermeto Pascoal em entrevista ao portal


https://www.portaldoenvelhecimento.com.br/hermeto-
pascoal-eu-nasci-musica/

MAESTRO FON-FON RODA O MUNDO

Nascido Otaviano Romero Monteiro (1908-1951), às mar-


gens da Lagoa Mundaú, no município de Santa Luzia do Norte,
desde pequeno, aos 10 anos de idade, já tocava numa banda de
pífanos local. Saiu de Alagoas ainda adolescente para se tornar
uma celebridade como regente, arranjador, instrumentista e com-

794
positor. Sua morte na Europa – onde permaneceu em uma grande
turnê com sua orquestra por quatro anos (1947-1951) – causou
uma grande comoção. Fon-Fon veio a falecer durante essa excur-
são em Atenas, na Grécia. Durante a viagem, eles gravaram seu
único elepê pelo selo London: “Fon-Fon et la musique del Brésil”,
nunca editado no Brasil. Em 1935 criou sua própria orquestra,
para atuar no Cassino Assyrio, no Rio de Janeiro. Foi o primeiro
maestro no Brasil a utilizar naipes de saxofones e metais, dando à
sua orquestra uma sonoridade especial. Em 1942 acompanhou com
sua orquestra, na Odeon, Ataulfo Alves e sua Academia, na grava-
ção do clássico samba “Ai que saudades da Amélia”, de Ataulfo
Alves e Mário Lago. A partir daí dirigiu e acompanhou grandes
nomes da música popular brasileira, como Carmem Miranda,
Francisco Alves, Dircinha Batista, Moreira da Silva, Almirante,
Emilinha Borba, Dalva de Olveira, Herivelton Martins, Orlando
Silva, e Aracy de Almeida.

“Lá no povoado do Quilombo, tinha uma banda de “pífanos


“, que tocava nas ruas de Santa Luzia. Pífano é um instrumento de
sopro, artesanal; feito de madeira e que tem um som muito bonito,
dá um agudo que não se consegue tirar em outro instrumento. Es-
sa banda de pífanos, pertencia a uma família chamada “ Mugum-
ba”. Eu ficava admirado olhando eles tocarem. De tanto acompa-
nhar a banda, um dia deram-me um pífano para eu tirar uma mú-
sica. Daí prá frente, não parei nunca mais. Não fosse aquele gesto,
eu não estaria hoje aqui na Europa”.

795
Maestro Fon-Fon em entrevista ao jornal O Globo, reprodu-
zida do artigo O alagoano que encantou o Brasil e a Europa

Saudades das Alagoas

Durante os últimos anos na Europa, no final dos anos 1950,


o maestro Fon-Fon enviou uma série de cartas para a família, uma
delas para a irmã, Vicentina Romeiro, em que fala da saudade de
sua terra e de suas apresentações palcos europeus: “Centina, pri-
meiro que tudo espero encontrá-la bem de saúde. Hoje tive uma
emoção sem igual. No show aqui em Madri tocamos a música
Touradas em Madri do Braguinha. Foi lindo! os espanhóis adora-
ram. Só não encontrei uma espanhola natural da Catalunha. Estou
morrendo de saudades de vocês e de comer um sururu de capote aí
em Santa Luzia”. Em dezembro de 1950, Fon Fon envia uma carta
ao seu pai, Amaro Romeiro descrevendo os momentos que vivia na
Europa. A carta foi escrita em dezembro após o natal, vindo Fon
Fon a falecer em agosto de 1951 em Atenas, Grécia, momento em
que regia sua orquestra durante uma apresentação.

“Meu Pai. Não podia deixar de lhe comunicar a minha úl-


tima parada. No momento encontro-me na Grécia, onde todos os
costumes são diversos de toda Europa. Deixei de lhe escrever estes
meses, porque não me demorei em nenhum país, mais um mês, de

796
modo que espero demorar no mínimo três meses neste belo país.
Pretendo seguir depois para o Brasil. Já me encontro cansado de
todos os dias a mesma luta e sem esperança de mais nada. Conhe-
ço toda Europa, elevei a música do nosso país. Fiz a música brasi-
leira ser conhecida, embora monetariamente não me tenha dado
resultado. Porém estou contente com o que Deus me deu. Aqui
deixo o meu abraço a todos da nossa família, desejando um ano
cheio de felicidades e próspero 1951. Minha benção e que Deus os
guarde. Otaviano Romeiro”.

Reproduzida do artigo O alagoano que encantou o Brasil e a


Europa, por Chico de Assis
no portal http://maestrofonfon.blogspot.com.br/

MISAEL DOMINGUES. DIVINO PIANISTA

Misael Domingues da Silva (1857-1932), alagoano de Ma-


rechal Deodoro, foi um exímio pianista e compositor musical, sen-
do comparado ao lendário Ernesto Nazareth, segundo o maestro
pernambucano Guerra Peixe. Sobre ele falou Manoel Diégues Ju-
nior, no Diário de Notícias do dia 22 de dezembro de 1957: ”O
nome de Misael Domingues teve larga tradição; exerceu, no cam-
po da composição musical do Nordeste, um papel importante, de
alta influência, de repercussão social”. Foi autor de aproximada-
mente 90 obras, entre valsas, polcas, choros e maxixes. Exímio
pianista, conhecia plenamente o repertório de sua época. Suas

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obras foram editadas pela casa Préalle, de Pernambuco que, depois,
as mandava para serem impressas pela Vreitkopf & Hartel, da
Alemanha. Em 1889, compôs o primeiro Hino do estado de Alago-
as. Em 1980, foi homenageado pela pianista Sonia Maria Vieira,
que gravou suas obras no LP "Sonia Maria Vieira revela Misael
Domingues 48 anos depois". Em 1984, sua serenata “Em pleno
luar”, originalmente composto para dois violinos ou dois bandolins
e piano, foi gravada no LP triplo "Recordações de um sarau artísti-
co - Homenagem a Ernesto Nazareth".

Engenheiro e abolicionista

Misael Domingues também atuou como engenheiro, chegou


a ser o executor de grandes obras como as ferrovias Ferro Norte de
Alagoa, Sul de Pernambuco, Central de Caruaru e Alcobaça à Praia
Rainha, no Pará. Durante muitos anos foi engenheiro chefe das
obras públicas do Estado de Pernambuco e técnico da Inspetoria de
Portos, Rios e Canais.Em 1875, seu nome já era conhecido na ca-
pital do Império. Nas páginas do Jornal do Comércio, consta anún-
cio da polka-lundú “Mamãe já disse”, impressa e distribuída pela
loja de músicas de “D. Filippone”.Quando foi estudar no Rio de
Janeiro, em 1878, sua chegada foi anunciada no jornal Gazeta de
Notícias: “Chegou a esta Corte o jovem pianista compositor Misael
Domingues Lordsleem, conhecido pelas suas graciosas músicas
publicadas em Genebra, e outras aqui e em Maceió”.Teve papel
importante na campanha abolicionista, participando, com seus dois

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irmãos Francisco Domingues e José Domingues de ações de alta
relevância em defesa da causa dos negros.

NISE. O CORAÇÃO DA LOUCURA

“Eu sou como o sururu, uma ostrinha difícil de abrir-se”. A


frase que Nise da Silveira (1905-1999) gostava de falar, mostra a
face da alagoana, da médica psiquiatra reconhecida no Brasil e no
mundo – foi amiga de Carl Jung, e divulgadora de sua obra no
Brasil. Ela humanizou o tratamento psiquiátrico no país, e fundou
o Museu do Inconsciente, no Rio de Janeiro, protagonizado pelos
próprios pacientes, em suas expressões artísticas. Com sua visão
humanista da loucura, e verdadeira guerrilheira contra métodos de
tratamento como eletro-choque e lobotomia, Nise teve uma vida
atribulada. Em 1936, por sua posição antifascista, e militante da
Aliança Nacional Libertadora, foi denunciada e presa pela ditadura
de Getúlio Vargas. Passou mais de um ano na Casa de Detenção
Frei Caneca, no Rio. Teve como vizinhos de cela, Olga Benário,
mulher de Carlos Prestes, então o maior líder comunista brasileiro,
e Graciliano Ramos. O encontro é relatado pelo mestre alagoano
em seu livro Memórias do Cárcere.

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“Além de uma grade lateral larga, distingui, afinal, uma
senhora pálida e magra (Nise tinha 31 anos quando foi presa), de
olhos fixos, arregalados. O rosto revelava fadiga, aos cabelos ne-
gros misturavam-se alguns fios grisalhos. Referiu-se a Maceió,
apresentou-se: Nise da Silveira. Noutro lugar o encontro me daria
prazer. O que senti foi surpresa, lamentei ver minha conterrânea
fora do mundo, longe da profissão, do hospital, dos seus queridos
loucos”.

Graciliano Ramos, Memórias do Cárcere (1953) et reporta-


gem Gazeta de Alagoas, A mulher sem igual, por Janayna Ávila,
de 12/07/2009; e Dicionário das Mulheres de Alagoas, Enaura
Quixabeira e Edilma Aciolli Bionfim, Edufal, 2007

Um museu para seus “queridos loucos”

Nise foi pioneira e vanguardista quando fundou, no Rio de


Janeiro, em 1952, o Museu de Imagens do Inconsciente. O MII,
maior herança de Nise, existe até hoje, e foi o primeiro do gênero
criado no mundo. Seu acervo inclui mais de 350 mil obras de seus
pacientes psiquiátricos, entre pinturas, desenhos, modelagens e
xilogravuras. O museu fica no bairro Engenho de Dentro, Rio de
Janeiro, e toda a coleção foi tombada pelo Instituto do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Este centro de estudo e
pesquisa - que reúne obras produzidas nos ateliês de pintura e mo-
delagem – já lançou artistas interno para circuito das artes como
Emidgio de Barros, Rafael Domingues e Fernando Diniz. Através

800
deste trabalho introduziu a psicologia jungiana no Brasil. Também
fundou e se dedicou à casa da Palmeira, no Rio, que recebe egres-
sos de hospitais psiquiátricos, onde oficinas de arte eram dirigidas
por voluntários.

A paixão pelos gatos

Nise também foi pioneira na pesquisa das relações afetivas


entre pacientes e animais, que chamava de co-terapeutas. Os gatos
sempre foram a paixão da psiquiatra alagoana. Di Cavalcanti fez
um óleo de Nise da Silveira onde ela posa com seus felinos. “Com
relação aos gatos, de tanto vê-los na rua desamparados, eu ia
apanhando e trazendo prá casa. Chequei a ter 23 gatos. O gato
não tem essa capacidade de perdoar, como eu não tenho. Eles são
muito especiais. No Hospital, introduzi os animais como ajuda
para os doentes. Como co-terapeutas. Um analista americano, de
quem eu tenho um livro costumava trabalhar com um cão no con-
sultório. Como aliás Freud trabalhava com um cão no consultó-
rio; Jung trabalhava com um cão no consultório. Marie Lenize
Von Franz, com quem eu fiz análise, trabalhava com um cão no
consultório. Aqui o cão não entra nos lugares”.

“Os gatos são os seres mais lindos, inteligentes e indepen-


dentes do mundo. Essa é a razão por que os homens têm tanta difi-

801
culdade de se relacionar com eles e os perseguem indiscrimina-
damente desde o início dos tempos”.

“Desprezo as pessoas que se julgam superiores aos ani-


mais. Os animais têm a sabedoria da natureza. Eu gostaria de ser
como o gato: quando não se quer saber de uma pessoa, levanta a
cauda e sai. Não tem papo”.

Maceió, uma volta que não aconteceu

Sua formação básica foi no Colégio Santíssimo Sacramento,


um colégio de freiras, na época, exclusivo para meninas, em Ma-
ceió. Aos 15 anos entrou na Faculdade de Medicina da Bahia, e
formou-se como a única mulher entre os 157 homens desta turma,
aos 21 anos, e entre seus colegas de turma estavam Arthur Ramos
e Abelardo Duarte. Em sua tese final ela aponta as relações entre a
mulher e a criminalidade, pobreza, desigualdade, promoção da
saúde no Brasil. Entre 1983 e 1985 o cineasta Leon Hirszman rea-
lizou o filme "Imagens do Inconsciente", com roteiro da própria
Nise, uma trilogia mostrando obras realizadas pelos internos. Em
2014, é lançado o filme O Coração da Loucura, com Glória incor-
porando Nise. Ela foi agraciada também as maiores honrarias do
Estado brasileiro: a Ordem do Rio Branco no Grau de Oficial, pelo
Ministério das Relações Exteriores (1987); Personalidade do Ano
de 1992, da Associação Brasileira de Críticos de Arte; Medalha
Chico Mendes, do grupo Tortura Nunca Mais (1993) e Ordem Na-
cional do Mérito Educativo, pelo Ministério da Educação e do

802
Desporto (1993). Entre suas obras publicadas estão Jung: Vida e
Obra (1968), Imagens do Consciente (1981) e Casa das Palmeiras
(1986). Se ela ganhou status de uma celebridade nacional, em Ala-
goas não foram muitas as oportunidade. Afinal, para ela Maceió
era um mito, um mito que viu só de longe. Veja na entrevista con-
cedida por ela a Luiz Gonzaga dos Santos, em Psicologia: Ciência
e Profissão (Print version ISSN 1414-9893/ Psicol. cienc. prof.
vol.14 no.1-Brasília 1994)
Uma saudade...

Da minha casa em Maceió. Até me lembro dos versos de um


poeta que diz assim: "minha mãe, é em ti que eu penso, oh! casa".
Esse é um dos motivos porque eu me recuso a ir a Maceió, prá não
ver essa casa.

E se tivesse que voltar?


Voltava certa de que ia ter uma emoção muito forte.

É um tempo mítico?
Acho que sim. Acho que Maceió prá mim é um mito. Uma
cidade mítica que estragaram completamente querendo imitar Co-
pacabana. Eu adoro Maceió. Tenho medo de ir a Maceió.

OCTÁVIO BRANDÃO. ECOLOGIA E MILITANCIA

803
O alagoano Octávio Brandão (1896-1980) deve ser aclama-
do como um personagem universal. De sua terra natal Viçosa, ele
ganhou o mundo, e se tornou não somente o primeiro ambientalista
alagoano, com seu clássico livro Canais e Lagoas, de 1919, mas
com um ser um humano sem igual. Octávio Brandão é reconhecido
também pela sua luta política, como ativista e militante do Partido
Comunista Brasileiro (PCB), e em sua biografia também mostra
seu talento no jornalismo (ensaios e crônicas), na poesia e na pro-
dução intelectual e acadêmica, como lembra o professor José Ro-
berto Guedes, bacharel em Direito e Pós-Graduado em Direito
Ambiental pela Universidade de Campinas, e um de seus biógra-
fos. Guedes lançou em 2008 o livro Octavio Brandão – Dispersos e
Inéditos, obra relevante para todos aqueles que se identificam com
as riquezas naturais e minerais do Brasil, bem como sentem, pelas
coisas nordestinas, uma singular paixão. A edição é uma obra evo-
cativa que reúne artigos, poesias, crônicas, estudos, anotações, en-
saios e críticas do viçosense Octavio Brandão.

"Octavio Brandão, na verdade, foi nosso primeiro ecologis-


ta. Era dono de um idealismo sem limites e de grande coragem
cívica, ainda que sofresse a frustração de não encontrar entre
grande parte dos intelectuais da época simpatia, apoio e estímulo,
justiça e compreensão”.

JR Guedes (organizador), Dispersos e Inéditos, 2005, edito-


ra da UFSC - Florianópolis

804
A deportação para a Alemanha e Rússia

Até os últimos dias de sua existência, Octávio Brandão lu-


tou contra tudo e contra todos, pelo ostracismo a que fora relegado
em razão de seu idealismo e inquietação política. “Ele fez desse
idealismo que abraçara o ponto de partida na sua trajetória con-
turbada de escritor revolucionário”, conta Guedes. Para se ter
uma ideia da longa e penosa peregrinação que fora a sua existên-
cia, Octávio Brandão, sua mulher Laura e três filhas foram depor-
tados para a Alemanha, em 1931, em seguida para a Rússia. Octá-
vio Brandão foi um dos poucos que no começo do século XX teve
duas atitudes das mais relevantes: uma, a defesa do nosso meio
ambiente e, outra, na luta pelo nosso petróleo. Na defesa do petró-
leo, Octavio Brandão produziu trabalhos publicados em jornais
alagoanos e do Rio de Janeiro, bem como de suas pesquisas cientí-
ficas em Alagoas, por volta de 1920/1930.

Perfil político e familiar

Octavio Brandão Rego. Poeta, naturalista, libertário, anar-


quista, comunista, precursor do petróleo no Brasil. Ou como “in-
formava” o extinto Departamento de Ordem Pública e Social:
“farmacêutico, perigoso, agitador de operários”. Nasceu em Vi-
çosa, no dia 12 de setembro de 1896. Filho de Manoel Correia de
Mello Rego e Maria Loureiro Brandão Rego. Sua mãe morreu
quando ele tinha 4 anos e ficou órfão de pai aos 11. Foi o tio ma-
terno, Alfredo Brandão – autor de Viçosa de Alagoas - quem o

805
criou. Octavio Brandão foi, junto com Astrojildo Pereira, um dos
pilares da formação do Partido Comunista Brasileiro (PCB). Sua
ideologia e militância levaram-no a passar 15 anos de sua vida no
exílio e décadas na clandestinidade. Foi preso 17 vezes. Escrevia
sobre história, sociologia, ciências naturais, e mais poesias, incon-
táveis artigos para jornais, estudos científicos. Falava vários idio-
mas e foi o tradutor de O Manifesto Comunista para o português.
Também usou pseudônimos para veicular suas idéias: Antonio
Chicote, Brand, Salomão, Salomão Bombarda, Manuel, Souza
Dragão, Scipião Fogareu, Krieg, Karl Krieg, Fritz Mayer, Daniel
Brauna. Morreu no dia 15 de março de 1980, lutando contra um
AVC.

SINIMBU E PENEDO. DIPLOMATAS DO IMPÉRIO

Alagoas forneceu dois grandes vultos à nossa política exte-


rior, ambos titulares do Império: o visconde de Sinimbu e o Barão
de Penedo. João Lins Vieira Cansanção de Sinimbu nasceu em São
Miguel dos Campos, bacharelou-se em Direito na Universidade de
Olinda, foi deputado federal e falava corretamente diversos idio-
mas. Viajou por todo a Europa. Foi governador de Alagoas, Bahia
e Rio Grande do Sul. Serviu ao governo imperial ministérios da
Agricultura, Comércio, Obras Públicas e Justiça. Como diplomata
resolveu imbróglios importantes como o acordo com o Uruguai, na
questão do Rio da Prata. Morreu quase centenário, mas monarquis-
ta convicto.

806
“Após o 15 de novembro de 1889, esse grande homem, que
veio a falecer quase centenário, assim se manifestara: ´ Sou mo-
narquista, morrerei monarquista, mas nunca conspirarei contra a
República. Receio que o Brasil se fragmente em republiquetas, o
que será uma desgraça`. Essas palavras confirmam que não só o
espírito conciliador e perspicaz, porém, acima de tudo, o civismo
de Sinimbu”.

Jurandir Gomes, em Quadros da História de Alagoas Breves


Ensaios sobre a História Pátria, Casa José Ramalho Editora, 1956

Diante do Papa: críticas ao governo imperial

Francisco Inácio de Carvalho Moreira, o barão de Penedo,


foi deputado por Alagoas de 1849 a 1852. Em 1852, foi nomeado
para representar o Brasil junto aos Estados Unidos, entrando para o
serviço diplomático. Exerceu vários cargos na Europa, entre eles o
de ministro plenipotenciário na Grã-Bretanha. Distinguiu-se tam-
bém junto à Santa Sé (1873) na “Questão Religiosa”, salientando-
se também como presidente da Comissão Brasileira na Exposição
Universal de Paris. Recebeu do Papa a Grã-Cruz de 1ª Classe da
Ordem de São Gregório Magno de Roma e de Portugal a Grã-Cruz
da Ordem Militar de Cristo.

“Por ocasião da “questão religiosa”, surgida em nosso pa-


ís com o processo dos bispos de Olinda e Belém do Pará, foi no-

807
vamente escolhido, pela finura de sua atuação, para missão oficial
em Roma, onde enfrentou a diplomacia do Cardeal Antonelli, jus-
tificando perante Sua Santidade o Papa o criticável procedimento
do governo imperial”.

Jurandir Gomes, em Quadros da História de Alagoas Breves


Ensaios sobre a História Pátria, Casa José Ramalho Editora, 1956

TAVARES. O TITÃ DAS ALAGOAS

Aureliano Cândido Tavares Bastos (1839-1875) ultrapassou


as divisas da província, e foi líder político nacional durante os anos
1800, como uma das principais vozes do movimento republicano e
federalista, contra a monarquia. Seja pela sua luta como jornalista,
e, principalmente, como homem público: eleito três vezes deputa-
do federal por Alagoas, sendo a primeira com 22 anos de idade. A
precocidade também alcançou sua morte, morreu aos 36 anos, na
cidade de Nice, na França, fulminado pela tuberculose. A notícia
causou comoção no país, Seu corpo foi embalsamado e trazido
para o Rio Janeiro, a capital federal e onde morava, e seu corpo
sepultado no cemitério São João Batista.

“Levar ao conhecimento da juventude a figura do insígne


estadista que não pode ser esquecido. Ele é bem um símbolo de
cultura, de coragem, de luta. Triste de um povo que ignora os fei-
tos de seus sábios. Será um povo com o perigo de ficar sem histó-

808
ria. E Tavares Bastos é um dos lindos capítulos da História das
Alagoas e do Brasil”.

Paulo Silveira de Castro, em um Titã das Alagoas, Sergasa –


Maceió, 1976, publicado pelo Instituto Histórico de Alagoas e o
Conselho Federal da Cultura

O “magrinho” que mudou o Brasil

Tavares Bastos nasceu em Marechal Deodoro, já com a saú-


de debilitada e estatura de menino franzino. Aos oito anos já fazia
o secundário e teve que esperar até os 15 para fazer faculdade. Ba-
charelou-se em Direito em uma das mais importantes instituições
da época, a Faculdade de Direito do Largo do São Francisco em
São Paulo. Como jornalista escrevia para o Correio Mercantil (SP),
com o pseudônimo de “O Solitário”, que depois teve suas crônicas
reunidas em seu primeiro livro (Cartas do Solitário, 1862). Defen-
dia e pensava um Brasil moderno, justo e aberto para o mundo.

“As reformas proposta por Tavares Bastos incluíam... um


novo sistema de representação do Judiciário, emancipação gradu-
al da escravatura, promoção da imigração estrangeira, liberdade
religiosa, liberdade de comércio e cabotagem, e a abertura do rio
Amazonas ao estrangeiro. Enfim, uma multiplicidade de medidas

809
articuladas, umas às outras, compondo uma reforma profunda do
Estado e da sociedade”.

Gabriela Nunes, autora da tese Centralização e Descentrali-


zação do Império, em Gazeta de Alagoas et Tavares Bastos da
série Memória Cultural de Alagoas, janeiro de 2008.

Tavares Bastos na geração de 1860

O historiador Dirceu Lindoso assinala o surgimento intelec-


tual da “figura admirável” de A. C. Tavares Bastos, na que ele de-
nomina “Geração de 1860”, quando um grupo de intelectuais ini-
ciou no espaço da cultura alagoana a produção de seus trabalhos.
Nesse grupo, Lindoso inclui Ladislau Neto, Melo Morais, Thomaz
Espíndola e Dias Cabral. Apesar de ver em Tavares Bastos a figura
mais ilustre desta geração, ele faz críticas a seu pensamento de
filosofia econômica liberal.

“As noções de liberalismo, de modernização e de progres-


so, como se encontram no discurso de Tavares Bastos, se com-
põem em elementos contraditórios e ideológicos, que configuram
em um conteúdo utópico. Escancarar as portas do Império ao po-
der econômico estrangeiro, era estabelecer as condições de subal-
ternidade de nosso crescimento econômico ”.

810
Dirceu Lindoso, em Interpretação da Província – Estudo da
Cultura Alagoana, Edufal – Maceió 2005, 2ª edição

LITERATURA ALAGOANA

“Afinal, quem são os rapazes do D. Casmurro? Os sapatei-


ros da literatura. Não se zanguem, é isto. Somos sapateiros, apenas.
Quando, há alguns anos, desconhecidos, encolhidos e magros, des-
cemos as nossas terras miseráveis, éramos retirantes, os flagelados
da literatura. Tomamos o costume de arrastar os pés no asfalto,
frequentamos as livrarias e os jornais, arranjamos por aí ocupações
precárias e ficamos na tripeça, cosendo, batendo, grudando... en-
fim, as sovelas furam e a faca pequena corta. São armas insignifi-
cantes, mas são armas”.

811
Graciliano Ramos, em Linhas Tortas, na na crônica Os Sa-
pateiros da Literatura, Editora Record, 21ª edição , 2005

ALAGOANOS IMORTAIS
DA LITERATURA

Cinco alagoanos fazem parte da Academia Brasileira de Le-


tras (ABL), a mais importante instituição literária brasileira funda-
da na cidade do Rio de Janeiro em 20 de julho de 1897, pelos es-
critores Machado de Assis, Lúcio de Mendonça, Inglês de Sousa,
Olavo Bilac, Afonso Celso, Graça Aranha, Medeiros e Albuquer-
que, Joaquim Nabuco, Teixeira de Melo, Visconde de Taunay e
Rui Barbosa. De sua fundação até hoje, são cinco os alagoanos que
integram a lista dos imortais, que vestiram o fardão da Academia:
Guimarães Passos, Goulart de Andrade, Aurélio Buarque de Ho-
landa, Pontes de Miranda e Ledo Ivo.

GUIMARÃES PASSOS

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O poeta louco que conquistou a glória

Sebastião Cícero dos Guimarães Passos (1867-1909), poeta


e jornalista, fundador da Academia Brasileira de Letras (ABL),
nasceu no bairro de Jaraguá, Maceió, na atual Rua Sá de Albu-
querque, e era irrequieto por natureza. Viveu na capital alagoana
até aos 19 anos. Em 1886, depois de passar por todos os colégios,
entre eles o Liceu Alagoano, aos 19 anos parte para o Rio de Janei-
ro, clandestino em um navio, junto com um tio deputado. Entre as
razões de ter deixado Maceió estavam as brigas com o pai, Tito
Passos, “em conseqüência de seu espírito vadio e rebelde”.

“Sem ligar importância a coisa alguma deste mundo, abso-


lutamente diferente a tudo, Sebastião passou por todos os colégios
de Maceió, inclusive o Liceu Alagoano, como um dos mais talento-
sos e também o mais vadio dos alunos, fazendo rir mestres e con-
discípulos com suas diabruras”.

Raimundo Menezes, em Guimarães Passos e sua época


boêmia, Martins São Paulo, 1952

A roda boêmia da Rua do Ouvidor

Ao chegar ao Rio de Janeiro, com seu espírito aberto, sua


inquietude de nordestino, sua verve de poeta de jeito extravagante,
conquistou a roda boêmia da Rua do Ouvidor. Eram poetas, jorna-
listas e panfletários, que constituíram a geração de 1886. Lá esta-

813
vam Raul Pompéia, Artur Azevedo, Coelho Neto, e aquele que
viria a ser seu amigo irmão: Olavo Bilac, o “príncipe dos poetas
brasileiros”. Guimarães Passos ganhou fama como o poeta da ins-
piração fácil, escrevia seus poemas “em um jato de impulso de sua
assombrosa vitalidade (Ranulfo Goulart)”.

“Sua extraordinária beleza física, sua personalidade turbu-


lenta e chistosa, bem como a inadequação à realidade, levaram-no
a todas as extravagâncias, inclusive a de tomar parte nas lutas
contra o Marechal Floriano Peixoto, quando era “florianista exal-
tado” (alagoano como ele). Desses fatos, aliados ao momento que
viveu, transformou o poeta, no próprio mito parnasiano, cheio de
esplendor e romantismo, mas nem sempre profundo”.
.
Heliônia Ceres, em Guimarães Passos, Série Difusão de
Alagoanos Ilustres, Universidade Federal de Alagoas, 1977

Guima, o campeão de popularidade

Bastante conhecido no meio intelectual, Guima, como os


amigos o chamavam, se consagrou um campeão de popularidade,
conquistou o Rio de Janeiro com a canção Casa Branca da Serra,
publicada na revista A Bruxa, em 26 de junho de 1896, ganhou as
ruas e era cantada por toda a parte. Depois ele veio emplacar mais
um sucesso musical, com sua poesia: O Lenço. Era o auge de sua
popularidade.

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“Certo ano um dos carros alegóricos do préstito carnava-
lesco inspira-se n´O Lenço soneto famoso de Guimarães Passos,
reproduzindo-o ao vivo com quatro beija-flores no alto, carregan-
do o lenço, entre serpentinas e nuvens de conffeti e fogos colori-
dos”.

Raimundo Menezes, em Guimarães Passos e sua época


boêmia, Martins São Paulo, 1952

Esse seu lenço que possuo e aperto


De encontro ao peito enquanto durmo, creio
Que hei de um dia mandar-te, pois roubei-o
E foi meu crime, em breve descoberto.

Luto, contudo, a procurar quem certo


Possa nisso servir-me de correio;
Tu nem calculas qual o meu receio,
Se em caminho fosse o lenço aberto
Porém, oh minha vivida quimera!
Fita as bandas que habito, fita e espera

Que enfim, verás, em trêmulos adejos


Em cada ponta um beija-flor regando
Ir o teu lenço pelo espaço voando
Pando, enfunado, côncavo de beijos.

Guimarães Passos, em Versos de um simples,

815
Casa Laemmert RJ 1891

Fardão, tuberculose, jornais e o fim

Em 1990, quatro anos depois de sua posse na academia, a


tuberculose instalou-se definitivamente no corpo do poeta. Sem
ligar para recomendações médicas, nem temporadas em estações
de água termais, Guimarães Passos segue sua vida de boemia e
vive de escrever artigos para os jornais da época como O Malho, O
Mequetrefe, O País – pasquins de muito sucesso na época. Os ami-
gos o convencem de se tratar na ilha da Madeira, e ainda deram
500 mil reis para as despesas. Depois de passar um tempo na ilha,
“sem melhoras e cheio de enfado e saudades aproveitou os últimos
dinheiros e partiu para a França”. Em um relato dramático, trans-
crito pelo seu biógrafo Raimundo Menezes, é possível sentir como
foi a morte estúpida do poeta.

“Chegou a Paris, certa noite, na estação do Norte, só, ar-


dendo em febre e sem dinheiro. Exausto da viagem e sem ter para
onde ir, sentou-se num carrinho de mala da grande gare, cheia de
barulho. A sorte teve ainda um sorriso, quando um patrício, Dr.
Magalhães Castro, que ia buscar um amigo, reconheceu o autor
de O Lenço e foi hospitalizado, “onde enfunado, côncavo de beijos
viveu sua derradeira meia dúzia de dias”.

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Raimundo Menezes, em Guimarães Passos e sua época
boêmia, Martins São Paulo, 1952.

Guimarães Passou foi enterrado em Paris, no cemitério do


Père Lachaise e lá permaneceu durante onze anos, quando seus
restos mortais foram transferidos para o Brasil, uma iniciativa da
Academia Brasileira de Letras, em 28 de dezembro de 1950

GOULART DE ANDRADE
Da Escola Naval às letras

José Maria Goulart de Andrade (1881-1936), engenheiro,


geógrafo, jornalista, poeta, cronista, romancista e teatrólogo, nas-
ceu no bairro de Jaraguá, em Maceió. Eleito para a Academia Bra-
sileira de Letras, em 1916, na cadeira de Casimiro de Abreu. Fez
os estudos primários e secundários em Maceió. Aos 16 anos, foi
para o Rio de Janeiro e ingressou no curso preparatório para a Es-
cola Naval, mas pretendia, na verdade, fazer-se homem de letras.
Sua inclinação poética fez Goulart de Andrade deixar a Escola Na-
val para matricular-se na Escola Politécnica. Ali obteve o título de
engenheiro em 1906. Mas logo cedo, vinculou-se ao grupo de poe-
tas boêmios, entre os quais Guimarães Passos (seu conterrâneo),
Olavo Bilac, Emílio de Menezes, Martins Fontes. Como poeta,

817
esmerou-se na especialidade das poesias difíceis, de forma fixa o
vilancete, o rondel, a balada e sobretudo o canto, real, uma das
mais complexas formas poéticas. Tornou-se também jornalista,
sendo um dos redatores de O Imparcial nos primeiros tempos, onde
teve o convívio de João Ribeiro (João do Rio), Humberto de Cam-
pos e Augusto de Lima.

Forte Abandonado

De pé, no promontório, encravado na bronca


Penedia, onde o mar atropelado ronca,
Ribomba, estoura, estruge, espoca, estronda, esbarra,
Abandonado avulta o vigia da barra!
Ó naus, podeis entrar! Podeis vir, exilados,
Peixes, que íeis buscar abrigo em outros lados,
Quando o bruto estridor dos canhões sacudia
O fraguedo; e a fumaça o almo esplendor do dia
No firmamento azul, empanava de chofre,
Saturando todo o ar de salitre e de enxofre!

Pássaros, volitai! Nada aqui vos aterra:


As máquinas de morte estendem-se por terra,
Frias, mudas, sem mais aquele brilho antigo
Que era para a pupila um ríspido castigo!
No muro, em cada frincha, a grama brota inculta,
Cobre as trincheiras, enche as guaritas, oculta...
... E toques de clarins não enchem os espaços

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Agora! E que contraste estes ruídos, maninhos,
Mortíferos canhões guardam ninhos e ninhos,
Paz e Amor!... Pode a abelha as melífluas colméias
Fabricar sem temor, ao longo das ameias!
Pode aqui vicejar a tímida violeta!
Pode adejar a iriante e inquieta borboleta!

Sempre azul seja o céu! A liana filiforme


Medre e floresça! A brisa em fruto a flor transforme!
Venha o rijo Aquilão soprar a pulmão pleno!
Venha a Lua banhar de luz o terra-pleno
Venha aqui dentro o Sol e esta terra fecunde!
Venha o musgo crescendo e a muralha circunde!
Venha gemer o mar, que espumarento, esbarra
No rochedo em que dorme o vigia da barra!

Goulart de Andrade, em Poesias, H. Garnier RJ, 1907

AURÉLIO BUARQUE DE HOLANDA


Amor às palavras e à língua pátria

Aurélio Buarque de Holanda Ferreira (1910-1989) foi um


crítico literário, lexicógrafo, filólogo, professor, tradutor e ensaísta
brasileiro. Passou sua infância em Porto de Pedras (nasceu em Pas-
so de Camaragibe). Em 1923, mudou-se para Maceió, Alagoas,
onde, aos 14 anos de idade, começou a dar aulas particulares de

819
português. Aos 15, ingressou efetivamente no magistério: foi con-
vidado pelo Ginásio Primeiro de Março a lecionar em seu curso
primário. Já naquela época passou a se interessar por língua e lite-
ratura portuguesas. Formou-se em direito pela Faculdade de Direi-
to do Recife em 1936. Nesse mesmo ano, tornou-se professor de
Língua Portuguesa e Francesa e de Literatura no Colégio Estadual
de Alagoas. Em seu discurso de posse na Academia Brasileira de
Letras, em 19 de dezembro de 1961, Aurélio revela sua infância
em Alagoas, sua paixão pelo mar, pelas palavras e pelo Nordeste,
sobre a terra de seu antecessor, de quem ocuparia a cadeira, Aus-
tregésilo de Athayde (1898-1993), professor, jornalista, cronista,
ensaísta e orador. Leia trechos do discursos na ABL.

O mar

Contudo, mais viva que a presença de águas fluviais trago


presa à memória a presença do mar: nascido à beira-rio, em Pas-
so de Camaragibe, vivi na beira-mar de Porto de Pedras, terra de
meu Pai, dos oito meses aos dez anos. A mim, o mar (“Oceano
terrível, mar imenso”, amedrontava-me Gonçalves Dias, nas pá-
ginas do Quarto Livro de Leitura, de Felisberto de Carvalho), o
mar me sugeria menos as terras longínquas, alongadas, os “outros
mundos, do que o outro mundo” – céu. O céu era fronteira do
oceano, por mais que, porta-voz dos geógrafos, me asseverasse o
contrário a minha professora. Mais certa, para mim, a geografia
de um colega de classe. – “Pelo mar a gente vai ao céu, rapaz!” –
assegurava ele. E contava do menino que um dia saíra a pescar,

820
“e a jangada foi-se afastando, foi-se afastando da terra, que
quando ele deu fé estava junto-junto do céu. Ai o pequeno fez um
rombo no céu com a vara de pesca, mas não houve nada, não,
graças a Deus, que São Pedro, habilidoso que só ele, remendou
tudo bem remendado, com sabão”.

As assombrações

E dentro do coração do menino o mistério ganhava corpo e


asas. Corpo e asas dilatavam-se com as histórias de Trancoso,
contadas por meu Pai e amigos meus, à noite (porque: “quem con-
ta história de dia cria rabo de cotia”...), na calçada de casa,
quando se calava a luz dos lampiões espaçados e capiongos, e o
luar tomava conta de tudo, furtando o sono e prodigalizando so-
nhos que prescindiam de olhos fechados. Avultava, à brancura
lunar, um mundo arrepiantemente escuro de mal-assombrados.
Eram proezas da Caipora, do Lobisomem, do Fogo-Corredor, do
João-Galafoice: e era o medo a nos arregalar os olhos e apertar-
nos os corações. O mistério crescia e, com ele, o desejo precoce de
o decifrar. Ora, as operações mentais, por mais silenciosas, têm
por substância a palavra: com palavras pensamos, e em palavras.

As palavras

A palavra, pois, não é tão só o veículo do pensamento, se-


não também a própria matéria dele. Desse prazer de interrogar o
mistério e da ânsia de esclarecê-lo me há de ter vindo o interesse

821
por um novo mundo – o mundo vocabular. Entrei a amar as pala-
vras, ferramenta do ofício das idéias e porventura chave de enig-
mas. Daí viria a desabotoar, com o volver dos anos, o aprendiz de
lexicografia, o interessado pelo exame dos textos, pela exegese
poética, o estudante e curioso da língua. Assim, Senhores Acadê-
micos, antes de agradecer-vos a generosidade que aqui me trouxe,
viajo ao arrepio do tempo, para revocar à tona dos dias de hoje,
por contraste com a iluminação factícia desta sala, a luz natural
de tantas noites de minha infância, e, mais contrastantemente, o
escuro de tantas outras noites, tão gratas ao João-Galafoice, à
Caipora, ao Lobisomem, e a companheiros de seu fabuloso univer-
so.
As estrepulias de Austragésilo

Daí por diante, são bem claras as reminiscências de Aus-


tragésilo: banhos no Beberibe, presepes e pastoris, festas passa-
das em Olinda, na bela praia “povoada de coqueirais, tufada de
cajueiros pejados de frutos, a admirar os menestréis pechisbeques,
os cantores melosos ou estrídulos nas dolências primitivas das
modinhas ao violão”. E mais: procissões e novenas, e meses mari-
anos, e festas de São João e de São Pedro, quando o enlouqueciam
“as rodinhas, os buscapés, os estrídulos e gementes foguetes de
rabo, as fogueiras, as cantilenas do tempo, semi-selvagens e semi-
religiosas”. E banhos de mar – “banhos salgados”– e “pequenos
passeios em jangadas, bordejantes na praia”, que ao mar alto
ninguém se aventurava. Nas noites de luar, “apagavam-se os lam-
piões, e com a tremulina luminosa de prata abundantíssima que se

822
derramava pelo ambiente, fazíamos as serenatas”, “e cantávamos
as modinhas plangentes, arrancadas às almas sofredoras dos me-
nestréis da moda”.

Rio, pasárgada dos literatos alagoanos

A partir de 1938, Aurélio passa a morar e trabalhar no Rio


de Janeiro, o local preferido dos literatos alagoanos. Aurélio publi-
cou artigos, contos e crônicas na imprensa carioca. Em 1941, deu
início a seu trabalho de lexicógrafo, colaborando com o Pequeno
Dicionário da Língua Portuguesa. Em 1942, lançou o livro de con-
tos Dois Mundos, que foi premiado dois anos depois pela Acade-
mia Brasileira de Letras. Em 1945, casou-se com Marina Baird. A
partir de 1950, começou a escrever para a revista Seleções do Rea-
der’s Digest, na seção Enriqueça o Seu Vocabulário. A preocupa-
ção com a língua portuguesa e o amor pelas palavras levou-o a
estudar e pesquisar o idioma durante muitos anos com o objetivo
de lançar seu próprio dicionário. Finalmente, em 1975, foi publi-
cado o Novo Dicionário da Língua Portuguesa, conhecido como
Dicionário Aurélio ou somente “Aurelião” ou “Aurélio”. Em 1977,
publicou o Minidicionário da Língua Portuguesa, que também é
chamado de “Miniaurélio”. Em 1989, lançou o Dicionário Aurélio
Infantil da Língua Portuguesa, com ilustrações do Ziraldo.

Aurélio: a derradeira entrevista

823
Olhos azuis cintilantes bem abertos e perdidos em algum
ponto do espaço, cabelos brancos encrespados, a voz grave e pau-
sada, gestos lentos, porém expressivos, e a mão trêmula, em con-
sequência do Mal de Parkinson. Era dezembro de 1988. Assim
estava o alagoano de Passo de Camaragibe, dicionarista, filólogo,
tradutor, contista, crítico literário, professor e imortal da Academia
Brasileira de Letras (ABI), aos 78 anos, na casa de amigos, en-
quanto curtia o que viriam a ser suas últimas férias na terra natal e
sua derradeira entrevista. Poucos tempo depois, mestre Aurélio foi
acometido de uma forte crise de pneumonia e teve que voltar às
pressas para o Rio de Janeiro. Aurélio Buarque se recuperava len-
tamente na Clínica Bambina. Mas em 29 de fevereiro de 1989 o
mestre não resistiu e faleceu.

“A concepção de um dicionário exige calma e muita pa-


chorra (do Aurélio: vagar, lentidão). É como uma paixão, uma
cachaça da boa. Uma obra interminável que nunca sai perfeita
como a gente quer. Sou o maior leitor de meu próprio dicionário,”
revelava Aurélio Buarque sentado em uma confortável poltrona,
reclamando do "bombardeio" de flashs da câmara do repórter foto-
gráfico.

Depoimento de Aurélio Buarque ao Jornal de Alagoas, 1989

Nos cabarés de Jaraguá

824
Um dos pontos altos da entrevista, e de valor histórico, foi
sua descrição da época em que conviveu com grandes intelectuais
como os também alagoanos Graciliano Ramos, Jorge de Lima,
Théo Brandão e José Lins do Rego - um paraibano que adotou
Maceió - e mais a cearense Raquel de Queiroz, que passava uns
tempos em Maceió. Aurélio lembrou dos encontros nos cabarés de
Jaraguá e do Café do Cupertino, no Centro, onde se reunia o seleto
grupo de intelectuais para conversas literárias, políticas e sobre a
vida mundana da capital. Aurélio descreveu uma das atrações da
época, o então emergente escritor Graciliano Ramos. “E chegava
aquele homem mal vestido, com paletó de linho amarfanhado, feito
por algum alfaiate de Palmeira dos Índios. Figura predominante e
malcriada. Gostava de dizer aforismos e palavrões. Acendia um
cigarro atrás do outro.” E ele continuava a falar sobre essa época,
com um certo sorriso nos lábios, sempre assistido de perto pela sua
mulher Marina Baird Ferreira.

“Nunca fui totalmente envolvido por esse grupo de eternos


boêmios, mas de vez em quando me aventurava pelos casarões
iluminados de Jaraguá, onde ficavam os melhores cabarés. Diver-
tia-me muito "caçando" mulher na zona com amigos, mas nunca
fui da pá virada”.

PONTES DE MIRANDA
O grande mestre dos estudos jurídicos

825
Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda (1892 — 1979) foi
um jurista, filósofo, matemático e escritor brasileiro. Autor de li-
vros nos campos da Matemática e das Ciências Sociais como Soci-
ologia, Psicologia, Política, Poesia, Filosofia e, sobretudo Direito,
tem obras publicadas em português, alemão, francês, espanhol e
italiano. Aos dezenove anos formou-se bacharel em Direito e Ci-
ências Sociais (1911) pela Faculdade de Direito do Recife, mesmo
ano em que escreveu seu Ensaio de Psicologia Jurídica, o qual foi
alvo de elogios de Ruy Barbosa. Foi professor honoris causa da
Universidade de São Paulo, Universidade do Brasil, Universidade
do Recife, Universidade Federal de Alagoas, Pontifícia Universi-
dade Católica do Rio Grande do Sul e Universidade Federal de
Santa Maria (RS).

Obra de 60 volumes

Em sua produção bibliográfica, 144 volumes dos quais 128


estudos jurídicos, destaca-se seu Tratado de Direito Privado, obra
com 60 volumes e mais de 30 mil páginas, concluído em 1970. Por
duas vezes foi premiado na década de 1920 pela Academia Brasi-
leira de Letras, da qual tornou-se imortal em 1979. Pontes de Mi-
randa tinha 87 anos, quando se candidatou à ABL, pela terceira
vez, e foi eleito. Pontes de Miranda foi mais um alagoano a esco-
lher o Rio de Janeiro, então capital da República, para viver. Che-
gou em 1912 e teve o privilégio de conhecer e conviver com José
Veríssimo, Rui Barbosa, Clóvis Beviláqua, Coelho Neto, Lafayette
Rodrigues Pereira, Oswaldo Cruz, Artur Orlando, Carlos de Laet,

826
Oliveira Lima e, no Itamarati, o Barão do Rio Branco. Seu primei-
ro livro, À Margem do Direito, foi escrito em Pernambuco, aos 17
anos e, ao chegar ao Rio de Janeiro, a Editora Francisco Alves já o
tinha publicado em Paris.

LÊDO IVO
“Poesia é uma magia da linguagem”

Lêdo Ivo (Maceió, 18 de fevereiro de 1924 — Sevilha, 23


de dezembro de 2012) foi um jornalista, poeta, romancista, contis-
ta, cronista e ensaísta brasileiro. Seu primeiro livro foi As Imagi-
nações. Fez jornalismo e tradução. Da sua vasta obra, destacam-se
títulos como Ninho de Cobras,A Noite Misteriosa, As Alianças,
Ode ao Crepúsculo, A Ética da Aventura ou Confissões de um Po-
eta. Era membro da Academia Brasileira de Letras, eleito em 13 de
novembro de 1986 para a cadeira 10, sucedendo a Orígenes Lessa.
No discurso de posse Lêdo Ivo falou de seu ofício: fazer poesia.

“Poesia é uma magia da linguagem: uma magia criada pe-


los homens. E, na mesa do mundo, essa infindável celebração do
universo, testemunhando uma vocação e um magistério, haverá de
ter sempre uma serventia, quer assegurando a continuidade do
idioma nativo através dos tempos, quer renovando as imagens da
existência e do homem como prova maior de nossas vidas. Graças
a essa linguagem, aqui estou. Certamente fui trazido pelos navios
de minha infância e pelos ventos do mar que, atravessando lagu-

827
nas e coqueirais, ilhas e estaleiros apodrecidos, alcança esse ir-
mão separado de nós que se confunde com os caranguejos semio-
cultos na terra mole e escura dos mangues e maceiós – essa terra
congeminada à água que é a minha raiz e o meu berço, a minha
Pátria e a minha Linguagem, e até mesmo o meu pesadelo”.

Lêdo Ivo, em seu discurso de posse na ABL, em abril de


1987

As marcas profundas da infância

Filho de Floriano Ivo, maçom, e Eurídice, dona de casa ca-


tólica, Lêdo Ivo conviveu com 11 irmãos, na região do Centro e
Farol. Estudava no Dom Pedro II, reduto dos estudantes do bairro,
“um colégio exemplar”. Em frente, a grande praça Marechal Deo-
doro, o playground da meninada da época. Desta fase o poeta lem-
bra os passeios, em um Ford bigode que o pai alugava para os pri-
meiros passeios reveladores, que impressionaram o poeta em sua
infância. Como o dia em que em um passeio de barco pela lagoa
Mundaú conheceu a Ilha de Santa Rita.

“Naquela viagem de barco, vi os apanhadores de sururu


mergulhados até a cintura na lama negra e nutris, arrancando os
molhos também negros e peganhentos. Debrucei-me para olhar os
pescadores na canoa cheia de tainhas , carapebas, camorins, gor-
dos bagres do Pilar, aratus que traziam para o sol o negror de
suas tocas. Meu pai me apontou a Ilha de Santa Rita, . Era a pri-

828
meira ilha que eu contemplava em minha vida. Mas que a breve
palavra insulada em sua própria magia, ela emergia a meu encon-
tro como uma paisagem completa, com os coqueirais domados
pelo vento, e as mangueiras e jaqueiras gordas como goiamuns
monstruosos.”

Jornalismo e efervescência poética

Com 16 anos, Lêdo Ivo troca o cenário idílico das docas,


dos peixes, dos morcegos, dos mares e lagoas, por Recife, terra
natal de seu pai e centro nervoso da literatura nordestina. Dois
anos depois, em 1942, ele volta para Maceió e começa a trabalhar
como repórter no Jornal de Alagoas e Gazeta de Alagoas. Em 1943
transferiu-se para o Rio de Janeiro, onde termina a faculdade e tra-
balha em jornais cariocas, como O Amanhã, dos Diários Associa-
dos, revista Manchete e Diário de Notícias. No Rio também veio a
conhecer sua paixão por toda a vida Lêda. Escreveu seu primeiro
livro de poemas As Imaginações, aos 20 anos. No ano seguinte,
publicou Ode e Elegia, que ganhou o prêmio Olavo Bilac, da Aca-
demia Brasileira de Letras. De lá para cá não parou, escreveu 27
livros de poesia – um com sua obra completa (Poesia Completa
1940-2004, Topbooks RJ) – uma autobiografia, cinco romances,
três livros infanto-juvenis. Se tornando, o mais produtivo e efer-
vescente poeta do Brasil, até sua morte.

O Desastre

829
A Aurélio Buarque de Hollanda

Havia chuva e outono


e nos multiplicávamos.
Orquídeas no aeroporto
sempre nos sabotavam.
E fantástica e de branco
vinhas e me abraçavas.

Pássaro, sono, túmulo,


os inimigos mortos
Sempre de assalto.

Depois era a praia longa.


Na tarde fria estávamos afundados

E marchávamos
como soldados.

Na tarde fria nos suicidávamos.


Mesmo entregues à fria morte
Com que furor guerreávamos!

Voltei no entanto à praia onde tomavas


banho de mar e talvez sonhavas.

830
Ó miss, ó garde-party, ó desastre!

Lêdo Ivo, em As Imaginações (1940-1943), Poesia Comple-


ta (1940-2004), Topobooks, RJ, 2004

“O único antropófago sou eu”

Aonde quer que estivesse, o poeta Lêdo Ivo sempre gostava


de frisar sobre sua ancestralidade indígena – sua mãe Eurídice ti-
nha sangue de índio caeté. Como co-fundador da Geração de 30 do
Romance Nordestino, Lêdo foi uma das vozes contra o movimento
Modernista de 1922, e um dos intelectuais que mais reagiram às
ousadias do ideário modernista “cunhado pelos moços de São Pau-
lo”. E o poeta alagoano, até sua morte, permaneceu com seu estilo
sagaz, bem humorado, mas certeiro com quem não lhe agrada tan-
to.

“No meu caso pessoal, o lugar de nascimento, o berço, a


origem tem muita importância. De modo que minha poesia e mi-
nha prosa refletem muito esse universo da infância e da adoles-
cência e até da ancestralidade, que eu evoco à circunstância de a
família de minha mãe ter ancestralidade dos índios caetés. Eu até
brinco muito com os antropófagos paulistas dizendo que eles não
comeram ninguém. O único antropófago da literatura brasileira
sou eu, e não o bestalhão do Oswald de Andrade. Eles roubaram
a antropofagia alagoana”.

831
Por Milena Andrade, em entrevista com Lêdo Ivo, na Revis-
ta Graciliano, nº7, dezembro de 2010

Acervo sob a guarda do Itaú

Em 2006, aos 82 anos de idade e 60 de vida literária, Lêdo


Ivo repassou seu espólio ao Instituto Moreira Salles (IMS), dos
controladores do banco Itaú, que adquiriu 2.300 itens do autor de
Calabar, entre documentos pessoais, livros, manuscritos, cerca de
300 fotografias e mais de 600 correspondências suas com os ícones
da literatura nacional, como Érico Veríssimo, Manuel Bandeira,
Jorge Amado e João Cabral de Melo Neto. A coleção de Lêdo Ivo
se junta ao acervo do IMS, que já guarda as obras Clarice Lispec-
tor, Orto Lara Resende, Ana Cristina César e Rachel de Queiroz. O
público pode ter acesso pelo site www.ims.com.br. O jornalista
alagoano Fernando Coelho entrevistou Lêdo Ivo, que falou sobre o
fato.

“Já estava na hora de arrumar a casa. Do meu grande


acervo nada estava organizado. Nunca me preocupei em organi-
zar. Tudo estava nos caixotes de papelão. Tem coisas escritas em
Alagoas e até um manuscrito do romance A Morte do Brasil (pu-
blicado em 1984).

Em Gazeta de Alagoas, edição de 22 de julho de 2006, Poe


Fernando Coelho

832
“Queimem tudo o que poder”

Ainda bem que a grande obra do poeta alagoano já se en-


contra em livros, arquivos, acervos e na letra dos estudiosos, que
asseguram a imortalidade do artista. De dependesse dele, não exis-
tiria qualquer forma fragmentada de sua obra ou reminiscências
incompletas. Tudo deveria ser queimado, disse o poeta iconoclasta:
“Quando eu publico um livro, eu queimo os originais para não
deixar rastros. Eu gosto de ver a obra acabada”, disse Lêdo ao
jornalista Fernando Coelho, em Gazeta de Alagoas (22 de julho de
2006). No livro Curral de Peixes, com poesias escritas entre 1991 e
1992, o iconoclasta Lêdo Ivo rasga o verso para falar sobre “poe-
mas inacabados”, na intensa poesia A Queimada.

A Queimada
Lêdo Ivo

Queime tudo o que puder:


as cartas de amor
as contas telefônicas
o rol de roupas sujas
as escrituras e certidões
as inconfidências dos confrades ressentidos

833
a confissão interrompida
o poema erótico que ratifica a impotência
e anuncia a arteriosclerose

os recortes antigos e as fotografias amareladas.


Não deixe aos herdeiros esfaimados
nenhuma herança de papel.

Seja como os lobos: more num covil


e só mostre à canalha das ruas os seus dentes afiados.
Viva e morra fechado como um caracol.
Diga sempre não à escória eletrônica.

Destrua os poemas inacabados,os rascunhos,


as variantes e os fragmentos
que provocam o orgasmo tardio dos filólogos e escoliastas.
Não deixe aos catadores do lixo literário nenhuma migalha.
Não confie a ninguém o seu segredo.
A verdade não pode ser dita.

834
PIONEIROS DA LITERATURA

FREI JABOATÃO
Primeiríssima crônica

Dentro do convento de Nossa Senhora dos Anjos, em Pene-


do, surgiria o primeiro texto, com saber público e datado, de 1761.
A preciosa “Crônica”, do frei Jaboatão, falando sobre a Igreja das
Correntes, antes uma capelinha para a santa, e as inundações flu-
vais - as “cheias grandes” - do São Francisco. O registro está no
livro Quadros da História de Alagoas, de Jurandir Gomes, impres-
so pela editora Casa Ramalho, 1956.

835
“Foi colocada a Imagem com o título Corrente, pela que
tomavam os da sua irmandade, título que de corrente de braço,
com que se prendiam e mostravam escravos da Senhora, se foi
passando com propriedade para a outra corrente, a do Rio São
Francisco, que lhe fica ao pé. Sem dúvida com o devido obséquio
se fez a mudança, pois a mesma Senhora parece que assim o quis,
porque costumando o rio nas suas maiores enchentes levar toda
aquela praia, com grande detrimento para os moradores dela,
porque lhes tomavam a maior parte das casas, não fincando de
fora o lugar onde se fundou a sua capela, depois que ali se erigiu
não chegaram mais até o presente as águas do rio, ainda mais nas
maiores inundações”.

Frei Jaboatão, Penedo, 1761, no livro Quadros da História


de Alagoas, de Jurandir Gomes, impresso pela editora Casa Rama-
lho, 1956 – 1º milheiro

CAROATÁ, DIAS E NOLASCO


A história escrita a partir do século XIX

Para o historiador Luis Sávio de Almeida, considerado um


dos nossos principais pensadores, Alagoas só começa a se preocu-
par em escrever sua história no final do século XIX, por meio dos
textos de José Próspero Jeová da Silva Caroatá (1825-1890), João
Francisco Dias Cabral (1834-1885) e Pedro Nolasco Maciel (1861-

836
1909). Sávio assinala que “essas três leituras são fundamentais
para o entendimento básico da formação histórica, política, social
e econômica de Alagoas”.

“Alagoas pode ser considerada como objeto de análise a


partir da década de setenta do século XIX e em cerca de 30 anos
aparecem três formas básicas de enxergá-la, o que se dá através
do que vou chamar de modelos Caroatá, Dias Cabral e Nolasco
Maciel... Dias Cabral foi tão brilhante quanto Caroatá; foram
dois grandes pensadores na transição do escravismo para o capi-
talismo... e Pedro Nolasco Maciel, da geração socialista, esteve na
crista da onda política em momentos chaves da vida provincial;
foi abolucionista, republicano e socialista”.

Luiz Sávio de Almeida, em Alagoas: quantas podem existir,


no Caderno de Debates do Conselho Estadual de Comunicação,
Cultura Alagoana, junho de 2003

COROATÁ
Um texto magistral

Desconhecido por grande parte dos alagoanos, José Próspe-


ro Jeová da Silva Caroatá (1825-1890), deputado estadual (1852-
1853), advogado militante, jornalista, juiz, professor de geografia e
grande intelectual do século XIX, nasceu em Penedo, mas até hoje
sua fisionomia não é conhecida apesar de todas as pesquisas em

837
busca de seu registro fotográfico. Após se formar em Ciências Ju-
rídicas e Sociais pela Faculdade de Direito do Recife (1850), Caro-
atá retorna a Alagoas, atua no jornal O Correio Maceioense e em
dezembro do mesmo ano é redator-chefe de O Timbre Alagoano,
órgãos do Partido Conservador. Foi diretor do Liceu Alagoano. E
depois transfere-se para o Rio de Janeiro, onde é nomeado oficial
da secretaria do Ministério da Justiça. Em 1864, o Correio Mercan-
til publica, em série, seu trabalho Memória Descritiva e Estatística
do Rio São Francisco. Já a Crônica do Penedo foi a mais conhecida
e cultuada, e valeu como passaporte para se tornar membro do Ins-
tituto Histórico e Geográfico de Alagoas. A revista do IGHA abre
seus três primeiros números com a série da crônica de Caroatá. Ao
ser impressa, em 1914, sai com inúmeros erros, inclusive e até
mesmo o nome de autor. Considera-se como a 1ª edição integral
aquela feita em Maceió, 1962, reedição da DEC, Imprensa Oficial,
60 páginas. Com introdução e notas de Moacir Medeiros de
Sant´Ana.

“O texto de Caroatá sobre Penedo é simplesmente magis-


tral: há toda uma erudição sobre o local, a grande unidade do
sistema reconhecia na base de sua vida política. Ele constrói a
existência de um Penedo histórico, urbano, sem índios, sem escra-
vos na correlação e forças. Penedo era eminentemente branca.
Alagoas seria o local e o branco. Evidentemente, este modo de
pensar Alagoas permaneceu”.

