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A Cabeça

Cena Inicial:

Cortina abre e os ex-votos aparecem cobertos e um dos ex-votos como Santa


Rita de Cássia sendo carregado por um andor. Caminham cantando a música:
Hosana nas Alturas. Em certo momento a Santa abre o manto e são revelados
dezenas de ex-votos pendurados na parte interna do manto.

TODOS:

Bendito aquele que vem, em nome do Senhor...

Os Céus e a Terra proclamam a Vossa Glória!!!

Hosana nas alturas.

Hosana

Hosana nas alturas.

Hosana....

(pausa)

Hosana nas alturas.

Hosana....

(Todos caem e saem rolando pelo palco, como se transformassem em vários


pedaços da Santa. Acontecem espasmos. Voltam rolando até o centro e
respiram como um corpo só.)

Cena 2

(Todos os ex-votos em suas prateleiras. Cabeça inquieta está relembrando


momentos do museu.)

Pé esquerdo: Ei, Cabeça! O que é que você está matutando?

Cabeça: Nada ainda, Pé Esquerdo. Por enquanto estou apenas recordando.

Mão Enrugada: Que belo passado tivemos! Que grandiosidade... que respeito!
Esse museu já foi um cenário de fé tão importante! Agora vivemos num caos.
Cavalheiro: Nós não vivemos! Ficar aqui sem ar e sem luz, esquecidos e
abandonados, não é vida. Tornamo-nos coisas inúteis.

Menina: Anacrônicos!

Pé Esquerdo: Ridículos para muita gente!

Dama: Decadentes.

Orelha: Amortalhados em poeira.

Mão Enrugada: Depósitos de sujidades de insetos.

Cavalheiro: Nada restou da nossa dignidade antiga.

Pé Esquerdo: Somos um bando de inconvenientes esquartejados, despojos


num campo de batalha

Menina: Só falta mesmo nos enterrar

Cabeça: Certamente Santa Rita não concorda com tamanho descaso

Dama: Afinal somos seus ex-votos

Mão Enrugada: Fomos moldados para agradecer os favores dela

Orelha: Como podem reverenciar a Santa e descuidar das oferendas a ela


dedicadas?

Menina: Nós também temos sentimentos. Não deveríamos sermos tratados


dessa maneira

Dama: Melhor seria um holocausto.

Cabeça: Talvez se possa dar um jeito...

Menina: Talvez se possa dar um jeito?

Pé Esquerdo: Talvez se possa dar um jeito...

Mão Enrugada: Talvez se possa dar um jeito!

Orelha: Talvez se possa dar um jeito?

Dama: Talvez se possa dar um jeito

Cavalheiro: Talvez se possa dar um jeito!

Cabeça: Talvez se possa dar um jeito!

Menina: Como?

Cabeça: Não sei. Vamos pensar.


(4 dias depois. A cada mudança de dia há uma mudança de posição dos ex-
votos)

Cabeça: Não sabemos como é viver hoje em dia. Há muito perdemos o contato
com o resto do mundo, mas...

Orelha: Quatro dias e você diz o óbvio!

(Orelha desce da prateleira)

Cabeça: Calma, ainda não terminei! Não seja apressada. (Cabeça desce da
prateleira) A julgar pelo nosso abandono, uma coisa é certa: estamos fora de
moda.

(Menina choraminga)

Cabeça: E se estamos fora de moda precisamos reverter o fato. Voltar aos dias
de promessas.

Cavalheiro: Não é assim tão simples!

Cabeça: Pois que seja difícil! Devemos tentar. É só o que nos resta. Ademais,
há modos e maneiras para tudo. Eis o meu plano: (Os demais ex-votos
descem da prateleira e aproximam-se da Cabeça) Lembram-se das curas
milagrosas que nos trouxeram ao museu? Temos que repeti-las. É o único
caminho para revivermos os bons tempos. Precisamos restaurar do coração do
povo a crença no poder da santa. E, para isso, nada melhor do que os
momentos de crise, pois tocam fundo na alma das pessoas, aumentando a
religiosidade.

