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Empreendedorismo Feminino Sob A Perspectiva Do Filme Joy

Conference Paper · October 2019

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Ana Eliza Galvão Cortez Gabriela Figueiredo Dias


Universidade Federal do Rio Grande do Norte Universidade Federal do Rio Grande do Norte
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XLIII Encontro da ANPAD - EnANPAD 2019
São Paulo/SP - 02 a 05 de outubro

Empreendedorismo Feminino Sob A Perspectiva Do Filme Joy

Autoria
Ana Eliza Galvão Cortez - anigalvao@hotmail.com
Prog de Pós-Grad em Admin – PPGA/UFRN - Universidade Federal do Rio Grande do Norte

Gabriela Figueiredo Dias - gabrielafigr.dias@gmail.com


Prog de Pós-Grad em Admin – PPGA/UFRN - Universidade Federal do Rio Grande do Norte

Resumo
Este estudo tem como objetivo analisar os aspectos pertinentes à vivência de mulheres
empreendedoras com base no filme Joy. Trata-se de uma pesquisa de natureza qualitativa
que se utiliza de estudo observacional de segunda mão por ser originária de mídia como
fonte de dados. A análise de conteúdo foi utilizada e se deu com base em três categorias:
personalidade empreendedora; desafios e dificuldades enfrentados; e processo
empreendedor. Características agrupadas na categoria personalidades, tais como criatividade,
coragem, iniciativa, propensão a correr riscos, persistência e força de vontade para lutar por
um negócio inovador são identificadas na maioria dos empreendedores e foram observadas
em Joy. As cenas também ilustraram desafios peculiares enfrentados por empreendedoras
como a forma de obtenção de recursos, os conflitos familiares e as dificuldades relacionadas
ao gênero feminino. Conclui-se que a jornada de Joy apresenta características condizentes
com a abordagem effectuation sobre o processo empreendedor e sugere-se que estudos
futuros utilizem recursos de mídia na condução de trabalhos em gestão.

Palavras-chave: Administração Empreendedora; Empreendedorismo Feminino; Análise


Fílmica.
XLIII Encontro da ANPAD - EnANPAD 2019
São Paulo/SP - 02 a 05 de outubro

Empreendedorismo Feminino Sob A Perspectiva Do Filme Joy

Resumo: Este estudo tem como objetivo analisar os aspectos pertinentes à vivência de mulheres
empreendedoras com base no filme Joy. Trata-se de uma pesquisa de natureza qualitativa que
se utiliza de estudo observacional de segunda mão por ser originária de mídia como fonte de
dados. A análise de conteúdo foi utilizada e se deu com base em três categorias: personalidade
empreendedora; desafios e dificuldades enfrentados; e processo empreendedor. Características
agrupadas na categoria personalidades, tais como criatividade, coragem, iniciativa, propensão
a correr riscos, persistência e força de vontade para lutar por um negócio inovador são
identificadas na maioria dos empreendedores e foram observadas em Joy. As cenas também
ilustraram desafios peculiares enfrentados por empreendedoras como a forma de obtenção de
recursos, os conflitos familiares e as dificuldades relacionadas ao gênero feminino. Conclui-se
que a jornada de Joy apresenta características condizentes com a abordagem effectuation sobre
o processo empreendedor e sugere-se que estudos futuros utilizem recursos de mídia na
condução de trabalhos em gestão.

Palavras-chave: Administração Empreendedora; Empreendedorismo Feminino; Análise


Fílmica.

1 INTRODUÇÃO

O campo do empreendedorismo envolve o estudo de fontes de oportunidades; os


processos de descoberta, avaliação, exploração e os indivíduos que as descobrem, avaliam e
exploram (Shane & Venkataraman, 2000). A compreensão do fenômeno deve, ainda, considerar
o indivíduo, o projeto, o meio ambiente e as conexões entre eles ao longo do tempo (Bruyat &
Julien, 2001). Mesmo diante da complexidade desse fenômeno, os diversos conceitos existentes
não fazem distinção de gênero, visto que características empreendedoras podem ser encontradas
tanto em homens, quanto em mulheres (Strobino & Teixeira, 2014), fato corroborado por
estudos que apontam que não há diferenciação de gênero quanto ao alerta empreendedor
(Machado, Faia, & Silva, 2016).
Ainda assim, é reconhecido que as mulheres enfrentam maiores dificuldades em relação
aos homens durante o processo empreendedor. Um aspecto frequente nos resultados de estudos
acerca do empreendedorismo feminino é a presença de conflitos relacionados aos múltiplos
papéis exercidos pelas empreendedoras, especialmente no que diz respeito ao equilíbrio de
atividades de negócios e do lar (Gimenez, Ferreira, & Ramos, 2017). Conforme salientam
Alpersted, Ferreira e Serafim (2014, p. 223), “as mulheres, por conta de sua construção histórica
atrelada ao gênero feminino, enfrentam ainda dificuldades extras quando empreendem”.
No universo do empreendedorismo feminino, iniciar um negócio pode ter origem em
diversas motivações, tais como desejo de fazer o que gosta, busca pela flexibilidade de horários,
estratégia de sobrevivência, oportunidade encontrada, influência familiar, e etc. A trajetória
também envolve barreiras como dificuldade de acesso a redes corporativas, falta de apoio
familiar, falta de acesso a informações, falta de experiência (Machado et al., 2016), mas
também revela o desenvolvimento de habilidades e competências na busca por objetivos
(Nassif, Andreassi, Tonelli, & Fleury, 2012; Mitchelmore & Rowley, 2013).
Este estudo busca analisar os aspectos pertinentes à vivência de mulheres
empreendedoras com base no filme Joy. O filme dirigido por David O. Russell traz a história
de Joy (interpretada por Jennifer Lawrence) que desenvolve um produto que se transforma num
fenômeno de vendas e a faz uma empreendedora de grande sucesso nos Estados Unidos. O
filme é baseado em uma história real e representa o caminho percorrido por Joy até o sucesso
do seu negócio, evidenciando desde aspectos da sua infância a relacionamentos com família,
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marido, filhos, atores referenciados em toda trajetória de mulheres empreendedoras. Nesse


sentido, é reconhecido que filmes refletem momentos da história, instituições, valores sociais,
relacionamentos, domínios da vida cotidiana e emoções e são utilizados como formas de
reflexões sobre a construção social da realidade (Flick, 2009).
Na mesma direção, Freitas e Leite (2015, p. 102) afirmam que filmes permitem ao pes-
quisador “a conferência de seus registros e de suas percepções, devido ao acesso repetido às
cenas, desde que não se permita a escolha do filme pelo filme, mas pela oportunidade de
investigar um fenômeno organizacional a partir de diferentes lentes”. Dessa forma, a escolha
do filme se dá pelo alinhamento entre o mesmo e a temática de estudo, pois propicia a ilustração
de tópicos pertinentes ao empreendedorismo feminino por meio da trajetória narrada.
Ressalta-se, ainda, que a análise de um filme oferece uma nova visão, podendo prover
insights importantes sobre um evento particular ou fato do passado (Myers, 2013), bem como
desenvolver reflexões teóricas sobre o papel de um gênero (Mikos, 2014). A importância de
investigações sobre o empreendedorismo feminino também desperta o interesse para a
realização deste trabalho, visto que o tema apresenta uma tendência de crescimento enquanto
objeto de estudo, especialmente a partir de 2011, mas ainda não há uma presença frequente do
assunto na maioria dos periódicos brasileiros (Gimenez et al., 2017).
Diante desse contexto, esse artigo é direcionado pela seguinte pergunta: como os
aspectos da vivência de mulheres empreendedoras são representados no filme Joy?