838
“O Caroatá dá uma visão de Alagoas em todos os setores:
da economia à política. Toda hora que você lida com uma questão
chamada poder, passa por tudo isso. Todo livro é uma plataforma
política. Principalmente os que dizem que não são. Não tem um
que não seja. Caroatá é fantástico e extraordinário porque ele
sabe disso. Ele não nega que está a serviço do poder local”.

Luiz Sávio de Almeida, em Alagoas: quantas podem existir,


no Caderno de Debates do Conselho Estadual de Comunicação,
Cultura Alagoana, junho de 2003

DIAS CABRAL
Descobridor de tesouros

Francisco Dias Cabral (1834-1885) foi historiador, médico.


Iniciou bastante tarde seus estudos históricos, apesar de ser um
profundo conhecedor da história alagoana, ter grande capacidade
crítica e uma imaginação investigadora. Começou seus estudos
primários em Maceió, em 1840, e concluiu seu ensino superior ma
Bahia, e virou doutor cirurgião. Em 1826, estava em Maceió exer-
cendo a profissão. Mas segundo o historiador Moreno Brandão,
sua maior obra foi a criação do Instituto Arqueológico e Geográfi-
co Alagoas, depois de passar todas as instituições de saúde e bene-

839
ficência de Alagoas. Médico da Colônia Militar de Leopoldina,
professor e diretor do Liceu de Artes e Ofícios e do Asilo de Órfãs
de NS do Bom Conselho. Médico do Hospital de Caridade de Ma-
ceió. Abolicionista e membro da Sociedade Libertadora Alagoana.
Dias Cabral foi fundador do Instituto Arqueológico de Alagoas, e
um dos pioneiros a trazer á tona a guerra dos Palmares. Em 1872,
foi responsável pelo lançamento da revista da instituição, tendo
nela publicado inúmeros trabalhos. Dias Cabral é patrono da cadei-
ra 11 do IHGA e da cadeira 32 da Academia Alagoana de Letras.

"De todos, porém, o maior foi Dias Cabral, e seu devota-


mento com que se consagrou à consolidação do Instituto e pelo
cabedal de ciência que possuía e que incorporou ao patrimônio da
associação. Só faltou um cenário mais amplo para ser um sábio de
renome mundial.”

Luiz Sávio de Almeida, em Alagoas: quantas podem existir,


no Caderno de Debates do Conselho Estadual de Comunicação,
Cultura Alagoana, junho de 2003

PEDRO NOLASCO MACIEL


O primeiro romancista alagoano

Precursor dos romances de costumes alagoanos, Pedro No-


lasco Maciel (1861 - 1909) foi jornalista e era um intelectual ope-
rário, gráfico, foi funcionário do Departamento dos Correios e Te-

840
légrafos entre 1889 e 1903. Membro da Sociedade Libertadora
Alagoana, que lutava pelo fim da escravidão. Sócio do Clube Lite-
rário José Bonifácio, do qual foi vice-presidente e, por muitos
anos, orador do Montepio dos Artistas Alagoanos. Foi fundador de
O Gutenberg, tipógrafo do Diário das Alagoas, redator dos jornais
Tribuna do Povo, Jornal de Notícias, Constelação, O Popular, O
Viçosense. Seus romances estão entre os melhores escritos em
Alagoas, como o livro Crônica Vermelha - Leitura Quente, publi-
cada pela primeira vez, em 1899, sem indicação da tipografia e
sem o nome de seu autor. Um retrato de Maceió pintado com as
cores ficcionais, entretanto, com personagens bem reais. É de sua
lavra também, A Filha do Barão, considerado pelo historiador Mo-
acir Medeiros de Sant´Ana “o primeiro romance de costumes ala-
goanos, representando uma referência cronológica da História da
Literatura de Alagoas”. Leia um trecho do romANCE:

“No dia seguinte ao que se deram os acontecimentos a cidade


de Maceió comentava o fato de ter-se dado um escândalo no baile da
véspera entre a filha do barão de Piragé e o alferes Aníbal. Era o
resultado imediato das calúnias arrogadas à digna moça pela perver-
sa Laura. Os boatos, diz com acerto um escritor, são como grandes
rios: quanto mais longe chegam maior vulto tomam... A surpresa cau-
sada ao senhor barão por notícias que tão perto afetava a sua digni-
dade e a honra de sua filha, levou-o à casa do doutor Benício, de on-
de, entretanto, saíra afagando a convicção de que Alcina fora vítima

841
da mais requintada calúnia. De volta aos seus penates, o barão rece-
bera uma carta. Abrindo-a leu o seguinte:

“Exmoº Sr. Barão de Piragé.

Tendo e muito alto valor os dotes morais e as excelentes quali-


dades que exaltam a Exma. Sra. D. Alcina, tomei a deliberação de
enviar a V. Excia. a presente carta, manifestando deste modo o desejo
que alimento de receber perante ao altar a mesma Exma. Sra. como
minha legítima esposa. Peço vênia para assinar-me.

Cidade de Alagoas, setembro de 1845, Anibal de Alencastre.”

Pedro Nolasco Maciel, trecho do livro A Filha do Barão,


capítulo III, Planos Sinistros, publicação do SENEC/AL e Depar-
tamento de Assuntos Culturais do Ministério da Educação, 1974
FRANCISCO DE PAULA
No tempo da Guarda Nacional

O livro Memorial Biográfico do Comendador José Rodri-


gues Leite Pitanga é do professor, deputado e senador Francisco de
Paula Leite e Oiticica (1853-1927). Seu personagem, o comenda-
dor Pitanga (1810-1909), foi fundador da Guarda Nacional em
Alagoas, e do esquadrão de Cavalaria de Dom Pedro I, em Anadia.
Em 1894, Leite Oiticica assumiu a suplência de Floriano Peixoto,
que assumiria a vice-presidência da República. Como delegado de

842
polícia no governo de Pedro Paulino inaugurou o primeiro asilo
para loucos.

“Se o cabra não ler, vai ficar muito difícil entender Alago-
as. Hoje seria considerado um texto de direita. Mas é imperdoável
querer, por conta desse tipo de balizamento, deixar de dizer que é
uma obra-prima. É um artigo publicado em três números na Revis-
ta do Instituto Histórico. É fantástico! Extraordinário! O cara es-
creve sabendo que está em cima de um palanque, de uma plata-
forma política. Tem que ser lido sim”.

Entrevista de Sávio Almeida ao jornalista Lelo Macena, em


Gazeta de Alagoas – 27/11/2005

NICODEMOS JOBIM
Uma chacoalhada na história

História de Anadia em princípio arqueológico, contendo a


descrição topográfica, nomes de todos os funcionários públicos,
biografia de alguns de seus representantes, anais da igreja, genea-
logia das principais famílias da província que nela têm origem,
remontando-se ao quinto grau em ascendência e crônica minucio-
sa de todos os acontecimentos, desde 1801 (publicado em 1881).
Este é o nome do livro de Nicodemos de Souza Moreira Jobim

843
(1836-1913), editado em Maceió, por Amintas e Filhos, 1881. Ni-
codemos foi historiador e professor, membro do Instituto Arqueo-
lógico de Alagoas, além de ter feito o primeiro relato que se tem
notícia sobre o folclore alagoano, em 1872, quando raros eram os
estudos sobre o tema no Brasil (no jornal O Liberal, em artigo inti-
tulado Lenda Anadiense e tradição história).

“Esse cara é fundamental pela chacoalhada que ele dá no


tipo de história que era feita. Ele baseia a história dele na história
oral, em coisas que só agora são valorizadas. É genial pela audá-
cia na forma de construir o texto com condições de informação
que na época não tinham prestígio científico”.

Entrevista de Sávio Almeida ao jornalista Lelo Macena, em


Gazeta de Alagoas – 27/11/2005

CALDEIRÃO CULTURAL

O livro “A Interpretação da Província”, de acordo com o au-


tor Dirceu Lindoso, na verdade, foi seu discurso de posse, ao rece-
ber o diploma de membro honorário do Instituto Histórico e Geo-
gráfico de Alagoas, na noite de 26 de agosto de 1980, e mais duas
conferências em 1984, em um seminário de Cultura, “em que me
estendi com garra a uma variedade de fatos, que levaram a um
corpus inscriptionum mais completo e longo”. As três conferências

844
sobre cultura alagoana tiveram seus textos reunidos depois pela
Fundação Manoel Lisboa, que enfeixam o livro. Uma verdadeira
aula magna sobre a cultura alagoana, de fio a pavio.

“Por que essa ideia de que, para descrever a cultura ala-


goana, eu usei essa arte arqueológica de unir cacos, colar peda-
ços do que se achava partido? Daí a ideia da cacaria reunida de
uma maneira sistemática. Cacaria no bom sentido arqueológico,
do qual saiu um perfeito marajoara de um dos tesos de Marajó”.

Dirceu Lindoso, historiador alagoano no livro Interpretação


da Província – Estudo da Cultura Alagoana – Edufal, Fundação
Manoel Lisboa e Seplan/AL - 2005

“Alagoas é uma pipineira cultural”

No estudo, Dirceu Lindoso, com o seu modelo de “arte ar-


quelógica”, mostra como se configurou a escrita alagoana, dos sé-
culos XVIII, XIX e começo do século XX, vai desde a geração de
1860, que ele inclui pioneiros como Dias Cabral, Tavares Bastos,
Ladislau Neto, passando pela ruptura de Octávio Brandão, em Ca-
nais e Lagoas, até a música de Djavan e Hermeto Pascoal. “Alago-
as é uma pipineira de intelectuais”, disse a escritora paraibana
Raquel de Queiroz – que morou em Maceió - em conversa com o

845
próprio Dirceu Lindoso, em seu apartamento no Rio. Na abertura
do ensaio, Lindoso fala da “civilização das águas”, de Alagoas
como um estado “anfíbio” como se referiu Gilberto Freyre; e em
livros como Canais e Lagoas, Calunga e a Invenção de Orfeu, obra
prima de Jorge de Lima, e segundo Dirceu, uma “criação anfíbia”:
“o que é uma ilha senão um círculo?”. Soneto XXIII, Canto V. O
autor segue sua análise dos primeiros escritos e primeiros livros,
até chegar ao esperado paradoxo da luta de classes. “A história da
Província passa a ser contada a partir dos interesses de classe dos
grandes propietários rurais e da burguesia mercantil urbana”.

Tópicos para formação da Cultura Alagoana

Veja a seguir a “pipineira” da cultura alagoana, e os tópicos


que o grande mestre Dirceu Lindoso teceu em seu livro A Inter-
pretação da Província, em uma leitura e releitura dos enunciados,
avaliações, comentários, apreciações, classificações e constatações
das 131 páginas que compõe a sua obra, um verdadeiro cálice do
graal, lição obrigatória para quem quer conhecer, pesquisar ou se
deliciar com o corpus inscriptionum das visões e dos estudos de
Lindoso. Ele mesmo destaca o seu achado, com a propiedade de

846
quem conhece a causa: “São manifestações contraditórias de uma
mesma realidade que designamos a cultura alagoana”.

O ideário da Geração de 1860 (a historiografia tradicional)


Os poemas religiosos de Jorge de Lima
A crítica social de Pedro Nolasco
O realismo de Graciliano Ramos
A ruptura de Canais e Lagoas, de Octávio Brandão
A textualidade jornalística de Pedro Mota Lima
A etnografia religiosa (negra) de Arthur Ramos
A crítica ao Estado Imperial de Tavares Bastos
A linguística regional de Mário Marroquim
Os doutores do folclore (Escola de Viçosa)
O “messianismo democrático” de Teotônio Vilela
O conservadorismo liberalizante de Rui Palmeira
A ruptura historiográfica de Utopia Armada
O populismo político de Muniz Falcão
A militância socialista de André Papini e Jaime Miranda
A música popular de Djavan e Hermeto Pascoal
O ideário sertanista de Antônio Cotrim Soares
O darwinismo de Dias Cabras
A antropologia criminal de Estácio de Lima
A sociologia agrária de Alberto Guimarães Passos
A poesia de Jorge de Lima e Ledo Ivo

847
ESCRITORES ALAGOANOS/ PERFIS

ABELARDO DUARTE (1900-1992)

Professor, jornalista, médico. Foi autor de livros notáveis


como o Folclore Negro. Estudou no Lyceu Alagoano, e teve Ar-
thur Ramos como professor. Fez Medicina na Bahia, na mesma
turma de Nise da Silveira, se formando em 1926. Quando estudan-

848
te fundou, em 1923, juntamente com Artur Ramos, Mário Maga-
lhães da Silveira, João Lessa Azevedo, Eduardo Santa Rita, entre
outros, a Revista Acadêmica, dedicada à ciência e à literatura, ten-
do sido publicada até 1926. Membro da AAL, tendo ocupado a
cadeira 5, e membro da Academia Carioca de Letras. Em seu in-
censado livro, Abelardo Duarte, após extensivas pesquisas, aponta
para a origem da predominância dos negros angolano a congoleses
como os primeiros a chegar em navios negreiros no Brasil.

“Tudo leva a crer que houve, no quadro geral, uma predo-


minância do grupo Angola-Conguês nas Alagoas, pelo menos na-
queles dois séculos de mais intenso tráfico. Pesquisas em que me
tenho empenhado convencem-me disto. A documentação existente,
como subsídio histórico, reforça esse pensamento. Aludem, quan-
do o fazem esses documentos (testamentos, inventários, cartas de
alforria, escrituras, assentamentos de compra e venda de escravos,
notas) à origem angola-conguêsa, notadamente a primeira. Dei-
xando de lado, porém, o contingente documental, histórico, certa-
mente mais precioso, volto-me para as sobrevivências culturais,
mergulhando no folclore negro, afro-brasileiro, ou afro-
alagoano”.

Abelardo Duarte em texto de publicado originalmente na


Revista da Academia Alagoana de Letras, em dezembro de 1991,
Ano VII, nº 7.

849
ADALBERON CAVALCANTI LINS (1907-1990)

Jornalista, advogado, secretário de estado, deputado estadu-


al. Nasceu em Palmeira dos Índios, onde estudou com Graciliano
Ramos. Exímio romancista, Adalberon escreveu uma ficção sobre
a vida de Zumbi, O Tigre dos Palmares (1978), seguido de outros
lançamentos de sucesso de público e crítica, como Coquetelismo
no Sertão, Maceió, Casa Ramalho, 1956; Curral Novo, Rio de Ja-
neiro, Livraria São José, 1958; Sidrônio, Rio de Janeiro, Ed. Leitu-
ra, 1963; Caminhos Incertos, Maceió, SERGASA, 1976, capa do
autor e O Tigre dos Palmares, Maceió, SERGASA, 1978, prêmio
Jayme de Altavilla na categoria romance. Colaborou em periódi-
cos, especialmente em Maceió, destacando-se o seu trabalho Ho-
menagem a Graciliano Ramos, publicado no Jornal de Alagoas. Na
imprensa, manteve a coluna Cipó de Fogo. O livro “Curral Novo”
teve os direitos autorais vendidos ao cinema.

ADALBERTO MARROQUIM (1833-?)

Deputado estadual em três legislaturas, diretor do Ensino


Público. Foi autor e organizador do livro Terra das Alagoas, im-
presso em Roma, Ed. Maglione & Strini, 1922 - Repositório de
Informações sobre o Estado. É uma das mais importantes obras já
editadas sobre determinado período de nossa história, tanto do
ponto de vista documental histórico e fotográfico, quanto do nosso

850
patrimônio arquitetônico, artístico e cultural. O trabalho de Adal-
berto Marroquim foi reeditado pela Academia Alagoana de Letras,
em série numerada, de mil exemplares.

ALBERTO PASSOS GUIMARÃES (1908-1993)

Alberto Passos Guimarães, alagoano nascido em Maceió


deixou obras que merecem ser estudadas e conhecidas pelos alago-
anos. Ele tinha especial interesse por economia e pela questão
agrária, mas as questões políticas de forma geral também lhe inte-
ressavam, tanto é que ele se filiou ao Partido Comunista Brasileiro
(PCB) muito jovem e se engajou na luta pelo socialismo. Alberto
Passos convivia na Maceió da década de 1930, com Aurélio Buar-
que de Holanda, Rachel de Queirós, Valdemar Cavalcanti, José
Lins do Rêgo, Manoel Diegues Júnior, Carlos Paurilio, Mendonça
Júnior, Mário Palmeira, Rui Palmeira, Jorge de Lima, Raul Lima,
Aloysio Branco, Mário Brandão e Graciliano Ramos, que era o
mais velho dessa turma. Foi um dos fundadores da Academia dos
Dez Unidos; da Festa da Arte Nova, uma espécie de Semana de
Arte Moderna realizada em apenas um dia; e, por último, o Grêmio
Literário Guimarães Passos, ambiente de poetas e prosadores que
tinham, na época, menos de 25 anos de idade. Ingressou na im-
prensa em Maceió, tendo fundado, juntamente com Waldemar Ca-
valcanti, Afrânio Mello e outros, em 11 de abril de 1931, a revista
literária Novidade. Colaborou, também, no O Estado, O Jornal de
Alagoas, A Vanguarda Proletária, que dirigiu a partir de janeiro de

851
1933. Perseguido politicamente, viveu um período escondido em
Maceió, e, ainda, no interior da Bahia, onde vendia sabonetes.
Chegou ao Rio de Janeiro em 1940. Ingressou no IBGE, como re-
dator, onde realizou vários estudos, entre eles o Primeiro Censo
das Favelas do Rio de Janeiro, em 1950. Era responsável, no IB-
GE, pela coleção Retratos do Brasil.

ALOÍSIO BRANCO (1909-1937)

Aloísio Machado Bezerra Branco, na vida literária, Aloísio


Branco, nasceu em São Luiz do Quitunde, a 6 de janeiro de 1909 e
morreu em Maceió, a 4 de fevereiro de 1937. Era filho de Lindolfo
Branco Bezerra e Maria Amália Alves Machado. Estudou as pri-
meiras letras no seu município e os preparatórios no Liceu Alago-
ano e no da Paraíba. Foi oficial de gabinete do Secretário Geral do
Estado e, ao falecer, era funcionário da Administração do Porto de
Maceió. Colaborou em todos os jornais e revistas de Alagoas, na
imprensa pernambucana e no Boletim de Ariel, do Rio de Janeiro.
Formou-se pela Faculdade de Direito do Recife. Escreveu poesias,
contos, crônicas, ensaios, artigos, pois era um espírito curioso por
tudo o que fosse letra de forma. Mas foi como poeta que o seu no-
me firmou-se entre os seus companheiros de geração, embora fosse
também uma grande vocação de ensaísta.

“Pode-se dizer que aqui na província foi Aloísio Branco o


poeta que melhor soube tirar efeitos rítmicos dos versos longos.

852
Verifique-se a sua produção poética e aí teremos a frequência com
que o poeta lança mão desse recurso para encontrar os seus efei-
tos sonoros. Tanto no poema da pequena viagem, como no em lou-
vor ao telefone, sente-se que a sua mensagem não poderia caber
nesses poemas de versos curtos e sons breves, porque era mesmo
do seu temperamento, alongar-se na procura de um efeito mais
rítmico para a sua poesia. Talvez, como nenhum outro, daqui da
província, foi Aloísio Branco o que mais se beneficiou dessa liber-
dade que o modernismo trouxe para a poesia. Aloísio Branco não
procura imitar. Com ele tivemos urna manifestação poética dife-
rente daquilo que conhecíamos em matéria de poesia. Ele não foi
um inovador, no sentido rigoroso, mas que deu à nossa poesia
provinciana um sentido novo, urna dimensão diferente, não resta a
menor dúvida”.

Do livro “Notas sobre poesia moderna em Alagoas”, de Car-


los Moliterno, Departamento Estadual de Cultura, 1965

ALFREDO BRANDÃO (1874-1944)

Viçosense letrado, Alfredo Brandão acaba de ganhar uma


nova edição do seu raro livro Viçosa de Alagoas - o Município e a
Cidade, de 1914. Formou-se em Medicina pela Faculdade da Bahia
(1902). Sua tese sobre Tabagismo obteve aprovação com distinção.
Iniciou sua clinica em Bom Conselho (PE), depois ingressou no
Exército, como médico, esteve na Campanha de Canudos e traba-

853
lhando em Mato Grosso. Foi expedicionário do marechal Rondon,
em São Paulo, Paraná, Rio de Janeiro e Pernambuco, onde foi dire-
tor do Hospital Militar do Recife. Em 1931 volta a viver em Ma-
ceió. Era sócio do IHGA, onde ingressou em 1937. Entre suas
obras estão Contribuição Para a Geografia Botânica do Estado de
Alagoas, 1915; Crônicas Alagoanas (História, Lendas e Etnogra-
fia), prefácio de Humberto Bastos, Maceió, Casa Ramalho, 1939;
A Escrita Pré-histórica do Brasil, com um Apêndice Sobre a Pré-
história de Alagoas. Provavelmente teria encantado Gilberto Freyre
com sua descrição do mestiço, em seu livro Viçosa das Alagoas.
“Sobre o ponto de vista étnico, há uma grande mistura oriunda do
cruzamento das três raças que se fundiram – a branca, a preta e a
cabocla. Encarado no seu conjunto o que fere logo a atenção do
observador é a mestiçagem, isto é, o produto do caldeamento dos
três elementos heterogêneos. Esse produto tem no cabra o seu
mais perfeito representante”,

“Ocupando-me da terra, procurei fazer-lhe a descrição físi-


ca e política, insistindo sobre as suas riquezas naturais, sobre o
comércio, sobre a agricultura e sobre o clima, do qual salientei as
moléstias mais comuns, as causas da morbidade, e as medidas
higiênicas mais necessárias. Da vida do engenho, tão pouco estu-
dada pelos nossos folkloristas – cuja atenção se tem voltado mais
particularmente para as zonas do sertão - delineei alguns quadros
que evoquei das reminiscências da minha infância, quase toda
escoada na solidão dessas matas”.

854
Alfredo Brandão, na apresentação do livro Viçosa de Ala-
goas - O Município e a Cidade, Recife, Imprensa Industrial, 1914
(inclui notas históricas, geográficas e arqueológicas ), Recife –
1914

ARNOLDO JAMBO (1922 - 1999)

Cronista, historiador, jornalista, advogado. Serviu, no perío-


do de 1939 a 1941, à Marinha de Guerra. Formou-se em Direito
pela UFAL. Com a baixa, voltou a Maceió, onde se iniciou na im-
prensa, como revisor na A Gazeta de Alagoas, passando em segui-
da a colaborador do Suplemento Literário do Jornal de Alagoas, e,
posteriormente, na sua direção. Foi um dos organizadores do jornal
A Voz do Povo, tendo sido forçado, por motivos políticos a emi-
grar para Recife, onde foi editorialista do Diário de Pernambuco.
Regressando a Maceió, exerceu por mais sete anos as funções de
secretário de redação do Jornal de Alagoas, desempenhando ao
mesmo tempo as funções de crítico literário do referido matutino.
Diretor do Departamento Estadual de Cultura a partir de 1961, car-
go que ocupou nos governos Muniz Falcão e Luís Cavalcante,
promoveu a publicação de CADERNOS, com as séries: "Estudos
Alagoanos", "Reedições DEC”, "Vidas e Memórias", "Folguedos
de Alagoas ", "Estante Alagoana de Monografia", "Cultura Didáti-
ca", "Poesia de Sempre" e "Arquivos Acadêmicos" além de outras
atividades culturais de caráter pioneiro no Estado. Membro da
AAL, tendo ocupado a cadeira 38. Membro honorário da AML

855
ARNON DE MELLO (1911-1983)

Arnon Afonso de Farias Mello foi governador de Alagoas


(1951-1956), jornalista, advogado, político e empresário brasileiro.
Ainda adolescente, foi membro do Grêmio Literário Guimarães
Passos, juntou-se ao grupo de intelectuais, entre os quais Jorge de
Lima, Aurélio Buarque de Holanda, Raul Lima, Valdemar Caval-
canti, Manuel Diégues Júnior e José Lins do Rego. Aos 14 anos já
era revisor e repórter do Jornal de Alagoas, onde havia começado
como agenciador de assinaturas. Chega a diretor-geral em 1936,
quando aquele jornal foi adquirido pela cadeia dos Diários Associ-
ados. Transferiu-se para o Rio de Janeiro em 1930 e matriculou-se
na Faculdade de Direito. Trabalhou no Diário de Notícias e nos
Diários Associados antes da graduação. Em 1936 assumiu a dire-
ção da Gazeta de Alagoas e foi membro do conselho diretor da
Associação Brasileira de Imprensa. Após o fim do Estado Novo
ingressou na UDN e foi eleito suplente de deputado federal em
1945 e exerceu o mandato mediante convocação. Por esta mesma
legenda foi eleito simultaneamente deputado federal e governador
de Alagoas em 1950, optando por este último cargo onde cumpriu
um mandato de cinco anos. Na literatura, participou do Movimento
Modernista com a turma do Grêmio Literário em Maceió, e sempre
arriscava fazer crônicas sobre os livros dos amigos, como a que
escreveu sobre o poema Essa Nêga Fulô, de Jorge de Lima.

856
“Essa Negra Fulô é um belíssimo poema. Bonito prá burro!
É um poema, além de tudo brasileiro. Brasileiro da cabeça aos
pés. Todo sensualidade. Dum delicioso sensualismo que seria ca-
paz de abalar o próprio Sr. Alberto Oliveira, já petrificado em
vida numa praia do Rio. Uma coisa suavíssima, gostosa, que a
gente passa a vida toda para ler, sem sentir o menor cansaço. Tem
cadência, tem ritmo, tem tudo enfim. Traçado todinho numa lin-
guagem de encantar.”

Arnon de Mello, no artigo Essa negra Fulô, no jornal A Pi-


lhéria, Recife – 1928, em Documentos do Modernismo, Moacir
Medeiros de sant´Ana – Ufal 1978

BARAFUNDA

Pseudônimo de Joaquim Antônio Siqueira Torres (1808-


1938). Poeta de espírito zombeteiro, fazia sátiras violentas, teve
uma vida de aventuras, e foi até ameaçado de morte. Bacharelou-se
em Direito pela Faculdade de Recife. Poeta satírico, seus versos e
modinhas eram cantados pelo interior do Estado, sendo entre as
modinhas a mais popular aquela denominada Genura. Teve uma
vida errante e cheia de aventuras, vagando por Alagoas, até ser
ameaçado de morte por causa de sátiras violentas. Exerceu advoca-

857
cia e foi juiz de direito em Passo Fundo (RS), de onde saiu por
razões políticas, refugiando-se em Rivera, Uruguai. Jornalista no
Amazonas. Internado no Hospício da Praia da Saudade, em 1923,
no Rio de Janeiro. Entre suas obras estão Ouro de Lei, 1918; Caro-
la Maluca, Rio de Janeiro, 1919 (prosa); Pontas de Fogo, Rio de
Janeiro, 1922, (crônicas); Gigantes e Pigmeus,

BRENO ACCIOLY (1921-1986)

Escritor, jornalista, médico. Breno Accioly nasceu em San-


tana do Ipanema, no meio do sertão alagoano, cercado pela aridez
de paisagens e pessoas, e partiu para o mundo com “sua dramati-
cidade profunda”, à lá Dostoievsk, segundo o grande crítico Tris-
tão de Athaide em uma crônica de um jornal carioca reproduzido
na orelha de seu livro João Urso (1995) – com prefácio de José
Lins do Rego e ilustrações de Cândido Portinari. Em 1938, matri-
culou-se na Escola de Medicina do Recife, mas sua inclinação era
para a literatura. Até 1942, dividiu a banca escolar com a imprensa
pernambucana, trabalhando no Diário de Pernambuco, Jornal do
Comércio e Diário da Manhã. No final de 1942, Breno mudou-se
para o Rio de Janeiro, onde concluiu o curso na Faculdade de Ci-
ências Médicas (1946), especializando-se em hanseníase. Foi mé-
dico da Prefeitura da então Capital Federal. Breno Accioly morreu
prematuramente, aos 45 anos, em seu modesto apartamento, em
Ipanema, no Rio de Janeiro, tinha sido diagnosticado com esquizo-
frenia. A professora e escritora, Edilma Bonfim, lançou o livro

858
Razão Mutilada - Ficção e Loucura em Breno Accioly, sobre a
obra do autor. No prefácio ao livro João Urso, José Lins do Rego
lembra-se do garoto que conheceu no passado.

“Neste rapaz, que conheci ainda menino em Alagoas, há


uma vocação indomável para a literatura. Lembro-me dele ainda
criança, de corpanzil disforme, em Santana do Ipanema, terra ás-
pera que tanto marcou sua personalidade. Há nesta geração nova
uma forte preocupação com o destino do homem como pessoa.
Breno Accioly é, no entanto, uma verdadeira força poética que se
debruça sobre o homem para sondar-lhe as profundezas.”

José Lins do Rego, no prefácio do livro João Urso, Civiliza-


ção Brasileira, RJ, 1995

CARLOS MOLITERNO (1912-1998)

Em entrevista para a Revista Última Palavra, o poeta Carlos


Moliterno - já no olimpo de seus 76 anos - com sua poesia e sua
sabedoria, contou a trajetória da literatura alagoana. Descendente
direto de italianos da Calábria, Moliterno foi, por 11 anos, um vir-
tuoso alfaiate, da tradicional linhagem italiana. “Naquela época
não existia ainda a indústria de roupas feitas. Toda sociedade con-
feccionava paletós de casimira, smokings, casacas e fraques nas
dezenas de alfaiatarias da capital. Era o tempo em que todo mun-

859
do só ia para os bailes de casaca, fraque, bengala e chapéu”,
lembra. Foi gerente da Companhia de Cigarros Souza Cruz em
Alagoas e diretor da Imprensa Oficial por 15 anos. Em sua face
literária, Carlos foi presidente da Academia Alagoana de Letras, e
um prolífico ensaísta e poeta, com uma vasta obra. Anilda Leão,
sua musa, outra grande poeta, ouvia atentamente e se fazia presente
com inteligentes intervenções, ao final recitou o 59º e último sone-
to, de sua mais famosa obra, A Ilha, de 1969:

De espanto e medo o vento do oceano


Meu rosto cobre, e cobre a Ilha ausente
do mapa no meu corpo decalcado
em linhas retomadas da memória.
Não era já o dia e nem a noite.

O relógio parou. Parou a vida.


Parou a própria Ilha sonegada,
Nas águas turvas e no céu de chumbo.
...

Os peixes no meu corpo permanecem,


R as escamas me cobrem sobre as águas
E em escamas de peixe me converto.

Carlos Moliterno, em A Ilha, edição do autor, 1969, ilustra-


ções de Hércules

860
“Presidente da academia não era literato”

Em 1955, Carlos Moliterno exerceu pela 1ª vez a presidên-


cia da Academia Alagoana de Letras. Então, ninguém melhor que
ele para traçar os caminhos da literatura caetés, das gerações de
poetas, escritores, críticos literários que marcaram presença no
século XX na literatura alagoana. Foi através do movimento de
literatura, da poesia, dos intelectuais, advogados e gente influente
que as alfaiatarias de Maceió viveram sua melhor fase, e Moliterno
começou a penetrar no mundo intelectual da província. Segundo
ele, a primeira geração de intelectuais alagoanos, com projeção no
cenário nacional, vem do final do século 19, com o poeta Guima-
rães Passos. “Ele também foi o primeiro conterrâneo a entrar para
a Academia Brasileira de Letras, em 1896”. Segundo Moliterno,
que ainda não havia nascido nesse tempo, Passos foi contemporâ-
neo de Olavo Bilac, Coelho Neto, Joaquim Nabuco. Depois dele
veio Goulart de Andrade, poeta parnasiano, também imortal da
ABL. Mas o tempo ainda não era de poetas, mas de gente influen-
te.

“O primeiro presidente da Academia Alagoana de Letras


não era literato, mas um representante do governador Fernandes
Lima, Demócrito Gracindo, pai do ator Paulo Gracindo. Um exce-
lente orador, mas sem livros publicados, nesse tempo não se exigia
que o presidente fosse um homem letrado”.

861
Entrevista de Carlos Moliterno, na revista Última Palavra,
1988, nº 18

Um passeio na literatura Caeté

Segundo o ideário do poeta Carlos Moliterno foram duas as


gerações que deixaram seu toque de encanto, lirismo e densa poe-
sia e prosa. A de 1930, que contava então “com o maior dos poetas
brasileiros” Jorge de Lima, e mais Diegues Júnior,Valdemar Ca-
valcanti, Raul Lima, ,Aloísio Branco, Cipriano Jucá. Foi nessa
época também quando surgiu o chamado romance social nordesti-
no, com forte inclinação pela realidade por que passava o país e o
Nordeste principalmente. Moliterno cita os romances de José Lins
do Rego sobre o ciclo da cana e “O 15” de Raquel de Queiroz, am-
bos residentes na época em Maceió. Outra fase áurea da prosa e
poesia alagoanas foi a de 1945, a geração do pós-guerra, na qual o
poeta Carlos Moliterno se insere, quando o movimento cultural
alagoano toma novos rumos, com o modernismo sendo a corrente
literária mais influente nessa nova geração. Estão entre os poetas
desse tempo, Ledo Ivo, Jorge de Lima - com seu poema de adesão
ao modernismo O Mundo do Menino Impossível -, Breno Acioly
(ficcionista), Francisco Valois (poeta), Cléa Marsíglia, Luiz Gon-
zaga Leão, Moliterno e Anilda Leão.

“Só a partir dos anos 1980 é que surge uma nova safra de
bons poetas, entre eles Lúcia Guiomar, Marcos Farias Costa, José
Geraldo Marques entre outros. Eles têm publicado muita coisa

862
boa. Alguns com o mau hábito de falar de outras gerações e da
própria Academia Alagoana de Letras. Vejo a nova geração com
mais interesse político que cultural. Quem quiser fazer críticas à
realidade do país é muito melhor escrever em prosa, em material
jornalístico do que na poesia. Escrever poesia é ter um momento
lírico e dramático”.

Entrevista com Carlos Moliterno, na revista Última Palavra,


1988, nº 18.

CARLOS PAURÍLIO

O poeta Carlos Malheiros da Silva (1904-1941), conhecido


Carlos Paurílio, era filho do músico Hipólito Paurílio da Silva, do-
no de cinemas como o Cine Floriano e o Delícia. Mas sua paixão
era a poesia e as rodas da boemia, participou ativamente dos mo-
vimentos literários como a Festa da Arte Nova e do Modernismo
em Alagoas. Muito cedo já manifestava vocação literária. Aos 18
anos já escrevia e publicava seus sonetos, o que o levou a partici-
par dos meios intelectuais. Colaborou com revistas como a Novi-
dade, surgida em 1931 sob a direção de Alberto Passos Guimarães
e Valdemar Cavalcante. Teve grande projeção nacional e contava
com a participação da elite intelectual de Maceió, a exemplo de
Graciliano Ramos e Jorge de Lima. Com 31 anos trabalhava na
Imprensa Oficial como revisor, mas já nesta época era dependente
do álcool. Em depoimento, Alzira, sua mulher, já viúva, revelava:

863
“Logo depois que casei descobri que não frequentava mais o seu
emprego. Saía pronto para o trabalho todas as manhãs, mas não ia
para lá. Ia beber com os amigos de mesa”. Seu lugar predileto era o
Bar Único, na Ladeira do Brito. Ele justificava: “Escrevo quase
bêbado. É a única maneira que encontro para me colocar dois pés
acima do mundo”. Ou ainda, como explicou para seu amigo J. Sil-
veira: “Corpo e alma se dependem. A alma quando é de cristal
como a nossa, vive da sua tristeza, dos seus sonhos felizes e das
suas mágoas. Possuo assim dois tipos de trabalhos: os que faço
para ganhar, os que faço para vibrar a alma, para sonhar acorda-
do”. Morreu subitamente em 30 de dezembro de 1941, com apenas
37 anos de idade.

CRAVEIRO COSTA (1871-1934)

Jornalista, professor e maçom, João Craveiro Costa era his-


toriador com vocação para investigar, pesquisar, buscar o assunto
onde ele estivesse. Autor de vasta obra, entre elas O Fim da Epo-
peia Notas para a História do Acre, onde viveu de 1910 a 1922,
como promotor público, enfrentando os fazendeiros e grileiros dos
seringais. Na volta a Maceió, vivia inteiramente para o trabalho e
elaboração de seus livros. Ao mesmo tempo dedicou-se ao jorna-
lismo, em especial ao jornalismo político, no jornal O Gutenberg,
no qual utilizava o pseudônimo de Gavarni, participando na cam-
panha contra o governo de Euclides Malta. Devido a violência da
luta política que se estabeleceu em Alagoas, entre outras conse-

864
quências viu-se obrigado a se afastar do Estado, residindo em São
Paulo e no Rio de Janeiro, onde exerceu por cinco anos a função de
guarda-livros. Entre suas obras estão Indicador Geral do Estado de
Alagoas, Casa Ramalho, 1902; História das Alagoas, (Resumo
Didático) prefácio de Aurino Maciel, Cia. Melhoramentos, São
Paulo; O Fim da Epopéia (Notas Para a História do Acre), Maceió,
Tipografia Fernandes, 1925, saiu em 2ª edição, na série Brasiliana.

Craveiro esquecido

De acordo com o historiador Moacir Sant`Ana, em artigo


escrito para a Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Ala-
goas, de 1984, nos 50º ano de morte do sócio-fundador e membro
efetivo do instituto, nada saiu na imprensa e nem sequer no necro-
lógico da revista. “Morreu pobre, vitimado por um colapso cardí-
aco, quando se achava em sua mesa de trabalho”. Por que então
este silêncio, esta indiferença em torno do nome do grande histo-
riador?”, questiona Moacir

“Fomos encontrar num pronunciamento de José Barbosa


Netto, representante de Alagoas no Congresso de Estatística reali-
zado no Rio de Janeiro, em 1938. “... Craveiro Costa, sociólogo,
panfletário, cronista, historiador, economista, pedagogo, assumira
as proporções de um gigante, a cuja sombra se sentiam inquietos
os que ainda hoje tremem a simples evocação de sua memórias.”

865
Moacir Medeiros de Sant´Ana, no artigo Craveiro, da revis-
ta do IHGA, volume 39 – 1984

CARLITO PEIXOTO LIMA

Ex-capitão do Exército Brasileiro, engenheiro, ambientalis-


ta, descobriu seu talento de escritor só aos 61 anos quando em
2001, por insistência de amigos, foi editado seu primeiro livro de
memória, “Confissões de um Capitão”. O livro foi sucesso em todo
o Brasil após entrevista de Carlito Lima no programa do Jô Soares.
Descoberto como excelente contador de história, escreve uma co-
luna dominical, Histórias do Velho Capita, no jornal Gazeta de
Alagoas, por mais de 13 anos, em crônicas bem humoradas basea-
das em fatos reais. Vive na cidade de Maceió e não parou mais de
escrever. Entre seus lançamentos estão: Confissões de um Capitão
(Memória), Editora Garamond – 2001; Comédias Mundanas
((Contos do cotidiano), Editora Máster -2002; Nordeste Indepen-
dente (Contos do cotidiano), editora Garamond, 2003; Histórias do
Duque de Jaraguá (Contos), edições Bagaço – 2005; Viventes de
Maceió (Contos do cotidiano), editora Nossa Livraria – 2006; His-
tórias do Velho Capita (Contos), editora Nossa Livraria -2007; As
Mariposas Também Amam (Contos de boemia) - edições Bagaço –
2009; Crônicas Alagoenses (Crônicas), editora Nossa Livraria –
2009; Vadiando com Lêdo Ivo, 2012, editora Imprensa Oficial de
Alagoas e O Velho e o Mar e outras mentiras, Grafpel, 2015.

866
Confissões de um capitão

Em 1964, o tenente Carlos Roberto Peixoto Lima, então


com 24 anos, o Carlito Lima, viveu uma reviravolta em sua vida,
tanto como militar, como profissional. Em 2001, ele lançou seu
primeiro e mais famoso livro “Confissões de uma Capitão”, onde
conta seu período intrépido como carcereiro na 2ª Companhia de
Guarda em Recife. De índole pacífica e de coração amoroso e
boêmio, Carlito conta como provocou a ira do Exército Brasileiro
em sua passagem pela carceragem de Recife, onde tinha um trata-
mento amistoso com presos políticos como o ex-governador Mi-
guel Arraes - que depois ficou seu amigo – Paulo Freire (o educa-
dor), Paulo Cavalcanti e Francisco Julião, líder das Ligas Campo-
nesas. Carlito Lima lançou sua primeira obra aos 61 anos. De lá
para cá, já publicou mais de 800 crônicas e 18 livros. “Confissões
de um capitão” foi traduzido para espanhol e comercializado na
Feira de Frankfurt, na Alemanha. A revista paulista Cult colocou
Confissões entre os 14 melhores livros na bibliografia sobre o gol-
pe militar de 1964.
“Confesso a minha “traição” ao Exército, porque eu trata-
va bem os presos políticos, levando bilhetes que as famílias escre-
viam para eles. Cheguei inclusive a namorar a filha de um dos
presos, fato que fez o Exército me mandar para o Amazonas, onde
fiquei por dois anos (fazendo curso de guerra na selva). Foi a pri-
meira vez que um tenente que participou da Revolução escreveu
um livro desta natureza”.

867
Entrevista de Carlito Lima ao jornalista Carlos Nealdo, jor-
nal Tribuna de Alagoas, edição de 26/10/2001

CÍCERO PÉRICLES

Cícero Péricles de Carvalho é professor da Universidade


Federal de Alagoas, com doutorado em Economia pela Universi-
dade de Córdoba (Espanha). Autor de “Economia Popular – uma
via de modernização para Alagoas”, na 6ª edição, e “Análise da
reestruturação produtiva do setor sucroalcooleiro”, 3ª edição, am-
bos publicados pela Edufal. Em 2015, na Bienal Internacional do
Livro de Alagoas, O professor Cícero Péricles relançou o livro
“Formação Histórica de Alagoas”, publicado pela primeira vez na
década de 80. Segundo o pesquisador, as duas primeiras edições
refletiam as notas de leitura daquela época.

“Com o passar do tempo, o texto não sofreu reformulações,


saindo de circulação com o fim das tiragens. Desde então, as prio-
ridades docentes na área de Economia me afastaram do tema. Mas
no cotidiano da sala de aula como professor, percebi o quanto
ainda há carência de textos introdutórios para a história econômi-
ca de Alagoas. Foi essa necessidade que me estimulou a retomar o
livro original, atualizando-o integralmente até chegar nesta nova
edição. Nestas três décadas, os principais temas da formação ala-
goana foram reinterpretados à luz de novas pesquisas; e muitas
publicações de qualidade foram lançadas ou relançadas, abrindo

868
caminhos para consulta de fontes contemporâneas e permitindo
uma ampliação ou reelaboração dos assuntos discutidos”.

DIRCEU LINDOSO

Dirceu Aciolly Lindoso, 82 anos, tem mais um novo título


para comemorar em reconhecimento à sua carreira. Em 25 de mar-
ço de 2015, o mestre recebeu o título de Doutor Honoris Causa da
Universidade Federal de Alagoas, que ajudou a fundar. Dirceu é
jornalista, tradutor, poeta, romancista, antropólogo, etnólogo, his-
toriador alagoano e um entusiasmado pesquisador da cultura ala-
goana. Nasceu em Maragogi e só veio a Maceió já adulto, já que as
melhores estradas apontavam para Pernambuco. Estudou no Colé-
gio Batista do Recife, e depois no exterior. Por sua posição política
e a militância marxista esteve dez meses preso em Maceió. No dia
em que foi libertado, foi embora para o Rio de Janeiro. Ele foi as-
sessor do Ministro de Educação e Cultura, na área de Desenvolvi-
mento do Patrimônio Cultural. Membro da Academia Alagoana de
Letras (AAL), onde ocupa a cadeira número um. E é sócio honorá-
rio do Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas (IHGAL). No
seu discurso de posse no IHGA, em outubro de 2009, além de dar
uma aula de história alagoana ele fez várias declarações de amor a
sua terra, e na última ele fechou: “minha profissão é ser alagoano”.

“Somos assim: pequenos, de vida independente curta, mas


de vida histórica densa, porque guardamos na nossa história dois

869
acontecimentos que traduzem toda nossa nacionalidade, como o
Quilombo dos Palmares no século XVII e a Guerra dos Cabanos
no meado de século XIX. Nele, pelo que aconteceu, se fizeram as
Alagoas, e assim juntas: a Alagoas do Norte e a Alagoas do Sul.
Com dois polos luminares: a cidade luso-flamenga do Penedo, nas
ribeiras altas do rio São Francisco, e a cidade luso-flamenga do
Porto Calvo, nas grandes matas do rio Manguaba e na ribeira do
porto antigo do Varadouro... Alagoas é para mim uma coisa mai-
or, e posso dizer monumental”.

Dirceu Lindoso, em seu discurso de posse no IHGA. Revis-


ta do IHGA, dezembro, 2005

Arquivo de Évora, Portugal

Dirceu Lindoso garante que foi ele o primeiro a tocar no as-


sunto de que havia uma cultura alagoana – “o termo cultura era
tratado de outra forma”. Segundo ele, grande parte dos documentos
históricos sobre Alagoas estaria na Europa. As informações sobre
todas as tribos de índios que habitavam as regiões de Penedo até o
alto sertão alagoano estão no Arquivo de Évora, em Portugal. Nos
acervos de São Petesburgo, Torre do Tombo, Portugal, Leningra-
do, Luanda, Uidá, na Nigéria, e Moçambique estariam guardados,
segundo Lindoso, documentos importantes sobre a história de Ala-
goas. “Essas são as minhas fontes. São diferentes das fontes de
outros pesquisadores daqui. A nossa história não começa aqui.”.

870
“Se você estudar a destruição de Palmares, você vai ver
que o motivo foi a terra, que era muito fértil naquela região. Essa
história de que os negros se suicidaram pulando de penhascos não
existe. Eram mais de 30 mil negros e a maior parte foi vendida
para o sul do Brasil e para a América Central”.

DOUGLAS APRATTO TENÓRIO

O escritor nasceu em São Miguel dos Campos, foi secretário


de Estado da Educação (1986), fez seus primeiros estudos na sua
cidade natal. Fez o curso colegial em Maceió e o bacharelado em
História pelo Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da UFAL
(1968). Mestrado em História, pela Universidade Federal de Per-
nambuco (1976) e doutorado na mesma universidade (1994). Pro-
fessor de História Geral e do Brasil, bem como de Geografia, em
diversos colégios e universidades. Foi diretor do Centro de Ciên-
cias Humanas, Letras e Artes da UFAL. Em 1978, se torna mem-
bro da Academia Brasileira de História, da AAL. O escritor tem
mais de 30 livros publicados e premiados, e é colaborador na im-
prensa alagoana e nacional. Entre suas principais publicações estão
A Tragédia do Populismo (1995); As Ferrovias em Alagoas. Estu-
do da Implantação do Transporte Ferroviário nas Alagoas Durante
o Período Imperial Até o Alvorecer do Período Republicano, Reci-
fe, Ed. Grafbom, 1977; A Sociedade e a Política Alagoana nas Dé-
cadas de 20 e 30, Maceió, Imprensa Universitária, UFAL, 1977;
Capitalismo e Ferrovias no Brasil (As Ferrovias em Alagoas), Ma-

871
ceió, EDUFAL, 1979; Metamorfose das Oligarquias, Curitiba, H D
Livros, 1997; Caminhos do Açúcar. Engenhos e Casas-Grandes
das Alagoas, Brasília, Senado Federal, 2008 juntamente com Dan-
tas, Carmen Redescobrindo o Passado: Cartofilia Alagoana, junta-
mente com Carmen Lúcia Dantas, Recife, Fundação Joaquim Na-
buco, Editora Massangana, 2008. Douglas Apratto é reitor do Cen-
tro de Estudos Superiores (Cesmac).

Livro: A Tragédia do Populismo

O historiador e professor Douglas Apratto, é autor de impor-


tantes obras, onde retoma a linhagem dos grandes textos da histo-
riografia alagoana, com pesquisa de fôlego e escrita científica, mas
com um novo estilo de contar os fatos, “sejam eles dramáticos,
empolgantes, grandiosos e humanos” ou trágicos, como no seu
livro A Tragédia do Populismo (1994). A obra retrata o período do
impeachment do governador Muniz Falcão (1957), tendo como
pano de fundo o comportamento da elite política alagoana, consi-
derada um marco na história política do estado. “Quatro décadas
separam-nos do governo Muniz Falcão e serenadas agora as pai-
xões, começa a aparecer no grande quadro político alagoano de-
talhes e nuances que têm, na pena privilegiada de Douglas Apratto
Tenório, uma ótica científica com a máximo rigor da metodologia
histórica. Sua formação humanística, entretanto, deu também a
este livro um sabor clássico”, assinalaArmando Souto Maior, no
prefácio da edição. Veja trechos do capítulo II, Uma tragédia
anunciada, sobre detalhes do impeachment de Muniz Falcão:.

872
“A atmosfera maceioense, na sexta-feira, 13 de se-
tembro de 1957, é de tensão. Respira-se ar de tragédia
prestes a explodir... Antevê-se, claramente, um clima de
desencadeamento de paixões políticas com o estalo inevi-
tável das soluções violentas... durante quarenta minutos, o
tiroteio (na Assembleia Legislativa) entre as duas banca-
das era intenso. “Ouvia-se disparos vindo das ruas, en-
quanto balas pipocavam por todos os lados do recinto,
enquanto pedidos de socorro surgiam dos muitos feridos”.
Mais de mil tiros foram disparados, inclusive alguns de
fora para dentro”.

Douglas Apprato Tenório, em A Tragédia do Populismo O


Impeachment de Muniz Falcão, Edufal, Maceió – 1995.

ELYSIO DE CARVALHO

Elysio de Carvalho foi um penedense de alma sonhadora e


irreverente, uma das maiores expressões da cultura brasileira. Nas-
ceu ribeirinho, na Rua da Penha, Penedo, e foi fazer carreira literá-
ria lá fora. Filósofo e poeta, com vários livros publicados, amigo
de intelectuais como Mário de Andrade, Machado de Assis, Manu-
el Bandeira, Elysio fez suas primeiras letras em Penedo. Aos doze

873
anos ingressou no seminário de Olinda, e assistiu ao que chamou
de “a encapotada hipocrisia fradesca”. Em 1895 ingressou no Li-
ceu Alagoano onde cursou Humanidades. Em 1898 instalou-se no
Rio de Janeiro e funda jornais e revistas, colabora com revistas
européias e traduz para o Brasil obras de Nietzsche, Stirne, Freud e
Oscar Wilde. Em 1904, funda e dirige a Universidade Popular, que
estabelecia educar o proletariado brasileiro dentro dos preceitos
socialistas. Foi professor da Academia de Polícia do Rio de Janei-
ro, além de exercer com maestria o cargo de sub-diretor do Gabi-
nete de Identificação e de Estatística da Polícia do Distrito Federal.
Convidado pelo Ministro da Justiça de Portugal para dar parecer
sobre as reformas dos serviços policiais portugueses, agradece e
não aceita. Dedica-se ao jornalismo. Sua morte precoce, vítima de
tuberculose, na Suíça em dois de novembro de 1925, com 46 anos
incompletos, deixou um espaço vazio na cultura brasileira.

ÉLCIO DE GUSMÃO VERÇOSA (1944-2018)

Elcio de Gusmão Verçosa nasceu em Porto Calvo, estudou o


ensino fundamental e médio no Seminário Menor da Congregação
do Sagrado Coração de Jesus, em Pernambuco. Após o noviciado,
fez o Curso completo de Filosofia. Em 1967, deixa a Congregação
e volta a Maceió, onde faz o vestibular para Letras – Português-
Inglês, concluindo em 1970. Na Faculdade de Filosofia, Ciências e

874
Letras da Ufal foi presidente do Diretório do Curso de Letras, du-
rante o período de chumbo da ditadura militar 1968-1969 onde
enfrentou lutas históricas contra o CCC – Comando de Caça aos
Comunistas. Em 1968 participou das manifestações estudantis con-
tra a ditadura, pelas liberdades democráticas e em 1969 engajou-se
na luta contra o AI-5. Em 1970 termina o Curso de Letras – Bacha-
relado e Licenciatura. Foi professor de Língua e Literatura Portu-
guesa e Língua Inglesa em colégios do setor privado como Marista
de Maceió e Imaculada Conceição, foi selecionado para lecionar
Português na rede estadual de ensino em 1968. Em 1975, foi apro-
vado em concurso público para a então Escola Técnica Federal de
Alagoas – Etfal, passando a lecionar Língua Portuguesa e Literatu-
ra Brasileira até 1980, quando foi selecionado como Professor
substituto para o CCSA – Centro de Ciências Sociais da Universi-
dade Federal de Alagoas. A partir daí começou a construir sua car-
reira acadêmica e sindical no ensino superior, desligando-se da
Etfal ao ser aprovado na seleção de Mestrado da Faculdade de
Educação da UFPE e, em 1984, tornou-se Professor Auxiliar da
Ufal, aprovado em concurso público.
Doutor em Educação

No final da década de 1980, liderou o movimento, junto


com outros companheiros docentes, para a criação do Centro de
Educação, que se tornou referência na Ufal e no Estado de Alagoas
na formação de dezenas e centenas de educadores, pedagogos com
uma visão humanista e social da Educação. Foi seu primeiro Dire-
tor eleito pelo voto de docentes, estudantes e funcionários, como

875
também Professor de disciplinas como Métodos e Técnicas de En-
sino, Planejamento e Política Educacional. Mais tarde, já nos anos
1990, após concluir o Doutorado em Política Educacional na Feusp
– Faculdade de Educação da USP, também liderou a criação dos
Cursos de Pós-Graduação – Mestrado e Doutorado no Cedu/Ufal.
Foi Presidente do Conselho Estadual de Educação por três manda-
tos consecutivos, reconduzido por seus pares sempre pelo voto
direto; voluntário do Programa de Pós-Graduação em Educação do
Centro de Educação da Ufal. Verçosa é reconhecido como um dos
pilares na renovação dos quadros de pesquisadores de Alagoas.
“Ele dá uma generosa, fértil e incisiva contribuição científica,
sendo leitura obrigatória para todos aqueles que desejam pensar
sobre esta nossa nação Alagoas. Vamos então ler seu texto e pen-
sar em como está sendo fértil o refazer as Alagoas”, disse Sávio
de Almeida, em seu blog Coleção Espaço em 02/01/2012. Élcio
Verçosa é autor de mais de 10 importantes livros, o mais recente -
dezoito anos após a publicação original – “História da Educação
Superior em Alagoas de suas Origens ao Século XXI”, foi lançado
na Bienal do Livro de Alagoas, em novembro de 2104.
“Caminhando nos meus estudos e percebendo que as práti-
cas dominantes no interior da universidade, em meio às transfor-
mações por que passava a sociedade, e apesar delas, constante-
mente reiteravam, no plano da cultura, o ethos tradicional e oli-
gárquico que parecia ser sua característica essencial, logo me dei
conta de que a historiografia produzida sobre Alagoas e sua edu-
cação padeciam de limites explicativos, quando não de lacunas
severas, tanto em relação à incipiente história produzida sobre a

876
universidade, quanto naquela mais ampla, feita sobre os viventes
das Alagoas”.

Élcio Verçosa, na introdução à obra “Intelectuais e proces-


sos formativos em Alagoas (Séculos XIX-XX)”, de 2008

Teologia e militância política

Em 1957, aos 10 anos, Élcio Verçosa estudava no Seminá-


rio dos Padres Dehonianos, no bairro da Várzea, em Recife, na
Escola Apostólica do Sagrado Coração de Jesus, com padres ho-
landeses e brasileiros da mesma Congregação – SCJ, chegou a fa-
zer o noviciado e estudou Filosofia, em nível superior, no Seminá-
rio Regional do Nordeste, em Camaragibe (PE). Em 1966, deixou
a vida religiosa e, voltando para Maceió, além do bacharelado em
Letras, iniciou sua fase de militância estudantil, contra a ditadura
militar, tendo, em 1968, sido eleito presidente do Diretório Aca-
dêmico de Letras onde enfrentou, junto com a professora Jarede
Viana, o Comando de Caça aos Comunistas (CCC). Casado desde
1970 com Ivanilda Soares de Gusmão Verçosa, também Professora
e que conheceu na militância estudantil e política, tem dois filhos:
Elcio de Gusmão Verçosa Filho e Catarina Soares de Gusmão
Verçosa e um neto, Diógenes Verçosa Domed. Aposentou-se da
UFAL em 2006, após 35 anos de serviço. Recebeu da comunidade
acadêmica da UFAL o honroso título de Professor Emérito. Em
2004, recebeu o título de Cidadão de Maceió, outorgado pela Câ-
mara de Vereadores, por iniciativa do Vereador Thomaz Beltrão.

877
Atualmente, é coordenador Acadêmico da Faculdade SEUNE e
professor de Sociologia do Direito no Curso de Direito naquela
instituição universitária.

FÉLIX DE LIMA JÚNIOR (1901-1986)

O maceioense Félix Wanderley Lima nasceu na capital no


primeiro ano do século XX, para se transformar em um pacato ge-
rente do Banco do Brasil - já com seu nome literário Félix de Lima
Júnior - e no “maior pescador de pérolas históricas e literárias
desta nossa província encantadora de todos os tempos”, conforme
relato de seu colega no IHGA, José Pinto Góes. Segundo Góes, na
revista do IHGA, teria escrito 46 livros até sua morte. O mestre
Félix fez parte da Academia dos Dez Unidos e da Academia Gui-
marães Passos. Membro do IHGA, empossado em 1954, na cadeira
da qual é patrono Francisco Inácio de Carvalho Moreira (Barão de
Penedo). Lima Júnior é da AAL, onde ingressou em 1957. Ele es-
quadrinhou o passado, e trouxe para presente, por meios de perfis
literários Tiradentes, Pedro II, Floriano Peixoto, Rio Branco, Cai-
xas, Varnhagem, Delmiro Gouveia, Gilberto Freyre. Ele nasceu em
um casarão na rua do Comércio, a mais tradicional do Centro de
hoje, que em seu tempo ouvia os o barulho dos carros de boi “va-
rando os silêncios das argentinas madrugadas e dos soturnos ma-
gismos das noites largas”.

878
“Félix mergulhava fundo, nas águas por vezes bem turvas
dos mares da historiografia pátria e de lá, à superfície surdindo,
as mãos pejadas trazia das mais preciosas gemas e marcantes
eventos sócio/históricos da sua terra querida”.

Josué Pinto Góes, na revista do IHGA, volume 44 – Maceió


1995.

FRANCISCO VALOIS (1932-2008)

O poeta, advogado, jornalista e economiário Francisco Va-


lois – que tem como homônimo o famoso delfim da França e du-
que da Bretanha (nos anos 1500) – sempre dividiu sua vida entre
os versos, a burocracia de um banco, e o jornalismo cultural. A
partir de 1951 passa a integrar o corpo de redatores de quase todos
os jornais de Maceió, começando no Jornal de Alagoas, como tra-
dutor de telegramas. Chefia o gabinete do presidente da Caixa
Econômica Federal em Alagoas e em 1970 é designado gerente da
agência central daquela Caixa em Alagoas, chegando em 1971 até
1981, quando se aposenta por tempo de serviço. Em 1983 assume a
editoria do suplemento literário Tribuna Cultural do jornal Tribu-
na de Alagoas. Em 1987, é nomeado subsecretário da Secretaria de
Cultura. Em 1996, assume a editoria de Cultura, suplemento literá-
rio do jornal O Diário, e, em 1998, passa a coordenar a página lite-
rária de Letras & Artes de O Jornal. Nesse ano é nomeado chefe de
gabinete da Secretaria da Cultura e passa a integrar o Conselho

879
Estadual de Cultura, permanecendo em ambos até 31 de dezembro
daquele ano. Membro da AAL, empossado em 1972, onde ocupa a
cadeira 24, bem como da Academia de Letras e Artes do Nordeste.
Sócio do IHGAL, empossado em 1986. Obras: O Grito, Ma-
ceió,1952; Testamento Poético de Jorge de Lima, 1958; Rosa da
Manhã Nascente, SERGASA 1979; A Noite Reinventada, Edições
Catavento, 2001. Foi na revista da Academia Alagoana de Letras
que ele desfilou suas poesias, como colaborador assíduo.

