Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Resumo
Estudos na área do empreendedorismo têm crescido em complexidade quando procura
desvendar questões que o relaciona com o contexto social, político e do trabalho. Temas que
relacionam aos aspectos individuais o que é ser empreendedor, seu papel de líder, a distinção
entre o papel do empreendedor e de gestor bem como questões de gênero têm sido
pesquisadas nestas últimas décadas. Paralelamente, a participação da mulher no mercado de
trabalho no Brasil tem aumentado significativamente e os dados de Appelbaum et al., (2003),
mostram que as mulheres compõem 46,5% da força de trabalho mundial. No Brasil, as
mulheres constituem 51% da população (IBGE, 2009) e esse mesmo relatório aponta que a
participação das mulheres no mercado de trabalho já atinge 47,2% no conjunto do país.
Assim, essa pesquisa tem por objetivo analisar as competências empreendedoras que
caracterizam mulheres da região sudeste do Brasil, com algumas limitações financeiras para
empreenderem face aos desafios do cotidiano de seus negócios, como resultante de suas
trajetórias construídas ao logo de suas interações sociais. Procurou-se compreender também, o
significado dos desafios, obstáculos e em quais competências se apóiam frente às situações
inesperadas, sem a preocupação de enumeração e/ou medição dos eventos estudados e nem a
generalização dos resultados. Neste sentido a pesquisa é classificada como exploratória. O
estudo adota, portanto, uma posição epistemológica interpretativa, procurando explicar o
fenômeno em estudo, segundo o ponto de vista dos sujeitos pesquisados, não lhes impondo
pontos de vista externos e formulados aprioristicamente. Fizeram parte da pesquisa sete
mulheres participantes de um programa de empreendedorismo na cidade de São Paulo,
inserido em projeto de âmbito internacional, realizado em vários países e financiado por um
banco americano. Os dados foram coletados por meio de entrevistas em profundidade,
seguido por um roteiro flexível. Para a análise de dados recorreu-se à análise de conteúdo
proposta por Bardin (1977) e à análise de biografias e narrativas proposta por Gibbs (2009).
As respostas foram caracterizadas em três blocos: Categoria 1 - Fatores decisivos para iniciar
os negócios; Categoria 2 – Desafio e obstáculos na carreira empreendedora e, Categoria 3 -
Competências desenvolvidas e em desenvolvimento ao longo da trajetória. Os resultados
revelam que as empreendedoras têm percepção de suas potencialidades, limitações, desejos e
anseios dentro de um escopo de competências cognitivas e afetivas. Reconhecem a
importância de desenvolverem a percepção de oportunidade, percepção de negócio e
aplicarem as competências de liderança. As habilidades interpessoais, o comprometimento e a
percepção social são conjuntos de competências empreendedoras para contribuem para a
condução de seus negócios. Fica evidente que embora fragmentados na teoria, os aspectos
cognitivos e afetivos são indissociáveis na prática.
1
Introdução
Estudos sobre o empreendedorismo e sobre o empreendedor conquistaram uma pauta de
inquestionável relevância, uma vez que esse ator tem exercido um papel fundamental na
visão, na condução e atuação junto aos negócios em diferentes setores da economia global
(Steyaert, 2007). Observa-se que nos contextos organizacional, social, político e econômico a
capacidade de adaptar-se rapidamente às novas condições, dar respostas ágeis, transcender o
ambiente empresarial e antecipar resultados têm sido um dos maiores desafios que os
empreendedores precisam enfrentar. Tais aspectos macro-ambientais influenciam o
empreendimento desde o momento de sua criação, perpassando por toda sua existência
(Brüderl, Preisendörfer, & Ziegler 1992). Nesse sentido, o estudo do empreendedorismo tem
crescido em complexidade quando procura desvendar questões que o relaciona com o
contexto social, político e do trabalho além de temas ligados aos aspectos individuais do que é
ser empreendedor. Questões ligadas às atividades executadas por empreendedores, seu papel
diferenciado de líder, a distinção entre o papel do empreendedor em relação ao papel do