2 REVISÃO DE LITERATURA

2.1 Empreendedorismo feminino

Os estudos acerca do empreendedorismo feminino no Brasil associam-se a um forte


interesse sobre o entendimento dos significados que as empreendedoras atribuem a diversos
aspectos da ação empreendedora, em sua maioria, nas motivações para empreender, tendo
evoluído para um leque mais amplo de dimensões de análise relacionadas ao empreender
feminino (Gimenez et al., 2017).
As pesquisas apontam razões e dificuldades para iniciar um negócio (Machado et al.,
2016), o processo de criação de empresas (Machado, St-Cyr, Mione & Alves, 2003; Machado,
Gazola, & Anez, 2013; Teixeira, Andreassi, & Bomfim, 2018), situações críticas vivenciadas
por empreendedoras (Alperstedt et al., 2014; Nassif, Andreassi, & Tonelli, 2016), a
subjetividade (Ferreira & Nogueira, 2013), as relações trabalho-família (Lindo, Cardoso,
Rodrigues, & Wetzel, 2007; Strobino & Teixeira, 2014), aspectos cognitivos e afetivos da ação
empreendedora (Cortez, Ferreira, Ferreira, & Araújo, 2016; Cortez, Araújo, & Pereira, 2017),
motivações (Rey-Martí, Porcar, & Mas-Tur, 2015), perfil e características de empreendedoras
(Martins, Crnkovic, Pizzinatto & Maccari, 2010), dentre outros.
No que tange a decisão de empreender, as motivações decorrem de fatores individuais
ou pessoais associados à mulher; as características socioeconômicas; e fatores sociais e
institucionais relacionados ao ambiente. Mais especificamente, a propensão ao risco, a busca
por um equilíbrio na relação trabalho-vida pessoal, o desejo de desenvolver habilidades de
negócios, a necessidade de trabalho autônomo e o desejo de ganhar mais do que em um emprego
remunerado são mencionados em trabalhos acadêmicos (Rey-Martí et al., 2015).
As pesquisas destacam, também, a família como um elemento que pode influenciar a
ação empreendedora, tanto ao fornecer recursos econômicos para que as mulheres se lancem
no mundo dos negócios, quanto ao estimular o espírito empreendedor, seja na continuidade a
uma empresa familiar ou na criação de uma nova (Cortez et al., 2016; Teixeira et al., 2018). A
importância da família também é destacada em termos de apoio moral e emocional na fase de
concepção de empreendimentos (Powell & Eddleston, 2013; Teixeira et al., 2018).
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Em relação aos fatores que prejudicam o empreendedorismo feminino, os estudos


apontam, principalmente, barreiras relacionadas ao status sociocultural das mulheres; falta de
acesso a redes corporativas, seja de informações ou de negócios; as responsabilidades
familiares; dificuldades devido a crianças pequenas; falta de auxílio na administração e/ou
financiamento externo, falta de experiência (Machado et al., 2013; Machado et al., 2016).
Um aspecto frequente nos resultados dos estudos é a presença de conflitos relacionados
aos múltiplos papéis exercidos por empreendedoras, especialmente no que diz respeito ao
equilíbrio entre as atividades de negócios e do lar (Gimenez et al., 2017). Nesse sentido, são
raras as empreendedoras que têm a fronteira entre o trabalho e a vida pessoal, ou a vida em
família, bem definida (Strobino & Teixeira, 2014), uma vez que assim como o
empreendedorismo é afetado pela trajetória do indivíduo, ele também afeta a vida da
empreendedora e sua dinâmica familiar (Ferreira & Nogueira, 2013).
Uma das discussões levantadas por Strobino e Teixeira (2014) é que o fato de as
mulheres estarem cada vez mais atuantes no mercado de trabalho, seja como funcionárias, seja
como empreendedoras, acarreta impactos de toda ordem, sendo o conflito trabalho-família
inevitável. Há ainda uma associação do gênero feminino ao trabalho doméstico muito arraigado
na sociedade: essa situação coloca as mulheres numa posição desfavorável do ponto de vista de
seu reconhecimento social, além de contribuir para a divisão injusta de tarefas, tanto no trabalho
como no lar (Strobino & Teixeira, 2014).
Recentemente, Camargo et al. (2018), em estudo sobre os medos de mulheres
empreendedoras diante da instabilidade política e econômica do Brasil, apontam que estes vão
sendo alterados ao longo da trajetória empreendedora e podem ser agrupados em medos
relacionados ao futuro do empreendimento e da empreendedora; medos específicos do setor de
atuação e; medos relacionados a aspectos financeiros. Tal resultado corrobora com a visão de
que as diferentes fases de um empreendimento demandam mudanças no papel do empreendedor
(Lewis & Churchill, 1983) e que os perfis comportamentais mudam conforme a empresa cresce
em tamanho e complexidade (Nassif, Ghobril, & Silva, 2010). O medo se expressa nas decisões
que acompanham o crescimento do empreendimento, no peso da responsabilidade pela
manutenção de um negócio que abarca trabalho, possibilidades e oportunidades a diversos
funcionários (Camargo et al., 2018).