A noite reinventada

A noite se reinventa e a lua tece,


na transparência azul do céu tarjado,
a lírica canção de amor que, em prece,
o vento me segreda. Deslumbrado,

No olhar retenho a rosa que floresce


na quietude do campo serenado
e sugere um veleiro que alvorece,
na solidão do porto abandonado:

e nessa solidão que o porto habita,


onde a maré vazante não se agita,
exila-se a saudade primitiva:

- o gesto de um adeus acontecido


remanesce no olhar entardecido

880
como sombra lunática, opressiva.

Francisco Valois, na Revista da Academia Alagoana de Le-


tras, 1996

Valois e o amigo Jorge de Lima

O poeta Francisco Valois, conterrâneo de Jorge de Lima, te-


ve o privilégio de conhecê-lo pessoalmente e ter ficado seu amigo.
Mas foi somente em 1951, durante uma visita de Jorge de Lima a
Alagoas, que Francisco Valois pôde travar contato mais íntimo
com o poeta. Na ocasião, o autor de Invenção de Orfeu fez uma
conferência na Academia Alagoana de Letras (AAL) - a qual aju-
dou a fundar no início do século passado. Uma homenagem para o
“príncipe dos poetas alagoanos” foi preparada por um grupo de
intelectuais e escritores locais arregimentado para recebê-lo. Todos
acompanharam Jorge de Lima em uma espécie de passeio turístico,
onde o convidado ilustre matou saudades da paisagem da Lagoa
Mundaú e da culinária alagoana, em especial do sururu, um de seus
pratos prediletos. “A partir deste dia, começamos uma grande ami-
zade. Num momento em que ficamos a sós, no Park Hotel, no Cen-
tro de Maceió, onde ele estava hospedado, o Jorge me mostrou os
originais de Invenção de Orfeu”. O último encontro dos dois acon-
teceria no ano seguinte, em 1953, alguns meses antes da morte de
Jorge, em Recife. Jorge viera descansar na casa do irmão, Mateos
de Lima, no Recife, e pediu para que Valois viajasse até a capital
pernambucana a fim de que pudessem se encontrar.

881
“Quando cheguei na casa do Mateos, o Jorge estava sozi-
nho. Encontrei-o numa banheira, sentindo fortes dores e aplicando
morfina em si mesmo. Em seguida, chegaram às pressas Mateos
de Lima e um médico amigo da família. Eles já estavam com as
passagens de avião compradas e a ordem era levá-lo com urgên-
cia para o Rio de Janeiro. Foi a última vez que o vi”.

Da reportagem “Poeta relembra o amigo Jorge de Lima”,


reportagem de Lelo Macena, no jornal Gazeta de Alagoas, edição
de 05/02/2006

GILBERTO DE MACEDO (1923/2008)

Médico, professor, poeta, psicanalista, humanista e crítico


literário, Gilberto de Macedo faria 60 anos de psiquiatria até sua
morte. Seus livros são até hoje objeto de teses em universidades e
congressos em todo país. Foi o primeiro diretor do Hospital Portu-
gal Ramalho. Gilberto Macedo foi professor da Universidade Fe-
deral de Alagoas. Com mais de 15 livros publicados, em títulos
que compreendem medicina legal, física contemporânea, política,
literatura, poesia, psicologia e criminalidade; e o famoso ensaio
que escreveu com Gilberto Freyre, Casa Grande & Senzala - Obra
Didática? Rio de Janeiro, Cátedra, Brasília, INL, 1979. Foi um dos
mais assíduos colaboradores da revista da Academia Alagoana de
Letras. Com estilo erudito, ele escreveu de tudo na revista, ensaios

882
desde a filosofia da história de Santo Agostinho e poesia, como
esse desfecho do artigo O Universo Imaginário da poesia, um hino
de amor aos versos.

“A poesia é intensamente intuitiva. Seu mundo todo é feito


de subjetividades. Não se constrói com os fatos, mas com senti-
mentos que se consubstanciam em linguagem; paixões em forma
estética. Só há poesia com inspiração. Já dizia Jacques Maritain:
“não há musa fora da alma”. Ou como afirmava Paul Claudel,
que a poesia “vive nas camadas mais profundas do ser”. A poesia
se concretiza no poeta, que dela se nutre, com ela vibra, exalta-se,
vive”.

Gilberto Macedo, na revista da AAL Maceió – ano VII nº 7,


dezembro de 1981

A atualidade de Gilberto de Macedo

Gilberto de Macedo é dos grandes construtores da medicina


em Alagoas e no Brasil, junto com outros pioneiros como Arthur
Ramos, Nise da Silveira, Jorge de Lima, Breno Accioly, Estácio de
Lima, Melo Moraes, Virgilio Mauricio, Mário Magalhães da Sil-
veira, Abelardo Duarte, Ib Gatto e tantos outros. É impressionante
sua atualidade quando se fala em saúde mental, e seu contexto so-
cial e político. Em 1988, na revista Última Palavra, de Maceió,
Gilberto de Macedo participou de uma mesa redonda sobre a saúde
mental do alagoano e do brasileiro - que teve o título A nossa lou-

883
cura - O Brasil não vai bem da cabeça, diagnóstico de psiquiatras
alagoanos – ilustradada pelo jornalista Ênio Lins (uma charge do
mapa de Alagoas sentado no divã). Tudo que ele disse, 27 anos
depois, é como se estivesse no presente.

Como é que fica a relação entre doença mental, esquizofre-


nia e a crise social? São problemas intrinsecamente ligados? Aon-
de vamos parar? Na república do crioulo doido? Ou já estamos
nela?

Gilberto Macedo – À medida que se acentua a crise a ques-


tão vai se tornando mais íntima. Não é determinante, mas a pro-
babilidade é muito grande pela própria natureza do fato mental,
que não pode ser visto isolado da sociedade. A crise global influi
poderosamente no desencadeamento de distúrbios mentais. Esta-
mos vivendo hoje uma crise acentuada de iminência patológica,
mas não sou pessimista, certamente haverá um processo de refle-
xão para tentar sair desse ciclo sócio-patogênico para uma orga-
nização social.

Qual o sinal mais visível dessa degeneração da vida nacio-


nal?

Gilberto Macedo – O problema da injustiça social. O que se


vê é a Constituinte fazer suas regras e partir de interesses partidá-
rios que representam grupos. Não bastam eleições diretas, nem
democracia participativa. É preciso que a pessoa que vote esteja

884
bem informada e adquira uma consciência social. Poder escolher
sem influências sugestivas e o que é pior, pela compra de voto. A
compra do voto é muito pior que a ditadura velada, pois apenas
aparenta democracia, mas não passa de um jogo de manipulação
de massas. Muito pior que a violência física é a violência simbóli-
ca do engano, das imagens forjadas, das noticias pré-fabricadas,
que infelizmente é o que está ocorrendo. Vivemos em uma socie-
dade mascarada, com aparência de democracia.

IVAN BARROS

O promotor de Justiça aposentado, jornalista e escritor Ivan


Barros, com raízes fincadas e crescidas em Palmeira dos Índios, é
mesmo um resistente da literatura e do jornalismo alagoano. O
imortal da Academia Alagoana de Letras lançou em 2015 seu 29º
livro, onde conta a saga política do ex-governador Divaldo Surua-
gy. No jornalismo, apesar da idade e da doença que o assola man-
tém a Tribuna do Sertão, o maior jornal do Agreste e Sertão alago-
anos, sob a batuta de seu filho Vladimir Barros. Ivan também atu-
ou como jornalista profissional na extinta Rede Manchete, no Rio
de Janeiro. Entre as suas 29 obras estão publicações de Assuntos
Jurídicos, biografias que vão desde Pontes de Miranda até o Papa
Francisco. Mas Ivan ficou mais conhecido como um dos biógrafos
de Graciliano Ramos, e guardião de seu acervo. Tem em sua cole-
ção objetos e documentos preciosos do mestre Graça. Apesar de
não ter nascido em Palmeira dos Índios, foi nesta cidade que Gra-

885
ciliano Ramos, natural de Quebrangulo, viveu a maior parte do
tempo em que esteve em Alagoas, entre 1910 e 1932. A paixão
pela cidade é retratada em diversas obras do escritor, como Caetés
(1933), São Bernardo (1934) e Vidas Secas (1938). Essa trajetória
inspirou o livro Roteiro Sentimental de Ivan Barros, autor de três
títulos sobre o Mestre Graça.

Relíquias de Ivan Barros reavivam Graciliano

O pesquisador Ivan Barros possui um fascículo original de


O Índio, jornal no qual Mestre Graça trabalhou como jornalista e
onde assinava a coluna Garranchos, usando os pseudônimos J. Ca-
listo, Anastácio Anacleto, Lambda e JC. Tido como bom modelo
de texto jornalístico, que primava pelo estilo enxuto e sem adjeti-
vos, seu maior foco era tratar sobre educação e políticas de igual-
dade. “O Índio tem enorme valor histórico. Além da coluna Gar-
ranchos, quem observar bem ainda pode ver os anúncios da loja
de tecidos Sincera, onde Graciliano trabalhou durante anos com o
pai. Em breve, esse fascículo será doado à Universidade de São
Paulo (USP), que tem os meios adequados para a preservação e
perpetuação do documento”, disse Barros.

MAYA PEDROSA

O escritor, memorialista e contista José Fernando de Maya


Pedrosa, nascido em 1932, chega os 82 anos, com uma bela histó-

886
ria para contar. Depois de estudar no Grupo Escolar Diégues Jú-
nior, no Colégio Guido de Fontgalland, Colégio Nóbrega, no Reci-
fe, e no Liceu Alagoano, José Fernando ingressa, em 1949, na Es-
cola Preparatória do Exército, em Fortaleza, e depois na Academia
Militar das Agulhas Negras, em Resende (RJ), de onde sai aspiran-
te a oficial. Segue carreira no Exército até 1987, quando se aposen-
ta como coronel. A partir daí começa sua carreira literária, como
diretor da Biblioteca do Exército – onde lança livros clássicos co-
mo A Grande Barreira - Os Militares e a Esquerda Radical no Bra-
sil: 1930-1968, em 1998, que se tornou uma bíblia para os milita-
res e políticos que apoiaram o golpe de 1964. Em Alagoas, é esco-
lhido como membro do Instituto Histórico e Geográfico, na cadeira
da qual o patrono é o Barão de Penedo. Entre sua produção cultural
destacam-se obras como “A Saga do Barcaceiro”, de 1994, sobre o
ciclo das águas e seus personagens; Histórias do Velho Jaraguá,
com prefácio de Luiz Nogueira de Barros, em 1998. E se aventu-
rou também por biografias, com as de Emílio de Maya e Solano
Lopes, e relatos de fatos históricos com a Guerra de Canudos, a
Guerra Fria.

LUIZ GUTEMBERG

Jornalista, romancista, teatrólogo, comentarista e escritor,


Luiz Gutemberg Lima Silva, nasceu em Maceió no ano de 1937,
onde viveu até os 18 anos. Formado em Direito pela Universidade
Federal de Alagoas, o ex-professor do Curso de Jornalismo da

887
Universidade de Brasília também já foi conferencista em seminá-
rios como o de Jornalismo Internacional da Universidade de Stan-
ford - Estados Unidos, chegando ainda a estagiar no jornal The
Washington Post. Com um vasto currículo, começou cedo, aos 15
anos na Gazeta de Alagoas, como repórter. Trabalhou na revista
Manchete e no Jornal do Brasil, do Rio, foi editor-assistente da
revista Veja, em São Paulo, analista político e diretor da Rede
Bandeirante. Publicou obras de grande sucesso de público, entre
elas “O Jogo da Gata Parida” e “Rendez-vous no Itamaraty”. Seu
talento como jornalista aproximou-o do mundo político nacional, o
que resultou na publicação da biografia de alguns senadores, como
a de Pedro Simon. No teatro, Gutemberg escreveu as peças “Auto
da Perseguição e Morte do Mateu”, “O Homem que enganou o
diabo... e ainda pediu troco”, “Auto da lapinha Mágica” e “O Pro-
cesso Crispim”. Em 1955 começa a trabalhar no jornal A Gazeta
de Alagoas. Entra para a Faculdade de Direito em 1956, porém,
mudando-se, no ano seguinte, para o Rio de Janeiro, interrompe o
curso, o qual só iria retomar seis anos depois, formando-se em
1967. Trabalha como repórter e redator em diversos jornais do Rio,
tais como Diário de Notícias, Tribuna da Imprensa e Jornal do
Brasil e nas revistas Manchete e Mundo Ilustrado. Regressa em
1961, a Maceió, no Governo Luiz Cavalcante, como Chefe da Casa
Civil. Gutemberg mora em Brasília desde 1970, onde dirige as
Edições Dédalo. Ele diz por que deixou Alagoas.

“Foi uma fatalidade profissional: em julho de 1968 a Edi-


tora Abril preparava o lançamento da revista semanal, lembraram

888
de mim, que estava morando em Maceió, me chamaram e lá fui me
incorporar ao grupo de fundador da Veja, em São Paulo, como
editor assistente. Fui e não voltei mais, salvo para visitas rápidas
e inesquecíveis férias de verão, a cada janeiro. Na verdade, esta
foi apenas a segunda e definitiva saída. A primeira deu-se em
1957, aos 18 anos, quando – com a cara e a coragem – emigrei
para o Rio de Janeiro para cumprir minha vocação de jornalista:
desde os 16 anos trabalhava na Gazeta e não resisti à tentação de
experimentar a grande imprensa nacional do eixo Rio-São Paulo.
Precisei apenas de uma semana para conquistar meu primeiro
emprego, na revista Manchete, que vivia seu apogeu, e de onde me
transferi para o Jornal do Brasil, que estava sendo modernizado
por Odylo Costa Filho, e onde vivi minha grande experiência pro-
fissional. Mas sempre, como até hoje, não consigo esquecer Ala-
goas, meu coração, esteja onde estiver, está sempre em Maceió”.

GERALDO DE MAJELLA

O historiador, escritor e biógrafo Geraldo de Majella Fidelis


de Moura Marques, alagoano de Anadia, é um dos mais prolíficos
escritores alagoanos, sempre com um verniz de sua militância polí-
tica. Verdadeiro guardião da trajetória gloriosa do Partido Comu-
nista Brasileiro, ele não se importa em enfrentar os ideólogos da
direita e os neófitos sobre os movimentos populares e seus maiores

889
e mais combativos personagens que fizeram a história, à sombra da
política oficial. Majella é autor de livros engajados como Caderno
da Militância – histórias vividas nos bastidores da política; Execu-
ções Sumárias e Grupos de Extermínio em Alagoas (1975-1998);
Rubens Colaço: Paixão e vida – A trajetória de um líder sindical;
Mozart Damasceno, o bom burguês; O PCB em Alagoas: Docu-
mentos (1982-1990); Dênis Agra: um Jornalista em Defesa da Li-
berdade (2014), e seu mais recente livro Jayme Miranda, um revo-
lucionário brasileiro, Editora Bagaço, 2015. Majella veio de uma
família de classe média baixa, pai comerciante do interior e mãe
professora primária da rede estadual. Ainda jovem, ele conheceu
poetas, cantores, cantoras, artistas, atores de teatro e jovens rebel-
des que desafiavam como podiam a ditadura militar ou mesmo
transgrediam as normas de condutas sociais da época. Ao fazer 50
anos, Majella falou sobre seu tempo de militante, tempos difíceis
de enfretamento à ditadura.

“Os desafios eram maiores que as nossas idades e experi-


ências na arte da organização partidária. Este imprensado que
vivíamos: de um lado o gigantismo do PCdoB e dos seus aliados;
do outro, o conservadorismo das forças políticas, enfileiradas no
PMDB, sem deixar de considerar que se tratava dos que combate-
ram a ditadura em maior ou menor grau. A participação nas elei-
ções com candidatos próprios foi a prova de que tínhamos de par-
ticipar desse mundo ainda desconhecido. Uma espécie de zona
cinzenta. Escolher candidatos nem sempre é uma coisa fácil; o

890
processo eleitoral é sedutor e envolvente, não é difícil identificar-
mos os candidatos ou os que estão em sua volta envolvidos com
irregularidades, com o ilegal. A “conquista do voto” invariavel-
mente é como se fosse um imã, um vale-tudo. O ilegal transita da
compra propriamente dita do voto ao tráfico de influência e à dis-
tribuição de benesses – na maioria das vezes públicas: são favo-
res, empregos etc. Transitar nesse ambiente foi um rito de passa-
gem para o amadurecimento que chegou em meio às lutas, com
derrotas e vitórias.

JAIME DE ALTAVILA (1895-1970)

É o nome literário de Anfilófio de Oliveira Melo, professor,


poeta, deputado estadual, vereador, prefeito de Maceió. Filho de
Balbino Figueiredo de Mello e Deolinda de Oliveira Mello. Fez
seus estudos no Liceu Alagoano. Aos quinze anos inicia sua cola-
boração em jornais. Matriculou-se na Faculdade de Direito do Re-
cife, onde morou três anos, terminando, porém, seu curso, na Fa-
culdade de Direito da Universidade do Rio de Janeiro, em 1923.
Nesse mesmo ano regressa a Alagoas. Foi professor de História
Geral, Instrução Moral e Cívica e História da Civilização, além de
Sociologia na Escola Normal de Maceió e no Liceu Alagoano, de
onde foi diretor. Foi diretor da Imprensa Oficial de Alagoas em
1915, promotor público. Foi fundador da Academia Alagoana de
Letras Membro, e partir de 1923, membro do Instituto Histórico e
Geográfico. Sua obra é vasta, com 25 livros publicados, os quais

891
incluem assuntos como Direito, História, romances, poesias, con-
tos e composições musicais, de parceria com o mestre alagoano
Hekel Tavares. É de sua lavra a poesia “Nossa Alagoas Querida”.

“Eu trago a minha terra nos meus olhos


Minha terra é morena como as arvores sertanejas
Minha terra tem os cabelos verdes como os coqueirais
Eu trago minha terra em meus ouvidos
Minha terra é sonora como o sabiá da mata
Eu trago a minha terra em meu olfato
Minha terra cheira a mel quente dos engenhos
Eu trago a minha terra nos meus lábios
Minha terra é saborosa como os frutos de nossas arvores
Eu trago a minha terra bem dentro do coração
Minha terra é formosa; boa e hospitaleira
Minha terra é para mim
O pedaço melhor da terra brasileira”

MOACIR MEDEIROS DE SANT´ANA

Com 86 anos, Moacir Medeiros é o que se pode chamar de


arquivo vivo da história de Alagoas, guardião dos grandes acervos
e escritor de quatro costados, prestigiado por todas as gerações de
escritores, poetas, pesquisadores. Além de 53 obras publicadas,
106 artigos em jornais e revistas, 47 prefácios, o professor Moacir
Sant´Ana foi diretor do Arquivo Público de Alagoas por mais de
40 anos, e foi responsável pela sua manutenção, reconstituição e

892
salvaguarda do patrimônio histórico do Estado. Em setembro de
2013, a Universidade Federal de Alagoas lhe concedeu o título de
Doutor Honoris Causa, como forma de reconhecer a contribuição
do professor no que refere à formação de pesquisadores de História
e por sua produção intelectual. Em 2014, a Universidade Estadual
de Alagoas, também lhe concedeu o título de Honoris Causa, por
notório saber. É autor de obras importantes como A História do
Modernismo em Alagoas (1980); Contribuição à História do Açú-
car de Alagoas (1970); História da Imprensa em Alagoas: 1831-
1981 (1987); Efemérides Alagoanas (1992).

“Moacir Medeiros de Sant´Ana é um pesquisador nato; na-


to, e, sobretudo, honesto. E se tornou hoje, desculpem a franqueza
dos mestres – o maior conhecedor da história das Alagoas, não
por ouvir dizer ou por repetir o que os antigos já disseram, mas
por pesquisar, investigar, estudar, comparar”.

Manuel Diégues Júnior, historiador, no prefácio do livro


Contribuição à História do Açúcar, Moacir Medeiros de Sant´Ana,
edição fac-simile da Coleção Pensar Alagoas – Imprensa Oficial
Graciliano Ramos 2011

JUDAS ISGOROGOTA

O poeta e jornalista alagoano Agnelo Rodrigues de Melo,


que adotou o pseudônimo de Judas Isgorogota (1901-1979), nasceu

893
em Lagoa da Canoa, agreste alagoano. Viveu em Maceió até os 23
anos, quando mudou-se para o Rio de Janeiro e depois para São
Paulo onde ganhou projeção internacional. Parte de sua obra poéti-
ca traduzida para vários idiomas (francês, inglês, alemão, espanhol,
italiano, húngaro, árabe, checo e lituano). Com toda essa bagagem
é quase um desconhecido em sua terra. Estreou nas letras com Ca-
retas de Maceió, em 1922, poesias humorísticas sobre costumes e
personalidades locais, inicialmente publicadas em O Bacurau. Só-
cio fundador da Academia Alagoana de Letras, ocupando a cadeira
25. Transferiu-se para São Paulo em 1924, onde foi secretário da
revista Arquivos da Polícia Civil de São Paulo, órgão da Secretaria
de Segurança, em São Paulo, atuou na Revista do Brasil, de Mon-
teiro Lobato, e, na imprensa diária, nos jornais: Gazeta, onde diri-
giu A Gazeta Infantil, (SP), O Estado de São Paulo, Jornal do Co-
mércio e nas revistas Comentário, Revista Oriente e A Época.

Bebedouro

Na Manguaba tranquila uma canoa


Dança lá em baixo: lá em cima, a lua
Põe pó de arroz na face da lagoa...
Junto às margens, o mangue; após, a rua.

E a choupana humilde, a tabaroa,


Rica de sonhos na pobreza sua...
Depois, alguém; e nesse alguém um choro

894
Silencioso lhe molhando o olhar.

O alguém sou eu; a terra é Bebedouro...


Desconversemos... não convém lembrar.

Publicada no jornal Correio Paulistano, abril de 1938.

LUIZ DE MEDEIROS NETO (1914-1992)

Deputado federal, professor, jornalista. Seus estudos no Se-


minário Arquidiocesano de Maceió, onde também fez os cursos de
Humanidades, Filosofia, Teologia e História, entre 1925 e 1935,
quando, em novembro, é ordenado padre. Diretor do Departamento
de Educação, entre 1942 e 1945, bem como Diretor do Departa-
mento das Municipalidades e de Assistência ao Cooperativismo
(1941-45). Elege-se deputado federal, pelo PSD, na legislatura de
1946-50, sendo reeleito sucessivamente para mais seis mandatos,
caso único no estado. Em novembro de 1970 se elege suplente do
senador Luís Cavalcante para a legislatura 1971-78. Como parla-
mentar, esteve nos Estados Unidos para conhecer os trabalhos de
recuperação e valorização do Vale do Tennessee; na Argentina,
analisando a obra social do governo Perón; e, na Bolívia, exami-
nando as obras da Comissão Mista Brasil-Bolívia. Membro da
AAL, onde ocupou a cadeira 6; da Academia Carioca de Letras, da
Academia de Arte e Cultura de São Paulo, da Federação das Aca-
demias de Letras do Brasil e do IHGA. Sua ação foi decisória na

895
criação da UFAL, da qual foi fundador e professor catedrático de
História e professor emérito. Fundador, ainda, do Centro Universi-
tário de Brasília - CEUB, do qual foi professor nas cadeiras de His-
tória Geral e História do Brasil. Durante certo período ocupou a
Presidência do Conselho Estadual de Educação. Em 1971, o Papa
Paulo VI concordou com sua Reductio Ad Statum Laicum, tendo,
então se casado com a professora Andréa Maria Coelho da Paz de
Medeiros Neto. Entre as suas obras estão Versos e Rima, 1941
(poesia); História do São Francisco, Maceió, Casa Ramalho, 1941.

ABC das Alagoas, Francisco Reinaldo Amorim de Barros,


edição do Senado Federal, 2005

LUIZ B. TORRES (1926-1992)

Lançou seu primeiro livro, “Procissão dos Miseráveis”, em


1970, e foi com ele que recebeu seu primeiro prêmio como escri-
tor: O do Moinho Nordeste, numa indicação unânime da Academia
Alagoana de Letras. “Os Índios Xucuru e Kariri em Palmeira dos
Índios” foi outro livro escrito por Luiz Torres e teve quatro edições
ampliadas. Por seu empenho em pesquisar e escrever sobre os pri-
meiros habitantes de Palmeira dos Índios, foi convidado e tomou
posse no Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas, em 1974. “A

896
Terra de Tilixi e Txiliá – Palmeira dos Índios nos Séculos XVIII e
XIX” foi outro livro escrito por Luiz Torres, em 1975, e que lhe
deu uma Menção Honrosa, por seus méritos como historiador, pelo
Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas. Em 1984, o Instituto
Joaquim Nabuco, de Pernambuco, concedeu-lhe a Medalha de Mé-
rito, por seus relevantes serviços prestados à cultura nordestina e
brasileira. Em 1987, recebeu da Fundação Teatro Deodoro o Méri-
to Cultural, face aos seus préstimos de benemerência a essa entida-
de. Em 1991, lança mais uma obra: “Visão Social do Evangelho”.
Dois livros de Luiz Torres foram lançados in memoriam: “Roteiro
Sentimental de Graciliano Ramos em Palmeira dos Índios”, em
parceria com o também palmeirense Ivan Bezerra de Barros, em
1992. Luiz Torres deixou várias obras concluídas, mas não publi-
cadas: “Eu e o Amor”; “Socorro, não quero ser padre”; “O Catoli-
cismo e sua influência em Palmeira dos Índios”; “Estou Baleado,
me acudam”; “Vereadores e Prefeitos desde 1838”; “Jornais Pal-
meirenses desde 1865”; e “A cidade do Amor”, onde narra a lenda
da fundação de Palmeira dos Índios.

MANOEL DIÉGUES JÚNIOR (1912-1991)

Manoel Baltazar Pereira Diégues Júnior foi sociólogo, pro-


fessor, jornalista, advogado e folclorista. Seus estudos primários e
secundários foram realizados no Grupo Escolar Diégues Júnior, no
Liceu Alagoano e no Ginásio de Maceió. Aos 16 anos, foi funda-
dor e primeiro presidente do Grêmio Literário Guimarães Passos e,

897
por um período de dois anos (1932-1933), secretariou a Comissão
de Folclore. Concluiu o curso de Ciências Jurídicas e Sociais pela
Faculdade de Direito do Recife em 1935, mas dedicou-se ao estudo
da Antropologia e da Sociologia. Em 1939, radicou-se no Rio de
Janeiro e trabalhou na Secretaria Geral do Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE). Exerceu o cargo de Diretor Geral
do Departamento Estadual de Estatística dos Estados do Espírito
Santo (1940) e de Alagoas (1942). Em 1945, foi eleito membro da
Comissão Nacional de Folclore do Instituto Brasileiro de Educa-
ção, Ciência e Cultura (IBECC), órgão da Unesco. Entre 1958 e
1979, exerceu o cargo de Diretor do Centro Latino-Americano de
Pesquisas em Ciências Sociais e do Departamento de Ações Cultu-
rais do Ministério da Educação. Foi professor de Antropologia
Cultural e Antropologia no Brasil e diretor do Departamento de
Sociologia e Política da Pontifícia Universidade Católica do Rio de
Janeiro. Sua maior obra é O bangüê nas Alagoas, traços da in-
fluência do sistema econômico do engenho de açúcar na vida e na
cultura regional (1949).

“Reclamava-se, portanto, o banguê alagoano que se escre-


vesse a sua história, de maneira que não apagassem, no futuro,
suas tradições tão cheias de beleza: os engenhos resistindo à inva-
são holandesa, e sofrendo os martírios de incêndios consecutivos;
senhores de engenho batendo-se por seu Deus e sua pátria; as
festas religiosas, as de batizado e de casamento, também as reuni-
ões sociais; senhores e senhoras de engenho deixando em testa-
mento trancelins de ouro, móveis de jacarandá, pulseiras de prata;

898
imagens vindas de Portugal; escravos sadios e fortes, outros doen-
tes e maltratados ou ainda emancipando negros bons que serviam
com dedicação; engenhos indo à praça por dívidas; outros sendo
vendidos por não podendo mais os seus senhores mantê-los”.

Manoel Diegues Júnior, em O Banguê nas Alagoas, edição


Edufal – 1980

Diégues funda Grêmio Guimarães Passos

Um primeiro momento importante na vida de Diégues Jú-


nior é, sem dúvida, a fundação do Grêmio Literário Guimarães
Passos em Maceió, sediado curiosamente em sua própria casa no
bairro da Pajuçara, naquela noite de 1927: um ano-chave na com-
preensão cultural e de transição nas Alagoas, de vez que se publi-
cam as primeiras obras modernistas, em forma de versos. O Grê-
mio será uma amostra do antagonismo entre o passado parnasiano
e o presente modernista, o tradicionalismo e o progressismo, assim
como fora o Congresso Regionalista do Recife no ano anterior.
Imersos nesta atmosfera alagoana estariam nomes da estatura de
um Graciliano Ramos, Rachel de Queiroz, Théo Brandão, José
Lins do Rego, Santa Rosa Junior, José Aloysio Vilela, Aurélio Bu-
arque de Holanda, Valdemar Cavalcanti, Arnon de Mello e
Aloysio Branco. Neste momento, o próprio Diégues se divide entre
o tradicional e o moderno, ora sob influência de um nome que se
tornaria verdadeiramente seu mestre, que foi Gilberto Freyre, ora
pela sombra e presença pessoal daquele médico de Maceió que

899
fora o doutor Jorge de Lima, o qual lhe ministrou, a conta-gotas,
que o modernismo não era injeção de meras invencionices e insa-
nidades.

MORENO BRANDÃO (1875-1938)

Nascido em Pão de Açúcar, no dia 14 de setembro de 1875,


“num casarão amigo, ao pé da igreja”, Francisco Henrique Moreno
Brandão fez os primeiro estudos ainda em Pão de Açúcar, com o
mestre Jovino da Luz. Depois, em 1887, já em Penedo, iniciou o
curso de humanidades no Colégio São José. Com 13 anos de idade,
escreve no jornalzinho da escola o seu artigo inaugural, abordando
a escravidão. Com a morte do avô que o criava, em janeiro de
1990, interrompe os estudos por um ano, para retomá-lo em Ma-
ceió no Colégio Liceu Alagoano. Em 1992, morre a sua mãe e Mo-
reno Brandão interrompe novamente os estudos e fica sem rumo.
Ele confessa que para fugir da vadiagem a que se entregara, pediu
autorização ao ministro da Guerra para se matricular no Colégio
Militar do Rio de Janeiro. No ano seguinte, ainda perseguindo o
objetivo de estudar na Escola Militar, Moreno Brandão tenta in-
gressar no 26º Batalhão de Infantaria. Mas ao chegar ao Rio de
Janeiro, em 1895, as matrículas já estavam encerradas. “Minha
nevrose, então, se exarcebou muito e, premido por ela, apesar do
tratamento a que me submeti, sob a direção do doutor Nina Rodri-
gues tive, em setembro, regresso a Entremontes” (na época um
distrito de Pão de Açúcar). Em 1914 assume a função de redator do

900
Diário da Noite e, em seguida, funda com Orlando Lins o Instituto
Maceioense. Destacou-se também como jornalista, poeta, roman-
cista e historiador, sendo eleito Deputado Estadual na legislatura
de 1921 a 1924. Era sócio efetivo do Instituto Histórico e Geográ-
fico de Alagoas e membro da Academia Alagoana de Letras. Autor
de vasta obra literária.

“A sua obra é tão vasta que não cabe, nem só enunciá-la,


nos limites de um discurso. Prosador, poeta, romancista, orador,
jornalista, filólogo, historiógrafo, só um livro poderia comportar o
índice de sua produção. Romances, deixou seis; contos, sem conta;
estudos alagoanos, ele próprio os denominou, 21... Além de tantos
outros não catalogados. Ainda ultimamente tinha em mãos de edi-
toras algumas obras, cujos nomes ainda não conheço”.

Inácio Gracindo, em discurso de apresentação de Moreno


Brandão, em sua posse em 1938 – na Revista do IHGA, volume
XX – Maceió, 1938/1939

MILTON HÊNIO

Famoso médico pediatra e escritor, Milton Hênio nasceu em


Maceió, em 1937. Estudou no Colégio Guido de Fontgaland. For-
mou-se pela Faculdade de Medicina da UFAL (1962). Fez cursos
em sua área de especialização, destacando-se Gastroenterologia
cirúrgica, no Hospital das Clínicas de São Paulo, Desenvolvimento

901
Psicológico da Criança, e Atualização sobre Pneumopatias. Parti-
cipou de diversas Jornadas Alagoanas de Pediatria, de Jornadas
Brasileiras de Pediatria, de Congressos Brasileiros de Pediatria, É
membro da Associação Médica Brasileira, da Sociedade Médica de
Alagoas, da Sociedade de Pediatria de Alagoas, da Academia
Americana de Pediatria. Sócio do IHGA, desde 1991, onde ocupa a
cadeira 43, da qual é patrono Aníbal Falcão Lima. Obras: Medicina
e Vida, Maceió, SERGASA, 1991; Pequeno Dicionário de um Pe-
diatra, Maceió, Ed. Catavento, 1999; Sempre aos Domingos, Ma-
ceió, Ed. Catavento, 2001; Sempre aos Domingos 2. Crônicas,
Maceió, Imprensa Oficial e Gráfica Graciliano Ramos, 2006. Tem
mais de 500 artigos, publicados na A Gazeta de Alagoas sobre as-
suntos relacionados com a criança em seus mais variados aspectos.

ABC das Alagoas, Francisco Reinaldo Amorim de Barros,


edição do Senado Federal, 2005

ROMEU DE AVELAR (1893-1972)

Um dos mais importantes relatos sobre as batalhas travadas


entre portugueses, espanhóis e holandeses, na chamada Guerra
Brasílica, durante os anos 1600, o do livro Calabar interpretação
romanceada do tempo da invasão holandesa, do jornalista e histo-
riador alagoano Romeu de Avelar (1893–1972) é um primor de
leitura, cuja última edição é de 1973, um ano antes da morte do
autor, tornando-se uma raridade bibliográfica disputada entre os

902
“ratos” de alfarrábios. Desde lá nunca houve outra reedição. O ro-
mance é também um verdadeiro libelo que mistura lirismo e o res-
gate histórico de Domingos Fernandes Calabar, em que o autor
reconstrói – batalha por batalha – a vida e morte do herói alagoano.
Romeu penetra no manancial histórico, nos arquivos, nos pontos
de vista antagônicos, e o mais importante: ele percorreu os locais
onde foram travadas as guerrilhas, e mostra com precisão de deta-
lhes cada movimento das tropas, do começo ao fim do livro, do
começo ao fim da guerra. Da primeira batalha até a última, quando
Calabar foi capturado e decapitado.

Livro proibido

Romeu foi o primeiro a escrever um livro sobre o persona-


gem Calabar (a primeira edição original foi bancada pelo próprio
autor em 1938), contestando a ideia de que Calabar teria sido um
traidor. Na época foi considerado subversivo e apreendido pelas
autoridades. Nele, o autor corajosamente argumenta que Domingos
Calabar, por ter sido brasileiro a gritar por liberdade no Brasil, an-
tes de Tiradentes, Frei Caneca, entre outros esconjurados, e teve
todo o direito de escolher de que lado lutar. Avelar nos mostra ain-
da um Calabar não apenas corajoso, mas também um patriota. Se-
gundo o autor, “Domingos Fernandes Calabar foi um insurreto e

903
um clarividente que se antecipou à revolução histórica e liberal do
Brasil”.

Jornalista e biógrafo

Romeu de Avelar nasceu em São Miguel dos Campos e


morreu em Leopoldina, Minas Gerais, em um acidente de automó-
vel. Seu nome verdadeiro era Luís de Araújo Morais. Foi um dos
responsáveis pelo lançamento em 1914 da Revista Frou-Frou e
também diretor de jornais e revistas em Maceió como A Imprensa
e o Diário de Maceió. O escritor alagoano escreveu também con-
tos, peças de teatro, crônicas, um romance do cárcere (À sombra
do presídio, 1928) e a biografia do General Góis Monteiro. Mem-
bro da Academia Alagoana de Letras, onde ocupou a cadeira 32.

VALDEMAR CAVALCANTI (1912-1982)

A história de Valdemar Cavalcanti se confunde com a pró-


pria trajetória da literatura nordestina e do jornalismo brasileiro.
O alagoano completaria 100 anos no dia 29 de março (2012).
Jornalista, crítico literário e funcionário público (IBGE), Vavá,
como era conhecido pelos amigos, fez parte de uma das maiores e
mais refinadas safras de escritores regionais brasileiros. Um gru-
po de estudiosos que exerceu grande influência no Nordeste, entre
filólogos, romancistas e críticos literários, como os amigos Graci-
liano Ramos, Jorge de Lima, Jorge Amado, Raquel de Queiroz,
José Lins do Rego, Aurélio Buarque de Holanda, José Condé e

904
Santa Rosa, entre outros. No jornalismo, Valdemar tornou-se o
primeiro crítico literário, e o pioneiro como colunista diário do
jornalismo impresso, pelo ‘O Jornal’, de Assis Chateaubriand,
onde por duas décadas manteve a coluna ‘Jornal Literário’. A
ligação de Valdemar com o jornalismo começou cedo, aos 16
anos, quando ocupou o cargo de redator do Jornal de Alagoas e
depois da Gazeta de Notícias. Nomeado secretário da prefeitura
de Maceió aos 20 anos, não deixou o jornalismo de lado. Pelo ór-
gão da Arquidiocese ‘O Semeador’, liderou em 1924, em Maceió,
a Semana de Arte Moderna, da qual participaram, entre outros,
Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, Carlos Paurílio, Aluísio
Branco e Lourenço Peixoto.

Perfil do jornalista Rafael Cavancati, neto de Valdemar, em


artigo da Gazeta de Alagoas Os 100 anos de Valdemar Cavalcanti–
edição 14/04/2012

Valdemar e a revista Novidade

Uma de suas maiores obras nasceu em 1931, quando fun-


dou com Alberto Passos Guimarães o semanário cultural ‘Novi-
dade’, que circulou de 11 de abril a 26 de setembro na capital
alagoana. Até hoje a revista é uma referência no meio acadêmico
e literário. Ainda em Maceió, Valdemar datilografou os originais
de ‘Menino de Engenho’, clássico do amigo José Lins do Rego,
com quem mais tarde veio para o Rio de Janeiro, em 1933, onde
trabalhou no Diário Carioca e fez crítica literária no Diário de

905
Notícias. Zé Lins, inclusive, foi um dos seus grandes amigos, prin-
cipalmente na capital carioca, companheiro no ‘Sabadoyle’, en-
contro de intelectuais na casa de Plinio Doyle; ou nas partidas de
futebol do Flamengo, paixão em comum dos dois rubro-negros. No
ano seguinte, em 1934, voltou ao Nordeste, convidado para assu-
mir o Diário de Pernambuco como secretário de redação, no Reci-
fe. Dois anos mais tarde voltou para sua terra natal, onde dirigiu
a Gazeta de Alagoas, de Maceió. Valdemar também foi membro
honorário da Academia Francesa de Letras e levantou, em 1965, o
Prêmio Jabuti, como Melhor Crítica com o Noticiário Literário,
além do consagrado Prêmio Machado de Assis, da Academia Bra-
sileira de Letras (ABL), principal premiação literária no país,
além do prêmio Estácio de Sá de Literatura em 78, entre outros.
Membro da Academia Alagoana de Letras (AAL), onde ocupou a
cadeira 32, publicou em 1960 o seu único livro, ‘Jornal Literário’,
pela José Olympio. O acervo de mais de 80 mil títulos, herança de
sua vida dedicada à literatura e ao jornalismo, foi doado à biblio-
teca da Casa de Rui Barbosa, em Botafogo.

Perfil do jornalista Rafael Cavancati, neto de Valdemar, em


artigo da Gazeta de Alagoas Os 100 anos de Valdemar Cavalcanti–
edição 14/04/2012

Revista Novidade: as revelações

A pesquisadora Ieda Lebensztayn, autora de “Graciliano


Ramos e a Novidade: o Astrônomo do Inferno e os Meninos Im-

906
possíveis” (Editora Hedra), é doutora em literatura brasileira pela
USP e pós-doutoranda no IEB-USP, conseguiu um feito nunca
antes alcançado: o acesso à coleção completa da revista Novidade,
no Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas (IHGA), e fez um
apurado estudo sobre a coleção.

“Este artigo é uma apresentação da revista Novidade, de


Maceió, 1931, na qual Graciliano Ramos publicou algumas crôni-
cas e o capítulo 24 de Caetés. Em meu doutorado, desenvolvo o
estudo da Novidade, a partir da análise e interpretação dos textos
de seus colaboradores, como Valdemar Cavalcanti, Alberto Pas-
sos Guimarães, Carlos Paurílio, Aloísio Branco, Willy Lewin, Di-
égues Júnior, Aurélio Buarque de Holanda, Santa Rosa. Sendo
meu propósito compreender a formação da obra de Graciliano
Ramos, interessa-me, junto com a leitura de Infância, conhecer
esses escritores, o contexto histórico e histórico-literário da revis-
ta e as crônicas de Graciliano nela publicadas, anteriores aos ro-
mances. Assim, busco reparar o silêncio da historiografia literária
quanto à Novidade e mostrar a importância dos textos de Gracili-
ano nela publicados como matrizes temáticas e formais de sua
obra”.

Trecho de artigo da pesquisadora Ieda Lebenstayn, na revis-


ta Estudos Avançados, publicado em 25 de abril de 2007

Os “Meninos Pelados” da Novidade

907
Afetuosamente, Graciliano Ramos se refere a Valdemar e a
outros companheiros do tempo da Novidade como “meninos pela-
dos”, em uma analogia a seu livro de literatura infantil “A terra dos
meninos pelados”, que escreveu lodo depois de deixar a prisão, no
Rio de Janeiro. A revista Novidade circulou com 24 edições de
dezesseis páginas, de 11 de abril a 26 de setembro de 1931, com
periodicidade semanal. A revista Klaxon, de São Paulo, a primeira
revista modernista, de Mário de Andrade, Oswald de Andrade,
Guilherme de Almeida, Sérgio Milliet, dentre outros, durou nove
números (1922), e A Revista, de Belo Horizonte, de Carlos
Drummond de Andrade, Emílio Moura, João Alphonsus, Pedro
Nava, Abgar Renault, publicou três números (1925-1926).

“Com satisfação, dediquei-me à leitura dos textos da Novi-


dade e à preparação de um índice, o que me permitiu identificar,
no corpus bastante variado da revista, uma estrutura e alguns te-
mas recorrentes. Quanto à estrutura, compõe-se de: editorial, o
chamado “artigo de fundo”; expediente e tópicos; uma sequência
de textos, podendo incluir artigos sobre política, contos, crônicas,
ensaios de crítica literária ou teatral; a seção de poemas; fotogra-
fias; crítica e notas de cinema; notas da semana; sociedade (“mo-
da”, “registro de aniversários”, “festas”) e anúncios. Quanto aos
temas, a Novidade é reveladora dos problemas sociais nordestinos
e brasileiros e da insatisfação que perduraram após a Revolução
de 1930. Desnuda em suas várias faces uma realidade de miséria:
a violência do cangaço, a indústria das santas milagreiras, o anal-

908
fabetismo, a política personalista, a necessidade de reforma da
Constituição”.

Trecho de artigo da pesquisadora Ieda Lebenstayn, na revis-


ta Estudos Avançados, publicado em 25 de abril de 2007

Quem escreveu na Novidade

Graciliano Ramos
José Lins do Rego
Jorge de Lima
Murilo Mendes
Álvaro Lins
Aurélio Buarque de Holanda
Santa Rosa Júnior
Valdemar Cavalcanti
Alberto Passos Guimarães
Carlos Paurílio
Aloísio Branco
Manuel Diégues Júnior
Raul Lima

IB GATO (1914-2008)

Médico, secretário de estado, professor, jornalista, Ib Gatto


Falcão foi um dos maiores beneméritos de Alagoas, para além de

909
sua obra literária. Forma-se na Faculdade de Medicina da Bahia
(1935) e regressa a Maceió, onde a partir de 1936 é médico do
Pronto-Socorro. Professor-fundador da Faculdade de Medicina de
Alagoas, da qual foi catedrático de Clinica Cirúrgica. Foi secreta-
rio de Saúde e Assistência Social (1961/65) no governo Luiz Ca-
valcante, desenvolveu um programa de construção de habitações
populares. Secretário de Planejamento do Governo Lamenha Filho
(1967), quando presidiu o Conselho de Desenvolvimento Econô-
mico do Estado. Secretário de Saúde e Serviço Social no governo
José de Medeiros Tavares. Sócio do IHGA, empossado em 1949
na cadeira 3, da qual é patrono Osório Gato. Membro da AAL,
tendo sido eleito seu presidente em 1998, sendo reeleito sucessi-
vamente. Entre 1970 e 1974 foi Diretor da Escola de Ciências Mé-
dicas, sendo hoje professor emérito da instituição, como também
da UFAL.

ABC das Alagoas, Francisco Reinaldo Amorim de Barros,


edição do Senado Federal, 2005

TOMAZ ESPÍNDOLA (1832-1889)

Deputado, presidente interino da Província, médico e jorna-


lista. Considerado o pai da história de Alagoas, teve uma avaliação
consagradora de sua vida. Em 10 de julho de 1867, com a exonera-
ção do presidente (hoje seria governador) da Província, Galdino
Augusto da Natividade, Espíndola assume o governo. Nessa época,

910
o Brasil estava lançado na Guerra do Paraguai. Bacharelou-se na
Faculdade de Medicina da Bahia. A obra mais conhecida de To-
maz Espíndola é Geografia Alagoana Descrição Física, Política e
Histórica da Província das Alagoas, ainda em edição tipográfica de
1871. Uma das melhores análises feitas desse político e intelectual
alagoano é do memorialista Félix Lima Júnior, nos 80 anos de nas-
cimento de Espíndola, em 1969, quando falou durante o sepulta-
mento do corpo de Espíndo, na sacristia da Catedral Metropolitana
de Maceió: “Tomás Espíndola foi um homem austero, culto, bri-
lhante, de aprimorada educação, convivendo com os mais destaca-
dos elementos da sociedade alagoana, que o estimavam e o respei-
tavam. Estudioso de tudo quanto se referia e interessava a nossa
terra. Morreu serenamente, com a consciência tranquila, pois cum-
prira na Terra e, dedicado, servira a sua pequena província”.

Coleção Memórias Legislativas, documento da Assembleia


Legislativa de Alagoas – 28/12/1997

IVAN FERNANDES LIMA (1927-1995)

Professor e Geógrafo, Ivan Fernandes Lima nasceu em Mu-


rici, e deixa obras fenomenais sobre a geografia alagoana. Após os
escritos pioneiros de Craveiro Costa, Octávio Brandão, Moreira e
Silva e Thomaz Espíndola, um homem apaixonado pelas paisagens
e pelo relevo de sua terra natal se tornou o mais importante geógra-
fo alagoano do século 20. O mapa de Alagoas, como se conhece

911
hoje, tem seus limites precisamente esquadrinhados graças aos
contínuos trabalhos de campo do mestre Ivan. Ele, que a bordo de
uma antiga Rural e depois num jipe, percorreu cantos e recantos de
todos os 102 municípios alagoanos. Formado em Direito e em Ge-
ografia e História (licenciatura e bacharelado) pela antiga Faculda-
de de Filosofia de Pernambuco, Ivan Fernandes Lima não se limi-
tou à sala de aula. O ex-professor do colégio Marista do Recife, do
Lyceu Alagoano, do Colégio Batista e da Universidade Federal de
Alagoas (Ufal) sempre trilhou as subidas e descidas das serras ala-
goanas em paralelo ao percurso pedagógico. Foi ele quem sistema-
tizou os mapas de Alagoas. Toda essa divisão em mesorregiões foi
ele quem iniciou. Entre inúmeras notas, cartilhas didáticas e artigos
científicos, dois livros de Ivan Fernandes Lima merecem ser desta-
cados. O primeiro, Maceió - A Cidade Restinga - é uma obra ex-
tremamente técnica sobre a formação geomorfológica da cidade,
lançado em 1961, que serviu de tese para a admissão do geógrafo
como professor no tradicional Lyceu Alagoano: e o clássico Geo-
grafia de Alagoas, livro didático lançado em 1965, veio como uma
obra geográfica de porte. Ampla e abrangente, e foi utilizada como
base para o ensino da geografia de Alagoas nas escolas da rede
pública da década de 60.

ABC das Alagoas, Francisco Reinaldo Amorim de Barros,


edição do Senado Federal, 2005

912
MULHERES ESCRITORAS
E POETISAS

ARLENE MIRANDA (1937-2013)

Arlene Miranda foi a primeira jornalista profissional de


Alagoas, quando começou a trabalhar no Jornal Gazeta de Alagoas
em 1954, aos 15 anos de idade. Ela foi a primeira mulher a traba-
lhar em uma redação de jornal em Maceió como jornalista. Depois
disso morou em muitos lugares e passou por diversas redações. Em
1980, afastou-se do jornalismo e se casou com o mineiro Nilo Pe-
reira, indo morar no interior de Minas Gerais. Arlene se aposentou
precocemente devido a problemas cardiovasculares. Afastada das
redações, passou a dedicar-se à literatura dando seguimento a uma
carreira iniciada em 1966 quando lançou “A Hora Presente”, que
foi relançado em janeiro de 2004. As obras que se seguiram foram:
“Perfis” (crônicas), em 1991, sobre a imprensa alagoana dos anos
50 e 60; “Histórias Bem Contadas” (crônicas), em 2000; “Os Coli-
bris em Festa (poesia) e “Retratos da Vida” (crônicas), ambos em
2006. Arlene Miranda fez ainda parte da Academia Maceioense de
Letras e do grupo literário Movimento da Palavra. Em seu terceiro
livro, Histórias Bem Contadas, de 2000, ela fala de c casos pitores-
cos em sua vida, inclusive um pedido de casamento que lhe fez o
jogador Pelé, em 1958, no Recife.

913
Dicionário Mulheres de Alagoas ontem de hoje, de Enaura
Quixabeira Rosa e Silva e Edilma Acioli Bomfim, Edufal 2007

CLÉA MARSIGLIA (1929-2005)

Diplomada em Direito pela Faculdade de Direito de Alago-


as. Advogada na Procuradoria do IAA. Membro da AAL, onde
ocupou a cadeira 9. Com Francisco Valois editou a revista Acaie-
me, que ficou no primeiro número. Publicou: Sarabanda, Maceió,
Editora Caeté, 1951, (poema em prosa); Difícil reino amar, Ma-
ceió, SENAC/DAC, 196- (poesia); Jarro de porcelana, ilustrações
de Roberto Lopes, Maceió, SERGASA, [s.d.] (poesia): Luminária,
Maceió, DAC/SENEC, SERGASA, 1974 (poesia); Quarteto do
tempo, Maceió, 1968, (poesia); Cânticos da terra, São Paulo, 1956,
prêmio no concurso feminino de poesia, em 1956, de A Gazeta, de
São Paulo; Poemas e baladas, Rio de Janeiro, Edições Leitura,
196- (poesia), entre outros. “Cléa Marsiglia é um poeta de rara
leveza, retirando a poesia da pura sensação. É uma pena conhecer
uma poeta tão sutil com tanto atraso e mesmo que ela vindo da
terra de dois outros dois grandes poetas (Jorge de Lima e Lêdo
Ivo), não seja festejada nacionalmente”.

CLARA RAMOS (1932-1993)

914
Filha de Graciliano Ramos e Heloísa Ramos, Clara Ramos
deixou Maceió em 1937, quando foi morar com a mãe no Rio de
Janeiro. Aos 11 anos publicou seu primeiro livro, “Uma garota fala
dos grandes”. Trabalhou como jornalista no Correio da Manhã e na
Rádio Globo. Em 1979, lança sua grande obra “Mestre Graciliano:
Confirmação humana de sua obra”, pela Civilização Brasileira.
Clara ficou conhecida também pela briga que travou contra a famí-
ia, por achar que o livro do seu pais Memórias do Cárcere tivera
capítulos aduterados pelo Partido Comunista, a que Graciliano fora
militante (1945). Com esses capítulos nas mãos, Clara travou uma
briga pública com o resto da família. Na ocasião, o jornal O Estado
de S. Paulo publicou uma reportagem com o título: “As memórias
que Graciliano não escreveu”. Clara acusava a mãe, Heloísa, e o
irmão Ricardo de ter permitido a interferência na obra do pai. Co-
brava deles a entrega dos outros capítulos manuscritos. Clara mor-
reu em 1993, aos 71 anos, sem ter se reconciliado com os familia-
res. Ela ainda acreditava que o livro fora alterado pelos comunis-
tas.

“Mais uma vez tenho consciência de minha precariedade.


Relaciono num livro as implicações do caso, assino embaixo, dei-
xo o caso registrado, a solução nas mãos de Deus”, escreveu em
seu último livro, Cadeia, publicado um ano antes de morrer.

CÁRMEM LÚCIA DANTAS

915
Professora, museóloga, escritora e administradora cultural.
Alagoana de Penedo, Cármem Lúcia Dantas formou-se Museolo-
gia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e fez Mestrado em
Literatura, na UFAL. Tem uma vida dedicada a cultura alagoana e
é uma das mentes privilegiadas do Estado. É membro do Instituto
Histórico e Geográfico de Alagoas, mas é considerada a madrinha
do Museu Théo Brandão, da UFAL, por tê-lo recuperado em ape-
nas dois anos, após passar 14 anos fechado, devido a inércia de
gestores públicos. Tendo Penedo como memória efetiva, uma ci-
dade de majestosos casarões, um verdadeiro museu a céu aberto,
ingressou no curso de Museologia, na Universidade Federal do Rio
de Janeiro. Retornando à Alagoas, especializou-se em História do
Brasil e fez mestrado em Literatura Brasileira pela Universidade
Federal de Alagoas (UFAL). Enveredou pelo caminho do magisté-
rio e notabilizou-se pela especial proficiência com que lecionou
História da Arte, na UFAL. Trabalhou no Departamento de Assun-
tos Culturais da Secretaria de Educação de Alagoas (DAC), junta-
mente com a diretora Solange Chalita, realizaram o 1° Festival de
Cinema de Penedo e o Festival de Verão (arte) de Marechal Deo-
doro. Cármen Lúcia recebera convite do Reitor da UFAL, Rogério
Moura Pinheiro, para recuperar o Museu Théo Brandão. Aceitou o
desafio e exerceu com êxito a missão. Conseguira recursos para
restauração do prédio, instalação do acervo e a manutenção do
Museu.

“Cármen Lúcia Dantas é um verdadeiro ícone da cultura


alagoana. Como amigo, admirador e parceiro - em várias obras

916
sobre a história e a cultura alagoana - posso afirmar que a perso-
nalidade desta mulher se faz sentir com vigor na Alagoas contem-
porânea. Penedense extremamente orgulhosa de suas raízes, da
mesma forma que glorifica seu estado natal. Como educadora e
intelectual, tem uma vida multiforme e rica. Dá uma contribuição
ímpar para as artes e a memória alagoana”.

Depoimento do professor Douglas Apratto Tenório em Re-


vista Graciliano

EDILMA BOMFIM ACIOLI

Escritora, professora e crítica literária, Edilma Acioli é gra-


duada em Letras, pela UFAL, e pós-graduada em Linguística e
Comunicação, com mestrado em Letras e Linguística, pela UFAL,
em 1992, com a dissertação Uma Representação Poética do Dis-
curso Amoroso em Fantasia e Avesso, de Arriete Vilela. Doutora
em Letras, pela UFAL (2000), tendo defendido a tese Razão Muti-
lada: Uma Visão Junguiana da Loucura em João Urso, de Breno
Acccioly. Professora de Teoria da Literatura e Literatura Portugue-
sa na UFAL, desde 1995. Consultora, CESMAC, desde 2008.
Membro do corpo editorial da Entre Aberta - Revista do Centro de
Estudos Superiores de Maceió, desde 2008. Ingressou na ALANE,

917
em 2007, ocupando a cadeira 137, cujo patrono é o contista Breno
Accioly. Edilma lançou recentemente mais uma edição do livro
Razão Mutilada - Ficção e Loucura em Breno Accioly, de 2005.
ABC das Alagoas, Francisco Reinaldo Amorim de Barros,
edição do Senado Federal, 2005

ENAURA QUIXABEIRA

Enaura Quixabeira Rosa e Silva, alagoana de Maceió, co-


meçou sua carreira literária em 1995, a com publicação do ensaio
“A Alegoria da ruína”, e doutora em Letras pela Université Sten-
dhal Grenoble 3 e mestra em Literatura Brasileira na Universidade
Federal de Alagoas. Sócia efetiva da Academia Alagoana de Le-
tras, Enaura Quixabeira é crítica literária, ensaísta e poetisa. Con-
siderada uma das mais conceituadas intelectuais de Alagoas, Enau-
ra trabalhou com formação de professores na rede pública de ensi-
no e como professora de Literatura, na UFAL, é sócia efetiva da
Academia Alagoana de Letras. Foi agraciada em 2008 com a co-
menda Nise da Silveira, conferida pelo Governo do Estado. A es-
critora já conta com 10 livros publicados, dentre eles "Do traje ao
Ultraje” e "Lúcio Cardoso: paixão e morte na Literatura brasileira",
além de vasta produção científica. Ela atualmente coordena o nú-
cleo do Programa de Pesquisas do CESMAC. “Eu amo a literatura
porque as piores coisas da vida, com o toque da arte, se transfor-
mam; elas se transfiguram e isso é maravilhoso. E através da arte
fugimos deste mundo banal e dessa realidade fria”, diz, destacando

918
a obra “Lúcio Cardoso - Paixão e Morte na Literatura Brasileira”,
como sendo o seu trabalho mais acabado.

ABC das Alagoas, Francisco Reinaldo Amorim de Barros,


edição do Senado Federal, 2005

IZABEL BRANDÃO

Ela nasceu em Pedra Azul, Minas Gerais, no Vale do Jequi-


tinhonha, Sul do Estado, a parte mais nordestina das Gerais, perto
da Bahia. Esta aproximação chega a Alagoas, onde Izabel Brandão
constrói e colhe os frutos do que plantou, com uma das mais notá-
veis intelectuais que o Brasil precisa conhecer ainda mais. E Ala-
goas também. Com 57 anos, a escritora e professora, filha de Ar-
mando da Rocha Brandão e Izabel das Dores Brandão, já publicou
três livros de poesia (As horas da minha alegria, de 2013, Ilha de
olhos e espelhos, de 2003, Espiral de fogo, de 1998) e organizou
vários de crítica (solo ou em colaboração). Atualmente organiza
(em colaboração) uma antologia intitulada Traduções da cultura:
perspectivas críticas feministas. Formada em Letras pela Universi-
dade Federal da Paraíba, Izabel Brandão possui mestrado em in-
glês e literaturas correspondentes pela Universidade Federal de
Santa Catarina, doutorado em literatura inglesa pela University of
Sheffield, Inglaterra, e pós-doutorado na Universidade Federal de
Minas Gerais. Atualmente é professora da Faculdade de Letras da
Universidade Federal de Alagoas, No lançamento de seu terceiro

919
livro, “As Horas da minha Alegria”, em março de 2014, onde con-
ta em versos sua vivência por onde passou, ela crava sua paixão
por Alagoas.