gestor bem como questões de gênero têm sido pesquisadas nestas últimas décadas (Gartner,
1985; Filion, 1999; Steyaert, 2007; Mitchelmore & Rowley 2010; Minniti, 2009). Apesar dos
recentes avanços, pesquisas na área de empreendedorismo têm revelado um campo de estudo
repleto de controvérsia acadêmica (Bygrave & Hofer, 1993), marcado por uma ausência quase
completa de consenso (Amit, Glosten & Muller, 1993) e caracterizado por um elevado grau
de fragmentação (Ucbasaran, Westhead, & Wright, 2001). Observa-se ainda uma discussão
sobre a própria definição de empreendedorismo (Ucbasaran, Westhead, & Wright, 2001),
sobre a abrangência do campo pesquisado, dado o caráter interdisciplinar (Low & MacMillan,
1988; Landstrom, 1999), sobre as dificuldades do avanço conceitual como conceito-chave
para elucidar o caráter enigmático e complexo (Steyaert, 2007) e sobre quais áreas do
conhecimento humano o estudo do empreendedorismo deve abranger (Amit, Glosten, &
Muller, 1993). Ao lado deste cenário de controvérsia e embate intelectual, uma visão
consensual parece emergir: a de que falta, ao estudo do empreendedorismo, um arcabouço
teórico sólido, ou seja, falta base teórica para os estudos de empreendedorismo (Bygrave,
1989; Bygrave & Hofer, 1991; Amit, Glosten, & Muller, 1993; Grebel, Pyka, & Hanusch,
2003). Danjour (2002) diz que o conceito multidimensional, que apresenta o empreendedor
interagindo com o ambiente e atuando de forma dialógica, permite uma visão distinta do
formato reducionista que o coloca apenas como prática de abertura de empresa ou de
intervenção no seu exercício funcional. Assim, o surgimento de diversas linhas de
pensamento parece ter sido um resultado natural e esperado do processo de desenvolvimento
das pesquisas em empreendedorismo. A pesquisa disponível sobre empreendedorismo tem a
particularidade de reunir idéias de estudiosos das ciências sociais e humanas, apresenta-se
atualmente como uma área de estudo em evolução, e mostra temas emergentes que vêem
despertando interesse de pesquisadores, como por exemplo, empreendedorismo e gênero.
Neste campo, parte das pesquisas internacionais envereda para estudos sobre o
desenvolvimento econômico, fatores críticos e atuação de empreendedoras (Faraha, 2009,
Bertaux & Crable, 2007; Botha et al., 2006), programas de treinamento, domínio do
empreendimento e capital de risco (Joshi, 2009; Botha et al., 2006), ascensão das mulheres
empreendedoras no mundo do trabalho, tipologia, características e tipos de negócios de
mulheres empreendedoras, empreendedorismo feminino por necessidade (Iakovidou et al.,
2009; Hossain et al., 2009; Beauchesne, 1999). As pesquisas brasileiras, mais escassas ainda,
mostram estudos sobre identidades de mulheres empreendedoras (Machado, 2009);
características, considerações e entendimento de mulheres empreendedoras (Silveira et al.,
2008); mulheres empreendedoras no campo da pedagogia (Novaes et al., 2008); motivação
2
trabalho, quer seja nas empresas ou na sociedade. Adicionalmente, ampliam o conceito sob a
perspectiva de que estes aspectos agregam valor econômico à organização e valor social ao
indivíduo (Fleury & Fleury, 2001, p. 21). Zarifian (2001) relaciona competência à capacidade
da pessoa de assumir iniciativas, ir além das atividades prescritas, compreender e dominar
novas situações de trabalho, ser responsável e ser reconhecido por isso. O autor estabelece
que a competência é o tomar iniciativa e o assumir responsabilidade do indivíduo diante de
situações profissionais com as quais se depara (Zarifian, 2001, p. 68). Na compreensão de
Ruas (2000), a questão da competência, coloca-se num espaço de interação entre as pessoas e
seus saberes de um lado e de outro as demandas da organização. Assim, conforme
Feuerschütte e Godoi (2007) o desenvolvimento da competência pressupõe autonomia,
iniciativa e responsabilidade do indivíduo, consolidando o sentido de que se trata de um
processo dinâmico associado à ação voluntária de alguém sobre uma situação profissional
complexa, como reconhecem os estudiosos acima citados. No que tange aos empreendedores,
Hisrich e Peters, (2004), discutem formas de assimilação de informações, análise,