2.2 considerações sobre o processo empreendedor

A criação de novos empreendimentos é um fenômeno complexo e multidimensional


(Gartner, 1985), relacionado ao fazer algo novo e diferente capaz de gerar riqueza e agregar
valor para a sociedade (Shane & Venkataraman, 2000). Um framework que descreva a criação
de novos empreendimentos integra, além das características do indivíduo, da organização e do
ambiente, o processo pelo qual ele é iniciado (Gartner, 1985). Nessa perspectiva, uma
teorização mais completa do processo empreendedor reflete a interação entre o indivíduo e a
oportunidade, sendo um processo dinâmico pelo qual as fontes de oportunidade são acionadas
pelo agente e o agente é afetado pelas oportunidades (Sarason, Dean, & Dillard, 2006).
Empreendedores são pessoas que agem - eles se envolvem em esforços persistentes para
converter suas ideias e visões em empresas lucrativas e operacionais - e essa propensão à ação
é, em certo sentido, crucial para o processo empreendedor (Baron, 2007). Baron (2007) afirma
que modelos sobre processo empreendedor fornecem estruturas para identificar várias das
tarefas verdadeiramente centrais no empreendedorismo: (1) gerar ideias para novos produtos
ou serviços, (2) reconhecer oportunidades de negócios relacionadas a essas ideias, (3) obter os
recursos necessários para desenvolver essas ideias através de um empreendimento.
Um trabalho que se destaca no âmbito da criação de empresas é o de Sarasvathy (2001),
que defende que o processo requer a noção do effectuation. A autora levanta questões que
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envolvem o problema de escolher efeitos específicos que podem ou não implementar metas
intencionais. Nessa vertente, se o empreendedor sabe claramente em que mercado irá atuar,
poderá usar técnicas de pesquisa de mercado e formular estratégias de entrada. No entanto, em
mercados nascentes ou, simplesmente, inexistentes, precisará da compreensão de como tomar
decisões na ausência de modelos preexistentes. Os processos são, portanto, causais ou
effectuais.
Nessa direção, processos causais focam na seleção dos meios para atingir um
determinado efeito e, por sua vez, os processos effectuais tomam os conjuntos de meios dados
e concentram-se na seleção dos possíveis efeitos que podem ser criados com esse conjunto de
meios (Sarasvathy, 2001). Ambos visam a um objetivo final, porém, no processo effectual há
abertura para o aproveitamento dos elementos de dinamismo e contingência.
Sarasvathy (2001) afirma que ao seguir processos effectuais o empreendedor pode
chegar a vários tipos diferentes de empresas em setores completamente díspares. O processo
não só permite a realização desses vários efeitos possíveis, como também que um decisor mude
seus objetivos e até mesmo molde e os construa ao longo do tempo, fazendo uso de
contingências à medida que surgirem (Sarasvathy, 2001).
A autora reforça ainda que tanto o causation quanto a effectuation são partes integrantes
do raciocínio e que podem ocorrer simultaneamente, sobrepondo-se e entrelaçando-se em
diferentes contextos de decisões e ações. Ao fazer a distinção entre características dos dois
tipos, Sarasvathy (2001) afirma que processos de causalidade são dependentes do efeito e os
processos de effectuation são dependentes do ator. “Os processos de causalidade são excelentes
para explorar o conhecimento. Os processos effectuation são excelentes na exploração de
contingências” (Sarasvathy, 2001, p. 205).
Ainda conforme Sarasvathy (2001), a vida humana é rica em contingências que não
podem ser facilmente previstas, mas que podem ser aproveitadas e exploradas. Para os
empreendedores que acreditem que estão lidando com um futuro mensurável ou relativamente
previsível, investir em uma análise sistemática de informações será razoável. Já para os que
lidam com fenômenos relativamente imprevisíveis, coletar informações por meio de técnicas
de experimentais e iterativas serão úteis para novas descobertas.
No âmbito do empreendedorismo, a abordagem effectuation seria aquela em que o
empreendedor, juntamente com outros, cria o mercado, reunindo as partes interessadas que
compram a ideia e sustentam a empresa, diferentemente da presunção de que o mercado existe
independentemente e a tarefa do empreendedor é aproveitar todas as oportunidades possíveis
dentro desse mercado (Sarasvathy, 2001).
Diante de tais considerações, percebe-se a confluência entre as perspectivas causation
e effectuation e o processo de criação de empresas. Particularmente, a noção de effectuation
apresentada remete aos aspectos presentes na literatura sobre empreendedorismo, que
descrevem o fenômeno empreendedor com fazer algo novo e diferente (Shane &
Venkataraman, 2000); a incerteza como marco conceitual para as teorias (Mcmullen &
Shepherd, 2006); e o indivíduo empreendedor como uma pessoa criativa que se arrisca em
busca de inovação (Filion, 1999).
O estudo de Faia, Rosa e Machado (2014) aponta uma relação positiva entre alerta
empreendedor – o modo como os indivíduos identificam oportunidades - e as duas abordagens
empreendedoras, especialmente, a abordagem causation. O estudo reforça em seus resultados
o fato de as duas abordagens em não serem opostas, podendo ser adotadas simultaneamente na
condução dos negócios.
Estudos anteriores mostram que mulheres empreendedoras utilizaram processos
decisórios alinhados à lógica Effectuation na criação de suas empresas (Pelógio, Rocha,
Machado, & Añez, 2016). Dados os apontamentos acima, este estudo analisa o filme Joy e o

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processo empreendedor vivido pela protagonista, à luz da revisão de literatura realizada. O


tópico seguinte expõe os procedimentos adotados para a análise do mesmo.

3 METODOLOGIA

No intuito de realizar uma análise sobre os aspectos pertinentes à vivência de mulheres


empreendedoras com base no filme Joy, adota-se a abordagem qualitativa de pesquisa,
considerada a melhor para entender as motivações, ações e razões pessoais e o contexto de
crenças e ações (Myers, 2013). Dessa forma, julga-se essa abordagem a mais eficaz para análise
da experiência de Joy, principal personagem do filme.
Conforme assevera Flick (2009), os filmes têm uma influência cada vez maior na vida
cotidiana e a pesquisa qualitativa faz uso desse recurso para dar conta da construção social da
realidade. Nessa direção, as representações visuais de uma sociedade são ambos, métodos de
pesquisa e recursos, ou tópicos a serem estudados por si mesmos e incluem fotografia,
gravações audiovisuais, textos narrativos, televisão, documentários e filmes. (Denzin, 2004).
A estratégia de coleta de dados seguida é a observação indireta e não participante,
considerada como observação de segunda mão, por ser oriunda de mídia visual (Flick, 2009).
Como critérios de seleção dos dados a serem coletados, foram estabelecidas de acordo com
revisão da literatura três categorias de análise: a) personalidade empreendedora; b) desafios e
dificuldades enfrentados; c) processo empreendedor. As cenas que apresentaram conteúdo
semelhante ao estabelecido nessas categorias foram descritas detalhadamente formando um
banco de dados.
A coleta de dados foi realizada em quatro momentos. Em um primeiro momento, foi
assistida sem interrupções a versão do filme em inglês e com legenda em português, com
duração de 124 minutos. Após esse primeiro contato, em outros três momentos o filme foi
assistido com interrupções, buscando-se as cenas-chave que evidenciaram os aspectos tratados
na literatura e determinados como categorias de análise. Nesses três momentos, as cenas foram
registradas, junto com os tempos e descrições de ações e/ou discursos realizados pelos
personagens. A utilização dessa mídia permitiu o acesso repetido aos eventos (cenas)
transpondo os limites de outras técnicas de pesquisa qualitativa (Flick, 2009).
Para o momento da análise, conforme Denzin (1989), os filmes passam a ser entendidos
como textos visuais e então são analisados como tal. Corroborando com Miles, Huberman e
Saldaña (2014) quando defendem que a interpretação de imagens em movimento e trechos mais
longos podem depender de métodos analíticos de conteúdo mais tradicionais, como contagens
e categorias, optou-se por realizar uma análise de conteúdo que consiste em “um conjunto de
técnicas de análise das comunicações que utiliza procedimentos sistemáticos e objetivos de
descrição do conteúdo das mensagens” (Bardin, 2011, p. 25).
Nessa direção, Mikos (2014) sugere que o primeiro passo em uma análise de filme é
reconhecer que tudo que é dito e mostrado representa conteúdo, ou seja, os tópicos tratados em
falas e/ou visualmente podem ser entendimentos como conteúdo. Seguindo os procedimentos
sugeridos por Bardin (2011), a análise foi realizada em três etapas: a pré-análise, que consistiu
na organização e leitura flutuante de todo o material gerado na coleta de dados; a exploração
do material, onde foi realizada a categorização das cenas nas três categorias pré-estabelecidas
(essa segunda etapa gerou três quadros localizados na seção de análise deste artigo, que
mostram o número da cena, o tempo em que se iniciam, e as suas descrições); por fim, foi
realizado o tratamento dos resultados, que consistiu na realização de inferências e interpretações
das descrições das cenas.