“É, talvez, a cidade que eu gostaria que Pedra Azul tivesse


sido. A cidade real é outra, menor do que a da minha imaginação.
É como Maceió para mim. E este é um capítulo à parte na minha
trajetória de busca. Se você me perguntar se eu gosto daqui, vou
responder que aqui eu construí a minha vida. Então, Maceió faz
parte de mim e nela criei espaços que são genuinamente meus, os
quais eu compartilho com quem convive comigo. Essa Maceió cri-
ada é minha também e me deu o que tenho de melhor, que é o meu
filho Pedro. Como não gostar de Maceió? Assim, o poema “Porto
Final” resolve muito dos conflitos que uma “estrangeira” como eu
(e muitos que também têm a mesma condição) teve que enfrentar
para resgatar a “casa” presente no coração da cidade: Este mar é
meu/ a cidade também. Por isso o fecho do livro diz “É aqui mes-
mo que/ Vou ficar."

GUIOMAR DE CASTRO (1923-1992)

Poetisa, jornalista, funcionária pública. Agente Fiscal do


Imposto de Renda e, depois, Auditora Fiscal da Fazenda Nacional.
Publica suas primeiras crônicas em O Semeador, em Maceió. Em
1963, recebe o prêmio Personalidade Literária do Ano, em 1967, o
de Escritora do Ano, concedido pela Crônica Social de Alagoas.

920
Em 1972, recebe a medalha e diploma do IHGA pelos serviços
prestados à coletividade. Membro da AAL, tendo ocupado a ca-
deira 07. Sócia do IHGA, onde toma posse em 1968, na cadeira 14,
sendo patrono, Romeu de Avelar. Tem trabalhos publicados pela
Academia Goiana de Letras. Sócia do Grupo Literário Alagoano,
da AAI, da Federação Alagoana pelo Progresso Feminino. Obras:
A Europa É Assim, Maceió, Imprensa Oficial, 1963, prêmio da
AAL (viagem); São Miguel dos Campos, Maceió, DEC, Série Es-
tudos Alagoanos, 1964; Discursos Acadêmicos, Maceió, Imprensa
Oficial, 1965, (discursos); Camões, O Gênio da Raça, 1976, (en-
saio); Castro Alves, o Lírico, 1979 (ensaio).

Dicionário Mulheres de Alagoas ontem de hoje, de Enaura


Quixabeira Rosa e Silva e Edeilma Acioli Bomfim, Edufal 2007
HELIÔNIA CERES (1927-1999)

Professora, jornalista, escritora, poetisa e contista, Heliônia


Ceres é licenciada em Letras Neolatinas pela Faculdade de Filoso-
fia do Recife (1952). Ingressa no jornalismo, em 1957, ainda no
Recife. Fez cursos de especialização em Língua e Literatura Italia-
na, no Instituto Italiano de Cultura (1964), no Rio de Janeiro, de
Teoria da Literatura, na Universidade Federal de Minas Gerais
(1972); em Literatura Brasileira, Universidade de São Paulo
(1975). Lecionou Língua Francesa no Colégio Santíssimo Sacra-
mento (1953) e professora titular de Português e Francês no Colé-
gio Estadual Moreira e Silva (1957-63). Professora Língua e Lite-
ratura Italiana, UFAL (1961-73). Sócia do IHGAL, tendo tomado

921
posse em 1994, na cadeira 14. Membro da AAL onde ocupou a
cadeira 12. Membro, ainda, do Grupo Literário de Alagoas e da
Associação Alagoana pelo Progresso Feminino, da qual foi vice-
presidente. Academia Brasileira de Letras (sócia-correspondente);
Pen Club do Brasil (sócia-correspondente); Conselho Estadual de
Defesa dos Direitos Femininos.

“Na literatura, Heliônia atuava como um pintor abstrato,


onírico, tendendo para a superação do mimetismo através das
imagens densas e plena de signos. Já em seu livro de estréia, e
escritora mostra-nos o caminho ficcional que abraçará: o da fuga
do medelo realista de ficção, pois constrói uma obra plena de pa-
radoxos, ironias, estranhamento e fantasmagoria narrativas”.

Vera Romariz, no artigo Resgatando Heliônia Ceres dez


anos depois: enfim! De Edilma Acioli Bomfim, em Gazeta de Ala-
goas, Caderno Saber, 4/7/2009

HELOÍSA DE GUSMÃO MEDEIROS

Heloísa de Gusmão (1943-1989) foi uma brilhante filósofa,


oradora, cronista, jornalista, imortal da Academia Alagoana de
Letras (AAL), e se especializou em letras francesas – escreveu
artigo memorável s0bre Charles Baudelaire (Revista da AAL, nº
15, 1988) – e outros estudos sobre Graciliano Ramos. Pelo desem-
penho ganhou o título de especialista em língua e literatura france-

922
sa, da Universidade de Nancy. Em seu discurso de posse na Aca-
demia, em 1984, ela preconizou o que o mundo passa hoje, como
se o passado fosse o presente.

“O homem deste final de século conturbado, ainda não es-


queceu as tragédias de Hiroshima e Nagasaki. Os gritos das cri-
anças, chamas humanas devoradas por intolerância sócio-política,
as convulsões dos adultos impotentes e a perplexidade dos velhos
ante uma morte coletiva, inédita, ainda nos estarrecem e destro-
çam a sensibilidade. Ameaçados ante a possibilidade de um holo-
causto nuclear, convivendo com as contingências seculares, igno-
rando a natureza do cosmo e a finalidade da vida humana, o via-
jante solitário, peregrino, carece de um pouso, um alento, uma
libertação”.

Revista da Academia Alagoana de Letras, nº 10, 1984.

ILZA PORTO (1919-2004)

Professora, escritora, romancista e jornalista. Estudou no


Asilo de Órfãs, em Bebedouro, no Colégio Santíssimo Sacramento
e finalmente diplomou-se em Letras pela UFAL (1972). Estudou,
ainda, na Universidade de Nancy, França (1995). Quatro prêmios
da Academia Alagoana de Letras, por livros de poesia e crônicas e
poemas escritos em francês. Recebeu, ainda, o prêmio da Associa-
ção de Cultura Franco-Brasileira. Fundadora e presidente do Grupo

923
Literário Alagoano. Consócia do IHGA, empossada em 1984 na
cadeira 47. Membro da AAL, na cadeira 21. Membro, ainda, do
Conselho Estadual de Cultura, da AAI e da Academia de Letras e
Artes do Nordeste Brasileiro. Obras: Poemas da Vida Real, prefá-
cio de Carlos Moliterno, Maceió, SERGASA, 1973; Contos do
Vale de Jacarecica, capa de Pierre Chalita, Maceió, SERGASA,
1979, prêmio Romeu de Avelar, 1979 (contos ); Félix Lima Jr. - O
Amigo dos Estudiosos, Maceió, 1984 (biografia ); Major Bonifácio
Magalhães da Silveira, o Homem do Governo e o Homem do Povo
Anotações de Sua Neta, (biografia); Memórias de uma Colegial,
Maceió, SECULT/SERGASA, 1993; Mandacarus, nota introdutó-
ria de Heloísa Marinho de Gusmão Medeiros, capa de Marisa Gat-
to, Maceió, SERGASA, 1987 (contos). Em certo período foi res-
ponsável pelo Suplemento Literário do jornal A Gazeta de Alago-
as. Escreveu, ainda, critica literária para aquele jornal e para o Jor-
nal de Alagoas. Com O Grito, participou do livro Contos Alagoa-
nos de Hoje, São Paulo, LR Editores Ltda, 1982, seleção, prefácio
e notas de Ricardo Ramos e ilustrações de Pierre Chalita, e com
este mesmo conto, de Os Contos de Alagoas - Uma Antologia, de
Antônio S. Mendonça Neto, Maceió, Ed. Catavento, 2001. Escre-
veu, por vários anos, crônicas dominicais na Gazeta de Alagoas,
tendo, no mesmo jornal, dirigido a Gazeta Literária. É uma das
alagoanas citadas no Dicionário Crítico de Escritoras Brasileiras
(1711-2001) de Nely Coelho.

ABC das Alagoas, Francisco Reinaldo Amorim de Barros,


edição do Senado Federal, 2005

924
LUITGARD DE OLIVEIRA BARROS

A antropóloga alagoana Luitgarde Oliveira Cavalcanti Bar-


ros, sertaneja de Santana do Ipanema, nascida em 22 de dezembro
de 1941, faz parte da geração de estudantes universitários forma-
dos em plena Ditadura Civil-Militar. Num contexto político e soci-
al de efervescência, os estudos acadêmicos eram vistos por muitos
alunos como parte da militância política. Sem fugir à “regra”,
Luitgarde O. C. Barros se dedicou aos estudos do universo social e
cultural do sertão nordestino, remontando suas origens e buscando
entender os movimentos insurgentes dos sertanejos. Por isso, seus
estudos durante o mestrado foram dedicados ao catolicismo popu-
lar nordestino. Seu mestrado foi concluído no ano de 1980, pela
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP). Nessa
etapa da sua vida acadêmica, a antropóloga se debruçou sobre a
religiosidade do sertanejo a partir da devoção ao Padre Cícero. O
título de sua dissertação foi A Terra da Mãe de Deus: Um Estudo
do Movimento Religioso de Juazeiro do Norte, que teve sua pri-
meira publicação, com o mesmo título, em 1988, pela editora
Francisco Alves. Ao retornar aos estudos acadêmicos na década de
1990, a autora continuou se dedicando ao universo sertanejo ao
analisar o cangaceirismo como objeto de sua tese de doutorado. A
tese recebeu o título de A Derradeira Gesta: Lampião e Nazarenos
Guerreando no Sertão e foi publicada em 2000, pela editora Mauad
em coedição com a FAPERJ. Por Selmo Nascimento da Silva, no

925
artigo “As contribuições de Luitgarde Oliveira Cavalcanti Barros
para os estudos do universo social e cultural do sertão nordestino,
2011”, em Perspectiva Sociológica.

LEDA ALMEIDA

Escritora, editora, professora, historiadora. Graduação e


Mestrado em História pela UFAL (1988 e 1998). Especialização
em Filosofia, UFAL (1991). Doutorado em Educação, UFPE
(2007) com a Tese: Para Além da Paisagem: O Estado de Alagoas
nas Representações Sociais e nas Práticas Pedagógicas dos Profes-
sores de 1ª a 4ª Séries da Escola Pública. Pós-doutorado em Inter-
culturalidades, pela Universidade Aberta de Lisboa. Militou pelo
DCE, na coordenação de cultura e participou do 1º concurso de
poesia falada, que revelou o ator alagoano Chico de Assis. Coor-
denadora Editorial da Editora Catavento (1989-90). Professora na
UFAL, desde 1991. Professora do CESMAC (1990). Diretora da
Edufal, de 1996-99, quando promoveu a 1ª Bienal do Livro e da
Arte do Estado de Alagoas. Coordenadora da Delegacia do Minis-
tério da Educação (1985-89). Diretora geral do Museu Théo Bran-
dão (2004-10). Curadoria Do Memorial Ledo Ivo Da Literartura
Alagoana. 2009 e Instalação da Sala de Memória do Hospital Uni-
versitário da Ufal 2009. Obras: Cidadania: Que Bicho é Esse? ,
ilustrações de Tiago Amaral, Maceió, Ed. Catavento, 1997; Piaget
e Freud: um Encontro Possível?, Maceió, Edufal 1997, juntamente
com Heliane Leitão; A História de Maceió Para Crianças, junta-

926
mente com Sandra Lúcia dos Santos Lira, ilustrações de Ênio Lins
e Tiago Amaral, Maceió, Catavento, 1998; Rupturas e Permanên-
cias em Alagoas. O 17 de Julho de 1977 em Questão, Maceió, Ed.
Catavento, 1999, prêmio da AAL, 2000. Entre outros.

ABC das Alagoas, Francisco Reinaldo Amorim de Barros,


edição do Senado Federal, 2005

SIMONE CAVACANTE

Escritora, jornalista e editora de livros, com mestrado em


Estudos Literários (Ufal). Nasceu em Maceió, Alagoas, onde traba-
lha como produtora cultural. Há quase 20 anos, atua no mercado
editorial, produzindo e lançando publicações para adultos e crian-
ças, realizando palestras e oficinas em escolas, faculdades, e proje-
tos de mediação de leitura. Simone produziu os programas Autoria
e Caralâmpia, voltados à divulgação da literatura na TV Educativa
de Alagoas. Autora dos livros: A cultura alagoana para crianças,
Literatura em Alagoas, Os segredos da mata, Bob no país das ver-
durinhas, Ventania e o mapa do tesouro, e do audiolivro Histórias
para ouvir e cantar.

“Simone vem de muito vem se dedicando à literatura infan-


til e dando contribuição à história de nossa literatura, além de ter-
se dedicado ao estudo de Jorge de Lima. Vamos ler Simone, pen-

927
sar no que é dito sobre a importância da leitura para a criança e
saber do que se desenvolve em Alagoas nesta importante área cul-
tural”.

Depoimento de Sávio de Almeida em seu blog

ROMANCE ALAGOANO

Muito se fala nos meios literários alagoanos que não existe


mais na terrinha grandes romances e romancistas alagoanos, como
fora em grande parte do séculos XIX e XX, a exemplo de Gracilia-
no Ramos, Pedro Nolasco Maciel – o precursor do romantismo via
folhetins – Jorge de Lima, e seu maravilhoso romance de costumes
Calunga, ou o mais prolífico romancista daquele tempo, Aldaberon
Calvalcante Lins.

“O folhetim contribuiu para a propagação da literatura em


Alagoas, ou seja, a publicação fragmentada de uma obra diaria-
mente nos rodapés dos jornais. No ano de 1858, em Alagoas, pos-
sivelmente, o romance já era um gênero bastante difundido. Pelo
menos isto é o que se depreende inclusive na leitura da coluna `A
Viola´, do nosso primeiro jornal de publicação diária, O Diário de
Alagoas, assinada com o pseudônimo. Em Alagoas, a mais recua-

928
da referência sobre romance escrito por alagoano situa-se entre
1869 e 1870. Disputam a primazia o Mendigo, assinado por um
presumível João Dionísio, e Isaura, de Antonio Duarte Leite da
Silva (1870). Em seguida, uma sucessão de ficcionistas surgiu na
literatura local, tendo a maioria deles, nos fins do século XIX, ins-
pirados no romantismo e publicado em capítulos nos jornais. Em
1886, a Tipografia Mercantil editou em Maceió, reunindo em vo-
lume único os fragmentos publicados em jornal, em 1885, do pri-
meiro romance de costumes alagoanos, A Filha do Barão, de Pe-
dro Nolasco Maciel. Na ficção alagoana do século XX, de seu ini-
cio aos dias atuais, encontram-se as mais diversas tendências,
desde realismo, naturalismo, regionalismo, modernismo, até as
técnicas narrativas contemporâneas. A poesia alagoana passou a
ter um número maior de cultores a partir da segunda metade do
século XIX. Românticos, simbolistas ou parnasianos, estes poetas
deixaram seus versos em jornais ou enfeixados em pequenos volu-
mes, editados pelas tipografias locais. Pode se dizer que este con-
junto de regionalistas representou para a história literária de Ala-
goas uma época de apogeu”.

Moacir Medeiros de Sant´Ana, em estudo introdutório ao li-


vro "A filha do Barão", de Pedro Nolasco Maciel, Senec/MEC,
1976, 2ª edição

A fonte não secou

929
“Quem pensar que, em Alagoas, a mina da ficção secou de-
pois que Graciliano morreu – e secado por não ter dado o máximo
-, está muito enganado. O velho Graça foi grande, não das letras
alagoanos, mas das letras brasileiras. Dada a sua estatura excep-
cional, é claro que não serve como parâmetros. Mas há valores
expressivos, trabalhando na noite, enrustidos por timidez ou o que
for, como com receio de dar na vista, mas que estão a merecer a
atenção dos observadores literários. Os romances alagoanos são
feitos, em sua maior parte, usando como material e barro humano
do Nordeste rural, brigas de clãs, lutas políticas, desespero dos
pobres diabos, E contando sua longa história numa linguagem de
autêntico sabor nativo. Rica a substância folclórica”.

Valdemar Cavalcanti, crítico literário alagoano, no artigo


Província dá Romance, em seu Jornal Literário – Revista Acade-
mia Alagoana de Letras, ano IV, nº 4 – dezembro de 1978

Veja abaixo a lista escolhida dos romances dos anos 1940 a


1980, sugeridas pelo jornalista alagoano Petrúcio Vilela

A Filha do Barão, Pedro Nolasco Maciel, DAC 1976


Boca da Grota – Carlos Gusmão. Sergasa, 1970
Calunga, Jorge de Lima, Editora Alba 1943
Os Canoés, José Maria de Melo. UFPE 1971
Caetés, Graciliano Ramos, Editora Record 1947
A Utopia Armada, Dirceu Lindoso, 1983
Manuscritos Alagoenses, Rubens Jambo, 1985

930
O Último Senhor de Engenho, A.S. Mendonça, 1986
Angústia, Graciliano Ramos, Record 1936
O tigre dos Palmares, Adalberon Cavalcanti Lins, 1978
Curral Novo. Aldalberon Cavalcanti Lins, 1958
Sidrônio. Adalberon Cavalcanti Lins.1962
Caminhos Incertos. Adalberon Cavalcanti Lins, 1976
Mandacarus, Ilza Porto, 1989
Padre Eutanásio, Luiz Lavenere, 1921
Calabar, Romeu de Avelar, 1938
Procissão dos Miseráveis, Luiz B. Torres
Povóa Mundo, Dirceu Lindoso, 1980
A família rubro. J. Costa Filho, 1980

CENA LITERÁRIA CONTEMPORÂNEA

Adélia Magalhães
Anselmo Carlos Chagas
Ari Lins Pedrosa
Audemário Lins
Alice Plancherel
Bruno Cavalcanti
Benilda Guimarães
Beto Brito
Carlos Nealdo
Fernando Bastos
Fernando Coelho

931
Fernando Lira
Gal Monteiro
Isvânia Marques
Joanita Cardoso
Jorge Calheiros
Margarida de Mesquita
Mariquinha
Maria Angélica Silva
Maria Cecília Lustosa
Octávio Cabral
Odilo Rios
Pablo de Carvalho
Petrucia Camelo
Rosalvo Acioli
Regina Barbosa
Regina Dulce Lins
Regina Marques
Ricardo Cabús e a poesia no varal
Ruth Vasconcelos
Sidney Wanderley
Siloé Amorim
Selma Jardim
Taina Costa
Tchello d´Barros
Vanessa Alencar
Weber Salles
Yara Falcon

932
SÉCULO XX: LIVROS SEMINAIS

O Banguê nas Alagoas Traços da influência do sistema


econômico do engenho do açúcar na vida e na cultura regional

Livro seminal do sociólogo, antropólogo e escritor alagoano


Manuel Diegues Júnior (1912-1991). Com15 anos já presidia o
Grêmio Literário Guimarães Passos, no final da década de 1920,
que reunia os literatos emergentes da época: Aurélio Buarque,
Guedes de Miranda, Raul Lima, Valdemar Cavalcanti, Arnon de
Mello. Exerceu cargos públicos de relevância em sua área de estu-
do, entre eles Departamento de Assuntos Culturais (DAC), órgão

933
equivalente ao Ministério da Educação, onde de 1974 a 1979 pro-
moveu grandes avanços culturais, também no seu estado. O livro O
Banguê teve sua primeira edição lançada em 1949, e que teve mais
duas edições reeditadas pela Ufal. Manuel sofreu críticas por ser “o
maior e único discípulo de Gilberto Freyre, cuja influência é o
ponto frágil da obra”. Mas quem escreveu o prefácio foi mesmo o
sociólogo pernambucano Gilberto Freyre. “O (livro) Banguê é tão
largo que é quase como se incluísse tudo que, na história das Ala-
goas, é socialmente importante. Pois da história da gente alagoana
se pode generalizar, como do passado do carioca, que é a história
de uma gente quase anfíbia. Apenas do lado das águas já amoro-
samente tão estudadas por Octávio Brandão”. Gilberto Freyre, no
prefácio da edição de O Banguê das Alagoas, Edufal – 1978. A
Universidade Federal de Alagoas lançou, em 2012, a terceira edi-
ção de O Banguê pela Coleção Nordestina. A edição foi organiza-
da e apresentada pelo professor Elco Verçosa.

“Se o que se faz de um pensador um clássico é, sobretudo, a


perenidade das questões que ele levanta, a par das pistas que abre
para os que pretendem, depois dele, avançar no desvendamento
dos temas e objetos sobre os quais se debruçou, não há como ne-
gar a Diégues Júnior e ao seu “Banguê das Alagoas” a denomi-
nação de clássicos. O trabalho do mestre Diégues Júnior repre-
senta uma obra seminal para quem quer que pretenda entender
aquolo que se chama algoanidade”.

934
Prefácio do professor Elcio Verçosa na 3ª edição do livro
Banguê das Alagoas, Coleção Nordestina Ufal, 2012

Contribuição à História do Açúcar em Alagoas

Livro clássico do historiador, professor, bacharel em ciên-


cias jurídicas e social, Moacir Sant`Ana, originalmente lançado em
1970, pelo Instituto do Açúcar e do Álcool, que reúne informações
detalhadas sobre a presença da cana de açúcar, com pesquisas que
vão desde o período colonial até meados do século XX. Moacir
dirigiu o Arquivo Público de Alagoas desde 1962, é professor de
Introdução ao Estudo da História, História de Alagoas e História
da Cultura Alagoana, na UFAL. É membro do Instituto Histórico e
Geográfico de Alagoas, da Academia Alagoana de Letras. Com
mais de 50 obras publicadas sobre Alagoas e várias outras no pre-
lo, Santana é apontado por Sávio como um autor fundamental den-
tro da bibliografia sobre o Estado.

“O Moacir é uma espécie de virada em Alagoas. Ele tem


textos fundamentais sem os quais não se entende isso aqui. O se-
gundo capítulo do livro dele, chamado Uma Associação Centená-
ria: História da Associação Comercial de Maceió, tem que ser
lido. Já Contribuição à História do Açúcar em Alagoas tem coisas
importantíssimas. O Moacir é um brilhante historiador.

935
Entrevista de Sávio Almeida ao jornalista Lelo Macena, em
Gazeta de Alagoas – 27/11/2005

A Utopia Armada

Livro do historiador alagoano Dirceu Lindoso (1932) que


explica e retrata o povo alagoano em movimentos contestatórios –
até mesmo de guerra de guerrilhas na região das matas – contra os
colonizadores e escravagistas, logo após ao fim da Guerra da Ca-
bana, 1832. “As matas alagoanas são tomadas pelos grandes e mé-
dios proprietários de Alagoas e Pernambuco, sua Mata Atlântica é
derrubada para ceder espaço à extensão do plantio de cana de açú-
car e colônias de estrangeiros,reduzindo o homem pobre que outro-
ra sobrevivera da caça, da pesca e dos frutos comestíveis, a um
errante sem perspectivas vindouras. Na visão de Dirceu Lindoso.
“A devoração das matas pelo fogo das fornalhas dos engenhos e
dos roçados grandes significou a degradação da pobreza colonial,
que surgira na época da conquista e ocupação, e sua conversão em
miséria sesmeiro-escravista”. Janaína Cardoso de Mello, Alagoas e
a escrita de si mesma e de sua gente, em Revista Crítica da Histó-
ria, Centro de Pesquisa e Documentação Histórica da UFAL-
UFSE- 2015. Apud Dirceu Lindoso, em A Utopia Armada – Rebe-
liões dos Pobres nas matas do Tombo Real – Paz e Terra (RJ),
1983

936
Folguedos Natalinos

Famoso livro de Theotônio Vilela Brandão (1907-1981),


Théo Brandão, médico, folclorista, antropólogo e professor que
definiu as novas bases e fronteiras dos folguedos e folclore das
Alagoas, em um movimento que começou no final os anos 1940,
em defesa da pesquisa do folclore alagoano. O livro Folguedos
Juninos foi lançado em 1973, tem capa do artista plástico Pierre
Chalita e ilustrações de Hércules Mendes. Em 1976, a Universida-
de Federal de Alagoas e o Museu Théo Brandão lançam a Coleção
Folclórica Folguedos Natalinos de Théo Brandão, em folhetos po-
pulares, com mais de 32 fascículos. O livro fascinante e mostra um
universo de beleza e resistência. Sobre as baianas, por exemplo,
Théo comenta “além de ser um ritmo original e quente... são as
narrações de sucessos, episódios, acontecimentos que se refletiram
na mente popular, e, que, se repetidas, mantém a tradição sempre
viva e alegre”.

“O Théo foi um dos melhores do Brasil. Eu não estou di-


zendo que eu concordo com ele, estou dizendo que ele é um dos
melhores que eu já li em toda a minha vida, no tipo de coisa que
ele fazia. Ele tem que ser lido. Especialmente a introdução do livro
dele, Folguedos Natalinos. Brilhante! Tem que ser incluído no rol
das leituras cruciais sobre Alagoas”.

Entrevista de Sávio Almeida ao jornalista Lelo Macena, em


Gazeta de Alagoas – 27/11/2005

937
Terra das Alagoas (1922)

O livro de Adalberto Marroquim, de quem não se tem mui-


tos dados bibliográficos, é um livro raríssimo, de grande beleza,
tanto nos textos, quase que uma enciclopédia de Alagoas, como em
seu visual. Editado originalmente pela Editori Maglioni & Strini,
em Roma, 1922, o livro tem 294 páginas com encadernação do
editor. Profusamente ilustrado no texto com fotogravuras e repro-
duções de fotografias de paisagens, sendo algumas desdobráveis, e
no final um mapa do Estado de Alagoas a partir de um levanta-
mento de 1917. A obra foi impressa sobre papel couché, mostran-
do as paisagens e as plantações, a urbanização, os retratos das per-
sonalidades, os interiores dos edifícios públicos, as vias de comu-
nicação, as fábricas de diversas atividades econômicas, as centrais
elétricas, os mercados e os locais turísticos, o acervo de pintura dos
museus.

Ninho de Cobras: Maceió desnudada

“Em Maceió, só Deus pedoa”, esta frase do livro Ninho de


Cobras, de 1973, causou muita polêmica após o lançamento do
romance, considerado por muitos críticos como a melhor prosa do
poeta Lêdo, e a mais mordaz com relação a sua terra natal. O ro-
mance traz Maceió por inteiro, sem subterfúgios, fala em metáfo-
ras, desde o chefe de sindicato do crime até a vida mundana em

938
uma Maceió feérica, ruas movimentadas, casarões, rios e praias. O
romance se passa em um só dia, com personagens inesquecíveis,
que viviam em Maceió nos anos 40, durante o Estado Novo de
Getúlio Vargas. Veja o que Lêdo falou sobre seu próprio romance,
em instigante entrevista do autor à jornalista Milena Andrade, em
2010.

“É um romance sobre alagoanos que não emigram, aqueles


que amam Alagoas, que acham que lá é o melho lugar do mundo.
É o Estado do Brasil onde há menos emigração, sabia? Digo que
esse meu livro é a história de alagoanos que amam a terra natal
como as cobras amam os ninhos de pedras, com todos os defeitos,
com as fofocas, os adultérios, os assassinatos”.

Lêdo Ivo, em entrevista a Milena Andrade, revista Gracilia-


no, edição no 7, novembro/dezembro de 2010.
Maceió de Outrora, vol. I

O escritor Félix Lima Júnior, no livro Maceió de Outrora


(1976), com apresentação de Théo Brandão, estuda os aspectos
pitorescos da Maceió antiga, os costumes e hábitos da capital no
começo do século passado. Os amoladores de canivetes, facas e
tesouras, os tocadores de realejo; o vendedor de papagaios; os mo-
leques de pés descalços que apregoavam à porta dos teatros o afe-
nim, dedinho, broa de goma, tapioca de eucalipto, broas de euca-
lipto, de goiaba e de mel de abelha; do vendedor de leite tirado em
frente das casas dos clientes; e ainda dos pregões de Maceió.

939
“Num dos portões do Mercado Municipal aos domingos, o
doutor Raiz, xingando o “homem da cobra”, concorrente perigo-
so, no centro de um círculo e futuros fregueses, fazia propaganda
e suas misturas maravilhosas, suas garrafadas, suas ervas e raízes
infalíveis para qualquer doença, da lepra, à dor de barriga, da
“espinhela caída” ao câncer. Muito compenetrado, com ares de
verdadeira sumidade “soltava o verbo”.

“– Batata de purga! banha de preguiça! Gitó! Pimenta


d´água! Óleo de jibóia preta! Mangiroba! Catingueira rasteira!
Mamão jaracatiá! Raiz de juá! Remédio para mulher desconcerta-
da! Garrafada das sete sementes! A turma ria a bom rir enquanto
dona Apolinária, antiga zeladora da Confraria de Nossa das Vitó-
rias, da Catedral, fechava a cara, resmungando, e ia rogando
pragas ao doutor”.

Félix Lima Júnior, Maceió de Outrora, v. 1, apresentação de


Théo Brandão, Maceió, Arquivo Público de Alagoas/SERGASA,
1976, (memórias)

Maceió de Outrora, vol. II

Em 2001, a escritora, socióloga e jornalista Rachel Rocha,


publicou o livro Maceió de Outrora, v. II, uma obra póstuma de
Félix de Lima Júnior, com textos selecionados e apresentados pela

940
autora. "Reside aqui a preciosidade da obra deste escritor curioso
que tanto se aproxima da linguagem etnográfica: no detalhamento
do cotidiano, na busca pelo dado direto, de primeira mão, mas que
não descuida da investigação junto a outras fontes: jornais, por
exemplo, fotografias, folhetos publicitários de campanhas políti-
cas, documentos. Etnógrafo no estilo e na curiosidade. Intuitivo na
metodologia. Grandemente afeito às observações diretas, Félix
Lima Jr. manteve-se sempre atento a objetos que somente na se-
gunda metade do século XX ganharam expressividade com a cha-
mada nova história cultural, uma história antropológica, atenta a
uma história das mentalidades, dos odores, da moda, dos compor-
tamentos enfim, que informam as realidades culturais de sujeitos
inseridos num tempo e num espaço específicos". Maceió de Outro-
ra, v. II, obra póstuma, texto selecionado e apresentado por Rachel
Rocha, Maceió, EDUFAL, 2001.

Canais e lagoas, obra prima de Octávio Brandão

Foi a partir dos estudos dos canais e das lagoas, realizados


por Octávio Brandão, que se iniciou a conscientização de preser-
var, por todos os meios possíveis, as lagoas Mundaú e Manguaba,
considerado um dos maiores complexos lagunares do país. Estes
estudos in loco, por volta de 1915 e 1916 foram expostos na sua
célebre conferência de 12 de outubro de 1917, realizada no Institu-
to Histórico e Geográfico de Alagoas (IHGA), em Maceió. Depois,

941
este mesmo trabalho foi publicado no então Jornal do Comércio do
Recife.

“Tenho mergulhado na alma da nossa natureza e na do


nosso povo, mortificando-me com eles, sofrendo quando vejo a
agonia dos “tabuleiros” ou a miséria em que vive a minha raça,
pesquisando-lhes as verdades, inquirindo-lhes as belezas, sondan-
do-lhes as ansiedades com imenso carinho, o profundo amor e a
vocação suprema que sempre tive pelos estudos nacionais (...”).

E continuava, o bravo Octávio Brandão:

“(...) Para isso, não tenho olhado nem dinheiro, nem fadi-
gas, fazendo até hoje 33 excursões, numa das quais andei 30 e
tantas léguas a pé em três dias e meio - um saco às costas e um
bordão aos ombros, em trajes de vagabundo ou farroupilha, to-
mando apontamentos sobre tudo quanto os nossos olhos viam,
galgando serranias, mergulhando no âmago dos chapadões, ir-
rompendo pelos matagais, afundando nos boqueirões bravios, de-
safiando as maretas lagunares em fúria, dormindo ao relento com
o lençol do frio e o docel das estrelas no azul, através de mil aci-
dentes e mil vicissitudes, na ânsia de - bandeirante moderno -
querer escrever um másculo poema de energia sobre-humana da
exaltação lírica, de sonho impetuoso e de realismo profundo e
cheio esta minha alma de uma fé tão alta e de uma esperança ta-
manha que para ultrapassá-las só encontro a fé dos Apóstolos

942
quando, pelo mundo, partiram a espalhar a Boa Nova e a espe-
rança que ilumina a alma dos velhos navegadores quinhentistas”.

Octávio Brandão, em trecho da conferência de 12 de outu-


bro de 1917, realizada no Instituto Histórico e Geográfico de Ala-
goas (IHGA), Maceió

História da Civilização das Alagoas

Na escolha do poeta Carlos Moliterno, o livro História da


Civilização das Alagoas, de Jayme de Altavila, estaria entre as
quatro obras fundamentais para se estudar a História de Alagoas,
junto com Geografia Alagoana, ou Descrição Física, Política e His-
tórica da Província das Alagoas”, de Tomaz Espíndola; História
das Alagoas, de Moreno Brandão e História das Alagoas, de Cra-
veiro Costa. O livro, que teve sua primeira publicação em 1933,
continua a ser uma referência nos estudos sobre a história de Ala-
goas. Na edição de 1962, a 4ª, acrescida, revista e atualizada, tem
anotações do historiador Moacir Medeiro de Sant´Ana. No capítulo
Alagoas Republicana, Altavila relata de forma folhetinesca, mas
com apuração histórica, confirmada por Moacir, como se deu a
transição do dois primeiros governos da República, entre dois ala-
goanos, os marechais Deodoro e Floriano.

“Por dois anos (1890/1991), Deodoro presidiu republica-


namente o Brasil, tendo gestos de coragem cívica como quando

943
dissolveu o Congresso (sic) irrequieto e gestos de desprendimento
quando declarou aos seus partidários – “Não quero aumentar o
número de viúvas e de órfãos em meu país. Mandem chamar o
Floriano. Não sou mais presidente da República e vou pedir a re-
forma (aposentadoria). E aquele gesto dera origem à revolta de 23
de novembro de 1891, chefiada pelo intrépido almirante Custódio
José de Melo. E Floriano Peixoto, chamado ao poder no caráter
de vice-presidente, encontrando a nação explorada pelos pedago-
gos (sic), teve que usar da manopla de aço e sustentar a Repúbli-
ca... Passou a história a sua célebre resposta aos revoltosos, como
havia de receber a esquadra inglesa caso ela viesse até nós: “À
bala!”.

Jayme de Altavila, em História da Civilização das Alagoas,


Departamento Estadual de Cultura – Maceió, 1962, 4ª edição, ano-
tada por Moacir Medeiros de Sant´Ana

O Mundo do Menino Impossível

Uma raridade bibliográfica. Poema de Jorge de Lima (1893-


1953), publicado em 1927, aos 24 anos, que deflagrou uma revolu-
ção literária em Alagoas, sendo a primeira manifestação pública
modernista do autor. O romancista paraibano José Lins do Rego,
que tinha acabado de chegar em Maceió – onde viveria por um
bom tempo – foi quem acendeu o pavio do poema com crônicas
nos jornais. Ele mostrou os originais a Gilberto Freyre e Manuel
Bandeira, que se renderam a Jorge. Zé Lins definiu o poema como

944
“os mais belos versos que a gente pode ler em português”. Um
raro exemplar publicado é a reedição facsimilada - obedecendo à
paginação e ao formato original da edição inicial - pela Sergasa,
gráfica oficial do Governo, em 1953, no centenário de Nascimento
do poeta. Com um precioso detalhe a menos. Nos originais, con-
feccionado por uma tipografia carioca, os desenhos e ilustrações,
feitos pelo autor, foram coloridos a lápis por Hidelbrando de Lima,
irmão mais novo de Jorge, nosso maior poeta. Curta no Youtube
uma versão impecável do poema O Mundo do Menino Impossível,
com a leitura dos versos pelo ator alagoano Chico de Assis, e mon-
tagem e edição de Marco Aurélio e Rubem Pablo Suassuna.

A DIÁSPORA LITERÁRIA

Ao longo do tempo, uma geração inteira de intelectuais ala-


goanos notáveis deixa Alagoas, alguns não retornaram jamais, co-
mo Graciliano Ramos depois de sua prisão, em Maceió. Rio de
Janeiro foi o destino preferencial. A recém institucionalizada nova
capital da República tinha uma intensa vida literária, e foi o desti-
no escolhido para muitos desses alagoanos, alguns até então já des-
tacados no cenário nacional. A lista é grande e representativa, em
se falando da velha guarda literária: Aurélio Buarque, Pontes de
Miranda, Diégues Júnior, Jorge de Lima, Lêdo Ivo, Arthur Ramos,
Waldemar Cavalcante, Povina Cavalcante, Arnon de Mello, Graci-
liano Ramos, Mendonça Júnior, Nise da Silveira, Costa Rêgo, Ro-
meu de Avelar, Oliveira Litrentos, Judas Isgorogota, Alberto Pas-

945
sos Guimarães, Octávio Brandão e tantos outros. Teria alguma
explicação para o fato? O cronista e jornalista alagoano Luiz No-
gueira Bastos, apresentou um apontamento categórico sobre o as-
sunto, na Revista da Academia Alagoana de Letras, em 1999, nú-
mero 17, nos 80 anos da instituição.

“Não posso determinar com exatidão os motivos dessa


permanência deles lá pelo Sul do país. Mas com certeza a grande
metrópole, o Rio de Janeiro de então, lhes oferecia maiores incen-
tivos, maiores motivações. Estácio de Lima foi para a Bahia. A
Maceió provinciana, com uma política cultural governamental,
acanhada, imagino, pode ter os deixado escaparem. É verdade que
muitos ficaram por aqui. Jayme de Alta vila e realizou uma grande
obra. E até deixou transcrito, num verso, o problema dos que par-
tiram e dos que ficaram. Intelectuais não surgem do dia para a
noite. São longos anos de preparação e muitas as circunstâncias.
Novos intelectuais surgirão, com certeza, mas terão muito mais
dificuldades”.

Luiz Nogueira em Revista da Academia Alagoana de Le-


tras, em 1999

946
MEMÓRIA SOCIAL

“A memória é fundamental para construir o presente e para


a projeção do futuro. Logo, ela não pode ser tomada como uma
espécie de apego ao passado, Nesse sentido, é inevitável recor-
rermos à memória... Claro, é importantíssima a tarefa de lembrar,
de rememorar o vivido, o passado, de preservar lembranças, sen-
timentos, conhecimentos, técnicas etc. Também não podemos es-
quecer que a função de rememorar não é estática, ou seja, recons-
truímos constantemente as nossas leituras do passado através da
memória individual quer, notadamente, da memória social”.

947
Bruno César Cavalcanti, antropólogo e professor, em Revis-
ta Graciliano, no 9, 2001, em Memória Cultural

JORNALISTAS PIONEIROS

Eles imprimiram na imprensa alagoana um novo modo de


fazer notícia, no final da era do chumbo (linotipos), do uso da má-
quina de escrever, do papel fotográfico, das diagramações na ponta
do lápis e nas aventuras das reportagens sem internet. Foram esses
primeiros profissionais que tenta se resgatar por meio de suas me-
mórias. Foram esses bambas e veteranos repórteres, editores e fo-
tógrafos que vivenciaram uma época de mudanças no jornalismo,
foram testemunhas oculares dos fatos – alguns de puro ineditismo
– que marcaram a política, a economia, a cultura e a vida mundana
do estado e do País. São depoimentos históricos, com a visão de
um jornalismo feito com a cara e a coragem, em episódios que
marcaram Alagoas. Para se ter uma idéia da importância do jorna-

948
lismo alagoano naqueles tempos, os pioneiros já brilhavam nas
redações dos jornais da capital da República, na época, o Rio de
Janeiro, como conta em seu livro Alagoas na Idade Mídia, um dos
mais importantes jornalistas alagoanos José Marques de Melo –
primeiro professor do ensino superior de Jornalismo no Brasil.

“Na década de 1940, o Correio da Manhã liderava a im-


prensa da capital da república. Na cúpula da redação, pontificava
uma “República das Alagoas”, chefiada por Costa Rego e inte-
grada por Aurélio Buarque de Holanda, Graciliano Ramos e Ro-
dolfo Mota Lima. “Mandão, exigente e irritadiço, porém compe-
tente, o redator-chefe zelava pela ortografia da casa, expressão
cunhada por Paulo Bittencourt pra definir o jeito de ser do jornal.
Antônio Callado, que seria o sucessor de Costa Rego, assim des-
creve a situação daquele grupo: “Os alagoanos, na prática, cui-
davam do texto. Não tinham nada das ranhetas, não; apenas fisca-
lizavam a linguagem e o estilo. Naquela época, aprendia-se portu-
guês muito melhor do que hoje, havia mais consciência do valor
da linguagem”.

José Marques de Melo, professor e decano do Jornalismo,


no livro Alagoas na Idade Mídia, Editora Viva, Maceió, 2013

ALDO IVO: ÚLTIMO MOICANO

949
O jornalista alagoano José Aldo Ivo (1932-2017) foi um
homem de batente no jornalismo, até sua morte. Aos 85 anos, ele
ainda trabalhava. O jornalista dedicou 67 anos de sua vida ao exer-
cício da profissão e foi um dos responsáveis pela proposta de criar
o curso de jornalismo na Universidade Federal de Alagoas (Ufal).
Aldo Ivo tinha oito irmãos, dentre eles o escritor alagoano Lêdo
Ivo, e deixou cinco filhos, nove netos e quatro bisnetos. Estudou
na escola estadual Dom Pedro II, na Praça Deodoro. ”No colégio
eu já fazia um jornalzinho na máquina de escrever batendo como o
dedinho, toda semana eu fazia como se fosse um boletim então eu
já nasci com o dom”. O tempo passou e ele estava da mesma for-
ma, simples. O jornalista não dirigia, não tinha computador e nem
celular, andava de ônibus e de táxi e continuava exercendo as suas
atividades profissionais no jornal semanário Tribuna do Sertão, de
Palmeira dos Índios, onde fazia a editoria de Turismo, e na asses-
soria da Federação das Indústrias do Estado de Alagoas (Fiea). No
Jornal de Alagoas conquistou sua primeira carteira assinada, de-
pois de trabalhar sem remuneração, em 1949. O Jornal de Alagoas
já pertencia aos Diários Associados do magnata da imprensa Assis
Chateaubriand, e foi fundado em 1908, pelo jornalista Luiz Silvei-
ra. Mas teve um fim melancólico, como relata Aldo Ivo.

“O jornal praticamente acabou depois que venderam a ro-


tativa, acabaram com a oficina. Foi um golpe contra o jornal.
Porque jornal sem oficina é um mundo sem alma e nós temos a
redação tudo... mas a oficina fazia o jornal, tinha as máquinas. As
máquinas foram vendidas para O Norte, diário do Ceará. Depois

950
que começou a ser impresso no Diário de Pernambuco (da mesma
rede de Chateaubriands) e sem a oficina, ele começou a cair. O
Jornal de Alagoas quando eu cheguei tinha um diretor era o Dr
Ulisses Braga Júnior, naquela época, comprava caminhões, carre-
tas de bobina e o cheque ia primeiro que as bobinas”.

Esporte no sangue e na veia

Aldo Ivo começou sua vida de jornalista como repórter es-


portivo, e com a caneta e o bloco na mão chacoalhava nos bondes
de Maceió para cobrir os treinos do Centro Sportivo Alagoano
(CSA), no bairro do Mutange, e do Clube Regatas Brasil (CRB),
na Pajuçara. Aldo também participou ativamente da criação da
FAPE (Fundação Alagoana de Participação Esportiva), durante o
governo do major Luiz Cavalcanti, ponto de partida para a cons-
trução do Estádio Rei Pelé, com a arrecadação vinda dos famosos
festivais de bingo. Mas como um apaixonado pelo Botafogo do
Rio de Janeiro, ele acha vaque a imagem de “rei” de Pelé foi en-
gendrada na rede Globo.

“A Globo pegou umas latas fez uma coroa e botou no Pelé.


Ele é rei por causa da Globo. Mas fazendo uma ligeira compara-
ção... Pelé não foi melhor que Garrincha; Pelé não foi melhor que
Zizinho; Pelé não foi melhor que Leônidas. Só pra dizer o fato.
Então se Pelé é rei, Mané Garrincha é Papa, deu sozinho uma
Copa do Mundo para o Brasil, nas duas que ganhou. Foi na do
Chile, em 1962, em que Pelé se contundiu na primeira partida.

951
Aliás o ataque era todo botafoguense, inclsive o que entrou no
lugar do Pelé:Amarildo”.

AUDÁLIO: ALAGOANO DO MUNDO

Jornalista conhecido por sua atuação em defesa dos direitos


humanos, Audálio Dantas (1932-2018), nasceu em Tanque d’Arca,
no agreste alagoano. Em 1954 começou como repórter da Folha da
Manhã (atual Folha de S. Paulo). Em 1959 transferiu-se para a re-
vista O Cruzeiro , onde foi redator e chefe de reportagem. Na
mesma época fez a compilação dos diários de Carolina Maria de
Jesus, personagem de Audálio em uma premiada reportagem do
ano anterior, resultando no livro “Quarto de despejo: Diário de
uma favelada”, que alcançou grande sucesso no Brasil e no exteri-
or. Presidiu o Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de
São Paulo, entre 1975 e 1978, onde conduziu os protestos pelo
assassinato do jornalista Vladimir Herzog numa dependência do II
Exército. Em seguida foi eleito deputado federal pelo Movimento
Democrático Brasileiro (MDB). Em 1981 recebeu na ONU prêmio
por sua atuação em defesa dos direitos humanos. Publicou, pela
Civilização Brasileira, o livro “As duas guerras de Vlado Herzog”,
no qual refez a trajetória do menino judeu que se transformou em
uma das vítimas mais emblemáticas da ditadura militar no Brasil.

“Sem dúvida. Eu acho que o caso Herzog, e isso fica muito


claro nesse meu novo livro, o caso Herzog é um marco, é um ponto

952
de partida.Você pode dizer que antes e depois de Herzog. E antes
e depois de Herzog, passa pelo sindicato dos jornalistas de São
Paulo, passa pelas redações de São Paulo e passa pelas redações
de todo Brasil. Uma coisa curiosa, quando a nossa diretoria foi
eleita, em 75, foi o primeiro movimento de oposição sindical no
Brasil vitorioso. Que havia tentativas mas, os sindicatos estavam
absolutamente sobre controle do regime e não podiam se mexer. O
nosso sindicato, ao denunciar o assassinato lá do Herzog, teve
uma participação que você pode considerar hoje como um capítu-
lo da história recente do país. É bom a gente falar no caso Herzog
e dizer alguma coisa. O Vladimir Herzog era um jornalista de ori-
gem Iugoslava, judeu, muito competente, era um intelectual e que
em 1975 em setembro, assumiu a direção de jornalismo da TV
Cultura, TV Educativa de São Paulo. Ele assumiu isso no momen-
to em que estava em marcha uma operação de caça aos comunis-
tas, antes tinha sido a luta armada e naquele momento era o pes-
soal do partido comunista brasileiro. E ele foi um dos doze jorna-
listas presos, sequestrados em São Paulo dentro desse processo”.

Notícias da guerra pelo rádio

Nascido em Tanque d'Arca, agreste de Alagoas, Audálio


Dantas deixou sua terra logo cedo, aos seis anos, e fez toda sua
formação em São Paulo. Seu pai era um pequeno comerciante e
uma pessoa muito inquieta, migrou, primeiro dentro do estado,
montando negócios em diversas cidades alagoanas.

953
“Minhas lembranças (de Alagoa) são aquelas lembranças
de criança, que tem um valor muito grande. Depois voltei aos dez
anos, mais ou menos, fiquei mais dois anos lá, e definitivamente
fui para São Paulo. Então quase toda minha formação é em São
Paulo. Mas você perguntou de rádio, é uma coisa curiosa, acho
que foi a primeira referência que eu tive da notícia, foi via rádio e
via leitura de jornal por terceiros, não minha. Um farmacêutico
local chamado Daniel Pimentel, nunca vou esquecer, a única far-
mácia do lugar, no final de tarde ele reunia os amigos na calçada,
pegava a Gazeta de Alagoas, o Jornal de Alagoas, e lia as notí-
cias. Isso era na época da segunda guerra, 1944/43 por aí. E ele
lia as notícias de uma maneira muito curiosa, parecia locutor de
rádio, dizia: “Moscou” ou “As tropas russas”, daí interpretava.
“Berlim”, “Londres”, e eu ouvia aquelas notícias, uma maravilha
pra mim. Foi o primeiro contato que eu tomei com a notícia de
jornal que tinha um aspecto até importante no sentido da imagina-
ção. Ficava imaginando que é que é isso, o que que é guerra, o
que que é Moscou, o que que é Paris, Londres, entendeu?”.

Depoimento de Aldálio Dantas para o documentário Memó-


ria da Imprensa Alagoana, Secom Alagoas, 2013

Graciliano: Jornalismo e literatura

Foi por meio de um consagrado conterrâneo, o romancista


Graciliano Ramos, que Audálio Dantas começou a alçar vôos mai-

954
ores em sua profissão. O mestre Graça foi sua grande influência
literária e jornalística. Audálio leu Graciliano aos 14 anos.

“Primeiro eu li o Jorge Amado falando dos brasileiros, sem


falar nos outros autores. Depois caí no Graciliano e nunca mais
abandonei, eu me agarrei ao Graciliano como uma âncora, diga-
mos assim, do ponto de vista do contar, do dizer, do escrever.
Acho que foi fundamental na minha formação antes mesmo de eu
ir pro jornalismo, e depois passei a pesquisar sobre o Graciliano
Ramos, principalmente, na trajetória jornalística dele, ele teve um
papel muito importante no jornalismo brasileiro. Numa época, em
que não se falava no que se chama hoje de copidesque, ele era o
redator que ia buscar a forma correta de se dizer as coisas. Quan-
do migrou para o Rio de Janeiro, ele foi trabalhar na profissão,
naquilo que era a porta de entrada dos jornalistas, que era a revi-
são. Ele ficava escondido lá no fundo, mas era aquilo que ele po-
dia fazer bem, porque ele era um profundo conhecedor da língua e
no trabalho de revisão ele deu uma contribuição. Aliás, o jornalis-
ta Graciliano veio antes do romancista. Muitos jornalistas vêm
antes do romancista. O jornalismo é, digamos, o caminho para o
desenvolvimento da ficção depois”.

BARTOLOMEU: GAÚCHO PAPA-SURURU

O mais alagoano dos gaúchos, o jornalista Bartolomeu


Dresch ostenta, do alto da sua experiência, 38 anos de jornalismo

955
em Alagoas, onde aportou em 1976, para trabalhar no Jornal de
Alagoas, da rede dos Diários Associados. Como repórter investiga-
tivo, viveu épocas de sufoco - no cenário de bang-bang que marcou
Alagoas nos anos 1970, do sindicato do crime e da “guerra” entre
Calheiros e Omenas -, e de brilho, com o reconhecimento nacional
na série de dez reportagens que fez para a Tribuna de Alagoas
(1979) sobre polêmicos estudos que apontavam para a existência
de petróleo no estado. A matéria lhe rendeu prêmios e obrigou a
Petrobras – que antes o boicotava - a abrir seus arquivos sobre a
abundância do óleo no nosso litoral. Entrevistou personagens de
primeira grandeza como o arcebispo dom Hélder Câmara e o líder
estudantil Vladimir Palmeira no auge da luta de ambos pela demo-
cracia no Brasil. Conviveu, com personagens polêmicos como o
ex-secretário de Segurança, Coronel Amaral (“bandido bom é ban-
dido morto”) e Henrique Omena, o Cabo Henrique. Tudo isso com
direito a ameaças – já viveu sob escolta da polícia, e a absoluta má
vontade das autoridades, que, muitas vezes, não lhe relatavam a
verdade dos fatos, tendo que ir buscá-la no garimpo de documentos
e testemunhos. Profissional de talento plural, Dresch permeou sua
trajetória em todos os meios de comunicação.

CORRESPONDENTE DE GUERRA

O general Mário de Carvalho Lima (1908-1983) sempre


consagrou seu papel de soldado e cidadão das Alagoas. Desde o
tempo que saiu da lendária Escola Militar de Realengo, no Rio de

956
Janeiro, o general participou de todas as revoluções que ocuparam
as páginas da história de 1930 para cá – em etapas difíceis de lutas
internas e externas, e até luta entre irmãos brasileiros. Como tenen-
te do Exército, Carvalho foi para o front, comandou pelotões e re-
latou – como um correspondente de guerra – o que se travou na
Revolução Constitucionalista de 1932, no Vale do Paraíba, São
Paulo, na luta contra os paulistas sublevados que enfrentaram o
presidente Getúlio Vargas. O livro Diário de um Soldado foi es-
crito em pleno teatro de operações da guerra, entre 14 de julho e 2
de outubro. Uma semana após seu retorno das trincheiras, o oficial
de Transmissão, tenente Mário de Carvalho Lima, mostra toda sua
versatilidade e estreia como correspondente de guerra, na série
“Diário de um Soldado na Revolução Constitucionalista de 1932”,
publicada na primeira página do Jornal de Alagoas em 31 edições,
de 05 de novembro a 20 de dezembro.

Notícias do front

Toda a série do Diário do Soldado, publicado no Jornal de


Alagoas, foi recuperada e fotocopiada da coleção do Instituto His-
tórico e Geográfico de Alagoas, e editada pelo escritor e engenhei-
ro Américo José Peixoto Lima, filho do general. Na série e no li-
vro, o tenente mostra episódios de tensão, tiros no front, encontro
de amigos e irmãos em linhas opostas, com texto baseado em crô-
nicas de guerra bem apuradas e ótimas descrições do que se passou
na linha de combate.

957
“26 de julho. Ao atravessarmos um trecho da estrada para
Engenheiro Passos, onde se achava a nossa frente de combate, no
início da marcha, já ouvíamos tiros das metralhadoras. Fomos
recebidos à bala. Foi terrível a travessia: tiros para todos os la-
dos. Felizmente, no homem a homem, conseguimos transpor as
linhas inimigas. No final, ouvi de um soldado: Ah que vida horro-
rosa meu Deus! Era o nosso batismo de fogo... A princípio a notí-
cia não foi muito bem recebida, pois no meio de nossos soldados
havia mais de 80 homens que nunca tinha pegado em um fuzil.
Porém, o brasileiro é soldado por natureza”.

Diário de um Soldado Alagoano no front da Revolução de


1932, Mário de Carvalho Lima, Nossa Livraria, Recife, 2008, or-
ganização Américo José Peixoto Lima

COSTA REGO DESAFIA GETÚLIO

Senador, deputado federal e jornalista, Pedro da Costa Rego


(1889-1954) foi governador de Alagoas (1924-1928), onde conse-
guiu o apoio do Legislativo para realizar as reformas de base e de
infraestrutura. Seu programa de Crédito Agrícola foi uma de suas
marcas. Como jornalista, Costa Rego foi editor de grandes jornais
e revistas do país, e conviveu com Assis Chateubriand, Austragési-
lo de Athayde, San Thiago Dantas e Júlio Mesquita – entre os jor-
nais que trabalhou está o “Correio da Manhã”, do Rio, o mais in-
fluente jornal da então Capital Federal.

958
“Conta-se que o presidente Getúlio Vargas, à hora do café,
não dispensava a leitura do editorial e do artigo assinado por
Costa Rego no “Correio da Manhã”. Getúlio Vargas, na própria
expressão do jornalista, era um de seus “assuntos”, e o presiden-
te, apesar de sua enorme soma de poder, temia as reportagens do
eminente alagoano. E mais ainda as opiniões, a ironia que a pena
de Costa Rego imprimia no papel”.

Discurso de posse do poeta e jornalista Carlos Moliterno,


que assumia a cadeira nº 1 da Academia Alagoana de Letras, de
Costa Rego, que já fora de Gracindo Palmeira – em revista da
AAL, nº 15 – 1989

Enfrentamento dos coronéis

Como homem público, Costa Rego despertou muita contro-


vérsia, pois fez um governo forte e conseguiu preservar o princípio
da autoridade, a ponto de modificar a paisagem política, sobretudo
no interior do estado, onde predominava o mando absoluto dos
chamados coroneis. Além de acabar com os mosquitos e o jogo
desenfreado, acabou também, pelo menos por um tempo, com o
banditismo em Alagoas. Ele mandava seu recado pelas suas men-
sagens na Assembleia. Como essa, de 1925, com o título Repres-
são aos bandidos.

959
“Iniciei, como é de domínio público, uma repressão siste-
mática aos bandidos. Para começá-la, tive naturalmente que en-
frentar alguns desgostos, lutando contra a mentalidade da minoria
que domina os centros rurais. Em consequência, instrui as autori-
dades no sentido de procurarem, onde estiverem, detendo-os: os
criminosos processados e quase sempre foragidos nos engenhos e
fazendas, com a proteção velada ou ostensiva, dos diretores e pos-
suidores de estabelecimentos desta natureza”.

Costa Rego, no livreto Na Terra Natal (1924-1928), Impren-


sa Oficial – 1928

CRONISTAS SOCIAIS

JOSUÉ JÚNIOR inaugurou o colunismo social. O cronista


sempre se portava com um lorde inglês: paletós twedd, lenço no
bolso, óculos de grau de aro fino, sapato lustroso, muito elegante.
Foi o primeiro a fazer sucesso no colunismo social. Em 1956, no
Jornal de Alagoas, ele substituiu o colunista da época, Dóris Cris-
tiano, codinome do jornalista Eudes Jarbas de Mello, onde ficou
até 1967, com a coluna domingueira Destaque. Trabalhou também
no Recife (Diário de Pernambuco) e na Paraíba (Rádio Tabajara).
Mas J.J. veio do rádio, onde também fez história, como um dos
primeiros locutores. Em novembro de 1935, Josué Júnior e José

960
Renato, e os técnicos Jacques Mesquita, Miguel Correia de Olivei-
ra e Luiz Gonzaga lançam o Centro Regional de Anúncios Falados,
na verdade era um serviço de alto-falantes. Era um automóvel
“OpeI” pintado de azul, com duas cornetas de alto-falante, que
divulgava anúncios, músicas e informações de utilidade pública.
Josué Júnior foi cronner e mestre de cerimônia nas festas produzi-
das pelos clubes de elite da época, como o Fênix Alagoana; e or-
ganizou os concursos de Miss Alagoas, chegando muitas vezes a
acampanhar a vencedora para o Hotel Quitandinha, no Rio de Ja-
neiro, onde disputava-se a final da escolha da Miss Brasil.

“Nesses concursos trabalhei ombro a ombro com Indalécio


Wanderley, Carlos Gaspar, Edilson Varela, Paulo Cabral, Wilson
Frade, Alex, e tantos outros “cobras” da imprensa social. Termi-
nado os concursos, vinha uma enxurrada de convites para visitas
em outras capitais. Assim ficamos conhecendo quase todo o Bra-
sil”.

Josué Júnior, em depoimento ao livro Jornal de Alagoas 80


anos, 1998, Escopo Editora, organizado por JP Goes, Moacir
Sant´Ana, Rosalvo Acioli Júnior e Valmir Calheiros

CANDINHA PALMEIRA, a jornalista alagoana Maria


Cândida Palmeira (1936-2008), foi outra pioneira da crônica social
em Alagoas, a grande imperatriz do mundo fashion e granfino ala-
goano. Fazia de suas notas e fotografias na sua coluna da Gazeta
de Alagoas - onde imperou até sua morte – um espaço de glamour

961
da vida das celebridades do grand monde alagoano. Não esquecia o
aniversário de ninguém. Era amiga de toda classe dominante do
Estado. Começou a escrever aos 15 anos, com o apoio do já então
consagrado colunista José de Sousa Alencar (1926-2015), o Alex,
alagoano de Água Branca, mas que fez sua carreira no Recife.

“Cândida não se distanciava de mim aos quinze anos. Eu


sabia que ela estava fascinada comigo por ser um cronista. Então
iniciei a tarefa de transformá-la numa cronista em Maceió. Ela
adorou a idéia e começou escrevendo o que é básico no colunismo
social, notícias das figuras famosas da sociedade, as festas. Em
pouco tempo era um nome consagrado. Todos liam e gostavam de
Cândida, muitos tentaram derrubá-la do alto do pódio, mas não
conseguiram. Cândida era simples, alegre e educada, qualidades
importantes para o setor. Sempre realizava grandes festas e gosta-
va de dizer que fui responsável pelo seu sucesso, o que não é ver-
dade. Cada um vence como cronista porque tem algo a dizer e que
toca as pessoas”.