Menina: As desgraças aproximam a terra do céu.

Cavalheiro: O infortúnio é pai da gratidão.

Dama: E a gratidão é a nossa mãe.

Cabeça: (Cabeça anda para lado esquerdo, ex-votos a acompanham) Para


que o museu seja reaberto, para que voltem as promessas, necessitamos de
infelicidades e de desventuras. (Cabeça anda para o lado direito, ex-votos a
acompanham) Há que aparecer cortes e machucados que não sarem.

Pé Esquerdo: Ossos que não soldem.

Mão Enrugada: Febres que não cedam.

Orelha: Dores que resistam a panaceias, compressas e remédios.

Cabeça: Quando a ciência falhar, o altar da santa será a última esperança, e


logo ficará repleto de pedidos. Haverá peregrinos e ex-votos no rastro dos
milagres. Reabrirão o museu! (Canto, dança e procissão. Ao final, ex-votos
param animados com os braços levantados)

Santa Rita de Cássia

das causas sem solução

rogai a deus

rogai por nós

com tua intercessão

rogai a deus

rogai por nós

com tua intercessão. (4x)

Defensora dos mais pobres

dos graves doentes

já sem solução

(Mão Enrugada interrompe a festa dos ex votos)

Mão Enrugada (com desanimo): Quem nos garante que Rita de Cássia nos
atenderá?

Cabeça: Não foi assim no passado? Não somos provas concretas de sua
compaixão? Por que mudaria ela? Os santos são intrinsecamente bons.

Pé Esquerdo: Há lógica em suas palavras, mas o plano é impossível. Como


faremos para desencadear tanta adversidade? Não somos bruxos nem
possuímos poderes sobrenaturais.

(Pé Esquerdo e Mão Enrugada vão voltando para seus lugares aos poucos)

Orelha: Não temos carreira nas artes do mal. E, mesmo se tivéssemos,


estamos trancados nesta sala, velhos pedaços soltos sem qualquer autonomia.

(Orelha, Dama e Cavalheiro caminham em direção à prateleira)

Menina: Somos completamente inofensivos. Esqueça tudo, Cabeça! (Menina e


Cabeça retornam para seus lugares na prateleira. Todos giram a estrutura)
Cena 3

Cabeça: Há 35 anos habito a prateleira de cima. Desde o dia que Pedro rachou
a cabeça!

(Fofoqueiras cantarolam. Geyson e Kassandra saem da estante e formam uma


árvore. Melqui tenta subir na árvore e cai, desmaiando. Geyson e Kassandra
desmontam a árvore, formando um abraço)

Fofoqueira 1: Tem que levar para o hospital!

Fofoqueira 2: Não adianta!

Fofoqueira 3: Já morreu!

Fofoqueira 1: O coitado vai deixar 2 filhos pra criar.

Fofoqueira 2: Deus tenha piedade!

Família de Pedro: Ó poderosa Santa Rita de Cássia, santa dos impossíveis,


advogada dos casos desesperados, auxiliar na hora extrema, refúgio da dor e
salvação para que se acham nos abismos do pecado e do desespero, com
toda confiança do nosso celeste patrocínio. A vós recorro no difícil imprevisto,
caso que dolorosamente me aflige.

Fofoqueira 3: Se nem os médicos não resolveram, quem dirá a santa?

(Algazarra entre as fofoqueiras. Pedro aos poucos se levanta. Todos ficam


surpresos)

Família de Pedro– Milagre!

Fofoqueiras: Milagre! Milagre! Milagre!

TODOS:

Defensora dos mais pobres

dos graves doentes

já sem solução

Rogai por nós, rogai

Rogai por nossa vida


Interceda Santa Rita....

(Geyson e Kassandra se ajoelham, Melqui levanta, pega o ex-voto da Cabeça


que está pendurado. Eles levantam e a procissão se forma. Fofoqueiras
descem das janelas e seguem a procissão).

Depoimento de fé 1 (Kassandra)

(Todos voltam caminhar na procissão)

Rogai por nós, rogai

Rogai por nossa vida

Interceda Santa Rita....