4 ANÁLISE DOS RESULTADOS

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A análise do filme Joy proporciona uma discussão sobre os aspectos pertinentes à


vivência de mulheres empreendedoras, de modo que as cenas se tornam ilustrações do que os
trabalhos acadêmicos que investigam o empreendedorismo feminino destacam. Corroborando
com Paiva Júnior, Almeida e Guerra (2008), as estruturas analisadas não reforçam apenas o ato
de abrir um negócio, mas outras esferas da vida da empreendedora, abarcando as relações
afetivas e familiares, por exemplo.
Nesse primeiro momento, faz-se uma apresentação geral do filme (sinopse escrita pelos
autores com base no conteúdo do mesmo). Na sequência, são tratados os aspectos da
personalidade empreendedora; os desafios e dificuldades enfrentados; e o processo
empreendedor a partir das descrições das cenas e/ou transcrições de falas dos personagens.

4.1 Apresentação do filme: Joy

O filme Joy estreou nos Estados Unidos em 2015 e é protagonizado por Jennifer
Lawrence, Bradley Cooper, Robert De Niro, e Édgar Ramírez. Enquadra-se no tipo biografia
(retrata a vida de Joy Mangano, empreendedora estadunidense) e drama.
A narrativa inicia com a avó de Joy (Mimi) falando que todos começam uma história
com um sonho sobre como a vida seria e o de Joy começou em uma oficina administrada por
seu pai. Ela era criança e tinha uma vida tranquila: tinha uma melhor amiga, Jackie, um
cachorro, Mitzy, seu pai, Rudy, sua mãe, Terry, e uma meia-irmã, Peggy. Joy era criativa,
gostava de construir objetos com suas próprias mãos e ficava feliz com suas criações. Ainda
criança, seus pais se separam e Joy é incentivada pela avó a ser forte e continuar construindo as
coisas que gostava e criava em seu quarto.
A trama muda para a fase adulta da vida de Joy que, a essa altura, já havia deixado
muitas oportunidades para trás, pela necessidade de trabalhar e cuidar dos filhos e da casa. Na
adolescência, ela já havia criado um produto e deixado de requerer a patente por não ter o apoio
de sua mãe, que, por sua vez, não desempenhava nenhuma tarefa. Seu pai aparece para morar
em sua casa ao se separar da segunda esposa e passa a morar no porão junto do seu ex-marido,
Tony, que também não tinha condições de morar só e a ajudava na criação dos filhos.
Logo seu pai conhece uma nova mulher, Trudy, pelo serviço de encontros para solteiros
e ela passa a ser sua namorada. Durante um passeio num veleiro com Trudy, Joy quebra uma
taça de vinho e precisa usar um esfregão para limpar o chão e sofre com toda a dificuldade no
uso do objeto. É aí que ela tem uma ideia. Ao chegar em casa, ela dorme e tem um sonho onde
é questionada por ela mesma quando criança, sobre o que aconteceu que fez com que ela
deixasse seus sonhos e tudo que gostava de fazer para trás e se escondesse de si mesma. Ela
acorda decidida a colocar sua ideia em prática e começa pedindo o investimento Trudy, que
tem uma boa condição financeira.
Joy começa a desenhar o projeto de um novo produto: um esfregão de limpeza que
permite que quem o manuseia não precise se baixar para limpar, nem torcer para retirar a água
e sua base de fios de lã pode ser lavado à máquina. Ela o aprimora e então fabrica um primeiro
protótipo para poder testar e convencer Trudy de que invista nesse produto.
Tem início, então, uma parte do processo de fabricação dos primeiros produtos num
espaço da oficina de seu pai. As peças são manufaturadas em outro lugar e a parte de linha de
algodão passa a ser confeccionada e costurada por mulheres que precisam de trabalho e fazem
parte de um grupo da igreja. Ela sai no mercado local pedindo que os comerciantes coloquem
o seu produto na vitrine, vai até os fornecedores de atacado e, dentre algumas negativas, recebe
o não de um homem que a manda ir para casa e cuidar de sua família.
Seu ex-marido consegue uma reunião com um amigo varejista e ela, enfim, apresenta
seu produto para um grupo de vendas. Lá, ela é questionada sobre o produto ser de plástico. O
líder do grupo, Neil, decide mostrar para Joy a amplitude dos negócios com os quais eles lidam.
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Ele mostra que é ele quem decide as compras de uma grande rede de supermercados, decide
que produtos entram em suas lojas e o que entra nos lares das pessoas e mostra o gráfico que
representa que não há problemas com as escolhas dos produtos que coloca no mercado. Joy
afirma que não entende coisa alguma de gráficos ou de negócios, mas que limpa a própria casa
e que fez o esfregão porque ele é melhor do que qualquer outro. Ela limpa um ambiente e o
convence. Ele pergunta, então, se ela pode fazer 50 mil produtos em uma semana e ela concorda.
Através de Neil, ela coloca o seu produto em um canal de vendas de grande audiência
na televisão, onde os produtos são apresentados e as vendas acontecem por telefone. Joy precisa
de dinheiro para fabricar os 50 mil esfregões para vender nesse canal e recorre novamente à
namorada de seu pai, a quem ela já deve uma determinada quantia. Dessa vez, ela precisa fazer
uma hipoteca da casa como garantia. A venda pelo canal não funciona, pois o vendedor não
sabe manusear o esfregão e Neil a telefona e informa que o prejuízo é dela. Porém, Joy não se
conforma, vai até a sede do canal e pede que ela mesma faça a propaganda: ela tem um ótimo
desempenho e as vendas, então, atingem um volume muito alto e todos comemoram.
Com o sucesso no canal de vendas, o fornecedor das peças que são manufaturadas
resolve aumentar o valor das mesmas. O pai de Joy manda sua meia-irmã, Peggy, fazer a
negociação. Peggy, porém, desde a infância demonstra ter inveja de Joy por não ser criativa
como ela e não faz uma boa negociação. Joy, então, vai até a Califórnia, local onde funciona a
empresa manufatureira, em busca desse fornecedor e descobre que a empresa havia tentado
patentear seus moldes. Lá, ela recebe uma ameaça e fica envolvida num processo judicial que
ameaça inviabilizar seu produto. Joy se vê com uma dívida de mais de meio milhão de dólares
e é informada pelo seu pai que vai ter que declarar falência e ainda sair da casa.
Inconformada, Joy passa a noite analisando os contratos feitos até então e descobre
fraude da empresa manufatureira que a estava processando. Ela consegue todo os moldes de
volta e o dinheiro pago indevidamente a essa empresa. A partir disso, Joy retoma o sucesso de
seu produto e cria centenas de outras patentes de sucesso. Seu ex-marido e sua melhor amiga
permaneceram sendo seus conselheiros em sua grande empresa.

4.2 Personalidade empreendedora

Mikos (2014) destaca que, ao iniciar a análise, é preciso uma breve descrição do
conteúdo do filme e dos personagens; o passo seguinte é a interpretação e contextualização dos
dados, onde os resultados são interligados com os insights teóricos. Realizada a apresentação
do filme e a descrição dos personagens, este tópico analisa os aspectos da personalidade
empreendedora identificados em Joy, categoria estabelecida previamente.
A Figura 1 traz as descrições das cenas identificadas nesta categoria de análise.