interpretação, aplicação de novos conhecimentos para viabilizar soluções e concretizar
resultados pessoais e profissionais. Uma pesquisa realizada por Logen (1997) com
empreendedores da França, Canadá, Japão e USA, procurou entender como os
empreendedores percebiam as habilidades necessárias para se buscar o sucesso. Os dados
revelaram a necessidade de desenvolver habilidades para identificar novas oportunidades,
aprender a avaliar as mesmas e pensar criticamente a situação. Outro fator de destaque na
pesquisa foi a necessidade de desenvolver a comunicação interpessoal e a capacidade de
escuta para resolver problemas e adquirir informação. A pesquisa conduzida por Lerner e
Almor (2002), com uso de escala likert, aplicada numa amostra de 220 mulheres empresárias
israelenses demonstrou que as competências gerenciais (finanças, gestão de recursos
humanos, operações e gestão estratégica) são distintas do que ele considera competências
empreendedoras (inovação e marketing). Mitchelmore e Rowley (2010) por meio de uma
revisão teórica organizaram um quadro com cinco categorias de análise das competências
empreendedoras, sendo elas: competências empreendedoras (foco na inovação); negócios e
competências gerenciais (foco no desenvolvimento de recursos, aspectos operacionais e
estratégicos); competências e relações humanas (foco na cultura, liderança e pessoas) e,
competências conceituais e de relacionamento (foco na comunicação, relacionamento com
stakeholders e tomada de decisão). Outras competências-chave estão associadas ao papel do
empreendedor. O reconhecimento e exploração de oportunidades são conceitos que
diferenciam o empreendedor do administrador (Shane & Venkataraman, 2000; Timmons &
Spinelli, 2004), uma vez que empreendedores são capazes de selecionar oportunidades de alta
qualidade para desenvolver seus negócios, posse de unidade, disposição e vontade de
trabalhar por muitas horas (Hofer & Sandberg, 1987) e a capacidade de esforço intenso
(MacMillan et al., 1985). Baum (1994) desenvolveu com dados de sua pesquisa uma lista de
nove competências empreendedoras, com base no trabalho de Chandler e Jansen (1992);
Herron e Robinson (1993). São elas: conhecimento, habilidade cognitiva, auto-gestão,
administração, recursos humanos, habilidade para tomar decisão, liderança, reconhecimento
de oportunidades e desenvolvimento de oportunidades. Incluiu também as relações humanas e
práticas de gestão. Ampliando esse escopo, o estudo de Friedman, et.al (1998) constata que
um crescente número de empreendedores atua sob o pressuposto do equilíbrio entre o trabalho
e a vida pessoal. Eles declaram que tais instâncias são complementares, e não concorrentes,
em termos de prioridades. Esta postura é reconhecida pelos autores como filosofia ganha -
ganha, repercutindo-se tanto na organização como na vida pessoal dos empreendedores. Para
Stolke (1980, p. 113) não são as diferenças fisiológicas que explicam as hierarquias sociais,
6
mas o uso social que é feito delas e o significado que lhes é atribuído, ao estudar a mulher no
mundo do trabalho e suas competências. Afirma ainda que a igualdade entre homem e mulher
não será garantida pela eliminação de suas diferenças. O que é necessário é a eliminação dos
privilégios de classe e das formas de dominação hereditários, para os quais a manutenção da
subordinação das mulheres é tão fundamental quanto à exploração do trabalho. Uma questão
que desafia as mulheres em busca de sucesso diz respeito à busca de equilíbrio entre os
aspectos pessoais, familiares e profissionais. Tal equilíbrio implica perceber que trabalho e
família se beneficiam quando se ajudam mutuamente; envolve, ainda, vivenciar ambas as
demandas de forma positiva, como um duplo desafio e não como um fardo vinculado à dupla
jornada que limita e constrange as mulheres (Jonathan, 2001). Outra vertente de pesquisas
recai sob a ótica dos aspectos afetivos e cognitivos como influenciadores do desenvolvimento
das competências. Gondim e Siqueira (2004) afirmam que durante muito tempo, os estudos
organizacionais se apoiaram em um modelo de organização racional, dando pouca ênfase aos
fenômenos afetivos, por considerá-los disfuncionais para o desempenho do trabalhador.