(Cabeça é colocada na estante. Todos giram a estrutura e voltam aos seus


lugares na estante).

Cabeça: (relembrando sua chegada) O dia da minha chegada aqui no museu é


uma memória vívida.

Cabeça e Pé: Cheguei cuidadosamente embalada numa caixa resistente

Cabeça e Orelha: Acompanhada de um bilhete que descrevia a tragédia e a


interferência divina.

Cabeça: Foi um reboliço na cidade. A igreja ficou apanhada de gente no dia da


inauguração...

Todos: ...Do museu de ex-votos da Igreja de Santa Rita de Cássia de Córrego


dos Ratos.

Cabeça e Mão: Depois de mim chegaram mãos, pernas e pés de todos os


tamanhos, dos lugares mais distantes.

Cabeça: Eu me lembro de um ex-voto, o menor de todos...

Cabeça e Menina: ...o dedinho indicador de uma criança, que uma serra afiada
tentara roubar.
Cabeça: Eu me lembro que na hora da entrega a criança chorava
desesperadamente, querendo o dedo de volta, que achava que era seu. Foi um
trabalhão convencê-la a deixa-lo entre as relíquias...

Cavalheiro: Todo mundo já sabe essa história, você já contou mais de mil
vezes.

Menina – É cabeça essa a gente já sabe de có, bem melhor é a minha


história...

Todos: nhenhenhenhem

Menina: Eu sou ex-voto de Melissa!

Pé esquerdo: Melissa? Quem é Melissa?

Menina: É a menininha que precisou de mim sabe? Melissa era uma menina
muito linda e inteligente. Um dia melissa brincava no Jardim da casa dela e
distraída com tantas cores que via nas asas das borboletas, ela tropeçou na
raiz de uma árvore, bateu com a cabecinha numa pedra...

Todos: Ownnn!

Menina: Mas a mamãe dela que é mulher de muita fé, prometeu a Santa Rita
de Cassia que em troca da cura na menina lhe daria um ex-voto, a réplica da
cabeça da menina. E hoje estou aqui!!

Cavalheiro – Se machucou por causa de uma borboleta?

(Todos fazem algazarra)

Depoimento de fé 2 (Tatá)

Pé esquerdo: E a minha história que vocês nunca me deixaram contar? Eu


vim parar aqui porque a minha dona sonhava em ser uma linda bailarina, mas
um dia ela colocou uma sapatilha de ballet tão apertada que estrangulou o pé!

Menina: E ela conseguiu dançar?

Pé Esquerdo: Ela não conseguiu dançar porque o pé parou de funcionar. E a


mãe dela que ouviu dizer por aí que Santa Rita de Cássia era a Santa das
causas impossíveis, e resolveu fazer uma promessa pra curar o pé de sua
filhinha e ela pudesse dançar como uma linda bailarina.

Cavalheiro: Tá mais pra pé de pedreiro do que pé de bailarina.

(Todos fazem algazarra)

Mão enrugada- Eu lembro da festa que vocês fizeram quando eu cheguei aqui!
Menina: Teve festa foi?

Pé esquerdo: Festa?

Cabeça (Ironizando): Foi, as mãos ficaram aplaudindo quando ela chegou

Mão enrugada – Aham! A Ana que me trouxe até aqui, era uma mulher tão
esforçada, tinha um salão de beleza que atendia homens e mulheres. Fazia
belos cortes de cabelo, penteados elegantíssimos!

Pé Esquerdo: E ela cortava cabelo de pé?

Mão Enrugada: Cortava até o pé todo! Mas com o tempo, a coitada foi
sentindo umas dores nas articulações da mão e foi atrofiando, atrofiando... Até
não conseguir fazer mais nada! Foi aí que ela recorreu a nossa santinha e teve
sua mão todinha curada. E eu sou a representação disso tudo, uma mão...

Cavalheiro: Enrugaadaa!