Cena Tempo Descrição da cena


1 03:37 Joy era criança quando criou sua própria fazendinha de papel. Ao contar histórias, falava
sobre construir coisas grandiosas e ter a sua própria casa, onde construiria coisas
maravilhosas.
2 06:08 Joy encontra uma coleira que criou no colegial, mas que não solicitou a patente por falta de
incentivo e relembra que, anos depois, outra empresa tinha a patente do produto.
3 29:30 Durante um passeio num veleiro com a nova namorada do seu pai, Joy quebra uma taça de
vinho e, ao usar um esfregão para limpar o chão, sofre com toda a dificuldade no uso do
objeto. A partir disso ela tem uma ideia.
4 48:18 Joy sai no mercado local pedindo que os comerciantes coloquem o seu produto na vitrine.
5 49:01 Joy coloca seu produto na mala do carro e vai até o estacionamento de um supermercado e
utiliza o produto para que as pessoas vejam como funciona.
6 52:24 Cristy, filha de Joy, conta que na escola uma colega falou que sua mãe era faxineira e vendia
esfregões usados. Joy ensina à filha que não haveria problema em ser faxineira e que não é

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vergonha “dar duro”; que está tentando vender algo novo e não usado e que ela não precisa
aceitar desaforo de ninguém.
7 01:01:00 Joy convence o dirigente de um canal de vendas na TV, grande comprador de produtos
varejistas, Neil, a divulgar o seu produto ao limpar um ambiente completo e argumentar que
ser produto é o melhor.
8 01:01:12 Neil pergunta se ela consegue fabricar 50 mil produtos em uma semana e ela afirma que
sim, mesmo sabendo que não tem os recursos para isso.
9 01:07:26 Para produzir 50 mil unidades do produto, Joy recorre à namorada de seu pai, a quem ela já
deve uma determinada quantia, para pedir mais dinheiro emprestado e, nesse momento,
precisa fazer uma segunda hipoteca da casa como garantia.
10 01:16:37 A venda pelo canal não funciona e a própria Joy vai para a TV fazer a propaganda.
11 01:36:48 Joy corre o risco de ser processada por falsidade ideológica e isso ameaça inviabilizar seu
produto. Seu pai afirma que ela está com uma dívida de mais de meio milhão de dólares e
que ela precisará declarar falência e sair da casa. Joy analisa os contratos feitos e descobre
fraude da empresa manufatureira que a estava processando, consegue seus moldes de volta
e o dinheiro pago indevidamente a essa empresa.
Figura 1: Personalidade empreendedora
Fonte: Elaborado pelos autores a partir das cenas do filme.

O indivíduo empreendedor é uma pessoa criativa que gosta de estabelecer objetivos e


está certo de que irá alcança-los (Filion, 1999); é também altamente consciente do ambiente
que o cerca e, portanto, perspicaz em identificar oportunidades de negócios. Conforme
Saravathy (2001), os empreendedores começam com três categorias de meios: eles sabem quem
são, o que sabem e quem conhecem - seus próprios traços, gostos e habilidades; as fontes de
conhecimento que dispõem; e as redes sociais das quais fazem parte. Joy se mostra criativa
desde a infância quando cria seus próprios brinquedos, mesmo de forma manual (cena 1). Na
adolescência permanece criando (cena 2) e quando adulta idealiza o seu produto a partir de um
insight diante da situação vivida (cena 3). Tais cenas se encontram nas afirmações Ferreira e
Nogueira (2013) sobre o empreendedorismo surgir como uma característica que é constituída
na infância e ser um fenômeno que perpassa pela vida e, portanto, pelas transformações que
ocorrem.
As passagens citadas no parágrafo anterior retratam o que apontam Serason et al. (2006)
sobre a interação entre o indivíduo (empreendedor) e a oportunidade, sendo, para os autores,
um processo onde as fontes de oportunidade são acionadas pelo agente e o agente é afetado
pelas oportunidades. Na mesma direção, o trabalho de Machado et al. (2003), que estuda
processo de criação de empresas de mulheres, encontra como principal razão para empreender
a realização pessoal, impulsionadas pela visão das oportunidades de mercado.
Estudos sobre mulheres empreendedoras demonstram características como coragem,
iniciativa e força de vontade para lutar por objetivos (Cortez et al., 2017) e isso fica evidente
nas descrições de cenas 4, 5, 7 e 10. Os valores pessoais também permeiam as ações das
empreendedoras: eles são como padrões normativos utilizados para julgar e selecionar entre
modelos alternativos de comportamento, ou seja, como um guia (Nassif et al., 2010). A cena 6
ilustra uma demonstração dos valores de Joy.
Pesquisas também apontam a coragem de iniciar negócios sem dinheiro para investir
(Nassif et al., 2012), o que fica retratado nas cenas 8 e 9. Sobre o aporte financeiro no início de
um empreendimento, tem-se que as mulheres buscam geralmente nas relações familiares e de
amizade os investimentos necessários (Cortez et al., 2016; Powell & Eddleston, 2013; Teixeira
et al., 2018). Um exemplo disso está na cena 9 em que Joy busca investimento financeiro junto
à namorada de seu pai.
Nessa direção, Powel e Eddleston (2013) reforçam que o papel de gênero feminino
incentiva a busca de sinergias nas relações entre trabalho e família. Dentre os suportes buscados,
os mais frequentes referem-se a empréstimos, doações para o início do negócio e auxílios na
forma de trabalho por parte de familiares, bem como o apoio moral e emocional (Lindo et al.,
8
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2007; Teixeira et al., 2018). Ainda conforme Powel e Eddleston (2013), as empreendedoras
experimentam tais benefícios por causa da relativa falta de acesso a outros recursos, como
capital humano, social e financeiro, lacunas essas relatadas em estudos sobre as dificuldades
enfrentadas por mulheres empreendedoras, como o de Machado et al. (2016).
A determinação para perseguir objetivos e superação das dificuldades (Martins et al.,
2010); o posicionamento ativo frente às situações de negócios e o enfrentamento mesmo diante
do sentimento de insegurança (Ferreira & Nogueira, 2013) também são apontados como
características da personalidade de empreendedoras. Esse posicionamento reflete também a
propensão ao risco, apontada como positivamente relacionada com a sobrevivência e sucesso
dos negócios de acordo com Rey-Martí et al. (2015). O filme demonstra a todo momento a
persistência de Joy em sua ideia e a sua luta até o seu produto se tornar um sucesso no mercado.
A cena 11 descreve a força de Joy em conseguir sair de uma situação que parecia o fracasso de
sua ideia.

4.3 Desafios e dificuldades enfrentados

A Figura 2 apresenta as cenas descritas neste tópico que trata sobre as dificuldades
presentes nas trajetórias empreendedoras.