Fineman (2001a) assegura que os pesquisadores da área organizacional demoraram a
incorporar os afetos em suas investigações. Assim, estados afetivos eram vistos como
inapropriados para a vida organizacional, fontes de desequilíbrio, ilógicos e recebiam pouca
atenção como uma área de pesquisa (Gondim & Siqueira, 2004; James, 1989). Embora os
estados afetivos sejam sentidos no nível intrapessoal é no processo de socialização, cujo
principal objetivo é o de inserir a pessoa em uma determinada cultura, que se aprende em que
contextos alguns estados afetivos devem ser expressos ou inibidos (Gondim, 2006). Deste
modo, recentemente, as emoções passam a fazer parte da agenda dos pesquisadores
organizacionais (Fineman, 2005), ao se considerar que os estados afetivos não são a antítese
da racionalidade, mas sim inseparáveis do cotidiano das organizações e modelando interações
sociais. Não obstante o termo competência refletir diferentes posicionamentos
epistemológicos, vale ressaltar que o seu significado está cada vez mais presente na vida das
pessoas e nas atividades profissionais. É por meio de seus diferentes significados que se
procurou alinhar a compreensão das competências empreendedoras. Nesta pesquisa, os
conceitos de Man e Lau (2005) são utilizados para competências empreendedoras. Eles
afirmam que as competências do empreendedor atuam como uma ponte entre as
características em nível individual e o desempenho em nível de empresa. Para esses autores, a
definição de competência é a capacidade total do empreendedor de desempenhar seu papel
profissional com sucesso. Eles propõem uma taxonomia com dez áreas de competências
empreendedoras: a) oportunidade: consideradas um ponto central do processo empreendedor,
envolvendo o aspecto de identificar a oportunidade e de desenvolvê-la; b) organizador-
administrativa: aquelas necessárias para liderar, controlar, monitorar, organizar e desenvolver
os recursos internos e externos, formando as capacidades da firma; c) estratégicas: destinadas
à construção da visão, definição de metas e formulação de estratégias para a empresa toda; d)
sociais: voltadas ao sucesso nos contatos e parcerias, envolvendo competências de
comunicação e de construir e manter relacionamentos de confiança com stakeholders; e)
comprometimento: que propiciam a continuidade de esforços em função dos negócios e metas
estabelecidas, envolvendo, também, a proatividade; f) conceituais: capacidades de
pensamento analítico, aprendizado, tomada de decisão; g) Inovação: voltadas para a solução
de problema e capacidade inovativas e de replicar o portfólio; h) relacionamento: relacionada
a criação de uma rede de relacionamento; i) aprendizagem: refere-se a capacidade dos
empreendedores em aprender a aprender,capacitando-os para experiências cada vez mais
complexas através da aquisição de novos conhecimentos e, j) equilíbrio trabalho/vida
pessoal: parte do pressuposto que existe uma complementaridade entre a vida pessoal e o
7
na análise de biografia e narrativas por ser uma das formas fundamentais com que as pessoas
organizam sua compreensão do mundo. Por meio de suas histórias as pessoas dão sentido a
suas experiências e compartilham essas experiências com outras. Para tanto, a análise
cuidadosa de tópicos, conteúdo, estilo, contexto e o ato de compor narrativas, permitiu
compreender o sentido dos eventos fundamentais de suas vidas, as competências
empreendedoras necessárias para o desenvolvimento de seus negócios, bem como o contexto
e a cultura que permeiam a vida das mulheres empreendedoras (Gibbs, 2009). O plano
amostral em uma pesquisa qualitativa não obedece a critérios rígidos. A escolha da unidade de
análise recai basicamente onde está localizada a informação e o fenômeno a ser pesquisado.
Nesta pesquisa a unidade de análise são as competências empreendedoras e as discussões
foram alicerçadas no aporte teórico já apresentado, bem como a análise de conteúdo como o
recurso analítico validado em pesquisa de natureza qualitativa, focada na compreensão e
interpretação das experiências das mulheres empreendedoras. Foram entrevistadas sete
mulheres participantes de um programa de empreendedorismo na cidade de São Paulo –
Brasil. O programa sobre empreendedorismo foi especialmente desenhado para elas, com o
objetivo de ampliar e fortalecer competências que as auxiliassem no desenvolvimento de seus
negócios. Tal programa insere-se em projeto de âmbito internacional, realizado
simultaneamente em vários países e financiado por um banco americano. Devido ao cunho
social do programa, as mulheres participantes tinham que atender a alguns requisitos, como
por exemplo, não ter renda suficiente para pagar um curso semelhante e não terem estudado
em escolas de Negócios de primeira linha. Não obstante a limitação financeira, as
respondentes tinham concluído algum curso superior em escolas de menor reconhecimento,
além de estarem desenvolvendo algum tipo de negócio, numa diversidade de segmentos em
que predominava o setor de serviços. A escolha das sete mulheres se deu por representarem,
cada uma, uma história particular: de origem humilde, conseguiram superar as dificuldades e
haviam estruturado um negócio com boas perspectivas de crescimento e caracterizados por
certa dose de inovação. A Tabela 1 apresenta o perfil das sete participantes da pesquisa.
Empreen- Idade Estado civil Tempo de empresa antes Ramo de atuação
dedoras de empreender
E1 46 Casada 18 anos Análise estatística para web
E2 44 Casada 28 anos Empresa publicitária na web
E3 43 Solteira 20 anos Criação e produção de brindes e encadernação
E4 38 Casada 14 anos Consultora de gestão de pessoas
E5 46 Solteira 14 anos Produtora cultural
E6 41 Casada 25 anos Empresa de capacitação de pessoas para
trabalhar com estética animal.