Texto do jornalista e colunista Alex, publicado no Jornal do


Commercio (PE), em 30/08/2008

NINON ROSE. A jornalista Maria José Palmeira (1939-


2014) foi procuradora de Estado, formada em Direito, Filosofia e
História, mas ficou reconhecida também pela Crônica Social. Bati-
zada no jornalismo como Ninon Rose, ela deu o brilho de seu texto
em todos os jornais de Alagoas. Em 1957 estreou no jornal Gazeta

962
de Alagoas a coluna “Sociedade com Lilian Rose”. As crônicas
foram reunidas no livro “Sociedade Alagoana”, lançado em 1991,
que chegou à 12ª edição, e se transformou em seu livro mais ven-
dido. A jornalista se tornou multimídia com programas de TV. Fo-
ram 53 anos de atividade. As irmãs Palmeira, Maria José e Cândi-
da formaram o fino da crônica social. Elas foram duas jornalistas
que dedicaram sua vida ao Colunismo Social. Maria José faleceu
aos 74 anos de idade, com 53 anos de atividade de jornalismo soci-
al, marcando posição como membro da Associação Alagoana de
Imprensa e da Academia Maceioense de letras. Maria José deixou
herdeiros na profissão, seu filho Leo Palmeira – seu blog no portal
da Gazeta recebeu o prêmio de melhor colunista social em 2015,
em São Paulo, no Clube Sírio Libanês, das mãos de uma celebri-
dade, o cirurgião plástico Ivo Piranguy.

ROMEU LOUREIRO foi o intelectual do grande mond. O


crítico de arte e colunista social, Romeu de Loureiro (1941-2014),
também era advogado, mas deu sua vida para as artes e diversão.
Seja pela sua coluna na Gazeta de Alagoa, até seus artigos em to-
dos os jornais da capital, bem como suas exposições de arte, como
curador. Lançou muitos novos talentos no mercado. O colunista
era especializado em Genealogia, e era é filho do ex-governador
Osman Loureiro de Farias. Romeu de Loureiro desempenhou a
função de cronista social no jornal Gazeta de Alagoas entre os anos
de 2008 e 2014, por onde se aposentou. Loureiro era imortal na
Academia se Letras de Alagoas e sócio do Instituto Histórico de

963
Alagoas. Durante vários anos, entidades reconheceram, por meio
de comendas, o trabalho e a importância intelectual do colunista.

"Ele não era simplesmente um colunista. Ele fazia questão


de tratar a informação com respeito e com muita credibilidade.
Sempre atento a cultura e arte, sua coluna era um excelente espa-
ço para quem apreciava uma boa leitura. Vamos, sem dúvida, sen-
tir muita falta".

Diogenes Tenório, jurista e procurador-geral da Assembleia


Legislativa de Alagoas

DAMASCENO: PADRE, POETA, JORNALISTA

José Alves Damasceno é jornalista, advogado, professor, fi-


lósofo, religioso e compositor de frevo canção – escreveu Evoca-
ção a Alagoas, elogiado pelos papas Capiba e Nelson Ferreira. Par-
ticipou de forma marcante da transição do jornalismo romântico
para o profissionalismo, entre os anos 1960 a 1980. Trabalhou em
quase todos os jornais de Alagoas e do Rio de Janeiro, onde co-
nheceu o alagoano Tenório Cavalcanti, dono do jornal A Luta, já
sem sua famosa metralhadora Lurdinha. Foi, por algum tempo,

964
editor de O Semeador, órgão da Arquidiocese de Alagoas. Mas
quase troca a igreja por uma morena carioca.

Fatos & Notícias: a coluna da pancada

“A coluna Fatos e Notícias do jornal Gazeta de Alagoas


(que continuou sendo publicada, até pouco tempo antes do fecha-
mento do jornal em 2018) quem criou foi o Zadir Cassela, mas ele
colocou também o Fradique e Mendes, pra fazer confusão. Então,
aquela notinha ali, quem escrevia ou era o Fradique ou o Mendes,
e nenhum dos dois existia. E tome cacete, era uma confusão, dali
era onde saia fumaça. Aí então, o Arnon mandou: - Damasceno
vem cá, estou querendo fazer umas notícias, assim, assim... olhe
meu filho é o seguinte eu sou jornalista das antigas e você é mais
moderno, você bote aí nos termos modernos e tal, apimente mais e
tal, agora, antes de entregar pra o Zadir, traga pra mim ver. Aí eu
fiz a matéria, duas três notinhas, ele disse assim: - Excelente. Gos-
tei. Qual o seu nome? Aí eu disse Alves Damasceno. E até chamou
o Zacarias, seu braço direito na empresa: - Diga ao Cavalcante que
dê uma coisinha melhor pra o Damasceno, o rapaz é bom”.

Tem governo, sou contra

“Naquele tempo aqui em Maceió tinha A Gazeta, Diário de


Alagoas, Correio de Maceió, só não tinha a Tribuna, era jornal
pra todo lado. E o Jornal de Hoje que tinha aparecido em Bebe-
douro, com Dr. Jorge Assunção. Foi no Jornal de Hoje onde eu

965
encerrei a minha carreira de redação. Passei pelo Jornal de Ala-
goas, como redator, depois fui pra o Diário de Alagoas, levado
pelo Floriano Ivo, irmão do Lêdo Ivo e do Aldo Ivo, me levou pra
lá, era o jornal do Muniz Falcão, jornal de oposição, eu terminei
me notabilizando como editorialista de oposição porque eu man-
dava cacete no governo. Como aquela história: tem governo? Sou
contra. E eu fiquei com esse rótulo de anti-governista”.

O integralismo em Alagoas

“Minha fase religiosa vem de 1971 prá cá. É quando aqui


em Maceió chegou a Igreja Católica Brasileira, e o professor Va-
nilo Galvão, meu padrinho de crisma, era um homem inteligente,
mas tinha um defeito, coitado, que morreu com ele. Eu chamei
muita atenção dele, acho até que ele nunca me perdoou por isso.
Tinha a mania de ser integralista, e eu nunca vi nada de bom no
integralismo. É tão facínora, um credo tão safado, tão horroroso,
como o nazismo. Era um nazismo brasileiro, misturado com o fas-
cismo daquele maluco, o Mussolini. Era um bobo, tão inteligente,
um escritor de tantos métodos aderir a uma porcaria daquela. Mas
Dom Vanilo era amicíssimo compadre do Plínio (Salgado, chefe
supremo do integralismo brasileiro), era padrinho de dois filhos
dele. Ele personificou o integralismo em Alagoas, mas ele trouxe
também a Igreja Brasileira, um cisma que se deu em 1945, sepa-
rando parte da Igreja Romana, abrindo aos padres que quisessem
se casar a ter esse direito, contrair matrimonio e continuar no mi-
nistério. Eu queria me casar e queria ser padre e eu vou por aqui.

966
Não cheguei a casar, mas, morei com uma menina, no Rio de Ja-
neiro, quando fui prá lá. Passei um tempão, fui jornalista, lá eu
entrei na imprensa e fui professor, eu comecei a ensinar em cursi-
nhos lá, eu era professor de filosofia, eu fui professor de primeira
aqui em Alagoas, publicou uma apostila completa de filosofia para
vestibular, e essa apostila, anos depois se transformou em um li-
vro, e havia carência de professor de filosofia”.

Encontro com o capa preta

“Damasceno você está aonde? Olhe o deputado Tenório


Cavalcante, está louco por um editor para o jornal dele lá de Ca-
xias, a Luta. Ele não confia em ninguém, mas pelo fato de você ser
alagoano, já ganhou o Tenório”. Com esse recado de um amigo eu
fui lá. Gostei do Tenório. Ele já estava sem capa, já tinha cortado
a barba, estava cassado pela revolução. Ele dizia que cortaram a
juba do Leão, era meio dramático o Tenório. Era um velho total-
mente louco, era um homem simpático, alto, muito bem elegante,
só andava de colete, dois 38, não sei o que mais usava. Não usava
mais a Lurdinha não. Ali foi na fase da Capa Preta já tinha sido
contado em livro, já seria depois do filme. O José Wilker é igual-
zinho ao Tenório como jovem, é aquilo ali que tá no filme. E foi
logo me testando: - Olhe, vá ali na máquina e me faça um bilheti-
nho, coisa de quatro linhas, dizendo porque você quer trabalhar
comigo aqui no jornal. O Ivan me deu a dica antes. “Elogie, que
esse velho gosta de um elogio, diga que você admirava ele, desde
rapazinho”. Aí eu escrevi: - Minha vontade de trabalhar na Luta

967
era poder conviver com o senhor, como no tempo que ao lado da
família o senhor parecia o Zorro da minha infância. Ele quase
morre. Ele não tinha mais barba, mas ele recorria muito à barba,
ao cavanhaque e disse: - Puta que pariu! eu vou te botar na Aca-
demia Brasileira de Letras. Tá empregado. Você quer ganhar
quanto aqui?”.

O menino que viu o impeachment 1

“No dia do impeachment de Muniz Falcão, em 1957, eu era


menino, estudava no Colégio Estadual, aluno do segundo ano,
quando a aula foi suspensa pela manhã, mais ou menos umas dez
horas, todo mundo teve que ir pra casa, porque já se previa tumul-
to e não era bom ninguém ficar aqui na rua e tal, e se alguém com
a farda do colégio fosse pego na rua ia ter 15 dias de suspensão, e
outras penalidades. Eu fui com uma turminha, nós sabíamos que
ia haver um problema lá na praça da Assembleia, fomos olhar,
muita confusão, eu me lembro do Castro Filho, falando no cami-
nhão, transformado em palanque né? - A nossa marcha é pacífi-
ca! Não estamos armados! E eu comecei a ter medo da multidão,
fomos para a Catedral, pra ver lá de cima, do parapeito. Lá en-
contrei meu amigo Teodomiro: - Damasceno, vamos pra torre do
sino, que a gente vê melhor”

O menino que viu o impeachment 2

968
“Daqui a pouco foi bala, eu nunca tinha ouvido na vida um
tiro, e ouvi milhares de tiros de uma vez só. Rajada, bala , fuzil, aí
eu percebi que o exército subiu no prédio da Delegacia Fiscal,
eles estavam atirando para Assembleia. E vi quando um rapaz,
jovem ainda, de terno branco, pulou a janela da Assembleia e caiu
na marquise e houve alguma coisa com a perna dele que ele não
se levantou mais. Depois eu vim saber que foi o jornalista Marcio
Moreira Alves da revista O Cruzeiro E vi também saiu a pessoa,
depois eu soube, era o deputado Carlos Gomes de Barros, que
levou uma rajada no pescoço. O senador Teotônio Vilela, levou
um tiro na mão. A morte do deputado Humberto Mendes, eu vi
quando saiu alguém deitado já. Eu pensei que fosse né? Foi o pri-
meiro que saiu. Foi ele. Aí que começou a confusão, e foi uma coi-
sa horrorosa, foi uma coisa que... aquilo não pode existir mais
né?”

DIRCEU LINDOSO: JORNALISMO ENGAJADO

A trajetória intelectual de Dirceu Accioly Lindoso é multi-


facetada e em certa medida foge ao natural caminho acadêmico
stricto sensu, ambiente de formação e projeção de quase todos os
intelectuais de sua geração em diante. A ambiência intelectual que
impulsionou o jovem de então, foi a árdua trabalheira na imprensa
comunista das Alagoas. A redação de A Voz do Povo, semanário
de propriedade do extinto Partido Comunista Brasileiro (PCB) –
fundado em 1946 e destruído pelos militares golpistas em 1º de

969
abril de 1964 –, descortinou um novo cenário, o da luta social e do
marxismo. Começou cedo seus trabalhos jornalísticos, como ele
mesmo costuma dizer; e fez dessa atividade um ponto de difusão
da sua produção intelectual, ainda muito jovem. Hoje podemos
afirmar que Dirceu Lindoso pertence a uma tradição de intelectu-
ais que tiveram no jornalismo de esquerda e operário, o caminho
primeiro de uma virtuosa carreira intelectual, como percebemos
ter também acontecido com Octavio Brandão, Alberto Passos
Guimarães, Jayme Miranda, Aylton Quintiliano, Bercelino Maia e
André Papini Góes. A primeira contribuição com a imprensa veio
em forma de artigo publicado no Diário de Pernambuco, que teve
como tema a obra de Josué de Castro que viera a Maceió a convi-
te dos estudantes da Faculdade de Direito falar sobre o problema
da fome.

Trecho do artigo O Polígrafo Cabano, do historiador Geral-


do de Majella, em 4 de agosto de 2015

No front do jornalismo

Dirceu Lindoso trabalhou no jornal carioca O Globo, quan-


do residia na cidade do Rio de Janeiro, tempo após sair da prisão
política ocorrida em Maceió, encarceramento que durou de abril a
novembro de 1964. Manteve mesmo a distância, permanente con-
tribuição nos jornais de Maceió, enviando artigos para A Tribuna
de Alagoas, O Jornal, Gazeta de Alagoas e Extra. Em Petrópolis,
publicou trabalhos no Correio Petropolitano e Tribuna de Petrópo-

970
lis. Esse incansável intelectual jamais deixou de influir e contribuir
com qualquer espécie de publicação, mas foram, talvez, as publi-
cações do antigo Partido Comunista Brasileiro (PCB) – de circula-
ção nacional, como o jornal do Comitê Central Voz da Unidade –
onde colaborou semanalmente por quase uma década de maneira
ininterrupta –, e as revistas Problema da Paz e do Socialismo e
Novos Rumos, essa última publicação do Instituto Astrojildo Pe-
reira.

Trecho do artigo O Polígrafo Cabano, do historiador Geral-


do de Majela, em 4 de agosto de 2015

DÊNIS: BATENTE E MILITÂNCIA

Denis Jatobá Agra (1950-1992) nasceu em Viçosa, no


agreste alagoano. De uma geração à frente dos batutas pioneiros,
exatamente na transição para o jornalismo moderno, ele começou
na profissão antes da chegada do curso de Jornalismo, que ajudou
a fundar. Desde início sempre foi chamado para comandar grandes
redações e escolher os melhores times. Foi assim na Gazeta de
Alagoas, na Tribuna de Alagoas e na revista Última Palavra, sen-
sação da imprensa alagoana no final dos anos 1980. Foi talvez o
primeiro e único ombudsman – função criada pela Folha de São
Paulo para corrigir e alertar sobre as falhas na edição e na linha

971
editorial -, no caso de Dênis ficar de alerta no jornal da família
Collor, a Gazeta de Alagoas. Liderou a categoria nos enfrentamen-
tos e negociações salariais. Participou da criação do piso nacional
de jornalista, como diretor da Federação Nacional dos Jornalistas
(Fenaj). Estudou Medicina na Universidade Federal de Alagoas
(Ufal). Em 1973, foi preso e torturado em Recife. O que motivou a
sua prisão e de outros estudantes em Alagoas foi o fato de ser um
líder estudantil e militante clandestino do Partido Comunista Revo-
lucionário (PCR) Denis Agra morreu na flor da idade, aos 42 anos,
depois de lutar contra um câncer. A coragem de Dênis vem de sua
própria força interior, ele vence suas guerras com a palavra e a
verdade.

“O Dênis sabia o segredo do bom jornalista: aprender a


escrever bem; ser ambicioso, ter ideais; não se deixar amedrontar,
desconfiar do poder e duvidar da versão oficial. Corajoso, ele re-
lembrava Hemingway que dizia que só tinha medo de ter medo”.

Noaldo Dantas, jornalista, no prefácio do livro de Joaldo


Cavacanti, A Última Reportagem, 1993, Gráfica Editora Gazeta de
Alagoas

Confissões de um intocável

972
A caneta Bic azul do editor da revista Última Palavra, jorna-
lista Dênis Agra, deslizava com rapidez e estilo pelas laudas bran-
cas tipo A4, no front de mais uma reportagem. A do último coro-
nel, a do intocável da polícia, e tantas outras páginas que aponta-
ram para o caminho das pedras das Alagoas. De sua lavra já saíram
reportagens de grande repercussão: a última entrevista do coronel
Elísio Maia, na revista Última Palavra é de tirar o chapéu. Entre as
respostas da velha raposa foi “eu prefiro o ferrão que o boi”. A
entrevista com o ex-delegado de Polícia e secretário de Segurança
Pública de Alagoas, Rubens Quintella (1930-2012), foi considera-
da "bomba" na época, em agosto de 1988. Era uma daquelas tardes
calorentas, no amplo terraço da casa de Quintella, onde Dênis, e os
jornalistas da UP, Roberto Vilanova, Joaldo Cavalcante, fazia o
policial passar por uma saraivada de perguntas. O velho Rubens
jurou inocência sobre casos insolúveis e nunca desvendados – nes-
se tempo eram fortes a ligação da própria polícia com o crime or-
ganizado e a pistolagem. Ele assumiu que usava instrumentos de
tortura para arrancar confissão dos presos como o caso do tanque
para afogamentos em sua delegacia, motivo pelo qual o policial foi
afastado no governo Muniz Falcão, que mandou destruir o tanque.
"Não se pode fazer isso com suspeito, mas eu fazia até mesmo co-
mo laboratório de pesquisa e concluí que a única coisa que libera
a pessoa humana é a presença da morte, devido ao instinto de
conservação. Dá certo em 90% dos casos e nunca morreu nin-
guém. Os marginais acabavam confessando”. Leia a seguir tre-
chos da entrevista “bomba” com Quintella.

973
UP- Existe sindicato do crime organizado em Alagoas?
Quintella - Nunca existiu esse sindicato. Antigamente, os fa-
zendeiros eram amigos e se reuniam. Existia amizade e ajuda, in-
clusive financeira. O que existia eram favores entre os coronéis da
Guarda Nacional.
UP- E quem criou essa imagem do Sindicato do Crime?
Quintella - Quem criou foi o Silvestre Péricles (ex-
governador). Já o Arnon de Mello (ex-governador e pai de Fer-
nando Collor) criou a imagem de violência em Alagoas Como ti-
nha influência na imprensa do Sul, todo crime em Alagoas tinha
grande repercussão. Essa imagem do alagoano violento, bandido,
quem criou foi o Arnon. Já a de marajá, de que alagoano é ladrão,
foi o Fernando Collor.
UP - O senhor já foi baleado alguma vez?
Quintella - Nunca fui baleado, é Deus que me protege
UP - O que o senhor acha da Justiça alagoana?
Quintella - É arcaica, inoperante. A sociedade cresceu mui-
to e a Justiça continua a mesma. Temos que ter uma Justiça seme-
lhante à americana.
UP- O senhor é contra ou a favor à pena de morte?
Quintella - Para o delinquente do crime hediondo, que mata
para roubar, sequestrar crianças, estuprar menores, sou favorá-
vel. Um indivíduo desses tem que morrer. E tem que ser de forma
sumária.

Secretário de Segurança Pública e da Justiça em vários go-


vernos, Quintella ficaria famoso tempos depois, em 1995, quando

974
confirmou a versão mais “apressada” do assassinato de Paulo Cé-
sar Farias, o PC, que teria sido assassinado pela sua namorada Su-
zana Marcolino.

Livros sobre Dênis Agra

Após 23 anos de sua morte, Denis Agra continua no cenário


alagoano. Dois escritores, e fraternos amigos de Denis, se debruça-
ram diante da vida dele, que deu inspiração para a literatura. Os
livros - Codinome Mota (2014), de Joaldo Cavalcante, e Um jorna-
lista em defesa da Liberdade (Editora Bagaço, 2014), do historia-
dor e escritor Geraldo de Majella - narram a trajetória de Agra,
ativista de esquerda contra o regime ditatorial e defensor da ética
no jornalismo. Fartamente ilustrado com fotos do dia a dia das re-
dações. Em suas 63 páginas, a publicação de Majella mostra um
panorama da trajetória de Denis Agra. São nove capítulos que pas-
seiam desde seus primeiros passos até a militância política em gru-
pos como os Partidos Comunista Revolucionário (PCR), Socialista
Brasileiro (PSB) e Comunista Brasileiro (PCB) e seu papel como
profissional da imprensa. Segundo Majella, o desejo de escrever o
livro nasceu enquanto se debruçava sobre outro trabalho: o Dicio-
nário dos Comunistas, que ele elabora há oito anos.

“A ideia era mostrar para os estudantes, para jornalistas


recém-formados que não tiveram contato com a geração anterior,
esse personagem tão importante para as causas sociais, que traba-
lhou na organização e na defesa dos jornalistas, mas que se preo-

975
cupou, também, com os trabalhadores. É um tipo de jornalista que
está acabando”.

Geraldo de Majella, em entrevista ao jornal Gazeta de Ala-


goas, na edição de 06/08/2014

FREITAS; O ANJO VERMELHO 1

Em 11 de julho de 1997, no mesmo dia em que chegavam a


Cuba os restos mortais do guerrilheiro Che Guevara vindos da Bo-
lívia, o avião russo modelo Antonov 24, da Cubana Aviación, des-
pencava no mar do Caribe matando o vereador, jornalista, radialis-
ta e advogado alagoano João Vicente Freitas Neto (1949-1997),
aos 42 anos, e sua mulher, Maria das Graças de Carvalho Freitas.
Era mais uma viagem de Freitas à ilha de Fidel Castro, onde havia
participado, em Santiago de Cuba, do Festival de Cultura do Cari-
be, conhecido como Fiesta del Fuego. Em sua vida, Freitas Neto
era apaixonado por Cuba, organizou várias viagens para o país
caribenho, abrindo os caminhos entre Alagoas e Cuba, que foi im-
portante, por exemplo, na luta contra o vitiligo. Seu corpo foi tras-
ladado para Maceió, dias depois, sem o da sua mulher, que desapa-
receu no mar após a tragédia.

“Você tratou logo de usar seus super-poderes de anjo ver-


melho para dar coragem ao povo alagoano a ir à praça para lutar
e morrer se preciso, com dignidade. Como você mesmo escreveu

976
num dos artigos sobre Graciliano Ramos: `a morte interrompe
apenas a convivência física, o ideal permanece vivo”.

Texto da jornalista Graça Carvalho, no artigo O Anjo Ver-


melho, na Gazeta de Alagoas, na edição especial de 20/07/97.

FREITAS; O ANJO VERMELHO 2

Freitas Neto nasceu na capital alagoana, em 19 de dezembro


de 1949, e morou por muitos anos no tradicional bairro de Bebe-
douro. Foi ativista político como estudante secundário e universitá-
rio, abraçou as carreiras de jornalista e radialista muito cedo, pas-
sando pelas redações de esporte e política dos principais veículos
de comunicação de Alagoas, além de trabalhar como correspon-
dente, por 19 anos, do Jornal Estado de São Paulo, o “Estadão”.
Sua capacidade de liderança o levou à presidência do Sindicato dos
Jornalistas Profissionais de Alagoas, no final da década de 1970,
destacando-se na luta contra a ditadura militar em seu período fi-
nal. Como candidato à presidência da Federação Nacional dos Jor-
nalistas (FENAJ), em 1983, levantou a bandeira de luta pela De-
mocratização da Comunicação, percorrendo diversos estados no
país. Em 1982, Freitas Neto filiou-se ao PMDB, por cuja legenda
elegeu-se vereador por Maceió. Na Câmara, contabilizou a sua
presença em 314 sessões, só nos três primeiros anos de mandato,
fez 166 discursos e 16 projetos de lei.

977
“Freitas deixou grandes contribuições como combatente
pelas liberdades públicas, como defensor dos movimentos sociais,
como sindicalista, como militante socialista e como parlamentar
que deu exemplo na luta contra a corrupção, as desigualdades
sociais e a violência política em Alagoas”.

Jornalista Marcelino Freitas Neto, em depoimento ao jornal


Gazeta de Alagoas, em edição comemorativa (+Marcelinho faleceu
prematuramente, aos 40 anos, de Esclerose Lateral Amiotrófica,
nos primeiros dias de 2019)

“O Freitas fez mais. Junto com os jornalistas Dênis Agra e


Adelmo dos Santos, deram o pontapé inicial para a retomada do
movimento sindical em Alagoas, após o golpe de 1964. Eles co-
mandaram a primeira greve dos trabalhadores, em pleno regime
militar. Freitas Neto era assim: amanhecia no jornal, dormia em
cima do birô, ou debruçado sobre a máquina de escrever. Quando
se dedicava a algum caso, ia até o fim”.

Texto do jornalista Roberto Vilanova, no artigo O que foi


isso, companheiro? na Gazeta de Alagoas, na edição especial de
20/07/97.

GRACILIANO NO JORNALISMO

978
O romancista Graciliano Ramos (1892-1953) dedicou-se à
literatura, à política e ao ensino, mas também era um grande jorna-
lista. Com 12 anos, em Viçosa, escreve seus primeiros textos. Foi
lá onde nasceu de fato a verve de escritor e jornalista, quando co-
nheceu o agente dos Correios, intelectual e dono da maior bibliote-
ca da cidade, Mário Venâncio. Além de professor de Geografia,
Venâncio era editor do periódico O Dilúculo (A Tarde), de publi-
cação bimensal. Graciliano trabalhou até o fechamento do jornal,
um ano depois, com a morte Venâncio. Em 1909 inicia sua colabo-
ração no Jornal de Alagoas, sob vários pseudônimos, Almeida Cu-
nha e Lambda. Em Palmeira dos Índios, Graciliano também cola-
borou como cronista de O Índio, assinando com o pseudônimo J.
Calixto. Em agosto de 1914, aos 22 anos, embarca para o Rio de
Janeiro no vapor Itassupê, e continua sua carreira de jornalista co-
mo revisor dos jornais cariocas Correio da Manhã, A Tarde, O Sé-
culo, e o periódico fluminense Paraíba do Sul, e na revista Dom
Casmurro. Em uma carta ao pai, Sebastião, mestre Graça parece
decidido em procurar emprego na imprensa, descartando qualquer
outra coisa, como comerciário ou no serviço público.

“Que é que essa gente de Maceió sabe a respeito de mi-


nhas resoluções? Não quero emprego no comércio – antes ser
mordido por uma cobra. Sei também que há dificuldades em se
achar um emprego público. Também não importo com isso. Vou
procurar alguma coisa na imprensa, que agora, com a guerra,
está boa a valer, penso. Portanto... os amigos que guardem suas
opiniões”, Viçosa, em 21 de agosto de 1914.

979
Do livro Cartas, Editora Record, 1980, com desenhos de
Portinari, em Carta ao Pai, Sebastião Ramos , aos 22 anos

Jornais: fermento para suas obras

Foi no batente dos jornais onde trabalhou - no Rio de Janei-


ro e em Alagoas - com sua linguagem enxuta e sintética que Graci-
liano obteve mais fermento para sua obra. Pérolas de seu texto po-
dem ser encontradas entre as suas colaborações para a revista cari-
oca literária semanal, Dom Casmurro, que circulou entre 1937 e
1944. Na época, era a mais importante publicação do gênero do
Brasil, chegando a atingir 50.000 exemplares por semana. Segundo
o jornalista sergipano, o “víbora” Joel Silveira, “todos os literatos
do Brasil escreviam ou visitavam a redação quando passavam
pelo Rio e Dom Casmurro ficou como um ponto de referência para
todos da esquerda.” Entre seus colaboradores, incluíam-se, além
de Joel Silveira, Graciliano Ramos, Murilo Mendes, Oswald de
Andrade, Rachel de Queiroz, José Américo de Almeida, José Lins
do Rego, Cecília Meireles, Astrojildo Pereira, Adalgisa Nery, Jor-
ge Amado. Veja esse trecho da crônica Os Sapateiros da Literatura,
com Graciliano rebatendo outro artigo de Mário de Andrade - pu-
blicado no livro Linhas Tortas, onde estão grande dos crônicas
escritas para os jornais:

“Afinal, quem são os rapazes do D. Casmurro? Os sapatei-


ros da literatura. Não se zanguem, é isto. Somos sapateiros, ape-

980
nas. Quando, há alguns anos, desconhecidos, encolhidos e ma-
gros, descemos as nossas terras miseráveis, éramos retirantes, os
flagelados da literatura. Tomamos o costume de arrastar os pés no
asfalto, frequentamos as livrarias e os jornais, arranjamos por aí
ocupações precárias e ficamos na tripeça, cosendo, batendo, gru-
dando ... Enfim as sovelas furam e a faca pequena corta. São ar-
mas insignificantes, mas são armas”.

Graciliano Ramos, em Linhas Tortas, Record, 1962

IRIS ALAGOENSE INAGURA IMPRENSA

O primeiro jornal que circulou em Alagoas, o célebre Íris


Alagoense, teve sua primeira edição impressa na Bahia, em 1831.
O impresso ainda mudaria seu nome para O Federalista Alagoense,
que circulou até 1836. Editado por um único redator, o jornalista
francês Adolphe Emile de Bois Garin, vindo de Recife, onde edita-
ra o periódico Espelho das Brasileiras. Era o porta-voz da Socieda-
de Patriótica de Maceió, um jornal político, literário e mercantil. O
jornal chegava a Alagoas com as mesmas características de outros
do país, era notável seu inconformismo e a crítica a todas as for-
mas de poder absoluto. Antes do Íris Alagoense, a publicação de
jornais, em Alagoas, era proibida pelo Império. O primeiro jorna-
lista alagoano, Afonso de Albuquerque Melo, padre e deputado
provincial, natural da antiga cidade de Alagoas (atual Marechal

981
Deodoro) atuou apenas quando o Íris foi renomeado para O Fede-
ralista Alagoense.

Antes do jornal, a tipografia

A primeira tipografia em Alagoas, A Patriótica, foi instalada


na Rua do Livramento, Centro de Maceió. O nome Patriótica era
uma referência à Sociedade Patriótica Federal, organizada em todo
o país pelos liberais. A tipografia foi criada em 1831, pelo então
presidente da província de Alagoas, o paraibano Manoel Lobo de
Miranda Henriques, numa tentativa de ganhar a simpatia dos ala-
goanos, que o receberam com desconfiança, e mostrar suas obras
públicas. Ele comprou o maquinário do pernambucano João Batis-
ta Franco com dinheiro arrecadado entre seus partidários. A nova
tipografia trouxe de Pernambuco o primeiro editor, o francês
Adolphe Emílio de Bois Garin, que trabalhava no Espelho do Reci-
fe, que redigia bem em português. Foi a gráfica Patriótica que lan-
çou o Iris Alagoense. O redator Bois Garin era auxiliado por dois
jovens alagoanos, João Simplício e Bartolomeu de Carvalho.No
dia 18 de fevereiro de 1832, o nº 50 do Iris Alagoense circulou
pela última vez. Quatro dias depois, o porta-voz dos liberais volta a
circular com nova denominação, agora era O Federalista Alagoen-
se.
Atentado ao redator

O francês Garin, que redigia o jornal, terminou por ser alve-


jado nos embates entre os grupos políticos locais. Seis dias depois

982
de ter circulado o último número do jornal, o editor e redator foi
atingido por tiros de pistola, saindo ferido no peito e com mais de
doze caroços de chumbo no corpo. Voltou para Recife imediata-
mente. Auxiliado pelo advogado pernambucano Felix José de Me-
lo e Silva, quem assume a editoria do jornal é um dos líderes dos
liberais alagoanos, padre Afonso de Albuquerque Melo, que passa
a ser o primeiro jornalista alagoano.

Fonte: Pesquisa do professor Douglas Apratto Tenório para


o fascículo nº 8 de Memórias Legislativas, 1998, editado pela As-
sembleia Legislativa do Estado de Alagoas.

O lendário Jornal de Alagoas

O velho Jornal de Alagoas, da rede nacional que o magnata


da imprensa brasileira, Assis Chateaubriand, montou no Brasil, foi
fundado em 1908. O lendário JA viu passar uma centena de gera-
ções de jornalistas e intelectuais alagoanos que antes de ganharem
o mundo publicaram textos e gastaram a sola dos sapatos para su-
bir os degraus que levavam ao tablado do segundo andar, onde
ficava a redação, no Centro de Maceió (onde hoje a loja C & A).
Muitos ficaram famosos após escreverem poesias, contos e repor-
tagens no JA. A lista é grande e começa com Graciliano Ramos –
redator e cronista; Aurélio Buarque de Holanda – redator, revisor e
cronista – e escritores que deixaram a marca de sua produção lite-
rária no JA: José Lins do Rego, Manoel Diegues Junior e a cearen-

983
se Rachel de Queiroz – que passou um bom tempo morando em
Maceió – Jorge de Lima, e tantos outros mestres.

LAUTHENAY: DOM QUIXOTE DO ESPORTE

O velho Lau - jornalista esportivo e pesquisador Lauthenay


Perdigão - já foi tudo, já fez de tudo nos esportes e no futebol, e
tem fôlego para muito mais. Ele começou como um garoto apaixo-
nado pela bola, quando jogava com os amigos na praia ainda limpa
da Avenida da Paz; foi jogador atleta amador e profissional no Ti-
radentes, que ajudou a fundar, e no CSA, jogando partidas no time
principal e sendo até campeão na modalidade juvenil; foi um cole-
cionador implacável de revistas, jornais e livros sobre futebol e,
como não poderia deixar de ser, fundou seu próprio museu, o Mu-
seu dos Esportes Edvaldo Alves Santa Rosa – o seu amigo Dida -
hoje um dos equipamentos esportivos mais importantes do país.
Ao longo de sua trajetória, Lauthenay reuniu e publicou em livros
suas pesquisas, suas reportagens para os jornais, seus roteiros es-
portivos para as rádios, os áudios das entrevistas que realizou, abri-
lhantando ainda mais o seu museu. Nesse espaço, Lau realizou
centenas de encontros com os ídolos do passado e do presente, o
qual denominou Cantinho da Saudade, e tudo cuidadosamente re-
gistrado em vídeo e fotos. São mais de trezentas entrevistas guar-
dadas por ele, que sempre disposto se dispo a mostrá-las e compar-
tilhá-la com as novas gerações.

984
Formação dos craques-meninos

Com quatro livros publicados sobre o futebol alagoano, al-


guns de grande sucesso de vendas e de crítica, como o lendário:
Arquivos Implacáveis – Lauthenay esteve sempre na linha de fren-
te de cada lance dos esportes em Alagoas: no futebol, no vôlei, no
basquete, no esporte especializado e na formação de craques-
meninos do dente de leite, e do futebol das comunidades carentes
de Maceió. Por 17 anos ininterruptos, ajudou a tirar muitos garotos
do caminho das drogas e da violência. Sua trajetória e seu esforço
em prol do desenvolvimento dos esportes já o levaram a conquista
de prêmios e reconhecimento pelo seu trabalho, não somente em
Alagoas, mas em todo o país. Lauthenay dedicou sua vida ao es-
porte, guardando a memória dos grandes atletas e craques do pas-
sado e do presente, as suas incríveis histórias, registros do futebol
alagoano e brasileiro, e suas entrevistas com craques locais e naci-
onais. O maior lateral de todos os tempos, o jogador Nilton Santos
(1925-2013), foi um dos que registraram seu autográfo. O homem
chamado de “enciclopédia do futebol”, eterno ídolo do Botafogo
de Futebol e Regatas, esteve no museu para lançar seu livro “Mi-
nha Vida, Minha Bola”. E foi assim que Nilton reconheceu o traba-
lho de Lauthenay em sua coluna publicada no Jornal de Brasília,
em 13 de dezembro de 1998.

“Na minha passagem por Maceió, na semana passada, tive


a oportunidade de conhecer um dos mais fantásticos trabalhos
realizados neste país pela história do futebol brasileiro. Trata-se

985
do Museu dos Esportes Edvaldo Alves Santa Rosa, idealizado e
mantido pelo jornalista e historiador Lauthenay Perdigão, profis-
sional que conheci pessoalmente e que impressionou pela dedica-
ção ao trabalho que realiza em favor da preservação das tradições
e nomes do nosso esporte, em todas as modalidades”.

Tempos de ouro no futebol

“Olha, em 1959, veio prá cá, Fluminense, depois da Copa


do Mundo, depois da Copa de 58, no começo de 59, veio o Flumi-
nense, Botafogo, Flamengo, e esses clubes vieram aqui com os
seus campeões do mundo. E eu entrevistei todos eles, havia muita
facilidade naquela época. Hoje não. Mas, naquela época, eu chega-
va ao Parque Hotel, na portaria eu nem dizia que era repórter. Só
bastava dizer assim: Eu quero conversar com o Castilho ou o Didi,
o Pinheiro, e o Telê também. Aí o porteiro dizia peraí um minuti-
nho. Aí telefonava pro quarto e dizia. “Olha, tem um rapaz aqui
pra conversar com você”. Aí ele dizia: Mande subir. Aí eu subia,
ele saia do quarto, tinha um lugar assim, meio reservado, aí a gente
sentava e conversava comigo, ele dizia que queria conversar com
ele pra o jornal. Tal e tal. Hoje não. Hoje, a gente vai é um monte
de segurança, não deixa entrar, não pode conversar”.

MARQUES DE MELO: O PENSADOR

986
O professor José Marques de Melo (1943-2018), considera-
do um dos maiores pesquisadores de comunicação do Brasil foi o
primeiro doutor em jornalismo titulado por uma universidade bra-
sileira e participou ativamente de momentos marcantes da história
do ensino de Jornalismo no Brasil. Durante sua rica trajetória inte-
lectual, contribuiu com a formação de inúmeros pesquisadores e
publicou dezenas de livros que se tornaram referências para as
áreas de jornalismo e comunicação. Nascido em Palmeiras dos
ìndios, Alagoas, em 1943, José Marques de Melo iniciou sua car-
reira acadêmica em 1966, em Recife, como assistente do Professor
Luís Beltrão. Logo em seguida transferiu-se para São Paulo onde
fundou em 1967, o Centro de Pesquisas da Comunicação Social,
mantido pela Faculdade de Jornalismo Cásper Líbero, então vincu-
lada à Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo. Em
1994, atendendo a um convite do reitor da Unicamp, Professor
Carlos Vogt, José Marques de Melo, ajudou a fundar o Laboratório
de Estudos Avançados em Jornalismo – Labjor – projeto decisivo
para a existência deste Observatório da Imprensa. Como jornalista,
José Marques de Melo ganhou um prêmio Esso Regional por uma
reportagem publicada no Jornal do Commercio de Recife, em
1965, sobre a desativação de ramais ferroviários no Nordeste após
o golpe de 64. Trabalhou também como repórter e colaborador em
publicações de Alagoas, Pernambuco, São Paulo, Brasília, Rio
Grande do Sul e Rio de Janeiro.

Intercom, uma revolução no Jornalismo

987
Em 1977, idealizou e foi um dos fundadores da Sociedade
Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação (Inter-
com). Exerceu a presidência da entidade em três mandatos. José
Marques de Melo idealizou também a Rede Alfredo de Carvalho –
que, depois, se tornaria a Alcar (Associação Brasileira de Pesqui-
sadores de História da Mídia) – e inspirou intelectualmente redes
nacionais e internacionais, como Lusocom e Folkcom. O professor
José Marques de Melo formou gerações de jornalistas e de pesqui-
sadores acadêmicos, orientando uma centena de pós-graduandos,
dos quais 72 mestres e 28 doutores. Em 2014, o projeto Memórias
da USP fez uma entrevista com o professor onde ele relembra os
fatos mais marcantes de sua trajetória.

MENDONÇA: VOZ QUE NÃO CALA

Antônio Saturnino de Mendonça Neto (1945-2010) nasceu


em Rio Novo, Minas Gerais, mas foi entre Alagoas e o Rio de Ja-
neiro, que viveu seu tempo de mocidade, de inquietação, de vida
política e profissional. No Rio de Janeiro iniciou sua carreira de
jornalista, no Diário de Notícias, depois nas revistas O Cruzeiro e
Manchete. Foi deputado estadual e deputado federal por Alagoas
entre 1974 e 1994, defendendo, entre outras causas, a volta à de-
mocracia representativa, uma distribuição de renda mais justa e a
probidade no uso do dinheiro público. No Rio de Janeiro, como
antiga Capital Federal ele se aproximou do ex-governador da Gua-
nabara, Carlos Lacerda. A influência política do udenista carioca

988
moldou a sua vida como jornalista e político. Mendonça Neto ficou
conhecido como “A voz que não se cala”, devido ao seu persistente
combate aos ladrões de colarinho branco. Ele dedicou boa parte de
sua vida à luta contra a corrupção e em defesa da moralidade pú-
blica.

“Penso que o problema essencial de Alagoas não é a cor-


rupção que avilta o seu povo e condena o seu destino a ser um
destino de pobreza e submissão. Para mim, é a falta de autoridade
dos governantes que castiga a nossa terra, falta de autoridade
para impor que os recursos do Estado sejam gastos com o povo
alagoano, sem a desonestidade ou a incompetência dispersiva dos
que ocupam cargos públicos, como barganha política do que por
merecimento”.

Texto de Mendonça Neto em sua coluna do jornal Extra, se-


tembro de 2010

Mendonça Neto no front do jornalismo

Mendonça Neto foi jornalista profissional desde os 20 anos.


Sua primeira reportagem saiu em 1960, já como manchete de capa,
na Gazeta de Alagoas. Mendonça descobriu e entrevistou o cabo
Honorato, o matador de Lampião. A partir daí ele ganhou o Brasil.
No jornal carioca Diário de Notícias teve sua carteira assinada e foi

989
repórter, colunista, chefe de redação e fez coberturas em todo o
país. Sua fama correu, trabalhou na revista O Cruzeiro e Manchete,
onde realizou grandes reportagens como as eleições norte-
americanas de 1968. Entrevistou personagens e celebridades naci-
onais e internacionais como Elis Regina, Tom Jobim, Mané Gar-
rincha, Jânio Quadros, JK, Francisco Julião, Chico Buarque, Char-
les Aznavour, Cláudia Cardinalle, Richard Nixon, Leonel Brizola,
Ulisses Guimarães. Entre muitos outros personagens.

Datilógrafo dos verbetes de Aurélio

No livro de Mendonça Neto, O Ministro que Virou Garçom


(2006), que reúne o resumo de suas reportagens e crônicas, ele
relata seu início de carreira, aos 19 anos, como datilógrafo das fi-
chas de verbetes do dicionarista Aurélio Buarque de Holanda, em-
prego pedido pelo seu pai. Aceito na casa do dicionarista, a figura
lhe deu medo: “cabelos desgrenhados, de movimentos inquietos na
pequena sala, ruminando palavras, parecia um animal trancafiado
na jaula”.

“Nada mais falso. Com o tempo revelou-se uma figura hu-


mana e suave. A missão era datilografar os verbetes, nos meus 19
anos achava a tarefa simples, até conhecer o método bibliográfico.
O autor vinha lutando com seu dicionário há mais de dez anos e
perdera o patrocínio de uma grande editora. Estava só, por sua
conta, a casa entulhada de fichas e ele sem saber se, um dia, ainda
conseguiria editá-lo ou, pelo menos, deixá-lo pronto. Economizava

990
tudo, sobretudo papel. Quando me via rabiscando garatujas na-
quelas folhas, fazia uma advertência paternal. Nos intervalos do
trabalho, contava-me histórias dos dicionários, do seu amor a eles
e de sua angústia de não saber se conseguiria quem bancasse a
primeira edição. “Sou um simples professor, não aguento tocar
isto sozinho”, me dizia. Um dia, iria chegar a editora Nova Fron-
teira, de Carlos Lacerda, e fazer do Aurélio o dicionário mais po-
pular da história do Brasil. Mas até este dia, o combustível do
mestre Aurélio era a fé absoluta no que fazia”.

Mendonça Neto, no livro O Ministro que virou garçom, edi-


tora Voz de Minas, 2006, pag 195

NUNES: VIDA SEM RETOQUE

Manoel Nunes Lima (1931-2011), cartunista e jornalista


alagoano, era um homem simples, que viveu sua vida inteira de
forma franciscana no batente do jornalismo. Escreveu e desenhou o
povo humilde das Alagoas, falou por eles. Em uma charge, profes-
sora e aluno travam o seguinte diálogo: Conjugue o verbo comer! -
Ao que o aluno indagou de volta: comer o que, professora? Sua
concepção do cotidiano simples, seu humor admirável, e a ironia
fina e sutil, estiveram em suas charges publicadas na página de
Opinião, da Gazeta de Alagoas por décadas, ou nas crônicas que
escreveu na coluna Vidas Sem Retoque, transformada em livro, em
2008. “Nunes é uma daquelas raridades que nós temos. O seu tra-

991
balho vai em cima das camadas mais simples. A popularidade que
ele alcançou era impressionante. As pessoas colecionavam os re-
cortes. Era fácil vê-los em barbearias e oficinas”, diz o jornalista
Ênio Lins, no Diário Oficial do Estado.

“Era o tempo de telefone grande e preto, da máquina de


escrever, do linotipo que derretia chumbo para fazer notícias, da
teletipo barulhenta, dos clichês de zinco, da velha rotativa que
engolia rolos de papel em branco, e os devolvia cheios de letras,
de notícias que os gazeteiros gritavam em seus pregões, que se
misturavam ao ranger dos bondes no trilho. Foi nesse ambiente
que nasceu Vidas sem Retoque, contando casos acontecidos aqui e
alhures neste mundo de Deus e de satã”.

Nunes Lina, na apresentação de seu livro Vidas sem Reto-


que, com edição de Lima de Amorim – 2008

RODRIGUES DE GOUVEIA: UM GIGANTE

José Rodrigues de Gouveia (1928-2015) foi um dos mais


importantes jornalistas alagoanos, sempre em comandos de reda-
ção por onde pediu passagem. Começou no batente em 1951 no
Jornal de Alagoas, fez carreira na Gazeta de Alagoas – chegando a
ser o editor geral. Trabalhou ainda no Jornal do Comércio, em Re-

992
cife (PE), e diretor da sucursal da lendária revista O Cruzeiro. Teve
uma grande história também o rádio alagoano. Gouveia se aposen-
tou pelo Banco do Nordeste, onde também fez carreira, como as-
sessor de Comunicação, em Fortakeza (CE). Rodrigues de Gouveia
é reconhcedo também pela sua veia literária, autor de livros e fun-
dador da Associação Alagoana de Imprensa.

“Dos jornalistas da época quem eu admirava mesmo, den-


tro da redação da Gazeta, era o Rodrigues de Gouveia, que foi um
dos grandes jornalistas de Alagoas, foi meu mestre de jornalismo.
O Gouveia era secretario de redação, e eu recordo também que
como correspondente, ele me dava todo apoio, e por incrível que
pareça, eu vim conhecer o Rodrigues Gouveia, muito tempo depois
de ser colaborador da Gazeta. Eu tinha muita satisfação e vibra-
va, evidentemente, com 16, 17 anos, quando eu recebia o jornal e
alguns artigos meus. Era incrível, pois naquela época quem escre-
via era o Lima Júnior, Teotônio Vilela, Paulo Vasco de Aragão.
Uma série de jornalistas de renome e que eu ficava feliz da vida
com aquilo. E a partir daí veio a minha vibração, meu apego ao
Rodrigues Gouveia, e quando cheguei à redação, fui trabalhar
com ele, foi uma maravilha”.

Depoimento do jornalista Antonio Sapucaia a Bartolomeu


Dresch, em Memória da Imprensa Alagoana, 2003, Secom AL

SAPUCAIA: AGUERRIDO JORNALISTA

993
De origem simples, o jornalista e desembargador Antônio
Sapucaia da Silva é filho ilustre do Pilar, de onde saiu também
Arthur Ramos e Costa Rego, grandes nomes de Alagoas, ambos
biografados por Sapucaia em livros. Iniciou sua carreira quando foi
nomeado juiz em oito de março de 1971 e depois atuou nas comar-
cas de Água Branca, Colônia Leopoldina, Viçosa, Atalaia. Mas
antes de seguir no Direito, foi escriturário da loja Mesbla e jorna-
lista. Antônio Sapucaia pertenceu a uma geração aguerrida, de
muita luta política e profissional, na convivência diária da Casa
dos Estudantes, pelos idos de 1967/1968, com nomes que ganha-
ram peso histórico como os jornalistas Tobias Granja, Albérico
Cordeiro, Josenildo Carvalho, Cícero Canuto, Pedro Teixeira. Sa-
pucaia fez carreira na Gazeta de Alagoas, e tornou-se, junto Eduar-
do Menezes, o primeiro copidesque da imprensa alagoana. “Não
tinha esse tipo de redator nos jornais de Alagoas, o modelo foi
trazido pelo Leopoldo Collor de Mello do Jornal do Brasil, onde
trabalhava”. Na Gazeta ele chegou a função máxima do jornalis-
mo, a de secretário de redação. Antonio Sapucaia é o autor da mais
completa biografia sobre o jornalista e ex-governador de Alagoas,
Costa Rêgo.

O índex de Arnon

“Evidentemente que eu não desfrutei dessa liberdade, du-


rante a vida toda na Gazeta porque, eu cheguei a ser secretário de
redação, e naquela época, a gente tinha umas limitações. Por exem-

994
plo, em determinado período, o Dr. Arnon de Mello dizia olhe, o
nome de fulano de tal não pode sair nesse período. Por exemplo, o
do governador Lamenha Filho, vamos dar um exemplo... em deter-
minados períodos. Arnon de Mello era senador e vinha sempre a
Maceió, ele gostava demais da Gazeta e dava total assistência. Saía
do aeroporto direto para redação e lá se juntava a todos nós, era de
uma simplicidade extrema. Mas, havia essas coisas, questões políti-
cas né? E, eu encontrei certa dificuldade com relação a isso. Porque
eu na realidade era funcionário público estadual e tinha esse empe-
cilho. Eu recordo, permita-me esse parêntese aí, quando as vezes eu
vinha despachar... eu fui secretario de Administração no Governo
Lamenha Filho. E uma das vezes ao despachar ele disse...”Eu sei
que meu nome está proibido de sair no jornal, não é? Eu dizia “não
Governador, não é nada disso”.

Costa Rêgo: fonte de inspiração

O Pilar foi um celeiro de intelectuais, personalidades como


Arthur Ramos e Costa Rêgo (ex-governador de Alagoas), princi-
palmente Arthur Ramos, no campo da ciência foi um dos maiores
antropólogos do Brasil e morreu aos 46 anos de idade na condi-
ção de diretor da Unesco (Organização das Nações Unidas para a
Educação, Ciência e Cultura), depois de haver publicado centenas
de trabalhos de ordem cientifica e impressionar, não apenas o
Brasil, mas, até fora no exterior também. Cresci ouvindo os nomes
de Arthur Ramos e de Costa Rêgo. E, na realidade, talvez até an-
tecipando uma possível pergunta sua, o despertar da minha voca-

995
ção foi através do nome de Costa Rêgo. Costa Rêgo foi a minha
fonte de inspiração e minha base de vocação. Naquela época era
o maior jornalista do Brasil, ombreando-se com Assis Chateaubri-
and, Macêdo Soares, Prudente de Moraes Neto, todo aqueles no-
mes de maior vulto do jornalismo brasileiro, estavam ao lado de-
le”.

Costa Rêgo: 1º professor de jornalismo no Brasil

“Costa Rêgo foi um homem um que enfrentou dificuldades


terríveis, tremendas, pra chegar ao Rio de Janeiro, saiu de Pilar
em condições abomináveis, porque havia perdido o pai, havia per-
dido a mãe, mas teve a felicidade de ir para o Rio de janeiro, e lá
foi... A vocação dele já nasceu em Pilar. Ele saiu daquí em 1900
ele tinha 11 anos de idade, mas a família dele era de jornalista.
Tinha o Zadir Índio e o Fernando Mendonça, que eram intelectu-
ais em Pilar. Então Costa Rêgo foi, juntamente com o irmão Ro-
salvo da Costa Rêgo - que tornou-se arcebispo do Rio de Janeiro -
, e lá chegando foram criados pelo tio. Fez o ginásio no Mosteiro
São Bento, e por incrível que pareça ele se tornou o primeiro pro-
fessor de jornalismo do Brasil. Aliás, essa tese vem sendo defendi-
da e difundida pelo José Marques de Melo, em todos os congres-
sos, em todas as oportunidades que ele tem”.

Como Costa Rêgo chegou ao governo

996
“Foi o seguinte. Primeiro começou com jornalismo, ele era
um jornalista altamente conceituado no Brasil. Era um homem que
tinha intimidade com Getúlio Vargas, pois trocavam charutos,
essas coisas - eram fumadores inveterados de charutos. Rêgo man-
tinha uma coluna no Correio da Manhã ( o maior jornal brasileiro
da época, seria O Globo depois) e criticava abertamente Getúlio
Vargas, mas, eram amigos. Então veja o seguinte. Com esse pres-
tígio dele o então governador da época era Fernandes Lima, e
acharam que podia ser o nome indicado para governar Alagoas,
mesmo porque ele defendia muito o Estado de Alagoas e as políti-
cas locais. Além disso, era um homem de alta dignidade, isso tam-
bém contava bastante. É incrível, na época existia isso, hoje está
desaparecendo aos poucos, gradativamente. Mas, havia um Costa
Rêgo no Brasil naquela época. Ele chegou até a me contar que foi
cogitado pra ser candidato à presidência da República, na época
em que esteve bem próximo do Getúlio Vargas, chegou a ser cogi-
tado o nome dele e tal. Era um homem de alto destaque e deu-se o
seguinte. Ele então foi convidado pelo Fernandes Lima pra vim
governar Alagoas. Aceitou e veio como candidato único, ele go-
vernou de 1924 a 1928”.

Tesoura press na goma arábica

“Tínhamos os nossos noticiaristas locais e evidentemente os


nacionais, eu recordo que até o Edécio Lopes passou um período
na secretaria de redação, ele cuidava da parte internacional do
jornal. Mas, a parte nacional... A Gazeta naquela época tinha um

997
carro, um jeep, dirigido pelo Moura, pai da nossa amiga Elza
Moura, que trabalhou na Gazeta durante muito tempo. E o Moura
ia ao aeroporto, não esperava que chegasse nas bancas, e ia apa-
nhar os jornais diariamente: o Globo principalmente, Folha de
São Paulo, O Estado de São Paulo, ele apanhava esses jornais
principais do Brasil, e quando chegava, nós recortávamos as ma-
térias principais, substituíamos os títulos e colávamos com goma
arábica e a tesoura. Eram dois instrumentos indispensáveis na
redação”.

Discurso de desabafo

“Entrei no Tribunal de Justiça por mérito. Entrei em duas


listas por merecimento, então se eu tivesse entrado na terceira lista,
obrigatoriamente, eu seria promovido a desembargador, e na tercei-
ra vez, me boicotaram por iniciativa do então presidente do Tribu-
nal de Justiça, achando que eu não seria conveniente ao Tribunal e
sem nenhum motivo eles se reuniram com os demais desembarga-
dores, e resolveram então votar contra mim pela terceira vez. Daí
essa mágoa minha, e talvez a razão maior daquele discurso, foi isso,
não nego a ninguém, fiz por mágoa, esse é que é o fato. Eu queria
desabafar, e nunca me arrependi. Eles então abriram até uma sin-
dicância contra mim e depois fui ouvido por um juiz do Conselho
Nacional de Justiça, que me perguntou se eu havia me arrependido
e eu disse a ele que tinha me arrependido de não ter dito tudo que
eu sabia, infelizmente, eu podia ter feito aquele discurso mais rigo-
roso. Mas já passou e está tudo bem”.

998
Operação taturana

”Eu realmente me afastei aqueles deputados e arranjei al-


gumas inimizades em razão disso, mas a minha decisão foi rigoro-
samente técnica. Qual foi o motivo da minha decisão? Era pra que
eles não influenciassem, não exercessem qualquer domínio na pro-
dução das provas, que é normalíssimo em qualquer processo e po-
deriam realmente ter influenciado. Tanto que arrumei alguns ini-
migos que arranjei gratuitamente, infelizmente. Voltaria a fazer
isso, não me arrependo, mas eu fiz quando eu afastei, eu esperava
que a colheita de provas ocorresse com uma relativa brevidade e que
eles voltassem a exercer as atividades dentro de pouco tempo. Infe-
lizmente, não quero tecer nenhuma crítica à Justiça, a parte da co-
lheita de provas não cabia a mim como desembargador, cabia a jus-
tiça de primeira instância, e demorou, tanto que eles passaram
afastados durante um ano e sete meses, em vez de ter sido uma pu-
nição. Embora alguns merecessem estar na cadeia, mas essa é outra
história que fica a cargo da Justiça”.

VALMIR: MESTRE DE GERAÇÕES

Da máquina de escrever aos terminais de computadores, no-


ta-se que o barulho das Olivettes e Remingtons e a fumaça dos
cigarros no ar, coalhando o cinzeiro, não existe mais. Porém, fica-
ram os bambas, aqueles jornalistas que superam os tempos, e unem

999
gerações. O maior deles chama-se Valmir Calheiros. Ele nos dei-
xou, em março de 2014, ou encantou-se, chegando lá como fazia
aqui, todos os santos dias. Lá vinha ele, camisa arregaçada, testa
franzida e acentuada, óculos girando entre a mão e o bolso: “Seu
cara”... A alegria, o bom papo, a grande pauta fluía. No final, Val-
mir ainda estava no batente, com mais de 50 anos de jornalismo, e
em seus quase 70 anos de vida, como profissional da Organização
Arnon de Mello, onde ocupava as funções de editorialista e repór-
ter especial do Jornal Gazeta de Alagoas.

O começo, em Atalaia

“Primeiro eu comecei pelo gosto da literatura, eu tinha 10,


12 anos e já tinha lido os principais livros de Jorge Amado, Érico
Veríssimo, de Mário Palmério, de João Condé, de Graciliano, já
naquela época. Todos os livros desses escritores, que surgiram até
aquela época, eu li tudinho, nas férias que eu passava na fazenda da
família lá no interior da zona rural de Atalaia. Meu começo foi em
um jornal que surgiu em Atalaia, o Atalaiense: minha mãe foi
comprar sabão, lá numa bodega qualquer, quando eu peguei o jor-
nal enrolado na barra de sabão, aquilo me revoltou! e eu fui ler. As
palavras mais complicadas no jornal comecei a anotar, e depois nos
livros que eu tinha lido, comecei a anotar aquilo, quando eu um dia
com 14 anos de idade, ainda fazia o curso de admissão ao Ginásio,
quando mataram, uma velha lá, um latrocínio, uma senhora de
oitenta e tantos anos, cheguei e fiz a reportagem sobre esse assassi-
nato e mandei pra o Jornal de Alagoas, fiz a mão e a minha surpre-

1000
sa foi é que minha matéria estava na manchete da página. Aí eu
fiquei gostando daquilo. Mandei um artigo, mandei o segundo,
mandei o terceiro e começou a serem publicados pelo Carvalho Ve-
ras, que era o organizador da página dos Municípios do Jornal de
Alagoas”.

Retrato de uma Comuna.

“Na Gazeta criei a coluna que sempre saia aos Domingos


“Retratos de uma Comuna”, isso, já na década de 50. Agora, infe-
lizmente por causa do nome da coluna cai nas malhas do golpe mi-
litar, sendo perseguido, porque o delegado de Atalaia não gostava
de mim, por razões talvez até porque ele cantou uma namorada
minha e eu também fui cantar a namorada dele, e ele não gostava
de mim e um dia, pegou esse Jornal com o título Retrato de uma
Comuna, e levou pro Secretário de Segurança, aqui em Maceió,
dizendo que eu tava fazendo apologia ao comunismo”.