Cena Tempo Descrição da cena


12 09:23 Mimi (avó) está cuidando dos filhos de Joy e se encarrega de leva-los a uma festinha infantil,
pois Joy precisa trabalhar.
13 09:42 Rudy (pai) pede que Joy lave suas roupas separando por cores. No mesmo momento, pergunta
sobre os livros de contabilidade da oficia, pois ela o ajuda cuidando desse setor.
14 11:39 Peggy (irmã) chega à casa de Joy falando que vai levar os sobrinhos na festa infantil junto
com Mimi e debocha ao dizer que não foi estúpida o suficiente para ter um péssimo casamento
e dois filhos.
15 15:27 Terry (mãe) conta com Joy para arrumar o vazamento em seu quarto, causado pela sua
constante falta de cuidado.
16 16:42 Joy lê para a sua filha e não gosta do que está lendo. Ao perguntar quem comprou aquele
livro, a criança responde que foi sua tia Peggy que falou que o livro seria bom para que ela
não se sentisse só.
17 19:32 Jackie (amiga) chega à casa de Joy e comenta que está preocupada, pois não a tem mais visto
e que ela não tem ido à reunião de pais da escola.
18 19:40 Joy lamenta-se com Jackie sobre ter que resolver as questões da casa criadas pela sua mãe,
sobre as dificuldades do seu pai e a difícil convivência dele com Tony e questiona-se para
onde foram todos os sonhos que elas tinham.
19 34:04 Joy pede que seu ex-marido e seu pai deixem a casa, pois é o correto e fala que não frequentou
a faculdade porque precisava ajudar aos pais no divórcio e na contabilidade da oficina.
20 35:54 Joy apresenta a ideia de seu novo produto a Trude para que ela invista financeiramente no
negócio. Na cena, seu pai, sua irmã e Trudy desdenham do desenho do projeto. Tony também
está presente e os três questionam o porquê de ele estar lá.
21 41:08 Trudy faz questionamentos a Joy para resolver se investe em sua ideia e afirma que a mesma
precisa admitir que o atual momento representa um argumento convincente de decepção.
22 41:14 Peggy tenta desmerecer a ideia do produto, afirmando que o negócio é arriscado e
financeiramente negligente; que Joy nunca teve um negócio antes.
23 44:22 Joy, Tony, Trudy, Rudy e Peggy estão discutem sobre a forma de manufatura do produto
idealizado por Joy. Trudy, Rudy e Peggy sugerem como deve ser feito, afirmando entenderem
de negócios. Rudy reforça ser também o indicado pelo advogado. Tony questiona sobre esse
ser realmente o melhor, pois lembra que esse advogado entende de confecções e não de
manufatura. Todos discordam de Tony e Joy apenas concorda, pois não domina o assunto.
24 47:12 O produtor das peças comete erros e cobra de Joy os prejuízos de reprodução. Começa então
um grande desentendimento com esses produtores com relação aos moldes. Joy determina a
Trudy, Rudy e Peggy que ninguém pagará nada a mais e que irá comprar a briga.

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25 48:23 Joy vai até um atacadista tentar que ele venda o seu produto e recebe o não de um homem
que a manda ir para casa e cuidar de sua família.
26 51:45 Joy chega em casa e percebe que a madeira da porta estava com defeito, que seu telefone
havia sido cortado e seu filho estava com febre.
27 53:43 Mimi pergunta a Joy como foi seu dia e ela afirma ter sido um desastre. A avó incentiva e diz
que Joy não deve desistir, que desde pequena nasceu para suportar; que nasceu para ser uma
presença tranquila entre todos e que ela sabia que ia viver para ver a neta ser uma matriarca
de sucesso.
28 54:15 Tony vai à casa de Joy, pois lembrou de um amigo que trabalha numa grande varejista e que
eles podem tentar convencê-lo a comprar o produto dela. Ela pergunta se ele faria isso por ela
e ele afirma que sim.
29 1:07:29 Joy percebe que precisará fazer uma segunda hipoteca de sua casa para investir.
30 1:26:18 Durante o velório de Mimi, Trudy avisa a Joy que a empresa manufatureira continua querendo
mais dinheiro por unidade e que mandou Peggy ir até lá. Joy o questiona e ele afirma que ela
queria participar dos negócios, que elas são meias-irmãs e que deviam se amar e respeitar.
31 1:27:18 Peggy avisa que pagou o dinheiro que a empresa manufatureira estava cobrando e ainda acata
um valor de aumento por peça. Joy, furiosa, afirma que eles não podem aumentar nada e que
eles nunca falem em nome dela.
Figura 2: Desafios e dificuldades enfrentados por Joy
Fonte: Elaborado pelos autores a partir das cenas do filme.

Um aspecto frequente nos resultados de estudos que abordam as dificuldades


enfrentadas por empreendedoras é a presença de conflitos relacionados aos múltiplos papéis
exercidos, especialmente no equilíbrio entre as atividades de negócios e do lar (Gimenez et al.,
2017; Strobino & Teixeira, 2014). Strobino e Teixeira (2014) apontam o fato de que o gênero
feminino ainda está associado ao trabalho doméstico e as mulheres continuam a desempenhar
a maior parte desse trabalho. Os autores reforçam que a reprodução da posição de dominação
masculina coloca as mulheres num arranjo desfavorável, tanto do ponto de vista de seu
reconhecimento social, quanto da divisão injusta de tarefas. Tal relação é nitidamente
representada nas cenas 13 e 25.
A dificuldade em conciliar o tempo entre trabalho e família está sempre presente nos
relatos de mulheres empreendedoras e se apresenta na rotina de Joy. Ainda no início do filme,
aparece os filhos de Joy e sua avó, Mimi, ajudando nas tarefas escolares, bem como sendo a
encarregada de leva-los a uma festa infantil (cena 12). Outras cenas retratam Joy sem saber o
que a filha vinha lendo (cena 16); recebendo a visita da amiga que há tempos não a via e sendo
lembrada de que ela não tem ido a reunião de pais da escola (cena 17); e se deparando com seu
filho com febre ao chegar em casa (cena 26).
Tais cenas corroboram também com Alperstedt et al. (2014, p. 223), quando afirmam
que “o conflito trabalho-família envolve os embates entre as atividades tradicionalmente
exercidas pela mulher na sociedade, tais como o trabalho doméstico e o cuidado dos filhos, e o
empreendimento”. Dito isso, é reconhecido que a família interfere na dinâmica dos negócios,
assim como os negócios estão presentes na vida familiar (Ferreira & Noqueira, 2013).
O trabalho de Strobino e Teixeira (2014) traz a dimensão Tensão contemplando aspectos
como a rotina, a baixa valorização das atividades e o envolvimento e as responsabilidades com
o trabalho e família. Segundo os autores, as brigas familiares atuam como um fator
desmotivador e isso pode ser visto ao analisar o meio familiar de Joy. Sua mãe é divorciada de
seu pai e passa o dia no quarto vendo novela. Seu pai passa a morar na mesma casa, pois acabara
de se divorciar de um terceiro casamento. O que Joy oferece é que seu pai fique no porão, junto
com seu ex-marido (Tony), que mora lá por não ter para onde ir. A chegada de Rudy (pai) na
casa traz confusões entre ele e Tony e entre ele e a ex-mulher, Terry.
A cena 14 retrata essa tensão. Como resultado do cenário descrito, Joy não atende bem
um cliente em seu trabalho, recebe a notícia de que pode ser rebaixada e que estão fazendo uma
mudança e ela vai precisar trabalhar à noite. Em outra cena, Joy vivencia o desentendimento
10
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entre seu ex-marido e seu pai e, além disso, tem que cuidar de aspectos mecânicos da casa
causados pela sua mãe, que passa o dia no quarto (cena 15).
Nessa mesma direção, o trabalho de Nassif et al., (2016) mostra que situações críticas
vivenciadas por empreendedoras têm a ver com a família e, consequentemente, com o
relacionamento familiar, englobando cônjuges, filhos, pais e irmãos. As cenas 18, 19, 20, 21,
22, 23 e 24 retratam a interferência familiar sob Joy. Assim como nos resultados do estudo
citado, as cenas evidenciam os sentimentos e eventos que levam a discordâncias e rupturas no
relacionamento com familiares próximos. Na pesquisa de Nassif et al. (2016), os incidentes
incluíam o desvio de fundos, ideias conflitantes e discordâncias sobre prioridades. As cenas 30
e 31 retratam situações semelhantes.
Conforme exposto, a relação familiar influencia as mulheres no processo de empreender
tanto de forma negativa, quando há falta de apoio ou conflito (Machado et al., 2013; Strobino
& Teixeira, 2014; Nassif et al., 2016), quanto de forma positiva, por meio do enriquecimento
afetivo e instrumental (Lindo et al., 2007; Powell & Eddleston, 2013; Teixeira et al., 2018). As
cenas 12 e 28 mostram o apoio que Joy recebe de sua avó e de seu ex-marido. O apoio afetivo
do marido ou ex-marido tem sido relatado por empreendedoras em outros trabalhos (Lindo et
al., 2007; Ferreira & Nogueira, 2013; Cortez et al., 2016).
A dificuldade em obter capital inicial aparece como uma barreira a mulheres
empreendedoras (Machado et al., 2013; Teixeira et al., 2018). No trabalho de Nassif et al.
(2012), as empreendedoras entrevistadas assinalaram que o maior desafio que eles tiveram que
lidar foi a coragem de iniciar um negócio sem dinheiro para investir, sem financiamento,
contando com suas próprias capacidades e conhecimentos. Além de pegar dinheiro com a
namorada de seu pai, Joy faz uma segunda hipoteca de sua casa para garantir o capital que
precisa investir (cena 29).