E7 36 Solteira 16 anos Agência de tecnologias da informação
Tabela 1 - Perfil das Respondentes da Pesquisa
Fonte: dados da pesquisa
A Tabela 1 evidencia que a faixa etária das mulheres participantes está entre 36 e 46 anos,
sendo que o tempo dedicado ao trabalho em empresas antes de empreender varia de 14 a 28
anos. Esses dados validam o cansaço do mundo corporativo mencionado pelas respondentes
da pesquisa. Isso sinaliza a maturidade para tomada de decisão de empreender e a experiência
empresarial adquirida antes de assumirem a carreira empreendedora. Esses dados corroboram
os sentimentos revelados no que tange a falta de espaço para crescerem no ambiente
corporativo e, sobretudo, o desejo de buscar independência e autonomia profissional. Ao
ingressarem no programa, as respondentes preencheram um questionário visando traçar o
perfil, levantar dados demográficos e biográficos cujo intuito foi o de melhor conhecê-las e
averiguar se preenchiam os requisitos exigidos pelo programa. Alguns desses dados serão
9
O ambiente era muito pesado, competição muito acirrada, e ai eu resolvi sair, porque eu já não tinha
mais aquela disposição de brigar pelas coisas como eu tinha antes ..., ai eu comecei a ser mais seletiva, e
ai isso acabou me incomodando, eu já não tinha mais paciência para lidar com a política corporativa, já
não tinha mais paciência para reuniões idiotas que antes eu até ia numa boa, mas ai depois você acaba
mudando, você muda os valores [E2]
Eu estava cansada de fazer as mesmas coisas, não estava feliz no meu trabalho... eu tinha viajado,
conhecido algumas coisas diferentes, aprendido tanto que quando voltei para minha empresa, não
consegui ficar... foi difícil agüentar aquela rotina.. daí pensei, por que não trabalhar por conta própria?
Criei coragem e fui [E3].
Depois de um tempo dedicando ao mundo corporativo, eu percebi que o meu perfil já não cabia mais
dentro de uma empresa porque eu trazia mudanças, eu queria fazer mudanças e na empresa tinha muita
resistência e como eu busco muitas informações, eu me relaciono muito bem, tenho um network muito
grande... eu decidi que eu não trabalharia mais em empresa... disse para mim mesma... chega, eu não
posso mais estar dentro de uma empresa e por nenhum dinheiro eu voltaria trabalhar numa empresa
[E4]
Desde o inicio da minha carreira eu sempre achei que eu tinha que ter o meu negócio, era uma coisa de
empreender mesmo. Eu trabalhei muitos anos em empresas de grande porte multinacionais e eu me
cansei da rotina... mas no meu primeiro desemprego eu falei .. vou abri meu próprio negócio... [E6].
A transição do trabalho corporativo para um mercado conta própria é muito difícil, tem muita gente que
gostaria de fazer essa mudança, e não faz por esse medo, porque está acostumada a ter um salário na
sua conta ...e o consultor está sujeito a tudo..hoje tem muito, amanhã não tem nada, depois tem pouco,
depois tem médio. Mas, mesmo assim, no mundo corporativo a pressão hierárquica de funções e
resultados, é um stress insuportável, e quando você cria seu próprio negócio tem outro tipo de stress,
mas você é o dono... tem muito mais prazer [E7].
Nós não podemos contar com financiamento, então nós financiamos a nossa empresa ... com dinheiro
próprio. Quando descapitaliza, fica muito difícil... as linhas de financiamento no Brasil para pequenos
empreendedores são muito ruins...porque são extremamente burocráticas e não se consegue entender a
burocracia do governo... temos que pagar uma quantidade enorme de impostos...sua rotina muda... E2]
É preciso aprender a tomar decisões num contexto masculino... esse é um grande desafio, aprender a
trabalhar num contexto masculino... só com homens. Outro ponto que chama atenção sãos as altas taxas
e impostos que temos que pagar para impulsionar o negócio sem dinheiro. [E3]
O maior desafio é sair do lugar comum e para isso tem que ter dinheiro... muito difícil contar com apoio
governamental e com fontes de financiamentos. Se seu negócio não atrai investidor, você precisa contar
com você mesmo. Você tem que aprender a trabalhar no risco... com recursos próprios [E4].
O grande desafio da minha área é a política da área cultural... ela inexiste. Há lei de incentivo federal,
estadual e até municipal... essa não funciona há anos. A lei estadual permite abatimento nos impostos...
só que alegam... acabou o dinheiro e, às vezes, você está no meio do projeto. E por sua vez, a lei federal
está em processo de mudança e não se sabe o que vem por aí. Então, tem imposto e tributos para
pagar...o tempo todo ficamos brigando por recursos... temos dificuldades de financiamentos e o maior
desafio frente a esse cenário é tomar decisões em que investir.[E5].