(Todos fazem algazarra)

Depoimento de fé 3 (Melqui)

Orelha: Pois eu sou ex-voto de Tonho, ele trabalhou a vida toda até ficar surdo.

Pé Esquerdo: E ele trabalhava com o que?

Orelha: Com construção. Ele manuseava uma britadeira.

TODOS: (Som de britadeira)

Menina: E ele ficou bom, ficou?

Orelha: Conseguiu. Ele fez uma promessa para Santa Rita de Cássia que se
ele voltasse a escutar, iria estudar música.

TODOS (baixinho): Uau, artista!

Cavalheiro: Parece a orelha da vovozinha da chapeuzinho vermelho!

(Todos fazem algazarra)

Depoimento de fé 4 (Flávia)

Dama: Já minha dona era uma mulher bonita, elegante, inteligente, gostava de
viajar, vaidosa, um dia começou a sentir dores na cabeça. Essas dores só
aumentavam, cada dia que passava só definhava, médico nenhum descobria
sua doença.

Menina: Coitadinha... mas o que aconteceu depois disso?


Dama: Em uma das suas procuras por cura, ela conheceu uma senhora que
disse a ela pra fazer uma promessa pra santa Rita de Cassia, que ela ia
curara-la, então ela fez e hoje estou aqui. A cabeça mais bonita do museu.

Cavalheiro: Horrível.

(Todos fazem algazarra)

Cavalheiro (Num despertar): Não Jurema!

Todos: (girando a estrutura): Não, Jurema! Não Jurema! (repetidamente)

Cavalheiro: A costureira jurema nunca se viu na condição que a colocavam


por ser mulher. Dia e noite ouviam-se o pedalar da sua maquina de costura,
costurava até tarde trabalhando para fora. Tinha um marido preguiçoso
chamado Piló. Todas as manhãs brigava com ele, ordenando que ele fosse à
luta. Até que um dia se cansou.

Jurema: Jurema Não! Pra rua, Piló!

Fofoqueira 1: Jurema Enlouqueceu!

Fofoqueira 2: Botou Piló pra fora de casa.

Fofoqueira 3: Como uma mulher ousa espantar um homem de casa?

Fofoqueiro 4: Ora mais essa, deve ter virado macho-fêmea.

Fofoqueira 5: Deve ser febre aguda.

Fofoqueira 1: Baba de rato!

Fofoqueira 2: Câncer de cabeça.

Jurema e Cavalheiro: A partir de hoje, eu sou o homem da casa. Das minhas


máquinas de costura faço minha armadura, da agulha a espada afiada, o pedal
é minha bota dura. E que me chamem de louca, porque nessa vida se preciso
for, para ser respeitada de Jurema eu me dispo e viro Juraci: O Cavalheiro
Guerreiro. Ó Santa Rita de Cassia senhora dos causos impossíveis deixa-me
seguir sem um homem para que eu possa viver livre. Ofereço-te a cabeça de
um guerreiro cavalheiro pois se paz eu tiver faço esse sacrifício de ser uma
mulher vista como um homem mas sem ninguém me atazanar o juízo.

TODOS: Rogai por nós que recorremos a vós.

(Todos formam uma fila para fazer as súplicas)

Kassandra: Que eu possa ser uma mulher com mais de 30 anos, solteira e
sem filhos e nem por isso ser menor do que as outras mulheres.
TODOS: Rogai por nós que recorremos a vós;

Melqui: Que eu possa expressar minha delicadeza onde e quando eu quiser.

TODOS: Rogai por nós que recorremos a vós;

Tatá: Que eu possa usar blusa sem sutiã e até ficar nua se eu quiser. E que
isso não dê o direito de ninguém violar o meu corpo.

TODOS: Rogai por nós que recorremos a vós;

Flávia: Que eu me sinta segura para pegar um transporte público sozinha.

TODOS: Rogai por nós que recorremos a vós;

Tarciana: Que eu possa trabalhar com o que eu quiser sem ter meu trabalho
diminuído por ser mulher.

TODOS: Rogai por nós que recorremos a vós;

Hellen: Que eu possa alisar o meu cabelo e que isso não me faça menos
negra.