4.4 Processo empreendedor

O processo empreendedor é tido como o fenômeno no qual os empreendedores


identificam as oportunidades de fazerem algo novo e diferente, capaz de gerar riqueza e de
agregar valor para a sociedade (Shane & Venkataraman, 2000). Conforme mencionado na cena
3 (Figura 1), a ideia de Joy parte de um insight que ela tem em um momento de lazer. Isso
reforça a visão de que as fontes de oportunidade são acionadas pelo agente e o agente é afetado
pelas fontes de oportunidade (SARASON et al., 2006), bem como de que o empreendedor é o
indivíduo responsável pelo processo de criação de novo valor (Bruyat & Julien, 2001).
Nesse tópico, as cenas descrevem como se deu o processo empreendedor vivenciado por
Joy. A Figura 3 apresenta as descrições:

Cena Tempo Descrição da cena


32 35:05 Joy pega papel e lápis no quarto de sua filha e começa a desenhar o esboço do produto que
tem em mede.
33 35:54 Joy vai até a oficina de seu pai e apresenta a ideia de seu novo produto à Trude, para que ela
invista financeiramente no negócio. Joy apresenta os desenhos feitos a lápis de cera no papel
e ninguém entende.
34 38:21 Joy volta à oficina e pede que um funcionário a ajude a montar o primeiro protótipo do
produto que desenhou. Ela mesma faz a solda.
35 39:43 Joy apresenta um primeiro modelo todo feito a mão. Ela pede que a namorada de seu pai,
Trudy, invista na ideia.
36 44:15 Trudy indica um advogado para fazer a pesquisa sobre patentes e traz o resultado. Esse
advogado indica que Joy pague um royalty da patente a um homem no Texas que tem uma
ideia parecida, pois isso a protegeria de uma reivindicação. Essa mesma pessoa do Texas tem
uma empresa manufatureira e Trudy, Peggy e Rudy sugerem que essa empresa produza as

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peças do produto de Joy. Seu ex-marido, Tony, ressalta o fato de o advogado que indicou isso
ser especialista em confecções e não em manufatura, mas a produção prossegue.
37 46:00 As peças chegam da empresa de manufatura e Joy organiza um espaço na oficina de seu pai
para que se inicie a montagem do produto. Ela convida as mulheres da igreja para o trabalho
que envolve costura e para a montagem final dos esfregões.
38 47:26 Começam a chegar contas da empresa manufatureira que não estavam no orçamento acordado
e Joy se aborrece, pois tinha sido convencida de que essa empresa seria tranquila e barata.
39 49:18 Joy tenta introduzir seu produto no mercado indo a uma loja do bairro. Lá ela é orientada a
procurar empresas que compram em atacado e repassam para o varejo.
40 54:21 Tony tem a ideia de levar Joy até um amigo que trabalha numa grande empresa varejista. Eles
seguem viagem e, na empresa, Joy apresenta o produto para um determinado grupo e Neil, o
líder. Neil questiona se Joy faz ideia de onde ela está naquele momento e ela responde que
não. Neil mostra para Joy a amplitude dos negócios com os quais eles lidam.
41 59:51 Na reunião com Neil, Joy afirma que não entende nada de gráficos ou de negócios, mas que
limpa sua casa e fez aquele esfregão porque ele é melhor que qualquer outro. Na sequência
ela faz uma demonstração, argumentando sobre os benefícios do produto e convence Neil a
colocar o esfregão para vender no canal de vendas.
42 1:27:18 Joy reúne-se com seu pai e sua irmã Peggy que afirma que pagou os vinte mil dólares que
Joy devia ao fornecedor das peças e que autorizou um aumento de dois dólares por peça. Joy
ressalta que eles não podem aumentar nada, pois pelo preço de venda do esfregão no mercado,
aquele aumento significa muita perda de dinheiro e aumento da dívida dela.
43 1:28:10 Peggy fala sobre projetos que tem com o pai e Joy a questiona se ela sabe quanto a ideia dela
irá custar, como ou onde irá vende-la
44 1:30:00 Joy vai até a Califórnia falar pessoalmente com o produtor das peças do esfregão e lá descobre
que foi enganada e que a empresa havia tomado posse dos moldes desenhados por ela.
45 1:51:52 Joy se torna uma empresária de sucesso. Neil, seu ex-marido, Tony, e sua melhor amiga
tornam-se conselheiros e amigos nos negócios.
Figura 3: Processo Empreendedor
Fonte: Elaborado pelos autores a partir das cenas do filme.