A dificuldade está centrada na falta de alguém para compartilhar com você para tomar decisões... em
que investir, quando investir, onde investir por exemplo. Tomar decisões sozinha é um problema, pois
por trás das decisões tem dinheiro, falta de apoio e taxas muito altas de impostos para pagar. [E6].
11
O empreendedor brasileiro paga muito imposto... o Brasil é um país que apóia muito pouco o
empreendedor... as linhas de financiamento são restritas com juros ameaçadores... então, tomar decisão
do que fazer tem que ter muita coragem. [E7]
Uma lista de possíveis problemas relativos à criação de empresas foi extraída do questionário
por elas respondida no momento de suas incorporações no projeto. São eles: falta de apoio de
associações de classe e/ou organizações profissionais, conciliação entre vida privada e vida
profissional, medo de assumir risco, dificuldades de acesso a financiamentos e a carga
tributária elevada. Os dados evidenciam aspectos relacionados à falta de conhecimentos
específicos que propiciem segurança para o empreendedor no momento de criação de sua
empresa, além da falta de apoio geral, de associações de classe ou ainda governamental.
Apresenta ainda as dificuldades de acesso a financiamento, além das altas taxas tributárias,
como problemas a serem enfrentados. Vale ressaltar ainda que, ao que tudo indica, de acordo
com as pesquisas desenvolvidas em outros países emergentes e em desenvolvimento, essa
realidade não é muito diferente. K'Aol (2008) desenvolveu uma pesquisa no Quênia com 300
mulheres empreendedoras e os dados apontaram para a dificuldade que essas empreendedoras
sinalizaram para conseguir financiamento encontrando, inclusive, um ambiente hostil para
angariarem recursos para desenvolver seu negócio. Outro estudo realizado por Tambunan
(2009) na Indonésia objetivou identificar as principais barreiras e motivações de mulheres
empreendedoras frente aos seus negócios. Os resultados apontaram para quatro fatores
limitadores para empreender, tais como, baixo nível de formação aliado à falta de
oportunidade de capacitação, dificultando a conquista de recursos para desenvolver seus
negócios. O segundo fator está relacionado à conjugação de esforços entre tarefas domésticas
e profissionais; o terceiro fator à dificuldade de expansão nos negócios advindos de crenças e
tradições religiosas e o quarto, não menos importante, referente à inexistência de fontes de
financiamento para mulheres empreendedoras naquele país. A categoria 3 agrupou as
competências desenvolvidas e em desenvolvimento ao longo da trajetória empreendedora.
Essa categoria procurou responder o objetivo central da presente pesquisa. Após a análise em
profundidade das respostas das empreendedoras, foi possível distinguir competências
cognitivas e afetivas, que apóiam efetivamente as empreendedoras no desenvolvimento de
seus negócios, organizadas na Figura 1. As empreendedoras julgam que precisam desenvolver
a comunicação formal, aprender a negociar, e ter comportamento pró-ativo, aperfeiçoar as
idéias e relacionamentos, bem como aprimorar ainda a capacidade de fazer parceria.
Consideram importante estarem preparadas para lidar com situações inesperadas frente aos
negócios e para isso, o aprimoramento da criatividade e a confiança de estar no caminho certo
pode ser um passo para o sucesso. Outros fatores de relevância, mais voltados para a ação
empreendedora concentram-se na aprendizagem para saber cobrar das pessoas, fazer
previsões, ganhar dinheiro e para isso, em várias situações, aprenderem a dizer não. Quanto
aos fatores críticos que, de certa forma, podem afetar o desempenho do negócio das
empreendedoras, apontaram para aspectos relacionados ao saber passar confiança, habilidade
para se comunicarem e estabelecerem relacionamentos interpessoais, aprenderem identifica
oportunidades e estabelecerem bons networks. Alegaram ainda que outros fatores tais como
lealdade ao cliente, disponibilidade financeira e acesso a tecnologia também são fatores
críticos que podem afetar o desempenho de seus negócios. Esses dados revelam que os fatores
mais importantes para o negócio, apontados por este conjunto de mulheres empreendedoras,
referem-se a fatores intrínsecos, ou seja, fatores controlados pelo empreendedor, tais como:
passar confiança ao cliente, práticas éticas, conhecer o produto/serviço, habilidades de
comunicação e habilidades interpessoais. No entanto, ao serem solicitadas a escolher os cinco
fatores que mais afetam seu negócio, alguns fatores extrínsecos mencionados foram,
12
De maneira geral, os dados da presente pesquisa são confluentes em vários aspectos quando
comparado com as competências de Man e Lau (2005). Por exemplo, todas pontuam a