TODOS: Rogai por nós que recorremos a vós;

Geyson: Que eu possa sair do trabalho para casa tranquilo, sem ter que levar
coronhada da polícia, e ainda ser chamado de vagabundo.

TODOS: Rogai por nós que recorremos a vós;

Cena 4

(Movimentação no espaço cênico)

Kassandra (para Flávia): Acho que você não deveria se casar com um homem
branco.

Flávia (para Geyson): Troca essa roupa, parece um trombadinha.

Geyson (para Hellen): Se fosse mais clarinha seria mais bonita.

Hellen (para Tatá): Anda direito, tá parecendo macho e fêmea.

Tatá (para Melqui): Engrossa essa voz, você já é um homem.

Flávia (para Geyson): Ah, se é artista, é vagabundo!

Hellen (puxa Melqui): Abre a perna feito macho.

Kassandra (puxa Geyson): Ajeita essa munheca.


Melqui (para Kassandra): Eu posso fazer isso porque eu sou homem, você é
mulher.

Geyson (para Tatá): Você deveria ser menos masculinizada.

Melque (para Tarciana): Você acha que vai arrumar um emprego com esse
cabelo assim?

Geyson (para Flávia): Se tivesse dado pra mim passaria no teste.

(Todos fazem gestos repetidamente de comportamentos demarcados


socialmente)

Cena 5

(Silêncio. Todos giram a estrutura.)

Cabeça: Isto aqui está realmente precisando de mudanças. (Pausa) Ó


poderosa Santa Rita de Cássia, santa dos impossíveis, advogada dos casos
desesperados, auxiliar na hora extrema, refúgio da dor e salvação para que se
acham nos abismos do pecado e do desespero, com toda confiança do nosso
celeste patrocínio. A vós recorro no difícil imprevisto, caso que dolorosamente
me aflige. Fui o primeiro a chegar aqui, sou consciente das minhas
responsabilidades e meus deveres de primogênito. Sei que estou em falta para
com a senhora, devo-lhe a minha existência. É chegada a hora de honrar o
meu débito. Peço-te, minha santa, que restaure a honra e a glória do nosso
museu, para que sejamos dignos das tuas promessas. Amém. (Som de
trovões, gritos e urros de dor e súplica. Música começa e tocar e todos cantam
e dançam alegremente).

Que ouvidos ouviram essa conversa tão estranha?

Quem se encarregou dos malefícios?

Foi magia ou algo mais sutil?

De uma hora para outra

Toda infelicidade

Envolveu nossa cidade.

Malefícios, sacrifícios, desengano e purulência. (2x)

(Refrão se repete em menor intensidade.)


Pé Esquerdo: Primeiro foi um joelho inchado que exauriu a sapiência do
esculápio local.

Menina: Seguiram-se um esporão de galo que provocava gemidos de cortar o


coração.

Cavalheiro: Um furúnculo de carnegão irremovível.

Mão Enrugada: Duas ou três feridas com um odor nauseante!

Cabeça: Terçóis purulentos ameaçavam cegar até crianças de colo.

Dama: Uma asma teimosa parando a respiração.

Orelha: Infecções generalizadas e várias doenças sem nome.

(Repete-se o refrão em maior intensidade. Ex votos dançam. Doenças vão se


espalhando em Córrego dos Ratos e ex votos ficam contentes com a situação)

Cavalheiro: Ontem, hoje, amanhã.

Mão Enrugada: Doenças, fraturas, brigas.

Cabeça: Tragédias, dores, gemidos.

Menina: Desconhecidas, incuráveis.

Pé Esquerdo: Infectados, corrompidos, apodrecidos.