A ideia de um negócio partir de um insight remete ao processo effectual, onde os


processos são dependentes do ator (empreendedor), que se aproveita das contingências e do
dinamismo do ambiente para explorar as oportunidades (Sarasvathy, 2001). Nessa abordagem,
os empreendedores tomam os conjuntos de meios dados e concentram-se na seleção dos
possíveis efeitos que podem ser criados com esses meios (Sarasvathy, 2001). A trajetória
percorrida por Joy se dá dessa forma: um evento desperta a ideia e a partir disso ela vai agindo
e buscando o que vai sendo necessário. O início de tudo conta com um desenho e a montagem
do primeiro protótipo feito com as próprias mãos (cenas 32, 33, 34 e 35). Noventa metros de
laços contínuos: foi o que eu desenhei. Assim, Joy termina a apresentação do seu primeiro
protótipo.
Na abordagem effectuation, o empreendedor cria o mercado e reúne as partes
interessadas que compram a ideia e sustentam a empresa (Sarasvathy, 2001). No caso de Joy, o
maior investimento na ideia vem de Trudy, namorada de seu pai. As cenas 20, 29 e 35
descrevem os momentos. Conforme ressaltado anteriormente, mulheres empreendedoras
buscam geralmente nas relações familiares e de amizade os investimentos necessários (Cortez
et al., 2016).
Diante de mercados nascentes ou, simplesmente, inexistentes, o empreendedor se vê
sem a base de modelos preexistentes que possam auxiliá-lo na tomada de decisões (Sarasvathy,
2001). Como a estrutura do que a empresa é exatamente é deixada em aberto e depende dos
compromissos assumidos pelas partes interessadas, a necessidade de previsão é bastante
reduzida (Sarasvathy, 2001). A cena 36 descreve o momento em que Joy aceita a sugestão dos
seus familiares sobre o advogado que a representará e o processo de produção a ser executado.
O modo como ela tenta lançar seu produto também retrata uma abordagem de forma não
preditiva ou planejada, característica do effectuation. As cenas 5, 25, 39, 40 e 41 descrevem Joy
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tentando vender os esfregões sem ter feito planejamento algum de como eles seriam lançados.
Particularmente, as cenas 37, 40 e 41 retratam a exploração das contingências por parte de Joy,
corroborando com Sarasvathy (2001) quando afirma que a vida humana é rica em contingências
que não podem ser facilmente previstas, mas que podem ser aproveitadas e exploradas.
É importante ressaltar que tanto o causation quanto o effectuation são partes integrantes
do raciocínio e que podem ocorrer simultaneamente. O fato de ela não entender e aceitar as
sugestões dadas por seus familiares a prejudicou (cenas 38, 42 e 44). Conforme Sarasvathy
(2001), nos casos em que um determinado efeito seja pré-selecionado pelo decisor, processos
de causalidade podem ser aplicados para escolher o método melhor, o mais rápido, o mais
eficiente ou o mais econômico para alcançar o que foi escolhido.
Os autores Faia et al. (2014) também mencionam o fato de as duas abordagens em não
serem opostas, sendo adotadas simultaneamente na condução dos negócios.
Na mesma direção, o estudo de Pelógio et al. (2016) identificou em uma determinada
amostra de mulheres empreendedoras que elas não possuíam objetivos iniciais claros no
momento da criação de suas empresas; não demonstraram aversão ao risco de perder o tempo
e o dinheiro investidos; contaram com o comprometimento de parceiros no início; souberam
transformar as dificuldades iniciais em oportunidades de negócios, dentre outros achados.
“Pouco planejamento, muita flexibilidade e alavancagem sobre as contingências parece resumir
a forma de trabalhar dessas empreendedoras na construção de suas empresas” (Pelógio et al.,
2016, p. 660), afirmam os autores, concluindo em seguida que as empreendedoras estudadas
utilizaram, em grande parte, processos alinhados à lógica effectuation ao longo da criação de
suas empresas.
Baseado na perspectiva de que os perfis comportamentais mudam conforme a empresa
cresce em tamanho e complexidade (Nassif et al., 2010), as cenas 11, 43 e 45 retratam a
evolução de Joy enquanto mulher de negócios. Seu discurso e abordagem mudam. Na cena 42
Joy demonstra entender sobre os custos e lucro. Na cena 44, ela afirma que sua irmã não é
membro de sua ‘empresa’, palavra que retrata a visão de que aquela ideia já havia se tornado
um negócio. Tal contexto retrata a capacidade de aprendizagem. Para Nassif et al. (2012) a
aprendizagem torna o empreendedor capaz de passar por experiências cada vez mais complexas
com a aquisição de novos conhecimentos. Filion (1999) ressalta que os empreendedores
precisam continuar a aprender para que possam agir e ajustar-se a cada situação.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A análise do filme mostrou que Joy apresenta caraterísticas como criatividade, coragem,
iniciativa, propensão a correr riscos, persistência e muita força de vontade para lutar por um
negócio totalmente inovador. Na definição de Filion (1999), o empreendedor é uma pessoa
criativa, que objetiva a inovação, desenvolve e realiza visões; é uma pessoa altamente
consciente do ambiente em que vive e, por isso, identifica oportunidades de negócios. A análise
realizada, portanto, corrobora com o que a pesquisa acadêmica traz acerca do
empreendedorismo no que se refere ao perfil e características de empreendedores.
No âmbito do empreendedorismo feminino os trabalhos apontam, dentre essas, outras
características fortemente evidenciadas: determinação para perseguir objetivos, alcançar metas
e superar dificuldades, perseverança, persuasão, proatividade, independência, percepção social,
necessidade de fazer o que gosta (Martins et al. 2010; Nassif et al., 2012; Mitchelmore &
Rowley, 2013). As cenas também mostraram aspectos peculiares como a forma de obtenção de
recursos e os conflitos familiares. Conforme evidenciado, a família influencia nos negócios
tanto a partir de discordâncias e rupturas, quanto oferecendo apoio emocional e instrumental.
Quanto ao processo empreendedor, conclui-se que a jornada de Joy apresenta
características condizentes com a abordagem effectuation, descrita por Sarasvathy (2001). Viu-
13
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se que tal processo decorre da atitude do empreendedor que se aproveita das contingências do
ambiente para explorar uma ideia, muitas vezes, criando um mercado inexistente. No fim do
filme, Joy se torna uma empresária de sucesso, com uma empresa sólida e bem organizada. Isso
mostra a perspectiva de que o empreendedor tem que ter a instrução, o planejamento, mas que
o feeling também conta muito.
A linguagem fílmica, com seus signos próprios e suas imagens, contém a linguagem
verbal humana que, convertida em processo lúdico, pode ser conduzida à descoberta, à
criatividade, à análise, à resolução de problemas e ao processo de ensino-aprendizagem e
pesquisa (Alvarenga, Leite, Freitas & Ruas, 2017). Foi reiterado, durante o trabalho, os
benefícios para a pesquisa acadêmica com o uso de tais recursos: a ilustração da realidade
cotidiana, uma plataforma para a discussão da teoria e prática e a possibilidade de acesso ao
material repetidas vezes.
Diante da relevância apontada, ressalta-se, ainda, que foram encontrados poucos
trabalhos com essa abordagem, quando da revisão da literatura e, dessa forma, é incentivada a
realização de outros estudos que utilizem recursos de mídia na condução de trabalhos em
gestão. Sugere-se para estudos futuros a realização de uma análise que explore o estereótipo de
mulheres empreendedoras retratados nos filmes. Sugere-se, também, uma análise comparativa
entre filmes.
Por fim, é importante ter em mente que filmes são ficção. Nenhum texto visual evoca
os mesmos significados para todos os espectadores, visto que, no processo de interação, os
espectadores desenvolvem leituras e interpretações que são exclusivamente suas (Denzin,
2004). O cotidiano e suas realidades são mediados por representações simbólicas e visuais que
não são textos culturais objetivamente neutros: eles expressam e são moldados por vieses
ideológicos, de classe, nacionais, de gênero e raciais (Denzin, 2004). Nessa direção, Denzin
(2004) reitera que uma sociologia crítica deve aprender a ler e analisar esses sistemas de
representação e interpretação, o que reforça a sugestão de estudo futuro do parágrafo anterior.

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XLIII Encontro da ANPAD - EnANPAD 2019
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