importância do reconhecimento de oportunidades para criação e desenvolvimento do negócio,
assim como o senso de urgência no quesito de inovação, formulação de estratégias e
comprometimento com o negócio. As empreendedoras valorizam, sobremaneira, o
desenvolvimento do pensamento analítico, foco na inovação e a predisposição para aprender
visando a tomada de decisão, o que para Man e Lau (2005) está relacionado com as
competências conceituais, de inovação e de aprendizagem. Outros dados recorrentes nas
entrevistas estão voltados para a importância de estabelecerem parcerias, desenvolver
relacionamentos de confiança e assim, criarem uma rede social que possa trazer resultados
para seus negócios. Man e Lau (2005) apontam esses aspectos quando discute as
competências de relacionamento e sociais. E por fim, de maneira quase que unânime,
mencionam a importância de tentarem promoverem o equilíbrio entre trabalho e vida pessoal,
pontuado que esse é ainda um desafio para empreendedoras que estão à frente de seus
negócios. Os resultados da presente pesquisa revelaram ainda, conforme Figure 3, que as
empreendedoras têm, claramente, a percepção de suas potencialidades, limitações, desejos e
anseios dentro de um escopo de competências cognitivas e afetivas. Nesse sentido, parece que
as mulheres empreendedoras da presente pesquisa reconhecem a importância de
desenvolverem a percepção de oportunidade, alinhando o conhecimento técnico com as
habilidades pessoais. Fundamental a visão de curto, médio e longo prazo para saber tirar
proveito das coisas e não perderem oportunidades que decorrem de seus negócios, calculando
os riscos inerentes às operações. Atribuem relevância à percepção de negócio, ao domínio da
área de atuação, às experiências adquiridas ao longo das atividades. Demonstraram prudência
13
como pode ser observado no relato das respondentes da presente pesquisa. Admite-se hoje
que os afetos influenciam os julgamentos feitos pelas pessoas, o que elas conseguem
recuperar da memória, as atribuições pelos sucessos e fracassos, a criatividade, o raciocínio
indutivo e o dedutivo (Damásio, 1996; Goleman, 1995), tornando inevitável o
reconhecimento de que processos afetivos e cognitivos fazem parte da rotina de trabalho.
Entretanto, seria necessário aprofundar este aspecto com mulheres empreendedoras no Brasil
e também em outros países, pois essa categoria que envolve aspectos afetivos é parte essencial
da cultura brasileira. Além disso, seria interessante também aprofundar a discussão de Man e
Lau (2005) sobre questões de gênero. Os achados dessa pesquisa revelam outro ponto de
grande relevância que é o fato das empreendedoras reconheceram que a oportunidade que
obtiveram de participar de um programa de capacitação, contribuiu, sobremaneira, para o
desenvolvimento de suas competências e, como conseqüência, na condução de seus negócios.
Esses dados corroboram a pesquisa de Botha, et. al (2006) quanto ao programa intitulado
Women Entrepreneurship Programme (WEP), cujos resultados evidenciaram que as mulheres
participantes do programa desenvolveram habilidades e conquistaram novos conhecimentos
que as ajudaram a dirigir seus negócios de maneira mais efetiva, aumentando a confiança em
si e no próprio trabalho, melhorando o número de colaboradores e elevando a produtividade e
lucro da empresa. Ao que tudo indica essas evidências encontradas, tanto nas pesquisas
brasileiras quanto em outros países que capacitam pessoas para o mercado de trabalho,
sugerem que essas ações sociais podem trazer resultados expressivos para os ambientes de
negócios. É fato que as competências têm sido alvo de inclusão ou exclusão de profissionais
em ambientes de grande competitividade e também como o requisito mais avaliado pelos
stakeholders do negócio. Finalizando, é necessário ressaltar os limites desta pesquisa: ainda
que apoiada em dados quantitativos que reforçam os resultados obtidos por meio da pesquisa
qualitativa, o número de entrevistadas precisaria ser ampliado. Com isso, espera-se por
resultados que possam expandir as categorias de competências e assim, ampliar o
conhecimento na área e competências empreendedoras, ainda incipientes na literatura
científica.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁGICAS
Amit, R., Glosten, L., & Muller, E. (1993). Challenges to theory development in entrepreneurship
research. Journal of Management Studies, 30(5).
Appelbaum, S. H, Audet, L., & Miller, J. C. (2003). Gender and leadership? Leadership and gender? A
journey through the landscape of theories. Leadership & Organization Development Journal,
Bradford. 24 (1-2), p. 43.
Bardin, L. (1977). Análise de conteúdo, Lisboa: Edições.