Pé esquerdo (empolgado): E não paravam de chegar, cabeças e pernas de


todo lugar, cada dia uma promessa, da promessa um milagre e do milagre mais
um ex-voto! (Música começa a tocar. Ex votos cantam)

E não paravam de chegar

Cabeças e pernas de todo lugar

Cada dia uma promessa

Da promessa um milagre

Do milagre mais um ex voto

(Instrumental da música continua tocando enquanto o museu recebe novos ex


votos)
E não paravam de chegar

Cabeças e pernas de todo lugar

Cada dia uma promessa

Da promessa um milagre

Do milagre mais um ex voto

Não tendo mais remédios

Foram recorrer a fé

Implorar por um milagre aos pés de Santa Rita

Assim os ex votos voltaram a ter

O seu lugar

Em Córrego dos Ratos

(Todos se ajoelham diante Santa Rita de Cássia (Flávia) e imploram por


graças).

Hellen: Santa Rita, não deixe que ela morra, seque as feridas e será
recompensada.

Melqui: Estanque a sangria e receberá um lindo braço igualzinho ao dele.

Kassandra: Oh minha santinha, trarei sem falta o ex-voto prometido.

Tarciana: Cinco feitos de cera pelo olho do meu filho minha Santa Rita.

(Primeira estrofe da música se repete)

Cabeça: Destrancaram a porta do museu!

(Ex-votos correm para se encaixar na prateleira do meio. Todos estão


empolgados com a recepção de novos ex votos ao museu).

Pé Esquerdo: Cabeça, os bons tempos voltaram!

Cabeça: Eu sabia pé esquerdo, eu sabia!


Orelha: Ontem mesmo chegaram duas orelhas, elas não têm meu tamanho,
mas até que são bonitinhas...

Cavalheiro: Uma cabeça quebrada foi posta na prateleira, mas acho que vão
consertá-la.

Menina: Precisamos comemorar!

Dama: Trouxeram a cabeça de um garoto com cabelos ondulados e olhos com


pupilas.

Mão enrugada: E que bela mão fidalga está agora ao meu lado.

Pé esquerdo: Eu nunca pensei que nossa vida poderia voltar a ser tão plena e
bonita!

Cabeça: Eu não sinto remorso algum.

Cavalheiro: Tecnicamente não fizemos nada.

Orelha: Não temos culpa pelas desgraças da vila.

Menina: Santa Rita deu conta de tudo, tudinho!

Mão Enrugada: Certamente ela também se alegra com os vestígios do seu


velho museu. Agora afasta um pouquinho aí, vai! (Todos ficam incomodados
com o aperto na prateleira. Fazem algazarra e cantam a música. Todos jogam
os ex votos da prateleira. Personagens da reinauguração do museu aparecem
nas laterais das prateleiras.)

Cerimonialista: Sejam todos bem-vindos. Cúpula de autoridade de Córrego


dos Ratos, Senhor excelentíssimo prefeito...

Prefeito: Obrigado!

Cerimonialista: E sua belíssima primeira dama...

Primeira Dama: (risos)

Cerimonialista: Este é o nosso museu no qual pretendemos fazer uma grande


reforma.

TODOS: Hummmm...

Primeira dama (com repulsão apontando para os ex votos): Que horror, um


caco!

Pessoa 1 – Kassandra: Grande parte dos ex votos estão bastante estragados.


Pessoa 2 (Tatá): A maioria desse ex-votos estão sujos e pegajosos.

Pessoa 3 (Geyson): Existe até um quebrado ali.

Prefeito: A maioria dos ex votos são de famílias que não estão mais aqui,
pessoas que morreram ou que foram embora.

Cerimonialista: Não tem problemas. Sendo assim não precisaremos fazer


uma enorme reforma. Podemos começar fazendo um corte de 30% e retirar as
velharias.

Primeira Dama: Bem pensado!

Cerimonialista: E já que são coisas de igreja, pelo menos vamos dar um fim
digno, na fábrica de velas.

Prefeito: Isso! Na fábrica de velas.

Cerimonialista: Então vamos começar com essas quatro cabeças que já estão
aqui há anos.... Essa orelha infernal, que já não serve para nada. Tire também
essa mão enrugada. E sem dúvidas esse Pé esquerdo, pois eu não gosto de
nada esquerdo. (Música de fundo. Ex-votos queimando. Sino enlouquecido.)

FIM

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