Gazeta e a política estudantil

“Um belo dia, chega o motorista da Gazeta, o Moura,


dizendo que o senador Arnon de Mello, queria falar comigo,
eu fui lá, aí o senador disse: Você escreve direitinho, quer ser
repórter da Gazeta? Eu cheguei e disse. Só se for para come-
çar agora. Ele chegou e disse: Já está começando. Comecei na

1001
política estudantil, ao mesmo tempo da Gazeta de Alagoas.
Nessa época, surgiram outras pessoas também. Que depois
seriam jornalistas, o José Marques de Melo, primeiro doutor
em jornalismo do Brasil, Bezerra e Silva - a primeira pessoa
que começou a escrever sobre as façanhas de Lampião em
Alagoas - Ivan Barros, saiu daqui foi para o Rio onde traba-
lhou nas revistas O Cruzeiro e Manchete; Hélio Teixeira, pa-
dre Abelardo Pereira; Francisco Rocha, da Academia Alago-
ana de Letras: o Rubens Cavalcante, Juarez Oliveira, Juarez
Ferreira, Antonio Sapucaia, Zito Cabral. Sem demérito para
os demais, a maior geração de jornalistas, de talentos, foi dos
anos 1950 e 1960, como as maiores gerações de homens de
letras nesse país, eu reputo o grupo que surgiu nos anos
1920 e 1930 em Alagoas. O Jorge de Lima, Aurélio Buarque
de Holanda, Graciliano Ramos, que com 11 anos de idade já
escrevia para o Jornal de Alagoas, agora sob pseudônimo.
Na década de 50, quando estava começando o jornalismo
profissional, tudo era mais romântico, porque era poeta
quem escrevia, era advogado quem escrevia, depois foi que
veio a profissionalização.

O barulho da Voz do Povo

“Eu já gostava daquele jornalzinho. Do jornalzinho que era


bem pouco simpático para o regime, era a Voz do Povo, eu era
garotinho, tinha 10, 12 anos de idade, feito na vila operaria, em
Fernão Velho próximo de Maceió. Recordo-me que todo domingo

1002
passava lá o jornaleiro Gatinho, ele era galego, baixinho, vendendo
a Voz do Povo. Era o jornal do Partido Comunista, que seria dis-
solvido pela polícia, pela Polinter em 64. A Voz do Povo fazia ba-
rulho, era vendido em Fernão Velho, o jornal mais dirigido aos
operários. Eu tirava dinheiro da minha mãe as escondidas pra
comprar a Voz do Povo. Fazia isso pra duas coisas, era pra com-
prar o jornalzinho e não perder uma matinal”.

Reportagens e causos

“Por acaso, fui ao Cine Plaza, e tinha lá um galego, um se-


nhor bem gordo, vendendo pipoca, comecei a conversar com ele e
uma senhora também moreninha, bem humildezinha, ajudando ele
botar a pipoca no saquinho... Bem, aí eu desconfiei que ele não
era alagoano, não era português, pelo sotaque, comecei a puxar,
puxar, puxar, aí puxei essa velhinha pro meu lado assim, e ela me
disse: é alemão! Eu disse: o senhor é alemão, eu quero conversar
com o senhor. Fui, fui. insisti e cansei de tanto insistir aí ele con-
tou que tinha fugido do (Adolfo) Hitler, da tropa de Hitler, porque
o pessoal queria pegá-lo de qualquer maneira. Era um dissidente
nazista”.

“Nas minhas andanças descobri uma família, que o nome


dos filhos, eram nomes de atores de Hollywood. Mas essa história
não chegou a ser contada, foi uma pena, porque eu viajando com
o senador Arnon e com o deputado Oséias Cardoso, a gente an-
dando no interior, quando saímos da pista principal, e entramos

1003
assim na variante que vai para Capela, Cajueiro, aquele meio de
mundo. Aí o Oséias sente sede e disse Valmir, vá pegar um coco de
água pra mim ali. A gente chama coco, é aquele vasilha de água,
coisa e tal e cheguei lá disse moço, me arranje um pouco d’água.
Aí o velhinho tava assim, aí disse: Jane Altman vá buscar água
para o moço. Ao mesmo tempo ele pergunta: Ô Jane, cadê o Roy
Rogers, aí a menina respondeu e saiu... Achei que era uma brinca-
deira. Aí comecei a puxar conversa, peraí seus filhos tem nome de
artistas... Quais os nomes deles? Tem o Rocky Lane, Billy Elliot...
E meninas? Também tem nome de artistas? Tenho três que traba-
lham aqui no roçado... Sofia Loren, Gina Lollobrigida e Lauren
Bacall”.

MEMÓRIAS POLÍTICAS

MALTA: SERTÃO DOMINA POLÍTICA

Euclides Vieira Malta (1861-1944) foi governador de Ala-


goas por duas vezes(1900-1903 e 1906- 1909, magistrado e políti-
co alagoano. Filho do alferes de milícias Manoel Francisco Malta e
Maria Vieira Malta, casou-se com Maria Gomes Malta, filha de
Manuel Gomes Ribeiro, o barão de Traipu. Formado pela Faculda-
de de Direito de Recife em 1886, ocupou o cargo de promotor pú-

1004
blico em Atalaia, Coruripe e Penedo. Ainda no sélculo IXX foi
deputado estadual (1890-1891 e 1895-1896), prefeito de Penedo
(1895-1897), deputado federal (1892-1893 e 1897-1899, e senador
(1903-1905, 1906-1908 e 1921-1926). Sua sobrinha-neta, Rosane
Collor, foi a primeira-dama do Brasil entre 1990 e 1992, durante o
governo Collor de Mello. O ciclo político de domínio dos Malta
finalizou em 1912. Na oposição estava Fernandes Lima, que lan-
çou como candidato ao governo o general Clodoaldo da Fonseca.
O afastamento definitivo de Euclides Malta só se dará na década
de 1930, e muitos de seus seguidores permaneceram na ribalta do
poder.

“Como político, enorme foi o seu prestígio pessoal e a leal-


dade aos seus princípios e aos correligionários. Dentre os empre-
endimentos levados a efeito por sua administração. Destacam-se a
conclusão das obras do Palácio dos Martírios (hoje Museus Flori-
ano Peixoto), a construção do Teatro Deodoro, o cais sobre o São
Francisco, em Penedo e a construção dos monumentos de Floria-
no, Deodoro, Sinimbu, Rosa da Fonseca”.

Depoimento do historiador Manuel Diegues Júnior, pai.

FERNANDES LIMA: O CABOCLO INDÔMITO

José Fernandes de Barros Lima (1868-1938) nasceu em Pas-


so de Camaragibe (AL) foi um alagoano que fez da luta pelo poder
o objetivo máximo de sua vida. Cursou direito no Recife, partici-

1005
pou das campanhas pela Abolição e depois retornou ao Estado de
Alagoas, onde iniciou sua vida política. Foi deputado estadual na
legislatura 1893-1894. Eleito deputado federal na gestão 1894-
1896, destacou-se pela oposição à oligarquia dominante, chefiada
por Euclides Malta. Sua candidatura foi favorecida pela nova ori-
entação do governo federal, então chefiado pelo presidente Hermes
da Fonseca (1910-1914), que passou a intervir em alguns estados,
inclusive com o afastamento de seus governantes, no que ficou
conhecido como “política das salvações. Em março de 1918 foi
eleito e reeleito governador de Alagoas, permanecendo no exercí-
cio do governo até 1924, quando tomou posse o novo governador
Pedro da Costa Rego. Contra a tese de que o desenvolvimento de-
veria ser feito da capital para o interior, durante seu governo lan-
çou o slogan “Rumo aos campos”, buscando interiorizar sua ação
administrativa.

Texto de Reynaldo de Barros, da Fundação Getúlio Var-


gas
Fernandes e o Quebra

O nome que batiza uma das maiores e mais importantes


avenidas de Maceió é o do advogado e jornalista José Fernandes de
Barros Lima (1868-1938), que foi por duas vezes governador de
Alagoas nos períodos 1918-1920 e 1921-1924. Fernandes Lima
teve grande influência na política e na sociedade alagoana, e fez
parte da elite econômica e da oligarquia local. Durante 38 anos
exerceu mandatos como o de vice-governador, senador, deputado
estadual e federal. Alagoano de Passo de Camaragibe, Fernandes

1006
Lima esteve nos bastidores políticos de Alagoas de 1892 a 1930.
De forma infeliz, Fernandes Lima se envolveu em um episódio
inolvidável da história brasileira. Em 1º de fevereiro de 1912, co-
mo vice-governador, autorizou milícias armadas e guardas pesso-
ais a invadir e quebrar casas de culto afro-brasileiras, espancando
seus praticantes e destruindo objetos sagrados de culto. No chama-
do Dia do Quebra de Xangô, um dos episódios mais tenebrosos da
história de Alagoas e do Brasil, um dos atos mais violentos de into-
lerância e violência religiosa e racial. Historiadores, antropólogos,
doutores da história do negro, em uníssono, apontam para o forte
protagonismo de Fernandes Lima, até mesmo como mentor políti-
co da Liga dos Republicanos Combatentes – uma liga de clube que
reunia militares - “viabilizada e autorizada” por Fernandes - que
saiu pelas ruas de Maceió para “manter a ordem”, “moralizar os
costumes”, depois da vitória nas eleições.

“Como se tratava de uma guarda particular, seus soldados


prosseguiram com os desmandos, estimulados pela orientação
autoritária de seu padrinho e vice-governador do Estado, Fernan-
des Lima”.

Por Ulisses Neto Rafael, pesquisador paraibano, em entre-


vista à revista Graciliano, edição nº 13, março/abril de 2012

Graciliano e o monstro Macobeba

1007
O romancista Graciliano Ramos falou sobre Fernandes Li-
ma, em 1930, em que lhe deu o codinome de Macobeba – um
monstro mitológico - em duas crônicas escritas para o Jornal de
Alagoas, publicadas no livro Garranchos (editora Record, 2012)
organizado pelo escritor e biógrafo de Graciliano, Thiago Mio Sal-
la. (Record, 2012). Em Nota no livro o autor assinala que o políti-
co tratado no artigo, em chave alegórica, como Macobeba, seria
Fernandes Lima, que na época perdera a eleição para Costa Rego,
e alegava que a votação teria sido marcada por fraudes.

“Não há, pois, Macobeba, como fugir desta alternativa: ou


tu mentes, ou todos os seus fiscais constituíam um bando de imbe-
cis, incapazes de denunciar no momento oportuno uma fraude na
eleição. A primeira hipótese é verdadeira. Teus fiscais não eram
imbecis. Tu, sim, Macobeba, é que mentes e mentes com tanta
maior importância quanto é certo que foste, em pessoa, um dos
fiscais das eleições”.

Garranchos, Thiago Mio Sallo, Editora Record, 2012, no


texto inédito Palavras a Macobeba, Jornal de Alagoas, 15 de março
de 1934.

* Macobeba é uma figura mitológica imaginada por Júlio


Belo, pseudônimo de José Mathias, numa série de textos publica-
dos no jornal pernambucano A Província em 1929. “O Macobeba
era muito grande, tinha o tamanho de uma sucupira de meio sécu-
lo, com um extenso rabo, metade de Leão e metade de cavalo, qua-

1008
tro imensos olhos vermelhos como quatro grandes brasas vivas.
Era mais feio que o cão”. Nota do livro Garranchos Textos Inédi-
tos, organização Thiago Mio Sallo.

ESPÍNDOLA: PROFESSOR E GOVERNADOR

O médico e deputado estadual Tomaz do Bomfim Espíndola


(1832-1969) – chegou a exercer o cargo de governador de Alagoas
como presidente da Assembleia em 1867 – teve sua vida biografa-
da pelo historiador Félix Lima Júnior. Entre suas obras de destaque
está o compêndio “Geographia alagoana ou descripção phisica,
política e histórica da Província de Alagoas, pela Typographia do
Liberal, 1871”. Espíndola era pesquisador nato e curioso, sua tese
de doutoramento foi “A Profilaxia do Cólera Morbus Epidêmico”.
Espíndola ensinou no lendário Liceu Alagoano, o colégio que for-
mou grandes escritores e poetas. Félix Lima Júnior se despediu de
seu amigo, na beira do seu túmulo, na sacristia da Catedral de Ma-
ceió.

“Espíndola foi um homem austero, culto, brilhante... viveu


cercado pela estima e alta consideração dos alagoanos. Morreu
serenamente, com a consciência tranquila, pois cumprira sua mis-
são na terra e, dedicado, servira a sua pequenina província”.

Texto do professor e pesquisador José Maria Tenório Ro-


cha, mestre e pesquisador em antropologia Cultural

1009
SINIMBU: MONARQUISTA CONVICTO

João Lins Vieira Cansanção de Sinimbu (1810-1906), filho


da lendária Ana Lins, uma mãe revolucionária nas lutas de
1817/1824, foi deputado estadual, e passou a atuar na política na-
cional, como deputado geral (hoje seria federal ou senador). Nas-
ceu em São Miguel dos Campos e fez uma longa jornada pelo Bra-
sil e pelo mundo, como Embaixador do Império. Como diplomata
resolveu imbróglios importantes como o acordo com o Uruguai, na
questão do Rio da Prata. Morreu quase centenário, mas monarquis-
ta convicto. “Sou monarquista, morrerei monarquista, mas nunca
conspirei contra a República. Receio que o Brasil se fragmente em
republiquetas, o que seria uma desgraça”.

GRACINDO: METEORO DE VIÇOSA

Demócrito Brandão Gracindo (1884-1927) foi um meteoro


fulgurante que, durante seu curto período de existência terrena,
iluminou o céu das Alagoas. Nasceu em Viçosa em 1884; aos 19
anos termina o bacharelado na Faculdade de Direito do Recife, em
1903. Filho de coronel, Demócrito casa-se com Argentina Guima-
rães Gracindo, que depois de perderam o primeiro filho, que se
chamaria Epaminondas, tiveram apenas um herdeiro, de nome Pe-
lópidas Gracindo, que anos depois tornou-se famoso no País, como

1010
o ator teatral Paulo Gracindo. Depois de ser juiz em várias comar-
cas em Alagoas e no Pará, retornou a Maceió como catedrático de
História Geral do Brasil no Liceu Alagoano e exercendo, simulta-
neamente, intensas atividades profissional, literária e política. Foi
prefeito de Maceió, secretário de Estado por duas vezes, deputado
estadual e federal. E mais: diretor secretário do Banco do Nordeste
do Brasil, com participação na gestão... Não aceitava nossos re-
creios na Praça Rosa da Fonseca, hoje desaparecida, a mim pesso-
almente, tracionava-me pelo pescoço para retorno às aulas do
Lyceu, a nos dizer com o seu vozeirão, que lugar de aluno é na sala
de aula. Fui um dos últimos alunos de sua cátedra, nos idos de
1926.

“Solenidade famosa aconteceu em Alagoas, no salão nobre


do Instituto Arqueológico e Geográfico de Alagoas um ano após o
falecimento de Demócrito Gracindo, por iniciativa da Academia
Alagoana de Letras, denominada os 80 minutos de Demócrito.
Guedes de Miranda, falou sobre Demócrito acadêmico; Carlos de
Gusmão com finura e inteligência sobre a condição de advogado;
Jorge de Lima analisou a trajetória política do homenageado;
Costa Rego comentou o contexto oratório do saudoso alagoano;
Cipriniano Jucá falou sobre o sonhador que emoldurava a sua
personalidade; Jaime de Altavila do professor de energia e dina-
mizador; e Lima Júnior realizou uma profunda análise sociológica
de Demócrito como homem de rua... A sua tez morena, como se
fora um açoreano, dava o coroamento de popularidade ao vulto

1011
eminente que enriquecia as ruas de Maceió, e era um canal de
segurança e liberdade”.

Pesquisa do médico, escritor e professor Ib Gatto Falcão,


em Memória Legislativa nº 31, em 1998

RODRIGUES DE MELO: PRESENÇA NEGRA

Manoel Rodrigues de Melo, nascido no final do século 19,


em 1876, foi um negro lutador, uma grande figura intelectual e
político alagoano pouco lembrado na história, que sentiu orgulho
de sua raça, e que lutou pelas causas do povo. Filho da ex-escrava
Florinda Joaquina Rodrigues de Melo, vendedora de tapioca em
Maceió. Desde cedo absorveu a vocação para os estudos. Fez ba-
chare-lado em Ciência Jurídicas e Sociais na Faculdade de Direito
do Recife. Foi deputado estadual, secretário de Governo, delegado-
geral de polícia, promotor público, e na literatura floi um dos fun-
dadores da Academia Alagoana de Letras.

Contra o racismo, o santo negro

Nas sessões de júri, advogados perdidos em seu arrrazoado,


evocavam a pele negra de Rodrigues de Melo para provocá-lo. A
tática funcionava, pois Rodrigues saía de sua explanação, e, irado,
ia fazer apologia à sua raça. Existem vários casos pitorescos rela-
tados sobre o assunto. Num deles, contado por Elisabeth Mendon-

1012
ça, numa questão de júri com o Dr. Ciridião Durval, esse falou
que, nem um milagre de São Benedito, fazia o o promotor arrancar
provas a ele. Provocado, falou sobre a figura do santo negro, e de
seus milagres por mais de uma hora, prendendo a atenção do audi-
tório de maneiria espetacular.

Pesquisa do professor Douglas Apratto Tenório, mestre e


doutor em história

ANDRE PAPINI: PCB CASSADO

André Papini Góes (1908-1966), nascido sergipano, de Bre-


jo Grande, vem de uma família sem muita predestinação para a
política, mas ele decidiu seguir seus ideais de homem de esquerda.
Depois de passar pelo Rio de Janeiro e São Paulo, nos anos 1930,
volta a Maceió em 1943, quando assume a direção do jornal A Voz
do Povo, órgão do Partido Comunista Brasileiro (PCB). Sua atua-
ção no movimento estudantil – chegou a ser o representante e líder
da União Nacional dos Estudantes – permitiu que saísse vitorioso
das eleições para deputado estadual, em 1947, junto com mais dois
deputados: José Maria Cavalcanti – ex-cabo do Exército e que
tempos depois, em 1972, faria parte da fundação do PC do B, ao
lado de Diógenes de Arruda Câmara, João Amazonas, Pedro Po-
mar, Maurício Grabois e Moacir Rodrigues Andrade, que após a
cassação de seu mandato foi viver clandestino no Rio de Janeiro.
Eles assumem o mandato em março de 1947, dois meses depois o

1013
Tribunal Superior Eleitoral vota pelo cancelamento do registro, sob
pressão do governador eleito, Silvestre Péricles.

Silvestre “empastela” A Voz do Povo

a vitória na Justiça não apetece sua sanha de anticomunista,


e Silvestre Péricles age rápido: fecha violentamente as células co-
munistas e “empastela” o jornal do PCB, A Voz do Povo. Mesmo
cassados, os deputados comunistas denunciam na tribuna do Legis-
lativo. No Senado, o líder comunista Luiz Carlos Preste repercutiu
o fato no país: “Só um defunto ressuscitado de Nuremberg poderia
usar métodos que estão sendo empregados pelo governador de A-
lagoas, tanto os impropérios e desprezo, bem como os elogios”. A
Assembleia é cercada, e Silvestre volta ao ataque:

“Se os comunistas tiverem a audácia de desacatar ou anu-


lar a decisão do TSE. A polícia recebeu ordem de reprimir energi-
camente qualquer crime desses apaniguados de Moscou. Quem
duvidar não perde por esperar... se os criminosos, ladrões, assas-
sinos ou sem eles, me aborrecerem, o pau vai cantar e não vai
parar mais... para este trabalho nós aqui em Alagoas temos muita
gente. Temos o Exército Alagoano anticomunista”.

Silvestre Péricles, em pesquisa do professor e pesquisador


José Maria Tenório Rocha, mestre e pesquisador em Antropologia
Cultural

1014
MELLO MOTTA: ÉTICA NA POLÍTICA

Lourival de Mello Motta (1906-1989), médico, jornalista e


deputado estadual e federal por três legislaturas (1934/1947/1950),
nasceu em Palmeira dos Índios, de onde saiu para assumir seu pri-
meiro mandato na Assembleia Legislativa em Maceió. Foi um po-
lítico que dignificou o mandato, com fatos marcantes como repas-
sar o seu salário de deputado para instituição de caridade, vivendo
de seus proventos de médico. Mello Motta foi sócio do jornal Diá-
rio do Povo, que denunciava diariamente as violências cometidas
pelo poderoso clã dos Góis Monteiro. O jornal, que tinha em sua
redação Rui Palmeira, Aurélio Vianna, Lincoln Cavalcanti, Otávio
Lima, Genésio de Carvalho e Zadir Cassela, foi destruído comple-
tamente pela truculência governista. Com mudança de governo, no
auge de sua carreira, Mello Motta renuncia o seu mandato, que
acabara de conquistar ao derrotar os candidatos governistas. Ao
ganhar na Justiça a ação de indenização movida contra o Estado
pela destruição do seu jornal, ele discursou.

“Que não tornem os alagoanos a sofrer mutilações de or-


dem moral ou política, na sua vida de povo livre, ou os que aca-
bam de ser varridos do poder pelo voto popular, ou por outro
qualquer grupo dominante que pretenda seguir o desgraçado
exemplo”.

Pesquisa do professor Douglas Apratto Tenório, mestre e


doutor em história

1015
FREITAS CAVALCANTI: POLÍTICA NACIONAL

Antonio de Freitas Cavalcanti (1908-2002), foi o deputado


mais votado por Alagoas, exercendo mandato na Câmara de 1945 a
1954. No Senado, onde exerceu mandato de 1954 a 1962, foi
membro da Mesa, tendo ocupado a 2ª Secretaria e presidido a Co-
missão de Finanças. Freitas Cavalcanti também integrou os qua-
dros do Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas e membro da
Academia Alagoana de Letras, onde se tornou “um dos guardiões
da memória de seu povo”. Freitas Cavalcanti deixou a carreira po-
lítica para assumir o cargo de ministro do Tribunal de Contas da
União, que presidiu de 1966 a 1967. Orador eloquente, este pene-
dense saía do remanso de sua cidade para a agitação política em
centros maiores como Minas Gerais e Rio de Janeiro, a capital da
República, onde conviveu grandes nomes como Juscelino Kubits-
check, Jânio Quadros, Eurico Gaspar Dutra, João Goulart, e lide-
ranças alagoanas como Arnon de Mello, Rui Palmeira, Teotonio
Vilela.

“O telurismo do Rio São Francisco marcou profundamente


Freitas. O desenvolvimento da região sanfranciscana foi a razão
maior, em duas décadas, de sua atividade parlamentar. Encontra-
mos a presença do seu trabalho em inúmeras obras nas cidades
ribeirinhas do Velho Chico. A Codevasf (Companhia de Desenvol-
vimento do Vale do São Francisco) teve nele um de seus esteios”.

1016
Por Divaldo Suruagy

AURÉLIO VIANNA: PONTE RIO-ALAGOAS

Aurélio Vianna da Cunha Lima (1914-2003) nasceu no mu-


nicípio do Pilar. Estudou o curso primário no Grupo Escolar Die-
gues Júnior, na Pajuçara, em Maceió. Após ser convertido ao pro-
testantismo e ingressar na Igreja Batista, estudou nos colégios Ba-
tista do Rio de Janeiro e Salesiano, em Recife. Na capital pernam-
bucana também concluiu o curso de Contabilidade e o de Filosofia.
Logo cedo já estava envolvido na política, participando da Esquer-
da Democrática e sendo eleito deputado estadual pela Coligação
UDN-PSB nas legislaturas 47-50 e 51-54. No final do último man-
dato de deputado estadual, deixa a UDN e se filia ao PSB e é eleito
deputado federal (55-59). Na eleição seguinte, é reconduzido à
Câmara. Em outubro de 1962 é eleito senador pelo Estado da Gua-
nabara na coligação. No início dos trabalhos legislativos em 1963,
foi escolhido como líder do PSB. No Senado, atuou por duas legis-
laturas, até 1971. Em 1965, candidata-se ao governo da Guanabara,
pelo PSB, porém sem êxito. Com a extinção dos partidos pela dita-
dura militar, filia-se ao MDB, e é eleito novamente senador pela
Guanabara em 1966, assumindo a liderança do partido em Brasília.

Título de eleitor impede reeleição

1017
Nas eleições de 1970, após tentar a reeleição para o senado
pela Guanabara (hoje Rio de Janeiro), Aurélio Vianna foi impedi-
do pelo Tribunal Superior Eleitoral por ter título de eleitor regis-
trado em Alagoas. Volta para Maceió e tenta permanecer no Sena-
do, mas é derrotado. Como senador integrou as comissões de As-
suntos da Associação Latino-Americana de Livre Comércio e do
Mercado Comum Europeu, do Distrito Federal, dos Projetos do
Executivo, Relações Exteriores, entre outras. Ao fim do seu man-
dato, passa a representar a UFAL e a UFPE, em Brasília. Aurélio
Vianna ainda foi professor em Maceió. Ensinou no Colégio Batista
Alagoano e na UFAL, como professor titular da cadeira de História
da Antiguidade e Idade Média. Faleceu em Brasília no dia 21 de
março de 2003.

Pesquisa de João Azevedo para o fascículo nº 25 de Memó-


rias Legislativas, publicação da Assembleia Legislativa de Alago-
as, 1998.

ARNON DE MELLO: JORNALISMO E POLÍTICA

Arnon de Mello (1911-1983) foi um jornalista, advogado,


político e empresário brasileiro, pai de Fernando Collor de Mello,
ex-presidente do Brasil, e de Pedro Collor de Mello. Estudou em
Maceió até mudar-se para o Rio de Janeiro em 1930, onde traba-
lhou como jornalista em A Vanguarda, jornal fechado pela Revo-
lução de 1930. Advogado formado pela Faculdade de Direito da
Universidade Federal do Rio de Janeiro em 1933, trabalhou no

1018
Diário de Notícias, Diários Associados, Diário Carioca e em O
Jornal. Em 1936 assumiu a direção da Gazeta de Alagoas e foi
membro do conselho diretor da Associação Brasileira de Imprensa.
Após o fim do Estado Novo ingressou na UDN e foi eleito suplen-
te de deputado federal em 1945. Por esta legenda foi eleito simul-
taneamente deputado federal e governador de Alagoas em 1950,
optando por este último cargo, onde cumpriu um mandato de cinco
anos. Retornou à vida política sendo eleito senador em 1962, in-
gressando na Arena após a decretação do bipartidarismo pelo Re-
gime Militar de 1964. Reeleito pelo voto direto em 1970 foi recon-
duzido ao mandato como senador biônico em 1978. Ao falecer
estava filiado ao PDS, no qual ingressou em 1980.

MUNIZ: IMPEACHMENT E VOLTA AO PODER

Sebastião Marinho Muniz Falcão (1915-1966), natural de


Ouricuri (PE) fez sua carreira política em Alagoas, como governa-
dor do Estado e deputado federal. Estudante secundarista em Crato
ingressou na Universidade Federal de Pernambuco, mas concluiu
seu curso em 1947 pela Universidade Federal de Alagoas. Advo-
gado, jornalista e delegado regional do trabalho nos estados de
Alagoas, Sergipe e Bahia, sua carreira política teve início em 1950

1019
quando foi eleito deputado federal. Foi eleito governador de Ala-
goas em 1955 para um mandato de cinco anos. Como governador
sofreu um processo de impeachment, deflagrado por opositores.
Em 13 de setembro de 1957 foi marcada a votação do impedimen-
to, entretanto um novo confronto onde houve um morto e muitos
feridos de parte a parte, que fez suspender a sessão. A gravidade do
fato foi levada ao presidente Juscelino Kubitschek que decretou
intervenção federal no estado em 15 de setembro e no dia 18 os
deputados estaduais aprovaram o impedimento do governador que
foi substituído pelo vice-governador Sizenando Nabuco. Incon-
formado, Muniz Falcão foi ao Supremo Tribunal Federal que o
repôs no cargo em 24 de janeiro de 1958.

“Muniz não era populista, como costuma ser tratado por


analistas políticos, mas popular. Ele era povo. Foi o primeiro de-
legado regional do Trabalho, que defendeu os sindicatos de ope-
rários e trabalhadores; outros delegados eram autoritários, e con-
trolados pelos barões da indústria açucareira. Tinha sempre um
pé atrás. A ideologia de Muniz era um mundo sem abismos, mas
sempre a favor dos mais necessitados. Como delegado do Traba-
lho mexeu com muitos interesses da classe dominante, por isto o
taxaram de populista, de comunista. Naquela época era uma prá-
tica dos reacionários colar o rótulo de comunista aos desafetos”.

Depoimento de seu secretário de Governo na época, Murillo


Rocha Mendes, no livro Vida, Amor e Trabalho, uma biografia,
2015

1020
Jogo do bicho financia obras sociais

Ao arrumar sua sala para começar a trabalhar, o secretário


de Governo do então governador Muniz Falcão, Murillo Rocha
Mendes descobriu algo inusitado. Em três gavetas, estavam abarro-
tadas mais de 200 cartas fechadas e endereçadas ao governador.
Ao abri-las viu que se tratava de reivindicações e pedidos, como
tijolos e telhas. Mendes levou as cartas ao governador, que adotou
os pedidos com uma solução inimaginável. Naquele tempo o di-
nheiro do Estado era curto e difícil. Aí o governador Muniz Falcão
decidiu usar o dinheiro do jogo do bicho – uma contravenção acei-
ta e acatada pelos governos, até hoje, como é o caso de Alagoas.
Todas as tardes, o oficial de gabinete do secretário ia à sede onde
se concentravam as apostas do jogo do bicho, pegava o borderô e o
dinheiro do resultado, e o depositava em um banco. A conta para
saldar os compromissos das cartas. O próprio governador, em au-
diência com as pessoas, era entregava o cheque.

“A arrecadação da verba da receita líquida era depositada


em uma conta que sustentava todo esse serviço de ajuda aos que
procuravam o governador. Era uma verba que não fazia parte do
orça-mento, e a distribuição dela estava sob a minha administra-
ção, e durou até o fim do governo de Muniz. Os repasses eram
administrados não só por mim, mas pelo governador, porque era
ele que autorizava os pagamentos, que eram controlados por mim,

1021
tudo de forma equacionada e com muito rigor. Tenho guardado
todos os canhotos, para que depois não dissessem que me locuple-
tei com o jogo do bicho. Queria e fiz uma carreira com dignidade,
honradez e respeito".

Trecho do livro Vida, Amor e Trabalho, Murillo Mendes


uma biografia, do jornalista Mário Fernando Lima, 2016

LAMENHA: O ESCOLHIDO DA DITADURA

Antônio Simeão de Lamenha Lins Filho (1919-1997) foi um


político alagoano que exerceu o mandato de governador de Alago-
as. Desde 1966, quando o Estado de Alagoas era governado por
um interventor federal - o general João Batista Tubino - por três
vezes seguidas os governadores eram escolhidos pelos militares e
nomeados pela Assembleia, depois da indicação do governo vigen-
te. Foi assim com Lamenha Filho, e seus sucessores como Afrânio
Lages, Divaldo Suruagy e Guilherme Palmeira. Usineiro e arrimo
de família era membro do PSD e foi eleito prefeito de sua cidade
natal, São Luiz do Quitunde, em 1950, e deputado estadual em
1954, 1958 e 1962. Nomeado governador em 1966 pelo presidente
Castelo Branco, após Muniz Falcão, vencedor das eleições de
1965, que ganhou mas não levou. O candidato não atingiu a maio-
ria absoluta de votos conforme previsão constitucional vigente.
Durante o seu governo, além do salto na arrecadação, Lamenha e
sua equipe deixaram marcas, como a ampliação da eletrificação do
estado e do abastecimento de água encanada nas cidades do interi-

1022
or. Inaugurou obras importantes como o Estádio Rei Pelé, o Mata-
douro Frigorífico de Satuba, além de implantar a Escola de Ciên-
cias Médicas, a Fundação TV Educativa. Em 1974 colocou seu
nome à disposição da Arena, partido do Governo Militar, como
candidato ao Senado, mas foi preterido em função da candidatura
de Teotônio Vilela.

AFRÂNIO LAGES CANDIDATO DA ARENA

O advogado, professor, jornalista e político alagoano Afrâ-


nio Salgado Lages (1911-1990) foi escolhido governador de Ala-
goas em 1970. Candidato a governador de Alagoas em 1955 foi
derrotado por Muniz Falcão (PSP), entretanto foi escolhido para
ocupar pela Arena, mediante escolha do presidente Emílio Garras-
tazu Médici. Advogado formado em Direito na Universidade Fede-
ral da Bahia em 1931. Em seu estado presidiu a OAB e o Instituto
dos Advogados de Alagoas. Membro do Instituto Histórico e Geo-
gráfico de Alagoas e da Associação Alagoana de Imprensa. Afrâ-
nio iniciou carreira política como deputado estadual (1935-1937),
mandato extinto pelo Estado Novo. Professor da Universidade Fe-
deral de Alagoas e diretor da Faculdade de Direito, foi conselheiro
do Tribunal de Contas do Estado dirigiu a Carteira de Colonização
do Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal.

SURUAGY: O MAIS LONGEVO POLÍTICO

1023
O economista Divaldo Suruagy, nascido em São Luís do
Quitunde, em 1937, e que faleceu em março de 2015, governou o
estado de Alagoas por três vezes,: 1975-1978; 1983-1986 e 1995-
1997. Suruagy entrou na história mais por sua queda, no episódio
provocado pela revolta do servidores - em 17 de julho de 1997-
pelas condições em que estavam, salários atrasados em até cinco
meses. É segundo político alagoano que mais tempo ficou na vida
pública no Estado: 40 anos. O recorde é de Visconde de Sinimbú,
que passou por todos os cargos no Império. Funcionário público
municipal junto à prefeitura de Maceió, trabalhou como servente,
auxiliar de escritório e escriturário até se formar em Economia pela
Universidade Federal de Alagoas em 1959, e a seguir chefiar a
Divisão de Impostos Prediais e Territoriais. Foi presidente da Cen-
tral de Abastecimento e da Companhia de Silos e Armazéns de
Alagoas, tornou-se afilhado político do governador Luiz Cavalcan-
ti que o nomeou secretário de Fazenda, cargo ao qual abdicou para
disputar e ser eleito prefeito de Maceió em 1965, naquele que seria
o último pleito direto durante vinte anos.

Primeiro mandato

Cumprido o seu mandato, ingressou na Arena e foi eleito


deputado estadual em 1970, destacando-se tanto como líder da
bancada do governo Afrânio Lages. Tamanho afinco garantiu sua
escolha como cargo indicado de governador do Estado, "cargo bi-

1024
ônico", pelo presidente Ernesto Geisel em 1974, e sua gestão como
chefe do executivo assegurou sua eleição para deputado federal em
1978.

Segundo mandato

Membro do PDS a partir de 1980,foi eleito governador em


1982, nas primeiras eleições diretas para governadores do país no
período da Ditadura Militar e, durante o curso de seu novo manda-
to, apoiou a candidatura de Tancredo Neves à presidência da Re-
pública, e a seguir ingressou no PFL em 1986, ano em que foi elei-
to senador.

Terceiro mandato

Em 1994 foi eleito para o seu terceiro mandato de governa-


dor, quando já estava filiado ao PMDB. Entretanto, uma situação
de grave crise político-financeira forçou sua renúncia ao cargo em
17 de julho de 1997, quando o seu vice-governador Manoel Gomes
de Barros - " o Mano", tomou as rédeas do poder estadual.

Queda de Suruagy

Em 17 de julho de 1997, milhares de servidores públicos


protestaram contra a desvalorização dos trabalhadores ao então
governador Divaldo Suruagy. Eles reivindicavam melhoria nas
condições de trabalho nas repartições públicas e pela falta do salá-

1025
rio. Desesperados, muitos servidores cometeram suicídio depois de
seis meses sem receber salário, militares e civis se uniram em um
combate armado nas proximidades da Assembleia Legislativa de
Alagoas, que estava protegida pelas tropas do Exército. Houve
quebra-quebra nas ruas e, finalmente, aconteceu a queda do gover-
nador Suruagy.

GUILHERME NOMEIA COLLOR

Ministro aposentado do Tribunal de Contas da União


(TCU), Guilherme Palmeira nasceu em Maceió em 1938. Gover-
nou Alagoas 1979 e 1982, sendo o responsável pela nomeação de
Fernando Collor como prefeito de Maceió, fato que levaria este
último a iniciar uma trajetória que o levaria a ser eleito presidente
da República num espaço de dez anos. Bacharel em Ciências Jurí-
dicas e Sociais pela Universidade Federal do Rio de Janeiro em
1963, retornou ao seu estado, sendo eleito deputado estadual pela
Arena, em 1966, 1970 e 1974, licenciado-se para ocupar a Secreta-
ria de Indústria e Comércio no primeiro governo Divaldo Suruagy.
Indicado governador de Alagoas em 1978, firmou um acordo para
pacificar as correntes políticas arenistas, em especial a liderada
pelo senador Arnon de Melo, que conseguiu a nomeação de seu
filho, Fernando Collor, como prefeito de Maceió. Extinta a Arena,
Guilherme Palmeira ingressou no PDS e foi eleito senador em
1982 derrotando Teotônio Vilela, um dos próceres pela redemocra-
tização do Brasil. Eleitor de Tancredo Neves no Colégio Eleitoral

1026
em 1985, se filiou ao PFL e foi eleito presidente nacional do parti-
do em 1986. Disposto a recuperar seu capital político foi eleito
prefeito de Maceió em 1988, mandato ao qual renunciou em 1990
quando foi eleito para o seu segundo mandato como senador.

ONALDO E A RIO-NITERÓI

Ronaldo Lessa nasceu em Maceió em 25 de abril de 1949,


governou o Estado de Alagoas por dois mandatos, em 1998, reele-
gendo-se em 2002 vencendo o ex-presidente Fernando Collor.
Formado em Engenharia Civil pela UFAL, Ronaldo Lessa traba-
lhou em obras como a reforma da refinaria de petróleo de Duque
de Caxias, do terminal marítimo da baía de Ilha Grande, do metrô
do Rio de Janeiro e da Ponte Rio–Niterói. Eleito em 1982 deputa-
do estadual em Alagoas pelo PMDB, candidatou-se ao governo
daquele estado em 1986, ficando em terceiro lugar. Elege-se pre-
feito de Maceió em 1992, apoiando Kátia Born como sua sucesso-
ra. Em fevereiro de 2005, adere ao PDT pelo qual disputaria a elei-
ção de 2006 ao Senado Federal. Seria derrotado pelo ex-presidente
da República Fernando Collor. Nas eleições de 2010 disputa no-
vamente o governo alagoano, onde alcança o segundo turno mas é
derrotado por Teotonio Vilela Filho.

TEOTONIO: FILHO DO MENESTREL

O economista Teotonio Vilela nasceu em Viçosa, 29 de ja-


neiro de 1951, governou o Estado de Alagoas em dois mandatos:

1027
2006 e 2010. Nasceu em berço político, como filho do “menestrel”
Teotônio Vilela, símbolo nacional da luta pela redemocratização e
pela anistia. Formado em economia pela Universidade de Brasília,
com especialização em Administração de Empresas pela Fundação
Getúlio Vargas. Teotonio estreou na política como o mais jovem
senador da República, aos 35 anos, em 1986. Dois anos depois,
1988, ele foi um dos fundadores do Partido da Social Democracia
Brasileira, o PSDB. Entrou para a história política de Alagoas co-
mo o único político do estado a ser eleito, por três vezes consecuti-
vas, para o Senado: 1986, 1994, 2002 e legislou até o final de
2006. Já no primeiro mandato, destacou-se como uma das 100 ca-
beças pensantes do Congresso Nacional, por sua atuação durante a
elaboração da Constituição de 1988.

RENAN FILHO: REELEITO GOVERNADOR

José Renan Vasconcelos Calheiros Filho, nascido em Muri-


i, em 1979, é um político alagoano filiado ao PMDB, e foi reeleito
governador de Alagoas em 2018, e fica até 2022. Começou como
prefeito do município de Murici, em Alagoas, nas eleições de
2004, sendo reeleito em 2008. Nas eleições de outubro de 2010 foi
eleito deputado federal, sendo naquele pleito o candidato mais vo-

1028
tado de Alagoas. É filho do sena-dor Renan Calheiros, com Maria
Verônica Rodrigues Calheiros. Em outubro de 2014, foi eleito em
primeiro turno governador de Alagoas com 52,16% dos votos váli-
dos.

OUTRAS MEMÓRIAS

MOREIRA ALVES E O IMPEACHMENT

Um dos mais importantes e combativos jornalistas brasilei-


ros Márcio Moreira Alves (1936-2009), ex-deputado federal, nas-
ceu no Rio de Janeiro, mas deixou uma marca na história política
de Alagoas, ao ser ferido à bala no episódio do impeachment do

1029
governador Muniz Falcão, durante tiroteio na Assembleia Legisla-
tiva. Em setembro de 1957, Márcio foi enviado pelo jornal carioca
Correio da Manhã para cobrir a crise política existente no estado
de Alagoas, onde a Assembleia Legislativa deveria se reunir para
decretar o afastamento do governador Muniz Falcão, acusado do
assassinato de um deputado oposicionista (até hoje nunca prova-
do). Durante essa sessão, a Assembleia alagoana foi invadida, tra-
vando-se um tiroteio entre os deputados, no qual Márcio Moreira
Alves foi baleado. Mesmo ferido conseguiu enviar a matéria, na-
quele tempo um telegrama, ao seu jornal, ganhando, com essa co-
bertura, o prêmio Esso de reportagem de 1958.

Telegrama feito em sangue

O texto do telegrama de Márcio Moreira Alves foi transcrito


na primeira página do Correio da Manhã do Rio de Janeiro, edição
do dia 14 de setembro de 1957 com a seguinte manchete e subtítu-
lo: “Dissolvida à bala a Assembleia de Alagoas – Deputados go-
vernistas, portando metralhadoras, abriram fogo para impedir a
discussão do parecer favorável à decretação do impeachment do
governador Muniz Falcão – Relato impressionante e dramático do
representante do “Correio da Manhã” que foi ferido durante o tiro-
teio”. Veja a íntegra da reportagem enviada pelo jornalista ferido:

“Maceió, 13 (do enviado especial do Correio da Manhã,


Marcio Alves)

1030
Cheguei às 6 da manhã de hoje, acompanhando o presiden-
te da UDN. Imediatamente saímos a tomar contato com o ambien-
te político de Maceió, onde se vivia momentos de expectativa. O
Palácio do Governo estava vazio de povo e cheio de homens ar-
mados. O governador movimentou a cidade durante toda a manhã.
A partir do meio dia passou a receber em Palácio. Às 15 horas a
Polícia Estadual formou em frente ao edifício da Assembleia. Os
deputados da oposição se encontravam no recinto. Às 15:10 horas,
deputados situacionistas liderados pelo deputado Claudenor Lima,
subiram a escadaria vestidos de capas, sob as quais portavam me-
tralhadoras. Penetraram imediatamente no recinto. Nenhuma pa-
lavra chegou a ser trocada. Os deputados da situação abriram
fogo imediatamente a esmo. Vários feridos. Impossível dizer nú-
mero, pois figuro entre eles. De relance vi um deputado de terno
escuro, de óculos, empunhando metralhadora sob a capa, que me
afirmaram ser Claudenor Lima. Vi o fogo da metralhadora, senti
dor na perna e caí. Durante uma hora, juntamente com quatro
outros feridos, abriguei-me atrás de três sacos de areia destinados
a proteger a taquigrafia. Esperei socorro. As ambulâncias tiveram
dificuldades em atravessar o cerco de cangaceiros, que ameaça-
vam o corpo médico com metralhadoras. Removido para o Pronto
Socorro, foi diagnosticado fratura do fêmur. Meu estado geral
bom. Reportagem encerrada. Marcio Alves”.

O provocador do AI-5

1031
Márcio Moreira Alves também ficou famoso por proferir o
discurso que provocou o governo militar a baixar o Ato Institucio-
nal número 5, o famigerado AI-5, em 1968. Ele foi um dos primei-
ros cassados pela nova medida de força dos militares - acusavam-
no de ofensas às Forças Armadas e tiveram negado pedido de auto-
rização para processá-lo, o que foi usado como pretexto para o
"golpe dentro do golpe". Marcito, como era conhecido pelos ami-
gos, deixou o País clandestinamente e só voltou após a anistia de
1979.

CASO FIEL FILHO

Manuel Fiel Filho (1927-1976) nasceu no sítio Gavião, em


Quebrangulo, Alagoas. Aos 18 anos de idade migrou para a cidade
de São Paulo, desde os anos 1950. Foi padeiro e cobrador de ôni-
bus antes de se tornar operário metalúrgico na Metal Arte Industri-
al Reunidas, no bairro da Mooca. Lá trabalhou no setor de prensas
hidráulicas por 19 anos. Ele era casado com Thereza de Lourdes
Martins Fiel, tinha duas filhas, e morava num sobrado na Vila
Guarani. O operário metalúrgico alagoano morreu aos 49 anos em
uma cela do Doi-Codi, maior centro de tortura da ditadura militar
na época. Fiel, depois de ser preso – acusado de pertencer ao Parti-
do Comunista Brasileiro – foi torturado até a morte. A versão ofi-
cial, desmantelada depois, foi de que Manoel Fiel Filho teria co-
metido “suicídio”. O fato aconteceu três meses depois da morte do
jornalista Vladimir Herzog. A prisão e o assassinato foram em cir-

1032
cunstâncias muito parecidas. Os eventos deflagraram o processo
que levou à redemocratização do País. Em 1980, foi lançado o li-
vro Manoel Fiel Filho: quem vai pagar por este crime?, de Carlos
Alberto Luppi, pela Editora Escrita. Já nos anos 2000, estreou em
2009, sob a direção do cineasta alagoano Jorge Oliveira, o docu-
mentário Perdão, Mister Fiel. O filme conta a perseguição política
ao metalúrgico pela ditadura militar brasileira, que resultou em seu
assassinato nos porões do Doi-Codi.

COMUNISTAS CASSADOS 1

Com o fim da ditadura de Getúlio Vargas durante o Estado


Novo, vários partidos foram legalizados nas eleições para presi-
dente, deputados federais e senadores ainda em 1945. No entanto,
a escolha dos governadores e dos deputados estaduais (além de
prefeitos e vereadores) ocorreu apenas em 19 de janeiro de 1947. O
Partido Comunista do Brasil (PCB) foi um dos primeiros a fazer o
registro no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e se habilitar para as
disputas eleitorais. Essa legalidade dos comunistas, entretanto, não
durou muito. Em 19 de janeiro de 1947, o PCB em Alagoas elegeu
três deputados estaduais. André Papini Gois, José Maria Cavalcan-
tie e Moacir Rodrigues de Andrade. Nove meses depois, em outu-
bro de 1947, seus mandatos são cassados, Em janeiro de 1948,
após uma brutal perseguição, o governador Silvestre Péricles fez
com que os três deputados cassados deixassem o estado. Em 7 de
maio de 1947, o registro foi cancelado no TSE.

1033
André Papini (1908-1966). Nascido em Brejo Grande, Ser-
gipe, ele era considerado um penedense. Ainda jovem foi trabalhar
no comércio de Penedo, onde funda e é diretor de uma associação
de classe. Com 21 anos, muda-se para o Rio se Janeiro, onde traba-
lha em banco particular. Logo regressa a Alagoas. Como estudan-
te, participou de congressos nacionais da UNE – União Nacional
dos Estudantes; foi secretário de redação e diretor do Jornal de
Alagoas e A Voz do Povo, jornal do Partido Comunista. Após a
cassação em 1948, Papini passa a viver em Recife onde advoga,
principalmente em defesa dos operários.

Moacyr Rodrigues de Andrade. Participou da Revolução de


1930, sendo preso no Rio de Janeiro. Após a cassação do seu man-
dato, não havia clima político e sequer segurança pessoal para con-
tinuar vivendo em Alagoas. Deixou o estado e passou a viver clan-
destino no Rio de Janeiro. Em 1952 foi à União Soviética, chefian-
do uma delegação de nove dirigentes sindicais e militantes do
PCB. Era secretário de organização do núcleo do PCB da capital e
tinha 36 anos quando se elegeu deputado estadual em 1947.

José Maria Cavalcanti. Era Cabo do Exército no 20º Bata-


lhão de Caçadores de Maceió. Há registros de sua prisão já em
1931. Participou do levante comunista de 1935 em Recife. Preso,
cumpriu pena durante cinco anos em Fernando de Noronha. Após a
cassação do mandato, foi deslocado para o Rio de Janeiro, vindo a
ser um dos dirigentes do Comitê dos Marítimos. Em fevereiro de
1962, quando PCB perde dezenas de dirigentes, José Maria Caval-

1034
canti aparece no grupo de dirigentes que depois formou o PCdoB,
ao lado de Diógenes de Arruda Câmara, João Amazonas, Pedro
Pomar, Maurício Grabois.

Fontes: Blog do Majella, Luiz Nogueira Barros (A Solidão


dos Espaços Políticos) e sites diversos.

COMUNISTAS CASSADOS 2

Logo após o cancelamento do registro do PCB, Silvestre Pé-


ricles mandou fechar rapidamente todas as células comunistas no
Estado, além de impedir a circulação do jornal “A Voz do Povo”.
Na Assembleia Legislativa, o presidente interino, deputado Clíma-
co da Silva, solicitou imediatamente reforço policial por motivos
de segurança. O Jornal de Alagoas de 11 de maio de 1937 noticiou
assim o cerco: “Ontem, às 14 horas, um caminhão da Força Polici-
al do Estado parou em frente ao prédio da Associação Comercial
onde funciona a Assembleia Legislativa, espalhando tropa no lo-
cal, cercando o edifício. Armados de fuzis e metralhadoras, os sol-
dados estacionaram no local. Ia ser realizada uma reunião da co-
missão constitucional da Assembleia Constituinte, mas alguns de-
putados ante a presença dos soldados que empunhavam armas co-
mo se estivessem preparados para um choque próximo, não chega-
ram a subir as escadas da Associação. A população ligava o acon-
tecimento de ontem às recentes prisões de elementos filiados ao
Partido Comunista”. A perseguição era tamanha que os três depu-
tados foram presos pela Polícia Militar no dia 25 de outubro. Eles

1035
tinham ido a São Luiz do Quitunde com o objetivo de libertar um
operário que fora preso naquela cidade. Entrevistado sobre o epi-
sódio, o governador Silvestre Péricles declarou:

“Se os criminosos, ladrões e assassinos, com fantasias ideo-


lógicas ou sem elas, me aborrecerem, o pau canta e não para mais.
É o que estou dizendo: se me aborrecerem o pau canta e não para
mais”.
Fontes: Blog de Majella, Luiz Nogueira Barros (A Solidão
dos Espaços Políticos) e sites diversos.

TIROTEIO E MORTE NO CONGRESSO

Há 55 anos, um tiro entrava para a história do Brasil: no


plenário do Senado, em Brasília, no dia 4 dezembro de 1963, o
senador alagoano Arnon de Melo deu um tiro fatal que atingiu o
senador José Kairala, do Acre. O alvo dos tiros disparados por Ar-
non era o senador alagoano Silvestre Péricles de Góis Monteiro,
ex-governador de Alagoas e inimigo público da família Collor. Ao
errar o alvo, Arnon acabou matando o suplente José Kairala, que
naquele fatídico dia comparecera ao plenário do Senado para seu
último dia de trabalho no exercício do mandato. De acordo com o
jornalista Claudio Humberto Rosa e Silva, em seu livro “Mil dias
de Solidão – Collor bateu e levou”, a arma do crime entrou no ple-
nário do Senado dentro da bolsa de dona Leda Collor, mulher de
Arnon. O trecho com essa informação está no segundo capítulo do

1036
livro, que tratada da “Dialética do Trabuco”. Segundo o jornalista,
dez dias antes da posse de Arnon, em entrevista ao jornal O Globo,
em 21 de janeiro de 1963, Silvestre revelou que iria impedir o in-
gresso do inimigo no Senado.

ASSASSINATO DE DELMIRO

Na esteira da construção de pequenas hidrelétricas, no final


do século 19, que serviam para abastecer empreendimentos parti-
culares, Delmiro Gouveia (1863-1917) apostou todas as suas fichas
na construção de sua usina, aproveitando a força da cachoeira de
Paulo Afonso. Por outro lado, não havia nessa época, um controle
do governo central sobre os recursos hídricos. Uma legião estran-
geira entra na onda dessa nova fonte de energia. Aparecem a The
São Paulo Railway Light and Power e a American Foreign and
Power Company. A Usina Angiquinho surgiu com a finalidade de
fornecer energia para a fábrica de linhas de Delmiro, inaugurada
um ano após a usina. Seus produtos fizeram muito sucesso. A mar-
ca Estrela para o mercado nacional e Barrilejos para exportação,
quando chegou a dominar o mercado nacional e praças da América
do Sul. Ele já atraia a ira dos fortes concorrentes do setor têxtil
mundial. Em 10 de outubro de 1917, sentado em uma cadeira de
vime, Delmiro é emboscado e assassinado, com três tiros à quei-
ma-roupa, em seu bangalô da Vila da Pedra, hoje a cidade de Del-
miro Gouveia, aos 54 anos de idade.

1037
“A noite era quente e abafada, como costumam ser as noites
de verão no sertão nordestino. Firmino Rodrigues Pereira, a últi-
ma pessoa que falou com o coronel Delmiro, disse que deixou
Delmiro a ler tranquilamente o Jornal de Alagoas no alpendre da
casa. Algumas pessoas asseguraram que a luz elétrica foi cortada
por alguns segundos e, nesse ínterim, passou um desconhecido
com um lampião de querosene aceso diante da varanda. Então,
ouviram-se os tiros”.
Jornal do Commércio do Recife, na edição de 14 de setem-
bro de 1968.

Crime de mando insolúvel

Na época, um dos acusados foi o coronel José Rodrigues de


Lima, chefe político e intendente de Piranhas, devido a interesses
contrariados e aborrecimentos por questões de fornecimento de
lenha a Paulo Afonso. Era comprador de peles e via diminuir seu
movimento comercial desde que Delmiro se instalara em Pedra.
Outro apontado como mandante do crime foi José Gomes, chefe
político de Jatobá, hoje Tacaratu, Pernambuco, cuja filha de cria-
ção Delmiro raptara 15 anos antes. A indústria inglesa de linhas
Machine Cotton também foi acusada, 10 anos após o crime. A
multinacional comprou toda a maquinaria da Fábrica de Linhas da
Pedra, sua única concorrente na América do Sul, para depois co-
meter mais um crime: jogar no fundo da cachoeira de Paulo Afon-
so todas as máquinas da Pedra. As autoridades policiais consegui-
ram prender os supostos assassinos de Delmiro: Róseo Morais do

1038
Nascimento, José Inácio Pia, o Jacaré, e Antonio Félix do Nasci-
mento. Foram condenados a 30 anos de prisão.

Tobias Granja: uma vida de luta

Nasceu em Palmeira dos Índios no dia 13 de fevereiro de


1945. Filho de Manoel de Araújo Granja e de Maria Bernadete
Tobias Granja. No início da década de 1960, com 15 anos e já mo-
rando em Maceió, destacou-se como líder estudantil secundarista,
chegando a presidir a União dos Estudantes Secundarista de Ala-
goas, a UESA. Depois do Golpe Militar de 1964 foi trabalhar na
imprensa do Sul, sendo repórter das revistas Manchete e Cruzeiro.
Nesse período, concluiu o curso de Direito. Em meados da década
de 1970, volta a Maceió e continua no jornalismo, além de advo-
gar. Foi candidato a deputado federal em 1974, mas não conseguiu
se eleger. Exatamente um ano antes de ser assassinado, no dia 15
de junho de 1981, Tobias redigiu uma petição ao presidente do
Tribunal de Justiça de Alagoas, que ficou quase como um vaticí-
nio:
“A arma contra a covardia é a fé, a convicção na verdade.
Nem as emboscadas, nem as bombas nos amedrontam, porque uma
ideia não morre no meio do fogo. Se for preciso, entrego minha
vida em sacrifício”.

Tobias: um tiro traçoeiro na nuca

1039
Em junho de 1982, um tiro fatal na nuca mata o jornalista e
advogado Tobias Granja, em um do episódios mais lamentáveis da
história de Alagoas. Tobias era candidato a deputado estadual, e
passara toda a tarde do dia do crime distribuindo panfletos em bair-
ros de Maceió. Às 17h30 do dia quinze de junho, no exato momen-
to em que saía do seu escritório, situado na antiga Rua Augusta, no
Centro de Maceió, uma emboscada aguardava Tobias. O pistoleiro
agiu covardemente pelas costas e disparou um tiro mortal, por trás,
em sua nuca.

“Imediatamente, o Sindicato dos Jornalistas e outras enti-


dades da sociedade civil, como a OAB, denunciaram o clima de
insegurança e a pistolagem institucionalizada. A entidade dos pro-
fissionais de imprensa, sob a liderança do jornalista Dênis Agra,
transformou-se no “Sindicato da Vida” contra o “Sindicato da
Morte”. Tobias Granja era advogado do ex-cabo José Henrique
da Silva e de seus irmãos, que estavam envolvidos num conflito
sangrento com integrantes poderosos da família Cavalcanti
Lins/Calheiros. Era tempo difícil, com o País voltando a vivenciar
a primeira eleição direta para governadores dos Estados pós
1964”.
Joaldo Cavalcenti, no artigo Um tiro traiçoeiro na socieda-
de, em Gazeta de Alagoas, em 24/05/2012

Crimes insolúveis: uma lista interminável

1040
Até quando? O assassinato de Ceci entra aqui, como exem-
plo e como símbolo de uma era marcada pela impunidade, pela
falta de coragem cívica e institucional de todas as autoridades do
Estado – de todos os poderes - que lavaram as mãos e fecharam os
olhos para crimes políticos que permanecem no panteão dos casos
considerados insolúveis. O alto grau de impunidade e a compla-
cência das autoridades públicas no enfrentamento ao crime organi-
zado torna Alagoas uma terra sem lei, e um Estado conhecido na-
cionalmente como a terra da pistolagem, do cabra da peste, da
Guarda Nacional do coronéis, do o sindicato do crime, da Gangue
Fardada e dos grupos políticos que continuam a impor a lógica
perversa do medo e da ameaça, para preservar seus domínios terri-
toriais e políticos, e promover chacinas e assassinatos por motivos
inconfessáveis.

“A lista é grande, mas podemos citar alguns casos que fa-


zem parte do rol de crimes sem soluções, cujos autores materiais e
intelectuais – os poderosos e intocáveis mandantes – continuam
gozando do beneplácito de uma liberdade criminosa e cúmplice:
Luiz Campos Teixeira (1950), Marques da Silva (1957), Beato
Franciscano (1957), Humberto Mendes (1957), Moacir Peixoto
(1960), Robson Mendes (1962), Valter Mendes (1972), Coronel
Adauto Barbosa (1970), jornalista Tobias Granja (1982), delega-
do Ricardo Lessa (1991), Sílvio Vianna (1996) e Ceci Cunha
(1998) e o vereador Fernando Aldo (2007)”. Gilvan Ferreira, em
reportagem do jornal Primeira Edição, de dezembro de 2002

1041
LAMPIÃO E O CANGAÇO

Lampião quis vingar morte de Delmiro

Por volta de 1916 - então com 22 anos - Virgulino Ferreira


da Silva, o Lampião (Serra Talhada - PE, 1896 – Poço Redondo
(SE)- 1938), estava em Delmiro Gouveia, sertão de Alagoas. Ele
trabalhava para o fazendeiro e dono da Fábrica da Pedra (antigo
nome da cidade), Delmiro Gouveia, como tropeiro, transportando
algodão e couro de bode. Quando soube do assassinato do chefe
por pistoleiros contratados pelos concorrentes, Lampião teria sido
empurrado para o cangaço. Quem conta a história é o cantor e
compositor alagoano José Luiz Calazans, o Jararaca em uma en-
trevista histórica ao jornalista Wilson Reis (já falecido), publicada
no jornal carioca Última Hora, em 1977. Ele conta que já era um
conhecido seresteiro e cantor e sempre era convidado para animar
as festas nos salões da casa de Delmiro, na Pedra.

“Nessa época conheci o Virgulino, era um jovem como ou-


tro qualquer, pacato e trabalhador, que gostava de versejar e de-
dilhar sua viola, entoando cantigas da época. Ele servia na fazen-
da de Delmiro como tropeiro, tinha verdadeira adoração pelo pa-
trão. Quando soube de sua morte foi ao porão da fazenda, junto
com outros empregados, abriu umas caixas retirou rifles e muni-
ção e partiu em busca dos criminosos. Seu nome só viria a ser fa-
lado depois.”