Baum, W. Jr. (1994). The relation of traits, competencies, vision, motivation, and strategy to venture
growth. University of Maryland
Beauchesne, E. (1999).Women entrepreneurs on rise. Kingston Whig - Standard, Kingston, Ont.
Bekele, E., & Jacobs, P. (2008). Women entrepreneurship in micro, small and medium enterprises: the
case of Ethiopia. Journal of International Women's Studies, Bridgewater:10 (2), pp. 3-17.
Bertaux, N., & Crable, E. (2007). Learning about women. economic development, entrepreneurship
and the environment in India: a case study. Journal of Developmental Entrepreneurship, Norfolk: 12
(4), pp.467-12.
Bogdan, R., & Taylor, S. (2000). Introduction to qualitative research methods, New York: Wiley.
15
Botha, M., Nieman, G. H., & Van Vuuren, J.J. (2006). Evaluating the women entrepreneurship
training programme: a South African study. International Indigenous Journal of Entrepreneurship,
Advancement, Strategy and Education, Tauranga, 2(1), pp. 1-16.
Brownell, J., & Goldsmith, M. (2006). Meeting the competency needs of global leaders: a partnership
approach, Human Resource Management, 45(3),pp.309-336.
Bygrave, W. (1989). The entrepreneurship paradigm (I): a philosophical look at its research
methodologies. Entrepreneurship Theory & Practice, 14(1).
Bygrave, W., & Hofer, C. (1991). Theorizing about entrepreneurship. Entrepreneurship Theory &
Practice, 16(2).
Carreira, D., Ajamil, M.,& Moreira, T. (2001). A Liderança feminina no século 21. SP: Cortez.
Chandler, G. N.,& Jansen, E.(1992).The founder’s self-assessed competence the environment, and
venture performance. Entrepreneurship Theory and Practice, 18(3), pp. 77-89.
Danjou, I. (2002). L’Entrepreneuriat: Un champ fertile à la recherche de son unité. Revue Française
de Gestion, 28(138), pp. 109 -125.
Faraha, N. (2009). Critical factors of women entrepreneurship development in rural Bangladesh.
Rajshahi University, Bangladesh Development Research Working, 5.
Feuerschütte, S. G., & Godoi, C. K. (2007). Competências empreendedoras: um estudo historiográfico
no setor hoteleiro. Anais do XXXI EnAPAND , Rio de Janeiro, Br.
Filion,L.J.(1999a). Empreendedorismo: empreendedores e proprietários-gerentes de pequenos
negócios. Revista de Administração da universidade de São Paulo. São Paulo, 3(2), pp. 5-28.
Filion, L. J. (2000). O empreendedorismo como tema de estudos superiores. In: Empreendedorismo:
ciência, técnica e arte. Brasília: CNI/IEL, 13(42).
Filion, L. J. (1999). Diferenças entre sistemas gerenciais de empreendedores e operadores de pequenos
negócios. Revista de Administração de Empresas - RAE. São Paulo, 39(4),pp.6-20.
Fineman, S. (2001a). A emoção e o processo de organizar. In S. R. Clegg, C. Hardy, & W. R NORD.
Handbook de estudos organizacionais (vol. 2. pp. 157-189). Atlas.
Fineman, S. (2005). Appreciating emotion at work: Paradigm tensions. International. Journal of Work
Organizational and Emotion, 1, pp.4-19.
Fleury, A.,& Fleury, M. T. L. (2001). Estratégias empresariais e formação de competências: um
quebra-cabeça caleidoscópico da indústria brasileira. São Paulo: Atlas.
Friedman, S., Christesen, P.,& Degroot, J. (1998). Work and life balance: the end of the zero-sum
game. Harvard Business Review, 76(6), pp.119-129.
Fundação Seade, & Dieese. (2009). Departamento intersindical de estatística e estudos
socioeconômico. Movimento Sindical Brasileiro. Brasília, Br.
Gartner, W. (1985). A framework for describing the phenomenon of new venture creation. Academy
of Management Review, 10 (12).
Global Entrepreneurship Monitor. (2008). Empreendedorismo no Brasil: relatório global, Paraná,
IBQP e Sebrae.
Gibbs, G. (2009). Análise de dados qualitativos. Porto Alegre: Artmed.
Gimenez, F., Machado, H.V., & Biazin, C. A. (1998). A mulher empreendedora: um estudo de caso no
setor de confecção. BALAS. South Padre Island. Proceedings.
Godoy, A. (1995). Introdução à pesquisa qualitativa e suas possibilidades. Revista de Administração
de Empresas, São Paulo, 35(2).
16
17
18