1042
José Luiz Calazans em entrevista ao jornalista Wilson Reis,
em Revista Última Hora – 1977.

Cabeças Cortadas em Piranhas

Partiu de Alagoas o ataque final ao bando de Lampião. Na


madrugada do dia 28 de julho de 1938, no final de uma trilha de
caatinga seca e arbustos, na grota de Angico, em Poço Redondo
(SE), irrompeu o tiroteio entre as tropas volantes da polícia alago-
ana, comandada pelo tenente João Bezerra da Silva, em que morre-
ram Lampião, Maria Bonita, Enedina, Luiz Pedro, Mergulhão, ou-
tros seis cangaceiros. O governador de Alagoas, Osman Loureiro,
logo mandou exibir as cabeças cortadas nas escadarias da prefeitu-
ra de Piranhas (AL). No Brasil, o presidente Getúlio Vargas prende
Luiz Carlos Pestes, líder dos comunistas brasileiros.

“Tem fim, desse modo, o principal grupo cangaceiro que


ensanguentava o Nordeste. Nos anos e décadas seguintes, o can-
gaço entra em moda: José Lins do Rego publica o romance O
Cangaceiro; Raquel de Queiróz, a peça teatral Lampião; Lima
Barreto roda o filme “O Cangaceiro”, e Rui Facó publica um en-
saio de glorificação da rebeldia sertaneja.”

Darcy Ribeiro, em Aos Trancos e Barrancos – como o Bra-


sil deu no que deu – Editora Guanabara – 1985.

1043
O diabo é alagoano na terra do sol Mas o cangaço não ti-
nha acabado. Durante a chacina de Angico, Corisco e sua mulher
Dadá se encontravam bem longe dali. Cristino Gomes da Silva, o
Corisco, lugar-tenente de Lampião, alagoano de Água Branca, alto
sertão alagoano, cinco dias depois vingou a morte do chefe e ma-
tou toda a família do “coiteiro” que entregou o grupo. Com o pas-
sar dos anos, ficou belo como um galã de cinema: possuía boa es-
tatura, ombros largos, pele alva e cabelos louros e longos. No dia 5
de maio de 1940, por fim, na região de Brotas de Macaúbas, na
Bahia, uma volante cercou o que restou do grupo de Corisco, e o
matou com uma rajada de metralhadora. Em 1964, Glauber Rocha
lança o filme que marcou o Cinema Novo, Deus e o Diabo na Ter-
ra do Sol, tendo Corisco como protagonista, vivido pelo ator Othon
Bastos, que travou o inesquecível duelo com Antônio das Mortes.

Se entrega, Corisco!
Eu não me entrego, não,
Eu não sou passarinho,
Prá viver lá na prisão.
Se entrega, Corisco!
Eu não me entrego, não,
Não me entrego ao tenente,
Não me entrego ao capitão,
Eu me entrego só na morte,
De parabelum na mão!”

Música de Sérgio Ricardo

1044
Chuva de balas em Angicos

No riacho da Forquilha, gruta de Angicos, em Poço Redon-


do, Sergipe, em 28 de julho de 1938, Virgulino Ferreira da Silva, o
Lampião, ao lado da mulher, Maria Gomes de Oliveira, a Maria
Bonita, e mais 10 cangaceiros, foram emboscados e mortos pela
polícia de Alagoas. Eram cinco horas da manhã, quando uma vo-
lante comandada pelo tenente João Bezerra, juntamente com o sar-
gento Aniceto Rodrigues e sua tropa, surpreenderam Virgulino e
seu bando com uma chuva de balas de revólveres, fuzis e até me-
tralhadoras portáteis. Lampião, protagonista do cangaço, fenômeno
social brasileiro nos anos 1930, tinha então 40 anos, quando esco-
lheu Angicos como esconderijo inexpugnável, cercado de pedras
pontiagudas, cactus gigantes, umburanas e uma vegetação fechada
da caatinga, às margens do rio São Francisco.

O que aconteceu depois da degola

Depois da decapitação, historiadores apontam para uma


verdadeira caça ao tesouro dos cangaceiros, desde as joias, dinhei-
ro, perfumes importados – Lampião usava o francês Fleur
d´Amour - tudo mais que tinha valor foi alvo da rapinagem pro-
movida pela polícia. Piranhas e Delmiro Gouveia são as cidades do
Baixo São Francisco alagoano mais importante para o Cangaço,

1045
junto com Serra Talhada (PE) – onde nasceu Lampião, Jeremoabo
(BA), Uauá (BA), Floresta (PE), Poço Redondo (SE), Porto da
Folha (SE) e Glória (BA). Foram locais onde funcionaram as sedes
das volantes ou das passagens de Lampião. Pelo lado político, o
cerco a Angicos se deu sob pressão, tendo como alvo, o presidente
Getúlio Vargas, que sofria sérios ataques dos adversários por per-
mitir a existência de Lampião. O interventor de Alagoas, Osman
Loureiro, levou a pressão a sério e promoveu uma caça implacável
a Lampião, adotando providências para acabar com o cangaço. Ele
prometeu promover ao posto imediato da hierarquia o militar que
trouxesse a cabeça de Lampião ou alguém de seu bando. Hoje, a
grota de Angicos se transformou em uma trilha de aventuras, por
caminhos íngremes, até o local exato da chacina, onde uma grande
cruz de madeira está fincada nas pedras, com os nomes de todos os
cangaceiros mortos. O Museu do Sertão, em Piranhas, mostra o
cotidiano do sertanejo, artigos de uso dos vaqueiros e fotografias
históricas sobre o ciclo do cangaço.

O ataque ao casarão da baronesa

Há exatos 95 anos, em junho de 1922, o cangaceiro Virguli-


no Ferreira da Silva, o Lampião, entrava na vila de Água Branca,
em Alagoas, assaltando e levando grande quantia de dinheiro do
casarão e joias da baronesa de Água Branca, Joana Vieira Sandes,
viúva do barão Joaquim Antônio de Siqueira Torres. Pertencente
ao bando de Sinhô Pereira e Luiz Padre, o cangaceiro se juntou aos

1046
irmãos e companheiros da vida de crime e andou pela região em
busca de dinheiro para manter armando seu bando. Para isso, man-
dou bilhetes aos principais fazendeiros da região pedindo ajuda em
dinheiro para comprar munição, porém, em um desses bilhetes que
chegou ao consentimento da baronesa, a mesma mandou uma res-
posta para o portador que tinha dinheiro, mais era pra comprar de
bala para seus jagunços “arrancar a cabeça dos bandidos”. Depois
do cerco ao pelotão policial do local, com todos rendidos, Lampião
e seu bando invadiram o casarão da baronesa. Enquanto a polícia
era rendida, outra parte do grupo já havia entrado na cidade e agia
no saque ao casarão da Baronesa de Água Branca. Irreverente,
Lampião foi até ela e, fitando-a com severidade, soltou o vozeirão:

“Então, senhora Baronesa, vai arrancar-me a cabeça ago-


ra?. Venha, vamos dá uma volta pela cidade para que vosmecê e
todos daqui saibam que com Virgulino não se brinca nem se man-
da recado desaforado”.

PATRIMÔNIO HISTÓRICO
E GEOGRÁFICO

“A cana-de-açúcar foi o motivo da ocupação do território


ao sul de Pernambuco. Com ela vieram os engenhos com suas ca-
sas-grandes e capelas. Os aglomerados humanos que surgiram a
seguir trouxeram com eles construções destinadas à moradia, ao

1047
comércio, ao culto religioso e à administração. Essas construções,
com suas diversidades de épocas, estilos, materiais e funções,
atestam diferentes fases da história de Alagoas. A vida de um povo
pode ser contada a partir de diferentes perspectivas. A arquitetura
é uma delas. Desde tempos imemoriais, as maneiras como as co-
munidades constroem suas moradias e outras edificações voltadas
a fins econômicos, religiosos ou administrativos, denotam traços
característicos de sua gente... A geografia e o clima também têm
sobre elas um forte efeito, condicionando várias de suas funções e
aspectos. A tradição e a cultura se encarregam de dar-lhes a con-
formação final”.

Em Alagoas Memorável, Patrimônio Arquitetônico, do Ins-


tituto Arnon de Mello, 2002, organização Cármem Lúcia Dantas,
Douglas Apratto e José Luis Mota Menezes

BENS TOMBADOS

O tombamento é um ato administrativo realizado pelo Po-


der Público com o objetivo de preservar, por intermédio da apli-
cação de legislação específica, bens de valor histórico, cultural,
arquitetônico, ambiental e também de valor afetivo para a popula-
ção, impedindo que venham a ser destruídos ou descaracterizados.
O Tombamento pode ser aplicado aos bens móveis e imóveis, de

1048
interesse cultural ou ambiental, quais sejam: fotografias, livros,
mobiliários, utensílios, obras de arte, edifícios, ruas, praças, cida-
des, regiões, florestas, cascatas etc. Somente é aplicado aos bens
materiais de interesse para a preservação da memória coletiva.

Sítios históricos tombados pelo Iphan*

*São 11 os bens com tombamento federal em Alagoas pelo


Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan)

Marechal Deodoro: Conjunto arquitetônico e urbanísti-


co

Foi tombado pelo Iphan em 2009. A área definida para pro-


teção envolve três locais descontinuados - o Centro, a área do
Carmo e a área de Taperagua - todos com seus elementos de inte-
resse, devido à sua importância histórica e relevância paisagística.
A cidade possui importantes registros para a história do urbanismo
no Brasil, como a praça de origem da vila com a forma original do
período de 1611 a 1636. Nesse patrimônio destacam-se os aspectos
originais dos edifícios e, principalmente, o Convento Franciscano
de Santa Maria Madalena, datado de 1659. Marechal Deodoro se-
diou a primeira capital de Alagoas, além de ser a cidade natal do
proclamador da República, que deu nome à localidade. Possui vá-
rias edificações religiosas que se configuram como indicativos so-
cioculturais das atividades que ali se desenvolveram ao longo dos

1049
anos, onde o casario e as edificações religiosas retratam a história
da economia e das batalhas que ocorreram na região.

Marechal Deodoro: Casa do presidente da República

Museu Marechal Deodoro da Fonseca Casa térrea urbana


onde nasceu o proclamador da República brasileira, Marechal De-
odoro da Fonseca. Em ruínas na época do tombamento (1964), foi
posteriormente reconstruída e abriga hoje o Museu Marechal Deo-
doro da Fonseca. O marechal foi o proclamador e 1º presidente da
República, em 5 de agosto de 1827. O cidadão mais famoso da
cidade, pertencente a uma família de tradição militar, ingressou na
Escola Militar do Rio de Janeiro em 1843, com pouco mais de 15
anos. Participou ativamente da guerra entre Brasil, Uruguai e Para-
guai, voltando de lá com o título de coronel. Em 1884, foi promo-
vido a marechal e, cinco anos após, no dia 15 de novembro de
1889, liderou a Proclamação da República. Como primeiro Presi-
dente da República do Brasil, permaneceu no cargo até novembro
de 1891, quando, já muito doente, passou o cargo para o também
alagoano marechal Floriano Peixoto.

Marechal Deodoro: Convento e Igreja de São Francisco

Tombados em 1964. A construção do convento foi iniciada


em 1684 e concluída em 1723. Anexa ao convento, a Igreja de Or-
dem Terceira de São Francisco começou a ser erguida na segunda
metade do século XVIII. Desde 1984, o complexo abriga o Museu

1050
de Arte Sacra de Alagoas. O tombamento incide sobre todo o seu
acervo. A obra surgiu a partir de um pequeno convento fundado
para 12 monges, em 1635. Com a invasão dos holandeses, os reli-
giosos se refugiaram na Bahia e o convento ficou fechado até
1659. O atual convento foi concluído apenas em 1723. Em 1908,
passou a abrigar o Orfanato São José. Com o tempo sofreu muitas
modificações mas sempre com a função de culto religioso. A fa-
chada principal é em estilo rococó e a lateral em neoclássico, em
decorrência da construção ter sido realizada em etapas. .

Palmeira dos Índios: Casa de Graciliano Ramos

Tombado em 1965. Casa térrea urbana, erguida no primeiro


quartel do século XX, onde residiu o escritor Graciliano Ramos.
Abriga um museu e uma biblioteca com o acervo do antigo propri-
etário. No museu encontram-se relíquias acerca da vida e da obra
de Graciliano, como sua máscara mortuária, feito pelo artista Ho-
nório Peçanha, com a face de Graciliano ao lado, de seus persona-
gens em Vidas Secas, o vaqueiro Fabiano, sua mulher Sinhá Vitó-
ria, os dois meninos e a cachorra Baleia. Também fazem parte do
acervo edições raras das obras publicadas em países como a Ucrâ-
nia e Rússia; e sua máquina de escrever - há controvérsias sobre o
fato de que Graciliano não teria escrito seus textos em máquinas,
mas com lápis ou caneta tinteiro. Do armário saem peças inusita-
das e atuais, como uma foto de Zélia Gattai – mulher de Jorge
Amado - com dedicatória, de 1961, no Rio, enquadrando o marido,
Jorge, e a viúva de Graciliano, dona Heloísa, com a neta de ambos,

1051
Fernanda Ramos Amado, filha de Luiza Ramos Amado (filha do
Mestre Graça), e de James Amado, filho de Jorge. Luiza fez Jorge
e Graciliano formarem laços de família, uma ciranda de roda.

Penedo: Conjunto histórico e paisagístico da cidade

O tombamento foi em 1996, na classificação Conjunto ur-


bano O tombamento incide sobre um conjunto de logradouros e
edificações em uma área da margem esquerda do Rio São Francis-
co, sobretudo no Centro Histórico da cidade.

Penedo: Convento e Igreja de Santa Maria dos Anjos

Tombado em 1941 na classificação conjunto arquitetônico


religioso. O convento primitivo foi erguido em 1661, a pedido dos
moradores. O atual conjunto começou a ser erguido em 1682. A
igreja e a capela-mor ficaram prontas em 1689. Passou por diver-
sas reformas no século XVIII. O tombamento engloba todo o seu
acervo.

Penedo: Igreja de Nossa Senhora da Corrente

Tombado em 1964, como Templo católico A construção da


igreja foi iniciada em 1765, a partir da Capela Mor preexistente,

1052
por ordem do capitão-mor José da Silva Reis. O tombamento inci-
de sobre todo o seu acervo

Penedo: Igreja de São Gonçalo dos Homens Pardos

Tombada em 1964, como templo católico. Erguida para


substituir a capela primitiva dos ermitões. A construção foi inicia-
da em 1758, quando a irmandade foi organizada. O tombamento
incide sobre todo o seu acervo.

Piranhas: Sítio histórico e paisagístico da cidade

Tombamento de Piranhas 2006 Conjunto urbano Única ci-


dade do semiárido nordestino tombada como patrimônio histórico
nacional, Piranhas se destaca pelo seu casario colonial, disposto
irregularmente em morros e baixadas. O tombamento engloba di-
versas edificações e logradouros públicos.

Porto Calvo: Igreja Nossa Senhora da Apresentação

A igreja Matriz de Nossa Senhora da Apresentação foi tom-


bada em 1955, como conjunto urbano. Fundado por Cristóvão Lins
no século XVI, o povoado de Porto Calvo foi elevado à categoria
de vila em 1636, com a chegada do donatário Duarte Coelho. A

1053
matriz do povoado foi erguida em 1610 e sofreu diversas descarac-
terizações com o passar do tempo.

Lista de bens tombados pelo Estado de Alagoas*


*Secretaria de Estado da Cultura do governo de Alagoas – Se-
cult 2015

Pontal da Barra – Maceió


Praça Marechal Floriano Peixoto – Maceió
Usina Hidrelétrica de Angiquinho - Delmiro Gouveia
Cidade de Marechal Deodoro
Cidade do Penedo
Cidade de Piranhas e distrito de Entremontes
Bairro de Jaraguá – Maceió
Ilha de Santa Rita - Marechal Deodoro

Arquitetura Civil

Escola Estadual Rocha Cavalcante - União dos Palmares


Casa do Barão de Penedo – Penedo
Antigo Cine Pilarense – Pilar
Associação Aliança Comercial – Maceió
Sobrado dos Irmãos Brêda – Maceió
Palacete da Baronesa - São Miguel dos Campos
Casa de Aurélio Buarque de Holanda Passo de Camaragibe
Sociedade Perseverança – Maceió
Museu da Imagem e do Som - MISA Maceió

1054
Paço Imperial de Pão de Açúcar - Pão de Açúcar
Palácio Marechal Floriano Peixoto – Maceió
Teatro Deodoro – Maceió
Casa de Jorge de Lima – Maceió
Academia Alagoana de Letras – Maceió
Paço Imperial – Penedo
Associação Comercial de Maceió – Maceió
Casa do Poeta Jorge de Lima - União dos Palmares
Museu Théo Brandão - Maceió
Instituto de Ciências Biológicas e da Saúde – Maceió
Teatro Sete de Setembro – Penedo
Casa de Cultura de Viçosa – Viçosa
Palacete Barão de Jaraguá – Maceió
Casa do senador Teotônio Vilela – Viçosa
Casa de Arthur Ramos – Pilar
Tribunal de Justiça de Alagoas – Maceió
Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas - Maceió
Palácio do Trabalhador – Maceió
Complexo Arquitetônico NS do Bom Conselho – Maceió

Arquitetura Religiosa

Igreja e Convento NS dos Anjos – Penedo


Igreja de NS da Corrente – Penedo
Igreja de São Gonçalo Garcia – Penedo

1055
Igreja e Convento de São Francisco, Santa Maria Madalena -
Marechal Deodoro
Igreja da Ordem 3ª de São Francisco - Marechal Deodoro
Igreja NS Mãe dos Homens - Coqueiro Seco
Igreja NS do Ó – Maceió
Igrejas de Maceió - Catedral Metropolitana; NS do Livramen-
to; NS do Rosário dos Pretos; Bom Jesus dos Martírios; Capela de
São Gonçalo de Amarante; Arcebispado de Maceió
Igreja Matriz de Santa Luzia do Norte
Igreja de Nossa Senhora da Guia – Maceió
Casarão da Baronesa em Água Branca

Festas e celebrações

JANEIRO

Festa do Bom Jesus dos Navegantes – Penedo. Um dos


eventos mais tradicionais do estado acontece nas cidades de Pão de
Açúcar e Penedo. A festa, realizada há várias décadas, apresenta
manifestações religiosas e culturais que reverenciam o protetor dos
navegantes. Centenas de devotos, turistas e pescadores seguem em
barcos, lanchas e canoas pelo Rio São Francisco, durante a procis-
são em homenagem ao Bom Jesus.

Festa do Santo Amaro. A Festa de Santo Amaro é um dos


atrativos da cidade de Paripueira. Além da religiosidade manifes-
tada na missa e na procissão, o evento apresenta vários shows mu-

1056
sicais e culturais. O espetáculo "Paripueira – Senhora das Águas",
encenado por artistas locais, conta a história da cidade.

Feira dos Municípios de Alagoas. Promovida pela Associ-


ação dos Municípios Alagoanos (AMA), a Feira dos Municípios é
uma vitrine do potencial do estado, e tem como objetivo gerar ne-
gócios e apresentar as atividades que impulsionam o desenvolvi-
mento dos municípios. O evento é uma excelente oportunidade
para mostrar serviços, divulgar potencialidades turísticas e cultu-
rais, como também comercializar artesanato e produtos das locali-
dades.

Festa da Padroeira Nossa Senhora do Bom Conselho. De


23 de janeiro a 02 de fevereiro. O maior evento religioso e cultural
do interior de Alagoas converge naturalmente grande parte da po-
pulação do município de Arapiraca para o centro da cidade.

FEVEREIRO

Festas Carnavalescas. Alegria e beleza marcam as festas


em Alagoas, que têm no Carnaval o grande destaque do Calendário
de Eventos. Várias prévias antecedem os festejos de Momo, e Ma-
ceió tem como destaques o Baile Municipal; Concurso do Boi;
Bloco Pinto da Madrugada entre outros blocos que resgatam os
carnavais antigos ao som de marchinhas carnavalescas, em Jara-
guá. O Carnaval de rua mantém suas tradições originais, destacan-
do-se os municípios de Paripueira, Marechal Deodoro, Barra de

1057
São Miguel, Coruripe, Barra de Santo Antonio, Maragogi entre
outros.

ABRIL

Paixão de Cristo. Em Arapiraca, a encenação da Paixão de


Cristo lota o Morro Santo da Massaranduba, é um megaespetáculo
realizado no teatro ao ar livre que encena a história de Cristo. O
evento é grandioso e tem como elenco artistas da localidade e de
renome nacional.

JUNHO

Forrogaço. Na cidade de Piranhas, no Alto Sertão de Ala-


goas, acontece o Forrogaço, uma prévia das festas juninas que reú-
ne várias atrações, inclusive nacionais, além de muito forró pé-de-
serra, comidas típicas e apresentações culturais.

Festas Juninas. No mês de junho, as sanfonas, zabumbas e


triângulos ditam o ritmo das festas juninas em Alagoas. As quadri-
lhas, grupos de coco-de-roda e shows com bandas de forró e du-
plas sertanejas transformam as cidades de Maceió, Arapiraca, Pi-
lar, São Miguel dos Campos, Coruripe, Marechal Deodoro e Pira-
nhas num verdadeiro arraial.

JULHO

1058
Festival de Inverno. Água Branca, localizada no Alto do
Sertão alagoano, registra, nesse período do ano, uma temperatura
baixa, e o frio atrai muitos visitantes durante a realização do Festi-
val de Inverno, que tem na sua programação atrações culturais e
animados show

Jeep Show de Arapiraca. Para quem gosta de aventuras e


curte fazer trilha, o município de Arapiraca realiza o Jeep Show,
evento que percorre trilhas na zona rural e em circuito fechado na
zona urbana. O encontro é promovido pelo Jeep Clube de Arapira-
ca reunindo amantes dessa prática esportiva de várias partes de
Alagoas, do Nordeste e do Brasil.

AGOSTO

Festival do Repente e poesia em Arapiraca. São três dias


de grandes emoções, disputas de poetas repentistas, declamações
de poesias matutas e toda uma mística nordestina que reúne os
grandes nomes do gênero no Brasil. É um festival que tem o pro-
pósito de incentivar a proliferação da cultura do repente em Arapi-
raca e região, resgatando e fomentando a arte da cantoria de viola.
Fortaleceu-se então, o Festival do Repente, Poesia e Viola, mo-
mento ímpar para a cantoria de viola, onde nessa reunião brilham
nomes como: Ivanildo Vilanova, repentista respeitado nacional-
mente. Na poesia nordestina, nomes como o do poeta e radialista
Zé do Rojão, cordelistas como o arapiraquense Ronaldo.

1059
SETEMBRO

Missa do Vaqueiro. Evento religioso que acontece em Uni-


ão dos Palmares e Canapi. A tradicional Missa do Vaqueiro conta
com uma rica programação artística e cultural. Os shows de forró e
na feirinha típica, onde são expostos objetos artesanais e decorati-
vos, são comercializadas comidas tradicionais à base de milho e
mandioca.

Festival da Lagosta. Gastronomia também é um forte atra-


tivo do Calendário de Eventos de Alagoas. Maragogi, no Litoral
Norte, promove o Festival da Lagosta, que, além de servir saboro-
sos pratos à base de frutos do mar, oferece ainda atrações musicais
e muita animação.

Festival do Maçunim. O município de Feliz Deserto, no


Litoral Sul alagoano, realiza um dos maiores eventos de pesca es-
portiva do Nordeste, com animada programação musical. Na gas-
tronomia, destaque para o concurso do prato mais saboroso feito
com o Maçunim, marisco encontrado facilmente no município.

OUTUBRO

Expoagro. Exposição Agropecuária e Produtos Derivados


de Alagoas - Expoagro, realizada no Parque da Pecuária, em Ma-

1060
ceió, atrai muitos criadores e expositores de vários estados. Bovi-
nos, eqüinos, caprinos e ovinos participam da exposição, leilões,
desfiles e torneios. A Expoagro mostra o que há de melhor em re-
lação ao gado de corte e gado de leite. Movimenta milhões em ne-
gócios durante o evento, e conta com uma programação diversifi-
cada.

NOVEMBRO

Festa Literária de Marechal Deodoro (Flimar). A Feira


Literária de Marechal Deodoro (Flimar), já está no Calendário de
feiras culturais brasileiras e internacionais. Considerado um dos
principais eventos culturais do Nordeste, a Flimar incentiva a leitu-
ra e a valorização dos livros através de uma programação que in-
clui palestras, workshops, apresentações folclóricas, sessões de
cinema, demonstrações de gastronomia, shows e manifestações
culturais. A presença e público médio tem sido de 30 mil pessoas,
incluindo as comunidades locais, alunos, professores e visitantes.
“A Flimar foi um sucesso inesperado em sua primeira edição e foi
evoluindo desde então. Nesta seguência queremos deixar a semen-
te da literatura plantada na cabeça das pessoas”, diz o criador da
Flimar, Carlito Lima.

Bienal Internacional do Livro de Alagoas. Maior evento


literário de Alagoas, a Bienal Internacional do Livro de Alagoas,
chega a sua 7ª edição, em novembro de 2015, no Centro Cultural e
de Exposições de Ruth Cardoso, com o tema “Palavras, sons, ima-

1061
gens: universos de sentidos”. O evento é uma realização da Uni-
versidade Federal de Alagoas, por meio de sua Editora, a Edufal.
Segundo o site oficial do evento, a estimativa de público para este
ano é de mais de 260 mil. No ano de 2013 o número de visitantes
foi de 252 mil pessoas.

Gincana de Pesca de Arremesso. Evento organizado pelo


Clube de Pesca de Penedo, onde acontece o desfile de abertura.
Porém, a Gincana de Pesca e Arremesso, evento nacional, é reali-
zada na praia do Pontal do Peba, no município de Piaçabuçu. Di-
versos shows musicais abrilhantam a festa que atrai, além dos
amantes da pesca, muitos turistas.

Proclamação da República. Marechal Deodoro comemora


em grande estilo o dia da Proclamação da República. A cidade,
berço do Proclamador e primeiro presidente do Brasil, é palco de
festividades diversas, e atrai muitos visitantes. A festa tem início
com o hasteamento das bandeiras, execução do hino nacional e
desfile militar.

Consciência Negra. Foi em União dos Palmares, na Serra


da Barriga, que os negros rebelados contra a escravidão fundaram
o Quilombo dos Palmares, tendo como líder maior, Zumbi dos
Palmares. No dia 20 de novembro, data do aniversário da morte de
Zumbi, são realizadas ações no local, como: palestras, shows, mu-
sicais, exposições de artesanato.

1062
Festival do Bagre. Acontece no Pilar, e conta com vasta
programação artística: shows com bandas, diversas atrações cultu-
rais, esportivas e concurso gastronômico, onde o prato principal é
o bagre, peixe fisgado na Lagoa Manguaba, que banha o municí-
pio.

DEZEMBRO

Aniversário de Maceió. O aniversário da Capital alagoana


é comemorado em grande estilo. Várias atrações musicais, com
artistas da terra e bandas conhecidas nacionalmente, constam da
programação. O evento é prestigiado por maceioenses e turistas.

CIRCUITO CULTURAL

No universo da cultura, o museu assume funções as mais


diversas e envolventes. Uma vontade de memória seduz as pessoas
e as conduz à procura de registros antigos e novos, levando-as ao
campo dos museus, no qual as portas se abrem sempre mais. A
museologia é hoje compartilhada como uma prática a serviço da

1063
vida. O museu é o lugar em que sensações, ideias e imagens de
pronto irradiadas por objetos e referenciais ali reunidos iluminam
valores essenciais para o ser humano. Espaço fascinante onde se
descobre e se aprende, nele se amplia o conhecimento e se apro-
funda a consciência da identidade, da solidariedade e da partilha.
Por meio dos museus, a vida social recupera a dimensão humana
que se esvai na pressa da hora. As cidades encontram o espelho
que lhes revele a face apagada no turbilhão do cotidiano. E cada
pessoa acolhida por um museu acaba por saber mais de si mesma.

Texto: Instituto Brasileiro de Museus - Ibram

Museus de Maceió (com ano de fundação)

1869. Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas


1961. Arquivo Público do Estado de Alagoas
1975. Museu Théo Brandão de Antropologia e Folclore
1980. Museu de Arte - Fundação Pierre Chalita
1980. Museu de Arte Brasileira - Fundação Pierre Chalita
1984. Fundação Teotônio Vilela
1985. Casa da Arte - Garça Torta
1987. Museu da Imagem e do Som
1991. Museu de História Natural da UFAL
1993. Museu dos Esportes Edvaldo Alves Santarosa
1994. Memorial Pontes de Miranda da Justiça do Trabalho
1995. Museu do Cangaço (perdido em incêndio)
1996. Instituto Arnon de Mello

1064
1997. Casa da Palavra
2001. Museu do Comércio (Associação Comercial de Alagoas)
2003. Centro de Memória da Justiça Eleitoral
2005. Memorial Teotônio Vilela
2005. Memorial à República
2005. Ecomuseu Comunitário Graciliano é uma Graça
2006. Museu Palácio Floriano Peixoto
2012. Memoriais de Graciliano Ramos e Ledo Ivo
2008. Casa Jorge de Lima

Museus de Alagoas

BOCA DA MATA
MUSEU MANOEL DA MARINHEIRA
Boca da Mata AL CEP 57680-000
www.aguasdesaobento.com.br
Artes visuais. Esculturas em madeira,tendo como temas
animais, da autoria do titular do museu e de seus familiares.

MACEIÓ
COLEÇÃO KARANDASH DE ARTE POPULAR E
CONTEMPORÂNEA
Avenida Moreira Silva, 89 – Farol
Maceió AL CEP 57051-500
www.karandash.com.br

1065
Esculturas, pinturas, desenhos, gravuras, cerâmicas, rendas,
banco de dados de artistas. Acervo dividido em arte contemporâ-
nea, arte popular e objetos utilitários, expondo e promovendo artis-
tas locais.

PALMEIRA DOS INDIOS


MUSEU XUCURUS
Praça do Rosário, s/n – Centro
Palmeira dos Índios AL CEP 57600-540
guiamaceio.wordpress.com/...museu-xucurus-palmeira-dos-
indios; www.colegioweb.com.br/geografia/museu-xucurus
Instalado na Igreja do Rosário, construída por escravos, re-
úne peças religiosas indígenas da época da escravidão e documenta
a vida cotidiana da cidade, ao longo dos tempos.

PENEDO
MUSEU DO PAÇO IMPERIAL
Rua Damaso do Monte, s/ n – Centro histórico
Penedo AL CEP 77200-000
Tornou-se Paço Imperial a partir da visita de Dom Pedro II
a Penedo. Seu acervo remete à época deste Imperador.

PILAR
CASA DA CULTURA E MUSEU ARTHUR RAMOS
Avenida Professor Artur Ramos, 195 - Centro
Pilar AL CEP 57150-000
smoraes.pilar@hotmail.com

1066
Pinturas, objetos históricos, fotografias, história da cidade,
maquetes, banners.

PIRANHAS
MUSEU DO SERTÃO
Rua José Martiniano Vasco, s / n – Centro Histórico
Piranhas AL CEP 57460-000
www.piranhas-al.com.br
Iconografia do Cangaço, memorabilia da ferrovia Paulo
Afonso e da navegação a vapor na região. Peças das culturas ribei-
rinhas.

PORTO REAL DO COLÉGIO


CASA DA CULTURA DE PORTO REAL DO COLÉGIO
Avenida Moacir Andrade, s/n - Centro
Porto Real do Colégio AL
mucioprc@ig.com.br
Artesanato, fotografias, instrumentos domésticos.

SANTANA DO IPANEMA
MUSEU HISTÓRICO E DE ARTES DARRAS NOYA
Praça Manoel Rodrigues da Roicha, s / n – Centro
Santana do Ipanema AL CEP 57500-000
Arte local. Fixa a memória das culturas formadas às mar-
gens do Rio Ipanema.

SÃO MIGUEL DOS CAMPOS

1067
MUSEU HISTÓRICO E CULTURAL FERNANDO LO-
PES
Rua Visconde de Sinimbú, 60 – Centro
São Miguel dos Campos AL CEP 57240-000
casadaculturasmc@yahoo.com.br
www.casadaculturasmc.hd1.com.br
Instalado do Palacete da Baronesa, expõe obras de artistas
alagoanos, como Fernando Lopes, Pierre Chalita, José Paulino e
Tânia Pedrosa. Junto ao Museu, existe o Espaço Douglas Apratto,
sala multiuso que abriga exposições.

UNIÃO DOS PALMARES


MEMORIAL QUILOMBO DOS PALMARES
Rua Marechal Deodoro da Fonseca, s/n – Centro
União dos Palmares AL CEP 57800-000
turismo.pmup@hotmail.com
Memorial das lutas sociais do movimento negro brasileiro.
Acervo em formação.

VIÇOSA
MUSEU DE ARTE SACRA DE VIÇOSA (AL)
Avenida Firmino Maia, s/n – Centro
Viçosa AL CEP 57700-000

1068
pmvicosa.cultura@ig.com.br
graca.vasconcelos68@yahoo.com.br
Fotografias de personalidades eclesiásticas, imaginária de
santos.

PENEDO
CASA DO PENEDO

Há 20 anos a Fundação vem resguardando o maior acervo


histórico e bibliográfico a cidade, promovendo atividades que
contribuem para o engrandecimento da região e de seu povo. Na
sede da Fundação, situada à Rua João Pessoa, está instalada a
Biblioteca, o Arquivo, Auditório com a galeria de penedenses ilus-
tres, o anfiteatro e o Memorial Permanente, que expõe a história
econômica, política, cultural e artística da cidade do Penedo e do
Baixo São Francisco. A Fundação Casa do Penedo é considerada
a guardiã das tradições, das riquezas e herança cultural do Baixo
São Francisco, em especial do povo penedense, uma vez que man-
têm um rico acervo bibliográfico, iconográfico e cartográfico, so-
mados a preciosos objetos de arte que simbolizam a cultura e a
tradição de sua população. No dia 26 de setembro de 1992, uma
multidao fechou a rua João Pessoa, no Penedo. Gente vinda de
todos os cantos parou para ouvir a um recital com o pianista Joel
Soares, o ator Valmor chagas e o poeta Cassiano Nunes

1069
BIODIVERSIDADE:
FAUNA E FLORA

“Cadê o marreco. A quantidade de marreco que você via


aqui no rio não era brincadeira, eles faziam a maior festa. Eu ti-
rava foto da nuvem de marreco passando aí na beira. Tiraram
nosso adubo orgânico e colocaram adubo químico para dar duas
safras, e aí veio a mortandade de marreco, do paturi, da jia, do

1070
calango. Era a coisa mais linda do mundo. Há 25 anos o nosso rio
era assim: Passarinhos cantavam alegres e não tinha veneno aqui,
também não tinha barragem, era bom demais viver aqui. Hoje é
um São Francisco prisioneiro, está preso pela barragem de So-
bradinho, só soltam água quando querem. Porque nós vamos pa-
gar esse preço. Essas árvores e esses passarinhos são nossos ir-
mãos. São criaturas criadas por Deus para ajudar a gente a viver.
A gente deixa que o diabo tome conta. O diabo são os grandes
projetos na mão de poderosos que não tem consciência de respei-
tar a dignidade humana.”

Antonio Gomes dos Santos, o Toinho Pescador, agraciado


com o prêmio Muriqui, do Conselho Nacional da Biosfera da Mata
Atlântica (2007), outorgado a pessoas e entidades por suas ativida-
des em defesa da biodiversidade e conhecimento científico da Ma-
ta Atlântica.

INTERIOR DE ALAGOAS

ZONA DA MATA

Primeiro, tiraram o pau-brasil; depois a madeira, para fazer


barcos, móveis, construção e lenha. Por fim, veio o Proálcool. Da
primitiva Mata Atlântica, não restam mais que dois terços. Foi on-

1071
de surgiu um dos primeiros povoamentos do estado, como Porto
Calvo; e pela quantidade de rios perenes, foi também onde apare-
ceram os primeiros engenhos de açúcar. Os maiores rios da Zona
da Mata são: Manguaba, Tatuhamunha, Camaragibe e Santo Anto-
nio. A Zona da Mata atinge ainda os vales do Mundaú e do Paraíba
do Meio. Foi nesta região onde se instalou a República dos Palma-
res e onde foi travada a guerra dos Cabanos. A Zona da Mata se
estendia ainda até Coruripe, e ficava bem caracterizada na área de
Colônia de Pindorama, onde tinham as árvores de melhor qualida-
de.

SEMIÁRIDO

Fica entre a Zona da Mata e o Sertão, com uma porta de en-


trada pelo agreste. E ainda possue um bioma muito delicado, a
Caatinga. Esta área está sempre sujeita a secas de nove meses ou
mais. É ela o que mais caracteriza o Sertão. Nas caatingas, as tem-
peraturas são elevadas e a umidade baixa. Suas árvores, na seca,
ficam sem folhas e assumem uma coloração cinza-esbranquiçada.
Daí o nome caatinga, dado pelos indígenas: em tupi a palavra sig-
nifica plana (caá) e branco (tinga). A paisagem só volta ficar exu-
berante na época das chuvas, de um verde inacreditável. O juazeiro
e a oiticica são das poucas árvores que não perdem folhas.

BREJOS DE ALTITUDE

1072
Área caracterizada pela presença da água na forma de olhos
d´água. Em Alagoas alguns brejos de altitude, talvez os mais im-
portantes pela ocupação humana, acham-se os maciços sertanejos
de Água Branca e Mata Grande. Na zona rural, ainda trabalham
pequenos engenhos de rapadura e aguardente. E a agricultura cons-
ta cana-de-açúcar, milho, feijão, mandioca, além de frutíferas:
mangueiras, jaqueiras, cajueiros e umbuzeiros.

SÃO FRANCISCO ALAGOANO

O Velho Chico banha Alagoas a partir do cânion, a Noroes-


te, até o extremo Sul do Estado, onde deságua no mar, numa foz de
delta. Avistado pela primeira vez em 1501, por Américo Vespúcio.
O trecho alagoano se divide em três subvales: Alto, Médio e Bai-
xo. O Alto Vale compreende o começo do lago Moxotó, a partir da
cachoeira de Paulo Afonso, até Piranhas, na extensão do cânion de
62,5 km, e de Piranhas até Entremontes, na confluência com o rio
Capiá. O Médio Vale tem 113,5 km de extensão, da confluência do
Capiá, ao riacho do Sampaio, de Pão Açúcar a São Braz. E o Baixo
Vale compreende o extremo Sul de Alagoas, quando o rio São
Francisco chega ao Oceano Atlântico.

A FAUNA

A devastação da cobertura vegetal da Mata Atlântica, o qua-


se fim dos arbustos da caatinga, a poluição das águas e a caça pre-
datória formam um caldo de cultura que poderia até ser um quadro

1073
de flora e fauna dizimada. Ainda que se tenha um interior povoado
por distintos e diversificados animais, a fauna nem de longe lembra
os grandes animais, que desapareceram, principalmente os mamí-
feros

Moluscos e crustáceos.

Tem espécies terrestres e de água doce. São animais de cor-


po mole, geralmente abrigados por uma concha calcária e espirala-
da. Na reprodução, retém os óvulos no interior das brânquias, de
depois do nascimento das larvas são lançadas na água e fixam-se
nos peixes para garantir a dispersão.

Caramujos. Esquistossomose é uma doença causada pelo


Schistosoma mansoni, parasita que tem no homem seu hospedeiro
definitivo, mas que necessita de caramujos de água doce como
Hospedeiros intermediários para desenvolver seu ciclo evolutivo.
Pitu, mais famoso crustáceo, encontrado com abundância
no São Francisco. Gosta de correnteza e pedras do fundo. Têm em
geral coloração marrom-escura.

Insetos. Uns medem menos que um milímetro, com as ves-


pinhas, outros ultrapassam os 24 cm, como o bicho-pau, e algumas
espécies de mariposa, que têm uma envergadura de até 28 cm.
Muitos são xitófagos, que comem vegetais, algumas lagartas se
alimentam de folhas; cupins de raízes, e há os hematófogos, que se

1074
alimentam de sangue, como barbeiros, pulgas e piolhos, e podem
transmitir doenças.

Bicho-pau. É mimético em seu comportamento. Quando


finge ser um graveto, fica horas imóvel, defendendo-se dos preda-
dores, que não o vê.

Joaninha. Importante no controle biológico, pois come os


pulgões, considerados nocivos nas plantações.

Baratas. As baratas silvestres habitam o sol, sob pedras, en-


tre folhas secas e sobre plantas. Grande Parte dela tem hábitos no-
turnos. De dia elas ficam escondidas.

Besouros. Variam de forma e cor. Predominam o preto e o


marrom, e a forma oval-alongada. Alguns grupos apresentam cores
bizarras.

Louva-deus. Vem do grego mantis (profeta) + eidos (for-


ma): o nome faz uma referência à posição característica que lembra
uma pessoa ajoelhada e de mãos postas à frente.

Outros insetos da região: Coleóptera, moscas das frutas,


percevejo aquático, percevejo do mato, barbeiro, cigarra, cigarri-
nha, borboletas, mariposa, lagartas, libélula, gafanhotos, paquinha,
formiga, vespas e abelhas, cupins.

1075
Aracnídeos

Uma classe de animais extremamente numerosa, principal-


mente aranhas. Elas se encontram em diversos tipos de ambiente,
com mais povoamento na região da mata. Constroem teias com a
finalidade de aprisionar insetos. As maiores, como as caranguejei-
ras, habitam em troncos e ocos de árvore, é uma hábil caçadora de
insetos, lagartixas e filhotes de pássaro. A maioria das aranhas é
inofensiva ao homem, e ao contrário do que muita gente pensa, as
temidas caranguejeiras tem veneno pouco ativo.

Tarântula. Sua característica são as pernas longas com du-


as garras na ponta, e corpo revestido de cerdas. As tarântu-
las habitam as regiões temperadas e tropicais.

Viúva Negra. O nome provém do fato de a fêmea geral-


mente se alimentar do macho após a cópula. Sua picada é
muitas vezes fatal.

Escorpião. Também conhecido por lacrau. São animais ge-


ralmente discretos e noturnos, escondendo-se durante o dia
sob troncos e cascas de árvores.

Lacraia ou centopéia. São animais peçonhentos cujo vene-


no não é muito perigoso para o homem. Existem no Brasil
cerca de dez espécies cuja picada demanda cuidados médi-
cos.

1076
Peixes. Tem espécies terrestres e de água doce. São animais
de corpo mole, No interior, encontramos no rio São Francis-
co a maioria dos peixes da região. Vários habitam riachos e
rios permanentes menos caudalosos, que são poucos no Ser-
tão por causa do clima quente e seco. O lago formado pelo
enchimento da represa de Xingó, em Piranhas, tornou-se re-
servatório de várias espécies, ai mesmo tempo foi grande o
impacto da barragem sobre a vida dos peixes da região.

Tilápia. É um peixe autóctone, vindo das águas do rio Nilo,


no Egito, e hoje povoa todo Baixo São Francisco, e move a
economia do pescado na região. Em 2012, eram mais 180
produtores, por meio da criação por tanques–rede. A tilápia
também caiu no gosto público, e hoje já faz parte da culiná-
ria alagoana.

Bagre. Também conhecido como mandi. Apresentam nada-


deiras dorsal e peitorais, e possuem um ferrão com substân-
cia tóxica, que pode causar ferimento doloroso. Habitam
águas fundas e se alimentam de detritos. É um peixe impor-
tante para a sobrevivência da população ribeirinha, princi-
palmente nas lagoas Manguaba e Mundaú. Em Pilar, existe,
sempre no mês de novembro, o Festival do Bagre.

Muçum. Peixe alongado semelhante à enguia, e pode che-


gar a um metro de comprimento. É comum em açudes,

1077
charcos e rios calmos. Enterra-se no lodo, com a cabeça de
fora para caçar peixes e crustáceos.

Piranha. Carnívora e voraz, e chega a até três quilos de pe-


so. Vive em cardumes, o quer a torna perigosa para homens
e o gado. A população ribeirinha consome a conhecida pira-
nha negra ou vermelha. O imperador Dom Pedro II, em sua
viagem ao São Francisco fez um desenho de uma piranha
em seu diário de bordo.

Traíra. É um peixe de remanso, charcos e açude, preguiço,


gosta de ficar dentro do lodo, e só se alimenta de presas fá-
ceis, como peixes doentes ou machucados. Sua carne é
apreciada, mas é espinhento.

Surubim. O surubim é um peixe de couro que apresenta


corpo alongado com uma grande cabeça provida de barbi-
lhões, sendo a maior e mais valiosa espécie da Bacia do São
Francisco. Existem relatos de surubins com mais de 120 Kg
capturados no Rio São Francisco, entretanto atualmente di-
ficilmente um surubim deste tamanho é capturado.

Curimatá. Alimentam-se de restos de vegetais e animais


microscópicos no fundo. Somente é pescado de tarrafa, pois
anzol é difícil por seu hábito alimentar. Tem muito espi-

1078
nhos, mas a população ribeirinha consome. Em outras regi-
ões é salgada e secada ao s0l para consumo.

Tucunaré. O Tucunaré é um peixe que pode medir entre 30


centímetros e 1 metro. Seu corpo é longo e estreito, cheio de
escamas, de cor amarelo-esverdeada, por cima ele é escuro
mas a barriga é branca. O Tucunaré é natural da bacia ama-
zônica, mas hoje está rio São Francisco. É muito apreciado
pela sua carne saborosa.

Lagartos/ Lagartixas/ Camaleão/Camaleão Sinimbu (um


dos maiores da espécie no Brasil, vive nas caatingas)/ Cá-
gado (habita as caatingas e o agreste, maior patê do tempo é
aquático).

Cobra-Cipó. Habitante das caatingas, bastante comum.


Embora não seja peçonhenta, sua picada causa inflamação e
dor forte no homem. Come lagartos.

Cobra Coral/ cobra-verde/ Bicuda/ Surucucu Pico-de-


jaca (maior serpente venenosa do Brasil, circula nas matas)/
Jiboia/Jararaca (serpente peçonhenta das caatingas, muito
comum)/

1079
Cobra Cascavel. Mata por envenenamento, e se alimenta
de vertebrado de sangue quente, vive em cerrados e caatin-
gas.

Mamíferos

Alagoas tinha matas exuberantes, antes da colonização, da


caça predatória, e do plantio da monocultura da cana. Que
guardavam índios e grandes mamíferos. Com a redução do
se habitat, alguma espécies já não encontradas mais em
Alagoas: a anta, a suçuarana e a onça-pintada. Elas desa-
pareceram de Alagoas. Hoje, outras espécies de mamíferos
estão em extinção no estado, como o guariba, o porco-do-
mato e a lontra.

Quati. Vive nas matas e anda em bando, costuma comer


frutos na copa das árvores. Procura as presas nas frestas das
pedras, e nos ocos das árvores.

Catita. Habita a caatinga e áreas de vegetação aberta, é se-


melhante a um pequeno rato.

Gato-do-Mato. O Leopardus tigrinus tem ocorrência ampla


no Brasil, em Alagoas ele vive nas caatingas e nas matas.
Mas, infelizmente sua população continua decaindo e corre
risco de extinção. Em 2103, a ONG Biodiversidade Brasilei-

1080
ra estima que nos próximos 15 anos, ou três gerações, ocor-
rerá um declínio de pelo menos 10% desta população, prin-
cipalmente pela perda e fragmentação de habitat causadas
pela expansão agrícola.

Macaco-prego. Anda em grupo de mais de cinco, distribui-


se na Mata Atlântica e nas c caatingas. Resiste apesar da
perda do habitat e de servir como bicho de estimação.

Porco-do-mato. Habita todo o Estado, das matas ao litoral,


às caatingas. Mas está muito ameaçado pela perda habitat e
pela perseguição dos caçadores. Nas matas secas da caatin-
ga mantém-se em atividade à noite, por causa do forte calor.

Rato-do-mato. Espécie bastante comum nas matas, capoei-


ra, áreas abertas de vegetação. Vive por toda parte de Ala-
goas.

Paca. Também corre sério risco de extinção em Alagoas.


Habita as matas, quase sempre perto da água. Também alvo
frequente de caçadores, pois sua carne é boa e considerada
exótica.

Veado-Mateiro. Ocorre por toda a parte de Alagoas, onde é


também perseguido pelos caçadores, pela carne e pelo cou-
ro. Como frutas, folha e flores.

1081
Cutia. Habita toda Alagoas, fica mais ativo ao amanhecer e
no crepúsculo, quando sai em busca de alimentação.

Mocó. Roedor típico das regiões pedregosas e secas. Ali-


menta-se de brotos vegetais, folhas e frutos. O mocó tem
que correr para não cair no prato do sertanejo. Além de fugir
do gato-do-mato, gaviões e cobra, o mocó é muito apreciado
na culinária sertaneja.

Tatu. Vive em área abertas e bordas da mata. Abriga-se em


tocas que cava na terra, com suas garras fortes. O dorso é
coberto por uma carapaça.

Aves

Alagoas abriga pássaros e aves em extinção, e, apesar das


ameaças em ecossistemas como a caatinga, foram descober-
tas mais quatro novas espécies nos últimos anos. Verdadei-
ras joias aladas como o pintor-sete-cores e o macuco do
Nordeste fazem parte de nossa fauna alagoana.

Papagaio-verdadeiro. Habita o semi-árido, é uma das mais esti-


madas aves brasileiras, muito perseguida pelo comércio, que por se
tratar de um pássaro silvestre não pode ser vendido.

1082
Corrupião. Ave típica da região semi-árida. Tem um canto mara-
vilhoso e imita até outras aves. É muito disputada no mercado
clandestino de venda aves.

Garcinha-branca-do-gado. Ave originária das savanas africanas,


mas desde a última década se alastrou por Alagoas, é muito co-
mum vê-la sempre perto da manada de bois, lhe catando os insetos
que ficam em suas patas e no couro. Vivem em simbiose.

Pintor-sete-cores. Ave ameaçada de extinção. É uma maravilha da


natureza a sua plumagem. O que resta da sua espécie vive na Mata
Atlântica de Alagoas, Pernambuco e Paraíba. Os vendedores clan-
destinos são seu maior inimigo.

Caboré. A menor coruja de Alagoas. Habita matas ralas, cerrados,


graças à proliferação de ratos. Presta serviço ao combatendo os
insetos.

Coleirinha. Ocorre somente nas áreas de floresta de Alagoas, Per-


nambuco e Paraíba. Vive em grupo e a meia altura, entre as árvores
da mata.

Cravina. Vive no meio da caatinga, é uma bela ave do semi-árido

Saí-beija-flor. Belo Pássaro. O colorido é exuberante, em pluma-


gem que vai do azul ao verde.

Galo-de-campina. Um dos queridos e cantantes pássaro do Brasil.


Em Alagoas está no interior e no litoral. Mas é típico da caatinga.
É conhecida por ter sua cabeça pintada de vermelho, sua maior
característica.

1083
Canário. Muito conhecido em Alagoas, habita áreas abertas tanto
do interior como no litoral. Convive bem com o homem, chega a
formar ninhos em telhados.

Jacu-de-Alagoas. É uma nova subespécie do mutum de Alagoas, o


Jacu Preto, que há pouco tempo estava em extinção, mas projetos
em Alagoas tentam repovoá-lo.

Curió. Habita várzeas, margem de córregos e de rios. O curió tor-


nou-se raro em Alagoas, mas muito colecionador de pássaro, tem
um exemplar em sua gaiola. Seu canto é um dos mais lindos do
Brasil.

Rolinha-capim. Habita o semi-árido, e é bastante caçada em toda


a região de Alagoas, apesar de ser família dos columbídeos (pom-
bos) tem uma carne apreciada.

Seriema. Ave do semi-árido brasileiro. Comedora de cobra, inclu-


sive venenosas. De médio porte, é caneluda e tem bico forte. Se
alimenta de insetos e répteis.

Urubu. Ave das mais conhecidas, observada em geral nas alturas,


de onde desce planando atrás de presas. Habita áreas de lixões,
durante a seca aparece sempre cercando os bois e vacas magros em
vias de morte.

Flora

Alagoas, apesar de ser um estado pequeno, tem vários tipos de


vegetação. Suas matas, com suas madeiras de leis, seu pau-brasil,
foram sistematicamente sendo destruídas pela mão do homem. São

1084
séculos de exploração de madeiras, tanto pelo Norte, com o uso
para fabricar as naus das grandes guerras entre holandeses e por-
tugueses; e no Sul, no Rio São Francisco, que também foi porto de
saída para exportação de madeira. Mas, enfim, alguns pedaços da
mata resistiram, e são espécies de rara beleza.

Árvores Sertão e Agreste

Craibeira. Árvore símbolo de Alagoas. Integra a flora das mar-


gens dos rios do Sertão, onde exibe o espetáculos de seus belos
cachos amarelos. Ao longo do rio São Francisco também possível
ver exemplares, como a da Ilha do Ferro.

Barriguda. Árvore comum nas caatingas mais secas, em geral


cresce isolada. Tem uma hipertrofia no caule que é semelhante a
uma barriga.

Umbuzeiro. É a sombra do sertão. Tem uma envergadura grande,


é bastante ramificada, e diferente de todas as outras árvores. É ra-
pidamente identificada, tem muita reserva de água e pode suportar
longas estiagens. Seu fruto, o umbu, é altamente comercial.

Juá (ou Juazeiro). Árvore que chega a quatro metros; tem uma
boa sombra e sua folhagem é usada alimentar (forragem) para ovi-
nos , caprinos e bovinos

Baraúna. Um das maiores árvores da caatinga, ocorre em todo o


Nordeste. Sua madeira, e o núcleo duro, tem muito valor econômi-
co.

1085
Catingueira. Uma das espécies mais dispersa do Sertão alagoano.
Rebrota rápido quando é cortada, o que acontece também com as
espécies da caatinga.

Jurema-Preta. Árvore pequena está em toda a região ribeirinha ao


São Francisco.

Carnaúba. Em Alagoas, existem populações às margens do rio


Moxotó, mas é encontrada mais no Ceará e Piauí. A cera de SUS
folhas podem ser usadas na fabricação de graxa, papel carbono e
sabonete.

Ouricuri. Palmeira muito frequente no Agreste e no Sertão, for-


mando densas populações em áreas planas ou serras. Na Serra da
Barriga, em União dos Palmares, podem ser vistas à distância.

ZONA DA MATA

Barbatimão. Chega aos 15 metros de altura. De caule avermelha-


do, é uma árvore muito procurada pelos raizeiros das feiras-livres.
O chá e sua de sua folha e de seu caule tem poder cicatrizante nas
feridas externas.

Pau-falha. Essa árvore tornou-se pouco comum em Alagoas, em


conseqüência da exploração no passado, por seu caule retorcido e
elegante, que servia de sustentação a alpendres.

1086
Visgueiro. Árvore de zona úmida, presentes nas bordas e no inte-
rior das matas. De copa ampla, bastante ramificada, atinge até 20
metros de altura.

Ipê-roxo. O ipê perde as flores quando floresce e de longe se avis-


ta o roxo das flores sobre o verde da floresta. É cultivada também
de forma ornamental.

Sucupira. Exibe densos cachos de flores roxas, mas pequenas.


Possui madeira pesada, fibrosa e de longa durabilidade.

Pau-de-jangada. Árvore de madeira leve, muito procurada para a


fabricação de canoas e jangadas. É difícil de observar hoje, nas
matas, a beleza de seus frutos redondos, com longos pelos.

Jatobá. Árvore de 10 a 15 metros de altura, com tronco entre 40 a


50 de diâmetro. A medicina popular usa frutos e casca para impo-
tência sexual. Sua fruta também é comestível.

Munguba. Árvore de grande porte, que desenvolve raízes tubula-


res para lhe dar sustentação. Tem madeira um pouco mole para o
uso em marcenaria, mas é usada na fabricação de cercas.

Imbaúba (ou Umbaúba, ou Árvore da Preguiça). Cresce rápido e


dá condições ao desenvolvimento de outras espécies, ao fornecer
matéria orgânica com a queda de folhas, frutos e ramos. Foi uma
das primeiras plantas a serem instaladas nas matas ou em áreas
abertas recém-desmatadas.

Pindoba e Juçara. São palmeiras características do interior das


matas da região úmida de Alagoas.

1087
Flores e Plantas

Açucena. São do gênero Amaryllis, geralmente bulbosas, com


flores vistosas e aromáticas, como a açucena-branca, também co-
nhecida como lírio-branco. Está presente na Mata Atlântica alago-
ana.

Fruta Pão. Cultivada em pomares, praças, jardins e lavouras em


todo estado. Umas pela beleza outra pelo remédio caseiro.

Jasmim. Da mesma forma que o pé de fruta Pão, o jasmim tam-


bém é visto nos jardins de muitas casas em Alagoas, sei cheiro
inebriante é maravilhoso. Nativas do Velho Mundo. São em sua
maior parte arbustos ou lianas, de folhas simples ou compostas.
Quase todas as espécies possuem flores brancas, mas há algumas
de flores amarelas ou rosadas.

Macaxeira. Mandioca, aipi, aipim, castelinha, uaipi, macaxeira,


mandioca-doce, mandioca-mansa, maniva, maniveira, pão-de-
pobre, mandioca-brava e mandioca-amarga são termos brasileiros
para designar a espécie. Em Alagoas, a macaxeira já faz parte da
vida do sertanejo e agrestino, tanto para sua mesa, como para seu
sustento. É um dos vetores emergentes da economia popular.

Bananeira. Além do fruto banana, a folha da bananeira está pre-


sente no cotidiano do homem desde o início de sua existência. Ela
acompanhou a evolução humana e já foi utilizada como vestimen-
tas, artesanato, passando por forrações de camas e telhados e hoje,
é explorada com frequência na gastronomia.

1088
Cactos, bromélias e arbustos

Macambira-de-flecha. É uma bromélia que acumula água direta-


mente nas cisternas formadas pela disposição de suas folhas em
roseta. Chega a atingir quatro metros de altura.

Coroa-de-frade (ou Cabeça-de-frade). Cacto em forma de globo,


as espécies são usadas de forma ornamental, plantadas em muro,
jardins e nos interiores das casas nordestinas.

Mandacaru. Cacto que atinge uma altura de até seis metros, prefe-
re áreas menos seca de solo argiloso. Produz flores grandes e fru-
tos vermelhos. É o mais conhecido da espécie cacto, já foi nome de
livros, romances e poesias.

Xiquexique. Espécie facilmente reconhecida pela forma de cande-


labro. Aparece nos solos mais secos e rasos. Existe muitos exem-
plares nas margens do Baixo São Francisco.

Quipá. Cacto que se distribui por toda a região do semi-árido. As


folhas nascem na parte final dos entrenós que compõem o corpo da
planta, geralmente é baixa ao rés do chão.

Mamoma (ou Carrapateira). É planta da família das euforbiáceas.


Recebe outras designações, conforme a região: em algumas regiões
da África, é abelmeluco; na língua inglesa, é castor bean; na língua
espanhola, é ricino, higuerilla, higuereta e tártago. O seu principal
produto derivado é o óleo de mamona, também chamado óleo de
rícino. Embora seja usado na medicina popular como purgativo. É
também usada em brincadeiras de meninos, que usam a carrapatei-
ra em seus estilingues e petecas para acertar o alvo, geralmente s
lagartixas

1089
Melão-de-Santo-Caetano. O melão de São Caetano, aquele me-
lãozinho cor de laranja, com carnosidade, que pode ser facilmente
encontrado em cercas, alambrados, terrenos baldios. É uma planta
originária de partes como leste da Índia e sul da China. Em todo o
Brasil, também vem a ser reconhecido por nomes populares como
erva de São Caetano, fruto de cobra, erva das lavadeiras e melão-
zinho. Tratando-se de características, é uma trepadeira de cheiro
desagradável que possui flores amareladas ou esbranquiçadas.

LITORAL DE ALAGOAS

O litoral ou costa de Alagoas corresponde a uma faixa geográfica,


que vai da foz o rio Persinunga, no extremo Norte do Estado, até a
foz do rio São Francisco, no extremo Sul, com 230 quilômetros de
extensão. A largura do litoral varia de poucos metros a mais de
quatro quilômetros. Estreito ao Norte, fica mais largo no Centro,
área das lagoas Mundaú e Manguaba, e alcança sua maior expres-
são na foz, no Pontal do Peba. As paisagens litorâneas resultam das
variações do mar ocorridas entre sete e a dois mil anos atrás. Estes
movimentos transgressivos afetaram o afogamento dos rios, por
deposições arenosas; a variação do lençol d´água subterrâneo (len-
çol freático), que trouxe o fechamento de estuários, originando
lagoas, e formas marcantes do território alagoano, como recifes,
dunas, restingas e brejos.

Praias. Na linha de contato entre mar e terra, podemos encontrar


três tipos de costa: rochosa, arenosa e lamacenta. Em todo litoral
predomina uma faixa formada por acúmulos de sedimentos, como
dunas e falésias, e outros trazidos pelos rios, ondas e correntes, e
ventos. O principal é a areia, mas também temos conchas, lama,

1090
restos de vegetais e animais. Os sedimentos também são formados
por lixo, muito lixo acumulado e poluição, que vem se tornando
um transtorno, principalmente nas praias urbanas de Maceió.

Recifes e Corais. Alagoas tem a segunda maior barreira de corais


do mundo. A Área de Proteção Ambiental Costa dos Corais, a
maior unidade de conservação marítima do Brasil e a segunda
maior barreira do mundo, só perde para a Grande Barreira de Co-
rais da Austrália, abrange uma área de 413 mil hectares, espalhada
por 135 quilômetros de litoral, vai da cidade de Tamandaré (PE) a
Paripueira (AL). A extinção de corais já teve um impacto sem pro-
porções há décadas, com danos irreversíveis. O ponto mais movi-
mentado da barreira fica em Maragogi (AL), nas famosas galés,
piscinas naturais rasas a 5 km da costa. Estima-se a presença de 60
mil visitantes por ano. A área de visitação é restrita e monitorada.
Fonte: Ministério do Meio Ambiente.

Estuários e Lagoas. Em 230 quilômetros de costa, 17 lagoas –


uma em cada 14 quilômetros. A abertura para o mar constitui um
estuário, região sujeita às marés. As espécies que aqui sobrevivem
oferecem fartura de alimentos. Ameaçada apenas pelas agressões
humanas. A vegetação ciliar, além do papel fundamental de nutri-
ente, responde pela fixação das margens dos rios, lagoas e estuá-
rios. Mas a oferta de alimentos vem caindo vertiginosamente, com
a degradação de habitats com os manguezais. Dentre as 1u7 lagoas,
duas se destacam: a Manguaba (com 34 km² - a maior do Estado) e
a Mundaú (23 km²). Estima-se que 200 mil pessoas vivem na regi-
ão, diretamente envolvida com a obtenção de alimento neste com-
plexo, que tem uma grande variedade de espécies como:

1091
Moluscos: Maçunim, Mela-pau, Ostra, Redondo, Sururu, Taiobas,
Unha-de-velho

Crustáceos: Aratu, Chama-maré, Craca, Guiamum, Marinheiro,


Siri, Uça, Xié

Restingas e Dunas. A restinga é um conjunto de formações geoló-


gicas, ao longo do tempo, caracterizado por depósito de areias,
coberto por uma flora variada, como campos ralos de gramíneas,
moitas de arbusto intercaladas de clareiras, matas fechadas ou bre-
jos com densa vegetação aquática. Nos anos 1990, as restingas e as
dunas cobriam quase 80% do litoral brasileiro. Isto representa cin-
co mil quilômetros, dos quais 18 estavam no litoral alagoano (Lito-
ral de Alagoas, Guia do Meio Ambiente, 1994). A restinga do Pon-
tal da Barra é um exemplo para se ver de perto.

Manguezal. Os mangues são considerados patrimônio nacional,


como define o artigo 225 da Constituição Federal do Brasil, mas
infelizmente isto só existe no papel. Os mangues, mesmo diante de
sua importância ambiental e social, sempre foram considerados
pouco atrativos e áreas sem valor econômico. O resultado dessa
concepção quase provocou a extinção de um ecossistema essencial
para a sobrevivência de inúmeras espécies da zona costeira. Dos
230 km que formam a zona costeira alagoana, 150,91 km² consti-
tuem manguezais. Nessa extensão, destacam-se as lagoas Mundaú,
Manguaba e do Roteiro, os rios Coruripe, Salgado, Maragogi, Ta-
tuamunha, Santo Antônio, Manguaba e Camaragibe, entre outros.
O manguezal é importante porque é o berçário natural de muitas
espécies marinhas, como algumas espécies de camarões, moluscos
e peixes, além de dar subsistência a milhares de pessoas que vivem
da pesca em seu entorno.

1092
Foz do São Francisco. Em uma visão aérea, a foz do rio São
Francisco se mostra sinuosa, com seus baixios alagados, dunas,
manchas de florestas e extensos coqueirais. São inúmeros alagadi-
ços, várzeas que interligam lagoas, separam pequenas ilhas. As
formas atuais do relevo incluem terraços marinhos, planícies mari-
nhas, dunas móveis e fixas e superfícies pantanosas. No lado ala-
goano, o delata tem formato triangular, e ocupa terras dos municí-
pios de Piaçabuçu, Penedo e Feliz Deserto. Entre os acidentes geo-
gráficos se destaca a várzea da Marituba, conhecida com o Panta-
nal Alagoano.

Fauna Ainda se vêem garças, alguns anfíbios e répteis, inclusive


jacarés. Mas, a outrora rica fauna do litoral alagoano, muitas espé-
cies desapareceram. Hoje, entre as espécies mais ameaçadas está o
peixe-boi marinho e a tartaruga marinha. Em nossa fauna marinha-
estuarina, há desde esponjas, corais e caramujos, lindos peixes or-
namentais, grandes mamíferos que resistem ao tempo, a peixes,
muitos peixes.

Anêmona-do-mar. As anêmonas-do-mar são um grupo de animais


sésseis (não possuem capacidade de locomoção, vivem fixos, asso-
ciados à um substrato). Utiliza seus tentáculos para capturar ali-
mentos. São intimamente relacionadas aos corais, águas-vivas e
hidras.

Corais: Embora os corais pareçam pedras, são animais. Na verda-


de são colônia, ou aglomerados de milhares desses animais, alguns
pré-históricos. Frequentemente se diz que os corais formam "reci-
fes", barreiras calcárias como as encontradas no litoral do Nordes-
te. Os recifes de coral são, provavelmente, as comunidades bentô-
nicas mais ricas e complexas dos oceanos. Formaram-se ao longo
de milhões de anos, a partir da deposição do carbonato de cálcio

1093
proveniente dos esqueletos de corais, e estão entre as comunidades
marinhas mais antigas que se conhece - a sua história remonta há
500 milhões de anos atrás. Estima-se que um único recife de coral
pode albergar, pelo menos, 3.000 espécies de animais.

Caravelas (ou Água-Viva). É uma das criaturas mais bonitas, es-


tranhas e misteriosas que existem. Tão perigosas quanto bonitas.
Elas existem há mais de 650 milhões de anos e existem milhares
de espécies diferentes. A maioria é transparente e tem o formato de
um sino. São considerados animais marinhos, que variam bastante
de tamanho. Na grande maioria a locomoção depende da das cor-
rentes ou é tão limitada que não têm forças para ir contra a corren-
teza. A água-viva é um animal que tem o corpo composto por cer-
ca de 98 % de água. Se ela encalhar na praia, praticamente irá de-
saparecer à medida que a água evaporar. Uma água-viva adulta
também é conhecida como Medusa (por causa de Medusa, a criatu-
ra mitológica com cobras no lugar do cabelo).

Caramujos. É um molusco, mas nas areias da praia eles são as


conchas. São lentos solitários, sedentários, se grudam em cascos de
embarcações, na praia eles fazem aquela trilha de conchinha, que
todo mundo gosta de colecionar. Podem ser encontrados em lago-
as, nas areias da praia, principalmente junto a foz de rios. Os mo-
luscos têm uma composição frágil, são animais de corpo mole, mas
a maioria deles possui uma concha que protege o corpo. Nesse
grupo, encontramos o caracol, o marisco e a ostra. Há também os
que apresentam a concha interna e reduzida, como a lula, e os que
não têm concha, como o polvo e a lesma, entre outros exemplos. O
grande caramujo marinho vive se arrastando nas rochas ou areias
no fundo do mar. Já as ostras e o marisco fixam-se nas rochas no
litoral, enquanto a lula e polvo nadam livremente nas águas mari-
nhas.

1094
Polvo. Os polvos são moluscos marinhos da classe, da ordem Oc-
topoda (oito pés), possuindo oito braços fortes e com ventosas dis-
postos à volta da boca. O polvo tem um corpo mole, sem esqueleto
interno (ao contrário das lulas) nem externo. Como meios de defe-
sa, o polvo possui a capacidade de largar tinta, de mudar a sua cor
(camuflagem, através dos cromatóforos), e autotomia de seus bra-
ços. Todos os polvos são predadores e alimentam-se de peixes,
crustáceos e outros invertebrados, que caçam com os braços e ma-
tam com o bico quitinoso. Para auxiliar a caça, os polvos desen-
volveram visão binocular e olhos com estrutura semelhante à do
órgão de visão do ser humano, tendo percepção de cor.

Caranguejos.Os caranguejos (também conhecidos como uças) são


crustáceos caracterizados por terem o corpo totalmente protegido
por uma carapaça, com quatro pares de patas terminadas em unhas
pontudas, o primeiro dos quais normalmente transformado em for-
tes pinças. Por terem cinco pares de patas ambulatórias são da
ordem de crustáceo chamada Decapoda. Em Alagoas, os carangue-
jos são os principais alvos da venda clandestina. Até mesmo duran-
te período de defeso, temporada de proibição da pesca da espécie,
as apreensões são recordes.

Tatuí. O Emerita brasiliensis, conhecido pelos nomes comuns de


tatuí ou tatuíra, é uma espécie de crustáceo que habita praias are-
nosas, fazendo escavações na areia. Dificilmente ultrapassam os
quatro centímetros de comprimento, mas é possível o crescimento
até sete centímetros, com carapaça castanho-amarelada. São en-
contrados na zona de arrebentação das praias do Brasil, onde vi-
vem enterrados na areia, a pouca profundidade. São usados na cu-
linária. Sua presença é um indicador da qualidade ambiental de

1095
uma praia: praias com um certo grau de poluição ou de presença
humana não costumam mais apresentar tatuís.

Siri. Todo siri é, na verdade, também um caranguejo. A explicação


é simples: siri não passa de um nome popular dado aos membros
da Portunidae, uma das várias famílias de caranguejos. Ambos têm
como principal característica o fato de possuírem dez patas - o que
faz com que camarões e lagostas também pertençam à mesma tur-
ma. A diferença mais evidente entre os siris e as demais espécies
de caranguejo está no formato das duas patas traseiras. "Nos siris,
elas não são pontiagudas - como nos outros caranguejos - mas
achatadas e amplas. Graças a essa característica, o siri é o único
caranguejo capaz de nadar", afirma o biólogo Sérgio Luiz de Si-
queira Bueno, da USP. O tamanho varia muito de uma espécie para
outra, mas os maiores siris não passam de 20 centímetros de en-
vergadura, enquanto certos caranguejos podem chegar a até 50
centímetros. Para completar, existem ainda algumas diferenças de
hábitos entre eles.

Lagosta. Lagosta é o nome comum dado a uma grande diversidade


de espécies de crustáceos decápodes marinhos da subordem Pali-
nura, caracterizados por terem as antenas do segundo par muito
longas e os urópodes em forma de leque. Estes crustáceos podem
atingir grande tamanho, com peso superior a 1 kg, e têm uma
grande importância econômica, uma vez que são considerados ali-
mentos de luxo. O nome comum tem apenas base morfológica,
razão pela qual não tem significado taxonômico preciso para além
do nível de subordem.

Camarões. A pesca e a produção em cativeiro de camarões é uma


das atividades econômicas mais importantes, devido ao elevado
valor comercial destes produtos de luxo da alimentação humana.

1096
Mas em Alagoas a situação do camarão barba-roxa, ou espigão,
não é das melhores. O avanço da pesca predatória na costa alagoa-
na e o baixo volume de água lançado na Foz do Rio São Francisco
são responsáveis pela inclusão do camarão espigão ou sete barbas
– 75% de toda a captura – na “lista vermelha” dos animais em ris-
co de extinção, apontados por um fórum nacional de cientistas e
biólogos, e divulgada anualmente pelo Instituto Biodiversitas e
Ibama.

Estrela-do-mar. A Estrela-do-Mar é um animal, e exclusivamente


marinhos, que vivem no fundo. São aproximadamente 1600 espé-
cies que podem ter uma grande variedade de formas e cores. Entre
seus parentes mais próximos podemos citar o Ouriço do Mar, a
bolacha do Mar e o Pepino mar. A estrela-do- mar é um animal
com sistema digestivo com certo grau de complexidade, possuem
boca, esôfago, estômago, intestino e ânus. Uma característica única
desses animais é que elas evertem seu próprio sistema digestivo.
São animais carnívoros

Peixes

Arraia. Também chamada de raia. Tem o corpo achatado, em


forma de disco, com uma cauda fina e alongada. Vive no fundo e
pode enterrar-se para se defender ou cavar a areia em busca de
alimentos. Habita perto da costa, e pode entrar em estuários e lago-
as com a maré enchente.

Agulha. Habitam em águas costeiras, e entram em estuários e la-


goas. Ocorre no litoral alagoano a agulhinha, que a maxila inferior
alongada, como se fosse um bico, e maxila superior curta. E o agu-
lhão, com as duas maxilas do mesmo tamanho. Carne muito apre-
ciada para tira-gosto, embora considerada de qualidade inferior, É

1097
pescada com um facho de luz, quando são atraídas para as redes ou
para próprio barco do pescador.

Cação (ou panã ou lixa). Tem corpo alongado e cabeça achatada.


Alguns apresentam os lados cabeça salientes, com os olhos nas
extremidades, lembrando um martelo. São marinhos, mas podem
entrar em estuários e lagoas na maré cheia.

Camurim. Peixe carnívoro, relativamente grande, com mandíbula


saliente. Carne de qualidade, mas pouco consumida em Alagoas.
Vive em estuários e lagoas.

Carapeba. Grande fonte de renda para pescadores, principalmente


em Alagoas, onde a carapeba chega a ser um símbolo da terra, e
justifica pelo seu gosto saboroso. Foi cantada em verso e prosa,
com direito a música de Luiz Gonzaga, o rei do baião. Peixe outro-
ra abundante no mar alagoano, carapeba é palavra de origem tupi
como sentido de peixe miúdo. Segundo o Dicionário Aurélio, trata-
se de "peixe de corpo ovalado, boca pequena desprovida de dentes,
e com apenas dois raios ósseos na nadadeira anal". Medindo até 30
cm, a carapeba é considerada uma iguaria de grande prestígio na
culinária alagoana - especialmente as fritas, mas também ensopa-
das.

Carapeba

Luiz Gonzaga

Êi, lá vem esquema muié


Ê som, é gente, é vida, é pó

Êi, lá vem esquenta muié


Do meu sertão
Carapeba

1098
Bandinha quente
Abrindo frente
Alegrando vai

Pife, pratos, tarol, zabumba


É tumba, tumba
E a folia sai

Bonifácio, Major do povo


Velhinho novo a comandar
Carapeba por onde passa
Faz som de graça pra se brincar

Cioba. Cioba é um peixe costeiro, cabeça grande, com espinhos na


nadadeira dorsal. Cor avermelhada, com pequena mancha escura
nas laterais. Pode-se se encontrar em estuários e lagoas, ou no mar,
é peixe de ficar entre as pedras. Pode chegar a 75 cm de compri-
mento, coloração avermelhada com ventre mais claro, estrias escu-
ras e douradas no dorso e nos flancos. No Brasil, também conheci-
do como ciobinha, mulata, realito, vermelho-paramirim. Em Por-
tugal, conhecido simplesmente como pargo vermelho. É um peixe
de carne muito saborosa e apreciada comercialmente.

Tainha (ou Curimatã). Peixe de bom tamanho, vive em mar aberto


da costa. Em certas épocas do ano aparece de cardumes à beira-
mar, onde se pode capturá-lo em rede de tarrafas. É uma grande
fonte de renda para pescadores. A tainha está no brasão de Alagoas
– uma fileira de três tainhas correndo as águas do litoral.

Manjuba. Pequeno peixe, com uma faixa prateada na lateral do


corpo. É pescado em grandes quantidades, principalmente entre as
cidades antes da foz do Rio São Francisco, principalmente Piaça-
buçu. Poe ser consumido frito ou salgado, ótimo para tira-gosto.
No litoral não pé muito conhecido.

1099
Pescada. Peixe importante para a produção pesqueira, principal-
mente no verão. De tamanho médio a grande, apresenta escamas
maiores na linha lateral. Vive no mar, e em estuários e lagoas.

Peixe-galo. Muito comum no litoral alagoano, vive na rebentação


das ondas, perto do litoral. Sua cor é prateada, apresenta um forte
achatamento lateral. Carne apreciada pela população. Tem um dor-
so verde-azulado escuro com tom azul-metálico mais claro nos
flancos e ventre esbranquiçado. Com corpo muito alto e bastante
comprimido lateralmente, a parte anterior da cabeça é quase reta
mantendo essa característica da ponta do focinho ao alto da cabeça,
o que explica ser chamado popularmente de testudo. Quando adul-
tos formam grupos de poucos indivíduos, aos pares ou solitários,
chegando a atingir 1,8 a 2 kg medindo de 40 até 50 cm.

Xaréu. Podem ser encontrados em todo o litoral brasileiro. Fre-


qüentam locais com fundo duro, de pedra ou areia, próximos a
ilhas e costões, onde procuram por pequenos peixes para se ali-
mentar. Grandes exemplares são encontrados em mar aberto, sendo
que os pequenos podem ser capturados dentro de baías. Presente
em todo Oceano Atlântico esse peixe apresenta bastante resistência
a variações de salinidade, podendo ser encontrado em água salga-
da, salobra e em rios costeiros. No período da migração aproxima-
se facilmente do litoral nadando a pequenas profundidades, e em
cardumes, quando são pescados facilmente.

Cavalo-marinho. O cavalo-marinho (Hippocampus) é um peixe


ósseo, a cabeça lembra a de um cavalo, tem a cauda enrolada ligei-
ramente na extremidade. Habita os recifes coralíneos. Existem 32
espécies diferentes de cavalos-marinhos nos mares de regiões de

1100
clima tropical e temperado, em profundidades que variam de 8 a 45
metros. Todas as espécies são consideradas vulneráveis por órgãos
de proteção à natureza. O corpo desse pequeno e delicado peixe é
coberto por placas em forma de anel. Esse peixe pode medir entre
15 cm e 18 cm. O cavalo-marinho é muito querido pelo pessoal
que gosta de dançar ciranda. Ele ganhou até música.

Cavalo Marinho
Quinteto Violado

Nas horas de Deus, Amém


Pai, Filho e Espírito Santo
São as primeiras cantigas
Que nesta casa eu canto
Nossa Senhora da Guia,
Me cubra com vosso manto

Vem meu boi bonito


Vem dançar agora
Já deu meia noite
Já rompeu a aurora

Cavalo marinho
Chega mais pra adiante
Faz uma misura
Pra toda essa gente

Cavalo marinho
Dança no terreiro
Que a dona da casa
Tem muito dinheiro

Cavalo marinho
Dança na calçada
Que a dona da casa
Tem galinha assada

1101
Cavalo marinho
Já são horas já
Dá uma voltinha
E vai pro teu lugar

Tartarugas do Mar. Há várias espécies deste réptil amplamente


distribuídos pelos mares das regiões tropicais e subtropicais de
todo o mundo. Ameaçadas de extinção chegaram quase que com-
pletamente de alguns pontos do litoral alagoano, devido á coleta de
ovos, ao abate da fêmea que subiam às praias para desovar; tam-
bém pela captura em rede de pesca. A tartaruga verde, que atinge
até 1,5 metro de comprimento e pode pesar 250 quilos, usa o litoral
de Alagoas como zona de alimentação e aqui, pode, ocasionalmen-
te, desovar.

Mamíferos

Saguim. Único primata do litoral, muito comum nas restingas,


sítios, quintais, desde que seja arborizado e protegido. Eles andam
em bando de até dez espécies, são mansos, comem na mão das
pessoas, mas são ariscos. Alimenta-se de frutos, insetos, ataca ni-
nhos de passarinhos, mas adora uma banana colocada perto deles.
Costuma morder as cascas das árvores.

Raposa. Vive nos campos e nas áreas abertas. É comum vê-las


correndo em canaviais ou atravessando rodovias. Alimenta-se de
pequenos roedores, aves e insetos. O homem do campo a persegue,
pela fama atacar animais domésticos, como a galinha. Há registros
da chamada raposa-da-caatinga, que alimenta-se basicamente de
pequenos animais, frutos e insetos. No Nordeste brasileiro, a seca

1102
que assola a região semi-árida no período de agosto a janeiro, não
afeta só a população rural, más também os animais silvestres. En-
tre estes animais, encontramos as raposas, que buscam alimentos
fugindo da seca, principalmente nas rodovias onde são atropeladas
a noite na busca de alimentos.

Capivara. É o maior roedor do mundo, pesando até 91 kg e me-


dindo até 1,2 m de comprimento e 60 cm na altura. A pelagem é
densa, de cor avermelhada a marrom escuro. É possível distinguir
os machos por conta da presença de uma glândula proeminente no
focinho. Em Alagoas elas não são muito comuns, mas é possível
observá-las às margens de rios e lagoas. A capivara é herbívora e
vive em grupo de 6 a 20 indivíduos.

Aves

Andorinha-do-rio. Encontra-se em lagoas, córregos e rios, e


mesmo junto à praia. Faz seu ninho em barrancos ou em galhos
ocos perto da água. Voa rente à superfície da água para apanhar
insetos, beber água ou tomar um banho rápido. Só vivr em grandes
grupos e fazem um algazarra danada com seus silvo curto e estri-
dente.

Garça. Também conhecida como garça pequena, chega a medir 58


centímetros de comprimento. Vive em águas doces, salobras ou
então na praia. Come peixes crustáceos, moluscos e pequenos sa-
pos. Fazem o ninho em árvores, geralmente chamadas de ninhais.

Anum-branco. Anda sempre em bando por área abertas ou cober-


tas de arbusto. Constroe ninhos coletivos usados por todos os da
mesma espécie. Cada ninho contém, em média, 15 ovos de diver-
sas fêmeas. Alimenta-se de insetos, artrópodes e pequenos répteis.

1103
Rolinha-fogo-pagou. Gosta das restingas, campos, cerrados e caa-
tingas, mas pode ser encontrada também nas cidades. Mede cerca
de 20 centímetros. Seu alimento básico são grãos e sementes.
Constróe o ninho idem forma de tigela, onde põe ovos brancos.
Seu canto, traduzido como “fogo apagou”, deu origem ao seu no-
me, e até música de Luiz Gonzaga, o rei do baião. Os meninos e
suas carrapateiras, o caçador com suas soca tempero e a panela,
são seus inimigos.

Fogo Pagou
Luiz Gonzaga

Teve pena da rolinha que o menino matou


Mais depois que torrou a bichinha, comeu com farinha... gostou

Fogo pagou
Fogo pagou
Fogo pagou... tem dó de mim

Fogo pagou
Fogo pagou
Fogo pagou... é sempre assim

Todo mundo lamenta a desgraça que a gente passa num dia de


azar
Más se disso tirar bom proveito sorrir satisfeito fingindo chorar

Teve pena da rolinha que o menino matou


Mais depois que torrou a bichinha, comeu com farinha...gostou

Fogo pagou
Fogo pagou
Fogo pagou..tem dó de mim

1104
Jaçanã. A Jaçanã vive nos brejos, lagoas e açudes com vegetação
aquática. Tem pernas esticadas, dedos longos, com unhas de até
quatro centímetros, o que lhe permite caminhar pela vegetação
com se estivesse em terra firme. Alimenta-se de sementes, brotos
de planta, insetos, moluscos, e pequenos crustáceos e peixes.

Irerê (Paturi, Siriri, Marreca-Viúva, Marreca-Piadeira). O irerê é


talvez o pato mais conhecido do Brasil. E não só pela sua beleza,
mas também pela frequência com que é visto em áreas urbanas.
Não raro ser visto em bandos barulhentos sobrevoando as grandes
cidades, inclusive à noite. O seu canto também é um capítulo à
parte, já que o som de sua voz lhe confere os dois principais nomes
que leva – irerê ou paturi. Ele é muito agudo e alto, semelhante ao
barulho de alguns apitos ou brinquedos de borracha. Visualmente
esta ave possui uma espécie de máscara branca na face, que se
acentua em contraste com o pescoço negro e o bico chumbo. Além
disso, o peito é castanho e o resto do corpo estriado em branco e
preto. Somente em voo dá para ver as suas asas escuras. Habita
lagoas, banhados, campos inundáveis e açudes. Alimenta-se de
folha, insetos e pequenos crustáceos.

Martim-pescador-grande. Pássaro brasileiro, vive perto de gran-


des rios, lagoas, manguezais e à beira mar. Pousa em galhos, fios
ou estacas acima da água, de onde mergulha para capturar peixes
ou rãs. Faz o ninho em buracos, nos barrancos de rio, ou estradas.

Sabiá-da-praia. O sabiá-da-praia também é chamado, em portu-


guês, de sabiá-da-restinga, sabiá-piri e tejo-da-praia. Em francês é
moqueur des savanes e, em inglês, tropical mockingbird. É encon-
trado ao longo do litoral brasileiro, do Rio de Janeiro para o norte e
também no Caribe. Os adultos têm 25 cm de comprimento e pesam
54 g. Alimentam-se no chão ou na vegetação ou descem de um
poleiro para capturar invertebrados. Comem principalmente insetos
e algumas bagas. São capazes de se aproximar de humanos, reti-

1105
rando comida de pratos ou da mesa. O sabiá-da-praia não tem can-
to próprio: reproduz cantos de outros pássaros. Tem uma vocaliza-
ção variada e musical e canta, por vezes, de noite. Com cauda lon-
ga e plumagem cinza-claro nas costas e branca nas sobrancelhas,
lembra os verdadeiros sabiás.

Socó-boi. Vive em áreas úmidas, como brejos, várzeas e lagoas, e


regiões florestais. Sua alimentação consiste em peixes, insetos,
crustáceos, moluscos, Possuiu hábitos solitários e constrói ninhos
em cima de árvores. Tem 93 centímetros de altura. A plumagem
adulta - idêntica para ambos os sexos - é adquirida aos dois anos de
idade, caracterizando-se pelo pescoço castanho e manto pardo-
acinzentado, manchado de acanelado; possui um bico bastante lon-
go. A plumagem do socó-boi jovem é amarela-clara com faixas
transversais negras, garganta e ventre brancos e o bico é relativa-
mente curto.

Gavião-carijó. O gavião-carijó é uma ave de rapina encontrada em


diferentes ambientes, ocorrendo do México à Argentina e em todo
o Brasil. É a espécie predominante no Brasil. É o terror dos gali-
nheiros. Também é conhecido pelos nomes de anajé, gavião-
indaié, gavião-pinhel, gavião-pega-pinto, inajé, gavião-pinhé, in-
daié, pega-pinto e papa-pinto. Como toda ave de rapina tem um
papel indispensável no equilíbrio da fauna como regulador da sele-
ção. Evita uma superpopulação de roedores e aves pequenas (como
é o caso dos ratos e pombos nos centros urbanos), além de eliminar
indivíduos defeituosos e doentes.

Plantas do mar

Algas/ Orelha-de-rato/Alface do mar/ Samambaia/ Sucupira-


mirim/ Murici/ Salsa de praia/ Salsa-branca/ Chanana/ Pinhei-
ro da Praia/ Guajuru/ Feijão da Praia/ Imbé/ Maracujá-do-
mato/Aninga/ Ninféia/ Baronesa

1106
Gaiteira ou Mangue Vermelho. É a principal árvore das águas
mais fundas nos manguezais de toda a América tropical e África.
Atinge até 15 metros de altura. As raízes-escoras ampliam sua base
e melhoram sua fixação ao solo. As sementes germinam ainda pre-
sas aos compridos frutos, e as pequenas raízes às vezes alcançam o
sol antes de sua queda.

RELEVO E HIDROGRAFIA

As serras de Alagoas*

*Descrição de Ivan Fernandes Lima, em Geografia de Alagoas

“O relevo de Alagoas compreende o trecho meridional da Borbo-


rema. Tem a forma de um leque, a se rebaixar, em níveis escalona-
dos. Para o Rio São Francico e para o mar. Seus gigantescos pata-
mates semi-circundam o núcleo mais elevado, a noroeste do Pla-
nalto de Garanhuns. Fora desta área existe no ocidente alagoano
uma zona elevada, pertencentes às áreas de Água Branca e Mata
Grande, e, no trecho centro-norte o pequeno maciço de Santana do

1107
Ipanema”. Considerado os traços gerais, este relevo tem aspectos
particulares no conjunto e suas formas variadas, sendo dividido
por Ivan Fernandes Lima

Planície ou Baixada Litorânea. “Abrange a formação das praias,


dos terraços marinhos, das restingas, dos cordões litorâneos, dos
recifes da costa e dos terrenos semi-patanosos dos mangues”,
Sempre domnada pelas elevadas encostas dos tabuleiros, ou seja,
as falésias, do lado marinho, e as ribanceiras, que acompanham os
rios ou ficam às margens das lagoas.

Baixo Planalto Sedimentar dos Tabuleiros. “Formado pelas ser-


ras pouco elevadas que estendem do mar, com suas falésias, até as
primeiras serras cristalinas a oeste, denominadas tabuleiros”. Sua
altitude é de 40 a 50 metros sobre o nível do mar, na frente dos
penhascos, e de 200 metros no interior, nas denominadas chãs.

Base Oriental da Escarpa Cristalina. É a parte do território onde


morros e serras instalam-se nela, numa paisagem de vales rebaixa-
dos. Os seus rios correm paralelos à própria escarpa com inflexão
para o mar.

Serras desta categoria: Bolívia, Cabeça de Porco ou Brejinho,


Cachoeiras, Espinhaço da Gata, Junqueiro, Limoeiro e Pregui-
ça.

Escarpa Cristalina Oriental. Na parte voltada para o mar, porque


uma outra existe, para o lado ocidental do sertão.

1108
Serras: Azul, Bananal, Batente, Cocal, Cotia, Cruzes, Cuscus,
d´água Dois Irmãos, Maricota, Naceia, Ouricuri, Ouro, pedra
Talhada e Tamoará.

Patamar Cristalino do Nível de 500 metros. Vencidas as cumea-


das da Escarpa, alcançamos uma superfície de 500 metros de alti-
tude, aparentemente irregular, com seus morros e vales escavados.

Serras: Bananal, Barriga, Bois, Bolandeira, Cachorro, Cafuxi,


Cajaíba, Canastra, Carrapateira, Cassessé, Cigana, Cocal, Es-
conso, Galho-do-meio, Gravatazinho, Guaribas, frio, Lage, Mana-
can, Maracujá, Olho d´Água, Paquevira, Pedra Branca, Pedras do
Bolão, Pelada, Poço Comprido, São Pedro, Serrinha, Surrão Ve-
lho, Tanque d´Arca, Tavares, Tronco, Vento e Vigia.

Escarpa Cristalina Ocidental. A base dessa escarpa difere da


Oriental pois não existe depressão periférica.

Serras: Bonifácio, Cedro, das Flores, Luciano, Muro, Palmeira,


Pinhas ou Piás, São Pedro, Vento.

Pediplano Sertanejo. O conjunto de serras pouco onduladas do


oeste alagoano. Nesta categoria se encontram os três maciços do
estado: Água Branca, Mata Grande e Santana do Ipanema.

Serras: Água Branca, Almeida, Bernardino, Branca dos Lençóis,


Brecha, Caiçara ou ou Maravilha, Camonga, capelinha, Carié
(morro), Cavalos, Chico, Corcunda, Crauanã, Gavião, Gravatá,
Guaribas, Gugi, Jacioba, Japão, Lagoa, Laje, Mangabeiras,
Mãos, Padre, Pai Mané, Panela, Parafuso, Pariconha, Pilões,
Poço, Porteira, Priaca, Rosário, Santa CruzSanta Rosa, Sobrado,
Solteiros e Velame.

Os rios de Alagoas

1109
*Descrição de Ivan Fernandes Lima, em Geografia de Alagoas

Os rios são identificados em duas vertentes: a dos rios orientais,


que deságuam no Atlântico e a dos rios ocidentais que vão despe-
jar no Rio São Francisco. São pequenas bacias hidrográficas em
geral oriundas do Planalto da Borborema. O conjunto de seus rios
forma o tipo de drenagem radial. No caso dos rios orientais o cen-
tro dispersor é o Planalto de Garanhuns, enquanto que para os
ocidentais é o conjunto da serra do Orobó, junto a Pesqueira, am-
bos em Pernambuco. Rios de planalto, em sua maior extensão,
com cachoeiras e pequenas corredeiras, até atingirem a baixada
litorânea, onde deslizam como rios de planície. Enquanto os da
primeira vertente são perenes, em parte pela umidade que lhes
vem do Atlântico, os da segunda são, em sua maioria, temporá-
rios, ou seja, correm somente em parte do ano.

Rios que deságuam no Oceano Atlântico. Coruripe, Poxim, Ji-


quiá ou Jequiá, São Miguel, Niquim, Samaúma, Lagoa Manguaba
e Rio Paraíba-do-Meio, Lagoa Mundaú e Rio Mundaú, Reginaldo,
Jacarecica, Guaxuma, Garça Torta, Doce, Pratagi, Santo Antônio
Mirim ou a sua corruptela Rio Meirim, do Senhor, Suassui, Caxéu,
Sapucai, Jitituba, Santo Antônio Grande, Camaragibe, Tatuamu-
nha, Lajes, Manguaba, Salgado, Pitangui, Maragogi, Paus e Per-
sinunga, este na fronteira com Pernambuco.

Afluentes do São Francisco. Moxotó, Botoque ou Pariconha,


Mosquito, Talhada, Capiá, Grande, dos Farias, Jacaré, Ipanema,
Traipu, Itiuba, Boacica, Perucaba, Piauí e Marituba.

Lagoas

São 22 as principais lagoas do estado, às quais deve ele seu nome.


São divididas em três tipos: as do litoral, autênticas lagunas inva-
didas pelo mar; as da margem do Rio São Francisco, formadas e

1110
invadidas pelo grande rio, e, finalmente, as de terras interiores, as
quais podem ser permanentes ou temporárias.

Lagoas do Litoral: Mundaú ou do Norte, Manguaba ou do Sul,


Jiquiá, Roteio, as da área da vila do Poxim: Escura, Tabuleiro,
Guaxuma e Vermelha, Timbó, Patos e do Pau e, finalmente, as
lagoas da falésia de Jiquiá: Pacas, Doce, Comprida, Mangues,
Taboada, Azeda e Jacarecica.

Lagoas da margem do São Francisco: Tororó, Santiago, Jacobina,


Cabaceira, Várzea e Sação, Marcação, Muguengue, de Baixo,
Comprida, Santa Fé, Meio, Tapuia, Várzea, Campo, Sampaio, En-
xada, Mocambo, Porta, Cangote, Caldeirão, Sobrado, Grande,
Engenho, Marizeiro e Salgada. Abaixo de Penedo, praticamente
no delta, encontram-se as lagoas: Botafogo, Mangue, Várzea
Grande e Caiada.

Lagoas de terra interior (resultado de acumulações, em pequenas


depressões, de águas durante a estação chuvosa): Santa Luzia,
Curral, Gado Bravo, Pé Leve e Lunga. Em Palmeira dos Índios
encontram-se lagoas de água salgada: Porcos, Canto e Nova.

Cachoeiras

Embora a maioria se encontre na vertente oriental, devido ao cará-


ter permanente das águas, a maior delas, Paulo Afonso está na ver-
tente do Rio São Francisco. A segunda em importância é a cacho-
eira Serra d´Água, no Rio Camaragibe.

Catita, rio Jacuipe; Duas Bocas e Piaba, ambas no Rio Mangua-


ba; São Francisco da Cachoeira, no Rio Castanheiro; Tombador,
no Rio Santo Antônio Grande; Escada, no Rio Mundaú, na divisa
com Pernambuco. Além da cachoeira, entre as localidades de Rio
Largo e Gustavo Paiva ficam as lagoas Tombador, no Mundaú-
Mirim; Dois Irmãos, no Paraíba-do-Meio; Grande, no rio Caçam-

1111
ba; Serraria, no Rio Paraibinha e Poço Redondo, no Rio Poron-
gaba.

Pontas do litoral

A costa é constituída de vários aspectos, dividindo-os em: costas


altas, com falésias, costas baixas, com as praias, além de mangue-
sais, lagunas e recifes. Nelas são encontradas as seguintes pontas:
Patacho, nas proximidades de Porto de Pedras; Estância, ao norte
da barra do Rio Camaragibe; do Prego, nas imediações do Rio
Suaçui e Ponta Verde, em Maceió, no que se refere as praias do
Litoral Norte, ou de recifes. E finalmente, no litoral sul, ou de del-
ta, encontra-se o Pontal do Peba e o Pontal do Piaçabuçu. Nesta
parte do litoral encontram-se, ainda, os baxios de Dom Rodrigo, do
Miaí e Pelea.

As ilhas

Do rio São Francisco: da Criminosa, da Fitinha, da Negra, do


Monte, do Gondim, da Tereza, do Toinho, do Cachimbão, da Ma-
moeira, de Santo Antônio, das Canoas e de São Pedro, Chimaré,
Formosinho, São Brás, Prazeres, Santa Maria e Limoeiro.
As da lagoa Mundaú são: Frades, Boi, Grande e a de Santa Rita
(esta última, segundo Ivan Fernands Lima, pertenceria às duas
lagoas).

As da lagoa Manguaba são: Tomé, Perrexil, Gonçalão, croa de


Holanda, além da de Santa Rita. Fernandes Lima ainda cita, sem
definir em qual das duas lagoas: Andorinhas, Fogo e Maranhão

1112
CULINÁRIA ALAGOANA

“A mistura que deu origem à gastronomia experimentada hoje em


Alagoas é de longa data, com influências européia, indígena e
africana, o que torna nossa gastronomia diversificada e marcante.
Nós podemos observar estes reflexos culturais em uma viagem por
Alagoas, onde se pode encontrar uma culinária litorânea, riquís-
sima, em frutos do mar, peixes e coco. Uma cozinha sertaneja ex-
tremamente fortalecida, com destaque para a carne de bode, o
queijo do sertão e a manteiga de garrafa. E observar a importân-

1113
cia do Rio São Francisco para a alimentação das populações ri-
beirinhas, bem como a cultura de engenho, que nos fez produzir
rapaduras, cachaças, e doces à base do açúcar. E a culinária in-
dígena. Não é à toa, hoje, que a mandioca é considerada um dos
mais importantes produtos brasileiros. No nosso estado, um dos
grandes ícones que é a tapioca tem fortíssima ligação com a cultu-
ra e tradição gastronômica dos índios”.

Antonio Mendes, coordenador do curso de Gastronomia da Facul-


dade Maurício de Nassau, em Revista Graciliano, nº 22, 2014

Culinária tradicional alagoana*

*Resumo e edição do estudo sobre alimentação tradicional em


Alagoas, do folclorista José Maria Tenório Rocha, publicado na
revista Revista Joanina, em junho de 1981

“Não estamos querendo dizer que os restaurantes chic de Maceió


passem a servir comidas exóticas como "farinha de pimba" ou "fa-
rinha fogosa" (de Penedo), "cabeça de galo" ou "mingau da cari-
dade" (de Rio Largo); mas, que tentem, na medida do possível,
deixar a vergonha de lado e ofereçam aos turistas o que realmente
eles querem: a comida da terra. Sururu de capote, casquinha de

1114
siri, aperitivos e sobremesas com "cheiro" da terra. Da nossa ter-
ra. E deixem os "churrascos" que são dos gaúchos mesmo e lá no
Rio Grande é comida tradicional, como é tradicional o "barreado"
do Paraná, o "tutu", de Minas Gerais e o "pato no tucupi", da área
amazônica”.

Por José Maria Tenório Rocha

Culinária da Semana Santa

Feijão de coco e Papa de feijão, ambos preparados com leite de


coco-da-Bahia, adicionando-se os seguintes ingredientes tomate,
cebola, pimenta-do-reino, alho e cheiro verde.

Arroz no coco: cozinha-se o arroz e quando estiver quase enxuto,


coloca-se o leite de coco.

Bredo no coco: o bredo é ferventado, triturado e ensopado com


leite de coco e temperos comuns.

Maniçoba: as folhas devem ser lavadas com sete águas.

Bacalhau ensopado. Depois de ferventado e limpo, tempera-se


com cheiro verde e ensopa-se com leite de coco.

Peixe e sururu ensopado segue o mesmo processo do prato ante-


rior.

Sururu de capote. Limpa-se e ensopa-se com a casca, usando os


mesmos temperos já descritos, o coco-da-Bahia e limão. Serve-se

1115
com pirão feito do mesmo caldo no qual foi preparado. Usa-se,
também, o sururu frio.

Caranguejos. Consumidos com pirão. Pata de uca, siri de coral,


fritada de siri ensopado e casquinha de siri.

Maçunim. Prepara-se de maneira como se prepara caranguejo,


usando-se coentro, sal, vinagre, leite de coco. Junta-se tudo e cozi-
nha-se. Depois de pronto, serve-se com arroz. Para evitar a "areia"
encontrada no maçunim, ferve-se por algum tempo, antes de colo-
car na panela com os temperos.

Umbuzada: Iguaria feita com o fruto (Umbu), adicionando-se leite


e açúcar.

Culinária junina

Milho (zea mays) assado em fogo de brasa (geralmente em foguei-


ra). "Cozinhado" escolhe-se as espigas de milho mais verdosas,
rala-se um pouco, cozinha-se n’água e sal, abafando com as palhas
do mesmo.

Canjica: espécie de mingau grosso, ou angu, feito com milho ver-


de ralado, leite de coco, açúcar e canela em pau; depois de pronto,
polvilha-se com canela.

Pamonha: guisado feito com milho verde, coco-da-Bahia e açúcar;


é cozido em saquinho feito com a própria palha de milho.

1116
Mungunzá: também chamado "chá de burro"; prepara-se com mi-
lho desfolhado cozido e leite de coco-da-Bahia, temperado com
açúcar, sal, cravo e canela.

Angu: engrossado com fubá de milho, é variante do mungunzá.

Bolo de milho: prepara-se com milho ralado, coco e açúcar. Mexe-


se no fogo, depois de grosso, despeja-se em assadeira e leva-se ao
forno para assar. Geralmente é cortado em pequenos pedaços, para
ser servido. Existem também um bolo variante, denominado Ma-
nuê, feito com fubá de milho e mel ou açúcar.

Bolo de mandioca: mais conhecido como bolo de massa-puba:


prepara-se com mandioca, sumo de coco, açúcar e ovos. Assa-se
em forno. Variante do pé-de-Moleque, ao qual é misturado coco
ralado. Assa-se em folhas de bananeira, na brasa ou forno de casa
de farinha.

Culinária das feiras

Cocada. Doce feito com coco-da-Bahia, seco e açúcar, vendido em


tabletes. Em alguns municípios adicionam-se leite, goiaba ou li-
mão.

Quebra-queixo doce feito com coco raspado (e aos pequenos pe-


daços) e açúcar. Em certos municípios, adicionam-se goiaba e
amendoim.

1117
Alfenim. Doce feito com açúcar e limão. Em alguns municípios, o
alfenim é feito com rapadura-batida e "puxada", e recebe, inclusi-
ve, o nome de "puxa-puxa".

Doces de frutas regionais: doces feitos com mamão, goiaba ou


coco, vendidos em pequenas porções.

Broas e suspiros. Também chamados de sequilhos, feitos com


amido de mandioca coco e açúcar.

Rapadura. Doce feito com açúcar mascavo, em forma de peque-


nos ladrilhos ou "tijolos".

Iguarias feitas com mandioca

Tapioca. Iguaria feita com goma seca, coco ralado e sal. Assa-se
em formas de barro, frigideiras e chapas de ferro.

Beiju. Semelhante à tapioca, porém feito com massa puba; põe-se


para assar em folhas de bananeira.

Má-casada. Espécie de bolo, de cor esbranquiçada, feita com go-


ma, sal e coco ralado.

Grude de gema. Iguaria feita com leite de coco e goma, assado em


folhas de bananeira.

Arroz-doce. Cozinha-se o arroz, acrescenta-se leite de coco, açú-


car, cravo e canela em pau; depois de pronto, polvilha-se com ca-
nela em pó.

1118
Cuscuz. Feito com milho ralado ou fubá de milho; pode ainda ser
feito com arroz, coco ralado e sal. Cozinha-se em cuscuzeiro de
barro, estando a água que fica na parte inferior do recipiente em
estado de vapor.

Caldo de cana: suco extraído em moendas. Geralmente é bebido


acompanhado de pão doce. Aprecia-se também o caldo azedo, que
é resultante do caldo que fica depositado em recipiente, de um dia
para o outro.

Arribação ou Ribação. Arroz misturado no feijão e cozido juntos.


Pode ser servido acrescentando-se coco e tempero de peixe. (Pene-
do).

Farinha de Pimba ou Farinha fogosa. Junta-se a farinha de man-


dioca um pouco de sal, pimenta malagueta, cebola, coentro, carne
de charque torrada e ovos. Pisa-se no pilão para depois servir (Pe-
nedo).

Sopa de cabeça de Galo. Indicado para doentes e moribundos


(Rio Largo). Mingau feito com farinha de mandioca, pimenta-do-
reino, sal e água. É também conhecido como Mingau das almas e
Cabeça de galo.

Sobremesas

1119
Ao invés de servir doces em compotas industrializados, devería-
mos oferecer doces feitos com produtos da região.

Caju – seco, ameixa e em calda e castanha confeitada.

Doces: carambola, mangaba, jenipapo e de araçá.

Refrescos: de pitanga, caju, cajá, tamarindo e, mesmo, o caldo de


cana.

Frutas: pinha, pitomba, ingá e outras.

Aperitivos: licores de jenipapo, pitanga ou azuladinha (aguardente


de cana de Coruripe) em sua composição, entra folhas de laranjei-
ra.

Comidinha de boteco*

* Os melhores petiscos de Maceió, por Nide Lins

Costelinha de porco do boteco do Tonho. É uma obra de arte,


bronzeada do forno e coroada com o sal. Só de olhar dá água na
boca. Esta é uma das pérolas de Antônio Santana dos Santos, co-
nhecido como Tonho, dono de um legítimo boteco no bairro da
Ponta Grossa. No modesto espaço do empreendimento batizado
pelos fregueses como Boteco do Tonho, o sergipano Tonho é o
“tal” e não esconde segredos das deliciosas comidas. “O sal é o
segredo da boa cozinha”, diz. E quem conhece o talento gastronô-
mico do bom rapaz vira fã. A costelinha vem sempre com generosa
gordura, temperada apenas no sal (fino) e a carne desfia fácil. A

1120
carne é destaque porque tem o autêntico sabor suíno, sem muitas
intervenções.

Rua Manoel Lourenço, 248 – Ponta Grossa (na mesma rua do fa-
moso Bar do Pelado)

Bife da Vovó no restaurante do Clovis. Os bifes de patinho mer-


gulhados no molho caseiro da própria carne com tiras de pimentão,
tomate e cebola é a boa lembrança de comida de vó, de mãe. O
petisco é batizado como Bifes da Vovó são macios e deliciosos,
vem com uma farofinha... só senti falta do pão francês para mergu-
lhar na graxa da carne. É perfeito, verdadeira comida de mãe, feita
com capricho pela Rosa Omena.

Rua Empresário Humberto Antonio Omena, n. 163

Camarão do Rogildo. No Bar do Rogildo só tem pérolas, mas o


rei do pedaço é o camarão do Rogildo. Com ou sem casca, ele é
feito especialmente pela Silvia, que há oito anos comanda as pane-
las do bar. Para se ter uma ideia do reinado do crustáceo, são con-
sumidos, em média, 50 quilos nos fins de semana. E haja camarão
barba roxa! A receita é simples: Silvia usa margarina, cebola, co-
entro e o diferencial é um pouco de creme de leite no final do pre-
paro. Eu, pessoalmente, gosto mais de manteiga, em vez de marga-
rina, mas o crustáceo preparado pela Silvia é de tirar o chapéu: sal
na medida, a textura do camarão macia, e come-se de brincadeira.

1121
Rua Augusto Barreto, 90- Bebedouro

Carneiro guisado do Bar do Roberto “Ladrão”. O carneiro gui-


sado com pirão é um dos pratos mais queridos do Bar do Roberto,
o Ladrão. A carne é macia, daquelas de soltar do garfo, caldo da
própria gordura do carneiro (pena que não tem pão para mergulhar
na graxa...), arroz e o pirão. O pirão é uma história à parte, perfei-
to. Os temperos, sob comando da cozinheira Sueli, não têm exage-
ros e nem se sente gosto de cominho. O sal é na medida certa e a
textura do pirão é macia. O pirão de carneiro da Sueli faz jus à cé-
lebre frase de Gilberto Freyre: “a glória do Brasil”.

Avenida 26 de Abril 245 – Poço

Língua ao molho de tomate do Bar da Gil. “Língua de boi que


faço não tem para ninguém”, conta Gil - e realmente é mais pura
verdade. A iguaria no molho de tomate é super macia e desmancha
no céu da boca. A língua fatiada é temperada com tomate, cebola,
pimentão, alho, mas o segredinho da Gil é o tempero que leva ale-
crim, semente de coentro, pimenta do reino e um pouco de comi-
nho. Ela compra o tempero há mais de 10 anos no mercado e é um
dos responsáveis pelo sucesso dos guisados da Gil.

Avenida 26 de abril, 268 – Poço

A cozinha em boas mãos: grandes chefs alagoanos. Desde o


tempo dos chefs Oscarlina e Pedro, do lendário Bar das Ostras, que
há pelo menos 60 anos, já preparavam a receita do Camarão Ala-
goano – premiadíssima iguaria alagoana conhecida em todo o Bra-
sil – que a culinária alagoana é reconhecida. Foram muitos mes-

1122
tres, incontáveis mestres da cozinha. Mas a nova geração vem se-
gurando bem o estandarte. A gastronomia local atual é uma das
mais criativas do país. Uma nova geração de chefs renova a comi-
da de Alagoas. Além de destacar o trabalho de personalidades co-
mo o chef Wanderson Medeiros, à frente do Picuí; outros mestres
estão sempre surgindo. Como Sérgio Jucá e Felipe Lacet, do Sur;
Jonatas Moreira, do Akuaba: Gustavo Mmaia; a pioneira Simone
Bert, do Wanchako; André Generoso, do Divina Gula; Jorge Ban-
deira, do Le Corbu.

Iguarias das Alagoas

Cada povo possui um tipo de culinária, um modo peculiar de pre-


parar seus alimentos. Do ponto de vista da cultura folclórica per-
cebe-se que, através de diferentes formas, misturas, temperaturas,
odores e cores, os povos vão transformando os alimentos em uma
atração. O alagoano é um mestre nesse ofício de “inventar” mis-
turas e saborear coisas direto da panela, ou tirar da natueza. O
que vale é o gosto, o paladar, o cheiro. São gostos, sensações, tex-
turas, ou toques, que aguçam os desejos.

Rolete de cana-de-açúcar
Sarapatel (preparado com as vísceras e miúdos-de-porco, sem as
tripas)
Farinha d’água é feita com farinha de mandioca, coco ralado e
sal.
Mel de engenho
Licor de Maracujá
Fava
Amendoim (torrado, cozinhado)
Castanha de caju (assada e cristalizada)

1123
Pimenta Orgânica de São José da Tapera
Manteiga de Garrafa
Tábua de pirulito
Tatuí da Praia torrado
Tanajura frita
Corda de caranguejo
Jacaré em cubinhos
Farinha boa de Alagoas
Bago de Jaca
Suco de Maracujá Pindorama
Salgadinho e biscoitos D´Lícia de Penedo
Guarina
Bolo de vendinha
Feijão de corda
Sanduíche Passaporte
Bolacha Mimosa
Rosquinha de coco
Cachorro Quente do Moacir (Jaraguá)
Pastéis da Dona Gil (Jaraguá)
Polos de gastronomia - Massagueira, Stella Maris, Francês
Os internacionais - peruanos, portugueses, chineses
LIVROS PARA
ENTENDER ALAGOAS

“Vai um indivíduo andando a vida toda à cata de prazeres


intelectuais e colhendo pelo caminho, em vez de fortuna, aventura
e/ou mulheres, colhendo livros – os bons, os favoritos, os necessá-
rios, os que dão alegria, estímulo ou satisfação íntima – juntando-

1124
os com carinho e ternura constantes... Eis que de repente o homem
tropeça e, por conta do destino, lá se vai, de vez, interrompendo
para sempre o suave convívio. E todos aqueles livros, reunidos por
um gosto diferente de viver e conviver, logo passam à condição de
órfãos... Mal se joga a última pá de cal sobre o caixão do colecio-
nador, e já os herdeiros estão telefonando para os proprietários de
sebos para que levem quanto antes o entulho. E é assim, que um
mundo de ansiedades, indagações e perplexidades intelectuais,
composto com tenacidade e amor, de repente se desfaz, por força
da indiferença e da incompreensão”.

Valdemar Cavalcanti, crítico literário alagoano, em trecho


do artigo Herança Condenada. Revista da Academia Alagoana de
Letras, nº 3, dezembro de 1977

HISTÓRIA DE ALAGOAS

Títulos da Coleção Nordestina*

A Coleção Nordestina* é uma rede regional mantida desde


1999 com a união de oito editoras universitárias, entre elas a Uni-
versidade Federal de Alagoas, cujo objetivo é compor uma cole-
ção destinada a publicar ou republicar obras representativas da
produção intelectual da região Nordeste. A temática dos livros é

1125
abrangente, incluindo áreas como Literatura, Ciências Sociais,
Folclore e Antropologia. Veja o que foi publicado de Alagoas:

ALTAVILA, Jayme de. A Testemunha na História e no Di-


reito, 2009

BRANDÃO, Moreno. A História de Alagoas e o Baixo São


Francisco, 2015

BRANDÃO, Octávio. Canais e Lagoas, Edufal 2001

BRANDÃO, Théo. Reisado Alagoano. Edição original 1953

QUEIROZ, Álvaro. Episódios da História de Alagoas, Edi-


ções catavento, 1999

DIÉGUES JÚNIOR, Manoel. O bangüê nas Alagoas: traços


da influência do sistema econômico do engenho de açúcar na vida
e na cultura regional, 3ª edição, Edufal, 2ª edição, 2012

DIÉGUES JÚNIOR, Manuel. O Engenho de Açúcar no


Nordeste, 2006

DIÉGUES JÚNIOR, Manuel. População e açúcar no Nor-


deste do Brasil, edição original 1954

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DUARTE, Abelardo. Folclore Negro das Alagoas, edição
original 1954

LIMA JÚNIOR, Félix. Maceió de outrora (Org. e apresen-


tação de Rachel Rocha), 2012

LINDOSO, Dirceu. Utopia Armada, 2005

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PEREIRA, Moacyr Soares. Os Índios Tupi-Guarani na Pré-


História, suas invasões do Brasil e o Paraguay, seu destino após
descobrimento

RAMOS, Arthur. A Mestiçagem no Brasil, 2012

RAMOS, Arthur. Culturas Negras do Novo Mundo, 2013


SANT´ANA, Moacir Medeiros de. História do Modernismo
em Alagoas, 1980

Coleção Pensar Alagoas*

A coleção Pensar Alagoas*, editada pela Imprensa Oficial


Graciliano Ramos, desde 2010, reedita, em formato fac-símile, obras
importantes sobre Alagoas que estavam fora de catálogo.

1127
BRANDÃO, Moreno. Vade-Mecuum do Turista em Alago-
as, 1937

CARVALHO, Edson de. O Drama da descoberta do petró-


leo brasileiro, 1970

DUARTE, Abelardo. Dom Pedro II e Dona Teresa Cristina


nas Alagoas – viagem realizada ao Penedo e outraS cidades são-
franciscanas, à cachoeira de Paulo Afonso, Maceió, Zona Lacustre
e região Norte da província (1859-1860), 1975

LIMA JÚNIOR, Félix. Maceió de Outrora, 2014

LIMA, Fernandes. Maceió a Cidade Restinga – contribuição


ao estudo geomorfológico do litoral alagoano, 1990

LINS, Adalberon Cavalcanti. O Ninho da Águia - saga de


Delmiro Gouveia, 1987

PERDIGÃO, Lauthenay. História do Futebol Alagoano –


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ROCHA, Tadeu. Delmiro Gouveia - o pioneiro de Paulo


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ALMEIDA, Luiz Sávio de. Chrônicas Alagoanas Lembran-
ças das matas e agrestados das Alagoas. Edufal 2013

ALMEIDA, Luiz Sávio de. Crendices e Superstições em


Alagoas

ALMEIDA, Luiz Sávio de. Dois Dedos de Prosa com os


Karapotó

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naval no Nordeste

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Coleção Revista Graciliano Ramos, da Imprensa Oficial


Graciliano Ramos, de setembro de 2008 a 2015, do nº 1 ao nº 30

1143
Destaques da Edição

Graciliano Ramos, setembro 2008


Teatro Alagoano, novembro 2008
Água Doce: Cultura e Vila das Alagoas, fevereiro 2009
Aurélio, o homem que virou dicionário, novembro 2009
Um mergulho no Rio São Francisco, junho 2010
Ledo Ivo, o poeta da transgressão, dezembro 2010
Sandoval Caju, o personagem e a cidade. Maio 2011
Memória Cultural, sobre o passado de Alagoas, julho 2011
Brincadeira Popular, folclore alagoano, outubro 2011
Teotônio e o Brasil, a trajetória , dezembro 2011
Literatura, a hora e a vez, fevereiro 2012
Os silêncios do Quebra, abril de 2012

Design alagoano e identidade cultural, junho 2012


Carlos Moliterno e Manuel Diégues Júnior, agosto 2012
O cinema alagoano pede passagem, outubro de 2012
Panorama da produção autoral, dezembro de 2012
Graciliano Ramos, vida, obra e reflexões, março 2013
Paixão em Cores, o futebol alagoano, junho 2013
Carne de Carnaval, festejos carnavalescos, fevereiro 2014
Jorge de Lima, o criador, agosto 2014
Sabores de Alagoas, setembro de 2014
Guerreiros do Nordeste, cangaço, novembro 2015
Arte & Censura, novembro de 2015

1144
Maceió 200 anos, 2015
O oceano de Djavan, 2016
Fauna Viva, 2016
Alagoas \nação Zumbi, 2016
Instante capturado, 2017
Manifesto da Arte Popular, 2017

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ção Folclórica da Universidade Federal de Alagoas, 1976

BRANDÃO, Théo. Folguedos Natalinos - Fandango. Cole-


ção Folclórica da Universidade Federal de Alagoas, 1976

BRANDÃO, Théo. Folguedos Natalinos - Guerreiro. Cole-


ção Folclórica da Universidade Federal de Alagoas, 1976

1145
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ção Folclórica da Universidade Federal de Alagoas, 1976

BRANDÃO, Théo. Folguedos Natalinos - Pastoril. Coleção


Folclórica da Universidade Federal de Alagoas, 1976

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